Águas emendadas

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GUAS E ME N DADASSE CRE TARI AD E D E SE N VOLVI ME N TOURBAN OE ME I OAMBI E N TE SE D UMA BRAS LI A D FBRASI L 2008GOVE RN OD OD I STRI TOFE D E RALJos Roberto ArrudaGovernador do Distrito FederalPaulo Octvio Alves PereiraVice-Governador do Distrito FederalSE CRE TARI AD E D E SE N VOLVI ME N TOURBAN O E ME I OAMBI E N TECassio TaniguchiSecretrio de Desenvolvimento Urbano e Meio AmbienteDanilo Pereira AuclioSecretrio-Adjunto de Desenvolvimento Urbano e Meio AmbienteDuntalmo Dias Teixeira ErvilhaSubsecretrio de Meio AmbienteGustavo Souto Maior SalgadoPresidente do Instituto do Meio Ambiente e dos Recursos Hdricos do Distrito FederalPRODUOSecretaria de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente Seduma INSTITUIES COM AUTORES PARTICIPANTESGoverno do Distrito FederalCmara Legislativa do Distrito FederalCompanhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal CaesbSecretaria de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente SedumaSecretaria de Estado de Agricultura, Pecuria e AbastecimentoEmpresa de Assistncia Tcnica e Extenso Rural EmaterGoverno FederalAgncia Nacional de guas AnaCompanhia de Pesquisa de Recursos Minerais CPRMEmpresa Brasileira de Pesquisa Agropecuria EmbrapaInstituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovveis IbamaInstituto Brasileiro de Geograa e Estatstica IBGEInstituto Nacional de Pesquisa da Amaznia InpaInstituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional IphanMinistrio Pblico do Distrito Federal e Territrios MPDFTUniversidadesCentro Universitrio de Braslia UniceubUniversidade de Braslia UnBUniversidade Catlica de Braslia UCBUniversidade Catlica de Gois UCGUniversidade Federal de Minas Gerais UFMGUniversidad Latinoamericana y del Caribe ULCUniversidad de Tarapac UTAInstituio InternacionalOrganizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a Cultura UnescoOutras InstituiesFundao Pr-Natureza FunaturaFundao SD Sustentabilidade e DesenvolvimentoInstituto Pr-CarnvoroFundo Mundial para a Natureza WWF BrasilGUAS EMENDADASORGANIZADORFernando Oliveira FonsecaEDITORESFernando Oliveira Fonseca, Paulo Csar Magalhes Fonseca e Marta Maria Gomes de OliveiraREVISO TCNICAFernando Oliveira Fonseca, Paulo Csar Magalhes Fonseca, Marta Maria Gomes de Oliveira e Eriel Sinval CardosoREVISO LINGSTICAAndra Ribas Silva de AzevedoTRADUO E REVISO DO INGLSSimone de Souza Tavares e Ana Carenina de Almeida MouraCONCEPO GRFICAAndr Felipe Mrcio MoraesPaulo Csar Magalhes FonsecaIMPRESSOAthalaia Grca e Editora LTDATodos os direitos da obra so reservados Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente. permitida a reproduo, desde que citada a fonte e fornecidos os crditos. Os autores cederam os textos, fotos e imagens graciosamente. Esta obra no tem ns lucrativos e sua distribuio gratuita.A282 guas Emendadas / Distrito Federal. Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente; Fernando Oliveira Fonseca (org.). Braslia: Seduma, 2008.542p. : il. color.Acompanha CD Rom com texto da publicao em portugus e ingls.Inclui bibliograa, glossrio e listagens de espcies da fauna e ora.ISBN 978-85-61054-00-71. Meio Ambiente. 2. Estao Ecolgica Distrito Federal.I. Distrito Federal. Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente.II. Fonseca, Fernando Oliveira. CDU (2.ed.)502.4(817.4) Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente SedumaSCS Quadra 06, Bloco A, lotes 13/14, Edifcio Sede, Braslia-DF. CEP: 70.300-968PATROC N I OA edio deste livro contou com o apoio do Programa de Saneamento Bsico no Distrito Federal, objeto do Contrato de Emprstimo n 1288/OC BR contrado no Banco Interamericano de Desenvolvimento BID.SUMRI OV.2 CLIMA 101V.3 HIDROGRAFIA 110V.4 GEOLOGIA 117V.5 HIDROGEOLOGIA 122V.6 GEOMORFOLOGIA 132V.7 SOLOS 140VEGETAO E FLORA 149VI.1A BOTNICA NO RELATRIO CRULS 149VI.2 FITOFISIONOMIAS E FLORA 152VI.3 VEREDAS 156VI.4 GRAMNEAS 163VI.5 FRUTOS DO CERRADO 168VI.6 FLORA MEDICINAL 174VI.7 MICOBIOTA 178VI.8 MACRFITAS AQUTICAS DA LAGOA BONITA 185VI.9 MICROFLORA DA LAGOA BONITA 187VI.10 ESPCIES INTRODUZIDAS E EXTICAS 190VI.11 REVEGETAO NATURAL DE REAS ANTROPIZADAS 199FAUNA 207VII.1A ZOOLOGIA NO RELATRIO CRULS 207VII.2MAMFEROS 210VII.3 ANFBIOS E RPTEIS 224VII.4 AVIFAUNA 233VII.5 INSETOS 242VII.6 ICTIOFAUNA 253VII.7 FAUNA ASSOCIADA S MACRFITAS 273VII.8 COMUNIDADE BENTNICA 277VII.9 ZOOPLNCTON: FORMAS DE RESISTNCIA NO SEDIMENTO DA LAGOA BONITA 280PREMBULO 11APRESENTAO 13PREFCIO 15INTRODUO 17HISTRICO 21II.1 PRIMRDIOS DA REGIO 21II.2 A CIDADE DE PLANALTINA 25II.3 MISSO CRULS E COMISSO POLLI COELHO 30II.4 CRIAO DA UNIDADE DE CONSERVAO 38II.5 O PRIMEIRO ADMINISTRADOR 41ESTAO ECOLGICA DE GUAS EMENDADAS 45III.1 REAS NATURAIS PROTEGIDAS 45III.2 O SISTEMA DE UNIDADES DE CONSERVAO NO BRASIL 48III.3 ESTAES ECOLGICAS 49III.4 A ESTAO ECOLGICA DE GUAS EMENDADAS 52III.5 VOCAO PARA PESQUISA 55PROGRAMA O HOMEM E A BIOSFERA DA UNESCO 75IV.1 O CONCEITO DE RESERVAS DA BIOSFERA 75IV.2 RESERVAS DA BIOSFERA DO BRASIL 77IV.3 RESERVA DA BIOSFERA DO CERRADO 79IV.4 CONSELHO DA RESERVA DA BIOSFERA DO CERRADO 87IV.5 AVALIAO DA SITUAO DE IMPLANTAO DA RESERVA DA BIOSFERA DO CERRADO 90MEIO FSICO 95V.1 LOCALIZAO DA UNIDADE 95A SINGULARIDADE DO FENMENO GUAS EMENDADAS 283VIII.1 HISTRIA ECOLGICA 283VIII.2 MODELAGEM DO FENMENO 289VIII.3 UMA EXPLICAO BIOGEOGRFICA 294VIII.4 DIMENSO DA SINGULARIDADE 311VIII.5 OUTROS OLHARES 314UTILIZAO DO RECURSO NATURAL GUA 327IX.I O ABASTECIMENTO E GUAS EMENDADAS 327IX.2 CAPTAES DO BREJINHO, CASCARRA E FUMAL 330IX.3 REPERCUSSES AMBIENTAIS DAS CAPTAES 335IX.4 COMPENSAO PELO USO DOS RECURSOS NATURAIS 338IX.5 COBRANA DOS RECURSOS HDRICOS 340GESTO E EDUCAO AMBIENTAL 347X.1 GESTO DA UNIDADE 347X.2 PLANO DE AO EMERGENCIAL 353X.3 INCNDIOS FLORESTAIS 359X.4 EDUCAO AMBIENTAL 366MEIO SOCIOECONMICO E CULTURAL 375XI.1 SOCIOECONOMIA LOCAL 375XI.2ASPECTOS SOCIOCULTURAIS 384ENTORNO DA UNIDADE 391XII.1 TERRITRIOS EM CONFLITO 391XII.2 PARCELAMENTOS URBANOS E RURAIS 396XII.3 OCUPAO AGROPECURIA 403XII.4 ESPAOS DE TURISMO E LAZER 408XII.5 ESTRADAS PERIMETRAIS 414XII.6 MINERAO 422XII.7 UTILIZAO DE GUAS SUBTERRNEAS 426XII.8 OUTRAS ATIVIDADES IMPACTANTES 429XII.9 USO E OCUPAO DO SOLO: ANLISE TEMPORAL 433EM BUSCA DA SUSTENTABILIDADE 441XIII.1 HISTRIAS EMENDADAS 441XIII.2 PLANO DIRETOR LOCAL PDL DE PLANALTINA 443XIII.3 CORREDORES ECOLGICOS 448XIII.4 REFGIO DE VIDA SILVESTRE VISCONDE DE PORTO SEGURO 453XIII.5 PLANO DE MANEJO 459XIII.6 A QUESTO FUNDIRIA 462XIII.7 DISCIPLINA JURDICA DOS ESPAOS ESPECIALMENTE PROTEGIDOS 470XIII.8 INSTRUMENTOS DE CONTROLE AMBIENTAL 485XIII.9 ESTRATGIAS DE SUSTENTABILIDADE 499CARTA PARA GUAS EMENDADAS 511REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS 515CRDITOS 537Exemplar de Buriti (Mauritia exuosa) no interior da Lagoa Bonita. Foto: Haroldo Palo Jr.Ao Professor Lucdio Guimares Albuquerque,Ativo participante da criao de guas Emendadas, notvel estudiosodo meio ambiente do Distrito Federal, referncia tica para todosns, servidores pblicos, pesquisadores e ambientalistas.Cerrado e Vereda. Foto: Carlos Terrana.PRE MBULODeste planalto central, desta solido que em breve se transformar em crebro das altas decises nacio-nais, lano os olhos mais uma vez sobre o amanh do meu pas e antevejo esta alvorada com f inquebrantvel e uma conana sem limites no seu grande destino.Presidente Juscelino Kubitschek, em 2 de outubro de 1956Inscritanocoraodosbrasileirosdesdeosprimrdiosdanossacivilizao,atransfernciada capital federal para o interior esteve prevista em todas as Constituies brasileiras. Na verdade, a idia remonta ao Marqus de Pombal, em meados do sculo XVIII, foi acalentada pelos incondentes mi-neiros, em 1789, e, enm, inteiramente abraada por Jos Bonifcio de Andrada e Silva o Patriarca da Independncia , que pela primeira vez cunhou o nome Braslia e por cuja iniciativa acabou sendo aberto o caminho para torn-la possvel, no texto da Constituio de 1824, outorgada por D.Pedro I. A Constituio de 1891 acolheu o projeto da transferncia em seu texto, o que foi raticado pela Constituio de 1934 e, a seguir, pela Carta de 1946.Como se v, por longos 200 anos o sonho no passou disso apenas um sonho, que freqentava os devaneios de grupos isolados de brasileiros. E no passou da condio de sonho exatamente por isso: era alimentado por poucos, no era sonho sonhado por muitos.Entraemcena,ento,JuscelinoKubitschekdeOliveira.Eleitopresidente,oestadistaconsegue contagiar todos os brasileiros com o entusiasmo que era sua caracterstica, consegue despertar em cada cidadoaconanaemsiprprioenacapacidadedoPasdesuperarasamarrasdosubdesenvolvi-mento, do destino de uma nao agrria presa a padres de comportamento social e poltico da poca colonial. O Brasil passa a sonhar junto o que possibilita a emergncia dos anos dourados, em que a criatividade, inteligncia e capacidade de trabalho aoram com vigor em todas as reas.Os 50 anos em 5 transformam-se rapidamente em realidade e a meta-sntese desse perodo de extraordinrio progresso a construo de Braslia.O Brasil de hoje o testemunho maior do sucesso da poltica de interiorizao do desenvolvimento encetada por Juscelino. No seria exagero armar que JK foi o redescobridor do Brasil, o responsvel pela monumental transformao que o Pas sofreu a partir de ento.Rememorar fatos histricos como esses exerccio indispensvel para quem pensa o futuro e deseja construir uma sociedade mais humana, estvel e fraterna. Porque a Histria o farol que ilumina as aes do presente com vistas edicao de um futuro melhor, com bases slidas, aproveitando-se a experincia passada para que os erros cometidos e s os comete quem trabalha no se repitam.Nossa gerao tem a responsabilidade de manter acesa a chama que aqueceu os sonhos de nossos antepassados e que tornou possvel a existncia de Braslia.No por acaso, a Capital repousa sobre uma regio que abriga a nascente de trs das maiores ba-cias hidrogrcas do continente a Amaznica, a do So Francisco e a do Paran. aqui, em guas Emendadas, onde nascem os rios que, correndo em direes opostas, levam gua subsistncia, por-tanto para todo o territrio nacional, quais artrias que, num corpo orgnico, o alimentam em seu conjunto.Num momento em que a Humanidade se depara com o desao da preservao dos recursos hdri-cos, dramtico em face do processo de deserticao que ocorre em vrias regies do mundo e tambm em nosso Pas, Braslia pode cumprir papel emblemtico nessa tarefa: ser, efetivamente, o crebro das decises nacionais que possam contribuir para que a profecia de JK se cumpra e o Brasil alcance o des-tino de grandeza que nosso maior presidente previu.Jos Roberto Arruda Governador do Distrito Federal12Lagoa Bonita. Foto: Haroldo Palo Jr.13APRE SE N TAOOlanamentodestaedioconsolidaoprojetoeditorial daSecretariadeDesenvolvimentoUrbanoeMeioAmbiente do Distrito Federal Seduma, iniciado em 2001, com a pu-blicaodolivroOlharesSobreoLagoParano,eseguido pelo volume Apa de Cafuringa a ltima fronteira natural do DF, editado em 2006.H,noentanto,umaespecicidadenaversoemCD dopresentevolume,ausentenosdemais:destavez,osescri-tosestoexpressosemportuguseemingls,suprindoum desejodeampliaodalinguagemparaalcanarmosleitores que no dominam nossa lngua. Realmente, a exuberncia de guasEmendadasnopoderiacarrestritaans,brasilien-ses, ou