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Literatura

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A LITERATURA

ROMANTISMO

17. O Movimento Romntico

18. Os Prdromos do Romantismo

19. Gonalves Dias e o Indianismo

20. O Individualismo Romntico

21. Castro Alves

22. Jos de Alencar e a Fico Romntica

23. A Crtica Romntica

24. Manuel Antnio de Almeida

O MOVIMENTO ROMNTICO

Origens do movimento. Definio e histria da palavra. O Pr-romantismo. A imaginao romntica. Estado de alma romntico. Caracteres e qualidades gerais e formais. Os gneros. As geraes romnticas. O Romantismo no Brasil: origem, perodos, caracteres. O indianismo. Significado e legado.

ORIGENS E DEFINIO

1. Aos olhos do comparatista e do historiador estilista - "stylistician qua historian" chama-lhe Hatzfeld, - o Romantismo aparece como um amplo movimento internacional, unificado pela prevalncia de caracteres estilsticos comuns aos escritores do perodo. , portanto, um estilo artstico - individual e de poca. um perodo estilstico, consoante nova conceituao e terminologia, e a perspectiva sinttica, que tendem a vigorar doravante na historiografia literria. , ademais, um conjunto de atividades em face da vida, e um mtodo literrio. O uso da palavra Romantismo e seus derivados em crtica literria j foi historiado de maneira completa. Remonta ao sculo XVII na Frana e na Inglaterra, com referncia a certo tipo de criao potica ligado tradio medieval de "romances", narrativas de herosmo, aventuras e amor, em verso ou em prosa, cuja composio, temas e estrutura e particularmente evidenciadas em Ariosto, Tasso e Spencer eram sentidas em oposio aos padres e regras da potica clssica. Assim, romntico, romanesco, so trmos encontradios no sculo XVII, e, segundo Wellek, deve-se a Warton (1781) o primeiro emprgo da oposio clssico-romntico, que teria fortuna, embora nle a anttese no tivesse a plena significao que lhe foi posteriormente adjudicada. Da palavra francesa "roman" ("romanz" ou "romant" ) , as lnguas modernas derivaram o sentido corrente no sculo XVIII, e que penetrou no Romantismo, designando a literatara produzida imagem dos "romances" medievais, fantasiosos pelos tipos e atmosfera. Quanto ao substantivo "Romantismo", seu uso mais recente, variando nos diversos pases europeus pelas duas primeiras dcadas do sculo XIX (na Frana, 1822-1824).4 Em Portugal, a palavra "romntico" foi introduzida por Almeida Garrett, em 1825, no Cames, e no Brasil ainda no aparece nos trabalhos de 1826 de Gonalves de Magalhes e Trres Homem, mas empregada pelo primeiro no prefcio

tragdia

Antnio Jos (1839), em oposio a clssico. Qualquer que tenha sido a poca de introduo do trmo "romntico" e seus derivados, o fenmeno, em histria literria e artstica, hoje conhecido como Romantismo, consistiu numa transformao esttica e potica desenvolvida em oposio tradio neoclssica setecentista, e inspirada nos modelos medievais. A mudana foi consciente, generalizada, de mbito europeu, a despeito de no haver o mesmo acrdo quanto introduo da palavra que designaria o movimento. A nova era literria, o nvo estilo, nasceu em oposio ao estilo neoclssico anterior, embora a etiquta s depois tivesse aceitao geral. Mas o que ela veio designar foi cedo geralmente entendido: o movimento esttico, traduzido num estilo de vida e de arte, que dominou a civilizao ocidentais durante o perodo compreendido entre a metade do sculo XVIII e a metade do sculo XIX. Conforme a concepo de histria literria sinttica, um movimento conjunto e unificado, com caractersticas gerais e comuns s vrias naes ocidentais, elementos positivos e negativos no plano das idias, sentimentos e formas artsticas, e, no dizer de Wellek, a mesma concepo da literatura e da imaginao potica, a mesma concepo da natureza e suas relaes com o homem, o mesmo estilo potico, formado de imagstica, smbolos e mitos peculiares. A histria das transformaes operadas na mentalidade ocidental, no sculo XVIII, que redundaram na revoluo romntica, foi narrada esgotantemente, luz da perspectiva comparada e sintetizaste, por Paul Van Tieghem em vrios trabalhos. 5 Deve-se-lhe, sobretudo, o relvo dado fase pr-romntica, noo recente na histria literria, cuja fixao necessria compreenso da maneira como os elementos romnticos foram de camada em camada penetrando a alma ocidental e dominando a arte e a literatura. Durante o perodo pr-romntico foi que ocorreu a luta contra o Neoclassicismo, contra as regras e gneros regulares, que le estabelecera, e que o Romantismo revogaria, realizando o ideal j anunciado pela Querela dos Antigos e Modernos. No se pode fixar o lugar onde primeiro surgiu, porquanto os movimentos literrios se formam gradativamente, ao mesmo tempo em diversos lugares, sem ligao entre si, como o resultado de evoluo interna

das formas e sensibilidade, e segundo leis imanentes natureza dos estilos.

As novas tendncias que se opuseram no meado do sculo XVIII aos ideais

neoclssicos, preludiando o Romantismo, refletem um estado de esprito

inconformista

em relao ao intelectualismo, ao absolutismo, ao convencionalismo clssicos, ao

esgotamento das formas e temas ento dominantes. A imaginao e o sentimento, a

emoo e a sensibilidade, conquistam aos poucos o lugar que era ocupado pela

razo. A noo de natureza e seus corolrios - a bondade natural, a pureza da

vida em

natureza, a superioridade da inspirao natural, primitiva, popular, - atraem

cada vez mais o intersse e o pensamento dos homens.

Uma srie de fatos relevantes constituem os marcos dessa "longa

incubao" pr-romntica, em que se produziu a desintegrao do Neoclassicismo:

a mudana

do foco de irradiao do temperamento nvo da Frana para a Inglaterra, de onde

irrompem as fontes da poesia popular e natural, produzindo um intenso movimento

europeu

- o ossianismo -iniciado pela fraude memorvel de Macpherson (1760-1763). A

redescoberta ou revelao de Shakespeare, por outro lado, constitui a outra face

da contribuio

inglsa renovao em curso. Da Alemanha, o Sturm und Drang (dcada de

1710), a ressurreio dos contos medievais e das lendas germnicas, ao lado da

mitologia

escandinava e nrdica, concorrem para orientar os espritos na direo nova.

Herder e Goethe, os irmos Schlegel, Klopstock encabeam a renovao, no sentido

do

irracionalismo, tornando o perodo o mais importante da histria literria

alem. Rousseau o outro grande europeu, cuja presena no sculo serve de ponto

de irradiao

e de convergncia das principais tendncias que definiro a fisionomia

romntica, a ponto de ser, por alguns, cognominado o "pai do Romantismo".

Chateaubriand, em

Le Gnie du Christianisme (1802) e Mme. de Stal, com De la Littrature (1800 )

e De l'Allemagne (1810 ) , oferecem o contedo da potica e da doutrina

literria

romnticas.

Como afirma Van Tieghem, em fatos aparecidos nos treze anos entre 1797

e 1810 que se deve situar o incio do Romantismo prpriamente: a apario da

escola

alem, dos lakistas inglses, de Walter Scott, Chateaubriand. Mme. de Stal.

Esses os marcos principais, ao lado dos quais outros, em diferentes pases,

constituem

a linha sinuosa que configura o perodo. Assim, ainda segundo Van Tieghem, 1795

para a Alemanha; 1798 para a Inglaterra (a data inicial para a Inglaterra

adiantada

por Bowra, para 1789, publicao dos Songs of Innocence de Blake); o incio do

sculo XIX para a Frana e os pases escandinavos; 1816, para a Itlia; e um

pouco

mais tarde para a Espanha; 1822, para a Polnia. Na altura de 1825, todos os

pases esto mais ou menos conquistados pelo movimento, que, por volta do meado

do sculo,

denotar completo esgotamento.

2. Sem perder de vista o critrio comparatista e sintetizaste e a noo

da unidade do movimento, as suas caractersticas ressaltam

de uma anlise parcial ou de conjunto. E essas qualidades constituem, reunidas,

a melhor definio do fenmeno, revelando que a sua unidade provm, no dizer de

Wellek,

da mesma viso da poesia, da mesma concepo da imaginao, da natureza e do

esprito, ou, por outras palavras, uma viso da poesia como conhecimento da

realidade

mais profunda por intermdio da imaginao; uma concepo da natureza como um

todo vivo e como uma interpretao do mundo, e um estilo potico constitudo

primordialmente

de mitos e smbolos.

Se quisermos reunir numa qualidade o esprito romntico esta ser a

imaginao. Mostrou C. M. Browa, em The Romantic Imagination, a importncia que

os romnticos

emprestaram imaginao e a concepo especial que dela tiveram. Parte

integrante da crena contempornea no eu individual, a crena na imaginao

comunicava aos

poetas uma extraordinria capacidade de criar mundos imaginrios, acreditando

por outro lado na realidade dles. O exerccio dessa qualidade era que os fazia

poetas.

Por outro lado, a nfase na imaginao tinha significao religiosa e

metafsica. Graas imaginao criadora, o poeta era dotado de uma capacidade

peculiar de

penetrar num mundo invisvel situado alm do visvel, a qual o tornava um

visionrio, aspirando saudoso por um mundo diferente, no passado ou no futuro,

outro mundo

mais satisfatrio do que o familiar. Essa viso de outro mundo ilumina e d

significao eterna s coisas sensveis, cuja percepo se torna vvida por essa

interpretao

do familiar e do transcendente.

No estudo do Romantismo, h que estabelecer primeiramente uma distino

entre o estado de alma romntico e o movimento ou escola de mbito universal que

o viveu entre os meados do sculo XVIII e do sculo XIX. O estado de alma ou

temperamento romntico uma constante universal, oposta atitude clssica, por

meio

das quais a humanidade exprime sua artstica apreenso do real. Enquanto o

temperamento clssico se caracteriza pelo primado da razo, do decro, da

conteno, o

romntico exaltado, entusiasta, colorido, emocional e apaixonado. Ao contrrio

do clssico, que absolutista, o romntico relativista, buscando satisfao

na

natureza, no regional, pitoresco, selvagem, e procurando, pela imaginao,

escapar do mundo real para um passado remoto ou para lugares distantes ou

fantasiosos.

Seu impulso bsico a f, sua norma a liberdade, suas fontes de inspirao a

alma; o inconsciente, a enoo, a paixo. O romntico temperamental,

exaltado, melanclico.

Procura idealizar a realidade, e no reproduzi-Ia.

Essas qualidades bsicas do temperamento romntico renem-se em artistas

de diversos tempos e naes, tanto em Ovdio quanto em Dante, na literatura

lrica

da Idade Mdia, em diversas manifestaes do Renascimento, at encontrar no

sculo XVIII o instante supremo de realizao, em um movimento universal e

unificado.

interessante mencionar aqui certo parentesco dos espritos romntico e

barroco.

