agroecologia e sementes criolas: um olhar sobre a ... · agricultura camponesa, agroecolgia e...

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1 AGROECOLOGIA E SEMENTES CRIOLAS: UM OLHAR SOBRE A COMUNIDADE MATA PRETA EM CATALÃO (GO) Liliana Beatriz da Silva Campus Catalão/UFG Geografia Trabalho e Movimentos Sociais - GETeM-CNPQ [email protected] Helena Angélica de Mesquita [email protected] Resumo Este texto traz uma reflexão sobre a importância em repensar as atuais formas de produção de alimentos, não intencionando aqui abrir debate sobre o que é melhor ou o que é pior, mas pensar a comunidade camponesa, a agroecolgia e as sementes crioulas como possibilidade de segurança alimentar. Expõe-se aqui a preocupação com a supervalorização da técnica em detrimento dos saberes populares tradicionais, a inquietação em se pensar um mundo agrícola controlado por sementes transgenéticamente modificadas e a grande utilização de agrotóxicos que provocam sérios danos. Relatando assim uma experiência de trabalho de campo no qual deparamos com experiências camponesas que contribuem sobremaneira para a compreensão das argumentações apresentadas no texto, realçando a importância do trabalho de campo para o processo de pesquisa. Palavras-chave: Trabalho de Campo. Transgenia. Camponês. Introdução A proposta deste texto é trazer algumas experiências, com o objetivo de contribuir com a discussão de temas relevantes como, agricultura camponesa, agroecologia e sementes crioulas, bem como de demonstrar que o trabalho de campo “representa, portanto, um momento do processo de produção do conhecimento que não pode prescindir da teoria, sob pena de tornar-se vazio de conteúdo”. (ALENTEJANO, ROCHA-LEÃO, 2006, p. 57). Partindo deste pressuposto, pretende-se, na prática, demonstrar como teorias e conhecimentos formulados sobre os temas propostos se realizam na Comunidade camponesa denominada Mata Preta no município de Catalão-GO. A Comunidade camponesa, a agroecologia e as sementes crioulas são hoje uma alternativa não só para a sobrevivência de muitos camponeses e pequenos agricultores, são a possibilidade de segurança alimentar e ambiental, com uma produção voltada a conservação da vida e vida com boa qualidade.

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Page 1: AGROECOLOGIA E SEMENTES CRIOLAS: UM OLHAR SOBRE A ... · Agricultura camponesa, agroecolgia e sementes crioulas Segundo Lima (2010, p. 37) existe um grande debate entre a resistência

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AGROECOLOGIA E SEMENTES CRIOLAS: UM OLHAR SOBRE A COMUNIDADE MATA PRETA EM CATALÃO (GO)

Liliana Beatriz da Silva Campus Catalão/UFG

Geografia Trabalho e Movimentos Sociais - GETeM-CNPQ [email protected]

Helena Angélica de Mesquita

[email protected]

Resumo Este texto traz uma reflexão sobre a importância em repensar as atuais formas de produção de alimentos, não intencionando aqui abrir debate sobre o que é melhor ou o que é pior, mas pensar a comunidade camponesa, a agroecolgia e as sementes crioulas como possibilidade de segurança alimentar. Expõe-se aqui a preocupação com a supervalorização da técnica em detrimento dos saberes populares tradicionais, a inquietação em se pensar um mundo agrícola controlado por sementes transgenéticamente modificadas e a grande utilização de agrotóxicos que provocam sérios danos. Relatando assim uma experiência de trabalho de campo no qual deparamos com experiências camponesas que contribuem sobremaneira para a compreensão das argumentações apresentadas no texto, realçando a importância do trabalho de campo para o processo de pesquisa. Palavras-chave: Trabalho de Campo. Transgenia. Camponês. Introdução A proposta deste texto é trazer algumas experiências, com o objetivo de contribuir com

a discussão de temas relevantes como, agricultura camponesa, agroecologia e sementes

crioulas, bem como de demonstrar que o trabalho de campo “representa, portanto, um

momento do processo de produção do conhecimento que não pode prescindir da teoria,

sob pena de tornar-se vazio de conteúdo”. (ALENTEJANO, ROCHA-LEÃO, 2006, p.

