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2 AGRADECIMENTOS Para a realização desta tese contribuíram várias pessoas, a quem manifesto meu apreço. Por isso, agradeço ao Prof. Dr. Carlos Viana Ferreira pela conversa que tivemos sobre termos ingleses no século XVIII e ao Prof. Dr. António Caeiro pelo esclarecimento que me deu sobre o significado de expressões do Grego Antigo. Não posso também deixar de referir a minha gratidão para com os meus colegas de seminário, o Dr. João Paulo Maia, pelo material bibliográfico que me cedeu, e o Dr. Rui Duarte, pela clarificação dada acerca do significado de termos ingleses do século XVIII e por sugestões bibliográficas. Por fim, manifesto o meu especial agradecimento ao Prof. Dr. Carlos João Correia, o meu orientador, pela disponibilidade com que acompanhou este trabalho e pelas sugestões sempre pertinentes que me forneceu.

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2

AGRADECIMENTOS

Para a realização desta tese contribuíram várias pessoas, a quem manifesto meu

apreço.

Por isso, agradeço ao Prof. Dr. Carlos Viana Ferreira pela conversa que tivemos

sobre termos ingleses no século XVIII e ao Prof. Dr. António Caeiro pelo

esclarecimento que me deu sobre o significado de expressões do Grego Antigo.

Não posso também deixar de referir a minha gratidão para com os meus colegas

de seminário, o Dr. João Paulo Maia, pelo material bibliográfico que me cedeu, e o

Dr. Rui Duarte, pela clarificação dada acerca do significado de termos ingleses do

século XVIII e por sugestões bibliográficas.

Por fim, manifesto o meu especial agradecimento ao Prof. Dr. Carlos João

Correia, o meu orientador, pela disponibilidade com que acompanhou este

trabalho e pelas sugestões sempre pertinentes que me forneceu.

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RESUMO

A tese tenciona mostrar que um Homem moralmente perfeito deve ainda sentir

emoções morais negativas sobre ele próprio, tais como culpa, vergonha ou

humildade. Comparamos, para esse efeito, os sentimentos do Homem ideal de

Aristóteles com os do Homem ideal de Hume, a partir do dilema moral do

protagonista do romance O Leitor de Bernhard Schlink.

ABSTRACT

This work intends to show that a moral perfect person should still feel negative

moral emotions about himself, such as guilt, shame or humility. With that

purpose, we compare the feelings of the ideal person for Aristotle to the feelings

of the ideal person for Hume, based on the moral dilemma faced by the main

character of the Schlink’s novel The Reader.

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ABREVIATURAS

Ética a Nicómaco - EN

Tratado de Natureza Humana – TN

Dissertação das Paixões - DP

Inquérito sobre os princípios da Moral - EPM

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ÍNDICE GERAL

Agradecimentos..................................................................................................................2

Resumo..................................................................................................................................3

Abreviaturas........................................................................................................................4

Índice......................................................................................................................................5

INTRODUÇÃO.......................................................................................................................6

1. O PROBLEMA

1.1 O conflito emocional na continência e na excelência. Presença e

ausência..........................................................................................................................13

1.2 A humildade do virtuoso.....................................................................................19

1.3 O Leitor, uma reflexão sobre a segunda geração alemã: como conseguir

ser virtuoso?..................................................................................................................25

2. O DILEMA

2.1 O dilema de Michael Berg. Benevolência ou Cólera?......................................32

2.2 Ambivalência emocional. Moralidade?.............................................................38

3. A SOLUÇÃO

3.1 Humildade versus vergonha...............................................................................44

3.2 O Leitor como um embrião de emoções/sentimentos: culpa, vergonha e

humildade.......................................................................................................................49

CONCLUSÃO.......................................................................................................................54

Apêndice I...........................................................................................................................57

Bibliografia........................................................................................................................60

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6

O coração tem as suas mil razões que a razão desconhece.

Sabemo-lo em mil coisas. Digo que o coração ama o ser universal

naturalmente e a si mesmo naturalmente, consoante aquele a que se entrega.

E endurece-se contra um ou contra outro, à sua escolha. Vós haveis rejeitado um

e conservado o outro. É pela luz da razão que vós vos amais?

[PASCAL, Blaise, Pensamentos, Lisboa, Publicações Europa-América, 1998]

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INTRODUÇÃO

O tema da relação entre razão e emoções e o seu papel na moralidade tem sido

alvo de um amplo debate ao longo da história da filosofia, remontando à

Antiguidade Clássica. Nas últimas décadas, as pesquisas conduzidas no campo

das neurociências reavivaram o interesse por essa questão. Trabalhos de

investigadores como Damásio e Goleman salientaram a imprescindibilidade da

função das emoções nos nossos juízos morais. De acordo com o exposto por

Ronald de Sousa no seu artigo Moral Emotions, destacamos fundamentalmente

três posições, ou melhor dizendo, três modelos respeitantes ao papel das

emoções na ética. O primeiro, habitualmente conotado com os estóicos, nega a

importância das emoções na vida ética. Esta visão influenciou Kant e, por via

deste, a filosofia moderna. Perante um determinado estímulo, a razão produz um

juízo moral e à emoção está reservada a obrigação de o respeitar ou não. O

segundo, identificado com a tradição sentimentalista e pensadores como Hume,

Hutcheson e Smith, defende que as emoções, e particularmente as emoções

morais, são conducentes à formação de juízos morais, estando a razão ocupada

com os meios necessários para satisfazer os fins por eles ditados. Por fim, o

terceiro e último, remete a Aristóteles e afirma a importância tanto da razão

como da emoção na produção de um juízo ético. A educação moral envolve

aprender a sentir a emoção certa, no grau correcto e na altura certa. Ou seja, para

que um dado comportamento ou acção seja ético não basta pensar

correctamente. É requerido também que as emoções concordem com a resposta

racional.

Procura-se, entre outras interrogações, no debate contemporâneo da filosofia

das emoções, responder à pergunta se um homem moralmente excelente,

quando ajuíza a sua própria conduta, tendo agido e pensado bem, deve ainda

sentir emoções como a culpa e a vergonha. Éticos da virtude têm-se preocupado

em como agir ou ser virtuoso, apontando, nesse sentido, não para obrigações,

deveres ou razões, mas para o carácter do agente moral.

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O problema que me proponho a tratar, nesta tese, é o de averiguar se um

Homem, nas circunstâncias atrás descritas, se torna menos virtuoso pelo facto

de, ao contemplar a sua própria acção, se sentir insatisfeito consigo próprio.

Compararemos ao longo de toda a dissertação dois tipos ideais de Homem. O

Homem “Excelente”, um protótipo de sujeito perfeito dada a tipificação de

Aristóteles e o Homem “Benevolente”1, correspondente ao tipo ideal para Hume.

Os textos utilizados dos dois autores são, no primeiro caso, a Ética a Nicómaco, e,

no segundo, o Tratado da Natureza Humana e os Tratados Filosóficos II, que

compreendem O Inquérito sobre os Princípios da Moral e a Dissertação das

Paixões.

A nossa hipótese, a de que o Homem “Excelente” deve sentir culpa e vergonha,

será testada a partir do dilema de Michael Berg, protagonista do romance O

Leitor, de Bernhard Schlink. Esta é a história de um rapaz que se apaixona por

uma mulher mais velha e a revê, mais tarde, como criminosa num julgamento de

ex-guardas de campos de concentração nazis. Acha-se também na posse de um

segredo que, se posto a lume, lhe poderá reduzir a sentença esperada. Não

revelando o mistério, fê-lo por amor ou por ódio? O nosso objectivo será

defender, de início, que o conflito emocional que se mantém até ao final da obra,

nomeadamente a ambivalência emocional amor-ódio que Michael sente, é

legítima e constitui a moralidade deste drama; de seguida, que qualquer que

fosse a decisão de Michael face ao conflito sentiria sempre emoções de culpa e de

vergonha. Contaremos a história à medida que formos desenvolvendo a

dissertação, mas caso o leitor prefira lê-la, no princípio, na totalidade, basta

recorrer ao Apêndice I.

A tese consta, tal como o romance de Schlink, de três partes, Na primeira secção,

apresentamos “O Problema” do estudo. Aristóteles escalona um conjunto de

estádios de carácter, referentes às disposições morais do Homem, em que os

tipos “Continente” e “Excelente” estão nas posições de topo. O que os

diferenciaria seria o facto de o indivíduo “Continente”, ao contr|rio do

“Excelente”, apesar de pensar e agir bem, possuir ainda desejos e emoções 1 Hume não chama o Homem virtuoso ou o Homem que é benevolente de Homem “Benevolente”.

Cunhámos esta expressão, na ausência de nomenclatura fornecida pelo filósofo moderno.

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contrárias à razão. O Homem “Excelente” nunca atravessaria um conflito

emocional, não experimentando emoções como a vergonha ou a ambivalência

emocional. As suas emoções estariam em perfeito acordo com a sua razão. Ao

invés do estagirita, David Hume não refere a impossibilidade do virtuoso sofrer

uma insatisfação consigo próprio ou experimentar uma divisão interna. Um

Homem “Benevolente” pode sentir a paixão indirecta da humildade e paixões

contrárias relativas ao mesmo objecto. Partindo do romance de Schlink, O Leitor,

como hipótese de estudo, iremos avaliar se o Homem “Excelente” de Aristóteles

é moralmente superior ao Homem “Continente”, em virtude de não sentir

vergonha nem conflito interno. Por outras palavras, se um Homem virtuoso não

deve continuar a sentir humildade.

Na segunda secção, expomos “O Dilema”. Michael encontra-se numa situação

emocionalmente ambivalente. Por um lado, continua a amar Hanna, por outro,

juntou a este sentimento um novo, o de aversão aos crimes cometidos pela

amada. Michael tem, nas palavras de Hume, paixões contrárias relativas a um

mesmo objecto. Segundo a estratificação de estádios morais concebida por

Aristóteles, Michael, por sofrer ambivalência emocional, nunca poderia ser

considerado excelente moralmente. Michael termina por não revelar o segredo.

Quer o tenha feito por cólera ou por benevolência, é impossível subtrair o

contexto emocional em que decorre o dilema.

Na terceira parte, “A Solução”, compara-se o conceito de humildade em David

Hume e o de vergonha em Aristóteles, tentando mostrar que os dois termos,

embora oriundos de tradições diferentes, não são em si tão antagónicos. Neste

âmbito, sugerimos que não é contraditório com a noção de excelência sentir

vergonha, culpa ou humildade. O protagonista do romance toma a sua decisão

num contexto histórico e individual muito específico, circunstância essa que faria

da ausência da ambivalência emocional um fenómeno estranho. É possível

descobrir em Michael diversos níveis de culpa e de vergonha.

Certos autores fazem a distinção entre os termos emoção e sentimento.

Damásio, por exemplo, chama emoção à combinação de um processo mental

avaliatório com as suas respostas, reflectidas em acções corporais externas e/ou

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internas, e sentimento à percepção e experiência dessas mudanças. Em

Aristóteles, não é relevante a diferenciação entre a noção de emoção e

sentimento, querendo ambas significar uma alteração de estado. Hume, porém,

discerne emoção, sentimento e paixão, como conceitos diferentes, aproveitando

esse detalhe para construir uma árvore genealógica afectiva. Neste estudo,

usaremos os termos emoção e sentimento como noções permutáveis, fazendo

apenas distinção quando nos reportarmos à filosofia de David Hume.

Outro aspecto a considerar, é a classificação de emoções segundo grupos ou

famílias, que é polémica. Enquanto alguns especialistas optam por não fazer essa

reunião, outros escolhem fazê-la e perdem-se nas categorizações mais diversas.

Como referiram Gabriele Taylor e Amélie Rorty não existe um princípio único

para observar a miríade de ordenações que é possível adoptar. Hume organiza

explicitamente uma constelação de emoções, enquanto em Aristóteles podemos

apenas descobrir grupos implicitamente. As emoções que são objecto de reflexão

neste trabalho pertence à classe que Hume chamou de paixões indirectas, sejam

o ódio, o amor, o orgulho e a humildade, e que também chama de sentimentos

morais. Todavia, embora falemos de amor, ódio, cólera e benevolência,

debruçamo-nos sobretudo em torno das “emoções morais negativas” acerca do

próprio, isto é, a culpa, a vergonha e a humildade.2

Por fim, é útil fazer um reparo sobre a terminologia a adoptar. Assim, notamos

que vergonha admite os étimos gregos, aîdos e aischunê, sendo na Ética a

Nicómaco, o termo maioritariamente empregue o primeiro. Falaremos sempre de

vergonha. Outros termos que poderiam suscitar alguma angústia são akrasia,

que vertemos para o termo continente, do mesmo modo, que escolhemos

traduzir o seu oposto, enkrateia, por incontinente. Apoiamo-nos para esta

escolha na edição crítica J.Tricot. Bernhard Schlink utiliza as expressões Schuld e

Scham para se referir, respectivamente, às palavras culpa e vergonha.

2 Gabriele Taylor, na sua obra Pride, Shame and Guilt, faz referência, citando Amélie Rorty, à

dificuldade de encontrar um sistema que permita rotular as emoções. Conclui que a catalogação

depende do classificador e dos seus interesses e propósitos. Nomeia as emoções que pretende

discutir de “emotions of self-assessment”. Seguindo o parecer de Taylor, arranj|mos um nome

para especificarmos as emoções que pretendemos tratar, “emoções morais negativas”.

