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  • Advocacia em Tempos Difíceis: Ditadura Militar 1964-1985 1

    ADVOCACIA EMTEMPOS DIFÍCEISDitadura Militar 1964-1985

  • Paula Spieler e Rafael Mafei Rabelo Queiroz (Coords.)2

    Esta publicação é resultado de iniciativa fomentada comverbas do projeto Marcas da Memória da Comissão deAnistia, selecionada por meio de edital público, na IIChamada Pública. Por essa razão, as opiniões e dadoscontidos na publicação são de responsabilidade de seusorganizadores e autores, e não traduzem opiniões doGoverno Federal, exceto quando expresso em contrário.

    Spieler, Paula (coord.).S756 Advocacia em tempos difíceis: ditadura militar

    1964-1985./ coordenação Paula Spieler, Rafael Mafei Rabelo Queiroz./ Curitiba: Edição do Autor, 2013.

    912p.

    1. Advogados. 2. Brasil – História – Revolução, 1964. I. Queiroz, Rafael Mafei Rabelo (coord.). II. Título.

    CDD 340.092 (22 ed.)CDU 347.921.4

  • Advocacia em Tempos Difíceis: Ditadura Militar 1964-1985 3

    Paula SpielerRafael Mafei Rabelo Queiroz

    Coordenadores

    ADVOCACIA EMTEMPOS DIFÍCEISDitadura Militar 1964-1985

    Pesquisadores:Alynne Nayara Ferreira Nunes

    André Javier Ferreira PayarCatarina Dacosta Freitas

    Mariana Campos de Carvalho

    Curitiba2013

  • Paula Spieler e Rafael Mafei Rabelo Queiroz (Coords.)4

    REALIZAÇÃO:

    APOIO:

    Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio VargasEscola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getulio Vargas

    REVISÃO NA COMISSÃO DE ANISTIA:Amarílis Busch Tavares (Diretora da Comissão de Anistia), Bruno Scalko Franke

    (Coordenador de Articulação Social, Ações Educativas e Museologia) eSônia Costa (PNUD).

  • Advocacia em Tempos Difíceis: Ditadura Militar 1964-1985 5

    O presente projeto foi apresentado no ano de 2011 à IIChamada Pública do Projeto Marcas da Memória, da Comis-são de Anistia do Ministério da Justiça, e selecionado por Co-mitê independente para fomento. A realização do projeto obje-tiva atender as missões legais da Comissão de Anistia de pro-mover o direito à reparação, memória e verdade, permitindoque a sociedade civil e os anistiados políticos concretizem seusprojetos de memória. Por essa razão, as opiniões e dados con-tidos na publicação são de responsabilidade de seus organiza-dores e autores, e não traduzem opiniões do Governo Federal,exceto quando expresso em contrário.

  • Paula Spieler e Rafael Mafei Rabelo Queiroz (Coords.)6

    Presidenta da RepúblicaDilma Vana Rousseff

    Ministro da JustiçaJosé Eduardo Cardozo

    Secretária-ExecutivaMarcia Pelegrini

    Presidente da Comissão de AnistiaPaulo Abrão

    Vice-presidentes da Comissão de AnistiaSueli Aparecida Bellato

    José Carlos Moreira da Silva Filho

    Conselheiros da Comissão de AnistiaAline Sueli de Salles Santos Marina Silva SteinbruchAna Maria Guedes Mário Miranda de AlbuquerqueAna Maria Lima de Oliveira Marlon Alberto WeichertCarolina de Campos Melo Narciso Fernandes BarbosaCarol Proner Nilmário MirandaCristiano Otávio Paixão Araújo Pinto Prudente José Silveira MelloEneá de Stutz e Almeida Rita Maria de Miranda SipahiHenrique de Almeida Cardoso Roberta Camineiro BaggioJuvelino José Strozake Rodrigo Gonçalves dos SantosLuciana Silva Garcia Vanda Davi Fernandes de OliveiraManoel Severino Moraes de Almeida Virginius José Lianza da FrancaMárcia Elayne Berbich de Moraes

    Diretora da Comissão de AnistiaAmarílis Busch Tavares

    Chefia de GabineteLarissa Nacif Fonseca

    GabineteLuciane Faria Gonçalves

    Fábio da Silva Sousa Costa

  • Advocacia em Tempos Difíceis: Ditadura Militar 1964-1985 7

    Coordenadora do Serviço de Apoio AdministrativoLívia Almeida Santos

    Serviço de Apoio AdministrativoAlinne Gomes Farias (Estagiária)

    Antonio Francisco Marcico RibeiroCleiton de Oliveira Rodrigues

    Neire Peres do CarmoOadir Araújo Fernandes

    Samuel Domingos de Oliveira

    Coordenadora da Central de Atendimento Integrada – SNJ / CAAline Carneiro de Aguiar

    Central de Atendimento IntegradaCamila Pereira NeryHayara Vianna Silva

    Leandro Rocha Mundim de Oliveira (Estagiário)Virna Arcanjo Freire (Estagiária)

    Coordenação Executiva do Memorial da Anistia Política do BrasilAmarílis Busch Tavares

    Coordenador de Projetos e Políticas de Reparação e Memória HistóricaEduardo Henrique Falcão Pires

    Coordenação de Projetos e Políticas de Reparação e Memória HistóricaDaniel Fernandes Rocha

    Deborah Nunes LyraLívia Vieira Braúna

    Mariana Gracie Prieto Ávila (Estagiária)Paula Regina Montenegro Generino de Andrade

    Paula Stein de Melo e Sousa (Consultora MJ / PNUD)Sônia Maria Alves da Costa (Consultora MJ / PNUD)

    Wallison dos Santos Machado

    Coordenador de Articulação Social, Ações Educativas e MuseologiaBruno Scalco Franke

    Coordenação de Articulação Social, Ações Educativas e MuseologiaEliana Rocha Oliveira (Consultora MJ / PNUD)

    Jeny Kim BatistaPriscilla do Nascimento Silva Goudim

  • Paula Spieler e Rafael Mafei Rabelo Queiroz (Coords.)8

    Coordenação do Centro de Documentação e PesquisaAndréa Valentim Alves Ferreira (Consultora MJ/ PNUD)

    João Alberto TomacheskiPâmela Almeida Rezende (Consultora MJ/ PNUD)

    Rodrigo Lentz (Consultor MJ/ PNUD)

    Coordenador Geral de Gestão ProcessualMuller Luiz Borges

    Assessoria da Coordenação Geral de Gestão ProcessualCarolina Nunes Barbosa de Sousa

    Janine Poggiali Gasporoni e Oliveira

    Coordenadora de Controle Processual e Pré-AnáliseNatália Costa

    Coordenação de Controle Processual e Pré-AnáliseAdriana Soares Guimarães Pereira Luana Fonseca OliveiraArquimedes Barros Rodrigues Marcos Denaim Correa da SilvaElaine Cristina Guedes Martins Maria José das NevesElisa Machado Rabelo Maria Mônica Rodrigues LimaGardênia Azevedo de Oliveira Matheus Ramos Ávila (Estagiário)Helbert Lopes Rocha Mislene dos SantosJosé Antunes Primo Junior Raiane Feitoza da SilvaJuliana Priscila de Oliveira Renata Alves Neres NogueiraLeonardo Barbosa Cardoso Thiago Azevedo Luna dos Santos

    Coordenadora de Julgamento e FinalizaçãoJoicy Honorato de Souza

    Coordenação de Julgamento e FinalizaçãoAlexandre Tadeu de Oliveira

    Ana Lourdes Reis BrodAna Paula Barbacena

    Ariane Ramos de Souza (Estagiária)Giovana Rodrigues Araújo

    Chefe da Divisão de ArquivoMayara Nunes de Castro

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    Divisão de Arquivo e MemóriaEmilinha Soares Marques

    Leonardo Krieger F. BarbosaMatheus Henrique Santos Durães (Estagiário)

    Pedro Henrique Santos Moraes da Silva (Estagiário)Úrsula Beatriz Silva Sangaleti (Estagiário)

    Rodrigo de Jesus SilvaRosemeire de Oliveira Araújo

    Coordenador de Análise e Informação ProcessualAntônio José Teixeira Leite

    Coordenação de Análise e Informação ProcessualAlan Cruz Murada

    Clarina Soares Meireles PachecoDéborah Cristina Coêlho Machado

    Leonardo Aguilar VillalobosLorena das Neves Chaveiro

    Marcello Evandro de Carvalho Dias PortelaOdefrânio Vidal Pierre de Messias

    Rodrigo MercanteSabrina Nunes Gonçalves da Silva

    Vânia Margarete Rodrigues Bonfim Souto

  • Paula Spieler e Rafael Mafei Rabelo Queiroz (Coords.)10

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    A Comissão de Anistia é um órgão do Estado brasileiro ligadoao Ministério da Justiça e composto por 26 conselheiros, em sua maio-ria, agentes da sociedade civil ou professores universitários, sendo umdeles indicado pelas vítimas e outro pelo Ministério da Defesa. Criadaem 2001, há doze anos, com o objetivo de reparar moral e economica-mente as vítimas de atos de exceção, arbítrio e violações aos direitoshumanos cometidas entre 1946 e 1988, a Comissão hoje conta com maisde 70 mil pedidos de anistia protocolados. Até o ano de 2012 havia de-clarado mais de 35 mil pessoas “anistiadas políticas”, promovendo opedido oficial de desculpas do Estado pelas violações praticadas. Emaproximadamente 15 mil destes casos, a Comissão igualmente reconhe-ceu o direito à reparação econômica. O acervo da Comissão de Anistia éo mais completo fundo documental sobre a ditadura brasileira (1964-1985), conjugando documentos oficiais com inúmeros depoimentos eacervos agregados pelas vítimas. Esse acervo será disponibilizado aopúblico por meio do Memorial da Anistia Política do Brasil, sítio de me-mória e homenagem às vítimas, em construção na cidade de Belo Hori-zonte. Desde 2007 a Comissão passou a promover diversos projetos deeducação, cidadania e memória, levando, por meio das Caravanas deAnistia, as sessões de apreciação dos pedidos aos locais onde ocorreramàs violações, que já superaram 70 edições; divulgando chamadas públi-cas para financiamento a iniciativas sociais de memória, como a quepresentemente contempla este projeto; e fomentando a cooperação inter-nacional para o intercâmbio de práticas e conhecimentos, com ênfasenos países do Hemisfério Sul.

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    MARCAS DA MEMÓRIA: UM PROJETO DEMEMÓRIA E REPARAÇÃO COLETIVA

    PARA O BRASIL

    Criada em 2001, por meio de medida provisória, a Comissãode Anistia do Ministério da Justiça passou a integrar em definitivo aestrutura do Estado brasileiro no ano de 2002, com a aprovação de Lein. 10.559, que regulamentou o artigo 8º do Ato das Disposições Consti-tucionais Transitórias.