mesmo a ns, brasileiros. A dimenso desta espetacular Unidade de Conservao, cujas guas atingem, ainda que sin-gelamente,distnciascontinentais,justicacompletamentea iniciativa. tambm prazeroso reconhecer que todas as publicaes dasrietmalcanadoseusobjetivos,percebidosparticular-mente por meio da exaustiva utilizao das edies nos meios acadmicos e estudantis, assim como entre aqueles tcnicos en-volvidos com o planejamento da cidade e com a elaborao dos estudosambientaisquefundamentamoslicenciamentosdos usos e atividades que se estabelecem no Distrito Federal.Por outro lado, esperamos redimensionar nossa qualidade degestodaEstaoEcolgicadeguasEmendadasapar-tir desta edio. De fato, importantes iniciativas no campo da sustentabilidade esto propostas no corpo da publicao e ser-viro como referncias a serem perseguidas, alm do envolvi-mento de relevantes parceiros como a comunidade acadmica, MinistrioPblicoemoradoresdoentornodaUnidadeque auxiliaro a Secretaria nessa inadivel tarefa.No bastassem essas evidncias de carter utilitarista, des-taque-se que caracterizam a presente e as demais edies o bom gosto e a beleza plstica do projeto grco que encantam aque-les que as consultam.Reiteramos,portanto,oprazerdeapresentarestapubli-cao,aotempoemqueexpressamosnossaadmiraoaos editoreseatodosaquelesqueparticiparamdestetrabalhoe abrilhantaram a edio. Cassio Taniguchi Secretrio de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente do Distrito Federal Vista area da Vereda Grande. Foto: Rui Faquini.15 GUASE ME N DADASPRE FCI Oguas Emendadas: sustentabilidade e conhecimentoA Estao Ecolgica de guas Emendadas uma unidade de conser-vao diretamente relacionada com a gua, em funo do fenmeno que originou a sua criao.As guas que ali brotam, numa vereda de seis quilmetros de exten-so,corrememduasdireesopostas:paraonorte,oCrregoVereda Grande desgua no Rio Maranho, auente do Rio Tocantins, que ruma atBelmdoPar.Nessepercurso,essasguasbanhamoDistritoFe-deraleosestadosdeGois, Tocantins,MaranhoePar.JoCrrego do Brejinho toma o rumo do sul, desaguando nos rios So Bartolomeu, Corumb e Paranaba, cujas guas desembocam no Rio Paran e na Bacia do Rio Prata. Elas banham, alm do Distrito Federal, os estados de Goi-s, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, So Paulo e Paran, alm de nos-sos pases vizinhos Paraguai, Argentina e Uruguai. Essas guas percorrem mais de 5.000km para o norte e para o sul e so um elo de unidade do Brasil com a Amrica do Sul. A unidade latino-americana se faz tambm por meio das guas. A Bacia Platina um smbolo dessa integrao po-tencial, o que lhe confere dimenso transfronteiria e global.Com rea de 10.547,21 hectares, a Estao Ecolgica vem sendo objeto de vrias pesquisas cientcas, resultando num rico acervo de conhecimen-tos sobre o cerrado brasileiro na regio do Distrito Federal. Aos estudos j concludos somam-se dezenas de pesquisas em andamento por parte de estu-dantes de graduao, especializao, mestrado e doutorado, principalmente dasuniversidadesdoDistritoFederal.Essesestudosresultamnoaprofun-damento do conhecimento sobre o meio ambiente ao abordarem mltiplas temticas,taiscomoaqualidadedaguanaveredadalagoa,adensidade de razes e a inltrao de gua no solo, a dieta do lobo guar, a migrao e reproduo de passariformes, a capivara, as plantas medicinais do cerrado.A Estao Ecolgica sofre os impactos da ocupao e uso do solo do seu entorno. Ressaltam-se, entre eles, a presso demogrca nos condo-mniosvizinhos,queaumentamoriscodeincndios;ousodeagrot-xicos nas fazendas e a morte de aves; a caa dos animais silvestres, entre eles as capivaras abatidas ao sarem para comer os brotos de soja fora da Estao Ecolgica; a invaso da rea protegida pelo gado da vizinhana; a pesca de tucunars na Lagoa Bonita.A ocupao e uso do solo do entorno precisam ser gerenciados com muito cuidado para no se agravarem as presses e impactos sobre a Es-tao. Ateno especial merece o controle do adensamento populacional, que poderia agravar tais impactos decorrentes do aumento do nmero de cisternas, fossas, bem como dos despejos oriundos da criao de sunos e de outros animais. A Agncia Nacional de guas Ana cumpre a misso institucional deimplementarapolticanacionalderecursoshdricospormeiodos diversos instrumentos de gesto das guas proporcionados pela legislao brasileira. Nessa misso, tem trabalhado para proteger as cabeceiras e os mananciais, nos quais, a exemplo da vereda de guas Emendadas, bro-tam as guas que abastecem as vrias regies hidrogrcas brasileiras.A gesto integrada das guas depende, cada vez mais, da sensibiliza-o social e de conhecimentos tcnicos e cientcos de boa qualidade. O livro cumpre esse papel, ao reunir um acervo de conhecimentos valiosos para a educao ambiental sobre as questes hdricas e ecolgicas dessa regio. Ele aborda um leque amplo de temas sobre a histria e o contexto daReservadaBiosferadoCerrado,bemcomodoentornodaEstao Ecolgica de guas Emendadas; descreve as caractersticas fsicas da ora edafauna,omeiosocioeconmicoeculturaleousodosrecursosna-turais; reala a singularidade do fenmeno das guas emendadas; alerta sobre as questes fundirias. Alm disso, o livro prope aes de gesto edeeducaoambientalembuscadasustentabilidadeeapresentaum glossrio e bibliograa esclarecedores., portanto, com grande satisfao que fao o prefcio deste livro de importnciainestimveleparabenizoaSecretariadeDesenvolvimento Urbano e Meio Ambiente do Distrito Federal pela sua publicao.Jos Machado Diretor-Presidente Agncia Nacional de guas16Lagoa Bonita. Foto: Haroldo Palo Jr.17I I N TROD UOQuando decidimos publicar um livro sobre guas Emendadas, recebi de diversos servidores da ento Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hdricos do DF manifestaes de concordncia e de entusiasmo. Notei tambm uma ausncia: Sr. Miguel Gonalves. Servidor desde os primeiros tempos da cria-o da Unidade de Conservao, conhecedor da alma de guas Emendadas, no se encontrava na Secretaria. Localizei-o em outro rgo do GDF e, ime-diatamente, consegui seu retorno para a Estao Ecolgica.Quando comuniquei ao Sr. Miguel nossa inteno de editar um livro a respeito de guas Emendada, ele chorou, emocionado. Eu tambm...Contoesteepisdiopararevelarqueestevolume,permeadodeas-pectos histricos, cientcos e de expresses de sensibilidade, foi essencial-mente pautado pela emoo. Confesso que gostei de participar da produ-o da edio. Vejamos as razes.O captulo Histrico inicia-se com uma narrativa dos primrdios da re-gio. Nota-se claramente que o texto reproduz um depoimento do autor. H uma justicativa. Quando encomendamos a contribuio, resolvemos gravar imagens do local onde morava o historiador Paulo Bertran, na regio do Lago Norte, mais precisamente no Memorial das Idades do Brasil. Decidimos tam-bm registrar seu depoimento. Encerrada a gravao, Paulo considerou que o texto encomendado seria baseado na sua fala gravada, e solicitou que envis-semos a ta para que o trabalho fosse facilitado. Passadas algumas semanas, aps diversas tentativas de contato para recolhermos a contribuio, chegou anotcia: Paulohavia falecido! Consternados com a lamentvel ocorrncia, decidimos manter o texto na forma como foi obtido.OartigodoPauloBertransobreosprimrdiosdaregio,em algunsmomentos,chegaaserpotico.Provavelmentefoiseu derradeiro texto produzido. Bonita a contribuio...Osescritosseguintesquecompemocaptulorevelamdenitiva-mente a importncia histrica da regio at mesmo no contexto nacional. Os relatos sobre as origens de Planaltina, as passagens da Misso Cruls e da Comisso Polli Coelho pela cidade, as negociaes e os detalhes sobre acriaodeguasEmendadas,eaguraemblemticadoprimeiroad-ministradordaUnidadedeConservao,Sr.JorgePelles,oferecemum interessante quadro que permite a compreenso da existncia da Estao por meio do o da histria.AdescriodoViscondedePortoSeguro,nosidosde1887, identicandonascentesdetrsgrandesbaciashidrogrcas brasileirasnaregiodePlanaltina,distantesentresiamenos deumtirodefuzil,utilizadapeloSenadorMullerpara fundamentar o art. 3o da Constituio de 1893, que determinou amudanadaCapitaldoPasparaoCentro-Oeste,mostraa importncia histrica da regio de guas Emendadas.18 GUASE ME N DADASI N TROD UOO captulo III, Estao Ecolgica de guas Emendadas, discorre sobre as reas naturais protegidas em geral, destaca as especicidades das estaes ecolgicas e mostra a riqueza das pesquisas realizadas em guas Emendadas, comprovando que a Unidade cumpre de maneira inquestionvel um dos ob-jetivos que justicaram sua criao: a vocao para pesquisas. A quantidade, diversidade e a qualidade dos estudos ali realizados atestam a assertiva.Conhecieaprendiaadmirarospesquisadoresqueescolheram aEstaopararealizarseusestudos.Ouvirelatosmuito interessantessobreasatividadesporelesdesenvolvidas.Muitos dedicamtodaumavidaparaestudarumanicaespcieda faunaoudaflora.Estouconvencidodequeelessomesmo diferenciados, s vezes at inusitados...Exatamente por conta dos atributos naturais de guas Emendadas, pelasuavocaoparapesquisaseemdecorrnciadesuaextraordinria importncia ambiental que a Estao foi includa como rea-ncleo da Reserva da Biosfera do Cerrado Fase I. O captulo IV, Programa O HomemeaBiosfera,daUnesco,esclareceaimportnciadessasreas protegidas e avalia o desenvolvimento das aes dos diversos atores en-volvidos com a sua gesto.ApesardetodososesforosaplicadosnagestodaReservada Biosfera do Cerrado Fase I, parece que o Estado e a populao do DFaindanoperceberamaimportnciadessasreasprotegidas. evidentequeocomentriovaletambmparaocasodeguas Emendadas, rea-ncleo da Reserva.OcaptuloV,quetratadotemaMeioFsico,iniciaaseqncia decaptulosquedetalhaosrecursosnaturaisdaEstaoabordadosna edio. Aqui cabem esclarecimentos sobre o fenmeno guas emendadas, que corresponde a uma situao hidrogeolgica nica e contnua de sur-gncias que, no caso da Estao, drenam em direes opostas, integrando duas grandes bacias hidrogrcas brasileiras: Tocantins/Araguaia e Para-n.Fiqueclaro,portanto,quenohnointeriordaEstaonascentes que venham a compor uma terceira grande bacia. No entanto, prximo aguasEmendadasexistemsurgnciasqueformamoCrregoGoela, que contribui para a formao do Ribeiro Santa Rita, que por sua vez auente do Rio Preto, integrante da grande Bacia do Rio So Francisco.SeosargumentosdoViscondedePortoSegurotivessemsido consideradosnosestudoselaborados,dezenasdeanosdepois, sobacoordenaodobilogoEzequiasPauloHeringer,que originaramacriaodeguasEmendadas,provavelmenteas nascentes prximas do que hoje a Estao, integrantes da Bacia doRioSoFrancisco,seriamincludasnareadaUnidade. Pena que isto no tenha ocorrido...O fenmeno guas emendadas apresenta tambm um belssimo com-ponente. Trata-sedagrandeveredaformadaporduasleirasdeburitis com cerca de seis quilmetros de extenso. Vista do alto e em perspecti-va, resulta a imagem provavelmente mais representativa da Estao.OcaptuloVI,VegetaoeFlora,recuperaasprimeirasdescries publicadas no relatrio da Misso Cruls sobre o tema, e descreve as diversas tosionomias e a ora associada, incluindo as gramneas, ora medicinal, micobiota (fungos) relacionada com a vegetao, e as macrtas e microora da Lagoa Bonita. Tambm so discutidas as espcies exticas e as alternativas de revegetao de reas antropizadas da Estao.Destaco um trecho de Grande Serto: Veredas, de Joo Guimares Rosa:...Dalongeemlonge,osbrejosvovirandorios.Buritizal