agricultura familiar e crÉdito rural: anÁlise das ... · a metodologia utilizada foi a revisão...

19
XI ENCONTRO DE ECONOMIA BAIANA – SET. 2015 AGRICULTURA FAMILIAR E CRÉDITO RURAL: ANÁLISE DAS LIBERAÇÕES DOS RECURSOS DO PRONAF NO ESTADO DA BAHIA NO PERÍODO 2003-2012 Jaqueline Oliveira * Gilca Garcia de Oliveira ** Daniel Alem *** Érica Imbirussú de Azevedo **** RESUMO Verifica-se neste trabalho a evolução das liberações dos recursos do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) no Estado da Bahia no período 2003-2012 e a distribuição desses recursos entre os territórios de identidade no ano 2012. A agricultura familiar é um setor importante no fornecimento de alimentos para a população brasileira e o crédito é um instrumento de fortalecimento dessa agricultura. O Pronaf foi o primeiro programa voltado especificamente para a agricultura familiar e tem por objetivo viabilizar a produção e os meios de sobrevivência do pequeno agricultor, que utiliza predominantemente a mão de obra da própria família nas atividades econômicas do seu empreendimento. A metodologia utilizada foi a revisão de literatura sobre o conceito de Agricultura Familiar e sobre Pronaf, além do levantamento de dados no Banco Central do Brasil referente ao número de contratos e valores liberados no Brasil, Regiões e Estado da Bahia, no período 2003-2012. Palavras-chave: Agricultura familiar. Pronaf. Territórios de identidade. Bahia. ABSTRACT There is a trend of releases of funds from the National Program for Strengthening Family Agriculture (Pronaf) in the state of Bahia in the period 2003-2012 and the distribution of these resources between the territories of identity in the years 2012. Family agriculture is an important sector in providing food for the Brazilian population and the credit is an instrument of strengthening this agriculture. Pronaf was the first program designed specifically for family farmers and aims to facilitate the production and the livelihoods of small farmers, who predominantly use the manpower of their own family in the economic activities of their enterprise. The methodology used was the literature review on the concept of family farming and on Pronaf beyond data collection at the Central Bank of Brazil on the number of contracts and amounts released in Brazil, Regions and State of Bahia, in the period 2003-2012. Keywords: Family farming. Pronaf. Territories of identity. Bahia. * Graduada em Ciências Econômicas pela Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) e mestranda em Economia pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Membro do Grupo de Pesquisa em Economia Política e Desenvolvimento. [email protected] ** Pós-doutora pela Universidad Nacional Autónoma de Mexico (UNAM) e doutora em Economia Rural pela Universidade Federal de Viçosa (UFV). Professora dos programas da pós-graduação em Economia e de Geografia da Universidade Federal da Bahia (UFBA), coordenadora do Grupo de Pesquisa do Projeto GeografAR e membro do Grupo de Pesquisa em Economia Política e Desenvolvimento. [email protected], [email protected] *** Graduado em Ciênciais Econômicas pela Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) e mestrando em Economia pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Membro do Grupo de Pesquisa em Economia Política e Desenvolvimento. [email protected] **** Mestre em Economia pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e graduada em Ciências Econômicas pela Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS). Professora substituta da Faculdade de Economia da UFBA e membro do Grupo de Pesquisa em Economia Política e Desenvolvimento e do Grupo de Pesquisa do Projeto GeografAR. [email protected] FINANCIAMENTO DO DESENVOLVIMENTO 587

Upload: vonga

Post on 03-Dec-2018

213 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

XI ENCONTRO DE ECONOMIA BAIANA – SET. 2015

AGRICULTURA FAMILIAR E CRÉDITO RURAL: ANÁLISE DAS LIBERAÇÕES DOS RECURSOS DO PRONAF NO ESTADO DA BAHIA NO PERÍODO 2003-2012

Jaqueline Oliveira*

Gilca Garcia de Oliveira**

Daniel Alem***

Érica Imbirussú de Azevedo****

RESUMO

Verifica-se neste trabalho a evolução das liberações dos recursos do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf ) no Estado da Bahia no período 2003-2012 e a distribuição desses recursos entre os territórios de identidade no ano 2012. A agricultura familiar é um setor importante no fornecimento de alimentos para a população brasileira e o crédito é um instrumento de fortalecimento dessa agricultura. O Pronaf foi o primeiro programa voltado especificamente para a agricultura familiar e tem por objetivo viabilizar a produção e os meios de sobrevivência do pequeno agricultor, que utiliza predominantemente a mão de obra da própria família nas atividades econômicas do seu empreendimento. A metodologia utilizada foi a revisão de literatura sobre o conceito de Agricultura Familiar e sobre Pronaf, além do levantamento de dados no Banco Central do Brasil referente ao número de contratos e valores liberados no Brasil, Regiões e Estado da Bahia, no período 2003-2012.

Palavras-chave: Agricultura familiar. Pronaf. Territórios de identidade. Bahia.

ABSTRACT

There is a trend of releases of funds from the National Program for Strengthening Family Agriculture (Pronaf) in the state of Bahia in the period 2003-2012 and the distribution of these resources between the territories of identity in the years 2012. Family agriculture is an important sector in providing food for the Brazilian population and the credit is an instrument of strengthening this agriculture. Pronaf was the first program designed specifically for family farmers and aims to facilitate the production and the livelihoods of small farmers, who predominantly use the manpower of their own family in the economic activities of their enterprise. The methodology used was the literature review on the concept of family farming and on Pronaf beyond data collection at the Central Bank of Brazil on the number of contracts and amounts released in Brazil, Regions and State of Bahia, in the period 2003-2012.

Keywords: Family farming. Pronaf. Territories of identity. Bahia.

* Graduada em Ciências Econômicas pela Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) e mestranda em Economia pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Membro do Grupo de Pesquisa em Economia Política e Desenvolvimento. [email protected]

** Pós-doutora pela Universidad Nacional Autónoma de Mexico (UNAM) e doutora em Economia Rural pela Universidade Federal de Viçosa (UFV). Professora dos programas da pós-graduação em Economia e de Geografia da Universidade Federal da Bahia (UFBA), coordenadora do Grupo de Pesquisa do Projeto GeografAR e membro do Grupo de Pesquisa em Economia Política e Desenvolvimento. [email protected], [email protected]

*** Graduado em Ciênciais Econômicas pela Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) e mestrando em Economia pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Membro do Grupo de Pesquisa em Economia Política e Desenvolvimento. [email protected]

**** Mestre em Economia pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e graduada em Ciências Econômicas pela Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS). Professora substituta da Faculdade de Economia da UFBA e membro do Grupo de Pesquisa em Economia Política e Desenvolvimento e do Grupo de Pesquisa do Projeto GeografAR. [email protected]

FINANCIAMENTO DO DESENVOLVIMENTO • 587

AGRICULTURA FAMILIAR E CRÉDITO RURAL: ANÁLISE DAS LIBERAÇÕES DOS RECURSOS DO PRONAF NO ESTADO DA BAHIA NO PERÍODO 2003-2012

Jaqueline Oliveira, Gilca Garcia de Oliveira, Daniel Alem, Érica Imbirussú de Azevedo

XI ENCONTRO DE ECONOMIA BAIANA – SET. 2015 FINANCIAMENTO DO DESENVOLVIMENTO • 588

1 INTRODUÇÃO

Atualmente a maior parte dos alimentos consumidos pelos brasileiros é proveniente das pequenas

propriedades, o que demonstra a relevância desse setor para a economia e para a segurança

alimentar da população brasileira. Além disso, a agricultura familiar possui uma maior

diversificação de cultivos, faz menor uso de insumos industriais e contribui para a preservação do

patrimônio genético.

A partir dos dados estatísticos do Censo Agropecuário de 2006 do IBGE (Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatística) é possível verificar a importância social e econômica da agricultura familiar

no Brasil. Apesar de possuir 84,4% do total dos estabelecimentos, a agricultura familiar ocupa

apenas 24,3% da área total, representando 74,4% das pessoas ocupadas e sendo responsável por

38% do Valor Bruto da Produção. A região Nordeste é a que apresenta o maior número de

estabelecimentos da agricultura familiar, com 50,1% do total desses estabelecimentos.

