afetividade em vigotski: um estudo do conceito em … · 2017. 12. 5. · fala de outrem não basta...

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Anais do XVIII Encontro de Iniciação Científica – ISSN 1982-0178 Anais do III Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação – ISSN 2237-0420 24 e 25 de setembro de 2013 AFETIVIDADE EM VIGOTSKI: UM ESTUDO DO CONCEITO EM PESQUISAS DESENVOLVIDAS SOB O ENFOQUE DA PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL Karinna Pereira Gôngora 1 Faculdade de Psicologia Centro de Ciências da Vida [email protected] Vera Lucia Trevisan de Souza 2 Processos de Constituição do Sujeito em Práticas Educativas Centro de Ciências da Vida [email protected] Resumo: O presente trabalho teve o objetivo de identificar e analisar, por meio de uma pesquisa bi- bliográfica, como o tema da afetividade tem sido tra- tado em investigações que têm em sua base teórica e metodológica os fundamentos da Psicologia Histó- rico-Cultural; sendo os pressupostos desta a base teórico-metodológica deste estudo, sobretudo os postulados por Vigotski. Os dados foram acessados por meio de busca no banco de Dissertações e Te- ses da CAPES e nas bases de dados SCIELO e BVS-psi, de artigos sobre a mesma temática, nos últimos cinco anos, utilizando os descritores: afetivi- dade, emoção, psicologia histórico cultural, psicolo- gia sócio histórica e Vigotski. Para a construção da análise foram utilizadas as seguintes categorias: ob- jetivo da pesquisa; questões investigadas nos estu- dos e/ou temas centrais dos artigos; método; concei- tos priorizados no referencial teórico e principais conclusões. A partir do levantamento dos dados, foi possível identificar vinte e sete (27) trabalhos, sendo doze (12) dissertações de mestrado, cinco (5) teses de doutorado e dez (10) artigos dos resumos mais relevantes para o tema da afetividade vista sob a perspectiva de Vigotski. Os trabalhos acessados fo- ram analisados com destaque à identificação das pesquisas – título, nível, área do conhecimento, ano - ; objetivo do estudo; questão de pesquisa; método; referencial teórico; e principais conclusões. Os resul- tados obtidos apontaram para uma relevância atual do tema em diversas áreas do conhecimento, porém uma falta de aprofundamento em pesquisas que in- vestiguem a compreensão do tema afetividade sob os postulados por Vigotski. A insuficiência e não pa- dronização desta temática nos indica que o conceito de afetividade segundo os pressupostos de Vigotski não tem sido apropriado de modo crítico pelos pes- quisadores, nos revelando que ainda não se tem cla- reza do que seja afetividade na perspectiva de Vigo- tski na Psicologia Histórico Cultural. Palavras-chave: afetividade em Vigotski, afetividade e educação, psicologia histórico-cultural. Área do Conhecimento: Ciências Humanas - Psico- logia – CNPq. 1.INTRODUÇÃO A presente pesquisa, em conjunto com os trabalhos desenvolvidos pelo grupo Processos de Constituição dos Sujeitos em Práticas Educativas – PROSPED –, adota como referencial teórico metodológico os pres- supostos da psicologia Histórico-Cultural, sobretudo os assumidos por Vigotski. Essa teoria nos ajuda a compreender o desenvolvimento do sujeito de ma- neira complexa e integral. A teoria aponta para o plano social e individual da ação, mostrando que o desenvolvimento psicológico do sujeito ocorre por meio das apropriações de formas culturais. Para Vi- gotski, o objeto de estudo da psicologia é o próprio sujeito histórico, e o materialismo histórico e dialético se constituem como fundamentos epistemológicos para suas proposições [4]. A compreensão do caráter histórico do psiquismo pode ser entendida como postulação fundamental que Vigotski fez na psicologia. Na investigação do psiquismo humano, o ponto de partida é a história social dos meios pelos quais a sociedade se desen- volve, e nesse processo, se desenvolvem sujeitos singulares [4]. O autor foi influenciado por Espinosa, filósofo que propunha uma solução monista para os problemas relacionados ao corpo e à alma, ao sen- timento e à razão. Entretanto, Vigotski se opõe às teorias dualistas que, coerentes aos pressupostos da filosofia cartesiana, separavam corpo e mente, sen- timento e razão. Para o autor, a compreensão do pensamento humano somente é possível quando se considera sua base afetivo-volitiva, uma vez que as dimensões do afeto e da cognição estão desde cedo relacionadas íntima e dialeticamente. Sendo assim, 1 Graduanda em Psicologia pela PUC Campinas – Bolsa Iniciação Científica: CNPq . 2 Docente da Pós-Graduação em Psicologia da PUC-Campinas.