    Tendo por objetivo promover a reparação de violações a di-reitos fundamentais praticadas entre 1946 e 1988, a Comissão configura--se em espaço de reencontro do Brasil com seu passado, subvertendo osenso comum da anistia enquanto esquecimento. A Anistia no Brasil sig-nifica, a contrário senso, memória. Em sua atuação, o órgão reuniu mi-lhares de páginas de documentação oficial sobre a repressão no Brasil e,ainda, centenas de depoimentos, escritos e orais, das vítimas de tal re-pressão. E é deste grande reencontro com a história que surgem não apenasos fundamentos para a reparação às violações como, também, a necessá-ria reflexão sobre a importância da não repetição destes atos de arbítrio.

    Se a reparação individual é um meio de buscar reconciliar ci-dadãos cujos direitos foram violados, que têm então a oportunidade deverem o Estado reconhecer que errou, devolvendo-lhes a cidadania e, sefor o caso, reparando-os financeiramente, por sua vez, as reparaçõescoletivas, os projetos de memória e as ações para a não repetição têm oclaro objetivo de permitir a toda a sociedade conhecer, compreender e,então, repudiar tais erros. A afronta aos direitos fundamentais de qual-quer cidadão singular igualmente ofende a toda a humanidade que temosem comum, e é por isso que tais violações jamais podem ser esquecidas.Esquecer a barbárie equivaleria a nos desumanizarmos.

    Partindo destes pressupostos e, ainda, buscando valorizar a lutadaqueles que resistiram – por todos os meios que entenderam cabíveis – a

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    Comissão de Anistia passou, a partir de 2008, a realizar sessões de apre-ciação pública, em todo o território nacional, dos pedidos de anistia querecebe, de modo a tornar o passado recente acessível a todos. São aschamadas “Caravanas da Anistia”. Com isso, transferiu seu trabalhocotidiano das quatro paredes de mármore do Palácio da Justiça para apraça pública, para escolas e universidades, associações profissionais esindicatos, bem como a todo e qualquer local onde perseguições ocorre-ram. Assim, passou a ativamente conscientizar as novas gerações, nasci-das na democracia, da importância de hoje vivermos em um regime livre,que deve e precisa ser continuamente aprimorado.

    Com a ampliação do acesso público aos trabalhos da Comissão,cresceram exponencialmente o número de relatos de arbitrariedades,prisões, torturas, por outro lado, pôde-se romper o silêncio para ouvircentenas de depoimentos sobre resistência, coragem, bravura e luta. Éneste contexto que surge o projeto “Marcas da Memória”, que expandeainda mais a reparação individual em um processo de reflexão e apren-dizado coletivo, fomentando iniciativas locais, regionais e nacionais quepermitam àqueles que viveram um passado sombrio, ou que a seu estudose dedicaram, dividir leituras de mundo que permitam a reflexão críticasobre um tempo que precisa ser lembrado e abordado sob auspícios de-mocráticos.

    Para atender estes amplos e inovadores propósitos, as ações doprojeto Marcas da Memória estão divididas em quatro campos:

    a) Audiências Públicas: atos e eventos para promover pro-cessos de escuta pública dos perseguidos políticos sobre opassado e suas relações com o presente.

    b) História oral: entrevistas com perseguidos políticos basea-das em critérios teórico-metodológicos próprios da Histó-ria Oral. Todos os produtos ficam disponíveis no Memorialda Anistia e poderão ser disponibilizadas nas bibliotecas ecentros de pesquisa das universidades participantes doprojeto para acesso da juventude, sociedade e pesquisado-res em geral;

    c) Chamadas Públicas de fomento a iniciativas da Socieda-de Civil: por meio de Chamadas Públicas, a Comissão se-leciona projetos de preservação, de memória, de divulga-ção e difusão advindos de Organização da Sociedade Civilde Interesse Público (OSCIP) e Entidades Privadas SemFins Lucrativos. Os projetos desenvolvidos envolvem do-cumentários, publicações, exposições artísticas e fotográfi-cas, palestras, musicais, restauração de filmes, preserva-

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    ção de acervos, locais de memória, produções teatrais emateriais didáticos.

    d) Publicações: coleções de livros de memórias dos perse-guidos políticos; dissertações e teses de doutorado sobre operíodo da ditadura e a anistia no Brasil; reimpressões ourepublicações de outras obras e textos históricos e rele-vantes; registros de anais de diferentes eventos sobre anis-tia política e justiça de transição. Sem fins comerciais oulucrativos, todas as publicações são distribuídas gratuita-mente, especialmente para escolas e universidades.

    O projeto “Marcas da Memória” reúne depoimentos, sistematizainformações e fomenta iniciativas culturais que permitem a toda socieda-de conhecer o passado e dele extrair lições para o futuro. Reitera, por-tanto, a premissa que apenas conhecendo o passado podemos evitar suarepetição no futuro, fazendo da Anistia um caminho para a reflexão críticae o aprimoramento das instituições democráticas. Mais ainda: o projetoinveste em olhares plurais, selecionando iniciativas por meio de editalpúblico, garantindo igual possibilidade de acesso a todos e evitando queuma única visão de mundo imponha-se como hegemônica ante as demais.

    Espera-se, com este projeto, permitir que todos conheçam umpassado que temos em comum e que os olhares históricos anteriormentereprimidos adquiram espaço junto ao público para que, assim, o respeitoao livre pensamento e o direito à verdade histórica disseminem-se comovalores imprescindíveis para um Estado plural e respeitador dos direitoshumanos.

    Comissão de Anistia do Ministério da Justiça

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    Advogados entrevistadosAlcyone Vieira Pinto Barreto

    Amadeu de Almeida WeinmannAntônio Carlos da Gama Barandier

    Antônio de Pádua BarrosoAntônio Modesto da Silveira

    Arthur LavigneBelisário dos Santos JuniorBoris Marques da Trindade

    Dyrce DrachEny Raimundo Moreira

    Fernando FragosoFlávio Flores da Cunha Bierrenbach

    Flora StrozenbergGeorge Francisco TavaresHumberto Jansen Machado

    Idibal Almeida PivettaIlídio Moura

    José Carlos DiasJosé Moura Rocha

    Luiz Carlos Sigmaringa SeixasLuiz Eduardo Greenhalgh

    Luiz Olavo BaptistaManuel de Jesus Soares

    Marcello CerqueiraMaria Luiza Flores da Cunha Bierrenbach

    Maria Regina PasqualeMario de Passos Simas

    Nélio Roberto Seidl MachadoNilo Batista

    Pedro Eurico de Barros e SilvaRené Ariel Dotti

    Tales Castelo BrancoTécio Lins e Silva

    Virgilio Egydio Lopes Enei

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    Advogados falecidos

    Aldo Lins e SilvaAntônio Evaristo de Moraes Filho

    Augusto Sussekind de Moraes RegoBento Rubião

    Eloar GuazzelliHeleno Cláudio Fragoso

    Hélio Henrique Pereira NavarroHeráclito Fontoura Sobral Pinto

    Lino MachadoLysaneas Maciel

    Mércia Albuquerque FerreiraMiguel Aldrovando Aith

    Osvaldo MendonçaPaulo CavalcantiPaulo Goldrajch

    Raimundo Pascoal BarbosaRaul Lins e Silva

    Rômulo GonçalvesRonilda Maria Lima Noblat

    Vivaldo VasconcelosWanda Rita Othon Sidou

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    LISTA DE ABREVIAÇÕESEMPREGADAS NAS ENTREVISTAS

    ABI – Associação Brasileira de ImprensaABIN – Agência Brasileira de InteligênciaACO – Ação Católica OperáriaACP – Ato ComplementarAI – Ato InstitucionalAIT – Ato InstitucionalALN – Ação Libertadora NacionalAP – Aliança PopularAPML – Ação Popular Marxista-LeninistaArt. – ArtigoARENA – Aliança Renovadora NacionalCACO – Centro Acadêmico Cândido de OliveiraCALC – Centro Acadêmico Luís CárpenterCBA – Comitê Brasileiro pela AnistiaCCC – Comando de Caça aos ComunistasCEBRAP – Centro Brasileiro de Análise e PlanejamentoCENIMAR – Centro de Informações da MarinhaCf. – ConfiraCIA – Central Intelligence Agency (Agência Central de Inteligência)CIE – Centro de Informações do ExércitoCIEx – Centro de Informações do ExércitoCISA – Centro de Informações da AeronáuticaCGI – Comissão Geral de InvestigaçãoCJM – Circunscrição Judiciária MilitarCNBB – Conferência Nacional dos Bispos do BrasilCPDOC – Centro de Pesquisa e Documentação Histórica Contemporânea do BrasilCPOR – Centro de Preparação de Oficiais de ReservaCRM – Conselho Regional de Medicina

  • Paula Spieler e Rafael Mafei Rabelo Queiroz (Coords.)20

    CRUSP – Conjunto Residencial da Universidade de São PauloD. – DomDCE – Diretório Central dos EstudantesDEC – DecretoDEL – Decreto-LeiDER – Decreto ReservadoDERSA – Desenvolvimento Rodoviário Sociedade AnônimaDETRAN – Departamento Estadual de TrânsitoDNE – Diretório Nacional dos EstudantesDOI-CODI – Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações deDefesa InternaDOPS – Departamento de Ordem Política e SocialDSN – Doutrina de Segurança NacionalDSV – Departamento de Operação do Sistema ViárioEBAP – Escola Brasileira de Administração PúblicaFAB – Força Aérea BrasileiraFNFI – Faculdade Nacional de FilosofiaGETAT – Grupo Executivo das Terras do Araguaia-TocantinsHC – Habeas CorpusHC – Hospital das ClínicasIAB – Instituto dos Advogados do BrasilIBRA – Instituto Brasileiro de Reforma AgráriaINCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma AgráriaINSS – Instituto Nacional do Seguro SocialIPM – Inquérito Policial MilitarJUC – Juventude Universitária CatólicaLSN – Lei de Segurança NacionalMDB – Movimento Democrático BrasileiroMOLIPO – Movimento de Libertação PopularMR-8 – Movimento Revolucionário Oito de OutubroNYT – New York TimesOAB – Ordem dos Advogados do BrasilOBAN – Operação BandeiranteOEA – Organização dos Estados AmericanosONG – Organização Não GovernamentalONU – Organização das Nações UnidasPCB – Partido Comunista BrasileiroPDC – Partido Democrata CristãoPDS – Partido Democrático SocialPE – Polícia do Exército