vem com eles buriti se segue, segue.... Penso que, se o autor tivesse conhecidoagrandeveredadeguasEmendadas,teriacado embevecido e dedicaria mais alguns pargrafos sua obra prima.Completa a abordagem sobre a biota da Estao o captulo VII, Fau-na. No se trata de declarao de preferncia, mas reconheo que o captulo est muito interessante e ricamente ilustrado em todos os itens que o com-pem. Os mamferos, a herpetofauna, as aves, os insetos, e a fauna relacio-nada com a Lagoa Bonita e com os crregos Vereda Grande e Brejinho esto descritosemdetalhesporpesquisadoresqueestudamguasEmendadase mostram tambm os riscos a que as diversas espcies esto sujeitas. De fato, os captulos referentes biota demonstram exaustivamente a fantstica bio-diversidade presente na Estao.ForamidenticadasdiversasespciesdafaunadoCerrado ameaadas de extino que esto preservadas em guas Emendadas. No h dvida, portanto, que a Estao, tambm sob esse aspecto, cumpre com seus objetivos. Reconheo, no entanto, que o lobo-guar aespciequetemmaisempatiacomaUnidade.Apropsito, quandoClo,provavelmentealobamaisestudadadaespcieem guasEmendadas,morreuatropeladanarodoviaquelimitaa Estao, houve verdadeira comoo...Em face da relevncia do fenmeno que resultou na prpria denomina-o da Estao, foi concebido o captulo VIII, A Singularidade do Fenme-no guas Emendadas. A explicao desse fabuloso acidente hidrogeolgico exigiu diversas interpretaes. Assim, o captulo inicia-se com a histria eco-lgica da regio, recuperada por meio de anlise palinolgica, que remon-ta 26.000 anos, dividida em fases sucessivas at o tempo presente, e revela variaes da composio da vegetao e infere sobre o comportamento do clima, que teria atuado sobre a rea da ocorrncia. Segue-se uma interpre-tao essencialmente geolgica, amparada por sosticados recursos de ma-nipulao de modelos matemticos, fartamente ilustrada, que permite uma compreenso convincente das origens das surgncias, assim como da forma como se apresentam as drenagens superciais. Integra ainda as explicaes cientcas uma anlise biogeogrca que se baseia na identicao e no com-portamentodeespciesdepeixesnosdoisbraosantpodasdofenmeno guasemendadas,paraconstatarquehefetivamentecontinuidadeentre asbaciashidrogrcasdo Tocantins/Araguaia(CrregoVeredaGrande)e Paran (Crrego Brejinho). Por m, uma sntese das evidncias fsicas e das dimenses do fenmeno enfatiza a singularidade da ocorrncia.19 GUASE ME N DADASI N TROD UOEntretanto, quando da feitura do captulo VIII, surgiram outras mani-festaes no cobertas totalmente pela perspectiva cientca. Julgou-se ento adequado permitir outras expresses, razo pela qual h uma co ldica contando a histria da Estao, um registro da mobilizao da comunidade ocorridanosanosnoventa,autodenominadapeloneologismoArtivistas, seguida de uma argumentao de que a gua carrega consigo uma mensa-gem, que, no caso de guas Emendadas, viajaria por mais de 5.000 quil-metros at encontrar o Oceano Atlntico, atingindo, assim, todo o planeta Terra. Interessantes as contribuies.Houveummomentoemqueumdospesquisadoresargumentou queestavaencontrandoevidnciasdequeassurgnciasdeguas Emendadas no eram mais contnuas. Os dias seguintes foram tensos diante da hiptese colocada. Posteriormente, o mesmo pesquisador reconheceuqueofenmenopersiste.Felizmente.Entretanto,no perodo seco, constata-se que no h a mesma abundncia de gua como visto no passado, situao que pode estar provocando alguma descontinuidade supercial momentaneamente. Independentemente da conrmao desse comportamento, urgente a implantao de aespreservacionistasnoentornodaEstao,paraassegurarmos acontinuidadedofenmenopermanentemente.Eletemenorme importncia ambiental e bonito demais para sofrer essa violncia e no encontrar socorro...NobastassemtodososatributosnaturaisdeguasEmendadas,que representam uma ddiva para todos ns, consta que, em determinado pero-do, as regies administrativas de Sobradinho e Planaltina passaram por srias diculdades de abastecimento de gua, situao que motivou a implantao decaptaesnointeriordaEstao.Dessaforma,aUnidadesocorreude formaextremamenteutilitaristaasnecessidadesdapopulao.Ocaptulo IX, Utilizao do Recurso Natural gua, relata esses acontecimentos e re-gistra suas repercusses sobre guas Emendadas.ApopulaodoentornodaEstaoassimcomoaCompanhiade SaneamentoAmbientaldoDFCaesbdeveriamseperguntar diariamentesobreoquefazerparaajudarpreservaodeguas Emendadas. Diante de tantos usos, tudo o que zerem ser pouco...Embora tenhamos freqentes demonstraes de apreo pela Estao porpartedocorpodeservidoresquetrabalhaemguasEmendadas, admito que lamentavelmente isso no suciente. Cabe, portanto, uma autocrtica.Ns,gestoresdaEstao,devemosiniciarummovimento denitivo de melhoria da gesto que resulte em eccia em todas as ini-ciativas que venham a ser implantadas. O captulo X, Gesto e Educa-oAmbiental,destacaasiniciativasdagestoquederamresultados positivos e aponta as necessidades que certamente sero referncia para o salto de qualidade que queremos alcanar.O trabalho de educao ambiental desenvolvido pelas educadoras MunaeIzabelnoentornodaEstaopareceumsacerdcio.So anos a o dedicados a esse m.Os dois captulos que se seguem, o XI, Meio Socioeconmico e Cul-tural,eoXII,EntornodaUnidade,sodescriesdoscostumesedos usos que ocorrem no entorno da Estao, explicados de maneira detalhada e sempre indicando suas conseqncias sobre guas Emendadas. Eles repre-sentampassospreparatriosparaoscaptulosqueconcluemaedio.Por isso, revestem-se de grande importncia para a construo das estratgias de sustentabilidade.Aanlisetemporalpormeiodeimagensdesatlitesmostrandoa evoluo dos usos estranhos Estao no seu entorno preocupante. Semdvida,algumasatividadesdevemserproibidaseoutras adaptadas e orientadas pela presena de uma unidade de conservao deproteointegral.Qualquerquesejaocaso,convminsistire intensicarasaesrelacionadascomaeducaoambientalno entorno da Estao.O captulo XIII, Em Busca da Sustentabilidade, compe-se de contri-buies pautadas pelo conceito de sustentabilidade. Um pequeno texto serve dealertaeabreocaptulo,mostrandoumexemplodeinsustentabilidade que inviabilizou a existncia de toda uma cidade. Seguem-se artigos que se referemaoPlanoDiretordePlanaltina;aoestabelecimentodecorredores ecolgicos; criao de uma unidade de conservao para proteger as nas-centesdoSoFranciscoprximasdeguasEmendadas,toimportantes historicamente;especicaodeumPlanodeManejoparaaEstao;e um diagnstico acompanhado de sugesto de encaminhamento para escla-recimento denitivo das pendncias fundirias. Concluem o captulo textos no campo tcnico-ambiental e na esfera jurdica, que, nalmente, fornecem a base para a elaborao de um conjunto de estratgias de sustentabilidade para guas Emendadas.Cumpridososregistroshistricos,demonstradosseusatributosnatu-rais, especicadas as experincias de gesto, identicados os usos do entor-noesuasrepercussesnareaprotegida,eindicadasasestratgiasparaa sustentabilidade da Estao, encerra a edio o captulo Carta para guas Emendadas.Concluoestaintroduomanifestandominhaconvicode que a leitura deste livro imprescindvel para a Estao Ecolgica e convido-os a descobrir em sua esfera de atuao como utilizar as orientaes presentes nesta agenda, para transform-la em movimento pela preservao de guas Emendadas.Fernando Oliveira FonsecaOrganizadorCasaro em Planaltina. Foto: Carlos Terrana.21 GUASE ME N DADASI I Estamos aqui em Braslia, no Memorial das Idades do Brasil, beira do Lago Parano, num ambiente geolgico que aquilo que existe debaixo das guas Emendadas. Essas rochas, de tanto em tanto, deixam passar as chuvas que vo criar as nossas guas subterrneas.A idade delas estimada em um bilho e trezentos milhes de anos ecorresponderamaumaespciedemarinterno,comooMarCspio, por exemplo, que ia do Distrito Federal at a Chapada dos Veadeiros, e delaindaquelaregiodaSerradaMesa.Essegrupogeolgico,pela sua tipicidade, s existe na nossa regio, e chamado Grupo Geolgico Parano, em homenagem a esta regio, em cuja maior parte essas rochas se encontram visveis.Existeoutroelementoaquipresente,assimcomoemguasEmenda-das, tambm extremamente antigo, que a vegetao do Cerrado. Alguns estudiososachamqueoCerradocomeouh45milhesdeanose,por-tanto, hoje nas Amricas, na Amrica do Sul, o mais antigo. Na Amrica do Norte ele confronta com as Conferas do Canad, que so mais antigas, bem mais antigas do que o Cerrado. De qualquer maneira, ns temos uma vegetao muito antiga, muito frgil nesses termos, que s pode ser batida por um ecossistema exgeno e com isso modicar todas as antigas relaes naturais da regio. por isso que eu acho, eu acho mesmo, que tem que existir algumas reas intangveis, onde a presena humana seja mnima, para que pelo me-nos nesses pontos possa manter as relaes que o Cerrado tm dentro de si, de complexidades que nem foram estudadas direito ainda como organismo vivo. Por que as partes dele se soldam organicamente, como que que isso funciona como um ente? A eu me lembro muito da denominao que os antigos davam para o Cerrado. O famoso Von Martius falava em Campos Gerais, esses Campos Gerais eram o Cerrado. Por qu? Porque o Cerrado uma orquestrao de paisagens da na-tureza e nisso que reside a sua beleza. Porque tem um cerrado ralo, uma vereda de buritis, uma mata ciliar... Quer dizer, voc tem ali a apreciao pela fauna, de cada um desses microambientes. E nesse momento que a fauna se adequa na explorao sensitiva dessas variaes de paisagens que implicamvariaesarbustivas,portanto,tambmvariaesdoteorde alimentao de cada um desses elementos dos Campos Gerais do Brasil... Hoje reduziram o nome apenas a Cerrado, o que explica mal o aconteci-mento paisagstico dos Campos Gerais.H I STRI COI I . 1PRI MRD I OS DARE GI OPaulo Bertran Ns temos em guas Emendadas um complexo extraordinrio de pe-quenosbonsaisnaturais,todoselesvariandoconformeaemergnciado aqfero. E aqui, neste ponto, por uma questo de declividade, umas guas corremparaonorteeoutrascorremparaosul.Euachoquesodoisos aquferos conhecidos com essas caractersticas: o nosso aqui de guas Emen-dadas e um outro j encostando com o Rio Araguaia, no sudoeste de Gois, que se chama tambm guas Emendadas, que ningum conhece e que une tambm as guas de um rio amaznico com um rio platino.Passando da idade da vegetao para a idade do homem, ningum sabe exatamentequandoelechegouaoPlanaltoCentralBrasiliense.Algumas pesquisas j indicam dataes de oito mil anos, mas, pelo que eu percebo, emtermoscomparativoscomoutrosstiosdoPas,naregiodeFormosa tivemos essa ocupao h uns dez ou quinze mil anos, pelo estilo das pintu-ras e outras caractersticas. Esse homem residiu principalmente nas paragens baixasdaregio,eoslugaresquemaisreuniamestascondies,aquinas proximidades, eram aqueles abaixo de mil metros. Naquela poca, a idade do gelo o pleistoceno ainda agia fortemente em cima do Distrito Federal. Ns teramos aqui, quando chegou o homem, talvez 10 graus de tempera-turaamenosdoquehoje,eaquelendioprocuravaseprotegeremlocais quetivessemmuitaguaequefossembaixos,lugaresde500metros,de 600 metros, que tivessem Mata e Cerrado prximos, porque cada ambiente desses fornece um tipo de alimento. Eram procurados tambm os banhados por buritis que forneciam as telhas.Ento, esse homem deve ter se adaptado muito bem. So os homens que pintaram as vinte e duas cavernas da regio de Lapa da Pedra, perto de Formosa... Eu acho que esse homem o que povoou o Distrito Fede-ral, essas regies de Braslia, e principalmente essa regio do Rio Preto. Deviamsercamposmuitoricosemcaa.ODistritoFederaltemuma quantidade extraordinria dos chamados Campos Gerais e de vegetao aberta. por isso que o nome antigo do Distrito Federal, nas sesmarias do sculo XVIII, aparece como Campo Aberto, porque j era um serto depequenasrvores,pequenoscapesdemato,tudoaberto;portanto, camposabertos.Essehomemassistiuchegadadacolonizao,eolha que, aqui no Distrito Federal, o homem pr-histrico muito antigo ali no Ribeiro Belchior, entre Taguatinga e Samambaia, os arquelogos descobriram um acampamento de caa com oito mil anos de idade! Quer dizer, o homem est no Distrito Federal h muitos e incontveis anos e, 22 GUASE ME N DADASI I . 