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Agosto/2005

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FIORELO PICOLI 1

Agosto/2005

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IMPRESSÃO:

Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991

Av. das Itaúbas, 2062 – Jd. Botânico – Sinop MT

CAPA:

Sidinei Novais

EDITORAÇÃO:

Arte Design (66) 531-6097

E-mail: [email protected]

REVISÃO:

Rosane Freytag

Maria da Paz Sabino

PICOLI, Fiorelo

Amazônia e o capital – uma abordagem do pensamento hegemônico

e do alargamento da fronteira. Sinop: Editora Fiorelo, 2005. 143 p.

1 – Amazônia. 2 – Exclusão social 3 – Expansão capitalista.

4 – Globalização. 5 – Hegemonia capitalista. 6 – Concentração da

riqueza.

ISBN 85-904199-5-9 Prefixo Editorial N°904199

Todos os Direitos Reservados. É proibida a reprodução total ou parcial, dequalquer forma ou por qualquer meio. A violação dos direitos de autor (Lei n°5610/98) é crime estabelecido pelo artigo 184 do Código Penal.

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A verdade desagradável hoje é que se não houverfuturo para um movimento radical de massa, como

querem eles, também não haverá futuro para aprópria humanidade. (MÉSZÁROS, 2003).

O capitalismo está em crise estrutural permanente enão é capaz de reverter suas contradições, porém

não temos esquerda no mundo pronta parasubstituí-lo, ela precisa ser construída para reverter

à barbárie. (PICOLI, 2005).

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SUMÁRIOSUMÁRIOSUMÁRIOSUMÁRIOSUMÁRIO

APRESENTAÇÃO

PRIMEIRA PARTE - A AMAZÔNIA

AMAZÔNIA: TERRA DO SILÊNCIO.........................................17Os movimentos do capital impõem o silêncio ....................17O Estado e o capital determinam formas de silêncio ........21O silêncio na estrutura agrária ..........................................25O silêncio nos assentamentos ...........................................29A quebra do Silêncio ..........................................................35Referências bibliografias ...................................................39

AMAZÔNIA: EXPANSÃO CAPITALISTA E AS RELAÇÕESDE TRABALHO ........................................................................41

A mazônia poder e sedução: uma declaração de amor ....41A Amazônia e o mercado mundial ......................................44Os militares no poder e a estratégia capitalistapara a Amazônia ................................................................46As massas despossuídas em busca da terra ...................50A força de trabalho e o capital ...........................................54Referências bibliografias ...................................................59

AMAZÔNIA: VÍTIMA DA EXPANSÃO E DA COBIÇAINTERNACIONAL .........................................................................63

Amazônia da expansão à devastação ...............................63

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Alienação energética mundial e a biomassa amazônica ..66Biopirataria do conhecimento dos povos amazonenses...71Manejo florestal: a solução ou a depredação daAmazônia? ..........................................................................75Referências bibliografias ...................................................79

SEGUNDA PARTE - O CAPITALISMO

A DOMINAÇÃO FINANCEIRA E O SISTEMA MUNDIALEM COLAPSO .........................................................................81

As trocas no movimento histórico ......................................81As instituições bancárias no mundo do capital .................85Os juros e as ações na ciranda financeira mundial ..........90O sistema capitalista mundial em prova ............................94Referências bibliografias ...................................................99

O SISTEMA CAPITALISTA AGONIZA E NÃO É SOLIDÁRIO ... 101Contexto histórico sobre a exploração do trabalho ....... 101No trabalho se esconde a dominação do sistemacapitalista ........................................................................ 109Terceirização: um dos modismos da superexploração ... 116A mulher trabalhadora é duplamente discriminada........ 121Referências bibliografias ................................................ 125

O Capital Marginaliza e a Barbárie Responde .............. 127A fome reflete a marginalização imposta ao mundo....... 127As cadeias e o crime organizado são conseqüênciasdas desigualdades .......................................................... 137Referências bibliografias ................................................ 143

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PREFÁCIOPREFÁCIOPREFÁCIOPREFÁCIOPREFÁCIO

Mário de Andrade em 1927 afirmou que “a Amazônia é umadessas grandezas tão grandiosas que ultrapassam as percepçõesdo homem”. De forma mais poética, em 1859 Avélallemant retratoua Amazônia como um “mar de florestas num oceano de água doce”.

Fiorelo nos faz navegar com segurança nos amazônicosespaços duma região que é a maior reserva de água doce global(mais de 25% do total), concentrando grande parte dabiodiversidade do Planeta. Como são globais os efeitos climáticosda vasta Amazônia, o maior e o mais tropical dos ecossistemas,com 7,5 milhões de km2 (65% localizados no Brasil), o que lá ocorreé de interesse planetário.

A amplitude de riqueza da Amazônia trouxe para ela umacobiça também desmedida. As obras de Fiorelo vêm desvendandoas formas e estratégias pelas quais a voracidade do capital,fortemente amparado no Estado brasileiro, dilapidamirresponsavelmente o ecossistema e a população local. Demonstraa tendência da região em servir ao mercado mundial por meio dasmonoculturas do agronegócio e suas práticas de superexploração(fenômeno comum na periferia do capitalismo), propiciando umaextraordinária acumulação com base em intenso abuso edesrespeito ao ser humano e a terra. Através da superexploraçãoo trabalho escravo continua presente, seja explicitamente, seja deforma não declarada e camuflada. Em obra anterior, Fiorelo revelaque na Amazônia a organização do crime confunde-se com a própriaorganização do Estado.

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Em 2005 as notícias que advém da Amazônia continuamnada agradáveis, e nelas o Mato Grosso (MT) ocupa triste destaque.

Desertificação. Em maio é divulgado o segundo maior índicede desmatamento da história moderna do Brasil, 26.130 km² (amaior alta em 10 anos), dos quais quase 50% no MT. A destruiçãoda floresta continua num ritmo alucinantemente acelerado: nosúltimos 3 anos mais de 7,6 milhões de hectares amazônicos foramderrubados, tornando o Brasil responsável por significativa parcelado total de emissões de gases do efeito estufa (estima-se que 15%devem-se à nossa participação). Há décadas que a queima devegetação é a maior contribuição brasileira para o aquecimentoglobal, bem pior que a decorrente da poluição industrial.Aproximadamente 20% da Amazônia já foi irreversivelmentedestruída, enquanto outros 30% sofrem forte pressão humana. Hámais de 90 mil km de estradas clandestinas na região.

O Estado de MT quebrou o recorde nacional mensal dequeimadas: 19.944 focos de incêndio nos primeiros 23 dias desetembro (FSP, 26.09.04). Isto está ocorrendo em pleno governoLula, o qual conta com uma valorosa e combativa ministra do MeioAmbiente: Marina Silva. Porém, o IBAMA é totalmente impotentepara coibir e fiscalizar tamanha insensatez.

A eliminação da floresta tem hoje como principal vetor oboom da soja que, alimentando um insaciável mercado mundial,empurra a pecuária para dentro da floresta e amplia a exploraçãomadeireira. O Brasil, maior exportador mundial de soja e de carne(e próximo a ser o maior na exportação de madeira: 36% da madeiraamazônica é exportada), é também campeão no desmatamento.Porém, deveremos perder mercados, pois cada vez mais os paísesmais ricos estão banindo a importação de mercadorias produzidaspredatoriamente.

A bomba florestal mato-grossense. Blairo Maggi, dono doGrupo André Maggi (principal exportador de soja do mundo comUS$ 532 milhões de faturamento em 2003) e atual governador doMT, impulsiona o desenvolvimento a qualquer custo. A divulgaçãodos números do desmatamento na Amazônia levou o governador,conhecido como o “rei da soja” e outros apodos menos nobres (“reido desmatamento”, “estuprador da floresta”) a ganhar doGreenpeace o Prêmio Motosserra de Ouro em 2005.

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Corrupção. Em junho foi presa uma quadrilha que, atravésdo desmatamento ilegal, derrubou no MT cerca de 2,5 milhões demetros cúbicos de madeira (carga de 83 mil caminhões) no valoraproximado de R$ 1 bilhão, levando para a cadeia o secretário deMeio Ambiente de Maggi, Moacir Pires.

Escravidão. Mais de 1.200 pessoas da Destilaria Gameleira,no município de Confresa (MT), ganharam a liberdade em junho de2005, na maior operação de libertação de escravos já ocorrida nopaís. Em toda a região há ocorrência de trabalho escravo, além deprostituição infantil vinculada aos roteiros de pesca.

Assassinato. Chocou o mundo o assassinato de Ir. DorothyLang em 12 de fevereiro em Anapu (PA). Infelizmente não é umcrime isolado, pois nos últimos anos voltam a crescer as impunesmortes de lideranças sociais na Amazônia.

Biopirataria. Outro lado desta barbárie é a biopiratariaperpetrada por mega-empresas, levando ao patenteamento externodo cupuaçu, espinheira-santa, açaí, andiroba, copaíba, pau-brasil,pau-rosa, sapo kambô, guaraná ... Estima-se que os prejuízosnacionais por conta da biopirataria sejam da ordem de US$ 5,7bilhões anuais.

Envenenamento. Conforme avança o agro-negócio, ointenso uso de agrotóxicos mata as águas dos rios e as baciassubterrâneas. Em vastas regiões amazônicas já não há mais o quepescar. Também o garimpo contamina os rios, gerando ainda oembate com os índios (como o registrado na exploração garimpeirade diamantes na terra dos Cinta Larga no nordeste de Rondônia eoeste do MT).

Vive Fiorelo em Sinop, na Amazônia mato-grossense. Tiveoportunidade de lá estar no início de setembro de 2004 participandode seminário na UNEMAT. Presenciei a apocalíptica acumulaçãoprimitiva em escalas gigantescas. Todo o MT estava coberto poruma nuvem de fumaça (que se observa por milhares de quilômetrosquadrados de avião de Cuiabá à Brasília, impedindo a visibilidadedo solo). Os rios amazônicos num raio de 300 km em torno de Sinopestão mortos. O azul do céu praticamente desapareceu. As 4 datarde o sol e o céu ficam vermelhos como se já estivesse se pondo.Antes das 5 horas não há mais sombras, e o sol não faz efeitoalgum. A partir das 17 horas o sol mergulha na fumaça e desaparece.

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Lá se respira fumaça o tempo todo, levando à uma incidênciageneralizada de asma, inclusive com casos fatais. Como hámomentos em que a visibilidade não chega à 300 metros, os carrosmantém os faróis ligados, e os aeroportos fecham freqüentemente.Detalhe: as queimadas na região estavam proibidas até o dia 14.09.

Na minha conferência na UNEMAT propus que ela tomasseuma iniciativa semelhante a de Manfred Max-Neef. Este, quandoreitor da Universidade Bolivariana de Chile, suspendeu as aulasnormais durante um semestre para que ouvissem e aprendessemcom os sábios e lideranças indígenas de todo o Chile. O MT tem amaior concentração de reservas indígenas do país, sendo que aolado de Sinop fica a reserva indígena do Xingu.

Neste estarrecedor quadro de banditismo e envenenamento,sem contar os inúmeros conflitos em torno da BR 163 (Cuiabá-Santarém), Fiorelo sabiamente aponta alternativas, as quaispassam, fundamentalmente, pela organização política dosempobrecidos e sua luta épica contra o capital em torno dum projetonacional. Diante da inelutável exaustão do petróleo que salienta aóbvia vocação florestal da Amazônia, Picoli discute a exploraçãosustentável com técnicas de manejo florestal da biomassa tropicalamazonense.

Florianópolis, julho de 2005.

Prof. Dr. Armando de Melo Lisboa.

Professor do Departamento de Economia da UFSC.

Doutor em Economia.

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APRESENTAÇÃOAPRESENTAÇÃOAPRESENTAÇÃOAPRESENTAÇÃOAPRESENTAÇÃO

Por meio do presente trabalho temos o intento de abordarao leitor as dinâmicas que envolvem a expansão capitalista daAmazônia brasileira e suas relações, por meio do capital, do homeme do seu ambiente. Foi dividido em duas partes: na primeira,versaremos sobre a lógica do alargamento das fronteirasamazônicas, na intenção de possibilitar a discussão e o entendimentode uma região voltada ao mercado internacional e, na segunda,identificamos os mecanismos que concentram a riqueza porintermédio da hegemonia mundial do capital, que impõem opensamento único ao mundo.

Ao adentrar-nos no espaço dos mais variados ecossistemasamazônicos, se torna possível averiguar a grave condição impostaà região pelas dinâmicas do mercado. Por intermédio do processoexpansionista, que objetiva agregar valor ao capital nacional einternacional podemos identificar essa problemática. Ao mesmotempo em que abordamos as reais condições determinadas peloprojeto global, igualmente traçamos paralelos no que tangeidentificar o Estado na associação de poder. Esse ao longo dahistória foi conivente, omisso e incompetente por desenvolvermecanismos de inclusão, mas por essa abordagem nos fazcompreender a lógica que permeia as relações de produção e dotrabalho.

As táticas do modelo organizacional, construídas pelasestreitas relações entre o Estado e o capital no período da pós-ditadura militar de 1964, possibilitam na prática o afrouxamento paraa concentração da riqueza na Amazônia. Ao demarcar o território

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por meio de um conjunto de ações dominadoras, essas impedem odesenvolvimento socializado, todavia impõem metas de crescimentoas elites detentoras do poder econômico e político. No desígnio deconcretizar os objetivos que permeiam o mundo dos homens e omundo do capital na região, se faz necessário manipular osmecanismos do silêncio nas relações de poder e institucionalizá-los.

Ao silenciar os atores sociais que clamam por inclusão nonovo espaço concentrador de patrimônio, também se desenvolvemmeios de camuflar o fenômeno acústico de suas vozes. Os homenspassam a ser os objetos das correlações de forças, e nesse ínterimlhes são colocadas as mordaças, as amarras, as vendas e os gessos,no entanto, no estágio final é possível neutralizar o conjunto deseus movimentos. Essas estratégias impossibilitam o ver, o sentir eo pensar na intenção de determinar aos comediantes sociais aparalisação das mentes e dos corpos e dessa maneira não é postoem xeque o projeto ali instaurado.

Ao calar as emoções da complexa lógica da exploração tornaaceitável a fabricação do mito e do consenso. Desenvolvendo essacapacidade podem ser desenvolvidas nas mentes da populaçãoas condicionantes do mercado, e possibilita a imposição dosmecanismos que determinam à concentração do patrimônio. Nesseínterim, a falsa felicidade prometida pelos idealizadores do projetoé inversamente proporcional ao conhecimento dos seus receptores.

Na determinação dos métodos que impedem as alternativassociais, e esses marginalizam as populações locais, bem como asprovenientes do processo migratório, também nos faz visualizar aavançada agressão ao meio ambiente. Nesta lógica, o projeto atuacom duas determinantes: na primeira, ele não respeita o homem eo seu ambiente e na segunda, busca o lucro através do complexoespaço dominado.

O aniquilamento total da identidade desenvolve a divisãodas classes, e determina igualmente dois extremos definidossocialmente, um de poucos ricos e o outro de muitos pobres. Natese proposta que a Amazônia nasce e chega aos nossos dias pormeio da dialética de servir ao mercado mundial, estamos ao mesmotempo identificando anomalias sociais e ambientais, porémobservamos na prática a lógica capitalista da produção demercadorias.

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Ao coisificar o homem e personificar a coisa, se determinama bestialização dos atores sociais, aqueles que não foram incluídosao projeto expansionista e concentrador. No processo deaniquilamento das classes, a exploração deixa de ser um atoestabelecido igualmente no centro e periferia do capital, todaviaesse assume mecanismos próprios da dilatação regional. Nesseínterim é importante observar as condições expostas nodesencadeamento das relações, e atribuir uma conceituação maisprofícua entre a força de trabalho e o capital. Com essasdeterminantes podemos verificar o tratamento estabelecido a classetrabalhadora, que passa subsistir e procriar sua espécie com valorabaixo do estabelecido pela lógica do mercado global.

Os homens, as mulheres e as crianças assumem umtratamento estreito por meio das concepções trabalhistas, mas sãoalargadas as determinantes do projeto ali estabelecido, e esseimpõem o seu modo de exploração. Ao idealizarem na prática asuperexploração para satisfazer à lógica do pensamento único, eladetermina o não acesso aos meios sociais dos trabalhadores. Ointento de incluir as dinâmicas sistêmicas que formam um grandecomplexo na produção das monoculturas regionais, o projetocanaliza os veios que integram o mercado. No entanto, o trabalhocontinua se relacionando pela busca da mais-valia absoluta erelativa, mas o princípio da concepção é efetivar a separação dasclasses, para identificá-las e estabelecer a correlação das forças.

Por meio dessa dinâmica, a Amazônia reproduziu ao longoda história dois extremos, um que tudo tem, portanto tudo pode, eo outro, que nada tem, e, no entanto estão à margem damiserabilidade e pobreza. Esse princípio norteador da escalada docapital, encaminha os atores sociais a margem do processo, e osmeandros determinam o “apartheid”. Hoje as elites reproduzirammeios que estabelecem a riqueza e pobreza nesse espaço, todaviasentem medo e a vergonha de sua própria criação.

Na seqüência interpretativa dos fatos, não podemos nosfurtar da amplitude do projeto mundial. Ao puxar o fio condutor dahistória da humanidade, por meio das relações de produção etrabalho, também objeto da fabricação das mercadorias na buscado lucro, nos situamos no espaço e no tempo. Essas passam porfases distintas do capitalismo mundial: na primeira mercadológica,na segunda industrial e na terceira financeira, todavia, essas etapas

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estabelecem relações diferenciadas no que se refere a formaçãoda riqueza.

Ao descrevermos as analogias que pautam a separaçãodas categorias, também desenhamos a concentração e centralizaçãoda posse. Essa foi determinada ao longo dos tempos por meio doprocesso produtivo, assim estabelece os mecanismos dedependência das classes, e essa é a razão do capitalismo no dia-a-dia. Para existir a acumulação, faz-se necessário ir lá ao seio daprodução e estabelecer os mecanismos que possibilitem oaferimento dos lucros, e esse só pode ocorrer através do trabalhohumano.

Nos tempos modernos, as relações de exploração mudame são levadas ao aperfeiçoamento da lógica capitalista. Sãocolocadas à disposição do processo produtivo, um leque dealternativas inovadoras, e essas são representadas através dacomputação, da robótica e da automação. Ao retirar parte da forçafísica, para desenvolver a industrialização com meios tecnológicos,essa expurga parte dos componentes da mão-de-obra. No entanto,ao desvincular a força de trabalho do processo produtivo, e buscarparte do lucro por meio dos juros e das ações, também sedesenvolvem as contradições da dialética sistêmica.

O mundo moderno por meio das incongruências das açõesprodutivas, e igualmente geradoras das riquezas, passa determinaras relações entre o mundo dos homens. Os possuidores dedinheiro, também fruto de mais-valias anteriores não necessitambuscarem os lucros somente na fabricação das mercadorias, masé possibilitada a busca por intermédio da especulação do mercado.Por outro lado, gera o desemprego e a falta de poder de consumo,e assim, se estabelecem mecanismos de contradição. Existe dinheiroconcentrado e não vai a produção, todavia existem consumidoresque almejam o consumo, mas são privados do acesso aos produtospor falta de poder aquisitivo.

O projeto global ao promover as dinâmicas da reprodução,e impor ao mundo o pensamento hegemônico, desencadeia suasautodestruições. A partir dos visíveis sinais do colapso econômicoplanetário, não são identificadas somente as tensões geográficas,mas uma crise sistêmica com tendência ao seu agravamento nofuturo. Esse é o ponto nevrálgico de nossos dias, as crisessucessivas demarcam os limites por meio do pensamento único, e

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não tem mais razão de existir o princípio dominador. Se o homemnão consegue ser incluído por intermédio de seu trabalho, eledesencadeia as contradições da acumulação, também como, ocapitalismo em sua essência nega sua razão de existir e corta nacarne o contra-senso.

Através desses pontos em discussão, convidamo-lhes paraque possamos navegar nos espaços amazônicos. Ao atravessarmosa floresta densa, e ao mesmo tempo traçarmos paralelos entre asrazões dessa viagem, é possível discutir a região e o caráter doseu alargamento, mas não temos pretensões de elucidar a suaproblemática. Também não queremos ser os donos da verdade únicae acabada, mas respeitar os demais teóricos e todo o complexoque determina o pensamento e a prática.

Os assuntos aqui discorridos necessitam de melhoraprofundamento e debate, pois a troca e a socialização das idéiasse juntam na teia do entendimento profícuo e compartilhado. Nessaperspectiva é possível sonhar, todavia nos faz acordar para umarealidade que exige os esforços concentrados da humanidade, sem,no entanto, nos preocuparmos em trazer soluções acabadas, masaguçar a curiosidade para juntos buscarmos o entendimento.Venham conosco e juntos poderemos realizar essa viagem...

* * *

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AMAZÔNIA, TERRA DO SILÊNCIOAMAZÔNIA, TERRA DO SILÊNCIOAMAZÔNIA, TERRA DO SILÊNCIOAMAZÔNIA, TERRA DO SILÊNCIOAMAZÔNIA, TERRA DO SILÊNCIO11111

Os movimentos do capital impõem o silêncio

Ao desenvolvermos um trabalho direcionado à AmazôniaLegal brasileira, por meio do recorte da colonização ocorrida noNorte do Estado mato-grossense, queremos possibilitar ao leitor acompreensão de um projeto arquitetado pelo capital, porém noslimitamos ao período pós-1964. O projeto de expansão da últimafronteira de colonização foi idealizado pelas estratégias que regemo mundo da concentração da riqueza, através da lógica dadominação e do controle regional, para desenvolver nesse novoespaço de concentração capitalista, o sentimento de poder parapoucos e a impotência da maioria dos atores sociais da região.

Para BECKER (1997, p. 105), a região Norte mato-grossense,“é a terra do silêncio”. Calar foi à estratégia, mas para efetivar esseplano foi necessário o aniquilamento e a asfixia dos movimentossociais, pois a ditadura imposta na América Latina em cadeia queobjetivava coibir os movimentos revolucionários. Foi necessáriointerromper todos os movimentos contrários ao processo capitalistae expansionista, dessa maneira “desenvolveu-se uma contra-revolução” (IANNI, 1981, p. 194). O Estado brasileiro se torna o meio

1 Artigo produzido por meio do projeto de pesquisa “Educação Ambiental:processos socioculturais para a reconstrução curricular e a construção dasócio-economia solidária”. Também publicado nos Anais do II CongressoInternacional Transdisciplinar Ambiente e Direito, realizado na PUCRS, emabril de 2005.

1ª PARTE - A AMAZÔNIA

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para desenvolver o projeto articulado pelos movimentos deinteresses nacionais e internacionais, porém, os militares fazem aintermediação para atingir essa meta.

A ditadura militar impossibilitou o exercício da democraciano País, como também na Amazônia. Todavia determinou as formase as regras de alargamento dos grupos organizados, quedirecionaram as táticas e os meios de atuação para facilitar aconcentração da terra na região. O plano de desenvolvimento Nortemato-grossense passou a se projetar com táticas próprias, para seefetivar na prática os interesses dos projetos econômicos e dasarticulações políticas e militares.

A união entre o Estado e o capital, passa a estabelecer oslimites, as formas de atuação e os requintes de crueldade com ospovos originários e os posseiros. Esses cumprem um papelimportantíssimo, o de “amaciadores da terra”, para depoisentregarem de maneira forçada ao capital organizado que chega àregião protegido pelas instâncias representativas do podereconômico, político e estatal. A fundação de fazendas era o meiopara obter os incentivos fiscais e o monopólio do solo, mas seefetivava por meio de mecanismos arcaicos e atrasados, daexploração da força de trabalho. Entretanto, se processava “aexpropriação violenta dos ocupantes originais da terra, índios eposseiros” (MARTINS, 1997, p. 99).

Segundo IANNI (1986, p. 97), “ao desenvolver-seextensivamente o capitalismo na Amazônia, desenvolve-se oprocesso de monopolização das terras”. O conjunto dos interessese das representações, que permeiam a lógica sistêmica, passa adeterminar igualmente os movimentos migratórios e as formas deimplantação dos projetos agropecuários, do extrativismo mineral evegetal, bem como outras formas que possibilitassem a agregaçãode valor, para se efetivar a concentração da riqueza.

O Estado faz parceria com o modelo de colonização,implanta órgãos direcionados que vão assistir aos capitalistas, pormeio da SUDAM, do BASA, do INCRA e de outros componentesdirecionados, que servem para fomentar as dinâmicas dearticulação. Além disso, ele oferece outras estruturas quepossibilitam na prática a organização para a expansão da mais novafronteira, através da construção de rodovias, de telefonia, de energiaelétrica e de bancos.

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Nesse processo, devemos levar em conta que a Amazônia,ao longo da história, demonstra uma tendência em servir ao mercadomundial. Isso pode ser observado em todas as iniciativas quefomentam o processo produtivo. Essa vocação foi bem direcionadano período de 1850 até 1912, quando acontece o auge doextrativismo da borracha. A vocação regional é servir ao mercadomundial, mas ela acontece por meio das monoculturas que lhessão determinadas, bem como, pelo mundo das mercadorias e seusinteresses.

O plano imposto no pós-64, continua atualmente planejadoe direcionado pelas exigências do mercado global, porém dessavez sua meta é o “pé-de-boi e o grão-de-soja”. Esse projetocontempla duas fases bem distintas, nas áreas da floresta tropical:na primeira, o madeireiro faz o aproveitamento econômico dasárvores e na segunda, acontece à entrada da agropecuáriaextensiva. Esse esforço é para efetivar-se a implantação definitivadas monoculturas na região, que vão servir ao mercado global,sem, no entanto, considerar a existência de homens e do meioambiente local.

Por meio da ditadura, foi criado um “clima de tranqüilidade”para vencer metas e desafios na implantação do plano de expansão.Ao calar os movimentos dos descontentes no País, as elitesmultinacionais conseguem implantar na Amazônia o “raciocínio dosilêncio”. Ao silenciar homens, mulheres e crianças determinam-seo alcance e a longitude dos olhares, os meios de ouvir os sons e asfalas, também as formas de demonstrar os sentimentos através daprodução dos condicionamentos, para incutir a reprodução doconsenso que interessa à burguesia, que é detentora do monopólioda terra na região.

Ao sufocar as emoções por intermédio das relações domundo do trabalho e da produção, se produz a mais-valia absolutae relativa. O Estado organiza esse processo, por meio da mais-valia coletiva, e a dinâmica hegemônica do capital mundial, vai seincumbir de programar a mais-valia universal. É esse panoramaque coloca a mão-de-obra em camisa de força, e se desenvolveum processo de superexploração, nas relações produtivas. A forçade trabalho passa a receber um novo tratamento, e sua subsistênciae reprodução passa a acontecer com valor abaixo do normal. Essa

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relação é possível, visto que, a Amazônia pertence à área deexpansão do capitalismo periférico.

Na organização do modo capitalista de produção do Nortedo Estado mato-grossense, cumprem-se os ditames do movimentode expansão para acumulação. Com esse objetivo, asdeterminações e as formas de organização passam a ser orientadaspor grupos organizados. Esses se contemplam pelas forçaseconômicas, políticas e militares, e o silêncio dos demais atoressociais passa ser a regra, não a exceção.

Ao se calarem as vozes dos animais racionais, possibilitam-se colocar as vozes dos animais irracionais, pois a região em estudose pauta na abertura das matas para a agropecuária, com afinalidade de implantar o berro dos bois para compensar o silênciodos homens. Por meio dessa dinâmica de conceber o novo espaço,“uma vaca amazônica expulsa uma família inteira de posseiros”(MARTINS, 1995, p. 122).

Podemos observar que em momento algum da investidacapitalista regional, por meio da instalação do modelo de ocupação,houve a preocupação com os sem-teto, os sem-terra, osdespossuídos e marginalizados do País. A solidariedade nas açõesnão contempla as metas sociais, elas servem apenas para privilegiaruma pequena parte da burguesia dominante, e esses determinama exclusão da maioria dos que buscam o novo espaço. Nesta lógica,as cidades são fabricadas para cumprirem a dialética para agregarvalor, e o homem passa a não ter importância. Ele é visto comouma mercadoria a ser explorada e consumida, com a finalidade deceder vantagens aos capitalistas. Essa mão-de-obra fica depositadanos centros oxigenadores de mão-de-obra, sendo vista como ummero componente do processo capitalista periférico e brasileiro,mas que contempla suas ramificações mundiais.

Conhecer esses atores que movimentam a Amazôniabrasileira nos faz compreender a quem a região serve, os modosde subserviência impostos, bem como qual lógica resiste naperpetuação às determinantes do mercado. Ao mesmo tempo emque questionamos essa dinâmica, é possível organizar nossopensamento, pautado por meio dos motivadores da expropriaçãodo homem e do seu ambiente.

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O homem desse meandro perverso é condenado peloslimites e imposições, pois o modo capitalista de produção o coisifica,porém o processo produtivo desenvolve-se por meio de mecanismosde personificação das coisas. O Estado torna-se omisso econivente, pois atende a lógica do capital e ambos têm um papelsimilar, que objetivam organizar a concentração da riqueza nasmãos de poucos grupos organizados.

O silêncio dos homens não acontece somente no campo,ele acontece também nas cidades. O movimento que impõe asregras, sufoca as possibilidades de existir, por meio dodesenvolvimento da força de trabalho que busca à dignidade e orespeito, desenvolve os mecanismos de dominação em todas àsáreas e setores. E possível observar esse tratamento nas escolas,nas igrejas, nas universidades e em todos os lugares deinterferência, mas principalmente aos que fazem as comunicaçõesfaladas, televisionadas e escritas. Para agravar a situação, no Brasilnove famílias monopolizam as concessões das comunicações.

Nesta lógica, as comunicações se centralizam com o objetivode impor os conceitos que interessam as classes dominantes. Épossível um trabalhador destacar no meio político, mas para issoacontecer faz-se necessário atrelar-se ao projeto do capital. Destamaneira, lhes é possibilitado navegar no mundo do silêncio, com ointuito de manter a dinâmica de dominação do homem por meio dopróprio homem. Esse quadro que mina todos os locais que envolvemas ações entre o mundo do capital e do trabalho na região, torna-se possível por meio da interferência do projeto capitalista aliimplantado, que desenha sua dinâmica sem respeitar os meios eestratégias do fim desejado. Assim, o projeto ali implantado tende atransformar os atores sociais para um mundo sem ética e imoral,que pode contribuir para a barbárie.

O Estado e o Capital determinam formas de silêncio

As uniões entre o Estado e o capital determinam à colocaçãodas mordaças do silêncio na Amazônia brasileira, pois dessa maneirase cumpre a lógica de ambos se relacionarem, e “o Estado só existepor causa da propriedade privada” (MARX E ENGELS, 1999, p. 98).

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Por intermédio dessas duas representações os poderes seinstitucionalizam, e os seres humanos têm pouca valoração peranteas estratégias e representações do capital na história, e porémpara torná-los insignificantes em qualquer relação da atualidade.Todavia hoje, observamos um maior afinco das forças sistêmicasna região de nossos estudos.

O processo se agrava, por meio de novos mecanismos deimposições do recente espaço de colonização, que nega o direitode cidadãos independentes, e desses viverem através dademocracia de direito pleno, e para serem assistidos com dignidadee respeito. Os mecanismos de exploração ganham adicionais nasrelações trabalhistas e produtivas, para se desenvolver asuperexploração, dos meandros que utilizam a força de trabalholocal.

Ao modificar a dinâmica dos atores ali existentes e dos quepassam a migrar no novo espaço de expansão, as representaçõesestatais são colocadas a disposição dos interesses dos gruposorganizados. Todavia aos indivíduos comuns, não é permitido veros víeis e as amplitudes de seus direitos. Faz-se necessário calaras emoções individuais e coletivas, mas esse modo de quietudeorganizado pelo poder complexo dos interesses organizacionais,precisa negar a cultura existente no local de interferência, tambémas novas que não comunguem com os interesses daqueles quedominam as relações planejadas.

Por outro lado, existe todo o empenho em radicalizar nasimposições dos novos saberes, para camuflar o silêncio e enganaras relações entre opressores e oprimidos. É necessário fabricar omito e o consenso, que passam a agir na calmaria invisível, paraaplicar na prática o adestramento dos atores sociais, para quesentirem-se úteis e parte do processo proposto, mesmo excluídose alheios ao discurso engenhoso. Na etapa final ocorre abestialização do homem, por meio do atrofiamento das mentes, eesse indivíduo passa a não visualizar saídas, sem ser viaatrelamento inconsciente do cativeiro das representaçõesprogramadas pelos poderes políticos e econômicos.