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    PIC – Pelotão de Investigações CriminaisPM – Polícia MilitarPOC – Partido Operário ComunistaPOLOP – Organização Revolucionária Marxista Política OperáriaPORRA – Partido Operário Revolucionário Retado e ArmadoPRA – Partido de Representação AcadêmicaPRP – Partido Republicano ProgressistaPSD – Partido Social DemocráticoPSOL – Partido Socialismo e LiberdadePSP – Partido Social ProgressistaPT – Partido dos TrabalhadoresPTB – Partido Trabalhista BrasileiroPUC – Pontifícia Universidade CatólicaRO – Recurso OrdinárioSOPS – Seções de Ordem Política e SocialSNI – Serviço Nacional de InformaçõesSTF – Supremo Tribunal FederalSTJ – Superior Tribunal de JustiçaSTM – Superior Tribunal MilitarTFP – Tradição, Família e PropriedadeTJ – Tribunal de JustiçaTUCA – Teatro da Universidade Católica de São PauloUDN – União Democrática NacionalUEE – União Estadual dos EstudantesUEG – Universidade do Estado da GuanabaraUFE – União Fronteiriça de EstudantesUFJF – Universidade Federal de Juiz de ForaUFRJ – Universidade Federal do Rio de JaneiroUJC – União da Juventude ComunistaUME – União Metropolitana dos EstudantesUnB – Universidade de BrasíliaUNE – União Nacional dos EstudantesUNESP – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquisa Filho”Unirio – Universidade Federal do Estado do Rio de JaneiroURSS – União das Repúblicas Socialistas SoviéticasUSP – Universidade de São PauloV. – VideVAR-Palmares – Vanguarda Armada Revolucionária PalmaresVPR – Vanguarda Popular Revolucionária

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    APRESENTAÇÃO

    O regime militar, instaurado pelo golpe de 1964, marcou-sepela contínua repressão aos adversários políticos do governo. Paraconferir legitimidade às ações persecutórias do Estado brasileiro deentão, criou-se um robusto aparato jurídico, que sofreu constantes aper-feiçoamentos em prol do regime, sobretudo com a adoção do AI-5 em 13de dezembro de 1968 que, dentre outras medidas, suspendeu a garantiado habeas corpus para os casos de crimes políticos, contra a segurançanacional, a ordem econômica e social e a economia popular.

    Em meio a esse contexto, de regras cada vez mais voltadas àdesmobilização de grupos políticos rivais e da sociedade civil em geral,muitos advogados e advogadas defenderam opositores políticos do regi-me militar que nominalmente vigeu no Brasil entre 1964 a 1985.

    Esses profissionais do direito tinham a difícil missão de fazeruso do próprio aparato jurídico do regime militar nas defesas de seusclientes. As perguntas que guiaram a investigação resultante neste livroforam: em um cenário jurídico de tal maneira desfavorável, como osadvogados e advogadas faziam uso do direito para defender os interessesdos adversários políticos do regime? Quais instrumentos jurídicos eramutilizados na ausência do habeas corpus? Como manter-se na profissãonuma área da advocacia que parecia pouco rentável e arriscada?

    Zelo, probidade e independência, valores fundamentais a que oadvogado deve se pautar, deveriam estar lado a lado de certa dose decriatividade e domínio das habilidades técnicas. A edição dos Atos Insti-tucionais, Atos Complementares e Decretos Reservados (ou Secretos),cuja natureza normativa e conteúdo regulado eram novidade no meiojurídico brasileiro, requeria ainda mais agudez e ponderação por partedos advogados e advogadas. Relatar, nos ambientes forenses, as violên-cias e arbitrariedades cometidas contra os seus clientes, exigia firmeza e,acima de tudo, coragem.

    A supressão do habeas corpus para crimes políticos pelo AI-5tornou a rotina desses profissionais mais dificultosa. Usado para afastar

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    ilegalidades no cerceamento do direito de ir e vir, qualquer prisão quefugisse dos parâmetros legais não teria instrumento jurídico correspon-dente para coibi-la. Sem essa ferramenta, advogados e advogadas, se-gundo relatam as entrevistas, adotavam expedientes inominados que, sefuncionassem, levavam a resultados práticos semelhantes. Em suma:contornavam óbices processuais de maneira inventiva, garantindo prote-ção jurídica mesmo àqueles a quem as leis da ditadura militar mais que-riam perseguir do que proteger.

    Ao mesmo tempo, enquanto o regime recrudescia, as leis torna-vam-se mais rígidas, as denúncias de tortura e violências ocorriam commais frequência, e os advogados, nessas circunstâncias, arriscavam-se asofrer represálias por defenderem clientes considerados subversivos.

    Nesse contexto, as 34 entrevistas, que compõem esta obra, dealguns dos principais advogados e advogadas que defenderam opositorespolíticos durante o regime militar de 1964-1985, trazem relevantes con-tribuições à construção desse recente capítulo da história nacional. Sãorelatos de destemor e firmeza na defesa das prerrogativas dos advogadose dos direitos fundamentais de seus clientes. São, também, testemunhosde criatividade e destreza no manejo do direito à favor da justiça.

    Por fim, esperamos que a leitura seja proveitosa, reveladora, eque instigue o leitor a pesquisar o tema com profundidade, de modo adesvelar outros aspectos acerca desse período que precisam ser descor-tinados. É dessa maneira que se constrói a história do nosso País, seconsolida a democracia, e se descobre a verdade.

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    PREFÁCIO

    A memória como reparação.A Comissão de Anistia do Ministério da Justiça integra a es-

    trutura do Estado brasileiro desde a aprovação de Lei 10.559/02, queregulamentou o art. 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitó-rias da Constituição da República de 1988.

    Sua missão constitucional, portanto, é a de promover políticaspúblicas de reparação e memória em torno das violações aos direitosfundamentais e sobre quaisquer atos de exceção praticadas entre 1946 e1988.

    Trata-se de um espaço institucional de superação da ética doesquecimento e do sigilo por uma cultura que valorize a transparência ea verdade histórica.

    Para alcançar estes propósitos foi preciso promover uma vira-da hermenêutica no senso comum em torno do conceito de anistia. Se oregime autoritário pretendeu utilizá-lo como mecanismo de esquecimentoe impunidade ou como um ato em que o Estado “perdoava” aos perse-guidos políticos que ele mesmo criminalizou pela Lei de Segurança Na-cional, por sua vez, na democracia a ideia de anistia é ressignificada.

    Na democracia, a anistia constitucional significa memória econhecimento dos fatos para que o Estado assuma a sua responsabilida-de pelo cometimento de graves violações aos direitos humanos e cumprasua obrigação de reparar. Nestes termos, a anistia passa a significar oato pelo qual o Estado “pede desculpas oficiais” pelos erros que come-teu no passado a cada um dos ex-perseguidos, presos políticos e familia-res dos mortos e desaparecidos. A condição de anistiado político embuteo reconhecimento do legítimo direito de resistir contra a opressão.

    A Comissão reuniu milhares de páginas de documentação ofi-cial sobre a repressão e a resistência no Brasil. São centenas de depoi-mentos escritos e orais documentados. O acervo da Comissão de Anistiaé um privilegiado fundo documental sobre a ditadura brasileira (1964-

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    -1985), conjugando documentos oficiais com inúmeros depoimentos eacervos agregados pelas vítimas. Esse acervo pouco a pouco é disponi-bilizado a toda a sociedade por meio do Memorial da Anistia Política doBrasil, sítio federal de memória e homenagem às vítimas, em construçãona cidade de Belo Horizonte.

    A necessária reflexão sobre a importância da não repetição dosatos de arbítrio insere a memória como a melhor arma humana contra abarbárie.

    O exercício da memória é um ato de reparação nos marcos daJustiça de Transição. Os projetos de memória são ações de reparaçãocoletiva e têm o claro objetivo de permitir a toda a sociedade conhecer,compreender e, então, gerar consciência crítica e condenação moralsobre tais erros.

    Uma ética da memória tem sido forjada em um acelerado mo-vimento global desde o pós-guerra. Uma ética segundo a qual uma gravelesão aos direitos de qualquer cidadão singular ou a um grupo social –torturas, genocídios, massacres, desaparecimentos forçados, por exem-plo – produzidas sistematicamente e independentemente de qualquerterritório igualmente ofende a todos. Ignorar esses fatos equivaleria anos desumanizarmos.

    Partindo destes pressupostos e, ainda buscando valorizar a lutadaqueles que resistiram, a Comissão de Anistia passou, a partir de 2008,a realizar sessões de apreciação pública, em todo o território nacional,dos pedidos de anistia, de modo a tornar o passado e o conjunto de vio-lações acessíveis a todos. As "Caravanas da Anistia” romperam com osilêncio e medo de discutir publicamente o passado e transferiram o tra-balho cotidiano da Comissão de Anistia das quatro paredes de mármoredo Palácio da Justiça para a praça pública, para escolas e universida-des, associações profissionais e sindicatos, bem como a todo e qualquerlocal onde perseguições ocorreram. Assim, passou a ativamente conscien-tizar as novas gerações, nascidas na democracia, da importância de hojevivermos em um regime político livre, que deve e precisa ser continua-mente aprimorado.

    O projeto “Marcas da Memória”, como um fundo de apoio àsiniciativas de memorialização produzidas pela sociedade civil, expandiuainda mais a política de reparação individual em um processo de reflexãoe aprendizado coletivo, fomentando iniciativas locais, regionais e nacio-nais que permitam a emergência de olhares plurais. Suas atividades com-põem audiências públicas, projetos de história oral, publicações acadêmi-cas, documentários, publicações, exposições artísticas e fotográficas, pa-lestras musicais, restauração de filmes, preservação de acervos, fixação delocais de memória, produções teatrais e materiais didáticos.

  • Advocacia em Tempos Difíceis: Ditadura Militar 1964-1985 27

    É neste contexto que se publica este importante livro como umaparceria da Comissão de Anistia e das Escolas de Direito da FundaçãoGetulio Vargas. Ela retrata o importante papel da advocacia na proteçãodos cidadãos que se viam completamente desamparados pelo Estado queutilizou deliberadamente mecanismos institucionais para reprimir, per-seguir, ferir direitos fundamentais e conceder ao autoritarismo contornosde um regime de legalidade.

    Diante de um Estado autoritário legitimado por leis de exceção –que utilizava o direito e suas ferramentas de forma a construir um aparatolegal racional-positivista em que se apoiavam as mais arbitrárias condutas– corajosos advogados e advogadas, como se depreende dos relatados aolongo das diversas entrevistas deste livro, mostram como o tecnicismo dopoder constituído de forma ilegal foi revertido, de maneira criativa, a fa-vor da proteção da integridade física dos perseguidos políticos.

    A advocacia-arte, portanto, envolveu o conhecimento dos me-canismos legais empregados pelo regime de exceção para torná-los umaferramenta de combate à própria arbitrariedade do Estado. É a a ple-nitude da advocacia para preservar o instituto do direito e da justiçaameaçado durante os anos de chumbo.

    O trabalho exemplar destes advogados e advogadas está aquiretratado, entre outras razões, para deixar assentadas as escolhas quefizeram nos momentos mais difíceis ao colocarem em risco suas própriasvidas para salvar as alheias. Honraram seus diplomas e juramentos.

    Daí que a riqueza destes depoimentos reside no fato de nãoapenas retratarem o contexto político e social de uma importante épocada história brasileira e da região, mas também transparece as lutas eutopias daqueles juristas que foram protagonistas na defesa da resistên-cia às ditaduras, que demonstraram coerência e firmeza em defesa dosdireitos humanos e da ordem constitucional de 1946 interrompida porum Golpe contra as instituições democráticas.

    Aos que organizaram e trabalharam para este significativoprojeto somados aos que se dispuseram a compartilhar suas memóriasfica um sincero agradecimento da Comissão de Anistia pelo engajamentoao movimento nacional pró-memória.

    Para que não se esqueça. Para que nunca mais aconteça.

    Paulo AbrãoPresidente da Comissão de Anistia

    Secretário Nacional de Justiça

  • Paula Spieler e Rafael Mafei Rabelo Queiroz (Coords.)28

  • Advocacia em Tempos Difíceis: Ditadura Militar 1964-1985 29

    SUMÁRIO

    ADVOCACIA E RESISTÊNCIA: ESTRATÉGIAS JURÍDICAS DE DEFESADE PERSEGUIDOS POLÍTICOS EM MEIO À LEGISLAÇÃO REPRESSIVADA DITADURA DE 1964 – Paula Spieler e Rafael Mafei Rabelo Queiroz .................. 31

    I – Da Advocacia à Resistência: Os Advogados no Contexto da Oposição àDitadura Militar ............................................................................................... 32

    II – Do Limão à Limonada: As Estratégias de Defesa em Meio à LegislaçãoRepressiva ............................................................................................................... 40

    ENTREVISTAS

    ALCYONE VIEIRA PINTO BARRETO .................................................................... 49

    AMADEU DE ALMEIDA WEINMANN .................................................................... 57

    ANTÔNIO CARLOS DA GAMA BARANDIER........................................................ 78

    ANTÔNIO DE PÁDUA BARROSO ............................................................................ 85

    ANTÔNIO MODESTO DA SILVEIRA ...................................................................... 114

    ARTHUR LAVIGNE .................................................................................................... 136

    BELISÁRIO DOS SANTOS JUNIOR ......................................................................... 144

    BORIS MARQUES DA TRINDADE........................................................................... 187

    DYRCE DRACH ........................................................................................................... 220

    ENY RAIMUNDO MOREIRA..................................................................................... 233

    FERNANDO FRAGOSO .............................................................................................. 253

    FLÁVIO FLORES DA CUNHA BIERRENBACH .................................................... 267

    FLORA STROZENBERG ............................................................................................ 288

    GEORGE FRANCISCO TAVARES ........................................................................... 297

    HUMBERTO JANSEN MACHADO ........................................................................... 309

  • Paula Spieler e Rafael Mafei Rabelo Queiroz (Coords.)30

    IDIBAL ALMEIDA PIVETTA..................................................................................... 322

    ILÍDIO MOURA............................................................................................................ 358

    JOSÉ CARLOS DIAS ................................................................................................... 376

    JOSÉ MOURA ROCHA ............................................................................................... 401

    LUIZ CARLOS SIGMARINGA SEIXAS ................................................................... 422

    LUIZ EDUARDO GREENHALGH ............................................................................. 449

    LUIZ OLAVO BAPTISTA ........................................................................................... 491

    MANUEL DE JESUS SOARES.................................................................................... 518

    MARCELLO CERQUEIRA ......................................................................................... 530

    MARIA LUIZA FLORES DA CUNHA BIERRENBACH......................................... 540

    MARIA REGINA PASQUALE .................................................................................... 564

    MARIO DE PASSOS SIMAS ....................................................................................... 589

    NÉLIO ROBERTO SEIDL MACHADO..................................................................... 637

    NILO BATISTA............................................................................................................. 647

    PEDRO EURICO DE BARROS E SILVA .................................................................. 660

    RENÉ ARIEL DOTTI ................................................................................................... 686

    TALES CASTELO BRANCO ...................................................................................... 719

    TÉCIO LINS E SILVA.................................................................................................. 749

    VIRGÍLIO EGYDIO LOPES ENEI............................................................................. 773

    GLOSSÁRIO.................................................................................................................. 809

    1 Personalidades............................................................................................................... 809

    2 Fatos ............................................................................................................................. 871

    3 Dicionário de Termos e Expressões Jurídicas Empregadas nas Entrevistas.................. 872

    PRINCIPAIS LEIS DO PERÍODO DE EXCEÇÃO................................................... 873

    LEIS COMPLEMENTARES........................................................................................ 908

  • Advocacia em Tempos Difíceis: Ditadura Militar 1964-1985 31

    ADVOCACIA E RESISTÊNCIA:ESTRATÉGIAS JURÍDICAS DE DEFESA

    DE PERSEGUIDOS POLÍTICOS EMMEIO À LEGISLAÇÃO REPRESSIVA

    DA DITADURA DE 1964

    Paula Spieler e Rafael Mafei Rabelo Queiroz

    Qual foi o papel do advogado durante a ditadura militar no Brasil?Como eles defendiam presos políticos mesmo sem previsão legal de ins-trumentos jurídicos? Esse livro trata sobre essas questões, mais especifi-camente sobre as estratégias utilizadas pelos advogados para defenderpresos políticos durante a ditadura militar1. Nosso principal objetivo érelatar a experiência de cada advogado e as estratégias de defesa utilizadas.

    Embora haja diversos trabalhos sobre o período da ditadura mi-litar, não há algum que trate de forma tão detalhada sobre as contribui-ções dos advogados no nível nacional. Entrevistamos, assim, os advoga-dos e advogadas brasileiros que defenderam presos políticos nessa época,do norte ao sul do país. São eles: Alcyone Vieira Pinto Barreto, Amadeude Almeida Weinmann, Antônio Carlos da Gama Barandier, Antônio dePádua Barroso, Antônio Modesto da Silveira, Arthur Lavigne, Belisáriodos Santos Junior, Boris Marques da Trindade, Dyrce Drach, Eny RaimundoMoreira, Fernando Fragoso, Flávio Flores da Cunha Bierrenbach, Flora

    1 Para um estudo sobre a utilização dos julgamentos políticos pelos militares como

    forma de tentar legalizar a repressão, veja: PEREIRA, Anthony. Political (In)Justice.Authoritarianism and the Rule of Law in Brazil, Chile, and Argentina. Pittsburgh:University of Pittsburg Press, 2005. Nesse livro, o autor almeja explicar, através deregistros históricos, como e por que os julgamentos políticos foram iniciados, manti-dos e abandonados durante as ditaduras militares no Brasil, Argentina e Chile. A ver-são em português deste livro foi publicada em 2010: PEREIRA, Anthony. Ditadura erepressão. São Paulo: Paz e Terra, 2010.

  • Paula Spieler e Rafael Mafei Rabelo Queiroz (Coords.)32

    Strozenberg, George Tavares, Humberto Jansen Machado, Idibal AlmeidaPivetta, Ilídio Moura, José Carlos Dias, José Moura Rocha, Luiz CarlosSigmaringa Seixas, Luiz Eduardo Greenhalgh, Luiz Olavo Baptista, Manuelde Jesus Soares, Marcello Cerqueira, Maria Luiza Flores da Cunha Bier-renbach, Maria Regina Pasquale, Mario de Passos Simas, Nélio RobertoSeidl Machado, Nilo Batista, Pedro Eurico de Barros e Silva, René ArielDotti, Tales Castelo Branco, Técio Lins e Silva e Virgilio Egydio Lopes Enei.

    Além deles, Rosa Maria Cardoso teve papel fundamental nesseperíodo, mas, em virtude de seu trabalho como membro da ComissãoNacional da Verdade, não pôde gravar entrevista. Ademais, não podería-mos deixar de registrar a importância para essa luta de alguns advogadosque já faleceram: Aldo Lins e Silva, Antônio Evaristo de Moraes Filho,Augusto Sussekind de Moraes Rego, Bento Rubião, Eloar Guazzelli, HelenoCláudio Fragoso, Hélio Henrique Pereira Navarro, Heráclito Fontoura SobralPinto, Lino Machado, Lysaneas Maciel, Mércia Albuquerque Ferreira,Miguel Aldrovando Aith, Osvaldo Mendonça, Paulo Cavalcanti, PauloGoldrajch, Raimundo Pascoal Barbosa, Raul Lins e Silva, Ronilda MariaLima Noblat, Vivaldo Vasconcelos e Wanda Rita Othon Sidou.

    Através das entrevistas, ficou claro que esse grupo pequeno deadvogados ia além dos instrumentos legais para, em última análise, salvarvidas: utilizaram muita criatividade e persistência em suas defesas. Semreceber honorários na maioria dos casos, eles eram movidos por senso dejustiça e pela vontade de salvar pessoas que nem conheciam. Portanto,esses jovens advogados, que tinham na época entre 25 e 35 anos, têmmuito a nos ensinar. As suas lições devem servir de exemplo para a socie-dade brasileira como um todo, e em especial àqueles que já nasceramnum país democrático, a fim de que saibam sobre o nosso passado e vigiemo nosso futuro.

    I DA ADVOCACIA À RESISTÊNCIA: OS ADVOGADOSNO CONTEXTO DA OPOSIÇÃO À DITADURAMILITAR

    Os advogados, como classe, não se opuseram, de início e porprincípio, à derrubada de João Goulart e à ascensão dos militares ao po-der, considerando a posição de seu órgão máximo de representação na-cional. O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, umasemana após o Golpe, fez constar em ata de sua sessão deliberativa umanota de regozijo à manobra militar, saudando-a como a erradicação do

  • Advocacia em Tempos Difíceis: Ditadura Militar 1964-1985 33

    “mal das conjunturas comuno-sindicalistas”, que permitiria a sobrevivên-cia da Nação Brasileira “sob a égide intocável do Estado de Direito” 2.Como muitos outros grupos sociais, a reação da OAB Federal foi demuita cautela, com viés de otimismo, diante das incertezas políticas dasmudanças de então.

    A contaminação da classe com o espírito da luta pela redemo-cratização, a ponto de levar a OAB definitivamente para as trincheiras daoposição ao regime militar, viria com mais força a partir da fase de recru-descimento político, na era Costa e Silva. Vindo o AI-5 e sobretudo asondas de violência estatal contra a imprensa e os próprios advogados, aOAB passou a adotar um tom de contraponto mais forte às iniciativas doregime. Viu-se que a violência dos primeiros meses do governo militarnão era passageira, como muitos esperavam; ao contrário, seu viés era dealta, como também se perdia de vista a perspectiva de sua duração, nosecos da retórica governista da “revolução permanente que legitima a simesma” – e que se permitia utilizar da força necessária para seguir emseu “intento transformador”. Quando Raimundo Faoro tornou-se presi-dente do Conselho Federal da OAB, em 1977, o órgão contaminou-se devez com o espírito da oposição e tornou-se um importante ator na lutapela redemocratização, aliado a outras organizações da sociedade civil.Embora em cenários regionais a postura dos órgãos de classe dos advo-gados possa ter sido diferente3, foi lenta a tomada de posição políticaantirregime no nível federal.

    Que fatores levaram a essa mudança de postura, da saudação àespreita cautelosa, daí aos protestos pontuais, e por fim à oposição políti-ca? As entrevistas e fontes pesquisadas sugerem tratar-se de verdadeiromovimento bottom up: uma posição política construída a partir do posi-cionamento de advogados e advogadas que, a cada dia, sentiam-se maislimitados nas suas possibilidades de atuação profissional. Daí veio a to-mada de posicionamento de suas entidades de classe em defesa de suasprerrogativas, muitas vezes a pedido desses advogados que, no dia a diados foros e Auditorias Militares eram diminuídos ou obstaculizados noexercício de sua profissão, quando não desrespeitados e até violentados.

    Advogados e advogadas que fizeram frente à ditadura envolve-ram-se nesse processo, em sua maior parte, como se envolvem em muitos

    2 ORDEM dos Advogados do Brasil. Ata da 1115a sessão. 07/04/1964.3 Alguns entrevistados revelam que, em seus respectivos estados, a posição das seções

    estaduais da Ordem dos Advogados teria sido de oposição desde o princípio. Taisassertivas sugerem possibilidades de variações locais na posição classista dos advoga-dos, que teriam de ser investigadas documentalmente a fim de se verificar sua veraci-dade histórica.

  • Paula Spieler e Rafael Mafei Rabelo Queiroz (Coords.)34

    outros: a partir de seus clientes e dos casos nos quais se envolvem profis-sionalmente. Advogados, especialmente os de atuação criminal, repre-sentam pessoas que estão em apuros perante as autoridades estatais, e osopositores políticos do regime, do começo ao fim da ditadura militar,viram-se nessa condição perenemente. Havia, é claro, razões de ordemmoral que os levavam a aceitar tais defesas, muitas vezes mal vistas poroutros colegas de profissão, mas tais razões eram variáveis: uns poucosviam-se como “causídicos orgânicos”, ou seja, militantes da oposição queajudavam à causa como podiam, e o podiam advogando; mas as entre-vistas mostram que a maioria, embora julgando-se do lado certo da cisãopolítica da época, tinha absoluta clareza de seus deveres éticos e profissio-nais em cada defesa de perseguido político, porque eram, afinal, advoga-dos, não militantes – ao menos enquanto estivessem atuando na defesa deum constituinte seu. Assim, nem se misturavam na prática de ilegalidadescometidas por seus clientes – embora os defendessem intensamente con-tra a responsabilização por esses mesmos atos –, nem tampouco usavamde sua condição de relativa superioridade técnica em face de seus consti-tuintes para praticar proselitismo jurídico. Quisesse o acusado expressarsuas convicções subversivas perante o juiz da Auditoria Militar, indican-do por profissão “revolucionário”4, que o fizesse. O advogado estava alipara aconselhá-lo quanto às consequências de sua decisão, e não paraimpedi-lo de agir segundo suas convicções. Mesmo em processos de na-tureza política, seguiam sendo apenas advogados, enfim.

    Se hoje se fala muito de judicialização da política, pode-se dizerque, nos anos do regime militar, o movimento contrário ocorreu: a politi-zação da justiça. Qualquer ordem política que venha em substituição auma ordem anterior, especialmente num contexto de ruptura institucional– e não de uma transição negociada, como a que levou à Constituição de1988 – precisa construir sua legitimidade. Isso se faz tanto pela vincula-ção do novo regime à proteção e promoção de valores substantivos dealto apreço social, como a ditadura militar procurou fazer ao retratar-secomo defensora de nossas tradições cívicas e paladina do combate à cor-rupção que ela só fez aumentar, como também pelo controle dos aparatosde poder político daquela sociedade, representados sobretudo pela buro-cracia estatal, que responde pelo coração e sistema sanguíneo do sistemajurídico: do Estado e seus órgãos o direito nasce, e por eles se espalha, seaplica e se faz valer. Quem controla o regular funcionamento da burocra- 4 Episódios nesse sentido são relatados, entre outros, nos depoimentos de Idibal Pivetta,

    Nélio Machado, Maria Regina Pasquale e Belisário dos Santos Junior. A auto-qualificação de revolucionário foi feita pelo então estudante Carlos Zarattini, à épocadefendido por Idibal Pivetta.

  • Advocacia em Tempos Difíceis: Ditadura Militar 1964-1985 35

    cia estatal – os órgãos criadores e aplicadores do direito – consegue im-por seu plano político com ares de normalidade, o que é, por si só, umfator de sua legitimação; e como Raoul Van Caenegem diz, com simpli-cidade e precisão, “quem controla o direito controla a sociedade” 5. Poressa razão os militares avançaram, desde os primórdios do regime, não sósobre o Legislativo, mas também sobre o Judiciário. Por essa razão, ne-cessitaram sempre de bons juristas para fundamentar juridicamente seusatos de ditadura, pois por mais incompatíveis que fossem com o Estadode Direito e a ordem constitucional vigente6; e também por isso procura-vam dar roupagem institucional às normas e órgãos de repressão, regula-mentando e burocratizando a perseguição política.

    Ao fazê-lo, porém, os militares sujeitavam a análise de seus atosà racionalidade jurídica, produto de uma cultura própria e razoavelmentehermética que muitas vezes impôs revezes imprevistos ao governo. Bastalembrar-se da consistente atuação do STF, nos primeiros meses do gover-no militar, no sentido de impedir que os civis acusados de subversão fos-sem processados perante a Justiça Militar, que pela Constituição entãovigente (1946) guardava competência apenas para casos de segurançaexterna, e não interna (art. 108, § 1o). Com base nesse dispositivo, o STFconcedeu ordem de habeas corpus a um professor de Ciências Sociais doRio de Janeiro, ainda em 19647. Em 1965, retirou outro pedaço da pre-tendida competência da Justiça Militar, no célebre caso Miguel Arraes,pela aplicação de dois princípios de direito processual que, para os juris-

    5 CAENEGEM, Raoul van. Juízes, legisladores e Professores. Rio de Janeiro: Campus

    Elsevier, 2010. p. 1-46.6 Três exemplos ilustrativos: Francisco Campos e a defesa do Ato Institucional de 9 de

    Abril de 1964 (em BONAVIDES, Paulo; AMARAL, Roberto. Textos políticos dahistória do Brasil, v. 7, p. 485); Carlos Medeiros Silva e a sustentação da constitu-cionalidade dos atos institucionais (“A Constituição e os Atos Institucionais”, Revistade Direito Administrativo, v. 121, p. 469-475, jul.-set. 1975; e “Atos Institucionais eAtos Complementares”, Revista de Direito Administrativo, v. 95, p. 282-289, jan.-mar. 1969); e Hely Lopes Meirelles e a justificação jurídica do AI-5, publicada diasapós a publicação do ato (“Natureza e conteúdo do Ato Institucional 5”, Revista dosTribunais, v. 57, n. 398, p. 419-423, 1968.

    7 STF, HC 40.974, Rel. Min. Antonio Villas Boas, j. em 01.10.1964. A postura do STFfoi uma das razões pelas quais os militares viram-se obrigados, no AI-2, a mudar for-malmente a competência da Justiça Militar, que a partir de então passou a incluir oscrimes contra a segurança nacional, e não mais externa. No plano doutrinário-jurídico,a necessidade de caracterizar atos pontuais como conectados a contextos mais amplosde “guerra subversiva”, e portanto ofensivos à segurança nacional, fez surgir a doutri-na da “segurança integral”, ao qual a Biblioteca Jurídica do Exército dedicou umamonografia: PESSOA, Mário. Direito da Segurança Nacional. São Paulo: RT, 1971.

  • Paula Spieler e Rafael Mafei Rabelo Queiroz (Coords.)36

    tas, são comezinhos. Primeiro: a regra de determinação da competênciaprocessual pela função do acusado (ratione personae) prevalece sobreaquela que estabelece competência por matéria (ratione materiae), deforma que mesmo nos crimes militares, o foro por prerrogativa de função(“foro privilegiado”) deve ser observado. Segundo: a instrução criminal,isto é, a fase de produção de provas e apuração da responsabilidade doacusado, estando preso o réu, não pode se prolongar excessivamente, poiso princípio do devido processo legal compreende um direito à duraçãorazoável do processo. Miguel Arraes estava preso há um ano e 18 diasquando o STF mandou soltá-lo8.

    A decisão do STF, relatada pelo Ministro Evandro Lins e Silva,que seria cassado na esteira do AI-5, foi deliberadamente desobedecidapelos militares, gerando enorme atrito entre o Tribunal e o Executivo.Pouco tempo depois, outro membro da oposição pernambucana, o depu-tado comunista Francisco Julião, foi solto pelo Tribunal, que reformoudecisão anterior do Superior Tribunal Militar que negara seu pedido deliberdade9. A crise dos HCs levou a rusgas entre militares de alta patentee o presidente do STF, Álvaro Ribeiro da Costa, udenista até então vistocomo simpático ao movimento militar10. Ribeiro da Costa disse que osmilitares precisavam entender que, num regime democrático, as ForçasArmadas não eram mentoras da nação; Costa e Silva, então Ministro daGuerra de Castello Branco, retrucou: “o Exército não tem chefe. Nãoprecisa de lições do STF”11.

    Como era possível que os advogados pudessem usar do sistemajurídico se os militares se pretendiam acima ou à margem do STF, e porconseguinte de todo o sistema de justiça? Para entendê-lo, é preciso terem mente que a lógica da imunidade militar, externada por Costa e Silva,concorria, dentro das Forças Armadas, com outra visão que se pode cha-mar de legalista. A visão de Costa e Silva engendrou e alimentou a “ti-grada”, apelido com o qual Delfim Netto12 designava aqueles que, nosporões ou nas ruas, agiam como caçadores de subversivos e contavamcom a impunidade de suas ações, confiando-se acima da lei e entendendoque não deviam obediência a códigos ou a juízes. A banda legalista, por 8 STF, HC 42.108, Rel. Min Evando Lins e Silva, j. em 19.04.1965.9 STF, HC 42.560, Rel. Min. Evandro Lins e Silva (p/o acórdão), j. em 27.09.1965.10 Para a posição de Ribeiro da Costa e um relato do episódio, v. SILVA, Evandro Lins.