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  • Anais do XVIII Encontro de Iniciação Científica – ISSN 1982-0178

    Anais do III Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação – ISSN 2237-0420

    24 e 25 de setembro de 2013

    AFETIVIDADE EM VIGOTSKI: UM ESTUDO DO CONCEITO EM PESQUISAS DESENVOLVIDAS SOB O ENFOQUE DA

    PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURALKarinna Pereira Gôngora1

    Faculdade de Psicologia Centro de Ciências da Vida

    [email protected]

    Vera Lucia Trevisan de Souza2 Processos de Constituição do Sujeito em Práticas

    Educativas Centro de Ciências da Vida

    [email protected] Resumo: O presente trabalho teve o objetivo de identificar e analisar, por meio de uma pesquisa bi-bliográfica, como o tema da afetividade tem sido tra-tado em investigações que têm em sua base teórica e metodológica os fundamentos da Psicologia Histó-rico-Cultural; sendo os pressupostos desta a base teórico-metodológica deste estudo, sobretudo os postulados por Vigotski. Os dados foram acessados por meio de busca no banco de Dissertações e Te-ses da CAPES e nas bases de dados SCIELO e BVS-psi, de artigos sobre a mesma temática, nos últimos cinco anos, utilizando os descritores: afetivi-dade, emoção, psicologia histórico cultural, psicolo-gia sócio histórica e Vigotski. Para a construção da análise foram utilizadas as seguintes categorias: ob-jetivo da pesquisa; questões investigadas nos estu-dos e/ou temas centrais dos artigos; método; concei-tos priorizados no referencial teórico e principais conclusões. A partir do levantamento dos dados, foi possível identificar vinte e sete (27) trabalhos, sendo doze (12) dissertações de mestrado, cinco (5) teses de doutorado e dez (10) artigos dos resumos mais relevantes para o tema da afetividade vista sob a perspectiva de Vigotski. Os trabalhos acessados fo-ram analisados com destaque à identificação das pesquisas – título, nível, área do conhecimento, ano -; objetivo do estudo; questão de pesquisa; método; referencial teórico; e principais conclusões. Os resul-tados obtidos apontaram para uma relevância atual do tema em diversas áreas do conhecimento, porém uma falta de aprofundamento em pesquisas que in-vestiguem a compreensão do tema afetividade sob os postulados por Vigotski. A insuficiência e não pa-dronização desta temática nos indica que o conceito de afetividade segundo os pressupostos de Vigotski não tem sido apropriado de modo crítico pelos pes-quisadores, nos revelando que ainda não se tem cla-reza do que seja afetividade na perspectiva de Vigo-tski na Psicologia Histórico Cultural.

    Palavras-chave: afetividade em Vigotski, afetividade e educação, psicologia histórico-cultural.

    Área do Conhecimento: Ciências Humanas - Psico-logia – CNPq.

    1.INTRODUÇÃO

    A presente pesquisa, em conjunto com os trabalhos desenvolvidos pelo grupo Processos de Constituição dos Sujeitos em Práticas Educativas – PROSPED –, adota como referencial teórico metodológico os pres-supostos da psicologia Histórico-Cultural, sobretudo os assumidos por Vigotski. Essa teoria nos ajuda a compreender o desenvolvimento do sujeito de ma-neira complexa e integral. A teoria aponta para o plano social e individual da ação, mostrando que o desenvolvimento psicológico do sujeito ocorre por meio das apropriações de formas culturais. Para Vi-gotski, o objeto de estudo da psicologia é o próprio sujeito histórico, e o materialismo histórico e dialético se constituem como fundamentos epistemológicos para suas proposições [4].

