adryssa diniz ferreira de melo
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ADRYSSA DINIZ FERREIRA DE MELO
DIAacuteLOGO INSTITUCIONAL REALIDADE OU UTOPIA Uma abordagem conceitual e praacutetica das Teorias Diaacutelogicas no acircmbito da Jurisdiccedilatildeo Constitucional
Mestrado em Ciecircncias Juriacutedico-PoliacuteticasMenccedilatildeo em Direito Constitucional
JULHO2016
ADRYSSA DINIZ FERREIRA DE MELO
DIAacuteLOGO INSTITUCIONAL REALIDADE OU UTOPIA
Uma abordagem conceitual e praacutetica das Teorias Dialoacutegicas no acircmbito da Jurisdiccedilatildeo Constitucional
INSTITUTIONAL DIALOGUE REALITY OR UTOPIA
A conceptual and practical approach of dialogical theories
Dissertaccedilatildeo apresentada agrave Faculdade de Direito
da Universidade de Coimbra no acircmbito do 2ordm
Ciclo de Estudos em Direito (conducente ao grau
de Mestre) na Aacuterea de Especializaccedilatildeo em
Ciecircncias Juriacutedico-Poliacuteticas (Menccedilatildeo em Direito
Constitucional)
Orientadora Professora Doutora Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva
Coimbra 2016
2
ldquoEscolhe teu diaacutelogo e tua melhor palavra ou teu
melhor silecircncio Mesmo no silecircncio e com o
silecircncio dialogamosrdquo
(O Constante Diaacutelogo ndash Carlos Drummond de
Andrade)
3
AGRADECIMENTOS
Este trabalho eacute fruto de um sonho e apesar da sua autoria ser individual
muitos foram os que contribuiacuteram para a sua concretizaccedilatildeo sem os quais esta natildeo seria
possiacutevel
Meus pais que desde sempre me apoiam e incentivam na construccedilatildeo de
uma vida profissional que suportam a minha ausecircncia em tantos momentos que possibilitam
o alcance dos meus objetivos e que abrem matildeo das suas vontades para que eu possa realizar
as minhas
Meu irmatildeo que mesmo distante eacute para mim exemplo de garra e
determinaccedilatildeo Meus avoacutes Artur Claacuteudio e Diniz Ferreira pela trajetoacuteria de vida que tiveram
e que hoje me servem de inspiraccedilatildeo profissional Minha amada avoacute Lucila que sempre se
fez presente em minha vida e de quem a distacircncia me eacute tatildeo cara Minha querida avoacute Eida
que mesmo em outro plano sei que me acompanha e protege constantemente
Todos aqueles que cruzaram o meu caminho em Coimbra e que de
alguma forma satildeo responsaacuteveis pelo meu crescimento tanto profissional como pessoal Os
grandes amigos que fiz que ajudaram a me sentir em casa e a amenizar a ausecircncia da famiacutelia
Todos os mestres que tive desde o iniacutecio da Graduaccedilatildeo que plantaram em
mim a vontade de aprender cada vez mais e me fizeram admirar a docecircncia
Os professores e funcionaacuterios da Universidade de Coimbra com quem tive
o privileacutegio de conviver e tanto aprender natildeo apenas sobre Direito mas sobre respeito e
valorizaccedilatildeo da Educaccedilatildeo
Minha orientadora Dra Suzana Tavares da Silva que me apresentou um
novo Direito Constitucional e que desde o iacutenicio do Curso de Mestrado ensinou-me natildeo
apenas conteuacutedos juriacutedicos mas sobretudo a pensar e argumentar
Todos aqueles que torcem por mim mesmo em silecircncio ou a distacircncia
Agradeccedilo imensamente apesar de saber que minhas palavras nunca seratildeo
suficientes para demonstrar toda a minha gratidatildeo
Obrigada
4
IacuteNDICE
INTRODUCcedilAtildeO 9
CAPIacuteTULO 1 ndash OS NOVOS DESAFIOS DO CONSTITUCIONALISMO E SEUS
REFLEXOS NA JURISDICcedilAtildeO CONSTITUCIONAL O SURGIMENTO IDEIA DE
COOPERACcedilAtildeO 11
1 Os novos desafios do constitucionalismo 11
2 Constitucionalismo de cooperaccedilatildeo e seus reflexos na jurisdiccedilatildeo constitucional 14
3 O tradicional modelo de judicial review e a supremacia judicial 19
4 Jurisdiccedilatildeo constitucional e democracia um antigo debate 23
5 A implementaccedilatildeo do judicial review nos paiacuteses da commonwealth e o surgimento
de uma nova alternativa ao binocircmio judiciaacuterio v Legislativo ndash weak form of judicial
review 28
CAPIacuteTULO 2 ndash AS TEORIAS DIAacuteLOGICAS E A CONCRETIZACcedilAtildeO DO
DIAacuteOLOGO INSTITUCIONAL 31
6 Teoria dos diaacutelogos institucionais 31
7 Diaacutelogo formal v Diaacutelogo material 33
8 Teorias dialoacutegicas fundadas no meacutetodo judicial 35
81 Aconselhamento judicial 36
82 Teorias centradas no processo 40
83 Criacuteticas agraves teorias dialoacutegicas fundadas no meacutetodo judicial 45
9 O especial caso da Aacutefrica do Sul 48
10 As teorias estruturais de diaacutelogo 51
10 1 Teorias de construccedilatildeo coordenada 52
5
11 As teorias dialoacutegicas da parceira 70
111 Criacuteticas agrave teoria da parceria 71
12 Fusatildeo dialoacutegica 72
121 Criacuteticas agrave teoria da fusatildeo dialoacutegica 73
13 Os mecanismos estruturais de diaacutelogo no sistema britacircnico e neozelandecircs 73
131 O mandado interpretativo e a declaraccedilatildeo de incompatibilidade no reino unido (seccedilatildeo 3 e 4
(2) do human rights act 1998) 74
132 O mandado interpretativo na experiecircncia neozelandesa 82
CAPIacuteTULO 3 ndash AS TEORIAS DIALOacuteGICAS NO SISTEMA DE JURSIDICcedilAtildeO
CONSTITUCIONAL BRASILEIRO UMA POSSIBILIDADE 87
14 Julgamento da accedilatildeo direta de inconstitucionalidade nordm 2797df ndash a suacutemula 394 do
STF e a lei nordm 106282002 89
15 Julgamento da accedilatildeo direta de inconstitucionalidade nordm 4543DF e a lei
131652015 96
16 Julgamento da accedilatildeo direta de inconstitucionalide nordm 3772DF ndash a suacutemula 726 do
STF e a lei nordm 113012006 100
17 Julgamento da accedilatildeo direta de inconstitucionalidade por omissatildeo nordm 3382MT 105
18 Diaacutelogo institucional siacutentese dos aspectos controversos e algumas consideraccedilotildees
acerca da sua consecuccedilatildeo praacutetica 109
CONCLUSAtildeO 116
BIBLIOGRAFIA 118
6
RESUMO
O objeto do presente trabalho satildeo as Teorias dos Diaacutelogos Institucionais
as quais se apresentam no acircmbito da jurisdiccedilatildeo constitucional como uma alternativa para
resolver os problemas relacionados a legitimidade democraacutetica da revisatildeo judicial das leis
combater o ativismo judicial e propiciar uma maior efetivaccedilatildeo dos direitos fundamentais
Inicialmente faz-se uma abordagem dos fatores que contribuiacuteram para o
seu desenvolvimento passando por questotildees relacionadas a expansatildeo do Poder Judiciaacuterio e
a adoccedilatildeo de um sistema de judicial review pelos paiacuteses da Commonwealth e o surgimento
do modelo fraco de controle de constitucionalidade (weak form of judicial review)
As teorias satildeo exploradas por meio da classificaccedilatildeo desenvolvida por
Chistine Bateup por meio de uma abordagem conceitual e praacutetica a fim de identificar os
aspectos positivos bem como as dificuldades da concretizaccedilatildeo das mesmas
Busca-se ainda verificar de que forma e em que medida essas teorias se
manifestam no sistema brasileiro o que eacute feito por meio de uma consulta a importantes
julgados do Supremo Tribunal Federal no ensejo do controle concentrado de
constitucionalidade
Ao final realiza-se um balanccedilo criacutetico dos aspectos controversos das
teorias identificando suas dificuldades praacuteticas bem como o seu potencial normativo
PALAVRAS-CHAVE judicial review supremacia judicial ativismo judicial legitimidade
democraacutetica teorias dialoacutegicas separaccedilatildeo de poderes
7
ABSTRACT
The focus of this study are the Theories of Institutional Dialogue which
are presented in the context of constitutional juridiction as an alternative to solve the
problems the democratic legitimacy of judicial review of laws combating judicial activism
and promote a greater realization of fundamental rights
Initially it is an approach of the factors that contributed to their
development through issues related to expansion of the Judiciary and the adoption of a
judicial review by the countries of the Commonwealth system and the emergence of weak
form of judicial review
The theories are operated by classification developed by Chistine Bateup
through a conceptual and practical approach in order to identify the positive and the
difficulties of their achieving
Also it is a search to verify how and to what extent these theories are
manifested in the Brazilian system which is done through a judged important verification of
the Supreme Court on the occasion of the concentrate constitutionality control
At the end it carried out a critical assessment of the controversial aspects
of the theories identifying their practical difficulties and its normative potential
KEYWORDS judicial review judicial supremacy judicial activism democratic
legitimacy dialogical theories separation of powers
8
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
ADI ndash Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade
Art ndash Artigo
CCORF ndash Canadian Charter of Rights and Freedoms
CEDH ndash Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem
CF88 ndash Constituiccedilatildeo Federal Brasileira de 1988
HRA ndash United Kingdomrsquos Bill of Rights Act
P ndash Paacutegina
PLS ndash Projeto de Lei do Senado
PEC ndash Projeto de Emenda Consrtitucional
RE ndash Recurso Extraordinaacuterio
STF ndash Supremo Tribunal Federal
9
INTRODUCcedilAtildeO
A complexidade das sociedades atuais o novo contexto internacional e a
redefiniccedilatildeo das concepccedilotildees de Constituiccedilatildeo impotildeem a reflexatildeo acerca do tradicional modelo
de jurisdiccedilatildeo constitucional e a sua capacidade de resoluccedilatildeo de conflitos de forma eficaz Se
antes o objetivo do constitucionalismo era assegurar direitos hoje a sua preocupaccedilatildeo gira
em torno da concretizaccedilatildeo dos mesmos
Fatores como o alargamento do Poder Judiciaacuterio o crescente ativismo
judicial e o surgimento de novos sistemas de jurisdiccedilatildeo constitucional dissociados da
tradicional ideia de supremacia judicial intensificam e fazem avanccedilar os debates acerca da
legitimidade do judicial review e da sua eficaacutecia no tocante a efetivaccedilatildeo dos direitos
fundamentais
Apesar de ser um tema recorrente na doutrina constitucional os debates
acerca da jurisdiccedilatildeo constitucional parecem estar longe do fim ao contraacuterio contam com
argumentos cada vez mais complexos e que ultrapassam o tradicional binocircmio Judiciaacuterio v
Legislativo e a disputa pela palavra final
O propoacutesito deste trabalho eacute contribuir para a reflexatildeo acerca do tema
utilizando como instrumento para tanto a exposiccedilatildeo e anaacutelise das Teorias dos Diaacutelogos
Institucionais as quais se propotildeem promover uma redefiniccedilatildeo do desenho institucional no
acircmbito da jurisdiccedilatildeo constitucional a fim de conciliar a revisatildeo judicial das leis com o
princiacutepio democraacutetico e propiciar uma maior eficaacutecia dos direitos fundamentais
O conteuacutedo do primeiro capiacutetulo trata de aspectos mais gerais e
introdutoacuterios buscando demonstrar a importacircncia e atualidade do tema no contexto global
em face do novo paradigma constitucional pautado em relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo na sequecircncia
aborda-se por questotildees especiacuteficas relativas ao judicial review como o tradicional debate
acerca da sua legitimidade e da sua recente expansatildeo para os paiacuteses da Commonwealth as
quais contribuiacuteram decisivamente para o desenvolvimento das teorias dialoacutegicas
Apoacutes contextualizar o surgimento da ideia de um diaacutelogo institucional no
segundo capiacutetulo faz-se uma exposiccedilatildeo conceitual praacutetica e criacutetica das teorias dialoacutegicas
buscando extrair seus principais contributos bem como desmistificar vaacuterios aspectos
10
enaltecidos por alguns estudiosos a respeito das mesmas
Utiliza-se para fins didaacuteticos a classificaccedilatildeo feita por Christine Bateup a
qual agrupa as teorias em classes diferentes e a exposiccedilatildeo de exemplos concretos de cada
teoria trazendo ao final de cada toacutepico as principais criacuteticas concernentes a sua praacutetica
Feita a anaacutelise conceitual e exemplificativa de cada grupo teoacuterico bem
como a exposiccedilatildeo de suas respectivas criacuteticas a proposta do uacuteltimo capiacutetulo eacute verificar como
e em que medida as teorias dialoacutegicas estudadas encontram reflexo na praacutetica da jurisdiccedilatildeo
constitucional brasileira atraveacutes da observaccedilatildeo de julgados do Supremo Tribunal Federal no
acircmbito do controle concentrado - ou abstrato - de constitucionalidade
A principal inquietaccedilatildeo que move este trabalho eacute verificar se o diaacutelogo
institucional na forma em que eacute proposto pelas principais teorias desenvolvidas ateacute nestas
primeiras deacutecadas do seacuteculo XXI eacute uma praacutetica possiacutevel de ser implementada ou tatildeo-
somente uma conjectura teoacuterica
11
CAPIacuteTULO 1 ndash OS NOVOS DESAFIOS DO CONSTITUCIONALISMO E SEUS
REFLEXOS NA JURISDICcedilAtildeO CONSTITUCIONAL O SURGIMENTO IDEIA DE
COOPERACcedilAtildeO
1 Os novos desafios do constitucionalismo
Antes de adentrarmos no tema central do presente trabalho eacute necessaacuterio
entender as novas premissas e diretrizes do constitucionalismo contemporacircneo Dizemos
isso por constatar que natildeo se pode analisar a jurisdiccedilatildeo constitucional de forma dissociada
do contexto histoacuterico e social em que se insere
Haumlrbele (2006) ensina que o constitucionalismo eacute por excelecircncia uma
criaccedilatildeo cultural Na mesma linha de raciociacutenio Bastos (2010) aduz que o constitucionalismo
acima de tudo revela-se como um fenocircmeno social dotado de caraacuteter juriacutedico Explica que
o seu caraacuteter social decorre de uma pressatildeo nascida do povo que objetiva o esvaziamento do
poder absoluto e o caraacuteter juriacutedico por representar a formaccedilatildeo da regulamentaccedilatildeo legal do
exerciacutecio do Poder aliada agrave implementaccedilatildeo da defesa da Constituiccedilatildeo
Dessa forma percebe-se que o constitucionalismo estaacute intimamente ligado
ao contexto social em que se insere Eacute por essa razatildeo que Canotilho (2003 p51) com
pertinecircncia afirma ser preferiacutevel referir-se a movimentos constitucionais pois natildeo haacute soacute um
constitucionalismo e sim diversos movimentos constitucionais com coraccedilotildees nacionais
mas tambeacutem com momentos de aproximaccedilatildeo entre si fornecendo uma complexa tessitura
histoacuterico-cultural
Reconhecida a influecircncia do contexto social no desenvolvimento do
constitucionalismo eacute correto afirmar que os desafios impostos agrave jurisdiccedilatildeo constitucional no
seacuteculo XXI natildeo satildeo os mesmo de outrora Se antes a preocupaccedilatildeo constitucional girava em
torno da limitaccedilatildeo do poder estatal da separaccedilatildeo de poderes e garantia de direitos e
liberdades hoje os problemas satildeo significativamente mais complexos devido ao proacuteprio
desenvolvimento da sociedade moderna
As consequecircncias do intenso processo de globalizaccedilatildeo que a humanidade
vivencia aumentam a complexidade da sociedade atual diminuem a distacircncia entre os
Estados criam novos pontos de convergecircncia entre eles estreitam as suas fronteiras
12
geograacuteficas Soma-se agrave isto o crescente fortalecimento dos mecanismos internacionais de
defesa dos Direitos Humanos e o aumento vertiginoso das normas internacionais Ora o
constitucionalismo como fenocircmeno social que eacute natildeo poderia ser imune a essas grandes
modificaccedilotildees
Jonatas Machado (2011 p33) salienta que o desenvolvimento dos
sistemas internacionais de proteccedilatildeo dos Direitos Humanos Europeu Americano e Africano
por si soacute constiuem uma revoluccedilatildeo constitucional na medida em que estabelecem uma
espeacutecie de jurisdiccedilatildeo constitucional de Direitos Humanos supranacional com capacidade de
condenar os Estados membros por violaccedilotildees a esses direitos
Destaca ainda que a Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos do Homem tem
exercido um efeito direto no Direito Constitucional de numerosos Estados em todos os
continentes inspirando cataacutelogos de direitos liberdades e garantias sendo expressamente
mencionada como auxiliar interpretativo dos cataacutelogos internos ou sendo mesmo
incorporada no bloco de constitucionalidade de alguns Estados
Assim verifica-se a abertura da Constituiccedilatildeo ao Direito Internacional
gerando um novo paradigma constitucional com o surgimento de conflitos mais complexos
sobretudo pela pluralidade no tocante a interpretaccedilatildeo do conteuacutedo dos Direitos Humanos
Neves (2013) sintetiza claramente o momento do constitucionalismo atual
quando aduz que com a maior integraccedilatildeo da sociedade mundial os problemas
constitucionais que versam sobre de direitos humanos ou fundamentais e sobre o controle e
limitaccedilatildeo do poder tornaram-se insuscetiacuteveis de serem tratados por uma uacutenica ordem juriacutedica
estatal no acircmbito do seu territoacuterio vez que esses problemas passam a ser concomitantemente
relevantes para mais de uma ordem juriacutedica muitas vezes natildeo estatais que satildeo instadas a
oferecer respostas para a sua soluccedilatildeo
Nesse contexto o tradicional princiacutepio de soberania tanto do Estado como
do Texto Supremo que o rege acaba por ser relativizado jaacute que as relaccedilotildees sociais
econocircmicas poliacuteticas e tambeacutem juriacutedicas se desenvolvem cada vez mais no acircmbito
internacional ultrapassando os tradicionais limites do poder nacional1
1 Sobre a referida relativizaccedilatildeo do princiacutepio da soberania importante destacar que como bem leciona o ilustre
doutrinador portuguecircs Jonatas Machado a mesma natildeo significa de forma alguma o fim do Estado enquanto
organizaccedilatildeo juriacutedica de uma comunidade poliacutetica Natildeo pode haver uma eficaz proteccedilatildeo dos direitos humanos
13
A moderna doutrina fala em crise do constitucionalismo decorrente dessa
conjuntura2 eis que foi revelada a incapacidade do Estado nacional e o texto magno que o
rege para resolverem isoladamente os impasses constitucionais o que acarreta em uma
perda de forccedila da Constituiccedilatildeo
Desta feita o atual momento do constitucionalismo impotildee uma reflexatildeo
acerca do papel da Constituiccedilatildeo e consequentemente da jurisdiccedilatildeo constitucional reflexatildeo
que deve ser feita natildeo apenas sob seus aspectos internos mas sim de forma comprometida
com o contexto global que seraacute determinante na sua estruturaccedilatildeo sob pena de perda da sua
eficaacutecia A abertura cognitiva que o novo cenaacuterio de fluidez de fronteiras geograacuteficas e de
intensa circulaccedilatildeo de ideias determina em relaccedilatildeo a compreensatildeo e atualidade do sentido
constitucional vem inspirando uma nova visatildeo de constitucionalismo que contemple
arquiteturas de acomodaccedilatildeo institucional que conduzam a um exerciacutecio democraacutetico de
identificaccedilatildeo do sentido constitucional Surgem entatildeo novas relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo
internas e externas ao Estado as quais representam a pedra de toque na atualidade (VALLE
2010 p 32)
Os novos desafios impostos ao constitucionalismo no seacuteculo XXI
sobretudo no tocante a compreensatildeo e delimitaccedilatildeo do conteuacutedo de direitos fundamentais tecircm
permitido a construccedilatildeo de alternativas agrave velha conclusatildeo de que na jurisdiccedilatildeo constitucional
deve existir um oacutergatildeo responsaacutevel por emanar a uacuteltima palavra na resoluccedilatildeo de conflitos jaacute
que nenhum dos atores consituticionais e braccedilos do Poder revela-se por si soacute aptos a
resolver os cada vez mais complexos problemas constitucionais
Em seguida aborda-se-aacute essa nova vertente do constitucionalismo e as
respectivas relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo que vecircm surgindo como consequecircncia dessa mudanccedila de
paradigma
sem um Estado igualmente forte o que deve ocorrer eacute uma reconceitualizaccedilatildeo da soberania mediante a
limitaccedilatildeo de alguma das suas dimensotildees e fortalecimento de outras (MACHADO 2013)
2 Ver DOBNER Petra LOUGHLIN Martin (ed) The Twilight of ConstitutionalismOxford Oxford
University Press 2009
14
2 Constitucionalismo de cooperaccedilatildeo e seus reflexos na jurisdiccedilatildeo constitucional
Conforme pode ser observado no contexto do constitucionalismo atual
haacute uma mudanccedila de paradigma decorrente do reconhecimento do pluralismo como uma
constante dos novos problemas constitucionais A concretizaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo sobretudo
no que tange a efetividade dos direitos fundamentais natildeo pode mais ser pensada de forma
singular devendo se reconhecer a multiplicidade de atores envolvidos nesse processo
Com esse objetivo eclodem inuacutemeras teorias que buscam legitimar
relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo distanciando-se cada vez mais da tradicional ideia de supremacia
seja no acircmbito interno de um Estado ou no espaccedilo internacional
Com isso emerge um conceito de ldquoconstitucionalismo cooperativordquo3 no
qual se albergam essas diversas teorias fundadas na criaccedilatildeo de mecanismos de cooperaccedilatildeo
entre os Estados e suas ordens juriacutedicas Nesse sentido merece destaque o conceito de
Estado constitucional cooperativo desenvolvido por Peter Haumlrbele (2007) como sendo um
Estado que encontra a sua identidade tambeacutem no Direito Internacional no entrelaccedilamento
das relaccedilotildees internacionais e supranacionais na percepccedilatildeo de cooperaccedilatildeo e
responsabilidade bem como no compromisso com a solidariedade e a paz
Tambeacutem com base nessa ideia de abertura e de cooperaccedilatildeo tem-se a
teoria do transconstitucionalismo desenvolvida pelo brasileiro Marcelo Neves4 e a
interconstitucionalidade do ilustre mestre Canotilho5
Apesar de diferentes em alguns aspectos o que essas duas modernas
teorias possuem em comum eacute justamente a tentativa de conciliaccedilatildeo entre o consitucionalismo
e o pluralismo da sociedade globalizada enfrentando a problemaacutetica do estabelecimento de
relaccedilotildees de acoplamento entre ordens nacionais distintas bem como destas com o direito
comunitaacuterio sem que percam a sua respectiva identidade nacional
Enquanto a interconstitucionalidade enfrenta o problema da articulaccedilatildeo
entre constituiccedilotildees e poderes constituintes com fontes e legitimidades diversas dentro de um
3 Neste trabalho o uso do termo ldquoconstitucionalismo cooperativordquo natildeo se refere a nenhuma teoria ou autor em
especiacutefico mas sim ao conjunto da doutrina constitucional que tem como base a construccedilatildeo de relaccedilotildees de
cooperaccedilatildeo seja entre Estados entre entes estatais entre ordens juriacutedicas e outras
4 Ver NEVES Marcelo Transconstitucionalismo Satildeo Paulo Martins Fontes 2013
5 Ver CANOTILHO JJ Gomes ldquoBrancososrdquo e Interconstitucionalidade Itineraacuterios dos Discursos Sobre
Historicidade Constitucional Coimbra Almedina 2006
15
mesmo espaccedilo poliacutetico de forma a solucionar os conflitos decorrentes da justaposiccedilatildeo
concorrecircncia e divergecircncia entre eles (CANOTILHO 2006) o tranconstitucionalismo trata
da construccedilatildeo de ldquopontes de transiccedilatildeordquo entre ordens juriacutedicas diversas buscando um
crescimento e aprendizado muacutetuo entre elas apontando como requisito indispensaacutevel para
tanto a permanente reconstruccedilatildeo da ldquoidentidade constitucionalrdquo de cada uma a partir do
reconhecimento de alteridade sem que isso signifique uma mera convergecircncia entre elas e
uma consequente negaccedilatildeo de identidade proacutepria mas sim a existecircncia de uma prontidatildeo
para a abertura reciacuteproca natildeo apenas cognitiva mas tambeacutem normativa (NEVES 2009)
A partir desse entendimento a conclusatildeo a que se chega eacute que o Estado
natildeo pode mais ser considerado como o principal locus de soluccedilatildeo de conflitos
constitucionais uma vez que esses ultrapassam o seu acircmbito interno sendo imperativa a
abertura agrave relaccedilotildees interestatais e supranacionais
Os exemplos mais emblemaacuteticos desses modelos de relaccedilotildees
cooperativas desenvolvem-se no acircmbito da Uniatildeo Europeia que ao reconhecer a eficaacutecia
imediata ao direito comunitaacuterio introduz um instrumento normativo supranacional agrave ordem
juriacutedica interna de cada paiacutes membro o qual passa tambeacutem a ser paracircmetro de eventual
controle das leis e das proacuteprias constituiccedilotildees estabelecendo assim uma necessaacuteria
convivecircncia entre diversas ordens juriacutedico-normativas dentro de um mesmo espaccedilo poliacutetico
e submetidas a uma jurisdiccedilatildeo supranacional
O proacuteprio Tratado que institui a Uniatildeo Europeia em seu artigo 2346 ao
determinar a competecircncia do Tribunal de Justiccedila europeu sugere que haja um diaacutelogo
intercortes A estrateacutegia a ser adotada para a consolidaccedilatildeo do novo ordenamento eacute portanto
natildeo a de mera subordinaccedilatildeo da ordem juriacutedica nacional agrave supranacional mas sim do
desenvolvimento de constantes relaccedilotildees paritaacuterias de colaboraccedilatildeo (KOMAacuteREK 2005)
6 ldquoArt 234 O Tribunal de Justiccedila eacute competente para decidir a tiacutetulo prejudicial sobre a) A interpretaccedilatildeo do
presente Tratado b) A validade e a interpretaccedilatildeo dos atos adotados pelas instituiccedilotildees da Comunidade e pelo
BCE c) A interpretaccedilatildeo dos estatutos dos organismos criados por ato do Conselho desde que estes estatutos
o prevejam Sempre que uma questatildeo desta natureza seja suscitada perante qualquer oacutergatildeo jurisdicional de um
dos Estados-Membros esse oacutergatildeo pode se considerar que uma decisatildeo sobre essa questatildeo eacute necessaacuteria ao
julgamento da causa pedir ao Tribunal de Justiccedila que sobre ela se pronuncie Sempre que uma questatildeo desta
natureza seja suscitada em processo pendente perante um oacutergatildeo jurisdicional nacional cujas decisotildees natildeo sejam
susceptiacuteveis de recurso judicial previsto no direito interno esse oacutergatildeo eacute obrigado a submeter a questatildeo ao
Tribunal de Justiccedilardquo
16
A niacutevel europeu parece correto afirmar a opccedilatildeo por uma metoacutedica
fundada na imbricaccedilatildeo de cataacutelogos reveladora ou criadora de standards em contraposiccedilatildeo
a um modelo hierarquizado fundado em uma Groundnorm (TAVARES DA SILVA 2014)
ou seja natildeo haacute a primazia entre os ordenamentos mas sim uma ideia de
complementaridade7
Seguindo essa loacutegica de imbricaccedilatildeo e natildeo de hierarquizaccedilatildeo entre os
cataacutelogos a Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa em seu art8ordm4 ldquoAs disposiccedilotildees dos
tratados que regem a Uniatildeo Europeia e as normas emanadas das suas instituiccedilotildees no
exerciacutecio das respectivas competecircncias satildeo aplicaacuteveis na ordem interna nos termos
definidos pelo direito da Uniatildeo com respeito pelos princiacutepios fundamentais do Estado de
direito democraacuteticordquo e ainda no art16ordm determina de forma expressa que ldquoOs direitos
fundamentais consagrados na Constituiccedilatildeo natildeo excluem quaisquer outros constantes das
leis e das regras aplicaacuteveis de direito internacionalrdquo e que ldquoOs preceitos constitucionais
e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados de
harmonia com a Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos do Homemrdquo 8
Portanto como resultado praacutetico dessas normas tem-se a imposiccedilatildeo
obrigatoacuteria ao oacutergatildeo responsaacutevel pelo exerciacutecio da jurisdiccedilatildeo constitucional da observacircncia
do direito comparado propiciando o exerciacutecio do que alguns estudiosos denominam de
diaacutelogo judicial (judicial dialogue) que se caracteriza nessa relaccedilatildeo de cooperaccedilatildeo
estabelecida entre ordens juriacutedicas distintas quando haacute uma conversa entre diferentes
Tribunais a fim de buscar a melhor soluccedilatildeo para a efetivaccedilatildeo dos direitos fundamentais
muito comum na praacutetica da Uniatildeo Europeia9
Saindo do contexto europeu a Constituiccedilatildeo da Aacutefrica do Sul no seu art
39 prevecirc que na interpretaccedilatildeo do Bill of Rights devem ser consideradas as leis internacionais
7 Nesse sentido de acordo com a doutrina impera no ldquotriacircngulo normativo europeurdquo o princiacutepio do niacutevel mais
elevado de proteccedilatildeo o qual pode ser entendido como resultado de uma abertura normativa (TAVARES DA
SILVA 2014)
8 Nesse sentido Jorge Miranda faz uma anaacutelise mais completa da Constituiccedilatildeo portuguesa e fala em um ldquojus-
universalismordquo Ver MIRANDA Jorge O Estado Constitucional Cooperativo e o Jus-Universalismo da
Constituiccedilatildeo Portuguesa In Cadernos da Escola de Direito e Relaccedilotildees Internacionais da UniBrasil JanDez
2007 pp 7-22) Ver tambeacutem CANOTILHO JJ Gomes MOREIRA Vital Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica
Portuguesa Anotada Volume I Coimbra 2014
9 Ver GOLUB Jonathan Modelling Judicial Dialogue in the European Community The Quantitative Basis
of Preliminary References to the ECJ 1996 ISSN 1028-3625
17
e podem ser consideradas leis estrangeiras bem como que o referido documento natildeo nega a
existecircncia de quaisquer outros direitos ou liberdades que sejam reconhecidos ou conferidos
pela common law costumary law ou legislation 10
A previsatildeo contida na Constituiccedilatildeo da Aacutefrica do Sul eacute especialmente
importante nesse contexto pois natildeo se refere apenas a necessidade de observacircncia e
integraccedilatildeo com as normas internacionais mas faz tambeacutem expressa referecircncia as normas
estrangeiras ou seja oriundas de outros paiacuteses
A ideia que fundamenta o exerciacutecio do direito comparado eacute a da busca
pelo enriquecimento da compreensatildeo do conteuacutedo dos direitos fundamentais por intermeacutedio
do compartilhamento de experiecircncias entre tribunais constitucionais distintos11 ou seja no
desenvolvimento de uma jurisdiccedilatildeo constitucional que natildeo se afigure monopolista mas sim
colaborativa
Bobeck (2013) ensina que essa praacutetica pode ser vista como uma forma
de auto-controle dos proacuteprios tribunais que percebem que natildeo podem decidir sozinhos e
buscam no meacutetodo do direito comparado ou no uso de precedentes estrangeiros uma maior
fundamentaccedilatildeo as suas decisotildees
Zagrebelsky (2007) denomina esse fenocircmeno de ldquocosmopolistimo
judicialrdquo o qual consiste justamente na consideraccedilatildeo pelo Judiciaacuterio nacional de documentos
juriacutedicos externos de decisotildees oriundas de outras cortes sejam elas de hierarquia superior
como tribunais internacionais de proteccedilatildeo dos direitos humanos ou ateacute mesmo de outras
cortes constitucionais estrangeiras12
10 ldquo39 Interpretation of Bill of Rights (1) When interpreting the Bill of Rights a court tribunal or forum ndash (a)
must promote the values that underlie an open and democratic society based o human dignity equality and
freedom (b) must consider international law (c) may consider foreing law (2) When interpreting any
legislation and when developing the common law or costumary law every court tribunal or forum must
promote the spirit purport and objects of the Bill of Rights (3) The Bill of Rights does not deny the existence
of any other rights or freedoms that are recognised or conferred by common law customary law or legislation
to the extent that they are consistent with the Bill
11 Nesse sentido Tushnet (2009) ao falar sobre a importacircncia do estudo do direito constitucional comparado
ldquostudiyng comparative constitucional law might improve our ability to make domestic constitucional lawrdquo Ver
ainda HIRSCHL Ran Comparative matters the renaissance of comparative constitutional law Oxford
Oxford University Press 2014 e JACKSON Vicky Comparative Constitucional Law Nova York Foundation
Press 1999 12 Eacute importante destacar que apesar da forma positiva em que se estaacute abordando o cosmopolitismo judicial e o
uso do direito comparado ambos satildeo alvos de criacuteticas pela doutrina Tavares da Silva (2014) destaca que ldquoo
recurso ao direito constitucional comparado por um tribunal constitucional natildeo deve servir um objetivo de
universalizaccedilatildeo de valores mas antes o aprofundamento das soluccedilotildees de inclusividade no contexto
18
Esse fenocircmeno tambeacutem encontra eco em outros lugares do Globo
apesar de em menor escala que no continente europeu A Constituiccedilatildeo Federal Brasileira agrave
semelhanccedila da Portuguesa no sect2ordm do artigo 5ordm adota uma claacuteusula aberta de direitos
fundamentais prevendo expressamente a observacircncia das normas internacionais nessa
mateacuteria
Conclui-se portanto que hoje as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo dentro do
constitucionalismo e no exerciacutecio da jurisdiccedilatildeo constitucional eacute uma realidade concreta e
global A partir disso teve iniacutecio o desenvolvimento de uma noccedilatildeo de diaacutelogo seja ele
judicial ou institucional
Esse eacute um fenocircmeno que natildeo ocorre apenas no acircmbito externo ao
Estado restrito as relaccedilotildees internacionais mas tambeacutem encontra reflexos na estrutura interna
de organizaccedilatildeo do Poder estatal no desenho institucional de cada paiacutes
A ideia de cooperaccedilatildeo e diaacutelogo transporta-se assim tambeacutem para o
acircmbito interno da jurisdiccedilatildeo constitucional dos paiacuteses surgindo um conceito de diaacutelogo
institucional o qual percebe-se deste trabalho
Percebe-se entatildeo que os novos desafios impostos ao
constitucionalismo do seacuteculo XXI tecircm influenciado no desenho institucional da jurisdiccedilatildeo
constitucional adotado por diversos paiacuteses contribuindo sobremaneira para o
desenvolvimento de novos modelos fundados nessa loacutegica da cooperaccedilatildeo superando a
tradicional ideia de uma jurisdiccedilatildeo pautada na supremacia judicial conforme seraacute analisado
intercultural ateacute onde essa inclusividade se revelar possiacutevel ou seja ateacute onde natildeo redunde em uma
neutralizaccedilatildeo do elemento cultural que daacute substacircncia material ao projecto social concreto que aquele oacutergatildeo
judicial tem como missatildeo garantirrdquo
19
3 O tradicional modelo de judicial review e a supremacia judicial
Afirmar que a Constituiccedilatildeo eacute um documento juriacutedico-poliacutetico dotado de
normatividade e superioridade dentro do ordenamento juriacutedico parece algo oacutebvio todavia
essa premissa nem sempre foi verdadeira mas sim resultado de um processo histoacuterico13
Na Ameacuterica do Norte desde o iniacutecio do seu movimento constitucional14
o caraacuteter juriacutedico-normativo da constituiccedilatildeo foi reconhecido o que acabou favorecendo a
um desenvolvimento mais raacutepido da jurisdiccedilatildeo constitucional15 ante a necessidade de
submeter o poder legislativo a limites precisamente soacutelidos16
O tradicional modelo do judicial review americano se formou no
silecircncio dos textos tomando corpo lentamente em um primeiro periacuteodo que foi ateacute 1789
(ano em que se funda o Tribunal Supremo Federal) o mesmo consistia em mera praacutetica
judicial dentro do common law em um segundo periacuteodo que vai de 1789 a 1861
impulsionado pela construccedilatildeo do Estado Federal e pelos conflitos em torno da natureza da
Uniatildeo criado pela Constituiccedilatildeo de 1787 em um terceiro periacuteodo iniciado em 1865 ateacute os
trinta primeiros anos do seacuteculo XX quando se estabeleceu como um sistema de revisatildeo
frente a todas as leis inclusive leis federais em consequecircncia do crescimento do capitalismo
das transformaccedilotildees ocasionadas pelo federalismo e pela necessidade de redefinir as relaccedilotildees
entre o Estado com a nova ordem industrial e em um quarto periacuteodo de 1954 a 1986 quando
se expandiu em resposta aos novos desafios impostos pela busca de justiccedila social igualdade
e liberdade (ACOSTA SAacuteNCHEZ 1998)
13 Nesse sentido Canotilho (2003) nos ensina que a Constituiccedilatildeo eacute o conjunto de regras (escritas ou
consuetudinaacuterias) e de estruturas institucionais conformadoras de uma dada ordem juriacutedico-poliacutetica em um
determinado sistema poliacutetico-social Entre o constitucionalismo antigo e o constitucionalismo moderno vatildeo se
desenvolvendo perspectivas poliacuteticas religiosas e juriacutedico-filosoacuteficas sem o conhecimento das quais natildeo eacute
possiacutevel compreender o proacuteprio fenocircmeno da modernidade constitucional
14 A expressatildeo ldquomovimento constitucionalrdquo eacute utilizada no sentido empregado por Canotilho como um
movimento gerador da constituiccedilatildeo (CANOTILHO 2003)
15 Para uma maior e mais detalhada compreensatildeo do movimento constitucional norte-americano ver Griffin
Stephen American Constitutionalism From the theory to the politics 1998
16 Nesse sentido ver Blaco Valdeacutes Roberto L La configuracioacuten del concepto de Constituicioacuten en las
experieacutencias revolucionarias francesas e norte-americana In Perspectivas Constitucionais Nos 20 anos da
Constituiccedilatildeo de 1976 (org Jorge Miranda) Vol III Coimbra 1998 p11
20
Para muitos a efetiva consagraccedilatildeo desse modelo ocorreu no ano de
1803 com o julgamento do famoso caso Marbury v Madison17 quando houve a formal
proclamaccedilatildeo da superioridade das normas constitucionais frente a qualquer outra lei
formulada pelo Parlamento bem como da autoridade dos Tribunais para invalidaccedilatildeo das leis
consideradas inconstitucionais
A par das questotildees poliacuteticas envolvidas nesse julgamento o fato eacute que
ele se tornou o marco da consolidaccedilatildeo da supremacia18 da Suprema Corte americana que
passou a ser entatildeo formalmente reconhecida como a detentora da uacuteltima palavra dentro do
processo de interpretaccedilatildeo constitucional19
Ateacute meados do seacuteculo XX a ideia que prevalecia na maioria dos paiacuteses
com a exececcedilatildeo dos Estados Unidos20 era a de que as constituiccedilotildees eram proclamaccedilotildees
poliacuteticas importantes mas natildeo possuiacuteam status de normas juriacutedicas As prescriccedilotildees
constitucionais natildeo podiam ser aplicadas diretamente pelos juiacutezes nem geravam direitos
subjetivos para os cidadatildeos
Havia principalmente nos paiacuteses da Europa cidental uma crenccedila na
legitimidade do Parlamento para a criaccedilatildeo do Direito natildeo existindo razatildeo para submeter as
leis por ele criadas agrave nenhuma espeacutecie de revisatildeo judicial O controle que existia era um
controle poliacutetico feito pelo proacuteprio legislativo21
17 Para uma visatildeo criacutetica e maiores detalhes sobre o famoso julgamento Marbury v Madison ver Acosta
Sancheacutez Joseacute Formacioacuten de la Constituicioacuten y Jurisdiccioacuten Constitucional Fundamentos de la Democracia
Constitucional Madri Tecnos 1998 pp 115 e Urbano Maria Benedita Curso de Justiccedila Constitucional
Evoluccedilatildeo Histoacuterica e Modelos de Controlo da Constitucionalidade Almedina 2012 pp 28 a 36
18 Neste trabalho quando fala-se em supremacia refere-se agrave siacutentese de Ward (2007) segundo a qual supremacia
judicial define o status que os precedentes merecem quando desafiados pela atuaccedilatildeo superveniente do
legislativo
19 Griffin (2003) em importante estudo revela que o judicial review americano nem sempre esteve associado agrave
ideia de supremacia judicial tendo sido este elemento incorporado ao modelo posteriormente Nesse sentido
destaca ldquoAs has so often been noted Marshall never claimed supremacy for the Court in Marbury The
opinion ends after all with Marshall saying that courts hace an equal right to the other departament in
interpreting the Constitution The Court committed itself explicity to judicial supremacy only relatively
recently In Cooper v Aaron for example the Court stated that the ldquofederal judiciary is supreme in the
exposition of the law of the Constitutionrdquo
20 Miranda (2007) destaca que diferente da Franccedila e dos paiacuteses europeus durante o seacuteculo XIX os Estados
Unidos vivem quase desde a sua formaccedilatildeo sob o princiacutepio da constitucionalidade isto eacute de que as leis e os
outros atos do Estado devem ser conformes agrave Constituiccedilatildeo e natildeo devem ser aplicados pelos tribunais no caso
de serem desconformes
21 ldquoO controle da conformidade das leis com a constituiccedilatildeo comeccedilou por ser do tipo poliacutetico Aacute medida que o
valor de lei suprema das constituiccedilotildees se ia impondo os parlamentos iam-se sentido cada vez mais pressionados
para permitir que as suas leis fossem objeto de fiscalizaccedilatildeo Numa primeira fase admitiram o controlo da
21
Portanto durante muito tempo na maioria dos paiacuteses europeus em
funccedilatildeo da constituiccedilatildeo ser vista como mero instrumento poliacutetico desprovido de
normatividade cabia ao Parlamento a regulamentaccedilatildeo das relaccedilotildees entre individuo e Estado
usufruindo entatildeo de um papel de legislador soberano eis que seus atos natildeo estavam
subordinados a nenhum controle judicial cabendo ao Poder Judiciaacuterio apenas a mera
aplicaccedilatildeo das leis
O reconhecimento da constituiccedilatildeo como norma juriacutedica soacute ocorreu no
constitucionalismo do poacutes-45 com o fim da segunda guerra mundial quando foram
incorporados no texto constitucional direitos fundamentais e princiacutepios relevantes de
moralidade poliacutetica
Com isso a partir da metade do seacuteculo XX a maioria das novas
constituiccedilotildees passaram a prever mecanismos de jurisdiccedilatildeo constitucional ou procuram
fortalecer ou ampliar os jaacute existentes A maior parte dos paiacuteses que reestruturam suas ordens
juriacutedicas desde entatildeo seja apoacutes libertar-se do jugo de antigas colocircnias seja depois da
superaccedilatildeo de ditaduras internas optaram pela introduccedilatildeo ou ampliaccedilatildeo de instrumentos de
controle de constitucionalidade nos seus textos magnos (SARMENTO 2006)
Ou seja o desenvolvimento do constitucionalismo e o reconhecimento
da constituiccedilatildeo como norma juriacutedica suprema do Estado criaram a necessidade de um
controle das normas infraconstitucionais
Nesse contexto desenvolveram-se inicialmente dois modelos de
controle de constitucionalidade distintos que foram se espalhando pelos diversos paiacuteses ao
longo dos anos que se seguiram O modelo decorrente do sistema americano ficou conhecido
como controle difuso tendo como principal caracteriacutestica o fato de todos os tribunais e juiacutezes
poderem declarar dentro de um caso concreto a inconstitucionalidade de uma lei
infraconstitucional
constitucionalidade das leis mas seriam eles os responsaacuteveis por um tal controlo Era pois um controlo
poliacutetico exercido por um oacutergatildeo poliacutetico o parlamento () Seja como for facilmente se constata que o controle
poliacutetico tende a ser pouco efetivo e eficaz No caso especiacutefico do controlo atribuiacutedo ao parlamento pode
afirmar-se sem grande margem de erro que os parlamentares eram ldquojuiacutezes em causa proacutepriardquo (no fundo era
um autocontrolo) Por este motivo o controlo das normas acabaria por ser atribuiacutedo aos tribunais tornando-se
um controlo judicialrdquo (URBANO 2012 p17)
22
Em oposiccedilatildeo a esse modelo Kelsen desenvolveu uma visatildeo alternativa
de controle de constitucionalidade para os sistemas europeus que ficou conhecido como
controle concentrado de constitucionalidade ou modelo austriacuteaco Nesse tipo de controle a
proteccedilatildeo da Constituiccedilatildeo previa a instituiccedilatildeo de um controle abstrato das atividades do
legislador confiado a um uacutenico oacutergatildeo separado dos tribunais ordinaacuterios - o Tribunal
Constitucional Ao juiacutez constitucional cabia manter ou anular o ato normativo do legislador
consoante o considerasse conforme ou desconforme a constituiccedilatildeo (URBANO 2012)
Jaacute nas uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XX a jurisdiccedilatildeo constitucional foi se
tornando uma realidade quase universal passando a existir em paiacuteses de todos os
continentes Tanto o modelo norte-americano como o modelo austriacuteaco serviram de
inspiraccedilatildeo para a implementaccedilatildeo do controle de constitucionalidade das leis e surgimento de
modelos mistos
Alguns paiacuteses como o Brasil por exemplo desenvolveram sistemas
mistos onde estatildeo presentes caracteriacutesticas de ambos os modelos tanto o austriacuteaco como o
americano ou seja haacute tanto o controle de constitucionalidade difuso quanto o concentrado22
Jaacute nos paiacuteses do continente europeu o modelo mais disseminado foi o modelo Austriacuteaco o
que impulsionou a criaccedilatildeo de diversos Tribunais Constitucionais em paiacuteses como Espanha
Itaacutelia e Portugal23
Assim na grande maioria dos paiacuteses desenvolveu-se um sistema de
jurisdiccedilatildeo constitucional aliado agrave ideia de supremacia judicial no qual o Poder Judiciaacuterio eacute
quem profere a uacuteltima palavra no tocante a interpretaccedilatildeo constitucional Na Europa em
especial a supremacia judicial foi se tornando uma realidade cada vez mais forte sendo o
ativismo judicial um dos responsaacuteveis pelo fortalecimento e desenvolvimento da estrutura
judiciaacuteria que se tem hoje na maioria dos paiacuteses
Diante de tudo isso pode-se afirmar que uma das caracteriacutesticas mais
evidentes no constitucionalismo contemporacircneo eacute a ascensatildeo institucional do Poder
Judiciaacuterio ultrapassando a originaacuteria ideia de legislador negativo tradicionalmente
22 Para maiores detalhes sobre o controle de constitucionalidade brasileiro ver BARROSO Luiacutes Roberto O
Controle de constitucionalidade no direito brasileiro Exposiccedilatildeo sistemaacutetica da doutrina e anaacutelise criacutetica da
jurisprudecircncia Satildeo Paulo Editora Saraiva 2004
23 Para maiores detalhes sobre o controle de constitucionalidade Portuguecircs ver Canotilho 2008 capiacutetulo 2
23
concebida por Kelsen dando margem ao surgimento de alguns fenocircmenos que seratildeo
tratados no toacutepico a seguir
4 Jurisdiccedilatildeo constitucional e democracia um antigo debate
A controveacutersia acerca da natureza da atividade fiscalizatoacuteria exercida
pelas Cortes Constitucionais decorre do possiacutevel conflito entre duas distintas legitimaccedilotildees
a dita legitimaccedilatildeo democraacutetica tipicamente atribuiacuteda ao legislador e a legitimaccedilatildeo
jurisdicional para a defesa do ordenamento juriacutedico constitucional atribuiacuteda ao Juiacutezo
constitucional Discute-se sobretudo o porquecirc da consignaccedilatildeo ao Judiciaacuterio de tal atribuiccedilatildeo
fiscalizatoacuteria bem assim quais seriam os objetos e limites do controle jurisdicional
(PONTES 2001 p 65)24
Os contornos desse debate estatildeo intimamente ligados a noccedilatildeo de
democracia exercendo o seu conceito direta influecircncia nos argumentos de defesa de um ou
de outro Poder Em apertada siacutentese pode-se mencionar que aqueles que defendem a
atribuiccedilatildeo do Poder ao Judiciaacuterio para realizar o controle de constitucionalidade das leis
fundamentam-se na regra contramajoritaacuteria ou seja na necessidade de uma oposiccedilatildeo a regra
da maioria representada pelo Legislativo principalmente para defender e proteger os direitos
e garantias de minorias sem tanta representatividade na busca por uma democracia
substancial25
Em contrapartida existem aqueles que denfendem uma outra noccedilatildeo de
democracia fundada justamente nos argumentos de maioria e de representatividade razatildeo
pela qual entendem pela iligitimidade dos juiacutezes membros natildeo eleitos pelo povo para
derrubar atos legislativos
Apesar da discussatildeo sobre a legitimidade democraacutetica da jurisdiccedilatildeo
constitucional ser um debate antigo natildeo se pode - sob nenhuma hipoacutetese - considera-lo como
24 Sobre o tradicional debate acerca da legitimidade da jurisdiccedilatildeo constitucional ver GARAPON Antonie O
juiz e a democracia o guardiatildeo das promessas Rio de Janeiro Renavn 2009 Linares Sebastiaacuten La
(i)legitimidad democraacutetica del control judicial de las leyes Madrid Marcial Pons MOREIRA Vital Princiacutepio
da Maioria e princiacutepio da constitucionalidade legitimidade e limites da justiccedila constitucional in Coloacutequio no
10ordm Aniversaacuterio do Tribunal Constitucional Lisboa 1993 pp 167-175
25 Sobre a regra contramajoritaacuteria ver BICKEL Alexander The last dangerous branch the Supreme Court at
the bar of politics New Haven Yale University 1986 e WHITE G Edward History and the Constitution
Durham Carolina Academic Press 2007
24
algo superado sobretudo porque na atualidade os argumentos insertos na questatildeo estatildeo
cada vez mais sofisticados e possibilitam uma discussatildeo aleacutem do tradicional binocircmio
Judiciaacuterio x Legislativo no tocante a detenccedilatildeo da uacuteltima palavra em mateacuteria constitucional
Nas uacuteltimas deacutecadas vivencia-se uma expansatildeo do tradicional modelo
do judicial review americano pelo Globo e consequentemente um reforccedilo e um alargamento
do Poder Judiciaacuterio razatildeo pela qual muitos paiacuteses hoje adotam modelos fundados em uma
supremacia judicial na qual os juiacutezes satildeo os responsaacuteveis por emitir a palavra final na
resoluccedilatildeo de conflitos constitucionais
A referida expansatildeo propiciou o desenvolvimento de fenocircmenos como
a judicializaccedilatildeo de questotildees poliacuteticas e o ativismo judicial os quais satildeo atualmente
considerados por alguns como uma ameaccedila ao princiacutepio democraacutetico a separaccedilatildeo de poderes
e ateacute mesmo a efetividade de direitos fundamentais Diante disso acabam por vir
novamente agrave tona antigos questionamentos relativos agrave legitimidade democraacutetica da
jurisdiccedilatildeo constitucional
A judicializaccedilatildeo da Poliacutetica aqui entendida como a dependecircncia de
Tribunais e dos meios judiciais para abordarsolucionar impasses morais fundamentais
questotildees de poliacuteticas puacuteblicas e controveacutersias poliacuteticas eacute um fenocircmeno mundial Embora
muitas questotildees de poliacuteticas puacuteblicas ainda permaneccedilam aleacutem do alcance do Judiciaacuterio eacute
fato incontestaacutevel que tem havido uma deferecircncia das outras esferas do Poder no sentido de
acolher a intrusatildeo do mesmo em suas prerrogativas o que acaba por acelerar o processo de
judicializaccedilatildeo das agendas poliacuteticas (HIRSCHL 2008)26
26 Hirschl faz importante observaccedilatildeo sobre um niacutevel diferente de judicializaccedilatildeo o qual denomina de
judicializaccedilatildeo da acutemega-poliacuteticaacute a qual seria mais impactante e consequentemente mais preocupante De
acordo com o autor ldquoToday not a single week passes without a national high court somewhere in the world
releasing a major judgment pertaining to the scope of constitutional rights or the limits on legislative or
executive powers The most common are cases dealing with procedrual justice and criminal lsquodue processrsquo
rights Aggregate data suggest that approximately two-thirds of all constitutional rights cases in the lsquoworld of
new constitutinalismrsquo deal with that type of rights Also common are rulings involving classic civil liberties
the right to privacy and formal equality This ever-expanding body of civil liberties jurisprudence has
expanded and fortified the boundaries of the constitutionally protected private sphere (often perceived as
threatened by the long arm of the state and its regulatory laws) and hastransformed numerous policy areas
involving individual freedoms In recent years we have seen the emergence of another level of judicialized
politics reliance on courts and judges for dealing with what we might call lsquomega-politicsrsquo ndash core political
controversies that define the boundaries of the collective or cut through the heart of entire nations This level
of judicialization includes several subcategories judicial scrutiny of executive-branch prerogatives in the
realms of macroeconomic planning or national security (ie the demise of what constitutional theorists call
the lsquopolitical questionrsquo doctrine) judicialization of electoral processes judicial corroboration of regime
transformation fundamental restorative-justice dilemmas and above all the judicialization of formative
25
Com o reconhecimento internacional da importacircncia da proteccedilatildeo dos
direitos fundamentais e o consequente entendimento de que a enunciaccedilatildeo desses direitos na
Carta Magna determina por si soacute um direito subjetivo em favor dos cidadatildeos o Estado
passou a ser responsaacutevel pela realizaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas que visem agrave sua efetividade
natildeo mais sendo suficiente apenas que natildeo os viole mas tambeacutem que aja de forma a propiciar
a sua eficaacutecia
Assim o Judiciaacuterio passou a ser visto como o principal centro de
discussatildeo sobre a efetividade desses direitos principalmente pela sociedade que encontrou
nas demandas judiciais um meio de coagir o Estado a dar cumprimento e efetividade aos
direitos constitucionalmente assegurados O progressivo aumento dessas demandas fez com
que fosse possiacutevel uma realizaccedilatildeo do controle judicial das poliacuteticas puacuteblicas estatais
favorecendo a judicializaccedilatildeo de temas que antes eram reservados ao campo da poliacutetica27
Esse cenaacuterio tambeacutem propiciou a ocorrecircncia de outro fenocircmeno
designado como ativismo judicial ou governo de juiacutezes28 que a par da sua difiacutecil e
heterogecircnea conceituaccedilatildeo deve aqui ser entendido como a excessiva atividade criativa do
juiz constitucional29
Tanto a judicializaccedilatildeo de questotildees poliacuteticas como o ativismo judicial
podem ser identificados como patologias dentro do sistema da jurisidiccedilatildeo constitucional sob
o ponto de vista do princiacutepio da separaccedilatildeo de poderes (TAVARES DA SILVA 2014) eis
que ocasionam um excesso de autonomia e poder ao Judiciaacuterio em detrimento dos demais
poderes facilitando inclusive a usurpaccedilatildeo de competecircncias
collective identity nation-building processes and struggles over the very definition or raison decirctre of the polity
as such ndash arguably the most troubling type of judicialization from a participatory democracy stanpoint These
emerging areas of judicialized politics expand the boundaries of national high-court involvement in the
political sphere beyond any previous limitrdquo
27 Esse eacute um tema muito discutido no Brasil onde haacute um grande nuacutemero de demandas judiciais - individuais e
coletivas - que questionam a efetividade de direitos fundamentais como o direito agrave sauacutede agrave educaccedilatildeo etc Sobre
o assunto ver VALLE Vanice Regina Liacuterio do Judicializaccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas no Brasil Ateacute onde
podem nos levar as asas de Iacutecaro In Themis Revista de Direito da Universidade Nova de Lisboa ano XI
nordm 2021 2011
28 A criaccedilatildeo dessas expressotildees eacute respectivamente atribuiacuteda agrave Arthur Schlesinger Jr e Walter Clark
29 Sobre o ativismo judicial ver URBANO 2012 p 87- 101
26
Somado a esses fenocircmenos outro importante componente que ajudou
a reacender o debate30 foi a recente transposiccedilatildeo do modelo americano do judicial review
fundado na supremacia judicial para paiacuteses da Commonwealth tradicionalmente centrados
em um modelo de soberania parlamentar a qual seraacute melhor abordada no toacutepico a seguir
Diante das evidentes dificuldades de harmonizaccedilatildeo do modelo de
revisatildeo judicial das leis para paiacuteses onde ateacute entatildeo o Parlamento era soberano expoentes
doutrinadores como Ronald Dworkin e Jeremy Waldron voltaram sua atenccedilatildeo para a anaacutelise
das vantagens e desvantagens da realizaccedilatildeo de um controle judicial dos atos do Parlamento
e da sua legitimidade democraacutetica
Dworkin (2006) postula uma ldquoconcepccedilatildeo constitucional de
democraciardquo31 segundo a qual o regime democraacutetico demanda a tomada decisotildees coletivas
por instituiccedilotildees que tratem de forma isonocircmica todos os cidadatildeos fato que nem nem sempre
iraacute ocorrer em procedimentos majoritaacuterios Assim o Autor defende que o primordial para a
legitimidade democraacutetica de uma decisatildeo eacute o seu conteuacutedo substantivo e natildeo propriamente
o procedimento em si realizado para a sua elabraccedilatildeo
Sendo assim alega a legitimidade democraacutetica do controle de
constitucionalidade das leis realizada pelo Poder Judiciaacuterio eis que esta seria no seu
entender a instacircncia do Poder mais apta a fornecer a ldquoresposta certardquo sobre direitos
fundamentais (DWORKIN 2001)
30 Necessaacuterio esclarecer que o controle de constitucionalidade sempre foi alvo de desconfianccedila sob o ponto de
vista da teoria democraacutetica durante muitos anos importantes estudiosos concentraram esforccedilos tentando buscar
uma justificativa capaz de legitimaacute-lo como o famoso debate entre Hans Kelsen e Carl Schmitt Todavia o
debate de hoje o qual interessa para o presente trabalho se funda em argumentos mais complexos por razotildees
didaacuteticas natildeo iremos retomar ao debate mais antigo
31ldquoSe rejeitamos a premissa majoritaacuteria precisaremos de uma explicaccedilatildeo diferente e melhor do valor e da
finalidade da democracia Vou defender agora uma explicaccedilatildeo ndash que chamo de concepccedilatildeo constitucional da
democracia ndash que efetivamente rejeita a premissa majoritaacuteria Segundo essa explicaccedilatildeo o fato de as decisotildees
coletivas serem sempre ou normalmente as decisotildees que a maioria dos cidadatildeos e tomariam se fossem
plenamente informados e racionais natildeo eacute nem uma meta nem uma definiccedilatildeo de democracia O objetivo que
define a democracia tem de ser diferente que as decisotildees coletivas sejam tomadas por instituiccedilotildees poliacuteticas
cuja estrutura composiccedilatildeo e modo de operaccedilatildeo dediquem a todos os membros da comunidade enquanto
indiviacuteduos a mesma consideraccedilatildeo e o mesmo respeito () a concepccedilatildeo constitucional requer esses
procedimentos majoritaacuterios em virtude de uma preocupaccedilatildeo com a igualdade dos cidadatildeos e natildeo por causa de
um compromisso com as metas da soberania da maioria Por isso natildeo opotildee objeccedilatildeo alguma ao emprego deste
ou daquele procedimento natildeo majoritaacuterio em ocasiotildees especiais nas quais tal procedimento poderia proteger
ou promover a igualdade que segunda essa concepccedilatildeo eacute a proacutepria essecircncia da democracia e natildeo aceita que
essas exceccedilotildees sejam causa de arrependimento moralrdquo (DWORKIN Ronald O Direito da Liberdade Satildeo
Paulo Martins Fontes 2006 p 26)
27
Em contrapartida Waldron (1999) sustenta que a legitimidade
democraacutetica de uma decisatildeo coletiva natildeo pode ser julgada a partir dos seus resultados como
propotildee Dworkin mas sim pelo caraacuteter democraacutetico do procedimento de tomada da decisatildeo
Partindo do princiacutepio da existecircncia de um grande dissenso acerca dos direitos fundamentais
dentro da sociedade entende que natildeo eacute legiacutetimo que predomine como correta entre as
diversas visotildees existentes aquela enunciada pelo Judiciaacuterio
Segundo o Autor o tradicional modelo do judicial review aliado agrave
supremacia do Judiciaacuterio natildeo eacute o meio mais adequado para a tomada de decisatildeo final em
uma sociedade livre e democraacutetica Apesar de criticar severamente essa praacutetica natildeo ignora
a sua existecircncia na maioria dos paiacuteses e faz uma distinccedilatildeo entre os diversos sistemas
classificando-os em sistemas fortes intermediaacuterios e fracos de acordo com a quantidade de
poder que eacute atribuiacutedo ao Judiciaacuterio (WALDRON 2014)
Neste sentido eacute importante a distinccedilatildeo que propotildee entre judicial review
e supremacia judicial O primeiro conceitua como uma forma de controle judicial das leis
que na sua melhor concretizaccedilatildeo praacutetica pode operar como um poder modesto de restriccedilatildeo
jaacute a supremacia judicial como a ideia de que os juiacutezes satildeo supremos e ateacute soberanos na
poliacutetica estando todos os outros poderes poliacuteticos a eles subordinados (WALDRON 2014
p 5)
Esclarece por exemplo que nos Estados Unidos haacute uma supremacia
judicial natildeo necessariamente pela adoccedilatildeo de um modelo forte de revisatildeo judicial mas sim
pela forma que este vem sendo exercido pela Suprema Corte Americana (WALDRON
2014 p 11)
O raciociacutenio desenvolvido por Wladron eacute importante principalmente
para demonstrar que natildeo deve haver uma vinculaccedilatildeo necessaacuteria entre judicial review e
supremacia judicial Ou seja para o autor a supremacia judicial e seus efeitos negativos pode
e deve ser combatida sem que para isso tenha-se que abolir a praacutetica da revisatildeo judicial das
leis a qual pode ateacute ser considerada como uma praacutetica boa e necesaacuteria
Com base nesse raciociacutenio atualmente o tradicional modelo de judicial
review aliado a supremacia do Poder Judiciaacuterio tem sido um dos maiores alvos de criacuteticas da
teoria constitucional natildeo apenas sob a oacutetica da legitimidade democraacutetica mas tambeacutem pelo
seu resultado no que tange a verdadeira efetivaccedilatildeo dos direitos fundamentais
28
O excesso de poder concedido ao Judiciaacuterio passou entatildeo a ser visto
com maus olhos em razatildeo de fenocircmenos como o ativismo judicial e a judicializaccedilatildeo poliacutetica
levando a doutrina a uma busca incessante por formas de combate a essas patologias
Em face disso alguns Estados de tradiccedilatildeo parlamentar cientes dessa
realidade negativa vivenciada nos demais paiacuteses poreacutem convencidos da necessidade de
implementaccedilatildeo de um sistema de revisatildeo judicial das leis para uma maior efetivaccedilatildeo dos
direitos fundamentais buscaram desenvolver modelos alternativos aos ateacute entatildeo existentes
Uma das propostas desses novos modelos eacute superar o problema da
legitimidade democraacutetica do judicial review mediante a promoccedilatildeo de um reequiliacutebrio entre
o Legislativo e Judiciaacuterio conforme se leraacute nas proacuteximas paacuteginas
5 A implementaccedilatildeo do judicial review nos paiacuteses da commonwealth e o
surgimento de uma nova alternativa ao binocircmio judiciaacuterio v Legislativo ndash weak
form of judicial review
A evoluccedilatildeo do judicial review na medida em que os Estados foram se
confrontando em pleno seacuteculo XX com o problema da escolha de mecanismos de controle
de constitucionalidade para os seus sistemas normativos procurando ajustar os modelos jaacute
existentes agraves suas realidades permitiu o desenvolvimento de diversos novos modelos
(TAVARES DA SILVA 2014)
Entre 1982 e 1998 paiacuteses como Canadaacute Nova Zelacircndia e Reino Unido
que ateacute entatildeo viviam sob a eacutegide de um sistema pautado na supremacia do Parlamento ao
adotarem um Bill of Rigths instituiacuteram um modelo de revisatildeo judicial a partir do tradicional
modelo americano poreacutem tentando uma nova forma de equiliacutebrio entre os poderes ateacute entatildeo
inexistente
Esse modelo foi denominado por Tushnet como weak form of judicial
review em oposiccedilatildeo ao modelo americano que constitui um strong form of judicial review
no qual a interpretaccedilatildeo constitucional efetuada pela Suprema Corte eacute praticamente
irreversiacutevel e inalteraacutevel por maiorias legislativas ordinaacuterias (TUSHNET 2009 p 33)
O novo modelo traduz-se basicamente em uma forma de controle de
constitucionalidade onde existem mecanismos de respostas da populaccedilatildeo agravequelas decisotildees
29
que lhes parecem erradas visando com isso diminuir a tensatildeo natural relativa a legitimidade
democraacutetica do judicial review
Nele a interpretaccedilatildeo judicial das provisotildees constitucionais pode ser
revisada pelo legislativo em um prazo relativamente curto usando uma regra de decisatildeo natildeo
muito diferente da que eacute usada no processo legislativo cotidiano (TUSHNET 2009) Com
isso tem-se um modelo que dissocia a jurisdiccedilatildeo constitucional da supremacia judicial
permitindo tambeacutem ao Legislativo o pronunciamento
Gardbaum (2013) identifica que este modelo foi feito sob a exata
medida para permitir uma maior proteccedilatildeo juriacutedica aos direitos dentro de paiacuteses com culturas
poliacuteticas nas quais haacute um apego substancial agrave soberania parlamentar como provedora de uma
longa e em grande parte bem sucedida tradiccedilatildeo constitucional democraacutetica32
Em siacutentese o novo modelo de jurisdiccedilatildeo constitucional adotado pelos
paiacuteses da Commonwealth adveacutem entatildeo da busca pela conciliaccedilatildeo entre a necessidade de
proteccedilatildeo dos novos direitos fundamentais e a tradiccedilatildeo da supremacia parlamentar o que
certamente natildeo haacute no tradicional modelo norte-americano
Cada um dos paiacuteses adeptos desse modelo buscou em suas
especificidades adotar mecanismos que prometiam a possibilidade de um exerciacutecio da
jurisdiccedilatildeo constitucional pautado no equiliacutebrio institucional sugerindo uma
responsabilidade conjunta pela decisatildeo final aleacutem de permitir o exerciacutecio de um diaacutelogo
deliberativo entre o Judiciaacuterio e o Legislativo no tocante a aplicaccedilatildeo e proteccedilatildeo dos direitos
fundamentais (GARDBAUM 2013) 33
Na praacutetica pode-se dizer que o marco inicial do denominado sistema
brando de constitucionalidade se deu com o advento da Carta Canadense de 198234 a qual
32 ldquoMost importantly while granting courts the power to enforce fundamental rights it decouples judicial
review from judicial supremacy by empowering legislatures to have the final word This new model was
custom-built to permit greater legal protection of rights within political cultures in which there is substantial
attachment to parliamentary sovereignty as having provided a long and largely successful tradition of
constitutionalist democracyrdquo (GARDBAUM 2013 p 760)
33 Sobre a evoluccedilatildeo do constitucionalismo nos paiacuteses da Commonwealth ver tambeacutem ZINES Leslie
Constitutional change in the Commonwealth Cambridge Cambridge University Press 1991 34 Constitution Act 1982 Disponiacutevel em lthttplaws-loisjusticegccaengConstindexhtmlgt
30
traz na sua Seccedilatildeo 3335 a previsatildeo da notwithstanding clause o que permite ao Legislativo
determinar a aplicaccedilatildeo de um diploma normativo expressamente reconhecido pelo Judiciaacuterio
como inconstitucional e na Seccedilatildeo 136 com a previsatildeo da possibilidade do Legislador reeditar
uma norma que configure e limite direito consagrado nas seccedilotildees 2 e de 7 a 15 e que jaacute tenha
sido objeto de reprovaccedilatildeo pelo Judiciaacuterio desde que fundada em justificativa razoaacutevel
A despeito das criacuteticas dirigidas a esses mecanismos as quais seratildeo
abordadas ao longo do presente trabalho a experiecircncia Canadense chamou a atenccedilatildeo de
diversos doutrinadores por todo o mundo bem como inspirou outros paiacuteses de tradiccedilatildeo
parlamentar a adotar esse novo modelo de jurisdiccedilatildeo constitucional
O Reino Unido por exemplo com a aprovaccedilatildeo do Human Rights Act
(HRA) em 1998 passou a adotar o mecanismo da interpretive obligation e de declarations
of incompability a Nova Zelacircndia tambeacutem apoacutes a aprovaccedilatildeo da sua Carta de Direitos
Humanos introduziu mecanismo similar agrave claacuteusula interpretativa da Inglaterra
Logo apesar de cada paiacutes adotar mecanismos diferentes pode-se dizer
que adotam um modelo fraco de controle de constitucionalidade eis que neles natildeo existe a
ideia de supremacia judicial ou seja a uacuteltima palavra em mateacuteria de interpretaccedilatildeo
constitucional natildeo eacute dada necessariamente pelo Judiciaacuterio havendo a possibilidade de
contradita pelo Legislativo e ateacute mesmo de prevalecircncia da interpretaccedilatildeo deste uacuteltimo
Dessa maneira a partir da observaccedilatildeo dessas novas experiecircncias dos
problemas oriundos da praacutetica do ativismo judicial da crescente judicializaccedilatildeo da Poliacutetica
das controveacutersias sobre a legimitidade da jurisdiccedilatildeo constitucional e da incessante busca pela
efetividade de direitos eclodem inuacutemeras teorias que tentam explicar e fundamentar a
existecircncia de um diaacutelogo entre Legislativo e Judiciaacuterio no seio da jurisdiccedilatildeo constitucional
satildeo as denomidadas teorias dialoacutegicas as quais seratildeo expostas e analisadas na sequecircncia de
forma sistemaacutetica
35 ldquo33 (1) Parliament or the legislature of a province may expressly declare in an Act of Parliament or of the
legislature as the case may be that the Act or a provision thereof shall operate notwithstanding a provision
included in section 2 or sections 7 to 15 of this Charterrdquo
36 ldquo1 The Canadian Charter of Rights and Freedoms guarantees the rights and freedoms set out in it subject
only to such reasonable limits prescribed by law as can be demonstrably justified in a free and democratic
societyrdquo
31
CAPIacuteTULO 2 ndash AS TEORIAS DIAacuteLOGICAS E A CONCRETIZACcedilAtildeO DO
DIAacuteOLOGO INSTITUCIONAL
6 Teoria dos diaacutelogos institucionais
Antes de iniciar a anaacutelise das respectivas teorias importa esclarecer que
apesar das mesmas terem se desenvolvido doutrinariamente em sua maioria e com maior
forccedila apoacutes a criaccedilatildeo do weak judicial review como explicado ateacute aqui algumas delas satildeo
anteriores agrave isso e fruto da anaacutelise de sistemas tradicionais como o do proacuteprio Estados
Unidos conforme seraacute demonstrado na sequecircncia
Eacute necessaacuterio explicar que a referecircncia agrave ldquodiaacutelogos institucionaisrdquo apesar
do reconhecimento da existecircncia de diversas instituiccedilotildees no acircmbito estatal estaacute-se
privilegiando especificamente a interaccedilatildeo entre as Cortes Constitucionais e o Parlamento
sobretudo porque o cerne do debate acerca da legitimidade democraacutetica da jurisdiccedilatildeo
constitucional restringe-se a essas duas vertentes do Poder ficando o executivo de fora pois
segundo a tradicional doutrina nunca foi considerado forte candidato a detentor da uacuteltima
palavra no processo de interpretaccedilatildeo constitucional Dito isso explicar-se-aacute o que as teorias
possuem em comum e quais os seus fundamentos basilares
Como jaacute demonstrado a ideia de diaacutelogo institucional surge a partir do
novo paradigma do constitucionalismo contemporacircneo que tem por objetivo natildeo mais
analisar quem deve interpretar a Constituiccedilatildeo mas sim buscar uma teoria que seja construiacuteda
a partir de uma proposta cooperativa por intermeacutedio da qual as instituiccedilotildees possam
compartilhar fundamentos em comum ao operacionalizar as ordens juriacutedica e poliacutetica
Esse entendimento eacute consequecircncia da anaacutelise do novo modelo de
jurisdiccedilatildeo constitucional iniciado no Canadaacute o qual aponta para a necessidade de
reestabelecimento de um equiliacutebrio entre as instituiccedilotildees por meio da alocaccedilatildeo de
responsabilidade reciacuteproca entre Tribunais e Parlamento na formulaccedilatildeo de poliacuteticas e
legislaccedilatildeo
Ou seja as teorias dialoacutegicas partem da premissa de que muitas vezes a
decisatildeo judicial natildeo seraacute suficiente para a resoluccedilatildeo de um conflito sobre direitos sobretudo
nos casos relativos agrave efetivaccedilatildeo de direitos fundamentais nos quais existem limitaccedilotildees que
32
ultrapassam a seara da competecircncia judicial portanto natildeo pode a decisatildeo judicial ser
considerada o fim da linha dentro da jurisdiccedilatildeo constitucional principalmente quando se
busca a maacutexima eficaacutecia de direitos fundamentais
Em contraste com as teorias de interpretaccedilatildeo que propotildeem criteacuterios que os
juiacutezes devem utilizar para resoluccedilatildeo de conflitos constitucionais as teorias de diaacutelogo
centram-se no processo institucional por meio do qual as decisotildees sobre o significado
constitucional satildeo feitas sugerindo que este envolve a elaboraccedilatildeo compartilhada do
significado constitucional entre o Judiciaacuterio e outros atores (BATEUP 2005)
As teorias que abordam o exerciacutecio de um diaacutelogo institucional na
resoluccedilatildeo dos conflitos consitucionais buscam em primeiro lugar entender e verificar como
essa interaccedilatildeo ocorre qual o seu significado reforccedilando o princiacutepio da separaccedilatildeo de poderes
a partir da percepccedilatildeo de que todas as instituiccedilotildees cada uma em sua especificidade satildeo
responsaacuteveis por uma parcela da tarefa da interpretaccedilatildeo constitucional
As teorias dialoacutegicas natildeo fornecem respostas certas para os casos difiacuteceis
de interpretaccedilatildeo mas despertam um processo no qual todos participam na busca dessa
resposta Rejeita os extremos tanto da atuaccedilatildeo judicial como da atuaccedilatildeo legislativa a Corte
natildeo impede que a prevalecircncia da legislaccedilatildeo mas induz o Parlamento a assumir a
responsabilidade poliacutetica e apresentar justificativas razoaacuteveis para suas escolhas no tocante
agrave restriccedilatildeo de direitos (ROACH 2001)
Nesse sentido Sustein e Vermule (2002) indicam a necessidade de uma
virada institucional no pensamento sobre a interpretaccedilatildeo constitucional chamando a atenccedilatildeo
para a necessidade de observaccedilatildeo da capacidade das instituiccedilotildees e dos efeitos dinacircmicos de
qualquer abordagem especiacutefica e de suas consequecircncias
A partir dessa ideia as teorias do diaacutelogo institucional sugerem que natildeo
deve haver um predomiacutenio de uma instituiccedilatildeo sobre a outra quando do exerciacutecio da
jurisdiccedilatildeo constitucional mas sim uma forccedila tarefa uma atuaccedilatildeo conjunta das mesmas
Sendo assim diversas teorias tecircm se proliferado no sentido de fundamentar
agrave abertura ao diaacutelogo no exerciacutecio da jurisdiccedilatildeo constitucional visando sobretudo o
restabelecimento do equiliacutebrio entre os poderes como fundamento de uma legitimidade
democraacutetica a defesa de um sistema brando de controle de constitucionalidade e a
concretizaccedilatildeo dos direitos fundamentais
33
Buscar-se-aacute na continuidade deste capiacutetulo analisar aacute luz das teorias
dialoacutegicas algumas praacuteticas do Judiciaacuterio e Legislativo a fim de identificar ateacute que ponto
essas teorias podem ser consideradas como efetivadoras de um diaacutelogo concreto e
substancial no exerciacutecio da jurisdiccedilatildeo constitucional e quais seus contributos no tocante a
superaccedilatildeo dos problemas relativos a sua legitimidade e no combate ao ativismo
Entretanto antes de fazer a exposccedilatildeo de cada teoria e seus efeitos praacuteticos
em especiacutefico eacute imprescindiacutevel destacar que haacute na doutrina uma aparente diferenciaccedilatildeo
entre tipos de diaacutelogo gerando uma dicotomia diaacutelogo formal e diaacutelogo material a qual
passamos a explorar no toacutepico seguinte
7 Diaacutelogo formal v Diaacutelogo material
Para que se possa analisar de forma mais clara e eficaz as teorias
dialoacutegicas e suas respectivas praacuteticas se faz necessaacuterio primeiramente entender o que seria
um verdadeiro diaacutelogo e quando este pode ser considerado verdadeiramente promissor no
sentido de cumprir os objetivos a que a teoria se propotildee
De iniacutecio pode-se afirmar que essa tarefa eacute aacuterdua eis que nela residem
justamente os maiores alvos das criacuteticas direcionadas as teorias dialoacutegicas conforme veremos
na sequecircncia Apesar de todas as benesses que a ideia de um diaacutelogo constitucional
apresenta a sua praacutetica ainda eacute um pouco conflituosa eis que nem tudo aquilo que alguns
denominam de ldquodiaacutelogordquo deve ser de fato assim considerado
Na definiccedilatildeo de Dor (2000) o diaacutelogo material ou substantivo ocorre
quando haacute o comprometimento e engajamento de todos os participantes na busca de uma
soluccedilatildeo harmoniosa que conteraacute tanto a interpretaccedilatildeo do Tribunal relativa a uma questatildeo
constitucional como o interesse do legislador
Ou seja no desenvolvimento do diaacutelogo em seu sentido material haacute a
conciliaccedilatildeo entre a interpretaccedilatildeo judicial e os interesses do legislador buscando o Tribunal
articular as falhas da legislaccedilatildeo e o legislador a incluir nas suas iniciativas a interpretaccedilatildeo
do Tribunal buscando soluccedilotildees para alcanccedilar o seu objetivo agrave luz dessa interpretaccedilatildeo
Jaacute o diaacutelogo no sentido formal ocorre quando a atuaccedilatildeo legislativa
pouco ou nada acrescenta ao resultado final servindo apenas para ldquocarimbarrdquo a decisatildeo
34
judicial ou seja quando haacute a total deferecircncia do Legislativo agrave decisatildeo judicial
Tremblay (2005) tambeacutem em importante anaacutelise sobre o tema ao tratar
dos limites da teoria dos diaacutelogos institucionais apesar de natildeo negar a possibilidade da sua
concretizaccedilatildeo praacutetica introduz duas concepccedilotildees geneacutericas de diaacutelogos os de conversaccedilatildeo e
os de deliberaccedilatildeo
Para o Autor os diaacutelogos pautados em uma conversaccedilatildeo satildeo em
siacutentese aqueles que ocorrem de uma maneira mais informal e espontacircnea no qual haacute uma
troca de ideias sentimentos ou opiniotildees sem um comprometimento das partes com um
entendimento em comum um aprendizado ou descoberta de novas perspectivas natildeo haacute
pois um empenho na argumentaccedilatildeo ou um debate forte Seria de certa forma como um
diaacutelogo entre amigos apoacutes uma refeiccedilatildeo
Em contrapartida a concepccedilatildeo deliberativa de diaacutelogo consiste em
praacutetica semelhante agrave conversaccedilatildeo pois tambeacutem haacute troca de ideias sentimentos e opiniotildees
entre duas ou mais pessoas poreacutem de maneira mais formal e menos espontacircnea Na
deliberaccedilatildeo as partes possuem um mesmo propoacutesito buscam por intermeacutedio da troca de
argumentos e ideias a resoluccedilatildeo coletiva de conflitos ou problemas
Sendo assim o diaacutelogo pautado na conversaccedilatildeo consistiria em um
diaacutelogo meramente formal o qual segundo alguns autores natildeo deve ser considerado como
uma forma efetiva de diaacutelogo eis que natildeo haacute uma verdadeira inteiraccedilatildeo entre os poderes mas
tatildeo somente uma possibilidade de resposta de um ao outro
Desta forma pode-se inferir que para que haja a verdadeira
concretizaccedilatildeo dos objetivos propostos pela teoria do diaacutelogo institucional a simples
formulaccedilatildeo pautada em um diaacutelogo formal natildeo seria suficiente fazendo-se necessaacuteria a
ocorrecircncia de uma deliberaccedilatildeo concreta entre os poderes uma verdadeira deliberaccedilatildeo a fim
de chegar a consenso no que tange a interpretaccedilatildeo constitucional
Neste estudo natildeo se despreza nenhuma dessas concepccedilotildees de diaacutelogo
ao contraacuterio busca-se demonstrar justamente aquelas praacuteticas que mais se coadunam com a
concepccedilatildeo de um diaacutelogo material poreacutem tambeacutem ressaltando os benefiacutecios daquelas que
consistam apenas uma vertente formal
Feita essa diferenciaccedilatildeo passa-se a expor de maneira mais especiacutefica
35
as teorias dialoacutegicas e suas manifestaccedilotildees praacuteticas Utilizar-se-aacute didaticamente a
sistematizaccedilatildeo das teorias feita por Christine Bateup sobretudo no que tange a classificaccedilatildeo
das mesmas jaacute que nosso objetivo eacute tentar abordar o maior nuacutemero possiacutevel de teorias e
praacuteticas
A exposiccedilatildeo inicia-se pela anaacutelise da praacutetica sugerida pela doutrina
como dialoacutegica em paiacuteses que possuem um controle de constitucionalidade forte ou seja
inicialmente formulado com base em uma supremacia do Judiciaacuterio na tarefa de revisatildeo
judicial das leis
Apoacutes o que seraacute mencionado a praacutetica dialoacutegica nos paiacuteses que adotam
um controle fraco de constitucionalidade onde a ideia de diaacutelogo a priori eacute mais evidente
pelo fato do proacuteprio modelo constitucional prever mecanismos voltados para esse fim
8 Teorias dialoacutegicas fundadas no meacutetodo judicial
As teorias fundadas no meacutetodo judicial satildeo aquelas que defendem que
o diaacutelogo deve ocorrer dentro da decisatildeo judicial Tecircm como elemento central a defesa do
uso consciente pelo Judiciaacuterio de teacutecnicas de tomada de decisotildees que estimulem e incentivem
o debate mais amplo sobre o significado constitucional com - e entre - os poderes poliacuteticos
Para a praacutetica dessa modalidade de diaacutelogo natildeo haacute a exigecircncia da
existecircncia de mecanismos formais de relaccedilatildeo institucional eis que o diaacutelogo se estabelece
natildeo pela observaccedilatildeo de um preceito especiacutefico preacutevio mas pela simples interaccedilatildeo entre os
distintos ramos do Poder por essa razatildeo eacute possiacutevel encontrar os maiores exemplos desse
tipo de diaacutelogo em sistemas de jurisdiccedilatildeo constitucional centrados na supremacia judicial
conforme se leraacute a seguir
Bateup subdivide essas formas de diaacutelogo em duas categorias as
denominadas de aconselhamento judicial (judicial advice- giving) e as teorias centradas no
processo (process centered rules)
Antes de se tratado cada categoria em especiacutefico necessaacuterio destacar
mais uma vez que o foco neste caso estaacute em buscar exemplos da manifestaccedilatildeo dessa teoria
na jurisdiccedilatildeo constitucional de paiacuteses que adotam um modelo de revisatildeo judicial inspirado
no tradicional modelo norte americano justamente para tentar verificar se neles tambeacutem haacute
36
uma possibilidade de diaacutelogo jaacute que adotam um sistema forte de controle de
constitucionalidade sugerindo o que alguns autores chamam de ldquoenfraquecimento do
controle de constitucionalidaderdquo e fazer o contraponto com a forma de diaacutelogo estabelecida
em jurisdiccedilotildees constitucionais que adotam o weak judicial review para verificar onde se
assemelham e onde se distanciam
Reassalte-se ainda que o objetivo natildeo eacute exaurir todas as questotildees e
pormenores praacuteticos e teoacutericos dos exemplos que seratildeo dados a seguir mas tatildeo somente
abordar as questotildees referentes ao potencial dialoacutegico dos institutos juriacutedicos mencionados
que eacute o que interessa para o alcance do objetivo do presente trabalho
81 Aconselhamento judicial
As teacutecnicas de aconselhamento judicial consistem em formas proativas
de interpretaccedilatildeo constitucional e construccedilatildeo de decisotildees que o Judiciaacuterio recomendan o curso
de accedilatildeo do Poder Legislativo e busca aconselhaacute-lo com o obejtivo de evitar futuros
problemas constitucionais
O uso dessas teacutecnicas visa assegurar que os ramos poliacuteticos visualizem
e entendam a interpretaccedilatildeo constitucional feita pelo Judiciaacuterio para que com isso elaborem
a legislaccedilatildeo de acordo com a mesma ou ainda alterem a legislaccedilatildeo em vigor para evitar
discrepacircncias (BATEUP 2005 p17)
Por natildeo existir uma forma predeterminada para promoccedilatildeo do
aconselhamento judicial nem a necessidade de previsatildeo de um mecanismo especiacutefico para
tanto ele se traduz na praacutetica de inuacutemeras formas Sendo assim natildeo haacute como enumerar todas
as suas possibilidades praacuteticas de forma exaustiva razatildeo pela qual foram selecionadas as
mais importantes e evidentes
811 Constitutional road maps
A doutrina americana reporta-se agraves decisotildees judiciais denominadas de
constitutional road maps mediante as quais o Judiciaacuterio pronuncia a inconstitucionalidade de
uma lei mas ao mesmo tempo aponta os caminhos possiacuteveis a serem seguidos pelo
Legislativo para a correccedilatildeo da incompatibilidade
37
Essa teacutecnica foi utilizada pela Suprema Corte Americana no
julgamento do caso City of Chicago v Morales37 no qual foi analisada a constitucionalidade
da Chicagoacutes gang-loitering law lei que impedia a congregaccedilatildeo puacuteblica de membros de
gangues e seus associados
A lei foi considerada inconstitucional por ser vaga e violar o devido
processo legal poreacutem apesar de declarara inconstitucionalidade a Suprema Corte proferiu
decisatildeo esboccedilando de forma detalhada as alternativas legais com potencial para sobreviver
ao escrutiacutenio judicial
As diretrizes para a elaboraccedilatildeo de um estatuto legal em consonacircncia
com a Constituiccedilatildeo foram traccediladas no voto da Juiacuteza Sandra OrsquoConnor as quais em sua
maioria foram seguidas pelo Legislativo na elaboraccedilatildeo do novo diploma legal
aproximadamente trecircs anos depois razatildeo pela qual a decisatildeo eacute apontada pela doutrina como
fruto de diaacutelogo
Apesar de neste caso a decisatildeo da Suprema Corte ter servido de diretriz
para a elaboraccedilatildeo de um novo diploma legal nem sempre eacute o que ocorre A teacutecnica do
constitutional road map eacute alvo de muitas criacuteticas sendo considerada uma das teacutecnicas mais
radicais e perigosas de incentivo poacutes-invalidaccedilatildeo da lei pois ao derrubar a legislaccedilatildeo em
anaacutelise o Judiciaacuterio oferece um roteiro a ser seguido pelo Legislativo para criar um estatuto
legal que seja constitucional (LUNA 2001)
812 Sentenccedilas intermedias (declaraccedilotildees de mera incompatibilidade
e sentenccedilas apelativas)
No acircmbito europeu em especial no Direito alematildeo existem alguns
tipos de sentenccedilas oriundas do controle de constitucionalidade que satildeo consideradas como
teacutecnicas dialoacutegicas sob o ponto de vista das teorias fundadas no meacutetodo judicial Essas
sentenccedilas fazem parte do grupo das chamadas ldquosentenccedilas intermediasrdquo ou ldquosentenccedilas
37 Oportuno se faz esclarecer que natildeo se adentra nas questotildees faacuteticas do caso nem no meacuterito da decisatildeo por
fugir ao escopo do presente trabalho poreacutem a decisatildeo pode ser consultada na iacutentegra em
httpssupremejustiacomcasesfederalus52741casehtml
38
normativasrdquo38 as quais satildeo decisotildees judiciais que se situam entre o considerar e o natildeo
considerar a inconstitucionalidade de uma norma e nos casos em que eacute admissiacutevel entre
rejeitar a norma considerada inconstitucional e concomitantemente expulsaacute-la do
ordenamento juriacutedico e natildeo considerar constitucional e mantecirc-la (URBANO 2012 p 87)39
Apesar de natildeo nos interessar a anaacutelise de todos os diversos tipos de
sentenccedilas intermedias eacute oportuno destacar que as mesmas satildeo uma produccedilatildeo recente da
jurisdiccedilatildeo constitucional dos paiacuteses europeus que adotaram o modelo autriacuteaco de controle
de consitucionalidade ou seja um controle concentradoabstrato realizado por um Tribunal
criado para esse fim especiacutefico e que revelam que a idealizaccedilatildeo de Kelsen de criaccedilatildeo de um
oacutergatildeo que atue como legislador negativo vem sendo ultrapassada agrave medida que os Tribunais
Constitucionais natildeo mais se limitam meramente a decidir pela constitucionalidade ou natildeo de
uma norma sobretudo pela evidente complexidade dos problemas constitucionais que
exigem decisotildees mais elaboradas que o esquema ldquoconstitucional v inconstitucionalrdquo
Pois bem O primeiro tipo de sentenccedila dentro desse universo que pode
ser considerada como uma teacutecnica dialoacutegica eacute a chamada ldquodeclaraccedilatildeo de mera
incompatibilidaderdquo originaacuteria da jurisprudecircncia alematilde Consiste em uma decisatildeo do
Tribunal Constitucional onde natildeo haacute a anulaccedilatildeo da lei mas apenas a declaraccedilatildeo de que a
mesma eacute incompatiacutevel com a constituiccedilatildeo e a sua consequente suspensatildeo ateacute que o
Legislativo efetue a correccedilatildeo da norma a fim de tornaacute-la constitucional
Ou seja o Tribunal reconhece a inconstitucionalidade da norma poreacutem
sem declarar a sua nulidade mantendo-a no ordenamento juriacutedico mas suspendendo a sua
aplicaccedilatildeo Com isso de acordo com os defensores dessa praacutetica o Judiciaacuterio estaria
permitindo ao Legislativo a correccedilatildeo da legislaccedilatildeo a tempo de evitar um vaacutecuo legislativo
(QUEIROZ 2012)
Essa praacutetica tem sido muito utilizada pelo Tribunal Constitucional
Alematildeo nos casos em que ldquoa declaraccedilatildeo de nulidade haveria de produzir uma situaccedilatildeo
juriacutedica insuportaacutevelrdquo especialmente nas seguintes situaccedilotildees a) quando o juiz reconhece
que o legislador natildeo tinha outra alternativa dado o contexto histoacuterico existente b) quando a
38 Natildeo haacute um consenso na doutrina a respeito da denominaccedilatildeo desses tipos de decisatildeo aqui se optou por utilizar
essas duas nomenclaturas por serem amplamente difundidas e utilizadas pelos doutrinados portugueses e
brasileiros respectivamente
39 No contexto brasileiro essas decisotildees satildeo conhecidas como sentenccedilas interpretativas ou intermediaacuterias
39
inconstitucionalidade natildeo eacute evidente designadamente por motivos de seguranccedila c) quando
a ausecircncia da norma inconstitucional eacute menos adequada que a sua manutenccedilatildeo d) quando
estatildeo em causa disciplinas discriminatoacuterias (URBANO 2012 p 81-82)
Mendes (1990) destaca que essa teacutecnica decisoacuteria eacute utilizada pelo
Tribunal Constitucional alematildeo principalmente nos casos em que estaacute em jogo o princiacutepio
da isonomia quando uma lei injustificadamente confere benefiacutecios a um determinado
nuacutemero de pessoas ou grupos sociais deixando de englobar outros setores caracterizando
assim uma situaccedilatildeo singular complexa que natildeo pode ser resolvida com a simples declaraccedilatildeo
de inconstitucionalidade da lei
Outra importante figura tambeacutem originaacuteria do direito alematildeo mas hoje
tambeacutem muito presente no Direto italiano satildeo as ldquosentenccedilas apelativas ou exortativasrdquo
Nesse tipo de sentenccedila o Tribunal Constitucional natildeo considera a lei inconstitucional no
momento em que profere a decisatildeo entretanto alerta o Legislativo para a possibilidade de
uma futura inconstitucionalidade e diante disso dirige-lhe um apelo para que modificaccedilatildeo
a legislaccedilatildeo a fim de adequaacute-la a Lei Maior
Esse apelo visa sobretudo evitar uma futura inconstitucionalidade e
com base nessa justificativa o Tribunal oferece ao legislador com maior ou menor
determinaccedilatildeo e exigecircncia possibilidades orientaccedilotildees para a reparaccedilatildeo da norma em tempo
uacutetil fixando em alguns casos um prazo para tanto (URBANO 2012a)
Diferem das decisotildees de mera incompatibilidade pois nessas a norma jaacute
foi considerada inconstitucional cabendo ao legislador proceder a imediata adequaccedilatildeo para
sanar a inconstitucionalidade enquanto que nas sentenccedilas apelativas a violaccedilatildeo ao texto
constitucional ainda natildeo foi consumada ou ainda natildeo haacute certeza sobre a sua ocorrecircncia
(SILVA 2008)
A doutrina italiana tem maioritariamente fundamentado a utilizaccedilatildeo
desse tipo de decisatildeo em um chamado constitucionalismo cooperativo italiano equivalente
a dizer que o Tribunal Constitucional quando confrontado com a ineacutercia do poder poliacutetico
tem desempenhado uma funccedilatildeo propulsora dos valores constitucionais (SILVA 2008
p1119)
O que essas decisotildees possuem em comum entre si e tambeacutem com a
primeira figura aqui mencionada do constitutional road map eacute o fato de conterem em seu
40
corpo em menor ou maior grau orientaccedilotildees para a atividade legislativa visando sanar ou
evitar questotildees de inconstitucionalidade
Na visatildeo de Gomes Canotilho (2003 p 1018) esses tipos de decisotildees
satildeo altamente criticaacuteveis pois ldquoa natildeo atribuiccedilatildeo dos efeitos da nulidade ipso jure natildeo pode
implicar a sobrevivecircncia e aplicaccedilatildeo da norma considerada inconstitucional nem os
laquoperigosraquo das lacunas legislativas se podem sobrepor aos perigos da erosatildeo do princiacutepio da
constitucionalidade dos actos normativosrdquo
82 Teorias centradas no processo
Apesar de ser classificada por Bateup como uma forma de diaacutelogo que
emana de uma decisatildeo judicial pode-se dizer que eacute o contraponto do meacutetodo do
aconselhamento judicial pois ao inveacutes de defender a postura provocadora do Judiciaacuterio agrave
reposta legislativa como centro do diaacutelogo preconiza justamente o contraacuterio uma atuaccedilatildeo
contida dos Tribunais de forma a deixar um maior espaccedilo para a atuaccedilatildeo legislativa
De acordo com esse grupo de teorias o Judiciaacuterio natildeo deve apontar o
caminho a ser seguido pelo Legislativo criando diretrizes ou dando orientaccedilotildees eacute uma
atividade que natildeo lhe compete mas deve possibilitar um ldquosegundo olharrdquo para a questatildeo
821 Minimalismo judicial
A teoria do minimalismo judicial tem se desenvolvido principalmente
no contexto norte americano onde os precedente judiciais possuem muita forccedila normativa
Ela pretende a afirmaccedilatildeo do priciacutepio democraacutetico por meio da limitiaccedilatildeo da atuaccedilatildeo judicial
no processo de tomada de decisotildees que envolvam principalmente a fixaccedilatildeo do conteuacutedo de
direitos fundamentais em temas sensiacuteveis da vida social como questotildees relacionadas ao
aborto casamento de homossexuais dentre outras
O atual exponente defensor dessa teoria eacute o americano Cass R Sustein
que propotildee uma limitaccedilatildeo da atuaccedilatildeo jurisdicional das Cortes as quais natildeo devem decidir
questotildees que extrapolem o caso concreto que estaacute em analise visando um ldquouso construtivo
do silecircnciordquo
Ou seja o Judiciaacuterio natildeo deve tomar decisotildees abrangentes de forma
41
que enclausurem a discussatildeo para sempre mas sim deve restringir-se agraves questotildees daquele
caso concreto permitindo que a discussatildeo profunda e geneacuterica do tema ocorra no acircmbito do
oacutergatildeo legislativo o qual possui legimitidade democraacutetica para tanto
Dessa forma o minimalismo em sua forma processual consiste em um
esforccedilo para limitar a amplitude e profundidade das decisotildees judiciais quando os juiacutezes
carecem e sabem que carecem de informaccedilotildees relevantes o minimalismo eacute uma forma de
resposta apropriada razoaacutevel e ateacute mesmo inevitaacutevel para resolver o problema praacutetico de
obter o consenso dentro de uma sociedade heterogecircna (SUSTEIN 1999 p 5)
Bickel (1962) tambeacutem um importante nome dos defensores da
contenccedilatildeo da atuaccedilatildeo judicial ao falar sobre o exerciacutecio pela Suprema Corte do que
denomina de ldquovirtudes passivasrdquo faz referecircncia agrave diversas ldquoteacutecnicas de natildeo decisatildeordquo
existentes no processo norte americano mediante as quais pode a Suprema Corte se abster
de emitir opiniatildeo como por exemplo political question ripness standing mootness dentre
outras
Acrescenta que a Suprema Corte natildeo tem a obrigaccedilatildeo de decidir todo o
tempo e que se assim o fosse poderia levar a um processo manipulativa da democracia
fazendo com que a Corte simplesmente substituisse o legislative impedindo o exerciacutecio do
seu juiacutezo de conveniecircncia tornando-se um second guesser (BICKEL 1962 p200)
Sob o ponto de vista dialoacutegico na contenccedilatildeo da atuaccedilatildeo judicial o cerne
do diaacutelogo estaacute justamente na possibilidade de o legislador lanccedilar um novo olhar para um
tema que possivelmente foi tratado de forma apressada ou sem a profundidade necessaacuteria
aumentando assim a responsabilidade do Legislativo no exerciacutecio da sua atividade tomando
decisotildees poliacuteticas e elaborando normas com niacuteveis adequados de cuidado e deliberaccedilatildeo
(BATEUP 2005)
Nesse mesmo sentido Bickel (1962 p 70-71) em clara referecircncia agraves
teorias do diaacutelogo afirma que ao evitar decidir a Corte estimula o coloacutequio com os outros
poderes e a sociedade O minimalismo judicial seria portanto uma forma de participaccedilatildeo
passiva do Judiciaacuterio no diaacutelogo constitucional permitindo que os juiacutezes abram o diaacutelogo
com os poderes poliacuteticos a fim de incentivar a resoluccedilatildeo poliacutetica das questotildees constitucionais
que satildeo alvo de conflito
42
822 Modulaccedilatildeo temporal dos efeitos da declaraccedilatildeo de
inconstitucionalidade
A possibilidade de modulaccedilatildeo dos efeitos da decisatildeo pelo Tribunal em
sede de controle de constitucionalidade na perspectiva das teorias fundadas no meacutetodo
judicial tambeacutem pode ser considerada como um mecanismo dialoacutegico sob o ponto de vista
das teorias do meacutetodo judicial centradas no processo eis que possibilita a resposta
legislativa entretanto de forma menos agressiva que as outras teacutecnicas explanadas acima
Essa possibilidade eacute prevista expressamente no Direito Portuguecircs Os
efeitos e o alcance das decisotildees do Tribunal Constitucional em sede do controle abstrato de
constitucionalidade estatildeo previstos no n 1 e n 2 do artigo 282 da Constituiccedilatildeo Portuguesa
os quais determinam respectivamente que ldquoA declaraccedilatildeo de inconstitucionalidade ou de
ilegalidade com forccedila obrigatoacuteria geral produz efeitos desde a entrada em vigor da norma
declarada inconstitucional ou ilegal e determina a repristinaccedilatildeo das normas que ela
eventualmente haja revogadordquo ldquoTratando-se poreacutem de inconstitucionalidade ou de
ilegalidade por infraccedilatildeo de norma constitucional ou legal posterior a declaraccedilatildeo soacute produz
efeitos desde a entrada em vigor desta uacuteltimardquo
Todavia o n 4 do referido artigo traz expressamente a possibilidade de
fixaccedilatildeo dos efeitos da decisatildeo pelo Tribunal de forma fundamentada quando a seguranccedila
juriacutedica razotildees de equidade ou interesse puacuteblico de excepcional relevo o exigir Os efeitos
podem ser fixados de diversas formas poreacutem a que nos interessa no presente trabalho eacute a de
fixaccedilatildeo dos efeitos para o futuro
De acordo com a possibilidade de modulaccedilatildeo dos efeitos da declaraccedilatildeo
de inconstitucionalidade pode o Tribunal Constitucional declarar a inconstitucionalidade de
uma lei mas condicionar a sua nulidade a um determinado transcurso de tempo ou seja
determinar a sua nulidade pro futuro fixando um prazo determinado para que ela deixe de
produzir efeitos de ser aplicada possibilitando assim ao legislador a correccedilatildeo do estatuto e
evitando o vaacutecuo legislativo
Inspirado na Constituiccedilatildeo Portuguesa o Brasil atraveacutes do artigo 27 da
Lei 886899 de 10 de novembro passou tambeacutem a regulamentar possibilidade da
modulaccedilatildeo temporal das decisotildees proferidas no julgamento de accedilatildeo direta de
inconstitucionalidade e de accedilatildeo declaratoacuteria de constitucionalidade
43
A referida lei passou a facultar ao Supremo Tribunal Federal no
exerciacutecio do controle abstrato de constitucionalidade modular os efeitos da decisatildeo por
razotildees de seguranccedila juriacutedica ou de excepcional interesse social Todavia atualmente essa
modulaccedilatildeo se estende tambeacutem ao controle difuso conforme se leraacute
A decisatildeo proferida pelo Superior Tribunal Federal no ano de 2004 no
julgamento do caso Mira Estrela eacute tida como paradigmaacutetica40 por ter sido aplicado o artigo
27 da Lei 886899 no controle de constitucionalidade de um caso concreto A declaraccedilatildeo da
inconstitucionalidade se deu no acircmbito do julgamento do Recurso Extraordinaacuterio 197917-
8 de accedilatildeo civil puacuteblica proposta pelo Ministeacuterio Puacuteblico do Estado de Satildeo Paulo visando a
diminuiccedilatildeo do nuacutemero de vereadores do municiacutepio de Mira Estrela alegando que o mesmo
natildeo era proporcional ao nuacutemero de habitantes ainda que estivesse dentro do limite
constitucional41
O Supremo concordou com a desproporcionalidade e em face disso
declarou a inconstitucionalidade da referida norma todavia modulou os efeitos da decisatildeo
pro futuro para salvaguardar os mandatos dos vereadores jaacute eleitos e a validade dos
respectivos atos administrativos por eles praticados evitando assim consequecircncias
desastrosas para a administraccedilatildeo puacuteblica Fundamentou a necessidade da modulaccedilatildeo dos
efeitos na proteccedilatildeo da Seguranccedila Juriacutedica
Em que pese essa ser uma teacutecnica menos agressiva que as anteriores
vez que o Judiciaacuterio ao menos em tese apenas possibilita uma reaccedilatildeo legislativa a sua
decisatildeo sem lhe estipular diretrizes e com isso adentrar em sua liberdade de conformaccedilatildeo
na praacutetica tambeacutem natildeo haacute como garantir que haveraacute a reaccedilatildeo legislativa e eacute nisso que reside
a maioria das criacuteticas a todas esses mecanismos ditos dialoacutegicos conforme se veraacute mais
adiante
40 RE 197917-8SP Iacutentegra da decisatildeo disponiacutevel em
httpredirstfjusbrpaginadorpubpaginadorjspdocTP=ACampdocID=235847 41 A Lei Orgacircnica do municiacutepio de Mira Estrela estabelecia em 11 o nuacutemero de vereadores os quais estavam
dentro dos limites impostos no artigo 29 da Constituiccedilatildeo Federal estabelecido conforme o nuacutemero de
habitantes
44
823 Accedilatildeo de inconstitucionalidade por omissatildeo legislativa
O modelo de controle de constitucionalidade portuguecircs prevecirc
expressamente a possibilidade do controle das omissotildees legislativas por intermeacutedio da
disposiccedilatildeo contida no artigo 283 da Constituiccedilatildeo Federal 42
Inspirado no instituto portuguecircs o Brasil tambeacutem trouxe em sua
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 a expressa previsatildeo da possibilidade do controle de
constitucionalidade das omissotildees legislativas (paraacutegrafo 2ordm do artigo 103) poreacutem criou
ainda uma nova figura especifica para esse fim o mandado de injunccedilatildeo (inciso LXXI do
artigo 5ordm)
Em ambos os sistemas uma omissatildeo legislativa eacute considerada
inconstitucional quando o legislador natildeo cumpre com aquilo que estava constitucionalmente
obrigado ou seja quando a sua omissatildeo prejudica a exequibilidade de alguma norma
constitucional Para que a omissatildeo ganhe significado relevante deve ter conexatildeo com uma
exigecircncia constitucional de accedilatildeo natildeo bastando a violaccedilatildeo do simples dever legal de legislar
(CANOTILHO2003)
Miranda (2008) destaca que a omissatildeo pode ser total ou parcial
quando por exemplo existe a norma mas ela eacute insuficiente ou deficiente43 e que o juiacutezo da
inconstitucionalidade por omissatildeo traduz-se num juiacutezo sobre o tempo em que deveria ser
produzida a lei devendo o Judiciaacuterio sem substituir ao oacutergatildeo legislador medir e interpretar
o tempo decorrido para a elaboraccedilatildeo da lei44
42 Neste sentido ver o que Tushnet diz sobre esse tipo de concepccedilatildeo de diaacutelogo em TUSHNET Mark Dialogue
and Constitutional Duty Havard Law School Public Law amp Legal Theory Working Paper Series paper nordm 12-
10 p 4-9
43 ldquoA inconstitucionalidade por omissatildeo natildeo surge apena por carecircncia de medidas legislativas surge tambeacutem
por deficiecircncia delas Mas isto natildeo significa que perante um projecto ou uma proposta de lei com vista ao
cumprimento de determinada norma constitucional tenha de se proceder agrave sua anaacutelise para discernir se o
sentido de seus preceitos se enquadra ou natildeo no sentido de Constituiccedilatildeo De jeito algum cabe ao oacutergatildeo de
fiscalizaccedilatildeo da inconstitucionalidade por omissatildeo debruccedilar-se a esse tiacutetulo sobre o conteuacutedo de qualquer acto
de iniciativa legislativardquo (MIRANDA 2008 p 325)
44ldquoA ausecircncia ou a insuficiecircncia da norma legal natildeo pode ser separada de determinado tempo histoacuterico
assinalado pela necessidade de produccedilatildeo legislativa e cuja duraccedilatildeo maior o menor ou seraacute prefixada pela
proacutepria Constituiccedilatildeo ou depende da natureza das coisas (ou seja da natureza da norma constitucional natildeo
exequiacutevel por si mesma confrontada com as situaccedilotildees da vida inclusive situaccedilatildeo que agrave sua margem esteja
por acccedilatildeo o legislador ordinaacuterio a criar)rdquo (MIRANDA 2008 p 322)
45
A accedilatildeo de inconstitucionalidade por omissatildeo prevista no ordenamento
portuguecircs e brasileiro constitui portanto um meio atraveacutes do qual o Judiciaacuterio controla a
ineacutercia legislativa declarando a inconstitucionalidade da sua ineacutercia e solicitando a tomada
de providecircncias Pode-se dizer que seus efeitos praacuteticos assemelham-se agraves sentenccedilas
apelativas da Alemanha e Itaacutelia todavia nesse instituto a decisatildeo do Judiciaacuterio tem efeito
meramente declaratoacuterio dando conhecimento ao Legislativo da sua omissatildeo e enfatizando a
necessidade de atuaccedilatildeo sem traccedilar qualquer diretriz para tanto45
Desta forma a sentenccedila proferida no controle de constitucionalidade da
omissatildeo legislativa por meio da accedilatildeo declaratoacuteria de inconstitucionalidade por omissatildeo
possui um caraacuteter apelativo eis que objetiva chamar a atenccedilatildeo do legislador para a
necessidade de elaboraccedilatildeo da lei necessaacuteria a concretizar determinada norma constitucional
Assim sob a perspectiva das teorias dialoacutegicas centradas no processo pode ser considerada
como um mecanismo propulsor de interaccedilatildeo entre os poderes no seio da jurisdiccedilatildeo
constitucional
83 Criacuteticas agraves teorias dialoacutegicas fundadas no meacutetodo judicial
Todas essas teacutecnicas de decisatildeo judicial que visam possibilitar uma
resposta do Legislativo por meio de uma decisatildeo judicial embora diferentes em alguns
aspectos possuem um ponto determinante em comum privilegiam a interpretaccedilatildeo do
Judiciaacuterio
Sob o ponto de vista da dificuldade da legitimidade democraacutetica da
revisatildeo judicial portanto essas teorias natildeo seriam suficientes para solucionar as questotildees
eis que o Judiciaacuterio continuaria na praacutetica ainda sendo o detentor da uacuteltima palavra na
resoluccedilatildeo dos conflitos constitucionais
Nessa perspectiva natildeo se verifica uma efetiva deliberaccedilatildeo conjunta
entre Judiciaacuterio e Legislativo na tomada de decisatildeo O que ocorre eacute apenas que o Judiciaacuterio
mediante a adoccedilatildeo de estrateacutegias especiacuteficas busca acionar ou estimular a atuaccedilatildeo
45 Esclarece-se que a aplicabilidade da accedilatildeo de inconstitucionalidade por omissatildeo possui alguns aspectos
controvertidos poreacutem como jaacute dito natildeo constitui nosso objetivo tratar todas as questotildees controvertidas de
cada instituto aqui mencionado mas apenas identifica-los como mecanismos potencialmente dialoacutegicos de
acordo com as teorias
46
legislativa Portanto pode-se concluir que essas teorias se consubstanciam na praacutetica em um
diaacutelogo formal e natildeo material o que jaacute seria um alvo suficiente para criacutetica
Ademais o fato de privilegiarem claramente o ponto de vista judicial
podem acabar permitindo de certa forma que o Judiciaacuterio adentre o acircmbito de atuaccedilatildeo
legislativa sobretudo nas teacutecnicas de aconselhamento judicial
Ainda que se possa considerar que a decisatildeo judicial nesses casos
apenas fornece diretrizes para a atuaccedilatildeo legislativa natildeo haacute como negar que pode acabar
condicionando a sua atuaccedilatildeo restando-lhe apenas acatar o que foi direcionado pelo
Judiciaacuterio o que do ponto de vista dialoacutegico natildeo parece o ideal
Mesmo nos mecanismos mais brandos que os de aconselhamento
judicial onde haacute uma interferecircncia direta do Judiciaacuterio na conformaccedilatildeo legislativa eacute inegaacutevel
que haacute ainda alguma intromissatildeo mesmo que em menor escala ou de forma indireta
Haacute de se destacar tambeacutem a falta de previsibilidade das orientaccedilotildees do
Tribunal e a sua potencialidade enganosa para o Legislador suscitada por Carlos Blanco de
Morais (2014 p 726) ao analisar um recente julgado do Tribunal Constitucional Portuguecircs
no contexto da crise econocircmica
O renomado constitucionalista observa que no Acoacuterdatildeo nordm 1872013 o
Tribunal Constitucional46 ao declarar a inconstitucionalidade da norma da Lei de Orccedilamento
do Estado relativa a tributaccedilatildeo dos subsiacutedios de desemprego e doenccedila agrave luz do princiacutepio da
existecircncia condigna (artigo 2ordm da CRP) fixou orientaccedilatildeo ao legislador no sentido de que no
proacuteximo ano a Lei orccedilamentaacuteria ao tratar da mateacuteria trouxesse uma claacuteusula de salvaguarda
impedindo a tributaccedilatildeo das respectivas prestaccedilotildees de desemprego e doenccedila de forma
prejudicial a garantia dos seus valores miacutenimos
O legislador na elaboraccedilatildeo da Lei Orccedilamentaacuteria do ano de 2014 seguiu
a orientaccedilatildeo do Tribunal todavia ao analisar a constitucionalidade da nova lei o mesmo
Tribunal que havia ditado aquela orientaccedilatildeo no Acoacuterdatildeo nordm 413201447 julgou a claacuteusula
insuficiente e violadora do princiacutepio da razoabilidade
46 Iacutentegra da decisatildeo disponiacutevel em httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20130187html 47 Iacutentegra da decisatildeo disponiacutevel em httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20140413html
47
Blanco de Moraes com base nesse caso concreto destaca o perigo das
orientaccedilotildees perpetradas pelo Judiciaacuterio que podem servir de ldquoemboscadardquo para o legislador
O fato eacute que ainda que o Legislativo siga as orientaccedilotildees do Tribunal natildeo haacute garantia da
constitucionalidade do novo diploma o que pode acabar resultando em um reforccedilo da
postura ativista do Judiciaacuterio que interfere no acircmbito da liberdade de conformaccedilatildeo legislativa
ditando orientaccedilotildees que nem ele mesmo segue posteriormente
Dito isto evidencia-se que assim como a atitude do Judiciaacuterio pode
incentivar e encorajar um debate resultando na criaccedilatildeo de um novo diploma sem viacutecio o
que seria beneacutefico tambeacutem pode acabar resultando em um sequestro do processo legislativo
dando super poderes ao Judiciaacuterio que tanto pode anular como reformar um estatuto legal
(LUNA 2001)
Bateup sintetiza a criacutetica afirmando que a praacutetica do aconselhamento
judicial simplesmente encoraja os ramos poliacuteticos a fazer o que o Judiciaacuterio diz e que na
realidade o aconselhamento seria um aviso de que a legislaccedilatildeo natildeo satisfaz seus
entendimentos constitucionais e que embora ainda natildeo tenha sido derrubada seraacute assim no
futuro caso o Legislativo natildeo a adeque ao entendimento do Tribunal
Outro ponto importante que se verifica em ambas as categorias das
teorias fundadas no meacutetodo judicial tanto a de aconselhamento como as centradas no
processo eacute a necessidade de que para que esses mecanismos surtam algum efeito praacutetico
deve haver uma forte vontade de colaboraccedilatildeo entre os Poderes O Judiciaacuterio haacute de se
preocupar em avaliar a questatildeo e formular as diretrizes para a atuaccedilatildeo legislativa bem como
o Legislativo deve estar aberto ao recebimento dessas orientaccedilotildees e colocaacute-las em praacuteticas
Ou entatildeo no que diz respeito agrave teoria do minimalismo eacute necessaacuteria uma
forte consciecircncia das Cortes para concordar em conter a sua atuaccedilatildeo e ainda verificar quando
deve ou natildeo assim agir havendo o risco dessa contenccedilatildeo ocorrer em momentos inoportunos
e vice e versa
O que esse grupo de teorias revela sobretudo eacute a grande complexidade
das decisotildees judiciais no acircmbito do controle de constitucionalidade nos paiacuteses que seguem
um modelo fundado na supremacia do Judiciaacuterio ficando claro que nem sempre os
problemas constitucionais seratildeo resolvidos por meio da simples declaraccedilatildeo de
48
constitucionalidade ou inconstitucionalidade mesmo que acabem no fim resultando em um
dos dois efeitos isso pode ocorrer em diversas intensidades
Fica claro entatildeo que o Judiciaacuterio exerce um papel tambeacutem poliacutetico
precisando agir com prudecircncia tanto quanto o legislativo para que suas decisotildees sejam bem
aceitas pela sociedade e produzam os efeitos esperados (HUBNER 2008)
Dessa forma ainda que seja alvo de criacuteticas e talvez natildeo seja a melhor
forma de concretizar o diaacutelogo natildeo se pode desprezar totalmente o conteuacutedo dessas teorias
e nem seus efeitos praacuteticos pois assim como essas praacuteticas podem ser consideradas
prejudiciais do ponto de vista democraacutetico ao mesmo tempo podem ser consideradas
beneacuteficas sob a oacutetica de concretizaccedilatildeo de direitos fundamentais sobretudo em paiacuteses
subdesenvolvidos ou que enfrentam uma crise de representatividade do Poder Legislativo
pois mediante decisotildees judiciais este seraacute forccedilado a agir
Um importante caso que vem sendo apontado por diversos
doutrinadores como um sucesso na efetivaccedilatildeo de direitos fundamentais e que segue a loacutegica
dessas teorias eacute a Aacutefrica do Sul o qual passamos a explanar
9 O especial caso da Aacutefrica do Sul
O constitucionalismo Sul Africano tem recebido muita atenccedilatildeo dos
estudiosos sobretudo dos defensores das teorias dialoacutegicas em virtude das inovadoras
decisotildees que vem sendo proferidas pela Suprema Corte desse paiacutes
A implementaccedilatildeo de um Estado democraacutetico na Aacutefrica do Sul
notadamente natildeo foi um processo tranquilo tampouco paciacutefico em virtude da sua conjuntura
histoacuterica O reconhecimento da autoridade do Poder Judicial para realizar a revisatildeo das leis
natildeo foi fruto de um processo gradativo como ocorreu em outros paiacuteses mas sim uma
imposiccedilatildeo brusca e radical 48
O constitucionalismo Sul Africano pode ser dividido em duas fases a
primeira que durou de 1910 a 1994 onde a proteccedilatildeo dos direitos fundamentais cabia ao poder
poliacutetico tendo o judiciaacuterio um papel severamente limitado no controle desse processo e a
48 Ver ROUX Theunis The Politics of Principle the first South African Constitutional Court Cambridge
Cambridge University Press 2013
49
segunda fase recentemente iniciada onde a ordem social e juriacutedica baseia-se na supremacia
de uma constituiccedilatildeo imposta e protegida judicialmente (SCHYFF 2010 p 34)49
A Constituiccedilatildeo de 1996 eacute a quinta adotada pelo paiacutes e eacute exemplo mundial
de uma Constituiccedilatildeo de caraacuteter transformador - que estabelece aspiraccedilotildees entendidas como
um desafio agraves praacuteticas de longa data ndash sendo grande parte do seu texto dedicado a eliminaccedilatildeo
dos efeitos danosos do apartheid (SUSTEIN 2001)
No tocante ao modelo de judicial review adotado a Aacutefrica do Sul optou
por um modelo forte de revisatildeo reconhecendo a supremacia do Poder Judiciaacuterio para a sua
decisatildeo e sendo ele o responsaacutevel pela palavra final no tocante a interpretaccedilatildeo
constitucional Todavia a praacutetica tem revelado uma interessante atuaccedilatildeo do Tribunal no
julgamento de casos que envolvem a efetivaccedilatildeo de direitos socioeconocircmicos
Famoso exemplo eacute o julgamento do caso Grotboom50 no qual estava em
questatildeo o direito a moradia de centenas de pessoas incluindo crianccedilas que estavam
desalojadas Esse grupo de pessoas recorreu agrave Corte para requisitar com base nos artigos 26
e 28 da Constituiccedilatildeo que o Estado Sul Africano providenciasse moradia adequada para eles
A Corte ao analisar o caso agrave luz do artigo 26 que assegura o direito a
moradia entendeu que houve violaccedilatildeo ao direito constitucional dos requerentes pois o
Estado natildeo havia cumprido com o dever de efetivar progressivamente dentro dos recursos
disponiacuteveis o acesso agrave moradia adequada Destacou que embora o programa do Governo
relativo a moradia fosse razoaacutevel em vaacuterios aspectos era falho pois natildeo atendia agraves
necessidades mais urgentes natildeo prevendo soluccedilatildeo para as demandas de curto prazo
No paraacutegrafo 42 da decisatildeo a Corte enfatizou que a mera ediccedilatildeo de leis
natildeo eacute o suficiente para constituir o cumprimento do dever constitucional do Estado que este
tem a obrigaccedilatildeo de agir para alcanccedilar o resultado pretendido e as medidas legislativas
invariavelmente tecircm de ser apoiadas por poliacuteticas e programas bem dirigidos e
adequadamente implementados pelo Executivo Que as poliacuteticas e programas devem ser
49 Para um maior aprofundamento sobre o constitucionalismo Sul Africano ver COCKRELL Alfred The
South African Bill of Rights and the lsquoDuckRabbitrsquo 60 Mod L Rev 513 (1997) BOUCKAERT Peter N The
Negotiated Revolution South Africarsquos Transition to Multiracial Democracy 33 Stanford J Int L 375 (1997)
GOLDSTONE Richard J The South African Bill of Rights 32 Texas Int L J 1451 (1997)
50 Government of The Republic of South Africa and others v Grootboom and others (CCT 1100) Igraventegra da
decisatildeo disponiacutevel emlt httpwwwsafliiorgzacasesZACC200019htmlgt
50
razoaacuteveis tanto na sua concepccedilatildeo quanto na sua implementaccedilatildeo sendo a formulaccedilatildeo de um
programa apenas a primeira etapa para cumprir as obrigaccedilotildees do estado jaacute que este deve ser
razoavelmente implementado pois se assim natildeo for natildeo constituiraacute o cumprimento das
obrigaccedilotildees do Estado51
Por fim o Tribunal emitiu uma ordem declaratoacuteria que delimitou as
deficiecircncias do programa governamental e sugeriu em vez de direcionar medidas para
minimizar as falhas O documento natildeo indicou entretanto que tipo de abrigo o Governo
deveria construir deixando essa decisatildeo para o proacuteprio Estado (NGWENA 2013 p80)
Por intermeacutedio dessa decisatildeo a Corte ao mesmo tempo que reconheceu
a justiciabilidade dos direitos sociais preservou certa autonomia do Estado no que respeita
a elaboraccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas vez que natildeo determinou a exata maneira que o mesmo
deveria agir reconhecendo que essa eacute uma competecircncia que natildeo compete ao Judiciaacuterio
Esse tipo de decisatildeo pode ser visto sob o ponto de vista das teorias
dialoacutegicas fundadas no meacutetodo judicial explicadas acima Nesse sentido reforccedilando o
potencial dialoacutegico dessas decisotildees Dixon (2007) leciona que o Poder Judiciaacuterio deve
exercer um papel ativo a fim de evitar a ineacutercia dos outros poderes
Aponta que as possiacuteveis causas da ineacutercia legislativa seriam de duas
categorias os blind spots ou pontos cegos que satildeo as situaccedilotildees em que natildeo resta claro para
o Legislativo os imperativos de sua accedilatildeo reguladora como por exemplo quando natildeo
reconhecem que determinada forma de aplicaccedilatildeo de uma lei pode ser violadora de direitos
e quando a ineacutercia decorre de motivos de conveniecircncia poliacutetica quando acredita que o ocircnus
eleitoral da sua accedilatildeo pode ser maior que o da sua omissatildeo (DIXON 2007)
Nessa perspectiva de diaacutelogo proposta por Dixon cabe ao Judiciaacuterio
provocar o Legislativo por meio da decisatildeo judicial que o obrigue a elaboraccedilatildeo de poliacuteticas
puacuteblicas para garantir tanto quanto possiacutevel a maior eficaacutecia dos direitos fundamentais
51 [42] The state is required to take reasonable legislative and other measures Legislative measures by
themselves are not likely to constitute constitutional compliance Mere legislation is not enough The state is
obliged to act to achieve the intended result and the legislative measures will invariably have to be supported
by appropriate well-directed policies and programmes implemented by the executive These policies and
programmes must be reasonable both in their conception and their implementation The formulation of a
programme is only the first stage in meeting the statersquos obligations The programme must also be reasonably
implemented An otherwise reasonable programme that is not implemented reasonably will not constitute
compliance with the statersquos obligations Government of The Republic of South Africa and others v Grootboom
and others (CCT 1100)
51
sem todavia adentrar ou comprometer a sua liberdade de conformaccedilatildeo mas de forma que
retire o legislativo da sua ineacutercia
Por decisotildees como essa apesar do sistema Sul Africano ter como
caracteriacutestica a participaccedilatildeo ativa do Judiciaacuterio na efetivaccedilatildeo dos direitos fundamentais o
mesmo vem sendo apontado por alguns estudiosos das teorias do diaacutelogo como um sistema
promissor nesse sentido em virtude do enfraquecimento das decisotildees judiciais que apesar
de direcionarem a atuaccedilatildeo do Legislativo preservam a sua liberdade de escolha e atuaccedilatildeo
10 As teorias estruturais de diaacutelogo
Nessa categoria alocam-se as teorias que se baseiam no reconhecimento
de mecanismos institucionais ou poliacuteticos dentro dos sistemas constitucionais que permitam
aos atores poliacuteticos responder agraves decisotildees judiciais em caso de conflito
Ao contraacuterio das teorias do meacutetodo judicial essas natildeo tecircm como objeto
principal a construccedilatildeo da decisatildeo judicial mas sim as formas pelas quais se estabelecem as
relaccedilotildees entre as diversas estruturas do Poder de maneira que possam oferecer respostas agrave
uma decisatildeo que gere desacordo Hubner (2008 p 99) aponta que as teorias estruturais ao
contraacuterio das que se fundam no meacutetodo judicial possuem um caraacuteter exoacutegeno logo menos
dependente da postura de cada instituiccedilatildeo
Para os que defendem essas teorias o diaacutelogo surge mediante a
utilizaccedilatildeo de mecanismos de interaccedilatildeo entre juiacutezes e os outros atores poliacuteticos Esses
mecanismos satildeo encontrados no modelo do weak judicial review ou sistemas brandos de
controle de constitucionalidade os quais como jaacute dito surgiram como uma alternativa ao
modelo tradicional pautado na supremacia judicial
A maioria dessas teorias foram surgindo a partir da necessidade de
justificar e fundamentar a previsatildeo de mecanismos contidos no Bill of Rights de paiacuteses
tradicionalmente de supremacia parlamentar a fim de harmonizar este tipo de sistema com
a necessidade de proteccedilatildeo aos direitos fundamentais
De acordo com a sistematizaccedilatildeo feita por Bateup existem quatro
subcategorias de teorias estruturais as de construccedilatildeo coordenada as dos princiacutepios juriacutedicos
a do equiliacutebrio e a da parceria Importante esclarecer que apesar de termos adotado essa
52
sistematizaccedilatildeo como nosso referencial teoacuterico por acreditarmos na sua coerecircncia e
completude neste particular ousamos discordar dessa diferenciaccedilatildeo
A diferenciaccedilatildeo feita por Bateup reside basicamente nos argumentos de
que as teorias de construccedilatildeo coordenada se aplicam apenas ao contexto norte-americano as
teorias dos princiacutepios juriacutedicos reconhecem uma especial competecircncia ao Judiciaacuterio para
decidir questotildees relacionadas agrave princiacutepios juriacutedicos as do equiliacutebrio por serem neutras natildeo
reconhecem nenhuma capacidade especial a nenhum Poder e contam ainda com a
participaccedilatildeo da sociedade e as teorias da parceria
Sendo assim todas as subcategorias em que Bateup divide as teorias
estruturais de diaacutelogo enquadram-se na ideia geral da construccedilatildeo coordenada podem ateacute se
diferenciar em um ou outro aspecto mas ainda assim natildeo deixam de fazer parte desta
Dessa forma natildeo se deixaraacute de abordar as subdivisotildees propostas por
Bateup mas ao contraacuterio do que foi feito no tocante as teorias centradas no meacutetodo judicial
natildeo se mencionaraacute especicamente cada uma delas para depois dar exemplos praacuteticos mas
seratildeo feitas as devidas menccedilotildees quando da anaacutelise dos diferenres sistemas de weak judicial
review que aqui se apresenta como exemplo das teorias estruturais de diaacutelogo
Importante se faz esclarecer que essa opccedilatildeo tambeacutem reside em questotildees
didaacuteticas necessaacuterias para a melhor compreensatildeo do trabalho
10 1 Teorias de construccedilatildeo coordenada
Tratam-se de teorias que reconhecem que a identificaccedilatildeo do sentido
constitucional eacute uma tarefa a ser compartilhada entre as diversas esferas do Poder ou seja
natildeo eacute uma tarefa atribuiacuteda unicamente ao Judiciaacuterio Assim o diaacutelogo eacute algo inerente ao
princiacutepio do check and balances natildeo havendo uma uacutenica instacircncia detentora da uacutetlima
palavra
Com isso a base dessas teorias eacute o fato de que da mesma forma que o
Tribunal possui mecanismos de controle dos ramos poliacuteticos por meio da revisatildeo judicial
tambeacutem podem ser colocados controles sobre o Tribunal quando os atores poliacuteticos
estiverem em desacordo com a sua interpretaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo
53
Bateup (2005 p 33) define a teoria da construccedilatildeo coordenada como a
mais antiga concepccedilatildeo de interpretaccedilatildeo constitucional fazendo menccedilatildeo ao pensamento dos
teoacutericos americanos de James Madison e Thomas Jefferson o primeiro por ter reconhecido
que apesar das questotildees de interpretaccedilatildeo constitucional normalmente recaiacuterem sobre o
Judiciaacuterio no curso normal do Governo a Constituiccedilatildeo natildeo lhe atribui qualquer autoridade
especiacutefica perante outros braccedilos do Poder e o segundo por considerar que cada ramo do
Governo deve ser ldquocoordenado e independenterdquo possuindo todos eles responsabilidade pela
interpretaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo
No contexto norte americano um dos primeiros autores a abordar essa
teoria foi Louis Fisher que teve como principal meacuterito demonstrar mediante exemplos da
histoacuteria americana que o processo constitucional eacute mais complexo do que a simples emissatildeo
pela Corte da uacuteltima palavra A uacuteltima palavra segundo essa histoacuteria confirmaria natildeo
pertence a nenhuma instituiccedilatildeo (HUBNER 2009 p 126)
O que haacute de mais caracteriacutestico nessas teorias eacute o fato de os outros
ramos do Poder em especial o Legislativo caso natildeo concordem com a decisatildeo judicial
poderem provocar a Corte reconhecendo assim que a interpretaccedilatildeo constitucional eacute tarefa
que compete a todos os Poderes e natildeo apenas a um ramo em especiacutefico
Vaacuterios autores dentro do cenaacuterio americano passaram a tratar do
assunto inclusive em forma de criacuteticas poreacutem por questotildees didaacuteticas conforme jaacute
mencionado natildeo se limitaraacute a falar especificamente sobre cada um deles52 Todavia destaca-
se a teoria de Barry Friedman a qual Bateup subclassifica como teoria do equiliacutebiro poreacutem
aqui eacute tratada como uma teoria de construccedilatildeo coordenada pelos motivos jaacute acima expostos
A teoria de Friedman merece ser mencionada pois se diferencia das
outras tantas que se encaixam nesta categoria por considerar a importacircncia do papel ativo da
sociedade na deliberaccedilatildeo sobre direitos
Para esse Autor a Constituiccedilatildeo eacute um texto aberto e flexiacutevel que permite
52 Outros importantes nomes dessa teoria satildeo Keith Whittington e Mitchell Pickeril Destaque para a
importacircncia do trabalho deste uacuteltimo que realizou importante pesquisa empiacuterica da realidade americana de
caraacuteter revelador e agregador para a teoria da construccedilatildeo coordenada demonstrando que o diaacutelogo entre os
poderes eacute inerente ao princiacutepio do check and balances americano pelo que sugerimos a consulta PICKERILL
J Mitchell Constitutional Deliberation in Congress the impact of Judicial Review in a Separated System
Duke University Press 2004
54
diversas interpretaccedilotildees sujeitas agrave mudanccedilas constantes Assim a interpretaccedilatildeo constitucional
seria um processo de idas e vindas em que a Corte devolve o tema para a sociedade e
para outros poderes e vice-versa metaforicamente como uma partida de tecircnis na qual os
parceiros rebatem a bola um para o outro53 (FRIEDMAN 1993)
Com isso afasta a ideia de que haacute uma vontade da maioria definida a
ser representada por um dos poderes sugerindo que na realidade essa vontade sofre
constantes mutaccedilotildees54 cabendo aos ramos do Poder no processo de interpretaccedilatildeo
constitucional negociar e definir uma direccedilatildeo em meio ao pluralismo existente na
sociedade55 Reconhece o diaacutelogo institucional como fruto da separaccedilatildeo de poderes
compartilhando dos elementos da teoria da construccedilatildeo coordenada poreacutem acrescenta a eles
a vontade popular
Eacute justamente no aspecto relativo a grande importacircncia que daacute a vontade
popular que reside a principal criacutetica agrave essa teoria pois natildeo oferece alternativa agrave interaccedilatildeo
constitucional estabelecida entre o Judiciaacuterio e os poderes poliacuteticos nas questotildees de menor
importacircncia poliacutetica nas quais o diaacutelogo com toda a sociedade eacute improvaacutevel de ocorrer
(BATEUP 2006 p 69)
Seria impensaacutevel na praacutetica um sistema de jurisdiccedilatildeo constitucional
no qual os Poderes tivessem que recorrer agrave opiniatildeo popular todas as vezes que fossem
realizar a interpretaccedilatildeo de qualquer norma constitucional
Saindo do contexto norte americano outras teorias estruturais do
diaacutelogo emergiram a partir da anaacutelise dos novos modelos de jurisdiccedilatildeo constitucional
adotados por paiacuteses da Commonwealth como jaacute mencionamos no iacutencio deste trabalho Desta
forma optou-se didaticamente por tratar dessas teorias e suas respectivas especificidades no
acircmbito da exposiccedilatildeo dos sistemas e casos em concreto o que se passaraacute a fazer
53 ldquoCourts serve as societyacutes tennis partner always volleying the ball backrdquo (FRIEDMAN 1993 p669)
54 ldquoThe court is free to change its mind The people are free to disagree with the court The court is free to
disagree with the people The members of the courts are free to and usually do disagree with one another As
disagreement occurs the document will take one new meaningsrdquo (FRIEDMAN 1993 p651)
55 ldquoThis process of constitutional interpretation hardly pits the court against the people Rather the court
mediate the views of various people The process is interactive (hellip) Simply put our process of constitutional
interpretation is a dialoguerdquo (FRIEDMAN 1993 p 654)
55
1011 Os mecanismos dialoacutegicos do sistema de revisatildeo judicial
canadense e as teorias de princiacutepios juriacutedicos
Ao adotar formalmente um sistema de judicial review atribuindo ao
Judiciaacuterio a capacidade para solucionar casos concretos de incompatibilidade entre
legislaccedilatildeo e a Carta suscitados por particulares56 o Canadaacute a fim de evitar a consagraccedilatildeo de
um modelo fundado na supremacia judicial ao estilo americano que implicasse na perda do
poder do Parlamento incluiu na sua Carta mecanismos que possibilitassem uma limitaccedilatildeo
do Poder atribuiacutedo ao Judiciaacuterio e ao mesmo tempo preservassem as competecircncias
parlamentares
Esses mecanismos previstos nas Seccedilotildees 33 e 1 da Carta Canadense
consistem respectivamente na ldquoclaacuteusula natildeo obstanterdquo (notwishstanding clause) a qual
possibilita que o Legislativo aplique uma lei mesmo quando esta for contraacuteria ao texto
constitucional e na possibilidade do Legislativo reeditar uma norma que configure e limite
direito consagrado nas seccedilotildees 2 e de 7 a 15 e que jaacute tenha sido objeto de reprovaccedilatildeo pelo
Judiciaacuterio desde que fundada em justificativa razoaacutevel bem como na possibilidade de
configuraccedilatildeo pelo legislativo de direitos e liberdades fundamentais
O estudo realizado por Bushell e Hogg (1997) eacute apontado como um
marco teoacuterico da experiecircncia canadense pois a partir de uma pesquisa de mais de 65 casos
concretos decididos pela Corte canandense desde a Carta de 1982 os autores verificaram
que na grande maioria deles houve em um prazo razoavelmente curto uma resposta
legislativa agrave decisatildeo judicial Diante disso os autores afirmaram que o sistema canadense
propicia a concretizaccedilatildeo de um verdadeiro diaacutelogo entre os Poderes no exerciacutecio da
jurisdiccedilatildeo constitucional
A anaacutelise dos autores a respeito da implementaccedilatildeo da revisatildeo judicial
canadense pela Carta de 1982 eacute bastante otimista pois consideram que ateacute mesmo naqueles
casos em que o legislador aquiesceu agrave decisatildeo proferida pela Corte houve uma reaccedilatildeo
dialoacutegica jaacute que a concordacircncia tambeacutem pode ser fruto de um diaacutelogo
56 ldquoArt 24 (1) Anyone whose rights or freedoms as guaranteed by this Charter have been infringed or denied
may apply to a court of competent jurisdiction to obtain such remedy as the court considers appropriate and
just in the circumstances Art 52 (1) The Constitution of Canada is the supreme law of Canada and any law
that is inconsistent with the provisions of the Constitution is to the extent of the inconsistency of no force or
effectrdquo Canadian Constitutional Act 1982
56
Afirmam que os legisladores canadenses estatildeo engajados na
concretizaccedilatildeo do diaacutelogo com a Corte eis que buscam fundamentar no preacircmbulo das leis
promulgadas tanto das que excedem os limites da Carta como das que substituem as que
foram consideradas inconstitucionais que as mesmas se dirigem a um objetivo ldquourgente e
substancialrdquo e destinam-se a ldquolimitar razoalmenterdquo direitos e liberdades (BUSHELL
HOGG 1997 p 101)
Consideram ainda que mesmo quando apoacutes a anaacutelise judicial a lei natildeo eacute
declarada invaacutelida haacute um diaacutelogo em virtude de tal anaacutelise despertar o debate puacuteblico
chamando a atenccedilatildeo do legislador ao assunto de forma que possa rever possiacuteveis problemas
na lei e eventualmente alteraacute-la Ou seja a decisatildeo judicial natildeo deve ser encarada como um
veto mas como o ponto de partida para uma conversa institucional sobre como conciliar
direitos individuais com obejtivos de poliacuteticas econocircmicas e sociais (BUSHELL HOGG
1997 p 101-105)
Referido estudo teve grande repercussatildeo na doutrina nacional Por um
lado muitos reforccedilaram e concordaram com a ideia dos autores por outro a mesma foi alvo
de intensa criacuteticas sobretudo pela forma abrangente de caracterizaccedilatildeo do diaacutelogo57 O
impacto tambeacutem foi sentido na proacutepria Corte que passou a usar a metaacutefora do diaacutelogo para
justificar suas decisotildees algumas delas bastante controversas conforme se leraacute mais adiante
Portanto a experiecircncia canadense eacute um importante exemplo de aplicaccedilatildeo
das teorias estruturais dialoacutegicas jaacute que traz a previsatildeo expressa de mecanismos
possibilitadores na visatildeo de alguns de um diaacutelogo institucional
Na sistematizaccedilatildeo feita por Bateup as teorias que se referem agrave
experiecircncia canadense satildeo teorias de princiacutepios juriacutedicos Na classificaccedilatildeo da Autora esse
grupo de teorias corresponde agravequelas em que haacute o reconhecimento de que o Judiciaacuterio possui
57 A repercussatildeo literaacuteria do estudo foi tatildeo grande e significativa que apoacutes dez anos da sua publicaccedilatildeo o
mesmo perioacutedico (Osgoode Hall Law Journal) lanccedilou uma ediccedilatildeo comemorativa contendo uma atualizaccedilatildeo
do texto original e outros artigos em resposta ao mesmo Ver HOGG P et al ldquoCharter Dialogue Revisited
ndash Or Much Ado About Metaphorsrdquo HAIGH R e SOBKIN M ldquoDoes the Observer Have an Effect An
Analysis of the Use of the Dialogue Metaphor in Canadarsquos Courtsrdquo HUSCROFT G ldquoConstitutionalism from
the Top Downrdquo MANFREDI C ldquoThe Day the Dialogue Died A Comment on Sauveacute v Canadardquo MATHEN
C ldquoDialogue Theory Judicial Review and Judicial Supremacy A Comment on lsquoCharter Dialogue
Revisitedrsquordquo PETTER A Taking Dialogue Theory Much Too Seriously (or Perhaps Charter Dialogue Isnrsquot
Such a Good Thing After All) ROACH K Sharpening the Dialogue Debate The Next Decade of
Scholarshiprdquo e HOGG P et al ldquoA Reply on lsquoCharter Dialogue Revisitedrdquo
57
uma especial competecircncia institucional voltada para a resoluccedilatildeo de questotildees que envolvem
princiacutepios juriacutedicos cabendo aos poderes poliacuteticos fazer o controle das decisotildees no caso de
erro de interpretaccedilatildeo (BATEUP 2006 p41)
Ainda que essas teorias reconheccedilam uma competecircncia de certo modo
especial ao Judiciaacuterio a qual pode ateacute mesmo ser considerada como caracteriacutestica inerente
ao proacuteprio judicial review tendo em vista que elas tambeacutem preveem a possibilidade de
reaccedilatildeo do legislativo agrave decisatildeo judicial incluindo a possibilidade de correccedilatildeo dessa decisatildeo
entende-se que natildeo se distanciam das teorias de construccedilatildeo coordenada ao ponto de merecer
classificaccedilatildeo diferente
Destaca como primeiro defensor dessa competecircncia especial do
Judiciaacuterio Alexander Bickel que considerou o Judiciaacuterio como detentor de especial
habilidade para preservar proteger e defender princiacutepios devido ao seu isolamento poliacutetico
e por outro lado o Legislativo como melhor indicado para determinar valores sociais
fundamentais pela sua proximidade com as pessoas (BATEUP 2006 p41-42)
Nesse sentido Bushell e Hogg ao tratar da metaacutefora do diaacutelogo na
experiecircncia canadense tambeacutem satildeo partidaacuterios desse entendimento eis que afirmaram
alguns anos e muitas criacuteticas apoacutes o seu primeiro estudo que o legislativo pode e deve
interpretar a Carta mas que natildeo deve agir de forma contraacuteria a interpretaccedilatildeo proferida pela
Corte 58
Kent Roach tambeacutem eacute outro importante autor canadense que defende a
competecircncia especial do Judiciaacuterio para lidar com questotildees de princiacutepios todavia ressalta a
58 ldquoThe key issue in our view is not whether the legislative and executive branches do and should interpret
the Charter (they do and should) but whether they should act on an interpretation of the Charter that conflicts
with an interpretation provided by the courts backdrop of a prior relevant judicial decision the legislature
and the executive may act on their interpretation of the Charter Why Because in doing so they would not be
doing (or refraining from doing) something that the courts have said would unjustifiably infringe the Charter
It would be strange indeed if the legislative or executive branches could not interpret the Charter and act on
that interpretation where a court has not yet considered what the Charter prohibits (or requires) in the
circumstances1 However where the interpretive task takes place against the backdrop of a prior relevant
judicial decision the legislature and the executive may not act on an interpretation of the Charter which
conflicts with an interpretation provided by the courts Why Because in doing so they would be doing (or
refraining from doing) something that the courts have said would unjustifiably infringe the Charter and under
our system of constitutional democracy that is impermissiblerdquo (BUSHEL HOGG 2007 p 33)
58
importacircncia do Parlamento aludindo que a decisatildeo judicial apenas inicia o debate59
Destaca que a atuaccedilatildeo da Corte natildeo impede que o Parlamento prevaleccedila
se este assim quiser mas reforccedila a responsabilidade das suas escolhas poliacuteticas e o induz a
apresentar justificativas razoaacuteveis e aceitaacuteveis para legitimar suas opccedilotildees que venham a
restringir direitos (ROACH 2001)
Portanto em suma as teorias dos princiacutepios juriacutedicos vivenciadas na
experiecircncia canadense satildeo aquelas que defendem a ideia da participaccedilatildeo de todos os poderes
na interpretaccedilatildeo constitucional sendo esta uma tarefa conjunta todavia privilegiam a
interpretaccedilatildeo judicial poreacutem com a possibilidade de reaccedilatildeo legislativa
Bateup acrescenta ainda uma subdivisatildeo dentro dessas teorias tendo em
vista que para alguns autores o diaacutelogo se consubstancia na realizaccedilatildeo do controle das
decisotildees judiciais pelos poderes poliacuteticos no caso da ocorrecircncia de erro de interpretaccedilatildeo e jaacute
para outros - que minimizam o papel do controle poliacutetico sobre o Tribunal - o diaacutelogo surge
por intermeacutedio da articulaccedilatildeo legislativa que emerge como resposta agraves decisotildees judiciais
Essas subdivisotildees se traduzem na praacutetica justamente nos dois
mecanismos dialoacutegicos expressamente adotados pela Carta canadense os quais seratildeo
explicados a seguir
1012 Princiacutepios e articulaccedilatildeo legislativa da poliacutetica ndash seccedilatildeo 1 da
Carta Canadense
As teorias identificadas por Bateup como Teorias de Princiacutepios e
Articulaccedilatildeo Legislativa da Poliacutetica satildeo as que preceituam que a concretizaccedilatildeo do diaacutelogo
ocorre por meio da articulaccedilatildeo legislativa Reconhecem ao Legislativo competecircncia especial
para a elaboraccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas e para conciliar muacuteltiplos objetivos concorrentes na
sociedade pelo que este deve responder agraves decisotildees judiciais respeitando a interpretaccedilatildeo de
princiacutepios feita pelo Tribunal poreacutem com uma visatildeo mais ampla dos objetivos poliacuteticos
(BATEUP p 50-51)
Como exemplo dessa teoria pode-se indicar a Seccedilatildeo 1 da Carta
59 Para maior clareza e detalhes desse entendimento ver as seguintes obras do referido autor ldquoThe Supreme
Court on Trial Judicial Ativism or Democratic Dialogue 2001rdquo e ldquoConstitutional and Common Law
Dialogues Between Supreme Court and Canadian Legislatures2001rdquo
59
Canadense60 a qual atribui ao Legislativo a possibilidade de relativizaccedilatildeo por meio de lei
de direitos e garantias desde que seja razoaacutevel e ldquojustificada de forma demonstraacutevel em uma
sociedade livre e democraacuteticardquo61
O objetivo central para a criaccedilatildeo desta norma era garantir que o
Legislativo continuasse a ter flexibilidade de escolha quando da aprovaccedilatildeo de poliacuteticas que
eventualmente fossem conflitantes com os novos direitos fundamentais que passaram a ser
resguardados pela Carta (HIEBERT 1990)
Todavia apesar de a claacuteusula ser direcionada ao Legislativo a avaliaccedilatildeo
das questotildees que envolvem a sua aplicabilidade como a verificaccedilatildeo da legalidade e da
legitimidade62 acaba por ser feita pelo Judiciaacuterio a quem compete analisar as
incompatibilidades entre as leis e os direitos e liberdades assegurados pela Carta
Dessa forma a aplicaccedilatildeo da Seccedilatildeo 1 da Carta revelou-se de certa forma
engenhosa pois ao mesmo tempo em que confere maior liberdade ao legislador
caracteriacutestica de um weak judicial review a verificaccedilatildeo da razoabilidade da sua escolha eacute
feito pelo Judiciaacuterio Sendo assim ainda que a claacuteusula seja dirigida ao Legislativo as
implicaccedilotildees da sua aplicaccedilatildeo chamaram muita atenccedilatildeo no acircmbito da atuaccedilatildeo judicial
Nesse sentido Elliot (1987 p 279) aponta que a Seccedilatildeo 1 tornou-se de
fato a principal disposiccedilatildeo da Carta e a maneira como a Corte tem lidado com ela diz muito
a respeito natildeo apenas do impacto que a Carta pode ter sobre os outros poderes mas tambeacutem
sobre a proacutepria Corte e como ela percebe seu papel sob a Carta
Os principais estudos realizados para analisar o comportamento da Corte
quando da avaliaccedilatildeo da aplicaccedilatildeo da Seccedilatildeo 1 pelo Legislativo revelaram que natildeo haacute uma
conduta uniforme podendo a Corte tanto ter uma conduta mais ativista quanto mais
deferente agraves opccedilotildees legislativas
Estudiosos classificam e dividem a atuaccedilatildeo da Corte em trecircs momentos
60 Para entender o histoacuterico evolutivo de criaccedilatildeo da referida claacuteusula ver HIEBERT Janet The Evolution of
Limitation Clause 28 Osgoode Hall L J 103 1990
61 ldquo1The Canadian Charter of Rights and Freedoms guarantees the rights and freedoms set out in it subject
only to such reasonable limits prescribed by law as can be demonstrably justified in a free and democratic
societyrdquo Canadian Constitution Act 1982
62 Sobre a verificaccedilatildeo da legalidade e legitimidade ver HIEBERT J L Limiting Rights The Dilemma of
Judicial Review p 137-146
60
o primeiro relativo aos primeiros anos de vigecircncia da Carta o segundo referente a fase
iniciada com o julgamento do caso R v Oakes e o terceiro relativo aos desenvolvimentos
mais atuais
Nos primeiros anos em que vigorou a Carta canadense percebeu-se que
a conduta da Corte no tocante a aplicaccedilatildeo da Seccedilatildeo 1 foi bastante abrangente buscando
afirmar o seu papel de guardiatilde de direitos e liberdades bem como garantir a maacutexima eficaacutecia
dos mesmos Assim pode-se dizer que nos primeiros anos a Corte adotou uma postura
ativista (ELLIOT 1987) 63
Apesar da postura ativista a Corte logo nos primeiros anos natildeo realizava
de fato a anaacutelise da razoabilidade das medidas legislativas restritivas de direito sob seu
escrutiacutenio tentando natildeo enfrentar questotildees de cunho poliacutetico limitava-se a dizer que a
restriccedilatildeo de direitos poderia significar indiretamente a intenccedilatildeo do legislador de reformar a
Carta o que natildeo podia ser admitido (ELLIOT 1987)
A adoccedilatildeo desse tipo de postura pela Corte pode ser percebida no
julgamento do caso Ag Quebec v Quebec Association of Protestant Schools Boards64
ocorrido no ano de 1984 dois anos apenas apoacutes a aprovaccedilatildeo da Carta quando foi discutida
e declarada a incompatibilidade do da Seccedilatildeo 73 da Carta de Quebec da Liacutengua Francesa
(Quebec Charter of the French Language ou Bill 101) com a seccedilatildeo 23 da Carta Canadense
de Direitos e Liberdades 65
Em suma o que dispunha o Bill 101 era uma restriccedilatildeo ao direito de acesso
das crianccedilas a escolas puacuteblicas de Liacutengua Inglesa com exceccedilatildeo das crianccedilas cujo pai ou matildee
tivesse estudado em escolas tambeacutem de Liacutengua Inglesa dos filhos de imigrantes que jaacute
vivessem na proviacutencia anteriormente agrave aprovaccedilatildeo da lei e que tivessem sido educados em
Inglecircs ou cuja educaccedilatildeo tenha sido em uma liacutengua pouco falada naquele local ou aquelas
63 No mesmo sentido ldquoIn its initial judgments under the Canadian Charter of Rights and Freedoms the
Supreme Court of Canada respected the postwar structure of rights protection embedded in its first provision
and began to work out the requisite rules of interpretation legal presumptions and conceptions of institutional
roles Central to thislegal analysis was the Courtrsquos understanding that its responsibility was to secure the
rights guarantees as supreme law and to ensure that the limitation function enjoyed normative continuitywith
the rightsrdquo (WEINRIB 2002 p 122)
64 AG (Que) v Quebec Protestant School Boards [1984] 2 SCR Iacutentegra da decisatildeo disponiacutevel em lt
httpsscc-csclexumcomscc-cscscc-cscenitem26indexdogt
65 Nesse mesmo sentido ver tambeacutem a outros casos como Hunter v Southam Inc Re Singh and Ministered of
Employment and Imigration R v Big M Drug Mart Ltd
61
crianccedilas que tivessem irmatildeo jaacute matriculado na mesma escola
Entendeu a Corte portanto que essa norma visava modificar a
disposiccedilatildeo contida na Carta Canadense a qual dispunha expressamente sobre a garantia da
educaccedilatildeo puacuteblica em inglecircs ou francecircs aos filhos de cidadatildeos cuja primeira liacutengua que
tenham recebido na educaccedilatildeo primaacuteria seja uma liacutengua minoritaacuteria naquele local natildeo se
prestando a analisar a razoabilidade da limitaccedilatildeo de direitos alegada pela Proviacutencia de
Quebec66
Dessa forma o que se percebe eacute que a Corte sequer chegou a analisar a
razoabilidade da medida e as provaacuteveis justificativas do legislador limitando-se a declarar a
incompatibilidade da lei sem tentar sequer interpretaacute-la de acordo com a Carta
A segunda fase de acordo com divisatildeo feita por Elliot foi inaugurada
com o famoso julgamento do caso R v Oakes67 em 1986 quando foi introduzida pela
primeira vez uma regra para a verificaccedilatildeo da razoabilidade da restriccedilatildeo imposta pela medida
legislativa a luz da Seccedilatildeo 1 da Carta Canadense
A Corte passou entatildeo a utilizar o que ficou conhecido como ldquoteste de
Oakesrdquo para verificar se a medida legislativa constitui uma restriccedilatildeo a direitos razoaacutevel e
comprovadamente justificaacutevel em uma sociedade livre e democraacutetica o qual consiste
basicamente no estabelecimento de um padratildeo de prova apoiado em severos criteacuterios de
verificaccedilatildeo da legitimidade racionalidade necessidade e proporcionalidade da restriccedilatildeo
(TREMBLAY WEBBER 2008 p 2)68
66 ldquoThe limits imposed by s 73 are not legitimate limits within the meaning of s 1 of the Charter to the extent
that the latter section applies to rights conferred by s 23 In view of the period when the Charter was enacted
and especially in light of the wording of s 23 which repeats the unique set of criteria contained in s 73 of Bill
101 it is apparent that Chapter VIII seemed to the framers as an archetype of the regimes needing reform
Accordingly the limits which Bill 101 imposes on rights relating to the language of instruction cannot possibly
have been regarded by the framers of the Constitution as coming within ldquosuch reasonable limits prescribed by
law as can be demonstrably justified in a free and democratic societyrdquo Even if enacted after the Charter the
s 73 limits could not be legitimized by s 1 of the Charter Section 73 redefines for Quebec the classes of
persons who are entitled to instruction in the minority language and has the effect of creating an exception to
s 23 and of amending the Charter Whatever their scope the limits which s 1 allows cannot be equated with
exceptions to the rights and freedoms guaranteed by the Charter and may not be treated as amendments to the
Charterrdquo (AG (Que) v Quebec Protestant School Boards 1984 p 67-68)
67 O caso teve por objeto a anaacutelise de incompatibilidade entre a seccedilatildeo 8 do Narcotic Control Act que atribuia
o ocircnus ao cidadatildeo preso por porte de droga de prova que a mesma natildeo se destinava ao traacutefico e a seccedilatildeo 11(d)
da Carta que dispotildee sobre o princiacutepio da presunccedilatildeo de inocecircncia R v Oakes [1986] 1 SCR 103 inteiro teor
da decisatildeo disponiacutevel emhttpsscc-csclexumcomscc-cscscc-cscenitem117indexdo
68 Para uma comparaccedilatildeo entre o teste de Oakes e a aplicaccedilatildeo do princiacutepio da proporcionalidade ver GRIMM
Dieter Porportionality in Canada and German Constitutional Jurisprudence University of Toronto Journal
62
Inicialmente a introduccedilatildeo do ldquoteste de Oakesrdquo parecia ter resolvido as
questotildees e duacutevidas relativas a aplicaccedilatildeo da Seccedilatildeo 1 da Carta Todavia a praacutetica mostrou
rapidamente que o teste natildeo resolvera todas as questotildees os julgamentos que se seguiram
demonstraram ainda existir um forte desacordo entre os membros da Corte sobre a aplicaccedilatildeo
da claacuteusula bem como dificuldades inerentes ao proacuteprio teste (ELLIOT 1986)
A aplicaccedilatildeo do teste por acabar induzindo uma postura mais ativista da
Corte e limitando a margem de atuaccedilatildeo do legislador foi muito discutida doutrinariamente
e tambeacutem no acircmbito da proacutepria Corte (TREMBLAY WEBBER 2008)69 Alguns membros
passaram a ver os desdobramentos da aplicaccedilatildeo do teste como uma expansatildeo injustificada
do Poder judicial em detrimento dos outros poderes pelo que comeccedilaram entatildeo a defender
a necessidade de uma atuaccedilatildeo mais contida (WEINRIB 2002 p 123)
Diante disso as anaacutelises mais recentes dos estudiosos a respeito da
aplicaccedilatildeo da seccedilatildeo 1 da Carta canadense passaram a demonstrar a adoccedilatildeo de uma conduta
mais deferente da Corte para com as medidas legislativas Neste sentido Dixon (2009) ao
analisar inuacutemeros julgados sugere a existecircncia de uma maior contenccedilatildeo da Corte ao lanccedilar
o que chama de ldquosegundo olharrdquo (second look cases) sobre o caso ou no segundo ldquoroundrdquo
do diaacutelogo
O que se percebe eacute que na praacutetica a aplicaccedilatildeo da Seccedilatildeo acaba sendo mais
problemaacutetica do que a teoria imaginava quando da sua criaccedilatildeo Haacute uma dificuldade latente
em estabelecer os limites de interferecircncia do Judiciaacuterio na liberdade de atuaccedilatildeo do
legislativo jaacute que o mesmo acaba tendo que realizar uma anaacutelise do meacuterito das escolhas
poliacuteticas do Legislativo que justifiquem a restriccedilatildeo ou limitaccedilatildeo de direitos e liberdades
Por outro lado se a Corte adota uma postura mais passiva optando por
natildeo interferir na atuaccedilatildeo legislativa e acatar suas escolhas ou ateacute mesmo deixar de adentrar
na anaacutelise do seu meacuterito aiacute tambeacutem haacute riscos Para Weinrib (2002) a postura deferente da
Corte eacute contraacuteria aos objetivos da Carta ignorando a reconstruccedilatildeo dos papeis institucionais
proposta por ela bem como a hierarquia especial dada aos direitos e liberdades nela
Vol 57 N 2 Spring 2007 pp 383-397 e TAVARES DA SILVA Suzana O tretalema do Controlo Judicial
da Porporcionalidade in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra Vol LXXXVIII Tomo
II 2012 pp 639-677 69 Para uma melhor compreensatildeo acerca da aplicaccedilatildeo do teste de Oakes ver CHOUDHRY Sujit So What is
the Real Legacy of Oakes Two Decades of Proportionally Analysis under the Canadian Charterrsquos Section 1
Supreme Court Law Review Vol 34 N 2d pp 501-525 2006
63
previstos assim defender a contenccedilatildeo da Corte seria ceder a primazia dos direitos e
liberdades agrave Poliacutetica enquanto que os legisladores devem estar preparados para arcar com
as responsabilidades das suas escolhas70
No tocante a utilizaccedilatildeo da Seccedilatildeo 1 da Carta pelo Legislativo Tushnet
(2009) destaca que a mesma tambeacutem se revela na praacutetica de certa forma problemaacutetica O
que a experiecircncia canadense mostrou foi que muitas vezes o legislativo utiliza-se da
prerrogativa concedida pela Carta para reeditar a mesma medida legislativa restritiva de
direitos jaacute apreciada e reprovada pelo Judiciaacuterio sem alteraccedilotildees substantivas apenas por
exemplo incluindo no preacircmbulo da lei justificativas usadas por juiacutezes em votos dissidentes
que aprovaram a medida estrateacutegia que ficou conhecida como ldquoin you face responserdquo
Exemplo claacutessico dessa praacutetica do legislador foi o que ocorreu no caso R
v OrsquoConnor71 onde foi discutida pela Suprema Corte Canadense a possibilidade do acusado
em processo penal de obter acesso agraves informaccedilotildees meacutedicas das viacutetimas
O entendimento que prevaleceu na Corte em uma votaccedilatildeo natildeo unacircnime
foi o de que o reacuteu teria direito ao acesso de registros possivelmente relevantes para a
resoluccedilatildeo do caso e mediante anaacutelise do juiz que deveria fazer um balanccedilo entre o direito
de defesa do acusado e o direito a privacidade das viacutetimas Os votos dissidentes defendiam
a exigecircncia de que para que o acusado tivesse acesso agraves informaccedilotildees meacutedicas das viacutetimas
comprovasse antecipadamente de forma substancial e robusta a imprescindibilidade das
70 ldquoI develop a critique of the deferential approach to judicial review under the Charter First it disregards
the prolonged well-informed and remarkably participatory debate that led to the Charterrsquos adoption
Particularly it disregards its fully and publicly articulated remedial purpose to withdraw certain interests
denominated as constitutional rights and freedoms from the give and take of the ordinary political process
Second it fails to take seriously the written product of that debate The deferential approach in effect creates
a hierarchy of rights lacking any discernible basis in the text and ignores the differentiation between rights
that the text does make It also disregards the carefully chosen terms of the limitation formulation drafted in
publicly televised parliamentary proceedings That text was expressly designed to include the technical legal
language of the postwar instruments in order to deliver the effective regime of rights-protection desired by
Canadians generally and in particular sought by those to whom the previous lack of rights-protection
mattered most Disregard of remedial purposes and text leads to the third failing insensitivity to the Charterrsquos
reconstruction of institutional roles The advocates of deference cede the primacy of guaranteed rights and
freedoms to ordinary politics on the ground that the representative accountable legislatures must take
responsibility for the political choices required In effect the polity reverts to the legislative policy-making role
that the Charter was designed to redesignrdquo (WEINRIB 2002 p 123)
71 R v OrsquoConnor [1995] 4 SCR 411 Iacutentegra da decisatildeo disponiacutevel em httpscc-csclexumcomscc-
cscscc-
cscenitem1323indexdor=AAAAAQAjUiB2LiBP4oCZQ29ubm9yIFsxOTk1XSA0IFMuQy5SLiA0MTE
B
64
informaccedilotildees
O Parlamento canadense respondeu ao julgamento da Corte com a ediccedilatildeo
de uma nova lei que visando resguardar o direito agrave privacidade das viacutetimas
consequentemente restringindo o direito de defesa do reacuteu estabelecia um procedimento mais
riacutegido para que o mesmo tivesse acesso agraves informaccedilotildees para fundamentar a restriccedilatildeo seguiu
os argumentos dos votos dissidentes
Essa lei foi objeto de anaacutelise pela Suprema Corte no caso R v Mills72 no
qual a Corte em total deferecircncia ao entendimento do Legislativo considerou que a limitaccedilatildeo
ao direito de defesa do acusado era legiacutetima modificando seu entendimento anterior mesmo
sem nenhum fato novo para tanto73
Para Kent Roach (2001) a resposta legislativa representou o seu
desacordo com a decisatildeo judicial utilizando-se da loacutegica dos votos dissidentes para impor o
seu entendimento sobre a Corte exemplificando assim o uso da ldquoin your face responserdquo
amparado pela prerrogativa da Seccedilatildeo 1 da Carta
Para alguns essa praacutetica eacute vista como uma forma de diaacutelogo74 todavia
natildeo eacute isenta de criacuteticas como se verificaraacute adiante pois pode acabar significando na praacutetica
mais um retorno ao sistema de supremacia parlamentar do que propriamente um sistema
dialoacutegico
1013 Princiacutepios e controle poliacutetico sobre a corte - aplicaccedilatildeo praacutetica
da seccedilatildeo 33
A previsatildeo contida na Seccedilatildeo 33 da Carta Canadense exemplifica a
segunda subcategoria das teorias de princiacutepios juriacutedicos segundo a qual o diaacutelogo se
consubstancia na realizaccedilatildeo do controle das decisotildees judiciais pelos poderes poliacuteticos no
caso da ocorrecircncia de erro de interpretaccedilatildeo
72 R v Mills 1999] 3 SCR 668 Iacutentegra da decisatildeo disponiacutevel em httpsscc-csclexumcomscc-cscscc-
cscenitem1751indexdo
73 Para uma criacutetica mais aprofundada do caso ver CAMERON Jamie Dialogue and Hierarchy in Charter
Interpretation A comment on R v Mills Alberta Law Review Vol 38 N 4 2001
74 Ver DIXON Rosalind The Supreme Court of Canada Charter Dialogue and Deference U of Chicago
Public Law Working Paper N 284
65
A seccedilatildeo 33 ficou conhecida como notwithstanding clause ou overriding
por permitir ao Parlamento a reediccedilatildeo de um texto legal limitador de direitos consagrados
na Carta nas seccedilotildees 2 e de 7 a 15 mesmo quando jaacute tenha sido objeto de reprovaccedilatildeo pelo
Judiciaacuterio pelo prazo maacuteximo de cinco anos75
A referida claacuteusula do overriding apesar de inovadora e do seu aparente
potencial promissor na reconfiguraccedilatildeo dos papeis institucionais na verdade encontrou pouca
aplicaccedilatildeo concreta sendo poucas vezes invocada pelo legislativo Roach (2001) por
exemplo defende ser preferiacutevel a utilizaccedilatildeo da Seccedilatildeo 1 para reeditar uma norma jaacute reprovada
pelo Judiciaacuterio do que fazer uso da Seccedilatildeo 33 que pode representar uma resposta agressiva
como se o Legislativo estivesse gritando para ganhar um debate
Ao mesmo tempo em que a Seccedilatildeo 33 torna a decisatildeo judicial
ldquoprovisoacuteriardquo podendo ser ultrapassada pelo Legislativo possibilitando assim um suposto
diaacutelogo eacute difiacutecil imaginar na praacutetica essa concretizaccedilatildeo O custo poliacutetico a ser suportado
pelo legislador nessa situaccedilatildeo eacute muito alto e nem sempre o mesmo pode estar disposto a
suportaacute-lo 76
Combater a decisatildeo judicial por meio da imposiccedilatildeo da lei conforme
possibilita a Seccedilatildeo 33 parece natildeo ter sido o caminho escolhido pelo legislador canadense jaacute
que a praacutetica revela o pouco usa da referida claacuteusula em detrimento da Seccedilatildeo 1
Apesar de natildeo ter sido muito utilizada pelo Legislativo em razatildeo do seu
alto custo poliacutetico a Corte em alguns casos utliza-se da possibilidade do legislador derrubar
75 33 (1) Parliament or the legislature of a province may expressly declare in an Act of Parliament or of the
legislature as the case may be that the Act or a provision thereof shall operate notwithstanding a provision
included in section 2 or sections 7 to 15 of this Charter Marginal noteOperation of exception (2) An Act or
a provision of an Act in respect of which a declaration made under this section is in effect shall have such
operation as it would have but for the provision of this Charter referred to in the declaration Marginal
noteFive year limitation (3) A declaration made under subsection (1) shall cease to have effect five years
after it comes into force or on such earlier date as may be specified in the declarationMarginal noteRe-
enactment (4) Parliament or the legislature of a province may re-enact a declaration made under
subsection (1)Marginal noteFive year limitation(5) Subsection (3) applies in respect of a re-enactment
made under subsection (4) Canadian Constitutional Act 1982
76 Eacute justamente o alto custo poliacutetico da utilizaccedilatildeo da Seccedilatildeo 33 que faz com que o legislativo opte por responder
de outra forma agrave decisatildeo judicial no caso de discordacircncia fazendo uso assim da Seccedilatildeo 1 na forma da ldquoin your
face responserdquo conforme falamos no toacutepico anterior Para uma criacutetica mais detalhada do assunto ver
TUSHNET Mark Weak Courts Strong Rights judicial review and social welfare rights in comparative
constitutional law Princeton University 2009 p 45-47
66
a decisatildeo judicial contida na Seccedilatildeo 33 para justificar suas decisotildees sejam elas mais ativistas
ou mais contidas como se percebe no julgamento Vriend v Alberta77
O caso em suma tratava de um professor universitaacuterio Delwin Vriend
que fora demitido apoacutes ter revelado sua opccedilatildeo sexual assumindo ser homossexual
Inconformado Vriend alegando a incompatibilidade da Individual Rights Protection Act
(IRPA) da proviacutencia de Alberta local onde ocorreu a demissatildeo com a Carta canadense
recorreu ao Judiciaacuterio para anular o ato A referida lei trazia em seu texto de forma expressa
os motivos pelos quais era vedada a discriminaccedilatildeo de qualquer cidadatildeo como raccedila cor
sexo cor da pele estado civil crenccedila religiosa dentre outros mas natildeo fazia menccedilatildeo agrave
orientaccedilatildeo sexual motivo pelo qual Vriend alegou a sua incompatibilidade
O caso foi inicialmente apreciado pelo Conselho de Direitos Humanos
de Alberta (Alberta Human Rights Board) que entendeu que a demissatildeo natildeo era nula eis
que a orientaccedilatildeo sexual natildeo era prevista legalmente como motivo de vedaccedilatildeo agrave
discriminaccedilatildeo A Court of Queenacutes Bench (Tribunal Superior equivalente a segunda
instacircncia recursal) de Alberta ao apreciar o recurso do professor considerou nula a
demissatildeo afirmando que embora a orientaccedilatildeo sexual natildeo estivesse expressamente prevista
na IRPA deveria ser considerada como se ali estivesse inserida em funccedilatildeo do princiacutepio da
igualdade assegurado pela Carta
A decisatildeo foi revista e modificada pela Alberta Court of Appeal por
entender que a IRPA lei em anaacutelise no caso era uma norma neutra natildeo se dirigia de maneira
especifica nem a heterossexuais nem a homossexuais e por isso natildeo haveria qualquer
incompatibilidade com a Carta
O caso foi levado a julgamento pela Suprema Corte canadense que
afirmou a incompatibilidade da IRPA com a Carta e ao mesmo tempo que declarou a
incompatibilidade da lei em razatildeo da mesma ser omissa por natildeo incluir a previsatildeo da
proibiccedilatildeo de discriminaccedilatildeo por motivo de orientaccedilatildeo sexual justificou expressamente sua
conduta na metaacutefora do diaacutelogo
A Corte em sua decisatildeo mais especificamente dos paraacutegrafos 134 a 138
invocou a possibilidade de superaccedilatildeo da decisatildeo judicial pelo Legislativo por meio do uso
77 Vriend v Alberta [1998] 1 SCR 493 Iacutentegra da decisatildeo disponiacutevel em httpscc-csclexumcomscc-
cscscc-cscenitem1607indexdo
67
da notwishstanding clause prevista na Seccedilatildeo 33 da Carta afirmando ser um mecanismo
propiciador do diaacutelogo justificando assim a legitimidade democraacutetica da sua decisatildeo e do
exerciacutecio do judicial review
Sendo assim ainda que natildeo tenha sido muito utilizada para o objetivo
inicial a que se propocircs natildeo se pode ignorar o papel da Seccedilatildeo 33 na Carta canadense
principalmente pelo que a sua falta de utilizaccedilatildeo revela78
1014 Criacuteticas as teorias estruturais dos princiacutepios juriacutedicos
Apesar do aparente potencial dialoacutegico das teorias dos princiacutepios
juriacutedicos por possibilitarem por meio de mecanismos especiacuteficos que o Legislativo responda
ou reaja a decisatildeo judicial as mesmas natildeo satildeo isentas de criacuteticas
Assim como as teorias dialoacutegicas fundadas no meacutetodo judicial abordadas
anteriormente as teorias dos princiacutepios juriacutedicos com mecanismo de articulaccedilatildeo legislativa
da poliacutetica traduzidas na praacutetica na Seccedilatildeo 1 da Carta Canadense privilegiam a interpretaccedilatildeo
do Judiciaacuterio em detrimento do posicionamento legislativo o que natildeo resolve o problema da
legitimidade democraacutetica inerente a judicial review (BATEUP 2006)
Como dito as teorias estruturais dos princiacutepios juriacutedicos estabelecem
uma metodologia dialoacutegica que reconhece um papel privilegiado concedido ao Judiciaacuterio
para lidar com questotildees de princiacutepios fundada no seu suposto isolamento poliacutetico que lhe
atribui vantagem como deliberador moral Todavia a praacutetica demonstra que esse pressuposto
isolamento poliacutetico natildeo necessariamente refletiraacute nas decisotildees da Corte
Embora o sistema canadense seja apontado como o marco inicial das
teorias dialoacutegicas o que a experiecircncia revela com a praacutetica da metodologia de diaacutelogo nele
prevista eacute que apesar da possibilidade de resposta legislativa e de uma ainda que apenas
78 Para Hiebert o fato da quase inexistente utilizaccedilatildeo da Seccedilatildeo 33 pelo legislativo revela a relutacircncia do
parlamento canadense em tomar decisotildees que possam por em risco a sua imagem de oacutergatildeo comprometido com
a proteccedilatildeo dos direitos e liberdades assegurados pela Carta por acreditarem que a derrubada de uma decisatildeo
judicial pode acarretar o repuacutedio da populaccedilatildeo Destaca que essa situaccedilatildeo ficou evidente nas eleiccedilotildees federais
de 2014 quando o Governo liberal marcou pontos poliacuteticos preciosos ao criticar veementemente Stephen
Harper liacuteder do partido conservador o qual natildeo descartava o uso da claacuteusula natildeo obstante pois a maioria dos
canadenses interpretam o uso da mesmo como uma violaccedilatildeo aos direitos protegidos na Carta o que expressa
um ceticismo acerca da legitimidade dos desacordos poliacuteticos com as interpretaccedilotildees judiciais apesar de tais
divergecircncias serem constitucionalmente permitidas (HIEBERT 2006 p 20)
68
formal maior liberdade de atuaccedilatildeo parlamentar expressamente conferida pela Seccedilatildeo 1 da
Carta ao fim e ao cabo quem iraacute decidir de fato eacute a Corte jaacute que a ela incumbe a anaacutelise da
proporcionalidade da medida legislativa
A utilizaccedilatildeo pelo Legislativo dos mecanismos normativamente previstos
no sistema canadense como propiciadores de um diaacutelogo com a Corte acarretam um alto
custo poliacutetico Em um primeiro plano pode-se observar que o uso dos mesmos de forma
regular pode acarretar prejuiacutezo ao significado e ateacute mesmo reduzir a importacircncia do
instituto da revisatildeo judicial enviando um claro sinal de que as opiniotildees judiciais muitas
vezes natildeo satildeo dignas de respeito jaacute que podem facilmente ser suplantadas pela iniciativa
parlamentar
Somado a isso tem-se em segundo plano o alto niacutevel de apoio popular
que o sistema judicial recebe que faz com que mesmo que a utilizaccedilatildeo dos meacnismos natildeo
ataque diretamente o Judiciaacuterio como instituiccedilatildeo em si haja uma provaacutevel exigecircncia puacuteblica
do cumprimento das decisotildees judicias em desfavor de mecanismos de overriding pelo
menos em relaccedilatildeo aqueles casos de maior relevacircncia
Esses dois aspectos elevam demasiadamente os custos poliacuteticos da
atuaccedilatildeo legislativa influenciando para que mecanismos como o previsto na Seccedilatildeo 33 que
resultam em uma substituiccedilatildeo de decisatildeo judicial sejam pouco ou quase nada utilizados na
praacutetica (BATEUP 2009 p 566)
Ainda supondo uma hipoteacutetica utilizaccedilatildeo da previsatildeo contida na Seccedilatildeo
33 fundada em um controle das decisotildees judicias pelo Legislativo quando considerar que
houve erro no julgamento feito pelo Judiciaacuterio poderia se assemelhar muito mais a um
modelo de supremacia parlamentar do que um mecanismo propiciador de um diaacutelogo
substancial entre ambos os poderes79
Tushnet (2009) alerta dessa maneira para o fato de que sob o ponto de
vista praacutetico o sistema canadense em muito pouco se difere do modelo tradicional
americano onde haacute uma prevalecircncia das decisotildees judiciais
Alguns criacuteticos tambeacutem apontam para o fato de que a existecircncia formal
da ldquoclaacuteusula natildeo obstanterdquo no sistema pode levar a uma atuaccedilatildeo irresponsaacutevel do Judiciaacuterio
69
que ciente da possibilidade de correccedilatildeo e superaccedilatildeo da sua decisatildeo pelo Poder Legislativo
natildeo se esforccedilaraacute na busca por emanar as melhores decisotildees80
Outro ponto importante de criacutetica o qualeacute fortemente destacado por
Bateup (2006 p49) eacute o fato de essas teorias possuiacuterem uma contradiccedilatildeo intriacutenseca muito
forte ao mesmo tempo que defendem uma competecircncia privilegiada do Judiciaacuterio para lidar
com questotildees de princiacutepios propotildeem que a supervisatildeo poliacutetica eacute necessaacuteria para se proteger
contra a possibilidade de erro judicial
Eacute questionaacutevel a maneira como o legislador chegaraacute a conclusatildeo que o
Judiciaacuterio incorreu em erro jaacute que natildeo haacute nenhuma teoria interpretativa que explicite de
forma objetiva como isso deve ser verificado na praacutetica deixando uma margem de
apreciaccedilatildeo muito ampla e subjetiva parecendo muito mais uma forma de simples superaccedilatildeo
da decisatildeo judicial do que uma efetiva correccedilatildeo
Sendo assim natildeo se vislumbra na praacutetica canadense a efetivaccedilatildeo de um
verdadeiro diaacutelogo sob o ponto de vista material podendo-se aferir apenas a possibilidade
de uma conversaccedilatildeo entre os poderes onde o Judiciaacuterio ldquofalardquo e o Legislativo ldquoescutardquo ou vice-
versa sugerindo mais uma ideia de monoacutelogo do que propriamente de diaacutelogo jaacute que na
realidade natildeo haacute um efetivo debate nem a construccedilatildeo conjunta de uma decisatildeo
Poreacutem apesar das criacuteticas se reconhece a importacircncia da praacutetica
deflagrada pelo sistema canadense que mesmo que apenas formalmente possibilita uma
interaccedilatildeo legislativa no processo de controle de constitucionalidade mediante a utilizaccedilatildeo de
mecanismos criados propriamente para esse fim especiacutefico o que ateacute entatildeo natildeo existia na
jurisdiccedilatildeo constitucional
80 Nesse sentido ver PETTER Andrew Taking Dialogue theory much too seriously (or perhaps charter
dialogue isnrsquot such a good thing after all) Osgoode Law Journal v 45 n1 p147-167 2007 A criacutetica
desenvolvida por Andrew Petter faz parte das que se seguiram apoacutes o estudo desenvolvido por Petter Hogg e
Alisson Bushell Para o Autor a tese dos mesmos eacute desprovida de conteuacutedo normativo e subestima a influecircncia
que as decisotildees judiciais exercem no processo de tomada de decisotildees poliacuteticas e em todos os outros aspectos
da vida poliacuteticas O Autor critica veementemente a metodologia adotada pelos dois autores no tocante a anaacutelise
jurisprudencial que os levou a concluir pela existecircncia do diaacutelogo no sistema canadense dentre outros
importantes aspectos por isso sugerimos a leitura
70
11 As teorias dialoacutegicas da parceira
Agrupam-se nessa categoria de teorias estruturais do diaacutelogo aquelas
que apostam nos mecanismos institucionais como a melhor forma de promoccedilatildeo do diaacutelogo
reconhecem o papel igualmente importante tanto dos atores judiciais como dos natildeo judiciais
no processo de tomada de uma decisatildeo constitucional
De acordo com essas teorias tanto o Judiciaacuterio quanto o Legislativo
devem ter seu papel reforccedilado dentro do processo de interpretaccedilatildeo constitucional sendo
reconhecidas as capacidades e competecircncias especiacuteficas de cada um de modo que repartam
a responsabilidade das decisotildees
Ao contraacuterio das teorias dos princiacutepios juriacutedicos para essas teorias natildeo
haacute um polo privilegiado reconhecem as diferentes competecircncias de cada braccedilo do poder
poreacutem defendem uma atuaccedilatildeo colaborativa entre eles na interpretaccedilatildeo constitucional sem
qualquer hierarquia
Bateup (2006 p 71) destaca as ideias de Janet Hiebert como exponente
dessas teorias eis que a referida Autora ao analisar a experiecircncia Canadense na aplicaccedilatildeo da
Carta de 1982 critica a passividade do Legislativo em face da intervenccedilatildeo judicial em
assuntos de poliacutetica puacuteblica argumentando que a interpretaccedilatildeo constitucional deve ser uma
responsabilidade compartilhada entre os Tribunais e o Parlamento
Hibert (2002) defende uma ldquoabordagem relacionalrdquo mediante a
combinaccedilatildeo entre a perspectiva judicial e legislativa para as interpretaccedilotildees da Carta Alega
que o fato de estarem separados Legislativo e Judiciaacuterio poreacutem interligados dentro da ordem
constitucional faz com quem ambos estejam aptos a se engajar em um diaacutelogo no qual cada
um deve ter certo grau de modeacutestia sobre suas proacuteprias conclusotildees e ouvir o outro a fim de
um aprendizado reciacuteproco e conforme necessaacuterio modificar seu ponto de vista
Nesse sentido criacutetica a teoria dialoacutegica de Bushell e Hogg sobretudo por
atribuiacuterem agrave Corte um papel corretivo incompatiacutevel com a ideia do compartilhamento de
responsabilidade inerente ao diaacutelogo Para a Autora natildeo deve ser atribuiacutedo agrave Corte o papel
de conduzir o diaacutelogo mas sim reconhecidas as capacidades diferentes de cada instituiccedilatildeo
do Poder as quais enxergam os problemas por prismas diferentes
71
Demonstra por meio desse entendimento que o Judiciaacuterio natildeo seria a
instacircncia mais bem posicionada para avaliar a escolha dos meios feita pelo legislador para
alcanccedilar seus objetivos mas sim para fiscalizar a qualidade da deliberaccedilatildeo e o empenho
despendido para fazer o balanceamento entre direitos e seus limites
Essa fiscalizaccedilatildeo acabaria por aumentar a responsabilidade do
Legislativo jaacute que precisaraacute convencer o Judiciaacuterio da necessidade da limitaccedilatildeo imposta e
do seu cuidado e compromisso com a proteccedilatildeo dos direitos81
111 Criacuteticas agrave teoria da parceria
No tocante a legitimidade democraacutetica da revisatildeo judicial das leis pode-
se dizer que essas teorias comparadas as demais ateacute aqui expostas demonstram maior
aptidatildeo para solucionar o problema pois oferecem uma resposta satisfatoacuteria a objeccedilatildeo
contramajoritaacuteria ao natildeo reconhecerem nenhuma posiccedilatildeo superior ao Judiciaacuterio em relaccedilatildeo
aos demais poderes mas sim reforccedilando a ideia de separaccedilatildeo de poderes e funccedilotildees
especiacuteficas sendo estas igualmente importantes no processo de interpretaccedilatildeo constitucional
Do ponto de vista teoacuterico a ideia parece ideal sobretudo por reforccedilar o
princiacutepio da separaccedilatildeo de poderes aumentando a responsabilidade institucional e
respeitando as competecircncias teacutecnicas e especiacuteficas de cada braccedilo do Poder como se idealiza
Todavia a sua dificuldade praacutetica eacute tatildeo evidente que natildeo conseguimos sequer vislumbrar
um exemplo concreto da efetivaccedilatildeo dessa teoria
Apesar disso deve ser considerada e reconhecida a sua importacircncia por
servir como um objetivo a ser alcanccedilado como um ponto de referecircncia que se deve buscar
implementar na praacutetica apesar das latentes dificuldades
Para Bateup essas teorias seriam praticamente perfeitas se comparadas
com as outras para alcanccedilar os objetivos a que as teorias dialoacutegicas se propotildeem poreacutem
pecam por natildeo considerar a necessidade da participaccedilatildeo social no diaacutelogo Diante disso a
Autora propotildee uma outra metodologia que a seu ver seria a ideal a qual passamos a expor
81 ldquoThe extent to wich Parliament will be able to convince the judiciary about the merits of how it believes
Charter conflicts should be resolved may be a direct reflection of the extent of its commitment to careful and
principled judgment To a considerable degree Parliament is likely get the kinds of judicial rulings ir
deservesrdquo (HIEBERT 2002 p 227)
72
12 Fusatildeo dialoacutegica
A metodologia de diaacutelogo ideal proposta por Bateup consiste na fusatildeo
entre os elementos das teorias da parceria e do equiliacutebrio que resultaria na forma mais
promissora do diaacutelogo constitucional por permitir uma compreensatildeo mais abrangente dos
diferentes aspectos institucionais e sociais possibilitando a participaccedilatildeo de diferentes atores
no processo de interpretaccedilatildeo constitucional (BATEUP 2006 p 77)
Na concepccedilatildeo da Autora a fusatildeo dialoacutegica seria o modelo ideal de
diaacutelogo pois por meio dos elementos proacuteprios da teoria da parceria se resolveriam as
controveacutersias acerca da legitimidade democraacutetica do judicial review reforccedilando a
competecircncia e atuaccedilatildeo das instituiccedilotildees aumentando a responsabilidade das mesmas pelas
suas decisotildees e atividades e por outro lado por meio dos elementos das teorias do
equiliacutebrio se promoveria a inclusatildeo da sociedade no debate reconhecendo o papel do
Judiciaacuterio como mediador da discussatildeo sem no entanto atribuir-lhe o poder da palavra final
Como aprimoramento das outras teorias a fusatildeo dialoacutegica propotildee a
noccedilatildeo do papel do Judiciaacuterio como um facilitador do debate na sociedade sobre os principais
temas do constitucionalismo para que mediante dele se alcance um resultado mais
duradouro e aceitaacutevel no seio social
Sendo assim em siacutentese o que Bateup propotildee eacute que a criacutetica inicialmente
feita agrave teoria do equiliacutebrio relativa a existecircncia de problemas constitucionais menos
relevantes em que natildeo seria necessaacuterio - nem recomendaacutevel - a abertura de um debate no
seio social seria superada pela metodologia da teoria da parceria surgindo assim um modelo
mais ldquocorretordquo de diaacutelogo
Sob essa perspetiva a revisatildeo judicial das leis teria como consequecircncia
dois aspectos distintos dentro da sociedade moderna Em primeiro lugar seria um
mecanismo auxiliador na produccedilatildeo de respostas mais duraacuteveis e amplamente aceitaacuteveis em
relaccedilatildeo a questotildees constitucionais que envolvam diaacutelogo com a sociedade como um todo e
em segundo tambeacutem auxiliaria na promoccedilatildeo de uma melhor resoluccedilatildeo institucional de
questotildees constitucionais no acircmbito de casos individuais (BATEUP 2006 p 78)
73
121 Criacuteticas agrave teoria da fusatildeo dialoacutegica
Aqui repetem-se as criacuteticas feitas no toacutepico acima acerca da teoria da
parceria acrescentando-se a essas as atinentes agrave inclusatildeo da participaccedilatildeo da sociedade como
participantes do diaacutelogo
A ideia de Bateup parece sob o ponto de vista da legitimidade
democraacutetica do controle de constitucionalidade ideal para superar todas as desconfianccedilas
pois combina os melhores elementos da teoria da parceria e ainda inclui a participaccedilatildeo
social que nesse vieacutes eacute de fundamental importacircncia
De todas as teorias ateacute aqui expostas parece ser a uacutenica a prever a
concretizaccedilatildeo de um diaacutelogo material facilitando a ocorrecircncia de um verdadeiro debate entre
os participantes do processo de interpretaccedilatildeo constitucional a fim de encontrar um consenso
Todavia as dificuldades residentes na implementaccedilatildeo dessa concepccedilatildeo
teoacuterica na praacutetica satildeo inuacutemeras primeiramente pela limitaccedilatildeo dos provaacuteveis meios para
inclusatildeo da sociedade no debate e depois pelos riscos que essa inclusatildeo pode oferecer
Incluir a sociedade civil em um debate atinente a realizaccedilatildeo de poliacuteticas
puacuteblicas para a efetivaccedilatildeo de direitos fundamentais pode ser extremamente perigoso pois a
pressatildeo social pode levar a tomadas de decisotildees irresponsaacuteveis pelos entes puacuteblicos bem
como pode acabar privilegiando uma ou outra parcela da populaccedilatildeo que esteja ativa no
debate em detrimento de outra Com isso pode haver o favorecimento dos interesses de
grupos minoritaacuterios o que nem sempre pode ser considerado favoraacutevel do ponto de vista
democraacutetico
Neste sentido ainda que a metodologia proposta po Bateup seja
aparentemente a mais promissora para resolver o conflito que ronda a legitimidade
democraacutetica do controle judicial das leis natildeo se pode tomaacute-la como uma verdade absoluta
sendo necessaacuterio criterioso cuidado na sua anaacutelise
13 Os mecanismos estruturais de diaacutelogo no sistema britacircnico e neozelandecircs
Como jaacute se abordou brevemente no iniacutecio do presente trabalho o novo
modelo canadense de revisatildeo judicial das leis por ser uma alternativa agrave tradicional forma de
supremacia judicial acabou por influenciar outros paiacuteses da Commonwealth de tradiccedilatildeo
74
parlamentar justamente pela sua promessa de conciliaccedilatildeo entre a supremacia legislativa e a
revisatildeo judicial no tocante a proteccedilatildeo de direitos fundamentais
Assim inspirados nesse novo modelo de judicial review paiacuteses como o
Reino Unido e Nova Zelacircndia ao reconhecerem a necessidade de uma tutela especial aos
direitos fundamentais adotaram sistemas que tambeacutem possuem mecanismos que propiciam
uma forma ldquofracardquo de revisatildeo judicial
O ponto em comum que ambos os sistemas possuem eacute o fato que o
Judiciaacuterio natildeo deteacutem poder para invalidar a legislaccedilatildeo ou seja permanecem pelo menos em
teoria em um sistema onde a supremacia parlamentar ainda se faz presente Todavia diante
da necessidade de assegurar a eficaacutecia dos direitos fundamentais que passaram a fazer parte
do Bill of Rights acabaram por introduzir em seu sistema alguns mecanismos que mitigaram
essa supremacia condicionando o legislador a observaccedilatildeo de tais direitos
Ambos os sistemas possuem assim a figura do mandado interpretativo
que em suma permite ao Judiciaacuterio o exerciacutecio da revisatildeo das leis ainda que natildeo possa
invalidaacute-las e lhe impotildee a tarefa de no momento que for analisar a legislaccedilatildeo interpretaacute-la
conforme os preceitos do Bill of Rights
Apesar de ser o mesmo mecanismo ele se desdobra na praacutetica de
maneiras diversas em cada paiacutes em face das suas peculiaridades razatildeo pela qual se analisaraacute
ambos os sistemas de forma autocircnoma
131 O mandado interpretativo e a declaraccedilatildeo de incompatibilidade no reino
unido (seccedilatildeo 3 e 4 (2) do human rights act 1998)
Como se sabe o Reino Unido eacute considerado o berccedilo da soberania
parlamentar onde ateacute recentemente cabia a este oacutergatildeo a apreciaccedilatildeo e resoluccedilatildeo de problemas
constitucionais tendo o Judiciaacuterio pouca ou quase nenhuma expressatildeo nesse sentido
O reconhecimento da competecircncia do Judiciaacuterio para a realizaccedilatildeo da
revisatildeo das leis foi um processo gradativo Apoacutes a Revoluccedilatildeo Gloriosa e a promulgaccedilatildeo do
Bill of Rights ambas as Casas do Parlamento inglecircs (House of Common e House of Lords)
75
passaram a deter competecircncia exclusiva para receber e apreciar as peticcedilotildees advindas dos
tribunais inferiores 82
Posteriormente jaacute exercendo a Cacircmara dos Lordes tal funccedilatildeo de modo
exclusivo veio a lume o Appellate Jurisdiction Act (1876) por intermeacutedio do qual foi criada
a figura dos lordes de apelaccedilatildeo (Lords of Appeal in Ordinary ou Law Lords) juiacutezes altamente
qualificados que deveriam se dedicar exclusivamente agraves questotildees judiciais submetidas ao
Parlamento Tais juiacutezes passaram a integrar o que veio a ser denominado Comissatildeo de
Apelaccedilatildeo da Cacircmara dos Lordes (Appellate Committee) e exercendo apenas a funccedilatildeo
jurisdicional deixaram de participar das votaccedilotildees do Parlamento (natildeo obstante tenham
permanecido como membros de tal Poder) (LARANJEIRA 2013)
Nesse contexto na estrutura constitucional inglesa cabia ao Parlamento
natildeo apenas a funccedilatildeo legislativa que lhe eacute inerente mas tambeacutem a atuaccedilatildeo como oacutergatildeo de
cuacutepula judicial Essa concepccedilatildeo era decorrente da inexistecircncia de uma constituiccedilatildeo escrita
formalmente superior as demais normas83 razatildeo pela qual o legislador acabava por ter uma
autonomia ilimitada para editar modificar e anular as leis
O ponto inicial de mudanccedila dessa estrutura foi a adoccedilatildeo do Human
Rights Act 199884 que entrou em vigor em 2 de outubro de 2000 e introduziu no
ordenamento juriacutedico interno os princiacutepios fundamentais jaacute enunciados pela Convenccedilatildeo
Europeia de Direitos do Homem85 A adoccedilatildeo desse documento representou uma mudanccedila
significativa na cultura legal do paiacutes porque as autoridades puacuteblicas passaram a ser
obrigadas a obedecer novas normas antes consideradas apenas no acircmbito internacional e
com isso quaisquer accedilotildees do Governo ou outros organismos puacuteblicos que natildeo cumprissem
82 Para um maior aprofundamento sobre a histoacuteria estrutura e composiccedilatildeo do Parlamento britacircnico ver
LEYLAND Peter The Constituion of the United Kingdom a contextual analysis Oxford 2007 p 81-114
83 Necessaacuterio destacar que embora natildeo exista um documento formal intitulado de Constituiccedilatildeo atribui-se esse
mesmo sentido ao ldquo() conjunto de praacuteticas instituiccedilotildees e remeacutedios processuais que determina a estruturaccedilatildeo
poliacutetica do Estado com o adequado controle e distribuiccedilatildeo do poder aleacutem do apontamento de garantias
fundamentais em favor dos cidadatildeos ()rdquo (CYRINO 2007)
84 Eacute importante esclarecer que antes da adoccedilatildeo do HRA o Reino Unido jaacute havia ratificado a Convenccedilatildeo
Europeia de Direitos do Homem em 1951 o que acarretou severesos conflitos de normas A necessidade de
conciliaccedilatildeo desses conflitos normativos pode ser considerada como um dos motivos que ensejaram a adoccedilatildeo
do HRA
85 A adoccedilatildeo desse documento foi tambeacutem decorrente de importantes conflitos poliacuteticos que acabaram por
enfraquecer a ideia de supremacia parlamentar ateacute entatildeo intocaacutevel sobretudo pelas constriccedilotildees decorrentes da
entrada na Uniatildeo Europeia que obrigou o paiacutes a estabelecer um documento legal de proteccedilatildeo de direitos
fundamentais com status qualificado Nesse sentido ver TUSHNET 2008 p 28
76
com a Convenccedilatildeo passaram a poder serem consideradas como ilegais tambeacutem no acircmbito
interno (LEYLAND 2007)
A partir de entatildeo passou-se a travar debates atinentes a necessidade de
ampliaccedilatildeo de um sistema de revisatildeo judicial das leis a fim de dar eficaacutecia ao documento e
consolidar a sua hierarquia qualificada perante as demais leis86
A mudanccedila do sistema onde ateacute entatildeo o controle das leis era feito por
um oacutergatildeo poliacutetico parte do proacuteprio Parlamento se consolidou com a aprovaccedilatildeo do
Constitution Reform Act em 2005 o qual passou a prever a criaccedilatildeo da Suprema Corte que
foi instalada mais recentemente no ano de 2009 e marcou a consolidaccedilatildeo de um oacutergatildeo
judicial independente do legislativo87
O HRA ao introduzir no odernamento juriacutedico interno os princiacutepios e
direitos previstos na Convenccedilatildeo Europeia na Seccedilatildeo 388 determinou que tanto quanto fosse
possiacutevel a legislaccedilatildeo primaacuteria e a legislaccedilatildeo subordinada devem ser interpretadas visando a
compatibilidade com os preceitos da Convenccedilatildeo
Ou seja o mandado interpretativo consiste na imposiccedilatildeo as Cortes do
dever de se esforccedilarem para interpretar as leis de acordo com o HRA Tambeacutem eacute denominado
por alguns doutrinadores de poder interpretativo (interpretative power) visto que possibilita
86 Sobre o impacto do HRA na cultura britacircnica Gadbaum (2001 p 732) destaca ldquoThere is no doubt that in
the British legal and constitutional context the mere existence of a set of codified constitutes a radical change
in legal and political culture independent of the exact form and legal status that they possess This is because
it replaces the existing conception of civil liberties as residual in nature ndash citizens are free to do whatever
statute common law and delegated legislation do not prohibit them from doing ndash with a primary or affirmative
set of rights that limit what citizens may be prohibited from doing in the first placerdquo
87 Leyland (2007 p 154) esclarece que a Suprema Corte britacircnica natildeo foi criada com o objetivo de ser um
Tribunal constitucional em suas palavras ldquoThe Supreme Court will not be established as a constitutional court
although of course it will have to preside over cases that raise constitutional issues and it will take over from
the Judicial Committee of the Privy Council jurisdiction over lsquodevolution issuesrsquo arising from the Scotland Act
1998 Government of Wales Act 1998 and Northern Ireland Act 1998rdquo
88 Interpretation of legislation (1)So far as it is possible to do so primary legislation and subordinate
legislation must be read and given effect in a way which is compatible with the Convention rights (2)This
sectionmdash (a)applies to primary legislation and subordinate legislation whenever enacted (b)does not affect
the validity continuing operation or enforcement of any incompatible primary legislation and (c)does not
affect the validity continuing operation or enforcement of any incompatible subordinate legislation if
(disregarding any possibility of revocation) primary legislation prevents removal of the incompatibility (HRA
1998)
77
a modificaccedilatildeo do significado das leis inicialmente conferido pelo Palamento a fim de
compatibilizaacute-las com a Convenccedilatildeo89
Todavia quando natildeo for possiacutevel uma interpretaccedilatildeo compatiacutevel a lei
natildeo pode ser invalidada permanecendo em pleno vigor podendo ser aplicada e invocada em
qualquer procedimento legal O que deve existir nesses casos eacute a emissatildeo de uma declaraccedilatildeo
de incompatibilidade onde a Corte pronunciaraacute o seu entendimento mas este natildeo teraacute
nenhum efeito direto ou concreto sobre a validade da norma90
A manifestaccedilatildeo do Judiciaacuterio por meio da declaraccedilatildeo de
incompatibilidade apesar de natildeo acarretar a nulidade da lei ao tornar puacuteblico o conflito da
mesma com os direitos assegurados pelo HRA gera um inegaacutevel constrangimento poliacutetico
Poreacutem o Parlamento continua a ser soberano eis que eacute ele que decide se a norma ainda que
declaradamente incompatiacutevel continuaraacute vigente como antes (CYRINO 2007)
Tendo em vista o constrangimento poliacutetico causado pela declaraccedilatildeo de
incompatibilidade alguns autores defendem ser esse um mecanismo propulsor de uma
resposta do Parlamento agraves decisotildees da Corte de forma a alterar a lei para eliminar a
incompatibilidade apontada pelas Cortes bem como de uma maior responsabilidade para
com a observacircncia dos direitos do HRA quando da formulaccedilatildeo das leis a fim de evitar uma
futura incompatibilidade
Um reconhecido e importante exemplo dessa praacutetica ocorreu no
julgamento do caso A and Others v Secretary of State for the Home Departament91 onde o
Governo britacircnico foi acusado de minar direitos individuais por meio da criaccedilatildeo da lei Anti
terrorismo crime e seguranccedilas de 2001 por permitir a detenccedilatildeo por tempo indeterminado
de estrangeiros suspeitos da praacutetica de terrorismo
89 ldquoThis section confers an interpretative power which allows the courts to consider legislation and transform
it by stretching its meaning where it is possible to do so in order to achieve Convention compatibilityThis
marks a significant shift of power from Parliament to judges since the courts are able to rewrite sections of
Acts by reading into them words that are not there and by doing so remove potential conflicts with the
Conventionrdquo (LEYLAND 2007 p 171)
90 4 (2) If the court is satisfied that the provision is incompatible with a Convention right it may make a
declaration of that incompatibility (HRA 1998)
91 A and Others v Secretary of State for the Home Departament (2004) UKHL Iacutentegra disponiacutevel em
httpwwwpublicationsparliamentukpald200405ldjudgmtjd041216aampoth-1htm
78
Nesse caso um grupo de suspeitos que estava detido em Belmarsh haacute
trecircs anos suscitou o conflito da lei com os direitos e garantias assegurados no HRA O
Comitecirc Judicial da Cacircmara dos Lordes emitiu uma declaraccedilatildeo de incompatibilidade da
referida legislaccedilatildeo poreacutem como a mesma natildeo provoca a nulidade os suspeitos continuaram
detidos Contudo a condenaccedilatildeo da legislaccedilatildeo ocasionou uma resposta do Governo
A declaraccedilatildeo de incompatibilidade acabou persuadindo o Governo a
editar uma nova lei utilizando uma outra abordagem para controlar os suspeitos de
terrorismo de forma a superar a incompatibilidade verificada e dessa maneira foi editada a
lei de Anti Terrorismo de 2005 (Prevention of Terrorism Act 2005)
Nesse sentido a declaraccedilatildeo de incompatibilidade pode ser lida sob a
oacutetica das teorias dialoacutegicas92 eis que quase sempre que for emitida ensejaraacute uma resposta do
Governo ou do Parlamento no sentido de modificar a lei para eliminar a incompatibilidade
diante de uma provaacutevel pressatildeo puacuteblica intensa nesse sentido e pelo proacuteprio interesse puacuteblico
em fazecirc-lo
Ademais o Governo e o Parlamento dificilmente iratildeo ignorar o conflito
revelado entre a legislaccedilatildeo e o HRA tambeacutem considerando que a viacutetima da violaccedilatildeo manteacutem
o direito de recorrer ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem alegando uma violaccedilatildeo a
Convenccedilatildeo Europeacuteia pelas normas internas (DEBELJAK 2002 p317)
Sob essa perspectiva a declaraccedilatildeo de incompatibilidade seria um
instrumento ideal para possibilitar um diaacutelogo entre o Judiciaacuterio e o Parlamento na tarefa da
interpretaccedilatildeo e execuccedilatildeo dos direitos fundamentais O HRA confere uma voz formal ao
Judiciaacuterio a qual pode ser colocada em praacutetica mediante a utilizaccedilatildeo deste instrumento com
o objetivo de envolver o legislativo no debate (SCHYFF 2010 p 188)
Complementando essa ideia Seccedilatildeo 1093 do HRA prevecirc mecanismos
que possibilitam uma alteraccedilatildeo da legislaccedilatildeo de forma mais raacutepida que pelo procedimento
92 ldquoThe notion of declarations of incompatibility is congruent with the principle of democratic inclusion The
deliberative process continues via an inter-institutional dialogue ensuring that no arm of government has a
monopoly on the final resolution of the defining commitments of society (hellip) According to the Human Rights
White Paper (UK) a judicial declaration of incompatibility is part of an inter-institutional dialogue A
declaration of incompatibility lsquowill almost certainly prompt the Government and parliament to change the lawrsquo
and lsquothe Government would have to consider and in most cases would consider the position pretty rapidlyrdquo
(DEBELJAK 2002p317)
93 ldquoSection 10 (Power to take remedial action) (1)This section applies ifmdash (a) a provision of legislation has
been declared under section 4 to be incompatible with a Convention right and if an appeal liesmdash (i)all persons
79
comum denominados remedial actions A Seccedilatildeo 1994 ainda estabelece uma forma de
controle preacutevio da legislaccedilatildeo a ser realizado pelo Ministro
Em razatildeo disso o sistema de revisatildeo judicial das leis instituiacutedo no Reino
Unido vem sendo apontado por alguns doutrinadores como um sistema dialoacutegico Contudo
por oacutebvio haacute objeccedilotildees conforme se passaraacute a demonstrar
1311 Criacuteticas agrave experiecircncia britacircnica
Apesar de ainda ser muito cedo para proferir um pronunciamento firme
sobre a nova praacutetica implementada no Reino Unido pelo HRA (HIEBERT 2006) jaacute se
consegue vislumbrar na doutrina algumas criacuteticas valiosas a seu respeito
Em suma as duacutevidas sobre a sustentabilidade deste modelo residem na
imprevisibilidade do comportamento poliacutetico que ao mesmo tempo pode favorecer um
recuo ao antigo modelo da soberania parlamentar como pode tambeacutem acabar se
aproximando ao tradicional modelo norte-americano onde haacute uma evidente supremacia
judicial
who may appeal have stated in writing that they do not intend to do so (ii)the time for bringing an appeal has
expired and no appeal has been brought within that time or (iii)an appeal brought within that time has been
determined or abandoned or (b) it appears to a Minister of the Crown or Her Majesty in Council that having
regard to a finding of the European Court of Human Rights made after the coming into force of this section in
proceedings against the United Kingdom a provision of legislation is incompatible with an obligation of the
United Kingdom arising from the Convention (2)If a Minister of the Crown considers that there are compelling
reasons for proceeding under this section he may by order make such amendments to the legislation as he
considers necessary to remove the incompatibility (3)If in the case of subordinate legislation a Minister of
the Crown considersmdash (a) that it is necessary to amend the primary legislation under which the subordinate
legislation in question was made in order to enable the incompatibility to be removed and (b)that there are
compelling reasons for proceeding under this section he may by order make such amendments to the primary
legislation as he considers necessary (4)This section also applies where the provision in question is in
subordinate legislation and has been quashed or declared invalid by reason of incompatibility with a
Convention right and the Minister proposes to proceed under paragraph 2(b) of Schedule 2 (5)If the legislation
is an Order in Council the power conferred by subsection (2) or (3) is exercisable by Her Majesty in Council
(6)In this section ldquolegislationrdquo does not include a Measure of the Church Assembly or of the General Synod
of the Church of England (7)Schedule 2 makes further provision about remedial ordersrdquo Human Rights Act
1998
94 ldquoSection 19 (Statements of compatibility) (1)A Minister of the Crown in charge of a Bill in either House of
Parliament must before Second Reading of the Billmdash (a) make a statement to the effect that in his view the
provisions of the Bill are compatible with the Convention rights (ldquoa statement of compatibilityrdquo) or (b)make
a statement to the effect that although he is unable to make a statement of compatibility the government
nevertheless wishes the House to proceed with the Bill (2)The statement must be in writing and be published
in such manner as the Minister making it considers appropriaterdquo Human Rights Act 1998
80
Neste sentido as criacuteticas se assemelham agraves crtiacuteticas jaacute disparadas contra
o sistema canadense95 o que nos conduz a percepccedilatildeo de que talvez seja uma caracteriacutestica
comum a todos os modelos concluindo que por melhor e mais elaborado que seja o sistema
de revisatildeo judicial das leis sua concretizaccedilatildeo sofreraacute dificuldades por questotildees de cunho
subjetivo tendo a cultura local de cada paiacutes grande influecircncia nessa praacutetica
Ou seja o grau de comprometimento de cada braccedilo do Poder seja com
a busca pela efetivaccedilatildeo de direitos ou com a preservaccedilatildeo da soberania parlamentar iraacute
influenciar diretamente na forma de utilizaccedilatildeo dos mecanismos dialoacutegicos colocados a
disposiccedilatildeo
Eacute importante notar que o HRA ao mesmo tempo que preserva a
supremacia da legislaccedilatildeo jaacute que a mesma natildeo pode ser invalidada por outro oacutergatildeo que natildeo
o proacuteprio Parlamento acaba por conferir um papel de destaque ao Judiciaacuterio no processo de
interpretaccedilatildeo e efetivaccedilatildeo dos direitos fundamentais
A Seccedilatildeo 3 ao instituir o mandado interpretativo atribui grande
influecircncia ao entendimento do Judicaacuterio na definiccedilatildeo do sentido das leis ao passo que a
declaraccedilatildeo de incompatibilidade apesar do seu potencial dialoacutegico demonstrado acima na
praacutetica tambeacutem faz com que prevaleccedila esse entendimento jaacute que a tendecircncia eacute que os outros
oacutergatildeos sigam a interpretaccedilatildeo judicial no sentido de modificar a lei garantindo a preservaccedilatildeo
dos direitos fudamentais assegurados pelo HRA e pela CEDH (DEBELJAK 2002)
Hiebert (2004 p 1983) ao tratar da experiecircncia britacircnica chama a
atenccedilatildeo para o fato de que apesar da clara intenccedilatildeo dos proponentes do HRA de manter o
princiacutepio da soberania parlamentar natildeo houve muita discussatildeo sobre como esse princiacutepio
iria se relacionar com os julgamentos do Judiciaacuterio sobre direitos
Revela que as pesquisas realizadas por meio da anaacutelise de debates
parlamentares deliberaccedilotildees poliacuteticas e comentaacuterios acadecircmicos sobre o assunto
demonstram pouca consideraccedilatildeo dos criteacuterios condiccedilotildees e circunstacircncias em que o Governo
deve explicitamente discordar das interpretaccedilotildees do HRA feitas pelo Judiciaacuterio
O que se percebe da anaacutelise do sistema de revisatildeo judicial das leis
desenvolvido pelo Reino Unido eacute que muito embora o Judiciaacuterio natildeo detenha a uacuteltima
95 Ver toacutepico 1014
81
palavra natildeo podendo invalidar a legislaccedilatildeo o mandado interpretativo lhe confere um poder
de interpretaccedilatildeo muito amplo podendo mudar o sentido da lei inicialmente conferido pelo
legislador o que pode contribuir para uma forma de supremacia judicial
Aleacutem do que o amplo uso do mesmo pode acabar levando os juiacutezes a
natildeo exprimirem as suas verdadeiras opiniotildees sobre a legislaccedilatildeo camuflando assim uma falsa
compatibilidade o que natildeo eacute desejaacutevel sob o ponto de vista constitucional sobretudo quando
se busca uma efetiva proteccedilatildeo de direitos
Neste sentido seria preferiacutevel que o mandado interpretativo fosse visto
apenas como uma diretriz uma tentativa e natildeo uma obrigaccedilatildeo e que os juiacutezes procurassem
usar em todas as vezes que entederem que uma legislaccedilatildeo natildeo eacute compatiacutevel com a
declaraccedilatildeo de direitos seu poder de declaraccedilatildeo Entretanto natildeo haacute como determinar que o
Judiciaacuterio aja dessa forma pelo que a declaraccedilatildeo de incompatibilidade pode ser utilizada
frequentemente ou como uma medida de uacuteltimo recurso
Os teoacutericos que acreditam na possiacutevel existecircncia de um diaacutelogo no
sistema britacircnico tendem a considerar que o uso frequumlente da Seccedilatildeo 3 pelas Cortes ou seja
o amplo exerciacutecio do poder interpretativo sob o ponto de vista democraacutetico eacute menos
desejaacutevel do que a emissatildeo de declaraccedilotildees de incompatibilidade pois ele daacute ao Judiciaacuterio a
uacuteltima palavra ao menos que seja ou ateacute que seja revista pelo Parlamento (BATEUP 2009
p 547)
Diante do exposto percebe-se que a materializaccedilatildeo de um diaacutelogo na
forma esperada dentro do sistema britacircnico iraacute depender efetivamente do comportamento do
Judiciaacuterio por meio das suas escolhas jaacute que pode optar por exercer o mandado interpretativo
a qualquer custo mudando fundamentalmente o sentido da legilaccedilatildeo bem como pode optar
pela emissatildeo da declaraccedilatildeo de incompatibilidade deixando espaccedilo para a atuaccedilatildeo
Parlamentar no sentido de superar a deficiecircncia da lei Ou seja mais uma vez revela-se na
praacutetica dialoacutegica a importacircncia das escolhas feitas pelas instituiccedilotildees no momento da sua
atuaccedilatildeo
Ademais eacute duvidoso se pode-se afirmar que na melhor das hipoacuteteses
quando o Judiciaacuterio declara uma lei incompatiacutevel e o Parlamento responde a essa declaraccedilatildeo
haacute um diaacutelogo do ponto de vista material eis que natildeo se verifica a interaccedilatildeo entre os Poderes
82
no momento da tomada de decisatildeo o compartilhamento de suas visotildees para a construccedilatildeo do
sentido constitucional
O que haacute eacute mais uma atuaccedilatildeo singular de cada um O Judiciaacuterio tendo
que interpretar a legislaccedilatildeo de acordo com o HRA sem poder invalidaacute-la e o Legislativo
tendo que responder a essa interpretaccedilatildeo quando a mesma for contraacuteria aquela por ele
realizada inicialmente seja no sentido de modificar a legislaccedilatildeo superando a
incompatibilidade apontada pelo Judiciaacuterio ou fazer prevalecer o seu entendimento se assim
achar correto
Todavia ainda que recente a praacutetica tem demonstrado que na quase
totalidade dos casos em que houve uma resposta do Parlamento a uma declaraccedilatildeo de
incompatibilidade a mesma foi no sentido de acolher a opiniatildeo judicial para modificar a lei96
o que demonstra uma tendecircncia desse sistema em acolher a decisatildeo judicial ainda que a
mesma natildeo tenha formalmente o poder de invalidar a lei
132 O mandado interpretativo na experiecircncia neozelandesa
A Nova Zelacircndia assim como o Reino Unido tambeacutem possui um
constitucionalismo de tradiccedilatildeo parlamentar A adoccedilatildeo de um documento formal que visasse
agrave proteccedilatildeo de direitos fundamentais soacute ocorreu em 1990 com a aprovaccedilatildeo do New Zeland
Bill of Rights Act (NZBORA)
A principal caracteriacutestica que difere o sistema Neozelacircndes dos demais
eacute o fato de que o NZBORA natildeo possui uma hierarquia superior as demais leis ordinaacuterias do
paiacutes ou seja eacute um diploma desprovido de qualquer supremacia ou rigidez dentro do
ordenamento juriacutedico Essa caracteriacutestica faz com que o mesmo pelo menos teoricamente
possa ser revogado integralmente ou em parte por qualquer maioria legislativa posterior
(TUSHNET 2009 p 25)
96 ldquoGreater doubts about the behavioral assumptions underpinning weak-form dialogue theory emerge when
we consider the responses that responses that these declarations have elicited from the political branches of
government If Parliament were responding in the manner advocated by weak-form dialogue theorist we would
expect to see disagreement with judicial declarations being regularly expressed or at the very least on
occasion Contrary to these expectations however the British Parliament has almost universally responded
to judicial declarations of incompatibility by amending or repealing the relevant primary legislation in
accordance with the courtrsquos rulingrdquo (BATEUP 2009 p 549)
83
Aleacutem de possuir status de lei ordinaacuteria o NZBORA exclui
expressamente a possibilidade de anulaccedilatildeo das leis pelo Judiciaacuterio97 e determina que este
sempre que for interpretar qualquer dispositivo legal o faccedila em conformidade com o Bill of
Rights98 As seccedilotildees 4 a 7 trazem provisotildees que evitam o engajamento do Judiciaacuterio em uma
revisatildeo substantiva dos atos do Parlamento ratificando a supremacia parlamentar como um
princiacutepio constitucional da Nova Zelacircndia (HIEBERT KELLY 2015 p 62)
Ao contraacuterio do que ocorre no modelo britacircnico na Nova Zelacircndia o
Judiciaacuterio natildeo pode emitir qualquer declaraccedilatildeo de incompatibilidade o que para alguns
doutrinadores afasta a caracterizaccedilatildeo desse sistema como um judicial review jaacute outros o
caracterizam como um sistema ldquosuper fracordquo de revisatildeo judicial
Diante disso parece inicialmente que o NZBORA natildeo possui entatildeo
qualquer influecircncia importante dentro do ordenamento juriacutedico daquele paiacutes entretanto ao
contraacuterio do que parece o mesmo foi responsaacutevel por profundas mudanccedilas na legislaccedilatildeo
interna justamente por funcionar como um documento interpretativo geral servindo de
diretriz para a atuaccedilatildeo do legislativo
Neste sentido Gardbaum (2001 p 728) ensina que embora o NZBORA
possua um status juriacutedico de um estatuto legal comum eacute um documento geral que determina
como deve ser dado o sentido a todas as outras leis ordinaacuterias natildeo por meio da disposiccedilatildeo de
um conjunto de regras interpretativas mas sim pela enunciaccedilatildeo de direitos substantivos
Assim o NZBORA protege os direitos nele contidos por meio do dever
de interpretaccedilatildeo que coloca sobre os tribunais nos termos da Seccedilatildeo 6 e pelo consequente
custo poliacutetico que impotildee ao legislador de a adotar uma medida que viole claramente um
direito protegido ou que natildeo possa ser lida como consistente com ele (GARDBAUM 2001
p 729)
97 ldquoSection 4 (Other enactments not affected) No court shall in relation to any enactment (whether passed or
made before or after the commencement of this Bill of Rights)mdash (a)hold any provision of the enactment to be
impliedly repealed or revoked or to be in any way invalid or ineffective or (b)decline to apply any provision
of the enactmentmdash by reason only that the provision is inconsistent with any provision of this Bill of Rightsrdquo
New Zeland Bill of Rights Act 1990
98 ldquoSection 6 (Interpretation consistent with Bill of Rights to be preferred) Wherever an enactment can be given
a meaning that is consistent with the rights and freedoms contained in this Bill of Rights that meaning shall
be preferred to any other meaningrdquo New Zeland Bill of Rights Act 1990
84
No julgamento do caso R v Hansen99 a Suprema Corte esclareceu a
correta abordagem metodoloacutegica do judicial review a ser utilizada para reforccedilar os direitos
previstos no NZBORA afirmando que primeiramente a Corte deve buscar o significado
original que o Parlamento pretendeu atribuir a medida legislativa apoacutes analisar se o mesmo
eacute compatiacutevel com o NZBORA se houver uma aparente inconsistecircncia deve averiguar se a
mesma eacute razoaacutevel ao abrigo do que dispotildee a Seccedilatildeo 5 Se entender pela desarrazoabilidade
entatildeo deve buscar uma interpretaccedilatildeo diferente que se coadune com a declaraccedilatildeo de direitos
e por fim quando isto natildeo for possiacutevel deveraacute prevalecer entatildeo o significado original
atribuiacutedo pelo Parlamento (HIEBERT KELLY 2015 p63)
Essa metodologia resulta de uma cultura judicial fortemente
influenciada pelo princiacutepio da supremacia legislativa Nesta perspectiva o NZBORA
introduz um importante instrumento processual na Seccedilatildeo 7100 mediante o qual o Procurador
Geral eacute obrigado a examinar todas as propostas de lei e informar ao Parlamento quando for
detectada qualquer incompatibilidade entre uma disposiccedilatildeo legal e os direitos e garantias
assegurados pela Declaraccedilatildeo
O fundamento de tal medida parece consistir justamente em evitar a
aprovaccedilatildeo de medidas legislativas incompatiacuteveis com o Bill of Rights estabelecendo uma
forma preventiva de controle ainda que natildeo tenham o condatildeo de impossibilitar a aprovaccedilatildeo
da lei mesmo quando incompatiacutevel mas servindo de alerta ao Parlamento e assim
aumentando a sua responsabilidade pois arcaraacute com os custos poliacuteticos de suas decisotildees
Em que pese o NZBORA proiacuteba o Judiciaacuterio de emitir qualquer
pronunciamento formal sobre a incompatibilidade de medidas legislativas o New Zeland
Human Rights Act adotado em 1993 prevecirc a possibilidade de uma declaraccedilatildeo judicial de
inconsistecircncia como remeacutedio apropriado para os casos de discriminaccedilatildeo
Assim somente nos casos em que se discute o direito a igualdade o
99 R v Hansen (2007) NZSC 7 Iacutentegra disponiacutevel em httpwwwnzliiorgcgi-
binsinodispnzcasesNZSC20077htmlquery=hansen20nzsc
100 ldquoSection 7 (Attorney-General to report to Parliament where Bill appears to be inconsistent with Bill of
Rights) Where any Bill is introduced into the House of Representatives the Attorney-General shallmdash (a)in
the case of a Government Bill on the introduction of that Bill or (b)in any other case as soon as practicable
after the introduction of the Billmdash bring to the attention of the House of Representatives any provision in the
Bill that appears to be inconsistent with any of the rights and freedoms contained in this Bill of Rightsrdquo New
Zeland Bill of Rights Act 1990
85
Judiciaacuterio quando natildeo encontrar uma interpretaccedilatildeo da lei que seja razoaacutevel e compatiacutevel
com os direitos assegurados Bill of Rights poderaacute emitir um documento formal que ateste a
inconsistecircncia no intuito de dar ciecircncia ao Parlamento da incompatibilidade Em todas as
outras questotildees relativas a direitos fundamentais eacute vedado ao Judiciaacuterio comportamento
semelhante101
O modelo Neozelandecircs assim como os demais que adotam uma forma
fraca de revisatildeo judicial das leis eacute considerado por alguns estudiosos como dialoacutegico por
natildeo ser a interpretaccedilatildeo judicial considerada conclusiva ou definitiva mas sim
possibilitadora de uma interaccedilatildeo legislativa pois por meio do poder de interpretaccedilatildeo
atribuiacutedo ao Judiciaacuterio o legislativo se sentiria constgrangido a adotar medidas favoraacuteveis a
proteccedilatildeo de direitos evitando uma futura incompatibilidade das leis com o NZBORA
1321 Criacuteticas ao modelo neozelandecircs
A principal criacutetica ao modelo neozelandecircs reside na duacutevida se o mesmo
pode ser caracterizado como um judicial review perante a evidecircncia da supremacia
parlamentar e da falta de possibilidade do Judiciaacuterio de sequer emitir uma declaraccedilatildeo de
incompatibilidade das leis sugerindo assim a ausecircncia de uma forma concreta de controle
judicial
O que se percebe da anaacutelise desse sistema eacute que o mesmo apesar de ter
favorecido a implementaccedilatildeo de uma cultura de proteccedilatildeo de direitos fundamentais na Nova
Zelacircndia por meio da adoccedilatildeo do NZBORA e da previsatildeo do mandado interpretativo que de
alguma forma influencia o Parlamento a editar leis compatiacuteveis com a declaraccedilatildeo
restringindo o antes ilitimidado poder de criaccedilatildeo deste oacutergatildeo natildeo haacute como se falar
concretamente na existecircncia de um ldquodiaacutelogo institucionalrdquo
Apesar de alguns doutrinadores otimistas apontarem a praacutetica do
mandado interpretativo na experiecircncia neozelandesa como uma forma de diaacutelogo entre os
101 Eacute necessaacuterio que esclarecer que muito tem sido discutido sobre a possibilidade de uma emissatildeo formal de
declaraccedilatildeo de incompatibilidade pelo Judiciaacuterio no sistema Neozelandecircs Haacute estudiosos que defendam a
necessidade de uma mudanccedila legislativa nesse sentido todavia os entendimentos jurisprudencias mais recentes
indicam que as perspectivas para a adoccedilatildeo dessa possibilidade formal ainda satildeo precaacuterias Ver GINSBURG
Claudia On a Road to Nowhere Implied Declarations of Inconsistency and the New Zeland Bill of Rights
Victoria University of Wellington Law Review 40 613-47 2009
86
poderes existem muitas criacuteticas a tal afirmaccedilatildeo sob o argumento de que o que haacute na
realidade eacute total a prevalecircncia do Poder Legislativo
O NZBORA emerge como um documento de caraacuteter essencialmente
interpretativo baseado em uma implementaccedilatildeo parlamentar Essa caracteriacutestica
interpretativa apesar de reforccedilada pela abordagem judicial ainda estaacute muito ligada a
supremacia parlamentar pronfudamente enraizada no constitucionalismo neozelacircndes e a
essa forma de envolvimento Parlamento natildeo pode nem na melhor das hipoacuteteses ser vista
como uma forma de diaacutelogo (HIEBERT KELLY 2015)
A falta de mecanismos formais ao alcance do Judiciaacuterio para poder
declarar a incompatibilidade de uma medida legislativa com a declaraccedilatildeo de direitos reduz
em grande escala a possibilidade da ocorrecircncia de um diaacutelogo entre os poderes poliacuteticos
Nesse sentido Geiringer (2009 p 647-647) aduz que a experiecircncia
Neozelandesa demonstra que a maioria dos juiacutezes natildeo se sentem confortaacuteveis quando
colocados a exercer o papel de criacuteticos do legislativo justamente pela arraigada cultura
parlamentar presente neste modelo e que a melhor e mais raacutepida forma de mudar essa
mentalidade seria por meio da atribuiccedilatildeo de uma poder formal para declarar a inconsistecircncia
das leis
Sendo assim a possibilidade de um efetivo diaacutelogo entre os Poderes
dentro do sistema da Nova Zelacircndia na forma em que hoje se afigura eacute escassa e limitada
jaacute que a supremacia parlamentar ainda eacute muito forte e evidente
87
CAPIacuteTULO 3 ndash AS TEORIAS DIALOacuteGICAS NO SISTEMA DE JURSIDICcedilAtildeO
CONSTITUCIONAL BRASILEIRO UMA POSSIBILIDADE
Da exposiccedilatildeo feita no capiacutetulo anterior podemos concluir que natildeo haacute
uma forma preacute definida para a ocorrecircncia do diaacutelogo podendo ele se manifestar por meio
das mais diversas praacuteticas e sob perspectivas teoacutericas diferentes a depender da cultura
histoacuterica e poliacutetica do paiacutes em que estaacute inserido
Apesar de ser um tema ainda pouco explorado pela doutrina brasileira
que ainda se centra primordialmente nos estudos das teorias interpretativas nos parece
importante verificar se haacute a possibilidade da aplicaccedilatildeo das teorias dialoacutegicas no Brasil mais
ainda se podemos identificar algum indiacutecio da sua praacutetica nos julgados do STF
Por isso na sequecircncia se buscaraacute por meio da anaacutelise de alguns casos
concretos constatar como e em que medida os diaacutelogos institucionais se manifestam no
sistema brasileiro a fim de revelar quais os traccedilos das teorias dialoacutegicas presentes nesse
sistema
Oportunamente se esclarece que os casos selecionados para anaacutelise satildeo
resultado do controle concentrado de constitucionalidade quando o Supremo Tribunal
Federal exerce seu papel de guardiatildeo da constituiccedilatildeo102 Fez-se essa opccedilatildeo por ser este tipo
de controle o ponto de maior relevacircncia e confronto entre a atuaccedilatildeo do STF e sua relaccedilatildeo