    Salão dos passos perdidos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira / FGV, 1997. p. 381 e ss.11 Sobre a contenda entre militares e STF, v. GASPARI, Elio. A Ditadura Envergo-

    nhada. São Paulo: Cia. das Letras, 2002. p. 271.12 GASPARI, op. cit., p. 345,

  • Advocacia em Tempos Difíceis: Ditadura Militar 1964-1985 37

    sua vez, tendia a um acatamento maior a regras, normas e procedimentos,o que se explica facilmente na mentalidade militar: regras são a base dahierarquia e da autoridade, elementos constitutivos da estrutural institu-cional das Forças Armadas13. O ethos usual de um militar é o de respeitoàs regras, e não o de seu contorno ou violação.

    Justamente porque na lógica oposta valia a força, e não o direito,os órgãos encarregados da burocracia jurisdicional militar tornaram-se,como disse José Carlos Dias em sua entrevista, uma espécie de “enterrode luxo” dos legalistas de alta patente quando a “linha dura” esteve nocontrole do governo. Quem crê na força, mas despreza as normas, quercomandar tropas e não enfrentar a papelada do STM, mesmo com o statusde Ministro. Daí resultou que a Justiça Militar, a mais longa justiça emfuncionamento na história brasileira, teve seu órgão de cúpula em boaparte preenchido por generais de mentalidade considerada liberal poralguns entrevistados, embora não por isso progressistas. Ainda que ahistoriografia mais recente tenha desmentido a tese de que o STM tenhasido complacente com acusados de crimes políticos14, os depoimentos demuitos entrevistados revelam que, embora a Justiça Militar fosse excessi-vamente comprometida com o regime, ela era palco muitas vezes maisdigno para o exercício da advocacia do que a Justiça Comum: o advogadoera recebido adequadamente, não se lhe cassava a palavra e, não rara-mente, saía-se vitorioso quando fosse tecnicamente o caso em face dasleis repressivas da época – leis injustas podem ser aplicadas com justiça,lembremo-nos15.

    Segundo muitos advogados e advogadas entrevistados, tais vitó-rias eram muitas vezes mais fáceis de conseguir na Justiça Militar do quena Justiça Comum16. Como exemplo, José Carlos Dias cita que preparou 13 Sobre a relação entre militares, autoridade e sistema jurídico, remetemos ao depoi-

    mento de Flávio Bierrenbach, que além de uma pequena atuação como advogado deperseguidos políticos nos meses seguintes ao Golpe de 1964, foi indicado, no governode Fernando Henrique Cardoso, a Ministro do Superior Tribunal Militar. Confira-setambém sua obra Dois séculos de justiça. São Paulo: Lettera.doc, 2010.

    14 Cf. MOREIRA, Angela Domingues. Ditaduta e Justiça Militar no Brasil: a atuaçãodo Superior Tribunal Militar (1964-1980). Tese (Doutorado) – CPDOC/FGV. Rio deJaneiro, 2011.

    15 HART, Herbert L. A. The concept of law. Oxford: OUP, 1994. p. 160.16 Ao comparar julgamentos políticos no Brasil, Argentina e Chile, Anthony Pereira con-

    clui que somente no Brasil os advogados de presos políticos foram capazes de alterarsignificativamente interpretações sobre as leis de segurança nacional. PEREIRA. Op.cit., p. 12. Ademais, o autor ressalta o índice relativamente alto de absolvição dessesjulgamentos nos tribunais militares: 54%, de acordo com a sua amostra, e 48%, se-gundo outra fonte. Ibid., p. 77.

  • Paula Spieler e Rafael Mafei Rabelo Queiroz (Coords.)38

    uma representação ao STM quando soube que Idibal Pivetta havia sidopreso. Nessa representação, ele dava ciência sobre a prisão e ressaltavaque seu único motivo era o de que Idibal era advogado de preso político.Sem protocolar a representação, José Carlos Dias pediu a palavra assimque o presidente do STM abriu a sessão e, embora não estivesse inscrito,teve o aval para fazer a sustentação e, no final, lhe foi concedida a per-missão para protocolar a representação. Muito menos laudatório foi oretrato pintado, nas entrevistas, da principal autoridade civil com quemtinham de lidar, o promotor de Justiça Militar, especialmente no caso dosentrevistados paulistas.

    A impossibilidade de uma relação, mesmo que burocrática eprofissional, entre advogados e o sistema de justiça da época da ditaduravai se tornando mais aguda à medida que crescem as tentativas de interfe-rência do governo não só sobre as leis e a justiça, mas sobre os própriosadvogados e seus meios de profissão. O fechamento do cerco à imprensaconstituiu uma importante peça desse quebra-cabeças. Embora houvesseescolas de jornalismo em funcionamento desde a década de 1940 noBrasil, foi apenas nas décadas de 1960 e 1970 que o número de escolasaumentou expressivamente. Isso significa que durante a maior parte doregime militar, a classe dos jornalistas, assim também a dos escritores delivros e peças – os profissionais do texto escrito em geral, enfim – era emgrande parte formada de bacharéis em direito, muitos dos quais tambémadvogados. Os que não eram advogados eram colegas de faculdade deadvogados. Havia, portanto, intensa relação profissional e pessoal entre aclasse dos advogados e a classe dos jornalistas. O recrudescimento e ageneralização da repressão à imprensa eram, portanto, interferência diretasobre as possibilidades profissionais e materiais de personagens egressosdo mundo jurídico, ou co-habitantes dos mundos do direito e das letras.Por aí se entende o porquê de a OAB, sempre primeiramente ocupadacom a defesa dos advogados, ter tomado posição institucional aguerridacontra as investidas do governo em face da imprensa.

    Os primeiros estranhamentos mostrados pela OAB diante daditadura foram classistas: ainda em 1964, o Conselho Federal da institui-ção decidiu que seus filiados, cujos direitos políticos haviam sido cassa-dos pelo governo militar, não estavam impedidos de exercer a profissão17.A leva de prisões de advogados e advogadas a partir de 1968 e a posturada OAB em repreensão a essas medidas, protestando publicamente, alian-do-se a outras instituições de representação – como a Associação Brasi-

    17 ORDEM dos Advogados do Brasil. História do Conselho Federal. Disponível em:

    . Acesso em: 01 ago. 2013.

  • Advocacia em Tempos Difíceis: Ditadura Militar 1964-1985 39

    leira de Imprensa – e promovendo desagravos públicos de seus filiadosofendidos nas suas prerrogativas profissionais, também levou a engaja-mentos maiores da instituição contra o regime. Aqui, eram sobretudo osadvogados criminalistas as maiores vítimas dos atos de repressão ao re-gime militar, muitos dos quais entrevistados neste livro. Alguns dessesmesmos advogados, em outras oportunidades, foram os profissionaisdesignados pelas seccionais estaduais da OAB para atuar em favor deoutros colegas presos. Seus depoimentos mostram bem o sentido quetinha essa luta: combater o regime por convicções políticas torna-se umarealidade só muito adiante na ditadura; em seus primeiros anos, a luta erasobretudo defensiva, buscando proteger a integridade dos advogados e aspossibilidades de sua atuação profissional.

    A legislação repressiva, ao impedir a utilização de habeas cor-pus ou o acesso do advogado a seu cliente, estrangulava não só a oposi-ção do regime, mas a própria profissão do advogado criminalista. Omesmo vale para invasão de escritórios ou interceptações de telefonescomerciais e residenciais de advogados, relatadas por muitos dos entre-vistados. Na medida em que o advogado colocava-se em defesa do acu-sado de subversão política, oferecia-se como obstáculo à meta governistade total desarticulação da oposição civil e política ao regime. Era neces-sário enfraquecer a defesa para atingir o perseguido que ela defendia. Poressa lógica, advogados e advogadas sofreram violências variadas, de pri-sões curtas a torturas físicas, narradas nas páginas deste livro por quem asviveu.

    É curioso notar, e as entrevistas o mostram bem, as diferençasde violência sofridas regionalmente, o que permite traçar hipóteses sobreas variações regionais da repressão aos advogados. O Rio de Janeiro tinhauma geração de advogados gabaritados na defesa de acusados políticos,por força da experiência do Tribunal de Segurança Nacional. Emboratambém ali tenha havido violências praticadas contra advogados, comprisões e invasões a escritórios, esta parece ter ocorrido de forma distintaem São Paulo, onde a maior parte dos defensores era composta por jovensrecém-formados. Ao menos dois entrevistados paulistas relataram tersofrido espancamentos e choques em seus interrogatórios policiais, o quenão apareceu em depoimentos de outras localidades. De toda sorte, ofenômeno de repressão a advogados e advogadas defensores de acusadospolíticos foi nacional e muito duro. Nesse cenário adverso, eram necessá-rias estratégias criativas, além de coragem, para dar cumprimento à mis-são confiada em procuração: defender, por todos os meios legais, os me-lhores interesses de seus clientes.

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    II DO LIMÃO À LIMONADA: AS ESTRATÉGIAS DEDEFESA EM MEIO À LEGISLAÇÃO REPRESSIVA

    De acordo com o Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro(GTNM-RJ), 1971 a 1973 foi o período com o maior número de desapa-recidos durante a ditadura militar18. Do total de 125 desaparecidos, 98desapareceram durante esses anos19. Esse dado coincide com o período demaior repressão política, que ocorreu de 1969 a 1973, logo após a ediçãodo AI-5.

    O AI-5, de 13 de dezembro de 1968, extinguiu o habeas corpuspara crimes políticos, crimes contra a segurança nacional, a ordem eco-nômica e social e a economia popular20. Com ele teve início um períodona história do país em que os civis, que foram presos por supostamenteterem cometido esses tipos de crimes, não tinham mais a garantia consti-tucional contra o constrangimento ilegal em sua liberdade de locomoção.De acordo com artigo do Jornal do Brasil de 1971, a repressão era umcorolário da violência “terrorista”: tratava-se do preço que precisávamospagar para que pudesse haver “evolução para a paz”21.

    A situação tornou-se ainda mais grave com a adoção, em marçode 1969, do Decreto-Lei 510/69, que alterou alguns dispositivos da Lei deSegurança Nacional (Decreto-Lei 314/67). Dentre as alterações, desta-que-se a possibilidade do indiciado ser mantido até dez dias incomunicá-vel pelo encarregado do inquérito22. Ademais, o Decreto-Lei 510 au-

    18 D’ARAÚJO, Maria Celina; SOARES, Gláucio Ary Dillon; CASTRO, Celso (Orgs.).

    Os anos de chumbo: a memória militar sobre a repressão. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994. p. 28.

    19 Idem.20 Ato Institucional n. 5, de 13 de dezembro de 1968. “Art. 10 - Fica suspensa a garan-

    tia de habeas corpus, nos casos de crimes políticos, contra a segurança nacional, aordem econômica e social e a economia popular”.