    A compreensão do caráter histórico do psiquismo pode ser entendida como postulação fundamental que Vigotski fez na psicologia. Na investigação do psiquismo humano, o ponto de partida é a história social dos meios pelos quais a sociedade se desen-volve, e nesse processo, se desenvolvem sujeitos singulares [4]. O autor foi influenciado por Espinosa, filósofo que propunha uma solução monista para os problemas relacionados ao corpo e à alma, ao sen-timento e à razão. Entretanto, Vigotski se opõe às teorias dualistas que, coerentes aos pressupostos da filosofia cartesiana, separavam corpo e mente, sen-timento e razão. Para o autor, a compreensão do pensamento humano somente é possível quando se considera sua base afetivo-volitiva, uma vez que as dimensões do afeto e da cognição estão desde cedo relacionadas íntima e dialeticamente. Sendo assim,

    1Graduanda em Psicologia pela PUC Campinas – Bolsa Iniciação Científica: CNPq . 2Docente da Pós-Graduação em Psicologia da PUC-Campinas.

  • Anais do XVIII Encontro de Iniciação Científica – ISSN 1982-0178

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    24 e 25 de setembro de 2013

    as emoções do sujeito estão conectadas aos proces-sos psicológicos e ao desenvolvimento da consciên-cia de um modo geral [5].

    Para Vigotski, o sujeito e o social se constituem em um movimento dialético permanente de tal modo que não é possível dizer em que proporção um constitui o outro. Sendo assim, é a apropriação do sujeito a par-tir dos instrumentos produzidos pela cultura e o domínio que esse pode ter sobre eles que viabilizam as formas de ser, estar e agir no mundo. Esta apro-priação não acontece de modo imediato, mas medi-ado, pela cultura e pelo social, sobretudo pela lin-guagem. Portanto, a constituição humana ocorre na relação que o sujeito estabelece com a cultura e com o social, em um movimento de ir e vir permanente, desta maneira, as interações com o outro se revelam fundamentais na constituição do sujeito. Nessa pers-pectiva, o sujeito é visto como um ser ativo, capaz de transformar a si próprio e a realidade que o cerca sendo autor, e ao mesmo tempo ator de sua própria história [3].

    O autor ressalta também que o sujeito é produto do desenvolvimento, (ao mesmo tempo em que o pro-duz) de processos físicos, mentais, cognitivos, afeti-vos internos e externos, portanto, para que se com-preenda o pensamento humano é necessário que se leve em consideração sua base afetivo-volitiva, uma vez que as dimensões do afeto e da cognição estão estritamente relacionadas [7].

    Conforme Vigotski refere, [8] “para compreender a fala de outrem não basta entender as suas palavras – temos que compreender seu pensamento. Mas nem mesmo isso é suficiente – também é preciso que conheçamos a sua motivação” (p.130). Assim, é necessário considerar a dimensão afetiva presente na base das funções psicológicas superiores em que o afeto funciona como força motriz que impulsiona as ações do sujeito.

    Segundo Sawaia [6], Vigotski não postulou de forma específica uma Teoria da Afetividade, mas em sua obra vemos a relevância que confere ao aspecto afe-tivo no desenvolvimento e constituição do psiquismo humano. Nas palavras da autora “[...] as emoções compõem o subtexto de suas reflexões mais impor-tantes como: significado, educação, linguagem, pe-dologia e defectologia” (p.4). Para Vygotski [8], toda ação ou pensamento tem em sua base o afetivo-volitivo, desta forma, não é possível separar cogni-ção ou qualquer dimensão do sujeito dos aspectos afetivos.

    Gonzalez Rey [1] aponta que o aspecto afetivo-volitivo na teoria de Vigotski está na base do desen-volvimento do psiquismo humano e, assim sendo, a subjetividade tem uma grande relevância na consti-tuição do sujeito. Para o autor, Vigotski mostra em sua obra que a subjetividade é um processo que respalda as formas de organização que caracterizam os processos de significação e sentido do sujeito e do contexto social em que ele se desenvolve.

