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PESAGRO-RIOEmpresa de Pesquisa Agropecuria do Estado do Rio de Janeiro

Agricultura OrgnicaRegulamentos tcnicos e acesso aos mercados dos produtos orgnicos no BrasilMaria Fernanda de Albuquerque Costa Fonseca

Niteri-RJ 2009

PESAGRO-RIOEmpresa de Pesquisa Agropecuria do Estado do Rio de Janeiro

Agricultura OrgnicaRegulamentos tcnicos e acesso aos mercados dos produtos orgnicos no BrasilMaria Fernanda de Albuquerque Costa Fonseca

Colaboradoras: Claudia de Souza Gisele Ribeiro Rocha da Silva Nathalia Fendeler Colnago Shirlene Consuelo Alves Barbosa

Niteri-RJ 2009

PESAGRO - RIO Empresa de Pesquisa Agropecuria do Estado do Rio de Janeiro Alameda So Boaventura, 770 - Fonseca - 24120-191 - Niteri - RJ Telefones: (21) 3607-5409 e (21) 3607-5608 E-mail: [email protected] EENF - Estao Experimental de Nova Friburgo Rua Euclides Solon de Pontes, 30 - Centro - 28625-020 - Nova Friburgo - RJ Telefones: (22) 2527-6135 e (22) 2527-6371 E-mail: [email protected]

Governador do Estado do Rio de Janeiro Srgio Cabral Secretrio de Estado de Agricultura, Pecuria, Pesca e Abastecimento Christino ureo da Silva DIRETORIA DA PESAGRO-RIO Presidente Silvio Jos Elia Galvo Diretor Tcnico Arivaldo Ribeiro Viana Diretor de Administrao Jos Antnio Cordeiro Cruz

Fonseca, M. F. de A. C. Agricultura orgnica: regulamentos tcnicos para acesso aos mercados dos produtos orgnicos no Brasil / Maria Fernanda de Albuquerque Costa Fonseca, com a colaborao de Cludia de Souza... [et al.]. -- Niteri : PESAGRO-RIO, 2009. 119 p. : il.; 23cm. ISBN 978-85-62557-01-9 1. Agricultura orgnica. 2. Regulamentao - Mercado Brasil. I. Souza, Cludia de. II. Ttulo. CDD 631.584

ApresentaoEste livro pretende esclarecer, de forma geral, a regulamentao da agricultura orgnica, com o objetivo de contribuir para a deciso de tcnicos e produtores sobre as regras a seguir para que possam acessar os mercados e aumentar a oferta de produtos orgnicos populao. O arcabouo legal que dispe sobre a agricultura orgnica no Brasil inclui a Lei n 10.831/2003, os Decretos n 6.323/2007 e n 6.913/2009 (BRASIL. Presidncia da Repblica, 2003, 2007, 2009b), as Instrues Normativas n 54 Das Comisses e n 64 Dos Sistemas Orgnicos de Produo Animal e Vegetal (BRASIL, 2008a, 2008b) e as Instrues Normativas n 17 Do Extrativismo Sustentvel Orgnico, n 18 Do Processamento, Armazenamento e Transporte e n 19 Dos Mecanismos de Controle e Informao da Qualidade Orgnica (BRASIL, 2009a, 2009b, 2009c). Esse arcabouo legal fruto de discusso entre governo, academia e sociedade, aprovado pela Cmara Temtica de Agricultura Orgnica (CTAO), organismo do Ministrio da Agricultura, Pecuria e Abastecimento (MAPA), onde aconteceram as discusses para a regulamentao da Lei n 10.831/03 desde maro de 2004. Questes ligadas assessoria tcnica para cumprir os regulamentos tcnicos de produo na agricultura orgnica, ou seja, para a correo das no conformidades, no sero tratadas. Tambm no se abordar o que pode e o que no pode ser adotado nos sistemas de produo, nem se fornecer levantamento das polticas de fomento comercializao, como os Servios de Comercializao de Produtos da Agricultura Familiar e Economia Solidria - SECAFES (fomentada pela SDT/MDA - Secretaria de Desenvolvimento Territorial do Ministrio do Desenvolvimento Agrrio). Tampouco se abordar o Programa de Aquisio de Alimentos da Agricultura Familiar (PAA), operado pela Companhia Brasileira de Abastecimento (CONAB) ou a participao em eventos com misso de cultura exportadora, como a Biofach, na Alemanha.

O documento aborda, principalmente, os mecanismos de controle e informao da qualidade orgnica que possibilitam o funcionamento dos mercados de produtos orgnicos e o acesso a diversos canais de comercializao. O Captulo I trata da histria da institucionalizao da agricultura orgnica, das dimenses da sustentabilidade e dos princpios da agroecologia, do crescimento da produo e dos mercados no mundo e no Brasil. O Captulo II, com base na Lei, no Decreto 6.323/07 e nas Instrues Normativas, trata dos princpios da agricultura orgnica, do conceito de qualidade orgnica e dos critrios de avaliao da conformidade aceitos na regulamentao da agricultura orgnica no Brasil, enfatizando os mecanismos de acesso ao mercado interno em diferentes canais de comercializao. O Captulo III, de forma resumida, apresenta os resultados do estudo dos trs canais de comercializao no Estado do Rio de Janeiro: feiras, mercados institucionais e distribuidoras de produtos orgnicos (realizado com recursos do projeto FAPERJ E-26/110.670/2007).

Dedicatria

Aos meus pais, ao companheiro Felipe e aos amigos Baslio, Rolf, Frida, Hanna e Otto.

Agradecimentos

participao colaborativa de agricultores, tcnicos e consumidores, sem a qual este livro, bem como toda a regulamentao da agricultura orgnica, no teriam sido possveis.

SiglasAAO - Associao de Agricultura Orgnica. AAOCERT - Organismo de certificao oriundo da AAO, com sede em So Paulo (extinto). ABD - Associao Brasileira de Biodinmica. ABIO - Associao dos Agricultores Biolgicos do Rio de Janeiro. ANC - Associao de Agricultura Natural de Campinas e Regio. AO - Agricultura Orgnica. AOC - Agricultura Orgnica Controlada. APEX - Agncia Promotora das Exportaes do Brasil. BCS - Organismo de Certificao Alemo. BIOLATINA - Associao de Organismos de Certificao de Agricultura Orgnica Latino-Americanos. BOLICERT - Organismo de Certificao de Produtos Orgnicos da Bolvia. CDC - Cdigo de Defesa do Consumidor. CEASA - Centrais de Abastecimento do Estado do Rio de Janeiro S.A. CNPOrg - Comisso Nacional para a Produo Orgnica. CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico. COAGRE - Coordenao de Agroecologia do MAPA. CONAB - Companhia Nacional de Abastecimento. COOPET - Cooperativa de Consumidores Ecolgicos de Trs Cachoeiras. CPOrg-RJ - Comisso da Produo Orgnica do Rio de Janeiro. CPOrg-UF - Comisses da Produo Orgnica nas Unidades da Federao. CSAO - Cmara Setorial de Agricultura Orgnica. CTAO - Cmara Tcnica de Agricultura Orgnica. EBAAs - Encontros Brasileiros de Agricultura Alternativa. ECOCERT - Organismo de certificao francs com representante no Brasil, a ECOCERT Brasil, em Santa Catarina. FAEAB - Federao das Associaes de Engenheiros Agrnomos do Brasil. FAO - Food and Agricultural Organization/Organizao para Agricultura e Alimento da ONU. FiBL - Research Institute of Organic Agriculture/Instituto de Pesquisa da Agricultura Orgnica, na Sua. FTI - Fora Tarefa Internacional. FUNDAGRO - Fundao de Apoio ao Desenvolvimento Rural Sustentvel do Estado de Santa Catarina, como organismo de certificao j extinto. FVO - Farm Verified Organic/Fazenda Orgnica Verificada - Organismo de certificao com sede nos EUA que trabalha no Brasil. GAO - Grupo de Agricultura Orgnica. GT CPR - Grupo de Trabalho de Certificao Participativa em Rede do GAO. IBD - Associao Instituto Biodinmico de Certificao. IFOAM - International Federation of Organic Agriculture Movements/Federao Internacional dos Movimentos da Agricultura Orgnica.

IMO - Organismo de certificao suo, com representante no Brasil - IMO Brasil/SP. IN - Instruo Normativa. INMETRO - Instituto Nacional de Metrologia, Normalizao e Qualidade Industrial. IOAS - International Organic Accreditation Service/Servio Internacional de Acreditao de Orgnicos. ISEAL Alliance - International Social and Environmental Accreditation and Labelling Alliance/Aliana Internacional para Acreditao e Rotulagem Internacional em Critrios Sociais e Ambientais. MAELA - Movimento Agroecolgico da Amrica Latina e Caribe. MAPA - Ministrio da Agricultura, Pecuria e Abastecimento. MCT - Ministrio da Cincia e Tecnologia. MDA - Ministrio do Desenvolvimento Agrrio. MDIC - Ministrio do Desenvolvimento, Indstria e Comrcio Exterior. MDS - Ministrio do Desenvolvimento Social e Combate Fome. MMA - Ministrio do Meio Ambiente. MS - Ministrio da Sade. MTE - Ministrio do Trabalho e Emprego. NOP - National Organic Program/Programa Nacional Orgnico do Ministrio da Agricultura dos EUA. OAC - Organismo de Avaliao da Conformidade. OC - Organismos de Certificao. OMC - Organizao Mundial do Comrcio. ONU - Organizao das Naes Unidas. OMS - Organizao Mundial da Sade. OPAC - Organismo Participativo de Avaliao da Conformidade. PAA - Programa de Aquisio de Alimentos da Agricultura Familiar. PPA - Plano Plurianual do Governo Federal. REBRAF - Rede Brasileira de Certificao da Agricultura Familiar. SAF - Secretaria da Agricultura Familiar do MDA. SDT - Secretaria de Desenvolvimento do Territrio do MDA. SEBRAE - Servio Brasileiro de Apoio Pequena e Mdia Empresa. SECEX - Secretaria de Comrcio Exterior do MDIC. SIC - Sistema Interno de Controle. SISORG - Sistema Brasileiro de Avaliao da Conformidade Orgnica. SPG - Sistemas Participativos de Garantia. SPS - Sanitary and PhitoSanitary Measures/Acordo de Medidas Sanitrias e Fitossanitrias da OMC. TBT - Technical Barriers to Trade/Acordo de Barreiras Tcnicas ao Comrcio da OMC. TECPAR - Instituto de Tecnologia do Paran - organismo de certificao. UE - Unio Europeia. UFRuralRJ - Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. UNCTAD - United Nations Conference on Trade and Development/Conferncia das Naes Unidas para o Comrcio e o Desenvolvimento. WWF - World Wide Fund for Nature/Fundo Mundial para a Natureza.