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Conquanto o tema desta dissertação seja metaético, não é nosso propósito fazer

uma epistemologia moral. Um ser humano é tanto contemplador da emoção de

outrem como espectador da sua própria acção. Desejamos inspeccionar o que se

passa dentro de cada indivíduo quando aprova ou desaprova a sua própria acção.

Se num estado perfeito, deve ainda sentir “emoções morais negativas” acerca de

si próprio.

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PARTE I

O PROBLEMA

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1.1 CONTINÊNCIA E EXCELÊNCIA NO CONFLITO

EMOCIONAL. PRESENÇA E AUSÊNCIA

Ruth Benedict3 faz a demarcação, apropriada posteriormente por Dodds, entre

aquilo que chama culturas de culpa e culturas de vergonha. Com esta

diferenciação não pretende admitir que existam sociedades em que um

determinado tipo de sentimento se tenha extinto em lugar de outro. Por

exemplo, que nas culturas de culpa, a vergonha tenha desaparecido, ou que nas

culturas de vergonha, a culpa seja inexistente. Mas que encontramos sociedades

regidas e condicionadas por certas emoções. Nas culturas de vergonha, é

presente o medo ou a fantasia de estar diante um auditório que nos diminua ou

ridicularize. A boa acção deve satisfazer um conjunto de regras de

comportamento, previamente estatuídas e observadas externamente, que

impeçam o Homem de se sentir envergonhado. Como Dodds referiu4, a cultura de

vergonha é característica da das sociedades da Grécia Antiga, onde Aristóteles

viveu e escreveu a sua filosofia.

Jaeger5 menciona que, na Grécia Antiga, o conceito de virtude estava ligado ao

de honra, entendendo-se a noção de honra pelo reconhecimento externo dado a

um Homem pelos seus feitos. O heroísmo, neste caso o herói homérico,

destacava-se pela fama, pela imagem que deixava gravada na mente dos

congéneres. O receio a ser desonrado, quer por um tribunal da consciência

humana, quer divino, ultrapassava o medo da própria morte. Aristóteles não

ficará indiferente a este enquadramento e, embora diga que um Homem

“Excelente” est| apto a prescindir das honrarias, não deixa de referir que estas

são condição para uma vida feliz.6

3 Cf. The Chrysanthemum and the Sword, pps.222-6 4 Cf. Os gregos e o irracional, pps.36-74 5 Cf. Pádeia, pps.23-37 6 Cf. EN, 1095b

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O estagirita afirma que a actividade humana visa, em última instância, o bem

humano, dando-se essa prática no seio de uma comunidade, lugar onde

decorrem os relacionamentos dos homens entre si. A prática do bem encontra-se

dependente do carácter do agente que a pratica, ou seja, para que uma acção

possa ser classificada como virtuosa não basta avaliar a qualidade do acto em si,

mas é necessário que provenha de uma disposição moral virtuosa. Uma

disposição moral virtuosa desenvolve-se mediante uma boa educação que

permite aperfeiçoar no homem as faculdades com que a natureza o dotou e o

induz no hábito de acções conforme a virtude. Aristóteles recomenda o estímulo

de emoções como a emulação e a vergonha a fim de incentivar a aprendizagem

moral. O que faz um carácter virtuoso ou excelente é o hábito, ou seja, o costume

de efectuar, de forma continuada, acções de acordo com a virtude, e acções

voluntárias, pois a excelência ou virtude só se pode dizer de actos e emoções

voluntárias.

O propósito moral define uma acção conforme a virtude e no propósito moral

concorrem tanto elementos racionais como emocionais. Estes correspondem,

respectivamente, à escolha e ao desejo. A felicidade, objectivo derradeiro da

acção humana, requer a prática habitual de acções virtuosas. Para a atingirmos,

necessitamos não só da recta razão que nos possibilita a descoberta dos meios

necessários a esse fim, mas também da concordância dos nossos desejos e

sentimentos às deliberações da razão. Na verdade, a alma humana é compósita,

definida por um elemento racional e outro irracional. O lado irracional compõe-

se de uma parte vegetativa e de uma parte apetitiva/desejante (emoções). Esta

última pode ser submetida à razão e obedecer aos seus ditames.

A forma como cada indivíduo se organiza, ou a sua disposição moral, depende

da maneira como lida com as suas emoções, ou mais precisamente do exercício

da relação entre desejo (emoção) e intelecto(razão), tendo em vista os seus

objectivos, que são os desejos e os prazeres do corpo. Tendo em mente este

factor, Aristóteles escalona um conjunto de seis tipos de carácter, referentes às

disposições morais do homem. Três espécies, bestialidade, incontinência e a

deficiência moral, devem ser evitadas, sendo os seus contrários, a excelência

moral sobre-humana, a continência e a excelência moral. À medida que subimos

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na hierarquia, vamos encontrando protótipos de sujeitos com uma preparação

melhor para dar resposta às questões e dilemas morais com que se deparam. A

excelência moral sobre-humana, bem como a bestialidade, seria um tipo raro,

correspondente à divindade. Deste modo, os lugares cimeiros são ocupados pela

continência e pela excelência moral.

Aristóteles concebe a sua tipologia de estados de carácter, pensando na forma

como o Homem se auto-regula em função dos desejos que possui, como evita os

sofrimentos e persegue os prazeres. Seriamos levados erroneamente a supor que

o filósofo antigo apenas analisa as diversas disposições da alma relativas à

virtude da temperança, se esquecêssemos que Aristóteles demonstrou que quem

tem uma virtude tem todas, pois é detentor de sabedoria prática, e a sabedoria

prática não é a mesma coisa que conhecimento e opinião verdadeira. A sabedoria

prática implica um correcto manejo emocional7.

A bestialidade presenteia-se numa situação de barbárie. É um caso raro, em que

a pessoa se assemelha a um criminoso ou a um demente, podendo ser causado

por doenças ou retardamento. Na deficiência moral, o Homem não preserva a

razão e, assim, não sabendo que os seus desejos são maus, segue-os em

conformidade com uma escolha. Procura excessos, buscando deliberadamente o

prazer e não se arrepende. Ao invés, na incontinência o Homem conserva a

razão, sabendo que agiu mal8. Actua contra a sua escolha, segue os seus desejos e

arrepende-se. Na continência, o indivíduo sabe que os seus desejos são maus e

recusa-se a obedecer-lhes. Graças à razão, permanece firme em relação à opinião

verdadeira9. A maioria das pessoas localizam-se entre a incontinência e a

continência. Na excelência moral, o Homem opina correctamente acerca das

7 Cf. EN, 1144a-45a

8 O incontinente tem conhecimento do universal, mas não do particular; ou então, tem

conhecimento e não o usa. A incontinência tem duas sub-espécies: a impetuosidade e a

indolência.

9 A incontinência e a continência relacionam-se com os prazeres e têm contrapartes ligadas ao

sofrimento. A lassidão é o contraponto da incontinência e a resistência é o contraponto da

continência.

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várias temáticas da moral, escolhendo o meio-termo. Não tendo maus desejos,

nem prazeres opostos à razão, ainda não é o tipo moral raro, aparentado com a

santidade, a excelência moral sobre-humana.

A excelência moral e a continência têm em comum o facto de ambas possuírem

uma opinião verdadeira em relação aos assuntos do mundo moral e de actuarem

de acordo com esse juízo. Aquilo que as diferencia é uma questão de

posicionamento emocional. No caso da continência, a razão e a emoção

encontram-se em oposição. O Homem tem maus desejos e, sabendo que os tem,

recusa-se a segui-los graças à razão, que exerce um papel de autodomínio sobre

eles. Ao contrário, o que é característico da excelência é não ter maus desejos

nem prazeres contrários à razão. Razão e emoção encontram-se em perfeita

sintonia, não precisando o Homem de exercer nenhum autocontrolo emocional.

A excelência moral é uma “disposição para escolher o meio-termo”, consistindo

em experimentar “uma emoção na altura devida, em relação aos objectos ou

pessoas certas, pela razão certa, e da maneira certa; por outras palavras em

conformidade com o justo meio” (1106a-b).

Embora Aristóteles, quando fala sobre emoções, não proceda a uma

categorização destas, é possível ao lermos os seus escritos, agrupá-las em

pequenos grupos ou classes. Desta maneira, teríamos um grupo de emoções que

seria mau sentir, em qualquer grau ou circunstância que fosse, como a inveja ou

despeito. Outro, que comportaria sentimentos que admitiriam o meio-termo,

como a cólera, cujo excesso é irascibilidade, a falta a apatia e a situação

intermédia a amabilidade. Por fim, uma classe de emoções que seriam apenas

boas condicionalmente, nomeadamente em determinados patamares de

desenvolvimento moral, como a vergonha10.

10 Fortenbaugh diz, a propósito das emoções apontadas por Aristóteles, que estas podem ser

divididas em práticas [pratical] e não práticas [non-pratical]. As emoções práticas e não práticas

não se relacionam da mesma forma com a virtude. Exemplos de emoções não práticas são a

vergonha e a indignação. Estas, em oposição às emoções práticas, como a cólera, não se

relacionam com a acção nem têm nenhum fim (prático).

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Deste modo, a excelência moral faz apelo ao lado intelectual e emocional do

Homem, como já foi dito. A nossa faculdade deliberativa, que indica os fins das

acções, e o nosso discernimento, que assegura a adopção de meios próprios para

atingir esses fins, não são suficientes. É necessário que os nossos sentimentos se

conformem ao justo meio encontrado pela razão, perante as circunstâncias de

cada caso particular. Por exemplo, face a uma situação de perigo, uma razão bem

treinada deverá discriminar o que deve ser receado, quando e como. Resta à

emoção acomodar-se às prescrições da razão, proporcionando ao Homem um

sentimento adequado à sua avaliação intelectiva. Aquilo que faz um Homem

corajoso não é apenas ter conhecimento do risco, mas sentir o medo/confiança

apropriado a esse risco. É esta a diferença afectiva que distingue o “Excelente” do

“Continente”.

A continência é uma disposição híbrida de disposição da alma. Não é uma

espécie a ser evitada, sendo, inclusivamente, boa e louvável. Partilha com a

virtude ou excelência o facto de nada fazerem contrariamente à razão por causa

dos prazeres do corpo, atendo-se aos seus cálculos. Mas enquanto o virtuoso é de

tal forma constituído que está não apenas livre de maus desejos mas da sua

possibilidade, o “Continente”, embora possua, conjuntamente com ele, a regra

que julga correctamente tais matérias, está equipado para ter ainda maus

desejos, mas não ser conduzido por eles, dominando-os.

Pelo exposto, o car|cter “Continente” corresponde a um modelo de indivíduo

que está sujeito a um conflito interno e não só a uma luta entre razão e emoções,

mas a um intrínseco debate emocional. O Homem “Continente” digladia-se entre

bons e maus desejos, dos quais os bons saem vencedores. Seria admissível, neste

quadro, que o Homem “Continente” experimente ambivalência emocional,

nomeadamente o sentimento concomitante de amor e de ódio. Como é também

aceitável que sinta vergonha, adveniente da censura interna pelos maus desejos.

O Homem “Excelente”, contrariamente, nunca atravessaria um conflito

emocional interno. Uma vez que sente a emoção certa, na altura própria e pelo

motivo correcto, não é passível de ambivalência emocional. E está de tal forma

evoluído e moldado pelo hábito de praticar boas acções que já não precisa de

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esforçar-se para resistir a maus instintos e logo não está sujeito à emoção de

vergonha.

Por oposição às culturas de vergonha, nas culturas de culpa não existe o temor

de um auditório, embora possamos sentir-nos envergonhados quando

confessamos as nossas culpas. Uma sociedade assente no modelo de uma cultura

de culpa repousa no desenvolvimento da consciência do Homem, que se

confronta com as sanções internas da sua consciência. Enquanto no primeiro

caso, o fito é o aperfeiçoamento moral pela conquista da fama, a fim de granjear a

admiração dos deuses e dos seus semelhantes; no segundo, o objectivo é

superar-se, atingindo a santificação, não se exigindo para tal um parecer exterior,

mas somente a autoconsciência.

Iremos analisar, no próximo capítulo, um pensador, David Hume, que

desenvolveu a sua teoria numa cultura judaico-cristã, típica de uma cultura de

culpa.

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19

1.2 A HUMILDADE DO VIRTUOSO

Hume não concebe como Aristóteles uma progressão de estados de

desenvolvimento moral. Mostra-nos antes como funciona ou como deveria

trabalhar um indivíduo já moralmente formado. Inclusivamente, apresenta-nos

uma caricatura desse indivíduo11. Cleantes, um homem prestes a casar, é um

modelo de qualidades úteis e agradáveis a si próprio e aos outros.

Na secção I, do livro II do TN, Das Paixões, Hume fabrica uma árvore

genealógica das emoções. Em primeiro lugar, começa por identificar as

percepções da mente, ideias e impressões, dividindo as últimas em originais e

secundárias. As impressões originais ou de sensação são impressões dos

sentidos e todas as dores ou prazeres corporais, e dão origem às impressões

secundárias ou reflexivas, correspondentes às paixões e outras emoções

semelhantes. Por sua vez, as impressões reflexivas dividem-se em calmas,

derivadas de sentimentos de beleza e fealdade na acção, na composição e nos

objectos exteriores (emoções estéticas); e violentas, paixões propriamente ditas,

ou seja, as do amor e do ódio, da tristeza e da alegria, do orgulho e da humildade.