Para DREIFUSS (1987, p. 270), “a busca da conquista dementes e corações da sociedade – a intervenção ‘fria’ no processopolítico – é um esforço permanente das classes dominantes e suaselites orgânicas”. Ao se sentir envolto na teia e nas amarras

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projetadas, os mecanismos de dominação já fazem parte do seucotidiano, e dessa maneira passam a se sentir servos do modelode expansão, bem como parte dele. Esse procedimento, fruto daenganação, por meio das relações sem ética e imoral, “sempreremete a realidades que não são de poder, mas às quais ele serveou é usado para alcançá-las” (BOFF, p. 117, 2000).

Com essa tática foi possível implantar os projetos das elitesagrárias no Norte do Estado mato-grossense, bem como em várioslocais da Amazônia Legal brasileira. A união entre o Estado e ocapital é histórica, porém faltava selar o pacto da expansão conjunta,e esse vai acontecer por meio da ditadura, que se incumbe dedesenvolver a estratégia de ocupação. Para isso se concretizar, foie ainda é necessário asfixiar os movimentos contrários, na mesmaforma desenvolver mecanismos de silenciamento, e com os militaresno poder acontece à representação das forças invisíveis.

Para PICOLI (2004a, p. 90), as representações estatais, seconsistem, “em proteger o capital e garantir a concentração dariqueza”. Ao favorecer os interesses das representaçõeseconômicas, políticas e militares, a ditadura passa a retalhar aAmazônia, para que seja entregue à classe dominante do País egrupos internacionais. As empresas passaram a receber áreas degrandes proporções, tais como: o Projeto Jari com uma área de1.500.000 hectares; a Suiá-Missu com área de 678.000 hectares;a Codeara com 600.000 hectares, além de outros projetos (PICOLI,2004a, p. 49).

Ao mesmo tempo, distribuía-se terras aos gruposorganizados, também se fazia assentamentos via INCRA, e essescontemplavam os pequenos agricultores, para desenvolver osentimento nacional de governo bom e prestativo. No entanto, essesprojetos nasciam com o intuito de não dar certo, pois “o fracassodos colonos era a forma ideal para desmobilizar os movimentossociais que buscavam a terra através da reforma agrária” (PICOLI,2004a, p. 74). O calar, o desmerecer e o desmobilizar asinterferências que buscavam a inclusão por meio da terra, faz asforças organizadas atingirem seus objetivos maiores, o domíniogeográfico e humano, aliado às estratégias de controle dos meiosde comunicação. No período da ditadura fazia parte das estratégiasde dominação vincular notícias de interesse do Estado e do capital(PICOLI, 2004b, p. 40).

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As elites agrárias do País, tendo como fiel escudeiro as forçasdo Governo Federal, por meio das instâncias representativas,passam a exigir para si o controle e a distribuição das terras naAmazônia. A partir do início dos anos 70 do último século, entramem ação as empresas de especulação imobiliária. O maisinteressante desse processo planejado e os acontecimentos sãominuciosamente estudados pelas inteligências e interesses dospromotores da expansão, aliado as representações de poder. OEstado brasileiro o qual não objetivava fazer a tão sonhada ReformaAgrária aos brasileiros, se retira em cumprimento da lógica solidáriacom a burguesia nacional e multinacional.

As colonizadoras passam a representar o Estado nessanova dinâmica. Foi colocada a sua disposição grandes áreas deterras, recursos naturais em abundância, e foram agraciadas coma desburocratização das representações de poder. Fomentou-se aorganização do modelo particular de distribuição de terras, viaempresas de especulação imobiliária, pautadas em mecanismosde regularidades e de irregularidades, sendo identificadas grandesáreas e distribuídas aos filhotes da ditadura. Foi o que aconteceucom as empresas, Colonizadora Sinop S. A., de Sinop, e aColonizadora Indeco de Alta Floresta, ambas com mais de 400.000hectares disponíveis.

O Estado, além de facilitar todas as estratégias inerentesao processo de expansão do capital na Amazônia, por meio dasestruturas necessárias, cria os órgãos que vão dotar os meios decrescimento regional às elites, todavia não desenvolve mecanismosde aperfeiçoamento coletivo. A estratégia é proposital, por não sepreocupar com o desenvolvimento econômico regional, e osprincípios de solidariedade não fazem parte da investida que projetaa região ao mercado nacional e mundial. Nesta lógica, o projetoSudam criado em 1966, contemplou até 2001, um total de 550grandes projetos nos setores produtivos, tais como: naagropecuária; na agroindústria; na indústria e na prestação deserviços (PICOLI, 2004c, p. 47).

Aos demais atores sociais, era necessário calar no fundode suas almas, os meios de dominação, de omissão e de conivênciacom o projeto, para implementar as políticas das representaçõescapitalistas, que nascem do seio da não ética e do desrespeitocom os demais cidadãos. Ao negar os direitos impondo deveres

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aos marginalizados e despossuídos que buscavam terra, sedesenhava um engenhoso plano de inclusão das forçasdominadoras. Enquanto se criavam as condições e os meios paraexclusão, também eram criados os mecanismos de inserção, maspor meio da dialética das representações, que se incumbem dasujeição do homem pelo próprio homem, para inserí-los de maneiraprojetada.

Ao se processar a expansão através do Estado e dasempresas particulares, acontece simultaneamente o movimentoespontâneo dos migrantes, e esses são desprovidos de poderaquisitivo. Também os que já se encontram no lugar, vindos deinvestidas anteriores, por exemplo, do período da borracha, e essespassam a contrariar a ordem estabelecida. Os posseiros e os povosoriginários são os empecilhos, mas as diretrizes de silenciamentoagem com mais determinação e rigor. Os soldados da conquista daterra, vão se denominar de jagunços e de pistoleiros, aliados a umaparato da indústria do crime organizado e pode ser identificadopelas instâncias representativas do Estado.

Para que se concretize o projeto do silêncio, as relações dedominação se identificam com as desigualdades, por meio dasrelações de poder. A supervalorização dos atos e das ações daselites se conjuga pelo aperfeiçoamento do modo de dominação epor outro lado, ocorre insignificância dos demais atores sociais,que oxigenam o espaço produtivo da Amazônia brasileira. Contudo,não se trata somente de desqualificar os marginalizados edespossuídos, que buscam sua inserção nas cidades e na terra,mas incluí-los conforme suas condições e possibilidades, a lógicado capital. O planejamento se concretiza no intuito da formação dariqueza. Os homens e mulheres passam a ser os servos do cativeiro,num espaço de capitalismo periférico e perverso.

O silêncio na estrutura agrária

O dinheiro silencia homens, mulheres e suas descendências,porém, para isso acontecer, faz-se necessário primeiro colocarsuas marcas, suas modelagens e romper com os princípios de

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solidariedade. O poder que exerce domínio e envolve, se deleitaao rasgar as roupas dos servos, para colocar outras. Sãovestimentas de forças, as quais engessam o corpo e a alma. Aomesmo tempo, imobilizam na política, na economia e na vida social,passam a desenvolver o sentimento de “ser importante” para serservil e obediente, e na fase final os indivíduos entram num processocomplexo de dominação.

Para SILVA (1999, p. 34), “a possibilidade de expandir afronteira agrícola de um País funciona como alternativa àintensificada produção nas terras já incorporadas à exploraçãoagropecuária”. Esse quadro remete ao poder político que determinao nível e a forma de negar a terra, por meio das representaçõesdemocráticas e legais institucionalizadas.

No Senado e na Câmara dos Deputados, podemosidentificar a seguinte situação: os poderes brasileiros em 2005apresentam um quadro caótico de dominação política, 492 dessesrepresentam o latifúndio, e acima de 200, com interesse direto noEstado de Mato Grosso. O vínculo de dependência vai além dasrepresentações nacionais, e muitos desses profissionais da política,recebem o financiamento das campanhas com o objetivo de manteras estruturas ali existentes, bem como, para criar mecanismos delobbey, que inviabilizam a Reforma Agrária no País.

O Governo Federal tem pela frente o desafio dedesconcentrar a terra, mas se depara com a concentração; 1% dapopulação é possuidora de 45% do total das áreas. Reverter essequadro parece uma tarefa difícil, visto as estruturas montadas noenvolto dos interesses dos mentores do processo da concentraçãoe seu lobbey político, que se sentem no direito de organizar olatifúndio da sua maneira, e do mesmo modo não respeitam outrosinteresses da coletividade.

O Estado também se sente silenciado nesse estágioavançado do monopólio da terra, e os poderes organizados napolítica negam as possibilidades de uma Reforma Agrária de fato.No início de 2005, a situação do Estado mato-grossense era caótica,pois mais de 32.000 famílias estão debaixo da lona, principalmenteao longo das rodovias federais e estaduais. Sem contar os demaiscadastrados à espera, pois o Governo Lula, recebeu o País paraadministrar em 2003, com 473.000 famílias cadastradas pelo correio.Por outro lado, os funcionários do Instituto Nacional de Reforma

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Agrária – INCRA, boa parte deles viciados na função, e semcompromisso com a Reforma Agrária, estão comprometidos com aburocracia que impera o processo da distribuição de renda no país.Eles servem a lógica dominante, com finalidades de proteger osinteresses dos representantes do latifúndio.

A questão agrária é uma disputa política desigual, e o agronegócio é a mais forte representação das mordaças, onde a soja eo boi impõem a violência generalizada em nossos dias. Segundo aCOMISSÃO PASTORAL DA TERRA (2004, p. 27), os assassinatos nocampo estão em franco crescimento, no ano de 2003, cresceu 60%em relação ao ano anterior. O trabalho escravo, no ano de 2002,apresentou 5.559 trabalhadores envolvidos, e no ano seguinte com8.385, no cativeiro do capitalismo moderno. Chamamos a atençãono relatório sobre a posição primeira nos conflitos de posse daterra, ocupada pelos Estados do Mato Grosso e Pará.

A legislação vigente no País, propositadamente paralisa asiniciativas de distribuir áreas de terras aos marginalizados edespossuídos. Segundo o INCRA, existem 3.400.000 hectares deterras no Estado mato-grossense, que são descriminadas epertencem a União, e mais 20.000.000 de hectares que pertencemao Estado de Mato Grosso e aos municípios, é o caso de Luciara –MT, que é possuidora de uma área de 96.000 hectares.

O Instituto de Terras do Mato Grosso – INTERMAT vive omesmo dilema das representações federais, com um diferencial;na representação local se agrava a problemática, pois a vontadepolítica está ausente, por conta dos interesses dos gruposeconômicos e financiadores, devido o comprometimento político epelos interesses das elites agrárias que comandam o Estado emnome do capital.

Essas áreas, na sua maioria encontram-se ocupadas, porémsão públicas, e um processo de desocupação leva em média seisanos na justiça. Hoje, não é só por falta de dinheiro que os processospara viabilizar os assentamentos ficam paralisados, mas por faltade meios jurídicos a fim de desburocratizar as amarrações que aimpedem. Os interesses e as representações do Congresso, jácalaram o Presidente Fernando Henrique Cardoso, e estãosilenciando o atual Presidente Luis Inácio Lula da Silva. Para havermudanças na estrutura fundiária do País, o INCRA é a ponta dalança e a Reforma do Judiciário é o meio. Com esse quadro épossível vislumbrar mudanças?

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Possivelmente sim. A mudança está na organização dosmovimentos sociais, bem como no envolvimento político dessesatores privados do acesso a terra. Esses necessitam dos dadosreferentes à existência e a localização das áreas disponíveis, juntoaos órgãos do INCRA e do INTERMAT. O envolvimento dos demaisatores sociais, por meio da abertura dos instrumentos com a funçãode realizar a distribuição das terras, se fundamenta na lógica decontrapor essa ordem concentradora e protecionista. Os vícios e acorrupção, nos instrumentos governamentais fazem existir aingerência propositada, pois ao longo dos tempos a sua missãosempre foi de proteger os interesses políticos e econômicos, pormeio de suas representações de poder e de lobbey político.

Contudo, nos três últimos orçamentos destinados peloGoverno Federal, para a agricultura familiar, aconteceu a seguinteevolução: no ano de 2002, foram destinados 2,2 bilhões de reais,(orçamento herdado do governo anterior); no ano de 2003, foramdestinados 5,4 bilhões de reais, e no ano de 2004, o orçamento éde 7 bilhões de reais, (os dois últimos orçados pelo atual governo).Nesse ínterim, para que avancem os ganhos dos pequenosagricultores, fazem-se necessárias proporções ainda maiores, pormeio dos interesses dos grupos organizados na agropecuária, ondeos mentores das estratégias e suas representações estãoinstalados em Brasília, no centro das decisões e interesses.

A concentração da riqueza é um fruto enigmático que vaiparar nas mãos de poucos, em detrimento da maioria ser incluídana formação da riqueza, para a exploração da força de trabalho eatravés do não acesso a terra. A forma de impor o silêncio éinstitucionalizando o poder, “a questão agrária tem duas facetascombinadas: a expropriação e a exploração” (OLIVEIRA, 2001, p.110).

Ao manter esta lógica, inerente ao processo daconcentração capitalista, a relação se pauta na dinâmica de levarvantagem. Para agregar mais riqueza faz-se necessário destruir osmecanismos de inclusão social. Os meios que levam à solidariedade,o respeito do homem pelo próprio homem, se tornam banais einsignificantes. O projeto das elites descarta outras possibilidadesque não comunguem com a sanha desvairada do capital, queobjetivam a centralização da riqueza.

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O silêncio nos assentamentos

Faz-se necessário identificar a realidade que acontece dia-a-dia nos assentamentos, que são estruturados e viabilizados peloINCRA. Para servir de exemplo e melhorar o entendimento, por meiodo processo de envolvimento, entre os que buscam a terra e oórgão, orientou-se no recorte dos colonos da Gleba Mercedes, estestestemunhas vivas do modelo implantado na região. Esta área selocaliza nos municípios de Tabaporã e de Sinop, no Estado mato-grossense, e reflete as reais condições do modelo silenciador deReforma Agrária.

Até 2002, a parte sinopense pertencia ao município deTapurah, e se dividia em dois pólos, a Agrovila a 70 km e o Caldeirãoa 98 km distância, do município de Sinop, sendo essas as áreas deestudo e análise. Os assentamentos foram criados em 1997, com497 lotes distribuídos às famílias, com uma porção de 70 hectarespara cada contemplado, porém esses proprietários não possuem atitulação definitiva. No outro assentamento, no município deTabaporã, existem aproximadamente 1.000 famílias assentadas, masnesse trabalho de investigação contemplar-se-á somente análisedo município sinopense.

O que se pode observar; os assentados constituem umaagropecuária de subsistência, e existe pouca organização notocante à produção e à comercialização, identificando um quadrode produtores rurais sem organização individual e coletiva. Nestesentido, não existem cooperativas que fomentem a produção evenha viabilizar a comercialização da produção, e ou meios deindustrialização com a finalidade de agregar valor aos produtos.

Esse projeto de assentamento pode ser identificado, comoo lugar dos esquecidos. O Governo Federal por meio das relaçõesde dominação do capital preocupou-se em colocar os colonos nasáreas de maneira estratégica, mas propositadamente deixa-os semassistência e a mercê da sorte, em completo estado de abandono.Além de não receberem os requisitos mínimos, com a finalidade defomentarem recursos e dar estrutura às famílias ali assentadas,vivem sem saneamento básico, a água não é tratada sendo retiradade um pequeno riacho, que tanto serve a animais, como ao consumohumano.

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Outro fator que chama atenção é; nesse local não existeenergia elétrica, as casas produzem iluminação por mecanismosusados em décadas passadas, lampiões movidos a gás e aquerosene. É necessário entender esse processo que nega oacesso aos meios, com o objetivo de calar, e assim tornar resistentesas amaras da dominação. Ao realizar duplo engano, se tira oestímulo na busca da dignidade coletiva, é colocada a camisa deforças paralisante.

Passar a fazer parte ao outro município tão sonhado epróximo da Gleba, também de maior capacidade econômica, esseera o sonho das famílias. Porém a realidade lhes deixa as marcasda frustração, do desencanto e da impotência. Para GUARÁ2 (2003),“a mudança de município da área do assentamento de Tapurahpara Sinop, em alguns pontos ficou igual, outros até piorou”. Ao sesentir pior na relação, e pautar-se na dinâmica do mesmo tratamentoplanejado, que nega os mecanismos de cidadania, se deparam comuma vida sem dignidade e respeito.

Fatos dessa natureza podem ser entendidos nosdepoimentos dos atores que fazem o dia-a-dia dos assentamentos.O atendimento à saúde raramente acontece, são realizados demaneira precária, os profissionais dessas áreas muitas vezes semformação adequada, visitam os colonos em raras oportunidades, esão procedentes da sede do município de Sinop. Eles realizampequena parte do atendimento, mas não se pode dizer quecontemplem as necessidades básicas, pois no local não existe postode saúde, e os que necessitam de atendimento médico eambulatorial, precisam procurar os hospitais da região.

O retrato da dificuldade dos assentados pode ser visto nafala de GUARÁ (2003), “hoje é domingo dia 16/11/2003, e somente asemana passada tivemos 17 casos de malária juntando a Agrovilae o Caldeirão, mas na realidade, não baixam de 40 a 50 casos, emmédia todos meses”. Dando ênfase à situação, “dos 20 professoresdas duas escolas, dois estão doentes com malária, dois contrariamleishmaniose e um está com sérios problemas renais motivado pelaágua não tratada nas escolas” (LEOPARDO, 2003).

2 Para preservar a identidade dos entrevistados, adotamos nomes fictícios,que vão aparecer ao longo do texto de maneira carinhosa.

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Além de ficar sem assistência, vivem o drama do desrespeitoenquanto cidadãos. O poder público encarregado de prestar oatendimento médico, “não aceita que os doentes de malária sejamtratados na cidade, quer que fiquem nos assentamentos. Isso ocorrepelo fato de terem medo que contaminamos a cidade” (JAGUATIRICA,2003). Sem saber a quem recorrer e muito menos para onde ir,vive o preconceito de quem recebe os recursos para seremdestinados à saúde e a educação. Nesse caso específico, oatendimento deve ser realizado pelas prefeituras de cada município.Para GUARÁ (2003), “já nos prometeram uma ambulância paratransportar os doentes até os recursos médicos, mas tudo nãopassa de promessas que não se efetivam na prática”. As vacinaçõesem massa, quando são campanhas nacionais acontecem no local,mas nos demais casos não. Se alguém fica doente, quem tem carroleva até o recurso, ou então vai de ônibus que funciona apenas emdois dias da semana.

Pode-se afirmar: neste local o atendimento às famílias serealiza de forma precária, os poderes das esferas federais,estaduais e municipais, raramente marcam presença, e acomunidade vive o pesadelo das promessas. As três instâncias quedeveriam estar presentes conhecem a realidade, maspropositadamente criam os mecanismos de exclusão para não seefetivar à tão sonhada Reforma Agrária no País.

Trata-se de um projeto que dá terras, para não distribuirterras, e o controle se efetiva por meio dos limites, das barreiras,da burocracia, do engano, do uso dos corações e das mentes. Oobjetivo final dessa relação faz morrer a chama dos desejos, e arealidade não é mais um sonho, mas a astúcia do capitalinstitucionalizado que imobiliza o transitar e o visualizar, com opensamento do negar os saberes da busca, para desenvolver opesadelo da escuridão e da mão invisível da dominação.

Ao identificar essas famílias, com quatro filhos em média, evivem no local juntamente com seus pais – muitos optaram por deixá-los nas cidades, se observa o não vínculo com à terra, e demonstramclaramente que não acreditam em seu crescimento edesenvolvimento coletivo. A diferença dos assentamentos de hoje,com os realizados nas décadas de 70 e 80 na região, se caracterizade pontos fundamentais, os quais são apontados da seguintemaneira: no passado, quem buscava a terra eram pessoas providas

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dos saberes da roça, como práticas de manejar à terra, e essestinha histórias com a agricultura e a pecuária, por meio de suasfamílias; hoje, existem uma grande quantidade de famílias, quenunca tiveram contato com as práticas da agropecuária, mas épossível apontá-las através dos ex mecânicos, dos ex pedreiros,dos ex peões, dos ex comerciantes, dos ex empregados, entreoutros. Porém, poucos se qualificam para serem denominados deex colonos. Esse coletivo dos ex nos denuncia a triste realidade e odrama das cidades, vindo demonstrar um adiantado processo denão inclusão, também, nas áreas urbanas. Por outro lado, ocorreum processo característico de favelas no campo.

Essa maneira de conceber a identidade com a terra dostempos modernos, a educação é outro problema. As quatro sériesiniciais são atendidas pela prefeitura no local, como também de 5ªa 8ª séries, sem, no entanto existirem bibliotecas. Existem duaspequenas escolas, e estas contam com 20 professores, apenasdois com curso superior e os demais com formação no Ensino Médio.As escolas atendem alunos de outros setores próximos, num raiode 25 km. Foram criados recentemente e não contemplam comeducação pública.

Nestes locais não existem escolas, o que foi identificadonos dois núcleos de assentamentos, é a existência de dois grandesgalpões de madeiras, de propriedade dos agricultores, e foramadaptados com divisórias para servir de salas de aula. As condiçõessão precárias; não tem água tratada, iluminação ou ventilação, asmadeiras são de baixa qualidade e envelhecidas, as salas de aulaem alguns pontos sem paredes e foros, o lugar apresenta aspectosnão propícios para desenvolver a atividade educativa. Trata-se deum depósito de gente, sem acesso aos meio pedagógicos paralhes proporcionar a integração do saber.

O desrespeito não atinge só os adultos, dessa vez as vítimassão as crianças em tenra idade, lhes roubam o direito de serdiferentes, para não terem a oportunidade de furar os cercos e asamaras, que reprimem os ecos de suas vozes. Ao mesmo tempo,se desenvolve o cativeiro que separa o ser e saber, por meio doacesso precário e de forma enganosa. O sétimo aniversário doprojeto, é comemorado sem posto de saúde e escola, e a mudançade município foi para se efetivar o descaso, o desrespeito e negaro direito à cidadania.

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Aos assentamentos não foram destinados recursos para aconstrução de casas, e desta forma não existe um modelo demoradia, sendo a maioria das construções erguidas no improviso ede madeira. Também constatou-se, moradias construídas de pau apique, e estas recebem cobertura com lonas plásticas e folhas decoqueiros. No local percebeu-se a existência de igrejas. Por meiodelas, acontece a pouca vida social entre os colonos ali assentados.As igrejas têm um papel fundamental, pois elas conseguem reuniras famílias para confortar o corpo e a alma. Se elas têm dificuldadeem contribuir na organização e tirar as vendas dos olhos, servempara anestesiar o sofrimento e minimizar a desilusão. O bálsamo éremetê-las às promessas divinas de inclusão.

Outro fato que chama atenção. O local é abastecido comprodutos dos supermercados da sede do município de Sinop, apouca organização dos colonos acontece na prática para comprae venda dos produtos. Na comunidade do Caldeirão existe umpequeno negócio, que fornece produtos de primeiras necessidades,principalmente os que são usados na alimentação.

As estradas que fazem a ligação entre os assentamentos eà sede do município são de terra, e na época das chuvas ficamcom seu trânsito bastante prejudicado, devido os atoleiros e a faltade conservação. As estradas existentes foram construídas pelosmadeireiros, que faziam o aproveitamento das madeiras eposteriormente a implantação da agropecuária. A retirada dasmadeiras praticamente terminou, e aos poucos o mato toma contados caminhos que transportavam o “progresso”.Em uma reunião de movimentos sociais, realizada nos primeirosdias do mês de outubro de 2004, principalmente os ligados a terra,na Universidade do Estado de Mato Grosso – UNEMAT, o presidentedo INCRA do Estado mato-grossense, foi questionado a explicar osreais motivos do órgão não viabilizar recursos para construção emelhoramento das estradas, ele respondeu: “os recursos já saíramno passado, não podemos fazer isso novamente”. Saíram e foramcom fim específico, onde estão?

Os mesmos mecanismos usados na ditadura são osidentificados hoje. A origem desses assentados é proveniente daexpansão ocorrida nas últimas décadas, através da agropecuária,do extrativismo, dos garimpos e das cidades planejadas pelo modelode expansão econômica, promovido no período pós-1964. Esses

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pequenos proprietários, na maioria das vezes, são trabalhadoresexcluídos das etapas anteriores de colonização e encontram-sehoje, com nova perspectiva de vida e de trabalho, mesmo sendoincluídos de maneira precária, seus desejos se pautam na buscada terra e de serem considerados cidadãos, para viver comdignidade.

Os meios e as técnicas da agropecuária são de subsistênciae se constitui pela agricultura familiar, com práticas e técnicas deplantio, e modos de tratar a terra bastante rudimentar e primitiva,bem como as formas de manejar o gado. A orientação técnica éfeita de maneira precária, por meio de um quadro de profissionaispouco atuantes, por ser reduzido e sem estrutura. Na abertura dasmatas são utilizadas formas primitivas, que acompanham asqueimadas e o plantio das sementes ou pastos, para o gado,principalmente o bovino.

Devido a essas características socioculturais e ambientais,que remetem a um estado de abando, por parte do poder público,na educação, na saúde, na segurança e demais mecanismos deacesso, faz-se necessário um novo pensar sobre a organizaçãodos colonos, deve ser visto através de um modelo que repense ohomem, para ser o centro das mudanças. Esta lógica do passado,a qual teima em prevalecer até os dias atuais, diz incluí-lo paradepois depositá-lo na terra, mas não lhes proporcionam os meiospara torná-los livres do projeto capitalista. Identificou-se acontinuidade do silenciamento, da escravidão nos limites da terra ea favelização no campo.

Contudo, é a organização político-social, que lhesproporciona os mecanismos do desatar as amaras, a fim deacontecer à verdadeira cidadania com dignidade nesse espaço.Para vislumbrarem a lógica do nascer e do pôr-do-sol, numatrajetória de inclusão e desenvolvimento para todos, faz-senecessário voltar na busca consciente de uma economia que sesolidarize com a humanidade, e ao mesmo tempo, possa expelir osranços da concentração da terra e da riqueza.

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A quebra do silêncio

Para MARX E ENGELS (1993, p. 75), “a história de todas associedades que existem até hoje tem sido a história das lutas declasses”. Esses teóricos apontam uma das principais alternativasda quebra do silêncio, ela se pauta na organização dos movimentossociais. Na atual conjuntura da derrocada do movimento mundialglobalizado, onde a economia de mercado está sendo acionadapor meio do capitalismo financeiro, e esse não tem a competênciade fazer solidariedade por priorizar a concentração pelas minorias.Percebe-se uma estrutura falida.

A atual hegemonia que comanda o planeta peca pela faltade capacidade de reverter o quadro da pobreza e da misériainstalada no mundo, e esse fruto é de sua própria criação.

Ao nascerem novas alternativas de mudanças, elas estãono seio dos grupos organizados, tais como: as igrejas, os sindicatos,as universidades, as associações, os partidos políticos, as ONGs etodos os movimentos sociais que se identificam com a busca dacidadania coletiva. Pode até parecer difícil desatar as amarras,cortar as algemas, tirar os gessos e rasgar as vestimentas queemudeceram a humanidade por tanto tempo, porém existe luz nofinal do túnel, esta respaldada na mudança individual dos homense mulheres, por intermédio da ação coletiva.

A partir do momento que cada cidadão entender sua forçae capacidade individual, a qual lhes remete para uma nova postura,e vai ao encontro das mudanças desejadas, para começar um novonascer do sol, rompendo com as barreiras da acomodação singular,fruto de longas investidas condicionadoras do movimento articuladomundialmente. É possível desviar a lógica imposta, para criar novasalternativas que surgem da necessidade das mudanças ocorrerem.Isso não é um sonho. É uma possibilidade latente apontando paraas mudanças, que permeiam nos corações e nas almas dosindignados e perplexos seres, os quais buscam não mais só sonhar,mas passar para momentos de realidade. A busca coletiva é umnovo estágio e tem a capacidade de ir para o embate das idéias demaneira organizada, desenvolve a capacidade articulada econtrapõem a ordem da concentração, e parte para um novo

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estágio, que desconcentra a riqueza, no intuito de trazer a tona asolidariedade e o respeito à humanidade. No caso específicoda concentração da terra na Amazônia, também há sinais da quebrado silêncio. Se a Reforma Agrária nunca aconteceu de fato, e osassentamentos significam depositar gente num espaço paraidentificá-los como derrotados, por meio de um processo quedesqualifica homens e mulheres, o coletivo determina novos rumospara a região Norte mato-grossense, e para contrapor a ordemestabelecida pelo projeto de expansão, surge o Movimento dosTrabalhadores Sem Terra – MST.

Esse ator político, que qualifica os atores sociais para negaro estabelecido e propor uma nova forma de inclusão, passa a dotaros que reivindicam a terra com uma nova identidade. São os quereivindicam o acesso a terra, por meio de uma Reforma Agráriaestruturada e organizada, e não através de assentamentos quenascem fadados a falência, por serem desestruturados e semimportância aos mentores do projeto de expansão.

O passo mais importante para o início da quebra do silêncio,aconteceu no dia 12 de outubro de 2003, quando o movimentoorganizado se fez presente pela primeira vez no Norte do Estadode Mato Grosso, em área de domínio da Sinop Agroquímica S. A.,no município de Sinop – MT. Esses fatos apontam para a região omesmo que representaram o ataque terrorista de 11 de setembrode 2001, ao World Trade Center e ao Pentágono, para os EstadosUnidos, embora esse com alguns milhares de mortos. Também podeser comparado com a queda do Muro de Berlim, que passouapresentar para o mundo um novo panorama geopolítico, porémsem vítimas.

O MST apresenta uma proposta inovadora, e é exatamentepor esse motivo, que perturba a ordem regional amazonense. Otemido movimento de busca da democratização ao acesso a terranos limites do Norte mato-grossense, passa a representar a pontada lança para desencadear um processo de desconcentração dapropriedade agrária. O capital organizado se sente impotente diantedo movimento local, mas não é pelo fato desses estar batendo defrente com os interesses dessa burguesia, mas pelas ramificaçõese organização nacional.

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Ao identificar dois pontos de estrangulamento no pacto queimpõem o silêncio na base da estrutura agrária da região, faz-senecessário lembrar um terceiro e de igual importância, que foi aconquista da Presidência da República, por meio da representaçãodos trabalhadores. Há uma nova ordem estabelecida nos meiosdemocráticos: a primeira pode ser identificada através dapredisposição para a mudança individual, vai alterar as dinâmicascoletivas; a segunda é a presença do Movimento dos TrabalhadoresSem Terra, se desenvolvem através dos que reivindicam a terra,sendo identificados por meio de uma nova maneira de inclusão, e aterceira acontece pela mudança política e do conhecimento.

Aliado a essas determinantes, é possível verificar um novopensar das classes subalternas. É o despertar para uma novaconsciência cidadã, que encaminha os indivíduos para a negaçãodo estabelecido e a busca da solidariedade. Nessa lógica, “devemosaprender a considerar-nos e a considerar todos os seres humanoscomo integrantes da imensa comunidade humana” (GADOTTI, p. 155,2000). Essa nova consciência é um novo desaguar do processoque desenvolve a coletividade, porém encontramos ainda na faseinicial da marcha das mudanças. A humanidade mira na“possibilidade de cada ser humano dispor do essencial e ter umavida digna” (GADOTTI, p. 155, 2000).

Quando GADOTTI situa os princípios de cidadania e dehumanidade, ele remeter às possibilidades que o coletivo deve sepropor buscar. Hoje, ousar, sonhar não é mais utopia, tambémvisualizar uma gradativa retirada das vendas é realidade, parapossibilitar ver de frente e os viés uma nova trilha, que leva asolidariedade e faz acreditar em uma nova humanidade, mais justae inclusiva.

Esta-se diante do despertar, porém esse acordar para umanova realidade significa enfrentar os interesses das minorias.Derrubar o estabelecido e o imposto, desmistificar a lógica daenganação e desenvolver os princípios que regem a coletividade.Os saberes dessa pedagogia, se encontram nos movimentos sociaise esses fazem surgir um novo tom nas relações, ao desenhar umnovo destino aos atores sociais, se norteiam as possibilidades jáexistentes e as que serão implementadas no futuro.

