adryssa diniz ferreira de melo

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ADRYSSA DINIZ FERREIRA DE MELO DIÁLOGO INSTITUCIONAL: REALIDADE OU UTOPIA? Uma abordagem conceitual e prática das Teorias Diálogicas no âmbito da Jurisdição Constitucional Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas/Menção em Direito Constitucional JULHO/2016

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ADRYSSA DINIZ FERREIRA DE MELO

DIAacuteLOGO INSTITUCIONAL REALIDADE OU UTOPIA Uma abordagem conceitual e praacutetica das Teorias Diaacutelogicas no acircmbito da Jurisdiccedilatildeo Constitucional

Mestrado em Ciecircncias Juriacutedico-PoliacuteticasMenccedilatildeo em Direito Constitucional

JULHO2016

ADRYSSA DINIZ FERREIRA DE MELO

DIAacuteLOGO INSTITUCIONAL REALIDADE OU UTOPIA

Uma abordagem conceitual e praacutetica das Teorias Dialoacutegicas no acircmbito da Jurisdiccedilatildeo Constitucional

INSTITUTIONAL DIALOGUE REALITY OR UTOPIA

A conceptual and practical approach of dialogical theories

Dissertaccedilatildeo apresentada agrave Faculdade de Direito

da Universidade de Coimbra no acircmbito do 2ordm

Ciclo de Estudos em Direito (conducente ao grau

de Mestre) na Aacuterea de Especializaccedilatildeo em

Ciecircncias Juriacutedico-Poliacuteticas (Menccedilatildeo em Direito

Constitucional)

Orientadora Professora Doutora Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva

Coimbra 2016

2

ldquoEscolhe teu diaacutelogo e tua melhor palavra ou teu

melhor silecircncio Mesmo no silecircncio e com o

silecircncio dialogamosrdquo

(O Constante Diaacutelogo ndash Carlos Drummond de

Andrade)

3

AGRADECIMENTOS

Este trabalho eacute fruto de um sonho e apesar da sua autoria ser individual

muitos foram os que contribuiacuteram para a sua concretizaccedilatildeo sem os quais esta natildeo seria

possiacutevel

Meus pais que desde sempre me apoiam e incentivam na construccedilatildeo de

uma vida profissional que suportam a minha ausecircncia em tantos momentos que possibilitam

o alcance dos meus objetivos e que abrem matildeo das suas vontades para que eu possa realizar

as minhas

Meu irmatildeo que mesmo distante eacute para mim exemplo de garra e

determinaccedilatildeo Meus avoacutes Artur Claacuteudio e Diniz Ferreira pela trajetoacuteria de vida que tiveram

e que hoje me servem de inspiraccedilatildeo profissional Minha amada avoacute Lucila que sempre se

fez presente em minha vida e de quem a distacircncia me eacute tatildeo cara Minha querida avoacute Eida

que mesmo em outro plano sei que me acompanha e protege constantemente

Todos aqueles que cruzaram o meu caminho em Coimbra e que de

alguma forma satildeo responsaacuteveis pelo meu crescimento tanto profissional como pessoal Os

grandes amigos que fiz que ajudaram a me sentir em casa e a amenizar a ausecircncia da famiacutelia

Todos os mestres que tive desde o iniacutecio da Graduaccedilatildeo que plantaram em

mim a vontade de aprender cada vez mais e me fizeram admirar a docecircncia

Os professores e funcionaacuterios da Universidade de Coimbra com quem tive

o privileacutegio de conviver e tanto aprender natildeo apenas sobre Direito mas sobre respeito e

valorizaccedilatildeo da Educaccedilatildeo

Minha orientadora Dra Suzana Tavares da Silva que me apresentou um

novo Direito Constitucional e que desde o iacutenicio do Curso de Mestrado ensinou-me natildeo

apenas conteuacutedos juriacutedicos mas sobretudo a pensar e argumentar

Todos aqueles que torcem por mim mesmo em silecircncio ou a distacircncia

Agradeccedilo imensamente apesar de saber que minhas palavras nunca seratildeo

suficientes para demonstrar toda a minha gratidatildeo

Obrigada

4

IacuteNDICE

INTRODUCcedilAtildeO 9

CAPIacuteTULO 1 ndash OS NOVOS DESAFIOS DO CONSTITUCIONALISMO E SEUS

REFLEXOS NA JURISDICcedilAtildeO CONSTITUCIONAL O SURGIMENTO IDEIA DE

COOPERACcedilAtildeO 11

1 Os novos desafios do constitucionalismo 11

2 Constitucionalismo de cooperaccedilatildeo e seus reflexos na jurisdiccedilatildeo constitucional 14

3 O tradicional modelo de judicial review e a supremacia judicial 19

4 Jurisdiccedilatildeo constitucional e democracia um antigo debate 23

5 A implementaccedilatildeo do judicial review nos paiacuteses da commonwealth e o surgimento

de uma nova alternativa ao binocircmio judiciaacuterio v Legislativo ndash weak form of judicial

review 28

CAPIacuteTULO 2 ndash AS TEORIAS DIAacuteLOGICAS E A CONCRETIZACcedilAtildeO DO

DIAacuteOLOGO INSTITUCIONAL 31

6 Teoria dos diaacutelogos institucionais 31

7 Diaacutelogo formal v Diaacutelogo material 33

8 Teorias dialoacutegicas fundadas no meacutetodo judicial 35

81 Aconselhamento judicial 36

82 Teorias centradas no processo 40

83 Criacuteticas agraves teorias dialoacutegicas fundadas no meacutetodo judicial 45

9 O especial caso da Aacutefrica do Sul 48

10 As teorias estruturais de diaacutelogo 51

10 1 Teorias de construccedilatildeo coordenada 52

5

11 As teorias dialoacutegicas da parceira 70

111 Criacuteticas agrave teoria da parceria 71

12 Fusatildeo dialoacutegica 72

121 Criacuteticas agrave teoria da fusatildeo dialoacutegica 73

13 Os mecanismos estruturais de diaacutelogo no sistema britacircnico e neozelandecircs 73

131 O mandado interpretativo e a declaraccedilatildeo de incompatibilidade no reino unido (seccedilatildeo 3 e 4

(2) do human rights act 1998) 74

132 O mandado interpretativo na experiecircncia neozelandesa 82

CAPIacuteTULO 3 ndash AS TEORIAS DIALOacuteGICAS NO SISTEMA DE JURSIDICcedilAtildeO

CONSTITUCIONAL BRASILEIRO UMA POSSIBILIDADE 87

14 Julgamento da accedilatildeo direta de inconstitucionalidade nordm 2797df ndash a suacutemula 394 do

STF e a lei nordm 106282002 89

15 Julgamento da accedilatildeo direta de inconstitucionalidade nordm 4543DF e a lei

131652015 96

16 Julgamento da accedilatildeo direta de inconstitucionalide nordm 3772DF ndash a suacutemula 726 do

STF e a lei nordm 113012006 100

17 Julgamento da accedilatildeo direta de inconstitucionalidade por omissatildeo nordm 3382MT 105

18 Diaacutelogo institucional siacutentese dos aspectos controversos e algumas consideraccedilotildees

acerca da sua consecuccedilatildeo praacutetica 109

CONCLUSAtildeO 116

BIBLIOGRAFIA 118

6

RESUMO

O objeto do presente trabalho satildeo as Teorias dos Diaacutelogos Institucionais

as quais se apresentam no acircmbito da jurisdiccedilatildeo constitucional como uma alternativa para

resolver os problemas relacionados a legitimidade democraacutetica da revisatildeo judicial das leis

combater o ativismo judicial e propiciar uma maior efetivaccedilatildeo dos direitos fundamentais

Inicialmente faz-se uma abordagem dos fatores que contribuiacuteram para o

seu desenvolvimento passando por questotildees relacionadas a expansatildeo do Poder Judiciaacuterio e

a adoccedilatildeo de um sistema de judicial review pelos paiacuteses da Commonwealth e o surgimento

do modelo fraco de controle de constitucionalidade (weak form of judicial review)

As teorias satildeo exploradas por meio da classificaccedilatildeo desenvolvida por

Chistine Bateup por meio de uma abordagem conceitual e praacutetica a fim de identificar os

aspectos positivos bem como as dificuldades da concretizaccedilatildeo das mesmas

Busca-se ainda verificar de que forma e em que medida essas teorias se

manifestam no sistema brasileiro o que eacute feito por meio de uma consulta a importantes

julgados do Supremo Tribunal Federal no ensejo do controle concentrado de

constitucionalidade

Ao final realiza-se um balanccedilo criacutetico dos aspectos controversos das

teorias identificando suas dificuldades praacuteticas bem como o seu potencial normativo

PALAVRAS-CHAVE judicial review supremacia judicial ativismo judicial legitimidade

democraacutetica teorias dialoacutegicas separaccedilatildeo de poderes

7

ABSTRACT

The focus of this study are the Theories of Institutional Dialogue which

are presented in the context of constitutional juridiction as an alternative to solve the

problems the democratic legitimacy of judicial review of laws combating judicial activism

and promote a greater realization of fundamental rights

Initially it is an approach of the factors that contributed to their

development through issues related to expansion of the Judiciary and the adoption of a

judicial review by the countries of the Commonwealth system and the emergence of weak

form of judicial review

The theories are operated by classification developed by Chistine Bateup

through a conceptual and practical approach in order to identify the positive and the

difficulties of their achieving

Also it is a search to verify how and to what extent these theories are

manifested in the Brazilian system which is done through a judged important verification of

the Supreme Court on the occasion of the concentrate constitutionality control

At the end it carried out a critical assessment of the controversial aspects

of the theories identifying their practical difficulties and its normative potential

KEYWORDS judicial review judicial supremacy judicial activism democratic

legitimacy dialogical theories separation of powers

8

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

ADI ndash Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade

Art ndash Artigo

CCORF ndash Canadian Charter of Rights and Freedoms

CEDH ndash Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem

CF88 ndash Constituiccedilatildeo Federal Brasileira de 1988

HRA ndash United Kingdomrsquos Bill of Rights Act

P ndash Paacutegina

PLS ndash Projeto de Lei do Senado

PEC ndash Projeto de Emenda Consrtitucional

RE ndash Recurso Extraordinaacuterio

STF ndash Supremo Tribunal Federal

9

INTRODUCcedilAtildeO

A complexidade das sociedades atuais o novo contexto internacional e a

redefiniccedilatildeo das concepccedilotildees de Constituiccedilatildeo impotildeem a reflexatildeo acerca do tradicional modelo

de jurisdiccedilatildeo constitucional e a sua capacidade de resoluccedilatildeo de conflitos de forma eficaz Se

antes o objetivo do constitucionalismo era assegurar direitos hoje a sua preocupaccedilatildeo gira

em torno da concretizaccedilatildeo dos mesmos

Fatores como o alargamento do Poder Judiciaacuterio o crescente ativismo

judicial e o surgimento de novos sistemas de jurisdiccedilatildeo constitucional dissociados da

tradicional ideia de supremacia judicial intensificam e fazem avanccedilar os debates acerca da

legitimidade do judicial review e da sua eficaacutecia no tocante a efetivaccedilatildeo dos direitos

fundamentais

Apesar de ser um tema recorrente na doutrina constitucional os debates

acerca da jurisdiccedilatildeo constitucional parecem estar longe do fim ao contraacuterio contam com

argumentos cada vez mais complexos e que ultrapassam o tradicional binocircmio Judiciaacuterio v

Legislativo e a disputa pela palavra final

O propoacutesito deste trabalho eacute contribuir para a reflexatildeo acerca do tema

utilizando como instrumento para tanto a exposiccedilatildeo e anaacutelise das Teorias dos Diaacutelogos

Institucionais as quais se propotildeem promover uma redefiniccedilatildeo do desenho institucional no

acircmbito da jurisdiccedilatildeo constitucional a fim de conciliar a revisatildeo judicial das leis com o

princiacutepio democraacutetico e propiciar uma maior eficaacutecia dos direitos fundamentais

O conteuacutedo do primeiro capiacutetulo trata de aspectos mais gerais e

introdutoacuterios buscando demonstrar a importacircncia e atualidade do tema no contexto global

em face do novo paradigma constitucional pautado em relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo na sequecircncia

aborda-se por questotildees especiacuteficas relativas ao judicial review como o tradicional debate

acerca da sua legitimidade e da sua recente expansatildeo para os paiacuteses da Commonwealth as

quais contribuiacuteram decisivamente para o desenvolvimento das teorias dialoacutegicas