    21 Limites da repressão. Jornal do Brasil. 14.01.1971 apud PEREIRA, Anthony. Op.cit., p. 72.

    22 Decreto-Lei 510, de 20 de março de 1969. O art. 47 passa a ter a seguinte redação:“Art. 47. Durante as investigações policiais, o indiciado poderá ser preso, pelo En-carregado do Inquérito, até trinta (30) dias, comunicando-se a prisão à autoridadejudiciária competente. Esse prazo poderá ser prorrogado uma vez, mediante solicita-ção fundamentada do Encarregado do Inquérito à autoridade que o nomeou. § 1º OEncarregado do Inquérito poderá manter incomunicável o indiciado até dez (10)dias, desde que a medida se torne necessária às averiguações policiais militares”.(grifou-se) De forma contrária, o Estatuto da OAB (Lei 4.215/63) previa o direito doadvogado de se comunicar com o seu cliente: “Art. 89. São direitos do advogado:

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    mentou as penas de alguns crimes, como o crime de formação ou manu-tenção de associação que seja prejudicial à segurança nacional. É tambémem 1969, com a edição do AI-14, que a pena de morte passou a poder seraplicada em casos de guerra “subversiva ou revolucionária”23.

    É importante ressaltar que a partir de 1965, com a edição doAI-224, os civis que haviam supostamente cometidos crimes contra a se-gurança nacional passaram a ser julgados pela Justiça Militar. Em marçode 1967, com a adoção do Decreto-Lei 314, a segurança nacional passoua compreender a segurança interna e externa25. Sendo assim, qualquerameaça interna à segurança nacional passou a ser julgada pela JustiçaMilitar, que antes só poderia julgar civis pela prática de crimes contra asegurança externa.

    (…) III – comunicar-se, pessoal e reservadamente, com os seus clientes, ainda quan-do estes se achem presos ou detidos em estabelecimento civil ou militar, mesmo inco-municáveis;”.

    23 O AI-14 dá nova redação ao § 11, art. 150, da Constituição de 1967, que passou avigorar com a seguinte redação (o art. 150 trata dos direitos e garantias individuais):“Art. 150. A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes noPais a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança e àpropriedade, nos termos seguintes: (...) § 11 - Não haverá pena de morte, de prisãoperpétua, de banimento, ou confisco, salvo nos casos de guerra externa psicológicaadversa, ou revolucionária ou subversiva nos termos que a lei determinar. Esta dis-porá também, sobre o perdimento de bens por danos causados ao Erário, ou no casode enriquecimento ilícito no exercício de cargo, função ou emprego na AdministraçãoPública, Direta ou Indireta”. (grifou-se)

    24 O AI-2 alterou o § 1o, do art. 108, da Constituição de 1946, que passou a vigorar coma seguinte redação: “Art. 108. A Justiça Militar compete processar e julgar, nos cri-mes militares definidos em lei, os militares e as pessoas que lhes são, assemelhadas. §1º - Esse foro especial poderá estender-se aos civis, nos casos expressos em lei pararepressão de crimes contra a segurança nacional ou as instituições militares” (gri-fou-se). A redação antiga fazia alusão a crimes contra a segurança externa.

    25 Decreto-Lei 314, de 13 de março de 1967. “Art. 3º. A segurança nacional compreen-de, essencialmente, medidas destinadas à preservação da segurança externa e inter-na, inclusive a prevenção e repressão da guerra psicológica adversa e da guerra re-volucionária ou subversiva. § 1º A segurança interna, integrada na segurança nacio-nal, diz respeito às ameaças ou pressões antagônicas, de qualquer origem, forma ounatureza, que se manifestem ou produzam efeito no âmbito interno do país. § 2º Aguerra psicológica adversa é o emprego da propaganda, da contrapropaganda e deações nos campos político, econômico, psicossocial e militar, com a finalidade de in-fluenciar ou provocar opiniões, emoções, atitudes e comportamentos de grupos es-trangeiros, inimigos, neutros ou amigos, contra a consecução dos objetivos nacio-nais. § 3º A guerra revolucionária é o conflito interno, geralmente inspirado em umaideologia ou auxiliado do exterior, que visa à conquista subversiva do poder pelocontrole progressivo da Nação”.

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    Em setembro de 1969 entrou em vigor a nova Lei de SegurançaNacional, Decreto-Lei 898/69. Essa lei manteve os dispositivos das leisanteriores e aumentou as penas de determinados crimes, como assalto ouroubo a bancos: a pena, que antes era de 2 a 6 anos, passou a ser de 10 a24 anos. Se deste ato resultasse morte, a pena mínima seria de prisãoperpétua e a máxima, pena de morte26. Trata-se da Lei de Segurança Na-cional que ficou mais tempo em vigor durante a ditadura militar, de se-tembro de 1969 a dezembro de 1978, quando foi editada uma lei maisbranda (Lei 6.620/ 78).

    Assim, durante dez anos27, os advogados defenderam presospolíticos sem poder utilizar legalmente o habeas corpus nos casos deconstrangimento ilegal, pois inexistia mecanismo legal para libertar apessoa que estivesse sofrendo constrangimento. Contudo, o habeas cor-pus foi extremamente importante nos casos de desaparecidos políticos.Apesar de extinto formalmente, alguns advogados e advogadas entrevis-tados afirmaram que o habeas corpus continuava a ser utilizado, com opróprio nome ou sob a denominação de “petição”. Outros ressaltam asubstituição do habeas corpus pelo recurso em sentido estrito, conformeserá visto a seguir.

    Especificamente em relação ao habeas corpus, esse foi utilizadocom o principal objetivo de evitar a morte da pessoa desaparecida. Issoporque, apesar de saberem que o habeas corpus não seria conhecido, asua impetração demonstrava que eles estavam cientes do desapareci-mento de determinada pessoa e, assim, evitava ou reduzia muito a possi-bilidade de que ela fosse morta. Ademais, o habeas corpus também per-mitia em muitos casos a localização do preso. A localização dificultava oassassinato do preso, pois a autoridade competente, que já era identifica-da, teria que dar explicações sobre a morte. O habeas corpus foi, assim,fundamental em vários casos para salvar vidas.

    Segundo Dyrce Drach, o habeas corpus era o mecanismo exis-tente para os militares saberem que aquela pessoa já tinha uma advoga-da e que ela estava acompanhando o desenrolar da situação. Contudo, ohabeas corpus não servia para localizar o preso. Para isso, Dyrce lem-

    26 Decreto-Lei 898, de 29 de setembro de 1969. “Art. 27. Assaltar, roubar ou depredar

    estabelecimento de crédito ou financiamento, qualquer que seja a sua motivação:Pena: reclusão, de 10 a 24 anos. Parágrafo único. Se, da prática do ato, resultarmorte: Pena: prisão perpétua, em grau mínimo, e morte, em grau máximo”.

    27 A emenda constitucional n. 11, promulgada por Geisel em 13 de outubro de 1978,suspendeu os Atos Institucionais. Essa emenda entrou em vigor em 1o de janeiro de1979, tendo como uma das medidas a volta do habeas corpus.

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    bra que era necessária a ida de quartel em quartel procurando os desapa-recidos.

    Já George Tavares ressalta que o habeas corpus era utilizadoestrategicamente para encontrar o preso e saber se a prisão era por motivopolítico. Apesar de o habeas corpus ter sido julgado prejudicado, elesacabavam localizando o preso. Nessa linha, Nélio Machado lembra queeles impetravam habeas corpus pois não era possível saber de antemão sea pessoa era preso político ou não. Assim, comunicava-se o desapareci-mento a fim de obter informação sobre seu paradeiro.

    Fernando Fragoso ressalta que o habeas corpus era utilizadonesse período para saber se uma pessoa estava ou não presa. Como eracomum que o investigador não comunicasse a prisão do preso, Fernandolembra que impetrava o habeas corpus apontando todas as autoridadesmilitares da região como possíveis carcereiros. Essa estratégia fez comque, em muitos casos, os militares do I Exército, do Comando da Marinhaou da Aeronáutica fossem forçados a dizer se aquela pessoa estava detidaem suas instalações. Trata-se, nas palavras de Antônio Carlos Barandier,de uso político do habeas corpus: “o Tribunal solicitava informações e,assim, agentes da repressão prestavam os esclarecimentos e os advogadoslocalizavam o preso”.

    Nesse sentido, Nilo Batista lembra que indicava no habeas corpuso CENIMAR, o CISA, o DOI-CODI e o DOPS como autoridades coauto-ras. Para ele, o habeas corpus, nesse período, “se converteu num macabroteste de sobrevivência dos presos”, pois a resposta positiva significavaque a pessoa estava viva, ao passo que uma resposta negativa era um mausinal – a pessoa poderia já estar morta.

    Manuel de Jesus Soares afirma que o habeas corpus era um“improviso”. Como não havia mecanismo legal para encontrar o preso, ohabeas corpus acabava cumprindo esse papel, pressionando o STM aadotar uma postura mais “enérgica”. Através dele, quebrava-se a incomu-nicabilidade do preso, permitindo, assim, a adoção de outras medidaslegais para visitar e entrevistar o preso.

    Modesto da Silveira ressalta que quando o advogado tinha umdado objetivo e concreto, o habeas corpus poderia ser suficiente. Contu-do, ele optava por adotar uma estratégia “intermediária”: ele ia ao respon-sável pela prisão e dizia que certa pessoa estava presa naquele local. Emmuitas vezes, essa informação chegava a ele porque os presos gravavamnas celas seus codinomes. Modesto, assim, ao perguntar a outros presospor pessoas desaparecidas através de seus codinomes, conseguiu algumasvezes saber por onde seus clientes haviam passado.

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    O habeas corpus também permitia a divulgação internacionaldas prisões. Humberto Jansen Machado conta que já conseguiu noticiarinternacionalmente algumas prisões. Ele lembra que tinha diversos car-tões de correspondentes de jornais estrangeiros e, assim, logo após a lo-calização do preso, noticiava as prisões para jornais externos, incluindo oNew York Times e o Le Monde.

    Outra estratégia utilizada pelos advogados era impetrar um ha-beas corpus simplesmente com o nome de “petição”. Técio Lins e Silvalembra que eles inventaram “um habeas corpus sem nome”. Ao ser ques-tionado pela funcionária do protocolo, Técio dizia que estava protocolan-do uma “petição”. Como ela afirmava que a petição precisava ter nome,ele pedia para colocar “Petição n. 1”. A petição, dirigida ao presidente doSTM, comunicava a prisão ilegal de uma pessoa e solicitava informação.Em seguida, o juiz indeferia alegando que o habeas corpus havia sidoextinto. Técio então solicitava informação sobre o desaparecido e geral-mente voltava-se com a notícia de que a pessoa estava presa por ser peri-gosa. A partir daí ela não seria mais morta, ou se fosse, o corpo teria queaparecer. A péssima notícia era quando Exército, Marinha e Aeronáuticadiziam que o preso não estava com eles.