As paixões admitem ainda uma distinção entre directas, que nascem

imediatamente do bem e do mal, da dor ou do prazer, como o desejo, a aversão, a

tristeza, a alegria, a esperança, o medo, o desespero, a segurança; e indirectas,

que provêm dos mesmos princípios, mas pela conjugação de outras qualidades,

como o orgulho, a humildade, a ambição, a vaidade, o amor, o ódio, a inveja, a

piedade, a malícia, a generosidade e as que dela dependem. As paixões indirectas

de amor e ódio, de humildade e de orgulho são aquelas que apropriadamente

podemos chamar de emoções morais.

Os nossos juízos morais de aprovação ou desaprovação, simples e invariáveis,

são expressão de uma forma calma de uma dessas quatro paixões indirectas. É à

11 Em EPM, IX, 2

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forma calma dessas paixões que designamos sentimentos morais12, por contraste

com as emoções morais.

Hume afiança-nos que a fonte das distinções morais se encontra no sentimento

e não na razão. À razão está reservado o papel de descobrir relações entre ideias

e de descrever assuntos de facto. Tem uma finalidade meramente utilitária de

promover meios que satisfaçam os conselhos do sentimento. A censura ao nosso

comportamento não se entrevê em nenhuma razão, somente no sentimento. A

razão, todavia, acompanha sempre as paixões, embora num papel escravo,

servindo-lhes e obedecendo-lhes.

Para a avaliação da conduta, o Homem dispõe de três capacidades emocionais: o

amor próprio, a simpatia e a benevolência13; que, mediante a conjunção com as

quatro paixões indirectas fundamentais, levam-nos a aprovar ou desaprovar

uma acção. Os sentimentos de amor e ódio reportam-se à aprovação ou

desaprovação da conduta de outrem e os de humildade e orgulho à nossa

própria.

Hume desenvolve a sua teoria no contexto das teorias de senso moral já

estabelecidas, nomeadamente nas filosofias de Conde Shaftesbury, Joseph Butler

e Hutcheson, que haviam salientado três actores psicologicamente distintos: o

agente moral (pessoa que desempenha a acção), o paciente (pessoa afectada

pela conduta) e o espectador (observador que aprova/desaprova a acção),

distinção que Hume retoma. Deste modo, quando falamos em emoções pensamos

no agente/paciente e ao referimo-nos aos sentimentos

(aprovação/desaprovação) reportamo-nos ao espectador, seja de nós próprios,

da nossa acção, seja da acção de outros.

A simpatia é o mecanismo que permite ao espectador aceder ao interior do

agente. É o que hoje chamaríamos de empatia. É a capacidade de através de

12 Note-se que Hume utiliza, para sentimentos, o voc|bulo “sentiments” e não “feelings”,

pretendendo realçar a dimensão activa do sujeito (acto de sentir).

13 Tomamos de empréstimo a designação de Christine Swanton, que chamou à benevolência, ao

amor próprio e à simpatia capacidades emocionais.

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princípios associativos que convertem uma impressão, criada a partir de um

estímulo exterior, numa ideia e, por sua vez, essa ideia numa impressão,

participarmos da sua vida emocional. A simpatia admite, contudo, graus, de

acordo com a intensidade emocional que experimentamos. Por exemplo, existem

pessoas que simpatizamos (empatizamos) mais do que outras, condição essa que

é muitas vezes influenciada pelo proximidade temporal e espacial que mantemos

com elas. A estima, porém, que se origina da simpatia, é invariável, e pertence ao

gosto do espectador. Somos mais tocadas pelas injustiças infligidas a um familiar

nosso do que a um cidadão da Antiga Grécia. A nossa apreciação pelo

acontecimento de ver um sujeito a ser injustiçado por outro, a nossa estima, é, no

entanto, a mesma. É à estima, e não à simpatia, que devemos a

aprovação/desaprovação.

Se analisarmos a boa conduta de um inimigo numa dada circunstância,

corremos o risco de, em função das emoções negativas, como o ódio, sermos

tendenciosos no nosso juízo. Na verdade, as paixões indirectas de amor e de ódio,

com que avaliamos o outro, assim como as paixões indirectas de orgulho e de

humildade, com que nos julgamos a nós próprios, chegam-nos por uma dupla

relação de impressões e de ideias. As qualidades úteis e agradáveis que

presenciamos em nós próprios e nos outros geram em nós uma dor ou um prazer

que produzem, respectivamente, as paixões de humildade e de ódio, e as paixões

de orgulho e de amor. Estas, por sua vez, provocam um mal-estar e um bem-estar

no espectador, que é distinto da dor ou prazer que gerou a paixão.

Porém, ao experimentarmos paixões opostas relativas a um mesmo objecto

somos conduzidos a uma tensão que terá um desfecho inevitável. Hume relata-

nos este cenário ao descrever o comportamento das paixões na Dissertação das

Paixões, reformulação do Livro II do TN, referindo que quando duas paixões

opostas relativas a um mesmo objecto se encontram no mesmo sujeito

(ambivalência emocional), isto pode levar ao aparecimento de uma nova paixão

ou à dissolução de uma das paixões na paixão predominante.

A fim de sermos juízes justos da conduta dos nossos coetâneos, devemos apelar

à benevolência. A benevolência é retratada nas obras do filósofo escocês tanto

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como uma virtude (o traço de carácter do Homem “Benevolente”); como paixão

independente ou associada à paixão indirecta do amor, que reflecte o desejo de

felicidade de pessoa amada; ou como um sentimento, princípio constitutivo do

espírito humano. É este sentimento, que Hume chamará no EPM, sentimento de

humanidade, instinto comum a todo o Homem, que nos possibilita sermos juízes

imparciais da conduta de outrem, mesmo que seja nosso inimigo, ou da nossa.

Assim, quando ajuízo o comportamento do meu vizinho, embora possa por ele

sentir um ódio mortal, se percepciono nele qualidades úteis e agradáveis que o

fazem brilhar numa dada ocasião, irei, ao classificar a sua actuação, colocar de

parte os meus sentimentos odiosos e encarar os benevolentes, a fim de fazer uma

apreciação correcta da sua acção. Através do princípio da simpatia, consigo

colocar-me na pele do meu vizinho e verificar se naquela circunstância a sua

conduta foi meritória ou não.

O sentimento de benevolência ou humanidade é um sentimento pertencente a

todo o Homem, que recomenda um determinado objecto ou conduta, rotulado de

moral, à aprovação geral e faz todos os Homens estarem de acordo quanto à

decisão ou opinião que lhe respeita, independentemente do tempo, espaço ou

circunstância em que estejam14. Contudo, nem todo o Homem está em condições

de ser um espectador desinteressado, ou imparcial, como lhe chamará mais tarde

Adam Smith. Embora o sentimento de benevolência seja comum a toda a

humanidade, sermos juízes imparciais está dependente do desenvolvimento da

nossa sensibilidade para questões morais. Com efeito, existe um padrão do gosto,

uniforme na natureza humana, e não afectado pelas características

14 Elizabeth S. Radcliffe menciona que existem dois tipos vulgares de interpretação da teoria

moral de Hume: a interpretação sentimentalista e a leitura do observador ideal. A primeira,

seguida por pensadores como Phillippa Foot, Stephen Darwall, J.L.Mackie e Simon Blackburn,

defendem que os juízos morais são baseados nos sentimentos humanos actuais. A segunda,

adoptada por filósofos como Gilbert Harman, John Rawls e David Richards, indica que as

distinções morais estariam fundadas em sentimentos hipotéticos de um espectador ideal. Não é

objectivo desta tese discutir qual das duas interpretações está correcta. Advogamos antes, face à

leitura que fizemos dos escritos de Hume, que sujeitos amadurecidos moralmente estariam mais

aptos a serem espectadores desinteressados.

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temperamentais, espaciais ou temporais dos sujeitos humanos, mas que não está

ao alcance de todos. Só o hábito e a educação da sensibilidade nos levará à

aquisição de um gosto de tal maneira refinado que fique apto para discernir

todas as nuances emocionais necessárias a um juízo desinteressado.

Tal como podemos ser espectadores, e espectadores desinteressados ou

imparciais da conduta de outrem, também podemos ser da nossa própria. E aqui

encontramos o amor de si, capacidade emocional que nos faculta uma justa

averiguação da nossa acção15. Pela simpatia, estamos imediatamente conscientes

dos nossos pensamentos, sentimentos e acções, enquanto agentes. Como

espectadores corremos o risco de pecar por vaidade ou amor à fama, mas se

mantivermos um sólido amor de si e avaliarmos a acção passada, logo veremos

se nos sobrevém o sentimento de louvor ou censura. O que faz um sábio

humeano, esse espectador imparcial ideal, não é a inexistência de sentimentos de

ódio e de humildade, que são inerentes à natureza humana, nem mesmo a prática

de erros, que Hume diz poderem estar presentes até nos sábios16, mas o justo

reconhecimento desses erros e a consequente correcta avaliação da nossa

conduta e a de terceiros, independentemente de sentimentos interesseiros.

Relativamente a sua própria acção, o Homem “Benevolente”, mesmo tendo

agindo bem, pode sentir humildade derivada de uma insatisfação consigo

mesmo, como também devido à presença forças motivacionais como o ódio ou a

ambivalência emocional amor-ódio, que, por transição de paixões, despertam a

15 O amor de si não deve ser confundido com vaidade ou ambição. Isso seria uma falsa

representação do amor de si. Amor de si diz respeito ao estimar-se, ou seja, ao justo

reconhecimento dos seus pontos fortes e fracos. O amor de si pode reflectir tanto orgulho como

humildade. Hume discute o amor de si mais extensamente quando rebate a tese do egoísmo

psicológico, de pensadores como Hobbes, que afirmam que a benevolência é amor de si

disfarçado.

16 Cf. “O padrão do gosto”, um dos trabalhos dos Ensaios Morais, Políticos e Literários. Hume

refere a existência de sábios, como Ulisses, que incorrem em erros sobre valores morais.

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paixão da humildade. Neste caso, será possuidor da virtude da modéstia17, uma

qualidade útil e agradável aos outros, mas que traz mal-estar ao sujeito devido à

presença da paixão da humildade. De facto, o Homem Benevolente terá a

qualidade de bondade ou benevolência, pelo hábito de o ser ou de o sentir, tendo

essa característica virtuosa como traço de carácter, o que não impede que tenha

“emoções negativas” como a paixão de humildade. Ao contrário de outros

Homens, terá um padrão de gosto que não o cegará nas suas decisões ou

opiniões, não se deixando contaminar pela influência de sentimentos

interesseiros.

É inescapável o facto de David Hume ter nascido e vivido numa tradição

judaico-cristã, que apelava a valores como a culpa, e embora que o filósofo

escocês não tenha erigido as suas teses nesses preceitos, não ficou indiferente à

cultura do seu tempo. O Homem “Benevolente” de Hume é um Homem de uma

cultura de culpa. Adam Smith, filósofo contemporâneo de Hume, comenta que

mesmo um (tal) Homem que esteja certo de ter escondido todos os seus actos

nefastos à mira de outros Homens, não pode deixar de sentir pesar ao

confrontar-se internamente com eles18.

17 Sublinhamos que se trata da virtude da modéstia e não da humildade. Hume retira o seu

catálogo de virtudes dos Ofícios de Cícero e não se apoia nas virtudes teologais, que têm a

humildade, a par da piedade, caridade e castidade, como um dos elementos chave.

18 Cf. Teoria dos Sentimentos Morais, Terceira Parte, capítulo II: “O homem que violou todas essas

normas de conduta, as únicas capazes de torná-lo agradável à humanidade, embora estivesse

perfeitamente seguro de que ocultou seus actos de todo o olho humano para sempre, sabe que

tudo isso é inútil. Ao remomorá-los e vê-los sob a luz em que o espectador imparcial os veria,

descobre que não consegue entender nenhum dos motivos que os determinaram. Tais

pensamentos o deixam perplexo e confuso, e necessariamente sente com intensidade a vergonha

a que estaria exposto, se seus actos viessem a ser conhecidos de todos. Também nesse caso a

imaginação antecipa o desprezo e o escárnio de que nada o salve, excepto a ignorância das que

com ele convivem.”

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1.3 O LEITOR, UMA REFLEXÃO SOBRE A SEGUNDA

GERAÇÃO ALEMÃ: AINDA É POSSÍVEL SER-SE VIRTUOSO?

Schlink, escritor de O Leitor, integra o grupo de autores da geração de sessenta,

que reflectiu sobre a questão da culpabilidade alemã. É pois no contexto de uma

análise retrospectiva sobre a circunstância e a problemática afectiva da segunda

geração alemã, geração que é filha dos participantes directos ou indirectos nos

crimes do holocausto, que se desenvolve o romance O Leitor e no qual somos

confrontados com o problema moral da história.

A obra compõe-se de três partes, que acompanham o processo de crescimento

do protagonista, Michael Berg, desde a adolescência até à meia-idade, e a

descoberta simultânea da sua identidade individual e colectiva. Tal como Ulisses,

herói da Odisseia, epopeia que Michael lê a Hanna, e um pouco também à

semelhança de Peter Debauer19, Berg empreende uma jornada em busca do

passado da sua nação20. A sua viagem descreve uma meditação sobre o trauma

da culpa colectiva alemã.