57). Partindo deste pressuposto, pretende-se, na prática, demonstrar como teorias e

conhecimentos formulados sobre os temas propostos se realizam na Comunidade

camponesa denominada Mata Preta no município de Catalão-GO.

A Comunidade camponesa, a agroecologia e as sementes crioulas são hoje uma

alternativa não só para a sobrevivência de muitos camponeses e pequenos agricultores,

são a possibilidade de segurança alimentar e ambiental, com uma produção voltada a

conservação da vida e vida com boa qualidade.

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A revolução industrial é para a humanidade um marco em termos de técnicas de

produção, não significou apenas uma transformação na maneira de produzir bens

manufaturados, foi uma revolução também na maneira de viver das pessoas, no

processo de urbanização e na produção de alimentos. No movimento do capitalismo

industrial monopolista, surgiram grandes corporações que a cada descoberta técnica

menospreza os modelos tradicionais de produção agropecuária. Dentre estas grandes

corporações estão a Monsanto e a Cargill, ambas estadunidenses e produtoras de soja

transgênica.

Este texto não considera o desenvolvimento da humanidade de maneira linear e

seguindo apenas o caminho do modelo agrário-agrícola atual, (PORTO-GONÇALVES

2004). Ao contrário pensa em modelos contraditórios, que se entrelaçam dentro do

contexto da evolução social e econômica da humanidade. Em pleno século XXI, fica

claro que todo avanço técnico produzido pelas grandes nações podem gerar catástrofes

ambientais e sociais. São vários os autores que acreditam naquilo que seria devaneio há

anos atrás, mas que neste século se faz necessário: o retorno à valorização da produção

de alimentos de maneira agroecológica, através de sementes crioulas e adubação verde.

Destacamos alguns destes autores são Altieri (2009), Zambelam, Froncheti (2002),

Porto-Gonçalves (2004), Mesquita (1993), e Mendonça (2004).

Existem também os movimentos sociais como Movimento das Mulheres Camponesas

(MMC), Comissão Pastoral da Terra (CPT), Movimento Camponês Popular (MCP),

Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) que lutam por justiça e equidade no

campo tentando impedir que o agronegócio venha subordinar definitivamente a

agricultura camponesa condenando a humanidade à insegurança alimentar. Concordam

com a necessidade de libertar o camponês da dependência de sementes e insumos

industrializados, emancipando e seres humanos e livrando os alimentos da

contaminação por agrotóxico e outros produtos químicos e o meio natural das agressões

provocadas pelo modelo de produção agrário/agrícola dito moderno: o agronegócio.

É interesse deste artigo, contribuir para que informações sobre o tema, alcance os

leitores, destacando a contribuição da pesquisa em campo aqui considerada essencial na

compreensão das realidades pesquisadas e na necessidade de refletir sobre as

contradições que envolvem a resistência dos camponeses.

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Agricultura camponesa, agroecolgia e sementes crioulas Segundo Lima (2010, p. 37) existe um grande debate entre a resistência e o

desaparecimento do campesinato dentro da expansão do modo de produção capitalista. Para os marxistas-leninistas a agricultura camponesa estaria fadada, no futuro, ao desaparecimento, pois a ascensão da forma capitalista de produção acabaria por romper com as estruturas vitais para a pequena exploração da terra, responsáveis pela inexorabilidade da forma de produção dos camponeses. (LIMA, 2010 p. 36).

Não é interesse e nem seria possível neste artigo justificar o pensamento marxista-

leninista considerando o contexto em que tal teoria foi pronunciada. Há de se destacar

aqui a lógica do desenvolvimento capitalista, que levaria a crer na impossibilidade da

manutenção do campesinato junto ao agronegócio. Porém, as contradições que

envolvem a sociedade, acabaram por estabelecer sua convivência, através da resistência

dos camponeses que lutam com diferentes estratégias para permanecerem na terra.

A evolução técnica apropriada pelo modo de produção capitalista colocou os homens

em uma cilada: deveria libertar o trabalhador de tantas horas de trabalho, deveria

apresentar soluções aos impactos ambientais, deveria acabar com a fome. Porém, seus

resultados foram invertidos ao esperado. O trabalhador continua explorado a níveis

extremos, Mesquita (1993), as agressões ao ambiente se intensificaram e a humanidade

não conseguiu resolver problemas milenares como a fome. Segundo Altieri, as

estratégias de desenvolvimento atual revelam-se limitadas, “não foram capazes nem de

atingir os mais pobres, nem de resolver o problema da fome, da desnutrição ou das

questões ambientais”. (ALTIERI, 2009 p. 19).