    De acordo com Mario Simas, o advogado tinha que ser criativo.Era o que ele denominava de advocacia-arte. A “petição”, que comuni-cava a prisão de uma pessoa, era dirigida ao presidente do STM. Ao rece-bê-la, ele oficiava ao comando do I Exército (prisão ocorrida no Rio deJaneiro) ou II Exército (prisão ocorrida em São Paulo). O comandanteenviava uma resposta, dizendo se a pessoa estava ou não presa lá. A res-posta negativa era um problema, pois poderia significar que a pessoa jáestava morta. Já a resposta positiva oficializava a prisão, tornando maisdifícil que algo mais grave ocorresse com a pessoa. Assim, o objetivo dapetição era alcançado através da legalização da prisão. A partir de então,tanto os familiares quanto os advogados poderiam visitar o preso. Aidentificação e a localização do preso diminuíam os riscos da tortura. Nomesmo sentido, Belisário dos Santos Júnior lembra que os advogadoscomunicavam a prisão de seu cliente ao presidente do STM, mas atravésda chamada “representação”.

    Boris Trindade, por sua vez, conta que impetrava habeas corpusna Justiça Comum inventando que seu cliente estava preso ilegalmente naSecretaria de Segurança Pública por ter cometido determinado crime epedia informação. Em seguida, o delegado voltava com a informação,dizendo que a pessoa estava presa no DOPS, por exemplo. Embora tam-

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    bém não prevista em lei, essa era a estratégia que utilizava para encontraro preso.

    René Ariel Dotti lembra que, de acordo com o caso, utiliza ohabeas corpus ou o direito de petição. Para ele, o direito de petição eraaludido pelos advogados contra o abuso de autoridade. Assim, outra pos-sibilidade era, através da “petição”, solicitar a liberdade do preso, umavez que a prisão não cumpria os prazos estipulados em lei. Conformerecorda Mario Simas, o juiz negava a ação dizendo que não havia habeascorpus. Em seguida, o advogado entrava com um recurso no STM, mas ojuiz escrevia embaixo dizendo que sua decisão não comportava recursopor falta de previsibilidade legal. Em seguida, o advogado entrava comuma correição, alegando que o juiz havia cometido um erro ao julgarimprocedente a ação. Nesse caso, o Tribunal conhecia da correição emandava subir o recurso em sentido estrito ao STM, recurso esse contra adecisão que denegou a liberdade. Tratava-se de um caminho difícil, masque às vezes permitia a soltura do preso.

    No mesmo sentido, José Carlos Dias conta que entregou umapetição ao juiz auditor ao saber que um cliente havia sido removido daprisão Tiradentes para o DOI-CODI. Como seu cliente já havia sido tor-turado, a ideia de José Carlos Dias era transferir a responsabilidade para aAuditoria caso algo acontecesse com ele. Como o juiz riscou a parte quenarrava que seu cliente havia sido torturado, o advogado entrou com umarepresentação na OAB-SP e acabou sendo censurado por ter contado oocorrido.

    Uma estratégia de Idibal Pivetta era entregar uma petição noDOI-CODI da Rua Tutóia, em SP, onde afirmava que seu cliente haviadesaparecido e pedia providências. Apesar de ficarem bastante irritados,os militares da guarita recebiam a petição. Em seguida, o oficial trazia umofício que atestava que a pessoa estava presa. De acordo com o oficial, oDOI-CODI não tinha nada a ver com isso: tratava-se de ofício enviadopelo II Exército. Essa ação evitou muitas mortes, pois demonstrava que oadvogado sabia que a pessoa estava sob a responsabilidade dos militares.

    Outra possibilidade era, conforme afirma Eny Moreira, utilizaro recurso em sentido estrito em substituição ao habeas corpus. Tratava-sede recurso previsto no Código de Processo Penal que era aplicado subsi-diariamente à Lei de Segurança Nacional. Seu principal objetivo era de-limitar o tempo da prisão e da incomunicabilidade – que, por lei, nãopoderia ultrapassar dez dias. Isso porque, apesar da exigência de comuni-cação imediata da prisão, o encarregado do inquérito muitas vezes demo-rava muito tempo para comunicá-la.

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    Verifica-se, assim, que os advogados e advogadas daquela épo-ca utilizavam instrumentos não previstos em lei para localizar pessoasdesaparecidas. Uma vez encontrada a pessoa, o que se podia fazer paraimpedir que ela fosse torturada ou continuasse a ser torturada? É pacíficoentre os advogados e advogadas que não havia mecanismo algum quepudesse ser utilizado para impedir a tortura. O que se podia fazer eradenunciar a prática de tortura. Assim, alguns advogados relataram casosde tortura em audiências, com a presença do torturado. Outros enviarampetição ao Tribunal ou ao Procurador Geral da Justiça Militar. Contudo,uma vez presos, nada podia ser feito para cessar com esta prática cruel.

    Pelo exposto, constata-se que os advogados e advogadas quedefenderam presos políticos durante a ditadura militar foram imprescin-díveis para salvar inúmeras vidas. Aplicando, nas palavras de AlcyoneBarretto, um direito alternativo, ou praticando a advocacia-arte, confor-me diz Mario Simas, os advogados e advogadas tiveram êxito ao utilizarestratégias não previstas em lei para evitar diversas mortes. Nesse senti-do, os relatos a seguir são valiosos para que saibamos como foi o exercí-cio da advocacia num período de supressão de garantias fundamentais einstrumentos jurídicos, bem como para que não deixemos que a históriase repita.

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    ENTREVISTAS

  • Alcyone Vieira Pinto Barreto48

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    Alcyone Vieira Pinto Barreto

    Data e horário da entrevista: 11 de julho de 2012, às 13:30 horasLocal da entrevista: escritório do entrevistado, no Rio de Janeiro-RJEntrevistadora: Paula Spieler

    Uma das informações colhidas sobre o entrevistado pelos investigadores do DOPS/RJ. Odocumento pertence ao Arquivo do Estado do Rio de Janeiro.

    Alcyone Vieira Pinto Barreto nasceu em 02 de julho de 1929,filho de Gumercindo Pinto Barreto e Odette Vieira Pinto Barreto. Con-cluiu a faculdade de Direito em 1956 pela Faculdade Nacional de Direito,atual Universidade Federal do Rio de Janeiro. Desde jovem era engajadoem movimentos políticos, como a campanha “O Petróleo é nosso”,

  • Alcyone Vieira Pinto Barreto50

    “Campanha da Paz” e diversos movimentos estudantis. Atuou na defesade casos importantes, como os dos Sargentos de Brasília e da Associaçãodos Marinheiros dos Fuzileiros Navais do Brasil. Ainda, orientou a famí-lia de Flavio Carvalho Molina em uma ação criminal contra os militaresBrilhante Ustra, Miguel Zaninello, Arnaldo Siqueira, Renato Capellano eJosé Henrique da Fonseca, em razão dos crimes de sequestro, homicídio efalsidade ideológica praticados1. Alcyone Barreto faleceu em 19 deagosto de 2013, um ano após ter concedido esta entrevista2.

    Para começar, Doutor Alcyone, nós gostaríamos de sabercomo foi a recepção do Golpe, o que o senhor fazia, como o senhorviu essa recepção, e como os advogados receberam o Golpe?

    Em 1964, quando houve o movimento militar, que a gente hojepassado o tempo tem que verificar e concluir que realmente o movimentodas Forças Armadas tinha apoio da sociedade civil. O Golpe Militar entrouem vigor o Ato Institucional nº 5, que foi um golpe dentro do golpe. Em1964 realmente o movimento teve o apoio da sociedade civil. Posterior-mente quando veio o AI-5 é que a sociedade civil começou a se afastar. Eaí na época, por exemplo, eu já estava comprometido porque eu era advo-gado dos sargentos de Brasília, em setembro de 1963, em Brasília estourouuma revolta dos sargentos. Eles foram presos e vieram para o Rio e euadvogava para eles, eram vários clientes. E também eu era advogado daAssociação dos Marinheiros dos Fuzileiros Navais do Brasil. Então, logoeu comecei a estender essa advocacia para os presos políticos, porque em1964 a prisão recaía nos membros do partido comunista, nos líderes sindicaise nos subalternos do Exército, Marinha e Aeronáutica. A classe média, naverdade, em 1964 não sofreu. Posteriormente com o Ato Institucional nº 5é que essa classe começou a tomar posição contrária à ditadura militar.Teve muito jovem que ingressou na luta armada, eram várias organizaçõesque acreditavam que a luta armada derrubaria a ditadura. A gente defendeuvários participantes dessa luta armada também, muitos.

    Onde o senhor se formou em Direito?Na Nacional de Direito, em 1956.

    1 Para mais informações, veja: . Acesso em 31 jan 2013.2 O IAB publicou nota de pesar acerca de seu falecimento, em: . Acesso em: 28 ago 2013.

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    E o senhor tinha atuação política?Tinha alguma. Desde muito jovem eu participei das campanhas

    políticas, o Petróleo é nosso, Campanha da Paz, movimento estudantil.Eu sempre participei.

    E como os casos chegavam até o senhor? Quem o procurava?Isso era normalmente, como, na época eu não era um causídico

    desconhecido, eu era procurado. Muitos advogados não queriam atuarnessa área. Aqui no Rio podemos dizer que eram mais ou menos uns 12advogados. O Lino Machado, que era o pai do Nélio, tinha uma frase,dizia que aqui tinha um time de futebol, brincava que era uma seleção. Eeram mais ou menos 12, 13 ou 14, mas não chegava a 20 os advogadosque realmente participaram das defesas dos acusados da prática de crimepolítico.

    E as ações geralmente eram em conjunto?De um modo geral os processos tinham vários denunciados no

    mesmo processo, então funcionavam vários advogados. E a gente tinhacontato sempre, muito contato. Os advogados dessa área que participa-vam da defesa dos perseguidos políticos, todos se davam muito bem,éramos como se fôssemos irmãos. A gente combinava as defesas, a gentetinha um diálogo muito amigável, muito amplo, muito fraternal.

    O senhor lembra mais ou menos de quantos casos de presospolíticos o senhor defendeu?

    Era muita gente, às vezes tinha uns 10 num processo. No casodos marinheiros eram muitos os denunciados. O Anselmo do motim dosmarinheiros foi por mim defendido. Então era uma clientela de soldados,sargentos a coronel, general, almirante. Eram muitos os clientes. E agente ia defendendo.

    Tem algum caso que foi considerado mais emblemático parao senhor?

    Tem vários casos emblem