Apoacutes contextualizar o surgimento da ideia de um diaacutelogo institucional no

segundo capiacutetulo faz-se uma exposiccedilatildeo conceitual praacutetica e criacutetica das teorias dialoacutegicas

buscando extrair seus principais contributos bem como desmistificar vaacuterios aspectos

10

enaltecidos por alguns estudiosos a respeito das mesmas

Utiliza-se para fins didaacuteticos a classificaccedilatildeo feita por Christine Bateup a

qual agrupa as teorias em classes diferentes e a exposiccedilatildeo de exemplos concretos de cada

teoria trazendo ao final de cada toacutepico as principais criacuteticas concernentes a sua praacutetica

Feita a anaacutelise conceitual e exemplificativa de cada grupo teoacuterico bem

como a exposiccedilatildeo de suas respectivas criacuteticas a proposta do uacuteltimo capiacutetulo eacute verificar como

e em que medida as teorias dialoacutegicas estudadas encontram reflexo na praacutetica da jurisdiccedilatildeo

constitucional brasileira atraveacutes da observaccedilatildeo de julgados do Supremo Tribunal Federal no

acircmbito do controle concentrado - ou abstrato - de constitucionalidade

A principal inquietaccedilatildeo que move este trabalho eacute verificar se o diaacutelogo

institucional na forma em que eacute proposto pelas principais teorias desenvolvidas ateacute nestas

primeiras deacutecadas do seacuteculo XXI eacute uma praacutetica possiacutevel de ser implementada ou tatildeo-

somente uma conjectura teoacuterica

11

CAPIacuteTULO 1 ndash OS NOVOS DESAFIOS DO CONSTITUCIONALISMO E SEUS

REFLEXOS NA JURISDICcedilAtildeO CONSTITUCIONAL O SURGIMENTO IDEIA DE

COOPERACcedilAtildeO

1 Os novos desafios do constitucionalismo

Antes de adentrarmos no tema central do presente trabalho eacute necessaacuterio

entender as novas premissas e diretrizes do constitucionalismo contemporacircneo Dizemos

isso por constatar que natildeo se pode analisar a jurisdiccedilatildeo constitucional de forma dissociada

do contexto histoacuterico e social em que se insere

Haumlrbele (2006) ensina que o constitucionalismo eacute por excelecircncia uma

criaccedilatildeo cultural Na mesma linha de raciociacutenio Bastos (2010) aduz que o constitucionalismo

acima de tudo revela-se como um fenocircmeno social dotado de caraacuteter juriacutedico Explica que

o seu caraacuteter social decorre de uma pressatildeo nascida do povo que objetiva o esvaziamento do

poder absoluto e o caraacuteter juriacutedico por representar a formaccedilatildeo da regulamentaccedilatildeo legal do

exerciacutecio do Poder aliada agrave implementaccedilatildeo da defesa da Constituiccedilatildeo

Dessa forma percebe-se que o constitucionalismo estaacute intimamente ligado

ao contexto social em que se insere Eacute por essa razatildeo que Canotilho (2003 p51) com

pertinecircncia afirma ser preferiacutevel referir-se a movimentos constitucionais pois natildeo haacute soacute um

constitucionalismo e sim diversos movimentos constitucionais com coraccedilotildees nacionais

mas tambeacutem com momentos de aproximaccedilatildeo entre si fornecendo uma complexa tessitura

histoacuterico-cultural

Reconhecida a influecircncia do contexto social no desenvolvimento do

constitucionalismo eacute correto afirmar que os desafios impostos agrave jurisdiccedilatildeo constitucional no

seacuteculo XXI natildeo satildeo os mesmo de outrora Se antes a preocupaccedilatildeo constitucional girava em

torno da limitaccedilatildeo do poder estatal da separaccedilatildeo de poderes e garantia de direitos e

liberdades hoje os problemas satildeo significativamente mais complexos devido ao proacuteprio

desenvolvimento da sociedade moderna

As consequecircncias do intenso processo de globalizaccedilatildeo que a humanidade

vivencia aumentam a complexidade da sociedade atual diminuem a distacircncia entre os

Estados criam novos pontos de convergecircncia entre eles estreitam as suas fronteiras

12

geograacuteficas Soma-se agrave isto o crescente fortalecimento dos mecanismos internacionais de

defesa dos Direitos Humanos e o aumento vertiginoso das normas internacionais Ora o

constitucionalismo como fenocircmeno social que eacute natildeo poderia ser imune a essas grandes

modificaccedilotildees

Jonatas Machado (2011 p33) salienta que o desenvolvimento dos

sistemas internacionais de proteccedilatildeo dos Direitos Humanos Europeu Americano e Africano

por si soacute constiuem uma revoluccedilatildeo constitucional na medida em que estabelecem uma

espeacutecie de jurisdiccedilatildeo constitucional de Direitos Humanos supranacional com capacidade de

condenar os Estados membros por violaccedilotildees a esses direitos

Destaca ainda que a Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos do Homem tem

exercido um efeito direto no Direito Constitucional de numerosos Estados em todos os

continentes inspirando cataacutelogos de direitos liberdades e garantias sendo expressamente

mencionada como auxiliar interpretativo dos cataacutelogos internos ou sendo mesmo

incorporada no bloco de constitucionalidade de alguns Estados

Assim verifica-se a abertura da Constituiccedilatildeo ao Direito Internacional

gerando um novo paradigma constitucional com o surgimento de conflitos mais complexos

sobretudo pela pluralidade no tocante a interpretaccedilatildeo do conteuacutedo dos Direitos Humanos

Neves (2013) sintetiza claramente o momento do constitucionalismo atual

quando aduz que com a maior integraccedilatildeo da sociedade mundial os problemas

constitucionais que versam sobre de direitos humanos ou fundamentais e sobre o controle e

limitaccedilatildeo do poder tornaram-se insuscetiacuteveis de serem tratados por uma uacutenica ordem juriacutedica

estatal no acircmbito do seu territoacuterio vez que esses problemas passam a ser concomitantemente

relevantes para mais de uma ordem juriacutedica muitas vezes natildeo estatais que satildeo instadas a

oferecer respostas para a sua soluccedilatildeo

Nesse contexto o tradicional princiacutepio de soberania tanto do Estado como

do Texto Supremo que o rege acaba por ser relativizado jaacute que as relaccedilotildees sociais

econocircmicas poliacuteticas e tambeacutem juriacutedicas se desenvolvem cada vez mais no acircmbito

internacional ultrapassando os tradicionais limites do poder nacional1

1 Sobre a referida relativizaccedilatildeo do princiacutepio da soberania importante destacar que como bem leciona o ilustre

doutrinador portuguecircs Jonatas Machado a mesma natildeo significa de forma alguma o fim do Estado enquanto

organizaccedilatildeo juriacutedica de uma comunidade poliacutetica Natildeo pode haver uma eficaz proteccedilatildeo dos direitos humanos

13

A moderna doutrina fala em crise do constitucionalismo decorrente dessa

conjuntura2 eis que foi revelada a incapacidade do Estado nacional e o texto magno que o

rege para resolverem isoladamente os impasses constitucionais o que acarreta em uma

perda de forccedila da Constituiccedilatildeo

Desta feita o atual momento do constitucionalismo impotildee uma reflexatildeo

acerca do papel da Constituiccedilatildeo e consequentemente da jurisdiccedilatildeo constitucional reflexatildeo

que deve ser feita natildeo apenas sob seus aspectos internos mas sim de forma comprometida

com o contexto global que seraacute determinante na sua estruturaccedilatildeo sob pena de perda da sua

eficaacutecia A abertura cognitiva que o novo cenaacuterio de fluidez de fronteiras geograacuteficas e de

intensa circulaccedilatildeo de ideias determina em relaccedilatildeo a compreensatildeo e atualidade do sentido

constitucional vem inspirando uma nova visatildeo de constitucionalismo que contemple

arquiteturas de acomodaccedilatildeo institucional que conduzam a um exerciacutecio democraacutetico de

identificaccedilatildeo do sentido constitucional Surgem entatildeo novas relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo

internas e externas ao Estado as quais representam a pedra de toque na atualidade (VALLE

2010 p 32)

Os novos desafios impostos ao constitucionalismo no seacuteculo XXI

sobretudo no tocante a compreensatildeo e delimitaccedilatildeo do conteuacutedo de direitos fundamentais tecircm

permitido a construccedilatildeo de alternativas agrave velha conclusatildeo de que na jurisdiccedilatildeo constitucional

deve existir um oacutergatildeo responsaacutevel por emanar a uacuteltima palavra na resoluccedilatildeo de conflitos jaacute

que nenhum dos atores consituticionais e braccedilos do Poder revela-se por si soacute aptos a

resolver os cada vez mais complexos problemas constitucionais

Em seguida aborda-se-aacute essa nova vertente do constitucionalismo e as

respectivas relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo que vecircm surgindo como consequecircncia dessa mudanccedila de

paradigma

sem um Estado igualmente forte o que deve ocorrer eacute uma reconceitualizaccedilatildeo da soberania mediante a

limitaccedilatildeo de alguma das suas dimensotildees e fortalecimento de outras (MACHADO 2013)

2 Ver DOBNER Petra LOUGHLIN Martin (ed) The Twilight of ConstitutionalismOxford Oxford

University Press 2009

14

2 Constitucionalismo de cooperaccedilatildeo e seus reflexos na jurisdiccedilatildeo constitucional

Conforme pode ser observado no contexto do constitucionalismo atual

haacute uma mudanccedila de paradigma decorrente do reconhecimento do pluralismo como uma

constante dos novos problemas constitucionais A concretizaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo sobretudo

no que tange a efetividade dos direitos fundamentais natildeo pode mais ser pensada de forma

singular devendo se reconhecer a multiplicidade de atores envolvidos nesse processo

Com esse objetivo eclodem inuacutemeras teorias que buscam legitimar

relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo distanciando-se cada vez mais da tradicional ideia de supremacia

seja no acircmbito interno de um Estado ou no espaccedilo internacional

Com isso emerge um conceito de ldquoconstitucionalismo cooperativordquo3 no

qual se albergam essas diversas teorias fundadas na criaccedilatildeo de mecanismos de cooperaccedilatildeo

entre os Estados e suas ordens juriacutedicas Nesse sentido merece destaque o conceito de

Estado constitucional cooperativo desenvolvido por Peter Haumlrbele (2007) como sendo um

Estado que encontra a sua identidade tambeacutem no Direito Internacional no entrelaccedilamento

das relaccedilotildees internacionais e supranacionais na percepccedilatildeo de cooperaccedilatildeo e

responsabilidade bem como no compromisso com a solidariedade e a paz

Tambeacutem com base nessa ideia de abertura e de cooperaccedilatildeo tem-se a

teoria do transconstitucionalismo desenvolvida pelo brasileiro Marcelo Neves4 e a

interconstitucionalidade do ilustre mestre Canotilho5

Apesar de diferentes em alguns aspectos o que essas duas modernas

teorias possuem em comum eacute justamente a tentativa de conciliaccedilatildeo entre o consitucionalismo

e o pluralismo da sociedade globalizada enfrentando a problemaacutetica do estabelecimento de

relaccedilotildees de acoplamento entre ordens nacionais distintas bem como destas com o direito

comunitaacuterio sem que percam a sua respectiva identidade nacional

Enquanto a interconstitucionalidade enfrenta o problema da articulaccedilatildeo

entre constituiccedilotildees e poderes constituintes com fontes e legitimidades diversas dentro de um

3 Neste trabalho o uso do termo ldquoconstitucionalismo cooperativordquo natildeo se refere a nenhuma teoria ou autor em

especiacutefico mas sim ao conjunto da doutrina constitucional que tem como base a construccedilatildeo de relaccedilotildees de

cooperaccedilatildeo seja entre Estados entre entes estatais entre ordens juriacutedicas e outras

4 Ver NEVES Marcelo Transconstitucionalismo Satildeo Paulo Martins Fontes 2013

5 Ver CANOTILHO JJ Gomes ldquoBrancososrdquo e Interconstitucionalidade Itineraacuterios dos Discursos Sobre

Historicidade Constitucional Coimbra Almedina 2006

15

mesmo espaccedilo poliacutetico de forma a solucionar os conflitos decorrentes da justaposiccedilatildeo

concorrecircncia e divergecircncia entre eles (CANOTILHO 2006) o tranconstitucionalismo trata

da construccedilatildeo de ldquopontes de transiccedilatildeordquo entre ordens juriacutedicas diversas buscando um

crescimento e aprendizado muacutetuo entre elas apontando como requisito indispensaacutevel para

tanto a permanente reconstruccedilatildeo da ldquoidentidade constitucionalrdquo de cada uma a partir do

reconhecimento de alteridade sem que isso signifique uma mera convergecircncia entre elas e

uma consequente negaccedilatildeo de identidade proacutepria mas sim a existecircncia de uma prontidatildeo

para a abertura reciacuteproca natildeo apenas cognitiva mas tambeacutem normativa (NEVES 2009)

A partir desse entendimento a conclusatildeo a que se chega eacute que o Estado

natildeo pode mais ser considerado como o principal locus de soluccedilatildeo de conflitos

constitucionais uma vez que esses ultrapassam o seu acircmbito interno sendo imperativa a

abertura agrave relaccedilotildees interestatais e supranacionais

Os exemplos mais emblemaacuteticos desses modelos de relaccedilotildees

cooperativas desenvolvem-se no acircmbito da Uniatildeo Europeia que ao reconhecer a eficaacutecia

imediata ao direito comunitaacuterio introduz um instrumento normativo supranacional agrave ordem

juriacutedica interna de cada paiacutes membro o qual passa tambeacutem a ser paracircmetro de eventual

controle das leis e das proacuteprias constituiccedilotildees estabelecendo assim uma necessaacuteria

convivecircncia entre diversas ordens juriacutedico-normativas dentro de um mesmo espaccedilo poliacutetico

e submetidas a uma jurisdiccedilatildeo supranacional

O proacuteprio Tratado que institui a Uniatildeo Europeia em seu artigo 2346 ao

determinar a competecircncia do Tribunal de Justiccedila europeu sugere que haja um diaacutelogo

intercortes A estrateacutegia a ser adotada para a consolidaccedilatildeo do novo ordenamento eacute portanto

natildeo a de mera subordinaccedilatildeo da ordem juriacutedica nacional agrave supranacional mas sim do

desenvolvimento de constantes relaccedilotildees paritaacuterias de colaboraccedilatildeo (KOMAacuteREK 2005)

6 ldquoArt 234 O Tribunal de Justiccedila eacute competente para decidir a tiacutetulo prejudicial sobre a) A interpretaccedilatildeo do

presente Tratado b) A validade e a interpretaccedilatildeo dos atos adotados pelas instituiccedilotildees da Comunidade e pelo

BCE c) A interpretaccedilatildeo dos estatutos dos organismos criados por ato do Conselho desde que estes estatutos

o prevejam Sempre que uma questatildeo desta natureza seja suscitada perante qualquer oacutergatildeo jurisdicional de um

dos Estados-Membros esse oacutergatildeo pode se considerar que uma decisatildeo sobre essa questatildeo eacute necessaacuteria ao

julgamento da causa pedir ao Tribunal de Justiccedila que sobre ela se pronuncie Sempre que uma questatildeo desta

natureza seja suscitada em processo pendente perante um oacutergatildeo jurisdicional nacional cujas decisotildees natildeo sejam

susceptiacuteveis de recurso judicial previsto no direito interno esse oacutergatildeo eacute obrigado a submeter a questatildeo ao

Tribunal de Justiccedilardquo

16

A niacutevel europeu parece correto afirmar a opccedilatildeo por uma metoacutedica

fundada na imbricaccedilatildeo de cataacutelogos reveladora ou criadora de standards em contraposiccedilatildeo

a um modelo hierarquizado fundado em uma Groundnorm (TAVARES DA SILVA 2014)

ou seja natildeo haacute a primazia entre os ordenamentos mas sim uma ideia de

complementaridade7

Seguindo essa loacutegica de imbricaccedilatildeo e natildeo de hierarquizaccedilatildeo entre os

cataacutelogos a Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa em seu art8ordm4 ldquoAs disposiccedilotildees dos

tratados que regem a Uniatildeo Europeia e as normas emanadas das suas instituiccedilotildees no

exerciacutecio das respectivas competecircncias satildeo aplicaacuteveis na ordem interna nos termos

definidos pelo direito da Uniatildeo com respeito pelos princiacutepios fundamentais do Estado de

direito democraacuteticordquo e ainda no art16ordm determina de forma expressa que ldquoOs direitos

fundamentais consagrados na Constituiccedilatildeo natildeo excluem quaisquer outros constantes das

leis e das regras aplicaacuteveis de direito internacionalrdquo e que ldquoOs preceitos constitucionais

e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados de

harmonia com a Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos do Homemrdquo 8

Portanto como resultado praacutetico dessas normas tem-se a imposiccedilatildeo

obrigatoacuteria ao oacutergatildeo responsaacutevel pelo exerciacutecio da jurisdiccedilatildeo constitucional da observacircncia

do direito comparado propiciando o exerciacutecio do que alguns estudiosos denominam de

diaacutelogo judicial (judicial dialogue) que se caracteriza nessa relaccedilatildeo de cooperaccedilatildeo

estabelecida entre ordens juriacutedicas distintas quando haacute uma conversa entre diferentes

Tribunais a fim de buscar a melhor soluccedilatildeo para a efetivaccedilatildeo dos direitos fundamentais

muito comum na praacutetica da Uniatildeo Europeia9

Saindo do contexto europeu a Constituiccedilatildeo da Aacutefrica do Sul no seu art

39 prevecirc que na interpretaccedilatildeo do Bill of Rights devem ser consideradas as leis internacionais

7 Nesse sentido de acordo com a doutrina impera no ldquotriacircngulo normativo europeurdquo o princiacutepio do niacutevel mais

elevado de proteccedilatildeo o qual pode ser entendido como resultado de uma abertura normativa (TAVARES DA

SILVA 2014)

8 Nesse sentido Jorge Miranda faz uma anaacutelise mais completa da Constituiccedilatildeo portuguesa e fala em um ldquojus-

universalismordquo Ver MIRANDA Jorge O Estado Constitucional Cooperativo e o Jus-Universalismo da

Constituiccedilatildeo Portuguesa In Cadernos da Escola de Direito e Relaccedilotildees Internacionais da UniBrasil JanDez

2007 pp 7-22) Ver tambeacutem CANOTILHO JJ Gomes MOREIRA Vital Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica

Portuguesa Anotada Volume I Coimbra 2014

9 Ver GOLUB Jonathan Modelling Judicial Dialogue in the European Community The Quantitative Basis

of Preliminary References to the ECJ 1996 ISSN 1028-3625

17

e podem ser consideradas leis estrangeiras bem como que o referido documento natildeo nega a

existecircncia de quaisquer outros direitos ou liberdades que sejam reconhecidos ou conferidos

pela common law costumary law ou legislation 10

A previsatildeo contida na Constituiccedilatildeo da Aacutefrica do Sul eacute especialmente

importante nesse contexto pois natildeo se refere apenas a necessidade de observacircncia e

integraccedilatildeo com as normas internacionais mas faz tambeacutem expressa referecircncia as normas

estrangeiras ou seja oriundas de outros paiacuteses

A ideia que fundamenta o exerciacutecio do direito comparado eacute a da busca

pelo enriquecimento da compreensatildeo do conteuacutedo dos direitos fundamentais por intermeacutedio

do compartilhamento de experiecircncias entre tribunais constitucionais distintos11 ou seja no

desenvolvimento de uma jurisdiccedilatildeo constitucional que natildeo se afigure monopolista mas sim

colaborativa

Bobeck (2013) ensina que essa praacutetica pode ser vista como uma forma

de auto-controle dos proacuteprios tribunais que percebem que natildeo podem decidir sozinhos e

buscam no meacutetodo do direito comparado ou no uso de precedentes estrangeiros uma maior

fundamentaccedilatildeo as suas decisotildees

Zagrebelsky (2007) denomina esse fenocircmeno de ldquocosmopolistimo

judicialrdquo o qual consiste justamente na consideraccedilatildeo pelo Judiciaacuterio nacional de documentos

juriacutedicos externos de decisotildees oriundas de outras cortes sejam elas de hierarquia superior

como tribunais internacionais de proteccedilatildeo dos direitos humanos ou ateacute mesmo de outras

cortes constitucionais estrangeiras12

10 ldquo39 Interpretation of Bill of Rights (1) When interpreting the Bill of Rights a court tribunal or forum ndash (a)

must promote the values that underlie an open and democratic society based o human dignity equality and

freedom (b) must consider international law (c) may consider foreing law (2) When interpreting any

legislation and when developing the common law or costumary law every court tribunal or forum must

promote the spirit purport and objects of the Bill of Rights (3) The Bill of Rights does not deny the existence

of any other rights or freedoms that are recognised or conferred by common law customary law or legislation

to the extent that they are consistent with the Bill

11 Nesse sentido Tushnet (2009) ao falar sobre a importacircncia do estudo do direito constitucional comparado

ldquostudiyng comparative constitucional law might improve our ability to make domestic constitucional lawrdquo Ver

ainda HIRSCHL Ran Comparative matters the renaissance of comparative constitutional law Oxford

Oxford University Press 2014 e JACKSON Vicky Comparative Constitucional Law Nova York Foundation

Press 1999 12 Eacute importante destacar que apesar da forma positiva em que se estaacute abordando o cosmopolitismo judicial e o

uso do direito comparado ambos satildeo alvos de criacuteticas pela doutrina Tavares da Silva (2014) destaca que ldquoo

recurso ao direito constitucional comparado por um tribunal constitucional natildeo deve servir um objetivo de

universalizaccedilatildeo de valores mas antes o aprofundamento das soluccedilotildees de inclusividade no contexto

18

Esse fenocircmeno tambeacutem encontra eco em outros lugares do Globo

apesar de em menor escala que no continente europeu A Constituiccedilatildeo Federal Brasileira agrave

semelhanccedila da Portuguesa no sect2ordm do artigo 5ordm adota uma claacuteusula aberta de direitos

fundamentais prevendo expressamente a observacircncia das normas internacionais nessa

mateacuteria

Conclui-se portanto que hoje as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo dentro do

constitucionalismo e no exerciacutecio da jurisdiccedilatildeo constitucional eacute uma realidade concreta e

global A partir disso teve iniacutecio o desenvolvimento de uma noccedilatildeo de diaacutelogo seja ele

judicial ou institucional

Esse eacute um fenocircmeno que natildeo ocorre apenas no acircmbito externo ao

Estado restrito as relaccedilotildees internacionais mas tambeacutem encontra reflexos na estrutura interna

de organizaccedilatildeo do Poder estatal no desenho institucional de cada paiacutes

A ideia de cooperaccedilatildeo e diaacutelogo transporta-se assim tambeacutem para o

acircmbito interno da jurisdiccedilatildeo constitucional dos paiacuteses surgindo um conceito de diaacutelogo

institucional o qual percebe-se deste trabalho

Percebe-se entatildeo que os novos desafios impostos ao

constitucionalismo do seacuteculo XXI tecircm influenciado no desenho institucional da jurisdiccedilatildeo

constitucional adotado por diversos paiacuteses contribuindo sobremaneira para o

desenvolvimento de novos modelos fundados nessa loacutegica da cooperaccedilatildeo superando a

tradicional ideia de uma jurisdiccedilatildeo pautada na supremacia judicial conforme seraacute analisado

intercultural ateacute onde essa inclusividade se revelar possiacutevel ou seja ateacute onde natildeo redunde em uma

neutralizaccedilatildeo do elemento cultural que daacute substacircncia material ao projecto social concreto que aquele oacutergatildeo

judicial tem como missatildeo garantirrdquo

19

3 O tradicional modelo de judicial review e a supremacia judicial

Afirmar que a Constituiccedilatildeo eacute um documento juriacutedico-poliacutetico dotado de

normatividade e superioridade dentro do ordenamento juriacutedico parece algo oacutebvio todavia

essa premissa nem sempre foi verdadeira mas sim resultado de um processo histoacuterico13

Na Ameacuterica do Norte desde o iniacutecio do seu movimento constitucional14

o caraacuteter juriacutedico-normativo da constituiccedilatildeo foi reconhecido o que acabou favorecendo a

um desenvolvimento mais raacutepido da jurisdiccedilatildeo constitucional15 ante a necessidade de

submeter o poder legislativo a limites precisamente soacutelidos16

O tradicional modelo do judicial review americano se formou no

silecircncio dos textos tomando corpo lentamente em um primeiro periacuteodo que foi ateacute 1789

(ano em que se funda o Tribunal Supremo Federal) o mesmo consistia em mera praacutetica

judicial dentro do common law em um segundo periacuteodo que vai de 1789 a 1861

impulsionado pela construccedilatildeo do Estado Federal e pelos conflitos em torno da natureza da

Uniatildeo criado pela Constituiccedilatildeo de 1787 em um terceiro periacuteodo iniciado em 1865 ateacute os

trinta primeiros anos do seacuteculo XX quando se estabeleceu como um sistema de revisatildeo

frente a todas as leis inclusive leis federais em consequecircncia do crescimento do capitalismo

das transformaccedilotildees ocasionadas pelo federalismo e pela necessidade de redefinir as relaccedilotildees

entre o Estado com a nova ordem industrial e em um quarto periacuteodo de 1954 a 1986 quando

se expandiu em resposta aos novos desafios impostos pela busca de justiccedila social igualdade

e liberdade (ACOSTA SAacuteNCHEZ 1998)

13 Nesse sentido Canotilho (2003) nos ensina que a Constituiccedilatildeo eacute o conjunto de regras (escritas ou

consuetudinaacuterias) e de estruturas institucionais conformadoras de uma dada ordem juriacutedico-poliacutetica em um

determinado sistema poliacutetico-social Entre o constitucionalismo antigo e o constitucionalismo moderno vatildeo se

desenvolvendo perspectivas poliacuteticas religiosas e juriacutedico-filosoacuteficas sem o conhecimento das quais natildeo eacute

possiacutevel compreender o proacuteprio fenocircmeno da modernidade constitucional

14 A expressatildeo ldquomovimento constitucionalrdquo eacute utilizada no sentido empregado por Canotilho como um

movimento gerador da constituiccedilatildeo (CANOTILHO 2003)

15 Para uma maior e mais detalhada compreensatildeo do movimento constitucional norte-americano ver Griffin

Stephen American Constitutionalism From the theory to the politics 1998

16 Nesse sentido ver Blaco Valdeacutes Roberto L La configuracioacuten del concepto de Constituicioacuten en las

experieacutencias revolucionarias francesas e norte-americana In Perspectivas Constitucionais Nos 20 anos da

Constituiccedilatildeo de 1976 (org Jorge Miranda) Vol III Coimbra 1998 p11

20

Para muitos a efetiva consagraccedilatildeo desse modelo ocorreu no ano de

1803 com o julgamento do famoso caso Marbury v Madison17 quando houve a formal

proclamaccedilatildeo da superioridade das normas constitucionais frente a qualquer outra lei

formulada pelo Parlamento bem como da autoridade dos Tribunais para invalidaccedilatildeo das leis

consideradas inconstitucionais

A par das questotildees poliacuteticas envolvidas nesse julgamento o fato eacute que

ele se tornou o marco da consolidaccedilatildeo da supremacia18 da Suprema Corte americana que

passou a ser entatildeo formalmente reconhecida como a detentora da uacuteltima palavra dentro do

processo de interpretaccedilatildeo constitucional19

Ateacute meados do seacuteculo XX a ideia que prevalecia na maioria dos paiacuteses

com a exececcedilatildeo dos Estados Unidos20 era a de que as constituiccedilotildees eram proclamaccedilotildees

poliacuteticas importantes mas natildeo possuiacuteam status de normas juriacutedicas As prescriccedilotildees

constitucionais natildeo podiam ser aplicadas diretamente pelos juiacutezes nem geravam direitos

subjetivos para os cidadatildeos

Havia principalmente nos paiacuteses da Europa cidental uma crenccedila na

legitimidade do Parlamento para a criaccedilatildeo do Direito natildeo existindo razatildeo para submeter as

leis por ele criadas agrave nenhuma espeacutecie de revisatildeo judicial O controle que existia era um

controle poliacutetico feito pelo proacuteprio legislativo21

17 Para uma visatildeo criacutetica e maiores detalhes sobre o famoso julgamento Marbury v Madison ver Acosta

Sancheacutez Joseacute Formacioacuten de la Constituicioacuten y Jurisdiccioacuten Constitucional Fundamentos de la Democracia

Constitucional Madri Tecnos 1998 pp 115 e Urbano Maria Benedita Curso de Justiccedila Constitucional

Evoluccedilatildeo Histoacuterica e Modelos de Controlo da Constitucionalidade Almedina 2012 pp 28 a 36

18 Neste trabalho quando fala-se em supremacia refere-se agrave siacutentese de Ward (2007) segundo a qual supremacia

judicial define o status que os precedentes merecem quando desafiados pela atuaccedilatildeo superveniente do

legislativo

19 Griffin (2003) em importante estudo revela que o judicial review americano nem sempre esteve associado agrave

ideia de supremacia judicial tendo sido este elemento incorporado ao modelo posteriormente Nesse sentido

destaca ldquoAs has so often been noted Marshall never claimed supremacy for the Court in Marbury The

opinion ends after all with Marshall saying that courts hace an equal right to the other departament in

interpreting the Constitution The Court committed itself explicity to judicial supremacy only relatively

recently In Cooper v Aaron for example the Court stated that the ldquofederal judiciary is supreme in the

exposition of the law of the Constitutionrdquo

20 Miranda (2007) destaca que diferente da Franccedila e dos paiacuteses europeus durante o seacuteculo XIX os Estados

Unidos vivem quase desde a sua formaccedilatildeo sob o princiacutepio da constitucionalidade isto eacute de que as leis e os

outros atos do Estado devem ser conformes agrave Constituiccedilatildeo e natildeo devem ser aplicados pelos tribunais no caso

de serem desconformes

21 ldquoO controle da conformidade das leis com a constituiccedilatildeo comeccedilou por ser do tipo poliacutetico Aacute medida que o

valor de lei suprema das constituiccedilotildees se ia impondo os parlamentos iam-se sentido cada vez mais pressionados

para permitir que as suas leis fossem objeto de fiscalizaccedilatildeo Numa primeira fase admitiram o controlo da

21

Portanto durante muito tempo na maioria dos paiacuteses europeus em

funccedilatildeo da constituiccedilatildeo ser vista como mero instrumento poliacutetico desprovido de

normatividade cabia ao Parlamento a regulamentaccedilatildeo das relaccedilotildees entre individuo e Estado

usufruindo entatildeo de um papel de legislador soberano eis que seus atos natildeo estavam

subordinados a nenhum controle judicial cabendo ao Poder Judiciaacuterio apenas a mera

aplicaccedilatildeo das leis

O reconhecimento da constituiccedilatildeo como norma juriacutedica soacute ocorreu no

constitucionalismo do poacutes-45 com o fim da segunda guerra mundial quando foram

incorporados no texto constitucional direitos fundamentais e princiacutepios relevantes de

moralidade poliacutetica

Com isso a partir da metade do seacuteculo XX a maioria das novas

constituiccedilotildees passaram a prever mecanismos de jurisdiccedilatildeo constitucional ou procuram

fortalecer ou ampliar os jaacute existentes A maior parte dos paiacuteses que reestruturam suas ordens

juriacutedicas desde entatildeo seja apoacutes libertar-se do jugo de antigas colocircnias seja depois da

superaccedilatildeo de ditaduras internas optaram pela introduccedilatildeo ou ampliaccedilatildeo de instrumentos de

controle de constitucionalidade nos seus textos magnos (SARMENTO 2006)

Ou seja o desenvolvimento do constitucionalismo e o reconhecimento

da constituiccedilatildeo como norma juriacutedica suprema do Estado criaram a necessidade de um

controle das normas infraconstitucionais

Nesse contexto desenvolveram-se inicialmente dois modelos de

controle de constitucionalidade distintos que foram se espalhando pelos diversos paiacuteses ao

longo dos anos que se seguiram O modelo decorrente do sistema americano ficou conhecido

como controle difuso tendo como principal caracteriacutestica o fato de todos os tribunais e juiacutezes

poderem declarar dentro de um caso concreto a inconstitucionalidade de uma lei

infraconstitucional

constitucionalidade das leis mas seriam eles os responsaacuteveis por um tal controlo Era pois um controlo

poliacutetico exercido por um oacutergatildeo poliacutetico o parlamento () Seja como for facilmente se constata que o controle

poliacutetico tende a ser pouco efetivo e eficaz No caso especiacutefico do controlo atribuiacutedo ao parlamento pode

afirmar-se sem grande margem de erro que os parlamentares eram ldquojuiacutezes em causa proacutepriardquo (no fundo era

um autocontrolo) Por este motivo o controlo das normas acabaria por ser atribuiacutedo aos tribunais tornando-se

um controlo judicialrdquo (URBANO 2012 p17)

22

Em oposiccedilatildeo a esse modelo Kelsen desenvolveu uma visatildeo alternativa

de controle de constitucionalidade para os sistemas europeus que ficou conhecido como

controle concentrado de constitucionalidade ou modelo austriacuteaco Nesse tipo de controle a

proteccedilatildeo da Constituiccedilatildeo previa a instituiccedilatildeo de um controle abstrato das atividades do

legislador confiado a um uacutenico oacutergatildeo separado dos tribunais ordinaacuterios - o Tribunal

Constitucional Ao juiacutez constitucional cabia manter ou anular o ato normativo do legislador

consoante o considerasse conforme ou desconforme a constituiccedilatildeo (URBANO 2012)

Jaacute nas uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XX a jurisdiccedilatildeo constitucional foi se

tornando uma realidade quase universal passando a existir em paiacuteses de todos os

continentes Tanto o modelo norte-americano como o modelo austriacuteaco serviram de

inspiraccedilatildeo para a implementaccedilatildeo do controle de constitucionalidade das leis e surgimento de

modelos mistos

Alguns paiacuteses como o Brasil por exemplo desenvolveram sistemas

mistos onde estatildeo presentes caracteriacutesticas de ambos os modelos tanto o austriacuteaco como o

americano ou seja haacute tanto o controle de constitucionalidade difuso quanto o concentrado22

Jaacute nos paiacuteses do continente europeu o modelo mais disseminado foi o modelo Austriacuteaco o

que impulsionou a criaccedilatildeo de diversos Tribunais Constitucionais em paiacuteses como Espanha

Itaacutelia e Portugal23

Assim na grande maioria dos paiacuteses desenvolveu-se um sistema de

jurisdiccedilatildeo constitucional aliado agrave ideia de supremacia judicial no qual o Poder Judiciaacuterio eacute

quem profere a uacuteltima palavra no tocante a interpretaccedilatildeo constitucional Na Europa em

especial a supremacia judicial foi se tornando uma realidade cada vez mais forte sendo o

ativismo judicial um dos responsaacuteveis pelo fortalecimento e desenvolvimento da estrutura

judiciaacuteria que se tem hoje na maioria dos paiacuteses

Diante de tudo isso pode-se afirmar que uma das caracteriacutesticas mais

evidentes no constitucionalismo contemporacircneo eacute a ascensatildeo institucional do Poder

Judiciaacuterio ultrapassando a originaacuteria ideia de legislador negativo tradicionalmente

22 Para maiores detalhes sobre o controle de constitucionalidade brasileiro ver BARROSO Luiacutes Roberto O

Controle de constitucionalidade no direito brasileiro Exposiccedilatildeo sistemaacutetica da doutrina e anaacutelise criacutetica da

jurisprudecircncia Satildeo Paulo Editora Saraiva 2004

23 Para maiores detalhes sobre o controle de constitucionalidade Portuguecircs ver Canotilho 2008 capiacutetulo 2

23

concebida por Kelsen dando margem ao surgimento de alguns fenocircmenos que seratildeo

tratados no toacutepico a seguir

4 Jurisdiccedilatildeo constitucional e democracia um antigo debate

A controveacutersia acerca da natureza da atividade fiscalizatoacuteria exercida

pelas Cortes Constitucionais decorre do possiacutevel conflito entre duas distintas legitimaccedilotildees

a dita legitimaccedilatildeo democraacutetica tipicamente atribuiacuteda ao legislador e a legitimaccedilatildeo

jurisdicional para a defesa do ordenamento juriacutedico constitucional atribuiacuteda ao Juiacutezo

constitucional Discute-se sobretudo o porquecirc da consignaccedilatildeo ao Judiciaacuterio de tal atribuiccedilatildeo

fiscalizatoacuteria bem assim quais seriam os objetos e limites do controle jurisdicional

(PONTES 2001 p 65)24

Os contornos desse debate estatildeo intimamente ligados a noccedilatildeo de

democracia exercendo o seu conceito direta influecircncia nos argumentos de defesa de um ou

de outro Poder Em apertada siacutentese pode-se mencionar que aqueles que defendem a

atribuiccedilatildeo do Poder ao Judiciaacuterio para realizar o controle de constitucionalidade das leis

fundamentam-se na regra contramajoritaacuteria ou seja na necessidade de uma oposiccedilatildeo a regra

da maioria representada pelo Legislativo principalmente para defender e proteger os direitos

e garantias de minorias sem tanta representatividade na busca por uma democracia

substancial25

Em contrapartida existem aqueles que denfendem uma outra noccedilatildeo de

democracia fundada justamente nos argumentos de maioria e de representatividade razatildeo

pela qual entendem pela iligitimidade dos juiacutezes membros natildeo eleitos pelo povo para

derrubar atos legislativos

Apesar da discussatildeo sobre a legitimidade democraacutetica da jurisdiccedilatildeo

constitucional ser um debate antigo natildeo se pode - sob nenhuma hipoacutetese - considera-lo como

24 Sobre o tradicional debate acerca da legitimidade da jurisdiccedilatildeo constitucional ver GARAPON Antonie O

juiz e a democracia o guardiatildeo das promessas Rio de Janeiro Renavn 2009 Linares Sebastiaacuten La

(i)legitimidad democraacutetica del control judicial de las leyes Madrid Marcial Pons MOREIRA Vital Princiacutepio

da Maioria e princiacutepio da constitucionalidade legitimidade e limites da justiccedila constitucional in Coloacutequio no

10ordm Aniversaacuterio do Tribunal Constitucional Lisboa 1993 pp 167-175

25 Sobre a regra contramajoritaacuteria ver BICKEL Alexander The last dangerous branch the Supreme Court at

the bar of politics New Haven Yale University 1986 e WHITE G Edward History and the Constitution

Durham Carolina Academic Press 2007

24

algo superado sobretudo porque na atualidade os argumentos insertos na questatildeo estatildeo

cada vez mais sofisticados e possibilitam uma discussatildeo aleacutem do tradicional binocircmio

Judiciaacuterio x Legislativo no tocante a detenccedilatildeo da uacuteltima palavra em mateacuteria constitucional

Nas uacuteltimas deacutecadas vivencia-se uma expansatildeo do tradicional modelo

do judicial review americano pelo Globo e consequentemente um reforccedilo e um alargamento

do Poder Judiciaacuterio razatildeo pela qual muitos paiacuteses hoje adotam modelos fundados em uma

supremacia judicial na qual os juiacutezes satildeo os responsaacuteveis por emitir a palavra final na

resoluccedilatildeo de conflitos constitucionais

A referida expansatildeo propiciou o desenvolvimento de fenocircmenos como

a judicializaccedilatildeo de questotildees poliacuteticas e o ativismo judicial os quais satildeo atualmente

considerados por alguns como uma ameaccedila ao princiacutepio democraacutetico a separaccedilatildeo de poderes

e ateacute mesmo a efetividade de direitos fundamentais Diante disso acabam por vir

novamente agrave tona antigos questionamentos relativos agrave legitimidade democraacutetica da

jurisdiccedilatildeo constitucional

A judicializaccedilatildeo da Poliacutetica aqui entendida como a dependecircncia de

Tribunais e dos meios judiciais para abordarsolucionar impasses morais fundamentais

questotildees de poliacuteticas puacuteblicas e controveacutersias poliacuteticas eacute um fenocircmeno mundial Embora

muitas questotildees de poliacuteticas puacuteblicas ainda permaneccedilam aleacutem do alcance do Judiciaacuterio eacute

fato incontestaacutevel que tem havido uma deferecircncia das outras esferas do Poder no sentido de

acolher a intrusatildeo do mesmo em suas prerrogativas o que acaba por acelerar o processo de

judicializaccedilatildeo das agendas poliacuteticas (HIRSCHL 2008)26

26 Hirschl faz importante observaccedilatildeo sobre um niacutevel diferente de judicializaccedilatildeo o qual denomina de

judicializaccedilatildeo da acutemega-poliacuteticaacute a qual seria mais impactante e consequentemente mais preocupante De

acordo com o autor ldquoToday not a single week passes without a national high court somewhere in the world

releasing a major judgment pertaining to the scope of constitutional rights or the limits on legislative or

executive powers The most common are cases dealing with procedrual justice and criminal lsquodue processrsquo

rights Aggregate data suggest that approximately two-thirds of all constitutional rights cases in the lsquoworld of

new constitutinalismrsquo deal with that type of rights Also common are rulings involving classic civil liberties

the right to privacy and formal equality This ever-expanding body of civil liberties jurisprudence has

expanded and fortified the boundaries of the constitutionally protected private sphere (often perceived as

threatened by the long arm of the state and its regulatory laws) and hastransformed numerous policy areas

involving individual freedoms In recent years we have seen the emergence of another level of judicialized

politics reliance on courts and judges for dealing with what we might call lsquomega-politicsrsquo ndash core political

controversies that define the boundaries of the collective or cut through the heart of entire nations This level

of judicialization includes several subcategories judicial scrutiny of executive-branch prerogatives in the

realms of macroeconomic planning or national security (ie the demise of what constitutional theorists call

the lsquopolitical questionrsquo doctrine) judicialization of electoral processes judicial corroboration of regime

transformation fundamental restorative-justice dilemmas and above all the judicialization of formative

25

Com o reconhecimento internacional da importacircncia da proteccedilatildeo dos

direitos fundamentais e o consequente entendimento de que a enunciaccedilatildeo desses direitos na

Carta Magna determina por si soacute um direito subjetivo em favor dos cidadatildeos o Estado

passou a ser responsaacutevel pela realizaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas que visem agrave sua efetividade

natildeo mais sendo suficiente apenas que natildeo os viole mas tambeacutem que aja de forma a propiciar

a sua eficaacutecia

Assim o Judiciaacuterio passou a ser visto como o principal centro de

discussatildeo sobre a efetividade desses direitos principalmente pela sociedade que encontrou

nas demandas judiciais um meio de coagir o Estado a dar cumprimento e efetividade aos

direitos constitucionalmente assegurados O progressivo aumento dessas demandas fez com

que fosse possiacutevel uma realizaccedilatildeo do controle judicial das poliacuteticas puacuteblicas estatais

favorecendo a judicializaccedilatildeo de temas que antes eram reservados ao campo da poliacutetica27

Esse cenaacuterio tambeacutem propiciou a ocorrecircncia de outro fenocircmeno

designado como ativismo judicial ou governo de juiacutezes28 que a par da sua difiacutecil e

heterogecircnea conceituaccedilatildeo deve aqui ser entendido como a excessiva atividade criativa do

juiz constitucional29

Tanto a judicializaccedilatildeo de questotildees poliacuteticas como o ativismo judicial

podem ser identificados como patologias dentro do sistema da jurisidiccedilatildeo constitucional sob

o ponto de vista do princiacutepio da separaccedilatildeo de poderes (TAVARES DA SILVA 2014) eis

que ocasionam um excesso de autonomia e poder ao Judiciaacuterio em detrimento dos demais

poderes facilitando inclusive a usurpaccedilatildeo de competecircncias

collective identity nation-building processes and struggles over the very definition or raison decirctre of the polity

as such ndash arguably the most troubling type of judicialization from a participatory democracy stanpoint These

emerging areas of judicialized politics expand the boundaries of national high-court involvement in the

political sphere beyond any previous limitrdquo

27 Esse eacute um tema muito discutido no Brasil onde haacute um grande nuacutemero de demandas judiciais - individuais e

coletivas - que questionam a efetividade de direitos fundamentais como o direito agrave sauacutede agrave educaccedilatildeo etc Sobre

o assunto ver VALLE Vanice Regina Liacuterio do Judicializaccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas no Brasil Ateacute onde

podem nos levar as asas de Iacutecaro In Themis Revista de Direito da Universidade Nova de Lisboa ano XI

nordm 2021 2011

28 A criaccedilatildeo dessas expressotildees eacute respectivamente atribuiacuteda agrave Arthur Schlesinger Jr e Walter Clark

29 Sobre o ativismo judicial ver URBANO 2012 p 87- 101

26

Somado a esses fenocircmenos outro importante componente que ajudou

a reacender o debate30 foi a recente transposiccedilatildeo do modelo americano do judicial review

fundado na supremacia judicial para paiacuteses da Commonwealth tradicionalmente centrados

em um modelo de soberania parlamentar a qual seraacute melhor abordada no toacutepico a seguir

Diante das evidentes dificuldades de harmonizaccedilatildeo do modelo de

revisatildeo judicial das leis para paiacuteses onde ateacute entatildeo o Parlamento era soberano expoentes

doutrinadores como Ronald Dworkin e Jeremy Waldron voltaram sua atenccedilatildeo para a anaacutelise

das vantagens e desvantagens da realizaccedilatildeo de um controle judicial dos atos do Parlamento

e da sua legitimidade democraacutetica

Dworkin (2006) postula uma ldquoconcepccedilatildeo constitucional de

democraciardquo31 segundo a qual o regime democraacutetico demanda a tomada decisotildees coletivas

por instituiccedilotildees que tratem de forma isonocircmica todos os cidadatildeos fato que nem nem sempre

iraacute ocorrer em procedimentos majoritaacuterios Assim o Autor defende que o primordial para a

legitimidade democraacutetica de uma decisatildeo eacute o seu conteuacutedo substantivo e natildeo propriamente

o procedimento em si realizado para a sua elabraccedilatildeo

Sendo assim alega a legitimidade democraacutetica do controle de

constitucionalidade das leis realizada pelo Poder Judiciaacuterio eis que esta seria no seu

entender a instacircncia do Poder mais apta a fornecer a ldquoresposta certardquo sobre direitos

fundamentais (DWORKIN 2001)

30 Necessaacuterio esclarecer que o controle de constitucionalidade sempre foi alvo de desconfianccedila sob o ponto de

vista da teoria democraacutetica durante muitos anos importantes estudiosos concentraram esforccedilos tentando buscar

uma justificativa capaz de legitimaacute-lo como o famoso debate entre Hans Kelsen e Carl Schmitt Todavia o

debate de hoje o qual interessa para o presente trabalho se funda em argumentos mais complexos por razotildees

didaacuteticas natildeo iremos retomar ao debate mais antigo

31ldquoSe rejeitamos a premissa majoritaacuteria precisaremos de uma explicaccedilatildeo diferente e melhor do valor e da

finalidade da democracia Vou defender agora uma explicaccedilatildeo ndash que chamo de concepccedilatildeo constitucional da

democracia ndash que efetivamente rejeita a premissa majoritaacuteria Segundo essa explicaccedilatildeo o fato de as decisotildees

coletivas serem sempre ou normalmente as decisotildees que a maioria dos cidadatildeos e tomariam se fossem

plenamente informados e racionais natildeo eacute nem uma meta nem uma definiccedilatildeo de democracia O objetivo que

define a democracia tem de ser diferente que as decisotildees coletivas sejam tomadas por instituiccedilotildees poliacuteticas

cuja estrutura composiccedilatildeo e modo de operaccedilatildeo dediquem a todos os membros da comunidade enquanto

indiviacuteduos a mesma consideraccedilatildeo e o mesmo respeito () a concepccedilatildeo constitucional requer esses

procedimentos majoritaacuterios em virtude de uma preocupaccedilatildeo com a igualdade dos cidadatildeos e natildeo por causa de

um compromisso com as metas da soberania da maioria Por isso natildeo opotildee objeccedilatildeo alguma ao emprego deste

ou daquele procedimento natildeo majoritaacuterio em ocasiotildees especiais nas quais tal procedimento poderia proteger

ou promover a igualdade que segunda essa concepccedilatildeo eacute a proacutepria essecircncia da democracia e natildeo aceita que

essas exceccedilotildees sejam causa de arrependimento moralrdquo (DWORKIN Ronald O Direito da Liberdade Satildeo

Paulo Martins Fontes 2006 p 26)

27

Em contrapartida Waldron (1999) sustenta que a legitimidade

democraacutetica de uma decisatildeo coletiva natildeo pode ser julgada a partir dos seus resultados como

propotildee Dworkin mas sim pelo caraacuteter democraacutetico do procedimento de tomada da decisatildeo

Partindo do princiacutepio da existecircncia de um grande dissenso acerca dos direitos fundamentais

dentro da sociedade entende que natildeo eacute legiacutetimo que predomine como correta entre as

diversas visotildees existentes aquela enunciada pelo Judiciaacuterio

Segundo o Autor o tradicional modelo do judicial review aliado agrave

supremacia do Judiciaacuterio natildeo eacute o meio mais adequado para a tomada de decisatildeo final em

uma sociedade livre e democraacutetica Apesar de criticar severamente essa praacutetica natildeo ignora

a sua existecircncia na maioria dos paiacuteses e faz uma distinccedilatildeo entre os diversos sistemas

classificando-os em sistemas fortes intermediaacuterios e fracos de acordo com a quantidade de

poder que eacute atribuiacutedo ao Judiciaacuterio (WALDRON 2014)

Neste sentido eacute importante a distinccedilatildeo que propotildee entre judicial review

e supremacia judicial O primeiro conceitua como uma forma de controle judicial das leis

que na sua melhor concretizaccedilatildeo praacutetica pode operar como um poder modesto de restriccedilatildeo

jaacute a supremacia judicial como a ideia de que os juiacutezes satildeo supremos e ateacute soberanos na

poliacutetica estando todos os outros poderes poliacuteticos a eles subordinados (WALDRON 2014

p 5)

Esclarece por exemplo que nos Estados Unidos haacute uma supremacia

judicial natildeo necessariamente pela adoccedilatildeo de um modelo forte de revisatildeo judicial mas sim

pela forma que este vem sendo exercido pela Suprema Corte Americana (WALDRON

2014 p 11)

O raciociacutenio desenvolvido por Wladron eacute importante principalmente

para demonstrar que natildeo deve haver uma vinculaccedilatildeo necessaacuteria entre judicial review e

supremacia judicial Ou seja para o autor a supremacia judicial e seus efeitos negativos pode

e deve ser combatida sem que para isso tenha-se que abolir a praacutetica da revisatildeo judicial das

leis a qual pode ateacute ser considerada como uma praacutetica boa e necesaacuteria

Com base nesse raciociacutenio atualmente o tradicional modelo de judicial

review aliado a supremacia do Poder Judiciaacuterio tem sido um dos maiores alvos de criacuteticas da

teoria constitucional natildeo apenas sob a oacutetica da legitimidade democraacutetica mas tambeacutem pelo

seu resultado no que tange a verdadeira efetivaccedilatildeo dos direitos fundamentais

28

O excesso de poder concedido ao Judiciaacuterio passou entatildeo a ser visto

com maus olhos em razatildeo de fenocircmenos como o ativismo judicial e a judicializaccedilatildeo poliacutetica

levando a doutrina a uma busca incessante por formas de combate a essas patologias

Em face disso alguns Estados de tradiccedilatildeo parlamentar cientes dessa

realidade negativa vivenciada nos demais paiacuteses poreacutem convencidos da necessidade de

implementaccedilatildeo de um sistema de revisatildeo judicial das leis para uma maior efetivaccedilatildeo dos

direitos fundamentais buscaram desenvolver modelos alternativos aos ateacute entatildeo existentes

Uma das propostas desses novos modelos eacute superar o problema da

legitimidade democraacutetica do judicial review mediante a promoccedilatildeo de um reequiliacutebrio entre

o Legislativo e Judiciaacuterio conforme se leraacute nas proacuteximas paacuteginas

5 A implementaccedilatildeo do judicial review nos paiacuteses da commonwealth e o

surgimento de uma nova alternativa ao binocircmio judiciaacuterio v Legislativo ndash weak

form of judicial review

A evoluccedilatildeo do judicial review na medida em que os Estados foram se

confrontando em pleno seacuteculo XX com o problema da escolha de mecanismos de controle

de constitucionalidade para os seus sistemas normativos procurando ajustar os modelos jaacute

existentes agraves suas realidades permitiu o desenvolvimento de diversos novos modelos

(TAVARES DA SILVA 2014)

Entre 1982 e 1998 paiacuteses como Canadaacute Nova Zelacircndia e Reino Unido

que ateacute entatildeo viviam sob a eacutegide de um sistema pautado na supremacia do Parlamento ao

adotarem um Bill of Rigths instituiacuteram um modelo de revisatildeo judicial a partir do tradicional

modelo americano poreacutem tentando uma nova forma de equiliacutebrio entre os poderes ateacute entatildeo

inexistente

Esse modelo foi denominado por Tushnet como weak form of judicial

review em oposiccedilatildeo ao modelo americano que constitui um strong form of judicial review

no qual a interpretaccedilatildeo constitucional efetuada pela Suprema Corte eacute praticamente

irreversiacutevel e inalteraacutevel por maiorias legislativas ordinaacuterias (TUSHNET 2009 p 33)

O novo modelo traduz-se basicamente em uma forma de controle de

constitucionalidade onde existem mecanismos de respostas da populaccedilatildeo agravequelas decisotildees

29

que lhes parecem erradas visando com isso diminuir a tensatildeo natural relativa a legitimidade

democraacutetica do judicial review

Nele a interpretaccedilatildeo judicial das provisotildees constitucionais pode ser

revisada pelo legislativo em um prazo relativamente curto usando uma regra de decisatildeo natildeo

muito diferente da que eacute usada no processo legislativo cotidiano (TUSHNET 2009) Com

isso tem-se um modelo que dissocia a jurisdiccedilatildeo constitucional da supremacia judicial

permitindo tambeacutem ao Legislativo o pronunciamento

Gardbaum (2013) identifica que este modelo foi feito sob a exata

medida para permitir uma maior proteccedilatildeo juriacutedica aos direitos dentro de paiacuteses com culturas

poliacuteticas nas quais haacute um apego substancial agrave soberania parlamentar como provedora de uma

longa e em grande parte bem sucedida tradiccedilatildeo constitucional democraacutetica32

Em siacutentese o novo modelo de jurisdiccedilatildeo constitucional adotado pelos

paiacuteses da Commonwealth adveacutem entatildeo da busca pela conciliaccedilatildeo entre a necessidade de

proteccedilatildeo dos novos direitos fundamentais e a tradiccedilatildeo da supremacia parlamentar o que

certamente natildeo haacute no tradicional modelo norte-americano

Cada um dos paiacuteses adeptos desse modelo buscou em suas

especificidades adotar mecanismos que prometiam a possibilidade de um exerciacutecio da

jurisdiccedilatildeo constitucional pautado no equiliacutebrio institucional sugerindo uma

responsabilidade conjunta pela decisatildeo final aleacutem de permitir o exerciacutecio de um diaacutelogo

deliberativo entre o Judiciaacuterio e o Legislativo no tocante a aplicaccedilatildeo e proteccedilatildeo dos direitos

fundamentais (GARDBAUM 2013) 33

Na praacutetica pode-se dizer que o marco inicial do denominado sistema

brando de constitucionalidade se deu com o advento da Carta Canadense de 198234 a qual

32 ldquoMost importantly while granting courts the power to enforce fundamental rights it decouples judicial

review from judicial supremacy by empowering legislatures to have the final word This new model was

custom-built to permit greater legal protection of rights within political cultures in which there is substantial

attachment to parliamentary sovereignty as having provided a long and largely successful tradition of

constitutionalist democracyrdquo (GARDBAUM 2013 p 760)

33 Sobre a evoluccedilatildeo do constitucionalismo nos paiacuteses da Commonwealth ver tambeacutem ZINES Leslie

Constitutional change in the Commonwealth Cambridge Cambridge University Press 1991 34 Constitution Act 1982 Disponiacutevel em lthttplaws-loisjusticegccaengConstindexhtmlgt

30

traz na sua Seccedilatildeo 3335 a previsatildeo da notwithstanding clause o que permite ao Legislativo

determinar a aplicaccedilatildeo de um diploma normativo expressamente reconhecido pelo Judiciaacuterio

como inconstitucional e na Seccedilatildeo 136 com a previsatildeo da possibilidade do Legislador reeditar

uma norma que configure e limite direito consagrado nas seccedilotildees 2 e de 7 a 15 e que jaacute tenha

sido objeto de reprovaccedilatildeo pelo Judiciaacuterio desde que fundada em justificativa razoaacutevel

A despeito das criacuteticas dirigidas a esses mecanismos as quais seratildeo

abordadas ao longo do presente trabalho a experiecircncia Canadense chamou a atenccedilatildeo de

diversos doutrinadores por todo o mundo bem como inspirou outros paiacuteses de tradiccedilatildeo

parlamentar a adotar esse novo modelo de jurisdiccedilatildeo constitucional

O Reino Unido por exemplo com a aprovaccedilatildeo do Human Rights Act

(HRA) em 1998 passou a adotar o mecanismo da interpretive obligation e de declarations

of incompability a Nova Zelacircndia tambeacutem apoacutes a aprovaccedilatildeo da sua Carta de Direitos

Humanos introduziu mecanismo similar agrave claacuteusula interpretativa da Inglaterra

Logo apesar de cada paiacutes adotar mecanismos diferentes pode-se dizer

que adotam um modelo fraco de controle de constitucionalidade eis que neles natildeo existe a

ideia de supremacia judicial ou seja a uacuteltima palavra em mateacuteria de interpretaccedilatildeo

constitucional natildeo eacute dada necessariamente pelo Judiciaacuterio havendo a possibilidade de

contradita pelo Legislativo e ateacute mesmo de prevalecircncia da interpretaccedilatildeo deste uacuteltimo

Dessa maneira a partir da observaccedilatildeo dessas novas experiecircncias dos

problemas oriundos da praacutetica do ativismo judicial da crescente judicializaccedilatildeo da Poliacutetica

das controveacutersias sobre a legimitidade da jurisdiccedilatildeo constitucional e da incessante busca pela

efetividade de direitos eclodem inuacutemeras teorias que tentam explicar e fundamentar a

existecircncia de um diaacutelogo entre Legislativo e Judiciaacuterio no seio da jurisdiccedilatildeo constitucional

satildeo as denomidadas teorias dialoacutegicas as quais seratildeo expostas e analisadas na sequecircncia de

forma sistemaacutetica

35 ldquo33 (1) Parliament or the legislature of a province may expressly declare in an Act of Parliament or of the

legislature as the case may be that the Act or a provision thereof shall operate notwithstanding a provision

included in section 2 or sections 7 to 15 of this Charterrdquo

36 ldquo1 The Canadian Charter of Rights and Freedoms guarantees the rights and freedoms set out in it subject

only to such reasonable limits prescribed by law as can be demonstrably justified in a free and democratic

societyrdquo

31

CAPIacuteTULO 2 ndash AS TEORIAS DIAacuteLOGICAS E A CONCRETIZACcedilAtildeO DO

DIAacuteOLOGO INSTITUCIONAL

6 Teoria dos diaacutelogos institucionais

Antes de iniciar a anaacutelise das respectivas teorias importa esclarecer que

apesar das mesmas terem se desenvolvido doutrinariamente em sua maioria e com maior

forccedila apoacutes a criaccedilatildeo do weak judicial review como explicado ateacute aqui algumas delas satildeo

anteriores agrave isso e fruto da anaacutelise de sistemas tradicionais como o do proacuteprio Estados

Unidos conforme seraacute demonstrado na sequecircncia

Eacute necessaacuterio explicar que a referecircncia agrave ldquodiaacutelogos institucionaisrdquo apesar

do reconhecimento da existecircncia de diversas instituiccedilotildees no acircmbito estatal estaacute-se

privilegiando especificamente a interaccedilatildeo entre as Cortes Constitucionais e o Parlamento

sobretudo porque o cerne do debate acerca da legitimidade democraacutetica da jurisdiccedilatildeo

constitucional restringe-se a essas duas vertentes do Poder ficando o executivo de fora pois

segundo a tradicional doutrina nunca foi considerado forte candidato a detentor da uacuteltima

palavra no processo de interpretaccedilatildeo constitucional Dito isso explicar-se-aacute o que as teorias

possuem em comum e quais os seus fundamentos basilares

Como jaacute demonstrado a ideia de diaacutelogo institucional surge a partir do

novo paradigma do constitucionalismo contemporacircneo que tem por objetivo natildeo mais

analisar quem deve interpretar a Constituiccedilatildeo mas sim buscar uma teoria que seja construiacuteda

a partir de uma proposta cooperativa por intermeacutedio da qual as instituiccedilotildees possam

compartilhar fundamentos em comum ao operacionalizar as ordens juriacutedica e poliacutetica

Esse entendimento eacute consequecircncia da anaacutelise do novo modelo de

jurisdiccedilatildeo constitucional iniciado no Canadaacute o qual aponta para a necessidade de

reestabelecimento de um equiliacutebrio entre as instituiccedilotildees por meio da alocaccedilatildeo de

responsabilidade reciacuteproca entre Tribunais e Parlamento na formulaccedilatildeo de poliacuteticas e

legislaccedilatildeo

Ou seja as teorias dialoacutegicas partem da premissa de que muitas vezes a

decisatildeo judicial natildeo seraacute suficiente para a resoluccedilatildeo de um conflito sobre direitos sobretudo

nos casos relativos agrave efetivaccedilatildeo de direitos fundamentais nos quais existem limitaccedilotildees que

32

ultrapassam a seara da competecircncia judicial portanto natildeo pode a decisatildeo judicial ser

considerada o fim da linha dentro da jurisdiccedilatildeo constitucional principalmente quando se

busca a maacutexima eficaacutecia de direitos fundamentais

Em contraste com as teorias de interpretaccedilatildeo que propotildeem criteacuterios que os

juiacutezes devem utilizar para resoluccedilatildeo de conflitos constitucionais as teorias de diaacutelogo

centram-se no processo institucional por meio do qual as decisotildees sobre o significado

constitucional satildeo feitas sugerindo que este envolve a elaboraccedilatildeo compartilhada do

significado constitucional entre o Judiciaacuterio e outros atores (BATEUP 2005)

As teorias que abordam o exerciacutecio de um diaacutelogo institucional na

resoluccedilatildeo dos conflitos consitucionais buscam em primeiro lugar entender e verificar como

essa interaccedilatildeo ocorre qual o seu significado reforccedilando o princiacutepio da separaccedilatildeo de poderes

a partir da percepccedilatildeo de que todas as instituiccedilotildees cada uma em sua especificidade satildeo

responsaacuteveis por uma parcela da tarefa da interpretaccedilatildeo constitucional

As teorias dialoacutegicas natildeo fornecem respostas certas para os casos difiacuteceis

de interpretaccedilatildeo mas despertam um processo no qual todos participam na busca dessa

resposta Rejeita os extremos tanto da atuaccedilatildeo judicial como da atuaccedilatildeo legislativa a Corte

natildeo impede que a prevalecircncia da legislaccedilatildeo mas induz o Parlamento a assumir a

responsabilidade poliacutetica e apresentar justificativas razoaacuteveis para suas escolhas no tocante

agrave restriccedilatildeo de direitos (ROACH 2001)

Nesse sentido Sustein e Vermule (2002) indicam a necessidade de uma

virada institucional no pensamento sobre a interpretaccedilatildeo constitucional chamando a atenccedilatildeo

para a necessidade de observaccedilatildeo da capacidade das instituiccedilotildees e dos efeitos dinacircmicos de

qualquer abordagem especiacutefica e de suas consequecircncias

A partir dessa ideia as teorias do diaacutelogo institucional sugerem que natildeo

deve haver um predomiacutenio de uma instituiccedilatildeo sobre a outra quando do exerciacutecio da

jurisdiccedilatildeo constitucional mas sim uma forccedila tarefa uma atuaccedilatildeo conjunta das mesmas

Sendo assim diversas teorias tecircm se proliferado no sentido de fundamentar

agrave abertura ao diaacutelogo no exerciacutecio da jurisdiccedilatildeo constitucional visando sobretudo o

restabelecimento do equiliacutebrio entre os poderes como fundamento de uma legitimidade

democraacutetica a defesa de um sistema brando de controle de constitucionalidade e a

concretizaccedilatildeo dos direitos fundamentais

33

Buscar-se-aacute na continuidade deste capiacutetulo analisar aacute luz das teorias

dialoacutegicas algumas praacuteticas do Judiciaacuterio e Legislativo a fim de identificar ateacute que ponto

essas teorias podem ser consideradas como efetivadoras de um diaacutelogo concreto e

substancial no exerciacutecio da jurisdiccedilatildeo constitucional e quais seus contributos no tocante a

superaccedilatildeo dos problemas relativos a sua legitimidade e no combate ao ativismo

Entretanto antes de fazer a exposccedilatildeo de cada teoria e seus efeitos praacuteticos

em especiacutefico eacute imprescindiacutevel destacar que haacute na doutrina uma aparente diferenciaccedilatildeo

entre tipos de diaacutelogo gerando uma dicotomia diaacutelogo formal e diaacutelogo material a qual

passamos a explorar no toacutepico seguinte

7 Diaacutelogo formal v Diaacutelogo material

Para que se possa analisar de forma mais clara e eficaz as teorias

dialoacutegicas e suas respectivas praacuteticas se faz necessaacuterio primeiramente entender o que seria

um verdadeiro diaacutelogo e quando este pode ser considerado verdadeiramente promissor no

sentido de cumprir os objetivos a que a teoria se propotildee

De iniacutecio pode-se afirmar que essa tarefa eacute aacuterdua eis que nela residem

justamente os maiores alvos das criacuteticas direcionadas as teorias dialoacutegicas conforme veremos

na sequecircncia Apesar de todas as benesses que a ideia de um diaacutelogo constitucional

apresenta a sua praacutetica ainda eacute um pouco conflituosa eis que nem tudo aquilo que alguns

denominam de ldquodiaacutelogordquo deve ser de fato assim considerado

Na definiccedilatildeo de Dor (2000) o diaacutelogo material ou substantivo ocorre

quando haacute o comprometimento e engajamento de todos os participantes na busca de uma

soluccedilatildeo harmoniosa que conteraacute tanto a interpretaccedilatildeo do Tribunal relativa a uma questatildeo

constitucional como o interesse do legislador

Ou seja no desenvolvimento do diaacutelogo em seu sentido material haacute a

conciliaccedilatildeo entre a interpretaccedilatildeo judicial e os interesses do legislador buscando o Tribunal

articular as falhas da legislaccedilatildeo e o legislador a incluir nas suas iniciativas a interpretaccedilatildeo

do Tribunal buscando soluccedilotildees para alcanccedilar o seu objetivo agrave luz dessa interpretaccedilatildeo

Jaacute o diaacutelogo no sentido formal ocorre quando a atuaccedilatildeo legislativa

pouco ou nada acrescenta ao resultado final servindo apenas para ldquocarimbarrdquo a decisatildeo

34

judicial ou seja quando haacute a total deferecircncia do Legislativo agrave decisatildeo judicial

Tremblay (2005) tambeacutem em importante anaacutelise sobre o tema ao tratar

dos limites da teoria dos diaacutelogos institucionais apesar de natildeo negar a possibilidade da sua

concretizaccedilatildeo praacutetica introduz duas concepccedilotildees geneacutericas de diaacutelogos os de conversaccedilatildeo e

os de deliberaccedilatildeo

Para o Autor os diaacutelogos pautados em uma conversaccedilatildeo satildeo em

siacutentese aqueles que ocorrem de uma maneira mais informal e espontacircnea no qual haacute uma

troca de ideias sentimentos ou opiniotildees sem um comprometimento das partes com um

entendimento em comum um aprendizado ou descoberta de novas perspectivas natildeo haacute

pois um empenho na argumentaccedilatildeo ou um debate forte Seria de certa forma como um

diaacutelogo entre amigos apoacutes uma refeiccedilatildeo

Em contrapartida a concepccedilatildeo deliberativa de diaacutelogo consiste em

praacutetica semelhante agrave conversaccedilatildeo pois tambeacutem haacute troca de ideias sentimentos e opiniotildees

entre duas ou mais pessoas poreacutem de maneira mais formal e menos espontacircnea Na

deliberaccedilatildeo as partes possuem um mesmo propoacutesito buscam por intermeacutedio da troca de

argumentos e ideias a resoluccedilatildeo coletiva de conflitos ou problemas

Sendo assim o diaacutelogo pautado na conversaccedilatildeo consistiria em um

diaacutelogo meramente formal o qual segundo alguns autores natildeo deve ser considerado como

uma forma efetiva de diaacutelogo eis que natildeo haacute uma verdadeira inteiraccedilatildeo entre os poderes mas

tatildeo somente uma possibilidade de resposta de um ao outro

Desta forma pode-se inferir que para que haja a verdadeira

concretizaccedilatildeo dos objetivos propostos pela teoria do diaacutelogo institucional a simples

formulaccedilatildeo pautada em um diaacutelogo formal natildeo seria suficiente fazendo-se necessaacuteria a

ocorrecircncia de uma deliberaccedilatildeo concreta entre os poderes uma verdadeira deliberaccedilatildeo a fim

de chegar a consenso no que tange a interpretaccedilatildeo constitucional

Neste estudo natildeo se despreza nenhuma dessas concepccedilotildees de diaacutelogo

ao contraacuterio busca-se demonstrar justamente aquelas praacuteticas que mais se coadunam com a

concepccedilatildeo de um diaacutelogo material poreacutem tambeacutem ressaltando os benefiacutecios daquelas que

consistam apenas uma vertente formal

Feita essa diferenciaccedilatildeo passa-se a expor de maneira mais especiacutefica

35

as teorias dialoacutegicas e suas manifestaccedilotildees praacuteticas Utilizar-se-aacute didaticamente a

sistematizaccedilatildeo das teorias feita por Christine Bateup sobretudo no que tange a classificaccedilatildeo

das mesmas jaacute que nosso objetivo eacute tentar abordar o maior nuacutemero possiacutevel de teorias e

praacuteticas

A exposiccedilatildeo inicia-se pela anaacutelise da praacutetica sugerida pela doutrina

como dialoacutegica em paiacuteses que possuem um controle de constitucionalidade forte ou seja

inicialmente formulado com base em uma supremacia do Judiciaacuterio na tarefa de revisatildeo

judicial das leis

Apoacutes o que seraacute mencionado a praacutetica dialoacutegica nos paiacuteses que adotam

um controle fraco de constitucionalidade onde a ideia de diaacutelogo a priori eacute mais evidente

pelo fato do proacuteprio modelo constitucional prever mecanismos voltados para esse fim

8 Teorias dialoacutegicas fundadas no meacutetodo judicial

As teorias fundadas no meacutetodo judicial satildeo aquelas que defendem que

o diaacutelogo deve ocorrer dentro da decisatildeo judicial Tecircm como elemento central a defesa do

uso consciente pelo Judiciaacuterio de teacutecnicas de tomada de decisotildees que estimulem e incentivem

o debate mais amplo sobre o significado constitucional com - e entre - os poderes poliacuteticos

Para a praacutetica dessa modalidade de diaacutelogo natildeo haacute a exigecircncia da

existecircncia de mecanismos formais de relaccedilatildeo institucional eis que o diaacutelogo se estabelece

natildeo pela observaccedilatildeo de um preceito especiacutefico preacutevio mas pela simples interaccedilatildeo entre os

distintos ramos do Poder por essa razatildeo eacute possiacutevel encontrar os maiores exemplos desse

tipo de diaacutelogo em sistemas de jurisdiccedilatildeo constitucional centrados na supremacia judicial

conforme se leraacute a seguir

Bateup subdivide essas formas de diaacutelogo em duas categorias as

denominadas de aconselhamento judicial (judicial advice- giving) e as teorias centradas no

processo (process centered rules)

Antes de se tratado cada categoria em especiacutefico necessaacuterio destacar

mais uma vez que o foco neste caso estaacute em buscar exemplos da manifestaccedilatildeo dessa teoria

na jurisdiccedilatildeo constitucional de paiacuteses que adotam um modelo de revisatildeo judicial inspirado

no tradicional modelo norte americano justamente para tentar verificar se neles tambeacutem haacute

36

uma possibilidade de diaacutelogo jaacute que adotam um sistema forte de controle de

constitucionalidade sugerindo o que alguns autores chamam de ldquoenfraquecimento do

controle de constitucionalidaderdquo e fazer o contraponto com a forma de diaacutelogo estabelecida

em jurisdiccedilotildees constitucionais que adotam o weak judicial review para verificar onde se

assemelham e onde se distanciam

Reassalte-se ainda que o objetivo natildeo eacute exaurir todas as questotildees e

pormenores praacuteticos e teoacutericos dos exemplos que seratildeo dados a seguir mas tatildeo somente

abordar as questotildees referentes ao potencial dialoacutegico dos institutos juriacutedicos mencionados

que eacute o que interessa para o alcance do objetivo do presente trabalho

81 Aconselhamento judicial

As teacutecnicas de aconselhamento judicial consistem em formas proativas

de interpretaccedilatildeo constitucional e construccedilatildeo de decisotildees que o Judiciaacuterio recomendan o curso

de accedilatildeo do Poder Legislativo e busca aconselhaacute-lo com o obejtivo de evitar futuros

problemas constitucionais

O uso dessas teacutecnicas visa assegurar que os ramos poliacuteticos visualizem

e entendam a interpretaccedilatildeo constitucional feita pelo Judiciaacuterio para que com isso elaborem

a legislaccedilatildeo de acordo com a mesma ou ainda alterem a legislaccedilatildeo em vigor para evitar

discrepacircncias (BATEUP 2005 p17)