    Vigotski [9] fala da afetividade como elemento consti-tutivo da categoria de sentido para explicar a singula-ridade do sujeito. O autor considera que os sentidos conferidos a algo se baseiam em configurações sin-gulares sobre as experiências vividas que envolvem os significados das palavras compartilhados pelo público, mas tem como central a emoção do sujeito, contendo o caráter afetivo-volitivo da pessoa. Sendo assim, o sentido conferido a algo se constitui das experiências individuais atreladas a ele, ou seja, das emoções vinculadas aquele sentido. Segundo Magio-lino [2], na perspectiva de Vigotski, a afetividade é um elemento cultural que faz com que tenha peculia-ridades de acordo com cada cultura. A afetividade é um elemento importante em todas as etapas da vida das pessoas e é fundamental no processo ensino-aprendizagem quanto à motivação, avaliação e rela-ção entre os indivíduos no contexto escolar.

    Sawaia [6] aponta que a afetividade para Vigotski pode ser definida como uma capacidade humana de transformar seus instintos em algo socialmente me-diado pelos signos sociais a ponto de modular nossa capacidade de ação abandonando os impulsos, ele-vando-os à consciência por meio da mediação da cultura. A autora ressalta que Vigotski diferencia sen-timento e emoção, pois ele entende a emoção como afeto mais imediato e momentâneo, ligado a algo específico; enquanto o sentimento seria a emoção sem prazo, de longa duração, que não se liga a es-pecificidades. Sawaia considera que as emoções, tal como postuladas por Vigotski, podem ser entendidas como funções psicológicas superiores, visto a capa-cidade do sujeito de regulá-las, ou seja, elas evolu-em por meio da mediação da cultura, em um proces-so que envolve compreensão e significação. Deste modo, as emoções são modos de funcionar do sujei-to apropriados na e da relação com a cultura. As emoções complexas são combinações de relações, aproximando diferenças e concordâncias culturais, superando aspectos instintivos.

    A complexidade do conceito de afetividade em Vigo-tski visto este estar esparso e inacabado em toda a sua obra, parece impedir avanços sobre esta ques-

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    tão na Psicologia Histórico-cultural. É possível per-ceber que o tema da afetividade merece destaque, uma vez que esta busca desenvolver pensamentos críticos e reflexivos, auxiliando no desenvolvimento psíquico do sujeito, pois, a intersubjetividade existen-te nesse espaço e as relações estabelecidas ampli-am o horizonte e a consciência, modificando o indiví-duo em seu modo de se ver e se relacionar com o mundo. A união da afetividade no ensino promove um autoconhecimento, que permite maior equilíbrio entre o sentir, o pensar e o fazer.

    Assim, compreender o modo como o conceito de afetividade vem sendo apreendido e discutido nos trabalhos que se declaram da perspectiva da Psico-logia Histórico-Cultural e a relevância que a temática possa estar, ou não, sendo considerada no cenário acadêmico, podem nos auxiliar a avançar na com-preensão do desenvolvimento humano como um processo permanente, em que concorrem as dimen-sões biológicas, cognitivas e afetivas, a um só tem-po.

    Desta maneira, levanta-se a pergunta que norteia este estudo: de que modo às ideias de Vigotski sobre a dimensão da afetividade tem sido interpretadas e utilizadas nas produções científicas que têm como aporte teórico-metodológico os pressupostos da Psi-cologia Histórico-Cultural?

    2. PROCEDIMENTOS Esta pesquisa é de natureza teórica e bibliográfica; seu caráter é descritivo, visto utilizar dados de pesquisas já realizadas. Sua importância se justifica pela contribuição que pode trazer ao campo de conhecimento a que se vincula, por reunir dados de certo período de investigação, se aproximando, portanto, dos estudos de tipo Estado da Arte.