1PRI MRD I OSDARE GI Odurante este perodo, antes da chegada do colonizador, ele sobreviveu ex-clusivamente dos frutos do Cerrado, que uma das vegetaes mais ricas que j ouvi dizer, principalmente em espcies medicinais. Esse conheci-mento, infelizmente, est se extinguindo rapidamente. uma pena, mas porissotambmbomqueexistamlugarescomoguasEmendadas, que poder no futuro fornecer ervas e tipos de folhas e muito mais para estudo cientco.Umbelodia,chegaramosbandeirantesaquinestaregio.Chegaram muito mais cedo do que ns pensamos. J havia bandeiras rondando pelo Planalto l por volta de 1590 uma das datas mais antigas de que existe relato, e essa nossa regio de guas Emendadas, de Planaltina, do Pipiripau, sem dvida, foi percorrida pela primeira fase do bandeirismo, que era um bandeirismodenavegao.Osbandeirantesprecisavamseorientarmuito O Historiador Paulo Bertran, no Memorial das Idades do Brasil, observando reprodues das inscries rupestres da regio do Planalto Central. Foto: Andr Felipe.bem pelos sistemas hidrogrcos e nessa regio voc tinha o embicamento de trs bacias uviais navegveis para canoas pequenas.Eram expedies quase indgenas. Eu at imagino que esses bandeiran-tes vivessem nus, porque voc se afogaria numa cachoeira e h centenas de-las a, a partir desse ponto aqui das guas Emendadas com aquela couraa toda, eu acho que no durava muito tempo no. Ia com o lastro de ferro para dentro das guas. Travaram contato aqui na regio com vrias tribos indge-nas, todas elas j extintas. Por muita doena que havia no contato entre essas duasraasdiferentes,osndiosmorriam;60%eradizimadanoprimeiro contato,fosseessecontatobeligeranteouno,e,nonal,ospoucosque sobraram se miscigenaram com os brancos. Ento isso, os goianos tm um jeito de ndio, muita gente tem sionomia de ndio...Houve tambm naquela poca um atrativo enorme das minas de Gois 23 GUASE ME N DADASI I . 1PRI MRD I OSDARE GI OedeMatoGrosso,eningumsabiamaisquantodeouroquetinhana-quele momento. Minas Gerais estava quase fraquejando, e logo em seguida se abrem dois enormes depsitos aurferos: um em Gois, outro em Mato Grosso. A regio comeou a ser percorrida por diversas bandeiras que desco-briram muito ouro. Inclusive aqui, uma das mais belas regies do Distrito Federal, a Cafu-ringa, rea de proteo ambiental, foi minerao de ouro no sculo dezoito. Ali perto tinham uns engenhos, umas comunidades antigas... Eu acho que algumas delas tm origem nessa poca, pode at ser. Tudo aquilo do Rio Ma-ranho, so coisas maravilhosas, o povo, um povo muito diferente de tudo a que estamos acostumados a ver, eu acho que vamos encontrar at mesmo mocambos ali. Finalmente, alm da colonizao aurfera em Pirenpolis, Gois Ve-lho,Cuiab,mundovelhodelugares,comearamaassentar-sepessoas emtornodaprimeiratransbrasilianaqueexistiu,queligavaSalvador, Bahia, nossa regio. Atravessava todo o serto do So Francisco, depois o Distrito Federal de leste para oeste, quase todo o Distrito Federal... A Inscries rupestres encontradas na gruta Lapa da Pedra, na regio de Formosa, Gois. Foto: Rui Faquini.entrava em Gois, em direo a Pirenpolis. Essa a nossa estrada colo-nial, que se chamou primeiro estrada do ouro, depois estrada dos currais edepoisestradadosal,paraindicarostrsmaioresprodutoscomque essa regio provia as minas de Gois e do Mato Grosso.Instalou-sealioArraialdeCouros,issojexistiaem1751,que aatualcidadedeFormosa.AestradadentrodoDistritoFederalj vinhadesdemilsetecentosetrintaepoucos,tantoqueem1734teve umbandeirantequeandouaquiedepoisdesceuoRio Tocantins,um sujeitoextraordinrio,quejcitaonomedeSobradinhoedasTrs Barras, que um mistrio delicioso: existe o Crrego Trs Barras dentro do Parque Nacional de Braslia estive l uma ocasio, tem l runas de casasantigaseregos.Alipertinho,dentrodeumareadepreservao do Ibama, existia a famosa Contagem de So Joo das Trs Barras, que era um posto fiscal da colnia e era um lugar que hospedava os viajantes que vinham de Salvador. Ento, todos esses so lugares muito antigos, no entorno deles surgiram diversas Sesmarias no perodo colonial, algumas indicando que havia enge-24 GUASE ME N DADASI I . 1PRI MRD I OSDARE GI Onho, que havia trigo. Existe um lugar que eu no sei onde ca atualmente, quesechamavaRanchodo Trigo,masparaesseladodePlanaltina,de guas Emendadas. um mistrio, ningum sabe dizer, mas houve trigo. Planaltina...eu no sei armar exatamente o ano de surgimento dela, mas comeou com uma pessoa cuja prosso era muito especial... Parece que ele chegou a vindo do serto da Bahia e, chegando a Planaltina, na-quelas imediaes, achou muito complicada a vida de garimpo do Gois realmenteeraumambientedemuitoassassinato,terrvel,garimpo terrvel.Eledesistiu.Nessetempoparecequehaviaumanecessidade muito grande de prossionais que soubessem fazer e manejar armas, por-queestavamentrandoaquimuitosportugueses,comacolonizaode Pirenpolis e Niquelndia. Eram portugueses que em Portugal trabalha-vam de cabo de enxada, nas vinhas e nunca souberam usar uma espada Artefatos pr-histricos: pedra lascada e polida, peas de cermica expostas no Memorial das Idades do Brasil. Foto: Mrcio Moraes.ouumaarma. Tinhamsertesqueerambrutos,nopelohomem,mas pelas feras, e aqueles trabucos de antigamente, complicadssimos de ar-mar, no podiam nem ver gua que o tiro fracassava. EntoseinstaloualioMestredArmas,queeraoprofessordeum bandodegentequechegouenosabiadartirosenoconheciaasas-perezas do serto brasileiro. No se sabe o nome dele, no se sabe exata-mente quando chegou... Deve ter atuado tambm como consertador de armas,porqueasarmasdosculodezoitoeramdepssimaqualidade, todas carregadas pela boca, num sistema de engatilhamento frgil. E esse homem fundou Planaltina e, como todo ser humano eu acho que at os bichos so gregrios , ns gostamos de andar em grupos, ns vemos quenoentornodacasadeleforamsurgindooutraspessoasedevagar, pouco a pouco, uma cidade foi nascendo: muito bonita, Planaltina. 25 GUASE ME N DADASEm1722,BartolomeuBuenodaSilvaFilhoatravessouGois,em durasepenosaslidas,passagemdequeumdeseusauxiliares,JosPei-xoto da Silva Braga, deixou detalhado roteiro. Por meio de observaes eanlises,caramregistrosclaros,quedemonstramoreconhecimento do Planalto Central, com notas de identicao do Rio So Bartolomeu, Lagoa Bonita, Lagoa Feia, Riacho Pipiripau, nascentes dos grandes rios e divisor de bacias. Notas asseguram a estada de Anhangera nas proxi-midades de Planaltina, antes Stio, Distrito e Vila de Mestre dArmas, na sua travessia at o gro Par.Oinciodeocupaodaregiosedcomasprimeirassesmarias,em 1741, pertencentes a Manoel de Barros, sendo uma beirando o Rio Mara-nho e a outra na direo ao Pipiripau, ao norte do que hoje o territrio do Distrito Federal.Em1745,EstevamOrdonhodeSepedatambmagraciadocoma sesmaria mais ao sul da regio que hoje Planaltina, beira do Rio So Bar-tolomeu, nas proximidades da atual estrada Distrito Federal Una (MG).O povoamento da regio, entretanto, se d no incio da dcada de 1770 com a queda da minerao e, por conseqncia, a evaso dos mineiros para localidadesqueofereciammelhorescondiesdevidaesubsistncia.Mas nos idos de 1780 que teria ocorrido a instalao do ferreiro, de cognome Mestre dArmas, na rea de Planaltina, estabelecendo a a sua ocina de con-serto de armas, de funilagem, alm da hospedagem de viajantes.I I . 2ACI DAD E D E PLAN ALTI N AMrio Csar Sousa Castro O ponto escolhido pelo ferreiro para instalao de sua ocina cava a meiocaminhodedoisgrandescontingenteshumanos:ArraialdeCouros (atual Formosa) com mais de seis mil habitantes, e Santa Luzia (atual Luzi-nia), com mais de 13 mil habitantes, entre brancos e escravos.Nessa poca, nos registros de cobranas de impostos, aparecem nomes de moradores do Stio Mestre dArmas. Dentre eles, constam os nomes de Jos Gomes Rabelo, Joo Francisco Antonio e Joo Carvalho da Cunha. O primeiro, com a sua famlia, estabelecido nas proximidades da Lagoa Mestre dArmas, hoje Lagoa Bonita, o que d a notcia de se tratar da famlia dos lagoeiros.Certo tambm que todo o gado e diversas mercadorias que vinham do Vale do So Francisco, Bahia, para abastecimento das minas de Santa Luzia (hojeLuzinia),Niquelndia(nosuldeGois)eMinasGerais,passavam pelo divisor de guas das principais bacias hidrogrcas do Pas, na regio da Lagoa Mestre dArmas. O gado descansava da travessia nas pastagens e campinas s margens da mesma Lagoa Mestre dArmas, hoje integrante da Estao Ecolgica de guas Emendadas.Essesmoradoresantigos,formadoresdopovoadoouarraial,usavam uma agricultura de subsistncia e criao de animais de pequeno porte. As estradas eram trilhas abertas a machado, enxadas e picaretas. Assim como as vias de acesso, o comrcio tambm era precrio. Os centros melhor estabele-cidos eram o Arraial de Couros (Formosa) e Santa Luzia (Luzinia).Vista area de Planaltina, 1970. Foto: Arquivo Pblico do DF. Museu Histrico, 1987. Foto: Arquivo Pblico do DF.26 GUASE ME N DADASI I . 