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Expansão Capitalista na AmazôniaExpansão Capitalista na AmazôniaExpansão Capitalista na AmazôniaExpansão Capitalista na AmazôniaExpansão Capitalista na Amazôniae as Relações de Trabalhoe as Relações de Trabalhoe as Relações de Trabalhoe as Relações de Trabalhoe as Relações de Trabalho

Amazônia és sedutora, és fascinante, estamos apaixonados por

ti. Queremos ir além, declarar nosso amor e paixão por esta terra.

Não só por ter nos acolhido, mas por nos receber de braços

abertos, ser a companhia agradável de todos os dias. Se nos

sentimos enamorados de ti, é pelo fato de acreditarmos em sua

vida abundante e por nos sentirmos protegidos e com o

compromisso de também proteger-te. Assim, fazemos um

casamento perfeito, lutar e sobreviver juntos. Poder dizer com

segurança, vivemos nós, mas vive a Amazônia dentro de nós, ou

então vive a Amazônia e nós vivemos dela. Não precisamos mais

nos prolongar, basta dizer: nós lhe amamos, declarando nosso

amor. (PICOLI, 2005).

Amazônia poder e sedução: uma declaração de amor

Faz-se necessário entender a Amazônia para que se possacompreender o Brasil entre seus extremos da riqueza e pobreza.Não é possível ater-se somente a abertura desta vasta área tropicalcomo um fato natural da modernidade. É preciso ir além,compreender que é uma área do mercado mundial, servindo deestratégia para a expansão capitalista ao longo dos tempos.Entendendo o Brasil em sua amplitude de maneira natural, tem-se

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a oportunidade de poder andar, voar, navegar em seu potencial eexuberância, além de identificar os problemas e grandezas.Entendê-lo ou não, eis a questão, este é o desafio de todopesquisador, pois “o Brasil é um pouco assim. É um país fascinante,imenso, ao mesmo tempo riquíssimo e gerador de uma miséria socialpraticamente sem paralelos no planeta. É um gigante que está paraser compreendido e decifrado” (ARBEX JR. E OLIC, p. 5, 1996).

Querer mergulhar no coração do Brasil, significa enfrentardesafios e penetrar na sua intimidade. Neste sentido, “onde estáafinal a ‘alma’ do Brasil? Na próspera região Sul ou no sertãomiserável do Nordeste? Na indústria de São Paulo, nos camposagrícolas do Centro-Oeste ou no interior da Amazônia? Na ZonaSul ou nas favelas do Rio de Janeiro? No branco descendente deeuropeu, nos poucos indígenas que sobrevivem ao genocídiopraticado contra eles, ou ainda nos descendentes de escravosnegros trazidos da África?” (ARBEX JR E OLIC, p. 5, 1996). Em pontode estudo, quem faz a história dos povos da nova fronteira brasileira,chamada Amazônia Legal?

Para desvendar estes mistérios, é preciso lançar-se nestavirada de século em um país que ainda possui um dos mais altosíndices de analfabetismo do mundo e ao mesmo tempo a grandemaioria da população marginalizada, muitos dos despossuídospassam necessidades e fome. É necessário conviver também comos extremos. Poucos concentram e dominam a riqueza do Brasil, esempre em nome da imposição e da exploração da maioria dosbrasileiros, por meio do sistema capitalista concentrador.

Este país que consegue ser um dragão em fúria devido seupotencial natural e representação econômica nas mãos de poucos,ao mesmo tempo um pequeno animal indefeso, visto a miséria damaioria das pessoas e submissão aos centros do capital mundialque torna as pessoas vulneráveis e dependentes. Quais osmecanismos de luta e de entendimento dispõe-se para a promoçãoda cidadania junto às populações desprovidas e marginalizadas aolongo do processo histórico? Como diminuir a grave desigualdadesocial entre as regiões brasileiras? A Amazônia deve ser entendidacomo “a resposta de Édipo à Esfinge de Tabas: a solução do enigmaé o homem. É nisso que acreditamos. Se estimularmos uma reflexãocrítica sobre a nação brasileira, teremos cumprido plenamente nossoobjetivo” (ARBEX JR E OLIC, p.6, 1996). Mas este é o desafio, colocar

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o homem como centro das discussões e relacioná-lo com o meioambiente. Entender, o mundo do capital não é mais importante queo mundo dos homens. Promover a cidadania a todos é o fundamentoda existência e trajetória da humanidade. Isto só é possívelintegrando o homem aos vários ecossistemas, e a localizaçãogeográfica ser apenas um detalhe para a convivência pacifica eintegrada dos vários reinos os quais compõem e formam a existênciados seres.

Por outro lado, o que faz a Amazônia ser cobiçada e atrativa?Será a sua localização tropical? Sua temperatura quase sempresuperior a 25ºC? Sua pluviosidade que fica em torno dos 2.500 mmano? A umidade relativa no ar quase sempre superior a 80%?Realmente este local é diferente, e por ser diferente, torna-secobiçado. Nesta região, encontra-se a maior bacia hidrográfica domundo, responsável por um quinto de toda a água doce despejadano mar. Sua abrangência terrestre é de dois quintos da América doSul, três quintos do Brasil, nela se encontra um terço das reservasflorestais mundiais. Realmente a Amazônia é maior, ela compreende59% do território brasileiro, existindo nela 50.000 km de riosnavegáveis, somente o rio Amazonas é formado por 1.100 rios. Setudo isso não bastasse, para demonstrar seu poder e exuberância,nela estão 80% das variedades de vida do planeta. E parece sernecessário reafirmar; na Amazônia existem homens, mulheres ecrianças, gente que pensa, faz e luta.

A Amazônia abre-se para o mar e o mundo através do delta,proporcionado pelos rios navegáveis. Demonstrando tamanho, aAmazônia legal brasileira está presente nos seguintes estadosbrasileiros: Acre, Rondônia, Amazonas, Pará, Mato Grosso, Roraima,Amapá, Tocantins e Maranhão. É formada em sua base SulAmericana entre os seguintes países: Brasil, Bolívia, Peru, Colômbia,Venezuela Suriname, Guiana e Guiana Francesa. Faz-se necessárioentender a alma da Amazônia, para compreender sua relação como mundo dos homens e se movimenta por meio das mercadoriasna relação capita/trabalho.

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A Amazônia e o mercado mundial

Depois de muitos terem lhe namorado, desejado e casadocontigo, ver-se-á quem são seus padrastos, suas sogras e seusamantes. Quem são os piratas da floresta tropical nas várias fasescapitalista da região, também como os produtos de interesse parao mercado mundial? Este é o objetivo final: investigar as estratégiasde expansão e exploração da região. Isso implica ver sua vidareproduzindo vidas, mas verificar quem lhes tira ou tirou a vida.Neste sentido, não é preciso do auxilio das bruxas, de lobisomensou deixá-la a espera do Boto-Cor-de-Rosa para amá-la e torná-laesposa e depois sumir, como acontece na lenda amazônica. Dentrodeste propósito chega-se ao centro de seu poder atrativo e sedutor,observar os poucos povos originários que ainda restam, o cabocloexpropriado, o deslocamento dos povos despossuídos emarginalizados e a ocupação do capital nacional e internacional,com a finalidade de expandir-se e agregar valor nesta vasta região.

Um breve transcurso por tópicos da história demonstra, porexemplo, a partir de 1500, época do descobrimento do Brasil, oprocesso de colonização e interferência européia concentrava-seno atlântico brasileiro. Mesmo a Amazônia concentrando umagrande quantidade de gêneros naturais, muito utilizados no comerciomundial como é o caso do cravo, canela, castanha, salsaparrilha e,sobretudo o cacau. Também com abundância em madeiras e osprodutos do reino animal tais como: a tartaruga, bem como seusovos e o peixe boi, produtos que serviram em escala comercial.Assim, o extrativismo a “colheita, a caça e a pesca já são seusrecursos em estado da natureza” (PRADO JR, p. 213, 1973). Estesprodutos fazem da Amazônia as primeiras interferências dos homensnesta região, é o extrativismo e a coleta o início da investidacapitalista na Amazônia.

Em 1916 os portugueses instalam-se na foz do rioAmazonas, “expulsando daí ingleses e holandeses, os primeirosocupantes” (PRADO JR, p. 43, 1973). Este fato é decorrência peculiarda região por estar com sua soberania duvidosa e a penetraçãoser facilitada pelos rios navegáveis. Na época, a região vocacionava-se pela integração internacional e pouco integrada ao centroadministrativo brasileiro. Contudo, é em decorrência dos vários

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ciclos econômicos que o Brasil consolida-se como colôniaportuguesa. Mas a penetração só se efetiva com a descoberta dasjazidas auríferas. Neste sentido, “o século XVIII, representa omonopólio da produção” (PRADO JR, p. 56, 1988). Os três grandesnúcleos de descobertas do mineral foram localizados em MinasGerais, sendo o mais produtivo, Mato Grosso o segundo e Goiásem terceiro lugar na produção.

O ouro dá um novo tom à colonização, com ele efetiva-se odeslocamento de pessoas para o centro do país, proporcionandomaior integração do território brasileiro. Embora, é o ciclo daborracha, através da extração do látex dos seringais da Amazôniaque projeta a região ao mercado mundial. Torna a região mais integraaos estrangeiros e muito pouco aos brasileiros, efetivando-se suainternacionalização. Este produto mono extrativista tem seu períodoglorioso entre 1850 até 1912, e representava entre 20% a 30%das exportações brasileiras no início do século XX. Nessa dinâmica,“as exportações de borracha extrativa subiram de 6.000 toneladasnos anos sessenta, para 11.000 nos anos oitenta, 21.000 nos anosnoventa e 35.000 no primeiro decênio deste século” [XX] (FURTADO,p. 131, 1999). O produto utilizado na fabricação dos pneumáticosnas indústrias automobilística, principalmente dos Estados Unidos,torna-se importante e faz da Amazônia centro das atenções do capitalinternacional.

Nesta época, “Belém e Manaus transformam-se em doisgrandes centros do comércio exterior do Brasil” (MONIZ BANDEIRA, p.155, 1978). Essa nova alternativa de mercado faz nascer uma novafase capitalista para o Brasil, tendo a Amazônia como grandeexportadora. O ciclo da borracha consolida-se como a integraçãoda região amazônica ao mercado mundial, porém integrada aosbrasileiros. Faz-se necessário a mundialização da região paraintegrá-la ao mercado mundial, bem como internacionalizá-la dentrodos princípios capitalistas, obedecendo as regras e perspectivasdos países hegemônicos na condução das estratégias capitalistasmundiais. A hegemonia mundial como centro do capital, “refere-seespecialmente a capacidade de um Estado exercer funções deliderança e governo sobre um sistema de nações” (ARRIGHI, p. 27,1997).

A interferência dos Estados Unidos na região facilita aintegração da região ao mercado capitalista mundial. Com o declínioda borracha, proporcionado pela substituição do produto in natura

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pelos derivados de petróleo enfraquece a região. Tambémproporcionado pelo cultivo dos seringais na Malásia, com sementespirateadas provenientes da Amazônia, cria um novo centro produtortirando do Brasil parte da capacidade de exportação do produto.Contudo, ao diminuir a extração do látex, não significou o fim desteproduto no mercado, pois a região também se encontrava integradaao mercado mundial com outros produtos extrativos eagropecuários.

O século XX transforma a região com novas alternativas aocapital nacional e multinacional. As estratégias de ocupação dosespaços resultam na busca de possibilidades diferenciadas e, pormeio do extrativismo mineral e florestal. Outro modo de ocupaçãoespacial se dá pela formação de núcleos populacionais e capitalistassustentados pela agropecuária, sobretudo pelas monoculturas dacriação de gado bovino, plantio de soja e cana-de-açúcar,aproveitando a natureza como forma de expandir-se na região eacumular capital. A Amazônia apresenta-se com ciclos diferenciados,dependendo do espaço geográfico e dos períodos, mas cada vezmais se vincula e se integra ao mundo da produção dasmercadorias.

Pode-se resumir as estratégias do Estado brasileiro paraocupação da Amazônia nas últimas décadas, elencando quatroperíodos, tais como: de 1946 - 1964: política de valorização daAmazônia; de 1964 - 1984: política de integração nacional; 1985 -1994: política de integração com ressalvas ambientais; a partir de1995: política de globalização da Amazônia. Nas últimas cincodécadas efetiva-se o plano de internacionalização da Amazônia eabertura ao mercado mundial, tornando a região mais integrada aomercado externo e menos integrada ao mercado interno econseqüentemente aos brasileiros.

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Os militares no poder e a estratégia capitalista para a Amazônia

Pela política de interdependência promovida pelos EstadosUnidos, o Brasil transforma-se em uma “simples títere do Pentágonoe do Departamento de Estado” (MARINI, 2000: 49). Para salvar ahegemonia mundial capitalista os Estados Unidos apóiamdiretamente a implantação dos regimes ditatoriais na América Latina.Este episódio atinge países como: Brasil, Argentina, Chile entreoutros. Está estratégia foi possível graças aos esforçosconcentrados por meio da Operação Condor (PICOLI, p. 38 2004a).A última fronteira brasileira da expansão capitalista ganha um novoaliado, a classe burguesa do país, representado pelo Estado nafigura dos militares. A ditadura se apresenta como a “(...)conseqüência inevitável do desenvolvimento capitalista brasileiroe como uma tentativa desesperada para abrir nova perspectivasde desenvolvimento” (MARINI, p. 94, 2000). Nesta lógica, aintervenção capitalista consegue oxigenar a expansão de capitaisna região promovendo a acumulação individual de empresas,consolidando a Amazônia como área de livre acesso ao capitalnacional e internacional e passa ser o meio de minimizar a crisecíclica do capital.

A ditadura imposta à nação brasileira em 1964, nasce deuma contra revolução, usa a reforma agrária como pano de fundopara convencimento da população brasileira, mas não passa deuma contra Reforma Agrária no país. Para enfatizar a investidacapitalista na região Amazônica, pode-se ver o aumentopopulacional na região. A população da Amazônia era de “(...)5.693.545 habitantes em 1960, passa para 18.748.490 habitantesem 1996. Em 35 anos a população da Amazônia Legal cresceu229% enquanto a população do país cresceu apenas 124%”(RELATÓRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS, p. 163, 1998). Segundo dadosdo IBGE, no ano de 2001 a população da Amazônia passa para21.056.480 habitantes, tendo aumentado nos últimos cinco anosem 2.307.990 habitantes, crescendo 12,31%. Os últimos resultadossobre o crescimento populacional demonstram aumentos bemmenores que o período da ditadura. Os dados demonstram umnovo perfil da região, uma nova fase do crescimento capitalista ecerta estabilidade no processo de ocupação. No início de 2005, as

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estimativas são de uma população próxima a 23 milhões dehabitantes nos nove estados que compõem a Amazônia LegalBrasileira.

Por meio da ditadura e parceria entre o Estado e o Capital,a Amazônia transforma-se em área de livre acesso ao capitaltransnacional. Nesta região instalaram-se grandes grupos, taiscomo: “a Volkswagem, a Liquigáz, a Nixdorf e até o Banco doVaticano. O Banco Mundial também estava à frente em vários casos,concedendo empréstimos ou como investidor” (HEGEMANN, p. 61,1996). Além desses grandes grupos econômicos foram distribuídasgrandes áreas de terras. Conforme (Becker, p. 26, 1997), (CARDOS

E MÚLLER, p. 161, 1977) e (Pinto, p. 215, 1980), apenas para ilustrartemos: o projeto Jari Sa., com 1.500.00 ha desenvolvido inicialmentepelo milionário Daniel Ludwing; Suiá-Missu 678.000 ha, Codeara600.000 ha; Georgia Pacific 500.000 ha; Toyamnka 300.000 ha.Robim Mac Glolm com 400.000 ha, Bruynzeel com 500.000 ha,Volkswagen com 140.000 ha, e Bradesco, Atlântica-Boa Vista,Bamerindus, Swift, Denasa Supergasbrás (PICOLI, p. 48, 2004a).

Neste período são sufocadas todas as aspirações da grandemassa populacional marginalizada no processo histórico. O governoditatorial reprime os trabalhadores, intervindo nos sindicatos esilencia qualquer iniciativa que não viesse de encontro as suasperspectivas. Muitos dos líderes trabalhistas foram expropriadosdo país ou mortos pela repressão em nome da ordem capitalistamundial imposta a nação, estando o país a serviço de WashingtonDC, símbolo máximo do sistema hegemônico repressor e, dessaforma manter a lógica do sistema capitalista acumulador.

Isso se evidencia quando ocorrem os benefícios aos gruposorganizados, por meio de subsídios e incentivos diretos aos gruposcom representação econômica, política e militar, para se instalaremna região, inclusive com incentivos proporcionados pela criação doSudam em 1966. O órgão foi criado com a finalidade única de criarincentivos fiscais e financeiros para que os grupos capitalistas seinstalassem com mais facilidade. Estes benefícios colocados àdisposição dos grupos econômicos representam à retribuição doEstado, principalmente à elite burguesa agrária do país, pelo apoioaos militares na tomada do poder em 1964.

Segundo PICOLI (p. 47, 2004c), de 1966 até 2001, totalizaram550 grandes projetos, que contemplam diferentes setores daprodução, tais como: agropecuária; agroindustrial; industrial e

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serviços. O órgão foi direcionado aos grupos de forma legal e ilegaise dessa forma, muitas empresas “com freqüência faziam uso detítulos de posse apenas para tirar benefícios dos subsídiosgovernamentais” (PROCÓPIO, p. 31, 1992). Neste sentido, o dinheiropúblico financia os grupos econômicos e políticos, para seexpandirem na região ou para se efetivar a sonegação e o desviodo dinheiro público. O Estado, além de incentivar e financiar gruposorganizados, também cria outros órgãos para fornecer toda aestrutura necessária tais como: BASA, PIN, INCRA e SUDAM

Através do casamento entre o Estado e o capital,proporcionado pela estratégia de incentivos fiscais e outrosbenefícios, ocorre à concentração da terra na Amazônia. Destaforma, entre 1950 e 1960, observa-se que 84,6% eram ocupadospor estabelecimentos agrícolas com no máximo 100 ha. e 15,4%para estabelecimentos com mais de 100 ha. No períodocompreendido entre 1960 e 1970, em que vigorava o Estatuto daTerra, a política de incentivos fiscais do governo incorporou a união35,3% das terras de propriedade privada, as quais possuíamestabelecimentos com menos de 100 ha. e 64,7% porestabelecimentos com mais de 100 ha. No ano de 1975 a estratégiade ocupação da última fronteira atinge seu objetivo maior, concentraa terra. Neste período pode ser constatado, apenas 0,2% das novasterras foram para estabelecimentos com menos de 100 ha.,enquanto 99,8% foram para estabelecimentos com mais de 100há. Cerca de 75% dessas terras são ocupadas por estabelecimentoscom mais de 1000 ha. (MARTINS, p. 97, 1995). No período de “(...)1964-78, a economia amazônica ingressou na etapa de empresasprivadas, nacionais e estrangeiras” (IANNI, p. 74, 1986). Com o fimda ditadura em 1985 nada mudou para a região, pois o projeto jáestava consolidado e não era mais necessário reprimir para obtero controle capitalista. Ele se efetiva pelas relações de poder jáconsolidadas.

Mesmo estando a terra concentrada nas mãos de poucoslatifundiários observa-se um grande aumento populacional. Istoindica, na Amazônia não houve reforma agrária alguma, apenasusou-se a nova fronteira agrícola como oportuna a todos, mas naprática servia para concretizar a expansão capitalista na região. Aditadura era necessária aos movimentos dos grandes capitais e anova fronteira servia de símbolo para a acumulação. Fazia-senecessária esta investida para tirar o sistema brasileiro da crisecíclica do capital. Se os grupos econômicos instalam-se na região,

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resta à alternativa da grande massa de despossuídos emarginalizados em fase de exclusão social acompanhar oscapitalistas. É nesta dinâmica que se reproduz o modeloconcentrador na região, proporcionando índices de crescimentosem igual, porém sem levar em conta o desenvolvimento de todos,também como as relações do homem com o meio ambiente.

As massas despossuídas em busca da terra

A ditadura instalada no Brasil em 1964 proporciona osurgimento de uma nova fase capitalista para a Amazônia,determinando assim, um adiantado estágio de internacionalizaçãoda região, por meio do modelo capitalista de produção/trabalho.Por outro lado, a grande massa de despossuídos representadapelo exército industrial de reserva flutuante do país e pelo exércitoem potencial, reivindica lugar ao sol tropical da Amazônia. Nestesentido, o Nordeste, o Sudeste e o Sul do Brasil encontravam-seagitados, o Estado não conseguia reprimir os ânimos dosdesprovidos e marginalizados em busca de oportunidades e umamelhor qualidade de vida.

Os militares no poder, além de criarem vários órgãos àdisposição dos capitalistas, investem no deslocamento das famíliasmarginalizadas no processo histórico. São desempregados, semterra, pequenos agricultores que se deslocam para a nova fronteiraexpansionista. O governo apóia o deslocamento por dois motivos:o primeiro serve para minimizar os problemas sociais, principalmentedo Nordeste e Sul do Brasil; o segundo para deslocar o exércitoindustrial de reserva para a nova fronteira, para servir de força detrabalho aos grupos econômicos em acentuado estágio de instalaçãona nova investida capitalista.

Para facilitar a penetração na Amazônia legal, além da recémcriada rodovia Belém-Brasília, no período que antecede a tomadado poder, os militares implantam outros caminhos para integraçãocapitalista. Os dois caminhos mais representativos são por meiodas rodovias Cuiabá-Santarém e a Transamazônica. Neste sentido,a estratégia governamental consegue proporcionar caminhos deentrada para a região no horizontal, vertical e diagonal. Dandoestrutura e incentivos aos capitalistas, e proporcionando grandesinvestimentos na região.

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Foram criados os mecanismos de incentivos fiscais paraservir de base na penetração, conforme vimos anteriormente, olema militar era: “Preencher os espaços vazios”. Embora nãoconcorde com este termo usado, pois a Amazônia já era ocupadapor posseiros e os povos originários, mas esta expressãocondicionava a sociedade brasileira, principalmente com ascomunicações a serviço do poder constituído, divulgaram-se nos21 anos da ditadura apenas o que interessava ao Estado e o capital.

Para consolidar o processo de ocupação capitalista e daroportunidade aos desprovidos e marginalizados em outras regiõesdo Brasil, a ocupação ocorreu de três formas: a primeira colonizaçãopromovida pelo Estado, o Incra; a segunda colonização promovidapor empresas privadas, após o controle das massas, no início dosanos 70 e a terceira forma de colonização aconteceu em todo operíodo da ditadura, que vai de 1964 até 1985 através dacolonização espontânea.

A colonização promovida pelo Estado caracteriza-se comouma contra-reforma agrária no país. Os assentamentos realizadospor meio do Incra, não passavam de estratégia do Estado em passarpara a nação a imagem de governo bom e preocupado com osproblemas das famílias em busca da terra. No período da ditadura,as poucas famílias assentadas. Ordenou-se que produzissem. OEstado não fornecia estrutura alguma aos assentados,demonstrando tratamento diferenciado entre os colonos e osprojetos capitalistas instalados na região.

Os colonos sem dinheiro, sem financiamento, sem conheceras peculiaridades do solo e principalmente sem infra-estruturaabandonam a terra. Este episódio pode ser sintetizado pela faltade estradas, escolas, e igrejas. Pela existência de doenças tropicaise fraca vida social, obrigando-os a abandonarem a terra. Nestesentido, em estudo de caso do assentamento de Lucas do Rio Verde,promovido pelo Incra em território mato-grossense, o pesquisadorZART (p. 162, 1998), demonstra como ocorreu o abandono da terrapelos colonos. Este é apenas um dos exemplos ocorridos porocasião dos militares no poder, podem ser verificados outros, comoé o caso de Terra Nova do Norte e Canarana, também no Estadode Mato Grosso. São projetos que nasceram e foram criados paranão dar certo aos pequenos agricultores, mas que daria certo dentrodo modo capitalista de ocupação. Contemplaria os projetos degrande envergadura por serem possuidores de incentivos e

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estrutura financeira proporcionado pelos cofres públicos emdetrimento da grande massa levada ao sacrifício pelo descaso e,conseqüente marginalização presente na região ainda nos diasatuais.

As empresas de colonização nascem com outracaracterística: Vem para esta região com finalidade de especulaçãoimobiliária e agregação de valor. A área de principal intervenção dacolonização privada na Amazônia é o Norte mato-grossense. Pode-se identificar essa estratégia, por meio dos projetos implantadosem Sinop, pela Colonizadora Sinop S.A. e Alta Floresta, Apiacás eParanaita pela Colonizadora Indeco. São exemplos de colonizadorascom grandes áreas que representam mini-estados.

Os projetos desta região foram beneficiados pela compradireta ou indireta das terras com auxílio do Estado da ditadura.Contudo, foram oferecidas grandes áreas a grupos econômicos epessoas que davam sustentação política e, para consolidar aexpansão capitalista na região e a concentração de grandes áreasde terras, ela acontece de forma regular e irregular, com a omissãoe conivência dos poderes instituídos pelo Estado.

Os projetos de especulação imobiliária, levados a frentepelas empresas de colonização respondem com sucesso aosanseios do Estado. Retira pequenos agricultores, principalmentedo Sul do país por serem possuidores de alguma quantia financeira.Esses vendem suas pequenas propriedades, em torno de 10 a 20hectares de terra antes de partirem e compram de 50 a 200 hectaresna nova fronteira agrícola. Ao se desfazerem de pequenasquantidades de terras no Sul do país o pequeno agricultor vem seinstalar como pequeno agricultor, ou tornar-se exército industrialde reserva em potencial, visto ser esta, à última fase da trajetóriadestes colonos.

Ao mesmo tempo em que se expropria o homem da terraocorre a concentração da terra no Sul do país, proporcionado pelacorrida a nova área expansionista da Amazônia. Vem a região paraoxigenar os grandes projetos capitalistas, ou para estruturar ascidades planejadas, centros depositários do exército industrial dereserva. Servem para criar infra-estrutura nas cidades, tais como:frentista de posto de gasolina, trabalhadores da agropecuária, daindústria, do comércio, funcionário público e na prestação deserviços. Outros vão formar o grupo dos “Sem Terra”, tornando-se

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posseiros, depois com o processo de expulsão formam o quadrode trabalhadores das fazendas na agropecuária, na indústria detransformação de madeiras, ou aventuram-se aos garimposprincipalmente de ouro e diamante.

Se a Colonização promovida pelo Estado e a Colonizaçãopromovida pelas empresas particulares não incluíam todos, aColonização Espontânea dava o direito a todos de ir e vir naAmazônia brasileira. As pessoas com sucessivas histórias demarginalização, usados e reprovados pelo sistema capitalista,mesmo desprovida financeiramente reivindicam lugar ao sol tropical.Conseguem ver pela frente três caminhos principais, as rodoviasfederais Cuiabá-Santarém, Belém-Brasília e Transamazônica. Essaspassam ser os meios de penetração na região. Os lugares comterras devolutas ou não reivindicadas pelos seus proprietários, sãolocais de posse e assentamentos espontâneos.

No processo de ocupação, os posseiros e os povosoriginários são vítimas da expansão ao serem expropriados eviolentados de forma radical pelos grupos econômicos quecompravam as terras via mapas geográficos em Brasília, ou atravésdo diário oficial dos estados que compõe a Amazônia Legal. Asbatalhas sangrentas levaram a morte milhares de índios e posseiros,vítimas dos grupos econômicos nacionais e internacionais,representados por Jagunços e Pistoleiros que fazem à lei na selva.Raros episódios vieram à tona, visto serem abafados pelos militares,os quais faziam uso da política do Estado, em muitos casos comparticipação militar.

Foi o que ocorreu em Paranaíta no Norte mato-grossense,no local foram assassinados 300 garimpeiros em 1979, em um únicodia (Schaefer, p. 235, 1985) . O Estado por meio de suas instânciasde poder passa ser o maior representante do capital na região e,tem como propósito único de impor a ordem capitalista na região,não importando a forma de atuação, pois as ações são dirigidascom o objetivo de estabelecer e manter a dinâmica que rege osistema de dominação. Episódios dessa natureza podem ser vistospelos relatos de JOSÉ DE SOUZA MARINS nos livros: “Expropriação eViolência” (1991) e “Fronteiras” (1997). Também com o Pe. SILVANO

SABATINI no livro “Massacre” (1998). JOSÉ RENATO SCHAEFER no livro“As migrações rurais e implicações pastorais” (1985).

O projeto implantado na região Amazônica deu certo, dentro

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de sua concepção e criação, ele foi engenhado e planejado a partirdos moldes que objetivam a expansão com fins de acumulação. Oprojeto não objetivava a Reforma Agrária no passado e também nopresente, muito menos assistir e dar oportunidades aos desprovidose marginalizados em sucessivas tentativas de flutuação nas váriasfases de colonização. Nesse processo, oportunizou a criação deum novo pau de arara na região, agora aparecem de olhos clarose cabelos louros, vem servir conjuntamente a outros tantosmarginalizados no processo histórico aos grupos organizados. Osgrupos econômicos são constituídos pelos parâmetros que o sistemacapitalista estabelece, voltados e integrados por meio da produçãoque determina o mercado mundial, contexto onde são produzidasas monoculturas de exportação.

É nessa dinâmica que a Amazônia forma dois extremos, umde muitos marginalizados e despossuídos e o outro de poucosconcentrando as terras e a riqueza.

A força de trabalho e o capital

Nas últimas décadas, milhões de trabalhadores em estadoflutuante vêm para a Amazônia compor o exército industrial dereserva. Isto torna evidente; não se pode perder de vista a grandecapacidade que o capital possui para atrair a força de trabalhojunto de si. Melhor dizendo, um não vive sem o outro, visto as regrasde dependência estabelecidas na relação produção/trabalho. Osistema imposto que aproxima essa amarração desenvolve níveisde dependência estabelecidos entre as duas classes, um paraacumular, o outro para subsistir. Toda esta estrutura foi criada eengendrada para estabelecer relações capitalistas e de trabalho.Se de um lado só se acumula através do trabalho proporcionadopela mais-valia, por outro, fica a interdependência para procriar esubsistir.

A classe burguesa somente se beneficia pelo “trabalhonecessário e trabalho excedente, em trabalho pago e trabalho não-pago” (MARX, p. 619, 1998). Sendo esta a dinâmica que fundamentao mundo dos homens, o trabalho não-pago, ou tempo de trabalho

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excedente que fundamenta o mundo do capital. Este é o fundamentode existir como sistema, produzir excedentes representados pelamais-valia que vão formar o lucro, o qual é incorporado naconcentração da riqueza.

Não existe outra forma de acumulação a não ser pelo mundodo trabalho. Isto só é possível com a intensificação das jornadasde trabalho, seu prolongamento e redução dos salários. Estaestratégia pode ser verificada no início dos anos 70 do século XXcom os militares no poder, quando ocorre o chamado “MilagreEconômico” no país. Isto foi possível depois de asfixiadas e mutiladasas perspectivas da classe trabalhadora, a repressão apura as táticasde tirar excedentes da força de trabalho. O esforço para apuraresta prática ficou por conta do Estado, impondo a mais-valia coletiva,vindo facilitar o trabalho da empresa individual e este tendo apenasde ajustar-se a lógica concentradora. As elites capitalistas satisfeitasapoiavam a ditadura, além disso, tinham o firme propósito de tirarproveito do Estado, por meio das estratégias e benefícios e, passamexplorar com limites mais elásticos a força de trabalho.

MARX trata esta questão como exploração da força detrabalho, exposto em sua obra “O Capital”. ENGELS em estudorealizado em 1848 na Inglaterra, em seu livro “A situação da classetrabalhadora na Inglaterra”, retrata a exploração verificada nasindústrias na época. LUXEMBURG posteriormente, em seu livro “Aacumulação capitalista”, retrata a reprodução e a acumulaçãoocorrida pela exploração da força de trabalho. Nos dias atuais, pormeio da globalização existe um processo de mais-valia universal enos espaços do capitalismo periférico se desenvolveu umengenhoso processo de superexploração.