    No presente estudo, foi realizada uma busca de trabalhos disponíveis no banco de Dissertações e Teses da CAPES, nos últimos cinco anos, utilizando os descritores: “afevitidade e Vigotski”; “afetividade e Psicologia Sócio-Histórica”; “afetividade e Psicologia Histórico-Cultural”; “emoção e Vigotski”; “emoção e Psicologia Sócio-Histórica”; “emoção e Psicologia Histórico-Cultural”; “afetos e Vigotski”; “afetos e Psi-cologia Sócio-Histórica”; “afetos e Psicologia Históri-co-Cultural”. De modo complementar realizou-se uma busca de artigos sobre o tema, publicados em periódicos científicos, nas bases de dados SCIELO e BVS-psi, utilizando os mesmos descritores.

    A partir do levantamento dos dados, foi possível identificar setenta e um (71) trabalhos entre disserta-

    ções e teses referentes ao tema da afetividade e a teoria de Vigotski, na área da psicologia, além de onze (11) artigos publicados nas bases pesquisadas. As dissertações e teses foram separadas segundo as categorias de análise de identificação – título, área de conhecimento, nível, ano. Buscando realizar uma seleção dos resumos mais relevantes para o tema da afetividade vista sob a perspectiva de Vigo-tski foi realizada uma sistematização que resultou em vinte e sete (27) trabalhos, sendo doze (12) teses de mestrado, cinco (5) de doutorado e dez (10) artigos. Para a construção da análise foram selecionadas as pesquisas que traziam em seu resumo o tema da afetividade e os postulados de Vigotski como refe-rencial teórico da Psicologia Histórico Cultural. A par-tir do levantamento dos dados, os trabalhos acessa-dos foram analisados com destaque à identificação das pesquisas – título, nível, área do conhecimento, ano -; objetivo do estudo; questão de pesquisa; mé-todo; referencial teórico; e principais conclusões.

    Em sequencia, foi realizada uma análise dos traba-lhos a fim de compreender de que maneira a afetivi-dade tem sido apresentada em teses, dissertações e artigos, com vistas a uma reflexão crítica sobre o tema, dialogando-se com a teoria e discutindo-se a relevância desses estudos para a psicologia e a rela-ção da afetividade com os pressupostos de Vigotski.

    3. RESULTADOS E DISCUSSÕES A problemática que envolve a afetividade vem se evidenciando nos estudos e discussões realizados em nosso grupo de pesquisa, em especial no que se refere ao aprofundamento da compreensão desse conceito e do lugar que ele ocupa na teoria da Psico-logia Histórico-Cultural e, particularmente nos pres-supostos elaborados por Vigotski.

    Foi esse interesse que fez com que levantássemos a pergunta que norteou este estudo: de que modo as concepções de Vigotski sobre a dimensão da afetivi-dade têm sido interpretadas e utilizadas nas produ-ções científicas que têm como aporte teórico-metodológico os pressupostos da Psicologia Históri-co-Cultural?

    Uma das dificuldades com a qual nos deparamos no que se refere ao conceito de afetividade em Vigotski é o fato de, assim como acontece com todos os con-ceitos por ele trabalhados, este encontrar-se de mo-do esparso e inacabado em toda a sua obra. A partir dos postulados de Vigotski sobre a afetividade e sua dimensão no psiquismo humano, é possível conside-rá-la como de grande relevância nos processos de ensino e aprendizagem. Assim, ao considerar a afe-

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    tividade nesse processo pode-se promover o auto-conhecimento de alunos e professores, permitindo maior equilíbrio entre o sentir, o pensar e o fazer.

    No âmbito das pesquisas localizadas, observa-se grande diferença entre o número de trabalhos de mestrado (78,8%) e doutorado (21,1%), o que, se por um lado indica a relevância do tema e uma tendência a estuda-lo, por outro revela um não investimento no aprofundamento da temática, visto que as pesquisas de doutorado, tendo um tempo maior para realiza-ção, teriam condições de desenvolver estudos mais aprofundados.