Desencadeado como uma reao contra o Classicismo racionalista que

constitura o dogma literrio reinante desde o Renascimento

- caracterizou-se o movimento romntico por um conjunto de novas idias, temas

literrios e tipo de sensibilidade, resultantes de correntes que convergiram

paralelamente

da Alemanha e da Inglaterra, no curso do sculo XVIII, .durante o perodo hoje

definido como Pr-romantismo.

Os elementos novos assumiram na Inglaterra a forma de uma reao contra

o racionalismo cartesiano, em nome de uma teoria do conhecimento atravs dos

sentidos.

Essa reao realista invade o sensualismo de Condillac, conjungando-se com um

sentimentalismo mstico. Assim, realismo e sentimentalismo entronizam a idia de

natureza,

como o lugar onde se encontram a fonte de tdas as coisas e a origem do lirismo.

A intuio, o empirismo, o senso do concreto, o individualismo, tm como

contraparte

a necessidade de fugir da realidade, de ver alm da razo, de evadir-se do

mundo, graas imaginao, para uma poca passada ou um universo sobrenatural.

Da o

senso do mistrio, a atitude de sonho e melancolia, de angstia e pessimismo,

que carreiam para o Romantismo os temas da morte, desolao, runas, tmulos, o

gsto

das orgias e o "mal do sculo". Da tambm a volta ao passado, Idade Mdia, ao

mundo de magos, fantasmas e feiticeiros. E o redescobrimenta do tema da

infncia.

Do romance sentimental de Richardson, passou-se ao lirismo sonhador e

melanclico de Young, ao passadismo de Gray, ao mundo fantstico de Ossian, ao

romance gtico

e ao romance negro. Sentimento da natureza, culto do eu, religiosidade,

melancolia,: gsto do passado e das runas, sobrenaturalismo, eis os traos que

o esprito

romntico deveu Inglaterra.

Na Alemanha, desde cedo no sculo XVIII, o lirismo da natureza, o

sentimentalismo, o culto da imaginao, o gsto do passado medieval germnico,

das baladas

populares, encontraram defensores em Klopstock, Herder, vindo afinal desabrochar

no movimento 'do Sturm und Drang (17'70), revoluo literria dirigida ao

"assalto''

da tradio clssica. Goethe e Schiller, e, mais tarde, Tieck, Novalis, os

irmos Schlegel, conduzem a literatura no mesmo sentido da Inglaterra, aliando

sensibilidade

e misticismo, melancolia e mistrio, particularismo e desconhecido, exaltao

apaixonada e sofrimento amoroso.

Sob o impacto da influncia convergente das correntes inglsa. e alem,

a fortaleza francesa do racionalismo clssico, vai aos poucos, ao longo do

sculo

XVIII, cedendo os seus basties de defesa, e a marcha progride tambm l com a

vitria do individualismo, sentimento da natureza, sensibilidade, paixo,

melancolia,

desejo de evaso, mormente pela influncia poderosa de Rousseau. Da Frana o

Romantismo se espalha por tda a Europa e Amrica, sobretudo merc do mpeto

liberal

e revolucionrio que adquiriu o movimento no contato com a Revoluo Francesa

(1789).

Para a compreenso e definio do Romantismo como movimento histrico

que deu forma concreta - em determinado tempo e lugar - a um estado de esprito

ou

temperamento, faz-se mister, acima de tudo, renunciar a reduzir o esprito

romntico a uma fr-

mula, como tentaram inmeros crticos e historiadores, e procurar caracteriz-lo

antes como um conjunto de traos, uma constelao de qualidades, cuja presena,

em nmero suficiente, o torna distinto em oposio ao clssico ou ao realista.

Essa combinao de qualidades, variando naturalmente a composio, que serve

para

identificar o esprito romntico.

Em conformidade com um trabalho de Hibbard, s pode-se apontar as

seguintes qualidades que caracterizam o esprito romntico:

1) Individualismo e subjetivismo. A atitude romntica pessoal e

ntima. o mundo visto atravs da personalidade do artista. O que releva a

atitude pessoal,

o mundo interior, o estado de alma provocado pela realidade exterior. Romantismo

subjetivismo, a libertao do mundo interior, do inconsciente; o primado

exuberante

da emoo, imaginao, paixo, intuio, liberdade pessoal e interior.

Romantismo liberdade do indivduo.

2 ) Ilogismo. No h lgica na atitude romntica, e a regra a

oscilao entre plos opostos de alegria e melancolia, entusiasmo e tristeza.

3 ) Senso do mistrio. O esprito romntico atrado pelo mistrio da

existncia, que lhe aparece envolvida de sobrenatural e terror. Individualista e

pessoal,

o romntico encara o mundo com espanto permanente, pois tudo - a beleza, a

melancolia, a prpria vida - lhe aparecem sempre novos, e sempre despertando

reaes originais

em cada qual, independentemente de convenes e tradies.

4) Escapismo. o desejo do romntico de fugir da realidade para um

mundo idealizado, criado, de nvo, sua imagem, imagem de suas emoes e

desejos,

e mediante a imaginao. Nem fatos nem tradies despertam o respeito do

romntico, como acontece com o realista ou o classicista. Pela liberdade,

revolta, f e

natureza, em comunho com o passado ou aspirao pelo futuro, sse escapismo

romntico constri o mundo nvo base do sonho.

5) Reformismo. Essa busca de um mundo nvo responsvel pelo sentimento

revolucionrio do romntico, ligado aos movimentos democrticos e libertrios

que

encheram a poca e na devoo a grandes personalidades militares e polticas.

6) Sonho. Tambm responsvel o desejo de um mundo nvo pelo aspecto

sonhador do temperamento romntico. Em lugar do mundo conhecido, a terra

incgnita

do sonho, muitas vzes representada em smbolos e mitos.

7) F. Em vez da razo, a f que comanda o esprito romntico. No o

po smente que satisfaz o romntico; idealista, aspirando a outro mundo,

acredita

no esprito, e na sua capacidade de reformar o mundo. Valoriza, a faculdade

mstica e a intuio.

6 Hibbard, Writers oj the World. Boston, Houghton Mifflin, 1942, pp. 389 as.

8) Culto da natureza. Supervalorizada pelo Romantismo, a Natureza era um

lugar de refgio, puro, no contaminado pela sociedade, lugar de cura fsica e

espiritual.

A natureza era a fonte de inspirao, guia, proteo amiga. Relacionada com sse

culto, que teve to avassalador domnio em todo o Romantismo, foi a idia do

"bom

selvagem'", de homem simples e bom em estado de natureza, que Rousseau exprimiu;

foi tambm a voga da ilha deserta, e da "paisagem" na pintura e na literatura,

paisagens

exticas e incomuns (exotismo).

9 ) Retrno ao passado. O escapismo romntico traduziu-se em fuga para a

natureza e em volta ao passado, idealizando uma civilizao diferente da

presente.

pocas antigas, envoltas em mistrio, a Idade Mdia, o passado nacional,

forneciam o ambiente, os tipos e argumentos para a literatura romntica. A

histria era

valorizada e estudada (historicismo).

10) Pitoresco. No smente a remotido no tempo, mas tambm no espao

atraa o romntico. o gsto das florestas, das longes terras, selvagens,

orientais,

ricas de pitoresco, ou simplesmente de diferentes fisionomias e costumes. a

melancolia comunicada pelos lugares estranhos, geradora da saudade e da dor de

ausncia,

to caractersticas do Romantismo. O pitoresco e a cr local tornaram-se um meio

de expresso lrica e sentimental, e, por fim, de excitao de sensaes. o

caminho

para o Realismo.

11) Exagro. Na sua busca de perfeio o romntico foge para um mundo em

que coloca tudo o que imagina de bom, bravo, amoroso, puro, situado no passado,

no futuro, ou em lugar distante, um mundo de perfeio e sonho.

Ao lado dessas caractersticas, resumidas de Hibbard, o Romantismo

distingue-se ainda por traos formais e estruturais.

a Como decorrncia da liberdade, espontaneidade e individualismo, no

romntico h ausncia de regras e formas prescritas. A regra suprema a

inspirao individual,

que dita a maneira prpria de elocuo. Da o predomnio do contedo sbre a

forma. O estilo modelado pela individualidade do autor. Por isso, o que o

caracteriza

a espontaneidade, o entusiasmo, o arrebatamento. Enquanto o classicista

prso s regras e o realista aos fatos, o romntico movido pela vontade do

artista

e pelas suas emoes e reflexes.

Ao passo que o clssico tende a simplificar as personagens, o romntico

encara a natureza humana na sua complexidade, construindo tipos multifacetados,

mais

naturais e mais humanos.

Do ponto de vista estilstico, o Romantismo oferece fisionomia bem

distinta podendo ser considerado um perodo estilstico, um estilo individual e

de poca

bem caracterizado. Helmut Hatzfeld assim resume as qualidades que definem

estilsticamente o Romantismo:

Romanticism is the preferente given to metaphor in contradistinction to

Classicism which is mainly relying on metonymy.

The consequente of this linguistic behavior is a propensity to imagery

in general, be it in epic (novelistic) description, be it in lyrical symbolism

or

alle gory.

The intoxication of the eye and the stressing of sensation versus

catharsis ftrrthermore recurs to showy substantives and colorful epithets which

in the

long rui shift the stress from the necessarily paler verbal style to a painterly

nominal style in which even psychological shades are only expressed by

physiognomical

traiu and gesttues. v

O Romantismo distinguiu-se tambm quanto ao problema dos gneros. Alis,

quando se inicia o processo revisionista da prpria noo de gnero, tal como

foi consagraria pela potica neoclssica, sobretudo por Boileau, imagem de

Aristteles e Horcio, reao que culminaria com Croce.

A noo de gnero fixo, imutvel, puro, isolado, correspondente a uma

hierarquizao social, o Romantismo comeou a opor as idias da possibilidade de

mistura,

evoluo, transformao, desaparecimento dos gneros, seu enriquecimento ou

esclerose, o nascimento de novos, a concomitncia de diversos numa s obra,

abolindo,

destarte, o esprito sistemtico e absolutista que dominava a compremso do

problema, lodiernamente encarado - diga-se de passagem atravs de uma viso

antes discritiva

e analista, sem a tendncia fixao de regras.

Assim, as classificaes e separaes, as regras, os assuntos, que

vigoravam quanto aos gneros segundo os postulados neoclssicos, foram postos em

xeque

pela polmica romntica. Em nome da liberdade, a literatura neoclssica

aparecendo nitidamente esgotada e esclerosada pela submisso a um sistema de

regras para

cada gnero; o Romantismo insurge-se contra a distino dos gneros,

considerando arbitrria a separao e reivindicando, ao contrrio, a sua

mistura. A prpria

subverso social conseqente Revoluo Francesa, rompendo com a antiga

hierarquizao, refletia-se nessa anulao das fronteiras entre as formas

literrias; pois,

no dizer de Hugo, "Ia seule distinction vritable dans les oeuvres de 1'esprit

est celle du bon et du mauvais". Guizot ps em relvo a impossibilidade de

manterem-se

as classificaes e separaes, acordes com uma sociedade estvel e ordenada,

depois de subvertida por sentimentos e necessidades contrastantes. Por outro

lado,

o esprito clssico no admite na arte a pluralidade de emoes e sentimentos

num mesmo gnero, o que prerrogativa do romntico, que se compraz na

apresentao

misturada e ntima de coisas e estados de alma opostos. Para o romntico, mais

seduzido pela complexidade da vida, em obedincia a essa complexidade e sua

aparente

desordem que se impe

7 . "O Romantismo a preferncia pela metfora, por contraste com o

Classicismo que confia principalmente na metonmia.