Os teóricos acima fundamentam o entendimento do trabalhohumano e suas relações com o capital. Esses são fundamentaispara o entendimento das relações de trabalho da nova fronteiraamazônica. Embora expliquem as relações de trabalho emdeterminada época e em determinado lugar. Orientam em termoscomparativos para fundamentação e entendimento do processoglobal de hoje. Dirigindo-se ao enfoque da pesquisa, na AméricaLatina acontece uma superexploração da força de trabalho. No casoespecífico da Amazônia, Estado e Capital conseguem um passo amais nesse processo de hiper-exploração, pelo aperfeiçoamentodos mecanismos de sustentação. Neste sentido, a exploração da

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força de trabalho na Amazônia, consegue comparar-se com aInglaterra da metade do século XIX e América Latina até mesmo naatualidade.

Enfatizando esta nova fase no tratamento da força detrabalho, percebe-se uma nova dimensão capitalista. “O aumentoda intensidade do trabalho aparece, nesta perspectiva, como umaumento da mais-valia, conseguida através de uma maiorexploração do trabalhador e não do incremento de sua capacidadeprodutiva” (MARINI, p. 123, 1998). Por essa dinâmica, é possíveltratar e entender o trabalho humano nos projetos capitalistas aliinstalados. Para PICOLI (p. 117, 2004d), na superexploração “a forçade trabalho se reproduz com valor abaixo do valor normalnecessário”.

A análise identificada nesse novo espaço, retrata relaçõesviolentas, chegam ao estágio final da cadeia de submissão,obediência e controle, que se torna possível por meio da falta deexpectativas para a força de trabalho. Pode-se comparar estarelação, paralela a história dos negros e seu tratamento, “osescravos durante o império brasileiro, [tinham como opção], pão,pano e pau. Pão apenas para mantê-los de pé. Pano, para cobri-los apenas o suficiente, e pau, para trabalhar mais. O pau hoje,pode interpretar como sendo as relações sociais de vigilância,coerção, submissão e despotismo pelas quais passa o trabalhador”(PICOLI E SANTOS, p. 23, 1998).

A força de trabalho para oxigenar os projetos econômicosinstalados na região, fruto da existência de um exército industrialde reserva do país aparece sob a forma de três atores: o primeiroencontra-se na região flutuando, não é possuidora de residênciafixa, presta trabalho onde aparecer; o segundo encontra-se nascidades planejadas, criadas para esta finalidade e o terceiro éimportado de outras regiões do país, incentivados pelos capitalistas,quando falta mão-de-obra. Estes trabalhadores, com a finalidadeúnica da subsistência vão formar os quadros funcionais dasempresas da extração mineral e florestal, bem como dos projetosagropecuários e nas cidades.

O período da ditadura tornou-se vital para a criação econsolidação de projetos econômicos para a região. A força detrabalho nesta época era muito solicitada, como ainda é hoje. Adiferença está que nos dias atuais existe o exército industrial dereserva bem organizado, se regulariza, aprimora e se recicla por si

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própria. Depois de constituído esse exército regularizador, não sefaz mais necessário à interferência do Estado e do capital, pois aclasse trabalhadora faz a seleção natural e passa organizar asjornadas de trabalho, a sua intensificação e os níveis salariais. Elavai se adequar ao modo capitalista de produção/trabalho.

Através da superexploração, os trabalhadores recrutadospelo sistema “Gato” vão servir aos projetos na abertura da mata,dentro das modalidades e formas de acumulação. Este sistema deagenciamento de mão-de-obra permite aos grupos capitalistas nãoassumirem a condição de trabalho da classe trabalhadora e osistema “gato” torna-se o fetiche da relação, ele esconde asverdadeiras relações de trabalho.

O trabalhador sabe que vai trabalhar, muitas vezes não sabepara onde vai, muito menos quando vai voltar. Nesta relação detrabalho, muitos foram e não voltaram. Outros foram vítimas daescravidão branca. Neste sentido entre 1970 a 1993, foram asdenúncias de trabalhadores que permitiu a fuga do cativeiro eformalizaram denúncias às autoridades competentes, “foramescravizados 85 mil trabalhadores” (MARTINS, p. 89, 1997). Ointeressante que em caso de acidente, mortes e outros episódios,não há responsável, pois o sistema “gato” consegue acobertar estarelação. Para PICOLI (2004c), nessa relação de trabalho irregular,por meio do aviamento de mão-de-obra do sistema “gato”, se tornaa maneira mais fácil de burlar a legislação trabalhista, também comoeximir o capitalista de obrigações com a força de trabalho.

Essa relação evidencia a superexploração de trabalhadorpor trabalhador, mas ambos fazem o mesmo papel frente ao projetoali instalado, possibilitando a acumulação de riquezas aos gruposeconômicos. O grande indicativo é torná-los donos de seu trabalho,aparentemente, confundindo a relação e assim, aprimorar as táticasde mais-valia. Esta maior exploração pode ser vista quando otrabalhador não tem limites na jornada de trabalho, nas condiçõesde trabalho e moradia de forma geral, na nova forma deenquadramento na concepção trabalhista. Este se torna proprietáriode sua própria relação de humilhação, por meio da falta decapacidade organizativa e se submetem aos vínculos dasuperexploração.

Evidenciam-se as táticas de exploração sem limites, aosubmeter à classe trabalhadora a dominação, a submissão e aocontrole, visto através da prática de cedência das casas a força de

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trabalho. Nesta estratégia, além de torná-los submissos eobedientes, torna-os dependentes. Caso necessário aoempreendimento, o trabalhador deve lançar mulher e filhos aotrabalho, estes constituem o exército industrial de reserva empotencial. Em troca de água, luz elétrica e aluguel o trabalhadorvende sua própria liberdade. As relações de trabalho nos últimosanos vêm assumindo uma nova postura, pois se criou na região oexército industrial desejado. O aprimoramento da relação agorafica por conta dos próprios trabalhadores, sem interferência doscapitalistas. A prática da casa cedida está com seus dias contadosna Amazônia, porque esse modelo não interessa aos projetosagropecuários e as indústrias de transformação das madeiras, logomanter o quadro de trabalhadores de reserva, está consolidado.

Ao consolidar o projeto de ocupação dos últimos anos apartir de 1995, quando a população cresceu por meio de índicesmenores, que no período da ditadura, a região amazônica atingeseu padrão desejado através da força de trabalho, sendo este umdos princípios do sistema capitalista, equilibrar e tornar maior aoferta que a procura de trabalho. Assim, os projetos de aberturadas matas, precisam de menor quantidade de trabalhadores e amanutenção das fazendas passa por técnica avançadas e requerum mínimo de trabalhadores.

Os trabalhadores da abertura das matas e extração demadeiras, por ser um trabalho sem qualificação e constituído nagrande maioria das vezes de analfabetos e semi-analfabetos, nãotem mais ocupação e muito menos o direito de subsistir. Porcaracterizar-se como trabalhador rude, embora esta condição fossesempre tolerada, hoje não lhes resta outra opção, a não ser aexclusão social. Atualmente é possível encontrá-los transitando nascidades planejadas pela ditadura, ou observá-los como errantespelas estradas a fora sem perspectivas de vida, atingindo, o últimoestágio da relação trabalho/capital. A exclusão social para estestrabalhadores possivelmente será irreversível. O capital nãonecessita mais de seu trabalho, ele já foi sugado o suficiente e fazparte do passado, contudo, todos fazem questão de não vê-los, ousentir-se perturbados com suas presenças. Será este o caminhoda barbárie projeta pelo próprio homem? Existem lonas o suficientepara colocar esses sem cidadania a espera de novas alternativasde inclusão?

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Amazônia: vítima da Expansão eAmazônia: vítima da Expansão eAmazônia: vítima da Expansão eAmazônia: vítima da Expansão eAmazônia: vítima da Expansão eda Cobiça Internacionalda Cobiça Internacionalda Cobiça Internacionalda Cobiça Internacionalda Cobiça Internacional

Amazônia da expansão à devastação

A Amazônia brasileira, historicamente, vem sendo depredadae pirateada por interesses econômicos nacionais e internacionais.O processo destrutivo da região acentua-se com a tomada de poderdos militares em 1964, vindo desencadear um notável e acentuadomovimento migratório para a região amazonense. O Estado de formaditatorial e repressiva orienta a ocupação da nova fronteira com afinalidade de minimizar os problemas sociais das demais regiõesdo Brasil. Este utiliza como estratégia a ocupação da última fronteiraexpansionista do Brasil, para deslocar os despossuídos emarginalizados conjuntamente com os grupos econômicos. O Estadoutiliza como fio condutor a colonização promovida pelo Incra, órgãoligado ao governo militar.

No decorrer do processo expansionista, os migrantes quechegam à região são frutos da colonização promovida pelo Estado,a realizada espontaneamente e a efetuada por empresas deespeculação imobiliária. Nesta lógica planejada pelo capital, formou-se uma miscigenação de povos das várias regiões do país,demonstrando que o artifício excludente, não é mais só deNordestinos que migravam para a região no passado.

Este fato pode ser visto principalmente a partir de 1890 a1910, onde saíram milhares de campesinos, direção a Amazôniatrabalhar no extrativismo da borracha (MARTINS, p. 49, 1995). Com

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a chegada dos novos migrantes na década de 70 do século XX, aAmazônia passa a formar-se pelos povos originários, grupos dequilombolas, e os que chegaram ao longo dos tempos, fruto damineração e do extrativismo florestal do passado, porém recebenovos personagens, os recém chegados. Também se juntam osdesentendes de europeus de terceira e quarta geração em buscade novas alternativas de vida e subsistência. Nesta lógica, “as forçaseconômicas e políticas permaneceram ocultas, porém no controledas ações para manipular e sufocando as emoções dos demaisatores sociais que movimentam a Amazônia” (PICOLI, p. 121, 2004d).

No processo de colonização, o Governo Federal atravésde seus órgãos responsáveis, fornece toda a infra-estrutura paraa expansão capitalista nesta vasta região, em detrimento dasmassas marginalizadas no processo histórico. Ele realiza adistribuição das terras, para favorecer empresas nacionais einternacionais realizarem a acumulação na região e não distribuiterras aos marginalizados do país, vindo favorecer a concentraçãoda terra na região. Assim, “a expropriação da massa do povo, quefica assim sem terra, forma a base do modo capitalista de produção”(MARX, p. 884, 1998). Na investida amazonense, os principaiscaminhos de integração proporcionados pelo Estado brasileiro,foram as rodovias Belém-Brasília, Transamazônica e Cuiabá-Santarém. Na Amazônia, se repete o que aconteceu na Europa nopassado. Foram “as estradas de ferro e a especulação de terrasque atraíam grandes contingentes de migrantes europeus aosEstados Unidos” (LUXEMBURG, p. 346, 1976).

O projeto inicial passado à opinião pública brasileira, erapara contemplar os excluídos com dificuldades em outras regiõesbrasileiras. Mas o que aconteceu foi o inverso, uma contra reformaagrária. Nesta região acontece a concentração da terra econseqüentemente a proletarização da força de trabalho,acompanhada de expropriação e “grande violência que marca esseconflito” (MARTINS, 1995: 106), torna a região área de expropriaçãocontra os povos tradicionais. “No campo, um dos instrumentosfundamentais de produção é a terra” (MARTINS, p. 159, 1995), masesta se torna o objetivo principal dos capitalistas para acumularcapitais na região.

O Estado brasileiro cria mecanismos de apoio esustentação para a expansão capitalista amazonense, fornecendotoda a estrutura e amparo as empresas nacionais e multinacionais

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para agregar valor. Para efetivar a acumulação individual de grandesgrupos organizados, detentores de poder econômico e político, oEstado fornece toda a estrutura para ocupação e orienta odesenvolvimento capitalista por incentivos fiscais. Em muitos casos,apenas usados de fachada para usufruírem do dinheiro público,como é o caso da maioria dos projetos criados ao longo dos tempos.“Assim, a BASA e o SUDAM, criados em 1966, marcam o início deuma nova fase de desenvolvimento extensivo do capitalismo naAmazônia” (IANNI, p. 66, 1986). Neste sentido, “nos anos 1964-78, aeconomia amazônica ingressou na etapa de grande empresaprivada, nacional e estrangeira” (IANNI, p. 74, 1991).

O que realmente esta ocorrendo na Amazônia é umagrande devastação, tudo em nome do lucro fácil, pois, nesta regiãoa natureza foi muito generosa, nos deu de graça tudo o que esta anossa vista e fora dela. Alguns autores nos colocam sem consensonos dados, mas a situação da devastação encontra-se hoje entre12% a 20% do território. Porém, dos nove estados que fazem parteda Amazônia Legal brasileira alguns com índices menores como éo caso do Amapá, a devastação atinja somente 2% de seu território.Mas este não é o padrão amazonense, pois, “Estados como oMaranhão já desmataram 70% de sua cobertura florestal existenteoriginalmente” (SCOLFORO, p. 28, 1998).

O que impressiona são os dados do renomadopesquisador americano William Laurance do Smithsonian TropicalResearch Institute. Através de suas pesquisas e previsões, noscoloca que daqui a vinte anos em uma previsão otimista, só teremos28% da área intacta e através de previsão pessimista, apenas 4,7%da Amazônia. Estes dados merecem discussão e melhorentendimento para se colocar a par da situação deprimente que sepoderá passar no futuro, visto as investidas capitalistas nacionaise internacionais intensificadas na região, a partir da metade dosanos 90, com a entrada das madeireiras asiáticas, principalmentenos estados do Pará e Amazonas, também como pela investidamercadológica das monoculturas de soja e boi.

A infiltração dos grupos econômicos na região é orientadapelo poder estatal brasileiro. Este “é levado a favorecer e proteger,econômica e politicamente, a grilagem, o latifúndio e a formação degrandes empresas agropecuária, de extrativismo agroindustrial ouindustrial” (IANNI, p. 83, 1991). No entanto, o poder gigantesco da

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região, representado pelos recursos minerais e florestais poderáem pouco tempo ser completamente depredado. Em nome daacumulação de grupos econômicos, principalmente internacionais,a Amazônia agoniza e não se está percebendo que preservar seráa segurança de um mundo melhor para todos e fundamental parasobrevivência dos povos tradicionais.

Alienação energética mundial e a biomassa amazônica

As fontes de carvão mineral e petróleo, energia não-renovável, estão se exaurindo. Além disso, são os países centraisque mais contribuem para o efeito estufa e a chuva acida do planeta.Também vindo proporcionar ao mundo a alienação energética edependência econômico/política/social dos países do terceiromundo. O petróleo se esgotará no máximo em 30 anos(VASCONCELLOS E VIDAL, p. 25, 1998), criar novas alternativasenergéticas seria o fim da hegemonia dos Estados Unidos, pois,através do petróleo consegue manter o controle do mundo embenefício dos países hegemônicos centrais, em detrimento dospaíses periféricos. Neste sentido, o carvão fez da Inglaterra umasuperpotência no passado, o petróleo faz hoje dos Estados Unidoso centro do capital mundial. Para VASCONCELOS E VIDAL (p. 60, 1998),“o sonho do petróleo acabou. Continuar com essa forma de energiaé suicídio”, mas ainda necessário para manter o poder mundialhegemônico do capital.

Mesmo decadente e esgotando o petróleo, é este quemove o sistema concentrador mundial e sua lógica. Neste sentido,pelo capitalismo videofinanceiro, onde reina a moeda digital, queserve para controlar o mundo e comprar petróleo como forma políticade oprimir, de submeter e alienar o resto do mundo, bem comopelos movimentos financeiros desta moeda contábil e por meio doprocesso de globalização do capitalismo financeiro, o mundoperiférico se torna refém dos centros.

Esta façanha ainda é possível, visto as relações impostaspela ditadura financeira desencadeada nas relações econômicas,nas relações políticas e nas relações militares de dominação imposta

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aos países dependentes. Neste episódio, o fuzil cede lugar às váriasformas de comunicação, sempre com a finalidade de alienar efabricar o consenso, isto fica representado no aparelho de televisão.O difícil é saber qual das duas alternativas é a mais agressiva eviolenta. Esta estratégia é possível, visto as imposições do FMI -Fundo monetário Internacional, onde detêm o controle deaproximadamente 80 países, obrigados a seguir suasdeterminações.

Nesta dinâmica, quase a totalidade dos países pobresestão sendo levados a ruína total, como é o caso específico doBrasil, da Argentina e outras nações subdesenvolvidas, visto suasenormes diferenças sociais, fruto da acumulação capitalista mundialem detrimento dos interesses dos países periféricos, mas deencontro com as estratégias do capital concentrador brasileiro.Muitos países estão entrando na era da africanização, é o queacontece com a maioria dos países da América Latina, incluindo oBrasil com seus extremos. Fatos desta natureza são determinantesno esfacelamento das nações e a perda da soberania nacional,proporcionado pelo adiantado processo de destruição daseconomias subdesenvolvidas. A hegemonia mundial do petróleo émantida por forças militares. Assim 70% dos países produtores,estão sendo ocupados por tropas do exército norte-americano(VASCONCELLOS E VIDAL, p. 146, 1998).

Por outro lado, existe um processo de asfixia das empresasnacionais, estas gradativamente perdem seu posto, entregando seuespaço as empresas internacionais, tudo em nome da globalizaçãoe a ditadura financeira arquitetada pelo mundo do capital. Aglobalização passa determinar e promover altos índices de lucros,sempre em mãos de empresas multinacionais. Estas de tempos emtempos, devem fugir das crises cíclicas para garantirem os lucroscontinuamente, e assim, fugir para os países pobres. O mesmoacontecendo com a classe trabalhadora, pois passam a produzirmais-valia, através da intensificação e prolongamento das jornadasde trabalho, tudo em nome da acumulação e dos interessesmundiais.

O que motivaria os países centrais de não quererem outraforma energética? A resposta pode ser simples, não querem e nãoadmitem que se criem alternativas energéticas, isso implicaria naperda do controle da ciranda financeira mundial, ao mesmo tempo,

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deixaria de submeter nações ao seu colonialismo através dosinteresses em extorquir até mesmo a dignidade das naçõessancionadas pela investida do capital. Sempre que algum paísconsegue uma nova alternativa energéticas, estes projetos sãosufocados, destruídos com as imposições, pois não interessa criaralternativas, interessa manter a estrutura que ali está. Esta deveobedecer aos moldes e as estruturas do mundo do capital emdetrimento do mundo dos homens.

Para manter a hegemonia mundial do petróleo semprodução real e explorando os países produtores, os Estados Unidosgastam em torno de US$ 100,00 dólares por barril produzido nomundo e, para manter a liderança a frente dos negócios do petróleo.Sendo que, o preço final internacional não chega a US$ 40,00dólares (VASCONCELOS E VIDAL p. 183, 1998). Assim, precisa manterexércitos repressores nos países produtores, vindo determinarregras e imposições do que deve ser feito. Aos que não sesubmetem, ou não aceitem as orientações centrais, é aplicadosanções econômicas e poder militar.

Fator presente no Oriente Médio, local de concentraçãodas maiores reservas petrolíferas do mundo. Os Estados Unidosvem aliar-se aos países centrais devido os interesses do monopólioeconômico e o poder político. Em caso de não submissão eobediência faz o papel de policial mundial, podendo chegar aosextremos nas estratégias de dominação para sufocamento deidéias, as quais não venham de encontro ao sistema imposto aomundo. Isto pode ser visto, quando suas determinações não sãoaceitas pelos países dependentes. Assim, quando não podemsubmeter um povo pelas armas, destrói sua economia, sua religião,seus costumes e principalmente os seres humanos, vindo utilizar-se de formas delinqüentes e assassinas. Estes episódios levammilhões de pessoas no mundo serem vítimas da fome e da miséria,promovido pela exclusão social e a perda das perspectivas de vida.

Por outro lado, o Brasil tem a alternativa energéticamundial. O sol no território brasileiro equivale a energia de 320.000usina hidroelétricas Itaipu, em capacidade diária (VASCONCELLOS E

VIDAL, p. 20, 1998). Isto se torna possível, visto a localizaçãogeográfica do Brasil. Esta alternativa não existe nos países centraisque dominam os rumos do resto do mundo. Além do potencial solar,temos a biomassa Amazônica que é a alternativa para todos os

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problemas energéticos do planeta, isto faria do Brasil a novapotência mundial. Neste sentido, “o Brasil é a maior potência domundo no campo da biomassa, a fonte de energia que irá substituiro petróleo” (VASCONCELOS E VIDAL, p. 190, 1998). Nesta perspectiva,“a Amazônia é o grande celeiro da biodiversidade do planeta”(VASCONCELOS E VIDAL, p. 235, 1998), mas agoniza em destruição edesrespeito por meio dos interesses econômicos com estesecossistemas.

A superestrutura movida a gasolina, não admite alternativasa não ser a movida a petróleo e dólar. Mesmo sendo a biomassa aúnica alternativa visível para o momento. A floresta tropical ardeem chamas, sem que nada se aproveite deste potencial energético.Neste sentido, cada metro cúbico de madeira com 20% de umidade,equivale a um barril de petróleo em termos energéticos (VASCONCELOS

E VIDAL, p. 290, 1998). Esta sendo aproveitada de maneirasustentável pode se tornar a alternativa mais viável do mundomoderno.

Para os países centrais que promovem ainternacionalização da Amazônia de forma expansionista, elesobjetivam desta região usufruir de seus recursos naturais, sejameles minerais ou florestais, para formarem acumulação capitalistamomentânea e, principalmente através das monoculturas daagropecuária com a criação de gado extensivo e plantio de soja.Para esses países é melhor destruir está alternativa energética damaior nação tropical do mundo, pois assim, não temem concorrentese muito menos alternativas energéticas no futuro.

Continuar apostando em energia não-renovável, no casoespecífico do petróleo é consolidar por mais alguns tempos ahegemonia mundial do capital com centro definido nos EstadosUnidos. Isto faz com que estes países mantenham por mais algumasdécadas o controle do sistema capitalista, para poder encontraruma nova forma de se apresentar e continuar manipulando o mundo.Porém, com sua lógica já falida e não respondem aos anseios dasociedade global e, dessa maneira não conseguem fazer asolidariedade, mesmo a aparente enganação que sempre aplicouaos países periféricos.

A saída para a crise energética mundial, está na biomassatropical amazonense. Além de resolver os problemas econômicos,do desemprego e da soberania nacional brasileira, temos em nossas

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mãos as alternativas para os dois maiores problemas mundiais daatualidade, o energético e o ambiental. Utilizando a biomassaamazonense, de forma racional, através de projetos de manejoflorestal e melhor aproveitamento dos recursos naturais renováveis,diferenciando-se do petróleo que é um produto não-renovável.Pode-se resolver também os problemas ambientais, pois, é possívelter a floresta para sempre e preservando o maior potencial genéticodo mundo, também como a maior reserva de água doce global,que corresponde a mais de 25% do total.

Desta forma, a única forma de preservar a floresta, é dar-lhe valor econômico, do contrário a depredação é inevitável, vistoa sanha desvairada do capital nacional e internacional na região.Mas isto só não basta, é preciso socializar estes recursos com ospovos tradicionais da floresta e as massas de despossuídos dopaís. No mundo moderno ainda se admite a pobreza, porém secondena o estado de miserabilidade dos seres humanos, esse éum estágio que os homens, as mulheres e as crianças não buscammais alternativas de inclusão e possivelmente esta lógica vaicontribuir para instalar definitivamente a barbárie ao mundo.

O Brasil não é uma grande potência mundial, pelo fato deser submisso e obrigado a acatar as orientações de imposiçõesdos países centrais, mesmo tendo um alto nível de crescimentoeconômico, que esse, não pode ser confundido comdesenvolvimento. Os governantes estão submetidos a especulaçãomundial, ao mesmo tempo contribuem para que continue sendopoderosa a moeda falsa em termos de representação que é o dólar.Hoje esta moeda é um simples papel pintado, o qual serve apenaspara formar a ciranda financeira mundial de forma digital, compoderes que contribui para negar os direitos dos paísessubdesenvolvidos. Os países centrais estão à beira da falência,mas conseguem manter o status do monopólio mundial pelo petróleotambém em decadência.

Neste sentido, o Brasil possui a alternativa para substituiçãoenergética do petróleo que está se exaurindo e pode contribuircom a alternativa energética do futuro para o mundo. Dar valoreconômico a floresta tropical, e produzir riqueza para sertransformada em benefícios sociais a grande nação brasileiramarginalizada pela sanha do capital mundial ao longo dos tempos,eis a grande saída de um governo inteligente e comprometido com

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a nação brasileira. A partir do momento que os estadunidensescomeçarem sua queda no mercado, o mundo do capitalpossivelmente entrará um uma crise sistêmica. Nessa lógica poder-se-á vislumbrar um mundo diferente? Quais as alternativas sóciaspara o mundo?

Biopirataria do conhecimento dos povos amazonenses

A pirataria era no passado um direito dos povos quecolonizaram a América. Um direito tão natural dos povoscolonizadores, pois por várias ocasiões, estes exploradoreseuropeus travaram lutas para usufruírem dos recursos deste imensoterritório. Faziam das colônias um instrumento de roubo e cobiçavindo praticar a pirataria. Até a independência política do país oobjetivo dos europeus no Brasil era esgotar os recursos naturaisrenováveis ou não, de modo a tirar o maior proveito possível dosrecursos naturais existentes. Com a proclamação da independênciade Portugal, o processo de exploração dos produtos brasileiroscontinua até na atualidade, visto os mecanismos das potênciasmundiais em tirar proveito para si do potencial extrativista do Brasil.

O fato que mais chama atenção na região amazonense éo ocorrido na virada do século XIX, quando as sementes dasseringueiras foram pirateadas da Amazônia para a Malásia. Esteepisódio traz conseqüências econômicas drásticas para a região eo país, comprometendo a base econômica regional que sefundamentava no extrativismo da borracha. A história se repete navirada do milênio, hoje a biopirataria é a nova descoberta para tirarproveito dos países pobres da América Latina, mesmo depois de500 anos do descobrimento da América por Colombo, se realmentefoi esse indivíduo que realizou essa façanha. No caso Brasileiro, anova investida deve-se ao maior banco genético do mundo naAmazônia e a sabedoria tradicional sobre as ervas medicinais. Asnações ricas do mundo. Grupos farmacêuticos passam a cobiçar oconhecimento popular dos povos tradicionais amazonenses. Hojeo Brasil é um país independente e soberano politicamente, massobre o domínio e o controle das nações centralizadoras de capitais.

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Nesta perspectiva, o alvo são os povos originários e ocaboclo desta região, pois estes detêm o conhecimento tradicional.Assim, o étnico conhecimento popular, passado de pais para filhos,está sendo usado na criação de novas fórmulas de remédios paragrupos multinacionais com sede além pátria. Estes fatos ocorremsem, no entanto, garantir aos povos tradicionais o direito dos frutosda biodiversidade e do conhecimento por eles produzidos.

Os interesses dos grupos econômicos estão infiltrados nasflorestas tropicais, visto a região ser riquíssima em variedades deinsetos, de plantas e micro organismos e o vasto conhecimentotradicional acumulado ao longo da história. Fruto do conhecimentopopular muito vasto, legado de pais para filhos, dos indígenas ecaboclos da região amazonense. Este “conhecimento sobre plantasmedicinais é um recurso local e comunitário” (SHIVA, p. 94, 2001) eestes povos tradicionais não visam formas econômicas doconhecimento étnico, mas existe a sanha econômica dos gruposorganizados com interesses capitalistas.

A descoberta científica não ocorre por acaso, muito menosde um dia para o outro. Ela é principalmente fruto do legado popular,muitas vezes acumulado por milhares de anos pelos povos dafloresta. Estes utilizam ao longo dos tempos este conhecimento,como alternativa de sobrevivência e manutenção da espéciehumana da Amazônia. Para PICOLI (p. 102, 2004b), “os recursosnaturais devem fazer parte da segurança da humanidade, devendoser utilizados com sensibilidade e respeito”, porém, se descarta apossibilidade de servir de meio de acumulação e de interesse dasminorias. Quando os nativos se tratam com certas ervas e chás dafloresta, aconteceu antes um processo longo de experimentos,dentro do conhecimento popular, até chegarem à fórmula idealdesejada.

Este conhecimento acumulado pelos povos antigos, estásendo biopirateado por ricos laboratórios internacionais. Sãodetentores do monopólio mundial dos medicamentos e buscamapurar as formulas através do conhecimento já adquirido dabiodiversidade amazonense. As infiltrações estão ocorrendo dasmais variadas formas como: pesquisadores que muitas vezes usamas universidades como ponto de apoio; através de ONGs não sérias;missões religiosas e outras formas, todavia não se pode confundira seriedade da maioria desses profissionais, esses são a exceçãoe não a regra.

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Usam várias estratégias, para penetrar e extorquir oconhecimento acumulado sobre as plantas destes povos tropicais.Quando existe indicativo popular do remédio nas plantas, aumentaem 400% o reconhecimento da eficiência das propriedadesmedicinais (SHIVA, p. 101, 2001). As estimativas indicam queaproximadamente 300 patentes foram registradas no mundo, pormeio de produtos pirateados do Brasil, porém legalizados pelaproteção internacional. Pode-se citar alguns ervas e frutos:espinheira-santa, quebra-pedra, mirapuama, guaraná, sangue-de-pedra, cupuaçu e outros produtos (PICOLI, 2004c, p. 81). Hoje nãoexistem mecanismos legais, éticos e morais que coíbam essaspráticas milenares de dominação.

É desta forma, que acontece o roubo e a cobiça doconhecimento popular. Os grupos organizados passam apurar asfórmulas dos princípios terapêuticos do conhecimento étnico,chegando ao conhecimento científico. Com os resultadoscomprovados, por intermédio da comunidade científica, se apossamdo conhecimento pertencente aos povos da floresta. Em muitoscasos os experimentos são feitos com plantas que são únicas daregião amazônica, mas o novo produto é patenteado comodescoberta dos laboratórios mundiais, com sede na Europa, nosEstados Unidos e no Japão.

O processo de patenteamento é fácil de ser realizado, bastacomprovar a descoberta científica, sem, no entanto mencionar oconhecimento popular extorquido. Neste caso, os povos da florestanão sabem que foram usados e roubados, muito menos têm eles acapacidade para reivindicarem seus direitos. A proteção capitalistaque está por traz da investida econômica mundial lhe lega essedireito. Também seria esperar demais, querer que estes povosentendam de resultados científicos e de patentes de produtosfarmacêuticos. É provável, que com o decorrer dos tempos proíbamas comunidades amazonenses de fazerem uso de certas ervas echás, visto os laboratórios multinacionais tornarem-se proprietáriosdas fórmulas e da própria planta com princípio ativo. Embora jáexistam causas ganhas na justiça, por parte de algumascomunidades dos países periféricos, mas ainda poucorepresentativa, são poucas as comprovações de posse indevidado conhecimento fitoterápico destes povos.

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Na Amazônia acontece um grande “baile”, a música e oritmo fica por conta dos grupos econômicos, no ritmo da dança épor meio da expropriação do homem e do seu ambiente. Osinstrumentos das multinacionais são utilizados em seu própriointeresse, vindo em desencontro aos povos que subsistem nasflorestas. Enquanto a região transforma-se em um grande palco dedança, quem está sendo agredido em seu modo de viver são ospovos originários, os caboclos e todos que da natureza necessitampara subsistir. Os grupos econômicos estão tirando todo tipo devantagem em benefício próprio, em detrimento dos verdadeirosdonos da floresta. A última investida na região pelos gruposorganizados, é através da biopirataria e da destruição dos recursosnaturais, sendo estes de origem mineral, vegetal e animal.

O Estado torna-se omisso e conivente, assiste de braçoscruzados, visto seu comprometimento e ser o representante dosinteresses multinacionais, esse querendo ou não. É preciso entenderque a Amazônia é do Brasil, ela faz parte do território brasileiro, eassim, é patrimônio de poder e de direito dos povos marginalizados,dos povos despossuídos e principalmente dos povos da florestaamazonense. Quem tem que usufruir desta imensa riqueza, é opovo da floresta, não são os grupos econômicos que vem a regiãobuscar fórmulas para agregar valor em seus capitais. Estes seprojetam na região apenas para concentrar riqueza, mesmo queesta venha destruir a natureza e o conhecimento popular.

Contudo, é dado aos brasileiros o título de destruidoresda floresta tropical, mas não lembram de dizer os propósitos dadevastação, muito menos quem são os beneficiados na busca dolucro fácil desta imensa região. É preciso entender os princípios dainvestida capitalista na região e quais os grupos organizados queali se instala para acumular riqueza, tendo a natureza amazonensecomo fonte de acumulação. Assim, a pirataria do passado hoje aindaestá presente, apenas os mecanismos e as formas de exploraçãosão diferentes. Houve algumas mudanças nos nomes, passandode pirataria e roubo, para biopirataria e extorsão. A relação de tempopode ser vista por uma frase popular, onde diz: “mudou quem nosaçoita, mas os chicotes continuam os mesmos”.

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Manejo florestal: a solução ou a depredação da Amazônia?

Com o crescimento da exploração de madeiras de formadesorganizada na Amazônia, está causando sérios problemas deordem ambiental. A falta de planejamento, de controle e organizaçãodo projeto ali arquitetado é o principal responsável pela destruiçãodas florestas tropicais. Além disso, vem acompanhado de sériasdisputas de áreas provocadas por grileiros, posseiros, povosoriginários, pequenos proprietários e a fúria dos grupos econômicosorganizados em saquear a Amazônia. A sanha dos projetoscapitalistas na região é fundamental para contribuir com desrespeitoas floresta e aos povos que dependem dela para subsistir demaneira social e sustentável.

A investida capitalista instalada na região amazonenseprejudica a estrutura ambiental, visto que a “Amazônia tem vocaçãoflorestal uma vez que suas florestas são de grande porte e faz umsistema ecológico muito sensível, onde a manutenção da diversidadeflorestal para manutenção da fertilidade do solo” (SCOLFORO, p. 100,1998). Este fato ocorre pela capacidade que as árvores exuberantesda região amazonense possuem para auto-sustentar-se e ainterferência do homem, o qual busca apenas o lucro, esse perturbao ciclo de vida das florestas.

A expansão econômica na região, com a finalidade deaproveitar os recursos naturais florestais com interesseseconômicos contribui para o acentuado processo de agressão dosecossistemas amazonenses. A investida capitalista vai além dasdisputas por áreas de terras entre os migrantes e esses gruposorganizados, acontece também a apropriação de terras indígenas,devolutas e de reservas ambientais. Estes projetos, não respeitama essência da constituição do manejo florestal, também como, osobjetivos de sua implantação, muito menos visam reduzir osprincípios que orientam os desperdícios para minimizar os danos àfloresta, não acontece uma prática eficiente de preservação do meioambiente e o homem.

Para obterem-se áreas de manejo florestal, necessita-sede um bom projeto, acompanhado de técnicas de supervisionamentoe execução dos trabalhos, de maneira que venha conservar a

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floresta natural e reduzir os impactos ambientais. Neste sentido, “omanejo florestal sustentável é o definido como a administração deflorestas para obtenção de benefícios econômicos e sociais,respeitando-se os mecanismos de sustentação do ecossistema”(SILVA: p. 11, 1996). Mas não é o que acontece na Amazôniabrasileira, nesses locais é realizada uma intensa depredação dafloresta, com manejo ou sem ele.

Estes quando existem não passam de formas para legalizara destruição e o desrespeito com o meio ambiente. Na maioria dasvezes as leis de preservação ambiental, elas não passam de palavrasmortas que enfeitam papeis e servem para contribuírem com alegalização da devastação. Enfatiza-se, é viável a implantação deáreas manejadas, essa é a saída pra manutenção e equilíbrio domeio ambiente, porém é o contrário do que ocorre na região. Omanejo da forma como vem sendo aplicado na maioria dos casoslegaliza a depredação. Por outro lado, não se pode só pensar naindústria de transformação de madeireira, mas nas outras opçõesque a floresta oferece: os fitoterápicos, as resinas, as tinturas, asfibras, os pescados e animais, as castanhas e frutos, também comode toda a biomassa, os microorganismos e o potencial de água.

Por meio dessa forma de pensar a região existem estudosapontando a viabilidade do manejo florestal e das opções sustentávelde integração do homem e do meio ambiente. Neste sentido, algunsestudos realizados por grupos como, o Instituto do Meio Ambienteda Amazônia, Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária e outrosórgãos, orientam das várias vantagens da aplicação de um bomprojeto de manejo florestal para as indústrias madeireiras. Osestudos apontam, para cada hectare de floresta pode fornecer emtorno de 30 metros cúbicos de madeira a cada colheita. Esta podeser realizada cada 25 a 30 anos de pousio da área (SILVA, p. 19,1996).

Mas para concretizar esses projetos, devem ser levadosem conta todos os passos inerentes ao processo de retirada dasárvores na mata e a seqüência do processo, até chegar à indústria.Para PICOLI (p. 104, 2004c), são necessários 3.5 metros cúbicos demadeira pra resultar 1 metro cúbico de produto final. Os númerosdemonstram a realidade do projeto ali implantado. A Amazônia deveser entendida por meio da lógica de servir ao mercado mundial e,esse indica as monoculturas de soja e gado bovino.

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A madeireira não serve ao mercado global por meio deseus produtos, mais de 80% da produção é consumida no própriopaís (PICOLI, p. 99, 2004c). Ao se cumprir a tese que a Amazôniaestá a serviço do mercado mundial, se identifica dois momentosdistintos na região: na primeira fase, a madeireira faz oaproveitamento econômico da árvore de maneira itinerante epredatório e na segunda fase, ocorre a instalação definitiva dosprojetos agropecuários exigidos pela demanda do mercado. O quemotivaria um empresário que busca o lucro por meio do mercadopreservar as florestas, se estas não têm o mesmo valor econômicoque a terra? Essa alternativa vem contemplar os fins daagropecuária, a qual serve ao mercado global, sendo a meta dequalquer empreendimento o acúmulo da riqueza por meio daexploração da região.

Na comparação entre as alternativas, o manejo florestaloferece vantagens ao longo prazo, o que se buscam são asalternativas imediatas. Nesta dinâmica, os estudos indicam que sepode obter até 30% a mais na quantidade da madeira, quando aexploração acontece de forma manejada (BARRETO et, al, p. 10,1998). Neste caso, são necessárias grandes áreas de terras pararealizar o planejamento estratégico de longo prazo. Fazendo-senecessário em primeiro lugar planejar a área para cada ano emultiplicá-la por 30, pois, é o tempo previsto para reiniciar aexploração novamente. Esse deve ficar atento e observar as metaspropostas e as estratégias que comportam a viabilidade doempreendimento.

Os estudos comprovam a aplicabilidade e eficiência naarte de manejar florestas, mas ficam algumas dúvidas quando darealização dos projetos. Cientificamente ainda são pouco apuradosestes experimentos, visto que, são estudos novos e apenaspreliminares. A exuberância das árvores é fruto de sua auto-sustentação de um processo milenar e, esse vem aliado a umabaixa fertilidade do solo amazonense. Além disso, os projetos commanejo autorizam a retirada das árvores em 100% das áreas,todavia a legislação brasileira prevê a preservação de 80% dasáreas. Quando o empreendimento não é sério em seus propósitos,ele legaliza a devastação da floresta, numa área com projeto demanejo pode ser realizada a coleta das árvores em até um ano.Aliado com a omissão e corrupção das instâncias e representações

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estatais, também como, por meio da indústria do crime organizadoque existe na região.

Outro fator que não é levado em conta são aspeculiaridades das áreas, conforme visto anteriormente, tais como:clima, capacidade do solo e espécies de árvores e outroscomponentes próprios da região. Muitas vezes os projetos seapresentam por meio das condições legais e, esses servem paraburlar a legislação e conseguir autorização para a depredação danatureza. A grande meta regional e atingir plano de expansãoamazônico e, esse se direciona através das monoculturas que vãoservir ao mercado mundial. Estes grandes grupos econômicos, queao se instalam na região, sendo eles nacionais ou multinacionais,não tem preocupação alguma com o meio ambiente, pois, objetivamo lucro fácil extraído da natureza. Para conseguir realizar estesobjetivos, os grupos organizados necessitam destruir a florestatropical de maneira que apure os lucros de forma rápida e tambémsuguem todas as possibilidades oferecidas pela natureza generosada região, pois “o principal objetivo entre o Estado e o capital foiinstalar os projetos econômicos para concentrarem capitais” (PICOLi,p. 109, 2004a).

Assim, não se pode iludir-se por meio da lógica do sistemae da vocação amazônica, se faz necessário levar em conta, que omadeireiro vai à frente e o agropecuarista vem depois. Como dizemalguns madeireiros o problema é o “pé de boi e o grão de soja”,porém muitas vezes esse faz os dois papéis o de extrativista demadeiras e o de produtor rural. Caso não existisse a agropecuária,o madeireiro retiraria as árvores e a mata ficaria se regenerando,ele não teria motivo para não preservar as árvores. A manutençãodas florestas é a ponta da lança e, dessa maneira se estaráprotegendo os vários ecossistemas, maior número de empregos,melhor distribuição da renda e garantia das gerações futuras.

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BIBLIOGRAFIABIBLIOGRAFIABIBLIOGRAFIABIBLIOGRAFIABIBLIOGRAFIA

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A Dominação Financeira e oA Dominação Financeira e oA Dominação Financeira e oA Dominação Financeira e oA Dominação Financeira e oSistema Mundial em ColapsoSistema Mundial em ColapsoSistema Mundial em ColapsoSistema Mundial em ColapsoSistema Mundial em Colapso

As trocas no movimento histórico

A humanidade vive um processo histórico desenhado pelasua evolução nefasta, inclui minorias para excluir as maiorias. Adominação é o meio tático para realizar com sucesso o grande projetomundial do sistema capitalista hegemônico ou do pensamento único.Essa estratégia é para manter o controle, a submissão e aobediência, também como para determinar as formas e os meiosde ação. A seqüência desse procedimento possibilita mecanismospara desenvolver a camisa de força ao mundo, e essa é possívelpelas relações de trabalho/produção.

Na trajetória evolutiva dos últimos 500 anos, são identificadastrês fases distintas no modelo capitalista de mercado: a primeiraocorre por meio do padrão capitalista mercadológico; a segunda oindustrial e na terceira o financeiro. Na narrativa que projeta o mundodos homens e, as relações por meio das trocas equivalentes fazemparte do processo histórico, bem como do modo de representar ovalor das mercadorias. Essas determinam o conceito deequivalência, com funções representativas e, desenha umaidentidade econômica que esconde as relações de produção e detrabalho. Para MARX (1998, p. 97), “a determinação da quantidadede valor pelo tempo de trabalho é, por isso, um segredo oculto sobos movimentos visíveis dos valores relativos das mercadorias”. Arepresentação do conceito de valor, ou padrão de valor econômico,

2ª PARTE - O CAPITALISMO

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surge conforme as diferentes fases do desenvolvimento humano eno capitalismo de forma global.

Com esta lógica, o processo evolutivo da “troca demercadorias começa nas fronteiras da comunidade primitiva” (MARX,1998, p. 112). Isto pode ser demonstrado e compreendido atravésda representação de permuta com o boi, o sal, o cobre, a prata, oouro e finalmente por meio do dinheiro. Este último atravessa ostempos, vindo culminar em 1971 com o padrão dólar ao mundo.Esta a última forma universal de valor global convencionado, com afinalidade de compra e venda das mercadorias.

É provável que em janeiro de 2002, tenha nascido um novoembrião das representações de valor universal do futuro, bem comoo mecanismo moderno da fase financeira que organiza o mundodos homens e do capital. Essa nova alternativa de domínio ocorrepela criação e circulação do Euro, por meio da comunidade européiae possivelmente está nascendo à opção monetária recente dasrepresentações universais. A nova estruturação do bloco econômicoavaliza a seqüência e os avanços do modelo centralizado, tambémdetermina a continuidade da escravização da humanidade pelalógica da concentração da riqueza.

Esta nova moeda pode representar no futuro uma novahegemonia mundial e a transferência do centro do capital mundialpara um novo local. Nesta perspectiva, a hegemonia mundial é frutoda capacidade de uma nação exercer liderança e domínio em umsistema de nações. No entanto, “a dominação será concebida comoprimordialmente fundamentada na coerção” (ARRIGHi, 1997, p. 28),na violência e no controle das demais nações soberanas ou não. Amudança do centro mundial do capital torna-se possível pelanecessidade, pois, “se cai a capital de uma economia-mundo, fortesabalos se registram ao longe até a periferia” (BRAUDEL, 1998, p.24).

A lógica sistêmica tornou-se evidente quando do atentadodo dia 11 de setembro de 2001 em Nova Iorque, atual centro mundialdo capital. Ao abalar o centro nervoso da hegemonia mundial, ondese concentram as forças econômicas, políticas e militares do planeta,este episódio passa ser um problema do mundo do capital e nãoum problema dos estadunidenses. A vulnerabilidade do centro globaldas forças de oposição evidencia a perda de poder e da consistênciada superestrutura capitalista, tornando a nação centro sem créditoe desmoralizada pela banalidade.

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O centro mundial nasce e se organiza para proteger apropriedade privada. A superestrutura financeira encontra-se nosbancos pelos registros contábeis eletronicamente, um meio damodernidade. Ela dispensa inclusive papel e torna-se umarepresentação oculta, vindo formar uma estrutura de ficção em formade símbolo e conceito de valor. Esta representação eletrônicarealiza-se mediante a contabilidade de efeito global e culmina coma ciranda financeira universal, mas vulnerável aos efeitos moraisque determinam o nível da soberania mundial perante as demaisnações.

No processo histórico, podemos identificar diferentesestágios e graus nas relações entre indivíduos e nas estratégiascapitalistas. O grau e o modo de submeter às relações de trocastornam-se as representações dos diferentes movimentos doprocesso econômico global. Para MARX (1998, p. 111), “o dinheiroé um cristal gerado necessariamente pelo processo de troca, eque serve, de fato para equiparar os diferentes produtos do trabalhoe, portanto para convertê-los em mercadorias”.

Neste processo, o ouro foi muito importante como meio detroca, pois este preserva a qualidade, divisibilidade, fracionando-se sem perder seu valor e devido sua raridade. Serviu por algunsséculos como equivalência mundial no padrão das representaçõesde trocas. Nesta perspectiva, “enquanto dinheiro, o ouro não é metale sim a encarnação do trabalho social abstrato, e, como tal, não émeio de produção nem bem de consumo” (LUXEMBURG, 1976, p. 74).Para MARX (1998, p. 121), “a primeira função do ouro consiste emfornecer às mercadorias o material para exprimirem seu valor ourepresentar os valores das mercadorias com grandezas que têm amesma denominação, qualitativamente iguais e quantitativamentecomparáveis”.

É pela transformação de valor contábil eletrônico damodernidade que se aguça a centralização de capitais e,proporcionado por meio do processo capitalista evolutivo emconstante transformação e adaptação ao mercado planetário detrocas. Este é representado hoje, pelos juros das ações, comoperações vídeo-financeiras, criando assim, a ciranda financeirano mercado digital. O dinheiro, ao preservar as peculiaridades devalor que lhes é inerente no consenso social evolutivo, torna-sepadrão nas trocas, representação da capacidade de compra e

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sinônimo de crédito nas instituições financeiras, vindo demonstrara capacidade econômica de países e dos grupos organizados.

O homem se apropria do mundo por meio do seupensamento e não somente pela história, esta vem depois, sendoimpossível contá-la antes de o fato ter ocorrido. A forma derepresentação de valor é evolutiva e obedece ao pensamentohistórico ao longo dos tempos. É possível desenhar ao mundo, umalto grau de aperfeiçoamento nestas relações, e este atinge ascondições mercadológicas na representação das trocas. Massempre com regras determinadas pelo projeto capitalista mundial esua lógica. O centro hegemônico é convencionado em localpreviamente estabelecido e de consenso das nações centraisrepresentantes do capital, aos moldes de Washington hoje. Essenúcleo se torna menos importante, porém necessário. O seuprincípio de existência é organizar o modelo concentrador porintermédio da hegemonia do capital dos dias atuais.

É possível observar, nos diferentes estágios do processodas trocas capitalistas, ou não, bem como quando se analisa ovalor de um objeto qualquer, uma cadeira, por exemplo, ela é aexpressão do valor relativo de um produto de troca, pois, estaexpressa o valor de todas as mercadorias, sendo um equivalenteuniversal de valor. O dinheiro, passa ser valor-de-troca, por comprarum valor-de-uso e passa suprir as necessidades da humanidade.Este serve para medir o valor econômico da cadeira, sendo entãoa cadeira comparada como todas as outras mercadorias e estaexpressa o valor em forma de dinheiro. A cadeira não é valor porcomparar-se com o dinheiro, ela já se relacionou com todas asoutras mercadorias através da composição de valor ao relacionar-se com o trabalho e a produção. Por este motivo, ela adquiriu umstatus de valor, representação social e valor de mercadoria para omercado e “o processo de troca realiza a circulação social dascoisas” (MARX, 1998, p. 131).

O dinheiro é a representação da singularidade nadiversificação das mercadorias. Este expressa na alma o valor darepresentação econômica com todas as demais mercadorias natroca e no uso, vindo tornar o dinheiro produto das relações detrocas. Para completar o ciclo das relações, o dinheiro é o últimoestágio da magnitude de valor das mercadorias. Assim, hoje érepresentado pela hegemonia americana do dólar, mas pode estar

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nascendo uma nova forma de consenso mundial de valor atravésdo Euro europeu, conforme apontado anteriormente. Contudo,ambas as formas de representação colidem e bifurcam-se narepresentação das trocas, ou representação polivalente norelacionamento com o mercado mundial. Esta é a dinâmica domovimento global, sendo a forma mais apurada do poder de comprae a lógica das transações mundiais nos diferentes mercadosinterligados, por meio da contabilidade digital de nossos dias.

O dinheiro atinge a sua categoria maior de representação.Não há outra relação no mundo das mercadorias que representetão peculiar forma de consenso social de valor universal. Esteadquire a forma totalitária, passa representar a equivalência geraldas operações mercadológicas e expressa a forma universal dasrelações econômicas no mundo das mercadorias. Essacomplexidade determina as relações no sistema global, e assimcomo no mundo dos homens em constantes transformações. Asrepresentações passam a camuflar o fetiche nas relações demaneira diferente, mas continuam as estratégias do mundo docapital, com a finalidade de preservar as dinâmicas da concentração.

Na atualidade, a relação com o mundo sistêmico, seprocessa pela forma digital eletrônica, representado pelo sistemacontábil interligado globalmente. A função do dinheiro pode serentendida como: medida de valor, meio de circulação, meio depagamento, meio de entesouramento e dinheiro mundial. O dinheiroé aquilo que não é e o ser humano aquilo que não quer ser, poisele é o fetiche, mas representa valor que mensura como magnitudegeral. Ele representa a arte de demonstrar valor no mundo dasrepresentações, por meio da enganação para preservar asestruturas mundiais e sua lógica.

As instituições bancárias no mundo do capital

No processo da evolução capitalista, faz-se necessárioconcentrar a riqueza dispersa em diferentes pontos globais. Aconcentração financeira “aparece como decorrência de umaatividade econômica para cujo intercâmbio o simples escambo jánão basta” (SANTOS, 2001, p. 96). As instituições bancárias com a

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finalidade básica de guardar dinheiro e conceder empréstimospassam operar de forma contábil e global. Nesse ínterim, a origemdas instituições financeiras confunde-se com a criação da moeda,também como, das necessidades do sistema capitalista mundialem constante evolução e mudanças. Esses estabelecimentosoperam por meio do rigor e as regras do mercado mundial,sustentam-se no conceito de agregar valor e criam à estruturanecessária a ordem social capitalista que o estabelece.

O processo desempenhado por essas instituições são asfaces que ocultam o sistema que as concebem e as instituem paradominação e controle dos demais atores sociais dependentes. Essesrepresentam à classe que controlam os cidadãos de maneiraplanejada, porém, a estrutura serve para facilitar a centralizaçãodo valor financeiro global disperso. As estratégias e operaçõesobedecem a um plano geral de comandos, esse foge das iniciativasindividuais dos países isoladamente ou periféricos. Ela é orientadaatravés da hegemonia mundial do sistema capitalista dominadorem ação, de maneira organizada vindo ao encontro das estratégiasdo mercado em constante transformação.

A ciranda financeira global monopolizada e centralizadadetermina as dinâmicas de mercado, bem como se articulam osmovimentos dos capitais por meio dos juros e das ações. Nestalógica, se definem os meandros da concentração e, eles acontecempor meio dos ditames do mercado especulativo que atropela asdemais alternativas de solidariedade. A humanidade se torna semvalor algum perante os movimentos do mercado financeiro, o homemvira coisa e a coisa assume seu status. Ao coisificar a humanidade,também ocorre o seu controle por meio dos condicionamentosimpostos e, no segundo estágio da articulação impõem ao mundoo modelo capitalista e sua dialética, como soberana e pensamentoúnico.

A trajetória do processo mundial capitalista tem por objetivoa unificação da riqueza dispersa individualmente, pois sua metamaior é organizar os fragmentos para centralizá-los de maneiraorganizada e articulada pela lógica global. Neste estágio, os atoressociais são escolhidos e definidos pela ordem sistêmica em ação,pois esses são reproduzidos por meio dos cartéis e dos monopóliosque dominam o mercado pelo viés das suas representações e, têmo intuito de manter a ordem que estabelece as mordaças, as amarase vem culminar com a camisa de força ao mundo.

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Através dos princípios e das prerrogativas de mercado, asinstituições financeiras representadas pelos bancos, rezam muitobem a primeira parte da oração “pai nosso”, quando diz “venha anós”, mas não consegue fazer a segunda parte, ou seja, terminar areza no “vosso reino”. Faz-se necessário esta comparação,exatamente para indicar o alto grau de submissão e obediênciados indivíduos e a gravidade do sistema condicionador mundial e aenganação existente por trás da máquina bancária. Esta estratégiaserve de alavanca e sustentação nas determinantes dadesigualdade social e na injusta distribuição da riqueza, vindoconcentrar-se em mãos dos magnatas das finanças nacionais einternacionais, em detrimento dos países periféricos, das empresasfora dos cartéis organizados e da população de forma geral.

Por outro lado, em meados de 2005, ao aplicador comumbrasileiro, aquele que oxigena o processo produtivo através da suaforça de laboração no dia-a-dia, pode aplicar na poupança comrendimento mensal em torno de 0,7% de juros. Este sendo possuidorde um pouco mais de dinheiro pode aplicar em fundos bancários,pode lhe render próximo a 1,25% de juros dependendo daquantidade e de uma boa negociação bancária. Por outro lado,quando este mesmo poupador ou aplicador necessitar de dinheirodessas instituições encontra outra dinâmica e tratamento diferentee a relação muda de maneira radical, conforme visto anteriormente.Antes de prosseguir gostaria de fazer a seguinte indagação, issorepresenta juros, ganhos no mercado financeiro ou enganaçãocidadã?

Outro meio de identificar essa coerência de mercado é pelocheque especial. As instituições bancárias promovem a forma maisapurada de extorquir o dinheiro e, essas vêm imbuídas de numprocesso organizado e articulado, com o firme propósito de legalizarlógica do mercado. Nessa dinâmica pode chegar até a 12% os jurosmensais, porém depende do cliente e da instituição, também comoaliado ao grau de retorno de cada pessoa física, ou jurídica e acapacidade de pagamento futuro. Já os empréstimos para osclientes comuns, podem ficar em média entre 5 e 7% de juros,conforme o cliente e a capacidade dos pagamentos futuros.

Analisando estes dados e avaliando as condições que osistema bancário impõe e submete as pessoas, fica evidente o graude extorsão do dinheiro do cliente, sempre em benefício das

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instituições bancárias e o mercado volátil. Ao mesmo tempo, pode-se observar a forma como se desvaloriza o ser humano, tornando-os dependentes e submissos ao sistema bancário imposto asociedade com regras de sobrevivência integradas e globalizadas.Essa é uma estratégia com a finalidade de agregar valor e transferi-los ao mundo do capital organizado, vindo arrebatar parte da rendado trabalhador, porém daquele que ainda consegue se manterincluído.

Ao se identificar esse meandro perverso, que determina afalta de perspectivas para a maioria dos atores sociais do mundo,há demonstração de suas contradições, mesmo com os mecanismosdo mercado a seu favor, que se protege no arcabouço legal eprotecionista. Aos pequenos poupadores e aos micros e pequenosempresários restam-lhes a insegurança, a falta de proteção, essesficam vulneráveis a um mundo que não representa os indivíduos,mas um mundo identificado dá as instituições, por meio do sistemafinanceiro capitalista nacional e internacional.

As hierarquias bancárias, tudo podem, até a prática deagiotagem é legalizada, enquanto isso, os cidadãos comuns seousarem emprestar dinheiro aos outros cidadãos são punidos comos rigores das leis, pois, os mecanismos de proteção sãodiferenciados. O engenhoso mercado do fetiche e da enganaçãocria métodos diferenciados, vindo beneficiarem os gruposeconômicos centralizados e representados pelo consenso socialdo centro mundial do capital, que impõem suas articulaçõessistêmicas global. Neste processo, “o sistema bancário é, pela formade organização e pela centralização, o resultado mais engenhosoe mais refinado do modo capitalista de produção” (MARX, 1981, p.695).

Ao instituir as determinantes do mercado financeiro, ocapital consegue dimensionar para si o controle não só do sistemamundial das finanças, mas são determinas as regras do mercado equalifica a sociedade de forma geral. Com essas artimanhastransforma a relação espoliativa, sempre em favor do sistemamundial capitalista e impõem a sua institucionalizado, mas para issoacontecer faz-se necessário o uso das prerrogativas da imposiçãoe do domínio nas relações da humanidade. Torna o mundo doshomens nas mãos dos capitalistas e a prática da usura em formade roubo legalizado, mas sempre acompanhada com a omissão e

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conivência do Estado dominado e aliado. Esse se submete aogrande projeto hegemônico ou do pensamento único, que impõeme sanciona a economia do mundo, com rastros devassadores paraos centros e a periferia planetária.

O mundo dos negócios é condicionado ao julgo dasinstituições bancárias, como forma de resguardar o capital mundialfragmentado, também como para preservar o sistema de formaarticulada, mesmo perverso e excludente. As instituições bancáriasrepresentam para a humanidade o esgotamento do indivíduo e,esse ocorre pelas suas próprias contradições, porém de maneiraorganizada e coletivizada. Para satisfazer e manter essa lógica pormais tempo, mesmo com sinais visíveis de seu colapso, o sistemapor meio de suas representações da concentração individual e,providas dos grandes conglomerados econômicos mundiais deforma organizada e estruturada, se torna possível ainda dar o tomda desordem social global para manter o status do aforismoprivilegiado.

É a centralização da economia que oxigena a cirandafinanceira contábil global, transferem os lucros às mãos de poucosprivilegiados e não socializa a riqueza, mas cria mecanismospropícios para se desenvolver a barbárie no seio da humanidade.Ao mesmo tempo em que promove a pauperização das massas,sendo esta a determinante para chegar à marginalização e exclusãosocial, como ocorre o fechamento das micro e pequenas empresasde forma generalizada. Forma-se um duplo processo na contramãoe não se respeitam às economias e os povos locais

A identificação capitalista com as finanças, quandodesvincula o homem de sua trajetória para conduzi-lo ao seu modo,esse demonstra e sintetiza as contradições de um sistemaagonizante, que nada mais representa para a sociedade, apenasexclui e despreza a grande maioria, em detrimento de poucos quecontrolam e impõem regras universais. Este modo de orientar omundo, sempre direcionado em proteger o sistema capitalista, impõeà sociedade a forma de existência dos homens. A especulaçãofinanceira objetiva a centralização de capitais nas mãos dos gruposorganizados, e estes praticam o genocídio social para a maior partedos indivíduos de forma ampliada. Ao gestar o genocídio de partedas populações das periferias, também preserva a lógica daconcentração.

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Os juros e as ações na ciranda financeira mundial

Faz-se necessário entender o trabalho de forma individuale, esse representa a força física no processo histórico por meio docapitalismo mercadológico. Ao surgir o capitalismo industrial nosséculos XVII e XVIII, as demissões da relação produção/trabalhoganham novas características e novos tratamentos, como a forçade trabalho gradativamente passa ser compreendida entre duasdeterminantes: a força física e a força mental qualificada. Nestesentido, a competitividade é a forma de reduzir a força física, mas oque determina a nova dinâmica da sociedade capitalista financeiraé a globalização.

Por meio dessa nova dinâmica, “a lógica primordial docapitalismo é a auto expressão do capital. Acumula-se capitalsimplesmente para que se possa acumular mais capital” (LISBOA,2003, p. 186). Ao criar os mecanismos para apurar as alternativasna busca do lucro, por meio dos juros sai gradualmente da antigaestrutura que concebe a produção da riqueza. Essa é provenienteda fabricação de mercadorias através do trabalho físico e mental. Alógica se solidifica ainda com mecanismos da concentração, e essessão imprescindíveis para sua seqüência e lógica: a mais-valiaindividual por meio das empresas; a mais-valia coletiva do Estadoe a mais-valia universal proveniente da globalização do mercado.O processo de dominação mundial tece na sua dialética acontinuação dessa forma de dominação, mas cria o mundo fantásticoda economia do boato e da contabilidade virtual, um novo meiopara impor a dominação e o controle generalizado do planeta.

O planetário movimento das articulações cria a sensaçãode impotência, mas possibilita o sonho de ser integrado e absorvidopor ele. Por outro lado, ser capitalista não é um desejo, o quedetermina são as condições pré-estabelecidas no mercado, comopor exemplo: ter ou não ter capital e as possibilidades de ingressarno mercado financeiro. Para participar do mundo do capital, faz-senecessário estar no conjunto da sociedade capitalista, bem como,constituir-se de maneira associada e global.

A alternativa é a forma social ampliada, pois assim, podeser obtida maior quantidade de lucro através da associaçãopermanente como o projeto articulado mundialmente. Movidos que

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determinam esta dinâmica, são possíveis atrelando-se aos centrosmundiais da economia e detentores do processo global de mercado,“Nova Iorque, Londres, e Tóquio, concentram mais de metade detodas as transações e ações” (SANTOS, 2001, p. 41). Por outro lado,“os 47 países menos avançados representam juntos apenas 0,3%do comércio mundial” (SANTOS, 2001, p. 41). Os países periféricose os pequenos negócios tornaram-se a extensão do capital mundial,sendo este processo necessário aos capitalistas planetários, pois,é a forma de oxigenarem e drenarem a centralização pelos depósitosfinanceiros e conseqüentemente extorquirem o dinheiro por meioda ciranda financeira mundial e satisfazer a sanha desvairada daconcentração.

Ao serem moldadas as indústrias, os comércios e as formasde trabalho, essas são por meio das prerrogativas da imposição edo controle sistêmico e, estes perdem a liberdade de optarem poruma dinâmica de mercado local, mas lhes impõem os moldes daglobalização e suas estratégias. Tornam-se reféns de seu própriocriador, aquele que se esforça para instituí-los e canalizam para sia acumulação, resultado das opções financeiras e a relação comos produtos no mercado mundial. O projeto atual se fundamentanos princípios que desvia o controle da soberania estatal. Essespassam a delegar poderes e seus benefícios às autoridadesexternas articuladas, porém ocorre o atrofiamento paralisante daliberdade própria local. Por outro lado, esta façanha somente épossível para grandes conglomerados associados na forma de açõese juros, visualizados pela contabilidade digital interligada.

Neste estágio, os governos locais e os cidadãos perdem acapacidade de conduzirem o processo produtivo, trabalhista efinanceiro, esses são geridos pelo sistema central mundial e suasdiretrizes. Nesta perspectiva “a fusão entre o Estado e o capital foio ingrediente vital da emergência de uma camada da economia demercado e em antítese a ela” (ARRIGHI, 1997, p. 20). Assim o “Estadoespecífico não passa de um estorvo nos projetos estratégicosglobais das empresas” (ARRIGHI, 1997, p. 81), mas é paralela ajunção entre as forças econômicas e estatais articuladas que oindivíduo perde sua capacidade de inserção ao grande projeto queimpõem o pensamento único. Esse desenha os movimentosmundiais, por meio das forças acopladas ao capitalismo, porém

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nega toda e qualquer alternativa de inclusão social e de controleambiental, com o intento de contemplar as gerações futuras.

O indivíduo perde sua capacidade de ação causada peladominação, submissão e obediência e, o Estado atrofia osmecanismos de controle por ser conivente as estratégias dearticulação do sistema capitalista soberano. A humanidade passanão determinar seus passos, muito menos consegue estabelecerrelações sem estar atrelado aos movimentos da lógica única.

O capital organizado planeja com a finalidade de determinarseus esforços no intuito de drenar e oxigenar o sistema mundial.Ele concentra seus objetivos no propósito de desviar outras relaçõesque não sejam intermediadas pela exploração do homem por meiodo próprio homem.