    Esta suposição revela um paradoxo: se por um lado o investimento em estudos sobre a afetividade no mestrado indica o reconhecimento da importância desta dimensão na constituição do sujeito e dos pro-cessos relacionais em que se envolve, por outro pa-rece revelar que este interesse se esvai, permane-cendo no âmbito de considerações e reflexões carac-terísticas de trabalhos de mestrados. Esta questão anuncia a necessidade de novos estudos, que abor-dem especificamente o nível de profundidade de análises realizadas no âmbito do mestrado e do dou-torado.

    O ano de 2011 foi o que apresentou uma maior quantidade de pesquisas na área, indicando a rele-vância do tema e da perspectiva teórica na atualida-de, o que se mede, justamente, pelo interesse de pesquisas. O grande número de trabalhos de mes-trado encontrados com estes descritores e de forma dispersa cronologicamente também representa uma disposição crescente em se investigar a afetividade.

    Os trabalhos localizados no campo da psicologia têm sido desenvolvidos por várias áreas da psicologia, concentrando-se, no entanto, na psicologia social, psicologia hospitalar e da saúde e psicologia da edu-cação. Esses dados permitem várias considerações: sendo essas três áreas da psicologia as que envol-vem relações humanas em instituições ou grupos, o interesse de pesquisar os afetos pode indicar um pressuposto de que esta dimensão interfere nas re-lações entre as pessoas e que, portanto, deve ser melhor compreendida.

    Tais resultados nos levam a considerar que a dimen-são afetiva na constituição do sujeito e nas relações que se estabelecem em diversos contextos sociais tem assumido relevância e se constituído como obje-to de interesse de pesquisadores de diferentes cam-

    pos da psicologia, passando a ser considerada, por-tanto, para a compreensão do sujeito e das relações.

    Após o recorte, elegendo para a análise os resumos das pesquisas que indicavam adotar aporte desta perspectiva teórica, ação que resultou em vinte e sete (27) trabalhos, sendo doze (12) dissertações de mestrado, cinco (5) de doutorado e dez (10) artigos, foi possível destacar os locais de pesquisa, onde se localiza nas universidades encontradas a concentra-ção de pesquisas em instituições que mantém gru-pos de estudos que focalizam a teoria de Vigotski e adotam seus pressupostos teóricos como base de pesquisas, como por exemplo, a PUC-SP, PUC-Campinas, Universidade de São Paulo, Universidade Federal do Ceará, Universidade Federal de Uberlân-dia, Universidade Estadual de Maringá, nos fazendo questionar até que ponto outras instituições têm visto relevância em estudar estes temas ou assumir os pressupostos teóricos de Vigotski postulados com base no materialismo dialético.

    Analisando os objetivos, foi possível observar que as pesquisas empíricas tiveram como foco principal a busca da compreensão da subjetividade e sentidos dos sujeitos pesquisados; as relações e inter-relações dos sujeitos; as dimensões afetivas; as ba-ses das emoções. As pesquisas teóricas buscaram se envolver com a compreensão do tema e reflexão a respeito do mesmo. Os temas englobaram ques-tões individuais, grupais, familiares, em variados con-textos, mostrando a potencialidade dos conceitos da psicologia histórico cultural como aporte a pesquisas.

    Outro aspecto relevante observado nas pesquisas é a maneira diversa que o tema afetividade aparece descrito mesmo tendo a mesma perspectiva teórica como aporte: emoção, afetividade, afetos, base afeti-vo-volitivo. De partida, nos é revelado que não existe um consenso em relação ao uso que os pesquisado-res fazem dos termos afeto, emoção e sentimento, muitas vezes, adotados sem grandes distinções en-tre si.

    As leituras indicam que as pesquisas teóricas assu-mem os pressupostos de Vigotski, em particular os relativos ao materialismo dialético como fundamento metodológico, enquanto as pesquisas empíricas an-coram os pressupostos de Vigotski em Espinosa, que influenciou suas postulações sobre a afetividade. A partir do estudo realizado foi possível perceber que não há pesquisas empíricas que investiguem o afeti-vo-volitivo como dimensão que se encontra na base das ações dos sujeitos, tal como a concebe Vigotski,

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    o que justifica o investimento em pesquisas desta perspectiva.