com o Legislativo pois eacute onde haacute uma anaacutelise judicial direta e abstrata da atuaccedilatildeo legislativa
que daacute origem a uma decisatildeo judicial com efeitos erga omnes
A anaacutelise de casos ocorridos no acircmbito do controle concentrado de
constitucionalidade torna-se ainda mais interessante do que a de casos derivados do controle
difuso se levarmos em conta que neste uacuteltimo a reaccedilatildeo legislativa eacute disciplinada pela proacutepria
Constituiccedilatildeo Federal por meio do inciso X do artigo 52 que atribui ao Senado a
competecircncia para suspender a execuccedilatildeo de lei declarada inconstitucional natildeo havendo
102 O art 102 da Constituiccedilatildeo Federal Brasileira atribui expressamente ao STF o papel de guardiatildeo da
Constiticcedilatildeo cabendo-lhe julgar originariamente accedilatildeo direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo
federal ou estadual e a accedilatildeo declaratoacuteria de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal
88
portanto grandes controveacutersias a esse respeito103
Deve ser esclarecido ainda que apesar de no capiacutetulo anterior ter-se
feito referecircncia as teorias que prescrevem a realizaccedilatildeo de um diaacutelogo social no presente
capiacutetulo a anaacutelise se centraraacute apenas em casos onde os atores participantes do processo de
interpretaccedilatildeo constitucional satildeo os poderes institucionalizados excluindo-se os casos onde
se fala na inclusatildeo da sociedade Destaca-se isso porque hoje a realizaccedilatildeo de audiecircncias
puacuteblicas e a convocaccedilatildeo de ldquoamigos da corterdquo durante o processo constitucional tem sido
uma praacutetica comum poreacutem complexa utilizada pelo Supremo Tribunal brasileiro104
Portanto entende-se que seria temeraacuterio invocar aqui casos envolvendo
esses mecanismos populares sem trataacute-los com a devida profundidade dando atenccedilatildeo a todos
os aspectos controversos que a anaacutelise requer Por esses motivos a anaacutelise centra-se apenas
casos onde figuram como atores o Poder Legislativo e o Poder Judiciaacuterio
Ressalta-se que o objetivo do estudo natildeo eacute analisar de forma exaustiva
a jurisprudecircncia brasileira ateacute mesmo porque para tanto seria necessaacuterio um trabalho
dedicado inteiramente agrave esse objetivo Pretende-se verificar e ilustrar como as teorias
dialoacutegicas podem ser encontradas na praacutetica brasileira por meio de importantes julgados
proferidos pelo Supremo Tribunal Federal identificando os elementos dialoacutegicos neles
presentes e as correspondentes teorias
Para fazer a anaacutelise dos casos e identificar seus aspectos dialoacutegicos seraacute
utilizado como base aleacutem das teorias expostas no capiacutetulo anterior a descriccedilatildeo de diaacutelogo
convencional proposta por Tushnet (2012 p 3-13) a qual se estrutura da seguinte forma
1ordm O legislador promulga uma lei rarr 2ordm o estatuto enfrenta um desafio
no Tribunal Constitucional rarr 3ordm O Tribunal invalida o estatuto rarr 4ordm o Tribunal na decisatildeo
103 Necessaacuterio destacar eu haacute uma divergecircncia na doutrina brasileira acerca da discricionariedade do poder
atribuiacutedo ao Senado por forccedila do art 52 X da CF88 Nos filiamos a doutrina minoritaacuteria segundo a qual o
Senado possui a faculdade de suspender a lei e natildeo a obrigaccedilatildeo jaacute que a decisatildeo judicial exarada no exerciacutecio
do controle de constitucionalidade disfuso possui efetios inter partes Sob essa loacutegica pode-se enxergar tal
previsatildeo constitucional como um mecanismo dialoacutegico pois natildeo deixa ser um instrumento de reaccedilatildeo legislativa
agrave decisatildeo judicial que complementa o controle judicial e de certa forma estendendo os efeitos da sua decisatildeo
104 Exemplo emblemaacutetico dessa praacutetica eacute a ADI 3510 onde foi apreciada a inconstitucionalidade da Lei de
Bioseguranccedila em especial no tocante a possibilidade de pesquisas utilizando ceacutelulas tronco e o STF
reconhecendo a complexidade do tema convou a realizaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas onde forma ouvidas vaacuterias
entidadas organizadas da sociedade civil e a particiaccedilatildeo de diversas pessoas na qualidade de ldquoamigos da corterdquo
para compartilhar conhecimento teacutecnico que o Tribunal assumir natildeo possuir para julgar o caso
89
indica algumas formas especiacuteficas em que o estatuto eacute incompatiacutevel com a Constituiccedilatildeo ou
oferece a melhor interpretaccedilatildeo das disposiccedilotildees constitucionais rarr 5ordm O legislativo responde
revendo o estatuto e corrigindo as deficiecircncias apontadas pelo Tribunal ou reedita o estatuto
sem alteraccedilotildees rarr 6ordm O estatuto eacute novamente desafiado rarr 7ordm O Tribunal lida com o desafio
e se abre para um novo debate defendendo o estatuto ou verifica se as modificaccedilotildees do
estatuto foram suficientes para torna-lo compatiacutevel ou estatildeo aqueacutem e ensejam uma nova
invalidaccedilatildeo
Ou ainda 1ordm A Constituiccedilatildeo impotildee ao legislador o dever de legislar
sobre um toacutepico especiacutefico rarr 2ordm O Tribunal identifica falhas na atuaccedilatildeo legislativa
entendendo que a mesma eacute insuficiente para satisfazer o seu dever ou verifica a ausecircncia de
atuaccedilatildeo rarr 3ordm indica ao legislativo as falhas ou a omissao exigindo a tomada de medidas no
sentido de cumprir o seu dever constitucional
Dito isso passa-se a anaacutelise dos casos concretos
14 Julgamento da accedilatildeo direta de inconstitucionalidade nordm 2797df ndash a suacutemula
394 do STF e a lei nordm 106282002
a) Breve resumo do caso
A antiga Suacutemula105 394 do STF editada em 3 de abril de 1964 a qual
dispunha que cometido o crime durante o exerciacutecio funcional prevalece a competecircncia
especial por prerrogativa de funccedilatildeo ainda que o inqueacuterito ou a accedilatildeo penal sejam iniciados
apoacutes a cessaccedilatildeo daquele exerciacutecio foi cancelada por unanimidade em sessatildeo plenaacuteria da
Corte realizada em 30042007
Os argumentos para o cancelamento do referido verbete giraram
basicamente em torno da defesa de que a prerrogativa de foro visa garantir o exerciacutecio do
105 A Suacutemula eacute um instituto juriacutedico muito presente no Direito brasileiro que consiste em um verbete que
registra a interpretaccedilatildeo paciacutefica ou majoritaacuteria de um determinado Tribunal a partir do julgamento de variados
casos concretos a fim de tornar puacuteblico a sociedade o seu entendimento e promover uma uniformizaccedilatildeo das
decisotildees judiciais Em regra natildeo possui efeito vinculante servindo apenas de diretriz poreacutem quando for votada
e aprovada pelo STF por pelo menos 23 do plenaacuterio se torna um entendimento obrigatoacuterio a ser observado
por todos os outros Tribunais e juiacutezes bem como pelos entes da Admnistraccedilatildeo Puacuteblica conforme determina o
Artigo 103-A da Constituiccedilatildeo Federal de 1988
90
cargo e natildeo o seu ocupante sendo assim uma vez que o indiacuteviduo deixa o cargo natildeo deve
fazer jus ao privileacutegio eis que o mesmo eacute inerente ao cargo e natildeo um direito subjetivo assim
atribuir o privileacutegio quando jaacute natildeo mais haacute o exerciacutecio da funccedilatildeo violaria o princiacutepio da
igualdade
Foi entatildeo consolidado pela Corte o entendimento de que deixando o
cargo definitivamente independentemente do motivo o ex-titular natildeo teraacute direito a processo
e julgamento em oacutergatildeo jurisdicional distinto daquele que teria qualquer outro cidadatildeo
Apesar da sedimentaccedilatildeo desse entendimento no acircmbito do STF em
dezembro de 2002 foi promulgada a Lei nordm 106282002 que alterou o artigo 84 do Coacutedigo
de Processo Penal brasileiro para inserir o sect1ordm com a seguinte redaccedilatildeo ldquoa competecircncia
especial por prerrogativa de funccedilatildeo relativa a atos administrativos do agente prevalece
ainda que o inqueacuterito ou a accedilatildeo judicial sejam iniciados apoacutes a cessaccedilatildeo do exerciacutecio da
funccedilatildeo puacuteblicardquo
Foi arguida a inconstitucionalidade do mencionado dispostivo legal por
meio de accedilatildeo direta de inconstitucionalidade proposta pela Associaccedilatildeo Nacional dos
Membros do Ministeacuterio Puacuteblico ndash CONAMP Ao fim do julgamento foi declarada a
inconstitucionalidade material e formal da lei essa uacuteltima com base no argumento de que
uma lei ordinaacuteria natildeo poderia vir a superar uma interpretaccedilatildeo constitucional jaacute realizada pelo
Supremo
Os aspectos relevantes do caso para a anaacutelise pretendida residem
justamente na tentativa do Legislativo de superar uma interpretaccedilatildeo constitucional jaacute
consolidada pela Suprema Corte e natildeo tanto no meacuterito relativo a constitucionalidade
material da norma
O caso eacute emblemaacutetico no cenaacuterio brasileiro por ter despertado um
interessante debate acerca da possibilidade de reaccedilatildeo legislativa a uma interpretaccedilatildeo
constitucional proferida pelo STF o que em muito contribui para a nossa anaacutelise sobre a
possibilidade de um diaacutelogo institucional no sistema brasileiro
Passa-se entatildeo a exposiccedilatildeo das importantes variaacuteveis do debate de
acordo com os votos proferidos pelos Ministros na ocasiatildeo do julgamento
91
b) Debate acerca da possibilidade de reediccedilatildeo de uma lei anteriormente declarada
inconstitucional pelo STF
O relator do caso Ministro Sepuacutelveda Pertence em seu voto o qual foi
seguido pela maioria iniciou a fundamentaccedilatildeo da inconstitucionalidade do dispostivo legal
sob anaacutelise naquela ocasiatildeo afirmando que o mesmo constitui evidente reaccedilatildeo legislativa ao
cancelamento da Suacutemula 394 Destacou que a redaccedilatildeo legal se aproxima substancialmente
da que foi proposta em seu voto vencido pela maioria na ocasiatildeo da deliberaccedilatildeo sobre o
cancelamento do verbete
Afirmou que o cancelamento da Suacutemula decorreu de interpretaccedilatildeo
direta e exclusiva da Contituiccedilatildeo e natildeo pela inexistecircncia de lei ordinaacuteria que o regulasse
Diante disso formulou entatildeo a seguinte indagaccedilatildeo lei ordinaacuteria eacute instrumento normativo
apto agrave alterar jurisprudecircncia assente do STF fundada em interpretaccedilatildeo direta e exclusiva da
Constituiccedilatildeo
Argumentou construindo uma resposta negativa agrave indagaccedilatildeo embora
reconhecendo que as decisotildees da Corte em sede de controle concentrado natildeo vinculam o
Poder Legislativo mas tatildeo somente os demais oacutergatildeos do Judiciaacuterio e o Poder Executivo
Assim concluiu que a ediccedilatildeo de uma lei no sentido contraacuterio de uma decisatildeo do Tribunal
natildeo infere necessariamente um descumprimento dessa decisatildeo estando o Legislativo livre
para agir nesse sentido todavia a medida editada seraacute inevitavelmente considerada
inconstitucional a menos que a Corte recue em seu posicionamento anterior sobre o assunto
Neste ponto o Ministro propocircs uma reflexatildeo diferenciando a
inconstitucionalidade material e formal da lei No seu entender se a lei reeditada pretender
impor com seu objeto imediato uma interpretaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo ela seraacute eivada de uma
inconstitucionalidade formal pois uma lei de hierarquia inferior natildeo pode ditar a
interpretaccedilatildeo de uma norma hierarquicamente superior
Poreacutem quando a lei editada pelo legislativo for de conteuacutedo similar ao
de uma outra jaacute declarada inconstitucional deveraacute ser feita anaacutelise acerca da
inconstitucionalidade material pois a Corte natildeo estaacute vinculada ao seu entendimento anterior
podendo mudar de opiniatildeo sobre o assunto em um novo debate
92
Neste sentido merece destaque o seguinte trecho do voto
ldquoAdmitir pudesse a lei ordinaacuteria inverter a leitura pelo Supremo Tribunal
da Constituiccedilatildeo seria dizer que a interpretaccedilatildeo constitucional da Corte
estaria sujeita ao referendo do legislador ou seja que a Constituiccedilatildeo ndash
como entendida pelo oacutergatildeo que ela proacutepria erigiu em guarda da sua
supremacia ndash soacute constituiria a Lei Suprema na medida da inteligecircncia que
lhe desse outro oacutergatildeo constituiacutedo o legislador ordinaacuterio ao contraacuterio
submetido aos seus ditamesrdquo
O Ministro Eros Grau em voto divergente discordou do entendimento
traccedilado no voto do relator no aspecto da inadmissibilidade da interpretaccedilatildeo constitucional
por lei ordinaacuteria afirmando que todo ato legislativo em alguma medida envolve a
interpretaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo por parte de quem legisla
Concluiu pela inexistecircncia de inconstitucionalidade formal da Lei nordm 10
62802 com base no fundamento de que o Poder Legislativo natildeo fica vinculado por um
dever de natildeo legislar em razatildeo da Corte ter conferido alguma interpretaccedilatildeo constitucional
Sendo entatildeo admissiacutevel que o Legislativo reedite uma lei contraacuteria a interpretaccedilatildeo
constitucional jaacute proferido pelo STF todavia esta lei fatalmente sucumbiraacute agrave anaacutelise da
inconstitucionalidade material jaacute que a uacuteltima palavra deveraacute ser dada pela Corte
O Ministro Gilmar Mendes acompanhou a divergecircncia lanccedilando
argumentos diferentes que enriqueceram o debate os quais satildeo de grande importacircncia para
a anaacutelise que se faraacute s na sequecircncia razatildeo pela qual transcreve-se aqui alguns dos principais
trechos
(hellip) Penso que natildeo eacute possiacutevel admitir que o legislador ordinaacuterio tenha a
sua liberdade totalmente tolhida pelas declaraccedilotildees de constitucionalidade
ou inconstitucionalidade do Tribunal Eacute adequado e prudente inclusive
que tais atos legislativos sejam apreciados a partir de um dado contexto
institucional
Eacute de se ressaltar que se de um lado a Constituiccedilatildeo atribui a este Supremo
Tribunal Federal a tarefa de guarda da integridade da ordem juriacutedico-
constitucional de outro eacute assente que o seu texto esta sujeito a uma
sociedade aberta de inteacuterpretes (HARBELE Peter Hermenecircutica
Constitucional A Sociedade aberta dos inteacuterpretes da Constituiccedilatildeo
93
contribuiccedilatildeo para a interpretaccedilatildeo pluralista e ldquoprocedimentalrdquo da
Constituiccedilatildeo Trad Gilmar Ferreira Mendes Porto Alegre Sergio Antonio
Fabris 1997) os quais podem de acordo com as alteraccedilotildees histoacuterico-
culturais exercer alternativas plurais de interpretaccedilatildeo
(hellip)
Natildeo eacute possiacutevel presumir portanto a inconstitucionalidade dos dispositivos
atacados simplesmente porque eles contrariam a ldquouacuteltima palavrardquo
conferida pelo Supremo Tribunal Federal sobre o tema Que pretendo
ressaltar pelo contraacuterio eacute o fato de que se o legislador federal (re)incide
cria ou regula essa mateacuteria constitucional de modo inteiramente diverso o
ldquodiaacutelogordquo o debate institucional deve continuar
Os demais ministros seguiram o voto do relator sem acrescentar grandes
argumentos ao debate Desta feita restou consignada no julgado a inconstitucionalidade da
lei
c) Anaacutelise do caso pelo prisma das Teorias do Diaacutelogo Institucional
Inicialmente merece ser pontuado que como destacado no voto do
Ministro Relator a lei da qual foi apreciada a constitucionalidade pelo STF trata-se de
expressa reaccedilatildeo legislativa a interpretaccedilatildeo constitucional anteriormente proferida
Como viu-se no capiacutetulo anterior para alguns estudiosos como Peter
Hogg e Allisson Bushell a simples possibilidade de reaccedilatildeo legislativa agrave decisatildeo judicial
resultante do controle de constitucionalidade deve ser considerada como uma praacutetica
dialoacutegica
Nessa perspectiva pode-se dizer que o STF apesar de ter considerado a
inconstitucionalidade da lei natildeo descartou a possibilidade da reaccedilatildeo legislativa agrave sua decisatildeo
preteacuterita admitindo que a mesma natildeo vincula a atuaccedilatildeo legislativa o que demonstra a
existecircncia de um espaccedilo para a possibilidade do diaacutelogo no sistema brasileiro ainda que este
em muito se diferencie estruturalmente do sistema Canadense o qual foi o objeto de estudo
desses Autores
Aplicando a descriccedilatildeo dialoacutegica proposta por Tushnet pode-se dizer que
o caso enquadra-se no conceito de diaacutelogo pois o legislador pretendeu a modificaccedilatildeo do
94
entendimento da Corte por meio da ediccedilatildeo de um estatuto legal com objeto semelhante ao
de uma Suacutemula jaacute cancelada - praacutetica que pode ser comparada a ldquoin your face responserdquo
comum no sistema canadense106- e o Tribunal enfrentou a questatildeo por meio de um novo
debate poreacutem permaneceu firme no seu entendimento anterior
Portanto em que pese a Constituiccedilatildeo Federal brasileira natildeo trazer
expressamente em seu texto a previsatildeo de um mecanismo especiacutefico que possibilite ao
legislativo superar uma decisatildeo do Supremo Tribunal Federal107 proferida no acircmbito do
controle concentrado de constitucionalidade o fato de as decisotildees do Supremo nesta espeacutecie
de controle de constitucionalidade natildeo vincularem o Poder Legislativo108 possibilitam ou
pelo menos natildeo impedem a reediccedilatildeo de uma norma jaacute consagrada inconstitucional
Sendo assim pode-se afirmar que apesar do Brasil adotar um modelo forte
de controle de constitucionalidade e a Constituiccedilatildeo Federal conceder expressamente a
guarda da Constituiccedilatildeo ao Supremo Tribunal Federal a possibilidade de um diaacutelogo
institucional com o Poder Legislativo ndash sob a perspectiva de algumas teorias dialoacutegicas ndash
natildeo eacute algo impensaacutevel
Importante frisar a questatildeo da adoccedilatildeo de um sistema forte de controle
de constitucionalidade jaacute que conforme lecionado por Tushnet (2009) esses sistemas seriam
menos propiacutecios ao diaacutelogo jaacute que seus mecanismos de modificaccedilatildeo da decisatildeo judicial
seriam mais difiacutecies e demorados como a Emenda Constitucional por exemplo Contudo
no presente caso vecirc-se que essa possibilidade pode ocorrer por meio de lei ordinaacuteria e de
forma relativamente ceacutelere se considerado que entre a revogaccedilatildeo da Suacutemula 394 e a ediccedilatildeo
da lei se passaram apenas dois anos
106 Ver toacutepico 1012 107 Apenas a tiacutetulo de conhecimento entendemos necessaacuterio mencionar que no ano de 2011 foi proposto um
Projeto de Emenda a Constituiccedilatildeo conhecido como PEC 33 o qual pretendia modificar o enunciado do artigo
102 da CF para alterar a quantidade miacutenima de votos de membros de tribunais para declaraccedilatildeo de
inconstitucionalidade das leis condicionar o efeito vinculante de suacutemulas aprovadas pelo STF agrave aprovaccedilatildeo
pelo Poder Legislativo e submeter ao Congresso Nacional as decisotildees sobre inconstitucionalidade de Emendas
agrave Constituiccedilatildeo As alteraccedilotildees pretendidas com o prejeto especialemente as duas uacuteltimas que alargam a
competecircncia do Legislativo sugerem a introduccedilatildeo de um modelo de controle de constitucionalidade
semelhante ao weak form A PEC foi arquivada no dia 31012015 com o fim da legislatura em que foi proposta
nos termos do art 105 do regimento interno da Cacircmara dos Deputados
108 O paraacutegrafo uacutenico do artigo 28 da Lei nordm 9 868 de 10 de novembro de 1999 dispotildee que a declaraccedilatildeo de
constitucionalidade ou de inconstitucionalidade inclusive a interpretaccedilatildeo conforme a Constituiccedilatildeo e a
declaraccedilatildeo parcial de inconstitucionalidade sem reduccedilatildeo de texto tecircm eficaacutecia contra todos e efeito vinculante
em relaccedilatildeo aos oacutergatildeos do Poder Judiciaacuterio e agrave Administraccedilatildeo Puacuteblica federal estadual e municipal natildeo
incluindo nesse rol o Poder Legislativo
95
Pois bem da leitura do item b) acima percebe-se uma divergecircncia de
opiniatildeo dentro da proacutepria Corte a respeito do tema alguns ministros a maioria deles
adotaram um pensamento mais conservador e defensor da supremacia judicial no sentido de
considerar a reaccedilatildeo legislativa abusiva Outros principalmente o ministro Gilmar Mendes
optaram por um posicionamento mais tendente ao diaacutelogo reconhecendo a importacircncia de
uma postura mais aberta do Judiciaacuterio nesse sentido
Apesar do voto vencedor ter concluiacutedo pela inconstitucionalidade
formal da lei a anaacutelise do meacuterito natildeo deixou de ocorrer Todos os ministros engajaram-se a
debater o tema tratado pela lei e pela antiga Suacutemula novamente reacendendo o debate dois
anos depois Em que pese o entendimento da Corte ter permanecido o mesmo deve-se
reconhecer os benefiacutecios da reediccedilatildeo da lei no sentido de possibilitar um ldquosegundo olharrdquo
sobre o tema
Nesse aspecto do caso percebe-se a ideia desenvolvida por Kent
Roach109 ndash a qual se enquadra no grupo das teorias de princiacutepios juriacutedicos ndash em que a decisatildeo
judicial deve ser considerada como o iacutenicio do debate o qual prossegue mediante a resposta
legislativa por meio da ediccedilatildeo de leis ordinaacuterias reativas agrave essa decisatildeo e que assim
possibilitam que o tema volte a ser debatido pelo Judiciaacuterio e tambeacutem pelo Legislativo
Para o autor a devoluccedilatildeo do debate ao Judiciaacuterio por meio da resposta
legislativa eacute uma forma mais desejaacutevel de atuaccedilatildeo do legislador ao inveacutes da ou total
deferecircncia agraves decisotildees judiciais ou ainda da superaccedilatildeo da decisatildeo e imposiccedilatildeo do seu
entendimento como o sistema canadense possibilitar com a claacuteusula 33 Todavia tambeacutem
atenta para o lado negativo dessa praacutetica como jaacute se viu anteriormente
O caso traduz exatamente as criacuteticas dirigidas agrave essa teoria e sua
respectiva praacutetica pois viu-se que o legislativo pode simplesmente reeditar uma norma jaacute
considerada inconstitucional sem no entanto se preocupar em justificar a sua escolha
tampouco demonstrar a necessidade da medida mas apenas repetindo o conteuacutedo tal e qual
ao da norma anterior contrariando a expectativa de uma melhor e mais responsaacutevel atuaccedilatildeo
Eacute necessaacuterio perceber tambeacutem a postura ativista da Corte tendo em
vista que o entendimento que prevaleceu nesse caso foi pela impossibilidade de reediccedilatildeo de
109 Ver tambeacutem aleacutem das obras jaacute anteriormente citadas ROACH Kent Constitutional and Common Law
Dialogues between the Supreme Court and Canadian Legislatures Canadian Bar Review p 481-533 2001
96
uma norma jaacute declarada inconstitucional com uma clara intenccedilatildeo de preservar e rearfirmar
o seu poder110 o que evidencia mais uma dificuldade praacutetica da aplicaccedilatildeo das teorias dos
princiacutepios juriacutedicos dependentes da boa disposiccedilatildeo do Judiciaacuterio para abertura do debate e
ateacute para uma eventual deferecircncia agrave escolha legislativa
Em todo caso fato eacute que natildeo se pode considerar que no presente caso
houve um diaacutelogo sob o ponto de vista material concluindo consequentemente que as
teorias dialoacutegicas dos princiacutepios juriacutedicos na praacutetica natildeo se revelam apropriadas para a sua
consecuccedilatildeo Todavia vislumbra-se a tentativa de uma resposta legislativa ao protagonismo
Judicial que pode sob o ponto de vista formal ser considerada como um diaacutelogo
principalmente por ter levado o tema a ser debatido novamente pela Corte apesar da sua
postura mais conservadora conforme propotildee Tushnet111
Essa reaccedilatildeo legislativa ao contraacuterio do que pode parecer em um
primeiro momento natildeo eacute algo tatildeo raro no sistema brasileiro e pode ser encontrada tambeacutem
em diversos outros casos como veraacute na sequecircncia
15 Julgamento da accedilatildeo direta de inconstitucionalidade nordm 4543DF e a lei
131652015
a) Breve resumo do caso
Na Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade nordm 4543DF proposta pela
Procuradoria Geral da Repuacuteblica o Supremo Tribunal apreciou a incompatibilidade do artigo
5ordm da Lei 120342009 com o caput do artigo 14 da Constituiccedilatildeo Federal brasileira que
assegura o voto direto e secreto
O supracitado dispositivo legal previa a criaccedilatildeo do voto impresso a
partir do processo eleitoral de 2014 e possuiacutea a seguinte redaccedilatildeo
5o Fica criado a partir das eleiccedilotildees de 2014 inclusive o voto impresso
110 Neste sentido Barroso (2009) destaca que o primeiro impulso natural do poder eacute a auto-conservaccedilatildeo sendo
intuitivo que os representantes do poder em suas relaccedilotildees entre si ou com outros aotres poliacuteticos sejam eles
institucionais ou sociais procure demarcar e preservar seu espaccedilo de atuaccedilatildeo e sua autoridade
111 Ver toacutepicos 1012 1013 e 1014 que abordam as teorias dialoacutegicas de princiacutepios juriacutedicos sua
concretizaccedilatildeo no sistema canadense e respetivas criacuteticas
97
conferido pelo eleitor garantido o total sigilo do voto e observadas as
seguintes regras
sect 1o A maacutequina de votar exibiraacute para o eleitor primeiramente as telas
referentes agraves eleiccedilotildees proporcionais em seguida as referentes agraves eleiccedilotildees
majoritaacuterias finalmente o voto completo para conferecircncia visual do eleitor
e confirmaccedilatildeo final do voto
sect 2o Apoacutes a confirmaccedilatildeo final do voto pelo eleitor a urna eletrocircnica
imprimiraacute um nuacutemero uacutenico de identificaccedilatildeo do voto associado agrave sua proacutepria
assinatura digital
sect 3o O voto deveraacute ser depositado de forma automaacutetica sem contato
manual do eleitor em local previamente lacrado (grifou-se)
sect 4o Apoacutes o fim da votaccedilatildeo a Justiccedila Eleitoral realizaraacute em audiecircncia
puacuteblica auditoria independente do software mediante o sorteio de 2 (dois
por cento) das urnas eletrocircnicas de cada Zona Eleitoral respeitado o limite
miacutenimo de 3 (trecircs) maacutequinas por municiacutepio que deveratildeo ter seus votos em
papel contados e comparados com os resultados apresentados pelo
respectivo boletim de urna
sect 5o Eacute permitido o uso de identificaccedilatildeo do eleitor por sua biometria ou pela
digitaccedilatildeo do seu nome ou nuacutemero de eleitor desde que a maacutequina de
identificar natildeo tenha nenhuma conexatildeo com a urna eletrocircnica
O Supremo considerou a lei inconstitucional com base em diversos
argumentos alegando resumidamente que a criaccedilatildeo do voto impresso representaria um
retrocesso para o sistema eleitoral brasileiro que atualmente conta com um moderno e
eficiente aparato de votaccedilatildeo eletrocircnica e seria uma ameaccedila ao sigilo garantido
constitucionalmente afirmando a proibiccedilatildeo de qualquer tipo de identificaccedilatildeo do eleitor no
exerciacutecio do voto ou no proacuteprio voto
A accedilatildeo foi julgada procedente por unanimidade nos termos do voto do
Ministro Relator poreacutem eacute interessante destacar o voto do Ministro Luiacutes Roberto Barroso o
qual aduziu expressamente a importacircncia de que o Judiciaacuterio conserve uma postura de
humildade institucional sendo deferente agraves escolhas poliacuteticas do Legislador que natildeo sejam
claramente irrazoaacuteveis Em resposta o Ministro Luiz Fux afirmou que muito embora
98
concorde com a deferecircncia que deve ser dada ao Legislativo em certos casos eacute preciso que
o Supremo exerccedila a funccedilatildeo contramajoritaacuteria ou seja contra a Casa do Povo principalmente
naquelas hipoacuteteses em que haacute uma ameaccedila a direito fundamental
Pouco mais de um ano apoacutes o referido julgamento o Legislativo
promulgou a Lei nordm 131652015 conhecida como ldquolei da minireforma eleitoralrdquo por
introduzir significativas alteraccedilotildees ao Coacutedigo Eleitoral a qual em seu artigo 2ordm deu nova
redaccedilatildeo ao Artigo 59-A do referido Coacutedigo nos seguintes termos
Art 59-A No processo de votaccedilatildeo eletrocircnica a urna imprimiraacute o
registro de cada voto que seraacute depositado de forma automaacutetica e sem
contato manual do eleitor em local previamente lacrado (grifou-se)
Paraacutegrafo uacutenico O processo de votaccedilatildeo natildeo seraacute concluiacutedo ateacute que o
eleitor confirme a correspondecircncia entre o teor de seu voto e o registro
impresso e exibido pela urna eletrocircnica
Da simples leitura do dispositivo acima percebe-se que o que o
Legislativo fez foi reeditar uma norma com igual objeto ao da anteriormente declarada
inconstitucional pela Corte Entretanto algumas alteraccedilotildees no texto satildeo notoacuterias sobretudo
no tocante a retirada da previsatildeo de um nuacutemero uacutenico de identificaccedilatildeo do voto associado agrave
proacutepria assinatura digital e da auditoria pela Justiccedila Eleitoral
Percebe-se entatildeo mais uma vez a ocorrecircncia de uma reaccedilatildeo legislativa
por meio da ediccedilatildeo de lei ordinaacuteria tendo em vista o desacordo do legislador com o
entendimento proferido pela Corte
b) Anaacutelise do caso pelo prisma das Teorias do Diaacutelogo Institucional
Observa-se claramente no presente caso a possibilidade concreta do
Legislativo brasileiro reeditar uma norma de igual objeto e com redaccedilatildeo semelhante e igual
objeto de outra jaacute declarada inconstitucional pelo STF
O caso eacute similar ao antes descrito poreacutem naquele a norma anterior que
estava sendo reeditada natildeo era uma lei ordinaacuteria criada pelo legislativo mas sim uma Suacutemula
editada pela proacutepria Corte Neste caso jaacute se nota duas normas editadas pelo mesmo oacutergatildeo
99
com o mesmo objeto e em um lapso temporal relativamente curto a primeira jaacute considerada
inconstitucional e a segunda ateacute o momento vaacutelida
Se observar-se o caso pela vertente do conteuacutedo daquelas teorias
dialoacutegicas que consideram a reediccedilatildeo de norma idecircntica como uma forma de diaacutelogo chegar-
se-aacute a conclusatildeo que esse pode ser mais um exemplo de diaacutelogo no seu sentido formal assim
como o narrado acima
O caso encaixa-se perfeitamente na descriccedilatildeo convencional de diaacutelogo
sintetizada por Tushnet eis que respeita a execuccedilatildeo de todos os passos descritos pelo autor
todavia conceber a resposta legislativa neste caso como uma forma de diaacutelogo pode ser
considerado como algo positivo ou natildeo a depender do ponto de vista adotado
Pode-se considerar a reaccedilatildeo legislativa tanto como uma afronta agrave
decisatildeo judicial na tentativa de manter uma legislaccedilatildeo flagrantemente inconstitucional em
vigor protegendo seus proacuteprios interesses poliacuteticos ou podemos interpretar a reaccedilatildeo
legislativa tambeacutem como uma manifestaccedilatildeo de deferecircncia agrave decisatildeo judicial sendo uma
revisatildeo da lei anterior
Menciona-se isso porque natildeo se pode ignorar o fato de o texto da
segunda lei ser muito mais sucinto que o da primeira sobretudo por ter sido retirada da sua
redaccedilatildeo alguns aspectos especiacuteficos que foram impugnados pelo Supremo Nesse aspecto
se adotada uma visatildeo positiva poder-se-ia dizer que o resultado esperado pelos defensores
dessa praacutetica foi atingido ocasionando uma atuaccedilatildeo mais responsaacutevel do Legislativo o qual
teria levado em conta as observaccedilotildees do Judiciaacuterio para a elaboraccedilatildeo de uma medida mais
satisfatoacuteria que a anterior
Se observada a reaccedilatildeo legislativa sob esse entendimento poder-se-aacute
dizer que houve no presente caso - conforme o sentido empregado por Tremblay (2000) -
uma ldquoconversardquo entre entre Judiciaacuterio e Legislativo que resultou em uma medida legislativa
criada mediante o compartilhamento das visotildees de ambos os Poderes
Entretanto eacute necessaacuterio destacar que a intenccedilatildeo do Legislativo natildeo resta
clara pois ao mesmo tempo que modificou em alguns aspectos o texto anteriormente
editado tambeacutem manteve o seu principal objeto o qual jaacute havia sido flagrantemente
considerado inconstitucional pela Corte
100
Dessa forma ao mesmo tempo em que se pode vislumbrar a ocorrecircncia
de um diaacutelogo tambeacutem se pode encarar o tipo de resposta legislativa dada neste caso como
uma atuaccedilatildeo abusiva a qual natildeo poderaacute ser entendida como dialoacutegica
Essa ambiguidade demonstra que nem toda forma de resposta
legislativa deve ser encarada sob o ponto de vista dialoacutegico sob pena de enfraquecimento
das proacuteprias teorias dialoacutegicas do esvaziamento do seu potencial Eacute nesse aspecto que a
descriccedilatildeo convencional de diaacutelogo apresenta falha
O que o diaacutelogo institucional - entendido na sua melhor forma -
preceitua natildeo eacute uma imposiccedilatildeo de pontos de vista muito menos a simples deferecircncia de um
Poder para com o outro mas sim uma efetiva troca de argumentos por isso eacute preciso que
haja uma anaacutelise qualitativa das respostas legislativas para soacute assim poder enquadraacute-las
como uma manifestaccedilatildeo dialoacutegica e natildeo apenas considerar que o simples fato da sua
possibilidade existir jaacute eacute uma evidecircncia de diaacutelogo (PETTER 2007)
Como jaacute analisado anteriormente em toacutepico especiacutefico a metodologia
de diaacutelogo que verificamos nos dois casos expostos ateacute aqui eacute alvo de muitas criacuteticas poreacutem
tambeacutem possui alguns aspectos postivos que natildeo podem ser desconsiderados os quais ficam
melhor evidenciados por meio da anaacutelise do caso que a seguir seraacute exposto
16 Julgamento da accedilatildeo direta de inconstitucionalide nordm 3772DF ndash a suacutemula 726
do STF e a lei nordm 113012006
a) Breve resumo do caso
Trata-se da anaacutelise da constitucionalidade da Lei nordm 113012006 que
alargou o conceito de funccedilotildees de Magisteacuterio para efeitos de aplicaccedilatildeo do paraacutegrafo 5ordm do
artigo 40 e do paraacutegrafo 8ordm do artigo 201 da CF88 mediante Accedilatildeo Direta de
Constitucionalidade proposta pelo Procurador Geral da Repuacuteblica
Em suma o que a lei questionada apresentou foi uma introduccedilatildeo de um
paraacutegrafo segundo na Lei nordm 93941996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo Nacional)
com a seguinte redaccedilatildeo ldquoPara os efeitos do disposto no sect 5ordm do art 40 e no sect 8o do art 201
da Constituiccedilatildeo Federal satildeo consideradas funccedilotildees de magisteacuterio as exercidas por professores
e especialistas em educaccedilatildeo no desempenho de atividades educativas quando exercidas em
101
estabelecimento de educaccedilatildeo baacutesica em seus diversos niacuteveis e modalidades incluiacutedas aleacutem
do exerciacutecio da docecircncia as de direccedilatildeo de unidade escolar e as de coordenaccedilatildeo e
assessoramento pedagoacutegicordquo
Os respectivos dispositivos constitucionais tratam da aposentadoria
especial para professores prevendo uma reduccedilatildeo do tempo de serviccedilo exigido para tanto
Sobre esse aspecto o STF jaacute havia editado a Suacutemula 726 com a seguinte redaccedilatildeo para efeito
de aposentadoria especial de professores natildeo se computa o tempo de serviccedilo prestado fora
da sala de aula
O referido verbete foi resultado do julgamento da ADI 2253 onde ao
interpretar a Constituiccedilatildeo o Supremo Tribunal firmou o entendimento de que as funccedilotildees de
magisteacuterio referidas pela Carta Magna seriam apenas as da proacutepria atividade fim do
professor ou seja definiu a docecircncia como atividade exclusiva de sala de aula
Desta forma mais uma vez o Legislativo editou lei contraacuteria agrave
interpretaccedilatildeo constitucional jaacute exarada e sumulada pela Corte Contudo nessa ocasiatildeo o
resultado praacutetico foi diferente dos verificados nos casos acima
Primeiro natildeo houve debate acerca da possibilidade da ediccedilatildeo de uma
lei contraacuteria a decisatildeo jaacute proferida pelo STF mas sim uma mudanccedila no entendimento
anteriormente traccedilado apoacutes um intenso debate sobre o assunto
Poderia o Supremo Tribunal ter declarado a inconstitucionalidade da
norma sem muita dificuldade bastava manter o posicionamento anterior relativo a
impossibilidade de alargamento do benefiacutecio da aposentadoria especial aos profissionais
ldquoespecialistas em educaccedilatildeordquo entretanto optou por modificar seu entendimento parcialmente
e adaptaacute-lo para julgar a accedilatildeo parcialmente procedente mantendo a validade da lei e traccedilando
a correta interpretaccedilatildeo da mesma nos seguintes termos
I ndash A funccedilatildeo de magisteacuterio natildeo se circunscreve apenas ao trabalho em sala
de aula abrangendo tambeacutem a preparaccedilatildeo de aulas a correccedilatildeo de provas
o atendimento aos pais e alunos o assessoramento pedagoacutegico e ainda a
direccedilatildeo de unidade escolar
II ndash As funccedilotildees de direccedilatildeo coordenaccedilatildeo e assessoramento pedagoacutegico
integram a carreira de magisteacuterio desde que exercidos em
estabelecimentos de ensino baacutesico por professores de carreira excluiacutedos
102
os especialistas em educaccedilatildeo fazendo jus aqueles que as desempenham ao
regime especial de aposentadoria estabelecido nos sect 5ordm do art 40 e no sect
8o do art 201 da Constituiccedilatildeo Federal
b) Anaacutelise do caso pelo prisma das Teorias do Diaacutelogo Institucional
Vecirc-se no presente caso um posicionamento da Corte totalmente
contraacuterio ao demonstrado anteriormente Aqui o STF admitiu a superaccedilatildeo da sua decisatildeo por
lei ordinaacuteria esforccedilando-se ainda para traccedilar um entendimento compatiacutevel da lei com a
Constituiccedilatildeo quando poderia tecirc-la simplesmente anulado
Neste caso constata-se o benefiacutecio da praacutetica legislativa que mesmo
ciente do entendimento jaacute fixado pelo Judiciaacuterio forccedilou a reediccedilatildeo da lei como forma de
levantar novamente o debate acerca do tema o qual resultou positivo no tocante a efetivaccedilatildeo
de direito fundamental ampliando o rol de beneficiados com a aposentadoria especial dos
professores
Percebe-se neste ponto que o resultado beneacutefico esperado da praacutetica
das teorias dialoacutegicas dos princiacutepios juriacutedicos pautadas em uma articulaccedilatildeo legislativa no
sentido de propiciar um novo debate sobre determinado tema por meio da ediccedilatildeo de uma lei
ordinaacuteria eacute possiacutevel todavia fica claro que para que haja esse efeito positivo eacute necessaacuteria
uma abertura da Corte uma aceitaccedilatildeo ao novo enfrentamento e possibilidade de modificaccedilatildeo
do antigo posicionamento
O caso revela portanto uma importante criacutetica das teorias dialoacutegicas
nenhuma delas prevecirc uma forma de diaacutelogo que na praacutetica deva e possa ocorrer independente
da vontade das institiuiccedilotildees No mesmo sentido a descriccedilatildeo convencional de diaacutelogo exposta
por Tushnet para que resulte positiva necessita da vontade poliacutetica dos agentes
Por outro lado mais uma vez percebe-se que mesmo natildeo havendo no
sistema brasileiro qualquer previsatildeo expressa de um mecanismo estrutural dialoacutegico esse
diaacutelogo pode ocorrer como fruto do proacuteprio princiacutepio da separaccedilatildeo de poderes evidenciando
assim o que preceituam as teorias de construccedilatildeo coordenada jaacute tratadas no toacutepico 101 ou
seja que o diaacutelogo pode se materializar mesmo em um sistema onde haacute uma supremacia
judicial expressa pela proacutepria Constituiccedilatildeo
103
Mediante a leitura do presente caso percebe-se ainda que as respostas
proferidas no acircmbito da interpretaccedilatildeo constitucional estatildeo sujeitas agrave constantes mudanccedilas
que natildeo haacute uma resposta definitiva sendo entatildeo importante a interaccedilatildeo entre os Poderes
justamente para possbilitar a construccedilatildeo de novas respostas condizentes com a realidade e
mais aceitaacuteveis no seio social conforme a ideia do diaacutelogo institucional pressupotildee
Neste sentido revela-se a pertinecircncia dos ensinamentos de Waldron da
necessidade de um modelo de controle judicial das leis onde natildeo haja invariavelmente a
predominacircncia do Judiciaacuterio sendo necessaacuterio o debate acerca das questotildees constitucionais
mais complexas e natildeo a simples prevalecircncia do entendimento judicial112
Outro ponto do caso que merece destaque eacute a praacutetica da ldquointerpretaccedilatildeo
conformerdquo utilizada pelo Supremo Vecirc-se que houve uma busca por uma interpreteccedilatildeo
compatiacutevel com a Constituiccedilatildeo a fim de manter a validade da medida editada pelo
Legislativo poreacutem com uma relativa alteraccedilatildeo do sentido orginal conferido pelo legislador
Nesse aspecto a teacutecnica decisoacuteria utilizada pela Corte se assemelha ao
mandado interpretativo presente em alguns ordenamentos como jaacute abordou-se113 onde o
Judiciaacuterio possui o dever de buscar uma interpretaccedilatildeo legal compatiacutevel com o Bill of Rights
O que as difere em suma eacute o fato de que o Tribunal brasileiro natildeo
possui a ldquoobrigaccedilatildeordquo de dar uma intepretaccedilatildeo conforme a Constituiccedilatildeo podendo declarar a
lei inconstitucional e proceder a sua consequente invalidaccedilatildeo quando entender que natildeo eacute
possiacutevel adequar a interpretaccedilatildeo aos preceitos constitucionais ao contraacuterio do que ocorre no
Reino Unido e Nova Zelacircndia onde o Judiciaacuterio natildeo pode anular a lei quando natildeo conseguir
vislumbrar nenhuma interpretaccedilatildeo harmonizaacutevel com a Constituiccedilatildeo
Dito isso percebe-se que nesse caso natildeo houve uma simples deferecircncia
do Judiciaacuterio ao ato legislativo havendo a reinvenccedilatildeo do debate com a adoccedilatildeo de novos
posicionamentos buscando o Tribunal natildeo apenas a simples invalidaccedilatildeo do dispositivo legal
mas sim se esforccedilando para encontrar a sua melhor interpretaccedilatildeo de acordo com os preceitos
constitucionais preservando a norma editada pelo legislador
Sob esse ponto de vista essa praacutetica interpretativa pode ser vista como
112 Sobre os ensinamentos do autor leia-se toacutepico 4 113 Ver toacutepico 13
104
dialoacutegica eis que houve uma reaccedilatildeo legislativa agrave decisatildeo judicial inicial um novo debate a
modificaccedilatildeo do entendimento pelo Judiciaacuterio que resultou na manutenccedilatildeo da nova lei com
um sentido em conformidade com os preceitos constitucionais
Tushnet ao detalhar a descriccedilatildeo convencional de diaacutelogo menciona a
possibilidade de o Judiciaacuterio de defender o estatuto legal compatibilizando-o com as normas
constitucionais Nessa perspectiva a interpretaccedilatildeo conforme pode ser vista como uma
medida de defesa da lei da sua soberania e respeito a atuaccedilatildeo do Legislativo
Na oacutetica dos diaacutelogos pode-se dizer que houve um ldquodebaterdquo entre o
Legislativo e Judiciaacuterio provocado por meio das decisotildees judiciais e reediccedilatildeo da medida
legislativa com a sua subsequente anaacutelise judicial
Estatildeo presentes portanto todos os passos da descriccedilatildeo de diaacutelogo
elaborada por Tushnet Entretanto deve-se ressaltar que ao mesmo tempo que a postura
judicial nesse caso pode ser considerada como dialoacutegica pois admitiu a nova medida
legislativa mesmo que contraacuteria ao seu posicionamento tambeacutem pode ser considerada uma
conduta ativista eis que modificou o sentido original que o Legislador pretendeu conferir a
lei Sobre esta praacutetica eacute necessaacuterio observar alguns aspectos especiacuteficos
O princiacutepio da interpretaccedilatildeo conforme a Constituiccedilatildeo possui
unicamente a funccedilatildeo de operar como meacutetodo ldquocomplementarrdquo de interpretaccedilatildeo face a outros
criteacuterios ou meacutetodos interpretativos limita-se a ldquodesenvolverrdquo e ldquocomplementarrdquo as regras
de hermenecircutica apresenta-se basicamente como um postulado inserido num processo de
controle de normas (QUEIROZ 2010)
Eacute no domiacutenio do controle de constitucionalidade que este princiacutepio
ganha mais autonomia antes de declarar uma lei inconstitucional o juiz ou juiacutezes
encarregados do controle tecircm o dever de em via interpretativa buscar um sentido que ainda
estribado no seu enunciado linguiacutestico e ainda respeitador do texto constitucional permita
salvar a mesma (URBANO 2010 p 414)
Todavia o problema deste postulado estaacute na sua aplicaccedilatildeo pelo
Supremo Tribunal Federal que muitas vezes usa dessa justificativa para legitimar uma
postura extremamente ativista e violadora do princiacutepio da separaccedilatildeo de poderes
extrapolando os limites de sua competecircncia e reduzindo significativamente a margem de
atuaccedilatildeo do legislador e podendo ainda falsear a sua vontade original
105
Portanto para que se possa encarar essa praacutetica como beneacutefica e sob o
ponto de vista dialoacutegico eacute necessaacuterio que ela seja limitada a interpretaccedilatildeo proferida pelo
Tribunal ainda tem que ter alguma sustentaccedilatildeo no texto original tem que ser uma
interpretaccedilatildeo plausiacutevel (URBANO 2014 p 417)
Apesar disso eacute possiacutevel avistar uma deliberaccedilatildeo entre os Poderes
sugerindo a concretizaccedilatildeo de um diaacutelogo mais proacuteximo ao ideal esperadoentretanto natildeo se
deve afirmar que houve a concretizaccedilatildeo de um diaacutelogo material como a teoria idealiza mas
acredita-se que essa eacute a praacutetica mais proacutexima do mesmo dentre as jaacute analisadas ateacute aqui
poreacutem a mesma tambeacutem apresenta falhas e alguns riscos
17 Julgamento da accedilatildeo direta de inconstitucionalidade por omissatildeo nordm
3382MT
a) Breve resumo do caso
A Assembleacuteia Legislativa do Estado de Mato Grosso propocircs Accedilatildeo
Direta de Inconstitucionalidade questionando a inatividade do legislador quanto ao dever de
elaborar lei complementar a que se refere o sect4ordm do artigo 18 da Constituiccedilatildeo Federal
O referido dispostivo constitucional dispotildee que a criaccedilatildeo a
incorporaccedilatildeo a fusatildeo e o desmembramento de Municiacutepios far-se-atildeo por lei estadual dentro
do periacuteodo determinado por Lei Complementar Federal e dependeratildeo de consulta preacutevia
mediante plebiscito agraves populaccedilotildees dos Municiacutepios envolvidos apoacutes divulgaccedilatildeo dos Estudos
de Viabilidade Municipal apresentados e publicados na forma da lei Ou seja impotildee ao
legislador o dever de editar lei complementar para definiccedilatildeo do prazo
A redaccedilatildeo do dispositivo foi dada pela Emenda Constitucional nordm
151996114 e a accedilatildeo foi julgada procedente em 2007 O STF entendeu que o legislador
encontrava-se em mora haacute mais de dez anos descumprindo o seu dever constitucional de
legislar considerando portanto a omissatildeo inconstitucional e determinando um prazo de 18
meses para suprir a omissatildeo
114 Antes da EC 151996 qualquer alteraccedilatildeo dos entes federativos municipais era feita por um processo simples
atraveacutes de lei estadual assim a emenda constitucional visou na realidade dificultar essas alteraccedilotildees
106
Diversas accedilotildees tambeacutem foram propostas questionando a criaccedilatildeo de
alguns municiacutepios mesma na ausecircncia da lei115 o STF julgou as respectivas leis estaduais
que os criam inconstitucionais poreacutem sem declarar a sua nulidade modulando os efeitos da
decisatildeo no sentido de garantir a validade da lei por um periacuteodo de vinte e quatro meses
tempo superior ao que fixou para que o Legislativo sanasse a omissatildeo portanto
Relevante destacar que no acoacuterdatildeo a Corte ponderou que a ineacutercia
legislativa acabou dando ensejo agrave consolidaccedilatildeo e conformaccedilatildeo de estados de
inconstitucionalidade que natildeo podem ser ignorados pelo legislador na elaboraccedilatildeo da lei
complementar determinando assim que quando da ediccedilatildeo da lei o Legislativo contemplasse
as situaccedilotildees imperfeitas decorrentes desse estado de inconstitucionalidade gerado pela sua
omissatildeo esclarecendo ainda que o prazo de dezoito meses natildeo se trata de uma imposiccedilatildeo de
limite temporal para atuaccedilatildeo legislativa mas apenas da fixaccedilatildeo de um paracircmetro razoaacutevel
A resposta legislativa veio por meio da ediccedilatildeo da Emenda
Constitucional nordm 572008 a qual convalidou os atos de criaccedilatildeo fusatildeo incorporaccedilatildeo e
desmembramento de municiacutepios cuja lei tenha sido publicada ateacute 31 de dezembro de 2006
atendidos os requisitos estabelecidos na legislaccedilatildeo do respectivo Estado agrave eacutepoca de sua
criaccedilatildeo
Dessa forma o Legislativo cumpriu com a determinaccedilatildeo do STF
relativa ao tratamento das imperfeiccedilotildees geradas pela sua omissatildeo propondo a respectiva
soluccedilatildeo Entretanto no tocante a ediccedilatildeo da lei complementar para a fixaccedilatildeo do prazo exigido
pelo dispositivo constitucional haacute um embate contiacutenuo com o Poder Executivo
A primeira tentativa de legislar sobre o assunto ocorreu com o Projeto
de Lei do Senado Federal ndash PLS nordm 982002 o qual foi objeto de veto poliacutetico do Executivo
sob o argumento de contrariedade ao interesse puacuteblico A segunda tentativa se deu pelo PLS
nordm 1042014 o qual tambeacutem foi vetado pelo Executivo com base no mesmo argumento e haacute
uma terceira tentativa ainda em tramitaccedilatildeo que eacute o PLS nordm 1992015
As razotildees que levaram o Executivo a barrar a promulgaccedilatildeo da lei foram
de ordem orccedilamentaacuteria jaacute que a criaccedilatildeo de novos entes federativos representaria o aumento
das despesas com a estrutura da administraccedilatildeo puacuteblica razotildees essas expressas na Mensagem
115 Ver ADI 2240BA ADI 3316MT ADI 3489SC ADI 3689PA
107
nordm 505 de 12 de dezembro de 2013116 emitida pela Presidente da Repuacuteblica na ocasiatildeo do
veto
A questatildeo ainda estaacute pendente de regulamentaccedilatildeo mesmo apoacutes o
esgotamento do prazo fixado pelo STF todavia natildeo por falta de iniciativa do Legislativo
como se pode ver mas sim por contrariar os interesses do Executivo que por isso vem
dificultando a promulgaccedilatildeo da medida
b) Anaacutelise do caso pelo prisma das Teorias do Diaacutelogo Institucional
No caso narrado encontram-se diferentes pormenores que podem
indicar a presenccedila de teorias dialoacutegicas na praacutetica brasileira sendo assim far-se-aacute a anaacutelise
pontual de cada um
O STF ao realizar o controle de constitucionalidade da omissatildeo
legislativa neste caso considerou a falta de accedilatildeo do legislador como uma conduta
incompatiacutevel com o seu dever constitucional de legislar e determinou um prazo para que
suprisse essa omissatildeo Neste aspecto se evidencia a ideia do Judiciaacuterio como ente
propiciador do diaacutelogo provocando o Legislativo a agir por intermeacutedio da decisatildeo judicial
extamente como alguns teoacutericos sugerem
Como abordou-se no toacutepico 82 a decisatildeo que emana do controle de
constitucionalidade da omissatildeo legislativa pode ser considerada como um mecanismo
diaacutelogico por si soacute sob o ponto de vista das teorias dialoacutegicas centradas no processo A
mesma tambeacutem eacute facilmente enquadrada na concepeccedilatildeo convencional descrita por Tsuhnet
No caso em anaacutelise pode-se ainda identifcar a presenccedila da concepccedilatildeo
dialoacutegica desenvolvida por Dixon segundo a qual o Judiciaacuterio deve agir no sentido de
superar a ineacutercia do Legislativo poreacutem sem comprometer a sua liberdade de conformaccedilatildeo117
Ou seja no presente caso verifica-se a presenccedila das teorias fundadas no meacutetodo judicial onde
o Judiciaacuterio atua como o ente propiciador do diaacutelogo o qual ocorre dentro da proacutepria decisatildeo
judicial
Seguindo essa linha de raciociacutenio eacute possiacutevel notar que o proacuteprio STF
116 Iacutentegra disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrccivil_03_Ato2011-20142013MsgVetVET-505htm
117 Falamos mais especificamente dos ensinamentos de Dixon no toacutepico 9
108
ao pronunciar que o prazo fixado na decisatildeo natildeo objetiva estabeler um limite temporal para
condicionar a accedilatildeo legislativa mas tatildeo somente uma estipulaccedilatildeo de lapso temporal razoaacutevel
preocupou-se em deixar clara a necessidade de manutenccedilatildeo de certa liberdade de atuaccedilatildeo
daquele Poder
Todavia por outro acircngulo o Tribunal determinou que o Legislativo
quando fosse suprir a omissatildeo e regular a mateacuteria a fim de cumprir o seu dever
constitucional necessariamente cuidasse das situaccedilotildees imperfeitas ocasionadas pelo seu
estado de ineacutercia Neste particular encontra-se presente na praacutetica a teoria do
aconselhamento118 onde o Judiciaacuterio profere um direcionamento agrave atuaccedilatildeo do Legislativo
Neste caso o aconselhamento foi realizado de uma forma contida o
Supremo indicou a necessidade de soluccedilatildeo das questotildees mas natildeo determinou como e quais
as medidas a serem adotadas deixando a escolha a cargo do Legislativo Neste ponto a
conduta do Judiciaacuterio merece ser observada sob o aspecto positivo das teorias do
aconselhamento o qual reside na busca de evitar futuros problemas constitucionais por meio
da orientaccedilatildeo do Legislativo por meio de decisotildees judiciais
Nota-se que ao mesmo tempo em que o STF controla a sua atividade no
sentido de natildeo comprometer a liberdade do legislador ao fixar o prazo para a sua atuaccedilatildeo
entende necessaacuterio traccedilar algumas diretrizes para a superaccedilatildeo da inconstitucionalidade
constatada Neste caso em particular como se disse a atuaccedilatildeo do Judiciaacuterio foi de certa
forma contida poreacutem a praacutetica reflete a procedecircncia das principais criacuteticas dirigidas agrave essa
forma de diaacutelogo a qual para sua materializaccedilatildeo depende fortemente da consciecircncia e
vontade do Judiciaacuterio
Outro aspecto relevante que tambeacutem pode ser entendido como parte da
trama dialoacutegica presente no caso diz respeito a modulaccedilatildeo temporal dos efeitos da decisatildeo
quando da apreciaccedilatildeo da constitucionalidade das leis dos muniacutecipios que jaacute haviam sido
criados
O STF poderia simplesmente ter deixado os efeitos de nulidade da
declaraccedilatildeo de inconstitucionalidade se perpetuarem poreacutem tendo em mente os prejuiacutezos
que isso poderia acarretar optou por estabelecer efeitos pro futuro permitindo ao Legislativo
118 Ver toacutepico 81
109
a resoluccedilatildeo do problema por uma via menos danosa
A modulaccedilatildeo dos efeitos temporais da sentenccedila tambeacutem eacute uma praacutetica
que se coaduna com as teorias dialoacutegicas fundadas no meacutetodo judicial conforme jaacute se falou
no toacutepico 822 pois por meio dela o Judiciaacuterio condiciona os efeitos praacuteticos da sua decisatildeo
dando a oportunidade ao legislativo de corrigir ou reeditar a lei assim dode-se dizer que por
intermeacutedio dela o Judiciaacuterio instiga o legislador ao diaacutelogo
No tocante a resposta legislativa presente neste caso incialmente vale
destacar que a mesma se deu em um intervalo de tempo razoaacutevel e que o Legislativo buscou
acatar a orientaccedilatildeo da Corte todavia foi impedido de fazecirc-lo em sua completude pelos
interesses do Executivo o que acaba por retratar bem na praacutetica mais uma das dificuldades
da consolidaccedilatildeo das teorias dialoacutegicas
Pelo exposto depreende-se que o sistema brasileiro natildeo eacute alheio agraves
teorias dialoacutegicas pelo contraacuterio muitas delas estatildeo presentes em seu cotidiano A expressa
supremacia judicial e falta de familiariedade com um sistema parlamentar ndash que inicialmente
poderiam gerar duacutevidas quanto a possibilidade do diaacutelogo ndash natildeo se traduzem portanto em
uma impossibilidade completa de aplicaccedilatildeo das teorias dialoacutegicas agrave realidade brasileira
Por oacutebvio as suas manifestaccedilotildees praacuteticas satildeo peculiares e fortemente
influenciadas pela cultura e histoacuteria do paiacutes uma democracia recente e com um Legislativo
que enfrenta grande crise de representatividade o que faz com que em regra o entendimento
que prevaleccedila seja o do Judiciaacuterio
Ainda assim constata-se uma inclinaccedilatildeo do Legislativo para reagir agraves
decisotildees judiciais e natildeo simplesmente acataacute-las em sinal de uma total deferecircncia agrave um
entendimento superior Os ganhos e as perdas dessa reaccedilatildeo iratildeo depender do caso concreto
dos interesses que estatildeo em jogo podendo ser uma praacutetica temeraacuteria ou positiva como jaacute
verificou-se ao longo desse trabalho
18 Diaacutelogo institucional siacutentese dos aspectos controversos e algumas
consideraccedilotildees acerca da sua consecuccedilatildeo praacutetica
De todo o exposto ateacute aqui resta-no os seguintes questionamentos
110
Pode-se considerar o diaacutelogo institucional como uma possibilidade praacutetica viaacutevel Essa
praacutetica tem de fato o condatildeo de dirimir os conflitos relativos a legitimidade democraacutetica do
judicial review Pode ser considerado como um instrumento de combate ao ativismo judicial
ou seria mais uma forma de dissimulaccedilatildeo desse fenocircmeno
Apresentar respostas exatas a essas questotildees utlrapassa a pretensatildeo
deste trabalho ateacute mesmo porque se reconhece que natildeo haacute apenas uma via de conclusatildeo para
as mesmas em virtude da complexidade que elas envolvem Contudo objetiva-se fazer uma
reflexatildeo acerca desses questionamentos como resultado do presente trabalho de forma a
contribuir para o incremento do debate acadecircmico
No que diz respeito agrave resoluccedilatildeo dos conflitos ligados agrave legitimidade
democraacutetica do judicial review acredita-se que esta praacutetica estaacute longe de apresentar uma
soluccedilatildeo definitiva sendo um tanto pretenciosa nesse sentido pois como jaacute tratado no toacutepico
4 a discussatildeo relativa a dificuldade democraacutetica do judicial review eacute algo que lhe acompanha
a contar do seu surgimento desde sempre os estudiosos tentam justificar baseados em um
tradicional conjunto de argumentos as razotildees pelas quais juiacutezes natildeo eleitos pelo povo podem
e devem realizar um controle dos atos do legislativo com poder para declarar a sua
inconstitucionalidade e tambeacutem anulaacute-los
Natildeo se quer com isso dizer que natildeo haacute uma soluccedilatildeo para o conflito mas
sim que as teorias dialoacutegicas ao mesmo tempo que buscam e propotildeem uma soluccedilatildeo quando
materializadas na praacutetica natildeo eliminam totalmente alguns dos velhos problemas
Como viu-se a promessa da teoria dos diaacutelogos institucionais eacute
proporcionar um reequiliacutebrio entre os Poderes reconhecendo a importacircncia e competecircncias
especiacuteficas de cada um no acircmbito da jurisdiccedilatildeo constitucional sugerindo uma atuaccedilatildeo
conjunta mediante verdadeira deliberaccedilatildeo entre os braccedilos do Poder para chegar em um
consenso que seja melhor para a sociedade proporcionando assim um resultado mais eficaz
e duradouro
Do ponto de vista teoacuterico a ideia parece suficiente para solucionar o
problema principalmente nas concepccedilotildees dialoacutegicas desenvolvidas por Hiebert119 e
Bateup120 que ideliazam a realizaccedilatildeo de um diaacutelogo material sem a predominacircncia de
119 Ver toacutepico 11 que trata da teoria da parceria
120 Ver toacutepico 12 que trata da fusatildeo dialoacutegica
111
nenhum dos poderes mas sim de uma verdadeira atuaccedilatildeo conjunta
Poreacutem da anaacutelise dos exemplos praacuteticos de cada teoria e da aplicaccedilatildeo
das mesmas nos casos concretos no sistema brasileiro eacute faacutecil concluir que o exerciacutecio da
jurisdiccedilatildeo constitucional na grande maioria das vezes para natildeo dizer em todas elas resultaraacute
na prevalecircncia do entendimento de um dos atores envolvidos por vezes seraacute o Legislativo o
protagonista e por outras o Judiciaacuterio Apesar de todos os esforccedilos teoacutericos a praacutetica revela
que sempre haveraacute uma uacuteltima palavra o que eacute algo inerente ao proacuteprio sistema de revisatildeo
constitucional das leis
Acredita-se portanto que natildeo se deve desconsiderar a real existecircncia
de uma uacuteltima palavra jaacute que ela sempre iraacute existir mas sim enxergaacute-la e estimular que ela
seja ldquoprovisoacuteriardquo no sentindo de que pode ser constantemente reformulada e alterada
mediante a interaccedilatildeo entre os Poderes por meio do aprofundamento do debate e maior
possibilidade de troca de argumentos buscando sempre o melhor entendimento no acircmbito
da interpretaccedilatildeo constitucional
A existecircncia da uacuteltima palavra portanto deve estar relacionada a
preponderacircncia e maior efetividade dos direitos fundamentais e natildeo necessariamente
atrelada a prevalecircncia uniforme do entendimento de um uacutenico braccedilo do Poder Esse eacute o
principal contributo a ser extraiacutedo das teorias dialoacutegicas no tocante a resoluccedilatildeo da disputa
entre o Poder Judiciaacuterio e o Poder Legislativo pela uacuteltima palavra na seara constitucional
Em contrapartida observa-se que apesar das teorias dialoacutegicas
proclamarem a realizaccedilatildeo de um controle das leis realizado em conjunto nenhuma delas
prescreve uma forma de diaacutelogo que seja concomitante com o processo de tomada de
decisatildeo de forma que a mesma seja proferida com o comum acordo de ambos os Poderes
O que vecirc-se eacute que as formas de diaacutelogo prescritas pelas teorias estudadas se referem mais agrave
possibilidade de superaccedilatildeo de um ato jaacute concretizado seja pelo Judiciaacuterio ou pelo
Legislativo do que verdadeiramente a construccedilatildeo de uma decisatildeo comum
Asssim esse eacute o primeiro aspecto que entende-se que deve ser
desmistificado pois percebe-se que a ideia de uma ldquodecisatildeo conjuntardquo de uma deliberaccedilatildeo
antes da tomada de decisatildeo e consequentemente a concretizaccedilatildeo de um diaacutelogo no sentido
que a doutrina descreve como material na praacutetica eacute quase que inviaacutevel
Assim acertada eacute a proposiccedilatildeo de Aharaon Barak (2008 p16) de que
112
a tensatildeo entre o Judiciaacuterio e os outros ramos do Poder eacute algo natural e ateacute desejaacutevel pois se
todas as regras e decisotildees proferidas pelos Tribunais forem aceitas com tranquilidade pelos
outros Poderes eacute sinal que este natildeo estaacute cumprindo corretamente com a sua funccedilatildeo na
democaria
O Autor ressalta que junto agrave essa tensatildeo haacute tambeacutem um constante
diaacutelogo entre o Judiciaacuterio e Legislativo o qual natildeo decorre de reuniotildees e debates entre eles
mas sim da realizaccedilatildeo por cada qual da sua respectiva funccedilatildeo constitucional (BARAK
2008 p 236)
Neste sentido eacute importante a constataccedilatildeo de que no Brasil um paiacutes com
um modelo forte de controle de constitucionalidade e onde a supremacia judicial eacute evidente
vez que a proacutepria Constituiccedilatildeo entitula como o detentor da uacuteltima palavra em mateacuteria
constitucional o Supremo Tribunal Federal nada impede que o Legislativo reaja ou ateacute
mesmo desafie as decisotildees proferidas pelo Judiciaacuterio no acircmbito do controle de
constitucionalidade
Assim percebe-se que ao contraacuterio do que muitos estudiosos
pressupotildeem a ideia de diaacutelogo natildeo estaacute necessariamente vinculada agrave um sistema fraco de
revisatildeo judicial das leis ou agrave uma total inexistecircncia de supremacia judicial podendo o
mesmo existir e ser conciliaacutevel mesmo nos sistemas mais riacutegidos
Portanto a ideia de diaacutelogo institucional natildeo extingue necessariamente
a supremacia judicial o que pode eacute mitigaacute-la em alguns casos impondo limites mais riacutegidos
a atuaccedilatildeo judicial justamente por meio da possibilidade de reaccedilatildeo legislativa
Com isso pode-se dizer que a forma mais viaacutevel de se entender o
diaacutelogo institucional eacute como algo decorrente da reformulaccedilatildeo do proacuteprio princiacutepio da
separaccedilatildeo de poderes segundo a qual cada ramo do Poder realiza uma funccedilatildeo que lhe eacute
proacutepria sem interferir na atuaccedilatildeo do outro Todavia essa atuaccedilatildeo natildeo deve ser estanque natildeo
existindo uma fronteira intransponiacutevel entre as atividades inerentes agrave cada um dos Poderes
Ou seja apesar de cada Poder ter de observar seus limites e respeitar a
atuaccedilatildeo dos outros devem compreender a necessidade de cooperaccedilatildeo e buscar uma atuaccedilatildeo
conjunta e complementar
Apesar disso a praacutetica nos revela que nem toda reaccedilatildeo legislativa deve
113
ser interpretada sob o ponto de vista dialoacutegico muitas vezes ela tambeacutem representaraacute mais
uma disputa de poder do que uma tentativa de debate ou de correccedilatildeo da decisatildeo judicial
Sendo assim entender toda e qualquer reaccedilatildeo legislativa como
dialoacutegica pode ser perigoso e temeraacuterio pois em muitos casos essa reaccedilatildeo pode significar
mais um disputa de poder do que necessariamente uma tentativa de debate Assim em
algumas situaccedilotildees o termo ldquodiaacutelogordquo pode natildeo ser propriamente a melhor forma de
caracterizar essas reaccedilotildees
Em muitos casos e exemplos concretos das teorias viu-se que haacute na
realidade mais uma ldquointeraccedilatildeordquo entre os Poderes do que necessariamente um ldquodiaacutelogordquo por
conseguinte a maioria das teorias dialoacutegicas na forma em que satildeo concebidas se revelam
muito otimistas pode-se dizer que ateacute um pouco romantizadas sob o ponto de vista praacutetico
Desta forma assim como as reaccedilotildees legislativas natildeo devem em sua
totalidade serem encaradas como uma praacutetica dialoacutegica o mesmo deve ser observado quanto
a conduta do Tribunal sendo este um ponto importante a ser observado
As teorias dos diaacutelogos institucionais inicialmente se apresentam
como uma forma de combate ao ativismo judicial entretanto quando analisamos algumas
das suas metodologias podemos ver que em muitos casos elas podem acabar servindo de
reforccedilo e ateacute incentivo de uma praacutetica ativista
Como jaacute foi dito o ativismo judicial se manifesta quando as decisotildees
da jurisdiccedilatildeo constitucional tomam uma densidade poliacutetica mais ampla passando a Corte a
natildeo mais apenas declarar normas inconstitucionais atuando como legislador negativo na
forma em que foi orginariamente pensada mas ao mesmo tempo comeccedila a exigir
determinadas posturas dos outros Poderes atuando como um legislador positivo (AGRA
2006)
Dessa forma algumas teacutecnicas dialoacutegicas de decisatildeo judicial podem
representar mais uma dissimulaccedilatildeo ou camuflagem do ativismo do que o seu verdadeiro
combate jaacute que alimentam uma conduta proacute-ativa do Judiciaacuterio no sentido de provocar o
Legislativo aconselhaacute-lo ou qualquer outra forma de tiraacute-lo da ineacutercia
Podem nessa perspectiva ser consideradas tanto como uma conduta
dialoacutegica como uma conduta ativista pois a linha divisoacuteria entre a simples instigaccedilatildeo e a
114
interferecircncia no poder de atuaccedilatildeo do Legislativo eacute muito tecircnue
Por isso natildeo se pode afirmar com certeza que as teorias dialoacutegicas
servem de combate ao ativismo judicial jaacute que muitas vezes podem servir de fundamento
para o Judiciaacuterio justificar decisotildees que extrapolam seu acircmbito de atuaccedilatildeo e adentram na
esfera do Legislativo Portanto eacute essencial prestar atenccedilatildeo na forma com que o Judiciaacuterio eacute
incentivado a agir como um propiciador do diaacutelogo sem perder de vista a existecircncia de
limites agrave essa praacutetica
Apesar disso natildeo se pode desconsiderar que em muitos casos ainda
que o Judiciaacuterio ao exercer o seu papel proposto pelas teorias diaacutelogicas acabe incorrendo
em uma praacutetica ativista o resultado obtido pode ser beneacutefico como vimos por exemplo no
caso da Aacutefrica do Sul e ateacute mesmo no sistema brasileiro o que revela que nem sempre o
ativismo judicial deve ser visto como algo totalmente negativo121
No tocante a efetivaccedilatildeo do diaacutelogo no seu sentido material a proposta
de que a uacuteltima palavra seja fruto de um intenso e efetivo debate entre os atores participantes
do processo de interpretaccedilatildeo constitucional que seja construiacuteda de forma conjunta por eles
por intermedio de uma troca de argumentos para chegar a um consenso razoaacutevel e duraacutevel
no seio da sociedade natildeo se realiza com clareza em nenhuma das praacuteticas identificadas como
dialoacutegicas - pelo menos nas que temos conhecimento ateacute aqui
Por isso percebe-se que a ideia de concretizaccedilatildeo de um diaacutelogo material
estaacute muito distante de uma realidade palpaacutevel pois para que isso ocorra haacute a necessidade de
que todos os braccedilos do Poder estejam dispostos a entrar em um efetivo debate contribuindo
cada um com suas competecircncias teacutecnicas para a criaccedilatildeo de uma soluccedilatildeo conjunta
construindo decisotildees no acircmbito da jurisdiccedilatildeo constitucional mediante deliberaccedilatildeo de uma
concreta troca de argumentos o que nem sempre seraacute possiacutevel
Este fato revela que para que o diaacutelogo se concretize haacute muito mais a
necessidade de uma vontade poliacutetica das instituiccedilotildees do que necessarimente uma prescriccedilatildeo
normativa ou de uma redifiniccedilatildeo do desenho institucional por meio de modificaccedilotildees no texto
constitucional Portanto ao mesmo tempo que o diaacutelogo pode ocorrer em qualquer sistema
121 Aharon Barak destaca que nem sempre o ativismo judicial estaraacute ligado a intenccedilatildeo de expansatildeo do Poder
judicial muitas vezes ele pode ser necessaacuterio para a proteccedilatildeo dos direitos humanos e ainda pode ser a forma
do Judiciaacuterio lidar com o poder dos outros ramos poliacuteticos Ver BARAK Aharon The Judge in a Democracy
Princeton University Press 2008 pp 263-271)
115
de jurisdiccedilatildeo constitucional a sua efetividade tambeacutem seraacute diretamente influenciada pela
cultura poliacutetica e histoacuterica de cada paiacutes
Apesar da concretizaccedilatildeo do diaacutelogo no seu sentido material como
preleciona a melhor doutrina ser uma realidade um tanto distante natildeo se pode ignorar os
benefiacutecios do diaacutelogo formal que se manifesta nessas praacuteticas principalmente no que se
refere ao papel que exercem no sentido de provocar uma mudanccedila de mentalidade dos
proacuteprios entes detentores do Poder bem como no aumento da responsabilidade da sua
atuaccedilatildeo
Nessa linha de raciociacutenio Petter Andrew (2007 p167) afirma que o
apelo agraves teorias dialoacutegicas deriva mais do seu poder como uma metaacutefora do que da sua forccedila
como argumento pois ao retratar a revisatildeo judicial como contributiva para o envolvimento
deliberativo a metaacutefora do diaacutelogo reformula o papel dos juiacutezes que passam a ser vistos
como advogados de um processo democraacutetico natildeo como aacuterbitros dentro de um processo
autoritaacuterio
Apesar dos pontos controversos foram apontados a respeito da sua
praacutetica as teorias dialoacutegicas satildeo de grande valia para o desenvolvimento da justiccedila
constitucional significando a busca pela superaccedilatildeo dos problemas ligados a expansatildeo
desordenada do Poder Judiciaacuterio bem como a maior e mais eficaz efetivaccedilatildeo dos direitos
fundamentais como determina a nova ordem mundial
Pode-se dizer que ainda que as teorias possuam as suas dificuldades
praacuteticas elas direcionam os atores constitucionais para uma atuaccedilatildeo mais consciente
reforccedilam o seu papel institucional e apontam algumas das principais falhas dos sistemas
tradicionais de revisatildeo judicial Assim o diaacutelogo institucional deve ser visto como um ideal
a ser alcanccedilado atraveacutes do aperfeiccediloamento da sua praacutetica atual e sobretudo por meio do
reforccedilo do princiacutepio da separaccedilatildeo de poderes no acircmbito da jurisdiccedilatildeo constitucional
116
CONCLUSAtildeO
No decurso deste trabalho verificou-se como as mudanccedilas da sociedade
global implicaram a (re)definiccedilatildeo de um novo paradigma constitucional pautado em relaccedilotildees
de cooperaccedilatildeo o qual impocircs a busca por um novo modelo de jurisdiccedilatildeo constitucional
originaacuterio da expansatildeo do judicial review para os paiacuteses da Commonwealth
Viu-se que o ativismo judicial e a judicializaccedilatildeo da poliacutetica decorrentes
dessa expansatildeo passaram a ser vistos como patologias do sistema e acenturam novos debates
acerca da legitimidade democraacutetica do Poder Judiciaacuterio para realizar o controle de
constitucionalidade dos atos legislativos incentivando entatildeo a criaccedilatildeo de um sistema de
controle fraco de constitucionalidade originaacuterio do Canadaacute
Dentro desse contexto falou-se do surgimento da ideia de um diaacutelogo
institucional no acircmbito do controle de constitucionalidade e pautamos a diferenccedila entre
diaacutelogo material e diaacutelogo formal Apoacutes fez-se uma anaacutelise das teorias dialoacutegicas
explorando seus conceitos exemplos praacuteticos e principais pontos de criacutetica
Por intermeacutedio dessa investigaccedilatildeo percebe-se que nenhuma das teorias
consubstancia um modelo perfeito sob o ponto de vista praacutetico no sentindo de promover um
diaacutelogo verdadeiro assente em uma efetiva deliberaccedilatildeo entre os Poderes Para aleacutem disso
que alguns acabou-se por registrar que os conflitos relativos agrave legitimidade democraacutetica do
judicial review na praacutetica permanecem
Todavia constatou-se tambeacutem que as teorias dialoacutegicas satildeo valiosas
pois ao contraacuterio das conhecidas teorias interpretativas que buscam disciplinar qual a melhor
forma de os juiacutezes procederem agrave leitura constitucional estas buscam evidenciar o papel
institucional do Judiciaacuterio aliado ao reforccedilo da importacircncia da atividade legislativa visando
a produccedilatildeo de decisotildees no ambito da justiccedila constitucional que natildeo sejam fruto de um
ldquomonoacutelogordquo mas sim da interaccedilatildeo institucional
Concluiacute-se entatildeo que o potencial das teorias dialoacutegicas consiste
justamente na estimulaccedilatildeo da busca por melhores padrotildees de interaccedilatildeo entre os Poderes
sendo todas elas de uma importacircncia iacutempar por tentarem evidenciar como deveria funcionar
um desenho institucional ideal no acircmbito da interpretaccedilatildeo constitucional e controle das leis
117
reforccedilando o papel de cada braccedilo do Poder nessa empreitada conforme suas proacuteprias funccedilotildees
e capacidades
Os resultados dete trabalho natildeo satildeo portanto uma resposta exata
tampouco definitiva aos atuais problemas efrentados pela jurisdiccedilatildeo constitucional mas
servem de ponto de partida para uma reflexatildeo sobre os pontos positivos e negativos das mais
modernos teorias sobre o judicial review
118
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DIAacuteLOGO INSTITUCIONAL REALIDADE OU UTOPIA
Uma abordagem conceitual e praacutetica das Teorias Dialoacutegicas no acircmbito da Jurisdiccedilatildeo Constitucional
INSTITUTIONAL DIALOGUE REALITY OR UTOPIA
A conceptual and practical approach of dialogical theories
Dissertaccedilatildeo apresentada agrave Faculdade de Direito
da Universidade de Coimbra no acircmbito do 2ordm
Ciclo de Estudos em Direito (conducente ao grau
de Mestre) na Aacuterea de Especializaccedilatildeo em
Ciecircncias Juriacutedico-Poliacuteticas (Menccedilatildeo em Direito
Constitucional)
Orientadora Professora Doutora Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva
Coimbra 2016
2
ldquoEscolhe teu diaacutelogo e tua melhor palavra ou teu
melhor silecircncio Mesmo no silecircncio e com o
silecircncio dialogamosrdquo
(O Constante Diaacutelogo ndash Carlos Drummond de
Andrade)
3
AGRADECIMENTOS
Este trabalho eacute fruto de um sonho e apesar da sua autoria ser individual
muitos foram os que contribuiacuteram para a sua concretizaccedilatildeo sem os quais esta natildeo seria
possiacutevel
Meus pais que desde sempre me apoiam e incentivam na construccedilatildeo de
uma vida profissional que suportam a minha ausecircncia em tantos momentos que possibilitam
o alcance dos meus objetivos e que abrem matildeo das suas vontades para que eu possa realizar
as minhas
Meu irmatildeo que mesmo distante eacute para mim exemplo de garra e
determinaccedilatildeo Meus avoacutes Artur Claacuteudio e Diniz Ferreira pela trajetoacuteria de vida que tiveram
e que hoje me servem de inspiraccedilatildeo profissional Minha amada avoacute Lucila que sempre se
fez presente em minha vida e de quem a distacircncia me eacute tatildeo cara Minha querida avoacute Eida
que mesmo em outro plano sei que me acompanha e protege constantemente
Todos aqueles que cruzaram o meu caminho em Coimbra e que de
alguma forma satildeo responsaacuteveis pelo meu crescimento tanto profissional como pessoal Os
grandes amigos que fiz que ajudaram a me sentir em casa e a amenizar a ausecircncia da famiacutelia
Todos os mestres que tive desde o iniacutecio da Graduaccedilatildeo que plantaram em
mim a vontade de aprender cada vez mais e me fizeram admirar a docecircncia
Os professores e funcionaacuterios da Universidade de Coimbra com quem tive
o privileacutegio de conviver e tanto aprender natildeo apenas sobre Direito mas sobre respeito e
valorizaccedilatildeo da Educaccedilatildeo
Minha orientadora Dra Suzana Tavares da Silva que me apresentou um
novo Direito Constitucional e que desde o iacutenicio do Curso de Mestrado ensinou-me natildeo
apenas conteuacutedos juriacutedicos mas sobretudo a pensar e argumentar
Todos aqueles que torcem por mim mesmo em silecircncio ou a distacircncia
Agradeccedilo imensamente apesar de saber que minhas palavras nunca seratildeo
suficientes para demonstrar toda a minha gratidatildeo
Obrigada
4
IacuteNDICE
INTRODUCcedilAtildeO 9
CAPIacuteTULO 1 ndash OS NOVOS DESAFIOS DO CONSTITUCIONALISMO E SEUS
REFLEXOS NA JURISDICcedilAtildeO CONSTITUCIONAL O SURGIMENTO IDEIA DE
COOPERACcedilAtildeO 11
1 Os novos desafios do constitucionalismo 11
2 Constitucionalismo de cooperaccedilatildeo e seus reflexos na jurisdiccedilatildeo constitucional 14
3 O tradicional modelo de judicial review e a supremacia judicial 19
4 Jurisdiccedilatildeo constitucional e democracia um antigo debate 23
5 A implementaccedilatildeo do judicial review nos paiacuteses da commonwealth e o surgimento
de uma nova alternativa ao binocircmio judiciaacuterio v Legislativo ndash weak form of judicial
review 28
CAPIacuteTULO 2 ndash AS TEORIAS DIAacuteLOGICAS E A CONCRETIZACcedilAtildeO DO
DIAacuteOLOGO INSTITUCIONAL 31
6 Teoria dos diaacutelogos institucionais 31
7 Diaacutelogo formal v Diaacutelogo material 33
8 Teorias dialoacutegicas fundadas no meacutetodo judicial 35
81 Aconselhamento judicial 36
82 Teorias centradas no processo 40
83 Criacuteticas agraves teorias dialoacutegicas fundadas no meacutetodo judicial 45
9 O especial caso da Aacutefrica do Sul 48
10 As teorias estruturais de diaacutelogo 51
10 1 Teorias de construccedilatildeo coordenada 52
5
11 As teorias dialoacutegicas da parceira 70
111 Criacuteticas agrave teoria da parceria 71
12 Fusatildeo dialoacutegica 72
121 Criacuteticas agrave teoria da fusatildeo dialoacutegica 73
13 Os mecanismos estruturais de diaacutelogo no sistema britacircnico e neozelandecircs 73
131 O mandado interpretativo e a declaraccedilatildeo de incompatibilidade no reino unido (seccedilatildeo 3 e 4
(2) do human rights act 1998) 74
132 O mandado interpretativo na experiecircncia neozelandesa 82
CAPIacuteTULO 3 ndash AS TEORIAS DIALOacuteGICAS NO SISTEMA DE JURSIDICcedilAtildeO
CONSTITUCIONAL BRASILEIRO UMA POSSIBILIDADE 87
14 Julgamento da accedilatildeo direta de inconstitucionalidade nordm 2797df ndash a suacutemula 394 do
STF e a lei nordm 106282002 89
15 Julgamento da accedilatildeo direta de inconstitucionalidade nordm 4543DF e a lei
131652015 96
16 Julgamento da accedilatildeo direta de inconstitucionalide nordm 3772DF ndash a suacutemula 726 do
STF e a lei nordm 113012006 100
17 Julgamento da accedilatildeo direta de inconstitucionalidade por omissatildeo nordm 3382MT 105
18 Diaacutelogo institucional siacutentese dos aspectos controversos e algumas consideraccedilotildees
acerca da sua consecuccedilatildeo praacutetica 109
CONCLUSAtildeO 116
BIBLIOGRAFIA 118
6
RESUMO
O objeto do presente trabalho satildeo as Teorias dos Diaacutelogos Institucionais
as quais se apresentam no acircmbito da jurisdiccedilatildeo constitucional como uma alternativa para
resolver os problemas relacionados a legitimidade democraacutetica da revisatildeo judicial das leis
combater o ativismo judicial e propiciar uma maior efetivaccedilatildeo dos direitos fundamentais
Inicialmente faz-se uma abordagem dos fatores que contribuiacuteram para o
seu desenvolvimento passando por questotildees relacionadas a expansatildeo do Poder Judiciaacuterio e
a adoccedilatildeo de um sistema de judicial review pelos paiacuteses da Commonwealth e o surgimento
do modelo fraco de controle de constitucionalidade (weak form of judicial review)
As teorias satildeo exploradas por meio da classificaccedilatildeo desenvolvida por
Chistine Bateup por meio de uma abordagem conceitual e praacutetica a fim de identificar os
aspectos positivos bem como as dificuldades da concretizaccedilatildeo das mesmas
Busca-se ainda verificar de que forma e em que medida essas teorias se
manifestam no sistema brasileiro o que eacute feito por meio de uma consulta a importantes
julgados do Supremo Tribunal Federal no ensejo do controle concentrado de
constitucionalidade
Ao final realiza-se um balanccedilo criacutetico dos aspectos controversos das
teorias identificando suas dificuldades praacuteticas bem como o seu potencial normativo
PALAVRAS-CHAVE judicial review supremacia judicial ativismo judicial legitimidade
democraacutetica teorias dialoacutegicas separaccedilatildeo de poderes
7
ABSTRACT
The focus of this study are the Theories of Institutional Dialogue which
are presented in the context of constitutional juridiction as an alternative to solve the
problems the democratic legitimacy of judicial review of laws combating judicial activism
and promote a greater realization of fundamental rights
Initially it is an approach of the factors that contributed to their
development through issues related to expansion of the Judiciary and the adoption of a
judicial review by the countries of the Commonwealth system and the emergence of weak
form of judicial review
The theories are operated by classification developed by Chistine Bateup
through a conceptual and practical approach in order to identify the positive and the
difficulties of their achieving
Also it is a search to verify how and to what extent these theories are
manifested in the Brazilian system which is done through a judged important verification of
the Supreme Court on the occasion of the concentrate constitutionality control
At the end it carried out a critical assessment of the controversial aspects
of the theories identifying their practical difficulties and its normative potential
KEYWORDS judicial review judicial supremacy judicial activism democratic
legitimacy dialogical theories separation of powers
8
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
ADI ndash Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade
Art ndash Artigo
CCORF ndash Canadian Charter of Rights and Freedoms
CEDH ndash Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem
CF88 ndash Constituiccedilatildeo Federal Brasileira de 1988
HRA ndash United Kingdomrsquos Bill of Rights Act
P ndash Paacutegina
PLS ndash Projeto de Lei do Senado
PEC ndash Projeto de Emenda Consrtitucional
RE ndash Recurso Extraordinaacuterio
STF ndash Supremo Tribunal Federal
9
INTRODUCcedilAtildeO
A complexidade das sociedades atuais o novo contexto internacional e a
redefiniccedilatildeo das concepccedilotildees de Constituiccedilatildeo impotildeem a reflexatildeo acerca do tradicional modelo
de jurisdiccedilatildeo constitucional e a sua capacidade de resoluccedilatildeo de conflitos de forma eficaz Se
antes o objetivo do constitucionalismo era assegurar direitos hoje a sua preocupaccedilatildeo gira
em torno da concretizaccedilatildeo dos mesmos
Fatores como o alargamento do Poder Judiciaacuterio o crescente ativismo
judicial e o surgimento de novos sistemas de jurisdiccedilatildeo constitucional dissociados da
tradicional ideia de supremacia judicial intensificam e fazem avanccedilar os debates acerca da
legitimidade do judicial review e da sua eficaacutecia no tocante a efetivaccedilatildeo dos direitos
fundamentais
Apesar de ser um tema recorrente na doutrina constitucional os debates
acerca da jurisdiccedilatildeo constitucional parecem estar longe do fim ao contraacuterio contam com
argumentos cada vez mais complexos e que ultrapassam o tradicional binocircmio Judiciaacuterio v
Legislativo e a disputa pela palavra final
O propoacutesito deste trabalho eacute contribuir para a reflexatildeo acerca do tema
utilizando como instrumento para tanto a exposiccedilatildeo e anaacutelise das Teorias dos Diaacutelogos
Institucionais as quais se propotildeem promover uma redefiniccedilatildeo do desenho institucional no
acircmbito da jurisdiccedilatildeo constitucional a fim de conciliar a revisatildeo judicial das leis com o
princiacutepio democraacutetico e propiciar uma maior eficaacutecia dos direitos fundamentais
O conteuacutedo do primeiro capiacutetulo trata de aspectos mais gerais e
introdutoacuterios buscando demonstrar a importacircncia e atualidade do tema no contexto global
em face do novo paradigma constitucional pautado em relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo na sequecircncia
aborda-se por questotildees especiacuteficas relativas ao judicial review como o tradicional debate
acerca da sua legitimidade e da sua recente expansatildeo para os paiacuteses da Commonwealth as
quais contribuiacuteram decisivamente para o desenvolvimento das teorias dialoacutegicas
Apoacutes contextualizar o surgimento da ideia de um diaacutelogo institucional no
segundo capiacutetulo faz-se uma exposiccedilatildeo conceitual praacutetica e criacutetica das teorias dialoacutegicas
buscando extrair seus principais contributos bem como desmistificar vaacuterios aspectos
10
enaltecidos por alguns estudiosos a respeito das mesmas
Utiliza-se para fins didaacuteticos a classificaccedilatildeo feita por Christine Bateup a
qual agrupa as teorias em classes diferentes e a exposiccedilatildeo de exemplos concretos de cada
teoria trazendo ao final de cada toacutepico as principais criacuteticas concernentes a sua praacutetica
Feita a anaacutelise conceitual e exemplificativa de cada grupo teoacuterico bem
como a exposiccedilatildeo de suas respectivas criacuteticas a proposta do uacuteltimo capiacutetulo eacute verificar como
e em que medida as teorias dialoacutegicas estudadas encontram reflexo na praacutetica da jurisdiccedilatildeo
constitucional brasileira atraveacutes da observaccedilatildeo de julgados do Supremo Tribunal Federal no
acircmbito do controle concentrado - ou abstrato - de constitucionalidade
A principal inquietaccedilatildeo que move este trabalho eacute verificar se o diaacutelogo
institucional na forma em que eacute proposto pelas principais teorias desenvolvidas ateacute nestas
primeiras deacutecadas do seacuteculo XXI eacute uma praacutetica possiacutevel de ser implementada ou tatildeo-
somente uma conjectura teoacuterica
11
CAPIacuteTULO 1 ndash OS NOVOS DESAFIOS DO CONSTITUCIONALISMO E SEUS
REFLEXOS NA JURISDICcedilAtildeO CONSTITUCIONAL O SURGIMENTO IDEIA DE
COOPERACcedilAtildeO
1 Os novos desafios do constitucionalismo
Antes de adentrarmos no tema central do presente trabalho eacute necessaacuterio
entender as novas premissas e diretrizes do constitucionalismo contemporacircneo Dizemos
isso por constatar que natildeo se pode analisar a jurisdiccedilatildeo constitucional de forma dissociada
do contexto histoacuterico e social em que se insere
Haumlrbele (2006) ensina que o constitucionalismo eacute por excelecircncia uma
criaccedilatildeo cultural Na mesma linha de raciociacutenio Bastos (2010) aduz que o constitucionalismo
acima de tudo revela-se como um fenocircmeno social dotado de caraacuteter juriacutedico Explica que
o seu caraacuteter social decorre de uma pressatildeo nascida do povo que objetiva o esvaziamento do
poder absoluto e o caraacuteter juriacutedico por representar a formaccedilatildeo da regulamentaccedilatildeo legal do
exerciacutecio do Poder aliada agrave implementaccedilatildeo da defesa da Constituiccedilatildeo
Dessa forma percebe-se que o constitucionalismo estaacute intimamente ligado
ao contexto social em que se insere Eacute por essa razatildeo que Canotilho (2003 p51) com
pertinecircncia afirma ser preferiacutevel referir-se a movimentos constitucionais pois natildeo haacute soacute um
constitucionalismo e sim diversos movimentos constitucionais com coraccedilotildees nacionais
mas tambeacutem com momentos de aproximaccedilatildeo entre si fornecendo uma complexa tessitura
histoacuterico-cultural
Reconhecida a influecircncia do contexto social no desenvolvimento do
constitucionalismo eacute correto afirmar que os desafios impostos agrave jurisdiccedilatildeo constitucional no
seacuteculo XXI natildeo satildeo os mesmo de outrora Se antes a preocupaccedilatildeo constitucional girava em
torno da limitaccedilatildeo do poder estatal da separaccedilatildeo de poderes e garantia de direitos e
liberdades hoje os problemas satildeo significativamente mais complexos devido ao proacuteprio
desenvolvimento da sociedade moderna
As consequecircncias do intenso processo de globalizaccedilatildeo que a humanidade
vivencia aumentam a complexidade da sociedade atual diminuem a distacircncia entre os
Estados criam novos pontos de convergecircncia entre eles estreitam as suas fronteiras
12
geograacuteficas Soma-se agrave isto o crescente fortalecimento dos mecanismos internacionais de
defesa dos Direitos Humanos e o aumento vertiginoso das normas internacionais Ora o
constitucionalismo como fenocircmeno social que eacute natildeo poderia ser imune a essas grandes
modificaccedilotildees
Jonatas Machado (2011 p33) salienta que o desenvolvimento dos
sistemas internacionais de proteccedilatildeo dos Direitos Humanos Europeu Americano e Africano
por si soacute constiuem uma revoluccedilatildeo constitucional na medida em que estabelecem uma
espeacutecie de jurisdiccedilatildeo constitucional de Direitos Humanos supranacional com capacidade de
condenar os Estados membros por violaccedilotildees a esses direitos
Destaca ainda que a Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos do Homem tem
exercido um efeito direto no Direito Constitucional de numerosos Estados em todos os
continentes inspirando cataacutelogos de direitos liberdades e garantias sendo expressamente
mencionada como auxiliar interpretativo dos cataacutelogos internos ou sendo mesmo
incorporada no bloco de constitucionalidade de alguns Estados
Assim verifica-se a abertura da Constituiccedilatildeo ao Direito Internacional
gerando um novo paradigma constitucional com o surgimento de conflitos mais complexos
sobretudo pela pluralidade no tocante a interpretaccedilatildeo do conteuacutedo dos Direitos Humanos
Neves (2013) sintetiza claramente o momento do constitucionalismo atual
quando aduz que com a maior integraccedilatildeo da sociedade mundial os problemas
constitucionais que versam sobre de direitos humanos ou fundamentais e sobre o controle e
limitaccedilatildeo do poder tornaram-se insuscetiacuteveis de serem tratados por uma uacutenica ordem juriacutedica
estatal no acircmbito do seu territoacuterio vez que esses problemas passam a ser concomitantemente
relevantes para mais de uma ordem juriacutedica muitas vezes natildeo estatais que satildeo instadas a
oferecer respostas para a sua soluccedilatildeo
Nesse contexto o tradicional princiacutepio de soberania tanto do Estado como
do Texto Supremo que o rege acaba por ser relativizado jaacute que as relaccedilotildees sociais
econocircmicas poliacuteticas e tambeacutem juriacutedicas se desenvolvem cada vez mais no acircmbito
internacional ultrapassando os tradicionais limites do poder nacional1
1 Sobre a referida relativizaccedilatildeo do princiacutepio da soberania importante destacar que como bem leciona o ilustre
doutrinador portuguecircs Jonatas Machado a mesma natildeo significa de forma alguma o fim do Estado enquanto
organizaccedilatildeo juriacutedica de uma comunidade poliacutetica Natildeo pode haver uma eficaz proteccedilatildeo dos direitos humanos
13
A moderna doutrina fala em crise do constitucionalismo decorrente dessa
conjuntura2 eis que foi revelada a incapacidade do Estado nacional e o texto magno que o
rege para resolverem isoladamente os impasses constitucionais o que acarreta em uma
perda de forccedila da Constituiccedilatildeo
Desta feita o atual momento do constitucionalismo impotildee uma reflexatildeo
acerca do papel da Constituiccedilatildeo e consequentemente da jurisdiccedilatildeo constitucional reflexatildeo
que deve ser feita natildeo apenas sob seus aspectos internos mas sim de forma comprometida
com o contexto global que seraacute determinante na sua estruturaccedilatildeo sob pena de perda da sua
eficaacutecia A abertura cognitiva que o novo cenaacuterio de fluidez de fronteiras geograacuteficas e de
intensa circulaccedilatildeo de ideias determina em relaccedilatildeo a compreensatildeo e atualidade do sentido
constitucional vem inspirando uma nova visatildeo de constitucionalismo que contemple
arquiteturas de acomodaccedilatildeo institucional que conduzam a um exerciacutecio democraacutetico de
identificaccedilatildeo do sentido constitucional Surgem entatildeo novas relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo
internas e externas ao Estado as quais representam a pedra de toque na atualidade (VALLE
2010 p 32)
Os novos desafios impostos ao constitucionalismo no seacuteculo XXI
sobretudo no tocante a compreensatildeo e delimitaccedilatildeo do conteuacutedo de direitos fundamentais tecircm
permitido a construccedilatildeo de alternativas agrave velha conclusatildeo de que na jurisdiccedilatildeo constitucional
deve existir um oacutergatildeo responsaacutevel por emanar a uacuteltima palavra na resoluccedilatildeo de conflitos jaacute
que nenhum dos atores consituticionais e braccedilos do Poder revela-se por si soacute aptos a
resolver os cada vez mais complexos problemas constitucionais
Em seguida aborda-se-aacute essa nova vertente do constitucionalismo e as
respectivas relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo que vecircm surgindo como consequecircncia dessa mudanccedila de
paradigma
sem um Estado igualmente forte o que deve ocorrer eacute uma reconceitualizaccedilatildeo da soberania mediante a
limitaccedilatildeo de alguma das suas dimensotildees e fortalecimento de outras (MACHADO 2013)
2 Ver DOBNER Petra LOUGHLIN Martin (ed) The Twilight of ConstitutionalismOxford Oxford
University Press 2009
14
2 Constitucionalismo de cooperaccedilatildeo e seus reflexos na jurisdiccedilatildeo constitucional
Conforme pode ser observado no contexto do constitucionalismo atual
haacute uma mudanccedila de paradigma decorrente do reconhecimento do pluralismo como uma
constante dos novos problemas constitucionais A concretizaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo sobretudo
no que tange a efetividade dos direitos fundamentais natildeo pode mais ser pensada de forma
singular devendo se reconhecer a multiplicidade de atores envolvidos nesse processo
Com esse objetivo eclodem inuacutemeras teorias que buscam legitimar
relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo distanciando-se cada vez mais da tradicional ideia de supremacia
seja no acircmbito interno de um Estado ou no espaccedilo internacional
Com isso emerge um conceito de ldquoconstitucionalismo cooperativordquo3 no
qual se albergam essas diversas teorias fundadas na criaccedilatildeo de mecanismos de cooperaccedilatildeo
entre os Estados e suas ordens juriacutedicas Nesse sentido merece destaque o conceito de
Estado constitucional cooperativo desenvolvido por Peter Haumlrbele (2007) como sendo um
Estado que encontra a sua identidade tambeacutem no Direito Internacional no entrelaccedilamento
das relaccedilotildees internacionais e supranacionais na percepccedilatildeo de cooperaccedilatildeo e
responsabilidade bem como no compromisso com a solidariedade e a paz
Tambeacutem com base nessa ideia de abertura e de cooperaccedilatildeo tem-se a
teoria do transconstitucionalismo desenvolvida pelo brasileiro Marcelo Neves4 e a
interconstitucionalidade do ilustre mestre Canotilho5
Apesar de diferentes em alguns aspectos o que essas duas modernas
teorias possuem em comum eacute justamente a tentativa de conciliaccedilatildeo entre o consitucionalismo
e o pluralismo da sociedade globalizada enfrentando a problemaacutetica do estabelecimento de
relaccedilotildees de acoplamento entre ordens nacionais distintas bem como destas com o direito
comunitaacuterio sem que percam a sua respectiva identidade nacional
Enquanto a interconstitucionalidade enfrenta o problema da articulaccedilatildeo
entre constituiccedilotildees e poderes constituintes com fontes e legitimidades diversas dentro de um
3 Neste trabalho o uso do termo ldquoconstitucionalismo cooperativordquo natildeo se refere a nenhuma teoria ou autor em
especiacutefico mas sim ao conjunto da doutrina constitucional que tem como base a construccedilatildeo de relaccedilotildees de
cooperaccedilatildeo seja entre Estados entre entes estatais entre ordens juriacutedicas e outras
4 Ver NEVES Marcelo Transconstitucionalismo Satildeo Paulo Martins Fontes 2013
5 Ver CANOTILHO JJ Gomes ldquoBrancososrdquo e Interconstitucionalidade Itineraacuterios dos Discursos Sobre
Historicidade Constitucional Coimbra Almedina 2006
15
mesmo espaccedilo poliacutetico de forma a solucionar os conflitos decorrentes da justaposiccedilatildeo
concorrecircncia e divergecircncia entre eles (CANOTILHO 2006) o tranconstitucionalismo trata
da construccedilatildeo de ldquopontes de transiccedilatildeordquo entre ordens juriacutedicas diversas buscando um
crescimento e aprendizado muacutetuo entre elas apontando como requisito indispensaacutevel para
tanto a permanente reconstruccedilatildeo da ldquoidentidade constitucionalrdquo de cada uma a partir do
reconhecimento de alteridade sem que isso signifique uma mera convergecircncia entre elas e
uma consequente negaccedilatildeo de identidade proacutepria mas sim a existecircncia de uma prontidatildeo
para a abertura reciacuteproca natildeo apenas cognitiva mas tambeacutem normativa (NEVES 2009)
A partir desse entendimento a conclusatildeo a que se chega eacute que o Estado
natildeo pode mais ser considerado como o principal locus de soluccedilatildeo de conflitos
constitucionais uma vez que esses ultrapassam o seu acircmbito interno sendo imperativa a
abertura agrave relaccedilotildees interestatais e supranacionais
Os exemplos mais emblemaacuteticos desses modelos de relaccedilotildees
cooperativas desenvolvem-se no acircmbito da Uniatildeo Europeia que ao reconhecer a eficaacutecia
imediata ao direito comunitaacuterio introduz um instrumento normativo supranacional agrave ordem
juriacutedica interna de cada paiacutes membro o qual passa tambeacutem a ser paracircmetro de eventual
controle das leis e das proacuteprias constituiccedilotildees estabelecendo assim uma necessaacuteria
convivecircncia entre diversas ordens juriacutedico-normativas dentro de um mesmo espaccedilo poliacutetico
e submetidas a uma jurisdiccedilatildeo supranacional
O proacuteprio Tratado que institui a Uniatildeo Europeia em seu artigo 2346 ao
determinar a competecircncia do Tribunal de Justiccedila europeu sugere que haja um diaacutelogo
intercortes A estrateacutegia a ser adotada para a consolidaccedilatildeo do novo ordenamento eacute portanto
natildeo a de mera subordinaccedilatildeo da ordem juriacutedica nacional agrave supranacional mas sim do
desenvolvimento de constantes relaccedilotildees paritaacuterias de colaboraccedilatildeo (KOMAacuteREK 2005)
6 ldquoArt 234 O Tribunal de Justiccedila eacute competente para decidir a tiacutetulo prejudicial sobre a) A interpretaccedilatildeo do
presente Tratado b) A validade e a interpretaccedilatildeo dos atos adotados pelas instituiccedilotildees da Comunidade e pelo
BCE c) A interpretaccedilatildeo dos estatutos dos organismos criados por ato do Conselho desde que estes estatutos
o prevejam Sempre que uma questatildeo desta natureza seja suscitada perante qualquer oacutergatildeo jurisdicional de um
dos Estados-Membros esse oacutergatildeo pode se considerar que uma decisatildeo sobre essa questatildeo eacute necessaacuteria ao
julgamento da causa pedir ao Tribunal de Justiccedila que sobre ela se pronuncie Sempre que uma questatildeo desta
natureza seja suscitada em processo pendente perante um oacutergatildeo jurisdicional nacional cujas decisotildees natildeo sejam
susceptiacuteveis de recurso judicial previsto no direito interno esse oacutergatildeo eacute obrigado a submeter a questatildeo ao
Tribunal de Justiccedilardquo
16
A niacutevel europeu parece correto afirmar a opccedilatildeo por uma metoacutedica
fundada na imbricaccedilatildeo de cataacutelogos reveladora ou criadora de standards em contraposiccedilatildeo
a um modelo hierarquizado fundado em uma Groundnorm (TAVARES DA SILVA 2014)
ou seja natildeo haacute a primazia entre os ordenamentos mas sim uma ideia de
complementaridade7
Seguindo essa loacutegica de imbricaccedilatildeo e natildeo de hierarquizaccedilatildeo entre os
cataacutelogos a Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa em seu art8ordm4 ldquoAs disposiccedilotildees dos
tratados que regem a Uniatildeo Europeia e as normas emanadas das suas instituiccedilotildees no
exerciacutecio das respectivas competecircncias satildeo aplicaacuteveis na ordem interna nos termos
definidos pelo direito da Uniatildeo com respeito pelos princiacutepios fundamentais do Estado de
direito democraacuteticordquo e ainda no art16ordm determina de forma expressa que ldquoOs direitos
fundamentais consagrados na Constituiccedilatildeo natildeo excluem quaisquer outros constantes das
leis e das regras aplicaacuteveis de direito internacionalrdquo e que ldquoOs preceitos constitucionais
e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados de
harmonia com a Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos do Homemrdquo 8
Portanto como resultado praacutetico dessas normas tem-se a imposiccedilatildeo
obrigatoacuteria ao oacutergatildeo responsaacutevel pelo exerciacutecio da jurisdiccedilatildeo constitucional da observacircncia
do direito comparado propiciando o exerciacutecio do que alguns estudiosos denominam de
diaacutelogo judicial (judicial dialogue) que se caracteriza nessa relaccedilatildeo de cooperaccedilatildeo
estabelecida entre ordens juriacutedicas distintas quando haacute uma conversa entre diferentes
Tribunais a fim de buscar a melhor soluccedilatildeo para a efetivaccedilatildeo dos direitos fundamentais
muito comum na praacutetica da Uniatildeo Europeia9
Saindo do contexto europeu a Constituiccedilatildeo da Aacutefrica do Sul no seu art
39 prevecirc que na interpretaccedilatildeo do Bill of Rights devem ser consideradas as leis internacionais
7 Nesse sentido de acordo com a doutrina impera no ldquotriacircngulo normativo europeurdquo o princiacutepio do niacutevel mais
elevado de proteccedilatildeo o qual pode ser entendido como resultado de uma abertura normativa (TAVARES DA
SILVA 2014)
8 Nesse sentido Jorge Miranda faz uma anaacutelise mais completa da Constituiccedilatildeo portuguesa e fala em um ldquojus-
universalismordquo Ver MIRANDA Jorge O Estado Constitucional Cooperativo e o Jus-Universalismo da
Constituiccedilatildeo Portuguesa In Cadernos da Escola de Direito e Relaccedilotildees Internacionais da UniBrasil JanDez
2007 pp 7-22) Ver tambeacutem CANOTILHO JJ Gomes MOREIRA Vital Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica
Portuguesa Anotada Volume I Coimbra 2014
9 Ver GOLUB Jonathan Modelling Judicial Dialogue in the European Community The Quantitative Basis
of Preliminary References to the ECJ 1996 ISSN 1028-3625
17
e podem ser consideradas leis estrangeiras bem como que o referido documento natildeo nega a
existecircncia de quaisquer outros direitos ou liberdades que sejam reconhecidos ou conferidos
pela common law costumary law ou legislation 10
A previsatildeo contida na Constituiccedilatildeo da Aacutefrica do Sul eacute especialmente
importante nesse contexto pois natildeo se refere apenas a necessidade de observacircncia e
integraccedilatildeo com as normas internacionais mas faz tambeacutem expressa referecircncia as normas
estrangeiras ou seja oriundas de outros paiacuteses
A ideia que fundamenta o exerciacutecio do direito comparado eacute a da busca
pelo enriquecimento da compreensatildeo do conteuacutedo dos direitos fundamentais por intermeacutedio
do compartilhamento de experiecircncias entre tribunais constitucionais distintos11 ou seja no
desenvolvimento de uma jurisdiccedilatildeo constitucional que natildeo se afigure monopolista mas sim
colaborativa
Bobeck (2013) ensina que essa praacutetica pode ser vista como uma forma
de auto-controle dos proacuteprios tribunais que percebem que natildeo podem decidir sozinhos e
buscam no meacutetodo do direito comparado ou no uso de precedentes estrangeiros uma maior
fundamentaccedilatildeo as suas decisotildees
Zagrebelsky (2007) denomina esse fenocircmeno de ldquocosmopolistimo
judicialrdquo o qual consiste justamente na consideraccedilatildeo pelo Judiciaacuterio nacional de documentos
juriacutedicos externos de decisotildees oriundas de outras cortes sejam elas de hierarquia superior
como tribunais internacionais de proteccedilatildeo dos direitos humanos ou ateacute mesmo de outras
cortes constitucionais estrangeiras12
10 ldquo39 Interpretation of Bill of Rights (1) When interpreting the Bill of Rights a court tribunal or forum ndash (a)
must promote the values that underlie an open and democratic society based o human dignity equality and
freedom (b) must consider international law (c) may consider foreing law (2) When interpreting any
legislation and when developing the common law or costumary law every court tribunal or forum must
promote the spirit purport and objects of the Bill of Rights (3) The Bill of Rights does not deny the existence
of any other rights or freedoms that are recognised or conferred by common law customary law or legislation
to the extent that they are consistent with the Bill
11 Nesse sentido Tushnet (2009) ao falar sobre a importacircncia do estudo do direito constitucional comparado
ldquostudiyng comparative constitucional law might improve our ability to make domestic constitucional lawrdquo Ver
ainda HIRSCHL Ran Comparative matters the renaissance of comparative constitutional law Oxford
Oxford University Press 2014 e JACKSON Vicky Comparative Constitucional Law Nova York Foundation
Press 1999 12 Eacute importante destacar que apesar da forma positiva em que se estaacute abordando o cosmopolitismo judicial e o
uso do direito comparado ambos satildeo alvos de criacuteticas pela doutrina Tavares da Silva (2014) destaca que ldquoo
recurso ao direito constitucional comparado por um tribunal constitucional natildeo deve servir um objetivo de
universalizaccedilatildeo de valores mas antes o aprofundamento das soluccedilotildees de inclusividade no contexto
18
Esse fenocircmeno tambeacutem encontra eco em outros lugares do Globo
apesar de em menor escala que no continente europeu A Constituiccedilatildeo Federal Brasileira agrave
semelhanccedila da Portuguesa no sect2ordm do artigo 5ordm adota uma claacuteusula aberta de direitos
fundamentais prevendo expressamente a observacircncia das normas internacionais nessa
mateacuteria
Conclui-se portanto que hoje as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo dentro do
constitucionalismo e no exerciacutecio da jurisdiccedilatildeo constitucional eacute uma realidade concreta e
global A partir disso teve iniacutecio o desenvolvimento de uma noccedilatildeo de diaacutelogo seja ele
judicial ou institucional
Esse eacute um fenocircmeno que natildeo ocorre apenas no acircmbito externo ao
Estado restrito as relaccedilotildees internacionais mas tambeacutem encontra reflexos na estrutura interna
de organizaccedilatildeo do Poder estatal no desenho institucional de cada paiacutes
A ideia de cooperaccedilatildeo e diaacutelogo transporta-se assim tambeacutem para o
acircmbito interno da jurisdiccedilatildeo constitucional dos paiacuteses surgindo um conceito de diaacutelogo
institucional o qual percebe-se deste trabalho
Percebe-se entatildeo que os novos desafios impostos ao
constitucionalismo do seacuteculo XXI tecircm influenciado no desenho institucional da jurisdiccedilatildeo
constitucional adotado por diversos paiacuteses contribuindo sobremaneira para o
desenvolvimento de novos modelos fundados nessa loacutegica da cooperaccedilatildeo superando a
tradicional ideia de uma jurisdiccedilatildeo pautada na supremacia judicial conforme seraacute analisado
intercultural ateacute onde essa inclusividade se revelar possiacutevel ou seja ateacute onde natildeo redunde em uma
neutralizaccedilatildeo do elemento cultural que daacute substacircncia material ao projecto social concreto que aquele oacutergatildeo
judicial tem como missatildeo garantirrdquo
19
3 O tradicional modelo de judicial review e a supremacia judicial
Afirmar que a Constituiccedilatildeo eacute um documento juriacutedico-poliacutetico dotado de
normatividade e superioridade dentro do ordenamento juriacutedico parece algo oacutebvio todavia
essa premissa nem sempre foi verdadeira mas sim resultado de um processo histoacuterico13
Na Ameacuterica do Norte desde o iniacutecio do seu movimento constitucional14
o caraacuteter juriacutedico-normativo da constituiccedilatildeo foi reconhecido o que acabou favorecendo a
um desenvolvimento mais raacutepido da jurisdiccedilatildeo constitucional15 ante a necessidade de
submeter o poder legislativo a limites precisamente soacutelidos16
O tradicional modelo do judicial review americano se formou no
silecircncio dos textos tomando corpo lentamente em um primeiro periacuteodo que foi ateacute 1789
(ano em que se funda o Tribunal Supremo Federal) o mesmo consistia em mera praacutetica
judicial dentro do common law em um segundo periacuteodo que vai de 1789 a 1861
impulsionado pela construccedilatildeo do Estado Federal e pelos conflitos em torno da natureza da
Uniatildeo criado pela Constituiccedilatildeo de 1787 em um terceiro periacuteodo iniciado em 1865 ateacute os
trinta primeiros anos do seacuteculo XX quando se estabeleceu como um sistema de revisatildeo
frente a todas as leis inclusive leis federais em consequecircncia do crescimento do capitalismo
das transformaccedilotildees ocasionadas pelo federalismo e pela necessidade de redefinir as relaccedilotildees
entre o Estado com a nova ordem industrial e em um quarto periacuteodo de 1954 a 1986 quando
se expandiu em resposta aos novos desafios impostos pela busca de justiccedila social igualdade
e liberdade (ACOSTA SAacuteNCHEZ 1998)
13 Nesse sentido Canotilho (2003) nos ensina que a Constituiccedilatildeo eacute o conjunto de regras (escritas ou
consuetudinaacuterias) e de estruturas institucionais conformadoras de uma dada ordem juriacutedico-poliacutetica em um
determinado sistema poliacutetico-social Entre o constitucionalismo antigo e o constitucionalismo moderno vatildeo se
desenvolvendo perspectivas poliacuteticas religiosas e juriacutedico-filosoacuteficas sem o conhecimento das quais natildeo eacute
possiacutevel compreender o proacuteprio fenocircmeno da modernidade constitucional
14 A expressatildeo ldquomovimento constitucionalrdquo eacute utilizada no sentido empregado por Canotilho como um
movimento gerador da constituiccedilatildeo (CANOTILHO 2003)
15 Para uma maior e mais detalhada compreensatildeo do movimento constitucional norte-americano ver Griffin
Stephen American Constitutionalism From the theory to the politics 1998
16 Nesse sentido ver Blaco Valdeacutes Roberto L La configuracioacuten del concepto de Constituicioacuten en las
experieacutencias revolucionarias francesas e norte-americana In Perspectivas Constitucionais Nos 20 anos da
Constituiccedilatildeo de 1976 (org Jorge Miranda) Vol III Coimbra 1998 p11
20
Para muitos a efetiva consagraccedilatildeo desse modelo ocorreu no ano de
1803 com o julgamento do famoso caso Marbury v Madison17 quando houve a formal
proclamaccedilatildeo da superioridade das normas constitucionais frente a qualquer outra lei
formulada pelo Parlamento bem como da autoridade dos Tribunais para invalidaccedilatildeo das leis
consideradas inconstitucionais
A par das questotildees poliacuteticas envolvidas nesse julgamento o fato eacute que
ele se tornou o marco da consolidaccedilatildeo da supremacia18 da Suprema Corte americana que
passou a ser entatildeo formalmente reconhecida como a detentora da uacuteltima palavra dentro do
processo de interpretaccedilatildeo constitucional19
Ateacute meados do seacuteculo XX a ideia que prevalecia na maioria dos paiacuteses
com a exececcedilatildeo dos Estados Unidos20 era a de que as constituiccedilotildees eram proclamaccedilotildees
poliacuteticas importantes mas natildeo possuiacuteam status de normas juriacutedicas As prescriccedilotildees
constitucionais natildeo podiam ser aplicadas diretamente pelos juiacutezes nem geravam direitos
subjetivos para os cidadatildeos
Havia principalmente nos paiacuteses da Europa cidental uma crenccedila na
legitimidade do Parlamento para a criaccedilatildeo do Direito natildeo existindo razatildeo para submeter as
leis por ele criadas agrave nenhuma espeacutecie de revisatildeo judicial O controle que existia era um
controle poliacutetico feito pelo proacuteprio legislativo21
17 Para uma visatildeo criacutetica e maiores detalhes sobre o famoso julgamento Marbury v Madison ver Acosta
Sancheacutez Joseacute Formacioacuten de la Constituicioacuten y Jurisdiccioacuten Constitucional Fundamentos de la Democracia
Constitucional Madri Tecnos 1998 pp 115 e Urbano Maria Benedita Curso de Justiccedila Constitucional
Evoluccedilatildeo Histoacuterica e Modelos de Controlo da Constitucionalidade Almedina 2012 pp 28 a 36
18 Neste trabalho quando fala-se em supremacia refere-se agrave siacutentese de Ward (2007) segundo a qual supremacia
judicial define o status que os precedentes merecem quando desafiados pela atuaccedilatildeo superveniente do
legislativo
19 Griffin (2003) em importante estudo revela que o judicial review americano nem sempre esteve associado agrave
ideia de supremacia judicial tendo sido este elemento incorporado ao modelo posteriormente Nesse sentido
destaca ldquoAs has so often been noted Marshall never claimed supremacy for the Court in Marbury The
opinion ends after all with Marshall saying that courts hace an equal right to the other departament in
interpreting the Constitution The Court committed itself explicity to judicial supremacy only relatively
recently In Cooper v Aaron for example the Court stated that the ldquofederal judiciary is supreme in the
exposition of the law of the Constitutionrdquo
20 Miranda (2007) destaca que diferente da Franccedila e dos paiacuteses europeus durante o seacuteculo XIX os Estados
Unidos vivem quase desde a sua formaccedilatildeo sob o princiacutepio da constitucionalidade isto eacute de que as leis e os
outros atos do Estado devem ser conformes agrave Constituiccedilatildeo e natildeo devem ser aplicados pelos tribunais no caso
de serem desconformes
21 ldquoO controle da conformidade das leis com a constituiccedilatildeo comeccedilou por ser do tipo poliacutetico Aacute medida que o
valor de lei suprema das constituiccedilotildees se ia impondo os parlamentos iam-se sentido cada vez mais pressionados
para permitir que as suas leis fossem objeto de fiscalizaccedilatildeo Numa primeira fase admitiram o controlo da
21
Portanto durante muito tempo na maioria dos paiacuteses europeus em
funccedilatildeo da constituiccedilatildeo ser vista como mero instrumento poliacutetico desprovido de
normatividade cabia ao Parlamento a regulamentaccedilatildeo das relaccedilotildees entre individuo e Estado
usufruindo entatildeo de um papel de legislador soberano eis que seus atos natildeo estavam
subordinados a nenhum controle judicial cabendo ao Poder Judiciaacuterio apenas a mera
aplicaccedilatildeo das leis
O reconhecimento da constituiccedilatildeo como norma juriacutedica soacute ocorreu no
constitucionalismo do poacutes-45 com o fim da segunda guerra mundial quando foram
incorporados no texto constitucional direitos fundamentais e princiacutepios relevantes de
moralidade poliacutetica
Com isso a partir da metade do seacuteculo XX a maioria das novas
constituiccedilotildees passaram a prever mecanismos de jurisdiccedilatildeo constitucional ou procuram
fortalecer ou ampliar os jaacute existentes A maior parte dos paiacuteses que reestruturam suas ordens
juriacutedicas desde entatildeo seja apoacutes libertar-se do jugo de antigas colocircnias seja depois da
superaccedilatildeo de ditaduras internas optaram pela introduccedilatildeo ou ampliaccedilatildeo de instrumentos de
controle de constitucionalidade nos seus textos magnos (SARMENTO 2006)
Ou seja o desenvolvimento do constitucionalismo e o reconhecimento
da constituiccedilatildeo como norma juriacutedica suprema do Estado criaram a necessidade de um
controle das normas infraconstitucionais
Nesse contexto desenvolveram-se inicialmente dois modelos de
controle de constitucionalidade distintos que foram se espalhando pelos diversos paiacuteses ao
longo dos anos que se seguiram O modelo decorrente do sistema americano ficou conhecido
como controle difuso tendo como principal caracteriacutestica o fato de todos os tribunais e juiacutezes
poderem declarar dentro de um caso concreto a inconstitucionalidade de uma lei
infraconstitucional
constitucionalidade das leis mas seriam eles os responsaacuteveis por um tal controlo Era pois um controlo
poliacutetico exercido por um oacutergatildeo poliacutetico o parlamento () Seja como for facilmente se constata que o controle
poliacutetico tende a ser pouco efetivo e eficaz No caso especiacutefico do controlo atribuiacutedo ao parlamento pode
afirmar-se sem grande margem de erro que os parlamentares eram ldquojuiacutezes em causa proacutepriardquo (no fundo era
um autocontrolo) Por este motivo o controlo das normas acabaria por ser atribuiacutedo aos tribunais tornando-se
um controlo judicialrdquo (URBANO 2012 p17)
22
Em oposiccedilatildeo a esse modelo Kelsen desenvolveu uma visatildeo alternativa
de controle de constitucionalidade para os sistemas europeus que ficou conhecido como
controle concentrado de constitucionalidade ou modelo austriacuteaco Nesse tipo de controle a
proteccedilatildeo da Constituiccedilatildeo previa a instituiccedilatildeo de um controle abstrato das atividades do
legislador confiado a um uacutenico oacutergatildeo separado dos tribunais ordinaacuterios - o Tribunal
Constitucional Ao juiacutez constitucional cabia manter ou anular o ato normativo do legislador
consoante o considerasse conforme ou desconforme a constituiccedilatildeo (URBANO 2012)
Jaacute nas uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XX a jurisdiccedilatildeo constitucional foi se
tornando uma realidade quase universal passando a existir em paiacuteses de todos os
continentes Tanto o modelo norte-americano como o modelo austriacuteaco serviram de
inspiraccedilatildeo para a implementaccedilatildeo do controle de constitucionalidade das leis e surgimento de
modelos mistos
Alguns paiacuteses como o Brasil por exemplo desenvolveram sistemas
mistos onde estatildeo presentes caracteriacutesticas de ambos os modelos tanto o austriacuteaco como o
americano ou seja haacute tanto o controle de constitucionalidade difuso quanto o concentrado22
Jaacute nos paiacuteses do continente europeu o modelo mais disseminado foi o modelo Austriacuteaco o
que impulsionou a criaccedilatildeo de diversos Tribunais Constitucionais em paiacuteses como Espanha
Itaacutelia e Portugal23
Assim na grande maioria dos paiacuteses desenvolveu-se um sistema de
jurisdiccedilatildeo constitucional aliado agrave ideia de supremacia judicial no qual o Poder Judiciaacuterio eacute
quem profere a uacuteltima palavra no tocante a interpretaccedilatildeo constitucional Na Europa em
especial a supremacia judicial foi se tornando uma realidade cada vez mais forte sendo o
ativismo judicial um dos responsaacuteveis pelo fortalecimento e desenvolvimento da estrutura
judiciaacuteria que se tem hoje na maioria dos paiacuteses
Diante de tudo isso pode-se afirmar que uma das caracteriacutesticas mais
evidentes no constitucionalismo contemporacircneo eacute a ascensatildeo institucional do Poder
Judiciaacuterio ultrapassando a originaacuteria ideia de legislador negativo tradicionalmente
22 Para maiores detalhes sobre o controle de constitucionalidade brasileiro ver BARROSO Luiacutes Roberto O
Controle de constitucionalidade no direito brasileiro Exposiccedilatildeo sistemaacutetica da doutrina e anaacutelise criacutetica da
jurisprudecircncia Satildeo Paulo Editora Saraiva 2004
23 Para maiores detalhes sobre o controle de constitucionalidade Portuguecircs ver Canotilho 2008 capiacutetulo 2
23
concebida por Kelsen dando margem ao surgimento de alguns fenocircmenos que seratildeo
tratados no toacutepico a seguir
4 Jurisdiccedilatildeo constitucional e democracia um antigo debate
A controveacutersia acerca da natureza da atividade fiscalizatoacuteria exercida
pelas Cortes Constitucionais decorre do possiacutevel conflito entre duas distintas legitimaccedilotildees
a dita legitimaccedilatildeo democraacutetica tipicamente atribuiacuteda ao legislador e a legitimaccedilatildeo
jurisdicional para a defesa do ordenamento juriacutedico constitucional atribuiacuteda ao Juiacutezo
constitucional Discute-se sobretudo o porquecirc da consignaccedilatildeo ao Judiciaacuterio de tal atribuiccedilatildeo
fiscalizatoacuteria bem assim quais seriam os objetos e limites do controle jurisdicional
(PONTES 2001 p 65)24
Os contornos desse debate estatildeo intimamente ligados a noccedilatildeo de
democracia exercendo o seu conceito direta influecircncia nos argumentos de defesa de um ou
de outro Poder Em apertada siacutentese pode-se mencionar que aqueles que defendem a
atribuiccedilatildeo do Poder ao Judiciaacuterio para realizar o controle de constitucionalidade das leis
fundamentam-se na regra contramajoritaacuteria ou seja na necessidade de uma oposiccedilatildeo a regra
da maioria representada pelo Legislativo principalmente para defender e proteger os direitos
e garantias de minorias sem tanta representatividade na busca por uma democracia
substancial25
Em contrapartida existem aqueles que denfendem uma outra noccedilatildeo de
democracia fundada justamente nos argumentos de maioria e de representatividade razatildeo
pela qual entendem pela iligitimidade dos juiacutezes membros natildeo eleitos pelo povo para
derrubar atos legislativos
Apesar da discussatildeo sobre a legitimidade democraacutetica da jurisdiccedilatildeo
constitucional ser um debate antigo natildeo se pode - sob nenhuma hipoacutetese - considera-lo como
24 Sobre o tradicional debate acerca da legitimidade da jurisdiccedilatildeo constitucional ver GARAPON Antonie O
juiz e a democracia o guardiatildeo das promessas Rio de Janeiro Renavn 2009 Linares Sebastiaacuten La
(i)legitimidad democraacutetica del control judicial de las leyes Madrid Marcial Pons MOREIRA Vital Princiacutepio
da Maioria e princiacutepio da constitucionalidade legitimidade e limites da justiccedila constitucional in Coloacutequio no
10ordm Aniversaacuterio do Tribunal Constitucional Lisboa 1993 pp 167-175
25 Sobre a regra contramajoritaacuteria ver BICKEL Alexander The last dangerous branch the Supreme Court at
the bar of politics New Haven Yale University 1986 e WHITE G Edward History and the Constitution
Durham Carolina Academic Press 2007
24
algo superado sobretudo porque na atualidade os argumentos insertos na questatildeo estatildeo
cada vez mais sofisticados e possibilitam uma discussatildeo aleacutem do tradicional binocircmio
Judiciaacuterio x Legislativo no tocante a detenccedilatildeo da uacuteltima palavra em mateacuteria constitucional
Nas uacuteltimas deacutecadas vivencia-se uma expansatildeo do tradicional modelo
do judicial review americano pelo Globo e consequentemente um reforccedilo e um alargamento
do Poder Judiciaacuterio razatildeo pela qual muitos paiacuteses hoje adotam modelos fundados em uma
supremacia judicial na qual os juiacutezes satildeo os responsaacuteveis por emitir a palavra final na
resoluccedilatildeo de conflitos constitucionais
A referida expansatildeo propiciou o desenvolvimento de fenocircmenos como
a judicializaccedilatildeo de questotildees poliacuteticas e o ativismo judicial os quais satildeo atualmente
considerados por alguns como uma ameaccedila ao princiacutepio democraacutetico a separaccedilatildeo de poderes
e ateacute mesmo a efetividade de direitos fundamentais Diante disso acabam por vir
novamente agrave tona antigos questionamentos relativos agrave legitimidade democraacutetica da
jurisdiccedilatildeo constitucional
A judicializaccedilatildeo da Poliacutetica aqui entendida como a dependecircncia de
Tribunais e dos meios judiciais para abordarsolucionar impasses morais fundamentais
questotildees de poliacuteticas puacuteblicas e controveacutersias poliacuteticas eacute um fenocircmeno mundial Embora
muitas questotildees de poliacuteticas puacuteblicas ainda permaneccedilam aleacutem do alcance do Judiciaacuterio eacute
fato incontestaacutevel que tem havido uma deferecircncia das outras esferas do Poder no sentido de
acolher a intrusatildeo do mesmo em suas prerrogativas o que acaba por acelerar o processo de
judicializaccedilatildeo das agendas poliacuteticas (HIRSCHL 2008)26
26 Hirschl faz importante observaccedilatildeo sobre um niacutevel diferente de judicializaccedilatildeo o qual denomina de
judicializaccedilatildeo da acutemega-poliacuteticaacute a qual seria mais impactante e consequentemente mais preocupante De
acordo com o autor ldquoToday not a single week passes without a national high court somewhere in the world
releasing a major judgment pertaining to the scope of constitutional rights or the limits on legislative or
executive powers The most common are cases dealing with procedrual justice and criminal lsquodue processrsquo
rights Aggregate data suggest that approximately two-thirds of all constitutional rights cases in the lsquoworld of
new constitutinalismrsquo deal with that type of rights Also common are rulings involving classic civil liberties
the right to privacy and formal equality This ever-expanding body of civil liberties jurisprudence has
expanded and fortified the boundaries of the constitutionally protected private sphere (often perceived as
threatened by the long arm of the state and its regulatory laws) and hastransformed numerous policy areas
involving individual freedoms In recent years we have seen the emergence of another level of judicialized
politics reliance on courts and judges for dealing with what we might call lsquomega-politicsrsquo ndash core political
controversies that define the boundaries of the collective or cut through the heart of entire nations This level
of judicialization includes several subcategories judicial scrutiny of executive-branch prerogatives in the
realms of macroeconomic planning or national security (ie the demise of what constitutional theorists call
the lsquopolitical questionrsquo doctrine) judicialization of electoral processes judicial corroboration of regime
transformation fundamental restorative-justice dilemmas and above all the judicialization of formative
25
Com o reconhecimento internacional da importacircncia da proteccedilatildeo dos
direitos fundamentais e o consequente entendimento de que a enunciaccedilatildeo desses direitos na
Carta Magna determina por si soacute um direito subjetivo em favor dos cidadatildeos o Estado
passou a ser responsaacutevel pela realizaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas que visem agrave sua efetividade
natildeo mais sendo suficiente apenas que natildeo os viole mas tambeacutem que aja de forma a propiciar
a sua eficaacutecia
Assim o Judiciaacuterio passou a ser visto como o principal centro de
discussatildeo sobre a efetividade desses direitos principalmente pela sociedade que encontrou
nas demandas judiciais um meio de coagir o Estado a dar cumprimento e efetividade aos
direitos constitucionalmente assegurados O progressivo aumento dessas demandas fez com
que fosse possiacutevel uma realizaccedilatildeo do controle judicial das poliacuteticas puacuteblicas estatais
favorecendo a judicializaccedilatildeo de temas que antes eram reservados ao campo da poliacutetica27
Esse cenaacuterio tambeacutem propiciou a ocorrecircncia de outro fenocircmeno
designado como ativismo judicial ou governo de juiacutezes28 que a par da sua difiacutecil e
heterogecircnea conceituaccedilatildeo deve aqui ser entendido como a excessiva atividade criativa do
juiz constitucional29
Tanto a judicializaccedilatildeo de questotildees poliacuteticas como o ativismo judicial
podem ser identificados como patologias dentro do sistema da jurisidiccedilatildeo constitucional sob
o ponto de vista do princiacutepio da separaccedilatildeo de poderes (TAVARES DA SILVA 2014) eis
que ocasionam um excesso de autonomia e poder ao Judiciaacuterio em detrimento dos demais
poderes facilitando inclusive a usurpaccedilatildeo de competecircncias
collective identity nation-building processes and struggles over the very definition or raison decirctre of the polity
as such ndash arguably the most troubling type of judicialization from a participatory democracy stanpoint These
emerging areas of judicialized politics expand the boundaries of national high-court involvement in the
political sphere beyond any previous limitrdquo
27 Esse eacute um tema muito discutido no Brasil onde haacute um grande nuacutemero de demandas judiciais - individuais e
coletivas - que questionam a efetividade de direitos fundamentais como o direito agrave sauacutede agrave educaccedilatildeo etc Sobre
o assunto ver VALLE Vanice Regina Liacuterio do Judicializaccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas no Brasil Ateacute onde
podem nos levar as asas de Iacutecaro In Themis Revista de Direito da Universidade Nova de Lisboa ano XI
nordm 2021 2011
28 A criaccedilatildeo dessas expressotildees eacute respectivamente atribuiacuteda agrave Arthur Schlesinger Jr e Walter Clark
29 Sobre o ativismo judicial ver URBANO 2012 p 87- 101
26
Somado a esses fenocircmenos outro importante componente que ajudou
a reacender o debate30 foi a recente transposiccedilatildeo do modelo americano do judicial review
fundado na supremacia judicial para paiacuteses da Commonwealth tradicionalmente centrados
em um modelo de soberania parlamentar a qual seraacute melhor abordada no toacutepico a seguir
Diante das evidentes dificuldades de harmonizaccedilatildeo do modelo de
revisatildeo judicial das leis para paiacuteses onde ateacute entatildeo o Parlamento era soberano expoentes
doutrinadores como Ronald Dworkin e Jeremy Waldron voltaram sua atenccedilatildeo para a anaacutelise
das vantagens e desvantagens da realizaccedilatildeo de um controle judicial dos atos do Parlamento
e da sua legitimidade democraacutetica
Dworkin (2006) postula uma ldquoconcepccedilatildeo constitucional de
democraciardquo31 segundo a qual o regime democraacutetico demanda a tomada decisotildees coletivas
por instituiccedilotildees que tratem de forma isonocircmica todos os cidadatildeos fato que nem nem sempre
iraacute ocorrer em procedimentos majoritaacuterios Assim o Autor defende que o primordial para a
legitimidade democraacutetica de uma decisatildeo eacute o seu conteuacutedo substantivo e natildeo propriamente
o procedimento em si realizado para a sua elabraccedilatildeo
Sendo assim alega a legitimidade democraacutetica do controle de
constitucionalidade das leis realizada pelo Poder Judiciaacuterio eis que esta seria no seu
entender a instacircncia do Poder mais apta a fornecer a ldquoresposta certardquo sobre direitos
fundamentais (DWORKIN 2001)
30 Necessaacuterio esclarecer que o controle de constitucionalidade sempre foi alvo de desconfianccedila sob o ponto de
vista da teoria democraacutetica durante muitos anos importantes estudiosos concentraram esforccedilos tentando buscar
uma justificativa capaz de legitimaacute-lo como o famoso debate entre Hans Kelsen e Carl Schmitt Todavia o
debate de hoje o qual interessa para o presente trabalho se funda em argumentos mais complexos por razotildees
didaacuteticas natildeo iremos retomar ao debate mais antigo
31ldquoSe rejeitamos a premissa majoritaacuteria precisaremos de uma explicaccedilatildeo diferente e melhor do valor e da
finalidade da democracia Vou defender agora uma explicaccedilatildeo ndash que chamo de concepccedilatildeo constitucional da
democracia ndash que efetivamente rejeita a premissa majoritaacuteria Segundo essa explicaccedilatildeo o fato de as decisotildees
coletivas serem sempre ou normalmente as decisotildees que a maioria dos cidadatildeos e tomariam se fossem
plenamente informados e racionais natildeo eacute nem uma meta nem uma definiccedilatildeo de democracia O objetivo que
define a democracia tem de ser diferente que as decisotildees coletivas sejam tomadas por instituiccedilotildees poliacuteticas
cuja estrutura composiccedilatildeo e modo de operaccedilatildeo dediquem a todos os membros da comunidade enquanto
indiviacuteduos a mesma consideraccedilatildeo e o mesmo respeito () a concepccedilatildeo constitucional requer esses
procedimentos majoritaacuterios em virtude de uma preocupaccedilatildeo com a igualdade dos cidadatildeos e natildeo por causa de
um compromisso com as metas da soberania da maioria Por isso natildeo opotildee objeccedilatildeo alguma ao emprego deste
ou daquele procedimento natildeo majoritaacuterio em ocasiotildees especiais nas quais tal procedimento poderia proteger
ou promover a igualdade que segunda essa concepccedilatildeo eacute a proacutepria essecircncia da democracia e natildeo aceita que
essas exceccedilotildees sejam causa de arrependimento moralrdquo (DWORKIN Ronald O Direito da Liberdade Satildeo
Paulo Martins Fontes 2006 p 26)
27
Em contrapartida Waldron (1999) sustenta que a legitimidade
democraacutetica de uma decisatildeo coletiva natildeo pode ser julgada a partir dos seus resultados como
propotildee Dworkin mas sim pelo caraacuteter democraacutetico do procedimento de tomada da decisatildeo
Partindo do princiacutepio da existecircncia de um grande dissenso acerca dos direitos fundamentais
dentro da sociedade entende que natildeo eacute legiacutetimo que predomine como correta entre as
diversas visotildees existentes aquela enunciada pelo Judiciaacuterio
Segundo o Autor o tradicional modelo do judicial review aliado agrave
supremacia do Judiciaacuterio natildeo eacute o meio mais adequado para a tomada de decisatildeo final em
uma sociedade livre e democraacutetica Apesar de criticar severamente essa praacutetica natildeo ignora
a sua existecircncia na maioria dos paiacuteses e faz uma distinccedilatildeo entre os diversos sistemas
classificando-os em sistemas fortes intermediaacuterios e fracos de acordo com a quantidade de
poder que eacute atribuiacutedo ao Judiciaacuterio (WALDRON 2014)
Neste sentido eacute importante a distinccedilatildeo que propotildee entre judicial review
e supremacia judicial O primeiro conceitua como uma forma de controle judicial das leis
que na sua melhor concretizaccedilatildeo praacutetica pode operar como um poder modesto de restriccedilatildeo
jaacute a supremacia judicial como a ideia de que os juiacutezes satildeo supremos e ateacute soberanos na
poliacutetica estando todos os outros poderes poliacuteticos a eles subordinados (WALDRON 2014
p 5)
Esclarece por exemplo que nos Estados Unidos haacute uma supremacia
judicial natildeo necessariamente pela adoccedilatildeo de um modelo forte de revisatildeo judicial mas sim
pela forma que este vem sendo exercido pela Suprema Corte Americana (WALDRON
2014 p 11)
O raciociacutenio desenvolvido por Wladron eacute importante principalmente
para demonstrar que natildeo deve haver uma vinculaccedilatildeo necessaacuteria entre judicial review e
supremacia judicial Ou seja para o autor a supremacia judicial e seus efeitos negativos pode
e deve ser combatida sem que para isso tenha-se que abolir a praacutetica da revisatildeo judicial das
leis a qual pode ateacute ser considerada como uma praacutetica boa e necesaacuteria
Com base nesse raciociacutenio atualmente o tradicional modelo de judicial
review aliado a supremacia do Poder Judiciaacuterio tem sido um dos maiores alvos de criacuteticas da
teoria constitucional natildeo apenas sob a oacutetica da legitimidade democraacutetica mas tambeacutem pelo
seu resultado no que tange a verdadeira efetivaccedilatildeo dos direitos fundamentais
28
O excesso de poder concedido ao Judiciaacuterio passou entatildeo a ser visto
com maus olhos em razatildeo de fenocircmenos como o ativismo judicial e a judicializaccedilatildeo poliacutetica
levando a doutrina a uma busca incessante por formas de combate a essas patologias
Em face disso alguns Estados de tradiccedilatildeo parlamentar cientes dessa
realidade negativa vivenciada nos demais paiacuteses poreacutem convencidos da necessidade de
implementaccedilatildeo de um sistema de revisatildeo judicial das leis para uma maior efetivaccedilatildeo dos
direitos fundamentais buscaram desenvolver modelos alternativos aos ateacute entatildeo existentes
Uma das propostas desses novos modelos eacute superar o problema da
legitimidade democraacutetica do judicial review mediante a promoccedilatildeo de um reequiliacutebrio entre
o Legislativo e Judiciaacuterio conforme se leraacute nas proacuteximas paacuteginas
5 A implementaccedilatildeo do judicial review nos paiacuteses da commonwealth e o
surgimento de uma nova alternativa ao binocircmio judiciaacuterio v Legislativo ndash weak
form of judicial review
A evoluccedilatildeo do judicial review na medida em que os Estados foram se
confrontando em pleno seacuteculo XX com o problema da escolha de mecanismos de controle
de constitucionalidade para os seus sistemas normativos procurando ajustar os modelos jaacute
existentes agraves suas realidades permitiu o desenvolvimento de diversos novos modelos
(TAVARES DA SILVA 2014)
Entre 1982 e 1998 paiacuteses como Canadaacute Nova Zelacircndia e Reino Unido
que ateacute entatildeo viviam sob a eacutegide de um sistema pautado na supremacia do Parlamento ao
adotarem um Bill of Rigths instituiacuteram um modelo de revisatildeo judicial a partir do tradicional
modelo americano poreacutem tentando uma nova forma de equiliacutebrio entre os poderes ateacute entatildeo
inexistente
Esse modelo foi denominado por Tushnet como weak form of judicial
review em oposiccedilatildeo ao modelo americano que constitui um strong form of judicial review
no qual a interpretaccedilatildeo constitucional efetuada pela Suprema Corte eacute praticamente
irreversiacutevel e inalteraacutevel por maiorias legislativas ordinaacuterias (TUSHNET 2009 p 33)
O novo modelo traduz-se basicamente em uma forma de controle de
constitucionalidade onde existem mecanismos de respostas da populaccedilatildeo agravequelas decisotildees
29
que lhes parecem erradas visando com isso diminuir a tensatildeo natural relativa a legitimidade
democraacutetica do judicial review
Nele a interpretaccedilatildeo judicial das provisotildees constitucionais pode ser
revisada pelo legislativo em um prazo relativamente curto usando uma regra de decisatildeo natildeo
muito diferente da que eacute usada no processo legislativo cotidiano (TUSHNET 2009) Com
isso tem-se um modelo que dissocia a jurisdiccedilatildeo constitucional da supremacia judicial
permitindo tambeacutem ao Legislativo o pronunciamento
Gardbaum (2013) identifica que este modelo foi feito sob a exata
medida para permitir uma maior proteccedilatildeo juriacutedica aos direitos dentro de paiacuteses com culturas
poliacuteticas nas quais haacute um apego substancial agrave soberania parlamentar como provedora de uma
longa e em grande parte bem sucedida tradiccedilatildeo constitucional democraacutetica32
Em siacutentese o novo modelo de jurisdiccedilatildeo constitucional adotado pelos
paiacuteses da Commonwealth adveacutem entatildeo da busca pela conciliaccedilatildeo entre a necessidade de
proteccedilatildeo dos novos direitos fundamentais e a tradiccedilatildeo da supremacia parlamentar o que
certamente natildeo haacute no tradicional modelo norte-americano
Cada um dos paiacuteses adeptos desse modelo buscou em suas
especificidades adotar mecanismos que prometiam a possibilidade de um exerciacutecio da
jurisdiccedilatildeo constitucional pautado no equiliacutebrio institucional sugerindo uma
responsabilidade conjunta pela decisatildeo final aleacutem de permitir o exerciacutecio de um diaacutelogo
deliberativo entre o Judiciaacuterio e o Legislativo no tocante a aplicaccedilatildeo e proteccedilatildeo dos direitos
fundamentais (GARDBAUM 2013) 33
Na praacutetica pode-se dizer que o marco inicial do denominado sistema
brando de constitucionalidade se deu com o advento da Carta Canadense de 198234 a qual
32 ldquoMost importantly while granting courts the power to enforce fundamental rights it decouples judicial
review from judicial supremacy by empowering legislatures to have the final word This new model was
custom-built to permit greater legal protection of rights within political cultures in which there is substantial
attachment to parliamentary sovereignty as having provided a long and largely successful tradition of
constitutionalist democracyrdquo (GARDBAUM 2013 p 760)
33 Sobre a evoluccedilatildeo do constitucionalismo nos paiacuteses da Commonwealth ver tambeacutem ZINES Leslie
Constitutional change in the Commonwealth Cambridge Cambridge University Press 1991 34 Constitution Act 1982 Disponiacutevel em lthttplaws-loisjusticegccaengConstindexhtmlgt
30
traz na sua Seccedilatildeo 3335 a previsatildeo da notwithstanding clause o que permite ao Legislativo
determinar a aplicaccedilatildeo de um diploma normativo expressamente reconhecido pelo Judiciaacuterio
como inconstitucional e na Seccedilatildeo 136 com a previsatildeo da possibilidade do Legislador reeditar
uma norma que configure e limite direito consagrado nas seccedilotildees 2 e de 7 a 15 e que jaacute tenha
sido objeto de reprovaccedilatildeo pelo Judiciaacuterio desde que fundada em justificativa razoaacutevel
A despeito das criacuteticas dirigidas a esses mecanismos as quais seratildeo
abordadas ao longo do presente trabalho a experiecircncia Canadense chamou a atenccedilatildeo de
diversos doutrinadores por todo o mundo bem como inspirou outros paiacuteses de tradiccedilatildeo
parlamentar a adotar esse novo modelo de jurisdiccedilatildeo constitucional
O Reino Unido por exemplo com a aprovaccedilatildeo do Human Rights Act
(HRA) em 1998 passou a adotar o mecanismo da interpretive obligation e de declarations
of incompability a Nova Zelacircndia tambeacutem apoacutes a aprovaccedilatildeo da sua Carta de Direitos
Humanos introduziu mecanismo similar agrave claacuteusula interpretativa da Inglaterra
Logo apesar de cada paiacutes adotar mecanismos diferentes pode-se dizer
que adotam um modelo fraco de controle de constitucionalidade eis que neles natildeo existe a
ideia de supremacia judicial ou seja a uacuteltima palavra em mateacuteria de interpretaccedilatildeo
constitucional natildeo eacute dada necessariamente pelo Judiciaacuterio havendo a possibilidade de
contradita pelo Legislativo e ateacute mesmo de prevalecircncia da interpretaccedilatildeo deste uacuteltimo
Dessa maneira a partir da observaccedilatildeo dessas novas experiecircncias dos
problemas oriundos da praacutetica do ativismo judicial da crescente judicializaccedilatildeo da Poliacutetica
das controveacutersias sobre a legimitidade da jurisdiccedilatildeo constitucional e da incessante busca pela
efetividade de direitos eclodem inuacutemeras teorias que tentam explicar e fundamentar a
existecircncia de um diaacutelogo entre Legislativo e Judiciaacuterio no seio da jurisdiccedilatildeo constitucional
satildeo as denomidadas teorias dialoacutegicas as quais seratildeo expostas e analisadas na sequecircncia de
forma sistemaacutetica
35 ldquo33 (1) Parliament or the legislature of a province may expressly declare in an Act of Parliament or of the
legislature as the case may be that the Act or a provision thereof shall operate notwithstanding a provision
included in section 2 or sections 7 to 15 of this Charterrdquo
36 ldquo1 The Canadian Charter of Rights and Freedoms guarantees the rights and freedoms set out in it subject
only to such reasonable limits prescribed by law as can be demonstrably justified in a free and democratic
societyrdquo
31
CAPIacuteTULO 2 ndash AS TEORIAS DIAacuteLOGICAS E A CONCRETIZACcedilAtildeO DO
DIAacuteOLOGO INSTITUCIONAL
6 Teoria dos diaacutelogos institucionais
Antes de iniciar a anaacutelise das respectivas teorias importa esclarecer que
apesar das mesmas terem se desenvolvido doutrinariamente em sua maioria e com maior
forccedila apoacutes a criaccedilatildeo do weak judicial review como explicado ateacute aqui algumas delas satildeo
anteriores agrave isso e fruto da anaacutelise de sistemas tradicionais como o do proacuteprio Estados
Unidos conforme seraacute demonstrado na sequecircncia
Eacute necessaacuterio explicar que a referecircncia agrave ldquodiaacutelogos institucionaisrdquo apesar
do reconhecimento da existecircncia de diversas instituiccedilotildees no acircmbito estatal estaacute-se
privilegiando especificamente a interaccedilatildeo entre as Cortes Constitucionais e o Parlamento
sobretudo porque o cerne do debate acerca da legitimidade democraacutetica da jurisdiccedilatildeo
constitucional restringe-se a essas duas vertentes do Poder ficando o executivo de fora pois
segundo a tradicional doutrina nunca foi considerado forte candidato a detentor da uacuteltima
palavra no processo de interpretaccedilatildeo constitucional Dito isso explicar-se-aacute o que as teorias
possuem em comum e quais os seus fundamentos basilares
Como jaacute demonstrado a ideia de diaacutelogo institucional surge a partir do
novo paradigma do constitucionalismo contemporacircneo que tem por objetivo natildeo mais
analisar quem deve interpretar a Constituiccedilatildeo mas sim buscar uma teoria que seja construiacuteda
a partir de uma proposta cooperativa por intermeacutedio da qual as instituiccedilotildees possam
compartilhar fundamentos em comum ao operacionalizar as ordens juriacutedica e poliacutetica
Esse entendimento eacute consequecircncia da anaacutelise do novo modelo de
jurisdiccedilatildeo constitucional iniciado no Canadaacute o qual aponta para a necessidade de
reestabelecimento de um equiliacutebrio entre as instituiccedilotildees por meio da alocaccedilatildeo de
responsabilidade reciacuteproca entre Tribunais e Parlamento na formulaccedilatildeo de poliacuteticas e
legislaccedilatildeo
Ou seja as teorias dialoacutegicas partem da premissa de que muitas vezes a
decisatildeo judicial natildeo seraacute suficiente para a resoluccedilatildeo de um conflito sobre direitos sobretudo
nos casos relativos agrave efetivaccedilatildeo de direitos fundamentais nos quais existem limitaccedilotildees que
32
ultrapassam a seara da competecircncia judicial portanto natildeo pode a decisatildeo judicial ser
considerada o fim da linha dentro da jurisdiccedilatildeo constitucional principalmente quando se
busca a maacutexima eficaacutecia de direitos fundamentais
Em contraste com as teorias de interpretaccedilatildeo que propotildeem criteacuterios que os
juiacutezes devem utilizar para resoluccedilatildeo de conflitos constitucionais as teorias de diaacutelogo
centram-se no processo institucional por meio do qual as decisotildees sobre o significado
constitucional satildeo feitas sugerindo que este envolve a elaboraccedilatildeo compartilhada do
significado constitucional entre o Judiciaacuterio e outros atores (BATEUP 2005)
As teorias que abordam o exerciacutecio de um diaacutelogo institucional na
resoluccedilatildeo dos conflitos consitucionais buscam em primeiro lugar entender e verificar como
essa interaccedilatildeo ocorre qual o seu significado reforccedilando o princiacutepio da separaccedilatildeo de poderes
a partir da percepccedilatildeo de que todas as instituiccedilotildees cada uma em sua especificidade satildeo
responsaacuteveis por uma parcela da tarefa da interpretaccedilatildeo constitucional
As teorias dialoacutegicas natildeo fornecem respostas certas para os casos difiacuteceis
de interpretaccedilatildeo mas despertam um processo no qual todos participam na busca dessa
resposta Rejeita os extremos tanto da atuaccedilatildeo judicial como da atuaccedilatildeo legislativa a Corte
natildeo impede que a prevalecircncia da legislaccedilatildeo mas induz o Parlamento a assumir a
responsabilidade poliacutetica e apresentar justificativas razoaacuteveis para suas escolhas no tocante
agrave restriccedilatildeo de direitos (ROACH 2001)
Nesse sentido Sustein e Vermule (2002) indicam a necessidade de uma
virada institucional no pensamento sobre a interpretaccedilatildeo constitucional chamando a atenccedilatildeo
para a necessidade de observaccedilatildeo da capacidade das instituiccedilotildees e dos efeitos dinacircmicos de
qualquer abordagem especiacutefica e de suas consequecircncias
A partir dessa ideia as teorias do diaacutelogo institucional sugerem que natildeo
deve haver um predomiacutenio de uma instituiccedilatildeo sobre a outra quando do exerciacutecio da
jurisdiccedilatildeo constitucional mas sim uma forccedila tarefa uma atuaccedilatildeo conjunta das mesmas
Sendo assim diversas teorias tecircm se proliferado no sentido de fundamentar
agrave abertura ao diaacutelogo no exerciacutecio da jurisdiccedilatildeo constitucional visando sobretudo o
restabelecimento do equiliacutebrio entre os poderes como fundamento de uma legitimidade
democraacutetica a defesa de um sistema brando de controle de constitucionalidade e a
concretizaccedilatildeo dos direitos fundamentais
33
Buscar-se-aacute na continuidade deste capiacutetulo analisar aacute luz das teorias
dialoacutegicas algumas praacuteticas do Judiciaacuterio e Legislativo a fim de identificar ateacute que ponto
essas teorias podem ser consideradas como efetivadoras de um diaacutelogo concreto e
substancial no exerciacutecio da jurisdiccedilatildeo constitucional e quais seus contributos no tocante a
superaccedilatildeo dos problemas relativos a sua legitimidade e no combate ao ativismo
Entretanto antes de fazer a exposccedilatildeo de cada teoria e seus efeitos praacuteticos
em especiacutefico eacute imprescindiacutevel destacar que haacute na doutrina uma aparente diferenciaccedilatildeo
entre tipos de diaacutelogo gerando uma dicotomia diaacutelogo formal e diaacutelogo material a qual
passamos a explorar no toacutepico seguinte
7 Diaacutelogo formal v Diaacutelogo material
Para que se possa analisar de forma mais clara e eficaz as teorias
dialoacutegicas e suas respectivas praacuteticas se faz necessaacuterio primeiramente entender o que seria
um verdadeiro diaacutelogo e quando este pode ser considerado verdadeiramente promissor no
sentido de cumprir os objetivos a que a teoria se propotildee
De iniacutecio pode-se afirmar que essa tarefa eacute aacuterdua eis que nela residem
justamente os maiores alvos das criacuteticas direcionadas as teorias dialoacutegicas conforme veremos
na sequecircncia Apesar de todas as benesses que a ideia de um diaacutelogo constitucional
apresenta a sua praacutetica ainda eacute um pouco conflituosa eis que nem tudo aquilo que alguns
denominam de ldquodiaacutelogordquo deve ser de fato assim considerado
Na definiccedilatildeo de Dor (2000) o diaacutelogo material ou substantivo ocorre
quando haacute o comprometimento e engajamento de todos os participantes na busca de uma
soluccedilatildeo harmoniosa que conteraacute tanto a interpretaccedilatildeo do Tribunal relativa a uma questatildeo
constitucional como o interesse do legislador
Ou seja no desenvolvimento do diaacutelogo em seu sentido material haacute a
conciliaccedilatildeo entre a interpretaccedilatildeo judicial e os interesses do legislador buscando o Tribunal
articular as falhas da legislaccedilatildeo e o legislador a incluir nas suas iniciativas a interpretaccedilatildeo
do Tribunal buscando soluccedilotildees para alcanccedilar o seu objetivo agrave luz dessa interpretaccedilatildeo
Jaacute o diaacutelogo no sentido formal ocorre quando a atuaccedilatildeo legislativa
pouco ou nada acrescenta ao resultado final servindo apenas para ldquocarimbarrdquo a decisatildeo
34
judicial ou seja quando haacute a total deferecircncia do Legislativo agrave decisatildeo judicial
Tremblay (2005) tambeacutem em importante anaacutelise sobre o tema ao tratar
dos limites da teoria dos diaacutelogos institucionais apesar de natildeo negar a possibilidade da sua
concretizaccedilatildeo praacutetica introduz duas concepccedilotildees geneacutericas de diaacutelogos os de conversaccedilatildeo e
os de deliberaccedilatildeo
Para o Autor os diaacutelogos pautados em uma conversaccedilatildeo satildeo em
siacutentese aqueles que ocorrem de uma maneira mais informal e espontacircnea no qual haacute uma
troca de ideias sentimentos ou opiniotildees sem um comprometimento das partes com um
entendimento em comum um aprendizado ou descoberta de novas perspectivas natildeo haacute
pois um empenho na argumentaccedilatildeo ou um debate forte Seria de certa forma como um
diaacutelogo entre amigos apoacutes uma refeiccedilatildeo
Em contrapartida a concepccedilatildeo deliberativa de diaacutelogo consiste em
praacutetica semelhante agrave conversaccedilatildeo pois tambeacutem haacute troca de ideias sentimentos e opiniotildees
entre duas ou mais pessoas poreacutem de maneira mais formal e menos espontacircnea Na
deliberaccedilatildeo as partes possuem um mesmo propoacutesito buscam por intermeacutedio da troca de
argumentos e ideias a resoluccedilatildeo coletiva de conflitos ou problemas
Sendo assim o diaacutelogo pautado na conversaccedilatildeo consistiria em um
diaacutelogo meramente formal o qual segundo alguns autores natildeo deve ser considerado como
uma forma efetiva de diaacutelogo eis que natildeo haacute uma verdadeira inteiraccedilatildeo entre os poderes mas
tatildeo somente uma possibilidade de resposta de um ao outro
Desta forma pode-se inferir que para que haja a verdadeira
concretizaccedilatildeo dos objetivos propostos pela teoria do diaacutelogo institucional a simples
formulaccedilatildeo pautada em um diaacutelogo formal natildeo seria suficiente fazendo-se necessaacuteria a
ocorrecircncia de uma deliberaccedilatildeo concreta entre os poderes uma verdadeira deliberaccedilatildeo a fim
de chegar a consenso no que tange a interpretaccedilatildeo constitucional
Neste estudo natildeo se despreza nenhuma dessas concepccedilotildees de diaacutelogo
ao contraacuterio busca-se demonstrar justamente aquelas praacuteticas que mais se coadunam com a
concepccedilatildeo de um diaacutelogo material poreacutem tambeacutem ressaltando os benefiacutecios daquelas que
consistam apenas uma vertente formal
Feita essa diferenciaccedilatildeo passa-se a expor de maneira mais especiacutefica
35
as teorias dialoacutegicas e suas manifestaccedilotildees praacuteticas Utilizar-se-aacute didaticamente a
sistematizaccedilatildeo das teorias feita por Christine Bateup sobretudo no que tange a classificaccedilatildeo
das mesmas jaacute que nosso objetivo eacute tentar abordar o maior nuacutemero possiacutevel de teorias e
praacuteticas
A exposiccedilatildeo inicia-se pela anaacutelise da praacutetica sugerida pela doutrina
como dialoacutegica em paiacuteses que possuem um controle de constitucionalidade forte ou seja
inicialmente formulado com base em uma supremacia do Judiciaacuterio na tarefa de revisatildeo
judicial das leis
Apoacutes o que seraacute mencionado a praacutetica dialoacutegica nos paiacuteses que adotam
um controle fraco de constitucionalidade onde a ideia de diaacutelogo a priori eacute mais evidente
pelo fato do proacuteprio modelo constitucional prever mecanismos voltados para esse fim
8 Teorias dialoacutegicas fundadas no meacutetodo judicial
As teorias fundadas no meacutetodo judicial satildeo aquelas que defendem que
o diaacutelogo deve ocorrer dentro da decisatildeo judicial Tecircm como elemento central a defesa do
uso consciente pelo Judiciaacuterio de teacutecnicas de tomada de decisotildees que estimulem e incentivem
o debate mais amplo sobre o significado constitucional com - e entre - os poderes poliacuteticos
Para a praacutetica dessa modalidade de diaacutelogo natildeo haacute a exigecircncia da
existecircncia de mecanismos formais de relaccedilatildeo institucional eis que o diaacutelogo se estabelece
natildeo pela observaccedilatildeo de um preceito especiacutefico preacutevio mas pela simples interaccedilatildeo entre os
distintos ramos do Poder por essa razatildeo eacute possiacutevel encontrar os maiores exemplos desse
tipo de diaacutelogo em sistemas de jurisdiccedilatildeo constitucional centrados na supremacia judicial
conforme se leraacute a seguir
Bateup subdivide essas formas de diaacutelogo em duas categorias as
denominadas de aconselhamento judicial (judicial advice- giving) e as teorias centradas no
processo (process centered rules)
Antes de se tratado cada categoria em especiacutefico necessaacuterio destacar
mais uma vez que o foco neste caso estaacute em buscar exemplos da manifestaccedilatildeo dessa teoria
na jurisdiccedilatildeo constitucional de paiacuteses que adotam um modelo de revisatildeo judicial inspirado
no tradicional modelo norte americano justamente para tentar verificar se neles tambeacutem haacute
36
uma possibilidade de diaacutelogo jaacute que adotam um sistema forte de controle de
constitucionalidade sugerindo o que alguns autores chamam de ldquoenfraquecimento do
controle de constitucionalidaderdquo e fazer o contraponto com a forma de diaacutelogo estabelecida
em jurisdiccedilotildees constitucionais que adotam o weak judicial review para verificar onde se
assemelham e onde se distanciam
Reassalte-se ainda que o objetivo natildeo eacute exaurir todas as questotildees e
pormenores praacuteticos e teoacutericos dos exemplos que seratildeo dados a seguir mas tatildeo somente
abordar as questotildees referentes ao potencial dialoacutegico dos institutos juriacutedicos mencionados
que eacute o que interessa para o alcance do objetivo do presente trabalho
81 Aconselhamento judicial
As teacutecnicas de aconselhamento judicial consistem em formas proativas
de interpretaccedilatildeo constitucional e construccedilatildeo de decisotildees que o Judiciaacuterio recomendan o curso
de accedilatildeo do Poder Legislativo e busca aconselhaacute-lo com o obejtivo de evitar futuros
problemas constitucionais
O uso dessas teacutecnicas visa assegurar que os ramos poliacuteticos visualizem
e entendam a interpretaccedilatildeo constitucional feita pelo Judiciaacuterio para que com isso elaborem
a legislaccedilatildeo de acordo com a mesma ou ainda alterem a legislaccedilatildeo em vigor para evitar
discrepacircncias (BATEUP 2005 p17)
Por natildeo existir uma forma predeterminada para promoccedilatildeo do
aconselhamento judicial nem a necessidade de previsatildeo de um mecanismo especiacutefico para
tanto ele se traduz na praacutetica de inuacutemeras formas Sendo assim natildeo haacute como enumerar todas
as suas possibilidades praacuteticas de forma exaustiva razatildeo pela qual foram selecionadas as
mais importantes e evidentes
811 Constitutional road maps
A doutrina americana reporta-se agraves decisotildees judiciais denominadas de
constitutional road maps mediante as quais o Judiciaacuterio pronuncia a inconstitucionalidade de
uma lei mas ao mesmo tempo aponta os caminhos possiacuteveis a serem seguidos pelo
Legislativo para a correccedilatildeo da incompatibilidade
37
Essa teacutecnica foi utilizada pela Suprema Corte Americana no
julgamento do caso City of Chicago v Morales37 no qual foi analisada a constitucionalidade
da Chicagoacutes gang-loitering law lei que impedia a congregaccedilatildeo puacuteblica de membros de
gangues e seus associados
A lei foi considerada inconstitucional por ser vaga e violar o devido
processo legal poreacutem apesar de declarara inconstitucionalidade a Suprema Corte proferiu
decisatildeo esboccedilando de forma detalhada as alternativas legais com potencial para sobreviver
ao escrutiacutenio judicial
As diretrizes para a elaboraccedilatildeo de um estatuto legal em consonacircncia
com a Constituiccedilatildeo foram traccediladas no voto da Juiacuteza Sandra OrsquoConnor as quais em sua
maioria foram seguidas pelo Legislativo na elaboraccedilatildeo do novo diploma legal
aproximadamente trecircs anos depois razatildeo pela qual a decisatildeo eacute apontada pela doutrina como
fruto de diaacutelogo
Apesar de neste caso a decisatildeo da Suprema Corte ter servido de diretriz
para a elaboraccedilatildeo de um novo diploma legal nem sempre eacute o que ocorre A teacutecnica do
constitutional road map eacute alvo de muitas criacuteticas sendo considerada uma das teacutecnicas mais
radicais e perigosas de incentivo poacutes-invalidaccedilatildeo da lei pois ao derrubar a legislaccedilatildeo em
anaacutelise o Judiciaacuterio oferece um roteiro a ser seguido pelo Legislativo para criar um estatuto
legal que seja constitucional (LUNA 2001)
812 Sentenccedilas intermedias (declaraccedilotildees de mera incompatibilidade
e sentenccedilas apelativas)
No acircmbito europeu em especial no Direito alematildeo existem alguns
tipos de sentenccedilas oriundas do controle de constitucionalidade que satildeo consideradas como
teacutecnicas dialoacutegicas sob o ponto de vista das teorias fundadas no meacutetodo judicial Essas
sentenccedilas fazem parte do grupo das chamadas ldquosentenccedilas intermediasrdquo ou ldquosentenccedilas
37 Oportuno se faz esclarecer que natildeo se adentra nas questotildees faacuteticas do caso nem no meacuterito da decisatildeo por
fugir ao escopo do presente trabalho poreacutem a decisatildeo pode ser consultada na iacutentegra em
httpssupremejustiacomcasesfederalus52741casehtml
38
normativasrdquo38 as quais satildeo decisotildees judiciais que se situam entre o considerar e o natildeo
considerar a inconstitucionalidade de uma norma e nos casos em que eacute admissiacutevel entre
rejeitar a norma considerada inconstitucional e concomitantemente expulsaacute-la do
ordenamento juriacutedico e natildeo considerar constitucional e mantecirc-la (URBANO 2012 p 87)39
Apesar de natildeo nos interessar a anaacutelise de todos os diversos tipos de
sentenccedilas intermedias eacute oportuno destacar que as mesmas satildeo uma produccedilatildeo recente da
jurisdiccedilatildeo constitucional dos paiacuteses europeus que adotaram o modelo autriacuteaco de controle
de consitucionalidade ou seja um controle concentradoabstrato realizado por um Tribunal
criado para esse fim especiacutefico e que revelam que a idealizaccedilatildeo de Kelsen de criaccedilatildeo de um
oacutergatildeo que atue como legislador negativo vem sendo ultrapassada agrave medida que os Tribunais
Constitucionais natildeo mais se limitam meramente a decidir pela constitucionalidade ou natildeo de
uma norma sobretudo pela evidente complexidade dos problemas constitucionais que
exigem decisotildees mais elaboradas que o esquema ldquoconstitucional v inconstitucionalrdquo
Pois bem O primeiro tipo de sentenccedila dentro desse universo que pode
ser considerada como uma teacutecnica dialoacutegica eacute a chamada ldquodeclaraccedilatildeo de mera
incompatibilidaderdquo originaacuteria da jurisprudecircncia alematilde Consiste em uma decisatildeo do
Tribunal Constitucional onde natildeo haacute a anulaccedilatildeo da lei mas apenas a declaraccedilatildeo de que a
mesma eacute incompatiacutevel com a constituiccedilatildeo e a sua consequente suspensatildeo ateacute que o
Legislativo efetue a correccedilatildeo da norma a fim de tornaacute-la constitucional
Ou seja o Tribunal reconhece a inconstitucionalidade da norma poreacutem
sem declarar a sua nulidade mantendo-a no ordenamento juriacutedico mas suspendendo a sua
aplicaccedilatildeo Com isso de acordo com os defensores dessa praacutetica o Judiciaacuterio estaria
permitindo ao Legislativo a correccedilatildeo da legislaccedilatildeo a tempo de evitar um vaacutecuo legislativo
(QUEIROZ 2012)
Essa praacutetica tem sido muito utilizada pelo Tribunal Constitucional
Alematildeo nos casos em que ldquoa declaraccedilatildeo de nulidade haveria de produzir uma situaccedilatildeo
juriacutedica insuportaacutevelrdquo especialmente nas seguintes situaccedilotildees a) quando o juiz reconhece
que o legislador natildeo tinha outra alternativa dado o contexto histoacuterico existente b) quando a
38 Natildeo haacute um consenso na doutrina a respeito da denominaccedilatildeo desses tipos de decisatildeo aqui se optou por utilizar
essas duas nomenclaturas por serem amplamente difundidas e utilizadas pelos doutrinados portugueses e
brasileiros respectivamente
39 No contexto brasileiro essas decisotildees satildeo conhecidas como sentenccedilas interpretativas ou intermediaacuterias
39
inconstitucionalidade natildeo eacute evidente designadamente por motivos de seguranccedila c) quando
a ausecircncia da norma inconstitucional eacute menos adequada que a sua manutenccedilatildeo d) quando
estatildeo em causa disciplinas discriminatoacuterias (URBANO 2012 p 81-82)
Mendes (1990) destaca que essa teacutecnica decisoacuteria eacute utilizada pelo
Tribunal Constitucional alematildeo principalmente nos casos em que estaacute em jogo o princiacutepio
da isonomia quando uma lei injustificadamente confere benefiacutecios a um determinado
nuacutemero de pessoas ou grupos sociais deixando de englobar outros setores caracterizando
assim uma situaccedilatildeo singular complexa que natildeo pode ser resolvida com a simples declaraccedilatildeo
de inconstitucionalidade da lei
Outra importante figura tambeacutem originaacuteria do direito alematildeo mas hoje
tambeacutem muito presente no Direto italiano satildeo as ldquosentenccedilas apelativas ou exortativasrdquo
Nesse tipo de sentenccedila o Tribunal Constitucional natildeo considera a lei inconstitucional no
momento em que profere a decisatildeo entretanto alerta o Legislativo para a possibilidade de
uma futura inconstitucionalidade e diante disso dirige-lhe um apelo para que modificaccedilatildeo
a legislaccedilatildeo a fim de adequaacute-la a Lei Maior
Esse apelo visa sobretudo evitar uma futura inconstitucionalidade e
com base nessa justificativa o Tribunal oferece ao legislador com maior ou menor
determinaccedilatildeo e exigecircncia possibilidades orientaccedilotildees para a reparaccedilatildeo da norma em tempo
uacutetil fixando em alguns casos um prazo para tanto (URBANO 2012a)
Diferem das decisotildees de mera incompatibilidade pois nessas a norma jaacute
foi considerada inconstitucional cabendo ao legislador proceder a imediata adequaccedilatildeo para
sanar a inconstitucionalidade enquanto que nas sentenccedilas apelativas a violaccedilatildeo ao texto
constitucional ainda natildeo foi consumada ou ainda natildeo haacute certeza sobre a sua ocorrecircncia
(SILVA 2008)
A doutrina italiana tem maioritariamente fundamentado a utilizaccedilatildeo
desse tipo de decisatildeo em um chamado constitucionalismo cooperativo italiano equivalente
a dizer que o Tribunal Constitucional quando confrontado com a ineacutercia do poder poliacutetico
tem desempenhado uma funccedilatildeo propulsora dos valores constitucionais (SILVA 2008
p1119)
O que essas decisotildees possuem em comum entre si e tambeacutem com a
primeira figura aqui mencionada do constitutional road map eacute o fato de conterem em seu
40
corpo em menor ou maior grau orientaccedilotildees para a atividade legislativa visando sanar ou
evitar questotildees de inconstitucionalidade
Na visatildeo de Gomes Canotilho (2003 p 1018) esses tipos de decisotildees
satildeo altamente criticaacuteveis pois ldquoa natildeo atribuiccedilatildeo dos efeitos da nulidade ipso jure natildeo pode
implicar a sobrevivecircncia e aplicaccedilatildeo da norma considerada inconstitucional nem os
laquoperigosraquo das lacunas legislativas se podem sobrepor aos perigos da erosatildeo do princiacutepio da
constitucionalidade dos actos normativosrdquo
82 Teorias centradas no processo
Apesar de ser classificada por Bateup como uma forma de diaacutelogo que
emana de uma decisatildeo judicial pode-se dizer que eacute o contraponto do meacutetodo do
aconselhamento judicial pois ao inveacutes de defender a postura provocadora do Judiciaacuterio agrave
reposta legislativa como centro do diaacutelogo preconiza justamente o contraacuterio uma atuaccedilatildeo
contida dos Tribunais de forma a deixar um maior espaccedilo para a atuaccedilatildeo legislativa
De acordo com esse grupo de teorias o Judiciaacuterio natildeo deve apontar o
caminho a ser seguido pelo Legislativo criando diretrizes ou dando orientaccedilotildees eacute uma
atividade que natildeo lhe compete mas deve possibilitar um ldquosegundo olharrdquo para a questatildeo
821 Minimalismo judicial
A teoria do minimalismo judicial tem se desenvolvido principalmente
no contexto norte americano onde os precedente judiciais possuem muita forccedila normativa
Ela pretende a afirmaccedilatildeo do priciacutepio democraacutetico por meio da limitiaccedilatildeo da atuaccedilatildeo judicial
no processo de tomada de decisotildees que envolvam principalmente a fixaccedilatildeo do conteuacutedo de
direitos fundamentais em temas sensiacuteveis da vida social como questotildees relacionadas ao
aborto casamento de homossexuais dentre outras
O atual exponente defensor dessa teoria eacute o americano Cass R Sustein
que propotildee uma limitaccedilatildeo da atuaccedilatildeo jurisdicional das Cortes as quais natildeo devem decidir
questotildees que extrapolem o caso concreto que estaacute em analise visando um ldquouso construtivo
do silecircnciordquo
Ou seja o Judiciaacuterio natildeo deve tomar decisotildees abrangentes de forma
41
que enclausurem a discussatildeo para sempre mas sim deve restringir-se agraves questotildees daquele
caso concreto permitindo que a discussatildeo profunda e geneacuterica do tema ocorra no acircmbito do
oacutergatildeo legislativo o qual possui legimitidade democraacutetica para tanto
Dessa forma o minimalismo em sua forma processual consiste em um
esforccedilo para limitar a amplitude e profundidade das decisotildees judiciais quando os juiacutezes
carecem e sabem que carecem de informaccedilotildees relevantes o minimalismo eacute uma forma de
resposta apropriada razoaacutevel e ateacute mesmo inevitaacutevel para resolver o problema praacutetico de
obter o consenso dentro de uma sociedade heterogecircna (SUSTEIN 1999 p 5)
Bickel (1962) tambeacutem um importante nome dos defensores da
contenccedilatildeo da atuaccedilatildeo judicial ao falar sobre o exerciacutecio pela Suprema Corte do que
denomina de ldquovirtudes passivasrdquo faz referecircncia agrave diversas ldquoteacutecnicas de natildeo decisatildeordquo
existentes no processo norte americano mediante as quais pode a Suprema Corte se abster
de emitir opiniatildeo como por exemplo political question ripness standing mootness dentre
outras
Acrescenta que a Suprema Corte natildeo tem a obrigaccedilatildeo de decidir todo o
tempo e que se assim o fosse poderia levar a um processo manipulativa da democracia
fazendo com que a Corte simplesmente substituisse o legislative impedindo o exerciacutecio do
seu juiacutezo de conveniecircncia tornando-se um second guesser (BICKEL 1962 p200)
Sob o ponto de vista dialoacutegico na contenccedilatildeo da atuaccedilatildeo judicial o cerne
do diaacutelogo estaacute justamente na possibilidade de o legislador lanccedilar um novo olhar para um
tema que possivelmente foi tratado de forma apressada ou sem a profundidade necessaacuteria
aumentando assim a responsabilidade do Legislativo no exerciacutecio da sua atividade tomando
decisotildees poliacuteticas e elaborando normas com niacuteveis adequados de cuidado e deliberaccedilatildeo
(BATEUP 2005)
Nesse mesmo sentido Bickel (1962 p 70-71) em clara referecircncia agraves
teorias do diaacutelogo afirma que ao evitar decidir a Corte estimula o coloacutequio com os outros
poderes e a sociedade O minimalismo judicial seria portanto uma forma de participaccedilatildeo
passiva do Judiciaacuterio no diaacutelogo constitucional permitindo que os juiacutezes abram o diaacutelogo
com os poderes poliacuteticos a fim de incentivar a resoluccedilatildeo poliacutetica das questotildees constitucionais
que satildeo alvo de conflito
42
822 Modulaccedilatildeo temporal dos efeitos da declaraccedilatildeo de
inconstitucionalidade
A possibilidade de modulaccedilatildeo dos efeitos da decisatildeo pelo Tribunal em
sede de controle de constitucionalidade na perspectiva das teorias fundadas no meacutetodo
judicial tambeacutem pode ser considerada como um mecanismo dialoacutegico sob o ponto de vista
das teorias do meacutetodo judicial centradas no processo eis que possibilita a resposta
legislativa entretanto de forma menos agressiva que as outras teacutecnicas explanadas acima
Essa possibilidade eacute prevista expressamente no Direito Portuguecircs Os
efeitos e o alcance das decisotildees do Tribunal Constitucional em sede do controle abstrato de
constitucionalidade estatildeo previstos no n 1 e n 2 do artigo 282 da Constituiccedilatildeo Portuguesa
os quais determinam respectivamente que ldquoA declaraccedilatildeo de inconstitucionalidade ou de
ilegalidade com forccedila obrigatoacuteria geral produz efeitos desde a entrada em vigor da norma
declarada inconstitucional ou ilegal e determina a repristinaccedilatildeo das normas que ela
eventualmente haja revogadordquo ldquoTratando-se poreacutem de inconstitucionalidade ou de
ilegalidade por infraccedilatildeo de norma constitucional ou legal posterior a declaraccedilatildeo soacute produz
efeitos desde a entrada em vigor desta uacuteltimardquo
Todavia o n 4 do referido artigo traz expressamente a possibilidade de
fixaccedilatildeo dos efeitos da decisatildeo pelo Tribunal de forma fundamentada quando a seguranccedila
juriacutedica razotildees de equidade ou interesse puacuteblico de excepcional relevo o exigir Os efeitos
podem ser fixados de diversas formas poreacutem a que nos interessa no presente trabalho eacute a de
fixaccedilatildeo dos efeitos para o futuro
De acordo com a possibilidade de modulaccedilatildeo dos efeitos da declaraccedilatildeo
de inconstitucionalidade pode o Tribunal Constitucional declarar a inconstitucionalidade de
uma lei mas condicionar a sua nulidade a um determinado transcurso de tempo ou seja
determinar a sua nulidade pro futuro fixando um prazo determinado para que ela deixe de
produzir efeitos de ser aplicada possibilitando assim ao legislador a correccedilatildeo do estatuto e
evitando o vaacutecuo legislativo
Inspirado na Constituiccedilatildeo Portuguesa o Brasil atraveacutes do artigo 27 da
Lei 886899 de 10 de novembro passou tambeacutem a regulamentar possibilidade da
modulaccedilatildeo temporal das decisotildees proferidas no julgamento de accedilatildeo direta de
inconstitucionalidade e de accedilatildeo declaratoacuteria de constitucionalidade
43
A referida lei passou a facultar ao Supremo Tribunal Federal no
exerciacutecio do controle abstrato de constitucionalidade modular os efeitos da decisatildeo por
razotildees de seguranccedila juriacutedica ou de excepcional interesse social Todavia atualmente essa
modulaccedilatildeo se estende tambeacutem ao controle difuso conforme se leraacute
A decisatildeo proferida pelo Superior Tribunal Federal no ano de 2004 no
julgamento do caso Mira Estrela eacute tida como paradigmaacutetica40 por ter sido aplicado o artigo
27 da Lei 886899 no controle de constitucionalidade de um caso concreto A declaraccedilatildeo da
inconstitucionalidade se deu no acircmbito do julgamento do Recurso Extraordinaacuterio 197917-
8 de accedilatildeo civil puacuteblica proposta pelo Ministeacuterio Puacuteblico do Estado de Satildeo Paulo visando a
diminuiccedilatildeo do nuacutemero de vereadores do municiacutepio de Mira Estrela alegando que o mesmo
natildeo era proporcional ao nuacutemero de habitantes ainda que estivesse dentro do limite
constitucional41
O Supremo concordou com a desproporcionalidade e em face disso
declarou a inconstitucionalidade da referida norma todavia modulou os efeitos da decisatildeo
pro futuro para salvaguardar os mandatos dos vereadores jaacute eleitos e a validade dos
respectivos atos administrativos por eles praticados evitando assim consequecircncias
desastrosas para a administraccedilatildeo puacuteblica Fundamentou a necessidade da modulaccedilatildeo dos
efeitos na proteccedilatildeo da Seguranccedila Juriacutedica
Em que pese essa ser uma teacutecnica menos agressiva que as anteriores
vez que o Judiciaacuterio ao menos em tese apenas possibilita uma reaccedilatildeo legislativa a sua
decisatildeo sem lhe estipular diretrizes e com isso adentrar em sua liberdade de conformaccedilatildeo
na praacutetica tambeacutem natildeo haacute como garantir que haveraacute a reaccedilatildeo legislativa e eacute nisso que reside
a maioria das criacuteticas a todas esses mecanismos ditos dialoacutegicos conforme se veraacute mais
adiante
40 RE 197917-8SP Iacutentegra da decisatildeo disponiacutevel em
httpredirstfjusbrpaginadorpubpaginadorjspdocTP=ACampdocID=235847 41 A Lei Orgacircnica do municiacutepio de Mira Estrela estabelecia em 11 o nuacutemero de vereadores os quais estavam
dentro dos limites impostos no artigo 29 da Constituiccedilatildeo Federal estabelecido conforme o nuacutemero de
habitantes
44
823 Accedilatildeo de inconstitucionalidade por omissatildeo legislativa
O modelo de controle de constitucionalidade portuguecircs prevecirc
expressamente a possibilidade do controle das omissotildees legislativas por intermeacutedio da
disposiccedilatildeo contida no artigo 283 da Constituiccedilatildeo Federal 42
Inspirado no instituto portuguecircs o Brasil tambeacutem trouxe em sua
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 a expressa previsatildeo da possibilidade do controle de
constitucionalidade das omissotildees legislativas (paraacutegrafo 2ordm do artigo 103) poreacutem criou
ainda uma nova figura especifica para esse fim o mandado de injunccedilatildeo (inciso LXXI do
artigo 5ordm)
Em ambos os sistemas uma omissatildeo legislativa eacute considerada
inconstitucional quando o legislador natildeo cumpre com aquilo que estava constitucionalmente
obrigado ou seja quando a sua omissatildeo prejudica a exequibilidade de alguma norma
constitucional Para que a omissatildeo ganhe significado relevante deve ter conexatildeo com uma
exigecircncia constitucional de accedilatildeo natildeo bastando a violaccedilatildeo do simples dever legal de legislar
(CANOTILHO2003)
Miranda (2008) destaca que a omissatildeo pode ser total ou parcial
quando por exemplo existe a norma mas ela eacute insuficiente ou deficiente43 e que o juiacutezo da
inconstitucionalidade por omissatildeo traduz-se num juiacutezo sobre o tempo em que deveria ser
produzida a lei devendo o Judiciaacuterio sem substituir ao oacutergatildeo legislador medir e interpretar
o tempo decorrido para a elaboraccedilatildeo da lei44
42 Neste sentido ver o que Tushnet diz sobre esse tipo de concepccedilatildeo de diaacutelogo em TUSHNET Mark Dialogue
and Constitutional Duty Havard Law School Public Law amp Legal Theory Working Paper Series paper nordm 12-
10 p 4-9
43 ldquoA inconstitucionalidade por omissatildeo natildeo surge apena por carecircncia de medidas legislativas surge tambeacutem
por deficiecircncia delas Mas isto natildeo significa que perante um projecto ou uma proposta de lei com vista ao
cumprimento de determinada norma constitucional tenha de se proceder agrave sua anaacutelise para discernir se o
sentido de seus preceitos se enquadra ou natildeo no sentido de Constituiccedilatildeo De jeito algum cabe ao oacutergatildeo de
fiscalizaccedilatildeo da inconstitucionalidade por omissatildeo debruccedilar-se a esse tiacutetulo sobre o conteuacutedo de qualquer acto
de iniciativa legislativardquo (MIRANDA 2008 p 325)
44ldquoA ausecircncia ou a insuficiecircncia da norma legal natildeo pode ser separada de determinado tempo histoacuterico
assinalado pela necessidade de produccedilatildeo legislativa e cuja duraccedilatildeo maior o menor ou seraacute prefixada pela
proacutepria Constituiccedilatildeo ou depende da natureza das coisas (ou seja da natureza da norma constitucional natildeo
exequiacutevel por si mesma confrontada com as situaccedilotildees da vida inclusive situaccedilatildeo que agrave sua margem esteja
por acccedilatildeo o legislador ordinaacuterio a criar)rdquo (MIRANDA 2008 p 322)
45
A accedilatildeo de inconstitucionalidade por omissatildeo prevista no ordenamento
portuguecircs e brasileiro constitui portanto um meio atraveacutes do qual o Judiciaacuterio controla a
ineacutercia legislativa declarando a inconstitucionalidade da sua ineacutercia e solicitando a tomada
de providecircncias Pode-se dizer que seus efeitos praacuteticos assemelham-se agraves sentenccedilas
apelativas da Alemanha e Itaacutelia todavia nesse instituto a decisatildeo do Judiciaacuterio tem efeito
meramente declaratoacuterio dando conhecimento ao Legislativo da sua omissatildeo e enfatizando a
necessidade de atuaccedilatildeo sem traccedilar qualquer diretriz para tanto45
Desta forma a sentenccedila proferida no controle de constitucionalidade da
omissatildeo legislativa por meio da accedilatildeo declaratoacuteria de inconstitucionalidade por omissatildeo
possui um caraacuteter apelativo eis que objetiva chamar a atenccedilatildeo do legislador para a
necessidade de elaboraccedilatildeo da lei necessaacuteria a concretizar determinada norma constitucional
Assim sob a perspectiva das teorias dialoacutegicas centradas no processo pode ser considerada
como um mecanismo propulsor de interaccedilatildeo entre os poderes no seio da jurisdiccedilatildeo
constitucional
83 Criacuteticas agraves teorias dialoacutegicas fundadas no meacutetodo judicial
Todas essas teacutecnicas de decisatildeo judicial que visam possibilitar uma
resposta do Legislativo por meio de uma decisatildeo judicial embora diferentes em alguns
aspectos possuem um ponto determinante em comum privilegiam a interpretaccedilatildeo do
Judiciaacuterio
Sob o ponto de vista da dificuldade da legitimidade democraacutetica da
revisatildeo judicial portanto essas teorias natildeo seriam suficientes para solucionar as questotildees
eis que o Judiciaacuterio continuaria na praacutetica ainda sendo o detentor da uacuteltima palavra na
resoluccedilatildeo dos conflitos constitucionais
Nessa perspectiva natildeo se verifica uma efetiva deliberaccedilatildeo conjunta
entre Judiciaacuterio e Legislativo na tomada de decisatildeo O que ocorre eacute apenas que o Judiciaacuterio
mediante a adoccedilatildeo de estrateacutegias especiacuteficas busca acionar ou estimular a atuaccedilatildeo
45 Esclarece-se que a aplicabilidade da accedilatildeo de inconstitucionalidade por omissatildeo possui alguns aspectos
controvertidos poreacutem como jaacute dito natildeo constitui nosso objetivo tratar todas as questotildees controvertidas de
cada instituto aqui mencionado mas apenas identifica-los como mecanismos potencialmente dialoacutegicos de
acordo com as teorias
46
legislativa Portanto pode-se concluir que essas teorias se consubstanciam na praacutetica em um
diaacutelogo formal e natildeo material o que jaacute seria um alvo suficiente para criacutetica
Ademais o fato de privilegiarem claramente o ponto de vista judicial
podem acabar permitindo de certa forma que o Judiciaacuterio adentre o acircmbito de atuaccedilatildeo
legislativa sobretudo nas teacutecnicas de aconselhamento judicial
Ainda que se possa considerar que a decisatildeo judicial nesses casos
apenas fornece diretrizes para a atuaccedilatildeo legislativa natildeo haacute como negar que pode acabar
condicionando a sua atuaccedilatildeo restando-lhe apenas acatar o que foi direcionado pelo
Judiciaacuterio o que do ponto de vista dialoacutegico natildeo parece o ideal
Mesmo nos mecanismos mais brandos que os de aconselhamento
judicial onde haacute uma interferecircncia direta do Judiciaacuterio na conformaccedilatildeo legislativa eacute inegaacutevel
que haacute ainda alguma intromissatildeo mesmo que em menor escala ou de forma indireta
Haacute de se destacar tambeacutem a falta de previsibilidade das orientaccedilotildees do
Tribunal e a sua potencialidade enganosa para o Legislador suscitada por Carlos Blanco de
Morais (2014 p 726) ao analisar um recente julgado do Tribunal Constitucional Portuguecircs
no contexto da crise econocircmica
O renomado constitucionalista observa que no Acoacuterdatildeo nordm 1872013 o
Tribunal Constitucional46 ao declarar a inconstitucionalidade da norma da Lei de Orccedilamento
do Estado relativa a tributaccedilatildeo dos subsiacutedios de desemprego e doenccedila agrave luz do princiacutepio da
existecircncia condigna (artigo 2ordm da CRP) fixou orientaccedilatildeo ao legislador no sentido de que no
proacuteximo ano a Lei orccedilamentaacuteria ao tratar da mateacuteria trouxesse uma claacuteusula de salvaguarda
impedindo a tributaccedilatildeo das respectivas prestaccedilotildees de desemprego e doenccedila de forma
prejudicial a garantia dos seus valores miacutenimos
O legislador na elaboraccedilatildeo da Lei Orccedilamentaacuteria do ano de 2014 seguiu
a orientaccedilatildeo do Tribunal todavia ao analisar a constitucionalidade da nova lei o mesmo
Tribunal que havia ditado aquela orientaccedilatildeo no Acoacuterdatildeo nordm 413201447 julgou a claacuteusula
insuficiente e violadora do princiacutepio da razoabilidade
46 Iacutentegra da decisatildeo disponiacutevel em httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20130187html 47 Iacutentegra da decisatildeo disponiacutevel em httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20140413html
47
Blanco de Moraes com base nesse caso concreto destaca o perigo das
orientaccedilotildees perpetradas pelo Judiciaacuterio que podem servir de ldquoemboscadardquo para o legislador
O fato eacute que ainda que o Legislativo siga as orientaccedilotildees do Tribunal natildeo haacute garantia da
constitucionalidade do novo diploma o que pode acabar resultando em um reforccedilo da
postura ativista do Judiciaacuterio que interfere no acircmbito da liberdade de conformaccedilatildeo legislativa
ditando orientaccedilotildees que nem ele mesmo segue posteriormente
Dito isto evidencia-se que assim como a atitude do Judiciaacuterio pode
incentivar e encorajar um debate resultando na criaccedilatildeo de um novo diploma sem viacutecio o
que seria beneacutefico tambeacutem pode acabar resultando em um sequestro do processo legislativo
dando super poderes ao Judiciaacuterio que tanto pode anular como reformar um estatuto legal
(LUNA 2001)
Bateup sintetiza a criacutetica afirmando que a praacutetica do aconselhamento
judicial simplesmente encoraja os ramos poliacuteticos a fazer o que o Judiciaacuterio diz e que na
realidade o aconselhamento seria um aviso de que a legislaccedilatildeo natildeo satisfaz seus
entendimentos constitucionais e que embora ainda natildeo tenha sido derrubada seraacute assim no
futuro caso o Legislativo natildeo a adeque ao entendimento do Tribunal
Outro ponto importante que se verifica em ambas as categorias das
teorias fundadas no meacutetodo judicial tanto a de aconselhamento como as centradas no
processo eacute a necessidade de que para que esses mecanismos surtam algum efeito praacutetico
deve haver uma forte vontade de colaboraccedilatildeo entre os Poderes O Judiciaacuterio haacute de se
preocupar em avaliar a questatildeo e formular as diretrizes para a atuaccedilatildeo legislativa bem como
o Legislativo deve estar aberto ao recebimento dessas orientaccedilotildees e colocaacute-las em praacuteticas
Ou entatildeo no que diz respeito agrave teoria do minimalismo eacute necessaacuteria uma
forte consciecircncia das Cortes para concordar em conter a sua atuaccedilatildeo e ainda verificar quando
deve ou natildeo assim agir havendo o risco dessa contenccedilatildeo ocorrer em momentos inoportunos
e vice e versa
O que esse grupo de teorias revela sobretudo eacute a grande complexidade
das decisotildees judiciais no acircmbito do controle de constitucionalidade nos paiacuteses que seguem
um modelo fundado na supremacia do Judiciaacuterio ficando claro que nem sempre os
problemas constitucionais seratildeo resolvidos por meio da simples declaraccedilatildeo de
48
constitucionalidade ou inconstitucionalidade mesmo que acabem no fim resultando em um
dos dois efeitos isso pode ocorrer em diversas intensidades
Fica claro entatildeo que o Judiciaacuterio exerce um papel tambeacutem poliacutetico
precisando agir com prudecircncia tanto quanto o legislativo para que suas decisotildees sejam bem
aceitas pela sociedade e produzam os efeitos esperados (HUBNER 2008)
Dessa forma ainda que seja alvo de criacuteticas e talvez natildeo seja a melhor
forma de concretizar o diaacutelogo natildeo se pode desprezar totalmente o conteuacutedo dessas teorias
e nem seus efeitos praacuteticos pois assim como essas praacuteticas podem ser consideradas
prejudiciais do ponto de vista democraacutetico ao mesmo tempo podem ser consideradas
beneacuteficas sob a oacutetica de concretizaccedilatildeo de direitos fundamentais sobretudo em paiacuteses
subdesenvolvidos ou que enfrentam uma crise de representatividade do Poder Legislativo
pois mediante decisotildees judiciais este seraacute forccedilado a agir
Um importante caso que vem sendo apontado por diversos
doutrinadores como um sucesso na efetivaccedilatildeo de direitos fundamentais e que segue a loacutegica
dessas teorias eacute a Aacutefrica do Sul o qual passamos a explanar
9 O especial caso da Aacutefrica do Sul
O constitucionalismo Sul Africano tem recebido muita atenccedilatildeo dos
estudiosos sobretudo dos defensores das teorias dialoacutegicas em virtude das inovadoras
decisotildees que vem sendo proferidas pela Suprema Corte desse paiacutes
A implementaccedilatildeo de um Estado democraacutetico na Aacutefrica do Sul
notadamente natildeo foi um processo tranquilo tampouco paciacutefico em virtude da sua conjuntura
histoacuterica O reconhecimento da autoridade do Poder Judicial para realizar a revisatildeo das leis
natildeo foi fruto de um processo gradativo como ocorreu em outros paiacuteses mas sim uma
imposiccedilatildeo brusca e radical 48
O constitucionalismo Sul Africano pode ser dividido em duas fases a
primeira que durou de 1910 a 1994 onde a proteccedilatildeo dos direitos fundamentais cabia ao poder
poliacutetico tendo o judiciaacuterio um papel severamente limitado no controle desse processo e a
48 Ver ROUX Theunis The Politics of Principle the first South African Constitutional Court Cambridge
Cambridge University Press 2013
49
segunda fase recentemente iniciada onde a ordem social e juriacutedica baseia-se na supremacia
de uma constituiccedilatildeo imposta e protegida judicialmente (SCHYFF 2010 p 34)49
A Constituiccedilatildeo de 1996 eacute a quinta adotada pelo paiacutes e eacute exemplo mundial
de uma Constituiccedilatildeo de caraacuteter transformador - que estabelece aspiraccedilotildees entendidas como
um desafio agraves praacuteticas de longa data ndash sendo grande parte do seu texto dedicado a eliminaccedilatildeo
dos efeitos danosos do apartheid (SUSTEIN 2001)
No tocante ao modelo de judicial review adotado a Aacutefrica do Sul optou
por um modelo forte de revisatildeo reconhecendo a supremacia do Poder Judiciaacuterio para a sua
decisatildeo e sendo ele o responsaacutevel pela palavra final no tocante a interpretaccedilatildeo
constitucional Todavia a praacutetica tem revelado uma interessante atuaccedilatildeo do Tribunal no
julgamento de casos que envolvem a efetivaccedilatildeo de direitos socioeconocircmicos
Famoso exemplo eacute o julgamento do caso Grotboom50 no qual estava em
questatildeo o direito a moradia de centenas de pessoas incluindo crianccedilas que estavam
desalojadas Esse grupo de pessoas recorreu agrave Corte para requisitar com base nos artigos 26
e 28 da Constituiccedilatildeo que o Estado Sul Africano providenciasse moradia adequada para eles
A Corte ao analisar o caso agrave luz do artigo 26 que assegura o direito a
moradia entendeu que houve violaccedilatildeo ao direito constitucional dos requerentes pois o
Estado natildeo havia cumprido com o dever de efetivar progressivamente dentro dos recursos
disponiacuteveis o acesso agrave moradia adequada Destacou que embora o programa do Governo
relativo a moradia fosse razoaacutevel em vaacuterios aspectos era falho pois natildeo atendia agraves
necessidades mais urgentes natildeo prevendo soluccedilatildeo para as demandas de curto prazo
No paraacutegrafo 42 da decisatildeo a Corte enfatizou que a mera ediccedilatildeo de leis
natildeo eacute o suficiente para constituir o cumprimento do dever constitucional do Estado que este
tem a obrigaccedilatildeo de agir para alcanccedilar o resultado pretendido e as medidas legislativas
invariavelmente tecircm de ser apoiadas por poliacuteticas e programas bem dirigidos e
adequadamente implementados pelo Executivo Que as poliacuteticas e programas devem ser
49 Para um maior aprofundamento sobre o constitucionalismo Sul Africano ver COCKRELL Alfred The
South African Bill of Rights and the lsquoDuckRabbitrsquo 60 Mod L Rev 513 (1997) BOUCKAERT Peter N The
Negotiated Revolution South Africarsquos Transition to Multiracial Democracy 33 Stanford J Int L 375 (1997)
GOLDSTONE Richard J The South African Bill of Rights 32 Texas Int L J 1451 (1997)
50 Government of The Republic of South Africa and others v Grootboom and others (CCT 1100) Igraventegra da
decisatildeo disponiacutevel emlt httpwwwsafliiorgzacasesZACC200019htmlgt
50
razoaacuteveis tanto na sua concepccedilatildeo quanto na sua implementaccedilatildeo sendo a formulaccedilatildeo de um
programa apenas a primeira etapa para cumprir as obrigaccedilotildees do estado jaacute que este deve ser
razoavelmente implementado pois se assim natildeo for natildeo constituiraacute o cumprimento das
obrigaccedilotildees do Estado51
Por fim o Tribunal emitiu uma ordem declaratoacuteria que delimitou as
deficiecircncias do programa governamental e sugeriu em vez de direcionar medidas para
minimizar as falhas O documento natildeo indicou entretanto que tipo de abrigo o Governo
deveria construir deixando essa decisatildeo para o proacuteprio Estado (NGWENA 2013 p80)
Por intermeacutedio dessa decisatildeo a Corte ao mesmo tempo que reconheceu
a justiciabilidade dos direitos sociais preservou certa autonomia do Estado no que respeita
a elaboraccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas vez que natildeo determinou a exata maneira que o mesmo
deveria agir reconhecendo que essa eacute uma competecircncia que natildeo compete ao Judiciaacuterio
Esse tipo de decisatildeo pode ser visto sob o ponto de vista das teorias
dialoacutegicas fundadas no meacutetodo judicial explicadas acima Nesse sentido reforccedilando o
potencial dialoacutegico dessas decisotildees Dixon (2007) leciona que o Poder Judiciaacuterio deve
exercer um papel ativo a fim de evitar a ineacutercia dos outros poderes
Aponta que as possiacuteveis causas da ineacutercia legislativa seriam de duas
categorias os blind spots ou pontos cegos que satildeo as situaccedilotildees em que natildeo resta claro para
o Legislativo os imperativos de sua accedilatildeo reguladora como por exemplo quando natildeo
reconhecem que determinada forma de aplicaccedilatildeo de uma lei pode ser violadora de direitos
e quando a ineacutercia decorre de motivos de conveniecircncia poliacutetica quando acredita que o ocircnus
eleitoral da sua accedilatildeo pode ser maior que o da sua omissatildeo (DIXON 2007)
Nessa perspectiva de diaacutelogo proposta por Dixon cabe ao Judiciaacuterio
provocar o Legislativo por meio da decisatildeo judicial que o obrigue a elaboraccedilatildeo de poliacuteticas
puacuteblicas para garantir tanto quanto possiacutevel a maior eficaacutecia dos direitos fundamentais
51 [42] The state is required to take reasonable legislative and other measures Legislative measures by
themselves are not likely to constitute constitutional compliance Mere legislation is not enough The state is
obliged to act to achieve the intended result and the legislative measures will invariably have to be supported
by appropriate well-directed policies and programmes implemented by the executive These policies and
programmes must be reasonable both in their conception and their implementation The formulation of a
programme is only the first stage in meeting the statersquos obligations The programme must also be reasonably
implemented An otherwise reasonable programme that is not implemented reasonably will not constitute
compliance with the statersquos obligations Government of The Republic of South Africa and others v Grootboom
and others (CCT 1100)
51
sem todavia adentrar ou comprometer a sua liberdade de conformaccedilatildeo mas de forma que
retire o legislativo da sua ineacutercia
Por decisotildees como essa apesar do sistema Sul Africano ter como
caracteriacutestica a participaccedilatildeo ativa do Judiciaacuterio na efetivaccedilatildeo dos direitos fundamentais o
mesmo vem sendo apontado por alguns estudiosos das teorias do diaacutelogo como um sistema
promissor nesse sentido em virtude do enfraquecimento das decisotildees judiciais que apesar
de direcionarem a atuaccedilatildeo do Legislativo preservam a sua liberdade de escolha e atuaccedilatildeo
10 As teorias estruturais de diaacutelogo
Nessa categoria alocam-se as teorias que se baseiam no reconhecimento
de mecanismos institucionais ou poliacuteticos dentro dos sistemas constitucionais que permitam
aos atores poliacuteticos responder agraves decisotildees judiciais em caso de conflito
Ao contraacuterio das teorias do meacutetodo judicial essas natildeo tecircm como objeto
principal a construccedilatildeo da decisatildeo judicial mas sim as formas pelas quais se estabelecem as
relaccedilotildees entre as diversas estruturas do Poder de maneira que possam oferecer respostas agrave
uma decisatildeo que gere desacordo Hubner (2008 p 99) aponta que as teorias estruturais ao
contraacuterio das que se fundam no meacutetodo judicial possuem um caraacuteter exoacutegeno logo menos
dependente da postura de cada instituiccedilatildeo
Para os que defendem essas teorias o diaacutelogo surge mediante a
utilizaccedilatildeo de mecanismos de interaccedilatildeo entre juiacutezes e os outros atores poliacuteticos Esses
mecanismos satildeo encontrados no modelo do weak judicial review ou sistemas brandos de
controle de constitucionalidade os quais como jaacute dito surgiram como uma alternativa ao
modelo tradicional pautado na supremacia judicial
A maioria dessas teorias foram surgindo a partir da necessidade de
justificar e fundamentar a previsatildeo de mecanismos contidos no Bill of Rights de paiacuteses
tradicionalmente de supremacia parlamentar a fim de harmonizar este tipo de sistema com
a necessidade de proteccedilatildeo aos direitos fundamentais
De acordo com a sistematizaccedilatildeo feita por Bateup existem quatro
subcategorias de teorias estruturais as de construccedilatildeo coordenada as dos princiacutepios juriacutedicos
a do equiliacutebrio e a da parceria Importante esclarecer que apesar de termos adotado essa
52
sistematizaccedilatildeo como nosso referencial teoacuterico por acreditarmos na sua coerecircncia e
completude neste particular ousamos discordar dessa diferenciaccedilatildeo
A diferenciaccedilatildeo feita por Bateup reside basicamente nos argumentos de
que as teorias de construccedilatildeo coordenada se aplicam apenas ao contexto norte-americano as
teorias dos princiacutepios juriacutedicos reconhecem uma especial competecircncia ao Judiciaacuterio para
decidir questotildees relacionadas agrave princiacutepios juriacutedicos as do equiliacutebrio por serem neutras natildeo
reconhecem nenhuma capacidade especial a nenhum Poder e contam ainda com a
participaccedilatildeo da sociedade e as teorias da parceria
Sendo assim todas as subcategorias em que Bateup divide as teorias
estruturais de diaacutelogo enquadram-se na ideia geral da construccedilatildeo coordenada podem ateacute se
diferenciar em um ou outro aspecto mas ainda assim natildeo deixam de fazer parte desta
Dessa forma natildeo se deixaraacute de abordar as subdivisotildees propostas por
Bateup mas ao contraacuterio do que foi feito no tocante as teorias centradas no meacutetodo judicial
natildeo se mencionaraacute especicamente cada uma delas para depois dar exemplos praacuteticos mas
seratildeo feitas as devidas menccedilotildees quando da anaacutelise dos diferenres sistemas de weak judicial
review que aqui se apresenta como exemplo das teorias estruturais de diaacutelogo
Importante se faz esclarecer que essa opccedilatildeo tambeacutem reside em questotildees
didaacuteticas necessaacuterias para a melhor compreensatildeo do trabalho
10 1 Teorias de construccedilatildeo coordenada
Tratam-se de teorias que reconhecem que a identificaccedilatildeo do sentido
constitucional eacute uma tarefa a ser compartilhada entre as diversas esferas do Poder ou seja
natildeo eacute uma tarefa atribuiacuteda unicamente ao Judiciaacuterio Assim o diaacutelogo eacute algo inerente ao
princiacutepio do check and balances natildeo havendo uma uacutenica instacircncia detentora da uacutetlima
palavra
Com isso a base dessas teorias eacute o fato de que da mesma forma que o
Tribunal possui mecanismos de controle dos ramos poliacuteticos por meio da revisatildeo judicial
tambeacutem podem ser colocados controles sobre o Tribunal quando os atores poliacuteticos
estiverem em desacordo com a sua interpretaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo
53
Bateup (2005 p 33) define a teoria da construccedilatildeo coordenada como a
mais antiga concepccedilatildeo de interpretaccedilatildeo constitucional fazendo menccedilatildeo ao pensamento dos
teoacutericos americanos de James Madison e Thomas Jefferson o primeiro por ter reconhecido
que apesar das questotildees de interpretaccedilatildeo constitucional normalmente recaiacuterem sobre o
Judiciaacuterio no curso normal do Governo a Constituiccedilatildeo natildeo lhe atribui qualquer autoridade
especiacutefica perante outros braccedilos do Poder e o segundo por considerar que cada ramo do
Governo deve ser ldquocoordenado e independenterdquo possuindo todos eles responsabilidade pela
interpretaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo
No contexto norte americano um dos primeiros autores a abordar essa
teoria foi Louis Fisher que teve como principal meacuterito demonstrar mediante exemplos da
histoacuteria americana que o processo constitucional eacute mais complexo do que a simples emissatildeo
pela Corte da uacuteltima palavra A uacuteltima palavra segundo essa histoacuteria confirmaria natildeo
pertence a nenhuma instituiccedilatildeo (HUBNER 2009 p 126)
O que haacute de mais caracteriacutestico nessas teorias eacute o fato de os outros
ramos do Poder em especial o Legislativo caso natildeo concordem com a decisatildeo judicial
poderem provocar a Corte reconhecendo assim que a interpretaccedilatildeo constitucional eacute tarefa
que compete a todos os Poderes e natildeo apenas a um ramo em especiacutefico
Vaacuterios autores dentro do cenaacuterio americano passaram a tratar do
assunto inclusive em forma de criacuteticas poreacutem por questotildees didaacuteticas conforme jaacute
mencionado natildeo se limitaraacute a falar especificamente sobre cada um deles52 Todavia destaca-
se a teoria de Barry Friedman a qual Bateup subclassifica como teoria do equiliacutebiro poreacutem
aqui eacute tratada como uma teoria de construccedilatildeo coordenada pelos motivos jaacute acima expostos
A teoria de Friedman merece ser mencionada pois se diferencia das
outras tantas que se encaixam nesta categoria por considerar a importacircncia do papel ativo da
sociedade na deliberaccedilatildeo sobre direitos
Para esse Autor a Constituiccedilatildeo eacute um texto aberto e flexiacutevel que permite
52 Outros importantes nomes dessa teoria satildeo Keith Whittington e Mitchell Pickeril Destaque para a
importacircncia do trabalho deste uacuteltimo que realizou importante pesquisa empiacuterica da realidade americana de
caraacuteter revelador e agregador para a teoria da construccedilatildeo coordenada demonstrando que o diaacutelogo entre os
poderes eacute inerente ao princiacutepio do check and balances americano pelo que sugerimos a consulta PICKERILL
J Mitchell Constitutional Deliberation in Congress the impact of Judicial Review in a Separated System
Duke University Press 2004
54
diversas interpretaccedilotildees sujeitas agrave mudanccedilas constantes Assim a interpretaccedilatildeo constitucional
seria um processo de idas e vindas em que a Corte devolve o tema para a sociedade e
para outros poderes e vice-versa metaforicamente como uma partida de tecircnis na qual os
parceiros rebatem a bola um para o outro53 (FRIEDMAN 1993)
Com isso afasta a ideia de que haacute uma vontade da maioria definida a
ser representada por um dos poderes sugerindo que na realidade essa vontade sofre
constantes mutaccedilotildees54 cabendo aos ramos do Poder no processo de interpretaccedilatildeo
constitucional negociar e definir uma direccedilatildeo em meio ao pluralismo existente na
sociedade55 Reconhece o diaacutelogo institucional como fruto da separaccedilatildeo de poderes
compartilhando dos elementos da teoria da construccedilatildeo coordenada poreacutem acrescenta a eles
a vontade popular
Eacute justamente no aspecto relativo a grande importacircncia que daacute a vontade
popular que reside a principal criacutetica agrave essa teoria pois natildeo oferece alternativa agrave interaccedilatildeo
constitucional estabelecida entre o Judiciaacuterio e os poderes poliacuteticos nas questotildees de menor
importacircncia poliacutetica nas quais o diaacutelogo com toda a sociedade eacute improvaacutevel de ocorrer
(BATEUP 2006 p 69)
Seria impensaacutevel na praacutetica um sistema de jurisdiccedilatildeo constitucional
no qual os Poderes tivessem que recorrer agrave opiniatildeo popular todas as vezes que fossem
realizar a interpretaccedilatildeo de qualquer norma constitucional
Saindo do contexto norte americano outras teorias estruturais do
diaacutelogo emergiram a partir da anaacutelise dos novos modelos de jurisdiccedilatildeo constitucional
adotados por paiacuteses da Commonwealth como jaacute mencionamos no iacutencio deste trabalho Desta
forma optou-se didaticamente por tratar dessas teorias e suas respectivas especificidades no
acircmbito da exposiccedilatildeo dos sistemas e casos em concreto o que se passaraacute a fazer
53 ldquoCourts serve as societyacutes tennis partner always volleying the ball backrdquo (FRIEDMAN 1993 p669)
54 ldquoThe court is free to change its mind The people are free to disagree with the court The court is free to
disagree with the people The members of the courts are free to and usually do disagree with one another As
disagreement occurs the document will take one new meaningsrdquo (FRIEDMAN 1993 p651)
55 ldquoThis process of constitutional interpretation hardly pits the court against the people Rather the court
mediate the views of various people The process is interactive (hellip) Simply put our process of constitutional
interpretation is a dialoguerdquo (FRIEDMAN 1993 p 654)
55
1011 Os mecanismos dialoacutegicos do sistema de revisatildeo judicial
canadense e as teorias de princiacutepios juriacutedicos
Ao adotar formalmente um sistema de judicial review atribuindo ao
Judiciaacuterio a capacidade para solucionar casos concretos de incompatibilidade entre
legislaccedilatildeo e a Carta suscitados por particulares56 o Canadaacute a fim de evitar a consagraccedilatildeo de
um modelo fundado na supremacia judicial ao estilo americano que implicasse na perda do
poder do Parlamento incluiu na sua Carta mecanismos que possibilitassem uma limitaccedilatildeo
do Poder atribuiacutedo ao Judiciaacuterio e ao mesmo tempo preservassem as competecircncias
parlamentares
Esses mecanismos previstos nas Seccedilotildees 33 e 1 da Carta Canadense
consistem respectivamente na ldquoclaacuteusula natildeo obstanterdquo (notwishstanding clause) a qual
possibilita que o Legislativo aplique uma lei mesmo quando esta for contraacuteria ao texto
constitucional e na possibilidade do Legislativo reeditar uma norma que configure e limite
direito consagrado nas seccedilotildees 2 e de 7 a 15 e que jaacute tenha sido objeto de reprovaccedilatildeo pelo
Judiciaacuterio desde que fundada em justificativa razoaacutevel bem como na possibilidade de
configuraccedilatildeo pelo legislativo de direitos e liberdades fundamentais
O estudo realizado por Bushell e Hogg (1997) eacute apontado como um
marco teoacuterico da experiecircncia canadense pois a partir de uma pesquisa de mais de 65 casos
concretos decididos pela Corte canandense desde a Carta de 1982 os autores verificaram
que na grande maioria deles houve em um prazo razoavelmente curto uma resposta
legislativa agrave decisatildeo judicial Diante disso os autores afirmaram que o sistema canadense
propicia a concretizaccedilatildeo de um verdadeiro diaacutelogo entre os Poderes no exerciacutecio da
jurisdiccedilatildeo constitucional
A anaacutelise dos autores a respeito da implementaccedilatildeo da revisatildeo judicial
canadense pela Carta de 1982 eacute bastante otimista pois consideram que ateacute mesmo naqueles
casos em que o legislador aquiesceu agrave decisatildeo proferida pela Corte houve uma reaccedilatildeo
dialoacutegica jaacute que a concordacircncia tambeacutem pode ser fruto de um diaacutelogo
56 ldquoArt 24 (1) Anyone whose rights or freedoms as guaranteed by this Charter have been infringed or denied
may apply to a court of competent jurisdiction to obtain such remedy as the court considers appropriate and
just in the circumstances Art 52 (1) The Constitution of Canada is the supreme law of Canada and any law
that is inconsistent with the provisions of the Constitution is to the extent of the inconsistency of no force or
effectrdquo Canadian Constitutional Act 1982
56
Afirmam que os legisladores canadenses estatildeo engajados na
concretizaccedilatildeo do diaacutelogo com a Corte eis que buscam fundamentar no preacircmbulo das leis
promulgadas tanto das que excedem os limites da Carta como das que substituem as que
foram consideradas inconstitucionais que as mesmas se dirigem a um objetivo ldquourgente e
substancialrdquo e destinam-se a ldquolimitar razoalmenterdquo direitos e liberdades (BUSHELL
HOGG 1997 p 101)
Consideram ainda que mesmo quando apoacutes a anaacutelise judicial a lei natildeo eacute
declarada invaacutelida haacute um diaacutelogo em virtude de tal anaacutelise despertar o debate puacuteblico
chamando a atenccedilatildeo do legislador ao assunto de forma que possa rever possiacuteveis problemas
na lei e eventualmente alteraacute-la Ou seja a decisatildeo judicial natildeo deve ser encarada como um
veto mas como o ponto de partida para uma conversa institucional sobre como conciliar
direitos individuais com obejtivos de poliacuteticas econocircmicas e sociais (BUSHELL HOGG
1997 p 101-105)
Referido estudo teve grande repercussatildeo na doutrina nacional Por um
lado muitos reforccedilaram e concordaram com a ideia dos autores por outro a mesma foi alvo
de intensa criacuteticas sobretudo pela forma abrangente de caracterizaccedilatildeo do diaacutelogo57 O
impacto tambeacutem foi sentido na proacutepria Corte que passou a usar a metaacutefora do diaacutelogo para
justificar suas decisotildees algumas delas bastante controversas conforme se leraacute mais adiante
Portanto a experiecircncia canadense eacute um importante exemplo de aplicaccedilatildeo
das teorias estruturais dialoacutegicas jaacute que traz a previsatildeo expressa de mecanismos
possibilitadores na visatildeo de alguns de um diaacutelogo institucional
Na sistematizaccedilatildeo feita por Bateup as teorias que se referem agrave
experiecircncia canadense satildeo teorias de princiacutepios juriacutedicos Na classificaccedilatildeo da Autora esse
grupo de teorias corresponde agravequelas em que haacute o reconhecimento de que o Judiciaacuterio possui
57 A repercussatildeo literaacuteria do estudo foi tatildeo grande e significativa que apoacutes dez anos da sua publicaccedilatildeo o
mesmo perioacutedico (Osgoode Hall Law Journal) lanccedilou uma ediccedilatildeo comemorativa contendo uma atualizaccedilatildeo
do texto original e outros artigos em resposta ao mesmo Ver HOGG P et al ldquoCharter Dialogue Revisited
ndash Or Much Ado About Metaphorsrdquo HAIGH R e SOBKIN M ldquoDoes the Observer Have an Effect An
Analysis of the Use of the Dialogue Metaphor in Canadarsquos Courtsrdquo HUSCROFT G ldquoConstitutionalism from
the Top Downrdquo MANFREDI C ldquoThe Day the Dialogue Died A Comment on Sauveacute v Canadardquo MATHEN
C ldquoDialogue Theory Judicial Review and Judicial Supremacy A Comment on lsquoCharter Dialogue
Revisitedrsquordquo PETTER A Taking Dialogue Theory Much Too Seriously (or Perhaps Charter Dialogue Isnrsquot
Such a Good Thing After All) ROACH K Sharpening the Dialogue Debate The Next Decade of
Scholarshiprdquo e HOGG P et al ldquoA Reply on lsquoCharter Dialogue Revisitedrdquo
57
uma especial competecircncia institucional voltada para a resoluccedilatildeo de questotildees que envolvem
princiacutepios juriacutedicos cabendo aos poderes poliacuteticos fazer o controle das decisotildees no caso de
erro de interpretaccedilatildeo (BATEUP 2006 p41)
Ainda que essas teorias reconheccedilam uma competecircncia de certo modo
especial ao Judiciaacuterio a qual pode ateacute mesmo ser considerada como caracteriacutestica inerente
ao proacuteprio judicial review tendo em vista que elas tambeacutem preveem a possibilidade de
reaccedilatildeo do legislativo agrave decisatildeo judicial incluindo a possibilidade de correccedilatildeo dessa decisatildeo
entende-se que natildeo se distanciam das teorias de construccedilatildeo coordenada ao ponto de merecer
classificaccedilatildeo diferente
Destaca como primeiro defensor dessa competecircncia especial do
Judiciaacuterio Alexander Bickel que considerou o Judiciaacuterio como detentor de especial
habilidade para preservar proteger e defender princiacutepios devido ao seu isolamento poliacutetico
e por outro lado o Legislativo como melhor indicado para determinar valores sociais
fundamentais pela sua proximidade com as pessoas (BATEUP 2006 p41-42)
Nesse sentido Bushell e Hogg ao tratar da metaacutefora do diaacutelogo na
experiecircncia canadense tambeacutem satildeo partidaacuterios desse entendimento eis que afirmaram
alguns anos e muitas criacuteticas apoacutes o seu primeiro estudo que o legislativo pode e deve
interpretar a Carta mas que natildeo deve agir de forma contraacuteria a interpretaccedilatildeo proferida pela
Corte 58
Kent Roach tambeacutem eacute outro importante autor canadense que defende a
competecircncia especial do Judiciaacuterio para lidar com questotildees de princiacutepios todavia ressalta a
58 ldquoThe key issue in our view is not whether the legislative and executive branches do and should interpret
the Charter (they do and should) but whether they should act on an interpretation of the Charter that conflicts
with an interpretation provided by the courts backdrop of a prior relevant judicial decision the legislature
and the executive may act on their interpretation of the Charter Why Because in doing so they would not be
doing (or refraining from doing) something that the courts have said would unjustifiably infringe the Charter
It would be strange indeed if the legislative or executive branches could not interpret the Charter and act on
that interpretation where a court has not yet considered what the Charter prohibits (or requires) in the
circumstances1 However where the interpretive task takes place against the backdrop of a prior relevant
judicial decision the legislature and the executive may not act on an interpretation of the Charter which
conflicts with an interpretation provided by the courts Why Because in doing so they would be doing (or
refraining from doing) something that the courts have said would unjustifiably infringe the Charter and under
our system of constitutional democracy that is impermissiblerdquo (BUSHEL HOGG 2007 p 33)
58
importacircncia do Parlamento aludindo que a decisatildeo judicial apenas inicia o debate59
Destaca que a atuaccedilatildeo da Corte natildeo impede que o Parlamento prevaleccedila
se este assim quiser mas reforccedila a responsabilidade das suas escolhas poliacuteticas e o induz a
apresentar justificativas razoaacuteveis e aceitaacuteveis para legitimar suas opccedilotildees que venham a
restringir direitos (ROACH 2001)
Portanto em suma as teorias dos princiacutepios juriacutedicos vivenciadas na
experiecircncia canadense satildeo aquelas que defendem a ideia da participaccedilatildeo de todos os poderes
na interpretaccedilatildeo constitucional sendo esta uma tarefa conjunta todavia privilegiam a
interpretaccedilatildeo judicial poreacutem com a possibilidade de reaccedilatildeo legislativa
Bateup acrescenta ainda uma subdivisatildeo dentro dessas teorias tendo em
vista que para alguns autores o diaacutelogo se consubstancia na realizaccedilatildeo do controle das
decisotildees judiciais pelos poderes poliacuteticos no caso da ocorrecircncia de erro de interpretaccedilatildeo e jaacute
para outros - que minimizam o papel do controle poliacutetico sobre o Tribunal - o diaacutelogo surge
por intermeacutedio da articulaccedilatildeo legislativa que emerge como resposta agraves decisotildees judiciais
Essas subdivisotildees se traduzem na praacutetica justamente nos dois
mecanismos dialoacutegicos expressamente adotados pela Carta canadense os quais seratildeo
explicados a seguir
1012 Princiacutepios e articulaccedilatildeo legislativa da poliacutetica ndash seccedilatildeo 1 da
Carta Canadense
As teorias identificadas por Bateup como Teorias de Princiacutepios e
Articulaccedilatildeo Legislativa da Poliacutetica satildeo as que preceituam que a concretizaccedilatildeo do diaacutelogo
ocorre por meio da articulaccedilatildeo legislativa Reconhecem ao Legislativo competecircncia especial
para a elaboraccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas e para conciliar muacuteltiplos objetivos concorrentes na
sociedade pelo que este deve responder agraves decisotildees judiciais respeitando a interpretaccedilatildeo de
princiacutepios feita pelo Tribunal poreacutem com uma visatildeo mais ampla dos objetivos poliacuteticos
(BATEUP p 50-51)
Como exemplo dessa teoria pode-se indicar a Seccedilatildeo 1 da Carta
59 Para maior clareza e detalhes desse entendimento ver as seguintes obras do referido autor ldquoThe Supreme
Court on Trial Judicial Ativism or Democratic Dialogue 2001rdquo e ldquoConstitutional and Common Law
Dialogues Between Supreme Court and Canadian Legislatures2001rdquo
59
Canadense60 a qual atribui ao Legislativo a possibilidade de relativizaccedilatildeo por meio de lei
de direitos e garantias desde que seja razoaacutevel e ldquojustificada de forma demonstraacutevel em uma
sociedade livre e democraacuteticardquo61
O objetivo central para a criaccedilatildeo desta norma era garantir que o
Legislativo continuasse a ter flexibilidade de escolha quando da aprovaccedilatildeo de poliacuteticas que
eventualmente fossem conflitantes com os novos direitos fundamentais que passaram a ser
resguardados pela Carta (HIEBERT 1990)
Todavia apesar de a claacuteusula ser direcionada ao Legislativo a avaliaccedilatildeo
das questotildees que envolvem a sua aplicabilidade como a verificaccedilatildeo da legalidade e da
legitimidade62 acaba por ser feita pelo Judiciaacuterio a quem compete analisar as
incompatibilidades entre as leis e os direitos e liberdades assegurados pela Carta
Dessa forma a aplicaccedilatildeo da Seccedilatildeo 1 da Carta revelou-se de certa forma
engenhosa pois ao mesmo tempo em que confere maior liberdade ao legislador
caracteriacutestica de um weak judicial review a verificaccedilatildeo da razoabilidade da sua escolha eacute
feito pelo Judiciaacuterio Sendo assim ainda que a claacuteusula seja dirigida ao Legislativo as
implicaccedilotildees da sua aplicaccedilatildeo chamaram muita atenccedilatildeo no acircmbito da atuaccedilatildeo judicial
Nesse sentido Elliot (1987 p 279) aponta que a Seccedilatildeo 1 tornou-se de
fato a principal disposiccedilatildeo da Carta e a maneira como a Corte tem lidado com ela diz muito
a respeito natildeo apenas do impacto que a Carta pode ter sobre os outros poderes mas tambeacutem
sobre a proacutepria Corte e como ela percebe seu papel sob a Carta
Os principais estudos realizados para analisar o comportamento da Corte
quando da avaliaccedilatildeo da aplicaccedilatildeo da Seccedilatildeo 1 pelo Legislativo revelaram que natildeo haacute uma
conduta uniforme podendo a Corte tanto ter uma conduta mais ativista quanto mais
deferente agraves opccedilotildees legislativas
Estudiosos classificam e dividem a atuaccedilatildeo da Corte em trecircs momentos
60 Para entender o histoacuterico evolutivo de criaccedilatildeo da referida claacuteusula ver HIEBERT Janet The Evolution of
Limitation Clause 28 Osgoode Hall L J 103 1990
61 ldquo1The Canadian Charter of Rights and Freedoms guarantees the rights and freedoms set out in it subject
only to such reasonable limits prescribed by law as can be demonstrably justified in a free and democratic
societyrdquo Canadian Constitution Act 1982
62 Sobre a verificaccedilatildeo da legalidade e legitimidade ver HIEBERT J L Limiting Rights The Dilemma of
Judicial Review p 137-146
60
o primeiro relativo aos primeiros anos de vigecircncia da Carta o segundo referente a fase
iniciada com o julgamento do caso R v Oakes e o terceiro relativo aos desenvolvimentos
mais atuais
Nos primeiros anos em que vigorou a Carta canadense percebeu-se que
a conduta da Corte no tocante a aplicaccedilatildeo da Seccedilatildeo 1 foi bastante abrangente buscando
afirmar o seu papel de guardiatilde de direitos e liberdades bem como garantir a maacutexima eficaacutecia
dos mesmos Assim pode-se dizer que nos primeiros anos a Corte adotou uma postura
ativista (ELLIOT 1987) 63
Apesar da postura ativista a Corte logo nos primeiros anos natildeo realizava
de fato a anaacutelise da razoabilidade das medidas legislativas restritivas de direito sob seu
escrutiacutenio tentando natildeo enfrentar questotildees de cunho poliacutetico limitava-se a dizer que a
restriccedilatildeo de direitos poderia significar indiretamente a intenccedilatildeo do legislador de reformar a
Carta o que natildeo podia ser admitido (ELLIOT 1987)