"A conseqncia dsse comportamento lingstico a propenso imageria

em geral, seja na descrio pica (novelstica), seja no simbolismo lrico, seja

na alegoria.

"A exaltao da viso e a nfase na sensao contra a catarse recorrem,

alm disso, a substantivos vistosos e a eptetos coloridos, os quais acabam,

afinal,

mudando a tnica de um estilo verbal, necessriamente mais plido, para um

estrio nominal pictrico, no qual at as nuances psicolgicas s logram

expressar-se por

traos e gestos fisionmicos". llelinut Hatzfeld, escrito especialmente para

esta obra.

a mistura dos gneros, aparecendo lado a lado a prosa e a poesia, o sublime e o

grotesco, o srio e o cmico, o divino e o terrestre, a vida e a morte.

As conseqncias dessa formulao do problema dos gneros, que no se

processou, alis, abruptamente, ao contrrio, atravs de longos debates e

experincias,

no deixaram de se fazer sentir na poesia, no teatro, no romance.

a) A partir do conceito de que a poesia se origina no corao, onde

reside a suprema fonte, e de que arte cabe apenas a operao de fazer versos,

o Romantismo

reduz tda poesia ao lirismo, como a forma natural e primitiva, oriunda da

sensibilidade e da imaginao individuais, da paixo e do amor. Poesia tornou-se

sinnimo

de auto-expresso. Em conseqncia, as denominaes genricas de poesia, poesia

lrica, lirismo, poema, foram substituindo as antigas denominaes especficas

de

ode, elegia, cano, as quais, inclusive, perderam, no dizer de Van Tieghem, seu

sentido preciso ou desapareceram de uso, acompanhando o declnio ou a

substituio

dos gneros que designavam. Assim, a&poesia romntica foi pessoal, intimista e

amorosa, explorando, ainda, a temtica filosfica e religiosa. mister, tambm,

no

esquecer que teve um aspecto social e reformista, alm do narrativo com

tonalidade pica.

b) Quanto ao teatro, a revoluo ainda mais drstica, dela resultando,

como acentua Van Tieghem, a destruio da tragdia como gnero fixo e consagrado

por leis imutveis, e sua substituio pelo drama de estrutura e forma livres e

diversas, melhor apropriado s tendncias do esprito do sculo.

A revoluo no teatro, o primeiro gnero a atrair o esprito romntico,

e no qual se realizou principalmente, processou-se contra as regras ou unidades

de

tempo e lugar, da potica neoclssica, salvando-se a unidade de ao ou de

intersse, criada pela personagem, que forma o seu centro. Foi a prpria

exigncia do

drama romntico, - de fundo histrico, reunindo problemas sociais, polticos,

morais, psicolgicos, religiosos, assuntos vastos, personagens numerosas

tratadas na

sua evoluo, sem saltos, - que imps a ruptura das unidades, pela necessidade

de maior margem de tempo e lugar para movimentar a ao.

Renunciando a essas unidades, o drama romntico virou-se para o passado

nacional e, para a histria moderna, em lugar da antiguidade greco-latina, em

busca

da forma nova, a "cr local", os costumes, base da realidade e caracterstica

essencial da sociedade. Mas o drama romntico distingue-se ainda pela unio do

nobre

e do grotesco, do grave e do burlesco, do belo e do feio, no pressuposto de que

o contraste que chama a ateno, alm de assim mostrar-se mais fiel

realidade.

Por ltimo. o drama romntico misturou o verso e a prosa.

c) De referncia ao romance, no foi menor a importncia que o

Romantismo lhe emprestou, e, pode-se afirmar, o gnero ofereceu ao esprito

romntico as melhores

oportunidades de realizao

de seus ideais de liberdade e realismo - fsse na linha psicolgica, histrica

ou social, - alm de proporcionar-lhe melhor atmosfera para o sentimentalismo, o

idealismo,

o senso do pitoresco e do histrico, e a preocupao social.

Com o Romantismo, inaugura-se o gsto da anlise precisa e do realismo

na pintura dos caracteres e dos costumes, cujos exemplos mximos so Stendhal e

Balzac.

Mas a simples realidade no prendia os romancistas romnticos, que tambm

buscavam a verdade atravs da construo de snteses ideais e tipos genricos,

reunindo

traos variados e de origens diversas na composio de uma personagem. O

romance, destarte, fundiria realidade e fantasia, anlise e inveno. 'Assim

como no teatro,

no romance, o gsto da histria, dos motivos e personagens, de tal maneira

disseminado, que imprime ao gnero uma de suas formas principais na poca: o

romance

histrico. Outra variedade que gozou de extrema popularidade foi o romance

gtico, "o romance negro", de contedo fantstico ou terrorfico, histrico ou

sentimental,

armado com incidentes misteriosas, cheio de fantasmas, aparies e vozes

sobrenaturais, passados em castelos, claustros ou solares assombrados, e

buscando deliberadamente

a impresso de horror. Tambm o romance de aventuras, com muita ao, faanhas

perigosas, extraordinrias e emocionantes, podendo encontrar-se combinadas as

duas

formas.

Em suma, o Romantismo cultivou principalmente a poesia lrica, o drama e

~ o romance - social e de costumes, psicolgico e sentimental, gtico e de

aventuras,

e histrico, de tema medieval ou nacional.

Mas, s inovaes introduzidas na estrutura dos gneros, na inspirao,

na temtica, houve que acrescentar reformas na lngua, no estilo, na tcnica da

versificao.

De modo geral, atenderam tendncia para a liberdade.

Sem renunciar sintaxe e disciplina potica, o romntico reagiu, em

geral, contra a tirania da gramtica e combateu o estilo nobre e pomposo, que

considerava

incompatvel com o natural e o real, e defendeu o uso de uma lngua libertada,

simples, sem nfase, coloquial, mais rica.

Por outro lado a versificao deveria passar por um processo de

adoamento, com formas mtricas mais variadas, ritmos novos e mais harmoniosos

(Van Tieghem),

maior mobilidade e variedade de cesuras e riquezas de rimas, a fim de fugir

monotonia das formas clssicas.

3. O movimento romntico ocidental, concretizao do esprito romntico

num estilo de vida e de arte, estendeu-se pela Europa e Amrica em ondas

concntricas

formadas por sucessivas geraes de indivduos. Essas ondas possuem fisionomia

especial, resultado da diferenciao das qualidades romnticas custa do

predomnio

de umas sbre outras e de preferncias ' ideolgicas e artsticas reveladas

pelas geraes que as compuseram.

O Romantismo foi preparado por uma primeira gerao, que constituiu o

movimento atualmente conhecido como o Pr-romantis-

mo, desenvolvido sobretudo na Inglaterra e na Alemanha durante o sculo XVIII.

Formam sse grupo: Macpherson, Young, Gray, Collins, Goldsmith,

Chatterton, Cowper, Burns, Klopstock, Herder, Goethe, Schiller, Bernardin de

Saint Pierre,

Foscolo, etc.

Em seguida, vem a primeira gerao romntica, constituda de figuras

nascidas por volta de 1770: Blake, Wordsworth, Coleridge, Southey, Walter Scott,

Guilherme

e Frederico Schlegel, Tieck, Novalis, Chamisso, Mme. de Stal, Chateaubriand,

Lamb, De Quincey, Irving, Fichte, De Maistre, Courier, Hazlitt, Eichendorff,

Uhland,

Kleist, Grillparzer, Beethoven, Bello, Senancour, Hoffmann, etc. O Romantismo

nles no est completamente formado, e se notam, em muitos, certos resduos

clssicos,

na luta por impor uma nova sensibilidade.

A segunda gerao romntica a mais numerosa, e enquanto a primeira s

atinge a plenitude mais para a idade madura, seus representantes, nascidos entre

1788 e 1802, denotam plena posse de sua novidade, e desde a juventude avivem

revolucionria e conscientemente. Compem-na: Byron, Atterbom, Brentano,

Lamartine,

Schopenhauer, Shelley, Keats, Vigny, Leopardi, Mickiewicz, Pouchkine, Lenau,

Hugo, Manzoni, Espronceda, Garrett, Dumas ( pai ) , Carlyle, Emerson, Macaulay,

Michelet,

Villemain, Nisard, George Sand, Cooper, Andersen, Stendhal, Merime, Balzac,

Sue, Ranke, Heine, Schubert, etc.

A terceira gerao compreende figuras nascidas entre 1810 e 1820:

Musset, Petoeff, Gautier, Nerval, Avellaneda, Herculano, Poe, Belinsk.

Dos escritores romnticos, aqules que mais influram na ecloso e

desenvolvimento do movimento no Brasil foram: Chateaubriand, Walter Scott,

Byron, Lamartine,

Hugo Leopardi, Espronceda, Dumas (pai), Musset, Cooper, Heine, Hoffmann, Sue,

Garrett e Herculano. Os grandes romancistas romnticos - Merime, Stendhal e

Balzac,

- tiveram influncia duradoura, que se prolongou pela fase realista da

literatura brasileira.

CRONOLOGIA E CARACTERES DO ROMANTISMO BRASILEIRO

1. A penetrao do movimento romntico no Brasil relatada no eap. 17.

vol. I, de A Literatura no Brasil.

Foi graas ao prprio senso de relativismo do movimento que le se

adaptou situao local, valorizando-a, de acrdo com a regra romntica de

exaltao

do passado e das peculiaridades nacionais. Assim, o Romantismo, no Brasil,

assumiu um feitio particular, com caracteres especiais e traos prprios, ao

lado dos

elementos gerais, que o filiam ao movimento europeu. De qualquer modo, tem uma

importncia extraordinria, porquanto foi a le que deveu o pas a sua

independncia

literria, conquistando uma liberdade de pensamento e de expresso sem

precedentes, alm de acelerar, de

modo imprevisvel, a evoluo do processo literrio. O perodo de meio sculo,

entre 1800 e 1850, mostra um grande salto na literatura brasileira, passando-se

das

penumbras de uma situao indefinida, mista de neoclassicismo decadente,

iluminismo revolucionrio e exaltao nativista, para uma manifestao

artstica, em que

se rene uma pliade de altos espritos de poetas e prosadores, consolidando, em

uma palavra, a literatura brasileira, na autonomia de sua tonalidade nacional e

de suas formas e temas, e na autocon:.eincia tcnica e crtica dessa autonomia.