A agroecologia se traduz em um modelo de produção agrícola que objetiva restaurar a

saúde ecológica associada à preservação da diversidade cultural que nutre as

agriculturas locais (ALTIERI, 2009). Para Mesquita (2009) e Porto-Gonçalves (2006)

valorizar a agricultura local é considerar os saberes e os amplos conhecimentos dos

camponeses que vivem da terra. È compreender que mesmo sem grandes maquinários e

produtos químicos, muitos agricultores locais de geração em geração vêm transmitindo

as formas de produzir e o que produzir em seus locais de vivência. Ninguém melhor que

os Cerradeiros¹ para transmitir os conhecimentos sobre o que e como plantar em solos

do Cerrado, além de conhecer as possibilidades que o Cerrado possui em termos de

sementes, frutos e raízes de grande valor alimentício e medicinal.

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O conhecimento camponês sobre ecossistemas geralmente resulta em estratégias produtivas multidimensionais de uso da terra, que criam, dentro de certos limites ecológicos e técnicos, a auto-suficiência alimentar das Comunidades em determinadas regiões (Toledo et al., ALTIERI 2009, p.26).

Tentar compreender a agroecologia separando natureza e cultura seria incorrer em erro

grave, é preciso considerar que além dos conhecimentos técnicos a sabedoria popular

também se faz relevante quando se trata da produção de alimentos por camponeses. É

interessante a associação de conhecimentos técnicos “modernos” com os saberes

tradicionais, que possibilitam importantes informações a serem utilizadas no

desenvolvimento de manejos agrícolas apropriados a agrossistemas regionais. Porém o

que ocorre é a centralização da técnica em detrimento do conhecimento tradicional

popular. Segundo Ribeiro (2003), Através de milhares de anos e no mundo inteiro, as bases de sustentação da humanidade têm se apoiado nos processos de conhecimento do meio e na adaptação, disponibilização e criação de recursos para a alimentação, moradia, usos medicinais, vestimentas, abrigo, usos estéticos e outros, que os integrantes das várias culturas locais – indígenas, camponeses, pastoris, pescadores, habitantes dos bosques – têm realizado para sua sobrevivência, legando assim esse conhecimento e a possibilidade de utilizar esses recursos para toda a humanidade. Sempre foi um processo coletivo, aberto e livre. (RIBEIRO, 2003, p. 52).

Porto-Gonçalves (2004) afirma: que o processo de reprodução ampliada do capital que opera o atual modelo de produção agrário/agrícola está ancorado em dois pilares básico: (1) no uso de um modo de produção de conhecimento próprio do capital que se traduz na supervalorização da ciência e das técnicas ocidentais (que se querem universais); (2) na expansão das terras cultivadas, sobretudo em regiões onde as terras são baratas. (PORTO-GONÇALVES, 2004, p. 224-225).

Desta evolução técnica nasce a transgenia como sinônimo de progresso, como solução

para a fome, diminuindo a diversidade dos alimentos consumidos, transformando os

hábitos alimentares, exigindo quase uma padronização do modelo de produzir, com os

mesmos agrotóxicos, as mesmas máquinas, os mesmos fertilizantes e atualmente com as

mesmas sementes, sementes transgenéticamente modificadas. Na agricultura industrial as variedades industriais têm de ser freqüentemente renovadas ou trocadas por outras para manterem os rendimentos prometidos pelas empresas que as produzem e/ou porque se tornam vulneráveis às pragas e doenças (o que significa a esse tipo de agricultores ter de comprar novas sementes em cada Colheita). (RIBEIRO, 2003, p. 57).

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Na verdade os produtores são obrigados a comprar todo o “pacote”, sementes e insumos

capazes de elevar a produção a custos altos perdendo assim autonomia em relação aos

cultivos. Dentro deste modelo os agricultores ficam a mercê de alguns grupos mundiais

como a empresa norte-americana Monsanto, que se encarregam de abastecer o mercado

mundial com sementes e insumos industriais. Este controle industrial de sementes

produz barreiras para a expansão da agricultura de alimentos estabelecendo uma injusta

realidade, produz quem pode comprar sementes dos monopólios agrotecnológicos

mundiais. Em caso de catástrofes que afetassem o sistema de transporte mundial, a

humanidade sucumbiria à fome exceto devido ao fato que camponeses continuam

preservando sementes crioulas, que são selecionadas por eles mesmos para os próximos

plantios.