Através das forças capitalistas, “em vez de a economia estarembutida nas relações sociais, são as relações sociais que estãoembutidas no sistema econômico” (POLANYI, 2000, p. 77). O pequenonegócio tende no primeiro momento ser asfixiado economicamentepelo sistema, depois é eliminado do mercado, ou seja, o seu fimnesta lógica é fadado à falência para reproduzir o sistema mundialdominador, também para superar as crises naturais do modeloconcentrador, obedecendo às estratégias da centralização decapitais. No entanto, “o progresso é feito à custa da desarticulaçãosocial” (POLANYI, 2000, p. 97).

As ações e os juros formam a mais apurada estratégia deseparar a propriedade privada do mundo do trabalho. O sistemaopera apenas de forma contábil e com operações vídeo financeiroglobal, como visto anteriormente. Este processo deixa uma lacunana produção das mercadorias, sociais e ambientais, mas éfundamental para a centralização da economia associada docapitalismo financeiro da atualidade. Ao se processar a relaçãotrabalho/produção com dimensões amplas e irrestritas, onde sefundamenta na acumulação da produção, fruto da mais-valia, esseproduz um acentuado aumento do desemprego para a sociedadee identifica a relação dos dias atuais. A formação da riqueza, aodeixar de aplicar em capital constante e variável, passa a não gerarempregos suficientes e perturba a lógica sistêmica, diminui aprodução de mercadorias, cria mecanismos de não solidariedadee passa dar ênfase a especulação de mercado por meio dos jurose das ações.

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Por meio dessa dinâmica, “no capitalismo existe umparasitismo social, uma acumulação de poder de forma que a trocase baseia numa relação de força, mais do que na reciprocidade”(LISBOA, 2003, p. 186). É importante identificar que, nesse processoas determinantes do comércio global continuam mediadas pelalógica da produção e do trabalho, bem como são mantidos osmecanismos e a solidez da indústria para produção de mercadorias.A reprodução e acumulação ao chegar à centralização associada,estão no estágio mais avançado do sistema centralizador universal,porém nesse tirocínio se faz necessário desviar parte do empenhodo sistema produtivo. A determinante é a especulação no sistemafinanceiro e a busca se processa por mecanismos de contradiçõesorganizadas pela ciranda de capitais.

Nesse estágio, fazem-se necessário negar o princípio criadorda acumulação, tornando a produção e o trabalho apenas fasesprimitivas, para chegar à centralização com fins da especulação domercado financeiro. Este processo “é a negação do modo capitalistade produção dentro dele mesmo, por conseguinte uma contradiçãoque se elimina a si mesmo, e logo se evidencia que é fase detransição para nova forma de produção” (MARX, 1981, p. 507).Contudo, “a usura centraliza as fortunas em dinheiro onde estãodispersos os meios de produção” (MARX, 1981, p. 684).

O capital nesta evolução necessita ir ao centro dasociedade, onde está a riqueza dispersa e canalizá-la viacontabilidade digital. Nesta perspectiva pode obter mais valor, comsua origem na exploração, mas neste estágio não basta extorquirsomente a força de trabalho, passa explorar a micro e pequenaempresa. A atual dinâmica do capital pode ser entendida pelasrelações cotidianas globais: o desemprego que forma uma grandequantidade de exército industrial de reserva, acima de 15% e, poroutro lado a concentração da riqueza. A analogia nos possibilitaentender os reais motivos que levaram a falência, a fusão e aincorporação das empresas nos últimos anos. Ao fecharem asportas, fundirem e se incorporarem por meio de índices cada vezmais significantes é estabelecido regras e mecanismos diferenciadosentre o mercado e o homem.

Por meio dessa dinâmica do mundo do capital, mesmo quealguns negócios são fadados à morte, se faz necessário para acontinuidade do ciclo da reprodução e, a abertura de novos

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negócios se processa com fins da concentração e manutençãosistêmica. Ao formar e colocar as determinantes do movimento daciranda financeira mundial, ao mesmo tempo aloca a centralizaçãoem mãos de poucos grupos econômicos de forma global e. sedeterminam os movimentos modernos da sanha desvaira docapitalismo.

Aqui cabe uma frase popular, “ao pequeno só lhes resta irpara frente quando tropeça”, ao cair, morrer e nascer novamentese determinam os ciclos reprodutivos. Este é seu papel na avançadae estratégica ação da acumulação, como mecanismo ideal paratransferência da riqueza. Sem, no entanto obter benefício algumpara si no final do processo concentrador, pois, estas prerrogativasforam destinadas aos monopólios e aos cartéis mundiais, quedominam e ditam as regras do mercado e das economias locais,para no final dessa cadeia determinar a dominação universal.

O sistema capitalista mundial em prova

O sistema integrado mundialmente tira a capacidade doEstado de organizar a produção e o trabalho, mas é pelo acuamentodesta responsabilidade que se desintegram as estruturas do mundosistêmico. As regras econômicas impostas ao mundo, por meio docapital organizado assumem para si os movimentos e determinamsuas contradições e crises. São ondas vulcânicas no centrocapitalista que ecoam até a periferia. As incoerências estãopresentes nas representações sociais do mundo, as mesmas ondasque institui o capital e sua formação se voltam contra seu criador,vindo detonar suas bases estruturais e destroem sua razão deexistência.

O sistema vigente só é completo em função das relaçõesestreitas com o Estado, este foi se debilitando e enfraquecendo nasua essência, por conta da dependência e imposições do mercadodominador. A dinâmica vem respaldada pela personificação da coisae da coisificação do ser humano e, no segundo estágio leva abestialização dos governos locais em suas dimensões territoriais esubserviência da humanidade. Fatos dessa natureza sãoobservados nas dinâmicas empenhadas para manter o poder, no

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trato de seus atores sociais, como na identidade ambientaldesequilibrada.

Por outro lado, ao tirar a responsabilidade do Estado comas privatizações, se impõem regras de mercado com mais facilidadee, esse motiva a impotência governamental. Também contradiz alógica capitalista que fornece toda a estrutura para a produçãoampliada, obedecendo aos fins da acumulação de capitais do atualestágio global. A contradição gera mudanças estruturais para omundo do capital, mas a mudança que virá pode ser para afinar aordem já estabelecida através da submissão e dominação doprocesso, ou melhorar para a sociedade de forma global.

Contudo, esta forma capitalista hoje existente agoniza pelacontradição, principalmente pela perca da essência da reprodução,vindo contradizer-se no seu objeto criador. Hoje as 500 maioresempresas planetárias assumem 85% da produção e dacomercialização. O terceiro mundo é pobre porque o primeiro érico, essa é a lógica do capital. Para manter essa dinâmica, se faznecessário destruir todas as possibilidades de mudanças e colocarcamisa de força aos governos e a humanidade, com a finalidadede manter por mais tempo o modelo contraditório e em crise.

O capitalismo está em crise estrutural, no entanto não temesquerda pronta para substituí-lo, está em fase de construção. Asaída será a terceira via? O tempo dirá, mas os sinais estão visíveise os rumos determinam à socialização da riqueza ou a barbárie.Enquanto grupos econômicos centralizam e lucram com os juros eas ações, paradigmas são derrubados, vindo culminar em uma criseecológica, moral, ética e financeira.

O sistema a partir do momento que sai da concentraçãoindividual, partindo para a centralização de capitais e, assume oúltimo estágio por meio da ciranda financeira é contemplado pelosinvestimentos dos juros e das ações, esse se desvia da estrutura elógica da acumulação que é por meio da produção/trabalho. Adinâmica do mercado indica diferentes extremos e, nesses pode-se reconhecer as contradições que determinam os problemaseconômicos, sociais e ambientais. A lógica desencadeia princípiosque quebram os elos da corrente das relações, de um lado temgente que quer comprar mercadorias e não tem dinheiro, por outrotem gente que tem dinheiro e não produz.

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A divergência acontece no momento que os capitais deixamde serem investidos e incorporados na produção, passam a nãoproduzir pelo caminho da lógica capitalista. Nesta etapa, passasomente especular no mercado financeiro. Este fato detona agrande contradição do mundo capitalista, demonstrando assim, aforma como se desintegrará o atual sistema capitalista no futuro.Contudo, na virada do milênio com a hegemonia de um só sistemamundial, monopoliza e acelera sua contradição, conseqüentementese faz necessária uma nova forma articulada no processo deintegração mundial.

As guerras promovidas pela hegemonia do capitalismomundial são para atalhar a crise. Fatos dessa natureza aconteceramna invasão do Afeganistão e do Iraque recentemente, bem comopor sansões econômicas impostas a Cuba. Faz-se necessáriocontrolar as alternativas energéticas por meio de exércitos eimposições, pois o mundo desenvolvido precisa por todos os meiosevitar a explosão social e a forma mais fácil é promovendo a guerra.Ao mesmo tempo em que destrói e controla novas alternativas degerir a humanidade, sem estar atrelada ao grande projeto mundialhegemônico, cria mecanismos de oxigenação da economia nosmoldes da dominação e subserviência.

No atual estágio, a hegemonia mundial contempla em seuseio sua destruição, pois não respeita os princípios da lógica daacumulação, fruto do processo produtivo que agrega valor causadopela exploração e superexploração do trabalho humano. Umamaneira de identificar os sintomas mais claros está na migraçãodas pessoas para as cidades e principalmente de um país para ooutro. Isto pode ser visto pelos Latino-americanos, deslocam-separa os Estados Unidos e para a Europa. A região concentra umapopulação com índices alarmantes, pois em torno de 40% vivemabaixo da linha da pobreza. Todavia isso é fruto histórico, nopassado por ter pensado com o cérebro da Europa e, na atualidadeestá com a mente dominada pelas estratégias dos estadunidenses.A população não tem acesso ao consumo, porém é obrigada aconviver por meio da sociedade capitalista, que separa e exclui.

A contradição também é fruto das desigualdades sociais,tem como limite o próprio capital destruidor e, as condições sociaise ambientais que denunciam. Se historicamente ele chegou ao seulimite de existência, é pelo fato que quem pagou a conta até agora

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foi à classe trabalhadora, agora não tem mais quem a pague, esteé o limite e, desaparece a alternativa de sua manutenção. A partefinal é entrar em colapso, sem saber, no entanto qual será a próximaforma de dominação, ou se pode surgir um sistema diferente do jáexistente, que represente os anseios de toda a sociedade global.

Discorrer sobre esta problemática é polêmico e bastantecontraditório. Quando um sistema só serve para criardesigualdades, culminando na desintegração também das pessoas,resulta em desequilíbrio social generalizado. Até recentementepodia-se dizer, num sistema os melhores vencerão, hoje só umvencerá, este é o ponto final da concentração econômica, este é ofim de um sistema contradizendo-se. O atual demonstra sinais dedebilidade e não satisfaz a sociedade global, também não serve asminorias que sempre dominaram o mundo, visto a forma apuradade excluir homens, organizações e países, por meio do atual estágiodo afunilamento destruidor das regras do capital.

O exemplo típico disto são as fusões e incorporações, é oque aconteceu recentemente com as cervejarias no Brasil. A criseestá em uma bifurcação, embora com um Estado dominado, masem forma de fetiche no auge das representações. Para BRAUDEL

(1998, p. 582), através da “centralização e da concentração docapitalismo é o começo de uma nova fase de desenvolvimento,mas não é de modo algum a crise final do capitalismo”.

O autor se refere as constantes tensões dos meandroseconômicos e sociais promovidos pelo modo capitalista de produçãoe do comércio. Ele considera esse processo normal das dinâmicassistêmicas para manterem o equilíbrio na agregação de valor, porémhoje são considerados os reflexos das crises de forma sistêmica enão mais geográficos. Neste sentido, as próximas décadas podemtraduzir uma passagem, um novo caminho, mas vislumbram-se diasturvos e preocupantes, no entanto, o tom da nova fase que estapor vir, pode desenhar-se no seio da sociedade, você pode participardando a forma e o limite para as futuras gerações do mundo global.

O indivíduo pode buscar a “liberdade não comocomplemento do privilégio, contaminada em sua fonte, mas comoum direito consagrado, que se estende muito além dos estreitoslimites da esfera política e atinge a organização íntima da própriasociedade” (POLANYI, 2000, p. 297). Contudo, “a promessa de umasociedade pós-burguesa vindoura e desmascarada como um regime

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pré-burguês e estagnado de transição para a modernidade, comoo fóssil de um dinossauro pertencente ao heróico passado do capital”(KURZ, 1999, p. 25). Para Santos (2001, p. 125), “o problema centralé o de retomar o curso da história, isto é, recolocar o homem noseu lugar central”. Esta deve ser a grande preocupação dasociedade global, pois, querer um mundo melhor para todos não éum sonho e sim uma premissa possível, basta acreditar e ir à luta,tornando reais os anseios da humanidade deve ser a condiçãopara buscar mudanças de amplitude mundial.

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O sistema capitalista agoniza eO sistema capitalista agoniza eO sistema capitalista agoniza eO sistema capitalista agoniza eO sistema capitalista agoniza enão é solidárionão é solidárionão é solidárionão é solidárionão é solidário³

Contexto histórico sobre a exploração do trabalho

As imposições do sistema capitalista mundial determinampara o mundo do trabalho as diferentes formas de dominação noprocesso histórico mundial. Essas são estratégias engenhadasdentro das determinantes do mundo do capital em conformidadecom as necessidades do processo produtivo ao longo dos tempos,fruto dos interesses e das intervenções dos grandes conglomeradosmultinacionais de forma macro nos tempos modernos. Isso se verificatanto nos países considerados centros do capital, bem como nospaíses de economia capitalista periférica. Nessa perspectiva dalógica do mundo do capital concentrador, o sistema lança e submete,por meio da dominação e do controle, a classe trabalhadorabrasileira, bem como o mundo do trabalho de forma globalizada.

Assim, no mundo do trabalho também as pessoas commelhor situação econômica ou cultural tornaram-se impotentesdiante de tão desagradável fenômeno mundial do desemprego,provocado e criado pela estratégia capitalista mundial por meio dadinâmica de produzir a riqueza via trabalho dos homens. Esses

3 O presente artigo foi publicado por meio do I EMESOL realizado em Cáceres-MT, em agosto de 2003. Esse foi reescrito para essa publicação em agostode 2005.

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fatos desencadeiam vários problemas à sociedade global, aliadosao não comprometimento do Estado com as maiorias. Este por suavez, está atrelado à sanha do sistema capitalista ao longo da históriae impõe as normas à sociedade protegendo as minorias detentorasdo poder econômico e político.

Para entender o processo produtivo, o relacionamento entreos dois atores fundamentais da relação capitalista de produção, docapital/trabalho, faz-se necessário conhecer a evolução do homemno mundo das mercadorias. Nesse sentido é preciso conhecer eentender alguns dos diferentes momentos ocorridos na história dahumanidade, que relaciona o mundo do capital e o mundo dotrabalho. Até 1500, época do descobrimento do Brasil, o trabalhoera organizado apenas em comunidades tribais para produção dealimentos e suprimento das necessidades básicas de subsistência.Para POLANYI (2000, p. 80), “originalmente, o comércio exteriorsempre esteve mais ligado à aventura, exploração, caça, piratariae guerra do que a permuta”.

Depois desta data o trabalho humano inicia um mododiferente na produção, criando assim centros do capital com nívelde controle e poder hegemônico para o mundo das mercadorias,“mas a Revolução Agrícola antecedeu definitivamente à RevoluçãoIndustrial” (POLANYI, 2000, p. 115). Contudo, até a revolução industrialocorrida no final século XVIII, o trabalho e o processo produtivopouco tinham avançado, tanto no que diz respeito à exploraçãodos trabalhadores, bem como na concentração da riqueza global.

Segundo ARRIGHI (1997, p. 6), são identificados quatro ciclosde acumulação capitalista em escala mundial nos últimos cincoséculos: “o ciclo genovês do século XV ao século XVII; o cicloholandês, do fim do século XVI até decorrida a maior parte do séculoXVIII; o ciclo britânico, da segunda metade do século XVIII até oinício do século XX; e o ciclo norte-americano, iniciado no fim doséculo XIX e que prossegue na atual fase de expansão financeira”.

Cada hegemonia mundial reinou por mais de um século e,neste período, tornara-se o centro mundial do capital, ditandotambém as relações trabalhistas. Contudo, o processo mais apuradona formação de extremos entre o capital e o trabalho começa naInglaterra com a industrialização da produção, logo depois seespalhou para o resto do mundo. Este fato foi possível com oaperfeiçoamento do motor a vapor por James Watt, período

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chamado de revolução do carvão e do ferro, mais tarde veiodesencadear a revolução do aço e da eletricidade.

Com o surgimento das indústrias mecanizadas, antesconstituídas de pequenas oficinas de artesanato, surge anecessidade de formar quadros de operários para suprir asnecessidades de inserção de trabalhadores nas indústrias melhoresaparelhadas. Com o surgimento das fábricas e o domínio dasindústrias pela ciência, houve um processo migratório maisacentuado de trabalhadores das áreas agrícolas para formaremaglomerados nas grandes cidades industrializadas.

Com a finalidade de formar a força de trabalho, desenvolve-se “a sociedade urbana, sociedade que nasce da industrialização”(LEFEBVRE, 1999, p. 15). Esse fato vem demonstrar que, “aconcentração da população acompanha os meios de produção”(LEFEBVRE, 1999, p. 17). Assim, um século foi equivalente há ummilênio, por esse motivo foi chamado de revolução industrial. Opagamento da força de trabalho passa ser o assalariamento, a novaforma de revolucionar a relação produção/trabalho no sistemacapitalista industrial, ocorrendo, na prática, a passagem docapitalismo mercantil praticado antes da revolução industrial paraum processo avançado e direcionando, por meio de uma novaordem mundial, o capitalismo industrial.

O desenvolvimento da produção dessa época foi bastanteacentuado, embora as empresas no seu dia-a-dia introduzissemmétodos organizacionais e formas de trabalho com base noimproviso. Desta maneira, a organização militar, a religiosa, osfilósofos e os economistas passaram a servir de espelho na criaçãode novos padrões de mudanças estruturais, bem como a orientaros conceitos de organização adquiridos ao longo dos tempos. Asinstituições passam a determinar os princípios de comando,hierarquia, autoridade, planejamento, direção, disciplina e controle,tanto no trabalho como na produção.No decorrer dos tempos começam a surgir problemas de ordemprodutiva e trabalhista, as organizações passam a se desenvolverde modo exponencial e os problemas inerentes ao processo demão-de-obra nas fábricas se acentuam a cada dia surgindo, assim,conflitos entre a força de trabalho e o processo produtivo. Com osurgimento dos conflitos entre as diferentes classes e pelos

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interesses antagônicos existentes, faz-se necessária a introduçãode leis trabalhistas e a atuação dos sindicatos com maior empenhoe determinação. Assim, criou-se uma nova estrutura no que dizrespeito a minimizar os problemas da classe trabalhadora e dasorganizações.

KARL MARX, na metade do século XIX, em plena atividadeindustrial na Inglaterra, passa a demonstrar com maior clareza ascondições de trabalho, e passa a se opor à lógica da concentraçãoda riqueza através da mais-valia no processo produtivo, e considerao capitalismo um modo de produção transitório. Também ponderaas crises cíclicas da economia capitalista o fator determinante paraas contradições internas do capital e isto fará surgir um modo deprodução socializado. A teoria política Marxista, também conhecidacomo socialismo científico, vê na luta de classe o motor da novaperspectiva dos proletários e identifica o Estado a serviço dasclasses dominantes.

Marx, ao aperfeiçoar as teorias já existentes sobre a relaçãocapital/trabalho no processo industrial, organiza seu pensamentono sentido de orientar a força de trabalho, o grau de exploraçãoimposto na relação concentradora de capitais. Nesse sentido opõe-se às estratégias do Estado e da classe burguesa dominante noseu conjunto de ações, e considera ambos a serviço da organizaçãocapitalista concentradora, contrária aos interesses da classetrabalhadora dependente. Considera os empresários objetosapenas de lucro para concentrar a riqueza, fruto do trabalho humanonão socializado no processo produtivo. Dessa forma, “o trabalhadornão produz para si, mas para o capital. Por isso não é mais suficienteque ele apenas produza. Ele tem de produzir mais-valia” (MARX,1998: 578). O trabalhador passa a ser “a galinha dos ovos de ouro”do capitalista, pois somente o trabalho humano tem a capacidadede produzir a riqueza, mas esta vai parar em mãos da classedominante.

Por outro lado, surgiu posteriormente, no início do séculoXX, o estudo de FREDERICK W. TAYLOR nos Estados Unidos, com oobjetivo de apurar os esboços da administração científica comênfase à realização e organização do trabalho de forma capitalista.Passa a influenciar na produção e a melhor utilização dostrabalhadores no processo produtivo. Para TAYLOR (1994: 24), “oprincipal objetivo da administração deve ser o de assegurar o máximo

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de prosperidade ao patrão e, ao mesmo tempo, o máximo deprosperidade ao empregado”. Porém, verifica-se uma prosperidadediferenciada entre as duas classes. A capitalista com a possibilidadede concentrar riquezas e a força de trabalho de se confinar noprocesso produtivo com o intento de reproduzir a espécie e subsistir.

Simultaneamente, na França, HENRY FAYOL realiza estudosquanto ao processo administrativo do capital, dando ênfase àestrutura da organização empresarial de forma capitalista. Osestudos de TAYLOR E FAYOL com bases, conceitos e princípios daépoca, tentam dar uma nova estrutura ao trabalho e a organizaçãode domínio empresarial, com um período conhecido como “O HomemEconômico”.

Vários outros pesquisadores da Administraçãoaperfeiçoaram os estudos Tayloristas e outros se colocam contrários,como é o caso de GEORGE ELTON MAYO, com abordagem humanista“O homem Social”. Max Weber aborda a organização daadministração, “O homem Organizacional e o Ambiente”. Nessatrajetória da humanidade muitos outros estudiosos contribuíram,aperfeiçoando as teorias já existentes e criando outras conformeas necessidades da época.

Faz-se necessário entender a evolução da sociedadeorganizada, pois assim, pode-se compreender os problemas vividosna atualidade. Nessa tendência e desarticulação do mundosistêmico capitalista ou não, verifica-se o fechamento de empregose de empresas, proporcionado pelo conhecimento humano,principalmente pela revolução tecnológica, em que tende,gradativamente, a substituir o homem pela máquina e a pequenaorganização familiar por grandes conglomerados multinacionais.

Passa a fazer parte do processo produtivo a máquinaautomatizada e o fim da força física no trabalho. O mundo dotrabalho/produção tem mecanismos diversos a sua disposição,todavia se sobressaem por meio da computação, da robótica, dacibernética e da automação. Ao mesmo tempo em que evoluitecnologicamente o modelo impulsionado pelo pensamento únicode hoje, também desenvolve mazelas na sociedade global, e nãoconseguem garantir a solidariedade aos demais atores sociais.

Os momentos vividos recentemente na revolução industriale a depressão ocorrida em 1929 transferem definitivamente o centrodo capital mundial da Inglaterra para o limite e controle dos

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estadunidenses, sendo, fruto da crise depressiva da produçãomundial da época. Após a primeira grande Guerra Mundial, ocorridaentre 1914 a 1919, a Europa fica empobrecida e assim osestadunidenses se transformam no novo centro mundial do capital.

Nesse período ocorreram falências de empresas e umelevado desemprego das massas, vindo culminar numa crisemundial em cadeia, diferente da que ocorre nos dias atuais, pois odesemprego é proporcionado pela revolução tecnológica e pelasanha da centralização de capitais de forma socializada dos juros edas ações. O sistema capitalista não necessita mais ir somente àprodução e ao trabalho para concentrar a riqueza, pode encontrara fórmula mágica da acumulação por meio das opções do mercado,fugindo de sua lógica existencial.

É interessante verificar que o sistema capitalista só tem razãode existir pela fórmula mágica da relação produção/trabalho, com afinalidade de produzir mercadorias para obtenção de lucroconseguido pela mais-valia. A partir do momento que os capitalistasbuscam novas alternativas para reprodução de capitais, se contradiza dialética, a qual justifica a existência do sistema. Identifica-se umnovo momento nas relações de mercado global por meio da crisesistêmica da atualidade. O dinheiro deixa de ir à produção paragerar mercadorias e trabalho, e passa a se reproduzir nacontabilidade virtual. Por outro lado, o desemprego gera umapopulação sem poder de compra e os capitalistas com capital, masnão buscam a produção de mercadorias para reprodução.

Esta relação identifica dois fatos fundamentais: no primeirocaso, o sistema global não vai à produção, mas tem dinheiro nomercado financeiro que não gera produção e trabalho e no segundocaso, a população deixa de consumir e passa necessidades porfalta do poder de compra e não por falta das mercadorias e/oucapacidade produtiva. A nova dinâmica do mundo do capital perturbasua lógica de existir e identifica pontos de estrangulamento na suaessência, entrando em crise sistêmica generalizada. O sistemahegemônico ou do pensamento único mundial passa a não dar maisconta de organizar a humanidade, mesmo dentro de uma estruturade exploração mundial e demonstra fortes sinais de seu esgotamentoe debilidade.

No atual estágio de perturbação do sistema mundial, eledemonstra a não mais necessidade de existir, e a sua superaçãopossivelmente pode se efetivar nas próximas décadas. Na virada

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de século, as estratégias para sustentação do poder econômico,político e militar mundial são redobradas, tendo que explorar o mundopara sustentar as metas de manutenção do centro do capital mundiale, conseqüentemente a manutenção do sistema global através daordem capitalista com visíveis sinais de perturbação sistêmica. Ascrises atuais são atalhadas por meio das guerras, com a finalidadede dinamizar a economia abastecendo os exércitos.

Exemplos recentes dessa natureza são as invasõesprovocadas pelos estadunidenses e seus aliados ao Afeganistãoe no Iraque. Também a caótica situação da África causada pelovírus da Aids. Na atualidade 50% da população está contaminada,todavia pesam sérias suspeitas desse ser fruto de laboratório eperda de controle. Como é sabido o mundo desenvolvido usa asperiferias do capital para realizar experimentos, e a Amazôniabrasileira também é vitima desse episódio, principalmente noperíodo da ditadura militar iniciada em 1964, por meio deexperiências com produtos tóxicos, tais como: o tordon e o agentelaranja e branco, esses para uso na agricultura e na guerra doVietnã (PICOLI, 2004c, p. 82).

Nesse processo destrutivo da essência do capitalismohegemônico, vive-se a revolução da marginalização e da exclusãodos indivíduos. Acontece o movimento contrário do início darevolução industrial que chamava o homem do campo para asgrandes cidades. Hoje, o projeto engenhado pelo sistema capitalistaexpele a força de trabalho, excluindo as pessoas do trabalho e dascidades. Não é difícil entender o que leva um grande contingentede pessoas flutuarem em busca de trabalho e terra, muitos até semnenhuma perspectiva de vida, apenas para subsistir e reproduzir aespécie humana.

Estes atores sociais buscam fugir dos conflitos das cidades,não tendo onde morar, nem para onde ir, muito menos comogarantirem sua dignidade e sua subsistência para si e sua família.Para muitos, partir para a informalidade, uma nova forma de venceros obstáculos do desemprego e fugir da marginalidade. A falta dealternativas encaminha o mundo dos homens à barbárie. Em 2005,o Brasil ficou com o segundo lugar mundial em violência, esse perdeuapenas ao nosso país vizinha a Bolívia. Enquanto o pensamentoúnico é imposto ao mundo por meio dos movimentos da globalização,a indústria do crime prolifera na mesma proporção na cidade e nocampo.

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A contradição da dinâmica mundial reflete no seio dasociedade. Na perspectiva dos tempos modernos ocorre oaperfeiçoamento do setor produtivo com novas tecnologias quesubstituem o homem pela máquina automatizada. As empresas quenecessitavam de 100 empregados conseguem produzir melhor ecom mais qualidade com apenas 20 ou 30 trabalhadores, ou atémenos. É interessante verificar as previsões de RIFKIN em seu livro“O fim do emprego”, em que ele afirma que, dentro de 30 anos,menos de 2% da atual força de trabalho é suficiente para cobrir aprodução de todos os bens necessários para a humanidade.

O fenômeno do desemprego e a substituição do homempela máquina são vistos em todas as áreas do processo produtivo.Contudo, não se pode negar que o fim de alguns empregos e dealgumas profissões cria outros, mas em proporções menores. Essefato pode ser visto principalmente na última década, o desempregoocorre nas indústrias, no comércio, nas empresas prestadoras deserviços, bem como na agropecuária. Nesta última, tornou-se maisevidente por deixar de existir o trabalho de pessoas que seocupavam com contratos de parceria na agricultura e pecuária.Hoje, esses setores necessitam de pouca mão-de-obra, vista aimplantação de uma agropecuária de monocultura movida pormáquinas aperfeiçoadas e para servir ao mercado mundial. Assim,terá um grande contingente de trabalhadores tornando-osflutuantes, que vão compor o exército industrial de reserva disponívelem potencial e latente do País.

É difícil entender o que se passa na atual conjunturatrabalhista sem conhecer o processo histórico do mundo do capitale do trabalho. Estes fornecem parâmetros para verificar asproporções que esta avalanche de incertezas pode causar ao futuroda humanidade. Será o fim do emprego, ou o momento crucial dacontradição do processo produtivo do mundo do capital? Comoeste Estado débil e comprometido com o sistema capitalista poderáreverter este quadro caótico das desigualdades sociais? A crisesistêmica será o início do fim do sistema capitalista, sua superação,ou ainda este conseguirá se reabilitar e se adequar retomando sualógica de existir? Para refletir melhor usar-se-á a velha fraseconhecida de todos. “Será o fim dos tempos, ou a besta fera queanda solta”? É possível uma terceira via que contemple odesenvolvimento humano?

Tem-se a demonstração clara que a produção dodesemprego e das desigualdades sociais sempre foi objetivo maiordo sistema capitalista ao longo dos tempos, pois consegue organizar

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o exército industrial de reserva de forma estruturada e sem limitespara extrair mais-valia, a jóia dourada do mundo do capital. No atualestágio evolutivo da humanidade se perdeu o controle da lógica docapitalismo existir e corta na sua própria carne, profundamente, enão consegue superar sua fragilidade por meio das suascontradições.

A partir do momento que o capital elege as fórmulas deacumulação via juros e ações e sai em partes do processo produtivo,ele começa a entrar em crise e abala todas as estruturas do modeloque o concebe. Dessa forma, o mundo entra numa crise sistêmicaglobal e o homem se torna refém. A solidariedade que, até então,nunca teve espaço no mundo do capital, tornou-se uma necessidadedos homens. A delinqüência e a exclusão social apresentam grandessinais do descontrole das garantias soberanas das nações e doscidadãos. As elites produziram a pobreza e a marginalização doshomens ao longo da história e, agora tem vergonha e medo da suaprópria criação.

No trabalho se esconde a dominação do sistema capitalista

Por meio da exploração do trabalho do homem esconde-sea volúpia, a exacerbação e a sanha concentradora do sistemacapitalista imposto ao mundo dos homens. Por outro lado, a forçade trabalho é entendida historicamente como a forma do homemsentir-se útil e ao mesmo tempo garantir a subsistência necessáriaa sua sobrevivência e a dos seus; bem como dar continuidade àespécie com o objetivo de formar o exército industrial de reservapermanente a disposição das estratégias do capital, para servir aosistema através da lógica da dominação dos homens.

Através desse entendimento “a dominação econômica, queé a forma mais geral, e para onde vão desaguar quase todas asoutras, acontece sempre que alguém rouba, expropria, acapacidade (poder) de trabalho de outras pessoas. O trabalhohumano é a fonte única de riqueza das nações. É só o trabalho quepode ser explorado, nada mais” (GUARESCHI, 2002, p. 92). Dessamaneira ao longo da história uns trabalham mais em detrimento

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dos que manipulam e, assim, tiraram vantagens da força detrabalho. É a meta final da acumulação capitalista, pois é no trabalhodo homem que se esconde a lógica capitalista de existir. Por meiodessa lógica da sobrevivência, é normal o ser humano só trabalharo necessário para sua subsistência; mas é mediante os mecanismosque lhes são oferecidos e impostos que se determina a quantidade,a intensidade do trabalho e o valor dos salários, concretizando assim,o grau de exploração e de superexploração do trabalho humanocom fins da concentração e centralização de capitais para asminorias.

A superexploração do homem é um processo maisavantajado nas táticas de exploração da força de trabalho. A classetrabalhadora passa se reproduzir e subsistir com valor abaixo donormal e transita por um estágio avançado de desigualdades narelação com o processo produtivo. Isso é possível em Países decapitalismo periférico, principalmente em regiões mais afastadas,como é o caso da região amazônica (PICOLI, 2004d, p. 116).Analisando a trajetória da humanidade percebe-se que uns seapropriam do trabalho dos outros. Foi o que aconteceu no passadoe é o que continua acontecendo, perpetuando a história daescravização dos trabalhadores. O fenômeno de hoje acontece viaassalariamento da força de trabalho. No passado, escravizava-seo trabalho dos negros e dos nativos, mas como um toque de mágica,aboliu-se a escravidão formando o conceito de grande feito para ahumanidade, a liberdade no trabalho.

Assim, “a escravatura e a servidão têm existido emconformidade com a índole da produção e têm desaparecido quandoo grau de desenvolvimento desta torna mais útil o trabalho dohomem livre que do escravo ou do servo” (MARX, 1998, p. 18). Anova lógica que rege o mundo do capital se apresenta através daestratégia da concentração, mesmo favorecendo apenas parte dahumanidade, aqueles que comandam a produção.

O capital concentrado em mãos dos capitalistas é fruto damais-valia do passado extorquida da classe trabalhadora. Noentanto, os escravocratas apresentam-se de maneira diferente,criam novos mecanismos de exploração e agravam ainda mais ascondições de trabalho, chegando a superexploração na relaçãocom a mão-de-obra, tudo em nome da liberdade do indivíduo, masescravizando o seu próprio livre-arbítrio.

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No caso brasileiro, a partir de sua descoberta, produziu-seem nome de alguém, os produtos nascem para servir ao mercadomundial. De início, para Portugal fazendo o papel de colônia ondeos recursos naturais eram sugados e ao mesmo tempo tiravamproveito do trabalho escravo não livre. Hoje, o País continua sendoexplorado da mesma forma e ainda com algumas vantagens aosaproveitadores internacionais, que intensificam o trabalho eexploram os recursos naturais, vindo a piratear a riqueza aquiexistente, utilizando-se da superexploração com a classetrabalhadora, porém de forma “livre”. Nesta nova dinâmica de trataro modo de produção, faz-se necessário que exista um capitalistadisposto a explorar o trabalho de alguém. Não existindo este a suadisposição, disposto a sugá-lo, o trabalhador fica desempregado esem assistência de um Estado debilitado e comprometido com asestruturas globais.

No modo de produção imposto pelo capitalismo periférico,consegue-se criar formas de intensificação, de prolongamento dasjornadas e de redução dos salários. Assim, o mundo do capitalconsegue garantir excedentes maiores dos já concebidos na relaçãocapital/trabalho, por meio dos mecanismos da superexploração quevai formar a acumulação capitalista sem limites e sem fronteiraspor meio as imposições que atendam às necessidades contínuasda acumulação e sua lógica. Concretizando-se assim, a dinâmicada concentração, que vai formar a grande riqueza do mundo docapital constituída pelo trabalho do homem, aliado à exploraçãodas riquezas naturais que são pirateadas, seqüestradas e do roubolegalizado por parte dos países dominantes.

O capital sempre incentiva e condiciona a classetrabalhadora impondo conceitos com velhos chavões como: “otrabalho dignifica o homem”, “o homem é fruto de seu trabalho”,entre outras maneiras de formar consenso na classe trabalhadorae facilitar a reprodução de capitais. São táticas para beneficiar aclasse burguesa, pois os trabalhadores prestam trabalho paraproporcionar a acumulação de capital e a centralização de formasocializada dos juros e das ações, em escala mundial ampliadapela contabilidade virtual.

Nessa batalha contra os trabalhadores, tornou-se históricaa união entre o Estado e o capital, pois, quando necessário, oprimeiro sai em apoio do capitalista, vindo encarregar-se de oprimir

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o trabalhador, e o segundo, pede apoio com a finalidade de realizara exploração de forma ampla e irrestrita. Esta união faz-senecessária, pois “o capitalismo só triunfa quando se identifica como Estado, quando ele é o Estado” (BRAUDEL, 1987, p. 55).

Nessa perspectiva ocorre a mais-valia coletiva, fruto daintervenção do Estado com mecanismos de controle, de submissão,de obediência e das imposições às massas, sendo estes de formaditatorial ou não. Este fenômeno ficou bem definido no período daditadura militar brasileira entre 1964 a 1985. No entanto, é possívelmesmo em países com o regime democrático, pois é ali que toda aestrutura da exploração fica camuflada no manto da liberdade, masna verdade não passa de uma forma de ditadura financeiraarquitetada na sua estrutura global Os esforços das elites quecomandam o capital e o Estado são no intento sempre de colocarem prática a lógica do sistema que domina a humanidade,acompanhados de mecanismos que proporcionam a concentraçãoda riqueza nas mãos de grandes conglomerados nacionais einternacionais.

Atualmente, com a investida mundial da globalização demercados, com mecanismos de maior intensificação no processoacumulador, países avançados como Estados Unidos, Japão ealguns países do continente europeu, continuam fazendo o quesempre o capital mundial fez, tirar proveito usando a velha tática daopressão e dos favores como estratégia de controle e submissão.Também, quando necessário, usam sanções econômicas e militarescontra Países de economia dependente, sempre com o objetivo deinterferir nos movimentos globais para beneficiar o mundo do capital.

Em outras palavras, buscam tirar vantagens de todas asformas dos Países do terceiro mundo que compõem a periferia domercado capitalista mundial. O capital multinacional, representadopor grandes conglomerados econômicos, transfere suas indústriaspara países subdesenvolvidos, onde a mão-de-obra é de baixocusto, os recursos naturais não são respeitados, contribuindo paraa formação de lucros em escala ampliada e muitas vezes sem limites.Os produtos aqui produzidos são levados para os grandes centrosmundiais e lá apenas objetivam agregar valor através dasmercadorias elaboradas. Passam a produzir com mais lucro e sãotransferidos para o primeiro mundo de forma legal, porém de formaimoral e de desrespeito aos princípios de cidadania e solidariedade.

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Mesmo assim, os Países que dominam o mercado não conseguemsocializar a riqueza seqüestrada nas transações de dominação paratodos.

Nestes países, formou-se uma pobreza periférica muitogrande, os lucros ficam concentrados nas mãos dos grandesconglomerados e não são distribuídos à população. O crescimentoeconômico, não se traduz em desenvolvimento, e são identificadosdesequilíbrios sociais. Mesmo em centros do capital, formaram-sedois extremos, um de ricos e o outro de pobres e marginalizados,pois o sistema capitalista, na sua essência, objetiva apenas aacumulação dos grupos organizados e não de proteger osindivíduos, independente da nação, rica ou pobre.

Por outro lado, a situação agrava-se nos Países de terceiromundo. A estes lhes restam às migalhas de um grande bolo que émuito mal dividido globalmente, e os extremos entre a riqueza e apobreza são mais acentuados. Exemplo claro desta relação é oque acontece no Brasil. Nesta condição de desigualdade, emprimeiro lugar, a fatia maior dos lucros é extorquida e transferidapara outros centros capitalistas, e o que fica serve para formarextremos da desigualdade. Em segundo lugar, resta aos Paísesprodutores a socialização dos problemas sociais e dos desequilíbriosambientais. Em terceiro lugar, os países pobres ficam com asensação de grande favor pelo fetiche do capital organizado e lhespagam estes benefícios com o comprometimento das estruturasdemocráticas, e assim nos passam a sensação de um Estadoincompetente e inoperante no sentido das necessidades dasmassas. O pagamento da dívida externa cumpre datasdeterminadas, contribuindo para agravar o empobrecimento, odesequilíbrio social dos Países endividados, bem como produzdependência econômica, política e social junto aos Paíseschamados centros do capital.

A submissão e a dependência tornam-se a regra geral parao comando organizado. Estas são as condições impostas aos Paísesatrasados, a única forma de participar das migalhas oferecidas peloprimeiro mundo da dominação e da imposição. Por meio daimposição, conseguem potencializar as determinantes dasuperexploração nos países dependentes, determinando as regraspara submeter a violência social pela imposição econômica,

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trazendo conseqüências de forma generalizada, bem como a nãodistribuição socializada dos benefícios da produção da riqueza.

Assim, a produção interna de empresas nacionais e dostrabalhadores nos Países do terceiro mundo, fica empenhada nopagamento da dívida externa. Estes são orientados em baixar ossalários e tributar as operações internas, no sentido de garantir alógica do capital na forma mais ampla de dominação dos homens.

A não assistência dos benefícios às populações locais, queexclui o homem, não pode se reverter em benefícios da educação,da saúde, da segurança e em outros direitos sociais dahumanidade. Estes valores são transferidos aos Países ricos, nosquais o Fundo Monetário Internacional faz a ponte entre oscapitalistas dominadores e os Países dependentes, demonstrandoo poder de grande líder e ditador mundial. Essa interferência coloca-se a serviço dos interesses do sistema hegemônico ou dopensamento único dominador, vindo preservar a estrutura dosgrandes conglomerados multinacionais.

Nessa relação, os países dependentes passam a pedir sua“benção ao grande pai FMI”, ele atua por meio das nações centrosdo capital. Este determina as regras de mercado e o grau desubmissão e obediência na relação, bem como as sanções deviolência contra os Países expostos ao modo capitalista deconcentração da riqueza, sempre em detrimento ao mundo daconcentração e sua lógica. Também acontece a perda da soberaniadas nações dependentes, num processo adiantado de imposiçõesditatoriais econômicas e políticas. Assim por meio da dialéticadominadora, “as reformas patrocinadas pelo FMI contribuíram paraa polarização social e o empobrecimento de todos os setores dapopulação” (CHOSSUDOVSKY, 1999, p. 182) mundial e brasileira. Alémdisso, “o Estado está falido e seus bens estão sendo liquidados noprograma de privatização” (CHOSSUDOVSKY, 1999, p. 183). O autoridentifica um Estado também empobrecido, pois ao tirar aresponsabilidade do setor público de gerir serviços à população, éretirada a possibilidade deste de fomentar serviços sociais parabeneficiar as necessidades básicas da população de forma geral.

Nas determinações usam-se as prerrogativas e as condiçõesimpostas ao mundo do trabalho. Para ficar forçando os Paísesdevedores pagarem suas dívidas externas através da deterioraçãosocial dos grupos internos, da marginalização das pessoas e da

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exclusão final de parte das massas. Este processo vem aliado àscondições permanentes de negociação de forma desigual, com ascondições previamente estabelecidas na relação dominador/dominado, que nunca deixam saldar suas dívidas, pois esta,propositadamente torna-se a cada dia maior e não tem comoobjetivo a concretização final do seu pagamento. Assim, a“escravidão livre”, também, não se acaba e sempre tem alguém aserviço do capital mundial de maneira legal e “democrática” sendoexplorado.

A cada nova negociação os governantes do terceiro mundocomprometem mais seus Países e a sua soberania. É o que estáacontecendo hoje com o Brasil, o México e principalmente com aArgentina e o Uruguai. Isso pode ser atribuído como uma formadisfarçada de escravização do homem moderno em liberdade, mascom mãos e pés atados pelo sistema dominador devido a exploraçãodo homem pelo próprio homem. A escravização continua de formacamuflada e somente por isto que acabaram com a forma fechada,pois, aparentemente, possuem outros mecanismos muito maisavançados à sua disposição, apresentando-se de formacondicionadora, aberta e democrática, bem como de forma livre esem limites na intervenção do poder dominador. O livre-arbítrio é omeio de o homem seduzir e expor o seu corpo nas relações detrabalho.

Desta forma, o fetiche se torna uma enganação da liberdadeno trabalho, porém impera na sociedade moderna, assim conseguemtáticas que exploram até a última gota de suor da força de trabalho,não se respeitando os recursos naturais dos Países do terceiromundo. Isso proporciona a marginalização e a exclusão social emcadeia, tanto dos países dependentes, como das pessoas que nelesvivem. Esta é a forma do capital comportar-se e tirar proveito dasituação por ele criada, em detrimento dos que se relacionam deforma dependente e submissa em uma relação desigual.

Por meio do monopólio tecnológico e da economia demercado, os Países que compõem o G-3, dos Estados Unidos,Japão e Comunidade Européia, vislumbram a intensificação aindamaior da exploração internacional, tanto do trabalho humano comoda economia dependente e globalizada. O Brasil tornou-se alvodos interesses mundiais, pois se possuí recursos naturais emabundância, espaço físico de forma ampliada, mão-de-obra barata

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e sujeita à superexploração, aliados a um Estado que se apresentade forma submissa e propensa às condições de dominação docapital mundial, subordinado às relações de imposições de mercado.

Assim, o processo capitalista imposto ao Brasil é tudo o queo mundo do capital procura. Nesse sentido, no Brasil há asubmissão, obediência e dependência das estruturas capitalistasque impõem e controlam a lógica do pensamento único. No processode intervenção mundial, as estratégias são acompanhadas pelacorrupção do processo tributário, dos desmandos e da indústriado crime enraizada na economia e na política local, vindo a facilitara apropriação mundial da economia brasileira de forma legalizada.Nessa trajetória, fo país fora explorado no passado como colônia,explorado no presente pela submissão e dependência, mascontinuar-se-á sendo superexplorados no futuro pelas estratégiase imposições deste arquitetado sistema de dominação.

Resta a certeza de que a escravidão continua permeandoas relações, apenas apresenta-se de maneira diferente; ela vemcamuflada nas condicionantes da liberdade, tornando-se real e legalpelos mecanismos criados pela astúcia do conjunto dominador, queatua dentro e fora do País. Por outro lado, é preciso encontrarmecanismos para sair desta enganação da exploração sistêmica.Tornar-se livre da escravidão moderna deve ser a meta de toda ahumanidade. Assim, poder repelir todas as formas que determinamas desigualdades sociais, a marginalização e a exclusão social dahumanidade. Faz-se necessário incluir os excluídos, ver o homemcomo centro dos interesses globais, e assim preservar a cidadaniade forma solidária para garantir uma melhor relação entre homeme a natureza.

Terceirização: um dos modismos da superexploração

Terceirização é uma prática de contratar serviços externosde empresas que vão somar no processo produtivo, vindo afavorecer os grandes conglomerados nacionais e multinacionais eempresas de porte médio. Esta é uma prática inovadora, que retrataos modismos da atualidade e tem como objetivo maior burlar asrelações de trabalho e comprometer a já perturbada forma de

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exploração do proletariado global. Utilizando-se dessa estratégia,as empresas que fazem uso da terceirização, geralmente, contratamas atividades periféricas das administrações e que cumprem papelsecundário na organização, ficam as funções principais sobre oscuidados da própria empresa. Têm como objetivo reduzir custosfinanceiros, por meio do barateamento das despesas eprincipalmente com gastos de pessoal. Nesse sentido, podemacontecer sensíveis melhorias nos serviços, pois empresasespecializadas vão aperfeiçoar a aplicabilidade dentro de umafunção específica, ocorrendo grandes transformações e melhoriasnos serviços públicos e privados.

Teoricamente é isto que acontece, mas na prática algumasadministrações públicas passam a transgredir seu objetivo principal,que é reduzir custos. É nelas apenas se quer concentrar odirecionamento dos relatos e exemplos do dia-a-dia. Torna-se salutarverificar o depoimento do presidente da Petrobras, HENRI PHILIPPE

REICHSTUL, por ocasião do acidente da P-36 no ano de 2001, queceifou a vida de onze trabalhadores. Ele afirma que 2/3 dosfuncionários da empresas eram de forma terceirizada, contrariandoas expectativas de serviço de qualidade, onde diz, “a qualidadedos serviços da terceirização não se comparam com os nossos”. Aempresa, neste mesmo ano, ficou exposta a vários outros acidentescom perdas humanas, financeiras e principalmente ambientais,provando a baixa qualidade dos serviços prestados pelas empresasde terceirização.

O que acontece é a transferência de responsabilidade paragrupos empresariais que vão simplesmente ganhar à custa dosórgãos públicos, bem como agravar a exploração da classetrabalhadora. O seu desrespeito chega à superexploração e oaniquilamento da classe. No Brasil, pela falta de seriedade e acorrupção, podem ser agregados vícios administrativos e políticos,as licitações nem sempre são feitas de forma clara e transparente,comprometem toda a estrutura organizacional e a qualidade dosserviços terceirizados. Geralmente são feitas burlando leis enormatizações, que dizem respeito ao processo administrativo esua legalidade, embora com a aparência organizacional emecanismos de legalidade.

Alguns administradores públicos de forma irresponsávelfogem da verdadeira função para que fossem eleitos, entregam osserviços em mãos de empresas que compõem blocos de

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sustentação política e não leva em conta a sociedade, mas sim osinteresses econômicos de forma protecionista. O corporativismona administração pública em muitos casos serve para beneficiarempresas, para estas tirarem proveito do erário público, emdetrimento dos benefícios e direitos dos cidadãos.

Essa relação deixa vínculos de comprometimento doscontemplados para garantirem benefícios recíprocos nas relaçõesposteriores. Assim, de um lado existe um grande esforço emfavorecer certos grupos estratégicos, por outro a obrigação decontribuir financeiramente em campanhas políticas e outraspossibilidades de interesse organizado. A vitória política dosprotetores é a garantia da permanência dos favores aos protegidosno decorrer das administrações.

Para a classe trabalhadora, essa nova estratégia traz sériasconseqüências de ordem trabalhista e, principalmente, perdassalariais coletivas. Teve-se a oportunidade de visitar um órgãopúblico em 2003, onde ocorria a terceirização. Estavam sobre aresponsabilidade de empresas prestadoras de serviços a segurançae a limpeza. Percebeu-se que alguns funcionários continuavam naantiga estrutura, mas todos faziam a mesma função, conforme suaespecialidade. Em algumas funções os de carreira percebiam R$670,00, enquanto os terceirizados percebiam R$ 240,00 na mesmafunção. Só não recebiam menos porque a legislação trabalhistaproíbe salário menor que o mínimo (em maio de 2005, de R$300,00). O que chama a atenção é que nesta história toda, umafuncionária disse, “o nosso chefe pede para ficar sempre sorrindo”.Depois na conversa continuou, “só se a gente sorri da nossa própriadesgraça”.

Fatos desta natureza são possíveis, os modismos nascemcom o fiel propósito de proteger as relações do Estado e do capital.Nas empresas privadas a situação não é diferente, é semelhante adas estatais. Em momento algum se cria modismos para favorecera força de trabalho, mas com o firme propósito de produzir mais ecom qualidade para o mercado, e também com a finalidade degarantir as altas taxas de lucratividade, fruto da mais-valia dostrabalhadores.

Isso causou certo desconforto, pois R$ 670,00 subtraindode R$ 240,00, resulta em uma diferença de R$ 430,00, visto que ocusto a este órgão público continua sendo próximo de 670,00 por

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funcionário. A matemática aqui é clara, quem ganha é o agenciadorde trabalho da força física, aquele que não trabalha, mas suga aclasse trabalhadora, originando nesta relação uma forma deescravidão moderna em liberdade, com vínculo e poderescravocrata. Esse trabalhador é colocado em camisa de força, enecessita encontrar no mercado um capitalista que queira explorá-lo, porém é identificado por meio de uma condição de livre-arbítrio.

O trabalhador tornou-se vulnerável ao sistema explorador,a humilhação chega ao extremo na relação trabalhista, e estenecessita encontrar alguém para superexplorá-lo. Existe “ummercado global utilizando esse sistema de técnicas e resulta nestaglobalização perversa” (SANTOS, 2001, p. 24), onde o homem éobjeto do sistema que o domina e o explora. Assim, “a pobrezaglobal é um item introduzido no rol da oferta, o sistema econômicoglobal alimenta-se da mão-de-obra barata” (CHOSSUDOVSKY, 1999,p. 65).

Nessa nova forma de dominação, já não basta explorar aclasse trabalhadora sugando-lhe a força e as perspectivas de ummundo melhor, é tirado do trabalhador qualquer possibilidade desonhar e de trabalho digno e livre de verdade. O processo detrabalho compromete toda a estrutura familiar e torna o trabalhadormais submisso e melhor controlado pelas organizações econômicas.Ao se ampliar o regime de trabalho com acentuado aumento nataxa de mais-valia retirada por meio de inovações e modismos coma força de trabalho, consequentemente ocorre a concentração docapital de forma ampliada e sem restrições.

O trabalhador está jogado e propenso às astúcias dosconglomerados econômicos e políticos, vindo a reduzirsignificativamente seu salário, acompanhado do prolongamento eda intensificação da jornada de trabalho. Isto é possível peloadiantado estado de impotência do Estado e dos sindicatosrepresentativos. Este processo excêntrico nasce do objetivo maiordo capital em obterem adicionais na produção, em nome do lucrofácil, à custa do trabalho alheio e, assim necessita extorquir sempremais trabalho para efetivar maior lucratividade, como objetiva darfôlego ao sistema dominador em crise e adiar o seu colapso.

No atual estágio do capitalismo financeiro, “o trabalhadorfaz o contrato de trabalho porque as condições sociais não lhesdão alternativa para ganhar a vida” (BRAVERMAN, 1981, p. 55). A

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dependência estrutural do modo capitalista de produção, nãopossibilita vislumbrarem alternativas a não ser submeter-se àsdeterminações impostas, pelas relações de desigualdades. Umaanalogia que se afina nas estratégias de dominação, de controle,de opressão e total falta de cidadania e respeito com os semelhantes.

Assim, “para que haja dominação e exploração é necessárioque o trabalho e o capital estejam separados! No momento em quea pessoa trabalha no que é dela, não existe mais capitalismo”(GUARESCHI, 2004, p. 51). Através deste intercâmbio de relaçõesforçadas, o trabalhador fica vulnerável aos idiotismos damodernidade, é o que acontece com a terceirização na suaaplicabilidade. Esta se apresenta com seus objetivos bem claros,tirar proveito de quem realmente movimenta o País através dotrabalho. Por outro lado, os grupos organizados usam como panode fundo a redução dos custos, mas o objetivo maior é tirarvantagens da situação imposta e garantir as taxas de lucratividade.Nesta investida, objetivam ganhar dinheiro à custa da classetrabalhadora e burlar a legislação trabalhista com apoio do Estado,de forma omissa, conivente e legalizada.

Mesmo os trabalhadores sendo protegidos por sindicatos eou organizados em cooperativas, estão propensos à sujeição docapital organizado, visto a existência de grande quantidade deexército industrial de reserva disponível no mercado, vindo a tornaras representações de classes impotentes e vulneráveis asestratégias dos capitalistas pela dominação. Nesse sentido, o capitalé estratégico, primeiro cria o desemprego, para depois extorquir odinheiro do trabalho humano alheio, e passa a desencadear oprocesso da exploração de forma ampliada, chegando àsuperexploração legalizada. Enquanto a maquiagem do sistemaimpondo o pensamento único se borra com gotas de orvalho, omundo dos homens, das mulheres e das crianças aguarda a chuvapara lavar o seu corpo e sua alma.

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A mulher trabalhadora é duplamente discriminada

O capital estrategicamente busca alternativas parabeneficiar-se do trabalho humano e a mulher é retirada do exércitoindustrial em potencial, vindo a fazer parte do exército detrabalhadores que oxigena a produção. Para a mulher sertrabalhadora necessita lutar duplamente: primeiro, uma luta sexualdevido à discriminação e o preconceito enquanto mulher, opondo-se ao machismo nas relações com a sociedade. Segundo, por sertrabalhadora, necessita lutar por melhores condições juntamentecom os homens para combater a exploração e a superexploraçãodo trabalho de forma geral (PICOLI, 2004d, p. 63).

Além disso, passa fazer parte de sua vida a dupla jornada,sendo uma no local de trabalho, a outra cuidando dos filhos e dacasa, proporcionado pela tradição machista imposta ao sexofeminino. Apesar disso, as mulheres surpreendem a todos, vai àluta transformando-se em guerreira, mesmo que nunca ouraramente reconhecida pelo mundo dos homens, tornando-se emmuitos casos escrava de sua própria liberdade por ser ousada epor transpor os limites do preconceito.

O trabalho fabril sempre foi função específica do sexomasculino e feminino. A partir das necessidades de expandir otrabalho, o capital introduz as mulheres e as crianças no modo deprodução com mais intensidade. Essa modalidade produtiva fazobservar as diferentes épocas e estágios da civilização, bem comoa necessidade da formação do exército industrial regulador, com oobjetivo de baratear os salários da classe trabalhadora de formageral. Hoje “vivencia-se um aumento significativo do trabalhofeminino, que atinge mais de 40% da força de trabalho em diversospaíses avançados e tem sido absorvido pelo capital” (ANTUNES, 2000,p. 105). Porém, segundo a revista Veja de 23 de janeiro de 2002,apenas 6% dos cargos de chefia são ocupadas por mulheres nas500 maiores empresas brasileiras.

Embora as mulheres ainda discriminadas, “o capitalismo temsabido apropriar-se desigualmente dessa divisão sexual dotrabalho” (ANTUNES, 2000, p. 109), vindo reduzir os salários, osdireitos trabalhistas, e as condições de trabalho das mulheres e

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dos homens. Por outro lado, quando comparado as funçõesocupadas e a remuneração entre os sexos, pode-se concluir o altograu de inferioridade que as mulheres são submetidas nasociedade. Além disso, são poucas na política, poucas em altasfunções executivas e raramente são encontradas em postos dedestaque da vida religiosa. Embora todos as reconheçam comosuperiores aos homens, em regra geral elas se apresentam maiscapazes, mais detalhistas, mais hábeis, mais responsáveis eprincipalmente mais honestas no desempenho de suas atividades,não ocupam seus lugares de direito.

Nesse modelo, o capital sabe apropriar-se“intensificadamente da polivalência e multiatividade do trabalhofeminino, da experiência que as mulheres trabalhadoras trazem dassuas atividades realizadas na esfera do trabalho produtivo, dotrabalho doméstico” (ANTUNES, 2000, p. 110). Este é um dos motivosque o mundo do capital tanto cobiça integrá-las ao modo produtivo.Devido a sua luta no processo evolutivo e histórico, tornaram-semais conquistadoras, insistentes e progressistas no trabalho. Ésímbolo da resistência e sinônimo de sucesso, embora ainda navirada do século muitas vivam submissas e controladas pelo sexomasculino. Além disso, em algumas circunstâncias, apenas vistascomo objeto sexual e motivo de preconceito.

Mesmo assim, a mulher vai à luta, desdobra-se e vairetirando as amarras para libertar-se das injustiças, dospreconceitos e da discriminação generalizada. Enquanto o sexomasculino parou no tempo pela condição de destaque entre osdois sexos ao longo dos tempos, as mulheres continuam lutando.Isso pode ser identificado nas universidades, visto que em torno de60% das vagas são ocupadas hoje por mulheres. Se a sociedadelhes oferece somente cargos e funções sem muita importância,algumas já estão assumindo postos de destaque, embora aindatímidas, pois são vítimas do preconceito e da discriminação.

Por outro lado, são muito necessárias no atual estágio dadominação capitalista imposta ao mundo, a mulher serve pararegularizar o exército industrial de reserva e efetivar as estratégiasdo mundo do capital. Se antes bastava o salário de um homemadulto confinado no processo produtivo, hoje este necessita lançarmão de mulher e filhos, muitas vezes através destes últimos jovensem terna idade, e estes, perdem a oportunidade de serem

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diferentes, bem como receberem uma educação adequada paratirá-los dos limites do confinamento do trabalho e das imposiçõesdo sistema.

Nessa luta, cabe à mulher a conquista e a vitória no sentidode novas perspectivas e novas formas de se apresentarem aomundo que os homens estão perdendo o controle, sendo estedividido por mulheres guerreiras, só assim dará um novo tom aosnovos tempos, o tempo, também, das mulheres na luta contra aopressão. No entanto, é possível entender que as formas dedesvalorização da mulher devem-se a inferioridade dos homens,medo de perder o seu lugar hierárquico dentro da cadeia de valoresmachistas.

É provável que esta tenha sido a lógica de impor asubmissão, a obediência e o controle ao sexo feminino. Por outrolado, a mulher soube lutar e vencer, a cada vitória uma nova lutaaliada aos homens ou contra o preconceito dos homens. Assim,pode-se orgulhar deste espírito lutador, misturado com o poder demulher, tendo a capacidade de ser mãe, amiga e companheira doshomens, dividindo a forma trágica de exploração no trabalho, devidoo domínio capitalista mundial que não respeita sexo e muito menosidade para garantir a acumulação e sua expansão concentradorade capitais.

Se ainda falta muito a ser desvendado e conquistado porestas batalhadoras, aos poucos estão transpondo os limites e asfronteiras do preconceito e da própria lógica da produção demercadorias. Elas atingem a sua superioridade dentro de um mundoque passa a ser de homens e mulheres, regulado pelos mesmosobjetivos e as mesmas metas: desvencilhar-se da exploração esuperexploração do modo capitalista de produção.

Se hoje a mulher é mais respeitada e valorizada, é pelo fatode ter conquistado estes espaços numa trajetória com vitórias ederrotas, mas o fato de ser mulher fez a diferença. Assim, nestaluta conjunta, os propósitos são na busca de mudanças e espaçosno conjunto das relações trabalhistas, tanto para homens, comopara mulheres, pois o conjunto da sociedade é composto da classetrabalhadora e o empenho deve ser somado em prol desta.

Entender as relações de trabalho faz-se necessário efundamental, pois o trabalho dos tempos modernos ainda é a únicaforma de concentrar riqueza individual em mãos de grupos

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organizados. Estes grupos econômicos transformam a centralizaçãode capitais na ciranda financeira mundial por meio da contabilidadedigital, em detrimento da não solidariedade dos homens, dasmulheres e das crianças. As operações da virada de milênio ficampor conta dos grupos conglomerados nacionais e multinacionais,concentrando a riqueza das operações de juros e ações emmercado virtual.

A concentração só é possível pelo trabalho humano, quandoo trabalhador produz mais-valia elaborada pelo seu trabalhoexcedente, e com a força de trabalho de homens e mulheres emconjunto. Contudo, as formas modernas na relação de trabalhonão ficam somente na exploração da classe trabalhadora, as táticasvão além, passam para um estágio mais elevado e explora oconjunto da sociedade. O capital organizado, com auxílio de umEstado dominado pelas relações, consegue praticar asuperexploração generalizada e transformar a sociedade mundialdependente. Isso é possível graças às táticas do conjunto dasrelações capitalistas, deixando os trabalhadores oprimidos,submissos e controlados pelo sistema imposto de forma organizadae universal, porém decadente.

Concluindo, “a verdade desagradável hoje é que se nãohouver futuro para um movimento radical de massa, como queremeles, também não haverá futuro para a própria humanidade”.(MÉSZÁROS, 2003, p.108). O capitalismo está em crise estruturalpermanente e não é capaz de reverter suas contradições, porémnão tem esquerda no mundo pronta para substituí-lo, ela precisaser construída para reverter à barbárie.

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O Capital Marginaliza eO Capital Marginaliza eO Capital Marginaliza eO Capital Marginaliza eO Capital Marginaliza ea Barbárie Respondea Barbárie Respondea Barbárie Respondea Barbárie Respondea Barbárie Responde

A fome reflete a marginalização imposta ao mundo

A fome reflete o nível de degradação de uma sociedade etransforma a humanidade em objeto de dominação global. Esta dáorigem à marginalização social e econômica dos indivíduos atravésdas imposições e do controle, também como leva a exclusãogeneralizada em cadeia das classes oprimidas e dependentes. Pormeio das relações sociais, econômicas, ambientais e morais épossível separar as classes, porém é no dia-a-dia que se determinamas categorias sociais, e estas provocam os movimentos de poder ede domínio dos grupos coletivos.

Nesse ínterim, é o adiantado processo de destruição dasmassas que demonstra as reais condições de um povo em dadomomento evolutivo da história, também como identifica asconseqüências pela falta de sincronismo do modelo não igualitário.O sistema capitalista mundial dita e impõem à sociedade as formasde submissão, de controle e da violência contra a classe oprimida,bem como define as relações e os movimentos da força de trabalho,mas com o intento de buscar o lucro por meio da exploração.

Nesta trajetória, a classe trabalhadora torna-se personagemde uma história ou a própria história dos personagens sociais, poisas representações dos contrastes determinam as diferentes classessociais, e assim como a divisão dos extremos e a negação dasoportunidades individuais que produzem a pobreza e amarginalização coletiva. A humanidade é colocada em condições

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“de desespero social e falta de perspectivas para uma populaçãoempobrecida pelo jogo interativo das forças de mercado”(CHOSSUDOVSKY, 1999, p. 28). O projeto capitalista se pauta naeliminação de parte da força produtiva, por meio da “competitividadeque leva à exclusão, ela necessita logicamente, para se concretizar,da exclusão de outras pessoas” (GUARESCHI, 2004, p. 39).

Este processo torna o mundo dos homens um mundo de“apartheid” social por meio do não acesso as condiçõessocioeconômicas individuais e coletivizadas. A humanidade é levadaa desordem generalizada pela falta de perspectivas de inclusão epela inércia condicionante das forças de mercado. O engenhosoprojeto de concentração da riqueza desencadeia uma explosão donúcleo familiar pela falta de oportunidades e a exposição genéricados componentes do grupo, proporciona a limitação do espaço eas regras são estabelecidas pelo sistema dominador.

O mundo dos homens ao fabricar o irreal aos seussemelhantes através da tirania do cotidiano, constrói uma estranharealidade que vai formar a representação dos extremos e estesdeterminam as categorias sociais e distanciam os diferentes gruposos quais formam estes extremos. Neste sentido, segundo o “BancoMundial ‘estima’ que 18% do Terceiro Mundo são ‘extremamentepobre e 33% são pobres” (CHOSSUDOVSKY, 1999, p. 35). Na mesmaépoca no Brasil, segundo dados do Instituto de Pesquisa EconômicaAplicada - IPEA, citado por MATTOSO (2000, p. 22-23), “consideraque cerca de 57 milhões de brasileiros - o equivalente a 35% dapopulação - estão atualmente abaixo da linha de pobreza e queentre 16 e 17 milhões de brasileiros vivem em condições de misériaabsoluta”.

Para SANTOS (2001, p. 59), a fome “atinge 800 milhões depessoas espalhadas por todos os continentes sem exceção”. Nestesentido, “existem no mundo 1,3 bilhão de pessoas ‘abaixo da linhade pobreza’ e 3 bilhões de pessoas com renda inferior a dois dólaresdiários” (GONÇALVES E POMAR, 2000, p. 32). Contudo, os atores dafome são frutos dos limites e das imposições sociais geradas pelopreconceito e pela discriminação individual, e produto do modeloimposto ao mundo. Estes vão formar a marginalização coletiva queforma um conjunto não incluso nas oportunidades, mas agrupadopela separação e os limites sociais do mercado.

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Neste contexto, são as regras impostas à humanidade quecondicionam o sistema global, também como determina a ordem ea desordem da sociedade dependente. A exclusão determina o graude pobreza e da miserabilidade de um povo, sendo fruto do níveldas oportunidades no processo de exploração das pessoas. Assim,“a pobreza é identificada como uma doença da civilização, cujaprodução acompanha o próprio processo econômico” (SANTOS, 2001,P. 70-71). Nesta lógica “a pobreza global é um item introduzido norol da oferta; o sistema econômico global alimenta-se da mão-de-obra barata” (CHOSSUDOVSKY, 1999, p. 65) e produz mais pobreza,mas esta foge do controle do Estado e do capital, uma vez queesses não estão preparados para programarem as ações desolidariedade.

O pobre é uma construção determinada pelos limites docapitalismo, todavia, ele se faz necessário ao processo acumulativodas elites. É importante levar em conta, que os homens, as mulherese as crianças devem sempre manter acessa a chama de não sesentirem privados do acesso aos meios de inclusão, e esse deveser pela sua força de laboração. Também é necessário que essesacreditem que por meio de seu esforço individual conseguem sairdo estado de penúria. O trabalho deve ser visto como meio deoportunizar a humanidade poder fugir dos cercos e das amarrasestabelecidas, que condicionam a sociedade a produzir mercadoriasem nome do capital.

No entanto, não pode acontecer do pobre perder asesperanças de ir a luta, de não vislumbrar meios de fugir do“apartheid” provocado pelos limites das imposições. Issoacontecendo pode se desencadear um processo de não busca, deinércia e o leva ao infortúnio. O pobre luta e ainda tenta ser aexceção e sair de seu meio de privações, porém o marginalizadonão sonha mais e se entrega num mundo sem horizontes eperspectivas.

Através desse pensamento, quando o sistema global nãoconsegue mais reproduzir a lógica da centralização, por meio daprodução e do trabalho, ele perde sua razão de existir e provoca oambiente certo para se desencadear o descontrole nas relaçõesde dominação. Os atores sociais privados dos mecanismos deinclusão passam produzir a barbárie, e essa trajetória é difícil ouimpossível de ser revertida por meio dos meandros da

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concentração, e o capitalismo é incapaz de produzir a solidariedade,e dessa maneira ele não dá conta de reverter esse quadro por eleproduzido.

O que determina a marginalização, a exclusão e adelinqüência social do povo, são as formas estabelecidas no seiodos interesses da concentração da riqueza, bem como do poderexcludente e da não representação social e econômica, e formandoassim, os extremos entre ter e não ter acesso as oportunidadesindividuais e coletivas. Segundo SANTOS (2001, p. 72), conceitua apobreza em três definições: pobreza incluída, pobreza marginal epobreza estrutural. Nesta seqüência progressiva o homem atinge afase final, de onde “os pobres não são incluídos nem marginalizados,eles são excluídos” (SANTOS, 2001, p. 73).

A miséria leva a exclusão e nesta fase é o fim dasperspectivas e dos sonhos dos homens, ele passa não servir aosistema, pois neste estágio torna-se um ser descartado e inútil,como se viu anteriormente. Por outro lado, manter o indivíduo pobreatravés das fases que antecedem a exclusão o faz sonhar e tornar-se útil ao sistema. Concluindo este pensamento, os “miseráveissão os que se confessam derrotados. Mas os pobres não seentregam” (SANTOS, 2001, p. 132). Assim, o mundo dos sonhos doshomens é também o objetivo final da classe burguesa, pois aosonhar sem limites cria a realidade com limites, porém sãodemarcados por meio da pobreza necessária ao projeto sistêmicoque busca o lucro.

Em contrapartida as conseqüências imediatas da misériasão da fome, que representa a dor, o sofrimento dos pobres, dosmarginalizados e dos excluídos, mas principalmente a vergonha deum sistema que rouba as oportunidades dos homens, das mulherese das crianças. Este determina a existência dos pobres e o processoque os torna miseráveis e desintegrados, formando o “apartheid”,que divide o mundo dos homens do ter e do não ter. Nesta separaçãose formam os extremos, onde os oponentes representam a lógicasistêmica e separa os ricos e os pobres e marginalizados.

No segundo passo, é no seio da família que nasce adelinqüência, a desordem social e as condicionantes de ruína edegradação dos seres sem participação no processo social dahumanidade. É também através da participação das oportunidades

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ou não que se bifurcam os caminhos e se determina o ser ou o nãoser de um povo. Por outro lado, a separação se torna definida epresente pelos extremos entre o ter e o não ter.

Os ricos passam viver à custa do trabalho dos pobres, poisestes são as maiorias e estão disponíveis no mercado de trabalhoà procura de um burguês que esteja disposto a explorá-lo esuperexplorá-lo. O mesmo sistema que fabrica a ordem, tambémdetermina a desordem e as diferenças entre os homens e delimitaos espaços das categorias sociais. Nesta perspectiva, a inclusão eexclusão social dos seres é fruto de um sistema oposto aos princípiosde bem-estar a todos, pois sua lógica privilegia alguns poucos emdetrimento da maioria. Ao determinar a ordem pelo estabelecimentodas divisões entre os grupos, também como pela separação dasclasses, se estabelece à lógica do sistema dominador.

O mundo dos homens e das mulheres se torna produto dasdesigualdades, e se preocupa em criar paliativos para desviar asconseqüências da fome, mas não cria oportunidades, pois o projetocapitalista imposto ao mundo não respeita o cidadão que faz parteda sociedade global, e, além disso, não tem a capacidade de realizara solidariedade ao mundo. Desta forma, o princípio que estabelecea lógica coletiva fica preservado e o sistema que organiza aseparação da humanidade volta restabelecer a ordem parapreservar os interesses dos grupos econômicos nacionais einternacionais.

No bojo dos interesses sistêmicos da sociedade do capital,este organiza e determina a insignificância para minimizar os gritosdos marginalizados e o sofrimento desses menos favorecidos pelaordem que ele mesmo cria e estabelece, quer dizer, os pobres sãouma criação consciente do capital. A tentativa desesperada doEstado e do capital em conjunto, tem como objetivo viabilizar acontinuidade do processo concentrador de sucessivas e apuradasformas de tirar excedentes da sociedade através da exploração esuperexploração do trabalho humano na busca do lucro.

Pela união estratégica entre o capital e o Estado emconjunto, tentam viabilizar alternativas de socorro dos menosfavorecidos pela desordem social criada, bem como pelos interessesdo capital globalizado o qual produz a mais-valia universal. Assim,atribuem à sociedade de forma geral a culpa da pobreza e damiserabilidade dos indivíduos, determinando o recolhimento destes

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por intermédio das obras sociais para combater a fome, o frio e asdoenças produzidas pela falta de oportunidades e o desrespeitoao longo dos tempos.

É o que acontece na virado deste milênio pelo empenhodas igrejas, das associações comunitárias, dos sindicatos e dasociedade organizada. Buscam minimizar os males da miserabilidadeconcebida por meio da exploração do homem através do homem.Assim, virou prática destas instituições a ajuda aos menosfavorecidos e passaram incorporar os problemas dos pobres emarginalizados que convivem separados do conjunto da sociedade.

A forma de proteger os desiguais se faz por paliativosmomentâneos com o fornecimento de sopas para matar a fome, deroupas para cobrir o frio, de remédios no combate à doença e nosencaminhamentos generalizados na busca de benefícios protetoresaos excluídos. As instituições vão formar o Terceiro Setor, pois oEstado e o capital colocam a sociedade em geral como culpadados desequilíbrios que formam os extremos sociais. Estes sãocriados ao longo da história pela sanha desvairada do capital queproduz as desigualdades, mas não consegue estabelecer a ordeme o controle na fase da exclusão dos indivíduos.

Para GUARESCHI (2004, p. 129), “a pior das escravidões é aescravidão da consciência; ali que está o início de todas asdominações”. Nesse ínterim, se fabricam as condicionantes domercado e não se corta o problema em sua origem para continuarcamuflando uma realidade de interesses engenhosos. Ao nãoassumirem posturas para reverter o quadro das diferenças, tambémse efetiva a lógica da concentração da riqueza, porém sepotencializa a barbárie entre os atores sociais que ficam à margemdo processo.

Para manter a lógica e os mecanismos de superação dascrises do capital. Faz-se necessário ao mundo da exploração criarnovos paliativos para o momento, pois estes são bem vindos eminimizam a marginalização aparente para manter a população emestado de pobreza, e têm o firme propósito de anestesiar ossofrimentos, mas permanecer os ferimentos que destroem o seiofamiliar. No entanto, as ajudas insignificantes são necessárias,entretanto não vão resolver o problema das desigualdades extremasaté hoje criadas pelo capitalismo, apenas é o remédio aparentedos problemas que estas pessoas enfrentam no dia-a-dia, noentanto, a ajuda é bem vinda.

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Além dos problemas das classes oprimidas, os vividos porpaíses pouco desenvolvidos, os quais formam as nações pobres,sofrem duplamente é o que se pode observar no continente africanona atualidade. No Brasil “as reformas patrocinadas pelo FMIcontribuíram para a polarização social e o empobrecimento de todosos setores da população” (CHOSSUDOVSKY, 1999, p. 182). Oempobrecimento é uma forma de devastação social da maioria dosbrasileiros, pois “num país em que mais da metade da população jávive abaixo da linha da pobreza, os impactos de um socorro do FMIserão devastadores” (CHOSSUDOVSKY: 1999, p. 302), pois suainterferência traz conseqüências sociais pelas imposições edeterminações de poder acompanhado de violência e perda dasoberania das nações.

Os países dependentes através das interferências externaspassam a sofrer a intromissão pelos representantes da hegemoniasistêmica, e que proclamam a manutenção dessa a qualquer custosocial e ambiental, porém se preocupando com formas de apurar oprocesso que concentra capitais. Pode ser citado como exemplo ocaso da Argentina nos anos 90 do último século, e ao cumprir todasas determinações do Fundo Monetário Internacional entrou emdepressão generalizada, desencadeando a maior crise política,econômica e social dos últimos tempos no país.

O capital nacional e internacional produz a pobreza e amiserabilidade por meio da concentração, mas culpam a sociedadeem geral desta produção e condicionam os atores sociais danecessidade de recolher os excluídos. Nesta dinâmica acobertamos verdadeiros promotores de produzirem a desordem e osdesequilíbrios, mas não assumem sua própria criação, porémdelegam responsabilidades aos indivíduos e aos países deeconomia periférica. Esses são vitimas da avalanche daconcentração global, e passam a viverem sem assistência e emprocesso de marginalização crescente.

Ao delegar à sociedade a incumbência de recolher e zelardos pobres é tirar a responsabilidade de um Estado omisso econivente com as estratégias sistêmicas, além de determinar acontinuidade do problema, o processo da concentração, ficapreservado.

A união das forças de mercado se incumbe de excluir edesprezar a maioria das pessoas por conta da busca do lucrocentralizado. Nesse ínterim camuflar por mais algum tempo os que

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fabricaram os pobres e os abandonados no processo históricopassa ser prioridade para manutenção e sobrevivência do sistemaimposto ao mundo.

Estes são os mesmos que exploram e superexploraram ospobres vindo deixá-los mais pobres, também são os mesmos queenriquecem as suas custas, bem como os mesmos que denunciamas desigualdades e a pobreza, no entanto temem a sua presença,mas estes tentam não assumirem a invenção. No atual processo, aclasse burguesa se encontra com visível vergonha e medo de suacriação, mas querendo ver-se livre dela, pois aos que estão nafase de marginalização não servem mais ao processo capitalista,em procedimentos de contradição e deterioração da lógica de existir.

Aliado as estratégias de exploração e superexploração, omundo moderno se depara com a criação e as descobertastecnológicas, que apura o processo de concentração da riqueza,porém ela substitui e descarta a colocação de parte da força detrabalho. Uma quantia significante de trabalhadores e suas famíliaspassam fazer parte de um apinhado de pessoas sem serventiaalguma e constituem cinturões de pobreza nas grandes cidadesque perturbam a ordem estabelecida pelo Estado e o capital emconjunto.

A estes indivíduos não lhes restam alternativas se não apassagem do estado de pobreza para a marginalização, vindo levá-los a exclusão social temporária ou permanente. A sua existênciafica estabelecida pela ajuda recebida dos outros indivíduos quetambém estão a caminho do “apartheid”, pois o projeto arquitetadopelo capital em sintonia com o Estado não respeita ninguém eobjetiva apenas a concentração da riqueza em mãos de poucosprivilegiados que dominam a economia mundial.

O mundo globalizado caminha para um profundo processoque amplia as desigualdades sociais, onde a concentração dariqueza forma extremos entre a produção da riqueza e da pobrezacada vez mais significativos. Isso fica mais evidente nos países deeconomia periférica, onde a situação se processa com aditivosestratégicos, é o que acontece hoje com o Brasil. O país representauma economia de destaque no cenário global, todavia é classificadocomo um dos primeiros em desigualdades sociais do planeta.

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Essa dinâmica não é determinada somente por ser o Brasildo terceiro mundo, pois nos Estados Unidos da América, país deprimeiro mundo com apenas 6% da população mundial tambémproduz extremos e a marginalização, uma vez que cerca de 20% dapopulação vive na miséria ou na pobreza. Neste sentido, “nosEstados Unidos 13,7% da população estaria abaixo da linha dapobreza” (GONÇALVES E POMAR, 2000, p. 32), ratificam os extremoscriados no país centro do capital mundial.

Fatos desta natureza levam a concluir que a riqueza seconcentra nas mãos de poucos, por meio da ordem mundialestabelecida. Protetora dos grupos econômicos organizados deforma globalizada, demonstrando um Estado tirano e desigualprotetor dos grandes conglomerados econômicos em detrimentodos indivíduos, já que o Estado se funde nos interesses doscapitalistas e sua função é preservar a lógica do lucro. Neste ínterim,mesmo com o adiantado processo excludente, os mentores dadinâmica concentradora tentam colocar aos brasileiros como paísexemplar, mas a realidade denuncia e desnuda as condições demiséria e pobreza da maioria dos brasileiros.

Enquanto se processam as táticas do agrupamento dariqueza, também se cria um processo que separam ricos e pobres,no entanto, para concretizarem a dádiva da concentração, seprogramam meios propícios de violência generalizada, que detonaondas de criminalidade de forma trágica e progressiva. Estes atoressociais à margem da dita sociedade organizada são frutos dasdesigualdades sociais e respondem com a mesma violência, passama formar um processo de contra-ataque na mesma altura com asociedade que os excluiu. A pobreza e a miserabilidade transpõemas fronteiras da delinqüência através da produção da criminalidade,porém deve ser entendido como a punição pelo pecado cometidopela sanha do capital ao longo dos tempos, e por este ter acapacidade de criar as desigualdades e no final a perca do controle.

A supressão econômica “é a forma mais ampla, e suasvítimas estão provavelmente excluídas da maioria das redes sociais”(SINGER, 1999, p. 63). Nesta perspectiva, “o Brasil é a terra dadesigualdade. Aqui o grau de disparidade entre ricos e pobres,brancos e não-brancos, homem e mulher, moradores do campo eda cidade, indivíduos de alta e de baixa escolaridade éprovavelmente maior que em outro lugar” (SINGER, 1999, p. 84). Seestes atores estão fora das redes sociais é provável que não aceitem

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esta imposição e partam para o contra-ataque com a mesma sanhae violência do modo sistêmico excludente e possivelmente secaminha para a barbárie.

Neste processo marginal é bom fazer as seguintes perguntas:Até quando os ricos do mundo podem se esconder atrás dos murose das grades? Até quando os pobres e famintos vão continuarmorando debaixo da ponte e quem serão os novos pobres que osistema criará? Até quando o Estado pode manter-se omisso econivente com as estratégias da concentração? Até quando o Estadose incumbirá de construir presídios com a finalidade de depositargente, ou este pode ter outras funções para minimizar o alto graude miserabilidade produzida? São perguntas que se faz, mas noatual estágio deste sistema perverso, a delinqüência e a pobrezasão as fábricas de criminosos, e somente esta opção que o sistemaexcludente deixou aos pobres e miseráveis trilhar é falta deoportunidades e de mecanismos de inclusão.

O atual sistema imposto de forma débil agoniza pelascontradições, mas o cidadão é vítima deste processo, e os queainda estão incluídos passarão a ser possíveis excluídos. Alémdisso, o processo torna as pessoas marginalizadas e sãoconsideradas estorvos dos ainda incluídos, pois estes passam aproduzir o medo pela capacidade de rebelar-se contra o sistemacriador, e pode ser observado por meio da criminalidade, e pelosregistros dos atentados da atualidade. Ao mesmo tempo em que osistema cria seus monstros e estorvos, também repele e condenasua própria criação, no entanto perde o controle de seu engenhoatravés da barbárie.

Se o atual processo não tiver um novo repensar dasociedade, por meio de mecanismos contundentes para oabarcamento dos atores sociais ávidos das mudanças, acriminalidade não precisa de aprovação deste sistema dominador,entretanto, os atores que se encontram a mercê desse processopodem rebelar-se e perturbar a ordem estabelecida pelos mentoresdo projeto mundial do capital. Ao se contradizer a lógica, os recentescomediantes não são frutos da imaginação ou da ficção, porémreais e concretos, eles são o resultado da realidade vivenciada nodia-a-dia, por meio das relações do mundo e pela via contábil digital.Essa leva a humanidade global a uma avalanche de incertezas edesafios não virtuais.

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As cadeias e o crime são conseqüências das desigualdades

Ao marginalizar e excluir os indivíduos do processosocioeconômico, não raro ele parte para o mundo do crime e deixade trilhar os caminhos naturais condicionados e impostos pelasociedade organizada do capital, porém a debilidade do “sistemado capital se articula numa rede de contradições” (MÉSZÁROS, 2003,p. 19). Nessa mesma linha de pensamento é possível observar, “acrise atual é muito mais complexa do que o período entre guerras;suas conseqüências sociais e implicações geográficas de longoalcance são sentidas particularmente neste incerto período pós-guerra Fria” (CHOSSUDOVSKY, 1999, P.11).

O indivíduo marginalizado torna-se um potencial delinqüentee em muitos casos passa a construir uma carreira criminosa, e ficaagravado pela perca de controle do sistema capitalista e do Estado.O excluído fica vulnerável ao aperfeiçoamento das estratégias daindústria do delito que lhe oferece um leque de possibilidades, evindo a engrenar ao mundo da delinqüência de forma progressiva.

Os problemas da criminalidade tornam-se arquitetadosdentro dos objetivos dessa astúcia, onde contempla a lavagem dedinheiro de forma generalizada fruto da sonegação fiscal, docontrabando, do tráfico de drogas e de todo tipo de criminalidade.Parte dos excluídos e marginalizados da exploração do mundo dotrabalho de forma legal, passam fazer parte do mundo do trabalhoclandestino e ilegal, mas quase sempre em nome do mundo daconcentração, e que contraria a lógica da acumulação, pois essatem o objetivo de ir à produção para apurar o lucro. Desta forma,mais uma vez a sanha do capital vai lá ao seio da sociedade ebusca este marginalizado a produzir em nome do crime organizado,já que é quem alimenta a criminalidade. É a astúcia do dolo sendomuito lucrativo ao crime organizado, por meio das alternativas denão ir à produção e no trabalho para buscar o lucro.

O delinqüente passa fazer um sério aprendizado dacriminalidade e se coloca à margem da sociedade para poderaprofundar as estratégias delituosas, porquanto as condiçõessociais por si só lhes possibilitam ser um futuro delinqüente, todavia

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esses também podem ser encontrados nas classes privilegiadas.Começam num primeiro estágio com pequenos delitos deproporções menores para depois se enveredarem de forma definitivano mundo do crime organizado. No segundo estágio, setransformam em latrocida de grande vulto, em traficante, emseqüestrador e em assassino, tornando-se cidadãos temerários aosdemais indivíduos do seu meio e fora dele.

O mundo do delito passa impor a sociedade suas normas edita as regras, e do mesmo modo influencia na composição de novospadrões de convivência, onde inclui o medo e o terror. É o queaconteceu no começo do ano de 2002 com a onda de seqüestrosem todo o Brasil, mas principalmente nos estados de São Paulo eRio de Janeiro, visto que, nestes estados se aprofundam asconseqüências das desigualdades sociais. Ficou demonstrado estacapacidade de organização no ano anterior por ocasião dasrebeliões dos presídios de forma sincronizada no dia 18/02/2001,nesta ocasião os presídios de São Paulo viraram uns verdadeirosinfernos.

Nestes locais o controle carcerário passa pelas mãos decomandos organizados, administrados de dentro das casas dedetenção pelos presos e fora delas pelos grupos organizados. Estescriminosos organizam e deflagram a maior rebelião da história dopaís, com 29 presídios completamente dominados pelos prisioneirose pela indústria do crime organizado simultaneamente. Os rebeladospassam à nação uma verdadeira demonstração de poderorganizado, de planejamento, de controle e de comando. Este fatodeixa a nação estarrecida pela ousadia e pela gravidade daproblemática, além disso, vindo denunciar a fragilidade da Secretariade Segurança Pública, bem como o alto grau de corrupção dentroda justiça brasileira.

Neste episódio, São Paulo por meio do Primeiro Comandoda Capital – PCC se consolida como a maior organização de presosdo país, tornando público o que as autoridades não queriam admitir- o descontrole do Estado. Por outro lado, fica a dúvida se realmenteeste comando existe ou foi uma criação dos encarregados da justiçapara justificar o fracasso da segurança e a perca do controle aocrime organizado. Contudo, a operação aparelhada deixa um saldode 16 mortos e dezenas de feridos, acompanhado com um rastro

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de destruição do patrimônio público, da insegurança e do pânicoda população de forma generalizada.

Este é apenas um fato para ilustrar a organização criminalno país, porquanto, o acentuado processo criminal que sedesencadeia no Brasil traz insegurança, mas não dá para fugir darealidade e dizer que nada está acontecendo. Além disso, fugir destadiscussão é negar o óbvio do envolvimento dos grupos organizados,da justiça, e das instâncias do Estado através dessa tramaestabelecida.

Nesta estrutura criminal, como entram nas casas dedetenção as armas, a cocaína, os aparelhos celulares e outrostantos bagulhos? A resposta é também não negar o óbvio, já quealguns agentes penitenciários e os comandos do sistema carcerárioestão facilitando a entrada do proibido, bem como se beneficiandodeste por fazerem parte da sabotagem organizada. Em meados de2005, assistem-se as rebeliões da Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor - FEBEM, principalmente no Estado de São Paulo,bem como nos presídios, todavia podem ser vistas mais de mil prisõesdo crime do colarinho branco. Esse é o diferencial da atualidade,porém é cedo para se fazer uma avaliação definitiva das estratégiasdo governo por meio da Polícia Federal.

Os fatos apontados anteriormente só são possíveis devidoà corrupção e o envolvimento das instâncias do Estado, através dacorrupção, da omissão e do envolvimento direto. Prova disso, sãoas recentes provisões deflagradas por meio do Ministério Públicoem conjunto com a Polícia Federal, que envolvem funcionáriospúblicos e a justiça nas entranhas do crime aparelhado. Além disso,o projeto criminal é orquestrado dentro e fora dos presídios,formando uma rede de corrupção penitenciária com relações macro,no entanto se fala muito dos presos e dos agentes penitenciáriosenvolvidos e a eles é atribuída à culpa.

Não se pode esquecer dos verdadeiros culpados daindústria do delito organizado que estão fora do envolvimento direto,pois alguns estão dentro de suas mansões e no conforto, mas nocomando do dolo, porém usufruindo o produto da delinqüência.Estes em muitos casos estão organizados em alguns grupospolíticos e nas instâncias do Estado, bem como dentro das indústriascriminosas representadas por grupos econômicos através da

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formação e concentração do capital de maneira irregular, conformevisto anteriormente.

Nesta formação, existem exceções e não é a regra por partedos grupos organizados na economia e na política, para tiraremproveito da situação criada em seu benefício, vindo lesar opatrimônio público, o direito dos cidadãos e praticando todo tipo deirregularidades e a sabotagem organizada. Para encontrar osverdadeiros cúmplices da desordem que vive a população por meioda insegurança, do pânico e da exclusão generalizada, se faznecessário identificar na raiz do problema a sua face oculta.

Estes são os verdadeiros culpados da falta de educação,de saúde e de segurança aos brasileiros, por isso que, o dinheiroque podia ser usado para o bem social, é desviado para suas contasparticulares e de um leque de comparsas que sustentam a indústriadelituosa. Os mentores dos conflitos são os que tiram qualqueroportunidade de integração social dos marginalizados, tambémpromovem a delinqüência em potencial e arrebatam para si o produtode sua criação, para continuar a exploração em benefício de poucosatravés do crime organizado.

O que não se pode esquecer é; atrás do criminoso existe aindústria do dolo nacional e internacional de forma organizada, frutode suas ramificações e conexões do poder instituído nas esferasda política, da justiça e da economia. A organização e o comandoem muitos casos são realizados por meio dos colarinhos brancos,como: deputados, senadores, prefeitos, juízes, delegados, grandesempresários e outros atores de menor importância. Contudo, nãose pode generalizar, já que a maior parte das pessoas, as quaisconstituem estas funções citadas é honesta e contribuem com anação, mas os poucos corrompidos partem para o crime e acorrupção é o suficiente para produzirem toda esta desordem sociale o pânico na população.

Os sem caráter são apenas alguns que mancham toda umacategoria e uma organização, no entanto são estes que dão todacobertura e sustentação aos criminosos, bem como organizam odelito para tirar proveito em seu benefício e passam a fazer parteda elite do crime. No final desta trama conclui-se, o crime é lucrativoao sistema transgressor, pois sustenta e drena a indústria dasoperações irregulares e criminosas, mas camuflam quem são os

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produtores das injustiças sociais e quem se beneficia com os atosilícitos.

A cadeia foi feita somente aos pobres e aos reprovados davida. Para eles há um processo continuo de censura, por isso, suaexistência é fruto da pobreza e da marginalização promovida earquitetada pelos grupos que concentram seu poder através daexploração, do crime e da impunidade. Prova disso, onde estão oscondenados pela população que a lei não consegue colocá-los atrásdas grades? Eles estão soltos e são levados a esta condiçãosuperior por serem ricos e influentes, pois estes poderosos ficamsempre impunes e protegidos pela organização sistêmica. Mesmocom os avanços do poder público dos últimos anos, por meio dasações do Estado, o qual iniciou várias operações contundentes em2005, ainda tem muito a fazer, embora sem parâmetros definidospara uma avaliação.

Os criminosos se apresentam através do engano, e parecenão existir comandos e organizações, entretanto se esquecem deexplicar a nação em pânico como são monitoradas as fugas dospresos, como se dá o contrabando de armas, os assaltos armados,os seqüestros estratégicos e o tráfico de drogas. De fato osverdadeiros salteadores não estão na cadeia, porque o delito sóexiste pela necessidade e sustentação dos atores externos queganham com as várias modalidades criminosas criadas earquitetadas pelo poder além das portas da cadeia. O tráfico dedrogas é a ponta da lança do crime organizado, porém suasramificações são globalizadas e necessita de esforço planetáriopara coibir essa prática.

Nessa dinâmica, a exclusão social do pobre e domarginalizado leva ao crime muitas vezes sem volta, e o Estadopode construir centenas de presídios que não vai resolver àproblemática. É preciso dar educação e oportunidades aos homens,as mulheres e as crianças, caso contrário, o que se pode esperardos marginalizados, além de uma fábrica de delinqüentes a serviçoda organização criminal? Neste sentido, o Brasil é um reflexo parao mundo com seus problemas sociais, todavia, nele acontece antesde qualquer país a delinqüência e a criminalidade, pois forma umprenúncio do futuro para o mundo. O Brasil é o espelho dosproblemas sociais para o mundo, aqui começa e depois acontece oefeito dominó para o planeta.

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Não é possível tapar o sol com a peneira, é preciso agir edar oportunidades aos atores sociais, isto sim coíbe o crime e amarginalização das pessoas, as cadeias são uma conseqüênciada falta de oportunidades. Por outro lado, ao condenado deve serreservado um local onde sirva para regenerar o homem e reintegrá-lo a sociedade, entretanto não é o que ocorre. Neste sentido, sefaz necessário encaminhá-los ao trabalho para contribuírem com asociedade, visto proporcionar um grande custo à nação, porqueassim da forma como as penas são determinadas aos presos passaser um castigo a nação, por meio do alto custo financeiro e social enão servem para reabilitarem ninguém. O custo mensal de cadainterno da FEBEM em julho de 2005 é de R$ 1.700,00.

Para MÉSZÁROS (2003, p. 109), “o século à frente deveráser o século do socialismo ou barbárie”. Também é preciso entender,bandidos não servem de exemplo a ninguém, mas é necessárioidentificar todos os criminosos, independente da classe social aque pertença, porque a cadeia deve ser para todos os delituosos,sem observar a sua classe de origem.

Assim, uma pessoa que pratica algum delito e forcondenada, deve cumprir sua pena e paralelo a ela, aprender umaprofissão para quando retornar à sociedade saiba fazer algo e nãoprecise voltar a vida do crime, uma vez que, a vida que o transformouem criminoso, na grande maioria das vezes, foi pelo fato de não teroportunidade. Logo, a pena deve ser uma forma de reintegraçãosocial.

É preciso resolver o problema da insegurança e daimpunidade, a fim de coibir o crime da elite política e econômica,também como das instâncias do Estado. Através desses grupos, os quais representam as exceções e nãoa regra é possível encontrar os principais criminosos, no entanto,são os que sustentam a rede da contravenção. Contudo, se faznecessário entender em primeiro lugar: a fome e a marginalizaçãoproduzem a criminalidade em potencial, num segundo passo tornaestes excluídos em possíveis criminosos, mas nos dois momentossão representados por grupos organizados em rede nacional einternacional.

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