É, neste âmbito, que introduzimos a nossa hipótese de estudo. Queremos

averiguar se Michael, nas circunstâncias em que é colocado, poderá alguma vez

ser apelidado de “Excelente”. As “emoções morais negativas” que sente validarão

a hipótese da humildade num homem virtuoso, de um Homem “Benevolente”?

A narrativa inicia-se no pós-guerra, concretamente, em 1959, quando Michael

tem apenas quinze anos. Um dia, ao voltar da escola, doente, é auxiliado por uma

mulher adulta, de trinta e seis anos, Hanna Schmitz. Depois de restabelecido,

19 Personagem principal do Regresso, outro romance de Schlink. 20 Cf. O Leitor, pág.120: ”Nesse tempo, voltei a ler A Odisseia, que lera pela primeira vez no liceu e

que me ficara na memória como a história de um regresso. Mas não é a história de um regresso.

Como poderiam os gregos, que sabiam que ninguém se banha duas vezes na mesma água de um

rio, acreditar também no regresso? Ulisses nunca regressa para ficar, mas para partir de novo. A

Odisseia é a história de um movimento, ao mesmo tempo com um fim e sem nenhum, com

sucesso e fracassado.”

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torna a contactá-la, para lhe agradecer, e visita-a ainda mais algumas vezes. As

suas reuniões culminam numa relação afectivo-sexual, em que os seus encontros

seguem um ritual próprio. Tomam banho, fazem amor e Michael lê-lhe clássicos

da literatura alemã e universal.

Durante a primeira parte da obra, que medeia o período que Michael vê Hanna

pela primeira vez até ao momento em que esta desaparece subitamente, uma

atmosfera de segredo e de mistério, assombram, em certas ocasiões, o ambiente.

Certos episódios transmitem a sensação que há algo oculto ou escondido na

personagem Hanna, como na altura em que Hanna se recusa a falar a Michael na

carruagem no eléctrico, ou quando vão passear ao campo e esta lhe bate por ter

acordado no quarto do motel e não o ter encontrado. Aliás, na primeira secção

não existem revelações. Sabemos apenas que a história se passa a seguir à

Segunda Grande Guerra e pressentimos um clima de encobrimento, presente não

só nas reacções inexplicáveis de Hanna, como também no silêncio e

distanciamento dos pais de Michael em relação aos seus filhos, que serve para

mascarar não só a vergonha e culpa pelas suas histórias e conflitos individuais,

como pelo passado alemão21.

Quando Michael entra no novo ano lectivo, trava novas amizades e sente-se a

atraiçoar Hanna, nunca mencionando a relação que tem com ela. É neste clima,

que a sua amante, de repente, desaparece.

Passam-se sete anos. Estamos em 1966. Entrámos na segunda parte da obra.

Michael é agora aluno de um seminário sobre campos de concentração. A sua

participação académica coincide com o desvendar do passado da sua nação e da

sua própria identidade, individual e grupal.

A par do apuramento da verdade sobre os seus antepassados, Michael

solidariza-se com os seus comparsas na revolta contra os feitos dos seus

21 Cf. O Leitor, pág.62: ” Os nossos pais haviam desempenhado papéis muito diferentes durante o

III Reich. Tenho a certeza de que eles, tanto quanto lhes tínhamos perguntado e eles haviam

respondido, nos contaram coisas diferentes. O meu pai não queria falar sobre si próprio.”

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ascendentes22. O conflito de gerações na Alemanha dos anos sessenta é travado

pela consciencialização e, posterior censura, pela geração mais nova à

participação da geração anterior nos crimes do holocausto23. Todos os jovens

condenam “à vergonha eterna” os seus pais, mesmo que estes tenham tido um

papel passivo durante a guerra, como o pai de Michael. O simples facto de terem

tolerado a presença de criminosos depois de 45 é alvo de críticas. Apesar de

Michael se questionar sobre o seu direito a censurar o progenitor, acaba por vê-

lo como motivo de vergonha, ingressando no movimento preconizado pela sua

geração24.

A reprovação conjunta movida pela segunda geração à geração passada é uma

forma de se livrar da culpa e da vergonha que a afecta, pelo facto de se encontrar

inelutavelmente envolvida com os criminosos do holocausto, seja pelos laços de

sangue ou de amizade.

Hannah Arendt distinguiu dois tipos de responsabilidade, a responsabilidade

política (colectiva) e a culpabilidade moral e/ou jurídica (pessoal). Enquanto a

última recai sobre os actos que praticamos e é singular, a primeira não implica

que tenhamos feito algo. Para que haja responsabilidade colectiva, é necessário

que duas condições sejam satisfeitas: que me sejam imputadas culpas por algo

que não fiz e que essa responsabilização me seja atribuída devido à minha

pertença a um grupo. Neste caso, ser alemão e filho de uma geração de

criminosos é o suficiente para arcar com as culpas dos crimes do holocausto. As

minhas acções presentes não me redimem da minha responsabilidade colectiva.

22 Cf. O Leitor, pág. 62: ”Nós, os estudantes do semin|rio, desenvolvemos uma fortíssima

identidade de grupo.”

23 Cf. O Leitor, pág 62: ”Quem estava a ser julgada naquele tribunal era a geração que se serviu

dos guardas e dos esbirros, ou que não os impediu, ou que pelo menos não os marginalizou como

deveria ter feito depois de 1945. E o nosso processo de revisão e esclarecimento pretendia ser a

condenação dessa geração à vergonha eterna.”

24 Cf. O Leitor, p|g.62: ”Como é que pude achar que tinha direito de o condenar à vergonha

eterna? Mas fi-lo. Todos condenámos os nossos pais à vergonha eterna, ainda que só os

pudéssemos acusar de terem tolerado, depois de 1945, a companhia de assassinos.”

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Em virtude de estar inserido numa continuidade histórica, sou responsabilizado

pelas faltas dos meus pais. Ser fruto do pecado original é o preço a pagar por

viver em comunidade.

Pertencendo à segunda geração, Michael suporta o peso da culpa colectiva, que

é comum aos membros do seu tempo25. A segunda geração torna-se culpada em

consequência de os participantes nos massacres do holocausto serem seus

parentes ou terem com eles algum tipo de vínculo. Trata-se de um género de

culpa hereditária, que comporta também a vergonha pelas atrocidades

cometidas durante a guerra.

É, neste contexto, que Michael Berg torna a encontrar Hanna. Ele, na qualidade

de aluno convidado a assistir a um julgamento de ex-guardas de campos de

concentração nazis e ela, na situação de arguida. Michael já se sente culpado e

envergonhado por ser filho de uma geração criminosa e, nestas circunstâncias,

sentir-se-á culpado por ter escolhido amar uma criminosa de guerra, mesmo que

a sua paixão seja produto de um erro trágico (hamartia). Não obstante

desconhecer o passado de Hanna até ao reencontro, a vergonha também o atinge

pois, perante os seus pares, é humilhante admitir que se apaixonara por uma

pessoa como Shmitz. Existindo um processo de revisão do passado e de rejeição

conjunta dos antecessores, gostar de uma pessoa afeiçoada ao nazismo, é

suficiente para o deslocar e denegrir ante os seus colegas26. Ainda por cima,

25 Cf. O Leitor, p|g.112: ”A culpa colectiva [Kollektivschuld], quer seja aceite ou não do ponto de

vista moral jurídico, foi uma realidade vivida para a minha geração de estudantes.(....) tudo isto

nos enchia de vergonha mesmo quando podíamos apontar o dedo aos culpados. Apontar o dedo

aos pais culpados não nos libertava da nossa culpa. Mas tornava o sofrimento mais suportável.

Transformava esse sofrimento passivo em energia, actividade, agressão. E o conflito com os pais

culpados estava muito carregado de energia.”

26 Cf. O Leitor, pág 113: ”Mas o dedo apontado a Hanna voltava-se para mim. Eu tinha-a amado.

Não a tinha apenas amado, eu tinha-a escolhido. Tentei convencer-me de que o meu estado de

inocência era o mesmo com que os filhos amam os pais. Mas o amor aos pais é o único amor pelo

qual não somos responsáveis.

E talvez até sejamos responsáveis pelo amor que temos pelos pais. Nesse tempo, invejei os

outros estudantes que renegavam os pais e, com eles, toda a geração dos que actuaram, dos

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Michael optar por o fazer é degradante, pois enquanto os nossos pais não

podemos escolher, os nossos amigos e amantes podemos.

Hanna é acusada, conjuntamente com mais quatro pessoas, de ter causado

deliberadamente a morte a um grupo de prisioneiras. Um bombardeamento fez

arder a igreja onde se encontravam encerradas um grupo de reclusas e as

guardas podendo abrir as portas não o fizeram e as mulheres, à excepção das

duas testemunhas de acusação, morreram queimadas. No seguimento do

processo, a atribuição de responsabilidades pende sobre a escritura de um

relatório, que narrava o que se tinha passado naquela noite. Quem tivesse escrito

o documento, teria uma culpabilidade jurídica maior sobre o sucedido. As quatro

constituintes voltam-se contra Hanna, acusando-a se ser a autora do escrito. Um

advogado sugere que comparem a caligrafia do relatório com a da acusada.

Hanna recusa, declarando-se culpada.

Ao assistir à sessão, Michael toma consciência de um facto que sempre tinha

estado latente na sua relação com a acusada. Hanna era analfabeta. Não sabendo

ler nem escrever, Hanna nunca poderia ter escrito o relatório e logo não

mereceria a sentença prevista, caso o tivesse redigido. Por pudor, prefere

suportar uma pena maior a expor a sua fraqueza27. Deverá Michael revelar o

segredo de Hanna?

A personagem Michael Berg pode tanto ser enquadrado tanto numa cultura da

vergonha, pois teme a todo o momento ser vexado perante um público pela sua

paixão e pela sua progenitura, como numa cultura de culpa, que o mergulha

numa contínua meditação sobre os erros cometidos, invocando a necessidade de

expiação e de redenção. É, neste âmbito, que Michael terá de tomar a decisão

que mostrará se é “Excelente”, “Continente” ou “Benevolente”.

espectadores, dos que viraram a cara, dos tolerantes e dos que aceitaram, e que desse modo

ultrapassaram o sofrimento provocado pela vergonha (...) E, contudo, nesse tempo ter-me-ia feito

bem se me tivesse sentido integrado na minha geração.”

27 Cf. O Leitor, pág.87: ”Mas seria possível que a vergonha de não saber ler nem escrever

explicasse também o comportamento da Hanna durante o julgamento e no campo de

concentração? Que preferisse ser acusada de um crime a passar por analfabeta?”

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Notemos que a heroicidade de Michael fica, desde logo, condicionada pelo

receio a vir a ser desonrado e a sua excelência comprometida. Desfigurado por

ter amado uma criminosa. Michael, após consultar várias pessoas e de travar

uma profunda reflexão, não conta a ninguém que Hanna é analfabeta. Saber de

que qualidade foi a resolução do seu dilema, se foi excelente ou não, está

reservada a uma motivação interna.

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PARTE II

O DILEMA

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2.1 O DILEMA DE MICHAEL BERG. BENEVOLÊNCIA OU

CÓLERA?

A primeira pergunta que devemos fazer é: que tipo de dilema Michael Berg

enfrenta? Existem dilemas impostos pelo mundo e dilemas auto-impostos28. Os

primeiros resultam de um exigência externa imposta ao agente pelo mundo,

coagindo-o a escolher uma alternativa entre duas ou mais opções. Neste tipos de

dilemas, o agente não fez nada que o colocasse numa situação dilemática. No

romance A Escolha de Sofia, de William Styron, Sofia é forçada, por um oficial

nazi, a ter de decidir entre deixar as suas duas crianças irem para as câmaras de

gás, ou, para evitar esse malogro, dizer qual delas quer salvar. Ao invés, nos

dilemas auto-impostos, é o comportamento do agente que é gerador das

questões com que se debate. Por exemplo, Hubleckberry Finn pergunta-se se

deve, seguindo as convenções do seu tempo e país, entregar o escravo Jim às

autoridades/proprietária, ou se, pelo contrário, é melhor zelar pelos interesses

do seu amigo, protegendo-o. Nada constrange, porém, Hubleckberry a decidir-se.

Ninguém lhe coloca-se esse problema, obrigando-o a seleccionar uma das

alternativas. Foram as acções passadas de Huck, nomeadamente fazer-se

acompanhar na sua fuga pelo escravo, que fizeram nascer as suas interrogações.

Aristóteles distingue três tipos de actos: voluntários, não voluntários e

involuntários. Só podemos falar de excelência moral a propósito de acções e

emoções voluntárias. Somente essas são louvadas ou censuradas, punidas ou

honradas. Aristóteles exige que um conjunto de requisitos sejam satisfeitos para

que uma acção seja considerada voluntária: a acção deve partir do agente, a

pessoa que executa o acto deve ter noção das consequências do mesmo, da(s)

pessoa(s) afectada(s), dos meios a serem utilizados, do resultado pretendido

com acção e do modo de actuação.

São chamados actos involuntários aqueles cuja causa da acção é externa ao

agente, como uma pessoa que é arrastada pelo vento num tornado; ou que são

28 Cf. Capítulo 7, “Types of Moral Dilemmas”, do artigo Moral Dilemmas de Terrance McConnell.

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realizados sob compulsão, desconhecendo o agente alguma(s) da(s)

circunstância(s) particular(s) da sua acção. Os actos involuntários são actos

realizados em ignorância e que geram arrependimento no agente, diferentes dos

actos por ignorância, que não são lamentados, e que se devem à ausência de

conhecimento geral (não saber o que é certo e o que é errado).

Os actos não voluntários têm um carácter misto. São voluntários, por um lado,

pois são executados pelo agente, com o pleno conhecimento das particularidades

da acção, e objecto de uma escolha; e são involuntários, por outro, porque

ninguém escolheria essa acção por si mesma. O estagirita dá o exemplo de um

comandante de um navio que se sendo apanhado por uma tempestade, opta por

lançar carga ao mar, para assegurar o salvamento da tripulação.

Os actos não voluntários corresponderiam, pelo exposto, aos dilemas impostos

pelo mundo, uma vez que o agente é constrangido a uma escolha pela conjuntura

com que se depara. Os dilemas auto-impostos seriam objecto, todavia, de acções

voluntárias, dado que nada coage o agente a tomar uma atitude.

Ora, Michael Berg tem conhecimento do cenário onde actuará. A acção (de não

revelar o segredo) irá partir de si próprio, sabe que Hanna será lesada,

apanhando um maior número de anos de cadeia, tem conhecimento do que deve

fazer para evitar que isso suceda (revelar o segredo), de como deve fazê-lo (falar

com Hanna, falar com o juiz) e tem conhecimentos dos seus objectivos ao não

revelar o segredo da amante. A acção do protagonista compreende, portanto

todos os itens de um acto voluntário. Da mesma forma, nada nem ninguém força

o protagonista a ter que escolher revelar ou não revelar o segredo, pelo que a sua

acção não pode ser considerada não voluntária. Por conseguinte, o seu dilema é

um dilema auto-imposto.

Sendo o dilema de Michael Berg um dilema auto-imposto e a sua acção

voluntária, estamos em condições de avaliar a excelência ou não da sua acção.

O romance não nos indica, nem nos dá pistas sobre o que sucederia caso

Michael tivesse revelado o segredo de Hanna. Sobre isso apenas podemos tecer

especulações. O que nos é apresentado é que Michael não revela o segredo. Deste

modo, a discussão resume-se à razão porque ficou em silêncio. Se o fez por amor

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ou por ódio. O dilema que é alvo desta discussão não é se Michael deve revelar ou

não que Hanna é analfabeta, mas sim a motivação que está por detrás da sua

atitude de não expor o segredo da amante. Aqui residi o busílis da moralidade da

história. A virtude ou vício da acção de Michael não se acha nela própria, mas nos

seus motivos29.

Segundo David Hume, o amor e o ódio não são completos em si mesmos. São

sempre acompanhados de benevolência, ou seja, do desejo de felicidade da

pessoa amada, ou de cólera, isto é, do desejo da sua desgraça. E

conduzem/motivam à acção.

A partir do momento em que Michael toma conhecimento do passado de Hanna,

junta ao sentimento de amor já existente, um novo, um sentimento de ódio, de

aversão aos crimes cometidos pela amada. A ambivalência emocional que passa a

sentir nunca desaparece e mantém-se até ao final da obra. E quer a sua decisão

penda para o amor ou ódio, a sua ambivalência afectiva permanece.

É discutível se a decisão de Michael é reflexo do amor ou do ódio. O seu silêncio

pode ser interpretado como um espelho da repulsa que nutre pelo passado de

Hanna, mas também pode ser produto de amor. Hanna tinha vergonha em não

saber ler nem escrever e receava a exposição pública da sua fragilidade. Logo,

reagir, não se manifestando, é possivelmente um sinal de respeito pela opção de

Hanna.

Com efeito, Michael dilacerado pelas suas dúvidas busca apoio em diversas

pessoas, entre elas o seu pai, professor de Filosofia e especialista em Kant e

Hegel. Atentemos ao seu diálogo (pps.93-94):

“Quando falou, começou muito atr|s, mostrando-me os conceitos. Ensinou-me sobre a pessoa, a

liberdade e a dignidade, sobre o Homem como sujeito, e que ninguém tem o direito de o

converter em objecto.

29 Há que salientar a distinção de Mill, no Utilitarismo, fez entre motivos e intenções, embora não

partilhemos a sua filosofia. A intenção centra-se na previsão das consequências da acção,

enquanto o motivo no sentimento que leva o agente a agir da maneira que age, sendo revelador

da sua disposição de carácter.

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- Já não te recordas, de como te aborrecias quando eras pequeno, quando a mamã, para teu bem,

te obrigava a fazer qualquer coisa que não querias? Até que ponto teremos nós o direito de o

fazer com as crianças? É um verdadeiro problema. Um problema filosófico, mas a Filosofia não

se ocupa das crianças. Deixou-as nas mãos da Pedagogia, onde é bastante mal tratada. A

Filosofia esqueceu as crianças – sorriu-me -, esqueceu-as para sempre, e não apenas algumas

vezes como acontecia comigo.

- Mas...

- Mas, no caso dos adultos, não encontro com facilidade justificação para impor a alguém algo

que um outro acha que é bom para ele, preterindo que o primeiro acha que é bom para si próprio.

- Nem quando mais tarde ficam felizes com isso?

Ele abanou a cabeça.

- Nós não estamos a falar sobre a felicidade, mas sim sobre a dignidade e a liberdade. Já em

criança conhecias a diferença. Não te consolava nada que a mamã tivesse sempre razão.

(...)

Mas, finalmente, compreendo o que ele queria dizer: que eu não devia falar com o juiz; mais, que

nem sequer tinha o direito de lhe falar, e fiquei aliviado.”

A conversa que se desenrola no texto versa sobre o princípio da beneficência e

acerca de quando ser e o que é ser benevolente. Entende-se, neste contexto, por

beneficência a obrigação moral de agir em benefício dos outros, zelando pelos

seus interesses e impedindo eventuais obstáculos que se coloquem no seu

caminho; e por benevolência o traço de carácter que nos torna dispostos à acção

beneficente30.

Um dos primeiros filósofos a fazer da benevolência um conceito central da sua

teoria foi David Hume. Para Hume, a benevolência, assim como a justiça, são

virtudes sociais, mas enquanto a última é uma convenção, a primeira é um

instinto originário da natureza humana, fonte de toda a moralidade. Não afirma,

no entanto, ser uma diminuição moral a coexistência com a cólera, ou seja, com o

desejo de destruição do outro. Pelo contrário, Aristóteles fala-nos na

30 Cf. O artigo”The Principle of Beneficence” de Tom Beauchamp..

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benevolência e na cólera não como males, desde que a sua expressão seja a

adequada. A sua concomitância não seria, contudo, património da excelência.

A posição que o pai de Michael Berg defende no diálogo citado é uma postura

kantiana. Kant rejeita os motivos de beneficência, isto é, aqueles que se apoiam

no sentimento, como pretenderia David Hume, e que seriam acções conforme ao

dever, determinadas por motivos a posteriori. A excepção acontece para os casos

em que a beneficência se constitui como um dever. Kant aceita que sejamos

beneficentes por dever, obedecendo à lei moral. Neste sentido, o amor constitui-

se com uma máxima prática da benevolência, que tem como consequência a

beneficência31. O dever de amar implica, contudo, o respeito pela a autonomia da

outra pessoa. Seguindo o imperativo categórico, que nos indica que devemos

tratar as outras pessoas como um fim em si e não como um meio, não pediremos

ao nosso semelhante que renuncie à sua liberdade. Isso seria uma violação da

sua dignidade. Por outras palavras, o que o pai de Michael Berg advoga é que o

dever de amar não implica substituirmo-nos à acção de outrem. A benevolência

não é uma aniquilação da sua liberdade. O paternalismo, fazermos o que

achamos o que melhor para o outro, é uma infracção dos seus direitos básicos:

poder decidir o que é melhor para si.

O que se questiona é se Michael tem o direito de se substituir à acção de Hanna,

sobretudo num quadro, onde toda a sua vida, desde o alistamento nas SS até

assunção de falsas culpas no tribunal é pautada pela vergonha de não saber ler.

Após a conversa com o seu pai, Michael sente-se momentaneamente aliviado,

mas não satisfeito. Antes de se decidir, Michael visita ainda um campo de

concentração, o que activa o seu sentimento de horror pelos actos de Hanna, e

31 Cf. Metafísica dos Costumes, § 25:”O amor tem de ser concebido como m|xima de benevolência

(enquanto máxima prática), a qual tem como consequência a beneficência.

Daí que o dever de amar o próximo possa expressar-se também do seguinte modo: é o dever de

tomar meus os fins de outros (na medida apenas em que tais fins não sejam imorais); o dever de

respeitar o próximo está contido na máxima de não degradar nenhum outro homem

convertendo-o em mero meio para os meus fins (não exigir que outro renuncie a si mesmo para

se escravizar aos meus fins).”

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fala com o juiz de instrução do processo, mas acaba por não lhe contar nada

sobre a amante.

Existem indícios que a decisão de Michael tenha sido motivada pelo ódio, mas

mesmo aí o seu amor não se apagou. É possível também colocar a hipótese de a

própria ambivalência de Michael o ter conduzido a uma posição de inércia de

“não tomar nenhuma atitude”, em que o seu não decidir se converte, em última

instância, numa decisão. Na verdade, Michael acaba por não fazer nada, não

revelando o segredo de Hanna e esta é condenada. Se a sua resolução é sintoma

de acomodação, ela não deixa de espelhar a ambivalência que percorre todo o

romance e que motiva o seu estado.

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2.2 A AMBIVALÊNCIA EMOCIONAL. MORALIDADE?

Aristóteles define a excelência como a capacidade de experimentar a emoção

certa, no momento próprio e da forma correcta. Na excelência, o Homem não

estaria sujeito à concorrência de maus desejos, como na continência. Na

continência, o Homem seria passível de ambivalência emocional, da mesma

forma, que o Homem “Benevolente” de Hume a sofreria igualmente. Aristóteles

vê portanto a ambivalência emocional como inferior em termos morais.

No seu artigo, “Virtue, Ambivalence and Mixed Feelings”, David Carr relata-nos

a história de Ximene, do romance medieval El Cid. Ximene está apaixonada por El

Cid até ao momento em que este mata acidentalmente o seu pai. A partir desta

altura, a heroína é confrontada com um profundo conflito emocional, do qual

sobressai a ambivalência emocional sentida pelo seu amado. O seu amor não é

extinto, apesar do ódio recém-nascido. Carr utiliza este exemplo para sustentar a

tese de que a ambivalência emocional, ao contrário do que Aristóteles defendia, é

sinal de virtude e não característica do continente. Se aplicarmos este estudo ao

problema apresentado no Leitor, verificamos que algo de semelhante ocorre. É

estranho observar Michael, conhecendo o passado de Hanna, só amá-la, não

sentido qualquer tipo de repulsa, como também é difícil ver o nosso herói só a

odiá-la, apagando todo o seu amor. O que torna humano este drama é a

ambivalência emocional.

Na Dissertação sobre as Paixões, Hume à semelhança de Espinosa, na Ética

Explicada à maneira dos Geómetras, descreve-nos o comportamento das paixões,

contando-nos em particular, o que ocorre na situação de ambivalência

emocional. Existem duas soluções possíveis quando duas paixões contrárias se

encontram. Ou a paixão mais fraca transforma-se na dominante32, ou a conjunção

32 Cf. DP, VI, 1:” Mas quando duas paixões foram j| produzidas pelas suas respectivas causas, e

estão ambas presentes no espírito, elas prontamente se misturam e se unem, mesmo que só

tenham uma relação, e às vezes até sem que tenham nenhuma. A paixão predominante absorve a

inferior e converte-a nela mesma.”

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das duas faz nascer uma terceira paixão33. Enquanto a exposição de Hume é

descritiva, a de Espinosa é normativa, indicando-nos o que devemos fazer

quando somos patenteados com tal conjuntura emocional.

Espinosa admite a possibilidade de ambivalência emocional no Livro III da

Ética, prop.XVII: “Se imaginarmos que uma coisa que costuma causar-nos a

afecção de tristeza tem algo de semelhante a uma outra que nos faz

experimentar habitualmente uma afecção de alegria igualmente grande, amá-la-

emos e lhe teremos ódio ao mesmo tempo”, caracterizando-a como um estado de

flutuação da alma (Escólio). O filósofo não classifica a ambivalência como boa ou

má, nem nenhuma das paixões como moral ou imoral. Vivemos numa realidade

onde é inescapável o facto de afectarmos e sermos afectados. O modo como nos

podemos autonomizar desta situação é a chave da moralidade. O que Espinosa

nos propõe nos livros seguintes é uma forma de lidar com as emoções que

promova o aumento da nossa potência e a dos nossos semelhantes, que é a

própria condição da expansão do nosso ser.

Concebe a tristeza, a alegria e o desejo como paixões primárias, a partir das

quais todas as outras são derivadas. O desejo é pensado como um género de

instinto de autopreservação, um esforço por perserverar no seu ser, que é a

própria natureza ou essência de cada um. A tristeza reduz-se aos afectos que

diminuem a potência do agir/pensar desse ser e a alegria às que a aumentam. O

filósofo diz-nos que devemos potencializar as paixões alegres, que impulsionam

a sociabilidade, e evitar as tristes, que a corrompem, para assim alcançarmos a

felicidade. Ora, uma paixão só pode ser combatida através de uma paixão

contrária que lhe seja mais forte, podendo, caso haja disso necessidade, recorrer

a um processo imaginativo ou imitatio, para o conseguir. Perante a ocorrência de

ambivalência amor-ódio, a sugestão de Espinosa é, em nome da concórdia entre

33 Cf. DP, VI, 3:” Isto acontece com frequência quando qualquer objecto desperta paixões

contrárias. Porque pode-se constatar que uma oposição de paixões geralmente causa uma nova

uma nova emoção nos espíritos, e produz mais desordem do que a convergência do que

quaisquer duas novas paixões de força igual. Esta nova emoção é facilmente convertida na paixão

predominante, e em muitos casos verifica-se que aumenta de violência, para alem do grau a que

teria chegado se não tivesse encontrado oposição.”

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os Homens, que o amor, afecto alegre, deveria ser potencializado para combater

o afecto triste, ódio, aumentando a potência dos dois seres.

Na prática, a solução espinosista é imprimir força a um afecto, em detrimento

do outro. Portanto, se Michael Berg seguisse a filosofia de Espinosa, deveria

reforçar os seus sentimentos amorosos por Hanna, a fim de eliminar os odiosos.

Mas perguntemo-nos: isso será verdadeiramente moral? A renúncia de um

sentimento pelo outro, quer seja de amor, quer seja de ódio, seria, como muito

bem notou David Carr, extirpar toda a dimensão humana desta história. Seria

estranho ver Michael só amar Hanna ou só odiar Hanna, sem nenhuma flutuação

da alma.

Como referimos, Hume não contempla só a hipótese de, ante um acontecimento

ambivalente, uma paixão se transformar noutra, posição que comparámos com

Espinosa, mas também a possibilidade de o encontro de duas paixões contrárias

fazer surgir uma terceira. Embora Hume classifique como impossível

experimentarmos simultaneamente as paixões de orgulho e de humildade34, o

mesmo não se passaria com as paixões de amor e ódio. Com efeito, a simples

presença de ódio, coexistindo com a paixão de amor, é o bastante para que haja

uma transição para a humildade35, produzindo assim a ambivalência emocional,

uma nova paixão.

34 Cf. TN, Livro II, Parte I, Secção II: ”É impossível que um homem seja ao mesmo tempo

orgulhoso e humilde; se razões diferentes despertam nele estas paixões, como frequentemente

acontece, as paixões ou se sucedem alternadamente, ou, se se encontrarem, uma aniquila a outra

na medida da sua força e apenas o que resta da paixão superior continua a agir sobre a mente.

Mas no caso presente nenhuma das paixões poderia jamais tornar-se superior; porquanto,

supondo que é apenas a vista de nós próprios que as desperta, como esta vista é perfeitamente

indiferente em relação a uma ou à outra paixão, deve produzi-las ambas exactamente no mesmo

grau; ou, por outras palavras, nem produz uma nem a outra. Excitar uma paixão e ao mesmo

tempo despertar a paixão antagónica na mesma medida, é desfazer imediatamente o que estava

feito, e tem que acabar por deixar a mente perfeitamente calma e indiferente.”

35 Cf. TN, Livro II, Parte II, Secção II: ”A virtude ou o vício de um filho ou irmão não despertam

apenas o amor e o ódio, mas, mediante nova transição sob o efeito de causas semelhantes,

originam o orgulho e a humildade.”

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Freud concordava com Hume que a partir da ambivalência emocional pode

surgir uma nova emoção. Deu ao fenómeno da ambivalência um tratamento

diferente de Espinosa. Segundo Freud, a origem da consciência estaria numa

situação de ambivalência, tendo como produto o sentimento de culpa.

Enquanto para Espinosa o instinto de preservação do ser, conatus, encontraria a

sua expressão máxima num sentimento de uma suprema alegria, Freud revê a

libido desdobrada num dualismo pulsional, constituído por pulsões de morte e

de vida. Aquando o complexo de Édipo36, a criança experimenta

simultaneamente amor e ódio pelo progenitor do sexo oposto. Do ponto de vista

psíquico, esta tensão é intolerável. Por isso, o ódio é reprimido, tornado

inconsciente, e uma parte da agressividade que era dirigida a outrem é voltada

contra o ego, fazendo nascer o sentimento de culpa e a necessidade de punição,

bem como o surgimento de uma nova instância psíquica, o super-ego. A

verdadeira consciência moral só aparece com o advento desta autoridade

interna, que é fundamental não só para a resolução desta etapa de vida, como

para o próprio funcionamento em sociedade.

Com efeito, pequenas versões deste drama inicial e histórico vão-se repetindo

ao longo da vida do indivíduo, e dela dependem a sua própria inserção e vivência

em comunidade. A tríade amor, ódio, culpa, ou mais especificamente, a culpa

originada da ambivalência emocional37 amor-ódio é ela própria constitutiva do

fenómeno da moralidade.

36 A referência ao complexo de Édipo é, nesta ocasião, meramente auxiliar. Ninguém está a

discutir a validade do conceito. Recordemo-nos que Malinowski, fundador da escola

funcionalista, baseando-se nas suas observações aos trobriands, criticou a universalização do

conceito. Neste estudo, utilizamos a noção de complexo de Édipo como uma noção operatória,

usada para demonstrar como os sentimentos de culpa são originados de uma situação de

ambivalência. Não está em causa averiguar se a criança se apaixona pelo progenitor do sexo

oposto e rivaliza com o do mesmo sexo.

37 Dentro do movimento psicanalítico, Melanie Klein, seguidora das ideias de Freud, embora com

pensamento próprio, faz do conceito de ambivalência um termo chave da sua filosofia clínica.

Para a psicanalista, o sentimento de culpa é originado de um sentimento ambivalente de amor-

ódio em relação ao objecto materno. O medo de destruição do objecto leva o sujeito a uma

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É também de referir que Freud faz uma distinção entre remorso e culpa.

Remorso é o sentimento de culpa advindo de uma acção maldosa. O sentido de

culpa pode existir mesmo que a pessoa não tenha agido mal nem tenha tido a

intenção de o fazer, como ilustra o mito de Édipo. A culpa pode ter um valor

meramente residual, como a sensação de ter feito algo que se sabe ser mau.

Voltando ao romance de Bernhard Schlink, o tratamento dado por Freud à

ambivalência emocional é o que melhor se adequa à vida de Michael. Michael

conserva a ambivalência emocional até ao final da história, quer se tenha

mantido em silêncio por amor ou por ódio e, por a manter, Michael sentir-se-á

culpado. Dito de outra forma, independentemente do motivo por que tenha

decidido não revelar o segredo de Hanna, a mera presença de ódio é o bastante

para se sentir culpado.

Hume, contudo, não fala de uma transição do ódio para culpa, mas sim para a

humildade, tal como Aristóteles, na Ética a Nicómaco, não se reporta à culpa nem

à emoção de humildade, mas à vergonha. Culpa, vergonha e humildade são

termos distintos, mas, ao mesmo tempo similares. É o que veremos no capítulo

seguinte.

ansiedade depressiva e inaugura a posição depressiva. Segue-se um processo de reparação dessa

relação objectal ambivalente. Este processo, alternando as duas posições kleinianas, a esquizo-

paranóide e depressiva, é vivida ao longo da nossa vida, e não apenas num momento específico.

Freud teve múltiplas interpretações, tantas quantas, pelo menos, os seguidores que teve. É

certo que a ambivalência não é um termo principal da sua teoria, mas a concepção do sentimento

de culpa como nascido de uma circunstância ambivalente é comum à perspectiva de Klein.

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PARTE III

A SOLUÇÃO

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3.1 HUMILDADE VERSUS VERGONHA

Embora a emoção de vergonha de que fala Aristóteles na Ética a Nicómaco seja

diferente da paixão de humildade de que fala David Hume nos seus textos, têm,

todavia parecenças.

O étimo grego da palavra vergonha usado na EN é, salvo numa passagem38,

aîdos, que significa um tipo de vergonha particular, vertido em algumas

traduções portuguesas39, para o termo pudor. Tal conversão aponta para a

inserção do sentimento de vergonha numa esfera pública, adveniente do receio

de estar exposto, ter estado exposto ou vir a estar exposto perante uma

audiência. Por essa razão, o seu efeito é assemelhado ao temor do perigo,

emoção, cujo o meio-termo, define o ser corajoso e é, com justeza, que Aristóteles

classifica a coragem política como oriunda do sentimento de vergonha, parecida

com o medo que os soldados experimentam40. A inquietação é o receio de ser

desonrado, de perder a reputação perante uma comunidade. Como o estagirita

confirma, na Retórica, 1383b: ”a vergonha pode ser definida como um certo

pesar ou perturbação do espírito relativamente a vícios, presentes, passados ou

futuros, susceptíveis de comportar uma perda de reputação.”

38 O outro é étimo é aischunê. Aîdos significa a vergonha que outros provocaram em mim, que

sofro enquanto vítima. Aischunê quer dizer a vergonha que passo como perpetrador de actos

vergonhosos.

39 Referimo-nos, em concreto, à tradução do Prof. António Caeiro.

40 Cf. EN, 1116a: “Primeiro, temos a coragem do cidadão-soldado (...). Esta espécie de coragem é

muito parecida com a que descrevemos anteriormente, porque resulta da excelência moral; ela

provém, com efeito, do sentimento de vergonha e da aspiração a um objectivo nobilitante (a

honra) e do desejo de evitar a desonra, que é ignóbil. Podemos incluir na mesma categoria até os

soldados que são compelidos por seus comandantes, mas neste caso seu mérito é menor,

porquanto eles agem assim não pelo sentimento de vergonha, mas por temor, e para evitar não o

que é desonroso, mas o que é penoso, pois seus comandantes os compelem.”

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Aristóteles refere também que a vergonha “mais parece uma emoção do que

uma disposição de alma” (1128b), com isso querendo avançar que não é comum

a todos os estádios de desenvolvimento moral. É característico de alguns deles,

nomeadamente da continência, sendo também típica de certas etapas da vida

humana, como a adolescência. Nestas condições é louvável, porque propulsora

da excelência moral41 e, por isso, se diz que a vergonha é boa condicionalmente.

E é, neste contexto, que nos reportamos à vergonha como uma disposição moral,

ou mais propriamente a uma disposição mista, marca do continente. Podemos

então falar de dois extremos, de um Homem impudente ou vergonhoso, que fala

e age sem olhar às circunstâncias, e de um Homem pudico ou envergonhado, que

a todo o momento se acanha ou contém; e de um meio-termo, do Homem

recatado, que fala e age correctamente, na altura e na ocasião certa. Mas na

excelência moral a questão do autodomínio não se coloca, pois neste patamar o

Homem já está de tal modo evoluído que não tem necessidade de refrear-se e,

por este motivo, não se pode dizer que um Homem seja virtuoso se ainda sentir

vergonha. A motivação para a coragem é o sentimento de honra e a honra é um

dos fins da excelência moral, embora não equivalha à verdadeira felicidade, que

se encontra na vida contemplativa.

A excelência moral está relacionada com acções e emoções voluntárias e só se

sente vergonha por aquilo que é voluntário. O sentimento de desonra que está

conectado com a vergonha é concomitante com a prática de más acções ou com a

possibilidade de as fazer, sejam elas verdadeiramente desonrosas segundo a

opinião geral ou verdadeiramente desonrosas. O Homem “Excelente” não sentir|

vergonha pois jamais estará associado à prática voluntária do mal.

Envergonhamo-nos não só dos actos vergonhosos, mas também dos sinais dos

mesmos, ou seja, de palavras, acções e intenções vergonhosas, perante os nossos

olhos como ante o olhar de outros. Envergonhamo-nos também dos nossos actos

e acções vergonhosas, assim como daqueles que foram cometidos pelas pessoas

com quem temos laços de parentesco, como os nossos ascendentes ou

descendentes, ou afinidades. Neste sentido, já Platão falava da culpa ou vergonha 41 Apontamos para o papel educativo da vergonha. Como diria Fortenbaugh, a vergonha é uma

emoção não prática. Tem o papel de censura de outras emoções e actos.

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hereditária42. Em todo o caso, sentimos mais vergonha face ao nosso

comportamento vergonhoso do que das acções vergonhosas de pessoas que nos

estejam associadas, pois, nessa situação, se formos directamente responsáveis

pelo o que aconteceu no passado, presente ou futuro, o origem do sentimento de

vergonha encontra-se num vício nosso. Sentimos também mais vergonha

perante aqueles cujo a opinião valorizamos.

Por fim, há que mencionar que a vergonha tem um carácter fisiológico, tendo

uma expressão somática (as pessoas que se envergonham, coram) e essa é uma

das razões porque se parecem mais com emoções do que com disposições da

alma. Também Hume aponta para uma raiz corporal da paixão da humildade,

salientando que esta é comum aos homens e aos animais43.

Para Hume, a humildade é uma paixão indirecta da alma, partilhando esta

classificação com paixões como o orgulho, o amor e o ódio. Sendo uma paixão é

uma emoção violenta, mas distingue-se, conjuntamente com o orgulho, do amor

e do ódio, por ser uma “pura emoção da alma que nenhum desejo acompanha e

não nos excitam directamente { acção”(TN, Livro II, Parte II, Secção VI). De igual

forma, ao contrário do amor e do ódio, cujo objecto é o outro, aqui o objecto é o

eu, somos nós próprios.

A humildade é “uma insatisfação connosco próprios, devido a algum defeito ou

enfermidade”(DP, II, 1). É um sentimento de natureza penosa e desagradável de

que podemos destacar uma origem, uma causa e um efeito.

O objecto próprio do orgulho e da humildade é determinado por um instinto

original e natural, tendo estas paixões duas propriedades: o objecto é o eu e a

sensação é dolorosa. Ou seja, tudo o que produz uma sensação desagradável e

que está relacionado com o eu desperta a paixão da humildade. As causas que

excitam a paixão estão relacionadas com o objecto que a natureza atribui à

paixão e a sensação que a causa produz separadamente está relacionada com a 42 Cf. República, 364B-C. 43 Cf. TN, Livro II, Parte I, Secção XII: “as causas do orgulho e da humildade devem encontrar-se

unicamente no corpo e jamais podem colocar-se na mente ou nos objectos exteriores”

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sensação da paixão (propriedades das causas). É nesta dupla relação de ideias e

impressões que a paixão tem origem.

As causas que geram a paixão da humildade são naturais, mas não originais.

Encontram-se na presença de qualidades desagradáveis no próprio eu, sejam

físicas (doenças ou deformidades físicas) ou mentais (defeitos de carácter), de

que a presença de virtude ou de vício são as mais manifestas (criando um prazer

ou mal-estar, de que resulta a nossa aprovação ou desaprovação); ou em

objectos que tenham qualidades desagradáveis e que, por uma associação de

ideias e de impressões, se encontrem relacionadas connosco. Estes últimos,

encontram-se em objectos que tenham a mínima relação ou aliança connosco

como o nosso país, a nossa família, os nossos filhos, parentes, riquezas, casas,

jardim, cavalos, cães, vestuário, poder; tudo isto pode tornar-se causa de orgulho

e de humildade. Deste modo, a contemplação da existência de um vício ou

qualidade desagradável num descendente ou antepassado, bem como os bens de

que somos proprietários e que se encontram vinculados a nós, por uma relação

de propriedade, são suficientes para produzir a paixão de humildade. Hume, tal

como Aristóteles, acreditava que podemos absorver a culpa ou a vergonha de

pessoas que nos são chegadas. Convém, aliás, referir que o orgulho e a humildade

são impressões relacionadas com o amor e o ódio. A virtude ou vício de um

familiar ou amigo não geram somente o amor e o ódio mas, mediante nova

transição sob o efeito de causas semelhantes, originam o orgulho ou a

humildade.

A palavra que Hume utiliza para descrever a sensação de desagrado connosco é

humildade, no inglês “humility”. Ao recorrer a este termo, o filósofo escocês faz

uma demarcação de um sentimento diferente, mas não indiscernível, a vergonha

(“shame”). Na verdade, temos o sentimento de humildade perante um conjunto

de circunstâncias, traços, objectos externos e relacionamentos susceptíveis, pelas

suas qualidades desagradáveis, de nos envergonharem. Consequentemente,

podemos apontar na paixão de humildade uma dimensão externa, passível de

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nos manchar a reputação ou o amor próprio, ou de trazer repercussões na nossa

fama44.

Contudo, a humildade não se reduz à vergonha, pois esta impressão não é

sempre viciosa nem sempre virtuosa. Com efeito, as pessoas mais humildes não

são sempre as mais miseráveis. Há, no entanto, que não confundir a paixão da

humildade com a virtude da humildade. A paixão da humildade indica-nos um

mal-estar derivado da contemplação de traços desagradáveis em nós próprios.

Tal não significa que, necessariamente, o nosso carácter seja defeituoso. O que

traduz um sentimento de humildade é uma insatisfação connosco, cujo efeito é

desagradável, doloroso e tem o eu por objecto.

Embora possamos divisar uma faceta interna na noção de humildade, devemos

também distingui-la da culpa (“Guilt”), que Hume menciona noutras passagens45.

Pelo menos, no sentido da culpa judaico-cristã, que exige uma mortificação dos

instintos, muitas vezes através da expiação. Referimo-nos ao tipo de culpa que

foi alvo de severas acusações da parte de Nietzsche e conduziu à criação do seu

Ubermensch. À culpa que é reflexo de um sentido de punição interiorizado, que

visa castigar o homem, reprimindo-o, na vida instintiva, a fim de aliviar a sua má

consciência ou remorsos. A humildade não se segue, necessariamente, à prática

de um acto maldoso, passível de culpa e de remorso.

44 Cf. TN, Livro II, Parte II, Secção I: ”ora é evidente que exactamente as mesmas qualidades e

circunstâncias que são causas do orgulho e de estima própria são também causas da vaidade ou

do desejo de boa reputação.”

45 Por exemplo, no TN, Livro II, Parte II, Secção VIII: ”Mais ainda, uma pessoa pode entender esta

maldade contra si própria, mesmo na sua sorte actual, e levá-la ao ponto de propositadamente

procurar aflição e aumentar as suas mágoas e tristezas. Isto pode dar-se em duas ocasiões.

Primeiro, com a desolação e infelicidade de um amigo ou de uma pessoa que lhe é querida.

Segundo, quando a pessoa sente remorsos de um crime de que é culpada [guilty]”.

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3.2 O LEITOR COMO UM EMBRIÃO DE

EMOÇÕES/SENTIMENTOS: CULPA, VERGONHA E

HUMILDADE

Michael não toma nenhuma atitude e Hanna é condenada a prisão perpétua.

Michael segue em frente com a sua vida. Casa-se, tem uma filha e divorcia-se.

Após algum tempo, começa a enviar a Hanna cassetes com histórias gravadas,

lidas por ele. De súbito, é contactado pela directora da prisão que o informa que

Schmitz vai ser posta em liberdade e pede-lhe ajuda para a sua reintegração na

sociedade. Michael vai vê-la e têm uma pequena conversa. Na semana seguinte,

quando o protagonista vai buscá-la, Hanna tinha-se enforcado e deixado uma

nota para Berg, pedindo-lhe que entregasse as suas poupanças às vítimas

sobreviventes do seu crime.

Schlink termina a sua narrativa com as palavras de Michael (pág.143):

Entretanto, passaram dez anos. Nos primeiros tempos depois da morte de Hanna, as antigas

dúvidas continuavam a atormentar-me: se a tinha sonegado e atraiçoado, se ficara em dívida para

com ela, se me tornara culpado por a ter amado, o modo como me livrei dela e como deveria tê-lo

feito. Por vezes perguntava-me se era responsável pela sua morte. E por vezes enfurecia-me com

ela e com tudo o que me fizera.

Vislumbramos em Michael Berg, protagonista do Leitor, diversos níveis de

culpa. A culpa colectiva e a vergonha que sente por pertencer à segunda geração

alemã, que mancha a sua reputação aos olhos do mundo, susceptível de o

desonrar. A culpa que sente por ter escolhido amar uma criminosa. A culpa que

sente por a ter atraiçoado46. E, podemos postular, eventualmente a culpa jurídica

46 Cf, O Leitor, p|g 88: “De qualquer modo, o facto de não ter sido a afast|-la não modificava em

nada o facto de a ter atraiçoado. Por isso, era culpado. E se não era culpado, porque atraiçoar uma

criminosa não pode ser motivo de culpa, era culpado porque amara uma criminosa.”

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que carrega por não ter fornecido uma informação fundamental no processo de

Hanna.

O tipo de culpa que brota do dilema que Michael enfrenta e que é alvo deste

estudo é um tipo de culpa particular: a culpa de não ter revelado o segredo de

Hanna, em consequência disso, a amante ter sido sentenciada a prisão perpétua

(“a culpa de a ter atraiçoado”, caso a sua motivação tenha sido o ódio; “culpa de a

ter amado”, se a razão do seu comportamento se deveu ao amor).

Ao longo deste trabalho temo-nos referido às noções de culpa, vergonha e

humildade como noções distintas. E são, com efeito, conceitos diferentes.

Gabriele Taylor afirma que a culpa, a vergonha e a humildade têm em comum o

facto de serem emoções morais autoconscientes. No entanto, a vergonha advém

da sensação de inferiorização perante uma audiência, corresponda esta à mira de

outras pessoas ou ao nosso próprio olhar. O agente tem o sentimento de ser

visto por si ou por outros como tendo um comportamento inferior ao que

deveria ter. A culpa, pelo contrário, equivale à violação de um tabu, merecendo o

sujeito, por isso, ser punido, ou, em caso de arrependimento, perdoado. Quando

uma pessoa se sente culpada é porque infringiu uma lei, seja esta justa ou injusta,

de origem humana ou divina, e desrespeitou a tutela de uma autoridade. Na

humildade, o Homem revê o seu estatuto. A emoção de humildade diz respeito à

auto-estima.

Ao lermos Aristóteles, verificamos que o Homem “Continente” é passível de

sentimentos de vergonha, o que não sucede com o “Homem “Excelente”.

Contudo, uma vez que culpa e vergonha são noções diferentes, se Homem

“Excelente” não sente vergonha, não está livre de não sentir culpa. O sentimento

de culpa de que estamos a falar, da consciência de ter quebrado um interdito e de

ser responsável por essa infracção, não tem lugar no Homem perfeito concebido

pelo estagirita. Aristóteles fala, na Poética47, do erro trágico (hamartia), como

aquele que Édipo comete ao matar o pai e casar com a mãe. Todavia, o erro

trágico não pode ser igualado à culpa, pois a pessoa que o comete não tem

consciência dele na altura em que o pratica.

47 Cf. 1453a

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A acção que estamos a analisar alude à motivação de Michael para não ter

revelado o segredo de Hanna, se ela foi continente ou excelente. Esta acção só

pode ser avaliada tendo em consideração o contexto histórico em que é tomada e

os outros tipos de culpa que Michael arrasta, nomeadamente a culpa e a

vergonha de pertencer à segunda geração alemã e a culpa e a vergonha de se ter

apaixonado por uma nazi.

Embora a culpa, a vergonha e a humildade sejam conceitos diferentes, não são,

contudo, antagónicos. A vergonha relaciona-se com o sentimento de ter feito algo

de mal, acompanhado de uma diminuição perante a mira pública, enquanto a

culpa partilha essa sensação de mal-estar e invoca a necessidade de expiação,

sem o sujeito se inferiorizar. O sentimento de vergonha associa-se

necessariamente à tradição grega e o sentimento de culpa à tradição judaico-

cristã, sendo só admissível nesta última. É nossa convicção que no Leitor estão

presentes os dois tipos de cultura. Por outras palavras, é viável encontrar no

romance de Schlink aquilo que Dodds chamou uma “cultura de culpa”, associada

a uma tradição judaico-cristã, e uma “cultura de vergonha”, associada { tradição

grega, e descortinar uma intersecção entre as duas. Michael Berg é o

representante mais lídimo deste fenómeno. Pelo facto de representar, no livro, a

segunda geração alemã, Michael é o porta-voz de uma cultura de vergonha. É

para ele uma perda de reputação social ser filho de participantes indirectos nos

crimes do holocausto e ter-se apaixonado por uma antiga guarda nazi. O seu

reconhecimento público, algo tão desejado pelo herói homérico, já está

prejudicado. Ao mesmo tempo, o protagonista é também portador de uma

cultura de culpa, resultante de ter feito algo de mal aos seus próprios olhos e de

merecer uma punição por isso. As duas culturas têm, todavia, algo em comum e

que é patente em Michael Berg. A emoção ou sentimento de culpa e a emoção de

vergonha, assim como a paixão da humildade, partilham o facto de mancharem a

pessoa que é portadora desses sentimentos. Assim, consideramos que as duas

culturas estão unidas por um elo emocional, que é expresso, em termos

simbólicos, como assinalou notavelmente Ricoeur, através do signo da mancha,

da sensação de estar infectado ou poluído. Michael Berg, quer sinta culpa, quer

sinta vergonha (quer sinta humildade), ou as duas (três), encontra-se manchado.

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A culpa que Michael Berg sente é um tipo de culpa muito peculiar. É aquilo que

Karl Jaspers chamou culpa metafísica, que uma pessoa sensível sente em virtude

dos laços de solidariedade que a ligam aos outros seres humanos.48 Por alguma

razão, o protagonista questiona-se no final da história se não estará em dívida

com Hanna, sentido que de certa forma a atraiçoou49. A responsabilidade que

sente é a de não ter feito nada para impedir que o mal sucedesse, ou seja, que

Hanna fosse condenada a prisão perpétua. Mesmo sendo possível considerar que

agiu bem, Michael sentirá sempre culpa e, deste modo, o tribunal que enfrenta

não é apenas o da sua própria consciência mas também o de Deus, o que é

comum às duas culturas. Tanto na cultura grega como na judaico-cristã, existe

um entidade divina, a vigiar as nossas acções, seja de que natureza for. Neste

caso, a purificação que é exigida para a aniquilação da impureza é a

transformação da auto-consciência, num movimento que não há espaço para a

arrogância, mas somente para a humildade.