São esta sementes geneticamente modificadas (PORTO-GONÇALVES, 2004) pelo

desenvolvimento natural da agricultura, que produzem a possibilidade de reprodução da

vida. Não devem se perder ou serem abolidas do sistema de produção de alimentos

mundial, devem ser preservadas e protegidas para garantir segurança alimentar a este

planeta já tão desgastado.

No município de Catalão-GO, a Comunidade denominada Mata Preta é formada por um

conjunto de unidades camponesas que procuram preservar as sementes crioulas,

naturalmente produtivas, selecionadas e cultivadas pelos próprios agricultores.

Foi nesta Comunidade que um grupo de alunos de graduação e pós-graduação em

Geografia da UFG, teve a possibilidade de conhecer as experiências de produção

camponesa, especialmente o cultivo com sementes crioulas de milho e hortaliças

cultivadas no sistema agroelógico.

Comunidade camponesa Mata Preta Catalão-GO Sob a orientação dos Professores da Universidade Federal de Goiás Marcelo Rodrigues

Mendonça Campus Catalão e Adriano Rodrigues de oliveira Campus

Samambaia/Goiânia foi realizado o trabalho de campo á Comunidade camponesa da

Mata Preta no município de Catalão-GO a aproximadamente 20 km do perímetro

urbano. Os alunos já haviam realizado leituras e debates acerca do tema e em campo foi

utilizada a seguinte metodologia: distribuição dos alunos da graduação em grupos de

quatro, organizados com a mediação dos professores e dos mestrandos envolvidos na

atividade; Cada grupo foi responsável por um dos temas propostos de acordo com o

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trabalho de Campo cada “grupo de trabalho” se organizou internamente e distribuiu as

responsabilidades para melhor cumprimento das atividades realizadas; entre as

atividades destaca-se: conversas/entrevistas com professores, técnicos,

colaboradores/facilitadores e membros das Comunidades. Foi autorizado pelos

camponeses o uso das imagens e informações obtidas em Campo. Dentre as atividades

propostas, estava a produção de registros audiovisuais utilizados para enriquecer as

informações obtidas em todo o processo.

Este trabalho de campo foi realizado em 05/05/2012 e contou para a avaliação com

relatório que deveria conter: título; resumo; introdução; metodologia da pesquisa;

resultados alcançados e conclusões. Os relatórios foram apresentados e debatidos em

sala de aula.

Os temas abordados pelos grupos foram: Dinâmicas e conflitos territoriais: o

Movimento Camponês Popular e a luta pela permanência na terra; Terra e Gênero: a

ação das mulheres camponesas na Feira Camponesa; As práticas agroecológicas como

estratégia de reprodução camponesa; Relações de trabalho na agricultura camponesa; O

meio geográfico: usos e formas de apropriação; Sementes crioulas: usos, sentidos e

perspectivas.

A primeira Unidade Camponesa visitada foi a de Dona Valda onde Wendel Ferreira

(Coordenador do MCP Regional) e outros agricultores militantes do movimento

explicaram o significado para a Comunidade em fazer parte de um movimento

organizado em prol da permanência dos camponeses na terra. As camponesas ali

presentes recitaram o poema “Homens da Terra” de Vinícius de Moraes (2009, p. 68).

Elas se emocionaram e sensibilizaram os participantes do trabalho de campo.

“Nossa guerra forja e funde O operário e o camponês; Foi ele quem fez o forno Onde assa o pão que comeis. Nosso pão de cada dia Feito em vossa padaria Com o trigo que não colheis; Nosso pão que forja e funde O camponês e o operário No forno onde coze o trigo Para o pão que vos vendeis Nas vendas do latifúndio”. “Senhor latifundiário! Senhor grileiro de terra

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É chegada a vossa vez A voz que ouvis e que berra É o brado do camponês Clamando de seu calvário Contra a vossa mesquinhez”... “Queremos bonança e paz Para cuidar da lavoura Ceifar o capim que dá Colher o milho eu doura, Queremos que a terra possa Ser tão nossa quanto vossa Porque a terra não tem donos Senhores donos da terra. Queremos plantar no outono Para ter na primavera Amor em vez de abandono Fartura em vez de miséria”.

Vinícius de Moraes.

Em seguida foi servido o almoço camponês com um cardápio bastante típico: frango

caipira, salada de couve, carne de porco, angu de milho verde, preparados de maneira

coletiva para atender aos visitantes, curiosos em entender o modo de trabalho e vivência

dos moradores daquela Unidade Camponesa. O cardápio do almoço expressa a fartura

da mesa camponesa, considerando que todos os ingredientes foram produzidos ali na

Comunidade de maneira orgânica.

Após o almoço houve um período dedicado às entrevistas e exploração da propriedade

nas proximidades da casa, onde se pôde perceber os elementos utilizados na produção

para o autoconsumo, como criação de porcos, galinhas, pomar com plantas frutíferas,

hortaliças, (foto1), gado leiteiro e roça de milho proveniente de sementes crioulas. Após

estas observações foi realizada uma roda de conversa onde os alunos puderam dialogar

com os professores, militantes do Movimento Camponês Popular (MCP) e camponeses

ali presentes. Foi importante perceber a ajuda mútua, para a realização daquele almoço

para 80 pessoas. Os camponeses da Mata Preta reuniram os alimentos e o trabalho foi

coletivo, para realizar almoço e lanche, e também se reuniram para receber e contribuir

com esclarecimentos sobre a vivência e o trabalho no campo.

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Foto 1. Cesta preparada com alimentos do quintal de dona Dalva.

Autor: SILVA, L. B. (05-05-2012).

Vale ressaltar que nas casas camponesas, as mesas são ornamentadas com cestas de

legumes, verduras, frutas e flores.

Ao encerrar a visita na primeira residência, o grupo se dirigiu á residência do senhor

Luiz, que é o guardião do campo de experimento de Sementes Crioulas (banco de

sementes crioulas). É a atividade demonstrativa dos procedimentos para a seleção e

conservação destas sementes. Para o senhor Luiz e sua esposa (foto 2) as sementes

crioulas representam “a semente da vida”. Eles possuem muito orgulho em fazerem

parte do grupo que tenta protegê-las e reproduzi-las. São camponeses, pessoas que

entendem o significado de produzir condições para sua reprodução familiar e social.

A reprodução de sementes oferece possibilidade aos camponeses de se libertarem da

aquisição de sementes monopolizadas por corporações que as modificam, impedindo

que as famílias tenham acesso aos cultivares necessários ao autoconsumo. Além das

sementes crioulas. A propriedade de experimento do Sr. Luiz cuida também dos

produtos utilizados na adubação verde. Foto 2.

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Foto 2. Senhor Luiz e esposa: guardiões do banco de sementes crioulas da Comunidade camponesa da Mata Preta em Catalão-GO.

Autor: SILVA, L. B. (05-05-2012).

Na seqüência nosso aprendizado continua na Unidade Camponesa da Senhora Eristânia

onde os sabores camponeses novamente se apresentaram através do lanche, preparado

de forma coletiva pelas famílias envolvidas neste trabalho. A senhora Eristânia se

destaca por fazer parte do grupo de mulheres que comercializam os produtos orgânicos

que cultivam na feira (feira das mulheres camponesas) que é realizada na cidade de

Catalão uma vez na semana. Ela vende o excedente e contribui para a renda da família.

Além dos sabores, os saberes camponeses (MESQUITA 2009) também se apresentaram

naquele momento da visita em uma roda de conversa, demonstrando quantos

conhecimentos se pode adquirir com a sabedoria daquelas pessoas. São saberes

produzidos, reproduzidos e passados de geração a geração, que produzem. “Por

empírico entende-se o conhecimento baseado em experiências de anos e anos

(milenares) que marcaram a evolução da humanidade e sua relação com a natureza”.

(ZAMBERLAM, FRONCHETI, 2002, P. 94).

O trabalho foi encerrado na propriedade do senhor Divino, que possibilitou ao grupo

acompanhar o processo artesanal da produção da rapadura. O senhor Divino, a mulher e

a filha, ainda pequena, mas que também ajuda nas tarefas, retiram do trabalho com a

cana e derivados o sustento da família que é complementado com a comercialização de

ovos, quitandas, doces, leite derivados. O Excedente que produzem é comercializado na

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feira de mulheres camponesas e contribui para a renda da família que aufere seu

sustento da terra com próprio trabalho. Fotografia 3.