A adoccedilatildeo desse tipo de postura pela Corte pode ser percebida no
julgamento do caso Ag Quebec v Quebec Association of Protestant Schools Boards64
ocorrido no ano de 1984 dois anos apenas apoacutes a aprovaccedilatildeo da Carta quando foi discutida
e declarada a incompatibilidade do da Seccedilatildeo 73 da Carta de Quebec da Liacutengua Francesa
(Quebec Charter of the French Language ou Bill 101) com a seccedilatildeo 23 da Carta Canadense
de Direitos e Liberdades 65
Em suma o que dispunha o Bill 101 era uma restriccedilatildeo ao direito de acesso
das crianccedilas a escolas puacuteblicas de Liacutengua Inglesa com exceccedilatildeo das crianccedilas cujo pai ou matildee
tivesse estudado em escolas tambeacutem de Liacutengua Inglesa dos filhos de imigrantes que jaacute
vivessem na proviacutencia anteriormente agrave aprovaccedilatildeo da lei e que tivessem sido educados em
Inglecircs ou cuja educaccedilatildeo tenha sido em uma liacutengua pouco falada naquele local ou aquelas
63 No mesmo sentido ldquoIn its initial judgments under the Canadian Charter of Rights and Freedoms the
Supreme Court of Canada respected the postwar structure of rights protection embedded in its first provision
and began to work out the requisite rules of interpretation legal presumptions and conceptions of institutional
roles Central to thislegal analysis was the Courtrsquos understanding that its responsibility was to secure the
rights guarantees as supreme law and to ensure that the limitation function enjoyed normative continuitywith
the rightsrdquo (WEINRIB 2002 p 122)
64 AG (Que) v Quebec Protestant School Boards [1984] 2 SCR Iacutentegra da decisatildeo disponiacutevel em lt
httpsscc-csclexumcomscc-cscscc-cscenitem26indexdogt
65 Nesse mesmo sentido ver tambeacutem a outros casos como Hunter v Southam Inc Re Singh and Ministered of
Employment and Imigration R v Big M Drug Mart Ltd
61
crianccedilas que tivessem irmatildeo jaacute matriculado na mesma escola
Entendeu a Corte portanto que essa norma visava modificar a
disposiccedilatildeo contida na Carta Canadense a qual dispunha expressamente sobre a garantia da
educaccedilatildeo puacuteblica em inglecircs ou francecircs aos filhos de cidadatildeos cuja primeira liacutengua que
tenham recebido na educaccedilatildeo primaacuteria seja uma liacutengua minoritaacuteria naquele local natildeo se
prestando a analisar a razoabilidade da limitaccedilatildeo de direitos alegada pela Proviacutencia de
Quebec66
Dessa forma o que se percebe eacute que a Corte sequer chegou a analisar a
razoabilidade da medida e as provaacuteveis justificativas do legislador limitando-se a declarar a
incompatibilidade da lei sem tentar sequer interpretaacute-la de acordo com a Carta
A segunda fase de acordo com divisatildeo feita por Elliot foi inaugurada
com o famoso julgamento do caso R v Oakes67 em 1986 quando foi introduzida pela
primeira vez uma regra para a verificaccedilatildeo da razoabilidade da restriccedilatildeo imposta pela medida
legislativa a luz da Seccedilatildeo 1 da Carta Canadense
A Corte passou entatildeo a utilizar o que ficou conhecido como ldquoteste de
Oakesrdquo para verificar se a medida legislativa constitui uma restriccedilatildeo a direitos razoaacutevel e
comprovadamente justificaacutevel em uma sociedade livre e democraacutetica o qual consiste
basicamente no estabelecimento de um padratildeo de prova apoiado em severos criteacuterios de
verificaccedilatildeo da legitimidade racionalidade necessidade e proporcionalidade da restriccedilatildeo
(TREMBLAY WEBBER 2008 p 2)68
66 ldquoThe limits imposed by s 73 are not legitimate limits within the meaning of s 1 of the Charter to the extent
that the latter section applies to rights conferred by s 23 In view of the period when the Charter was enacted
and especially in light of the wording of s 23 which repeats the unique set of criteria contained in s 73 of Bill
101 it is apparent that Chapter VIII seemed to the framers as an archetype of the regimes needing reform
Accordingly the limits which Bill 101 imposes on rights relating to the language of instruction cannot possibly
have been regarded by the framers of the Constitution as coming within ldquosuch reasonable limits prescribed by
law as can be demonstrably justified in a free and democratic societyrdquo Even if enacted after the Charter the
s 73 limits could not be legitimized by s 1 of the Charter Section 73 redefines for Quebec the classes of
persons who are entitled to instruction in the minority language and has the effect of creating an exception to
s 23 and of amending the Charter Whatever their scope the limits which s 1 allows cannot be equated with
exceptions to the rights and freedoms guaranteed by the Charter and may not be treated as amendments to the
Charterrdquo (AG (Que) v Quebec Protestant School Boards 1984 p 67-68)
67 O caso teve por objeto a anaacutelise de incompatibilidade entre a seccedilatildeo 8 do Narcotic Control Act que atribuia
o ocircnus ao cidadatildeo preso por porte de droga de prova que a mesma natildeo se destinava ao traacutefico e a seccedilatildeo 11(d)
da Carta que dispotildee sobre o princiacutepio da presunccedilatildeo de inocecircncia R v Oakes [1986] 1 SCR 103 inteiro teor
da decisatildeo disponiacutevel emhttpsscc-csclexumcomscc-cscscc-cscenitem117indexdo
68 Para uma comparaccedilatildeo entre o teste de Oakes e a aplicaccedilatildeo do princiacutepio da proporcionalidade ver GRIMM
Dieter Porportionality in Canada and German Constitutional Jurisprudence University of Toronto Journal
62
Inicialmente a introduccedilatildeo do ldquoteste de Oakesrdquo parecia ter resolvido as
questotildees e duacutevidas relativas a aplicaccedilatildeo da Seccedilatildeo 1 da Carta Todavia a praacutetica mostrou
rapidamente que o teste natildeo resolvera todas as questotildees os julgamentos que se seguiram
demonstraram ainda existir um forte desacordo entre os membros da Corte sobre a aplicaccedilatildeo
da claacuteusula bem como dificuldades inerentes ao proacuteprio teste (ELLIOT 1986)
A aplicaccedilatildeo do teste por acabar induzindo uma postura mais ativista da
Corte e limitando a margem de atuaccedilatildeo do legislador foi muito discutida doutrinariamente
e tambeacutem no acircmbito da proacutepria Corte (TREMBLAY WEBBER 2008)69 Alguns membros
passaram a ver os desdobramentos da aplicaccedilatildeo do teste como uma expansatildeo injustificada
do Poder judicial em detrimento dos outros poderes pelo que comeccedilaram entatildeo a defender
a necessidade de uma atuaccedilatildeo mais contida (WEINRIB 2002 p 123)
Diante disso as anaacutelises mais recentes dos estudiosos a respeito da
aplicaccedilatildeo da seccedilatildeo 1 da Carta canadense passaram a demonstrar a adoccedilatildeo de uma conduta
mais deferente da Corte para com as medidas legislativas Neste sentido Dixon (2009) ao
analisar inuacutemeros julgados sugere a existecircncia de uma maior contenccedilatildeo da Corte ao lanccedilar
o que chama de ldquosegundo olharrdquo (second look cases) sobre o caso ou no segundo ldquoroundrdquo
do diaacutelogo
O que se percebe eacute que na praacutetica a aplicaccedilatildeo da Seccedilatildeo acaba sendo mais
problemaacutetica do que a teoria imaginava quando da sua criaccedilatildeo Haacute uma dificuldade latente
em estabelecer os limites de interferecircncia do Judiciaacuterio na liberdade de atuaccedilatildeo do
legislativo jaacute que o mesmo acaba tendo que realizar uma anaacutelise do meacuterito das escolhas
poliacuteticas do Legislativo que justifiquem a restriccedilatildeo ou limitaccedilatildeo de direitos e liberdades
Por outro lado se a Corte adota uma postura mais passiva optando por
natildeo interferir na atuaccedilatildeo legislativa e acatar suas escolhas ou ateacute mesmo deixar de adentrar
na anaacutelise do seu meacuterito aiacute tambeacutem haacute riscos Para Weinrib (2002) a postura deferente da
Corte eacute contraacuteria aos objetivos da Carta ignorando a reconstruccedilatildeo dos papeis institucionais
proposta por ela bem como a hierarquia especial dada aos direitos e liberdades nela
Vol 57 N 2 Spring 2007 pp 383-397 e TAVARES DA SILVA Suzana O tretalema do Controlo Judicial
da Porporcionalidade in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra Vol LXXXVIII Tomo
II 2012 pp 639-677 69 Para uma melhor compreensatildeo acerca da aplicaccedilatildeo do teste de Oakes ver CHOUDHRY Sujit So What is
the Real Legacy of Oakes Two Decades of Proportionally Analysis under the Canadian Charterrsquos Section 1
Supreme Court Law Review Vol 34 N 2d pp 501-525 2006
63
previstos assim defender a contenccedilatildeo da Corte seria ceder a primazia dos direitos e
liberdades agrave Poliacutetica enquanto que os legisladores devem estar preparados para arcar com
as responsabilidades das suas escolhas70
No tocante a utilizaccedilatildeo da Seccedilatildeo 1 da Carta pelo Legislativo Tushnet
(2009) destaca que a mesma tambeacutem se revela na praacutetica de certa forma problemaacutetica O
que a experiecircncia canadense mostrou foi que muitas vezes o legislativo utiliza-se da
prerrogativa concedida pela Carta para reeditar a mesma medida legislativa restritiva de
direitos jaacute apreciada e reprovada pelo Judiciaacuterio sem alteraccedilotildees substantivas apenas por
exemplo incluindo no preacircmbulo da lei justificativas usadas por juiacutezes em votos dissidentes
que aprovaram a medida estrateacutegia que ficou conhecida como ldquoin you face responserdquo
Exemplo claacutessico dessa praacutetica do legislador foi o que ocorreu no caso R
v OrsquoConnor71 onde foi discutida pela Suprema Corte Canadense a possibilidade do acusado
em processo penal de obter acesso agraves informaccedilotildees meacutedicas das viacutetimas
O entendimento que prevaleceu na Corte em uma votaccedilatildeo natildeo unacircnime
foi o de que o reacuteu teria direito ao acesso de registros possivelmente relevantes para a
resoluccedilatildeo do caso e mediante anaacutelise do juiz que deveria fazer um balanccedilo entre o direito
de defesa do acusado e o direito a privacidade das viacutetimas Os votos dissidentes defendiam
a exigecircncia de que para que o acusado tivesse acesso agraves informaccedilotildees meacutedicas das viacutetimas
comprovasse antecipadamente de forma substancial e robusta a imprescindibilidade das
70 ldquoI develop a critique of the deferential approach to judicial review under the Charter First it disregards
the prolonged well-informed and remarkably participatory debate that led to the Charterrsquos adoption
Particularly it disregards its fully and publicly articulated remedial purpose to withdraw certain interests
denominated as constitutional rights and freedoms from the give and take of the ordinary political process
Second it fails to take seriously the written product of that debate The deferential approach in effect creates
a hierarchy of rights lacking any discernible basis in the text and ignores the differentiation between rights
that the text does make It also disregards the carefully chosen terms of the limitation formulation drafted in
publicly televised parliamentary proceedings That text was expressly designed to include the technical legal
language of the postwar instruments in order to deliver the effective regime of rights-protection desired by
Canadians generally and in particular sought by those to whom the previous lack of rights-protection
mattered most Disregard of remedial purposes and text leads to the third failing insensitivity to the Charterrsquos
reconstruction of institutional roles The advocates of deference cede the primacy of guaranteed rights and
freedoms to ordinary politics on the ground that the representative accountable legislatures must take
responsibility for the political choices required In effect the polity reverts to the legislative policy-making role
that the Charter was designed to redesignrdquo (WEINRIB 2002 p 123)
71 R v OrsquoConnor [1995] 4 SCR 411 Iacutentegra da decisatildeo disponiacutevel em httpscc-csclexumcomscc-
cscscc-
cscenitem1323indexdor=AAAAAQAjUiB2LiBP4oCZQ29ubm9yIFsxOTk1XSA0IFMuQy5SLiA0MTE
B
64
informaccedilotildees
O Parlamento canadense respondeu ao julgamento da Corte com a ediccedilatildeo
de uma nova lei que visando resguardar o direito agrave privacidade das viacutetimas
consequentemente restringindo o direito de defesa do reacuteu estabelecia um procedimento mais
riacutegido para que o mesmo tivesse acesso agraves informaccedilotildees para fundamentar a restriccedilatildeo seguiu
os argumentos dos votos dissidentes
Essa lei foi objeto de anaacutelise pela Suprema Corte no caso R v Mills72 no
qual a Corte em total deferecircncia ao entendimento do Legislativo considerou que a limitaccedilatildeo
ao direito de defesa do acusado era legiacutetima modificando seu entendimento anterior mesmo
sem nenhum fato novo para tanto73
Para Kent Roach (2001) a resposta legislativa representou o seu
desacordo com a decisatildeo judicial utilizando-se da loacutegica dos votos dissidentes para impor o
seu entendimento sobre a Corte exemplificando assim o uso da ldquoin your face responserdquo
amparado pela prerrogativa da Seccedilatildeo 1 da Carta
Para alguns essa praacutetica eacute vista como uma forma de diaacutelogo74 todavia
natildeo eacute isenta de criacuteticas como se verificaraacute adiante pois pode acabar significando na praacutetica
mais um retorno ao sistema de supremacia parlamentar do que propriamente um sistema
dialoacutegico
1013 Princiacutepios e controle poliacutetico sobre a corte - aplicaccedilatildeo praacutetica
da seccedilatildeo 33
A previsatildeo contida na Seccedilatildeo 33 da Carta Canadense exemplifica a
segunda subcategoria das teorias de princiacutepios juriacutedicos segundo a qual o diaacutelogo se
consubstancia na realizaccedilatildeo do controle das decisotildees judiciais pelos poderes poliacuteticos no
caso da ocorrecircncia de erro de interpretaccedilatildeo
72 R v Mills 1999] 3 SCR 668 Iacutentegra da decisatildeo disponiacutevel em httpsscc-csclexumcomscc-cscscc-
cscenitem1751indexdo
73 Para uma criacutetica mais aprofundada do caso ver CAMERON Jamie Dialogue and Hierarchy in Charter
Interpretation A comment on R v Mills Alberta Law Review Vol 38 N 4 2001
74 Ver DIXON Rosalind The Supreme Court of Canada Charter Dialogue and Deference U of Chicago
Public Law Working Paper N 284
65
A seccedilatildeo 33 ficou conhecida como notwithstanding clause ou overriding
por permitir ao Parlamento a reediccedilatildeo de um texto legal limitador de direitos consagrados
na Carta nas seccedilotildees 2 e de 7 a 15 mesmo quando jaacute tenha sido objeto de reprovaccedilatildeo pelo
Judiciaacuterio pelo prazo maacuteximo de cinco anos75
A referida claacuteusula do overriding apesar de inovadora e do seu aparente
potencial promissor na reconfiguraccedilatildeo dos papeis institucionais na verdade encontrou pouca
aplicaccedilatildeo concreta sendo poucas vezes invocada pelo legislativo Roach (2001) por
exemplo defende ser preferiacutevel a utilizaccedilatildeo da Seccedilatildeo 1 para reeditar uma norma jaacute reprovada
pelo Judiciaacuterio do que fazer uso da Seccedilatildeo 33 que pode representar uma resposta agressiva
como se o Legislativo estivesse gritando para ganhar um debate
Ao mesmo tempo em que a Seccedilatildeo 33 torna a decisatildeo judicial
ldquoprovisoacuteriardquo podendo ser ultrapassada pelo Legislativo possibilitando assim um suposto
diaacutelogo eacute difiacutecil imaginar na praacutetica essa concretizaccedilatildeo O custo poliacutetico a ser suportado
pelo legislador nessa situaccedilatildeo eacute muito alto e nem sempre o mesmo pode estar disposto a
suportaacute-lo 76
Combater a decisatildeo judicial por meio da imposiccedilatildeo da lei conforme
possibilita a Seccedilatildeo 33 parece natildeo ter sido o caminho escolhido pelo legislador canadense jaacute
que a praacutetica revela o pouco usa da referida claacuteusula em detrimento da Seccedilatildeo 1
Apesar de natildeo ter sido muito utilizada pelo Legislativo em razatildeo do seu
alto custo poliacutetico a Corte em alguns casos utliza-se da possibilidade do legislador derrubar
75 33 (1) Parliament or the legislature of a province may expressly declare in an Act of Parliament or of the
legislature as the case may be that the Act or a provision thereof shall operate notwithstanding a provision
included in section 2 or sections 7 to 15 of this Charter Marginal noteOperation of exception (2) An Act or
a provision of an Act in respect of which a declaration made under this section is in effect shall have such
operation as it would have but for the provision of this Charter referred to in the declaration Marginal
noteFive year limitation (3) A declaration made under subsection (1) shall cease to have effect five years
after it comes into force or on such earlier date as may be specified in the declarationMarginal noteRe-
enactment (4) Parliament or the legislature of a province may re-enact a declaration made under
subsection (1)Marginal noteFive year limitation(5) Subsection (3) applies in respect of a re-enactment
made under subsection (4) Canadian Constitutional Act 1982
76 Eacute justamente o alto custo poliacutetico da utilizaccedilatildeo da Seccedilatildeo 33 que faz com que o legislativo opte por responder
de outra forma agrave decisatildeo judicial no caso de discordacircncia fazendo uso assim da Seccedilatildeo 1 na forma da ldquoin your
face responserdquo conforme falamos no toacutepico anterior Para uma criacutetica mais detalhada do assunto ver
TUSHNET Mark Weak Courts Strong Rights judicial review and social welfare rights in comparative
constitutional law Princeton University 2009 p 45-47
66
a decisatildeo judicial contida na Seccedilatildeo 33 para justificar suas decisotildees sejam elas mais ativistas
ou mais contidas como se percebe no julgamento Vriend v Alberta77
O caso em suma tratava de um professor universitaacuterio Delwin Vriend
que fora demitido apoacutes ter revelado sua opccedilatildeo sexual assumindo ser homossexual
Inconformado Vriend alegando a incompatibilidade da Individual Rights Protection Act
(IRPA) da proviacutencia de Alberta local onde ocorreu a demissatildeo com a Carta canadense
recorreu ao Judiciaacuterio para anular o ato A referida lei trazia em seu texto de forma expressa
os motivos pelos quais era vedada a discriminaccedilatildeo de qualquer cidadatildeo como raccedila cor
sexo cor da pele estado civil crenccedila religiosa dentre outros mas natildeo fazia menccedilatildeo agrave
orientaccedilatildeo sexual motivo pelo qual Vriend alegou a sua incompatibilidade
O caso foi inicialmente apreciado pelo Conselho de Direitos Humanos
de Alberta (Alberta Human Rights Board) que entendeu que a demissatildeo natildeo era nula eis
que a orientaccedilatildeo sexual natildeo era prevista legalmente como motivo de vedaccedilatildeo agrave
discriminaccedilatildeo A Court of Queenacutes Bench (Tribunal Superior equivalente a segunda
instacircncia recursal) de Alberta ao apreciar o recurso do professor considerou nula a
demissatildeo afirmando que embora a orientaccedilatildeo sexual natildeo estivesse expressamente prevista
na IRPA deveria ser considerada como se ali estivesse inserida em funccedilatildeo do princiacutepio da
igualdade assegurado pela Carta
A decisatildeo foi revista e modificada pela Alberta Court of Appeal por
entender que a IRPA lei em anaacutelise no caso era uma norma neutra natildeo se dirigia de maneira
especifica nem a heterossexuais nem a homossexuais e por isso natildeo haveria qualquer
incompatibilidade com a Carta
O caso foi levado a julgamento pela Suprema Corte canadense que
afirmou a incompatibilidade da IRPA com a Carta e ao mesmo tempo que declarou a
incompatibilidade da lei em razatildeo da mesma ser omissa por natildeo incluir a previsatildeo da
proibiccedilatildeo de discriminaccedilatildeo por motivo de orientaccedilatildeo sexual justificou expressamente sua
conduta na metaacutefora do diaacutelogo
A Corte em sua decisatildeo mais especificamente dos paraacutegrafos 134 a 138
invocou a possibilidade de superaccedilatildeo da decisatildeo judicial pelo Legislativo por meio do uso
77 Vriend v Alberta [1998] 1 SCR 493 Iacutentegra da decisatildeo disponiacutevel em httpscc-csclexumcomscc-
cscscc-cscenitem1607indexdo
67
da notwishstanding clause prevista na Seccedilatildeo 33 da Carta afirmando ser um mecanismo
propiciador do diaacutelogo justificando assim a legitimidade democraacutetica da sua decisatildeo e do
exerciacutecio do judicial review
Sendo assim ainda que natildeo tenha sido muito utilizada para o objetivo
inicial a que se propocircs natildeo se pode ignorar o papel da Seccedilatildeo 33 na Carta canadense
principalmente pelo que a sua falta de utilizaccedilatildeo revela78
1014 Criacuteticas as teorias estruturais dos princiacutepios juriacutedicos
Apesar do aparente potencial dialoacutegico das teorias dos princiacutepios
juriacutedicos por possibilitarem por meio de mecanismos especiacuteficos que o Legislativo responda
ou reaja a decisatildeo judicial as mesmas natildeo satildeo isentas de criacuteticas
Assim como as teorias dialoacutegicas fundadas no meacutetodo judicial abordadas
anteriormente as teorias dos princiacutepios juriacutedicos com mecanismo de articulaccedilatildeo legislativa
da poliacutetica traduzidas na praacutetica na Seccedilatildeo 1 da Carta Canadense privilegiam a interpretaccedilatildeo
do Judiciaacuterio em detrimento do posicionamento legislativo o que natildeo resolve o problema da
legitimidade democraacutetica inerente a judicial review (BATEUP 2006)
Como dito as teorias estruturais dos princiacutepios juriacutedicos estabelecem
uma metodologia dialoacutegica que reconhece um papel privilegiado concedido ao Judiciaacuterio
para lidar com questotildees de princiacutepios fundada no seu suposto isolamento poliacutetico que lhe
atribui vantagem como deliberador moral Todavia a praacutetica demonstra que esse pressuposto
isolamento poliacutetico natildeo necessariamente refletiraacute nas decisotildees da Corte
Embora o sistema canadense seja apontado como o marco inicial das
teorias dialoacutegicas o que a experiecircncia revela com a praacutetica da metodologia de diaacutelogo nele
prevista eacute que apesar da possibilidade de resposta legislativa e de uma ainda que apenas
78 Para Hiebert o fato da quase inexistente utilizaccedilatildeo da Seccedilatildeo 33 pelo legislativo revela a relutacircncia do
parlamento canadense em tomar decisotildees que possam por em risco a sua imagem de oacutergatildeo comprometido com
a proteccedilatildeo dos direitos e liberdades assegurados pela Carta por acreditarem que a derrubada de uma decisatildeo
judicial pode acarretar o repuacutedio da populaccedilatildeo Destaca que essa situaccedilatildeo ficou evidente nas eleiccedilotildees federais
de 2014 quando o Governo liberal marcou pontos poliacuteticos preciosos ao criticar veementemente Stephen
Harper liacuteder do partido conservador o qual natildeo descartava o uso da claacuteusula natildeo obstante pois a maioria dos
canadenses interpretam o uso da mesmo como uma violaccedilatildeo aos direitos protegidos na Carta o que expressa
um ceticismo acerca da legitimidade dos desacordos poliacuteticos com as interpretaccedilotildees judiciais apesar de tais
divergecircncias serem constitucionalmente permitidas (HIEBERT 2006 p 20)
68
formal maior liberdade de atuaccedilatildeo parlamentar expressamente conferida pela Seccedilatildeo 1 da
Carta ao fim e ao cabo quem iraacute decidir de fato eacute a Corte jaacute que a ela incumbe a anaacutelise da
proporcionalidade da medida legislativa
A utilizaccedilatildeo pelo Legislativo dos mecanismos normativamente previstos
no sistema canadense como propiciadores de um diaacutelogo com a Corte acarretam um alto
custo poliacutetico Em um primeiro plano pode-se observar que o uso dos mesmos de forma
regular pode acarretar prejuiacutezo ao significado e ateacute mesmo reduzir a importacircncia do
instituto da revisatildeo judicial enviando um claro sinal de que as opiniotildees judiciais muitas
vezes natildeo satildeo dignas de respeito jaacute que podem facilmente ser suplantadas pela iniciativa
parlamentar
Somado a isso tem-se em segundo plano o alto niacutevel de apoio popular
que o sistema judicial recebe que faz com que mesmo que a utilizaccedilatildeo dos meacnismos natildeo
ataque diretamente o Judiciaacuterio como instituiccedilatildeo em si haja uma provaacutevel exigecircncia puacuteblica
do cumprimento das decisotildees judicias em desfavor de mecanismos de overriding pelo
menos em relaccedilatildeo aqueles casos de maior relevacircncia
Esses dois aspectos elevam demasiadamente os custos poliacuteticos da
atuaccedilatildeo legislativa influenciando para que mecanismos como o previsto na Seccedilatildeo 33 que
resultam em uma substituiccedilatildeo de decisatildeo judicial sejam pouco ou quase nada utilizados na
praacutetica (BATEUP 2009 p 566)
Ainda supondo uma hipoteacutetica utilizaccedilatildeo da previsatildeo contida na Seccedilatildeo
33 fundada em um controle das decisotildees judicias pelo Legislativo quando considerar que
houve erro no julgamento feito pelo Judiciaacuterio poderia se assemelhar muito mais a um
modelo de supremacia parlamentar do que um mecanismo propiciador de um diaacutelogo
substancial entre ambos os poderes79
Tushnet (2009) alerta dessa maneira para o fato de que sob o ponto de
vista praacutetico o sistema canadense em muito pouco se difere do modelo tradicional
americano onde haacute uma prevalecircncia das decisotildees judiciais
Alguns criacuteticos tambeacutem apontam para o fato de que a existecircncia formal
da ldquoclaacuteusula natildeo obstanterdquo no sistema pode levar a uma atuaccedilatildeo irresponsaacutevel do Judiciaacuterio
69
que ciente da possibilidade de correccedilatildeo e superaccedilatildeo da sua decisatildeo pelo Poder Legislativo
natildeo se esforccedilaraacute na busca por emanar as melhores decisotildees80
Outro ponto importante de criacutetica o qualeacute fortemente destacado por
Bateup (2006 p49) eacute o fato de essas teorias possuiacuterem uma contradiccedilatildeo intriacutenseca muito
forte ao mesmo tempo que defendem uma competecircncia privilegiada do Judiciaacuterio para lidar
com questotildees de princiacutepios propotildeem que a supervisatildeo poliacutetica eacute necessaacuteria para se proteger
contra a possibilidade de erro judicial
Eacute questionaacutevel a maneira como o legislador chegaraacute a conclusatildeo que o
Judiciaacuterio incorreu em erro jaacute que natildeo haacute nenhuma teoria interpretativa que explicite de
forma objetiva como isso deve ser verificado na praacutetica deixando uma margem de
apreciaccedilatildeo muito ampla e subjetiva parecendo muito mais uma forma de simples superaccedilatildeo
da decisatildeo judicial do que uma efetiva correccedilatildeo
Sendo assim natildeo se vislumbra na praacutetica canadense a efetivaccedilatildeo de um
verdadeiro diaacutelogo sob o ponto de vista material podendo-se aferir apenas a possibilidade
de uma conversaccedilatildeo entre os poderes onde o Judiciaacuterio ldquofalardquo e o Legislativo ldquoescutardquo ou vice-
versa sugerindo mais uma ideia de monoacutelogo do que propriamente de diaacutelogo jaacute que na
realidade natildeo haacute um efetivo debate nem a construccedilatildeo conjunta de uma decisatildeo
Poreacutem apesar das criacuteticas se reconhece a importacircncia da praacutetica
deflagrada pelo sistema canadense que mesmo que apenas formalmente possibilita uma
interaccedilatildeo legislativa no processo de controle de constitucionalidade mediante a utilizaccedilatildeo de
mecanismos criados propriamente para esse fim especiacutefico o que ateacute entatildeo natildeo existia na
jurisdiccedilatildeo constitucional
80 Nesse sentido ver PETTER Andrew Taking Dialogue theory much too seriously (or perhaps charter
dialogue isnrsquot such a good thing after all) Osgoode Law Journal v 45 n1 p147-167 2007 A criacutetica
desenvolvida por Andrew Petter faz parte das que se seguiram apoacutes o estudo desenvolvido por Petter Hogg e
Alisson Bushell Para o Autor a tese dos mesmos eacute desprovida de conteuacutedo normativo e subestima a influecircncia
que as decisotildees judiciais exercem no processo de tomada de decisotildees poliacuteticas e em todos os outros aspectos
da vida poliacuteticas O Autor critica veementemente a metodologia adotada pelos dois autores no tocante a anaacutelise
jurisprudencial que os levou a concluir pela existecircncia do diaacutelogo no sistema canadense dentre outros
importantes aspectos por isso sugerimos a leitura
70
11 As teorias dialoacutegicas da parceira
Agrupam-se nessa categoria de teorias estruturais do diaacutelogo aquelas
que apostam nos mecanismos institucionais como a melhor forma de promoccedilatildeo do diaacutelogo
reconhecem o papel igualmente importante tanto dos atores judiciais como dos natildeo judiciais
no processo de tomada de uma decisatildeo constitucional
De acordo com essas teorias tanto o Judiciaacuterio quanto o Legislativo
devem ter seu papel reforccedilado dentro do processo de interpretaccedilatildeo constitucional sendo
reconhecidas as capacidades e competecircncias especiacuteficas de cada um de modo que repartam
a responsabilidade das decisotildees
Ao contraacuterio das teorias dos princiacutepios juriacutedicos para essas teorias natildeo
haacute um polo privilegiado reconhecem as diferentes competecircncias de cada braccedilo do poder
poreacutem defendem uma atuaccedilatildeo colaborativa entre eles na interpretaccedilatildeo constitucional sem
qualquer hierarquia
Bateup (2006 p 71) destaca as ideias de Janet Hiebert como exponente
dessas teorias eis que a referida Autora ao analisar a experiecircncia Canadense na aplicaccedilatildeo da
Carta de 1982 critica a passividade do Legislativo em face da intervenccedilatildeo judicial em
assuntos de poliacutetica puacuteblica argumentando que a interpretaccedilatildeo constitucional deve ser uma
responsabilidade compartilhada entre os Tribunais e o Parlamento
Hibert (2002) defende uma ldquoabordagem relacionalrdquo mediante a
combinaccedilatildeo entre a perspectiva judicial e legislativa para as interpretaccedilotildees da Carta Alega
que o fato de estarem separados Legislativo e Judiciaacuterio poreacutem interligados dentro da ordem
constitucional faz com quem ambos estejam aptos a se engajar em um diaacutelogo no qual cada
um deve ter certo grau de modeacutestia sobre suas proacuteprias conclusotildees e ouvir o outro a fim de
um aprendizado reciacuteproco e conforme necessaacuterio modificar seu ponto de vista
Nesse sentido criacutetica a teoria dialoacutegica de Bushell e Hogg sobretudo por
atribuiacuterem agrave Corte um papel corretivo incompatiacutevel com a ideia do compartilhamento de
responsabilidade inerente ao diaacutelogo Para a Autora natildeo deve ser atribuiacutedo agrave Corte o papel
de conduzir o diaacutelogo mas sim reconhecidas as capacidades diferentes de cada instituiccedilatildeo
do Poder as quais enxergam os problemas por prismas diferentes
71
Demonstra por meio desse entendimento que o Judiciaacuterio natildeo seria a
instacircncia mais bem posicionada para avaliar a escolha dos meios feita pelo legislador para
alcanccedilar seus objetivos mas sim para fiscalizar a qualidade da deliberaccedilatildeo e o empenho
despendido para fazer o balanceamento entre direitos e seus limites
Essa fiscalizaccedilatildeo acabaria por aumentar a responsabilidade do
Legislativo jaacute que precisaraacute convencer o Judiciaacuterio da necessidade da limitaccedilatildeo imposta e
do seu cuidado e compromisso com a proteccedilatildeo dos direitos81
111 Criacuteticas agrave teoria da parceria
No tocante a legitimidade democraacutetica da revisatildeo judicial das leis pode-
se dizer que essas teorias comparadas as demais ateacute aqui expostas demonstram maior
aptidatildeo para solucionar o problema pois oferecem uma resposta satisfatoacuteria a objeccedilatildeo
contramajoritaacuteria ao natildeo reconhecerem nenhuma posiccedilatildeo superior ao Judiciaacuterio em relaccedilatildeo
aos demais poderes mas sim reforccedilando a ideia de separaccedilatildeo de poderes e funccedilotildees
especiacuteficas sendo estas igualmente importantes no processo de interpretaccedilatildeo constitucional
Do ponto de vista teoacuterico a ideia parece ideal sobretudo por reforccedilar o
princiacutepio da separaccedilatildeo de poderes aumentando a responsabilidade institucional e
respeitando as competecircncias teacutecnicas e especiacuteficas de cada braccedilo do Poder como se idealiza
Todavia a sua dificuldade praacutetica eacute tatildeo evidente que natildeo conseguimos sequer vislumbrar
um exemplo concreto da efetivaccedilatildeo dessa teoria
Apesar disso deve ser considerada e reconhecida a sua importacircncia por
servir como um objetivo a ser alcanccedilado como um ponto de referecircncia que se deve buscar
implementar na praacutetica apesar das latentes dificuldades
Para Bateup essas teorias seriam praticamente perfeitas se comparadas
com as outras para alcanccedilar os objetivos a que as teorias dialoacutegicas se propotildeem poreacutem
pecam por natildeo considerar a necessidade da participaccedilatildeo social no diaacutelogo Diante disso a
Autora propotildee uma outra metodologia que a seu ver seria a ideal a qual passamos a expor
81 ldquoThe extent to wich Parliament will be able to convince the judiciary about the merits of how it believes
Charter conflicts should be resolved may be a direct reflection of the extent of its commitment to careful and
principled judgment To a considerable degree Parliament is likely get the kinds of judicial rulings ir
deservesrdquo (HIEBERT 2002 p 227)
72
12 Fusatildeo dialoacutegica
A metodologia de diaacutelogo ideal proposta por Bateup consiste na fusatildeo
entre os elementos das teorias da parceria e do equiliacutebrio que resultaria na forma mais
promissora do diaacutelogo constitucional por permitir uma compreensatildeo mais abrangente dos
diferentes aspectos institucionais e sociais possibilitando a participaccedilatildeo de diferentes atores
no processo de interpretaccedilatildeo constitucional (BATEUP 2006 p 77)
Na concepccedilatildeo da Autora a fusatildeo dialoacutegica seria o modelo ideal de
diaacutelogo pois por meio dos elementos proacuteprios da teoria da parceria se resolveriam as
controveacutersias acerca da legitimidade democraacutetica do judicial review reforccedilando a
competecircncia e atuaccedilatildeo das instituiccedilotildees aumentando a responsabilidade das mesmas pelas
suas decisotildees e atividades e por outro lado por meio dos elementos das teorias do
equiliacutebrio se promoveria a inclusatildeo da sociedade no debate reconhecendo o papel do
Judiciaacuterio como mediador da discussatildeo sem no entanto atribuir-lhe o poder da palavra final
Como aprimoramento das outras teorias a fusatildeo dialoacutegica propotildee a
noccedilatildeo do papel do Judiciaacuterio como um facilitador do debate na sociedade sobre os principais
temas do constitucionalismo para que mediante dele se alcance um resultado mais
duradouro e aceitaacutevel no seio social
Sendo assim em siacutentese o que Bateup propotildee eacute que a criacutetica inicialmente
feita agrave teoria do equiliacutebrio relativa a existecircncia de problemas constitucionais menos
relevantes em que natildeo seria necessaacuterio - nem recomendaacutevel - a abertura de um debate no
seio social seria superada pela metodologia da teoria da parceria surgindo assim um modelo
mais ldquocorretordquo de diaacutelogo
Sob essa perspetiva a revisatildeo judicial das leis teria como consequecircncia
dois aspectos distintos dentro da sociedade moderna Em primeiro lugar seria um
mecanismo auxiliador na produccedilatildeo de respostas mais duraacuteveis e amplamente aceitaacuteveis em
relaccedilatildeo a questotildees constitucionais que envolvam diaacutelogo com a sociedade como um todo e
em segundo tambeacutem auxiliaria na promoccedilatildeo de uma melhor resoluccedilatildeo institucional de
questotildees constitucionais no acircmbito de casos individuais (BATEUP 2006 p 78)
73
121 Criacuteticas agrave teoria da fusatildeo dialoacutegica
Aqui repetem-se as criacuteticas feitas no toacutepico acima acerca da teoria da
parceria acrescentando-se a essas as atinentes agrave inclusatildeo da participaccedilatildeo da sociedade como
participantes do diaacutelogo
A ideia de Bateup parece sob o ponto de vista da legitimidade
democraacutetica do controle de constitucionalidade ideal para superar todas as desconfianccedilas
pois combina os melhores elementos da teoria da parceria e ainda inclui a participaccedilatildeo
social que nesse vieacutes eacute de fundamental importacircncia
De todas as teorias ateacute aqui expostas parece ser a uacutenica a prever a
concretizaccedilatildeo de um diaacutelogo material facilitando a ocorrecircncia de um verdadeiro debate entre
os participantes do processo de interpretaccedilatildeo constitucional a fim de encontrar um consenso
Todavia as dificuldades residentes na implementaccedilatildeo dessa concepccedilatildeo
teoacuterica na praacutetica satildeo inuacutemeras primeiramente pela limitaccedilatildeo dos provaacuteveis meios para
inclusatildeo da sociedade no debate e depois pelos riscos que essa inclusatildeo pode oferecer
Incluir a sociedade civil em um debate atinente a realizaccedilatildeo de poliacuteticas
puacuteblicas para a efetivaccedilatildeo de direitos fundamentais pode ser extremamente perigoso pois a
pressatildeo social pode levar a tomadas de decisotildees irresponsaacuteveis pelos entes puacuteblicos bem
como pode acabar privilegiando uma ou outra parcela da populaccedilatildeo que esteja ativa no
debate em detrimento de outra Com isso pode haver o favorecimento dos interesses de
grupos minoritaacuterios o que nem sempre pode ser considerado favoraacutevel do ponto de vista
democraacutetico
Neste sentido ainda que a metodologia proposta po Bateup seja
aparentemente a mais promissora para resolver o conflito que ronda a legitimidade
democraacutetica do controle judicial das leis natildeo se pode tomaacute-la como uma verdade absoluta
sendo necessaacuterio criterioso cuidado na sua anaacutelise
13 Os mecanismos estruturais de diaacutelogo no sistema britacircnico e neozelandecircs
Como jaacute se abordou brevemente no iniacutecio do presente trabalho o novo
modelo canadense de revisatildeo judicial das leis por ser uma alternativa agrave tradicional forma de
supremacia judicial acabou por influenciar outros paiacuteses da Commonwealth de tradiccedilatildeo
74
parlamentar justamente pela sua promessa de conciliaccedilatildeo entre a supremacia legislativa e a
revisatildeo judicial no tocante a proteccedilatildeo de direitos fundamentais
Assim inspirados nesse novo modelo de judicial review paiacuteses como o
Reino Unido e Nova Zelacircndia ao reconhecerem a necessidade de uma tutela especial aos
direitos fundamentais adotaram sistemas que tambeacutem possuem mecanismos que propiciam
uma forma ldquofracardquo de revisatildeo judicial
O ponto em comum que ambos os sistemas possuem eacute o fato que o
Judiciaacuterio natildeo deteacutem poder para invalidar a legislaccedilatildeo ou seja permanecem pelo menos em
teoria em um sistema onde a supremacia parlamentar ainda se faz presente Todavia diante
da necessidade de assegurar a eficaacutecia dos direitos fundamentais que passaram a fazer parte
do Bill of Rights acabaram por introduzir em seu sistema alguns mecanismos que mitigaram
essa supremacia condicionando o legislador a observaccedilatildeo de tais direitos
Ambos os sistemas possuem assim a figura do mandado interpretativo
que em suma permite ao Judiciaacuterio o exerciacutecio da revisatildeo das leis ainda que natildeo possa
invalidaacute-las e lhe impotildee a tarefa de no momento que for analisar a legislaccedilatildeo interpretaacute-la
conforme os preceitos do Bill of Rights
Apesar de ser o mesmo mecanismo ele se desdobra na praacutetica de
maneiras diversas em cada paiacutes em face das suas peculiaridades razatildeo pela qual se analisaraacute
ambos os sistemas de forma autocircnoma
131 O mandado interpretativo e a declaraccedilatildeo de incompatibilidade no reino
unido (seccedilatildeo 3 e 4 (2) do human rights act 1998)
Como se sabe o Reino Unido eacute considerado o berccedilo da soberania
parlamentar onde ateacute recentemente cabia a este oacutergatildeo a apreciaccedilatildeo e resoluccedilatildeo de problemas
constitucionais tendo o Judiciaacuterio pouca ou quase nenhuma expressatildeo nesse sentido
O reconhecimento da competecircncia do Judiciaacuterio para a realizaccedilatildeo da
revisatildeo das leis foi um processo gradativo Apoacutes a Revoluccedilatildeo Gloriosa e a promulgaccedilatildeo do
Bill of Rights ambas as Casas do Parlamento inglecircs (House of Common e House of Lords)
75
passaram a deter competecircncia exclusiva para receber e apreciar as peticcedilotildees advindas dos
tribunais inferiores 82
Posteriormente jaacute exercendo a Cacircmara dos Lordes tal funccedilatildeo de modo
exclusivo veio a lume o Appellate Jurisdiction Act (1876) por intermeacutedio do qual foi criada
a figura dos lordes de apelaccedilatildeo (Lords of Appeal in Ordinary ou Law Lords) juiacutezes altamente
qualificados que deveriam se dedicar exclusivamente agraves questotildees judiciais submetidas ao
Parlamento Tais juiacutezes passaram a integrar o que veio a ser denominado Comissatildeo de
Apelaccedilatildeo da Cacircmara dos Lordes (Appellate Committee) e exercendo apenas a funccedilatildeo
jurisdicional deixaram de participar das votaccedilotildees do Parlamento (natildeo obstante tenham
permanecido como membros de tal Poder) (LARANJEIRA 2013)
Nesse contexto na estrutura constitucional inglesa cabia ao Parlamento
natildeo apenas a funccedilatildeo legislativa que lhe eacute inerente mas tambeacutem a atuaccedilatildeo como oacutergatildeo de
cuacutepula judicial Essa concepccedilatildeo era decorrente da inexistecircncia de uma constituiccedilatildeo escrita
formalmente superior as demais normas83 razatildeo pela qual o legislador acabava por ter uma
autonomia ilimitada para editar modificar e anular as leis
O ponto inicial de mudanccedila dessa estrutura foi a adoccedilatildeo do Human
Rights Act 199884 que entrou em vigor em 2 de outubro de 2000 e introduziu no
ordenamento juriacutedico interno os princiacutepios fundamentais jaacute enunciados pela Convenccedilatildeo
Europeia de Direitos do Homem85 A adoccedilatildeo desse documento representou uma mudanccedila
significativa na cultura legal do paiacutes porque as autoridades puacuteblicas passaram a ser
obrigadas a obedecer novas normas antes consideradas apenas no acircmbito internacional e
com isso quaisquer accedilotildees do Governo ou outros organismos puacuteblicos que natildeo cumprissem
82 Para um maior aprofundamento sobre a histoacuteria estrutura e composiccedilatildeo do Parlamento britacircnico ver
LEYLAND Peter The Constituion of the United Kingdom a contextual analysis Oxford 2007 p 81-114
83 Necessaacuterio destacar que embora natildeo exista um documento formal intitulado de Constituiccedilatildeo atribui-se esse
mesmo sentido ao ldquo() conjunto de praacuteticas instituiccedilotildees e remeacutedios processuais que determina a estruturaccedilatildeo
poliacutetica do Estado com o adequado controle e distribuiccedilatildeo do poder aleacutem do apontamento de garantias
fundamentais em favor dos cidadatildeos ()rdquo (CYRINO 2007)
84 Eacute importante esclarecer que antes da adoccedilatildeo do HRA o Reino Unido jaacute havia ratificado a Convenccedilatildeo
Europeia de Direitos do Homem em 1951 o que acarretou severesos conflitos de normas A necessidade de
conciliaccedilatildeo desses conflitos normativos pode ser considerada como um dos motivos que ensejaram a adoccedilatildeo
do HRA
85 A adoccedilatildeo desse documento foi tambeacutem decorrente de importantes conflitos poliacuteticos que acabaram por
enfraquecer a ideia de supremacia parlamentar ateacute entatildeo intocaacutevel sobretudo pelas constriccedilotildees decorrentes da
entrada na Uniatildeo Europeia que obrigou o paiacutes a estabelecer um documento legal de proteccedilatildeo de direitos
fundamentais com status qualificado Nesse sentido ver TUSHNET 2008 p 28
76
com a Convenccedilatildeo passaram a poder serem consideradas como ilegais tambeacutem no acircmbito
interno (LEYLAND 2007)
A partir de entatildeo passou-se a travar debates atinentes a necessidade de
ampliaccedilatildeo de um sistema de revisatildeo judicial das leis a fim de dar eficaacutecia ao documento e
consolidar a sua hierarquia qualificada perante as demais leis86
A mudanccedila do sistema onde ateacute entatildeo o controle das leis era feito por
um oacutergatildeo poliacutetico parte do proacuteprio Parlamento se consolidou com a aprovaccedilatildeo do
Constitution Reform Act em 2005 o qual passou a prever a criaccedilatildeo da Suprema Corte que
foi instalada mais recentemente no ano de 2009 e marcou a consolidaccedilatildeo de um oacutergatildeo
judicial independente do legislativo87
O HRA ao introduzir no odernamento juriacutedico interno os princiacutepios e
direitos previstos na Convenccedilatildeo Europeia na Seccedilatildeo 388 determinou que tanto quanto fosse
possiacutevel a legislaccedilatildeo primaacuteria e a legislaccedilatildeo subordinada devem ser interpretadas visando a
compatibilidade com os preceitos da Convenccedilatildeo
Ou seja o mandado interpretativo consiste na imposiccedilatildeo as Cortes do
dever de se esforccedilarem para interpretar as leis de acordo com o HRA Tambeacutem eacute denominado
por alguns doutrinadores de poder interpretativo (interpretative power) visto que possibilita
86 Sobre o impacto do HRA na cultura britacircnica Gadbaum (2001 p 732) destaca ldquoThere is no doubt that in
the British legal and constitutional context the mere existence of a set of codified constitutes a radical change
in legal and political culture independent of the exact form and legal status that they possess This is because
it replaces the existing conception of civil liberties as residual in nature ndash citizens are free to do whatever
statute common law and delegated legislation do not prohibit them from doing ndash with a primary or affirmative
set of rights that limit what citizens may be prohibited from doing in the first placerdquo
87 Leyland (2007 p 154) esclarece que a Suprema Corte britacircnica natildeo foi criada com o objetivo de ser um
Tribunal constitucional em suas palavras ldquoThe Supreme Court will not be established as a constitutional court
although of course it will have to preside over cases that raise constitutional issues and it will take over from
the Judicial Committee of the Privy Council jurisdiction over lsquodevolution issuesrsquo arising from the Scotland Act
1998 Government of Wales Act 1998 and Northern Ireland Act 1998rdquo
88 Interpretation of legislation (1)So far as it is possible to do so primary legislation and subordinate
legislation must be read and given effect in a way which is compatible with the Convention rights (2)This
sectionmdash (a)applies to primary legislation and subordinate legislation whenever enacted (b)does not affect
the validity continuing operation or enforcement of any incompatible primary legislation and (c)does not
affect the validity continuing operation or enforcement of any incompatible subordinate legislation if
(disregarding any possibility of revocation) primary legislation prevents removal of the incompatibility (HRA
1998)
77
a modificaccedilatildeo do significado das leis inicialmente conferido pelo Palamento a fim de
compatibilizaacute-las com a Convenccedilatildeo89
Todavia quando natildeo for possiacutevel uma interpretaccedilatildeo compatiacutevel a lei
natildeo pode ser invalidada permanecendo em pleno vigor podendo ser aplicada e invocada em
qualquer procedimento legal O que deve existir nesses casos eacute a emissatildeo de uma declaraccedilatildeo
de incompatibilidade onde a Corte pronunciaraacute o seu entendimento mas este natildeo teraacute
nenhum efeito direto ou concreto sobre a validade da norma90
A manifestaccedilatildeo do Judiciaacuterio por meio da declaraccedilatildeo de
incompatibilidade apesar de natildeo acarretar a nulidade da lei ao tornar puacuteblico o conflito da
mesma com os direitos assegurados pelo HRA gera um inegaacutevel constrangimento poliacutetico
Poreacutem o Parlamento continua a ser soberano eis que eacute ele que decide se a norma ainda que
declaradamente incompatiacutevel continuaraacute vigente como antes (CYRINO 2007)
Tendo em vista o constrangimento poliacutetico causado pela declaraccedilatildeo de
incompatibilidade alguns autores defendem ser esse um mecanismo propulsor de uma
resposta do Parlamento agraves decisotildees da Corte de forma a alterar a lei para eliminar a
incompatibilidade apontada pelas Cortes bem como de uma maior responsabilidade para
com a observacircncia dos direitos do HRA quando da formulaccedilatildeo das leis a fim de evitar uma
futura incompatibilidade
Um reconhecido e importante exemplo dessa praacutetica ocorreu no
julgamento do caso A and Others v Secretary of State for the Home Departament91 onde o
Governo britacircnico foi acusado de minar direitos individuais por meio da criaccedilatildeo da lei Anti
terrorismo crime e seguranccedilas de 2001 por permitir a detenccedilatildeo por tempo indeterminado
de estrangeiros suspeitos da praacutetica de terrorismo
89 ldquoThis section confers an interpretative power which allows the courts to consider legislation and transform
it by stretching its meaning where it is possible to do so in order to achieve Convention compatibilityThis
marks a significant shift of power from Parliament to judges since the courts are able to rewrite sections of
Acts by reading into them words that are not there and by doing so remove potential conflicts with the
Conventionrdquo (LEYLAND 2007 p 171)
90 4 (2) If the court is satisfied that the provision is incompatible with a Convention right it may make a
declaration of that incompatibility (HRA 1998)
91 A and Others v Secretary of State for the Home Departament (2004) UKHL Iacutentegra disponiacutevel em
httpwwwpublicationsparliamentukpald200405ldjudgmtjd041216aampoth-1htm
78
Nesse caso um grupo de suspeitos que estava detido em Belmarsh haacute
trecircs anos suscitou o conflito da lei com os direitos e garantias assegurados no HRA O
Comitecirc Judicial da Cacircmara dos Lordes emitiu uma declaraccedilatildeo de incompatibilidade da
referida legislaccedilatildeo poreacutem como a mesma natildeo provoca a nulidade os suspeitos continuaram
detidos Contudo a condenaccedilatildeo da legislaccedilatildeo ocasionou uma resposta do Governo
A declaraccedilatildeo de incompatibilidade acabou persuadindo o Governo a
editar uma nova lei utilizando uma outra abordagem para controlar os suspeitos de
terrorismo de forma a superar a incompatibilidade verificada e dessa maneira foi editada a
lei de Anti Terrorismo de 2005 (Prevention of Terrorism Act 2005)
Nesse sentido a declaraccedilatildeo de incompatibilidade pode ser lida sob a
oacutetica das teorias dialoacutegicas92 eis que quase sempre que for emitida ensejaraacute uma resposta do
Governo ou do Parlamento no sentido de modificar a lei para eliminar a incompatibilidade
diante de uma provaacutevel pressatildeo puacuteblica intensa nesse sentido e pelo proacuteprio interesse puacuteblico
em fazecirc-lo
Ademais o Governo e o Parlamento dificilmente iratildeo ignorar o conflito
revelado entre a legislaccedilatildeo e o HRA tambeacutem considerando que a viacutetima da violaccedilatildeo manteacutem
o direito de recorrer ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem alegando uma violaccedilatildeo a
Convenccedilatildeo Europeacuteia pelas normas internas (DEBELJAK 2002 p317)
Sob essa perspectiva a declaraccedilatildeo de incompatibilidade seria um
instrumento ideal para possibilitar um diaacutelogo entre o Judiciaacuterio e o Parlamento na tarefa da
interpretaccedilatildeo e execuccedilatildeo dos direitos fundamentais O HRA confere uma voz formal ao
Judiciaacuterio a qual pode ser colocada em praacutetica mediante a utilizaccedilatildeo deste instrumento com
o objetivo de envolver o legislativo no debate (SCHYFF 2010 p 188)
Complementando essa ideia Seccedilatildeo 1093 do HRA prevecirc mecanismos
que possibilitam uma alteraccedilatildeo da legislaccedilatildeo de forma mais raacutepida que pelo procedimento
92 ldquoThe notion of declarations of incompatibility is congruent with the principle of democratic inclusion The
deliberative process continues via an inter-institutional dialogue ensuring that no arm of government has a
monopoly on the final resolution of the defining commitments of society (hellip) According to the Human Rights
White Paper (UK) a judicial declaration of incompatibility is part of an inter-institutional dialogue A
declaration of incompatibility lsquowill almost certainly prompt the Government and parliament to change the lawrsquo
and lsquothe Government would have to consider and in most cases would consider the position pretty rapidlyrdquo
(DEBELJAK 2002p317)
93 ldquoSection 10 (Power to take remedial action) (1)This section applies ifmdash (a) a provision of legislation has
been declared under section 4 to be incompatible with a Convention right and if an appeal liesmdash (i)all persons
79
comum denominados remedial actions A Seccedilatildeo 1994 ainda estabelece uma forma de
controle preacutevio da legislaccedilatildeo a ser realizado pelo Ministro
Em razatildeo disso o sistema de revisatildeo judicial das leis instituiacutedo no Reino
Unido vem sendo apontado por alguns doutrinadores como um sistema dialoacutegico Contudo
por oacutebvio haacute objeccedilotildees conforme se passaraacute a demonstrar
1311 Criacuteticas agrave experiecircncia britacircnica
Apesar de ainda ser muito cedo para proferir um pronunciamento firme
sobre a nova praacutetica implementada no Reino Unido pelo HRA (HIEBERT 2006) jaacute se
consegue vislumbrar na doutrina algumas criacuteticas valiosas a seu respeito
Em suma as duacutevidas sobre a sustentabilidade deste modelo residem na
imprevisibilidade do comportamento poliacutetico que ao mesmo tempo pode favorecer um
recuo ao antigo modelo da soberania parlamentar como pode tambeacutem acabar se
aproximando ao tradicional modelo norte-americano onde haacute uma evidente supremacia
judicial
who may appeal have stated in writing that they do not intend to do so (ii)the time for bringing an appeal has
expired and no appeal has been brought within that time or (iii)an appeal brought within that time has been
determined or abandoned or (b) it appears to a Minister of the Crown or Her Majesty in Council that having
regard to a finding of the European Court of Human Rights made after the coming into force of this section in
proceedings against the United Kingdom a provision of legislation is incompatible with an obligation of the
United Kingdom arising from the Convention (2)If a Minister of the Crown considers that there are compelling
reasons for proceeding under this section he may by order make such amendments to the legislation as he
considers necessary to remove the incompatibility (3)If in the case of subordinate legislation a Minister of
the Crown considersmdash (a) that it is necessary to amend the primary legislation under which the subordinate
legislation in question was made in order to enable the incompatibility to be removed and (b)that there are
compelling reasons for proceeding under this section he may by order make such amendments to the primary
legislation as he considers necessary (4)This section also applies where the provision in question is in
subordinate legislation and has been quashed or declared invalid by reason of incompatibility with a
Convention right and the Minister proposes to proceed under paragraph 2(b) of Schedule 2 (5)If the legislation
is an Order in Council the power conferred by subsection (2) or (3) is exercisable by Her Majesty in Council
(6)In this section ldquolegislationrdquo does not include a Measure of the Church Assembly or of the General Synod
of the Church of England (7)Schedule 2 makes further provision about remedial ordersrdquo Human Rights Act
1998
94 ldquoSection 19 (Statements of compatibility) (1)A Minister of the Crown in charge of a Bill in either House of
Parliament must before Second Reading of the Billmdash (a) make a statement to the effect that in his view the
provisions of the Bill are compatible with the Convention rights (ldquoa statement of compatibilityrdquo) or (b)make
a statement to the effect that although he is unable to make a statement of compatibility the government
nevertheless wishes the House to proceed with the Bill (2)The statement must be in writing and be published
in such manner as the Minister making it considers appropriaterdquo Human Rights Act 1998
80
Neste sentido as criacuteticas se assemelham agraves crtiacuteticas jaacute disparadas contra
o sistema canadense95 o que nos conduz a percepccedilatildeo de que talvez seja uma caracteriacutestica
comum a todos os modelos concluindo que por melhor e mais elaborado que seja o sistema
de revisatildeo judicial das leis sua concretizaccedilatildeo sofreraacute dificuldades por questotildees de cunho
subjetivo tendo a cultura local de cada paiacutes grande influecircncia nessa praacutetica
Ou seja o grau de comprometimento de cada braccedilo do Poder seja com
a busca pela efetivaccedilatildeo de direitos ou com a preservaccedilatildeo da soberania parlamentar iraacute
influenciar diretamente na forma de utilizaccedilatildeo dos mecanismos dialoacutegicos colocados a
disposiccedilatildeo
Eacute importante notar que o HRA ao mesmo tempo que preserva a
supremacia da legislaccedilatildeo jaacute que a mesma natildeo pode ser invalidada por outro oacutergatildeo que natildeo
o proacuteprio Parlamento acaba por conferir um papel de destaque ao Judiciaacuterio no processo de
interpretaccedilatildeo e efetivaccedilatildeo dos direitos fundamentais
A Seccedilatildeo 3 ao instituir o mandado interpretativo atribui grande
influecircncia ao entendimento do Judicaacuterio na definiccedilatildeo do sentido das leis ao passo que a
declaraccedilatildeo de incompatibilidade apesar do seu potencial dialoacutegico demonstrado acima na
praacutetica tambeacutem faz com que prevaleccedila esse entendimento jaacute que a tendecircncia eacute que os outros
oacutergatildeos sigam a interpretaccedilatildeo judicial no sentido de modificar a lei garantindo a preservaccedilatildeo
dos direitos fudamentais assegurados pelo HRA e pela CEDH (DEBELJAK 2002)
Hiebert (2004 p 1983) ao tratar da experiecircncia britacircnica chama a
atenccedilatildeo para o fato de que apesar da clara intenccedilatildeo dos proponentes do HRA de manter o
princiacutepio da soberania parlamentar natildeo houve muita discussatildeo sobre como esse princiacutepio
iria se relacionar com os julgamentos do Judiciaacuterio sobre direitos
Revela que as pesquisas realizadas por meio da anaacutelise de debates
parlamentares deliberaccedilotildees poliacuteticas e comentaacuterios acadecircmicos sobre o assunto
demonstram pouca consideraccedilatildeo dos criteacuterios condiccedilotildees e circunstacircncias em que o Governo
deve explicitamente discordar das interpretaccedilotildees do HRA feitas pelo Judiciaacuterio
O que se percebe da anaacutelise do sistema de revisatildeo judicial das leis
desenvolvido pelo Reino Unido eacute que muito embora o Judiciaacuterio natildeo detenha a uacuteltima
95 Ver toacutepico 1014
81
palavra natildeo podendo invalidar a legislaccedilatildeo o mandado interpretativo lhe confere um poder
de interpretaccedilatildeo muito amplo podendo mudar o sentido da lei inicialmente conferido pelo
legislador o que pode contribuir para uma forma de supremacia judicial
Aleacutem do que o amplo uso do mesmo pode acabar levando os juiacutezes a
natildeo exprimirem as suas verdadeiras opiniotildees sobre a legislaccedilatildeo camuflando assim uma falsa
compatibilidade o que natildeo eacute desejaacutevel sob o ponto de vista constitucional sobretudo quando
se busca uma efetiva proteccedilatildeo de direitos
Neste sentido seria preferiacutevel que o mandado interpretativo fosse visto
apenas como uma diretriz uma tentativa e natildeo uma obrigaccedilatildeo e que os juiacutezes procurassem
usar em todas as vezes que entederem que uma legislaccedilatildeo natildeo eacute compatiacutevel com a
declaraccedilatildeo de direitos seu poder de declaraccedilatildeo Entretanto natildeo haacute como determinar que o
Judiciaacuterio aja dessa forma pelo que a declaraccedilatildeo de incompatibilidade pode ser utilizada
frequentemente ou como uma medida de uacuteltimo recurso
Os teoacutericos que acreditam na possiacutevel existecircncia de um diaacutelogo no
sistema britacircnico tendem a considerar que o uso frequumlente da Seccedilatildeo 3 pelas Cortes ou seja
o amplo exerciacutecio do poder interpretativo sob o ponto de vista democraacutetico eacute menos
desejaacutevel do que a emissatildeo de declaraccedilotildees de incompatibilidade pois ele daacute ao Judiciaacuterio a
uacuteltima palavra ao menos que seja ou ateacute que seja revista pelo Parlamento (BATEUP 2009
p 547)
Diante do exposto percebe-se que a materializaccedilatildeo de um diaacutelogo na
forma esperada dentro do sistema britacircnico iraacute depender efetivamente do comportamento do
Judiciaacuterio por meio das suas escolhas jaacute que pode optar por exercer o mandado interpretativo
a qualquer custo mudando fundamentalmente o sentido da legilaccedilatildeo bem como pode optar
pela emissatildeo da declaraccedilatildeo de incompatibilidade deixando espaccedilo para a atuaccedilatildeo
Parlamentar no sentido de superar a deficiecircncia da lei Ou seja mais uma vez revela-se na
praacutetica dialoacutegica a importacircncia das escolhas feitas pelas instituiccedilotildees no momento da sua
atuaccedilatildeo
Ademais eacute duvidoso se pode-se afirmar que na melhor das hipoacuteteses
quando o Judiciaacuterio declara uma lei incompatiacutevel e o Parlamento responde a essa declaraccedilatildeo
haacute um diaacutelogo do ponto de vista material eis que natildeo se verifica a interaccedilatildeo entre os Poderes
82
no momento da tomada de decisatildeo o compartilhamento de suas visotildees para a construccedilatildeo do
sentido constitucional
O que haacute eacute mais uma atuaccedilatildeo singular de cada um O Judiciaacuterio tendo
que interpretar a legislaccedilatildeo de acordo com o HRA sem poder invalidaacute-la e o Legislativo
tendo que responder a essa interpretaccedilatildeo quando a mesma for contraacuteria aquela por ele
realizada inicialmente seja no sentido de modificar a legislaccedilatildeo superando a
incompatibilidade apontada pelo Judiciaacuterio ou fazer prevalecer o seu entendimento se assim
achar correto
Todavia ainda que recente a praacutetica tem demonstrado que na quase
totalidade dos casos em que houve uma resposta do Parlamento a uma declaraccedilatildeo de
incompatibilidade a mesma foi no sentido de acolher a opiniatildeo judicial para modificar a lei96
o que demonstra uma tendecircncia desse sistema em acolher a decisatildeo judicial ainda que a
mesma natildeo tenha formalmente o poder de invalidar a lei
132 O mandado interpretativo na experiecircncia neozelandesa
A Nova Zelacircndia assim como o Reino Unido tambeacutem possui um
constitucionalismo de tradiccedilatildeo parlamentar A adoccedilatildeo de um documento formal que visasse
agrave proteccedilatildeo de direitos fundamentais soacute ocorreu em 1990 com a aprovaccedilatildeo do New Zeland
Bill of Rights Act (NZBORA)
A principal caracteriacutestica que difere o sistema Neozelacircndes dos demais
eacute o fato de que o NZBORA natildeo possui uma hierarquia superior as demais leis ordinaacuterias do
paiacutes ou seja eacute um diploma desprovido de qualquer supremacia ou rigidez dentro do
ordenamento juriacutedico Essa caracteriacutestica faz com que o mesmo pelo menos teoricamente
possa ser revogado integralmente ou em parte por qualquer maioria legislativa posterior
(TUSHNET 2009 p 25)
96 ldquoGreater doubts about the behavioral assumptions underpinning weak-form dialogue theory emerge when
we consider the responses that responses that these declarations have elicited from the political branches of
government If Parliament were responding in the manner advocated by weak-form dialogue theorist we would
expect to see disagreement with judicial declarations being regularly expressed or at the very least on
occasion Contrary to these expectations however the British Parliament has almost universally responded
to judicial declarations of incompatibility by amending or repealing the relevant primary legislation in
accordance with the courtrsquos rulingrdquo (BATEUP 2009 p 549)
83
Aleacutem de possuir status de lei ordinaacuteria o NZBORA exclui
expressamente a possibilidade de anulaccedilatildeo das leis pelo Judiciaacuterio97 e determina que este
sempre que for interpretar qualquer dispositivo legal o faccedila em conformidade com o Bill of
Rights98 As seccedilotildees 4 a 7 trazem provisotildees que evitam o engajamento do Judiciaacuterio em uma
revisatildeo substantiva dos atos do Parlamento ratificando a supremacia parlamentar como um
princiacutepio constitucional da Nova Zelacircndia (HIEBERT KELLY 2015 p 62)
Ao contraacuterio do que ocorre no modelo britacircnico na Nova Zelacircndia o
Judiciaacuterio natildeo pode emitir qualquer declaraccedilatildeo de incompatibilidade o que para alguns
doutrinadores afasta a caracterizaccedilatildeo desse sistema como um judicial review jaacute outros o
caracterizam como um sistema ldquosuper fracordquo de revisatildeo judicial
Diante disso parece inicialmente que o NZBORA natildeo possui entatildeo
qualquer influecircncia importante dentro do ordenamento juriacutedico daquele paiacutes entretanto ao
contraacuterio do que parece o mesmo foi responsaacutevel por profundas mudanccedilas na legislaccedilatildeo
interna justamente por funcionar como um documento interpretativo geral servindo de
diretriz para a atuaccedilatildeo do legislativo
Neste sentido Gardbaum (2001 p 728) ensina que embora o NZBORA
possua um status juriacutedico de um estatuto legal comum eacute um documento geral que determina
como deve ser dado o sentido a todas as outras leis ordinaacuterias natildeo por meio da disposiccedilatildeo de
um conjunto de regras interpretativas mas sim pela enunciaccedilatildeo de direitos substantivos
Assim o NZBORA protege os direitos nele contidos por meio do dever
de interpretaccedilatildeo que coloca sobre os tribunais nos termos da Seccedilatildeo 6 e pelo consequente
custo poliacutetico que impotildee ao legislador de a adotar uma medida que viole claramente um
direito protegido ou que natildeo possa ser lida como consistente com ele (GARDBAUM 2001
p 729)
97 ldquoSection 4 (Other enactments not affected) No court shall in relation to any enactment (whether passed or
made before or after the commencement of this Bill of Rights)mdash (a)hold any provision of the enactment to be
impliedly repealed or revoked or to be in any way invalid or ineffective or (b)decline to apply any provision
of the enactmentmdash by reason only that the provision is inconsistent with any provision of this Bill of Rightsrdquo
New Zeland Bill of Rights Act 1990
98 ldquoSection 6 (Interpretation consistent with Bill of Rights to be preferred) Wherever an enactment can be given
a meaning that is consistent with the rights and freedoms contained in this Bill of Rights that meaning shall
be preferred to any other meaningrdquo New Zeland Bill of Rights Act 1990
84
No julgamento do caso R v Hansen99 a Suprema Corte esclareceu a
correta abordagem metodoloacutegica do judicial review a ser utilizada para reforccedilar os direitos
previstos no NZBORA afirmando que primeiramente a Corte deve buscar o significado
original que o Parlamento pretendeu atribuir a medida legislativa apoacutes analisar se o mesmo
eacute compatiacutevel com o NZBORA se houver uma aparente inconsistecircncia deve averiguar se a
mesma eacute razoaacutevel ao abrigo do que dispotildee a Seccedilatildeo 5 Se entender pela desarrazoabilidade
entatildeo deve buscar uma interpretaccedilatildeo diferente que se coadune com a declaraccedilatildeo de direitos
e por fim quando isto natildeo for possiacutevel deveraacute prevalecer entatildeo o significado original
atribuiacutedo pelo Parlamento (HIEBERT KELLY 2015 p63)
Essa metodologia resulta de uma cultura judicial fortemente
influenciada pelo princiacutepio da supremacia legislativa Nesta perspectiva o NZBORA
introduz um importante instrumento processual na Seccedilatildeo 7100 mediante o qual o Procurador
Geral eacute obrigado a examinar todas as propostas de lei e informar ao Parlamento quando for
detectada qualquer incompatibilidade entre uma disposiccedilatildeo legal e os direitos e garantias
assegurados pela Declaraccedilatildeo
O fundamento de tal medida parece consistir justamente em evitar a
aprovaccedilatildeo de medidas legislativas incompatiacuteveis com o Bill of Rights estabelecendo uma
forma preventiva de controle ainda que natildeo tenham o condatildeo de impossibilitar a aprovaccedilatildeo
da lei mesmo quando incompatiacutevel mas servindo de alerta ao Parlamento e assim
aumentando a sua responsabilidade pois arcaraacute com os custos poliacuteticos de suas decisotildees
Em que pese o NZBORA proiacuteba o Judiciaacuterio de emitir qualquer
pronunciamento formal sobre a incompatibilidade de medidas legislativas o New Zeland
Human Rights Act adotado em 1993 prevecirc a possibilidade de uma declaraccedilatildeo judicial de
inconsistecircncia como remeacutedio apropriado para os casos de discriminaccedilatildeo
Assim somente nos casos em que se discute o direito a igualdade o
99 R v Hansen (2007) NZSC 7 Iacutentegra disponiacutevel em httpwwwnzliiorgcgi-
binsinodispnzcasesNZSC20077htmlquery=hansen20nzsc
100 ldquoSection 7 (Attorney-General to report to Parliament where Bill appears to be inconsistent with Bill of
Rights) Where any Bill is introduced into the House of Representatives the Attorney-General shallmdash (a)in
the case of a Government Bill on the introduction of that Bill or (b)in any other case as soon as practicable
after the introduction of the Billmdash bring to the attention of the House of Representatives any provision in the
Bill that appears to be inconsistent with any of the rights and freedoms contained in this Bill of Rightsrdquo New
Zeland Bill of Rights Act 1990
85
Judiciaacuterio quando natildeo encontrar uma interpretaccedilatildeo da lei que seja razoaacutevel e compatiacutevel
com os direitos assegurados Bill of Rights poderaacute emitir um documento formal que ateste a
inconsistecircncia no intuito de dar ciecircncia ao Parlamento da incompatibilidade Em todas as
outras questotildees relativas a direitos fundamentais eacute vedado ao Judiciaacuterio comportamento
semelhante101
O modelo Neozelandecircs assim como os demais que adotam uma forma
fraca de revisatildeo judicial das leis eacute considerado por alguns estudiosos como dialoacutegico por
natildeo ser a interpretaccedilatildeo judicial considerada conclusiva ou definitiva mas sim
possibilitadora de uma interaccedilatildeo legislativa pois por meio do poder de interpretaccedilatildeo
atribuiacutedo ao Judiciaacuterio o legislativo se sentiria constgrangido a adotar medidas favoraacuteveis a
proteccedilatildeo de direitos evitando uma futura incompatibilidade das leis com o NZBORA
1321 Criacuteticas ao modelo neozelandecircs
A principal criacutetica ao modelo neozelandecircs reside na duacutevida se o mesmo
pode ser caracterizado como um judicial review perante a evidecircncia da supremacia
parlamentar e da falta de possibilidade do Judiciaacuterio de sequer emitir uma declaraccedilatildeo de
incompatibilidade das leis sugerindo assim a ausecircncia de uma forma concreta de controle
judicial
O que se percebe da anaacutelise desse sistema eacute que o mesmo apesar de ter
favorecido a implementaccedilatildeo de uma cultura de proteccedilatildeo de direitos fundamentais na Nova
Zelacircndia por meio da adoccedilatildeo do NZBORA e da previsatildeo do mandado interpretativo que de
alguma forma influencia o Parlamento a editar leis compatiacuteveis com a declaraccedilatildeo
restringindo o antes ilitimidado poder de criaccedilatildeo deste oacutergatildeo natildeo haacute como se falar
concretamente na existecircncia de um ldquodiaacutelogo institucionalrdquo
Apesar de alguns doutrinadores otimistas apontarem a praacutetica do
mandado interpretativo na experiecircncia neozelandesa como uma forma de diaacutelogo entre os
101 Eacute necessaacuterio que esclarecer que muito tem sido discutido sobre a possibilidade de uma emissatildeo formal de
declaraccedilatildeo de incompatibilidade pelo Judiciaacuterio no sistema Neozelandecircs Haacute estudiosos que defendam a
necessidade de uma mudanccedila legislativa nesse sentido todavia os entendimentos jurisprudencias mais recentes
indicam que as perspectivas para a adoccedilatildeo dessa possibilidade formal ainda satildeo precaacuterias Ver GINSBURG
Claudia On a Road to Nowhere Implied Declarations of Inconsistency and the New Zeland Bill of Rights
Victoria University of Wellington Law Review 40 613-47 2009
86
poderes existem muitas criacuteticas a tal afirmaccedilatildeo sob o argumento de que o que haacute na
realidade eacute total a prevalecircncia do Poder Legislativo
O NZBORA emerge como um documento de caraacuteter essencialmente
interpretativo baseado em uma implementaccedilatildeo parlamentar Essa caracteriacutestica
interpretativa apesar de reforccedilada pela abordagem judicial ainda estaacute muito ligada a
supremacia parlamentar pronfudamente enraizada no constitucionalismo neozelacircndes e a
essa forma de envolvimento Parlamento natildeo pode nem na melhor das hipoacuteteses ser vista
como uma forma de diaacutelogo (HIEBERT KELLY 2015)
A falta de mecanismos formais ao alcance do Judiciaacuterio para poder
declarar a incompatibilidade de uma medida legislativa com a declaraccedilatildeo de direitos reduz
em grande escala a possibilidade da ocorrecircncia de um diaacutelogo entre os poderes poliacuteticos
Nesse sentido Geiringer (2009 p 647-647) aduz que a experiecircncia
Neozelandesa demonstra que a maioria dos juiacutezes natildeo se sentem confortaacuteveis quando
colocados a exercer o papel de criacuteticos do legislativo justamente pela arraigada cultura
parlamentar presente neste modelo e que a melhor e mais raacutepida forma de mudar essa
mentalidade seria por meio da atribuiccedilatildeo de uma poder formal para declarar a inconsistecircncia
das leis
Sendo assim a possibilidade de um efetivo diaacutelogo entre os Poderes
dentro do sistema da Nova Zelacircndia na forma em que hoje se afigura eacute escassa e limitada
jaacute que a supremacia parlamentar ainda eacute muito forte e evidente
87
CAPIacuteTULO 3 ndash AS TEORIAS DIALOacuteGICAS NO SISTEMA DE JURSIDICcedilAtildeO
CONSTITUCIONAL BRASILEIRO UMA POSSIBILIDADE
Da exposiccedilatildeo feita no capiacutetulo anterior podemos concluir que natildeo haacute
uma forma preacute definida para a ocorrecircncia do diaacutelogo podendo ele se manifestar por meio
das mais diversas praacuteticas e sob perspectivas teoacutericas diferentes a depender da cultura
histoacuterica e poliacutetica do paiacutes em que estaacute inserido
Apesar de ser um tema ainda pouco explorado pela doutrina brasileira
que ainda se centra primordialmente nos estudos das teorias interpretativas nos parece
importante verificar se haacute a possibilidade da aplicaccedilatildeo das teorias dialoacutegicas no Brasil mais
ainda se podemos identificar algum indiacutecio da sua praacutetica nos julgados do STF
Por isso na sequecircncia se buscaraacute por meio da anaacutelise de alguns casos
concretos constatar como e em que medida os diaacutelogos institucionais se manifestam no
sistema brasileiro a fim de revelar quais os traccedilos das teorias dialoacutegicas presentes nesse
sistema
Oportunamente se esclarece que os casos selecionados para anaacutelise satildeo
resultado do controle concentrado de constitucionalidade quando o Supremo Tribunal
Federal exerce seu papel de guardiatildeo da constituiccedilatildeo102 Fez-se essa opccedilatildeo por ser este tipo
de controle o ponto de maior relevacircncia e confronto entre a atuaccedilatildeo do STF e sua relaccedilatildeo
com o Legislativo pois eacute onde haacute uma anaacutelise judicial direta e abstrata da atuaccedilatildeo legislativa
que daacute origem a uma decisatildeo judicial com efeitos erga omnes
A anaacutelise de casos ocorridos no acircmbito do controle concentrado de
constitucionalidade torna-se ainda mais interessante do que a de casos derivados do controle
difuso se levarmos em conta que neste uacuteltimo a reaccedilatildeo legislativa eacute disciplinada pela proacutepria
Constituiccedilatildeo Federal por meio do inciso X do artigo 52 que atribui ao Senado a
competecircncia para suspender a execuccedilatildeo de lei declarada inconstitucional natildeo havendo
102 O art 102 da Constituiccedilatildeo Federal Brasileira atribui expressamente ao STF o papel de guardiatildeo da
Constiticcedilatildeo cabendo-lhe julgar originariamente accedilatildeo direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo
federal ou estadual e a accedilatildeo declaratoacuteria de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal
88
portanto grandes controveacutersias a esse respeito103
Deve ser esclarecido ainda que apesar de no capiacutetulo anterior ter-se
feito referecircncia as teorias que prescrevem a realizaccedilatildeo de um diaacutelogo social no presente
capiacutetulo a anaacutelise se centraraacute apenas em casos onde os atores participantes do processo de
interpretaccedilatildeo constitucional satildeo os poderes institucionalizados excluindo-se os casos onde
se fala na inclusatildeo da sociedade Destaca-se isso porque hoje a realizaccedilatildeo de audiecircncias
puacuteblicas e a convocaccedilatildeo de ldquoamigos da corterdquo durante o processo constitucional tem sido
uma praacutetica comum poreacutem complexa utilizada pelo Supremo Tribunal brasileiro104
Portanto entende-se que seria temeraacuterio invocar aqui casos envolvendo
esses mecanismos populares sem trataacute-los com a devida profundidade dando atenccedilatildeo a todos
os aspectos controversos que a anaacutelise requer Por esses motivos a anaacutelise centra-se apenas
casos onde figuram como atores o Poder Legislativo e o Poder Judiciaacuterio
Ressalta-se que o objetivo do estudo natildeo eacute analisar de forma exaustiva
a jurisprudecircncia brasileira ateacute mesmo porque para tanto seria necessaacuterio um trabalho
dedicado inteiramente agrave esse objetivo Pretende-se verificar e ilustrar como as teorias
dialoacutegicas podem ser encontradas na praacutetica brasileira por meio de importantes julgados
proferidos pelo Supremo Tribunal Federal identificando os elementos dialoacutegicos neles
presentes e as correspondentes teorias
Para fazer a anaacutelise dos casos e identificar seus aspectos dialoacutegicos seraacute
utilizado como base aleacutem das teorias expostas no capiacutetulo anterior a descriccedilatildeo de diaacutelogo
convencional proposta por Tushnet (2012 p 3-13) a qual se estrutura da seguinte forma
1ordm O legislador promulga uma lei rarr 2ordm o estatuto enfrenta um desafio
no Tribunal Constitucional rarr 3ordm O Tribunal invalida o estatuto rarr 4ordm o Tribunal na decisatildeo
103 Necessaacuterio destacar eu haacute uma divergecircncia na doutrina brasileira acerca da discricionariedade do poder
atribuiacutedo ao Senado por forccedila do art 52 X da CF88 Nos filiamos a doutrina minoritaacuteria segundo a qual o
Senado possui a faculdade de suspender a lei e natildeo a obrigaccedilatildeo jaacute que a decisatildeo judicial exarada no exerciacutecio
do controle de constitucionalidade disfuso possui efetios inter partes Sob essa loacutegica pode-se enxergar tal
previsatildeo constitucional como um mecanismo dialoacutegico pois natildeo deixa ser um instrumento de reaccedilatildeo legislativa
agrave decisatildeo judicial que complementa o controle judicial e de certa forma estendendo os efeitos da sua decisatildeo
104 Exemplo emblemaacutetico dessa praacutetica eacute a ADI 3510 onde foi apreciada a inconstitucionalidade da Lei de
Bioseguranccedila em especial no tocante a possibilidade de pesquisas utilizando ceacutelulas tronco e o STF
reconhecendo a complexidade do tema convou a realizaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas onde forma ouvidas vaacuterias
entidadas organizadas da sociedade civil e a particiaccedilatildeo de diversas pessoas na qualidade de ldquoamigos da corterdquo
para compartilhar conhecimento teacutecnico que o Tribunal assumir natildeo possuir para julgar o caso
89
indica algumas formas especiacuteficas em que o estatuto eacute incompatiacutevel com a Constituiccedilatildeo ou
oferece a melhor interpretaccedilatildeo das disposiccedilotildees constitucionais rarr 5ordm O legislativo responde
revendo o estatuto e corrigindo as deficiecircncias apontadas pelo Tribunal ou reedita o estatuto
sem alteraccedilotildees rarr 6ordm O estatuto eacute novamente desafiado rarr 7ordm O Tribunal lida com o desafio
e se abre para um novo debate defendendo o estatuto ou verifica se as modificaccedilotildees do
estatuto foram suficientes para torna-lo compatiacutevel ou estatildeo aqueacutem e ensejam uma nova
invalidaccedilatildeo
Ou ainda 1ordm A Constituiccedilatildeo impotildee ao legislador o dever de legislar
sobre um toacutepico especiacutefico rarr 2ordm O Tribunal identifica falhas na atuaccedilatildeo legislativa
entendendo que a mesma eacute insuficiente para satisfazer o seu dever ou verifica a ausecircncia de
atuaccedilatildeo rarr 3ordm indica ao legislativo as falhas ou a omissao exigindo a tomada de medidas no
sentido de cumprir o seu dever constitucional
Dito isso passa-se a anaacutelise dos casos concretos
14 Julgamento da accedilatildeo direta de inconstitucionalidade nordm 2797df ndash a suacutemula
394 do STF e a lei nordm 106282002
a) Breve resumo do caso
A antiga Suacutemula105 394 do STF editada em 3 de abril de 1964 a qual
dispunha que cometido o crime durante o exerciacutecio funcional prevalece a competecircncia
especial por prerrogativa de funccedilatildeo ainda que o inqueacuterito ou a accedilatildeo penal sejam iniciados
apoacutes a cessaccedilatildeo daquele exerciacutecio foi cancelada por unanimidade em sessatildeo plenaacuteria da
Corte realizada em 30042007
Os argumentos para o cancelamento do referido verbete giraram
basicamente em torno da defesa de que a prerrogativa de foro visa garantir o exerciacutecio do
105 A Suacutemula eacute um instituto juriacutedico muito presente no Direito brasileiro que consiste em um verbete que
registra a interpretaccedilatildeo paciacutefica ou majoritaacuteria de um determinado Tribunal a partir do julgamento de variados
casos concretos a fim de tornar puacuteblico a sociedade o seu entendimento e promover uma uniformizaccedilatildeo das
decisotildees judiciais Em regra natildeo possui efeito vinculante servindo apenas de diretriz poreacutem quando for votada
e aprovada pelo STF por pelo menos 23 do plenaacuterio se torna um entendimento obrigatoacuterio a ser observado
por todos os outros Tribunais e juiacutezes bem como pelos entes da Admnistraccedilatildeo Puacuteblica conforme determina o
Artigo 103-A da Constituiccedilatildeo Federal de 1988
90
cargo e natildeo o seu ocupante sendo assim uma vez que o indiacuteviduo deixa o cargo natildeo deve
fazer jus ao privileacutegio eis que o mesmo eacute inerente ao cargo e natildeo um direito subjetivo assim
atribuir o privileacutegio quando jaacute natildeo mais haacute o exerciacutecio da funccedilatildeo violaria o princiacutepio da
igualdade
Foi entatildeo consolidado pela Corte o entendimento de que deixando o
cargo definitivamente independentemente do motivo o ex-titular natildeo teraacute direito a processo
e julgamento em oacutergatildeo jurisdicional distinto daquele que teria qualquer outro cidadatildeo
Apesar da sedimentaccedilatildeo desse entendimento no acircmbito do STF em
dezembro de 2002 foi promulgada a Lei nordm 106282002 que alterou o artigo 84 do Coacutedigo
de Processo Penal brasileiro para inserir o sect1ordm com a seguinte redaccedilatildeo ldquoa competecircncia
especial por prerrogativa de funccedilatildeo relativa a atos administrativos do agente prevalece
ainda que o inqueacuterito ou a accedilatildeo judicial sejam iniciados apoacutes a cessaccedilatildeo do exerciacutecio da
funccedilatildeo puacuteblicardquo
Foi arguida a inconstitucionalidade do mencionado dispostivo legal por
meio de accedilatildeo direta de inconstitucionalidade proposta pela Associaccedilatildeo Nacional dos
Membros do Ministeacuterio Puacuteblico ndash CONAMP Ao fim do julgamento foi declarada a
inconstitucionalidade material e formal da lei essa uacuteltima com base no argumento de que
uma lei ordinaacuteria natildeo poderia vir a superar uma interpretaccedilatildeo constitucional jaacute realizada pelo
Supremo
Os aspectos relevantes do caso para a anaacutelise pretendida residem
justamente na tentativa do Legislativo de superar uma interpretaccedilatildeo constitucional jaacute
consolidada pela Suprema Corte e natildeo tanto no meacuterito relativo a constitucionalidade
material da norma
O caso eacute emblemaacutetico no cenaacuterio brasileiro por ter despertado um
interessante debate acerca da possibilidade de reaccedilatildeo legislativa a uma interpretaccedilatildeo
constitucional proferida pelo STF o que em muito contribui para a nossa anaacutelise sobre a
possibilidade de um diaacutelogo institucional no sistema brasileiro
Passa-se entatildeo a exposiccedilatildeo das importantes variaacuteveis do debate de
acordo com os votos proferidos pelos Ministros na ocasiatildeo do julgamento
91
b) Debate acerca da possibilidade de reediccedilatildeo de uma lei anteriormente declarada
inconstitucional pelo STF
O relator do caso Ministro Sepuacutelveda Pertence em seu voto o qual foi
seguido pela maioria iniciou a fundamentaccedilatildeo da inconstitucionalidade do dispostivo legal
sob anaacutelise naquela ocasiatildeo afirmando que o mesmo constitui evidente reaccedilatildeo legislativa ao
cancelamento da Suacutemula 394 Destacou que a redaccedilatildeo legal se aproxima substancialmente
da que foi proposta em seu voto vencido pela maioria na ocasiatildeo da deliberaccedilatildeo sobre o
cancelamento do verbete
Afirmou que o cancelamento da Suacutemula decorreu de interpretaccedilatildeo
direta e exclusiva da Contituiccedilatildeo e natildeo pela inexistecircncia de lei ordinaacuteria que o regulasse
Diante disso formulou entatildeo a seguinte indagaccedilatildeo lei ordinaacuteria eacute instrumento normativo
apto agrave alterar jurisprudecircncia assente do STF fundada em interpretaccedilatildeo direta e exclusiva da
Constituiccedilatildeo
Argumentou construindo uma resposta negativa agrave indagaccedilatildeo embora
reconhecendo que as decisotildees da Corte em sede de controle concentrado natildeo vinculam o
Poder Legislativo mas tatildeo somente os demais oacutergatildeos do Judiciaacuterio e o Poder Executivo
Assim concluiu que a ediccedilatildeo de uma lei no sentido contraacuterio de uma decisatildeo do Tribunal
natildeo infere necessariamente um descumprimento dessa decisatildeo estando o Legislativo livre
para agir nesse sentido todavia a medida editada seraacute inevitavelmente considerada
inconstitucional a menos que a Corte recue em seu posicionamento anterior sobre o assunto
Neste ponto o Ministro propocircs uma reflexatildeo diferenciando a
inconstitucionalidade material e formal da lei No seu entender se a lei reeditada pretender
impor com seu objeto imediato uma interpretaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo ela seraacute eivada de uma
inconstitucionalidade formal pois uma lei de hierarquia inferior natildeo pode ditar a
interpretaccedilatildeo de uma norma hierarquicamente superior
Poreacutem quando a lei editada pelo legislativo for de conteuacutedo similar ao
de uma outra jaacute declarada inconstitucional deveraacute ser feita anaacutelise acerca da
inconstitucionalidade material pois a Corte natildeo estaacute vinculada ao seu entendimento anterior
podendo mudar de opiniatildeo sobre o assunto em um novo debate
92
Neste sentido merece destaque o seguinte trecho do voto
ldquoAdmitir pudesse a lei ordinaacuteria inverter a leitura pelo Supremo Tribunal
da Constituiccedilatildeo seria dizer que a interpretaccedilatildeo constitucional da Corte
estaria sujeita ao referendo do legislador ou seja que a Constituiccedilatildeo ndash
como entendida pelo oacutergatildeo que ela proacutepria erigiu em guarda da sua
supremacia ndash soacute constituiria a Lei Suprema na medida da inteligecircncia que
lhe desse outro oacutergatildeo constituiacutedo o legislador ordinaacuterio ao contraacuterio
submetido aos seus ditamesrdquo
O Ministro Eros Grau em voto divergente discordou do entendimento
traccedilado no voto do relator no aspecto da inadmissibilidade da interpretaccedilatildeo constitucional
por lei ordinaacuteria afirmando que todo ato legislativo em alguma medida envolve a
interpretaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo por parte de quem legisla
Concluiu pela inexistecircncia de inconstitucionalidade formal da Lei nordm 10
62802 com base no fundamento de que o Poder Legislativo natildeo fica vinculado por um
dever de natildeo legislar em razatildeo da Corte ter conferido alguma interpretaccedilatildeo constitucional
Sendo entatildeo admissiacutevel que o Legislativo reedite uma lei contraacuteria a interpretaccedilatildeo
constitucional jaacute proferido pelo STF todavia esta lei fatalmente sucumbiraacute agrave anaacutelise da
inconstitucionalidade material jaacute que a uacuteltima palavra deveraacute ser dada pela Corte
O Ministro Gilmar Mendes acompanhou a divergecircncia lanccedilando
argumentos diferentes que enriqueceram o debate os quais satildeo de grande importacircncia para
a anaacutelise que se faraacute s na sequecircncia razatildeo pela qual transcreve-se aqui alguns dos principais
trechos
(hellip) Penso que natildeo eacute possiacutevel admitir que o legislador ordinaacuterio tenha a
sua liberdade totalmente tolhida pelas declaraccedilotildees de constitucionalidade
ou inconstitucionalidade do Tribunal Eacute adequado e prudente inclusive
que tais atos legislativos sejam apreciados a partir de um dado contexto
institucional
Eacute de se ressaltar que se de um lado a Constituiccedilatildeo atribui a este Supremo
Tribunal Federal a tarefa de guarda da integridade da ordem juriacutedico-
constitucional de outro eacute assente que o seu texto esta sujeito a uma
sociedade aberta de inteacuterpretes (HARBELE Peter Hermenecircutica
Constitucional A Sociedade aberta dos inteacuterpretes da Constituiccedilatildeo
93
contribuiccedilatildeo para a interpretaccedilatildeo pluralista e ldquoprocedimentalrdquo da
Constituiccedilatildeo Trad Gilmar Ferreira Mendes Porto Alegre Sergio Antonio
Fabris 1997) os quais podem de acordo com as alteraccedilotildees histoacuterico-
culturais exercer alternativas plurais de interpretaccedilatildeo
(hellip)
Natildeo eacute possiacutevel presumir portanto a inconstitucionalidade dos dispositivos
atacados simplesmente porque eles contrariam a ldquouacuteltima palavrardquo
conferida pelo Supremo Tribunal Federal sobre o tema Que pretendo
ressaltar pelo contraacuterio eacute o fato de que se o legislador federal (re)incide
cria ou regula essa mateacuteria constitucional de modo inteiramente diverso o
ldquodiaacutelogordquo o debate institucional deve continuar
Os demais ministros seguiram o voto do relator sem acrescentar grandes
argumentos ao debate Desta feita restou consignada no julgado a inconstitucionalidade da
lei
c) Anaacutelise do caso pelo prisma das Teorias do Diaacutelogo Institucional
Inicialmente merece ser pontuado que como destacado no voto do
Ministro Relator a lei da qual foi apreciada a constitucionalidade pelo STF trata-se de
expressa reaccedilatildeo legislativa a interpretaccedilatildeo constitucional anteriormente proferida
Como viu-se no capiacutetulo anterior para alguns estudiosos como Peter
Hogg e Allisson Bushell a simples possibilidade de reaccedilatildeo legislativa agrave decisatildeo judicial
resultante do controle de constitucionalidade deve ser considerada como uma praacutetica
dialoacutegica
Nessa perspectiva pode-se dizer que o STF apesar de ter considerado a
inconstitucionalidade da lei natildeo descartou a possibilidade da reaccedilatildeo legislativa agrave sua decisatildeo
preteacuterita admitindo que a mesma natildeo vincula a atuaccedilatildeo legislativa o que demonstra a
existecircncia de um espaccedilo para a possibilidade do diaacutelogo no sistema brasileiro ainda que este
em muito se diferencie estruturalmente do sistema Canadense o qual foi o objeto de estudo
desses Autores
Aplicando a descriccedilatildeo dialoacutegica proposta por Tushnet pode-se dizer que
o caso enquadra-se no conceito de diaacutelogo pois o legislador pretendeu a modificaccedilatildeo do
94
entendimento da Corte por meio da ediccedilatildeo de um estatuto legal com objeto semelhante ao
de uma Suacutemula jaacute cancelada - praacutetica que pode ser comparada a ldquoin your face responserdquo
comum no sistema canadense106- e o Tribunal enfrentou a questatildeo por meio de um novo
debate poreacutem permaneceu firme no seu entendimento anterior
Portanto em que pese a Constituiccedilatildeo Federal brasileira natildeo trazer
expressamente em seu texto a previsatildeo de um mecanismo especiacutefico que possibilite ao
legislativo superar uma decisatildeo do Supremo Tribunal Federal107 proferida no acircmbito do
controle concentrado de constitucionalidade o fato de as decisotildees do Supremo nesta espeacutecie
de controle de constitucionalidade natildeo vincularem o Poder Legislativo108 possibilitam ou
pelo menos natildeo impedem a reediccedilatildeo de uma norma jaacute consagrada inconstitucional
Sendo assim pode-se afirmar que apesar do Brasil adotar um modelo forte
de controle de constitucionalidade e a Constituiccedilatildeo Federal conceder expressamente a
guarda da Constituiccedilatildeo ao Supremo Tribunal Federal a possibilidade de um diaacutelogo
institucional com o Poder Legislativo ndash sob a perspectiva de algumas teorias dialoacutegicas ndash
natildeo eacute algo impensaacutevel
Importante frisar a questatildeo da adoccedilatildeo de um sistema forte de controle
de constitucionalidade jaacute que conforme lecionado por Tushnet (2009) esses sistemas seriam
menos propiacutecios ao diaacutelogo jaacute que seus mecanismos de modificaccedilatildeo da decisatildeo judicial
seriam mais difiacutecies e demorados como a Emenda Constitucional por exemplo Contudo
no presente caso vecirc-se que essa possibilidade pode ocorrer por meio de lei ordinaacuteria e de
forma relativamente ceacutelere se considerado que entre a revogaccedilatildeo da Suacutemula 394 e a ediccedilatildeo
da lei se passaram apenas dois anos
106 Ver toacutepico 1012 107 Apenas a tiacutetulo de conhecimento entendemos necessaacuterio mencionar que no ano de 2011 foi proposto um
Projeto de Emenda a Constituiccedilatildeo conhecido como PEC 33 o qual pretendia modificar o enunciado do artigo
102 da CF para alterar a quantidade miacutenima de votos de membros de tribunais para declaraccedilatildeo de
inconstitucionalidade das leis condicionar o efeito vinculante de suacutemulas aprovadas pelo STF agrave aprovaccedilatildeo
pelo Poder Legislativo e submeter ao Congresso Nacional as decisotildees sobre inconstitucionalidade de Emendas
agrave Constituiccedilatildeo As alteraccedilotildees pretendidas com o prejeto especialemente as duas uacuteltimas que alargam a
competecircncia do Legislativo sugerem a introduccedilatildeo de um modelo de controle de constitucionalidade
semelhante ao weak form A PEC foi arquivada no dia 31012015 com o fim da legislatura em que foi proposta
nos termos do art 105 do regimento interno da Cacircmara dos Deputados
108 O paraacutegrafo uacutenico do artigo 28 da Lei nordm 9 868 de 10 de novembro de 1999 dispotildee que a declaraccedilatildeo de
constitucionalidade ou de inconstitucionalidade inclusive a interpretaccedilatildeo conforme a Constituiccedilatildeo e a
declaraccedilatildeo parcial de inconstitucionalidade sem reduccedilatildeo de texto tecircm eficaacutecia contra todos e efeito vinculante
em relaccedilatildeo aos oacutergatildeos do Poder Judiciaacuterio e agrave Administraccedilatildeo Puacuteblica federal estadual e municipal natildeo
incluindo nesse rol o Poder Legislativo
95
Pois bem da leitura do item b) acima percebe-se uma divergecircncia de
opiniatildeo dentro da proacutepria Corte a respeito do tema alguns ministros a maioria deles
adotaram um pensamento mais conservador e defensor da supremacia judicial no sentido de
considerar a reaccedilatildeo legislativa abusiva Outros principalmente o ministro Gilmar Mendes
optaram por um posicionamento mais tendente ao diaacutelogo reconhecendo a importacircncia de
uma postura mais aberta do Judiciaacuterio nesse sentido
Apesar do voto vencedor ter concluiacutedo pela inconstitucionalidade
formal da lei a anaacutelise do meacuterito natildeo deixou de ocorrer Todos os ministros engajaram-se a
debater o tema tratado pela lei e pela antiga Suacutemula novamente reacendendo o debate dois
anos depois Em que pese o entendimento da Corte ter permanecido o mesmo deve-se
reconhecer os benefiacutecios da reediccedilatildeo da lei no sentido de possibilitar um ldquosegundo olharrdquo
sobre o tema
Nesse aspecto do caso percebe-se a ideia desenvolvida por Kent
Roach109 ndash a qual se enquadra no grupo das teorias de princiacutepios juriacutedicos ndash em que a decisatildeo
judicial deve ser considerada como o iacutenicio do debate o qual prossegue mediante a resposta
legislativa por meio da ediccedilatildeo de leis ordinaacuterias reativas agrave essa decisatildeo e que assim
possibilitam que o tema volte a ser debatido pelo Judiciaacuterio e tambeacutem pelo Legislativo
Para o autor a devoluccedilatildeo do debate ao Judiciaacuterio por meio da resposta
legislativa eacute uma forma mais desejaacutevel de atuaccedilatildeo do legislador ao inveacutes da ou total
deferecircncia agraves decisotildees judiciais ou ainda da superaccedilatildeo da decisatildeo e imposiccedilatildeo do seu
entendimento como o sistema canadense possibilitar com a claacuteusula 33 Todavia tambeacutem
atenta para o lado negativo dessa praacutetica como jaacute se viu anteriormente
O caso traduz exatamente as criacuteticas dirigidas agrave essa teoria e sua
respectiva praacutetica pois viu-se que o legislativo pode simplesmente reeditar uma norma jaacute
considerada inconstitucional sem no entanto se preocupar em justificar a sua escolha
tampouco demonstrar a necessidade da medida mas apenas repetindo o conteuacutedo tal e qual
ao da norma anterior contrariando a expectativa de uma melhor e mais responsaacutevel atuaccedilatildeo
Eacute necessaacuterio perceber tambeacutem a postura ativista da Corte tendo em
vista que o entendimento que prevaleceu nesse caso foi pela impossibilidade de reediccedilatildeo de
109 Ver tambeacutem aleacutem das obras jaacute anteriormente citadas ROACH Kent Constitutional and Common Law
Dialogues between the Supreme Court and Canadian Legislatures Canadian Bar Review p 481-533 2001
96
uma norma jaacute declarada inconstitucional com uma clara intenccedilatildeo de preservar e rearfirmar
o seu poder110 o que evidencia mais uma dificuldade praacutetica da aplicaccedilatildeo das teorias dos
princiacutepios juriacutedicos dependentes da boa disposiccedilatildeo do Judiciaacuterio para abertura do debate e
ateacute para uma eventual deferecircncia agrave escolha legislativa
Em todo caso fato eacute que natildeo se pode considerar que no presente caso
houve um diaacutelogo sob o ponto de vista material concluindo consequentemente que as
teorias dialoacutegicas dos princiacutepios juriacutedicos na praacutetica natildeo se revelam apropriadas para a sua
consecuccedilatildeo Todavia vislumbra-se a tentativa de uma resposta legislativa ao protagonismo
Judicial que pode sob o ponto de vista formal ser considerada como um diaacutelogo
principalmente por ter levado o tema a ser debatido novamente pela Corte apesar da sua
postura mais conservadora conforme propotildee Tushnet111
Essa reaccedilatildeo legislativa ao contraacuterio do que pode parecer em um
primeiro momento natildeo eacute algo tatildeo raro no sistema brasileiro e pode ser encontrada tambeacutem
em diversos outros casos como veraacute na sequecircncia
15 Julgamento da accedilatildeo direta de inconstitucionalidade nordm 4543DF e a lei
131652015
a) Breve resumo do caso
Na Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade nordm 4543DF proposta pela
Procuradoria Geral da Repuacuteblica o Supremo Tribunal apreciou a incompatibilidade do artigo
5ordm da Lei 120342009 com o caput do artigo 14 da Constituiccedilatildeo Federal brasileira que
assegura o voto direto e secreto
O supracitado dispositivo legal previa a criaccedilatildeo do voto impresso a
partir do processo eleitoral de 2014 e possuiacutea a seguinte redaccedilatildeo
5o Fica criado a partir das eleiccedilotildees de 2014 inclusive o voto impresso
110 Neste sentido Barroso (2009) destaca que o primeiro impulso natural do poder eacute a auto-conservaccedilatildeo sendo
intuitivo que os representantes do poder em suas relaccedilotildees entre si ou com outros aotres poliacuteticos sejam eles
institucionais ou sociais procure demarcar e preservar seu espaccedilo de atuaccedilatildeo e sua autoridade
111 Ver toacutepicos 1012 1013 e 1014 que abordam as teorias dialoacutegicas de princiacutepios juriacutedicos sua
concretizaccedilatildeo no sistema canadense e respetivas criacuteticas
97
conferido pelo eleitor garantido o total sigilo do voto e observadas as
seguintes regras
sect 1o A maacutequina de votar exibiraacute para o eleitor primeiramente as telas
referentes agraves eleiccedilotildees proporcionais em seguida as referentes agraves eleiccedilotildees
majoritaacuterias finalmente o voto completo para conferecircncia visual do eleitor
e confirmaccedilatildeo final do voto
sect 2o Apoacutes a confirmaccedilatildeo final do voto pelo eleitor a urna eletrocircnica
imprimiraacute um nuacutemero uacutenico de identificaccedilatildeo do voto associado agrave sua proacutepria
assinatura digital
sect 3o O voto deveraacute ser depositado de forma automaacutetica sem contato
manual do eleitor em local previamente lacrado (grifou-se)
sect 4o Apoacutes o fim da votaccedilatildeo a Justiccedila Eleitoral realizaraacute em audiecircncia
puacuteblica auditoria independente do software mediante o sorteio de 2 (dois
por cento) das urnas eletrocircnicas de cada Zona Eleitoral respeitado o limite
miacutenimo de 3 (trecircs) maacutequinas por municiacutepio que deveratildeo ter seus votos em
papel contados e comparados com os resultados apresentados pelo
respectivo boletim de urna
sect 5o Eacute permitido o uso de identificaccedilatildeo do eleitor por sua biometria ou pela
digitaccedilatildeo do seu nome ou nuacutemero de eleitor desde que a maacutequina de
identificar natildeo tenha nenhuma conexatildeo com a urna eletrocircnica
O Supremo considerou a lei inconstitucional com base em diversos
argumentos alegando resumidamente que a criaccedilatildeo do voto impresso representaria um
retrocesso para o sistema eleitoral brasileiro que atualmente conta com um moderno e
eficiente aparato de votaccedilatildeo eletrocircnica e seria uma ameaccedila ao sigilo garantido
constitucionalmente afirmando a proibiccedilatildeo de qualquer tipo de identificaccedilatildeo do eleitor no
exerciacutecio do voto ou no proacuteprio voto
A accedilatildeo foi julgada procedente por unanimidade nos termos do voto do
Ministro Relator poreacutem eacute interessante destacar o voto do Ministro Luiacutes Roberto Barroso o
qual aduziu expressamente a importacircncia de que o Judiciaacuterio conserve uma postura de
humildade institucional sendo deferente agraves escolhas poliacuteticas do Legislador que natildeo sejam
claramente irrazoaacuteveis Em resposta o Ministro Luiz Fux afirmou que muito embora
98
concorde com a deferecircncia que deve ser dada ao Legislativo em certos casos eacute preciso que
o Supremo exerccedila a funccedilatildeo contramajoritaacuteria ou seja contra a Casa do Povo principalmente
naquelas hipoacuteteses em que haacute uma ameaccedila a direito fundamental
Pouco mais de um ano apoacutes o referido julgamento o Legislativo
promulgou a Lei nordm 131652015 conhecida como ldquolei da minireforma eleitoralrdquo por
introduzir significativas alteraccedilotildees ao Coacutedigo Eleitoral a qual em seu artigo 2ordm deu nova
redaccedilatildeo ao Artigo 59-A do referido Coacutedigo nos seguintes termos
Art 59-A No processo de votaccedilatildeo eletrocircnica a urna imprimiraacute o
registro de cada voto que seraacute depositado de forma automaacutetica e sem
contato manual do eleitor em local previamente lacrado (grifou-se)
Paraacutegrafo uacutenico O processo de votaccedilatildeo natildeo seraacute concluiacutedo ateacute que o
eleitor confirme a correspondecircncia entre o teor de seu voto e o registro
impresso e exibido pela urna eletrocircnica
Da simples leitura do dispositivo acima percebe-se que o que o
Legislativo fez foi reeditar uma norma com igual objeto ao da anteriormente declarada
inconstitucional pela Corte Entretanto algumas alteraccedilotildees no texto satildeo notoacuterias sobretudo
no tocante a retirada da previsatildeo de um nuacutemero uacutenico de identificaccedilatildeo do voto associado agrave
proacutepria assinatura digital e da auditoria pela Justiccedila Eleitoral
Percebe-se entatildeo mais uma vez a ocorrecircncia de uma reaccedilatildeo legislativa
por meio da ediccedilatildeo de lei ordinaacuteria tendo em vista o desacordo do legislador com o
entendimento proferido pela Corte
b) Anaacutelise do caso pelo prisma das Teorias do Diaacutelogo Institucional
Observa-se claramente no presente caso a possibilidade concreta do
Legislativo brasileiro reeditar uma norma de igual objeto e com redaccedilatildeo semelhante e igual
objeto de outra jaacute declarada inconstitucional pelo STF
O caso eacute similar ao antes descrito poreacutem naquele a norma anterior que
estava sendo reeditada natildeo era uma lei ordinaacuteria criada pelo legislativo mas sim uma Suacutemula
editada pela proacutepria Corte Neste caso jaacute se nota duas normas editadas pelo mesmo oacutergatildeo
99
com o mesmo objeto e em um lapso temporal relativamente curto a primeira jaacute considerada
inconstitucional e a segunda ateacute o momento vaacutelida
Se observar-se o caso pela vertente do conteuacutedo daquelas teorias
dialoacutegicas que consideram a reediccedilatildeo de norma idecircntica como uma forma de diaacutelogo chegar-
se-aacute a conclusatildeo que esse pode ser mais um exemplo de diaacutelogo no seu sentido formal assim
como o narrado acima
O caso encaixa-se perfeitamente na descriccedilatildeo convencional de diaacutelogo
sintetizada por Tushnet eis que respeita a execuccedilatildeo de todos os passos descritos pelo autor
todavia conceber a resposta legislativa neste caso como uma forma de diaacutelogo pode ser
considerado como algo positivo ou natildeo a depender do ponto de vista adotado
Pode-se considerar a reaccedilatildeo legislativa tanto como uma afronta agrave
decisatildeo judicial na tentativa de manter uma legislaccedilatildeo flagrantemente inconstitucional em
vigor protegendo seus proacuteprios interesses poliacuteticos ou podemos interpretar a reaccedilatildeo
legislativa tambeacutem como uma manifestaccedilatildeo de deferecircncia agrave decisatildeo judicial sendo uma
revisatildeo da lei anterior
Menciona-se isso porque natildeo se pode ignorar o fato de o texto da
segunda lei ser muito mais sucinto que o da primeira sobretudo por ter sido retirada da sua
redaccedilatildeo alguns aspectos especiacuteficos que foram impugnados pelo Supremo Nesse aspecto
se adotada uma visatildeo positiva poder-se-ia dizer que o resultado esperado pelos defensores
dessa praacutetica foi atingido ocasionando uma atuaccedilatildeo mais responsaacutevel do Legislativo o qual
teria levado em conta as observaccedilotildees do Judiciaacuterio para a elaboraccedilatildeo de uma medida mais
satisfatoacuteria que a anterior
Se observada a reaccedilatildeo legislativa sob esse entendimento poder-se-aacute
dizer que houve no presente caso - conforme o sentido empregado por Tremblay (2000) -
uma ldquoconversardquo entre entre Judiciaacuterio e Legislativo que resultou em uma medida legislativa
criada mediante o compartilhamento das visotildees de ambos os Poderes
Entretanto eacute necessaacuterio destacar que a intenccedilatildeo do Legislativo natildeo resta
clara pois ao mesmo tempo que modificou em alguns aspectos o texto anteriormente
editado tambeacutem manteve o seu principal objeto o qual jaacute havia sido flagrantemente
considerado inconstitucional pela Corte
100
Dessa forma ao mesmo tempo em que se pode vislumbrar a ocorrecircncia
de um diaacutelogo tambeacutem se pode encarar o tipo de resposta legislativa dada neste caso como
uma atuaccedilatildeo abusiva a qual natildeo poderaacute ser entendida como dialoacutegica
Essa ambiguidade demonstra que nem toda forma de resposta
legislativa deve ser encarada sob o ponto de vista dialoacutegico sob pena de enfraquecimento
das proacuteprias teorias dialoacutegicas do esvaziamento do seu potencial Eacute nesse aspecto que a
descriccedilatildeo convencional de diaacutelogo apresenta falha
O que o diaacutelogo institucional - entendido na sua melhor forma -
preceitua natildeo eacute uma imposiccedilatildeo de pontos de vista muito menos a simples deferecircncia de um
Poder para com o outro mas sim uma efetiva troca de argumentos por isso eacute preciso que
haja uma anaacutelise qualitativa das respostas legislativas para soacute assim poder enquadraacute-las
como uma manifestaccedilatildeo dialoacutegica e natildeo apenas considerar que o simples fato da sua
possibilidade existir jaacute eacute uma evidecircncia de diaacutelogo (PETTER 2007)
Como jaacute analisado anteriormente em toacutepico especiacutefico a metodologia
de diaacutelogo que verificamos nos dois casos expostos ateacute aqui eacute alvo de muitas criacuteticas poreacutem
tambeacutem possui alguns aspectos postivos que natildeo podem ser desconsiderados os quais ficam
melhor evidenciados por meio da anaacutelise do caso que a seguir seraacute exposto
16 Julgamento da accedilatildeo direta de inconstitucionalide nordm 3772DF ndash a suacutemula 726
do STF e a lei nordm 113012006
a) Breve resumo do caso
Trata-se da anaacutelise da constitucionalidade da Lei nordm 113012006 que
alargou o conceito de funccedilotildees de Magisteacuterio para efeitos de aplicaccedilatildeo do paraacutegrafo 5ordm do
artigo 40 e do paraacutegrafo 8ordm do artigo 201 da CF88 mediante Accedilatildeo Direta de
Constitucionalidade proposta pelo Procurador Geral da Repuacuteblica
Em suma o que a lei questionada apresentou foi uma introduccedilatildeo de um
paraacutegrafo segundo na Lei nordm 93941996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo Nacional)
com a seguinte redaccedilatildeo ldquoPara os efeitos do disposto no sect 5ordm do art 40 e no sect 8o do art 201
da Constituiccedilatildeo Federal satildeo consideradas funccedilotildees de magisteacuterio as exercidas por professores
e especialistas em educaccedilatildeo no desempenho de atividades educativas quando exercidas em
101
estabelecimento de educaccedilatildeo baacutesica em seus diversos niacuteveis e modalidades incluiacutedas aleacutem
do exerciacutecio da docecircncia as de direccedilatildeo de unidade escolar e as de coordenaccedilatildeo e
assessoramento pedagoacutegicordquo
Os respectivos dispositivos constitucionais tratam da aposentadoria
especial para professores prevendo uma reduccedilatildeo do tempo de serviccedilo exigido para tanto
Sobre esse aspecto o STF jaacute havia editado a Suacutemula 726 com a seguinte redaccedilatildeo para efeito
de aposentadoria especial de professores natildeo se computa o tempo de serviccedilo prestado fora
da sala de aula
O referido verbete foi resultado do julgamento da ADI 2253 onde ao
interpretar a Constituiccedilatildeo o Supremo Tribunal firmou o entendimento de que as funccedilotildees de
magisteacuterio referidas pela Carta Magna seriam apenas as da proacutepria atividade fim do
professor ou seja definiu a docecircncia como atividade exclusiva de sala de aula
Desta forma mais uma vez o Legislativo editou lei contraacuteria agrave
interpretaccedilatildeo constitucional jaacute exarada e sumulada pela Corte Contudo nessa ocasiatildeo o
resultado praacutetico foi diferente dos verificados nos casos acima
Primeiro natildeo houve debate acerca da possibilidade da ediccedilatildeo de uma
lei contraacuteria a decisatildeo jaacute proferida pelo STF mas sim uma mudanccedila no entendimento
anteriormente traccedilado apoacutes um intenso debate sobre o assunto
Poderia o Supremo Tribunal ter declarado a inconstitucionalidade da
norma sem muita dificuldade bastava manter o posicionamento anterior relativo a
impossibilidade de alargamento do benefiacutecio da aposentadoria especial aos profissionais
ldquoespecialistas em educaccedilatildeordquo entretanto optou por modificar seu entendimento parcialmente
e adaptaacute-lo para julgar a accedilatildeo parcialmente procedente mantendo a validade da lei e traccedilando
a correta interpretaccedilatildeo da mesma nos seguintes termos
I ndash A funccedilatildeo de magisteacuterio natildeo se circunscreve apenas ao trabalho em sala
de aula abrangendo tambeacutem a preparaccedilatildeo de aulas a correccedilatildeo de provas
o atendimento aos pais e alunos o assessoramento pedagoacutegico e ainda a
direccedilatildeo de unidade escolar
II ndash As funccedilotildees de direccedilatildeo coordenaccedilatildeo e assessoramento pedagoacutegico
integram a carreira de magisteacuterio desde que exercidos em
estabelecimentos de ensino baacutesico por professores de carreira excluiacutedos
102
os especialistas em educaccedilatildeo fazendo jus aqueles que as desempenham ao
regime especial de aposentadoria estabelecido nos sect 5ordm do art 40 e no sect
8o do art 201 da Constituiccedilatildeo Federal
b) Anaacutelise do caso pelo prisma das Teorias do Diaacutelogo Institucional
Vecirc-se no presente caso um posicionamento da Corte totalmente
contraacuterio ao demonstrado anteriormente Aqui o STF admitiu a superaccedilatildeo da sua decisatildeo por
lei ordinaacuteria esforccedilando-se ainda para traccedilar um entendimento compatiacutevel da lei com a
Constituiccedilatildeo quando poderia tecirc-la simplesmente anulado
Neste caso constata-se o benefiacutecio da praacutetica legislativa que mesmo
ciente do entendimento jaacute fixado pelo Judiciaacuterio forccedilou a reediccedilatildeo da lei como forma de
levantar novamente o debate acerca do tema o qual resultou positivo no tocante a efetivaccedilatildeo
de direito fundamental ampliando o rol de beneficiados com a aposentadoria especial dos
professores
Percebe-se neste ponto que o resultado beneacutefico esperado da praacutetica
das teorias dialoacutegicas dos princiacutepios juriacutedicos pautadas em uma articulaccedilatildeo legislativa no
sentido de propiciar um novo debate sobre determinado tema por meio da ediccedilatildeo de uma lei
ordinaacuteria eacute possiacutevel todavia fica claro que para que haja esse efeito positivo eacute necessaacuteria
uma abertura da Corte uma aceitaccedilatildeo ao novo enfrentamento e possibilidade de modificaccedilatildeo
do antigo posicionamento
O caso revela portanto uma importante criacutetica das teorias dialoacutegicas
nenhuma delas prevecirc uma forma de diaacutelogo que na praacutetica deva e possa ocorrer independente
da vontade das institiuiccedilotildees No mesmo sentido a descriccedilatildeo convencional de diaacutelogo exposta
por Tushnet para que resulte positiva necessita da vontade poliacutetica dos agentes
Por outro lado mais uma vez percebe-se que mesmo natildeo havendo no
sistema brasileiro qualquer previsatildeo expressa de um mecanismo estrutural dialoacutegico esse
diaacutelogo pode ocorrer como fruto do proacuteprio princiacutepio da separaccedilatildeo de poderes evidenciando
assim o que preceituam as teorias de construccedilatildeo coordenada jaacute tratadas no toacutepico 101 ou
seja que o diaacutelogo pode se materializar mesmo em um sistema onde haacute uma supremacia
judicial expressa pela proacutepria Constituiccedilatildeo
103
Mediante a leitura do presente caso percebe-se ainda que as respostas
proferidas no acircmbito da interpretaccedilatildeo constitucional estatildeo sujeitas agrave constantes mudanccedilas
que natildeo haacute uma resposta definitiva sendo entatildeo importante a interaccedilatildeo entre os Poderes
justamente para possbilitar a construccedilatildeo de novas respostas condizentes com a realidade e
mais aceitaacuteveis no seio social conforme a ideia do diaacutelogo institucional pressupotildee
Neste sentido revela-se a pertinecircncia dos ensinamentos de Waldron da
necessidade de um modelo de controle judicial das leis onde natildeo haja invariavelmente a
predominacircncia do Judiciaacuterio sendo necessaacuterio o debate acerca das questotildees constitucionais
mais complexas e natildeo a simples prevalecircncia do entendimento judicial112
Outro ponto do caso que merece destaque eacute a praacutetica da ldquointerpretaccedilatildeo
conformerdquo utilizada pelo Supremo Vecirc-se que houve uma busca por uma interpreteccedilatildeo
compatiacutevel com a Constituiccedilatildeo a fim de manter a validade da medida editada pelo
Legislativo poreacutem com uma relativa alteraccedilatildeo do sentido orginal conferido pelo legislador
Nesse aspecto a teacutecnica decisoacuteria utilizada pela Corte se assemelha ao
mandado interpretativo presente em alguns ordenamentos como jaacute abordou-se113 onde o
Judiciaacuterio possui o dever de buscar uma interpretaccedilatildeo legal compatiacutevel com o Bill of Rights
O que as difere em suma eacute o fato de que o Tribunal brasileiro natildeo
possui a ldquoobrigaccedilatildeordquo de dar uma intepretaccedilatildeo conforme a Constituiccedilatildeo podendo declarar a
lei inconstitucional e proceder a sua consequente invalidaccedilatildeo quando entender que natildeo eacute
possiacutevel adequar a interpretaccedilatildeo aos preceitos constitucionais ao contraacuterio do que ocorre no
Reino Unido e Nova Zelacircndia onde o Judiciaacuterio natildeo pode anular a lei quando natildeo conseguir
vislumbrar nenhuma interpretaccedilatildeo harmonizaacutevel com a Constituiccedilatildeo
Dito isso percebe-se que nesse caso natildeo houve uma simples deferecircncia
do Judiciaacuterio ao ato legislativo havendo a reinvenccedilatildeo do debate com a adoccedilatildeo de novos
posicionamentos buscando o Tribunal natildeo apenas a simples invalidaccedilatildeo do dispositivo legal
mas sim se esforccedilando para encontrar a sua melhor interpretaccedilatildeo de acordo com os preceitos
constitucionais preservando a norma editada pelo legislador
Sob esse ponto de vista essa praacutetica interpretativa pode ser vista como
112 Sobre os ensinamentos do autor leia-se toacutepico 4 113 Ver toacutepico 13
104
dialoacutegica eis que houve uma reaccedilatildeo legislativa agrave decisatildeo judicial inicial um novo debate a
modificaccedilatildeo do entendimento pelo Judiciaacuterio que resultou na manutenccedilatildeo da nova lei com
um sentido em conformidade com os preceitos constitucionais
Tushnet ao detalhar a descriccedilatildeo convencional de diaacutelogo menciona a
possibilidade de o Judiciaacuterio de defender o estatuto legal compatibilizando-o com as normas
constitucionais Nessa perspectiva a interpretaccedilatildeo conforme pode ser vista como uma
medida de defesa da lei da sua soberania e respeito a atuaccedilatildeo do Legislativo
Na oacutetica dos diaacutelogos pode-se dizer que houve um ldquodebaterdquo entre o
Legislativo e Judiciaacuterio provocado por meio das decisotildees judiciais e reediccedilatildeo da medida
legislativa com a sua subsequente anaacutelise judicial
Estatildeo presentes portanto todos os passos da descriccedilatildeo de diaacutelogo
elaborada por Tushnet Entretanto deve-se ressaltar que ao mesmo tempo que a postura
judicial nesse caso pode ser considerada como dialoacutegica pois admitiu a nova medida
legislativa mesmo que contraacuteria ao seu posicionamento tambeacutem pode ser considerada uma
conduta ativista eis que modificou o sentido original que o Legislador pretendeu conferir a
lei Sobre esta praacutetica eacute necessaacuterio observar alguns aspectos especiacuteficos
O princiacutepio da interpretaccedilatildeo conforme a Constituiccedilatildeo possui
unicamente a funccedilatildeo de operar como meacutetodo ldquocomplementarrdquo de interpretaccedilatildeo face a outros
criteacuterios ou meacutetodos interpretativos limita-se a ldquodesenvolverrdquo e ldquocomplementarrdquo as regras
de hermenecircutica apresenta-se basicamente como um postulado inserido num processo de
controle de normas (QUEIROZ 2010)
Eacute no domiacutenio do controle de constitucionalidade que este princiacutepio
ganha mais autonomia antes de declarar uma lei inconstitucional o juiz ou juiacutezes
encarregados do controle tecircm o dever de em via interpretativa buscar um sentido que ainda
estribado no seu enunciado linguiacutestico e ainda respeitador do texto constitucional permita
salvar a mesma (URBANO 2010 p 414)
Todavia o problema deste postulado estaacute na sua aplicaccedilatildeo pelo
Supremo Tribunal Federal que muitas vezes usa dessa justificativa para legitimar uma
postura extremamente ativista e violadora do princiacutepio da separaccedilatildeo de poderes
extrapolando os limites de sua competecircncia e reduzindo significativamente a margem de
atuaccedilatildeo do legislador e podendo ainda falsear a sua vontade original
105
Portanto para que se possa encarar essa praacutetica como beneacutefica e sob o
ponto de vista dialoacutegico eacute necessaacuterio que ela seja limitada a interpretaccedilatildeo proferida pelo
Tribunal ainda tem que ter alguma sustentaccedilatildeo no texto original tem que ser uma
interpretaccedilatildeo plausiacutevel (URBANO 2014 p 417)
Apesar disso eacute possiacutevel avistar uma deliberaccedilatildeo entre os Poderes
sugerindo a concretizaccedilatildeo de um diaacutelogo mais proacuteximo ao ideal esperadoentretanto natildeo se
deve afirmar que houve a concretizaccedilatildeo de um diaacutelogo material como a teoria idealiza mas
acredita-se que essa eacute a praacutetica mais proacutexima do mesmo dentre as jaacute analisadas ateacute aqui
poreacutem a mesma tambeacutem apresenta falhas e alguns riscos
17 Julgamento da accedilatildeo direta de inconstitucionalidade por omissatildeo nordm
3382MT
a) Breve resumo do caso
A Assembleacuteia Legislativa do Estado de Mato Grosso propocircs Accedilatildeo
Direta de Inconstitucionalidade questionando a inatividade do legislador quanto ao dever de
elaborar lei complementar a que se refere o sect4ordm do artigo 18 da Constituiccedilatildeo Federal
O referido dispostivo constitucional dispotildee que a criaccedilatildeo a
incorporaccedilatildeo a fusatildeo e o desmembramento de Municiacutepios far-se-atildeo por lei estadual dentro
do periacuteodo determinado por Lei Complementar Federal e dependeratildeo de consulta preacutevia
mediante plebiscito agraves populaccedilotildees dos Municiacutepios envolvidos apoacutes divulgaccedilatildeo dos Estudos
de Viabilidade Municipal apresentados e publicados na forma da lei Ou seja impotildee ao
legislador o dever de editar lei complementar para definiccedilatildeo do prazo
A redaccedilatildeo do dispositivo foi dada pela Emenda Constitucional nordm
151996114 e a accedilatildeo foi julgada procedente em 2007 O STF entendeu que o legislador
encontrava-se em mora haacute mais de dez anos descumprindo o seu dever constitucional de
legislar considerando portanto a omissatildeo inconstitucional e determinando um prazo de 18
meses para suprir a omissatildeo
114 Antes da EC 151996 qualquer alteraccedilatildeo dos entes federativos municipais era feita por um processo simples
atraveacutes de lei estadual assim a emenda constitucional visou na realidade dificultar essas alteraccedilotildees
106
Diversas accedilotildees tambeacutem foram propostas questionando a criaccedilatildeo de
alguns municiacutepios mesma na ausecircncia da lei115 o STF julgou as respectivas leis estaduais
que os criam inconstitucionais poreacutem sem declarar a sua nulidade modulando os efeitos da
decisatildeo no sentido de garantir a validade da lei por um periacuteodo de vinte e quatro meses
tempo superior ao que fixou para que o Legislativo sanasse a omissatildeo portanto
Relevante destacar que no acoacuterdatildeo a Corte ponderou que a ineacutercia
legislativa acabou dando ensejo agrave consolidaccedilatildeo e conformaccedilatildeo de estados de
inconstitucionalidade que natildeo podem ser ignorados pelo legislador na elaboraccedilatildeo da lei
complementar determinando assim que quando da ediccedilatildeo da lei o Legislativo contemplasse
as situaccedilotildees imperfeitas decorrentes desse estado de inconstitucionalidade gerado pela sua
omissatildeo esclarecendo ainda que o prazo de dezoito meses natildeo se trata de uma imposiccedilatildeo de
limite temporal para atuaccedilatildeo legislativa mas apenas da fixaccedilatildeo de um paracircmetro razoaacutevel
A resposta legislativa veio por meio da ediccedilatildeo da Emenda
Constitucional nordm 572008 a qual convalidou os atos de criaccedilatildeo fusatildeo incorporaccedilatildeo e
desmembramento de municiacutepios cuja lei tenha sido publicada ateacute 31 de dezembro de 2006
atendidos os requisitos estabelecidos na legislaccedilatildeo do respectivo Estado agrave eacutepoca de sua
criaccedilatildeo
Dessa forma o Legislativo cumpriu com a determinaccedilatildeo do STF
relativa ao tratamento das imperfeiccedilotildees geradas pela sua omissatildeo propondo a respectiva
soluccedilatildeo Entretanto no tocante a ediccedilatildeo da lei complementar para a fixaccedilatildeo do prazo exigido
pelo dispositivo constitucional haacute um embate contiacutenuo com o Poder Executivo
A primeira tentativa de legislar sobre o assunto ocorreu com o Projeto
de Lei do Senado Federal ndash PLS nordm 982002 o qual foi objeto de veto poliacutetico do Executivo
sob o argumento de contrariedade ao interesse puacuteblico A segunda tentativa se deu pelo PLS
nordm 1042014 o qual tambeacutem foi vetado pelo Executivo com base no mesmo argumento e haacute
uma terceira tentativa ainda em tramitaccedilatildeo que eacute o PLS nordm 1992015
As razotildees que levaram o Executivo a barrar a promulgaccedilatildeo da lei foram
de ordem orccedilamentaacuteria jaacute que a criaccedilatildeo de novos entes federativos representaria o aumento
das despesas com a estrutura da administraccedilatildeo puacuteblica razotildees essas expressas na Mensagem
115 Ver ADI 2240BA ADI 3316MT ADI 3489SC ADI 3689PA
107
nordm 505 de 12 de dezembro de 2013116 emitida pela Presidente da Repuacuteblica na ocasiatildeo do
veto
A questatildeo ainda estaacute pendente de regulamentaccedilatildeo mesmo apoacutes o
esgotamento do prazo fixado pelo STF todavia natildeo por falta de iniciativa do Legislativo
como se pode ver mas sim por contrariar os interesses do Executivo que por isso vem
dificultando a promulgaccedilatildeo da medida
b) Anaacutelise do caso pelo prisma das Teorias do Diaacutelogo Institucional
No caso narrado encontram-se diferentes pormenores que podem
indicar a presenccedila de teorias dialoacutegicas na praacutetica brasileira sendo assim far-se-aacute a anaacutelise
pontual de cada um
O STF ao realizar o controle de constitucionalidade da omissatildeo
legislativa neste caso considerou a falta de accedilatildeo do legislador como uma conduta
incompatiacutevel com o seu dever constitucional de legislar e determinou um prazo para que
suprisse essa omissatildeo Neste aspecto se evidencia a ideia do Judiciaacuterio como ente
propiciador do diaacutelogo provocando o Legislativo a agir por intermeacutedio da decisatildeo judicial
extamente como alguns teoacutericos sugerem
Como abordou-se no toacutepico 82 a decisatildeo que emana do controle de
constitucionalidade da omissatildeo legislativa pode ser considerada como um mecanismo
diaacutelogico por si soacute sob o ponto de vista das teorias dialoacutegicas centradas no processo A
mesma tambeacutem eacute facilmente enquadrada na concepeccedilatildeo convencional descrita por Tsuhnet
No caso em anaacutelise pode-se ainda identifcar a presenccedila da concepccedilatildeo
dialoacutegica desenvolvida por Dixon segundo a qual o Judiciaacuterio deve agir no sentido de
superar a ineacutercia do Legislativo poreacutem sem comprometer a sua liberdade de conformaccedilatildeo117
Ou seja no presente caso verifica-se a presenccedila das teorias fundadas no meacutetodo judicial onde
o Judiciaacuterio atua como o ente propiciador do diaacutelogo o qual ocorre dentro da proacutepria decisatildeo
judicial
Seguindo essa linha de raciociacutenio eacute possiacutevel notar que o proacuteprio STF
116 Iacutentegra disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrccivil_03_Ato2011-20142013MsgVetVET-505htm
117 Falamos mais especificamente dos ensinamentos de Dixon no toacutepico 9
108
ao pronunciar que o prazo fixado na decisatildeo natildeo objetiva estabeler um limite temporal para
condicionar a accedilatildeo legislativa mas tatildeo somente uma estipulaccedilatildeo de lapso temporal razoaacutevel
preocupou-se em deixar clara a necessidade de manutenccedilatildeo de certa liberdade de atuaccedilatildeo
daquele Poder
Todavia por outro acircngulo o Tribunal determinou que o Legislativo
quando fosse suprir a omissatildeo e regular a mateacuteria a fim de cumprir o seu dever
constitucional necessariamente cuidasse das situaccedilotildees imperfeitas ocasionadas pelo seu
estado de ineacutercia Neste particular encontra-se presente na praacutetica a teoria do
aconselhamento118 onde o Judiciaacuterio profere um direcionamento agrave atuaccedilatildeo do Legislativo
Neste caso o aconselhamento foi realizado de uma forma contida o
Supremo indicou a necessidade de soluccedilatildeo das questotildees mas natildeo determinou como e quais
as medidas a serem adotadas deixando a escolha a cargo do Legislativo Neste ponto a
conduta do Judiciaacuterio merece ser observada sob o aspecto positivo das teorias do
aconselhamento o qual reside na busca de evitar futuros problemas constitucionais por meio
da orientaccedilatildeo do Legislativo por meio de decisotildees judiciais
Nota-se que ao mesmo tempo em que o STF controla a sua atividade no
sentido de natildeo comprometer a liberdade do legislador ao fixar o prazo para a sua atuaccedilatildeo
entende necessaacuterio traccedilar algumas diretrizes para a superaccedilatildeo da inconstitucionalidade
constatada Neste caso em particular como se disse a atuaccedilatildeo do Judiciaacuterio foi de certa
forma contida poreacutem a praacutetica reflete a procedecircncia das principais criacuteticas dirigidas agrave essa
forma de diaacutelogo a qual para sua materializaccedilatildeo depende fortemente da consciecircncia e
vontade do Judiciaacuterio
Outro aspecto relevante que tambeacutem pode ser entendido como parte da
trama dialoacutegica presente no caso diz respeito a modulaccedilatildeo temporal dos efeitos da decisatildeo
quando da apreciaccedilatildeo da constitucionalidade das leis dos muniacutecipios que jaacute haviam sido
criados
O STF poderia simplesmente ter deixado os efeitos de nulidade da
declaraccedilatildeo de inconstitucionalidade se perpetuarem poreacutem tendo em mente os prejuiacutezos
que isso poderia acarretar optou por estabelecer efeitos pro futuro permitindo ao Legislativo
118 Ver toacutepico 81
109
a resoluccedilatildeo do problema por uma via menos danosa
A modulaccedilatildeo dos efeitos temporais da sentenccedila tambeacutem eacute uma praacutetica
que se coaduna com as teorias dialoacutegicas fundadas no meacutetodo judicial conforme jaacute se falou
no toacutepico 822 pois por meio dela o Judiciaacuterio condiciona os efeitos praacuteticos da sua decisatildeo
dando a oportunidade ao legislativo de corrigir ou reeditar a lei assim dode-se dizer que por
intermeacutedio dela o Judiciaacuterio instiga o legislador ao diaacutelogo
No tocante a resposta legislativa presente neste caso incialmente vale
destacar que a mesma se deu em um intervalo de tempo razoaacutevel e que o Legislativo buscou
acatar a orientaccedilatildeo da Corte todavia foi impedido de fazecirc-lo em sua completude pelos
interesses do Executivo o que acaba por retratar bem na praacutetica mais uma das dificuldades
da consolidaccedilatildeo das teorias dialoacutegicas
Pelo exposto depreende-se que o sistema brasileiro natildeo eacute alheio agraves
teorias dialoacutegicas pelo contraacuterio muitas delas estatildeo presentes em seu cotidiano A expressa
supremacia judicial e falta de familiariedade com um sistema parlamentar ndash que inicialmente
poderiam gerar duacutevidas quanto a possibilidade do diaacutelogo ndash natildeo se traduzem portanto em
uma impossibilidade completa de aplicaccedilatildeo das teorias dialoacutegicas agrave realidade brasileira
Por oacutebvio as suas manifestaccedilotildees praacuteticas satildeo peculiares e fortemente
influenciadas pela cultura e histoacuteria do paiacutes uma democracia recente e com um Legislativo
que enfrenta grande crise de representatividade o que faz com que em regra o entendimento
que prevaleccedila seja o do Judiciaacuterio
Ainda assim constata-se uma inclinaccedilatildeo do Legislativo para reagir agraves
decisotildees judiciais e natildeo simplesmente acataacute-las em sinal de uma total deferecircncia agrave um
entendimento superior Os ganhos e as perdas dessa reaccedilatildeo iratildeo depender do caso concreto
dos interesses que estatildeo em jogo podendo ser uma praacutetica temeraacuteria ou positiva como jaacute
verificou-se ao longo desse trabalho
18 Diaacutelogo institucional siacutentese dos aspectos controversos e algumas
consideraccedilotildees acerca da sua consecuccedilatildeo praacutetica
De todo o exposto ateacute aqui resta-no os seguintes questionamentos
110
Pode-se considerar o diaacutelogo institucional como uma possibilidade praacutetica viaacutevel Essa
praacutetica tem de fato o condatildeo de dirimir os conflitos relativos a legitimidade democraacutetica do
judicial review Pode ser considerado como um instrumento de combate ao ativismo judicial
ou seria mais uma forma de dissimulaccedilatildeo desse fenocircmeno
Apresentar respostas exatas a essas questotildees utlrapassa a pretensatildeo
deste trabalho ateacute mesmo porque se reconhece que natildeo haacute apenas uma via de conclusatildeo para
as mesmas em virtude da complexidade que elas envolvem Contudo objetiva-se fazer uma
reflexatildeo acerca desses questionamentos como resultado do presente trabalho de forma a
contribuir para o incremento do debate acadecircmico
No que diz respeito agrave resoluccedilatildeo dos conflitos ligados agrave legitimidade
democraacutetica do judicial review acredita-se que esta praacutetica estaacute longe de apresentar uma
soluccedilatildeo definitiva sendo um tanto pretenciosa nesse sentido pois como jaacute tratado no toacutepico
4 a discussatildeo relativa a dificuldade democraacutetica do judicial review eacute algo que lhe acompanha
a contar do seu surgimento desde sempre os estudiosos tentam justificar baseados em um
tradicional conjunto de argumentos as razotildees pelas quais juiacutezes natildeo eleitos pelo povo podem
e devem realizar um controle dos atos do legislativo com poder para declarar a sua
inconstitucionalidade e tambeacutem anulaacute-los
Natildeo se quer com isso dizer que natildeo haacute uma soluccedilatildeo para o conflito mas
sim que as teorias dialoacutegicas ao mesmo tempo que buscam e propotildeem uma soluccedilatildeo quando
materializadas na praacutetica natildeo eliminam totalmente alguns dos velhos problemas
Como viu-se a promessa da teoria dos diaacutelogos institucionais eacute
proporcionar um reequiliacutebrio entre os Poderes reconhecendo a importacircncia e competecircncias
especiacuteficas de cada um no acircmbito da jurisdiccedilatildeo constitucional sugerindo uma atuaccedilatildeo
conjunta mediante verdadeira deliberaccedilatildeo entre os braccedilos do Poder para chegar em um
consenso que seja melhor para a sociedade proporcionando assim um resultado mais eficaz
e duradouro
Do ponto de vista teoacuterico a ideia parece suficiente para solucionar o
problema principalmente nas concepccedilotildees dialoacutegicas desenvolvidas por Hiebert119 e
Bateup120 que ideliazam a realizaccedilatildeo de um diaacutelogo material sem a predominacircncia de
119 Ver toacutepico 11 que trata da teoria da parceria
120 Ver toacutepico 12 que trata da fusatildeo dialoacutegica
111
nenhum dos poderes mas sim de uma verdadeira atuaccedilatildeo conjunta
Poreacutem da anaacutelise dos exemplos praacuteticos de cada teoria e da aplicaccedilatildeo
das mesmas nos casos concretos no sistema brasileiro eacute faacutecil concluir que o exerciacutecio da
jurisdiccedilatildeo constitucional na grande maioria das vezes para natildeo dizer em todas elas resultaraacute
na prevalecircncia do entendimento de um dos atores envolvidos por vezes seraacute o Legislativo o
protagonista e por outras o Judiciaacuterio Apesar de todos os esforccedilos teoacutericos a praacutetica revela
que sempre haveraacute uma uacuteltima palavra o que eacute algo inerente ao proacuteprio sistema de revisatildeo
constitucional das leis
Acredita-se portanto que natildeo se deve desconsiderar a real existecircncia
de uma uacuteltima palavra jaacute que ela sempre iraacute existir mas sim enxergaacute-la e estimular que ela
seja ldquoprovisoacuteriardquo no sentindo de que pode ser constantemente reformulada e alterada
mediante a interaccedilatildeo entre os Poderes por meio do aprofundamento do debate e maior
possibilidade de troca de argumentos buscando sempre o melhor entendimento no acircmbito
da interpretaccedilatildeo constitucional
A existecircncia da uacuteltima palavra portanto deve estar relacionada a
preponderacircncia e maior efetividade dos direitos fundamentais e natildeo necessariamente
atrelada a prevalecircncia uniforme do entendimento de um uacutenico braccedilo do Poder Esse eacute o
principal contributo a ser extraiacutedo das teorias dialoacutegicas no tocante a resoluccedilatildeo da disputa
entre o Poder Judiciaacuterio e o Poder Legislativo pela uacuteltima palavra na seara constitucional
Em contrapartida observa-se que apesar das teorias dialoacutegicas
proclamarem a realizaccedilatildeo de um controle das leis realizado em conjunto nenhuma delas
prescreve uma forma de diaacutelogo que seja concomitante com o processo de tomada de
decisatildeo de forma que a mesma seja proferida com o comum acordo de ambos os Poderes
O que vecirc-se eacute que as formas de diaacutelogo prescritas pelas teorias estudadas se referem mais agrave
possibilidade de superaccedilatildeo de um ato jaacute concretizado seja pelo Judiciaacuterio ou pelo
Legislativo do que verdadeiramente a construccedilatildeo de uma decisatildeo comum
Asssim esse eacute o primeiro aspecto que entende-se que deve ser
desmistificado pois percebe-se que a ideia de uma ldquodecisatildeo conjuntardquo de uma deliberaccedilatildeo
antes da tomada de decisatildeo e consequentemente a concretizaccedilatildeo de um diaacutelogo no sentido
que a doutrina descreve como material na praacutetica eacute quase que inviaacutevel
Assim acertada eacute a proposiccedilatildeo de Aharaon Barak (2008 p16) de que
112
a tensatildeo entre o Judiciaacuterio e os outros ramos do Poder eacute algo natural e ateacute desejaacutevel pois se
todas as regras e decisotildees proferidas pelos Tribunais forem aceitas com tranquilidade pelos
outros Poderes eacute sinal que este natildeo estaacute cumprindo corretamente com a sua funccedilatildeo na
democaria
O Autor ressalta que junto agrave essa tensatildeo haacute tambeacutem um constante
diaacutelogo entre o Judiciaacuterio e Legislativo o qual natildeo decorre de reuniotildees e debates entre eles
mas sim da realizaccedilatildeo por cada qual da sua respectiva funccedilatildeo constitucional (BARAK
2008 p 236)
Neste sentido eacute importante a constataccedilatildeo de que no Brasil um paiacutes com
um modelo forte de controle de constitucionalidade e onde a supremacia judicial eacute evidente
vez que a proacutepria Constituiccedilatildeo entitula como o detentor da uacuteltima palavra em mateacuteria
constitucional o Supremo Tribunal Federal nada impede que o Legislativo reaja ou ateacute
mesmo desafie as decisotildees proferidas pelo Judiciaacuterio no acircmbito do controle de
constitucionalidade
Assim percebe-se que ao contraacuterio do que muitos estudiosos
pressupotildeem a ideia de diaacutelogo natildeo estaacute necessariamente vinculada agrave um sistema fraco de
revisatildeo judicial das leis ou agrave uma total inexistecircncia de supremacia judicial podendo o
mesmo existir e ser conciliaacutevel mesmo nos sistemas mais riacutegidos
Portanto a ideia de diaacutelogo institucional natildeo extingue necessariamente
a supremacia judicial o que pode eacute mitigaacute-la em alguns casos impondo limites mais riacutegidos
a atuaccedilatildeo judicial justamente por meio da possibilidade de reaccedilatildeo legislativa
Com isso pode-se dizer que a forma mais viaacutevel de se entender o
diaacutelogo institucional eacute como algo decorrente da reformulaccedilatildeo do proacuteprio princiacutepio da
separaccedilatildeo de poderes segundo a qual cada ramo do Poder realiza uma funccedilatildeo que lhe eacute
proacutepria sem interferir na atuaccedilatildeo do outro Todavia essa atuaccedilatildeo natildeo deve ser estanque natildeo
existindo uma fronteira intransponiacutevel entre as atividades inerentes agrave cada um dos Poderes
Ou seja apesar de cada Poder ter de observar seus limites e respeitar a
atuaccedilatildeo dos outros devem compreender a necessidade de cooperaccedilatildeo e buscar uma atuaccedilatildeo
conjunta e complementar
Apesar disso a praacutetica nos revela que nem toda reaccedilatildeo legislativa deve
113
ser interpretada sob o ponto de vista dialoacutegico muitas vezes ela tambeacutem representaraacute mais
uma disputa de poder do que uma tentativa de debate ou de correccedilatildeo da decisatildeo judicial
Sendo assim entender toda e qualquer reaccedilatildeo legislativa como
dialoacutegica pode ser perigoso e temeraacuterio pois em muitos casos essa reaccedilatildeo pode significar
mais um disputa de poder do que necessariamente uma tentativa de debate Assim em
algumas situaccedilotildees o termo ldquodiaacutelogordquo pode natildeo ser propriamente a melhor forma de
caracterizar essas reaccedilotildees
Em muitos casos e exemplos concretos das teorias viu-se que haacute na
realidade mais uma ldquointeraccedilatildeordquo entre os Poderes do que necessariamente um ldquodiaacutelogordquo por
conseguinte a maioria das teorias dialoacutegicas na forma em que satildeo concebidas se revelam
muito otimistas pode-se dizer que ateacute um pouco romantizadas sob o ponto de vista praacutetico
Desta forma assim como as reaccedilotildees legislativas natildeo devem em sua
totalidade serem encaradas como uma praacutetica dialoacutegica o mesmo deve ser observado quanto
a conduta do Tribunal sendo este um ponto importante a ser observado
As teorias dos diaacutelogos institucionais inicialmente se apresentam
como uma forma de combate ao ativismo judicial entretanto quando analisamos algumas
das suas metodologias podemos ver que em muitos casos elas podem acabar servindo de
reforccedilo e ateacute incentivo de uma praacutetica ativista
Como jaacute foi dito o ativismo judicial se manifesta quando as decisotildees
da jurisdiccedilatildeo constitucional tomam uma densidade poliacutetica mais ampla passando a Corte a
natildeo mais apenas declarar normas inconstitucionais atuando como legislador negativo na
forma em que foi orginariamente pensada mas ao mesmo tempo comeccedila a exigir
determinadas posturas dos outros Poderes atuando como um legislador positivo (AGRA
2006)
Dessa forma algumas teacutecnicas dialoacutegicas de decisatildeo judicial podem
representar mais uma dissimulaccedilatildeo ou camuflagem do ativismo do que o seu verdadeiro
combate jaacute que alimentam uma conduta proacute-ativa do Judiciaacuterio no sentido de provocar o
Legislativo aconselhaacute-lo ou qualquer outra forma de tiraacute-lo da ineacutercia
Podem nessa perspectiva ser consideradas tanto como uma conduta
dialoacutegica como uma conduta ativista pois a linha divisoacuteria entre a simples instigaccedilatildeo e a
114
interferecircncia no poder de atuaccedilatildeo do Legislativo eacute muito tecircnue
Por isso natildeo se pode afirmar com certeza que as teorias dialoacutegicas
servem de combate ao ativismo judicial jaacute que muitas vezes podem servir de fundamento
para o Judiciaacuterio justificar decisotildees que extrapolam seu acircmbito de atuaccedilatildeo e adentram na
esfera do Legislativo Portanto eacute essencial prestar atenccedilatildeo na forma com que o Judiciaacuterio eacute
incentivado a agir como um propiciador do diaacutelogo sem perder de vista a existecircncia de
limites agrave essa praacutetica
Apesar disso natildeo se pode desconsiderar que em muitos casos ainda
que o Judiciaacuterio ao exercer o seu papel proposto pelas teorias diaacutelogicas acabe incorrendo
em uma praacutetica ativista o resultado obtido pode ser beneacutefico como vimos por exemplo no
caso da Aacutefrica do Sul e ateacute mesmo no sistema brasileiro o que revela que nem sempre o
ativismo judicial deve ser visto como algo totalmente negativo121
No tocante a efetivaccedilatildeo do diaacutelogo no seu sentido material a proposta
de que a uacuteltima palavra seja fruto de um intenso e efetivo debate entre os atores participantes
do processo de interpretaccedilatildeo constitucional que seja construiacuteda de forma conjunta por eles
por intermedio de uma troca de argumentos para chegar a um consenso razoaacutevel e duraacutevel
no seio da sociedade natildeo se realiza com clareza em nenhuma das praacuteticas identificadas como
dialoacutegicas - pelo menos nas que temos conhecimento ateacute aqui
Por isso percebe-se que a ideia de concretizaccedilatildeo de um diaacutelogo material
estaacute muito distante de uma realidade palpaacutevel pois para que isso ocorra haacute a necessidade de
que todos os braccedilos do Poder estejam dispostos a entrar em um efetivo debate contribuindo
cada um com suas competecircncias teacutecnicas para a criaccedilatildeo de uma soluccedilatildeo conjunta
construindo decisotildees no acircmbito da jurisdiccedilatildeo constitucional mediante deliberaccedilatildeo de uma
concreta troca de argumentos o que nem sempre seraacute possiacutevel
Este fato revela que para que o diaacutelogo se concretize haacute muito mais a
necessidade de uma vontade poliacutetica das instituiccedilotildees do que necessarimente uma prescriccedilatildeo
normativa ou de uma redifiniccedilatildeo do desenho institucional por meio de modificaccedilotildees no texto
constitucional Portanto ao mesmo tempo que o diaacutelogo pode ocorrer em qualquer sistema
121 Aharon Barak destaca que nem sempre o ativismo judicial estaraacute ligado a intenccedilatildeo de expansatildeo do Poder
judicial muitas vezes ele pode ser necessaacuterio para a proteccedilatildeo dos direitos humanos e ainda pode ser a forma
do Judiciaacuterio lidar com o poder dos outros ramos poliacuteticos Ver BARAK Aharon The Judge in a Democracy
Princeton University Press 2008 pp 263-271)
115
de jurisdiccedilatildeo constitucional a sua efetividade tambeacutem seraacute diretamente influenciada pela
cultura poliacutetica e histoacuterica de cada paiacutes
Apesar da concretizaccedilatildeo do diaacutelogo no seu sentido material como
preleciona a melhor doutrina ser uma realidade um tanto distante natildeo se pode ignorar os
benefiacutecios do diaacutelogo formal que se manifesta nessas praacuteticas principalmente no que se
refere ao papel que exercem no sentido de provocar uma mudanccedila de mentalidade dos
proacuteprios entes detentores do Poder bem como no aumento da responsabilidade da sua
atuaccedilatildeo
Nessa linha de raciociacutenio Petter Andrew (2007 p167) afirma que o
apelo agraves teorias dialoacutegicas deriva mais do seu poder como uma metaacutefora do que da sua forccedila
como argumento pois ao retratar a revisatildeo judicial como contributiva para o envolvimento
deliberativo a metaacutefora do diaacutelogo reformula o papel dos juiacutezes que passam a ser vistos
como advogados de um processo democraacutetico natildeo como aacuterbitros dentro de um processo
autoritaacuterio
Apesar dos pontos controversos foram apontados a respeito da sua
praacutetica as teorias dialoacutegicas satildeo de grande valia para o desenvolvimento da justiccedila
constitucional significando a busca pela superaccedilatildeo dos problemas ligados a expansatildeo
desordenada do Poder Judiciaacuterio bem como a maior e mais eficaz efetivaccedilatildeo dos direitos
fundamentais como determina a nova ordem mundial
Pode-se dizer que ainda que as teorias possuam as suas dificuldades
praacuteticas elas direcionam os atores constitucionais para uma atuaccedilatildeo mais consciente
reforccedilam o seu papel institucional e apontam algumas das principais falhas dos sistemas
tradicionais de revisatildeo judicial Assim o diaacutelogo institucional deve ser visto como um ideal
a ser alcanccedilado atraveacutes do aperfeiccediloamento da sua praacutetica atual e sobretudo por meio do
reforccedilo do princiacutepio da separaccedilatildeo de poderes no acircmbito da jurisdiccedilatildeo constitucional
116
CONCLUSAtildeO
No decurso deste trabalho verificou-se como as mudanccedilas da sociedade
global implicaram a (re)definiccedilatildeo de um novo paradigma constitucional pautado em relaccedilotildees
de cooperaccedilatildeo o qual impocircs a busca por um novo modelo de jurisdiccedilatildeo constitucional
originaacuterio da expansatildeo do judicial review para os paiacuteses da Commonwealth
Viu-se que o ativismo judicial e a judicializaccedilatildeo da poliacutetica decorrentes
dessa expansatildeo passaram a ser vistos como patologias do sistema e acenturam novos debates
acerca da legitimidade democraacutetica do Poder Judiciaacuterio para realizar o controle de
constitucionalidade dos atos legislativos incentivando entatildeo a criaccedilatildeo de um sistema de
controle fraco de constitucionalidade originaacuterio do Canadaacute
Dentro desse contexto falou-se do surgimento da ideia de um diaacutelogo
institucional no acircmbito do controle de constitucionalidade e pautamos a diferenccedila entre
diaacutelogo material e diaacutelogo formal Apoacutes fez-se uma anaacutelise das teorias dialoacutegicas
explorando seus conceitos exemplos praacuteticos e principais pontos de criacutetica
Por intermeacutedio dessa investigaccedilatildeo percebe-se que nenhuma das teorias
consubstancia um modelo perfeito sob o ponto de vista praacutetico no sentindo de promover um
diaacutelogo verdadeiro assente em uma efetiva deliberaccedilatildeo entre os Poderes Para aleacutem disso
que alguns acabou-se por registrar que os conflitos relativos agrave legitimidade democraacutetica do
judicial review na praacutetica permanecem
Todavia constatou-se tambeacutem que as teorias dialoacutegicas satildeo valiosas
pois ao contraacuterio das conhecidas teorias interpretativas que buscam disciplinar qual a melhor
forma de os juiacutezes procederem agrave leitura constitucional estas buscam evidenciar o papel
institucional do Judiciaacuterio aliado ao reforccedilo da importacircncia da atividade legislativa visando
a produccedilatildeo de decisotildees no ambito da justiccedila constitucional que natildeo sejam fruto de um
ldquomonoacutelogordquo mas sim da interaccedilatildeo institucional
Concluiacute-se entatildeo que o potencial das teorias dialoacutegicas consiste
justamente na estimulaccedilatildeo da busca por melhores padrotildees de interaccedilatildeo entre os Poderes
sendo todas elas de uma importacircncia iacutempar por tentarem evidenciar como deveria funcionar
um desenho institucional ideal no acircmbito da interpretaccedilatildeo constitucional e controle das leis
117
reforccedilando o papel de cada braccedilo do Poder nessa empreitada conforme suas proacuteprias funccedilotildees
e capacidades
Os resultados dete trabalho natildeo satildeo portanto uma resposta exata
tampouco definitiva aos atuais problemas efrentados pela jurisdiccedilatildeo constitucional mas
servem de ponto de partida para uma reflexatildeo sobre os pontos positivos e negativos das mais
modernos teorias sobre o judicial review
118
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ldquoEscolhe teu diaacutelogo e tua melhor palavra ou teu
melhor silecircncio Mesmo no silecircncio e com o
silecircncio dialogamosrdquo
(O Constante Diaacutelogo ndash Carlos Drummond de
Andrade)
3
AGRADECIMENTOS
Este trabalho eacute fruto de um sonho e apesar da sua autoria ser individual
muitos foram os que contribuiacuteram para a sua concretizaccedilatildeo sem os quais esta natildeo seria
possiacutevel
Meus pais que desde sempre me apoiam e incentivam na construccedilatildeo de
uma vida profissional que suportam a minha ausecircncia em tantos momentos que possibilitam
o alcance dos meus objetivos e que abrem matildeo das suas vontades para que eu possa realizar
as minhas
Meu irmatildeo que mesmo distante eacute para mim exemplo de garra e
determinaccedilatildeo Meus avoacutes Artur Claacuteudio e Diniz Ferreira pela trajetoacuteria de vida que tiveram
e que hoje me servem de inspiraccedilatildeo profissional Minha amada avoacute Lucila que sempre se
fez presente em minha vida e de quem a distacircncia me eacute tatildeo cara Minha querida avoacute Eida
que mesmo em outro plano sei que me acompanha e protege constantemente
Todos aqueles que cruzaram o meu caminho em Coimbra e que de
alguma forma satildeo responsaacuteveis pelo meu crescimento tanto profissional como pessoal Os
grandes amigos que fiz que ajudaram a me sentir em casa e a amenizar a ausecircncia da famiacutelia
Todos os mestres que tive desde o iniacutecio da Graduaccedilatildeo que plantaram em
mim a vontade de aprender cada vez mais e me fizeram admirar a docecircncia
Os professores e funcionaacuterios da Universidade de Coimbra com quem tive
o privileacutegio de conviver e tanto aprender natildeo apenas sobre Direito mas sobre respeito e
valorizaccedilatildeo da Educaccedilatildeo
Minha orientadora Dra Suzana Tavares da Silva que me apresentou um
novo Direito Constitucional e que desde o iacutenicio do Curso de Mestrado ensinou-me natildeo
apenas conteuacutedos juriacutedicos mas sobretudo a pensar e argumentar
Todos aqueles que torcem por mim mesmo em silecircncio ou a distacircncia
Agradeccedilo imensamente apesar de saber que minhas palavras nunca seratildeo
suficientes para demonstrar toda a minha gratidatildeo
Obrigada
4
IacuteNDICE
INTRODUCcedilAtildeO 9
CAPIacuteTULO 1 ndash OS NOVOS DESAFIOS DO CONSTITUCIONALISMO E SEUS
REFLEXOS NA JURISDICcedilAtildeO CONSTITUCIONAL O SURGIMENTO IDEIA DE
COOPERACcedilAtildeO 11
1 Os novos desafios do constitucionalismo 11
2 Constitucionalismo de cooperaccedilatildeo e seus reflexos na jurisdiccedilatildeo constitucional 14
3 O tradicional modelo de judicial review e a supremacia judicial 19
4 Jurisdiccedilatildeo constitucional e democracia um antigo debate 23
5 A implementaccedilatildeo do judicial review nos paiacuteses da commonwealth e o surgimento
de uma nova alternativa ao binocircmio judiciaacuterio v Legislativo ndash weak form of judicial
review 28
CAPIacuteTULO 2 ndash AS TEORIAS DIAacuteLOGICAS E A CONCRETIZACcedilAtildeO DO
DIAacuteOLOGO INSTITUCIONAL 31
6 Teoria dos diaacutelogos institucionais 31
7 Diaacutelogo formal v Diaacutelogo material 33
8 Teorias dialoacutegicas fundadas no meacutetodo judicial 35
81 Aconselhamento judicial 36
82 Teorias centradas no processo 40
83 Criacuteticas agraves teorias dialoacutegicas fundadas no meacutetodo judicial 45
9 O especial caso da Aacutefrica do Sul 48
10 As teorias estruturais de diaacutelogo 51
10 1 Teorias de construccedilatildeo coordenada 52
5
11 As teorias dialoacutegicas da parceira 70
111 Criacuteticas agrave teoria da parceria 71
12 Fusatildeo dialoacutegica 72
121 Criacuteticas agrave teoria da fusatildeo dialoacutegica 73
13 Os mecanismos estruturais de diaacutelogo no sistema britacircnico e neozelandecircs 73
131 O mandado interpretativo e a declaraccedilatildeo de incompatibilidade no reino unido (seccedilatildeo 3 e 4
(2) do human rights act 1998) 74
132 O mandado interpretativo na experiecircncia neozelandesa 82
CAPIacuteTULO 3 ndash AS TEORIAS DIALOacuteGICAS NO SISTEMA DE JURSIDICcedilAtildeO
CONSTITUCIONAL BRASILEIRO UMA POSSIBILIDADE 87
14 Julgamento da accedilatildeo direta de inconstitucionalidade nordm 2797df ndash a suacutemula 394 do
STF e a lei nordm 106282002 89
15 Julgamento da accedilatildeo direta de inconstitucionalidade nordm 4543DF e a lei
131652015 96
16 Julgamento da accedilatildeo direta de inconstitucionalide nordm 3772DF ndash a suacutemula 726 do
STF e a lei nordm 113012006 100
17 Julgamento da accedilatildeo direta de inconstitucionalidade por omissatildeo nordm 3382MT 105
18 Diaacutelogo institucional siacutentese dos aspectos controversos e algumas consideraccedilotildees
acerca da sua consecuccedilatildeo praacutetica 109
CONCLUSAtildeO 116
BIBLIOGRAFIA 118
6
RESUMO
O objeto do presente trabalho satildeo as Teorias dos Diaacutelogos Institucionais
as quais se apresentam no acircmbito da jurisdiccedilatildeo constitucional como uma alternativa para
resolver os problemas relacionados a legitimidade democraacutetica da revisatildeo judicial das leis
combater o ativismo judicial e propiciar uma maior efetivaccedilatildeo dos direitos fundamentais
Inicialmente faz-se uma abordagem dos fatores que contribuiacuteram para o
seu desenvolvimento passando por questotildees relacionadas a expansatildeo do Poder Judiciaacuterio e
a adoccedilatildeo de um sistema de judicial review pelos paiacuteses da Commonwealth e o surgimento
do modelo fraco de controle de constitucionalidade (weak form of judicial review)
As teorias satildeo exploradas por meio da classificaccedilatildeo desenvolvida por
Chistine Bateup por meio de uma abordagem conceitual e praacutetica a fim de identificar os
aspectos positivos bem como as dificuldades da concretizaccedilatildeo das mesmas
Busca-se ainda verificar de que forma e em que medida essas teorias se
manifestam no sistema brasileiro o que eacute feito por meio de uma consulta a importantes
julgados do Supremo Tribunal Federal no ensejo do controle concentrado de
constitucionalidade
Ao final realiza-se um balanccedilo criacutetico dos aspectos controversos das
teorias identificando suas dificuldades praacuteticas bem como o seu potencial normativo
PALAVRAS-CHAVE judicial review supremacia judicial ativismo judicial legitimidade
democraacutetica teorias dialoacutegicas separaccedilatildeo de poderes
7
ABSTRACT
The focus of this study are the Theories of Institutional Dialogue which
are presented in the context of constitutional juridiction as an alternative to solve the
problems the democratic legitimacy of judicial review of laws combating judicial activism
and promote a greater realization of fundamental rights
Initially it is an approach of the factors that contributed to their
development through issues related to expansion of the Judiciary and the adoption of a
judicial review by the countries of the Commonwealth system and the emergence of weak
form of judicial review
The theories are operated by classification developed by Chistine Bateup
through a conceptual and practical approach in order to identify the positive and the
difficulties of their achieving
Also it is a search to verify how and to what extent these theories are
manifested in the Brazilian system which is done through a judged important verification of
the Supreme Court on the occasion of the concentrate constitutionality control
At the end it carried out a critical assessment of the controversial aspects
of the theories identifying their practical difficulties and its normative potential
KEYWORDS judicial review judicial supremacy judicial activism democratic
legitimacy dialogical theories separation of powers
8
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
ADI ndash Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade
Art ndash Artigo
CCORF ndash Canadian Charter of Rights and Freedoms
CEDH ndash Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem
CF88 ndash Constituiccedilatildeo Federal Brasileira de 1988
HRA ndash United Kingdomrsquos Bill of Rights Act
P ndash Paacutegina
PLS ndash Projeto de Lei do Senado
PEC ndash Projeto de Emenda Consrtitucional
RE ndash Recurso Extraordinaacuterio
STF ndash Supremo Tribunal Federal
9
INTRODUCcedilAtildeO
A complexidade das sociedades atuais o novo contexto internacional e a
redefiniccedilatildeo das concepccedilotildees de Constituiccedilatildeo impotildeem a reflexatildeo acerca do tradicional modelo
de jurisdiccedilatildeo constitucional e a sua capacidade de resoluccedilatildeo de conflitos de forma eficaz Se
antes o objetivo do constitucionalismo era assegurar direitos hoje a sua preocupaccedilatildeo gira
em torno da concretizaccedilatildeo dos mesmos
Fatores como o alargamento do Poder Judiciaacuterio o crescente ativismo
judicial e o surgimento de novos sistemas de jurisdiccedilatildeo constitucional dissociados da
tradicional ideia de supremacia judicial intensificam e fazem avanccedilar os debates acerca da
legitimidade do judicial review e da sua eficaacutecia no tocante a efetivaccedilatildeo dos direitos
fundamentais
Apesar de ser um tema recorrente na doutrina constitucional os debates
acerca da jurisdiccedilatildeo constitucional parecem estar longe do fim ao contraacuterio contam com
argumentos cada vez mais complexos e que ultrapassam o tradicional binocircmio Judiciaacuterio v
Legislativo e a disputa pela palavra final
O propoacutesito deste trabalho eacute contribuir para a reflexatildeo acerca do tema
utilizando como instrumento para tanto a exposiccedilatildeo e anaacutelise das Teorias dos Diaacutelogos
Institucionais as quais se propotildeem promover uma redefiniccedilatildeo do desenho institucional no
acircmbito da jurisdiccedilatildeo constitucional a fim de conciliar a revisatildeo judicial das leis com o
princiacutepio democraacutetico e propiciar uma maior eficaacutecia dos direitos fundamentais
O conteuacutedo do primeiro capiacutetulo trata de aspectos mais gerais e
introdutoacuterios buscando demonstrar a importacircncia e atualidade do tema no contexto global
em face do novo paradigma constitucional pautado em relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo na sequecircncia
aborda-se por questotildees especiacuteficas relativas ao judicial review como o tradicional debate
acerca da sua legitimidade e da sua recente expansatildeo para os paiacuteses da Commonwealth as
quais contribuiacuteram decisivamente para o desenvolvimento das teorias dialoacutegicas
Apoacutes contextualizar o surgimento da ideia de um diaacutelogo institucional no
segundo capiacutetulo faz-se uma exposiccedilatildeo conceitual praacutetica e criacutetica das teorias dialoacutegicas
buscando extrair seus principais contributos bem como desmistificar vaacuterios aspectos
10
enaltecidos por alguns estudiosos a respeito das mesmas
Utiliza-se para fins didaacuteticos a classificaccedilatildeo feita por Christine Bateup a
qual agrupa as teorias em classes diferentes e a exposiccedilatildeo de exemplos concretos de cada
teoria trazendo ao final de cada toacutepico as principais criacuteticas concernentes a sua praacutetica
Feita a anaacutelise conceitual e exemplificativa de cada grupo teoacuterico bem
como a exposiccedilatildeo de suas respectivas criacuteticas a proposta do uacuteltimo capiacutetulo eacute verificar como
e em que medida as teorias dialoacutegicas estudadas encontram reflexo na praacutetica da jurisdiccedilatildeo
constitucional brasileira atraveacutes da observaccedilatildeo de julgados do Supremo Tribunal Federal no
acircmbito do controle concentrado - ou abstrato - de constitucionalidade
A principal inquietaccedilatildeo que move este trabalho eacute verificar se o diaacutelogo
institucional na forma em que eacute proposto pelas principais teorias desenvolvidas ateacute nestas
primeiras deacutecadas do seacuteculo XXI eacute uma praacutetica possiacutevel de ser implementada ou tatildeo-
somente uma conjectura teoacuterica
11
CAPIacuteTULO 1 ndash OS NOVOS DESAFIOS DO CONSTITUCIONALISMO E SEUS
REFLEXOS NA JURISDICcedilAtildeO CONSTITUCIONAL O SURGIMENTO IDEIA DE
COOPERACcedilAtildeO
1 Os novos desafios do constitucionalismo
Antes de adentrarmos no tema central do presente trabalho eacute necessaacuterio
entender as novas premissas e diretrizes do constitucionalismo contemporacircneo Dizemos
isso por constatar que natildeo se pode analisar a jurisdiccedilatildeo constitucional de forma dissociada
do contexto histoacuterico e social em que se insere
Haumlrbele (2006) ensina que o constitucionalismo eacute por excelecircncia uma
criaccedilatildeo cultural Na mesma linha de raciociacutenio Bastos (2010) aduz que o constitucionalismo
acima de tudo revela-se como um fenocircmeno social dotado de caraacuteter juriacutedico Explica que
o seu caraacuteter social decorre de uma pressatildeo nascida do povo que objetiva o esvaziamento do
poder absoluto e o caraacuteter juriacutedico por representar a formaccedilatildeo da regulamentaccedilatildeo legal do
exerciacutecio do Poder aliada agrave implementaccedilatildeo da defesa da Constituiccedilatildeo
Dessa forma percebe-se que o constitucionalismo estaacute intimamente ligado
ao contexto social em que se insere Eacute por essa razatildeo que Canotilho (2003 p51) com
pertinecircncia afirma ser preferiacutevel referir-se a movimentos constitucionais pois natildeo haacute soacute um
constitucionalismo e sim diversos movimentos constitucionais com coraccedilotildees nacionais
mas tambeacutem com momentos de aproximaccedilatildeo entre si fornecendo uma complexa tessitura
histoacuterico-cultural
Reconhecida a influecircncia do contexto social no desenvolvimento do
constitucionalismo eacute correto afirmar que os desafios impostos agrave jurisdiccedilatildeo constitucional no
seacuteculo XXI natildeo satildeo os mesmo de outrora Se antes a preocupaccedilatildeo constitucional girava em
torno da limitaccedilatildeo do poder estatal da separaccedilatildeo de poderes e garantia de direitos e
liberdades hoje os problemas satildeo significativamente mais complexos devido ao proacuteprio
desenvolvimento da sociedade moderna
As consequecircncias do intenso processo de globalizaccedilatildeo que a humanidade
vivencia aumentam a complexidade da sociedade atual diminuem a distacircncia entre os
Estados criam novos pontos de convergecircncia entre eles estreitam as suas fronteiras
12
geograacuteficas Soma-se agrave isto o crescente fortalecimento dos mecanismos internacionais de
defesa dos Direitos Humanos e o aumento vertiginoso das normas internacionais Ora o
constitucionalismo como fenocircmeno social que eacute natildeo poderia ser imune a essas grandes
modificaccedilotildees
Jonatas Machado (2011 p33) salienta que o desenvolvimento dos
sistemas internacionais de proteccedilatildeo dos Direitos Humanos Europeu Americano e Africano
por si soacute constiuem uma revoluccedilatildeo constitucional na medida em que estabelecem uma
espeacutecie de jurisdiccedilatildeo constitucional de Direitos Humanos supranacional com capacidade de
condenar os Estados membros por violaccedilotildees a esses direitos
Destaca ainda que a Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos do Homem tem
exercido um efeito direto no Direito Constitucional de numerosos Estados em todos os
continentes inspirando cataacutelogos de direitos liberdades e garantias sendo expressamente
mencionada como auxiliar interpretativo dos cataacutelogos internos ou sendo mesmo
incorporada no bloco de constitucionalidade de alguns Estados
Assim verifica-se a abertura da Constituiccedilatildeo ao Direito Internacional
gerando um novo paradigma constitucional com o surgimento de conflitos mais complexos
sobretudo pela pluralidade no tocante a interpretaccedilatildeo do conteuacutedo dos Direitos Humanos
Neves (2013) sintetiza claramente o momento do constitucionalismo atual
quando aduz que com a maior integraccedilatildeo da sociedade mundial os problemas
constitucionais que versam sobre de direitos humanos ou fundamentais e sobre o controle e
limitaccedilatildeo do poder tornaram-se insuscetiacuteveis de serem tratados por uma uacutenica ordem juriacutedica
estatal no acircmbito do seu territoacuterio vez que esses problemas passam a ser concomitantemente
relevantes para mais de uma ordem juriacutedica muitas vezes natildeo estatais que satildeo instadas a
oferecer respostas para a sua soluccedilatildeo
Nesse contexto o tradicional princiacutepio de soberania tanto do Estado como
do Texto Supremo que o rege acaba por ser relativizado jaacute que as relaccedilotildees sociais
econocircmicas poliacuteticas e tambeacutem juriacutedicas se desenvolvem cada vez mais no acircmbito
internacional ultrapassando os tradicionais limites do poder nacional1
1 Sobre a referida relativizaccedilatildeo do princiacutepio da soberania importante destacar que como bem leciona o ilustre
doutrinador portuguecircs Jonatas Machado a mesma natildeo significa de forma alguma o fim do Estado enquanto
organizaccedilatildeo juriacutedica de uma comunidade poliacutetica Natildeo pode haver uma eficaz proteccedilatildeo dos direitos humanos
13
A moderna doutrina fala em crise do constitucionalismo decorrente dessa
conjuntura2 eis que foi revelada a incapacidade do Estado nacional e o texto magno que o
rege para resolverem isoladamente os impasses constitucionais o que acarreta em uma
perda de forccedila da Constituiccedilatildeo
Desta feita o atual momento do constitucionalismo impotildee uma reflexatildeo
acerca do papel da Constituiccedilatildeo e consequentemente da jurisdiccedilatildeo constitucional reflexatildeo
que deve ser feita natildeo apenas sob seus aspectos internos mas sim de forma comprometida
com o contexto global que seraacute determinante na sua estruturaccedilatildeo sob pena de perda da sua
eficaacutecia A abertura cognitiva que o novo cenaacuterio de fluidez de fronteiras geograacuteficas e de
intensa circulaccedilatildeo de ideias determina em relaccedilatildeo a compreensatildeo e atualidade do sentido
constitucional vem inspirando uma nova visatildeo de constitucionalismo que contemple
arquiteturas de acomodaccedilatildeo institucional que conduzam a um exerciacutecio democraacutetico de
identificaccedilatildeo do sentido constitucional Surgem entatildeo novas relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo
internas e externas ao Estado as quais representam a pedra de toque na atualidade (VALLE
2010 p 32)
Os novos desafios impostos ao constitucionalismo no seacuteculo XXI
sobretudo no tocante a compreensatildeo e delimitaccedilatildeo do conteuacutedo de direitos fundamentais tecircm
permitido a construccedilatildeo de alternativas agrave velha conclusatildeo de que na jurisdiccedilatildeo constitucional
deve existir um oacutergatildeo responsaacutevel por emanar a uacuteltima palavra na resoluccedilatildeo de conflitos jaacute
que nenhum dos atores consituticionais e braccedilos do Poder revela-se por si soacute aptos a
resolver os cada vez mais complexos problemas constitucionais
Em seguida aborda-se-aacute essa nova vertente do constitucionalismo e as
respectivas relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo que vecircm surgindo como consequecircncia dessa mudanccedila de
paradigma
sem um Estado igualmente forte o que deve ocorrer eacute uma reconceitualizaccedilatildeo da soberania mediante a
limitaccedilatildeo de alguma das suas dimensotildees e fortalecimento de outras (MACHADO 2013)
2 Ver DOBNER Petra LOUGHLIN Martin (ed) The Twilight of ConstitutionalismOxford Oxford
University Press 2009
14
2 Constitucionalismo de cooperaccedilatildeo e seus reflexos na jurisdiccedilatildeo constitucional
Conforme pode ser observado no contexto do constitucionalismo atual
haacute uma mudanccedila de paradigma decorrente do reconhecimento do pluralismo como uma
constante dos novos problemas constitucionais A concretizaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo sobretudo
no que tange a efetividade dos direitos fundamentais natildeo pode mais ser pensada de forma
singular devendo se reconhecer a multiplicidade de atores envolvidos nesse processo
Com esse objetivo eclodem inuacutemeras teorias que buscam legitimar
relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo distanciando-se cada vez mais da tradicional ideia de supremacia
seja no acircmbito interno de um Estado ou no espaccedilo internacional
Com isso emerge um conceito de ldquoconstitucionalismo cooperativordquo3 no
qual se albergam essas diversas teorias fundadas na criaccedilatildeo de mecanismos de cooperaccedilatildeo
entre os Estados e suas ordens juriacutedicas Nesse sentido merece destaque o conceito de
Estado constitucional cooperativo desenvolvido por Peter Haumlrbele (2007) como sendo um
Estado que encontra a sua identidade tambeacutem no Direito Internacional no entrelaccedilamento
das relaccedilotildees internacionais e supranacionais na percepccedilatildeo de cooperaccedilatildeo e
responsabilidade bem como no compromisso com a solidariedade e a paz
Tambeacutem com base nessa ideia de abertura e de cooperaccedilatildeo tem-se a
teoria do transconstitucionalismo desenvolvida pelo brasileiro Marcelo Neves4 e a
interconstitucionalidade do ilustre mestre Canotilho5
Apesar de diferentes em alguns aspectos o que essas duas modernas
teorias possuem em comum eacute justamente a tentativa de conciliaccedilatildeo entre o consitucionalismo
e o pluralismo da sociedade globalizada enfrentando a problemaacutetica do estabelecimento de
relaccedilotildees de acoplamento entre ordens nacionais distintas bem como destas com o direito
comunitaacuterio sem que percam a sua respectiva identidade nacional
Enquanto a interconstitucionalidade enfrenta o problema da articulaccedilatildeo
entre constituiccedilotildees e poderes constituintes com fontes e legitimidades diversas dentro de um
3 Neste trabalho o uso do termo ldquoconstitucionalismo cooperativordquo natildeo se refere a nenhuma teoria ou autor em
especiacutefico mas sim ao conjunto da doutrina constitucional que tem como base a construccedilatildeo de relaccedilotildees de
cooperaccedilatildeo seja entre Estados entre entes estatais entre ordens juriacutedicas e outras
4 Ver NEVES Marcelo Transconstitucionalismo Satildeo Paulo Martins Fontes 2013
5 Ver CANOTILHO JJ Gomes ldquoBrancososrdquo e Interconstitucionalidade Itineraacuterios dos Discursos Sobre
Historicidade Constitucional Coimbra Almedina 2006
15
mesmo espaccedilo poliacutetico de forma a solucionar os conflitos decorrentes da justaposiccedilatildeo
concorrecircncia e divergecircncia entre eles (CANOTILHO 2006) o tranconstitucionalismo trata
da construccedilatildeo de ldquopontes de transiccedilatildeordquo entre ordens juriacutedicas diversas buscando um
crescimento e aprendizado muacutetuo entre elas apontando como requisito indispensaacutevel para
tanto a permanente reconstruccedilatildeo da ldquoidentidade constitucionalrdquo de cada uma a partir do
reconhecimento de alteridade sem que isso signifique uma mera convergecircncia entre elas e
uma consequente negaccedilatildeo de identidade proacutepria mas sim a existecircncia de uma prontidatildeo
para a abertura reciacuteproca natildeo apenas cognitiva mas tambeacutem normativa (NEVES 2009)
A partir desse entendimento a conclusatildeo a que se chega eacute que o Estado
natildeo pode mais ser considerado como o principal locus de soluccedilatildeo de conflitos
constitucionais uma vez que esses ultrapassam o seu acircmbito interno sendo imperativa a
abertura agrave relaccedilotildees interestatais e supranacionais
Os exemplos mais emblemaacuteticos desses modelos de relaccedilotildees
cooperativas desenvolvem-se no acircmbito da Uniatildeo Europeia que ao reconhecer a eficaacutecia
imediata ao direito comunitaacuterio introduz um instrumento normativo supranacional agrave ordem
juriacutedica interna de cada paiacutes membro o qual passa tambeacutem a ser paracircmetro de eventual
controle das leis e das proacuteprias constituiccedilotildees estabelecendo assim uma necessaacuteria
convivecircncia entre diversas ordens juriacutedico-normativas dentro de um mesmo espaccedilo poliacutetico
e submetidas a uma jurisdiccedilatildeo supranacional
O proacuteprio Tratado que institui a Uniatildeo Europeia em seu artigo 2346 ao
determinar a competecircncia do Tribunal de Justiccedila europeu sugere que haja um diaacutelogo
intercortes A estrateacutegia a ser adotada para a consolidaccedilatildeo do novo ordenamento eacute portanto
natildeo a de mera subordinaccedilatildeo da ordem juriacutedica nacional agrave supranacional mas sim do
desenvolvimento de constantes relaccedilotildees paritaacuterias de colaboraccedilatildeo (KOMAacuteREK 2005)
6 ldquoArt 234 O Tribunal de Justiccedila eacute competente para decidir a tiacutetulo prejudicial sobre a) A interpretaccedilatildeo do
presente Tratado b) A validade e a interpretaccedilatildeo dos atos adotados pelas instituiccedilotildees da Comunidade e pelo
BCE c) A interpretaccedilatildeo dos estatutos dos organismos criados por ato do Conselho desde que estes estatutos
o prevejam Sempre que uma questatildeo desta natureza seja suscitada perante qualquer oacutergatildeo jurisdicional de um
dos Estados-Membros esse oacutergatildeo pode se considerar que uma decisatildeo sobre essa questatildeo eacute necessaacuteria ao
julgamento da causa pedir ao Tribunal de Justiccedila que sobre ela se pronuncie Sempre que uma questatildeo desta
natureza seja suscitada em processo pendente perante um oacutergatildeo jurisdicional nacional cujas decisotildees natildeo sejam
susceptiacuteveis de recurso judicial previsto no direito interno esse oacutergatildeo eacute obrigado a submeter a questatildeo ao
Tribunal de Justiccedilardquo
16
A niacutevel europeu parece correto afirmar a opccedilatildeo por uma metoacutedica
fundada na imbricaccedilatildeo de cataacutelogos reveladora ou criadora de standards em contraposiccedilatildeo
a um modelo hierarquizado fundado em uma Groundnorm (TAVARES DA SILVA 2014)
ou seja natildeo haacute a primazia entre os ordenamentos mas sim uma ideia de
complementaridade7
Seguindo essa loacutegica de imbricaccedilatildeo e natildeo de hierarquizaccedilatildeo entre os
cataacutelogos a Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa em seu art8ordm4 ldquoAs disposiccedilotildees dos
tratados que regem a Uniatildeo Europeia e as normas emanadas das suas instituiccedilotildees no
exerciacutecio das respectivas competecircncias satildeo aplicaacuteveis na ordem interna nos termos
definidos pelo direito da Uniatildeo com respeito pelos princiacutepios fundamentais do Estado de
direito democraacuteticordquo e ainda no art16ordm determina de forma expressa que ldquoOs direitos
fundamentais consagrados na Constituiccedilatildeo natildeo excluem quaisquer outros constantes das
leis e das regras aplicaacuteveis de direito internacionalrdquo e que ldquoOs preceitos constitucionais
e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados de
harmonia com a Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos do Homemrdquo 8
Portanto como resultado praacutetico dessas normas tem-se a imposiccedilatildeo
obrigatoacuteria ao oacutergatildeo responsaacutevel pelo exerciacutecio da jurisdiccedilatildeo constitucional da observacircncia
do direito comparado propiciando o exerciacutecio do que alguns estudiosos denominam de
diaacutelogo judicial (judicial dialogue) que se caracteriza nessa relaccedilatildeo de cooperaccedilatildeo
estabelecida entre ordens juriacutedicas distintas quando haacute uma conversa entre diferentes
Tribunais a fim de buscar a melhor soluccedilatildeo para a efetivaccedilatildeo dos direitos fundamentais
muito comum na praacutetica da Uniatildeo Europeia9
Saindo do contexto europeu a Constituiccedilatildeo da Aacutefrica do Sul no seu art
39 prevecirc que na interpretaccedilatildeo do Bill of Rights devem ser consideradas as leis internacionais
7 Nesse sentido de acordo com a doutrina impera no ldquotriacircngulo normativo europeurdquo o princiacutepio do niacutevel mais
elevado de proteccedilatildeo o qual pode ser entendido como resultado de uma abertura normativa (TAVARES DA
SILVA 2014)
8 Nesse sentido Jorge Miranda faz uma anaacutelise mais completa da Constituiccedilatildeo portuguesa e fala em um ldquojus-
universalismordquo Ver MIRANDA Jorge O Estado Constitucional Cooperativo e o Jus-Universalismo da
Constituiccedilatildeo Portuguesa In Cadernos da Escola de Direito e Relaccedilotildees Internacionais da UniBrasil JanDez
2007 pp 7-22) Ver tambeacutem CANOTILHO JJ Gomes MOREIRA Vital Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica
Portuguesa Anotada Volume I Coimbra 2014
9 Ver GOLUB Jonathan Modelling Judicial Dialogue in the European Community The Quantitative Basis
of Preliminary References to the ECJ 1996 ISSN 1028-3625
17
e podem ser consideradas leis estrangeiras bem como que o referido documento natildeo nega a
existecircncia de quaisquer outros direitos ou liberdades que sejam reconhecidos ou conferidos
pela common law costumary law ou legislation 10
A previsatildeo contida na Constituiccedilatildeo da Aacutefrica do Sul eacute especialmente
importante nesse contexto pois natildeo se refere apenas a necessidade de observacircncia e
integraccedilatildeo com as normas internacionais mas faz tambeacutem expressa referecircncia as normas
estrangeiras ou seja oriundas de outros paiacuteses
A ideia que fundamenta o exerciacutecio do direito comparado eacute a da busca
pelo enriquecimento da compreensatildeo do conteuacutedo dos direitos fundamentais por intermeacutedio
do compartilhamento de experiecircncias entre tribunais constitucionais distintos11 ou seja no
desenvolvimento de uma jurisdiccedilatildeo constitucional que natildeo se afigure monopolista mas sim
colaborativa
Bobeck (2013) ensina que essa praacutetica pode ser vista como uma forma
de auto-controle dos proacuteprios tribunais que percebem que natildeo podem decidir sozinhos e
buscam no meacutetodo do direito comparado ou no uso de precedentes estrangeiros uma maior
fundamentaccedilatildeo as suas decisotildees
Zagrebelsky (2007) denomina esse fenocircmeno de ldquocosmopolistimo
judicialrdquo o qual consiste justamente na consideraccedilatildeo pelo Judiciaacuterio nacional de documentos
juriacutedicos externos de decisotildees oriundas de outras cortes sejam elas de hierarquia superior
como tribunais internacionais de proteccedilatildeo dos direitos humanos ou ateacute mesmo de outras
cortes constitucionais estrangeiras12
10 ldquo39 Interpretation of Bill of Rights (1) When interpreting the Bill of Rights a court tribunal or forum ndash (a)
must promote the values that underlie an open and democratic society based o human dignity equality and
freedom (b) must consider international law (c) may consider foreing law (2) When interpreting any
legislation and when developing the common law or costumary law every court tribunal or forum must
promote the spirit purport and objects of the Bill of Rights (3) The Bill of Rights does not deny the existence
of any other rights or freedoms that are recognised or conferred by common law customary law or legislation
to the extent that they are consistent with the Bill
11 Nesse sentido Tushnet (2009) ao falar sobre a importacircncia do estudo do direito constitucional comparado
ldquostudiyng comparative constitucional law might improve our ability to make domestic constitucional lawrdquo Ver
ainda HIRSCHL Ran Comparative matters the renaissance of comparative constitutional law Oxford
Oxford University Press 2014 e JACKSON Vicky Comparative Constitucional Law Nova York Foundation
Press 1999 12 Eacute importante destacar que apesar da forma positiva em que se estaacute abordando o cosmopolitismo judicial e o
uso do direito comparado ambos satildeo alvos de criacuteticas pela doutrina Tavares da Silva (2014) destaca que ldquoo
recurso ao direito constitucional comparado por um tribunal constitucional natildeo deve servir um objetivo de
universalizaccedilatildeo de valores mas antes o aprofundamento das soluccedilotildees de inclusividade no contexto
18
Esse fenocircmeno tambeacutem encontra eco em outros lugares do Globo
apesar de em menor escala que no continente europeu A Constituiccedilatildeo Federal Brasileira agrave
semelhanccedila da Portuguesa no sect2ordm do artigo 5ordm adota uma claacuteusula aberta de direitos
fundamentais prevendo expressamente a observacircncia das normas internacionais nessa
mateacuteria
Conclui-se portanto que hoje as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo dentro do
constitucionalismo e no exerciacutecio da jurisdiccedilatildeo constitucional eacute uma realidade concreta e
global A partir disso teve iniacutecio o desenvolvimento de uma noccedilatildeo de diaacutelogo seja ele
judicial ou institucional
Esse eacute um fenocircmeno que natildeo ocorre apenas no acircmbito externo ao
Estado restrito as relaccedilotildees internacionais mas tambeacutem encontra reflexos na estrutura interna
de organizaccedilatildeo do Poder estatal no desenho institucional de cada paiacutes
A ideia de cooperaccedilatildeo e diaacutelogo transporta-se assim tambeacutem para o
acircmbito interno da jurisdiccedilatildeo constitucional dos paiacuteses surgindo um conceito de diaacutelogo
institucional o qual percebe-se deste trabalho
Percebe-se entatildeo que os novos desafios impostos ao
constitucionalismo do seacuteculo XXI tecircm influenciado no desenho institucional da jurisdiccedilatildeo
constitucional adotado por diversos paiacuteses contribuindo sobremaneira para o
desenvolvimento de novos modelos fundados nessa loacutegica da cooperaccedilatildeo superando a
tradicional ideia de uma jurisdiccedilatildeo pautada na supremacia judicial conforme seraacute analisado
intercultural ateacute onde essa inclusividade se revelar possiacutevel ou seja ateacute onde natildeo redunde em uma
neutralizaccedilatildeo do elemento cultural que daacute substacircncia material ao projecto social concreto que aquele oacutergatildeo
judicial tem como missatildeo garantirrdquo
19
3 O tradicional modelo de judicial review e a supremacia judicial
Afirmar que a Constituiccedilatildeo eacute um documento juriacutedico-poliacutetico dotado de
normatividade e superioridade dentro do ordenamento juriacutedico parece algo oacutebvio todavia
essa premissa nem sempre foi verdadeira mas sim resultado de um processo histoacuterico13
Na Ameacuterica do Norte desde o iniacutecio do seu movimento constitucional14
o caraacuteter juriacutedico-normativo da constituiccedilatildeo foi reconhecido o que acabou favorecendo a
um desenvolvimento mais raacutepido da jurisdiccedilatildeo constitucional15 ante a necessidade de
submeter o poder legislativo a limites precisamente soacutelidos16
O tradicional modelo do judicial review americano se formou no
silecircncio dos textos tomando corpo lentamente em um primeiro periacuteodo que foi ateacute 1789
(ano em que se funda o Tribunal Supremo Federal) o mesmo consistia em mera praacutetica
judicial dentro do common law em um segundo periacuteodo que vai de 1789 a 1861
impulsionado pela construccedilatildeo do Estado Federal e pelos conflitos em torno da natureza da
Uniatildeo criado pela Constituiccedilatildeo de 1787 em um terceiro periacuteodo iniciado em 1865 ateacute os
trinta primeiros anos do seacuteculo XX quando se estabeleceu como um sistema de revisatildeo
frente a todas as leis inclusive leis federais em consequecircncia do crescimento do capitalismo
das transformaccedilotildees ocasionadas pelo federalismo e pela necessidade de redefinir as relaccedilotildees
entre o Estado com a nova ordem industrial e em um quarto periacuteodo de 1954 a 1986 quando
se expandiu em resposta aos novos desafios impostos pela busca de justiccedila social igualdade
e liberdade (ACOSTA SAacuteNCHEZ 1998)
13 Nesse sentido Canotilho (2003) nos ensina que a Constituiccedilatildeo eacute o conjunto de regras (escritas ou
consuetudinaacuterias) e de estruturas institucionais conformadoras de uma dada ordem juriacutedico-poliacutetica em um
determinado sistema poliacutetico-social Entre o constitucionalismo antigo e o constitucionalismo moderno vatildeo se
desenvolvendo perspectivas poliacuteticas religiosas e juriacutedico-filosoacuteficas sem o conhecimento das quais natildeo eacute
possiacutevel compreender o proacuteprio fenocircmeno da modernidade constitucional
14 A expressatildeo ldquomovimento constitucionalrdquo eacute utilizada no sentido empregado por Canotilho como um
movimento gerador da constituiccedilatildeo (CANOTILHO 2003)
15 Para uma maior e mais detalhada compreensatildeo do movimento constitucional norte-americano ver Griffin
Stephen American Constitutionalism From the theory to the politics 1998
16 Nesse sentido ver Blaco Valdeacutes Roberto L La configuracioacuten del concepto de Constituicioacuten en las
experieacutencias revolucionarias francesas e norte-americana In Perspectivas Constitucionais Nos 20 anos da
Constituiccedilatildeo de 1976 (org Jorge Miranda) Vol III Coimbra 1998 p11
20
Para muitos a efetiva consagraccedilatildeo desse modelo ocorreu no ano de
1803 com o julgamento do famoso caso Marbury v Madison17 quando houve a formal
proclamaccedilatildeo da superioridade das normas constitucionais frente a qualquer outra lei
formulada pelo Parlamento bem como da autoridade dos Tribunais para invalidaccedilatildeo das leis
consideradas inconstitucionais
A par das questotildees poliacuteticas envolvidas nesse julgamento o fato eacute que
ele se tornou o marco da consolidaccedilatildeo da supremacia18 da Suprema Corte americana que
passou a ser entatildeo formalmente reconhecida como a detentora da uacuteltima palavra dentro do
processo de interpretaccedilatildeo constitucional19
Ateacute meados do seacuteculo XX a ideia que prevalecia na maioria dos paiacuteses
com a exececcedilatildeo dos Estados Unidos20 era a de que as constituiccedilotildees eram proclamaccedilotildees
poliacuteticas importantes mas natildeo possuiacuteam status de normas juriacutedicas As prescriccedilotildees
constitucionais natildeo podiam ser aplicadas diretamente pelos juiacutezes nem geravam direitos
subjetivos para os cidadatildeos
Havia principalmente nos paiacuteses da Europa cidental uma crenccedila na
legitimidade do Parlamento para a criaccedilatildeo do Direito natildeo existindo razatildeo para submeter as
leis por ele criadas agrave nenhuma espeacutecie de revisatildeo judicial O controle que existia era um
controle poliacutetico feito pelo proacuteprio legislativo21
17 Para uma visatildeo criacutetica e maiores detalhes sobre o famoso julgamento Marbury v Madison ver Acosta
Sancheacutez Joseacute Formacioacuten de la Constituicioacuten y Jurisdiccioacuten Constitucional Fundamentos de la Democracia
Constitucional Madri Tecnos 1998 pp 115 e Urbano Maria Benedita Curso de Justiccedila Constitucional
Evoluccedilatildeo Histoacuterica e Modelos de Controlo da Constitucionalidade Almedina 2012 pp 28 a 36
18 Neste trabalho quando fala-se em supremacia refere-se agrave siacutentese de Ward (2007) segundo a qual supremacia
judicial define o status que os precedentes merecem quando desafiados pela atuaccedilatildeo superveniente do
legislativo
19 Griffin (2003) em importante estudo revela que o judicial review americano nem sempre esteve associado agrave
ideia de supremacia judicial tendo sido este elemento incorporado ao modelo posteriormente Nesse sentido
destaca ldquoAs has so often been noted Marshall never claimed supremacy for the Court in Marbury The
opinion ends after all with Marshall saying that courts hace an equal right to the other departament in
interpreting the Constitution The Court committed itself explicity to judicial supremacy only relatively
recently In Cooper v Aaron for example the Court stated that the ldquofederal judiciary is supreme in the
exposition of the law of the Constitutionrdquo
20 Miranda (2007) destaca que diferente da Franccedila e dos paiacuteses europeus durante o seacuteculo XIX os Estados
Unidos vivem quase desde a sua formaccedilatildeo sob o princiacutepio da constitucionalidade isto eacute de que as leis e os
outros atos do Estado devem ser conformes agrave Constituiccedilatildeo e natildeo devem ser aplicados pelos tribunais no caso
de serem desconformes
21 ldquoO controle da conformidade das leis com a constituiccedilatildeo comeccedilou por ser do tipo poliacutetico Aacute medida que o
valor de lei suprema das constituiccedilotildees se ia impondo os parlamentos iam-se sentido cada vez mais pressionados
para permitir que as suas leis fossem objeto de fiscalizaccedilatildeo Numa primeira fase admitiram o controlo da
21
Portanto durante muito tempo na maioria dos paiacuteses europeus em
funccedilatildeo da constituiccedilatildeo ser vista como mero instrumento poliacutetico desprovido de
normatividade cabia ao Parlamento a regulamentaccedilatildeo das relaccedilotildees entre individuo e Estado
usufruindo entatildeo de um papel de legislador soberano eis que seus atos natildeo estavam
subordinados a nenhum controle judicial cabendo ao Poder Judiciaacuterio apenas a mera
aplicaccedilatildeo das leis
O reconhecimento da constituiccedilatildeo como norma juriacutedica soacute ocorreu no
constitucionalismo do poacutes-45 com o fim da segunda guerra mundial quando foram
incorporados no texto constitucional direitos fundamentais e princiacutepios relevantes de
moralidade poliacutetica
Com isso a partir da metade do seacuteculo XX a maioria das novas
constituiccedilotildees passaram a prever mecanismos de jurisdiccedilatildeo constitucional ou procuram
fortalecer ou ampliar os jaacute existentes A maior parte dos paiacuteses que reestruturam suas ordens
juriacutedicas desde entatildeo seja apoacutes libertar-se do jugo de antigas colocircnias seja depois da
superaccedilatildeo de ditaduras internas optaram pela introduccedilatildeo ou ampliaccedilatildeo de instrumentos de
controle de constitucionalidade nos seus textos magnos (SARMENTO 2006)
Ou seja o desenvolvimento do constitucionalismo e o reconhecimento
da constituiccedilatildeo como norma juriacutedica suprema do Estado criaram a necessidade de um
controle das normas infraconstitucionais
Nesse contexto desenvolveram-se inicialmente dois modelos de
controle de constitucionalidade distintos que foram se espalhando pelos diversos paiacuteses ao
longo dos anos que se seguiram O modelo decorrente do sistema americano ficou conhecido
como controle difuso tendo como principal caracteriacutestica o fato de todos os tribunais e juiacutezes
poderem declarar dentro de um caso concreto a inconstitucionalidade de uma lei
infraconstitucional
constitucionalidade das leis mas seriam eles os responsaacuteveis por um tal controlo Era pois um controlo
poliacutetico exercido por um oacutergatildeo poliacutetico o parlamento () Seja como for facilmente se constata que o controle
poliacutetico tende a ser pouco efetivo e eficaz No caso especiacutefico do controlo atribuiacutedo ao parlamento pode
afirmar-se sem grande margem de erro que os parlamentares eram ldquojuiacutezes em causa proacutepriardquo (no fundo era
um autocontrolo) Por este motivo o controlo das normas acabaria por ser atribuiacutedo aos tribunais tornando-se
um controlo judicialrdquo (URBANO 2012 p17)
22
Em oposiccedilatildeo a esse modelo Kelsen desenvolveu uma visatildeo alternativa
de controle de constitucionalidade para os sistemas europeus que ficou conhecido como
controle concentrado de constitucionalidade ou modelo austriacuteaco Nesse tipo de controle a
proteccedilatildeo da Constituiccedilatildeo previa a instituiccedilatildeo de um controle abstrato das atividades do
legislador confiado a um uacutenico oacutergatildeo separado dos tribunais ordinaacuterios - o Tribunal
Constitucional Ao juiacutez constitucional cabia manter ou anular o ato normativo do legislador
consoante o considerasse conforme ou desconforme a constituiccedilatildeo (URBANO 2012)
Jaacute nas uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XX a jurisdiccedilatildeo constitucional foi se
tornando uma realidade quase universal passando a existir em paiacuteses de todos os
continentes Tanto o modelo norte-americano como o modelo austriacuteaco serviram de
inspiraccedilatildeo para a implementaccedilatildeo do controle de constitucionalidade das leis e surgimento de
modelos mistos
Alguns paiacuteses como o Brasil por exemplo desenvolveram sistemas
mistos onde estatildeo presentes caracteriacutesticas de ambos os modelos tanto o austriacuteaco como o
americano ou seja haacute tanto o controle de constitucionalidade difuso quanto o concentrado22
Jaacute nos paiacuteses do continente europeu o modelo mais disseminado foi o modelo Austriacuteaco o
que impulsionou a criaccedilatildeo de diversos Tribunais Constitucionais em paiacuteses como Espanha
Itaacutelia e Portugal23
Assim na grande maioria dos paiacuteses desenvolveu-se um sistema de
jurisdiccedilatildeo constitucional aliado agrave ideia de supremacia judicial no qual o Poder Judiciaacuterio eacute
quem profere a uacuteltima palavra no tocante a interpretaccedilatildeo constitucional Na Europa em
especial a supremacia judicial foi se tornando uma realidade cada vez mais forte sendo o
ativismo judicial um dos responsaacuteveis pelo fortalecimento e desenvolvimento da estrutura
judiciaacuteria que se tem hoje na maioria dos paiacuteses
Diante de tudo isso pode-se afirmar que uma das caracteriacutesticas mais
evidentes no constitucionalismo contemporacircneo eacute a ascensatildeo institucional do Poder
Judiciaacuterio ultrapassando a originaacuteria ideia de legislador negativo tradicionalmente
22 Para maiores detalhes sobre o controle de constitucionalidade brasileiro ver BARROSO Luiacutes Roberto O
Controle de constitucionalidade no direito brasileiro Exposiccedilatildeo sistemaacutetica da doutrina e anaacutelise criacutetica da
jurisprudecircncia Satildeo Paulo Editora Saraiva 2004
23 Para maiores detalhes sobre o controle de constitucionalidade Portuguecircs ver Canotilho 2008 capiacutetulo 2
23
concebida por Kelsen dando margem ao surgimento de alguns fenocircmenos que seratildeo
tratados no toacutepico a seguir
4 Jurisdiccedilatildeo constitucional e democracia um antigo debate
A controveacutersia acerca da natureza da atividade fiscalizatoacuteria exercida
pelas Cortes Constitucionais decorre do possiacutevel conflito entre duas distintas legitimaccedilotildees
a dita legitimaccedilatildeo democraacutetica tipicamente atribuiacuteda ao legislador e a legitimaccedilatildeo
jurisdicional para a defesa do ordenamento juriacutedico constitucional atribuiacuteda ao Juiacutezo
constitucional Discute-se sobretudo o porquecirc da consignaccedilatildeo ao Judiciaacuterio de tal atribuiccedilatildeo
fiscalizatoacuteria bem assim quais seriam os objetos e limites do controle jurisdicional
(PONTES 2001 p 65)24
Os contornos desse debate estatildeo intimamente ligados a noccedilatildeo de
democracia exercendo o seu conceito direta influecircncia nos argumentos de defesa de um ou
de outro Poder Em apertada siacutentese pode-se mencionar que aqueles que defendem a
atribuiccedilatildeo do Poder ao Judiciaacuterio para realizar o controle de constitucionalidade das leis
fundamentam-se na regra contramajoritaacuteria ou seja na necessidade de uma oposiccedilatildeo a regra
da maioria representada pelo Legislativo principalmente para defender e proteger os direitos
e garantias de minorias sem tanta representatividade na busca por uma democracia
substancial25
Em contrapartida existem aqueles que denfendem uma outra noccedilatildeo de
democracia fundada justamente nos argumentos de maioria e de representatividade razatildeo
pela qual entendem pela iligitimidade dos juiacutezes membros natildeo eleitos pelo povo para
derrubar atos legislativos
Apesar da discussatildeo sobre a legitimidade democraacutetica da jurisdiccedilatildeo
constitucional ser um debate antigo natildeo se pode - sob nenhuma hipoacutetese - considera-lo como
24 Sobre o tradicional debate acerca da legitimidade da jurisdiccedilatildeo constitucional ver GARAPON Antonie O
juiz e a democracia o guardiatildeo das promessas Rio de Janeiro Renavn 2009 Linares Sebastiaacuten La
(i)legitimidad democraacutetica del control judicial de las leyes Madrid Marcial Pons MOREIRA Vital Princiacutepio
da Maioria e princiacutepio da constitucionalidade legitimidade e limites da justiccedila constitucional in Coloacutequio no
10ordm Aniversaacuterio do Tribunal Constitucional Lisboa 1993 pp 167-175
25 Sobre a regra contramajoritaacuteria ver BICKEL Alexander The last dangerous branch the Supreme Court at
the bar of politics New Haven Yale University 1986 e WHITE G Edward History and the Constitution
Durham Carolina Academic Press 2007
24
algo superado sobretudo porque na atualidade os argumentos insertos na questatildeo estatildeo
cada vez mais sofisticados e possibilitam uma discussatildeo aleacutem do tradicional binocircmio
Judiciaacuterio x Legislativo no tocante a detenccedilatildeo da uacuteltima palavra em mateacuteria constitucional
Nas uacuteltimas deacutecadas vivencia-se uma expansatildeo do tradicional modelo
do judicial review americano pelo Globo e consequentemente um reforccedilo e um alargamento
do Poder Judiciaacuterio razatildeo pela qual muitos paiacuteses hoje adotam modelos fundados em uma
supremacia judicial na qual os juiacutezes satildeo os responsaacuteveis por emitir a palavra final na
resoluccedilatildeo de conflitos constitucionais
A referida expansatildeo propiciou o desenvolvimento de fenocircmenos como
a judicializaccedilatildeo de questotildees poliacuteticas e o ativismo judicial os quais satildeo atualmente
considerados por alguns como uma ameaccedila ao princiacutepio democraacutetico a separaccedilatildeo de poderes
e ateacute mesmo a efetividade de direitos fundamentais Diante disso acabam por vir
novamente agrave tona antigos questionamentos relativos agrave legitimidade democraacutetica da
jurisdiccedilatildeo constitucional
A judicializaccedilatildeo da Poliacutetica aqui entendida como a dependecircncia de
Tribunais e dos meios judiciais para abordarsolucionar impasses morais fundamentais
questotildees de poliacuteticas puacuteblicas e controveacutersias poliacuteticas eacute um fenocircmeno mundial Embora
muitas questotildees de poliacuteticas puacuteblicas ainda permaneccedilam aleacutem do alcance do Judiciaacuterio eacute
fato incontestaacutevel que tem havido uma deferecircncia das outras esferas do Poder no sentido de
acolher a intrusatildeo do mesmo em suas prerrogativas o que acaba por acelerar o processo de
judicializaccedilatildeo das agendas poliacuteticas (HIRSCHL 2008)26
26 Hirschl faz importante observaccedilatildeo sobre um niacutevel diferente de judicializaccedilatildeo o qual denomina de
judicializaccedilatildeo da acutemega-poliacuteticaacute a qual seria mais impactante e consequentemente mais preocupante De
acordo com o autor ldquoToday not a single week passes without a national high court somewhere in the world
releasing a major judgment pertaining to the scope of constitutional rights or the limits on legislative or
executive powers The most common are cases dealing with procedrual justice and criminal lsquodue processrsquo
rights Aggregate data suggest that approximately two-thirds of all constitutional rights cases in the lsquoworld of
new constitutinalismrsquo deal with that type of rights Also common are rulings involving classic civil liberties
the right to privacy and formal equality This ever-expanding body of civil liberties jurisprudence has
expanded and fortified the boundaries of the constitutionally protected private sphere (often perceived as
threatened by the long arm of the state and its regulatory laws) and hastransformed numerous policy areas
involving individual freedoms In recent years we have seen the emergence of another level of judicialized
politics reliance on courts and judges for dealing with what we might call lsquomega-politicsrsquo ndash core political
controversies that define the boundaries of the collective or cut through the heart of entire nations This level
of judicialization includes several subcategories judicial scrutiny of executive-branch prerogatives in the
realms of macroeconomic planning or national security (ie the demise of what constitutional theorists call
the lsquopolitical questionrsquo doctrine) judicialization of electoral processes judicial corroboration of regime
transformation fundamental restorative-justice dilemmas and above all the judicialization of formative
25
Com o reconhecimento internacional da importacircncia da proteccedilatildeo dos
direitos fundamentais e o consequente entendimento de que a enunciaccedilatildeo desses direitos na
Carta Magna determina por si soacute um direito subjetivo em favor dos cidadatildeos o Estado
passou a ser responsaacutevel pela realizaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas que visem agrave sua efetividade
natildeo mais sendo suficiente apenas que natildeo os viole mas tambeacutem que aja de forma a propiciar
a sua eficaacutecia
Assim o Judiciaacuterio passou a ser visto como o principal centro de
discussatildeo sobre a efetividade desses direitos principalmente pela sociedade que encontrou
nas demandas judiciais um meio de coagir o Estado a dar cumprimento e efetividade aos
direitos constitucionalmente assegurados O progressivo aumento dessas demandas fez com
que fosse possiacutevel uma realizaccedilatildeo do controle judicial das poliacuteticas puacuteblicas estatais
favorecendo a judicializaccedilatildeo de temas que antes eram reservados ao campo da poliacutetica27
Esse cenaacuterio tambeacutem propiciou a ocorrecircncia de outro fenocircmeno
designado como ativismo judicial ou governo de juiacutezes28 que a par da sua difiacutecil e
heterogecircnea conceituaccedilatildeo deve aqui ser entendido como a excessiva atividade criativa do
juiz constitucional29
Tanto a judicializaccedilatildeo de questotildees poliacuteticas como o ativismo judicial
podem ser identificados como patologias dentro do sistema da jurisidiccedilatildeo constitucional sob
o ponto de vista do princiacutepio da separaccedilatildeo de poderes (TAVARES DA SILVA 2014) eis
que ocasionam um excesso de autonomia e poder ao Judiciaacuterio em detrimento dos demais
poderes facilitando inclusive a usurpaccedilatildeo de competecircncias
collective identity nation-building processes and struggles over the very definition or raison decirctre of the polity
as such ndash arguably the most troubling type of judicialization from a participatory democracy stanpoint These
emerging areas of judicialized politics expand the boundaries of national high-court involvement in the
political sphere beyond any previous limitrdquo
27 Esse eacute um tema muito discutido no Brasil onde haacute um grande nuacutemero de demandas judiciais - individuais e
coletivas - que questionam a efetividade de direitos fundamentais como o direito agrave sauacutede agrave educaccedilatildeo etc Sobre
o assunto ver VALLE Vanice Regina Liacuterio do Judicializaccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas no Brasil Ateacute onde
podem nos levar as asas de Iacutecaro In Themis Revista de Direito da Universidade Nova de Lisboa ano XI
nordm 2021 2011
28 A criaccedilatildeo dessas expressotildees eacute respectivamente atribuiacuteda agrave Arthur Schlesinger Jr e Walter Clark
29 Sobre o ativismo judicial ver URBANO 2012 p 87- 101
26
Somado a esses fenocircmenos outro importante componente que ajudou
a reacender o debate30 foi a recente transposiccedilatildeo do modelo americano do judicial review
fundado na supremacia judicial para paiacuteses da Commonwealth tradicionalmente centrados
em um modelo de soberania parlamentar a qual seraacute melhor abordada no toacutepico a seguir
Diante das evidentes dificuldades de harmonizaccedilatildeo do modelo de
revisatildeo judicial das leis para paiacuteses onde ateacute entatildeo o Parlamento era soberano expoentes
doutrinadores como Ronald Dworkin e Jeremy Waldron voltaram sua atenccedilatildeo para a anaacutelise
das vantagens e desvantagens da realizaccedilatildeo de um controle judicial dos atos do Parlamento
e da sua legitimidade democraacutetica
Dworkin (2006) postula uma ldquoconcepccedilatildeo constitucional de
democraciardquo31 segundo a qual o regime democraacutetico demanda a tomada decisotildees coletivas
por instituiccedilotildees que tratem de forma isonocircmica todos os cidadatildeos fato que nem nem sempre
iraacute ocorrer em procedimentos majoritaacuterios Assim o Autor defende que o primordial para a
legitimidade democraacutetica de uma decisatildeo eacute o seu conteuacutedo substantivo e natildeo propriamente
o procedimento em si realizado para a sua elabraccedilatildeo
Sendo assim alega a legitimidade democraacutetica do controle de
constitucionalidade das leis realizada pelo Poder Judiciaacuterio eis que esta seria no seu
entender a instacircncia do Poder mais apta a fornecer a ldquoresposta certardquo sobre direitos
fundamentais (DWORKIN 2001)
30 Necessaacuterio esclarecer que o controle de constitucionalidade sempre foi alvo de desconfianccedila sob o ponto de
vista da teoria democraacutetica durante muitos anos importantes estudiosos concentraram esforccedilos tentando buscar
uma justificativa capaz de legitimaacute-lo como o famoso debate entre Hans Kelsen e Carl Schmitt Todavia o
debate de hoje o qual interessa para o presente trabalho se funda em argumentos mais complexos por razotildees
didaacuteticas natildeo iremos retomar ao debate mais antigo
31ldquoSe rejeitamos a premissa majoritaacuteria precisaremos de uma explicaccedilatildeo diferente e melhor do valor e da
finalidade da democracia Vou defender agora uma explicaccedilatildeo ndash que chamo de concepccedilatildeo constitucional da
democracia ndash que efetivamente rejeita a premissa majoritaacuteria Segundo essa explicaccedilatildeo o fato de as decisotildees
coletivas serem sempre ou normalmente as decisotildees que a maioria dos cidadatildeos e tomariam se fossem
plenamente informados e racionais natildeo eacute nem uma meta nem uma definiccedilatildeo de democracia O objetivo que
define a democracia tem de ser diferente que as decisotildees coletivas sejam tomadas por instituiccedilotildees poliacuteticas
cuja estrutura composiccedilatildeo e modo de operaccedilatildeo dediquem a todos os membros da comunidade enquanto
indiviacuteduos a mesma consideraccedilatildeo e o mesmo respeito () a concepccedilatildeo constitucional requer esses
procedimentos majoritaacuterios em virtude de uma preocupaccedilatildeo com a igualdade dos cidadatildeos e natildeo por causa de
um compromisso com as metas da soberania da maioria Por isso natildeo opotildee objeccedilatildeo alguma ao emprego deste
ou daquele procedimento natildeo majoritaacuterio em ocasiotildees especiais nas quais tal procedimento poderia proteger
ou promover a igualdade que segunda essa concepccedilatildeo eacute a proacutepria essecircncia da democracia e natildeo aceita que
essas exceccedilotildees sejam causa de arrependimento moralrdquo (DWORKIN Ronald O Direito da Liberdade Satildeo
Paulo Martins Fontes 2006 p 26)
27
Em contrapartida Waldron (1999) sustenta que a legitimidade
democraacutetica de uma decisatildeo coletiva natildeo pode ser julgada a partir dos seus resultados como
propotildee Dworkin mas sim pelo caraacuteter democraacutetico do procedimento de tomada da decisatildeo
Partindo do princiacutepio da existecircncia de um grande dissenso acerca dos direitos fundamentais
dentro da sociedade entende que natildeo eacute legiacutetimo que predomine como correta entre as
diversas visotildees existentes aquela enunciada pelo Judiciaacuterio
Segundo o Autor o tradicional modelo do judicial review aliado agrave
supremacia do Judiciaacuterio natildeo eacute o meio mais adequado para a tomada de decisatildeo final em
uma sociedade livre e democraacutetica Apesar de criticar severamente essa praacutetica natildeo ignora
a sua existecircncia na maioria dos paiacuteses e faz uma distinccedilatildeo entre os diversos sistemas
classificando-os em sistemas fortes intermediaacuterios e fracos de acordo com a quantidade de
poder que eacute atribuiacutedo ao Judiciaacuterio (WALDRON 2014)
Neste sentido eacute importante a distinccedilatildeo que propotildee entre judicial review
e supremacia judicial O primeiro conceitua como uma forma de controle judicial das leis
que na sua melhor concretizaccedilatildeo praacutetica pode operar como um poder modesto de restriccedilatildeo
jaacute a supremacia judicial como a ideia de que os juiacutezes satildeo supremos e ateacute soberanos na
poliacutetica estando todos os outros poderes poliacuteticos a eles subordinados (WALDRON 2014
p 5)
Esclarece por exemplo que nos Estados Unidos haacute uma supremacia
judicial natildeo necessariamente pela adoccedilatildeo de um modelo forte de revisatildeo judicial mas sim
pela forma que este vem sendo exercido pela Suprema Corte Americana (WALDRON
2014 p 11)
O raciociacutenio desenvolvido por Wladron eacute importante principalmente
para demonstrar que natildeo deve haver uma vinculaccedilatildeo necessaacuteria entre judicial review e
supremacia judicial Ou seja para o autor a supremacia judicial e seus efeitos negativos pode
e deve ser combatida sem que para isso tenha-se que abolir a praacutetica da revisatildeo judicial das
leis a qual pode ateacute ser considerada como uma praacutetica boa e necesaacuteria
Com base nesse raciociacutenio atualmente o tradicional modelo de judicial
review aliado a supremacia do Poder Judiciaacuterio tem sido um dos maiores alvos de criacuteticas da
teoria constitucional natildeo apenas sob a oacutetica da legitimidade democraacutetica mas tambeacutem pelo
seu resultado no que tange a verdadeira efetivaccedilatildeo dos direitos fundamentais
28
O excesso de poder concedido ao Judiciaacuterio passou entatildeo a ser visto
com maus olhos em razatildeo de fenocircmenos como o ativismo judicial e a judicializaccedilatildeo poliacutetica
levando a doutrina a uma busca incessante por formas de combate a essas patologias
Em face disso alguns Estados de tradiccedilatildeo parlamentar cientes dessa
realidade negativa vivenciada nos demais paiacuteses poreacutem convencidos da necessidade de
implementaccedilatildeo de um sistema de revisatildeo judicial das leis para uma maior efetivaccedilatildeo dos
direitos fundamentais buscaram desenvolver modelos alternativos aos ateacute entatildeo existentes
Uma das propostas desses novos modelos eacute superar o problema da
legitimidade democraacutetica do judicial review mediante a promoccedilatildeo de um reequiliacutebrio entre
o Legislativo e Judiciaacuterio conforme se leraacute nas proacuteximas paacuteginas
5 A implementaccedilatildeo do judicial review nos paiacuteses da commonwealth e o
surgimento de uma nova alternativa ao binocircmio judiciaacuterio v Legislativo ndash weak
form of judicial review
A evoluccedilatildeo do judicial review na medida em que os Estados foram se
confrontando em pleno seacuteculo XX com o problema da escolha de mecanismos de controle
de constitucionalidade para os seus sistemas normativos procurando ajustar os modelos jaacute
existentes agraves suas realidades permitiu o desenvolvimento de diversos novos modelos
(TAVARES DA SILVA 2014)
Entre 1982 e 1998 paiacuteses como Canadaacute Nova Zelacircndia e Reino Unido
que ateacute entatildeo viviam sob a eacutegide de um sistema pautado na supremacia do Parlamento ao
adotarem um Bill of Rigths instituiacuteram um modelo de revisatildeo judicial a partir do tradicional
modelo americano poreacutem tentando uma nova forma de equiliacutebrio entre os poderes ateacute entatildeo
inexistente
Esse modelo foi denominado por Tushnet como weak form of judicial
review em oposiccedilatildeo ao modelo americano que constitui um strong form of judicial review
no qual a interpretaccedilatildeo constitucional efetuada pela Suprema Corte eacute praticamente
irreversiacutevel e inalteraacutevel por maiorias legislativas ordinaacuterias (TUSHNET 2009 p 33)
O novo modelo traduz-se basicamente em uma forma de controle de
constitucionalidade onde existem mecanismos de respostas da populaccedilatildeo agravequelas decisotildees
29
que lhes parecem erradas visando com isso diminuir a tensatildeo natural relativa a legitimidade
democraacutetica do judicial review
Nele a interpretaccedilatildeo judicial das provisotildees constitucionais pode ser
revisada pelo legislativo em um prazo relativamente curto usando uma regra de decisatildeo natildeo
muito diferente da que eacute usada no processo legislativo cotidiano (TUSHNET 2009) Com
isso tem-se um modelo que dissocia a jurisdiccedilatildeo constitucional da supremacia judicial
permitindo tambeacutem ao Legislativo o pronunciamento
Gardbaum (2013) identifica que este modelo foi feito sob a exata
medida para permitir uma maior proteccedilatildeo juriacutedica aos direitos dentro de paiacuteses com culturas
poliacuteticas nas quais haacute um apego substancial agrave soberania parlamentar como provedora de uma
longa e em grande parte bem sucedida tradiccedilatildeo constitucional democraacutetica32
Em siacutentese o novo modelo de jurisdiccedilatildeo constitucional adotado pelos
paiacuteses da Commonwealth adveacutem entatildeo da busca pela conciliaccedilatildeo entre a necessidade de
proteccedilatildeo dos novos direitos fundamentais e a tradiccedilatildeo da supremacia parlamentar o que
certamente natildeo haacute no tradicional modelo norte-americano
Cada um dos paiacuteses adeptos desse modelo buscou em suas
especificidades adotar mecanismos que prometiam a possibilidade de um exerciacutecio da
jurisdiccedilatildeo constitucional pautado no equiliacutebrio institucional sugerindo uma
responsabilidade conjunta pela decisatildeo final aleacutem de permitir o exerciacutecio de um diaacutelogo
deliberativo entre o Judiciaacuterio e o Legislativo no tocante a aplicaccedilatildeo e proteccedilatildeo dos direitos
fundamentais (GARDBAUM 2013) 33
Na praacutetica pode-se dizer que o marco inicial do denominado sistema
brando de constitucionalidade se deu com o advento da Carta Canadense de 198234 a qual
32 ldquoMost importantly while granting courts the power to enforce fundamental rights it decouples judicial
review from judicial supremacy by empowering legislatures to have the final word This new model was
custom-built to permit greater legal protection of rights within political cultures in which there is substantial
attachment to parliamentary sovereignty as having provided a long and largely successful tradition of
constitutionalist democracyrdquo (GARDBAUM 2013 p 760)
33 Sobre a evoluccedilatildeo do constitucionalismo nos paiacuteses da Commonwealth ver tambeacutem ZINES Leslie
Constitutional change in the Commonwealth Cambridge Cambridge University Press 1991 34 Constitution Act 1982 Disponiacutevel em lthttplaws-loisjusticegccaengConstindexhtmlgt
30
traz na sua Seccedilatildeo 3335 a previsatildeo da notwithstanding clause o que permite ao Legislativo
determinar a aplicaccedilatildeo de um diploma normativo expressamente reconhecido pelo Judiciaacuterio
como inconstitucional e na Seccedilatildeo 136 com a previsatildeo da possibilidade do Legislador reeditar
uma norma que configure e limite direito consagrado nas seccedilotildees 2 e de 7 a 15 e que jaacute tenha
sido objeto de reprovaccedilatildeo pelo Judiciaacuterio desde que fundada em justificativa razoaacutevel
A despeito das criacuteticas dirigidas a esses mecanismos as quais seratildeo
abordadas ao longo do presente trabalho a experiecircncia Canadense chamou a atenccedilatildeo de
diversos doutrinadores por todo o mundo bem como inspirou outros paiacuteses de tradiccedilatildeo
parlamentar a adotar esse novo modelo de jurisdiccedilatildeo constitucional
O Reino Unido por exemplo com a aprovaccedilatildeo do Human Rights Act
(HRA) em 1998 passou a adotar o mecanismo da interpretive obligation e de declarations
of incompability a Nova Zelacircndia tambeacutem apoacutes a aprovaccedilatildeo da sua Carta de Direitos
Humanos introduziu mecanismo similar agrave claacuteusula interpretativa da Inglaterra
Logo apesar de cada paiacutes adotar mecanismos diferentes pode-se dizer
que adotam um modelo fraco de controle de constitucionalidade eis que neles natildeo existe a
ideia de supremacia judicial ou seja a uacuteltima palavra em mateacuteria de interpretaccedilatildeo
constitucional natildeo eacute dada necessariamente pelo Judiciaacuterio havendo a possibilidade de
contradita pelo Legislativo e ateacute mesmo de prevalecircncia da interpretaccedilatildeo deste uacuteltimo
Dessa maneira a partir da observaccedilatildeo dessas novas experiecircncias dos
problemas oriundos da praacutetica do ativismo judicial da crescente judicializaccedilatildeo da Poliacutetica
das controveacutersias sobre a legimitidade da jurisdiccedilatildeo constitucional e da incessante busca pela
efetividade de direitos eclodem inuacutemeras teorias que tentam explicar e fundamentar a
existecircncia de um diaacutelogo entre Legislativo e Judiciaacuterio no seio da jurisdiccedilatildeo constitucional
satildeo as denomidadas teorias dialoacutegicas as quais seratildeo expostas e analisadas na sequecircncia de
forma sistemaacutetica
35 ldquo33 (1) Parliament or the legislature of a province may expressly declare in an Act of Parliament or of the
legislature as the case may be that the Act or a provision thereof shall operate notwithstanding a provision
included in section 2 or sections 7 to 15 of this Charterrdquo
36 ldquo1 The Canadian Charter of Rights and Freedoms guarantees the rights and freedoms set out in it subject
only to such reasonable limits prescribed by law as can be demonstrably justified in a free and democratic
societyrdquo
31
CAPIacuteTULO 2 ndash AS TEORIAS DIAacuteLOGICAS E A CONCRETIZACcedilAtildeO DO
DIAacuteOLOGO INSTITUCIONAL
6 Teoria dos diaacutelogos institucionais
Antes de iniciar a anaacutelise das respectivas teorias importa esclarecer que
apesar das mesmas terem se desenvolvido doutrinariamente em sua maioria e com maior
forccedila apoacutes a criaccedilatildeo do weak judicial review como explicado ateacute aqui algumas delas satildeo
anteriores agrave isso e fruto da anaacutelise de sistemas tradicionais como o do proacuteprio Estados
Unidos conforme seraacute demonstrado na sequecircncia
Eacute necessaacuterio explicar que a referecircncia agrave ldquodiaacutelogos institucionaisrdquo apesar
do reconhecimento da existecircncia de diversas instituiccedilotildees no acircmbito estatal estaacute-se
privilegiando especificamente a interaccedilatildeo entre as Cortes Constitucionais e o Parlamento
sobretudo porque o cerne do debate acerca da legitimidade democraacutetica da jurisdiccedilatildeo
constitucional restringe-se a essas duas vertentes do Poder ficando o executivo de fora pois
segundo a tradicional doutrina nunca foi considerado forte candidato a detentor da uacuteltima
palavra no processo de interpretaccedilatildeo constitucional Dito isso explicar-se-aacute o que as teorias
possuem em comum e quais os seus fundamentos basilares
Como jaacute demonstrado a ideia de diaacutelogo institucional surge a partir do
novo paradigma do constitucionalismo contemporacircneo que tem por objetivo natildeo mais
analisar quem deve interpretar a Constituiccedilatildeo mas sim buscar uma teoria que seja construiacuteda
a partir de uma proposta cooperativa por intermeacutedio da qual as instituiccedilotildees possam
compartilhar fundamentos em comum ao operacionalizar as ordens juriacutedica e poliacutetica
Esse entendimento eacute consequecircncia da anaacutelise do novo modelo de
jurisdiccedilatildeo constitucional iniciado no Canadaacute o qual aponta para a necessidade de
reestabelecimento de um equiliacutebrio entre as instituiccedilotildees por meio da alocaccedilatildeo de
responsabilidade reciacuteproca entre Tribunais e Parlamento na formulaccedilatildeo de poliacuteticas e
legislaccedilatildeo
Ou seja as teorias dialoacutegicas partem da premissa de que muitas vezes a
decisatildeo judicial natildeo seraacute suficiente para a resoluccedilatildeo de um conflito sobre direitos sobretudo
nos casos relativos agrave efetivaccedilatildeo de direitos fundamentais nos quais existem limitaccedilotildees que