O estudo da evoluo e caractersticas dos diferentes gneros, e a

anlise das teorias literrias e crticas que informaram o movimento, evidenciam

a gnese

dessa concincia de uma literatura que atingia sua independncia. Sobressai

nesse instante a figura de Jos de Alencar, o patriarca da literatura

brasileira, smbolo

da revoluo literria ento realizada, a cuja obra est ligada a fixao dsse

processo revolucionrio que enquadrou a literatura brasileira nos seus moldes

definitivos.

Incitando o movimento de renovao; acentuando a necessidade de adaptao dos

moldes estrangeiros ao ambiente brasileiro, em lugar da simples imitao servil;

defendendo

os motivos e temas brasileiros, sobretudo indgenas, para a literatura, que

deveria ser a expresso da nacionalidade; reivindicando os direitos de uma

linguagem

brasileira; colocando a natureza e a paisagem fsica e social brasileiras em

posio obrigatria no descritivismo romntico; exigindo o enquadramento da

regio e

do regionalismo na literatura; apontando a necessidade de ruptura com os gneros

neoclssicos, em nome de uma renovao que teve como conseqncia imediata,

prticamente,

a criao da fico brasileira, relegando para o limbo das formas cedias a

epopia que Gonalves de Magalhes tentara reabilitar ainda em plena metade do

sculo

- Alencar deu um enrgico impulso marcha da literatura brasileira para a

alforria.

O mesmo processo revolucionrio segue a poesia, transplantada para o

plano ntimo, embora, ao lado do lirismo, formas de veia pica e narrativa se

hajam

cultivado com valorosas expresses, sobretudo em Gonalves Dias e Castro Alves.

Mas os tipos que caracterizaram os neoclssicos e mesma os pr-romnticos, foram

de todo superados.

Teve, portanto, o movimento romntico tdas as qualidades de uma

revoluo, dando largas s manifestaes do temperamento potico e literrio

nacionais.

Para melhor acentuar essa nota revolucionria, h o paralelismo com as

circunstncias sociais e polticas, tambm de natureza nitidamente

revolucionria, que acompanharam

o processo da independncia, em 1822. A ascenso da burguesia, custa da

atividade comercial e das profisses liberais, intelectuais e polticas, e

tambm pelo

processo de qualificao social do mestio graas, como mostrou Gilberto Freyre,

s cartas de branquidade que o enriquecimento, o casamento e o talento literrio

e poltico concediam, - a ascenso da burguesia tornou-a um aliado ou

concorrente poderoso da aristocracia rural, quando no a substituiu ou se

fz o seu representante nos parlamentos, na administrao pblica, no govrno,

conferindo-lhe, assim, uma posio igualmente influente e direitos to fortes ao

gzo

dos benefcios da civilizao. O momento, sob a rvore frondosa de um trono

estvel e respeitado, de prosperidade geral e progresso em tdas as direes.

Depois

da presena da Crte portugusa e da Independncia, ste processa ascendente e

constante, mesmo quando sobressaltado por crises momentneas, como a da poca da

Regncia (1831-1840 ) . Particularmente, o progresso cultural tal que

dificilmente se poder apontar poca de maior significao na histria da

cultura brasileira.

E se cabe, inegvelmente, a Alencar um psto sem igual, talvez, como a figura

que encarna e simboliza, no plano literrio, essa revoluo, no foi ela,

todavia,

obra de um s homem, como isso poderia fazer supor. Basta o registro da galeria

de poetas do Romantismo para comprovar a assertiva. Tudo assim pe em relvo a

importncia

e o significado do Romantismo na literatura e na cultura brasileira. Importncia

e significado tanto mais reley,antes quanto contrastam com o que realizou o

perodo

imediatamente anterior. bem verdade que o Arcadismo constitui a primeira

grande manifestao literria coletiva de valor no Brasil, quando se desenvolve

realmente

a poesia e se fixa profundo sentimento nacionalista. Pode considerar-se a

primeira manifestao romntica, ou precursora do Romantismo. Todavia, a

despeito de vir

tambm do Arcadismo o germe da exaltao da natureza, nas suas tendncias

rsticas e aluses flora e fauna locais, a qual se desenvolveria numa das mais

fortes

caractersticas do Romantismo, o Arcadismo manteve-se fiel, mormente na forma,

aos modelos clssicos e lusos, deixando para o Romantismo a conquista de um

nativismo

tambm de emoo e motivos. Dessa maneira, evidencia-se a novidade do

Romantismo, ainda mais destacada pelo contraste com os elementos arcdicos,

muitos dos quais

penetraram, sob forma de resduos, at a primeira fase do Romantismo. Contraste

que ressalta ainda com a substituio da influncia lusa pela inglsa e

francesa.

Entre os dois momentos medeia, alis, uma fase de transio - pr-

romntica - em que lutam as tendncias novas e o esprito antigo, e ressa tal

hesitao

na mistura e interpenetrao de tendncias estticas, de formas novas com temas

cedios ou de assuntos novos com gneros superados, tudo mostrando a indefinio

e incaracterizao da poca,, dominada por um subarcadismo ou pseudoclassicismo.

Correntes diferentes cruzam-se e misturam-se, barrcas, arcdias, iluministas,

neoclssicas,

rococs, romnticas, oriundas a maioria de fontes europias - portugusa e

francesa, - outras mergulhando razes na terra brasileira, prenunciando traos

que marcaro

a futura fisionomia literria brasileira. A transio no cronolgica, mas

formal.

Destaca-se, na gnese do Romantismo brasileiro, a contribuio do

Arcadismo portugus, muito atuante na fase de transio, justamente, o que

parecer paradoxal,

quando se deu o rompimento com a Metrpole. Fomentando a reao ao cultismo

decadente; incentivando a imitao antiga, por intermdio da Frana; iniciando

o

lirismo pessoal; insistindo no culto da natureza, depois do que foi fcil a

transio para o exotismo americano; legando aos pr-rommticos a grande herana

do verso

branco; elevando como regras poticas a simplicidade, a naturalidade e a

fantasia; os rcades portuguses - Correia Garo, Reis Quita, Antnio Dinis da

Cruz e Silva

- a que os brasileiros estiveram ligados, conquistaram uma posio de influncia

impossvel de ser negligenciada. H que registrar, outrossim, o influxo de

Borge,

por si mesmo j ocupando um psto de transio, bem como os de Nicolau

Tolentino, Jos Agostinho de Macedo, Filinto Elsio, e outros, alguns dos quais,

ao lado de

Garrett e Herculano, tiveram influncia que se prolongou por todo o Romantismo

brasileiro.

Mas a ecloso do Romantismo no foi fenmeno isolado, e sim um dos

aspectos por que se afirmou a conscincia da Nao, em trabalho de autonomia.

O progresso geral do pas durante a fase da permanncia da Crte

portugusa (1808-1821), imediatamente seguida pela Independncia (1822 ) , teve

indisputvel

expresso cultural e literria. O Rio de janeiro tornou-se, alm da sede do

govrno, a capital literria, e, com a liberdade de prelos, desencadeou-se

intenso movimento

de imprensa por todo o pas, em que se misturavam a literatura e a poltica numa

feio bem tpica da poca. A agitao intelectual que caracteriza a fase

posterior

Independncia, h que aliar uma grande curiosidade acrca do pas - sua

histria, sua vida social, econmica e comercial, sua raa, flora e fauna, - de

que resultou

a criao do Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro (1838), alm do

intersse pelas cincias naturais, pela mineralogia, qumica, medicina. Os

estudos histricos

libertaram-se do tipo de memrias, crnicas e genealogias, encamhinando-se para

a orientao moderna. Foi relevante o papel da imprensa poltica e literria na

fase

estudada. Sua vasta atuao mostra o alargamento do pblico, no Brasil, ao mesmo

tempo que estabelece um lao entre le e os escritores, que ter vida longa no

pas,

numa popularidade, com altos e baixos, mas sempre presente. Contudo, a essa

fuso de poltica e literatura se devem tambm muitos malefcios

produo literria.

Criou ou implantou entre ns, a moda do "publicista", misto de jornalista,

poltico e homem de letras, capaz de borboletear por todos os assuntos sem se

fixar em

nenhum. A isto se deve a primazia do "diletante" sbre o "profissional" no

exerccio das letras, de graves conseqncias para a qualidade da produo, seja

no terreno

da literatura de imaginao, seja no das idias. No ser injustia

responsabilizar-se sse esprito pela superficialidade, falta de calado,

contedo e substncia,

que so traos de nossa literatura.

De qualquer modo, porm, no se pode desdenhar o papel que teve a

imprensa literria e poltica na fase da gnese do Romantismo no Brasil.

Imprensa representada

sobretudo pelos seguintes rgos: Correio Brasiliense (1808-1822), de Hiplito

da Costa Pereira; Aurora Fluminense (1827), de Evaristo da Veiga; As Variedades

ou

Ensaios de Literatura (1812), primeiro jornal literrio do Brasil; O Patriota

(1813-1814) ; Anais Fluminenses de Cincias, Artes e Literatura (1822) ; O

Jornal Cientfico, Econmico e Literrio (1826) ; O Beija-Flor (1830-1831) ;

Revista da

Sociedade Filomtica (1833 ) ; Niteri-Revista Brasiliense (1836) ; Minerva

Brasiliense (1843-1845) ; Guanabara (1850).

Como bem define Virgnia Crtes de Lacerda, "observando o local e a data

do aparecimento, a durao mais ou menos efmera, a orientao, filosfica,

poltica

ou literria, o contedo dsses rgos da nossa imprensa de ento, podemos

chegar a determinadas concluses bastante elucidativas do nosso Pr-romantismo:

1) a influncia

estrangeira, poltica e literria, vinda de Londres, primeiro, e de Paris,

depois, com predominncia; 2) os focos culturais do perodo

3 ) a influncia das sociedades pensamento e da ao (socie-

dades manicas, literrias, cientficas, artsticas) ; 4) o estmulo

das leigas brasileiras, lana persistncia do filintismo

e do elmanismo na expresso literria do tempo".

Atravs do jornalismo - poltico ou literrio, pela notcia e pela

traduo - o incipiente e rarefeito meio cultural brasileiro mantinha-se em

contato espiritual

com os grandes centros estrangeiros. Mas essa funo foi tambm preenchida pela

traduo, de larga voga na poca, divulgada em livra ou jornal, de literatura de

idias ou de fico, feita por penas ilustres. Teve influncia poderosa na

renovao intelectual, pela divulgao que fz da cultura estrangeira, desde

que, cessada

a proibio lusa, importao intelectual, se abriram livremente as portas s

idias. Assim, os ideais iluministas, enciclopedistas, revolucionrios e

romnticos

tiveram livre curso no pas, produzindo rpidamente os seus frutos.

A oratria foi outro meio importante e de largo cultivo no perodo,

contribuindo para alargar os horizontes, atravs dos plpitos e parlamentos. Foi

uma

forma extremamente popular, graas qual as novas doutrinas alcanavam as

camadas altas e as populares, atradas pelo brilh e eloqncia dos pregadores e

dos polticos.