É também este tipo de culpa que o Homem excelente moralmente, embora não

experimente vergonha, pode sentir. Relembremos que o tipo “Excelente” não

representa o último degrau na evolução moral do Homem. Para Aristóteles,

acima dele estaria o tipo “Excelência moral Sobre-Humana”. Até atingir este

patamar o Homem precisaria de progredir moralmente, transformando-se, e,

para isso, são úteis as revisões de consciência que o sentimento de humildade

nos traz. E esta é uma realidade que Aristóteles nos seus escritos não contempla,

mas que Hume consente. O conceito de humildade humeano não tem qualquer

48 Na adaptação para cinema do romance O Leitor, o professor do seminário que Michael Berg

frequenta recomenda aos estudantes a leitura do ensaio A questão da culpa alemã de Karl Jaspers.

Sobre a questão da culpa alemã, Jaspers equaciona quatro tipos de culpa: a) a culpa criminal,

que pertence àquele que violou a lei e será julgado por uma jurisdição apropriada, devendo ser

punido; b) a culpa politica, que é aquela que os cidadãos de um pais são pressupostos carregar

pelas acções dos seus governos, sofrendo as penas que os regimes vitoriosos colocaram no seu

país; c) a culpa moral, que corresponde à responsabilidade pessoal que cada um transporta

perante o tribunal da sua consciência pelas suas acções e que pede penitência e reparo; d) a culpa

metafísica, equivalente à responsabilidade que os sobreviventes sentem perante aqueles que

sofreram e morreram.

49 Na língua alemã, o conceito de culpa [Schuld] provém do dívida [Schulden].

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tipo de relação com o conceito de humildade cristã. É semelhante à culpa

metafísica, contendo elementos de culpa e de vergonha. É um sentimento de mal-

estar consigo.

Na verdade, qualquer que fosse o motivo da decisão de Michael, em virtude da

presença de ódio, ela trar-lhe-ia sempre mal-estar e o nosso herói culpar-se-ia

sempre. Sartre põe um problema semelhante quando nos conta, no

Existencialismo é um Humanismo, a história de um jovem estudante que o vem

procurar, a propósito de um dilema que estava a atravessar. Hesitava entre

alistar-se na guerra, para vingar a morte do irmão, e ficar a tomar conta da mãe,

que estava doente e necessitava dos seus cuidados. Neste caso como no de

Michael, o visado não pode deixar de sentir culpa faça a opção que fizer, mesmo

que conscientemente construa um projecto pessoal de vida, seguindo a voz do

instinto. Da mesma forma, Kolberg criou para o dilema de Heinz50 uma

hierarquia de estádios de desenvolvimento moral. A colocação de uma pessoa

num estágio de desenvolvimento moral dependia do tipo de justificação dada

para a escolha de Heinz. A pergunta que podemos fazer, e que Kolberg não

contemplou, é se uma pessoa desse uma resposta muito evoluída para uma das

opções, mas ainda assim não sentisse culpa, se o seu comportamento poderia

continuar a ser considerado moral.

50 Heinz é um indivíduo cuja mulher está a morrer com um tipo raro de cancro. Heinz tenta

comprar ao farmacêutico o medicamento que a poderá salvar, mas o preço do remédio excede em

muito as posses de Heinz e o farmacêutico não lho quer fiar. Deve Heinz roubar o medicamento e

salvar a mulher?

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CONCLUSÃO

Não sabemos se existem tipos perfeitos ou não. Haja, na realidade, pessoas de

tal modo evoluídas que se afigurem como idealizações ou sejam apenas

projecções da mente humana, o que se discute é se esse modelo deve incluir ou

não “emoções morais negativas”. Essa pergunta entrosa, por sua vez, numa outra.

A de se existem sentimentos típicos em cada cultura e de se os protótipos

propostos não são espelhos de seres ideais das sociedades de cada tempo e

lugar.

A fim de elucidar estas opiniões, confrontaram-se dois paradigmas de Homem

perfeito. Um proveniente do iluminismo escocês, o Homem “Benevolente”,

desenvolvido ao longo da tradição judaico-cristão, e outro oriundo da tradição

grega, o Homem “Excelente”. O objectivo foi mostrar que as emoções

características dessas sociedades, sejam culpa ou vergonha, sendo diferentes,

não são opostas, possuindo pontos de contacto entre si. O Homem “Excelente”

não é melhor do que o Homem “Benevolente”, pelo facto de não sentir culpa,

vergonha ou humildade, nem é superior ao Homem “Continente”, escalão

concebido por Aristóteles para o exemplar de indivíduo que as sentiria.

Resolvemos analisar este problema à luz do dilema com que Michael Berg é

confrontado, no romance de Schlink , O Leitor. Concluímos que a presença de

conflito emocional, nomeadamente a ambivalência emocional amor-ódio que

Michael padece a partir do momento que descobre que Hanna participou nos

crimes do Holocausto até ao final da obra, é ela própria constitutiva da

moralidade do drama. Qualquer que seja a motivação porque toma a sua decisão,

amor ou ódio, Michael sentir| sempre culpa. O Homem “Benevolente”, concebido

por David Hume, o tipo de sujeito que sente culpa ou que continuamente se põe

em causa, questionando-se, é mais fiel à imagem moral do protagonista trazida

por esta obra. Para David Hume, a paixão indirecta da humildade, e a

ambivalência emocional, ou melhor dizendo, o conflito emocional, seria ainda

pertença do Homem perfeito. Segundo o filósofo escocês, a mera presença do

ódio é suficiente para conduzir à humildade.

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Esta tese deixou algumas pontas soltas, que constituem pistas para trabalhos

futuros. Podemos agrupar os problemas que ficaram por responder em três

grandes classes: uma antropológica, outra epistemológica e uma terceira moral.

A questão antropológica remete para a interrogação sobre se existem

universais entre as emoções, ou seja, se as emoções são comuns a todos os

homens em todos os tempos e lugares. Paul Ekman sugere que sim ao estudar os

correlatos das emoções com as expressões faciais. Outra pergunta que colocamos

é se essa universalização se estende a todo o reino animal. A intuição de Hume

estará correcta ao falar de orgulho e humildade, amor e ódio nos animais?

Darwin confirma-a quando publica A Expressão de Emoções nos Homens e nos

Animais, encontrando similitudes entre as expressões emocionais do homem e as

dos animais.

A questão epistemológica aponta para a pergunta como conhecemos factos

morais ou em que nos apoiamos para os aprovar, em razões ou emoções? A

inclinação deste trabalho foi que nos baseamos em emoções. Não fizemos,

todavia, a defesa de um emotivismo puro. Com efeito, são várias as teorias

metaéticas que discutem a forma como percebemos a moral. Entre elas,

deparamo-nos com o subjectivismo, o prescritivismo, o intuicionismo, o

naturalismo, o realismo. O emotivismo é uma versão melhorada do

subjectivismo, que advoga que as nossas elocuções éticas exprimem estados

emocionais ou afectivos. Há também que distinguir entre afirmar uma atitude e

aprovar uma atitude. Se desenvolvêssemos mais este trabalho, a defesa do

emotivismo que faríamos iria no sentido de aprovar uma atitude e não de

afirmar uma atitude.

Por fim, a questão moral centra-se no que fazer perante duas ou mais

alternativas, que são igualmente más. Este trabalho encetou uma tentativa de

demonstrar que qualquer que fosse a via adoptada, o sentimento de mal-estar

seria mantido. Partimos também do ponto de partida da possibilidade da

existência de dilemas, o que é questionável. Sobre este tópico, os pensadores

dividem-se. Filósofos como Kant, Mill e Ross, por exemplo, reivindicam que uma

resposta verdadeiramente moral exclui a possibilidade de dilemas morais

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genuínos. O imperativo categóricos de Kant parece desfazer casos de divisão

interna. No entanto, como vimos no capítulo 2.1, nem o imperativo categórico

livra Michael Berg da aflição em que está. Mesmo que respeite a opção de Hanna,

nunca deixará de se sentir culpado.

Será que perante alternativas negativas, poderemos efectuar um cálculo,

entrevendo qual delas será a melhor e recorrendo ao argumento do mal menor?

Os utilitaristas aparentam prover uma solução para este problema, ao

encaminharem-nos para a avenida que promove a felicidade do maior número.

Mas mesmo esta filosofia vem levantar um conjunto de interrogações,

problematizadas paradigmaticamente no dilema de Trolley. Comparemos duas

situações. Uma apresentada no filme Entrusted, em que uma mãe asfixia o filho

bebé para não denunciar aos oficiais das SS a presença de um grupo de pessoas

escondidas numa cave. Outra, traçada na novela de Joseph Kanon, O Bom Alemão,

na qual uma mãe judia entrega vários judeus às autoridades nazis, em troca de

dinheiro para garantir a sobrevivência do filho. Terá a primeira história um final

mais moral que a segunda? Se fizermos jus aos credos da ética do cuidado ou da

ética feminista, que advoga o primado dos afectos, diremos que não. É difícil ver

nestes dois exemplos, qual é o mal menor.

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APÊNDICE I

RESUMO DO ROMANCE O LEITOR

PRIMEIRA PARTE

Michael Berg, de quinze anos, adoece e é auxiliado por uma mulher mais velha,

Hanna Schmitz, de trinta e seis anos. Quando se restabelece, decide agradecer-

lhe. Seduzido, resolve visitá-la novamente. É o iniciar de uma relação afectivo-

sexual, marcada por encontros regulares, que seguem um ritual próprio. Ele lê-

lhe, tomam banho e fazem amor.

A relação entre os dois amantes decorre sobretudo na casa de Hanna, mas

observamos alguns episódios passados no exterior. Um dia, Michael toma o

eléctrico, em que Hanna trabalha como revisora e esta não lhe fala, o que tem

como resultado uma discussão posterior. Noutra altura, Michael e Hanna fazem

uma pequena viagem, nas férias da Páscoa, em que se dá o acontecimento de

Hanna bater em Michael por este ter saído do quarto sem avisar, quando este

tinha deixado um recado escrito. Michael convida também Hanna uma vez para

ir a sua casa.

Principia o novo ano escolar de Michael e este faz novas amizades. Começa a

sentir-se dividido entre o seu grupo amigos e a sua amante. Sente-se a atraiçoar

Hanna, pelo facto de a sonegar, não falando dela aos seus amigos.

Subitamente, Hanna desaparece e Michael culpa-se, por considerar que se

desinteressou dela nos últimos meses.

SEGUNDA PARTE

Passa algum tempo. Michael é agora estudante de direito e participa num

seminário sobre campos de concentração. É nessa qualidade que assiste a um

julgamento de ex-guardas, no qual reencontra Hanna, constituída arguida.

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Hanna é acusada, conjuntamente com quatro pessoas, de ter causado

intencionalmente a morte a um grupo de prisioneiras. Um bombardeamento fez

arder a igreja onde se encontravam encerradas um grupo de reclusas e as

guardas podendo abrir as portas não o fizeram e as mulheres, à excepção das

duas testemunhas de acusação, morreram queimadas. No seguimento do

processo, a atribuição de responsabilidades pende sobre a escritura de um

relatório, que narrava o que se tinha passado naquela noite. Quem tivesse escrito

o documento, teria uma responsabilidade jurídica maior sobre o sucedido. As

quatro constituintes voltam-se contra Hanna, acusando-a de ser a autora do

escrito. Um advogado sugere que comparem a caligrafia do relatório com a da

acusada. Hanna, por pudor, recusa, declarando-se como responsável.

Ao assistir à sessão, Michael toma consciência de um facto que sempre tinha

estado latente na sua relação com a acusada. Hanna era analfabeta. Não sabendo

ler, nem escrever, Hanna nunca poderia ter escrito o relatório e logo não

mereceria a sentença prevista caso o tivesse redigido.

Deverá Michael revelar o segredo de Hanna? Ao mesmo tempo que lida com a

culpa e a vergonha de pertencer à segunda geração alemã, Michael tem de

enfrentar esse dilema. Questiona-se sobre a legitimidade de se substituir à

decisão da amante, sobretudo tendo a vida desta sido pautada pela vergonha de

não saber ler, desde a sua recusa no emprego da Siemens, passando pela sua fuga

de cidade em cidade, até à assunção de culpas que não lhe eram devidas.

Consulta a opinião de diversas pessoas. Vai falar com o seu pai e expõe-lhe o

problema. Recebe a resposta de que não tem esse direito, que é uma questão de

liberdade e de dignidade. Ligeiramente aliviado, mas não satisfeito, Michael

visita, posteriormente, um campo de concentração. Fala ainda com o juiz, mas

não lhe conta nada.

Hanna é condenada a prisão perpétua.

TERCEIRA PARTE

Michael prossegue com a sua vida. Trabalha em História do Direito. Casa-se, tem

uma filha e divorcia-se. Após a separação, começa a enviar a Hanna cassetes com

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histórias gravadas, lidas por ele. Hanna aprende a ler e a escrever a partir delas.

De súbito, é contactado pela directora da prisão que o informa que Schmitz

obteve um indulto e vai ser posta em liberdade. Pede-lhe ajuda para a sua

reintegração em sociedade. Michael visita Hanna e têm uma pequena conversa.

Na semana seguinte, quando o protagonista vai buscá-la à prisão, Hanna tinha-se

enforcado e deixado uma nota, para Berg, pedindo que entregasse as suas

poupanças às vítimas sobreviventes do seu crime.

O romance termina com uma reflexão de Michael sobre o que foi a sua história.

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