32
ultrapassam a seara da competecircncia judicial portanto natildeo pode a decisatildeo judicial ser
considerada o fim da linha dentro da jurisdiccedilatildeo constitucional principalmente quando se
busca a maacutexima eficaacutecia de direitos fundamentais
Em contraste com as teorias de interpretaccedilatildeo que propotildeem criteacuterios que os
juiacutezes devem utilizar para resoluccedilatildeo de conflitos constitucionais as teorias de diaacutelogo
centram-se no processo institucional por meio do qual as decisotildees sobre o significado
constitucional satildeo feitas sugerindo que este envolve a elaboraccedilatildeo compartilhada do
significado constitucional entre o Judiciaacuterio e outros atores (BATEUP 2005)
As teorias que abordam o exerciacutecio de um diaacutelogo institucional na
resoluccedilatildeo dos conflitos consitucionais buscam em primeiro lugar entender e verificar como
essa interaccedilatildeo ocorre qual o seu significado reforccedilando o princiacutepio da separaccedilatildeo de poderes
a partir da percepccedilatildeo de que todas as instituiccedilotildees cada uma em sua especificidade satildeo
responsaacuteveis por uma parcela da tarefa da interpretaccedilatildeo constitucional
As teorias dialoacutegicas natildeo fornecem respostas certas para os casos difiacuteceis
de interpretaccedilatildeo mas despertam um processo no qual todos participam na busca dessa
resposta Rejeita os extremos tanto da atuaccedilatildeo judicial como da atuaccedilatildeo legislativa a Corte
natildeo impede que a prevalecircncia da legislaccedilatildeo mas induz o Parlamento a assumir a
responsabilidade poliacutetica e apresentar justificativas razoaacuteveis para suas escolhas no tocante
agrave restriccedilatildeo de direitos (ROACH 2001)
Nesse sentido Sustein e Vermule (2002) indicam a necessidade de uma
virada institucional no pensamento sobre a interpretaccedilatildeo constitucional chamando a atenccedilatildeo
para a necessidade de observaccedilatildeo da capacidade das instituiccedilotildees e dos efeitos dinacircmicos de
qualquer abordagem especiacutefica e de suas consequecircncias
A partir dessa ideia as teorias do diaacutelogo institucional sugerem que natildeo
deve haver um predomiacutenio de uma instituiccedilatildeo sobre a outra quando do exerciacutecio da
jurisdiccedilatildeo constitucional mas sim uma forccedila tarefa uma atuaccedilatildeo conjunta das mesmas
Sendo assim diversas teorias tecircm se proliferado no sentido de fundamentar
agrave abertura ao diaacutelogo no exerciacutecio da jurisdiccedilatildeo constitucional visando sobretudo o
restabelecimento do equiliacutebrio entre os poderes como fundamento de uma legitimidade
democraacutetica a defesa de um sistema brando de controle de constitucionalidade e a
concretizaccedilatildeo dos direitos fundamentais
33
Buscar-se-aacute na continuidade deste capiacutetulo analisar aacute luz das teorias
dialoacutegicas algumas praacuteticas do Judiciaacuterio e Legislativo a fim de identificar ateacute que ponto
essas teorias podem ser consideradas como efetivadoras de um diaacutelogo concreto e
substancial no exerciacutecio da jurisdiccedilatildeo constitucional e quais seus contributos no tocante a
superaccedilatildeo dos problemas relativos a sua legitimidade e no combate ao ativismo
Entretanto antes de fazer a exposccedilatildeo de cada teoria e seus efeitos praacuteticos
em especiacutefico eacute imprescindiacutevel destacar que haacute na doutrina uma aparente diferenciaccedilatildeo
entre tipos de diaacutelogo gerando uma dicotomia diaacutelogo formal e diaacutelogo material a qual
passamos a explorar no toacutepico seguinte
7 Diaacutelogo formal v Diaacutelogo material
Para que se possa analisar de forma mais clara e eficaz as teorias
dialoacutegicas e suas respectivas praacuteticas se faz necessaacuterio primeiramente entender o que seria
um verdadeiro diaacutelogo e quando este pode ser considerado verdadeiramente promissor no
sentido de cumprir os objetivos a que a teoria se propotildee
De iniacutecio pode-se afirmar que essa tarefa eacute aacuterdua eis que nela residem
justamente os maiores alvos das criacuteticas direcionadas as teorias dialoacutegicas conforme veremos
na sequecircncia Apesar de todas as benesses que a ideia de um diaacutelogo constitucional
apresenta a sua praacutetica ainda eacute um pouco conflituosa eis que nem tudo aquilo que alguns
denominam de ldquodiaacutelogordquo deve ser de fato assim considerado
Na definiccedilatildeo de Dor (2000) o diaacutelogo material ou substantivo ocorre
quando haacute o comprometimento e engajamento de todos os participantes na busca de uma
soluccedilatildeo harmoniosa que conteraacute tanto a interpretaccedilatildeo do Tribunal relativa a uma questatildeo
constitucional como o interesse do legislador
Ou seja no desenvolvimento do diaacutelogo em seu sentido material haacute a
conciliaccedilatildeo entre a interpretaccedilatildeo judicial e os interesses do legislador buscando o Tribunal
articular as falhas da legislaccedilatildeo e o legislador a incluir nas suas iniciativas a interpretaccedilatildeo
do Tribunal buscando soluccedilotildees para alcanccedilar o seu objetivo agrave luz dessa interpretaccedilatildeo
Jaacute o diaacutelogo no sentido formal ocorre quando a atuaccedilatildeo legislativa
pouco ou nada acrescenta ao resultado final servindo apenas para ldquocarimbarrdquo a decisatildeo
34
judicial ou seja quando haacute a total deferecircncia do Legislativo agrave decisatildeo judicial
Tremblay (2005) tambeacutem em importante anaacutelise sobre o tema ao tratar
dos limites da teoria dos diaacutelogos institucionais apesar de natildeo negar a possibilidade da sua
concretizaccedilatildeo praacutetica introduz duas concepccedilotildees geneacutericas de diaacutelogos os de conversaccedilatildeo e
os de deliberaccedilatildeo
Para o Autor os diaacutelogos pautados em uma conversaccedilatildeo satildeo em
siacutentese aqueles que ocorrem de uma maneira mais informal e espontacircnea no qual haacute uma
troca de ideias sentimentos ou opiniotildees sem um comprometimento das partes com um
entendimento em comum um aprendizado ou descoberta de novas perspectivas natildeo haacute
pois um empenho na argumentaccedilatildeo ou um debate forte Seria de certa forma como um
diaacutelogo entre amigos apoacutes uma refeiccedilatildeo
Em contrapartida a concepccedilatildeo deliberativa de diaacutelogo consiste em
praacutetica semelhante agrave conversaccedilatildeo pois tambeacutem haacute troca de ideias sentimentos e opiniotildees
entre duas ou mais pessoas poreacutem de maneira mais formal e menos espontacircnea Na
deliberaccedilatildeo as partes possuem um mesmo propoacutesito buscam por intermeacutedio da troca de
argumentos e ideias a resoluccedilatildeo coletiva de conflitos ou problemas
Sendo assim o diaacutelogo pautado na conversaccedilatildeo consistiria em um
diaacutelogo meramente formal o qual segundo alguns autores natildeo deve ser considerado como
uma forma efetiva de diaacutelogo eis que natildeo haacute uma verdadeira inteiraccedilatildeo entre os poderes mas
tatildeo somente uma possibilidade de resposta de um ao outro
Desta forma pode-se inferir que para que haja a verdadeira
concretizaccedilatildeo dos objetivos propostos pela teoria do diaacutelogo institucional a simples
formulaccedilatildeo pautada em um diaacutelogo formal natildeo seria suficiente fazendo-se necessaacuteria a
ocorrecircncia de uma deliberaccedilatildeo concreta entre os poderes uma verdadeira deliberaccedilatildeo a fim
de chegar a consenso no que tange a interpretaccedilatildeo constitucional
Neste estudo natildeo se despreza nenhuma dessas concepccedilotildees de diaacutelogo
ao contraacuterio busca-se demonstrar justamente aquelas praacuteticas que mais se coadunam com a
concepccedilatildeo de um diaacutelogo material poreacutem tambeacutem ressaltando os benefiacutecios daquelas que
consistam apenas uma vertente formal
Feita essa diferenciaccedilatildeo passa-se a expor de maneira mais especiacutefica
35
as teorias dialoacutegicas e suas manifestaccedilotildees praacuteticas Utilizar-se-aacute didaticamente a
sistematizaccedilatildeo das teorias feita por Christine Bateup sobretudo no que tange a classificaccedilatildeo
das mesmas jaacute que nosso objetivo eacute tentar abordar o maior nuacutemero possiacutevel de teorias e
praacuteticas
A exposiccedilatildeo inicia-se pela anaacutelise da praacutetica sugerida pela doutrina
como dialoacutegica em paiacuteses que possuem um controle de constitucionalidade forte ou seja
inicialmente formulado com base em uma supremacia do Judiciaacuterio na tarefa de revisatildeo
judicial das leis
Apoacutes o que seraacute mencionado a praacutetica dialoacutegica nos paiacuteses que adotam
um controle fraco de constitucionalidade onde a ideia de diaacutelogo a priori eacute mais evidente
pelo fato do proacuteprio modelo constitucional prever mecanismos voltados para esse fim
8 Teorias dialoacutegicas fundadas no meacutetodo judicial
As teorias fundadas no meacutetodo judicial satildeo aquelas que defendem que
o diaacutelogo deve ocorrer dentro da decisatildeo judicial Tecircm como elemento central a defesa do
uso consciente pelo Judiciaacuterio de teacutecnicas de tomada de decisotildees que estimulem e incentivem
o debate mais amplo sobre o significado constitucional com - e entre - os poderes poliacuteticos
Para a praacutetica dessa modalidade de diaacutelogo natildeo haacute a exigecircncia da
existecircncia de mecanismos formais de relaccedilatildeo institucional eis que o diaacutelogo se estabelece
natildeo pela observaccedilatildeo de um preceito especiacutefico preacutevio mas pela simples interaccedilatildeo entre os
distintos ramos do Poder por essa razatildeo eacute possiacutevel encontrar os maiores exemplos desse
tipo de diaacutelogo em sistemas de jurisdiccedilatildeo constitucional centrados na supremacia judicial
conforme se leraacute a seguir
Bateup subdivide essas formas de diaacutelogo em duas categorias as
denominadas de aconselhamento judicial (judicial advice- giving) e as teorias centradas no
processo (process centered rules)
Antes de se tratado cada categoria em especiacutefico necessaacuterio destacar
mais uma vez que o foco neste caso estaacute em buscar exemplos da manifestaccedilatildeo dessa teoria
na jurisdiccedilatildeo constitucional de paiacuteses que adotam um modelo de revisatildeo judicial inspirado
no tradicional modelo norte americano justamente para tentar verificar se neles tambeacutem haacute
36
uma possibilidade de diaacutelogo jaacute que adotam um sistema forte de controle de
constitucionalidade sugerindo o que alguns autores chamam de ldquoenfraquecimento do
controle de constitucionalidaderdquo e fazer o contraponto com a forma de diaacutelogo estabelecida
em jurisdiccedilotildees constitucionais que adotam o weak judicial review para verificar onde se
assemelham e onde se distanciam
Reassalte-se ainda que o objetivo natildeo eacute exaurir todas as questotildees e
pormenores praacuteticos e teoacutericos dos exemplos que seratildeo dados a seguir mas tatildeo somente
abordar as questotildees referentes ao potencial dialoacutegico dos institutos juriacutedicos mencionados
que eacute o que interessa para o alcance do objetivo do presente trabalho
81 Aconselhamento judicial
As teacutecnicas de aconselhamento judicial consistem em formas proativas
de interpretaccedilatildeo constitucional e construccedilatildeo de decisotildees que o Judiciaacuterio recomendan o curso
de accedilatildeo do Poder Legislativo e busca aconselhaacute-lo com o obejtivo de evitar futuros
problemas constitucionais
O uso dessas teacutecnicas visa assegurar que os ramos poliacuteticos visualizem
e entendam a interpretaccedilatildeo constitucional feita pelo Judiciaacuterio para que com isso elaborem
a legislaccedilatildeo de acordo com a mesma ou ainda alterem a legislaccedilatildeo em vigor para evitar
discrepacircncias (BATEUP 2005 p17)
Por natildeo existir uma forma predeterminada para promoccedilatildeo do
aconselhamento judicial nem a necessidade de previsatildeo de um mecanismo especiacutefico para
tanto ele se traduz na praacutetica de inuacutemeras formas Sendo assim natildeo haacute como enumerar todas
as suas possibilidades praacuteticas de forma exaustiva razatildeo pela qual foram selecionadas as
mais importantes e evidentes
811 Constitutional road maps
A doutrina americana reporta-se agraves decisotildees judiciais denominadas de
constitutional road maps mediante as quais o Judiciaacuterio pronuncia a inconstitucionalidade de
uma lei mas ao mesmo tempo aponta os caminhos possiacuteveis a serem seguidos pelo
Legislativo para a correccedilatildeo da incompatibilidade
37
Essa teacutecnica foi utilizada pela Suprema Corte Americana no
julgamento do caso City of Chicago v Morales37 no qual foi analisada a constitucionalidade
da Chicagoacutes gang-loitering law lei que impedia a congregaccedilatildeo puacuteblica de membros de
gangues e seus associados
A lei foi considerada inconstitucional por ser vaga e violar o devido
processo legal poreacutem apesar de declarara inconstitucionalidade a Suprema Corte proferiu
decisatildeo esboccedilando de forma detalhada as alternativas legais com potencial para sobreviver
ao escrutiacutenio judicial
As diretrizes para a elaboraccedilatildeo de um estatuto legal em consonacircncia
com a Constituiccedilatildeo foram traccediladas no voto da Juiacuteza Sandra OrsquoConnor as quais em sua
maioria foram seguidas pelo Legislativo na elaboraccedilatildeo do novo diploma legal
aproximadamente trecircs anos depois razatildeo pela qual a decisatildeo eacute apontada pela doutrina como
fruto de diaacutelogo
Apesar de neste caso a decisatildeo da Suprema Corte ter servido de diretriz
para a elaboraccedilatildeo de um novo diploma legal nem sempre eacute o que ocorre A teacutecnica do
constitutional road map eacute alvo de muitas criacuteticas sendo considerada uma das teacutecnicas mais
radicais e perigosas de incentivo poacutes-invalidaccedilatildeo da lei pois ao derrubar a legislaccedilatildeo em
anaacutelise o Judiciaacuterio oferece um roteiro a ser seguido pelo Legislativo para criar um estatuto
legal que seja constitucional (LUNA 2001)
812 Sentenccedilas intermedias (declaraccedilotildees de mera incompatibilidade
e sentenccedilas apelativas)
No acircmbito europeu em especial no Direito alematildeo existem alguns
tipos de sentenccedilas oriundas do controle de constitucionalidade que satildeo consideradas como
teacutecnicas dialoacutegicas sob o ponto de vista das teorias fundadas no meacutetodo judicial Essas
sentenccedilas fazem parte do grupo das chamadas ldquosentenccedilas intermediasrdquo ou ldquosentenccedilas
37 Oportuno se faz esclarecer que natildeo se adentra nas questotildees faacuteticas do caso nem no meacuterito da decisatildeo por
fugir ao escopo do presente trabalho poreacutem a decisatildeo pode ser consultada na iacutentegra em
httpssupremejustiacomcasesfederalus52741casehtml
38
normativasrdquo38 as quais satildeo decisotildees judiciais que se situam entre o considerar e o natildeo
considerar a inconstitucionalidade de uma norma e nos casos em que eacute admissiacutevel entre
rejeitar a norma considerada inconstitucional e concomitantemente expulsaacute-la do
ordenamento juriacutedico e natildeo considerar constitucional e mantecirc-la (URBANO 2012 p 87)39
Apesar de natildeo nos interessar a anaacutelise de todos os diversos tipos de
sentenccedilas intermedias eacute oportuno destacar que as mesmas satildeo uma produccedilatildeo recente da
jurisdiccedilatildeo constitucional dos paiacuteses europeus que adotaram o modelo autriacuteaco de controle
de consitucionalidade ou seja um controle concentradoabstrato realizado por um Tribunal
criado para esse fim especiacutefico e que revelam que a idealizaccedilatildeo de Kelsen de criaccedilatildeo de um
oacutergatildeo que atue como legislador negativo vem sendo ultrapassada agrave medida que os Tribunais
Constitucionais natildeo mais se limitam meramente a decidir pela constitucionalidade ou natildeo de
uma norma sobretudo pela evidente complexidade dos problemas constitucionais que
exigem decisotildees mais elaboradas que o esquema ldquoconstitucional v inconstitucionalrdquo
Pois bem O primeiro tipo de sentenccedila dentro desse universo que pode
ser considerada como uma teacutecnica dialoacutegica eacute a chamada ldquodeclaraccedilatildeo de mera
incompatibilidaderdquo originaacuteria da jurisprudecircncia alematilde Consiste em uma decisatildeo do
Tribunal Constitucional onde natildeo haacute a anulaccedilatildeo da lei mas apenas a declaraccedilatildeo de que a
mesma eacute incompatiacutevel com a constituiccedilatildeo e a sua consequente suspensatildeo ateacute que o
Legislativo efetue a correccedilatildeo da norma a fim de tornaacute-la constitucional
Ou seja o Tribunal reconhece a inconstitucionalidade da norma poreacutem
sem declarar a sua nulidade mantendo-a no ordenamento juriacutedico mas suspendendo a sua
aplicaccedilatildeo Com isso de acordo com os defensores dessa praacutetica o Judiciaacuterio estaria
permitindo ao Legislativo a correccedilatildeo da legislaccedilatildeo a tempo de evitar um vaacutecuo legislativo
(QUEIROZ 2012)
Essa praacutetica tem sido muito utilizada pelo Tribunal Constitucional
Alematildeo nos casos em que ldquoa declaraccedilatildeo de nulidade haveria de produzir uma situaccedilatildeo
juriacutedica insuportaacutevelrdquo especialmente nas seguintes situaccedilotildees a) quando o juiz reconhece
que o legislador natildeo tinha outra alternativa dado o contexto histoacuterico existente b) quando a
38 Natildeo haacute um consenso na doutrina a respeito da denominaccedilatildeo desses tipos de decisatildeo aqui se optou por utilizar
essas duas nomenclaturas por serem amplamente difundidas e utilizadas pelos doutrinados portugueses e
brasileiros respectivamente
39 No contexto brasileiro essas decisotildees satildeo conhecidas como sentenccedilas interpretativas ou intermediaacuterias
39
inconstitucionalidade natildeo eacute evidente designadamente por motivos de seguranccedila c) quando
a ausecircncia da norma inconstitucional eacute menos adequada que a sua manutenccedilatildeo d) quando
estatildeo em causa disciplinas discriminatoacuterias (URBANO 2012 p 81-82)
Mendes (1990) destaca que essa teacutecnica decisoacuteria eacute utilizada pelo
Tribunal Constitucional alematildeo principalmente nos casos em que estaacute em jogo o princiacutepio
da isonomia quando uma lei injustificadamente confere benefiacutecios a um determinado
nuacutemero de pessoas ou grupos sociais deixando de englobar outros setores caracterizando
assim uma situaccedilatildeo singular complexa que natildeo pode ser resolvida com a simples declaraccedilatildeo
de inconstitucionalidade da lei
Outra importante figura tambeacutem originaacuteria do direito alematildeo mas hoje
tambeacutem muito presente no Direto italiano satildeo as ldquosentenccedilas apelativas ou exortativasrdquo
Nesse tipo de sentenccedila o Tribunal Constitucional natildeo considera a lei inconstitucional no
momento em que profere a decisatildeo entretanto alerta o Legislativo para a possibilidade de
uma futura inconstitucionalidade e diante disso dirige-lhe um apelo para que modificaccedilatildeo
a legislaccedilatildeo a fim de adequaacute-la a Lei Maior
Esse apelo visa sobretudo evitar uma futura inconstitucionalidade e
com base nessa justificativa o Tribunal oferece ao legislador com maior ou menor
determinaccedilatildeo e exigecircncia possibilidades orientaccedilotildees para a reparaccedilatildeo da norma em tempo
uacutetil fixando em alguns casos um prazo para tanto (URBANO 2012a)
Diferem das decisotildees de mera incompatibilidade pois nessas a norma jaacute
foi considerada inconstitucional cabendo ao legislador proceder a imediata adequaccedilatildeo para
sanar a inconstitucionalidade enquanto que nas sentenccedilas apelativas a violaccedilatildeo ao texto
constitucional ainda natildeo foi consumada ou ainda natildeo haacute certeza sobre a sua ocorrecircncia
(SILVA 2008)
A doutrina italiana tem maioritariamente fundamentado a utilizaccedilatildeo
desse tipo de decisatildeo em um chamado constitucionalismo cooperativo italiano equivalente
a dizer que o Tribunal Constitucional quando confrontado com a ineacutercia do poder poliacutetico
tem desempenhado uma funccedilatildeo propulsora dos valores constitucionais (SILVA 2008
p1119)
O que essas decisotildees possuem em comum entre si e tambeacutem com a
primeira figura aqui mencionada do constitutional road map eacute o fato de conterem em seu
40
corpo em menor ou maior grau orientaccedilotildees para a atividade legislativa visando sanar ou
evitar questotildees de inconstitucionalidade
Na visatildeo de Gomes Canotilho (2003 p 1018) esses tipos de decisotildees
satildeo altamente criticaacuteveis pois ldquoa natildeo atribuiccedilatildeo dos efeitos da nulidade ipso jure natildeo pode
implicar a sobrevivecircncia e aplicaccedilatildeo da norma considerada inconstitucional nem os
laquoperigosraquo das lacunas legislativas se podem sobrepor aos perigos da erosatildeo do princiacutepio da
constitucionalidade dos actos normativosrdquo
82 Teorias centradas no processo
Apesar de ser classificada por Bateup como uma forma de diaacutelogo que
emana de uma decisatildeo judicial pode-se dizer que eacute o contraponto do meacutetodo do
aconselhamento judicial pois ao inveacutes de defender a postura provocadora do Judiciaacuterio agrave
reposta legislativa como centro do diaacutelogo preconiza justamente o contraacuterio uma atuaccedilatildeo
contida dos Tribunais de forma a deixar um maior espaccedilo para a atuaccedilatildeo legislativa
De acordo com esse grupo de teorias o Judiciaacuterio natildeo deve apontar o
caminho a ser seguido pelo Legislativo criando diretrizes ou dando orientaccedilotildees eacute uma
atividade que natildeo lhe compete mas deve possibilitar um ldquosegundo olharrdquo para a questatildeo
821 Minimalismo judicial
A teoria do minimalismo judicial tem se desenvolvido principalmente
no contexto norte americano onde os precedente judiciais possuem muita forccedila normativa
Ela pretende a afirmaccedilatildeo do priciacutepio democraacutetico por meio da limitiaccedilatildeo da atuaccedilatildeo judicial
no processo de tomada de decisotildees que envolvam principalmente a fixaccedilatildeo do conteuacutedo de
direitos fundamentais em temas sensiacuteveis da vida social como questotildees relacionadas ao
aborto casamento de homossexuais dentre outras
O atual exponente defensor dessa teoria eacute o americano Cass R Sustein
que propotildee uma limitaccedilatildeo da atuaccedilatildeo jurisdicional das Cortes as quais natildeo devem decidir
questotildees que extrapolem o caso concreto que estaacute em analise visando um ldquouso construtivo
do silecircnciordquo
Ou seja o Judiciaacuterio natildeo deve tomar decisotildees abrangentes de forma
41
que enclausurem a discussatildeo para sempre mas sim deve restringir-se agraves questotildees daquele
caso concreto permitindo que a discussatildeo profunda e geneacuterica do tema ocorra no acircmbito do
oacutergatildeo legislativo o qual possui legimitidade democraacutetica para tanto
Dessa forma o minimalismo em sua forma processual consiste em um
esforccedilo para limitar a amplitude e profundidade das decisotildees judiciais quando os juiacutezes
carecem e sabem que carecem de informaccedilotildees relevantes o minimalismo eacute uma forma de
resposta apropriada razoaacutevel e ateacute mesmo inevitaacutevel para resolver o problema praacutetico de
obter o consenso dentro de uma sociedade heterogecircna (SUSTEIN 1999 p 5)
Bickel (1962) tambeacutem um importante nome dos defensores da
contenccedilatildeo da atuaccedilatildeo judicial ao falar sobre o exerciacutecio pela Suprema Corte do que
denomina de ldquovirtudes passivasrdquo faz referecircncia agrave diversas ldquoteacutecnicas de natildeo decisatildeordquo
existentes no processo norte americano mediante as quais pode a Suprema Corte se abster
de emitir opiniatildeo como por exemplo political question ripness standing mootness dentre
outras
Acrescenta que a Suprema Corte natildeo tem a obrigaccedilatildeo de decidir todo o
tempo e que se assim o fosse poderia levar a um processo manipulativa da democracia
fazendo com que a Corte simplesmente substituisse o legislative impedindo o exerciacutecio do
seu juiacutezo de conveniecircncia tornando-se um second guesser (BICKEL 1962 p200)
Sob o ponto de vista dialoacutegico na contenccedilatildeo da atuaccedilatildeo judicial o cerne
do diaacutelogo estaacute justamente na possibilidade de o legislador lanccedilar um novo olhar para um
tema que possivelmente foi tratado de forma apressada ou sem a profundidade necessaacuteria
aumentando assim a responsabilidade do Legislativo no exerciacutecio da sua atividade tomando
decisotildees poliacuteticas e elaborando normas com niacuteveis adequados de cuidado e deliberaccedilatildeo
(BATEUP 2005)
Nesse mesmo sentido Bickel (1962 p 70-71) em clara referecircncia agraves
teorias do diaacutelogo afirma que ao evitar decidir a Corte estimula o coloacutequio com os outros
poderes e a sociedade O minimalismo judicial seria portanto uma forma de participaccedilatildeo
passiva do Judiciaacuterio no diaacutelogo constitucional permitindo que os juiacutezes abram o diaacutelogo
com os poderes poliacuteticos a fim de incentivar a resoluccedilatildeo poliacutetica das questotildees constitucionais
que satildeo alvo de conflito
42
822 Modulaccedilatildeo temporal dos efeitos da declaraccedilatildeo de
inconstitucionalidade
A possibilidade de modulaccedilatildeo dos efeitos da decisatildeo pelo Tribunal em
sede de controle de constitucionalidade na perspectiva das teorias fundadas no meacutetodo
judicial tambeacutem pode ser considerada como um mecanismo dialoacutegico sob o ponto de vista
das teorias do meacutetodo judicial centradas no processo eis que possibilita a resposta
legislativa entretanto de forma menos agressiva que as outras teacutecnicas explanadas acima
Essa possibilidade eacute prevista expressamente no Direito Portuguecircs Os
efeitos e o alcance das decisotildees do Tribunal Constitucional em sede do controle abstrato de
constitucionalidade estatildeo previstos no n 1 e n 2 do artigo 282 da Constituiccedilatildeo Portuguesa
os quais determinam respectivamente que ldquoA declaraccedilatildeo de inconstitucionalidade ou de
ilegalidade com forccedila obrigatoacuteria geral produz efeitos desde a entrada em vigor da norma
declarada inconstitucional ou ilegal e determina a repristinaccedilatildeo das normas que ela
eventualmente haja revogadordquo ldquoTratando-se poreacutem de inconstitucionalidade ou de
ilegalidade por infraccedilatildeo de norma constitucional ou legal posterior a declaraccedilatildeo soacute produz
efeitos desde a entrada em vigor desta uacuteltimardquo
Todavia o n 4 do referido artigo traz expressamente a possibilidade de
fixaccedilatildeo dos efeitos da decisatildeo pelo Tribunal de forma fundamentada quando a seguranccedila
juriacutedica razotildees de equidade ou interesse puacuteblico de excepcional relevo o exigir Os efeitos
podem ser fixados de diversas formas poreacutem a que nos interessa no presente trabalho eacute a de
fixaccedilatildeo dos efeitos para o futuro
De acordo com a possibilidade de modulaccedilatildeo dos efeitos da declaraccedilatildeo
de inconstitucionalidade pode o Tribunal Constitucional declarar a inconstitucionalidade de
uma lei mas condicionar a sua nulidade a um determinado transcurso de tempo ou seja
determinar a sua nulidade pro futuro fixando um prazo determinado para que ela deixe de
produzir efeitos de ser aplicada possibilitando assim ao legislador a correccedilatildeo do estatuto e
evitando o vaacutecuo legislativo
Inspirado na Constituiccedilatildeo Portuguesa o Brasil atraveacutes do artigo 27 da
Lei 886899 de 10 de novembro passou tambeacutem a regulamentar possibilidade da
modulaccedilatildeo temporal das decisotildees proferidas no julgamento de accedilatildeo direta de
inconstitucionalidade e de accedilatildeo declaratoacuteria de constitucionalidade
43
A referida lei passou a facultar ao Supremo Tribunal Federal no
exerciacutecio do controle abstrato de constitucionalidade modular os efeitos da decisatildeo por
razotildees de seguranccedila juriacutedica ou de excepcional interesse social Todavia atualmente essa
modulaccedilatildeo se estende tambeacutem ao controle difuso conforme se leraacute
A decisatildeo proferida pelo Superior Tribunal Federal no ano de 2004 no
julgamento do caso Mira Estrela eacute tida como paradigmaacutetica40 por ter sido aplicado o artigo
27 da Lei 886899 no controle de constitucionalidade de um caso concreto A declaraccedilatildeo da
inconstitucionalidade se deu no acircmbito do julgamento do Recurso Extraordinaacuterio 197917-
8 de accedilatildeo civil puacuteblica proposta pelo Ministeacuterio Puacuteblico do Estado de Satildeo Paulo visando a
diminuiccedilatildeo do nuacutemero de vereadores do municiacutepio de Mira Estrela alegando que o mesmo
natildeo era proporcional ao nuacutemero de habitantes ainda que estivesse dentro do limite
constitucional41
O Supremo concordou com a desproporcionalidade e em face disso
declarou a inconstitucionalidade da referida norma todavia modulou os efeitos da decisatildeo
pro futuro para salvaguardar os mandatos dos vereadores jaacute eleitos e a validade dos
respectivos atos administrativos por eles praticados evitando assim consequecircncias
desastrosas para a administraccedilatildeo puacuteblica Fundamentou a necessidade da modulaccedilatildeo dos
efeitos na proteccedilatildeo da Seguranccedila Juriacutedica
Em que pese essa ser uma teacutecnica menos agressiva que as anteriores
vez que o Judiciaacuterio ao menos em tese apenas possibilita uma reaccedilatildeo legislativa a sua
decisatildeo sem lhe estipular diretrizes e com isso adentrar em sua liberdade de conformaccedilatildeo
na praacutetica tambeacutem natildeo haacute como garantir que haveraacute a reaccedilatildeo legislativa e eacute nisso que reside
a maioria das criacuteticas a todas esses mecanismos ditos dialoacutegicos conforme se veraacute mais
adiante
40 RE 197917-8SP Iacutentegra da decisatildeo disponiacutevel em
httpredirstfjusbrpaginadorpubpaginadorjspdocTP=ACampdocID=235847 41 A Lei Orgacircnica do municiacutepio de Mira Estrela estabelecia em 11 o nuacutemero de vereadores os quais estavam
dentro dos limites impostos no artigo 29 da Constituiccedilatildeo Federal estabelecido conforme o nuacutemero de
habitantes
44
823 Accedilatildeo de inconstitucionalidade por omissatildeo legislativa
O modelo de controle de constitucionalidade portuguecircs prevecirc
expressamente a possibilidade do controle das omissotildees legislativas por intermeacutedio da
disposiccedilatildeo contida no artigo 283 da Constituiccedilatildeo Federal 42
Inspirado no instituto portuguecircs o Brasil tambeacutem trouxe em sua
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 a expressa previsatildeo da possibilidade do controle de
constitucionalidade das omissotildees legislativas (paraacutegrafo 2ordm do artigo 103) poreacutem criou
ainda uma nova figura especifica para esse fim o mandado de injunccedilatildeo (inciso LXXI do
artigo 5ordm)
Em ambos os sistemas uma omissatildeo legislativa eacute considerada
inconstitucional quando o legislador natildeo cumpre com aquilo que estava constitucionalmente
obrigado ou seja quando a sua omissatildeo prejudica a exequibilidade de alguma norma
constitucional Para que a omissatildeo ganhe significado relevante deve ter conexatildeo com uma
exigecircncia constitucional de accedilatildeo natildeo bastando a violaccedilatildeo do simples dever legal de legislar
(CANOTILHO2003)
Miranda (2008) destaca que a omissatildeo pode ser total ou parcial
quando por exemplo existe a norma mas ela eacute insuficiente ou deficiente43 e que o juiacutezo da
inconstitucionalidade por omissatildeo traduz-se num juiacutezo sobre o tempo em que deveria ser
produzida a lei devendo o Judiciaacuterio sem substituir ao oacutergatildeo legislador medir e interpretar
o tempo decorrido para a elaboraccedilatildeo da lei44
42 Neste sentido ver o que Tushnet diz sobre esse tipo de concepccedilatildeo de diaacutelogo em TUSHNET Mark Dialogue
and Constitutional Duty Havard Law School Public Law amp Legal Theory Working Paper Series paper nordm 12-
10 p 4-9
43 ldquoA inconstitucionalidade por omissatildeo natildeo surge apena por carecircncia de medidas legislativas surge tambeacutem
por deficiecircncia delas Mas isto natildeo significa que perante um projecto ou uma proposta de lei com vista ao
cumprimento de determinada norma constitucional tenha de se proceder agrave sua anaacutelise para discernir se o
sentido de seus preceitos se enquadra ou natildeo no sentido de Constituiccedilatildeo De jeito algum cabe ao oacutergatildeo de
fiscalizaccedilatildeo da inconstitucionalidade por omissatildeo debruccedilar-se a esse tiacutetulo sobre o conteuacutedo de qualquer acto
de iniciativa legislativardquo (MIRANDA 2008 p 325)
44ldquoA ausecircncia ou a insuficiecircncia da norma legal natildeo pode ser separada de determinado tempo histoacuterico
assinalado pela necessidade de produccedilatildeo legislativa e cuja duraccedilatildeo maior o menor ou seraacute prefixada pela
proacutepria Constituiccedilatildeo ou depende da natureza das coisas (ou seja da natureza da norma constitucional natildeo
exequiacutevel por si mesma confrontada com as situaccedilotildees da vida inclusive situaccedilatildeo que agrave sua margem esteja
por acccedilatildeo o legislador ordinaacuterio a criar)rdquo (MIRANDA 2008 p 322)
45
A accedilatildeo de inconstitucionalidade por omissatildeo prevista no ordenamento
portuguecircs e brasileiro constitui portanto um meio atraveacutes do qual o Judiciaacuterio controla a
ineacutercia legislativa declarando a inconstitucionalidade da sua ineacutercia e solicitando a tomada
de providecircncias Pode-se dizer que seus efeitos praacuteticos assemelham-se agraves sentenccedilas
apelativas da Alemanha e Itaacutelia todavia nesse instituto a decisatildeo do Judiciaacuterio tem efeito
meramente declaratoacuterio dando conhecimento ao Legislativo da sua omissatildeo e enfatizando a
necessidade de atuaccedilatildeo sem traccedilar qualquer diretriz para tanto45
Desta forma a sentenccedila proferida no controle de constitucionalidade da
omissatildeo legislativa por meio da accedilatildeo declaratoacuteria de inconstitucionalidade por omissatildeo
possui um caraacuteter apelativo eis que objetiva chamar a atenccedilatildeo do legislador para a
necessidade de elaboraccedilatildeo da lei necessaacuteria a concretizar determinada norma constitucional
Assim sob a perspectiva das teorias dialoacutegicas centradas no processo pode ser considerada
como um mecanismo propulsor de interaccedilatildeo entre os poderes no seio da jurisdiccedilatildeo
constitucional
83 Criacuteticas agraves teorias dialoacutegicas fundadas no meacutetodo judicial
Todas essas teacutecnicas de decisatildeo judicial que visam possibilitar uma
resposta do Legislativo por meio de uma decisatildeo judicial embora diferentes em alguns
aspectos possuem um ponto determinante em comum privilegiam a interpretaccedilatildeo do
Judiciaacuterio
Sob o ponto de vista da dificuldade da legitimidade democraacutetica da
revisatildeo judicial portanto essas teorias natildeo seriam suficientes para solucionar as questotildees
eis que o Judiciaacuterio continuaria na praacutetica ainda sendo o detentor da uacuteltima palavra na
resoluccedilatildeo dos conflitos constitucionais
Nessa perspectiva natildeo se verifica uma efetiva deliberaccedilatildeo conjunta
entre Judiciaacuterio e Legislativo na tomada de decisatildeo O que ocorre eacute apenas que o Judiciaacuterio
mediante a adoccedilatildeo de estrateacutegias especiacuteficas busca acionar ou estimular a atuaccedilatildeo
45 Esclarece-se que a aplicabilidade da accedilatildeo de inconstitucionalidade por omissatildeo possui alguns aspectos
controvertidos poreacutem como jaacute dito natildeo constitui nosso objetivo tratar todas as questotildees controvertidas de
cada instituto aqui mencionado mas apenas identifica-los como mecanismos potencialmente dialoacutegicos de
acordo com as teorias
46
legislativa Portanto pode-se concluir que essas teorias se consubstanciam na praacutetica em um
diaacutelogo formal e natildeo material o que jaacute seria um alvo suficiente para criacutetica
Ademais o fato de privilegiarem claramente o ponto de vista judicial
podem acabar permitindo de certa forma que o Judiciaacuterio adentre o acircmbito de atuaccedilatildeo
legislativa sobretudo nas teacutecnicas de aconselhamento judicial
Ainda que se possa considerar que a decisatildeo judicial nesses casos
apenas fornece diretrizes para a atuaccedilatildeo legislativa natildeo haacute como negar que pode acabar
condicionando a sua atuaccedilatildeo restando-lhe apenas acatar o que foi direcionado pelo
Judiciaacuterio o que do ponto de vista dialoacutegico natildeo parece o ideal
Mesmo nos mecanismos mais brandos que os de aconselhamento
judicial onde haacute uma interferecircncia direta do Judiciaacuterio na conformaccedilatildeo legislativa eacute inegaacutevel
que haacute ainda alguma intromissatildeo mesmo que em menor escala ou de forma indireta
Haacute de se destacar tambeacutem a falta de previsibilidade das orientaccedilotildees do
Tribunal e a sua potencialidade enganosa para o Legislador suscitada por Carlos Blanco de
Morais (2014 p 726) ao analisar um recente julgado do Tribunal Constitucional Portuguecircs
no contexto da crise econocircmica
O renomado constitucionalista observa que no Acoacuterdatildeo nordm 1872013 o
Tribunal Constitucional46 ao declarar a inconstitucionalidade da norma da Lei de Orccedilamento
do Estado relativa a tributaccedilatildeo dos subsiacutedios de desemprego e doenccedila agrave luz do princiacutepio da
existecircncia condigna (artigo 2ordm da CRP) fixou orientaccedilatildeo ao legislador no sentido de que no
proacuteximo ano a Lei orccedilamentaacuteria ao tratar da mateacuteria trouxesse uma claacuteusula de salvaguarda
impedindo a tributaccedilatildeo das respectivas prestaccedilotildees de desemprego e doenccedila de forma
prejudicial a garantia dos seus valores miacutenimos
O legislador na elaboraccedilatildeo da Lei Orccedilamentaacuteria do ano de 2014 seguiu
a orientaccedilatildeo do Tribunal todavia ao analisar a constitucionalidade da nova lei o mesmo
Tribunal que havia ditado aquela orientaccedilatildeo no Acoacuterdatildeo nordm 413201447 julgou a claacuteusula
insuficiente e violadora do princiacutepio da razoabilidade
46 Iacutentegra da decisatildeo disponiacutevel em httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20130187html 47 Iacutentegra da decisatildeo disponiacutevel em httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20140413html
47
Blanco de Moraes com base nesse caso concreto destaca o perigo das
orientaccedilotildees perpetradas pelo Judiciaacuterio que podem servir de ldquoemboscadardquo para o legislador
O fato eacute que ainda que o Legislativo siga as orientaccedilotildees do Tribunal natildeo haacute garantia da
constitucionalidade do novo diploma o que pode acabar resultando em um reforccedilo da
postura ativista do Judiciaacuterio que interfere no acircmbito da liberdade de conformaccedilatildeo legislativa
ditando orientaccedilotildees que nem ele mesmo segue posteriormente
Dito isto evidencia-se que assim como a atitude do Judiciaacuterio pode
incentivar e encorajar um debate resultando na criaccedilatildeo de um novo diploma sem viacutecio o
que seria beneacutefico tambeacutem pode acabar resultando em um sequestro do processo legislativo
dando super poderes ao Judiciaacuterio que tanto pode anular como reformar um estatuto legal
(LUNA 2001)
Bateup sintetiza a criacutetica afirmando que a praacutetica do aconselhamento
judicial simplesmente encoraja os ramos poliacuteticos a fazer o que o Judiciaacuterio diz e que na
realidade o aconselhamento seria um aviso de que a legislaccedilatildeo natildeo satisfaz seus
entendimentos constitucionais e que embora ainda natildeo tenha sido derrubada seraacute assim no
futuro caso o Legislativo natildeo a adeque ao entendimento do Tribunal
Outro ponto importante que se verifica em ambas as categorias das
teorias fundadas no meacutetodo judicial tanto a de aconselhamento como as centradas no
processo eacute a necessidade de que para que esses mecanismos surtam algum efeito praacutetico
deve haver uma forte vontade de colaboraccedilatildeo entre os Poderes O Judiciaacuterio haacute de se
preocupar em avaliar a questatildeo e formular as diretrizes para a atuaccedilatildeo legislativa bem como
o Legislativo deve estar aberto ao recebimento dessas orientaccedilotildees e colocaacute-las em praacuteticas
Ou entatildeo no que diz respeito agrave teoria do minimalismo eacute necessaacuteria uma
forte consciecircncia das Cortes para concordar em conter a sua atuaccedilatildeo e ainda verificar quando
deve ou natildeo assim agir havendo o risco dessa contenccedilatildeo ocorrer em momentos inoportunos
e vice e versa
O que esse grupo de teorias revela sobretudo eacute a grande complexidade
das decisotildees judiciais no acircmbito do controle de constitucionalidade nos paiacuteses que seguem
um modelo fundado na supremacia do Judiciaacuterio ficando claro que nem sempre os
problemas constitucionais seratildeo resolvidos por meio da simples declaraccedilatildeo de
48
constitucionalidade ou inconstitucionalidade mesmo que acabem no fim resultando em um
dos dois efeitos isso pode ocorrer em diversas intensidades
Fica claro entatildeo que o Judiciaacuterio exerce um papel tambeacutem poliacutetico
precisando agir com prudecircncia tanto quanto o legislativo para que suas decisotildees sejam bem
aceitas pela sociedade e produzam os efeitos esperados (HUBNER 2008)
Dessa forma ainda que seja alvo de criacuteticas e talvez natildeo seja a melhor
forma de concretizar o diaacutelogo natildeo se pode desprezar totalmente o conteuacutedo dessas teorias
e nem seus efeitos praacuteticos pois assim como essas praacuteticas podem ser consideradas
prejudiciais do ponto de vista democraacutetico ao mesmo tempo podem ser consideradas
beneacuteficas sob a oacutetica de concretizaccedilatildeo de direitos fundamentais sobretudo em paiacuteses
subdesenvolvidos ou que enfrentam uma crise de representatividade do Poder Legislativo
pois mediante decisotildees judiciais este seraacute forccedilado a agir
Um importante caso que vem sendo apontado por diversos
doutrinadores como um sucesso na efetivaccedilatildeo de direitos fundamentais e que segue a loacutegica
dessas teorias eacute a Aacutefrica do Sul o qual passamos a explanar
9 O especial caso da Aacutefrica do Sul
O constitucionalismo Sul Africano tem recebido muita atenccedilatildeo dos
estudiosos sobretudo dos defensores das teorias dialoacutegicas em virtude das inovadoras
decisotildees que vem sendo proferidas pela Suprema Corte desse paiacutes
A implementaccedilatildeo de um Estado democraacutetico na Aacutefrica do Sul
notadamente natildeo foi um processo tranquilo tampouco paciacutefico em virtude da sua conjuntura
histoacuterica O reconhecimento da autoridade do Poder Judicial para realizar a revisatildeo das leis
natildeo foi fruto de um processo gradativo como ocorreu em outros paiacuteses mas sim uma
imposiccedilatildeo brusca e radical 48
O constitucionalismo Sul Africano pode ser dividido em duas fases a
primeira que durou de 1910 a 1994 onde a proteccedilatildeo dos direitos fundamentais cabia ao poder
poliacutetico tendo o judiciaacuterio um papel severamente limitado no controle desse processo e a
48 Ver ROUX Theunis The Politics of Principle the first South African Constitutional Court Cambridge
Cambridge University Press 2013
49
segunda fase recentemente iniciada onde a ordem social e juriacutedica baseia-se na supremacia
de uma constituiccedilatildeo imposta e protegida judicialmente (SCHYFF 2010 p 34)49
A Constituiccedilatildeo de 1996 eacute a quinta adotada pelo paiacutes e eacute exemplo mundial
de uma Constituiccedilatildeo de caraacuteter transformador - que estabelece aspiraccedilotildees entendidas como
um desafio agraves praacuteticas de longa data ndash sendo grande parte do seu texto dedicado a eliminaccedilatildeo
dos efeitos danosos do apartheid (SUSTEIN 2001)
No tocante ao modelo de judicial review adotado a Aacutefrica do Sul optou
por um modelo forte de revisatildeo reconhecendo a supremacia do Poder Judiciaacuterio para a sua
decisatildeo e sendo ele o responsaacutevel pela palavra final no tocante a interpretaccedilatildeo
constitucional Todavia a praacutetica tem revelado uma interessante atuaccedilatildeo do Tribunal no
julgamento de casos que envolvem a efetivaccedilatildeo de direitos socioeconocircmicos
Famoso exemplo eacute o julgamento do caso Grotboom50 no qual estava em
questatildeo o direito a moradia de centenas de pessoas incluindo crianccedilas que estavam
desalojadas Esse grupo de pessoas recorreu agrave Corte para requisitar com base nos artigos 26
e 28 da Constituiccedilatildeo que o Estado Sul Africano providenciasse moradia adequada para eles
A Corte ao analisar o caso agrave luz do artigo 26 que assegura o direito a
moradia entendeu que houve violaccedilatildeo ao direito constitucional dos requerentes pois o
Estado natildeo havia cumprido com o dever de efetivar progressivamente dentro dos recursos
disponiacuteveis o acesso agrave moradia adequada Destacou que embora o programa do Governo
relativo a moradia fosse razoaacutevel em vaacuterios aspectos era falho pois natildeo atendia agraves
necessidades mais urgentes natildeo prevendo soluccedilatildeo para as demandas de curto prazo
No paraacutegrafo 42 da decisatildeo a Corte enfatizou que a mera ediccedilatildeo de leis
natildeo eacute o suficiente para constituir o cumprimento do dever constitucional do Estado que este
tem a obrigaccedilatildeo de agir para alcanccedilar o resultado pretendido e as medidas legislativas
invariavelmente tecircm de ser apoiadas por poliacuteticas e programas bem dirigidos e
adequadamente implementados pelo Executivo Que as poliacuteticas e programas devem ser
49 Para um maior aprofundamento sobre o constitucionalismo Sul Africano ver COCKRELL Alfred The
South African Bill of Rights and the lsquoDuckRabbitrsquo 60 Mod L Rev 513 (1997) BOUCKAERT Peter N The
Negotiated Revolution South Africarsquos Transition to Multiracial Democracy 33 Stanford J Int L 375 (1997)
GOLDSTONE Richard J The South African Bill of Rights 32 Texas Int L J 1451 (1997)
50 Government of The Republic of South Africa and others v Grootboom and others (CCT 1100) Igraventegra da
decisatildeo disponiacutevel emlt httpwwwsafliiorgzacasesZACC200019htmlgt
50
razoaacuteveis tanto na sua concepccedilatildeo quanto na sua implementaccedilatildeo sendo a formulaccedilatildeo de um
programa apenas a primeira etapa para cumprir as obrigaccedilotildees do estado jaacute que este deve ser
razoavelmente implementado pois se assim natildeo for natildeo constituiraacute o cumprimento das
obrigaccedilotildees do Estado51
Por fim o Tribunal emitiu uma ordem declaratoacuteria que delimitou as
deficiecircncias do programa governamental e sugeriu em vez de direcionar medidas para
minimizar as falhas O documento natildeo indicou entretanto que tipo de abrigo o Governo
deveria construir deixando essa decisatildeo para o proacuteprio Estado (NGWENA 2013 p80)
Por intermeacutedio dessa decisatildeo a Corte ao mesmo tempo que reconheceu
a justiciabilidade dos direitos sociais preservou certa autonomia do Estado no que respeita
a elaboraccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas vez que natildeo determinou a exata maneira que o mesmo
deveria agir reconhecendo que essa eacute uma competecircncia que natildeo compete ao Judiciaacuterio
Esse tipo de decisatildeo pode ser visto sob o ponto de vista das teorias
dialoacutegicas fundadas no meacutetodo judicial explicadas acima Nesse sentido reforccedilando o
potencial dialoacutegico dessas decisotildees Dixon (2007) leciona que o Poder Judiciaacuterio deve
exercer um papel ativo a fim de evitar a ineacutercia dos outros poderes
Aponta que as possiacuteveis causas da ineacutercia legislativa seriam de duas
categorias os blind spots ou pontos cegos que satildeo as situaccedilotildees em que natildeo resta claro para
o Legislativo os imperativos de sua accedilatildeo reguladora como por exemplo quando natildeo
reconhecem que determinada forma de aplicaccedilatildeo de uma lei pode ser violadora de direitos
e quando a ineacutercia decorre de motivos de conveniecircncia poliacutetica quando acredita que o ocircnus
eleitoral da sua accedilatildeo pode ser maior que o da sua omissatildeo (DIXON 2007)
Nessa perspectiva de diaacutelogo proposta por Dixon cabe ao Judiciaacuterio
provocar o Legislativo por meio da decisatildeo judicial que o obrigue a elaboraccedilatildeo de poliacuteticas
puacuteblicas para garantir tanto quanto possiacutevel a maior eficaacutecia dos direitos fundamentais
51 [42] The state is required to take reasonable legislative and other measures Legislative measures by
themselves are not likely to constitute constitutional compliance Mere legislation is not enough The state is
obliged to act to achieve the intended result and the legislative measures will invariably have to be supported
by appropriate well-directed policies and programmes implemented by the executive These policies and
programmes must be reasonable both in their conception and their implementation The formulation of a
programme is only the first stage in meeting the statersquos obligations The programme must also be reasonably
implemented An otherwise reasonable programme that is not implemented reasonably will not constitute
compliance with the statersquos obligations Government of The Republic of South Africa and others v Grootboom
and others (CCT 1100)
51
sem todavia adentrar ou comprometer a sua liberdade de conformaccedilatildeo mas de forma que
retire o legislativo da sua ineacutercia
Por decisotildees como essa apesar do sistema Sul Africano ter como
caracteriacutestica a participaccedilatildeo ativa do Judiciaacuterio na efetivaccedilatildeo dos direitos fundamentais o
mesmo vem sendo apontado por alguns estudiosos das teorias do diaacutelogo como um sistema
promissor nesse sentido em virtude do enfraquecimento das decisotildees judiciais que apesar
de direcionarem a atuaccedilatildeo do Legislativo preservam a sua liberdade de escolha e atuaccedilatildeo
10 As teorias estruturais de diaacutelogo
Nessa categoria alocam-se as teorias que se baseiam no reconhecimento
de mecanismos institucionais ou poliacuteticos dentro dos sistemas constitucionais que permitam
aos atores poliacuteticos responder agraves decisotildees judiciais em caso de conflito
Ao contraacuterio das teorias do meacutetodo judicial essas natildeo tecircm como objeto
principal a construccedilatildeo da decisatildeo judicial mas sim as formas pelas quais se estabelecem as
relaccedilotildees entre as diversas estruturas do Poder de maneira que possam oferecer respostas agrave
uma decisatildeo que gere desacordo Hubner (2008 p 99) aponta que as teorias estruturais ao
contraacuterio das que se fundam no meacutetodo judicial possuem um caraacuteter exoacutegeno logo menos
dependente da postura de cada instituiccedilatildeo
Para os que defendem essas teorias o diaacutelogo surge mediante a
utilizaccedilatildeo de mecanismos de interaccedilatildeo entre juiacutezes e os outros atores poliacuteticos Esses
mecanismos satildeo encontrados no modelo do weak judicial review ou sistemas brandos de
controle de constitucionalidade os quais como jaacute dito surgiram como uma alternativa ao
modelo tradicional pautado na supremacia judicial
A maioria dessas teorias foram surgindo a partir da necessidade de
justificar e fundamentar a previsatildeo de mecanismos contidos no Bill of Rights de paiacuteses
tradicionalmente de supremacia parlamentar a fim de harmonizar este tipo de sistema com
a necessidade de proteccedilatildeo aos direitos fundamentais
De acordo com a sistematizaccedilatildeo feita por Bateup existem quatro
subcategorias de teorias estruturais as de construccedilatildeo coordenada as dos princiacutepios juriacutedicos
a do equiliacutebrio e a da parceria Importante esclarecer que apesar de termos adotado essa
52
sistematizaccedilatildeo como nosso referencial teoacuterico por acreditarmos na sua coerecircncia e
completude neste particular ousamos discordar dessa diferenciaccedilatildeo
A diferenciaccedilatildeo feita por Bateup reside basicamente nos argumentos de
que as teorias de construccedilatildeo coordenada se aplicam apenas ao contexto norte-americano as
teorias dos princiacutepios juriacutedicos reconhecem uma especial competecircncia ao Judiciaacuterio para
decidir questotildees relacionadas agrave princiacutepios juriacutedicos as do equiliacutebrio por serem neutras natildeo
reconhecem nenhuma capacidade especial a nenhum Poder e contam ainda com a
participaccedilatildeo da sociedade e as teorias da parceria
Sendo assim todas as subcategorias em que Bateup divide as teorias
estruturais de diaacutelogo enquadram-se na ideia geral da construccedilatildeo coordenada podem ateacute se
diferenciar em um ou outro aspecto mas ainda assim natildeo deixam de fazer parte desta
Dessa forma natildeo se deixaraacute de abordar as subdivisotildees propostas por
Bateup mas ao contraacuterio do que foi feito no tocante as teorias centradas no meacutetodo judicial
natildeo se mencionaraacute especicamente cada uma delas para depois dar exemplos praacuteticos mas
seratildeo feitas as devidas menccedilotildees quando da anaacutelise dos diferenres sistemas de weak judicial
review que aqui se apresenta como exemplo das teorias estruturais de diaacutelogo
Importante se faz esclarecer que essa opccedilatildeo tambeacutem reside em questotildees
didaacuteticas necessaacuterias para a melhor compreensatildeo do trabalho
10 1 Teorias de construccedilatildeo coordenada
Tratam-se de teorias que reconhecem que a identificaccedilatildeo do sentido
constitucional eacute uma tarefa a ser compartilhada entre as diversas esferas do Poder ou seja
natildeo eacute uma tarefa atribuiacuteda unicamente ao Judiciaacuterio Assim o diaacutelogo eacute algo inerente ao
princiacutepio do check and balances natildeo havendo uma uacutenica instacircncia detentora da uacutetlima
palavra
Com isso a base dessas teorias eacute o fato de que da mesma forma que o
Tribunal possui mecanismos de controle dos ramos poliacuteticos por meio da revisatildeo judicial
tambeacutem podem ser colocados controles sobre o Tribunal quando os atores poliacuteticos
estiverem em desacordo com a sua interpretaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo
53
Bateup (2005 p 33) define a teoria da construccedilatildeo coordenada como a
mais antiga concepccedilatildeo de interpretaccedilatildeo constitucional fazendo menccedilatildeo ao pensamento dos
teoacutericos americanos de James Madison e Thomas Jefferson o primeiro por ter reconhecido
que apesar das questotildees de interpretaccedilatildeo constitucional normalmente recaiacuterem sobre o
Judiciaacuterio no curso normal do Governo a Constituiccedilatildeo natildeo lhe atribui qualquer autoridade
especiacutefica perante outros braccedilos do Poder e o segundo por considerar que cada ramo do
Governo deve ser ldquocoordenado e independenterdquo possuindo todos eles responsabilidade pela
interpretaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo
No contexto norte americano um dos primeiros autores a abordar essa
teoria foi Louis Fisher que teve como principal meacuterito demonstrar mediante exemplos da
histoacuteria americana que o processo constitucional eacute mais complexo do que a simples emissatildeo
pela Corte da uacuteltima palavra A uacuteltima palavra segundo essa histoacuteria confirmaria natildeo
pertence a nenhuma instituiccedilatildeo (HUBNER 2009 p 126)
O que haacute de mais caracteriacutestico nessas teorias eacute o fato de os outros
ramos do Poder em especial o Legislativo caso natildeo concordem com a decisatildeo judicial
poderem provocar a Corte reconhecendo assim que a interpretaccedilatildeo constitucional eacute tarefa
que compete a todos os Poderes e natildeo apenas a um ramo em especiacutefico
Vaacuterios autores dentro do cenaacuterio americano passaram a tratar do
assunto inclusive em forma de criacuteticas poreacutem por questotildees didaacuteticas conforme jaacute
mencionado natildeo se limitaraacute a falar especificamente sobre cada um deles52 Todavia destaca-
se a teoria de Barry Friedman a qual Bateup subclassifica como teoria do equiliacutebiro poreacutem
aqui eacute tratada como uma teoria de construccedilatildeo coordenada pelos motivos jaacute acima expostos
A teoria de Friedman merece ser mencionada pois se diferencia das
outras tantas que se encaixam nesta categoria por considerar a importacircncia do papel ativo da
sociedade na deliberaccedilatildeo sobre direitos
Para esse Autor a Constituiccedilatildeo eacute um texto aberto e flexiacutevel que permite
52 Outros importantes nomes dessa teoria satildeo Keith Whittington e Mitchell Pickeril Destaque para a
importacircncia do trabalho deste uacuteltimo que realizou importante pesquisa empiacuterica da realidade americana de
caraacuteter revelador e agregador para a teoria da construccedilatildeo coordenada demonstrando que o diaacutelogo entre os
poderes eacute inerente ao princiacutepio do check and balances americano pelo que sugerimos a consulta PICKERILL
J Mitchell Constitutional Deliberation in Congress the impact of Judicial Review in a Separated System
Duke University Press 2004
54
diversas interpretaccedilotildees sujeitas agrave mudanccedilas constantes Assim a interpretaccedilatildeo constitucional
seria um processo de idas e vindas em que a Corte devolve o tema para a sociedade e
para outros poderes e vice-versa metaforicamente como uma partida de tecircnis na qual os
parceiros rebatem a bola um para o outro53 (FRIEDMAN 1993)
Com isso afasta a ideia de que haacute uma vontade da maioria definida a
ser representada por um dos poderes sugerindo que na realidade essa vontade sofre
constantes mutaccedilotildees54 cabendo aos ramos do Poder no processo de interpretaccedilatildeo
constitucional negociar e definir uma direccedilatildeo em meio ao pluralismo existente na
sociedade55 Reconhece o diaacutelogo institucional como fruto da separaccedilatildeo de poderes
compartilhando dos elementos da teoria da construccedilatildeo coordenada poreacutem acrescenta a eles
a vontade popular
Eacute justamente no aspecto relativo a grande importacircncia que daacute a vontade
popular que reside a principal criacutetica agrave essa teoria pois natildeo oferece alternativa agrave interaccedilatildeo
constitucional estabelecida entre o Judiciaacuterio e os poderes poliacuteticos nas questotildees de menor
importacircncia poliacutetica nas quais o diaacutelogo com toda a sociedade eacute improvaacutevel de ocorrer
(BATEUP 2006 p 69)
Seria impensaacutevel na praacutetica um sistema de jurisdiccedilatildeo constitucional
no qual os Poderes tivessem que recorrer agrave opiniatildeo popular todas as vezes que fossem
realizar a interpretaccedilatildeo de qualquer norma constitucional
Saindo do contexto norte americano outras teorias estruturais do
diaacutelogo emergiram a partir da anaacutelise dos novos modelos de jurisdiccedilatildeo constitucional
adotados por paiacuteses da Commonwealth como jaacute mencionamos no iacutencio deste trabalho Desta
forma optou-se didaticamente por tratar dessas teorias e suas respectivas especificidades no
acircmbito da exposiccedilatildeo dos sistemas e casos em concreto o que se passaraacute a fazer
53 ldquoCourts serve as societyacutes tennis partner always volleying the ball backrdquo (FRIEDMAN 1993 p669)
54 ldquoThe court is free to change its mind The people are free to disagree with the court The court is free to
disagree with the people The members of the courts are free to and usually do disagree with one another As
disagreement occurs the document will take one new meaningsrdquo (FRIEDMAN 1993 p651)
55 ldquoThis process of constitutional interpretation hardly pits the court against the people Rather the court
mediate the views of various people The process is interactive (hellip) Simply put our process of constitutional
interpretation is a dialoguerdquo (FRIEDMAN 1993 p 654)
55
1011 Os mecanismos dialoacutegicos do sistema de revisatildeo judicial
canadense e as teorias de princiacutepios juriacutedicos
Ao adotar formalmente um sistema de judicial review atribuindo ao
Judiciaacuterio a capacidade para solucionar casos concretos de incompatibilidade entre
legislaccedilatildeo e a Carta suscitados por particulares56 o Canadaacute a fim de evitar a consagraccedilatildeo de
um modelo fundado na supremacia judicial ao estilo americano que implicasse na perda do
poder do Parlamento incluiu na sua Carta mecanismos que possibilitassem uma limitaccedilatildeo
do Poder atribuiacutedo ao Judiciaacuterio e ao mesmo tempo preservassem as competecircncias
parlamentares
Esses mecanismos previstos nas Seccedilotildees 33 e 1 da Carta Canadense
consistem respectivamente na ldquoclaacuteusula natildeo obstanterdquo (notwishstanding clause) a qual
possibilita que o Legislativo aplique uma lei mesmo quando esta for contraacuteria ao texto
constitucional e na possibilidade do Legislativo reeditar uma norma que configure e limite
direito consagrado nas seccedilotildees 2 e de 7 a 15 e que jaacute tenha sido objeto de reprovaccedilatildeo pelo
Judiciaacuterio desde que fundada em justificativa razoaacutevel bem como na possibilidade de
configuraccedilatildeo pelo legislativo de direitos e liberdades fundamentais
O estudo realizado por Bushell e Hogg (1997) eacute apontado como um
marco teoacuterico da experiecircncia canadense pois a partir de uma pesquisa de mais de 65 casos
concretos decididos pela Corte canandense desde a Carta de 1982 os autores verificaram
que na grande maioria deles houve em um prazo razoavelmente curto uma resposta
legislativa agrave decisatildeo judicial Diante disso os autores afirmaram que o sistema canadense
propicia a concretizaccedilatildeo de um verdadeiro diaacutelogo entre os Poderes no exerciacutecio da
jurisdiccedilatildeo constitucional
A anaacutelise dos autores a respeito da implementaccedilatildeo da revisatildeo judicial
canadense pela Carta de 1982 eacute bastante otimista pois consideram que ateacute mesmo naqueles
casos em que o legislador aquiesceu agrave decisatildeo proferida pela Corte houve uma reaccedilatildeo
dialoacutegica jaacute que a concordacircncia tambeacutem pode ser fruto de um diaacutelogo
56 ldquoArt 24 (1) Anyone whose rights or freedoms as guaranteed by this Charter have been infringed or denied
may apply to a court of competent jurisdiction to obtain such remedy as the court considers appropriate and
just in the circumstances Art 52 (1) The Constitution of Canada is the supreme law of Canada and any law
that is inconsistent with the provisions of the Constitution is to the extent of the inconsistency of no force or
effectrdquo Canadian Constitutional Act 1982
56
Afirmam que os legisladores canadenses estatildeo engajados na
concretizaccedilatildeo do diaacutelogo com a Corte eis que buscam fundamentar no preacircmbulo das leis
promulgadas tanto das que excedem os limites da Carta como das que substituem as que
foram consideradas inconstitucionais que as mesmas se dirigem a um objetivo ldquourgente e
substancialrdquo e destinam-se a ldquolimitar razoalmenterdquo direitos e liberdades (BUSHELL
HOGG 1997 p 101)
Consideram ainda que mesmo quando apoacutes a anaacutelise judicial a lei natildeo eacute
declarada invaacutelida haacute um diaacutelogo em virtude de tal anaacutelise despertar o debate puacuteblico
chamando a atenccedilatildeo do legislador ao assunto de forma que possa rever possiacuteveis problemas
na lei e eventualmente alteraacute-la Ou seja a decisatildeo judicial natildeo deve ser encarada como um
veto mas como o ponto de partida para uma conversa institucional sobre como conciliar
direitos individuais com obejtivos de poliacuteticas econocircmicas e sociais (BUSHELL HOGG
1997 p 101-105)
Referido estudo teve grande repercussatildeo na doutrina nacional Por um
lado muitos reforccedilaram e concordaram com a ideia dos autores por outro a mesma foi alvo
de intensa criacuteticas sobretudo pela forma abrangente de caracterizaccedilatildeo do diaacutelogo57 O
impacto tambeacutem foi sentido na proacutepria Corte que passou a usar a metaacutefora do diaacutelogo para
justificar suas decisotildees algumas delas bastante controversas conforme se leraacute mais adiante
Portanto a experiecircncia canadense eacute um importante exemplo de aplicaccedilatildeo
das teorias estruturais dialoacutegicas jaacute que traz a previsatildeo expressa de mecanismos
possibilitadores na visatildeo de alguns de um diaacutelogo institucional
Na sistematizaccedilatildeo feita por Bateup as teorias que se referem agrave
experiecircncia canadense satildeo teorias de princiacutepios juriacutedicos Na classificaccedilatildeo da Autora esse
grupo de teorias corresponde agravequelas em que haacute o reconhecimento de que o Judiciaacuterio possui
57 A repercussatildeo literaacuteria do estudo foi tatildeo grande e significativa que apoacutes dez anos da sua publicaccedilatildeo o
mesmo perioacutedico (Osgoode Hall Law Journal) lanccedilou uma ediccedilatildeo comemorativa contendo uma atualizaccedilatildeo
do texto original e outros artigos em resposta ao mesmo Ver HOGG P et al ldquoCharter Dialogue Revisited
ndash Or Much Ado About Metaphorsrdquo HAIGH R e SOBKIN M ldquoDoes the Observer Have an Effect An
Analysis of the Use of the Dialogue Metaphor in Canadarsquos Courtsrdquo HUSCROFT G ldquoConstitutionalism from
the Top Downrdquo MANFREDI C ldquoThe Day the Dialogue Died A Comment on Sauveacute v Canadardquo MATHEN
C ldquoDialogue Theory Judicial Review and Judicial Supremacy A Comment on lsquoCharter Dialogue
Revisitedrsquordquo PETTER A Taking Dialogue Theory Much Too Seriously (or Perhaps Charter Dialogue Isnrsquot
Such a Good Thing After All) ROACH K Sharpening the Dialogue Debate The Next Decade of
Scholarshiprdquo e HOGG P et al ldquoA Reply on lsquoCharter Dialogue Revisitedrdquo
57
uma especial competecircncia institucional voltada para a resoluccedilatildeo de questotildees que envolvem
princiacutepios juriacutedicos cabendo aos poderes poliacuteticos fazer o controle das decisotildees no caso de
erro de interpretaccedilatildeo (BATEUP 2006 p41)
Ainda que essas teorias reconheccedilam uma competecircncia de certo modo
especial ao Judiciaacuterio a qual pode ateacute mesmo ser considerada como caracteriacutestica inerente
ao proacuteprio judicial review tendo em vista que elas tambeacutem preveem a possibilidade de
reaccedilatildeo do legislativo agrave decisatildeo judicial incluindo a possibilidade de correccedilatildeo dessa decisatildeo
entende-se que natildeo se distanciam das teorias de construccedilatildeo coordenada ao ponto de merecer
classificaccedilatildeo diferente
Destaca como primeiro defensor dessa competecircncia especial do
Judiciaacuterio Alexander Bickel que considerou o Judiciaacuterio como detentor de especial
habilidade para preservar proteger e defender princiacutepios devido ao seu isolamento poliacutetico
e por outro lado o Legislativo como melhor indicado para determinar valores sociais
fundamentais pela sua proximidade com as pessoas (BATEUP 2006 p41-42)
Nesse sentido Bushell e Hogg ao tratar da metaacutefora do diaacutelogo na
experiecircncia canadense tambeacutem satildeo partidaacuterios desse entendimento eis que afirmaram
alguns anos e muitas criacuteticas apoacutes o seu primeiro estudo que o legislativo pode e deve
interpretar a Carta mas que natildeo deve agir de forma contraacuteria a interpretaccedilatildeo proferida pela
Corte 58
Kent Roach tambeacutem eacute outro importante autor canadense que defende a
competecircncia especial do Judiciaacuterio para lidar com questotildees de princiacutepios todavia ressalta a
58 ldquoThe key issue in our view is not whether the legislative and executive branches do and should interpret
the Charter (they do and should) but whether they should act on an interpretation of the Charter that conflicts
with an interpretation provided by the courts backdrop of a prior relevant judicial decision the legislature
and the executive may act on their interpretation of the Charter Why Because in doing so they would not be
doing (or refraining from doing) something that the courts have said would unjustifiably infringe the Charter
It would be strange indeed if the legislative or executive branches could not interpret the Charter and act on
that interpretation where a court has not yet considered what the Charter prohibits (or requires) in the
circumstances1 However where the interpretive task takes place against the backdrop of a prior relevant
judicial decision the legislature and the executive may not act on an interpretation of the Charter which
conflicts with an interpretation provided by the courts Why Because in doing so they would be doing (or
refraining from doing) something that the courts have said would unjustifiably infringe the Charter and under
our system of constitutional democracy that is impermissiblerdquo (BUSHEL HOGG 2007 p 33)
58
importacircncia do Parlamento aludindo que a decisatildeo judicial apenas inicia o debate59
Destaca que a atuaccedilatildeo da Corte natildeo impede que o Parlamento prevaleccedila
se este assim quiser mas reforccedila a responsabilidade das suas escolhas poliacuteticas e o induz a
apresentar justificativas razoaacuteveis e aceitaacuteveis para legitimar suas opccedilotildees que venham a
restringir direitos (ROACH 2001)
Portanto em suma as teorias dos princiacutepios juriacutedicos vivenciadas na
experiecircncia canadense satildeo aquelas que defendem a ideia da participaccedilatildeo de todos os poderes
na interpretaccedilatildeo constitucional sendo esta uma tarefa conjunta todavia privilegiam a
interpretaccedilatildeo judicial poreacutem com a possibilidade de reaccedilatildeo legislativa
Bateup acrescenta ainda uma subdivisatildeo dentro dessas teorias tendo em
vista que para alguns autores o diaacutelogo se consubstancia na realizaccedilatildeo do controle das
decisotildees judiciais pelos poderes poliacuteticos no caso da ocorrecircncia de erro de interpretaccedilatildeo e jaacute
para outros - que minimizam o papel do controle poliacutetico sobre o Tribunal - o diaacutelogo surge
por intermeacutedio da articulaccedilatildeo legislativa que emerge como resposta agraves decisotildees judiciais
Essas subdivisotildees se traduzem na praacutetica justamente nos dois
mecanismos dialoacutegicos expressamente adotados pela Carta canadense os quais seratildeo
explicados a seguir
1012 Princiacutepios e articulaccedilatildeo legislativa da poliacutetica ndash seccedilatildeo 1 da
Carta Canadense
As teorias identificadas por Bateup como Teorias de Princiacutepios e
Articulaccedilatildeo Legislativa da Poliacutetica satildeo as que preceituam que a concretizaccedilatildeo do diaacutelogo
ocorre por meio da articulaccedilatildeo legislativa Reconhecem ao Legislativo competecircncia especial
para a elaboraccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas e para conciliar muacuteltiplos objetivos concorrentes na
sociedade pelo que este deve responder agraves decisotildees judiciais respeitando a interpretaccedilatildeo de
princiacutepios feita pelo Tribunal poreacutem com uma visatildeo mais ampla dos objetivos poliacuteticos
(BATEUP p 50-51)
Como exemplo dessa teoria pode-se indicar a Seccedilatildeo 1 da Carta
59 Para maior clareza e detalhes desse entendimento ver as seguintes obras do referido autor ldquoThe Supreme
Court on Trial Judicial Ativism or Democratic Dialogue 2001rdquo e ldquoConstitutional and Common Law
Dialogues Between Supreme Court and Canadian Legislatures2001rdquo
59
Canadense60 a qual atribui ao Legislativo a possibilidade de relativizaccedilatildeo por meio de lei
de direitos e garantias desde que seja razoaacutevel e ldquojustificada de forma demonstraacutevel em uma
sociedade livre e democraacuteticardquo61
O objetivo central para a criaccedilatildeo desta norma era garantir que o
Legislativo continuasse a ter flexibilidade de escolha quando da aprovaccedilatildeo de poliacuteticas que
eventualmente fossem conflitantes com os novos direitos fundamentais que passaram a ser
resguardados pela Carta (HIEBERT 1990)
Todavia apesar de a claacuteusula ser direcionada ao Legislativo a avaliaccedilatildeo
das questotildees que envolvem a sua aplicabilidade como a verificaccedilatildeo da legalidade e da
legitimidade62 acaba por ser feita pelo Judiciaacuterio a quem compete analisar as
incompatibilidades entre as leis e os direitos e liberdades assegurados pela Carta
Dessa forma a aplicaccedilatildeo da Seccedilatildeo 1 da Carta revelou-se de certa forma
engenhosa pois ao mesmo tempo em que confere maior liberdade ao legislador
caracteriacutestica de um weak judicial review a verificaccedilatildeo da razoabilidade da sua escolha eacute
feito pelo Judiciaacuterio Sendo assim ainda que a claacuteusula seja dirigida ao Legislativo as
implicaccedilotildees da sua aplicaccedilatildeo chamaram muita atenccedilatildeo no acircmbito da atuaccedilatildeo judicial
Nesse sentido Elliot (1987 p 279) aponta que a Seccedilatildeo 1 tornou-se de
fato a principal disposiccedilatildeo da Carta e a maneira como a Corte tem lidado com ela diz muito
a respeito natildeo apenas do impacto que a Carta pode ter sobre os outros poderes mas tambeacutem
sobre a proacutepria Corte e como ela percebe seu papel sob a Carta
Os principais estudos realizados para analisar o comportamento da Corte
quando da avaliaccedilatildeo da aplicaccedilatildeo da Seccedilatildeo 1 pelo Legislativo revelaram que natildeo haacute uma
conduta uniforme podendo a Corte tanto ter uma conduta mais ativista quanto mais
deferente agraves opccedilotildees legislativas
Estudiosos classificam e dividem a atuaccedilatildeo da Corte em trecircs momentos
60 Para entender o histoacuterico evolutivo de criaccedilatildeo da referida claacuteusula ver HIEBERT Janet The Evolution of
Limitation Clause 28 Osgoode Hall L J 103 1990
61 ldquo1The Canadian Charter of Rights and Freedoms guarantees the rights and freedoms set out in it subject
only to such reasonable limits prescribed by law as can be demonstrably justified in a free and democratic
societyrdquo Canadian Constitution Act 1982
62 Sobre a verificaccedilatildeo da legalidade e legitimidade ver HIEBERT J L Limiting Rights The Dilemma of
Judicial Review p 137-146
60
o primeiro relativo aos primeiros anos de vigecircncia da Carta o segundo referente a fase
iniciada com o julgamento do caso R v Oakes e o terceiro relativo aos desenvolvimentos
mais atuais
Nos primeiros anos em que vigorou a Carta canadense percebeu-se que
a conduta da Corte no tocante a aplicaccedilatildeo da Seccedilatildeo 1 foi bastante abrangente buscando
afirmar o seu papel de guardiatilde de direitos e liberdades bem como garantir a maacutexima eficaacutecia
dos mesmos Assim pode-se dizer que nos primeiros anos a Corte adotou uma postura
ativista (ELLIOT 1987) 63
Apesar da postura ativista a Corte logo nos primeiros anos natildeo realizava
de fato a anaacutelise da razoabilidade das medidas legislativas restritivas de direito sob seu
escrutiacutenio tentando natildeo enfrentar questotildees de cunho poliacutetico limitava-se a dizer que a
restriccedilatildeo de direitos poderia significar indiretamente a intenccedilatildeo do legislador de reformar a
Carta o que natildeo podia ser admitido (ELLIOT 1987)
A adoccedilatildeo desse tipo de postura pela Corte pode ser percebida no
julgamento do caso Ag Quebec v Quebec Association of Protestant Schools Boards64
ocorrido no ano de 1984 dois anos apenas apoacutes a aprovaccedilatildeo da Carta quando foi discutida
e declarada a incompatibilidade do da Seccedilatildeo 73 da Carta de Quebec da Liacutengua Francesa
(Quebec Charter of the French Language ou Bill 101) com a seccedilatildeo 23 da Carta Canadense
de Direitos e Liberdades 65
Em suma o que dispunha o Bill 101 era uma restriccedilatildeo ao direito de acesso
das crianccedilas a escolas puacuteblicas de Liacutengua Inglesa com exceccedilatildeo das crianccedilas cujo pai ou matildee
tivesse estudado em escolas tambeacutem de Liacutengua Inglesa dos filhos de imigrantes que jaacute
vivessem na proviacutencia anteriormente agrave aprovaccedilatildeo da lei e que tivessem sido educados em
Inglecircs ou cuja educaccedilatildeo tenha sido em uma liacutengua pouco falada naquele local ou aquelas
63 No mesmo sentido ldquoIn its initial judgments under the Canadian Charter of Rights and Freedoms the
Supreme Court of Canada respected the postwar structure of rights protection embedded in its first provision
and began to work out the requisite rules of interpretation legal presumptions and conceptions of institutional
roles Central to thislegal analysis was the Courtrsquos understanding that its responsibility was to secure the
rights guarantees as supreme law and to ensure that the limitation function enjoyed normative continuitywith
the rightsrdquo (WEINRIB 2002 p 122)
64 AG (Que) v Quebec Protestant School Boards [1984] 2 SCR Iacutentegra da decisatildeo disponiacutevel em lt
httpsscc-csclexumcomscc-cscscc-cscenitem26indexdogt
65 Nesse mesmo sentido ver tambeacutem a outros casos como Hunter v Southam Inc Re Singh and Ministered of
Employment and Imigration R v Big M Drug Mart Ltd
61
crianccedilas que tivessem irmatildeo jaacute matriculado na mesma escola
Entendeu a Corte portanto que essa norma visava modificar a
disposiccedilatildeo contida na Carta Canadense a qual dispunha expressamente sobre a garantia da
educaccedilatildeo puacuteblica em inglecircs ou francecircs aos filhos de cidadatildeos cuja primeira liacutengua que
tenham recebido na educaccedilatildeo primaacuteria seja uma liacutengua minoritaacuteria naquele local natildeo se
prestando a analisar a razoabilidade da limitaccedilatildeo de direitos alegada pela Proviacutencia de
Quebec66
Dessa forma o que se percebe eacute que a Corte sequer chegou a analisar a
razoabilidade da medida e as provaacuteveis justificativas do legislador limitando-se a declarar a
incompatibilidade da lei sem tentar sequer interpretaacute-la de acordo com a Carta
A segunda fase de acordo com divisatildeo feita por Elliot foi inaugurada
com o famoso julgamento do caso R v Oakes67 em 1986 quando foi introduzida pela
primeira vez uma regra para a verificaccedilatildeo da razoabilidade da restriccedilatildeo imposta pela medida
legislativa a luz da Seccedilatildeo 1 da Carta Canadense
A Corte passou entatildeo a utilizar o que ficou conhecido como ldquoteste de
Oakesrdquo para verificar se a medida legislativa constitui uma restriccedilatildeo a direitos razoaacutevel e
comprovadamente justificaacutevel em uma sociedade livre e democraacutetica o qual consiste
basicamente no estabelecimento de um padratildeo de prova apoiado em severos criteacuterios de
verificaccedilatildeo da legitimidade racionalidade necessidade e proporcionalidade da restriccedilatildeo
(TREMBLAY WEBBER 2008 p 2)68
66 ldquoThe limits imposed by s 73 are not legitimate limits within the meaning of s 1 of the Charter to the extent
that the latter section applies to rights conferred by s 23 In view of the period when the Charter was enacted
and especially in light of the wording of s 23 which repeats the unique set of criteria contained in s 73 of Bill
101 it is apparent that Chapter VIII seemed to the framers as an archetype of the regimes needing reform
Accordingly the limits which Bill 101 imposes on rights relating to the language of instruction cannot possibly
have been regarded by the framers of the Constitution as coming within ldquosuch reasonable limits prescribed by
law as can be demonstrably justified in a free and democratic societyrdquo Even if enacted after the Charter the
s 73 limits could not be legitimized by s 1 of the Charter Section 73 redefines for Quebec the classes of
persons who are entitled to instruction in the minority language and has the effect of creating an exception to
s 23 and of amending the Charter Whatever their scope the limits which s 1 allows cannot be equated with
exceptions to the rights and freedoms guaranteed by the Charter and may not be treated as amendments to the
Charterrdquo (AG (Que) v Quebec Protestant School Boards 1984 p 67-68)
67 O caso teve por objeto a anaacutelise de incompatibilidade entre a seccedilatildeo 8 do Narcotic Control Act que atribuia
o ocircnus ao cidadatildeo preso por porte de droga de prova que a mesma natildeo se destinava ao traacutefico e a seccedilatildeo 11(d)
da Carta que dispotildee sobre o princiacutepio da presunccedilatildeo de inocecircncia R v Oakes [1986] 1 SCR 103 inteiro teor
da decisatildeo disponiacutevel emhttpsscc-csclexumcomscc-cscscc-cscenitem117indexdo
68 Para uma comparaccedilatildeo entre o teste de Oakes e a aplicaccedilatildeo do princiacutepio da proporcionalidade ver GRIMM
Dieter Porportionality in Canada and German Constitutional Jurisprudence University of Toronto Journal
62
Inicialmente a introduccedilatildeo do ldquoteste de Oakesrdquo parecia ter resolvido as
questotildees e duacutevidas relativas a aplicaccedilatildeo da Seccedilatildeo 1 da Carta Todavia a praacutetica mostrou
rapidamente que o teste natildeo resolvera todas as questotildees os julgamentos que se seguiram
demonstraram ainda existir um forte desacordo entre os membros da Corte sobre a aplicaccedilatildeo
da claacuteusula bem como dificuldades inerentes ao proacuteprio teste (ELLIOT 1986)
A aplicaccedilatildeo do teste por acabar induzindo uma postura mais ativista da
Corte e limitando a margem de atuaccedilatildeo do legislador foi muito discutida doutrinariamente
e tambeacutem no acircmbito da proacutepria Corte (TREMBLAY WEBBER 2008)69 Alguns membros
passaram a ver os desdobramentos da aplicaccedilatildeo do teste como uma expansatildeo injustificada
do Poder judicial em detrimento dos outros poderes pelo que comeccedilaram entatildeo a defender
a necessidade de uma atuaccedilatildeo mais contida (WEINRIB 2002 p 123)
Diante disso as anaacutelises mais recentes dos estudiosos a respeito da
aplicaccedilatildeo da seccedilatildeo 1 da Carta canadense passaram a demonstrar a adoccedilatildeo de uma conduta
mais deferente da Corte para com as medidas legislativas Neste sentido Dixon (2009) ao
analisar inuacutemeros julgados sugere a existecircncia de uma maior contenccedilatildeo da Corte ao lanccedilar
o que chama de ldquosegundo olharrdquo (second look cases) sobre o caso ou no segundo ldquoroundrdquo
do diaacutelogo
O que se percebe eacute que na praacutetica a aplicaccedilatildeo da Seccedilatildeo acaba sendo mais
problemaacutetica do que a teoria imaginava quando da sua criaccedilatildeo Haacute uma dificuldade latente
em estabelecer os limites de interferecircncia do Judiciaacuterio na liberdade de atuaccedilatildeo do
legislativo jaacute que o mesmo acaba tendo que realizar uma anaacutelise do meacuterito das escolhas
poliacuteticas do Legislativo que justifiquem a restriccedilatildeo ou limitaccedilatildeo de direitos e liberdades
Por outro lado se a Corte adota uma postura mais passiva optando por
natildeo interferir na atuaccedilatildeo legislativa e acatar suas escolhas ou ateacute mesmo deixar de adentrar
na anaacutelise do seu meacuterito aiacute tambeacutem haacute riscos Para Weinrib (2002) a postura deferente da
Corte eacute contraacuteria aos objetivos da Carta ignorando a reconstruccedilatildeo dos papeis institucionais
proposta por ela bem como a hierarquia especial dada aos direitos e liberdades nela
Vol 57 N 2 Spring 2007 pp 383-397 e TAVARES DA SILVA Suzana O tretalema do Controlo Judicial
da Porporcionalidade in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra Vol LXXXVIII Tomo
II 2012 pp 639-677 69 Para uma melhor compreensatildeo acerca da aplicaccedilatildeo do teste de Oakes ver CHOUDHRY Sujit So What is
the Real Legacy of Oakes Two Decades of Proportionally Analysis under the Canadian Charterrsquos Section 1
Supreme Court Law Review Vol 34 N 2d pp 501-525 2006
63
previstos assim defender a contenccedilatildeo da Corte seria ceder a primazia dos direitos e
liberdades agrave Poliacutetica enquanto que os legisladores devem estar preparados para arcar com
as responsabilidades das suas escolhas70
No tocante a utilizaccedilatildeo da Seccedilatildeo 1 da Carta pelo Legislativo Tushnet
(2009) destaca que a mesma tambeacutem se revela na praacutetica de certa forma problemaacutetica O
que a experiecircncia canadense mostrou foi que muitas vezes o legislativo utiliza-se da
prerrogativa concedida pela Carta para reeditar a mesma medida legislativa restritiva de
direitos jaacute apreciada e reprovada pelo Judiciaacuterio sem alteraccedilotildees substantivas apenas por
exemplo incluindo no preacircmbulo da lei justificativas usadas por juiacutezes em votos dissidentes
que aprovaram a medida estrateacutegia que ficou conhecida como ldquoin you face responserdquo
Exemplo claacutessico dessa praacutetica do legislador foi o que ocorreu no caso R
v OrsquoConnor71 onde foi discutida pela Suprema Corte Canadense a possibilidade do acusado
em processo penal de obter acesso agraves informaccedilotildees meacutedicas das viacutetimas
O entendimento que prevaleceu na Corte em uma votaccedilatildeo natildeo unacircnime
foi o de que o reacuteu teria direito ao acesso de registros possivelmente relevantes para a
resoluccedilatildeo do caso e mediante anaacutelise do juiz que deveria fazer um balanccedilo entre o direito
de defesa do acusado e o direito a privacidade das viacutetimas Os votos dissidentes defendiam
a exigecircncia de que para que o acusado tivesse acesso agraves informaccedilotildees meacutedicas das viacutetimas
comprovasse antecipadamente de forma substancial e robusta a imprescindibilidade das
70 ldquoI develop a critique of the deferential approach to judicial review under the Charter First it disregards
the prolonged well-informed and remarkably participatory debate that led to the Charterrsquos adoption
Particularly it disregards its fully and publicly articulated remedial purpose to withdraw certain interests
denominated as constitutional rights and freedoms from the give and take of the ordinary political process
Second it fails to take seriously the written product of that debate The deferential approach in effect creates
a hierarchy of rights lacking any discernible basis in the text and ignores the differentiation between rights
that the text does make It also disregards the carefully chosen terms of the limitation formulation drafted in
publicly televised parliamentary proceedings That text was expressly designed to include the technical legal
language of the postwar instruments in order to deliver the effective regime of rights-protection desired by
Canadians generally and in particular sought by those to whom the previous lack of rights-protection
mattered most Disregard of remedial purposes and text leads to the third failing insensitivity to the Charterrsquos
reconstruction of institutional roles The advocates of deference cede the primacy of guaranteed rights and
freedoms to ordinary politics on the ground that the representative accountable legislatures must take
responsibility for the political choices required In effect the polity reverts to the legislative policy-making role
that the Charter was designed to redesignrdquo (WEINRIB 2002 p 123)
71 R v OrsquoConnor [1995] 4 SCR 411 Iacutentegra da decisatildeo disponiacutevel em httpscc-csclexumcomscc-
cscscc-
cscenitem1323indexdor=AAAAAQAjUiB2LiBP4oCZQ29ubm9yIFsxOTk1XSA0IFMuQy5SLiA0MTE
B
64
informaccedilotildees
O Parlamento canadense respondeu ao julgamento da Corte com a ediccedilatildeo
de uma nova lei que visando resguardar o direito agrave privacidade das viacutetimas
consequentemente restringindo o direito de defesa do reacuteu estabelecia um procedimento mais
riacutegido para que o mesmo tivesse acesso agraves informaccedilotildees para fundamentar a restriccedilatildeo seguiu
os argumentos dos votos dissidentes
Essa lei foi objeto de anaacutelise pela Suprema Corte no caso R v Mills72 no
qual a Corte em total deferecircncia ao entendimento do Legislativo considerou que a limitaccedilatildeo
ao direito de defesa do acusado era legiacutetima modificando seu entendimento anterior mesmo
sem nenhum fato novo para tanto73
Para Kent Roach (2001) a resposta legislativa representou o seu
desacordo com a decisatildeo judicial utilizando-se da loacutegica dos votos dissidentes para impor o
seu entendimento sobre a Corte exemplificando assim o uso da ldquoin your face responserdquo
amparado pela prerrogativa da Seccedilatildeo 1 da Carta
Para alguns essa praacutetica eacute vista como uma forma de diaacutelogo74 todavia
natildeo eacute isenta de criacuteticas como se verificaraacute adiante pois pode acabar significando na praacutetica
mais um retorno ao sistema de supremacia parlamentar do que propriamente um sistema
dialoacutegico
1013 Princiacutepios e controle poliacutetico sobre a corte - aplicaccedilatildeo praacutetica
da seccedilatildeo 33
A previsatildeo contida na Seccedilatildeo 33 da Carta Canadense exemplifica a
segunda subcategoria das teorias de princiacutepios juriacutedicos segundo a qual o diaacutelogo se
consubstancia na realizaccedilatildeo do controle das decisotildees judiciais pelos poderes poliacuteticos no
caso da ocorrecircncia de erro de interpretaccedilatildeo
72 R v Mills 1999] 3 SCR 668 Iacutentegra da decisatildeo disponiacutevel em httpsscc-csclexumcomscc-cscscc-
cscenitem1751indexdo
73 Para uma criacutetica mais aprofundada do caso ver CAMERON Jamie Dialogue and Hierarchy in Charter
Interpretation A comment on R v Mills Alberta Law Review Vol 38 N 4 2001
74 Ver DIXON Rosalind The Supreme Court of Canada Charter Dialogue and Deference U of Chicago
Public Law Working Paper N 284
65
A seccedilatildeo 33 ficou conhecida como notwithstanding clause ou overriding
por permitir ao Parlamento a reediccedilatildeo de um texto legal limitador de direitos consagrados
na Carta nas seccedilotildees 2 e de 7 a 15 mesmo quando jaacute tenha sido objeto de reprovaccedilatildeo pelo
Judiciaacuterio pelo prazo maacuteximo de cinco anos75
A referida claacuteusula do overriding apesar de inovadora e do seu aparente
potencial promissor na reconfiguraccedilatildeo dos papeis institucionais na verdade encontrou pouca
aplicaccedilatildeo concreta sendo poucas vezes invocada pelo legislativo Roach (2001) por
exemplo defende ser preferiacutevel a utilizaccedilatildeo da Seccedilatildeo 1 para reeditar uma norma jaacute reprovada
pelo Judiciaacuterio do que fazer uso da Seccedilatildeo 33 que pode representar uma resposta agressiva
como se o Legislativo estivesse gritando para ganhar um debate
Ao mesmo tempo em que a Seccedilatildeo 33 torna a decisatildeo judicial
ldquoprovisoacuteriardquo podendo ser ultrapassada pelo Legislativo possibilitando assim um suposto
diaacutelogo eacute difiacutecil imaginar na praacutetica essa concretizaccedilatildeo O custo poliacutetico a ser suportado
pelo legislador nessa situaccedilatildeo eacute muito alto e nem sempre o mesmo pode estar disposto a
suportaacute-lo 76
Combater a decisatildeo judicial por meio da imposiccedilatildeo da lei conforme
possibilita a Seccedilatildeo 33 parece natildeo ter sido o caminho escolhido pelo legislador canadense jaacute
que a praacutetica revela o pouco usa da referida claacuteusula em detrimento da Seccedilatildeo 1
Apesar de natildeo ter sido muito utilizada pelo Legislativo em razatildeo do seu
alto custo poliacutetico a Corte em alguns casos utliza-se da possibilidade do legislador derrubar
75 33 (1) Parliament or the legislature of a province may expressly declare in an Act of Parliament or of the
legislature as the case may be that the Act or a provision thereof shall operate notwithstanding a provision
included in section 2 or sections 7 to 15 of this Charter Marginal noteOperation of exception (2) An Act or
a provision of an Act in respect of which a declaration made under this section is in effect shall have such
operation as it would have but for the provision of this Charter referred to in the declaration Marginal
noteFive year limitation (3) A declaration made under subsection (1) shall cease to have effect five years
after it comes into force or on such earlier date as may be specified in the declarationMarginal noteRe-
enactment (4) Parliament or the legislature of a province may re-enact a declaration made under
subsection (1)Marginal noteFive year limitation(5) Subsection (3) applies in respect of a re-enactment
made under subsection (4) Canadian Constitutional Act 1982
76 Eacute justamente o alto custo poliacutetico da utilizaccedilatildeo da Seccedilatildeo 33 que faz com que o legislativo opte por responder
de outra forma agrave decisatildeo judicial no caso de discordacircncia fazendo uso assim da Seccedilatildeo 1 na forma da ldquoin your
face responserdquo conforme falamos no toacutepico anterior Para uma criacutetica mais detalhada do assunto ver
TUSHNET Mark Weak Courts Strong Rights judicial review and social welfare rights in comparative
constitutional law Princeton University 2009 p 45-47
66
a decisatildeo judicial contida na Seccedilatildeo 33 para justificar suas decisotildees sejam elas mais ativistas
ou mais contidas como se percebe no julgamento Vriend v Alberta77
O caso em suma tratava de um professor universitaacuterio Delwin Vriend
que fora demitido apoacutes ter revelado sua opccedilatildeo sexual assumindo ser homossexual
Inconformado Vriend alegando a incompatibilidade da Individual Rights Protection Act
(IRPA) da proviacutencia de Alberta local onde ocorreu a demissatildeo com a Carta canadense
recorreu ao Judiciaacuterio para anular o ato A referida lei trazia em seu texto de forma expressa
os motivos pelos quais era vedada a discriminaccedilatildeo de qualquer cidadatildeo como raccedila cor
sexo cor da pele estado civil crenccedila religiosa dentre outros mas natildeo fazia menccedilatildeo agrave
orientaccedilatildeo sexual motivo pelo qual Vriend alegou a sua incompatibilidade
O caso foi inicialmente apreciado pelo Conselho de Direitos Humanos
de Alberta (Alberta Human Rights Board) que entendeu que a demissatildeo natildeo era nula eis
que a orientaccedilatildeo sexual natildeo era prevista legalmente como motivo de vedaccedilatildeo agrave
discriminaccedilatildeo A Court of Queenacutes Bench (Tribunal Superior equivalente a segunda
instacircncia recursal) de Alberta ao apreciar o recurso do professor considerou nula a
demissatildeo afirmando que embora a orientaccedilatildeo sexual natildeo estivesse expressamente prevista
na IRPA deveria ser considerada como se ali estivesse inserida em funccedilatildeo do princiacutepio da
igualdade assegurado pela Carta
A decisatildeo foi revista e modificada pela Alberta Court of Appeal por
entender que a IRPA lei em anaacutelise no caso era uma norma neutra natildeo se dirigia de maneira
especifica nem a heterossexuais nem a homossexuais e por isso natildeo haveria qualquer
incompatibilidade com a Carta
O caso foi levado a julgamento pela Suprema Corte canadense que
afirmou a incompatibilidade da IRPA com a Carta e ao mesmo tempo que declarou a
incompatibilidade da lei em razatildeo da mesma ser omissa por natildeo incluir a previsatildeo da
proibiccedilatildeo de discriminaccedilatildeo por motivo de orientaccedilatildeo sexual justificou expressamente sua
conduta na metaacutefora do diaacutelogo
A Corte em sua decisatildeo mais especificamente dos paraacutegrafos 134 a 138
invocou a possibilidade de superaccedilatildeo da decisatildeo judicial pelo Legislativo por meio do uso
77 Vriend v Alberta [1998] 1 SCR 493 Iacutentegra da decisatildeo disponiacutevel em httpscc-csclexumcomscc-
cscscc-cscenitem1607indexdo
67
da notwishstanding clause prevista na Seccedilatildeo 33 da Carta afirmando ser um mecanismo
propiciador do diaacutelogo justificando assim a legitimidade democraacutetica da sua decisatildeo e do
exerciacutecio do judicial review
Sendo assim ainda que natildeo tenha sido muito utilizada para o objetivo
inicial a que se propocircs natildeo se pode ignorar o papel da Seccedilatildeo 33 na Carta canadense
principalmente pelo que a sua falta de utilizaccedilatildeo revela78
1014 Criacuteticas as teorias estruturais dos princiacutepios juriacutedicos
Apesar do aparente potencial dialoacutegico das teorias dos princiacutepios
juriacutedicos por possibilitarem por meio de mecanismos especiacuteficos que o Legislativo responda
ou reaja a decisatildeo judicial as mesmas natildeo satildeo isentas de criacuteticas
Assim como as teorias dialoacutegicas fundadas no meacutetodo judicial abordadas
anteriormente as teorias dos princiacutepios juriacutedicos com mecanismo de articulaccedilatildeo legislativa
da poliacutetica traduzidas na praacutetica na Seccedilatildeo 1 da Carta Canadense privilegiam a interpretaccedilatildeo
do Judiciaacuterio em detrimento do posicionamento legislativo o que natildeo resolve o problema da
legitimidade democraacutetica inerente a judicial review (BATEUP 2006)
Como dito as teorias estruturais dos princiacutepios juriacutedicos estabelecem
uma metodologia dialoacutegica que reconhece um papel privilegiado concedido ao Judiciaacuterio
para lidar com questotildees de princiacutepios fundada no seu suposto isolamento poliacutetico que lhe
atribui vantagem como deliberador moral Todavia a praacutetica demonstra que esse pressuposto
isolamento poliacutetico natildeo necessariamente refletiraacute nas decisotildees da Corte
Embora o sistema canadense seja apontado como o marco inicial das
teorias dialoacutegicas o que a experiecircncia revela com a praacutetica da metodologia de diaacutelogo nele
prevista eacute que apesar da possibilidade de resposta legislativa e de uma ainda que apenas
78 Para Hiebert o fato da quase inexistente utilizaccedilatildeo da Seccedilatildeo 33 pelo legislativo revela a relutacircncia do
parlamento canadense em tomar decisotildees que possam por em risco a sua imagem de oacutergatildeo comprometido com
a proteccedilatildeo dos direitos e liberdades assegurados pela Carta por acreditarem que a derrubada de uma decisatildeo
judicial pode acarretar o repuacutedio da populaccedilatildeo Destaca que essa situaccedilatildeo ficou evidente nas eleiccedilotildees federais
de 2014 quando o Governo liberal marcou pontos poliacuteticos preciosos ao criticar veementemente Stephen
Harper liacuteder do partido conservador o qual natildeo descartava o uso da claacuteusula natildeo obstante pois a maioria dos
canadenses interpretam o uso da mesmo como uma violaccedilatildeo aos direitos protegidos na Carta o que expressa
um ceticismo acerca da legitimidade dos desacordos poliacuteticos com as interpretaccedilotildees judiciais apesar de tais
divergecircncias serem constitucionalmente permitidas (HIEBERT 2006 p 20)
68
formal maior liberdade de atuaccedilatildeo parlamentar expressamente conferida pela Seccedilatildeo 1 da
Carta ao fim e ao cabo quem iraacute decidir de fato eacute a Corte jaacute que a ela incumbe a anaacutelise da
proporcionalidade da medida legislativa
A utilizaccedilatildeo pelo Legislativo dos mecanismos normativamente previstos
no sistema canadense como propiciadores de um diaacutelogo com a Corte acarretam um alto
custo poliacutetico Em um primeiro plano pode-se observar que o uso dos mesmos de forma
regular pode acarretar prejuiacutezo ao significado e ateacute mesmo reduzir a importacircncia do
instituto da revisatildeo judicial enviando um claro sinal de que as opiniotildees judiciais muitas
vezes natildeo satildeo dignas de respeito jaacute que podem facilmente ser suplantadas pela iniciativa
parlamentar
Somado a isso tem-se em segundo plano o alto niacutevel de apoio popular
que o sistema judicial recebe que faz com que mesmo que a utilizaccedilatildeo dos meacnismos natildeo
ataque diretamente o Judiciaacuterio como instituiccedilatildeo em si haja uma provaacutevel exigecircncia puacuteblica
do cumprimento das decisotildees judicias em desfavor de mecanismos de overriding pelo
menos em relaccedilatildeo aqueles casos de maior relevacircncia
Esses dois aspectos elevam demasiadamente os custos poliacuteticos da
atuaccedilatildeo legislativa influenciando para que mecanismos como o previsto na Seccedilatildeo 33 que
resultam em uma substituiccedilatildeo de decisatildeo judicial sejam pouco ou quase nada utilizados na
praacutetica (BATEUP 2009 p 566)
Ainda supondo uma hipoteacutetica utilizaccedilatildeo da previsatildeo contida na Seccedilatildeo
33 fundada em um controle das decisotildees judicias pelo Legislativo quando considerar que
houve erro no julgamento feito pelo Judiciaacuterio poderia se assemelhar muito mais a um
modelo de supremacia parlamentar do que um mecanismo propiciador de um diaacutelogo
substancial entre ambos os poderes79
Tushnet (2009) alerta dessa maneira para o fato de que sob o ponto de
vista praacutetico o sistema canadense em muito pouco se difere do modelo tradicional
americano onde haacute uma prevalecircncia das decisotildees judiciais
Alguns criacuteticos tambeacutem apontam para o fato de que a existecircncia formal
da ldquoclaacuteusula natildeo obstanterdquo no sistema pode levar a uma atuaccedilatildeo irresponsaacutevel do Judiciaacuterio
69
que ciente da possibilidade de correccedilatildeo e superaccedilatildeo da sua decisatildeo pelo Poder Legislativo
natildeo se esforccedilaraacute na busca por emanar as melhores decisotildees80
Outro ponto importante de criacutetica o qualeacute fortemente destacado por
Bateup (2006 p49) eacute o fato de essas teorias possuiacuterem uma contradiccedilatildeo intriacutenseca muito
forte ao mesmo tempo que defendem uma competecircncia privilegiada do Judiciaacuterio para lidar
com questotildees de princiacutepios propotildeem que a supervisatildeo poliacutetica eacute necessaacuteria para se proteger
contra a possibilidade de erro judicial
Eacute questionaacutevel a maneira como o legislador chegaraacute a conclusatildeo que o
Judiciaacuterio incorreu em erro jaacute que natildeo haacute nenhuma teoria interpretativa que explicite de
forma objetiva como isso deve ser verificado na praacutetica deixando uma margem de
apreciaccedilatildeo muito ampla e subjetiva parecendo muito mais uma forma de simples superaccedilatildeo
da decisatildeo judicial do que uma efetiva correccedilatildeo
Sendo assim natildeo se vislumbra na praacutetica canadense a efetivaccedilatildeo de um
verdadeiro diaacutelogo sob o ponto de vista material podendo-se aferir apenas a possibilidade
de uma conversaccedilatildeo entre os poderes onde o Judiciaacuterio ldquofalardquo e o Legislativo ldquoescutardquo ou vice-
versa sugerindo mais uma ideia de monoacutelogo do que propriamente de diaacutelogo jaacute que na
realidade natildeo haacute um efetivo debate nem a construccedilatildeo conjunta de uma decisatildeo
Poreacutem apesar das criacuteticas se reconhece a importacircncia da praacutetica
deflagrada pelo sistema canadense que mesmo que apenas formalmente possibilita uma
interaccedilatildeo legislativa no processo de controle de constitucionalidade mediante a utilizaccedilatildeo de
mecanismos criados propriamente para esse fim especiacutefico o que ateacute entatildeo natildeo existia na
jurisdiccedilatildeo constitucional
80 Nesse sentido ver PETTER Andrew Taking Dialogue theory much too seriously (or perhaps charter
dialogue isnrsquot such a good thing after all) Osgoode Law Journal v 45 n1 p147-167 2007 A criacutetica
desenvolvida por Andrew Petter faz parte das que se seguiram apoacutes o estudo desenvolvido por Petter Hogg e
Alisson Bushell Para o Autor a tese dos mesmos eacute desprovida de conteuacutedo normativo e subestima a influecircncia
que as decisotildees judiciais exercem no processo de tomada de decisotildees poliacuteticas e em todos os outros aspectos
da vida poliacuteticas O Autor critica veementemente a metodologia adotada pelos dois autores no tocante a anaacutelise
jurisprudencial que os levou a concluir pela existecircncia do diaacutelogo no sistema canadense dentre outros
importantes aspectos por isso sugerimos a leitura
70
11 As teorias dialoacutegicas da parceira
Agrupam-se nessa categoria de teorias estruturais do diaacutelogo aquelas
que apostam nos mecanismos institucionais como a melhor forma de promoccedilatildeo do diaacutelogo
reconhecem o papel igualmente importante tanto dos atores judiciais como dos natildeo judiciais
no processo de tomada de uma decisatildeo constitucional
De acordo com essas teorias tanto o Judiciaacuterio quanto o Legislativo
devem ter seu papel reforccedilado dentro do processo de interpretaccedilatildeo constitucional sendo
reconhecidas as capacidades e competecircncias especiacuteficas de cada um de modo que repartam
a responsabilidade das decisotildees
Ao contraacuterio das teorias dos princiacutepios juriacutedicos para essas teorias natildeo
haacute um polo privilegiado reconhecem as diferentes competecircncias de cada braccedilo do poder
poreacutem defendem uma atuaccedilatildeo colaborativa entre eles na interpretaccedilatildeo constitucional sem
qualquer hierarquia
Bateup (2006 p 71) destaca as ideias de Janet Hiebert como exponente
dessas teorias eis que a referida Autora ao analisar a experiecircncia Canadense na aplicaccedilatildeo da
Carta de 1982 critica a passividade do Legislativo em face da intervenccedilatildeo judicial em
assuntos de poliacutetica puacuteblica argumentando que a interpretaccedilatildeo constitucional deve ser uma
responsabilidade compartilhada entre os Tribunais e o Parlamento
Hibert (2002) defende uma ldquoabordagem relacionalrdquo mediante a
combinaccedilatildeo entre a perspectiva judicial e legislativa para as interpretaccedilotildees da Carta Alega
que o fato de estarem separados Legislativo e Judiciaacuterio poreacutem interligados dentro da ordem
constitucional faz com quem ambos estejam aptos a se engajar em um diaacutelogo no qual cada
um deve ter certo grau de modeacutestia sobre suas proacuteprias conclusotildees e ouvir o outro a fim de
um aprendizado reciacuteproco e conforme necessaacuterio modificar seu ponto de vista
Nesse sentido criacutetica a teoria dialoacutegica de Bushell e Hogg sobretudo por
atribuiacuterem agrave Corte um papel corretivo incompatiacutevel com a ideia do compartilhamento de
responsabilidade inerente ao diaacutelogo Para a Autora natildeo deve ser atribuiacutedo agrave Corte o papel
de conduzir o diaacutelogo mas sim reconhecidas as capacidades diferentes de cada instituiccedilatildeo
do Poder as quais enxergam os problemas por prismas diferentes
71
Demonstra por meio desse entendimento que o Judiciaacuterio natildeo seria a
instacircncia mais bem posicionada para avaliar a escolha dos meios feita pelo legislador para
alcanccedilar seus objetivos mas sim para fiscalizar a qualidade da deliberaccedilatildeo e o empenho
despendido para fazer o balanceamento entre direitos e seus limites
Essa fiscalizaccedilatildeo acabaria por aumentar a responsabilidade do
Legislativo jaacute que precisaraacute convencer o Judiciaacuterio da necessidade da limitaccedilatildeo imposta e
do seu cuidado e compromisso com a proteccedilatildeo dos direitos81
111 Criacuteticas agrave teoria da parceria
No tocante a legitimidade democraacutetica da revisatildeo judicial das leis pode-
se dizer que essas teorias comparadas as demais ateacute aqui expostas demonstram maior
aptidatildeo para solucionar o problema pois oferecem uma resposta satisfatoacuteria a objeccedilatildeo
contramajoritaacuteria ao natildeo reconhecerem nenhuma posiccedilatildeo superior ao Judiciaacuterio em relaccedilatildeo
aos demais poderes mas sim reforccedilando a ideia de separaccedilatildeo de poderes e funccedilotildees
especiacuteficas sendo estas igualmente importantes no processo de interpretaccedilatildeo constitucional
Do ponto de vista teoacuterico a ideia parece ideal sobretudo por reforccedilar o
princiacutepio da separaccedilatildeo de poderes aumentando a responsabilidade institucional e
respeitando as competecircncias teacutecnicas e especiacuteficas de cada braccedilo do Poder como se idealiza
Todavia a sua dificuldade praacutetica eacute tatildeo evidente que natildeo conseguimos sequer vislumbrar
um exemplo concreto da efetivaccedilatildeo dessa teoria
Apesar disso deve ser considerada e reconhecida a sua importacircncia por
servir como um objetivo a ser alcanccedilado como um ponto de referecircncia que se deve buscar
implementar na praacutetica apesar das latentes dificuldades
Para Bateup essas teorias seriam praticamente perfeitas se comparadas
com as outras para alcanccedilar os objetivos a que as teorias dialoacutegicas se propotildeem poreacutem
pecam por natildeo considerar a necessidade da participaccedilatildeo social no diaacutelogo Diante disso a
Autora propotildee uma outra metodologia que a seu ver seria a ideal a qual passamos a expor
81 ldquoThe extent to wich Parliament will be able to convince the judiciary about the merits of how it believes
Charter conflicts should be resolved may be a direct reflection of the extent of its commitment to careful and
principled judgment To a considerable degree Parliament is likely get the kinds of judicial rulings ir
deservesrdquo (HIEBERT 2002 p 227)
72
12 Fusatildeo dialoacutegica
A metodologia de diaacutelogo ideal proposta por Bateup consiste na fusatildeo
entre os elementos das teorias da parceria e do equiliacutebrio que resultaria na forma mais
promissora do diaacutelogo constitucional por permitir uma compreensatildeo mais abrangente dos
diferentes aspectos institucionais e sociais possibilitando a participaccedilatildeo de diferentes atores
no processo de interpretaccedilatildeo constitucional (BATEUP 2006 p 77)
Na concepccedilatildeo da Autora a fusatildeo dialoacutegica seria o modelo ideal de
diaacutelogo pois por meio dos elementos proacuteprios da teoria da parceria se resolveriam as
controveacutersias acerca da legitimidade democraacutetica do judicial review reforccedilando a
competecircncia e atuaccedilatildeo das instituiccedilotildees aumentando a responsabilidade das mesmas pelas
suas decisotildees e atividades e por outro lado por meio dos elementos das teorias do
equiliacutebrio se promoveria a inclusatildeo da sociedade no debate reconhecendo o papel do
Judiciaacuterio como mediador da discussatildeo sem no entanto atribuir-lhe o poder da palavra final
Como aprimoramento das outras teorias a fusatildeo dialoacutegica propotildee a
noccedilatildeo do papel do Judiciaacuterio como um facilitador do debate na sociedade sobre os principais
temas do constitucionalismo para que mediante dele se alcance um resultado mais
duradouro e aceitaacutevel no seio social
Sendo assim em siacutentese o que Bateup propotildee eacute que a criacutetica inicialmente
feita agrave teoria do equiliacutebrio relativa a existecircncia de problemas constitucionais menos
relevantes em que natildeo seria necessaacuterio - nem recomendaacutevel - a abertura de um debate no
seio social seria superada pela metodologia da teoria da parceria surgindo assim um modelo
mais ldquocorretordquo de diaacutelogo
Sob essa perspetiva a revisatildeo judicial das leis teria como consequecircncia
dois aspectos distintos dentro da sociedade moderna Em primeiro lugar seria um
mecanismo auxiliador na produccedilatildeo de respostas mais duraacuteveis e amplamente aceitaacuteveis em
relaccedilatildeo a questotildees constitucionais que envolvam diaacutelogo com a sociedade como um todo e
em segundo tambeacutem auxiliaria na promoccedilatildeo de uma melhor resoluccedilatildeo institucional de
questotildees constitucionais no acircmbito de casos individuais (BATEUP 2006 p 78)
73
121 Criacuteticas agrave teoria da fusatildeo dialoacutegica
Aqui repetem-se as criacuteticas feitas no toacutepico acima acerca da teoria da
parceria acrescentando-se a essas as atinentes agrave inclusatildeo da participaccedilatildeo da sociedade como
participantes do diaacutelogo
A ideia de Bateup parece sob o ponto de vista da legitimidade
democraacutetica do controle de constitucionalidade ideal para superar todas as desconfianccedilas
pois combina os melhores elementos da teoria da parceria e ainda inclui a participaccedilatildeo
social que nesse vieacutes eacute de fundamental importacircncia
De todas as teorias ateacute aqui expostas parece ser a uacutenica a prever a
concretizaccedilatildeo de um diaacutelogo material facilitando a ocorrecircncia de um verdadeiro debate entre
os participantes do processo de interpretaccedilatildeo constitucional a fim de encontrar um consenso
Todavia as dificuldades residentes na implementaccedilatildeo dessa concepccedilatildeo
teoacuterica na praacutetica satildeo inuacutemeras primeiramente pela limitaccedilatildeo dos provaacuteveis meios para
inclusatildeo da sociedade no debate e depois pelos riscos que essa inclusatildeo pode oferecer
Incluir a sociedade civil em um debate atinente a realizaccedilatildeo de poliacuteticas
puacuteblicas para a efetivaccedilatildeo de direitos fundamentais pode ser extremamente perigoso pois a
pressatildeo social pode levar a tomadas de decisotildees irresponsaacuteveis pelos entes puacuteblicos bem
como pode acabar privilegiando uma ou outra parcela da populaccedilatildeo que esteja ativa no
debate em detrimento de outra Com isso pode haver o favorecimento dos interesses de
grupos minoritaacuterios o que nem sempre pode ser considerado favoraacutevel do ponto de vista
democraacutetico
Neste sentido ainda que a metodologia proposta po Bateup seja
aparentemente a mais promissora para resolver o conflito que ronda a legitimidade
democraacutetica do controle judicial das leis natildeo se pode tomaacute-la como uma verdade absoluta
sendo necessaacuterio criterioso cuidado na sua anaacutelise
13 Os mecanismos estruturais de diaacutelogo no sistema britacircnico e neozelandecircs
Como jaacute se abordou brevemente no iniacutecio do presente trabalho o novo
modelo canadense de revisatildeo judicial das leis por ser uma alternativa agrave tradicional forma de
supremacia judicial acabou por influenciar outros paiacuteses da Commonwealth de tradiccedilatildeo
74
parlamentar justamente pela sua promessa de conciliaccedilatildeo entre a supremacia legislativa e a
revisatildeo judicial no tocante a proteccedilatildeo de direitos fundamentais
Assim inspirados nesse novo modelo de judicial review paiacuteses como o
Reino Unido e Nova Zelacircndia ao reconhecerem a necessidade de uma tutela especial aos
direitos fundamentais adotaram sistemas que tambeacutem possuem mecanismos que propiciam
uma forma ldquofracardquo de revisatildeo judicial
O ponto em comum que ambos os sistemas possuem eacute o fato que o
Judiciaacuterio natildeo deteacutem poder para invalidar a legislaccedilatildeo ou seja permanecem pelo menos em
teoria em um sistema onde a supremacia parlamentar ainda se faz presente Todavia diante
da necessidade de assegurar a eficaacutecia dos direitos fundamentais que passaram a fazer parte
do Bill of Rights acabaram por introduzir em seu sistema alguns mecanismos que mitigaram
essa supremacia condicionando o legislador a observaccedilatildeo de tais direitos
Ambos os sistemas possuem assim a figura do mandado interpretativo
que em suma permite ao Judiciaacuterio o exerciacutecio da revisatildeo das leis ainda que natildeo possa
invalidaacute-las e lhe impotildee a tarefa de no momento que for analisar a legislaccedilatildeo interpretaacute-la
conforme os preceitos do Bill of Rights
Apesar de ser o mesmo mecanismo ele se desdobra na praacutetica de
maneiras diversas em cada paiacutes em face das suas peculiaridades razatildeo pela qual se analisaraacute
ambos os sistemas de forma autocircnoma
131 O mandado interpretativo e a declaraccedilatildeo de incompatibilidade no reino
unido (seccedilatildeo 3 e 4 (2) do human rights act 1998)
Como se sabe o Reino Unido eacute considerado o berccedilo da soberania
parlamentar onde ateacute recentemente cabia a este oacutergatildeo a apreciaccedilatildeo e resoluccedilatildeo de problemas
constitucionais tendo o Judiciaacuterio pouca ou quase nenhuma expressatildeo nesse sentido
O reconhecimento da competecircncia do Judiciaacuterio para a realizaccedilatildeo da
revisatildeo das leis foi um processo gradativo Apoacutes a Revoluccedilatildeo Gloriosa e a promulgaccedilatildeo do
Bill of Rights ambas as Casas do Parlamento inglecircs (House of Common e House of Lords)
75
passaram a deter competecircncia exclusiva para receber e apreciar as peticcedilotildees advindas dos
tribunais inferiores 82
Posteriormente jaacute exercendo a Cacircmara dos Lordes tal funccedilatildeo de modo
exclusivo veio a lume o Appellate Jurisdiction Act (1876) por intermeacutedio do qual foi criada
a figura dos lordes de apelaccedilatildeo (Lords of Appeal in Ordinary ou Law Lords) juiacutezes altamente
qualificados que deveriam se dedicar exclusivamente agraves questotildees judiciais submetidas ao
Parlamento Tais juiacutezes passaram a integrar o que veio a ser denominado Comissatildeo de
Apelaccedilatildeo da Cacircmara dos Lordes (Appellate Committee) e exercendo apenas a funccedilatildeo
jurisdicional deixaram de participar das votaccedilotildees do Parlamento (natildeo obstante tenham
permanecido como membros de tal Poder) (LARANJEIRA 2013)
Nesse contexto na estrutura constitucional inglesa cabia ao Parlamento
natildeo apenas a funccedilatildeo legislativa que lhe eacute inerente mas tambeacutem a atuaccedilatildeo como oacutergatildeo de
cuacutepula judicial Essa concepccedilatildeo era decorrente da inexistecircncia de uma constituiccedilatildeo escrita
formalmente superior as demais normas83 razatildeo pela qual o legislador acabava por ter uma
autonomia ilimitada para editar modificar e anular as leis
O ponto inicial de mudanccedila dessa estrutura foi a adoccedilatildeo do Human
Rights Act 199884 que entrou em vigor em 2 de outubro de 2000 e introduziu no
ordenamento juriacutedico interno os princiacutepios fundamentais jaacute enunciados pela Convenccedilatildeo
Europeia de Direitos do Homem85 A adoccedilatildeo desse documento representou uma mudanccedila
significativa na cultura legal do paiacutes porque as autoridades puacuteblicas passaram a ser
obrigadas a obedecer novas normas antes consideradas apenas no acircmbito internacional e
com isso quaisquer accedilotildees do Governo ou outros organismos puacuteblicos que natildeo cumprissem
82 Para um maior aprofundamento sobre a histoacuteria estrutura e composiccedilatildeo do Parlamento britacircnico ver
LEYLAND Peter The Constituion of the United Kingdom a contextual analysis Oxford 2007 p 81-114
83 Necessaacuterio destacar que embora natildeo exista um documento formal intitulado de Constituiccedilatildeo atribui-se esse
mesmo sentido ao ldquo() conjunto de praacuteticas instituiccedilotildees e remeacutedios processuais que determina a estruturaccedilatildeo
poliacutetica do Estado com o adequado controle e distribuiccedilatildeo do poder aleacutem do apontamento de garantias
fundamentais em favor dos cidadatildeos ()rdquo (CYRINO 2007)
84 Eacute importante esclarecer que antes da adoccedilatildeo do HRA o Reino Unido jaacute havia ratificado a Convenccedilatildeo
Europeia de Direitos do Homem em 1951 o que acarretou severesos conflitos de normas A necessidade de
conciliaccedilatildeo desses conflitos normativos pode ser considerada como um dos motivos que ensejaram a adoccedilatildeo
do HRA
85 A adoccedilatildeo desse documento foi tambeacutem decorrente de importantes conflitos poliacuteticos que acabaram por
enfraquecer a ideia de supremacia parlamentar ateacute entatildeo intocaacutevel sobretudo pelas constriccedilotildees decorrentes da
entrada na Uniatildeo Europeia que obrigou o paiacutes a estabelecer um documento legal de proteccedilatildeo de direitos
fundamentais com status qualificado Nesse sentido ver TUSHNET 2008 p 28
76
com a Convenccedilatildeo passaram a poder serem consideradas como ilegais tambeacutem no acircmbito
interno (LEYLAND 2007)
A partir de entatildeo passou-se a travar debates atinentes a necessidade de
ampliaccedilatildeo de um sistema de revisatildeo judicial das leis a fim de dar eficaacutecia ao documento e
consolidar a sua hierarquia qualificada perante as demais leis86
A mudanccedila do sistema onde ateacute entatildeo o controle das leis era feito por
um oacutergatildeo poliacutetico parte do proacuteprio Parlamento se consolidou com a aprovaccedilatildeo do
Constitution Reform Act em 2005 o qual passou a prever a criaccedilatildeo da Suprema Corte que
foi instalada mais recentemente no ano de 2009 e marcou a consolidaccedilatildeo de um oacutergatildeo
judicial independente do legislativo87
O HRA ao introduzir no odernamento juriacutedico interno os princiacutepios e
direitos previstos na Convenccedilatildeo Europeia na Seccedilatildeo 388 determinou que tanto quanto fosse
possiacutevel a legislaccedilatildeo primaacuteria e a legislaccedilatildeo subordinada devem ser interpretadas visando a
compatibilidade com os preceitos da Convenccedilatildeo
Ou seja o mandado interpretativo consiste na imposiccedilatildeo as Cortes do
dever de se esforccedilarem para interpretar as leis de acordo com o HRA Tambeacutem eacute denominado
por alguns doutrinadores de poder interpretativo (interpretative power) visto que possibilita
86 Sobre o impacto do HRA na cultura britacircnica Gadbaum (2001 p 732) destaca ldquoThere is no doubt that in
the British legal and constitutional context the mere existence of a set of codified constitutes a radical change
in legal and political culture independent of the exact form and legal status that they possess This is because
it replaces the existing conception of civil liberties as residual in nature ndash citizens are free to do whatever
statute common law and delegated legislation do not prohibit them from doing ndash with a primary or affirmative
set of rights that limit what citizens may be prohibited from doing in the first placerdquo
87 Leyland (2007 p 154) esclarece que a Suprema Corte britacircnica natildeo foi criada com o objetivo de ser um
Tribunal constitucional em suas palavras ldquoThe Supreme Court will not be established as a constitutional court
although of course it will have to preside over cases that raise constitutional issues and it will take over from
the Judicial Committee of the Privy Council jurisdiction over lsquodevolution issuesrsquo arising from the Scotland Act
1998 Government of Wales Act 1998 and Northern Ireland Act 1998rdquo
88 Interpretation of legislation (1)So far as it is possible to do so primary legislation and subordinate
legislation must be read and given effect in a way which is compatible with the Convention rights (2)This
sectionmdash (a)applies to primary legislation and subordinate legislation whenever enacted (b)does not affect
the validity continuing operation or enforcement of any incompatible primary legislation and (c)does not
affect the validity continuing operation or enforcement of any incompatible subordinate legislation if
(disregarding any possibility of revocation) primary legislation prevents removal of the incompatibility (HRA
1998)
77
a modificaccedilatildeo do significado das leis inicialmente conferido pelo Palamento a fim de
compatibilizaacute-las com a Convenccedilatildeo89
Todavia quando natildeo for possiacutevel uma interpretaccedilatildeo compatiacutevel a lei
natildeo pode ser invalidada permanecendo em pleno vigor podendo ser aplicada e invocada em
qualquer procedimento legal O que deve existir nesses casos eacute a emissatildeo de uma declaraccedilatildeo
de incompatibilidade onde a Corte pronunciaraacute o seu entendimento mas este natildeo teraacute
nenhum efeito direto ou concreto sobre a validade da norma90
A manifestaccedilatildeo do Judiciaacuterio por meio da declaraccedilatildeo de
incompatibilidade apesar de natildeo acarretar a nulidade da lei ao tornar puacuteblico o conflito da
mesma com os direitos assegurados pelo HRA gera um inegaacutevel constrangimento poliacutetico
Poreacutem o Parlamento continua a ser soberano eis que eacute ele que decide se a norma ainda que
declaradamente incompatiacutevel continuaraacute vigente como antes (CYRINO 2007)
Tendo em vista o constrangimento poliacutetico causado pela declaraccedilatildeo de
incompatibilidade alguns autores defendem ser esse um mecanismo propulsor de uma
resposta do Parlamento agraves decisotildees da Corte de forma a alterar a lei para eliminar a
incompatibilidade apontada pelas Cortes bem como de uma maior responsabilidade para
com a observacircncia dos direitos do HRA quando da formulaccedilatildeo das leis a fim de evitar uma
futura incompatibilidade
Um reconhecido e importante exemplo dessa praacutetica ocorreu no
julgamento do caso A and Others v Secretary of State for the Home Departament91 onde o
Governo britacircnico foi acusado de minar direitos individuais por meio da criaccedilatildeo da lei Anti
terrorismo crime e seguranccedilas de 2001 por permitir a detenccedilatildeo por tempo indeterminado
de estrangeiros suspeitos da praacutetica de terrorismo
89 ldquoThis section confers an interpretative power which allows the courts to consider legislation and transform
it by stretching its meaning where it is possible to do so in order to achieve Convention compatibilityThis
marks a significant shift of power from Parliament to judges since the courts are able to rewrite sections of
Acts by reading into them words that are not there and by doing so remove potential conflicts with the
Conventionrdquo (LEYLAND 2007 p 171)
90 4 (2) If the court is satisfied that the provision is incompatible with a Convention right it may make a
declaration of that incompatibility (HRA 1998)
91 A and Others v Secretary of State for the Home Departament (2004) UKHL Iacutentegra disponiacutevel em
httpwwwpublicationsparliamentukpald200405ldjudgmtjd041216aampoth-1htm
78
Nesse caso um grupo de suspeitos que estava detido em Belmarsh haacute
trecircs anos suscitou o conflito da lei com os direitos e garantias assegurados no HRA O
Comitecirc Judicial da Cacircmara dos Lordes emitiu uma declaraccedilatildeo de incompatibilidade da
referida legislaccedilatildeo poreacutem como a mesma natildeo provoca a nulidade os suspeitos continuaram
detidos Contudo a condenaccedilatildeo da legislaccedilatildeo ocasionou uma resposta do Governo
A declaraccedilatildeo de incompatibilidade acabou persuadindo o Governo a
editar uma nova lei utilizando uma outra abordagem para controlar os suspeitos de
terrorismo de forma a superar a incompatibilidade verificada e dessa maneira foi editada a
lei de Anti Terrorismo de 2005 (Prevention of Terrorism Act 2005)
Nesse sentido a declaraccedilatildeo de incompatibilidade pode ser lida sob a
oacutetica das teorias dialoacutegicas92 eis que quase sempre que for emitida ensejaraacute uma resposta do
Governo ou do Parlamento no sentido de modificar a lei para eliminar a incompatibilidade
diante de uma provaacutevel pressatildeo puacuteblica intensa nesse sentido e pelo proacuteprio interesse puacuteblico
em fazecirc-lo
Ademais o Governo e o Parlamento dificilmente iratildeo ignorar o conflito
revelado entre a legislaccedilatildeo e o HRA tambeacutem considerando que a viacutetima da violaccedilatildeo manteacutem
o direito de recorrer ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem alegando uma violaccedilatildeo a
Convenccedilatildeo Europeacuteia pelas normas internas (DEBELJAK 2002 p317)
Sob essa perspectiva a declaraccedilatildeo de incompatibilidade seria um
instrumento ideal para possibilitar um diaacutelogo entre o Judiciaacuterio e o Parlamento na tarefa da
interpretaccedilatildeo e execuccedilatildeo dos direitos fundamentais O HRA confere uma voz formal ao
Judiciaacuterio a qual pode ser colocada em praacutetica mediante a utilizaccedilatildeo deste instrumento com
o objetivo de envolver o legislativo no debate (SCHYFF 2010 p 188)
Complementando essa ideia Seccedilatildeo 1093 do HRA prevecirc mecanismos
que possibilitam uma alteraccedilatildeo da legislaccedilatildeo de forma mais raacutepida que pelo procedimento
92 ldquoThe notion of declarations of incompatibility is congruent with the principle of democratic inclusion The
deliberative process continues via an inter-institutional dialogue ensuring that no arm of government has a
monopoly on the final resolution of the defining commitments of society (hellip) According to the Human Rights
White Paper (UK) a judicial declaration of incompatibility is part of an inter-institutional dialogue A
declaration of incompatibility lsquowill almost certainly prompt the Government and parliament to change the lawrsquo
and lsquothe Government would have to consider and in most cases would consider the position pretty rapidlyrdquo
(DEBELJAK 2002p317)
93 ldquoSection 10 (Power to take remedial action) (1)This section applies ifmdash (a) a provision of legislation has
been declared under section 4 to be incompatible with a Convention right and if an appeal liesmdash (i)all persons
79
comum denominados remedial actions A Seccedilatildeo 1994 ainda estabelece uma forma de
controle preacutevio da legislaccedilatildeo a ser realizado pelo Ministro
Em razatildeo disso o sistema de revisatildeo judicial das leis instituiacutedo no Reino
Unido vem sendo apontado por alguns doutrinadores como um sistema dialoacutegico Contudo
por oacutebvio haacute objeccedilotildees conforme se passaraacute a demonstrar
1311 Criacuteticas agrave experiecircncia britacircnica
Apesar de ainda ser muito cedo para proferir um pronunciamento firme
sobre a nova praacutetica implementada no Reino Unido pelo HRA (HIEBERT 2006) jaacute se
consegue vislumbrar na doutrina algumas criacuteticas valiosas a seu respeito
Em suma as duacutevidas sobre a sustentabilidade deste modelo residem na
imprevisibilidade do comportamento poliacutetico que ao mesmo tempo pode favorecer um
recuo ao antigo modelo da soberania parlamentar como pode tambeacutem acabar se
aproximando ao tradicional modelo norte-americano onde haacute uma evidente supremacia
judicial
who may appeal have stated in writing that they do not intend to do so (ii)the time for bringing an appeal has
expired and no appeal has been brought within that time or (iii)an appeal brought within that time has been
determined or abandoned or (b) it appears to a Minister of the Crown or Her Majesty in Council that having
regard to a finding of the European Court of Human Rights made after the coming into force of this section in
proceedings against the United Kingdom a provision of legislation is incompatible with an obligation of the
United Kingdom arising from the Convention (2)If a Minister of the Crown considers that there are compelling
reasons for proceeding under this section he may by order make such amendments to the legislation as he
considers necessary to remove the incompatibility (3)If in the case of subordinate legislation a Minister of
the Crown considersmdash (a) that it is necessary to amend the primary legislation under which the subordinate
legislation in question was made in order to enable the incompatibility to be removed and (b)that there are
compelling reasons for proceeding under this section he may by order make such amendments to the primary
legislation as he considers necessary (4)This section also applies where the provision in question is in
subordinate legislation and has been quashed or declared invalid by reason of incompatibility with a
Convention right and the Minister proposes to proceed under paragraph 2(b) of Schedule 2 (5)If the legislation
is an Order in Council the power conferred by subsection (2) or (3) is exercisable by Her Majesty in Council
(6)In this section ldquolegislationrdquo does not include a Measure of the Church Assembly or of the General Synod
of the Church of England (7)Schedule 2 makes further provision about remedial ordersrdquo Human Rights Act
1998
94 ldquoSection 19 (Statements of compatibility) (1)A Minister of the Crown in charge of a Bill in either House of
Parliament must before Second Reading of the Billmdash (a) make a statement to the effect that in his view the
provisions of the Bill are compatible with the Convention rights (ldquoa statement of compatibilityrdquo) or (b)make
a statement to the effect that although he is unable to make a statement of compatibility the government
nevertheless wishes the House to proceed with the Bill (2)The statement must be in writing and be published
in such manner as the Minister making it considers appropriaterdquo Human Rights Act 1998
80
Neste sentido as criacuteticas se assemelham agraves crtiacuteticas jaacute disparadas contra
o sistema canadense95 o que nos conduz a percepccedilatildeo de que talvez seja uma caracteriacutestica
comum a todos os modelos concluindo que por melhor e mais elaborado que seja o sistema
de revisatildeo judicial das leis sua concretizaccedilatildeo sofreraacute dificuldades por questotildees de cunho
subjetivo tendo a cultura local de cada paiacutes grande influecircncia nessa praacutetica
Ou seja o grau de comprometimento de cada braccedilo do Poder seja com
a busca pela efetivaccedilatildeo de direitos ou com a preservaccedilatildeo da soberania parlamentar iraacute
influenciar diretamente na forma de utilizaccedilatildeo dos mecanismos dialoacutegicos colocados a
disposiccedilatildeo
Eacute importante notar que o HRA ao mesmo tempo que preserva a
supremacia da legislaccedilatildeo jaacute que a mesma natildeo pode ser invalidada por outro oacutergatildeo que natildeo
o proacuteprio Parlamento acaba por conferir um papel de destaque ao Judiciaacuterio no processo de
interpretaccedilatildeo e efetivaccedilatildeo dos direitos fundamentais
A Seccedilatildeo 3 ao instituir o mandado interpretativo atribui grande
influecircncia ao entendimento do Judicaacuterio na definiccedilatildeo do sentido das leis ao passo que a
declaraccedilatildeo de incompatibilidade apesar do seu potencial dialoacutegico demonstrado acima na
praacutetica tambeacutem faz com que prevaleccedila esse entendimento jaacute que a tendecircncia eacute que os outros
oacutergatildeos sigam a interpretaccedilatildeo judicial no sentido de modificar a lei garantindo a preservaccedilatildeo
dos direitos fudamentais assegurados pelo HRA e pela CEDH (DEBELJAK 2002)
Hiebert (2004 p 1983) ao tratar da experiecircncia britacircnica chama a
atenccedilatildeo para o fato de que apesar da clara intenccedilatildeo dos proponentes do HRA de manter o
princiacutepio da soberania parlamentar natildeo houve muita discussatildeo sobre como esse princiacutepio
iria se relacionar com os julgamentos do Judiciaacuterio sobre direitos
Revela que as pesquisas realizadas por meio da anaacutelise de debates
parlamentares deliberaccedilotildees poliacuteticas e comentaacuterios acadecircmicos sobre o assunto
demonstram pouca consideraccedilatildeo dos criteacuterios condiccedilotildees e circunstacircncias em que o Governo
deve explicitamente discordar das interpretaccedilotildees do HRA feitas pelo Judiciaacuterio
O que se percebe da anaacutelise do sistema de revisatildeo judicial das leis
desenvolvido pelo Reino Unido eacute que muito embora o Judiciaacuterio natildeo detenha a uacuteltima
95 Ver toacutepico 1014
81
palavra natildeo podendo invalidar a legislaccedilatildeo o mandado interpretativo lhe confere um poder
de interpretaccedilatildeo muito amplo podendo mudar o sentido da lei inicialmente conferido pelo
legislador o que pode contribuir para uma forma de supremacia judicial
Aleacutem do que o amplo uso do mesmo pode acabar levando os juiacutezes a
natildeo exprimirem as suas verdadeiras opiniotildees sobre a legislaccedilatildeo camuflando assim uma falsa
compatibilidade o que natildeo eacute desejaacutevel sob o ponto de vista constitucional sobretudo quando
se busca uma efetiva proteccedilatildeo de direitos
Neste sentido seria preferiacutevel que o mandado interpretativo fosse visto
apenas como uma diretriz uma tentativa e natildeo uma obrigaccedilatildeo e que os juiacutezes procurassem
usar em todas as vezes que entederem que uma legislaccedilatildeo natildeo eacute compatiacutevel com a
declaraccedilatildeo de direitos seu poder de declaraccedilatildeo Entretanto natildeo haacute como determinar que o
Judiciaacuterio aja dessa forma pelo que a declaraccedilatildeo de incompatibilidade pode ser utilizada
frequentemente ou como uma medida de uacuteltimo recurso
Os teoacutericos que acreditam na possiacutevel existecircncia de um diaacutelogo no
sistema britacircnico tendem a considerar que o uso frequumlente da Seccedilatildeo 3 pelas Cortes ou seja
o amplo exerciacutecio do poder interpretativo sob o ponto de vista democraacutetico eacute menos
desejaacutevel do que a emissatildeo de declaraccedilotildees de incompatibilidade pois ele daacute ao Judiciaacuterio a
uacuteltima palavra ao menos que seja ou ateacute que seja revista pelo Parlamento (BATEUP 2009
p 547)
Diante do exposto percebe-se que a materializaccedilatildeo de um diaacutelogo na
forma esperada dentro do sistema britacircnico iraacute depender efetivamente do comportamento do
Judiciaacuterio por meio das suas escolhas jaacute que pode optar por exercer o mandado interpretativo
a qualquer custo mudando fundamentalmente o sentido da legilaccedilatildeo bem como pode optar
pela emissatildeo da declaraccedilatildeo de incompatibilidade deixando espaccedilo para a atuaccedilatildeo
Parlamentar no sentido de superar a deficiecircncia da lei Ou seja mais uma vez revela-se na
praacutetica dialoacutegica a importacircncia das escolhas feitas pelas instituiccedilotildees no momento da sua
atuaccedilatildeo
Ademais eacute duvidoso se pode-se afirmar que na melhor das hipoacuteteses
quando o Judiciaacuterio declara uma lei incompatiacutevel e o Parlamento responde a essa declaraccedilatildeo
haacute um diaacutelogo do ponto de vista material eis que natildeo se verifica a interaccedilatildeo entre os Poderes
82
no momento da tomada de decisatildeo o compartilhamento de suas visotildees para a construccedilatildeo do
sentido constitucional
O que haacute eacute mais uma atuaccedilatildeo singular de cada um O Judiciaacuterio tendo
que interpretar a legislaccedilatildeo de acordo com o HRA sem poder invalidaacute-la e o Legislativo
tendo que responder a essa interpretaccedilatildeo quando a mesma for contraacuteria aquela por ele
realizada inicialmente seja no sentido de modificar a legislaccedilatildeo superando a
incompatibilidade apontada pelo Judiciaacuterio ou fazer prevalecer o seu entendimento se assim
achar correto
Todavia ainda que recente a praacutetica tem demonstrado que na quase
totalidade dos casos em que houve uma resposta do Parlamento a uma declaraccedilatildeo de
incompatibilidade a mesma foi no sentido de acolher a opiniatildeo judicial para modificar a lei96
o que demonstra uma tendecircncia desse sistema em acolher a decisatildeo judicial ainda que a
mesma natildeo tenha formalmente o poder de invalidar a lei
132 O mandado interpretativo na experiecircncia neozelandesa
A Nova Zelacircndia assim como o Reino Unido tambeacutem possui um
constitucionalismo de tradiccedilatildeo parlamentar A adoccedilatildeo de um documento formal que visasse
agrave proteccedilatildeo de direitos fundamentais soacute ocorreu em 1990 com a aprovaccedilatildeo do New Zeland
Bill of Rights Act (NZBORA)
A principal caracteriacutestica que difere o sistema Neozelacircndes dos demais
eacute o fato de que o NZBORA natildeo possui uma hierarquia superior as demais leis ordinaacuterias do
paiacutes ou seja eacute um diploma desprovido de qualquer supremacia ou rigidez dentro do
ordenamento juriacutedico Essa caracteriacutestica faz com que o mesmo pelo menos teoricamente
possa ser revogado integralmente ou em parte por qualquer maioria legislativa posterior
(TUSHNET 2009 p 25)
96 ldquoGreater doubts about the behavioral assumptions underpinning weak-form dialogue theory emerge when
we consider the responses that responses that these declarations have elicited from the political branches of
government If Parliament were responding in the manner advocated by weak-form dialogue theorist we would
expect to see disagreement with judicial declarations being regularly expressed or at the very least on
occasion Contrary to these expectations however the British Parliament has almost universally responded
to judicial declarations of incompatibility by amending or repealing the relevant primary legislation in
accordance with the courtrsquos rulingrdquo (BATEUP 2009 p 549)
83
Aleacutem de possuir status de lei ordinaacuteria o NZBORA exclui
expressamente a possibilidade de anulaccedilatildeo das leis pelo Judiciaacuterio97 e determina que este
sempre que for interpretar qualquer dispositivo legal o faccedila em conformidade com o Bill of
Rights98 As seccedilotildees 4 a 7 trazem provisotildees que evitam o engajamento do Judiciaacuterio em uma
revisatildeo substantiva dos atos do Parlamento ratificando a supremacia parlamentar como um
princiacutepio constitucional da Nova Zelacircndia (HIEBERT KELLY 2015 p 62)
Ao contraacuterio do que ocorre no modelo britacircnico na Nova Zelacircndia o
Judiciaacuterio natildeo pode emitir qualquer declaraccedilatildeo de incompatibilidade o que para alguns
doutrinadores afasta a caracterizaccedilatildeo desse sistema como um judicial review jaacute outros o
caracterizam como um sistema ldquosuper fracordquo de revisatildeo judicial
Diante disso parece inicialmente que o NZBORA natildeo possui entatildeo
qualquer influecircncia importante dentro do ordenamento juriacutedico daquele paiacutes entretanto ao
contraacuterio do que parece o mesmo foi responsaacutevel por profundas mudanccedilas na legislaccedilatildeo
interna justamente por funcionar como um documento interpretativo geral servindo de
diretriz para a atuaccedilatildeo do legislativo
Neste sentido Gardbaum (2001 p 728) ensina que embora o NZBORA
possua um status juriacutedico de um estatuto legal comum eacute um documento geral que determina
como deve ser dado o sentido a todas as outras leis ordinaacuterias natildeo por meio da disposiccedilatildeo de
um conjunto de regras interpretativas mas sim pela enunciaccedilatildeo de direitos substantivos
Assim o NZBORA protege os direitos nele contidos por meio do dever
de interpretaccedilatildeo que coloca sobre os tribunais nos termos da Seccedilatildeo 6 e pelo consequente
custo poliacutetico que impotildee ao legislador de a adotar uma medida que viole claramente um
direito protegido ou que natildeo possa ser lida como consistente com ele (GARDBAUM 2001
p 729)
97 ldquoSection 4 (Other enactments not affected) No court shall in relation to any enactment (whether passed or
made before or after the commencement of this Bill of Rights)mdash (a)hold any provision of the enactment to be
impliedly repealed or revoked or to be in any way invalid or ineffective or (b)decline to apply any provision
of the enactmentmdash by reason only that the provision is inconsistent with any provision of this Bill of Rightsrdquo
New Zeland Bill of Rights Act 1990
98 ldquoSection 6 (Interpretation consistent with Bill of Rights to be preferred) Wherever an enactment can be given
a meaning that is consistent with the rights and freedoms contained in this Bill of Rights that meaning shall
be preferred to any other meaningrdquo New Zeland Bill of Rights Act 1990
84
No julgamento do caso R v Hansen99 a Suprema Corte esclareceu a
correta abordagem metodoloacutegica do judicial review a ser utilizada para reforccedilar os direitos
previstos no NZBORA afirmando que primeiramente a Corte deve buscar o significado
original que o Parlamento pretendeu atribuir a medida legislativa apoacutes analisar se o mesmo
eacute compatiacutevel com o NZBORA se houver uma aparente inconsistecircncia deve averiguar se a
mesma eacute razoaacutevel ao abrigo do que dispotildee a Seccedilatildeo 5 Se entender pela desarrazoabilidade
entatildeo deve buscar uma interpretaccedilatildeo diferente que se coadune com a declaraccedilatildeo de direitos
e por fim quando isto natildeo for possiacutevel deveraacute prevalecer entatildeo o significado original
atribuiacutedo pelo Parlamento (HIEBERT KELLY 2015 p63)
Essa metodologia resulta de uma cultura judicial fortemente
influenciada pelo princiacutepio da supremacia legislativa Nesta perspectiva o NZBORA
introduz um importante instrumento processual na Seccedilatildeo 7100 mediante o qual o Procurador
Geral eacute obrigado a examinar todas as propostas de lei e informar ao Parlamento quando for
detectada qualquer incompatibilidade entre uma disposiccedilatildeo legal e os direitos e garantias
assegurados pela Declaraccedilatildeo
O fundamento de tal medida parece consistir justamente em evitar a
aprovaccedilatildeo de medidas legislativas incompatiacuteveis com o Bill of Rights estabelecendo uma
forma preventiva de controle ainda que natildeo tenham o condatildeo de impossibilitar a aprovaccedilatildeo
da lei mesmo quando incompatiacutevel mas servindo de alerta ao Parlamento e assim
aumentando a sua responsabilidade pois arcaraacute com os custos poliacuteticos de suas decisotildees
Em que pese o NZBORA proiacuteba o Judiciaacuterio de emitir qualquer
pronunciamento formal sobre a incompatibilidade de medidas legislativas o New Zeland
Human Rights Act adotado em 1993 prevecirc a possibilidade de uma declaraccedilatildeo judicial de
inconsistecircncia como remeacutedio apropriado para os casos de discriminaccedilatildeo
Assim somente nos casos em que se discute o direito a igualdade o
99 R v Hansen (2007) NZSC 7 Iacutentegra disponiacutevel em httpwwwnzliiorgcgi-
binsinodispnzcasesNZSC20077htmlquery=hansen20nzsc
100 ldquoSection 7 (Attorney-General to report to Parliament where Bill appears to be inconsistent with Bill of
Rights) Where any Bill is introduced into the House of Representatives the Attorney-General shallmdash (a)in
the case of a Government Bill on the introduction of that Bill or (b)in any other case as soon as practicable
after the introduction of the Billmdash bring to the attention of the House of Representatives any provision in the
Bill that appears to be inconsistent with any of the rights and freedoms contained in this Bill of Rightsrdquo New
Zeland Bill of Rights Act 1990
85
Judiciaacuterio quando natildeo encontrar uma interpretaccedilatildeo da lei que seja razoaacutevel e compatiacutevel
com os direitos assegurados Bill of Rights poderaacute emitir um documento formal que ateste a
inconsistecircncia no intuito de dar ciecircncia ao Parlamento da incompatibilidade Em todas as
outras questotildees relativas a direitos fundamentais eacute vedado ao Judiciaacuterio comportamento
semelhante101
O modelo Neozelandecircs assim como os demais que adotam uma forma
fraca de revisatildeo judicial das leis eacute considerado por alguns estudiosos como dialoacutegico por
natildeo ser a interpretaccedilatildeo judicial considerada conclusiva ou definitiva mas sim
possibilitadora de uma interaccedilatildeo legislativa pois por meio do poder de interpretaccedilatildeo
atribuiacutedo ao Judiciaacuterio o legislativo se sentiria constgrangido a adotar medidas favoraacuteveis a
proteccedilatildeo de direitos evitando uma futura incompatibilidade das leis com o NZBORA
1321 Criacuteticas ao modelo neozelandecircs
A principal criacutetica ao modelo neozelandecircs reside na duacutevida se o mesmo
pode ser caracterizado como um judicial review perante a evidecircncia da supremacia
parlamentar e da falta de possibilidade do Judiciaacuterio de sequer emitir uma declaraccedilatildeo de
incompatibilidade das leis sugerindo assim a ausecircncia de uma forma concreta de controle
judicial
O que se percebe da anaacutelise desse sistema eacute que o mesmo apesar de ter
favorecido a implementaccedilatildeo de uma cultura de proteccedilatildeo de direitos fundamentais na Nova
Zelacircndia por meio da adoccedilatildeo do NZBORA e da previsatildeo do mandado interpretativo que de
alguma forma influencia o Parlamento a editar leis compatiacuteveis com a declaraccedilatildeo
restringindo o antes ilitimidado poder de criaccedilatildeo deste oacutergatildeo natildeo haacute como se falar
concretamente na existecircncia de um ldquodiaacutelogo institucionalrdquo
Apesar de alguns doutrinadores otimistas apontarem a praacutetica do
mandado interpretativo na experiecircncia neozelandesa como uma forma de diaacutelogo entre os
101 Eacute necessaacuterio que esclarecer que muito tem sido discutido sobre a possibilidade de uma emissatildeo formal de
declaraccedilatildeo de incompatibilidade pelo Judiciaacuterio no sistema Neozelandecircs Haacute estudiosos que defendam a
necessidade de uma mudanccedila legislativa nesse sentido todavia os entendimentos jurisprudencias mais recentes
indicam que as perspectivas para a adoccedilatildeo dessa possibilidade formal ainda satildeo precaacuterias Ver GINSBURG
Claudia On a Road to Nowhere Implied Declarations of Inconsistency and the New Zeland Bill of Rights
Victoria University of Wellington Law Review 40 613-47 2009
86
poderes existem muitas criacuteticas a tal afirmaccedilatildeo sob o argumento de que o que haacute na
realidade eacute total a prevalecircncia do Poder Legislativo
O NZBORA emerge como um documento de caraacuteter essencialmente
interpretativo baseado em uma implementaccedilatildeo parlamentar Essa caracteriacutestica
interpretativa apesar de reforccedilada pela abordagem judicial ainda estaacute muito ligada a
supremacia parlamentar pronfudamente enraizada no constitucionalismo neozelacircndes e a
essa forma de envolvimento Parlamento natildeo pode nem na melhor das hipoacuteteses ser vista
como uma forma de diaacutelogo (HIEBERT KELLY 2015)
A falta de mecanismos formais ao alcance do Judiciaacuterio para poder
declarar a incompatibilidade de uma medida legislativa com a declaraccedilatildeo de direitos reduz
em grande escala a possibilidade da ocorrecircncia de um diaacutelogo entre os poderes poliacuteticos
Nesse sentido Geiringer (2009 p 647-647) aduz que a experiecircncia
Neozelandesa demonstra que a maioria dos juiacutezes natildeo se sentem confortaacuteveis quando
colocados a exercer o papel de criacuteticos do legislativo justamente pela arraigada cultura
parlamentar presente neste modelo e que a melhor e mais raacutepida forma de mudar essa
mentalidade seria por meio da atribuiccedilatildeo de uma poder formal para declarar a inconsistecircncia
das leis
Sendo assim a possibilidade de um efetivo diaacutelogo entre os Poderes
dentro do sistema da Nova Zelacircndia na forma em que hoje se afigura eacute escassa e limitada
jaacute que a supremacia parlamentar ainda eacute muito forte e evidente
87
CAPIacuteTULO 3 ndash AS TEORIAS DIALOacuteGICAS NO SISTEMA DE JURSIDICcedilAtildeO
CONSTITUCIONAL BRASILEIRO UMA POSSIBILIDADE
Da exposiccedilatildeo feita no capiacutetulo anterior podemos concluir que natildeo haacute
uma forma preacute definida para a ocorrecircncia do diaacutelogo podendo ele se manifestar por meio
das mais diversas praacuteticas e sob perspectivas teoacutericas diferentes a depender da cultura
histoacuterica e poliacutetica do paiacutes em que estaacute inserido
Apesar de ser um tema ainda pouco explorado pela doutrina brasileira
que ainda se centra primordialmente nos estudos das teorias interpretativas nos parece
importante verificar se haacute a possibilidade da aplicaccedilatildeo das teorias dialoacutegicas no Brasil mais
ainda se podemos identificar algum indiacutecio da sua praacutetica nos julgados do STF
Por isso na sequecircncia se buscaraacute por meio da anaacutelise de alguns casos
concretos constatar como e em que medida os diaacutelogos institucionais se manifestam no
sistema brasileiro a fim de revelar quais os traccedilos das teorias dialoacutegicas presentes nesse
sistema
Oportunamente se esclarece que os casos selecionados para anaacutelise satildeo
resultado do controle concentrado de constitucionalidade quando o Supremo Tribunal
Federal exerce seu papel de guardiatildeo da constituiccedilatildeo102 Fez-se essa opccedilatildeo por ser este tipo
de controle o ponto de maior relevacircncia e confronto entre a atuaccedilatildeo do STF e sua relaccedilatildeo
com o Legislativo pois eacute onde haacute uma anaacutelise judicial direta e abstrata da atuaccedilatildeo legislativa
que daacute origem a uma decisatildeo judicial com efeitos erga omnes
A anaacutelise de casos ocorridos no acircmbito do controle concentrado de
constitucionalidade torna-se ainda mais interessante do que a de casos derivados do controle
difuso se levarmos em conta que neste uacuteltimo a reaccedilatildeo legislativa eacute disciplinada pela proacutepria
Constituiccedilatildeo Federal por meio do inciso X do artigo 52 que atribui ao Senado a
competecircncia para suspender a execuccedilatildeo de lei declarada inconstitucional natildeo havendo
102 O art 102 da Constituiccedilatildeo Federal Brasileira atribui expressamente ao STF o papel de guardiatildeo da
Constiticcedilatildeo cabendo-lhe julgar originariamente accedilatildeo direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo
federal ou estadual e a accedilatildeo declaratoacuteria de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal
88
portanto grandes controveacutersias a esse respeito103
Deve ser esclarecido ainda que apesar de no capiacutetulo anterior ter-se
feito referecircncia as teorias que prescrevem a realizaccedilatildeo de um diaacutelogo social no presente
capiacutetulo a anaacutelise se centraraacute apenas em casos onde os atores participantes do processo de
interpretaccedilatildeo constitucional satildeo os poderes institucionalizados excluindo-se os casos onde
se fala na inclusatildeo da sociedade Destaca-se isso porque hoje a realizaccedilatildeo de audiecircncias
puacuteblicas e a convocaccedilatildeo de ldquoamigos da corterdquo durante o processo constitucional tem sido
uma praacutetica comum poreacutem complexa utilizada pelo Supremo Tribunal brasileiro104
Portanto entende-se que seria temeraacuterio invocar aqui casos envolvendo
esses mecanismos populares sem trataacute-los com a devida profundidade dando atenccedilatildeo a todos
os aspectos controversos que a anaacutelise requer Por esses motivos a anaacutelise centra-se apenas
casos onde figuram como atores o Poder Legislativo e o Poder Judiciaacuterio
Ressalta-se que o objetivo do estudo natildeo eacute analisar de forma exaustiva
a jurisprudecircncia brasileira ateacute mesmo porque para tanto seria necessaacuterio um trabalho
dedicado inteiramente agrave esse objetivo Pretende-se verificar e ilustrar como as teorias
dialoacutegicas podem ser encontradas na praacutetica brasileira por meio de importantes julgados
proferidos pelo Supremo Tribunal Federal identificando os elementos dialoacutegicos neles
presentes e as correspondentes teorias
Para fazer a anaacutelise dos casos e identificar seus aspectos dialoacutegicos seraacute
utilizado como base aleacutem das teorias expostas no capiacutetulo anterior a descriccedilatildeo de diaacutelogo
convencional proposta por Tushnet (2012 p 3-13) a qual se estrutura da seguinte forma
1ordm O legislador promulga uma lei rarr 2ordm o estatuto enfrenta um desafio
no Tribunal Constitucional rarr 3ordm O Tribunal invalida o estatuto rarr 4ordm o Tribunal na decisatildeo
103 Necessaacuterio destacar eu haacute uma divergecircncia na doutrina brasileira acerca da discricionariedade do poder
atribuiacutedo ao Senado por forccedila do art 52 X da CF88 Nos filiamos a doutrina minoritaacuteria segundo a qual o
Senado possui a faculdade de suspender a lei e natildeo a obrigaccedilatildeo jaacute que a decisatildeo judicial exarada no exerciacutecio
do controle de constitucionalidade disfuso possui efetios inter partes Sob essa loacutegica pode-se enxergar tal
previsatildeo constitucional como um mecanismo dialoacutegico pois natildeo deixa ser um instrumento de reaccedilatildeo legislativa
agrave decisatildeo judicial que complementa o controle judicial e de certa forma estendendo os efeitos da sua decisatildeo
104 Exemplo emblemaacutetico dessa praacutetica eacute a ADI 3510 onde foi apreciada a inconstitucionalidade da Lei de
Bioseguranccedila em especial no tocante a possibilidade de pesquisas utilizando ceacutelulas tronco e o STF
reconhecendo a complexidade do tema convou a realizaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas onde forma ouvidas vaacuterias
entidadas organizadas da sociedade civil e a particiaccedilatildeo de diversas pessoas na qualidade de ldquoamigos da corterdquo
para compartilhar conhecimento teacutecnico que o Tribunal assumir natildeo possuir para julgar o caso
89
indica algumas formas especiacuteficas em que o estatuto eacute incompatiacutevel com a Constituiccedilatildeo ou
oferece a melhor interpretaccedilatildeo das disposiccedilotildees constitucionais rarr 5ordm O legislativo responde
revendo o estatuto e corrigindo as deficiecircncias apontadas pelo Tribunal ou reedita o estatuto
sem alteraccedilotildees rarr 6ordm O estatuto eacute novamente desafiado rarr 7ordm O Tribunal lida com o desafio
e se abre para um novo debate defendendo o estatuto ou verifica se as modificaccedilotildees do
estatuto foram suficientes para torna-lo compatiacutevel ou estatildeo aqueacutem e ensejam uma nova
invalidaccedilatildeo
Ou ainda 1ordm A Constituiccedilatildeo impotildee ao legislador o dever de legislar
sobre um toacutepico especiacutefico rarr 2ordm O Tribunal identifica falhas na atuaccedilatildeo legislativa
entendendo que a mesma eacute insuficiente para satisfazer o seu dever ou verifica a ausecircncia de
atuaccedilatildeo rarr 3ordm indica ao legislativo as falhas ou a omissao exigindo a tomada de medidas no
sentido de cumprir o seu dever constitucional
Dito isso passa-se a anaacutelise dos casos concretos
14 Julgamento da accedilatildeo direta de inconstitucionalidade nordm 2797df ndash a suacutemula
394 do STF e a lei nordm 106282002
a) Breve resumo do caso
A antiga Suacutemula105 394 do STF editada em 3 de abril de 1964 a qual
dispunha que cometido o crime durante o exerciacutecio funcional prevalece a competecircncia
especial por prerrogativa de funccedilatildeo ainda que o inqueacuterito ou a accedilatildeo penal sejam iniciados
apoacutes a cessaccedilatildeo daquele exerciacutecio foi cancelada por unanimidade em sessatildeo plenaacuteria da
Corte realizada em 30042007
Os argumentos para o cancelamento do referido verbete giraram
basicamente em torno da defesa de que a prerrogativa de foro visa garantir o exerciacutecio do
105 A Suacutemula eacute um instituto juriacutedico muito presente no Direito brasileiro que consiste em um verbete que
registra a interpretaccedilatildeo paciacutefica ou majoritaacuteria de um determinado Tribunal a partir do julgamento de variados
casos concretos a fim de tornar puacuteblico a sociedade o seu entendimento e promover uma uniformizaccedilatildeo das
decisotildees judiciais Em regra natildeo possui efeito vinculante servindo apenas de diretriz poreacutem quando for votada
e aprovada pelo STF por pelo menos 23 do plenaacuterio se torna um entendimento obrigatoacuterio a ser observado
por todos os outros Tribunais e juiacutezes bem como pelos entes da Admnistraccedilatildeo Puacuteblica conforme determina o
Artigo 103-A da Constituiccedilatildeo Federal de 1988
90
cargo e natildeo o seu ocupante sendo assim uma vez que o indiacuteviduo deixa o cargo natildeo deve
fazer jus ao privileacutegio eis que o mesmo eacute inerente ao cargo e natildeo um direito subjetivo assim
atribuir o privileacutegio quando jaacute natildeo mais haacute o exerciacutecio da funccedilatildeo violaria o princiacutepio da
igualdade
Foi entatildeo consolidado pela Corte o entendimento de que deixando o
cargo definitivamente independentemente do motivo o ex-titular natildeo teraacute direito a processo
e julgamento em oacutergatildeo jurisdicional distinto daquele que teria qualquer outro cidadatildeo
Apesar da sedimentaccedilatildeo desse entendimento no acircmbito do STF em
dezembro de 2002 foi promulgada a Lei nordm 106282002 que alterou o artigo 84 do Coacutedigo
de Processo Penal brasileiro para inserir o sect1ordm com a seguinte redaccedilatildeo ldquoa competecircncia
especial por prerrogativa de funccedilatildeo relativa a atos administrativos do agente prevalece
ainda que o inqueacuterito ou a accedilatildeo judicial sejam iniciados apoacutes a cessaccedilatildeo do exerciacutecio da
funccedilatildeo puacuteblicardquo
Foi arguida a inconstitucionalidade do mencionado dispostivo legal por
meio de accedilatildeo direta de inconstitucionalidade proposta pela Associaccedilatildeo Nacional dos
Membros do Ministeacuterio Puacuteblico ndash CONAMP Ao fim do julgamento foi declarada a
inconstitucionalidade material e formal da lei essa uacuteltima com base no argumento de que
uma lei ordinaacuteria natildeo poderia vir a superar uma interpretaccedilatildeo constitucional jaacute realizada pelo
Supremo
Os aspectos relevantes do caso para a anaacutelise pretendida residem
justamente na tentativa do Legislativo de superar uma interpretaccedilatildeo constitucional jaacute
consolidada pela Suprema Corte e natildeo tanto no meacuterito relativo a constitucionalidade
material da norma
O caso eacute emblemaacutetico no cenaacuterio brasileiro por ter despertado um
interessante debate acerca da possibilidade de reaccedilatildeo legislativa a uma interpretaccedilatildeo
constitucional proferida pelo STF o que em muito contribui para a nossa anaacutelise sobre a
possibilidade de um diaacutelogo institucional no sistema brasileiro
Passa-se entatildeo a exposiccedilatildeo das importantes variaacuteveis do debate de
acordo com os votos proferidos pelos Ministros na ocasiatildeo do julgamento
91
b) Debate acerca da possibilidade de reediccedilatildeo de uma lei anteriormente declarada
inconstitucional pelo STF
O relator do caso Ministro Sepuacutelveda Pertence em seu voto o qual foi
seguido pela maioria iniciou a fundamentaccedilatildeo da inconstitucionalidade do dispostivo legal
sob anaacutelise naquela ocasiatildeo afirmando que o mesmo constitui evidente reaccedilatildeo legislativa ao
cancelamento da Suacutemula 394 Destacou que a redaccedilatildeo legal se aproxima substancialmente
da que foi proposta em seu voto vencido pela maioria na ocasiatildeo da deliberaccedilatildeo sobre o
cancelamento do verbete
Afirmou que o cancelamento da Suacutemula decorreu de interpretaccedilatildeo
direta e exclusiva da Contituiccedilatildeo e natildeo pela inexistecircncia de lei ordinaacuteria que o regulasse
Diante disso formulou entatildeo a seguinte indagaccedilatildeo lei ordinaacuteria eacute instrumento normativo
apto agrave alterar jurisprudecircncia assente do STF fundada em interpretaccedilatildeo direta e exclusiva da
Constituiccedilatildeo
Argumentou construindo uma resposta negativa agrave indagaccedilatildeo embora
reconhecendo que as decisotildees da Corte em sede de controle concentrado natildeo vinculam o
Poder Legislativo mas tatildeo somente os demais oacutergatildeos do Judiciaacuterio e o Poder Executivo
Assim concluiu que a ediccedilatildeo de uma lei no sentido contraacuterio de uma decisatildeo do Tribunal
natildeo infere necessariamente um descumprimento dessa decisatildeo estando o Legislativo livre
para agir nesse sentido todavia a medida editada seraacute inevitavelmente considerada
inconstitucional a menos que a Corte recue em seu posicionamento anterior sobre o assunto
Neste ponto o Ministro propocircs uma reflexatildeo diferenciando a
inconstitucionalidade material e formal da lei No seu entender se a lei reeditada pretender
impor com seu objeto imediato uma interpretaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo ela seraacute eivada de uma
inconstitucionalidade formal pois uma lei de hierarquia inferior natildeo pode ditar a
interpretaccedilatildeo de uma norma hierarquicamente superior
Poreacutem quando a lei editada pelo legislativo for de conteuacutedo similar ao
de uma outra jaacute declarada inconstitucional deveraacute ser feita anaacutelise acerca da
inconstitucionalidade material pois a Corte natildeo estaacute vinculada ao seu entendimento anterior
podendo mudar de opiniatildeo sobre o assunto em um novo debate
92
Neste sentido merece destaque o seguinte trecho do voto
ldquoAdmitir pudesse a lei ordinaacuteria inverter a leitura pelo Supremo Tribunal
da Constituiccedilatildeo seria dizer que a interpretaccedilatildeo constitucional da Corte
estaria sujeita ao referendo do legislador ou seja que a Constituiccedilatildeo ndash
como entendida pelo oacutergatildeo que ela proacutepria erigiu em guarda da sua
supremacia ndash soacute constituiria a Lei Suprema na medida da inteligecircncia que
lhe desse outro oacutergatildeo constituiacutedo o legislador ordinaacuterio ao contraacuterio
submetido aos seus ditamesrdquo
O Ministro Eros Grau em voto divergente discordou do entendimento
traccedilado no voto do relator no aspecto da inadmissibilidade da interpretaccedilatildeo constitucional
por lei ordinaacuteria afirmando que todo ato legislativo em alguma medida envolve a
interpretaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo por parte de quem legisla
Concluiu pela inexistecircncia de inconstitucionalidade formal da Lei nordm 10
62802 com base no fundamento de que o Poder Legislativo natildeo fica vinculado por um
dever de natildeo legislar em razatildeo da Corte ter conferido alguma interpretaccedilatildeo constitucional
Sendo entatildeo admissiacutevel que o Legislativo reedite uma lei contraacuteria a interpretaccedilatildeo
constitucional jaacute proferido pelo STF todavia esta lei fatalmente sucumbiraacute agrave anaacutelise da
inconstitucionalidade material jaacute que a uacuteltima palavra deveraacute ser dada pela Corte
O Ministro Gilmar Mendes acompanhou a divergecircncia lanccedilando
argumentos diferentes que enriqueceram o debate os quais satildeo de grande importacircncia para
a anaacutelise que se faraacute s na sequecircncia razatildeo pela qual transcreve-se aqui alguns dos principais
trechos
(hellip) Penso que natildeo eacute possiacutevel admitir que o legislador ordinaacuterio tenha a
sua liberdade totalmente tolhida pelas declaraccedilotildees de constitucionalidade
ou inconstitucionalidade do Tribunal Eacute adequado e prudente inclusive
que tais atos legislativos sejam apreciados a partir de um dado contexto
institucional
Eacute de se ressaltar que se de um lado a Constituiccedilatildeo atribui a este Supremo
Tribunal Federal a tarefa de guarda da integridade da ordem juriacutedico-
constitucional de outro eacute assente que o seu texto esta sujeito a uma
sociedade aberta de inteacuterpretes (HARBELE Peter Hermenecircutica
Constitucional A Sociedade aberta dos inteacuterpretes da Constituiccedilatildeo
93
contribuiccedilatildeo para a interpretaccedilatildeo pluralista e ldquoprocedimentalrdquo da
Constituiccedilatildeo Trad Gilmar Ferreira Mendes Porto Alegre Sergio Antonio
Fabris 1997) os quais podem de acordo com as alteraccedilotildees histoacuterico-
culturais exercer alternativas plurais de interpretaccedilatildeo
(hellip)
Natildeo eacute possiacutevel presumir portanto a inconstitucionalidade dos dispositivos
atacados simplesmente porque eles contrariam a ldquouacuteltima palavrardquo
conferida pelo Supremo Tribunal Federal sobre o tema Que pretendo
ressaltar pelo contraacuterio eacute o fato de que se o legislador federal (re)incide
cria ou regula essa mateacuteria constitucional de modo inteiramente diverso o
ldquodiaacutelogordquo o debate institucional deve continuar
Os demais ministros seguiram o voto do relator sem acrescentar grandes
argumentos ao debate Desta feita restou consignada no julgado a inconstitucionalidade da
lei
c) Anaacutelise do caso pelo prisma das Teorias do Diaacutelogo Institucional
Inicialmente merece ser pontuado que como destacado no voto do
Ministro Relator a lei da qual foi apreciada a constitucionalidade pelo STF trata-se de
expressa reaccedilatildeo legislativa a interpretaccedilatildeo constitucional anteriormente proferida
Como viu-se no capiacutetulo anterior para alguns estudiosos como Peter
Hogg e Allisson Bushell a simples possibilidade de reaccedilatildeo legislativa agrave decisatildeo judicial
resultante do controle de constitucionalidade deve ser considerada como uma praacutetica
dialoacutegica
Nessa perspectiva pode-se dizer que o STF apesar de ter considerado a
inconstitucionalidade da lei natildeo descartou a possibilidade da reaccedilatildeo legislativa agrave sua decisatildeo
preteacuterita admitindo que a mesma natildeo vincula a atuaccedilatildeo legislativa o que demonstra a
existecircncia de um espaccedilo para a possibilidade do diaacutelogo no sistema brasileiro ainda que este
em muito se diferencie estruturalmente do sistema Canadense o qual foi o objeto de estudo
desses Autores
Aplicando a descriccedilatildeo dialoacutegica proposta por Tushnet pode-se dizer que
o caso enquadra-se no conceito de diaacutelogo pois o legislador pretendeu a modificaccedilatildeo do
94
entendimento da Corte por meio da ediccedilatildeo de um estatuto legal com objeto semelhante ao
de uma Suacutemula jaacute cancelada - praacutetica que pode ser comparada a ldquoin your face responserdquo
comum no sistema canadense106- e o Tribunal enfrentou a questatildeo por meio de um novo
debate poreacutem permaneceu firme no seu entendimento anterior
Portanto em que pese a Constituiccedilatildeo Federal brasileira natildeo trazer
expressamente em seu texto a previsatildeo de um mecanismo especiacutefico que possibilite ao
legislativo superar uma decisatildeo do Supremo Tribunal Federal107 proferida no acircmbito do
controle concentrado de constitucionalidade o fato de as decisotildees do Supremo nesta espeacutecie
de controle de constitucionalidade natildeo vincularem o Poder Legislativo108 possibilitam ou
pelo menos natildeo impedem a reediccedilatildeo de uma norma jaacute consagrada inconstitucional
Sendo assim pode-se afirmar que apesar do Brasil adotar um modelo forte
de controle de constitucionalidade e a Constituiccedilatildeo Federal conceder expressamente a
guarda da Constituiccedilatildeo ao Supremo Tribunal Federal a possibilidade de um diaacutelogo
institucional com o Poder Legislativo ndash sob a perspectiva de algumas teorias dialoacutegicas ndash
natildeo eacute algo impensaacutevel
Importante frisar a questatildeo da adoccedilatildeo de um sistema forte de controle
de constitucionalidade jaacute que conforme lecionado por Tushnet (2009) esses sistemas seriam
menos propiacutecios ao diaacutelogo jaacute que seus mecanismos de modificaccedilatildeo da decisatildeo judicial
seriam mais difiacutecies e demorados como a Emenda Constitucional por exemplo Contudo
no presente caso vecirc-se que essa possibilidade pode ocorrer por meio de lei ordinaacuteria e de
forma relativamente ceacutelere se considerado que entre a revogaccedilatildeo da Suacutemula 394 e a ediccedilatildeo
da lei se passaram apenas dois anos
106 Ver toacutepico 1012 107 Apenas a tiacutetulo de conhecimento entendemos necessaacuterio mencionar que no ano de 2011 foi proposto um
Projeto de Emenda a Constituiccedilatildeo conhecido como PEC 33 o qual pretendia modificar o enunciado do artigo
102 da CF para alterar a quantidade miacutenima de votos de membros de tribunais para declaraccedilatildeo de
inconstitucionalidade das leis condicionar o efeito vinculante de suacutemulas aprovadas pelo STF agrave aprovaccedilatildeo
pelo Poder Legislativo e submeter ao Congresso Nacional as decisotildees sobre inconstitucionalidade de Emendas
agrave Constituiccedilatildeo As alteraccedilotildees pretendidas com o prejeto especialemente as duas uacuteltimas que alargam a
competecircncia do Legislativo sugerem a introduccedilatildeo de um modelo de controle de constitucionalidade
semelhante ao weak form A PEC foi arquivada no dia 31012015 com o fim da legislatura em que foi proposta
nos termos do art 105 do regimento interno da Cacircmara dos Deputados
108 O paraacutegrafo uacutenico do artigo 28 da Lei nordm 9 868 de 10 de novembro de 1999 dispotildee que a declaraccedilatildeo de
constitucionalidade ou de inconstitucionalidade inclusive a interpretaccedilatildeo conforme a Constituiccedilatildeo e a
declaraccedilatildeo parcial de inconstitucionalidade sem reduccedilatildeo de texto tecircm eficaacutecia contra todos e efeito vinculante
em relaccedilatildeo aos oacutergatildeos do Poder Judiciaacuterio e agrave Administraccedilatildeo Puacuteblica federal estadual e municipal natildeo
incluindo nesse rol o Poder Legislativo
95
Pois bem da leitura do item b) acima percebe-se uma divergecircncia de
opiniatildeo dentro da proacutepria Corte a respeito do tema alguns ministros a maioria deles
adotaram um pensamento mais conservador e defensor da supremacia judicial no sentido de
considerar a reaccedilatildeo legislativa abusiva Outros principalmente o ministro Gilmar Mendes
optaram por um posicionamento mais tendente ao diaacutelogo reconhecendo a importacircncia de
uma postura mais aberta do Judiciaacuterio nesse sentido
Apesar do voto vencedor ter concluiacutedo pela inconstitucionalidade
formal da lei a anaacutelise do meacuterito natildeo deixou de ocorrer Todos os ministros engajaram-se a
debater o tema tratado pela lei e pela antiga Suacutemula novamente reacendendo o debate dois
anos depois Em que pese o entendimento da Corte ter permanecido o mesmo deve-se
reconhecer os benefiacutecios da reediccedilatildeo da lei no sentido de possibilitar um ldquosegundo olharrdquo
sobre o tema
Nesse aspecto do caso percebe-se a ideia desenvolvida por Kent
Roach109 ndash a qual se enquadra no grupo das teorias de princiacutepios juriacutedicos ndash em que a decisatildeo
judicial deve ser considerada como o iacutenicio do debate o qual prossegue mediante a resposta
legislativa por meio da ediccedilatildeo de leis ordinaacuterias reativas agrave essa decisatildeo e que assim
possibilitam que o tema volte a ser debatido pelo Judiciaacuterio e tambeacutem pelo Legislativo
Para o autor a devoluccedilatildeo do debate ao Judiciaacuterio por meio da resposta
legislativa eacute uma forma mais desejaacutevel de atuaccedilatildeo do legislador ao inveacutes da ou total
deferecircncia agraves decisotildees judiciais ou ainda da superaccedilatildeo da decisatildeo e imposiccedilatildeo do seu
entendimento como o sistema canadense possibilitar com a claacuteusula 33 Todavia tambeacutem
atenta para o lado negativo dessa praacutetica como jaacute se viu anteriormente
O caso traduz exatamente as criacuteticas dirigidas agrave essa teoria e sua
respectiva praacutetica pois viu-se que o legislativo pode simplesmente reeditar uma norma jaacute
considerada inconstitucional sem no entanto se preocupar em justificar a sua escolha
tampouco demonstrar a necessidade da medida mas apenas repetindo o conteuacutedo tal e qual
ao da norma anterior contrariando a expectativa de uma melhor e mais responsaacutevel atuaccedilatildeo
Eacute necessaacuterio perceber tambeacutem a postura ativista da Corte tendo em
vista que o entendimento que prevaleceu nesse caso foi pela impossibilidade de reediccedilatildeo de
109 Ver tambeacutem aleacutem das obras jaacute anteriormente citadas ROACH Kent Constitutional and Common Law
Dialogues between the Supreme Court and Canadian Legislatures Canadian Bar Review p 481-533 2001
96
uma norma jaacute declarada inconstitucional com uma clara intenccedilatildeo de preservar e rearfirmar
o seu poder110 o que evidencia mais uma dificuldade praacutetica da aplicaccedilatildeo das teorias dos
princiacutepios juriacutedicos dependentes da boa disposiccedilatildeo do Judiciaacuterio para abertura do debate e
ateacute para uma eventual deferecircncia agrave escolha legislativa
Em todo caso fato eacute que natildeo se pode considerar que no presente caso
houve um diaacutelogo sob o ponto de vista material concluindo consequentemente que as
teorias dialoacutegicas dos princiacutepios juriacutedicos na praacutetica natildeo se revelam apropriadas para a sua
consecuccedilatildeo Todavia vislumbra-se a tentativa de uma resposta legislativa ao protagonismo
Judicial que pode sob o ponto de vista formal ser considerada como um diaacutelogo
principalmente por ter levado o tema a ser debatido novamente pela Corte apesar da sua
postura mais conservadora conforme propotildee Tushnet111
Essa reaccedilatildeo legislativa ao contraacuterio do que pode parecer em um
primeiro momento natildeo eacute algo tatildeo raro no sistema brasileiro e pode ser encontrada tambeacutem
em diversos outros casos como veraacute na sequecircncia
15 Julgamento da accedilatildeo direta de inconstitucionalidade nordm 4543DF e a lei
131652015
a) Breve resumo do caso
Na Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade nordm 4543DF proposta pela
Procuradoria Geral da Repuacuteblica o Supremo Tribunal apreciou a incompatibilidade do artigo
5ordm da Lei 120342009 com o caput do artigo 14 da Constituiccedilatildeo Federal brasileira que
assegura o voto direto e secreto
O supracitado dispositivo legal previa a criaccedilatildeo do voto impresso a
partir do processo eleitoral de 2014 e possuiacutea a seguinte redaccedilatildeo
5o Fica criado a partir das eleiccedilotildees de 2014 inclusive o voto impresso
110 Neste sentido Barroso (2009) destaca que o primeiro impulso natural do poder eacute a auto-conservaccedilatildeo sendo
intuitivo que os representantes do poder em suas relaccedilotildees entre si ou com outros aotres poliacuteticos sejam eles
institucionais ou sociais procure demarcar e preservar seu espaccedilo de atuaccedilatildeo e sua autoridade
111 Ver toacutepicos 1012 1013 e 1014 que abordam as teorias dialoacutegicas de princiacutepios juriacutedicos sua
concretizaccedilatildeo no sistema canadense e respetivas criacuteticas
97
conferido pelo eleitor garantido o total sigilo do voto e observadas as
seguintes regras
sect 1o A maacutequina de votar exibiraacute para o eleitor primeiramente as telas
referentes agraves eleiccedilotildees proporcionais em seguida as referentes agraves eleiccedilotildees
majoritaacuterias finalmente o voto completo para conferecircncia visual do eleitor
e confirmaccedilatildeo final do voto
sect 2o Apoacutes a confirmaccedilatildeo final do voto pelo eleitor a urna eletrocircnica
imprimiraacute um nuacutemero uacutenico de identificaccedilatildeo do voto associado agrave sua proacutepria
assinatura digital
sect 3o O voto deveraacute ser depositado de forma automaacutetica sem contato
manual do eleitor em local previamente lacrado (grifou-se)
sect 4o Apoacutes o fim da votaccedilatildeo a Justiccedila Eleitoral realizaraacute em audiecircncia
puacuteblica auditoria independente do software mediante o sorteio de 2 (dois
por cento) das urnas eletrocircnicas de cada Zona Eleitoral respeitado o limite
miacutenimo de 3 (trecircs) maacutequinas por municiacutepio que deveratildeo ter seus votos em
papel contados e comparados com os resultados apresentados pelo
respectivo boletim de urna
sect 5o Eacute permitido o uso de identificaccedilatildeo do eleitor por sua biometria ou pela
digitaccedilatildeo do seu nome ou nuacutemero de eleitor desde que a maacutequina de
identificar natildeo tenha nenhuma conexatildeo com a urna eletrocircnica
O Supremo considerou a lei inconstitucional com base em diversos
argumentos alegando resumidamente que a criaccedilatildeo do voto impresso representaria um
retrocesso para o sistema eleitoral brasileiro que atualmente conta com um moderno e
eficiente aparato de votaccedilatildeo eletrocircnica e seria uma ameaccedila ao sigilo garantido
constitucionalmente afirmando a proibiccedilatildeo de qualquer tipo de identificaccedilatildeo do eleitor no
exerciacutecio do voto ou no proacuteprio voto
A accedilatildeo foi julgada procedente por unanimidade nos termos do voto do
Ministro Relator poreacutem eacute interessante destacar o voto do Ministro Luiacutes Roberto Barroso o
qual aduziu expressamente a importacircncia de que o Judiciaacuterio conserve uma postura de
humildade institucional sendo deferente agraves escolhas poliacuteticas do Legislador que natildeo sejam
claramente irrazoaacuteveis Em resposta o Ministro Luiz Fux afirmou que muito embora
98
concorde com a deferecircncia que deve ser dada ao Legislativo em certos casos eacute preciso que
o Supremo exerccedila a funccedilatildeo contramajoritaacuteria ou seja contra a Casa do Povo principalmente
naquelas hipoacuteteses em que haacute uma ameaccedila a direito fundamental
Pouco mais de um ano apoacutes o referido julgamento o Legislativo
promulgou a Lei nordm 131652015 conhecida como ldquolei da minireforma eleitoralrdquo por
introduzir significativas alteraccedilotildees ao Coacutedigo Eleitoral a qual em seu artigo 2ordm deu nova
redaccedilatildeo ao Artigo 59-A do referido Coacutedigo nos seguintes termos
Art 59-A No processo de votaccedilatildeo eletrocircnica a urna imprimiraacute o
registro de cada voto que seraacute depositado de forma automaacutetica e sem
contato manual do eleitor em local previamente lacrado (grifou-se)
Paraacutegrafo uacutenico O processo de votaccedilatildeo natildeo seraacute concluiacutedo ateacute que o
eleitor confirme a correspondecircncia entre o teor de seu voto e o registro
impresso e exibido pela urna eletrocircnica
Da simples leitura do dispositivo acima percebe-se que o que o
Legislativo fez foi reeditar uma norma com igual objeto ao da anteriormente declarada
inconstitucional pela Corte Entretanto algumas alteraccedilotildees no texto satildeo notoacuterias sobretudo
no tocante a retirada da previsatildeo de um nuacutemero uacutenico de identificaccedilatildeo do voto associado agrave
proacutepria assinatura digital e da auditoria pela Justiccedila Eleitoral
Percebe-se entatildeo mais uma vez a ocorrecircncia de uma reaccedilatildeo legislativa
por meio da ediccedilatildeo de lei ordinaacuteria tendo em vista o desacordo do legislador com o
entendimento proferido pela Corte
b) Anaacutelise do caso pelo prisma das Teorias do Diaacutelogo Institucional
Observa-se claramente no presente caso a possibilidade concreta do
Legislativo brasileiro reeditar uma norma de igual objeto e com redaccedilatildeo semelhante e igual
objeto de outra jaacute declarada inconstitucional pelo STF
O caso eacute similar ao antes descrito poreacutem naquele a norma anterior que
estava sendo reeditada natildeo era uma lei ordinaacuteria criada pelo legislativo mas sim uma Suacutemula
editada pela proacutepria Corte Neste caso jaacute se nota duas normas editadas pelo mesmo oacutergatildeo
99
com o mesmo objeto e em um lapso temporal relativamente curto a primeira jaacute considerada
inconstitucional e a segunda ateacute o momento vaacutelida
Se observar-se o caso pela vertente do conteuacutedo daquelas teorias
dialoacutegicas que consideram a reediccedilatildeo de norma idecircntica como uma forma de diaacutelogo chegar-
se-aacute a conclusatildeo que esse pode ser mais um exemplo de diaacutelogo no seu sentido formal assim
como o narrado acima
O caso encaixa-se perfeitamente na descriccedilatildeo convencional de diaacutelogo
sintetizada por Tushnet eis que respeita a execuccedilatildeo de todos os passos descritos pelo autor
todavia conceber a resposta legislativa neste caso como uma forma de diaacutelogo pode ser
considerado como algo positivo ou natildeo a depender do ponto de vista adotado
Pode-se considerar a reaccedilatildeo legislativa tanto como uma afronta agrave
decisatildeo judicial na tentativa de manter uma legislaccedilatildeo flagrantemente inconstitucional em
vigor protegendo seus proacuteprios interesses poliacuteticos ou podemos interpretar a reaccedilatildeo
legislativa tambeacutem como uma manifestaccedilatildeo de deferecircncia agrave decisatildeo judicial sendo uma
revisatildeo da lei anterior
Menciona-se isso porque natildeo se pode ignorar o fato de o texto da
segunda lei ser muito mais sucinto que o da primeira sobretudo por ter sido retirada da sua
redaccedilatildeo alguns aspectos especiacuteficos que foram impugnados pelo Supremo Nesse aspecto
se adotada uma visatildeo positiva poder-se-ia dizer que o resultado esperado pelos defensores
dessa praacutetica foi atingido ocasionando uma atuaccedilatildeo mais responsaacutevel do Legislativo o qual
teria levado em conta as observaccedilotildees do Judiciaacuterio para a elaboraccedilatildeo de uma medida mais
satisfatoacuteria que a anterior
Se observada a reaccedilatildeo legislativa sob esse entendimento poder-se-aacute
dizer que houve no presente caso - conforme o sentido empregado por Tremblay (2000) -
uma ldquoconversardquo entre entre Judiciaacuterio e Legislativo que resultou em uma medida legislativa
criada mediante o compartilhamento das visotildees de ambos os Poderes
Entretanto eacute necessaacuterio destacar que a intenccedilatildeo do Legislativo natildeo resta
clara pois ao mesmo tempo que modificou em alguns aspectos o texto anteriormente
editado tambeacutem manteve o seu principal objeto o qual jaacute havia sido flagrantemente
considerado inconstitucional pela Corte
100
Dessa forma ao mesmo tempo em que se pode vislumbrar a ocorrecircncia
de um diaacutelogo tambeacutem se pode encarar o tipo de resposta legislativa dada neste caso como
uma atuaccedilatildeo abusiva a qual natildeo poderaacute ser entendida como dialoacutegica
Essa ambiguidade demonstra que nem toda forma de resposta
legislativa deve ser encarada sob o ponto de vista dialoacutegico sob pena de enfraquecimento
das proacuteprias teorias dialoacutegicas do esvaziamento do seu potencial Eacute nesse aspecto que a
descriccedilatildeo convencional de diaacutelogo apresenta falha
O que o diaacutelogo institucional - entendido na sua melhor forma -
preceitua natildeo eacute uma imposiccedilatildeo de pontos de vista muito menos a simples deferecircncia de um
Poder para com o outro mas sim uma efetiva troca de argumentos por isso eacute preciso que
haja uma anaacutelise qualitativa das respostas legislativas para soacute assim poder enquadraacute-las
como uma manifestaccedilatildeo dialoacutegica e natildeo apenas considerar que o simples fato da sua
possibilidade existir jaacute eacute uma evidecircncia de diaacutelogo (PETTER 2007)
Como jaacute analisado anteriormente em toacutepico especiacutefico a metodologia
de diaacutelogo que verificamos nos dois casos expostos ateacute aqui eacute alvo de muitas criacuteticas poreacutem
tambeacutem possui alguns aspectos postivos que natildeo podem ser desconsiderados os quais ficam
melhor evidenciados por meio da anaacutelise do caso que a seguir seraacute exposto
16 Julgamento da accedilatildeo direta de inconstitucionalide nordm 3772DF ndash a suacutemula 726
do STF e a lei nordm 113012006
a) Breve resumo do caso
Trata-se da anaacutelise da constitucionalidade da Lei nordm 113012006 que
alargou o conceito de funccedilotildees de Magisteacuterio para efeitos de aplicaccedilatildeo do paraacutegrafo 5ordm do
artigo 40 e do paraacutegrafo 8ordm do artigo 201 da CF88 mediante Accedilatildeo Direta de
Constitucionalidade proposta pelo Procurador Geral da Repuacuteblica
Em suma o que a lei questionada apresentou foi uma introduccedilatildeo de um
paraacutegrafo segundo na Lei nordm 93941996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo Nacional)
com a seguinte redaccedilatildeo ldquoPara os efeitos do disposto no sect 5ordm do art 40 e no sect 8o do art 201
da Constituiccedilatildeo Federal satildeo consideradas funccedilotildees de magisteacuterio as exercidas por professores
e especialistas em educaccedilatildeo no desempenho de atividades educativas quando exercidas em
101
estabelecimento de educaccedilatildeo baacutesica em seus diversos niacuteveis e modalidades incluiacutedas aleacutem
do exerciacutecio da docecircncia as de direccedilatildeo de unidade escolar e as de coordenaccedilatildeo e
assessoramento pedagoacutegicordquo
Os respectivos dispositivos constitucionais tratam da aposentadoria
especial para professores prevendo uma reduccedilatildeo do tempo de serviccedilo exigido para tanto
Sobre esse aspecto o STF jaacute havia editado a Suacutemula 726 com a seguinte redaccedilatildeo para efeito
de aposentadoria especial de professores natildeo se computa o tempo de serviccedilo prestado fora
da sala de aula
O referido verbete foi resultado do julgamento da ADI 2253 onde ao
interpretar a Constituiccedilatildeo o Supremo Tribunal firmou o entendimento de que as funccedilotildees de
magisteacuterio referidas pela Carta Magna seriam apenas as da proacutepria atividade fim do
professor ou seja definiu a docecircncia como atividade exclusiva de sala de aula
Desta forma mais uma vez o Legislativo editou lei contraacuteria agrave
interpretaccedilatildeo constitucional jaacute exarada e sumulada pela Corte Contudo nessa ocasiatildeo o
resultado praacutetico foi diferente dos verificados nos casos acima
Primeiro natildeo houve debate acerca da possibilidade da ediccedilatildeo de uma
lei contraacuteria a decisatildeo jaacute proferida pelo STF mas sim uma mudanccedila no entendimento
anteriormente traccedilado apoacutes um intenso debate sobre o assunto
Poderia o Supremo Tribunal ter declarado a inconstitucionalidade da
norma sem muita dificuldade bastava manter o posicionamento anterior relativo a
impossibilidade de alargamento do benefiacutecio da aposentadoria especial aos profissionais
ldquoespecialistas em educaccedilatildeordquo entretanto optou por modificar seu entendimento parcialmente
e adaptaacute-lo para julgar a accedilatildeo parcialmente procedente mantendo a validade da lei e traccedilando
a correta interpretaccedilatildeo da mesma nos seguintes termos
I ndash A funccedilatildeo de magisteacuterio natildeo se circunscreve apenas ao trabalho em sala
de aula abrangendo tambeacutem a preparaccedilatildeo de aulas a correccedilatildeo de provas
o atendimento aos pais e alunos o assessoramento pedagoacutegico e ainda a
direccedilatildeo de unidade escolar
II ndash As funccedilotildees de direccedilatildeo coordenaccedilatildeo e assessoramento pedagoacutegico
integram a carreira de magisteacuterio desde que exercidos em
estabelecimentos de ensino baacutesico por professores de carreira excluiacutedos
102
os especialistas em educaccedilatildeo fazendo jus aqueles que as desempenham ao
regime especial de aposentadoria estabelecido nos sect 5ordm do art 40 e no sect
8o do art 201 da Constituiccedilatildeo Federal
b) Anaacutelise do caso pelo prisma das Teorias do Diaacutelogo Institucional
Vecirc-se no presente caso um posicionamento da Corte totalmente
contraacuterio ao demonstrado anteriormente Aqui o STF admitiu a superaccedilatildeo da sua decisatildeo por
lei ordinaacuteria esforccedilando-se ainda para traccedilar um entendimento compatiacutevel da lei com a
Constituiccedilatildeo quando poderia tecirc-la simplesmente anulado
Neste caso constata-se o benefiacutecio da praacutetica legislativa que mesmo
ciente do entendimento jaacute fixado pelo Judiciaacuterio forccedilou a reediccedilatildeo da lei como forma de
levantar novamente o debate acerca do tema o qual resultou positivo no tocante a efetivaccedilatildeo
de direito fundamental ampliando o rol de beneficiados com a aposentadoria especial dos
professores
Percebe-se neste ponto que o resultado beneacutefico esperado da praacutetica
das teorias dialoacutegicas dos princiacutepios juriacutedicos pautadas em uma articulaccedilatildeo legislativa no
sentido de propiciar um novo debate sobre determinado tema por meio da ediccedilatildeo de uma lei
ordinaacuteria eacute possiacutevel todavia fica claro que para que haja esse efeito positivo eacute necessaacuteria
uma abertura da Corte uma aceitaccedilatildeo ao novo enfrentamento e possibilidade de modificaccedilatildeo
do antigo posicionamento
O caso revela portanto uma importante criacutetica das teorias dialoacutegicas
nenhuma delas prevecirc uma forma de diaacutelogo que na praacutetica deva e possa ocorrer independente
da vontade das institiuiccedilotildees No mesmo sentido a descriccedilatildeo convencional de diaacutelogo exposta
por Tushnet para que resulte positiva necessita da vontade poliacutetica dos agentes
Por outro lado mais uma vez percebe-se que mesmo natildeo havendo no
sistema brasileiro qualquer previsatildeo expressa de um mecanismo estrutural dialoacutegico esse
diaacutelogo pode ocorrer como fruto do proacuteprio princiacutepio da separaccedilatildeo de poderes evidenciando
assim o que preceituam as teorias de construccedilatildeo coordenada jaacute tratadas no toacutepico 101 ou
seja que o diaacutelogo pode se materializar mesmo em um sistema onde haacute uma supremacia
judicial expressa pela proacutepria Constituiccedilatildeo
103
Mediante a leitura do presente caso percebe-se ainda que as respostas
proferidas no acircmbito da interpretaccedilatildeo constitucional estatildeo sujeitas agrave constantes mudanccedilas
que natildeo haacute uma resposta definitiva sendo entatildeo importante a interaccedilatildeo entre os Poderes
justamente para possbilitar a construccedilatildeo de novas respostas condizentes com a realidade e
mais aceitaacuteveis no seio social conforme a ideia do diaacutelogo institucional pressupotildee
Neste sentido revela-se a pertinecircncia dos ensinamentos de Waldron da
necessidade de um modelo de controle judicial das leis onde natildeo haja invariavelmente a
predominacircncia do Judiciaacuterio sendo necessaacuterio o debate acerca das questotildees constitucionais
mais complexas e natildeo a simples prevalecircncia do entendimento judicial112
Outro ponto do caso que merece destaque eacute a praacutetica da ldquointerpretaccedilatildeo
conformerdquo utilizada pelo Supremo Vecirc-se que houve uma busca por uma interpreteccedilatildeo
compatiacutevel com a Constituiccedilatildeo a fim de manter a validade da medida editada pelo
Legislativo poreacutem com uma relativa alteraccedilatildeo do sentido orginal conferido pelo legislador
Nesse aspecto a teacutecnica decisoacuteria utilizada pela Corte se assemelha ao
mandado interpretativo presente em alguns ordenamentos como jaacute abordou-se113 onde o
Judiciaacuterio possui o dever de buscar uma interpretaccedilatildeo legal compatiacutevel com o Bill of Rights
O que as difere em suma eacute o fato de que o Tribunal brasileiro natildeo
possui a ldquoobrigaccedilatildeordquo de dar uma intepretaccedilatildeo conforme a Constituiccedilatildeo podendo declarar a
lei inconstitucional e proceder a sua consequente invalidaccedilatildeo quando entender que natildeo eacute
possiacutevel adequar a interpretaccedilatildeo aos preceitos constitucionais ao contraacuterio do que ocorre no
Reino Unido e Nova Zelacircndia onde o Judiciaacuterio natildeo pode anular a lei quando natildeo conseguir
vislumbrar nenhuma interpretaccedilatildeo harmonizaacutevel com a Constituiccedilatildeo
Dito isso percebe-se que nesse caso natildeo houve uma simples deferecircncia
do Judiciaacuterio ao ato legislativo havendo a reinvenccedilatildeo do debate com a adoccedilatildeo de novos
posicionamentos buscando o Tribunal natildeo apenas a simples invalidaccedilatildeo do dispositivo legal
mas sim se esforccedilando para encontrar a sua melhor interpretaccedilatildeo de acordo com os preceitos
constitucionais preservando a norma editada pelo legislador
Sob esse ponto de vista essa praacutetica interpretativa pode ser vista como
112 Sobre os ensinamentos do autor leia-se toacutepico 4 113 Ver toacutepico 13
104
dialoacutegica eis que houve uma reaccedilatildeo legislativa agrave decisatildeo judicial inicial um novo debate a
modificaccedilatildeo do entendimento pelo Judiciaacuterio que resultou na manutenccedilatildeo da nova lei com
um sentido em conformidade com os preceitos constitucionais
Tushnet ao detalhar a descriccedilatildeo convencional de diaacutelogo menciona a
possibilidade de o Judiciaacuterio de defender o estatuto legal compatibilizando-o com as normas
constitucionais Nessa perspectiva a interpretaccedilatildeo conforme pode ser vista como uma
medida de defesa da lei da sua soberania e respeito a atuaccedilatildeo do Legislativo
Na oacutetica dos diaacutelogos pode-se dizer que houve um ldquodebaterdquo entre o
Legislativo e Judiciaacuterio provocado por meio das decisotildees judiciais e reediccedilatildeo da medida
legislativa com a sua subsequente anaacutelise judicial
Estatildeo presentes portanto todos os passos da descriccedilatildeo de diaacutelogo
elaborada por Tushnet Entretanto deve-se ressaltar que ao mesmo tempo que a postura
judicial nesse caso pode ser considerada como dialoacutegica pois admitiu a nova medida
legislativa mesmo que contraacuteria ao seu posicionamento tambeacutem pode ser considerada uma
conduta ativista eis que modificou o sentido original que o Legislador pretendeu conferir a
lei Sobre esta praacutetica eacute necessaacuterio observar alguns aspectos especiacuteficos
O princiacutepio da interpretaccedilatildeo conforme a Constituiccedilatildeo possui
unicamente a funccedilatildeo de operar como meacutetodo ldquocomplementarrdquo de interpretaccedilatildeo face a outros
criteacuterios ou meacutetodos interpretativos limita-se a ldquodesenvolverrdquo e ldquocomplementarrdquo as regras
de hermenecircutica apresenta-se basicamente como um postulado inserido num processo de
controle de normas (QUEIROZ 2010)
Eacute no domiacutenio do controle de constitucionalidade que este princiacutepio
ganha mais autonomia antes de declarar uma lei inconstitucional o juiz ou juiacutezes
encarregados do controle tecircm o dever de em via interpretativa buscar um sentido que ainda
estribado no seu enunciado linguiacutestico e ainda respeitador do texto constitucional permita
salvar a mesma (URBANO 2010 p 414)
Todavia o problema deste postulado estaacute na sua aplicaccedilatildeo pelo
Supremo Tribunal Federal que muitas vezes usa dessa justificativa para legitimar uma
postura extremamente ativista e violadora do princiacutepio da separaccedilatildeo de poderes
extrapolando os limites de sua competecircncia e reduzindo significativamente a margem de
atuaccedilatildeo do legislador e podendo ainda falsear a sua vontade original
105
Portanto para que se possa encarar essa praacutetica como beneacutefica e sob o
ponto de vista dialoacutegico eacute necessaacuterio que ela seja limitada a interpretaccedilatildeo proferida pelo
Tribunal ainda tem que ter alguma sustentaccedilatildeo no texto original tem que ser uma
interpretaccedilatildeo plausiacutevel (URBANO 2014 p 417)
Apesar disso eacute possiacutevel avistar uma deliberaccedilatildeo entre os Poderes
sugerindo a concretizaccedilatildeo de um diaacutelogo mais proacuteximo ao ideal esperadoentretanto natildeo se
deve afirmar que houve a concretizaccedilatildeo de um diaacutelogo material como a teoria idealiza mas
acredita-se que essa eacute a praacutetica mais proacutexima do mesmo dentre as jaacute analisadas ateacute aqui
poreacutem a mesma tambeacutem apresenta falhas e alguns riscos
17 Julgamento da accedilatildeo direta de inconstitucionalidade por omissatildeo nordm
3382MT
a) Breve resumo do caso
A Assembleacuteia Legislativa do Estado de Mato Grosso propocircs Accedilatildeo
Direta de Inconstitucionalidade questionando a inatividade do legislador quanto ao dever de
elaborar lei complementar a que se refere o sect4ordm do artigo 18 da Constituiccedilatildeo Federal
O referido dispostivo constitucional dispotildee que a criaccedilatildeo a
incorporaccedilatildeo a fusatildeo e o desmembramento de Municiacutepios far-se-atildeo por lei estadual dentro
do periacuteodo determinado por Lei Complementar Federal e dependeratildeo de consulta preacutevia
mediante plebiscito agraves populaccedilotildees dos Municiacutepios envolvidos apoacutes divulgaccedilatildeo dos Estudos
de Viabilidade Municipal apresentados e publicados na forma da lei Ou seja impotildee ao
legislador o dever de editar lei complementar para definiccedilatildeo do prazo
A redaccedilatildeo do dispositivo foi dada pela Emenda Constitucional nordm
151996114 e a accedilatildeo foi julgada procedente em 2007 O STF entendeu que o legislador
encontrava-se em mora haacute mais de dez anos descumprindo o seu dever constitucional de
legislar considerando portanto a omissatildeo inconstitucional e determinando um prazo de 18
meses para suprir a omissatildeo
114 Antes da EC 151996 qualquer alteraccedilatildeo dos entes federativos municipais era feita por um processo simples
atraveacutes de lei estadual assim a emenda constitucional visou na realidade dificultar essas alteraccedilotildees
106
Diversas accedilotildees tambeacutem foram propostas questionando a criaccedilatildeo de
alguns municiacutepios mesma na ausecircncia da lei115 o STF julgou as respectivas leis estaduais
que os criam inconstitucionais poreacutem sem declarar a sua nulidade modulando os efeitos da
decisatildeo no sentido de garantir a validade da lei por um periacuteodo de vinte e quatro meses
tempo superior ao que fixou para que o Legislativo sanasse a omissatildeo portanto
Relevante destacar que no acoacuterdatildeo a Corte ponderou que a ineacutercia
legislativa acabou dando ensejo agrave consolidaccedilatildeo e conformaccedilatildeo de estados de
inconstitucionalidade que natildeo podem ser ignorados pelo legislador na elaboraccedilatildeo da lei
complementar determinando assim que quando da ediccedilatildeo da lei o Legislativo contemplasse
as situaccedilotildees imperfeitas decorrentes desse estado de inconstitucionalidade gerado pela sua
omissatildeo esclarecendo ainda que o prazo de dezoito meses natildeo se trata de uma imposiccedilatildeo de
limite temporal para atuaccedilatildeo legislativa mas apenas da fixaccedilatildeo de um paracircmetro razoaacutevel
A resposta legislativa veio por meio da ediccedilatildeo da Emenda
Constitucional nordm 572008 a qual convalidou os atos de criaccedilatildeo fusatildeo incorporaccedilatildeo e
desmembramento de municiacutepios cuja lei tenha sido publicada ateacute 31 de dezembro de 2006
atendidos os requisitos estabelecidos na legislaccedilatildeo do respectivo Estado agrave eacutepoca de sua
criaccedilatildeo
Dessa forma o Legislativo cumpriu com a determinaccedilatildeo do STF
relativa ao tratamento das imperfeiccedilotildees geradas pela sua omissatildeo propondo a respectiva
soluccedilatildeo Entretanto no tocante a ediccedilatildeo da lei complementar para a fixaccedilatildeo do prazo exigido
pelo dispositivo constitucional haacute um embate contiacutenuo com o Poder Executivo
A primeira tentativa de legislar sobre o assunto ocorreu com o Projeto
de Lei do Senado Federal ndash PLS nordm 982002 o qual foi objeto de veto poliacutetico do Executivo
sob o argumento de contrariedade ao interesse puacuteblico A segunda tentativa se deu pelo PLS
nordm 1042014 o qual tambeacutem foi vetado pelo Executivo com base no mesmo argumento e haacute
uma terceira tentativa ainda em tramitaccedilatildeo que eacute o PLS nordm 1992015
As razotildees que levaram o Executivo a barrar a promulgaccedilatildeo da lei foram
de ordem orccedilamentaacuteria jaacute que a criaccedilatildeo de novos entes federativos representaria o aumento
das despesas com a estrutura da administraccedilatildeo puacuteblica razotildees essas expressas na Mensagem
115 Ver ADI 2240BA ADI 3316MT ADI 3489SC ADI 3689PA
107
nordm 505 de 12 de dezembro de 2013116 emitida pela Presidente da Repuacuteblica na ocasiatildeo do
veto
A questatildeo ainda estaacute pendente de regulamentaccedilatildeo mesmo apoacutes o
esgotamento do prazo fixado pelo STF todavia natildeo por falta de iniciativa do Legislativo
como se pode ver mas sim por contrariar os interesses do Executivo que por isso vem
dificultando a promulgaccedilatildeo da medida
b) Anaacutelise do caso pelo prisma das Teorias do Diaacutelogo Institucional
No caso narrado encontram-se diferentes pormenores que podem
indicar a presenccedila de teorias dialoacutegicas na praacutetica brasileira sendo assim far-se-aacute a anaacutelise
pontual de cada um
O STF ao realizar o controle de constitucionalidade da omissatildeo
legislativa neste caso considerou a falta de accedilatildeo do legislador como uma conduta
incompatiacutevel com o seu dever constitucional de legislar e determinou um prazo para que
suprisse essa omissatildeo Neste aspecto se evidencia a ideia do Judiciaacuterio como ente
propiciador do diaacutelogo provocando o Legislativo a agir por intermeacutedio da decisatildeo judicial
extamente como alguns teoacutericos sugerem
Como abordou-se no toacutepico 82 a decisatildeo que emana do controle de
constitucionalidade da omissatildeo legislativa pode ser considerada como um mecanismo
diaacutelogico por si soacute sob o ponto de vista das teorias dialoacutegicas centradas no processo A
mesma tambeacutem eacute facilmente enquadrada na concepeccedilatildeo convencional descrita por Tsuhnet
No caso em anaacutelise pode-se ainda identifcar a presenccedila da concepccedilatildeo
dialoacutegica desenvolvida por Dixon segundo a qual o Judiciaacuterio deve agir no sentido de
superar a ineacutercia do Legislativo poreacutem sem comprometer a sua liberdade de conformaccedilatildeo117
Ou seja no presente caso verifica-se a presenccedila das teorias fundadas no meacutetodo judicial onde
o Judiciaacuterio atua como o ente propiciador do diaacutelogo o qual ocorre dentro da proacutepria decisatildeo
judicial
Seguindo essa linha de raciociacutenio eacute possiacutevel notar que o proacuteprio STF
116 Iacutentegra disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrccivil_03_Ato2011-20142013MsgVetVET-505htm
117 Falamos mais especificamente dos ensinamentos de Dixon no toacutepico 9
108
ao pronunciar que o prazo fixado na decisatildeo natildeo objetiva estabeler um limite temporal para
condicionar a accedilatildeo legislativa mas tatildeo somente uma estipulaccedilatildeo de lapso temporal razoaacutevel
preocupou-se em deixar clara a necessidade de manutenccedilatildeo de certa liberdade de atuaccedilatildeo
daquele Poder
Todavia por outro acircngulo o Tribunal determinou que o Legislativo
quando fosse suprir a omissatildeo e regular a mateacuteria a fim de cumprir o seu dever
constitucional necessariamente cuidasse das situaccedilotildees imperfeitas ocasionadas pelo seu
estado de ineacutercia Neste particular encontra-se presente na praacutetica a teoria do
aconselhamento118 onde o Judiciaacuterio profere um direcionamento agrave atuaccedilatildeo do Legislativo
Neste caso o aconselhamento foi realizado de uma forma contida o
Supremo indicou a necessidade de soluccedilatildeo das questotildees mas natildeo determinou como e quais
as medidas a serem adotadas deixando a escolha a cargo do Legislativo Neste ponto a
conduta do Judiciaacuterio merece ser observada sob o aspecto positivo das teorias do
aconselhamento o qual reside na busca de evitar futuros problemas constitucionais por meio
da orientaccedilatildeo do Legislativo por meio de decisotildees judiciais
Nota-se que ao mesmo tempo em que o STF controla a sua atividade no
sentido de natildeo comprometer a liberdade do legislador ao fixar o prazo para a sua atuaccedilatildeo
entende necessaacuterio traccedilar algumas diretrizes para a superaccedilatildeo da inconstitucionalidade
constatada Neste caso em particular como se disse a atuaccedilatildeo do Judiciaacuterio foi de certa
forma contida poreacutem a praacutetica reflete a procedecircncia das principais criacuteticas dirigidas agrave essa
forma de diaacutelogo a qual para sua materializaccedilatildeo depende fortemente da consciecircncia e
vontade do Judiciaacuterio
Outro aspecto relevante que tambeacutem pode ser entendido como parte da
trama dialoacutegica presente no caso diz respeito a modulaccedilatildeo temporal dos efeitos da decisatildeo
quando da apreciaccedilatildeo da constitucionalidade das leis dos muniacutecipios que jaacute haviam sido
criados
O STF poderia simplesmente ter deixado os efeitos de nulidade da
declaraccedilatildeo de inconstitucionalidade se perpetuarem poreacutem tendo em mente os prejuiacutezos
que isso poderia acarretar optou por estabelecer efeitos pro futuro permitindo ao Legislativo
118 Ver toacutepico 81
109
a resoluccedilatildeo do problema por uma via menos danosa
A modulaccedilatildeo dos efeitos temporais da sentenccedila tambeacutem eacute uma praacutetica
que se coaduna com as teorias dialoacutegicas fundadas no meacutetodo judicial conforme jaacute se falou
no toacutepico 822 pois por meio dela o Judiciaacuterio condiciona os efeitos praacuteticos da sua decisatildeo
dando a oportunidade ao legislativo de corrigir ou reeditar a lei assim dode-se dizer que por
intermeacutedio dela o Judiciaacuterio instiga o legislador ao diaacutelogo
No tocante a resposta legislativa presente neste caso incialmente vale
destacar que a mesma se deu em um intervalo de tempo razoaacutevel e que o Legislativo buscou
acatar a orientaccedilatildeo da Corte todavia foi impedido de fazecirc-lo em sua completude pelos
interesses do Executivo o que acaba por retratar bem na praacutetica mais uma das dificuldades
da consolidaccedilatildeo das teorias dialoacutegicas
Pelo exposto depreende-se que o sistema brasileiro natildeo eacute alheio agraves
teorias dialoacutegicas pelo contraacuterio muitas delas estatildeo presentes em seu cotidiano A expressa
supremacia judicial e falta de familiariedade com um sistema parlamentar ndash que inicialmente
poderiam gerar duacutevidas quanto a possibilidade do diaacutelogo ndash natildeo se traduzem portanto em
uma impossibilidade completa de aplicaccedilatildeo das teorias dialoacutegicas agrave realidade brasileira
Por oacutebvio as suas manifestaccedilotildees praacuteticas satildeo peculiares e fortemente
influenciadas pela cultura e histoacuteria do paiacutes uma democracia recente e com um Legislativo
que enfrenta grande crise de representatividade o que faz com que em regra o entendimento
que prevaleccedila seja o do Judiciaacuterio
Ainda assim constata-se uma inclinaccedilatildeo do Legislativo para reagir agraves
decisotildees judiciais e natildeo simplesmente acataacute-las em sinal de uma total deferecircncia agrave um
entendimento superior Os ganhos e as perdas dessa reaccedilatildeo iratildeo depender do caso concreto
dos interesses que estatildeo em jogo podendo ser uma praacutetica temeraacuteria ou positiva como jaacute
verificou-se ao longo desse trabalho
18 Diaacutelogo institucional siacutentese dos aspectos controversos e algumas
consideraccedilotildees acerca da sua consecuccedilatildeo praacutetica
De todo o exposto ateacute aqui resta-no os seguintes questionamentos
110
Pode-se considerar o diaacutelogo institucional como uma possibilidade praacutetica viaacutevel Essa
praacutetica tem de fato o condatildeo de dirimir os conflitos relativos a legitimidade democraacutetica do
judicial review Pode ser considerado como um instrumento de combate ao ativismo judicial
ou seria mais uma forma de dissimulaccedilatildeo desse fenocircmeno
Apresentar respostas exatas a essas questotildees utlrapassa a pretensatildeo
deste trabalho ateacute mesmo porque se reconhece que natildeo haacute apenas uma via de conclusatildeo para
as mesmas em virtude da complexidade que elas envolvem Contudo objetiva-se fazer uma
reflexatildeo acerca desses questionamentos como resultado do presente trabalho de forma a
contribuir para o incremento do debate acadecircmico
No que diz respeito agrave resoluccedilatildeo dos conflitos ligados agrave legitimidade
democraacutetica do judicial review acredita-se que esta praacutetica estaacute longe de apresentar uma
soluccedilatildeo definitiva sendo um tanto pretenciosa nesse sentido pois como jaacute tratado no toacutepico
4 a discussatildeo relativa a dificuldade democraacutetica do judicial review eacute algo que lhe acompanha
a contar do seu surgimento desde sempre os estudiosos tentam justificar baseados em um
tradicional conjunto de argumentos as razotildees pelas quais juiacutezes natildeo eleitos pelo povo podem
e devem realizar um controle dos atos do legislativo com poder para declarar a sua
inconstitucionalidade e tambeacutem anulaacute-los
Natildeo se quer com isso dizer que natildeo haacute uma soluccedilatildeo para o conflito mas
sim que as teorias dialoacutegicas ao mesmo tempo que buscam e propotildeem uma soluccedilatildeo quando
materializadas na praacutetica natildeo eliminam totalmente alguns dos velhos problemas
Como viu-se a promessa da teoria dos diaacutelogos institucionais eacute
proporcionar um reequiliacutebrio entre os Poderes reconhecendo a importacircncia e competecircncias
especiacuteficas de cada um no acircmbito da jurisdiccedilatildeo constitucional sugerindo uma atuaccedilatildeo
conjunta mediante verdadeira deliberaccedilatildeo entre os braccedilos do Poder para chegar em um
consenso que seja melhor para a sociedade proporcionando assim um resultado mais eficaz
e duradouro
Do ponto de vista teoacuterico a ideia parece suficiente para solucionar o
problema principalmente nas concepccedilotildees dialoacutegicas desenvolvidas por Hiebert119 e
Bateup120 que ideliazam a realizaccedilatildeo de um diaacutelogo material sem a predominacircncia de
119 Ver toacutepico 11 que trata da teoria da parceria
120 Ver toacutepico 12 que trata da fusatildeo dialoacutegica
111
nenhum dos poderes mas sim de uma verdadeira atuaccedilatildeo conjunta
Poreacutem da anaacutelise dos exemplos praacuteticos de cada teoria e da aplicaccedilatildeo
das mesmas nos casos concretos no sistema brasileiro eacute faacutecil concluir que o exerciacutecio da
jurisdiccedilatildeo constitucional na grande maioria das vezes para natildeo dizer em todas elas resultaraacute
na prevalecircncia do entendimento de um dos atores envolvidos por vezes seraacute o Legislativo o
protagonista e por outras o Judiciaacuterio Apesar de todos os esforccedilos teoacutericos a praacutetica revela
que sempre haveraacute uma uacuteltima palavra o que eacute algo inerente ao proacuteprio sistema de revisatildeo
constitucional das leis
Acredita-se portanto que natildeo se deve desconsiderar a real existecircncia
de uma uacuteltima palavra jaacute que ela sempre iraacute existir mas sim enxergaacute-la e estimular que ela
seja ldquoprovisoacuteriardquo no sentindo de que pode ser constantemente reformulada e alterada
mediante a interaccedilatildeo entre os Poderes por meio do aprofundamento do debate e maior
possibilidade de troca de argumentos buscando sempre o melhor entendimento no acircmbito
da interpretaccedilatildeo constitucional
A existecircncia da uacuteltima palavra portanto deve estar relacionada a
preponderacircncia e maior efetividade dos direitos fundamentais e natildeo necessariamente
atrelada a prevalecircncia uniforme do entendimento de um uacutenico braccedilo do Poder Esse eacute o
principal contributo a ser extraiacutedo das teorias dialoacutegicas no tocante a resoluccedilatildeo da disputa
entre o Poder Judiciaacuterio e o Poder Legislativo pela uacuteltima palavra na seara constitucional
Em contrapartida observa-se que apesar das teorias dialoacutegicas
proclamarem a realizaccedilatildeo de um controle das leis realizado em conjunto nenhuma delas
prescreve uma forma de diaacutelogo que seja concomitante com o processo de tomada de
decisatildeo de forma que a mesma seja proferida com o comum acordo de ambos os Poderes
O que vecirc-se eacute que as formas de diaacutelogo prescritas pelas teorias estudadas se referem mais agrave
possibilidade de superaccedilatildeo de um ato jaacute concretizado seja pelo Judiciaacuterio ou pelo
Legislativo do que verdadeiramente a construccedilatildeo de uma decisatildeo comum
Asssim esse eacute o primeiro aspecto que entende-se que deve ser
desmistificado pois percebe-se que a ideia de uma ldquodecisatildeo conjuntardquo de uma deliberaccedilatildeo
antes da tomada de decisatildeo e consequentemente a concretizaccedilatildeo de um diaacutelogo no sentido
que a doutrina descreve como material na praacutetica eacute quase que inviaacutevel
Assim acertada eacute a proposiccedilatildeo de Aharaon Barak (2008 p16) de que
112
a tensatildeo entre o Judiciaacuterio e os outros ramos do Poder eacute algo natural e ateacute desejaacutevel pois se
todas as regras e decisotildees proferidas pelos Tribunais forem aceitas com tranquilidade pelos
outros Poderes eacute sinal que este natildeo estaacute cumprindo corretamente com a sua funccedilatildeo na
democaria
O Autor ressalta que junto agrave essa tensatildeo haacute tambeacutem um constante
diaacutelogo entre o Judiciaacuterio e Legislativo o qual natildeo decorre de reuniotildees e debates entre eles
mas sim da realizaccedilatildeo por cada qual da sua respectiva funccedilatildeo constitucional (BARAK
2008 p 236)
Neste sentido eacute importante a constataccedilatildeo de que no Brasil um paiacutes com
um modelo forte de controle de constitucionalidade e onde a supremacia judicial eacute evidente
vez que a proacutepria Constituiccedilatildeo entitula como o detentor da uacuteltima palavra em mateacuteria
constitucional o Supremo Tribunal Federal nada impede que o Legislativo reaja ou ateacute
mesmo desafie as decisotildees proferidas pelo Judiciaacuterio no acircmbito do controle de
constitucionalidade
Assim percebe-se que ao contraacuterio do que muitos estudiosos
pressupotildeem a ideia de diaacutelogo natildeo estaacute necessariamente vinculada agrave um sistema fraco de
revisatildeo judicial das leis ou agrave uma total inexistecircncia de supremacia judicial podendo o
mesmo existir e ser conciliaacutevel mesmo nos sistemas mais riacutegidos
Portanto a ideia de diaacutelogo institucional natildeo extingue necessariamente
a supremacia judicial o que pode eacute mitigaacute-la em alguns casos impondo limites mais riacutegidos
a atuaccedilatildeo judicial justamente por meio da possibilidade de reaccedilatildeo legislativa
Com isso pode-se dizer que a forma mais viaacutevel de se entender o
diaacutelogo institucional eacute como algo decorrente da reformulaccedilatildeo do proacuteprio princiacutepio da
separaccedilatildeo de poderes segundo a qual cada ramo do Poder realiza uma funccedilatildeo que lhe eacute
proacutepria sem interferir na atuaccedilatildeo do outro Todavia essa atuaccedilatildeo natildeo deve ser estanque natildeo
existindo uma fronteira intransponiacutevel entre as atividades inerentes agrave cada um dos Poderes
Ou seja apesar de cada Poder ter de observar seus limites e respeitar a
atuaccedilatildeo dos outros devem compreender a necessidade de cooperaccedilatildeo e buscar uma atuaccedilatildeo
conjunta e complementar
Apesar disso a praacutetica nos revela que nem toda reaccedilatildeo legislativa deve
113
ser interpretada sob o ponto de vista dialoacutegico muitas vezes ela tambeacutem representaraacute mais
uma disputa de poder do que uma tentativa de debate ou de correccedilatildeo da decisatildeo judicial
Sendo assim entender toda e qualquer reaccedilatildeo legislativa como
dialoacutegica pode ser perigoso e temeraacuterio pois em muitos casos essa reaccedilatildeo pode significar
mais um disputa de poder do que necessariamente uma tentativa de debate Assim em
algumas situaccedilotildees o termo ldquodiaacutelogordquo pode natildeo ser propriamente a melhor forma de
caracterizar essas reaccedilotildees
Em muitos casos e exemplos concretos das teorias viu-se que haacute na
realidade mais uma ldquointeraccedilatildeordquo entre os Poderes do que necessariamente um ldquodiaacutelogordquo por
conseguinte a maioria das teorias dialoacutegicas na forma em que satildeo concebidas se revelam
muito otimistas pode-se dizer que ateacute um pouco romantizadas sob o ponto de vista praacutetico
Desta forma assim como as reaccedilotildees legislativas natildeo devem em sua
totalidade serem encaradas como uma praacutetica dialoacutegica o mesmo deve ser observado quanto
a conduta do Tribunal sendo este um ponto importante a ser observado
As teorias dos diaacutelogos institucionais inicialmente se apresentam
como uma forma de combate ao ativismo judicial entretanto quando analisamos algumas
das suas metodologias podemos ver que em muitos casos elas podem acabar servindo de
reforccedilo e ateacute incentivo de uma praacutetica ativista
Como jaacute foi dito o ativismo judicial se manifesta quando as decisotildees
da jurisdiccedilatildeo constitucional tomam uma densidade poliacutetica mais ampla passando a Corte a
natildeo mais apenas declarar normas inconstitucionais atuando como legislador negativo na
forma em que foi orginariamente pensada mas ao mesmo tempo comeccedila a exigir
determinadas posturas dos outros Poderes atuando como um legislador positivo (AGRA
2006)
Dessa forma algumas teacutecnicas dialoacutegicas de decisatildeo judicial podem
representar mais uma dissimulaccedilatildeo ou camuflagem do ativismo do que o seu verdadeiro
combate jaacute que alimentam uma conduta proacute-ativa do Judiciaacuterio no sentido de provocar o
Legislativo aconselhaacute-lo ou qualquer outra forma de tiraacute-lo da ineacutercia
Podem nessa perspectiva ser consideradas tanto como uma conduta
dialoacutegica como uma conduta ativista pois a linha divisoacuteria entre a simples instigaccedilatildeo e a
114
interferecircncia no poder de atuaccedilatildeo do Legislativo eacute muito tecircnue
Por isso natildeo se pode afirmar com certeza que as teorias dialoacutegicas
servem de combate ao ativismo judicial jaacute que muitas vezes podem servir de fundamento
para o Judiciaacuterio justificar decisotildees que extrapolam seu acircmbito de atuaccedilatildeo e adentram na
esfera do Legislativo Portanto eacute essencial prestar atenccedilatildeo na forma com que o Judiciaacuterio eacute
incentivado a agir como um propiciador do diaacutelogo sem perder de vista a existecircncia de
limites agrave essa praacutetica
Apesar disso natildeo se pode desconsiderar que em muitos casos ainda
que o Judiciaacuterio ao exercer o seu papel proposto pelas teorias diaacutelogicas acabe incorrendo
em uma praacutetica ativista o resultado obtido pode ser beneacutefico como vimos por exemplo no
caso da Aacutefrica do Sul e ateacute mesmo no sistema brasileiro o que revela que nem sempre o
ativismo judicial deve ser visto como algo totalmente negativo121
No tocante a efetivaccedilatildeo do diaacutelogo no seu sentido material a proposta
de que a uacuteltima palavra seja fruto de um intenso e efetivo debate entre os atores participantes
do processo de interpretaccedilatildeo constitucional que seja construiacuteda de forma conjunta por eles
por intermedio de uma troca de argumentos para chegar a um consenso razoaacutevel e duraacutevel
no seio da sociedade natildeo se realiza com clareza em nenhuma das praacuteticas identificadas como
dialoacutegicas - pelo menos nas que temos conhecimento ateacute aqui
Por isso percebe-se que a ideia de concretizaccedilatildeo de um diaacutelogo material
estaacute muito distante de uma realidade palpaacutevel pois para que isso ocorra haacute a necessidade de
que todos os braccedilos do Poder estejam dispostos a entrar em um efetivo debate contribuindo
cada um com suas competecircncias teacutecnicas para a criaccedilatildeo de uma soluccedilatildeo conjunta
construindo decisotildees no acircmbito da jurisdiccedilatildeo constitucional mediante deliberaccedilatildeo de uma
concreta troca de argumentos o que nem sempre seraacute possiacutevel
Este fato revela que para que o diaacutelogo se concretize haacute muito mais a
necessidade de uma vontade poliacutetica das instituiccedilotildees do que necessarimente uma prescriccedilatildeo
normativa ou de uma redifiniccedilatildeo do desenho institucional por meio de modificaccedilotildees no texto
constitucional Portanto ao mesmo tempo que o diaacutelogo pode ocorrer em qualquer sistema
121 Aharon Barak destaca que nem sempre o ativismo judicial estaraacute ligado a intenccedilatildeo de expansatildeo do Poder
judicial muitas vezes ele pode ser necessaacuterio para a proteccedilatildeo dos direitos humanos e ainda pode ser a forma
do Judiciaacuterio lidar com o poder dos outros ramos poliacuteticos Ver BARAK Aharon The Judge in a Democracy
Princeton University Press 2008 pp 263-271)
115
de jurisdiccedilatildeo constitucional a sua efetividade tambeacutem seraacute diretamente influenciada pela
cultura poliacutetica e histoacuterica de cada paiacutes
Apesar da concretizaccedilatildeo do diaacutelogo no seu sentido material como
preleciona a melhor doutrina ser uma realidade um tanto distante natildeo se pode ignorar os
benefiacutecios do diaacutelogo formal que se manifesta nessas praacuteticas principalmente no que se
refere ao papel que exercem no sentido de provocar uma mudanccedila de mentalidade dos
proacuteprios entes detentores do Poder bem como no aumento da responsabilidade da sua
atuaccedilatildeo
Nessa linha de raciociacutenio Petter Andrew (2007 p167) afirma que o
apelo agraves teorias dialoacutegicas deriva mais do seu poder como uma metaacutefora do que da sua forccedila
como argumento pois ao retratar a revisatildeo judicial como contributiva para o envolvimento
deliberativo a metaacutefora do diaacutelogo reformula o papel dos juiacutezes que passam a ser vistos
como advogados de um processo democraacutetico natildeo como aacuterbitros dentro de um processo
autoritaacuterio
Apesar dos pontos controversos foram apontados a respeito da sua
praacutetica as teorias dialoacutegicas satildeo de grande valia para o desenvolvimento da justiccedila
constitucional significando a busca pela superaccedilatildeo dos problemas ligados a expansatildeo
desordenada do Poder Judiciaacuterio bem como a maior e mais eficaz efetivaccedilatildeo dos direitos
fundamentais como determina a nova ordem mundial
Pode-se dizer que ainda que as teorias possuam as suas dificuldades
praacuteticas elas direcionam os atores constitucionais para uma atuaccedilatildeo mais consciente
reforccedilam o seu papel institucional e apontam algumas das principais falhas dos sistemas
tradicionais de revisatildeo judicial Assim o diaacutelogo institucional deve ser visto como um ideal
a ser alcanccedilado atraveacutes do aperfeiccediloamento da sua praacutetica atual e sobretudo por meio do
reforccedilo do princiacutepio da separaccedilatildeo de poderes no acircmbito da jurisdiccedilatildeo constitucional
116
CONCLUSAtildeO
No decurso deste trabalho verificou-se como as mudanccedilas da sociedade
global implicaram a (re)definiccedilatildeo de um novo paradigma constitucional pautado em relaccedilotildees
de cooperaccedilatildeo o qual impocircs a busca por um novo modelo de jurisdiccedilatildeo constitucional
originaacuterio da expansatildeo do judicial review para os paiacuteses da Commonwealth
Viu-se que o ativismo judicial e a judicializaccedilatildeo da poliacutetica decorrentes
dessa expansatildeo passaram a ser vistos como patologias do sistema e acenturam novos debates
acerca da legitimidade democraacutetica do Poder Judiciaacuterio para realizar o controle de
constitucionalidade dos atos legislativos incentivando entatildeo a criaccedilatildeo de um sistema de
controle fraco de constitucionalidade originaacuterio do Canadaacute
Dentro desse contexto falou-se do surgimento da ideia de um diaacutelogo
institucional no acircmbito do controle de constitucionalidade e pautamos a diferenccedila entre
diaacutelogo material e diaacutelogo formal Apoacutes fez-se uma anaacutelise das teorias dialoacutegicas
explorando seus conceitos exemplos praacuteticos e principais pontos de criacutetica
Por intermeacutedio dessa investigaccedilatildeo percebe-se que nenhuma das teorias
consubstancia um modelo perfeito sob o ponto de vista praacutetico no sentindo de promover um
diaacutelogo verdadeiro assente em uma efetiva deliberaccedilatildeo entre os Poderes Para aleacutem disso
que alguns acabou-se por registrar que os conflitos relativos agrave legitimidade democraacutetica do
judicial review na praacutetica permanecem
Todavia constatou-se tambeacutem que as teorias dialoacutegicas satildeo valiosas
pois ao contraacuterio das conhecidas teorias interpretativas que buscam disciplinar qual a melhor
forma de os juiacutezes procederem agrave leitura constitucional estas buscam evidenciar o papel
institucional do Judiciaacuterio aliado ao reforccedilo da importacircncia da atividade legislativa visando
a produccedilatildeo de decisotildees no ambito da justiccedila constitucional que natildeo sejam fruto de um
ldquomonoacutelogordquo mas sim da interaccedilatildeo institucional
Concluiacute-se entatildeo que o potencial das teorias dialoacutegicas consiste
justamente na estimulaccedilatildeo da busca por melhores padrotildees de interaccedilatildeo entre os Poderes
sendo todas elas de uma importacircncia iacutempar por tentarem evidenciar como deveria funcionar
um desenho institucional ideal no acircmbito da interpretaccedilatildeo constitucional e controle das leis
117
reforccedilando o papel de cada braccedilo do Poder nessa empreitada conforme suas proacuteprias funccedilotildees
e capacidades
Os resultados dete trabalho natildeo satildeo portanto uma resposta exata
tampouco definitiva aos atuais problemas efrentados pela jurisdiccedilatildeo constitucional mas
servem de ponto de partida para uma reflexatildeo sobre os pontos positivos e negativos das mais
modernos teorias sobre o judicial review
118
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AGRADECIMENTOS
Este trabalho eacute fruto de um sonho e apesar da sua autoria ser individual
muitos foram os que contribuiacuteram para a sua concretizaccedilatildeo sem os quais esta natildeo seria
possiacutevel
Meus pais que desde sempre me apoiam e incentivam na construccedilatildeo de
uma vida profissional que suportam a minha ausecircncia em tantos momentos que possibilitam
o alcance dos meus objetivos e que abrem matildeo das suas vontades para que eu possa realizar
as minhas
Meu irmatildeo que mesmo distante eacute para mim exemplo de garra e
determinaccedilatildeo Meus avoacutes Artur Claacuteudio e Diniz Ferreira pela trajetoacuteria de vida que tiveram
e que hoje me servem de inspiraccedilatildeo profissional Minha amada avoacute Lucila que sempre se
fez presente em minha vida e de quem a distacircncia me eacute tatildeo cara Minha querida avoacute Eida
que mesmo em outro plano sei que me acompanha e protege constantemente
Todos aqueles que cruzaram o meu caminho em Coimbra e que de
alguma forma satildeo responsaacuteveis pelo meu crescimento tanto profissional como pessoal Os
grandes amigos que fiz que ajudaram a me sentir em casa e a amenizar a ausecircncia da famiacutelia
Todos os mestres que tive desde o iniacutecio da Graduaccedilatildeo que plantaram em
mim a vontade de aprender cada vez mais e me fizeram admirar a docecircncia
Os professores e funcionaacuterios da Universidade de Coimbra com quem tive
o privileacutegio de conviver e tanto aprender natildeo apenas sobre Direito mas sobre respeito e
valorizaccedilatildeo da Educaccedilatildeo
Minha orientadora Dra Suzana Tavares da Silva que me apresentou um
novo Direito Constitucional e que desde o iacutenicio do Curso de Mestrado ensinou-me natildeo
apenas conteuacutedos juriacutedicos mas sobretudo a pensar e argumentar
Todos aqueles que torcem por mim mesmo em silecircncio ou a distacircncia
Agradeccedilo imensamente apesar de saber que minhas palavras nunca seratildeo
suficientes para demonstrar toda a minha gratidatildeo
Obrigada
4
IacuteNDICE
INTRODUCcedilAtildeO 9
CAPIacuteTULO 1 ndash OS NOVOS DESAFIOS DO CONSTITUCIONALISMO E SEUS
REFLEXOS NA JURISDICcedilAtildeO CONSTITUCIONAL O SURGIMENTO IDEIA DE
COOPERACcedilAtildeO 11
1 Os novos desafios do constitucionalismo 11
2 Constitucionalismo de cooperaccedilatildeo e seus reflexos na jurisdiccedilatildeo constitucional 14
3 O tradicional modelo de judicial review e a supremacia judicial 19
4 Jurisdiccedilatildeo constitucional e democracia um antigo debate 23
5 A implementaccedilatildeo do judicial review nos paiacuteses da commonwealth e o surgimento
de uma nova alternativa ao binocircmio judiciaacuterio v Legislativo ndash weak form of judicial
review 28
CAPIacuteTULO 2 ndash AS TEORIAS DIAacuteLOGICAS E A CONCRETIZACcedilAtildeO DO
DIAacuteOLOGO INSTITUCIONAL 31
6 Teoria dos diaacutelogos institucionais 31
7 Diaacutelogo formal v Diaacutelogo material 33
8 Teorias dialoacutegicas fundadas no meacutetodo judicial 35
81 Aconselhamento judicial 36
82 Teorias centradas no processo 40
83 Criacuteticas agraves teorias dialoacutegicas fundadas no meacutetodo judicial 45
9 O especial caso da Aacutefrica do Sul 48
10 As teorias estruturais de diaacutelogo 51
10 1 Teorias de construccedilatildeo coordenada 52
5
11 As teorias dialoacutegicas da parceira 70
111 Criacuteticas agrave teoria da parceria 71
12 Fusatildeo dialoacutegica 72
121 Criacuteticas agrave teoria da fusatildeo dialoacutegica 73
13 Os mecanismos estruturais de diaacutelogo no sistema britacircnico e neozelandecircs 73
131 O mandado interpretativo e a declaraccedilatildeo de incompatibilidade no reino unido (seccedilatildeo 3 e 4
(2) do human rights act 1998) 74
132 O mandado interpretativo na experiecircncia neozelandesa 82
CAPIacuteTULO 3 ndash AS TEORIAS DIALOacuteGICAS NO SISTEMA DE JURSIDICcedilAtildeO
CONSTITUCIONAL BRASILEIRO UMA POSSIBILIDADE 87
14 Julgamento da accedilatildeo direta de inconstitucionalidade nordm 2797df ndash a suacutemula 394 do
STF e a lei nordm 106282002 89
15 Julgamento da accedilatildeo direta de inconstitucionalidade nordm 4543DF e a lei
131652015 96
16 Julgamento da accedilatildeo direta de inconstitucionalide nordm 3772DF ndash a suacutemula 726 do
STF e a lei nordm 113012006 100
17 Julgamento da accedilatildeo direta de inconstitucionalidade por omissatildeo nordm 3382MT 105
18 Diaacutelogo institucional siacutentese dos aspectos controversos e algumas consideraccedilotildees
acerca da sua consecuccedilatildeo praacutetica 109
CONCLUSAtildeO 116
BIBLIOGRAFIA 118
6
RESUMO
O objeto do presente trabalho satildeo as Teorias dos Diaacutelogos Institucionais
as quais se apresentam no acircmbito da jurisdiccedilatildeo constitucional como uma alternativa para
resolver os problemas relacionados a legitimidade democraacutetica da revisatildeo judicial das leis
combater o ativismo judicial e propiciar uma maior efetivaccedilatildeo dos direitos fundamentais
Inicialmente faz-se uma abordagem dos fatores que contribuiacuteram para o
seu desenvolvimento passando por questotildees relacionadas a expansatildeo do Poder Judiciaacuterio e
a adoccedilatildeo de um sistema de judicial review pelos paiacuteses da Commonwealth e o surgimento
do modelo fraco de controle de constitucionalidade (weak form of judicial review)
As teorias satildeo exploradas por meio da classificaccedilatildeo desenvolvida por
Chistine Bateup por meio de uma abordagem conceitual e praacutetica a fim de identificar os
aspectos positivos bem como as dificuldades da concretizaccedilatildeo das mesmas
Busca-se ainda verificar de que forma e em que medida essas teorias se
manifestam no sistema brasileiro o que eacute feito por meio de uma consulta a importantes
julgados do Supremo Tribunal Federal no ensejo do controle concentrado de
constitucionalidade
Ao final realiza-se um balanccedilo criacutetico dos aspectos controversos das
teorias identificando suas dificuldades praacuteticas bem como o seu potencial normativo
PALAVRAS-CHAVE judicial review supremacia judicial ativismo judicial legitimidade
democraacutetica teorias dialoacutegicas separaccedilatildeo de poderes
7
ABSTRACT
The focus of this study are the Theories of Institutional Dialogue which
are presented in the context of constitutional juridiction as an alternative to solve the
problems the democratic legitimacy of judicial review of laws combating judicial activism
and promote a greater realization of fundamental rights
Initially it is an approach of the factors that contributed to their
development through issues related to expansion of the Judiciary and the adoption of a
judicial review by the countries of the Commonwealth system and the emergence of weak
form of judicial review
The theories are operated by classification developed by Chistine Bateup
through a conceptual and practical approach in order to identify the positive and the
difficulties of their achieving
Also it is a search to verify how and to what extent these theories are
manifested in the Brazilian system which is done through a judged important verification of
the Supreme Court on the occasion of the concentrate constitutionality control
At the end it carried out a critical assessment of the controversial aspects
of the theories identifying their practical difficulties and its normative potential
KEYWORDS judicial review judicial supremacy judicial activism democratic
legitimacy dialogical theories separation of powers
8
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
ADI ndash Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade
Art ndash Artigo
CCORF ndash Canadian Charter of Rights and Freedoms
CEDH ndash Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem
CF88 ndash Constituiccedilatildeo Federal Brasileira de 1988
HRA ndash United Kingdomrsquos Bill of Rights Act
P ndash Paacutegina
PLS ndash Projeto de Lei do Senado
PEC ndash Projeto de Emenda Consrtitucional
RE ndash Recurso Extraordinaacuterio
STF ndash Supremo Tribunal Federal
9
INTRODUCcedilAtildeO
A complexidade das sociedades atuais o novo contexto internacional e a
redefiniccedilatildeo das concepccedilotildees de Constituiccedilatildeo impotildeem a reflexatildeo acerca do tradicional modelo
de jurisdiccedilatildeo constitucional e a sua capacidade de resoluccedilatildeo de conflitos de forma eficaz Se
antes o objetivo do constitucionalismo era assegurar direitos hoje a sua preocupaccedilatildeo gira
em torno da concretizaccedilatildeo dos mesmos
Fatores como o alargamento do Poder Judiciaacuterio o crescente ativismo
judicial e o surgimento de novos sistemas de jurisdiccedilatildeo constitucional dissociados da
tradicional ideia de supremacia judicial intensificam e fazem avanccedilar os debates acerca da
legitimidade do judicial review e da sua eficaacutecia no tocante a efetivaccedilatildeo dos direitos
fundamentais
Apesar de ser um tema recorrente na doutrina constitucional os debates
acerca da jurisdiccedilatildeo constitucional parecem estar longe do fim ao contraacuterio contam com
argumentos cada vez mais complexos e que ultrapassam o tradicional binocircmio Judiciaacuterio v
Legislativo e a disputa pela palavra final
O propoacutesito deste trabalho eacute contribuir para a reflexatildeo acerca do tema
utilizando como instrumento para tanto a exposiccedilatildeo e anaacutelise das Teorias dos Diaacutelogos
Institucionais as quais se propotildeem promover uma redefiniccedilatildeo do desenho institucional no
acircmbito da jurisdiccedilatildeo constitucional a fim de conciliar a revisatildeo judicial das leis com o
princiacutepio democraacutetico e propiciar uma maior eficaacutecia dos direitos fundamentais
O conteuacutedo do primeiro capiacutetulo trata de aspectos mais gerais e
introdutoacuterios buscando demonstrar a importacircncia e atualidade do tema no contexto global
em face do novo paradigma constitucional pautado em relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo na sequecircncia
aborda-se por questotildees especiacuteficas relativas ao judicial review como o tradicional debate
acerca da sua legitimidade e da sua recente expansatildeo para os paiacuteses da Commonwealth as
quais contribuiacuteram decisivamente para o desenvolvimento das teorias dialoacutegicas
Apoacutes contextualizar o surgimento da ideia de um diaacutelogo institucional no
segundo capiacutetulo faz-se uma exposiccedilatildeo conceitual praacutetica e criacutetica das teorias dialoacutegicas
buscando extrair seus principais contributos bem como desmistificar vaacuterios aspectos
10
enaltecidos por alguns estudiosos a respeito das mesmas
Utiliza-se para fins didaacuteticos a classificaccedilatildeo feita por Christine Bateup a
qual agrupa as teorias em classes diferentes e a exposiccedilatildeo de exemplos concretos de cada
teoria trazendo ao final de cada toacutepico as principais criacuteticas concernentes a sua praacutetica
Feita a anaacutelise conceitual e exemplificativa de cada grupo teoacuterico bem
como a exposiccedilatildeo de suas respectivas criacuteticas a proposta do uacuteltimo capiacutetulo eacute verificar como
e em que medida as teorias dialoacutegicas estudadas encontram reflexo na praacutetica da jurisdiccedilatildeo
constitucional brasileira atraveacutes da observaccedilatildeo de julgados do Supremo Tribunal Federal no
acircmbito do controle concentrado - ou abstrato - de constitucionalidade
A principal inquietaccedilatildeo que move este trabalho eacute verificar se o diaacutelogo
institucional na forma em que eacute proposto pelas principais teorias desenvolvidas ateacute nestas
primeiras deacutecadas do seacuteculo XXI eacute uma praacutetica possiacutevel de ser implementada ou tatildeo-
somente uma conjectura teoacuterica
11
CAPIacuteTULO 1 ndash OS NOVOS DESAFIOS DO CONSTITUCIONALISMO E SEUS
REFLEXOS NA JURISDICcedilAtildeO CONSTITUCIONAL O SURGIMENTO IDEIA DE
COOPERACcedilAtildeO
1 Os novos desafios do constitucionalismo
Antes de adentrarmos no tema central do presente trabalho eacute necessaacuterio
entender as novas premissas e diretrizes do constitucionalismo contemporacircneo Dizemos
isso por constatar que natildeo se pode analisar a jurisdiccedilatildeo constitucional de forma dissociada
do contexto histoacuterico e social em que se insere
Haumlrbele (2006) ensina que o constitucionalismo eacute por excelecircncia uma
criaccedilatildeo cultural Na mesma linha de raciociacutenio Bastos (2010) aduz que o constitucionalismo
acima de tudo revela-se como um fenocircmeno social dotado de caraacuteter juriacutedico Explica que
o seu caraacuteter social decorre de uma pressatildeo nascida do povo que objetiva o esvaziamento do
poder absoluto e o caraacuteter juriacutedico por representar a formaccedilatildeo da regulamentaccedilatildeo legal do
exerciacutecio do Poder aliada agrave implementaccedilatildeo da defesa da Constituiccedilatildeo
Dessa forma percebe-se que o constitucionalismo estaacute intimamente ligado
ao contexto social em que se insere Eacute por essa razatildeo que Canotilho (2003 p51) com
pertinecircncia afirma ser preferiacutevel referir-se a movimentos constitucionais pois natildeo haacute soacute um
constitucionalismo e sim diversos movimentos constitucionais com coraccedilotildees nacionais
mas tambeacutem com momentos de aproximaccedilatildeo entre si fornecendo uma complexa tessitura
histoacuterico-cultural
Reconhecida a influecircncia do contexto social no desenvolvimento do
constitucionalismo eacute correto afirmar que os desafios impostos agrave jurisdiccedilatildeo constitucional no
seacuteculo XXI natildeo satildeo os mesmo de outrora Se antes a preocupaccedilatildeo constitucional girava em
torno da limitaccedilatildeo do poder estatal da separaccedilatildeo de poderes e garantia de direitos e
liberdades hoje os problemas satildeo significativamente mais complexos devido ao proacuteprio
desenvolvimento da sociedade moderna
As consequecircncias do intenso processo de globalizaccedilatildeo que a humanidade
vivencia aumentam a complexidade da sociedade atual diminuem a distacircncia entre os
Estados criam novos pontos de convergecircncia entre eles estreitam as suas fronteiras
12
geograacuteficas Soma-se agrave isto o crescente fortalecimento dos mecanismos internacionais de
defesa dos Direitos Humanos e o aumento vertiginoso das normas internacionais Ora o
constitucionalismo como fenocircmeno social que eacute natildeo poderia ser imune a essas grandes
modificaccedilotildees
Jonatas Machado (2011 p33) salienta que o desenvolvimento dos
sistemas internacionais de proteccedilatildeo dos Direitos Humanos Europeu Americano e Africano
por si soacute constiuem uma revoluccedilatildeo constitucional na medida em que estabelecem uma
espeacutecie de jurisdiccedilatildeo constitucional de Direitos Humanos supranacional com capacidade de
condenar os Estados membros por violaccedilotildees a esses direitos
Destaca ainda que a Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos do Homem tem
exercido um efeito direto no Direito Constitucional de numerosos Estados em todos os
continentes inspirando cataacutelogos de direitos liberdades e garantias sendo expressamente
mencionada como auxiliar interpretativo dos cataacutelogos internos ou sendo mesmo
incorporada no bloco de constitucionalidade de alguns Estados
Assim verifica-se a abertura da Constituiccedilatildeo ao Direito Internacional
gerando um novo paradigma constitucional com o surgimento de conflitos mais complexos
sobretudo pela pluralidade no tocante a interpretaccedilatildeo do conteuacutedo dos Direitos Humanos
Neves (2013) sintetiza claramente o momento do constitucionalismo atual
quando aduz que com a maior integraccedilatildeo da sociedade mundial os problemas
constitucionais que versam sobre de direitos humanos ou fundamentais e sobre o controle e
limitaccedilatildeo do poder tornaram-se insuscetiacuteveis de serem tratados por uma uacutenica ordem juriacutedica
estatal no acircmbito do seu territoacuterio vez que esses problemas passam a ser concomitantemente
relevantes para mais de uma ordem juriacutedica muitas vezes natildeo estatais que satildeo instadas a
oferecer respostas para a sua soluccedilatildeo
Nesse contexto o tradicional princiacutepio de soberania tanto do Estado como
do Texto Supremo que o rege acaba por ser relativizado jaacute que as relaccedilotildees sociais
econocircmicas poliacuteticas e tambeacutem juriacutedicas se desenvolvem cada vez mais no acircmbito
internacional ultrapassando os tradicionais limites do poder nacional1
1 Sobre a referida relativizaccedilatildeo do princiacutepio da soberania importante destacar que como bem leciona o ilustre
doutrinador portuguecircs Jonatas Machado a mesma natildeo significa de forma alguma o fim do Estado enquanto
organizaccedilatildeo juriacutedica de uma comunidade poliacutetica Natildeo pode haver uma eficaz proteccedilatildeo dos direitos humanos
13
A moderna doutrina fala em crise do constitucionalismo decorrente dessa
conjuntura2 eis que foi revelada a incapacidade do Estado nacional e o texto magno que o
rege para resolverem isoladamente os impasses constitucionais o que acarreta em uma
perda de forccedila da Constituiccedilatildeo
Desta feita o atual momento do constitucionalismo impotildee uma reflexatildeo
acerca do papel da Constituiccedilatildeo e consequentemente da jurisdiccedilatildeo constitucional reflexatildeo
que deve ser feita natildeo apenas sob seus aspectos internos mas sim de forma comprometida
com o contexto global que seraacute determinante na sua estruturaccedilatildeo sob pena de perda da sua
eficaacutecia A abertura cognitiva que o novo cenaacuterio de fluidez de fronteiras geograacuteficas e de
intensa circulaccedilatildeo de ideias determina em relaccedilatildeo a compreensatildeo e atualidade do sentido
constitucional vem inspirando uma nova visatildeo de constitucionalismo que contemple
arquiteturas de acomodaccedilatildeo institucional que conduzam a um exerciacutecio democraacutetico de
identificaccedilatildeo do sentido constitucional Surgem entatildeo novas relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo
internas e externas ao Estado as quais representam a pedra de toque na atualidade (VALLE
2010 p 32)
Os novos desafios impostos ao constitucionalismo no seacuteculo XXI
sobretudo no tocante a compreensatildeo e delimitaccedilatildeo do conteuacutedo de direitos fundamentais tecircm
permitido a construccedilatildeo de alternativas agrave velha conclusatildeo de que na jurisdiccedilatildeo constitucional
deve existir um oacutergatildeo responsaacutevel por emanar a uacuteltima palavra na resoluccedilatildeo de conflitos jaacute
que nenhum dos atores consituticionais e braccedilos do Poder revela-se por si soacute aptos a
resolver os cada vez mais complexos problemas constitucionais
Em seguida aborda-se-aacute essa nova vertente do constitucionalismo e as
respectivas relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo que vecircm surgindo como consequecircncia dessa mudanccedila de
paradigma
sem um Estado igualmente forte o que deve ocorrer eacute uma reconceitualizaccedilatildeo da soberania mediante a
limitaccedilatildeo de alguma das suas dimensotildees e fortalecimento de outras (MACHADO 2013)
2 Ver DOBNER Petra LOUGHLIN Martin (ed) The Twilight of ConstitutionalismOxford Oxford
University Press 2009
14
2 Constitucionalismo de cooperaccedilatildeo e seus reflexos na jurisdiccedilatildeo constitucional
Conforme pode ser observado no contexto do constitucionalismo atual
haacute uma mudanccedila de paradigma decorrente do reconhecimento do pluralismo como uma
constante dos novos problemas constitucionais A concretizaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo sobretudo
no que tange a efetividade dos direitos fundamentais natildeo pode mais ser pensada de forma
singular devendo se reconhecer a multiplicidade de atores envolvidos nesse processo
Com esse objetivo eclodem inuacutemeras teorias que buscam legitimar
relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo distanciando-se cada vez mais da tradicional ideia de supremacia
seja no acircmbito interno de um Estado ou no espaccedilo internacional
Com isso emerge um conceito de ldquoconstitucionalismo cooperativordquo3 no
qual se albergam essas diversas teorias fundadas na criaccedilatildeo de mecanismos de cooperaccedilatildeo
entre os Estados e suas ordens juriacutedicas Nesse sentido merece destaque o conceito de
Estado constitucional cooperativo desenvolvido por Peter Haumlrbele (2007) como sendo um
Estado que encontra a sua identidade tambeacutem no Direito Internacional no entrelaccedilamento
das relaccedilotildees internacionais e supranacionais na percepccedilatildeo de cooperaccedilatildeo e
responsabilidade bem como no compromisso com a solidariedade e a paz
Tambeacutem com base nessa ideia de abertura e de cooperaccedilatildeo tem-se a
teoria do transconstitucionalismo desenvolvida pelo brasileiro Marcelo Neves4 e a
interconstitucionalidade do ilustre mestre Canotilho5
Apesar de diferentes em alguns aspectos o que essas duas modernas
teorias possuem em comum eacute justamente a tentativa de conciliaccedilatildeo entre o consitucionalismo
e o pluralismo da sociedade globalizada enfrentando a problemaacutetica do estabelecimento de
relaccedilotildees de acoplamento entre ordens nacionais distintas bem como destas com o direito
comunitaacuterio sem que percam a sua respectiva identidade nacional
Enquanto a interconstitucionalidade enfrenta o problema da articulaccedilatildeo
entre constituiccedilotildees e poderes constituintes com fontes e legitimidades diversas dentro de um
3 Neste trabalho o uso do termo ldquoconstitucionalismo cooperativordquo natildeo se refere a nenhuma teoria ou autor em
especiacutefico mas sim ao conjunto da doutrina constitucional que tem como base a construccedilatildeo de relaccedilotildees de
cooperaccedilatildeo seja entre Estados entre entes estatais entre ordens juriacutedicas e outras
4 Ver NEVES Marcelo Transconstitucionalismo Satildeo Paulo Martins Fontes 2013
5 Ver CANOTILHO JJ Gomes ldquoBrancososrdquo e Interconstitucionalidade Itineraacuterios dos Discursos Sobre
Historicidade Constitucional Coimbra Almedina 2006
15
mesmo espaccedilo poliacutetico de forma a solucionar os conflitos decorrentes da justaposiccedilatildeo
concorrecircncia e divergecircncia entre eles (CANOTILHO 2006) o tranconstitucionalismo trata
da construccedilatildeo de ldquopontes de transiccedilatildeordquo entre ordens juriacutedicas diversas buscando um
crescimento e aprendizado muacutetuo entre elas apontando como requisito indispensaacutevel para
tanto a permanente reconstruccedilatildeo da ldquoidentidade constitucionalrdquo de cada uma a partir do
reconhecimento de alteridade sem que isso signifique uma mera convergecircncia entre elas e
uma consequente negaccedilatildeo de identidade proacutepria mas sim a existecircncia de uma prontidatildeo
para a abertura reciacuteproca natildeo apenas cognitiva mas tambeacutem normativa (NEVES 2009)
A partir desse entendimento a conclusatildeo a que se chega eacute que o Estado
natildeo pode mais ser considerado como o principal locus de soluccedilatildeo de conflitos
constitucionais uma vez que esses ultrapassam o seu acircmbito interno sendo imperativa a
abertura agrave relaccedilotildees interestatais e supranacionais
Os exemplos mais emblemaacuteticos desses modelos de relaccedilotildees
cooperativas desenvolvem-se no acircmbito da Uniatildeo Europeia que ao reconhecer a eficaacutecia
imediata ao direito comunitaacuterio introduz um instrumento normativo supranacional agrave ordem
juriacutedica interna de cada paiacutes membro o qual passa tambeacutem a ser paracircmetro de eventual
controle das leis e das proacuteprias constituiccedilotildees estabelecendo assim uma necessaacuteria
convivecircncia entre diversas ordens juriacutedico-normativas dentro de um mesmo espaccedilo poliacutetico
e submetidas a uma jurisdiccedilatildeo supranacional
O proacuteprio Tratado que institui a Uniatildeo Europeia em seu artigo 2346 ao
determinar a competecircncia do Tribunal de Justiccedila europeu sugere que haja um diaacutelogo
intercortes A estrateacutegia a ser adotada para a consolidaccedilatildeo do novo ordenamento eacute portanto
natildeo a de mera subordinaccedilatildeo da ordem juriacutedica nacional agrave supranacional mas sim do
desenvolvimento de constantes relaccedilotildees paritaacuterias de colaboraccedilatildeo (KOMAacuteREK 2005)
6 ldquoArt 234 O Tribunal de Justiccedila eacute competente para decidir a tiacutetulo prejudicial sobre a) A interpretaccedilatildeo do
presente Tratado b) A validade e a interpretaccedilatildeo dos atos adotados pelas instituiccedilotildees da Comunidade e pelo
BCE c) A interpretaccedilatildeo dos estatutos dos organismos criados por ato do Conselho desde que estes estatutos
o prevejam Sempre que uma questatildeo desta natureza seja suscitada perante qualquer oacutergatildeo jurisdicional de um
dos Estados-Membros esse oacutergatildeo pode se considerar que uma decisatildeo sobre essa questatildeo eacute necessaacuteria ao
julgamento da causa pedir ao Tribunal de Justiccedila que sobre ela se pronuncie Sempre que uma questatildeo desta
natureza seja suscitada em processo pendente perante um oacutergatildeo jurisdicional nacional cujas decisotildees natildeo sejam
susceptiacuteveis de recurso judicial previsto no direito interno esse oacutergatildeo eacute obrigado a submeter a questatildeo ao
Tribunal de Justiccedilardquo
16
A niacutevel europeu parece correto afirmar a opccedilatildeo por uma metoacutedica
fundada na imbricaccedilatildeo de cataacutelogos reveladora ou criadora de standards em contraposiccedilatildeo
a um modelo hierarquizado fundado em uma Groundnorm (TAVARES DA SILVA 2014)
ou seja natildeo haacute a primazia entre os ordenamentos mas sim uma ideia de
complementaridade7
Seguindo essa loacutegica de imbricaccedilatildeo e natildeo de hierarquizaccedilatildeo entre os
cataacutelogos a Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa em seu art8ordm4 ldquoAs disposiccedilotildees dos
tratados que regem a Uniatildeo Europeia e as normas emanadas das suas instituiccedilotildees no
exerciacutecio das respectivas competecircncias satildeo aplicaacuteveis na ordem interna nos termos
definidos pelo direito da Uniatildeo com respeito pelos princiacutepios fundamentais do Estado de
direito democraacuteticordquo e ainda no art16ordm determina de forma expressa que ldquoOs direitos
fundamentais consagrados na Constituiccedilatildeo natildeo excluem quaisquer outros constantes das
leis e das regras aplicaacuteveis de direito internacionalrdquo e que ldquoOs preceitos constitucionais
e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados de
harmonia com a Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos do Homemrdquo 8
Portanto como resultado praacutetico dessas normas tem-se a imposiccedilatildeo
obrigatoacuteria ao oacutergatildeo responsaacutevel pelo exerciacutecio da jurisdiccedilatildeo constitucional da observacircncia
do direito comparado propiciando o exerciacutecio do que alguns estudiosos denominam de
diaacutelogo judicial (judicial dialogue) que se caracteriza nessa relaccedilatildeo de cooperaccedilatildeo
estabelecida entre ordens juriacutedicas distintas quando haacute uma conversa entre diferentes
Tribunais a fim de buscar a melhor soluccedilatildeo para a efetivaccedilatildeo dos direitos fundamentais
muito comum na praacutetica da Uniatildeo Europeia9
Saindo do contexto europeu a Constituiccedilatildeo da Aacutefrica do Sul no seu art
39 prevecirc que na interpretaccedilatildeo do Bill of Rights devem ser consideradas as leis internacionais
7 Nesse sentido de acordo com a doutrina impera no ldquotriacircngulo normativo europeurdquo o princiacutepio do niacutevel mais
elevado de proteccedilatildeo o qual pode ser entendido como resultado de uma abertura normativa (TAVARES DA
SILVA 2014)
8 Nesse sentido Jorge Miranda faz uma anaacutelise mais completa da Constituiccedilatildeo portuguesa e fala em um ldquojus-
universalismordquo Ver MIRANDA Jorge O Estado Constitucional Cooperativo e o Jus-Universalismo da
Constituiccedilatildeo Portuguesa In Cadernos da Escola de Direito e Relaccedilotildees Internacionais da UniBrasil JanDez
2007 pp 7-22) Ver tambeacutem CANOTILHO JJ Gomes MOREIRA Vital Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica
Portuguesa Anotada Volume I Coimbra 2014
9 Ver GOLUB Jonathan Modelling Judicial Dialogue in the European Community The Quantitative Basis
of Preliminary References to the ECJ 1996 ISSN 1028-3625
17
e podem ser consideradas leis estrangeiras bem como que o referido documento natildeo nega a
existecircncia de quaisquer outros direitos ou liberdades que sejam reconhecidos ou conferidos
pela common law costumary law ou legislation 10
A previsatildeo contida na Constituiccedilatildeo da Aacutefrica do Sul eacute especialmente
importante nesse contexto pois natildeo se refere apenas a necessidade de observacircncia e
integraccedilatildeo com as normas internacionais mas faz tambeacutem expressa referecircncia as normas
estrangeiras ou seja oriundas de outros paiacuteses
A ideia que fundamenta o exerciacutecio do direito comparado eacute a da busca
pelo enriquecimento da compreensatildeo do conteuacutedo dos direitos fundamentais por intermeacutedio
do compartilhamento de experiecircncias entre tribunais constitucionais distintos11 ou seja no
desenvolvimento de uma jurisdiccedilatildeo constitucional que natildeo se afigure monopolista mas sim
colaborativa
Bobeck (2013) ensina que essa praacutetica pode ser vista como uma forma
de auto-controle dos proacuteprios tribunais que percebem que natildeo podem decidir sozinhos e
buscam no meacutetodo do direito comparado ou no uso de precedentes estrangeiros uma maior
fundamentaccedilatildeo as suas decisotildees
Zagrebelsky (2007) denomina esse fenocircmeno de ldquocosmopolistimo
judicialrdquo o qual consiste justamente na consideraccedilatildeo pelo Judiciaacuterio nacional de documentos
juriacutedicos externos de decisotildees oriundas de outras cortes sejam elas de hierarquia superior
como tribunais internacionais de proteccedilatildeo dos direitos humanos ou ateacute mesmo de outras
cortes constitucionais estrangeiras12
10 ldquo39 Interpretation of Bill of Rights (1) When interpreting the Bill of Rights a court tribunal or forum ndash (a)
must promote the values that underlie an open and democratic society based o human dignity equality and
freedom (b) must consider international law (c) may consider foreing law (2) When interpreting any
legislation and when developing the common law or costumary law every court tribunal or forum must
promote the spirit purport and objects of the Bill of Rights (3) The Bill of Rights does not deny the existence
of any other rights or freedoms that are recognised or conferred by common law customary law or legislation
to the extent that they are consistent with the Bill
11 Nesse sentido Tushnet (2009) ao falar sobre a importacircncia do estudo do direito constitucional comparado
ldquostudiyng comparative constitucional law might improve our ability to make domestic constitucional lawrdquo Ver
ainda HIRSCHL Ran Comparative matters the renaissance of comparative constitutional law Oxford
Oxford University Press 2014 e JACKSON Vicky Comparative Constitucional Law Nova York Foundation
Press 1999 12 Eacute importante destacar que apesar da forma positiva em que se estaacute abordando o cosmopolitismo judicial e o
uso do direito comparado ambos satildeo alvos de criacuteticas pela doutrina Tavares da Silva (2014) destaca que ldquoo
recurso ao direito constitucional comparado por um tribunal constitucional natildeo deve servir um objetivo de
universalizaccedilatildeo de valores mas antes o aprofundamento das soluccedilotildees de inclusividade no contexto
18
Esse fenocircmeno tambeacutem encontra eco em outros lugares do Globo
apesar de em menor escala que no continente europeu A Constituiccedilatildeo Federal Brasileira agrave
semelhanccedila da Portuguesa no sect2ordm do artigo 5ordm adota uma claacuteusula aberta de direitos
fundamentais prevendo expressamente a observacircncia das normas internacionais nessa
mateacuteria
Conclui-se portanto que hoje as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo dentro do
constitucionalismo e no exerciacutecio da jurisdiccedilatildeo constitucional eacute uma realidade concreta e
global A partir disso teve iniacutecio o desenvolvimento de uma noccedilatildeo de diaacutelogo seja ele
judicial ou institucional
Esse eacute um fenocircmeno que natildeo ocorre apenas no acircmbito externo ao
Estado restrito as relaccedilotildees internacionais mas tambeacutem encontra reflexos na estrutura interna
de organizaccedilatildeo do Poder estatal no desenho institucional de cada paiacutes
A ideia de cooperaccedilatildeo e diaacutelogo transporta-se assim tambeacutem para o
acircmbito interno da jurisdiccedilatildeo constitucional dos paiacuteses surgindo um conceito de diaacutelogo
institucional o qual percebe-se deste trabalho
Percebe-se entatildeo que os novos desafios impostos ao
constitucionalismo do seacuteculo XXI tecircm influenciado no desenho institucional da jurisdiccedilatildeo
constitucional adotado por diversos paiacuteses contribuindo sobremaneira para o
desenvolvimento de novos modelos fundados nessa loacutegica da cooperaccedilatildeo superando a
tradicional ideia de uma jurisdiccedilatildeo pautada na supremacia judicial conforme seraacute analisado
intercultural ateacute onde essa inclusividade se revelar possiacutevel ou seja ateacute onde natildeo redunde em uma
neutralizaccedilatildeo do elemento cultural que daacute substacircncia material ao projecto social concreto que aquele oacutergatildeo
judicial tem como missatildeo garantirrdquo
19
3 O tradicional modelo de judicial review e a supremacia judicial
Afirmar que a Constituiccedilatildeo eacute um documento juriacutedico-poliacutetico dotado de
normatividade e superioridade dentro do ordenamento juriacutedico parece algo oacutebvio todavia
essa premissa nem sempre foi verdadeira mas sim resultado de um processo histoacuterico13
Na Ameacuterica do Norte desde o iniacutecio do seu movimento constitucional14
o caraacuteter juriacutedico-normativo da constituiccedilatildeo foi reconhecido o que acabou favorecendo a
um desenvolvimento mais raacutepido da jurisdiccedilatildeo constitucional15 ante a necessidade de
submeter o poder legislativo a limites precisamente soacutelidos16
O tradicional modelo do judicial review americano se formou no
silecircncio dos textos tomando corpo lentamente em um primeiro periacuteodo que foi ateacute 1789
(ano em que se funda o Tribunal Supremo Federal) o mesmo consistia em mera praacutetica
judicial dentro do common law em um segundo periacuteodo que vai de 1789 a 1861
impulsionado pela construccedilatildeo do Estado Federal e pelos conflitos em torno da natureza da
Uniatildeo criado pela Constituiccedilatildeo de 1787 em um terceiro periacuteodo iniciado em 1865 ateacute os
trinta primeiros anos do seacuteculo XX quando se estabeleceu como um sistema de revisatildeo
frente a todas as leis inclusive leis federais em consequecircncia do crescimento do capitalismo
das transformaccedilotildees ocasionadas pelo federalismo e pela necessidade de redefinir as relaccedilotildees
entre o Estado com a nova ordem industrial e em um quarto periacuteodo de 1954 a 1986 quando
se expandiu em resposta aos novos desafios impostos pela busca de justiccedila social igualdade
e liberdade (ACOSTA SAacuteNCHEZ 1998)
13 Nesse sentido Canotilho (2003) nos ensina que a Constituiccedilatildeo eacute o conjunto de regras (escritas ou
consuetudinaacuterias) e de estruturas institucionais conformadoras de uma dada ordem juriacutedico-poliacutetica em um
determinado sistema poliacutetico-social Entre o constitucionalismo antigo e o constitucionalismo moderno vatildeo se
desenvolvendo perspectivas poliacuteticas religiosas e juriacutedico-filosoacuteficas sem o conhecimento das quais natildeo eacute
possiacutevel compreender o proacuteprio fenocircmeno da modernidade constitucional
14 A expressatildeo ldquomovimento constitucionalrdquo eacute utilizada no sentido empregado por Canotilho como um
movimento gerador da constituiccedilatildeo (CANOTILHO 2003)
15 Para uma maior e mais detalhada compreensatildeo do movimento constitucional norte-americano ver Griffin
Stephen American Constitutionalism From the theory to the politics 1998
16 Nesse sentido ver Blaco Valdeacutes Roberto L La configuracioacuten del concepto de Constituicioacuten en las
experieacutencias revolucionarias francesas e norte-americana In Perspectivas Constitucionais Nos 20 anos da
Constituiccedilatildeo de 1976 (org Jorge Miranda) Vol III Coimbra 1998 p11
20
Para muitos a efetiva consagraccedilatildeo desse modelo ocorreu no ano de
1803 com o julgamento do famoso caso Marbury v Madison17 quando houve a formal
proclamaccedilatildeo da superioridade das normas constitucionais frente a qualquer outra lei
formulada pelo Parlamento bem como da autoridade dos Tribunais para invalidaccedilatildeo das leis
consideradas inconstitucionais
A par das questotildees poliacuteticas envolvidas nesse julgamento o fato eacute que
ele se tornou o marco da consolidaccedilatildeo da supremacia18 da Suprema Corte americana que
passou a ser entatildeo formalmente reconhecida como a detentora da uacuteltima palavra dentro do
processo de interpretaccedilatildeo constitucional19
Ateacute meados do seacuteculo XX a ideia que prevalecia na maioria dos paiacuteses
com a exececcedilatildeo dos Estados Unidos20 era a de que as constituiccedilotildees eram proclamaccedilotildees
poliacuteticas importantes mas natildeo possuiacuteam status de normas juriacutedicas As prescriccedilotildees
constitucionais natildeo podiam ser aplicadas diretamente pelos juiacutezes nem geravam direitos
subjetivos para os cidadatildeos
Havia principalmente nos paiacuteses da Europa cidental uma crenccedila na
legitimidade do Parlamento para a criaccedilatildeo do Direito natildeo existindo razatildeo para submeter as
leis por ele criadas agrave nenhuma espeacutecie de revisatildeo judicial O controle que existia era um
controle poliacutetico feito pelo proacuteprio legislativo21
17 Para uma visatildeo criacutetica e maiores detalhes sobre o famoso julgamento Marbury v Madison ver Acosta
Sancheacutez Joseacute Formacioacuten de la Constituicioacuten y Jurisdiccioacuten Constitucional Fundamentos de la Democracia
Constitucional Madri Tecnos 1998 pp 115 e Urbano Maria Benedita Curso de Justiccedila Constitucional
Evoluccedilatildeo Histoacuterica e Modelos de Controlo da Constitucionalidade Almedina 2012 pp 28 a 36
18 Neste trabalho quando fala-se em supremacia refere-se agrave siacutentese de Ward (2007) segundo a qual supremacia
judicial define o status que os precedentes merecem quando desafiados pela atuaccedilatildeo superveniente do
legislativo
19 Griffin (2003) em importante estudo revela que o judicial review americano nem sempre esteve associado agrave
ideia de supremacia judicial tendo sido este elemento incorporado ao modelo posteriormente Nesse sentido
destaca ldquoAs has so often been noted Marshall never claimed supremacy for the Court in Marbury The
opinion ends after all with Marshall saying that courts hace an equal right to the other departament in
interpreting the Constitution The Court committed itself explicity to judicial supremacy only relatively
recently In Cooper v Aaron for example the Court stated that the ldquofederal judiciary is supreme in the
exposition of the law of the Constitutionrdquo
20 Miranda (2007) destaca que diferente da Franccedila e dos paiacuteses europeus durante o seacuteculo XIX os Estados
Unidos vivem quase desde a sua formaccedilatildeo sob o princiacutepio da constitucionalidade isto eacute de que as leis e os
outros atos do Estado devem ser conformes agrave Constituiccedilatildeo e natildeo devem ser aplicados pelos tribunais no caso
de serem desconformes
21 ldquoO controle da conformidade das leis com a constituiccedilatildeo comeccedilou por ser do tipo poliacutetico Aacute medida que o
valor de lei suprema das constituiccedilotildees se ia impondo os parlamentos iam-se sentido cada vez mais pressionados
para permitir que as suas leis fossem objeto de fiscalizaccedilatildeo Numa primeira fase admitiram o controlo da
21
Portanto durante muito tempo na maioria dos paiacuteses europeus em
funccedilatildeo da constituiccedilatildeo ser vista como mero instrumento poliacutetico desprovido de
normatividade cabia ao Parlamento a regulamentaccedilatildeo das relaccedilotildees entre individuo e Estado
usufruindo entatildeo de um papel de legislador soberano eis que seus atos natildeo estavam
subordinados a nenhum controle judicial cabendo ao Poder Judiciaacuterio apenas a mera
aplicaccedilatildeo das leis
O reconhecimento da constituiccedilatildeo como norma juriacutedica soacute ocorreu no
constitucionalismo do poacutes-45 com o fim da segunda guerra mundial quando foram
incorporados no texto constitucional direitos fundamentais e princiacutepios relevantes de
moralidade poliacutetica
Com isso a partir da metade do seacuteculo XX a maioria das novas
constituiccedilotildees passaram a prever mecanismos de jurisdiccedilatildeo constitucional ou procuram
fortalecer ou ampliar os jaacute existentes A maior parte dos paiacuteses que reestruturam suas ordens
juriacutedicas desde entatildeo seja apoacutes libertar-se do jugo de antigas colocircnias seja depois da
superaccedilatildeo de ditaduras internas optaram pela introduccedilatildeo ou ampliaccedilatildeo de instrumentos de
controle de constitucionalidade nos seus textos magnos (SARMENTO 2006)
Ou seja o desenvolvimento do constitucionalismo e o reconhecimento
da constituiccedilatildeo como norma juriacutedica suprema do Estado criaram a necessidade de um
controle das normas infraconstitucionais
Nesse contexto desenvolveram-se inicialmente dois modelos de
controle de constitucionalidade distintos que foram se espalhando pelos diversos paiacuteses ao
longo dos anos que se seguiram O modelo decorrente do sistema americano ficou conhecido
como controle difuso tendo como principal caracteriacutestica o fato de todos os tribunais e juiacutezes
poderem declarar dentro de um caso concreto a inconstitucionalidade de uma lei
infraconstitucional
constitucionalidade das leis mas seriam eles os responsaacuteveis por um tal controlo Era pois um controlo
poliacutetico exercido por um oacutergatildeo poliacutetico o parlamento () Seja como for facilmente se constata que o controle
poliacutetico tende a ser pouco efetivo e eficaz No caso especiacutefico do controlo atribuiacutedo ao parlamento pode
afirmar-se sem grande margem de erro que os parlamentares eram ldquojuiacutezes em causa proacutepriardquo (no fundo era
um autocontrolo) Por este motivo o controlo das normas acabaria por ser atribuiacutedo aos tribunais tornando-se
um controlo judicialrdquo (URBANO 2012 p17)
22
Em oposiccedilatildeo a esse modelo Kelsen desenvolveu uma visatildeo alternativa
de controle de constitucionalidade para os sistemas europeus que ficou conhecido como
controle concentrado de constitucionalidade ou modelo austriacuteaco Nesse tipo de controle a
proteccedilatildeo da Constituiccedilatildeo previa a instituiccedilatildeo de um controle abstrato das atividades do
legislador confiado a um uacutenico oacutergatildeo separado dos tribunais ordinaacuterios - o Tribunal
Constitucional Ao juiacutez constitucional cabia manter ou anular o ato normativo do legislador
consoante o considerasse conforme ou desconforme a constituiccedilatildeo (URBANO 2012)
Jaacute nas uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XX a jurisdiccedilatildeo constitucional foi se
tornando uma realidade quase universal passando a existir em paiacuteses de todos os
continentes Tanto o modelo norte-americano como o modelo austriacuteaco serviram de
inspiraccedilatildeo para a implementaccedilatildeo do controle de constitucionalidade das leis e surgimento de
modelos mistos
Alguns paiacuteses como o Brasil por exemplo desenvolveram sistemas
mistos onde estatildeo presentes caracteriacutesticas de ambos os modelos tanto o austriacuteaco como o
americano ou seja haacute tanto o controle de constitucionalidade difuso quanto o concentrado22
Jaacute nos paiacuteses do continente europeu o modelo mais disseminado foi o modelo Austriacuteaco o
que impulsionou a criaccedilatildeo de diversos Tribunais Constitucionais em paiacuteses como Espanha
Itaacutelia e Portugal23
Assim na grande maioria dos paiacuteses desenvolveu-se um sistema de
jurisdiccedilatildeo constitucional aliado agrave ideia de supremacia judicial no qual o Poder Judiciaacuterio eacute
quem profere a uacuteltima palavra no tocante a interpretaccedilatildeo constitucional Na Europa em
especial a supremacia judicial foi se tornando uma realidade cada vez mais forte sendo o
ativismo judicial um dos responsaacuteveis pelo fortalecimento e desenvolvimento da estrutura
judiciaacuteria que se tem hoje na maioria dos paiacuteses
Diante de tudo isso pode-se afirmar que uma das caracteriacutesticas mais
evidentes no constitucionalismo contemporacircneo eacute a ascensatildeo institucional do Poder
Judiciaacuterio ultrapassando a originaacuteria ideia de legislador negativo tradicionalmente
22 Para maiores detalhes sobre o controle de constitucionalidade brasileiro ver BARROSO Luiacutes Roberto O
Controle de constitucionalidade no direito brasileiro Exposiccedilatildeo sistemaacutetica da doutrina e anaacutelise criacutetica da
jurisprudecircncia Satildeo Paulo Editora Saraiva 2004
23 Para maiores detalhes sobre o controle de constitucionalidade Portuguecircs ver Canotilho 2008 capiacutetulo 2
23
concebida por Kelsen dando margem ao surgimento de alguns fenocircmenos que seratildeo
tratados no toacutepico a seguir
4 Jurisdiccedilatildeo constitucional e democracia um antigo debate
A controveacutersia acerca da natureza da atividade fiscalizatoacuteria exercida
pelas Cortes Constitucionais decorre do possiacutevel conflito entre duas distintas legitimaccedilotildees
a dita legitimaccedilatildeo democraacutetica tipicamente atribuiacuteda ao legislador e a legitimaccedilatildeo
jurisdicional para a defesa do ordenamento juriacutedico constitucional atribuiacuteda ao Juiacutezo
constitucional Discute-se sobretudo o porquecirc da consignaccedilatildeo ao Judiciaacuterio de tal atribuiccedilatildeo
fiscalizatoacuteria bem assim quais seriam os objetos e limites do controle jurisdicional
(PONTES 2001 p 65)24
Os contornos desse debate estatildeo intimamente ligados a noccedilatildeo de
democracia exercendo o seu conceito direta influecircncia nos argumentos de defesa de um ou
de outro Poder Em apertada siacutentese pode-se mencionar que aqueles que defendem a
atribuiccedilatildeo do Poder ao Judiciaacuterio para realizar o controle de constitucionalidade das leis
fundamentam-se na regra contramajoritaacuteria ou seja na necessidade de uma oposiccedilatildeo a regra
da maioria representada pelo Legislativo principalmente para defender e proteger os direitos
e garantias de minorias sem tanta representatividade na busca por uma democracia
substancial25
Em contrapartida existem aqueles que denfendem uma outra noccedilatildeo de
democracia fundada justamente nos argumentos de maioria e de representatividade razatildeo
pela qual entendem pela iligitimidade dos juiacutezes membros natildeo eleitos pelo povo para
derrubar atos legislativos
Apesar da discussatildeo sobre a legitimidade democraacutetica da jurisdiccedilatildeo
constitucional ser um debate antigo natildeo se pode - sob nenhuma hipoacutetese - considera-lo como
24 Sobre o tradicional debate acerca da legitimidade da jurisdiccedilatildeo constitucional ver GARAPON Antonie O
juiz e a democracia o guardiatildeo das promessas Rio de Janeiro Renavn 2009 Linares Sebastiaacuten La
(i)legitimidad democraacutetica del control judicial de las leyes Madrid Marcial Pons MOREIRA Vital Princiacutepio
da Maioria e princiacutepio da constitucionalidade legitimidade e limites da justiccedila constitucional in Coloacutequio no
10ordm Aniversaacuterio do Tribunal Constitucional Lisboa 1993 pp 167-175
25 Sobre a regra contramajoritaacuteria ver BICKEL Alexander The last dangerous branch the Supreme Court at
the bar of politics New Haven Yale University 1986 e WHITE G Edward History and the Constitution
Durham Carolina Academic Press 2007
24
algo superado sobretudo porque na atualidade os argumentos insertos na questatildeo estatildeo
cada vez mais sofisticados e possibilitam uma discussatildeo aleacutem do tradicional binocircmio
Judiciaacuterio x Legislativo no tocante a detenccedilatildeo da uacuteltima palavra em mateacuteria constitucional
Nas uacuteltimas deacutecadas vivencia-se uma expansatildeo do tradicional modelo
do judicial review americano pelo Globo e consequentemente um reforccedilo e um alargamento
do Poder Judiciaacuterio razatildeo pela qual muitos paiacuteses hoje adotam modelos fundados em uma
supremacia judicial na qual os juiacutezes satildeo os responsaacuteveis por emitir a palavra final na
resoluccedilatildeo de conflitos constitucionais
A referida expansatildeo propiciou o desenvolvimento de fenocircmenos como
a judicializaccedilatildeo de questotildees poliacuteticas e o ativismo judicial os quais satildeo atualmente
considerados por alguns como uma ameaccedila ao princiacutepio democraacutetico a separaccedilatildeo de poderes
e ateacute mesmo a efetividade de direitos fundamentais Diante disso acabam por vir
novamente agrave tona antigos questionamentos relativos agrave legitimidade democraacutetica da
jurisdiccedilatildeo constitucional
A judicializaccedilatildeo da Poliacutetica aqui entendida como a dependecircncia de
Tribunais e dos meios judiciais para abordarsolucionar impasses morais fundamentais
questotildees de poliacuteticas puacuteblicas e controveacutersias poliacuteticas eacute um fenocircmeno mundial Embora
muitas questotildees de poliacuteticas puacuteblicas ainda permaneccedilam aleacutem do alcance do Judiciaacuterio eacute
fato incontestaacutevel que tem havido uma deferecircncia das outras esferas do Poder no sentido de
acolher a intrusatildeo do mesmo em suas prerrogativas o que acaba por acelerar o processo de
judicializaccedilatildeo das agendas poliacuteticas (HIRSCHL 2008)26
26 Hirschl faz importante observaccedilatildeo sobre um niacutevel diferente de judicializaccedilatildeo o qual denomina de
judicializaccedilatildeo da acutemega-poliacuteticaacute a qual seria mais impactante e consequentemente mais preocupante De
acordo com o autor ldquoToday not a single week passes without a national high court somewhere in the world
releasing a major judgment pertaining to the scope of constitutional rights or the limits on legislative or
executive powers The most common are cases dealing with procedrual justice and criminal lsquodue processrsquo
rights Aggregate data suggest that approximately two-thirds of all constitutional rights cases in the lsquoworld of
new constitutinalismrsquo deal with that type of rights Also common are rulings involving classic civil liberties
the right to privacy and formal equality This ever-expanding body of civil liberties jurisprudence has
expanded and fortified the boundaries of the constitutionally protected private sphere (often perceived as
threatened by the long arm of the state and its regulatory laws) and hastransformed numerous policy areas
involving individual freedoms In recent years we have seen the emergence of another level of judicialized
politics reliance on courts and judges for dealing with what we might call lsquomega-politicsrsquo ndash core political
controversies that define the boundaries of the collective or cut through the heart of entire nations This level
of judicialization includes several subcategories judicial scrutiny of executive-branch prerogatives in the
realms of macroeconomic planning or national security (ie the demise of what constitutional theorists call
the lsquopolitical questionrsquo doctrine) judicialization of electoral processes judicial corroboration of regime
transformation fundamental restorative-justice dilemmas and above all the judicialization of formative
25
Com o reconhecimento internacional da importacircncia da proteccedilatildeo dos
direitos fundamentais e o consequente entendimento de que a enunciaccedilatildeo desses direitos na
Carta Magna determina por si soacute um direito subjetivo em favor dos cidadatildeos o Estado
passou a ser responsaacutevel pela realizaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas que visem agrave sua efetividade
natildeo mais sendo suficiente apenas que natildeo os viole mas tambeacutem que aja de forma a propiciar
a sua eficaacutecia
Assim o Judiciaacuterio passou a ser visto como o principal centro de
discussatildeo sobre a efetividade desses direitos principalmente pela sociedade que encontrou
nas demandas judiciais um meio de coagir o Estado a dar cumprimento e efetividade aos
direitos constitucionalmente assegurados O progressivo aumento dessas demandas fez com
que fosse possiacutevel uma realizaccedilatildeo do controle judicial das poliacuteticas puacuteblicas estatais
favorecendo a judicializaccedilatildeo de temas que antes eram reservados ao campo da poliacutetica27
Esse cenaacuterio tambeacutem propiciou a ocorrecircncia de outro fenocircmeno
designado como ativismo judicial ou governo de juiacutezes28 que a par da sua difiacutecil e
heterogecircnea conceituaccedilatildeo deve aqui ser entendido como a excessiva atividade criativa do
juiz constitucional29
Tanto a judicializaccedilatildeo de questotildees poliacuteticas como o ativismo judicial
podem ser identificados como patologias dentro do sistema da jurisidiccedilatildeo constitucional sob
o ponto de vista do princiacutepio da separaccedilatildeo de poderes (TAVARES DA SILVA 2014) eis
que ocasionam um excesso de autonomia e poder ao Judiciaacuterio em detrimento dos demais
poderes facilitando inclusive a usurpaccedilatildeo de competecircncias
collective identity nation-building processes and struggles over the very definition or raison decirctre of the polity
as such ndash arguably the most troubling type of judicialization from a participatory democracy stanpoint These
emerging areas of judicialized politics expand the boundaries of national high-court involvement in the
political sphere beyond any previous limitrdquo
27 Esse eacute um tema muito discutido no Brasil onde haacute um grande nuacutemero de demandas judiciais - individuais e
coletivas - que questionam a efetividade de direitos fundamentais como o direito agrave sauacutede agrave educaccedilatildeo etc Sobre
o assunto ver VALLE Vanice Regina Liacuterio do Judicializaccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas no Brasil Ateacute onde
podem nos levar as asas de Iacutecaro In Themis Revista de Direito da Universidade Nova de Lisboa ano XI
nordm 2021 2011
28 A criaccedilatildeo dessas expressotildees eacute respectivamente atribuiacuteda agrave Arthur Schlesinger Jr e Walter Clark
29 Sobre o ativismo judicial ver URBANO 2012 p 87- 101
26
Somado a esses fenocircmenos outro importante componente que ajudou
a reacender o debate30 foi a recente transposiccedilatildeo do modelo americano do judicial review
fundado na supremacia judicial para paiacuteses da Commonwealth tradicionalmente centrados
em um modelo de soberania parlamentar a qual seraacute melhor abordada no toacutepico a seguir
Diante das evidentes dificuldades de harmonizaccedilatildeo do modelo de
revisatildeo judicial das leis para paiacuteses onde ateacute entatildeo o Parlamento era soberano expoentes
doutrinadores como Ronald Dworkin e Jeremy Waldron voltaram sua atenccedilatildeo para a anaacutelise
das vantagens e desvantagens da realizaccedilatildeo de um controle judicial dos atos do Parlamento
e da sua legitimidade democraacutetica
Dworkin (2006) postula uma ldquoconcepccedilatildeo constitucional de
democraciardquo31 segundo a qual o regime democraacutetico demanda a tomada decisotildees coletivas
por instituiccedilotildees que tratem de forma isonocircmica todos os cidadatildeos fato que nem nem sempre
iraacute ocorrer em procedimentos majoritaacuterios Assim o Autor defende que o primordial para a
legitimidade democraacutetica de uma decisatildeo eacute o seu conteuacutedo substantivo e natildeo propriamente
o procedimento em si realizado para a sua elabraccedilatildeo
Sendo assim alega a legitimidade democraacutetica do controle de
constitucionalidade das leis realizada pelo Poder Judiciaacuterio eis que esta seria no seu
entender a instacircncia do Poder mais apta a fornecer a ldquoresposta certardquo sobre direitos
fundamentais (DWORKIN 2001)
30 Necessaacuterio esclarecer que o controle de constitucionalidade sempre foi alvo de desconfianccedila sob o ponto de
vista da teoria democraacutetica durante muitos anos importantes estudiosos concentraram esforccedilos tentando buscar
uma justificativa capaz de legitimaacute-lo como o famoso debate entre Hans Kelsen e Carl Schmitt Todavia o
debate de hoje o qual interessa para o presente trabalho se funda em argumentos mais complexos por razotildees
didaacuteticas natildeo iremos retomar ao debate mais antigo
31ldquoSe rejeitamos a premissa majoritaacuteria precisaremos de uma explicaccedilatildeo diferente e melhor do valor e da
finalidade da democracia Vou defender agora uma explicaccedilatildeo ndash que chamo de concepccedilatildeo constitucional da
democracia ndash que efetivamente rejeita a premissa majoritaacuteria Segundo essa explicaccedilatildeo o fato de as decisotildees
coletivas serem sempre ou normalmente as decisotildees que a maioria dos cidadatildeos e tomariam se fossem
plenamente informados e racionais natildeo eacute nem uma meta nem uma definiccedilatildeo de democracia O objetivo que
define a democracia tem de ser diferente que as decisotildees coletivas sejam tomadas por instituiccedilotildees poliacuteticas
cuja estrutura composiccedilatildeo e modo de operaccedilatildeo dediquem a todos os membros da comunidade enquanto
indiviacuteduos a mesma consideraccedilatildeo e o mesmo respeito () a concepccedilatildeo constitucional requer esses
procedimentos majoritaacuterios em virtude de uma preocupaccedilatildeo com a igualdade dos cidadatildeos e natildeo por causa de
um compromisso com as metas da soberania da maioria Por isso natildeo opotildee objeccedilatildeo alguma ao emprego deste
ou daquele procedimento natildeo majoritaacuterio em ocasiotildees especiais nas quais tal procedimento poderia proteger
ou promover a igualdade que segunda essa concepccedilatildeo eacute a proacutepria essecircncia da democracia e natildeo aceita que
essas exceccedilotildees sejam causa de arrependimento moralrdquo (DWORKIN Ronald O Direito da Liberdade Satildeo
Paulo Martins Fontes 2006 p 26)
27
Em contrapartida Waldron (1999) sustenta que a legitimidade
democraacutetica de uma decisatildeo coletiva natildeo pode ser julgada a partir dos seus resultados como
propotildee Dworkin mas sim pelo caraacuteter democraacutetico do procedimento de tomada da decisatildeo
Partindo do princiacutepio da existecircncia de um grande dissenso acerca dos direitos fundamentais
dentro da sociedade entende que natildeo eacute legiacutetimo que predomine como correta entre as
diversas visotildees existentes aquela enunciada pelo Judiciaacuterio
Segundo o Autor o tradicional modelo do judicial review aliado agrave
supremacia do Judiciaacuterio natildeo eacute o meio mais adequado para a tomada de decisatildeo final em
uma sociedade livre e democraacutetica Apesar de criticar severamente essa praacutetica natildeo ignora
a sua existecircncia na maioria dos paiacuteses e faz uma distinccedilatildeo entre os diversos sistemas
classificando-os em sistemas fortes intermediaacuterios e fracos de acordo com a quantidade de
poder que eacute atribuiacutedo ao Judiciaacuterio (WALDRON 2014)
Neste sentido eacute importante a distinccedilatildeo que propotildee entre judicial review
e supremacia judicial O primeiro conceitua como uma forma de controle judicial das leis
que na sua melhor concretizaccedilatildeo praacutetica pode operar como um poder modesto de restriccedilatildeo
jaacute a supremacia judicial como a ideia de que os juiacutezes satildeo supremos e ateacute soberanos na
poliacutetica estando todos os outros poderes poliacuteticos a eles subordinados (WALDRON 2014
p 5)
Esclarece por exemplo que nos Estados Unidos haacute uma supremacia
judicial natildeo necessariamente pela adoccedilatildeo de um modelo forte de revisatildeo judicial mas sim
pela forma que este vem sendo exercido pela Suprema Corte Americana (WALDRON
2014 p 11)
O raciociacutenio desenvolvido por Wladron eacute importante principalmente
para demonstrar que natildeo deve haver uma vinculaccedilatildeo necessaacuteria entre judicial review e
supremacia judicial Ou seja para o autor a supremacia judicial e seus efeitos negativos pode
e deve ser combatida sem que para isso tenha-se que abolir a praacutetica da revisatildeo judicial das
leis a qual pode ateacute ser considerada como uma praacutetica boa e necesaacuteria
Com base nesse raciociacutenio atualmente o tradicional modelo de judicial
review aliado a supremacia do Poder Judiciaacuterio tem sido um dos maiores alvos de criacuteticas da
teoria constitucional natildeo apenas sob a oacutetica da legitimidade democraacutetica mas tambeacutem pelo
seu resultado no que tange a verdadeira efetivaccedilatildeo dos direitos fundamentais
28
O excesso de poder concedido ao Judiciaacuterio passou entatildeo a ser visto
com maus olhos em razatildeo de fenocircmenos como o ativismo judicial e a judicializaccedilatildeo poliacutetica
levando a doutrina a uma busca incessante por formas de combate a essas patologias
Em face disso alguns Estados de tradiccedilatildeo parlamentar cientes dessa
realidade negativa vivenciada nos demais paiacuteses poreacutem convencidos da necessidade de
implementaccedilatildeo de um sistema de revisatildeo judicial das leis para uma maior efetivaccedilatildeo dos
direitos fundamentais buscaram desenvolver modelos alternativos aos ateacute entatildeo existentes
Uma das propostas desses novos modelos eacute superar o problema da
legitimidade democraacutetica do judicial review mediante a promoccedilatildeo de um reequiliacutebrio entre
o Legislativo e Judiciaacuterio conforme se leraacute nas proacuteximas paacuteginas
5 A implementaccedilatildeo do judicial review nos paiacuteses da commonwealth e o
surgimento de uma nova alternativa ao binocircmio judiciaacuterio v Legislativo ndash weak
form of judicial review
A evoluccedilatildeo do judicial review na medida em que os Estados foram se
confrontando em pleno seacuteculo XX com o problema da escolha de mecanismos de controle
de constitucionalidade para os seus sistemas normativos procurando ajustar os modelos jaacute
existentes agraves suas realidades permitiu o desenvolvimento de diversos novos modelos
(TAVARES DA SILVA 2014)
Entre 1982 e 1998 paiacuteses como Canadaacute Nova Zelacircndia e Reino Unido
que ateacute entatildeo viviam sob a eacutegide de um sistema pautado na supremacia do Parlamento ao
adotarem um Bill of Rigths instituiacuteram um modelo de revisatildeo judicial a partir do tradicional
modelo americano poreacutem tentando uma nova forma de equiliacutebrio entre os poderes ateacute entatildeo
inexistente
Esse modelo foi denominado por Tushnet como weak form of judicial
review em oposiccedilatildeo ao modelo americano que constitui um strong form of judicial review
no qual a interpretaccedilatildeo constitucional efetuada pela Suprema Corte eacute praticamente
irreversiacutevel e inalteraacutevel por maiorias legislativas ordinaacuterias (TUSHNET 2009 p 33)
O novo modelo traduz-se basicamente em uma forma de controle de
constitucionalidade onde existem mecanismos de respostas da populaccedilatildeo agravequelas decisotildees
29
que lhes parecem erradas visando com isso diminuir a tensatildeo natural relativa a legitimidade
democraacutetica do judicial review
Nele a interpretaccedilatildeo judicial das provisotildees constitucionais pode ser
revisada pelo legislativo em um prazo relativamente curto usando uma regra de decisatildeo natildeo
muito diferente da que eacute usada no processo legislativo cotidiano (TUSHNET 2009) Com
isso tem-se um modelo que dissocia a jurisdiccedilatildeo constitucional da supremacia judicial
permitindo tambeacutem ao Legislativo o pronunciamento
Gardbaum (2013) identifica que este modelo foi feito sob a exata
medida para permitir uma maior proteccedilatildeo juriacutedica aos direitos dentro de paiacuteses com culturas
poliacuteticas nas quais haacute um apego substancial agrave soberania parlamentar como provedora de uma
longa e em grande parte bem sucedida tradiccedilatildeo constitucional democraacutetica32
Em siacutentese o novo modelo de jurisdiccedilatildeo constitucional adotado pelos
paiacuteses da Commonwealth adveacutem entatildeo da busca pela conciliaccedilatildeo entre a necessidade de
proteccedilatildeo dos novos direitos fundamentais e a tradiccedilatildeo da supremacia parlamentar o que
certamente natildeo haacute no tradicional modelo norte-americano
Cada um dos paiacuteses adeptos desse modelo buscou em suas
especificidades adotar mecanismos que prometiam a possibilidade de um exerciacutecio da
jurisdiccedilatildeo constitucional pautado no equiliacutebrio institucional sugerindo uma
responsabilidade conjunta pela decisatildeo final aleacutem de permitir o exerciacutecio de um diaacutelogo
deliberativo entre o Judiciaacuterio e o Legislativo no tocante a aplicaccedilatildeo e proteccedilatildeo dos direitos
fundamentais (GARDBAUM 2013) 33
Na praacutetica pode-se dizer que o marco inicial do denominado sistema
brando de constitucionalidade se deu com o advento da Carta Canadense de 198234 a qual
32 ldquoMost importantly while granting courts the power to enforce fundamental rights it decouples judicial
review from judicial supremacy by empowering legislatures to have the final word This new model was
custom-built to permit greater legal protection of rights within political cultures in which there is substantial
attachment to parliamentary sovereignty as having provided a long and largely successful tradition of
constitutionalist democracyrdquo (GARDBAUM 2013 p 760)
33 Sobre a evoluccedilatildeo do constitucionalismo nos paiacuteses da Commonwealth ver tambeacutem ZINES Leslie
Constitutional change in the Commonwealth Cambridge Cambridge University Press 1991 34 Constitution Act 1982 Disponiacutevel em lthttplaws-loisjusticegccaengConstindexhtmlgt
30
traz na sua Seccedilatildeo 3335 a previsatildeo da notwithstanding clause o que permite ao Legislativo
determinar a aplicaccedilatildeo de um diploma normativo expressamente reconhecido pelo Judiciaacuterio
como inconstitucional e na Seccedilatildeo 136 com a previsatildeo da possibilidade do Legislador reeditar
uma norma que configure e limite direito consagrado nas seccedilotildees 2 e de 7 a 15 e que jaacute tenha
sido objeto de reprovaccedilatildeo pelo Judiciaacuterio desde que fundada em justificativa razoaacutevel
A despeito das criacuteticas dirigidas a esses mecanismos as quais seratildeo
abordadas ao longo do presente trabalho a experiecircncia Canadense chamou a atenccedilatildeo de
diversos doutrinadores por todo o mundo bem como inspirou outros paiacuteses de tradiccedilatildeo
parlamentar a adotar esse novo modelo de jurisdiccedilatildeo constitucional
O Reino Unido por exemplo com a aprovaccedilatildeo do Human Rights Act
(HRA) em 1998 passou a adotar o mecanismo da interpretive obligation e de declarations
of incompability a Nova Zelacircndia tambeacutem apoacutes a aprovaccedilatildeo da sua Carta de Direitos
Humanos introduziu mecanismo similar agrave claacuteusula interpretativa da Inglaterra
Logo apesar de cada paiacutes adotar mecanismos diferentes pode-se dizer
que adotam um modelo fraco de controle de constitucionalidade eis que neles natildeo existe a
ideia de supremacia judicial ou seja a uacuteltima palavra em mateacuteria de interpretaccedilatildeo
constitucional natildeo eacute dada necessariamente pelo Judiciaacuterio havendo a possibilidade de
contradita pelo Legislativo e ateacute mesmo de prevalecircncia da interpretaccedilatildeo deste uacuteltimo
Dessa maneira a partir da observaccedilatildeo dessas novas experiecircncias dos
problemas oriundos da praacutetica do ativismo judicial da crescente judicializaccedilatildeo da Poliacutetica
das controveacutersias sobre a legimitidade da jurisdiccedilatildeo constitucional e da incessante busca pela
efetividade de direitos eclodem inuacutemeras teorias que tentam explicar e fundamentar a
existecircncia de um diaacutelogo entre Legislativo e Judiciaacuterio no seio da jurisdiccedilatildeo constitucional
satildeo as denomidadas teorias dialoacutegicas as quais seratildeo expostas e analisadas na sequecircncia de
forma sistemaacutetica
35 ldquo33 (1) Parliament or the legislature of a province may expressly declare in an Act of Parliament or of the
legislature as the case may be that the Act or a provision thereof shall operate notwithstanding a provision
included in section 2 or sections 7 to 15 of this Charterrdquo
36 ldquo1 The Canadian Charter of Rights and Freedoms guarantees the rights and freedoms set out in it subject
only to such reasonable limits prescribed by law as can be demonstrably justified in a free and democratic
societyrdquo
31
CAPIacuteTULO 2 ndash AS TEORIAS DIAacuteLOGICAS E A CONCRETIZACcedilAtildeO DO
DIAacuteOLOGO INSTITUCIONAL
6 Teoria dos diaacutelogos institucionais
Antes de iniciar a anaacutelise das respectivas teorias importa esclarecer que
apesar das mesmas terem se desenvolvido doutrinariamente em sua maioria e com maior
forccedila apoacutes a criaccedilatildeo do weak judicial review como explicado ateacute aqui algumas delas satildeo
anteriores agrave isso e fruto da anaacutelise de sistemas tradicionais como o do proacuteprio Estados
Unidos conforme seraacute demonstrado na sequecircncia
Eacute necessaacuterio explicar que a referecircncia agrave ldquodiaacutelogos institucionaisrdquo apesar
do reconhecimento da existecircncia de diversas instituiccedilotildees no acircmbito estatal estaacute-se
privilegiando especificamente a interaccedilatildeo entre as Cortes Constitucionais e o Parlamento
sobretudo porque o cerne do debate acerca da legitimidade democraacutetica da jurisdiccedilatildeo
constitucional restringe-se a essas duas vertentes do Poder ficando o executivo de fora pois
segundo a tradicional doutrina nunca foi considerado forte candidato a detentor da uacuteltima
palavra no processo de interpretaccedilatildeo constitucional Dito isso explicar-se-aacute o que as teorias
possuem em comum e quais os seus fundamentos basilares
Como jaacute demonstrado a ideia de diaacutelogo institucional surge a partir do
novo paradigma do constitucionalismo contemporacircneo que tem por objetivo natildeo mais
analisar quem deve interpretar a Constituiccedilatildeo mas sim buscar uma teoria que seja construiacuteda
a partir de uma proposta cooperativa por intermeacutedio da qual as instituiccedilotildees possam
compartilhar fundamentos em comum ao operacionalizar as ordens juriacutedica e poliacutetica
Esse entendimento eacute consequecircncia da anaacutelise do novo modelo de
jurisdiccedilatildeo constitucional iniciado no Canadaacute o qual aponta para a necessidade de
reestabelecimento de um equiliacutebrio entre as instituiccedilotildees por meio da alocaccedilatildeo de
responsabilidade reciacuteproca entre Tribunais e Parlamento na formulaccedilatildeo de poliacuteticas e
legislaccedilatildeo
Ou seja as teorias dialoacutegicas partem da premissa de que muitas vezes a
decisatildeo judicial natildeo seraacute suficiente para a resoluccedilatildeo de um conflito sobre direitos sobretudo
nos casos relativos agrave efetivaccedilatildeo de direitos fundamentais nos quais existem limitaccedilotildees que
32
ultrapassam a seara da competecircncia judicial portanto natildeo pode a decisatildeo judicial ser
considerada o fim da linha dentro da jurisdiccedilatildeo constitucional principalmente quando se
busca a maacutexima eficaacutecia de direitos fundamentais
Em contraste com as teorias de interpretaccedilatildeo que propotildeem criteacuterios que os
juiacutezes devem utilizar para resoluccedilatildeo de conflitos constitucionais as teorias de diaacutelogo
centram-se no processo institucional por meio do qual as decisotildees sobre o significado
constitucional satildeo feitas sugerindo que este envolve a elaboraccedilatildeo compartilhada do
significado constitucional entre o Judiciaacuterio e outros atores (BATEUP 2005)
As teorias que abordam o exerciacutecio de um diaacutelogo institucional na
resoluccedilatildeo dos conflitos consitucionais buscam em primeiro lugar entender e verificar como
essa interaccedilatildeo ocorre qual o seu significado reforccedilando o princiacutepio da separaccedilatildeo de poderes
a partir da percepccedilatildeo de que todas as instituiccedilotildees cada uma em sua especificidade satildeo
responsaacuteveis por uma parcela da tarefa da interpretaccedilatildeo constitucional
As teorias dialoacutegicas natildeo fornecem respostas certas para os casos difiacuteceis
de interpretaccedilatildeo mas despertam um processo no qual todos participam na busca dessa
resposta Rejeita os extremos tanto da atuaccedilatildeo judicial como da atuaccedilatildeo legislativa a Corte
natildeo impede que a prevalecircncia da legislaccedilatildeo mas induz o Parlamento a assumir a
responsabilidade poliacutetica e apresentar justificativas razoaacuteveis para suas escolhas no tocante
agrave restriccedilatildeo de direitos (ROACH 2001)
Nesse sentido Sustein e Vermule (2002) indicam a necessidade de uma
virada institucional no pensamento sobre a interpretaccedilatildeo constitucional chamando a atenccedilatildeo
para a necessidade de observaccedilatildeo da capacidade das instituiccedilotildees e dos efeitos dinacircmicos de
qualquer abordagem especiacutefica e de suas consequecircncias
A partir dessa ideia as teorias do diaacutelogo institucional sugerem que natildeo
deve haver um predomiacutenio de uma instituiccedilatildeo sobre a outra quando do exerciacutecio da
jurisdiccedilatildeo constitucional mas sim uma forccedila tarefa uma atuaccedilatildeo conjunta das mesmas
Sendo assim diversas teorias tecircm se proliferado no sentido de fundamentar
agrave abertura ao diaacutelogo no exerciacutecio da jurisdiccedilatildeo constitucional visando sobretudo o
restabelecimento do equiliacutebrio entre os poderes como fundamento de uma legitimidade
democraacutetica a defesa de um sistema brando de controle de constitucionalidade e a
concretizaccedilatildeo dos direitos fundamentais
33
Buscar-se-aacute na continuidade deste capiacutetulo analisar aacute luz das teorias
dialoacutegicas algumas praacuteticas do Judiciaacuterio e Legislativo a fim de identificar ateacute que ponto
essas teorias podem ser consideradas como efetivadoras de um diaacutelogo concreto e
substancial no exerciacutecio da jurisdiccedilatildeo constitucional e quais seus contributos no tocante a
superaccedilatildeo dos problemas relativos a sua legitimidade e no combate ao ativismo
Entretanto antes de fazer a exposccedilatildeo de cada teoria e seus efeitos praacuteticos
em especiacutefico eacute imprescindiacutevel destacar que haacute na doutrina uma aparente diferenciaccedilatildeo
entre tipos de diaacutelogo gerando uma dicotomia diaacutelogo formal e diaacutelogo material a qual
passamos a explorar no toacutepico seguinte
7 Diaacutelogo formal v Diaacutelogo material
Para que se possa analisar de forma mais clara e eficaz as teorias
dialoacutegicas e suas respectivas praacuteticas se faz necessaacuterio primeiramente entender o que seria
um verdadeiro diaacutelogo e quando este pode ser considerado verdadeiramente promissor no
sentido de cumprir os objetivos a que a teoria se propotildee
De iniacutecio pode-se afirmar que essa tarefa eacute aacuterdua eis que nela residem
justamente os maiores alvos das criacuteticas direcionadas as teorias dialoacutegicas conforme veremos
na sequecircncia Apesar de todas as benesses que a ideia de um diaacutelogo constitucional
apresenta a sua praacutetica ainda eacute um pouco conflituosa eis que nem tudo aquilo que alguns
denominam de ldquodiaacutelogordquo deve ser de fato assim considerado
Na definiccedilatildeo de Dor (2000) o diaacutelogo material ou substantivo ocorre
quando haacute o comprometimento e engajamento de todos os participantes na busca de uma
soluccedilatildeo harmoniosa que conteraacute tanto a interpretaccedilatildeo do Tribunal relativa a uma questatildeo
constitucional como o interesse do legislador
Ou seja no desenvolvimento do diaacutelogo em seu sentido material haacute a
conciliaccedilatildeo entre a interpretaccedilatildeo judicial e os interesses do legislador buscando o Tribunal
articular as falhas da legislaccedilatildeo e o legislador a incluir nas suas iniciativas a interpretaccedilatildeo
do Tribunal buscando soluccedilotildees para alcanccedilar o seu objetivo agrave luz dessa interpretaccedilatildeo
Jaacute o diaacutelogo no sentido formal ocorre quando a atuaccedilatildeo legislativa
pouco ou nada acrescenta ao resultado final servindo apenas para ldquocarimbarrdquo a decisatildeo
34
judicial ou seja quando haacute a total deferecircncia do Legislativo agrave decisatildeo judicial
Tremblay (2005) tambeacutem em importante anaacutelise sobre o tema ao tratar
dos limites da teoria dos diaacutelogos institucionais apesar de natildeo negar a possibilidade da sua
concretizaccedilatildeo praacutetica introduz duas concepccedilotildees geneacutericas de diaacutelogos os de conversaccedilatildeo e
os de deliberaccedilatildeo
Para o Autor os diaacutelogos pautados em uma conversaccedilatildeo satildeo em
siacutentese aqueles que ocorrem de uma maneira mais informal e espontacircnea no qual haacute uma
troca de ideias sentimentos ou opiniotildees sem um comprometimento das partes com um
entendimento em comum um aprendizado ou descoberta de novas perspectivas natildeo haacute
pois um empenho na argumentaccedilatildeo ou um debate forte Seria de certa forma como um
diaacutelogo entre amigos apoacutes uma refeiccedilatildeo
Em contrapartida a concepccedilatildeo deliberativa de diaacutelogo consiste em
praacutetica semelhante agrave conversaccedilatildeo pois tambeacutem haacute troca de ideias sentimentos e opiniotildees
entre duas ou mais pessoas poreacutem de maneira mais formal e menos espontacircnea Na
deliberaccedilatildeo as partes possuem um mesmo propoacutesito buscam por intermeacutedio da troca de
argumentos e ideias a resoluccedilatildeo coletiva de conflitos ou problemas
Sendo assim o diaacutelogo pautado na conversaccedilatildeo consistiria em um
diaacutelogo meramente formal o qual segundo alguns autores natildeo deve ser considerado como
uma forma efetiva de diaacutelogo eis que natildeo haacute uma verdadeira inteiraccedilatildeo entre os poderes mas
tatildeo somente uma possibilidade de resposta de um ao outro
Desta forma pode-se inferir que para que haja a verdadeira
concretizaccedilatildeo dos objetivos propostos pela teoria do diaacutelogo institucional a simples
formulaccedilatildeo pautada em um diaacutelogo formal natildeo seria suficiente fazendo-se necessaacuteria a
ocorrecircncia de uma deliberaccedilatildeo concreta entre os poderes uma verdadeira deliberaccedilatildeo a fim
de chegar a consenso no que tange a interpretaccedilatildeo constitucional
Neste estudo natildeo se despreza nenhuma dessas concepccedilotildees de diaacutelogo
ao contraacuterio busca-se demonstrar justamente aquelas praacuteticas que mais se coadunam com a
concepccedilatildeo de um diaacutelogo material poreacutem tambeacutem ressaltando os benefiacutecios daquelas que
consistam apenas uma vertente formal
Feita essa diferenciaccedilatildeo passa-se a expor de maneira mais especiacutefica
35
as teorias dialoacutegicas e suas manifestaccedilotildees praacuteticas Utilizar-se-aacute didaticamente a
sistematizaccedilatildeo das teorias feita por Christine Bateup sobretudo no que tange a classificaccedilatildeo
das mesmas jaacute que nosso objetivo eacute tentar abordar o maior nuacutemero possiacutevel de teorias e
praacuteticas
A exposiccedilatildeo inicia-se pela anaacutelise da praacutetica sugerida pela doutrina
como dialoacutegica em paiacuteses que possuem um controle de constitucionalidade forte ou seja
inicialmente formulado com base em uma supremacia do Judiciaacuterio na tarefa de revisatildeo
judicial das leis
Apoacutes o que seraacute mencionado a praacutetica dialoacutegica nos paiacuteses que adotam
um controle fraco de constitucionalidade onde a ideia de diaacutelogo a priori eacute mais evidente
pelo fato do proacuteprio modelo constitucional prever mecanismos voltados para esse fim
8 Teorias dialoacutegicas fundadas no meacutetodo judicial
As teorias fundadas no meacutetodo judicial satildeo aquelas que defendem que
o diaacutelogo deve ocorrer dentro da decisatildeo judicial Tecircm como elemento central a defesa do
uso consciente pelo Judiciaacuterio de teacutecnicas de tomada de decisotildees que estimulem e incentivem
o debate mais amplo sobre o significado constitucional com - e entre - os poderes poliacuteticos
Para a praacutetica dessa modalidade de diaacutelogo natildeo haacute a exigecircncia da
existecircncia de mecanismos formais de relaccedilatildeo institucional eis que o diaacutelogo se estabelece
natildeo pela observaccedilatildeo de um preceito especiacutefico preacutevio mas pela simples interaccedilatildeo entre os
distintos ramos do Poder por essa razatildeo eacute possiacutevel encontrar os maiores exemplos desse
tipo de diaacutelogo em sistemas de jurisdiccedilatildeo constitucional centrados na supremacia judicial
conforme se leraacute a seguir
Bateup subdivide essas formas de diaacutelogo em duas categorias as
denominadas de aconselhamento judicial (judicial advice- giving) e as teorias centradas no
processo (process centered rules)
Antes de se tratado cada categoria em especiacutefico necessaacuterio destacar
mais uma vez que o foco neste caso estaacute em buscar exemplos da manifestaccedilatildeo dessa teoria
na jurisdiccedilatildeo constitucional de paiacuteses que adotam um modelo de revisatildeo judicial inspirado
no tradicional modelo norte americano justamente para tentar verificar se neles tambeacutem haacute
36
uma possibilidade de diaacutelogo jaacute que adotam um sistema forte de controle de
constitucionalidade sugerindo o que alguns autores chamam de ldquoenfraquecimento do
controle de constitucionalidaderdquo e fazer o contraponto com a forma de diaacutelogo estabelecida
em jurisdiccedilotildees constitucionais que adotam o weak judicial review para verificar onde se
assemelham e onde se distanciam
Reassalte-se ainda que o objetivo natildeo eacute exaurir todas as questotildees e
pormenores praacuteticos e teoacutericos dos exemplos que seratildeo dados a seguir mas tatildeo somente
abordar as questotildees referentes ao potencial dialoacutegico dos institutos juriacutedicos mencionados
que eacute o que interessa para o alcance do objetivo do presente trabalho
81 Aconselhamento judicial
As teacutecnicas de aconselhamento judicial consistem em formas proativas
de interpretaccedilatildeo constitucional e construccedilatildeo de decisotildees que o Judiciaacuterio recomendan o curso
de accedilatildeo do Poder Legislativo e busca aconselhaacute-lo com o obejtivo de evitar futuros
problemas constitucionais
O uso dessas teacutecnicas visa assegurar que os ramos poliacuteticos visualizem
e entendam a interpretaccedilatildeo constitucional feita pelo Judiciaacuterio para que com isso elaborem
a legislaccedilatildeo de acordo com a mesma ou ainda alterem a legislaccedilatildeo em vigor para evitar
discrepacircncias (BATEUP 2005 p17)
Por natildeo existir uma forma predeterminada para promoccedilatildeo do
aconselhamento judicial nem a necessidade de previsatildeo de um mecanismo especiacutefico para
tanto ele se traduz na praacutetica de inuacutemeras formas Sendo assim natildeo haacute como enumerar todas
as suas possibilidades praacuteticas de forma exaustiva razatildeo pela qual foram selecionadas as
mais importantes e evidentes
811 Constitutional road maps
A doutrina americana reporta-se agraves decisotildees judiciais denominadas de
constitutional road maps mediante as quais o Judiciaacuterio pronuncia a inconstitucionalidade de
uma lei mas ao mesmo tempo aponta os caminhos possiacuteveis a serem seguidos pelo
Legislativo para a correccedilatildeo da incompatibilidade
37
Essa teacutecnica foi utilizada pela Suprema Corte Americana no
julgamento do caso City of Chicago v Morales37 no qual foi analisada a constitucionalidade
da Chicagoacutes gang-loitering law lei que impedia a congregaccedilatildeo puacuteblica de membros de
gangues e seus associados
A lei foi considerada inconstitucional por ser vaga e violar o devido
processo legal poreacutem apesar de declarara inconstitucionalidade a Suprema Corte proferiu
decisatildeo esboccedilando de forma detalhada as alternativas legais com potencial para sobreviver
ao escrutiacutenio judicial
As diretrizes para a elaboraccedilatildeo de um estatuto legal em consonacircncia
com a Constituiccedilatildeo foram traccediladas no voto da Juiacuteza Sandra OrsquoConnor as quais em sua
maioria foram seguidas pelo Legislativo na elaboraccedilatildeo do novo diploma legal
aproximadamente trecircs anos depois razatildeo pela qual a decisatildeo eacute apontada pela doutrina como
fruto de diaacutelogo
Apesar de neste caso a decisatildeo da Suprema Corte ter servido de diretriz
para a elaboraccedilatildeo de um novo diploma legal nem sempre eacute o que ocorre A teacutecnica do
constitutional road map eacute alvo de muitas criacuteticas sendo considerada uma das teacutecnicas mais
radicais e perigosas de incentivo poacutes-invalidaccedilatildeo da lei pois ao derrubar a legislaccedilatildeo em
anaacutelise o Judiciaacuterio oferece um roteiro a ser seguido pelo Legislativo para criar um estatuto
legal que seja constitucional (LUNA 2001)
812 Sentenccedilas intermedias (declaraccedilotildees de mera incompatibilidade
e sentenccedilas apelativas)
No acircmbito europeu em especial no Direito alematildeo existem alguns
tipos de sentenccedilas oriundas do controle de constitucionalidade que satildeo consideradas como
teacutecnicas dialoacutegicas sob o ponto de vista das teorias fundadas no meacutetodo judicial Essas
sentenccedilas fazem parte do grupo das chamadas ldquosentenccedilas intermediasrdquo ou ldquosentenccedilas
37 Oportuno se faz esclarecer que natildeo se adentra nas questotildees faacuteticas do caso nem no meacuterito da decisatildeo por
fugir ao escopo do presente trabalho poreacutem a decisatildeo pode ser consultada na iacutentegra em
httpssupremejustiacomcasesfederalus52741casehtml
38
normativasrdquo38 as quais satildeo decisotildees judiciais que se situam entre o considerar e o natildeo
considerar a inconstitucionalidade de uma norma e nos casos em que eacute admissiacutevel entre
rejeitar a norma considerada inconstitucional e concomitantemente expulsaacute-la do
ordenamento juriacutedico e natildeo considerar constitucional e mantecirc-la (URBANO 2012 p 87)39
Apesar de natildeo nos interessar a anaacutelise de todos os diversos tipos de
sentenccedilas intermedias eacute oportuno destacar que as mesmas satildeo uma produccedilatildeo recente da
jurisdiccedilatildeo constitucional dos paiacuteses europeus que adotaram o modelo autriacuteaco de controle
de consitucionalidade ou seja um controle concentradoabstrato realizado por um Tribunal
criado para esse fim especiacutefico e que revelam que a idealizaccedilatildeo de Kelsen de criaccedilatildeo de um
oacutergatildeo que atue como legislador negativo vem sendo ultrapassada agrave medida que os Tribunais
Constitucionais natildeo mais se limitam meramente a decidir pela constitucionalidade ou natildeo de
uma norma sobretudo pela evidente complexidade dos problemas constitucionais que
exigem decisotildees mais elaboradas que o esquema ldquoconstitucional v inconstitucionalrdquo
Pois bem O primeiro tipo de sentenccedila dentro desse universo que pode
ser considerada como uma teacutecnica dialoacutegica eacute a chamada ldquodeclaraccedilatildeo de mera
incompatibilidaderdquo originaacuteria da jurisprudecircncia alematilde Consiste em uma decisatildeo do
Tribunal Constitucional onde natildeo haacute a anulaccedilatildeo da lei mas apenas a declaraccedilatildeo de que a
mesma eacute incompatiacutevel com a constituiccedilatildeo e a sua consequente suspensatildeo ateacute que o
Legislativo efetue a correccedilatildeo da norma a fim de tornaacute-la constitucional
Ou seja o Tribunal reconhece a inconstitucionalidade da norma poreacutem
sem declarar a sua nulidade mantendo-a no ordenamento juriacutedico mas suspendendo a sua
aplicaccedilatildeo Com isso de acordo com os defensores dessa praacutetica o Judiciaacuterio estaria
permitindo ao Legislativo a correccedilatildeo da legislaccedilatildeo a tempo de evitar um vaacutecuo legislativo
(QUEIROZ 2012)
Essa praacutetica tem sido muito utilizada pelo Tribunal Constitucional
Alematildeo nos casos em que ldquoa declaraccedilatildeo de nulidade haveria de produzir uma situaccedilatildeo
juriacutedica insuportaacutevelrdquo especialmente nas seguintes situaccedilotildees a) quando o juiz reconhece
que o legislador natildeo tinha outra alternativa dado o contexto histoacuterico existente b) quando a
38 Natildeo haacute um consenso na doutrina a respeito da denominaccedilatildeo desses tipos de decisatildeo aqui se optou por utilizar
essas duas nomenclaturas por serem amplamente difundidas e utilizadas pelos doutrinados portugueses e
brasileiros respectivamente
39 No contexto brasileiro essas decisotildees satildeo conhecidas como sentenccedilas interpretativas ou intermediaacuterias
39
inconstitucionalidade natildeo eacute evidente designadamente por motivos de seguranccedila c) quando
a ausecircncia da norma inconstitucional eacute menos adequada que a sua manutenccedilatildeo d) quando
estatildeo em causa disciplinas discriminatoacuterias (URBANO 2012 p 81-82)
Mendes (1990) destaca que essa teacutecnica decisoacuteria eacute utilizada pelo
Tribunal Constitucional alematildeo principalmente nos casos em que estaacute em jogo o princiacutepio
da isonomia quando uma lei injustificadamente confere benefiacutecios a um determinado
nuacutemero de pessoas ou grupos sociais deixando de englobar outros setores caracterizando
assim uma situaccedilatildeo singular complexa que natildeo pode ser resolvida com a simples declaraccedilatildeo
de inconstitucionalidade da lei
Outra importante figura tambeacutem originaacuteria do direito alematildeo mas hoje
tambeacutem muito presente no Direto italiano satildeo as ldquosentenccedilas apelativas ou exortativasrdquo
Nesse tipo de sentenccedila o Tribunal Constitucional natildeo considera a lei inconstitucional no
momento em que profere a decisatildeo entretanto alerta o Legislativo para a possibilidade de
uma futura inconstitucionalidade e diante disso dirige-lhe um apelo para que modificaccedilatildeo
a legislaccedilatildeo a fim de adequaacute-la a Lei Maior
Esse apelo visa sobretudo evitar uma futura inconstitucionalidade e
com base nessa justificativa o Tribunal oferece ao legislador com maior ou menor
determinaccedilatildeo e exigecircncia possibilidades orientaccedilotildees para a reparaccedilatildeo da norma em tempo
uacutetil fixando em alguns casos um prazo para tanto (URBANO 2012a)
Diferem das decisotildees de mera incompatibilidade pois nessas a norma jaacute
foi considerada inconstitucional cabendo ao legislador proceder a imediata adequaccedilatildeo para
sanar a inconstitucionalidade enquanto que nas sentenccedilas apelativas a violaccedilatildeo ao texto
constitucional ainda natildeo foi consumada ou ainda natildeo haacute certeza sobre a sua ocorrecircncia
(SILVA 2008)
A doutrina italiana tem maioritariamente fundamentado a utilizaccedilatildeo
desse tipo de decisatildeo em um chamado constitucionalismo cooperativo italiano equivalente
a dizer que o Tribunal Constitucional quando confrontado com a ineacutercia do poder poliacutetico
tem desempenhado uma funccedilatildeo propulsora dos valores constitucionais (SILVA 2008
p1119)
O que essas decisotildees possuem em comum entre si e tambeacutem com a
primeira figura aqui mencionada do constitutional road map eacute o fato de conterem em seu
40
corpo em menor ou maior grau orientaccedilotildees para a atividade legislativa visando sanar ou
evitar questotildees de inconstitucionalidade
Na visatildeo de Gomes Canotilho (2003 p 1018) esses tipos de decisotildees
satildeo altamente criticaacuteveis pois ldquoa natildeo atribuiccedilatildeo dos efeitos da nulidade ipso jure natildeo pode
implicar a sobrevivecircncia e aplicaccedilatildeo da norma considerada inconstitucional nem os
laquoperigosraquo das lacunas legislativas se podem sobrepor aos perigos da erosatildeo do princiacutepio da
constitucionalidade dos actos normativosrdquo
82 Teorias centradas no processo
Apesar de ser classificada por Bateup como uma forma de diaacutelogo que
emana de uma decisatildeo judicial pode-se dizer que eacute o contraponto do meacutetodo do
aconselhamento judicial pois ao inveacutes de defender a postura provocadora do Judiciaacuterio agrave
reposta legislativa como centro do diaacutelogo preconiza justamente o contraacuterio uma atuaccedilatildeo
contida dos Tribunais de forma a deixar um maior espaccedilo para a atuaccedilatildeo legislativa
De acordo com esse grupo de teorias o Judiciaacuterio natildeo deve apontar o
caminho a ser seguido pelo Legislativo criando diretrizes ou dando orientaccedilotildees eacute uma
atividade que natildeo lhe compete mas deve possibilitar um ldquosegundo olharrdquo para a questatildeo
821 Minimalismo judicial
A teoria do minimalismo judicial tem se desenvolvido principalmente
no contexto norte americano onde os precedente judiciais possuem muita forccedila normativa
Ela pretende a afirmaccedilatildeo do priciacutepio democraacutetico por meio da limitiaccedilatildeo da atuaccedilatildeo judicial
no processo de tomada de decisotildees que envolvam principalmente a fixaccedilatildeo do conteuacutedo de
direitos fundamentais em temas sensiacuteveis da vida social como questotildees relacionadas ao
aborto casamento de homossexuais dentre outras
O atual exponente defensor dessa teoria eacute o americano Cass R Sustein
que propotildee uma limitaccedilatildeo da atuaccedilatildeo jurisdicional das Cortes as quais natildeo devem decidir
questotildees que extrapolem o caso concreto que estaacute em analise visando um ldquouso construtivo
do silecircnciordquo
Ou seja o Judiciaacuterio natildeo deve tomar decisotildees abrangentes de forma
41
que enclausurem a discussatildeo para sempre mas sim deve restringir-se agraves questotildees daquele
caso concreto permitindo que a discussatildeo profunda e geneacuterica do tema ocorra no acircmbito do
oacutergatildeo legislativo o qual possui legimitidade democraacutetica para tanto
Dessa forma o minimalismo em sua forma processual consiste em um
esforccedilo para limitar a amplitude e profundidade das decisotildees judiciais quando os juiacutezes
carecem e sabem que carecem de informaccedilotildees relevantes o minimalismo eacute uma forma de
resposta apropriada razoaacutevel e ateacute mesmo inevitaacutevel para resolver o problema praacutetico de
obter o consenso dentro de uma sociedade heterogecircna (SUSTEIN 1999 p 5)
Bickel (1962) tambeacutem um importante nome dos defensores da
contenccedilatildeo da atuaccedilatildeo judicial ao falar sobre o exerciacutecio pela Suprema Corte do que
denomina de ldquovirtudes passivasrdquo faz referecircncia agrave diversas ldquoteacutecnicas de natildeo decisatildeordquo
existentes no processo norte americano mediante as quais pode a Suprema Corte se abster
de emitir opiniatildeo como por exemplo political question ripness standing mootness dentre
outras
Acrescenta que a Suprema Corte natildeo tem a obrigaccedilatildeo de decidir todo o
tempo e que se assim o fosse poderia levar a um processo manipulativa da democracia
fazendo com que a Corte simplesmente substituisse o legislative impedindo o exerciacutecio do
seu juiacutezo de conveniecircncia tornando-se um second guesser (BICKEL 1962 p200)
Sob o ponto de vista dialoacutegico na contenccedilatildeo da atuaccedilatildeo judicial o cerne
do diaacutelogo estaacute justamente na possibilidade de o legislador lanccedilar um novo olhar para um
tema que possivelmente foi tratado de forma apressada ou sem a profundidade necessaacuteria
aumentando assim a responsabilidade do Legislativo no exerciacutecio da sua atividade tomando
decisotildees poliacuteticas e elaborando normas com niacuteveis adequados de cuidado e deliberaccedilatildeo
(BATEUP 2005)
Nesse mesmo sentido Bickel (1962 p 70-71) em clara referecircncia agraves
teorias do diaacutelogo afirma que ao evitar decidir a Corte estimula o coloacutequio com os outros
poderes e a sociedade O minimalismo judicial seria portanto uma forma de participaccedilatildeo
passiva do Judiciaacuterio no diaacutelogo constitucional permitindo que os juiacutezes abram o diaacutelogo
com os poderes poliacuteticos a fim de incentivar a resoluccedilatildeo poliacutetica das questotildees constitucionais
que satildeo alvo de conflito
42
822 Modulaccedilatildeo temporal dos efeitos da declaraccedilatildeo de
inconstitucionalidade
A possibilidade de modulaccedilatildeo dos efeitos da decisatildeo pelo Tribunal em
sede de controle de constitucionalidade na perspectiva das teorias fundadas no meacutetodo
judicial tambeacutem pode ser considerada como um mecanismo dialoacutegico sob o ponto de vista
das teorias do meacutetodo judicial centradas no processo eis que possibilita a resposta
legislativa entretanto de forma menos agressiva que as outras teacutecnicas explanadas acima
Essa possibilidade eacute prevista expressamente no Direito Portuguecircs Os
efeitos e o alcance das decisotildees do Tribunal Constitucional em sede do controle abstrato de
constitucionalidade estatildeo previstos no n 1 e n 2 do artigo 282 da Constituiccedilatildeo Portuguesa
os quais determinam respectivamente que ldquoA declaraccedilatildeo de inconstitucionalidade ou de
ilegalidade com forccedila obrigatoacuteria geral produz efeitos desde a entrada em vigor da norma
declarada inconstitucional ou ilegal e determina a repristinaccedilatildeo das normas que ela
eventualmente haja revogadordquo ldquoTratando-se poreacutem de inconstitucionalidade ou de
ilegalidade por infraccedilatildeo de norma constitucional ou legal posterior a declaraccedilatildeo soacute produz
efeitos desde a entrada em vigor desta uacuteltimardquo
Todavia o n 4 do referido artigo traz expressamente a possibilidade de
fixaccedilatildeo dos efeitos da decisatildeo pelo Tribunal de forma fundamentada quando a seguranccedila
juriacutedica razotildees de equidade ou interesse puacuteblico de excepcional relevo o exigir Os efeitos
podem ser fixados de diversas formas poreacutem a que nos interessa no presente trabalho eacute a de
fixaccedilatildeo dos efeitos para o futuro
De acordo com a possibilidade de modulaccedilatildeo dos efeitos da declaraccedilatildeo
de inconstitucionalidade pode o Tribunal Constitucional declarar a inconstitucionalidade de
uma lei mas condicionar a sua nulidade a um determinado transcurso de tempo ou seja
determinar a sua nulidade pro futuro fixando um prazo determinado para que ela deixe de
produzir efeitos de ser aplicada possibilitando assim ao legislador a correccedilatildeo do estatuto e
evitando o vaacutecuo legislativo
Inspirado na Constituiccedilatildeo Portuguesa o Brasil atraveacutes do artigo 27 da
Lei 886899 de 10 de novembro passou tambeacutem a regulamentar possibilidade da
modulaccedilatildeo temporal das decisotildees proferidas no julgamento de accedilatildeo direta de
inconstitucionalidade e de accedilatildeo declaratoacuteria de constitucionalidade
43
A referida lei passou a facultar ao Supremo Tribunal Federal no
exerciacutecio do controle abstrato de constitucionalidade modular os efeitos da decisatildeo por
razotildees de seguranccedila juriacutedica ou de excepcional interesse social Todavia atualmente essa
modulaccedilatildeo se estende tambeacutem ao controle difuso conforme se leraacute
A decisatildeo proferida pelo Superior Tribunal Federal no ano de 2004 no
julgamento do caso Mira Estrela eacute tida como paradigmaacutetica40 por ter sido aplicado o artigo
27 da Lei 886899 no controle de constitucionalidade de um caso concreto A declaraccedilatildeo da
inconstitucionalidade se deu no acircmbito do julgamento do Recurso Extraordinaacuterio 197917-
8 de accedilatildeo civil puacuteblica proposta pelo Ministeacuterio Puacuteblico do Estado de Satildeo Paulo visando a
diminuiccedilatildeo do nuacutemero de vereadores do municiacutepio de Mira Estrela alegando que o mesmo
natildeo era proporcional ao nuacutemero de habitantes ainda que estivesse dentro do limite
constitucional41
O Supremo concordou com a desproporcionalidade e em face disso
declarou a inconstitucionalidade da referida norma todavia modulou os efeitos da decisatildeo
pro futuro para salvaguardar os mandatos dos vereadores jaacute eleitos e a validade dos
respectivos atos administrativos por eles praticados evitando assim consequecircncias
desastrosas para a administraccedilatildeo puacuteblica Fundamentou a necessidade da modulaccedilatildeo dos
efeitos na proteccedilatildeo da Seguranccedila Juriacutedica
Em que pese essa ser uma teacutecnica menos agressiva que as anteriores
vez que o Judiciaacuterio ao menos em tese apenas possibilita uma reaccedilatildeo legislativa a sua
decisatildeo sem lhe estipular diretrizes e com isso adentrar em sua liberdade de conformaccedilatildeo
na praacutetica tambeacutem natildeo haacute como garantir que haveraacute a reaccedilatildeo legislativa e eacute nisso que reside
a maioria das criacuteticas a todas esses mecanismos ditos dialoacutegicos conforme se veraacute mais
adiante
40 RE 197917-8SP Iacutentegra da decisatildeo disponiacutevel em
httpredirstfjusbrpaginadorpubpaginadorjspdocTP=ACampdocID=235847 41 A Lei Orgacircnica do municiacutepio de Mira Estrela estabelecia em 11 o nuacutemero de vereadores os quais estavam
dentro dos limites impostos no artigo 29 da Constituiccedilatildeo Federal estabelecido conforme o nuacutemero de
habitantes
44
823 Accedilatildeo de inconstitucionalidade por omissatildeo legislativa
O modelo de controle de constitucionalidade portuguecircs prevecirc
expressamente a possibilidade do controle das omissotildees legislativas por intermeacutedio da
disposiccedilatildeo contida no artigo 283 da Constituiccedilatildeo Federal 42
Inspirado no instituto portuguecircs o Brasil tambeacutem trouxe em sua
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 a expressa previsatildeo da possibilidade do controle de
constitucionalidade das omissotildees legislativas (paraacutegrafo 2ordm do artigo 103) poreacutem criou
ainda uma nova figura especifica para esse fim o mandado de injunccedilatildeo (inciso LXXI do
artigo 5ordm)
Em ambos os sistemas uma omissatildeo legislativa eacute considerada
inconstitucional quando o legislador natildeo cumpre com aquilo que estava constitucionalmente
obrigado ou seja quando a sua omissatildeo prejudica a exequibilidade de alguma norma
constitucional Para que a omissatildeo ganhe significado relevante deve ter conexatildeo com uma
exigecircncia constitucional de accedilatildeo natildeo bastando a violaccedilatildeo do simples dever legal de legislar
(CANOTILHO2003)
Miranda (2008) destaca que a omissatildeo pode ser total ou parcial
quando por exemplo existe a norma mas ela eacute insuficiente ou deficiente43 e que o juiacutezo da
inconstitucionalidade por omissatildeo traduz-se num juiacutezo sobre o tempo em que deveria ser
produzida a lei devendo o Judiciaacuterio sem substituir ao oacutergatildeo legislador medir e interpretar
o tempo decorrido para a elaboraccedilatildeo da lei44
42 Neste sentido ver o que Tushnet diz sobre esse tipo de concepccedilatildeo de diaacutelogo em TUSHNET Mark Dialogue
and Constitutional Duty Havard Law School Public Law amp Legal Theory Working Paper Series paper nordm 12-
10 p 4-9
43 ldquoA inconstitucionalidade por omissatildeo natildeo surge apena por carecircncia de medidas legislativas surge tambeacutem
por deficiecircncia delas Mas isto natildeo significa que perante um projecto ou uma proposta de lei com vista ao
cumprimento de determinada norma constitucional tenha de se proceder agrave sua anaacutelise para discernir se o
sentido de seus preceitos se enquadra ou natildeo no sentido de Constituiccedilatildeo De jeito algum cabe ao oacutergatildeo de
fiscalizaccedilatildeo da inconstitucionalidade por omissatildeo debruccedilar-se a esse tiacutetulo sobre o conteuacutedo de qualquer acto
de iniciativa legislativardquo (MIRANDA 2008 p 325)
44ldquoA ausecircncia ou a insuficiecircncia da norma legal natildeo pode ser separada de determinado tempo histoacuterico
assinalado pela necessidade de produccedilatildeo legislativa e cuja duraccedilatildeo maior o menor ou seraacute prefixada pela
proacutepria Constituiccedilatildeo ou depende da natureza das coisas (ou seja da natureza da norma constitucional natildeo
exequiacutevel por si mesma confrontada com as situaccedilotildees da vida inclusive situaccedilatildeo que agrave sua margem esteja
por acccedilatildeo o legislador ordinaacuterio a criar)rdquo (MIRANDA 2008 p 322)
45
A accedilatildeo de inconstitucionalidade por omissatildeo prevista no ordenamento
portuguecircs e brasileiro constitui portanto um meio atraveacutes do qual o Judiciaacuterio controla a
ineacutercia legislativa declarando a inconstitucionalidade da sua ineacutercia e solicitando a tomada
de providecircncias Pode-se dizer que seus efeitos praacuteticos assemelham-se agraves sentenccedilas
apelativas da Alemanha e Itaacutelia todavia nesse instituto a decisatildeo do Judiciaacuterio tem efeito
meramente declaratoacuterio dando conhecimento ao Legislativo da sua omissatildeo e enfatizando a
necessidade de atuaccedilatildeo sem traccedilar qualquer diretriz para tanto45
Desta forma a sentenccedila proferida no controle de constitucionalidade da
omissatildeo legislativa por meio da accedilatildeo declaratoacuteria de inconstitucionalidade por omissatildeo
possui um caraacuteter apelativo eis que objetiva chamar a atenccedilatildeo do legislador para a
necessidade de elaboraccedilatildeo da lei necessaacuteria a concretizar determinada norma constitucional
Assim sob a perspectiva das teorias dialoacutegicas centradas no processo pode ser considerada
como um mecanismo propulsor de interaccedilatildeo entre os poderes no seio da jurisdiccedilatildeo
constitucional
83 Criacuteticas agraves teorias dialoacutegicas fundadas no meacutetodo judicial
Todas essas teacutecnicas de decisatildeo judicial que visam possibilitar uma
resposta do Legislativo por meio de uma decisatildeo judicial embora diferentes em alguns
aspectos possuem um ponto determinante em comum privilegiam a interpretaccedilatildeo do
Judiciaacuterio
Sob o ponto de vista da dificuldade da legitimidade democraacutetica da
revisatildeo judicial portanto essas teorias natildeo seriam suficientes para solucionar as questotildees
eis que o Judiciaacuterio continuaria na praacutetica ainda sendo o detentor da uacuteltima palavra na
resoluccedilatildeo dos conflitos constitucionais
Nessa perspectiva natildeo se verifica uma efetiva deliberaccedilatildeo conjunta
entre Judiciaacuterio e Legislativo na tomada de decisatildeo O que ocorre eacute apenas que o Judiciaacuterio
mediante a adoccedilatildeo de estrateacutegias especiacuteficas busca acionar ou estimular a atuaccedilatildeo
45 Esclarece-se que a aplicabilidade da accedilatildeo de inconstitucionalidade por omissatildeo possui alguns aspectos
controvertidos poreacutem como jaacute dito natildeo constitui nosso objetivo tratar todas as questotildees controvertidas de
cada instituto aqui mencionado mas apenas identifica-los como mecanismos potencialmente dialoacutegicos de
acordo com as teorias
46
legislativa Portanto pode-se concluir que essas teorias se consubstanciam na praacutetica em um
diaacutelogo formal e natildeo material o que jaacute seria um alvo suficiente para criacutetica
Ademais o fato de privilegiarem claramente o ponto de vista judicial
podem acabar permitindo de certa forma que o Judiciaacuterio adentre o acircmbito de atuaccedilatildeo
legislativa sobretudo nas teacutecnicas de aconselhamento judicial
Ainda que se possa considerar que a decisatildeo judicial nesses casos
apenas fornece diretrizes para a atuaccedilatildeo legislativa natildeo haacute como negar que pode acabar
condicionando a sua atuaccedilatildeo restando-lhe apenas acatar o que foi direcionado pelo
Judiciaacuterio o que do ponto de vista dialoacutegico natildeo parece o ideal
Mesmo nos mecanismos mais brandos que os de aconselhamento
judicial onde haacute uma interferecircncia direta do Judiciaacuterio na conformaccedilatildeo legislativa eacute inegaacutevel
que haacute ainda alguma intromissatildeo mesmo que em menor escala ou de forma indireta
Haacute de se destacar tambeacutem a falta de previsibilidade das orientaccedilotildees do
Tribunal e a sua potencialidade enganosa para o Legislador suscitada por Carlos Blanco de
Morais (2014 p 726) ao analisar um recente julgado do Tribunal Constitucional Portuguecircs
no contexto da crise econocircmica
O renomado constitucionalista observa que no Acoacuterdatildeo nordm 1872013 o
Tribunal Constitucional46 ao declarar a inconstitucionalidade da norma da Lei de Orccedilamento
do Estado relativa a tributaccedilatildeo dos subsiacutedios de desemprego e doenccedila agrave luz do princiacutepio da
existecircncia condigna (artigo 2ordm da CRP) fixou orientaccedilatildeo ao legislador no sentido de que no
proacuteximo ano a Lei orccedilamentaacuteria ao tratar da mateacuteria trouxesse uma claacuteusula de salvaguarda
impedindo a tributaccedilatildeo das respectivas prestaccedilotildees de desemprego e doenccedila de forma
prejudicial a garantia dos seus valores miacutenimos
O legislador na elaboraccedilatildeo da Lei Orccedilamentaacuteria do ano de 2014 seguiu
a orientaccedilatildeo do Tribunal todavia ao analisar a constitucionalidade da nova lei o mesmo
Tribunal que havia ditado aquela orientaccedilatildeo no Acoacuterdatildeo nordm 413201447 julgou a claacuteusula
insuficiente e violadora do princiacutepio da razoabilidade
46 Iacutentegra da decisatildeo disponiacutevel em httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20130187html 47 Iacutentegra da decisatildeo disponiacutevel em httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20140413html
47
Blanco de Moraes com base nesse caso concreto destaca o perigo das
orientaccedilotildees perpetradas pelo Judiciaacuterio que podem servir de ldquoemboscadardquo para o legislador
O fato eacute que ainda que o Legislativo siga as orientaccedilotildees do Tribunal natildeo haacute garantia da
constitucionalidade do novo diploma o que pode acabar resultando em um reforccedilo da
postura ativista do Judiciaacuterio que interfere no acircmbito da liberdade de conformaccedilatildeo legislativa
ditando orientaccedilotildees que nem ele mesmo segue posteriormente
Dito isto evidencia-se que assim como a atitude do Judiciaacuterio pode
incentivar e encorajar um debate resultando na criaccedilatildeo de um novo diploma sem viacutecio o
que seria beneacutefico tambeacutem pode acabar resultando em um sequestro do processo legislativo
dando super poderes ao Judiciaacuterio que tanto pode anular como reformar um estatuto legal
(LUNA 2001)
Bateup sintetiza a criacutetica afirmando que a praacutetica do aconselhamento
judicial simplesmente encoraja os ramos poliacuteticos a fazer o que o Judiciaacuterio diz e que na
realidade o aconselhamento seria um aviso de que a legislaccedilatildeo natildeo satisfaz seus
entendimentos constitucionais e que embora ainda natildeo tenha sido derrubada seraacute assim no
futuro caso o Legislativo natildeo a adeque ao entendimento do Tribunal
Outro ponto importante que se verifica em ambas as categorias das
teorias fundadas no meacutetodo judicial tanto a de aconselhamento como as centradas no
processo eacute a necessidade de que para que esses mecanismos surtam algum efeito praacutetico
deve haver uma forte vontade de colaboraccedilatildeo entre os Poderes O Judiciaacuterio haacute de se
preocupar em avaliar a questatildeo e formular as diretrizes para a atuaccedilatildeo legislativa bem como
o Legislativo deve estar aberto ao recebimento dessas orientaccedilotildees e colocaacute-las em praacuteticas
Ou entatildeo no que diz respeito agrave teoria do minimalismo eacute necessaacuteria uma
forte consciecircncia das Cortes para concordar em conter a sua atuaccedilatildeo e ainda verificar quando
deve ou natildeo assim agir havendo o risco dessa contenccedilatildeo ocorrer em momentos inoportunos
e vice e versa
O que esse grupo de teorias revela sobretudo eacute a grande complexidade
das decisotildees judiciais no acircmbito do controle de constitucionalidade nos paiacuteses que seguem
um modelo fundado na supremacia do Judiciaacuterio ficando claro que nem sempre os
problemas constitucionais seratildeo resolvidos por meio da simples declaraccedilatildeo de
48
constitucionalidade ou inconstitucionalidade mesmo que acabem no fim resultando em um
dos dois efeitos isso pode ocorrer em diversas intensidades
Fica claro entatildeo que o Judiciaacuterio exerce um papel tambeacutem poliacutetico
precisando agir com prudecircncia tanto quanto o legislativo para que suas decisotildees sejam bem
aceitas pela sociedade e produzam os efeitos esperados (HUBNER 2008)
Dessa forma ainda que seja alvo de criacuteticas e talvez natildeo seja a melhor
forma de concretizar o diaacutelogo natildeo se pode desprezar totalmente o conteuacutedo dessas teorias
e nem seus efeitos praacuteticos pois assim como essas praacuteticas podem ser consideradas
prejudiciais do ponto de vista democraacutetico ao mesmo tempo podem ser consideradas
beneacuteficas sob a oacutetica de concretizaccedilatildeo de direitos fundamentais sobretudo em paiacuteses
subdesenvolvidos ou que enfrentam uma crise de representatividade do Poder Legislativo
pois mediante decisotildees judiciais este seraacute forccedilado a agir
Um importante caso que vem sendo apontado por diversos
doutrinadores como um sucesso na efetivaccedilatildeo de direitos fundamentais e que segue a loacutegica
dessas teorias eacute a Aacutefrica do Sul o qual passamos a explanar
9 O especial caso da Aacutefrica do Sul
O constitucionalismo Sul Africano tem recebido muita atenccedilatildeo dos
estudiosos sobretudo dos defensores das teorias dialoacutegicas em virtude das inovadoras
decisotildees que vem sendo proferidas pela Suprema Corte desse paiacutes
A implementaccedilatildeo de um Estado democraacutetico na Aacutefrica do Sul
notadamente natildeo foi um processo tranquilo tampouco paciacutefico em virtude da sua conjuntura
histoacuterica O reconhecimento da autoridade do Poder Judicial para realizar a revisatildeo das leis
natildeo foi fruto de um processo gradativo como ocorreu em outros paiacuteses mas sim uma
imposiccedilatildeo brusca e radical 48
O constitucionalismo Sul Africano pode ser dividido em duas fases a
primeira que durou de 1910 a 1994 onde a proteccedilatildeo dos direitos fundamentais cabia ao poder
poliacutetico tendo o judiciaacuterio um papel severamente limitado no controle desse processo e a
48 Ver ROUX Theunis The Politics of Principle the first South African Constitutional Court Cambridge
Cambridge University Press 2013
49
segunda fase recentemente iniciada onde a ordem social e juriacutedica baseia-se na supremacia
de uma constituiccedilatildeo imposta e protegida judicialmente (SCHYFF 2010 p 34)49
A Constituiccedilatildeo de 1996 eacute a quinta adotada pelo paiacutes e eacute exemplo mundial
de uma Constituiccedilatildeo de caraacuteter transformador - que estabelece aspiraccedilotildees entendidas como
um desafio agraves praacuteticas de longa data ndash sendo grande parte do seu texto dedicado a eliminaccedilatildeo
dos efeitos danosos do apartheid (SUSTEIN 2001)
No tocante ao modelo de judicial review adotado a Aacutefrica do Sul optou
por um modelo forte de revisatildeo reconhecendo a supremacia do Poder Judiciaacuterio para a sua
decisatildeo e sendo ele o responsaacutevel pela palavra final no tocante a interpretaccedilatildeo
constitucional Todavia a praacutetica tem revelado uma interessante atuaccedilatildeo do Tribunal no
julgamento de casos que envolvem a efetivaccedilatildeo de direitos socioeconocircmicos
Famoso exemplo eacute o julgamento do caso Grotboom50 no qual estava em
questatildeo o direito a moradia de centenas de pessoas incluindo crianccedilas que estavam
desalojadas Esse grupo de pessoas recorreu agrave Corte para requisitar com base nos artigos 26
e 28 da Constituiccedilatildeo que o Estado Sul Africano providenciasse moradia adequada para eles
A Corte ao analisar o caso agrave luz do artigo 26 que assegura o direito a
moradia entendeu que houve violaccedilatildeo ao direito constitucional dos requerentes pois o
Estado natildeo havia cumprido com o dever de efetivar progressivamente dentro dos recursos
disponiacuteveis o acesso agrave moradia adequada Destacou que embora o programa do Governo
relativo a moradia fosse razoaacutevel em vaacuterios aspectos era falho pois natildeo atendia agraves
necessidades mais urgentes natildeo prevendo soluccedilatildeo para as demandas de curto prazo
No paraacutegrafo 42 da decisatildeo a Corte enfatizou que a mera ediccedilatildeo de leis
natildeo eacute o suficiente para constituir o cumprimento do dever constitucional do Estado que este
tem a obrigaccedilatildeo de agir para alcanccedilar o resultado pretendido e as medidas legislativas
invariavelmente tecircm de ser apoiadas por poliacuteticas e programas bem dirigidos e
adequadamente implementados pelo Executivo Que as poliacuteticas e programas devem ser
49 Para um maior aprofundamento sobre o constitucionalismo Sul Africano ver COCKRELL Alfred The
South African Bill of Rights and the lsquoDuckRabbitrsquo 60 Mod L Rev 513 (1997) BOUCKAERT Peter N The
Negotiated Revolution South Africarsquos Transition to Multiracial Democracy 33 Stanford J Int L 375 (1997)
GOLDSTONE Richard J The South African Bill of Rights 32 Texas Int L J 1451 (1997)
50 Government of The Republic of South Africa and others v Grootboom and others (CCT 1100) Igraventegra da
decisatildeo disponiacutevel emlt httpwwwsafliiorgzacasesZACC200019htmlgt
50
razoaacuteveis tanto na sua concepccedilatildeo quanto na sua implementaccedilatildeo sendo a formulaccedilatildeo de um
programa apenas a primeira etapa para cumprir as obrigaccedilotildees do estado jaacute que este deve ser
razoavelmente implementado pois se assim natildeo for natildeo constituiraacute o cumprimento das
obrigaccedilotildees do Estado51
Por fim o Tribunal emitiu uma ordem declaratoacuteria que delimitou as
deficiecircncias do programa governamental e sugeriu em vez de direcionar medidas para
minimizar as falhas O documento natildeo indicou entretanto que tipo de abrigo o Governo
deveria construir deixando essa decisatildeo para o proacuteprio Estado (NGWENA 2013 p80)
Por intermeacutedio dessa decisatildeo a Corte ao mesmo tempo que reconheceu
a justiciabilidade dos direitos sociais preservou certa autonomia do Estado no que respeita
a elaboraccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas vez que natildeo determinou a exata maneira que o mesmo
deveria agir reconhecendo que essa eacute uma competecircncia que natildeo compete ao Judiciaacuterio
Esse tipo de decisatildeo pode ser visto sob o ponto de vista das teorias
dialoacutegicas fundadas no meacutetodo judicial explicadas acima Nesse sentido reforccedilando o
potencial dialoacutegico dessas decisotildees Dixon (2007) leciona que o Poder Judiciaacuterio deve
exercer um papel ativo a fim de evitar a ineacutercia dos outros poderes
Aponta que as possiacuteveis causas da ineacutercia legislativa seriam de duas
categorias os blind spots ou pontos cegos que satildeo as situaccedilotildees em que natildeo resta claro para
o Legislativo os imperativos de sua accedilatildeo reguladora como por exemplo quando natildeo
reconhecem que determinada forma de aplicaccedilatildeo de uma lei pode ser violadora de direitos
e quando a ineacutercia decorre de motivos de conveniecircncia poliacutetica quando acredita que o ocircnus
eleitoral da sua accedilatildeo pode ser maior que o da sua omissatildeo (DIXON 2007)
Nessa perspectiva de diaacutelogo proposta por Dixon cabe ao Judiciaacuterio
provocar o Legislativo por meio da decisatildeo judicial que o obrigue a elaboraccedilatildeo de poliacuteticas
puacuteblicas para garantir tanto quanto possiacutevel a maior eficaacutecia dos direitos fundamentais
51 [42] The state is required to take reasonable legislative and other measures Legislative measures by
themselves are not likely to constitute constitutional compliance Mere legislation is not enough The state is
obliged to act to achieve the intended result and the legislative measures will invariably have to be supported
by appropriate well-directed policies and programmes implemented by the executive These policies and
programmes must be reasonable both in their conception and their implementation The formulation of a
programme is only the first stage in meeting the statersquos obligations The programme must also be reasonably
implemented An otherwise reasonable programme that is not implemented reasonably will not constitute
compliance with the statersquos obligations Government of The Republic of South Africa and others v Grootboom
and others (CCT 1100)
51
sem todavia adentrar ou comprometer a sua liberdade de conformaccedilatildeo mas de forma que
retire o legislativo da sua ineacutercia
Por decisotildees como essa apesar do sistema Sul Africano ter como
caracteriacutestica a participaccedilatildeo ativa do Judiciaacuterio na efetivaccedilatildeo dos direitos fundamentais o
mesmo vem sendo apontado por alguns estudiosos das teorias do diaacutelogo como um sistema
promissor nesse sentido em virtude do enfraquecimento das decisotildees judiciais que apesar
de direcionarem a atuaccedilatildeo do Legislativo preservam a sua liberdade de escolha e atuaccedilatildeo
10 As teorias estruturais de diaacutelogo
Nessa categoria alocam-se as teorias que se baseiam no reconhecimento
de mecanismos institucionais ou poliacuteticos dentro dos sistemas constitucionais que permitam
aos atores poliacuteticos responder agraves decisotildees judiciais em caso de conflito
Ao contraacuterio das teorias do meacutetodo judicial essas natildeo tecircm como objeto
principal a construccedilatildeo da decisatildeo judicial mas sim as formas pelas quais se estabelecem as
relaccedilotildees entre as diversas estruturas do Poder de maneira que possam oferecer respostas agrave
uma decisatildeo que gere desacordo Hubner (2008 p 99) aponta que as teorias estruturais ao
contraacuterio das que se fundam no meacutetodo judicial possuem um caraacuteter exoacutegeno logo menos
dependente da postura de cada instituiccedilatildeo
Para os que defendem essas teorias o diaacutelogo surge mediante a
utilizaccedilatildeo de mecanismos de interaccedilatildeo entre juiacutezes e os outros atores poliacuteticos Esses
mecanismos satildeo encontrados no modelo do weak judicial review ou sistemas brandos de
controle de constitucionalidade os quais como jaacute dito surgiram como uma alternativa ao
modelo tradicional pautado na supremacia judicial
A maioria dessas teorias foram surgindo a partir da necessidade de
justificar e fundamentar a previsatildeo de mecanismos contidos no Bill of Rights de paiacuteses
tradicionalmente de supremacia parlamentar a fim de harmonizar este tipo de sistema com
a necessidade de proteccedilatildeo aos direitos fundamentais
De acordo com a sistematizaccedilatildeo feita por Bateup existem quatro
subcategorias de teorias estruturais as de construccedilatildeo coordenada as dos princiacutepios juriacutedicos
a do equiliacutebrio e a da parceria Importante esclarecer que apesar de termos adotado essa
52
sistematizaccedilatildeo como nosso referencial teoacuterico por acreditarmos na sua coerecircncia e
completude neste particular ousamos discordar dessa diferenciaccedilatildeo
A diferenciaccedilatildeo feita por Bateup reside basicamente nos argumentos de
que as teorias de construccedilatildeo coordenada se aplicam apenas ao contexto norte-americano as
teorias dos princiacutepios juriacutedicos reconhecem uma especial competecircncia ao Judiciaacuterio para
decidir questotildees relacionadas agrave princiacutepios juriacutedicos as do equiliacutebrio por serem neutras natildeo
reconhecem nenhuma capacidade especial a nenhum Poder e contam ainda com a
participaccedilatildeo da sociedade e as teorias da parceria
Sendo assim todas as subcategorias em que Bateup divide as teorias
estruturais de diaacutelogo enquadram-se na ideia geral da construccedilatildeo coordenada podem ateacute se
diferenciar em um ou outro aspecto mas ainda assim natildeo deixam de fazer parte desta
Dessa forma natildeo se deixaraacute de abordar as subdivisotildees propostas por
Bateup mas ao contraacuterio do que foi feito no tocante as teorias centradas no meacutetodo judicial
natildeo se mencionaraacute especicamente cada uma delas para depois dar exemplos praacuteticos mas
seratildeo feitas as devidas menccedilotildees quando da anaacutelise dos diferenres sistemas de weak judicial
review que aqui se apresenta como exemplo das teorias estruturais de diaacutelogo
Importante se faz esclarecer que essa opccedilatildeo tambeacutem reside em questotildees
didaacuteticas necessaacuterias para a melhor compreensatildeo do trabalho
10 1 Teorias de construccedilatildeo coordenada
Tratam-se de teorias que reconhecem que a identificaccedilatildeo do sentido
constitucional eacute uma tarefa a ser compartilhada entre as diversas esferas do Poder ou seja
natildeo eacute uma tarefa atribuiacuteda unicamente ao Judiciaacuterio Assim o diaacutelogo eacute algo inerente ao
princiacutepio do check and balances natildeo havendo uma uacutenica instacircncia detentora da uacutetlima
palavra
Com isso a base dessas teorias eacute o fato de que da mesma forma que o
Tribunal possui mecanismos de controle dos ramos poliacuteticos por meio da revisatildeo judicial
tambeacutem podem ser colocados controles sobre o Tribunal quando os atores poliacuteticos
estiverem em desacordo com a sua interpretaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo
53
Bateup (2005 p 33) define a teoria da construccedilatildeo coordenada como a
mais antiga concepccedilatildeo de interpretaccedilatildeo constitucional fazendo menccedilatildeo ao pensamento dos
teoacutericos americanos de James Madison e Thomas Jefferson o primeiro por ter reconhecido
que apesar das questotildees de interpretaccedilatildeo constitucional normalmente recaiacuterem sobre o
Judiciaacuterio no curso normal do Governo a Constituiccedilatildeo natildeo lhe atribui qualquer autoridade
especiacutefica perante outros braccedilos do Poder e o segundo por considerar que cada ramo do
Governo deve ser ldquocoordenado e independenterdquo possuindo todos eles responsabilidade pela
interpretaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo
No contexto norte americano um dos primeiros autores a abordar essa
teoria foi Louis Fisher que teve como principal meacuterito demonstrar mediante exemplos da
histoacuteria americana que o processo constitucional eacute mais complexo do que a simples emissatildeo
pela Corte da uacuteltima palavra A uacuteltima palavra segundo essa histoacuteria confirmaria natildeo
pertence a nenhuma instituiccedilatildeo (HUBNER 2009 p 126)
O que haacute de mais caracteriacutestico nessas teorias eacute o fato de os outros
ramos do Poder em especial o Legislativo caso natildeo concordem com a decisatildeo judicial
poderem provocar a Corte reconhecendo assim que a interpretaccedilatildeo constitucional eacute tarefa
que compete a todos os Poderes e natildeo apenas a um ramo em especiacutefico
Vaacuterios autores dentro do cenaacuterio americano passaram a tratar do
assunto inclusive em forma de criacuteticas poreacutem por questotildees didaacuteticas conforme jaacute
mencionado natildeo se limitaraacute a falar especificamente sobre cada um deles52 Todavia destaca-
se a teoria de Barry Friedman a qual Bateup subclassifica como teoria do equiliacutebiro poreacutem
aqui eacute tratada como uma teoria de construccedilatildeo coordenada pelos motivos jaacute acima expostos
A teoria de Friedman merece ser mencionada pois se diferencia das
outras tantas que se encaixam nesta categoria por considerar a importacircncia do papel ativo da
sociedade na deliberaccedilatildeo sobre direitos
Para esse Autor a Constituiccedilatildeo eacute um texto aberto e flexiacutevel que permite
52 Outros importantes nomes dessa teoria satildeo Keith Whittington e Mitchell Pickeril Destaque para a
importacircncia do trabalho deste uacuteltimo que realizou importante pesquisa empiacuterica da realidade americana de
caraacuteter revelador e agregador para a teoria da construccedilatildeo coordenada demonstrando que o diaacutelogo entre os
poderes eacute inerente ao princiacutepio do check and balances americano pelo que sugerimos a consulta PICKERILL
J Mitchell Constitutional Deliberation in Congress the impact of Judicial Review in a Separated System
Duke University Press 2004
54
diversas interpretaccedilotildees sujeitas agrave mudanccedilas constantes Assim a interpretaccedilatildeo constitucional
seria um processo de idas e vindas em que a Corte devolve o tema para a sociedade e
para outros poderes e vice-versa metaforicamente como uma partida de tecircnis na qual os
parceiros rebatem a bola um para o outro53 (FRIEDMAN 1993)
Com isso afasta a ideia de que haacute uma vontade da maioria definida a
ser representada por um dos poderes sugerindo que na realidade essa vontade sofre
constantes mutaccedilotildees54 cabendo aos ramos do Poder no processo de interpretaccedilatildeo
constitucional negociar e definir uma direccedilatildeo em meio ao pluralismo existente na
sociedade55 Reconhece o diaacutelogo institucional como fruto da separaccedilatildeo de poderes
compartilhando dos elementos da teoria da construccedilatildeo coordenada poreacutem acrescenta a eles
a vontade popular
Eacute justamente no aspecto relativo a grande importacircncia que daacute a vontade
popular que reside a principal criacutetica agrave essa teoria pois natildeo oferece alternativa agrave interaccedilatildeo
constitucional estabelecida entre o Judiciaacuterio e os poderes poliacuteticos nas questotildees de menor
importacircncia poliacutetica nas quais o diaacutelogo com toda a sociedade eacute improvaacutevel de ocorrer
(BATEUP 2006 p 69)
Seria impensaacutevel na praacutetica um sistema de jurisdiccedilatildeo constitucional
no qual os Poderes tivessem que recorrer agrave opiniatildeo popular todas as vezes que fossem
realizar a interpretaccedilatildeo de qualquer norma constitucional
Saindo do contexto norte americano outras teorias estruturais do
diaacutelogo emergiram a partir da anaacutelise dos novos modelos de jurisdiccedilatildeo constitucional
adotados por paiacuteses da Commonwealth como jaacute mencionamos no iacutencio deste trabalho Desta
forma optou-se didaticamente por tratar dessas teorias e suas respectivas especificidades no
acircmbito da exposiccedilatildeo dos sistemas e casos em concreto o que se passaraacute a fazer
53 ldquoCourts serve as societyacutes tennis partner always volleying the ball backrdquo (FRIEDMAN 1993 p669)
54 ldquoThe court is free to change its mind The people are free to disagree with the court The court is free to
disagree with the people The members of the courts are free to and usually do disagree with one another As
disagreement occurs the document will take one new meaningsrdquo (FRIEDMAN 1993 p651)
55 ldquoThis process of constitutional interpretation hardly pits the court against the people Rather the court
mediate the views of various people The process is interactive (hellip) Simply put our process of constitutional
interpretation is a dialoguerdquo (FRIEDMAN 1993 p 654)
55
1011 Os mecanismos dialoacutegicos do sistema de revisatildeo judicial
canadense e as teorias de princiacutepios juriacutedicos
Ao adotar formalmente um sistema de judicial review atribuindo ao
Judiciaacuterio a capacidade para solucionar casos concretos de incompatibilidade entre
legislaccedilatildeo e a Carta suscitados por particulares56 o Canadaacute a fim de evitar a consagraccedilatildeo de
um modelo fundado na supremacia judicial ao estilo americano que implicasse na perda do
poder do Parlamento incluiu na sua Carta mecanismos que possibilitassem uma limitaccedilatildeo
do Poder atribuiacutedo ao Judiciaacuterio e ao mesmo tempo preservassem as competecircncias
parlamentares
Esses mecanismos previstos nas Seccedilotildees 33 e 1 da Carta Canadense
consistem respectivamente na ldquoclaacuteusula natildeo obstanterdquo (notwishstanding clause) a qual
possibilita que o Legislativo aplique uma lei mesmo quando esta for contraacuteria ao texto
constitucional e na possibilidade do Legislativo reeditar uma norma que configure e limite
direito consagrado nas seccedilotildees 2 e de 7 a 15 e que jaacute tenha sido objeto de reprovaccedilatildeo pelo
Judiciaacuterio desde que fundada em justificativa razoaacutevel bem como na possibilidade de
configuraccedilatildeo pelo legislativo de direitos e liberdades fundamentais
O estudo realizado por Bushell e Hogg (1997) eacute apontado como um
marco teoacuterico da experiecircncia canadense pois a partir de uma pesquisa de mais de 65 casos
concretos decididos pela Corte canandense desde a Carta de 1982 os autores verificaram
que na grande maioria deles houve em um prazo razoavelmente curto uma resposta
legislativa agrave decisatildeo judicial Diante disso os autores afirmaram que o sistema canadense
propicia a concretizaccedilatildeo de um verdadeiro diaacutelogo entre os Poderes no exerciacutecio da
jurisdiccedilatildeo constitucional
A anaacutelise dos autores a respeito da implementaccedilatildeo da revisatildeo judicial
canadense pela Carta de 1982 eacute bastante otimista pois consideram que ateacute mesmo naqueles
casos em que o legislador aquiesceu agrave decisatildeo proferida pela Corte houve uma reaccedilatildeo
dialoacutegica jaacute que a concordacircncia tambeacutem pode ser fruto de um diaacutelogo
56 ldquoArt 24 (1) Anyone whose rights or freedoms as guaranteed by this Charter have been infringed or denied
may apply to a court of competent jurisdiction to obtain such remedy as the court considers appropriate and
just in the circumstances Art 52 (1) The Constitution of Canada is the supreme law of Canada and any law
that is inconsistent with the provisions of the Constitution is to the extent of the inconsistency of no force or
effectrdquo Canadian Constitutional Act 1982
56
Afirmam que os legisladores canadenses estatildeo engajados na
concretizaccedilatildeo do diaacutelogo com a Corte eis que buscam fundamentar no preacircmbulo das leis
promulgadas tanto das que excedem os limites da Carta como das que substituem as que
foram consideradas inconstitucionais que as mesmas se dirigem a um objetivo ldquourgente e
substancialrdquo e destinam-se a ldquolimitar razoalmenterdquo direitos e liberdades (BUSHELL
HOGG 1997 p 101)
Consideram ainda que mesmo quando apoacutes a anaacutelise judicial a lei natildeo eacute
declarada invaacutelida haacute um diaacutelogo em virtude de tal anaacutelise despertar o debate puacuteblico
chamando a atenccedilatildeo do legislador ao assunto de forma que possa rever possiacuteveis problemas
na lei e eventualmente alteraacute-la Ou seja a decisatildeo judicial natildeo deve ser encarada como um
veto mas como o ponto de partida para uma conversa institucional sobre como conciliar
direitos individuais com obejtivos de poliacuteticas econocircmicas e sociais (BUSHELL HOGG
1997 p 101-105)
Referido estudo teve grande repercussatildeo na doutrina nacional Por um
lado muitos reforccedilaram e concordaram com a ideia dos autores por outro a mesma foi alvo
de intensa criacuteticas sobretudo pela forma abrangente de caracterizaccedilatildeo do diaacutelogo57 O
impacto tambeacutem foi sentido na proacutepria Corte que passou a usar a metaacutefora do diaacutelogo para
justificar suas decisotildees algumas delas bastante controversas conforme se leraacute mais adiante
Portanto a experiecircncia canadense eacute um importante exemplo de aplicaccedilatildeo
das teorias estruturais dialoacutegicas jaacute que traz a previsatildeo expressa de mecanismos
possibilitadores na visatildeo de alguns de um diaacutelogo institucional
Na sistematizaccedilatildeo feita por Bateup as teorias que se referem agrave
experiecircncia canadense satildeo teorias de princiacutepios juriacutedicos Na classificaccedilatildeo da Autora esse
grupo de teorias corresponde agravequelas em que haacute o reconhecimento de que o Judiciaacuterio possui
57 A repercussatildeo literaacuteria do estudo foi tatildeo grande e significativa que apoacutes dez anos da sua publicaccedilatildeo o
mesmo perioacutedico (Osgoode Hall Law Journal) lanccedilou uma ediccedilatildeo comemorativa contendo uma atualizaccedilatildeo
do texto original e outros artigos em resposta ao mesmo Ver HOGG P et al ldquoCharter Dialogue Revisited
ndash Or Much Ado About Metaphorsrdquo HAIGH R e SOBKIN M ldquoDoes the Observer Have an Effect An
Analysis of the Use of the Dialogue Metaphor in Canadarsquos Courtsrdquo HUSCROFT G ldquoConstitutionalism from
the Top Downrdquo MANFREDI C ldquoThe Day the Dialogue Died A Comment on Sauveacute v Canadardquo MATHEN
C ldquoDialogue Theory Judicial Review and Judicial Supremacy A Comment on lsquoCharter Dialogue
Revisitedrsquordquo PETTER A Taking Dialogue Theory Much Too Seriously (or Perhaps Charter Dialogue Isnrsquot
Such a Good Thing After All) ROACH K Sharpening the Dialogue Debate The Next Decade of
Scholarshiprdquo e HOGG P et al ldquoA Reply on lsquoCharter Dialogue Revisitedrdquo
57
uma especial competecircncia institucional voltada para a resoluccedilatildeo de questotildees que envolvem
princiacutepios juriacutedicos cabendo aos poderes poliacuteticos fazer o controle das decisotildees no caso de
erro de interpretaccedilatildeo (BATEUP 2006 p41)
Ainda que essas teorias reconheccedilam uma competecircncia de certo modo
especial ao Judiciaacuterio a qual pode ateacute mesmo ser considerada como caracteriacutestica inerente
ao proacuteprio judicial review tendo em vista que elas tambeacutem preveem a possibilidade de
reaccedilatildeo do legislativo agrave decisatildeo judicial incluindo a possibilidade de correccedilatildeo dessa decisatildeo
entende-se que natildeo se distanciam das teorias de construccedilatildeo coordenada ao ponto de merecer
classificaccedilatildeo diferente
Destaca como primeiro defensor dessa competecircncia especial do
Judiciaacuterio Alexander Bickel que considerou o Judiciaacuterio como detentor de especial
habilidade para preservar proteger e defender princiacutepios devido ao seu isolamento poliacutetico
e por outro lado o Legislativo como melhor indicado para determinar valores sociais
fundamentais pela sua proximidade com as pessoas (BATEUP 2006 p41-42)
Nesse sentido Bushell e Hogg ao tratar da metaacutefora do diaacutelogo na
experiecircncia canadense tambeacutem satildeo partidaacuterios desse entendimento eis que afirmaram
alguns anos e muitas criacuteticas apoacutes o seu primeiro estudo que o legislativo pode e deve
interpretar a Carta mas que natildeo deve agir de forma contraacuteria a interpretaccedilatildeo proferida pela
Corte 58
Kent Roach tambeacutem eacute outro importante autor canadense que defende a
competecircncia especial do Judiciaacuterio para lidar com questotildees de princiacutepios todavia ressalta a
58 ldquoThe key issue in our view is not whether the legislative and executive branches do and should interpret
the Charter (they do and should) but whether they should act on an interpretation of the Charter that conflicts
with an interpretation provided by the courts backdrop of a prior relevant judicial decision the legislature
and the executive may act on their interpretation of the Charter Why Because in doing so they would not be
doing (or refraining from doing) something that the courts have said would unjustifiably infringe the Charter
It would be strange indeed if the legislative or executive branches could not interpret the Charter and act on
that interpretation where a court has not yet considered what the Charter prohibits (or requires) in the
circumstances1 However where the interpretive task takes place against the backdrop of a prior relevant
judicial decision the legislature and the executive may not act on an interpretation of the Charter which
conflicts with an interpretation provided by the courts Why Because in doing so they would be doing (or
refraining from doing) something that the courts have said would unjustifiably infringe the Charter and under
our system of constitutional democracy that is impermissiblerdquo (BUSHEL HOGG 2007 p 33)
58
importacircncia do Parlamento aludindo que a decisatildeo judicial apenas inicia o debate59
Destaca que a atuaccedilatildeo da Corte natildeo impede que o Parlamento prevaleccedila
se este assim quiser mas reforccedila a responsabilidade das suas escolhas poliacuteticas e o induz a
apresentar justificativas razoaacuteveis e aceitaacuteveis para legitimar suas opccedilotildees que venham a
restringir direitos (ROACH 2001)
Portanto em suma as teorias dos princiacutepios juriacutedicos vivenciadas na
experiecircncia canadense satildeo aquelas que defendem a ideia da participaccedilatildeo de todos os poderes
na interpretaccedilatildeo constitucional sendo esta uma tarefa conjunta todavia privilegiam a
interpretaccedilatildeo judicial poreacutem com a possibilidade de reaccedilatildeo legislativa
Bateup acrescenta ainda uma subdivisatildeo dentro dessas teorias tendo em
vista que para alguns autores o diaacutelogo se consubstancia na realizaccedilatildeo do controle das
decisotildees judiciais pelos poderes poliacuteticos no caso da ocorrecircncia de erro de interpretaccedilatildeo e jaacute
para outros - que minimizam o papel do controle poliacutetico sobre o Tribunal - o diaacutelogo surge
por intermeacutedio da articulaccedilatildeo legislativa que emerge como resposta agraves decisotildees judiciais
Essas subdivisotildees se traduzem na praacutetica justamente nos dois
mecanismos dialoacutegicos expressamente adotados pela Carta canadense os quais seratildeo
explicados a seguir
1012 Princiacutepios e articulaccedilatildeo legislativa da poliacutetica ndash seccedilatildeo 1 da
Carta Canadense
As teorias identificadas por Bateup como Teorias de Princiacutepios e
Articulaccedilatildeo Legislativa da Poliacutetica satildeo as que preceituam que a concretizaccedilatildeo do diaacutelogo
ocorre por meio da articulaccedilatildeo legislativa Reconhecem ao Legislativo competecircncia especial
para a elaboraccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas e para conciliar muacuteltiplos objetivos concorrentes na
sociedade pelo que este deve responder agraves decisotildees judiciais respeitando a interpretaccedilatildeo de
princiacutepios feita pelo Tribunal poreacutem com uma visatildeo mais ampla dos objetivos poliacuteticos
(BATEUP p 50-51)
Como exemplo dessa teoria pode-se indicar a Seccedilatildeo 1 da Carta
59 Para maior clareza e detalhes desse entendimento ver as seguintes obras do referido autor ldquoThe Supreme
Court on Trial Judicial Ativism or Democratic Dialogue 2001rdquo e ldquoConstitutional and Common Law
Dialogues Between Supreme Court and Canadian Legislatures2001rdquo
59
Canadense60 a qual atribui ao Legislativo a possibilidade de relativizaccedilatildeo por meio de lei
de direitos e garantias desde que seja razoaacutevel e ldquojustificada de forma demonstraacutevel em uma
sociedade livre e democraacuteticardquo61
O objetivo central para a criaccedilatildeo desta norma era garantir que o
Legislativo continuasse a ter flexibilidade de escolha quando da aprovaccedilatildeo de poliacuteticas que
eventualmente fossem conflitantes com os novos direitos fundamentais que passaram a ser
resguardados pela Carta (HIEBERT 1990)
Todavia apesar de a claacuteusula ser direcionada ao Legislativo a avaliaccedilatildeo
das questotildees que envolvem a sua aplicabilidade como a verificaccedilatildeo da legalidade e da
legitimidade62 acaba por ser feita pelo Judiciaacuterio a quem compete analisar as
incompatibilidades entre as leis e os direitos e liberdades assegurados pela Carta
Dessa forma a aplicaccedilatildeo da Seccedilatildeo 1 da Carta revelou-se de certa forma
engenhosa pois ao mesmo tempo em que confere maior liberdade ao legislador
caracteriacutestica de um weak judicial review a verificaccedilatildeo da razoabilidade da sua escolha eacute
feito pelo Judiciaacuterio Sendo assim ainda que a claacuteusula seja dirigida ao Legislativo as
implicaccedilotildees da sua aplicaccedilatildeo chamaram muita atenccedilatildeo no acircmbito da atuaccedilatildeo judicial
Nesse sentido Elliot (1987 p 279) aponta que a Seccedilatildeo 1 tornou-se de
fato a principal disposiccedilatildeo da Carta e a maneira como a Corte tem lidado com ela diz muito
a respeito natildeo apenas do impacto que a Carta pode ter sobre os outros poderes mas tambeacutem
sobre a proacutepria Corte e como ela percebe seu papel sob a Carta
Os principais estudos realizados para analisar o comportamento da Corte
quando da avaliaccedilatildeo da aplicaccedilatildeo da Seccedilatildeo 1 pelo Legislativo revelaram que natildeo haacute uma
conduta uniforme podendo a Corte tanto ter uma conduta mais ativista quanto mais
deferente agraves opccedilotildees legislativas
Estudiosos classificam e dividem a atuaccedilatildeo da Corte em trecircs momentos
60 Para entender o histoacuterico evolutivo de criaccedilatildeo da referida claacuteusula ver HIEBERT Janet The Evolution of
Limitation Clause 28 Osgoode Hall L J 103 1990
61 ldquo1The Canadian Charter of Rights and Freedoms guarantees the rights and freedoms set out in it subject
only to such reasonable limits prescribed by law as can be demonstrably justified in a free and democratic
societyrdquo Canadian Constitution Act 1982
62 Sobre a verificaccedilatildeo da legalidade e legitimidade ver HIEBERT J L Limiting Rights The Dilemma of
Judicial Review p 137-146
60
o primeiro relativo aos primeiros anos de vigecircncia da Carta o segundo referente a fase
iniciada com o julgamento do caso R v Oakes e o terceiro relativo aos desenvolvimentos
mais atuais
Nos primeiros anos em que vigorou a Carta canadense percebeu-se que
a conduta da Corte no tocante a aplicaccedilatildeo da Seccedilatildeo 1 foi bastante abrangente buscando
afirmar o seu papel de guardiatilde de direitos e liberdades bem como garantir a maacutexima eficaacutecia
dos mesmos Assim pode-se dizer que nos primeiros anos a Corte adotou uma postura
ativista (ELLIOT 1987) 63
Apesar da postura ativista a Corte logo nos primeiros anos natildeo realizava
de fato a anaacutelise da razoabilidade das medidas legislativas restritivas de direito sob seu
escrutiacutenio tentando natildeo enfrentar questotildees de cunho poliacutetico limitava-se a dizer que a
restriccedilatildeo de direitos poderia significar indiretamente a intenccedilatildeo do legislador de reformar a
Carta o que natildeo podia ser admitido (ELLIOT 1987)
A adoccedilatildeo desse tipo de postura pela Corte pode ser percebida no
julgamento do caso Ag Quebec v Quebec Association of Protestant Schools Boards64
ocorrido no ano de 1984 dois anos apenas apoacutes a aprovaccedilatildeo da Carta quando foi discutida
e declarada a incompatibilidade do da Seccedilatildeo 73 da Carta de Quebec da Liacutengua Francesa
(Quebec Charter of the French Language ou Bill 101) com a seccedilatildeo 23 da Carta Canadense
de Direitos e Liberdades 65
Em suma o que dispunha o Bill 101 era uma restriccedilatildeo ao direito de acesso
das crianccedilas a escolas puacuteblicas de Liacutengua Inglesa com exceccedilatildeo das crianccedilas cujo pai ou matildee
tivesse estudado em escolas tambeacutem de Liacutengua Inglesa dos filhos de imigrantes que jaacute
vivessem na proviacutencia anteriormente agrave aprovaccedilatildeo da lei e que tivessem sido educados em
Inglecircs ou cuja educaccedilatildeo tenha sido em uma liacutengua pouco falada naquele local ou aquelas
63 No mesmo sentido ldquoIn its initial judgments under the Canadian Charter of Rights and Freedoms the
Supreme Court of Canada respected the postwar structure of rights protection embedded in its first provision
and began to work out the requisite rules of interpretation legal presumptions and conceptions of institutional
roles Central to thislegal analysis was the Courtrsquos understanding that its responsibility was to secure the
rights guarantees as supreme law and to ensure that the limitation function enjoyed normative continuitywith
the rightsrdquo (WEINRIB 2002 p 122)
64 AG (Que) v Quebec Protestant School Boards [1984] 2 SCR Iacutentegra da decisatildeo disponiacutevel em lt
httpsscc-csclexumcomscc-cscscc-cscenitem26indexdogt
65 Nesse mesmo sentido ver tambeacutem a outros casos como Hunter v Southam Inc Re Singh and Ministered of
Employment and Imigration R v Big M Drug Mart Ltd
61
crianccedilas que tivessem irmatildeo jaacute matriculado na mesma escola
Entendeu a Corte portanto que essa norma visava modificar a
disposiccedilatildeo contida na Carta Canadense a qual dispunha expressamente sobre a garantia da
educaccedilatildeo puacuteblica em inglecircs ou francecircs aos filhos de cidadatildeos cuja primeira liacutengua que
tenham recebido na educaccedilatildeo primaacuteria seja uma liacutengua minoritaacuteria naquele local natildeo se
prestando a analisar a razoabilidade da limitaccedilatildeo de direitos alegada pela Proviacutencia de
Quebec66
Dessa forma o que se percebe eacute que a Corte sequer chegou a analisar a
razoabilidade da medida e as provaacuteveis justificativas do legislador limitando-se a declarar a
incompatibilidade da lei sem tentar sequer interpretaacute-la de acordo com a Carta
A segunda fase de acordo com divisatildeo feita por Elliot foi inaugurada
com o famoso julgamento do caso R v Oakes67 em 1986 quando foi introduzida pela
primeira vez uma regra para a verificaccedilatildeo da razoabilidade da restriccedilatildeo imposta pela medida
legislativa a luz da Seccedilatildeo 1 da Carta Canadense
A Corte passou entatildeo a utilizar o que ficou conhecido como ldquoteste de
Oakesrdquo para verificar se a medida legislativa constitui uma restriccedilatildeo a direitos razoaacutevel e
comprovadamente justificaacutevel em uma sociedade livre e democraacutetica o qual consiste
basicamente no estabelecimento de um padratildeo de prova apoiado em severos criteacuterios de
verificaccedilatildeo da legitimidade racionalidade necessidade e proporcionalidade da restriccedilatildeo
(TREMBLAY WEBBER 2008 p 2)68
66 ldquoThe limits imposed by s 73 are not legitimate limits within the meaning of s 1 of the Charter to the extent
that the latter section applies to rights conferred by s 23 In view of the period when the Charter was enacted
and especially in light of the wording of s 23 which repeats the unique set of criteria contained in s 73 of Bill
101 it is apparent that Chapter VIII seemed to the framers as an archetype of the regimes needing reform
Accordingly the limits which Bill 101 imposes on rights relating to the language of instruction cannot possibly
have been regarded by the framers of the Constitution as coming within ldquosuch reasonable limits prescribed by
law as can be demonstrably justified in a free and democratic societyrdquo Even if enacted after the Charter the
s 73 limits could not be legitimized by s 1 of the Charter Section 73 redefines for Quebec the classes of
persons who are entitled to instruction in the minority language and has the effect of creating an exception to
s 23 and of amending the Charter Whatever their scope the limits which s 1 allows cannot be equated with
exceptions to the rights and freedoms guaranteed by the Charter and may not be treated as amendments to the
Charterrdquo (AG (Que) v Quebec Protestant School Boards 1984 p 67-68)
67 O caso teve por objeto a anaacutelise de incompatibilidade entre a seccedilatildeo 8 do Narcotic Control Act que atribuia
o ocircnus ao cidadatildeo preso por porte de droga de prova que a mesma natildeo se destinava ao traacutefico e a seccedilatildeo 11(d)
da Carta que dispotildee sobre o princiacutepio da presunccedilatildeo de inocecircncia R v Oakes [1986] 1 SCR 103 inteiro teor
da decisatildeo disponiacutevel emhttpsscc-csclexumcomscc-cscscc-cscenitem117indexdo
68 Para uma comparaccedilatildeo entre o teste de Oakes e a aplicaccedilatildeo do princiacutepio da proporcionalidade ver GRIMM
Dieter Porportionality in Canada and German Constitutional Jurisprudence University of Toronto Journal
62
Inicialmente a introduccedilatildeo do ldquoteste de Oakesrdquo parecia ter resolvido as
questotildees e duacutevidas relativas a aplicaccedilatildeo da Seccedilatildeo 1 da Carta Todavia a praacutetica mostrou
rapidamente que o teste natildeo resolvera todas as questotildees os julgamentos que se seguiram
demonstraram ainda existir um forte desacordo entre os membros da Corte sobre a aplicaccedilatildeo
da claacuteusula bem como dificuldades inerentes ao proacuteprio teste (ELLIOT 1986)
A aplicaccedilatildeo do teste por acabar induzindo uma postura mais ativista da
Corte e limitando a margem de atuaccedilatildeo do legislador foi muito discutida doutrinariamente
e tambeacutem no acircmbito da proacutepria Corte (TREMBLAY WEBBER 2008)69 Alguns membros
passaram a ver os desdobramentos da aplicaccedilatildeo do teste como uma expansatildeo injustificada
do Poder judicial em detrimento dos outros poderes pelo que comeccedilaram entatildeo a defender
a necessidade de uma atuaccedilatildeo mais contida (WEINRIB 2002 p 123)
Diante disso as anaacutelises mais recentes dos estudiosos a respeito da
aplicaccedilatildeo da seccedilatildeo 1 da Carta canadense passaram a demonstrar a adoccedilatildeo de uma conduta
mais deferente da Corte para com as medidas legislativas Neste sentido Dixon (2009) ao
analisar inuacutemeros julgados sugere a existecircncia de uma maior contenccedilatildeo da Corte ao lanccedilar
o que chama de ldquosegundo olharrdquo (second look cases) sobre o caso ou no segundo ldquoroundrdquo
do diaacutelogo
O que se percebe eacute que na praacutetica a aplicaccedilatildeo da Seccedilatildeo acaba sendo mais
problemaacutetica do que a teoria imaginava quando da sua criaccedilatildeo Haacute uma dificuldade latente
em estabelecer os limites de interferecircncia do Judiciaacuterio na liberdade de atuaccedilatildeo do
legislativo jaacute que o mesmo acaba tendo que realizar uma anaacutelise do meacuterito das escolhas
poliacuteticas do Legislativo que justifiquem a restriccedilatildeo ou limitaccedilatildeo de direitos e liberdades
Por outro lado se a Corte adota uma postura mais passiva optando por
natildeo interferir na atuaccedilatildeo legislativa e acatar suas escolhas ou ateacute mesmo deixar de adentrar
na anaacutelise do seu meacuterito aiacute tambeacutem haacute riscos Para Weinrib (2002) a postura deferente da
Corte eacute contraacuteria aos objetivos da Carta ignorando a reconstruccedilatildeo dos papeis institucionais
proposta por ela bem como a hierarquia especial dada aos direitos e liberdades nela
Vol 57 N 2 Spring 2007 pp 383-397 e TAVARES DA SILVA Suzana O tretalema do Controlo Judicial
da Porporcionalidade in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra Vol LXXXVIII Tomo
II 2012 pp 639-677 69 Para uma melhor compreensatildeo acerca da aplicaccedilatildeo do teste de Oakes ver CHOUDHRY Sujit So What is
the Real Legacy of Oakes Two Decades of Proportionally Analysis under the Canadian Charterrsquos Section 1
Supreme Court Law Review Vol 34 N 2d pp 501-525 2006
63
previstos assim defender a contenccedilatildeo da Corte seria ceder a primazia dos direitos e
liberdades agrave Poliacutetica enquanto que os legisladores devem estar preparados para arcar com
as responsabilidades das suas escolhas70
No tocante a utilizaccedilatildeo da Seccedilatildeo 1 da Carta pelo Legislativo Tushnet
(2009) destaca que a mesma tambeacutem se revela na praacutetica de certa forma problemaacutetica O
que a experiecircncia canadense mostrou foi que muitas vezes o legislativo utiliza-se da
prerrogativa concedida pela Carta para reeditar a mesma medida legislativa restritiva de
direitos jaacute apreciada e reprovada pelo Judiciaacuterio sem alteraccedilotildees substantivas apenas por
exemplo incluindo no preacircmbulo da lei justificativas usadas por juiacutezes em votos dissidentes
que aprovaram a medida estrateacutegia que ficou conhecida como ldquoin you face responserdquo
Exemplo claacutessico dessa praacutetica do legislador foi o que ocorreu no caso R
v OrsquoConnor71 onde foi discutida pela Suprema Corte Canadense a possibilidade do acusado
em processo penal de obter acesso agraves informaccedilotildees meacutedicas das viacutetimas
O entendimento que prevaleceu na Corte em uma votaccedilatildeo natildeo unacircnime
foi o de que o reacuteu teria direito ao acesso de registros possivelmente relevantes para a
resoluccedilatildeo do caso e mediante anaacutelise do juiz que deveria fazer um balanccedilo entre o direito
de defesa do acusado e o direito a privacidade das viacutetimas Os votos dissidentes defendiam
a exigecircncia de que para que o acusado tivesse acesso agraves informaccedilotildees meacutedicas das viacutetimas
comprovasse antecipadamente de forma substancial e robusta a imprescindibilidade das
70 ldquoI develop a critique of the deferential approach to judicial review under the Charter First it disregards
the prolonged well-informed and remarkably participatory debate that led to the Charterrsquos adoption
Particularly it disregards its fully and publicly articulated remedial purpose to withdraw certain interests
denominated as constitutional rights and freedoms from the give and take of the ordinary political process
Second it fails to take seriously the written product of that debate The deferential approach in effect creates
a hierarchy of rights lacking any discernible basis in the text and ignores the differentiation between rights
that the text does make It also disregards the carefully chosen terms of the limitation formulation drafted in
publicly televised parliamentary proceedings That text was expressly designed to include the technical legal
language of the postwar instruments in order to deliver the effective regime of rights-protection desired by
Canadians generally and in particular sought by those to whom the previous lack of rights-protection
mattered most Disregard of remedial purposes and text leads to the third failing insensitivity to the Charterrsquos
reconstruction of institutional roles The advocates of deference cede the primacy of guaranteed rights and
freedoms to ordinary politics on the ground that the representative accountable legislatures must take
responsibility for the political choices required In effect the polity reverts to the legislative policy-making role
that the Charter was designed to redesignrdquo (WEINRIB 2002 p 123)
71 R v OrsquoConnor [1995] 4 SCR 411 Iacutentegra da decisatildeo disponiacutevel em httpscc-csclexumcomscc-
cscscc-
cscenitem1323indexdor=AAAAAQAjUiB2LiBP4oCZQ29ubm9yIFsxOTk1XSA0IFMuQy5SLiA0MTE
B
64
informaccedilotildees
O Parlamento canadense respondeu ao julgamento da Corte com a ediccedilatildeo
de uma nova lei que visando resguardar o direito agrave privacidade das viacutetimas
consequentemente restringindo o direito de defesa do reacuteu estabelecia um procedimento mais
riacutegido para que o mesmo tivesse acesso agraves informaccedilotildees para fundamentar a restriccedilatildeo seguiu
os argumentos dos votos dissidentes
Essa lei foi objeto de anaacutelise pela Suprema Corte no caso R v Mills72 no
qual a Corte em total deferecircncia ao entendimento do Legislativo considerou que a limitaccedilatildeo
ao direito de defesa do acusado era legiacutetima modificando seu entendimento anterior mesmo
sem nenhum fato novo para tanto73
Para Kent Roach (2001) a resposta legislativa representou o seu
desacordo com a decisatildeo judicial utilizando-se da loacutegica dos votos dissidentes para impor o
seu entendimento sobre a Corte exemplificando assim o uso da ldquoin your face responserdquo
amparado pela prerrogativa da Seccedilatildeo 1 da Carta
Para alguns essa praacutetica eacute vista como uma forma de diaacutelogo74 todavia
natildeo eacute isenta de criacuteticas como se verificaraacute adiante pois pode acabar significando na praacutetica
mais um retorno ao sistema de supremacia parlamentar do que propriamente um sistema
dialoacutegico
1013 Princiacutepios e controle poliacutetico sobre a corte - aplicaccedilatildeo praacutetica
da seccedilatildeo 33
A previsatildeo contida na Seccedilatildeo 33 da Carta Canadense exemplifica a
segunda subcategoria das teorias de princiacutepios juriacutedicos segundo a qual o diaacutelogo se
consubstancia na realizaccedilatildeo do controle das decisotildees judiciais pelos poderes poliacuteticos no
caso da ocorrecircncia de erro de interpretaccedilatildeo
72 R v Mills 1999] 3 SCR 668 Iacutentegra da decisatildeo disponiacutevel em httpsscc-csclexumcomscc-cscscc-
cscenitem1751indexdo
73 Para uma criacutetica mais aprofundada do caso ver CAMERON Jamie Dialogue and Hierarchy in Charter
Interpretation A comment on R v Mills Alberta Law Review Vol 38 N 4 2001
74 Ver DIXON Rosalind The Supreme Court of Canada Charter Dialogue and Deference U of Chicago
Public Law Working Paper N 284
65
A seccedilatildeo 33 ficou conhecida como notwithstanding clause ou overriding
por permitir ao Parlamento a reediccedilatildeo de um texto legal limitador de direitos consagrados
na Carta nas seccedilotildees 2 e de 7 a 15 mesmo quando jaacute tenha sido objeto de reprovaccedilatildeo pelo
Judiciaacuterio pelo prazo maacuteximo de cinco anos75
A referida claacuteusula do overriding apesar de inovadora e do seu aparente
potencial promissor na reconfiguraccedilatildeo dos papeis institucionais na verdade encontrou pouca
aplicaccedilatildeo concreta sendo poucas vezes invocada pelo legislativo Roach (2001) por
exemplo defende ser preferiacutevel a utilizaccedilatildeo da Seccedilatildeo 1 para reeditar uma norma jaacute reprovada
pelo Judiciaacuterio do que fazer uso da Seccedilatildeo 33 que pode representar uma resposta agressiva
como se o Legislativo estivesse gritando para ganhar um debate
Ao mesmo tempo em que a Seccedilatildeo 33 torna a decisatildeo judicial
ldquoprovisoacuteriardquo podendo ser ultrapassada pelo Legislativo possibilitando assim um suposto
diaacutelogo eacute difiacutecil imaginar na praacutetica essa concretizaccedilatildeo O custo poliacutetico a ser suportado
pelo legislador nessa situaccedilatildeo eacute muito alto e nem sempre o mesmo pode estar disposto a
suportaacute-lo 76
Combater a decisatildeo judicial por meio da imposiccedilatildeo da lei conforme
possibilita a Seccedilatildeo 33 parece natildeo ter sido o caminho escolhido pelo legislador canadense jaacute
que a praacutetica revela o pouco usa da referida claacuteusula em detrimento da Seccedilatildeo 1
Apesar de natildeo ter sido muito utilizada pelo Legislativo em razatildeo do seu
alto custo poliacutetico a Corte em alguns casos utliza-se da possibilidade do legislador derrubar
75 33 (1) Parliament or the legislature of a province may expressly declare in an Act of Parliament or of the
legislature as the case may be that the Act or a provision thereof shall operate notwithstanding a provision
included in section 2 or sections 7 to 15 of this Charter Marginal noteOperation of exception (2) An Act or
a provision of an Act in respect of which a declaration made under this section is in effect shall have such
operation as it would have but for the provision of this Charter referred to in the declaration Marginal
noteFive year limitation (3) A declaration made under subsection (1) shall cease to have effect five years
after it comes into force or on such earlier date as may be specified in the declarationMarginal noteRe-
enactment (4) Parliament or the legislature of a province may re-enact a declaration made under
subsection (1)Marginal noteFive year limitation(5) Subsection (3) applies in respect of a re-enactment
made under subsection (4) Canadian Constitutional Act 1982
76 Eacute justamente o alto custo poliacutetico da utilizaccedilatildeo da Seccedilatildeo 33 que faz com que o legislativo opte por responder
de outra forma agrave decisatildeo judicial no caso de discordacircncia fazendo uso assim da Seccedilatildeo 1 na forma da ldquoin your
face responserdquo conforme falamos no toacutepico anterior Para uma criacutetica mais detalhada do assunto ver
TUSHNET Mark Weak Courts Strong Rights judicial review and social welfare rights in comparative
constitutional law Princeton University 2009 p 45-47
66
a decisatildeo judicial contida na Seccedilatildeo 33 para justificar suas decisotildees sejam elas mais ativistas
ou mais contidas como se percebe no julgamento Vriend v Alberta77
O caso em suma tratava de um professor universitaacuterio Delwin Vriend
que fora demitido apoacutes ter revelado sua opccedilatildeo sexual assumindo ser homossexual
Inconformado Vriend alegando a incompatibilidade da Individual Rights Protection Act
(IRPA) da proviacutencia de Alberta local onde ocorreu a demissatildeo com a Carta canadense
recorreu ao Judiciaacuterio para anular o ato A referida lei trazia em seu texto de forma expressa
os motivos pelos quais era vedada a discriminaccedilatildeo de qualquer cidadatildeo como raccedila cor
sexo cor da pele estado civil crenccedila religiosa dentre outros mas natildeo fazia menccedilatildeo agrave
orientaccedilatildeo sexual motivo pelo qual Vriend alegou a sua incompatibilidade
O caso foi inicialmente apreciado pelo Conselho de Direitos Humanos
de Alberta (Alberta Human Rights Board) que entendeu que a demissatildeo natildeo era nula eis
que a orientaccedilatildeo sexual natildeo era prevista legalmente como motivo de vedaccedilatildeo agrave
discriminaccedilatildeo A Court of Queenacutes Bench (Tribunal Superior equivalente a segunda
instacircncia recursal) de Alberta ao apreciar o recurso do professor considerou nula a
demissatildeo afirmando que embora a orientaccedilatildeo sexual natildeo estivesse expressamente prevista
na IRPA deveria ser considerada como se ali estivesse inserida em funccedilatildeo do princiacutepio da
igualdade assegurado pela Carta
A decisatildeo foi revista e modificada pela Alberta Court of Appeal por
entender que a IRPA lei em anaacutelise no caso era uma norma neutra natildeo se dirigia de maneira
especifica nem a heterossexuais nem a homossexuais e por isso natildeo haveria qualquer
incompatibilidade com a Carta
O caso foi levado a julgamento pela Suprema Corte canadense que
afirmou a incompatibilidade da IRPA com a Carta e ao mesmo tempo que declarou a
incompatibilidade da lei em razatildeo da mesma ser omissa por natildeo incluir a previsatildeo da
proibiccedilatildeo de discriminaccedilatildeo por motivo de orientaccedilatildeo sexual justificou expressamente sua
conduta na metaacutefora do diaacutelogo
A Corte em sua decisatildeo mais especificamente dos paraacutegrafos 134 a 138
invocou a possibilidade de superaccedilatildeo da decisatildeo judicial pelo Legislativo por meio do uso
77 Vriend v Alberta [1998] 1 SCR 493 Iacutentegra da decisatildeo disponiacutevel em httpscc-csclexumcomscc-
cscscc-cscenitem1607indexdo
67
da notwishstanding clause prevista na Seccedilatildeo 33 da Carta afirmando ser um mecanismo
propiciador do diaacutelogo justificando assim a legitimidade democraacutetica da sua decisatildeo e do
exerciacutecio do judicial review
Sendo assim ainda que natildeo tenha sido muito utilizada para o objetivo
inicial a que se propocircs natildeo se pode ignorar o papel da Seccedilatildeo 33 na Carta canadense
principalmente pelo que a sua falta de utilizaccedilatildeo revela78
1014 Criacuteticas as teorias estruturais dos princiacutepios juriacutedicos
Apesar do aparente potencial dialoacutegico das teorias dos princiacutepios
juriacutedicos por possibilitarem por meio de mecanismos especiacuteficos que o Legislativo responda
ou reaja a decisatildeo judicial as mesmas natildeo satildeo isentas de criacuteticas
Assim como as teorias dialoacutegicas fundadas no meacutetodo judicial abordadas
anteriormente as teorias dos princiacutepios juriacutedicos com mecanismo de articulaccedilatildeo legislativa
da poliacutetica traduzidas na praacutetica na Seccedilatildeo 1 da Carta Canadense privilegiam a interpretaccedilatildeo
do Judiciaacuterio em detrimento do posicionamento legislativo o que natildeo resolve o problema da
legitimidade democraacutetica inerente a judicial review (BATEUP 2006)
Como dito as teorias estruturais dos princiacutepios juriacutedicos estabelecem
uma metodologia dialoacutegica que reconhece um papel privilegiado concedido ao Judiciaacuterio
para lidar com questotildees de princiacutepios fundada no seu suposto isolamento poliacutetico que lhe
atribui vantagem como deliberador moral Todavia a praacutetica demonstra que esse pressuposto
isolamento poliacutetico natildeo necessariamente refletiraacute nas decisotildees da Corte
Embora o sistema canadense seja apontado como o marco inicial das
teorias dialoacutegicas o que a experiecircncia revela com a praacutetica da metodologia de diaacutelogo nele
prevista eacute que apesar da possibilidade de resposta legislativa e de uma ainda que apenas
78 Para Hiebert o fato da quase inexistente utilizaccedilatildeo da Seccedilatildeo 33 pelo legislativo revela a relutacircncia do
parlamento canadense em tomar decisotildees que possam por em risco a sua imagem de oacutergatildeo comprometido com
a proteccedilatildeo dos direitos e liberdades assegurados pela Carta por acreditarem que a derrubada de uma decisatildeo
judicial pode acarretar o repuacutedio da populaccedilatildeo Destaca que essa situaccedilatildeo ficou evidente nas eleiccedilotildees federais
de 2014 quando o Governo liberal marcou pontos poliacuteticos preciosos ao criticar veementemente Stephen
Harper liacuteder do partido conservador o qual natildeo descartava o uso da claacuteusula natildeo obstante pois a maioria dos
canadenses interpretam o uso da mesmo como uma violaccedilatildeo aos direitos protegidos na Carta o que expressa
um ceticismo acerca da legitimidade dos desacordos poliacuteticos com as interpretaccedilotildees judiciais apesar de tais
divergecircncias serem constitucionalmente permitidas (HIEBERT 2006 p 20)
68
formal maior liberdade de atuaccedilatildeo parlamentar expressamente conferida pela Seccedilatildeo 1 da
Carta ao fim e ao cabo quem iraacute decidir de fato eacute a Corte jaacute que a ela incumbe a anaacutelise da
proporcionalidade da medida legislativa
A utilizaccedilatildeo pelo Legislativo dos mecanismos normativamente previstos
no sistema canadense como propiciadores de um diaacutelogo com a Corte acarretam um alto
custo poliacutetico Em um primeiro plano pode-se observar que o uso dos mesmos de forma
regular pode acarretar prejuiacutezo ao significado e ateacute mesmo reduzir a importacircncia do
instituto da revisatildeo judicial enviando um claro sinal de que as opiniotildees judiciais muitas
vezes natildeo satildeo dignas de respeito jaacute que podem facilmente ser suplantadas pela iniciativa
parlamentar
Somado a isso tem-se em segundo plano o alto niacutevel de apoio popular
que o sistema judicial recebe que faz com que mesmo que a utilizaccedilatildeo dos meacnismos natildeo
ataque diretamente o Judiciaacuterio como instituiccedilatildeo em si haja uma provaacutevel exigecircncia puacuteblica
do cumprimento das decisotildees judicias em desfavor de mecanismos de overriding pelo
menos em relaccedilatildeo aqueles casos de maior relevacircncia
Esses dois aspectos elevam demasiadamente os custos poliacuteticos da
atuaccedilatildeo legislativa influenciando para que mecanismos como o previsto na Seccedilatildeo 33 que
resultam em uma substituiccedilatildeo de decisatildeo judicial sejam pouco ou quase nada utilizados na
praacutetica (BATEUP 2009 p 566)
Ainda supondo uma hipoteacutetica utilizaccedilatildeo da previsatildeo contida na Seccedilatildeo
33 fundada em um controle das decisotildees judicias pelo Legislativo quando considerar que
houve erro no julgamento feito pelo Judiciaacuterio poderia se assemelhar muito mais a um
modelo de supremacia parlamentar do que um mecanismo propiciador de um diaacutelogo
substancial entre ambos os poderes79
Tushnet (2009) alerta dessa maneira para o fato de que sob o ponto de
vista praacutetico o sistema canadense em muito pouco se difere do modelo tradicional
americano onde haacute uma prevalecircncia das decisotildees judiciais
Alguns criacuteticos tambeacutem apontam para o fato de que a existecircncia formal
da ldquoclaacuteusula natildeo obstanterdquo no sistema pode levar a uma atuaccedilatildeo irresponsaacutevel do Judiciaacuterio
69
que ciente da possibilidade de correccedilatildeo e superaccedilatildeo da sua decisatildeo pelo Poder Legislativo
natildeo se esforccedilaraacute na busca por emanar as melhores decisotildees80
Outro ponto importante de criacutetica o qualeacute fortemente destacado por
Bateup (2006 p49) eacute o fato de essas teorias possuiacuterem uma contradiccedilatildeo intriacutenseca muito
forte ao mesmo tempo que defendem uma competecircncia privilegiada do Judiciaacuterio para lidar
com questotildees de princiacutepios propotildeem que a supervisatildeo poliacutetica eacute necessaacuteria para se proteger
contra a possibilidade de erro judicial
Eacute questionaacutevel a maneira como o legislador chegaraacute a conclusatildeo que o
Judiciaacuterio incorreu em erro jaacute que natildeo haacute nenhuma teoria interpretativa que explicite de
forma objetiva como isso deve ser verificado na praacutetica deixando uma margem de
apreciaccedilatildeo muito ampla e subjetiva parecendo muito mais uma forma de simples superaccedilatildeo
da decisatildeo judicial do que uma efetiva correccedilatildeo
Sendo assim natildeo se vislumbra na praacutetica canadense a efetivaccedilatildeo de um
verdadeiro diaacutelogo sob o ponto de vista material podendo-se aferir apenas a possibilidade
de uma conversaccedilatildeo entre os poderes onde o Judiciaacuterio ldquofalardquo e o Legislativo ldquoescutardquo ou vice-
versa sugerindo mais uma ideia de monoacutelogo do que propriamente de diaacutelogo jaacute que na
realidade natildeo haacute um efetivo debate nem a construccedilatildeo conjunta de uma decisatildeo
Poreacutem apesar das criacuteticas se reconhece a importacircncia da praacutetica
deflagrada pelo sistema canadense que mesmo que apenas formalmente possibilita uma
interaccedilatildeo legislativa no processo de controle de constitucionalidade mediante a utilizaccedilatildeo de
mecanismos criados propriamente para esse fim especiacutefico o que ateacute entatildeo natildeo existia na
jurisdiccedilatildeo constitucional
80 Nesse sentido ver PETTER Andrew Taking Dialogue theory much too seriously (or perhaps charter
dialogue isnrsquot such a good thing after all) Osgoode Law Journal v 45 n1 p147-167 2007 A criacutetica
desenvolvida por Andrew Petter faz parte das que se seguiram apoacutes o estudo desenvolvido por Petter Hogg e
Alisson Bushell Para o Autor a tese dos mesmos eacute desprovida de conteuacutedo normativo e subestima a influecircncia
que as decisotildees judiciais exercem no processo de tomada de decisotildees poliacuteticas e em todos os outros aspectos
da vida poliacuteticas O Autor critica veementemente a metodologia adotada pelos dois autores no tocante a anaacutelise
jurisprudencial que os levou a concluir pela existecircncia do diaacutelogo no sistema canadense dentre outros
importantes aspectos por isso sugerimos a leitura
70
11 As teorias dialoacutegicas da parceira
Agrupam-se nessa categoria de teorias estruturais do diaacutelogo aquelas
que apostam nos mecanismos institucionais como a melhor forma de promoccedilatildeo do diaacutelogo
reconhecem o papel igualmente importante tanto dos atores judiciais como dos natildeo judiciais
no processo de tomada de uma decisatildeo constitucional
De acordo com essas teorias tanto o Judiciaacuterio quanto o Legislativo
devem ter seu papel reforccedilado dentro do processo de interpretaccedilatildeo constitucional sendo
reconhecidas as capacidades e competecircncias especiacuteficas de cada um de modo que repartam
a responsabilidade das decisotildees
Ao contraacuterio das teorias dos princiacutepios juriacutedicos para essas teorias natildeo
haacute um polo privilegiado reconhecem as diferentes competecircncias de cada braccedilo do poder
poreacutem defendem uma atuaccedilatildeo colaborativa entre eles na interpretaccedilatildeo constitucional sem
qualquer hierarquia
Bateup (2006 p 71) destaca as ideias de Janet Hiebert como exponente
dessas teorias eis que a referida Autora ao analisar a experiecircncia Canadense na aplicaccedilatildeo da
Carta de 1982 critica a passividade do Legislativo em face da intervenccedilatildeo judicial em
assuntos de poliacutetica puacuteblica argumentando que a interpretaccedilatildeo constitucional deve ser uma
responsabilidade compartilhada entre os Tribunais e o Parlamento
Hibert (2002) defende uma ldquoabordagem relacionalrdquo mediante a
combinaccedilatildeo entre a perspectiva judicial e legislativa para as interpretaccedilotildees da Carta Alega
que o fato de estarem separados Legislativo e Judiciaacuterio poreacutem interligados dentro da ordem
constitucional faz com quem ambos estejam aptos a se engajar em um diaacutelogo no qual cada
um deve ter certo grau de modeacutestia sobre suas proacuteprias conclusotildees e ouvir o outro a fim de
um aprendizado reciacuteproco e conforme necessaacuterio modificar seu ponto de vista
Nesse sentido criacutetica a teoria dialoacutegica de Bushell e Hogg sobretudo por
atribuiacuterem agrave Corte um papel corretivo incompatiacutevel com a ideia do compartilhamento de
responsabilidade inerente ao diaacutelogo Para a Autora natildeo deve ser atribuiacutedo agrave Corte o papel
de conduzir o diaacutelogo mas sim reconhecidas as capacidades diferentes de cada instituiccedilatildeo
do Poder as quais enxergam os problemas por prismas diferentes
71
Demonstra por meio desse entendimento que o Judiciaacuterio natildeo seria a
instacircncia mais bem posicionada para avaliar a escolha dos meios feita pelo legislador para
alcanccedilar seus objetivos mas sim para fiscalizar a qualidade da deliberaccedilatildeo e o empenho
despendido para fazer o balanceamento entre direitos e seus limites
Essa fiscalizaccedilatildeo acabaria por aumentar a responsabilidade do
Legislativo jaacute que precisaraacute convencer o Judiciaacuterio da necessidade da limitaccedilatildeo imposta e
do seu cuidado e compromisso com a proteccedilatildeo dos direitos81
111 Criacuteticas agrave teoria da parceria
No tocante a legitimidade democraacutetica da revisatildeo judicial das leis pode-
se dizer que essas teorias comparadas as demais ateacute aqui expostas demonstram maior
aptidatildeo para solucionar o problema pois oferecem uma resposta satisfatoacuteria a objeccedilatildeo
contramajoritaacuteria ao natildeo reconhecerem nenhuma posiccedilatildeo superior ao Judiciaacuterio em relaccedilatildeo
aos demais poderes mas sim reforccedilando a ideia de separaccedilatildeo de poderes e funccedilotildees
especiacuteficas sendo estas igualmente importantes no processo de interpretaccedilatildeo constitucional
Do ponto de vista teoacuterico a ideia parece ideal sobretudo por reforccedilar o
princiacutepio da separaccedilatildeo de poderes aumentando a responsabilidade institucional e
respeitando as competecircncias teacutecnicas e especiacuteficas de cada braccedilo do Poder como se idealiza
Todavia a sua dificuldade praacutetica eacute tatildeo evidente que natildeo conseguimos sequer vislumbrar
um exemplo concreto da efetivaccedilatildeo dessa teoria
Apesar disso deve ser considerada e reconhecida a sua importacircncia por
servir como um objetivo a ser alcanccedilado como um ponto de referecircncia que se deve buscar
implementar na praacutetica apesar das latentes dificuldades
Para Bateup essas teorias seriam praticamente perfeitas se comparadas
com as outras para alcanccedilar os objetivos a que as teorias dialoacutegicas se propotildeem poreacutem
pecam por natildeo considerar a necessidade da participaccedilatildeo social no diaacutelogo Diante disso a
Autora propotildee uma outra metodologia que a seu ver seria a ideal a qual passamos a expor
81 ldquoThe extent to wich Parliament will be able to convince the judiciary about the merits of how it believes
Charter conflicts should be resolved may be a direct reflection of the extent of its commitment to careful and
principled judgment To a considerable degree Parliament is likely get the kinds of judicial rulings ir
deservesrdquo (HIEBERT 2002 p 227)
72
12 Fusatildeo dialoacutegica
A metodologia de diaacutelogo ideal proposta por Bateup consiste na fusatildeo
entre os elementos das teorias da parceria e do equiliacutebrio que resultaria na forma mais
promissora do diaacutelogo constitucional por permitir uma compreensatildeo mais abrangente dos
diferentes aspectos institucionais e sociais possibilitando a participaccedilatildeo de diferentes atores
no processo de interpretaccedilatildeo constitucional (BATEUP 2006 p 77)
Na concepccedilatildeo da Autora a fusatildeo dialoacutegica seria o modelo ideal de
diaacutelogo pois por meio dos elementos proacuteprios da teoria da parceria se resolveriam as
controveacutersias acerca da legitimidade democraacutetica do judicial review reforccedilando a
competecircncia e atuaccedilatildeo das instituiccedilotildees aumentando a responsabilidade das mesmas pelas
suas decisotildees e atividades e por outro lado por meio dos elementos das teorias do
equiliacutebrio se promoveria a inclusatildeo da sociedade no debate reconhecendo o papel do
Judiciaacuterio como mediador da discussatildeo sem no entanto atribuir-lhe o poder da palavra final
Como aprimoramento das outras teorias a fusatildeo dialoacutegica propotildee a
noccedilatildeo do papel do Judiciaacuterio como um facilitador do debate na sociedade sobre os principais
temas do constitucionalismo para que mediante dele se alcance um resultado mais
duradouro e aceitaacutevel no seio social
Sendo assim em siacutentese o que Bateup propotildee eacute que a criacutetica inicialmente
feita agrave teoria do equiliacutebrio relativa a existecircncia de problemas constitucionais menos
relevantes em que natildeo seria necessaacuterio - nem recomendaacutevel - a abertura de um debate no
seio social seria superada pela metodologia da teoria da parceria surgindo assim um modelo
mais ldquocorretordquo de diaacutelogo
Sob essa perspetiva a revisatildeo judicial das leis teria como consequecircncia
dois aspectos distintos dentro da sociedade moderna Em primeiro lugar seria um
mecanismo auxiliador na produccedilatildeo de respostas mais duraacuteveis e amplamente aceitaacuteveis em
relaccedilatildeo a questotildees constitucionais que envolvam diaacutelogo com a sociedade como um todo e
em segundo tambeacutem auxiliaria na promoccedilatildeo de uma melhor resoluccedilatildeo institucional de
questotildees constitucionais no acircmbito de casos individuais (BATEUP 2006 p 78)
73
121 Criacuteticas agrave teoria da fusatildeo dialoacutegica
Aqui repetem-se as criacuteticas feitas no toacutepico acima acerca da teoria da
parceria acrescentando-se a essas as atinentes agrave inclusatildeo da participaccedilatildeo da sociedade como
participantes do diaacutelogo
A ideia de Bateup parece sob o ponto de vista da legitimidade
democraacutetica do controle de constitucionalidade ideal para superar todas as desconfianccedilas
pois combina os melhores elementos da teoria da parceria e ainda inclui a participaccedilatildeo
social que nesse vieacutes eacute de fundamental importacircncia
De todas as teorias ateacute aqui expostas parece ser a uacutenica a prever a
concretizaccedilatildeo de um diaacutelogo material facilitando a ocorrecircncia de um verdadeiro debate entre
os participantes do processo de interpretaccedilatildeo constitucional a fim de encontrar um consenso
Todavia as dificuldades residentes na implementaccedilatildeo dessa concepccedilatildeo
teoacuterica na praacutetica satildeo inuacutemeras primeiramente pela limitaccedilatildeo dos provaacuteveis meios para
inclusatildeo da sociedade no debate e depois pelos riscos que essa inclusatildeo pode oferecer
Incluir a sociedade civil em um debate atinente a realizaccedilatildeo de poliacuteticas
puacuteblicas para a efetivaccedilatildeo de direitos fundamentais pode ser extremamente perigoso pois a
pressatildeo social pode levar a tomadas de decisotildees irresponsaacuteveis pelos entes puacuteblicos bem
como pode acabar privilegiando uma ou outra parcela da populaccedilatildeo que esteja ativa no
debate em detrimento de outra Com isso pode haver o favorecimento dos interesses de
grupos minoritaacuterios o que nem sempre pode ser considerado favoraacutevel do ponto de vista
democraacutetico
Neste sentido ainda que a metodologia proposta po Bateup seja
aparentemente a mais promissora para resolver o conflito que ronda a legitimidade
democraacutetica do controle judicial das leis natildeo se pode tomaacute-la como uma verdade absoluta
sendo necessaacuterio criterioso cuidado na sua anaacutelise
13 Os mecanismos estruturais de diaacutelogo no sistema britacircnico e neozelandecircs
Como jaacute se abordou brevemente no iniacutecio do presente trabalho o novo
modelo canadense de revisatildeo judicial das leis por ser uma alternativa agrave tradicional forma de
supremacia judicial acabou por influenciar outros paiacuteses da Commonwealth de tradiccedilatildeo
74
parlamentar justamente pela sua promessa de conciliaccedilatildeo entre a supremacia legislativa e a
revisatildeo judicial no tocante a proteccedilatildeo de direitos fundamentais
Assim inspirados nesse novo modelo de judicial review paiacuteses como o
Reino Unido e Nova Zelacircndia ao reconhecerem a necessidade de uma tutela especial aos
direitos fundamentais adotaram sistemas que tambeacutem possuem mecanismos que propiciam
uma forma ldquofracardquo de revisatildeo judicial
O ponto em comum que ambos os sistemas possuem eacute o fato que o
Judiciaacuterio natildeo deteacutem poder para invalidar a legislaccedilatildeo ou seja permanecem pelo menos em
teoria em um sistema onde a supremacia parlamentar ainda se faz presente Todavia diante
da necessidade de assegurar a eficaacutecia dos direitos fundamentais que passaram a fazer parte
do Bill of Rights acabaram por introduzir em seu sistema alguns mecanismos que mitigaram
essa supremacia condicionando o legislador a observaccedilatildeo de tais direitos
Ambos os sistemas possuem assim a figura do mandado interpretativo
que em suma permite ao Judiciaacuterio o exerciacutecio da revisatildeo das leis ainda que natildeo possa
invalidaacute-las e lhe impotildee a tarefa de no momento que for analisar a legislaccedilatildeo interpretaacute-la
conforme os preceitos do Bill of Rights
Apesar de ser o mesmo mecanismo ele se desdobra na praacutetica de
maneiras diversas em cada paiacutes em face das suas peculiaridades razatildeo pela qual se analisaraacute
ambos os sistemas de forma autocircnoma
131 O mandado interpretativo e a declaraccedilatildeo de incompatibilidade no reino
unido (seccedilatildeo 3 e 4 (2) do human rights act 1998)
Como se sabe o Reino Unido eacute considerado o berccedilo da soberania
parlamentar onde ateacute recentemente cabia a este oacutergatildeo a apreciaccedilatildeo e resoluccedilatildeo de problemas
constitucionais tendo o Judiciaacuterio pouca ou quase nenhuma expressatildeo nesse sentido
O reconhecimento da competecircncia do Judiciaacuterio para a realizaccedilatildeo da
revisatildeo das leis foi um processo gradativo Apoacutes a Revoluccedilatildeo Gloriosa e a promulgaccedilatildeo do
Bill of Rights ambas as Casas do Parlamento inglecircs (House of Common e House of Lords)
75
passaram a deter competecircncia exclusiva para receber e apreciar as peticcedilotildees advindas dos
tribunais inferiores 82
Posteriormente jaacute exercendo a Cacircmara dos Lordes tal funccedilatildeo de modo
exclusivo veio a lume o Appellate Jurisdiction Act (1876) por intermeacutedio do qual foi criada
a figura dos lordes de apelaccedilatildeo (Lords of Appeal in Ordinary ou Law Lords) juiacutezes altamente
qualificados que deveriam se dedicar exclusivamente agraves questotildees judiciais submetidas ao
Parlamento Tais juiacutezes passaram a integrar o que veio a ser denominado Comissatildeo de
Apelaccedilatildeo da Cacircmara dos Lordes (Appellate Committee) e exercendo apenas a funccedilatildeo
jurisdicional deixaram de participar das votaccedilotildees do Parlamento (natildeo obstante tenham
permanecido como membros de tal Poder) (LARANJEIRA 2013)
Nesse contexto na estrutura constitucional inglesa cabia ao Parlamento
natildeo apenas a funccedilatildeo legislativa que lhe eacute inerente mas tambeacutem a atuaccedilatildeo como oacutergatildeo de
cuacutepula judicial Essa concepccedilatildeo era decorrente da inexistecircncia de uma constituiccedilatildeo escrita
formalmente superior as demais normas83 razatildeo pela qual o legislador acabava por ter uma
autonomia ilimitada para editar modificar e anular as leis
O ponto inicial de mudanccedila dessa estrutura foi a adoccedilatildeo do Human
Rights Act 199884 que entrou em vigor em 2 de outubro de 2000 e introduziu no
ordenamento juriacutedico interno os princiacutepios fundamentais jaacute enunciados pela Convenccedilatildeo
Europeia de Direitos do Homem85 A adoccedilatildeo desse documento representou uma mudanccedila
significativa na cultura legal do paiacutes porque as autoridades puacuteblicas passaram a ser
obrigadas a obedecer novas normas antes consideradas apenas no acircmbito internacional e
com isso quaisquer accedilotildees do Governo ou outros organismos puacuteblicos que natildeo cumprissem
82 Para um maior aprofundamento sobre a histoacuteria estrutura e composiccedilatildeo do Parlamento britacircnico ver
LEYLAND Peter The Constituion of the United Kingdom a contextual analysis Oxford 2007 p 81-114
83 Necessaacuterio destacar que embora natildeo exista um documento formal intitulado de Constituiccedilatildeo atribui-se esse
mesmo sentido ao ldquo() conjunto de praacuteticas instituiccedilotildees e remeacutedios processuais que determina a estruturaccedilatildeo
poliacutetica do Estado com o adequado controle e distribuiccedilatildeo do poder aleacutem do apontamento de garantias
fundamentais em favor dos cidadatildeos ()rdquo (CYRINO 2007)
84 Eacute importante esclarecer que antes da adoccedilatildeo do HRA o Reino Unido jaacute havia ratificado a Convenccedilatildeo
Europeia de Direitos do Homem em 1951 o que acarretou severesos conflitos de normas A necessidade de
conciliaccedilatildeo desses conflitos normativos pode ser considerada como um dos motivos que ensejaram a adoccedilatildeo
do HRA
85 A adoccedilatildeo desse documento foi tambeacutem decorrente de importantes conflitos poliacuteticos que acabaram por
enfraquecer a ideia de supremacia parlamentar ateacute entatildeo intocaacutevel sobretudo pelas constriccedilotildees decorrentes da
entrada na Uniatildeo Europeia que obrigou o paiacutes a estabelecer um documento legal de proteccedilatildeo de direitos
fundamentais com status qualificado Nesse sentido ver TUSHNET 2008 p 28
76
com a Convenccedilatildeo passaram a poder serem consideradas como ilegais tambeacutem no acircmbito
interno (LEYLAND 2007)
A partir de entatildeo passou-se a travar debates atinentes a necessidade de
ampliaccedilatildeo de um sistema de revisatildeo judicial das leis a fim de dar eficaacutecia ao documento e
consolidar a sua hierarquia qualificada perante as demais leis86
A mudanccedila do sistema onde ateacute entatildeo o controle das leis era feito por
um oacutergatildeo poliacutetico parte do proacuteprio Parlamento se consolidou com a aprovaccedilatildeo do
Constitution Reform Act em 2005 o qual passou a prever a criaccedilatildeo da Suprema Corte que
foi instalada mais recentemente no ano de 2009 e marcou a consolidaccedilatildeo de um oacutergatildeo
judicial independente do legislativo87
O HRA ao introduzir no odernamento juriacutedico interno os princiacutepios e
direitos previstos na Convenccedilatildeo Europeia na Seccedilatildeo 388 determinou que tanto quanto fosse
possiacutevel a legislaccedilatildeo primaacuteria e a legislaccedilatildeo subordinada devem ser interpretadas visando a
compatibilidade com os preceitos da Convenccedilatildeo
Ou seja o mandado interpretativo consiste na imposiccedilatildeo as Cortes do
dever de se esforccedilarem para interpretar as leis de acordo com o HRA Tambeacutem eacute denominado
por alguns doutrinadores de poder interpretativo (interpretative power) visto que possibilita
86 Sobre o impacto do HRA na cultura britacircnica Gadbaum (2001 p 732) destaca ldquoThere is no doubt that in
the British legal and constitutional context the mere existence of a set of codified constitutes a radical change
in legal and political culture independent of the exact form and legal status that they possess This is because
it replaces the existing conception of civil liberties as residual in nature ndash citizens are free to do whatever
statute common law and delegated legislation do not prohibit them from doing ndash with a primary or affirmative
set of rights that limit what citizens may be prohibited from doing in the first placerdquo
87 Leyland (2007 p 154) esclarece que a Suprema Corte britacircnica natildeo foi criada com o objetivo de ser um
Tribunal constitucional em suas palavras ldquoThe Supreme Court will not be established as a constitutional court
although of course it will have to preside over cases that raise constitutional issues and it will take over from
the Judicial Committee of the Privy Council jurisdiction over lsquodevolution issuesrsquo arising from the Scotland Act
1998 Government of Wales Act 1998 and Northern Ireland Act 1998rdquo
88 Interpretation of legislation (1)So far as it is possible to do so primary legislation and subordinate
legislation must be read and given effect in a way which is compatible with the Convention rights (2)This
sectionmdash (a)applies to primary legislation and subordinate legislation whenever enacted (b)does not affect
the validity continuing operation or enforcement of any incompatible primary legislation and (c)does not
affect the validity continuing operation or enforcement of any incompatible subordinate legislation if
(disregarding any possibility of revocation) primary legislation prevents removal of the incompatibility (HRA
1998)
77
a modificaccedilatildeo do significado das leis inicialmente conferido pelo Palamento a fim de
compatibilizaacute-las com a Convenccedilatildeo89
Todavia quando natildeo for possiacutevel uma interpretaccedilatildeo compatiacutevel a lei
natildeo pode ser invalidada permanecendo em pleno vigor podendo ser aplicada e invocada em
qualquer procedimento legal O que deve existir nesses casos eacute a emissatildeo de uma declaraccedilatildeo
de incompatibilidade onde a Corte pronunciaraacute o seu entendimento mas este natildeo teraacute
nenhum efeito direto ou concreto sobre a validade da norma90
A manifestaccedilatildeo do Judiciaacuterio por meio da declaraccedilatildeo de
incompatibilidade apesar de natildeo acarretar a nulidade da lei ao tornar puacuteblico o conflito da
mesma com os direitos assegurados pelo HRA gera um inegaacutevel constrangimento poliacutetico
Poreacutem o Parlamento continua a ser soberano eis que eacute ele que decide se a norma ainda que
declaradamente incompatiacutevel continuaraacute vigente como antes (CYRINO 2007)
Tendo em vista o constrangimento poliacutetico causado pela declaraccedilatildeo de
incompatibilidade alguns autores defendem ser esse um mecanismo propulsor de uma
resposta do Parlamento agraves decisotildees da Corte de forma a alterar a lei para eliminar a
incompatibilidade apontada pelas Cortes bem como de uma maior responsabilidade para
com a observacircncia dos direitos do HRA quando da formulaccedilatildeo das leis a fim de evitar uma
futura incompatibilidade
Um reconhecido e importante exemplo dessa praacutetica ocorreu no
julgamento do caso A and Others v Secretary of State for the Home Departament91 onde o
Governo britacircnico foi acusado de minar direitos individuais por meio da criaccedilatildeo da lei Anti
terrorismo crime e seguranccedilas de 2001 por permitir a detenccedilatildeo por tempo indeterminado
de estrangeiros suspeitos da praacutetica de terrorismo
89 ldquoThis section confers an interpretative power which allows the courts to consider legislation and transform
it by stretching its meaning where it is possible to do so in order to achieve Convention compatibilityThis
marks a significant shift of power from Parliament to judges since the courts are able to rewrite sections of
Acts by reading into them words that are not there and by doing so remove potential conflicts with the
Conventionrdquo (LEYLAND 2007 p 171)
90 4 (2) If the court is satisfied that the provision is incompatible with a Convention right it may make a
declaration of that incompatibility (HRA 1998)
91 A and Others v Secretary of State for the Home Departament (2004) UKHL Iacutentegra disponiacutevel em
httpwwwpublicationsparliamentukpald200405ldjudgmtjd041216aampoth-1htm
78
Nesse caso um grupo de suspeitos que estava detido em Belmarsh haacute
trecircs anos suscitou o conflito da lei com os direitos e garantias assegurados no HRA O
Comitecirc Judicial da Cacircmara dos Lordes emitiu uma declaraccedilatildeo de incompatibilidade da
referida legislaccedilatildeo poreacutem como a mesma natildeo provoca a nulidade os suspeitos continuaram
detidos Contudo a condenaccedilatildeo da legislaccedilatildeo ocasionou uma resposta do Governo
A declaraccedilatildeo de incompatibilidade acabou persuadindo o Governo a
editar uma nova lei utilizando uma outra abordagem para controlar os suspeitos de
terrorismo de forma a superar a incompatibilidade verificada e dessa maneira foi editada a
lei de Anti Terrorismo de 2005 (Prevention of Terrorism Act 2005)
Nesse sentido a declaraccedilatildeo de incompatibilidade pode ser lida sob a
oacutetica das teorias dialoacutegicas92 eis que quase sempre que for emitida ensejaraacute uma resposta do
Governo ou do Parlamento no sentido de modificar a lei para eliminar a incompatibilidade
diante de uma provaacutevel pressatildeo puacuteblica intensa nesse sentido e pelo proacuteprio interesse puacuteblico
em fazecirc-lo
Ademais o Governo e o Parlamento dificilmente iratildeo ignorar o conflito
revelado entre a legislaccedilatildeo e o HRA tambeacutem considerando que a viacutetima da violaccedilatildeo manteacutem
o direito de recorrer ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem alegando uma violaccedilatildeo a
Convenccedilatildeo Europeacuteia pelas normas internas (DEBELJAK 2002 p317)
Sob essa perspectiva a declaraccedilatildeo de incompatibilidade seria um
instrumento ideal para possibilitar um diaacutelogo entre o Judiciaacuterio e o Parlamento na tarefa da
interpretaccedilatildeo e execuccedilatildeo dos direitos fundamentais O HRA confere uma voz formal ao
Judiciaacuterio a qual pode ser colocada em praacutetica mediante a utilizaccedilatildeo deste instrumento com
o objetivo de envolver o legislativo no debate (SCHYFF 2010 p 188)
Complementando essa ideia Seccedilatildeo 1093 do HRA prevecirc mecanismos
que possibilitam uma alteraccedilatildeo da legislaccedilatildeo de forma mais raacutepida que pelo procedimento
92 ldquoThe notion of declarations of incompatibility is congruent with the principle of democratic inclusion The
deliberative process continues via an inter-institutional dialogue ensuring that no arm of government has a
monopoly on the final resolution of the defining commitments of society (hellip) According to the Human Rights
White Paper (UK) a judicial declaration of incompatibility is part of an inter-institutional dialogue A
declaration of incompatibility lsquowill almost certainly prompt the Government and parliament to change the lawrsquo
and lsquothe Government would have to consider and in most cases would consider the position pretty rapidlyrdquo
(DEBELJAK 2002p317)
93 ldquoSection 10 (Power to take remedial action) (1)This section applies ifmdash (a) a provision of legislation has
been declared under section 4 to be incompatible with a Convention right and if an appeal liesmdash (i)all persons
79
comum denominados remedial actions A Seccedilatildeo 1994 ainda estabelece uma forma de
controle preacutevio da legislaccedilatildeo a ser realizado pelo Ministro
Em razatildeo disso o sistema de revisatildeo judicial das leis instituiacutedo no Reino
Unido vem sendo apontado por alguns doutrinadores como um sistema dialoacutegico Contudo
por oacutebvio haacute objeccedilotildees conforme se passaraacute a demonstrar
1311 Criacuteticas agrave experiecircncia britacircnica
Apesar de ainda ser muito cedo para proferir um pronunciamento firme
sobre a nova praacutetica implementada no Reino Unido pelo HRA (HIEBERT 2006) jaacute se
consegue vislumbrar na doutrina algumas criacuteticas valiosas a seu respeito
Em suma as duacutevidas sobre a sustentabilidade deste modelo residem na
imprevisibilidade do comportamento poliacutetico que ao mesmo tempo pode favorecer um
recuo ao antigo modelo da soberania parlamentar como pode tambeacutem acabar se
aproximando ao tradicional modelo norte-americano onde haacute uma evidente supremacia
judicial
who may appeal have stated in writing that they do not intend to do so (ii)the time for bringing an appeal has
expired and no appeal has been brought within that time or (iii)an appeal brought within that time has been
determined or abandoned or (b) it appears to a Minister of the Crown or Her Majesty in Council that having
regard to a finding of the European Court of Human Rights made after the coming into force of this section in
proceedings against the United Kingdom a provision of legislation is incompatible with an obligation of the
United Kingdom arising from the Convention (2)If a Minister of the Crown considers that there are compelling
reasons for proceeding under this section he may by order make such amendments to the legislation as he
considers necessary to remove the incompatibility (3)If in the case of subordinate legislation a Minister of
the Crown considersmdash (a) that it is necessary to amend the primary legislation under which the subordinate
legislation in question was made in order to enable the incompatibility to be removed and (b)that there are
compelling reasons for proceeding under this section he may by order make such amendments to the primary
legislation as he considers necessary (4)This section also applies where the provision in question is in
subordinate legislation and has been quashed or declared invalid by reason of incompatibility with a
Convention right and the Minister proposes to proceed under paragraph 2(b) of Schedule 2 (5)If the legislation
is an Order in Council the power conferred by subsection (2) or (3) is exercisable by Her Majesty in Council
(6)In this section ldquolegislationrdquo does not include a Measure of the Church Assembly or of the General Synod
of the Church of England (7)Schedule 2 makes further provision about remedial ordersrdquo Human Rights Act
1998
94 ldquoSection 19 (Statements of compatibility) (1)A Minister of the Crown in charge of a Bill in either House of
Parliament must before Second Reading of the Billmdash (a) make a statement to the effect that in his view the
provisions of the Bill are compatible with the Convention rights (ldquoa statement of compatibilityrdquo) or (b)make
a statement to the effect that although he is unable to make a statement of compatibility the government
nevertheless wishes the House to proceed with the Bill (2)The statement must be in writing and be published
in such manner as the Minister making it considers appropriaterdquo Human Rights Act 1998
80
Neste sentido as criacuteticas se assemelham agraves crtiacuteticas jaacute disparadas contra
o sistema canadense95 o que nos conduz a percepccedilatildeo de que talvez seja uma caracteriacutestica
comum a todos os modelos concluindo que por melhor e mais elaborado que seja o sistema
de revisatildeo judicial das leis sua concretizaccedilatildeo sofreraacute dificuldades por questotildees de cunho
subjetivo tendo a cultura local de cada paiacutes grande influecircncia nessa praacutetica
Ou seja o grau de comprometimento de cada braccedilo do Poder seja com
a busca pela efetivaccedilatildeo de direitos ou com a preservaccedilatildeo da soberania parlamentar iraacute
influenciar diretamente na forma de utilizaccedilatildeo dos mecanismos dialoacutegicos colocados a
disposiccedilatildeo
Eacute importante notar que o HRA ao mesmo tempo que preserva a
supremacia da legislaccedilatildeo jaacute que a mesma natildeo pode ser invalidada por outro oacutergatildeo que natildeo
o proacuteprio Parlamento acaba por conferir um papel de destaque ao Judiciaacuterio no processo de
interpretaccedilatildeo e efetivaccedilatildeo dos direitos fundamentais
A Seccedilatildeo 3 ao instituir o mandado interpretativo atribui grande
influecircncia ao entendimento do Judicaacuterio na definiccedilatildeo do sentido das leis ao passo que a
declaraccedilatildeo de incompatibilidade apesar do seu potencial dialoacutegico demonstrado acima na
praacutetica tambeacutem faz com que prevaleccedila esse entendimento jaacute que a tendecircncia eacute que os outros
oacutergatildeos sigam a interpretaccedilatildeo judicial no sentido de modificar a lei garantindo a preservaccedilatildeo
dos direitos fudamentais assegurados pelo HRA e pela CEDH (DEBELJAK 2002)
Hiebert (2004 p 1983) ao tratar da experiecircncia britacircnica chama a
atenccedilatildeo para o fato de que apesar da clara intenccedilatildeo dos proponentes do HRA de manter o
princiacutepio da soberania parlamentar natildeo houve muita discussatildeo sobre como esse princiacutepio
iria se relacionar com os julgamentos do Judiciaacuterio sobre direitos
Revela que as pesquisas realizadas por meio da anaacutelise de debates
parlamentares deliberaccedilotildees poliacuteticas e comentaacuterios acadecircmicos sobre o assunto
demonstram pouca consideraccedilatildeo dos criteacuterios condiccedilotildees e circunstacircncias em que o Governo
deve explicitamente discordar das interpretaccedilotildees do HRA feitas pelo Judiciaacuterio
O que se percebe da anaacutelise do sistema de revisatildeo judicial das leis
desenvolvido pelo Reino Unido eacute que muito embora o Judiciaacuterio natildeo detenha a uacuteltima
95 Ver toacutepico 1014
81
palavra natildeo podendo invalidar a legislaccedilatildeo o mandado interpretativo lhe confere um poder
de interpretaccedilatildeo muito amplo podendo mudar o sentido da lei inicialmente conferido pelo
legislador o que pode contribuir para uma forma de supremacia judicial
Aleacutem do que o amplo uso do mesmo pode acabar levando os juiacutezes a
natildeo exprimirem as suas verdadeiras opiniotildees sobre a legislaccedilatildeo camuflando assim uma falsa
compatibilidade o que natildeo eacute desejaacutevel sob o ponto de vista constitucional sobretudo quando
se busca uma efetiva proteccedilatildeo de direitos
Neste sentido seria preferiacutevel que o mandado interpretativo fosse visto
apenas como uma diretriz uma tentativa e natildeo uma obrigaccedilatildeo e que os juiacutezes procurassem
usar em todas as vezes que entederem que uma legislaccedilatildeo natildeo eacute compatiacutevel com a
declaraccedilatildeo de direitos seu poder de declaraccedilatildeo Entretanto natildeo haacute como determinar que o
Judiciaacuterio aja dessa forma pelo que a declaraccedilatildeo de incompatibilidade pode ser utilizada
frequentemente ou como uma medida de uacuteltimo recurso
Os teoacutericos que acreditam na possiacutevel existecircncia de um diaacutelogo no
sistema britacircnico tendem a considerar que o uso frequumlente da Seccedilatildeo 3 pelas Cortes ou seja
o amplo exerciacutecio do poder interpretativo sob o ponto de vista democraacutetico eacute menos
desejaacutevel do que a emissatildeo de declaraccedilotildees de incompatibilidade pois ele daacute ao Judiciaacuterio a
uacuteltima palavra ao menos que seja ou ateacute que seja revista pelo Parlamento (BATEUP 2009
p 547)
Diante do exposto percebe-se que a materializaccedilatildeo de um diaacutelogo na
forma esperada dentro do sistema britacircnico iraacute depender efetivamente do comportamento do
Judiciaacuterio por meio das suas escolhas jaacute que pode optar por exercer o mandado interpretativo
a qualquer custo mudando fundamentalmente o sentido da legilaccedilatildeo bem como pode optar
pela emissatildeo da declaraccedilatildeo de incompatibilidade deixando espaccedilo para a atuaccedilatildeo
Parlamentar no sentido de superar a deficiecircncia da lei Ou seja mais uma vez revela-se na
praacutetica dialoacutegica a importacircncia das escolhas feitas pelas instituiccedilotildees no momento da sua
atuaccedilatildeo
Ademais eacute duvidoso se pode-se afirmar que na melhor das hipoacuteteses
quando o Judiciaacuterio declara uma lei incompatiacutevel e o Parlamento responde a essa declaraccedilatildeo
haacute um diaacutelogo do ponto de vista material eis que natildeo se verifica a interaccedilatildeo entre os Poderes
82
no momento da tomada de decisatildeo o compartilhamento de suas visotildees para a construccedilatildeo do
sentido constitucional
O que haacute eacute mais uma atuaccedilatildeo singular de cada um O Judiciaacuterio tendo
que interpretar a legislaccedilatildeo de acordo com o HRA sem poder invalidaacute-la e o Legislativo
tendo que responder a essa interpretaccedilatildeo quando a mesma for contraacuteria aquela por ele
realizada inicialmente seja no sentido de modificar a legislaccedilatildeo superando a
incompatibilidade apontada pelo Judiciaacuterio ou fazer prevalecer o seu entendimento se assim
achar correto
Todavia ainda que recente a praacutetica tem demonstrado que na quase
totalidade dos casos em que houve uma resposta do Parlamento a uma declaraccedilatildeo de
incompatibilidade a mesma foi no sentido de acolher a opiniatildeo judicial para modificar a lei96
o que demonstra uma tendecircncia desse sistema em acolher a decisatildeo judicial ainda que a
mesma natildeo tenha formalmente o poder de invalidar a lei
132 O mandado interpretativo na experiecircncia neozelandesa
A Nova Zelacircndia assim como o Reino Unido tambeacutem possui um
constitucionalismo de tradiccedilatildeo parlamentar A adoccedilatildeo de um documento formal que visasse
agrave proteccedilatildeo de direitos fundamentais soacute ocorreu em 1990 com a aprovaccedilatildeo do New Zeland
Bill of Rights Act (NZBORA)
A principal caracteriacutestica que difere o sistema Neozelacircndes dos demais
eacute o fato de que o NZBORA natildeo possui uma hierarquia superior as demais leis ordinaacuterias do
paiacutes ou seja eacute um diploma desprovido de qualquer supremacia ou rigidez dentro do
ordenamento juriacutedico Essa caracteriacutestica faz com que o mesmo pelo menos teoricamente
possa ser revogado integralmente ou em parte por qualquer maioria legislativa posterior
(TUSHNET 2009 p 25)
96 ldquoGreater doubts about the behavioral assumptions underpinning weak-form dialogue theory emerge when
we consider the responses that responses that these declarations have elicited from the political branches of
government If Parliament were responding in the manner advocated by weak-form dialogue theorist we would
expect to see disagreement with judicial declarations being regularly expressed or at the very least on
occasion Contrary to these expectations however the British Parliament has almost universally responded
to judicial declarations of incompatibility by amending or repealing the relevant primary legislation in
accordance with the courtrsquos rulingrdquo (BATEUP 2009 p 549)
83
Aleacutem de possuir status de lei ordinaacuteria o NZBORA exclui
expressamente a possibilidade de anulaccedilatildeo das leis pelo Judiciaacuterio97 e determina que este
sempre que for interpretar qualquer dispositivo legal o faccedila em conformidade com o Bill of
Rights98 As seccedilotildees 4 a 7 trazem provisotildees que evitam o engajamento do Judiciaacuterio em uma
revisatildeo substantiva dos atos do Parlamento ratificando a supremacia parlamentar como um
princiacutepio constitucional da Nova Zelacircndia (HIEBERT KELLY 2015 p 62)
Ao contraacuterio do que ocorre no modelo britacircnico na Nova Zelacircndia o
Judiciaacuterio natildeo pode emitir qualquer declaraccedilatildeo de incompatibilidade o que para alguns
doutrinadores afasta a caracterizaccedilatildeo desse sistema como um judicial review jaacute outros o
caracterizam como um sistema ldquosuper fracordquo de revisatildeo judicial
Diante disso parece inicialmente que o NZBORA natildeo possui entatildeo
qualquer influecircncia importante dentro do ordenamento juriacutedico daquele paiacutes entretanto ao
contraacuterio do que parece o mesmo foi responsaacutevel por profundas mudanccedilas na legislaccedilatildeo
interna justamente por funcionar como um documento interpretativo geral servindo de
diretriz para a atuaccedilatildeo do legislativo
Neste sentido Gardbaum (2001 p 728) ensina que embora o NZBORA
possua um status juriacutedico de um estatuto legal comum eacute um documento geral que determina
como deve ser dado o sentido a todas as outras leis ordinaacuterias natildeo por meio da disposiccedilatildeo de
um conjunto de regras interpretativas mas sim pela enunciaccedilatildeo de direitos substantivos
Assim o NZBORA protege os direitos nele contidos por meio do dever
de interpretaccedilatildeo que coloca sobre os tribunais nos termos da Seccedilatildeo 6 e pelo consequente
custo poliacutetico que impotildee ao legislador de a adotar uma medida que viole claramente um
direito protegido ou que natildeo possa ser lida como consistente com ele (GARDBAUM 2001
p 729)
97 ldquoSection 4 (Other enactments not affected) No court shall in relation to any enactment (whether passed or
made before or after the commencement of this Bill of Rights)mdash (a)hold any provision of the enactment to be
impliedly repealed or revoked or to be in any way invalid or ineffective or (b)decline to apply any provision
of the enactmentmdash by reason only that the provision is inconsistent with any provision of this Bill of Rightsrdquo
New Zeland Bill of Rights Act 1990
98 ldquoSection 6 (Interpretation consistent with Bill of Rights to be preferred) Wherever an enactment can be given
a meaning that is consistent with the rights and freedoms contained in this Bill of Rights that meaning shall
be preferred to any other meaningrdquo New Zeland Bill of Rights Act 1990
84
No julgamento do caso R v Hansen99 a Suprema Corte esclareceu a
correta abordagem metodoloacutegica do judicial review a ser utilizada para reforccedilar os direitos
previstos no NZBORA afirmando que primeiramente a Corte deve buscar o significado
original que o Parlamento pretendeu atribuir a medida legislativa apoacutes analisar se o mesmo
eacute compatiacutevel com o NZBORA se houver uma aparente inconsistecircncia deve averiguar se a
mesma eacute razoaacutevel ao abrigo do que dispotildee a Seccedilatildeo 5 Se entender pela desarrazoabilidade
entatildeo deve buscar uma interpretaccedilatildeo diferente que se coadune com a declaraccedilatildeo de direitos
e por fim quando isto natildeo for possiacutevel deveraacute prevalecer entatildeo o significado original
atribuiacutedo pelo Parlamento (HIEBERT KELLY 2015 p63)
Essa metodologia resulta de uma cultura judicial fortemente
influenciada pelo princiacutepio da supremacia legislativa Nesta perspectiva o NZBORA
introduz um importante instrumento processual na Seccedilatildeo 7100 mediante o qual o Procurador
Geral eacute obrigado a examinar todas as propostas de lei e informar ao Parlamento quando for
detectada qualquer incompatibilidade entre uma disposiccedilatildeo legal e os direitos e garantias
assegurados pela Declaraccedilatildeo
O fundamento de tal medida parece consistir justamente em evitar a
aprovaccedilatildeo de medidas legislativas incompatiacuteveis com o Bill of Rights estabelecendo uma
forma preventiva de controle ainda que natildeo tenham o condatildeo de impossibilitar a aprovaccedilatildeo
da lei mesmo quando incompatiacutevel mas servindo de alerta ao Parlamento e assim
aumentando a sua responsabilidade pois arcaraacute com os custos poliacuteticos de suas decisotildees
Em que pese o NZBORA proiacuteba o Judiciaacuterio de emitir qualquer
pronunciamento formal sobre a incompatibilidade de medidas legislativas o New Zeland
Human Rights Act adotado em 1993 prevecirc a possibilidade de uma declaraccedilatildeo judicial de
inconsistecircncia como remeacutedio apropriado para os casos de discriminaccedilatildeo
Assim somente nos casos em que se discute o direito a igualdade o
99 R v Hansen (2007) NZSC 7 Iacutentegra disponiacutevel em httpwwwnzliiorgcgi-
binsinodispnzcasesNZSC20077htmlquery=hansen20nzsc
100 ldquoSection 7 (Attorney-General to report to Parliament where Bill appears to be inconsistent with Bill of
Rights) Where any Bill is introduced into the House of Representatives the Attorney-General shallmdash (a)in
the case of a Government Bill on the introduction of that Bill or (b)in any other case as soon as practicable
after the introduction of the Billmdash bring to the attention of the House of Representatives any provision in the
Bill that appears to be inconsistent with any of the rights and freedoms contained in this Bill of Rightsrdquo New
Zeland Bill of Rights Act 1990
85
Judiciaacuterio quando natildeo encontrar uma interpretaccedilatildeo da lei que seja razoaacutevel e compatiacutevel
com os direitos assegurados Bill of Rights poderaacute emitir um documento formal que ateste a
inconsistecircncia no intuito de dar ciecircncia ao Parlamento da incompatibilidade Em todas as
outras questotildees relativas a direitos fundamentais eacute vedado ao Judiciaacuterio comportamento
semelhante101
O modelo Neozelandecircs assim como os demais que adotam uma forma
fraca de revisatildeo judicial das leis eacute considerado por alguns estudiosos como dialoacutegico por
natildeo ser a interpretaccedilatildeo judicial considerada conclusiva ou definitiva mas sim
possibilitadora de uma interaccedilatildeo legislativa pois por meio do poder de interpretaccedilatildeo
atribuiacutedo ao Judiciaacuterio o legislativo se sentiria constgrangido a adotar medidas favoraacuteveis a
proteccedilatildeo de direitos evitando uma futura incompatibilidade das leis com o NZBORA
1321 Criacuteticas ao modelo neozelandecircs
A principal criacutetica ao modelo neozelandecircs reside na duacutevida se o mesmo
pode ser caracterizado como um judicial review perante a evidecircncia da supremacia
parlamentar e da falta de possibilidade do Judiciaacuterio de sequer emitir uma declaraccedilatildeo de
incompatibilidade das leis sugerindo assim a ausecircncia de uma forma concreta de controle
judicial
O que se percebe da anaacutelise desse sistema eacute que o mesmo apesar de ter
favorecido a implementaccedilatildeo de uma cultura de proteccedilatildeo de direitos fundamentais na Nova
Zelacircndia por meio da adoccedilatildeo do NZBORA e da previsatildeo do mandado interpretativo que de
alguma forma influencia o Parlamento a editar leis compatiacuteveis com a declaraccedilatildeo
restringindo o antes ilitimidado poder de criaccedilatildeo deste oacutergatildeo natildeo haacute como se falar
concretamente na existecircncia de um ldquodiaacutelogo institucionalrdquo
Apesar de alguns doutrinadores otimistas apontarem a praacutetica do
mandado interpretativo na experiecircncia neozelandesa como uma forma de diaacutelogo entre os
101 Eacute necessaacuterio que esclarecer que muito tem sido discutido sobre a possibilidade de uma emissatildeo formal de
declaraccedilatildeo de incompatibilidade pelo Judiciaacuterio no sistema Neozelandecircs Haacute estudiosos que defendam a
necessidade de uma mudanccedila legislativa nesse sentido todavia os entendimentos jurisprudencias mais recentes
indicam que as perspectivas para a adoccedilatildeo dessa possibilidade formal ainda satildeo precaacuterias Ver GINSBURG
Claudia On a Road to Nowhere Implied Declarations of Inconsistency and the New Zeland Bill of Rights
Victoria University of Wellington Law Review 40 613-47 2009
86
poderes existem muitas criacuteticas a tal afirmaccedilatildeo sob o argumento de que o que haacute na
realidade eacute total a prevalecircncia do Poder Legislativo
O NZBORA emerge como um documento de caraacuteter essencialmente
interpretativo baseado em uma implementaccedilatildeo parlamentar Essa caracteriacutestica
interpretativa apesar de reforccedilada pela abordagem judicial ainda estaacute muito ligada a
supremacia parlamentar pronfudamente enraizada no constitucionalismo neozelacircndes e a
essa forma de envolvimento Parlamento natildeo pode nem na melhor das hipoacuteteses ser vista
como uma forma de diaacutelogo (HIEBERT KELLY 2015)
A falta de mecanismos formais ao alcance do Judiciaacuterio para poder
declarar a incompatibilidade de uma medida legislativa com a declaraccedilatildeo de direitos reduz
em grande escala a possibilidade da ocorrecircncia de um diaacutelogo entre os poderes poliacuteticos
Nesse sentido Geiringer (2009 p 647-647) aduz que a experiecircncia
Neozelandesa demonstra que a maioria dos juiacutezes natildeo se sentem confortaacuteveis quando
colocados a exercer o papel de criacuteticos do legislativo justamente pela arraigada cultura
parlamentar presente neste modelo e que a melhor e mais raacutepida forma de mudar essa
mentalidade seria por meio da atribuiccedilatildeo de uma poder formal para declarar a inconsistecircncia
das leis
Sendo assim a possibilidade de um efetivo diaacutelogo entre os Poderes
dentro do sistema da Nova Zelacircndia na forma em que hoje se afigura eacute escassa e limitada
jaacute que a supremacia parlamentar ainda eacute muito forte e evidente
87
CAPIacuteTULO 3 ndash AS TEORIAS DIALOacuteGICAS NO SISTEMA DE JURSIDICcedilAtildeO
CONSTITUCIONAL BRASILEIRO UMA POSSIBILIDADE
Da exposiccedilatildeo feita no capiacutetulo anterior podemos concluir que natildeo haacute
uma forma preacute definida para a ocorrecircncia do diaacutelogo podendo ele se manifestar por meio
das mais diversas praacuteticas e sob perspectivas teoacutericas diferentes a depender da cultura
histoacuterica e poliacutetica do paiacutes em que estaacute inserido
Apesar de ser um tema ainda pouco explorado pela doutrina brasileira
que ainda se centra primordialmente nos estudos das teorias interpretativas nos parece
importante verificar se haacute a possibilidade da aplicaccedilatildeo das teorias dialoacutegicas no Brasil mais
ainda se podemos identificar algum indiacutecio da sua praacutetica nos julgados do STF
Por isso na sequecircncia se buscaraacute por meio da anaacutelise de alguns casos
concretos constatar como e em que medida os diaacutelogos institucionais se manifestam no
sistema brasileiro a fim de revelar quais os traccedilos das teorias dialoacutegicas presentes nesse
sistema
Oportunamente se esclarece que os casos selecionados para anaacutelise satildeo
resultado do controle concentrado de constitucionalidade quando o Supremo Tribunal
Federal exerce seu papel de guardiatildeo da constituiccedilatildeo102 Fez-se essa opccedilatildeo por ser este tipo
de controle o ponto de maior relevacircncia e confronto entre a atuaccedilatildeo do STF e sua relaccedilatildeo
com o Legislativo pois eacute onde haacute uma anaacutelise judicial direta e abstrata da atuaccedilatildeo legislativa
que daacute origem a uma decisatildeo judicial com efeitos erga omnes
A anaacutelise de casos ocorridos no acircmbito do controle concentrado de
constitucionalidade torna-se ainda mais interessante do que a de casos derivados do controle
difuso se levarmos em conta que neste uacuteltimo a reaccedilatildeo legislativa eacute disciplinada pela proacutepria
Constituiccedilatildeo Federal por meio do inciso X do artigo 52 que atribui ao Senado a
competecircncia para suspender a execuccedilatildeo de lei declarada inconstitucional natildeo havendo
102 O art 102 da Constituiccedilatildeo Federal Brasileira atribui expressamente ao STF o papel de guardiatildeo da
Constiticcedilatildeo cabendo-lhe julgar originariamente accedilatildeo direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo
federal ou estadual e a accedilatildeo declaratoacuteria de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal
88
portanto grandes controveacutersias a esse respeito103
Deve ser esclarecido ainda que apesar de no capiacutetulo anterior ter-se
feito referecircncia as teorias que prescrevem a realizaccedilatildeo de um diaacutelogo social no presente
capiacutetulo a anaacutelise se centraraacute apenas em casos onde os atores participantes do processo de
interpretaccedilatildeo constitucional satildeo os poderes institucionalizados excluindo-se os casos onde
se fala na inclusatildeo da sociedade Destaca-se isso porque hoje a realizaccedilatildeo de audiecircncias
puacuteblicas e a convocaccedilatildeo de ldquoamigos da corterdquo durante o processo constitucional tem sido
uma praacutetica comum poreacutem complexa utilizada pelo Supremo Tribunal brasileiro104
Portanto entende-se que seria temeraacuterio invocar aqui casos envolvendo
esses mecanismos populares sem trataacute-los com a devida profundidade dando atenccedilatildeo a todos
os aspectos controversos que a anaacutelise requer Por esses motivos a anaacutelise centra-se apenas
casos onde figuram como atores o Poder Legislativo e o Poder Judiciaacuterio
Ressalta-se que o objetivo do estudo natildeo eacute analisar de forma exaustiva
a jurisprudecircncia brasileira ateacute mesmo porque para tanto seria necessaacuterio um trabalho
dedicado inteiramente agrave esse objetivo Pretende-se verificar e ilustrar como as teorias
dialoacutegicas podem ser encontradas na praacutetica brasileira por meio de importantes julgados
proferidos pelo Supremo Tribunal Federal identificando os elementos dialoacutegicos neles
presentes e as correspondentes teorias
Para fazer a anaacutelise dos casos e identificar seus aspectos dialoacutegicos seraacute
utilizado como base aleacutem das teorias expostas no capiacutetulo anterior a descriccedilatildeo de diaacutelogo
convencional proposta por Tushnet (2012 p 3-13) a qual se estrutura da seguinte forma
1ordm O legislador promulga uma lei rarr 2ordm o estatuto enfrenta um desafio
no Tribunal Constitucional rarr 3ordm O Tribunal invalida o estatuto rarr 4ordm o Tribunal na decisatildeo
103 Necessaacuterio destacar eu haacute uma divergecircncia na doutrina brasileira acerca da discricionariedade do poder
atribuiacutedo ao Senado por forccedila do art 52 X da CF88 Nos filiamos a doutrina minoritaacuteria segundo a qual o
Senado possui a faculdade de suspender a lei e natildeo a obrigaccedilatildeo jaacute que a decisatildeo judicial exarada no exerciacutecio
do controle de constitucionalidade disfuso possui efetios inter partes Sob essa loacutegica pode-se enxergar tal
previsatildeo constitucional como um mecanismo dialoacutegico pois natildeo deixa ser um instrumento de reaccedilatildeo legislativa
agrave decisatildeo judicial que complementa o controle judicial e de certa forma estendendo os efeitos da sua decisatildeo
104 Exemplo emblemaacutetico dessa praacutetica eacute a ADI 3510 onde foi apreciada a inconstitucionalidade da Lei de
Bioseguranccedila em especial no tocante a possibilidade de pesquisas utilizando ceacutelulas tronco e o STF
reconhecendo a complexidade do tema convou a realizaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas onde forma ouvidas vaacuterias
entidadas organizadas da sociedade civil e a particiaccedilatildeo de diversas pessoas na qualidade de ldquoamigos da corterdquo
para compartilhar conhecimento teacutecnico que o Tribunal assumir natildeo possuir para julgar o caso
89
indica algumas formas especiacuteficas em que o estatuto eacute incompatiacutevel com a Constituiccedilatildeo ou
oferece a melhor interpretaccedilatildeo das disposiccedilotildees constitucionais rarr 5ordm O legislativo responde
revendo o estatuto e corrigindo as deficiecircncias apontadas pelo Tribunal ou reedita o estatuto
sem alteraccedilotildees rarr 6ordm O estatuto eacute novamente desafiado rarr 7ordm O Tribunal lida com o desafio
e se abre para um novo debate defendendo o estatuto ou verifica se as modificaccedilotildees do
estatuto foram suficientes para torna-lo compatiacutevel ou estatildeo aqueacutem e ensejam uma nova
invalidaccedilatildeo
Ou ainda 1ordm A Constituiccedilatildeo impotildee ao legislador o dever de legislar
sobre um toacutepico especiacutefico rarr 2ordm O Tribunal identifica falhas na atuaccedilatildeo legislativa
entendendo que a mesma eacute insuficiente para satisfazer o seu dever ou verifica a ausecircncia de
atuaccedilatildeo rarr 3ordm indica ao legislativo as falhas ou a omissao exigindo a tomada de medidas no
sentido de cumprir o seu dever constitucional
Dito isso passa-se a anaacutelise dos casos concretos
14 Julgamento da accedilatildeo direta de inconstitucionalidade nordm 2797df ndash a suacutemula
394 do STF e a lei nordm 106282002
a) Breve resumo do caso
A antiga Suacutemula105 394 do STF editada em 3 de abril de 1964 a qual
dispunha que cometido o crime durante o exerciacutecio funcional prevalece a competecircncia
especial por prerrogativa de funccedilatildeo ainda que o inqueacuterito ou a accedilatildeo penal sejam iniciados
apoacutes a cessaccedilatildeo daquele exerciacutecio foi cancelada por unanimidade em sessatildeo plenaacuteria da
Corte realizada em 30042007
Os argumentos para o cancelamento do referido verbete giraram
basicamente em torno da defesa de que a prerrogativa de foro visa garantir o exerciacutecio do
105 A Suacutemula eacute um instituto juriacutedico muito presente no Direito brasileiro que consiste em um verbete que
registra a interpretaccedilatildeo paciacutefica ou majoritaacuteria de um determinado Tribunal a partir do julgamento de variados
casos concretos a fim de tornar puacuteblico a sociedade o seu entendimento e promover uma uniformizaccedilatildeo das
decisotildees judiciais Em regra natildeo possui efeito vinculante servindo apenas de diretriz poreacutem quando for votada
e aprovada pelo STF por pelo menos 23 do plenaacuterio se torna um entendimento obrigatoacuterio a ser observado
por todos os outros Tribunais e juiacutezes bem como pelos entes da Admnistraccedilatildeo Puacuteblica conforme determina o
Artigo 103-A da Constituiccedilatildeo Federal de 1988
90
cargo e natildeo o seu ocupante sendo assim uma vez que o indiacuteviduo deixa o cargo natildeo deve
fazer jus ao privileacutegio eis que o mesmo eacute inerente ao cargo e natildeo um direito subjetivo assim
atribuir o privileacutegio quando jaacute natildeo mais haacute o exerciacutecio da funccedilatildeo violaria o princiacutepio da
igualdade
Foi entatildeo consolidado pela Corte o entendimento de que deixando o
cargo definitivamente independentemente do motivo o ex-titular natildeo teraacute direito a processo
e julgamento em oacutergatildeo jurisdicional distinto daquele que teria qualquer outro cidadatildeo
Apesar da sedimentaccedilatildeo desse entendimento no acircmbito do STF em
dezembro de 2002 foi promulgada a Lei nordm 106282002 que alterou o artigo 84 do Coacutedigo
de Processo Penal brasileiro para inserir o sect1ordm com a seguinte redaccedilatildeo ldquoa competecircncia
especial por prerrogativa de funccedilatildeo relativa a atos administrativos do agente prevalece
ainda que o inqueacuterito ou a accedilatildeo judicial sejam iniciados apoacutes a cessaccedilatildeo do exerciacutecio da
funccedilatildeo puacuteblicardquo
Foi arguida a inconstitucionalidade do mencionado dispostivo legal por
meio de accedilatildeo direta de inconstitucionalidade proposta pela Associaccedilatildeo Nacional dos
Membros do Ministeacuterio Puacuteblico ndash CONAMP Ao fim do julgamento foi declarada a
inconstitucionalidade material e formal da lei essa uacuteltima com base no argumento de que
uma lei ordinaacuteria natildeo poderia vir a superar uma interpretaccedilatildeo constitucional jaacute realizada pelo
Supremo
Os aspectos relevantes do caso para a anaacutelise pretendida residem
justamente na tentativa do Legislativo de superar uma interpretaccedilatildeo constitucional jaacute
consolidada pela Suprema Corte e natildeo tanto no meacuterito relativo a constitucionalidade
material da norma
O caso eacute emblemaacutetico no cenaacuterio brasileiro por ter despertado um
interessante debate acerca da possibilidade de reaccedilatildeo legislativa a uma interpretaccedilatildeo
constitucional proferida pelo STF o que em muito contribui para a nossa anaacutelise sobre a
possibilidade de um diaacutelogo institucional no sistema brasileiro
Passa-se entatildeo a exposiccedilatildeo das importantes variaacuteveis do debate de
acordo com os votos proferidos pelos Ministros na ocasiatildeo do julgamento
91
b) Debate acerca da possibilidade de reediccedilatildeo de uma lei anteriormente declarada
inconstitucional pelo STF
O relator do caso Ministro Sepuacutelveda Pertence em seu voto o qual foi
seguido pela maioria iniciou a fundamentaccedilatildeo da inconstitucionalidade do dispostivo legal
sob anaacutelise naquela ocasiatildeo afirmando que o mesmo constitui evidente reaccedilatildeo legislativa ao
cancelamento da Suacutemula 394 Destacou que a redaccedilatildeo legal se aproxima substancialmente
da que foi proposta em seu voto vencido pela maioria na ocasiatildeo da deliberaccedilatildeo sobre o
cancelamento do verbete
Afirmou que o cancelamento da Suacutemula decorreu de interpretaccedilatildeo
direta e exclusiva da Contituiccedilatildeo e natildeo pela inexistecircncia de lei ordinaacuteria que o regulasse
Diante disso formulou entatildeo a seguinte indagaccedilatildeo lei ordinaacuteria eacute instrumento normativo
apto agrave alterar jurisprudecircncia assente do STF fundada em interpretaccedilatildeo direta e exclusiva da
Constituiccedilatildeo
Argumentou construindo uma resposta negativa agrave indagaccedilatildeo embora
reconhecendo que as decisotildees da Corte em sede de controle concentrado natildeo vinculam o
Poder Legislativo mas tatildeo somente os demais oacutergatildeos do Judiciaacuterio e o Poder Executivo
Assim concluiu que a ediccedilatildeo de uma lei no sentido contraacuterio de uma decisatildeo do Tribunal
natildeo infere necessariamente um descumprimento dessa decisatildeo estando o Legislativo livre
para agir nesse sentido todavia a medida editada seraacute inevitavelmente considerada
inconstitucional a menos que a Corte recue em seu posicionamento anterior sobre o assunto
Neste ponto o Ministro propocircs uma reflexatildeo diferenciando a
inconstitucionalidade material e formal da lei No seu entender se a lei reeditada pretender
impor com seu objeto imediato uma interpretaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo ela seraacute eivada de uma
inconstitucionalidade formal pois uma lei de hierarquia inferior natildeo pode ditar a
interpretaccedilatildeo de uma norma hierarquicamente superior
Poreacutem quando a lei editada pelo legislativo for de conteuacutedo similar ao
de uma outra jaacute declarada inconstitucional deveraacute ser feita anaacutelise acerca da
inconstitucionalidade material pois a Corte natildeo estaacute vinculada ao seu entendimento anterior
podendo mudar de opiniatildeo sobre o assunto em um novo debate
92
Neste sentido merece destaque o seguinte trecho do voto
ldquoAdmitir pudesse a lei ordinaacuteria inverter a leitura pelo Supremo Tribunal
da Constituiccedilatildeo seria dizer que a interpretaccedilatildeo constitucional da Corte
estaria sujeita ao referendo do legislador ou seja que a Constituiccedilatildeo ndash
como entendida pelo oacutergatildeo que ela proacutepria erigiu em guarda da sua
supremacia ndash soacute constituiria a Lei Suprema na medida da inteligecircncia que
lhe desse outro oacutergatildeo constituiacutedo o legislador ordinaacuterio ao contraacuterio
submetido aos seus ditamesrdquo
O Ministro Eros Grau em voto divergente discordou do entendimento
traccedilado no voto do relator no aspecto da inadmissibilidade da interpretaccedilatildeo constitucional
por lei ordinaacuteria afirmando que todo ato legislativo em alguma medida envolve a
interpretaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo por parte de quem legisla
Concluiu pela inexistecircncia de inconstitucionalidade formal da Lei nordm 10
62802 com base no fundamento de que o Poder Legislativo natildeo fica vinculado por um
dever de natildeo legislar em razatildeo da Corte ter conferido alguma interpretaccedilatildeo constitucional
Sendo entatildeo admissiacutevel que o Legislativo reedite uma lei contraacuteria a interpretaccedilatildeo
constitucional jaacute proferido pelo STF todavia esta lei fatalmente sucumbiraacute agrave anaacutelise da
inconstitucionalidade material jaacute que a uacuteltima palavra deveraacute ser dada pela Corte
O Ministro Gilmar Mendes acompanhou a divergecircncia lanccedilando
argumentos diferentes que enriqueceram o debate os quais satildeo de grande importacircncia para
a anaacutelise que se faraacute s na sequecircncia razatildeo pela qual transcreve-se aqui alguns dos principais
trechos
(hellip) Penso que natildeo eacute possiacutevel admitir que o legislador ordinaacuterio tenha a
sua liberdade totalmente tolhida pelas declaraccedilotildees de constitucionalidade
ou inconstitucionalidade do Tribunal Eacute adequado e prudente inclusive
que tais atos legislativos sejam apreciados a partir de um dado contexto
institucional
Eacute de se ressaltar que se de um lado a Constituiccedilatildeo atribui a este Supremo
Tribunal Federal a tarefa de guarda da integridade da ordem juriacutedico-
constitucional de outro eacute assente que o seu texto esta sujeito a uma
sociedade aberta de inteacuterpretes (HARBELE Peter Hermenecircutica
Constitucional A Sociedade aberta dos inteacuterpretes da Constituiccedilatildeo
93
contribuiccedilatildeo para a interpretaccedilatildeo pluralista e ldquoprocedimentalrdquo da
Constituiccedilatildeo Trad Gilmar Ferreira Mendes Porto Alegre Sergio Antonio
Fabris 1997) os quais podem de acordo com as alteraccedilotildees histoacuterico-
culturais exercer alternativas plurais de interpretaccedilatildeo
(hellip)
Natildeo eacute possiacutevel presumir portanto a inconstitucionalidade dos dispositivos
atacados simplesmente porque eles contrariam a ldquouacuteltima palavrardquo
conferida pelo Supremo Tribunal Federal sobre o tema Que pretendo
ressaltar pelo contraacuterio eacute o fato de que se o legislador federal (re)incide
cria ou regula essa mateacuteria constitucional de modo inteiramente diverso o
ldquodiaacutelogordquo o debate institucional deve continuar
Os demais ministros seguiram o voto do relator sem acrescentar grandes
argumentos ao debate Desta feita restou consignada no julgado a inconstitucionalidade da
lei
c) Anaacutelise do caso pelo prisma das Teorias do Diaacutelogo Institucional
Inicialmente merece ser pontuado que como destacado no voto do
Ministro Relator a lei da qual foi apreciada a constitucionalidade pelo STF trata-se de
expressa reaccedilatildeo legislativa a interpretaccedilatildeo constitucional anteriormente proferida
Como viu-se no capiacutetulo anterior para alguns estudiosos como Peter
Hogg e Allisson Bushell a simples possibilidade de reaccedilatildeo legislativa agrave decisatildeo judicial
resultante do controle de constitucionalidade deve ser considerada como uma praacutetica
dialoacutegica
Nessa perspectiva pode-se dizer que o STF apesar de ter considerado a
inconstitucionalidade da lei natildeo descartou a possibilidade da reaccedilatildeo legislativa agrave sua decisatildeo
preteacuterita admitindo que a mesma natildeo vincula a atuaccedilatildeo legislativa o que demonstra a
existecircncia de um espaccedilo para a possibilidade do diaacutelogo no sistema brasileiro ainda que este
em muito se diferencie estruturalmente do sistema Canadense o qual foi o objeto de estudo
desses Autores
Aplicando a descriccedilatildeo dialoacutegica proposta por Tushnet pode-se dizer que
o caso enquadra-se no conceito de diaacutelogo pois o legislador pretendeu a modificaccedilatildeo do
94
entendimento da Corte por meio da ediccedilatildeo de um estatuto legal com objeto semelhante ao
de uma Suacutemula jaacute cancelada - praacutetica que pode ser comparada a ldquoin your face responserdquo
comum no sistema canadense106- e o Tribunal enfrentou a questatildeo por meio de um novo
debate poreacutem permaneceu firme no seu entendimento anterior
Portanto em que pese a Constituiccedilatildeo Federal brasileira natildeo trazer
expressamente em seu texto a previsatildeo de um mecanismo especiacutefico que possibilite ao
legislativo superar uma decisatildeo do Supremo Tribunal Federal107 proferida no acircmbito do
controle concentrado de constitucionalidade o fato de as decisotildees do Supremo nesta espeacutecie
de controle de constitucionalidade natildeo vincularem o Poder Legislativo108 possibilitam ou
pelo menos natildeo impedem a reediccedilatildeo de uma norma jaacute consagrada inconstitucional
Sendo assim pode-se afirmar que apesar do Brasil adotar um modelo forte
de controle de constitucionalidade e a Constituiccedilatildeo Federal conceder expressamente a
guarda da Constituiccedilatildeo ao Supremo Tribunal Federal a possibilidade de um diaacutelogo
institucional com o Poder Legislativo ndash sob a perspectiva de algumas teorias dialoacutegicas ndash
natildeo eacute algo impensaacutevel
Importante frisar a questatildeo da adoccedilatildeo de um sistema forte de controle
de constitucionalidade jaacute que conforme lecionado por Tushnet (2009) esses sistemas seriam
menos propiacutecios ao diaacutelogo jaacute que seus mecanismos de modificaccedilatildeo da decisatildeo judicial
seriam mais difiacutecies e demorados como a Emenda Constitucional por exemplo Contudo
no presente caso vecirc-se que essa possibilidade pode ocorrer por meio de lei ordinaacuteria e de
forma relativamente ceacutelere se considerado que entre a revogaccedilatildeo da Suacutemula 394 e a ediccedilatildeo
da lei se passaram apenas dois anos
106 Ver toacutepico 1012 107 Apenas a tiacutetulo de conhecimento entendemos necessaacuterio mencionar que no ano de 2011 foi proposto um
Projeto de Emenda a Constituiccedilatildeo conhecido como PEC 33 o qual pretendia modificar o enunciado do artigo
102 da CF para alterar a quantidade miacutenima de votos de membros de tribunais para declaraccedilatildeo de
inconstitucionalidade das leis condicionar o efeito vinculante de suacutemulas aprovadas pelo STF agrave aprovaccedilatildeo
pelo Poder Legislativo e submeter ao Congresso Nacional as decisotildees sobre inconstitucionalidade de Emendas
agrave Constituiccedilatildeo As alteraccedilotildees pretendidas com o prejeto especialemente as duas uacuteltimas que alargam a
competecircncia do Legislativo sugerem a introduccedilatildeo de um modelo de controle de constitucionalidade
semelhante ao weak form A PEC foi arquivada no dia 31012015 com o fim da legislatura em que foi proposta
nos termos do art 105 do regimento interno da Cacircmara dos Deputados
108 O paraacutegrafo uacutenico do artigo 28 da Lei nordm 9 868 de 10 de novembro de 1999 dispotildee que a declaraccedilatildeo de
constitucionalidade ou de inconstitucionalidade inclusive a interpretaccedilatildeo conforme a Constituiccedilatildeo e a
declaraccedilatildeo parcial de inconstitucionalidade sem reduccedilatildeo de texto tecircm eficaacutecia contra todos e efeito vinculante
em relaccedilatildeo aos oacutergatildeos do Poder Judiciaacuterio e agrave Administraccedilatildeo Puacuteblica federal estadual e municipal natildeo
incluindo nesse rol o Poder Legislativo
95
Pois bem da leitura do item b) acima percebe-se uma divergecircncia de
opiniatildeo dentro da proacutepria Corte a respeito do tema alguns ministros a maioria deles
adotaram um pensamento mais conservador e defensor da supremacia judicial no sentido de
considerar a reaccedilatildeo legislativa abusiva Outros principalmente o ministro Gilmar Mendes
optaram por um posicionamento mais tendente ao diaacutelogo reconhecendo a importacircncia de
uma postura mais aberta do Judiciaacuterio nesse sentido
Apesar do voto vencedor ter concluiacutedo pela inconstitucionalidade
formal da lei a anaacutelise do meacuterito natildeo deixou de ocorrer Todos os ministros engajaram-se a
debater o tema tratado pela lei e pela antiga Suacutemula novamente reacendendo o debate dois
anos depois Em que pese o entendimento da Corte ter permanecido o mesmo deve-se
reconhecer os benefiacutecios da reediccedilatildeo da lei no sentido de possibilitar um ldquosegundo olharrdquo
sobre o tema
Nesse aspecto do caso percebe-se a ideia desenvolvida por Kent
Roach109 ndash a qual se enquadra no grupo das teorias de princiacutepios juriacutedicos ndash em que a decisatildeo
judicial deve ser considerada como o iacutenicio do debate o qual prossegue mediante a resposta
legislativa por meio da ediccedilatildeo de leis ordinaacuterias reativas agrave essa decisatildeo e que assim
possibilitam que o tema volte a ser debatido pelo Judiciaacuterio e tambeacutem pelo Legislativo
Para o autor a devoluccedilatildeo do debate ao Judiciaacuterio por meio da resposta
legislativa eacute uma forma mais desejaacutevel de atuaccedilatildeo do legislador ao inveacutes da ou total
deferecircncia agraves decisotildees judiciais ou ainda da superaccedilatildeo da decisatildeo e imposiccedilatildeo do seu
entendimento como o sistema canadense possibilitar com a claacuteusula 33 Todavia tambeacutem
atenta para o lado negativo dessa praacutetica como jaacute se viu anteriormente
O caso traduz exatamente as criacuteticas dirigidas agrave essa teoria e sua
respectiva praacutetica pois viu-se que o legislativo pode simplesmente reeditar uma norma jaacute
considerada inconstitucional sem no entanto se preocupar em justificar a sua escolha
tampouco demonstrar a necessidade da medida mas apenas repetindo o conteuacutedo tal e qual
ao da norma anterior contrariando a expectativa de uma melhor e mais responsaacutevel atuaccedilatildeo
Eacute necessaacuterio perceber tambeacutem a postura ativista da Corte tendo em
vista que o entendimento que prevaleceu nesse caso foi pela impossibilidade de reediccedilatildeo de
109 Ver tambeacutem aleacutem das obras jaacute anteriormente citadas ROACH Kent Constitutional and Common Law
Dialogues between the Supreme Court and Canadian Legislatures Canadian Bar Review p 481-533 2001
96
uma norma jaacute declarada inconstitucional com uma clara intenccedilatildeo de preservar e rearfirmar
o seu poder110 o que evidencia mais uma dificuldade praacutetica da aplicaccedilatildeo das teorias dos
princiacutepios juriacutedicos dependentes da boa disposiccedilatildeo do Judiciaacuterio para abertura do debate e
ateacute para uma eventual deferecircncia agrave escolha legislativa
Em todo caso fato eacute que natildeo se pode considerar que no presente caso
houve um diaacutelogo sob o ponto de vista material concluindo consequentemente que as
teorias dialoacutegicas dos princiacutepios juriacutedicos na praacutetica natildeo se revelam apropriadas para a sua
consecuccedilatildeo Todavia vislumbra-se a tentativa de uma resposta legislativa ao protagonismo
Judicial que pode sob o ponto de vista formal ser considerada como um diaacutelogo
principalmente por ter levado o tema a ser debatido novamente pela Corte apesar da sua
postura mais conservadora conforme propotildee Tushnet111
Essa reaccedilatildeo legislativa ao contraacuterio do que pode parecer em um
primeiro momento natildeo eacute algo tatildeo raro no sistema brasileiro e pode ser encontrada tambeacutem
em diversos outros casos como veraacute na sequecircncia
15 Julgamento da accedilatildeo direta de inconstitucionalidade nordm 4543DF e a lei
131652015
a) Breve resumo do caso
Na Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade nordm 4543DF proposta pela
Procuradoria Geral da Repuacuteblica o Supremo Tribunal apreciou a incompatibilidade do artigo
5ordm da Lei 120342009 com o caput do artigo 14 da Constituiccedilatildeo Federal brasileira que
assegura o voto direto e secreto
O supracitado dispositivo legal previa a criaccedilatildeo do voto impresso a
partir do processo eleitoral de 2014 e possuiacutea a seguinte redaccedilatildeo
5o Fica criado a partir das eleiccedilotildees de 2014 inclusive o voto impresso
110 Neste sentido Barroso (2009) destaca que o primeiro impulso natural do poder eacute a auto-conservaccedilatildeo sendo
intuitivo que os representantes do poder em suas relaccedilotildees entre si ou com outros aotres poliacuteticos sejam eles
institucionais ou sociais procure demarcar e preservar seu espaccedilo de atuaccedilatildeo e sua autoridade
111 Ver toacutepicos 1012 1013 e 1014 que abordam as teorias dialoacutegicas de princiacutepios juriacutedicos sua
concretizaccedilatildeo no sistema canadense e respetivas criacuteticas
97
conferido pelo eleitor garantido o total sigilo do voto e observadas as
seguintes regras
sect 1o A maacutequina de votar exibiraacute para o eleitor primeiramente as telas
referentes agraves eleiccedilotildees proporcionais em seguida as referentes agraves eleiccedilotildees
majoritaacuterias finalmente o voto completo para conferecircncia visual do eleitor
e confirmaccedilatildeo final do voto
sect 2o Apoacutes a confirmaccedilatildeo final do voto pelo eleitor a urna eletrocircnica
imprimiraacute um nuacutemero uacutenico de identificaccedilatildeo do voto associado agrave sua proacutepria
assinatura digital
sect 3o O voto deveraacute ser depositado de forma automaacutetica sem contato
manual do eleitor em local previamente lacrado (grifou-se)
sect 4o Apoacutes o fim da votaccedilatildeo a Justiccedila Eleitoral realizaraacute em audiecircncia
puacuteblica auditoria independente do software mediante o sorteio de 2 (dois
por cento) das urnas eletrocircnicas de cada Zona Eleitoral respeitado o limite
miacutenimo de 3 (trecircs) maacutequinas por municiacutepio que deveratildeo ter seus votos em
papel contados e comparados com os resultados apresentados pelo
respectivo boletim de urna
sect 5o Eacute permitido o uso de identificaccedilatildeo do eleitor por sua biometria ou pela
digitaccedilatildeo do seu nome ou nuacutemero de eleitor desde que a maacutequina de
identificar natildeo tenha nenhuma conexatildeo com a urna eletrocircnica
O Supremo considerou a lei inconstitucional com base em diversos
argumentos alegando resumidamente que a criaccedilatildeo do voto impresso representaria um
retrocesso para o sistema eleitoral brasileiro que atualmente conta com um moderno e
eficiente aparato de votaccedilatildeo eletrocircnica e seria uma ameaccedila ao sigilo garantido
constitucionalmente afirmando a proibiccedilatildeo de qualquer tipo de identificaccedilatildeo do eleitor no
exerciacutecio do voto ou no proacuteprio voto
A accedilatildeo foi julgada procedente por unanimidade nos termos do voto do
Ministro Relator poreacutem eacute interessante destacar o voto do Ministro Luiacutes Roberto Barroso o
qual aduziu expressamente a importacircncia de que o Judiciaacuterio conserve uma postura de
humildade institucional sendo deferente agraves escolhas poliacuteticas do Legislador que natildeo sejam
claramente irrazoaacuteveis Em resposta o Ministro Luiz Fux afirmou que muito embora
98
concorde com a deferecircncia que deve ser dada ao Legislativo em certos casos eacute preciso que
o Supremo exerccedila a funccedilatildeo contramajoritaacuteria ou seja contra a Casa do Povo principalmente
naquelas hipoacuteteses em que haacute uma ameaccedila a direito fundamental
Pouco mais de um ano apoacutes o referido julgamento o Legislativo
promulgou a Lei nordm 131652015 conhecida como ldquolei da minireforma eleitoralrdquo por
introduzir significativas alteraccedilotildees ao Coacutedigo Eleitoral a qual em seu artigo 2ordm deu nova
redaccedilatildeo ao Artigo 59-A do referido Coacutedigo nos seguintes termos
Art 59-A No processo de votaccedilatildeo eletrocircnica a urna imprimiraacute o
registro de cada voto que seraacute depositado de forma automaacutetica e sem
contato manual do eleitor em local previamente lacrado (grifou-se)
Paraacutegrafo uacutenico O processo de votaccedilatildeo natildeo seraacute concluiacutedo ateacute que o
eleitor confirme a correspondecircncia entre o teor de seu voto e o registro
impresso e exibido pela urna eletrocircnica
Da simples leitura do dispositivo acima percebe-se que o que o
Legislativo fez foi reeditar uma norma com igual objeto ao da anteriormente declarada
inconstitucional pela Corte Entretanto algumas alteraccedilotildees no texto satildeo notoacuterias sobretudo
no tocante a retirada da previsatildeo de um nuacutemero uacutenico de identificaccedilatildeo do voto associado agrave
proacutepria assinatura digital e da auditoria pela Justiccedila Eleitoral
Percebe-se entatildeo mais uma vez a ocorrecircncia de uma reaccedilatildeo legislativa
por meio da ediccedilatildeo de lei ordinaacuteria tendo em vista o desacordo do legislador com o
entendimento proferido pela Corte
b) Anaacutelise do caso pelo prisma das Teorias do Diaacutelogo Institucional
Observa-se claramente no presente caso a possibilidade concreta do
Legislativo brasileiro reeditar uma norma de igual objeto e com redaccedilatildeo semelhante e igual
objeto de outra jaacute declarada inconstitucional pelo STF
O caso eacute similar ao antes descrito poreacutem naquele a norma anterior que
estava sendo reeditada natildeo era uma lei ordinaacuteria criada pelo legislativo mas sim uma Suacutemula
editada pela proacutepria Corte Neste caso jaacute se nota duas normas editadas pelo mesmo oacutergatildeo
99
com o mesmo objeto e em um lapso temporal relativamente curto a primeira jaacute considerada
inconstitucional e a segunda ateacute o momento vaacutelida
Se observar-se o caso pela vertente do conteuacutedo daquelas teorias
dialoacutegicas que consideram a reediccedilatildeo de norma idecircntica como uma forma de diaacutelogo chegar-
se-aacute a conclusatildeo que esse pode ser mais um exemplo de diaacutelogo no seu sentido formal assim
como o narrado acima
O caso encaixa-se perfeitamente na descriccedilatildeo convencional de diaacutelogo
sintetizada por Tushnet eis que respeita a execuccedilatildeo de todos os passos descritos pelo autor
todavia conceber a resposta legislativa neste caso como uma forma de diaacutelogo pode ser
considerado como algo positivo ou natildeo a depender do ponto de vista adotado
Pode-se considerar a reaccedilatildeo legislativa tanto como uma afronta agrave
decisatildeo judicial na tentativa de manter uma legislaccedilatildeo flagrantemente inconstitucional em
vigor protegendo seus proacuteprios interesses poliacuteticos ou podemos interpretar a reaccedilatildeo
legislativa tambeacutem como uma manifestaccedilatildeo de deferecircncia agrave decisatildeo judicial sendo uma
revisatildeo da lei anterior
Menciona-se isso porque natildeo se pode ignorar o fato de o texto da
segunda lei ser muito mais sucinto que o da primeira sobretudo por ter sido retirada da sua
redaccedilatildeo alguns aspectos especiacuteficos que foram impugnados pelo Supremo Nesse aspecto
se adotada uma visatildeo positiva poder-se-ia dizer que o resultado esperado pelos defensores
dessa praacutetica foi atingido ocasionando uma atuaccedilatildeo mais responsaacutevel do Legislativo o qual
teria levado em conta as observaccedilotildees do Judiciaacuterio para a elaboraccedilatildeo de uma medida mais
satisfatoacuteria que a anterior
Se observada a reaccedilatildeo legislativa sob esse entendimento poder-se-aacute
dizer que houve no presente caso - conforme o sentido empregado por Tremblay (2000) -
uma ldquoconversardquo entre entre Judiciaacuterio e Legislativo que resultou em uma medida legislativa
criada mediante o compartilhamento das visotildees de ambos os Poderes
Entretanto eacute necessaacuterio destacar que a intenccedilatildeo do Legislativo natildeo resta
clara pois ao mesmo tempo que modificou em alguns aspectos o texto anteriormente
editado tambeacutem manteve o seu principal objeto o qual jaacute havia sido flagrantemente
considerado inconstitucional pela Corte
100
Dessa forma ao mesmo tempo em que se pode vislumbrar a ocorrecircncia
de um diaacutelogo tambeacutem se pode encarar o tipo de resposta legislativa dada neste caso como
uma atuaccedilatildeo abusiva a qual natildeo poderaacute ser entendida como dialoacutegica
Essa ambiguidade demonstra que nem toda forma de resposta
legislativa deve ser encarada sob o ponto de vista dialoacutegico sob pena de enfraquecimento
das proacuteprias teorias dialoacutegicas do esvaziamento do seu potencial Eacute nesse aspecto que a
descriccedilatildeo convencional de diaacutelogo apresenta falha
O que o diaacutelogo institucional - entendido na sua melhor forma -
preceitua natildeo eacute uma imposiccedilatildeo de pontos de vista muito menos a simples deferecircncia de um
Poder para com o outro mas sim uma efetiva troca de argumentos por isso eacute preciso que
haja uma anaacutelise qualitativa das respostas legislativas para soacute assim poder enquadraacute-las
como uma manifestaccedilatildeo dialoacutegica e natildeo apenas considerar que o simples fato da sua
possibilidade existir jaacute eacute uma evidecircncia de diaacutelogo (PETTER 2007)
Como jaacute analisado anteriormente em toacutepico especiacutefico a metodologia
de diaacutelogo que verificamos nos dois casos expostos ateacute aqui eacute alvo de muitas criacuteticas poreacutem
tambeacutem possui alguns aspectos postivos que natildeo podem ser desconsiderados os quais ficam
melhor evidenciados por meio da anaacutelise do caso que a seguir seraacute exposto
16 Julgamento da accedilatildeo direta de inconstitucionalide nordm 3772DF ndash a suacutemula 726
do STF e a lei nordm 113012006
a) Breve resumo do caso
Trata-se da anaacutelise da constitucionalidade da Lei nordm 113012006 que
alargou o conceito de funccedilotildees de Magisteacuterio para efeitos de aplicaccedilatildeo do paraacutegrafo 5ordm do
artigo 40 e do paraacutegrafo 8ordm do artigo 201 da CF88 mediante Accedilatildeo Direta de
Constitucionalidade proposta pelo Procurador Geral da Repuacuteblica
Em suma o que a lei questionada apresentou foi uma introduccedilatildeo de um
paraacutegrafo segundo na Lei nordm 93941996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo Nacional)
com a seguinte redaccedilatildeo ldquoPara os efeitos do disposto no sect 5ordm do art 40 e no sect 8o do art 201
da Constituiccedilatildeo Federal satildeo consideradas funccedilotildees de magisteacuterio as exercidas por professores
e especialistas em educaccedilatildeo no desempenho de atividades educativas quando exercidas em
101
estabelecimento de educaccedilatildeo baacutesica em seus diversos niacuteveis e modalidades incluiacutedas aleacutem
do exerciacutecio da docecircncia as de direccedilatildeo de unidade escolar e as de coordenaccedilatildeo e
assessoramento pedagoacutegicordquo
Os respectivos dispositivos constitucionais tratam da aposentadoria
especial para professores prevendo uma reduccedilatildeo do tempo de serviccedilo exigido para tanto
Sobre esse aspecto o STF jaacute havia editado a Suacutemula 726 com a seguinte redaccedilatildeo para efeito
de aposentadoria especial de professores natildeo se computa o tempo de serviccedilo prestado fora
da sala de aula
O referido verbete foi resultado do julgamento da ADI 2253 onde ao
interpretar a Constituiccedilatildeo o Supremo Tribunal firmou o entendimento de que as funccedilotildees de
magisteacuterio referidas pela Carta Magna seriam apenas as da proacutepria atividade fim do
professor ou seja definiu a docecircncia como atividade exclusiva de sala de aula
Desta forma mais uma vez o Legislativo editou lei contraacuteria agrave
interpretaccedilatildeo constitucional jaacute exarada e sumulada pela Corte Contudo nessa ocasiatildeo o
resultado praacutetico foi diferente dos verificados nos casos acima
Primeiro natildeo houve debate acerca da possibilidade da ediccedilatildeo de uma
lei contraacuteria a decisatildeo jaacute proferida pelo STF mas sim uma mudanccedila no entendimento
anteriormente traccedilado apoacutes um intenso debate sobre o assunto
Poderia o Supremo Tribunal ter declarado a inconstitucionalidade da
norma sem muita dificuldade bastava manter o posicionamento anterior relativo a
impossibilidade de alargamento do benefiacutecio da aposentadoria especial aos profissionais
ldquoespecialistas em educaccedilatildeordquo entretanto optou por modificar seu entendimento parcialmente
e adaptaacute-lo para julgar a accedilatildeo parcialmente procedente mantendo a validade da lei e traccedilando
a correta interpretaccedilatildeo da mesma nos seguintes termos
I ndash A funccedilatildeo de magisteacuterio natildeo se circunscreve apenas ao trabalho em sala
de aula abrangendo tambeacutem a preparaccedilatildeo de aulas a correccedilatildeo de provas
o atendimento aos pais e alunos o assessoramento pedagoacutegico e ainda a
direccedilatildeo de unidade escolar
II ndash As funccedilotildees de direccedilatildeo coordenaccedilatildeo e assessoramento pedagoacutegico
integram a carreira de magisteacuterio desde que exercidos em
estabelecimentos de ensino baacutesico por professores de carreira excluiacutedos
102
os especialistas em educaccedilatildeo fazendo jus aqueles que as desempenham ao
regime especial de aposentadoria estabelecido nos sect 5ordm do art 40 e no sect
8o do art 201 da Constituiccedilatildeo Federal
b) Anaacutelise do caso pelo prisma das Teorias do Diaacutelogo Institucional
Vecirc-se no presente caso um posicionamento da Corte totalmente
contraacuterio ao demonstrado anteriormente Aqui o STF admitiu a superaccedilatildeo da sua decisatildeo por
lei ordinaacuteria esforccedilando-se ainda para traccedilar um entendimento compatiacutevel da lei com a
Constituiccedilatildeo quando poderia tecirc-la simplesmente anulado
Neste caso constata-se o benefiacutecio da praacutetica legislativa que mesmo
ciente do entendimento jaacute fixado pelo Judiciaacuterio forccedilou a reediccedilatildeo da lei como forma de
levantar novamente o debate acerca do tema o qual resultou positivo no tocante a efetivaccedilatildeo
de direito fundamental ampliando o rol de beneficiados com a aposentadoria especial dos
professores
Percebe-se neste ponto que o resultado beneacutefico esperado da praacutetica
das teorias dialoacutegicas dos princiacutepios juriacutedicos pautadas em uma articulaccedilatildeo legislativa no
sentido de propiciar um novo debate sobre determinado tema por meio da ediccedilatildeo de uma lei
ordinaacuteria eacute possiacutevel todavia fica claro que para que haja esse efeito positivo eacute necessaacuteria
uma abertura da Corte uma aceitaccedilatildeo ao novo enfrentamento e possibilidade de modificaccedilatildeo
do antigo posicionamento
O caso revela portanto uma importante criacutetica das teorias dialoacutegicas
nenhuma delas prevecirc uma forma de diaacutelogo que na praacutetica deva e possa ocorrer independente
da vontade das institiuiccedilotildees No mesmo sentido a descriccedilatildeo convencional de diaacutelogo exposta
por Tushnet para que resulte positiva necessita da vontade poliacutetica dos agentes
Por outro lado mais uma vez percebe-se que mesmo natildeo havendo no
sistema brasileiro qualquer previsatildeo expressa de um mecanismo estrutural dialoacutegico esse
diaacutelogo pode ocorrer como fruto do proacuteprio princiacutepio da separaccedilatildeo de poderes evidenciando
assim o que preceituam as teorias de construccedilatildeo coordenada jaacute tratadas no toacutepico 101 ou
seja que o diaacutelogo pode se materializar mesmo em um sistema onde haacute uma supremacia
judicial expressa pela proacutepria Constituiccedilatildeo
103
Mediante a leitura do presente caso percebe-se ainda que as respostas
proferidas no acircmbito da interpretaccedilatildeo constitucional estatildeo sujeitas agrave constantes mudanccedilas
que natildeo haacute uma resposta definitiva sendo entatildeo importante a interaccedilatildeo entre os Poderes
justamente para possbilitar a construccedilatildeo de novas respostas condizentes com a realidade e
mais aceitaacuteveis no seio social conforme a ideia do diaacutelogo institucional pressupotildee
Neste sentido revela-se a pertinecircncia dos ensinamentos de Waldron da
necessidade de um modelo de controle judicial das leis onde natildeo haja invariavelmente a
predominacircncia do Judiciaacuterio sendo necessaacuterio o debate acerca das questotildees constitucionais
mais complexas e natildeo a simples prevalecircncia do entendimento judicial112
Outro ponto do caso que merece destaque eacute a praacutetica da ldquointerpretaccedilatildeo
conformerdquo utilizada pelo Supremo Vecirc-se que houve uma busca por uma interpreteccedilatildeo
compatiacutevel com a Constituiccedilatildeo a fim de manter a validade da medida editada pelo
Legislativo poreacutem com uma relativa alteraccedilatildeo do sentido orginal conferido pelo legislador
Nesse aspecto a teacutecnica decisoacuteria utilizada pela Corte se assemelha ao
mandado interpretativo presente em alguns ordenamentos como jaacute abordou-se113 onde o
Judiciaacuterio possui o dever de buscar uma interpretaccedilatildeo legal compatiacutevel com o Bill of Rights
O que as difere em suma eacute o fato de que o Tribunal brasileiro natildeo
possui a ldquoobrigaccedilatildeordquo de dar uma intepretaccedilatildeo conforme a Constituiccedilatildeo podendo declarar a
lei inconstitucional e proceder a sua consequente invalidaccedilatildeo quando entender que natildeo eacute
possiacutevel adequar a interpretaccedilatildeo aos preceitos constitucionais ao contraacuterio do que ocorre no
Reino Unido e Nova Zelacircndia onde o Judiciaacuterio natildeo pode anular a lei quando natildeo conseguir
vislumbrar nenhuma interpretaccedilatildeo harmonizaacutevel com a Constituiccedilatildeo
Dito isso percebe-se que nesse caso natildeo houve uma simples deferecircncia
do Judiciaacuterio ao ato legislativo havendo a reinvenccedilatildeo do debate com a adoccedilatildeo de novos
posicionamentos buscando o Tribunal natildeo apenas a simples invalidaccedilatildeo do dispositivo legal
mas sim se esforccedilando para encontrar a sua melhor interpretaccedilatildeo de acordo com os preceitos
constitucionais preservando a norma editada pelo legislador
Sob esse ponto de vista essa praacutetica interpretativa pode ser vista como
112 Sobre os ensinamentos do autor leia-se toacutepico 4 113 Ver toacutepico 13
104
dialoacutegica eis que houve uma reaccedilatildeo legislativa agrave decisatildeo judicial inicial um novo debate a
modificaccedilatildeo do entendimento pelo Judiciaacuterio que resultou na manutenccedilatildeo da nova lei com
um sentido em conformidade com os preceitos constitucionais
Tushnet ao detalhar a descriccedilatildeo convencional de diaacutelogo menciona a
possibilidade de o Judiciaacuterio de defender o estatuto legal compatibilizando-o com as normas
constitucionais Nessa perspectiva a interpretaccedilatildeo conforme pode ser vista como uma
medida de defesa da lei da sua soberania e respeito a atuaccedilatildeo do Legislativo
Na oacutetica dos diaacutelogos pode-se dizer que houve um ldquodebaterdquo entre o
Legislativo e Judiciaacuterio provocado por meio das decisotildees judiciais e reediccedilatildeo da medida
legislativa com a sua subsequente anaacutelise judicial
Estatildeo presentes portanto todos os passos da descriccedilatildeo de diaacutelogo
elaborada por Tushnet Entretanto deve-se ressaltar que ao mesmo tempo que a postura
judicial nesse caso pode ser considerada como dialoacutegica pois admitiu a nova medida
legislativa mesmo que contraacuteria ao seu posicionamento tambeacutem pode ser considerada uma
conduta ativista eis que modificou o sentido original que o Legislador pretendeu conferir a
lei Sobre esta praacutetica eacute necessaacuterio observar alguns aspectos especiacuteficos
O princiacutepio da interpretaccedilatildeo conforme a Constituiccedilatildeo possui
unicamente a funccedilatildeo de operar como meacutetodo ldquocomplementarrdquo de interpretaccedilatildeo face a outros
criteacuterios ou meacutetodos interpretativos limita-se a ldquodesenvolverrdquo e ldquocomplementarrdquo as regras
de hermenecircutica apresenta-se basicamente como um postulado inserido num processo de
controle de normas (QUEIROZ 2010)
Eacute no domiacutenio do controle de constitucionalidade que este princiacutepio
ganha mais autonomia antes de declarar uma lei inconstitucional o juiz ou juiacutezes
encarregados do controle tecircm o dever de em via interpretativa buscar um sentido que ainda
estribado no seu enunciado linguiacutestico e ainda respeitador do texto constitucional permita
salvar a mesma (URBANO 2010 p 414)
Todavia o problema deste postulado estaacute na sua aplicaccedilatildeo pelo
Supremo Tribunal Federal que muitas vezes usa dessa justificativa para legitimar uma
postura extremamente ativista e violadora do princiacutepio da separaccedilatildeo de poderes
extrapolando os limites de sua competecircncia e reduzindo significativamente a margem de
atuaccedilatildeo do legislador e podendo ainda falsear a sua vontade original
105
Portanto para que se possa encarar essa praacutetica como beneacutefica e sob o
ponto de vista dialoacutegico eacute necessaacuterio que ela seja limitada a interpretaccedilatildeo proferida pelo
Tribunal ainda tem que ter alguma sustentaccedilatildeo no texto original tem que ser uma
interpretaccedilatildeo plausiacutevel (URBANO 2014 p 417)
Apesar disso eacute possiacutevel avistar uma deliberaccedilatildeo entre os Poderes
sugerindo a concretizaccedilatildeo de um diaacutelogo mais proacuteximo ao ideal esperadoentretanto natildeo se
deve afirmar que houve a concretizaccedilatildeo de um diaacutelogo material como a teoria idealiza mas
acredita-se que essa eacute a praacutetica mais proacutexima do mesmo dentre as jaacute analisadas ateacute aqui
poreacutem a mesma tambeacutem apresenta falhas e alguns riscos
17 Julgamento da accedilatildeo direta de inconstitucionalidade por omissatildeo nordm
3382MT
a) Breve resumo do caso
A Assembleacuteia Legislativa do Estado de Mato Grosso propocircs Accedilatildeo
Direta de Inconstitucionalidade questionando a inatividade do legislador quanto ao dever de
elaborar lei complementar a que se refere o sect4ordm do artigo 18 da Constituiccedilatildeo Federal
O referido dispostivo constitucional dispotildee que a criaccedilatildeo a
incorporaccedilatildeo a fusatildeo e o desmembramento de Municiacutepios far-se-atildeo por lei estadual dentro
do periacuteodo determinado por Lei Complementar Federal e dependeratildeo de consulta preacutevia
mediante plebiscito agraves populaccedilotildees dos Municiacutepios envolvidos apoacutes divulgaccedilatildeo dos Estudos
de Viabilidade Municipal apresentados e publicados na forma da lei Ou seja impotildee ao
legislador o dever de editar lei complementar para definiccedilatildeo do prazo
A redaccedilatildeo do dispositivo foi dada pela Emenda Constitucional nordm
151996114 e a accedilatildeo foi julgada procedente em 2007 O STF entendeu que o legislador
encontrava-se em mora haacute mais de dez anos descumprindo o seu dever constitucional de
legislar considerando portanto a omissatildeo inconstitucional e determinando um prazo de 18
meses para suprir a omissatildeo
114 Antes da EC 151996 qualquer alteraccedilatildeo dos entes federativos municipais era feita por um processo simples
atraveacutes de lei estadual assim a emenda constitucional visou na realidade dificultar essas alteraccedilotildees
106
Diversas accedilotildees tambeacutem foram propostas questionando a criaccedilatildeo de
alguns municiacutepios mesma na ausecircncia da lei115 o STF julgou as respectivas leis estaduais
que os criam inconstitucionais poreacutem sem declarar a sua nulidade modulando os efeitos da
decisatildeo no sentido de garantir a validade da lei por um periacuteodo de vinte e quatro meses
tempo superior ao que fixou para que o Legislativo sanasse a omissatildeo portanto
Relevante destacar que no acoacuterdatildeo a Corte ponderou que a ineacutercia
legislativa acabou dando ensejo agrave consolidaccedilatildeo e conformaccedilatildeo de estados de
inconstitucionalidade que natildeo podem ser ignorados pelo legislador na elaboraccedilatildeo da lei
complementar determinando assim que quando da ediccedilatildeo da lei o Legislativo contemplasse
as situaccedilotildees imperfeitas decorrentes desse estado de inconstitucionalidade gerado pela sua
omissatildeo esclarecendo ainda que o prazo de dezoito meses natildeo se trata de uma imposiccedilatildeo de
limite temporal para atuaccedilatildeo legislativa mas apenas da fixaccedilatildeo de um paracircmetro razoaacutevel
A resposta legislativa veio por meio da ediccedilatildeo da Emenda
Constitucional nordm 572008 a qual convalidou os atos de criaccedilatildeo fusatildeo incorporaccedilatildeo e
desmembramento de municiacutepios cuja lei tenha sido publicada ateacute 31 de dezembro de 2006
atendidos os requisitos estabelecidos na legislaccedilatildeo do respectivo Estado agrave eacutepoca de sua
criaccedilatildeo
Dessa forma o Legislativo cumpriu com a determinaccedilatildeo do STF
relativa ao tratamento das imperfeiccedilotildees geradas pela sua omissatildeo propondo a respectiva
soluccedilatildeo Entretanto no tocante a ediccedilatildeo da lei complementar para a fixaccedilatildeo do prazo exigido
pelo dispositivo constitucional haacute um embate contiacutenuo com o Poder Executivo
A primeira tentativa de legislar sobre o assunto ocorreu com o Projeto
de Lei do Senado Federal ndash PLS nordm 982002 o qual foi objeto de veto poliacutetico do Executivo
sob o argumento de contrariedade ao interesse puacuteblico A segunda tentativa se deu pelo PLS
nordm 1042014 o qual tambeacutem foi vetado pelo Executivo com base no mesmo argumento e haacute
uma terceira tentativa ainda em tramitaccedilatildeo que eacute o PLS nordm 1992015
As razotildees que levaram o Executivo a barrar a promulgaccedilatildeo da lei foram
de ordem orccedilamentaacuteria jaacute que a criaccedilatildeo de novos entes federativos representaria o aumento
das despesas com a estrutura da administraccedilatildeo puacuteblica razotildees essas expressas na Mensagem
115 Ver ADI 2240BA ADI 3316MT ADI 3489SC ADI 3689PA
107
nordm 505 de 12 de dezembro de 2013116 emitida pela Presidente da Repuacuteblica na ocasiatildeo do
veto
A questatildeo ainda estaacute pendente de regulamentaccedilatildeo mesmo apoacutes o
esgotamento do prazo fixado pelo STF todavia natildeo por falta de iniciativa do Legislativo
como se pode ver mas sim por contrariar os interesses do Executivo que por isso vem
dificultando a promulgaccedilatildeo da medida
b) Anaacutelise do caso pelo prisma das Teorias do Diaacutelogo Institucional
No caso narrado encontram-se diferentes pormenores que podem
indicar a presenccedila de teorias dialoacutegicas na praacutetica brasileira sendo assim far-se-aacute a anaacutelise
pontual de cada um
O STF ao realizar o controle de constitucionalidade da omissatildeo
legislativa neste caso considerou a falta de accedilatildeo do legislador como uma conduta
incompatiacutevel com o seu dever constitucional de legislar e determinou um prazo para que
suprisse essa omissatildeo Neste aspecto se evidencia a ideia do Judiciaacuterio como ente
propiciador do diaacutelogo provocando o Legislativo a agir por intermeacutedio da decisatildeo judicial
extamente como alguns teoacutericos sugerem
Como abordou-se no toacutepico 82 a decisatildeo que emana do controle de
constitucionalidade da omissatildeo legislativa pode ser considerada como um mecanismo
diaacutelogico por si soacute sob o ponto de vista das teorias dialoacutegicas centradas no processo A
mesma tambeacutem eacute facilmente enquadrada na concepeccedilatildeo convencional descrita por Tsuhnet
No caso em anaacutelise pode-se ainda identifcar a presenccedila da concepccedilatildeo
dialoacutegica desenvolvida por Dixon segundo a qual o Judiciaacuterio deve agir no sentido de
superar a ineacutercia do Legislativo poreacutem sem comprometer a sua liberdade de conformaccedilatildeo117
Ou seja no presente caso verifica-se a presenccedila das teorias fundadas no meacutetodo judicial onde
o Judiciaacuterio atua como o ente propiciador do diaacutelogo o qual ocorre dentro da proacutepria decisatildeo
judicial
Seguindo essa linha de raciociacutenio eacute possiacutevel notar que o proacuteprio STF
116 Iacutentegra disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrccivil_03_Ato2011-20142013MsgVetVET-505htm
117 Falamos mais especificamente dos ensinamentos de Dixon no toacutepico 9
108
ao pronunciar que o prazo fixado na decisatildeo natildeo objetiva estabeler um limite temporal para
condicionar a accedilatildeo legislativa mas tatildeo somente uma estipulaccedilatildeo de lapso temporal razoaacutevel
preocupou-se em deixar clara a necessidade de manutenccedilatildeo de certa liberdade de atuaccedilatildeo
daquele Poder
Todavia por outro acircngulo o Tribunal determinou que o Legislativo
quando fosse suprir a omissatildeo e regular a mateacuteria a fim de cumprir o seu dever
constitucional necessariamente cuidasse das situaccedilotildees imperfeitas ocasionadas pelo seu
estado de ineacutercia Neste particular encontra-se presente na praacutetica a teoria do
aconselhamento118 onde o Judiciaacuterio profere um direcionamento agrave atuaccedilatildeo do Legislativo
Neste caso o aconselhamento foi realizado de uma forma contida o
Supremo indicou a necessidade de soluccedilatildeo das questotildees mas natildeo determinou como e quais
as medidas a serem adotadas deixando a escolha a cargo do Legislativo Neste ponto a
conduta do Judiciaacuterio merece ser observada sob o aspecto positivo das teorias do
aconselhamento o qual reside na busca de evitar futuros problemas constitucionais por meio
da orientaccedilatildeo do Legislativo por meio de decisotildees judiciais
Nota-se que ao mesmo tempo em que o STF controla a sua atividade no
sentido de natildeo comprometer a liberdade do legislador ao fixar o prazo para a sua atuaccedilatildeo
entende necessaacuterio traccedilar algumas diretrizes para a superaccedilatildeo da inconstitucionalidade
constatada Neste caso em particular como se disse a atuaccedilatildeo do Judiciaacuterio foi de certa
forma contida poreacutem a praacutetica reflete a procedecircncia das principais criacuteticas dirigidas agrave essa
forma de diaacutelogo a qual para sua materializaccedilatildeo depende fortemente da consciecircncia e
vontade do Judiciaacuterio
Outro aspecto relevante que tambeacutem pode ser entendido como parte da
trama dialoacutegica presente no caso diz respeito a modulaccedilatildeo temporal dos efeitos da decisatildeo
quando da apreciaccedilatildeo da constitucionalidade das leis dos muniacutecipios que jaacute haviam sido
criados
O STF poderia simplesmente ter deixado os efeitos de nulidade da
declaraccedilatildeo de inconstitucionalidade se perpetuarem poreacutem tendo em mente os prejuiacutezos
que isso poderia acarretar optou por estabelecer efeitos pro futuro permitindo ao Legislativo
118 Ver toacutepico 81
109
a resoluccedilatildeo do problema por uma via menos danosa
A modulaccedilatildeo dos efeitos temporais da sentenccedila tambeacutem eacute uma praacutetica
que se coaduna com as teorias dialoacutegicas fundadas no meacutetodo judicial conforme jaacute se falou
no toacutepico 822 pois por meio dela o Judiciaacuterio condiciona os efeitos praacuteticos da sua decisatildeo
dando a oportunidade ao legislativo de corrigir ou reeditar a lei assim dode-se dizer que por
intermeacutedio dela o Judiciaacuterio instiga o legislador ao diaacutelogo
No tocante a resposta legislativa presente neste caso incialmente vale
destacar que a mesma se deu em um intervalo de tempo razoaacutevel e que o Legislativo buscou
acatar a orientaccedilatildeo da Corte todavia foi impedido de fazecirc-lo em sua completude pelos
interesses do Executivo o que acaba por retratar bem na praacutetica mais uma das dificuldades
da consolidaccedilatildeo das teorias dialoacutegicas
Pelo exposto depreende-se que o sistema brasileiro natildeo eacute alheio agraves
teorias dialoacutegicas pelo contraacuterio muitas delas estatildeo presentes em seu cotidiano A expressa
supremacia judicial e falta de familiariedade com um sistema parlamentar ndash que inicialmente
poderiam gerar duacutevidas quanto a possibilidade do diaacutelogo ndash natildeo se traduzem portanto em
uma impossibilidade completa de aplicaccedilatildeo das teorias dialoacutegicas agrave realidade brasileira
Por oacutebvio as suas manifestaccedilotildees praacuteticas satildeo peculiares e fortemente
influenciadas pela cultura e histoacuteria do paiacutes uma democracia recente e com um Legislativo
que enfrenta grande crise de representatividade o que faz com que em regra o entendimento
que prevaleccedila seja o do Judiciaacuterio
Ainda assim constata-se uma inclinaccedilatildeo do Legislativo para reagir agraves
decisotildees judiciais e natildeo simplesmente acataacute-las em sinal de uma total deferecircncia agrave um
entendimento superior Os ganhos e as perdas dessa reaccedilatildeo iratildeo depender do caso concreto
dos interesses que estatildeo em jogo podendo ser uma praacutetica temeraacuteria ou positiva como jaacute
verificou-se ao longo desse trabalho
18 Diaacutelogo institucional siacutentese dos aspectos controversos e algumas
consideraccedilotildees acerca da sua consecuccedilatildeo praacutetica
De todo o exposto ateacute aqui resta-no os seguintes questionamentos
110
Pode-se considerar o diaacutelogo institucional como uma possibilidade praacutetica viaacutevel Essa
praacutetica tem de fato o condatildeo de dirimir os conflitos relativos a legitimidade democraacutetica do
judicial review Pode ser considerado como um instrumento de combate ao ativismo judicial
ou seria mais uma forma de dissimulaccedilatildeo desse fenocircmeno
Apresentar respostas exatas a essas questotildees utlrapassa a pretensatildeo
deste trabalho ateacute mesmo porque se reconhece que natildeo haacute apenas uma via de conclusatildeo para
as mesmas em virtude da complexidade que elas envolvem Contudo objetiva-se fazer uma
reflexatildeo acerca desses questionamentos como resultado do presente trabalho de forma a
contribuir para o incremento do debate acadecircmico
No que diz respeito agrave resoluccedilatildeo dos conflitos ligados agrave legitimidade
democraacutetica do judicial review acredita-se que esta praacutetica estaacute longe de apresentar uma
soluccedilatildeo definitiva sendo um tanto pretenciosa nesse sentido pois como jaacute tratado no toacutepico
4 a discussatildeo relativa a dificuldade democraacutetica do judicial review eacute algo que lhe acompanha
a contar do seu surgimento desde sempre os estudiosos tentam justificar baseados em um
tradicional conjunto de argumentos as razotildees pelas quais juiacutezes natildeo eleitos pelo povo podem
e devem realizar um controle dos atos do legislativo com poder para declarar a sua
inconstitucionalidade e tambeacutem anulaacute-los
Natildeo se quer com isso dizer que natildeo haacute uma soluccedilatildeo para o conflito mas
sim que as teorias dialoacutegicas ao mesmo tempo que buscam e propotildeem uma soluccedilatildeo quando
materializadas na praacutetica natildeo eliminam totalmente alguns dos velhos problemas
Como viu-se a promessa da teoria dos diaacutelogos institucionais eacute
proporcionar um reequiliacutebrio entre os Poderes reconhecendo a importacircncia e competecircncias
especiacuteficas de cada um no acircmbito da jurisdiccedilatildeo constitucional sugerindo uma atuaccedilatildeo
conjunta mediante verdadeira deliberaccedilatildeo entre os braccedilos do Poder para chegar em um
consenso que seja melhor para a sociedade proporcionando assim um resultado mais eficaz
e duradouro
Do ponto de vista teoacuterico a ideia parece suficiente para solucionar o
problema principalmente nas concepccedilotildees dialoacutegicas desenvolvidas por Hiebert119 e
Bateup120 que ideliazam a realizaccedilatildeo de um diaacutelogo material sem a predominacircncia de
119 Ver toacutepico 11 que trata da teoria da parceria
120 Ver toacutepico 12 que trata da fusatildeo dialoacutegica
111
nenhum dos poderes mas sim de uma verdadeira atuaccedilatildeo conjunta
Poreacutem da anaacutelise dos exemplos praacuteticos de cada teoria e da aplicaccedilatildeo
das mesmas nos casos concretos no sistema brasileiro eacute faacutecil concluir que o exerciacutecio da
jurisdiccedilatildeo constitucional na grande maioria das vezes para natildeo dizer em todas elas resultaraacute
na prevalecircncia do entendimento de um dos atores envolvidos por vezes seraacute o Legislativo o
protagonista e por outras o Judiciaacuterio Apesar de todos os esforccedilos teoacutericos a praacutetica revela
que sempre haveraacute uma uacuteltima palavra o que eacute algo inerente ao proacuteprio sistema de revisatildeo
constitucional das leis
Acredita-se portanto que natildeo se deve desconsiderar a real existecircncia
de uma uacuteltima palavra jaacute que ela sempre iraacute existir mas sim enxergaacute-la e estimular que ela
seja ldquoprovisoacuteriardquo no sentindo de que pode ser constantemente reformulada e alterada
mediante a interaccedilatildeo entre os Poderes por meio do aprofundamento do debate e maior
possibilidade de troca de argumentos buscando sempre o melhor entendimento no acircmbito
da interpretaccedilatildeo constitucional
A existecircncia da uacuteltima palavra portanto deve estar relacionada a
preponderacircncia e maior efetividade dos direitos fundamentais e natildeo necessariamente
atrelada a prevalecircncia uniforme do entendimento de um uacutenico braccedilo do Poder Esse eacute o
principal contributo a ser extraiacutedo das teorias dialoacutegicas no tocante a resoluccedilatildeo da disputa
entre o Poder Judiciaacuterio e o Poder Legislativo pela uacuteltima palavra na seara constitucional
Em contrapartida observa-se que apesar das teorias dialoacutegicas
proclamarem a realizaccedilatildeo de um controle das leis realizado em conjunto nenhuma delas
prescreve uma forma de diaacutelogo que seja concomitante com o processo de tomada de
decisatildeo de forma que a mesma seja proferida com o comum acordo de ambos os Poderes
O que vecirc-se eacute que as formas de diaacutelogo prescritas pelas teorias estudadas se referem mais agrave
possibilidade de superaccedilatildeo de um ato jaacute concretizado seja pelo Judiciaacuterio ou pelo
Legislativo do que verdadeiramente a construccedilatildeo de uma decisatildeo comum
Asssim esse eacute o primeiro aspecto que entende-se que deve ser
desmistificado pois percebe-se que a ideia de uma ldquodecisatildeo conjuntardquo de uma deliberaccedilatildeo
antes da tomada de decisatildeo e consequentemente a concretizaccedilatildeo de um diaacutelogo no sentido
que a doutrina descreve como material na praacutetica eacute quase que inviaacutevel
Assim acertada eacute a proposiccedilatildeo de Aharaon Barak (2008 p16) de que
112
a tensatildeo entre o Judiciaacuterio e os outros ramos do Poder eacute algo natural e ateacute desejaacutevel pois se
todas as regras e decisotildees proferidas pelos Tribunais forem aceitas com tranquilidade pelos
outros Poderes eacute sinal que este natildeo estaacute cumprindo corretamente com a sua funccedilatildeo na
democaria
O Autor ressalta que junto agrave essa tensatildeo haacute tambeacutem um constante
diaacutelogo entre o Judiciaacuterio e Legislativo o qual natildeo decorre de reuniotildees e debates entre eles
mas sim da realizaccedilatildeo por cada qual da sua respectiva funccedilatildeo constitucional (BARAK
2008 p 236)
Neste sentido eacute importante a constataccedilatildeo de que no Brasil um paiacutes com
um modelo forte de controle de constitucionalidade e onde a supremacia judicial eacute evidente
vez que a proacutepria Constituiccedilatildeo entitula como o detentor da uacuteltima palavra em mateacuteria
constitucional o Supremo Tribunal Federal nada impede que o Legislativo reaja ou ateacute
mesmo desafie as decisotildees proferidas pelo Judiciaacuterio no acircmbito do controle de
constitucionalidade
Assim percebe-se que ao contraacuterio do que muitos estudiosos
pressupotildeem a ideia de diaacutelogo natildeo estaacute necessariamente vinculada agrave um sistema fraco de
revisatildeo judicial das leis ou agrave uma total inexistecircncia de supremacia judicial podendo o
mesmo existir e ser conciliaacutevel mesmo nos sistemas mais riacutegidos
Portanto a ideia de diaacutelogo institucional natildeo extingue necessariamente
a supremacia judicial o que pode eacute mitigaacute-la em alguns casos impondo limites mais riacutegidos
a atuaccedilatildeo judicial justamente por meio da possibilidade de reaccedilatildeo legislativa
Com isso pode-se dizer que a forma mais viaacutevel de se entender o
diaacutelogo institucional eacute como algo decorrente da reformulaccedilatildeo do proacuteprio princiacutepio da
separaccedilatildeo de poderes segundo a qual cada ramo do Poder realiza uma funccedilatildeo que lhe eacute
proacutepria sem interferir na atuaccedilatildeo do outro Todavia essa atuaccedilatildeo natildeo deve ser estanque natildeo
existindo uma fronteira intransponiacutevel entre as atividades inerentes agrave cada um dos Poderes
Ou seja apesar de cada Poder ter de observar seus limites e respeitar a
atuaccedilatildeo dos outros devem compreender a necessidade de cooperaccedilatildeo e buscar uma atuaccedilatildeo
conjunta e complementar
Apesar disso a praacutetica nos revela que nem toda reaccedilatildeo legislativa deve
113
ser interpretada sob o ponto de vista dialoacutegico muitas vezes ela tambeacutem representaraacute mais
uma disputa de poder do que uma tentativa de debate ou de correccedilatildeo da decisatildeo judicial
Sendo assim entender toda e qualquer reaccedilatildeo legislativa como
dialoacutegica pode ser perigoso e temeraacuterio pois em muitos casos essa reaccedilatildeo pode significar
mais um disputa de poder do que necessariamente uma tentativa de debate Assim em
algumas situaccedilotildees o termo ldquodiaacutelogordquo pode natildeo ser propriamente a melhor forma de
caracterizar essas reaccedilotildees
Em muitos casos e exemplos concretos das teorias viu-se que haacute na
realidade mais uma ldquointeraccedilatildeordquo entre os Poderes do que necessariamente um ldquodiaacutelogordquo por
conseguinte a maioria das teorias dialoacutegicas na forma em que satildeo concebidas se revelam
muito otimistas pode-se dizer que ateacute um pouco romantizadas sob o ponto de vista praacutetico
Desta forma assim como as reaccedilotildees legislativas natildeo devem em sua
totalidade serem encaradas como uma praacutetica dialoacutegica o mesmo deve ser observado quanto
a conduta do Tribunal sendo este um ponto importante a ser observado
As teorias dos diaacutelogos institucionais inicialmente se apresentam
como uma forma de combate ao ativismo judicial entretanto quando analisamos algumas
das suas metodologias podemos ver que em muitos casos elas podem acabar servindo de
reforccedilo e ateacute incentivo de uma praacutetica ativista
Como jaacute foi dito o ativismo judicial se manifesta quando as decisotildees
da jurisdiccedilatildeo constitucional tomam uma densidade poliacutetica mais ampla passando a Corte a
natildeo mais apenas declarar normas inconstitucionais atuando como legislador negativo na
forma em que foi orginariamente pensada mas ao mesmo tempo comeccedila a exigir
determinadas posturas dos outros Poderes atuando como um legislador positivo (AGRA
2006)
Dessa forma algumas teacutecnicas dialoacutegicas de decisatildeo judicial podem
representar mais uma dissimulaccedilatildeo ou camuflagem do ativismo do que o seu verdadeiro
combate jaacute que alimentam uma conduta proacute-ativa do Judiciaacuterio no sentido de provocar o
Legislativo aconselhaacute-lo ou qualquer outra forma de tiraacute-lo da ineacutercia
Podem nessa perspectiva ser consideradas tanto como uma conduta
dialoacutegica como uma conduta ativista pois a linha divisoacuteria entre a simples instigaccedilatildeo e a
114
interferecircncia no poder de atuaccedilatildeo do Legislativo eacute muito tecircnue
Por isso natildeo se pode afirmar com certeza que as teorias dialoacutegicas
servem de combate ao ativismo judicial jaacute que muitas vezes podem servir de fundamento
para o Judiciaacuterio justificar decisotildees que extrapolam seu acircmbito de atuaccedilatildeo e adentram na
esfera do Legislativo Portanto eacute essencial prestar atenccedilatildeo na forma com que o Judiciaacuterio eacute
incentivado a agir como um propiciador do diaacutelogo sem perder de vista a existecircncia de
limites agrave essa praacutetica
Apesar disso natildeo se pode desconsiderar que em muitos casos ainda
que o Judiciaacuterio ao exercer o seu papel proposto pelas teorias diaacutelogicas acabe incorrendo
em uma praacutetica ativista o resultado obtido pode ser beneacutefico como vimos por exemplo no
caso da Aacutefrica do Sul e ateacute mesmo no sistema brasileiro o que revela que nem sempre o
ativismo judicial deve ser visto como algo totalmente negativo121
No tocante a efetivaccedilatildeo do diaacutelogo no seu sentido material a proposta
de que a uacuteltima palavra seja fruto de um intenso e efetivo debate entre os atores participantes
do processo de interpretaccedilatildeo constitucional que seja construiacuteda de forma conjunta por eles
por intermedio de uma troca de argumentos para chegar a um consenso razoaacutevel e duraacutevel
no seio da sociedade natildeo se realiza com clareza em nenhuma das praacuteticas identificadas como
dialoacutegicas - pelo menos nas que temos conhecimento ateacute aqui
Por isso percebe-se que a ideia de concretizaccedilatildeo de um diaacutelogo material
estaacute muito distante de uma realidade palpaacutevel pois para que isso ocorra haacute a necessidade de
que todos os braccedilos do Poder estejam dispostos a entrar em um efetivo debate contribuindo
cada um com suas competecircncias teacutecnicas para a criaccedilatildeo de uma soluccedilatildeo conjunta
construindo decisotildees no acircmbito da jurisdiccedilatildeo constitucional mediante deliberaccedilatildeo de uma
concreta troca de argumentos o que nem sempre seraacute possiacutevel
Este fato revela que para que o diaacutelogo se concretize haacute muito mais a
necessidade de uma vontade poliacutetica das instituiccedilotildees do que necessarimente uma prescriccedilatildeo
normativa ou de uma redifiniccedilatildeo do desenho institucional por meio de modificaccedilotildees no texto
constitucional Portanto ao mesmo tempo que o diaacutelogo pode ocorrer em qualquer sistema
121 Aharon Barak destaca que nem sempre o ativismo judicial estaraacute ligado a intenccedilatildeo de expansatildeo do Poder
judicial muitas vezes ele pode ser necessaacuterio para a proteccedilatildeo dos direitos humanos e ainda pode ser a forma
do Judiciaacuterio lidar com o poder dos outros ramos poliacuteticos Ver BARAK Aharon The Judge in a Democracy
Princeton University Press 2008 pp 263-271)
115
de jurisdiccedilatildeo constitucional a sua efetividade tambeacutem seraacute diretamente influenciada pela
cultura poliacutetica e histoacuterica de cada paiacutes
Apesar da concretizaccedilatildeo do diaacutelogo no seu sentido material como
preleciona a melhor doutrina ser uma realidade um tanto distante natildeo se pode ignorar os
benefiacutecios do diaacutelogo formal que se manifesta nessas praacuteticas principalmente no que se
refere ao papel que exercem no sentido de provocar uma mudanccedila de mentalidade dos
proacuteprios entes detentores do Poder bem como no aumento da responsabilidade da sua
atuaccedilatildeo
Nessa linha de raciociacutenio Petter Andrew (2007 p167) afirma que o
apelo agraves teorias dialoacutegicas deriva mais do seu poder como uma metaacutefora do que da sua forccedila
como argumento pois ao retratar a revisatildeo judicial como contributiva para o envolvimento
deliberativo a metaacutefora do diaacutelogo reformula o papel dos juiacutezes que passam a ser vistos
como advogados de um processo democraacutetico natildeo como aacuterbitros dentro de um processo
autoritaacuterio
Apesar dos pontos controversos foram apontados a respeito da sua
praacutetica as teorias dialoacutegicas satildeo de grande valia para o desenvolvimento da justiccedila
constitucional significando a busca pela superaccedilatildeo dos problemas ligados a expansatildeo
desordenada do Poder Judiciaacuterio bem como a maior e mais eficaz efetivaccedilatildeo dos direitos
fundamentais como determina a nova ordem mundial
Pode-se dizer que ainda que as teorias possuam as suas dificuldades
praacuteticas elas direcionam os atores constitucionais para uma atuaccedilatildeo mais consciente
reforccedilam o seu papel institucional e apontam algumas das principais falhas dos sistemas
tradicionais de revisatildeo judicial Assim o diaacutelogo institucional deve ser visto como um ideal
a ser alcanccedilado atraveacutes do aperfeiccediloamento da sua praacutetica atual e sobretudo por meio do
reforccedilo do princiacutepio da separaccedilatildeo de poderes no acircmbito da jurisdiccedilatildeo constitucional
116
CONCLUSAtildeO
No decurso deste trabalho verificou-se como as mudanccedilas da sociedade
global implicaram a (re)definiccedilatildeo de um novo paradigma constitucional pautado em relaccedilotildees
de cooperaccedilatildeo o qual impocircs a busca por um novo modelo de jurisdiccedilatildeo constitucional
originaacuterio da expansatildeo do judicial review para os paiacuteses da Commonwealth
Viu-se que o ativismo judicial e a judicializaccedilatildeo da poliacutetica decorrentes
dessa expansatildeo passaram a ser vistos como patologias do sistema e acenturam novos debates
acerca da legitimidade democraacutetica do Poder Judiciaacuterio para realizar o controle de
constitucionalidade dos atos legislativos incentivando entatildeo a criaccedilatildeo de um sistema de
controle fraco de constitucionalidade originaacuterio do Canadaacute
Dentro desse contexto falou-se do surgimento da ideia de um diaacutelogo
institucional no acircmbito do controle de constitucionalidade e pautamos a diferenccedila entre
diaacutelogo material e diaacutelogo formal Apoacutes fez-se uma anaacutelise das teorias dialoacutegicas
explorando seus conceitos exemplos praacuteticos e principais pontos de criacutetica
Por intermeacutedio dessa investigaccedilatildeo percebe-se que nenhuma das teorias
consubstancia um modelo perfeito sob o ponto de vista praacutetico no sentindo de promover um
diaacutelogo verdadeiro assente em uma efetiva deliberaccedilatildeo entre os Poderes Para aleacutem disso
que alguns acabou-se por registrar que os conflitos relativos agrave legitimidade democraacutetica do
judicial review na praacutetica permanecem
Todavia constatou-se tambeacutem que as teorias dialoacutegicas satildeo valiosas
pois ao contraacuterio das conhecidas teorias interpretativas que buscam disciplinar qual a melhor
forma de os juiacutezes procederem agrave leitura constitucional estas buscam evidenciar o papel
institucional do Judiciaacuterio aliado ao reforccedilo da importacircncia da atividade legislativa visando
a produccedilatildeo de decisotildees no ambito da justiccedila constitucional que natildeo sejam fruto de um
ldquomonoacutelogordquo mas sim da interaccedilatildeo institucional
Concluiacute-se entatildeo que o potencial das teorias dialoacutegicas consiste
justamente na estimulaccedilatildeo da busca por melhores padrotildees de interaccedilatildeo entre os Poderes
sendo todas elas de uma importacircncia iacutempar por tentarem evidenciar como deveria funcionar
um desenho institucional ideal no acircmbito da interpretaccedilatildeo constitucional e controle das leis
117
reforccedilando o papel de cada braccedilo do Poder nessa empreitada conforme suas proacuteprias funccedilotildees
e capacidades
Os resultados dete trabalho natildeo satildeo portanto uma resposta exata
tampouco definitiva aos atuais problemas efrentados pela jurisdiccedilatildeo constitucional mas
servem de ponto de partida para uma reflexatildeo sobre os pontos positivos e negativos das mais
modernos teorias sobre o judicial review
118
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IacuteNDICE
INTRODUCcedilAtildeO 9
CAPIacuteTULO 1 ndash OS NOVOS DESAFIOS DO CONSTITUCIONALISMO E SEUS
REFLEXOS NA JURISDICcedilAtildeO CONSTITUCIONAL O SURGIMENTO IDEIA DE
COOPERACcedilAtildeO 11
1 Os novos desafios do constitucionalismo 11
2 Constitucionalismo de cooperaccedilatildeo e seus reflexos na jurisdiccedilatildeo constitucional 14
3 O tradicional modelo de judicial review e a supremacia judicial 19
4 Jurisdiccedilatildeo constitucional e democracia um antigo debate 23
5 A implementaccedilatildeo do judicial review nos paiacuteses da commonwealth e o surgimento
de uma nova alternativa ao binocircmio judiciaacuterio v Legislativo ndash weak form of judicial
review 28
CAPIacuteTULO 2 ndash AS TEORIAS DIAacuteLOGICAS E A CONCRETIZACcedilAtildeO DO
DIAacuteOLOGO INSTITUCIONAL 31
6 Teoria dos diaacutelogos institucionais 31
7 Diaacutelogo formal v Diaacutelogo material 33
8 Teorias dialoacutegicas fundadas no meacutetodo judicial 35
81 Aconselhamento judicial 36
82 Teorias centradas no processo 40
83 Criacuteticas agraves teorias dialoacutegicas fundadas no meacutetodo judicial 45
9 O especial caso da Aacutefrica do Sul 48
10 As teorias estruturais de diaacutelogo 51
10 1 Teorias de construccedilatildeo coordenada 52
5
11 As teorias dialoacutegicas da parceira 70
111 Criacuteticas agrave teoria da parceria 71
12 Fusatildeo dialoacutegica 72
121 Criacuteticas agrave teoria da fusatildeo dialoacutegica 73
13 Os mecanismos estruturais de diaacutelogo no sistema britacircnico e neozelandecircs 73
131 O mandado interpretativo e a declaraccedilatildeo de incompatibilidade no reino unido (seccedilatildeo 3 e 4
(2) do human rights act 1998) 74
132 O mandado interpretativo na experiecircncia neozelandesa 82
CAPIacuteTULO 3 ndash AS TEORIAS DIALOacuteGICAS NO SISTEMA DE JURSIDICcedilAtildeO
CONSTITUCIONAL BRASILEIRO UMA POSSIBILIDADE 87
14 Julgamento da accedilatildeo direta de inconstitucionalidade nordm 2797df ndash a suacutemula 394 do
STF e a lei nordm 106282002 89
15 Julgamento da accedilatildeo direta de inconstitucionalidade nordm 4543DF e a lei
131652015 96
16 Julgamento da accedilatildeo direta de inconstitucionalide nordm 3772DF ndash a suacutemula 726 do
STF e a lei nordm 113012006 100
17 Julgamento da accedilatildeo direta de inconstitucionalidade por omissatildeo nordm 3382MT 105
18 Diaacutelogo institucional siacutentese dos aspectos controversos e algumas consideraccedilotildees
acerca da sua consecuccedilatildeo praacutetica 109
CONCLUSAtildeO 116
BIBLIOGRAFIA 118
6
RESUMO
O objeto do presente trabalho satildeo as Teorias dos Diaacutelogos Institucionais
as quais se apresentam no acircmbito da jurisdiccedilatildeo constitucional como uma alternativa para
resolver os problemas relacionados a legitimidade democraacutetica da revisatildeo judicial das leis
combater o ativismo judicial e propiciar uma maior efetivaccedilatildeo dos direitos fundamentais
Inicialmente faz-se uma abordagem dos fatores que contribuiacuteram para o
seu desenvolvimento passando por questotildees relacionadas a expansatildeo do Poder Judiciaacuterio e
a adoccedilatildeo de um sistema de judicial review pelos paiacuteses da Commonwealth e o surgimento
do modelo fraco de controle de constitucionalidade (weak form of judicial review)
As teorias satildeo exploradas por meio da classificaccedilatildeo desenvolvida por
Chistine Bateup por meio de uma abordagem conceitual e praacutetica a fim de identificar os
aspectos positivos bem como as dificuldades da concretizaccedilatildeo das mesmas
Busca-se ainda verificar de que forma e em que medida essas teorias se
manifestam no sistema brasileiro o que eacute feito por meio de uma consulta a importantes
julgados do Supremo Tribunal Federal no ensejo do controle concentrado de
constitucionalidade
Ao final realiza-se um balanccedilo criacutetico dos aspectos controversos das
teorias identificando suas dificuldades praacuteticas bem como o seu potencial normativo
PALAVRAS-CHAVE judicial review supremacia judicial ativismo judicial legitimidade
democraacutetica teorias dialoacutegicas separaccedilatildeo de poderes
7
ABSTRACT
The focus of this study are the Theories of Institutional Dialogue which
are presented in the context of constitutional juridiction as an alternative to solve the
problems the democratic legitimacy of judicial review of laws combating judicial activism
and promote a greater realization of fundamental rights
Initially it is an approach of the factors that contributed to their
development through issues related to expansion of the Judiciary and the adoption of a
judicial review by the countries of the Commonwealth system and the emergence of weak
form of judicial review
The theories are operated by classification developed by Chistine Bateup
through a conceptual and practical approach in order to identify the positive and the
difficulties of their achieving
Also it is a search to verify how and to what extent these theories are
manifested in the Brazilian system which is done through a judged important verification of
the Supreme Court on the occasion of the concentrate constitutionality control
At the end it carried out a critical assessment of the controversial aspects
of the theories identifying their practical difficulties and its normative potential
KEYWORDS judicial review judicial supremacy judicial activism democratic
legitimacy dialogical theories separation of powers
8
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
ADI ndash Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade
Art ndash Artigo
CCORF ndash Canadian Charter of Rights and Freedoms
CEDH ndash Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem
CF88 ndash Constituiccedilatildeo Federal Brasileira de 1988
HRA ndash United Kingdomrsquos Bill of Rights Act
P ndash Paacutegina
PLS ndash Projeto de Lei do Senado
PEC ndash Projeto de Emenda Consrtitucional
RE ndash Recurso Extraordinaacuterio
STF ndash Supremo Tribunal Federal
9
INTRODUCcedilAtildeO
A complexidade das sociedades atuais o novo contexto internacional e a
redefiniccedilatildeo das concepccedilotildees de Constituiccedilatildeo impotildeem a reflexatildeo acerca do tradicional modelo
de jurisdiccedilatildeo constitucional e a sua capacidade de resoluccedilatildeo de conflitos de forma eficaz Se
antes o objetivo do constitucionalismo era assegurar direitos hoje a sua preocupaccedilatildeo gira
em torno da concretizaccedilatildeo dos mesmos
Fatores como o alargamento do Poder Judiciaacuterio o crescente ativismo
judicial e o surgimento de novos sistemas de jurisdiccedilatildeo constitucional dissociados da
tradicional ideia de supremacia judicial intensificam e fazem avanccedilar os debates acerca da
legitimidade do judicial review e da sua eficaacutecia no tocante a efetivaccedilatildeo dos direitos
fundamentais
Apesar de ser um tema recorrente na doutrina constitucional os debates
acerca da jurisdiccedilatildeo constitucional parecem estar longe do fim ao contraacuterio contam com
argumentos cada vez mais complexos e que ultrapassam o tradicional binocircmio Judiciaacuterio v
Legislativo e a disputa pela palavra final
O propoacutesito deste trabalho eacute contribuir para a reflexatildeo acerca do tema
utilizando como instrumento para tanto a exposiccedilatildeo e anaacutelise das Teorias dos Diaacutelogos
Institucionais as quais se propotildeem promover uma redefiniccedilatildeo do desenho institucional no
acircmbito da jurisdiccedilatildeo constitucional a fim de conciliar a revisatildeo judicial das leis com o
princiacutepio democraacutetico e propiciar uma maior eficaacutecia dos direitos fundamentais
O conteuacutedo do primeiro capiacutetulo trata de aspectos mais gerais e
introdutoacuterios buscando demonstrar a importacircncia e atualidade do tema no contexto global
em face do novo paradigma constitucional pautado em relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo na sequecircncia
aborda-se por questotildees especiacuteficas relativas ao judicial review como o tradicional debate
acerca da sua legitimidade e da sua recente expansatildeo para os paiacuteses da Commonwealth as
quais contribuiacuteram decisivamente para o desenvolvimento das teorias dialoacutegicas
Apoacutes contextualizar o surgimento da ideia de um diaacutelogo institucional no
segundo capiacutetulo faz-se uma exposiccedilatildeo conceitual praacutetica e criacutetica das teorias dialoacutegicas
buscando extrair seus principais contributos bem como desmistificar vaacuterios aspectos
10
enaltecidos por alguns estudiosos a respeito das mesmas
Utiliza-se para fins didaacuteticos a classificaccedilatildeo feita por Christine Bateup a
qual agrupa as teorias em classes diferentes e a exposiccedilatildeo de exemplos concretos de cada
teoria trazendo ao final de cada toacutepico as principais criacuteticas concernentes a sua praacutetica
Feita a anaacutelise conceitual e exemplificativa de cada grupo teoacuterico bem
como a exposiccedilatildeo de suas respectivas criacuteticas a proposta do uacuteltimo capiacutetulo eacute verificar como
e em que medida as teorias dialoacutegicas estudadas encontram reflexo na praacutetica da jurisdiccedilatildeo
constitucional brasileira atraveacutes da observaccedilatildeo de julgados do Supremo Tribunal Federal no
acircmbito do controle concentrado - ou abstrato - de constitucionalidade
A principal inquietaccedilatildeo que move este trabalho eacute verificar se o diaacutelogo
institucional na forma em que eacute proposto pelas principais teorias desenvolvidas ateacute nestas
primeiras deacutecadas do seacuteculo XXI eacute uma praacutetica possiacutevel de ser implementada ou tatildeo-
somente uma conjectura teoacuterica
11
CAPIacuteTULO 1 ndash OS NOVOS DESAFIOS DO CONSTITUCIONALISMO E SEUS
REFLEXOS NA JURISDICcedilAtildeO CONSTITUCIONAL O SURGIMENTO IDEIA DE
COOPERACcedilAtildeO
1 Os novos desafios do constitucionalismo
Antes de adentrarmos no tema central do presente trabalho eacute necessaacuterio
entender as novas premissas e diretrizes do constitucionalismo contemporacircneo Dizemos
isso por constatar que natildeo se pode analisar a jurisdiccedilatildeo constitucional de forma dissociada
do contexto histoacuterico e social em que se insere
Haumlrbele (2006) ensina que o constitucionalismo eacute por excelecircncia uma
criaccedilatildeo cultural Na mesma linha de raciociacutenio Bastos (2010) aduz que o constitucionalismo
acima de tudo revela-se como um fenocircmeno social dotado de caraacuteter juriacutedico Explica que
o seu caraacuteter social decorre de uma pressatildeo nascida do povo que objetiva o esvaziamento do
poder absoluto e o caraacuteter juriacutedico por representar a formaccedilatildeo da regulamentaccedilatildeo legal do
exerciacutecio do Poder aliada agrave implementaccedilatildeo da defesa da Constituiccedilatildeo
Dessa forma percebe-se que o constitucionalismo estaacute intimamente ligado
ao contexto social em que se insere Eacute por essa razatildeo que Canotilho (2003 p51) com
pertinecircncia afirma ser preferiacutevel referir-se a movimentos constitucionais pois natildeo haacute soacute um
constitucionalismo e sim diversos movimentos constitucionais com coraccedilotildees nacionais
mas tambeacutem com momentos de aproximaccedilatildeo entre si fornecendo uma complexa tessitura
histoacuterico-cultural
Reconhecida a influecircncia do contexto social no desenvolvimento do
constitucionalismo eacute correto afirmar que os desafios impostos agrave jurisdiccedilatildeo constitucional no
seacuteculo XXI natildeo satildeo os mesmo de outrora Se antes a preocupaccedilatildeo constitucional girava em
torno da limitaccedilatildeo do poder estatal da separaccedilatildeo de poderes e garantia de direitos e
liberdades hoje os problemas satildeo significativamente mais complexos devido ao proacuteprio
desenvolvimento da sociedade moderna
As consequecircncias do intenso processo de globalizaccedilatildeo que a humanidade
vivencia aumentam a complexidade da sociedade atual diminuem a distacircncia entre os
Estados criam novos pontos de convergecircncia entre eles estreitam as suas fronteiras
12
geograacuteficas Soma-se agrave isto o crescente fortalecimento dos mecanismos internacionais de
defesa dos Direitos Humanos e o aumento vertiginoso das normas internacionais Ora o
constitucionalismo como fenocircmeno social que eacute natildeo poderia ser imune a essas grandes
modificaccedilotildees
Jonatas Machado (2011 p33) salienta que o desenvolvimento dos
sistemas internacionais de proteccedilatildeo dos Direitos Humanos Europeu Americano e Africano
por si soacute constiuem uma revoluccedilatildeo constitucional na medida em que estabelecem uma
espeacutecie de jurisdiccedilatildeo constitucional de Direitos Humanos supranacional com capacidade de
condenar os Estados membros por violaccedilotildees a esses direitos
Destaca ainda que a Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos do Homem tem
exercido um efeito direto no Direito Constitucional de numerosos Estados em todos os
continentes inspirando cataacutelogos de direitos liberdades e garantias sendo expressamente
mencionada como auxiliar interpretativo dos cataacutelogos internos ou sendo mesmo
incorporada no bloco de constitucionalidade de alguns Estados
Assim verifica-se a abertura da Constituiccedilatildeo ao Direito Internacional
gerando um novo paradigma constitucional com o surgimento de conflitos mais complexos
sobretudo pela pluralidade no tocante a interpretaccedilatildeo do conteuacutedo dos Direitos Humanos
Neves (2013) sintetiza claramente o momento do constitucionalismo atual
quando aduz que com a maior integraccedilatildeo da sociedade mundial os problemas
constitucionais que versam sobre de direitos humanos ou fundamentais e sobre o controle e
limitaccedilatildeo do poder tornaram-se insuscetiacuteveis de serem tratados por uma uacutenica ordem juriacutedica
estatal no acircmbito do seu territoacuterio vez que esses problemas passam a ser concomitantemente
relevantes para mais de uma ordem juriacutedica muitas vezes natildeo estatais que satildeo instadas a
oferecer respostas para a sua soluccedilatildeo
Nesse contexto o tradicional princiacutepio de soberania tanto do Estado como
do Texto Supremo que o rege acaba por ser relativizado jaacute que as relaccedilotildees sociais
econocircmicas poliacuteticas e tambeacutem juriacutedicas se desenvolvem cada vez mais no acircmbito
internacional ultrapassando os tradicionais limites do poder nacional1
1 Sobre a referida relativizaccedilatildeo do princiacutepio da soberania importante destacar que como bem leciona o ilustre
doutrinador portuguecircs Jonatas Machado a mesma natildeo significa de forma alguma o fim do Estado enquanto
organizaccedilatildeo juriacutedica de uma comunidade poliacutetica Natildeo pode haver uma eficaz proteccedilatildeo dos direitos humanos
13
A moderna doutrina fala em crise do constitucionalismo decorrente dessa
conjuntura2 eis que foi revelada a incapacidade do Estado nacional e o texto magno que o
rege para resolverem isoladamente os impasses constitucionais o que acarreta em uma
perda de forccedila da Constituiccedilatildeo
Desta feita o atual momento do constitucionalismo impotildee uma reflexatildeo
acerca do papel da Constituiccedilatildeo e consequentemente da jurisdiccedilatildeo constitucional reflexatildeo
que deve ser feita natildeo apenas sob seus aspectos internos mas sim de forma comprometida
com o contexto global que seraacute determinante na sua estruturaccedilatildeo sob pena de perda da sua
eficaacutecia A abertura cognitiva que o novo cenaacuterio de fluidez de fronteiras geograacuteficas e de
intensa circulaccedilatildeo de ideias determina em relaccedilatildeo a compreensatildeo e atualidade do sentido
constitucional vem inspirando uma nova visatildeo de constitucionalismo que contemple
arquiteturas de acomodaccedilatildeo institucional que conduzam a um exerciacutecio democraacutetico de
identificaccedilatildeo do sentido constitucional Surgem entatildeo novas relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo
internas e externas ao Estado as quais representam a pedra de toque na atualidade (VALLE
2010 p 32)
Os novos desafios impostos ao constitucionalismo no seacuteculo XXI
sobretudo no tocante a compreensatildeo e delimitaccedilatildeo do conteuacutedo de direitos fundamentais tecircm
permitido a construccedilatildeo de alternativas agrave velha conclusatildeo de que na jurisdiccedilatildeo constitucional
deve existir um oacutergatildeo responsaacutevel por emanar a uacuteltima palavra na resoluccedilatildeo de conflitos jaacute
que nenhum dos atores consituticionais e braccedilos do Poder revela-se por si soacute aptos a
resolver os cada vez mais complexos problemas constitucionais
Em seguida aborda-se-aacute essa nova vertente do constitucionalismo e as
respectivas relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo que vecircm surgindo como consequecircncia dessa mudanccedila de
paradigma
sem um Estado igualmente forte o que deve ocorrer eacute uma reconceitualizaccedilatildeo da soberania mediante a
limitaccedilatildeo de alguma das suas dimensotildees e fortalecimento de outras (MACHADO 2013)
2 Ver DOBNER Petra LOUGHLIN Martin (ed) The Twilight of ConstitutionalismOxford Oxford
University Press 2009
14
2 Constitucionalismo de cooperaccedilatildeo e seus reflexos na jurisdiccedilatildeo constitucional
Conforme pode ser observado no contexto do constitucionalismo atual
haacute uma mudanccedila de paradigma decorrente do reconhecimento do pluralismo como uma
constante dos novos problemas constitucionais A concretizaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo sobretudo
no que tange a efetividade dos direitos fundamentais natildeo pode mais ser pensada de forma
singular devendo se reconhecer a multiplicidade de atores envolvidos nesse processo
Com esse objetivo eclodem inuacutemeras teorias que buscam legitimar
relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo distanciando-se cada vez mais da tradicional ideia de supremacia
seja no acircmbito interno de um Estado ou no espaccedilo internacional
Com isso emerge um conceito de ldquoconstitucionalismo cooperativordquo3 no
qual se albergam essas diversas teorias fundadas na criaccedilatildeo de mecanismos de cooperaccedilatildeo
entre os Estados e suas ordens juriacutedicas Nesse sentido merece destaque o conceito de
Estado constitucional cooperativo desenvolvido por Peter Haumlrbele (2007) como sendo um
Estado que encontra a sua identidade tambeacutem no Direito Internacional no entrelaccedilamento
das relaccedilotildees internacionais e supranacionais na percepccedilatildeo de cooperaccedilatildeo e
responsabilidade bem como no compromisso com a solidariedade e a paz
Tambeacutem com base nessa ideia de abertura e de cooperaccedilatildeo tem-se a
teoria do transconstitucionalismo desenvolvida pelo brasileiro Marcelo Neves4 e a
interconstitucionalidade do ilustre mestre Canotilho5
Apesar de diferentes em alguns aspectos o que essas duas modernas
teorias possuem em comum eacute justamente a tentativa de conciliaccedilatildeo entre o consitucionalismo
e o pluralismo da sociedade globalizada enfrentando a problemaacutetica do estabelecimento de
relaccedilotildees de acoplamento entre ordens nacionais distintas bem como destas com o direito
comunitaacuterio sem que percam a sua respectiva identidade nacional
Enquanto a interconstitucionalidade enfrenta o problema da articulaccedilatildeo
entre constituiccedilotildees e poderes constituintes com fontes e legitimidades diversas dentro de um
3 Neste trabalho o uso do termo ldquoconstitucionalismo cooperativordquo natildeo se refere a nenhuma teoria ou autor em
especiacutefico mas sim ao conjunto da doutrina constitucional que tem como base a construccedilatildeo de relaccedilotildees de
cooperaccedilatildeo seja entre Estados entre entes estatais entre ordens juriacutedicas e outras
4 Ver NEVES Marcelo Transconstitucionalismo Satildeo Paulo Martins Fontes 2013
5 Ver CANOTILHO JJ Gomes ldquoBrancososrdquo e Interconstitucionalidade Itineraacuterios dos Discursos Sobre
Historicidade Constitucional Coimbra Almedina 2006
15
mesmo espaccedilo poliacutetico de forma a solucionar os conflitos decorrentes da justaposiccedilatildeo
concorrecircncia e divergecircncia entre eles (CANOTILHO 2006) o tranconstitucionalismo trata
da construccedilatildeo de ldquopontes de transiccedilatildeordquo entre ordens juriacutedicas diversas buscando um
crescimento e aprendizado muacutetuo entre elas apontando como requisito indispensaacutevel para
tanto a permanente reconstruccedilatildeo da ldquoidentidade constitucionalrdquo de cada uma a partir do
reconhecimento de alteridade sem que isso signifique uma mera convergecircncia entre elas e
uma consequente negaccedilatildeo de identidade proacutepria mas sim a existecircncia de uma prontidatildeo
para a abertura reciacuteproca natildeo apenas cognitiva mas tambeacutem normativa (NEVES 2009)
A partir desse entendimento a conclusatildeo a que se chega eacute que o Estado
natildeo pode mais ser considerado como o principal locus de soluccedilatildeo de conflitos
constitucionais uma vez que esses ultrapassam o seu acircmbito interno sendo imperativa a
abertura agrave relaccedilotildees interestatais e supranacionais
Os exemplos mais emblemaacuteticos desses modelos de relaccedilotildees
cooperativas desenvolvem-se no acircmbito da Uniatildeo Europeia que ao reconhecer a eficaacutecia
imediata ao direito comunitaacuterio introduz um instrumento normativo supranacional agrave ordem
juriacutedica interna de cada paiacutes membro o qual passa tambeacutem a ser paracircmetro de eventual
controle das leis e das proacuteprias constituiccedilotildees estabelecendo assim uma necessaacuteria
convivecircncia entre diversas ordens juriacutedico-normativas dentro de um mesmo espaccedilo poliacutetico
e submetidas a uma jurisdiccedilatildeo supranacional
O proacuteprio Tratado que institui a Uniatildeo Europeia em seu artigo 2346 ao
determinar a competecircncia do Tribunal de Justiccedila europeu sugere que haja um diaacutelogo
intercortes A estrateacutegia a ser adotada para a consolidaccedilatildeo do novo ordenamento eacute portanto
natildeo a de mera subordinaccedilatildeo da ordem juriacutedica nacional agrave supranacional mas sim do
desenvolvimento de constantes relaccedilotildees paritaacuterias de colaboraccedilatildeo (KOMAacuteREK 2005)
6 ldquoArt 234 O Tribunal de Justiccedila eacute competente para decidir a tiacutetulo prejudicial sobre a) A interpretaccedilatildeo do
presente Tratado b) A validade e a interpretaccedilatildeo dos atos adotados pelas instituiccedilotildees da Comunidade e pelo
BCE c) A interpretaccedilatildeo dos estatutos dos organismos criados por ato do Conselho desde que estes estatutos
o prevejam Sempre que uma questatildeo desta natureza seja suscitada perante qualquer oacutergatildeo jurisdicional de um
dos Estados-Membros esse oacutergatildeo pode se considerar que uma decisatildeo sobre essa questatildeo eacute necessaacuteria ao
julgamento da causa pedir ao Tribunal de Justiccedila que sobre ela se pronuncie Sempre que uma questatildeo desta
natureza seja suscitada em processo pendente perante um oacutergatildeo jurisdicional nacional cujas decisotildees natildeo sejam
susceptiacuteveis de recurso judicial previsto no direito interno esse oacutergatildeo eacute obrigado a submeter a questatildeo ao
Tribunal de Justiccedilardquo
16
A niacutevel europeu parece correto afirmar a opccedilatildeo por uma metoacutedica
fundada na imbricaccedilatildeo de cataacutelogos reveladora ou criadora de standards em contraposiccedilatildeo
a um modelo hierarquizado fundado em uma Groundnorm (TAVARES DA SILVA 2014)
ou seja natildeo haacute a primazia entre os ordenamentos mas sim uma ideia de
complementaridade7
Seguindo essa loacutegica de imbricaccedilatildeo e natildeo de hierarquizaccedilatildeo entre os
cataacutelogos a Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa em seu art8ordm4 ldquoAs disposiccedilotildees dos
tratados que regem a Uniatildeo Europeia e as normas emanadas das suas instituiccedilotildees no
exerciacutecio das respectivas competecircncias satildeo aplicaacuteveis na ordem interna nos termos
definidos pelo direito da Uniatildeo com respeito pelos princiacutepios fundamentais do Estado de
direito democraacuteticordquo e ainda no art16ordm determina de forma expressa que ldquoOs direitos
fundamentais consagrados na Constituiccedilatildeo natildeo excluem quaisquer outros constantes das
leis e das regras aplicaacuteveis de direito internacionalrdquo e que ldquoOs preceitos constitucionais
e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados de
harmonia com a Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos do Homemrdquo 8
Portanto como resultado praacutetico dessas normas tem-se a imposiccedilatildeo
obrigatoacuteria ao oacutergatildeo responsaacutevel pelo exerciacutecio da jurisdiccedilatildeo constitucional da observacircncia
do direito comparado propiciando o exerciacutecio do que alguns estudiosos denominam de
diaacutelogo judicial (judicial dialogue) que se caracteriza nessa relaccedilatildeo de cooperaccedilatildeo
estabelecida entre ordens juriacutedicas distintas quando haacute uma conversa entre diferentes
Tribunais a fim de buscar a melhor soluccedilatildeo para a efetivaccedilatildeo dos direitos fundamentais
muito comum na praacutetica da Uniatildeo Europeia9
Saindo do contexto europeu a Constituiccedilatildeo da Aacutefrica do Sul no seu art
39 prevecirc que na interpretaccedilatildeo do Bill of Rights devem ser consideradas as leis internacionais
7 Nesse sentido de acordo com a doutrina impera no ldquotriacircngulo normativo europeurdquo o princiacutepio do niacutevel mais
elevado de proteccedilatildeo o qual pode ser entendido como resultado de uma abertura normativa (TAVARES DA
SILVA 2014)
8 Nesse sentido Jorge Miranda faz uma anaacutelise mais completa da Constituiccedilatildeo portuguesa e fala em um ldquojus-
universalismordquo Ver MIRANDA Jorge O Estado Constitucional Cooperativo e o Jus-Universalismo da
Constituiccedilatildeo Portuguesa In Cadernos da Escola de Direito e Relaccedilotildees Internacionais da UniBrasil JanDez
2007 pp 7-22) Ver tambeacutem CANOTILHO JJ Gomes MOREIRA Vital Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica
Portuguesa Anotada Volume I Coimbra 2014
9 Ver GOLUB Jonathan Modelling Judicial Dialogue in the European Community The Quantitative Basis
of Preliminary References to the ECJ 1996 ISSN 1028-3625
17
e podem ser consideradas leis estrangeiras bem como que o referido documento natildeo nega a
existecircncia de quaisquer outros direitos ou liberdades que sejam reconhecidos ou conferidos
pela common law costumary law ou legislation 10
A previsatildeo contida na Constituiccedilatildeo da Aacutefrica do Sul eacute especialmente
importante nesse contexto pois natildeo se refere apenas a necessidade de observacircncia e
integraccedilatildeo com as normas internacionais mas faz tambeacutem expressa referecircncia as normas
estrangeiras ou seja oriundas de outros paiacuteses
A ideia que fundamenta o exerciacutecio do direito comparado eacute a da busca
pelo enriquecimento da compreensatildeo do conteuacutedo dos direitos fundamentais por intermeacutedio
do compartilhamento de experiecircncias entre tribunais constitucionais distintos11 ou seja no
desenvolvimento de uma jurisdiccedilatildeo constitucional que natildeo se afigure monopolista mas sim
colaborativa
Bobeck (2013) ensina que essa praacutetica pode ser vista como uma forma
de auto-controle dos proacuteprios tribunais que percebem que natildeo podem decidir sozinhos e
buscam no meacutetodo do direito comparado ou no uso de precedentes estrangeiros uma maior
fundamentaccedilatildeo as suas decisotildees
Zagrebelsky (2007) denomina esse fenocircmeno de ldquocosmopolistimo
judicialrdquo o qual consiste justamente na consideraccedilatildeo pelo Judiciaacuterio nacional de documentos
juriacutedicos externos de decisotildees oriundas de outras cortes sejam elas de hierarquia superior
como tribunais internacionais de proteccedilatildeo dos direitos humanos ou ateacute mesmo de outras
cortes constitucionais estrangeiras12
10 ldquo39 Interpretation of Bill of Rights (1) When interpreting the Bill of Rights a court tribunal or forum ndash (a)
must promote the values that underlie an open and democratic society based o human dignity equality and
freedom (b) must consider international law (c) may consider foreing law (2) When interpreting any
legislation and when developing the common law or costumary law every court tribunal or forum must
promote the spirit purport and objects of the Bill of Rights (3) The Bill of Rights does not deny the existence
of any other rights or freedoms that are recognised or conferred by common law customary law or legislation
to the extent that they are consistent with the Bill
11 Nesse sentido Tushnet (2009) ao falar sobre a importacircncia do estudo do direito constitucional comparado
ldquostudiyng comparative constitucional law might improve our ability to make domestic constitucional lawrdquo Ver
ainda HIRSCHL Ran Comparative matters the renaissance of comparative constitutional law Oxford
Oxford University Press 2014 e JACKSON Vicky Comparative Constitucional Law Nova York Foundation
Press 1999 12 Eacute importante destacar que apesar da forma positiva em que se estaacute abordando o cosmopolitismo judicial e o
uso do direito comparado ambos satildeo alvos de criacuteticas pela doutrina Tavares da Silva (2014) destaca que ldquoo
recurso ao direito constitucional comparado por um tribunal constitucional natildeo deve servir um objetivo de
universalizaccedilatildeo de valores mas antes o aprofundamento das soluccedilotildees de inclusividade no contexto
18
Esse fenocircmeno tambeacutem encontra eco em outros lugares do Globo
apesar de em menor escala que no continente europeu A Constituiccedilatildeo Federal Brasileira agrave
semelhanccedila da Portuguesa no sect2ordm do artigo 5ordm adota uma claacuteusula aberta de direitos
fundamentais prevendo expressamente a observacircncia das normas internacionais nessa
mateacuteria
Conclui-se portanto que hoje as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo dentro do
constitucionalismo e no exerciacutecio da jurisdiccedilatildeo constitucional eacute uma realidade concreta e
global A partir disso teve iniacutecio o desenvolvimento de uma noccedilatildeo de diaacutelogo seja ele
judicial ou institucional
Esse eacute um fenocircmeno que natildeo ocorre apenas no acircmbito externo ao
Estado restrito as relaccedilotildees internacionais mas tambeacutem encontra reflexos na estrutura interna
de organizaccedilatildeo do Poder estatal no desenho institucional de cada paiacutes
A ideia de cooperaccedilatildeo e diaacutelogo transporta-se assim tambeacutem para o
acircmbito interno da jurisdiccedilatildeo constitucional dos paiacuteses surgindo um conceito de diaacutelogo
institucional o qual percebe-se deste trabalho
Percebe-se entatildeo que os novos desafios impostos ao
constitucionalismo do seacuteculo XXI tecircm influenciado no desenho institucional da jurisdiccedilatildeo
constitucional adotado por diversos paiacuteses contribuindo sobremaneira para o
desenvolvimento de novos modelos fundados nessa loacutegica da cooperaccedilatildeo superando a
tradicional ideia de uma jurisdiccedilatildeo pautada na supremacia judicial conforme seraacute analisado
intercultural ateacute onde essa inclusividade se revelar possiacutevel ou seja ateacute onde natildeo redunde em uma
neutralizaccedilatildeo do elemento cultural que daacute substacircncia material ao projecto social concreto que aquele oacutergatildeo
judicial tem como missatildeo garantirrdquo
19
3 O tradicional modelo de judicial review e a supremacia judicial
Afirmar que a Constituiccedilatildeo eacute um documento juriacutedico-poliacutetico dotado de
normatividade e superioridade dentro do ordenamento juriacutedico parece algo oacutebvio todavia
essa premissa nem sempre foi verdadeira mas sim resultado de um processo histoacuterico13
Na Ameacuterica do Norte desde o iniacutecio do seu movimento constitucional14
o caraacuteter juriacutedico-normativo da constituiccedilatildeo foi reconhecido o que acabou favorecendo a
um desenvolvimento mais raacutepido da jurisdiccedilatildeo constitucional15 ante a necessidade de
submeter o poder legislativo a limites precisamente soacutelidos16
O tradicional modelo do judicial review americano se formou no
silecircncio dos textos tomando corpo lentamente em um primeiro periacuteodo que foi ateacute 1789
(ano em que se funda o Tribunal Supremo Federal) o mesmo consistia em mera praacutetica
judicial dentro do common law em um segundo periacuteodo que vai de 1789 a 1861
impulsionado pela construccedilatildeo do Estado Federal e pelos conflitos em torno da natureza da
Uniatildeo criado pela Constituiccedilatildeo de 1787 em um terceiro periacuteodo iniciado em 1865 ateacute os
trinta primeiros anos do seacuteculo XX quando se estabeleceu como um sistema de revisatildeo
frente a todas as leis inclusive leis federais em consequecircncia do crescimento do capitalismo
das transformaccedilotildees ocasionadas pelo federalismo e pela necessidade de redefinir as relaccedilotildees
entre o Estado com a nova ordem industrial e em um quarto periacuteodo de 1954 a 1986 quando
se expandiu em resposta aos novos desafios impostos pela busca de justiccedila social igualdade
e liberdade (ACOSTA SAacuteNCHEZ 1998)
13 Nesse sentido Canotilho (2003) nos ensina que a Constituiccedilatildeo eacute o conjunto de regras (escritas ou
consuetudinaacuterias) e de estruturas institucionais conformadoras de uma dada ordem juriacutedico-poliacutetica em um
determinado sistema poliacutetico-social Entre o constitucionalismo antigo e o constitucionalismo moderno vatildeo se
desenvolvendo perspectivas poliacuteticas religiosas e juriacutedico-filosoacuteficas sem o conhecimento das quais natildeo eacute
possiacutevel compreender o proacuteprio fenocircmeno da modernidade constitucional
14 A expressatildeo ldquomovimento constitucionalrdquo eacute utilizada no sentido empregado por Canotilho como um
movimento gerador da constituiccedilatildeo (CANOTILHO 2003)
15 Para uma maior e mais detalhada compreensatildeo do movimento constitucional norte-americano ver Griffin
Stephen American Constitutionalism From the theory to the politics 1998
16 Nesse sentido ver Blaco Valdeacutes Roberto L La configuracioacuten del concepto de Constituicioacuten en las
experieacutencias revolucionarias francesas e norte-americana In Perspectivas Constitucionais Nos 20 anos da
Constituiccedilatildeo de 1976 (org Jorge Miranda) Vol III Coimbra 1998 p11
20
Para muitos a efetiva consagraccedilatildeo desse modelo ocorreu no ano de
1803 com o julgamento do famoso caso Marbury v Madison17 quando houve a formal
proclamaccedilatildeo da superioridade das normas constitucionais frente a qualquer outra lei
formulada pelo Parlamento bem como da autoridade dos Tribunais para invalidaccedilatildeo das leis
consideradas inconstitucionais
A par das questotildees poliacuteticas envolvidas nesse julgamento o fato eacute que
ele se tornou o marco da consolidaccedilatildeo da supremacia18 da Suprema Corte americana que
passou a ser entatildeo formalmente reconhecida como a detentora da uacuteltima palavra dentro do
processo de interpretaccedilatildeo constitucional19
Ateacute meados do seacuteculo XX a ideia que prevalecia na maioria dos paiacuteses
com a exececcedilatildeo dos Estados Unidos20 era a de que as constituiccedilotildees eram proclamaccedilotildees
poliacuteticas importantes mas natildeo possuiacuteam status de normas juriacutedicas As prescriccedilotildees
constitucionais natildeo podiam ser aplicadas diretamente pelos juiacutezes nem geravam direitos
subjetivos para os cidadatildeos
Havia principalmente nos paiacuteses da Europa cidental uma crenccedila na
legitimidade do Parlamento para a criaccedilatildeo do Direito natildeo existindo razatildeo para submeter as
leis por ele criadas agrave nenhuma espeacutecie de revisatildeo judicial O controle que existia era um
controle poliacutetico feito pelo proacuteprio legislativo21
17 Para uma visatildeo criacutetica e maiores detalhes sobre o famoso julgamento Marbury v Madison ver Acosta
Sancheacutez Joseacute Formacioacuten de la Constituicioacuten y Jurisdiccioacuten Constitucional Fundamentos de la Democracia
Constitucional Madri Tecnos 1998 pp 115 e Urbano Maria Benedita Curso de Justiccedila Constitucional
Evoluccedilatildeo Histoacuterica e Modelos de Controlo da Constitucionalidade Almedina 2012 pp 28 a 36
18 Neste trabalho quando fala-se em supremacia refere-se agrave siacutentese de Ward (2007) segundo a qual supremacia
judicial define o status que os precedentes merecem quando desafiados pela atuaccedilatildeo superveniente do
legislativo
19 Griffin (2003) em importante estudo revela que o judicial review americano nem sempre esteve associado agrave
ideia de supremacia judicial tendo sido este elemento incorporado ao modelo posteriormente Nesse sentido
destaca ldquoAs has so often been noted Marshall never claimed supremacy for the Court in Marbury The
opinion ends after all with Marshall saying that courts hace an equal right to the other departament in
interpreting the Constitution The Court committed itself explicity to judicial supremacy only relatively
recently In Cooper v Aaron for example the Court stated that the ldquofederal judiciary is supreme in the
exposition of the law of the Constitutionrdquo
20 Miranda (2007) destaca que diferente da Franccedila e dos paiacuteses europeus durante o seacuteculo XIX os Estados
Unidos vivem quase desde a sua formaccedilatildeo sob o princiacutepio da constitucionalidade isto eacute de que as leis e os
outros atos do Estado devem ser conformes agrave Constituiccedilatildeo e natildeo devem ser aplicados pelos tribunais no caso
de serem desconformes
21 ldquoO controle da conformidade das leis com a constituiccedilatildeo comeccedilou por ser do tipo poliacutetico Aacute medida que o
valor de lei suprema das constituiccedilotildees se ia impondo os parlamentos iam-se sentido cada vez mais pressionados
para permitir que as suas leis fossem objeto de fiscalizaccedilatildeo Numa primeira fase admitiram o controlo da
21
Portanto durante muito tempo na maioria dos paiacuteses europeus em
funccedilatildeo da constituiccedilatildeo ser vista como mero instrumento poliacutetico desprovido de
normatividade cabia ao Parlamento a regulamentaccedilatildeo das relaccedilotildees entre individuo e Estado
usufruindo entatildeo de um papel de legislador soberano eis que seus atos natildeo estavam
subordinados a nenhum controle judicial cabendo ao Poder Judiciaacuterio apenas a mera
aplicaccedilatildeo das leis
O reconhecimento da constituiccedilatildeo como norma juriacutedica soacute ocorreu no
constitucionalismo do poacutes-45 com o fim da segunda guerra mundial quando foram
incorporados no texto constitucional direitos fundamentais e princiacutepios relevantes de
moralidade poliacutetica
Com isso a partir da metade do seacuteculo XX a maioria das novas
constituiccedilotildees passaram a prever mecanismos de jurisdiccedilatildeo constitucional ou procuram
fortalecer ou ampliar os jaacute existentes A maior parte dos paiacuteses que reestruturam suas ordens
juriacutedicas desde entatildeo seja apoacutes libertar-se do jugo de antigas colocircnias seja depois da
superaccedilatildeo de ditaduras internas optaram pela introduccedilatildeo ou ampliaccedilatildeo de instrumentos de
controle de constitucionalidade nos seus textos magnos (SARMENTO 2006)
Ou seja o desenvolvimento do constitucionalismo e o reconhecimento
da constituiccedilatildeo como norma juriacutedica suprema do Estado criaram a necessidade de um
controle das normas infraconstitucionais
Nesse contexto desenvolveram-se inicialmente dois modelos de
controle de constitucionalidade distintos que foram se espalhando pelos diversos paiacuteses ao
longo dos anos que se seguiram O modelo decorrente do sistema americano ficou conhecido
como controle difuso tendo como principal caracteriacutestica o fato de todos os tribunais e juiacutezes
poderem declarar dentro de um caso concreto a inconstitucionalidade de uma lei
infraconstitucional
constitucionalidade das leis mas seriam eles os responsaacuteveis por um tal controlo Era pois um controlo
poliacutetico exercido por um oacutergatildeo poliacutetico o parlamento () Seja como for facilmente se constata que o controle
poliacutetico tende a ser pouco efetivo e eficaz No caso especiacutefico do controlo atribuiacutedo ao parlamento pode
afirmar-se sem grande margem de erro que os parlamentares eram ldquojuiacutezes em causa proacutepriardquo (no fundo era
um autocontrolo) Por este motivo o controlo das normas acabaria por ser atribuiacutedo aos tribunais tornando-se
um controlo judicialrdquo (URBANO 2012 p17)
22
Em oposiccedilatildeo a esse modelo Kelsen desenvolveu uma visatildeo alternativa
de controle de constitucionalidade para os sistemas europeus que ficou conhecido como
controle concentrado de constitucionalidade ou modelo austriacuteaco Nesse tipo de controle a
proteccedilatildeo da Constituiccedilatildeo previa a instituiccedilatildeo de um controle abstrato das atividades do
legislador confiado a um uacutenico oacutergatildeo separado dos tribunais ordinaacuterios - o Tribunal
Constitucional Ao juiacutez constitucional cabia manter ou anular o ato normativo do legislador
consoante o considerasse conforme ou desconforme a constituiccedilatildeo (URBANO 2012)
Jaacute nas uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XX a jurisdiccedilatildeo constitucional foi se
tornando uma realidade quase universal passando a existir em paiacuteses de todos os
continentes Tanto o modelo norte-americano como o modelo austriacuteaco serviram de
inspiraccedilatildeo para a implementaccedilatildeo do controle de constitucionalidade das leis e surgimento de
modelos mistos
Alguns paiacuteses como o Brasil por exemplo desenvolveram sistemas
mistos onde estatildeo presentes caracteriacutesticas de ambos os modelos tanto o austriacuteaco como o
americano ou seja haacute tanto o controle de constitucionalidade difuso quanto o concentrado22
Jaacute nos paiacuteses do continente europeu o modelo mais disseminado foi o modelo Austriacuteaco o
que impulsionou a criaccedilatildeo de diversos Tribunais Constitucionais em paiacuteses como Espanha
Itaacutelia e Portugal23
Assim na grande maioria dos paiacuteses desenvolveu-se um sistema de
jurisdiccedilatildeo constitucional aliado agrave ideia de supremacia judicial no qual o Poder Judiciaacuterio eacute
quem profere a uacuteltima palavra no tocante a interpretaccedilatildeo constitucional Na Europa em
especial a supremacia judicial foi se tornando uma realidade cada vez mais forte sendo o
ativismo judicial um dos responsaacuteveis pelo fortalecimento e desenvolvimento da estrutura
judiciaacuteria que se tem hoje na maioria dos paiacuteses
Diante de tudo isso pode-se afirmar que uma das caracteriacutesticas mais
evidentes no constitucionalismo contemporacircneo eacute a ascensatildeo institucional do Poder
Judiciaacuterio ultrapassando a originaacuteria ideia de legislador negativo tradicionalmente
22 Para maiores detalhes sobre o controle de constitucionalidade brasileiro ver BARROSO Luiacutes Roberto O
Controle de constitucionalidade no direito brasileiro Exposiccedilatildeo sistemaacutetica da doutrina e anaacutelise criacutetica da
jurisprudecircncia Satildeo Paulo Editora Saraiva 2004
23 Para maiores detalhes sobre o controle de constitucionalidade Portuguecircs ver Canotilho 2008 capiacutetulo 2
23
concebida por Kelsen dando margem ao surgimento de alguns fenocircmenos que seratildeo
tratados no toacutepico a seguir
4 Jurisdiccedilatildeo constitucional e democracia um antigo debate
A controveacutersia acerca da natureza da atividade fiscalizatoacuteria exercida
pelas Cortes Constitucionais decorre do possiacutevel conflito entre duas distintas legitimaccedilotildees
a dita legitimaccedilatildeo democraacutetica tipicamente atribuiacuteda ao legislador e a legitimaccedilatildeo
jurisdicional para a defesa do ordenamento juriacutedico constitucional atribuiacuteda ao Juiacutezo
constitucional Discute-se sobretudo o porquecirc da consignaccedilatildeo ao Judiciaacuterio de tal atribuiccedilatildeo
fiscalizatoacuteria bem assim quais seriam os objetos e limites do controle jurisdicional
(PONTES 2001 p 65)24
Os contornos desse debate estatildeo intimamente ligados a noccedilatildeo de
democracia exercendo o seu conceito direta influecircncia nos argumentos de defesa de um ou
de outro Poder Em apertada siacutentese pode-se mencionar que aqueles que defendem a
atribuiccedilatildeo do Poder ao Judiciaacuterio para realizar o controle de constitucionalidade das leis
fundamentam-se na regra contramajoritaacuteria ou seja na necessidade de uma oposiccedilatildeo a regra
da maioria representada pelo Legislativo principalmente para defender e proteger os direitos
e garantias de minorias sem tanta representatividade na busca por uma democracia
substancial25
Em contrapartida existem aqueles que denfendem uma outra noccedilatildeo de
democracia fundada justamente nos argumentos de maioria e de representatividade razatildeo
pela qual entendem pela iligitimidade dos juiacutezes membros natildeo eleitos pelo povo para
derrubar atos legislativos
Apesar da discussatildeo sobre a legitimidade democraacutetica da jurisdiccedilatildeo
constitucional ser um debate antigo natildeo se pode - sob nenhuma hipoacutetese - considera-lo como
24 Sobre o tradicional debate acerca da legitimidade da jurisdiccedilatildeo constitucional ver GARAPON Antonie O
juiz e a democracia o guardiatildeo das promessas Rio de Janeiro Renavn 2009 Linares Sebastiaacuten La
(i)legitimidad democraacutetica del control judicial de las leyes Madrid Marcial Pons MOREIRA Vital Princiacutepio
da Maioria e princiacutepio da constitucionalidade legitimidade e limites da justiccedila constitucional in Coloacutequio no
10ordm Aniversaacuterio do Tribunal Constitucional Lisboa 1993 pp 167-175
25 Sobre a regra contramajoritaacuteria ver BICKEL Alexander The last dangerous branch the Supreme Court at
the bar of politics New Haven Yale University 1986 e WHITE G Edward History and the Constitution
Durham Carolina Academic Press 2007
24
algo superado sobretudo porque na atualidade os argumentos insertos na questatildeo estatildeo
cada vez mais sofisticados e possibilitam uma discussatildeo aleacutem do tradicional binocircmio
Judiciaacuterio x Legislativo no tocante a detenccedilatildeo da uacuteltima palavra em mateacuteria constitucional
Nas uacuteltimas deacutecadas vivencia-se uma expansatildeo do tradicional modelo
do judicial review americano pelo Globo e consequentemente um reforccedilo e um alargamento
do Poder Judiciaacuterio razatildeo pela qual muitos paiacuteses hoje adotam modelos fundados em uma
supremacia judicial na qual os juiacutezes satildeo os responsaacuteveis por emitir a palavra final na
resoluccedilatildeo de conflitos constitucionais
A referida expansatildeo propiciou o desenvolvimento de fenocircmenos como
a judicializaccedilatildeo de questotildees poliacuteticas e o ativismo judicial os quais satildeo atualmente
considerados por alguns como uma ameaccedila ao princiacutepio democraacutetico a separaccedilatildeo de poderes
e ateacute mesmo a efetividade de direitos fundamentais Diante disso acabam por vir
novamente agrave tona antigos questionamentos relativos agrave legitimidade democraacutetica da
jurisdiccedilatildeo constitucional
A judicializaccedilatildeo da Poliacutetica aqui entendida como a dependecircncia de
Tribunais e dos meios judiciais para abordarsolucionar impasses morais fundamentais
questotildees de poliacuteticas puacuteblicas e controveacutersias poliacuteticas eacute um fenocircmeno mundial Embora
muitas questotildees de poliacuteticas puacuteblicas ainda permaneccedilam aleacutem do alcance do Judiciaacuterio eacute
fato incontestaacutevel que tem havido uma deferecircncia das outras esferas do Poder no sentido de
acolher a intrusatildeo do mesmo em suas prerrogativas o que acaba por acelerar o processo de
judicializaccedilatildeo das agendas poliacuteticas (HIRSCHL 2008)26
26 Hirschl faz importante observaccedilatildeo sobre um niacutevel diferente de judicializaccedilatildeo o qual denomina de
judicializaccedilatildeo da acutemega-poliacuteticaacute a qual seria mais impactante e consequentemente mais preocupante De
acordo com o autor ldquoToday not a single week passes without a national high court somewhere in the world
releasing a major judgment pertaining to the scope of constitutional rights or the limits on legislative or
executive powers The most common are cases dealing with procedrual justice and criminal lsquodue processrsquo
rights Aggregate data suggest that approximately two-thirds of all constitutional rights cases in the lsquoworld of
new constitutinalismrsquo deal with that type of rights Also common are rulings involving classic civil liberties
the right to privacy and formal equality This ever-expanding body of civil liberties jurisprudence has
expanded and fortified the boundaries of the constitutionally protected private sphere (often perceived as
threatened by the long arm of the state and its regulatory laws) and hastransformed numerous policy areas
involving individual freedoms In recent years we have seen the emergence of another level of judicialized
politics reliance on courts and judges for dealing with what we might call lsquomega-politicsrsquo ndash core political
controversies that define the boundaries of the collective or cut through the heart of entire nations This level
of judicialization includes several subcategories judicial scrutiny of executive-branch prerogatives in the
realms of macroeconomic planning or national security (ie the demise of what constitutional theorists call
the lsquopolitical questionrsquo doctrine) judicialization of electoral processes judicial corroboration of regime
transformation fundamental restorative-justice dilemmas and above all the judicialization of formative
25
Com o reconhecimento internacional da importacircncia da proteccedilatildeo dos
direitos fundamentais e o consequente entendimento de que a enunciaccedilatildeo desses direitos na
Carta Magna determina por si soacute um direito subjetivo em favor dos cidadatildeos o Estado
passou a ser responsaacutevel pela realizaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas que visem agrave sua efetividade
natildeo mais sendo suficiente apenas que natildeo os viole mas tambeacutem que aja de forma a propiciar
a sua eficaacutecia
Assim o Judiciaacuterio passou a ser visto como o principal centro de
discussatildeo sobre a efetividade desses direitos principalmente pela sociedade que encontrou
nas demandas judiciais um meio de coagir o Estado a dar cumprimento e efetividade aos
direitos constitucionalmente assegurados O progressivo aumento dessas demandas fez com
que fosse possiacutevel uma realizaccedilatildeo do controle judicial das poliacuteticas puacuteblicas estatais
favorecendo a judicializaccedilatildeo de temas que antes eram reservados ao campo da poliacutetica27
Esse cenaacuterio tambeacutem propiciou a ocorrecircncia de outro fenocircmeno
designado como ativismo judicial ou governo de juiacutezes28 que a par da sua difiacutecil e
heterogecircnea conceituaccedilatildeo deve aqui ser entendido como a excessiva atividade criativa do
juiz constitucional29
Tanto a judicializaccedilatildeo de questotildees poliacuteticas como o ativismo judicial
podem ser identificados como patologias dentro do sistema da jurisidiccedilatildeo constitucional sob
o ponto de vista do princiacutepio da separaccedilatildeo de poderes (TAVARES DA SILVA 2014) eis
que ocasionam um excesso de autonomia e poder ao Judiciaacuterio em detrimento dos demais
poderes facilitando inclusive a usurpaccedilatildeo de competecircncias
collective identity nation-building processes and struggles over the very definition or raison decirctre of the polity
as such ndash arguably the most troubling type of judicialization from a participatory democracy stanpoint These
emerging areas of judicialized politics expand the boundaries of national high-court involvement in the
political sphere beyond any previous limitrdquo
27 Esse eacute um tema muito discutido no Brasil onde haacute um grande nuacutemero de demandas judiciais - individuais e
coletivas - que questionam a efetividade de direitos fundamentais como o direito agrave sauacutede agrave educaccedilatildeo etc Sobre
o assunto ver VALLE Vanice Regina Liacuterio do Judicializaccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas no Brasil Ateacute onde
podem nos levar as asas de Iacutecaro In Themis Revista de Direito da Universidade Nova de Lisboa ano XI
nordm 2021 2011
28 A criaccedilatildeo dessas expressotildees eacute respectivamente atribuiacuteda agrave Arthur Schlesinger Jr e Walter Clark
29 Sobre o ativismo judicial ver URBANO 2012 p 87- 101
26
Somado a esses fenocircmenos outro importante componente que ajudou
a reacender o debate30 foi a recente transposiccedilatildeo do modelo americano do judicial review
fundado na supremacia judicial para paiacuteses da Commonwealth tradicionalmente centrados
em um modelo de soberania parlamentar a qual seraacute melhor abordada no toacutepico a seguir
Diante das evidentes dificuldades de harmonizaccedilatildeo do modelo de
revisatildeo judicial das leis para paiacuteses onde ateacute entatildeo o Parlamento era soberano expoentes
doutrinadores como Ronald Dworkin e Jeremy Waldron voltaram sua atenccedilatildeo para a anaacutelise
das vantagens e desvantagens da realizaccedilatildeo de um controle judicial dos atos do Parlamento
e da sua legitimidade democraacutetica
Dworkin (2006) postula uma ldquoconcepccedilatildeo constitucional de
democraciardquo31 segundo a qual o regime democraacutetico demanda a tomada decisotildees coletivas
por instituiccedilotildees que tratem de forma isonocircmica todos os cidadatildeos fato que nem nem sempre
iraacute ocorrer em procedimentos majoritaacuterios Assim o Autor defende que o primordial para a
legitimidade democraacutetica de uma decisatildeo eacute o seu conteuacutedo substantivo e natildeo propriamente
o procedimento em si realizado para a sua elabraccedilatildeo
Sendo assim alega a legitimidade democraacutetica do controle de
constitucionalidade das leis realizada pelo Poder Judiciaacuterio eis que esta seria no seu
entender a instacircncia do Poder mais apta a fornecer a ldquoresposta certardquo sobre direitos
fundamentais (DWORKIN 2001)
30 Necessaacuterio esclarecer que o controle de constitucionalidade sempre foi alvo de desconfianccedila sob o ponto de
vista da teoria democraacutetica durante muitos anos importantes estudiosos concentraram esforccedilos tentando buscar
uma justificativa capaz de legitimaacute-lo como o famoso debate entre Hans Kelsen e Carl Schmitt Todavia o
debate de hoje o qual interessa para o presente trabalho se funda em argumentos mais complexos por razotildees
didaacuteticas natildeo iremos retomar ao debate mais antigo
31ldquoSe rejeitamos a premissa majoritaacuteria precisaremos de uma explicaccedilatildeo diferente e melhor do valor e da
finalidade da democracia Vou defender agora uma explicaccedilatildeo ndash que chamo de concepccedilatildeo constitucional da
democracia ndash que efetivamente rejeita a premissa majoritaacuteria Segundo essa explicaccedilatildeo o fato de as decisotildees
coletivas serem sempre ou normalmente as decisotildees que a maioria dos cidadatildeos e tomariam se fossem
plenamente informados e racionais natildeo eacute nem uma meta nem uma definiccedilatildeo de democracia O objetivo que
define a democracia tem de ser diferente que as decisotildees coletivas sejam tomadas por instituiccedilotildees poliacuteticas
cuja estrutura composiccedilatildeo e modo de operaccedilatildeo dediquem a todos os membros da comunidade enquanto
indiviacuteduos a mesma consideraccedilatildeo e o mesmo respeito () a concepccedilatildeo constitucional requer esses
procedimentos majoritaacuterios em virtude de uma preocupaccedilatildeo com a igualdade dos cidadatildeos e natildeo por causa de
um compromisso com as metas da soberania da maioria Por isso natildeo opotildee objeccedilatildeo alguma ao emprego deste
ou daquele procedimento natildeo majoritaacuterio em ocasiotildees especiais nas quais tal procedimento poderia proteger
ou promover a igualdade que segunda essa concepccedilatildeo eacute a proacutepria essecircncia da democracia e natildeo aceita que
essas exceccedilotildees sejam causa de arrependimento moralrdquo (DWORKIN Ronald O Direito da Liberdade Satildeo
Paulo Martins Fontes 2006 p 26)
27
Em contrapartida Waldron (1999) sustenta que a legitimidade
democraacutetica de uma decisatildeo coletiva natildeo pode ser julgada a partir dos seus resultados como
propotildee Dworkin mas sim pelo caraacuteter democraacutetico do procedimento de tomada da decisatildeo
Partindo do princiacutepio da existecircncia de um grande dissenso acerca dos direitos fundamentais
dentro da sociedade entende que natildeo eacute legiacutetimo que predomine como correta entre as
diversas visotildees existentes aquela enunciada pelo Judiciaacuterio
Segundo o Autor o tradicional modelo do judicial review aliado agrave
supremacia do Judiciaacuterio natildeo eacute o meio mais adequado para a tomada de decisatildeo final em
uma sociedade livre e democraacutetica Apesar de criticar severamente essa praacutetica natildeo ignora
a sua existecircncia na maioria dos paiacuteses e faz uma distinccedilatildeo entre os diversos sistemas
classificando-os em sistemas fortes intermediaacuterios e fracos de acordo com a quantidade de
poder que eacute atribuiacutedo ao Judiciaacuterio (WALDRON 2014)
Neste sentido eacute importante a distinccedilatildeo que propotildee entre judicial review
e supremacia judicial O primeiro conceitua como uma forma de controle judicial das leis
que na sua melhor concretizaccedilatildeo praacutetica pode operar como um poder modesto de restriccedilatildeo
jaacute a supremacia judicial como a ideia de que os juiacutezes satildeo supremos e ateacute soberanos na
poliacutetica estando todos os outros poderes poliacuteticos a eles subordinados (WALDRON 2014
p 5)
Esclarece por exemplo que nos Estados Unidos haacute uma supremacia
judicial natildeo necessariamente pela adoccedilatildeo de um modelo forte de revisatildeo judicial mas sim
pela forma que este vem sendo exercido pela Suprema Corte Americana (WALDRON
2014 p 11)
O raciociacutenio desenvolvido por Wladron eacute importante principalmente
para demonstrar que natildeo deve haver uma vinculaccedilatildeo necessaacuteria entre judicial review e
supremacia judicial Ou seja para o autor a supremacia judicial e seus efeitos negativos pode
e deve ser combatida sem que para isso tenha-se que abolir a praacutetica da revisatildeo judicial das
leis a qual pode ateacute ser considerada como uma praacutetica boa e necesaacuteria
Com base nesse raciociacutenio atualmente o tradicional modelo de judicial
review aliado a supremacia do Poder Judiciaacuterio tem sido um dos maiores alvos de criacuteticas da
teoria constitucional natildeo apenas sob a oacutetica da legitimidade democraacutetica mas tambeacutem pelo
seu resultado no que tange a verdadeira efetivaccedilatildeo dos direitos fundamentais
28
O excesso de poder concedido ao Judiciaacuterio passou entatildeo a ser visto
com maus olhos em razatildeo de fenocircmenos como o ativismo judicial e a judicializaccedilatildeo poliacutetica
levando a doutrina a uma busca incessante por formas de combate a essas patologias
Em face disso alguns Estados de tradiccedilatildeo parlamentar cientes dessa
realidade negativa vivenciada nos demais paiacuteses poreacutem convencidos da necessidade de
implementaccedilatildeo de um sistema de revisatildeo judicial das leis para uma maior efetivaccedilatildeo dos
direitos fundamentais buscaram desenvolver modelos alternativos aos ateacute entatildeo existentes
Uma das propostas desses novos modelos eacute superar o problema da
legitimidade democraacutetica do judicial review mediante a promoccedilatildeo de um reequiliacutebrio entre
o Legislativo e Judiciaacuterio conforme se leraacute nas proacuteximas paacuteginas
5 A implementaccedilatildeo do judicial review nos paiacuteses da commonwealth e o
surgimento de uma nova alternativa ao binocircmio judiciaacuterio v Legislativo ndash weak
form of judicial review
A evoluccedilatildeo do judicial review na medida em que os Estados foram se
confrontando em pleno seacuteculo XX com o problema da escolha de mecanismos de controle
de constitucionalidade para os seus sistemas normativos procurando ajustar os modelos jaacute
existentes agraves suas realidades permitiu o desenvolvimento de diversos novos modelos
(TAVARES DA SILVA 2014)
Entre 1982 e 1998 paiacuteses como Canadaacute Nova Zelacircndia e Reino Unido
que ateacute entatildeo viviam sob a eacutegide de um sistema pautado na supremacia do Parlamento ao
adotarem um Bill of Rigths instituiacuteram um modelo de revisatildeo judicial a partir do tradicional
modelo americano poreacutem tentando uma nova forma de equiliacutebrio entre os poderes ateacute entatildeo
inexistente
Esse modelo foi denominado por Tushnet como weak form of judicial
review em oposiccedilatildeo ao modelo americano que constitui um strong form of judicial review
no qual a interpretaccedilatildeo constitucional efetuada pela Suprema Corte eacute praticamente
irreversiacutevel e inalteraacutevel por maiorias legislativas ordinaacuterias (TUSHNET 2009 p 33)
O novo modelo traduz-se basicamente em uma forma de controle de
constitucionalidade onde existem mecanismos de respostas da populaccedilatildeo agravequelas decisotildees
29
que lhes parecem erradas visando com isso diminuir a tensatildeo natural relativa a legitimidade
democraacutetica do judicial review
Nele a interpretaccedilatildeo judicial das provisotildees constitucionais pode ser
revisada pelo legislativo em um prazo relativamente curto usando uma regra de decisatildeo natildeo
muito diferente da que eacute usada no processo legislativo cotidiano (TUSHNET 2009) Com
isso tem-se um modelo que dissocia a jurisdiccedilatildeo constitucional da supremacia judicial
permitindo tambeacutem ao Legislativo o pronunciamento
Gardbaum (2013) identifica que este modelo foi feito sob a exata
medida para permitir uma maior proteccedilatildeo juriacutedica aos direitos dentro de paiacuteses com culturas
poliacuteticas nas quais haacute um apego substancial agrave soberania parlamentar como provedora de uma
longa e em grande parte bem sucedida tradiccedilatildeo constitucional democraacutetica32
Em siacutentese o novo modelo de jurisdiccedilatildeo constitucional adotado pelos
paiacuteses da Commonwealth adveacutem entatildeo da busca pela conciliaccedilatildeo entre a necessidade de
proteccedilatildeo dos novos direitos fundamentais e a tradiccedilatildeo da supremacia parlamentar o que
certamente natildeo haacute no tradicional modelo norte-americano
Cada um dos paiacuteses adeptos desse modelo buscou em suas
especificidades adotar mecanismos que prometiam a possibilidade de um exerciacutecio da
jurisdiccedilatildeo constitucional pautado no equiliacutebrio institucional sugerindo uma
responsabilidade conjunta pela decisatildeo final aleacutem de permitir o exerciacutecio de um diaacutelogo
deliberativo entre o Judiciaacuterio e o Legislativo no tocante a aplicaccedilatildeo e proteccedilatildeo dos direitos
fundamentais (GARDBAUM 2013) 33
Na praacutetica pode-se dizer que o marco inicial do denominado sistema
brando de constitucionalidade se deu com o advento da Carta Canadense de 198234 a qual
32 ldquoMost importantly while granting courts the power to enforce fundamental rights it decouples judicial
review from judicial supremacy by empowering legislatures to have the final word This new model was
custom-built to permit greater legal protection of rights within political cultures in which there is substantial
attachment to parliamentary sovereignty as having provided a long and largely successful tradition of
constitutionalist democracyrdquo (GARDBAUM 2013 p 760)
33 Sobre a evoluccedilatildeo do constitucionalismo nos paiacuteses da Commonwealth ver tambeacutem ZINES Leslie
Constitutional change in the Commonwealth Cambridge Cambridge University Press 1991 34 Constitution Act 1982 Disponiacutevel em lthttplaws-loisjusticegccaengConstindexhtmlgt
30
traz na sua Seccedilatildeo 3335 a previsatildeo da notwithstanding clause o que permite ao Legislativo
determinar a aplicaccedilatildeo de um diploma normativo expressamente reconhecido pelo Judiciaacuterio
como inconstitucional e na Seccedilatildeo 136 com a previsatildeo da possibilidade do Legislador reeditar
uma norma que configure e limite direito consagrado nas seccedilotildees 2 e de 7 a 15 e que jaacute tenha
sido objeto de reprovaccedilatildeo pelo Judiciaacuterio desde que fundada em justificativa razoaacutevel
A despeito das criacuteticas dirigidas a esses mecanismos as quais seratildeo
abordadas ao longo do presente trabalho a experiecircncia Canadense chamou a atenccedilatildeo de
diversos doutrinadores por todo o mundo bem como inspirou outros paiacuteses de tradiccedilatildeo
parlamentar a adotar esse novo modelo de jurisdiccedilatildeo constitucional
O Reino Unido por exemplo com a aprovaccedilatildeo do Human Rights Act
(HRA) em 1998 passou a adotar o mecanismo da interpretive obligation e de declarations
of incompability a Nova Zelacircndia tambeacutem apoacutes a aprovaccedilatildeo da sua Carta de Direitos
Humanos introduziu mecanismo similar agrave claacuteusula interpretativa da Inglaterra
Logo apesar de cada paiacutes adotar mecanismos diferentes pode-se dizer
que adotam um modelo fraco de controle de constitucionalidade eis que neles natildeo existe a
ideia de supremacia judicial ou seja a uacuteltima palavra em mateacuteria de interpretaccedilatildeo
constitucional natildeo eacute dada necessariamente pelo Judiciaacuterio havendo a possibilidade de
contradita pelo Legislativo e ateacute mesmo de prevalecircncia da interpretaccedilatildeo deste uacuteltimo
Dessa maneira a partir da observaccedilatildeo dessas novas experiecircncias dos
problemas oriundos da praacutetica do ativismo judicial da crescente judicializaccedilatildeo da Poliacutetica
das controveacutersias sobre a legimitidade da jurisdiccedilatildeo constitucional e da incessante busca pela
efetividade de direitos eclodem inuacutemeras teorias que tentam explicar e fundamentar a
existecircncia de um diaacutelogo entre Legislativo e Judiciaacuterio no seio da jurisdiccedilatildeo constitucional
satildeo as denomidadas teorias dialoacutegicas as quais seratildeo expostas e analisadas na sequecircncia de
forma sistemaacutetica
35 ldquo33 (1) Parliament or the legislature of a province may expressly declare in an Act of Parliament or of the
legislature as the case may be that the Act or a provision thereof shall operate notwithstanding a provision
included in section 2 or sections 7 to 15 of this Charterrdquo
36 ldquo1 The Canadian Charter of Rights and Freedoms guarantees the rights and freedoms set out in it subject
only to such reasonable limits prescribed by law as can be demonstrably justified in a free and democratic
societyrdquo
31
CAPIacuteTULO 2 ndash AS TEORIAS DIAacuteLOGICAS E A CONCRETIZACcedilAtildeO DO
DIAacuteOLOGO INSTITUCIONAL
6 Teoria dos diaacutelogos institucionais
Antes de iniciar a anaacutelise das respectivas teorias importa esclarecer que
apesar das mesmas terem se desenvolvido doutrinariamente em sua maioria e com maior
forccedila apoacutes a criaccedilatildeo do weak judicial review como explicado ateacute aqui algumas delas satildeo
anteriores agrave isso e fruto da anaacutelise de sistemas tradicionais como o do proacuteprio Estados
Unidos conforme seraacute demonstrado na sequecircncia
Eacute necessaacuterio explicar que a referecircncia agrave ldquodiaacutelogos institucionaisrdquo apesar
do reconhecimento da existecircncia de diversas instituiccedilotildees no acircmbito estatal estaacute-se
privilegiando especificamente a interaccedilatildeo entre as Cortes Constitucionais e o Parlamento
sobretudo porque o cerne do debate acerca da legitimidade democraacutetica da jurisdiccedilatildeo
constitucional restringe-se a essas duas vertentes do Poder ficando o executivo de fora pois
segundo a tradicional doutrina nunca foi considerado forte candidato a detentor da uacuteltima
palavra no processo de interpretaccedilatildeo constitucional Dito isso explicar-se-aacute o que as teorias
possuem em comum e quais os seus fundamentos basilares
Como jaacute demonstrado a ideia de diaacutelogo institucional surge a partir do
novo paradigma do constitucionalismo contemporacircneo que tem por objetivo natildeo mais
analisar quem deve interpretar a Constituiccedilatildeo mas sim buscar uma teoria que seja construiacuteda
a partir de uma proposta cooperativa por intermeacutedio da qual as instituiccedilotildees possam
compartilhar fundamentos em comum ao operacionalizar as ordens juriacutedica e poliacutetica
Esse entendimento eacute consequecircncia da anaacutelise do novo modelo de
jurisdiccedilatildeo constitucional iniciado no Canadaacute o qual aponta para a necessidade de
reestabelecimento de um equiliacutebrio entre as instituiccedilotildees por meio da alocaccedilatildeo de
responsabilidade reciacuteproca entre Tribunais e Parlamento na formulaccedilatildeo de poliacuteticas e
legislaccedilatildeo
Ou seja as teorias dialoacutegicas partem da premissa de que muitas vezes a
decisatildeo judicial natildeo seraacute suficiente para a resoluccedilatildeo de um conflito sobre direitos sobretudo
nos casos relativos agrave efetivaccedilatildeo de direitos fundamentais nos quais existem limitaccedilotildees que
32
ultrapassam a seara da competecircncia judicial portanto natildeo pode a decisatildeo judicial ser
considerada o fim da linha dentro da jurisdiccedilatildeo constitucional principalmente quando se
busca a maacutexima eficaacutecia de direitos fundamentais
Em contraste com as teorias de interpretaccedilatildeo que propotildeem criteacuterios que os
juiacutezes devem utilizar para resoluccedilatildeo de conflitos constitucionais as teorias de diaacutelogo
centram-se no processo institucional por meio do qual as decisotildees sobre o significado
constitucional satildeo feitas sugerindo que este envolve a elaboraccedilatildeo compartilhada do
significado constitucional entre o Judiciaacuterio e outros atores (BATEUP 2005)
As teorias que abordam o exerciacutecio de um diaacutelogo institucional na
resoluccedilatildeo dos conflitos consitucionais buscam em primeiro lugar entender e verificar como
essa interaccedilatildeo ocorre qual o seu significado reforccedilando o princiacutepio da separaccedilatildeo de poderes
a partir da percepccedilatildeo de que todas as instituiccedilotildees cada uma em sua especificidade satildeo
responsaacuteveis por uma parcela da tarefa da interpretaccedilatildeo constitucional
As teorias dialoacutegicas natildeo fornecem respostas certas para os casos difiacuteceis
de interpretaccedilatildeo mas despertam um processo no qual todos participam na busca dessa
resposta Rejeita os extremos tanto da atuaccedilatildeo judicial como da atuaccedilatildeo legislativa a Corte
natildeo impede que a prevalecircncia da legislaccedilatildeo mas induz o Parlamento a assumir a
responsabilidade poliacutetica e apresentar justificativas razoaacuteveis para suas escolhas no tocante
agrave restriccedilatildeo de direitos (ROACH 2001)
Nesse sentido Sustein e Vermule (2002) indicam a necessidade de uma
virada institucional no pensamento sobre a interpretaccedilatildeo constitucional chamando a atenccedilatildeo
para a necessidade de observaccedilatildeo da capacidade das instituiccedilotildees e dos efeitos dinacircmicos de
qualquer abordagem especiacutefica e de suas consequecircncias
A partir dessa ideia as teorias do diaacutelogo institucional sugerem que natildeo
deve haver um predomiacutenio de uma instituiccedilatildeo sobre a outra quando do exerciacutecio da
jurisdiccedilatildeo constitucional mas sim uma forccedila tarefa uma atuaccedilatildeo conjunta das mesmas
Sendo assim diversas teorias tecircm se proliferado no sentido de fundamentar
agrave abertura ao diaacutelogo no exerciacutecio da jurisdiccedilatildeo constitucional visando sobretudo o
restabelecimento do equiliacutebrio entre os poderes como fundamento de uma legitimidade
democraacutetica a defesa de um sistema brando de controle de constitucionalidade e a
concretizaccedilatildeo dos direitos fundamentais
33
Buscar-se-aacute na continuidade deste capiacutetulo analisar aacute luz das teorias
dialoacutegicas algumas praacuteticas do Judiciaacuterio e Legislativo a fim de identificar ateacute que ponto
essas teorias podem ser consideradas como efetivadoras de um diaacutelogo concreto e
substancial no exerciacutecio da jurisdiccedilatildeo constitucional e quais seus contributos no tocante a
superaccedilatildeo dos problemas relativos a sua legitimidade e no combate ao ativismo
Entretanto antes de fazer a exposccedilatildeo de cada teoria e seus efeitos praacuteticos
em especiacutefico eacute imprescindiacutevel destacar que haacute na doutrina uma aparente diferenciaccedilatildeo
entre tipos de diaacutelogo gerando uma dicotomia diaacutelogo formal e diaacutelogo material a qual
passamos a explorar no toacutepico seguinte
7 Diaacutelogo formal v Diaacutelogo material
Para que se possa analisar de forma mais clara e eficaz as teorias
dialoacutegicas e suas respectivas praacuteticas se faz necessaacuterio primeiramente entender o que seria
um verdadeiro diaacutelogo e quando este pode ser considerado verdadeiramente promissor no
sentido de cumprir os objetivos a que a teoria se propotildee
De iniacutecio pode-se afirmar que essa tarefa eacute aacuterdua eis que nela residem
justamente os maiores alvos das criacuteticas direcionadas as teorias dialoacutegicas conforme veremos
na sequecircncia Apesar de todas as benesses que a ideia de um diaacutelogo constitucional
apresenta a sua praacutetica ainda eacute um pouco conflituosa eis que nem tudo aquilo que alguns
denominam de ldquodiaacutelogordquo deve ser de fato assim considerado
Na definiccedilatildeo de Dor (2000) o diaacutelogo material ou substantivo ocorre
quando haacute o comprometimento e engajamento de todos os participantes na busca de uma
soluccedilatildeo harmoniosa que conteraacute tanto a interpretaccedilatildeo do Tribunal relativa a uma questatildeo
constitucional como o interesse do legislador
Ou seja no desenvolvimento do diaacutelogo em seu sentido material haacute a
conciliaccedilatildeo entre a interpretaccedilatildeo judicial e os interesses do legislador buscando o Tribunal
articular as falhas da legislaccedilatildeo e o legislador a incluir nas suas iniciativas a interpretaccedilatildeo
do Tribunal buscando soluccedilotildees para alcanccedilar o seu objetivo agrave luz dessa interpretaccedilatildeo
Jaacute o diaacutelogo no sentido formal ocorre quando a atuaccedilatildeo legislativa
pouco ou nada acrescenta ao resultado final servindo apenas para ldquocarimbarrdquo a decisatildeo
34
judicial ou seja quando haacute a total deferecircncia do Legislativo agrave decisatildeo judicial
Tremblay (2005) tambeacutem em importante anaacutelise sobre o tema ao tratar
dos limites da teoria dos diaacutelogos institucionais apesar de natildeo negar a possibilidade da sua
concretizaccedilatildeo praacutetica introduz duas concepccedilotildees geneacutericas de diaacutelogos os de conversaccedilatildeo e
os de deliberaccedilatildeo
Para o Autor os diaacutelogos pautados em uma conversaccedilatildeo satildeo em
siacutentese aqueles que ocorrem de uma maneira mais informal e espontacircnea no qual haacute uma
troca de ideias sentimentos ou opiniotildees sem um comprometimento das partes com um
entendimento em comum um aprendizado ou descoberta de novas perspectivas natildeo haacute
pois um empenho na argumentaccedilatildeo ou um debate forte Seria de certa forma como um
diaacutelogo entre amigos apoacutes uma refeiccedilatildeo
Em contrapartida a concepccedilatildeo deliberativa de diaacutelogo consiste em
praacutetica semelhante agrave conversaccedilatildeo pois tambeacutem haacute troca de ideias sentimentos e opiniotildees
entre duas ou mais pessoas poreacutem de maneira mais formal e menos espontacircnea Na
deliberaccedilatildeo as partes possuem um mesmo propoacutesito buscam por intermeacutedio da troca de
argumentos e ideias a resoluccedilatildeo coletiva de conflitos ou problemas
Sendo assim o diaacutelogo pautado na conversaccedilatildeo consistiria em um
diaacutelogo meramente formal o qual segundo alguns autores natildeo deve ser considerado como
uma forma efetiva de diaacutelogo eis que natildeo haacute uma verdadeira inteiraccedilatildeo entre os poderes mas
tatildeo somente uma possibilidade de resposta de um ao outro
Desta forma pode-se inferir que para que haja a verdadeira
concretizaccedilatildeo dos objetivos propostos pela teoria do diaacutelogo institucional a simples
formulaccedilatildeo pautada em um diaacutelogo formal natildeo seria suficiente fazendo-se necessaacuteria a
ocorrecircncia de uma deliberaccedilatildeo concreta entre os poderes uma verdadeira deliberaccedilatildeo a fim
de chegar a consenso no que tange a interpretaccedilatildeo constitucional
Neste estudo natildeo se despreza nenhuma dessas concepccedilotildees de diaacutelogo
ao contraacuterio busca-se demonstrar justamente aquelas praacuteticas que mais se coadunam com a
concepccedilatildeo de um diaacutelogo material poreacutem tambeacutem ressaltando os benefiacutecios daquelas que
consistam apenas uma vertente formal
Feita essa diferenciaccedilatildeo passa-se a expor de maneira mais especiacutefica
35
as teorias dialoacutegicas e suas manifestaccedilotildees praacuteticas Utilizar-se-aacute didaticamente a
sistematizaccedilatildeo das teorias feita por Christine Bateup sobretudo no que tange a classificaccedilatildeo
das mesmas jaacute que nosso objetivo eacute tentar abordar o maior nuacutemero possiacutevel de teorias e
praacuteticas
A exposiccedilatildeo inicia-se pela anaacutelise da praacutetica sugerida pela doutrina
como dialoacutegica em paiacuteses que possuem um controle de constitucionalidade forte ou seja
inicialmente formulado com base em uma supremacia do Judiciaacuterio na tarefa de revisatildeo
judicial das leis
Apoacutes o que seraacute mencionado a praacutetica dialoacutegica nos paiacuteses que adotam
um controle fraco de constitucionalidade onde a ideia de diaacutelogo a priori eacute mais evidente
pelo fato do proacuteprio modelo constitucional prever mecanismos voltados para esse fim
8 Teorias dialoacutegicas fundadas no meacutetodo judicial
As teorias fundadas no meacutetodo judicial satildeo aquelas que defendem que
o diaacutelogo deve ocorrer dentro da decisatildeo judicial Tecircm como elemento central a defesa do
uso consciente pelo Judiciaacuterio de teacutecnicas de tomada de decisotildees que estimulem e incentivem
o debate mais amplo sobre o significado constitucional com - e entre - os poderes poliacuteticos
Para a praacutetica dessa modalidade de diaacutelogo natildeo haacute a exigecircncia da
existecircncia de mecanismos formais de relaccedilatildeo institucional eis que o diaacutelogo se estabelece
natildeo pela observaccedilatildeo de um preceito especiacutefico preacutevio mas pela simples interaccedilatildeo entre os
distintos ramos do Poder por essa razatildeo eacute possiacutevel encontrar os maiores exemplos desse
tipo de diaacutelogo em sistemas de jurisdiccedilatildeo constitucional centrados na supremacia judicial
conforme se leraacute a seguir
Bateup subdivide essas formas de diaacutelogo em duas categorias as
denominadas de aconselhamento judicial (judicial advice- giving) e as teorias centradas no
processo (process centered rules)
Antes de se tratado cada categoria em especiacutefico necessaacuterio destacar
mais uma vez que o foco neste caso estaacute em buscar exemplos da manifestaccedilatildeo dessa teoria
na jurisdiccedilatildeo constitucional de paiacuteses que adotam um modelo de revisatildeo judicial inspirado
no tradicional modelo norte americano justamente para tentar verificar se neles tambeacutem haacute
36
uma possibilidade de diaacutelogo jaacute que adotam um sistema forte de controle de
constitucionalidade sugerindo o que alguns autores chamam de ldquoenfraquecimento do
controle de constitucionalidaderdquo e fazer o contraponto com a forma de diaacutelogo estabelecida
em jurisdiccedilotildees constitucionais que adotam o weak judicial review para verificar onde se
assemelham e onde se distanciam
Reassalte-se ainda que o objetivo natildeo eacute exaurir todas as questotildees e
pormenores praacuteticos e teoacutericos dos exemplos que seratildeo dados a seguir mas tatildeo somente
abordar as questotildees referentes ao potencial dialoacutegico dos institutos juriacutedicos mencionados
que eacute o que interessa para o alcance do objetivo do presente trabalho
81 Aconselhamento judicial
As teacutecnicas de aconselhamento judicial consistem em formas proativas
de interpretaccedilatildeo constitucional e construccedilatildeo de decisotildees que o Judiciaacuterio recomendan o curso
de accedilatildeo do Poder Legislativo e busca aconselhaacute-lo com o obejtivo de evitar futuros
problemas constitucionais
O uso dessas teacutecnicas visa assegurar que os ramos poliacuteticos visualizem
e entendam a interpretaccedilatildeo constitucional feita pelo Judiciaacuterio para que com isso elaborem
a legislaccedilatildeo de acordo com a mesma ou ainda alterem a legislaccedilatildeo em vigor para evitar
discrepacircncias (BATEUP 2005 p17)
Por natildeo existir uma forma predeterminada para promoccedilatildeo do
aconselhamento judicial nem a necessidade de previsatildeo de um mecanismo especiacutefico para
tanto ele se traduz na praacutetica de inuacutemeras formas Sendo assim natildeo haacute como enumerar todas
as suas possibilidades praacuteticas de forma exaustiva razatildeo pela qual foram selecionadas as
mais importantes e evidentes
811 Constitutional road maps
A doutrina americana reporta-se agraves decisotildees judiciais denominadas de
constitutional road maps mediante as quais o Judiciaacuterio pronuncia a inconstitucionalidade de
uma lei mas ao mesmo tempo aponta os caminhos possiacuteveis a serem seguidos pelo
Legislativo para a correccedilatildeo da incompatibilidade
37
Essa teacutecnica foi utilizada pela Suprema Corte Americana no
julgamento do caso City of Chicago v Morales37 no qual foi analisada a constitucionalidade
da Chicagoacutes gang-loitering law lei que impedia a congregaccedilatildeo puacuteblica de membros de
gangues e seus associados
A lei foi considerada inconstitucional por ser vaga e violar o devido
processo legal poreacutem apesar de declarara inconstitucionalidade a Suprema Corte proferiu
decisatildeo esboccedilando de forma detalhada as alternativas legais com potencial para sobreviver
ao escrutiacutenio judicial
As diretrizes para a elaboraccedilatildeo de um estatuto legal em consonacircncia
com a Constituiccedilatildeo foram traccediladas no voto da Juiacuteza Sandra OrsquoConnor as quais em sua
maioria foram seguidas pelo Legislativo na elaboraccedilatildeo do novo diploma legal
aproximadamente trecircs anos depois razatildeo pela qual a decisatildeo eacute apontada pela doutrina como
fruto de diaacutelogo
Apesar de neste caso a decisatildeo da Suprema Corte ter servido de diretriz
para a elaboraccedilatildeo de um novo diploma legal nem sempre eacute o que ocorre A teacutecnica do
constitutional road map eacute alvo de muitas criacuteticas sendo considerada uma das teacutecnicas mais
radicais e perigosas de incentivo poacutes-invalidaccedilatildeo da lei pois ao derrubar a legislaccedilatildeo em
anaacutelise o Judiciaacuterio oferece um roteiro a ser seguido pelo Legislativo para criar um estatuto
legal que seja constitucional (LUNA 2001)
812 Sentenccedilas intermedias (declaraccedilotildees de mera incompatibilidade
e sentenccedilas apelativas)
No acircmbito europeu em especial no Direito alematildeo existem alguns
tipos de sentenccedilas oriundas do controle de constitucionalidade que satildeo consideradas como
teacutecnicas dialoacutegicas sob o ponto de vista das teorias fundadas no meacutetodo judicial Essas
sentenccedilas fazem parte do grupo das chamadas ldquosentenccedilas intermediasrdquo ou ldquosentenccedilas
37 Oportuno se faz esclarecer que natildeo se adentra nas questotildees faacuteticas do caso nem no meacuterito da decisatildeo por
fugir ao escopo do presente trabalho poreacutem a decisatildeo pode ser consultada na iacutentegra em
httpssupremejustiacomcasesfederalus52741casehtml
38
normativasrdquo38 as quais satildeo decisotildees judiciais que se situam entre o considerar e o natildeo
considerar a inconstitucionalidade de uma norma e nos casos em que eacute admissiacutevel entre
rejeitar a norma considerada inconstitucional e concomitantemente expulsaacute-la do
ordenamento juriacutedico e natildeo considerar constitucional e mantecirc-la (URBANO 2012 p 87)39
Apesar de natildeo nos interessar a anaacutelise de todos os diversos tipos de
sentenccedilas intermedias eacute oportuno destacar que as mesmas satildeo uma produccedilatildeo recente da
jurisdiccedilatildeo constitucional dos paiacuteses europeus que adotaram o modelo autriacuteaco de controle
de consitucionalidade ou seja um controle concentradoabstrato realizado por um Tribunal
criado para esse fim especiacutefico e que revelam que a idealizaccedilatildeo de Kelsen de criaccedilatildeo de um
oacutergatildeo que atue como legislador negativo vem sendo ultrapassada agrave medida que os Tribunais
Constitucionais natildeo mais se limitam meramente a decidir pela constitucionalidade ou natildeo de
uma norma sobretudo pela evidente complexidade dos problemas constitucionais que
exigem decisotildees mais elaboradas que o esquema ldquoconstitucional v inconstitucionalrdquo
Pois bem O primeiro tipo de sentenccedila dentro desse universo que pode
ser considerada como uma teacutecnica dialoacutegica eacute a chamada ldquodeclaraccedilatildeo de mera
incompatibilidaderdquo originaacuteria da jurisprudecircncia alematilde Consiste em uma decisatildeo do
Tribunal Constitucional onde natildeo haacute a anulaccedilatildeo da lei mas apenas a declaraccedilatildeo de que a
mesma eacute incompatiacutevel com a constituiccedilatildeo e a sua consequente suspensatildeo ateacute que o
Legislativo efetue a correccedilatildeo da norma a fim de tornaacute-la constitucional
Ou seja o Tribunal reconhece a inconstitucionalidade da norma poreacutem
sem declarar a sua nulidade mantendo-a no ordenamento juriacutedico mas suspendendo a sua
aplicaccedilatildeo Com isso de acordo com os defensores dessa praacutetica o Judiciaacuterio estaria
permitindo ao Legislativo a correccedilatildeo da legislaccedilatildeo a tempo de evitar um vaacutecuo legislativo
(QUEIROZ 2012)
Essa praacutetica tem sido muito utilizada pelo Tribunal Constitucional
Alematildeo nos casos em que ldquoa declaraccedilatildeo de nulidade haveria de produzir uma situaccedilatildeo
juriacutedica insuportaacutevelrdquo especialmente nas seguintes situaccedilotildees a) quando o juiz reconhece
que o legislador natildeo tinha outra alternativa dado o contexto histoacuterico existente b) quando a
38 Natildeo haacute um consenso na doutrina a respeito da denominaccedilatildeo desses tipos de decisatildeo aqui se optou por utilizar
essas duas nomenclaturas por serem amplamente difundidas e utilizadas pelos doutrinados portugueses e
brasileiros respectivamente
39 No contexto brasileiro essas decisotildees satildeo conhecidas como sentenccedilas interpretativas ou intermediaacuterias
39
inconstitucionalidade natildeo eacute evidente designadamente por motivos de seguranccedila c) quando
a ausecircncia da norma inconstitucional eacute menos adequada que a sua manutenccedilatildeo d) quando
estatildeo em causa disciplinas discriminatoacuterias (URBANO 2012 p 81-82)
Mendes (1990) destaca que essa teacutecnica decisoacuteria eacute utilizada pelo
Tribunal Constitucional alematildeo principalmente nos casos em que estaacute em jogo o princiacutepio
da isonomia quando uma lei injustificadamente confere benefiacutecios a um determinado
nuacutemero de pessoas ou grupos sociais deixando de englobar outros setores caracterizando
assim uma situaccedilatildeo singular complexa que natildeo pode ser resolvida com a simples declaraccedilatildeo
de inconstitucionalidade da lei
Outra importante figura tambeacutem originaacuteria do direito alematildeo mas hoje
tambeacutem muito presente no Direto italiano satildeo as ldquosentenccedilas apelativas ou exortativasrdquo
Nesse tipo de sentenccedila o Tribunal Constitucional natildeo considera a lei inconstitucional no
momento em que profere a decisatildeo entretanto alerta o Legislativo para a possibilidade de
uma futura inconstitucionalidade e diante disso dirige-lhe um apelo para que modificaccedilatildeo
a legislaccedilatildeo a fim de adequaacute-la a Lei Maior
Esse apelo visa sobretudo evitar uma futura inconstitucionalidade e
com base nessa justificativa o Tribunal oferece ao legislador com maior ou menor
determinaccedilatildeo e exigecircncia possibilidades orientaccedilotildees para a reparaccedilatildeo da norma em tempo
uacutetil fixando em alguns casos um prazo para tanto (URBANO 2012a)
Diferem das decisotildees de mera incompatibilidade pois nessas a norma jaacute
foi considerada inconstitucional cabendo ao legislador proceder a imediata adequaccedilatildeo para
sanar a inconstitucionalidade enquanto que nas sentenccedilas apelativas a violaccedilatildeo ao texto
constitucional ainda natildeo foi consumada ou ainda natildeo haacute certeza sobre a sua ocorrecircncia
(SILVA 2008)
A doutrina italiana tem maioritariamente fundamentado a utilizaccedilatildeo
desse tipo de decisatildeo em um chamado constitucionalismo cooperativo italiano equivalente
a dizer que o Tribunal Constitucional quando confrontado com a ineacutercia do poder poliacutetico
tem desempenhado uma funccedilatildeo propulsora dos valores constitucionais (SILVA 2008
p1119)
O que essas decisotildees possuem em comum entre si e tambeacutem com a
primeira figura aqui mencionada do constitutional road map eacute o fato de conterem em seu
40
corpo em menor ou maior grau orientaccedilotildees para a atividade legislativa visando sanar ou
evitar questotildees de inconstitucionalidade
Na visatildeo de Gomes Canotilho (2003 p 1018) esses tipos de decisotildees
satildeo altamente criticaacuteveis pois ldquoa natildeo atribuiccedilatildeo dos efeitos da nulidade ipso jure natildeo pode
implicar a sobrevivecircncia e aplicaccedilatildeo da norma considerada inconstitucional nem os
laquoperigosraquo das lacunas legislativas se podem sobrepor aos perigos da erosatildeo do princiacutepio da
constitucionalidade dos actos normativosrdquo
82 Teorias centradas no processo
Apesar de ser classificada por Bateup como uma forma de diaacutelogo que
emana de uma decisatildeo judicial pode-se dizer que eacute o contraponto do meacutetodo do
aconselhamento judicial pois ao inveacutes de defender a postura provocadora do Judiciaacuterio agrave
reposta legislativa como centro do diaacutelogo preconiza justamente o contraacuterio uma atuaccedilatildeo
contida dos Tribunais de forma a deixar um maior espaccedilo para a atuaccedilatildeo legislativa
De acordo com esse grupo de teorias o Judiciaacuterio natildeo deve apontar o
caminho a ser seguido pelo Legislativo criando diretrizes ou dando orientaccedilotildees eacute uma
atividade que natildeo lhe compete mas deve possibilitar um ldquosegundo olharrdquo para a questatildeo
821 Minimalismo judicial
A teoria do minimalismo judicial tem se desenvolvido principalmente
no contexto norte americano onde os precedente judiciais possuem muita forccedila normativa
Ela pretende a afirmaccedilatildeo do priciacutepio democraacutetico por meio da limitiaccedilatildeo da atuaccedilatildeo judicial
no processo de tomada de decisotildees que envolvam principalmente a fixaccedilatildeo do conteuacutedo de
direitos fundamentais em temas sensiacuteveis da vida social como questotildees relacionadas ao
aborto casamento de homossexuais dentre outras
O atual exponente defensor dessa teoria eacute o americano Cass R Sustein
que propotildee uma limitaccedilatildeo da atuaccedilatildeo jurisdicional das Cortes as quais natildeo devem decidir
questotildees que extrapolem o caso concreto que estaacute em analise visando um ldquouso construtivo
do silecircnciordquo
Ou seja o Judiciaacuterio natildeo deve tomar decisotildees abrangentes de forma
41
que enclausurem a discussatildeo para sempre mas sim deve restringir-se agraves questotildees daquele
caso concreto permitindo que a discussatildeo profunda e geneacuterica do tema ocorra no acircmbito do
oacutergatildeo legislativo o qual possui legimitidade democraacutetica para tanto
Dessa forma o minimalismo em sua forma processual consiste em um
esforccedilo para limitar a amplitude e profundidade das decisotildees judiciais quando os juiacutezes
carecem e sabem que carecem de informaccedilotildees relevantes o minimalismo eacute uma forma de
resposta apropriada razoaacutevel e ateacute mesmo inevitaacutevel para resolver o problema praacutetico de
obter o consenso dentro de uma sociedade heterogecircna (SUSTEIN 1999 p 5)
Bickel (1962) tambeacutem um importante nome dos defensores da
contenccedilatildeo da atuaccedilatildeo judicial ao falar sobre o exerciacutecio pela Suprema Corte do que
denomina de ldquovirtudes passivasrdquo faz referecircncia agrave diversas ldquoteacutecnicas de natildeo decisatildeordquo
existentes no processo norte americano mediante as quais pode a Suprema Corte se abster
de emitir opiniatildeo como por exemplo political question ripness standing mootness dentre
outras
Acrescenta que a Suprema Corte natildeo tem a obrigaccedilatildeo de decidir todo o
tempo e que se assim o fosse poderia levar a um processo manipulativa da democracia
fazendo com que a Corte simplesmente substituisse o legislative impedindo o exerciacutecio do
seu juiacutezo de conveniecircncia tornando-se um second guesser (BICKEL 1962 p200)
Sob o ponto de vista dialoacutegico na contenccedilatildeo da atuaccedilatildeo judicial o cerne
do diaacutelogo estaacute justamente na possibilidade de o legislador lanccedilar um novo olhar para um
tema que possivelmente foi tratado de forma apressada ou sem a profundidade necessaacuteria
aumentando assim a responsabilidade do Legislativo no exerciacutecio da sua atividade tomando
decisotildees poliacuteticas e elaborando normas com niacuteveis adequados de cuidado e deliberaccedilatildeo
(BATEUP 2005)
Nesse mesmo sentido Bickel (1962 p 70-71) em clara referecircncia agraves
teorias do diaacutelogo afirma que ao evitar decidir a Corte estimula o coloacutequio com os outros
poderes e a sociedade O minimalismo judicial seria portanto uma forma de participaccedilatildeo
passiva do Judiciaacuterio no diaacutelogo constitucional permitindo que os juiacutezes abram o diaacutelogo
com os poderes poliacuteticos a fim de incentivar a resoluccedilatildeo poliacutetica das questotildees constitucionais
que satildeo alvo de conflito
42
822 Modulaccedilatildeo temporal dos efeitos da declaraccedilatildeo de
inconstitucionalidade
A possibilidade de modulaccedilatildeo dos efeitos da decisatildeo pelo Tribunal em
sede de controle de constitucionalidade na perspectiva das teorias fundadas no meacutetodo
judicial tambeacutem pode ser considerada como um mecanismo dialoacutegico sob o ponto de vista
das teorias do meacutetodo judicial centradas no processo eis que possibilita a resposta
legislativa entretanto de forma menos agressiva que as outras teacutecnicas explanadas acima
Essa possibilidade eacute prevista expressamente no Direito Portuguecircs Os
efeitos e o alcance das decisotildees do Tribunal Constitucional em sede do controle abstrato de
constitucionalidade estatildeo previstos no n 1 e n 2 do artigo 282 da Constituiccedilatildeo Portuguesa
os quais determinam respectivamente que ldquoA declaraccedilatildeo de inconstitucionalidade ou de
ilegalidade com forccedila obrigatoacuteria geral produz efeitos desde a entrada em vigor da norma
declarada inconstitucional ou ilegal e determina a repristinaccedilatildeo das normas que ela
eventualmente haja revogadordquo ldquoTratando-se poreacutem de inconstitucionalidade ou de
ilegalidade por infraccedilatildeo de norma constitucional ou legal posterior a declaraccedilatildeo soacute produz
efeitos desde a entrada em vigor desta uacuteltimardquo
Todavia o n 4 do referido artigo traz expressamente a possibilidade de
fixaccedilatildeo dos efeitos da decisatildeo pelo Tribunal de forma fundamentada quando a seguranccedila
juriacutedica razotildees de equidade ou interesse puacuteblico de excepcional relevo o exigir Os efeitos
podem ser fixados de diversas formas poreacutem a que nos interessa no presente trabalho eacute a de
fixaccedilatildeo dos efeitos para o futuro
De acordo com a possibilidade de modulaccedilatildeo dos efeitos da declaraccedilatildeo
de inconstitucionalidade pode o Tribunal Constitucional declarar a inconstitucionalidade de
uma lei mas condicionar a sua nulidade a um determinado transcurso de tempo ou seja
determinar a sua nulidade pro futuro fixando um prazo determinado para que ela deixe de
produzir efeitos de ser aplicada possibilitando assim ao legislador a correccedilatildeo do estatuto e
evitando o vaacutecuo legislativo
Inspirado na Constituiccedilatildeo Portuguesa o Brasil atraveacutes do artigo 27 da
Lei 886899 de 10 de novembro passou tambeacutem a regulamentar possibilidade da
modulaccedilatildeo temporal das decisotildees proferidas no julgamento de accedilatildeo direta de
inconstitucionalidade e de accedilatildeo declaratoacuteria de constitucionalidade
43
A referida lei passou a facultar ao Supremo Tribunal Federal no
exerciacutecio do controle abstrato de constitucionalidade modular os efeitos da decisatildeo por
razotildees de seguranccedila juriacutedica ou de excepcional interesse social Todavia atualmente essa
modulaccedilatildeo se estende tambeacutem ao controle difuso conforme se leraacute
A decisatildeo proferida pelo Superior Tribunal Federal no ano de 2004 no
julgamento do caso Mira Estrela eacute tida como paradigmaacutetica40 por ter sido aplicado o artigo
27 da Lei 886899 no controle de constitucionalidade de um caso concreto A declaraccedilatildeo da
inconstitucionalidade se deu no acircmbito do julgamento do Recurso Extraordinaacuterio 197917-
8 de accedilatildeo civil puacuteblica proposta pelo Ministeacuterio Puacuteblico do Estado de Satildeo Paulo visando a
diminuiccedilatildeo do nuacutemero de vereadores do municiacutepio de Mira Estrela alegando que o mesmo
natildeo era proporcional ao nuacutemero de habitantes ainda que estivesse dentro do limite
constitucional41
O Supremo concordou com a desproporcionalidade e em face disso
declarou a inconstitucionalidade da referida norma todavia modulou os efeitos da decisatildeo
pro futuro para salvaguardar os mandatos dos vereadores jaacute eleitos e a validade dos
respectivos atos administrativos por eles praticados evitando assim consequecircncias
desastrosas para a administraccedilatildeo puacuteblica Fundamentou a necessidade da modulaccedilatildeo dos
efeitos na proteccedilatildeo da Seguranccedila Juriacutedica
Em que pese essa ser uma teacutecnica menos agressiva que as anteriores
vez que o Judiciaacuterio ao menos em tese apenas possibilita uma reaccedilatildeo legislativa a sua
decisatildeo sem lhe estipular diretrizes e com isso adentrar em sua liberdade de conformaccedilatildeo
na praacutetica tambeacutem natildeo haacute como garantir que haveraacute a reaccedilatildeo legislativa e eacute nisso que reside
a maioria das criacuteticas a todas esses mecanismos ditos dialoacutegicos conforme se veraacute mais
adiante
40 RE 197917-8SP Iacutentegra da decisatildeo disponiacutevel em
httpredirstfjusbrpaginadorpubpaginadorjspdocTP=ACampdocID=235847 41 A Lei Orgacircnica do municiacutepio de Mira Estrela estabelecia em 11 o nuacutemero de vereadores os quais estavam
dentro dos limites impostos no artigo 29 da Constituiccedilatildeo Federal estabelecido conforme o nuacutemero de
habitantes
44
823 Accedilatildeo de inconstitucionalidade por omissatildeo legislativa
O modelo de controle de constitucionalidade portuguecircs prevecirc
expressamente a possibilidade do controle das omissotildees legislativas por intermeacutedio da
disposiccedilatildeo contida no artigo 283 da Constituiccedilatildeo Federal 42
Inspirado no instituto portuguecircs o Brasil tambeacutem trouxe em sua
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 a expressa previsatildeo da possibilidade do controle de
constitucionalidade das omissotildees legislativas (paraacutegrafo 2ordm do artigo 103) poreacutem criou
ainda uma nova figura especifica para esse fim o mandado de injunccedilatildeo (inciso LXXI do
artigo 5ordm)
Em ambos os sistemas uma omissatildeo legislativa eacute considerada
inconstitucional quando o legislador natildeo cumpre com aquilo que estava constitucionalmente
obrigado ou seja quando a sua omissatildeo prejudica a exequibilidade de alguma norma
constitucional Para que a omissatildeo ganhe significado relevante deve ter conexatildeo com uma
exigecircncia constitucional de accedilatildeo natildeo bastando a violaccedilatildeo do simples dever legal de legislar
(CANOTILHO2003)
Miranda (2008) destaca que a omissatildeo pode ser total ou parcial
quando por exemplo existe a norma mas ela eacute insuficiente ou deficiente43 e que o juiacutezo da
inconstitucionalidade por omissatildeo traduz-se num juiacutezo sobre o tempo em que deveria ser
produzida a lei devendo o Judiciaacuterio sem substituir ao oacutergatildeo legislador medir e interpretar
o tempo decorrido para a elaboraccedilatildeo da lei44
42 Neste sentido ver o que Tushnet diz sobre esse tipo de concepccedilatildeo de diaacutelogo em TUSHNET Mark Dialogue
and Constitutional Duty Havard Law School Public Law amp Legal Theory Working Paper Series paper nordm 12-
10 p 4-9
43 ldquoA inconstitucionalidade por omissatildeo natildeo surge apena por carecircncia de medidas legislativas surge tambeacutem
por deficiecircncia delas Mas isto natildeo significa que perante um projecto ou uma proposta de lei com vista ao
cumprimento de determinada norma constitucional tenha de se proceder agrave sua anaacutelise para discernir se o
sentido de seus preceitos se enquadra ou natildeo no sentido de Constituiccedilatildeo De jeito algum cabe ao oacutergatildeo de
fiscalizaccedilatildeo da inconstitucionalidade por omissatildeo debruccedilar-se a esse tiacutetulo sobre o conteuacutedo de qualquer acto
de iniciativa legislativardquo (MIRANDA 2008 p 325)
44ldquoA ausecircncia ou a insuficiecircncia da norma legal natildeo pode ser separada de determinado tempo histoacuterico
assinalado pela necessidade de produccedilatildeo legislativa e cuja duraccedilatildeo maior o menor ou seraacute prefixada pela
proacutepria Constituiccedilatildeo ou depende da natureza das coisas (ou seja da natureza da norma constitucional natildeo
exequiacutevel por si mesma confrontada com as situaccedilotildees da vida inclusive situaccedilatildeo que agrave sua margem esteja
por acccedilatildeo o legislador ordinaacuterio a criar)rdquo (MIRANDA 2008 p 322)
45
A accedilatildeo de inconstitucionalidade por omissatildeo prevista no ordenamento
portuguecircs e brasileiro constitui portanto um meio atraveacutes do qual o Judiciaacuterio controla a
ineacutercia legislativa declarando a inconstitucionalidade da sua ineacutercia e solicitando a tomada
de providecircncias Pode-se dizer que seus efeitos praacuteticos assemelham-se agraves sentenccedilas
apelativas da Alemanha e Itaacutelia todavia nesse instituto a decisatildeo do Judiciaacuterio tem efeito
meramente declaratoacuterio dando conhecimento ao Legislativo da sua omissatildeo e enfatizando a
necessidade de atuaccedilatildeo sem traccedilar qualquer diretriz para tanto45
Desta forma a sentenccedila proferida no controle de constitucionalidade da
omissatildeo legislativa por meio da accedilatildeo declaratoacuteria de inconstitucionalidade por omissatildeo
possui um caraacuteter apelativo eis que objetiva chamar a atenccedilatildeo do legislador para a
necessidade de elaboraccedilatildeo da lei necessaacuteria a concretizar determinada norma constitucional
Assim sob a perspectiva das teorias dialoacutegicas centradas no processo pode ser considerada
como um mecanismo propulsor de interaccedilatildeo entre os poderes no seio da jurisdiccedilatildeo
constitucional
83 Criacuteticas agraves teorias dialoacutegicas fundadas no meacutetodo judicial
Todas essas teacutecnicas de decisatildeo judicial que visam possibilitar uma
resposta do Legislativo por meio de uma decisatildeo judicial embora diferentes em alguns
aspectos possuem um ponto determinante em comum privilegiam a interpretaccedilatildeo do
Judiciaacuterio
Sob o ponto de vista da dificuldade da legitimidade democraacutetica da
revisatildeo judicial portanto essas teorias natildeo seriam suficientes para solucionar as questotildees
eis que o Judiciaacuterio continuaria na praacutetica ainda sendo o detentor da uacuteltima palavra na
resoluccedilatildeo dos conflitos constitucionais
Nessa perspectiva natildeo se verifica uma efetiva deliberaccedilatildeo conjunta
entre Judiciaacuterio e Legislativo na tomada de decisatildeo O que ocorre eacute apenas que o Judiciaacuterio
mediante a adoccedilatildeo de estrateacutegias especiacuteficas busca acionar ou estimular a atuaccedilatildeo
45 Esclarece-se que a aplicabilidade da accedilatildeo de inconstitucionalidade por omissatildeo possui alguns aspectos
controvertidos poreacutem como jaacute dito natildeo constitui nosso objetivo tratar todas as questotildees controvertidas de
cada instituto aqui mencionado mas apenas identifica-los como mecanismos potencialmente dialoacutegicos de
acordo com as teorias
46
legislativa Portanto pode-se concluir que essas teorias se consubstanciam na praacutetica em um
diaacutelogo formal e natildeo material o que jaacute seria um alvo suficiente para criacutetica
Ademais o fato de privilegiarem claramente o ponto de vista judicial
podem acabar permitindo de certa forma que o Judiciaacuterio adentre o acircmbito de atuaccedilatildeo
legislativa sobretudo nas teacutecnicas de aconselhamento judicial
Ainda que se possa considerar que a decisatildeo judicial nesses casos
apenas fornece diretrizes para a atuaccedilatildeo legislativa natildeo haacute como negar que pode acabar
condicionando a sua atuaccedilatildeo restando-lhe apenas acatar o que foi direcionado pelo
Judiciaacuterio o que do ponto de vista dialoacutegico natildeo parece o ideal
Mesmo nos mecanismos mais brandos que os de aconselhamento
judicial onde haacute uma interferecircncia direta do Judiciaacuterio na conformaccedilatildeo legislativa eacute inegaacutevel
que haacute ainda alguma intromissatildeo mesmo que em menor escala ou de forma indireta
Haacute de se destacar tambeacutem a falta de previsibilidade das orientaccedilotildees do
Tribunal e a sua potencialidade enganosa para o Legislador suscitada por Carlos Blanco de
Morais (2014 p 726) ao analisar um recente julgado do Tribunal Constitucional Portuguecircs
no contexto da crise econocircmica
O renomado constitucionalista observa que no Acoacuterdatildeo nordm 1872013 o
Tribunal Constitucional46 ao declarar a inconstitucionalidade da norma da Lei de Orccedilamento
do Estado relativa a tributaccedilatildeo dos subsiacutedios de desemprego e doenccedila agrave luz do princiacutepio da
existecircncia condigna (artigo 2ordm da CRP) fixou orientaccedilatildeo ao legislador no sentido de que no
proacuteximo ano a Lei orccedilamentaacuteria ao tratar da mateacuteria trouxesse uma claacuteusula de salvaguarda
impedindo a tributaccedilatildeo das respectivas prestaccedilotildees de desemprego e doenccedila de forma
prejudicial a garantia dos seus valores miacutenimos
O legislador na elaboraccedilatildeo da Lei Orccedilamentaacuteria do ano de 2014 seguiu
a orientaccedilatildeo do Tribunal todavia ao analisar a constitucionalidade da nova lei o mesmo
Tribunal que havia ditado aquela orientaccedilatildeo no Acoacuterdatildeo nordm 413201447 julgou a claacuteusula
insuficiente e violadora do princiacutepio da razoabilidade
46 Iacutentegra da decisatildeo disponiacutevel em httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20130187html 47 Iacutentegra da decisatildeo disponiacutevel em httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20140413html
47
Blanco de Moraes com base nesse caso concreto destaca o perigo das
orientaccedilotildees perpetradas pelo Judiciaacuterio que podem servir de ldquoemboscadardquo para o legislador
O fato eacute que ainda que o Legislativo siga as orientaccedilotildees do Tribunal natildeo haacute garantia da
constitucionalidade do novo diploma o que pode acabar resultando em um reforccedilo da
postura ativista do Judiciaacuterio que interfere no acircmbito da liberdade de conformaccedilatildeo legislativa
ditando orientaccedilotildees que nem ele mesmo segue posteriormente
Dito isto evidencia-se que assim como a atitude do Judiciaacuterio pode
incentivar e encorajar um debate resultando na criaccedilatildeo de um novo diploma sem viacutecio o
que seria beneacutefico tambeacutem pode acabar resultando em um sequestro do processo legislativo
dando super poderes ao Judiciaacuterio que tanto pode anular como reformar um estatuto legal
(LUNA 2001)
Bateup sintetiza a criacutetica afirmando que a praacutetica do aconselhamento
judicial simplesmente encoraja os ramos poliacuteticos a fazer o que o Judiciaacuterio diz e que na
realidade o aconselhamento seria um aviso de que a legislaccedilatildeo natildeo satisfaz seus
entendimentos constitucionais e que embora ainda natildeo tenha sido derrubada seraacute assim no
futuro caso o Legislativo natildeo a adeque ao entendimento do Tribunal
Outro ponto importante que se verifica em ambas as categorias das
teorias fundadas no meacutetodo judicial tanto a de aconselhamento como as centradas no
processo eacute a necessidade de que para que esses mecanismos surtam algum efeito praacutetico
deve haver uma forte vontade de colaboraccedilatildeo entre os Poderes O Judiciaacuterio haacute de se
preocupar em avaliar a questatildeo e formular as diretrizes para a atuaccedilatildeo legislativa bem como
o Legislativo deve estar aberto ao recebimento dessas orientaccedilotildees e colocaacute-las em praacuteticas
Ou entatildeo no que diz respeito agrave teoria do minimalismo eacute necessaacuteria uma
forte consciecircncia das Cortes para concordar em conter a sua atuaccedilatildeo e ainda verificar quando
deve ou natildeo assim agir havendo o risco dessa contenccedilatildeo ocorrer em momentos inoportunos
e vice e versa
O que esse grupo de teorias revela sobretudo eacute a grande complexidade
das decisotildees judiciais no acircmbito do controle de constitucionalidade nos paiacuteses que seguem
um modelo fundado na supremacia do Judiciaacuterio ficando claro que nem sempre os
problemas constitucionais seratildeo resolvidos por meio da simples declaraccedilatildeo de
48
constitucionalidade ou inconstitucionalidade mesmo que acabem no fim resultando em um
dos dois efeitos isso pode ocorrer em diversas intensidades
Fica claro entatildeo que o Judiciaacuterio exerce um papel tambeacutem poliacutetico
precisando agir com prudecircncia tanto quanto o legislativo para que suas decisotildees sejam bem
aceitas pela sociedade e produzam os efeitos esperados (HUBNER 2008)
Dessa forma ainda que seja alvo de criacuteticas e talvez natildeo seja a melhor
forma de concretizar o diaacutelogo natildeo se pode desprezar totalmente o conteuacutedo dessas teorias
e nem seus efeitos praacuteticos pois assim como essas praacuteticas podem ser consideradas
prejudiciais do ponto de vista democraacutetico ao mesmo tempo podem ser consideradas
beneacuteficas sob a oacutetica de concretizaccedilatildeo de direitos fundamentais sobretudo em paiacuteses
subdesenvolvidos ou que enfrentam uma crise de representatividade do Poder Legislativo
pois mediante decisotildees judiciais este seraacute forccedilado a agir
Um importante caso que vem sendo apontado por diversos
doutrinadores como um sucesso na efetivaccedilatildeo de direitos fundamentais e que segue a loacutegica
dessas teorias eacute a Aacutefrica do Sul o qual passamos a explanar
9 O especial caso da Aacutefrica do Sul
O constitucionalismo Sul Africano tem recebido muita atenccedilatildeo dos
estudiosos sobretudo dos defensores das teorias dialoacutegicas em virtude das inovadoras
decisotildees que vem sendo proferidas pela Suprema Corte desse paiacutes
A implementaccedilatildeo de um Estado democraacutetico na Aacutefrica do Sul
notadamente natildeo foi um processo tranquilo tampouco paciacutefico em virtude da sua conjuntura
histoacuterica O reconhecimento da autoridade do Poder Judicial para realizar a revisatildeo das leis
natildeo foi fruto de um processo gradativo como ocorreu em outros paiacuteses mas sim uma
imposiccedilatildeo brusca e radical 48
O constitucionalismo Sul Africano pode ser dividido em duas fases a
primeira que durou de 1910 a 1994 onde a proteccedilatildeo dos direitos fundamentais cabia ao poder
poliacutetico tendo o judiciaacuterio um papel severamente limitado no controle desse processo e a
48 Ver ROUX Theunis The Politics of Principle the first South African Constitutional Court Cambridge
Cambridge University Press 2013
49
segunda fase recentemente iniciada onde a ordem social e juriacutedica baseia-se na supremacia
de uma constituiccedilatildeo imposta e protegida judicialmente (SCHYFF 2010 p 34)49
A Constituiccedilatildeo de 1996 eacute a quinta adotada pelo paiacutes e eacute exemplo mundial
de uma Constituiccedilatildeo de caraacuteter transformador - que estabelece aspiraccedilotildees entendidas como
um desafio agraves praacuteticas de longa data ndash sendo grande parte do seu texto dedicado a eliminaccedilatildeo
dos efeitos danosos do apartheid (SUSTEIN 2001)
No tocante ao modelo de judicial review adotado a Aacutefrica do Sul optou
por um modelo forte de revisatildeo reconhecendo a supremacia do Poder Judiciaacuterio para a sua
decisatildeo e sendo ele o responsaacutevel pela palavra final no tocante a interpretaccedilatildeo
constitucional Todavia a praacutetica tem revelado uma interessante atuaccedilatildeo do Tribunal no
julgamento de casos que envolvem a efetivaccedilatildeo de direitos socioeconocircmicos
Famoso exemplo eacute o julgamento do caso Grotboom50 no qual estava em
questatildeo o direito a moradia de centenas de pessoas incluindo crianccedilas que estavam
desalojadas Esse grupo de pessoas recorreu agrave Corte para requisitar com base nos artigos 26
e 28 da Constituiccedilatildeo que o Estado Sul Africano providenciasse moradia adequada para eles
A Corte ao analisar o caso agrave luz do artigo 26 que assegura o direito a
moradia entendeu que houve violaccedilatildeo ao direito constitucional dos requerentes pois o
Estado natildeo havia cumprido com o dever de efetivar progressivamente dentro dos recursos
disponiacuteveis o acesso agrave moradia adequada Destacou que embora o programa do Governo
relativo a moradia fosse razoaacutevel em vaacuterios aspectos era falho pois natildeo atendia agraves
necessidades mais urgentes natildeo prevendo soluccedilatildeo para as demandas de curto prazo
No paraacutegrafo 42 da decisatildeo a Corte enfatizou que a mera ediccedilatildeo de leis
natildeo eacute o suficiente para constituir o cumprimento do dever constitucional do Estado que este
tem a obrigaccedilatildeo de agir para alcanccedilar o resultado pretendido e as medidas legislativas
invariavelmente tecircm de ser apoiadas por poliacuteticas e programas bem dirigidos e
adequadamente implementados pelo Executivo Que as poliacuteticas e programas devem ser
49 Para um maior aprofundamento sobre o constitucionalismo Sul Africano ver COCKRELL Alfred The
South African Bill of Rights and the lsquoDuckRabbitrsquo 60 Mod L Rev 513 (1997) BOUCKAERT Peter N The
Negotiated Revolution South Africarsquos Transition to Multiracial Democracy 33 Stanford J Int L 375 (1997)
GOLDSTONE Richard J The South African Bill of Rights 32 Texas Int L J 1451 (1997)
50 Government of The Republic of South Africa and others v Grootboom and others (CCT 1100) Igraventegra da
decisatildeo disponiacutevel emlt httpwwwsafliiorgzacasesZACC200019htmlgt
50
razoaacuteveis tanto na sua concepccedilatildeo quanto na sua implementaccedilatildeo sendo a formulaccedilatildeo de um
programa apenas a primeira etapa para cumprir as obrigaccedilotildees do estado jaacute que este deve ser
razoavelmente implementado pois se assim natildeo for natildeo constituiraacute o cumprimento das
obrigaccedilotildees do Estado51
Por fim o Tribunal emitiu uma ordem declaratoacuteria que delimitou as
deficiecircncias do programa governamental e sugeriu em vez de direcionar medidas para
minimizar as falhas O documento natildeo indicou entretanto que tipo de abrigo o Governo
deveria construir deixando essa decisatildeo para o proacuteprio Estado (NGWENA 2013 p80)
Por intermeacutedio dessa decisatildeo a Corte ao mesmo tempo que reconheceu
a justiciabilidade dos direitos sociais preservou certa autonomia do Estado no que respeita
a elaboraccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas vez que natildeo determinou a exata maneira que o mesmo
deveria agir reconhecendo que essa eacute uma competecircncia que natildeo compete ao Judiciaacuterio
Esse tipo de decisatildeo pode ser visto sob o ponto de vista das teorias
dialoacutegicas fundadas no meacutetodo judicial explicadas acima Nesse sentido reforccedilando o
potencial dialoacutegico dessas decisotildees Dixon (2007) leciona que o Poder Judiciaacuterio deve
exercer um papel ativo a fim de evitar a ineacutercia dos outros poderes
Aponta que as possiacuteveis causas da ineacutercia legislativa seriam de duas
categorias os blind spots ou pontos cegos que satildeo as situaccedilotildees em que natildeo resta claro para
o Legislativo os imperativos de sua accedilatildeo reguladora como por exemplo quando natildeo
reconhecem que determinada forma de aplicaccedilatildeo de uma lei pode ser violadora de direitos
e quando a ineacutercia decorre de motivos de conveniecircncia poliacutetica quando acredita que o ocircnus
eleitoral da sua accedilatildeo pode ser maior que o da sua omissatildeo (DIXON 2007)
Nessa perspectiva de diaacutelogo proposta por Dixon cabe ao Judiciaacuterio
provocar o Legislativo por meio da decisatildeo judicial que o obrigue a elaboraccedilatildeo de poliacuteticas
puacuteblicas para garantir tanto quanto possiacutevel a maior eficaacutecia dos direitos fundamentais
51 [42] The state is required to take reasonable legislative and other measures Legislative measures by
themselves are not likely to constitute constitutional compliance Mere legislation is not enough The state is
obliged to act to achieve the intended result and the legislative measures will invariably have to be supported
by appropriate well-directed policies and programmes implemented by the executive These policies and
programmes must be reasonable both in their conception and their implementation The formulation of a
programme is only the first stage in meeting the statersquos obligations The programme must also be reasonably
implemented An otherwise reasonable programme that is not implemented reasonably will not constitute
compliance with the statersquos obligations Government of The Republic of South Africa and others v Grootboom
and others (CCT 1100)
51
sem todavia adentrar ou comprometer a sua liberdade de conformaccedilatildeo mas de forma que
retire o legislativo da sua ineacutercia
Por decisotildees como essa apesar do sistema Sul Africano ter como
caracteriacutestica a participaccedilatildeo ativa do Judiciaacuterio na efetivaccedilatildeo dos direitos fundamentais o
mesmo vem sendo apontado por alguns estudiosos das teorias do diaacutelogo como um sistema
promissor nesse sentido em virtude do enfraquecimento das decisotildees judiciais que apesar
de direcionarem a atuaccedilatildeo do Legislativo preservam a sua liberdade de escolha e atuaccedilatildeo
10 As teorias estruturais de diaacutelogo
Nessa categoria alocam-se as teorias que se baseiam no reconhecimento
de mecanismos institucionais ou poliacuteticos dentro dos sistemas constitucionais que permitam
aos atores poliacuteticos responder agraves decisotildees judiciais em caso de conflito
Ao contraacuterio das teorias do meacutetodo judicial essas natildeo tecircm como objeto
principal a construccedilatildeo da decisatildeo judicial mas sim as formas pelas quais se estabelecem as
relaccedilotildees entre as diversas estruturas do Poder de maneira que possam oferecer respostas agrave
uma decisatildeo que gere desacordo Hubner (2008 p 99) aponta que as teorias estruturais ao
contraacuterio das que se fundam no meacutetodo judicial possuem um caraacuteter exoacutegeno logo menos
dependente da postura de cada instituiccedilatildeo
Para os que defendem essas teorias o diaacutelogo surge mediante a
utilizaccedilatildeo de mecanismos de interaccedilatildeo entre juiacutezes e os outros atores poliacuteticos Esses
mecanismos satildeo encontrados no modelo do weak judicial review ou sistemas brandos de
controle de constitucionalidade os quais como jaacute dito surgiram como uma alternativa ao
modelo tradicional pautado na supremacia judicial
A maioria dessas teorias foram surgindo a partir da necessidade de
justificar e fundamentar a previsatildeo de mecanismos contidos no Bill of Rights de paiacuteses
tradicionalmente de supremacia parlamentar a fim de harmonizar este tipo de sistema com
a necessidade de proteccedilatildeo aos direitos fundamentais
De acordo com a sistematizaccedilatildeo feita por Bateup existem quatro
subcategorias de teorias estruturais as de construccedilatildeo coordenada as dos princiacutepios juriacutedicos
a do equiliacutebrio e a da parceria Importante esclarecer que apesar de termos adotado essa
52
sistematizaccedilatildeo como nosso referencial teoacuterico por acreditarmos na sua coerecircncia e
completude neste particular ousamos discordar dessa diferenciaccedilatildeo
A diferenciaccedilatildeo feita por Bateup reside basicamente nos argumentos de
que as teorias de construccedilatildeo coordenada se aplicam apenas ao contexto norte-americano as
teorias dos princiacutepios juriacutedicos reconhecem uma especial competecircncia ao Judiciaacuterio para
decidir questotildees relacionadas agrave princiacutepios juriacutedicos as do equiliacutebrio por serem neutras natildeo
reconhecem nenhuma capacidade especial a nenhum Poder e contam ainda com a
participaccedilatildeo da sociedade e as teorias da parceria
Sendo assim todas as subcategorias em que Bateup divide as teorias
estruturais de diaacutelogo enquadram-se na ideia geral da construccedilatildeo coordenada podem ateacute se
diferenciar em um ou outro aspecto mas ainda assim natildeo deixam de fazer parte desta
Dessa forma natildeo se deixaraacute de abordar as subdivisotildees propostas por
Bateup mas ao contraacuterio do que foi feito no tocante as teorias centradas no meacutetodo judicial
natildeo se mencionaraacute especicamente cada uma delas para depois dar exemplos praacuteticos mas
seratildeo feitas as devidas menccedilotildees quando da anaacutelise dos diferenres sistemas de weak judicial
review que aqui se apresenta como exemplo das teorias estruturais de diaacutelogo
Importante se faz esclarecer que essa opccedilatildeo tambeacutem reside em questotildees
didaacuteticas necessaacuterias para a melhor compreensatildeo do trabalho
10 1 Teorias de construccedilatildeo coordenada
Tratam-se de teorias que reconhecem que a identificaccedilatildeo do sentido
constitucional eacute uma tarefa a ser compartilhada entre as diversas esferas do Poder ou seja
natildeo eacute uma tarefa atribuiacuteda unicamente ao Judiciaacuterio Assim o diaacutelogo eacute algo inerente ao
princiacutepio do check and balances natildeo havendo uma uacutenica instacircncia detentora da uacutetlima
palavra
Com isso a base dessas teorias eacute o fato de que da mesma forma que o
Tribunal possui mecanismos de controle dos ramos poliacuteticos por meio da revisatildeo judicial
tambeacutem podem ser colocados controles sobre o Tribunal quando os atores poliacuteticos
estiverem em desacordo com a sua interpretaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo
53
Bateup (2005 p 33) define a teoria da construccedilatildeo coordenada como a
mais antiga concepccedilatildeo de interpretaccedilatildeo constitucional fazendo menccedilatildeo ao pensamento dos
teoacutericos americanos de James Madison e Thomas Jefferson o primeiro por ter reconhecido
que apesar das questotildees de interpretaccedilatildeo constitucional normalmente recaiacuterem sobre o
Judiciaacuterio no curso normal do Governo a Constituiccedilatildeo natildeo lhe atribui qualquer autoridade
especiacutefica perante outros braccedilos do Poder e o segundo por considerar que cada ramo do
Governo deve ser ldquocoordenado e independenterdquo possuindo todos eles responsabilidade pela
interpretaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo
No contexto norte americano um dos primeiros autores a abordar essa
teoria foi Louis Fisher que teve como principal meacuterito demonstrar mediante exemplos da
histoacuteria americana que o processo constitucional eacute mais complexo do que a simples emissatildeo
pela Corte da uacuteltima palavra A uacuteltima palavra segundo essa histoacuteria confirmaria natildeo
pertence a nenhuma instituiccedilatildeo (HUBNER 2009 p 126)
O que haacute de mais caracteriacutestico nessas teorias eacute o fato de os outros
ramos do Poder em especial o Legislativo caso natildeo concordem com a decisatildeo judicial
poderem provocar a Corte reconhecendo assim que a interpretaccedilatildeo constitucional eacute tarefa
que compete a todos os Poderes e natildeo apenas a um ramo em especiacutefico
Vaacuterios autores dentro do cenaacuterio americano passaram a tratar do
assunto inclusive em forma de criacuteticas poreacutem por questotildees didaacuteticas conforme jaacute
mencionado natildeo se limitaraacute a falar especificamente sobre cada um deles52 Todavia destaca-
se a teoria de Barry Friedman a qual Bateup subclassifica como teoria do equiliacutebiro poreacutem
aqui eacute tratada como uma teoria de construccedilatildeo coordenada pelos motivos jaacute acima expostos
A teoria de Friedman merece ser mencionada pois se diferencia das
outras tantas que se encaixam nesta categoria por considerar a importacircncia do papel ativo da
sociedade na deliberaccedilatildeo sobre direitos
Para esse Autor a Constituiccedilatildeo eacute um texto aberto e flexiacutevel que permite
52 Outros importantes nomes dessa teoria satildeo Keith Whittington e Mitchell Pickeril Destaque para a
importacircncia do trabalho deste uacuteltimo que realizou importante pesquisa empiacuterica da realidade americana de
caraacuteter revelador e agregador para a teoria da construccedilatildeo coordenada demonstrando que o diaacutelogo entre os
poderes eacute inerente ao princiacutepio do check and balances americano pelo que sugerimos a consulta PICKERILL
J Mitchell Constitutional Deliberation in Congress the impact of Judicial Review in a Separated System
Duke University Press 2004
54
diversas interpretaccedilotildees sujeitas agrave mudanccedilas constantes Assim a interpretaccedilatildeo constitucional
seria um processo de idas e vindas em que a Corte devolve o tema para a sociedade e
para outros poderes e vice-versa metaforicamente como uma partida de tecircnis na qual os
parceiros rebatem a bola um para o outro53 (FRIEDMAN 1993)
Com isso afasta a ideia de que haacute uma vontade da maioria definida a
ser representada por um dos poderes sugerindo que na realidade essa vontade sofre
constantes mutaccedilotildees54 cabendo aos ramos do Poder no processo de interpretaccedilatildeo
constitucional negociar e definir uma direccedilatildeo em meio ao pluralismo existente na
sociedade55 Reconhece o diaacutelogo institucional como fruto da separaccedilatildeo de poderes
compartilhando dos elementos da teoria da construccedilatildeo coordenada poreacutem acrescenta a eles
a vontade popular
Eacute justamente no aspecto relativo a grande importacircncia que daacute a vontade
popular que reside a principal criacutetica agrave essa teoria pois natildeo oferece alternativa agrave interaccedilatildeo
constitucional estabelecida entre o Judiciaacuterio e os poderes poliacuteticos nas questotildees de menor
importacircncia poliacutetica nas quais o diaacutelogo com toda a sociedade eacute improvaacutevel de ocorrer
(BATEUP 2006 p 69)
Seria impensaacutevel na praacutetica um sistema de jurisdiccedilatildeo constitucional
no qual os Poderes tivessem que recorrer agrave opiniatildeo popular todas as vezes que fossem
realizar a interpretaccedilatildeo de qualquer norma constitucional
Saindo do contexto norte americano outras teorias estruturais do
diaacutelogo emergiram a partir da anaacutelise dos novos modelos de jurisdiccedilatildeo constitucional
adotados por paiacuteses da Commonwealth como jaacute mencionamos no iacutencio deste trabalho Desta
forma optou-se didaticamente por tratar dessas teorias e suas respectivas especificidades no
acircmbito da exposiccedilatildeo dos sistemas e casos em concreto o que se passaraacute a fazer
53 ldquoCourts serve as societyacutes tennis partner always volleying the ball backrdquo (FRIEDMAN 1993 p669)
54 ldquoThe court is free to change its mind The people are free to disagree with the court The court is free to
disagree with the people The members of the courts are free to and usually do disagree with one another As
disagreement occurs the document will take one new meaningsrdquo (FRIEDMAN 1993 p651)
55 ldquoThis process of constitutional interpretation hardly pits the court against the people Rather the court
mediate the views of various people The process is interactive (hellip) Simply put our process of constitutional
interpretation is a dialoguerdquo (FRIEDMAN 1993 p 654)
55
1011 Os mecanismos dialoacutegicos do sistema de revisatildeo judicial
canadense e as teorias de princiacutepios juriacutedicos
Ao adotar formalmente um sistema de judicial review atribuindo ao
Judiciaacuterio a capacidade para solucionar casos concretos de incompatibilidade entre
legislaccedilatildeo e a Carta suscitados por particulares56 o Canadaacute a fim de evitar a consagraccedilatildeo de
um modelo fundado na supremacia judicial ao estilo americano que implicasse na perda do
poder do Parlamento incluiu na sua Carta mecanismos que possibilitassem uma limitaccedilatildeo
do Poder atribuiacutedo ao Judiciaacuterio e ao mesmo tempo preservassem as competecircncias
parlamentares
Esses mecanismos previstos nas Seccedilotildees 33 e 1 da Carta Canadense
consistem respectivamente na ldquoclaacuteusula natildeo obstanterdquo (notwishstanding clause) a qual
possibilita que o Legislativo aplique uma lei mesmo quando esta for contraacuteria ao texto
constitucional e na possibilidade do Legislativo reeditar uma norma que configure e limite
direito consagrado nas seccedilotildees 2 e de 7 a 15 e que jaacute tenha sido objeto de reprovaccedilatildeo pelo
Judiciaacuterio desde que fundada em justificativa razoaacutevel bem como na possibilidade de
configuraccedilatildeo pelo legislativo de direitos e liberdades fundamentais
O estudo realizado por Bushell e Hogg (1997) eacute apontado como um
marco teoacuterico da experiecircncia canadense pois a partir de uma pesquisa de mais de 65 casos
concretos decididos pela Corte canandense desde a Carta de 1982 os autores verificaram
que na grande maioria deles houve em um prazo razoavelmente curto uma resposta
legislativa agrave decisatildeo judicial Diante disso os autores afirmaram que o sistema canadense
propicia a concretizaccedilatildeo de um verdadeiro diaacutelogo entre os Poderes no exerciacutecio da
jurisdiccedilatildeo constitucional
A anaacutelise dos autores a respeito da implementaccedilatildeo da revisatildeo judicial
canadense pela Carta de 1982 eacute bastante otimista pois consideram que ateacute mesmo naqueles
casos em que o legislador aquiesceu agrave decisatildeo proferida pela Corte houve uma reaccedilatildeo
dialoacutegica jaacute que a concordacircncia tambeacutem pode ser fruto de um diaacutelogo
56 ldquoArt 24 (1) Anyone whose rights or freedoms as guaranteed by this Charter have been infringed or denied
may apply to a court of competent jurisdiction to obtain such remedy as the court considers appropriate and
just in the circumstances Art 52 (1) The Constitution of Canada is the supreme law of Canada and any law
that is inconsistent with the provisions of the Constitution is to the extent of the inconsistency of no force or
effectrdquo Canadian Constitutional Act 1982
56
Afirmam que os legisladores canadenses estatildeo engajados na
concretizaccedilatildeo do diaacutelogo com a Corte eis que buscam fundamentar no preacircmbulo das leis
promulgadas tanto das que excedem os limites da Carta como das que substituem as que
foram consideradas inconstitucionais que as mesmas se dirigem a um objetivo ldquourgente e
substancialrdquo e destinam-se a ldquolimitar razoalmenterdquo direitos e liberdades (BUSHELL
HOGG 1997 p 101)
Consideram ainda que mesmo quando apoacutes a anaacutelise judicial a lei natildeo eacute
declarada invaacutelida haacute um diaacutelogo em virtude de tal anaacutelise despertar o debate puacuteblico
chamando a atenccedilatildeo do legislador ao assunto de forma que possa rever possiacuteveis problemas
na lei e eventualmente alteraacute-la Ou seja a decisatildeo judicial natildeo deve ser encarada como um
veto mas como o ponto de partida para uma conversa institucional sobre como conciliar
direitos individuais com obejtivos de poliacuteticas econocircmicas e sociais (BUSHELL HOGG
1997 p 101-105)
Referido estudo teve grande repercussatildeo na doutrina nacional Por um
lado muitos reforccedilaram e concordaram com a ideia dos autores por outro a mesma foi alvo
de intensa criacuteticas sobretudo pela forma abrangente de caracterizaccedilatildeo do diaacutelogo57 O
impacto tambeacutem foi sentido na proacutepria Corte que passou a usar a metaacutefora do diaacutelogo para
justificar suas decisotildees algumas delas bastante controversas conforme se leraacute mais adiante
Portanto a experiecircncia canadense eacute um importante exemplo de aplicaccedilatildeo
das teorias estruturais dialoacutegicas jaacute que traz a previsatildeo expressa de mecanismos
possibilitadores na visatildeo de alguns de um diaacutelogo institucional
Na sistematizaccedilatildeo feita por Bateup as teorias que se referem agrave
experiecircncia canadense satildeo teorias de princiacutepios juriacutedicos Na classificaccedilatildeo da Autora esse
grupo de teorias corresponde agravequelas em que haacute o reconhecimento de que o Judiciaacuterio possui
57 A repercussatildeo literaacuteria do estudo foi tatildeo grande e significativa que apoacutes dez anos da sua publicaccedilatildeo o
mesmo perioacutedico (Osgoode Hall Law Journal) lanccedilou uma ediccedilatildeo comemorativa contendo uma atualizaccedilatildeo
do texto original e outros artigos em resposta ao mesmo Ver HOGG P et al ldquoCharter Dialogue Revisited
ndash Or Much Ado About Metaphorsrdquo HAIGH R e SOBKIN M ldquoDoes the Observer Have an Effect An
Analysis of the Use of the Dialogue Metaphor in Canadarsquos Courtsrdquo HUSCROFT G ldquoConstitutionalism from
the Top Downrdquo MANFREDI C ldquoThe Day the Dialogue Died A Comment on Sauveacute v Canadardquo MATHEN
C ldquoDialogue Theory Judicial Review and Judicial Supremacy A Comment on lsquoCharter Dialogue
Revisitedrsquordquo PETTER A Taking Dialogue Theory Much Too Seriously (or Perhaps Charter Dialogue Isnrsquot
Such a Good Thing After All) ROACH K Sharpening the Dialogue Debate The Next Decade of
Scholarshiprdquo e HOGG P et al ldquoA Reply on lsquoCharter Dialogue Revisitedrdquo
57
uma especial competecircncia institucional voltada para a resoluccedilatildeo de questotildees que envolvem
princiacutepios juriacutedicos cabendo aos poderes poliacuteticos fazer o controle das decisotildees no caso de
erro de interpretaccedilatildeo (BATEUP 2006 p41)
Ainda que essas teorias reconheccedilam uma competecircncia de certo modo
especial ao Judiciaacuterio a qual pode ateacute mesmo ser considerada como caracteriacutestica inerente
ao proacuteprio judicial review tendo em vista que elas tambeacutem preveem a possibilidade de
reaccedilatildeo do legislativo agrave decisatildeo judicial incluindo a possibilidade de correccedilatildeo dessa decisatildeo
entende-se que natildeo se distanciam das teorias de construccedilatildeo coordenada ao ponto de merecer
classificaccedilatildeo diferente
Destaca como primeiro defensor dessa competecircncia especial do
Judiciaacuterio Alexander Bickel que considerou o Judiciaacuterio como detentor de especial
habilidade para preservar proteger e defender princiacutepios devido ao seu isolamento poliacutetico
e por outro lado o Legislativo como melhor indicado para determinar valores sociais
fundamentais pela sua proximidade com as pessoas (BATEUP 2006 p41-42)
Nesse sentido Bushell e Hogg ao tratar da metaacutefora do diaacutelogo na
experiecircncia canadense tambeacutem satildeo partidaacuterios desse entendimento eis que afirmaram
alguns anos e muitas criacuteticas apoacutes o seu primeiro estudo que o legislativo pode e deve
interpretar a Carta mas que natildeo deve agir de forma contraacuteria a interpretaccedilatildeo proferida pela
Corte 58
Kent Roach tambeacutem eacute outro importante autor canadense que defende a
competecircncia especial do Judiciaacuterio para lidar com questotildees de princiacutepios todavia ressalta a
58 ldquoThe key issue in our view is not whether the legislative and executive branches do and should interpret
the Charter (they do and should) but whether they should act on an interpretation of the Charter that conflicts
with an interpretation provided by the courts backdrop of a prior relevant judicial decision the legislature
and the executive may act on their interpretation of the Charter Why Because in doing so they would not be
doing (or refraining from doing) something that the courts have said would unjustifiably infringe the Charter
It would be strange indeed if the legislative or executive branches could not interpret the Charter and act on
that interpretation where a court has not yet considered what the Charter prohibits (or requires) in the
circumstances1 However where the interpretive task takes place against the backdrop of a prior relevant
judicial decision the legislature and the executive may not act on an interpretation of the Charter which
conflicts with an interpretation provided by the courts Why Because in doing so they would be doing (or
refraining from doing) something that the courts have said would unjustifiably infringe the Charter and under
our system of constitutional democracy that is impermissiblerdquo (BUSHEL HOGG 2007 p 33)
58
importacircncia do Parlamento aludindo que a decisatildeo judicial apenas inicia o debate59
Destaca que a atuaccedilatildeo da Corte natildeo impede que o Parlamento prevaleccedila
se este assim quiser mas reforccedila a responsabilidade das suas escolhas poliacuteticas e o induz a
apresentar justificativas razoaacuteveis e aceitaacuteveis para legitimar suas opccedilotildees que venham a
restringir direitos (ROACH 2001)
Portanto em suma as teorias dos princiacutepios juriacutedicos vivenciadas na
experiecircncia canadense satildeo aquelas que defendem a ideia da participaccedilatildeo de todos os poderes
na interpretaccedilatildeo constitucional sendo esta uma tarefa conjunta todavia privilegiam a
interpretaccedilatildeo judicial poreacutem com a possibilidade de reaccedilatildeo legislativa
Bateup acrescenta ainda uma subdivisatildeo dentro dessas teorias tendo em
vista que para alguns autores o diaacutelogo se consubstancia na realizaccedilatildeo do controle das
decisotildees judiciais pelos poderes poliacuteticos no caso da ocorrecircncia de erro de interpretaccedilatildeo e jaacute
para outros - que minimizam o papel do controle poliacutetico sobre o Tribunal - o diaacutelogo surge
por intermeacutedio da articulaccedilatildeo legislativa que emerge como resposta agraves decisotildees judiciais
Essas subdivisotildees se traduzem na praacutetica justamente nos dois
mecanismos dialoacutegicos expressamente adotados pela Carta canadense os quais seratildeo
explicados a seguir
1012 Princiacutepios e articulaccedilatildeo legislativa da poliacutetica ndash seccedilatildeo 1 da
Carta Canadense
As teorias identificadas por Bateup como Teorias de Princiacutepios e
Articulaccedilatildeo Legislativa da Poliacutetica satildeo as que preceituam que a concretizaccedilatildeo do diaacutelogo
ocorre por meio da articulaccedilatildeo legislativa Reconhecem ao Legislativo competecircncia especial
para a elaboraccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas e para conciliar muacuteltiplos objetivos concorrentes na
sociedade pelo que este deve responder agraves decisotildees judiciais respeitando a interpretaccedilatildeo de
princiacutepios feita pelo Tribunal poreacutem com uma visatildeo mais ampla dos objetivos poliacuteticos
(BATEUP p 50-51)
Como exemplo dessa teoria pode-se indicar a Seccedilatildeo 1 da Carta
59 Para maior clareza e detalhes desse entendimento ver as seguintes obras do referido autor ldquoThe Supreme
Court on Trial Judicial Ativism or Democratic Dialogue 2001rdquo e ldquoConstitutional and Common Law
Dialogues Between Supreme Court and Canadian Legislatures2001rdquo
59
Canadense60 a qual atribui ao Legislativo a possibilidade de relativizaccedilatildeo por meio de lei
de direitos e garantias desde que seja razoaacutevel e ldquojustificada de forma demonstraacutevel em uma
sociedade livre e democraacuteticardquo61
O objetivo central para a criaccedilatildeo desta norma era garantir que o
Legislativo continuasse a ter flexibilidade de escolha quando da aprovaccedilatildeo de poliacuteticas que
eventualmente fossem conflitantes com os novos direitos fundamentais que passaram a ser
resguardados pela Carta (HIEBERT 1990)
Todavia apesar de a claacuteusula ser direcionada ao Legislativo a avaliaccedilatildeo
das questotildees que envolvem a sua aplicabilidade como a verificaccedilatildeo da legalidade e da
legitimidade62 acaba por ser feita pelo Judiciaacuterio a quem compete analisar as
incompatibilidades entre as leis e os direitos e liberdades assegurados pela Carta
Dessa forma a aplicaccedilatildeo da Seccedilatildeo 1 da Carta revelou-se de certa forma
engenhosa pois ao mesmo tempo em que confere maior liberdade ao legislador
caracteriacutestica de um weak judicial review a verificaccedilatildeo da razoabilidade da sua escolha eacute
feito pelo Judiciaacuterio Sendo assim ainda que a claacuteusula seja dirigida ao Legislativo as
implicaccedilotildees da sua aplicaccedilatildeo chamaram muita atenccedilatildeo no acircmbito da atuaccedilatildeo judicial
Nesse sentido Elliot (1987 p 279) aponta que a Seccedilatildeo 1 tornou-se de
fato a principal disposiccedilatildeo da Carta e a maneira como a Corte tem lidado com ela diz muito
a respeito natildeo apenas do impacto que a Carta pode ter sobre os outros poderes mas tambeacutem
sobre a proacutepria Corte e como ela percebe seu papel sob a Carta
Os principais estudos realizados para analisar o comportamento da Corte
quando da avaliaccedilatildeo da aplicaccedilatildeo da Seccedilatildeo 1 pelo Legislativo revelaram que natildeo haacute uma
conduta uniforme podendo a Corte tanto ter uma conduta mais ativista quanto mais
deferente agraves opccedilotildees legislativas
Estudiosos classificam e dividem a atuaccedilatildeo da Corte em trecircs momentos
60 Para entender o histoacuterico evolutivo de criaccedilatildeo da referida claacuteusula ver HIEBERT Janet The Evolution of
Limitation Clause 28 Osgoode Hall L J 103 1990
61 ldquo1The Canadian Charter of Rights and Freedoms guarantees the rights and freedoms set out in it subject
only to such reasonable limits prescribed by law as can be demonstrably justified in a free and democratic
societyrdquo Canadian Constitution Act 1982
62 Sobre a verificaccedilatildeo da legalidade e legitimidade ver HIEBERT J L Limiting Rights The Dilemma of
Judicial Review p 137-146
60
o primeiro relativo aos primeiros anos de vigecircncia da Carta o segundo referente a fase
iniciada com o julgamento do caso R v Oakes e o terceiro relativo aos desenvolvimentos
mais atuais
Nos primeiros anos em que vigorou a Carta canadense percebeu-se que
a conduta da Corte no tocante a aplicaccedilatildeo da Seccedilatildeo 1 foi bastante abrangente buscando
afirmar o seu papel de guardiatilde de direitos e liberdades bem como garantir a maacutexima eficaacutecia
dos mesmos Assim pode-se dizer que nos primeiros anos a Corte adotou uma postura
ativista (ELLIOT 1987) 63
Apesar da postura ativista a Corte logo nos primeiros anos natildeo realizava
de fato a anaacutelise da razoabilidade das medidas legislativas restritivas de direito sob seu
escrutiacutenio tentando natildeo enfrentar questotildees de cunho poliacutetico limitava-se a dizer que a
restriccedilatildeo de direitos poderia significar indiretamente a intenccedilatildeo do legislador de reformar a
Carta o que natildeo podia ser admitido (ELLIOT 1987)
A adoccedilatildeo desse tipo de postura pela Corte pode ser percebida no
julgamento do caso Ag Quebec v Quebec Association of Protestant Schools Boards64
ocorrido no ano de 1984 dois anos apenas apoacutes a aprovaccedilatildeo da Carta quando foi discutida
e declarada a incompatibilidade do da Seccedilatildeo 73 da Carta de Quebec da Liacutengua Francesa
(Quebec Charter of the French Language ou Bill 101) com a seccedilatildeo 23 da Carta Canadense
de Direitos e Liberdades 65
Em suma o que dispunha o Bill 101 era uma restriccedilatildeo ao direito de acesso
das crianccedilas a escolas puacuteblicas de Liacutengua Inglesa com exceccedilatildeo das crianccedilas cujo pai ou matildee
tivesse estudado em escolas tambeacutem de Liacutengua Inglesa dos filhos de imigrantes que jaacute
vivessem na proviacutencia anteriormente agrave aprovaccedilatildeo da lei e que tivessem sido educados em
Inglecircs ou cuja educaccedilatildeo tenha sido em uma liacutengua pouco falada naquele local ou aquelas
63 No mesmo sentido ldquoIn its initial judgments under the Canadian Charter of Rights and Freedoms the
Supreme Court of Canada respected the postwar structure of rights protection embedded in its first provision
and began to work out the requisite rules of interpretation legal presumptions and conceptions of institutional
roles Central to thislegal analysis was the Courtrsquos understanding that its responsibility was to secure the
rights guarantees as supreme law and to ensure that the limitation function enjoyed normative continuitywith
the rightsrdquo (WEINRIB 2002 p 122)
64 AG (Que) v Quebec Protestant School Boards [1984] 2 SCR Iacutentegra da decisatildeo disponiacutevel em lt
httpsscc-csclexumcomscc-cscscc-cscenitem26indexdogt
65 Nesse mesmo sentido ver tambeacutem a outros casos como Hunter v Southam Inc Re Singh and Ministered of
Employment and Imigration R v Big M Drug Mart Ltd
61
crianccedilas que tivessem irmatildeo jaacute matriculado na mesma escola
Entendeu a Corte portanto que essa norma visava modificar a
disposiccedilatildeo contida na Carta Canadense a qual dispunha expressamente sobre a garantia da
educaccedilatildeo puacuteblica em inglecircs ou francecircs aos filhos de cidadatildeos cuja primeira liacutengua que
tenham recebido na educaccedilatildeo primaacuteria seja uma liacutengua minoritaacuteria naquele local natildeo se
prestando a analisar a razoabilidade da limitaccedilatildeo de direitos alegada pela Proviacutencia de
Quebec66
Dessa forma o que se percebe eacute que a Corte sequer chegou a analisar a
razoabilidade da medida e as provaacuteveis justificativas do legislador limitando-se a declarar a
incompatibilidade da lei sem tentar sequer interpretaacute-la de acordo com a Carta
A segunda fase de acordo com divisatildeo feita por Elliot foi inaugurada
com o famoso julgamento do caso R v Oakes67 em 1986 quando foi introduzida pela
primeira vez uma regra para a verificaccedilatildeo da razoabilidade da restriccedilatildeo imposta pela medida
legislativa a luz da Seccedilatildeo 1 da Carta Canadense
A Corte passou entatildeo a utilizar o que ficou conhecido como ldquoteste de
Oakesrdquo para verificar se a medida legislativa constitui uma restriccedilatildeo a direitos razoaacutevel e
comprovadamente justificaacutevel em uma sociedade livre e democraacutetica o qual consiste
basicamente no estabelecimento de um padratildeo de prova apoiado em severos criteacuterios de
verificaccedilatildeo da legitimidade racionalidade necessidade e proporcionalidade da restriccedilatildeo
(TREMBLAY WEBBER 2008 p 2)68
66 ldquoThe limits imposed by s 73 are not legitimate limits within the meaning of s 1 of the Charter to the extent
that the latter section applies to rights conferred by s 23 In view of the period when the Charter was enacted
and especially in light of the wording of s 23 which repeats the unique set of criteria contained in s 73 of Bill
101 it is apparent that Chapter VIII seemed to the framers as an archetype of the regimes needing reform
Accordingly the limits which Bill 101 imposes on rights relating to the language of instruction cannot possibly
have been regarded by the framers of the Constitution as coming within ldquosuch reasonable limits prescribed by
law as can be demonstrably justified in a free and democratic societyrdquo Even if enacted after the Charter the
s 73 limits could not be legitimized by s 1 of the Charter Section 73 redefines for Quebec the classes of
persons who are entitled to instruction in the minority language and has the effect of creating an exception to
s 23 and of amending the Charter Whatever their scope the limits which s 1 allows cannot be equated with
exceptions to the rights and freedoms guaranteed by the Charter and may not be treated as amendments to the
Charterrdquo (AG (Que) v Quebec Protestant School Boards 1984 p 67-68)
67 O caso teve por objeto a anaacutelise de incompatibilidade entre a seccedilatildeo 8 do Narcotic Control Act que atribuia
o ocircnus ao cidadatildeo preso por porte de droga de prova que a mesma natildeo se destinava ao traacutefico e a seccedilatildeo 11(d)
da Carta que dispotildee sobre o princiacutepio da presunccedilatildeo de inocecircncia R v Oakes [1986] 1 SCR 103 inteiro teor
da decisatildeo disponiacutevel emhttpsscc-csclexumcomscc-cscscc-cscenitem117indexdo
68 Para uma comparaccedilatildeo entre o teste de Oakes e a aplicaccedilatildeo do princiacutepio da proporcionalidade ver GRIMM
Dieter Porportionality in Canada and German Constitutional Jurisprudence University of Toronto Journal
62
Inicialmente a introduccedilatildeo do ldquoteste de Oakesrdquo parecia ter resolvido as
questotildees e duacutevidas relativas a aplicaccedilatildeo da Seccedilatildeo 1 da Carta Todavia a praacutetica mostrou
rapidamente que o teste natildeo resolvera todas as questotildees os julgamentos que se seguiram
demonstraram ainda existir um forte desacordo entre os membros da Corte sobre a aplicaccedilatildeo
da claacuteusula bem como dificuldades inerentes ao proacuteprio teste (ELLIOT 1986)
A aplicaccedilatildeo do teste por acabar induzindo uma postura mais ativista da
Corte e limitando a margem de atuaccedilatildeo do legislador foi muito discutida doutrinariamente
e tambeacutem no acircmbito da proacutepria Corte (TREMBLAY WEBBER 2008)69 Alguns membros
passaram a ver os desdobramentos da aplicaccedilatildeo do teste como uma expansatildeo injustificada
do Poder judicial em detrimento dos outros poderes pelo que comeccedilaram entatildeo a defender
a necessidade de uma atuaccedilatildeo mais contida (WEINRIB 2002 p 123)
Diante disso as anaacutelises mais recentes dos estudiosos a respeito da
aplicaccedilatildeo da seccedilatildeo 1 da Carta canadense passaram a demonstrar a adoccedilatildeo de uma conduta
mais deferente da Corte para com as medidas legislativas Neste sentido Dixon (2009) ao
analisar inuacutemeros julgados sugere a existecircncia de uma maior contenccedilatildeo da Corte ao lanccedilar
o que chama de ldquosegundo olharrdquo (second look cases) sobre o caso ou no segundo ldquoroundrdquo
do diaacutelogo
O que se percebe eacute que na praacutetica a aplicaccedilatildeo da Seccedilatildeo acaba sendo mais
problemaacutetica do que a teoria imaginava quando da sua criaccedilatildeo Haacute uma dificuldade latente
em estabelecer os limites de interferecircncia do Judiciaacuterio na liberdade de atuaccedilatildeo do
legislativo jaacute que o mesmo acaba tendo que realizar uma anaacutelise do meacuterito das escolhas
poliacuteticas do Legislativo que justifiquem a restriccedilatildeo ou limitaccedilatildeo de direitos e liberdades
Por outro lado se a Corte adota uma postura mais passiva optando por
natildeo interferir na atuaccedilatildeo legislativa e acatar suas escolhas ou ateacute mesmo deixar de adentrar
na anaacutelise do seu meacuterito aiacute tambeacutem haacute riscos Para Weinrib (2002) a postura deferente da
Corte eacute contraacuteria aos objetivos da Carta ignorando a reconstruccedilatildeo dos papeis institucionais
proposta por ela bem como a hierarquia especial dada aos direitos e liberdades nela
Vol 57 N 2 Spring 2007 pp 383-397 e TAVARES DA SILVA Suzana O tretalema do Controlo Judicial
da Porporcionalidade in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra Vol LXXXVIII Tomo
II 2012 pp 639-677 69 Para uma melhor compreensatildeo acerca da aplicaccedilatildeo do teste de Oakes ver CHOUDHRY Sujit So What is
the Real Legacy of Oakes Two Decades of Proportionally Analysis under the Canadian Charterrsquos Section 1
Supreme Court Law Review Vol 34 N 2d pp 501-525 2006
63
previstos assim defender a contenccedilatildeo da Corte seria ceder a primazia dos direitos e
liberdades agrave Poliacutetica enquanto que os legisladores devem estar preparados para arcar com
as responsabilidades das suas escolhas70
No tocante a utilizaccedilatildeo da Seccedilatildeo 1 da Carta pelo Legislativo Tushnet
(2009) destaca que a mesma tambeacutem se revela na praacutetica de certa forma problemaacutetica O
que a experiecircncia canadense mostrou foi que muitas vezes o legislativo utiliza-se da
prerrogativa concedida pela Carta para reeditar a mesma medida legislativa restritiva de
direitos jaacute apreciada e reprovada pelo Judiciaacuterio sem alteraccedilotildees substantivas apenas por
exemplo incluindo no preacircmbulo da lei justificativas usadas por juiacutezes em votos dissidentes
que aprovaram a medida estrateacutegia que ficou conhecida como ldquoin you face responserdquo
Exemplo claacutessico dessa praacutetica do legislador foi o que ocorreu no caso R
v OrsquoConnor71 onde foi discutida pela Suprema Corte Canadense a possibilidade do acusado
em processo penal de obter acesso agraves informaccedilotildees meacutedicas das viacutetimas
O entendimento que prevaleceu na Corte em uma votaccedilatildeo natildeo unacircnime
foi o de que o reacuteu teria direito ao acesso de registros possivelmente relevantes para a
resoluccedilatildeo do caso e mediante anaacutelise do juiz que deveria fazer um balanccedilo entre o direito
de defesa do acusado e o direito a privacidade das viacutetimas Os votos dissidentes defendiam
a exigecircncia de que para que o acusado tivesse acesso agraves informaccedilotildees meacutedicas das viacutetimas
comprovasse antecipadamente de forma substancial e robusta a imprescindibilidade das
70 ldquoI develop a critique of the deferential approach to judicial review under the Charter First it disregards
the prolonged well-informed and remarkably participatory debate that led to the Charterrsquos adoption
Particularly it disregards its fully and publicly articulated remedial purpose to withdraw certain interests
denominated as constitutional rights and freedoms from the give and take of the ordinary political process
Second it fails to take seriously the written product of that debate The deferential approach in effect creates
a hierarchy of rights lacking any discernible basis in the text and ignores the differentiation between rights
that the text does make It also disregards the carefully chosen terms of the limitation formulation drafted in
publicly televised parliamentary proceedings That text was expressly designed to include the technical legal
language of the postwar instruments in order to deliver the effective regime of rights-protection desired by
Canadians generally and in particular sought by those to whom the previous lack of rights-protection
mattered most Disregard of remedial purposes and text leads to the third failing insensitivity to the Charterrsquos
reconstruction of institutional roles The advocates of deference cede the primacy of guaranteed rights and
freedoms to ordinary politics on the ground that the representative accountable legislatures must take
responsibility for the political choices required In effect the polity reverts to the legislative policy-making role
that the Charter was designed to redesignrdquo (WEINRIB 2002 p 123)
71 R v OrsquoConnor [1995] 4 SCR 411 Iacutentegra da decisatildeo disponiacutevel em httpscc-csclexumcomscc-
cscscc-
cscenitem1323indexdor=AAAAAQAjUiB2LiBP4oCZQ29ubm9yIFsxOTk1XSA0IFMuQy5SLiA0MTE
B
64
informaccedilotildees
O Parlamento canadense respondeu ao julgamento da Corte com a ediccedilatildeo
de uma nova lei que visando resguardar o direito agrave privacidade das viacutetimas
consequentemente restringindo o direito de defesa do reacuteu estabelecia um procedimento mais
riacutegido para que o mesmo tivesse acesso agraves informaccedilotildees para fundamentar a restriccedilatildeo seguiu
os argumentos dos votos dissidentes
Essa lei foi objeto de anaacutelise pela Suprema Corte no caso R v Mills72 no
qual a Corte em total deferecircncia ao entendimento do Legislativo considerou que a limitaccedilatildeo
ao direito de defesa do acusado era legiacutetima modificando seu entendimento anterior mesmo
sem nenhum fato novo para tanto73
Para Kent Roach (2001) a resposta legislativa representou o seu
desacordo com a decisatildeo judicial utilizando-se da loacutegica dos votos dissidentes para impor o
seu entendimento sobre a Corte exemplificando assim o uso da ldquoin your face responserdquo
amparado pela prerrogativa da Seccedilatildeo 1 da Carta
Para alguns essa praacutetica eacute vista como uma forma de diaacutelogo74 todavia
natildeo eacute isenta de criacuteticas como se verificaraacute adiante pois pode acabar significando na praacutetica
mais um retorno ao sistema de supremacia parlamentar do que propriamente um sistema
dialoacutegico
1013 Princiacutepios e controle poliacutetico sobre a corte - aplicaccedilatildeo praacutetica
da seccedilatildeo 33
A previsatildeo contida na Seccedilatildeo 33 da Carta Canadense exemplifica a
segunda subcategoria das teorias de princiacutepios juriacutedicos segundo a qual o diaacutelogo se
consubstancia na realizaccedilatildeo do controle das decisotildees judiciais pelos poderes poliacuteticos no
caso da ocorrecircncia de erro de interpretaccedilatildeo
72 R v Mills 1999] 3 SCR 668 Iacutentegra da decisatildeo disponiacutevel em httpsscc-csclexumcomscc-cscscc-
cscenitem1751indexdo
73 Para uma criacutetica mais aprofundada do caso ver CAMERON Jamie Dialogue and Hierarchy in Charter
Interpretation A comment on R v Mills Alberta Law Review Vol 38 N 4 2001
74 Ver DIXON Rosalind The Supreme Court of Canada Charter Dialogue and Deference U of Chicago
Public Law Working Paper N 284
65
A seccedilatildeo 33 ficou conhecida como notwithstanding clause ou overriding
por permitir ao Parlamento a reediccedilatildeo de um texto legal limitador de direitos consagrados
na Carta nas seccedilotildees 2 e de 7 a 15 mesmo quando jaacute tenha sido objeto de reprovaccedilatildeo pelo
Judiciaacuterio pelo prazo maacuteximo de cinco anos75
A referida claacuteusula do overriding apesar de inovadora e do seu aparente
potencial promissor na reconfiguraccedilatildeo dos papeis institucionais na verdade encontrou pouca
aplicaccedilatildeo concreta sendo poucas vezes invocada pelo legislativo Roach (2001) por
exemplo defende ser preferiacutevel a utilizaccedilatildeo da Seccedilatildeo 1 para reeditar uma norma jaacute reprovada
pelo Judiciaacuterio do que fazer uso da Seccedilatildeo 33 que pode representar uma resposta agressiva
como se o Legislativo estivesse gritando para ganhar um debate
Ao mesmo tempo em que a Seccedilatildeo 33 torna a decisatildeo judicial
ldquoprovisoacuteriardquo podendo ser ultrapassada pelo Legislativo possibilitando assim um suposto
diaacutelogo eacute difiacutecil imaginar na praacutetica essa concretizaccedilatildeo O custo poliacutetico a ser suportado
pelo legislador nessa situaccedilatildeo eacute muito alto e nem sempre o mesmo pode estar disposto a
suportaacute-lo 76
Combater a decisatildeo judicial por meio da imposiccedilatildeo da lei conforme
possibilita a Seccedilatildeo 33 parece natildeo ter sido o caminho escolhido pelo legislador canadense jaacute
que a praacutetica revela o pouco usa da referida claacuteusula em detrimento da Seccedilatildeo 1
Apesar de natildeo ter sido muito utilizada pelo Legislativo em razatildeo do seu
alto custo poliacutetico a Corte em alguns casos utliza-se da possibilidade do legislador derrubar
75 33 (1) Parliament or the legislature of a province may expressly declare in an Act of Parliament or of the
legislature as the case may be that the Act or a provision thereof shall operate notwithstanding a provision
included in section 2 or sections 7 to 15 of this Charter Marginal noteOperation of exception (2) An Act or
a provision of an Act in respect of which a declaration made under this section is in effect shall have such
operation as it would have but for the provision of this Charter referred to in the declaration Marginal
noteFive year limitation (3) A declaration made under subsection (1) shall cease to have effect five years
after it comes into force or on such earlier date as may be specified in the declarationMarginal noteRe-
enactment (4) Parliament or the legislature of a province may re-enact a declaration made under
subsection (1)Marginal noteFive year limitation(5) Subsection (3) applies in respect of a re-enactment
made under subsection (4) Canadian Constitutional Act 1982
76 Eacute justamente o alto custo poliacutetico da utilizaccedilatildeo da Seccedilatildeo 33 que faz com que o legislativo opte por responder
de outra forma agrave decisatildeo judicial no caso de discordacircncia fazendo uso assim da Seccedilatildeo 1 na forma da ldquoin your
face responserdquo conforme falamos no toacutepico anterior Para uma criacutetica mais detalhada do assunto ver
TUSHNET Mark Weak Courts Strong Rights judicial review and social welfare rights in comparative
constitutional law Princeton University 2009 p 45-47
66
a decisatildeo judicial contida na Seccedilatildeo 33 para justificar suas decisotildees sejam elas mais ativistas
ou mais contidas como se percebe no julgamento Vriend v Alberta77
O caso em suma tratava de um professor universitaacuterio Delwin Vriend
que fora demitido apoacutes ter revelado sua opccedilatildeo sexual assumindo ser homossexual
Inconformado Vriend alegando a incompatibilidade da Individual Rights Protection Act
(IRPA) da proviacutencia de Alberta local onde ocorreu a demissatildeo com a Carta canadense
recorreu ao Judiciaacuterio para anular o ato A referida lei trazia em seu texto de forma expressa
os motivos pelos quais era vedada a discriminaccedilatildeo de qualquer cidadatildeo como raccedila cor
sexo cor da pele estado civil crenccedila religiosa dentre outros mas natildeo fazia menccedilatildeo agrave
orientaccedilatildeo sexual motivo pelo qual Vriend alegou a sua incompatibilidade
O caso foi inicialmente apreciado pelo Conselho de Direitos Humanos
de Alberta (Alberta Human Rights Board) que entendeu que a demissatildeo natildeo era nula eis
que a orientaccedilatildeo sexual natildeo era prevista legalmente como motivo de vedaccedilatildeo agrave
discriminaccedilatildeo A Court of Queenacutes Bench (Tribunal Superior equivalente a segunda
instacircncia recursal) de Alberta ao apreciar o recurso do professor considerou nula a
demissatildeo afirmando que embora a orientaccedilatildeo sexual natildeo estivesse expressamente prevista
na IRPA deveria ser considerada como se ali estivesse inserida em funccedilatildeo do princiacutepio da
igualdade assegurado pela Carta
A decisatildeo foi revista e modificada pela Alberta Court of Appeal por
entender que a IRPA lei em anaacutelise no caso era uma norma neutra natildeo se dirigia de maneira
especifica nem a heterossexuais nem a homossexuais e por isso natildeo haveria qualquer
incompatibilidade com a Carta
O caso foi levado a julgamento pela Suprema Corte canadense que
afirmou a incompatibilidade da IRPA com a Carta e ao mesmo tempo que declarou a
incompatibilidade da lei em razatildeo da mesma ser omissa por natildeo incluir a previsatildeo da
proibiccedilatildeo de discriminaccedilatildeo por motivo de orientaccedilatildeo sexual justificou expressamente sua
conduta na metaacutefora do diaacutelogo
A Corte em sua decisatildeo mais especificamente dos paraacutegrafos 134 a 138
invocou a possibilidade de superaccedilatildeo da decisatildeo judicial pelo Legislativo por meio do uso
77 Vriend v Alberta [1998] 1 SCR 493 Iacutentegra da decisatildeo disponiacutevel em httpscc-csclexumcomscc-
cscscc-cscenitem1607indexdo
67
da notwishstanding clause prevista na Seccedilatildeo 33 da Carta afirmando ser um mecanismo
propiciador do diaacutelogo justificando assim a legitimidade democraacutetica da sua decisatildeo e do
exerciacutecio do judicial review
Sendo assim ainda que natildeo tenha sido muito utilizada para o objetivo
inicial a que se propocircs natildeo se pode ignorar o papel da Seccedilatildeo 33 na Carta canadense
principalmente pelo que a sua falta de utilizaccedilatildeo revela78
1014 Criacuteticas as teorias estruturais dos princiacutepios juriacutedicos
Apesar do aparente potencial dialoacutegico das teorias dos princiacutepios
juriacutedicos por possibilitarem por meio de mecanismos especiacuteficos que o Legislativo responda
ou reaja a decisatildeo judicial as mesmas natildeo satildeo isentas de criacuteticas
Assim como as teorias dialoacutegicas fundadas no meacutetodo judicial abordadas
anteriormente as teorias dos princiacutepios juriacutedicos com mecanismo de articulaccedilatildeo legislativa
da poliacutetica traduzidas na praacutetica na Seccedilatildeo 1 da Carta Canadense privilegiam a interpretaccedilatildeo
do Judiciaacuterio em detrimento do posicionamento legislativo o que natildeo resolve o problema da
legitimidade democraacutetica inerente a judicial review (BATEUP 2006)
Como dito as teorias estruturais dos princiacutepios juriacutedicos estabelecem
uma metodologia dialoacutegica que reconhece um papel privilegiado concedido ao Judiciaacuterio
para lidar com questotildees de princiacutepios fundada no seu suposto isolamento poliacutetico que lhe
atribui vantagem como deliberador moral Todavia a praacutetica demonstra que esse pressuposto
isolamento poliacutetico natildeo necessariamente refletiraacute nas decisotildees da Corte
Embora o sistema canadense seja apontado como o marco inicial das
teorias dialoacutegicas o que a experiecircncia revela com a praacutetica da metodologia de diaacutelogo nele
prevista eacute que apesar da possibilidade de resposta legislativa e de uma ainda que apenas
78 Para Hiebert o fato da quase inexistente utilizaccedilatildeo da Seccedilatildeo 33 pelo legislativo revela a relutacircncia do
parlamento canadense em tomar decisotildees que possam por em risco a sua imagem de oacutergatildeo comprometido com
a proteccedilatildeo dos direitos e liberdades assegurados pela Carta por acreditarem que a derrubada de uma decisatildeo
judicial pode acarretar o repuacutedio da populaccedilatildeo Destaca que essa situaccedilatildeo ficou evidente nas eleiccedilotildees federais
de 2014 quando o Governo liberal marcou pontos poliacuteticos preciosos ao criticar veementemente Stephen
Harper liacuteder do partido conservador o qual natildeo descartava o uso da claacuteusula natildeo obstante pois a maioria dos
canadenses interpretam o uso da mesmo como uma violaccedilatildeo aos direitos protegidos na Carta o que expressa
um ceticismo acerca da legitimidade dos desacordos poliacuteticos com as interpretaccedilotildees judiciais apesar de tais
divergecircncias serem constitucionalmente permitidas (HIEBERT 2006 p 20)
68
formal maior liberdade de atuaccedilatildeo parlamentar expressamente conferida pela Seccedilatildeo 1 da
Carta ao fim e ao cabo quem iraacute decidir de fato eacute a Corte jaacute que a ela incumbe a anaacutelise da
proporcionalidade da medida legislativa
A utilizaccedilatildeo pelo Legislativo dos mecanismos normativamente previstos
no sistema canadense como propiciadores de um diaacutelogo com a Corte acarretam um alto
custo poliacutetico Em um primeiro plano pode-se observar que o uso dos mesmos de forma
regular pode acarretar prejuiacutezo ao significado e ateacute mesmo reduzir a importacircncia do
instituto da revisatildeo judicial enviando um claro sinal de que as opiniotildees judiciais muitas
vezes natildeo satildeo dignas de respeito jaacute que podem facilmente ser suplantadas pela iniciativa
parlamentar
Somado a isso tem-se em segundo plano o alto niacutevel de apoio popular
que o sistema judicial recebe que faz com que mesmo que a utilizaccedilatildeo dos meacnismos natildeo
ataque diretamente o Judiciaacuterio como instituiccedilatildeo em si haja uma provaacutevel exigecircncia puacuteblica
do cumprimento das decisotildees judicias em desfavor de mecanismos de overriding pelo
menos em relaccedilatildeo aqueles casos de maior relevacircncia
Esses dois aspectos elevam demasiadamente os custos poliacuteticos da
atuaccedilatildeo legislativa influenciando para que mecanismos como o previsto na Seccedilatildeo 33 que
resultam em uma substituiccedilatildeo de decisatildeo judicial sejam pouco ou quase nada utilizados na
praacutetica (BATEUP 2009 p 566)
Ainda supondo uma hipoteacutetica utilizaccedilatildeo da previsatildeo contida na Seccedilatildeo
33 fundada em um controle das decisotildees judicias pelo Legislativo quando considerar que
houve erro no julgamento feito pelo Judiciaacuterio poderia se assemelhar muito mais a um
modelo de supremacia parlamentar do que um mecanismo propiciador de um diaacutelogo
substancial entre ambos os poderes79
Tushnet (2009) alerta dessa maneira para o fato de que sob o ponto de
vista praacutetico o sistema canadense em muito pouco se difere do modelo tradicional
americano onde haacute uma prevalecircncia das decisotildees judiciais
Alguns criacuteticos tambeacutem apontam para o fato de que a existecircncia formal
da ldquoclaacuteusula natildeo obstanterdquo no sistema pode levar a uma atuaccedilatildeo irresponsaacutevel do Judiciaacuterio
69
que ciente da possibilidade de correccedilatildeo e superaccedilatildeo da sua decisatildeo pelo Poder Legislativo
natildeo se esforccedilaraacute na busca por emanar as melhores decisotildees80
Outro ponto importante de criacutetica o qualeacute fortemente destacado por
Bateup (2006 p49) eacute o fato de essas teorias possuiacuterem uma contradiccedilatildeo intriacutenseca muito
forte ao mesmo tempo que defendem uma competecircncia privilegiada do Judiciaacuterio para lidar
com questotildees de princiacutepios propotildeem que a supervisatildeo poliacutetica eacute necessaacuteria para se proteger
contra a possibilidade de erro judicial
Eacute questionaacutevel a maneira como o legislador chegaraacute a conclusatildeo que o
Judiciaacuterio incorreu em erro jaacute que natildeo haacute nenhuma teoria interpretativa que explicite de
forma objetiva como isso deve ser verificado na praacutetica deixando uma margem de
apreciaccedilatildeo muito ampla e subjetiva parecendo muito mais uma forma de simples superaccedilatildeo
da decisatildeo judicial do que uma efetiva correccedilatildeo
Sendo assim natildeo se vislumbra na praacutetica canadense a efetivaccedilatildeo de um
verdadeiro diaacutelogo sob o ponto de vista material podendo-se aferir apenas a possibilidade
de uma conversaccedilatildeo entre os poderes onde o Judiciaacuterio ldquofalardquo e o Legislativo ldquoescutardquo ou vice-
versa sugerindo mais uma ideia de monoacutelogo do que propriamente de diaacutelogo jaacute que na
realidade natildeo haacute um efetivo debate nem a construccedilatildeo conjunta de uma decisatildeo
Poreacutem apesar das criacuteticas se reconhece a importacircncia da praacutetica
deflagrada pelo sistema canadense que mesmo que apenas formalmente possibilita uma
interaccedilatildeo legislativa no processo de controle de constitucionalidade mediante a utilizaccedilatildeo de
mecanismos criados propriamente para esse fim especiacutefico o que ateacute entatildeo natildeo existia na
jurisdiccedilatildeo constitucional
80 Nesse sentido ver PETTER Andrew Taking Dialogue theory much too seriously (or perhaps charter
dialogue isnrsquot such a good thing after all) Osgoode Law Journal v 45 n1 p147-167 2007 A criacutetica
desenvolvida por Andrew Petter faz parte das que se seguiram apoacutes o estudo desenvolvido por Petter Hogg e
Alisson Bushell Para o Autor a tese dos mesmos eacute desprovida de conteuacutedo normativo e subestima a influecircncia
que as decisotildees judiciais exercem no processo de tomada de decisotildees poliacuteticas e em todos os outros aspectos
da vida poliacuteticas O Autor critica veementemente a metodologia adotada pelos dois autores no tocante a anaacutelise
jurisprudencial que os levou a concluir pela existecircncia do diaacutelogo no sistema canadense dentre outros
importantes aspectos por isso sugerimos a leitura
70
11 As teorias dialoacutegicas da parceira
Agrupam-se nessa categoria de teorias estruturais do diaacutelogo aquelas
que apostam nos mecanismos institucionais como a melhor forma de promoccedilatildeo do diaacutelogo
reconhecem o papel igualmente importante tanto dos atores judiciais como dos natildeo judiciais
no processo de tomada de uma decisatildeo constitucional
De acordo com essas teorias tanto o Judiciaacuterio quanto o Legislativo
devem ter seu papel reforccedilado dentro do processo de interpretaccedilatildeo constitucional sendo
reconhecidas as capacidades e competecircncias especiacuteficas de cada um de modo que repartam
a responsabilidade das decisotildees
Ao contraacuterio das teorias dos princiacutepios juriacutedicos para essas teorias natildeo
haacute um polo privilegiado reconhecem as diferentes competecircncias de cada braccedilo do poder
poreacutem defendem uma atuaccedilatildeo colaborativa entre eles na interpretaccedilatildeo constitucional sem
qualquer hierarquia
Bateup (2006 p 71) destaca as ideias de Janet Hiebert como exponente
dessas teorias eis que a referida Autora ao analisar a experiecircncia Canadense na aplicaccedilatildeo da
Carta de 1982 critica a passividade do Legislativo em face da intervenccedilatildeo judicial em
assuntos de poliacutetica puacuteblica argumentando que a interpretaccedilatildeo constitucional deve ser uma
responsabilidade compartilhada entre os Tribunais e o Parlamento
Hibert (2002) defende uma ldquoabordagem relacionalrdquo mediante a
combinaccedilatildeo entre a perspectiva judicial e legislativa para as interpretaccedilotildees da Carta Alega
que o fato de estarem separados Legislativo e Judiciaacuterio poreacutem interligados dentro da ordem
constitucional faz com quem ambos estejam aptos a se engajar em um diaacutelogo no qual cada
um deve ter certo grau de modeacutestia sobre suas proacuteprias conclusotildees e ouvir o outro a fim de
um aprendizado reciacuteproco e conforme necessaacuterio modificar seu ponto de vista
Nesse sentido criacutetica a teoria dialoacutegica de Bushell e Hogg sobretudo por
atribuiacuterem agrave Corte um papel corretivo incompatiacutevel com a ideia do compartilhamento de
responsabilidade inerente ao diaacutelogo Para a Autora natildeo deve ser atribuiacutedo agrave Corte o papel
de conduzir o diaacutelogo mas sim reconhecidas as capacidades diferentes de cada instituiccedilatildeo
do Poder as quais enxergam os problemas por prismas diferentes
71
Demonstra por meio desse entendimento que o Judiciaacuterio natildeo seria a
instacircncia mais bem posicionada para avaliar a escolha dos meios feita pelo legislador para
alcanccedilar seus objetivos mas sim para fiscalizar a qualidade da deliberaccedilatildeo e o empenho
despendido para fazer o balanceamento entre direitos e seus limites
Essa fiscalizaccedilatildeo acabaria por aumentar a responsabilidade do
Legislativo jaacute que precisaraacute convencer o Judiciaacuterio da necessidade da limitaccedilatildeo imposta e
do seu cuidado e compromisso com a proteccedilatildeo dos direitos81
111 Criacuteticas agrave teoria da parceria
No tocante a legitimidade democraacutetica da revisatildeo judicial das leis pode-
se dizer que essas teorias comparadas as demais ateacute aqui expostas demonstram maior
aptidatildeo para solucionar o problema pois oferecem uma resposta satisfatoacuteria a objeccedilatildeo
contramajoritaacuteria ao natildeo reconhecerem nenhuma posiccedilatildeo superior ao Judiciaacuterio em relaccedilatildeo
aos demais poderes mas sim reforccedilando a ideia de separaccedilatildeo de poderes e funccedilotildees
especiacuteficas sendo estas igualmente importantes no processo de interpretaccedilatildeo constitucional
Do ponto de vista teoacuterico a ideia parece ideal sobretudo por reforccedilar o
princiacutepio da separaccedilatildeo de poderes aumentando a responsabilidade institucional e
respeitando as competecircncias teacutecnicas e especiacuteficas de cada braccedilo do Poder como se idealiza
Todavia a sua dificuldade praacutetica eacute tatildeo evidente que natildeo conseguimos sequer vislumbrar
um exemplo concreto da efetivaccedilatildeo dessa teoria
Apesar disso deve ser considerada e reconhecida a sua importacircncia por
servir como um objetivo a ser alcanccedilado como um ponto de referecircncia que se deve buscar
implementar na praacutetica apesar das latentes dificuldades
Para Bateup essas teorias seriam praticamente perfeitas se comparadas
com as outras para alcanccedilar os objetivos a que as teorias dialoacutegicas se propotildeem poreacutem
pecam por natildeo considerar a necessidade da participaccedilatildeo social no diaacutelogo Diante disso a
Autora propotildee uma outra metodologia que a seu ver seria a ideal a qual passamos a expor
81 ldquoThe extent to wich Parliament will be able to convince the judiciary about the merits of how it believes
Charter conflicts should be resolved may be a direct reflection of the extent of its commitment to careful and
principled judgment To a considerable degree Parliament is likely get the kinds of judicial rulings ir
deservesrdquo (HIEBERT 2002 p 227)
72
12 Fusatildeo dialoacutegica
A metodologia de diaacutelogo ideal proposta por Bateup consiste na fusatildeo
entre os elementos das teorias da parceria e do equiliacutebrio que resultaria na forma mais
promissora do diaacutelogo constitucional por permitir uma compreensatildeo mais abrangente dos
diferentes aspectos institucionais e sociais possibilitando a participaccedilatildeo de diferentes atores
no processo de interpretaccedilatildeo constitucional (BATEUP 2006 p 77)
Na concepccedilatildeo da Autora a fusatildeo dialoacutegica seria o modelo ideal de
diaacutelogo pois por meio dos elementos proacuteprios da teoria da parceria se resolveriam as
controveacutersias acerca da legitimidade democraacutetica do judicial review reforccedilando a
competecircncia e atuaccedilatildeo das instituiccedilotildees aumentando a responsabilidade das mesmas pelas
suas decisotildees e atividades e por outro lado por meio dos elementos das teorias do
equiliacutebrio se promoveria a inclusatildeo da sociedade no debate reconhecendo o papel do
Judiciaacuterio como mediador da discussatildeo sem no entanto atribuir-lhe o poder da palavra final
Como aprimoramento das outras teorias a fusatildeo dialoacutegica propotildee a
noccedilatildeo do papel do Judiciaacuterio como um facilitador do debate na sociedade sobre os principais
temas do constitucionalismo para que mediante dele se alcance um resultado mais
duradouro e aceitaacutevel no seio social
Sendo assim em siacutentese o que Bateup propotildee eacute que a criacutetica inicialmente
feita agrave teoria do equiliacutebrio relativa a existecircncia de problemas constitucionais menos
relevantes em que natildeo seria necessaacuterio - nem recomendaacutevel - a abertura de um debate no
seio social seria superada pela metodologia da teoria da parceria surgindo assim um modelo
mais ldquocorretordquo de diaacutelogo
Sob essa perspetiva a revisatildeo judicial das leis teria como consequecircncia
dois aspectos distintos dentro da sociedade moderna Em primeiro lugar seria um
mecanismo auxiliador na produccedilatildeo de respostas mais duraacuteveis e amplamente aceitaacuteveis em
relaccedilatildeo a questotildees constitucionais que envolvam diaacutelogo com a sociedade como um todo e
em segundo tambeacutem auxiliaria na promoccedilatildeo de uma melhor resoluccedilatildeo institucional de
questotildees constitucionais no acircmbito de casos individuais (BATEUP 2006 p 78)
73
121 Criacuteticas agrave teoria da fusatildeo dialoacutegica
Aqui repetem-se as criacuteticas feitas no toacutepico acima acerca da teoria da
parceria acrescentando-se a essas as atinentes agrave inclusatildeo da participaccedilatildeo da sociedade como
participantes do diaacutelogo
A ideia de Bateup parece sob o ponto de vista da legitimidade
democraacutetica do controle de constitucionalidade ideal para superar todas as desconfianccedilas
pois combina os melhores elementos da teoria da parceria e ainda inclui a participaccedilatildeo
social que nesse vieacutes eacute de fundamental importacircncia
De todas as teorias ateacute aqui expostas parece ser a uacutenica a prever a
concretizaccedilatildeo de um diaacutelogo material facilitando a ocorrecircncia de um verdadeiro debate entre
os participantes do processo de interpretaccedilatildeo constitucional a fim de encontrar um consenso
Todavia as dificuldades residentes na implementaccedilatildeo dessa concepccedilatildeo
teoacuterica na praacutetica satildeo inuacutemeras primeiramente pela limitaccedilatildeo dos provaacuteveis meios para
inclusatildeo da sociedade no debate e depois pelos riscos que essa inclusatildeo pode oferecer
Incluir a sociedade civil em um debate atinente a realizaccedilatildeo de poliacuteticas
puacuteblicas para a efetivaccedilatildeo de direitos fundamentais pode ser extremamente perigoso pois a
pressatildeo social pode levar a tomadas de decisotildees irresponsaacuteveis pelos entes puacuteblicos bem
como pode acabar privilegiando uma ou outra parcela da populaccedilatildeo que esteja ativa no
debate em detrimento de outra Com isso pode haver o favorecimento dos interesses de
grupos minoritaacuterios o que nem sempre pode ser considerado favoraacutevel do ponto de vista
democraacutetico
Neste sentido ainda que a metodologia proposta po Bateup seja
aparentemente a mais promissora para resolver o conflito que ronda a legitimidade
democraacutetica do controle judicial das leis natildeo se pode tomaacute-la como uma verdade absoluta
sendo necessaacuterio criterioso cuidado na sua anaacutelise
13 Os mecanismos estruturais de diaacutelogo no sistema britacircnico e neozelandecircs
Como jaacute se abordou brevemente no iniacutecio do presente trabalho o novo
modelo canadense de revisatildeo judicial das leis por ser uma alternativa agrave tradicional forma de
supremacia judicial acabou por influenciar outros paiacuteses da Commonwealth de tradiccedilatildeo
74
parlamentar justamente pela sua promessa de conciliaccedilatildeo entre a supremacia legislativa e a
revisatildeo judicial no tocante a proteccedilatildeo de direitos fundamentais
Assim inspirados nesse novo modelo de judicial review paiacuteses como o
Reino Unido e Nova Zelacircndia ao reconhecerem a necessidade de uma tutela especial aos
direitos fundamentais adotaram sistemas que tambeacutem possuem mecanismos que propiciam
uma forma ldquofracardquo de revisatildeo judicial
O ponto em comum que ambos os sistemas possuem eacute o fato que o
Judiciaacuterio natildeo deteacutem poder para invalidar a legislaccedilatildeo ou seja permanecem pelo menos em
teoria em um sistema onde a supremacia parlamentar ainda se faz presente Todavia diante
da necessidade de assegurar a eficaacutecia dos direitos fundamentais que passaram a fazer parte
do Bill of Rights acabaram por introduzir em seu sistema alguns mecanismos que mitigaram
essa supremacia condicionando o legislador a observaccedilatildeo de tais direitos
Ambos os sistemas possuem assim a figura do mandado interpretativo
que em suma permite ao Judiciaacuterio o exerciacutecio da revisatildeo das leis ainda que natildeo possa
invalidaacute-las e lhe impotildee a tarefa de no momento que for analisar a legislaccedilatildeo interpretaacute-la
conforme os preceitos do Bill of Rights
Apesar de ser o mesmo mecanismo ele se desdobra na praacutetica de
maneiras diversas em cada paiacutes em face das suas peculiaridades razatildeo pela qual se analisaraacute
ambos os sistemas de forma autocircnoma
131 O mandado interpretativo e a declaraccedilatildeo de incompatibilidade no reino
unido (seccedilatildeo 3 e 4 (2) do human rights act 1998)
Como se sabe o Reino Unido eacute considerado o berccedilo da soberania
parlamentar onde ateacute recentemente cabia a este oacutergatildeo a apreciaccedilatildeo e resoluccedilatildeo de problemas
constitucionais tendo o Judiciaacuterio pouca ou quase nenhuma expressatildeo nesse sentido
O reconhecimento da competecircncia do Judiciaacuterio para a realizaccedilatildeo da
revisatildeo das leis foi um processo gradativo Apoacutes a Revoluccedilatildeo Gloriosa e a promulgaccedilatildeo do
Bill of Rights ambas as Casas do Parlamento inglecircs (House of Common e House of Lords)
75
passaram a deter competecircncia exclusiva para receber e apreciar as peticcedilotildees advindas dos
tribunais inferiores 82
Posteriormente jaacute exercendo a Cacircmara dos Lordes tal funccedilatildeo de modo
exclusivo veio a lume o Appellate Jurisdiction Act (1876) por intermeacutedio do qual foi criada
a figura dos lordes de apelaccedilatildeo (Lords of Appeal in Ordinary ou Law Lords) juiacutezes altamente
qualificados que deveriam se dedicar exclusivamente agraves questotildees judiciais submetidas ao
Parlamento Tais juiacutezes passaram a integrar o que veio a ser denominado Comissatildeo de
Apelaccedilatildeo da Cacircmara dos Lordes (Appellate Committee) e exercendo apenas a funccedilatildeo
jurisdicional deixaram de participar das votaccedilotildees do Parlamento (natildeo obstante tenham
permanecido como membros de tal Poder) (LARANJEIRA 2013)
Nesse contexto na estrutura constitucional inglesa cabia ao Parlamento
natildeo apenas a funccedilatildeo legislativa que lhe eacute inerente mas tambeacutem a atuaccedilatildeo como oacutergatildeo de
cuacutepula judicial Essa concepccedilatildeo era decorrente da inexistecircncia de uma constituiccedilatildeo escrita
formalmente superior as demais normas83 razatildeo pela qual o legislador acabava por ter uma
autonomia ilimitada para editar modificar e anular as leis
O ponto inicial de mudanccedila dessa estrutura foi a adoccedilatildeo do Human
Rights Act 199884 que entrou em vigor em 2 de outubro de 2000 e introduziu no
ordenamento juriacutedico interno os princiacutepios fundamentais jaacute enunciados pela Convenccedilatildeo
Europeia de Direitos do Homem85 A adoccedilatildeo desse documento representou uma mudanccedila
significativa na cultura legal do paiacutes porque as autoridades puacuteblicas passaram a ser
obrigadas a obedecer novas normas antes consideradas apenas no acircmbito internacional e
com isso quaisquer accedilotildees do Governo ou outros organismos puacuteblicos que natildeo cumprissem
82 Para um maior aprofundamento sobre a histoacuteria estrutura e composiccedilatildeo do Parlamento britacircnico ver
LEYLAND Peter The Constituion of the United Kingdom a contextual analysis Oxford 2007 p 81-114
83 Necessaacuterio destacar que embora natildeo exista um documento formal intitulado de Constituiccedilatildeo atribui-se esse
mesmo sentido ao ldquo() conjunto de praacuteticas instituiccedilotildees e remeacutedios processuais que determina a estruturaccedilatildeo
poliacutetica do Estado com o adequado controle e distribuiccedilatildeo do poder aleacutem do apontamento de garantias
fundamentais em favor dos cidadatildeos ()rdquo (CYRINO 2007)
84 Eacute importante esclarecer que antes da adoccedilatildeo do HRA o Reino Unido jaacute havia ratificado a Convenccedilatildeo
Europeia de Direitos do Homem em 1951 o que acarretou severesos conflitos de normas A necessidade de
conciliaccedilatildeo desses conflitos normativos pode ser considerada como um dos motivos que ensejaram a adoccedilatildeo
do HRA
85 A adoccedilatildeo desse documento foi tambeacutem decorrente de importantes conflitos poliacuteticos que acabaram por
enfraquecer a ideia de supremacia parlamentar ateacute entatildeo intocaacutevel sobretudo pelas constriccedilotildees decorrentes da
entrada na Uniatildeo Europeia que obrigou o paiacutes a estabelecer um documento legal de proteccedilatildeo de direitos
fundamentais com status qualificado Nesse sentido ver TUSHNET 2008 p 28
76
com a Convenccedilatildeo passaram a poder serem consideradas como ilegais tambeacutem no acircmbito
interno (LEYLAND 2007)
A partir de entatildeo passou-se a travar debates atinentes a necessidade de
ampliaccedilatildeo de um sistema de revisatildeo judicial das leis a fim de dar eficaacutecia ao documento e
consolidar a sua hierarquia qualificada perante as demais leis86
A mudanccedila do sistema onde ateacute entatildeo o controle das leis era feito por
um oacutergatildeo poliacutetico parte do proacuteprio Parlamento se consolidou com a aprovaccedilatildeo do
Constitution Reform Act em 2005 o qual passou a prever a criaccedilatildeo da Suprema Corte que
foi instalada mais recentemente no ano de 2009 e marcou a consolidaccedilatildeo de um oacutergatildeo
judicial independente do legislativo87
O HRA ao introduzir no odernamento juriacutedico interno os princiacutepios e
direitos previstos na Convenccedilatildeo Europeia na Seccedilatildeo 388 determinou que tanto quanto fosse
possiacutevel a legislaccedilatildeo primaacuteria e a legislaccedilatildeo subordinada devem ser interpretadas visando a
compatibilidade com os preceitos da Convenccedilatildeo
Ou seja o mandado interpretativo consiste na imposiccedilatildeo as Cortes do
dever de se esforccedilarem para interpretar as leis de acordo com o HRA Tambeacutem eacute denominado
por alguns doutrinadores de poder interpretativo (interpretative power) visto que possibilita
86 Sobre o impacto do HRA na cultura britacircnica Gadbaum (2001 p 732) destaca ldquoThere is no doubt that in
the British legal and constitutional context the mere existence of a set of codified constitutes a radical change
in legal and political culture independent of the exact form and legal status that they possess This is because
it replaces the existing conception of civil liberties as residual in nature ndash citizens are free to do whatever
statute common law and delegated legislation do not prohibit them from doing ndash with a primary or affirmative
set of rights that limit what citizens may be prohibited from doing in the first placerdquo
87 Leyland (2007 p 154) esclarece que a Suprema Corte britacircnica natildeo foi criada com o objetivo de ser um
Tribunal constitucional em suas palavras ldquoThe Supreme Court will not be established as a constitutional court
although of course it will have to preside over cases that raise constitutional issues and it will take over from
the Judicial Committee of the Privy Council jurisdiction over lsquodevolution issuesrsquo arising from the Scotland Act
1998 Government of Wales Act 1998 and Northern Ireland Act 1998rdquo
88 Interpretation of legislation (1)So far as it is possible to do so primary legislation and subordinate
legislation must be read and given effect in a way which is compatible with the Convention rights (2)This
sectionmdash (a)applies to primary legislation and subordinate legislation whenever enacted (b)does not affect
the validity continuing operation or enforcement of any incompatible primary legislation and (c)does not
affect the validity continuing operation or enforcement of any incompatible subordinate legislation if
(disregarding any possibility of revocation) primary legislation prevents removal of the incompatibility (HRA
1998)
77
a modificaccedilatildeo do significado das leis inicialmente conferido pelo Palamento a fim de
compatibilizaacute-las com a Convenccedilatildeo89
Todavia quando natildeo for possiacutevel uma interpretaccedilatildeo compatiacutevel a lei
natildeo pode ser invalidada permanecendo em pleno vigor podendo ser aplicada e invocada em
qualquer procedimento legal O que deve existir nesses casos eacute a emissatildeo de uma declaraccedilatildeo
de incompatibilidade onde a Corte pronunciaraacute o seu entendimento mas este natildeo teraacute
nenhum efeito direto ou concreto sobre a validade da norma90
A manifestaccedilatildeo do Judiciaacuterio por meio da declaraccedilatildeo de
incompatibilidade apesar de natildeo acarretar a nulidade da lei ao tornar puacuteblico o conflito da
mesma com os direitos assegurados pelo HRA gera um inegaacutevel constrangimento poliacutetico
Poreacutem o Parlamento continua a ser soberano eis que eacute ele que decide se a norma ainda que
declaradamente incompatiacutevel continuaraacute vigente como antes (CYRINO 2007)
Tendo em vista o constrangimento poliacutetico causado pela declaraccedilatildeo de
incompatibilidade alguns autores defendem ser esse um mecanismo propulsor de uma
resposta do Parlamento agraves decisotildees da Corte de forma a alterar a lei para eliminar a
incompatibilidade apontada pelas Cortes bem como de uma maior responsabilidade para
com a observacircncia dos direitos do HRA quando da formulaccedilatildeo das leis a fim de evitar uma
futura incompatibilidade
Um reconhecido e importante exemplo dessa praacutetica ocorreu no
julgamento do caso A and Others v Secretary of State for the Home Departament91 onde o
Governo britacircnico foi acusado de minar direitos individuais por meio da criaccedilatildeo da lei Anti
terrorismo crime e seguranccedilas de 2001 por permitir a detenccedilatildeo por tempo indeterminado
de estrangeiros suspeitos da praacutetica de terrorismo
89 ldquoThis section confers an interpretative power which allows the courts to consider legislation and transform
it by stretching its meaning where it is possible to do so in order to achieve Convention compatibilityThis
marks a significant shift of power from Parliament to judges since the courts are able to rewrite sections of
Acts by reading into them words that are not there and by doing so remove potential conflicts with the
Conventionrdquo (LEYLAND 2007 p 171)
90 4 (2) If the court is satisfied that the provision is incompatible with a Convention right it may make a
declaration of that incompatibility (HRA 1998)
91 A and Others v Secretary of State for the Home Departament (2004) UKHL Iacutentegra disponiacutevel em
httpwwwpublicationsparliamentukpald200405ldjudgmtjd041216aampoth-1htm
78
Nesse caso um grupo de suspeitos que estava detido em Belmarsh haacute
trecircs anos suscitou o conflito da lei com os direitos e garantias assegurados no HRA O
Comitecirc Judicial da Cacircmara dos Lordes emitiu uma declaraccedilatildeo de incompatibilidade da
referida legislaccedilatildeo poreacutem como a mesma natildeo provoca a nulidade os suspeitos continuaram
detidos Contudo a condenaccedilatildeo da legislaccedilatildeo ocasionou uma resposta do Governo
A declaraccedilatildeo de incompatibilidade acabou persuadindo o Governo a
editar uma nova lei utilizando uma outra abordagem para controlar os suspeitos de
terrorismo de forma a superar a incompatibilidade verificada e dessa maneira foi editada a
lei de Anti Terrorismo de 2005 (Prevention of Terrorism Act 2005)
Nesse sentido a declaraccedilatildeo de incompatibilidade pode ser lida sob a
oacutetica das teorias dialoacutegicas92 eis que quase sempre que for emitida ensejaraacute uma resposta do
Governo ou do Parlamento no sentido de modificar a lei para eliminar a incompatibilidade
diante de uma provaacutevel pressatildeo puacuteblica intensa nesse sentido e pelo proacuteprio interesse puacuteblico
em fazecirc-lo
Ademais o Governo e o Parlamento dificilmente iratildeo ignorar o conflito
revelado entre a legislaccedilatildeo e o HRA tambeacutem considerando que a viacutetima da violaccedilatildeo manteacutem
o direito de recorrer ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem alegando uma violaccedilatildeo a
Convenccedilatildeo Europeacuteia pelas normas internas (DEBELJAK 2002 p317)
Sob essa perspectiva a declaraccedilatildeo de incompatibilidade seria um
instrumento ideal para possibilitar um diaacutelogo entre o Judiciaacuterio e o Parlamento na tarefa da
interpretaccedilatildeo e execuccedilatildeo dos direitos fundamentais O HRA confere uma voz formal ao
Judiciaacuterio a qual pode ser colocada em praacutetica mediante a utilizaccedilatildeo deste instrumento com
o objetivo de envolver o legislativo no debate (SCHYFF 2010 p 188)
Complementando essa ideia Seccedilatildeo 1093 do HRA prevecirc mecanismos
que possibilitam uma alteraccedilatildeo da legislaccedilatildeo de forma mais raacutepida que pelo procedimento
92 ldquoThe notion of declarations of incompatibility is congruent with the principle of democratic inclusion The
deliberative process continues via an inter-institutional dialogue ensuring that no arm of government has a
monopoly on the final resolution of the defining commitments of society (hellip) According to the Human Rights
White Paper (UK) a judicial declaration of incompatibility is part of an inter-institutional dialogue A
declaration of incompatibility lsquowill almost certainly prompt the Government and parliament to change the lawrsquo
and lsquothe Government would have to consider and in most cases would consider the position pretty rapidlyrdquo
(DEBELJAK 2002p317)
93 ldquoSection 10 (Power to take remedial action) (1)This section applies ifmdash (a) a provision of legislation has
been declared under section 4 to be incompatible with a Convention right and if an appeal liesmdash (i)all persons
79
comum denominados remedial actions A Seccedilatildeo 1994 ainda estabelece uma forma de
controle preacutevio da legislaccedilatildeo a ser realizado pelo Ministro
Em razatildeo disso o sistema de revisatildeo judicial das leis instituiacutedo no Reino
Unido vem sendo apontado por alguns doutrinadores como um sistema dialoacutegico Contudo
por oacutebvio haacute objeccedilotildees conforme se passaraacute a demonstrar
1311 Criacuteticas agrave experiecircncia britacircnica
Apesar de ainda ser muito cedo para proferir um pronunciamento firme
sobre a nova praacutetica implementada no Reino Unido pelo HRA (HIEBERT 2006) jaacute se
consegue vislumbrar na doutrina algumas criacuteticas valiosas a seu respeito
Em suma as duacutevidas sobre a sustentabilidade deste modelo residem na
imprevisibilidade do comportamento poliacutetico que ao mesmo tempo pode favorecer um
recuo ao antigo modelo da soberania parlamentar como pode tambeacutem acabar se
aproximando ao tradicional modelo norte-americano onde haacute uma evidente supremacia
judicial
who may appeal have stated in writing that they do not intend to do so (ii)the time for bringing an appeal has
expired and no appeal has been brought within that time or (iii)an appeal brought within that time has been
determined or abandoned or (b) it appears to a Minister of the Crown or Her Majesty in Council that having
regard to a finding of the European Court of Human Rights made after the coming into force of this section in
proceedings against the United Kingdom a provision of legislation is incompatible with an obligation of the
United Kingdom arising from the Convention (2)If a Minister of the Crown considers that there are compelling
reasons for proceeding under this section he may by order make such amendments to the legislation as he
considers necessary to remove the incompatibility (3)If in the case of subordinate legislation a Minister of
the Crown considersmdash (a) that it is necessary to amend the primary legislation under which the subordinate
legislation in question was made in order to enable the incompatibility to be removed and (b)that there are
compelling reasons for proceeding under this section he may by order make such amendments to the primary
legislation as he considers necessary (4)This section also applies where the provision in question is in
subordinate legislation and has been quashed or declared invalid by reason of incompatibility with a
Convention right and the Minister proposes to proceed under paragraph 2(b) of Schedule 2 (5)If the legislation
is an Order in Council the power conferred by subsection (2) or (3) is exercisable by Her Majesty in Council
(6)In this section ldquolegislationrdquo does not include a Measure of the Church Assembly or of the General Synod
of the Church of England (7)Schedule 2 makes further provision about remedial ordersrdquo Human Rights Act
1998
94 ldquoSection 19 (Statements of compatibility) (1)A Minister of the Crown in charge of a Bill in either House of
Parliament must before Second Reading of the Billmdash (a) make a statement to the effect that in his view the
provisions of the Bill are compatible with the Convention rights (ldquoa statement of compatibilityrdquo) or (b)make
a statement to the effect that although he is unable to make a statement of compatibility the government
nevertheless wishes the House to proceed with the Bill (2)The statement must be in writing and be published
in such manner as the Minister making it considers appropriaterdquo Human Rights Act 1998
80
Neste sentido as criacuteticas se assemelham agraves crtiacuteticas jaacute disparadas contra
o sistema canadense95 o que nos conduz a percepccedilatildeo de que talvez seja uma caracteriacutestica
comum a todos os modelos concluindo que por melhor e mais elaborado que seja o sistema
de revisatildeo judicial das leis sua concretizaccedilatildeo sofreraacute dificuldades por questotildees de cunho
subjetivo tendo a cultura local de cada paiacutes grande influecircncia nessa praacutetica
Ou seja o grau de comprometimento de cada braccedilo do Poder seja com
a busca pela efetivaccedilatildeo de direitos ou com a preservaccedilatildeo da soberania parlamentar iraacute
influenciar diretamente na forma de utilizaccedilatildeo dos mecanismos dialoacutegicos colocados a
disposiccedilatildeo
Eacute importante notar que o HRA ao mesmo tempo que preserva a
supremacia da legislaccedilatildeo jaacute que a mesma natildeo pode ser invalidada por outro oacutergatildeo que natildeo
o proacuteprio Parlamento acaba por conferir um papel de destaque ao Judiciaacuterio no processo de
interpretaccedilatildeo e efetivaccedilatildeo dos direitos fundamentais
A Seccedilatildeo 3 ao instituir o mandado interpretativo atribui grande
influecircncia ao entendimento do Judicaacuterio na definiccedilatildeo do sentido das leis ao passo que a
declaraccedilatildeo de incompatibilidade apesar do seu potencial dialoacutegico demonstrado acima na
praacutetica tambeacutem faz com que prevaleccedila esse entendimento jaacute que a tendecircncia eacute que os outros
oacutergatildeos sigam a interpretaccedilatildeo judicial no sentido de modificar a lei garantindo a preservaccedilatildeo
dos direitos fudamentais assegurados pelo HRA e pela CEDH (DEBELJAK 2002)
Hiebert (2004 p 1983) ao tratar da experiecircncia britacircnica chama a
atenccedilatildeo para o fato de que apesar da clara intenccedilatildeo dos proponentes do HRA de manter o
princiacutepio da soberania parlamentar natildeo houve muita discussatildeo sobre como esse princiacutepio
iria se relacionar com os julgamentos do Judiciaacuterio sobre direitos
Revela que as pesquisas realizadas por meio da anaacutelise de debates
parlamentares deliberaccedilotildees poliacuteticas e comentaacuterios acadecircmicos sobre o assunto
demonstram pouca consideraccedilatildeo dos criteacuterios condiccedilotildees e circunstacircncias em que o Governo
deve explicitamente discordar das interpretaccedilotildees do HRA feitas pelo Judiciaacuterio
O que se percebe da anaacutelise do sistema de revisatildeo judicial das leis
desenvolvido pelo Reino Unido eacute que muito embora o Judiciaacuterio natildeo detenha a uacuteltima
95 Ver toacutepico 1014
81
palavra natildeo podendo invalidar a legislaccedilatildeo o mandado interpretativo lhe confere um poder
de interpretaccedilatildeo muito amplo podendo mudar o sentido da lei inicialmente conferido pelo
legislador o que pode contribuir para uma forma de supremacia judicial
Aleacutem do que o amplo uso do mesmo pode acabar levando os juiacutezes a
natildeo exprimirem as suas verdadeiras opiniotildees sobre a legislaccedilatildeo camuflando assim uma falsa
compatibilidade o que natildeo eacute desejaacutevel sob o ponto de vista constitucional sobretudo quando
se busca uma efetiva proteccedilatildeo de direitos
Neste sentido seria preferiacutevel que o mandado interpretativo fosse visto
apenas como uma diretriz uma tentativa e natildeo uma obrigaccedilatildeo e que os juiacutezes procurassem
usar em todas as vezes que entederem que uma legislaccedilatildeo natildeo eacute compatiacutevel com a
declaraccedilatildeo de direitos seu poder de declaraccedilatildeo Entretanto natildeo haacute como determinar que o
Judiciaacuterio aja dessa forma pelo que a declaraccedilatildeo de incompatibilidade pode ser utilizada
frequentemente ou como uma medida de uacuteltimo recurso
Os teoacutericos que acreditam na possiacutevel existecircncia de um diaacutelogo no
sistema britacircnico tendem a considerar que o uso frequumlente da Seccedilatildeo 3 pelas Cortes ou seja
o amplo exerciacutecio do poder interpretativo sob o ponto de vista democraacutetico eacute menos
desejaacutevel do que a emissatildeo de declaraccedilotildees de incompatibilidade pois ele daacute ao Judiciaacuterio a
uacuteltima palavra ao menos que seja ou ateacute que seja revista pelo Parlamento (BATEUP 2009
p 547)
Diante do exposto percebe-se que a materializaccedilatildeo de um diaacutelogo na
forma esperada dentro do sistema britacircnico iraacute depender efetivamente do comportamento do
Judiciaacuterio por meio das suas escolhas jaacute que pode optar por exercer o mandado interpretativo
a qualquer custo mudando fundamentalmente o sentido da legilaccedilatildeo bem como pode optar
pela emissatildeo da declaraccedilatildeo de incompatibilidade deixando espaccedilo para a atuaccedilatildeo
Parlamentar no sentido de superar a deficiecircncia da lei Ou seja mais uma vez revela-se na
praacutetica dialoacutegica a importacircncia das escolhas feitas pelas instituiccedilotildees no momento da sua
atuaccedilatildeo
Ademais eacute duvidoso se pode-se afirmar que na melhor das hipoacuteteses
quando o Judiciaacuterio declara uma lei incompatiacutevel e o Parlamento responde a essa declaraccedilatildeo
haacute um diaacutelogo do ponto de vista material eis que natildeo se verifica a interaccedilatildeo entre os Poderes
82
no momento da tomada de decisatildeo o compartilhamento de suas visotildees para a construccedilatildeo do
sentido constitucional
O que haacute eacute mais uma atuaccedilatildeo singular de cada um O Judiciaacuterio tendo
que interpretar a legislaccedilatildeo de acordo com o HRA sem poder invalidaacute-la e o Legislativo
tendo que responder a essa interpretaccedilatildeo quando a mesma for contraacuteria aquela por ele
realizada inicialmente seja no sentido de modificar a legislaccedilatildeo superando a
incompatibilidade apontada pelo Judiciaacuterio ou fazer prevalecer o seu entendimento se assim
achar correto
Todavia ainda que recente a praacutetica tem demonstrado que na quase
totalidade dos casos em que houve uma resposta do Parlamento a uma declaraccedilatildeo de
incompatibilidade a mesma foi no sentido de acolher a opiniatildeo judicial para modificar a lei96
o que demonstra uma tendecircncia desse sistema em acolher a decisatildeo judicial ainda que a
mesma natildeo tenha formalmente o poder de invalidar a lei
132 O mandado interpretativo na experiecircncia neozelandesa
A Nova Zelacircndia assim como o Reino Unido tambeacutem possui um
constitucionalismo de tradiccedilatildeo parlamentar A adoccedilatildeo de um documento formal que visasse
agrave proteccedilatildeo de direitos fundamentais soacute ocorreu em 1990 com a aprovaccedilatildeo do New Zeland
Bill of Rights Act (NZBORA)
A principal caracteriacutestica que difere o sistema Neozelacircndes dos demais
eacute o fato de que o NZBORA natildeo possui uma hierarquia superior as demais leis ordinaacuterias do
paiacutes ou seja eacute um diploma desprovido de qualquer supremacia ou rigidez dentro do
ordenamento juriacutedico Essa caracteriacutestica faz com que o mesmo pelo menos teoricamente
possa ser revogado integralmente ou em parte por qualquer maioria legislativa posterior
(TUSHNET 2009 p 25)
96 ldquoGreater doubts about the behavioral assumptions underpinning weak-form dialogue theory emerge when
we consider the responses that responses that these declarations have elicited from the political branches of
government If Parliament were responding in the manner advocated by weak-form dialogue theorist we would
expect to see disagreement with judicial declarations being regularly expressed or at the very least on
occasion Contrary to these expectations however the British Parliament has almost universally responded
to judicial declarations of incompatibility by amending or repealing the relevant primary legislation in
accordance with the courtrsquos rulingrdquo (BATEUP 2009 p 549)
83
Aleacutem de possuir status de lei ordinaacuteria o NZBORA exclui
expressamente a possibilidade de anulaccedilatildeo das leis pelo Judiciaacuterio97 e determina que este
sempre que for interpretar qualquer dispositivo legal o faccedila em conformidade com o Bill of
Rights98 As seccedilotildees 4 a 7 trazem provisotildees que evitam o engajamento do Judiciaacuterio em uma
revisatildeo substantiva dos atos do Parlamento ratificando a supremacia parlamentar como um
princiacutepio constitucional da Nova Zelacircndia (HIEBERT KELLY 2015 p 62)
Ao contraacuterio do que ocorre no modelo britacircnico na Nova Zelacircndia o
Judiciaacuterio natildeo pode emitir qualquer declaraccedilatildeo de incompatibilidade o que para alguns
doutrinadores afasta a caracterizaccedilatildeo desse sistema como um judicial review jaacute outros o
caracterizam como um sistema ldquosuper fracordquo de revisatildeo judicial
Diante disso parece inicialmente que o NZBORA natildeo possui entatildeo
qualquer influecircncia importante dentro do ordenamento juriacutedico daquele paiacutes entretanto ao
contraacuterio do que parece o mesmo foi responsaacutevel por profundas mudanccedilas na legislaccedilatildeo
interna justamente por funcionar como um documento interpretativo geral servindo de
diretriz para a atuaccedilatildeo do legislativo
Neste sentido Gardbaum (2001 p 728) ensina que embora o NZBORA
possua um status juriacutedico de um estatuto legal comum eacute um documento geral que determina
como deve ser dado o sentido a todas as outras leis ordinaacuterias natildeo por meio da disposiccedilatildeo de
um conjunto de regras interpretativas mas sim pela enunciaccedilatildeo de direitos substantivos
Assim o NZBORA protege os direitos nele contidos por meio do dever
de interpretaccedilatildeo que coloca sobre os tribunais nos termos da Seccedilatildeo 6 e pelo consequente
custo poliacutetico que impotildee ao legislador de a adotar uma medida que viole claramente um
direito protegido ou que natildeo possa ser lida como consistente com ele (GARDBAUM 2001
p 729)
97 ldquoSection 4 (Other enactments not affected) No court shall in relation to any enactment (whether passed or
made before or after the commencement of this Bill of Rights)mdash (a)hold any provision of the enactment to be
impliedly repealed or revoked or to be in any way invalid or ineffective or (b)decline to apply any provision
of the enactmentmdash by reason only that the provision is inconsistent with any provision of this Bill of Rightsrdquo
New Zeland Bill of Rights Act 1990
98 ldquoSection 6 (Interpretation consistent with Bill of Rights to be preferred) Wherever an enactment can be given
a meaning that is consistent with the rights and freedoms contained in this Bill of Rights that meaning shall
be preferred to any other meaningrdquo New Zeland Bill of Rights Act 1990
84
No julgamento do caso R v Hansen99 a Suprema Corte esclareceu a
correta abordagem metodoloacutegica do judicial review a ser utilizada para reforccedilar os direitos
previstos no NZBORA afirmando que primeiramente a Corte deve buscar o significado
original que o Parlamento pretendeu atribuir a medida legislativa apoacutes analisar se o mesmo
eacute compatiacutevel com o NZBORA se houver uma aparente inconsistecircncia deve averiguar se a
mesma eacute razoaacutevel ao abrigo do que dispotildee a Seccedilatildeo 5 Se entender pela desarrazoabilidade
entatildeo deve buscar uma interpretaccedilatildeo diferente que se coadune com a declaraccedilatildeo de direitos
e por fim quando isto natildeo for possiacutevel deveraacute prevalecer entatildeo o significado original
atribuiacutedo pelo Parlamento (HIEBERT KELLY 2015 p63)
Essa metodologia resulta de uma cultura judicial fortemente
influenciada pelo princiacutepio da supremacia legislativa Nesta perspectiva o NZBORA
introduz um importante instrumento processual na Seccedilatildeo 7100 mediante o qual o Procurador
Geral eacute obrigado a examinar todas as propostas de lei e informar ao Parlamento quando for
detectada qualquer incompatibilidade entre uma disposiccedilatildeo legal e os direitos e garantias
assegurados pela Declaraccedilatildeo
O fundamento de tal medida parece consistir justamente em evitar a
aprovaccedilatildeo de medidas legislativas incompatiacuteveis com o Bill of Rights estabelecendo uma
forma preventiva de controle ainda que natildeo tenham o condatildeo de impossibilitar a aprovaccedilatildeo
da lei mesmo quando incompatiacutevel mas servindo de alerta ao Parlamento e assim
aumentando a sua responsabilidade pois arcaraacute com os custos poliacuteticos de suas decisotildees
Em que pese o NZBORA proiacuteba o Judiciaacuterio de emitir qualquer
pronunciamento formal sobre a incompatibilidade de medidas legislativas o New Zeland
Human Rights Act adotado em 1993 prevecirc a possibilidade de uma declaraccedilatildeo judicial de
inconsistecircncia como remeacutedio apropriado para os casos de discriminaccedilatildeo
Assim somente nos casos em que se discute o direito a igualdade o
99 R v Hansen (2007) NZSC 7 Iacutentegra disponiacutevel em httpwwwnzliiorgcgi-
binsinodispnzcasesNZSC20077htmlquery=hansen20nzsc
100 ldquoSection 7 (Attorney-General to report to Parliament where Bill appears to be inconsistent with Bill of
Rights) Where any Bill is introduced into the House of Representatives the Attorney-General shallmdash (a)in
the case of a Government Bill on the introduction of that Bill or (b)in any other case as soon as practicable
after the introduction of the Billmdash bring to the attention of the House of Representatives any provision in the
Bill that appears to be inconsistent with any of the rights and freedoms contained in this Bill of Rightsrdquo New
Zeland Bill of Rights Act 1990
85
Judiciaacuterio quando natildeo encontrar uma interpretaccedilatildeo da lei que seja razoaacutevel e compatiacutevel
com os direitos assegurados Bill of Rights poderaacute emitir um documento formal que ateste a
inconsistecircncia no intuito de dar ciecircncia ao Parlamento da incompatibilidade Em todas as
outras questotildees relativas a direitos fundamentais eacute vedado ao Judiciaacuterio comportamento
semelhante101
O modelo Neozelandecircs assim como os demais que adotam uma forma
fraca de revisatildeo judicial das leis eacute considerado por alguns estudiosos como dialoacutegico por
natildeo ser a interpretaccedilatildeo judicial considerada conclusiva ou definitiva mas sim
possibilitadora de uma interaccedilatildeo legislativa pois por meio do poder de interpretaccedilatildeo
atribuiacutedo ao Judiciaacuterio o legislativo se sentiria constgrangido a adotar medidas favoraacuteveis a
proteccedilatildeo de direitos evitando uma futura incompatibilidade das leis com o NZBORA
1321 Criacuteticas ao modelo neozelandecircs
A principal criacutetica ao modelo neozelandecircs reside na duacutevida se o mesmo
pode ser caracterizado como um judicial review perante a evidecircncia da supremacia
parlamentar e da falta de possibilidade do Judiciaacuterio de sequer emitir uma declaraccedilatildeo de
incompatibilidade das leis sugerindo assim a ausecircncia de uma forma concreta de controle
judicial
O que se percebe da anaacutelise desse sistema eacute que o mesmo apesar de ter
favorecido a implementaccedilatildeo de uma cultura de proteccedilatildeo de direitos fundamentais na Nova
Zelacircndia por meio da adoccedilatildeo do NZBORA e da previsatildeo do mandado interpretativo que de
alguma forma influencia o Parlamento a editar leis compatiacuteveis com a declaraccedilatildeo
restringindo o antes ilitimidado poder de criaccedilatildeo deste oacutergatildeo natildeo haacute como se falar
concretamente na existecircncia de um ldquodiaacutelogo institucionalrdquo
Apesar de alguns doutrinadores otimistas apontarem a praacutetica do
mandado interpretativo na experiecircncia neozelandesa como uma forma de diaacutelogo entre os
101 Eacute necessaacuterio que esclarecer que muito tem sido discutido sobre a possibilidade de uma emissatildeo formal de
declaraccedilatildeo de incompatibilidade pelo Judiciaacuterio no sistema Neozelandecircs Haacute estudiosos que defendam a
necessidade de uma mudanccedila legislativa nesse sentido todavia os entendimentos jurisprudencias mais recentes
indicam que as perspectivas para a adoccedilatildeo dessa possibilidade formal ainda satildeo precaacuterias Ver GINSBURG
Claudia On a Road to Nowhere Implied Declarations of Inconsistency and the New Zeland Bill of Rights
Victoria University of Wellington Law Review 40 613-47 2009
86
poderes existem muitas criacuteticas a tal afirmaccedilatildeo sob o argumento de que o que haacute na
realidade eacute total a prevalecircncia do Poder Legislativo
O NZBORA emerge como um documento de caraacuteter essencialmente
interpretativo baseado em uma implementaccedilatildeo parlamentar Essa caracteriacutestica
interpretativa apesar de reforccedilada pela abordagem judicial ainda estaacute muito ligada a
supremacia parlamentar pronfudamente enraizada no constitucionalismo neozelacircndes e a
essa forma de envolvimento Parlamento natildeo pode nem na melhor das hipoacuteteses ser vista
como uma forma de diaacutelogo (HIEBERT KELLY 2015)
A falta de mecanismos formais ao alcance do Judiciaacuterio para poder
declarar a incompatibilidade de uma medida legislativa com a declaraccedilatildeo de direitos reduz
em grande escala a possibilidade da ocorrecircncia de um diaacutelogo entre os poderes poliacuteticos
Nesse sentido Geiringer (2009 p 647-647) aduz que a experiecircncia
Neozelandesa demonstra que a maioria dos juiacutezes natildeo se sentem confortaacuteveis quando
colocados a exercer o papel de criacuteticos do legislativo justamente pela arraigada cultura
parlamentar presente neste modelo e que a melhor e mais raacutepida forma de mudar essa
mentalidade seria por meio da atribuiccedilatildeo de uma poder formal para declarar a inconsistecircncia
das leis
Sendo assim a possibilidade de um efetivo diaacutelogo entre os Poderes
dentro do sistema da Nova Zelacircndia na forma em que hoje se afigura eacute escassa e limitada
jaacute que a supremacia parlamentar ainda eacute muito forte e evidente
87
CAPIacuteTULO 3 ndash AS TEORIAS DIALOacuteGICAS NO SISTEMA DE JURSIDICcedilAtildeO
CONSTITUCIONAL BRASILEIRO UMA POSSIBILIDADE
Da exposiccedilatildeo feita no capiacutetulo anterior podemos concluir que natildeo haacute
uma forma preacute definida para a ocorrecircncia do diaacutelogo podendo ele se manifestar por meio
das mais diversas praacuteticas e sob perspectivas teoacutericas diferentes a depender da cultura
histoacuterica e poliacutetica do paiacutes em que estaacute inserido
Apesar de ser um tema ainda pouco explorado pela doutrina brasileira
que ainda se centra primordialmente nos estudos das teorias interpretativas nos parece
importante verificar se haacute a possibilidade da aplicaccedilatildeo das teorias dialoacutegicas no Brasil mais
ainda se podemos identificar algum indiacutecio da sua praacutetica nos julgados do STF
Por isso na sequecircncia se buscaraacute por meio da anaacutelise de alguns casos
concretos constatar como e em que medida os diaacutelogos institucionais se manifestam no
sistema brasileiro a fim de revelar quais os traccedilos das teorias dialoacutegicas presentes nesse
sistema
Oportunamente se esclarece que os casos selecionados para anaacutelise satildeo
resultado do controle concentrado de constitucionalidade quando o Supremo Tribunal
Federal exerce seu papel de guardiatildeo da constituiccedilatildeo102 Fez-se essa opccedilatildeo por ser este tipo
de controle o ponto de maior relevacircncia e confronto entre a atuaccedilatildeo do STF e sua relaccedilatildeo
com o Legislativo pois eacute onde haacute uma anaacutelise judicial direta e abstrata da atuaccedilatildeo legislativa
que daacute origem a uma decisatildeo judicial com efeitos erga omnes
A anaacutelise de casos ocorridos no acircmbito do controle concentrado de
constitucionalidade torna-se ainda mais interessante do que a de casos derivados do controle
difuso se levarmos em conta que neste uacuteltimo a reaccedilatildeo legislativa eacute disciplinada pela proacutepria
Constituiccedilatildeo Federal por meio do inciso X do artigo 52 que atribui ao Senado a
competecircncia para suspender a execuccedilatildeo de lei declarada inconstitucional natildeo havendo
102 O art 102 da Constituiccedilatildeo Federal Brasileira atribui expressamente ao STF o papel de guardiatildeo da
Constiticcedilatildeo cabendo-lhe julgar originariamente accedilatildeo direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo
federal ou estadual e a accedilatildeo declaratoacuteria de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal
88
portanto grandes controveacutersias a esse respeito103
Deve ser esclarecido ainda que apesar de no capiacutetulo anterior ter-se
feito referecircncia as teorias que prescrevem a realizaccedilatildeo de um diaacutelogo social no presente
capiacutetulo a anaacutelise se centraraacute apenas em casos onde os atores participantes do processo de
interpretaccedilatildeo constitucional satildeo os poderes institucionalizados excluindo-se os casos onde
se fala na inclusatildeo da sociedade Destaca-se isso porque hoje a realizaccedilatildeo de audiecircncias
puacuteblicas e a convocaccedilatildeo de ldquoamigos da corterdquo durante o processo constitucional tem sido
uma praacutetica comum poreacutem complexa utilizada pelo Supremo Tribunal brasileiro104
Portanto entende-se que seria temeraacuterio invocar aqui casos envolvendo
esses mecanismos populares sem trataacute-los com a devida profundidade dando atenccedilatildeo a todos
os aspectos controversos que a anaacutelise requer Por esses motivos a anaacutelise centra-se apenas
casos onde figuram como atores o Poder Legislativo e o Poder Judiciaacuterio
Ressalta-se que o objetivo do estudo natildeo eacute analisar de forma exaustiva
a jurisprudecircncia brasileira ateacute mesmo porque para tanto seria necessaacuterio um trabalho
dedicado inteiramente agrave esse objetivo Pretende-se verificar e ilustrar como as teorias
dialoacutegicas podem ser encontradas na praacutetica brasileira por meio de importantes julgados
proferidos pelo Supremo Tribunal Federal identificando os elementos dialoacutegicos neles
presentes e as correspondentes teorias
Para fazer a anaacutelise dos casos e identificar seus aspectos dialoacutegicos seraacute
utilizado como base aleacutem das teorias expostas no capiacutetulo anterior a descriccedilatildeo de diaacutelogo
convencional proposta por Tushnet (2012 p 3-13) a qual se estrutura da seguinte forma
1ordm O legislador promulga uma lei rarr 2ordm o estatuto enfrenta um desafio
no Tribunal Constitucional rarr 3ordm O Tribunal invalida o estatuto rarr 4ordm o Tribunal na decisatildeo
103 Necessaacuterio destacar eu haacute uma divergecircncia na doutrina brasileira acerca da discricionariedade do poder
atribuiacutedo ao Senado por forccedila do art 52 X da CF88 Nos filiamos a doutrina minoritaacuteria segundo a qual o
Senado possui a faculdade de suspender a lei e natildeo a obrigaccedilatildeo jaacute que a decisatildeo judicial exarada no exerciacutecio
do controle de constitucionalidade disfuso possui efetios inter partes Sob essa loacutegica pode-se enxergar tal
previsatildeo constitucional como um mecanismo dialoacutegico pois natildeo deixa ser um instrumento de reaccedilatildeo legislativa
agrave decisatildeo judicial que complementa o controle judicial e de certa forma estendendo os efeitos da sua decisatildeo
104 Exemplo emblemaacutetico dessa praacutetica eacute a ADI 3510 onde foi apreciada a inconstitucionalidade da Lei de
Bioseguranccedila em especial no tocante a possibilidade de pesquisas utilizando ceacutelulas tronco e o STF
reconhecendo a complexidade do tema convou a realizaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas onde forma ouvidas vaacuterias
entidadas organizadas da sociedade civil e a particiaccedilatildeo de diversas pessoas na qualidade de ldquoamigos da corterdquo
para compartilhar conhecimento teacutecnico que o Tribunal assumir natildeo possuir para julgar o caso
89
indica algumas formas especiacuteficas em que o estatuto eacute incompatiacutevel com a Constituiccedilatildeo ou
oferece a melhor interpretaccedilatildeo das disposiccedilotildees constitucionais rarr 5ordm O legislativo responde
revendo o estatuto e corrigindo as deficiecircncias apontadas pelo Tribunal ou reedita o estatuto
sem alteraccedilotildees rarr 6ordm O estatuto eacute novamente desafiado rarr 7ordm O Tribunal lida com o desafio
e se abre para um novo debate defendendo o estatuto ou verifica se as modificaccedilotildees do
estatuto foram suficientes para torna-lo compatiacutevel ou estatildeo aqueacutem e ensejam uma nova
invalidaccedilatildeo
Ou ainda 1ordm A Constituiccedilatildeo impotildee ao legislador o dever de legislar
sobre um toacutepico especiacutefico rarr 2ordm O Tribunal identifica falhas na atuaccedilatildeo legislativa
entendendo que a mesma eacute insuficiente para satisfazer o seu dever ou verifica a ausecircncia de
atuaccedilatildeo rarr 3ordm indica ao legislativo as falhas ou a omissao exigindo a tomada de medidas no
sentido de cumprir o seu dever constitucional
Dito isso passa-se a anaacutelise dos casos concretos
14 Julgamento da accedilatildeo direta de inconstitucionalidade nordm 2797df ndash a suacutemula
394 do STF e a lei nordm 106282002
a) Breve resumo do caso
A antiga Suacutemula105 394 do STF editada em 3 de abril de 1964 a qual
dispunha que cometido o crime durante o exerciacutecio funcional prevalece a competecircncia
especial por prerrogativa de funccedilatildeo ainda que o inqueacuterito ou a accedilatildeo penal sejam iniciados
apoacutes a cessaccedilatildeo daquele exerciacutecio foi cancelada por unanimidade em sessatildeo plenaacuteria da
Corte realizada em 30042007
Os argumentos para o cancelamento do referido verbete giraram
basicamente em torno da defesa de que a prerrogativa de foro visa garantir o exerciacutecio do
105 A Suacutemula eacute um instituto juriacutedico muito presente no Direito brasileiro que consiste em um verbete que
registra a interpretaccedilatildeo paciacutefica ou majoritaacuteria de um determinado Tribunal a partir do julgamento de variados
casos concretos a fim de tornar puacuteblico a sociedade o seu entendimento e promover uma uniformizaccedilatildeo das
decisotildees judiciais Em regra natildeo possui efeito vinculante servindo apenas de diretriz poreacutem quando for votada
e aprovada pelo STF por pelo menos 23 do plenaacuterio se torna um entendimento obrigatoacuterio a ser observado
por todos os outros Tribunais e juiacutezes bem como pelos entes da Admnistraccedilatildeo Puacuteblica conforme determina o
Artigo 103-A da Constituiccedilatildeo Federal de 1988
90
cargo e natildeo o seu ocupante sendo assim uma vez que o indiacuteviduo deixa o cargo natildeo deve
fazer jus ao privileacutegio eis que o mesmo eacute inerente ao cargo e natildeo um direito subjetivo assim
atribuir o privileacutegio quando jaacute natildeo mais haacute o exerciacutecio da funccedilatildeo violaria o princiacutepio da
igualdade
Foi entatildeo consolidado pela Corte o entendimento de que deixando o
cargo definitivamente independentemente do motivo o ex-titular natildeo teraacute direito a processo
e julgamento em oacutergatildeo jurisdicional distinto daquele que teria qualquer outro cidadatildeo
Apesar da sedimentaccedilatildeo desse entendimento no acircmbito do STF em
dezembro de 2002 foi promulgada a Lei nordm 106282002 que alterou o artigo 84 do Coacutedigo
de Processo Penal brasileiro para inserir o sect1ordm com a seguinte redaccedilatildeo ldquoa competecircncia
especial por prerrogativa de funccedilatildeo relativa a atos administrativos do agente prevalece
ainda que o inqueacuterito ou a accedilatildeo judicial sejam iniciados apoacutes a cessaccedilatildeo do exerciacutecio da
funccedilatildeo puacuteblicardquo
Foi arguida a inconstitucionalidade do mencionado dispostivo legal por
meio de accedilatildeo direta de inconstitucionalidade proposta pela Associaccedilatildeo Nacional dos
Membros do Ministeacuterio Puacuteblico ndash CONAMP Ao fim do julgamento foi declarada a
inconstitucionalidade material e formal da lei essa uacuteltima com base no argumento de que
uma lei ordinaacuteria natildeo poderia vir a superar uma interpretaccedilatildeo constitucional jaacute realizada pelo
Supremo
Os aspectos relevantes do caso para a anaacutelise pretendida residem
justamente na tentativa do Legislativo de superar uma interpretaccedilatildeo constitucional jaacute
consolidada pela Suprema Corte e natildeo tanto no meacuterito relativo a constitucionalidade
material da norma
O caso eacute emblemaacutetico no cenaacuterio brasileiro por ter despertado um
interessante debate acerca da possibilidade de reaccedilatildeo legislativa a uma interpretaccedilatildeo
constitucional proferida pelo STF o que em muito contribui para a nossa anaacutelise sobre a
possibilidade de um diaacutelogo institucional no sistema brasileiro
Passa-se entatildeo a exposiccedilatildeo das importantes variaacuteveis do debate de
acordo com os votos proferidos pelos Ministros na ocasiatildeo do julgamento
91
b) Debate acerca da possibilidade de reediccedilatildeo de uma lei anteriormente declarada
inconstitucional pelo STF
O relator do caso Ministro Sepuacutelveda Pertence em seu voto o qual foi
seguido pela maioria iniciou a fundamentaccedilatildeo da inconstitucionalidade do dispostivo legal
sob anaacutelise naquela ocasiatildeo afirmando que o mesmo constitui evidente reaccedilatildeo legislativa ao
cancelamento da Suacutemula 394 Destacou que a redaccedilatildeo legal se aproxima substancialmente
da que foi proposta em seu voto vencido pela maioria na ocasiatildeo da deliberaccedilatildeo sobre o
cancelamento do verbete
Afirmou que o cancelamento da Suacutemula decorreu de interpretaccedilatildeo
direta e exclusiva da Contituiccedilatildeo e natildeo pela inexistecircncia de lei ordinaacuteria que o regulasse
Diante disso formulou entatildeo a seguinte indagaccedilatildeo lei ordinaacuteria eacute instrumento normativo
apto agrave alterar jurisprudecircncia assente do STF fundada em interpretaccedilatildeo direta e exclusiva da
Constituiccedilatildeo
Argumentou construindo uma resposta negativa agrave indagaccedilatildeo embora
reconhecendo que as decisotildees da Corte em sede de controle concentrado natildeo vinculam o
Poder Legislativo mas tatildeo somente os demais oacutergatildeos do Judiciaacuterio e o Poder Executivo
Assim concluiu que a ediccedilatildeo de uma lei no sentido contraacuterio de uma decisatildeo do Tribunal
natildeo infere necessariamente um descumprimento dessa decisatildeo estando o Legislativo livre
para agir nesse sentido todavia a medida editada seraacute inevitavelmente considerada
inconstitucional a menos que a Corte recue em seu posicionamento anterior sobre o assunto
Neste ponto o Ministro propocircs uma reflexatildeo diferenciando a
inconstitucionalidade material e formal da lei No seu entender se a lei reeditada pretender
impor com seu objeto imediato uma interpretaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo ela seraacute eivada de uma
inconstitucionalidade formal pois uma lei de hierarquia inferior natildeo pode ditar a
interpretaccedilatildeo de uma norma hierarquicamente superior
Poreacutem quando a lei editada pelo legislativo for de conteuacutedo similar ao
de uma outra jaacute declarada inconstitucional deveraacute ser feita anaacutelise acerca da
inconstitucionalidade material pois a Corte natildeo estaacute vinculada ao seu entendimento anterior
podendo mudar de opiniatildeo sobre o assunto em um novo debate
92
Neste sentido merece destaque o seguinte trecho do voto
ldquoAdmitir pudesse a lei ordinaacuteria inverter a leitura pelo Supremo Tribunal
da Constituiccedilatildeo seria dizer que a interpretaccedilatildeo constitucional da Corte
estaria sujeita ao referendo do legislador ou seja que a Constituiccedilatildeo ndash
como entendida pelo oacutergatildeo que ela proacutepria erigiu em guarda da sua
supremacia ndash soacute constituiria a Lei Suprema na medida da inteligecircncia que
lhe desse outro oacutergatildeo constituiacutedo o legislador ordinaacuterio ao contraacuterio
submetido aos seus ditamesrdquo
O Ministro Eros Grau em voto divergente discordou do entendimento
traccedilado no voto do relator no aspecto da inadmissibilidade da interpretaccedilatildeo constitucional
por lei ordinaacuteria afirmando que todo ato legislativo em alguma medida envolve a
interpretaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo por parte de quem legisla
Concluiu pela inexistecircncia de inconstitucionalidade formal da Lei nordm 10
62802 com base no fundamento de que o Poder Legislativo natildeo fica vinculado por um
dever de natildeo legislar em razatildeo da Corte ter conferido alguma interpretaccedilatildeo constitucional
Sendo entatildeo admissiacutevel que o Legislativo reedite uma lei contraacuteria a interpretaccedilatildeo
constitucional jaacute proferido pelo STF todavia esta lei fatalmente sucumbiraacute agrave anaacutelise da
inconstitucionalidade material jaacute que a uacuteltima palavra deveraacute ser dada pela Corte
O Ministro Gilmar Mendes acompanhou a divergecircncia lanccedilando
argumentos diferentes que enriqueceram o debate os quais satildeo de grande importacircncia para
a anaacutelise que se faraacute s na sequecircncia razatildeo pela qual transcreve-se aqui alguns dos principais
trechos
(hellip) Penso que natildeo eacute possiacutevel admitir que o legislador ordinaacuterio tenha a
sua liberdade totalmente tolhida pelas declaraccedilotildees de constitucionalidade
ou inconstitucionalidade do Tribunal Eacute adequado e prudente inclusive
que tais atos legislativos sejam apreciados a partir de um dado contexto
institucional
Eacute de se ressaltar que se de um lado a Constituiccedilatildeo atribui a este Supremo
Tribunal Federal a tarefa de guarda da integridade da ordem juriacutedico-
constitucional de outro eacute assente que o seu texto esta sujeito a uma
sociedade aberta de inteacuterpretes (HARBELE Peter Hermenecircutica
Constitucional A Sociedade aberta dos inteacuterpretes da Constituiccedilatildeo
93
contribuiccedilatildeo para a interpretaccedilatildeo pluralista e ldquoprocedimentalrdquo da
Constituiccedilatildeo Trad Gilmar Ferreira Mendes Porto Alegre Sergio Antonio
Fabris 1997) os quais podem de acordo com as alteraccedilotildees histoacuterico-
culturais exercer alternativas plurais de interpretaccedilatildeo
(hellip)
Natildeo eacute possiacutevel presumir portanto a inconstitucionalidade dos dispositivos
atacados simplesmente porque eles contrariam a ldquouacuteltima palavrardquo
conferida pelo Supremo Tribunal Federal sobre o tema Que pretendo
ressaltar pelo contraacuterio eacute o fato de que se o legislador federal (re)incide
cria ou regula essa mateacuteria constitucional de modo inteiramente diverso o
ldquodiaacutelogordquo o debate institucional deve continuar
Os demais ministros seguiram o voto do relator sem acrescentar grandes
argumentos ao debate Desta feita restou consignada no julgado a inconstitucionalidade da
lei
c) Anaacutelise do caso pelo prisma das Teorias do Diaacutelogo Institucional
Inicialmente merece ser pontuado que como destacado no voto do
Ministro Relator a lei da qual foi apreciada a constitucionalidade pelo STF trata-se de
expressa reaccedilatildeo legislativa a interpretaccedilatildeo constitucional anteriormente proferida
Como viu-se no capiacutetulo anterior para alguns estudiosos como Peter
Hogg e Allisson Bushell a simples possibilidade de reaccedilatildeo legislativa agrave decisatildeo judicial
resultante do controle de constitucionalidade deve ser considerada como uma praacutetica
dialoacutegica
Nessa perspectiva pode-se dizer que o STF apesar de ter considerado a
inconstitucionalidade da lei natildeo descartou a possibilidade da reaccedilatildeo legislativa agrave sua decisatildeo
preteacuterita admitindo que a mesma natildeo vincula a atuaccedilatildeo legislativa o que demonstra a
existecircncia de um espaccedilo para a possibilidade do diaacutelogo no sistema brasileiro ainda que este
em muito se diferencie estruturalmente do sistema Canadense o qual foi o objeto de estudo
desses Autores
Aplicando a descriccedilatildeo dialoacutegica proposta por Tushnet pode-se dizer que
o caso enquadra-se no conceito de diaacutelogo pois o legislador pretendeu a modificaccedilatildeo do
94
entendimento da Corte por meio da ediccedilatildeo de um estatuto legal com objeto semelhante ao
de uma Suacutemula jaacute cancelada - praacutetica que pode ser comparada a ldquoin your face responserdquo
comum no sistema canadense106- e o Tribunal enfrentou a questatildeo por meio de um novo
debate poreacutem permaneceu firme no seu entendimento anterior
Portanto em que pese a Constituiccedilatildeo Federal brasileira natildeo trazer
expressamente em seu texto a previsatildeo de um mecanismo especiacutefico que possibilite ao
legislativo superar uma decisatildeo do Supremo Tribunal Federal107 proferida no acircmbito do
controle concentrado de constitucionalidade o fato de as decisotildees do Supremo nesta espeacutecie
de controle de constitucionalidade natildeo vincularem o Poder Legislativo108 possibilitam ou
pelo menos natildeo impedem a reediccedilatildeo de uma norma jaacute consagrada inconstitucional
Sendo assim pode-se afirmar que apesar do Brasil adotar um modelo forte
de controle de constitucionalidade e a Constituiccedilatildeo Federal conceder expressamente a
guarda da Constituiccedilatildeo ao Supremo Tribunal Federal a possibilidade de um diaacutelogo
institucional com o Poder Legislativo ndash sob a perspectiva de algumas teorias dialoacutegicas ndash
natildeo eacute algo impensaacutevel
Importante frisar a questatildeo da adoccedilatildeo de um sistema forte de controle
de constitucionalidade jaacute que conforme lecionado por Tushnet (2009) esses sistemas seriam
menos propiacutecios ao diaacutelogo jaacute que seus mecanismos de modificaccedilatildeo da decisatildeo judicial
seriam mais difiacutecies e demorados como a Emenda Constitucional por exemplo Contudo
no presente caso vecirc-se que essa possibilidade pode ocorrer por meio de lei ordinaacuteria e de
forma relativamente ceacutelere se considerado que entre a revogaccedilatildeo da Suacutemula 394 e a ediccedilatildeo
da lei se passaram apenas dois anos
106 Ver toacutepico 1012 107 Apenas a tiacutetulo de conhecimento entendemos necessaacuterio mencionar que no ano de 2011 foi proposto um
Projeto de Emenda a Constituiccedilatildeo conhecido como PEC 33 o qual pretendia modificar o enunciado do artigo
102 da CF para alterar a quantidade miacutenima de votos de membros de tribunais para declaraccedilatildeo de
inconstitucionalidade das leis condicionar o efeito vinculante de suacutemulas aprovadas pelo STF agrave aprovaccedilatildeo
pelo Poder Legislativo e submeter ao Congresso Nacional as decisotildees sobre inconstitucionalidade de Emendas
agrave Constituiccedilatildeo As alteraccedilotildees pretendidas com o prejeto especialemente as duas uacuteltimas que alargam a
competecircncia do Legislativo sugerem a introduccedilatildeo de um modelo de controle de constitucionalidade
semelhante ao weak form A PEC foi arquivada no dia 31012015 com o fim da legislatura em que foi proposta
nos termos do art 105 do regimento interno da Cacircmara dos Deputados
108 O paraacutegrafo uacutenico do artigo 28 da Lei nordm 9 868 de 10 de novembro de 1999 dispotildee que a declaraccedilatildeo de
constitucionalidade ou de inconstitucionalidade inclusive a interpretaccedilatildeo conforme a Constituiccedilatildeo e a
declaraccedilatildeo parcial de inconstitucionalidade sem reduccedilatildeo de texto tecircm eficaacutecia contra todos e efeito vinculante
em relaccedilatildeo aos oacutergatildeos do Poder Judiciaacuterio e agrave Administraccedilatildeo Puacuteblica federal estadual e municipal natildeo
incluindo nesse rol o Poder Legislativo
95
Pois bem da leitura do item b) acima percebe-se uma divergecircncia de
opiniatildeo dentro da proacutepria Corte a respeito do tema alguns ministros a maioria deles
adotaram um pensamento mais conservador e defensor da supremacia judicial no sentido de
considerar a reaccedilatildeo legislativa abusiva Outros principalmente o ministro Gilmar Mendes
optaram por um posicionamento mais tendente ao diaacutelogo reconhecendo a importacircncia de
uma postura mais aberta do Judiciaacuterio nesse sentido
Apesar do voto vencedor ter concluiacutedo pela inconstitucionalidade
formal da lei a anaacutelise do meacuterito natildeo deixou de ocorrer Todos os ministros engajaram-se a
debater o tema tratado pela lei e pela antiga Suacutemula novamente reacendendo o debate dois
anos depois Em que pese o entendimento da Corte ter permanecido o mesmo deve-se
reconhecer os benefiacutecios da reediccedilatildeo da lei no sentido de possibilitar um ldquosegundo olharrdquo
sobre o tema
Nesse aspecto do caso percebe-se a ideia desenvolvida por Kent
Roach109 ndash a qual se enquadra no grupo das teorias de princiacutepios juriacutedicos ndash em que a decisatildeo
judicial deve ser considerada como o iacutenicio do debate o qual prossegue mediante a resposta
legislativa por meio da ediccedilatildeo de leis ordinaacuterias reativas agrave essa decisatildeo e que assim
possibilitam que o tema volte a ser debatido pelo Judiciaacuterio e tambeacutem pelo Legislativo
Para o autor a devoluccedilatildeo do debate ao Judiciaacuterio por meio da resposta
legislativa eacute uma forma mais desejaacutevel de atuaccedilatildeo do legislador ao inveacutes da ou total
deferecircncia agraves decisotildees judiciais ou ainda da superaccedilatildeo da decisatildeo e imposiccedilatildeo do seu
entendimento como o sistema canadense possibilitar com a claacuteusula 33 Todavia tambeacutem
atenta para o lado negativo dessa praacutetica como jaacute se viu anteriormente
O caso traduz exatamente as criacuteticas dirigidas agrave essa teoria e sua
respectiva praacutetica pois viu-se que o legislativo pode simplesmente reeditar uma norma jaacute
considerada inconstitucional sem no entanto se preocupar em justificar a sua escolha
tampouco demonstrar a necessidade da medida mas apenas repetindo o conteuacutedo tal e qual
ao da norma anterior contrariando a expectativa de uma melhor e mais responsaacutevel atuaccedilatildeo
Eacute necessaacuterio perceber tambeacutem a postura ativista da Corte tendo em
vista que o entendimento que prevaleceu nesse caso foi pela impossibilidade de reediccedilatildeo de
109 Ver tambeacutem aleacutem das obras jaacute anteriormente citadas ROACH Kent Constitutional and Common Law
Dialogues between the Supreme Court and Canadian Legislatures Canadian Bar Review p 481-533 2001
96
uma norma jaacute declarada inconstitucional com uma clara intenccedilatildeo de preservar e rearfirmar
o seu poder110 o que evidencia mais uma dificuldade praacutetica da aplicaccedilatildeo das teorias dos
princiacutepios juriacutedicos dependentes da boa disposiccedilatildeo do Judiciaacuterio para abertura do debate e
ateacute para uma eventual deferecircncia agrave escolha legislativa
Em todo caso fato eacute que natildeo se pode considerar que no presente caso
houve um diaacutelogo sob o ponto de vista material concluindo consequentemente que as
teorias dialoacutegicas dos princiacutepios juriacutedicos na praacutetica natildeo se revelam apropriadas para a sua
consecuccedilatildeo Todavia vislumbra-se a tentativa de uma resposta legislativa ao protagonismo
Judicial que pode sob o ponto de vista formal ser considerada como um diaacutelogo
principalmente por ter levado o tema a ser debatido novamente pela Corte apesar da sua
postura mais conservadora conforme propotildee Tushnet111
Essa reaccedilatildeo legislativa ao contraacuterio do que pode parecer em um
primeiro momento natildeo eacute algo tatildeo raro no sistema brasileiro e pode ser encontrada tambeacutem
em diversos outros casos como veraacute na sequecircncia
15 Julgamento da accedilatildeo direta de inconstitucionalidade nordm 4543DF e a lei
131652015
a) Breve resumo do caso
Na Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade nordm 4543DF proposta pela
Procuradoria Geral da Repuacuteblica o Supremo Tribunal apreciou a incompatibilidade do artigo
5ordm da Lei 120342009 com o caput do artigo 14 da Constituiccedilatildeo Federal brasileira que
assegura o voto direto e secreto
O supracitado dispositivo legal previa a criaccedilatildeo do voto impresso a
partir do processo eleitoral de 2014 e possuiacutea a seguinte redaccedilatildeo
5o Fica criado a partir das eleiccedilotildees de 2014 inclusive o voto impresso
110 Neste sentido Barroso (2009) destaca que o primeiro impulso natural do poder eacute a auto-conservaccedilatildeo sendo
intuitivo que os representantes do poder em suas relaccedilotildees entre si ou com outros aotres poliacuteticos sejam eles
institucionais ou sociais procure demarcar e preservar seu espaccedilo de atuaccedilatildeo e sua autoridade
111 Ver toacutepicos 1012 1013 e 1014 que abordam as teorias dialoacutegicas de princiacutepios juriacutedicos sua
concretizaccedilatildeo no sistema canadense e respetivas criacuteticas
97
conferido pelo eleitor garantido o total sigilo do voto e observadas as
seguintes regras
sect 1o A maacutequina de votar exibiraacute para o eleitor primeiramente as telas
referentes agraves eleiccedilotildees proporcionais em seguida as referentes agraves eleiccedilotildees
majoritaacuterias finalmente o voto completo para conferecircncia visual do eleitor
e confirmaccedilatildeo final do voto
sect 2o Apoacutes a confirmaccedilatildeo final do voto pelo eleitor a urna eletrocircnica
imprimiraacute um nuacutemero uacutenico de identificaccedilatildeo do voto associado agrave sua proacutepria
assinatura digital
sect 3o O voto deveraacute ser depositado de forma automaacutetica sem contato
manual do eleitor em local previamente lacrado (grifou-se)
sect 4o Apoacutes o fim da votaccedilatildeo a Justiccedila Eleitoral realizaraacute em audiecircncia
puacuteblica auditoria independente do software mediante o sorteio de 2 (dois
por cento) das urnas eletrocircnicas de cada Zona Eleitoral respeitado o limite
miacutenimo de 3 (trecircs) maacutequinas por municiacutepio que deveratildeo ter seus votos em
papel contados e comparados com os resultados apresentados pelo
respectivo boletim de urna
sect 5o Eacute permitido o uso de identificaccedilatildeo do eleitor por sua biometria ou pela
digitaccedilatildeo do seu nome ou nuacutemero de eleitor desde que a maacutequina de
identificar natildeo tenha nenhuma conexatildeo com a urna eletrocircnica
O Supremo considerou a lei inconstitucional com base em diversos
argumentos alegando resumidamente que a criaccedilatildeo do voto impresso representaria um
retrocesso para o sistema eleitoral brasileiro que atualmente conta com um moderno e
eficiente aparato de votaccedilatildeo eletrocircnica e seria uma ameaccedila ao sigilo garantido
constitucionalmente afirmando a proibiccedilatildeo de qualquer tipo de identificaccedilatildeo do eleitor no
exerciacutecio do voto ou no proacuteprio voto
A accedilatildeo foi julgada procedente por unanimidade nos termos do voto do
Ministro Relator poreacutem eacute interessante destacar o voto do Ministro Luiacutes Roberto Barroso o
qual aduziu expressamente a importacircncia de que o Judiciaacuterio conserve uma postura de
humildade institucional sendo deferente agraves escolhas poliacuteticas do Legislador que natildeo sejam
claramente irrazoaacuteveis Em resposta o Ministro Luiz Fux afirmou que muito embora
98
concorde com a deferecircncia que deve ser dada ao Legislativo em certos casos eacute preciso que
o Supremo exerccedila a funccedilatildeo contramajoritaacuteria ou seja contra a Casa do Povo principalmente
naquelas hipoacuteteses em que haacute uma ameaccedila a direito fundamental
Pouco mais de um ano apoacutes o referido julgamento o Legislativo
promulgou a Lei nordm 131652015 conhecida como ldquolei da minireforma eleitoralrdquo por
introduzir significativas alteraccedilotildees ao Coacutedigo Eleitoral a qual em seu artigo 2ordm deu nova
redaccedilatildeo ao Artigo 59-A do referido Coacutedigo nos seguintes termos
Art 59-A No processo de votaccedilatildeo eletrocircnica a urna imprimiraacute o
registro de cada voto que seraacute depositado de forma automaacutetica e sem
contato manual do eleitor em local previamente lacrado (grifou-se)
Paraacutegrafo uacutenico O processo de votaccedilatildeo natildeo seraacute concluiacutedo ateacute que o
eleitor confirme a correspondecircncia entre o teor de seu voto e o registro
impresso e exibido pela urna eletrocircnica
Da simples leitura do dispositivo acima percebe-se que o que o
Legislativo fez foi reeditar uma norma com igual objeto ao da anteriormente declarada
inconstitucional pela Corte Entretanto algumas alteraccedilotildees no texto satildeo notoacuterias sobretudo
no tocante a retirada da previsatildeo de um nuacutemero uacutenico de identificaccedilatildeo do voto associado agrave
proacutepria assinatura digital e da auditoria pela Justiccedila Eleitoral
Percebe-se entatildeo mais uma vez a ocorrecircncia de uma reaccedilatildeo legislativa
por meio da ediccedilatildeo de lei ordinaacuteria tendo em vista o desacordo do legislador com o
entendimento proferido pela Corte
b) Anaacutelise do caso pelo prisma das Teorias do Diaacutelogo Institucional
Observa-se claramente no presente caso a possibilidade concreta do
Legislativo brasileiro reeditar uma norma de igual objeto e com redaccedilatildeo semelhante e igual
objeto de outra jaacute declarada inconstitucional pelo STF
O caso eacute similar ao antes descrito poreacutem naquele a norma anterior que
estava sendo reeditada natildeo era uma lei ordinaacuteria criada pelo legislativo mas sim uma Suacutemula
editada pela proacutepria Corte Neste caso jaacute se nota duas normas editadas pelo mesmo oacutergatildeo
99
com o mesmo objeto e em um lapso temporal relativamente curto a primeira jaacute considerada
inconstitucional e a segunda ateacute o momento vaacutelida
Se observar-se o caso pela vertente do conteuacutedo daquelas teorias
dialoacutegicas que consideram a reediccedilatildeo de norma idecircntica como uma forma de diaacutelogo chegar-
se-aacute a conclusatildeo que esse pode ser mais um exemplo de diaacutelogo no seu sentido formal assim
como o narrado acima
O caso encaixa-se perfeitamente na descriccedilatildeo convencional de diaacutelogo
sintetizada por Tushnet eis que respeita a execuccedilatildeo de todos os passos descritos pelo autor
todavia conceber a resposta legislativa neste caso como uma forma de diaacutelogo pode ser
considerado como algo positivo ou natildeo a depender do ponto de vista adotado
Pode-se considerar a reaccedilatildeo legislativa tanto como uma afronta agrave
decisatildeo judicial na tentativa de manter uma legislaccedilatildeo flagrantemente inconstitucional em
vigor protegendo seus proacuteprios interesses poliacuteticos ou podemos interpretar a reaccedilatildeo
legislativa tambeacutem como uma manifestaccedilatildeo de deferecircncia agrave decisatildeo judicial sendo uma
revisatildeo da lei anterior
Menciona-se isso porque natildeo se pode ignorar o fato de o texto da
segunda lei ser muito mais sucinto que o da primeira sobretudo por ter sido retirada da sua
redaccedilatildeo alguns aspectos especiacuteficos que foram impugnados pelo Supremo Nesse aspecto
se adotada uma visatildeo positiva poder-se-ia dizer que o resultado esperado pelos defensores
dessa praacutetica foi atingido ocasionando uma atuaccedilatildeo mais responsaacutevel do Legislativo o qual
teria levado em conta as observaccedilotildees do Judiciaacuterio para a elaboraccedilatildeo de uma medida mais
satisfatoacuteria que a anterior
Se observada a reaccedilatildeo legislativa sob esse entendimento poder-se-aacute
dizer que houve no presente caso - conforme o sentido empregado por Tremblay (2000) -
uma ldquoconversardquo entre entre Judiciaacuterio e Legislativo que resultou em uma medida legislativa
criada mediante o compartilhamento das visotildees de ambos os Poderes
Entretanto eacute necessaacuterio destacar que a intenccedilatildeo do Legislativo natildeo resta
clara pois ao mesmo tempo que modificou em alguns aspectos o texto anteriormente
editado tambeacutem manteve o seu principal objeto o qual jaacute havia sido flagrantemente
considerado inconstitucional pela Corte
100
Dessa forma ao mesmo tempo em que se pode vislumbrar a ocorrecircncia
de um diaacutelogo tambeacutem se pode encarar o tipo de resposta legislativa dada neste caso como
uma atuaccedilatildeo abusiva a qual natildeo poderaacute ser entendida como dialoacutegica
Essa ambiguidade demonstra que nem toda forma de resposta
legislativa deve ser encarada sob o ponto de vista dialoacutegico sob pena de enfraquecimento
das proacuteprias teorias dialoacutegicas do esvaziamento do seu potencial Eacute nesse aspecto que a
descriccedilatildeo convencional de diaacutelogo apresenta falha
O que o diaacutelogo institucional - entendido na sua melhor forma -
preceitua natildeo eacute uma imposiccedilatildeo de pontos de vista muito menos a simples deferecircncia de um
Poder para com o outro mas sim uma efetiva troca de argumentos por isso eacute preciso que
haja uma anaacutelise qualitativa das respostas legislativas para soacute assim poder enquadraacute-las
como uma manifestaccedilatildeo dialoacutegica e natildeo apenas considerar que o simples fato da sua
possibilidade existir jaacute eacute uma evidecircncia de diaacutelogo (PETTER 2007)
Como jaacute analisado anteriormente em toacutepico especiacutefico a metodologia
de diaacutelogo que verificamos nos dois casos expostos ateacute aqui eacute alvo de muitas criacuteticas poreacutem
tambeacutem possui alguns aspectos postivos que natildeo podem ser desconsiderados os quais ficam
melhor evidenciados por meio da anaacutelise do caso que a seguir seraacute exposto
16 Julgamento da accedilatildeo direta de inconstitucionalide nordm 3772DF ndash a suacutemula 726
do STF e a lei nordm 113012006
a) Breve resumo do caso
Trata-se da anaacutelise da constitucionalidade da Lei nordm 113012006 que
alargou o conceito de funccedilotildees de Magisteacuterio para efeitos de aplicaccedilatildeo do paraacutegrafo 5ordm do
artigo 40 e do paraacutegrafo 8ordm do artigo 201 da CF88 mediante Accedilatildeo Direta de
Constitucionalidade proposta pelo Procurador Geral da Repuacuteblica
Em suma o que a lei questionada apresentou foi uma introduccedilatildeo de um
paraacutegrafo segundo na Lei nordm 93941996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo Nacional)
com a seguinte redaccedilatildeo ldquoPara os efeitos do disposto no sect 5ordm do art 40 e no sect 8o do art 201
da Constituiccedilatildeo Federal satildeo consideradas funccedilotildees de magisteacuterio as exercidas por professores
e especialistas em educaccedilatildeo no desempenho de atividades educativas quando exercidas em
101
estabelecimento de educaccedilatildeo baacutesica em seus diversos niacuteveis e modalidades incluiacutedas aleacutem
do exerciacutecio da docecircncia as de direccedilatildeo de unidade escolar e as de coordenaccedilatildeo e
assessoramento pedagoacutegicordquo
Os respectivos dispositivos constitucionais tratam da aposentadoria
especial para professores prevendo uma reduccedilatildeo do tempo de serviccedilo exigido para tanto
Sobre esse aspecto o STF jaacute havia editado a Suacutemula 726 com a seguinte redaccedilatildeo para efeito
de aposentadoria especial de professores natildeo se computa o tempo de serviccedilo prestado fora
da sala de aula
O referido verbete foi resultado do julgamento da ADI 2253 onde ao
interpretar a Constituiccedilatildeo o Supremo Tribunal firmou o entendimento de que as funccedilotildees de
magisteacuterio referidas pela Carta Magna seriam apenas as da proacutepria atividade fim do
professor ou seja definiu a docecircncia como atividade exclusiva de sala de aula
Desta forma mais uma vez o Legislativo editou lei contraacuteria agrave
interpretaccedilatildeo constitucional jaacute exarada e sumulada pela Corte Contudo nessa ocasiatildeo o
resultado praacutetico foi diferente dos verificados nos casos acima
Primeiro natildeo houve debate acerca da possibilidade da ediccedilatildeo de uma
lei contraacuteria a decisatildeo jaacute proferida pelo STF mas sim uma mudanccedila no entendimento
anteriormente traccedilado apoacutes um intenso debate sobre o assunto
Poderia o Supremo Tribunal ter declarado a inconstitucionalidade da
norma sem muita dificuldade bastava manter o posicionamento anterior relativo a
impossibilidade de alargamento do benefiacutecio da aposentadoria especial aos profissionais
ldquoespecialistas em educaccedilatildeordquo entretanto optou por modificar seu entendimento parcialmente
e adaptaacute-lo para julgar a accedilatildeo parcialmente procedente mantendo a validade da lei e traccedilando
a correta interpretaccedilatildeo da mesma nos seguintes termos
I ndash A funccedilatildeo de magisteacuterio natildeo se circunscreve apenas ao trabalho em sala
de aula abrangendo tambeacutem a preparaccedilatildeo de aulas a correccedilatildeo de provas
o atendimento aos pais e alunos o assessoramento pedagoacutegico e ainda a
direccedilatildeo de unidade escolar
II ndash As funccedilotildees de direccedilatildeo coordenaccedilatildeo e assessoramento pedagoacutegico
integram a carreira de magisteacuterio desde que exercidos em
estabelecimentos de ensino baacutesico por professores de carreira excluiacutedos
102
os especialistas em educaccedilatildeo fazendo jus aqueles que as desempenham ao
regime especial de aposentadoria estabelecido nos sect 5ordm do art 40 e no sect
8o do art 201 da Constituiccedilatildeo Federal
b) Anaacutelise do caso pelo prisma das Teorias do Diaacutelogo Institucional
Vecirc-se no presente caso um posicionamento da Corte totalmente
contraacuterio ao demonstrado anteriormente Aqui o STF admitiu a superaccedilatildeo da sua decisatildeo por
lei ordinaacuteria esforccedilando-se ainda para traccedilar um entendimento compatiacutevel da lei com a
Constituiccedilatildeo quando poderia tecirc-la simplesmente anulado
Neste caso constata-se o benefiacutecio da praacutetica legislativa que mesmo
ciente do entendimento jaacute fixado pelo Judiciaacuterio forccedilou a reediccedilatildeo da lei como forma de
levantar novamente o debate acerca do tema o qual resultou positivo no tocante a efetivaccedilatildeo
de direito fundamental ampliando o rol de beneficiados com a aposentadoria especial dos
professores
Percebe-se neste ponto que o resultado beneacutefico esperado da praacutetica
das teorias dialoacutegicas dos princiacutepios juriacutedicos pautadas em uma articulaccedilatildeo legislativa no
sentido de propiciar um novo debate sobre determinado tema por meio da ediccedilatildeo de uma lei
ordinaacuteria eacute possiacutevel todavia fica claro que para que haja esse efeito positivo eacute necessaacuteria
uma abertura da Corte uma aceitaccedilatildeo ao novo enfrentamento e possibilidade de modificaccedilatildeo
do antigo posicionamento
O caso revela portanto uma importante criacutetica das teorias dialoacutegicas
nenhuma delas prevecirc uma forma de diaacutelogo que na praacutetica deva e possa ocorrer independente
da vontade das institiuiccedilotildees No mesmo sentido a descriccedilatildeo convencional de diaacutelogo exposta
por Tushnet para que resulte positiva necessita da vontade poliacutetica dos agentes
Por outro lado mais uma vez percebe-se que mesmo natildeo havendo no
sistema brasileiro qualquer previsatildeo expressa de um mecanismo estrutural dialoacutegico esse
diaacutelogo pode ocorrer como fruto do proacuteprio princiacutepio da separaccedilatildeo de poderes evidenciando
assim o que preceituam as teorias de construccedilatildeo coordenada jaacute tratadas no toacutepico 101 ou
seja que o diaacutelogo pode se materializar mesmo em um sistema onde haacute uma supremacia
judicial expressa pela proacutepria Constituiccedilatildeo
103
Mediante a leitura do presente caso percebe-se ainda que as respostas
proferidas no acircmbito da interpretaccedilatildeo constitucional estatildeo sujeitas agrave constantes mudanccedilas
que natildeo haacute uma resposta definitiva sendo entatildeo importante a interaccedilatildeo entre os Poderes
justamente para possbilitar a construccedilatildeo de novas respostas condizentes com a realidade e
mais aceitaacuteveis no seio social conforme a ideia do diaacutelogo institucional pressupotildee
Neste sentido revela-se a pertinecircncia dos ensinamentos de Waldron da
necessidade de um modelo de controle judicial das leis onde natildeo haja invariavelmente a
predominacircncia do Judiciaacuterio sendo necessaacuterio o debate acerca das questotildees constitucionais
mais complexas e natildeo a simples prevalecircncia do entendimento judicial112
Outro ponto do caso que merece destaque eacute a praacutetica da ldquointerpretaccedilatildeo
conformerdquo utilizada pelo Supremo Vecirc-se que houve uma busca por uma interpreteccedilatildeo
compatiacutevel com a Constituiccedilatildeo a fim de manter a validade da medida editada pelo
Legislativo poreacutem com uma relativa alteraccedilatildeo do sentido orginal conferido pelo legislador
Nesse aspecto a teacutecnica decisoacuteria utilizada pela Corte se assemelha ao
mandado interpretativo presente em alguns ordenamentos como jaacute abordou-se113 onde o
Judiciaacuterio possui o dever de buscar uma interpretaccedilatildeo legal compatiacutevel com o Bill of Rights
O que as difere em suma eacute o fato de que o Tribunal brasileiro natildeo
possui a ldquoobrigaccedilatildeordquo de dar uma intepretaccedilatildeo conforme a Constituiccedilatildeo podendo declarar a
lei inconstitucional e proceder a sua consequente invalidaccedilatildeo quando entender que natildeo eacute
possiacutevel adequar a interpretaccedilatildeo aos preceitos constitucionais ao contraacuterio do que ocorre no
Reino Unido e Nova Zelacircndia onde o Judiciaacuterio natildeo pode anular a lei quando natildeo conseguir
vislumbrar nenhuma interpretaccedilatildeo harmonizaacutevel com a Constituiccedilatildeo
Dito isso percebe-se que nesse caso natildeo houve uma simples deferecircncia
do Judiciaacuterio ao ato legislativo havendo a reinvenccedilatildeo do debate com a adoccedilatildeo de novos
posicionamentos buscando o Tribunal natildeo apenas a simples invalidaccedilatildeo do dispositivo legal
mas sim se esforccedilando para encontrar a sua melhor interpretaccedilatildeo de acordo com os preceitos
constitucionais preservando a norma editada pelo legislador
Sob esse ponto de vista essa praacutetica interpretativa pode ser vista como
112 Sobre os ensinamentos do autor leia-se toacutepico 4 113 Ver toacutepico 13
104
dialoacutegica eis que houve uma reaccedilatildeo legislativa agrave decisatildeo judicial inicial um novo debate a
modificaccedilatildeo do entendimento pelo Judiciaacuterio que resultou na manutenccedilatildeo da nova lei com
um sentido em conformidade com os preceitos constitucionais
Tushnet ao detalhar a descriccedilatildeo convencional de diaacutelogo menciona a
possibilidade de o Judiciaacuterio de defender o estatuto legal compatibilizando-o com as normas
constitucionais Nessa perspectiva a interpretaccedilatildeo conforme pode ser vista como uma
medida de defesa da lei da sua soberania e respeito a atuaccedilatildeo do Legislativo
Na oacutetica dos diaacutelogos pode-se dizer que houve um ldquodebaterdquo entre o
Legislativo e Judiciaacuterio provocado por meio das decisotildees judiciais e reediccedilatildeo da medida
legislativa com a sua subsequente anaacutelise judicial
Estatildeo presentes portanto todos os passos da descriccedilatildeo de diaacutelogo
elaborada por Tushnet Entretanto deve-se ressaltar que ao mesmo tempo que a postura
judicial nesse caso pode ser considerada como dialoacutegica pois admitiu a nova medida
legislativa mesmo que contraacuteria ao seu posicionamento tambeacutem pode ser considerada uma
conduta ativista eis que modificou o sentido original que o Legislador pretendeu conferir a
lei Sobre esta praacutetica eacute necessaacuterio observar alguns aspectos especiacuteficos
O princiacutepio da interpretaccedilatildeo conforme a Constituiccedilatildeo possui
unicamente a funccedilatildeo de operar como meacutetodo ldquocomplementarrdquo de interpretaccedilatildeo face a outros
criteacuterios ou meacutetodos interpretativos limita-se a ldquodesenvolverrdquo e ldquocomplementarrdquo as regras
de hermenecircutica apresenta-se basicamente como um postulado inserido num processo de
controle de normas (QUEIROZ 2010)
Eacute no domiacutenio do controle de constitucionalidade que este princiacutepio
ganha mais autonomia antes de declarar uma lei inconstitucional o juiz ou juiacutezes
encarregados do controle tecircm o dever de em via interpretativa buscar um sentido que ainda
estribado no seu enunciado linguiacutestico e ainda respeitador do texto constitucional permita
salvar a mesma (URBANO 2010 p 414)
Todavia o problema deste postulado estaacute na sua aplicaccedilatildeo pelo
Supremo Tribunal Federal que muitas vezes usa dessa justificativa para legitimar uma
postura extremamente ativista e violadora do princiacutepio da separaccedilatildeo de poderes
extrapolando os limites de sua competecircncia e reduzindo significativamente a margem de
atuaccedilatildeo do legislador e podendo ainda falsear a sua vontade original
105
Portanto para que se possa encarar essa praacutetica como beneacutefica e sob o
ponto de vista dialoacutegico eacute necessaacuterio que ela seja limitada a interpretaccedilatildeo proferida pelo
Tribunal ainda tem que ter alguma sustentaccedilatildeo no texto original tem que ser uma
interpretaccedilatildeo plausiacutevel (URBANO 2014 p 417)
Apesar disso eacute possiacutevel avistar uma deliberaccedilatildeo entre os Poderes
sugerindo a concretizaccedilatildeo de um diaacutelogo mais proacuteximo ao ideal esperadoentretanto natildeo se
deve afirmar que houve a concretizaccedilatildeo de um diaacutelogo material como a teoria idealiza mas
acredita-se que essa eacute a praacutetica mais proacutexima do mesmo dentre as jaacute analisadas ateacute aqui
poreacutem a mesma tambeacutem apresenta falhas e alguns riscos
17 Julgamento da accedilatildeo direta de inconstitucionalidade por omissatildeo nordm
3382MT
a) Breve resumo do caso
A Assembleacuteia Legislativa do Estado de Mato Grosso propocircs Accedilatildeo
Direta de Inconstitucionalidade questionando a inatividade do legislador quanto ao dever de
elaborar lei complementar a que se refere o sect4ordm do artigo 18 da Constituiccedilatildeo Federal
O referido dispostivo constitucional dispotildee que a criaccedilatildeo a
incorporaccedilatildeo a fusatildeo e o desmembramento de Municiacutepios far-se-atildeo por lei estadual dentro
do periacuteodo determinado por Lei Complementar Federal e dependeratildeo de consulta preacutevia
mediante plebiscito agraves populaccedilotildees dos Municiacutepios envolvidos apoacutes divulgaccedilatildeo dos Estudos
de Viabilidade Municipal apresentados e publicados na forma da lei Ou seja impotildee ao
legislador o dever de editar lei complementar para definiccedilatildeo do prazo
A redaccedilatildeo do dispositivo foi dada pela Emenda Constitucional nordm
151996114 e a accedilatildeo foi julgada procedente em 2007 O STF entendeu que o legislador
encontrava-se em mora haacute mais de dez anos descumprindo o seu dever constitucional de
legislar considerando portanto a omissatildeo inconstitucional e determinando um prazo de 18
meses para suprir a omissatildeo
114 Antes da EC 151996 qualquer alteraccedilatildeo dos entes federativos municipais era feita por um processo simples
atraveacutes de lei estadual assim a emenda constitucional visou na realidade dificultar essas alteraccedilotildees
106
Diversas accedilotildees tambeacutem foram propostas questionando a criaccedilatildeo de
alguns municiacutepios mesma na ausecircncia da lei115 o STF julgou as respectivas leis estaduais
que os criam inconstitucionais poreacutem sem declarar a sua nulidade modulando os efeitos da
decisatildeo no sentido de garantir a validade da lei por um periacuteodo de vinte e quatro meses
tempo superior ao que fixou para que o Legislativo sanasse a omissatildeo portanto
Relevante destacar que no acoacuterdatildeo a Corte ponderou que a ineacutercia
legislativa acabou dando ensejo agrave consolidaccedilatildeo e conformaccedilatildeo de estados de
inconstitucionalidade que natildeo podem ser ignorados pelo legislador na elaboraccedilatildeo da lei
complementar determinando assim que quando da ediccedilatildeo da lei o Legislativo contemplasse
as situaccedilotildees imperfeitas decorrentes desse estado de inconstitucionalidade gerado pela sua
omissatildeo esclarecendo ainda que o prazo de dezoito meses natildeo se trata de uma imposiccedilatildeo de
limite temporal para atuaccedilatildeo legislativa mas apenas da fixaccedilatildeo de um paracircmetro razoaacutevel
A resposta legislativa veio por meio da ediccedilatildeo da Emenda
Constitucional nordm 572008 a qual convalidou os atos de criaccedilatildeo fusatildeo incorporaccedilatildeo e
desmembramento de municiacutepios cuja lei tenha sido publicada ateacute 31 de dezembro de 2006
atendidos os requisitos estabelecidos na legislaccedilatildeo do respectivo Estado agrave eacutepoca de sua
criaccedilatildeo
Dessa forma o Legislativo cumpriu com a determinaccedilatildeo do STF
relativa ao tratamento das imperfeiccedilotildees geradas pela sua omissatildeo propondo a respectiva
soluccedilatildeo Entretanto no tocante a ediccedilatildeo da lei complementar para a fixaccedilatildeo do prazo exigido
pelo dispositivo constitucional haacute um embate contiacutenuo com o Poder Executivo
A primeira tentativa de legislar sobre o assunto ocorreu com o Projeto
de Lei do Senado Federal ndash PLS nordm 982002 o qual foi objeto de veto poliacutetico do Executivo
sob o argumento de contrariedade ao interesse puacuteblico A segunda tentativa se deu pelo PLS
nordm 1042014 o qual tambeacutem foi vetado pelo Executivo com base no mesmo argumento e haacute
uma terceira tentativa ainda em tramitaccedilatildeo que eacute o PLS nordm 1992015
As razotildees que levaram o Executivo a barrar a promulgaccedilatildeo da lei foram
de ordem orccedilamentaacuteria jaacute que a criaccedilatildeo de novos entes federativos representaria o aumento
das despesas com a estrutura da administraccedilatildeo puacuteblica razotildees essas expressas na Mensagem
115 Ver ADI 2240BA ADI 3316MT ADI 3489SC ADI 3689PA
107
nordm 505 de 12 de dezembro de 2013116 emitida pela Presidente da Repuacuteblica na ocasiatildeo do
veto
A questatildeo ainda estaacute pendente de regulamentaccedilatildeo mesmo apoacutes o
esgotamento do prazo fixado pelo STF todavia natildeo por falta de iniciativa do Legislativo
como se pode ver mas sim por contrariar os interesses do Executivo que por isso vem
dificultando a promulgaccedilatildeo da medida
b) Anaacutelise do caso pelo prisma das Teorias do Diaacutelogo Institucional
No caso narrado encontram-se diferentes pormenores que podem
indicar a presenccedila de teorias dialoacutegicas na praacutetica brasileira sendo assim far-se-aacute a anaacutelise
pontual de cada um
O STF ao realizar o controle de constitucionalidade da omissatildeo
legislativa neste caso considerou a falta de accedilatildeo do legislador como uma conduta
incompatiacutevel com o seu dever constitucional de legislar e determinou um prazo para que
suprisse essa omissatildeo Neste aspecto se evidencia a ideia do Judiciaacuterio como ente
propiciador do diaacutelogo provocando o Legislativo a agir por intermeacutedio da decisatildeo judicial
extamente como alguns teoacutericos sugerem
Como abordou-se no toacutepico 82 a decisatildeo que emana do controle de
constitucionalidade da omissatildeo legislativa pode ser considerada como um mecanismo
diaacutelogico por si soacute sob o ponto de vista das teorias dialoacutegicas centradas no processo A
mesma tambeacutem eacute facilmente enquadrada na concepeccedilatildeo convencional descrita por Tsuhnet
No caso em anaacutelise pode-se ainda identifcar a presenccedila da concepccedilatildeo
dialoacutegica desenvolvida por Dixon segundo a qual o Judiciaacuterio deve agir no sentido de
superar a ineacutercia do Legislativo poreacutem sem comprometer a sua liberdade de conformaccedilatildeo117
Ou seja no presente caso verifica-se a presenccedila das teorias fundadas no meacutetodo judicial onde
o Judiciaacuterio atua como o ente propiciador do diaacutelogo o qual ocorre dentro da proacutepria decisatildeo
judicial
Seguindo essa linha de raciociacutenio eacute possiacutevel notar que o proacuteprio STF
116 Iacutentegra disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrccivil_03_Ato2011-20142013MsgVetVET-505htm
117 Falamos mais especificamente dos ensinamentos de Dixon no toacutepico 9
108
ao pronunciar que o prazo fixado na decisatildeo natildeo objetiva estabeler um limite temporal para
condicionar a accedilatildeo legislativa mas tatildeo somente uma estipulaccedilatildeo de lapso temporal razoaacutevel
preocupou-se em deixar clara a necessidade de manutenccedilatildeo de certa liberdade de atuaccedilatildeo
daquele Poder
Todavia por outro acircngulo o Tribunal determinou que o Legislativo
quando fosse suprir a omissatildeo e regular a mateacuteria a fim de cumprir o seu dever
constitucional necessariamente cuidasse das situaccedilotildees imperfeitas ocasionadas pelo seu
estado de ineacutercia Neste particular encontra-se presente na praacutetica a teoria do
aconselhamento118 onde o Judiciaacuterio profere um direcionamento agrave atuaccedilatildeo do Legislativo
Neste caso o aconselhamento foi realizado de uma forma contida o
Supremo indicou a necessidade de soluccedilatildeo das questotildees mas natildeo determinou como e quais
as medidas a serem adotadas deixando a escolha a cargo do Legislativo Neste ponto a
conduta do Judiciaacuterio merece ser observada sob o aspecto positivo das teorias do
aconselhamento o qual reside na busca de evitar futuros problemas constitucionais por meio
da orientaccedilatildeo do Legislativo por meio de decisotildees judiciais
Nota-se que ao mesmo tempo em que o STF controla a sua atividade no
sentido de natildeo comprometer a liberdade do legislador ao fixar o prazo para a sua atuaccedilatildeo
entende necessaacuterio traccedilar algumas diretrizes para a superaccedilatildeo da inconstitucionalidade
constatada Neste caso em particular como se disse a atuaccedilatildeo do Judiciaacuterio foi de certa
forma contida poreacutem a praacutetica reflete a procedecircncia das principais criacuteticas dirigidas agrave essa
forma de diaacutelogo a qual para sua materializaccedilatildeo depende fortemente da consciecircncia e
vontade do Judiciaacuterio
Outro aspecto relevante que tambeacutem pode ser entendido como parte da
trama dialoacutegica presente no caso diz respeito a modulaccedilatildeo temporal dos efeitos da decisatildeo
quando da apreciaccedilatildeo da constitucionalidade das leis dos muniacutecipios que jaacute haviam sido
criados
O STF poderia simplesmente ter deixado os efeitos de nulidade da
declaraccedilatildeo de inconstitucionalidade se perpetuarem poreacutem tendo em mente os prejuiacutezos
que isso poderia acarretar optou por estabelecer efeitos pro futuro permitindo ao Legislativo
118 Ver toacutepico 81
109
a resoluccedilatildeo do problema por uma via menos danosa
A modulaccedilatildeo dos efeitos temporais da sentenccedila tambeacutem eacute uma praacutetica
que se coaduna com as teorias dialoacutegicas fundadas no meacutetodo judicial conforme jaacute se falou
no toacutepico 822 pois por meio dela o Judiciaacuterio condiciona os efeitos praacuteticos da sua decisatildeo
dando a oportunidade ao legislativo de corrigir ou reeditar a lei assim dode-se dizer que por
intermeacutedio dela o Judiciaacuterio instiga o legislador ao diaacutelogo
No tocante a resposta legislativa presente neste caso incialmente vale
destacar que a mesma se deu em um intervalo de tempo razoaacutevel e que o Legislativo buscou
acatar a orientaccedilatildeo da Corte todavia foi impedido de fazecirc-lo em sua completude pelos
interesses do Executivo o que acaba por retratar bem na praacutetica mais uma das dificuldades
da consolidaccedilatildeo das teorias dialoacutegicas
Pelo exposto depreende-se que o sistema brasileiro natildeo eacute alheio agraves
teorias dialoacutegicas pelo contraacuterio muitas delas estatildeo presentes em seu cotidiano A expressa
supremacia judicial e falta de familiariedade com um sistema parlamentar ndash que inicialmente
poderiam gerar duacutevidas quanto a possibilidade do diaacutelogo ndash natildeo se traduzem portanto em
uma impossibilidade completa de aplicaccedilatildeo das teorias dialoacutegicas agrave realidade brasileira
Por oacutebvio as suas manifestaccedilotildees praacuteticas satildeo peculiares e fortemente
influenciadas pela cultura e histoacuteria do paiacutes uma democracia recente e com um Legislativo
que enfrenta grande crise de representatividade o que faz com que em regra o entendimento
que prevaleccedila seja o do Judiciaacuterio
Ainda assim constata-se uma inclinaccedilatildeo do Legislativo para reagir agraves
decisotildees judiciais e natildeo simplesmente acataacute-las em sinal de uma total deferecircncia agrave um
entendimento superior Os ganhos e as perdas dessa reaccedilatildeo iratildeo depender do caso concreto
dos interesses que estatildeo em jogo podendo ser uma praacutetica temeraacuteria ou positiva como jaacute
verificou-se ao longo desse trabalho
18 Diaacutelogo institucional siacutentese dos aspectos controversos e algumas
consideraccedilotildees acerca da sua consecuccedilatildeo praacutetica
De todo o exposto ateacute aqui resta-no os seguintes questionamentos
110
Pode-se considerar o diaacutelogo institucional como uma possibilidade praacutetica viaacutevel Essa
praacutetica tem de fato o condatildeo de dirimir os conflitos relativos a legitimidade democraacutetica do
judicial review Pode ser considerado como um instrumento de combate ao ativismo judicial
ou seria mais uma forma de dissimulaccedilatildeo desse fenocircmeno
Apresentar respostas exatas a essas questotildees utlrapassa a pretensatildeo
deste trabalho ateacute mesmo porque se reconhece que natildeo haacute apenas uma via de conclusatildeo para
as mesmas em virtude da complexidade que elas envolvem Contudo objetiva-se fazer uma
reflexatildeo acerca desses questionamentos como resultado do presente trabalho de forma a
contribuir para o incremento do debate acadecircmico
No que diz respeito agrave resoluccedilatildeo dos conflitos ligados agrave legitimidade
democraacutetica do judicial review acredita-se que esta praacutetica estaacute longe de apresentar uma
soluccedilatildeo definitiva sendo um tanto pretenciosa nesse sentido pois como jaacute tratado no toacutepico
4 a discussatildeo relativa a dificuldade democraacutetica do judicial review eacute algo que lhe acompanha
a contar do seu surgimento desde sempre os estudiosos tentam justificar baseados em um
tradicional conjunto de argumentos as razotildees pelas quais juiacutezes natildeo eleitos pelo povo podem
e devem realizar um controle dos atos do legislativo com poder para declarar a sua
inconstitucionalidade e tambeacutem anulaacute-los
Natildeo se quer com isso dizer que natildeo haacute uma soluccedilatildeo para o conflito mas
sim que as teorias dialoacutegicas ao mesmo tempo que buscam e propotildeem uma soluccedilatildeo quando
materializadas na praacutetica natildeo eliminam totalmente alguns dos velhos problemas
Como viu-se a promessa da teoria dos diaacutelogos institucionais eacute
proporcionar um reequiliacutebrio entre os Poderes reconhecendo a importacircncia e competecircncias
especiacuteficas de cada um no acircmbito da jurisdiccedilatildeo constitucional sugerindo uma atuaccedilatildeo
conjunta mediante verdadeira deliberaccedilatildeo entre os braccedilos do Poder para chegar em um
consenso que seja melhor para a sociedade proporcionando assim um resultado mais eficaz
e duradouro
Do ponto de vista teoacuterico a ideia parece suficiente para solucionar o
problema principalmente nas concepccedilotildees dialoacutegicas desenvolvidas por Hiebert119 e
Bateup120 que ideliazam a realizaccedilatildeo de um diaacutelogo material sem a predominacircncia de
119 Ver toacutepico 11 que trata da teoria da parceria
120 Ver toacutepico 12 que trata da fusatildeo dialoacutegica
111
nenhum dos poderes mas sim de uma verdadeira atuaccedilatildeo conjunta
Poreacutem da anaacutelise dos exemplos praacuteticos de cada teoria e da aplicaccedilatildeo
das mesmas nos casos concretos no sistema brasileiro eacute faacutecil concluir que o exerciacutecio da
jurisdiccedilatildeo constitucional na grande maioria das vezes para natildeo dizer em todas elas resultaraacute
na prevalecircncia do entendimento de um dos atores envolvidos por vezes seraacute o Legislativo o
protagonista e por outras o Judiciaacuterio Apesar de todos os esforccedilos teoacutericos a praacutetica revela
que sempre haveraacute uma uacuteltima palavra o que eacute algo inerente ao proacuteprio sistema de revisatildeo
constitucional das leis
Acredita-se portanto que natildeo se deve desconsiderar a real existecircncia
de uma uacuteltima palavra jaacute que ela sempre iraacute existir mas sim enxergaacute-la e estimular que ela
seja ldquoprovisoacuteriardquo no sentindo de que pode ser constantemente reformulada e alterada
mediante a interaccedilatildeo entre os Poderes por meio do aprofundamento do debate e maior
possibilidade de troca de argumentos buscando sempre o melhor entendimento no acircmbito
da interpretaccedilatildeo constitucional
A existecircncia da uacuteltima palavra portanto deve estar relacionada a
preponderacircncia e maior efetividade dos direitos fundamentais e natildeo necessariamente
atrelada a prevalecircncia uniforme do entendimento de um uacutenico braccedilo do Poder Esse eacute o
principal contributo a ser extraiacutedo das teorias dialoacutegicas no tocante a resoluccedilatildeo da disputa
entre o Poder Judiciaacuterio e o Poder Legislativo pela uacuteltima palavra na seara constitucional
Em contrapartida observa-se que apesar das teorias dialoacutegicas
proclamarem a realizaccedilatildeo de um controle das leis realizado em conjunto nenhuma delas
prescreve uma forma de diaacutelogo que seja concomitante com o processo de tomada de
decisatildeo de forma que a mesma seja proferida com o comum acordo de ambos os Poderes
O que vecirc-se eacute que as formas de diaacutelogo prescritas pelas teorias estudadas se referem mais agrave
possibilidade de superaccedilatildeo de um ato jaacute concretizado seja pelo Judiciaacuterio ou pelo
Legislativo do que verdadeiramente a construccedilatildeo de uma decisatildeo comum
Asssim esse eacute o primeiro aspecto que entende-se que deve ser
desmistificado pois percebe-se que a ideia de uma ldquodecisatildeo conjuntardquo de uma deliberaccedilatildeo
antes da tomada de decisatildeo e consequentemente a concretizaccedilatildeo de um diaacutelogo no sentido
que a doutrina descreve como material na praacutetica eacute quase que inviaacutevel
Assim acertada eacute a proposiccedilatildeo de Aharaon Barak (2008 p16) de que
112
a tensatildeo entre o Judiciaacuterio e os outros ramos do Poder eacute algo natural e ateacute desejaacutevel pois se
todas as regras e decisotildees proferidas pelos Tribunais forem aceitas com tranquilidade pelos
outros Poderes eacute sinal que este natildeo estaacute cumprindo corretamente com a sua funccedilatildeo na
democaria
O Autor ressalta que junto agrave essa tensatildeo haacute tambeacutem um constante
diaacutelogo entre o Judiciaacuterio e Legislativo o qual natildeo decorre de reuniotildees e debates entre eles
mas sim da realizaccedilatildeo por cada qual da sua respectiva funccedilatildeo constitucional (BARAK
2008 p 236)
Neste sentido eacute importante a constataccedilatildeo de que no Brasil um paiacutes com
um modelo forte de controle de constitucionalidade e onde a supremacia judicial eacute evidente
vez que a proacutepria Constituiccedilatildeo entitula como o detentor da uacuteltima palavra em mateacuteria
constitucional o Supremo Tribunal Federal nada impede que o Legislativo reaja ou ateacute
mesmo desafie as decisotildees proferidas pelo Judiciaacuterio no acircmbito do controle de
constitucionalidade
Assim percebe-se que ao contraacuterio do que muitos estudiosos
pressupotildeem a ideia de diaacutelogo natildeo estaacute necessariamente vinculada agrave um sistema fraco de
revisatildeo judicial das leis ou agrave uma total inexistecircncia de supremacia judicial podendo o
mesmo existir e ser conciliaacutevel mesmo nos sistemas mais riacutegidos
Portanto a ideia de diaacutelogo institucional natildeo extingue necessariamente
a supremacia judicial o que pode eacute mitigaacute-la em alguns casos impondo limites mais riacutegidos
a atuaccedilatildeo judicial justamente por meio da possibilidade de reaccedilatildeo legislativa
Com isso pode-se dizer que a forma mais viaacutevel de se entender o
diaacutelogo institucional eacute como algo decorrente da reformulaccedilatildeo do proacuteprio princiacutepio da
separaccedilatildeo de poderes segundo a qual cada ramo do Poder realiza uma funccedilatildeo que lhe eacute
proacutepria sem interferir na atuaccedilatildeo do outro Todavia essa atuaccedilatildeo natildeo deve ser estanque natildeo
existindo uma fronteira intransponiacutevel entre as atividades inerentes agrave cada um dos Poderes
Ou seja apesar de cada Poder ter de observar seus limites e respeitar a
atuaccedilatildeo dos outros devem compreender a necessidade de cooperaccedilatildeo e buscar uma atuaccedilatildeo
conjunta e complementar
Apesar disso a praacutetica nos revela que nem toda reaccedilatildeo legislativa deve
113
ser interpretada sob o ponto de vista dialoacutegico muitas vezes ela tambeacutem representaraacute mais
uma disputa de poder do que uma tentativa de debate ou de correccedilatildeo da decisatildeo judicial
Sendo assim entender toda e qualquer reaccedilatildeo legislativa como
dialoacutegica pode ser perigoso e temeraacuterio pois em muitos casos essa reaccedilatildeo pode significar
mais um disputa de poder do que necessariamente uma tentativa de debate Assim em
algumas situaccedilotildees o termo ldquodiaacutelogordquo pode natildeo ser propriamente a melhor forma de
caracterizar essas reaccedilotildees
Em muitos casos e exemplos concretos das teorias viu-se que haacute na
realidade mais uma ldquointeraccedilatildeordquo entre os Poderes do que necessariamente um ldquodiaacutelogordquo por
conseguinte a maioria das teorias dialoacutegicas na forma em que satildeo concebidas se revelam
muito otimistas pode-se dizer que ateacute um pouco romantizadas sob o ponto de vista praacutetico
Desta forma assim como as reaccedilotildees legislativas natildeo devem em sua
totalidade serem encaradas como uma praacutetica dialoacutegica o mesmo deve ser observado quanto
a conduta do Tribunal sendo este um ponto importante a ser observado
As teorias dos diaacutelogos institucionais inicialmente se apresentam
como uma forma de combate ao ativismo judicial entretanto quando analisamos algumas
das suas metodologias podemos ver que em muitos casos elas podem acabar servindo de
reforccedilo e ateacute incentivo de uma praacutetica ativista
Como jaacute foi dito o ativismo judicial se manifesta quando as decisotildees
da jurisdiccedilatildeo constitucional tomam uma densidade poliacutetica mais ampla passando a Corte a
natildeo mais apenas declarar normas inconstitucionais atuando como legislador negativo na
forma em que foi orginariamente pensada mas ao mesmo tempo comeccedila a exigir
determinadas posturas dos outros Poderes atuando como um legislador positivo (AGRA
2006)
Dessa forma algumas teacutecnicas dialoacutegicas de decisatildeo judicial podem
representar mais uma dissimulaccedilatildeo ou camuflagem do ativismo do que o seu verdadeiro
combate jaacute que alimentam uma conduta proacute-ativa do Judiciaacuterio no sentido de provocar o
Legislativo aconselhaacute-lo ou qualquer outra forma de tiraacute-lo da ineacutercia
Podem nessa perspectiva ser consideradas tanto como uma conduta
dialoacutegica como uma conduta ativista pois a linha divisoacuteria entre a simples instigaccedilatildeo e a
114
interferecircncia no poder de atuaccedilatildeo do Legislativo eacute muito tecircnue
Por isso natildeo se pode afirmar com certeza que as teorias dialoacutegicas
servem de combate ao ativismo judicial jaacute que muitas vezes podem servir de fundamento
para o Judiciaacuterio justificar decisotildees que extrapolam seu acircmbito de atuaccedilatildeo e adentram na
esfera do Legislativo Portanto eacute essencial prestar atenccedilatildeo na forma com que o Judiciaacuterio eacute
incentivado a agir como um propiciador do diaacutelogo sem perder de vista a existecircncia de
limites agrave essa praacutetica
Apesar disso natildeo se pode desconsiderar que em muitos casos ainda
que o Judiciaacuterio ao exercer o seu papel proposto pelas teorias diaacutelogicas acabe incorrendo
em uma praacutetica ativista o resultado obtido pode ser beneacutefico como vimos por exemplo no
caso da Aacutefrica do Sul e ateacute mesmo no sistema brasileiro o que revela que nem sempre o
ativismo judicial deve ser visto como algo totalmente negativo121
No tocante a efetivaccedilatildeo do diaacutelogo no seu sentido material a proposta
de que a uacuteltima palavra seja fruto de um intenso e efetivo debate entre os atores participantes
do processo de interpretaccedilatildeo constitucional que seja construiacuteda de forma conjunta por eles
por intermedio de uma troca de argumentos para chegar a um consenso razoaacutevel e duraacutevel
no seio da sociedade natildeo se realiza com clareza em nenhuma das praacuteticas identificadas como
dialoacutegicas - pelo menos nas que temos conhecimento ateacute aqui
Por isso percebe-se que a ideia de concretizaccedilatildeo de um diaacutelogo material
estaacute muito distante de uma realidade palpaacutevel pois para que isso ocorra haacute a necessidade de
que todos os braccedilos do Poder estejam dispostos a entrar em um efetivo debate contribuindo
cada um com suas competecircncias teacutecnicas para a criaccedilatildeo de uma soluccedilatildeo conjunta
construindo decisotildees no acircmbito da jurisdiccedilatildeo constitucional mediante deliberaccedilatildeo de uma
concreta troca de argumentos o que nem sempre seraacute possiacutevel
Este fato revela que para que o diaacutelogo se concretize haacute muito mais a
necessidade de uma vontade poliacutetica das instituiccedilotildees do que necessarimente uma prescriccedilatildeo
normativa ou de uma redifiniccedilatildeo do desenho institucional por meio de modificaccedilotildees no texto
constitucional Portanto ao mesmo tempo que o diaacutelogo pode ocorrer em qualquer sistema
121 Aharon Barak destaca que nem sempre o ativismo judicial estaraacute ligado a intenccedilatildeo de expansatildeo do Poder
judicial muitas vezes ele pode ser necessaacuterio para a proteccedilatildeo dos direitos humanos e ainda pode ser a forma
do Judiciaacuterio lidar com o poder dos outros ramos poliacuteticos Ver BARAK Aharon The Judge in a Democracy
Princeton University Press 2008 pp 263-271)
115
de jurisdiccedilatildeo constitucional a sua efetividade tambeacutem seraacute diretamente influenciada pela
cultura poliacutetica e histoacuterica de cada paiacutes
Apesar da concretizaccedilatildeo do diaacutelogo no seu sentido material como
preleciona a melhor doutrina ser uma realidade um tanto distante natildeo se pode ignorar os
benefiacutecios do diaacutelogo formal que se manifesta nessas praacuteticas principalmente no que se
refere ao papel que exercem no sentido de provocar uma mudanccedila de mentalidade dos
proacuteprios entes detentores do Poder bem como no aumento da responsabilidade da sua
atuaccedilatildeo
Nessa linha de raciociacutenio Petter Andrew (2007 p167) afirma que o
apelo agraves teorias dialoacutegicas deriva mais do seu poder como uma metaacutefora do que da sua forccedila
como argumento pois ao retratar a revisatildeo judicial como contributiva para o envolvimento
deliberativo a metaacutefora do diaacutelogo reformula o papel dos juiacutezes que passam a ser vistos
como advogados de um processo democraacutetico natildeo como aacuterbitros dentro de um processo
autoritaacuterio
Apesar dos pontos controversos foram apontados a respeito da sua
praacutetica as teorias dialoacutegicas satildeo de grande valia para o desenvolvimento da justiccedila
constitucional significando a busca pela superaccedilatildeo dos problemas ligados a expansatildeo
desordenada do Poder Judiciaacuterio bem como a maior e mais eficaz efetivaccedilatildeo dos direitos
fundamentais como determina a nova ordem mundial
Pode-se dizer que ainda que as teorias possuam as suas dificuldades
praacuteticas elas direcionam os atores constitucionais para uma atuaccedilatildeo mais consciente
reforccedilam o seu papel institucional e apontam algumas das principais falhas dos sistemas
tradicionais de revisatildeo judicial Assim o diaacutelogo institucional deve ser visto como um ideal
a ser alcanccedilado atraveacutes do aperfeiccediloamento da sua praacutetica atual e sobretudo por meio do
reforccedilo do princiacutepio da separaccedilatildeo de poderes no acircmbito da jurisdiccedilatildeo constitucional
116
CONCLUSAtildeO
No decurso deste trabalho verificou-se como as mudanccedilas da sociedade
global implicaram a (re)definiccedilatildeo de um novo paradigma constitucional pautado em relaccedilotildees
de cooperaccedilatildeo o qual impocircs a busca por um novo modelo de jurisdiccedilatildeo constitucional
originaacuterio da expansatildeo do judicial review para os paiacuteses da Commonwealth
Viu-se que o ativismo judicial e a judicializaccedilatildeo da poliacutetica decorrentes
dessa expansatildeo passaram a ser vistos como patologias do sistema e acenturam novos debates
acerca da legitimidade democraacutetica do Poder Judiciaacuterio para realizar o controle de
constitucionalidade dos atos legislativos incentivando entatildeo a criaccedilatildeo de um sistema de
controle fraco de constitucionalidade originaacuterio do Canadaacute
Dentro desse contexto falou-se do surgimento da ideia de um diaacutelogo
institucional no acircmbito do controle de constitucionalidade e pautamos a diferenccedila entre
diaacutelogo material e diaacutelogo formal Apoacutes fez-se uma anaacutelise das teorias dialoacutegicas
explorando seus conceitos exemplos praacuteticos e principais pontos de criacutetica
Por intermeacutedio dessa investigaccedilatildeo percebe-se que nenhuma das teorias
consubstancia um modelo perfeito sob o ponto de vista praacutetico no sentindo de promover um
diaacutelogo verdadeiro assente em uma efetiva deliberaccedilatildeo entre os Poderes Para aleacutem disso
que alguns acabou-se por registrar que os conflitos relativos agrave legitimidade democraacutetica do
judicial review na praacutetica permanecem
Todavia constatou-se tambeacutem que as teorias dialoacutegicas satildeo valiosas
pois ao contraacuterio das conhecidas teorias interpretativas que buscam disciplinar qual a melhor
forma de os juiacutezes procederem agrave leitura constitucional estas buscam evidenciar o papel
institucional do Judiciaacuterio aliado ao reforccedilo da importacircncia da atividade legislativa visando
a produccedilatildeo de decisotildees no ambito da justiccedila constitucional que natildeo sejam fruto de um
ldquomonoacutelogordquo mas sim da interaccedilatildeo institucional
Concluiacute-se entatildeo que o potencial das teorias dialoacutegicas consiste
justamente na estimulaccedilatildeo da busca por melhores padrotildees de interaccedilatildeo entre os Poderes
sendo todas elas de uma importacircncia iacutempar por tentarem evidenciar como deveria funcionar
um desenho institucional ideal no acircmbito da interpretaccedilatildeo constitucional e controle das leis
117
reforccedilando o papel de cada braccedilo do Poder nessa empreitada conforme suas proacuteprias funccedilotildees
e capacidades
Os resultados dete trabalho natildeo satildeo portanto uma resposta exata
tampouco definitiva aos atuais problemas efrentados pela jurisdiccedilatildeo constitucional mas
servem de ponto de partida para uma reflexatildeo sobre os pontos positivos e negativos das mais
modernos teorias sobre o judicial review
118
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11 As teorias dialoacutegicas da parceira 70
111 Criacuteticas agrave teoria da parceria 71
12 Fusatildeo dialoacutegica 72
121 Criacuteticas agrave teoria da fusatildeo dialoacutegica 73
13 Os mecanismos estruturais de diaacutelogo no sistema britacircnico e neozelandecircs 73
131 O mandado interpretativo e a declaraccedilatildeo de incompatibilidade no reino unido (seccedilatildeo 3 e 4
(2) do human rights act 1998) 74
132 O mandado interpretativo na experiecircncia neozelandesa 82
CAPIacuteTULO 3 ndash AS TEORIAS DIALOacuteGICAS NO SISTEMA DE JURSIDICcedilAtildeO
CONSTITUCIONAL BRASILEIRO UMA POSSIBILIDADE 87
14 Julgamento da accedilatildeo direta de inconstitucionalidade nordm 2797df ndash a suacutemula 394 do
STF e a lei nordm 106282002 89
15 Julgamento da accedilatildeo direta de inconstitucionalidade nordm 4543DF e a lei
131652015 96
16 Julgamento da accedilatildeo direta de inconstitucionalide nordm 3772DF ndash a suacutemula 726 do
STF e a lei nordm 113012006 100
17 Julgamento da accedilatildeo direta de inconstitucionalidade por omissatildeo nordm 3382MT 105
18 Diaacutelogo institucional siacutentese dos aspectos controversos e algumas consideraccedilotildees
acerca da sua consecuccedilatildeo praacutetica 109
CONCLUSAtildeO 116
BIBLIOGRAFIA 118
6
RESUMO
O objeto do presente trabalho satildeo as Teorias dos Diaacutelogos Institucionais
as quais se apresentam no acircmbito da jurisdiccedilatildeo constitucional como uma alternativa para
resolver os problemas relacionados a legitimidade democraacutetica da revisatildeo judicial das leis
combater o ativismo judicial e propiciar uma maior efetivaccedilatildeo dos direitos fundamentais
Inicialmente faz-se uma abordagem dos fatores que contribuiacuteram para o
seu desenvolvimento passando por questotildees relacionadas a expansatildeo do Poder Judiciaacuterio e
a adoccedilatildeo de um sistema de judicial review pelos paiacuteses da Commonwealth e o surgimento
do modelo fraco de controle de constitucionalidade (weak form of judicial review)
As teorias satildeo exploradas por meio da classificaccedilatildeo desenvolvida por
Chistine Bateup por meio de uma abordagem conceitual e praacutetica a fim de identificar os
aspectos positivos bem como as dificuldades da concretizaccedilatildeo das mesmas
Busca-se ainda verificar de que forma e em que medida essas teorias se
manifestam no sistema brasileiro o que eacute feito por meio de uma consulta a importantes
julgados do Supremo Tribunal Federal no ensejo do controle concentrado de
constitucionalidade
Ao final realiza-se um balanccedilo criacutetico dos aspectos controversos das
teorias identificando suas dificuldades praacuteticas bem como o seu potencial normativo
PALAVRAS-CHAVE judicial review supremacia judicial ativismo judicial legitimidade
democraacutetica teorias dialoacutegicas separaccedilatildeo de poderes
7
ABSTRACT
The focus of this study are the Theories of Institutional Dialogue which
are presented in the context of constitutional juridiction as an alternative to solve the
problems the democratic legitimacy of judicial review of laws combating judicial activism
and promote a greater realization of fundamental rights
Initially it is an approach of the factors that contributed to their
development through issues related to expansion of the Judiciary and the adoption of a
judicial review by the countries of the Commonwealth system and the emergence of weak
form of judicial review
The theories are operated by classification developed by Chistine Bateup
through a conceptual and practical approach in order to identify the positive and the
difficulties of their achieving
Also it is a search to verify how and to what extent these theories are
manifested in the Brazilian system which is done through a judged important verification of
the Supreme Court on the occasion of the concentrate constitutionality control
At the end it carried out a critical assessment of the controversial aspects
of the theories identifying their practical difficulties and its normative potential
KEYWORDS judicial review judicial supremacy judicial activism democratic
legitimacy dialogical theories separation of powers
8
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
ADI ndash Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade
Art ndash Artigo
CCORF ndash Canadian Charter of Rights and Freedoms
CEDH ndash Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem
CF88 ndash Constituiccedilatildeo Federal Brasileira de 1988
HRA ndash United Kingdomrsquos Bill of Rights Act
P ndash Paacutegina
PLS ndash Projeto de Lei do Senado
PEC ndash Projeto de Emenda Consrtitucional
RE ndash Recurso Extraordinaacuterio
STF ndash Supremo Tribunal Federal
9
INTRODUCcedilAtildeO
A complexidade das sociedades atuais o novo contexto internacional e a
redefiniccedilatildeo das concepccedilotildees de Constituiccedilatildeo impotildeem a reflexatildeo acerca do tradicional modelo
de jurisdiccedilatildeo constitucional e a sua capacidade de resoluccedilatildeo de conflitos de forma eficaz Se
antes o objetivo do constitucionalismo era assegurar direitos hoje a sua preocupaccedilatildeo gira
em torno da concretizaccedilatildeo dos mesmos
Fatores como o alargamento do Poder Judiciaacuterio o crescente ativismo
judicial e o surgimento de novos sistemas de jurisdiccedilatildeo constitucional dissociados da
tradicional ideia de supremacia judicial intensificam e fazem avanccedilar os debates acerca da
legitimidade do judicial review e da sua eficaacutecia no tocante a efetivaccedilatildeo dos direitos
fundamentais
Apesar de ser um tema recorrente na doutrina constitucional os debates
acerca da jurisdiccedilatildeo constitucional parecem estar longe do fim ao contraacuterio contam com
argumentos cada vez mais complexos e que ultrapassam o tradicional binocircmio Judiciaacuterio v
Legislativo e a disputa pela palavra final
O propoacutesito deste trabalho eacute contribuir para a reflexatildeo acerca do tema
utilizando como instrumento para tanto a exposiccedilatildeo e anaacutelise das Teorias dos Diaacutelogos
Institucionais as quais se propotildeem promover uma redefiniccedilatildeo do desenho institucional no
acircmbito da jurisdiccedilatildeo constitucional a fim de conciliar a revisatildeo judicial das leis com o
princiacutepio democraacutetico e propiciar uma maior eficaacutecia dos direitos fundamentais
O conteuacutedo do primeiro capiacutetulo trata de aspectos mais gerais e
introdutoacuterios buscando demonstrar a importacircncia e atualidade do tema no contexto global
em face do novo paradigma constitucional pautado em relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo na sequecircncia
aborda-se por questotildees especiacuteficas relativas ao judicial review como o tradicional debate
acerca da sua legitimidade e da sua recente expansatildeo para os paiacuteses da Commonwealth as
quais contribuiacuteram decisivamente para o desenvolvimento das teorias dialoacutegicas
Apoacutes contextualizar o surgimento da ideia de um diaacutelogo institucional no
segundo capiacutetulo faz-se uma exposiccedilatildeo conceitual praacutetica e criacutetica das teorias dialoacutegicas
buscando extrair seus principais contributos bem como desmistificar vaacuterios aspectos
10
enaltecidos por alguns estudiosos a respeito das mesmas
Utiliza-se para fins didaacuteticos a classificaccedilatildeo feita por Christine Bateup a
qual agrupa as teorias em classes diferentes e a exposiccedilatildeo de exemplos concretos de cada
teoria trazendo ao final de cada toacutepico as principais criacuteticas concernentes a sua praacutetica
Feita a anaacutelise conceitual e exemplificativa de cada grupo teoacuterico bem
como a exposiccedilatildeo de suas respectivas criacuteticas a proposta do uacuteltimo capiacutetulo eacute verificar como
e em que medida as teorias dialoacutegicas estudadas encontram reflexo na praacutetica da jurisdiccedilatildeo
constitucional brasileira atraveacutes da observaccedilatildeo de julgados do Supremo Tribunal Federal no
acircmbito do controle concentrado - ou abstrato - de constitucionalidade
A principal inquietaccedilatildeo que move este trabalho eacute verificar se o diaacutelogo
institucional na forma em que eacute proposto pelas principais teorias desenvolvidas ateacute nestas
primeiras deacutecadas do seacuteculo XXI eacute uma praacutetica possiacutevel de ser implementada ou tatildeo-
somente uma conjectura teoacuterica
11
CAPIacuteTULO 1 ndash OS NOVOS DESAFIOS DO CONSTITUCIONALISMO E SEUS
REFLEXOS NA JURISDICcedilAtildeO CONSTITUCIONAL O SURGIMENTO IDEIA DE
COOPERACcedilAtildeO
1 Os novos desafios do constitucionalismo
Antes de adentrarmos no tema central do presente trabalho eacute necessaacuterio
entender as novas premissas e diretrizes do constitucionalismo contemporacircneo Dizemos
isso por constatar que natildeo se pode analisar a jurisdiccedilatildeo constitucional de forma dissociada
do contexto histoacuterico e social em que se insere
Haumlrbele (2006) ensina que o constitucionalismo eacute por excelecircncia uma
criaccedilatildeo cultural Na mesma linha de raciociacutenio Bastos (2010) aduz que o constitucionalismo
acima de tudo revela-se como um fenocircmeno social dotado de caraacuteter juriacutedico Explica que
o seu caraacuteter social decorre de uma pressatildeo nascida do povo que objetiva o esvaziamento do
poder absoluto e o caraacuteter juriacutedico por representar a formaccedilatildeo da regulamentaccedilatildeo legal do
exerciacutecio do Poder aliada agrave implementaccedilatildeo da defesa da Constituiccedilatildeo
Dessa forma percebe-se que o constitucionalismo estaacute intimamente ligado
ao contexto social em que se insere Eacute por essa razatildeo que Canotilho (2003 p51) com
pertinecircncia afirma ser preferiacutevel referir-se a movimentos constitucionais pois natildeo haacute soacute um
constitucionalismo e sim diversos movimentos constitucionais com coraccedilotildees nacionais
mas tambeacutem com momentos de aproximaccedilatildeo entre si fornecendo uma complexa tessitura
histoacuterico-cultural
Reconhecida a influecircncia do contexto social no desenvolvimento do
constitucionalismo eacute correto afirmar que os desafios impostos agrave jurisdiccedilatildeo constitucional no
seacuteculo XXI natildeo satildeo os mesmo de outrora Se antes a preocupaccedilatildeo constitucional girava em
torno da limitaccedilatildeo do poder estatal da separaccedilatildeo de poderes e garantia de direitos e
liberdades hoje os problemas satildeo significativamente mais complexos devido ao proacuteprio
desenvolvimento da sociedade moderna
As consequecircncias do intenso processo de globalizaccedilatildeo que a humanidade
vivencia aumentam a complexidade da sociedade atual diminuem a distacircncia entre os
Estados criam novos pontos de convergecircncia entre eles estreitam as suas fronteiras
12
geograacuteficas Soma-se agrave isto o crescente fortalecimento dos mecanismos internacionais de
defesa dos Direitos Humanos e o aumento vertiginoso das normas internacionais Ora o
constitucionalismo como fenocircmeno social que eacute natildeo poderia ser imune a essas grandes
modificaccedilotildees
Jonatas Machado (2011 p33) salienta que o desenvolvimento dos
sistemas internacionais de proteccedilatildeo dos Direitos Humanos Europeu Americano e Africano
por si soacute constiuem uma revoluccedilatildeo constitucional na medida em que estabelecem uma
espeacutecie de jurisdiccedilatildeo constitucional de Direitos Humanos supranacional com capacidade de
condenar os Estados membros por violaccedilotildees a esses direitos
Destaca ainda que a Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos do Homem tem
exercido um efeito direto no Direito Constitucional de numerosos Estados em todos os
continentes inspirando cataacutelogos de direitos liberdades e garantias sendo expressamente
mencionada como auxiliar interpretativo dos cataacutelogos internos ou sendo mesmo
incorporada no bloco de constitucionalidade de alguns Estados
Assim verifica-se a abertura da Constituiccedilatildeo ao Direito Internacional
gerando um novo paradigma constitucional com o surgimento de conflitos mais complexos
sobretudo pela pluralidade no tocante a interpretaccedilatildeo do conteuacutedo dos Direitos Humanos
Neves (2013) sintetiza claramente o momento do constitucionalismo atual
quando aduz que com a maior integraccedilatildeo da sociedade mundial os problemas
constitucionais que versam sobre de direitos humanos ou fundamentais e sobre o controle e
limitaccedilatildeo do poder tornaram-se insuscetiacuteveis de serem tratados por uma uacutenica ordem juriacutedica
estatal no acircmbito do seu territoacuterio vez que esses problemas passam a ser concomitantemente
relevantes para mais de uma ordem juriacutedica muitas vezes natildeo estatais que satildeo instadas a
oferecer respostas para a sua soluccedilatildeo
Nesse contexto o tradicional princiacutepio de soberania tanto do Estado como
do Texto Supremo que o rege acaba por ser relativizado jaacute que as relaccedilotildees sociais
econocircmicas poliacuteticas e tambeacutem juriacutedicas se desenvolvem cada vez mais no acircmbito
internacional ultrapassando os tradicionais limites do poder nacional1
1 Sobre a referida relativizaccedilatildeo do princiacutepio da soberania importante destacar que como bem leciona o ilustre
doutrinador portuguecircs Jonatas Machado a mesma natildeo significa de forma alguma o fim do Estado enquanto
organizaccedilatildeo juriacutedica de uma comunidade poliacutetica Natildeo pode haver uma eficaz proteccedilatildeo dos direitos humanos
13
A moderna doutrina fala em crise do constitucionalismo decorrente dessa
conjuntura2 eis que foi revelada a incapacidade do Estado nacional e o texto magno que o
rege para resolverem isoladamente os impasses constitucionais o que acarreta em uma
perda de forccedila da Constituiccedilatildeo
Desta feita o atual momento do constitucionalismo impotildee uma reflexatildeo
acerca do papel da Constituiccedilatildeo e consequentemente da jurisdiccedilatildeo constitucional reflexatildeo
que deve ser feita natildeo apenas sob seus aspectos internos mas sim de forma comprometida
com o contexto global que seraacute determinante na sua estruturaccedilatildeo sob pena de perda da sua
eficaacutecia A abertura cognitiva que o novo cenaacuterio de fluidez de fronteiras geograacuteficas e de
intensa circulaccedilatildeo de ideias determina em relaccedilatildeo a compreensatildeo e atualidade do sentido
constitucional vem inspirando uma nova visatildeo de constitucionalismo que contemple
arquiteturas de acomodaccedilatildeo institucional que conduzam a um exerciacutecio democraacutetico de
identificaccedilatildeo do sentido constitucional Surgem entatildeo novas relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo
internas e externas ao Estado as quais representam a pedra de toque na atualidade (VALLE
2010 p 32)
Os novos desafios impostos ao constitucionalismo no seacuteculo XXI
sobretudo no tocante a compreensatildeo e delimitaccedilatildeo do conteuacutedo de direitos fundamentais tecircm
permitido a construccedilatildeo de alternativas agrave velha conclusatildeo de que na jurisdiccedilatildeo constitucional
deve existir um oacutergatildeo responsaacutevel por emanar a uacuteltima palavra na resoluccedilatildeo de conflitos jaacute
que nenhum dos atores consituticionais e braccedilos do Poder revela-se por si soacute aptos a
resolver os cada vez mais complexos problemas constitucionais
Em seguida aborda-se-aacute essa nova vertente do constitucionalismo e as
respectivas relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo que vecircm surgindo como consequecircncia dessa mudanccedila de
paradigma
sem um Estado igualmente forte o que deve ocorrer eacute uma reconceitualizaccedilatildeo da soberania mediante a
limitaccedilatildeo de alguma das suas dimensotildees e fortalecimento de outras (MACHADO 2013)
2 Ver DOBNER Petra LOUGHLIN Martin (ed) The Twilight of ConstitutionalismOxford Oxford
University Press 2009
14
2 Constitucionalismo de cooperaccedilatildeo e seus reflexos na jurisdiccedilatildeo constitucional
Conforme pode ser observado no contexto do constitucionalismo atual
haacute uma mudanccedila de paradigma decorrente do reconhecimento do pluralismo como uma
constante dos novos problemas constitucionais A concretizaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo sobretudo
no que tange a efetividade dos direitos fundamentais natildeo pode mais ser pensada de forma
singular devendo se reconhecer a multiplicidade de atores envolvidos nesse processo
Com esse objetivo eclodem inuacutemeras teorias que buscam legitimar
relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo distanciando-se cada vez mais da tradicional ideia de supremacia
seja no acircmbito interno de um Estado ou no espaccedilo internacional
Com isso emerge um conceito de ldquoconstitucionalismo cooperativordquo3 no
qual se albergam essas diversas teorias fundadas na criaccedilatildeo de mecanismos de cooperaccedilatildeo
entre os Estados e suas ordens juriacutedicas Nesse sentido merece destaque o conceito de
Estado constitucional cooperativo desenvolvido por Peter Haumlrbele (2007) como sendo um
Estado que encontra a sua identidade tambeacutem no Direito Internacional no entrelaccedilamento
das relaccedilotildees internacionais e supranacionais na percepccedilatildeo de cooperaccedilatildeo e
responsabilidade bem como no compromisso com a solidariedade e a paz
Tambeacutem com base nessa ideia de abertura e de cooperaccedilatildeo tem-se a
teoria do transconstitucionalismo desenvolvida pelo brasileiro Marcelo Neves4 e a
interconstitucionalidade do ilustre mestre Canotilho5
Apesar de diferentes em alguns aspectos o que essas duas modernas
teorias possuem em comum eacute justamente a tentativa de conciliaccedilatildeo entre o consitucionalismo
e o pluralismo da sociedade globalizada enfrentando a problemaacutetica do estabelecimento de
relaccedilotildees de acoplamento entre ordens nacionais distintas bem como destas com o direito
comunitaacuterio sem que percam a sua respectiva identidade nacional
Enquanto a interconstitucionalidade enfrenta o problema da articulaccedilatildeo
entre constituiccedilotildees e poderes constituintes com fontes e legitimidades diversas dentro de um
3 Neste trabalho o uso do termo ldquoconstitucionalismo cooperativordquo natildeo se refere a nenhuma teoria ou autor em
especiacutefico mas sim ao conjunto da doutrina constitucional que tem como base a construccedilatildeo de relaccedilotildees de
cooperaccedilatildeo seja entre Estados entre entes estatais entre ordens juriacutedicas e outras
4 Ver NEVES Marcelo Transconstitucionalismo Satildeo Paulo Martins Fontes 2013
5 Ver CANOTILHO JJ Gomes ldquoBrancososrdquo e Interconstitucionalidade Itineraacuterios dos Discursos Sobre
Historicidade Constitucional Coimbra Almedina 2006
15
mesmo espaccedilo poliacutetico de forma a solucionar os conflitos decorrentes da justaposiccedilatildeo
concorrecircncia e divergecircncia entre eles (CANOTILHO 2006) o tranconstitucionalismo trata
da construccedilatildeo de ldquopontes de transiccedilatildeordquo entre ordens juriacutedicas diversas buscando um
crescimento e aprendizado muacutetuo entre elas apontando como requisito indispensaacutevel para
tanto a permanente reconstruccedilatildeo da ldquoidentidade constitucionalrdquo de cada uma a partir do
reconhecimento de alteridade sem que isso signifique uma mera convergecircncia entre elas e
uma consequente negaccedilatildeo de identidade proacutepria mas sim a existecircncia de uma prontidatildeo
para a abertura reciacuteproca natildeo apenas cognitiva mas tambeacutem normativa (NEVES 2009)
A partir desse entendimento a conclusatildeo a que se chega eacute que o Estado
natildeo pode mais ser considerado como o principal locus de soluccedilatildeo de conflitos
constitucionais uma vez que esses ultrapassam o seu acircmbito interno sendo imperativa a
abertura agrave relaccedilotildees interestatais e supranacionais
Os exemplos mais emblemaacuteticos desses modelos de relaccedilotildees
cooperativas desenvolvem-se no acircmbito da Uniatildeo Europeia que ao reconhecer a eficaacutecia
imediata ao direito comunitaacuterio introduz um instrumento normativo supranacional agrave ordem
juriacutedica interna de cada paiacutes membro o qual passa tambeacutem a ser paracircmetro de eventual
controle das leis e das proacuteprias constituiccedilotildees estabelecendo assim uma necessaacuteria
convivecircncia entre diversas ordens juriacutedico-normativas dentro de um mesmo espaccedilo poliacutetico
e submetidas a uma jurisdiccedilatildeo supranacional
O proacuteprio Tratado que institui a Uniatildeo Europeia em seu artigo 2346 ao
determinar a competecircncia do Tribunal de Justiccedila europeu sugere que haja um diaacutelogo
intercortes A estrateacutegia a ser adotada para a consolidaccedilatildeo do novo ordenamento eacute portanto
natildeo a de mera subordinaccedilatildeo da ordem juriacutedica nacional agrave supranacional mas sim do
desenvolvimento de constantes relaccedilotildees paritaacuterias de colaboraccedilatildeo (KOMAacuteREK 2005)
6 ldquoArt 234 O Tribunal de Justiccedila eacute competente para decidir a tiacutetulo prejudicial sobre a) A interpretaccedilatildeo do
presente Tratado b) A validade e a interpretaccedilatildeo dos atos adotados pelas instituiccedilotildees da Comunidade e pelo
BCE c) A interpretaccedilatildeo dos estatutos dos organismos criados por ato do Conselho desde que estes estatutos
o prevejam Sempre que uma questatildeo desta natureza seja suscitada perante qualquer oacutergatildeo jurisdicional de um
dos Estados-Membros esse oacutergatildeo pode se considerar que uma decisatildeo sobre essa questatildeo eacute necessaacuteria ao
julgamento da causa pedir ao Tribunal de Justiccedila que sobre ela se pronuncie Sempre que uma questatildeo desta
natureza seja suscitada em processo pendente perante um oacutergatildeo jurisdicional nacional cujas decisotildees natildeo sejam
susceptiacuteveis de recurso judicial previsto no direito interno esse oacutergatildeo eacute obrigado a submeter a questatildeo ao
Tribunal de Justiccedilardquo
16
A niacutevel europeu parece correto afirmar a opccedilatildeo por uma metoacutedica
fundada na imbricaccedilatildeo de cataacutelogos reveladora ou criadora de standards em contraposiccedilatildeo
a um modelo hierarquizado fundado em uma Groundnorm (TAVARES DA SILVA 2014)
ou seja natildeo haacute a primazia entre os ordenamentos mas sim uma ideia de
complementaridade7
Seguindo essa loacutegica de imbricaccedilatildeo e natildeo de hierarquizaccedilatildeo entre os
cataacutelogos a Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa em seu art8ordm4 ldquoAs disposiccedilotildees dos
tratados que regem a Uniatildeo Europeia e as normas emanadas das suas instituiccedilotildees no
exerciacutecio das respectivas competecircncias satildeo aplicaacuteveis na ordem interna nos termos
definidos pelo direito da Uniatildeo com respeito pelos princiacutepios fundamentais do Estado de
direito democraacuteticordquo e ainda no art16ordm determina de forma expressa que ldquoOs direitos
fundamentais consagrados na Constituiccedilatildeo natildeo excluem quaisquer outros constantes das
leis e das regras aplicaacuteveis de direito internacionalrdquo e que ldquoOs preceitos constitucionais
e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados de
harmonia com a Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos do Homemrdquo 8
Portanto como resultado praacutetico dessas normas tem-se a imposiccedilatildeo
obrigatoacuteria ao oacutergatildeo responsaacutevel pelo exerciacutecio da jurisdiccedilatildeo constitucional da observacircncia
do direito comparado propiciando o exerciacutecio do que alguns estudiosos denominam de
diaacutelogo judicial (judicial dialogue) que se caracteriza nessa relaccedilatildeo de cooperaccedilatildeo
estabelecida entre ordens juriacutedicas distintas quando haacute uma conversa entre diferentes
Tribunais a fim de buscar a melhor soluccedilatildeo para a efetivaccedilatildeo dos direitos fundamentais
muito comum na praacutetica da Uniatildeo Europeia9
Saindo do contexto europeu a Constituiccedilatildeo da Aacutefrica do Sul no seu art
39 prevecirc que na interpretaccedilatildeo do Bill of Rights devem ser consideradas as leis internacionais
7 Nesse sentido de acordo com a doutrina impera no ldquotriacircngulo normativo europeurdquo o princiacutepio do niacutevel mais
elevado de proteccedilatildeo o qual pode ser entendido como resultado de uma abertura normativa (TAVARES DA
SILVA 2014)
8 Nesse sentido Jorge Miranda faz uma anaacutelise mais completa da Constituiccedilatildeo portuguesa e fala em um ldquojus-
universalismordquo Ver MIRANDA Jorge O Estado Constitucional Cooperativo e o Jus-Universalismo da
Constituiccedilatildeo Portuguesa In Cadernos da Escola de Direito e Relaccedilotildees Internacionais da UniBrasil JanDez
2007 pp 7-22) Ver tambeacutem CANOTILHO JJ Gomes MOREIRA Vital Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica
Portuguesa Anotada Volume I Coimbra 2014
9 Ver GOLUB Jonathan Modelling Judicial Dialogue in the European Community The Quantitative Basis
of Preliminary References to the ECJ 1996 ISSN 1028-3625
17
e podem ser consideradas leis estrangeiras bem como que o referido documento natildeo nega a
existecircncia de quaisquer outros direitos ou liberdades que sejam reconhecidos ou conferidos
pela common law costumary law ou legislation 10
A previsatildeo contida na Constituiccedilatildeo da Aacutefrica do Sul eacute especialmente
importante nesse contexto pois natildeo se refere apenas a necessidade de observacircncia e
integraccedilatildeo com as normas internacionais mas faz tambeacutem expressa referecircncia as normas
estrangeiras ou seja oriundas de outros paiacuteses
A ideia que fundamenta o exerciacutecio do direito comparado eacute a da busca
pelo enriquecimento da compreensatildeo do conteuacutedo dos direitos fundamentais por intermeacutedio
do compartilhamento de experiecircncias entre tribunais constitucionais distintos11 ou seja no
desenvolvimento de uma jurisdiccedilatildeo constitucional que natildeo se afigure monopolista mas sim
colaborativa
Bobeck (2013) ensina que essa praacutetica pode ser vista como uma forma
de auto-controle dos proacuteprios tribunais que percebem que natildeo podem decidir sozinhos e
buscam no meacutetodo do direito comparado ou no uso de precedentes estrangeiros uma maior
fundamentaccedilatildeo as suas decisotildees
Zagrebelsky (2007) denomina esse fenocircmeno de ldquocosmopolistimo
judicialrdquo o qual consiste justamente na consideraccedilatildeo pelo Judiciaacuterio nacional de documentos
juriacutedicos externos de decisotildees oriundas de outras cortes sejam elas de hierarquia superior
como tribunais internacionais de proteccedilatildeo dos direitos humanos ou ateacute mesmo de outras
cortes constitucionais estrangeiras12
10 ldquo39 Interpretation of Bill of Rights (1) When interpreting the Bill of Rights a court tribunal or forum ndash (a)
must promote the values that underlie an open and democratic society based o human dignity equality and
freedom (b) must consider international law (c) may consider foreing law (2) When interpreting any
legislation and when developing the common law or costumary law every court tribunal or forum must
promote the spirit purport and objects of the Bill of Rights (3) The Bill of Rights does not deny the existence
of any other rights or freedoms that are recognised or conferred by common law customary law or legislation
to the extent that they are consistent with the Bill
11 Nesse sentido Tushnet (2009) ao falar sobre a importacircncia do estudo do direito constitucional comparado
ldquostudiyng comparative constitucional law might improve our ability to make domestic constitucional lawrdquo Ver
ainda HIRSCHL Ran Comparative matters the renaissance of comparative constitutional law Oxford
Oxford University Press 2014 e JACKSON Vicky Comparative Constitucional Law Nova York Foundation
Press 1999 12 Eacute importante destacar que apesar da forma positiva em que se estaacute abordando o cosmopolitismo judicial e o
uso do direito comparado ambos satildeo alvos de criacuteticas pela doutrina Tavares da Silva (2014) destaca que ldquoo
recurso ao direito constitucional comparado por um tribunal constitucional natildeo deve servir um objetivo de
universalizaccedilatildeo de valores mas antes o aprofundamento das soluccedilotildees de inclusividade no contexto
18
Esse fenocircmeno tambeacutem encontra eco em outros lugares do Globo
apesar de em menor escala que no continente europeu A Constituiccedilatildeo Federal Brasileira agrave
semelhanccedila da Portuguesa no sect2ordm do artigo 5ordm adota uma claacuteusula aberta de direitos
fundamentais prevendo expressamente a observacircncia das normas internacionais nessa
mateacuteria
Conclui-se portanto que hoje as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo dentro do
constitucionalismo e no exerciacutecio da jurisdiccedilatildeo constitucional eacute uma realidade concreta e
global A partir disso teve iniacutecio o desenvolvimento de uma noccedilatildeo de diaacutelogo seja ele
judicial ou institucional
Esse eacute um fenocircmeno que natildeo ocorre apenas no acircmbito externo ao
Estado restrito as relaccedilotildees internacionais mas tambeacutem encontra reflexos na estrutura interna
de organizaccedilatildeo do Poder estatal no desenho institucional de cada paiacutes
A ideia de cooperaccedilatildeo e diaacutelogo transporta-se assim tambeacutem para o
acircmbito interno da jurisdiccedilatildeo constitucional dos paiacuteses surgindo um conceito de diaacutelogo
institucional o qual percebe-se deste trabalho
Percebe-se entatildeo que os novos desafios impostos ao
constitucionalismo do seacuteculo XXI tecircm influenciado no desenho institucional da jurisdiccedilatildeo
constitucional adotado por diversos paiacuteses contribuindo sobremaneira para o
desenvolvimento de novos modelos fundados nessa loacutegica da cooperaccedilatildeo superando a
tradicional ideia de uma jurisdiccedilatildeo pautada na supremacia judicial conforme seraacute analisado
intercultural ateacute onde essa inclusividade se revelar possiacutevel ou seja ateacute onde natildeo redunde em uma
neutralizaccedilatildeo do elemento cultural que daacute substacircncia material ao projecto social concreto que aquele oacutergatildeo
judicial tem como missatildeo garantirrdquo
19
3 O tradicional modelo de judicial review e a supremacia judicial
Afirmar que a Constituiccedilatildeo eacute um documento juriacutedico-poliacutetico dotado de
normatividade e superioridade dentro do ordenamento juriacutedico parece algo oacutebvio todavia
essa premissa nem sempre foi verdadeira mas sim resultado de um processo histoacuterico13
Na Ameacuterica do Norte desde o iniacutecio do seu movimento constitucional14
o caraacuteter juriacutedico-normativo da constituiccedilatildeo foi reconhecido o que acabou favorecendo a
um desenvolvimento mais raacutepido da jurisdiccedilatildeo constitucional15 ante a necessidade de
submeter o poder legislativo a limites precisamente soacutelidos16
O tradicional modelo do judicial review americano se formou no
silecircncio dos textos tomando corpo lentamente em um primeiro periacuteodo que foi ateacute 1789
(ano em que se funda o Tribunal Supremo Federal) o mesmo consistia em mera praacutetica
judicial dentro do common law em um segundo periacuteodo que vai de 1789 a 1861
impulsionado pela construccedilatildeo do Estado Federal e pelos conflitos em torno da natureza da
Uniatildeo criado pela Constituiccedilatildeo de 1787 em um terceiro periacuteodo iniciado em 1865 ateacute os
trinta primeiros anos do seacuteculo XX quando se estabeleceu como um sistema de revisatildeo
frente a todas as leis inclusive leis federais em consequecircncia do crescimento do capitalismo
das transformaccedilotildees ocasionadas pelo federalismo e pela necessidade de redefinir as relaccedilotildees
entre o Estado com a nova ordem industrial e em um quarto periacuteodo de 1954 a 1986 quando
se expandiu em resposta aos novos desafios impostos pela busca de justiccedila social igualdade
e liberdade (ACOSTA SAacuteNCHEZ 1998)
13 Nesse sentido Canotilho (2003) nos ensina que a Constituiccedilatildeo eacute o conjunto de regras (escritas ou
consuetudinaacuterias) e de estruturas institucionais conformadoras de uma dada ordem juriacutedico-poliacutetica em um
determinado sistema poliacutetico-social Entre o constitucionalismo antigo e o constitucionalismo moderno vatildeo se
desenvolvendo perspectivas poliacuteticas religiosas e juriacutedico-filosoacuteficas sem o conhecimento das quais natildeo eacute
possiacutevel compreender o proacuteprio fenocircmeno da modernidade constitucional
14 A expressatildeo ldquomovimento constitucionalrdquo eacute utilizada no sentido empregado por Canotilho como um
movimento gerador da constituiccedilatildeo (CANOTILHO 2003)
15 Para uma maior e mais detalhada compreensatildeo do movimento constitucional norte-americano ver Griffin
Stephen American Constitutionalism From the theory to the politics 1998
16 Nesse sentido ver Blaco Valdeacutes Roberto L La configuracioacuten del concepto de Constituicioacuten en las
experieacutencias revolucionarias francesas e norte-americana In Perspectivas Constitucionais Nos 20 anos da
Constituiccedilatildeo de 1976 (org Jorge Miranda) Vol III Coimbra 1998 p11
20
Para muitos a efetiva consagraccedilatildeo desse modelo ocorreu no ano de
1803 com o julgamento do famoso caso Marbury v Madison17 quando houve a formal
proclamaccedilatildeo da superioridade das normas constitucionais frente a qualquer outra lei
formulada pelo Parlamento bem como da autoridade dos Tribunais para invalidaccedilatildeo das leis
consideradas inconstitucionais
A par das questotildees poliacuteticas envolvidas nesse julgamento o fato eacute que
ele se tornou o marco da consolidaccedilatildeo da supremacia18 da Suprema Corte americana que
passou a ser entatildeo formalmente reconhecida como a detentora da uacuteltima palavra dentro do
processo de interpretaccedilatildeo constitucional19
Ateacute meados do seacuteculo XX a ideia que prevalecia na maioria dos paiacuteses
com a exececcedilatildeo dos Estados Unidos20 era a de que as constituiccedilotildees eram proclamaccedilotildees
poliacuteticas importantes mas natildeo possuiacuteam status de normas juriacutedicas As prescriccedilotildees
constitucionais natildeo podiam ser aplicadas diretamente pelos juiacutezes nem geravam direitos
subjetivos para os cidadatildeos
Havia principalmente nos paiacuteses da Europa cidental uma crenccedila na
legitimidade do Parlamento para a criaccedilatildeo do Direito natildeo existindo razatildeo para submeter as
leis por ele criadas agrave nenhuma espeacutecie de revisatildeo judicial O controle que existia era um
controle poliacutetico feito pelo proacuteprio legislativo21
17 Para uma visatildeo criacutetica e maiores detalhes sobre o famoso julgamento Marbury v Madison ver Acosta
Sancheacutez Joseacute Formacioacuten de la Constituicioacuten y Jurisdiccioacuten Constitucional Fundamentos de la Democracia
Constitucional Madri Tecnos 1998 pp 115 e Urbano Maria Benedita Curso de Justiccedila Constitucional
Evoluccedilatildeo Histoacuterica e Modelos de Controlo da Constitucionalidade Almedina 2012 pp 28 a 36
18 Neste trabalho quando fala-se em supremacia refere-se agrave siacutentese de Ward (2007) segundo a qual supremacia
judicial define o status que os precedentes merecem quando desafiados pela atuaccedilatildeo superveniente do
legislativo
19 Griffin (2003) em importante estudo revela que o judicial review americano nem sempre esteve associado agrave
ideia de supremacia judicial tendo sido este elemento incorporado ao modelo posteriormente Nesse sentido
destaca ldquoAs has so often been noted Marshall never claimed supremacy for the Court in Marbury The
opinion ends after all with Marshall saying that courts hace an equal right to the other departament in
interpreting the Constitution The Court committed itself explicity to judicial supremacy only relatively
recently In Cooper v Aaron for example the Court stated that the ldquofederal judiciary is supreme in the
exposition of the law of the Constitutionrdquo
20 Miranda (2007) destaca que diferente da Franccedila e dos paiacuteses europeus durante o seacuteculo XIX os Estados
Unidos vivem quase desde a sua formaccedilatildeo sob o princiacutepio da constitucionalidade isto eacute de que as leis e os
outros atos do Estado devem ser conformes agrave Constituiccedilatildeo e natildeo devem ser aplicados pelos tribunais no caso
de serem desconformes
21 ldquoO controle da conformidade das leis com a constituiccedilatildeo comeccedilou por ser do tipo poliacutetico Aacute medida que o
valor de lei suprema das constituiccedilotildees se ia impondo os parlamentos iam-se sentido cada vez mais pressionados
para permitir que as suas leis fossem objeto de fiscalizaccedilatildeo Numa primeira fase admitiram o controlo da
21
Portanto durante muito tempo na maioria dos paiacuteses europeus em
funccedilatildeo da constituiccedilatildeo ser vista como mero instrumento poliacutetico desprovido de
normatividade cabia ao Parlamento a regulamentaccedilatildeo das relaccedilotildees entre individuo e Estado
usufruindo entatildeo de um papel de legislador soberano eis que seus atos natildeo estavam
subordinados a nenhum controle judicial cabendo ao Poder Judiciaacuterio apenas a mera
aplicaccedilatildeo das leis
O reconhecimento da constituiccedilatildeo como norma juriacutedica soacute ocorreu no
constitucionalismo do poacutes-45 com o fim da segunda guerra mundial quando foram
incorporados no texto constitucional direitos fundamentais e princiacutepios relevantes de
moralidade poliacutetica
Com isso a partir da metade do seacuteculo XX a maioria das novas
constituiccedilotildees passaram a prever mecanismos de jurisdiccedilatildeo constitucional ou procuram
fortalecer ou ampliar os jaacute existentes A maior parte dos paiacuteses que reestruturam suas ordens
juriacutedicas desde entatildeo seja apoacutes libertar-se do jugo de antigas colocircnias seja depois da
superaccedilatildeo de ditaduras internas optaram pela introduccedilatildeo ou ampliaccedilatildeo de instrumentos de
controle de constitucionalidade nos seus textos magnos (SARMENTO 2006)
Ou seja o desenvolvimento do constitucionalismo e o reconhecimento
da constituiccedilatildeo como norma juriacutedica suprema do Estado criaram a necessidade de um
controle das normas infraconstitucionais
Nesse contexto desenvolveram-se inicialmente dois modelos de
controle de constitucionalidade distintos que foram se espalhando pelos diversos paiacuteses ao
longo dos anos que se seguiram O modelo decorrente do sistema americano ficou conhecido
como controle difuso tendo como principal caracteriacutestica o fato de todos os tribunais e juiacutezes
poderem declarar dentro de um caso concreto a inconstitucionalidade de uma lei
infraconstitucional
constitucionalidade das leis mas seriam eles os responsaacuteveis por um tal controlo Era pois um controlo
poliacutetico exercido por um oacutergatildeo poliacutetico o parlamento () Seja como for facilmente se constata que o controle
poliacutetico tende a ser pouco efetivo e eficaz No caso especiacutefico do controlo atribuiacutedo ao parlamento pode
afirmar-se sem grande margem de erro que os parlamentares eram ldquojuiacutezes em causa proacutepriardquo (no fundo era
um autocontrolo) Por este motivo o controlo das normas acabaria por ser atribuiacutedo aos tribunais tornando-se
um controlo judicialrdquo (URBANO 2012 p17)
22
Em oposiccedilatildeo a esse modelo Kelsen desenvolveu uma visatildeo alternativa
de controle de constitucionalidade para os sistemas europeus que ficou conhecido como
controle concentrado de constitucionalidade ou modelo austriacuteaco Nesse tipo de controle a
proteccedilatildeo da Constituiccedilatildeo previa a instituiccedilatildeo de um controle abstrato das atividades do
legislador confiado a um uacutenico oacutergatildeo separado dos tribunais ordinaacuterios - o Tribunal
Constitucional Ao juiacutez constitucional cabia manter ou anular o ato normativo do legislador
consoante o considerasse conforme ou desconforme a constituiccedilatildeo (URBANO 2012)
Jaacute nas uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XX a jurisdiccedilatildeo constitucional foi se
tornando uma realidade quase universal passando a existir em paiacuteses de todos os
continentes Tanto o modelo norte-americano como o modelo austriacuteaco serviram de
inspiraccedilatildeo para a implementaccedilatildeo do controle de constitucionalidade das leis e surgimento de
modelos mistos
Alguns paiacuteses como o Brasil por exemplo desenvolveram sistemas
mistos onde estatildeo presentes caracteriacutesticas de ambos os modelos tanto o austriacuteaco como o
americano ou seja haacute tanto o controle de constitucionalidade difuso quanto o concentrado22
Jaacute nos paiacuteses do continente europeu o modelo mais disseminado foi o modelo Austriacuteaco o
que impulsionou a criaccedilatildeo de diversos Tribunais Constitucionais em paiacuteses como Espanha
Itaacutelia e Portugal23
Assim na grande maioria dos paiacuteses desenvolveu-se um sistema de
jurisdiccedilatildeo constitucional aliado agrave ideia de supremacia judicial no qual o Poder Judiciaacuterio eacute
quem profere a uacuteltima palavra no tocante a interpretaccedilatildeo constitucional Na Europa em
especial a supremacia judicial foi se tornando uma realidade cada vez mais forte sendo o
ativismo judicial um dos responsaacuteveis pelo fortalecimento e desenvolvimento da estrutura
judiciaacuteria que se tem hoje na maioria dos paiacuteses
Diante de tudo isso pode-se afirmar que uma das caracteriacutesticas mais
evidentes no constitucionalismo contemporacircneo eacute a ascensatildeo institucional do Poder
Judiciaacuterio ultrapassando a originaacuteria ideia de legislador negativo tradicionalmente
22 Para maiores detalhes sobre o controle de constitucionalidade brasileiro ver BARROSO Luiacutes Roberto O
Controle de constitucionalidade no direito brasileiro Exposiccedilatildeo sistemaacutetica da doutrina e anaacutelise criacutetica da
jurisprudecircncia Satildeo Paulo Editora Saraiva 2004
23 Para maiores detalhes sobre o controle de constitucionalidade Portuguecircs ver Canotilho 2008 capiacutetulo 2
23
concebida por Kelsen dando margem ao surgimento de alguns fenocircmenos que seratildeo
tratados no toacutepico a seguir
4 Jurisdiccedilatildeo constitucional e democracia um antigo debate
A controveacutersia acerca da natureza da atividade fiscalizatoacuteria exercida
pelas Cortes Constitucionais decorre do possiacutevel conflito entre duas distintas legitimaccedilotildees
a dita legitimaccedilatildeo democraacutetica tipicamente atribuiacuteda ao legislador e a legitimaccedilatildeo
jurisdicional para a defesa do ordenamento juriacutedico constitucional atribuiacuteda ao Juiacutezo
constitucional Discute-se sobretudo o porquecirc da consignaccedilatildeo ao Judiciaacuterio de tal atribuiccedilatildeo
fiscalizatoacuteria bem assim quais seriam os objetos e limites do controle jurisdicional
(PONTES 2001 p 65)24
Os contornos desse debate estatildeo intimamente ligados a noccedilatildeo de
democracia exercendo o seu conceito direta influecircncia nos argumentos de defesa de um ou
de outro Poder Em apertada siacutentese pode-se mencionar que aqueles que defendem a
atribuiccedilatildeo do Poder ao Judiciaacuterio para realizar o controle de constitucionalidade das leis
fundamentam-se na regra contramajoritaacuteria ou seja na necessidade de uma oposiccedilatildeo a regra
da maioria representada pelo Legislativo principalmente para defender e proteger os direitos
e garantias de minorias sem tanta representatividade na busca por uma democracia
substancial25
Em contrapartida existem aqueles que denfendem uma outra noccedilatildeo de
democracia fundada justamente nos argumentos de maioria e de representatividade razatildeo
pela qual entendem pela iligitimidade dos juiacutezes membros natildeo eleitos pelo povo para
derrubar atos legislativos
Apesar da discussatildeo sobre a legitimidade democraacutetica da jurisdiccedilatildeo
constitucional ser um debate antigo natildeo se pode - sob nenhuma hipoacutetese - considera-lo como
24 Sobre o tradicional debate acerca da legitimidade da jurisdiccedilatildeo constitucional ver GARAPON Antonie O
juiz e a democracia o guardiatildeo das promessas Rio de Janeiro Renavn 2009 Linares Sebastiaacuten La
(i)legitimidad democraacutetica del control judicial de las leyes Madrid Marcial Pons MOREIRA Vital Princiacutepio
da Maioria e princiacutepio da constitucionalidade legitimidade e limites da justiccedila constitucional in Coloacutequio no
10ordm Aniversaacuterio do Tribunal Constitucional Lisboa 1993 pp 167-175
25 Sobre a regra contramajoritaacuteria ver BICKEL Alexander The last dangerous branch the Supreme Court at
the bar of politics New Haven Yale University 1986 e WHITE G Edward History and the Constitution
Durham Carolina Academic Press 2007
24
algo superado sobretudo porque na atualidade os argumentos insertos na questatildeo estatildeo
cada vez mais sofisticados e possibilitam uma discussatildeo aleacutem do tradicional binocircmio
Judiciaacuterio x Legislativo no tocante a detenccedilatildeo da uacuteltima palavra em mateacuteria constitucional
Nas uacuteltimas deacutecadas vivencia-se uma expansatildeo do tradicional modelo
do judicial review americano pelo Globo e consequentemente um reforccedilo e um alargamento
do Poder Judiciaacuterio razatildeo pela qual muitos paiacuteses hoje adotam modelos fundados em uma
supremacia judicial na qual os juiacutezes satildeo os responsaacuteveis por emitir a palavra final na
resoluccedilatildeo de conflitos constitucionais
A referida expansatildeo propiciou o desenvolvimento de fenocircmenos como
a judicializaccedilatildeo de questotildees poliacuteticas e o ativismo judicial os quais satildeo atualmente
considerados por alguns como uma ameaccedila ao princiacutepio democraacutetico a separaccedilatildeo de poderes
e ateacute mesmo a efetividade de direitos fundamentais Diante disso acabam por vir
novamente agrave tona antigos questionamentos relativos agrave legitimidade democraacutetica da
jurisdiccedilatildeo constitucional
A judicializaccedilatildeo da Poliacutetica aqui entendida como a dependecircncia de
Tribunais e dos meios judiciais para abordarsolucionar impasses morais fundamentais
questotildees de poliacuteticas puacuteblicas e controveacutersias poliacuteticas eacute um fenocircmeno mundial Embora
muitas questotildees de poliacuteticas puacuteblicas ainda permaneccedilam aleacutem do alcance do Judiciaacuterio eacute
fato incontestaacutevel que tem havido uma deferecircncia das outras esferas do Poder no sentido de
acolher a intrusatildeo do mesmo em suas prerrogativas o que acaba por acelerar o processo de
judicializaccedilatildeo das agendas poliacuteticas (HIRSCHL 2008)26
26 Hirschl faz importante observaccedilatildeo sobre um niacutevel diferente de judicializaccedilatildeo o qual denomina de
judicializaccedilatildeo da acutemega-poliacuteticaacute a qual seria mais impactante e consequentemente mais preocupante De
acordo com o autor ldquoToday not a single week passes without a national high court somewhere in the world
releasing a major judgment pertaining to the scope of constitutional rights or the limits on legislative or
executive powers The most common are cases dealing with procedrual justice and criminal lsquodue processrsquo
rights Aggregate data suggest that approximately two-thirds of all constitutional rights cases in the lsquoworld of
new constitutinalismrsquo deal with that type of rights Also common are rulings involving classic civil liberties
the right to privacy and formal equality This ever-expanding body of civil liberties jurisprudence has
expanded and fortified the boundaries of the constitutionally protected private sphere (often perceived as
threatened by the long arm of the state and its regulatory laws) and hastransformed numerous policy areas
involving individual freedoms In recent years we have seen the emergence of another level of judicialized
politics reliance on courts and judges for dealing with what we might call lsquomega-politicsrsquo ndash core political
controversies that define the boundaries of the collective or cut through the heart of entire nations This level
of judicialization includes several subcategories judicial scrutiny of executive-branch prerogatives in the
realms of macroeconomic planning or national security (ie the demise of what constitutional theorists call
the lsquopolitical questionrsquo doctrine) judicialization of electoral processes judicial corroboration of regime
transformation fundamental restorative-justice dilemmas and above all the judicialization of formative
25
Com o reconhecimento internacional da importacircncia da proteccedilatildeo dos
direitos fundamentais e o consequente entendimento de que a enunciaccedilatildeo desses direitos na
Carta Magna determina por si soacute um direito subjetivo em favor dos cidadatildeos o Estado
passou a ser responsaacutevel pela realizaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas que visem agrave sua efetividade
natildeo mais sendo suficiente apenas que natildeo os viole mas tambeacutem que aja de forma a propiciar
a sua eficaacutecia
Assim o Judiciaacuterio passou a ser visto como o principal centro de
discussatildeo sobre a efetividade desses direitos principalmente pela sociedade que encontrou
nas demandas judiciais um meio de coagir o Estado a dar cumprimento e efetividade aos
direitos constitucionalmente assegurados O progressivo aumento dessas demandas fez com
que fosse possiacutevel uma realizaccedilatildeo do controle judicial das poliacuteticas puacuteblicas estatais
favorecendo a judicializaccedilatildeo de temas que antes eram reservados ao campo da poliacutetica27
Esse cenaacuterio tambeacutem propiciou a ocorrecircncia de outro fenocircmeno
designado como ativismo judicial ou governo de juiacutezes28 que a par da sua difiacutecil e
heterogecircnea conceituaccedilatildeo deve aqui ser entendido como a excessiva atividade criativa do
juiz constitucional29
Tanto a judicializaccedilatildeo de questotildees poliacuteticas como o ativismo judicial
podem ser identificados como patologias dentro do sistema da jurisidiccedilatildeo constitucional sob
o ponto de vista do princiacutepio da separaccedilatildeo de poderes (TAVARES DA SILVA 2014) eis
que ocasionam um excesso de autonomia e poder ao Judiciaacuterio em detrimento dos demais
poderes facilitando inclusive a usurpaccedilatildeo de competecircncias
collective identity nation-building processes and struggles over the very definition or raison decirctre of the polity
as such ndash arguably the most troubling type of judicialization from a participatory democracy stanpoint These
emerging areas of judicialized politics expand the boundaries of national high-court involvement in the
political sphere beyond any previous limitrdquo
27 Esse eacute um tema muito discutido no Brasil onde haacute um grande nuacutemero de demandas judiciais - individuais e
coletivas - que questionam a efetividade de direitos fundamentais como o direito agrave sauacutede agrave educaccedilatildeo etc Sobre
o assunto ver VALLE Vanice Regina Liacuterio do Judicializaccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas no Brasil Ateacute onde
podem nos levar as asas de Iacutecaro In Themis Revista de Direito da Universidade Nova de Lisboa ano XI
nordm 2021 2011
28 A criaccedilatildeo dessas expressotildees eacute respectivamente atribuiacuteda agrave Arthur Schlesinger Jr e Walter Clark
29 Sobre o ativismo judicial ver URBANO 2012 p 87- 101
26
Somado a esses fenocircmenos outro importante componente que ajudou
a reacender o debate30 foi a recente transposiccedilatildeo do modelo americano do judicial review
fundado na supremacia judicial para paiacuteses da Commonwealth tradicionalmente centrados
em um modelo de soberania parlamentar a qual seraacute melhor abordada no toacutepico a seguir
Diante das evidentes dificuldades de harmonizaccedilatildeo do modelo de
revisatildeo judicial das leis para paiacuteses onde ateacute entatildeo o Parlamento era soberano expoentes
doutrinadores como Ronald Dworkin e Jeremy Waldron voltaram sua atenccedilatildeo para a anaacutelise
das vantagens e desvantagens da realizaccedilatildeo de um controle judicial dos atos do Parlamento
e da sua legitimidade democraacutetica
Dworkin (2006) postula uma ldquoconcepccedilatildeo constitucional de
democraciardquo31 segundo a qual o regime democraacutetico demanda a tomada decisotildees coletivas
por instituiccedilotildees que tratem de forma isonocircmica todos os cidadatildeos fato que nem nem sempre
iraacute ocorrer em procedimentos majoritaacuterios Assim o Autor defende que o primordial para a
legitimidade democraacutetica de uma decisatildeo eacute o seu conteuacutedo substantivo e natildeo propriamente
o procedimento em si realizado para a sua elabraccedilatildeo
Sendo assim alega a legitimidade democraacutetica do controle de
constitucionalidade das leis realizada pelo Poder Judiciaacuterio eis que esta seria no seu
entender a instacircncia do Poder mais apta a fornecer a ldquoresposta certardquo sobre direitos
fundamentais (DWORKIN 2001)
30 Necessaacuterio esclarecer que o controle de constitucionalidade sempre foi alvo de desconfianccedila sob o ponto de
vista da teoria democraacutetica durante muitos anos importantes estudiosos concentraram esforccedilos tentando buscar
uma justificativa capaz de legitimaacute-lo como o famoso debate entre Hans Kelsen e Carl Schmitt Todavia o
debate de hoje o qual interessa para o presente trabalho se funda em argumentos mais complexos por razotildees
didaacuteticas natildeo iremos retomar ao debate mais antigo
31ldquoSe rejeitamos a premissa majoritaacuteria precisaremos de uma explicaccedilatildeo diferente e melhor do valor e da
finalidade da democracia Vou defender agora uma explicaccedilatildeo ndash que chamo de concepccedilatildeo constitucional da
democracia ndash que efetivamente rejeita a premissa majoritaacuteria Segundo essa explicaccedilatildeo o fato de as decisotildees
coletivas serem sempre ou normalmente as decisotildees que a maioria dos cidadatildeos e tomariam se fossem
plenamente informados e racionais natildeo eacute nem uma meta nem uma definiccedilatildeo de democracia O objetivo que
define a democracia tem de ser diferente que as decisotildees coletivas sejam tomadas por instituiccedilotildees poliacuteticas
cuja estrutura composiccedilatildeo e modo de operaccedilatildeo dediquem a todos os membros da comunidade enquanto
indiviacuteduos a mesma consideraccedilatildeo e o mesmo respeito () a concepccedilatildeo constitucional requer esses
procedimentos majoritaacuterios em virtude de uma preocupaccedilatildeo com a igualdade dos cidadatildeos e natildeo por causa de
um compromisso com as metas da soberania da maioria Por isso natildeo opotildee objeccedilatildeo alguma ao emprego deste
ou daquele procedimento natildeo majoritaacuterio em ocasiotildees especiais nas quais tal procedimento poderia proteger
ou promover a igualdade que segunda essa concepccedilatildeo eacute a proacutepria essecircncia da democracia e natildeo aceita que
essas exceccedilotildees sejam causa de arrependimento moralrdquo (DWORKIN Ronald O Direito da Liberdade Satildeo
Paulo Martins Fontes 2006 p 26)
27
Em contrapartida Waldron (1999) sustenta que a legitimidade
democraacutetica de uma decisatildeo coletiva natildeo pode ser julgada a partir dos seus resultados como
propotildee Dworkin mas sim pelo caraacuteter democraacutetico do procedimento de tomada da decisatildeo
Partindo do princiacutepio da existecircncia de um grande dissenso acerca dos direitos fundamentais
dentro da sociedade entende que natildeo eacute legiacutetimo que predomine como correta entre as
diversas visotildees existentes aquela enunciada pelo Judiciaacuterio
Segundo o Autor o tradicional modelo do judicial review aliado agrave
supremacia do Judiciaacuterio natildeo eacute o meio mais adequado para a tomada de decisatildeo final em
uma sociedade livre e democraacutetica Apesar de criticar severamente essa praacutetica natildeo ignora
a sua existecircncia na maioria dos paiacuteses e faz uma distinccedilatildeo entre os diversos sistemas
classificando-os em sistemas fortes intermediaacuterios e fracos de acordo com a quantidade de
poder que eacute atribuiacutedo ao Judiciaacuterio (WALDRON 2014)
Neste sentido eacute importante a distinccedilatildeo que propotildee entre judicial review
e supremacia judicial O primeiro conceitua como uma forma de controle judicial das leis
que na sua melhor concretizaccedilatildeo praacutetica pode operar como um poder modesto de restriccedilatildeo
jaacute a supremacia judicial como a ideia de que os juiacutezes satildeo supremos e ateacute soberanos na
poliacutetica estando todos os outros poderes poliacuteticos a eles subordinados (WALDRON 2014
p 5)
Esclarece por exemplo que nos Estados Unidos haacute uma supremacia
judicial natildeo necessariamente pela adoccedilatildeo de um modelo forte de revisatildeo judicial mas sim
pela forma que este vem sendo exercido pela Suprema Corte Americana (WALDRON
2014 p 11)
O raciociacutenio desenvolvido por Wladron eacute importante principalmente
para demonstrar que natildeo deve haver uma vinculaccedilatildeo necessaacuteria entre judicial review e
supremacia judicial Ou seja para o autor a supremacia judicial e seus efeitos negativos pode
e deve ser combatida sem que para isso tenha-se que abolir a praacutetica da revisatildeo judicial das
leis a qual pode ateacute ser considerada como uma praacutetica boa e necesaacuteria
Com base nesse raciociacutenio atualmente o tradicional modelo de judicial
review aliado a supremacia do Poder Judiciaacuterio tem sido um dos maiores alvos de criacuteticas da
teoria constitucional natildeo apenas sob a oacutetica da legitimidade democraacutetica mas tambeacutem pelo
seu resultado no que tange a verdadeira efetivaccedilatildeo dos direitos fundamentais
28
O excesso de poder concedido ao Judiciaacuterio passou entatildeo a ser visto
com maus olhos em razatildeo de fenocircmenos como o ativismo judicial e a judicializaccedilatildeo poliacutetica
levando a doutrina a uma busca incessante por formas de combate a essas patologias
Em face disso alguns Estados de tradiccedilatildeo parlamentar cientes dessa
realidade negativa vivenciada nos demais paiacuteses poreacutem convencidos da necessidade de
implementaccedilatildeo de um sistema de revisatildeo judicial das leis para uma maior efetivaccedilatildeo dos
direitos fundamentais buscaram desenvolver modelos alternativos aos ateacute entatildeo existentes
Uma das propostas desses novos modelos eacute superar o problema da
legitimidade democraacutetica do judicial review mediante a promoccedilatildeo de um reequiliacutebrio entre
o Legislativo e Judiciaacuterio conforme se leraacute nas proacuteximas paacuteginas
5 A implementaccedilatildeo do judicial review nos paiacuteses da commonwealth e o
surgimento de uma nova alternativa ao binocircmio judiciaacuterio v Legislativo ndash weak
form of judicial review
A evoluccedilatildeo do judicial review na medida em que os Estados foram se
confrontando em pleno seacuteculo XX com o problema da escolha de mecanismos de controle
de constitucionalidade para os seus sistemas normativos procurando ajustar os modelos jaacute
existentes agraves suas realidades permitiu o desenvolvimento de diversos novos modelos
(TAVARES DA SILVA 2014)
Entre 1982 e 1998 paiacuteses como Canadaacute Nova Zelacircndia e Reino Unido
que ateacute entatildeo viviam sob a eacutegide de um sistema pautado na supremacia do Parlamento ao
adotarem um Bill of Rigths instituiacuteram um modelo de revisatildeo judicial a partir do tradicional
modelo americano poreacutem tentando uma nova forma de equiliacutebrio entre os poderes ateacute entatildeo
inexistente
Esse modelo foi denominado por Tushnet como weak form of judicial
review em oposiccedilatildeo ao modelo americano que constitui um strong form of judicial review
no qual a interpretaccedilatildeo constitucional efetuada pela Suprema Corte eacute praticamente
irreversiacutevel e inalteraacutevel por maiorias legislativas ordinaacuterias (TUSHNET 2009 p 33)
O novo modelo traduz-se basicamente em uma forma de controle de
constitucionalidade onde existem mecanismos de respostas da populaccedilatildeo agravequelas decisotildees
29
que lhes parecem erradas visando com isso diminuir a tensatildeo natural relativa a legitimidade
democraacutetica do judicial review
Nele a interpretaccedilatildeo judicial das provisotildees constitucionais pode ser
revisada pelo legislativo em um prazo relativamente curto usando uma regra de decisatildeo natildeo
muito diferente da que eacute usada no processo legislativo cotidiano (TUSHNET 2009) Com
isso tem-se um modelo que dissocia a jurisdiccedilatildeo constitucional da supremacia judicial
permitindo tambeacutem ao Legislativo o pronunciamento
Gardbaum (2013) identifica que este modelo foi feito sob a exata
medida para permitir uma maior proteccedilatildeo juriacutedica aos direitos dentro de paiacuteses com culturas
poliacuteticas nas quais haacute um apego substancial agrave soberania parlamentar como provedora de uma
longa e em grande parte bem sucedida tradiccedilatildeo constitucional democraacutetica32
Em siacutentese o novo modelo de jurisdiccedilatildeo constitucional adotado pelos
paiacuteses da Commonwealth adveacutem entatildeo da busca pela conciliaccedilatildeo entre a necessidade de
proteccedilatildeo dos novos direitos fundamentais e a tradiccedilatildeo da supremacia parlamentar o que
certamente natildeo haacute no tradicional modelo norte-americano
Cada um dos paiacuteses adeptos desse modelo buscou em suas
especificidades adotar mecanismos que prometiam a possibilidade de um exerciacutecio da
jurisdiccedilatildeo constitucional pautado no equiliacutebrio institucional sugerindo uma
responsabilidade conjunta pela decisatildeo final aleacutem de permitir o exerciacutecio de um diaacutelogo
deliberativo entre o Judiciaacuterio e o Legislativo no tocante a aplicaccedilatildeo e proteccedilatildeo dos direitos
fundamentais (GARDBAUM 2013) 33
Na praacutetica pode-se dizer que o marco inicial do denominado sistema
brando de constitucionalidade se deu com o advento da Carta Canadense de 198234 a qual
32 ldquoMost importantly while granting courts the power to enforce fundamental rights it decouples judicial
review from judicial supremacy by empowering legislatures to have the final word This new model was
custom-built to permit greater legal protection of rights within political cultures in which there is substantial
attachment to parliamentary sovereignty as having provided a long and largely successful tradition of
constitutionalist democracyrdquo (GARDBAUM 2013 p 760)
33 Sobre a evoluccedilatildeo do constitucionalismo nos paiacuteses da Commonwealth ver tambeacutem ZINES Leslie
Constitutional change in the Commonwealth Cambridge Cambridge University Press 1991 34 Constitution Act 1982 Disponiacutevel em lthttplaws-loisjusticegccaengConstindexhtmlgt
30
traz na sua Seccedilatildeo 3335 a previsatildeo da notwithstanding clause o que permite ao Legislativo
determinar a aplicaccedilatildeo de um diploma normativo expressamente reconhecido pelo Judiciaacuterio
como inconstitucional e na Seccedilatildeo 136 com a previsatildeo da possibilidade do Legislador reeditar
uma norma que configure e limite direito consagrado nas seccedilotildees 2 e de 7 a 15 e que jaacute tenha
sido objeto de reprovaccedilatildeo pelo Judiciaacuterio desde que fundada em justificativa razoaacutevel
A despeito das criacuteticas dirigidas a esses mecanismos as quais seratildeo
abordadas ao longo do presente trabalho a experiecircncia Canadense chamou a atenccedilatildeo de
diversos doutrinadores por todo o mundo bem como inspirou outros paiacuteses de tradiccedilatildeo
parlamentar a adotar esse novo modelo de jurisdiccedilatildeo constitucional
O Reino Unido por exemplo com a aprovaccedilatildeo do Human Rights Act
(HRA) em 1998 passou a adotar o mecanismo da interpretive obligation e de declarations
of incompability a Nova Zelacircndia tambeacutem apoacutes a aprovaccedilatildeo da sua Carta de Direitos
Humanos introduziu mecanismo similar agrave claacuteusula interpretativa da Inglaterra
Logo apesar de cada paiacutes adotar mecanismos diferentes pode-se dizer
que adotam um modelo fraco de controle de constitucionalidade eis que neles natildeo existe a
ideia de supremacia judicial ou seja a uacuteltima palavra em mateacuteria de interpretaccedilatildeo
constitucional natildeo eacute dada necessariamente pelo Judiciaacuterio havendo a possibilidade de
contradita pelo Legislativo e ateacute mesmo de prevalecircncia da interpretaccedilatildeo deste uacuteltimo
Dessa maneira a partir da observaccedilatildeo dessas novas experiecircncias dos
problemas oriundos da praacutetica do ativismo judicial da crescente judicializaccedilatildeo da Poliacutetica
das controveacutersias sobre a legimitidade da jurisdiccedilatildeo constitucional e da incessante busca pela
efetividade de direitos eclodem inuacutemeras teorias que tentam explicar e fundamentar a
existecircncia de um diaacutelogo entre Legislativo e Judiciaacuterio no seio da jurisdiccedilatildeo constitucional
satildeo as denomidadas teorias dialoacutegicas as quais seratildeo expostas e analisadas na sequecircncia de
forma sistemaacutetica
35 ldquo33 (1) Parliament or the legislature of a province may expressly declare in an Act of Parliament or of the
legislature as the case may be that the Act or a provision thereof shall operate notwithstanding a provision
included in section 2 or sections 7 to 15 of this Charterrdquo
36 ldquo1 The Canadian Charter of Rights and Freedoms guarantees the rights and freedoms set out in it subject
only to such reasonable limits prescribed by law as can be demonstrably justified in a free and democratic
societyrdquo
31
CAPIacuteTULO 2 ndash AS TEORIAS DIAacuteLOGICAS E A CONCRETIZACcedilAtildeO DO
DIAacuteOLOGO INSTITUCIONAL
6 Teoria dos diaacutelogos institucionais
Antes de iniciar a anaacutelise das respectivas teorias importa esclarecer que
apesar das mesmas terem se desenvolvido doutrinariamente em sua maioria e com maior
forccedila apoacutes a criaccedilatildeo do weak judicial review como explicado ateacute aqui algumas delas satildeo
anteriores agrave isso e fruto da anaacutelise de sistemas tradicionais como o do proacuteprio Estados
Unidos conforme seraacute demonstrado na sequecircncia
Eacute necessaacuterio explicar que a referecircncia agrave ldquodiaacutelogos institucionaisrdquo apesar
do reconhecimento da existecircncia de diversas instituiccedilotildees no acircmbito estatal estaacute-se
privilegiando especificamente a interaccedilatildeo entre as Cortes Constitucionais e o Parlamento
sobretudo porque o cerne do debate acerca da legitimidade democraacutetica da jurisdiccedilatildeo
constitucional restringe-se a essas duas vertentes do Poder ficando o executivo de fora pois
segundo a tradicional doutrina nunca foi considerado forte candidato a detentor da uacuteltima
palavra no processo de interpretaccedilatildeo constitucional Dito isso explicar-se-aacute o que as teorias
possuem em comum e quais os seus fundamentos basilares
Como jaacute demonstrado a ideia de diaacutelogo institucional surge a partir do
novo paradigma do constitucionalismo contemporacircneo que tem por objetivo natildeo mais
analisar quem deve interpretar a Constituiccedilatildeo mas sim buscar uma teoria que seja construiacuteda
a partir de uma proposta cooperativa por intermeacutedio da qual as instituiccedilotildees possam
compartilhar fundamentos em comum ao operacionalizar as ordens juriacutedica e poliacutetica
Esse entendimento eacute consequecircncia da anaacutelise do novo modelo de
jurisdiccedilatildeo constitucional iniciado no Canadaacute o qual aponta para a necessidade de
reestabelecimento de um equiliacutebrio entre as instituiccedilotildees por meio da alocaccedilatildeo de
responsabilidade reciacuteproca entre Tribunais e Parlamento na formulaccedilatildeo de poliacuteticas e
legislaccedilatildeo
Ou seja as teorias dialoacutegicas partem da premissa de que muitas vezes a
decisatildeo judicial natildeo seraacute suficiente para a resoluccedilatildeo de um conflito sobre direitos sobretudo
nos casos relativos agrave efetivaccedilatildeo de direitos fundamentais nos quais existem limitaccedilotildees que
32
ultrapassam a seara da competecircncia judicial portanto natildeo pode a decisatildeo judicial ser
considerada o fim da linha dentro da jurisdiccedilatildeo constitucional principalmente quando se
busca a maacutexima eficaacutecia de direitos fundamentais
Em contraste com as teorias de interpretaccedilatildeo que propotildeem criteacuterios que os
juiacutezes devem utilizar para resoluccedilatildeo de conflitos constitucionais as teorias de diaacutelogo
centram-se no processo institucional por meio do qual as decisotildees sobre o significado
constitucional satildeo feitas sugerindo que este envolve a elaboraccedilatildeo compartilhada do
significado constitucional entre o Judiciaacuterio e outros atores (BATEUP 2005)
As teorias que abordam o exerciacutecio de um diaacutelogo institucional na
resoluccedilatildeo dos conflitos consitucionais buscam em primeiro lugar entender e verificar como
essa interaccedilatildeo ocorre qual o seu significado reforccedilando o princiacutepio da separaccedilatildeo de poderes
a partir da percepccedilatildeo de que todas as instituiccedilotildees cada uma em sua especificidade satildeo
responsaacuteveis por uma parcela da tarefa da interpretaccedilatildeo constitucional
As teorias dialoacutegicas natildeo fornecem respostas certas para os casos difiacuteceis
de interpretaccedilatildeo mas despertam um processo no qual todos participam na busca dessa
resposta Rejeita os extremos tanto da atuaccedilatildeo judicial como da atuaccedilatildeo legislativa a Corte
natildeo impede que a prevalecircncia da legislaccedilatildeo mas induz o Parlamento a assumir a
responsabilidade poliacutetica e apresentar justificativas razoaacuteveis para suas escolhas no tocante
agrave restriccedilatildeo de direitos (ROACH 2001)
Nesse sentido Sustein e Vermule (2002) indicam a necessidade de uma
virada institucional no pensamento sobre a interpretaccedilatildeo constitucional chamando a atenccedilatildeo
para a necessidade de observaccedilatildeo da capacidade das instituiccedilotildees e dos efeitos dinacircmicos de
qualquer abordagem especiacutefica e de suas consequecircncias
A partir dessa ideia as teorias do diaacutelogo institucional sugerem que natildeo
deve haver um predomiacutenio de uma instituiccedilatildeo sobre a outra quando do exerciacutecio da
jurisdiccedilatildeo constitucional mas sim uma forccedila tarefa uma atuaccedilatildeo conjunta das mesmas
Sendo assim diversas teorias tecircm se proliferado no sentido de fundamentar
agrave abertura ao diaacutelogo no exerciacutecio da jurisdiccedilatildeo constitucional visando sobretudo o
restabelecimento do equiliacutebrio entre os poderes como fundamento de uma legitimidade
democraacutetica a defesa de um sistema brando de controle de constitucionalidade e a
concretizaccedilatildeo dos direitos fundamentais
33
Buscar-se-aacute na continuidade deste capiacutetulo analisar aacute luz das teorias
dialoacutegicas algumas praacuteticas do Judiciaacuterio e Legislativo a fim de identificar ateacute que ponto
essas teorias podem ser consideradas como efetivadoras de um diaacutelogo concreto e
substancial no exerciacutecio da jurisdiccedilatildeo constitucional e quais seus contributos no tocante a
superaccedilatildeo dos problemas relativos a sua legitimidade e no combate ao ativismo
Entretanto antes de fazer a exposccedilatildeo de cada teoria e seus efeitos praacuteticos
em especiacutefico eacute imprescindiacutevel destacar que haacute na doutrina uma aparente diferenciaccedilatildeo
entre tipos de diaacutelogo gerando uma dicotomia diaacutelogo formal e diaacutelogo material a qual
passamos a explorar no toacutepico seguinte
7 Diaacutelogo formal v Diaacutelogo material
Para que se possa analisar de forma mais clara e eficaz as teorias