SumrioIntroduo....................................................................................................12

Captulo I A agroecologia e a agricultura orgnica1. Um pouco de histria e conceitos................................................................18 2. Agroecologia: princpios e dimenses........................................................19 - Dimenses da sustentabilidade...............................................................20 - Alguns princpios da agroecologia..........................................................23 - Fontes de conhecimento e passos da transio agroecolgica..................24 3. A institucionalizao da agricultura orgnica..............................................27 - No mundo...............................................................................................27 - No Brasil.................................................................................................28 - Crescimento da produo e do mercado...................................................30

Captulo II A regulamentao tcnica da agricultura orgnica no Brasil para acesso aos mercados internos1. Princpios e qualidades da agricultura orgnica...........................................39 - Princpios................................................................................................39 - Qualidades orgnicas..............................................................................41 2. Critrios de avaliao da conformidade......................................................42 - Tipos de avaliao da conformidade........................................................43 3. Acesso ao mercado interno.........................................................................46 - Venda direta com certificao facultativa................................................47 - Sistema Brasileiro de Avaliao da Conformidade Orgnica...................51 - Rotulagem e identificao.......................................................................68

4. Certificao e SPG: importncia, limites e desafios....................................72 - Certificao............................................................................................72 - Sistemas Participativos de Garantia........................................................74 5. Estimativas de custos da avaliao da conformidade...................................76

Captulo III Os mercados de produtos orgnicos no Estado do Rio de Janeiro: feiras, mercados institucionais e distribuidoras1. O projeto FAPERJ: circuitos curtos de comercializao..............................78 2. A comercializao dos produtos orgnicos..................................................81 3. As feiras da agricultura orgnica.................................................................83 4. Os mercados institucionais de produtos orgnicos......................................87 5. As distribuidoras.........................................................................................91 Bibliografia consultada..............................................................................100 Referncias bibliogrficas.........................................................................101 Endereos eletrnicos de interesse............................................................109 Glossrio.....................................................................................................110 Anexos.........................................................................................................114

Agricultura OrgnicaRegulamentos tcnicos e critrios para acesso aos mercados dos produtos orgnicos no BrasilMaria Fernanda de Albuquerque Costa Fonseca Cludia de Souza2 Gisele Ribeiro Rocha da Silva 3 Nathalia Fendeler Colnago 4 Shirlene Consuelo Alves Barbosa51

IntroduoA produo e o mercado de produtos da agricultura orgnica crescem no mundo e no Brasil. Em 2006, havia 630 mil unidades certificadas no mundo, ocupando cerca de 30 mil hectares. O Brasil ocupava o 6 lugar em volume de rea, com 842 mil hectares e 15 mil unidades. A demanda pelos produtos orgnicos est aumentando no mundo, com vendas no varejo estimadas em US$ 33 bilhes em 2005 (WILLER; YUSSEFI, 2007) e em US$ 46 bilhes em 2006 (MAPEAMENTO..., 2008), resultado dos esforos de diferentes agentes da cadeia, tanto pelo lado da oferta (diversidade de produtos, canais de comercializao, certificao) quanto da demanda (preocupao com a sade, com a inocuidade dos alimentos e com a proteo natureza), e das polticas pblicas estabelecidas. No Brasil, organizaes pblicas e privadas participam do desenvolvimento da agricultura orgnica desde os anos 80, por meio de projetos de C&T e de P&D e da elaborao de polticas pblicas de mbito local, nacional e internacional.1

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Zootecnista, PhD em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade pela UFRuralRJ/CPDA. Pesquisadora da PESAGRO-RIO/Estao Experimental de Nova Friburgo. Rua Euclides Solon de Pontes, 30, Fundos - Centro - 28625-020 - Nova Friburgo - RJ. Eng. Agrnoma, consultora da ABIO - Associao dos Agricultores Biolgicos do Rio de Janeiro e do Programa de Microbacias Hidrogrficas da Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuria, Pesca e Abastecimento. Tcnica Agrcola, bolsista da FAPERJ TCT2. Estudante de Direito, bolsista de iniciao cientfica da FAPERJ. Economista Domstica, M.Sc. em Extenso Rural, consultora do Programa de Microbacias Hidrogrficas da Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuria, Pesca e Abastecimento.

Informaes sobre produo e comercializao da agricultura orgnica no Brasil so relativamente escassas. No existe controle oficial sistemtico dos dados enquanto a regulamentao da Lei 10.831 no for implantada, embora alguns estados (PR, MG, por exemplo) e o Distrito Federal realizem estatsticas rurais. 6 No Brasil, a agricultura orgnica controlada (AOC) pelas associaes, cooperativas e ONGs, de acordo com levantamento feito pelo MAPA, teve sua rea aumentada em 500% nos ltimos 4 anos, alcanando 850 mil hectares e 19 mil projetos envolvidos (BRASIL, 2005). O mercado era estimado em cerca de US$ 1 milho em 2003, com crescimento a taxas de 20% ao ano. Levantamento realizado pelo SEBRAE-RJ, em 2004, em 611 pontos de comercializao dos orgnicos no Brasil, mostrou que, em termos percentuais, o nmero de pontos de comercializao em supermercados era praticamente idntico ao nmero de pontos de venda dos produtos orgnicos em feiras, associaes, cooperativas e redes de consumo (FONSECA, 2005). Em 1985, foi criada, no Rio de Janeiro, a ABIO - Associao de Agricultores Biolgicos do Rio de Janeiro, por tcnicos e produtores orgnicos que comercializavam seus produtos isoladamente e que buscaram, de forma associativa, facilitar a comercializao atravs de estrutura comum de pontos de varejo. A ABIO sempre procurou apoiar aes que favoream a comercializao dos orgnicos: em 1988, foi realizada a primeira feira especfica de produtos orgnicos em Nova Friburgo; em 1989, teve incio a venda de orgnicos em box da Cobal do Humait e, em 1995, foi inaugurada a Feira Ecolgica da Glria, na cidade do Rio de Janeiro, onde permanece at hoje. No Rio de Janeiro, os produtos orgnicos chegaram aos supermercados a partir de 1996. Entretanto, ainda hoje persistem pontos de estrangulamento para os produtores comercializarem atravs desse canal: o baixo volume de produo; a descontinuidade na quantidade e na qualidade ofertada; a fraca infraestrutura de produo e comercializao; a baixa disponibilidade de recursos produtivos (capital6

No Brasil, no se considera somente a agricultura orgnica certificada, pois so reconhecidas outras formas de avaliao da conformidade, como os sistemas participativos de garantia e a venda direta com controle social (FONSECA; CARRANO, 2006; BRASIL, 2009c).

e mo-de-obra); a fraca organizao dos pequenos produtores e trabalhadores rurais; a baixa remunerao aos produtores pelo produto orgnico e a escassa promoo dos alimentos orgnicos (GUIVANT et al., 2003). Alm disso, consumidores e gerentes de loja tm conscincia limitada em relao aos rtulos orgnicos e aos princpios e benefcios da AOC (DAROLT, 2002; OLIVEIRA, 2005). Em funo dessa incerteza, os varejistas acreditam no potencial dos produtos orgnicos, mas se preocupam particularmente com a segurana e a continuidade da oferta, alm das exigncias de qualidade, preo e variedade, exigncias comuns s frutas, legumes e verduras produzidos convencionalmente. Os atuais hbitos de compra dos consumidores - diversidade, frequncia, rapidez, frescor, entrega em domiclio, compra pela internet, ambiente agradvel de compra, estacionamento para veculos - os levam s compras em supermercados. Outras feiras, porm, foram implantadas em Niteri, Campo Grande, Itaipava, Terespolis e Campos dos Goytacazes e, mais recentemente, iniciativas em Paty do Alferes, Petrpolis, Nova Iguau, Casimiro de Abreu, Silva Jardim e Nova Friburgo. A histria recente da AOC no Estado do Rio de Janeiro marcada por ciclos de expanso e de retrao do nmero de unidades controladas e da oferta de produtos orgnicos. Nos momentos em que, pelo fomento de polticas pblicas ou pela abertura de canais de distribuio, os mercados sinalizam aumento da demanda, produtores convertem seus sistemas de produo e buscam mecanismo de avaliao da conformidade como garantia de que o produto segue os regulamentos tcnicos da AOC. Essa busca est ligada expectativa de garantia de escoamento dos produtos e de melhor remunerao pelo valor agregado ao produto orgnico, associada aos aspectos sociais e ambientais. Sem considerar os problemas na esfera da produo, quando esgotadas/frustradas as possibilidades dos novos canais por vrios fatores, parte desses produtores retorna agropecuria convencional ou mesmo abandona a atividade. As consequncias desses ciclos de expanso e de retrao traduzem-se na aparente estagnao ou no lento crescimento do nmero de produtores orgnicos certificados/ controlados e dos volumes de produtos orgnicos produzidos no Rio de

Janeiro e comercializados no grande varejo. Apesar das iniciativas 7 pblicas e privadas voltadas para o estmulo converso dos sistemas produtivos para a AOC, e da diversidade de experincias implantadas nas reas de produo, h poucas aes positivas de comercializao desenvolvidas. No que tange caracterizao dos produtores orgnicos, seguindo tendncia no meio rural j detectada no final dos anos 90 em pesquisa da Rede Agroecologia Rio (FONSECA, 1999), a renda no agrcola est cada vez mais presente na AOC. Entre 2005 e 2006, oito em cada dez produtores que buscaram a certificao da ABIO eram originrios do meio urbano, dispondo de outra fonte de renda e mantendo expectativas na AOC mais como projeto de vida alternativa e menos como atividade econmica (FONSECA, 2007). Por diferentes fatores (logstica e escala, entre outros), as distribuidoras estabelecidas no Estado do Rio de Janeiro encontram-se em situao econmica frgil ou dependem de capitais oriundos de outras atividades. A perspectiva de que a expanso da AOC, principalmente entre os agricultores familiares e pequenos empreendimentos, impulsionasse um rearranjo social que revertesse a tendncia de esvaziamento do meio rural no estado tampouco vem se concretizando. Por tratar de princpios que consideram os aspectos ambientais, sociais e econmicos, a AOC alternativa capaz de contribuir para a mitigao do aquecimento global e para a sobrevivncia da agricultura familiar e dos pequenos empreendimentos, estancando a excluso social e a degradao ambiental provocada pela revoluo verde. Entretanto, considerando as condicionantes de mercado, a AOC vem frustrando essa expectativa de expanso sustentvel.

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No Rio de Janeiro, alm do PMV-Cultivar Orgnico da SEAPPA, h iniciativas da Embrapa Agrobiologia e Embrapa Agroindstria de Alimentos, da UFF, da UFRuralRJ e da UFRJ, do SEBRAE-RJ, da UNACOOP, da ASPTA e do IDACO, entre outras. No mbito federal, o PRORGNICO do MAPA e, no MDA, por meio do PRONAF (crdito), o Programa de Assistncia Tcnica e Extenso Rural, o Programa de Desenvolvimento dos Territrios e o Programa Mais Alimentos, alm da linha de crdito BB Agricultura Orgnica, do Banco do Brasil.

DESENVOLVIMENTO DA AGRICULTURA ORGNICA Algumas iniciativas no Estado do Rio de Janeiro 1979 - Criao da COONATURA no Rio de Janeiro, cooperativa de consumidores. 1984 - II EBAA - Encontro Brasileiro de Agricultura Alternativa, com apoio da Federao das Associaes dos Engenheiros Agrnomos do Brasil, reunindo estudantes e profissionais. 1985 - Criao da ABIO e da Feirinha da Sade em Nova Friburgo. 1988 - Box da ABIO na COBAL do Humait. 1992 - Fazendinha Agroecolgica - Parceria EMBRAPA, PESAGRO e UFRuralRJ no municpio de Seropdica. Sistema Integrado de Produo Agroecolgica no qual pesquisadores, estudantes, tcnicos e produtores interagem para a construo do conhecimento (capacitao de produtores e tcnicos, elaborao de dissertaes e teses). 1994 - Criao da Feira Orgnica e Cultural da Glria, organizada pela ABIO e pela COONATURA; ABIO participa das reunies para discusso das normas nacionais da agricultura orgnica. 1998 - Rede Agroecologia Rio - Projeto com recursos FINEP/ FAPERJ (1998 e 1999) para o desenvolvimento da agricultura orgnica - parceria EMBRAPA, EMATER, PESAGRO, UFRuralRJ, ABIO, ASPTA e Agrinatura. 2002 - I ENA - Encontro Nacional de Agroecologia, organizado com o apoio da Secretaria Estadual de Agricultura e da FAPERJ, que reuniu 1.200 pessoas (produtores, estudantes e profissionais) para discutir polticas pblicas para o desenvolvimento da Agroecologia. 2002 - Criao do GAO - Grupo de Agricultura Orgnica, grupo eletrnico moderado pela PESAGRO-RIO, que congrega pessoas e organizaes (pblicas e privadas) para fomentar as discusses e acordos sobre os regulamentos tcnicos para a agricultura orgnica, em mbito nacional e internacional. 2003 - Participao na construo da Lei 10.831, que dispe sobre a agricultura orgnica e sua regulamentao com apoio de projeto de P&D com recursos CNPq (2001) e aes apoiadas por outras fontes pblicas (MAPA, MDA).

2004 - Programa Moeda Verde - Cultivar Orgnico da Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuria, Pesca e Abastecimento (SEAPPA). 2004... - Capacitao de produtores e tcnicos para a agricultura orgnica - Iniciativa de produo orgnica usando compostagem, estimulada pela EMATER-RIO em parceria com a Secretaria Municipal de Agricultura, Associao de Produtores Orgnicos de So Jos Vale do Rio Preto e EMBRAPA Agrobiologia. Criao da Rede Ecolgica, grupo organizado de consumidores de produtos agroecolgicos, da agricultura familiar e da economia solidria. Criao da Articulao de Agroecologia do Rio de Janeiro (AARJ). 2005 - 2006 - Participao na construo do Decreto 6.323 (2007) e das Instrues Normativas 54 e 64 (2008), 17, 18 e 19 (2009). Participao nas discusses para alterao da Lei de agrotxicos, no intuito de permitir produtos fitossanitrios com uso aprovado na agricultura orgnica, que resultaram no Decreto 6.913 (2009). 2006 - 2007 - Projetos de produo de sementes orgnicas e apoio a

processos de avaliao da conformidade dos produtos orgnicos. Essas duas aes de P&D foram executadas com recursos do Programa Rio Inovao, da FAPERJ: o de sementes, pela PESAGRO-RIO e o de avaliao da conformidade dos produtos orgnicos pela ABIO. 2005... - Gerenciamento Integrado de Agroecossistemas em Microbacias Hidrogrficas nas regies Norte e Noroeste do Estado do Rio de Janeiro - Programa Rio Rural, executado pela SEAPPA, EMATER e PESAGRO em parceria com a COPPE/UFRJ, Embrapa Solos e UENF, com recursos do Banco Mundial. 2007 - 2008 - Projeto FAPERJ coordenado pela PESAGRO-RIO em

parceria com a EMATER-RIO, Embrapa Agrobiologia, Embrapa Tecnologia de Alimentos, UFRuralRJ, MAPA/SUREG-RJ e ABIO para pesquisa sobre o mercado de produtos orgnicos. Projeto CNPq coordenado pela UFF para fomentar a AARJ. 2008 - 2009 - Projeto ABIO com recursos SEBRAE-RJ para trabalhar os orgnicos na perspectiva do comrcio justo e no desenvolvimento dos mercados institucionais. Projeto ABIO com recursos MDA para estimular a certificao e os sistemas participativos de garantia entre os seus membros. Acesso de 10 produtores orgnicos, membros da Associao dos Produtores Orgnicos de Petrpolis, certificados pela ABIO, ao Programa de Aquisio de Alimentos da Agricultura Familiar - PAA.

Captulo I A agroecologia e a agricultura orgnica1. Um pouco de histria e conceitosA denominao agricultura alternativa foi adotada nos anos 70 e 80 por falta, poca, de denominao mais especfica e precisa, j que no significava modelo ou conjunto de tcnicas, mas sim o conjunto de movimentos alternativos em torno de formas no industriais de agricultura. Esses movimentos remontam ao aparecimento da agricultura industrial, no incio do sculo XX, poca em que se introduziam na Europa Ocidental e na Amrica do Norte as prticas para a disseminao da Revoluo Verde. Compreendem agroecossistemas denominados orgnico, biodinmico, natural, regenerativo, ecolgico, 8 biolgico, agroecolgico e da permacultura . Adotando enfoque regulamentar nos primeiros anos de popularizao dos nomes e mercados de produtos da agricultura no industrial, houve intenso debate na Europa entre representantes das indstrias de insumos agrcolas e representantes e ativistas dos movimentos de agricultura alternativa. Os representantes da agricultura industrial argumentavam que essas denominaes eram incorretas, pois, mesmo com o uso dos insumos industriais, os processos biolgicos e os processos orgnicos no deixavam de acontecer. Essa polmica chegou aos tribunais europeus (Alemanha). Aparentemente, os orgnicos conseguiram garantir a denominao agricultura orgnica como exclusividade do modelo de agricultura no 9 industrial, reconhecido e registrado em normas internacionais e regulamentos tcnicos nacionais. Durante a polmica, alguns dos defensores da agricultura no industrial propunham a adoo do nome agricultura ecolgica para se escapar dos problemas levantados pela indstria de insumos.8

Para mais informaes sobre as diferentes formas de agricultura, consultar Aquino; Assis (2005). 9 Na agricultura orgnica, as normas internacionais consideradas referncia so o Codex Alimentarius e as da IFOAM - International Federation Organic Agriculture Movements (mais informaes em MEDAETS; FONSECA, 2005; FONSECA, 2005).

Independentemente do conjunto de prticas adotado, em geral para efeito de regulamentao, a terminologia biolgica est ligada aos pases de lngua francesa e a terminologia ecolgica est mais ligada aos pases de lngua espanhola. A terminologia orgnica est ligada aos pases de lngua inglesa e/ou de origem anglo-saxnica e foi adotada pelas normas internacionais como referncia para a agricultura orgnica. De acordo com o art. 1 2 da Lei 10.831, a agricultura orgnica compreende todos os sistemas agrcolas que promovam a produo sustentvel de alimentos, fibras e outros produtos no alimentos (cosmticos, leos essenciais etc.) de modo ambiental, social e economicamente responsvel. Tem por objetivo maior otimizar a qualidade em todos os aspectos da agricultura, do ambiente e da sua interao com a humanidade pelo respeito capacidade natural das plantas, animais e ambientes. No Brasil, os movimentos tomaram impulso decisivo nos anos setenta, a partir de diferentes manifestaes, crticas e proposies (correntes), usando a denominao agricultura alternativa. Eram coordenados pela FAEAB (Federao das Associaes de Engenheiros Agrnomos do Brasil), que organizou quatro grandes encontros nacionais conhecidos como EBAAs (Encontros Brasileiros de Agricultura Alternativa), realizados, respectivamente, em Curitiba (1981), Rio de Janeiro (1984), Cuiab (1987) e Porto Alegre (1989), reunindo estudantes e profissionais ligados agricultura. O termo institucionalizado nos regulamentos tcnicos brasileiros foi o orgnico, que pode ser complementado pelos termos ecolgico, biodinmico, natural, biolgico, agroecolgico, da permacultura e do extrativismo sustentvel orgnico.

2. Agroecologia: princpios e dimensesDevido confuso existente entre agroecologia e modelos de agricultura, adoo de determinadas prticas ou tecnologias agrcolas e oferta de alimentos limpos, ecolgicos, convm qualificar a Agroecologia. Agroecologia cincia emergente, orientada por uma nova base epistemolgica e metodolgica.

um campo de conhecimento transdisciplinar, que recebe influncia das cincias sociais, agrrias e naturais, em especial da Ecologia Aplicada. O paradigma da agroecologia tem evoludo muito rapidamente, congregando uma srie de princpios com forte preocupao com a conservao dos recursos naturais e metodologias para estudar, analisar, dirigir, desenhar e avaliar agroecossistemas. Prope um conjunto de princpios e de metodologias que apoiam o processo de transio da agricultura convencional/industrial para a agricultura de base ecolgica e social. Considera as dimenses polticas, sociais, culturais, ambientais, ticas, estruturais, organizacionais, de segurana alimentar e econmicas no desenho e conduo dos sistemas agrcolas e comerciais sustentveis e no estmulo aos hbitos de consumo consciente. A agroecologia constitui-se de movimentos de construo do conhecimento. muito difundida na Amrica Latina e Caribe e tambm na Europa, nos territrios ibero-americanos, destacando-se o trabalho do professor chileno Miguel Altieri, da Universidade de Berkeley, Califrnia-EUA, e liderada pelos espanhis, entre eles Eduardo Sevilla Guzmn. No Brasil, alm das ONGs que trabalham com educao e preservao ambiental desde os anos 80, podem ser citados os trabalhos de pesquisa iniciados oficialmente na dcada de 90 pelo ncleo liderado pela Embrapa Agrobiologia, PESAGRO-RIO e UFRuralRJ, com pesquisadores como Dejair Lopes de Almeida e Raul de Lucena.

Dimenses da sustentabilidadeCostabeber e Caporal (2003, citados por BARBOSA, 2007) apresentam elementos que podem ser considerados como multidimenses da sustentabilidade baseada na agroecologia: ecolgica: manuteno e recuperao da base de recursos naturais. Constitui o aspecto central para se atingirem patamares crescentes de sustentabilidade em qualquer agroecosssistema. H necessidade de abordagem holstica e de enfoque sistmico, dando tratamento integral a todos os elementos do agroecossistema que Dimenso

venham a ser impactados pela ao humana. Enfim, uma noo de preservao e conservao da base dos recursos naturais como condio essencial para a continuidade dos processos de reproduo socioeconmica e cultural da sociedade em geral e da produo agropecuria em particular, numa perspectiva que considere tanto as atuais como as futuras geraes. Dimenso social: representa, precisamente, um dos pilares bsicos da sustentabilidade. A busca por melhores nveis de qualidade de vida mediante a produo e o consumo de alimentos com qualidade biolgica superior, eliminando o uso de insumos txicos no processo produtivo agrcola, atravs de novas combinaes tecnolgicas, sociais e ticas. Dessa forma, originando novas formas de relacionamento da sociedade com o meio ambiente, estabelecendo conexo entre a dimenso social e a ecolgica, sem prejuzo da dimenso econmica.

Dimenso econmica: a sustentabilidade de um agroecosssistema tambm supe a necessidade de se obterem balanos agroenergticos positivos, compatibilizando a relao entre produo agropecuria e consumo de energias no renovveis. De acordo com a Economia Ecolgica, a sustentabilidade pode ser expressada pela preservao da base de recursos naturais que so fundamentais para as geraes futuras. Assim, coloca em evidncia a estreita relao entre a dimenso econmica e a dimenso ecolgica. Dimenso cultural: deve-se considerar a necessidade de que as intervenes respeitem a cultura local. Os saberes, os conhecimentos e os valores locais das populaes rurais precisam ser analisados, compreendidos e utilizados como ponto de partida dos processos de desenvolvimento rural que, por sua vez, devem espelhar a identidade cultural das pessoas que vivem e trabalham em dado agroecossistema. Nesse sentido, a agricultura precisa ser entendida como atividade econmica e sociocultural, como prtica social realizada por sujeitos que se caracterizam pela forma particular de relacionamento com o meio ambiente. Dimenso poltica: o desenvolvimento rural sustentvel deve ser concebido a partir das concepes culturais e polticas prprias dos

grupos sociais. Deve considerar o dilogo e a integrao com a sociedade maior, atravs de representao em espaos comunitrios ou em conselhos polticos e profissionais, numa lgica que considere aquelas dimenses de primeiro nvel como integradoras das formas de explorao e manejo sustentvel dos agroecossistemas. Assim, deve-se privilegiar o estabelecimento de plataformas de negociao nas quais os atores locais possam expressar seus interesses e necessidades em igualdade com outros atores envolvidos, assegurando o resgate da autoestima e o pleno exerccio da cidadania. Dimenso tica: relaciona-se diretamente com a solidariedade intra e

intergeracional e com novas responsabilidades dos indivduos em relao preservao do meio ambiente. Dessa forma, exige pensar e tornar vivel a adoo de novos valores, no necessariamente homogneos. A dimenso tica da sustentabilidade requer o fortalecimento de princpios e valores que expressem a solidariedade sincrnica (entre as geraes atuais) e a solidariedade diacrnica (entre as atuais e futuras geraes). Costabeber e Caporal (2003) concluem que essas dimenses bsicas da sustentabilidade so elementos importantes para a identificao dos passos que venham a auxiliar o processo de construo de estilos de agricultura sustentvel sob o enfoque agroecolgico. Esse enfoque se torna mais abrangente pelo fato dea agroecologia nutrir-se de outros campos de conhecimento, assim como de saberes e experincias dos prprios agricultores, o que proporciona o estabelecimento de marcos conceituais, metodolgicos e estratgicos com maior capacidade para orientar no apenas o desenho e manejo de agroecossistemas sustentveis, mas tambm os processos de desenvolvimento rural sustentvel. (COSTABEBER; CAPORAL, 2003, p. 08, citados por BARBOSA, 2007) .

Observa-se que o desenvolvimento rural sustentvel, nessa concepo, o pressuposto para a construo de uma sociedade mais equilibrada, que busca utilizar pr-requisitos bsicos para alcanar a sustentabilidade, apoiando-se, principalmente, na participao poltica dos atores envolvidos, permitindo a obteno de ganhos econmicos, levando em considerao a qualidade de vida da gerao presente e das

geraes futuras. Nessa perspectiva, a participao da sociedade civil nos Conselhos de Desenvolvimento contribui para a busca de uma sociedade mais equilibrada, j que, se efetivamente constitudos, podero imprimir novo formato s polticas sociais, estabelecendo nova relao entre Estado e sociedade civil. Segundo Guivant (1997, citado por BARBOSA, 2007), cada ao que a agroecologia prope s faz sentido dentro de uma totalidade. Portanto, incentivar o desenvolvimento de prticas isoladas pode tornar a perspectiva agroecolgica prejudicial num contexto espacial e temporal, transformando o desenvolvimento rural em proposta insustentvel. Essa perspectiva agroecolgica induz redescoberta do local como espao decisrio e de mobilizao da sociedade. Para melhor compreenso do conceito de local, deve estar clara a concepo de territrio como frao de espao, como subespao, regulado poltica e administrativamente por normas prprias e acordadas. Nesse sentido, o local o espao socialmente construdo, com base territorial definida (segundo critrios geoeconmicos, geopolticos e geoambientais). O local o espao social onde se conformam comunidades e se constroem identidades territoriais (COELHO; FONTES, 1998, citados por BARBOSA, 2007). Assim, a mudana do papel do governo local, de autoridade administrativa para promotor do desenvolvimento econmico, um dos maiores desafios. Enfim, o governo local torna-se promotor do desenvolvimento e da participao organizada da comunidade.

Alguns princpios da agroecologia Procura reunir e organizar contribuies de diversas cincias naturais e

sociais, sem descartar os conhecimentos anteriormente gerados, procurando incorporar a eles lgica integradora e mais abrangente do que a das disciplinas isoladas. Reconhece e valoriza o conhecimento popular e tradicional como fonte

de informao para modelos que possam ter validade nas condies atuais. Reconhece a importncia da agricultura familiar, tradicional, indgena,

quilombola ou da reforma agrria como espao destacado para o desenvolvimento da racionalidade ecolgica. Reconhece na agrobiodiversidade - processo de relaes e interaes entre plantas cultivadas, animais criados e seus manejos e os conhecimentos tradicionais a eles associados - papel importante no enfoque agroecolgico. Reconhece que as unidades de estudo so os agroecossistemas, sendo

resultado da coevoluo da natureza e dos grupos sociais que nela intervm, com suas distintas formas de conhecimento, organizao, tecnologias e valores. Serve sociedade como um todo, s geraes futuras e atuais, aos atores do mundo rural e urbano. Produzir, comercializar e consumir alimentos so atividades com contedo tico e poltico que dizem respeito a todos, no s aos agricultores. Est baseada no local como espao social; no local que se conformam

as comunidades e se constroem identidades territoriais e de projetos.

Fontes de conhecimento e passos da transio agroecolgicaFontes de conhecimento que amparam os processos de transio agroecolgica Pesquisa cientfica, realizada isoladamente e de forma participativa. Conhecimentos relacionados agroecologia, formulados por diversos

autores, incluindo os fundadores das correntes clssicas 11 contemporneas na rea agrcola.

10

e

Conhecimentos tradicionais de agricultores familiares, povos indgenas, comunidades tradicionais, ribeirinhos, quilombolas e da reforma agrria.

Aprendizado acumulado na prtica recente de construo de uma grande variedade de sistemas sustentveis em diversas condies locais do mundo.10 11

Howard, Steiner, Mollison, Fukuoka, Chaboussou e outros (citados por AQUINO; ASSIS, 2005). Gliessman, Altieri, Sevilla Guzmn e outros autores internacionais e nacionais (CAPORAL; COSTABEBER, 2004).

Conhecimentos relacionados s cincias humanas e sociais, englobando vrias correntes do pensamento da teoria econmica e da 12 sociologia econmica , para explicar as diferentes formas de governana e formas de coordenao construdas na rede de produo, comercializao e consumo dos produtos da agricultura orgnica. A proposta de uma anlise fundamentalmente interdisciplinar da ao econmica (WILKINSON, 1997).

A transio agroecolgica passa por diversas etapas, dentro e fora do sistema de produo, dependendo da distncia a que o sistema do produtor estiver da sustentabilidade, e da organizao ou no dos produtores para permitir um sistema de comercializao conjunta. Passos da transio agroecolgica13

Internos ao sistema de produo produtivo Reduo e racionalizao do uso de insumos qumicos e de prticas nocivas ao ambiente e ao homem. Substituio de insumos qumicos pelos biolgicos. Manejo da biodiversidade e redesenho dos sistemas produtivos, quando os agroecossistemas ganham complexidade. Planejamento da produo de acordo com o canal de comercializao a

ser acessado, priorizando os circuitos curtos de comercializao. Externos ao sistema de produo produtivo Expanso da conscincia pblica.

Construo social - Organizao dos mercados (novos canais de comercializao e novas relaes comerciais), buscando a organizao dos atores em grupos, redes, a parceria entre ncleos. Mudanas institucionais na pesquisa, ensino e extenso. Formulao de polticas pblicas que favoream a elaborao de marco

legal que considere as dimenses da sustentabilidade.12

A economia das normas, a teoria dos custos de transao, a economia da qualidade e a economia das convenes, a anlise da cadeia de valor, a anlise de rede, a construo social das instituies e a teoria ator-rede (FONSECA, 2005). 13 Baseado em Caporal; Costabeber (2004).

Reconhece-se que a transio agroecolgica no se dar de forma linear, havendo uma dialtica entre avanos e recuos, que inerente aos processos de mudana social. Nem todos os passos aqui indicados devem ser obrigatoriamente cumpridos, em qualquer situao. Outros podem existir, dependendo das condies locais ou regionais especficas. No h nvel de sustentabilidade desejvel, aceitvel, estabelecido a priori, que defina o sustentvel e o no sustentvel. Para cada local, regio ou territrio, as condies socioeconmicas e culturais mudam os parmetros, embora o foco seja sempre a construo de agriculturas sustentveis e de relaes comerciais transparentes, justas e que favoream o consumo consciente. Em 2001, os movimentos de agricultura alternativa no Brasil se reuniram no Rio de Janeiro para o 1 Encontro Nacional de Agroecologia (I ENA). Como desdobramento, em 2002, surgiu a ANA - Articulao Nacional de Agroecologia, que congrega, principalmente, organizaes de agricultores familiares, consumidores, ONGs e acadmicos com o objetivo de formular polticas pblicas. Em 2004, foi criada a ABA Associao Brasileira de Agroecologia, sociedade cientfica que integra os atores que trabalham na construo do conhecimento agroecolgico. Em 2006, aconteceu o II ENA, em Recife-PE, organizado pela ANA e pela ABA, reunindo 1.731 profissionais (agricultores, tcnicos, consumidores). Em 2007, foi criada a SOCLA - Sociedade Cientfica LatinoAmericana de Agroecologia, com sede na Colmbia, liderada pelo cientista chileno Miguel Altieri. Todos os membros da ABA so, automaticamente, membros da SOCLA (BOLETIN..., 2008). Em novembro de 2009, ser realizado o VI CBA - Congresso Brasileiro de Agroecologia e tambm o II Congresso Latino-Americano de Agroecologia, em Curitiba-PR. Envolvendo, principalmente, profissionais das cincias naturais e sociais, os movimentos de agricultura alternativa no Brasil e na Amrica Latina e Caribe pretendem fortalecer os laos entre as diversas redes sociotcnicas que trabalham a agroecologia. Os esforos vo desde a elaborao de polticas pblicas (crdito, acesso a mercados, regulamentao, segurana alimentar, acesso a terra, educao) at aes, em parceria ou no, com as iniciativas da sociedade civil, no mbito nacional e continental.

3. A institucionalizao da agricultura orgnicaNo mundoA institucionalizao da agricultura orgnica no mundo teve incio em 1972, com a criao da IFOAM - Federao Internacional dos Movimentos de Agricultura Orgnica e a publicao de suas primeiras normas, em 1978. As normas privadas da IFOAM serviram de referncia para a comercializao dos produtos orgnicos no mundo at a dcada de 90 e para o estabelecimento de outras normas locais e regulamentos tcnicos em diferentes pases. A Frana foi o primeiro pas a regulamentar, nos anos 80. No incio da dcada de 90, foram criados os regulamentos tcnicos para a produo orgnica de origem vegetal da Comunidade Econmica Europeia (EC 2092/91), poca o maior mercado de orgnicos. No final da dcada, o Codex Alimentarius estabeleceu diretrizes para a produo orgnica de origem vegetal e, em 2001, editou diretrizes para a produo animal (CODEX ALIMENTARIUS COMMISSION, 2001). O Codex a norma internacional que serve de referncia para as negociaes comerciais de alimentos nos acordos de barreiras tcnicas ao comrcio (TBT) e medidas sanitrias e fitossanitrias (SPS) da Organizao Mundial do Comrcio (OMC). Para os no alimentos (txteis e cosmticos) devem ser usadas as normas da IFOAM. Essas normas internacionais de referncia so baseadas nas realidades, prticas e contextos especficos dos pases de clima temperado e dos pases de alta renda. Hoje existem mais de 80 pases com alguma regulamentao da agricultura orgnica em algum estgio (implantadas ou em discusso). A pouca flexibilizao das normas internacionais est refletida nos regulamentos tcnicos nacionais, praticamente cpia das normas internacionais e regionais, que dificultam o comrcio internacional de produtos da agricultura orgnica e tambm o desenvolvimento dos mercados locais em pases de baixa renda da Amrica Latina e Caribe e da sia. O estabelecimento, em 2003, da Fora Tarefa Internacional - FTI FAO/UNCTAD/ IFOAM para harmonizao e equivalncia das normas na agricultura orgnica mostra a necessidade de flexibilizar e buscar

acordos de reconhecimento mtuo, embora respeitando as diversidades dos diferentes pases. Essa flexibilizao deve comear pela busca da equivalncia de objetivos regulamentares comuns na conduo dos sistemas de garantia das qualidades orgnicas dos pases cujos resultados so iguais, para satisfazer s necessidades de inocuidade e qualidade, bem como o imaginrio dos consumidores e das autoridades competentes. A harmonizao vir como consequncia das negociaes de diretrizes internacionais menos especficas e mais evolutivas. H tendncia de incluso e aceitao dos sistemas participativos de garantia (SPG) em oito legislaes dos pases de baixa renda na Amrica Latina e Caribe, na ndia e no Estado de Andaluzia/Espanha. O reconhecimento dos SPG pela FAO, em sua 30 Reunio Regional, que ocorreu em abril de 2008, em Braslia-DF, demonstra que esses mecanismos de avaliao da conformidade so adequados aos mercados internos e externos. Os anexos 1 e 2 apresentam a cronologia da institucionalizao no mundo das normas e dos critrios para a avaliao da conformidade na agricultura orgnica.

No BrasilNo Brasil, desde a dcada de 70, organizaes de produtores e consumidores, alm de tcnicos, desenvolvem prticas seguindo os princpios da agricultura orgnica. Em 1994, iniciou-se a discusso para a regulamentao da agricultura orgnica no pas, que foi oficialmente reconhecida em maio de 1999 (fruto da discusso entre a sociedade civil organizada e o poder executivo), com a publicao da Instruo Normativa n 007/99, do MAPA (BRASIL, 1999). Em dezembro de 2003, foi publicada a Lei 10.831 (BRASIL. Presidncia da Repblica, 2003), definindo e estabelecendo condies obrigatrias para a produo e a comercializao de produtos da agricultura orgnica. A lei foi aprovada aps tramitar no Congresso Nacional desde 1996, contando, a partir de 2002, na fase final do processo, com a participao democrtica de representantes do setor, organizaes pblicas e privadas e a sociedade civil.

Em julho de 2004, foi editada a Portaria 158, do MAPA (BRASIL, 2004a), que trata da Comisso Nacional para a Produo Orgnica (CPOrg-RJ) e das Comisses da Produo Orgnica nas Unidades da Federao (CPOrg -UF), criadas com a funo de executar o 14 programa PR-ORGNICO (BRASIL, 2004b), do qual a regulamentao era uma das tarefas. Em maro de 2004, foi criada a Cmara Setorial de Agricultura Orgnica (CSAO) como rgo consultivo de apoio s polticas pblicas do MAPA. composta por membros do governo e da sociedade civil. Foi na CSAO que aconteceram as discusses, elaborao, aprovao e regulamentao da Lei 10.831. Os textos do Decreto e das Instrues Normativas foram construdos, durante os anos de 2004, 2005 e 2006, por tcnicos de diferentes ministrios em parceria com diversos segmentos da sociedade civil ligados agricultura orgnica, sob a coordenao do MAPA. Aps a tramitao pela Casa Civil e demais ministrios envolvidos (MAPA, MDA, MMA, MS e MDIC), e aps a aprovao das 15 alteraes pela CSAO, em agosto de 2007 , o Decreto 6.323 foi publicado no Dirio Oficial da Unio, em 28 de dezembro de 2007. Os regulamentos tcnicos especficos (portarias e instrues normativas) para cada atividade e setor foram objeto de consulta pblica em maio de 2008. No mesmo ano, a CSAO passou a ser chamada de Cmara Tcnica da Agricultura Orgnica (CTAO) e mudou suas representaes (novos mandatos, incluso e excluso de membros). As cinco Instrues Normativas especficas, que regulamentam a atividade da agricultura orgnica de acordo com a Lei 10.831 e com o Decreto 6.323, foram publicadas em 2008 e 2009. Em outubro de 2008, a Instruo Normativa n 54, que trata das Comisses da Produo Orgnica (BRASIL, 2008a) e, em dezembro de 2008, a InstruoO Plano Plurianual do governo federal - PPA 2004-2007 continha oito aes ligadas ao desenvolvimento da agricultura orgnica, entre elas regulamentao, fomento, capacitao, misso da cultura exportadora e pesquisa. No PPA 2008-2011, as aes ligadas agricultura orgnica encontram-se no programa de agrobiodiversidade, coordenado pelo MMA, mas com aes especficas no MAPA, MDA e MMA. 15 As principais alteraes foram feitas nos captulos que tratam dos mecanismos de controle da qualidade orgnica e da estrutura do Sistema Brasileiro de Avaliao da Conformidade Orgnica (SISORG), incorporando nova redao sobre os SPG.14

Normativa n 64, dos Sistemas Orgnicos de Produo Primria - animal 16 e vegetal (BRASIL, 2008b). Em maio de 2009, as Instrues Normativas n 17, do Extrativismo Sustentvel Orgnico; n 18, do Processamento e n 19, dos Mecanismos de Controle e Informao da Qualidade Orgnica (BRASIL, 2009a, 2009b, 2009c), sendo a IN 17/09 e a IN 18/09 conjuntas com o MMA e o MS, respectivamente. Em julho de 2009, foi publicado o Decreto n 6.913/09, que trata dos produtos fitossanitrios com uso aprovado para a agricultura orgnica (BRASIL, 2009b). Os anexos 3, 4 e 5 apresentam a tramitao da regulamentao da agricultura orgnica no Poder Legislativo e no Poder Executivo, antes e depois da Lei n 10.831. Toda a regulamentao est disponvel na pgina do MAPA (www.agricultura.gov.br).

Crescimento da produo e do mercadoProduo Em 2006, a rea total da agricultura orgnica certificada era de 30.558 hectares, com cerca de 630 mil projetos certificados, correspondendo mdia de 48 ha/unidade (WILLER; YUSSEFI, 2007). Entretanto, mais de 2/3 da rea certificada eram de pastagens permanentes (Austrlia, Argentina e Amrica Latina e Caribe = 20 milhes de hectares). A agricultura orgnica representava 2,59% da rea agrcola na Oceania; 1,38% na Europa e 0,93% na Amrica Latina e Caribe. Estimativas da rea total com produo orgnica no Brasil variam de acordo com a fonte consultada. Segundo dados da FiBL (instituto suo de pesquisa em agricultura orgnica) e da IFOAM, publicados em 2006, a rea cultivada e as reas de pastagem no Brasil totalizavam cerca de 887.637 hectares em 2005. Dados coletados pelo MAPA, em 2004 (BRASIL, 2005), estimavam a rea certificada, ou sob alguma forma de controle da conformidade com o manejo orgnico, em cerca de 6,6 milhes de hectares, incluindo as reas de extrativismo16

Sistemas orgnicos de produo animal: bovinos e bubalinos, caprinos e ovinos, aves, apicultura e aquicultura. Sistemas orgnicos de produo vegetal: cereais e gros, frutas, legumes e verduras, razes e tubrculos, plantas medicinais e aromticas.

sustentvel. As reas de agroextrativismo esto concentradas na regio Norte e as de pecuria na regio Centro-Oeste. Estimativas mostram que, em 2007, existiam 32,6 milhes de hectares certificados como orgnicos no mundo, dos quais 6,4 milhes encontravam-se na Amrica do Sul, sendo a maior parte de pastagens nativas na Argentina e no Centro-Oeste brasileiro. Em 2006, os pases com o maior nmero de unidades de produo orgnica certificadas eram o Mxico (12 mil unidades), a Indonsia (45 mil unidades), a Itlia (36 mil unidades), as Filipinas (35 mil unidades) e Uganda (34 mil unidades). As maiores reas com culturas encontravamse na Europa, seguida dos Estados Unidos (cereais, gros, oleaginosas, vegetais, flores e plantas medicinais). As reas com culturas permanentes (olivas, caf, frutas e nozes) representavam 37% na Unio Europeia, 35% na Amrica Latina e Caribe e 21% na frica. As reas de pastagens representavam 57% na Oceania, 19% na Amrica Latina e Caribe e 15% na Unio Europeia. Em 2007 (KISS, 2009), as reas com produo orgnica certificada eram ocupadas por: cereais (1,295 milho de hectares); pastagens e produo de protena (1,166 milho de hectares); culturas permanentes - oliveiras, frutas e nozes (0,555 milho de hectares); leo vegetal (0,97 milho de hectares); uvas (0,95 milho de hectares); legumes e verduras (0,92 milho de hectares). Em 2006, o Brasil tinha cerca de 19 mil unidades controladas, que afirmavam seguir as prticas da agricultura orgnica, envolvendo pequenas e grandes unidades de produo e processamento. Dos projetos controlados, 70 a 80% eram conduzidos por agricultores familiares e/ou trabalhadores rurais, tanto para atender ao mercado interno quanto o de exportao. Os projetos conduzidos por agricultores familiares forneciam castanha (de caju e da Amaznia), frutas, legumes e verduras, caf, cacau, mel, leos essenciais (cosmticos) e algodo colorido, entre outros produtos, para os mercados interno e de exportao. Existiam grandes produes de soja, pecuria de corte, mel, cacau, cana-deacar e frutas conduzidas por grandes empreendimentos. Em 2007, o projeto Organics Brasil divulgou estudo com o mapeamento da rea brasileira de produo orgnica certificada, de acordo com os dados de quatro certificadoras que trabalham no Brasil

(IBD, ECOCERT Brasil, IMO Brasil e BCS), todas acreditadas no mercado internacional. O resultado mostrou que existiam 932.120 hectares de produo orgnica certificada e 6.182.180 hectares de produo orgnica que inclui a base extrativista (MAPEAMENTO..., 2008). Juntando-se as duas informaes, o Brasil poderia ser considerado o segundo pas do mundo em rea de agricultura orgnica controlada. Os produtos de base extrativista no Brasil esto sendo estimulados por meio das cadeias de produtos da sociobiodiversidade, uma iniciativa coordenada pelo MMA e com apoio da CONAB no estabelecimento dos preos mnimos (INDICADORES..., 2009). Mercado O mercado mundial de produtos orgnicos certificados evoluiu com as vendas no varejo, estimadas em US$ 46 bilhes em 2006, US$ 33 bilhes em 2005, US$ 31,4 bilhes em 2004 e US$ 25 bilhes em 2003. H expectativas de que esse mercado cresa 20% ao ano, atingindo US$ 60 bilhes em 2010 e US$ 100 bilhes em 2012. Os maiores mercados para os produtos orgnicos continuam sendo a Unio Europeia, os Estados Unidos e o Japo. Os produtos orgnicos comercializados incluem frutas e legumes frescos, nozes e frutas secas, especiarias, ervas, vegetais processados, cacau, leos vegetais, doces, alimentos processados e bebidas de frutas. Itens no alimentares incluem algodo, leos essenciais para cosmticos e flores de corte. Em 2006, na Unio Europeia, US$ 17 milhes em vendas estavam concentrados na Europa Ocidental, com Alemanha, Reino Unido, Frana e Itlia sendo responsveis por 75% das vendas regionais. A demanda por esses produtos na Sucia, Dinamarca e Holanda relevante. Quanto aos canais de comercializao usados, encontram-se produtos orgnicos em lojas de convenincia e supermercados especficos, mas tambm nas grandes redes de varejo. No Reino Unido, ainda grande a importao de produtos. Nos mercados internos dos pases de baixa renda, so comercializados os excedentes da produo para exportao, muitas vezes como produtos convencionais, mas tambm frutas, legumes e verduras in natura, produtos de origem animal (leite de vaca e de cabra,

carne de frango e ovos) produzidos nos arredores das grandes cidades e produtos processados em escala muito pequena. As principais oportunidades brasileiras de exportao so as frutas tropicais e os legumes e verduras na entressafra dos mercados importadores, alm do algodo colorido naturalmente. Os leos essenciais e outros produtos do agroextrativismo sustentvel orgnico tambm representam boas oportunidades de mercado. Embora a produo ocorra no mundo todo, a demanda permanece concentrada nos pases de alta renda. A Amrica do Norte e a Unio Europeia esto experimentando a escassez de fornecimento em face de a produo local no atender ao crescimento da demanda (que foi estimulado por polticas pblicas e privadas e pelo medo quanto inocuidade dos alimentos depois dos escndalos como o mal da vaca louca). Nos ltimos anos, o crescimento da produo nos pases de baixa renda foi de trs dgitos, mas o mercado domstico no cresceu. Os consumidores dos pases de alta renda so os maiores compradores de alimentos orgnicos. Na realidade, em 2006, seis pases do G7 (grupo dos sete pases mais ricos do mundo) foram responsveis por 84% das vendas globais de produtos orgnicos. No Brasil, de acordo com o MAPA, em 2003, o mercado nacional era estimado em cerca de US$ 1 milho, com crescimento de 20% ao ano. Segundo a SECEX (Secretaria de Comrcio Exterior), ligada ao Ministrio do Desenvolvimento, Indstria e Comrcio Exterior (MDIC), o Brasil exportou 19,5 mil toneladas de produtos orgnicos de janeiro a dezembro de 2007, gerando divisas da ordem de US$ 12,5 milhes. Em 2008, houve diminuio de 35% no volume de produtos orgnicos exportados e aumento de 3,70% no valor total recebido pelas exportaes de orgnicos (BRASIL. Ministrio do Desenvolvimento, Indstria e Comrcio Exterior, 2008). Esses dados permitem concluir que houve melhor desempenho, pois, apesar da queda no volume exportado, os produtos tinham maior valor agregado. Os produtos exportados em maior volume foram a soja e derivados (76%), acar, mangas frescas, caf, cacau e derivados. Os sete principais destinos dos produtos orgnicos brasileiros foram Holanda, Sucia, EUA, Reino Unido, Frana, Canad e Noruega.

Segundo a APEX (Agncia Promotora das Exportaes do Brasil), o mercado internacional absorve 70% da produo brasileira e registra taxa de crescimento da rea duas vezes maior do que a mdia internacional. De acordo com a mesma fonte, o Brasil comercializou US$ 250 milhes em 2008. Esses dados so bem superiores (20 vezes) aos dados oficiais apresentados pela SECEX. O projeto Organics Brasil, em parceria com a APEX, envolve 70 empresas associadas (de pequeno e grande porte), que faturaram US$ 58 milhes em 2008 com a venda de produtos orgnicos (KISS, 2009). Espera-se que, com a implantao da regulamentao da agricultura orgnica, os dados oficiais sejam compatibilizados. A oferta de produtos orgnicos provm de grandes empreendimentos, mas tambm de agricultores familiares organizados, tanto para o mercado externo quanto para o interno. A Rede Ecovida, no Sul do pas, que congrega agricultores familiares e pequenos empreendimentos, comercializou, em 2003, cerca de US$ 15 milhes em produtos no mercado interno e externo, dos quais 66% em canais de venda direta (mercados institucionais, feiras e lojas de consumidores). Existem parcerias entre a empresa FRIBOI (maior produtora mundial de carnes bovinas, com matriz no Brasil) e a WWF (ONG internacional) para estmulo ao desenvolvimento da produo de carne bovina em sistemas de produo orgnicos. O maior produtor e maior exportador de acar orgnico do mundo a Usina So Francisco, em Sertozinho-SP (Grupo Balbo), que detm mais de 50% da produo mundial de acar orgnico com a 17 marca Native , processada na prpria Usina. Esse projeto foi iniciado em 1996 e, em 2000, cultivava cana em 7.540 ha. O acar Native tem certificao internacional feita pela FVO para o mercado dos Estados Unidos e pela ECOCERT para o mercado da Unio Europeia. O grupo se envolveu tambm com a comercializao de caf e suco de laranja orgnico. Em 2008, cerca de 80% do faturamento da empresa correspondiam exportao de 60 mil toneladas de acar a granel para fabricantes de alimentos (KISS, 2009).17

Primeiro comercial de um produto orgnico exibido em horrio nobre, no intervalo do Jornal Nacional, da Rede Globo, no incio do sculo XXI.

O preo mdio do caf praticado no mercado externo de U$ 3,50 por kg e, no mercado interno, o valor mdio de US$ 1 a US$ 2 por kg. A Cia. Orgnica de Caf vende 30% da safra de 1.500 sacas para o Japo, Emirados rabes e Estados Unidos. O restante abastece lojas do Grupo Po de Acar, com quatro tipos de caf - gro, sach, solvel e em p - e outros comrcios varejistas. A recm- criada holding Bem da Terra aposta no mercado de caf gourmet, entre outros produtos, ciente do desafio do crescimento: ter escala e baixar preo (KISS, 2009). Os produtos orgnicos esto presentes nos diversos canais de comercializao existentes, tambm explorados pelos produtos convencionais. Em 2004, de 611 canais de comercializao pesquisados pelo SEBRAE, os supermercados, seguidos das lojas/distribuidoras, eram os mais procurados na regio Sudeste, enquanto na regio Sul os mais procurados eram as feiras e depois os supermercados. Observou-se que, nas regies Centro-Oeste, Norte e Nordeste, era pequena a comercializao de orgnicos em todos os canais, representando somente 6% dos canais de venda de produtos orgnicos. Em 2008, a venda de alimentos isentos de agrotxicos pelo Grupo Po de Acar representou faturamento de R$ 40 milhes, com expectativa de que ultrapasse os R$ 50 milhes at o final de 2009 (KISS, 2009). A implantao de alternativas (circuitos curtos de distribuio) aos processos tradicionais de comercializao vigentes (atacado e circuitos longos de distribuio via grande varejo) condio para que a agricultura orgnica venha a representar verdadeira e profunda transformao das condies de vida, de trabalho e de renda dos agricultores familiares. Uma dessas iniciativas a Cooperativa de Consumidores Ecolgicos de Trs Cachoeiras - COOPET, no municpio de Trs Cachoeiras, cidade com cerca de 6 mil habitantes prximo cidade de Torres-RS, que tem 100 membros. L, uma pequena loja da cooperativa fornece produtos orgnicos populao local que, antes, s via os produtos passarem embalados nos caminhes para venda nos grandes centros urbanos. Outra iniciativa so as cestas de produtos orgnicos para grupos organizados de consumidores, como funcionrios de empresas, grupo de acadmicos, moradores de bairros. o caso da Rede Ecolgica, no Rio

de Janeiro, que funciona como grupos organizados de consumidores nos bairros. Em 2007, estavam em dois bairros e, em 2008, j eram oito bairros/localidades na cidade do Rio de Janeiro (Urca, Santa Teresa, Laranjeiras, Tijuca, Recreio e Freguesia) e cidades vizinhas (Niteri e Seropdica). Essa rede conta tambm com a participao de acadmicos ligados s cincias naturais e sociais, ligados ao tema da agroecologia e s relaes campo-cidade/rural-urbano. Outra modalidade de venda direta usada pelos produtores so as cestas em domiclio. Em 2007, observava-se a tendncia de as distribuidoras de produtos orgnicos, com sede no Estado do Rio de Janeiro, estarem diminuindo a oferta aos supermercados e passando a fornecer ou aumentando o fornecimento das cestas em domiclio (FONSECA, 2007). Na quarta edio da Semana do Alimento Orgnico, que aconteceu em maio de 2008 em todo o pas, numa parceria MAPA, MDA e MMA, a CPOrg-RJ distribuiu folheto divulgando mais de 20 pontos de venda de produtos orgnicos em feiras e lojas de produtos naturais em oito municpios do Estado do Rio de Janeiro: Nova Iguau, Niteri, Campos, Nova Friburgo, Terespolis, Casimiro de Abreu, Silva Jardim e Rio de Janeiro (BRASIL, 2008c). Outros canais de comercializao que esto sendo construdos e estimulados so os mercados institucionais (merenda escolar, creches, hospitais, restaurantes). Existem polticas federais, estaduais e municipais de aquisio dos orgnicos estabelecidas a partir de 2003, com enfoque de segurana alimentar, que estimulam os mercados quanto conscincia dos produtores sobre o uso dos insumos e os consumidores sobre os benefcios de consumir alimentos orgnicos. Um exemplo o PAA, parceria entre o Ministrio do Desenvolvimento Social (MDS) e o MAPA, executado em mbito estadual pela CONAB, atravs do qual as compras alcanaram US$ 7,993 milhes em 2005. Entre 2003 e 2007, por meio de estoques originrios da agricultura familiar, doou 79,8 mil toneladas de produtos (feijo, farinha de mandioca, arroz em casca e milho em gros, entre outros), usados em aes de suplementao alimentar para segmentos carentes da populao, assistidos por 3.614 entidades de interesse pblico, em 1.514 municpios de 26 estados (COMPANHIA NACIONAL DE ABASTECIMENTO, 2008).

A CONAB comprava de cada agricultor familiar o valor total de R$ 3.500,00 em produtos para serem doados a organizaes em situao de insegurana alimentar, pagando prmio de at 30% no preo dos produtos orgnicos. Esse valor deve subir para R$ 4.500,00/famlia para os contratos a serem firmados em 2009 para entrega em 2010. O programa justificado por preservar a biodiversidade e a sustentabilidade ambiental no gerenciamento dos sistemas, mas tambm promove a agricultura orgnica controlada pelos seus efeitos benficos segurana alimentar com a oferta de produtos orgnicos a outros segmentos da sociedade. Apesar de a regio Sudeste ter a segunda maior participao no PAA no perodo 2003-2007, no Estado do Rio de Janeiro, somente trs contratos foram firmados em 2007 com a CONAB/SUREG-RJ para fornecimento ao PAA em 2008. Na esfera municipal, o PAA operado diretamente pelas prefeituras, em parceria com o MDS. A prefeitura de Nova Iguau-RJ, por vontade poltica, adquiriu produtos orgnicos para a merenda escolar da associao de agricultores familiares que produzem hortalias orgnicas em faixas de dutos da Petrobras e contam com apoio tcnico do Instituto Terra e recursos daquela empresa petrolfera. Em fins de 2008, a APOP - Associao dos Produtores Orgnicos de Petrpolis, que congrega produtores da comunidade do Brejal, com apoio da ABIO e dos Escritrios Locais da EMATER-RIO em Nova Friburgo e em Petrpolis, firmou contrato com a CONAB/SUREG-RJ para que 10 dos seus membros entregassem produtos orgnicos ao PAA em 2009, na modalidade Cdula Produtor Rural-Doao Simultnea, em parceria com o Banco de Alimentos e Colheita Urbana (SESC-Rio), responsvel pelo transporte dos alimentos at os beneficirios finais (organizaes em situao de insegurana alimentar). A oferta de produtos da regio na merenda, alm de estimular a gerao de emprego e renda, favorece a manuteno do hbito alimentar baseado na cultura local. Foi o que fez a Cooperativa Grande Serto, em Minas Gerais, com produtos processados do extrativismo sustentvel, com a venda para o PAA e entrega nas merendas escolares e nos mercados locais. Essas iniciativas contam tambm com o apoio do

programa da Secretaria de Desenvolvimento do Territrio do MDA e com cooperao internacional (movimento Slow Food, ligado gastronomia). Em Braslia-DF, o Supermercado Orgnico funciona na CEASA, em sistema cooperativo entre os produtores (SINDIORGNICOS Sindicato dos Produtores Orgnicos) e em parceria com diversas instituies como sistema profissionalizado, dispondo de recursos que permitem gesto moderna e competitiva para atender aos consumidores. Os principais produtos oferecidos incluem hortifrutigranjeiros, leite e laticnios, alm de sucos, caf, achocolatados e geleias. Mais recentemente, com a publicao da Lei n 11.947/09 (BRASIL. Presidncia da Repblica, 2009a), de 17 de junho de 2009, que dispe sobre alimentao escolar, e da Resoluo n 38 do FNDE Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educao (BRASIL. Ministrio da Educao, 2009), de 16 de julho de 2009, que regulamenta a lei, o desafio fornecer produtos da agricultura familiar e, se possvel, produtos orgnicos para a merenda escolar, pois o marco legal fala de alimentao saudvel, alimento orgnico e agroecolgico. Resumidamente, o tipo de canal a ser utilizado pelos produtores depender do seu nvel de organizao e de relacionamento com o ambiente externo, da existncia de grupos organizados, dos tipos de produtos existentes e das pocas do ano, de acordo com as exigncias de cada canal de comercializao ou de consumidores organizados, alm dos recursos financeiros disponveis. Fica clara a importncia da organizao dos produtores em grupos para negociar coletivamente com a municipalidade os apoios necessrios para desenvolver o mercado local de produtos orgnicos visando atender populao. A parceria com escolas tcnicas, universidades, institutos de pesquisa e organismos de assessoria tcnica importante para a construo das redes de conhecimento agroecolgico e dos critrios de controle das qualidades orgnicas. A proximidade com o poder legislativo favorecer a implantao de polticas adequadas s realidades locais.

Captulo II A regulamentao tcnica da agricultura orgnica no Brasil para acesso aos mercados internos1. Princpios e qualidades da agricultura orgnicaPrincpiosNo incio do sculo XXI, os princpios da agricultura orgnica foram discutidos por dois anos e revistos pela IFOAM, sendo aprovados em Assemblia Geral em 2005. O documento foi traduzido e est disponvel no site oficial da IFOAM (www.ifoam.de) em 12 idiomas, mas no em portugus. O documento enfatiza que os princpios so as razes pelas quais a agricultura orgnica deve crescer e se desenvolver. Dentre as oito reas temticas consideradas importantes para a construo de plataforma capaz de promover a identidade dos movimentos orgnicos, quatro foram descritas como princpios universais que guiam o desenvolvimento da agricultura orgnica: sade, ecologia, equidade e precauo. Sade O papel da agricultura orgnica deve ser o de sustentar e aumentar a sade do solo, das plantas, dos animais, do homem e do planeta, seja por meio do manejo do solo, do processamento dos alimentos, da distribuio ou do consumo. Entende-se que somente em solo saudvel possvel produzir alimentos que vo sustentar animais e pessoas de forma saudvel, influenciando a sade das comunidades que, por sua vez, no pode ser separada da sade do ecossistema no qual se inserem. Assim, quaisquer substncias, sejam adubos qumicos, agrotxicos, drogas veterinrias e aditivos para o processamento dos alimentos, que possam, de alguma forma, ter efeito adverso sade das pessoas, dos animais, das plantas ou do ecossistema devem ser evitadas. Ecologia A agricultura orgnica deve assentar-se nos ciclos biolgicos, harmonizando e sustentando os sistemas ecolgicos. Assim, a produo

deve basear-se nos processos ecolgicos e na reciclagem. As culturas, as criaes e o extrativismo devem ajustar-se aos ciclos e balanos ecolgicos da natureza. O manejo orgnico deve ser adaptado s condies locais, ecologia da regio, s tradies e cultura locais. Os insumos externos devem ser reduzidos atravs da reutilizao, da reciclagem e do manejo eficiente dos recursos naturais, inclusive da energia, para que seja possvel conservar esses recursos. A caa e a coleta devem observar um plano de manejo que no prejudique a sobrevivncia da espcie. O balano ecolgico deve ser obtido atravs do desenho de sistemas de produo e do manejo da diversidade gentica, tanto das plantas cultivadas como da cobertura vegetal em geral. Todos que participam da produo orgnica, como produtores, processadores, distribuidores e consumidores, devem proteger o ambiente, incluindo a paisagem, o clima, a biodiversidade, o ar e a gua, mas tambm os homens e os animais. Equidade A agricultura orgnica deve basear-se em relaes que garantam oportunidade de vida para todos e assegurem equidade em relao ao bem comum. A equidade caracterizada pela igualdade, respeito, justia e gesto responsvel do mundo compartilhado, tanto entre os seres humanos como nas relaes com os outros seres vivos. Assim, todos os envolvidos com a agricultura orgnica, sejam produtores, trabalhadores rurais, processadores, distribuidores, comerciantes e consumidores, devem conduzir as relaes humanas sociais de modo a assegurar qualidade de vida e justia a todos os envolvidos. A agricultura orgnica deve ter como objetivo produzir alimentos de qualidade em quantidade suficiente para contribuir para a reduo da pobreza e para fortalecer a segurana alimentar. Esse princpio enfatiza que se deve proporcionar aos animais de criao condies de vida que estejam de acordo com a sua caracterstica, seu comportamento natural e bem-estar. Alm disso, os recursos naturais e ambientais devem ser usados na produo orgnica de forma ecologicamente sustentvel e socialmente justa, devendo manter-se como legado para as geraes futuras.

A equidade requer que os sistemas de produo, distribuio e mercado sejam justos e levem em conta os verdadeiros custos ambientais e sociais da produo. Precauo A agricultura orgnica deve ser planejada e desenvolvida de forma responsvel e cuidadosa, de modo a proteger a sade e o bem-estar das pessoas e das geraes futuras, bem como a qualidade do ambiente. Assim, deve procurar aumentar a eficincia e a produtividade sem colocar em risco a sustentabilidade dos agroecossistemas. O entendimento dos ecossistemas e agroecossistemas ainda incompleto, devendo-se, portanto, tomar todo o cuidado. Precauo e responsabilidade devem permear as tomadas de deciso e as escolhas de tecnologias. As decises devem refletir os valores e necessidades de todos que possam ser afetados, atravs de processo transparente e participativo. Os riscos devem ser evitados pela adoo de tecnologias apropriadas e pela rejeio de tecnologias imprevisveis, como a engenharia gentica.

Qualidades orgnicasA Instruo Normativa n 19 Dos Mecanismos de Controle e Informao da Qualidade Orgnica (BRASIL, 2009c) no trabalha o conceito de qualidade orgnica, mas o Decreto n 6.323 (BRASIL. Presidncia da Repblica, 2007) a define como qualidade que traz, a ela vinculados, os princpios da produo orgnica relacionados a questes sanitrias, ambientais e sociais. Considerando os princpios da agricultura orgnica, procurou-se identificar o que seria a qualidade orgnica. A noo de qualidade relativa ao usurio do produto ou ao servio envolvido. As redes dos produtos agrcolas envolvem pelo menos trs atores: os produtores, que estaro particularmente atentos qualidade agronmica, zootcnica e florestal (potencial de rendimento, rusticidade, resistncia s doenas e pragas, precocidade); os transformadores e os distribuidores, que sero particularmente ligados qualidade tecnolgica do produto (produo, conservao, transformao, transporte etc.);

os consumidores, para os quais a noo de qualidade se reagrupa em diferentes expectativas: - hedonismo (qualidade sensorial - visual e gustativa); - nutrio e sade (qualidade nutricional - teores de protenas, vitaminas etc.); - qualidade sanitria (produtos isentos de resduos de pesticidas, metais pesados, micro-organismos patognicos, nveis aceitveis de nitrato etc.); - qualidade holstica (determinada pelo mtodo de anlise global); - preocupaes ambientais (qualidade ecolgica com os impactos da produo sobre o meio ambiente: poluies, problema dos organismos geneticamente modificados); - preocupaes ticas e sociais (qualidade tica - condies sociais, morais, desafios polticos da produo e do consumo).

Atualmente, as normas da agricultura orgnica em vigor no comrcio internacional do nfase s qualidades agronmicas e zootcnicas, deixando de valorizar outras qualidades que guardam forte apelo junto aos consumidores dos produtos orgnicos e verdes. Destacar essas outras qualidades no implica negligenciar o que a cincia ensina a respeito da sade, do ambiente ou sobre os riscos de segurana alimentar. Implica apenas reconhecer que as normas, mesmo as reguladoras na rea da sade e da segurana, tm dimenses normativas que no podem ser decididas somente em bases cientficas. Procedimentos justos para integrar a cincia s normas culturais e morais devem ser adotados. Cientistas e negociadores (comerciais e polticos) tm demonstrado, at agora, insensibilidade para a natureza problemtica da tomada de decises de regulao em qualquer uma das ltimas dimenses citadas. Harmonizar normas internacionais implica negociar culturas e vises de mundo no seu senso mais fundamental.

2. Critrios de avaliao da conformidadeA avaliao da conformidade um processo sistematizado, com regras preestabelecidas, devidamente acompanhado e avaliado, de forma a propiciar adequado grau de confiana de que um produto, processo ou servio, ou ainda um profissional, atende a requisitos estabelecidos por normas ou regulamentos.

Resumidamente, a avaliao da conformidade tem por objetivo estabelecer as regras do jogo. Procedimentos de avaliao da conformidade so quaisquer atividades executadas com o objetivo de determinar, direta ou indiretamente, que os requisitos regulamentados, aplicveis a um produto ou servio, esto sendo cumpridos. A atividade de avaliao da conformidade apoia-se em dois fundamentos bsicos: Reconhecimento da competncia tcnica: instalaes, sistema da qualidade, pessoal, calibrao dos instrumentos de medio. Credibilidade (reputao): tica, imparcialidade, comprometimento. Esse processo sistematizado de avaliao da conformidade normalmente envolve, entre outras aes, selecionar norma ou regulamento; coletar amostras; realizar ensaios; realizar inspees; realizar auditorias no sistema de qualidade do fornecedor; avaliar e acompanhar o produto no mercado. Para decidir qual mecanismo de avaliao da conformidade dever ser usado, h que se realizar estudo de viabilidade da avaliao da conformidade orgnica. Nesse estudo, sero avaliados os aspectos econmicos, sociais, ambientais, os arranjos produtivos e organizacionais, jurdicos, tcnicos e polticos de apoio implantao, manuteno e verificao da conformidade na produo e nos mercados (market surveillance) do cumprimento das regras negociadas e estabelecidas para a produo na agricultura orgnica.

Tipos de avaliao da conformidadeA avaliao da conformidade pode ser de trs tipos, de acordo com o agente econmico, ou seja, em funo de quem realiza a avaliao e, portanto, tem a responsabilidade de garantir a conformidade. So eles: de primeira parte: quando feita pelo produtor/fabricante ou fornecedor; de segunda parte: quando feita pelo comprador/cliente; de terceira parte: quando feita por organizao com independncia em relao ao fornecedor e ao cliente, no tendo, portanto, interesse na comercializao do produto. a chamada certificao.

A avaliao da conformidade tambm pode ser realizada numa unidade de produo individual ou num grupo de pequenos produtores. individual quando envolve grandes produtores e, em grupo, quando envolve pequenos empreendimentos. Na agricultura orgnica, foi normalizada a certificao em grupos de pequenos produtores, sendo reconhecida pela IFOAM para o comrcio internacional. A Unio Europeia admite o uso da certificao em grupo para produtos importados, no para seus pequenos produtores. Os Estados Unidos, na NOP (regulamentao norte-americana para a agricultura orgnica), vm criando barreiras para a aceitao da certificao em grupo. A avaliao da conformidade pode ser, ainda, participativa, quando os produtores compartilham as responsabilidades no grupo com tcnicos, comerciantes e consumidores para verificao e deciso da conformidade. Essa evoluo foi a materializao dos sistemas de certificao participativa praticados na Amrica Latina e Caribe (LERNOUD; FONSECA, 2004) e que, no mundo, so tambm conhecidos como Sistemas Participativos de Garantia (SPG), por sugesto da IFOAM e do MAELA - Movimento Agroecolgico da Amrica Latina e Caribe (IFOAM, 2005). Esses conceitos e critrios vm sendo sistematizados e qualificados para que possam ser multiplicados como mais um mecanismo de avaliao da conformidade das qualidades orgnicas. A IFOAM criou um grupo de trabalho dos SPG que produziu documentos (IFOAM, 2008a, 2008b) com o objetivo de difundir os conceitos e permitir a autodeclarao via internet. O primeiro pas a regulamentar os SPG foi o Brasil (BRASIL. Presidncia da Repblica, 2007; BRASIL, 2009c), tendo como fundamento bsico que os critrios obedecidos pelos SPG fornecem garantia igual oferecida pela certificao. Ou seja, a garantia de que os produtos orgnicos foram produzidos e so controlados de acordo com os princpios da agricultura orgnica. No se deve confundir certificao em grupo com SPG. A principal diferena est na possibilidade de o SPG, durante o processo de verificao da conformidade, oferecer assistncia tcnica e troca de saberes que contribuem para a construo do conhecimento agroecolgico e para a correo das no conformidades.

A avaliao da conformidade tambm pode ser classificada quanto aplicao: pode ser usada voluntariamente ou compulsoriamente. compulsria (obrigatria) quando o rgo regulador entende que o produto, processo ou servio pode oferecer riscos segurana do consumidor ou ao ambiente, ou quando o desempenho do produto, se inadequado, pode trazer prejuzos econmicos sociedade. A avaliao da conformidade, ento, tem diferentes tipos e mecanismos para verificar e garantir que o produto, processo ou servio seguiram os critrios estabelecidos por normas ou regulamentos tcnicos. Para se selecionar que mecanismo e procedimento de avaliao da conformidade (participativo ou no, individual ou em grupo) deve ser usado, necessrio considerar diversos aspectos, relacionados s caractersticas do produto, processo ou servio avaliado, como risco, impacto e frequncia da falha, volume de produo, velocidade do aperfeioamento tecnolgico no setor, porte dos fabricantes envolvidos, impacto sobre a competitividade do produto, grau de organizao dos produtores e tipo de controle social exercido, entre outros. Outro aspecto a ser observado a obrigatoriedade ou no do uso dos diferentes mecanismos e ferramentas de avaliao da conformidade. Mecanismos de avaliao da conformidade so todos os mtodos pelos quais os produtos, processos ou servios so avaliados. Algumas ferramentas usadas so: ensaio de tipo, ensaio de rotina, avaliao do sistema de qualidade de produo, julgamento do servio executado, amostragem, controle social (reunies, troca de experincias, participao etc.), avaliao por visitas de revises de pares e acordos coletivos. Para avaliar o sistema de qualidade, h ferramentas que avaliam a conformidade tcnica e outras que avaliam a conformidade social (controle social feito com a participao colaborativa dos membros dos sistemas de garantia nas reunies, visitas a campo, contratos assinados, acordos coletivos firmados e tomadas de deciso compartilhadas). Com base na anlise desses aspectos, ser determinado o agente econmico e social que realizar a avaliao da conformidade (1, 2 ou 3 parte), participativa ou no, mecanismos separados ou em conjunto, individual ou em grupo. O importante que, independentemente do tipo, a avaliao da conformidade (participativa ou no) pressupe uma

relao de confiana, sendo necessrio criar mecanismos contnuos de acompanhamento e avaliao dessa relao. Merece destaque o acompanhamento no mercado (market surveillance), com nfase na verificao da conformidade e no uso de tcnicas que permitam verificar se o produto chega ao ponto de venda com suas caractersticas preservadas. Na produo, destaca-se o importante papel desempenhado pelos mecanismos de avaliao da conformidade para a organizao da produo e para o empoderamento dos pequenos produtores. Existe, portanto, a possibilidade de se adotarem diferentes mecanismos de avaliao da conformidade no mesmo sistema, isoladamente ou de forma conjunta. A escolha ser feita em funo das especificidades do produto, processo ou servio para cada situao na comercializao e de acordo com os arranjos produtivos locais, com o nvel de organizao dos produtores e com o nvel de acesso poltico e de assistncia tcnica. A conformidade do produto, processo ou servio pode ser evidenciada pelo documento emitido, pela marca no produto, pelo selo de conformidade e pelo banco de dados informatizado.

3. Acesso ao mercado internoAs possibilidades de acesso dos produtos da agricultura orgnica ao mercado brasileiro esto previstas na Lei n 10.831 (BRASIL. Presidncia da Repblica, 2003), nos Decretos n 6.323 (BRASIL. Presidncia da Repblica, 2007) e n 6.913 (BRASIL. Presidncia da Repblica, 2009b) e nas Instrues Normativas n 54 e n 64 (BRASIL, 2008a, 2008b), n 17, n 18 e n 19 (BRASIL, 2009a, 2009b, 2009c). No Brasil, podem ser trs os mecanismos de controle para a garantia da qualidade orgnica. O primeiro mecanismo diz respeito aos agricultores familiares, que devero atender aos requisitos estabelecidos para a venda direta sem certificao, porm como membros de uma organizao de controle social (OCS). Os outros dois mecanismos so para a venda direta por produtores no familiares e para a venda indireta, sendo que todos devero atender aos requisitos estabelecidos pelo Sistema Brasileiro de Avaliao da Conformidade Orgnica (SISORG). O SISORG integrado por rgos e organizaes da administrao pblica federal e pelos organismos de avaliao da conformidade (OAC)

credenciados pelo MAPA. Os OACs so pessoas jurdicas, de direito pblico ou privado, responsveis pela verificao da conformidade dos processos produtivos avaliados em relao regulamentao da produo orgnica, tanto na certificao como nos SPG (art.6, pargrafo nico da IN 19/2009). A seguir so demonstrados os trs procedimentos reconhecidos pela regulamentao da agricultura orgnica no Brasil que podem ser acessados, dependendo do canal de comercializao usado (venda direta ou indireta) e do tipo de fornecedor (agricultor familiar ou no).ACESSO AO MERCADO INTERNO DOS PRODUTOS ORGNICOSLEI 10.831 (2003) DECRETO 6.323 (2007) DECRETO 6.913 (2009)

INSTRUES NORMATIVAS (2008 e 2009)IN DOS MECANISMOS DE CONTROLE E INFORMAO DA QUALIDADE ORGNICA

SISORG

VENDA DIRETA COM CERTIFICAO FACULTATIVA

CertificaoMECANISMOS DE GARANTIA

SPGCONTROLE SOCIAL

Certificadora (OAC)

OPAC

INFORMAO DA QUALIDADE

SELO DO SISORG

Produto orgnico para venda direta por agricultores familiares no sujeitos certificao

Venda direta com certificao facultativaA venda direta est prevista na Lei 10.831/03 (art. 3 1), bem como no Decreto 6.323/07 (cap. II art. 28) e no texto da Instruo Normativa n 19/09 (art.5 e art. 96). Segundo o glossrio do Decreto, entende-se que o agricultor familiar, na venda direta, deve vender apenas para a pessoa fsica ou jurdica que vai consumir o produto, ou seja, o consumidor final. Se, por exemplo, o agricultor familiar vende laranjas

em uma feira para uma pessoa fsica que vai se alimentar daquele produto, trata-se de venda direta porque quem comprou o produto vai consumi-lo. Se o agricultor familiar vende laranjas para o governo, que doar o produto a hospitais e creches ou vai utiliz-lo na merenda escolar, sem vend-lo, essa modalidade tambm pode ser classificada como venda direta. Tambm se considera venda direta se grupos possuem pontos coletivos de comercializao para o consumidor final. Analisando o artigo mencionado, Fonseca e Carrano (2006) identificaram outra figura jurdica - o preposto - que pode, direta ou indiretamente, auxiliar o agricultor familiar na comercializao. Essa figura idealizada pela lei da agricultura orgnica e materializada nao art. 96 1 de sua regulamentao (BRASIL, 2009c) no pode ser 18 comparada ao preposto , em sentido mais amplo, adotado pelo direito civil, nem quele idealizado pelo Cdigo de Defesa do Consumidor (CDC). O CDC, em seu artigo 34 (ARRUDA, 2004), dispe que o fornecedor do produto ou servio solidariamente responsvel pelos atos de seus prepostos ou representantes autnomos. Na viso da lei da agricultura orgnica e na sua regulamentao (BRASIL. Presidncia da Repblica, 2003, 2007; BRASIL, 2009c), o preposto no pode ser um empregado, mas, to somente, um membro da famlia do prprio agricultor familiar, outro agricultor familiar ou membro da comunidade envolvido na estrutura organizacional. Quanto responsabilidade civil sobre a qualidade do produto, esta recair sobre o agricultor e nunca sobre o preposto, salvo as previses legais, que aqui no cabe comentar. Como hiptese, cita-se o caso de um grupo de agricultores familiares pertencentes a uma associao informal em que um deles possui meio de transporte e, por isso, fica incumbido de transportar as mercadorias produzidas pelos outros agricultores para a feira local, bem como de vend-las. o caso tpico idealizado pela lei, ou seja, os agricultores familiares organizados se ajudam mutuamente e, mesmo que o agricultor no possa acompanhar seu produto, algum do grupo poder faz-lo, sem obter remunerao.18

Segundo dispe o Cdigo de Defesa do Consumidor, se o preposto vende tomates danificados, ocorre o que se chama de vcio do produto e a responsabilidade civil pelos danos ao consumidor recai sobre o fornecedor (produtor), cabendo-lhe honrar com a qualidade e sanar o problema.

Dessa forma, a venda direta pode ser feita pelo prprio agricultor familiar, por familiar ou por membro da estrutura organizacional (preposto) em que est inserido, pois a garantia perante o consumidor continuar sendo o controle social. Os possveis canais de comercializao para utilizao na venda direta so apresentados no Quadro 1.Quadro 1 - Possibilidades da venda direta com controle social na Lei 10.831/2003 e no Decreto 6.323/2007.EQUIPAMENTOS FORMAS CONTROLE ORGANIZACIONAIS SOCIAL Produo individual / Feira organizada produo prpria Grupo* Grupo e/ou feira Intermedirio Produo individual / produo prpria Grupo Intermedirio Grupo Produo Individual Produo individual / produo prpria ** Grupo No se aplica No se apli