A voga da oratria resistiu todo o sculo XIX, e smente nos anos mais recentes,

aps a revoluo modernista, que ela no mais desperta o mesmo eco e igual

receptividade,

sobretudo nas esferas mais cultas. Deixou, porm, forte impregnao na

mentalidade e nos hbitos literrios brasileiros, que refletem o gsto do

discurso, at na

prosa de fico e na poesia. Situada, porm, no tempo, a oratria poltica e

religiosa representou um papel importante no plasmar a estrutura poltica e

social brasileira,

pela eloqncia de agitadores em quem se concentravam os melindres e anseios da

nacionalidade, luz dos ideais liberais e do nacionalismo inovador, ideais

difundidos

largamente ao impulso do Iluminismo e da Revoluo Francesa.

Mas foi a poesia lrica a expresso literria dominante nessa fase de

transio, em que se exercitaram, como relembra Virgnia Crtes de Lacerda, os

poetas

do grupo que Verssimo chamou "os predecessores do Romantismo", e Slvio Romero

os "ltimos poetas clssi-

localizados em Bahia, Rio e S. Paulo; secretas ou literrias na orientao do

proveniente dos apelos de nacionalizao

adas por Ferdinand Denis e Garrett; 5)

cos, retardatrios e de transio", e Ronald de Carvalho os "ltimos rcades". $

, portanto, no perodo pr-romntico que se deve colocar o germe da

independncia intelectual do Brasil. E nesse trabalho distinguiram-se Jos

Bonifcio,

o promotor da independncia literria, e Sousa Caldas. O papel revolucionrio

que desempenharam foi a despeito de seu carter hbrido e transicional, pois se

conservaram

neoclssicos por certos aspectos, e adotaram atitudes e formas inovadoras,

inspiradas no Pr-romantismo e no Romantismo europeu, ou decorrentes da prpria

vida do

pas. Assim, "j se reconheceu que os nossos pr-romnticos tinham laivos dos

pr-romnticos europeus (Sturmistas, Wieland, Young. . . ), e de romnticos

conservadores

e religiosos (Scott, Wordsworth, Chateaubriand, Lamartine, Hugo, da primeira

fase, poetas medievalistas. . . ) e ainda nada do Romantismo liberal e

revolucionrio

( Shelley, Hugo, Heine . . . ) . Eram de inspirao nacionalista, mas

conservadores e religiosos'".

A tarefa de introdutor do Romantismo no Brasil coube, porm,

singularmente a uma figura que foi, alm disso, como assinalou Jos Verssimo, o

nosso primeiro

homem de letras, e quem iniciou a carreira literria entre ns, Domingos Jos

Gonalves de Magalhes, o Visconde de Araguaia. A singularidade do fato reside

em que

tal trabalho haja sido realizado por um esprito de tendncias conservadoras,

expressas no seu primeiro livro de poesias (1832 ) , e ainda na fidelidade a

certas

formas clssicas, ressuscitadas muito tempo depois de implantado o Romantismo,

quando deu a lume o poema A Confederao dos Tamoios (1856), de linhas

nitidamente

tradicionais. Mas sse carter hbrido tpico da poca de transio, e no

prprio Magalhes, aos remanescentes clssicos, aliam-se traos e ndices de

8 Assim se define, conforme ainda Virgnia Crtes de Lacerda, essa

poesia lrica da poca: "Poesia lrica para ser cantada e portanto estrfica em

sua primitiva

significao - conserva ainda, nesse tempo as suas formas mais remotas, herana

greco-romana vestida neolatina; so odes (religiosas, hericas, filosficas ou

graciosas), cantaras (odes postas em msica to do agrado do sculo XVIII),

epstolas, clogas, sonetos, idlios, epitfios, epitalmios, formas

encontradias em

quase todos os poetas do perodo. As diversas espcies de odes gregas (alcaica,

asclepidica, sfica) foram muito usadas no sculo XIII, sobretudo na Alemanha e

na Inglaterra, e se infiltraram em tdas as literaturas do tempo, como gnero

mais nobre, at que o Romantismo as viesse banir. Mas, embora continue a

imitao dos

clssicos, comea a traduo dos poetas romnticos (Jos Bonifcio); embora se

cultivem ainda os gneros antigos, comea a preocupao de renovar as formas

poticas;

embora seja greco-romana a formao literria dos poetas de ento, procedem

alguns, consciente e propositadamente ao abandono da mitologia (Sousa Caldas, S.

Carlos...);

embora os temas poticos eternos sejam ainda tratados maneira antiga, j se

adotam novos motivos (Borges de Barros) e j se tentam caminhos de renovao

(Gonalves

de Magalhes). Da essa desproporo entre fundo e forma, sse ecletismo de

gneros literrios, essa incoerncia entre pensamento e ao, que tornam

difcil, a no

ser por si mesmos, a caracterizao ntida do momento potico. H, por isso

mesmo, diferentes graus de iniciao romntica nos poetas dsse perodo de

transio

desde que Jos Bonifcio nos apresentou suas primeiras tradues romnticas, at

que Gonalves de Magalhes viesse indicar "uma nova estrada aos futuros

engenhos",

fazendo "vibrar as cordas do corao" e elevar "o pensamento nas asas da

harmonia at as idias arqutipas". A esta nova finalidade da poesia, devia

corresponder,

segundo o prprio Magalhes, uma reforma de gnero abandonando-se

renovao. Assim, a ,fuso de poltica e literatura, ambas trabalhando para a

autonomia cultural e poltica do pas; a sua atitude intencionalmente

revolucionria,

de renovao total da literatura brasileira, expressa no manifesto com que

lanou a revista Niteri (1836) ; .a inteno antilusa, com a indicao de

transferir

para a Frana a fonte de inspirao literria e artstica, de onde, alis,

simblicamente, lanou a revista e o seu livro Suspiros Poticos e Saudades

(1836) ; a

preferncia dada ao tema do indianismo; tudo justifica a posio de introdutor

do Romantismo que detm Gonalves de Magalhes na literatura brasileira.

O fator essencial na transformao operada no Brasil, no sentido do

Romantismo, foi o influxo proveniente da Frana. Ao papel de Ferdinand Denis,

como "pai

do Romantismo brasileiro", h que acrescentar os de Chateaubriand, Victor Hugo,

Lamartine, Musset, e outros vultos pr-romnticos e romnticos. O fato j fra

registrado

por Ferdinand Denis e, depois, por Ferdinand Wolf, em O Brasil literrio (1863)

; "Foram os romnticos franceses que, em grande parte, favoreceram o verdadeiro

Romantismo

nos outros povos novilatinos". Essa influncia, como acentua Paul Hazard, em vez

de opressiva, foi excitadora, fazendo-os libertarem-se dos grilhes

classicizantes.

No obstante a reao antilusa do Romantismo brasileiro desde a fase

preparatria, mister, no entanto, no esquecer a repercusso da figura de

Almeida

Garrett, cuja obra renovadora na implantao do movimento em Portugal anterior

a 1830, mais precisamente de 1825, quando publica o poema Cames. As suas

idias,

expostas na introduo ao. Bosquejo (1826 ) , correm de par com as, de Ferdinand

Denis, nos Resumes (1826), em favor da liberdade e nacionalizao da literatura

brasileira. O fato, porm, que os melhores espritos de ento j sentiam os

mesmos anseios, como Jos Bonifcio

os "antigos e safados ornamentos", e de forma; que a de no seguir "nenhuma

ordem" na construo material das estrofes, a de fugir monotonia, abando

nando "a igualdacj& dos versos,, a regularidade das rimas, a simetria das

estncias",

sem esquecer que, quanto lngua, "uma nova idia pede um nvo trmo". A

est, em germe, tda a revoluo romntica que Magalhes e Prto Alegre pre

garam 'mas no conseguiram realizar de todo. Introdutores oficiais do Roman

tismo no Brasil, so, por suas obras, apenas pr-romnticos, faltando sua

poesia

a verdadeira fibra romntica, que to profundamente havia de vibrar depois

identificando-se com o estado coletivo e pessoal do esprito brasileiro no

momento,

realizando a fuso jamais depois verificada da inspirao das vocaes

individuais

dos nossos grandes poetas romnticos (que ento atravessam a adolescncia e a

primeira mocidade, momentos romnticos da vida e de cada um) e da inspirao

coletiva, pois vivamos, como povo, a grande exaltao da nacionalidade, que se

firmara e afirmara realizando a sua autonomia. A adolescncia do Brasil coin

cidiu com a adolescncia de muitos dos seus valres literrios de ento (Alvares

de Azevedo, Castro Alves, Casimiro de Abreu .... ), da a completa aceitao,

pelo pblico, dessa poesia s ento verdadeiramente nova e verdadeiramente ro

mntica. Base fato, singular em tda a nossa histria literria, s pode ser

verda

deira e profundamente compreendido, quando analisamos detidamente a produo

literria dsse perodo at hoje to pouco estudado, que foi o nosso Pr-roman

tismo; quando procuramos penetrar no mago dessa poesia, to pouco poesia,

mas to cheia de propsitos de renovao, que foi a obra dos nossos pr-romn

ticos". Virgnia Crtes de Lacerda. O Pr-romantismo brasileiro (Estudo

indito).

e Gonalves de Magalhes, no sentido de uma forma nova adaptada ao nvo assunto.

e

Configura-se, pois, o Romantismo, no Brasil, entre as datas de 1808 e

1836, para o Pr-romantismo; de 1836 a 1860 para o Romantismo prpriamente dito,

sendo

que o apogeu do movimento se situa entre 1846 e 1856. Depois de 1860, h um

perodo de transio para o Realismo e o Parnasianismo.

2. O movimento romntico no Brasil processou-se, como o europeu, atravs

de ondas de geraes sucessivas, que constituem

subperodos ou grupos mais

vista ideolgico e temtico.

$ problema dos mais complexos a classificao e distribuio dos

escritores romnticos brasileiros, resultante da prpria complexidade do

movimento, entrecortado

de correntes cruzadas e tendncias variadas e, por vzes, divergentes.

Comentando os esforos baldados de Slvio Romero, e as tentativas

simplificadoras de Jos

Verssimo e Ronald de Carvalho, confessa Oto Maria Carpeaux, "que quase

impossvel distinguir com nitidez as diferentes fases da evoluo do Romantismo

brasileiro",

dificuldade resultante, como acentua, do nmero de escritores aparecidos num

curto perodo de tempo do entrecruzamento da cronologia, que rompe completamente

qualquer

esquema de agrupamento por geraes. l

9 "Ora, todos sabem a grande influncia de Ferdinand Denis s8bre os

nossos primeiros romnticos e se recordam da sua frase famosa, escrita em 1826,

dez anos

antes do livro de Magalhes: "O Brasil j sente a necessidade de beber as suas

inspiraes poticas numa fonte que de fato lhe pertena e em sua nascente

glria

no tardar em apresentar as primcias dsse entusiasmo que atesta a juventude

de um povo. Se adotou esta parte da Amrica uma linguagem que aperfeioou a

nossa

velha Europa, deve rejeitar as idias mitolgicas devidas s fbulas da

Grcia... porque no esto em harmonia nem com o seu clima, nem com as suas

tradies. A

Amrica, brilhante de mocidade, deve ter novos e enrgicos pensamentos... Deve

finalmente a Amrica ser livre em sua poesia como j em seu govrno".