    Ao analisar os referidos resumos, das dissertações e teses e dos artigos, a conclusão a que chegamos é que não há um investimento na produção do resumo de modo a tornar clara a questão da pesquisa ou sua problematização. O que se vê são temáticas, são considerações sobre a análise, são enfim considera-ções esparsas que nos permite apenas inferir o foco da investigação.

    A diversidade encontrada no que se refere aos fun-damentos teóricos adotados nas pesquisas analisa-das, envolvendo desde o modo de denominar a abordagem até os próprios conceitos e autores com que dialogam nos levam a justificar a necessidade de se investir na elaboração do referencial teórico nas pesquisas, como forma de se avançar na compreen-são de seus pressupostos, sobretudo em se tratando de uma perspectiva ainda pouco explorada no cam-po da psicologia e, por decorrência, carece de inter-pretações mais atuais, que incorporem os avanços no estudo e apropriação de seus conceitos.

    Não foi possível observar investimento dos autores em explicitar nos resumos a articulação entre a teoria e os resultados, o que deixa uma lacuna no que con-cerne à produções científicas. Na expressão dos re-sultados, predominam descrições do que se alcan-çou, sem a adoção de conceitos ou termos que per-mitam avanços em sua compreensão.

    Todavia, é preciso reconhecer que os resultados apresentados, ainda que resultantes de estudos di-versos, em contextos e com sujeitos muito diferen-tes, contribuem para o campo da psicologia na medi-da em que alçam o afetivo como dimensão primordial nos processos de constituição ou vivências de pes-soas de diferentes idades, em diversas relações e situações. Também demonstram que é possível es-tudar a dimensão afetiva de uma perspectiva crítica, por intermédio de várias formas e enfoques.

    Ao se analisar um resumo, se faz necessário que este expresse os principais aspectos do trabalho. Contudo, o pesquisador que utiliza o resumo fica preso às informações fornecidas pelo autor da pes-quisa, implicando a qualidade comunicativa e objeti-va do texto. Este é um dos aspectos que dificultou a análise de resumos para maior compreensão de co-mo o tema da afetividade tem sido pesquisado se-gundo os pressupostos de Vigotski.

    Ao longo das análises, foi possível notar a dificulda-de em compreender e separar as categorias somen-

    te tendo como base o resumo dos trabalhos descri-tos. Algumas dissertações e teses expressam clara-mente os itens de sua pesquisa, em contraponto ou-tras nos trazem um resumo empobrecido. Os artigos se revelaram como os de mais difícil acesso, nos levando a refletir sobre a obrigação da padronização e o limite de caracteres que podem contribuir para a falta de detalhes e maiores esclarecimentos da pes-quisa nos resumos. Por meio deste levantamento bibliográfico e dos dados apresentados foi possível constatar que pesquisas sobre afetividade com base nos postulados de Vigotski ainda são pouco explora-das e insuficientes para que se compreenda a contri-buição e relevância do tema.

    4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Os resultados apresentados nos levam a considerar que a dimensão afetiva na constituição do sujeito e nas relações que se estabelecem em diversos con-textos sociais tem assumido relevância e se constitu-ído como objeto de interesse de pesquisadores de diferentes campos da psicologia. No entanto, este interesse parece esvaído, permanecendo no âmbito de considerações e reflexões e não sendo aprofun-dados em análises realizadas no domínio de teses e dissertações. Os pesquisadores não têm investido em um aprofundamento sobre a temática, o que nos leva a questionar suas reais contribuições para o avanço do conhecimento científico sobre a afetivida-de. Esse interesse das pesquisas em buscar compreen-der a questão da afetividade como parte da constitui-ção do sujeito pode se justificar na fala de Vigotski, quando afirma que é necessário, para se compreen-der o indivíduo, que se compreendam suas palavras, seu pensamento, e principalmente sua motivação. Desta forma, deve se considerar a dimensão afetiva como propulsora das ações do sujeito, o que a eleva como aspecto primordial nos estudos do psiquismo.