dialoacutegicas e suas respectivas praacuteticas se faz necessaacuterio primeiramente entender o que seria
um verdadeiro diaacutelogo e quando este pode ser considerado verdadeiramente promissor no
sentido de cumprir os objetivos a que a teoria se propotildee
De iniacutecio pode-se afirmar que essa tarefa eacute aacuterdua eis que nela residem
justamente os maiores alvos das criacuteticas direcionadas as teorias dialoacutegicas conforme veremos
na sequecircncia Apesar de todas as benesses que a ideia de um diaacutelogo constitucional
apresenta a sua praacutetica ainda eacute um pouco conflituosa eis que nem tudo aquilo que alguns
denominam de ldquodiaacutelogordquo deve ser de fato assim considerado
Na definiccedilatildeo de Dor (2000) o diaacutelogo material ou substantivo ocorre
quando haacute o comprometimento e engajamento de todos os participantes na busca de uma
soluccedilatildeo harmoniosa que conteraacute tanto a interpretaccedilatildeo do Tribunal relativa a uma questatildeo
constitucional como o interesse do legislador
Ou seja no desenvolvimento do diaacutelogo em seu sentido material haacute a
conciliaccedilatildeo entre a interpretaccedilatildeo judicial e os interesses do legislador buscando o Tribunal
articular as falhas da legislaccedilatildeo e o legislador a incluir nas suas iniciativas a interpretaccedilatildeo
do Tribunal buscando soluccedilotildees para alcanccedilar o seu objetivo agrave luz dessa interpretaccedilatildeo
Jaacute o diaacutelogo no sentido formal ocorre quando a atuaccedilatildeo legislativa
pouco ou nada acrescenta ao resultado final servindo apenas para ldquocarimbarrdquo a decisatildeo
34
judicial ou seja quando haacute a total deferecircncia do Legislativo agrave decisatildeo judicial
Tremblay (2005) tambeacutem em importante anaacutelise sobre o tema ao tratar
dos limites da teoria dos diaacutelogos institucionais apesar de natildeo negar a possibilidade da sua
concretizaccedilatildeo praacutetica introduz duas concepccedilotildees geneacutericas de diaacutelogos os de conversaccedilatildeo e
os de deliberaccedilatildeo
Para o Autor os diaacutelogos pautados em uma conversaccedilatildeo satildeo em
siacutentese aqueles que ocorrem de uma maneira mais informal e espontacircnea no qual haacute uma
troca de ideias sentimentos ou opiniotildees sem um comprometimento das partes com um
entendimento em comum um aprendizado ou descoberta de novas perspectivas natildeo haacute
pois um empenho na argumentaccedilatildeo ou um debate forte Seria de certa forma como um
diaacutelogo entre amigos apoacutes uma refeiccedilatildeo
Em contrapartida a concepccedilatildeo deliberativa de diaacutelogo consiste em
praacutetica semelhante agrave conversaccedilatildeo pois tambeacutem haacute troca de ideias sentimentos e opiniotildees
entre duas ou mais pessoas poreacutem de maneira mais formal e menos espontacircnea Na
deliberaccedilatildeo as partes possuem um mesmo propoacutesito buscam por intermeacutedio da troca de
argumentos e ideias a resoluccedilatildeo coletiva de conflitos ou problemas
Sendo assim o diaacutelogo pautado na conversaccedilatildeo consistiria em um
diaacutelogo meramente formal o qual segundo alguns autores natildeo deve ser considerado como
uma forma efetiva de diaacutelogo eis que natildeo haacute uma verdadeira inteiraccedilatildeo entre os poderes mas
tatildeo somente uma possibilidade de resposta de um ao outro
Desta forma pode-se inferir que para que haja a verdadeira
concretizaccedilatildeo dos objetivos propostos pela teoria do diaacutelogo institucional a simples
formulaccedilatildeo pautada em um diaacutelogo formal natildeo seria suficiente fazendo-se necessaacuteria a
ocorrecircncia de uma deliberaccedilatildeo concreta entre os poderes uma verdadeira deliberaccedilatildeo a fim
de chegar a consenso no que tange a interpretaccedilatildeo constitucional
Neste estudo natildeo se despreza nenhuma dessas concepccedilotildees de diaacutelogo
ao contraacuterio busca-se demonstrar justamente aquelas praacuteticas que mais se coadunam com a
concepccedilatildeo de um diaacutelogo material poreacutem tambeacutem ressaltando os benefiacutecios daquelas que
consistam apenas uma vertente formal
Feita essa diferenciaccedilatildeo passa-se a expor de maneira mais especiacutefica
35
as teorias dialoacutegicas e suas manifestaccedilotildees praacuteticas Utilizar-se-aacute didaticamente a
sistematizaccedilatildeo das teorias feita por Christine Bateup sobretudo no que tange a classificaccedilatildeo
das mesmas jaacute que nosso objetivo eacute tentar abordar o maior nuacutemero possiacutevel de teorias e
praacuteticas
A exposiccedilatildeo inicia-se pela anaacutelise da praacutetica sugerida pela doutrina
como dialoacutegica em paiacuteses que possuem um controle de constitucionalidade forte ou seja
inicialmente formulado com base em uma supremacia do Judiciaacuterio na tarefa de revisatildeo
judicial das leis
Apoacutes o que seraacute mencionado a praacutetica dialoacutegica nos paiacuteses que adotam
um controle fraco de constitucionalidade onde a ideia de diaacutelogo a priori eacute mais evidente
pelo fato do proacuteprio modelo constitucional prever mecanismos voltados para esse fim
8 Teorias dialoacutegicas fundadas no meacutetodo judicial
As teorias fundadas no meacutetodo judicial satildeo aquelas que defendem que
o diaacutelogo deve ocorrer dentro da decisatildeo judicial Tecircm como elemento central a defesa do
uso consciente pelo Judiciaacuterio de teacutecnicas de tomada de decisotildees que estimulem e incentivem
o debate mais amplo sobre o significado constitucional com - e entre - os poderes poliacuteticos
Para a praacutetica dessa modalidade de diaacutelogo natildeo haacute a exigecircncia da
existecircncia de mecanismos formais de relaccedilatildeo institucional eis que o diaacutelogo se estabelece
natildeo pela observaccedilatildeo de um preceito especiacutefico preacutevio mas pela simples interaccedilatildeo entre os
distintos ramos do Poder por essa razatildeo eacute possiacutevel encontrar os maiores exemplos desse
tipo de diaacutelogo em sistemas de jurisdiccedilatildeo constitucional centrados na supremacia judicial
conforme se leraacute a seguir
Bateup subdivide essas formas de diaacutelogo em duas categorias as
denominadas de aconselhamento judicial (judicial advice- giving) e as teorias centradas no
processo (process centered rules)
Antes de se tratado cada categoria em especiacutefico necessaacuterio destacar
mais uma vez que o foco neste caso estaacute em buscar exemplos da manifestaccedilatildeo dessa teoria
na jurisdiccedilatildeo constitucional de paiacuteses que adotam um modelo de revisatildeo judicial inspirado
no tradicional modelo norte americano justamente para tentar verificar se neles tambeacutem haacute
36
uma possibilidade de diaacutelogo jaacute que adotam um sistema forte de controle de
constitucionalidade sugerindo o que alguns autores chamam de ldquoenfraquecimento do
controle de constitucionalidaderdquo e fazer o contraponto com a forma de diaacutelogo estabelecida
em jurisdiccedilotildees constitucionais que adotam o weak judicial review para verificar onde se
assemelham e onde se distanciam
Reassalte-se ainda que o objetivo natildeo eacute exaurir todas as questotildees e
pormenores praacuteticos e teoacutericos dos exemplos que seratildeo dados a seguir mas tatildeo somente
abordar as questotildees referentes ao potencial dialoacutegico dos institutos juriacutedicos mencionados
que eacute o que interessa para o alcance do objetivo do presente trabalho
81 Aconselhamento judicial
As teacutecnicas de aconselhamento judicial consistem em formas proativas
de interpretaccedilatildeo constitucional e construccedilatildeo de decisotildees que o Judiciaacuterio recomendan o curso
de accedilatildeo do Poder Legislativo e busca aconselhaacute-lo com o obejtivo de evitar futuros
problemas constitucionais
O uso dessas teacutecnicas visa assegurar que os ramos poliacuteticos visualizem
e entendam a interpretaccedilatildeo constitucional feita pelo Judiciaacuterio para que com isso elaborem
a legislaccedilatildeo de acordo com a mesma ou ainda alterem a legislaccedilatildeo em vigor para evitar
discrepacircncias (BATEUP 2005 p17)
Por natildeo existir uma forma predeterminada para promoccedilatildeo do
aconselhamento judicial nem a necessidade de previsatildeo de um mecanismo especiacutefico para
tanto ele se traduz na praacutetica de inuacutemeras formas Sendo assim natildeo haacute como enumerar todas
as suas possibilidades praacuteticas de forma exaustiva razatildeo pela qual foram selecionadas as
mais importantes e evidentes
811 Constitutional road maps
A doutrina americana reporta-se agraves decisotildees judiciais denominadas de
constitutional road maps mediante as quais o Judiciaacuterio pronuncia a inconstitucionalidade de
uma lei mas ao mesmo tempo aponta os caminhos possiacuteveis a serem seguidos pelo
Legislativo para a correccedilatildeo da incompatibilidade
37
Essa teacutecnica foi utilizada pela Suprema Corte Americana no
julgamento do caso City of Chicago v Morales37 no qual foi analisada a constitucionalidade
da Chicagoacutes gang-loitering law lei que impedia a congregaccedilatildeo puacuteblica de membros de
gangues e seus associados
A lei foi considerada inconstitucional por ser vaga e violar o devido
processo legal poreacutem apesar de declarara inconstitucionalidade a Suprema Corte proferiu
decisatildeo esboccedilando de forma detalhada as alternativas legais com potencial para sobreviver
ao escrutiacutenio judicial
As diretrizes para a elaboraccedilatildeo de um estatuto legal em consonacircncia
com a Constituiccedilatildeo foram traccediladas no voto da Juiacuteza Sandra OrsquoConnor as quais em sua
maioria foram seguidas pelo Legislativo na elaboraccedilatildeo do novo diploma legal
aproximadamente trecircs anos depois razatildeo pela qual a decisatildeo eacute apontada pela doutrina como
fruto de diaacutelogo
Apesar de neste caso a decisatildeo da Suprema Corte ter servido de diretriz
para a elaboraccedilatildeo de um novo diploma legal nem sempre eacute o que ocorre A teacutecnica do
constitutional road map eacute alvo de muitas criacuteticas sendo considerada uma das teacutecnicas mais
radicais e perigosas de incentivo poacutes-invalidaccedilatildeo da lei pois ao derrubar a legislaccedilatildeo em
anaacutelise o Judiciaacuterio oferece um roteiro a ser seguido pelo Legislativo para criar um estatuto
legal que seja constitucional (LUNA 2001)
812 Sentenccedilas intermedias (declaraccedilotildees de mera incompatibilidade
e sentenccedilas apelativas)
No acircmbito europeu em especial no Direito alematildeo existem alguns
tipos de sentenccedilas oriundas do controle de constitucionalidade que satildeo consideradas como
teacutecnicas dialoacutegicas sob o ponto de vista das teorias fundadas no meacutetodo judicial Essas
sentenccedilas fazem parte do grupo das chamadas ldquosentenccedilas intermediasrdquo ou ldquosentenccedilas
37 Oportuno se faz esclarecer que natildeo se adentra nas questotildees faacuteticas do caso nem no meacuterito da decisatildeo por
fugir ao escopo do presente trabalho poreacutem a decisatildeo pode ser consultada na iacutentegra em
httpssupremejustiacomcasesfederalus52741casehtml
38
normativasrdquo38 as quais satildeo decisotildees judiciais que se situam entre o considerar e o natildeo
considerar a inconstitucionalidade de uma norma e nos casos em que eacute admissiacutevel entre
rejeitar a norma considerada inconstitucional e concomitantemente expulsaacute-la do
ordenamento juriacutedico e natildeo considerar constitucional e mantecirc-la (URBANO 2012 p 87)39
Apesar de natildeo nos interessar a anaacutelise de todos os diversos tipos de
sentenccedilas intermedias eacute oportuno destacar que as mesmas satildeo uma produccedilatildeo recente da
jurisdiccedilatildeo constitucional dos paiacuteses europeus que adotaram o modelo autriacuteaco de controle
de consitucionalidade ou seja um controle concentradoabstrato realizado por um Tribunal
criado para esse fim especiacutefico e que revelam que a idealizaccedilatildeo de Kelsen de criaccedilatildeo de um
oacutergatildeo que atue como legislador negativo vem sendo ultrapassada agrave medida que os Tribunais
Constitucionais natildeo mais se limitam meramente a decidir pela constitucionalidade ou natildeo de
uma norma sobretudo pela evidente complexidade dos problemas constitucionais que
exigem decisotildees mais elaboradas que o esquema ldquoconstitucional v inconstitucionalrdquo
Pois bem O primeiro tipo de sentenccedila dentro desse universo que pode
ser considerada como uma teacutecnica dialoacutegica eacute a chamada ldquodeclaraccedilatildeo de mera
incompatibilidaderdquo originaacuteria da jurisprudecircncia alematilde Consiste em uma decisatildeo do
Tribunal Constitucional onde natildeo haacute a anulaccedilatildeo da lei mas apenas a declaraccedilatildeo de que a
mesma eacute incompatiacutevel com a constituiccedilatildeo e a sua consequente suspensatildeo ateacute que o
Legislativo efetue a correccedilatildeo da norma a fim de tornaacute-la constitucional
Ou seja o Tribunal reconhece a inconstitucionalidade da norma poreacutem
sem declarar a sua nulidade mantendo-a no ordenamento juriacutedico mas suspendendo a sua
aplicaccedilatildeo Com isso de acordo com os defensores dessa praacutetica o Judiciaacuterio estaria
permitindo ao Legislativo a correccedilatildeo da legislaccedilatildeo a tempo de evitar um vaacutecuo legislativo
(QUEIROZ 2012)
Essa praacutetica tem sido muito utilizada pelo Tribunal Constitucional
Alematildeo nos casos em que ldquoa declaraccedilatildeo de nulidade haveria de produzir uma situaccedilatildeo
juriacutedica insuportaacutevelrdquo especialmente nas seguintes situaccedilotildees a) quando o juiz reconhece
que o legislador natildeo tinha outra alternativa dado o contexto histoacuterico existente b) quando a
38 Natildeo haacute um consenso na doutrina a respeito da denominaccedilatildeo desses tipos de decisatildeo aqui se optou por utilizar
essas duas nomenclaturas por serem amplamente difundidas e utilizadas pelos doutrinados portugueses e
brasileiros respectivamente
39 No contexto brasileiro essas decisotildees satildeo conhecidas como sentenccedilas interpretativas ou intermediaacuterias
39
inconstitucionalidade natildeo eacute evidente designadamente por motivos de seguranccedila c) quando
a ausecircncia da norma inconstitucional eacute menos adequada que a sua manutenccedilatildeo d) quando
estatildeo em causa disciplinas discriminatoacuterias (URBANO 2012 p 81-82)
Mendes (1990) destaca que essa teacutecnica decisoacuteria eacute utilizada pelo
Tribunal Constitucional alematildeo principalmente nos casos em que estaacute em jogo o princiacutepio
da isonomia quando uma lei injustificadamente confere benefiacutecios a um determinado
nuacutemero de pessoas ou grupos sociais deixando de englobar outros setores caracterizando
assim uma situaccedilatildeo singular complexa que natildeo pode ser resolvida com a simples declaraccedilatildeo
de inconstitucionalidade da lei
Outra importante figura tambeacutem originaacuteria do direito alematildeo mas hoje
tambeacutem muito presente no Direto italiano satildeo as ldquosentenccedilas apelativas ou exortativasrdquo
Nesse tipo de sentenccedila o Tribunal Constitucional natildeo considera a lei inconstitucional no
momento em que profere a decisatildeo entretanto alerta o Legislativo para a possibilidade de
uma futura inconstitucionalidade e diante disso dirige-lhe um apelo para que modificaccedilatildeo
a legislaccedilatildeo a fim de adequaacute-la a Lei Maior
Esse apelo visa sobretudo evitar uma futura inconstitucionalidade e
com base nessa justificativa o Tribunal oferece ao legislador com maior ou menor
determinaccedilatildeo e exigecircncia possibilidades orientaccedilotildees para a reparaccedilatildeo da norma em tempo
uacutetil fixando em alguns casos um prazo para tanto (URBANO 2012a)
Diferem das decisotildees de mera incompatibilidade pois nessas a norma jaacute
foi considerada inconstitucional cabendo ao legislador proceder a imediata adequaccedilatildeo para
sanar a inconstitucionalidade enquanto que nas sentenccedilas apelativas a violaccedilatildeo ao texto
constitucional ainda natildeo foi consumada ou ainda natildeo haacute certeza sobre a sua ocorrecircncia
(SILVA 2008)
A doutrina italiana tem maioritariamente fundamentado a utilizaccedilatildeo
desse tipo de decisatildeo em um chamado constitucionalismo cooperativo italiano equivalente
a dizer que o Tribunal Constitucional quando confrontado com a ineacutercia do poder poliacutetico
tem desempenhado uma funccedilatildeo propulsora dos valores constitucionais (SILVA 2008
p1119)
O que essas decisotildees possuem em comum entre si e tambeacutem com a
primeira figura aqui mencionada do constitutional road map eacute o fato de conterem em seu
40
corpo em menor ou maior grau orientaccedilotildees para a atividade legislativa visando sanar ou
evitar questotildees de inconstitucionalidade
Na visatildeo de Gomes Canotilho (2003 p 1018) esses tipos de decisotildees
satildeo altamente criticaacuteveis pois ldquoa natildeo atribuiccedilatildeo dos efeitos da nulidade ipso jure natildeo pode
implicar a sobrevivecircncia e aplicaccedilatildeo da norma considerada inconstitucional nem os
laquoperigosraquo das lacunas legislativas se podem sobrepor aos perigos da erosatildeo do princiacutepio da
constitucionalidade dos actos normativosrdquo
82 Teorias centradas no processo
Apesar de ser classificada por Bateup como uma forma de diaacutelogo que
emana de uma decisatildeo judicial pode-se dizer que eacute o contraponto do meacutetodo do
aconselhamento judicial pois ao inveacutes de defender a postura provocadora do Judiciaacuterio agrave
reposta legislativa como centro do diaacutelogo preconiza justamente o contraacuterio uma atuaccedilatildeo
contida dos Tribunais de forma a deixar um maior espaccedilo para a atuaccedilatildeo legislativa
De acordo com esse grupo de teorias o Judiciaacuterio natildeo deve apontar o
caminho a ser seguido pelo Legislativo criando diretrizes ou dando orientaccedilotildees eacute uma
atividade que natildeo lhe compete mas deve possibilitar um ldquosegundo olharrdquo para a questatildeo
821 Minimalismo judicial
A teoria do minimalismo judicial tem se desenvolvido principalmente
no contexto norte americano onde os precedente judiciais possuem muita forccedila normativa
Ela pretende a afirmaccedilatildeo do priciacutepio democraacutetico por meio da limitiaccedilatildeo da atuaccedilatildeo judicial
no processo de tomada de decisotildees que envolvam principalmente a fixaccedilatildeo do conteuacutedo de
direitos fundamentais em temas sensiacuteveis da vida social como questotildees relacionadas ao
aborto casamento de homossexuais dentre outras
O atual exponente defensor dessa teoria eacute o americano Cass R Sustein
que propotildee uma limitaccedilatildeo da atuaccedilatildeo jurisdicional das Cortes as quais natildeo devem decidir
questotildees que extrapolem o caso concreto que estaacute em analise visando um ldquouso construtivo
do silecircnciordquo
Ou seja o Judiciaacuterio natildeo deve tomar decisotildees abrangentes de forma
41
que enclausurem a discussatildeo para sempre mas sim deve restringir-se agraves questotildees daquele
caso concreto permitindo que a discussatildeo profunda e geneacuterica do tema ocorra no acircmbito do
oacutergatildeo legislativo o qual possui legimitidade democraacutetica para tanto
Dessa forma o minimalismo em sua forma processual consiste em um
esforccedilo para limitar a amplitude e profundidade das decisotildees judiciais quando os juiacutezes
carecem e sabem que carecem de informaccedilotildees relevantes o minimalismo eacute uma forma de
resposta apropriada razoaacutevel e ateacute mesmo inevitaacutevel para resolver o problema praacutetico de
obter o consenso dentro de uma sociedade heterogecircna (SUSTEIN 1999 p 5)
Bickel (1962) tambeacutem um importante nome dos defensores da
contenccedilatildeo da atuaccedilatildeo judicial ao falar sobre o exerciacutecio pela Suprema Corte do que
denomina de ldquovirtudes passivasrdquo faz referecircncia agrave diversas ldquoteacutecnicas de natildeo decisatildeordquo
existentes no processo norte americano mediante as quais pode a Suprema Corte se abster
de emitir opiniatildeo como por exemplo political question ripness standing mootness dentre
outras
Acrescenta que a Suprema Corte natildeo tem a obrigaccedilatildeo de decidir todo o
tempo e que se assim o fosse poderia levar a um processo manipulativa da democracia
fazendo com que a Corte simplesmente substituisse o legislative impedindo o exerciacutecio do
seu juiacutezo de conveniecircncia tornando-se um second guesser (BICKEL 1962 p200)
Sob o ponto de vista dialoacutegico na contenccedilatildeo da atuaccedilatildeo judicial o cerne
do diaacutelogo estaacute justamente na possibilidade de o legislador lanccedilar um novo olhar para um
tema que possivelmente foi tratado de forma apressada ou sem a profundidade necessaacuteria
aumentando assim a responsabilidade do Legislativo no exerciacutecio da sua atividade tomando
decisotildees poliacuteticas e elaborando normas com niacuteveis adequados de cuidado e deliberaccedilatildeo
(BATEUP 2005)
Nesse mesmo sentido Bickel (1962 p 70-71) em clara referecircncia agraves
teorias do diaacutelogo afirma que ao evitar decidir a Corte estimula o coloacutequio com os outros
poderes e a sociedade O minimalismo judicial seria portanto uma forma de participaccedilatildeo
passiva do Judiciaacuterio no diaacutelogo constitucional permitindo que os juiacutezes abram o diaacutelogo
com os poderes poliacuteticos a fim de incentivar a resoluccedilatildeo poliacutetica das questotildees constitucionais
que satildeo alvo de conflito
42
822 Modulaccedilatildeo temporal dos efeitos da declaraccedilatildeo de
inconstitucionalidade
A possibilidade de modulaccedilatildeo dos efeitos da decisatildeo pelo Tribunal em
sede de controle de constitucionalidade na perspectiva das teorias fundadas no meacutetodo
judicial tambeacutem pode ser considerada como um mecanismo dialoacutegico sob o ponto de vista
das teorias do meacutetodo judicial centradas no processo eis que possibilita a resposta
legislativa entretanto de forma menos agressiva que as outras teacutecnicas explanadas acima
Essa possibilidade eacute prevista expressamente no Direito Portuguecircs Os
efeitos e o alcance das decisotildees do Tribunal Constitucional em sede do controle abstrato de
constitucionalidade estatildeo previstos no n 1 e n 2 do artigo 282 da Constituiccedilatildeo Portuguesa
os quais determinam respectivamente que ldquoA declaraccedilatildeo de inconstitucionalidade ou de
ilegalidade com forccedila obrigatoacuteria geral produz efeitos desde a entrada em vigor da norma
declarada inconstitucional ou ilegal e determina a repristinaccedilatildeo das normas que ela
eventualmente haja revogadordquo ldquoTratando-se poreacutem de inconstitucionalidade ou de
ilegalidade por infraccedilatildeo de norma constitucional ou legal posterior a declaraccedilatildeo soacute produz
efeitos desde a entrada em vigor desta uacuteltimardquo
Todavia o n 4 do referido artigo traz expressamente a possibilidade de
fixaccedilatildeo dos efeitos da decisatildeo pelo Tribunal de forma fundamentada quando a seguranccedila
juriacutedica razotildees de equidade ou interesse puacuteblico de excepcional relevo o exigir Os efeitos
podem ser fixados de diversas formas poreacutem a que nos interessa no presente trabalho eacute a de
fixaccedilatildeo dos efeitos para o futuro
De acordo com a possibilidade de modulaccedilatildeo dos efeitos da declaraccedilatildeo
de inconstitucionalidade pode o Tribunal Constitucional declarar a inconstitucionalidade de
uma lei mas condicionar a sua nulidade a um determinado transcurso de tempo ou seja
determinar a sua nulidade pro futuro fixando um prazo determinado para que ela deixe de
produzir efeitos de ser aplicada possibilitando assim ao legislador a correccedilatildeo do estatuto e
evitando o vaacutecuo legislativo
Inspirado na Constituiccedilatildeo Portuguesa o Brasil atraveacutes do artigo 27 da
Lei 886899 de 10 de novembro passou tambeacutem a regulamentar possibilidade da
modulaccedilatildeo temporal das decisotildees proferidas no julgamento de accedilatildeo direta de
inconstitucionalidade e de accedilatildeo declaratoacuteria de constitucionalidade
43
A referida lei passou a facultar ao Supremo Tribunal Federal no
exerciacutecio do controle abstrato de constitucionalidade modular os efeitos da decisatildeo por
razotildees de seguranccedila juriacutedica ou de excepcional interesse social Todavia atualmente essa
modulaccedilatildeo se estende tambeacutem ao controle difuso conforme se leraacute
A decisatildeo proferida pelo Superior Tribunal Federal no ano de 2004 no
julgamento do caso Mira Estrela eacute tida como paradigmaacutetica40 por ter sido aplicado o artigo
27 da Lei 886899 no controle de constitucionalidade de um caso concreto A declaraccedilatildeo da
inconstitucionalidade se deu no acircmbito do julgamento do Recurso Extraordinaacuterio 197917-
8 de accedilatildeo civil puacuteblica proposta pelo Ministeacuterio Puacuteblico do Estado de Satildeo Paulo visando a
diminuiccedilatildeo do nuacutemero de vereadores do municiacutepio de Mira Estrela alegando que o mesmo
natildeo era proporcional ao nuacutemero de habitantes ainda que estivesse dentro do limite
constitucional41
O Supremo concordou com a desproporcionalidade e em face disso
declarou a inconstitucionalidade da referida norma todavia modulou os efeitos da decisatildeo
pro futuro para salvaguardar os mandatos dos vereadores jaacute eleitos e a validade dos
respectivos atos administrativos por eles praticados evitando assim consequecircncias
desastrosas para a administraccedilatildeo puacuteblica Fundamentou a necessidade da modulaccedilatildeo dos
efeitos na proteccedilatildeo da Seguranccedila Juriacutedica
Em que pese essa ser uma teacutecnica menos agressiva que as anteriores
vez que o Judiciaacuterio ao menos em tese apenas possibilita uma reaccedilatildeo legislativa a sua
decisatildeo sem lhe estipular diretrizes e com isso adentrar em sua liberdade de conformaccedilatildeo
na praacutetica tambeacutem natildeo haacute como garantir que haveraacute a reaccedilatildeo legislativa e eacute nisso que reside
a maioria das criacuteticas a todas esses mecanismos ditos dialoacutegicos conforme se veraacute mais
adiante
40 RE 197917-8SP Iacutentegra da decisatildeo disponiacutevel em
httpredirstfjusbrpaginadorpubpaginadorjspdocTP=ACampdocID=235847 41 A Lei Orgacircnica do municiacutepio de Mira Estrela estabelecia em 11 o nuacutemero de vereadores os quais estavam
dentro dos limites impostos no artigo 29 da Constituiccedilatildeo Federal estabelecido conforme o nuacutemero de
habitantes
44
823 Accedilatildeo de inconstitucionalidade por omissatildeo legislativa
O modelo de controle de constitucionalidade portuguecircs prevecirc
expressamente a possibilidade do controle das omissotildees legislativas por intermeacutedio da
disposiccedilatildeo contida no artigo 283 da Constituiccedilatildeo Federal 42
Inspirado no instituto portuguecircs o Brasil tambeacutem trouxe em sua
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 a expressa previsatildeo da possibilidade do controle de
constitucionalidade das omissotildees legislativas (paraacutegrafo 2ordm do artigo 103) poreacutem criou
ainda uma nova figura especifica para esse fim o mandado de injunccedilatildeo (inciso LXXI do
artigo 5ordm)
Em ambos os sistemas uma omissatildeo legislativa eacute considerada
inconstitucional quando o legislador natildeo cumpre com aquilo que estava constitucionalmente
obrigado ou seja quando a sua omissatildeo prejudica a exequibilidade de alguma norma
constitucional Para que a omissatildeo ganhe significado relevante deve ter conexatildeo com uma
exigecircncia constitucional de accedilatildeo natildeo bastando a violaccedilatildeo do simples dever legal de legislar
(CANOTILHO2003)
Miranda (2008) destaca que a omissatildeo pode ser total ou parcial
quando por exemplo existe a norma mas ela eacute insuficiente ou deficiente43 e que o juiacutezo da
inconstitucionalidade por omissatildeo traduz-se num juiacutezo sobre o tempo em que deveria ser
produzida a lei devendo o Judiciaacuterio sem substituir ao oacutergatildeo legislador medir e interpretar
o tempo decorrido para a elaboraccedilatildeo da lei44
42 Neste sentido ver o que Tushnet diz sobre esse tipo de concepccedilatildeo de diaacutelogo em TUSHNET Mark Dialogue
and Constitutional Duty Havard Law School Public Law amp Legal Theory Working Paper Series paper nordm 12-
10 p 4-9
43 ldquoA inconstitucionalidade por omissatildeo natildeo surge apena por carecircncia de medidas legislativas surge tambeacutem
por deficiecircncia delas Mas isto natildeo significa que perante um projecto ou uma proposta de lei com vista ao
cumprimento de determinada norma constitucional tenha de se proceder agrave sua anaacutelise para discernir se o
sentido de seus preceitos se enquadra ou natildeo no sentido de Constituiccedilatildeo De jeito algum cabe ao oacutergatildeo de
fiscalizaccedilatildeo da inconstitucionalidade por omissatildeo debruccedilar-se a esse tiacutetulo sobre o conteuacutedo de qualquer acto
de iniciativa legislativardquo (MIRANDA 2008 p 325)
44ldquoA ausecircncia ou a insuficiecircncia da norma legal natildeo pode ser separada de determinado tempo histoacuterico
assinalado pela necessidade de produccedilatildeo legislativa e cuja duraccedilatildeo maior o menor ou seraacute prefixada pela
proacutepria Constituiccedilatildeo ou depende da natureza das coisas (ou seja da natureza da norma constitucional natildeo
exequiacutevel por si mesma confrontada com as situaccedilotildees da vida inclusive situaccedilatildeo que agrave sua margem esteja
por acccedilatildeo o legislador ordinaacuterio a criar)rdquo (MIRANDA 2008 p 322)
45
A accedilatildeo de inconstitucionalidade por omissatildeo prevista no ordenamento
portuguecircs e brasileiro constitui portanto um meio atraveacutes do qual o Judiciaacuterio controla a
ineacutercia legislativa declarando a inconstitucionalidade da sua ineacutercia e solicitando a tomada
de providecircncias Pode-se dizer que seus efeitos praacuteticos assemelham-se agraves sentenccedilas
apelativas da Alemanha e Itaacutelia todavia nesse instituto a decisatildeo do Judiciaacuterio tem efeito
meramente declaratoacuterio dando conhecimento ao Legislativo da sua omissatildeo e enfatizando a
necessidade de atuaccedilatildeo sem traccedilar qualquer diretriz para tanto45
Desta forma a sentenccedila proferida no controle de constitucionalidade da
omissatildeo legislativa por meio da accedilatildeo declaratoacuteria de inconstitucionalidade por omissatildeo
possui um caraacuteter apelativo eis que objetiva chamar a atenccedilatildeo do legislador para a
necessidade de elaboraccedilatildeo da lei necessaacuteria a concretizar determinada norma constitucional
Assim sob a perspectiva das teorias dialoacutegicas centradas no processo pode ser considerada
como um mecanismo propulsor de interaccedilatildeo entre os poderes no seio da jurisdiccedilatildeo
constitucional
83 Criacuteticas agraves teorias dialoacutegicas fundadas no meacutetodo judicial
Todas essas teacutecnicas de decisatildeo judicial que visam possibilitar uma
resposta do Legislativo por meio de uma decisatildeo judicial embora diferentes em alguns
aspectos possuem um ponto determinante em comum privilegiam a interpretaccedilatildeo do
Judiciaacuterio
Sob o ponto de vista da dificuldade da legitimidade democraacutetica da
revisatildeo judicial portanto essas teorias natildeo seriam suficientes para solucionar as questotildees
eis que o Judiciaacuterio continuaria na praacutetica ainda sendo o detentor da uacuteltima palavra na
resoluccedilatildeo dos conflitos constitucionais
Nessa perspectiva natildeo se verifica uma efetiva deliberaccedilatildeo conjunta
entre Judiciaacuterio e Legislativo na tomada de decisatildeo O que ocorre eacute apenas que o Judiciaacuterio
mediante a adoccedilatildeo de estrateacutegias especiacuteficas busca acionar ou estimular a atuaccedilatildeo
45 Esclarece-se que a aplicabilidade da accedilatildeo de inconstitucionalidade por omissatildeo possui alguns aspectos
controvertidos poreacutem como jaacute dito natildeo constitui nosso objetivo tratar todas as questotildees controvertidas de
cada instituto aqui mencionado mas apenas identifica-los como mecanismos potencialmente dialoacutegicos de
acordo com as teorias
46
legislativa Portanto pode-se concluir que essas teorias se consubstanciam na praacutetica em um
diaacutelogo formal e natildeo material o que jaacute seria um alvo suficiente para criacutetica
Ademais o fato de privilegiarem claramente o ponto de vista judicial
podem acabar permitindo de certa forma que o Judiciaacuterio adentre o acircmbito de atuaccedilatildeo
legislativa sobretudo nas teacutecnicas de aconselhamento judicial
Ainda que se possa considerar que a decisatildeo judicial nesses casos
apenas fornece diretrizes para a atuaccedilatildeo legislativa natildeo haacute como negar que pode acabar
condicionando a sua atuaccedilatildeo restando-lhe apenas acatar o que foi direcionado pelo
Judiciaacuterio o que do ponto de vista dialoacutegico natildeo parece o ideal
Mesmo nos mecanismos mais brandos que os de aconselhamento
judicial onde haacute uma interferecircncia direta do Judiciaacuterio na conformaccedilatildeo legislativa eacute inegaacutevel
que haacute ainda alguma intromissatildeo mesmo que em menor escala ou de forma indireta
Haacute de se destacar tambeacutem a falta de previsibilidade das orientaccedilotildees do
Tribunal e a sua potencialidade enganosa para o Legislador suscitada por Carlos Blanco de
Morais (2014 p 726) ao analisar um recente julgado do Tribunal Constitucional Portuguecircs
no contexto da crise econocircmica
O renomado constitucionalista observa que no Acoacuterdatildeo nordm 1872013 o
Tribunal Constitucional46 ao declarar a inconstitucionalidade da norma da Lei de Orccedilamento
do Estado relativa a tributaccedilatildeo dos subsiacutedios de desemprego e doenccedila agrave luz do princiacutepio da
existecircncia condigna (artigo 2ordm da CRP) fixou orientaccedilatildeo ao legislador no sentido de que no
proacuteximo ano a Lei orccedilamentaacuteria ao tratar da mateacuteria trouxesse uma claacuteusula de salvaguarda
impedindo a tributaccedilatildeo das respectivas prestaccedilotildees de desemprego e doenccedila de forma
prejudicial a garantia dos seus valores miacutenimos
O legislador na elaboraccedilatildeo da Lei Orccedilamentaacuteria do ano de 2014 seguiu
a orientaccedilatildeo do Tribunal todavia ao analisar a constitucionalidade da nova lei o mesmo
Tribunal que havia ditado aquela orientaccedilatildeo no Acoacuterdatildeo nordm 413201447 julgou a claacuteusula
insuficiente e violadora do princiacutepio da razoabilidade
46 Iacutentegra da decisatildeo disponiacutevel em httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20130187html 47 Iacutentegra da decisatildeo disponiacutevel em httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20140413html
47
Blanco de Moraes com base nesse caso concreto destaca o perigo das
orientaccedilotildees perpetradas pelo Judiciaacuterio que podem servir de ldquoemboscadardquo para o legislador
O fato eacute que ainda que o Legislativo siga as orientaccedilotildees do Tribunal natildeo haacute garantia da
constitucionalidade do novo diploma o que pode acabar resultando em um reforccedilo da
postura ativista do Judiciaacuterio que interfere no acircmbito da liberdade de conformaccedilatildeo legislativa
ditando orientaccedilotildees que nem ele mesmo segue posteriormente
Dito isto evidencia-se que assim como a atitude do Judiciaacuterio pode
incentivar e encorajar um debate resultando na criaccedilatildeo de um novo diploma sem viacutecio o
que seria beneacutefico tambeacutem pode acabar resultando em um sequestro do processo legislativo
dando super poderes ao Judiciaacuterio que tanto pode anular como reformar um estatuto legal
(LUNA 2001)
Bateup sintetiza a criacutetica afirmando que a praacutetica do aconselhamento
judicial simplesmente encoraja os ramos poliacuteticos a fazer o que o Judiciaacuterio diz e que na
realidade o aconselhamento seria um aviso de que a legislaccedilatildeo natildeo satisfaz seus
entendimentos constitucionais e que embora ainda natildeo tenha sido derrubada seraacute assim no
futuro caso o Legislativo natildeo a adeque ao entendimento do Tribunal
Outro ponto importante que se verifica em ambas as categorias das
teorias fundadas no meacutetodo judicial tanto a de aconselhamento como as centradas no
processo eacute a necessidade de que para que esses mecanismos surtam algum efeito praacutetico
deve haver uma forte vontade de colaboraccedilatildeo entre os Poderes O Judiciaacuterio haacute de se
preocupar em avaliar a questatildeo e formular as diretrizes para a atuaccedilatildeo legislativa bem como
o Legislativo deve estar aberto ao recebimento dessas orientaccedilotildees e colocaacute-las em praacuteticas
Ou entatildeo no que diz respeito agrave teoria do minimalismo eacute necessaacuteria uma
forte consciecircncia das Cortes para concordar em conter a sua atuaccedilatildeo e ainda verificar quando
deve ou natildeo assim agir havendo o risco dessa contenccedilatildeo ocorrer em momentos inoportunos
e vice e versa
O que esse grupo de teorias revela sobretudo eacute a grande complexidade
das decisotildees judiciais no acircmbito do controle de constitucionalidade nos paiacuteses que seguem
um modelo fundado na supremacia do Judiciaacuterio ficando claro que nem sempre os
problemas constitucionais seratildeo resolvidos por meio da simples declaraccedilatildeo de
48
constitucionalidade ou inconstitucionalidade mesmo que acabem no fim resultando em um
dos dois efeitos isso pode ocorrer em diversas intensidades
Fica claro entatildeo que o Judiciaacuterio exerce um papel tambeacutem poliacutetico
precisando agir com prudecircncia tanto quanto o legislativo para que suas decisotildees sejam bem
aceitas pela sociedade e produzam os efeitos esperados (HUBNER 2008)
Dessa forma ainda que seja alvo de criacuteticas e talvez natildeo seja a melhor
forma de concretizar o diaacutelogo natildeo se pode desprezar totalmente o conteuacutedo dessas teorias
e nem seus efeitos praacuteticos pois assim como essas praacuteticas podem ser consideradas
prejudiciais do ponto de vista democraacutetico ao mesmo tempo podem ser consideradas
beneacuteficas sob a oacutetica de concretizaccedilatildeo de direitos fundamentais sobretudo em paiacuteses
subdesenvolvidos ou que enfrentam uma crise de representatividade do Poder Legislativo
pois mediante decisotildees judiciais este seraacute forccedilado a agir
Um importante caso que vem sendo apontado por diversos
doutrinadores como um sucesso na efetivaccedilatildeo de direitos fundamentais e que segue a loacutegica
dessas teorias eacute a Aacutefrica do Sul o qual passamos a explanar
9 O especial caso da Aacutefrica do Sul
O constitucionalismo Sul Africano tem recebido muita atenccedilatildeo dos
estudiosos sobretudo dos defensores das teorias dialoacutegicas em virtude das inovadoras
decisotildees que vem sendo proferidas pela Suprema Corte desse paiacutes
A implementaccedilatildeo de um Estado democraacutetico na Aacutefrica do Sul
notadamente natildeo foi um processo tranquilo tampouco paciacutefico em virtude da sua conjuntura
histoacuterica O reconhecimento da autoridade do Poder Judicial para realizar a revisatildeo das leis
natildeo foi fruto de um processo gradativo como ocorreu em outros paiacuteses mas sim uma
imposiccedilatildeo brusca e radical 48
O constitucionalismo Sul Africano pode ser dividido em duas fases a
primeira que durou de 1910 a 1994 onde a proteccedilatildeo dos direitos fundamentais cabia ao poder
poliacutetico tendo o judiciaacuterio um papel severamente limitado no controle desse processo e a
48 Ver ROUX Theunis The Politics of Principle the first South African Constitutional Court Cambridge
Cambridge University Press 2013
49
segunda fase recentemente iniciada onde a ordem social e juriacutedica baseia-se na supremacia
de uma constituiccedilatildeo imposta e protegida judicialmente (SCHYFF 2010 p 34)49
A Constituiccedilatildeo de 1996 eacute a quinta adotada pelo paiacutes e eacute exemplo mundial
de uma Constituiccedilatildeo de caraacuteter transformador - que estabelece aspiraccedilotildees entendidas como
um desafio agraves praacuteticas de longa data ndash sendo grande parte do seu texto dedicado a eliminaccedilatildeo
dos efeitos danosos do apartheid (SUSTEIN 2001)
No tocante ao modelo de judicial review adotado a Aacutefrica do Sul optou
por um modelo forte de revisatildeo reconhecendo a supremacia do Poder Judiciaacuterio para a sua
decisatildeo e sendo ele o responsaacutevel pela palavra final no tocante a interpretaccedilatildeo
constitucional Todavia a praacutetica tem revelado uma interessante atuaccedilatildeo do Tribunal no
julgamento de casos que envolvem a efetivaccedilatildeo de direitos socioeconocircmicos
Famoso exemplo eacute o julgamento do caso Grotboom50 no qual estava em
questatildeo o direito a moradia de centenas de pessoas incluindo crianccedilas que estavam
desalojadas Esse grupo de pessoas recorreu agrave Corte para requisitar com base nos artigos 26
e 28 da Constituiccedilatildeo que o Estado Sul Africano providenciasse moradia adequada para eles
A Corte ao analisar o caso agrave luz do artigo 26 que assegura o direito a
moradia entendeu que houve violaccedilatildeo ao direito constitucional dos requerentes pois o
Estado natildeo havia cumprido com o dever de efetivar progressivamente dentro dos recursos
disponiacuteveis o acesso agrave moradia adequada Destacou que embora o programa do Governo
relativo a moradia fosse razoaacutevel em vaacuterios aspectos era falho pois natildeo atendia agraves
necessidades mais urgentes natildeo prevendo soluccedilatildeo para as demandas de curto prazo
No paraacutegrafo 42 da decisatildeo a Corte enfatizou que a mera ediccedilatildeo de leis
natildeo eacute o suficiente para constituir o cumprimento do dever constitucional do Estado que este
tem a obrigaccedilatildeo de agir para alcanccedilar o resultado pretendido e as medidas legislativas
invariavelmente tecircm de ser apoiadas por poliacuteticas e programas bem dirigidos e
adequadamente implementados pelo Executivo Que as poliacuteticas e programas devem ser
49 Para um maior aprofundamento sobre o constitucionalismo Sul Africano ver COCKRELL Alfred The
South African Bill of Rights and the lsquoDuckRabbitrsquo 60 Mod L Rev 513 (1997) BOUCKAERT Peter N The
Negotiated Revolution South Africarsquos Transition to Multiracial Democracy 33 Stanford J Int L 375 (1997)
GOLDSTONE Richard J The South African Bill of Rights 32 Texas Int L J 1451 (1997)
50 Government of The Republic of South Africa and others v Grootboom and others (CCT 1100) Igraventegra da
decisatildeo disponiacutevel emlt httpwwwsafliiorgzacasesZACC200019htmlgt
50
razoaacuteveis tanto na sua concepccedilatildeo quanto na sua implementaccedilatildeo sendo a formulaccedilatildeo de um
programa apenas a primeira etapa para cumprir as obrigaccedilotildees do estado jaacute que este deve ser
razoavelmente implementado pois se assim natildeo for natildeo constituiraacute o cumprimento das
obrigaccedilotildees do Estado51
Por fim o Tribunal emitiu uma ordem declaratoacuteria que delimitou as
deficiecircncias do programa governamental e sugeriu em vez de direcionar medidas para
minimizar as falhas O documento natildeo indicou entretanto que tipo de abrigo o Governo
deveria construir deixando essa decisatildeo para o proacuteprio Estado (NGWENA 2013 p80)
Por intermeacutedio dessa decisatildeo a Corte ao mesmo tempo que reconheceu
a justiciabilidade dos direitos sociais preservou certa autonomia do Estado no que respeita
a elaboraccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas vez que natildeo determinou a exata maneira que o mesmo
deveria agir reconhecendo que essa eacute uma competecircncia que natildeo compete ao Judiciaacuterio
Esse tipo de decisatildeo pode ser visto sob o ponto de vista das teorias
dialoacutegicas fundadas no meacutetodo judicial explicadas acima Nesse sentido reforccedilando o
potencial dialoacutegico dessas decisotildees Dixon (2007) leciona que o Poder Judiciaacuterio deve
exercer um papel ativo a fim de evitar a ineacutercia dos outros poderes
Aponta que as possiacuteveis causas da ineacutercia legislativa seriam de duas
categorias os blind spots ou pontos cegos que satildeo as situaccedilotildees em que natildeo resta claro para
o Legislativo os imperativos de sua accedilatildeo reguladora como por exemplo quando natildeo
reconhecem que determinada forma de aplicaccedilatildeo de uma lei pode ser violadora de direitos
e quando a ineacutercia decorre de motivos de conveniecircncia poliacutetica quando acredita que o ocircnus
eleitoral da sua accedilatildeo pode ser maior que o da sua omissatildeo (DIXON 2007)
Nessa perspectiva de diaacutelogo proposta por Dixon cabe ao Judiciaacuterio
provocar o Legislativo por meio da decisatildeo judicial que o obrigue a elaboraccedilatildeo de poliacuteticas
puacuteblicas para garantir tanto quanto possiacutevel a maior eficaacutecia dos direitos fundamentais
51 [42] The state is required to take reasonable legislative and other measures Legislative measures by
themselves are not likely to constitute constitutional compliance Mere legislation is not enough The state is
obliged to act to achieve the intended result and the legislative measures will invariably have to be supported
by appropriate well-directed policies and programmes implemented by the executive These policies and
programmes must be reasonable both in their conception and their implementation The formulation of a
programme is only the first stage in meeting the statersquos obligations The programme must also be reasonably
implemented An otherwise reasonable programme that is not implemented reasonably will not constitute
compliance with the statersquos obligations Government of The Republic of South Africa and others v Grootboom
and others (CCT 1100)
51
sem todavia adentrar ou comprometer a sua liberdade de conformaccedilatildeo mas de forma que
retire o legislativo da sua ineacutercia
Por decisotildees como essa apesar do sistema Sul Africano ter como
caracteriacutestica a participaccedilatildeo ativa do Judiciaacuterio na efetivaccedilatildeo dos direitos fundamentais o
mesmo vem sendo apontado por alguns estudiosos das teorias do diaacutelogo como um sistema
promissor nesse sentido em virtude do enfraquecimento das decisotildees judiciais que apesar
de direcionarem a atuaccedilatildeo do Legislativo preservam a sua liberdade de escolha e atuaccedilatildeo
10 As teorias estruturais de diaacutelogo
Nessa categoria alocam-se as teorias que se baseiam no reconhecimento
de mecanismos institucionais ou poliacuteticos dentro dos sistemas constitucionais que permitam
aos atores poliacuteticos responder agraves decisotildees judiciais em caso de conflito
Ao contraacuterio das teorias do meacutetodo judicial essas natildeo tecircm como objeto
principal a construccedilatildeo da decisatildeo judicial mas sim as formas pelas quais se estabelecem as
relaccedilotildees entre as diversas estruturas do Poder de maneira que possam oferecer respostas agrave
uma decisatildeo que gere desacordo Hubner (2008 p 99) aponta que as teorias estruturais ao
contraacuterio das que se fundam no meacutetodo judicial possuem um caraacuteter exoacutegeno logo menos
dependente da postura de cada instituiccedilatildeo
Para os que defendem essas teorias o diaacutelogo surge mediante a
utilizaccedilatildeo de mecanismos de interaccedilatildeo entre juiacutezes e os outros atores poliacuteticos Esses
mecanismos satildeo encontrados no modelo do weak judicial review ou sistemas brandos de
controle de constitucionalidade os quais como jaacute dito surgiram como uma alternativa ao
modelo tradicional pautado na supremacia judicial
A maioria dessas teorias foram surgindo a partir da necessidade de
justificar e fundamentar a previsatildeo de mecanismos contidos no Bill of Rights de paiacuteses
tradicionalmente de supremacia parlamentar a fim de harmonizar este tipo de sistema com
a necessidade de proteccedilatildeo aos direitos fundamentais
De acordo com a sistematizaccedilatildeo feita por Bateup existem quatro
subcategorias de teorias estruturais as de construccedilatildeo coordenada as dos princiacutepios juriacutedicos
a do equiliacutebrio e a da parceria Importante esclarecer que apesar de termos adotado essa
52
sistematizaccedilatildeo como nosso referencial teoacuterico por acreditarmos na sua coerecircncia e
completude neste particular ousamos discordar dessa diferenciaccedilatildeo
A diferenciaccedilatildeo feita por Bateup reside basicamente nos argumentos de
que as teorias de construccedilatildeo coordenada se aplicam apenas ao contexto norte-americano as
teorias dos princiacutepios juriacutedicos reconhecem uma especial competecircncia ao Judiciaacuterio para
decidir questotildees relacionadas agrave princiacutepios juriacutedicos as do equiliacutebrio por serem neutras natildeo
reconhecem nenhuma capacidade especial a nenhum Poder e contam ainda com a
participaccedilatildeo da sociedade e as teorias da parceria
Sendo assim todas as subcategorias em que Bateup divide as teorias
estruturais de diaacutelogo enquadram-se na ideia geral da construccedilatildeo coordenada podem ateacute se
diferenciar em um ou outro aspecto mas ainda assim natildeo deixam de fazer parte desta
Dessa forma natildeo se deixaraacute de abordar as subdivisotildees propostas por
Bateup mas ao contraacuterio do que foi feito no tocante as teorias centradas no meacutetodo judicial
natildeo se mencionaraacute especicamente cada uma delas para depois dar exemplos praacuteticos mas
seratildeo feitas as devidas menccedilotildees quando da anaacutelise dos diferenres sistemas de weak judicial
review que aqui se apresenta como exemplo das teorias estruturais de diaacutelogo
Importante se faz esclarecer que essa opccedilatildeo tambeacutem reside em questotildees
didaacuteticas necessaacuterias para a melhor compreensatildeo do trabalho
10 1 Teorias de construccedilatildeo coordenada
Tratam-se de teorias que reconhecem que a identificaccedilatildeo do sentido
constitucional eacute uma tarefa a ser compartilhada entre as diversas esferas do Poder ou seja
natildeo eacute uma tarefa atribuiacuteda unicamente ao Judiciaacuterio Assim o diaacutelogo eacute algo inerente ao
princiacutepio do check and balances natildeo havendo uma uacutenica instacircncia detentora da uacutetlima
palavra
Com isso a base dessas teorias eacute o fato de que da mesma forma que o
Tribunal possui mecanismos de controle dos ramos poliacuteticos por meio da revisatildeo judicial
tambeacutem podem ser colocados controles sobre o Tribunal quando os atores poliacuteticos
estiverem em desacordo com a sua interpretaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo
53
Bateup (2005 p 33) define a teoria da construccedilatildeo coordenada como a
mais antiga concepccedilatildeo de interpretaccedilatildeo constitucional fazendo menccedilatildeo ao pensamento dos
teoacutericos americanos de James Madison e Thomas Jefferson o primeiro por ter reconhecido
que apesar das questotildees de interpretaccedilatildeo constitucional normalmente recaiacuterem sobre o
Judiciaacuterio no curso normal do Governo a Constituiccedilatildeo natildeo lhe atribui qualquer autoridade
especiacutefica perante outros braccedilos do Poder e o segundo por considerar que cada ramo do
Governo deve ser ldquocoordenado e independenterdquo possuindo todos eles responsabilidade pela
interpretaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo
No contexto norte americano um dos primeiros autores a abordar essa
teoria foi Louis Fisher que teve como principal meacuterito demonstrar mediante exemplos da
histoacuteria americana que o processo constitucional eacute mais complexo do que a simples emissatildeo
pela Corte da uacuteltima palavra A uacuteltima palavra segundo essa histoacuteria confirmaria natildeo
pertence a nenhuma instituiccedilatildeo (HUBNER 2009 p 126)
O que haacute de mais caracteriacutestico nessas teorias eacute o fato de os outros
ramos do Poder em especial o Legislativo caso natildeo concordem com a decisatildeo judicial
poderem provocar a Corte reconhecendo assim que a interpretaccedilatildeo constitucional eacute tarefa
que compete a todos os Poderes e natildeo apenas a um ramo em especiacutefico
Vaacuterios autores dentro do cenaacuterio americano passaram a tratar do
assunto inclusive em forma de criacuteticas poreacutem por questotildees didaacuteticas conforme jaacute
mencionado natildeo se limitaraacute a falar especificamente sobre cada um deles52 Todavia destaca-
se a teoria de Barry Friedman a qual Bateup subclassifica como teoria do equiliacutebiro poreacutem
aqui eacute tratada como uma teoria de construccedilatildeo coordenada pelos motivos jaacute acima expostos
A teoria de Friedman merece ser mencionada pois se diferencia das
outras tantas que se encaixam nesta categoria por considerar a importacircncia do papel ativo da
sociedade na deliberaccedilatildeo sobre direitos
Para esse Autor a Constituiccedilatildeo eacute um texto aberto e flexiacutevel que permite
52 Outros importantes nomes dessa teoria satildeo Keith Whittington e Mitchell Pickeril Destaque para a
importacircncia do trabalho deste uacuteltimo que realizou importante pesquisa empiacuterica da realidade americana de
caraacuteter revelador e agregador para a teoria da construccedilatildeo coordenada demonstrando que o diaacutelogo entre os
poderes eacute inerente ao princiacutepio do check and balances americano pelo que sugerimos a consulta PICKERILL
J Mitchell Constitutional Deliberation in Congress the impact of Judicial Review in a Separated System
Duke University Press 2004
54
diversas interpretaccedilotildees sujeitas agrave mudanccedilas constantes Assim a interpretaccedilatildeo constitucional
seria um processo de idas e vindas em que a Corte devolve o tema para a sociedade e
para outros poderes e vice-versa metaforicamente como uma partida de tecircnis na qual os
parceiros rebatem a bola um para o outro53 (FRIEDMAN 1993)
Com isso afasta a ideia de que haacute uma vontade da maioria definida a
ser representada por um dos poderes sugerindo que na realidade essa vontade sofre
constantes mutaccedilotildees54 cabendo aos ramos do Poder no processo de interpretaccedilatildeo
constitucional negociar e definir uma direccedilatildeo em meio ao pluralismo existente na
sociedade55 Reconhece o diaacutelogo institucional como fruto da separaccedilatildeo de poderes
compartilhando dos elementos da teoria da construccedilatildeo coordenada poreacutem acrescenta a eles
a vontade popular
Eacute justamente no aspecto relativo a grande importacircncia que daacute a vontade
popular que reside a principal criacutetica agrave essa teoria pois natildeo oferece alternativa agrave interaccedilatildeo
constitucional estabelecida entre o Judiciaacuterio e os poderes poliacuteticos nas questotildees de menor
importacircncia poliacutetica nas quais o diaacutelogo com toda a sociedade eacute improvaacutevel de ocorrer
(BATEUP 2006 p 69)
Seria impensaacutevel na praacutetica um sistema de jurisdiccedilatildeo constitucional
no qual os Poderes tivessem que recorrer agrave opiniatildeo popular todas as vezes que fossem
realizar a interpretaccedilatildeo de qualquer norma constitucional
Saindo do contexto norte americano outras teorias estruturais do
diaacutelogo emergiram a partir da anaacutelise dos novos modelos de jurisdiccedilatildeo constitucional
adotados por paiacuteses da Commonwealth como jaacute mencionamos no iacutencio deste trabalho Desta
forma optou-se didaticamente por tratar dessas teorias e suas respectivas especificidades no
acircmbito da exposiccedilatildeo dos sistemas e casos em concreto o que se passaraacute a fazer
53 ldquoCourts serve as societyacutes tennis partner always volleying the ball backrdquo (FRIEDMAN 1993 p669)
54 ldquoThe court is free to change its mind The people are free to disagree with the court The court is free to
disagree with the people The members of the courts are free to and usually do disagree with one another As
disagreement occurs the document will take one new meaningsrdquo (FRIEDMAN 1993 p651)
55 ldquoThis process of constitutional interpretation hardly pits the court against the people Rather the court
mediate the views of various people The process is interactive (hellip) Simply put our process of constitutional
interpretation is a dialoguerdquo (FRIEDMAN 1993 p 654)
55
1011 Os mecanismos dialoacutegicos do sistema de revisatildeo judicial
canadense e as teorias de princiacutepios juriacutedicos
Ao adotar formalmente um sistema de judicial review atribuindo ao
Judiciaacuterio a capacidade para solucionar casos concretos de incompatibilidade entre
legislaccedilatildeo e a Carta suscitados por particulares56 o Canadaacute a fim de evitar a consagraccedilatildeo de
um modelo fundado na supremacia judicial ao estilo americano que implicasse na perda do
poder do Parlamento incluiu na sua Carta mecanismos que possibilitassem uma limitaccedilatildeo
do Poder atribuiacutedo ao Judiciaacuterio e ao mesmo tempo preservassem as competecircncias
parlamentares
Esses mecanismos previstos nas Seccedilotildees 33 e 1 da Carta Canadense
consistem respectivamente na ldquoclaacuteusula natildeo obstanterdquo (notwishstanding clause) a qual
possibilita que o Legislativo aplique uma lei mesmo quando esta for contraacuteria ao texto
constitucional e na possibilidade do Legislativo reeditar uma norma que configure e limite
direito consagrado nas seccedilotildees 2 e de 7 a 15 e que jaacute tenha sido objeto de reprovaccedilatildeo pelo
Judiciaacuterio desde que fundada em justificativa razoaacutevel bem como na possibilidade de
configuraccedilatildeo pelo legislativo de direitos e liberdades fundamentais
O estudo realizado por Bushell e Hogg (1997) eacute apontado como um
marco teoacuterico da experiecircncia canadense pois a partir de uma pesquisa de mais de 65 casos
concretos decididos pela Corte canandense desde a Carta de 1982 os autores verificaram
que na grande maioria deles houve em um prazo razoavelmente curto uma resposta
legislativa agrave decisatildeo judicial Diante disso os autores afirmaram que o sistema canadense
propicia a concretizaccedilatildeo de um verdadeiro diaacutelogo entre os Poderes no exerciacutecio da
jurisdiccedilatildeo constitucional
A anaacutelise dos autores a respeito da implementaccedilatildeo da revisatildeo judicial
canadense pela Carta de 1982 eacute bastante otimista pois consideram que ateacute mesmo naqueles
casos em que o legislador aquiesceu agrave decisatildeo proferida pela Corte houve uma reaccedilatildeo
dialoacutegica jaacute que a concordacircncia tambeacutem pode ser fruto de um diaacutelogo
56 ldquoArt 24 (1) Anyone whose rights or freedoms as guaranteed by this Charter have been infringed or denied
may apply to a court of competent jurisdiction to obtain such remedy as the court considers appropriate and
just in the circumstances Art 52 (1) The Constitution of Canada is the supreme law of Canada and any law
that is inconsistent with the provisions of the Constitution is to the extent of the inconsistency of no force or
effectrdquo Canadian Constitutional Act 1982
56
Afirmam que os legisladores canadenses estatildeo engajados na
concretizaccedilatildeo do diaacutelogo com a Corte eis que buscam fundamentar no preacircmbulo das leis
promulgadas tanto das que excedem os limites da Carta como das que substituem as que
foram consideradas inconstitucionais que as mesmas se dirigem a um objetivo ldquourgente e
substancialrdquo e destinam-se a ldquolimitar razoalmenterdquo direitos e liberdades (BUSHELL
HOGG 1997 p 101)
Consideram ainda que mesmo quando apoacutes a anaacutelise judicial a lei natildeo eacute
declarada invaacutelida haacute um diaacutelogo em virtude de tal anaacutelise despertar o debate puacuteblico
chamando a atenccedilatildeo do legislador ao assunto de forma que possa rever possiacuteveis problemas
na lei e eventualmente alteraacute-la Ou seja a decisatildeo judicial natildeo deve ser encarada como um
veto mas como o ponto de partida para uma conversa institucional sobre como conciliar
direitos individuais com obejtivos de poliacuteticas econocircmicas e sociais (BUSHELL HOGG
1997 p 101-105)
Referido estudo teve grande repercussatildeo na doutrina nacional Por um
lado muitos reforccedilaram e concordaram com a ideia dos autores por outro a mesma foi alvo
de intensa criacuteticas sobretudo pela forma abrangente de caracterizaccedilatildeo do diaacutelogo57 O
impacto tambeacutem foi sentido na proacutepria Corte que passou a usar a metaacutefora do diaacutelogo para
justificar suas decisotildees algumas delas bastante controversas conforme se leraacute mais adiante
Portanto a experiecircncia canadense eacute um importante exemplo de aplicaccedilatildeo
das teorias estruturais dialoacutegicas jaacute que traz a previsatildeo expressa de mecanismos
possibilitadores na visatildeo de alguns de um diaacutelogo institucional
Na sistematizaccedilatildeo feita por Bateup as teorias que se referem agrave
experiecircncia canadense satildeo teorias de princiacutepios juriacutedicos Na classificaccedilatildeo da Autora esse
grupo de teorias corresponde agravequelas em que haacute o reconhecimento de que o Judiciaacuterio possui
57 A repercussatildeo literaacuteria do estudo foi tatildeo grande e significativa que apoacutes dez anos da sua publicaccedilatildeo o
mesmo perioacutedico (Osgoode Hall Law Journal) lanccedilou uma ediccedilatildeo comemorativa contendo uma atualizaccedilatildeo
do texto original e outros artigos em resposta ao mesmo Ver HOGG P et al ldquoCharter Dialogue Revisited
ndash Or Much Ado About Metaphorsrdquo HAIGH R e SOBKIN M ldquoDoes the Observer Have an Effect An
Analysis of the Use of the Dialogue Metaphor in Canadarsquos Courtsrdquo HUSCROFT G ldquoConstitutionalism from
the Top Downrdquo MANFREDI C ldquoThe Day the Dialogue Died A Comment on Sauveacute v Canadardquo MATHEN
C ldquoDialogue Theory Judicial Review and Judicial Supremacy A Comment on lsquoCharter Dialogue
Revisitedrsquordquo PETTER A Taking Dialogue Theory Much Too Seriously (or Perhaps Charter Dialogue Isnrsquot
Such a Good Thing After All) ROACH K Sharpening the Dialogue Debate The Next Decade of
Scholarshiprdquo e HOGG P et al ldquoA Reply on lsquoCharter Dialogue Revisitedrdquo
57
uma especial competecircncia institucional voltada para a resoluccedilatildeo de questotildees que envolvem
princiacutepios juriacutedicos cabendo aos poderes poliacuteticos fazer o controle das decisotildees no caso de
erro de interpretaccedilatildeo (BATEUP 2006 p41)
Ainda que essas teorias reconheccedilam uma competecircncia de certo modo
especial ao Judiciaacuterio a qual pode ateacute mesmo ser considerada como caracteriacutestica inerente
ao proacuteprio judicial review tendo em vista que elas tambeacutem preveem a possibilidade de
reaccedilatildeo do legislativo agrave decisatildeo judicial incluindo a possibilidade de correccedilatildeo dessa decisatildeo
entende-se que natildeo se distanciam das teorias de construccedilatildeo coordenada ao ponto de merecer
classificaccedilatildeo diferente
Destaca como primeiro defensor dessa competecircncia especial do
Judiciaacuterio Alexander Bickel que considerou o Judiciaacuterio como detentor de especial
habilidade para preservar proteger e defender princiacutepios devido ao seu isolamento poliacutetico
e por outro lado o Legislativo como melhor indicado para determinar valores sociais
fundamentais pela sua proximidade com as pessoas (BATEUP 2006 p41-42)
Nesse sentido Bushell e Hogg ao tratar da metaacutefora do diaacutelogo na
experiecircncia canadense tambeacutem satildeo partidaacuterios desse entendimento eis que afirmaram
alguns anos e muitas criacuteticas apoacutes o seu primeiro estudo que o legislativo pode e deve
interpretar a Carta mas que natildeo deve agir de forma contraacuteria a interpretaccedilatildeo proferida pela
Corte 58
Kent Roach tambeacutem eacute outro importante autor canadense que defende a
competecircncia especial do Judiciaacuterio para lidar com questotildees de princiacutepios todavia ressalta a
58 ldquoThe key issue in our view is not whether the legislative and executive branches do and should interpret
the Charter (they do and should) but whether they should act on an interpretation of the Charter that conflicts
with an interpretation provided by the courts backdrop of a prior relevant judicial decision the legislature
and the executive may act on their interpretation of the Charter Why Because in doing so they would not be
doing (or refraining from doing) something that the courts have said would unjustifiably infringe the Charter
It would be strange indeed if the legislative or executive branches could not interpret the Charter and act on
that interpretation where a court has not yet considered what the Charter prohibits (or requires) in the
circumstances1 However where the interpretive task takes place against the backdrop of a prior relevant
judicial decision the legislature and the executive may not act on an interpretation of the Charter which
conflicts with an interpretation provided by the courts Why Because in doing so they would be doing (or
refraining from doing) something that the courts have said would unjustifiably infringe the Charter and under
our system of constitutional democracy that is impermissiblerdquo (BUSHEL HOGG 2007 p 33)
58
importacircncia do Parlamento aludindo que a decisatildeo judicial apenas inicia o debate59
Destaca que a atuaccedilatildeo da Corte natildeo impede que o Parlamento prevaleccedila
se este assim quiser mas reforccedila a responsabilidade das suas escolhas poliacuteticas e o induz a
apresentar justificativas razoaacuteveis e aceitaacuteveis para legitimar suas opccedilotildees que venham a
restringir direitos (ROACH 2001)
Portanto em suma as teorias dos princiacutepios juriacutedicos vivenciadas na
experiecircncia canadense satildeo aquelas que defendem a ideia da participaccedilatildeo de todos os poderes
na interpretaccedilatildeo constitucional sendo esta uma tarefa conjunta todavia privilegiam a
interpretaccedilatildeo judicial poreacutem com a possibilidade de reaccedilatildeo legislativa
Bateup acrescenta ainda uma subdivisatildeo dentro dessas teorias tendo em
vista que para alguns autores o diaacutelogo se consubstancia na realizaccedilatildeo do controle das
decisotildees judiciais pelos poderes poliacuteticos no caso da ocorrecircncia de erro de interpretaccedilatildeo e jaacute
para outros - que minimizam o papel do controle poliacutetico sobre o Tribunal - o diaacutelogo surge
por intermeacutedio da articulaccedilatildeo legislativa que emerge como resposta agraves decisotildees judiciais
Essas subdivisotildees se traduzem na praacutetica justamente nos dois
mecanismos dialoacutegicos expressamente adotados pela Carta canadense os quais seratildeo
explicados a seguir
1012 Princiacutepios e articulaccedilatildeo legislativa da poliacutetica ndash seccedilatildeo 1 da
Carta Canadense
As teorias identificadas por Bateup como Teorias de Princiacutepios e
Articulaccedilatildeo Legislativa da Poliacutetica satildeo as que preceituam que a concretizaccedilatildeo do diaacutelogo
ocorre por meio da articulaccedilatildeo legislativa Reconhecem ao Legislativo competecircncia especial
para a elaboraccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas e para conciliar muacuteltiplos objetivos concorrentes na
sociedade pelo que este deve responder agraves decisotildees judiciais respeitando a interpretaccedilatildeo de
princiacutepios feita pelo Tribunal poreacutem com uma visatildeo mais ampla dos objetivos poliacuteticos
(BATEUP p 50-51)
Como exemplo dessa teoria pode-se indicar a Seccedilatildeo 1 da Carta
59 Para maior clareza e detalhes desse entendimento ver as seguintes obras do referido autor ldquoThe Supreme
Court on Trial Judicial Ativism or Democratic Dialogue 2001rdquo e ldquoConstitutional and Common Law
Dialogues Between Supreme Court and Canadian Legislatures2001rdquo
59
Canadense60 a qual atribui ao Legislativo a possibilidade de relativizaccedilatildeo por meio de lei
de direitos e garantias desde que seja razoaacutevel e ldquojustificada de forma demonstraacutevel em uma
sociedade livre e democraacuteticardquo61
O objetivo central para a criaccedilatildeo desta norma era garantir que o
Legislativo continuasse a ter flexibilidade de escolha quando da aprovaccedilatildeo de poliacuteticas que
eventualmente fossem conflitantes com os novos direitos fundamentais que passaram a ser
resguardados pela Carta (HIEBERT 1990)
Todavia apesar de a claacuteusula ser direcionada ao Legislativo a avaliaccedilatildeo
das questotildees que envolvem a sua aplicabilidade como a verificaccedilatildeo da legalidade e da
legitimidade62 acaba por ser feita pelo Judiciaacuterio a quem compete analisar as
incompatibilidades entre as leis e os direitos e liberdades assegurados pela Carta
Dessa forma a aplicaccedilatildeo da Seccedilatildeo 1 da Carta revelou-se de certa forma
engenhosa pois ao mesmo tempo em que confere maior liberdade ao legislador
caracteriacutestica de um weak judicial review a verificaccedilatildeo da razoabilidade da sua escolha eacute
feito pelo Judiciaacuterio Sendo assim ainda que a claacuteusula seja dirigida ao Legislativo as
implicaccedilotildees da sua aplicaccedilatildeo chamaram muita atenccedilatildeo no acircmbito da atuaccedilatildeo judicial
Nesse sentido Elliot (1987 p 279) aponta que a Seccedilatildeo 1 tornou-se de
fato a principal disposiccedilatildeo da Carta e a maneira como a Corte tem lidado com ela diz muito
a respeito natildeo apenas do impacto que a Carta pode ter sobre os outros poderes mas tambeacutem
sobre a proacutepria Corte e como ela percebe seu papel sob a Carta
Os principais estudos realizados para analisar o comportamento da Corte
quando da avaliaccedilatildeo da aplicaccedilatildeo da Seccedilatildeo 1 pelo Legislativo revelaram que natildeo haacute uma
conduta uniforme podendo a Corte tanto ter uma conduta mais ativista quanto mais
deferente agraves opccedilotildees legislativas
Estudiosos classificam e dividem a atuaccedilatildeo da Corte em trecircs momentos
60 Para entender o histoacuterico evolutivo de criaccedilatildeo da referida claacuteusula ver HIEBERT Janet The Evolution of
Limitation Clause 28 Osgoode Hall L J 103 1990
61 ldquo1The Canadian Charter of Rights and Freedoms guarantees the rights and freedoms set out in it subject
only to such reasonable limits prescribed by law as can be demonstrably justified in a free and democratic
societyrdquo Canadian Constitution Act 1982
62 Sobre a verificaccedilatildeo da legalidade e legitimidade ver HIEBERT J L Limiting Rights The Dilemma of
Judicial Review p 137-146
60
o primeiro relativo aos primeiros anos de vigecircncia da Carta o segundo referente a fase
iniciada com o julgamento do caso R v Oakes e o terceiro relativo aos desenvolvimentos
mais atuais
Nos primeiros anos em que vigorou a Carta canadense percebeu-se que
a conduta da Corte no tocante a aplicaccedilatildeo da Seccedilatildeo 1 foi bastante abrangente buscando
afirmar o seu papel de guardiatilde de direitos e liberdades bem como garantir a maacutexima eficaacutecia
dos mesmos Assim pode-se dizer que nos primeiros anos a Corte adotou uma postura
ativista (ELLIOT 1987) 63
Apesar da postura ativista a Corte logo nos primeiros anos natildeo realizava
de fato a anaacutelise da razoabilidade das medidas legislativas restritivas de direito sob seu
escrutiacutenio tentando natildeo enfrentar questotildees de cunho poliacutetico limitava-se a dizer que a
restriccedilatildeo de direitos poderia significar indiretamente a intenccedilatildeo do legislador de reformar a
Carta o que natildeo podia ser admitido (ELLIOT 1987)
A adoccedilatildeo desse tipo de postura pela Corte pode ser percebida no
julgamento do caso Ag Quebec v Quebec Association of Protestant Schools Boards64
ocorrido no ano de 1984 dois anos apenas apoacutes a aprovaccedilatildeo da Carta quando foi discutida
e declarada a incompatibilidade do da Seccedilatildeo 73 da Carta de Quebec da Liacutengua Francesa
(Quebec Charter of the French Language ou Bill 101) com a seccedilatildeo 23 da Carta Canadense
de Direitos e Liberdades 65
Em suma o que dispunha o Bill 101 era uma restriccedilatildeo ao direito de acesso
das crianccedilas a escolas puacuteblicas de Liacutengua Inglesa com exceccedilatildeo das crianccedilas cujo pai ou matildee
tivesse estudado em escolas tambeacutem de Liacutengua Inglesa dos filhos de imigrantes que jaacute
vivessem na proviacutencia anteriormente agrave aprovaccedilatildeo da lei e que tivessem sido educados em
Inglecircs ou cuja educaccedilatildeo tenha sido em uma liacutengua pouco falada naquele local ou aquelas
63 No mesmo sentido ldquoIn its initial judgments under the Canadian Charter of Rights and Freedoms the
Supreme Court of Canada respected the postwar structure of rights protection embedded in its first provision
and began to work out the requisite rules of interpretation legal presumptions and conceptions of institutional
roles Central to thislegal analysis was the Courtrsquos understanding that its responsibility was to secure the
rights guarantees as supreme law and to ensure that the limitation function enjoyed normative continuitywith
the rightsrdquo (WEINRIB 2002 p 122)
64 AG (Que) v Quebec Protestant School Boards [1984] 2 SCR Iacutentegra da decisatildeo disponiacutevel em lt
httpsscc-csclexumcomscc-cscscc-cscenitem26indexdogt
65 Nesse mesmo sentido ver tambeacutem a outros casos como Hunter v Southam Inc Re Singh and Ministered of
Employment and Imigration R v Big M Drug Mart Ltd
61
crianccedilas que tivessem irmatildeo jaacute matriculado na mesma escola
Entendeu a Corte portanto que essa norma visava modificar a
disposiccedilatildeo contida na Carta Canadense a qual dispunha expressamente sobre a garantia da
educaccedilatildeo puacuteblica em inglecircs ou francecircs aos filhos de cidadatildeos cuja primeira liacutengua que
tenham recebido na educaccedilatildeo primaacuteria seja uma liacutengua minoritaacuteria naquele local natildeo se
prestando a analisar a razoabilidade da limitaccedilatildeo de direitos alegada pela Proviacutencia de
Quebec66
Dessa forma o que se percebe eacute que a Corte sequer chegou a analisar a
razoabilidade da medida e as provaacuteveis justificativas do legislador limitando-se a declarar a
incompatibilidade da lei sem tentar sequer interpretaacute-la de acordo com a Carta
A segunda fase de acordo com divisatildeo feita por Elliot foi inaugurada
com o famoso julgamento do caso R v Oakes67 em 1986 quando foi introduzida pela
primeira vez uma regra para a verificaccedilatildeo da razoabilidade da restriccedilatildeo imposta pela medida
legislativa a luz da Seccedilatildeo 1 da Carta Canadense
A Corte passou entatildeo a utilizar o que ficou conhecido como ldquoteste de
Oakesrdquo para verificar se a medida legislativa constitui uma restriccedilatildeo a direitos razoaacutevel e
comprovadamente justificaacutevel em uma sociedade livre e democraacutetica o qual consiste
basicamente no estabelecimento de um padratildeo de prova apoiado em severos criteacuterios de
verificaccedilatildeo da legitimidade racionalidade necessidade e proporcionalidade da restriccedilatildeo
(TREMBLAY WEBBER 2008 p 2)68
66 ldquoThe limits imposed by s 73 are not legitimate limits within the meaning of s 1 of the Charter to the extent
that the latter section applies to rights conferred by s 23 In view of the period when the Charter was enacted
and especially in light of the wording of s 23 which repeats the unique set of criteria contained in s 73 of Bill
101 it is apparent that Chapter VIII seemed to the framers as an archetype of the regimes needing reform
Accordingly the limits which Bill 101 imposes on rights relating to the language of instruction cannot possibly
have been regarded by the framers of the Constitution as coming within ldquosuch reasonable limits prescribed by
law as can be demonstrably justified in a free and democratic societyrdquo Even if enacted after the Charter the
s 73 limits could not be legitimized by s 1 of the Charter Section 73 redefines for Quebec the classes of
persons who are entitled to instruction in the minority language and has the effect of creating an exception to
s 23 and of amending the Charter Whatever their scope the limits which s 1 allows cannot be equated with
exceptions to the rights and freedoms guaranteed by the Charter and may not be treated as amendments to the
Charterrdquo (AG (Que) v Quebec Protestant School Boards 1984 p 67-68)
67 O caso teve por objeto a anaacutelise de incompatibilidade entre a seccedilatildeo 8 do Narcotic Control Act que atribuia
o ocircnus ao cidadatildeo preso por porte de droga de prova que a mesma natildeo se destinava ao traacutefico e a seccedilatildeo 11(d)
da Carta que dispotildee sobre o princiacutepio da presunccedilatildeo de inocecircncia R v Oakes [1986] 1 SCR 103 inteiro teor
da decisatildeo disponiacutevel emhttpsscc-csclexumcomscc-cscscc-cscenitem117indexdo
68 Para uma comparaccedilatildeo entre o teste de Oakes e a aplicaccedilatildeo do princiacutepio da proporcionalidade ver GRIMM
Dieter Porportionality in Canada and German Constitutional Jurisprudence University of Toronto Journal
62
Inicialmente a introduccedilatildeo do ldquoteste de Oakesrdquo parecia ter resolvido as
questotildees e duacutevidas relativas a aplicaccedilatildeo da Seccedilatildeo 1 da Carta Todavia a praacutetica mostrou
rapidamente que o teste natildeo resolvera todas as questotildees os julgamentos que se seguiram
demonstraram ainda existir um forte desacordo entre os membros da Corte sobre a aplicaccedilatildeo
da claacuteusula bem como dificuldades inerentes ao proacuteprio teste (ELLIOT 1986)
A aplicaccedilatildeo do teste por acabar induzindo uma postura mais ativista da
Corte e limitando a margem de atuaccedilatildeo do legislador foi muito discutida doutrinariamente
e tambeacutem no acircmbito da proacutepria Corte (TREMBLAY WEBBER 2008)69 Alguns membros
passaram a ver os desdobramentos da aplicaccedilatildeo do teste como uma expansatildeo injustificada
do Poder judicial em detrimento dos outros poderes pelo que comeccedilaram entatildeo a defender
a necessidade de uma atuaccedilatildeo mais contida (WEINRIB 2002 p 123)
Diante disso as anaacutelises mais recentes dos estudiosos a respeito da
aplicaccedilatildeo da seccedilatildeo 1 da Carta canadense passaram a demonstrar a adoccedilatildeo de uma conduta
mais deferente da Corte para com as medidas legislativas Neste sentido Dixon (2009) ao
analisar inuacutemeros julgados sugere a existecircncia de uma maior contenccedilatildeo da Corte ao lanccedilar
o que chama de ldquosegundo olharrdquo (second look cases) sobre o caso ou no segundo ldquoroundrdquo
do diaacutelogo
O que se percebe eacute que na praacutetica a aplicaccedilatildeo da Seccedilatildeo acaba sendo mais
problemaacutetica do que a teoria imaginava quando da sua criaccedilatildeo Haacute uma dificuldade latente
em estabelecer os limites de interferecircncia do Judiciaacuterio na liberdade de atuaccedilatildeo do
legislativo jaacute que o mesmo acaba tendo que realizar uma anaacutelise do meacuterito das escolhas
poliacuteticas do Legislativo que justifiquem a restriccedilatildeo ou limitaccedilatildeo de direitos e liberdades
Por outro lado se a Corte adota uma postura mais passiva optando por
natildeo interferir na atuaccedilatildeo legislativa e acatar suas escolhas ou ateacute mesmo deixar de adentrar
na anaacutelise do seu meacuterito aiacute tambeacutem haacute riscos Para Weinrib (2002) a postura deferente da
Corte eacute contraacuteria aos objetivos da Carta ignorando a reconstruccedilatildeo dos papeis institucionais
proposta por ela bem como a hierarquia especial dada aos direitos e liberdades nela
Vol 57 N 2 Spring 2007 pp 383-397 e TAVARES DA SILVA Suzana O tretalema do Controlo Judicial
da Porporcionalidade in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra Vol LXXXVIII Tomo
II 2012 pp 639-677 69 Para uma melhor compreensatildeo acerca da aplicaccedilatildeo do teste de Oakes ver CHOUDHRY Sujit So What is
the Real Legacy of Oakes Two Decades of Proportionally Analysis under the Canadian Charterrsquos Section 1
Supreme Court Law Review Vol 34 N 2d pp 501-525 2006
63
previstos assim defender a contenccedilatildeo da Corte seria ceder a primazia dos direitos e
liberdades agrave Poliacutetica enquanto que os legisladores devem estar preparados para arcar com
as responsabilidades das suas escolhas70
No tocante a utilizaccedilatildeo da Seccedilatildeo 1 da Carta pelo Legislativo Tushnet
(2009) destaca que a mesma tambeacutem se revela na praacutetica de certa forma problemaacutetica O
que a experiecircncia canadense mostrou foi que muitas vezes o legislativo utiliza-se da
prerrogativa concedida pela Carta para reeditar a mesma medida legislativa restritiva de
direitos jaacute apreciada e reprovada pelo Judiciaacuterio sem alteraccedilotildees substantivas apenas por
exemplo incluindo no preacircmbulo da lei justificativas usadas por juiacutezes em votos dissidentes
que aprovaram a medida estrateacutegia que ficou conhecida como ldquoin you face responserdquo
Exemplo claacutessico dessa praacutetica do legislador foi o que ocorreu no caso R
v OrsquoConnor71 onde foi discutida pela Suprema Corte Canadense a possibilidade do acusado
em processo penal de obter acesso agraves informaccedilotildees meacutedicas das viacutetimas
O entendimento que prevaleceu na Corte em uma votaccedilatildeo natildeo unacircnime
foi o de que o reacuteu teria direito ao acesso de registros possivelmente relevantes para a
resoluccedilatildeo do caso e mediante anaacutelise do juiz que deveria fazer um balanccedilo entre o direito
de defesa do acusado e o direito a privacidade das viacutetimas Os votos dissidentes defendiam
a exigecircncia de que para que o acusado tivesse acesso agraves informaccedilotildees meacutedicas das viacutetimas
comprovasse antecipadamente de forma substancial e robusta a imprescindibilidade das
70 ldquoI develop a critique of the deferential approach to judicial review under the Charter First it disregards
the prolonged well-informed and remarkably participatory debate that led to the Charterrsquos adoption
Particularly it disregards its fully and publicly articulated remedial purpose to withdraw certain interests
denominated as constitutional rights and freedoms from the give and take of the ordinary political process
Second it fails to take seriously the written product of that debate The deferential approach in effect creates
a hierarchy of rights lacking any discernible basis in the text and ignores the differentiation between rights
that the text does make It also disregards the carefully chosen terms of the limitation formulation drafted in
publicly televised parliamentary proceedings That text was expressly designed to include the technical legal
language of the postwar instruments in order to deliver the effective regime of rights-protection desired by
Canadians generally and in particular sought by those to whom the previous lack of rights-protection
mattered most Disregard of remedial purposes and text leads to the third failing insensitivity to the Charterrsquos
reconstruction of institutional roles The advocates of deference cede the primacy of guaranteed rights and
freedoms to ordinary politics on the ground that the representative accountable legislatures must take
responsibility for the political choices required In effect the polity reverts to the legislative policy-making role
that the Charter was designed to redesignrdquo (WEINRIB 2002 p 123)
71 R v OrsquoConnor [1995] 4 SCR 411 Iacutentegra da decisatildeo disponiacutevel em httpscc-csclexumcomscc-
cscscc-
cscenitem1323indexdor=AAAAAQAjUiB2LiBP4oCZQ29ubm9yIFsxOTk1XSA0IFMuQy5SLiA0MTE
B
64
informaccedilotildees
O Parlamento canadense respondeu ao julgamento da Corte com a ediccedilatildeo
de uma nova lei que visando resguardar o direito agrave privacidade das viacutetimas
consequentemente restringindo o direito de defesa do reacuteu estabelecia um procedimento mais
riacutegido para que o mesmo tivesse acesso agraves informaccedilotildees para fundamentar a restriccedilatildeo seguiu
os argumentos dos votos dissidentes
Essa lei foi objeto de anaacutelise pela Suprema Corte no caso R v Mills72 no
qual a Corte em total deferecircncia ao entendimento do Legislativo considerou que a limitaccedilatildeo
ao direito de defesa do acusado era legiacutetima modificando seu entendimento anterior mesmo
sem nenhum fato novo para tanto73
Para Kent Roach (2001) a resposta legislativa representou o seu
desacordo com a decisatildeo judicial utilizando-se da loacutegica dos votos dissidentes para impor o
seu entendimento sobre a Corte exemplificando assim o uso da ldquoin your face responserdquo
amparado pela prerrogativa da Seccedilatildeo 1 da Carta
Para alguns essa praacutetica eacute vista como uma forma de diaacutelogo74 todavia
natildeo eacute isenta de criacuteticas como se verificaraacute adiante pois pode acabar significando na praacutetica
mais um retorno ao sistema de supremacia parlamentar do que propriamente um sistema
dialoacutegico
1013 Princiacutepios e controle poliacutetico sobre a corte - aplicaccedilatildeo praacutetica
da seccedilatildeo 33
A previsatildeo contida na Seccedilatildeo 33 da Carta Canadense exemplifica a
segunda subcategoria das teorias de princiacutepios juriacutedicos segundo a qual o diaacutelogo se
consubstancia na realizaccedilatildeo do controle das decisotildees judiciais pelos poderes poliacuteticos no
caso da ocorrecircncia de erro de interpretaccedilatildeo
72 R v Mills 1999] 3 SCR 668 Iacutentegra da decisatildeo disponiacutevel em httpsscc-csclexumcomscc-cscscc-
cscenitem1751indexdo
73 Para uma criacutetica mais aprofundada do caso ver CAMERON Jamie Dialogue and Hierarchy in Charter
Interpretation A comment on R v Mills Alberta Law Review Vol 38 N 4 2001
74 Ver DIXON Rosalind The Supreme Court of Canada Charter Dialogue and Deference U of Chicago
Public Law Working Paper N 284
65
A seccedilatildeo 33 ficou conhecida como notwithstanding clause ou overriding
por permitir ao Parlamento a reediccedilatildeo de um texto legal limitador de direitos consagrados
na Carta nas seccedilotildees 2 e de 7 a 15 mesmo quando jaacute tenha sido objeto de reprovaccedilatildeo pelo
Judiciaacuterio pelo prazo maacuteximo de cinco anos75
A referida claacuteusula do overriding apesar de inovadora e do seu aparente
potencial promissor na reconfiguraccedilatildeo dos papeis institucionais na verdade encontrou pouca
aplicaccedilatildeo concreta sendo poucas vezes invocada pelo legislativo Roach (2001) por
exemplo defende ser preferiacutevel a utilizaccedilatildeo da Seccedilatildeo 1 para reeditar uma norma jaacute reprovada
pelo Judiciaacuterio do que fazer uso da Seccedilatildeo 33 que pode representar uma resposta agressiva
como se o Legislativo estivesse gritando para ganhar um debate
Ao mesmo tempo em que a Seccedilatildeo 33 torna a decisatildeo judicial
ldquoprovisoacuteriardquo podendo ser ultrapassada pelo Legislativo possibilitando assim um suposto
diaacutelogo eacute difiacutecil imaginar na praacutetica essa concretizaccedilatildeo O custo poliacutetico a ser suportado
pelo legislador nessa situaccedilatildeo eacute muito alto e nem sempre o mesmo pode estar disposto a
suportaacute-lo 76
Combater a decisatildeo judicial por meio da imposiccedilatildeo da lei conforme
possibilita a Seccedilatildeo 33 parece natildeo ter sido o caminho escolhido pelo legislador canadense jaacute
que a praacutetica revela o pouco usa da referida claacuteusula em detrimento da Seccedilatildeo 1
Apesar de natildeo ter sido muito utilizada pelo Legislativo em razatildeo do seu
alto custo poliacutetico a Corte em alguns casos utliza-se da possibilidade do legislador derrubar
75 33 (1) Parliament or the legislature of a province may expressly declare in an Act of Parliament or of the
legislature as the case may be that the Act or a provision thereof shall operate notwithstanding a provision
included in section 2 or sections 7 to 15 of this Charter Marginal noteOperation of exception (2) An Act or
a provision of an Act in respect of which a declaration made under this section is in effect shall have such
operation as it would have but for the provision of this Charter referred to in the declaration Marginal
noteFive year limitation (3) A declaration made under subsection (1) shall cease to have effect five years
after it comes into force or on such earlier date as may be specified in the declarationMarginal noteRe-
enactment (4) Parliament or the legislature of a province may re-enact a declaration made under
subsection (1)Marginal noteFive year limitation(5) Subsection (3) applies in respect of a re-enactment
made under subsection (4) Canadian Constitutional Act 1982
76 Eacute justamente o alto custo poliacutetico da utilizaccedilatildeo da Seccedilatildeo 33 que faz com que o legislativo opte por responder
de outra forma agrave decisatildeo judicial no caso de discordacircncia fazendo uso assim da Seccedilatildeo 1 na forma da ldquoin your
face responserdquo conforme falamos no toacutepico anterior Para uma criacutetica mais detalhada do assunto ver
TUSHNET Mark Weak Courts Strong Rights judicial review and social welfare rights in comparative
constitutional law Princeton University 2009 p 45-47
66
a decisatildeo judicial contida na Seccedilatildeo 33 para justificar suas decisotildees sejam elas mais ativistas
ou mais contidas como se percebe no julgamento Vriend v Alberta77
O caso em suma tratava de um professor universitaacuterio Delwin Vriend
que fora demitido apoacutes ter revelado sua opccedilatildeo sexual assumindo ser homossexual
Inconformado Vriend alegando a incompatibilidade da Individual Rights Protection Act
(IRPA) da proviacutencia de Alberta local onde ocorreu a demissatildeo com a Carta canadense
recorreu ao Judiciaacuterio para anular o ato A referida lei trazia em seu texto de forma expressa
os motivos pelos quais era vedada a discriminaccedilatildeo de qualquer cidadatildeo como raccedila cor
sexo cor da pele estado civil crenccedila religiosa dentre outros mas natildeo fazia menccedilatildeo agrave
orientaccedilatildeo sexual motivo pelo qual Vriend alegou a sua incompatibilidade
O caso foi inicialmente apreciado pelo Conselho de Direitos Humanos
de Alberta (Alberta Human Rights Board) que entendeu que a demissatildeo natildeo era nula eis
que a orientaccedilatildeo sexual natildeo era prevista legalmente como motivo de vedaccedilatildeo agrave
discriminaccedilatildeo A Court of Queenacutes Bench (Tribunal Superior equivalente a segunda
instacircncia recursal) de Alberta ao apreciar o recurso do professor considerou nula a
demissatildeo afirmando que embora a orientaccedilatildeo sexual natildeo estivesse expressamente prevista
na IRPA deveria ser considerada como se ali estivesse inserida em funccedilatildeo do princiacutepio da
igualdade assegurado pela Carta
A decisatildeo foi revista e modificada pela Alberta Court of Appeal por
entender que a IRPA lei em anaacutelise no caso era uma norma neutra natildeo se dirigia de maneira
especifica nem a heterossexuais nem a homossexuais e por isso natildeo haveria qualquer
incompatibilidade com a Carta
O caso foi levado a julgamento pela Suprema Corte canadense que
afirmou a incompatibilidade da IRPA com a Carta e ao mesmo tempo que declarou a
incompatibilidade da lei em razatildeo da mesma ser omissa por natildeo incluir a previsatildeo da
proibiccedilatildeo de discriminaccedilatildeo por motivo de orientaccedilatildeo sexual justificou expressamente sua
conduta na metaacutefora do diaacutelogo
A Corte em sua decisatildeo mais especificamente dos paraacutegrafos 134 a 138
invocou a possibilidade de superaccedilatildeo da decisatildeo judicial pelo Legislativo por meio do uso
77 Vriend v Alberta [1998] 1 SCR 493 Iacutentegra da decisatildeo disponiacutevel em httpscc-csclexumcomscc-
cscscc-cscenitem1607indexdo
67
da notwishstanding clause prevista na Seccedilatildeo 33 da Carta afirmando ser um mecanismo
propiciador do diaacutelogo justificando assim a legitimidade democraacutetica da sua decisatildeo e do
exerciacutecio do judicial review
Sendo assim ainda que natildeo tenha sido muito utilizada para o objetivo
inicial a que se propocircs natildeo se pode ignorar o papel da Seccedilatildeo 33 na Carta canadense
principalmente pelo que a sua falta de utilizaccedilatildeo revela78
1014 Criacuteticas as teorias estruturais dos princiacutepios juriacutedicos
Apesar do aparente potencial dialoacutegico das teorias dos princiacutepios
juriacutedicos por possibilitarem por meio de mecanismos especiacuteficos que o Legislativo responda
ou reaja a decisatildeo judicial as mesmas natildeo satildeo isentas de criacuteticas
Assim como as teorias dialoacutegicas fundadas no meacutetodo judicial abordadas
anteriormente as teorias dos princiacutepios juriacutedicos com mecanismo de articulaccedilatildeo legislativa
da poliacutetica traduzidas na praacutetica na Seccedilatildeo 1 da Carta Canadense privilegiam a interpretaccedilatildeo
do Judiciaacuterio em detrimento do posicionamento legislativo o que natildeo resolve o problema da
legitimidade democraacutetica inerente a judicial review (BATEUP 2006)
Como dito as teorias estruturais dos princiacutepios juriacutedicos estabelecem
uma metodologia dialoacutegica que reconhece um papel privilegiado concedido ao Judiciaacuterio
para lidar com questotildees de princiacutepios fundada no seu suposto isolamento poliacutetico que lhe
atribui vantagem como deliberador moral Todavia a praacutetica demonstra que esse pressuposto
isolamento poliacutetico natildeo necessariamente refletiraacute nas decisotildees da Corte
Embora o sistema canadense seja apontado como o marco inicial das
teorias dialoacutegicas o que a experiecircncia revela com a praacutetica da metodologia de diaacutelogo nele
prevista eacute que apesar da possibilidade de resposta legislativa e de uma ainda que apenas
78 Para Hiebert o fato da quase inexistente utilizaccedilatildeo da Seccedilatildeo 33 pelo legislativo revela a relutacircncia do
parlamento canadense em tomar decisotildees que possam por em risco a sua imagem de oacutergatildeo comprometido com
a proteccedilatildeo dos direitos e liberdades assegurados pela Carta por acreditarem que a derrubada de uma decisatildeo
judicial pode acarretar o repuacutedio da populaccedilatildeo Destaca que essa situaccedilatildeo ficou evidente nas eleiccedilotildees federais
de 2014 quando o Governo liberal marcou pontos poliacuteticos preciosos ao criticar veementemente Stephen
Harper liacuteder do partido conservador o qual natildeo descartava o uso da claacuteusula natildeo obstante pois a maioria dos
canadenses interpretam o uso da mesmo como uma violaccedilatildeo aos direitos protegidos na Carta o que expressa
um ceticismo acerca da legitimidade dos desacordos poliacuteticos com as interpretaccedilotildees judiciais apesar de tais
divergecircncias serem constitucionalmente permitidas (HIEBERT 2006 p 20)
68
formal maior liberdade de atuaccedilatildeo parlamentar expressamente conferida pela Seccedilatildeo 1 da
Carta ao fim e ao cabo quem iraacute decidir de fato eacute a Corte jaacute que a ela incumbe a anaacutelise da
proporcionalidade da medida legislativa
A utilizaccedilatildeo pelo Legislativo dos mecanismos normativamente previstos
no sistema canadense como propiciadores de um diaacutelogo com a Corte acarretam um alto
custo poliacutetico Em um primeiro plano pode-se observar que o uso dos mesmos de forma
regular pode acarretar prejuiacutezo ao significado e ateacute mesmo reduzir a importacircncia do
instituto da revisatildeo judicial enviando um claro sinal de que as opiniotildees judiciais muitas
vezes natildeo satildeo dignas de respeito jaacute que podem facilmente ser suplantadas pela iniciativa
parlamentar
Somado a isso tem-se em segundo plano o alto niacutevel de apoio popular
que o sistema judicial recebe que faz com que mesmo que a utilizaccedilatildeo dos meacnismos natildeo
ataque diretamente o Judiciaacuterio como instituiccedilatildeo em si haja uma provaacutevel exigecircncia puacuteblica
do cumprimento das decisotildees judicias em desfavor de mecanismos de overriding pelo
menos em relaccedilatildeo aqueles casos de maior relevacircncia
Esses dois aspectos elevam demasiadamente os custos poliacuteticos da
atuaccedilatildeo legislativa influenciando para que mecanismos como o previsto na Seccedilatildeo 33 que
resultam em uma substituiccedilatildeo de decisatildeo judicial sejam pouco ou quase nada utilizados na
praacutetica (BATEUP 2009 p 566)
Ainda supondo uma hipoteacutetica utilizaccedilatildeo da previsatildeo contida na Seccedilatildeo
33 fundada em um controle das decisotildees judicias pelo Legislativo quando considerar que
houve erro no julgamento feito pelo Judiciaacuterio poderia se assemelhar muito mais a um
modelo de supremacia parlamentar do que um mecanismo propiciador de um diaacutelogo
substancial entre ambos os poderes79
Tushnet (2009) alerta dessa maneira para o fato de que sob o ponto de
vista praacutetico o sistema canadense em muito pouco se difere do modelo tradicional
americano onde haacute uma prevalecircncia das decisotildees judiciais
Alguns criacuteticos tambeacutem apontam para o fato de que a existecircncia formal
da ldquoclaacuteusula natildeo obstanterdquo no sistema pode levar a uma atuaccedilatildeo irresponsaacutevel do Judiciaacuterio
69
que ciente da possibilidade de correccedilatildeo e superaccedilatildeo da sua decisatildeo pelo Poder Legislativo
natildeo se esforccedilaraacute na busca por emanar as melhores decisotildees80
Outro ponto importante de criacutetica o qualeacute fortemente destacado por
Bateup (2006 p49) eacute o fato de essas teorias possuiacuterem uma contradiccedilatildeo intriacutenseca muito
forte ao mesmo tempo que defendem uma competecircncia privilegiada do Judiciaacuterio para lidar
com questotildees de princiacutepios propotildeem que a supervisatildeo poliacutetica eacute necessaacuteria para se proteger
contra a possibilidade de erro judicial
Eacute questionaacutevel a maneira como o legislador chegaraacute a conclusatildeo que o
Judiciaacuterio incorreu em erro jaacute que natildeo haacute nenhuma teoria interpretativa que explicite de
forma objetiva como isso deve ser verificado na praacutetica deixando uma margem de
apreciaccedilatildeo muito ampla e subjetiva parecendo muito mais uma forma de simples superaccedilatildeo
da decisatildeo judicial do que uma efetiva correccedilatildeo
Sendo assim natildeo se vislumbra na praacutetica canadense a efetivaccedilatildeo de um
verdadeiro diaacutelogo sob o ponto de vista material podendo-se aferir apenas a possibilidade
de uma conversaccedilatildeo entre os poderes onde o Judiciaacuterio ldquofalardquo e o Legislativo ldquoescutardquo ou vice-
versa sugerindo mais uma ideia de monoacutelogo do que propriamente de diaacutelogo jaacute que na
realidade natildeo haacute um efetivo debate nem a construccedilatildeo conjunta de uma decisatildeo
Poreacutem apesar das criacuteticas se reconhece a importacircncia da praacutetica
deflagrada pelo sistema canadense que mesmo que apenas formalmente possibilita uma
interaccedilatildeo legislativa no processo de controle de constitucionalidade mediante a utilizaccedilatildeo de
mecanismos criados propriamente para esse fim especiacutefico o que ateacute entatildeo natildeo existia na
jurisdiccedilatildeo constitucional
80 Nesse sentido ver PETTER Andrew Taking Dialogue theory much too seriously (or perhaps charter
dialogue isnrsquot such a good thing after all) Osgoode Law Journal v 45 n1 p147-167 2007 A criacutetica
desenvolvida por Andrew Petter faz parte das que se seguiram apoacutes o estudo desenvolvido por Petter Hogg e
Alisson Bushell Para o Autor a tese dos mesmos eacute desprovida de conteuacutedo normativo e subestima a influecircncia
que as decisotildees judiciais exercem no processo de tomada de decisotildees poliacuteticas e em todos os outros aspectos
da vida poliacuteticas O Autor critica veementemente a metodologia adotada pelos dois autores no tocante a anaacutelise
jurisprudencial que os levou a concluir pela existecircncia do diaacutelogo no sistema canadense dentre outros
importantes aspectos por isso sugerimos a leitura
70
11 As teorias dialoacutegicas da parceira
Agrupam-se nessa categoria de teorias estruturais do diaacutelogo aquelas
que apostam nos mecanismos institucionais como a melhor forma de promoccedilatildeo do diaacutelogo
reconhecem o papel igualmente importante tanto dos atores judiciais como dos natildeo judiciais
no processo de tomada de uma decisatildeo constitucional
De acordo com essas teorias tanto o Judiciaacuterio quanto o Legislativo
devem ter seu papel reforccedilado dentro do processo de interpretaccedilatildeo constitucional sendo
reconhecidas as capacidades e competecircncias especiacuteficas de cada um de modo que repartam
a responsabilidade das decisotildees
Ao contraacuterio das teorias dos princiacutepios juriacutedicos para essas teorias natildeo
haacute um polo privilegiado reconhecem as diferentes competecircncias de cada braccedilo do poder
poreacutem defendem uma atuaccedilatildeo colaborativa entre eles na interpretaccedilatildeo constitucional sem
qualquer hierarquia
Bateup (2006 p 71) destaca as ideias de Janet Hiebert como exponente
dessas teorias eis que a referida Autora ao analisar a experiecircncia Canadense na aplicaccedilatildeo da
Carta de 1982 critica a passividade do Legislativo em face da intervenccedilatildeo judicial em
assuntos de poliacutetica puacuteblica argumentando que a interpretaccedilatildeo constitucional deve ser uma
responsabilidade compartilhada entre os Tribunais e o Parlamento
Hibert (2002) defende uma ldquoabordagem relacionalrdquo mediante a
combinaccedilatildeo entre a perspectiva judicial e legislativa para as interpretaccedilotildees da Carta Alega
que o fato de estarem separados Legislativo e Judiciaacuterio poreacutem interligados dentro da ordem
constitucional faz com quem ambos estejam aptos a se engajar em um diaacutelogo no qual cada
um deve ter certo grau de modeacutestia sobre suas proacuteprias conclusotildees e ouvir o outro a fim de
um aprendizado reciacuteproco e conforme necessaacuterio modificar seu ponto de vista
Nesse sentido criacutetica a teoria dialoacutegica de Bushell e Hogg sobretudo por
atribuiacuterem agrave Corte um papel corretivo incompatiacutevel com a ideia do compartilhamento de
responsabilidade inerente ao diaacutelogo Para a Autora natildeo deve ser atribuiacutedo agrave Corte o papel
de conduzir o diaacutelogo mas sim reconhecidas as capacidades diferentes de cada instituiccedilatildeo
do Poder as quais enxergam os problemas por prismas diferentes
71
Demonstra por meio desse entendimento que o Judiciaacuterio natildeo seria a
instacircncia mais bem posicionada para avaliar a escolha dos meios feita pelo legislador para
alcanccedilar seus objetivos mas sim para fiscalizar a qualidade da deliberaccedilatildeo e o empenho
despendido para fazer o balanceamento entre direitos e seus limites
Essa fiscalizaccedilatildeo acabaria por aumentar a responsabilidade do
Legislativo jaacute que precisaraacute convencer o Judiciaacuterio da necessidade da limitaccedilatildeo imposta e
do seu cuidado e compromisso com a proteccedilatildeo dos direitos81
111 Criacuteticas agrave teoria da parceria
No tocante a legitimidade democraacutetica da revisatildeo judicial das leis pode-
se dizer que essas teorias comparadas as demais ateacute aqui expostas demonstram maior
aptidatildeo para solucionar o problema pois oferecem uma resposta satisfatoacuteria a objeccedilatildeo
contramajoritaacuteria ao natildeo reconhecerem nenhuma posiccedilatildeo superior ao Judiciaacuterio em relaccedilatildeo
aos demais poderes mas sim reforccedilando a ideia de separaccedilatildeo de poderes e funccedilotildees
especiacuteficas sendo estas igualmente importantes no processo de interpretaccedilatildeo constitucional
Do ponto de vista teoacuterico a ideia parece ideal sobretudo por reforccedilar o
princiacutepio da separaccedilatildeo de poderes aumentando a responsabilidade institucional e
respeitando as competecircncias teacutecnicas e especiacuteficas de cada braccedilo do Poder como se idealiza
Todavia a sua dificuldade praacutetica eacute tatildeo evidente que natildeo conseguimos sequer vislumbrar
um exemplo concreto da efetivaccedilatildeo dessa teoria
Apesar disso deve ser considerada e reconhecida a sua importacircncia por
servir como um objetivo a ser alcanccedilado como um ponto de referecircncia que se deve buscar
implementar na praacutetica apesar das latentes dificuldades
Para Bateup essas teorias seriam praticamente perfeitas se comparadas
com as outras para alcanccedilar os objetivos a que as teorias dialoacutegicas se propotildeem poreacutem
pecam por natildeo considerar a necessidade da participaccedilatildeo social no diaacutelogo Diante disso a
Autora propotildee uma outra metodologia que a seu ver seria a ideal a qual passamos a expor
81 ldquoThe extent to wich Parliament will be able to convince the judiciary about the merits of how it believes
Charter conflicts should be resolved may be a direct reflection of the extent of its commitment to careful and
principled judgment To a considerable degree Parliament is likely get the kinds of judicial rulings ir
deservesrdquo (HIEBERT 2002 p 227)
72
12 Fusatildeo dialoacutegica
A metodologia de diaacutelogo ideal proposta por Bateup consiste na fusatildeo
entre os elementos das teorias da parceria e do equiliacutebrio que resultaria na forma mais
promissora do diaacutelogo constitucional por permitir uma compreensatildeo mais abrangente dos
diferentes aspectos institucionais e sociais possibilitando a participaccedilatildeo de diferentes atores
no processo de interpretaccedilatildeo constitucional (BATEUP 2006 p 77)
Na concepccedilatildeo da Autora a fusatildeo dialoacutegica seria o modelo ideal de
diaacutelogo pois por meio dos elementos proacuteprios da teoria da parceria se resolveriam as
controveacutersias acerca da legitimidade democraacutetica do judicial review reforccedilando a
competecircncia e atuaccedilatildeo das instituiccedilotildees aumentando a responsabilidade das mesmas pelas
suas decisotildees e atividades e por outro lado por meio dos elementos das teorias do
equiliacutebrio se promoveria a inclusatildeo da sociedade no debate reconhecendo o papel do
Judiciaacuterio como mediador da discussatildeo sem no entanto atribuir-lhe o poder da palavra final
Como aprimoramento das outras teorias a fusatildeo dialoacutegica propotildee a
noccedilatildeo do papel do Judiciaacuterio como um facilitador do debate na sociedade sobre os principais
temas do constitucionalismo para que mediante dele se alcance um resultado mais
duradouro e aceitaacutevel no seio social
Sendo assim em siacutentese o que Bateup propotildee eacute que a criacutetica inicialmente
feita agrave teoria do equiliacutebrio relativa a existecircncia de problemas constitucionais menos
relevantes em que natildeo seria necessaacuterio - nem recomendaacutevel - a abertura de um debate no
seio social seria superada pela metodologia da teoria da parceria surgindo assim um modelo
mais ldquocorretordquo de diaacutelogo
Sob essa perspetiva a revisatildeo judicial das leis teria como consequecircncia
dois aspectos distintos dentro da sociedade moderna Em primeiro lugar seria um
mecanismo auxiliador na produccedilatildeo de respostas mais duraacuteveis e amplamente aceitaacuteveis em
relaccedilatildeo a questotildees constitucionais que envolvam diaacutelogo com a sociedade como um todo e
em segundo tambeacutem auxiliaria na promoccedilatildeo de uma melhor resoluccedilatildeo institucional de
questotildees constitucionais no acircmbito de casos individuais (BATEUP 2006 p 78)
73
121 Criacuteticas agrave teoria da fusatildeo dialoacutegica
Aqui repetem-se as criacuteticas feitas no toacutepico acima acerca da teoria da
parceria acrescentando-se a essas as atinentes agrave inclusatildeo da participaccedilatildeo da sociedade como
participantes do diaacutelogo
A ideia de Bateup parece sob o ponto de vista da legitimidade
democraacutetica do controle de constitucionalidade ideal para superar todas as desconfianccedilas
pois combina os melhores elementos da teoria da parceria e ainda inclui a participaccedilatildeo
social que nesse vieacutes eacute de fundamental importacircncia
De todas as teorias ateacute aqui expostas parece ser a uacutenica a prever a
concretizaccedilatildeo de um diaacutelogo material facilitando a ocorrecircncia de um verdadeiro debate entre
os participantes do processo de interpretaccedilatildeo constitucional a fim de encontrar um consenso
Todavia as dificuldades residentes na implementaccedilatildeo dessa concepccedilatildeo
teoacuterica na praacutetica satildeo inuacutemeras primeiramente pela limitaccedilatildeo dos provaacuteveis meios para
inclusatildeo da sociedade no debate e depois pelos riscos que essa inclusatildeo pode oferecer
Incluir a sociedade civil em um debate atinente a realizaccedilatildeo de poliacuteticas
puacuteblicas para a efetivaccedilatildeo de direitos fundamentais pode ser extremamente perigoso pois a
pressatildeo social pode levar a tomadas de decisotildees irresponsaacuteveis pelos entes puacuteblicos bem
como pode acabar privilegiando uma ou outra parcela da populaccedilatildeo que esteja ativa no
debate em detrimento de outra Com isso pode haver o favorecimento dos interesses de
grupos minoritaacuterios o que nem sempre pode ser considerado favoraacutevel do ponto de vista
democraacutetico
Neste sentido ainda que a metodologia proposta po Bateup seja
aparentemente a mais promissora para resolver o conflito que ronda a legitimidade
democraacutetica do controle judicial das leis natildeo se pode tomaacute-la como uma verdade absoluta
sendo necessaacuterio criterioso cuidado na sua anaacutelise
13 Os mecanismos estruturais de diaacutelogo no sistema britacircnico e neozelandecircs
Como jaacute se abordou brevemente no iniacutecio do presente trabalho o novo
modelo canadense de revisatildeo judicial das leis por ser uma alternativa agrave tradicional forma de
supremacia judicial acabou por influenciar outros paiacuteses da Commonwealth de tradiccedilatildeo
74
parlamentar justamente pela sua promessa de conciliaccedilatildeo entre a supremacia legislativa e a
revisatildeo judicial no tocante a proteccedilatildeo de direitos fundamentais
Assim inspirados nesse novo modelo de judicial review paiacuteses como o
Reino Unido e Nova Zelacircndia ao reconhecerem a necessidade de uma tutela especial aos
direitos fundamentais adotaram sistemas que tambeacutem possuem mecanismos que propiciam
uma forma ldquofracardquo de revisatildeo judicial
O ponto em comum que ambos os sistemas possuem eacute o fato que o
Judiciaacuterio natildeo deteacutem poder para invalidar a legislaccedilatildeo ou seja permanecem pelo menos em
teoria em um sistema onde a supremacia parlamentar ainda se faz presente Todavia diante
da necessidade de assegurar a eficaacutecia dos direitos fundamentais que passaram a fazer parte
do Bill of Rights acabaram por introduzir em seu sistema alguns mecanismos que mitigaram
essa supremacia condicionando o legislador a observaccedilatildeo de tais direitos
Ambos os sistemas possuem assim a figura do mandado interpretativo
que em suma permite ao Judiciaacuterio o exerciacutecio da revisatildeo das leis ainda que natildeo possa
invalidaacute-las e lhe impotildee a tarefa de no momento que for analisar a legislaccedilatildeo interpretaacute-la
conforme os preceitos do Bill of Rights
Apesar de ser o mesmo mecanismo ele se desdobra na praacutetica de
maneiras diversas em cada paiacutes em face das suas peculiaridades razatildeo pela qual se analisaraacute
ambos os sistemas de forma autocircnoma
131 O mandado interpretativo e a declaraccedilatildeo de incompatibilidade no reino
unido (seccedilatildeo 3 e 4 (2) do human rights act 1998)
Como se sabe o Reino Unido eacute considerado o berccedilo da soberania
parlamentar onde ateacute recentemente cabia a este oacutergatildeo a apreciaccedilatildeo e resoluccedilatildeo de problemas
constitucionais tendo o Judiciaacuterio pouca ou quase nenhuma expressatildeo nesse sentido
O reconhecimento da competecircncia do Judiciaacuterio para a realizaccedilatildeo da
revisatildeo das leis foi um processo gradativo Apoacutes a Revoluccedilatildeo Gloriosa e a promulgaccedilatildeo do
Bill of Rights ambas as Casas do Parlamento inglecircs (House of Common e House of Lords)
75
passaram a deter competecircncia exclusiva para receber e apreciar as peticcedilotildees advindas dos
tribunais inferiores 82
Posteriormente jaacute exercendo a Cacircmara dos Lordes tal funccedilatildeo de modo
exclusivo veio a lume o Appellate Jurisdiction Act (1876) por intermeacutedio do qual foi criada
a figura dos lordes de apelaccedilatildeo (Lords of Appeal in Ordinary ou Law Lords) juiacutezes altamente
qualificados que deveriam se dedicar exclusivamente agraves questotildees judiciais submetidas ao
Parlamento Tais juiacutezes passaram a integrar o que veio a ser denominado Comissatildeo de
Apelaccedilatildeo da Cacircmara dos Lordes (Appellate Committee) e exercendo apenas a funccedilatildeo
jurisdicional deixaram de participar das votaccedilotildees do Parlamento (natildeo obstante tenham
permanecido como membros de tal Poder) (LARANJEIRA 2013)
Nesse contexto na estrutura constitucional inglesa cabia ao Parlamento
natildeo apenas a funccedilatildeo legislativa que lhe eacute inerente mas tambeacutem a atuaccedilatildeo como oacutergatildeo de
cuacutepula judicial Essa concepccedilatildeo era decorrente da inexistecircncia de uma constituiccedilatildeo escrita
formalmente superior as demais normas83 razatildeo pela qual o legislador acabava por ter uma
autonomia ilimitada para editar modificar e anular as leis
O ponto inicial de mudanccedila dessa estrutura foi a adoccedilatildeo do Human
Rights Act 199884 que entrou em vigor em 2 de outubro de 2000 e introduziu no
ordenamento juriacutedico interno os princiacutepios fundamentais jaacute enunciados pela Convenccedilatildeo
Europeia de Direitos do Homem85 A adoccedilatildeo desse documento representou uma mudanccedila
significativa na cultura legal do paiacutes porque as autoridades puacuteblicas passaram a ser
obrigadas a obedecer novas normas antes consideradas apenas no acircmbito internacional e
com isso quaisquer accedilotildees do Governo ou outros organismos puacuteblicos que natildeo cumprissem
82 Para um maior aprofundamento sobre a histoacuteria estrutura e composiccedilatildeo do Parlamento britacircnico ver
LEYLAND Peter The Constituion of the United Kingdom a contextual analysis Oxford 2007 p 81-114
83 Necessaacuterio destacar que embora natildeo exista um documento formal intitulado de Constituiccedilatildeo atribui-se esse
mesmo sentido ao ldquo() conjunto de praacuteticas instituiccedilotildees e remeacutedios processuais que determina a estruturaccedilatildeo
poliacutetica do Estado com o adequado controle e distribuiccedilatildeo do poder aleacutem do apontamento de garantias
fundamentais em favor dos cidadatildeos ()rdquo (CYRINO 2007)
84 Eacute importante esclarecer que antes da adoccedilatildeo do HRA o Reino Unido jaacute havia ratificado a Convenccedilatildeo
Europeia de Direitos do Homem em 1951 o que acarretou severesos conflitos de normas A necessidade de
conciliaccedilatildeo desses conflitos normativos pode ser considerada como um dos motivos que ensejaram a adoccedilatildeo
do HRA
85 A adoccedilatildeo desse documento foi tambeacutem decorrente de importantes conflitos poliacuteticos que acabaram por
enfraquecer a ideia de supremacia parlamentar ateacute entatildeo intocaacutevel sobretudo pelas constriccedilotildees decorrentes da
entrada na Uniatildeo Europeia que obrigou o paiacutes a estabelecer um documento legal de proteccedilatildeo de direitos
fundamentais com status qualificado Nesse sentido ver TUSHNET 2008 p 28
76
com a Convenccedilatildeo passaram a poder serem consideradas como ilegais tambeacutem no acircmbito
interno (LEYLAND 2007)
A partir de entatildeo passou-se a travar debates atinentes a necessidade de
ampliaccedilatildeo de um sistema de revisatildeo judicial das leis a fim de dar eficaacutecia ao documento e
consolidar a sua hierarquia qualificada perante as demais leis86
A mudanccedila do sistema onde ateacute entatildeo o controle das leis era feito por
um oacutergatildeo poliacutetico parte do proacuteprio Parlamento se consolidou com a aprovaccedilatildeo do
Constitution Reform Act em 2005 o qual passou a prever a criaccedilatildeo da Suprema Corte que
foi instalada mais recentemente no ano de 2009 e marcou a consolidaccedilatildeo de um oacutergatildeo
judicial independente do legislativo87
O HRA ao introduzir no odernamento juriacutedico interno os princiacutepios e
direitos previstos na Convenccedilatildeo Europeia na Seccedilatildeo 388 determinou que tanto quanto fosse
possiacutevel a legislaccedilatildeo primaacuteria e a legislaccedilatildeo subordinada devem ser interpretadas visando a
compatibilidade com os preceitos da Convenccedilatildeo
Ou seja o mandado interpretativo consiste na imposiccedilatildeo as Cortes do
dever de se esforccedilarem para interpretar as leis de acordo com o HRA Tambeacutem eacute denominado
por alguns doutrinadores de poder interpretativo (interpretative power) visto que possibilita
86 Sobre o impacto do HRA na cultura britacircnica Gadbaum (2001 p 732) destaca ldquoThere is no doubt that in
the British legal and constitutional context the mere existence of a set of codified constitutes a radical change
in legal and political culture independent of the exact form and legal status that they possess This is because
it replaces the existing conception of civil liberties as residual in nature ndash citizens are free to do whatever
statute common law and delegated legislation do not prohibit them from doing ndash with a primary or affirmative
set of rights that limit what citizens may be prohibited from doing in the first placerdquo
87 Leyland (2007 p 154) esclarece que a Suprema Corte britacircnica natildeo foi criada com o objetivo de ser um
Tribunal constitucional em suas palavras ldquoThe Supreme Court will not be established as a constitutional court
although of course it will have to preside over cases that raise constitutional issues and it will take over from
the Judicial Committee of the Privy Council jurisdiction over lsquodevolution issuesrsquo arising from the Scotland Act
1998 Government of Wales Act 1998 and Northern Ireland Act 1998rdquo
88 Interpretation of legislation (1)So far as it is possible to do so primary legislation and subordinate
legislation must be read and given effect in a way which is compatible with the Convention rights (2)This
sectionmdash (a)applies to primary legislation and subordinate legislation whenever enacted (b)does not affect
the validity continuing operation or enforcement of any incompatible primary legislation and (c)does not
affect the validity continuing operation or enforcement of any incompatible subordinate legislation if
(disregarding any possibility of revocation) primary legislation prevents removal of the incompatibility (HRA
1998)
77
a modificaccedilatildeo do significado das leis inicialmente conferido pelo Palamento a fim de
compatibilizaacute-las com a Convenccedilatildeo89
Todavia quando natildeo for possiacutevel uma interpretaccedilatildeo compatiacutevel a lei
natildeo pode ser invalidada permanecendo em pleno vigor podendo ser aplicada e invocada em
qualquer procedimento legal O que deve existir nesses casos eacute a emissatildeo de uma declaraccedilatildeo
de incompatibilidade onde a Corte pronunciaraacute o seu entendimento mas este natildeo teraacute
nenhum efeito direto ou concreto sobre a validade da norma90
A manifestaccedilatildeo do Judiciaacuterio por meio da declaraccedilatildeo de
incompatibilidade apesar de natildeo acarretar a nulidade da lei ao tornar puacuteblico o conflito da
mesma com os direitos assegurados pelo HRA gera um inegaacutevel constrangimento poliacutetico
Poreacutem o Parlamento continua a ser soberano eis que eacute ele que decide se a norma ainda que
declaradamente incompatiacutevel continuaraacute vigente como antes (CYRINO 2007)
Tendo em vista o constrangimento poliacutetico causado pela declaraccedilatildeo de
incompatibilidade alguns autores defendem ser esse um mecanismo propulsor de uma
resposta do Parlamento agraves decisotildees da Corte de forma a alterar a lei para eliminar a
incompatibilidade apontada pelas Cortes bem como de uma maior responsabilidade para
com a observacircncia dos direitos do HRA quando da formulaccedilatildeo das leis a fim de evitar uma
futura incompatibilidade
Um reconhecido e importante exemplo dessa praacutetica ocorreu no
julgamento do caso A and Others v Secretary of State for the Home Departament91 onde o
Governo britacircnico foi acusado de minar direitos individuais por meio da criaccedilatildeo da lei Anti
terrorismo crime e seguranccedilas de 2001 por permitir a detenccedilatildeo por tempo indeterminado
de estrangeiros suspeitos da praacutetica de terrorismo
89 ldquoThis section confers an interpretative power which allows the courts to consider legislation and transform
it by stretching its meaning where it is possible to do so in order to achieve Convention compatibilityThis
marks a significant shift of power from Parliament to judges since the courts are able to rewrite sections of
Acts by reading into them words that are not there and by doing so remove potential conflicts with the
Conventionrdquo (LEYLAND 2007 p 171)
90 4 (2) If the court is satisfied that the provision is incompatible with a Convention right it may make a
declaration of that incompatibility (HRA 1998)
91 A and Others v Secretary of State for the Home Departament (2004) UKHL Iacutentegra disponiacutevel em
httpwwwpublicationsparliamentukpald200405ldjudgmtjd041216aampoth-1htm
78
Nesse caso um grupo de suspeitos que estava detido em Belmarsh haacute
trecircs anos suscitou o conflito da lei com os direitos e garantias assegurados no HRA O
Comitecirc Judicial da Cacircmara dos Lordes emitiu uma declaraccedilatildeo de incompatibilidade da
referida legislaccedilatildeo poreacutem como a mesma natildeo provoca a nulidade os suspeitos continuaram
detidos Contudo a condenaccedilatildeo da legislaccedilatildeo ocasionou uma resposta do Governo
A declaraccedilatildeo de incompatibilidade acabou persuadindo o Governo a
editar uma nova lei utilizando uma outra abordagem para controlar os suspeitos de
terrorismo de forma a superar a incompatibilidade verificada e dessa maneira foi editada a
lei de Anti Terrorismo de 2005 (Prevention of Terrorism Act 2005)
Nesse sentido a declaraccedilatildeo de incompatibilidade pode ser lida sob a
oacutetica das teorias dialoacutegicas92 eis que quase sempre que for emitida ensejaraacute uma resposta do
Governo ou do Parlamento no sentido de modificar a lei para eliminar a incompatibilidade
diante de uma provaacutevel pressatildeo puacuteblica intensa nesse sentido e pelo proacuteprio interesse puacuteblico
em fazecirc-lo
Ademais o Governo e o Parlamento dificilmente iratildeo ignorar o conflito
revelado entre a legislaccedilatildeo e o HRA tambeacutem considerando que a viacutetima da violaccedilatildeo manteacutem
o direito de recorrer ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem alegando uma violaccedilatildeo a
Convenccedilatildeo Europeacuteia pelas normas internas (DEBELJAK 2002 p317)
Sob essa perspectiva a declaraccedilatildeo de incompatibilidade seria um
instrumento ideal para possibilitar um diaacutelogo entre o Judiciaacuterio e o Parlamento na tarefa da
interpretaccedilatildeo e execuccedilatildeo dos direitos fundamentais O HRA confere uma voz formal ao
Judiciaacuterio a qual pode ser colocada em praacutetica mediante a utilizaccedilatildeo deste instrumento com
o objetivo de envolver o legislativo no debate (SCHYFF 2010 p 188)
Complementando essa ideia Seccedilatildeo 1093 do HRA prevecirc mecanismos
que possibilitam uma alteraccedilatildeo da legislaccedilatildeo de forma mais raacutepida que pelo procedimento
92 ldquoThe notion of declarations of incompatibility is congruent with the principle of democratic inclusion The
deliberative process continues via an inter-institutional dialogue ensuring that no arm of government has a
monopoly on the final resolution of the defining commitments of society (hellip) According to the Human Rights
White Paper (UK) a judicial declaration of incompatibility is part of an inter-institutional dialogue A
declaration of incompatibility lsquowill almost certainly prompt the Government and parliament to change the lawrsquo
and lsquothe Government would have to consider and in most cases would consider the position pretty rapidlyrdquo
(DEBELJAK 2002p317)
93 ldquoSection 10 (Power to take remedial action) (1)This section applies ifmdash (a) a provision of legislation has
been declared under section 4 to be incompatible with a Convention right and if an appeal liesmdash (i)all persons
79
comum denominados remedial actions A Seccedilatildeo 1994 ainda estabelece uma forma de
controle preacutevio da legislaccedilatildeo a ser realizado pelo Ministro
Em razatildeo disso o sistema de revisatildeo judicial das leis instituiacutedo no Reino
Unido vem sendo apontado por alguns doutrinadores como um sistema dialoacutegico Contudo
por oacutebvio haacute objeccedilotildees conforme se passaraacute a demonstrar
1311 Criacuteticas agrave experiecircncia britacircnica
Apesar de ainda ser muito cedo para proferir um pronunciamento firme
sobre a nova praacutetica implementada no Reino Unido pelo HRA (HIEBERT 2006) jaacute se
consegue vislumbrar na doutrina algumas criacuteticas valiosas a seu respeito
Em suma as duacutevidas sobre a sustentabilidade deste modelo residem na
imprevisibilidade do comportamento poliacutetico que ao mesmo tempo pode favorecer um
recuo ao antigo modelo da soberania parlamentar como pode tambeacutem acabar se
aproximando ao tradicional modelo norte-americano onde haacute uma evidente supremacia
judicial
who may appeal have stated in writing that they do not intend to do so (ii)the time for bringing an appeal has
expired and no appeal has been brought within that time or (iii)an appeal brought within that time has been
determined or abandoned or (b) it appears to a Minister of the Crown or Her Majesty in Council that having
regard to a finding of the European Court of Human Rights made after the coming into force of this section in
proceedings against the United Kingdom a provision of legislation is incompatible with an obligation of the
United Kingdom arising from the Convention (2)If a Minister of the Crown considers that there are compelling
reasons for proceeding under this section he may by order make such amendments to the legislation as he
considers necessary to remove the incompatibility (3)If in the case of subordinate legislation a Minister of
the Crown considersmdash (a) that it is necessary to amend the primary legislation under which the subordinate
legislation in question was made in order to enable the incompatibility to be removed and (b)that there are
compelling reasons for proceeding under this section he may by order make such amendments to the primary
legislation as he considers necessary (4)This section also applies where the provision in question is in
subordinate legislation and has been quashed or declared invalid by reason of incompatibility with a
Convention right and the Minister proposes to proceed under paragraph 2(b) of Schedule 2 (5)If the legislation
is an Order in Council the power conferred by subsection (2) or (3) is exercisable by Her Majesty in Council
(6)In this section ldquolegislationrdquo does not include a Measure of the Church Assembly or of the General Synod
of the Church of England (7)Schedule 2 makes further provision about remedial ordersrdquo Human Rights Act
1998
94 ldquoSection 19 (Statements of compatibility) (1)A Minister of the Crown in charge of a Bill in either House of
Parliament must before Second Reading of the Billmdash (a) make a statement to the effect that in his view the
provisions of the Bill are compatible with the Convention rights (ldquoa statement of compatibilityrdquo) or (b)make
a statement to the effect that although he is unable to make a statement of compatibility the government
nevertheless wishes the House to proceed with the Bill (2)The statement must be in writing and be published
in such manner as the Minister making it considers appropriaterdquo Human Rights Act 1998
80
Neste sentido as criacuteticas se assemelham agraves crtiacuteticas jaacute disparadas contra
o sistema canadense95 o que nos conduz a percepccedilatildeo de que talvez seja uma caracteriacutestica
comum a todos os modelos concluindo que por melhor e mais elaborado que seja o sistema
de revisatildeo judicial das leis sua concretizaccedilatildeo sofreraacute dificuldades por questotildees de cunho
subjetivo tendo a cultura local de cada paiacutes grande influecircncia nessa praacutetica
Ou seja o grau de comprometimento de cada braccedilo do Poder seja com
a busca pela efetivaccedilatildeo de direitos ou com a preservaccedilatildeo da soberania parlamentar iraacute
influenciar diretamente na forma de utilizaccedilatildeo dos mecanismos dialoacutegicos colocados a
disposiccedilatildeo
Eacute importante notar que o HRA ao mesmo tempo que preserva a
supremacia da legislaccedilatildeo jaacute que a mesma natildeo pode ser invalidada por outro oacutergatildeo que natildeo
o proacuteprio Parlamento acaba por conferir um papel de destaque ao Judiciaacuterio no processo de
interpretaccedilatildeo e efetivaccedilatildeo dos direitos fundamentais
A Seccedilatildeo 3 ao instituir o mandado interpretativo atribui grande
influecircncia ao entendimento do Judicaacuterio na definiccedilatildeo do sentido das leis ao passo que a
declaraccedilatildeo de incompatibilidade apesar do seu potencial dialoacutegico demonstrado acima na
praacutetica tambeacutem faz com que prevaleccedila esse entendimento jaacute que a tendecircncia eacute que os outros
oacutergatildeos sigam a interpretaccedilatildeo judicial no sentido de modificar a lei garantindo a preservaccedilatildeo
dos direitos fudamentais assegurados pelo HRA e pela CEDH (DEBELJAK 2002)
Hiebert (2004 p 1983) ao tratar da experiecircncia britacircnica chama a
atenccedilatildeo para o fato de que apesar da clara intenccedilatildeo dos proponentes do HRA de manter o
princiacutepio da soberania parlamentar natildeo houve muita discussatildeo sobre como esse princiacutepio
iria se relacionar com os julgamentos do Judiciaacuterio sobre direitos
Revela que as pesquisas realizadas por meio da anaacutelise de debates
parlamentares deliberaccedilotildees poliacuteticas e comentaacuterios acadecircmicos sobre o assunto
demonstram pouca consideraccedilatildeo dos criteacuterios condiccedilotildees e circunstacircncias em que o Governo
deve explicitamente discordar das interpretaccedilotildees do HRA feitas pelo Judiciaacuterio
O que se percebe da anaacutelise do sistema de revisatildeo judicial das leis
desenvolvido pelo Reino Unido eacute que muito embora o Judiciaacuterio natildeo detenha a uacuteltima
95 Ver toacutepico 1014
81
palavra natildeo podendo invalidar a legislaccedilatildeo o mandado interpretativo lhe confere um poder
de interpretaccedilatildeo muito amplo podendo mudar o sentido da lei inicialmente conferido pelo
legislador o que pode contribuir para uma forma de supremacia judicial
Aleacutem do que o amplo uso do mesmo pode acabar levando os juiacutezes a
natildeo exprimirem as suas verdadeiras opiniotildees sobre a legislaccedilatildeo camuflando assim uma falsa
compatibilidade o que natildeo eacute desejaacutevel sob o ponto de vista constitucional sobretudo quando
se busca uma efetiva proteccedilatildeo de direitos
Neste sentido seria preferiacutevel que o mandado interpretativo fosse visto
apenas como uma diretriz uma tentativa e natildeo uma obrigaccedilatildeo e que os juiacutezes procurassem
usar em todas as vezes que entederem que uma legislaccedilatildeo natildeo eacute compatiacutevel com a
declaraccedilatildeo de direitos seu poder de declaraccedilatildeo Entretanto natildeo haacute como determinar que o
Judiciaacuterio aja dessa forma pelo que a declaraccedilatildeo de incompatibilidade pode ser utilizada
frequentemente ou como uma medida de uacuteltimo recurso
Os teoacutericos que acreditam na possiacutevel existecircncia de um diaacutelogo no
sistema britacircnico tendem a considerar que o uso frequumlente da Seccedilatildeo 3 pelas Cortes ou seja
o amplo exerciacutecio do poder interpretativo sob o ponto de vista democraacutetico eacute menos
desejaacutevel do que a emissatildeo de declaraccedilotildees de incompatibilidade pois ele daacute ao Judiciaacuterio a
uacuteltima palavra ao menos que seja ou ateacute que seja revista pelo Parlamento (BATEUP 2009
p 547)
Diante do exposto percebe-se que a materializaccedilatildeo de um diaacutelogo na
forma esperada dentro do sistema britacircnico iraacute depender efetivamente do comportamento do
Judiciaacuterio por meio das suas escolhas jaacute que pode optar por exercer o mandado interpretativo
a qualquer custo mudando fundamentalmente o sentido da legilaccedilatildeo bem como pode optar
pela emissatildeo da declaraccedilatildeo de incompatibilidade deixando espaccedilo para a atuaccedilatildeo
Parlamentar no sentido de superar a deficiecircncia da lei Ou seja mais uma vez revela-se na
praacutetica dialoacutegica a importacircncia das escolhas feitas pelas instituiccedilotildees no momento da sua
atuaccedilatildeo
Ademais eacute duvidoso se pode-se afirmar que na melhor das hipoacuteteses
quando o Judiciaacuterio declara uma lei incompatiacutevel e o Parlamento responde a essa declaraccedilatildeo
haacute um diaacutelogo do ponto de vista material eis que natildeo se verifica a interaccedilatildeo entre os Poderes
82
no momento da tomada de decisatildeo o compartilhamento de suas visotildees para a construccedilatildeo do
sentido constitucional
O que haacute eacute mais uma atuaccedilatildeo singular de cada um O Judiciaacuterio tendo
que interpretar a legislaccedilatildeo de acordo com o HRA sem poder invalidaacute-la e o Legislativo
tendo que responder a essa interpretaccedilatildeo quando a mesma for contraacuteria aquela por ele
realizada inicialmente seja no sentido de modificar a legislaccedilatildeo superando a
incompatibilidade apontada pelo Judiciaacuterio ou fazer prevalecer o seu entendimento se assim
achar correto
Todavia ainda que recente a praacutetica tem demonstrado que na quase
totalidade dos casos em que houve uma resposta do Parlamento a uma declaraccedilatildeo de
incompatibilidade a mesma foi no sentido de acolher a opiniatildeo judicial para modificar a lei96
o que demonstra uma tendecircncia desse sistema em acolher a decisatildeo judicial ainda que a
mesma natildeo tenha formalmente o poder de invalidar a lei
132 O mandado interpretativo na experiecircncia neozelandesa
A Nova Zelacircndia assim como o Reino Unido tambeacutem possui um
constitucionalismo de tradiccedilatildeo parlamentar A adoccedilatildeo de um documento formal que visasse
agrave proteccedilatildeo de direitos fundamentais soacute ocorreu em 1990 com a aprovaccedilatildeo do New Zeland
Bill of Rights Act (NZBORA)
A principal caracteriacutestica que difere o sistema Neozelacircndes dos demais
eacute o fato de que o NZBORA natildeo possui uma hierarquia superior as demais leis ordinaacuterias do
paiacutes ou seja eacute um diploma desprovido de qualquer supremacia ou rigidez dentro do
ordenamento juriacutedico Essa caracteriacutestica faz com que o mesmo pelo menos teoricamente
possa ser revogado integralmente ou em parte por qualquer maioria legislativa posterior
(TUSHNET 2009 p 25)
96 ldquoGreater doubts about the behavioral assumptions underpinning weak-form dialogue theory emerge when
we consider the responses that responses that these declarations have elicited from the political branches of
government If Parliament were responding in the manner advocated by weak-form dialogue theorist we would
expect to see disagreement with judicial declarations being regularly expressed or at the very least on
occasion Contrary to these expectations however the British Parliament has almost universally responded
to judicial declarations of incompatibility by amending or repealing the relevant primary legislation in
accordance with the courtrsquos rulingrdquo (BATEUP 2009 p 549)
83
Aleacutem de possuir status de lei ordinaacuteria o NZBORA exclui
expressamente a possibilidade de anulaccedilatildeo das leis pelo Judiciaacuterio97 e determina que este
sempre que for interpretar qualquer dispositivo legal o faccedila em conformidade com o Bill of
Rights98 As seccedilotildees 4 a 7 trazem provisotildees que evitam o engajamento do Judiciaacuterio em uma
revisatildeo substantiva dos atos do Parlamento ratificando a supremacia parlamentar como um
princiacutepio constitucional da Nova Zelacircndia (HIEBERT KELLY 2015 p 62)
Ao contraacuterio do que ocorre no modelo britacircnico na Nova Zelacircndia o
Judiciaacuterio natildeo pode emitir qualquer declaraccedilatildeo de incompatibilidade o que para alguns
doutrinadores afasta a caracterizaccedilatildeo desse sistema como um judicial review jaacute outros o
caracterizam como um sistema ldquosuper fracordquo de revisatildeo judicial
Diante disso parece inicialmente que o NZBORA natildeo possui entatildeo
qualquer influecircncia importante dentro do ordenamento juriacutedico daquele paiacutes entretanto ao
contraacuterio do que parece o mesmo foi responsaacutevel por profundas mudanccedilas na legislaccedilatildeo
interna justamente por funcionar como um documento interpretativo geral servindo de
diretriz para a atuaccedilatildeo do legislativo
Neste sentido Gardbaum (2001 p 728) ensina que embora o NZBORA
possua um status juriacutedico de um estatuto legal comum eacute um documento geral que determina
como deve ser dado o sentido a todas as outras leis ordinaacuterias natildeo por meio da disposiccedilatildeo de
um conjunto de regras interpretativas mas sim pela enunciaccedilatildeo de direitos substantivos
Assim o NZBORA protege os direitos nele contidos por meio do dever
de interpretaccedilatildeo que coloca sobre os tribunais nos termos da Seccedilatildeo 6 e pelo consequente
custo poliacutetico que impotildee ao legislador de a adotar uma medida que viole claramente um
direito protegido ou que natildeo possa ser lida como consistente com ele (GARDBAUM 2001
p 729)
97 ldquoSection 4 (Other enactments not affected) No court shall in relation to any enactment (whether passed or
made before or after the commencement of this Bill of Rights)mdash (a)hold any provision of the enactment to be
impliedly repealed or revoked or to be in any way invalid or ineffective or (b)decline to apply any provision
of the enactmentmdash by reason only that the provision is inconsistent with any provision of this Bill of Rightsrdquo
New Zeland Bill of Rights Act 1990
98 ldquoSection 6 (Interpretation consistent with Bill of Rights to be preferred) Wherever an enactment can be given
a meaning that is consistent with the rights and freedoms contained in this Bill of Rights that meaning shall
be preferred to any other meaningrdquo New Zeland Bill of Rights Act 1990
84
No julgamento do caso R v Hansen99 a Suprema Corte esclareceu a
correta abordagem metodoloacutegica do judicial review a ser utilizada para reforccedilar os direitos
previstos no NZBORA afirmando que primeiramente a Corte deve buscar o significado
original que o Parlamento pretendeu atribuir a medida legislativa apoacutes analisar se o mesmo
eacute compatiacutevel com o NZBORA se houver uma aparente inconsistecircncia deve averiguar se a
mesma eacute razoaacutevel ao abrigo do que dispotildee a Seccedilatildeo 5 Se entender pela desarrazoabilidade
entatildeo deve buscar uma interpretaccedilatildeo diferente que se coadune com a declaraccedilatildeo de direitos
e por fim quando isto natildeo for possiacutevel deveraacute prevalecer entatildeo o significado original
atribuiacutedo pelo Parlamento (HIEBERT KELLY 2015 p63)
Essa metodologia resulta de uma cultura judicial fortemente
influenciada pelo princiacutepio da supremacia legislativa Nesta perspectiva o NZBORA
introduz um importante instrumento processual na Seccedilatildeo 7100 mediante o qual o Procurador
Geral eacute obrigado a examinar todas as propostas de lei e informar ao Parlamento quando for
detectada qualquer incompatibilidade entre uma disposiccedilatildeo legal e os direitos e garantias
assegurados pela Declaraccedilatildeo
O fundamento de tal medida parece consistir justamente em evitar a
aprovaccedilatildeo de medidas legislativas incompatiacuteveis com o Bill of Rights estabelecendo uma
forma preventiva de controle ainda que natildeo tenham o condatildeo de impossibilitar a aprovaccedilatildeo
da lei mesmo quando incompatiacutevel mas servindo de alerta ao Parlamento e assim
aumentando a sua responsabilidade pois arcaraacute com os custos poliacuteticos de suas decisotildees
Em que pese o NZBORA proiacuteba o Judiciaacuterio de emitir qualquer
pronunciamento formal sobre a incompatibilidade de medidas legislativas o New Zeland
Human Rights Act adotado em 1993 prevecirc a possibilidade de uma declaraccedilatildeo judicial de
inconsistecircncia como remeacutedio apropriado para os casos de discriminaccedilatildeo
Assim somente nos casos em que se discute o direito a igualdade o
99 R v Hansen (2007) NZSC 7 Iacutentegra disponiacutevel em httpwwwnzliiorgcgi-
binsinodispnzcasesNZSC20077htmlquery=hansen20nzsc
100 ldquoSection 7 (Attorney-General to report to Parliament where Bill appears to be inconsistent with Bill of
Rights) Where any Bill is introduced into the House of Representatives the Attorney-General shallmdash (a)in
the case of a Government Bill on the introduction of that Bill or (b)in any other case as soon as practicable
after the introduction of the Billmdash bring to the attention of the House of Representatives any provision in the
Bill that appears to be inconsistent with any of the rights and freedoms contained in this Bill of Rightsrdquo New
Zeland Bill of Rights Act 1990
85
Judiciaacuterio quando natildeo encontrar uma interpretaccedilatildeo da lei que seja razoaacutevel e compatiacutevel
com os direitos assegurados Bill of Rights poderaacute emitir um documento formal que ateste a
inconsistecircncia no intuito de dar ciecircncia ao Parlamento da incompatibilidade Em todas as
outras questotildees relativas a direitos fundamentais eacute vedado ao Judiciaacuterio comportamento
semelhante101
O modelo Neozelandecircs assim como os demais que adotam uma forma
fraca de revisatildeo judicial das leis eacute considerado por alguns estudiosos como dialoacutegico por
natildeo ser a interpretaccedilatildeo judicial considerada conclusiva ou definitiva mas sim
possibilitadora de uma interaccedilatildeo legislativa pois por meio do poder de interpretaccedilatildeo
atribuiacutedo ao Judiciaacuterio o legislativo se sentiria constgrangido a adotar medidas favoraacuteveis a
proteccedilatildeo de direitos evitando uma futura incompatibilidade das leis com o NZBORA
1321 Criacuteticas ao modelo neozelandecircs
A principal criacutetica ao modelo neozelandecircs reside na duacutevida se o mesmo
pode ser caracterizado como um judicial review perante a evidecircncia da supremacia
parlamentar e da falta de possibilidade do Judiciaacuterio de sequer emitir uma declaraccedilatildeo de
incompatibilidade das leis sugerindo assim a ausecircncia de uma forma concreta de controle
judicial
O que se percebe da anaacutelise desse sistema eacute que o mesmo apesar de ter
favorecido a implementaccedilatildeo de uma cultura de proteccedilatildeo de direitos fundamentais na Nova
Zelacircndia por meio da adoccedilatildeo do NZBORA e da previsatildeo do mandado interpretativo que de
alguma forma influencia o Parlamento a editar leis compatiacuteveis com a declaraccedilatildeo
restringindo o antes ilitimidado poder de criaccedilatildeo deste oacutergatildeo natildeo haacute como se falar
concretamente na existecircncia de um ldquodiaacutelogo institucionalrdquo
Apesar de alguns doutrinadores otimistas apontarem a praacutetica do
mandado interpretativo na experiecircncia neozelandesa como uma forma de diaacutelogo entre os
101 Eacute necessaacuterio que esclarecer que muito tem sido discutido sobre a possibilidade de uma emissatildeo formal de
declaraccedilatildeo de incompatibilidade pelo Judiciaacuterio no sistema Neozelandecircs Haacute estudiosos que defendam a
necessidade de uma mudanccedila legislativa nesse sentido todavia os entendimentos jurisprudencias mais recentes
indicam que as perspectivas para a adoccedilatildeo dessa possibilidade formal ainda satildeo precaacuterias Ver GINSBURG
Claudia On a Road to Nowhere Implied Declarations of Inconsistency and the New Zeland Bill of Rights
Victoria University of Wellington Law Review 40 613-47 2009
86
poderes existem muitas criacuteticas a tal afirmaccedilatildeo sob o argumento de que o que haacute na
realidade eacute total a prevalecircncia do Poder Legislativo
O NZBORA emerge como um documento de caraacuteter essencialmente
interpretativo baseado em uma implementaccedilatildeo parlamentar Essa caracteriacutestica
interpretativa apesar de reforccedilada pela abordagem judicial ainda estaacute muito ligada a
supremacia parlamentar pronfudamente enraizada no constitucionalismo neozelacircndes e a
essa forma de envolvimento Parlamento natildeo pode nem na melhor das hipoacuteteses ser vista
como uma forma de diaacutelogo (HIEBERT KELLY 2015)
A falta de mecanismos formais ao alcance do Judiciaacuterio para poder
declarar a incompatibilidade de uma medida legislativa com a declaraccedilatildeo de direitos reduz
em grande escala a possibilidade da ocorrecircncia de um diaacutelogo entre os poderes poliacuteticos
Nesse sentido Geiringer (2009 p 647-647) aduz que a experiecircncia
Neozelandesa demonstra que a maioria dos juiacutezes natildeo se sentem confortaacuteveis quando
colocados a exercer o papel de criacuteticos do legislativo justamente pela arraigada cultura
parlamentar presente neste modelo e que a melhor e mais raacutepida forma de mudar essa
mentalidade seria por meio da atribuiccedilatildeo de uma poder formal para declarar a inconsistecircncia
das leis
Sendo assim a possibilidade de um efetivo diaacutelogo entre os Poderes
dentro do sistema da Nova Zelacircndia na forma em que hoje se afigura eacute escassa e limitada
jaacute que a supremacia parlamentar ainda eacute muito forte e evidente
87
CAPIacuteTULO 3 ndash AS TEORIAS DIALOacuteGICAS NO SISTEMA DE JURSIDICcedilAtildeO
CONSTITUCIONAL BRASILEIRO UMA POSSIBILIDADE
Da exposiccedilatildeo feita no capiacutetulo anterior podemos concluir que natildeo haacute
uma forma preacute definida para a ocorrecircncia do diaacutelogo podendo ele se manifestar por meio
das mais diversas praacuteticas e sob perspectivas teoacutericas diferentes a depender da cultura
histoacuterica e poliacutetica do paiacutes em que estaacute inserido
Apesar de ser um tema ainda pouco explorado pela doutrina brasileira
que ainda se centra primordialmente nos estudos das teorias interpretativas nos parece
importante verificar se haacute a possibilidade da aplicaccedilatildeo das teorias dialoacutegicas no Brasil mais
ainda se podemos identificar algum indiacutecio da sua praacutetica nos julgados do STF
Por isso na sequecircncia se buscaraacute por meio da anaacutelise de alguns casos
concretos constatar como e em que medida os diaacutelogos institucionais se manifestam no
sistema brasileiro a fim de revelar quais os traccedilos das teorias dialoacutegicas presentes nesse
sistema
Oportunamente se esclarece que os casos selecionados para anaacutelise satildeo
resultado do controle concentrado de constitucionalidade quando o Supremo Tribunal
Federal exerce seu papel de guardiatildeo da constituiccedilatildeo102 Fez-se essa opccedilatildeo por ser este tipo
de controle o ponto de maior relevacircncia e confronto entre a atuaccedilatildeo do STF e sua relaccedilatildeo
com o Legislativo pois eacute onde haacute uma anaacutelise judicial direta e abstrata da atuaccedilatildeo legislativa
que daacute origem a uma decisatildeo judicial com efeitos erga omnes
A anaacutelise de casos ocorridos no acircmbito do controle concentrado de
constitucionalidade torna-se ainda mais interessante do que a de casos derivados do controle
difuso se levarmos em conta que neste uacuteltimo a reaccedilatildeo legislativa eacute disciplinada pela proacutepria
Constituiccedilatildeo Federal por meio do inciso X do artigo 52 que atribui ao Senado a
competecircncia para suspender a execuccedilatildeo de lei declarada inconstitucional natildeo havendo
102 O art 102 da Constituiccedilatildeo Federal Brasileira atribui expressamente ao STF o papel de guardiatildeo da
Constiticcedilatildeo cabendo-lhe julgar originariamente accedilatildeo direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo
federal ou estadual e a accedilatildeo declaratoacuteria de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal
88
portanto grandes controveacutersias a esse respeito103
Deve ser esclarecido ainda que apesar de no capiacutetulo anterior ter-se
feito referecircncia as teorias que prescrevem a realizaccedilatildeo de um diaacutelogo social no presente
capiacutetulo a anaacutelise se centraraacute apenas em casos onde os atores participantes do processo de
interpretaccedilatildeo constitucional satildeo os poderes institucionalizados excluindo-se os casos onde
se fala na inclusatildeo da sociedade Destaca-se isso porque hoje a realizaccedilatildeo de audiecircncias
puacuteblicas e a convocaccedilatildeo de ldquoamigos da corterdquo durante o processo constitucional tem sido
uma praacutetica comum poreacutem complexa utilizada pelo Supremo Tribunal brasileiro104
Portanto entende-se que seria temeraacuterio invocar aqui casos envolvendo
esses mecanismos populares sem trataacute-los com a devida profundidade dando atenccedilatildeo a todos
os aspectos controversos que a anaacutelise requer Por esses motivos a anaacutelise centra-se apenas
casos onde figuram como atores o Poder Legislativo e o Poder Judiciaacuterio
Ressalta-se que o objetivo do estudo natildeo eacute analisar de forma exaustiva
a jurisprudecircncia brasileira ateacute mesmo porque para tanto seria necessaacuterio um trabalho
dedicado inteiramente agrave esse objetivo Pretende-se verificar e ilustrar como as teorias
dialoacutegicas podem ser encontradas na praacutetica brasileira por meio de importantes julgados
proferidos pelo Supremo Tribunal Federal identificando os elementos dialoacutegicos neles
presentes e as correspondentes teorias
Para fazer a anaacutelise dos casos e identificar seus aspectos dialoacutegicos seraacute
utilizado como base aleacutem das teorias expostas no capiacutetulo anterior a descriccedilatildeo de diaacutelogo
convencional proposta por Tushnet (2012 p 3-13) a qual se estrutura da seguinte forma
1ordm O legislador promulga uma lei rarr 2ordm o estatuto enfrenta um desafio
no Tribunal Constitucional rarr 3ordm O Tribunal invalida o estatuto rarr 4ordm o Tribunal na decisatildeo
103 Necessaacuterio destacar eu haacute uma divergecircncia na doutrina brasileira acerca da discricionariedade do poder
atribuiacutedo ao Senado por forccedila do art 52 X da CF88 Nos filiamos a doutrina minoritaacuteria segundo a qual o
Senado possui a faculdade de suspender a lei e natildeo a obrigaccedilatildeo jaacute que a decisatildeo judicial exarada no exerciacutecio
do controle de constitucionalidade disfuso possui efetios inter partes Sob essa loacutegica pode-se enxergar tal
previsatildeo constitucional como um mecanismo dialoacutegico pois natildeo deixa ser um instrumento de reaccedilatildeo legislativa
agrave decisatildeo judicial que complementa o controle judicial e de certa forma estendendo os efeitos da sua decisatildeo
104 Exemplo emblemaacutetico dessa praacutetica eacute a ADI 3510 onde foi apreciada a inconstitucionalidade da Lei de
Bioseguranccedila em especial no tocante a possibilidade de pesquisas utilizando ceacutelulas tronco e o STF
reconhecendo a complexidade do tema convou a realizaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas onde forma ouvidas vaacuterias
entidadas organizadas da sociedade civil e a particiaccedilatildeo de diversas pessoas na qualidade de ldquoamigos da corterdquo
para compartilhar conhecimento teacutecnico que o Tribunal assumir natildeo possuir para julgar o caso
89
indica algumas formas especiacuteficas em que o estatuto eacute incompatiacutevel com a Constituiccedilatildeo ou
oferece a melhor interpretaccedilatildeo das disposiccedilotildees constitucionais rarr 5ordm O legislativo responde
revendo o estatuto e corrigindo as deficiecircncias apontadas pelo Tribunal ou reedita o estatuto
sem alteraccedilotildees rarr 6ordm O estatuto eacute novamente desafiado rarr 7ordm O Tribunal lida com o desafio
e se abre para um novo debate defendendo o estatuto ou verifica se as modificaccedilotildees do
estatuto foram suficientes para torna-lo compatiacutevel ou estatildeo aqueacutem e ensejam uma nova
invalidaccedilatildeo
Ou ainda 1ordm A Constituiccedilatildeo impotildee ao legislador o dever de legislar
sobre um toacutepico especiacutefico rarr 2ordm O Tribunal identifica falhas na atuaccedilatildeo legislativa
entendendo que a mesma eacute insuficiente para satisfazer o seu dever ou verifica a ausecircncia de
atuaccedilatildeo rarr 3ordm indica ao legislativo as falhas ou a omissao exigindo a tomada de medidas no
sentido de cumprir o seu dever constitucional
Dito isso passa-se a anaacutelise dos casos concretos
14 Julgamento da accedilatildeo direta de inconstitucionalidade nordm 2797df ndash a suacutemula
394 do STF e a lei nordm 106282002
a) Breve resumo do caso
A antiga Suacutemula105 394 do STF editada em 3 de abril de 1964 a qual
dispunha que cometido o crime durante o exerciacutecio funcional prevalece a competecircncia
especial por prerrogativa de funccedilatildeo ainda que o inqueacuterito ou a accedilatildeo penal sejam iniciados
apoacutes a cessaccedilatildeo daquele exerciacutecio foi cancelada por unanimidade em sessatildeo plenaacuteria da
Corte realizada em 30042007
Os argumentos para o cancelamento do referido verbete giraram
basicamente em torno da defesa de que a prerrogativa de foro visa garantir o exerciacutecio do
105 A Suacutemula eacute um instituto juriacutedico muito presente no Direito brasileiro que consiste em um verbete que
registra a interpretaccedilatildeo paciacutefica ou majoritaacuteria de um determinado Tribunal a partir do julgamento de variados
casos concretos a fim de tornar puacuteblico a sociedade o seu entendimento e promover uma uniformizaccedilatildeo das
decisotildees judiciais Em regra natildeo possui efeito vinculante servindo apenas de diretriz poreacutem quando for votada
e aprovada pelo STF por pelo menos 23 do plenaacuterio se torna um entendimento obrigatoacuterio a ser observado
por todos os outros Tribunais e juiacutezes bem como pelos entes da Admnistraccedilatildeo Puacuteblica conforme determina o
Artigo 103-A da Constituiccedilatildeo Federal de 1988
90
cargo e natildeo o seu ocupante sendo assim uma vez que o indiacuteviduo deixa o cargo natildeo deve
fazer jus ao privileacutegio eis que o mesmo eacute inerente ao cargo e natildeo um direito subjetivo assim
atribuir o privileacutegio quando jaacute natildeo mais haacute o exerciacutecio da funccedilatildeo violaria o princiacutepio da
igualdade
Foi entatildeo consolidado pela Corte o entendimento de que deixando o
cargo definitivamente independentemente do motivo o ex-titular natildeo teraacute direito a processo
e julgamento em oacutergatildeo jurisdicional distinto daquele que teria qualquer outro cidadatildeo
Apesar da sedimentaccedilatildeo desse entendimento no acircmbito do STF em
dezembro de 2002 foi promulgada a Lei nordm 106282002 que alterou o artigo 84 do Coacutedigo
de Processo Penal brasileiro para inserir o sect1ordm com a seguinte redaccedilatildeo ldquoa competecircncia
especial por prerrogativa de funccedilatildeo relativa a atos administrativos do agente prevalece
ainda que o inqueacuterito ou a accedilatildeo judicial sejam iniciados apoacutes a cessaccedilatildeo do exerciacutecio da
funccedilatildeo puacuteblicardquo
Foi arguida a inconstitucionalidade do mencionado dispostivo legal por
meio de accedilatildeo direta de inconstitucionalidade proposta pela Associaccedilatildeo Nacional dos
Membros do Ministeacuterio Puacuteblico ndash CONAMP Ao fim do julgamento foi declarada a
inconstitucionalidade material e formal da lei essa uacuteltima com base no argumento de que
uma lei ordinaacuteria natildeo poderia vir a superar uma interpretaccedilatildeo constitucional jaacute realizada pelo
Supremo
Os aspectos relevantes do caso para a anaacutelise pretendida residem
justamente na tentativa do Legislativo de superar uma interpretaccedilatildeo constitucional jaacute
consolidada pela Suprema Corte e natildeo tanto no meacuterito relativo a constitucionalidade
material da norma
O caso eacute emblemaacutetico no cenaacuterio brasileiro por ter despertado um
interessante debate acerca da possibilidade de reaccedilatildeo legislativa a uma interpretaccedilatildeo
constitucional proferida pelo STF o que em muito contribui para a nossa anaacutelise sobre a
possibilidade de um diaacutelogo institucional no sistema brasileiro
Passa-se entatildeo a exposiccedilatildeo das importantes variaacuteveis do debate de
acordo com os votos proferidos pelos Ministros na ocasiatildeo do julgamento
91
b) Debate acerca da possibilidade de reediccedilatildeo de uma lei anteriormente declarada
inconstitucional pelo STF
O relator do caso Ministro Sepuacutelveda Pertence em seu voto o qual foi
seguido pela maioria iniciou a fundamentaccedilatildeo da inconstitucionalidade do dispostivo legal
sob anaacutelise naquela ocasiatildeo afirmando que o mesmo constitui evidente reaccedilatildeo legislativa ao
cancelamento da Suacutemula 394 Destacou que a redaccedilatildeo legal se aproxima substancialmente
da que foi proposta em seu voto vencido pela maioria na ocasiatildeo da deliberaccedilatildeo sobre o
cancelamento do verbete
Afirmou que o cancelamento da Suacutemula decorreu de interpretaccedilatildeo
direta e exclusiva da Contituiccedilatildeo e natildeo pela inexistecircncia de lei ordinaacuteria que o regulasse
Diante disso formulou entatildeo a seguinte indagaccedilatildeo lei ordinaacuteria eacute instrumento normativo
apto agrave alterar jurisprudecircncia assente do STF fundada em interpretaccedilatildeo direta e exclusiva da
Constituiccedilatildeo
Argumentou construindo uma resposta negativa agrave indagaccedilatildeo embora
reconhecendo que as decisotildees da Corte em sede de controle concentrado natildeo vinculam o
Poder Legislativo mas tatildeo somente os demais oacutergatildeos do Judiciaacuterio e o Poder Executivo
Assim concluiu que a ediccedilatildeo de uma lei no sentido contraacuterio de uma decisatildeo do Tribunal
natildeo infere necessariamente um descumprimento dessa decisatildeo estando o Legislativo livre
para agir nesse sentido todavia a medida editada seraacute inevitavelmente considerada
inconstitucional a menos que a Corte recue em seu posicionamento anterior sobre o assunto
Neste ponto o Ministro propocircs uma reflexatildeo diferenciando a
inconstitucionalidade material e formal da lei No seu entender se a lei reeditada pretender
impor com seu objeto imediato uma interpretaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo ela seraacute eivada de uma
inconstitucionalidade formal pois uma lei de hierarquia inferior natildeo pode ditar a
interpretaccedilatildeo de uma norma hierarquicamente superior
Poreacutem quando a lei editada pelo legislativo for de conteuacutedo similar ao
de uma outra jaacute declarada inconstitucional deveraacute ser feita anaacutelise acerca da
inconstitucionalidade material pois a Corte natildeo estaacute vinculada ao seu entendimento anterior
podendo mudar de opiniatildeo sobre o assunto em um novo debate
92
Neste sentido merece destaque o seguinte trecho do voto
ldquoAdmitir pudesse a lei ordinaacuteria inverter a leitura pelo Supremo Tribunal
da Constituiccedilatildeo seria dizer que a interpretaccedilatildeo constitucional da Corte
estaria sujeita ao referendo do legislador ou seja que a Constituiccedilatildeo ndash
como entendida pelo oacutergatildeo que ela proacutepria erigiu em guarda da sua
supremacia ndash soacute constituiria a Lei Suprema na medida da inteligecircncia que
lhe desse outro oacutergatildeo constituiacutedo o legislador ordinaacuterio ao contraacuterio
submetido aos seus ditamesrdquo
O Ministro Eros Grau em voto divergente discordou do entendimento
traccedilado no voto do relator no aspecto da inadmissibilidade da interpretaccedilatildeo constitucional
por lei ordinaacuteria afirmando que todo ato legislativo em alguma medida envolve a
interpretaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo por parte de quem legisla
Concluiu pela inexistecircncia de inconstitucionalidade formal da Lei nordm 10
62802 com base no fundamento de que o Poder Legislativo natildeo fica vinculado por um
dever de natildeo legislar em razatildeo da Corte ter conferido alguma interpretaccedilatildeo constitucional
Sendo entatildeo admissiacutevel que o Legislativo reedite uma lei contraacuteria a interpretaccedilatildeo
constitucional jaacute proferido pelo STF todavia esta lei fatalmente sucumbiraacute agrave anaacutelise da
inconstitucionalidade material jaacute que a uacuteltima palavra deveraacute ser dada pela Corte
O Ministro Gilmar Mendes acompanhou a divergecircncia lanccedilando
argumentos diferentes que enriqueceram o debate os quais satildeo de grande importacircncia para
a anaacutelise que se faraacute s na sequecircncia razatildeo pela qual transcreve-se aqui alguns dos principais
trechos
(hellip) Penso que natildeo eacute possiacutevel admitir que o legislador ordinaacuterio tenha a
sua liberdade totalmente tolhida pelas declaraccedilotildees de constitucionalidade
ou inconstitucionalidade do Tribunal Eacute adequado e prudente inclusive
que tais atos legislativos sejam apreciados a partir de um dado contexto
institucional
Eacute de se ressaltar que se de um lado a Constituiccedilatildeo atribui a este Supremo
Tribunal Federal a tarefa de guarda da integridade da ordem juriacutedico-
constitucional de outro eacute assente que o seu texto esta sujeito a uma
sociedade aberta de inteacuterpretes (HARBELE Peter Hermenecircutica
Constitucional A Sociedade aberta dos inteacuterpretes da Constituiccedilatildeo
93
contribuiccedilatildeo para a interpretaccedilatildeo pluralista e ldquoprocedimentalrdquo da
Constituiccedilatildeo Trad Gilmar Ferreira Mendes Porto Alegre Sergio Antonio
Fabris 1997) os quais podem de acordo com as alteraccedilotildees histoacuterico-
culturais exercer alternativas plurais de interpretaccedilatildeo
(hellip)
Natildeo eacute possiacutevel presumir portanto a inconstitucionalidade dos dispositivos
atacados simplesmente porque eles contrariam a ldquouacuteltima palavrardquo
conferida pelo Supremo Tribunal Federal sobre o tema Que pretendo
ressaltar pelo contraacuterio eacute o fato de que se o legislador federal (re)incide
cria ou regula essa mateacuteria constitucional de modo inteiramente diverso o
ldquodiaacutelogordquo o debate institucional deve continuar
Os demais ministros seguiram o voto do relator sem acrescentar grandes
argumentos ao debate Desta feita restou consignada no julgado a inconstitucionalidade da
lei
c) Anaacutelise do caso pelo prisma das Teorias do Diaacutelogo Institucional
Inicialmente merece ser pontuado que como destacado no voto do
Ministro Relator a lei da qual foi apreciada a constitucionalidade pelo STF trata-se de
expressa reaccedilatildeo legislativa a interpretaccedilatildeo constitucional anteriormente proferida
Como viu-se no capiacutetulo anterior para alguns estudiosos como Peter
Hogg e Allisson Bushell a simples possibilidade de reaccedilatildeo legislativa agrave decisatildeo judicial
resultante do controle de constitucionalidade deve ser considerada como uma praacutetica
dialoacutegica
Nessa perspectiva pode-se dizer que o STF apesar de ter considerado a
inconstitucionalidade da lei natildeo descartou a possibilidade da reaccedilatildeo legislativa agrave sua decisatildeo
preteacuterita admitindo que a mesma natildeo vincula a atuaccedilatildeo legislativa o que demonstra a
existecircncia de um espaccedilo para a possibilidade do diaacutelogo no sistema brasileiro ainda que este
em muito se diferencie estruturalmente do sistema Canadense o qual foi o objeto de estudo
desses Autores
Aplicando a descriccedilatildeo dialoacutegica proposta por Tushnet pode-se dizer que
o caso enquadra-se no conceito de diaacutelogo pois o legislador pretendeu a modificaccedilatildeo do
94
entendimento da Corte por meio da ediccedilatildeo de um estatuto legal com objeto semelhante ao
de uma Suacutemula jaacute cancelada - praacutetica que pode ser comparada a ldquoin your face responserdquo
comum no sistema canadense106- e o Tribunal enfrentou a questatildeo por meio de um novo
debate poreacutem permaneceu firme no seu entendimento anterior
Portanto em que pese a Constituiccedilatildeo Federal brasileira natildeo trazer
expressamente em seu texto a previsatildeo de um mecanismo especiacutefico que possibilite ao
legislativo superar uma decisatildeo do Supremo Tribunal Federal107 proferida no acircmbito do
controle concentrado de constitucionalidade o fato de as decisotildees do Supremo nesta espeacutecie
de controle de constitucionalidade natildeo vincularem o Poder Legislativo108 possibilitam ou
pelo menos natildeo impedem a reediccedilatildeo de uma norma jaacute consagrada inconstitucional
Sendo assim pode-se afirmar que apesar do Brasil adotar um modelo forte
de controle de constitucionalidade e a Constituiccedilatildeo Federal conceder expressamente a
guarda da Constituiccedilatildeo ao Supremo Tribunal Federal a possibilidade de um diaacutelogo
institucional com o Poder Legislativo ndash sob a perspectiva de algumas teorias dialoacutegicas ndash
natildeo eacute algo impensaacutevel
Importante frisar a questatildeo da adoccedilatildeo de um sistema forte de controle
de constitucionalidade jaacute que conforme lecionado por Tushnet (2009) esses sistemas seriam
menos propiacutecios ao diaacutelogo jaacute que seus mecanismos de modificaccedilatildeo da decisatildeo judicial
seriam mais difiacutecies e demorados como a Emenda Constitucional por exemplo Contudo
no presente caso vecirc-se que essa possibilidade pode ocorrer por meio de lei ordinaacuteria e de
forma relativamente ceacutelere se considerado que entre a revogaccedilatildeo da Suacutemula 394 e a ediccedilatildeo
da lei se passaram apenas dois anos
106 Ver toacutepico 1012 107 Apenas a tiacutetulo de conhecimento entendemos necessaacuterio mencionar que no ano de 2011 foi proposto um
Projeto de Emenda a Constituiccedilatildeo conhecido como PEC 33 o qual pretendia modificar o enunciado do artigo
102 da CF para alterar a quantidade miacutenima de votos de membros de tribunais para declaraccedilatildeo de
inconstitucionalidade das leis condicionar o efeito vinculante de suacutemulas aprovadas pelo STF agrave aprovaccedilatildeo
pelo Poder Legislativo e submeter ao Congresso Nacional as decisotildees sobre inconstitucionalidade de Emendas
agrave Constituiccedilatildeo As alteraccedilotildees pretendidas com o prejeto especialemente as duas uacuteltimas que alargam a
competecircncia do Legislativo sugerem a introduccedilatildeo de um modelo de controle de constitucionalidade
semelhante ao weak form A PEC foi arquivada no dia 31012015 com o fim da legislatura em que foi proposta
nos termos do art 105 do regimento interno da Cacircmara dos Deputados
108 O paraacutegrafo uacutenico do artigo 28 da Lei nordm 9 868 de 10 de novembro de 1999 dispotildee que a declaraccedilatildeo de
constitucionalidade ou de inconstitucionalidade inclusive a interpretaccedilatildeo conforme a Constituiccedilatildeo e a
declaraccedilatildeo parcial de inconstitucionalidade sem reduccedilatildeo de texto tecircm eficaacutecia contra todos e efeito vinculante
em relaccedilatildeo aos oacutergatildeos do Poder Judiciaacuterio e agrave Administraccedilatildeo Puacuteblica federal estadual e municipal natildeo
incluindo nesse rol o Poder Legislativo
95
Pois bem da leitura do item b) acima percebe-se uma divergecircncia de
opiniatildeo dentro da proacutepria Corte a respeito do tema alguns ministros a maioria deles
adotaram um pensamento mais conservador e defensor da supremacia judicial no sentido de
considerar a reaccedilatildeo legislativa abusiva Outros principalmente o ministro Gilmar Mendes
optaram por um posicionamento mais tendente ao diaacutelogo reconhecendo a importacircncia de
uma postura mais aberta do Judiciaacuterio nesse sentido
Apesar do voto vencedor ter concluiacutedo pela inconstitucionalidade
formal da lei a anaacutelise do meacuterito natildeo deixou de ocorrer Todos os ministros engajaram-se a
debater o tema tratado pela lei e pela antiga Suacutemula novamente reacendendo o debate dois
anos depois Em que pese o entendimento da Corte ter permanecido o mesmo deve-se
reconhecer os benefiacutecios da reediccedilatildeo da lei no sentido de possibilitar um ldquosegundo olharrdquo
sobre o tema
Nesse aspecto do caso percebe-se a ideia desenvolvida por Kent
Roach109 ndash a qual se enquadra no grupo das teorias de princiacutepios juriacutedicos ndash em que a decisatildeo
judicial deve ser considerada como o iacutenicio do debate o qual prossegue mediante a resposta
legislativa por meio da ediccedilatildeo de leis ordinaacuterias reativas agrave essa decisatildeo e que assim
possibilitam que o tema volte a ser debatido pelo Judiciaacuterio e tambeacutem pelo Legislativo
Para o autor a devoluccedilatildeo do debate ao Judiciaacuterio por meio da resposta
legislativa eacute uma forma mais desejaacutevel de atuaccedilatildeo do legislador ao inveacutes da ou total
deferecircncia agraves decisotildees judiciais ou ainda da superaccedilatildeo da decisatildeo e imposiccedilatildeo do seu
entendimento como o sistema canadense possibilitar com a claacuteusula 33 Todavia tambeacutem
atenta para o lado negativo dessa praacutetica como jaacute se viu anteriormente
O caso traduz exatamente as criacuteticas dirigidas agrave essa teoria e sua
respectiva praacutetica pois viu-se que o legislativo pode simplesmente reeditar uma norma jaacute
considerada inconstitucional sem no entanto se preocupar em justificar a sua escolha
tampouco demonstrar a necessidade da medida mas apenas repetindo o conteuacutedo tal e qual
ao da norma anterior contrariando a expectativa de uma melhor e mais responsaacutevel atuaccedilatildeo
Eacute necessaacuterio perceber tambeacutem a postura ativista da Corte tendo em
vista que o entendimento que prevaleceu nesse caso foi pela impossibilidade de reediccedilatildeo de
109 Ver tambeacutem aleacutem das obras jaacute anteriormente citadas ROACH Kent Constitutional and Common Law
Dialogues between the Supreme Court and Canadian Legislatures Canadian Bar Review p 481-533 2001
96
uma norma jaacute declarada inconstitucional com uma clara intenccedilatildeo de preservar e rearfirmar
o seu poder110 o que evidencia mais uma dificuldade praacutetica da aplicaccedilatildeo das teorias dos
princiacutepios juriacutedicos dependentes da boa disposiccedilatildeo do Judiciaacuterio para abertura do debate e
ateacute para uma eventual deferecircncia agrave escolha legislativa
Em todo caso fato eacute que natildeo se pode considerar que no presente caso
houve um diaacutelogo sob o ponto de vista material concluindo consequentemente que as
teorias dialoacutegicas dos princiacutepios juriacutedicos na praacutetica natildeo se revelam apropriadas para a sua
consecuccedilatildeo Todavia vislumbra-se a tentativa de uma resposta legislativa ao protagonismo
Judicial que pode sob o ponto de vista formal ser considerada como um diaacutelogo
principalmente por ter levado o tema a ser debatido novamente pela Corte apesar da sua
postura mais conservadora conforme propotildee Tushnet111
Essa reaccedilatildeo legislativa ao contraacuterio do que pode parecer em um
primeiro momento natildeo eacute algo tatildeo raro no sistema brasileiro e pode ser encontrada tambeacutem
em diversos outros casos como veraacute na sequecircncia
15 Julgamento da accedilatildeo direta de inconstitucionalidade nordm 4543DF e a lei
131652015
a) Breve resumo do caso
Na Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade nordm 4543DF proposta pela
Procuradoria Geral da Repuacuteblica o Supremo Tribunal apreciou a incompatibilidade do artigo
5ordm da Lei 120342009 com o caput do artigo 14 da Constituiccedilatildeo Federal brasileira que
assegura o voto direto e secreto
O supracitado dispositivo legal previa a criaccedilatildeo do voto impresso a
partir do processo eleitoral de 2014 e possuiacutea a seguinte redaccedilatildeo
5o Fica criado a partir das eleiccedilotildees de 2014 inclusive o voto impresso
110 Neste sentido Barroso (2009) destaca que o primeiro impulso natural do poder eacute a auto-conservaccedilatildeo sendo
intuitivo que os representantes do poder em suas relaccedilotildees entre si ou com outros aotres poliacuteticos sejam eles
institucionais ou sociais procure demarcar e preservar seu espaccedilo de atuaccedilatildeo e sua autoridade
111 Ver toacutepicos 1012 1013 e 1014 que abordam as teorias dialoacutegicas de princiacutepios juriacutedicos sua
concretizaccedilatildeo no sistema canadense e respetivas criacuteticas
97
conferido pelo eleitor garantido o total sigilo do voto e observadas as
seguintes regras
sect 1o A maacutequina de votar exibiraacute para o eleitor primeiramente as telas
referentes agraves eleiccedilotildees proporcionais em seguida as referentes agraves eleiccedilotildees
majoritaacuterias finalmente o voto completo para conferecircncia visual do eleitor
e confirmaccedilatildeo final do voto
sect 2o Apoacutes a confirmaccedilatildeo final do voto pelo eleitor a urna eletrocircnica
imprimiraacute um nuacutemero uacutenico de identificaccedilatildeo do voto associado agrave sua proacutepria
assinatura digital
sect 3o O voto deveraacute ser depositado de forma automaacutetica sem contato
manual do eleitor em local previamente lacrado (grifou-se)
sect 4o Apoacutes o fim da votaccedilatildeo a Justiccedila Eleitoral realizaraacute em audiecircncia
puacuteblica auditoria independente do software mediante o sorteio de 2 (dois
por cento) das urnas eletrocircnicas de cada Zona Eleitoral respeitado o limite
miacutenimo de 3 (trecircs) maacutequinas por municiacutepio que deveratildeo ter seus votos em
papel contados e comparados com os resultados apresentados pelo
respectivo boletim de urna
sect 5o Eacute permitido o uso de identificaccedilatildeo do eleitor por sua biometria ou pela
digitaccedilatildeo do seu nome ou nuacutemero de eleitor desde que a maacutequina de
identificar natildeo tenha nenhuma conexatildeo com a urna eletrocircnica
O Supremo considerou a lei inconstitucional com base em diversos
argumentos alegando resumidamente que a criaccedilatildeo do voto impresso representaria um
retrocesso para o sistema eleitoral brasileiro que atualmente conta com um moderno e
eficiente aparato de votaccedilatildeo eletrocircnica e seria uma ameaccedila ao sigilo garantido
constitucionalmente afirmando a proibiccedilatildeo de qualquer tipo de identificaccedilatildeo do eleitor no
exerciacutecio do voto ou no proacuteprio voto
A accedilatildeo foi julgada procedente por unanimidade nos termos do voto do
Ministro Relator poreacutem eacute interessante destacar o voto do Ministro Luiacutes Roberto Barroso o
qual aduziu expressamente a importacircncia de que o Judiciaacuterio conserve uma postura de
humildade institucional sendo deferente agraves escolhas poliacuteticas do Legislador que natildeo sejam
claramente irrazoaacuteveis Em resposta o Ministro Luiz Fux afirmou que muito embora
98
concorde com a deferecircncia que deve ser dada ao Legislativo em certos casos eacute preciso que
o Supremo exerccedila a funccedilatildeo contramajoritaacuteria ou seja contra a Casa do Povo principalmente
naquelas hipoacuteteses em que haacute uma ameaccedila a direito fundamental
Pouco mais de um ano apoacutes o referido julgamento o Legislativo
promulgou a Lei nordm 131652015 conhecida como ldquolei da minireforma eleitoralrdquo por
introduzir significativas alteraccedilotildees ao Coacutedigo Eleitoral a qual em seu artigo 2ordm deu nova
redaccedilatildeo ao Artigo 59-A do referido Coacutedigo nos seguintes termos
Art 59-A No processo de votaccedilatildeo eletrocircnica a urna imprimiraacute o
registro de cada voto que seraacute depositado de forma automaacutetica e sem
contato manual do eleitor em local previamente lacrado (grifou-se)
Paraacutegrafo uacutenico O processo de votaccedilatildeo natildeo seraacute concluiacutedo ateacute que o
eleitor confirme a correspondecircncia entre o teor de seu voto e o registro
impresso e exibido pela urna eletrocircnica
Da simples leitura do dispositivo acima percebe-se que o que o
Legislativo fez foi reeditar uma norma com igual objeto ao da anteriormente declarada
inconstitucional pela Corte Entretanto algumas alteraccedilotildees no texto satildeo notoacuterias sobretudo
no tocante a retirada da previsatildeo de um nuacutemero uacutenico de identificaccedilatildeo do voto associado agrave
proacutepria assinatura digital e da auditoria pela Justiccedila Eleitoral
Percebe-se entatildeo mais uma vez a ocorrecircncia de uma reaccedilatildeo legislativa
por meio da ediccedilatildeo de lei ordinaacuteria tendo em vista o desacordo do legislador com o
entendimento proferido pela Corte
b) Anaacutelise do caso pelo prisma das Teorias do Diaacutelogo Institucional
Observa-se claramente no presente caso a possibilidade concreta do
Legislativo brasileiro reeditar uma norma de igual objeto e com redaccedilatildeo semelhante e igual
objeto de outra jaacute declarada inconstitucional pelo STF
O caso eacute similar ao antes descrito poreacutem naquele a norma anterior que
estava sendo reeditada natildeo era uma lei ordinaacuteria criada pelo legislativo mas sim uma Suacutemula
editada pela proacutepria Corte Neste caso jaacute se nota duas normas editadas pelo mesmo oacutergatildeo
99
com o mesmo objeto e em um lapso temporal relativamente curto a primeira jaacute considerada
inconstitucional e a segunda ateacute o momento vaacutelida
Se observar-se o caso pela vertente do conteuacutedo daquelas teorias
dialoacutegicas que consideram a reediccedilatildeo de norma idecircntica como uma forma de diaacutelogo chegar-
se-aacute a conclusatildeo que esse pode ser mais um exemplo de diaacutelogo no seu sentido formal assim
como o narrado acima
O caso encaixa-se perfeitamente na descriccedilatildeo convencional de diaacutelogo
sintetizada por Tushnet eis que respeita a execuccedilatildeo de todos os passos descritos pelo autor
todavia conceber a resposta legislativa neste caso como uma forma de diaacutelogo pode ser
considerado como algo positivo ou natildeo a depender do ponto de vista adotado
Pode-se considerar a reaccedilatildeo legislativa tanto como uma afronta agrave
decisatildeo judicial na tentativa de manter uma legislaccedilatildeo flagrantemente inconstitucional em
vigor protegendo seus proacuteprios interesses poliacuteticos ou podemos interpretar a reaccedilatildeo
legislativa tambeacutem como uma manifestaccedilatildeo de deferecircncia agrave decisatildeo judicial sendo uma
revisatildeo da lei anterior
Menciona-se isso porque natildeo se pode ignorar o fato de o texto da
segunda lei ser muito mais sucinto que o da primeira sobretudo por ter sido retirada da sua
redaccedilatildeo alguns aspectos especiacuteficos que foram impugnados pelo Supremo Nesse aspecto
se adotada uma visatildeo positiva poder-se-ia dizer que o resultado esperado pelos defensores
dessa praacutetica foi atingido ocasionando uma atuaccedilatildeo mais responsaacutevel do Legislativo o qual
teria levado em conta as observaccedilotildees do Judiciaacuterio para a elaboraccedilatildeo de uma medida mais
satisfatoacuteria que a anterior
Se observada a reaccedilatildeo legislativa sob esse entendimento poder-se-aacute
dizer que houve no presente caso - conforme o sentido empregado por Tremblay (2000) -
uma ldquoconversardquo entre entre Judiciaacuterio e Legislativo que resultou em uma medida legislativa
criada mediante o compartilhamento das visotildees de ambos os Poderes
Entretanto eacute necessaacuterio destacar que a intenccedilatildeo do Legislativo natildeo resta
clara pois ao mesmo tempo que modificou em alguns aspectos o texto anteriormente
editado tambeacutem manteve o seu principal objeto o qual jaacute havia sido flagrantemente
considerado inconstitucional pela Corte
100
Dessa forma ao mesmo tempo em que se pode vislumbrar a ocorrecircncia
de um diaacutelogo tambeacutem se pode encarar o tipo de resposta legislativa dada neste caso como
uma atuaccedilatildeo abusiva a qual natildeo poderaacute ser entendida como dialoacutegica
Essa ambiguidade demonstra que nem toda forma de resposta
legislativa deve ser encarada sob o ponto de vista dialoacutegico sob pena de enfraquecimento
das proacuteprias teorias dialoacutegicas do esvaziamento do seu potencial Eacute nesse aspecto que a
descriccedilatildeo convencional de diaacutelogo apresenta falha
O que o diaacutelogo institucional - entendido na sua melhor forma -
preceitua natildeo eacute uma imposiccedilatildeo de pontos de vista muito menos a simples deferecircncia de um
Poder para com o outro mas sim uma efetiva troca de argumentos por isso eacute preciso que
haja uma anaacutelise qualitativa das respostas legislativas para soacute assim poder enquadraacute-las
como uma manifestaccedilatildeo dialoacutegica e natildeo apenas considerar que o simples fato da sua
possibilidade existir jaacute eacute uma evidecircncia de diaacutelogo (PETTER 2007)
Como jaacute analisado anteriormente em toacutepico especiacutefico a metodologia
de diaacutelogo que verificamos nos dois casos expostos ateacute aqui eacute alvo de muitas criacuteticas poreacutem
tambeacutem possui alguns aspectos postivos que natildeo podem ser desconsiderados os quais ficam
melhor evidenciados por meio da anaacutelise do caso que a seguir seraacute exposto
16 Julgamento da accedilatildeo direta de inconstitucionalide nordm 3772DF ndash a suacutemula 726
do STF e a lei nordm 113012006
a) Breve resumo do caso
Trata-se da anaacutelise da constitucionalidade da Lei nordm 113012006 que
alargou o conceito de funccedilotildees de Magisteacuterio para efeitos de aplicaccedilatildeo do paraacutegrafo 5ordm do
artigo 40 e do paraacutegrafo 8ordm do artigo 201 da CF88 mediante Accedilatildeo Direta de
Constitucionalidade proposta pelo Procurador Geral da Repuacuteblica
Em suma o que a lei questionada apresentou foi uma introduccedilatildeo de um
paraacutegrafo segundo na Lei nordm 93941996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo Nacional)
com a seguinte redaccedilatildeo ldquoPara os efeitos do disposto no sect 5ordm do art 40 e no sect 8o do art 201
da Constituiccedilatildeo Federal satildeo consideradas funccedilotildees de magisteacuterio as exercidas por professores
e especialistas em educaccedilatildeo no desempenho de atividades educativas quando exercidas em
101
estabelecimento de educaccedilatildeo baacutesica em seus diversos niacuteveis e modalidades incluiacutedas aleacutem
do exerciacutecio da docecircncia as de direccedilatildeo de unidade escolar e as de coordenaccedilatildeo e
assessoramento pedagoacutegicordquo
Os respectivos dispositivos constitucionais tratam da aposentadoria
especial para professores prevendo uma reduccedilatildeo do tempo de serviccedilo exigido para tanto
Sobre esse aspecto o STF jaacute havia editado a Suacutemula 726 com a seguinte redaccedilatildeo para efeito
de aposentadoria especial de professores natildeo se computa o tempo de serviccedilo prestado fora
da sala de aula
O referido verbete foi resultado do julgamento da ADI 2253 onde ao
interpretar a Constituiccedilatildeo o Supremo Tribunal firmou o entendimento de que as funccedilotildees de
magisteacuterio referidas pela Carta Magna seriam apenas as da proacutepria atividade fim do
professor ou seja definiu a docecircncia como atividade exclusiva de sala de aula
Desta forma mais uma vez o Legislativo editou lei contraacuteria agrave
interpretaccedilatildeo constitucional jaacute exarada e sumulada pela Corte Contudo nessa ocasiatildeo o
resultado praacutetico foi diferente dos verificados nos casos acima
Primeiro natildeo houve debate acerca da possibilidade da ediccedilatildeo de uma
lei contraacuteria a decisatildeo jaacute proferida pelo STF mas sim uma mudanccedila no entendimento
anteriormente traccedilado apoacutes um intenso debate sobre o assunto
Poderia o Supremo Tribunal ter declarado a inconstitucionalidade da
norma sem muita dificuldade bastava manter o posicionamento anterior relativo a
impossibilidade de alargamento do benefiacutecio da aposentadoria especial aos profissionais
ldquoespecialistas em educaccedilatildeordquo entretanto optou por modificar seu entendimento parcialmente
e adaptaacute-lo para julgar a accedilatildeo parcialmente procedente mantendo a validade da lei e traccedilando
a correta interpretaccedilatildeo da mesma nos seguintes termos
I ndash A funccedilatildeo de magisteacuterio natildeo se circunscreve apenas ao trabalho em sala
de aula abrangendo tambeacutem a preparaccedilatildeo de aulas a correccedilatildeo de provas
o atendimento aos pais e alunos o assessoramento pedagoacutegico e ainda a
direccedilatildeo de unidade escolar
II ndash As funccedilotildees de direccedilatildeo coordenaccedilatildeo e assessoramento pedagoacutegico
integram a carreira de magisteacuterio desde que exercidos em
estabelecimentos de ensino baacutesico por professores de carreira excluiacutedos
102
os especialistas em educaccedilatildeo fazendo jus aqueles que as desempenham ao
regime especial de aposentadoria estabelecido nos sect 5ordm do art 40 e no sect
8o do art 201 da Constituiccedilatildeo Federal
b) Anaacutelise do caso pelo prisma das Teorias do Diaacutelogo Institucional
Vecirc-se no presente caso um posicionamento da Corte totalmente
contraacuterio ao demonstrado anteriormente Aqui o STF admitiu a superaccedilatildeo da sua decisatildeo por
lei ordinaacuteria esforccedilando-se ainda para traccedilar um entendimento compatiacutevel da lei com a
Constituiccedilatildeo quando poderia tecirc-la simplesmente anulado
Neste caso constata-se o benefiacutecio da praacutetica legislativa que mesmo
ciente do entendimento jaacute fixado pelo Judiciaacuterio forccedilou a reediccedilatildeo da lei como forma de
levantar novamente o debate acerca do tema o qual resultou positivo no tocante a efetivaccedilatildeo
de direito fundamental ampliando o rol de beneficiados com a aposentadoria especial dos
professores
Percebe-se neste ponto que o resultado beneacutefico esperado da praacutetica
das teorias dialoacutegicas dos princiacutepios juriacutedicos pautadas em uma articulaccedilatildeo legislativa no
sentido de propiciar um novo debate sobre determinado tema por meio da ediccedilatildeo de uma lei
ordinaacuteria eacute possiacutevel todavia fica claro que para que haja esse efeito positivo eacute necessaacuteria
uma abertura da Corte uma aceitaccedilatildeo ao novo enfrentamento e possibilidade de modificaccedilatildeo
do antigo posicionamento
O caso revela portanto uma importante criacutetica das teorias dialoacutegicas
nenhuma delas prevecirc uma forma de diaacutelogo que na praacutetica deva e possa ocorrer independente
da vontade das institiuiccedilotildees No mesmo sentido a descriccedilatildeo convencional de diaacutelogo exposta
por Tushnet para que resulte positiva necessita da vontade poliacutetica dos agentes
Por outro lado mais uma vez percebe-se que mesmo natildeo havendo no
sistema brasileiro qualquer previsatildeo expressa de um mecanismo estrutural dialoacutegico esse
diaacutelogo pode ocorrer como fruto do proacuteprio princiacutepio da separaccedilatildeo de poderes evidenciando
assim o que preceituam as teorias de construccedilatildeo coordenada jaacute tratadas no toacutepico 101 ou
seja que o diaacutelogo pode se materializar mesmo em um sistema onde haacute uma supremacia
judicial expressa pela proacutepria Constituiccedilatildeo
103
Mediante a leitura do presente caso percebe-se ainda que as respostas
proferidas no acircmbito da interpretaccedilatildeo constitucional estatildeo sujeitas agrave constantes mudanccedilas
que natildeo haacute uma resposta definitiva sendo entatildeo importante a interaccedilatildeo entre os Poderes
justamente para possbilitar a construccedilatildeo de novas respostas condizentes com a realidade e
mais aceitaacuteveis no seio social conforme a ideia do diaacutelogo institucional pressupotildee
Neste sentido revela-se a pertinecircncia dos ensinamentos de Waldron da
necessidade de um modelo de controle judicial das leis onde natildeo haja invariavelmente a
predominacircncia do Judiciaacuterio sendo necessaacuterio o debate acerca das questotildees constitucionais
mais complexas e natildeo a simples prevalecircncia do entendimento judicial112
Outro ponto do caso que merece destaque eacute a praacutetica da ldquointerpretaccedilatildeo
conformerdquo utilizada pelo Supremo Vecirc-se que houve uma busca por uma interpreteccedilatildeo
compatiacutevel com a Constituiccedilatildeo a fim de manter a validade da medida editada pelo
Legislativo poreacutem com uma relativa alteraccedilatildeo do sentido orginal conferido pelo legislador
Nesse aspecto a teacutecnica decisoacuteria utilizada pela Corte se assemelha ao
mandado interpretativo presente em alguns ordenamentos como jaacute abordou-se113 onde o
Judiciaacuterio possui o dever de buscar uma interpretaccedilatildeo legal compatiacutevel com o Bill of Rights
O que as difere em suma eacute o fato de que o Tribunal brasileiro natildeo
possui a ldquoobrigaccedilatildeordquo de dar uma intepretaccedilatildeo conforme a Constituiccedilatildeo podendo declarar a
lei inconstitucional e proceder a sua consequente invalidaccedilatildeo quando entender que natildeo eacute
possiacutevel adequar a interpretaccedilatildeo aos preceitos constitucionais ao contraacuterio do que ocorre no
Reino Unido e Nova Zelacircndia onde o Judiciaacuterio natildeo pode anular a lei quando natildeo conseguir
vislumbrar nenhuma interpretaccedilatildeo harmonizaacutevel com a Constituiccedilatildeo
Dito isso percebe-se que nesse caso natildeo houve uma simples deferecircncia
do Judiciaacuterio ao ato legislativo havendo a reinvenccedilatildeo do debate com a adoccedilatildeo de novos
posicionamentos buscando o Tribunal natildeo apenas a simples invalidaccedilatildeo do dispositivo legal
mas sim se esforccedilando para encontrar a sua melhor interpretaccedilatildeo de acordo com os preceitos
constitucionais preservando a norma editada pelo legislador
Sob esse ponto de vista essa praacutetica interpretativa pode ser vista como
112 Sobre os ensinamentos do autor leia-se toacutepico 4 113 Ver toacutepico 13
104
dialoacutegica eis que houve uma reaccedilatildeo legislativa agrave decisatildeo judicial inicial um novo debate a
modificaccedilatildeo do entendimento pelo Judiciaacuterio que resultou na manutenccedilatildeo da nova lei com
um sentido em conformidade com os preceitos constitucionais
Tushnet ao detalhar a descriccedilatildeo convencional de diaacutelogo menciona a
possibilidade de o Judiciaacuterio de defender o estatuto legal compatibilizando-o com as normas
constitucionais Nessa perspectiva a interpretaccedilatildeo conforme pode ser vista como uma
medida de defesa da lei da sua soberania e respeito a atuaccedilatildeo do Legislativo
Na oacutetica dos diaacutelogos pode-se dizer que houve um ldquodebaterdquo entre o
Legislativo e Judiciaacuterio provocado por meio das decisotildees judiciais e reediccedilatildeo da medida
legislativa com a sua subsequente anaacutelise judicial
Estatildeo presentes portanto todos os passos da descriccedilatildeo de diaacutelogo
elaborada por Tushnet Entretanto deve-se ressaltar que ao mesmo tempo que a postura
judicial nesse caso pode ser considerada como dialoacutegica pois admitiu a nova medida
legislativa mesmo que contraacuteria ao seu posicionamento tambeacutem pode ser considerada uma
conduta ativista eis que modificou o sentido original que o Legislador pretendeu conferir a
lei Sobre esta praacutetica eacute necessaacuterio observar alguns aspectos especiacuteficos
O princiacutepio da interpretaccedilatildeo conforme a Constituiccedilatildeo possui
unicamente a funccedilatildeo de operar como meacutetodo ldquocomplementarrdquo de interpretaccedilatildeo face a outros
criteacuterios ou meacutetodos interpretativos limita-se a ldquodesenvolverrdquo e ldquocomplementarrdquo as regras
de hermenecircutica apresenta-se basicamente como um postulado inserido num processo de
controle de normas (QUEIROZ 2010)
Eacute no domiacutenio do controle de constitucionalidade que este princiacutepio
ganha mais autonomia antes de declarar uma lei inconstitucional o juiz ou juiacutezes
encarregados do controle tecircm o dever de em via interpretativa buscar um sentido que ainda
estribado no seu enunciado linguiacutestico e ainda respeitador do texto constitucional permita
salvar a mesma (URBANO 2010 p 414)
Todavia o problema deste postulado estaacute na sua aplicaccedilatildeo pelo
Supremo Tribunal Federal que muitas vezes usa dessa justificativa para legitimar uma
postura extremamente ativista e violadora do princiacutepio da separaccedilatildeo de poderes
extrapolando os limites de sua competecircncia e reduzindo significativamente a margem de
atuaccedilatildeo do legislador e podendo ainda falsear a sua vontade original
105
Portanto para que se possa encarar essa praacutetica como beneacutefica e sob o
ponto de vista dialoacutegico eacute necessaacuterio que ela seja limitada a interpretaccedilatildeo proferida pelo
Tribunal ainda tem que ter alguma sustentaccedilatildeo no texto original tem que ser uma
interpretaccedilatildeo plausiacutevel (URBANO 2014 p 417)
Apesar disso eacute possiacutevel avistar uma deliberaccedilatildeo entre os Poderes
sugerindo a concretizaccedilatildeo de um diaacutelogo mais proacuteximo ao ideal esperadoentretanto natildeo se
deve afirmar que houve a concretizaccedilatildeo de um diaacutelogo material como a teoria idealiza mas
acredita-se que essa eacute a praacutetica mais proacutexima do mesmo dentre as jaacute analisadas ateacute aqui
poreacutem a mesma tambeacutem apresenta falhas e alguns riscos
17 Julgamento da accedilatildeo direta de inconstitucionalidade por omissatildeo nordm
3382MT
a) Breve resumo do caso
A Assembleacuteia Legislativa do Estado de Mato Grosso propocircs Accedilatildeo
Direta de Inconstitucionalidade questionando a inatividade do legislador quanto ao dever de
elaborar lei complementar a que se refere o sect4ordm do artigo 18 da Constituiccedilatildeo Federal
O referido dispostivo constitucional dispotildee que a criaccedilatildeo a
incorporaccedilatildeo a fusatildeo e o desmembramento de Municiacutepios far-se-atildeo por lei estadual dentro
do periacuteodo determinado por Lei Complementar Federal e dependeratildeo de consulta preacutevia
mediante plebiscito agraves populaccedilotildees dos Municiacutepios envolvidos apoacutes divulgaccedilatildeo dos Estudos
de Viabilidade Municipal apresentados e publicados na forma da lei Ou seja impotildee ao
legislador o dever de editar lei complementar para definiccedilatildeo do prazo
A redaccedilatildeo do dispositivo foi dada pela Emenda Constitucional nordm
151996114 e a accedilatildeo foi julgada procedente em 2007 O STF entendeu que o legislador
encontrava-se em mora haacute mais de dez anos descumprindo o seu dever constitucional de
legislar considerando portanto a omissatildeo inconstitucional e determinando um prazo de 18
meses para suprir a omissatildeo
114 Antes da EC 151996 qualquer alteraccedilatildeo dos entes federativos municipais era feita por um processo simples
atraveacutes de lei estadual assim a emenda constitucional visou na realidade dificultar essas alteraccedilotildees
106
Diversas accedilotildees tambeacutem foram propostas questionando a criaccedilatildeo de
alguns municiacutepios mesma na ausecircncia da lei115 o STF julgou as respectivas leis estaduais
que os criam inconstitucionais poreacutem sem declarar a sua nulidade modulando os efeitos da
decisatildeo no sentido de garantir a validade da lei por um periacuteodo de vinte e quatro meses
tempo superior ao que fixou para que o Legislativo sanasse a omissatildeo portanto
Relevante destacar que no acoacuterdatildeo a Corte ponderou que a ineacutercia
legislativa acabou dando ensejo agrave consolidaccedilatildeo e conformaccedilatildeo de estados de
inconstitucionalidade que natildeo podem ser ignorados pelo legislador na elaboraccedilatildeo da lei
complementar determinando assim que quando da ediccedilatildeo da lei o Legislativo contemplasse
as situaccedilotildees imperfeitas decorrentes desse estado de inconstitucionalidade gerado pela sua
omissatildeo esclarecendo ainda que o prazo de dezoito meses natildeo se trata de uma imposiccedilatildeo de
limite temporal para atuaccedilatildeo legislativa mas apenas da fixaccedilatildeo de um paracircmetro razoaacutevel
A resposta legislativa veio por meio da ediccedilatildeo da Emenda
Constitucional nordm 572008 a qual convalidou os atos de criaccedilatildeo fusatildeo incorporaccedilatildeo e
desmembramento de municiacutepios cuja lei tenha sido publicada ateacute 31 de dezembro de 2006
atendidos os requisitos estabelecidos na legislaccedilatildeo do respectivo Estado agrave eacutepoca de sua
criaccedilatildeo
Dessa forma o Legislativo cumpriu com a determinaccedilatildeo do STF
relativa ao tratamento das imperfeiccedilotildees geradas pela sua omissatildeo propondo a respectiva
soluccedilatildeo Entretanto no tocante a ediccedilatildeo da lei complementar para a fixaccedilatildeo do prazo exigido
pelo dispositivo constitucional haacute um embate contiacutenuo com o Poder Executivo
A primeira tentativa de legislar sobre o assunto ocorreu com o Projeto
de Lei do Senado Federal ndash PLS nordm 982002 o qual foi objeto de veto poliacutetico do Executivo
sob o argumento de contrariedade ao interesse puacuteblico A segunda tentativa se deu pelo PLS
nordm 1042014 o qual tambeacutem foi vetado pelo Executivo com base no mesmo argumento e haacute
uma terceira tentativa ainda em tramitaccedilatildeo que eacute o PLS nordm 1992015
As razotildees que levaram o Executivo a barrar a promulgaccedilatildeo da lei foram
de ordem orccedilamentaacuteria jaacute que a criaccedilatildeo de novos entes federativos representaria o aumento
das despesas com a estrutura da administraccedilatildeo puacuteblica razotildees essas expressas na Mensagem
115 Ver ADI 2240BA ADI 3316MT ADI 3489SC ADI 3689PA
107
nordm 505 de 12 de dezembro de 2013116 emitida pela Presidente da Repuacuteblica na ocasiatildeo do
veto
A questatildeo ainda estaacute pendente de regulamentaccedilatildeo mesmo apoacutes o
esgotamento do prazo fixado pelo STF todavia natildeo por falta de iniciativa do Legislativo
como se pode ver mas sim por contrariar os interesses do Executivo que por isso vem
dificultando a promulgaccedilatildeo da medida
b) Anaacutelise do caso pelo prisma das Teorias do Diaacutelogo Institucional
No caso narrado encontram-se diferentes pormenores que podem
indicar a presenccedila de teorias dialoacutegicas na praacutetica brasileira sendo assim far-se-aacute a anaacutelise
pontual de cada um
O STF ao realizar o controle de constitucionalidade da omissatildeo
legislativa neste caso considerou a falta de accedilatildeo do legislador como uma conduta
incompatiacutevel com o seu dever constitucional de legislar e determinou um prazo para que
suprisse essa omissatildeo Neste aspecto se evidencia a ideia do Judiciaacuterio como ente
propiciador do diaacutelogo provocando o Legislativo a agir por intermeacutedio da decisatildeo judicial
extamente como alguns teoacutericos sugerem
Como abordou-se no toacutepico 82 a decisatildeo que emana do controle de
constitucionalidade da omissatildeo legislativa pode ser considerada como um mecanismo
diaacutelogico por si soacute sob o ponto de vista das teorias dialoacutegicas centradas no processo A
mesma tambeacutem eacute facilmente enquadrada na concepeccedilatildeo convencional descrita por Tsuhnet
No caso em anaacutelise pode-se ainda identifcar a presenccedila da concepccedilatildeo
dialoacutegica desenvolvida por Dixon segundo a qual o Judiciaacuterio deve agir no sentido de
superar a ineacutercia do Legislativo poreacutem sem comprometer a sua liberdade de conformaccedilatildeo117
Ou seja no presente caso verifica-se a presenccedila das teorias fundadas no meacutetodo judicial onde
o Judiciaacuterio atua como o ente propiciador do diaacutelogo o qual ocorre dentro da proacutepria decisatildeo
judicial
Seguindo essa linha de raciociacutenio eacute possiacutevel notar que o proacuteprio STF
116 Iacutentegra disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrccivil_03_Ato2011-20142013MsgVetVET-505htm
117 Falamos mais especificamente dos ensinamentos de Dixon no toacutepico 9
108
ao pronunciar que o prazo fixado na decisatildeo natildeo objetiva estabeler um limite temporal para
condicionar a accedilatildeo legislativa mas tatildeo somente uma estipulaccedilatildeo de lapso temporal razoaacutevel
preocupou-se em deixar clara a necessidade de manutenccedilatildeo de certa liberdade de atuaccedilatildeo
daquele Poder
Todavia por outro acircngulo o Tribunal determinou que o Legislativo
quando fosse suprir a omissatildeo e regular a mateacuteria a fim de cumprir o seu dever
constitucional necessariamente cuidasse das situaccedilotildees imperfeitas ocasionadas pelo seu
estado de ineacutercia Neste particular encontra-se presente na praacutetica a teoria do
aconselhamento118 onde o Judiciaacuterio profere um direcionamento agrave atuaccedilatildeo do Legislativo
Neste caso o aconselhamento foi realizado de uma forma contida o
Supremo indicou a necessidade de soluccedilatildeo das questotildees mas natildeo determinou como e quais
as medidas a serem adotadas deixando a escolha a cargo do Legislativo Neste ponto a
conduta do Judiciaacuterio merece ser observada sob o aspecto positivo das teorias do
aconselhamento o qual reside na busca de evitar futuros problemas constitucionais por meio
da orientaccedilatildeo do Legislativo por meio de decisotildees judiciais
Nota-se que ao mesmo tempo em que o STF controla a sua atividade no
sentido de natildeo comprometer a liberdade do legislador ao fixar o prazo para a sua atuaccedilatildeo
entende necessaacuterio traccedilar algumas diretrizes para a superaccedilatildeo da inconstitucionalidade
constatada Neste caso em particular como se disse a atuaccedilatildeo do Judiciaacuterio foi de certa
forma contida poreacutem a praacutetica reflete a procedecircncia das principais criacuteticas dirigidas agrave essa
forma de diaacutelogo a qual para sua materializaccedilatildeo depende fortemente da consciecircncia e
vontade do Judiciaacuterio
Outro aspecto relevante que tambeacutem pode ser entendido como parte da
trama dialoacutegica presente no caso diz respeito a modulaccedilatildeo temporal dos efeitos da decisatildeo
quando da apreciaccedilatildeo da constitucionalidade das leis dos muniacutecipios que jaacute haviam sido
criados
O STF poderia simplesmente ter deixado os efeitos de nulidade da
declaraccedilatildeo de inconstitucionalidade se perpetuarem poreacutem tendo em mente os prejuiacutezos
que isso poderia acarretar optou por estabelecer efeitos pro futuro permitindo ao Legislativo
118 Ver toacutepico 81
109
a resoluccedilatildeo do problema por uma via menos danosa
A modulaccedilatildeo dos efeitos temporais da sentenccedila tambeacutem eacute uma praacutetica
que se coaduna com as teorias dialoacutegicas fundadas no meacutetodo judicial conforme jaacute se falou
no toacutepico 822 pois por meio dela o Judiciaacuterio condiciona os efeitos praacuteticos da sua decisatildeo
dando a oportunidade ao legislativo de corrigir ou reeditar a lei assim dode-se dizer que por
intermeacutedio dela o Judiciaacuterio instiga o legislador ao diaacutelogo
No tocante a resposta legislativa presente neste caso incialmente vale
destacar que a mesma se deu em um intervalo de tempo razoaacutevel e que o Legislativo buscou
acatar a orientaccedilatildeo da Corte todavia foi impedido de fazecirc-lo em sua completude pelos
interesses do Executivo o que acaba por retratar bem na praacutetica mais uma das dificuldades
da consolidaccedilatildeo das teorias dialoacutegicas
Pelo exposto depreende-se que o sistema brasileiro natildeo eacute alheio agraves
teorias dialoacutegicas pelo contraacuterio muitas delas estatildeo presentes em seu cotidiano A expressa
supremacia judicial e falta de familiariedade com um sistema parlamentar ndash que inicialmente
poderiam gerar duacutevidas quanto a possibilidade do diaacutelogo ndash natildeo se traduzem portanto em
uma impossibilidade completa de aplicaccedilatildeo das teorias dialoacutegicas agrave realidade brasileira
Por oacutebvio as suas manifestaccedilotildees praacuteticas satildeo peculiares e fortemente
influenciadas pela cultura e histoacuteria do paiacutes uma democracia recente e com um Legislativo
que enfrenta grande crise de representatividade o que faz com que em regra o entendimento
que prevaleccedila seja o do Judiciaacuterio
Ainda assim constata-se uma inclinaccedilatildeo do Legislativo para reagir agraves
decisotildees judiciais e natildeo simplesmente acataacute-las em sinal de uma total deferecircncia agrave um
entendimento superior Os ganhos e as perdas dessa reaccedilatildeo iratildeo depender do caso concreto
dos interesses que estatildeo em jogo podendo ser uma praacutetica temeraacuteria ou positiva como jaacute
verificou-se ao longo desse trabalho
18 Diaacutelogo institucional siacutentese dos aspectos controversos e algumas
consideraccedilotildees acerca da sua consecuccedilatildeo praacutetica
De todo o exposto ateacute aqui resta-no os seguintes questionamentos
110
Pode-se considerar o diaacutelogo institucional como uma possibilidade praacutetica viaacutevel Essa
praacutetica tem de fato o condatildeo de dirimir os conflitos relativos a legitimidade democraacutetica do
judicial review Pode ser considerado como um instrumento de combate ao ativismo judicial
ou seria mais uma forma de dissimulaccedilatildeo desse fenocircmeno
Apresentar respostas exatas a essas questotildees utlrapassa a pretensatildeo
deste trabalho ateacute mesmo porque se reconhece que natildeo haacute apenas uma via de conclusatildeo para
as mesmas em virtude da complexidade que elas envolvem Contudo objetiva-se fazer uma
reflexatildeo acerca desses questionamentos como resultado do presente trabalho de forma a
contribuir para o incremento do debate acadecircmico
No que diz respeito agrave resoluccedilatildeo dos conflitos ligados agrave legitimidade
democraacutetica do judicial review acredita-se que esta praacutetica estaacute longe de apresentar uma
soluccedilatildeo definitiva sendo um tanto pretenciosa nesse sentido pois como jaacute tratado no toacutepico
4 a discussatildeo relativa a dificuldade democraacutetica do judicial review eacute algo que lhe acompanha
a contar do seu surgimento desde sempre os estudiosos tentam justificar baseados em um
tradicional conjunto de argumentos as razotildees pelas quais juiacutezes natildeo eleitos pelo povo podem
e devem realizar um controle dos atos do legislativo com poder para declarar a sua
inconstitucionalidade e tambeacutem anulaacute-los
Natildeo se quer com isso dizer que natildeo haacute uma soluccedilatildeo para o conflito mas
sim que as teorias dialoacutegicas ao mesmo tempo que buscam e propotildeem uma soluccedilatildeo quando
materializadas na praacutetica natildeo eliminam totalmente alguns dos velhos problemas
Como viu-se a promessa da teoria dos diaacutelogos institucionais eacute
proporcionar um reequiliacutebrio entre os Poderes reconhecendo a importacircncia e competecircncias
especiacuteficas de cada um no acircmbito da jurisdiccedilatildeo constitucional sugerindo uma atuaccedilatildeo
conjunta mediante verdadeira deliberaccedilatildeo entre os braccedilos do Poder para chegar em um
consenso que seja melhor para a sociedade proporcionando assim um resultado mais eficaz
e duradouro
Do ponto de vista teoacuterico a ideia parece suficiente para solucionar o
problema principalmente nas concepccedilotildees dialoacutegicas desenvolvidas por Hiebert119 e
Bateup120 que ideliazam a realizaccedilatildeo de um diaacutelogo material sem a predominacircncia de
119 Ver toacutepico 11 que trata da teoria da parceria
120 Ver toacutepico 12 que trata da fusatildeo dialoacutegica
111
nenhum dos poderes mas sim de uma verdadeira atuaccedilatildeo conjunta
Poreacutem da anaacutelise dos exemplos praacuteticos de cada teoria e da aplicaccedilatildeo
das mesmas nos casos concretos no sistema brasileiro eacute faacutecil concluir que o exerciacutecio da
jurisdiccedilatildeo constitucional na grande maioria das vezes para natildeo dizer em todas elas resultaraacute
na prevalecircncia do entendimento de um dos atores envolvidos por vezes seraacute o Legislativo o
protagonista e por outras o Judiciaacuterio Apesar de todos os esforccedilos teoacutericos a praacutetica revela
que sempre haveraacute uma uacuteltima palavra o que eacute algo inerente ao proacuteprio sistema de revisatildeo
constitucional das leis
Acredita-se portanto que natildeo se deve desconsiderar a real existecircncia
de uma uacuteltima palavra jaacute que ela sempre iraacute existir mas sim enxergaacute-la e estimular que ela
seja ldquoprovisoacuteriardquo no sentindo de que pode ser constantemente reformulada e alterada
mediante a interaccedilatildeo entre os Poderes por meio do aprofundamento do debate e maior
possibilidade de troca de argumentos buscando sempre o melhor entendimento no acircmbito
da interpretaccedilatildeo constitucional
A existecircncia da uacuteltima palavra portanto deve estar relacionada a
preponderacircncia e maior efetividade dos direitos fundamentais e natildeo necessariamente
atrelada a prevalecircncia uniforme do entendimento de um uacutenico braccedilo do Poder Esse eacute o
principal contributo a ser extraiacutedo das teorias dialoacutegicas no tocante a resoluccedilatildeo da disputa
entre o Poder Judiciaacuterio e o Poder Legislativo pela uacuteltima palavra na seara constitucional
Em contrapartida observa-se que apesar das teorias dialoacutegicas
proclamarem a realizaccedilatildeo de um controle das leis realizado em conjunto nenhuma delas
prescreve uma forma de diaacutelogo que seja concomitante com o processo de tomada de
decisatildeo de forma que a mesma seja proferida com o comum acordo de ambos os Poderes
O que vecirc-se eacute que as formas de diaacutelogo prescritas pelas teorias estudadas se referem mais agrave
possibilidade de superaccedilatildeo de um ato jaacute concretizado seja pelo Judiciaacuterio ou pelo
Legislativo do que verdadeiramente a construccedilatildeo de uma decisatildeo comum
Asssim esse eacute o primeiro aspecto que entende-se que deve ser
desmistificado pois percebe-se que a ideia de uma ldquodecisatildeo conjuntardquo de uma deliberaccedilatildeo
antes da tomada de decisatildeo e consequentemente a concretizaccedilatildeo de um diaacutelogo no sentido
que a doutrina descreve como material na praacutetica eacute quase que inviaacutevel
Assim acertada eacute a proposiccedilatildeo de Aharaon Barak (2008 p16) de que
112
a tensatildeo entre o Judiciaacuterio e os outros ramos do Poder eacute algo natural e ateacute desejaacutevel pois se
todas as regras e decisotildees proferidas pelos Tribunais forem aceitas com tranquilidade pelos
outros Poderes eacute sinal que este natildeo estaacute cumprindo corretamente com a sua funccedilatildeo na
democaria
O Autor ressalta que junto agrave essa tensatildeo haacute tambeacutem um constante
diaacutelogo entre o Judiciaacuterio e Legislativo o qual natildeo decorre de reuniotildees e debates entre eles
mas sim da realizaccedilatildeo por cada qual da sua respectiva funccedilatildeo constitucional (BARAK
2008 p 236)
Neste sentido eacute importante a constataccedilatildeo de que no Brasil um paiacutes com
um modelo forte de controle de constitucionalidade e onde a supremacia judicial eacute evidente
vez que a proacutepria Constituiccedilatildeo entitula como o detentor da uacuteltima palavra em mateacuteria
constitucional o Supremo Tribunal Federal nada impede que o Legislativo reaja ou ateacute
mesmo desafie as decisotildees proferidas pelo Judiciaacuterio no acircmbito do controle de
constitucionalidade
Assim percebe-se que ao contraacuterio do que muitos estudiosos
pressupotildeem a ideia de diaacutelogo natildeo estaacute necessariamente vinculada agrave um sistema fraco de
revisatildeo judicial das leis ou agrave uma total inexistecircncia de supremacia judicial podendo o
mesmo existir e ser conciliaacutevel mesmo nos sistemas mais riacutegidos
Portanto a ideia de diaacutelogo institucional natildeo extingue necessariamente
a supremacia judicial o que pode eacute mitigaacute-la em alguns casos impondo limites mais riacutegidos
a atuaccedilatildeo judicial justamente por meio da possibilidade de reaccedilatildeo legislativa
Com isso pode-se dizer que a forma mais viaacutevel de se entender o
diaacutelogo institucional eacute como algo decorrente da reformulaccedilatildeo do proacuteprio princiacutepio da
separaccedilatildeo de poderes segundo a qual cada ramo do Poder realiza uma funccedilatildeo que lhe eacute
proacutepria sem interferir na atuaccedilatildeo do outro Todavia essa atuaccedilatildeo natildeo deve ser estanque natildeo
existindo uma fronteira intransponiacutevel entre as atividades inerentes agrave cada um dos Poderes
Ou seja apesar de cada Poder ter de observar seus limites e respeitar a
atuaccedilatildeo dos outros devem compreender a necessidade de cooperaccedilatildeo e buscar uma atuaccedilatildeo
conjunta e complementar
Apesar disso a praacutetica nos revela que nem toda reaccedilatildeo legislativa deve
113
ser interpretada sob o ponto de vista dialoacutegico muitas vezes ela tambeacutem representaraacute mais
uma disputa de poder do que uma tentativa de debate ou de correccedilatildeo da decisatildeo judicial
Sendo assim entender toda e qualquer reaccedilatildeo legislativa como
dialoacutegica pode ser perigoso e temeraacuterio pois em muitos casos essa reaccedilatildeo pode significar
mais um disputa de poder do que necessariamente uma tentativa de debate Assim em
algumas situaccedilotildees o termo ldquodiaacutelogordquo pode natildeo ser propriamente a melhor forma de
caracterizar essas reaccedilotildees
Em muitos casos e exemplos concretos das teorias viu-se que haacute na
realidade mais uma ldquointeraccedilatildeordquo entre os Poderes do que necessariamente um ldquodiaacutelogordquo por
conseguinte a maioria das teorias dialoacutegicas na forma em que satildeo concebidas se revelam
muito otimistas pode-se dizer que ateacute um pouco romantizadas sob o ponto de vista praacutetico
Desta forma assim como as reaccedilotildees legislativas natildeo devem em sua
totalidade serem encaradas como uma praacutetica dialoacutegica o mesmo deve ser observado quanto
a conduta do Tribunal sendo este um ponto importante a ser observado
As teorias dos diaacutelogos institucionais inicialmente se apresentam
como uma forma de combate ao ativismo judicial entretanto quando analisamos algumas
das suas metodologias podemos ver que em muitos casos elas podem acabar servindo de
reforccedilo e ateacute incentivo de uma praacutetica ativista
Como jaacute foi dito o ativismo judicial se manifesta quando as decisotildees
da jurisdiccedilatildeo constitucional tomam uma densidade poliacutetica mais ampla passando a Corte a
natildeo mais apenas declarar normas inconstitucionais atuando como legislador negativo na
forma em que foi orginariamente pensada mas ao mesmo tempo comeccedila a exigir
determinadas posturas dos outros Poderes atuando como um legislador positivo (AGRA
2006)
Dessa forma algumas teacutecnicas dialoacutegicas de decisatildeo judicial podem
representar mais uma dissimulaccedilatildeo ou camuflagem do ativismo do que o seu verdadeiro
combate jaacute que alimentam uma conduta proacute-ativa do Judiciaacuterio no sentido de provocar o
Legislativo aconselhaacute-lo ou qualquer outra forma de tiraacute-lo da ineacutercia
Podem nessa perspectiva ser consideradas tanto como uma conduta
dialoacutegica como uma conduta ativista pois a linha divisoacuteria entre a simples instigaccedilatildeo e a
114
interferecircncia no poder de atuaccedilatildeo do Legislativo eacute muito tecircnue
Por isso natildeo se pode afirmar com certeza que as teorias dialoacutegicas
servem de combate ao ativismo judicial jaacute que muitas vezes podem servir de fundamento
para o Judiciaacuterio justificar decisotildees que extrapolam seu acircmbito de atuaccedilatildeo e adentram na
esfera do Legislativo Portanto eacute essencial prestar atenccedilatildeo na forma com que o Judiciaacuterio eacute
incentivado a agir como um propiciador do diaacutelogo sem perder de vista a existecircncia de
limites agrave essa praacutetica
Apesar disso natildeo se pode desconsiderar que em muitos casos ainda
que o Judiciaacuterio ao exercer o seu papel proposto pelas teorias diaacutelogicas acabe incorrendo
em uma praacutetica ativista o resultado obtido pode ser beneacutefico como vimos por exemplo no
caso da Aacutefrica do Sul e ateacute mesmo no sistema brasileiro o que revela que nem sempre o
ativismo judicial deve ser visto como algo totalmente negativo121
No tocante a efetivaccedilatildeo do diaacutelogo no seu sentido material a proposta
de que a uacuteltima palavra seja fruto de um intenso e efetivo debate entre os atores participantes
do processo de interpretaccedilatildeo constitucional que seja construiacuteda de forma conjunta por eles
por intermedio de uma troca de argumentos para chegar a um consenso razoaacutevel e duraacutevel
no seio da sociedade natildeo se realiza com clareza em nenhuma das praacuteticas identificadas como
dialoacutegicas - pelo menos nas que temos conhecimento ateacute aqui
Por isso percebe-se que a ideia de concretizaccedilatildeo de um diaacutelogo material
estaacute muito distante de uma realidade palpaacutevel pois para que isso ocorra haacute a necessidade de
que todos os braccedilos do Poder estejam dispostos a entrar em um efetivo debate contribuindo
cada um com suas competecircncias teacutecnicas para a criaccedilatildeo de uma soluccedilatildeo conjunta
construindo decisotildees no acircmbito da jurisdiccedilatildeo constitucional mediante deliberaccedilatildeo de uma
concreta troca de argumentos o que nem sempre seraacute possiacutevel
Este fato revela que para que o diaacutelogo se concretize haacute muito mais a
necessidade de uma vontade poliacutetica das instituiccedilotildees do que necessarimente uma prescriccedilatildeo
normativa ou de uma redifiniccedilatildeo do desenho institucional por meio de modificaccedilotildees no texto
constitucional Portanto ao mesmo tempo que o diaacutelogo pode ocorrer em qualquer sistema
121 Aharon Barak destaca que nem sempre o ativismo judicial estaraacute ligado a intenccedilatildeo de expansatildeo do Poder
judicial muitas vezes ele pode ser necessaacuterio para a proteccedilatildeo dos direitos humanos e ainda pode ser a forma
do Judiciaacuterio lidar com o poder dos outros ramos poliacuteticos Ver BARAK Aharon The Judge in a Democracy
Princeton University Press 2008 pp 263-271)
115
de jurisdiccedilatildeo constitucional a sua efetividade tambeacutem seraacute diretamente influenciada pela
cultura poliacutetica e histoacuterica de cada paiacutes
Apesar da concretizaccedilatildeo do diaacutelogo no seu sentido material como
preleciona a melhor doutrina ser uma realidade um tanto distante natildeo se pode ignorar os
benefiacutecios do diaacutelogo formal que se manifesta nessas praacuteticas principalmente no que se
refere ao papel que exercem no sentido de provocar uma mudanccedila de mentalidade dos
proacuteprios entes detentores do Poder bem como no aumento da responsabilidade da sua
atuaccedilatildeo
Nessa linha de raciociacutenio Petter Andrew (2007 p167) afirma que o
apelo agraves teorias dialoacutegicas deriva mais do seu poder como uma metaacutefora do que da sua forccedila
como argumento pois ao retratar a revisatildeo judicial como contributiva para o envolvimento
deliberativo a metaacutefora do diaacutelogo reformula o papel dos juiacutezes que passam a ser vistos
como advogados de um processo democraacutetico natildeo como aacuterbitros dentro de um processo
autoritaacuterio
Apesar dos pontos controversos foram apontados a respeito da sua
praacutetica as teorias dialoacutegicas satildeo de grande valia para o desenvolvimento da justiccedila
constitucional significando a busca pela superaccedilatildeo dos problemas ligados a expansatildeo
desordenada do Poder Judiciaacuterio bem como a maior e mais eficaz efetivaccedilatildeo dos direitos
fundamentais como determina a nova ordem mundial
Pode-se dizer que ainda que as teorias possuam as suas dificuldades
praacuteticas elas direcionam os atores constitucionais para uma atuaccedilatildeo mais consciente
reforccedilam o seu papel institucional e apontam algumas das principais falhas dos sistemas
tradicionais de revisatildeo judicial Assim o diaacutelogo institucional deve ser visto como um ideal
a ser alcanccedilado atraveacutes do aperfeiccediloamento da sua praacutetica atual e sobretudo por meio do
reforccedilo do princiacutepio da separaccedilatildeo de poderes no acircmbito da jurisdiccedilatildeo constitucional
116
CONCLUSAtildeO
No decurso deste trabalho verificou-se como as mudanccedilas da sociedade
global implicaram a (re)definiccedilatildeo de um novo paradigma constitucional pautado em relaccedilotildees
de cooperaccedilatildeo o qual impocircs a busca por um novo modelo de jurisdiccedilatildeo constitucional
originaacuterio da expansatildeo do judicial review para os paiacuteses da Commonwealth
Viu-se que o ativismo judicial e a judicializaccedilatildeo da poliacutetica decorrentes
dessa expansatildeo passaram a ser vistos como patologias do sistema e acenturam novos debates
acerca da legitimidade democraacutetica do Poder Judiciaacuterio para realizar o controle de
constitucionalidade dos atos legislativos incentivando entatildeo a criaccedilatildeo de um sistema de
controle fraco de constitucionalidade originaacuterio do Canadaacute
Dentro desse contexto falou-se do surgimento da ideia de um diaacutelogo
institucional no acircmbito do controle de constitucionalidade e pautamos a diferenccedila entre
diaacutelogo material e diaacutelogo formal Apoacutes fez-se uma anaacutelise das teorias dialoacutegicas
explorando seus conceitos exemplos praacuteticos e principais pontos de criacutetica
Por intermeacutedio dessa investigaccedilatildeo percebe-se que nenhuma das teorias
consubstancia um modelo perfeito sob o ponto de vista praacutetico no sentindo de promover um
diaacutelogo verdadeiro assente em uma efetiva deliberaccedilatildeo entre os Poderes Para aleacutem disso
que alguns acabou-se por registrar que os conflitos relativos agrave legitimidade democraacutetica do
judicial review na praacutetica permanecem
Todavia constatou-se tambeacutem que as teorias dialoacutegicas satildeo valiosas
pois ao contraacuterio das conhecidas teorias interpretativas que buscam disciplinar qual a melhor
forma de os juiacutezes procederem agrave leitura constitucional estas buscam evidenciar o papel
institucional do Judiciaacuterio aliado ao reforccedilo da importacircncia da atividade legislativa visando
a produccedilatildeo de decisotildees no ambito da justiccedila constitucional que natildeo sejam fruto de um
ldquomonoacutelogordquo mas sim da interaccedilatildeo institucional
Concluiacute-se entatildeo que o potencial das teorias dialoacutegicas consiste
justamente na estimulaccedilatildeo da busca por melhores padrotildees de interaccedilatildeo entre os Poderes
sendo todas elas de uma importacircncia iacutempar por tentarem evidenciar como deveria funcionar
um desenho institucional ideal no acircmbito da interpretaccedilatildeo constitucional e controle das leis
117
reforccedilando o papel de cada braccedilo do Poder nessa empreitada conforme suas proacuteprias funccedilotildees
e capacidades
Os resultados dete trabalho natildeo satildeo portanto uma resposta exata
tampouco definitiva aos atuais problemas efrentados pela jurisdiccedilatildeo constitucional mas
servem de ponto de partida para uma reflexatildeo sobre os pontos positivos e negativos das mais
modernos teorias sobre o judicial review
118
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