2ACI DAD E D E PLAN ALTI N AIgreja de So Sebastio, 1975. Foto: Arquivo Pblico do DF.As doenas do lugar transformavam-se em verdadeiras tragdias, com o tratamento inexistente e os recursos distantes, o que fez com que o incio do sculo XVIII fosse marcado por uma epidemia de doenas diversas. Com os remdios insucientes, os moradores utilizavam das crendices, benzimentos e da f religiosa.Com o m do perodo mais trgico de doenas, os moradores da regio zeram a doao de meia lgua de terras por honra ao glorioso Mrtir So Sebastio. Com as promessas, as curas, os considerados milagres, zeram o apressamento da construo de um orago e o surgimento de um povoado, denominado Stio de So Sebastio de Mestre dArmas.As razes do povoamento podem ser reunidas em trs motivos prin-cipais:doaodasterrasparaaigreja;lugarparamoradiadasfamlias quefugiamdasminasesgotadas;eapersistnciadeacomodarosvia-jantesporpartedomoradormaisantigo,oMestredArmas.Coma construodaIgrejinhadeSoSebastio,detaipaecobertadepalha, foram estabelecidas as condicionantes para a fundao do Arraial, pou-co tempo mais tarde.O Stio de Mestre dArmas surgiu, assim, como lugar de pastagens das boiadasdoValedoSoFrancisco.Oespaoplano,nasproximidadesdas lagoasBonitaeFormosa,foitomadopelasgrandeslevasdegadovindas da Bahia. Arma Auguste de Saint-Hilaire, em Viagem s Nascentes do Rio So Francisco, referindo-se aos habitantes das terras do Mestre dArmas: ...na verdade, quando estive no norte dessa comarca, os habitantes da prpria Santa Luzia, onde existem imensas pastagens naturais, queixavam-se de que s conse-guiam vender seus bois em Bambu ou Formiga, distantes dali 130 e 146 lguas, respectivamente,obtendoemconseqncialucrosinsignicantes....Seporum lado o registro contrape concluso dos grandes lucros, por outro informa daexistnciadaspastagensnaturaisedaspreocupaescomascriaesde gado.Com a chegada da Corte Portuguesa no Brasil, em 1808, os viajantes epesquisadoresestrangeirostornaram-sefreqentesnaregiodoPlanalto Central. Desde a Carta de Caminha divulgando o Eldorado, os relatrios e roteiros das entradas ou bandeiras e a divulgao das riquezas do interior do Brasil por aqueles que retornaram Europa formaram os motivos que in-centivaram a busca das terras dessas paragens. Esses viajantes pesquisadores no se cansaram de relatar a precariedade de vida dos habitantes desses povo-ados interioranos, mas tambm destacavam as excelentes condies naturais do meio fsico, riquezas da ora e do solo.Em meados do sculo XIX, a regio de Mestre dArmas j possuia uma pecuria bsica. E no campo da agricultura selecionava terras, consideradas agricultveis, e cultivava o milho, o arroz e o feijo. Nas terras ento avalia-das como mais fracas, nas reas dos Cerrades, surgiram algumas culturas de mandioca e abacaxi.Inaugurado o Arraial em 20 de janeiro de 1811, a comunidade, com a inclinaoagrcola,deixavaaspoucascasas,queselocalizamnoLargoda Igrejinha e em duas ou trs ruas, para o trabalho no campo. Ali a atividade era mais lucrativa, mais necessria, diante das distncias para os armazns do Arraial de Couros ou Santa Luzia.O lugarejo, quase no abandono, tomava vida nos momentos das festas religiosas: Festa de So Sebastio, Folias do Divino e Reis, Festa de So Joo, Natal, Ano Novo e outras solenidades.AsterrasdoArraialforamadministradasoraporSantaLuziaora peloArraialdeCouros.Duranteesseperododequaseumsculo,os moradores assistiram o revezamento administrativo. E opinaram. E reali-Folia do Divino, 1942. Foto: DePHA.27 GUASE ME N DADASI I . 2ACI DAD E D E PLAN ALTI N Azaram movimentos. E zeram abaixo-assinados. Mas, sem dvida, o que ps m a essa disputa, foi o poder poltico conquistado com a elevao doArraialcondiodeVila,em1892.Destaque-sequeoArraialde 1811, o Distrito de 1859 e a Vila de 1892 sempre conservaram a deno-minao de Mestre dArmas.A Vila de Mestre dArmas acontece ento pelo desejo incontido de seus moradores de poderem administrar os seus prprios bens patrimo-niais. O fato iniciou-se como movimento especco, sob a liderana de Joo Quirino Silvrio de Lima, em 1891. Assim, o movimento exigia da Presidncia da Provncia de Gois a urgente instalao da Vila. Em con-trapartida, o Estado exigia a doao de prdios, pelos moradores, para a conseqente instalao de cadeia pblica, prefeitura municipal e escola pblica.Somenteem1892foramcumpridasasexignciasrequeridas com a instalao, por concluso, da Vila com a denominao de Mestre dArmas. O primeiro Intendente foi Joo Quirino, substitudo posterior-mente por Ermindo Deocleciano de Loiola.Nesse tempo, a Expedio Exploradora cheada por Luiz Cruls este-ve na regio do Mestre dArmas e vizinhana para a realizao de estudos dascondiesfsicaseclimticas,sociaisegeopolticas,estratgicase ambientaisparatransfernciaeinteriorizaodaCapitalFederal.Tra-tava-sedeumgrupodepesquisadoresestudiosos,quedenitivamente registraram em relatrio circunstancial a escolha e indicao do stio que continha grande parte do territrio da Vila Mestre dArmas. Os fatores mais signicativos para a Comisso Cruls foram o clima, extensas reas planas, solo, quantidade e qualidade da gua, fonte e origem das prin-cipais bacias hidrogrcas do Pas.OsprimeirosanosdosculoXXsomarcadosporIntendnciase ConselhosMunicipaisqueseocuparamdoscrregosdeabastecimento daVila,comalimpezadoscanaisquelevavamguasparaosmorado-res,mudanasdenomesderuas,implantaodepontessobreosrios, construo de meio-os e de calamento de pedras, recuperao das ruas estragadas pelas chuvas, e com discusses e encaminhamento de solues de diversos outros problemas da Vila. Em1910,a VilarecebeadenominaodeAlta-Mir(AltaMiragem). Tal denominao se inspirou no fato de que, a partir de qualquer elevao em que se casse nas imediaes da Vila, descortinava-se uma viso de qui-lmetros e quilmetros. Em 1917, nova mudana de denominao: Vila de Planaltina. Nes-sapoca,Planaltinadumsaltonoseudesenvolvimento:criaoda Empresa Bevinhatti, Salgado e Cia., cujos proprietrios eram Victorino Bevinhatti,AlexandreDumasSalgadoeSebastiodeSouzaeSilva.A empresa funcionava como curtume de couro, charqueada, fbrica de cal-ados, selas e artefatos de couro. E, a partir da execuo de seus objetivos principais, criou tambm uma usina hidroeltrica, que passou a abaste-cer a Vila de Planaltina. Pouco tempo depois, a sociedade investe em novos negcios e permite a participao de Salviano Monteiro Guimares. Nessa oportunidade, houve a instalao da rede telefnica local e a construo de uma estrada de rodagem at Luzinia e Ipameri.Em 1922, o ento Presidente da Repblica, Epitcio Pessoa, simbo-licamente coloca a pedra fundamental da futura capital, no morro Cen-tenrio, dia 7 de setembro, em comemorao passagem do centenrio da Independncia.O lanamento da pedra fundamental do Distrito Federal renovou e re-acendeu a idia de transferncia da futura Capital Federal para a regio. Os mudancistas tinham a crena de que a capital viria para a redeno do povo do Planalto Central goiano. E, ao contrrio, os que no aceitavam a idia se posicionavam contrrios implantao da futura mudana.Em1924,ofatomaismarcantefoiapassagemdaColunaPrestes por Planaltina. A Caravana, com mais de 600 homens, tentava a prega-Praa Salviano Monteiro Guimares, 1935. Foto: Acervo Mrio Castro. Solenidade de casamento, 1926. Foto: Acervo Mrio Castro.28 GUASE ME N DADASI I . 2ACI DAD E D E PLAN ALTI N Ao ideolgica. A propagao da idia de um Pas mais justo, mais frater-no, sem os ajustes e distores da poltica do Caf com Leite pautava o discurso da Coluna. Pouca distncia atrs, avanava outra caravana, a dosterrveisouendiabrados,quesediziapartedaColunaPrestes. Essa caravana era composta por mais de 200 pessoas. O que cou para os habitantes do interior foi uma viso distorcida e catastrca. Apsolanamentodapedrafundamental,surgiramosprimeiros projetos de loteamentos na regio. Deodato do Amaral Louly, por meio da S/A Planalto Central de Gois, lanou um grande empreendimento. Como proprietrio de terras prximas da pedra fundamental, conseguiu a aprovao do projeto Planaltinpolis, a partir de 2 de abril de 1925, e instalou escritrios em quase todas as capitais brasileiras para a venda de lotes e terrenos. Consta que a iniciativa teve grande sucesso.Houve mais dois loteamentos em Planaltina a partir de 5 de abril de 1925: Vila Brasil Central, de Francisco Luciano, e, por volta de 1926, Platinpolis,localizadoprximofazendaMonjolos.EmLuzinia, houve tambm nessa poca um outro loteamento bem sucedido, deno-minado Planpolis.Ainda em 1925, no ms de agosto, ocorreu um evento cultural impor-tante para a Vila: houve a formao da banda de msica 6 de outubro, sob a regncia de Alexandre Sicheroldi.Em1926,onorte-americanoDr.FranklinGraham,ministroda IgrejaPresbiteriana,passaporPlanaltinaecriaumgrupodepessoas crentesnessanovamodalidadedereligio.Comesses,Dr.Franklin instala a primeira Igreja Presbiteriana da Vila de Planaltina. Sua esposa, Jean Porter Graham, foi, de fato, uma luz para a juventude planaltinen-se. Compraram uma casa de residncia na Avenida Gois e construram um templo, e uma escola na Rua Joo Quirino, a chamada Escola Evan-glica Franklin Graham,, que funcionou at 1953.O ano de 1930 marcado pela criao de um jornal, Alta-Mir, mens-rio, mantido em circulao durante trs anos. rgo de divulgao e forma-dor de opinio, o Alta-Mir tratou de assuntos polmicos e abriu espaos para os poetas e prosadores do Planalto Central. O perodo compreendido de 1931 a 1945 revela uma Planaltina har-moniosa, assentada e pronta. Suas diculdades eram comuns a todos os povoados do interior goiano: a rea rural trabalhando pela subsistncia e oncleourbano oferecendo vida simples. Esse o perodo Vargas. A mulher conquista o direito de votar e o trabalhador consegue consolidar algumas leis trabalhistas.Era comum, na rea rural, os jovens se agruparem nos momentos de reza, mutires ou reunies e festas, onde danavam a catira, a quadrilha e a moda rancheira. Na rea urbana, os jovens se mobilizavam em torno dos jogos de salo e brincadeiras. As moas realizavam o baile da chita; os rapazes, as serestas; e, reunidos, o teatro. Destacavam-se ainda a festa de Judas, os prespios (ou lapinhas), as pastorinhas, o ms de Maria e o desle na rua do vai-e-vem.O futebol que se inicia em 1926 com o Planalto Central Futebol Clube, nessa fase, j possua uma das melhores esquadras do Estado.Planalto Central Futebol Clube, 1926. A equipe era conhecida como os papagaios. Foto: Acer-vo Mrio Castro.Pedra Fundamental. Obelisco de forma piramidal, inaugurado em 7 de setembro de 1922, situa-do no Morro do Centenrio. Foto: Arquivo Pblico do DF.29 GUASE ME N DADASI I . 2ACI DAD E D E PLAN ALTI N AA 2 de maro de 1938, conforme Decreto Federal no 311, a Vila de Planaltina elevada categoria de cidade e, a essa altura, conta com um campo de aviao, estrada de Planaltina a Corumb, melhor distribuio de gua e um redobrado nmero de pontes.No perodo de 1946 a 1955, as histrias de Planaltina e Braslia se apro-ximam. Na primeira, o desejo de se inserir nos programas de progresso, for-tuna, conforto e desenvolvimento. Na outra, as expectativas de mudanas e de se promover um novo tempo na vida nacional. No se pode comparar a importncia das duas cidades e dos dois sonhos em execuo. Para os brasi-leiros, Braslia muito, para os planaltinenses, Braslia tudo.Pordeterminaoconstitucional,EuricoGasparDutraautorizaa formaodeumacomissoparaavaliarinlocoasdeciseseindicaes do Relatrio Cruls. Assim feito, forma-se um grupo de estudo composto por onze engenheiros e um mdico. Todos sob a coordenao do General Djalma Polli Coelho.AComisso,depoisdeminuciosasavaliaesdaquelerelatrio,no seu trabalho de campo, passou pelo divisor das principais bacias hidro-grcas do pas: Amaznica, Platina e do So Francisco. Dessa forma, o GeneralPolliCoelhoeacomissopercorreramoQuadrilteroCrulse estiveramemPlanaltina.Oresultadodotrabalhoraticouasinforma-es do Relatrio Cruls.AltimadasComissestcnicastevecomoobjetivoalocalizao denitiva da Cidade-Capital. O coordenador indicado foi General Caia-dodeCastro,mas,comamortedeGetlio,oGeneralfoisubstitudo peloMarechalJosPessoa.AComissotambmesteveemPlanaltina em 1954, e concluiu, assim, pela situao que hoje se encontra Braslia. V-se, portanto, que todas as iniciativas relacionadas aos estudos tcni-cosparademarcaodareaondeseinstalariaafuturacapitaldoPas passaram por Planaltina.Hoje, a Cidade citada e referenciada no contexto do Distrito Fede-ral por suas inclinaes tursticas, beleza de sua paisagem, riqueza de seu folclore, suas construes antigas, seus quintais, seu teatro, sua histria e a pompa do costume de suas festas tradicionais.Assim,algumasreasdeconservaoambientalepontostursticos sedestacameprovocamomaiorfascnio:EstaoEcolgicadeguas Emendadas e sua Lagoa Bonita; Cachoeirinha do Pipiripau, Cachoeiras da Embrapa, das Quebradas e Cariru; Lagoas da Piteira, da Fervedeira, do Bonsucesso e Vicente Pires; recantos de lazer; morros do Centenrio e da Capelinha; Museu Histrico; Igrejinha de So Sebastio; e suas ruas com vrios casares e quintais. E no se esgota nisso, pois poderiam ser citadas tambm a Via Sacra de Planaltina e as Folias do Divino e de Reis, dentre outras.Com a eleio de Juscelino Kubitschek de Oliveira, Braslia tornou-serealidadeePlanaltinatransformou-seemRegioAdministrativado Distrito Federal.Entretanto, do ponto de vista de atributos naturais e histricos, Pla-naltina uma cidade singular: seja por abrigar nascentes de trs grandes baciashidrogrcasdedimensescontinentaiseporconternaEstao Ecolgica de guas Emendadas o extraordinrio fenmeno reconhecido internacionalmente que d nome Estao; seja pelo fato de relacionar-se indelevelmente com as origens da Capital da Repblica como nenhu-ma outra cidade do Pas. Flagrante da Banda Jazz Unio Planaltinense, 1940. Foto: Acervo Mrio Castro.Morro da Capelinha e a Via Sacra da cidade, 1988. Foto: Arquivo Pblico do DF.30 GUASE ME N DADASI I . 