    A maneira diversa que o tema afetividade aparece descrito é outro aspecto relevante observado nas pesquisas encontradas. Mesmo tendo a mesma perspectiva teórica como aporte, os estudos trazem a temática como sendo: emoção, afetividade, afetos, base afetivo-volitivo. Não existe um consenso em relação ao uso que os pesquisadores fazem dos termos afeto, emoção e sentimento, muitas vezes, adotados sem grandes distinções entre si. A insufici-ência e não padronização desta temática nos indica que o conceito de afetividade segundo os pressupos-tos de Vigotski não tem sido apropriado de modo crítico pelos pesquisadores, nos revelando que ainda

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    não se tem clareza do que seja afetividade na pers-pectiva da Psicologia Histórico Cultural.

    Nas produções analisadas foi possível observar certa falta de articulação entre o referencial teórico utiliza-do e os resultados encontrados, assim como clareza quanto à abordagem metodológica ou procedimen-tos.

    Apesar da escassez de estudos que investiguem o afetivo-volitivo na base das ações dos sujeitos da perspectiva Histórico-Cultural o tema possui relevân-cia uma vez que toda ação ou pensamento tem em sua base o afetivo-volitivo, desta forma, não é possí-vel separar cognição ou qualquer dimensão do sujei-to dos aspectos afetivos. Vigotski buscou desenvol-ver uma psicologia que explicasse o sujeito como um todo, mostra em sua obra que a subjetividade é um processo que respalda as formas de organização que caracterizam os processos de significação e sentido do sujeito e do contexto social em que ele se desenvolve.

    Desta forma, é necessário o aprofundamento em pesquisas que investiguem a compreensão do tema afetividade buscando-se acessar o pensamento do sujeito e conhecê-lo em seu desenvolvimento, e acreditamos que o modo como esta perspectiva con-cebe seu lugar no psiquismo tem lastro para se avançar nos processos de intervenção em institui-ções.

    AGRADECIMENTOS

    A orientadora Vera Lúcia Trevisan de Souza por toda paciência, ensinamentos e orientação; Aos meus companheiros de Iniciação Científica pela nossa jornada ao longo desse ano; Ao grupo PROSPED pelas reflexões e apoio; Ao CNPq pela oportunidade.

    REFERÊNCIAS [1] González-Rey, F. L. (2009) La significación de

    Vygotski para la consideración de lo afectivo en la educación: las bases para la cuestión de la subjetividad. Actualidades Investigativas en Edu-cación v (9) pp 1-24.

    [2] Magiolino, L. L. S. (2010). Emoções humanas e significação numa perspectiva histórico-cultural do desenvolvimento humano: um estudo teórico da obra de Vigotski. Tese de Doutorado, Univer-sidade Estadual de Campinas. Campinas, SP.

    [3] Oliveira, M. K. (1992). O problema da afetividade em Vygotsky. In: D. L. T, Y. de Piaget, Vygotsky e Wallon: teorias psicogenéticas em discussão. 16 ed. São Paulo: Summus.

    [4] Oliveira, M. K. (1997). Vygotsky: Aprendizado e desenvolvimento um processo sócio-histórico. São Paulo: Ed. Scipione.

    [5] Oliveira, M. K; Rego, T. C. (2003). Vygotsky e as complexas relações entre cognição e afeto. In: Arantes, V. A. Afetividade na escola. São Paulo: Summus.

    [6] Sawaia, B. B. (2000) Cultura: a dimensão psico-lógica e a mudança histórica e cultural. In: Con-ferência de Pesquisa Sócio-cultural, 3. Campi-nas: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

    [7] Souza, V. L. T. (2012). A dimensão afetiva nas interações de práticas educativas: o papel da lin-guagem na promoção do desenvolvimento. Pro-jeto de pesquisa, Pontifícia Universidade Católi-ca de Campinas, Campinas, SP, Brasil.

    [8] Vygotsky, L. S. (1989). Pensamento e lingua-gem. São Paulo: Martins Fontes.

    [9] Vygotsky, L. S. (1998). A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes.