afasia de broca monografia

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MONOGRAFIACEFAC CURITIBA 1999 BETINA S. MORESCHI ANTONIO

GESTOS ARTICULATRIOS X AFASIA DE BLOCA

INTRODUO A afasia considerada uma patologia de linguagem, descreve-se aqui no mbito da motricidade oral, vindo estreitar as relaes entre os distrbios de linguagem e as alteraes da motricidade oral. A espcie humana sofreu uma importante mudana no momento em que sua musculatura foi posta sob controle operante. A partir da a comunicao que antes apresentava-se somente atravs de gritos de alerta, grunhidos e outras respostas inatas, passou a traduzir-se como comportamento vocal operante ampliando a esfera de ao do ambiente social. Denomina-se gesto articulatrio toda a movimentao de rgos

fonoarticulatrios (OFA), que tenha por objetivo seja produzir um som modulado com ou sem significado lingstico. A articulao dos sons foi dando origem a palavras com significados, e essas palavras originando discursos. Intuitivamente, a fala humana pode ser decomposta em gestos elementares (ou articulatrios), como os movimentos dos lbios , os movimentos de lngua, ou os movimentos do vu do palato para marcar a transio entre sons nasais e no nasais. A cada um desses gestos articulatrios correspondem fenmenos acsticos

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diferentes, perceptveis subjetivamente por um ouvinte, ou avaliados objetivamente atravs de sua decomposio em partes com o auxlio de aparelhos. Vrias patologias podem alterar esse processo fonolgico, estando entre elas a afasia. A afasia uma desordem adquirida da comunicao, que tem por sintoma preliminar uma inabilidade em expressar-se, entretanto, em alguns casos, a leitura e a escrita e/ou a compreenso do discurso podem estar alterados. Este estudo ir centrar-se em aspectos da atividade nervosa superior relevantes para a produo da fala. A fim de apresentar e analisar um quadro de Afasia de Broca, fez-se um acompanhamento longitudinal de um caso, esperando-se poder no final deste trabalho ter esclarecido os seguintes aspectos: 1- Como ocorre a incapacidade de expresso na Afasia de Broca, apesar da integridade dos rgos e gestos articulatrios. 2- Qual o nvel de comprometimento e quais as caractersticas apresentadas pela linguagem ainda remanescente, na afasia avaliada.3Como acontece a reconstruo da sintaxe, nesta afasia, na interao com o outro.

A Afasia de Broca, pode ser tambm encontrada na literatura descrita como agramatismo, por ser este o sintoma mais comum desta sndrome. As caractersticas distintivas de agramatismo so tipicamente fala trabalhada (possivelmente devido ao dano no controle motor adjacente rea de Broca que controla a mandbula, lngua, lbios etc.) e uma falta de uso de gramtica em produo de fala e compreenso, porm nem todos os pacientes agramticos para a fala apresentam compreenso agramtica.

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DISCUSSO TERICA A interdisciplinaridade, vem mais uma vez desempenhar seu papel no sucesso do trabalho cientfico. Os emprstimos tericos da Lingstica, da Neurologia e da Neurolingstica para a execuo deste estudo, sem os quais no seria possvel, traduzem a importncia da troca de conhecimentos tericos entre reas de cincias afins. Para iniciar esta discusso terica, faz-se necessria uma descrio das diferentes classificaes de apraxia , uma vez que um dos objetivos deste estudo est em interrelacionar a apraxia motora oral (de OFA), com o nosso caso de afasia de Broca, isto , o gesto articulatrio e sua relao com o sistema nervoso central 1- As apraxias e a apraxia motora de rgos fonoarticulatrios Ajuriaguerra e Hecaen (1964), Ajuriaguerra e Tissot (1969), Hecaen (1972) e Barraquer-Bordas (1973), consideram a apraxia um transtorno da atividade gestual que ocorre em um sujeito cujos sistemas responsveis pela execuo do ato motor esto relativamente ntegros e sem dficit intelectual significativo. Rodrigues (1992), analisa a definio clssica, concluindo que desta forma as alas motoras segmentar e cortico-espino-cortical, e os circuitos auxiliares dos quais participam os ncleos da base e cerebelo esto relativamente ntegros, como tambm que o paciente tem plena conscincia do ato a ser realizado, sem problemas gnsicos (perceptuais), de ateno ou rebaixamento de inteligncia significativos, ou seja, a integridade dos sistemas motores e da atividade intelectual no deve ser pensada de maneira absoluta. A- Classificao das apraxias As apraxias dividem-se classicamente em trs tipos, citados por Ajuriaguerra e Hecaen (1964).3

Apraxia ideatria, onde as seqncias motoras individuais esto preservadas, enquanto o sistema do ato como um todo est prejudicado. Por exemplo, a situao que refere o paciente C., com uma xcara e um prato de sopa em sua frente, quando vai por leite na xcara pe no prato de sopa. Este, no entanto, um ato que pode ser realizado corretamente, de maneira espontnea , em um contexto mais natural. Apraxia ideomotora,onde a dificuldade aparece na execuo de gestos com valor simblico (como dar tchau, fazer o sinal da cruz, etc.).No entanto, no tem relao com paralisia de membros, uma vez que pode imitar perfeitamente estes atos, o que o paciente no consegue fazer levar a idia para o movimento, da o nome apraxia ideomotora. Apraxia melocintica, onde a dificuldade na atividade gestual decorre somente de falta de habilidade na realizao de movimentos finos. A velocidade e preciso da movimentao do membro envolvido independe da complexidade do gesto realizado. Esta apraxia descrita como unilateral e contralateral ao hemisfrio lesionado. Rodrigues (1992), resume a apraxia ideatria correspondendo a dificuldades na organizao do plano geral do ato motor, a apraxia ideomotora decorrendo de distrbios na evocao de imagens motoras e a apraxia melocintica resultando da desconexo ou inativao dos centros efetores. Existem tambm, formas particulares , como apraxia para vestir-se, apraxia para marcha e apraxia bucofacial. Luria (1981), props uma classificao das apraxias relacionada com o papel dos diferentes lobos do crtex cerebral. Apraxia motora, decorrente de leses nas reas secundrias dos lobos frontal e parietal, esta seria subdividida em apraxia motora eferente ( rea 6 de Brodmann ) traduziria a dificuldade da passagem suave de um , elemento motor para outro, resultando num quadro denominado afasia motora eferente,4

equivalente a afasia de Broca. A outra subdiviso; seria a apraxia motora aferente, decorrente de leso na rea secundria parietal, (rea 5 e partes das reas 7 e 40 de Brodmann ), onde o paciente apresenta dificuldade na execuo de movimentos diferentes e perda da fineza e preciso, manifestada quer em membros superiores, quer nos movimentos articulatrios. O segundo tipo descrito por Luria (1981), denominado apraxia frontal, decorrente de leses nas reas tercirias do lobo frontal, reas pr-frontais, que resultariam em dificuldades na programao do ato motor com relativa integridade de seqncias motoras individuais. Finalmente o terceiro tipo descrito pelo mesmo autor, designado como apraxia construtiva, decorrente de leses nas reas de tercirias do crtex parieto-temporo-

occipital, que resultariam em dificuldades na integrao das informaes somestsicas, vestibulares e visuais, prejudicando a realizao de gestos ou construes no espao orientadas em relao a um sistema de coordenadas, por exemplo, montagem de cubos e quebra-cabeas. B- A questo das apraxias em OFA Rodrigues (1992), descreve as apraxias de OFA como aquelas que prejudicam a atividade da mmica facial, por exemplo, a imitao de gestos de lbios e lngua, podendo resultar em dificuldades articulatrias. Jackson, descreveu a apraxia bucofacial ao analisar um de seus pacientes que no conseguia lateralizar a lngua, quando solicitado; no entanto no apresentava problema algum em retirar migalhas de po dos cantos da boca em condies usuais. Hecaen (1972 e 1981), classifica esta apraxia juntamente com as apraxias ideomotoras pela existncia de uma dissociao entre movimentos voluntrios e outros realizados de forma5

automtica. Ajuriaguerra e Tissot (1969), entretanto, afirmam que

a apraxia

bucofacial mais intimamente ligada com a apraxia melocintica (motora) do que com a ideomotora. Estes autores mostram dois grupos diferentes de pacientes com apraxia bucofacial: o primeiro grupo, constitudo por pacientes que apresentam a dissociao entre movimentos voluntrios e automticos, caracterizando uma forma de apraxia ideomotora em OFA. O segundo, constitudo por indivduos que apresentam dificuldades em toda a movimentao de OFA, caracterizando uma forma de apraxia motora de OFA. A apraxia motora de OFA exclui, por um lado, as disartrias e, por outro, deficincias intelectuais que interfiram no pensamento verbal, implicando formas mais complexas de prejuzo da fala (afasias) ou dficits de inteligncia propriamente ditos. Luria (1981), relaciona as apraxias motoras de OFA, com as duas formas clnicas de afasias motoras. A primeira, afasia motora eferente, equivalente afasia de Broca ( relacionada com o estudo de caso em questo neste estudo), conseqncia de leses na rea secundria frontal, rea 6 de Brodmann (Fig. 1.4), em regies vizinhas quelas em que esto situadas as colunas motoras dos OFA em MI, correspondentes rea de Broca. Nessa situao, os distrbios articulatrios ocorrem decorrentes das dificuldades na passagem de um articulema para outro, acarretando perda na fluncia da fala. A segunda, chamada afasia motora aferente, decorrente de leses na rea secundria parietal, em regies vizinhas quelas onde se d a projeo somestsica primria das colunas sensitivas dos OFA em SI, aparecem as dificuldades para realizar articulemas semelhantes, acarretando confuso entre sons prximos. A caracterstica fisiopatolgica fundamental destas duas formas clnicas de afasia seria a apraxia motora de OFA.

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C- Perda de Funo X Reduo de Eficincia Considerando o prejuzo fonmico dentro do campo das afasias pode-se dizer que h dois pontos de vista bsicos. Um deles, considera que tais prejuzos decorrem de leses em stios anatmicos determinados, ou seja, perda de funes adquiridas, resultando em dificuldades de discriminao acstica dos segmentos fonticos ou perda da habilidade para seqenci-los. O outro ponto de vista, considera que tais prejuzos decorrem, no da perda de uma dada funo, mas de uma reduo de eficincia de todo o sistema. Darley et al., a partir do ponto de vista de perda de funo, props a existncia de uma entidade clnica, a apraxia de fala, que definiu como uma desordem articulatria resultante de prejuzo, devido a leso cerebral, da capacidade de programar a posio da musculatura da fala para a produo volitiva de fonemas e de seqencializar os movimentos musculares para a produo de palavras. E complementa: estes erros complexos e variveis no tm sua origem em prejuzo perceptual (afasia) e ocorrem na ausncia de fraqueza, lentido ou incoordenao da musculatura da fala, que poderiam significar prejuzo dos nveis inferiores do sistema motor da fala (disartria).(Johns e Darley, 1970). Martin (1974), refletindo o ponto de vista da reduo de eficincia, impe objees ao conceito de apraxia de fala, e argumenta que tal entidade clnica decorre de distrbios em processos lingsticos, independentes de fatores perifricos. As evidncias que comprovam essa posio so de dois tipos: a regularidade dos erros observados e o peso do fator semntico nesses mesmos erros. Com respeito regularidade, Johns e Darley (1970), afirmam que as substituies consonantais observadas ocorriam ao acaso e no eram relacionadas com o7

alvo fontico. Entretanto, alguns estudos mostram o contrrio. Trost e Canter (1974) e Klich et al. (1979), avaliando a produo articulatria de pacientes com diagnstico de apraxia de fala, observaram que os erros eram sistemticos, e as substituies geralmente diferiam de um trao distintivo do fonema alvo. Observaes feitas em pacientes afsicos por Lcours e Lhermitte (1973), Blumstein (1973) e Martin e Rigrodsky (1974), coincidem com os dados acima. Para tais autores, isso significa que, apesar das diferenas propostas entre o conceito de apraxia de fala e o das afasias, parece haver padres fonolgicos de desintegrao fontica que se manifestam de maneira semelhante, independentemente dos stios anatmicos lesados, refletindo uma reduo de eficincia de todo o sistema. J o peso do fator semntico, Dunlop e Marquardt (1977), encontraram em pacientes com diagnstico de apraxia para fala uma correlao positiva entre o nmero de erros articulatrios cometidos e o grau de abstrao das palavras em questo, o que para eles refere a existncia de deficincias lingsticas envolvidas. Martin e Rigrodsky (1974), ao avaliarem a fala de pacientes afsicos, concluram que o componente semntico das palavras importante na produo fonmica, o que indica no haver uma distino entre os atos motores de fala e outros processos lingsticos. Rodrigues (1992), conclui que , desde o seu surgimento, o conceito de anartria, modernizado como apraxia de fala, preocupou diversos autores, que, ao criar a vasta sinonmia citada, mostram sua concordncia, ou pelo menos sua preocupao com a possibilidade de distrbios no ato motor da fala ocorrerem como fenmenos distintos de prejuzos nos processos lingsticos, genericamente denominados afasias. Contrape perda de funo e reduo de eficincia resumindo: em relao perda de funo, centra idia de que os distrbios na produo fonmica podem depender apenas de perturbaes8

em fatores perifricos e processos no lingsticos, como nos casos de apraxia de fala. Em relao reduo de eficincia, est a idia de que tais distrbios refletem sempre perturbaes em fatores centrais e processos lingsticos. A segunda parte dessa discusso terica, ir centrar-se nos processos lingsticos que esto alterados na sndrome estudada aqui, afasia de Broca, e como a linguagem do paciente portador dessa sndrome se apresenta. A comunicao representa a capacidade de transmisso de informao. Os seres humanos transmitem informaes de natureza diversa e atravs de diferentes sistemas. Lecours e Cols (1979),definem a linguagem de uma forma suficientemente ampla e adequada, da qual utilizar-se- este estudo, considerando a interdisciplinaridade deste. A linguagem o resultado de uma atividade nervosa complexa, que permite a comunicao interindividual de estados psquicos, atravs da materializao de signos multimodais que simbolizam estes estados, de acordo com uma conveno inerente a uma comunidade Lingstica. 2- Linguagem X Afasia de Broca A- Uma rpida reviso histrica Conforme conceitua Coudry (1988), a afasia se caracteriza por alteraes dos processos lingsticos de significao de origem articulatria no sistema nervoso central, em zonas responsveis pela linguagem, podendo ou no se associarem a alteraes de outros processos cognitivos. Essas alteraes, so caracterizadas por reduo e disfuno, que se manifestam tanto no aspecto expressivo quanto receptivo da linguagem oral e escrita, embora em diferentes graus em cada uma dessas modalidades, complementa Chapey (1996).

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A afasia sobre a qual iremos nos aprofundar e relacionar ao nosso paciente (aqui identificado como C) a Afasia de Broca, considerada de ordem motora ou de expresso. importante salientar que na literatura pode ser tambm encontrada como agramatismo, por ser este o sintoma predominante desta afasia. Gregolin-Guindaste (1996), resume o agramatismo como uma afasia especfica, que apresenta alteraes nos aspectos gramaticais da linguagem, havendo limitao de recursos sintticos, os quais so responsveis por outras alteraes lingsticas decorrentes. Coudry (1988), faz ento sua reflexo terica, considerando uma prtica que se d com o sujeito e visa avaliao dos efeitos patolgicos e a reconstituio da linguagem desse sujeito, e rejeita concepes tericas que, por razes metodolgicas excluam, sejam os aspectos histricos e sociais da linguagem, seja a atividade do sujeito na situao efetiva da fala. necessrio, portanto, superar dicotomias como lngua e fala, sistema e uso, competncia e performance, para integrar, em uma concepo abrangente de linguagem, o seu funcionamento na dimenso contextual e social, em que os homens por ela, atuam sobre os outros, na dimenso subjetiva em que eles se constituem como sujeitos, na dimenso cognitiva em que, por ela, os homens atuam sobre o mundo estruturando a realidade. Este estudo, portanto, abandona o trabalho com a linguagem enquanto concebida como cdigo acabado (como em Saussure e Yakobson) e abarca uma linguagem sob a concepo interacionista (como postulam Coudry e Franchi).

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B- A caracterizao do agramatismo Gregolin Guindaste e Coudry (1996), caracterizam o agramatismo

genericamente por um conjunto de fenmenos lingsticos patolgicos, de natureza sinttica e causado por leso cerebral na rea de Broca. O sujeito acometido de agramatismo continua tendo conhecimento do mundo, tem memria, faz inferncias, tem conscincia dos prprios problemas de linguagem e compreende as sentenas. O que pode ocorrer que uma apraxia oral grave ou moderada, associada ao quadro afsico dificulta, a produo verbal. Alm disso, preciso considerar o fato de que a apraxia oral responsvel pela desorganizao da atividade simblica, relacionada produo verbal. Ao caracterizar-se o agramatismo, torna-se necessrio explicitar o que o paciente capaz e o que ele no capaz de compreender e/ou produzir. A pesquisa iniciada por Coudry (1996), e os experimentos realizados conforme relatado em Gregolin Guindaste (1996), permitem selecionar os seguintes fatos a respeito do agramatismo 1. o agramatismo existe; 2. o agramatismo no constitui demncia; 3. h caractersticas comuns nas diferentes lnguas; 4. a diversidade dentro da categoria deve-se a graus de severidade diferentes; 5. o problema sinttico, no lexical, nem semntico, nem pragmtico; 6. as relaes temticas esto preservadas; 7. a estrutura sinttica bsica da sentena (SVO) est preservada; 8. ocorrem problemas com flexes, concordncia e preposies; 9. o conhecimento de mundo est preservado;11

10. a produo est mais afetada que a compreenso; 11. a linguagem econmica; 12. inexistem subordinaes; 13. a complexidade sinttica ( em relao hierarquia de categorias funcionais) a razo do bloqueio tanto para a produo como para compreenso.

ANLISE DE DADOS Um Estudo de Caso Com o objetivo de analisar e apresentar como ocorre a reconstruo da sintaxe, na linguagem de um indivduo acometido por afasia de Broca (agramatismo),atravs da interao com o outro; fez-se um acompanhamento longitudinal do caso, iniciado em setembro de 1998. Trata-se do paciente C., um sujeito do sexo masculino, juiz de direito, trilinge (ingls, portugus e grego), atualmente com 63 anos de idade, portador de leso cerebral adquirida, causa AVC (acidente vascular cerebral), ocorrido em fevereiro de 1998. C., tem boa compreenso dos fatos do mundo e l, porm com dificuldade. Os dados para este estudo de caso, foram obtidos em situaes discursivas envolvendo vrias atividades enunciativas e diferentes configuraes textuais (dilogos, narrativas, etc. ) Para o levantamento dos dados, foi utilizado gravador, vdeo e filmadora. Entre as fitas gravadas, foram selecionadas algumas passagens de C., para iniciar-se a elucidao sobre o caso.

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Esta anlise, primeiramente tratar dos dados levantados quanto a integridade de OFA e sua relao com o gesto articulatrio. A avaliao feita em setembro de1998, das praxias motoras traduziu algumas alteraes. A maior queixa de C., era que no conseguia fazer a barba sem cortar-se, o que ficou explicado aps a avaliao, onde constatou-se a assimetria facial e hipotonicidade muscular do lado direito do rosto. Foi solicitado ao paciente C., a execuo de movimentos prxicos de OFA ( elevar e abaixar a lngua, levar a lngua at as comissuras labiais, protruir e retrair os lbios, elevar as sobrancelhas, piscar os olhos separadamente, encher as bochechas de ar e estour-las sem a ajuda das mos, entre outros). O resultado obtido foi: o paciente capaz de executar todos os movimentos solicitados, porm com muita dificuldade, demonstrando claramente j haver uma atrofia muscular como seqela em OFA , assim como uma assimetria destes mesmos rgos. Iniciou-se portanto um trabalho teraputico de mobilidade e tonicidade de OFA, onde o paciente deveria executar todos os dias, os seguintes exerccios: 1- Fazer cara de bravo, contar at 5 e relaxar (10 vezes). 2- Elevar as sobrancelhas, fazendo cara de assustado, contar at 5 e relaxar (10 vezes). 3- Franzir o nariz, fazendo cara de cheiro ruim, contar at 5 e relaxar (10 vezes) 4- Protruir os lbios, contar at 5 e relaxar (10vezes) 5- Retrair os lbios, contar at 5 e relaxar (10 vezes) 6- Estalar a lngua, bem lento e ir aumentando a velocidade. A mobilidade e tonicidade de OFA tambm foram trabalhadas com alguns facilitadores ( guia de lngua, espelho, vela para sopro), a fim de se conseguir o gesto13

articulatrio voluntrio sem a necessidade de apoio contextua. Esta ginstica articulatria visava a automatizao das posies dos distintos rgos fonatrios. A execuo dos exerccios era observada durante as sesses de terapia e as orientaes eram feitas, assim como massagens orofaciais executadas pela terapeuta, para contrao e encurtamento de masseter e estmulo da sensibilidade. A fala de C., apresentava-se lenta e trabalhada, mostrando maior dificuldade para emisso dos fonemas linguodentais. O trabalho fonmico iniciou-se com a percepo das consoantes e seus traos caractersticos: ponto, modo e tempo de articulao, sonoridade e nasalidade. No final de quatro semanas, C., j comeou a demonstrar sinais de melhora quanto a motricidade oral, referiu que no cortava-se mais ao fazer a barba. Esta melhora era nitidamente visvel e, com uma nova avaliao da tonicidade e das praxias orais, comprovou-se a melhora significativa de C., em relao estes dados. Concomitantemente, obteve-se uma melhora da inteligibilidade, velocidade e rtmo da fala de C. Apesar dos resultados positivos citados acima, estes so aspectos ainda trabalhados no caso do referido paciente . Cabe aqui ressaltar, o importante vnculo estabelecido entre terapeuta e paciente, fator este determinante no sucesso deste trabalho. Para anlise do discurso de C., sero utilizadas algumas passagens do paciente que foram degravadas das fitas gravadas, durante as sesses de terapia. Utilizaremos o episdio descrito abaixo como amostra dos dados no incio do acompanhamento. (10/1998)

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C., tenta ler oraes escritas no quadro, como por exemplo: Fao omeletes com ovos. C.: Fazer um omelete com ovos. INV.: Fa (prompiting para fao). C.: Fazer um omelete com nibus. INV.: Com? C.: Ovo...ovo! C.: Fao ni... omelete com ovo. INV.: Muito bem. Agora sim. Mais uma vez. C.: Fao omelete com ovos! INV.: Isso a! Os dados acima mostram o momento em que o paciente busca a reorganizao da categoria verbal desestruturada na flexo. Investigador, escreve uma frase no quadro: Faz cinco anos que no fumo um cigarro. (exatamente o tempo que o paciente est sem fumar). C.: Faz um ano eu no tenho mais cigarro com... INV.: Cigarro... t... agora o senhor percebeu que alguma coisa est errada, no ? C.: Faz cinco anos eu no tenho um... INV.: Um cigarro! C.: Faz cinco anos eu... INV.: no... no... C.: No fumo mais cigarro.

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Notamos no dado acima que o paciente no fala QUE, conforme aponta GregolinGuindaste (1996), a dificuldade com QU deve-se falta de categorias funcionais nessa sndrome. Num outro episdio em que foi dado ao paciente um livro cujo ttulo era Um padre e um rapaz viajavam pelo mundo, foi pedido ao paciente que lesse o ttulo na capa. C.: Um menino... e um rapaz dentro... INV.: Um padre e um rapaz viajavam pelo mundo. C.: E um rapaz... Um padre e um rapaz viajaram de tr... INV.: De trem no! Eu no sei de qu eles foram. Eles viajavam pelo ... C.: Mundo. INV.: Agora inteira. C.: Um padre e um rapaz estava....num trem. Nota-se no episdio acima que o paciente mantm a categoria semntica, (rapaz / menino), procurando organizar a orao. Percebe-se que o paciente repete a estrutura e chega a mont-la, mas depois de vrias tentativas. Cabe salientar alguns aspectos lingsticos do discurso de C., que se fazem importantes para nossa anlise: 1- C., demonstra ter preservado aspectos mecanicistas da linguagem, relata e questiona este fato quando canta o hino nacional ou faz uma orao. Como nos exemplos abaixo: (01/1999)

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(A)

C.:

Ouviram

do

Ipiranga

margens

plcidas...

herico

brado

deslumbrante... e o sol da liberdade em raios f....nicos, brilhou no cu da ptria neste instante. Se o senhor desta igualdade, conseguimos conquistar com braos fortes. Em teu seio, oh liberdade, desafia o nosso peito a prpria morte...... (B) C.: Pai nosso que estais no cu, de...nificado seja vosso nome, vem a ns o vosso reino, seja feita a nossa vontade, assim na terra como no cu... o ...po nosso de cada dia dos dai hoje. Perdoai as nossas ofensas, assim como ns perdoamos os ofendidos. *Seja feita... no nos deixai cair em tentao, mas livrai-nos ... o ...amm. *Observa-se o momento em que C., retoma o mecnico para terminar a orao. 2- C., apresenta uma preferncia pela escrita, demonstrada quando o paciente precisa expressar-se oralmente e tem dificuldade em estruturar a fala, ento C., utiliza um bloquinho que leva no bolso e escreve ou tenta escrever a palavra que no est conseguindo dizer. 3- Outro dado interessante e que vem a questionar se C., um paciente com afasia de Broca pura, ou se possui outro tipo de afasia envolvido. C., apresenta anomia em algumas situaes, como no exemplo abaixo: Com uma srie de figuras sobre a mesa, o investigador solicita que C. emita o nome das figuras, o paciente porm precisa sempre do prompiting, para a emisso das palavras. (02/1999) C.: (olha para a figura, no consegue falar o nome, j pega o bloquinho do bolso e tenta escrever moo / para mo ) INV.: Assim no, quero que o senhor diga a palavra. M... (prompiting para mo)17

C.: Mo INV.: Muito bem, agora a outra, a ... (prompiting para avio) C.: Avio INV.: Isso mesmo, a outra, ba... (prompiting para banheira) C.: Banheira. INV.: isso a, o senhor est craque! 4 Finalmente o ltimo dado relevante a ser citado aqui a melhora de C., no resgate da sentena. O paciente mostra ter domnio da estrutura da sentena, com sujeito, verbo de ligao e predicativo. (03/1999) C., deveria formar frases a partir de uma palavra, por exemplo: INV.: padre C.: O padre e... no ... O padre e... O padre e um batismo. INV.: Isso mesmo! C.: Um padre e um batismo. INV.: Isso! Agora rapazes. C.: Aqueles rapazes so jovens. INV.: Isso! Conforme ressalta Coudry (1988), no acompanhamento do sujeito afsico; por um lado, importa interpretar seus erros e faltas como uma ruptura do componente interacional e social onde as formas se constituem; por outro lado, importar em mais reconstituir no sujeito afsico uma face interpessoal pela qual ele possa voltar a jogar o jogo da linguagem, em que encontrar, seno o sistema da lngua, os recursos alternativos18

que lhe permitam desempenhar seus mltiplos papis. No caso C., so problemas sintticos primeira vista que parece impedirem o pleno funcionamento da linguagem. CONSIDERAES FINAIS No incio deste trabalho esperou-se trabalha r com a reconstituio da linguagem oral, do sujeito vtima de AVC., atravs de mtodos convencionais de terapia , utilizando testes padronizados, para a reabilitao da afasia de Broca. Surgiu, portanto a primeira grande questo: Como poderia existir a incapacidade de expresso nos pacientes acometidos pela sndrome citada acima, apesar da integridade dos rgos fonoarticulatrios do mesmo? Esta questo levou ao estudo das apraxias motoras e principalmente das apraxias de OFA. O que mostrou ser a incapacidade de expresso, provocada pela afasia de Broca, decorrente de uma apraxia motora de OFA, onde esto excludas as disartrias e as deficincias intelectuais que poderiam interferir no pensamento verbal, caracterizando-se por uma incapacidade de expresso devido a leso na rea secundria frontal , em regies vizinhas aquelas em que esto situadas as colunas motoras dos OFA em MI, acarretando, perda da fluncia da fala. Posteriormente a esta questo, surgiu uma nova indagao e consequentemente uma nova rea de pesquisa: O que acontece com a linguagem de um indivduo afsico e como esta linguagem se reconstri, na interao com o outro. Para poder responder esta questo, realizou-se um estudo de um caso; de um senhor vtima de AVC. Iniciou-se a pesquisa trabalhando o caso, atravs da leitura e da escrita. Percebeuse, porm, a ineficincia do trabalho, o que levou a desenvolver-se um trabalho de reconstruo de linguagem contextualizada, isto , com base na oralidade do discurso.

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Depois de mais ou menos cinco meses com o paciente C., percebeu-se uma melhora na fala do paciente, porm, eram (e ainda so) observados os recursos

lingsticos que o paciente, utilizava na tentativa de reconstruo da linguagem. Observou-se, principalmente que C., recorria a fatores fonolgicos, sintticos e semnticos na esperana desta reconstruo . Portanto para concluir coloca-se a citao de Coudry (1994), onde fala:

interessa-me privilegiar o sujeito, conferindo-lhe um lugar prioritrio em relao afasia de que portador. No que me desinteresse pela teoria da afasia. Mas no se pode escamotear o sujeito, fonte de origem dos dados, com quem vou construir o modo de avali-lo e acompanh-lo, em sua especificidade. E mais...a reconstituio da linguagem nasceu, portanto, do encontro dos sujeitos afsicos nos processos lingsticos utilizados para produzir a significao em episdios de interao pessoal e dialgica.. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS AJURIAGUERRA, T.; HECAEN, H. Le cortex crebral. Paris, Masson, 1964. __________. ; Tissot, R. The apraxias. In: vinken, P.J.;BRUYN, G. W., eds. Handbook of Clinical Neurology, v.4. Amsterdam, North Holland Publising Co, 1969, p. 48-66. BARRAQUER-BORDAS, L. Afasias, apraxias, agnosias. Barcelona, Ediciones Toray, 1973. BLUMSTEIN, S. Some phonological implications of aphasia speech. IN goodglass, H.; BLUMSTEIN, S.; eds. Psicolinguistics and aphasia, Baltimore, The JOHNS HOPKINS, University Press, 1973, p. 123-37. CHAPEY, R. Introduction to language intervention strategies. In: CHAPEY, R. Language Intervention in Adult Aphasia. Williams & Wilkins, ed. Baltimore, 1996.20

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