Mesmo com sua importância, a agricultura familiar não participou da expansão do crédito para a

agricultura verificado nas décadas de 60 e 70 no Brasil, ficando à margem desse processo conhecido

como “modernização conservadora”, onde ocorreu a modernização do campo, com o uso de novas

tecnologias dentro do processo produtivo, ao mesmo tempo em que se manteve uma estrutura

fundiária altamente concentrada.

O Pronaf foi o primeiro Programa governamental voltado especificamente para esse segmento,

representando, segundo Sauer (2008) uma resposta às demandas históricas do movimento sindical

rural, que exigia políticas públicas diferenciadas para os setores empobrecidos do campesinato – ou

menos capitalizados.

Porém, desde a sua criação, em 1996, o Pronaf vem destinando a maior parte dos seus recursos à

região Sul, enquanto as regiões Norte e Centro-Oeste são as que menos recebem recursos. A região

Nordeste vem recebendo valores bem inferiores aos da região Sul, apesar de possuir o maior

número de estabelecimentos familiares. Nesse sentido, torna-se importante saber qual o quadro

atual dessa distribuição de recursos, no intuito de verificar se houve uma melhora ou uma

acentuação dessa situação de desequilíbrio espacial.

Além disso, é interessante observar e aprofundar a análise verificando como esses recursos estão

distribuídos dentro do Estado da Bahia, entre os Territórios de Identidade desse Estado, no sentido

de verificar se há uma concentração de créditos aplicados em alguma região, sendo este o principal

objetivo deste trabalho.

Realiza-se, inicialmente, uma discussão sobre “campesinato”, na medida em que lhe é atribuído

historicamente uma identidade política, diferente do conceito de “agricultura familiar”. Em seu

artigo “A atualidade do uso do conceito de camponês”, Marques (2008) defende a atualidade e a

pertinência da utilização do conceito de camponês para a compreensão da realidade agrária

brasileira, baseada na análise da história e do conteúdo sócio-político e cultural deste conceito.

Nesse sentido, na primeira seção foi feita uma discussão sobre o campesinato como classe social e

como modo de produção, além de uma discussão subsequente sobre a origem do conceito de

agricultura familiar e sua relação com o conceito de camponês. Seria esse um novo sujeito

proveniente dos desdobramentos da economia capitalista, sendo o conceito de “agricultor familiar”

totalmente desvinculado do conceito de camponês ou, ao contrário, é possível observar uma

continuidade entre o “agricultor familiar” e o camponês?

AGRICULTURA FAMILIAR E CRÉDITO RURAL: ANÁLISE DAS LIBERAÇÕES DOS RECURSOS DO PRONAF NO ESTADO DA BAHIA NO PERÍODO 2003-2012

Jaqueline Oliveira, Gilca Garcia de Oliveira, Daniel Alem, Érica Imbirussú de Azevedo

XI ENCONTRO DE ECONOMIA BAIANA – SET. 2015 FINANCIAMENTO DO DESENVOLVIMENTO • 589

A segunda seção discorre sobre o histórico da criação do Pronaf e também sobre as características

deste Programa e beneficiários. Na terceira e última seção foram analisados os dados sobre a

distribuição dos créditos do Pronaf entre as regiões do Brasil, a evolução das liberações desses

recursos no Estado da Bahia e também a distribuição desses recursos entre os Territórios de

Identidade do Estado da Bahia.

2 O agricultor familiar, sujeito do Pronaf

Para Shanin (1979 apud MARQUES, 2008), o campesinato é, ao mesmo tempo, uma classe social e

um “mundo diferente”, que apresenta padrões de relações sociais distintos - ou seja, o que também

podemos denominar de modo de vida. Para o autor, o campesinato é uma classe social de baixa

“classicidade” que se insere na sociedade capitalista de forma subordinada e se levanta em

momentos de crise.

Na visão de Marques (2008), o campesinato também é visto como uma classe social, não sendo

possível caracteriza-lo apenas como um setor da economia, uma forma de organização da produção

ou um modo de vida. Para a autora, o campesinato pode ser caracterizado como uma organização

social específica que em determinados momentos serve aos interesses capitalistas, em outros

momentos lhes é contraditória. Essa forma de organização camponesa possui ao mesmo tempo uma

relação de subordinação e estranhamento com a sociedade capitalista (MARQUES, 2008, p. 49).

Baseada no conceito de Thompson (1987) de classe social, em que esta acontece “quando alguns

homens, como resultado de experiências comuns (herdadas ou partilhadas), sentem e articulam a

identidade de seus interesses entre si, e contra outros homens cujos interesses diferem (e geralmente

se opõem) dos seus”, Marques (2008, p. 59) diz ser impossível compreender e definir uma classe

apenas a partir da forma como esta está inserida no contexto das relações de produção. Ou seja, o

grupo social em análise não necessariamente precisa estar ligado diretamente à produção capitalista

para ser considerado uma classe social. Para a autora esse procedimento teórico se mostra

problemático ao ser aplicado à análise do campesinato, visto que este pode estar ligado ao seu

principal meio de produção, que é a terra, por meio de diferentes formas de relação e cuja

especificidade dos valores e visão de mundo, frequentemente conflitantes com a ideologia

dominante na sociedade moderna capitalista, não pode ser ignorada (MARQUES, 2008, p. 59).

O conceito de camponês como modo de produção, ou alternativamente, modo de produzir e de

viver dos camponeses tem como objetivo, segundo Carvalho (2012, p. 33), “acentuar que há uma

especificidade camponesa, que a sua reprodução social é regida por uma dinâmica interna própria

da unidade de produção camponesa e não pela lógica da reprodução social da unidade de produção

capitalista onde se dá a relação social de produção de assalariamento”. Para o autor “enquanto que a

racionalidade da reprodução social da unidade de produção capitalista é centrada no lucro, a lógica

da reprodução social da unidade camponesa é centrada na reprodução social da família”

(MARQUES, 2012, p. 33).

Para Carvalho (2012, p. 33), “na sociedade brasileira convivem contraditoriamente dois modos de

produção distintos: o modo capitalista de produção e o modo camponês ou o modo de produzir e de

viver camponês”. Para o referido autor, a expressão modo de produzir e de viver dos camponeses

como alternativa ao conceito modo de produção camponês pode ser utilizada porque a unidade de

produção, que o camponês gerencia familiarmente, é, ao mesmo tempo, uma unidade de produção e

de reprodução social da vida familiar.

AGRICULTURA FAMILIAR E CRÉDITO RURAL: ANÁLISE DAS LIBERAÇÕES DOS RECURSOS DO PRONAF NO ESTADO DA BAHIA NO PERÍODO 2003-2012

Jaqueline Oliveira, Gilca Garcia de Oliveira, Daniel Alem, Érica Imbirussú de Azevedo

XI ENCONTRO DE ECONOMIA BAIANA – SET. 2015 FINANCIAMENTO DO DESENVOLVIMENTO • 590

[...] como a maior parte dos camponeses estabelece relações sociais bastante estreitas com a

comunidade rural à qual consideram pertencer, a referência ao viver e morar na totalidade

das suas dimensões (reprodução da vida) passa a ter um significado muito mais amplo,

inclusive culturalmente, mesclando no cotidiano das suas existências os processos de

produção com os de reprodução social da família (unidade da produção e do consumo),

numa interação particular que dá ao camponês sua especificidade. (CARVALHO, 2012, p.

34).

Para este autor, é essa noção de especificidade camponesa, ou seja, da presença de uma

racionalidade que é própria do campesinato, que acentua as diferenças entre o campesinato como

modo de produzir e de viver do modo de produção capitalista (CARVALHO, 2012, p. 34).

Para Shanin (2005, p. 12), “a delimitação e a apresentação da especificidade camponesa, dentro do

conceito de “modo de produção camponês”, fornecem uma abordagem possível à teorização e à

análise de inúmeros problemas em questão como, por exemplo, a estrutura societária dos

camponeses”. Porém, para este autor, se levarmos em consideração que o ponto central do conceito

de modo de produção consiste num sistema/dinâmica, dentro do qual a produção e apropriação

exploradora são centrais e encadeadas, utilizar esse conceito como unidade de análise sem abordar

essas características essenciais parece forçar os termos “ao ponto de categorizar na ausência de seus

insigths analíticos mais importantes”. Para Shanin (2005, p.12) “colocado na balança, o conceito de

“modo de produção camponês” tem provavelmente demasiadas limitações heurísticas para ser

sustentado”.

É interessante abordar as observações de Carvalho (2012, p. 37) no que concerne ao conceito de

camponês como modo de produção ou como classe. Para ele “quando o campesinato

contemporâneo resiste socialmente às iniciativas várias de desagregá-lo ele está se afirmando como

um modo de produzir e de viver. Todavia, quando ele não apenas resiste, mas se afirma como

camponês pela construção da sua autonomia e a negação do modo de produção capitalista como

práxis social dominante, acentuando que é um modo de produção que deve ser superado e, para

tanto, se alia com o proletariado para combater a burguesia como classe social que domina e

comanda esse processo geral de destruição da vida, nesse processo político se instaura a contradição

de classe entre o campesinato e a burguesia. Então, nessa luta concreta de classes, o campesinato se

comporta econômica, política e ideologicamente como classe social em confronto com a burguesia”

(CARVALHO, 2012, p. 37).

Desta forma, o campesinato seria ao mesmo tempo classe social e modo de produção. Na medida

em que o avanço capitalista no campo provocaria a desintegração e consequente perigo de

sobrevivência do modo de vida desse camponês, a resistência a esse tipo de ocupação caracterizaria

o camponês como modo de produção. A partir do momento que esse camponês não só resistisse,

mas também se reconhecesse como camponês e buscasse a superação do modo de produção

capitalista, se apresentando nesse processo a contradição entre o campesinato e a burguesia,

poderíamos considerar o camponês como classe social.

Assim, a resistência social e a negação do avanço do modo de produção capitalista no campo

exigiriam, dos camponeses, uma articulação político-ideológica de lutas sociais, o que, para

Carvalho (2012, p. 38), “além de afirmarem o campesinato como modo de produzir e de viver

distinto daquele determinado pelo modo de produção capitalista o consolide como classe social em

todo o mundo em contradição antagônica com o capital”.

Apesar da origem do conceito de camponês estar ligada à realidade da idade média europeia, no

Brasil este conceito passou a ganhar destaque nas ciências sociais a partir dos anos 50, se

transformando, ao mesmo tempo, numa identidade política em nível nacional. Marques (2008, p. 4)

salienta ser este o momento das Ligas Camponesas, “quando a grande concentração de terras e a

AGRICULTURA FAMILIAR E CRÉDITO RURAL: ANÁLISE DAS LIBERAÇÕES DOS RECURSOS DO PRONAF NO ESTADO DA BAHIA NO PERÍODO 2003-2012

Jaqueline Oliveira, Gilca Garcia de Oliveira, Daniel Alem, Érica Imbirussú de Azevedo

XI ENCONTRO DE ECONOMIA BAIANA – SET. 2015 FINANCIAMENTO DO DESENVOLVIMENTO • 591

extrema desigualdade social se tornam mais evidentes com as mudanças verificadas nas relações de

trabalho e aparecem como fundamentos da questão agrária brasileira”. Para Marques (2008, p. 4)

O campesinato se refere a uma diversidade de formas sociais baseadas na relação de

trabalho familiar e formas distintas de acesso a terra como o posseiro, o parceiro, o foreiro,

o arrendatário, o pequeno proprietário etc. A centralidade do papel da família na

organização da produção e na constituição de seu modo de vida, juntamente com o trabalho

na terra, constituem os elementos comuns a todas essas formas sociais. (MARQUES, 2008,

p. 4).

Já em meados da década de 90 popularizou-se o termo “agricultura familiar”. Para Sauer (2008, p.

20), o uso dessa expressão objetivava, principalmente, romper com noções relacionadas a certos

setores rurais como a “pequena produção” ou a “produção de subsistência” (ou mesmo com a noção

de produção camponesa), principalmente porque essas passavam a ideia de ineficiência, baixa

produtividade (pequeno produtor) e não inserção no mercado (produção apenas para o autoconsumo

ou de subsistência).

Dentro desse contexto, para alguns autores a expressão ou uso do conceito “agricultura familiar”

não possui nenhuma relação com conceitos anteriores, como o de camponês, pois aquele se

constitui numa nova forma de organização da produção agrícola diferente do campesinato. Essa

moderna agricultura familiar é considerada uma nova categoria ligada diretamente com os recentes

desenvolvimentos da sociedade capitalista, sem qualquer vínculo com o produtor rural que outrora

foi denominado de camponês.

Para Abramovay (1992, p. 127), a agricultura familiar não pode ser caracterizada como camponesa,

pois essa se encontra fortemente integrada ao mercado, sendo capaz de incorporar os principais

avanços técnicos e de responder às políticas governamentais.

Desta forma, a “agricultura familiar” é considerada como um novo personagem, que se afasta das

características do camponês, fruto dos interesses e da iniciativa do Estado, assumindo uma condição

de produtor moderno, totalmente integrada ao mercado, não apresentando contradição no que diz

respeito ao desenvolvimento capitalista. Abramovay (1992, p. 127) salienta ainda a natureza

empresarial, o dinamismo técnico e a capacidade de inovação como traços da forma contemporânea

de produção familiar.

Para Wanderley (2004, p. 55), os agricultores familiares no Brasil, em sua grande maioria, possuem

uma história camponesa e não correspondem, portanto, a nenhuma invenção moderna produzida

exclusivamente pela ação do Estado. Em seu trabalho “Raízes históricas do campesinato brasileiro”

ela salienta que “a agricultura familiar que se reproduz nas sociedades modernas deve adaptar-se a

um contexto socioeconômico próprio destas sociedades, que a obriga a realizar modificações

importantes em sua forma de produzir e em sua vida social tradicionais”. Porém, para a autora, estas

transformações do chamado agricultor familiar moderno não produzem uma ruptura total e

definitiva com as formas anteriores, produzindo, ao contrário, um agricultor portador de uma

tradição camponesa, que lhe permite, precisamente, adaptar-se às novas exigências da sociedade

(WANDERLEY, 1996, p. 2).

É interessante observar que diversos autores salientam o uso do conceito de campesinato associado,

sobretudo, a um conteúdo político e ideológico, enquanto apresenta o conceito de “agricultura

familiar” como um conceito “operacional”, centrado na caracterização geral de um grupo bastante

heterogêneo.

AGRICULTURA FAMILIAR E CRÉDITO RURAL: ANÁLISE DAS LIBERAÇÕES DOS RECURSOS DO PRONAF NO ESTADO DA BAHIA NO PERÍODO 2003-2012

Jaqueline Oliveira, Gilca Garcia de Oliveira, Daniel Alem, Érica Imbirussú de Azevedo

XI ENCONTRO DE ECONOMIA BAIANA – SET. 2015 FINANCIAMENTO DO DESENVOLVIMENTO • 592

Dentro da própria discussão de campesinato verifica-se o quão difícil é caracterizar, conceituar e

apresentar uma ideia em comum que unifique e defina quem é esse camponês. Para Shanin (2005,

p. 2), “não tem como conceituar camponês sem levar em consideração, que as características desse

camponês mudam de uma região para outra, de um país para outro e mesmo dentro de um mesmo

território, comunidade, aldeia é difícil conceituar e caracterizar esse camponês que muitas vezes

possui características tão díspares. A própria história demonstra mudanças de condições e

comportamentos desse indivíduo de um período para outro”.

Finalmente, e o que é mais importante, essas conclusões não são simplesmente um

exercício de lógica, mas são centrais para estratégias de pesquisa e ação política, pois

implicam que os camponeses e sua dinâmica devem ser considerados tanto enquanto tais,

como dentro dos contextos societários mais amplos, para maior compreensão do que são

eles e do que é a sociedade em que vivem. (SHANIN, 2005, p. 14).

É preciso entender, desta forma, esse “agricultor familiar” na sua pluralidade, com características

muitas vezes tão distintas que talvez fosse impossível caracteriza-lo com sendo o mesmo sujeito

dentro de um mesmo conceito. Porém, é necessário também entender as peculiaridades e traços

comuns desse mesmo sujeito, visto a necessidade de integrá-los num núcleo conceitual comum que

possibilite o apontamento de suas necessidades e a realização de políticas públicas para a superação

dessas necessidades.

3 O Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar

3.1 Histórico

O Pronaf foi lançado pelo Governo Brasileiro em junho de 1996, e inscreve-se na crítica às

consequências sociais negativas decorrentes do processo de modernização conservadora na

agricultura brasileira, que se deu de modo desigual, não incorporando grande parte dos produtores

menos integrados, e principalmente aqueles de menor porte. Dentre os eventos citados por Martine

(1991, p. 9) que levaram ao desenvolvimento desse processo que modificou a estrutura e o perfil da

produção agrícola a partir de 1965, está a consolidação do parque industrial, a fase ascendente do

ciclo econômico conhecido como o “milagre econômico”, a instauração de um estilo de

desenvolvimento visando a “modernização conservadora”, a internacionalização do pacote

tecnológico da Revolução Verde, a ampliação do crédito rural subsidiado e de outros incentivos à

agricultura, a melhoria dos preços internacionais para produtos agrícolas, dentre outros.

Ele acrescenta ainda que em consequência disto a agricultura atravessou um processo radical de

transformação em vista de sua integração à dinâmica industrial de produção e da constituição do

complexo agroindustrial, tendo como principal base de sustentação o crédito agrícola subsidiado.

Segundo o autor, a base tecnológica da produção agrícola foi alterada profundamente, assim como a

composição das culturas e os processos de produção. Porém, essas modificações não ocorreram de

forma homogênea,

[...] a distribuição social, setorial e espacial dos incentivos provocou uma divisão de

trabalho crescente; grosso modo, maiores propriedades, em terras melhores, tiveram acesso

ao crédito, subsídios, pesquisa, tecnologia e assistência técnica, a fim de produzir para o

mercado externo ou para a agroindústria. Enquanto isso, os produtores menos capitalizados

foram relegados a terras menos férteis, utilizando práticas tradicionais e explorando a mão-

de-obra familiar para subsistir ou produzir um pequeno excedente comercializado nos

mercados urbanos, onde o baixo poder de compra das massas garantiam preços também

baixos. (MARTINE, 1991, p 10).

AGRICULTURA FAMILIAR E CRÉDITO RURAL: ANÁLISE DAS LIBERAÇÕES DOS RECURSOS DO PRONAF NO ESTADO DA BAHIA NO PERÍODO 2003-2012

Jaqueline Oliveira, Gilca Garcia de Oliveira, Daniel Alem, Érica Imbirussú de Azevedo

XI ENCONTRO DE ECONOMIA BAIANA – SET. 2015 FINANCIAMENTO DO DESENVOLVIMENTO • 593

Para Martine (1991, p. 10), a consequência disso foi uma acentuação da concentração da

propriedade da terra, expulsão da mão-de-obra do campo em decorrência da mecanização da

produção e diminuição do espaço de arrendatários, parceiros, posseiros e outros pequenos

produtores o que acarretou num “forte êxodo rural (de quase 30 milhões de pessoas entre 1960-

1980) além de crescente assalariamento da força de trabalho agrícola, muito da qual passou a residir

nas cidades”.

Do período áureo do financiamento rural apenas uma pequena parte de produtores, formados pelos

grandes proprietários rurais, foram beneficiados com o crédito agrícola subsidiado, produzindo

principalmente produtos para exportação, ficando os “pequenos produtores” à margem desse

processo de avanço tecnológico do campo brasileiro e de expansão do crédito agrícola. Mesmo no

período de crise da década de 80, o que levou a retração do crédito, os pequenos agricultores não

dispunham de linhas específicas e acabaram sendo os mais prejudicados, visto a impossibilidade de

garantias no fornecimento de crédito, num contexto de juros mais altos.

Conforme Silva (2006, p. 77) somente “no ano de 1987, durante Assembleia Nacional Constituinte,

foi elaborada uma Lei Agrícola, que incluía uma linha de crédito especialmente dedicada à

agricultura familiar”. Porém, apenas em 1993, o Governo Federal, na intenção de atender às

demandas apresentadas pelos movimentos sociais ligados à agricultura familiar, criou o Programa

de Valorização da Pequena Produção Rural – Provap, que operava com recursos do Banco Nacional

de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e apesar de não obter bons resultados no que

diz respeito ao aporte de recursos para os agricultores, para Massuquetti (2012, p. 205), sua

importância reside em representar uma transição nas políticas públicas voltadas para o setor. A

autora acrescenta ainda que, antes os pequenos produtores eram enquadrados na categoria de “mini-

produtores” no Manual de Crédito Rural do Ministério da Agricultura e precisavam disputar os

recursos com os grandes proprietários”.

Além da atuação dos movimentos sociais do campo, que reivindicavam o acesso a terra e melhores

condições de produção, foi também significante a atuação das agências internacionais Banco

Mundial e FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação) para a criação do Pronaf.

Segundo Martins (2006, p.32),

As propostas do Banco Mundial de ideário neoliberal, publicadas em 1993, identificavam

que o Estado não tinha condições de realizar investimentos públicos como havia feito nos

anos 70, com o crédito subsidiado, ou nos anos 80, com a politica de preços mínimos.

Nesse contexto, o estado deveria enxugar a sua estrutura, com privatizações e

descentralização administrativa, limitando o intervencionismo no mercado. Os recursos do

governo deveriam se dirigir à produção familiar, em um processo articulado com o setor

privado e com a mobilização dos recursos dos próprios agricultores, que complementariam

as necessidades do setor. (MARTINS, 2006, p. 32).

Segundo este autor, “a FAO alinhava-se com o Banco Mundial em relação à necessidade de ajuste

fiscal do Estado e propunha que se mobilizassem recursos da iniciativa privada” (Martins 2006, p.

32).

Em estudos desenvolvidos através do convênio de cooperação técnica em parceria com o Instituto

Nacional de Colonização e Reforma Agrária em 1994, a FAO apresenta o primeiro relatório e

identifica na agricultura brasileira, dois grandes segmentos: o patronal e o familiar. Segundo

Martins (2006), esse mesmo relatório diferencia a agricultura familiar em três segmentos ou estratos

principais, classificados principalmente pela renda bruta, proveniente da agricultura, sendo eles a

agricultura familiar consolidada, agricultura familiar em transição e agricultura familiar periférica.

AGRICULTURA FAMILIAR E CRÉDITO RURAL: ANÁLISE DAS LIBERAÇÕES DOS RECURSOS DO PRONAF NO ESTADO DA BAHIA NO PERÍODO 2003-2012

Jaqueline Oliveira, Gilca Garcia de Oliveira, Daniel Alem, Érica Imbirussú de Azevedo

XI ENCONTRO DE ECONOMIA BAIANA – SET. 2015 FINANCIAMENTO DO DESENVOLVIMENTO • 594

Quadro 1: Grupos/estratos de produtores familiares no Brasil (FAO/INCRA, 1994)

Grupo Característica Nº de produtores

familiares

A Produtores familiares consolidados, economicamente viáveis,

integrados no mercado.

1,5 milhão

B Produtores com acesso parcial às inovações técnicas e aos

mercados, por isto é um grupo em transição, mas com

potencial de viabilização econômica.

2.5 milhões

C Produtores periféricos, carentes de infraestrutura e apoio

institucional, considerados inviáveis economicamente e

dependentes de outras ações complementares à política de

crédito rural.

2,5 milhões

Fonte: Bruno (2004 apud Martins, 2006)

Segundo Martins (2006), a FAO recomendava que o Estado concentrasse suas ações para os

agricultores familiares em transição, devido ao potencial risco que este grupo apresenta de regredir

para o setor periférico.

E foi nesse contexto que em 28/06/1996, o Pronaf foi institucionalizado como Programa definitivo e

permanente pelo Decreto nº. 1947 e em 29/08/1996 foi incluído no Manual de Crédito Rural pela

resolução 2310. Entretanto, para Silva (2006), ao contrário das orientações iniciais, que tiveram

como base o estudo da FAO/INCRA, a prioridade deixou de ser somente os segmentos em transição

e foram incorporados os chamados agricultores periféricos.

Na próxima seção, baseado no Manual de Crédito Rural do Banco Central do Brasil, verificam-se

os moldes atuais do Pronaf, como ele se encontra estruturado, suas linhas de crédito e público-alvo.

3.2 Características

O manual de crédito rural estabelece como objetivo principal do Pronaf, estimular a geração de

renda e melhorar o uso da mão de obra familiar, por meio do financiamento de atividades e serviços

rurais agropecuários e não agropecuários desenvolvidos em estabelecimento rural ou em áreas

comunitárias próximas.

São beneficiários do Pronaf os agricultores e produtores rurais que compõem as unidades familiares

de produção rural e que comprovem seu enquadramento mediante apresentação da "Declaração de

Aptidão ao Pronaf (DAP)". Para isso é necessário, dentre outros requisitos, que:

a) Explorem parcela de terra na condição de proprietário, posseiro, arrendatário, comodatário,

parceiro, concessionário do Programa Nacional de Reforma Agrária (PNRA), ou

permissionário de áreas públicas;

b) Residam no estabelecimento ou em local próximo, considerando as características

geográficas regionais;

c) Não detenham, a qualquer título, área superior a quatro módulos fiscais, contíguos ou não,

quantificados conforme a legislação em vigor;

d) No mínimo, 50% (cinquenta por cento) da renda bruta familiar seja originada da exploração

agropecuária e não agropecuária do estabelecimento;

AGRICULTURA FAMILIAR E CRÉDITO RURAL: ANÁLISE DAS LIBERAÇÕES DOS RECURSOS DO PRONAF NO ESTADO DA BAHIA NO PERÍODO 2003-2012

Jaqueline Oliveira, Gilca Garcia de Oliveira, Daniel Alem, Érica Imbirussú de Azevedo

XI ENCONTRO DE ECONOMIA BAIANA – SET. 2015 FINANCIAMENTO DO DESENVOLVIMENTO • 595

e) Tenham o trabalho familiar como predominante na exploração do estabelecimento,

utilizando mão de obra de terceiros de acordo com as exigências sazonais da atividade

agropecuária, podendo manter empregados permanentes em número menor que o número de

pessoas da família ocupadas com o empreendimento;

Além de agricultores e produtores são também beneficiários do Pronaf:

I – Pescadores artesanais que se dediquem à pesca artesanal, com fins comerciais, explorando a

atividade como autônomos, com meios de produção próprios ou em regime de parceria com

outros pescadores igualmente artesanais;

II – Aquicultores que se dediquem ao cultivo de organismos que tenham na água seu normal ou

mais frequente meio de vida e que explorem área não superior a 2 (dois) hectares de lâmina

d’água ou ocupem até 500 m³ (quinhentos metros cúbicos) de água, quando a exploração se

efetivar em tanque-rede;

III – Silvicultores que cultivem florestas nativas ou exóticas e que promovam o manejo sustentável

daqueles ambientes;

O Pronaf também inclui como beneficiários: extrativistas que exerçam o extrativismo

artesanalmente no meio rural, excluídos os garimpeiros e faiscadores; integrantes de comunidades

quilombolas rurais; povos indígenas; demais povos e comunidades tradicionais.

Os beneficiários do Pronaf definidos anteriormente são enquadrados em grupos especiais, cada

grupo com suas especificidades no que se refere às taxas de juros, limites de financiamento, bônus

de adimplência, públicos-alvo e finalidades, dentre outros aspectos. São eles:

a) Grupo A: assentados pelo PNRA ou beneficiários do Programa Nacional de Crédito

Fundiário (PNCF) que não contrataram operação de investimento sob a égide do Programa

de Crédito Especial para a Reforma Agrária (Procera) ou que ainda não contrataram o limite

de operações ou de valor de crédito de investimento para estruturação no âmbito do Pronaf

de que trata o MCR (Manual do Crédito Rural) 10-17, itens 3, 5 e 6;

b) Grupo B: beneficiários cuja renda bruta familiar anual não seja superior a R$20.000,00

(vinte mil reais), e que não contratem trabalho assalariado permanente;

c) Grupo A/C: assentados pelo PNRA ou beneficiários do PNCF, que:

I - tenham contratado a primeira operação no Grupo "A";

II - não tenham contratado financiamento de custeio, exceto no próprio Grupo "A/C".

Desta forma, observa-se que o Pronaf possui um público alvo bastante diversificado incluindo, além

de agricultores, também os pescadores artesanais, aquicultores, silvicultores, extrativistas,

integrantes de comunidades quilombolas rurais, povos indígenas e demais povos e comunidades

tradicionais. Isso é importante, na medida em que esses grupos também possuem suas carências,

inclusive a carência ao crédito, obtendo, com isso, outros benefícios ao participarem do Programa.

Os créditos do Pronaf podem ser destinados para custeio, investimento ou integralização de cotas-

partes pelos beneficiários nas cooperativas de produção agropecuária. A seção seguinte verifica a

distribuição desses créditos entre as diversas regiões no Brasil e entre os Territórios de Identidade

no Estado da Bahia.

AGRICULTURA FAMILIAR E CRÉDITO RURAL: ANÁLISE DAS LIBERAÇÕES DOS RECURSOS DO PRONAF NO ESTADO DA BAHIA NO PERÍODO 2003-2012

Jaqueline Oliveira, Gilca Garcia de Oliveira, Daniel Alem, Érica Imbirussú de Azevedo

XI ENCONTRO DE ECONOMIA BAIANA – SET. 2015 FINANCIAMENTO DO DESENVOLVIMENTO • 596

4 Distribuição do crédito do Pronaf

4.1 Distribuição do Pronaf entre as Regiões no Brasil

Ao analisar os dados referentes ao montante de crédito liberado no Brasil de 2003 a 2012, observa-

se, pelo Gráfico 1, que houve um aumento dos valores desembolsados, nas duas modalidades

(custeio e investimento), sendo que a partir de 2009 os valores liberados para investimentos

superaram os valores para custeio. Isso pode ter ocorrido devido a uma redução do número de

contratos para custeio desde 2004, conforme verificado no Gráfico 2, tendo diminuído de 917.498

mil contratos no referido ano para 658.347 mil contratos em 2012, com uma pequena elevação em

2009 (794.797 em 2008 para 835.962 em 2009), mas mantendo a tendência de queda nos anos

seguintes.

Gráfico 1 - Montante do crédito rural do Pronaf no Brasil, por modalidade e ano fiscal, no período de 2003 a 2012, em

bilhões de

reais.

Fonte: Banco Central do Brasil (2014), elaboração própria.

Apesar dos valores desembolsados para custeio serem maiores do que para investimento até 2009,

em quase todo o período de análise o número de contratos para investimento tem superado o

número de contratos para custeio, tendo passado de 868.985 mil em 2009 para 1.164.863 milhão em

2012, como pode ser observado no Gráfico 2.

AGRICULTURA FAMILIAR E CRÉDITO RURAL: ANÁLISE DAS LIBERAÇÕES DOS RECURSOS DO PRONAF NO ESTADO DA BAHIA NO PERÍODO 2003-2012

Jaqueline Oliveira, Gilca Garcia de Oliveira, Daniel Alem, Érica Imbirussú de Azevedo

XI ENCONTRO DE ECONOMIA BAIANA – SET. 2015 FINANCIAMENTO DO DESENVOLVIMENTO • 597

Gráfico 2 – Número de contratos do Pronaf no Brasil, por modalidade e ano fiscal, no período de 2003 a 2012.

Fonte: Banco Central do Brasil (2014), elaboração própria.

Ao analisar o percentual de participação e a evolução dessa participação das principais culturas

financiadas pelo Pronaf verificamos que o cultivo do milho, da soja e do café são os que possuem

maior participação nas liberações dos recursos, sendo estes uns dos principais produtos que tem

ligação direta com a produção agroindustrial e de exportação.

Gráfico 3 – Participação percentual dos financiamentos rurais para custeio agrícola dos principais produtos - Brasil

Fonte: Banco Central do Brasil (2014), elaboração própria.

O milho é o que possui maior participação, apesar da tendência de queda, passando de 37% em

2003 para 30% em 2012. O Brasil é o terceiro maior produtor mundial de milho, sendo este

plantado principalmente nas regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul e tendo como principal destinação

as indústrias para rações de animais.

A soja vem ganhando participação nos últimos anos, passando de 14% em 2003 para 26% em 2012.

Segundo dados do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (MAPA), é a cultura

agrícola brasileira que mais cresceu nas últimas três décadas e corresponde a 49% da área plantada

em grãos do país, liderando o ranking das vendas externas do complexo de soja (grão, farelo e

óleo), sendo hoje o principal gerador de divisas do país. É cultivada principalmente nas regiões

Centro-Oeste e Sul, sendo um componente essencial na produção de ração animal.

AGRICULTURA FAMILIAR E CRÉDITO RURAL: ANÁLISE DAS LIBERAÇÕES DOS RECURSOS DO PRONAF NO ESTADO DA BAHIA NO PERÍODO 2003-2012

Jaqueline Oliveira, Gilca Garcia de Oliveira, Daniel Alem, Érica Imbirussú de Azevedo

XI ENCONTRO DE ECONOMIA BAIANA – SET. 2015 FINANCIAMENTO DO DESENVOLVIMENTO • 598

Junto com a soja, o café foi o produto que aumentou a sua participação nas liberações em valor e

também em número de contratos nos anos em análise passando de 7% em 2003 para 13% em 2012.

O Brasil é o maior produtor e exportador mundial de café e segundo maior mercado consumidor do

produto, com um parque cafeeiro estimado em 2,311 milhões de hectares, segundo MAPA, tendo

como principais estados produtores Minas Gerais, Espirito Santo, São Paulo, Bahia, Paraná e

Rondônia.

Paralelamente à soja e ao café, verifica-se a perda de participação da mandioca e do feijão desde

2003, de 7% para 3% e de 4% para 1%, respectivamente, uma perda de participação de mais de

50% durante o período em análise. Essas culturas são caracterizadas por produzirem principalmente

para o mercado interno, que no caso do feijão, possui uma demanda maior do que a produção

nacional, tendo o Brasil que importar feijão, principalmente, da Argentina e mais recentemente da

China.

Esses dados demonstram que, apesar de aumentar continuamente os valores liberados, o Pronaf-

Crédito não consegue mudar sua lógica de liberação, que é o de privilegiar os produtores que se

encontram nas maiores faixas de renda do Programa e que estão voltados, principalmente, para

produtos de exportação. Para Petrelli (2004 apud Guanziroli, 2007, p. 306) “no leque do universo

considerado como sendo o de agricultores familiares o grupo mais economicamente integrado tem

recebido as benesses desta integração e conseguiu fazer parte do processo de modernização

conservadora”. O autor acrescenta ainda que “o Programa estaria privilegiando, na verdade, a

propriedade familiar “eficiente” em detrimento dos mais fragilizados: pelos dados disponíveis não

teriam sido os agricultores do estrato B do projeto FAO/INCRA os mais privilegiados com esses

recursos”.

Além da concentração em grupos de renda mais favorecidos há também uma concentração regional

dos recursos como pode ser visto no Gráfico 4. A região Sul é a que concentra a maior parte dos

recursos, com 50,2% de participação em 2012, praticamente o mesmo percentual verificado em

2004, que foi de 50%. Mesmo com uma aparente tendência de desconcentração nos anos 2005,

2006 e 2007, com a região Sul perdendo participação e a região Nordeste aumentando a sua

participação, a região Sul continuou a concentrar a maior parte dos recursos, chegando a 54,4 % de

participação no ano de 2008.

Para Schneider (2004, p. 10) essa concentração de recursos na região Sul pode ser explicada por

dois fatores principais: a) o peso econômico e as pressões políticas das agroindustriais da região Sul

sobre os órgãos responsáveis pela alocação dos recursos financeiros. No ano de 1996, por exemplo,

32% do total dos contratos de crédito para custeio foram para a cultura do fumo, 14% para a cultura

do milho e 8% para a cultura da soja, indicando um alto grau de concentração dos recursos do

Pronaf em produtos típicos das cadeias agroindustriais mais competitivas no mercado internacional;

b) e um nível maior de organização dos agricultores familiares e uma certa tradição de luta pelo

crédito rural mais fortemente incorporada à pauta de reivindicação dos agricultores familiares da

região Sul.

AGRICULTURA FAMILIAR E CRÉDITO RURAL: ANÁLISE DAS LIBERAÇÕES DOS RECURSOS DO PRONAF NO ESTADO DA BAHIA NO PERÍODO 2003-2012

Jaqueline Oliveira, Gilca Garcia de Oliveira, Daniel Alem, Érica Imbirussú de Azevedo

XI ENCONTRO DE ECONOMIA BAIANA – SET. 2015 FINANCIAMENTO DO DESENVOLVIMENTO • 599

Gráfico 4 – Participação percentual do montante do Crédito Rural do Pronaf no Brasil, por Região – 2004 a 2012

Fonte: Banco Central do Brasil (2014), elaboração própria.

Apesar de contar, segundo o Censo Agropecuário de 2006, com 50,1% dos estabelecimentos

familiares, a região Nordeste continua a ser a terceira região a receber a maior parte dos recursos

ficando atrás das regiões Sul e Sudeste, que detêm apenas 19,5% e 16% dos estabelecimentos

familiares, respectivamente. O que ocorreu nos últimos anos, na verdade, foi uma pequena

acentuação dessa concentração, com a região Nordeste diminuindo sua participação nas liberações

totais de 16,5% em 2004 para 14.6% em 2012 e a região Sudeste passando de 18,7% para 21,8%

nos mesmos anos. Além disso, é importante observar que o Nordeste possui o maior número de

contratos em todos aos anos em estudo, com 826.616 mil em 2012 e o Sul com 600.623 mil no

mesmo ano, o que significa que o valor médio das liberações na região Nordeste é bem menor do

que os valores médios da região Sul e Sudeste.

4.2 Estado da Bahia e os seus Territórios de Identidade

Como pode ser verificado no Gráfico 5, o volume de recursos liberados no Estado da Bahia vem

crescendo, apesar da tendência de declínio a partir de 2007, apresentando seu maior valor no ano de

2012, onde foram liberados R$ 542.733.132,08.

AGRICULTURA FAMILIAR E CRÉDITO RURAL: ANÁLISE DAS LIBERAÇÕES DOS RECURSOS DO PRONAF NO ESTADO DA BAHIA NO PERÍODO 2003-2012

Jaqueline Oliveira, Gilca Garcia de Oliveira, Daniel Alem, Érica Imbirussú de Azevedo

XI ENCONTRO DE ECONOMIA BAIANA – SET. 2015 FINANCIAMENTO DO DESENVOLVIMENTO • 600

Gráfico 5 - Evolução do volume de recursos liberados do Pronaf na Bahia, no período 2003-2012

Fonte: Banco Central do Brasil (2014), elaboração própria.

Apesar da recuperação e do forte crescimento no que concerne ao montante de recursos liberados a

partir de 2009, o mesmo não ocorreu com o número de contratos liberados, que depois de alcançar o

maior valor no período em análise no ano de 2006, caiu de forma abrupta não voltando a alcançar o

ritmo de crescimento verificado no início do período, como pode ser verificado no Gráfico 6. Isso

demonstra que apesar de apresentar um forte aumento no volume de recursos e não aumentar na

mesma proporção o número de contratos, houve um crescimento no valor médio liberado do crédito

não acompanhado de aumento proporcional no número de agricultores beneficiados pelo Programa,

principalmente agricultores de baixa renda que costumam tomar valores menores.

Gráfico 6 – Evolução do nº de contratos liberados no Pronaf na Bahia no período 2003-2012

Fonte: Banco Central do Brasil (2014), elaboração própria.

Isso pode ser melhor explicado, no Gráfico 7, ao se analisar a evolução do percentual de

participação das principais culturas agrícolas beneficiadas pelo Programa no valor total das

liberações, de 2003 a 2012. É interessante observar a queda acentuada da participação das culturas

do feijão e da mandioca e ao mesmo tempo um considerável aumento de participação da cultura do

milho, ultrapassando inclusive a mandioca e passando a ser, a partir de 2010, a cultura com maior

participação no valor total das liberações no âmbito do Pronaf no Estado da Bahia.

AGRICULTURA FAMILIAR E CRÉDITO RURAL: ANÁLISE DAS LIBERAÇÕES DOS RECURSOS DO PRONAF NO ESTADO DA BAHIA NO PERÍODO 2003-2012

Jaqueline Oliveira, Gilca Garcia de Oliveira, Daniel Alem, Érica Imbirussú de Azevedo

XI ENCONTRO DE ECONOMIA BAIANA – SET. 2015 FINANCIAMENTO DO DESENVOLVIMENTO • 601

Além disso, é importante observar, também, o aumento de participação do café, outro produto

importante na pauta de exportação brasileira, que passou de uma participação de 1% em 2003 para

5,7% em 2012. O café e o milho são os dois únicos produtos que apresentaram aumento de

participação nesse período, como verificado no Gráfico 7. Outro dado interessante é que apesar da

perda de participação acentuada, a mandioca ainda é o produto que possui a maior participação no

número de contratos, com 32,6% de participação, seguido pelo milho com 21,3% (em 2003 era de

14,5%), depois o feijão com 10% (em 2003 era 30,7%) e depois o café com 4.2% (em 2003 era

0.9%), o que significa que os valores médios liberados para a cultura do milho ultrapassam os

liberados para a cultura da mandioca.

Gráfico 7 - Percentual dos financiamentos rurais para custeio agrícola dos principais produtos – Bahia

Fonte: Banco Central do Brasil (2014), elaboração própria.

Ao realizar uma análise da Bahia, no ano de 2012, a partir de seus Territórios de Identidade,

verificamos que o Território Semiárido Nordeste II foi aquele que apresentou o maior número de

contratos e também o maior montante de valores liberados, conforme Tabela 1:

AGRICULTURA FAMILIAR E CRÉDITO RURAL: ANÁLISE DAS LIBERAÇÕES DOS RECURSOS DO PRONAF NO ESTADO DA BAHIA NO PERÍODO 2003-2012

Jaqueline Oliveira, Gilca Garcia de Oliveira, Daniel Alem, Érica Imbirussú de Azevedo

XI ENCONTRO DE ECONOMIA BAIANA – SET. 2015 FINANCIAMENTO DO DESENVOLVIMENTO • 602

Tabela 1 – Nº de contratos e valores liberados para custeio e investimento, Territórios de Identidade, Bahia, 2012. TERRITÓRIOS DE

IDENTIDADE CONTRATOS % VALORES

%

Semiárido Nordeste II 16.275 8,5 46.904.501,81 8,6

Bacia do Jacuípe 13.567 7,1 39.460.296,65 7,3

Vitória da Conquista 12.423 6,5 38.281.384,29 7,0

Sertão do São Francisco 12.846 6,7 35.112.078,44 6,5

Sisal 15.033 7,8 34.873.308,80 6,4

Sertão Produtivo 10.275 5,4 34.685.076,15 6,4

Velho Chico 11.240 5,9 33.377.086,95 6,1

Chapada Diamantina 9.706 5,1 27.757.618,04 5,1

Bacia do Rio Grande 6.837 3,6 22.408.321,45 4,1

Bacia do Rio Corrente 7.084 3,7 20.863.158,26 3,8

Litoral Norte e Agreste Baiano 6.609 3,4 19.298.690,34 3,6

Extremo Sul 4.168 2,2 18.251.206,91 3,4

Piemonte do Paraguaçu 7.175 3,7 17.578.590,26 3,2

Irecê 6.890 3,6 16.080.689,53 3,0

Baixo Sul 4.768 2,5 13.754.215,40 2,5

Vale do Jiquiriça 5.788 3,0 13.554.254,41 2,5

Recôncavo 7.206 3,8 12.842.029,20 2,4

Piemonte da Diamantina 5.444 2,8 12.298.933,82 2,3

Piemonte Norte do Itapicuru 5.636 2,9 11.991.885,18 2,2

Bacia do Paramirim 4.128 2,2 11.242.197,23 2,1

Portal do Sertão 5.357 2,8 10.509.066,33 1,9

Litoral Sul 4.381 2,3 9.562.491,45 1,8

Itaparica 3.364 1,8 9.313.440,11 1,7

Metropolitana de Salvador 744 0,4 9.187.543,31 1,7

Médio Sudoeste da Bahia 1.254 0,7 8.401.808,40 1,5

Médio Rio de Contas 2.381 1,2 8.081.235,71 1,5

Costa do Descobrimento 1.030 0,5 7.441.872,63 1,4

TOTAL 191.609 100 543.112.981,06 100 Fonte: Banco Central do Brasil (2014), elaboração própria.

O território Semiárido Nordeste II é o maior produtor de feijão do Estado da Bahia, sua quantidade

produzida representa 30,1% do total no Estado, onde os municípios de Euclides da Cunha,

Adustina, Paripiranga e Jeremoabo são os maiores produtores do Estado, respondendo juntos por

58,4% da quantidade total produzida no Território (Desenbahia, 2008).

O estudo realizado pela Desenbahia (2008) verificou que a cultura do feijão nesse Território possui

uma produtividade média maior do que a verificada na Bahia e a sua produção tem sido superior do

que a de regiões como Irecê, que até pouco tempo era considerada a maior região produtora de

feijão. Além do feijão, o milho é uma cultura de forte expressão nessa região, que se apresenta

como uma das maiores produtoras do Estado, tendo Adustina e Paripiranga como municípios com

maior produção, concentrando 62,4% do total produzido na Região.

O Território do sisal foi aquele que apresentou a segunda maior participação no número de

contratos, com 7,8% do total. Este Território é o segundo maior produtor de feijão do Estado da

Bahia, com 30% de toda a produção do Estado. A cultura do sisal é aquela que possui maior

expressão no Território, sua quantidade produzida representava 40% de toda a produção do Estado

AGRICULTURA FAMILIAR E CRÉDITO RURAL: ANÁLISE DAS LIBERAÇÕES DOS RECURSOS DO PRONAF NO ESTADO DA BAHIA NO PERÍODO 2003-2012

Jaqueline Oliveira, Gilca Garcia de Oliveira, Daniel Alem, Érica Imbirussú de Azevedo

XI ENCONTRO DE ECONOMIA BAIANA – SET. 2015 FINANCIAMENTO DO DESENVOLVIMENTO • 603

em 2006. Segundo dados da Desenbahia, em termos de área plantada, o feijão, o sisal e o milho são

os três maiores cultivos do Território. O feijão ocupa uma área de 117 mil hectares, seguido do sisal

com 116 mil hectares e do milho com 103 mil hectares. Considerando a quantidade produzida, o

sisal encontra-se em primeiro lugar com 94 mil toneladas, em segundo lugar o milho com 67,5 mil

toneladas e em terceiro o feijão com 65,3 mil toneladas.