3MI SSOCRULSE COMI SSOPOLLI COE LH OIvany Cmara NeivaOViscondedePortoSeguro,em1877,referia-seaumaregioque conhecera no Planalto Central, onde podiam ser vistas, a menos de um tiro de fuzil, as cabeceiras de ribeires das trs grandes bacias hidrogrcas brasi-leiras. Era o divisor de guas onde tambm se insere o fenmeno das guas emendadas.NestelivrosobreaEstaoEcolgicadeguasEmendadas,apoucasli-nhas de distncia, encontram-se narradores de histrias antigas sobre esse lugar. Emendam-se memrias de duzentos anos, de caminhos pelas terras do Distrito Federal. Aquele menino de chapu cado, no canto da mais famosa foto da Co-misso Cruls, Viriato de Castro, av do historiador Mrio Castro (autor do item II.2 deste livro). Na foto aparecem 20 pessoas, e 19 delas tm seu nome re-gistrado na legenda. O vigsimo nos conta Mrio Viriato, que foi designa-do como guia local dos pesquisadores na regio de Planaltina, no nal do sculo XIX. Hoje, na Igreja de So Sebastio, em Planaltina, Mrio Castro se encontra com Ivany Cmara Neiva, neta do agrnomo Antnio de Arruda Cmara e de Guiomar de Arruda Cmara, que participaram da Comisso Polli Coelho, em meados do sculo XX, no Rio de Janeiro e em trabalhos de campo no Planalto Central. O presente atualiza o passado1, e a rede continua. Na Secretaria do Meio Ambiente e Recursos Hdricos do DF, Ivany Cma-ra Neiva conhece o professor Lucdio Guimares Albuquerque (autor do item II.4 deste livro), que em 1946 era estudante de Arquitetura no Rio de Janeiro e preparou cartogramas do Planalto Central para a Comisso, a convite do ento tenente Luciano Tebano Barreto Lima, ajudante-de-ordens do General Polli Co-elho e mais tarde seu genro. O interesse ento despertado pela interiorizao da capital levou o Professor Lucdio a participar, nos anos cinqenta, da Comisso de Localizao da Nova Capital Federal inicialmente sob coordenao do Ge-neral Caiado de Castro e depois, como titular, sob a coordenao do Marechal Jos Pessoa. J em Braslia, anos mais tarde, participou dos trabalhos que resulta-ram na criao da atual Estao Ecolgica de guas Emendadas. So memrias entrelaadas, tecidas pela histria das guas emendadas. AsmaisantigassohistriasdeduasComissescriadasparapesquisaro PlanaltoCentraleindicaralocalizaodoDistritoFederaledeBraslia. Separadaspormaisdecinqentaanos,ambasreconheceramereforaram antigas indicaes que apontavam o bero das guas no centro do Brasil. Paradoxosseentrelaam:aterrasecadoCerradoabrigandoasfontes das guas brasileiras; a diviso e a unio se completando no Espigo Mestre, que divide guas, e nas guas Emendadas, que aproxima nascentes. Perto de muita gua, tudo feliz2, dizia Guimares Rosa. Contava tambm que o me-lhor de tudo a gua3. O simbolismo dessas guas Emendadas no centro do Pas e a promessa de viabilidade de gua prxima foram motivos presentes nas decises daquelas duas comisses, para o traado do Distrito Federal e para a localizao da nova capital. A Misso Cruls Brasliafoiinauguradah47anos,masasdiscussesregistradassobrea localizao da capital no Planalto Central datam de mais de dois sculos e meio. Nessas discusses e propostas, um argumento constante era a presena, no centro do Brasil, das nascentes das trs principais bacias hidrogrcas do Pas. Essa rea central, epicentro das nascentes, j constava do Mapa da Capitania de Goyaz e regies circunvizinhas que mostra as comunicaes entre as bacias do Prata e Amazo-nas, assinado pelo cartgrafo italiano Francesco Tosi Colombina na Villa Boa de Goyaz, em abril de 17514. As idias mudancistas ampliam seu alcance quando so divulgadas pela imprensa, em matrias do jornalista Hiplito Jos da Costa, fundador do jornal Correio Braziliense. Em artigo de 1808, a proximidade da cabeceira dos grandes rios apontada como argumento a favor do estabeleci-mento da capital em um pas de interior central5. Dos viajantes que percorreram as terras do Planalto Central, destacam-se os relatos do engenheiro e diplomata Francisco Adolfo Varnhagen, conhecido pelo ttulo de Visconde de Porto Segu-ro, a ele concedido pelo Imperador Dom Pedro II, em 1874. Varnhagen chegou a publicar, em Viena, no ano de 1877, o livreto A Questo da Capital: martima ou no interior?6. Ali so reunidas suas preocupaes e sugestes sobre a transfe-rncia da capital, e indicada a regio que julga mais adequada: (...) Mas se, abandonando a idia de achar j feita e acabada a cidade que tantonosconvm,nosresolvermosafundaruma,segundoascondiesquese requerem a toda a capital de pas civilizado hoje em dia, a verdadeira paragem para ela a mesma natureza quem aponta, e de modo mui terminante... a em que se encontram as cabeceiras dos auentes Tocantins e Paran dois dos grandes rios que abraam o Imprio; isto , o Amazonas e o Prata, com as do So Francisco (...). nessa paragem bastante central e elevada, donde partem tantas veias e artrias que vo circular por todo o corpo do Estado, que imaginamos estar o seu verdadeiro corao; a que julgamos deve xar-se a sede 1 Ver O Narrador, escrito por Walter Benjamin em 1936.2 Em Grande Serto, Veredas. 1986.3 Citado por Vera Catalo em A crise da gua e a turvao do esprito. Correio Braziliense,10 maro 2003.4 Mapa fac-similar encartado em Francesco Tosi Colombina, de Riccardo Fontana, 2004.5 Artigo de Hiplito Jos da Costa, 1808. Citado no Relatrio da Comisso Exploradora do Planalto Central do Brasil. Histrico, pg. 12.6 A primeira edio foi feita em Viena, s custas do autor. Em 1935, o Arquivo Nacional promoveu uma edio facsimilar, e em 1977a Editora Tesaurus a reeditou, a partir de fotolitos, em comemorao aos 100 anos de seu lanamento original. 31 GUASE ME N DADASI I . 3MI SSOCRULSE COMI SSOPOLLI COE LH Odo governo. (...) Os seus limites devem ser oferecidos pelos mesmos trs rios que fazem a posio para o assento da cidade (...)7 (...) deveramos desde j dar algumas providncias, a m de a ir preparan-do [a regio] para a misso que a Providncia parece ter-lhe reservado, fazendo a um tempo dela partir guas para os trs maiores rios do Brasil e da Amrica do Sul Amazonas, Prata e So Francisco e constituindo-a, por assim dizer o ncleo que rene entre si as trs grandes concas ou bacias uviais do Imprio. Rero-me bela regio situada no tringulo formado pelas trs lagoas, Formosa, Feia e Mestre dArmas (...)8 Em A Questo da Capital, Varnhagen situa a regio do divisor de guas e de guas Emendadas em passagem muito conhecida. Escrevendo da Villa Formosa da Imperatriz, em julho de 1877, descreve: (...) perto de quatro lguas a noroeste desta villa, na paragem onde, a me-nosdeumtirodefuzilumasdasoutras,sevemascabeceirasdosribeires Santa Rita, vertente ao Rio So Francisco pelo Preto; Bandeirinhas, vertente ao Amazonas, pelo Paran e Tocantins; e Stio-Novo, vertente ao Prata, pelo So Bartolomeu e grande Paran.9Doze anos depois, cai o Imprio e proclamada a Repblica no Brasil. Na primeira Constituio republicana, de 1891, ca estabelecida a mudan-a, em seu artigo 3: Fica pertencente Unio, no Planalto Central da Rep-blica, uma zona de 14.400km, que ser oportunamente demarcada, para nela estabelecer-se a futura capital federal.No sentido de operacionalizar essa demarcao, o Presidente Floriano Pei-xotodesignouduasmissesdeexploraoedeestudosdoPlanaltoCentral, ambas cheadas pelo astrnomo Luiz Cruls, respectivamente em 1892 e 1894. A primeira Comisso Exploradora do Planalto Central percorreu cerca de 14 mil quilmetros e demarcou, em forma de quadriltero, os 14.400km de-nidos pela Constituio para o futuro Distrito Federal. O polgono cou conhe-cido como Quadriltero Cruls, dentro do qual a segunda Comisso Comisso de Estudos da Nova Capital da Unio deveria indicar a localizao da capital. Os resultados dos levantamentos feitos pelas Comisses foram consolidados em dois relatrios, publicados respectivamente em 1894 (conhecido como Relat-7 Varnhagen, pp. 12, 13.8 idem, pg. 28.9 idem, pg. 29.Francisco Adolfo Varnhagen, Visconde de Porto Seguro.Ilustrao contendo texto do livreto A questo da capital: martima ou no interior.32 GUASE ME N DADASI I . 3MI SSOCRULSE COMI SSOPOLLI COE LH OLuiz Cruls (1848-1908)Acampamento da Comisso no Vrtice Sudoeste do Quadriltero Cruls. Relatrio apresentado pela Commisso Exploradora do Planalto Central do Brazil, 1894.Percurso da Comisso liderada por Luiz Cruls durante a sua passagem pela Lagoa Bonita e Planaltina. Relatrio apresentado pela Commisso Exploradora do Planalto Central do Brazil, 1894.33 GUASE ME N DADASI I . 3MI SSOCRULSE COMI SSOPOLLI COE LH OPessoal da Commisso Exploradora do Planalto Central do Brazil, 1892. Destaca-se na extrema direita, Viriato de Castro, guia local dos pesquisadores. Foto: Arquivo Pblico do DF.34 GUASE ME N DADASI I . 3 MI SSOCRULSE COMI SSOPOLLI COE LH Orio Cruls, referente aos estudos da Comisso Exploradora do Planalto Central10)eem1896,apresentadocomoRelatrioParcialdaComissodeEstudosda Nova Capital da Unio, que tivera seus trabalhos interrompidos. A leitura do Relatrio Cruls nos informa, passo a passo, a importncia dada pelos cientistas da Comisso questo das guas, e a ateno dispen-sada ao local de encontro das nascentes. Relembrando as observaes de Varnhagen,Crulsregistra,logodeincio,queoPlanaltoCentral,embora ocuperealmenteumaextensobastanteconsidervel,temasuaregiocentral localizada na zona onde se encontram as cabeceiras dos principais rios do sistema hidrogrco brasileiro: o Araguaia, o Tocantins, o So Francisco e o Paran11.Seria esta a zona a ser demarcada. Emsetembrode1892,registra-seapassagemdospesquisadorespela regio percorrida por Varnhagen e onde, distando uma da outra um ou dois quilmetros apenas, encontram-se as cabeceiras de trs grandes rios: a de Santa Rita, que forma o So Francisco; a de Bandeirinha, desaguando no Tocantins, e, enm, a de Vendinha, origem do Paran12.Alm de cumprir a nalidade denida para a Comisso, de delimitar a rea do Distrito Federal, Cruls conclui seu Relatrio de 1894 relacionando vantagens e inconvenientes da transferncia da capital. Entre os pontos favorveis, cita as possibilidades de abastecimento de gua potvel, j que o sistema hidrogrco da zona demarcada , com efeito, de uma riqueza tal que, qualquer que seja o lugar escolhido para edicao da futura Capital, encontrar-se-, sem grandes diculda-des, gua suciente para abastec-la razo de 1.000 litros dirios por habitante.13Cruls naliza vislumbrando possibilidades de que a futura Capital no tardar a tornar-se um centro industrial e comercial, cuja vitalidade ser um fato importante e poderoso para a futura prosperidade deste rico pas.14A Comisso Polli CoelhoPassoumaisdemeiosculo,maisdedezPresidentesdaRepblicae duasConstituiesparaqueotemadamudanadacapitalvoltasseaser tratadoocialmente,emtermosdeprovidnciasefetivas.AConstituio Federal de 1946 denia, no artigo 4 de suas Disposies Transitrias, que acapital da Unio ser transferida para o planalto central do pas. Acrescentava, no seu primeiro pargrafo, que promulgado este Ato, o Presidente da Repbli-ca,dentrodesessentadias,nomearumacomissodetcnicosdereconhecido valor para proceder ao estudo da localizao da nova capital.No mesmo ano, criada a Comisso de Estudos para Localizao da Nova Capital do Brasil conhecida como Comisso Polli Coelho, por ser presidida pelo General Djalma Polli Coelho, ento Diretor do Servio Geogrco do Exrcito15.Osestudospreliminaressoconcludosem1947,eseiniciamostrabalhosde campo no Planalto Central e Tringulo Mineiro. Em agosto de 1948, a Comis-so aprova seu Relatrio Geral e Polli Coelho o encaminha ao Presidente Eurico Dutra. Conrma-se a indicao do Quadriltero Cruls, mas ampliado na direo Norte, totalizando uma rea de aproximadamente 77 mil km e assumindo o porte de um verdadeiro Territrio16, na trijuno das grandes bacias brasileiras: Mantivemos a tradio da soluo do problema, aproveitando integralmente a rea proposta em 1892 pela Comisso Cruls. Mas no tivemos a idia pura e simples de respeitar uma tradio. Ampliamos consideravelmente essa rea para o Norte, sobre a bacia amaznica, aproveitando uma srie de trechos uviais para lhe dar limites j demarcados pela natureza, o que vem simplicar o problema da passagem das terras jurisdio do governo federal. A extenso para o Norte, do Distrito Federal, visa colo-c-lo em grande parte sobre a bacia do Tocantins, que o rio cujo vale est destinado a ligar a rea da nova Capital desembocadura do Amazonas. O vale do Rio Paran, por outro lado, est destinado a aproximar a mesma rea das encostas ocidentais do vale do So Francisco, cuja valorizao constitui uma necessidade primordial.17Assim como no Relatrio Cruls, no Relatrio Polli Coelho destacado o papel estratgico da regio do divisor de guas onde tambm se encontra guas Emendadas: No h, em todo o territrio nacional, regio que se possa comparar a essa. Nessa regio, nascem as nossas trs principais bacias hidrogrcas, de tal modo que ela constitui, tanto orogrca como hidrogracamente, um acidente verda-deiramente singular em nosso territrio.18 Essa a mais linda das mesopotmias, no dizer de um constituinte de 1891. (...) As atenes se voltam imediatamente para esse planalto goiano, que possui um signicado geopoltico sem igual entre todas as regies do pas. Pode ser includo tanto na bacia amaznica, como na bacia so-franciscana, como na bacia platina.19Em contraste com o Relatrio Cruls, que vem sendo objeto de diversas edi-es, os resultados da Comisso Polli Coelho so pouco divulgados. As publica-es existentes so aquelas originais, de pequena tiragem, produzidas no mbito 10 As notas aqui registradas referem-se edio de 1947, da Companhia Editora Nacional.11 Relatrio da Comisso Exploradora do Planalto Central do Brasil, pg. 36.12 idem, pg. 46.13 idem, pg. 55.14 idem, pg. 60.15 Djalma Polli Coelho homenageado pelo Exrcito Brasileiro como Patrono do Servio de Topograa. Foi Diretor do Servio Geogrco do Exrcito de 1946 a 1951, quan-do passou a Presidente do Instituto Brasileiro de Geograa e Estatstica / IBGE (http://www.8rcmec.eb.mil.br/html/ptpoli.html).16 Comisso de Estudos para Localizao da Nova Capital do Brasil. Relatrio Tcnico. 1a parte, vol. I. Justicativa da Resoluo Final, escrita pela Presidncia da Comisso. 1948. pg.17.17 idem, pg. 4.18 idem, pg. 23.19 Comisso de Estudos para Localizao da Nova Capital do Brasil. Relatrio Tcnico. 1a parte, vol. II. Justicao de voto do Presidente da Comisso. 1948. pp. 6,7.35 GUASE ME N DADASI I . 3MI SSOCRULSE COMI SSOPOLLI COE LH Oda prpria Comisso.20 Assim, ganham especial interesse as narrativas pessoais de quem participou dos trabalhos e as histrias registradas ao longo das viagens, como acontece no dirio de campo do agrnomo Antnio de Arruda Cmara e nas cartas escritas por Guiomar de Arruda Cmara a sua lha Joanna. Antnio passou a inte-grar o grupo de tcnicos de reconhecido valor21 que compunham a Comisso Polli Coelho, por indicao de um de seus titulares Arthur Magarinos Torres Filho, reitor da Universidade Rural do Brasil e presidente da Sociedade Nacional de Agri-cultura. Na Polli Coelho, coordenava a Comisso de Investigaes Agronmicas. Faziampartedaequipemaisdoisagrnomos:JuvenalCostaeIromda Rocha Lima. Arruda Cmara era Diretor do Servio de Economia Rural do Mi-nistrio da Agricultura, e dirigia a Escola de Horticultura Wenceslao Bello, no Rio de Janeiro, onde era tambm professor. Seu mtodo de trabalho, na condu-o das Investigaes Agronmicas, inclua tcnicas de sua prosso e, de forma aseutempopioneira,oregistrodehistriascontadaspelaspessoasdaregio estudada: Marchar, ver e interrogar, de modo a fazer juzo seguro, coligindo dados para a precisa interpretao... Com entusiasmo, sem diculdades e sem fadiga... Boa vontade e compreensivo interesse encontramos sempre, e em toda parte.22 Guiomar sempre comentava essa boa vontade e receptividade das pes-soas que encontravam, nos diversos lugares por onde passavam, o que com-pensava as diculdades operacionais das estadas e dos deslocamentos. A pro-psito, remete-se aos viajantes antigos: Planaltina, 26/9/47(...) Chegamos aqui j noite. Um dia inteiro de auto-mvel cansa bastante. verdade que a gente vai se lembrando dos outros, os da Comisso Cruls, que andaram isso tudo a cavalo, e vai suportando...Na mesma carta, registra a passagem pela regio de guas Emendadas: Ontem viajamos o dia inteiro. Samos de Goinia pelas 9 e pouco, pa-ramos em Anpolis para almoar, e viemos para Planaltina, por uma estrada boazinha, atravs de cerrados, capoeiras, carrascais etc. De vez em quando um regatinho atravessa a estrada. No caminho, passamos por aquela regio onde se encontram riozinhos das trs bacias brasileiras. Foi emocionante pas-sar por ali. Varnhagen dizia que as nascentes estavam prximas, a um tiro deespingarda. Tinhalidoolivrodelemesmo,eoRelatriodaComisso Cruls fala nisso. No imaginava que ia ver de perto essas terras to antigas e onde as guas se encontram!(...)Poraquipassammuitosperegrinosemgrandesgrupos,quevm ap,dointeriordaBahia,embuscademelhoresclimas,melhoresterras e,principalmente,detrabalho.Andamlguaselguasap.(...)Antnio gostamuitodeirdevagar,perguntandospessoascomosechamam,como olugar,comoandaavida,sesabemqueumdiaacapitalvaisemudar para Gois. Em todo lugar, conversamos sempre com os moradores da regio. Quem conversa mais Antnio, que vai reunindo essas informaes para o Relatrio. Hoje, quando perguntou os nomes dos rios e das lagoas, alguns que moram por perto falaram nas guas emendadas.SobreasguasnoQuadrilteroCruls,eemespecialsobreodivisor deguaseguasEmendadas,Antnioregistraemseudiriodecampo, no mesmo dia, informaes que depois aprofunda no Relatrio Tcnico de Investigaes Agronmicas: (...) As suas guas se distribuem - indicando a in-uncia que lhe est reservada no futuro do pas - pelas bacias do Tocantins, do So Francisco e do Paran (...)23Quando, ao nal dos trabalhos, o Presidente da Comisso justica seu voto, destaca a excelncia dos ensinamentos apresentados pelo agr-nomo e relaciona as concluses s quais chegou. A propsito das guas da regio, Antnio registra que as terras de Cruls, embora de nascentes, so bem irrigadas.Ligamsuas guas, que se distribuem pelas bacias Tocantins 20 No Prefcio do volume III da 1a parte do Relatrio Tcnico (1948), o General Polli Coelho esclarece a composio dos documentos: Primeira Parte (3 volumes) diz respei-to ao trabalho propriamente da Comisso; Segunda e Terceira Partes (que deveriam ser publicadas a seguir) conteriam pontos de vista individuais, de membros da Comisso ou de outras pessoas ligadas ao assunto. Em Braslia, encontramos os 3 volumes na Biblioteca do Arquivo Pblico do Distrito Federal.21 Termos da designao da Comisso, em 1946.22 Antnio de Arruda Cmara. Investigaes Agronmicas. Comisso de Estudos para Localizao da Nova Capital do Brasil. 1948. pg. 2.23 idem, pg. 18.General Polli Coelho (C) em frente a uma fbrica de carros de bois com rodas ferradas, em Pla-naltina DF. Foto: Arquivo Pblico do DF.rea visitada pela Comisso Polli Coelho e atual Estao Ecolgica de guas Emendadas. Foto: Arquivo Pblico do DF.36 GUASE ME N DADASI I . 3MI SSOCRULSE COMI SSOPOLLI COE LH OTrechos de carta escrita por Guiomar de Arruda Cmara, que acompanhava o esposo Antnio Cmara, coordenador da Comisso de Investigaes Agronmicas da Misso Polli Coelho. Acervo Ivany Cmara Neiva.SoFranciscoParan,oPlanaltoCentraldoBrasilAmaznia,ao Litoral e ao Prata.24Embora lento, ia caminhando o processo de deciso poltica sobre a transfe-rncia da capital. Algumas denies estavam consolidadas, como a localizao do Distrito Federal no Planalto Central, na regio em que as nascentes se dividiam em direo a trs grandes bacias hidrogrcas. Ainda se discutia a extenso desse Distri-to Federal, e restava denir a localizao da nova cidade. Do encaminhamento do Relatrio Final da Comisso Polli Coelho ao Congresso Nacional at a retomada de estudos, agora, para denir o stio e a rea da nova capital, passam-se cinco anos. Os parmetros denidos aps as discusses parlamentares passam a ser de 52 mil km para a rea total do quadriltero a ser estudado, aproximadamente 1.000km2 para a cidade e 5.000km2 para o Distrito Federal25. Como vemos, foi longo o cami-nho para chegarmos aos atuais 5.789,16km2 do DF e 472,12km2 de Braslia26. Voltando a essa trajetria, sabemos que, em agosto de 1953, o Presidente Getlio Vargas cria a Comisso de Localizao da Nova Capital Federal. A Co-misso trabalhou durante dois anos, sob a direo do General Aguinaldo Caia-do de Castro e do Marechal Jos Pessoa, este j nomeado pelo Presidente Caf Filho.Nombitodessestrabalhos,foramrealizadososestudosconsolidados no Relatrio Belcher27, a partir dos quais foi escolhido, em 1955, o stio onde deveria ser construda Braslia. Ernesto Silva, um dos diretores da Companhia Urbanizadora da Nova Capital e participante da Comisso do Marechal Pessoa, conta que, na primeira viagem feita pelo grupo ao Planalto Central, foi visitada a rea do divisor de guas e de guas Emendadas. Era fevereiro de 1955:Ainda em Formosa, fomos, em companhia do prefeito, a um determina-do ponto, de onde todas as guas cadas se distribuem indistintamente para os trs grandes sistemas uviais do Brasil o Amazonas, o So Francisco e o ParanParaguai28.No ano seguinte, comeavam as obras de construo da capital. s vsperas da inaugurao de Braslia, Antnio de Arruda Cmara relem-bra a experincia de ter visitado a regio durante os trabalhos da Comis-24 Comisso de Estudos para Localizao da Nova Capital do Brasil. Relatrio Tcnico. 1a parte, vol. II. Justicao de voto do Presidente da Comisso. 