Ferdinand

Denis foi o pai de nosso Romantismo". Trinto de Atafde. Estudos. 3 .a srie,

II, Rio de Janeiro, A Ordem, 1930, p. 156. A propsito do papel de Ferdinand

Denis

na origem do Romantismo brasileiro particularmente sua influncia no grupo da

Niteri ver o estudo de Paul Hazard (Rev. Aead. Brasil. Letras, 1927, n. 69).

Por outro lado, a influncia de Garrett no pode ser descontada nem

diminuda. Baseado, alis, em rro de data, julga Srgio Buarque de Holanda

infundada

a suspeio de Jos Verssimo que Gonalves Magalhes tivesse lido 0 conselho

nacionalizaste de Garrett, no Bosquejo, "publicado dez anos depois do Discurso

de Magalhes".

Em verdade, porm, o Bosquejo de 1826, dez anos antes do Discurso (1836), e

no de 1846 como afirma (v. Prefcio a Suspiros poticos e saudades, Rio de

Janeiro,

M. E. S., 1939, p. XX).

A propsito, h que assinalar ainda o testemunho de J. S. Queiroga (v. A

Literatura no Brasil, Vol. I, t. 2, p. 643).

10 Estas foram as principais tentativas de classificao dos escritores

romnticos:

Silvio Romero, na Histria, fala em seis fases, que reduz mais tarde, na

Evoluo da Literatura Brasileira (1905), para cinco momentos: 1 , de 1830, com

a segunda escola fluminense e a segunda escola baiana: 2., de 1848, com a

primeira escola paulista; 3 , de 1855; 4., de 1858, com a escola maranhense; 5

, de

1862 a 1870, com os coadoreiros. Junto aos momentos, refere os divergentes, os

precursores, os retardatrios, etc.

Jos Verssimo, diante da dificuldade e sem dispor de segura

metodologia, opta por uma simplificao e seleo dos val8res romnticos, que

ordena em

ou menos diferenciados do ponto de

H representantes de uma gerao que a ultrapassam espiritualmente e

tomam parte em outro grupo. H figuras de transio; h os diletantes e

marginais; que

no se fixam ou evoluem, adaptando-se a grupos sucessivos; os retardatrios, os

que no pertencem a qualquer grupo, ou que se ligam a um grupo por identidade

espiritual

e estilstica, mas que no o da sua gerao; e em cada grupo, h as figuras

maiores, bem representativas, e as secundrias que se ligam s principais de

maneira

descolorida, hesitante, incaracterstica.

Acompanhando-se a evoluo das tendncias e formas literrias atravs do

Romantismo, verifica-se a formao progressiva de uma esttica e de um estilo -

em que se renem lementos formais e espirituais. Essa evoluo efetua-se em

vrias etapas, de que participam grupos ou geraes de poetas, ficcionistas e

cultores

de outros gneros. De modo geral, como nota Manuel Bandeira, a forma a mesma,

variando de acrdo com as geraes, os temas, o sentimento e a tonalidade.

Abrangendo

a poesia, a nova esttica envolveu a fico e o drama, formulando tambm teorias

crticas e literrias quanto natureza e finalidade da literatura, quanto

mais

conveniente estratgia de realizao dsses ideais, e quanto aos gneros

adequados sua expresso. O objetivo era a criao do carter nacional da

literatura, em

oposio marca portugusa, considerada de importao e de opresso nesse

momento de luta pela autonomia.

Sem respeito estrita cronologia, j violentada pela realidade, podem-

se estabelecer grupos estilsticos e ideolgicos na evoluo do Romantismo

brasileiro.

Em primeiro lugar, mister distinguir o Pr-romantismo e o Romantismo

prpriamente dito, este ltimo com quatro grupos, fixando-se datas como simples

marcos flexveis

de referncia.

PR-ROMANTISMO (1808-1836). $ um corpo de tendncias, temas, idias, sem

constituir doutrina literria homognea, com remanescentes classicistas e

arcdicos,

e elementos novos. J se encontram algumas notas esptbcficas do Romantismo. Ora

como antecessores, ora como precursores, ora como figuras de transio,

anunciam,

preparam ou veiculam as qualidades romnticas. Muitas das figuras

duas fases ou geraes, alm dos precursores, e uma terceira de "ltimos

romnticos".

Ronald de Carvalho estabeleceu quatro grupos ou fases, caracterizadas

pelas tendncias dominantes: 1) a poesia religiosa (Gonalves de Magalhes,

etc.);

2) a poesia da natureza (Gonalves Dias, etc.); 3) a poesia da dvida (Alvares

de Azevedo, etc.); 4) a poesia social (Castro Alves, etc.). Agrega ainda alguns

poetas

menores, e aponta outros como figuras de transio entre o Romantismo e o

Parnasianismo (Machado de Assis, Lus Guimares).

Oto Maria Carpeaux (Pequena bibliografia crtica da literatura

brasileira) adotou o critrio de diviso estilstica, estabelecendo os seguintes

grupos: Pr-romantismo

(Gonalves de Magalhes, P8rto Alegre, Borges de Barros, Varahagen. Dutra e

Melo), corrente paralela de outras de Neoclassismo e de Romantismo trivial e

diletante,

que se seguiriam de Classismo pr-romntico (arcadismo mineiro). No Romantismo

prpriamente dito, distingue os grupos de: Romantismo nacional e popular

(Gonalves

Dias, Alencar, etc.), Romantismo individualista (Alvares de Azevedo, etc.) e

Romantismo liberal (Castro Alves. etc.).

dessa fase, por incaractersticas, atravessam. o Romantismo, como diletantes ou

marginais, aproveitando os recursos formais ou temticos, sem contudo se

realizarem

plenamente. A influncia partugusa vai cedendo o lugar francesa, e inglsa.

Cultiva-se intensamente o jornalismo (poltico e literrio, na maioria

misturados),

a eloqncia sacra e profana, a poesia lrica, a histria, as cincias naturais.

Compreende mais ou menos figuras nascidas antes de 1820.11

ROMANTISMO. Primeiro grupo. Iniciao pelo grupo fluminense, com o

manifesto romntico de 1836: Niteri, Resista Brasiliense. Tendncias

contraditrias,

de conservadorismo, com resduos classicistas, ao lado de marcha deliberada para

a nova esttica, o que o faz no mais pertencer fase pr-romntica de maneira

completa e desempenhar o papel tambm de iniciao e introduo. Poesia

religiosa e mstica; nacionalismo, lusofobia; influncia inglsa e francesa

(Marmontel, Chateaubriand,

Hugo, Vigny, Lamartine). As

11 Representantes do perodo pr-romntico: Manuel Aires do Casal

(17541821); Padre Domingos Simes da Cunha (1755-1824); Jos Joaquim Azeredo

Coutinho (1743-1821);

Jos de Sousa Azevedo Pizaro e Arajo (1753-1830); Jos Arouche de Toledo

Rndon. (1756-1834); Jos da Silva Lisboa (1756-1835); Baltazar da Silva Lisboa

(1761-1840);

Antnio Pereira de Sousa Caldas (17621814); Cipriano Jos Barata de Almeida

(1762-1825); Jos Bonifcio de Andrada e Silva, pseud. Amrico Elsio (1763-

1838); Jos

Eli Otni (1764-1851); Lus Gonalves dos Santos, "O Perereca" (1767-1844);

Lucas Jos de Alvarenga (17681831); Frei. Francisco de So Carlos (1768-1829);

Silvestre

Pinheiro Ferreira (1769-1846); Mariano Jos Pereira da Fonseca, marqus de

Maric (1773-1848); Antnio Carlos Ribeiro. de~,Andrada (1773-1845); Hiplito

Jos da

Costa (17741$23); Jos Felicino Fernandes Pinheiro (1774-1847); Joaquim Jos

Lisboa (17753811); Manuel de Arajo Ferreira Guimares (1777-1838); Frei

Francisco

de Santa Teresa de Jesus Sampaio (1778-1830); Domingos Borges de Barros

(17791855); Frei Joaquim do Amor Divino Caneca (1779-1825); Janurio da Cunha

Barbosa (1780-1846);

Caetano Lopes de Moura (1780-1860); Joaquim Gonalves Ledo (1781-1847); Jos

Lino Coutinho (1784-1836); Frei Francisco de Mont'Alverne (1784-1859); Jos

Rodrigues

Pimentel Maia (1785-1837); Frei Francisco de Xaxier Barana (1785-1846); . Dom

Romualdo Antnio de Seiras (1787-1860); Padre Francisco Ferreira Barreto (1790-

1851);.

Jos Joaquim Machado de Oliveira (1790-1867); Miguel do Sacramento, Lopes Gama

(1791-1852); Cndido Jos de Arajo Viana (1793-1875); Francisco Muniz -Tavares

(1793-1876);

Miguel Cahnon du Pine Almeida (1794-1865); Antnio Joaquim de Melo (1794-1873);

Francisco de Montesuma (1794-1870); Bernardo Pereira de Vasconcelos .(17951850);

Jos da Natividade Saldanha (1796-1830); Jos Incio Abreu e Lima (1796-1869);

Manuel Odorico Mendes (1799-1864); Evaristo Ferreira da Veiga (1799-1837);

Francisco

Sotero dos Reis (1800-1871); Ladislau dos Santos Titara (1801-1861); Antnio

Peregrino Maciel Monteiro (1804-1868); Francisco Muniz Barreto (1804-18b8); Joo

de

Barros Falco (1807-1882); lvaro Teixeira de Macedo (807-1849); Incio Acili

de Cerqueira e Silva (1808-1865); Joaquim Caetano da Silva (1810-1873); Joo

Salom

de Queiroga (1810-1878); Francisco de Paula Meneses (1811-1857); Jos Maria

Velho da Silva (1811-1901); Justiniano Jos da Rocha (1812-1862); Antnio

Augusto de

Queiroga (1812?-1855); Joo Francisco Lisboa (1812-1863); Jos Maria do .Amaral

(1813-1885); Francisco Bernardino Ribeiro (1815-1837); Firmino Rodrigues da

Silva

(1816-1879); Jos Maria da Silva Paranhos (1819-1880); Padre Jos Joaquim Corra

de Almeida (1820-1905); Agostinho Marques Perdigo Malheiros . (1824-1881);

Manuel

Joaquim Ribeiro (-ca. 1822); Padre Srlvrio Ribeiro de Carvalho, dito Silvino

Paraopeba (?-1843).

20 --

idias romattics procuram impor-se atravs de novos, temas, aspiraes

espirituais e religiosas, nova sensibilidade; a fico esboa-se; o gsto pela

natureza

espalha-se; intensifica-se o intersse cultural (cientfico, filosfico,

histrico, sociolgico). O gnero preferido a poesia lrica, mas a fico e o

teatro do

os primeiros passos, e continua o intenso cultivo ao jornalismo. 12

Segundo grupo (1840-1850) . Apesar de incluir figuras pertententes

gerao do grupo anterior e mesmo alguns retardatrios, e a despeito de

continuarem,

com muitos dles, os laos ao passado classicis'ta: e lusa, formam um grupo bem

caracterizado e diverso do anterior. Predominam a descrio da' natureza, o

pantesmo,

a idealizao do selvagem, o indianismo, expresso original do nacionalismo

brasileiro, o selvagem como smbolo do esprito e da civilizao nacionais em

luta contra

a herana portugusa. Influncias de Chateaubriand, Fenimor Cooper, Walter

Scott, Eugne Sue, Balzac. Os gneros mais cultivados so a poesia lrica e

narrativa,

a fico, o teatro, a crtica, a histria e o jornalismo. Compreende, na

maioria, figuras nascidas entre 1820 e 1830, que comearam a atuar pela dcada

1840.13

Terceiro grupo (1850-1860). Individualismo e subjetivismo, dvida,

desiluso, cinismo e negativismo bomio; "mal, do sculo"; poesia byroniana ou

satnica.

Influncia de Byron, Muss~et, Espronceda, Leopardi, Lamartine. A fico

consolida-se com Alencar, Macedo, `Bernardo Guimares, Franklin Tvora, sob a

forma indianista,

sertanista, regionalista, usando material local e ambiente nativo, com intenes

nacionalistas. Surge, tambm, a fico histrica, por influncia de Walter

Scott;

e acentua-se a variedade urbana. A' crtica, iniciada antes sob a fama de notas

biogrficas e antologias, adquire conscincia de sua misso e tcnicas. Poesia

lrica,

fico, crtica, alm da histria e jornalismo so, portanto, os gneros

cultuados. Compreende figuras nascidas por volta de 1830, e que comearam a

exercitar-se

na dcada de 1850 a 1860.14

12 Representantes d 1 grupo romntico: Manuel de Arajo Prto Alegre

(1806-1879); Domnios Jos Gonalves de Magalhes (1811-1882); Antnio Gonalves

Teixeira e Sousa (1812-1861); Lus Carlos Martins Pena (1815-1848); Francisco

Adolfo Varnhagen (1816-1878); Joo Manuel Pereira da Silva (18171898 ) ; Emlio

Adet

(1818-1867 ) ; Joaquim Norberto de Sousa e Silva (1820-1891) ; Francisco de

Sales Trres Homem (1822-1876); Cndido M. de Azevedo Coutinho (?-1878).

13 Representantes do 2.0 grupo romntico: Francisco de Paula Brito

(18091861); Joo Duarte de Lisboa Serra (1818-1855); Vicente Pereira de Carvalho

Guimares

(1820-?); Joaquim M. de Macedo (1820-1882); Antnio Gonalves Dias (1823-1864);

Antnio Francisco Dutra e Melo (1823-1846); Joaquim Caetano Fernandes Pinheiro

(1825-1876);

Bernardo Joaquim da Silva Guimares (18251884); Joo Cardoso de Meneses, Baro

de Paranapiacaba (1827-1915); Joaquim Felfcio dos Santos (1828-1895); Jos

Martiniano

de Alencar (1829-1877); Trajano Gaivo de Carvalho (1830-1864).

14 Representantes do 3 grupo romntico: Francisco Otaviano de Almeida

Rosa (1825-1889); Laurindo Jos da Silva Rabelo (1826-1864); Jos Bonifcio de

Andrada

e Silva, o Mo (1827-1886); Aureliano Jos Lessa (1828-1861); Lus Gonzaga

Pinto da Gama (1830-1882); Antnio Joaquim Rodrigues da Costa (1830-1870);

Manuel Antnio

de Almeida (1831-1861); Manuel Antnio Alvares

Este livro foi digitalizado por Raimundo do Vale Lucas, com a nica

inteno de que seja bem utilizado por seus companheiros cegos

Quarto gyuPo (Depois de 1860). Romantismo liberal e social: intensa

impregnao poltico-social, nacionalista, ligada s lutas pelo abolicionismo

(especialmente

depois de 1866) e pela Guerra do

Paraguai (1864-1870) . Na poesia lrica, alm de um lirismo intimista e amoroso,

por influncia de Victor Hugo tende para um lirismo de metforas arrebatadas e

ousadas,

que se batizou (Capistrano de Abreu) de poesia "condoreira" ou "condoreirismo".

Grande preocupao formal leva o grupo a experincias que, aliadas ao clima de

realismo

literrio e filosfico, conduzem a poesia na direo do Parnasianismo. quase

um grupo de transio, de "romantismo realista", pteludiando a "arte pela arte",

j

com uma nota bem forte de erotismo, algumas figuras penetrando mesmo o

Parnasianismo ou servindo de trao de unio entre os dois estilos. Franca reao

antiromntica

na dcada de 1870.

A fico supera, nessa fase, a frmula romntica, que se esgota no

sentimentalismo e no sertanismo, invadindo, depois de 1870, a forma realista,

seja na

maneira urbana, de anlise de costumes e caracteres, seja na regionalista, seja

na naturalista. a fico nacional, brasileira, consolidada, autnoma.

Os gneros adquirem maior autonomia esttica, libertando-se da poltica

e do jornalismo. Com a gerao de 1870, comea nova influncia nas letras, a da

filosofia

positiva e naturalista.

Compreende, na maioria, figuras nascidas por volta de 1840.

3, Caracteres. O movimento ramntico, muito embora subdividido em

nuances estilsticas, denota unidade em seus caracteres fundamentais. No Brasil,

todavia,

assumiu uma tonalidade prpria, comunicada pelas peculiaridades do meio a que se

acomodou, ainda em conformidade com o senso do relativo e a historicidade que

15 Representantes do 4. grupo romntico: Joaquim de Sousa Andrade,

Sousndtade (1833-1902) Lus Delfino dos Santos (1834-1910); Joaquim Jos da

Frana Jnior

(1838-1890); Joaquim Maria Serra Sobrinho (1838-1888); Tobias Barreto de Meneses

(1839-1889); Pedro Lus Pereira de Sousa (1839-1884); Joaquim Maria Machado de

Assis

(1839-1908); Vitoriano Jos Marinho Palhares (1840-1890); Salvador de Meneses

Furtado de Mendona (1841-1913); Joo Barbosa Rodrigues (1842-1909); Joo

Franklin

da Silveira Tvora (1842-1888); Jos Carlos do Patrocnio (1842-1905); Pedro

Amrico (1843-1905); Alfredo d'Escragnole Taunay (1843-1890); Apolinrio Prto-

Alegre

(1844-1904); Rosendo Muniz Barreto (1845-1897); Jlio Csar Ribeiro (1845-1890)

Lus Caetano Pereira Guimares Jr. (1847?-1898); Antnio de Castro Aves (1847-

1871);

Pedro de Calasans (1837-1874); Melo Morais Filho (1844-1919).

de Azevedo (1831-1852); Francisco Pinheiro Guimares (1832-1877); Jos de Morais

e Silva (1832-1896); Lus Jos Junqueira Freire (1832-1855); Vtor Meireles

(1823-1903)

Antnio Ferreira Viana (1833-1903); Jos Alexandre Teixeira de Melo (1833-1870);

Agrrio de Sousa Meneses (1834-1863); Quintino Bocaiva (1836-1912); Carlos

Gomes

(1836-1896) Franklin de Meneses Dria (1836-1906); Juvenal Galeno da Costa e

Silva (1836-1931); Jlio Csar Leal (1837-1897); Casimiro Jos Marques de Abreu

(1837-1860);

Francisco Incio Marcondes Homem de Melo (1837-1918); Bruno Henrique de Almeida

Seabra (1837-1876); Joaquim Maria Serra Sobrinho (1838-1888); Antnio Joaquim

Macedo

Soares (1838-?); Aureliarno Cndido Tavares Bastos (1839-1875); Lus Nicolau

Fagundes Varela (1841-1875); Jos Joaquim Cndido de Macedo Jr. (1842-1860);

Verssimo

Jos do Boro Sucesso (1842-1886).

so alguns de seus traos definidores. 16 possvel resumir come se segue as

suas caractersticas:

a) Coincidindo sua ecloso com o alvorecer da nacionalidade, ajustou-se

alma do povo, cujos anseios e qualidades sentiu e exprimiu. Como muito bem

asseverou

um crtico, "o Romantismo brasileiro tem muito de seu a fuso, que realizou, do

momento pessoal ao momento coletivo". Era um instante de exaltao individual

que

se aliava exaltao coletiva, e encontrava na esttica romntica o meio

adequado de realizao. Da o Romantismo possuir vrios aspectos - o literrio e

artstico,

o poltico e social, envolvendo gneros variados como a poesia lrica, o

romance, o drama, o jornalismo, a eloqncia, o ensaio. Mais do que um movimento

literrio

estrito, foi antes e acima de tudo um estilo de vida, nacional, todo o povo

tendo vivido de acrdo com suas formas, e sentido, cantado, pensado de maneira

idntica,

procurando afirmar, atravs dle, a sua individualidade e a alma coletiva.

b) Pela nfase dada inspirao, como guia supremo da criao

literria, o Romantismo estabeleceu um padro que, indo ao encontro de qualidade

inata no

povo brasileiro, se entronizou em norma esttico-literria que dominaria grande

parte de nossa atividade literria. bem romntico o culto brasileiro da

inspirao,

da improvisao e da espontaneidade como fontes de criatividade. Mas , por

outro lado, bem brasileiro, o que prova a sintonizao da alma brasileira com a

alma

romntica. Bem brasileiros e bem romnticos so o sentimentalismo e o

sensibilismo. Conseqncia disso

a extrema popularidade da

literatura romntica, que correspondeu e

ainda corresponde a uma exigncia natural do povo, a um gsto

16 Sbre o Romantismo brasileiro, suas caractersticas e significado,

ver, entre outros: Alves, C. A sensibilidade romntica (in Rev. Acad. Letras,

1928,

n. 73); Andrade Mrio de. O Aleijadinho e Alvares de Azevedo. Rio de Janeiro, R.

A. Editra, 1935; Andrade Murici, J. Elogio do Romantismo brasileiro (in Suave

convvio.

Rio de Janeiro, Anurio do Brasil, 1922); Bandeira Manuel. Prefcio Antologia

dos poetas brasileiros da fase romntica. 3.a ed. Rio de Janeiro, Inst. Nac.

Livro,

1949; idem. Apresentao da Poesia brasileira. Rio de Janeiro, C. E. B., 1946;

Bevilqua C. Esbo sinttico do movimento romntico brasileiro. (in Esboos e

individualidades.

Rio de Janeiro Garnier, 1888); Capistrano de Abreu, J. Ensaios e estudos. l.a

ser. Rio de Janeiro, Briguiet, 1931; Carvalho, R. de. Pequena histria da

literatura

brasileira. Rio de Janeiro, Briguiet 1919 (ref. 4.a ed., Rio de Janeiro,

Briguiet, 1929); Crtes de Lacerda, V. Unidades literrias. S. Paulo, Cia. Ed.

Nac., 1944;

Fernandes Pinheiro, J. C. Literatura nacional. Rio de Janeiro, Garnier, 1893;

Hazard, P. As origens do Romantismo no Brasil. (in Rev. Acad. Brasil. Letras.

1927,

n. 69); Magalhes, F. O Romantismo liberal. (in Rev. Acad. Brasil. Letras. 1927,

n. 69); Monteiro, C. Traos do Romantismo na poesia brasileira. Rio de Janeiro,

1929; Orlando, A. Teorias literrias no Brasil. (in Filocrtica. Rio de Janeiro,

Garnier, 1884); Paranhos, H. Histria do Romantismo no Brasil. S. Paulo, Cultura

Brasileira, 1937-1938. 2 vols.; Peixoto, Afrnio. O romantismo e seu

significado. (in Pipitas. S. Paulo, Cia. Ed. Nac., 1942); idem. Noes de

histria da literatura

brasileira. Rio de Janeiro, Alves, 1931; Putnam, S. Marvelous Journey. New York,

Knopf, 1948; Romero, S. Histria da literatura brasileira. Rio de Janeiro,

Garnier,

1888; Ureia, H. P. Literary currents in Latin America. Cambridge, Harvard,

1945; Verssimo, J. Histria da literatura brasileira. Rio de Janeiro, Alves,

1916; Wolf,

F. O Brasil literrio. Ed. Brasil. S. Paulo, Cia. Ed. Nac. 1955.

- 23

especfico, a tuna tendncia por assim dizer permanente da sua alma. So os

romnticos dos escritores brasileiros mais populares, dos que mais eco despertam

no pblico

- Gonalves Dias, Casimiro de Abreu, Alvares de Azevedo, Castro Alves, Jos de

Alencar, Macedo...

Mas a norma romntica da inspirao e da improvisao, com deslocar as

regras e a retrica da base da formao literria, em reao contra os

postulados

classicistas, introduziu o desprm pelo artesanato e o conseqente descuido,

relaxao e negligncia em relao a todos os aspectos tcnicos da arte. Ao lado

do

princpio romntico da liberdade - literria, social, poltica, - essa norma

conduziu ruptura com as obrigaes de respeito s tradies na linguagem, que,

se

trouxe um bom resultado quanto ao enriquecimento do vocabulrio e alargamento

dos assuntos, produziu certa anarquia e desordem, arroladas como licenas

poticas.

c) O Romantismo brasileiro teve colorido fortemente poltico e social.

o seu lado democrtico-popular que se torna mais visvel e atuante, pois, como

afirma

Samuel Putnam, "nunca foi to ntima a relao entre arte e sociedade",

acompanhando lado a lado a revoluo burguesa e o movimento pela independncia e

democracia,

o que o transformou em "poderosa, arma na luta e o veculo literrio do nascente

nacionalismo do Brasil e outros pases latino-americanos". Tambm aqui a

revoluo

burguesa triunfava com a Independncia e a democracia, como repercusso da era

inaugurada pela Revoluo Francesa. Portugal representava tudo o que abominavam

os

brasileiros, a opresso poltica, a explorao econmica, o conservadorismo

literrio. O Romantismo fz soarem os clarins da liberdade em todos os setores.

A liberdade

poltica, autonomia de conscincia, correu paralela a rebelio literria.

Formara-se com o tempo uma nova sensibilidade, que procurava expressar-se por

outra forma

artstica. Diante dos materiais de uma nova civilizao, os homens de letras

deixaram, depois de longo processo de amadurecimento, de olhar para a Metrpole

portugusa

em busca de padres de expresso literria na poesia, na fico, no drama. Da

essa consonncia de ideais entre a poltica e a literatura, que fz elevar-se a

figura

de Jos Bonifcio de Andrada e Silva, como o patriarca da independncia poltica

e o pioneiro mais forte da revoluo literria. 17 Acresce

17 Afrnio Peixoto considera Jos Bonifcio o "prcere do Romantismo",

sbre ser um "sbio, poltico, estadista, poeta, o maior e mais culto dos

brasileiros

de seu tempo". Histria da literatura brasileira. pp. 154, 177. do mesmo autor

a teoria da precedncia de Jos Bonifcio, com suas poesias de 1825, em relao

a Magalhes (1836). Afirma le que as Poesias de Amrico Elsio so "o primeiro

livro que, no Brasil, subscreveu o Romantismo" (Ver "O Primeiro livro do

Romantismo

no Brasil", Prefcio s Poesias, Rio de Janeiro, Publicaes da Academia

Brasileira, 1942). Parece mais correto atribuir a Jos Bonifcio a posio de um

precursor

pr-romntico, luz dos prprios argumentos de Afrnio Peixoto, pois, a

despeito de suas familiaridades romnticas, conservou-se fiel ao credo clssico.

Ver S.

Buarque de Holanda, Pref. s Poesias, de Amrico Elsio, Rio de Janeiro,

Instituto Nacional do Livro, Imprensa Nacional, 1942, p. XIII. Essa posio de

transio

- arcadismo, neoclassicismo, pr-romantismo - a que melhor cabe a Jos

Bonifcio, no somente pela produo potica, seno tambm pela doutrina

potica. Foi o

que demonstrou ainda Antnio Soares Amora, em dois artigos: "Um Alter ego

comprometedor", e "Amrico

a circunstincia de muitos escritores terem sido tambm polticos de destaque, o

que concorria para aumentar-lhes a popularidade. Essa relao entre a literatura

e a poltica fz com que, no Brasil, - a despeito de ser, da Amrica Latina,

como salientou Urena, o nico pas em que frutificou alinha de rebeldia

individualista

e de mal do sculo, - tivesse mais xito o aspecto liberal e revolucionrio, em

contraposio com o conservador e religioso. Mesmo entre o clero, grassava o

idealismo

romntico, poltico e social. A literatura romntica foi, portanto, uma arma de

ao poltica e social, desde a Independncia.

d) O nacionalismo romntico assumiu um carter muito prprio no Brasil,

sob a forma do indianismo. Casando a doutrina do "bom selvagem" de Rousseau com

as

.tendncias lusfobas, o nativismo brasileiro encontrou no ndio e sua

civilizao um smbolo de independncia espiritual, poltica, social e

literria, como demonstrou

Capistrano de Abreu, para quem o indianismo no era planta extica, mas tinha

fundas razes na literatura popular. Alm disso, o indianismo estava, em Alencar

e

Gonalves Dias, estreitamente relacionado com a restaurao do mito da infncia

e do retmo inocncia infantil caracterstica geral do Romantismo, tema que

encontrou,

alis, em lvares de Azevedo, outra forma de expresso.

profundo, dessa maneira, o significado do indianismo, no dizer de Clvis

Bevilqua, "o primeiro passo da esttica brasileira procurando o seu tipo

especial

e prprid', surgindo da prpria massa da originalidade nacional e constituindo o

ponto de partida, cheio de sugesto, de tdas as tentativas posteriores de

encontrar

materiais peculiarmente brasileiros para dar expresso literria conscincia

nacional. dai que resultam o culto do serto e do sertanejo, o caipirismo, o

caboclinho,

e, acima de tudo, o regionalismo, que foi, afinal, a feio mais alta que ainda

gerou sse brasileirismo.

e) A corrente individualista e bomia floresceu na metade do sculo,

embora suas raizes mergulhem at Gonalves de Magalhes, com a sua melancolia,

pessimismo,

dvida e religiosidade e o seu senso da inanidade das coisas terrenas. Mas foi

no grupo de Alvares de Azevedo, Junqueira Freire, Casimiro de Abreu, que o "mal

do

sculo" pde empenhar sua fra mxima, em estados mrbidos de dvida,

negativismo e melancolia. sse aspecto bem tpico do Romantismo teve, por outro

lado, larga

difuso atravs dos heris e heronas dos romances romnticos, irmos e primos

de Werther e Ren, que constituem uma grande galeria de mrbidos e melanclicos

sonhadores,

dos romances de Macedo, Alencar, Taunay, como Lauro, Estcio, Cirino, Honorina,

Raquel, Inesita, Isabel, Inocncia, etc.

f) Pela necessidade de alargar o horizonte literrio, o Romantismo

dirigiu-se para fontes de inspirao nacional e local, em oposio

Elsio desagravado", in Estado So Paulo, Supl. Literrio, 30-3-1963, 27-4-1963.

Tambm Josu Montelo coloca-se em atitude compreensiva a respeito da poesia do

'Patriarca,

acentuando sse carter de sincretismo e transio, embora reconhecendo-lhe o

valor documental para a interpretao de sua personalidade (Ver "O Poeta Jos

Bonifcio",

Jornal do Comrcio, R. J., 11, 18, 25 julho 1964).

inspirao greco-romana que dominou a potica neoclssica. O primeiro passo

nessa busca de novas dimenses foi dado no sentido interior, na direo da

natureza do

corao e do esprito, de que resultou o primado do lirismo, como a forma

natural e primitiva da poesia, e o estabelecimento de um tipo de realismo

baseado na verdade

interior e na efuso do corao. O outro passo orientou-se para a valorizao da

"cr local" e o pitoresco, procurando em virtude do princpio relativista de que

o homem varia conforme os tempos e lugares, captar a sua verdade na diversidade

exterior e interior - costumes, sentimentos, linguagem - que o tornam tpico.

Essa

teoria encontrou clima sobretudo no romance, mas ela serviu de base tambm para

a valorizao da histria local e das criaes populares ou folclore.

No Brasil, a valorizao da histria e do passado nacional constituiu

uma das mais importantes atividades durante o Romantismo. A Histria, a

Etnologia,

a Lingstica, tiveram grande desenvolvimento, de que so ndice a fundao do

Instituto Histrico e Geogrfico (1838) , as numerosas publicaes e obras que

marcam

o incio da historiografia brasileira em bases modernas, com Varnhagen como o

seu grande propugnador. A Histria foi uma das atividades intelectuais que maior

favor

gozaram sob a gide do Romantismo.

Mas ela frutificou tambm na voga do romance histrico, Walter Scott,

de inspirao nacional, cujo maior representante foi Jos de Alencar.

Correspondeu

ao desejo de valorizar a temtica nacional em oposio lusa. Em vez dos

assuntos da Idade Mdia, sbre os quais recaiu geralmente a tnica do Romantismo

europeu,

o brasileiro encontrou nas recordaes da histria local, nas lendas do nosso

passado e na glorificao do indgena, as sugestes para uma desejada volta s

origens

prprias, que seriam a fonte de inspirao da arte e da literatura, alis de

todo o esprito e civilizao brasileira.

A procura do colorido local peculiar conduziu compreenso da

literatura popular, onde, para os romnticos, residiria o carter original da

criatividade

literria, e de onde partiria o veio formador da literatura. As formas

tradicionais e folclricas, na frescura de seu lirismo e de sua veracidade,

seriam o fator

diferenciador da literatura. Em lugar da mitologia cls