Considerações finais

Este trabalho pretendeu fazer uma análise acerca da distribuição dos recursos do Pronaf no Brasil,

no intuito de verificar a situação atual do quadro de desequilíbrio espacial verificado nos primeiros

anos em que o Pronaf passou a vigorar. Além disso, buscou analisar as liberações desses recursos

no Estado da Bahia e qual a sua disposição entre os seus Territórios de Identidade.

Verifica-se que houve no Brasil um aumento do montante de crédito liberado em todos os anos em

análise – de 2003 a 2012 – tanto para a modalidade de custeio quanto para a de investimento, sendo

que a partir de 2009 os valores liberados para investimentos superaram os valores para custeio.

Ao analisar o percentual de participação e a evolução dessa participação das principais culturas

financiadas pelo Pronaf verifica-se que o cultivo do milho, da soja e do café são os que possuem

maior participação nas liberações dos recursos, sendo estes uns dos principais produtos que tem

ligação direta com a produção agroindustrial e de exportação.

A região Nordeste continua a ser a terceira região a receber a maior parte dos recursos do Pronaf,

apesar de possuir, segundo o censo agropecuário 2006, 50,1% dos estabelecimentos familiares,

ficando atrás das regiões Sul e Sudeste, que detêm apenas 19,5% e 16% dos estabelecimentos

familiares, respectivamente. Ou seja, não houve uma melhora no desequilíbrio espacial dos recursos

verificado nos primeiros anos de funcionamento desse programa.

Ao fazer uma análise da evolução das liberações dos recursos do Pronaf no Estado da Bahia no

período 2003-2012, verifica-se que o volume de recursos liberados vem crescendo, apesar da

tendência de declínio a partir de 2007, apresentando seu maior valor no ano de 2012. Apesar da

recuperação e do forte crescimento no que concerne ao montante de recursos liberados a partir de

2009, o mesmo não ocorreu com o número de contratos liberados, que depois de alcançar o maior

valor no período em análise no ano de 2006, caiu de forma abrupta não voltando a alcançar o ritmo

de crescimento verificado no início do período. Além disso, ao se analisar a evolução do percentual

de participação das principais culturas agrícolas beneficiadas pelo Programa no valor total das

liberações, de 2003 a 2012 observa-se uma queda acentuada da participação das culturas do feijão e

da mandioca e ao mesmo tempo um considerável aumento de participação da cultura do milho,

ultrapassando inclusive a mandioca e passando a ser, a partir de 2010, a cultura com maior

participação no valor total das liberações no âmbito do Pronaf no Estado da Bahia.

O estudo da distribuição do crédito do Pronaf nos Territórios de Identidade do Estado da Bahia, no

ano de 2012, verificou que o Território Semiárido Nordeste II foi o que apresentou o maior número

de contratos e também uma maior quantidade de valores liberados. Este Território é o maior

produtor de feijão do Estado da Bahia, com destaque para os municípios de Euclides da Cunha,

Adustina, Parapiranga e Jeremoabo, respondendo juntos por 58,4% da quantidade total produzida

no Território. O Território do sisal foi o que apresentou a segunda maior participação no número de

contratos, sendo este Território o segundo maior produtor de feijão do Estado da Bahia, com 30%

de toda a produção do Estado.

AGRICULTURA FAMILIAR E CRÉDITO RURAL: ANÁLISE DAS LIBERAÇÕES DOS RECURSOS DO PRONAF NO ESTADO DA BAHIA NO PERÍODO 2003-2012

Jaqueline Oliveira, Gilca Garcia de Oliveira, Daniel Alem, Érica Imbirussú de Azevedo

XI ENCONTRO DE ECONOMIA BAIANA – SET. 2015 FINANCIAMENTO DO DESENVOLVIMENTO • 604

REFERÊNCIAS

ABRAMOVAY, Ricardo. Paradigmas do capitalismo agrário em questão. São Paulo:

HUCITEC,1992.

CARVALHO, Horácio Martins de. O campesinato contemporâneo como modo de produção e

como classe social. Curitiba, março de 2012.

Desenbahia (Agência de Fomento do Estado da Bahia). Estruturas Econômicas da Região Semi-

Árida Baiana e Perspectivas para Atuação da Desenbahia: Foco nos Territórios de Identidade

Itaparica, Semi-Árido Nordeste II e Sisal. Salvador, janeiro de 2008

FELICIO, Munir Jorge. Os camponeses, os agricultores familiares: paradigmas em questão.

Geografia - v. 15, n. 1, jan./jun. 2006 – Universidade Estadual de Londrina, Departamento de

Geociências.

GUANZIROLI, Carlos E. PRONAF dez anos depois: resultados e perspectivas para o

desenvolvimento rural. RER, Rio de Janeiro, vol. 45, nº 02, p. 301-328, abr/jun 2007.

MARTINE, George. A trajetória da modernização agrícola: a quem beneficia. Lua Nova:

revista de cultura e política. São Paulo, n.23. p. 7 – 37. Mar. 1991.

MARTINS, Geraldo Batista. Produção familiar e Crédito Rural em Ibiporã – PR. Londrina,

2006.

MARQUES, Marta Inez Medeiros. A atualidade do uso do conceito de camponês. Revista

NERA. Presidente Prudente. Ano 11, nº. 12. pp. 57-67, Jan.-jun./2008.

MASSUQUETTI, Angélica; EBINA, Ricardo Kinzo. Pronaf no Sul do Brasil no período 1999-

2010. Revista Estudos do CEPE, Santa Cruz do Sul, n35, p.199-233, jan./jun. 2012.

SHANIN, Teodor. A definição de camponês: conceituações e desconceituações – o velho e o

novo em uma discussão marxista. Presidente Prudente, revista NERA – ano 8, n 7 –

julho/dezembro de 2005.

SAUER, Sérgio. Agricultura familiar versus agronegócio: a dinâmica sociopolítica do campo

brasileiro. Embrapa Informação Tecnológica. Brasília, DF – 2008.

SCHMITZ, H.; MOTA, D.M. Agricultura familiar: elementos teóricos e empíricos. Revista

Agrotrópica. Itabuna, v.19, p.21-30, 2007.

SCHNEIDER, Sergio; MATTEI, Lauro; CAZELLA, Ademir Antonio. Publicado em

SCHNEIDER, Sergio; SILVA, Marcelo Kunrath; MARQUES, Paulo Eduardo Moruzzi (Org.).

Políticas Públicas e Participação Social no Brasil Rural. Porto Alegre, 2004, p. 21-50.

SILVA, Fernanda Faria. Distribuição de crédito para a agricultura familiar: Um estudo do

PRONAF a partir de um indicador de desenvolvimento rural. Uberlândia, 2006.

http://www0.ufu.br/ie_dissertacoes/2006/8.pdf.

AGRICULTURA FAMILIAR E CRÉDITO RURAL: ANÁLISE DAS LIBERAÇÕES DOS RECURSOS DO PRONAF NO ESTADO DA BAHIA NO PERÍODO 2003-2012

Jaqueline Oliveira, Gilca Garcia de Oliveira, Daniel Alem, Érica Imbirussú de Azevedo

XI ENCONTRO DE ECONOMIA BAIANA – SET. 2015 FINANCIAMENTO DO DESENVOLVIMENTO • 605

SILVA, Marcio Antônio Both da. Por uma lógica camponesa: caboclos e imigrantes na

formação do agro do planalto rio-grandense – 1850-1900.

http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/6862. Acessado em 12/05/2014.

WANDERLEY, Maria de Nazareth Baudel. Agricultura familiar e campesinato: rupturas e

continuidade. CPDA/UFRRJ – RJ, 2004.

http://r1.ufrrj.br/esa/V2/ojs/index.php/esa/article/viewFile/238/234. Acessado em 12/05/2014.

WANDERLEY, Maria de Nazareth Baudel. Raízes históricas do campesinato brasileiro. XX

encontro anual da ANPOCS. Gt 17. Processos sociais agrários. Caxambu, MG. Outubro, 1996.