1948. pg. 22.25 Lei no 1803, de 5 de janeiro de 1953. Comentada por Ernesto Silva em Histria de Braslia, pp. 74, 76, 79. Transcrita e comentada no Atlas do distrito Federal, III, GDF, 1984, pp. 49 e 101.26 Dados acessveis no Portal Ocial do Governo do Distrito Federal http://www.codeplan.df.gov.br27 A Comisso contratou os trabalhos da rma brasileira Cruzeiro do Sul Aerofotogrametria e, em 1954, da rma americana Donald J. Belcher and Associates Incorporated, para realizar os estudos de fotoanlise e fotointerpretao. O Relatrio Belcher foi concludo em 1955.28 Ernesto Silva. Histria de Braslia, 1985. pg. 80.Relatrio Tcnico elaborado pela Comisso Polli Coelho. Acervo Arquivo Pblico do DF. Guiomar Cmara(E), Antnio Cmara(C ), e Artur Magarinos(D). Foto: Acervo Ivany Cmara Neiva.37 GUASE ME N DADASI I . 3MI SSOCRULSE COMI SSOPOLLI COE LH Oso Polli Coelho e reitera as recomendaes que zera, em 1948, sobre equilbrio ecolgico: Flora e fauna, modicadas pela repetida ao das queimadas, que alte-ram a sionomia e as condies de vida nas regies atingidas, precisam, no que ainda for possvel, ser preservadas e, racionalmente, protegidas. Impem-se medidas e providncias acauteladoras como, por exemplo, a instalao de umParqueNacionalnaSerradosPirineuseainstituioderelicrios, santurios ou parques de refgio.29Em 1960 retoma a questo, recomendando a instituio de santurios, relicrios ou refgios, com reas de cerca de 5 mil alqueires, para a defesa da ora e da fauna que est sendo alterada (a ora) e vai desaparecendo (a fau-na), como ocorre, desde alguns anos, no planalto central brasileiro, mesmo na zona demarcada para a construo de Braslia. Sugere ento, Novacap, a criao do Santurio das guas Emendadas: Urge uma providncia, sendo necessria [a criao do Santurio], tomando como centro as guas emendadas, ao nordeste de Planaltina [nas zonas dos altos divisores Paran, So Francisco, Tocantins], reas relativamente extensas, para a restaurao melhorada da ora e a criao de animais silvestres em liberdade, restituindo, enriquecida, a fauna.30O texto era ilustrado com um mapa feito por Guiomar de Arruda C-mara, em que se assinalava a zona apropriada para a instalao do Santurio das guas Emendadas.Anos mais tarde, Guiomar de Arruda Cmara mudou-se do Rio para Braslia e chegou a conhecer o botnico Ezequias Heringer, com quem conversou sobre as viagens dela e de Antnio, relembrou o cultivo de orqudeas e as guas Emendadas. Guiomar tinha notcias de que, em 1966, o professor Heringer era Coordenador de Recursos Naturais do Distrito Federal, e pretendia a criao do parque de guas Emendadas, como rea de preservao. Em agosto daquele ano, ele propusera a cria-o de uma Reserva. Em 1968, como sabemos, realmente se criou no o santurio nem o parque, mas a Reserva Biolgica das guas Emendadas. Guiomar no chegou a conhec-la pelo nome atual de Estao Ecolgica de guas Emendadas, adotado em 1988. Durante os oito anos em que viveu em Braslia, Guiomar reviu locais onde havia estado e reconheceu a trajetria da Comisso Polli Coelho. Em 1983, visitou guas Emendadas, relembrando os velhos caminhos dos anos quarenta: Antnio e eu andamos por toda essa regio, estivemos aqui... Foi aque-laemoodeverdefatoastrsbaciascomeando,aumadistnciato pequenaumadaoutra.guasparatodooBrasil...Foimuitosublime, muito bonito mesmo...3129 Ernesto Silva. Histria de Braslia, 1985. pg. 2330 Antnio de Arruda Cmara publicava, na Revista A Lavoura, a seo Classe Rural temas e sugestes. O artigo Santurio das guas Emendadas foi publicado na edio de maro/abril de 1960.31 Programa Os Pioneiros. 1o episdio. Direo de Tnia Quaresma. TV Nacional/Radiobrs, 1983.ExemplardarevistaALavoura, maro de 1960.Em 1960 a revista A Lavoura publica artigo do agrnomo Antnio de Arruda Cmara propondo a criao do Santurio das guas Emendadas (A Classe Rural Temas e Sugestes). Acervo Ministrio da Agricultura.38 GUASE ME N DADASI I . 4CRI AODAUN I DAD E D E CON SE RVAOLucdio Guimares AlbuquerqueAps a criao da Novacap, em 19 de setembro de 1956, foi aprovada a Resoluo no 6, do seu Conselho de Administrao. A partir da, foi iniciado o processo de ordenamento do espao geogrco de insero da nova Capi-tal da Repblica que, conforme o disposto na Lei no 2.874/56, extrapolava em 20km os limites territoriais do Distrito Federal.Por deciso da diretoria da Novacap, o referido processo de ordenamento territorial seguiu por duas vertentes, complementares e interdependentes: O ordenamento do espao urbano, elaborado pelo mestre Lcio Costa e detalhado pela sua equipe de trabalho.Oordenamentodoespaorural,consoantereferenciaisformula-dos pela extinta Comisso de Localizao da Nova Capital Federal, que antecedeu a Novacap.Para realizar a segunda vertente, foi designada uma equipe formada por Joaquim Alfredo da Silva Tavares, Lucdio Guimares Albuquerque, RuydeFigueiredoMalta,IgnciodeLimaFerreiraeJofreMozartPa-rada,sobacoordenaodoprpriodesignante,EngoIsraelPinheiro, presidente da Novacap.Desde o incio, os trabalhos dessa equipe foram direcionados para a for-mulao de um modelo de planejamento regional que assegurasse as melho-rescondiespossveisdesustentabilidadegeopolticaespacial,biolgica, socioeconmica e ambiental Capital da Repblica.Nessesentido,aequipetomoucomorefernciaapermanentebusca dos termos de equilbrio dos parmetros regionais territrio, populao, economia, meio ambiente , defendidos pela Fundao Brasileira para Con-servao da Natureza, a primeira ONG ambientalista nacional.Com esse propsito e considerando os componentes geogrcos do es-pao natural do Distrito Federal, suas potencialidades em recursos naturais, os aspectos vocacionais e a capacidade de suporte dos diferentes sub-espaos doterritrio,aequipeconsiderouqueoordenamentodoespaoregional deveria seguir as seguintes diretrizes bsicas: Braslia - espao urbano da Capital da Repblica, sede do poder fe-deral e centro geopoltico das grandes decises nacionais deveria ser eco-logicamente protegida pelo Lago Parano e por mltiplos espaos naturais e reas de produo de gua para abastecimento pblico, produo de ali-mentos, matrias-primas, insumos e atividades minerrias, de acordo com as potencialidades de cada Unidade Territorial Bsica (UTB).Utilizando essa metodologia, foram identicadas cinco UTBs, especial-mente coincidentes com seis bacias hidrogrcas, cujos espaos seriam inte-grados por um macrozoneamento de uso prevalente:ABaciaHidrogrncadoLagoParano,comaproximadamente 1.110km2, dos quais 400km2 deveriam ser ocupados pelo contexto urbano deBraslia.Abaciadeacumulaohdricadolago,amontantedaqual cariam710km2dereservabiolgica,destinadaproduodeguapara abastecimento pblico, atualmente ocupada pelo Parque Nacional de Bra-slia. E as represas Santa Maria e Torto, de onde uem as adutoras da Caesb que abastecem a cidade.Prefeito Wadj da Costa Gomide, responsvel pela assinatura do Decreto de criao da Reserva, 1967. Foto: Arquivo Pblico do DF.JlioQuirino(E),AfonsoHeliodoro(C)eobilogoEzequiasHeringer(D)nainauguraodo Marco Simblico da Reserva Biolgica de guas Emendadas. Foto: Arquivo Pblico do DF.39 GUASE ME N DADASI I . 4CRI AODAUN I DAD E D E CON SE RVAO A Bacia Hidrogrnca do Rio Maranho, a norte do territrio, para uso principalmente minerrio e agropecurio, em razo da ocorrncia de rocha, solos e gua favorveis a tais atividades.ABaciadoRioDescoberto,cujascondiesderelevo,topogranae potencialidadesemsoloserecursoshdricosapontavamparausosdiversi-cadosemagricultura,agropecuria,reorestamentoerepresamentopara irrigao e abastecimento pblico. A Bacia do Rio So Bartolomeu, cuja estrutura geolgica, geomorfol-gica e cujo potencial hdrico indicavam aptides para represamento hidru-lico, turismo, lazer e atividades de agricultura e agropecuria. A Bacia do Rio Preto, com rea de aproximadamente 2.000km2, que, em razo do seu embasamento geolgico e das condies de relevo e poten-cialidade em solos, vegetao e gua para produo agrcola e agropecuria, deveria ser preferencialmente destinada a tais usos. A Bacia do Rio So Marcos que, situada ao sul do territrio do Distri-to Federal, , em sua realidade, formada de microbacias menores dos Ribei-res Alagado e Santa Maria. Em razo de suas condies ecolgicas, seria de uso prevalentemente agrcola e agropecurio.No intuito de assegurar organicidade e funcionalidade a cada UTB no contexto do macrozoneamento territorial, a equipe considerou a prevalncia de cada tipologia de uso e possveis superposies de atividades ans, segun-do suas respectivas vocaes ecolgicas.Com esse propsito, e em razo da fragilidade de muitos espaos, sub-espaos e segmentos da matriz ecolgica do territrio, a equipe reuniu mui-tos elementos para avaliar a capacidade de suporte de cada UTB e os respec-tivos limites de resistncia s atividades antrpicas previstas.Apartirdesseenfoque,eparaprevenirpossveisefeitoscontraprodu-centesnosistemadeequilbrioecolgicodequalquerUTB,causadospor disfunesnocontextoterritrio,populao,economia,meioambiente ,aequipeestabeleceualgunscritriosdeproporcionalidadeentreoses-paosdestinadossatividadesdapopulaoeosespaosnaturaisdesua sustentabilidade, preferencialmente centrados em reservas naturais do bio-ma cerrado, materializados em parques, orestas, matas ciliares e de galeria, reas de proteo e de perenizao de mananciais, lagoas, veredas e reas de monumentos naturais e de grande beleza cnica.Tais consideraes foram sintetizadas numa proposta de trabalho apro-vadapeladiretoriadaNovacap,razopelaqualfoitransformadaemme-todologiadetrabalhodoDepartamentode TerraseAgricultura(DTA),e utilizada na elaborao e implantao dos projetos de dezoito ncleos rurais, dentre os quais destacam-se Vale da Beno, Monjolo, Taguatinga, Guari-roba, Samambaia, Rio Preto, Tabatinga e Pipiripau, todos em reas de mi-crobaciashidrogrcaserespectivasreasdereservanaturaleproteode mananciais.No elenco de projetos dos ncleos rurais a serem elaborados e implanta-dos pelo DTA/Novacap constava o de guas Emendadas, com 366 parcelas fundirias e rea total de aproximadamente 14.600 hectares, em terras das antigas fazendas Palmeira, Monjolo, Bonsucesso, Pipiripau e Lagoa Bonita.Pararealizaroplanejamentodessencleorural,aequipeseguiuarotina de levantamento de dados e informaes sobre as potencialidades dos recursos naturaisdasreasindicadas,embasadoemrelatrios,cartogramasemosaicos aerofotogramtricos, sempre compatibilizados com observaes locais.Na primeira incurso exploratria de tais potencialidades em guas Emendadas, fomos surpreendidos pela magnitude daquela exuberante e diferenciadaveredaepeloscorposdguaquegeraeabriga,formando umespaodeincomparvelbelezacnicanodivisordeguasdeduas megabaciashidrogrcassul-americanas,deondepartememsentidos Inaugurao do Marco Simblico do divisor de guas das bacias do Paran e Tocantins/Araguaia, 1968. Foto: Arquivo Pblico do DF.Alceu Sanches(E), Governador Jos Ornelas(C), bilogo Ezequias Heringer (sentado) em visita Reserva Biolgica de guas Emendadas, 1983. Foto: Arquivo Pblico do DF.40 GUASE ME N DADASI I . 4CRI AODAUN I DAD E D E CON SE RVAOcontrrios dois cursos dgua: Vereda Grande, direcionado Bacia Ama-znica, e Fumal, da Bacia Platina.Alm dos aspectos hidrogeogrco e biocnico, a equipe decidiu exami-nar as caractersticas climticas e pedolgicas e outros componentes daquela regio,eavaliarosefeitosimpactantesdasatividadesdeumncleorural produtivo. Ao m de poucos dias, a equipe redigiu um documento conclu-sivo, ressaltando a inconvenincia da utilizao daquele espao em projeto que no fosse de preservao integral de todos os seus atributos naturais.Taldocumento,acrescidodeinformaesfotogrcasecartogra-mas, foi encaminhado diretoria da Novacap, que o aprovou por unani-midade, aps vrias visitas ao local, razo pela qual aquel