Foto 3. Produção de rapadura na Unidade Camponesa da família do senhor Divino.

Autor: SILVA, L. B. (05-05-2012).

Considerações finais Após a Revolução industrial o mundo vem passando por várias outras revoluções como

a revolução urbana, a revolução técnica e a revolução Verde, responsáveis por

transformações radicais na forma de viver, trabalhar e pensar no Brasil e no mundo. No

século XXI o culto ao moderno e desprezo dos saberes daqueles que não são, por

exemplo, o roceiro considerando apenas um modelo de desenvolvimento para a

humanidade, o caminho que leva ao consumismo, ao individualismo, a degradação

ambiental, e o do desejo de ter sempre mais.

Todo esse “progresso” tem conseqüências, como a implantação do modelo de produção

agrário/agrícola no campo, expulsando milhares de camponeses que milenarmente

sobrevivem sem a contribuição de tantos avanços tecnológicos. Não se propõem aqui

uma defesa ao retrocesso, consideramos a importância da evolução tecnológica no

auxílio à saúde, transporte, comunicação, produção agrícola e tantos outros benefícios

que esta evolução oferece. O que se questiona é a imposição de apenas um modelo de

desenvolvimento, o modelo imposto pelo modo de produção capitalista, que não

permite, por exemplo, a democratização de tanto “progresso”.

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A Comunidade camponesa Mata Preta comprova a razão destas palavras, não possui

acesso a tanta tecnologia, talvez seus moradores nunca tenham ouvido falar da maioria

delas, porém, produzem sua própria vivência com respeito ao ambiente. A Comunidade

desfruta de bens que ajudam no conforto, bem estar e lazer, como eletricidade,

televisão, telefone celular e internet, mas preservam as relações sociais, as amizades, a

cooperação, a solidariedade e a preocupação com a mesa farta, o trabalho familiar, etc.

Nota

______________________ 1 “refere-se às classes sociais que historicamente viveram nas áreas do Cerrado constituindo formas materiais e imateriais de trabalho, denotando relações sociais de produção e de trabalho muito próprias e em acordo com as condições ambientais, resultando em múltiplas expressões culturais. Atualmente se configuram nos trabalhadores da terra, camponeses e demais trabalhadores que lutam pela terra e pela reforma agrária, territorializando ações políticas contra o capital”. (MENDONÇA, 2004, P.29.)

Referências ALENTEJANO, Paulo R. R.; ROCHA-LEÃO, Otávio M. Trabalho de campo: uma ferramenta essencial para os geógrafos ou um instrumento banalizado? Trabalho de campo. Boletim Paulista de Geografia. AGB, São Paulo: 2006 n 84, p. 51-68, ALTIERI, Miguel. Agroecologia: a dinâmica produtiva da agricultura sustentável. Porto Alegre. Editora UFRGS, 5 ed. 2009. DOURADO, José Aparecido Lima. REFLEXÕES PARADIGMÁTICAS SOBRE A QUESTÃO AGRÁRIA NO BRASIL: dissídios e consensos. Revista Campo-Território: revista de geografia agrária, fevereiro 2010, v. 5, n. 9, p. 33-50. MENDONÇA, Marcelo Rodrigues. A urdidura espacial do capital e do trabalho no Cerrado do sudeste goiano. Tese de doutorado em Geografia-Universidade Estadual Paulista/Presidente Prudente. Presidente Prudente, 2004. MESQUITA, Helena Angélica de. A Modernização da Agricultura: um caso em Catalão (Goiás). Dissertação de Mestrado em História das Sociedades Agrárias – ICHL – UFG - Goiânia, 1993 (Dissertação de Mestrado). ______MESQUITA, Helena angélica de. Onde estão as flores, as cores, os odores, os saberes e os sabores do Cerrado brasileiro? O agro/hidronegócio comeu! Revista Terra Livre, ano 25, n.33, 2009, p.17-33 MORAES Vinícius. Alimentando Sonhos: Cantos e Poesias. Movimento Camponês Popular. Catalão. Gráfica Modelo, 2009.

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