Por natildeo existir uma forma predeterminada para promoccedilatildeo do

aconselhamento judicial nem a necessidade de previsatildeo de um mecanismo especiacutefico para

tanto ele se traduz na praacutetica de inuacutemeras formas Sendo assim natildeo haacute como enumerar todas

as suas possibilidades praacuteticas de forma exaustiva razatildeo pela qual foram selecionadas as

mais importantes e evidentes

811 Constitutional road maps

A doutrina americana reporta-se agraves decisotildees judiciais denominadas de

constitutional road maps mediante as quais o Judiciaacuterio pronuncia a inconstitucionalidade de

uma lei mas ao mesmo tempo aponta os caminhos possiacuteveis a serem seguidos pelo

Legislativo para a correccedilatildeo da incompatibilidade

37

Essa teacutecnica foi utilizada pela Suprema Corte Americana no

julgamento do caso City of Chicago v Morales37 no qual foi analisada a constitucionalidade

da Chicagoacutes gang-loitering law lei que impedia a congregaccedilatildeo puacuteblica de membros de

gangues e seus associados

A lei foi considerada inconstitucional por ser vaga e violar o devido

processo legal poreacutem apesar de declarara inconstitucionalidade a Suprema Corte proferiu

decisatildeo esboccedilando de forma detalhada as alternativas legais com potencial para sobreviver

ao escrutiacutenio judicial

As diretrizes para a elaboraccedilatildeo de um estatuto legal em consonacircncia

com a Constituiccedilatildeo foram traccediladas no voto da Juiacuteza Sandra OrsquoConnor as quais em sua

maioria foram seguidas pelo Legislativo na elaboraccedilatildeo do novo diploma legal

aproximadamente trecircs anos depois razatildeo pela qual a decisatildeo eacute apontada pela doutrina como

fruto de diaacutelogo

Apesar de neste caso a decisatildeo da Suprema Corte ter servido de diretriz

para a elaboraccedilatildeo de um novo diploma legal nem sempre eacute o que ocorre A teacutecnica do

constitutional road map eacute alvo de muitas criacuteticas sendo considerada uma das teacutecnicas mais

radicais e perigosas de incentivo poacutes-invalidaccedilatildeo da lei pois ao derrubar a legislaccedilatildeo em

anaacutelise o Judiciaacuterio oferece um roteiro a ser seguido pelo Legislativo para criar um estatuto

legal que seja constitucional (LUNA 2001)

812 Sentenccedilas intermedias (declaraccedilotildees de mera incompatibilidade

e sentenccedilas apelativas)

No acircmbito europeu em especial no Direito alematildeo existem alguns

tipos de sentenccedilas oriundas do controle de constitucionalidade que satildeo consideradas como

teacutecnicas dialoacutegicas sob o ponto de vista das teorias fundadas no meacutetodo judicial Essas

sentenccedilas fazem parte do grupo das chamadas ldquosentenccedilas intermediasrdquo ou ldquosentenccedilas

37 Oportuno se faz esclarecer que natildeo se adentra nas questotildees faacuteticas do caso nem no meacuterito da decisatildeo por

fugir ao escopo do presente trabalho poreacutem a decisatildeo pode ser consultada na iacutentegra em

httpssupremejustiacomcasesfederalus52741casehtml

38

normativasrdquo38 as quais satildeo decisotildees judiciais que se situam entre o considerar e o natildeo

considerar a inconstitucionalidade de uma norma e nos casos em que eacute admissiacutevel entre

rejeitar a norma considerada inconstitucional e concomitantemente expulsaacute-la do

ordenamento juriacutedico e natildeo considerar constitucional e mantecirc-la (URBANO 2012 p 87)39

Apesar de natildeo nos interessar a anaacutelise de todos os diversos tipos de

sentenccedilas intermedias eacute oportuno destacar que as mesmas satildeo uma produccedilatildeo recente da

jurisdiccedilatildeo constitucional dos paiacuteses europeus que adotaram o modelo autriacuteaco de controle

de consitucionalidade ou seja um controle concentradoabstrato realizado por um Tribunal

criado para esse fim especiacutefico e que revelam que a idealizaccedilatildeo de Kelsen de criaccedilatildeo de um

oacutergatildeo que atue como legislador negativo vem sendo ultrapassada agrave medida que os Tribunais

Constitucionais natildeo mais se limitam meramente a decidir pela constitucionalidade ou natildeo de

uma norma sobretudo pela evidente complexidade dos problemas constitucionais que

exigem decisotildees mais elaboradas que o esquema ldquoconstitucional v inconstitucionalrdquo

Pois bem O primeiro tipo de sentenccedila dentro desse universo que pode

ser considerada como uma teacutecnica dialoacutegica eacute a chamada ldquodeclaraccedilatildeo de mera

incompatibilidaderdquo originaacuteria da jurisprudecircncia alematilde Consiste em uma decisatildeo do

Tribunal Constitucional onde natildeo haacute a anulaccedilatildeo da lei mas apenas a declaraccedilatildeo de que a

mesma eacute incompatiacutevel com a constituiccedilatildeo e a sua consequente suspensatildeo ateacute que o

Legislativo efetue a correccedilatildeo da norma a fim de tornaacute-la constitucional

Ou seja o Tribunal reconhece a inconstitucionalidade da norma poreacutem

sem declarar a sua nulidade mantendo-a no ordenamento juriacutedico mas suspendendo a sua

aplicaccedilatildeo Com isso de acordo com os defensores dessa praacutetica o Judiciaacuterio estaria

permitindo ao Legislativo a correccedilatildeo da legislaccedilatildeo a tempo de evitar um vaacutecuo legislativo

(QUEIROZ 2012)

Essa praacutetica tem sido muito utilizada pelo Tribunal Constitucional

Alematildeo nos casos em que ldquoa declaraccedilatildeo de nulidade haveria de produzir uma situaccedilatildeo

juriacutedica insuportaacutevelrdquo especialmente nas seguintes situaccedilotildees a) quando o juiz reconhece

que o legislador natildeo tinha outra alternativa dado o contexto histoacuterico existente b) quando a

38 Natildeo haacute um consenso na doutrina a respeito da denominaccedilatildeo desses tipos de decisatildeo aqui se optou por utilizar

essas duas nomenclaturas por serem amplamente difundidas e utilizadas pelos doutrinados portugueses e

brasileiros respectivamente

39 No contexto brasileiro essas decisotildees satildeo conhecidas como sentenccedilas interpretativas ou intermediaacuterias

39

inconstitucionalidade natildeo eacute evidente designadamente por motivos de seguranccedila c) quando

a ausecircncia da norma inconstitucional eacute menos adequada que a sua manutenccedilatildeo d) quando

estatildeo em causa disciplinas discriminatoacuterias (URBANO 2012 p 81-82)

Mendes (1990) destaca que essa teacutecnica decisoacuteria eacute utilizada pelo

Tribunal Constitucional alematildeo principalmente nos casos em que estaacute em jogo o princiacutepio

da isonomia quando uma lei injustificadamente confere benefiacutecios a um determinado

nuacutemero de pessoas ou grupos sociais deixando de englobar outros setores caracterizando

assim uma situaccedilatildeo singular complexa que natildeo pode ser resolvida com a simples declaraccedilatildeo

de inconstitucionalidade da lei

Outra importante figura tambeacutem originaacuteria do direito alematildeo mas hoje

tambeacutem muito presente no Direto italiano satildeo as ldquosentenccedilas apelativas ou exortativasrdquo

Nesse tipo de sentenccedila o Tribunal Constitucional natildeo considera a lei inconstitucional no

momento em que profere a decisatildeo entretanto alerta o Legislativo para a possibilidade de

uma futura inconstitucionalidade e diante disso dirige-lhe um apelo para que modificaccedilatildeo

a legislaccedilatildeo a fim de adequaacute-la a Lei Maior

Esse apelo visa sobretudo evitar uma futura inconstitucionalidade e

com base nessa justificativa o Tribunal oferece ao legislador com maior ou menor

determinaccedilatildeo e exigecircncia possibilidades orientaccedilotildees para a reparaccedilatildeo da norma em tempo

uacutetil fixando em alguns casos um prazo para tanto (URBANO 2012a)

Diferem das decisotildees de mera incompatibilidade pois nessas a norma jaacute

foi considerada inconstitucional cabendo ao legislador proceder a imediata adequaccedilatildeo para

sanar a inconstitucionalidade enquanto que nas sentenccedilas apelativas a violaccedilatildeo ao texto

constitucional ainda natildeo foi consumada ou ainda natildeo haacute certeza sobre a sua ocorrecircncia

(SILVA 2008)

A doutrina italiana tem maioritariamente fundamentado a utilizaccedilatildeo

desse tipo de decisatildeo em um chamado constitucionalismo cooperativo italiano equivalente

a dizer que o Tribunal Constitucional quando confrontado com a ineacutercia do poder poliacutetico

tem desempenhado uma funccedilatildeo propulsora dos valores constitucionais (SILVA 2008

p1119)

O que essas decisotildees possuem em comum entre si e tambeacutem com a

primeira figura aqui mencionada do constitutional road map eacute o fato de conterem em seu

40

corpo em menor ou maior grau orientaccedilotildees para a atividade legislativa visando sanar ou

evitar questotildees de inconstitucionalidade

Na visatildeo de Gomes Canotilho (2003 p 1018) esses tipos de decisotildees

satildeo altamente criticaacuteveis pois ldquoa natildeo atribuiccedilatildeo dos efeitos da nulidade ipso jure natildeo pode

implicar a sobrevivecircncia e aplicaccedilatildeo da norma considerada inconstitucional nem os

laquoperigosraquo das lacunas legislativas se podem sobrepor aos perigos da erosatildeo do princiacutepio da

constitucionalidade dos actos normativosrdquo

82 Teorias centradas no processo

Apesar de ser classificada por Bateup como uma forma de diaacutelogo que

emana de uma decisatildeo judicial pode-se dizer que eacute o contraponto do meacutetodo do

aconselhamento judicial pois ao inveacutes de defender a postura provocadora do Judiciaacuterio agrave

reposta legislativa como centro do diaacutelogo preconiza justamente o contraacuterio uma atuaccedilatildeo

contida dos Tribunais de forma a deixar um maior espaccedilo para a atuaccedilatildeo legislativa

De acordo com esse grupo de teorias o Judiciaacuterio natildeo deve apontar o

caminho a ser seguido pelo Legislativo criando diretrizes ou dando orientaccedilotildees eacute uma

atividade que natildeo lhe compete mas deve possibilitar um ldquosegundo olharrdquo para a questatildeo

821 Minimalismo judicial

A teoria do minimalismo judicial tem se desenvolvido principalmente

no contexto norte americano onde os precedente judiciais possuem muita forccedila normativa

Ela pretende a afirmaccedilatildeo do priciacutepio democraacutetico por meio da limitiaccedilatildeo da atuaccedilatildeo judicial

no processo de tomada de decisotildees que envolvam principalmente a fixaccedilatildeo do conteuacutedo de

direitos fundamentais em temas sensiacuteveis da vida social como questotildees relacionadas ao

aborto casamento de homossexuais dentre outras

O atual exponente defensor dessa teoria eacute o americano Cass R Sustein

que propotildee uma limitaccedilatildeo da atuaccedilatildeo jurisdicional das Cortes as quais natildeo devem decidir

questotildees que extrapolem o caso concreto que estaacute em analise visando um ldquouso construtivo

do silecircnciordquo

Ou seja o Judiciaacuterio natildeo deve tomar decisotildees abrangentes de forma

41

que enclausurem a discussatildeo para sempre mas sim deve restringir-se agraves questotildees daquele

caso concreto permitindo que a discussatildeo profunda e geneacuterica do tema ocorra no acircmbito do

oacutergatildeo legislativo o qual possui legimitidade democraacutetica para tanto

Dessa forma o minimalismo em sua forma processual consiste em um

esforccedilo para limitar a amplitude e profundidade das decisotildees judiciais quando os juiacutezes

carecem e sabem que carecem de informaccedilotildees relevantes o minimalismo eacute uma forma de

resposta apropriada razoaacutevel e ateacute mesmo inevitaacutevel para resolver o problema praacutetico de

obter o consenso dentro de uma sociedade heterogecircna (SUSTEIN 1999 p 5)

Bickel (1962) tambeacutem um importante nome dos defensores da

contenccedilatildeo da atuaccedilatildeo judicial ao falar sobre o exerciacutecio pela Suprema Corte do que

denomina de ldquovirtudes passivasrdquo faz referecircncia agrave diversas ldquoteacutecnicas de natildeo decisatildeordquo

existentes no processo norte americano mediante as quais pode a Suprema Corte se abster

de emitir opiniatildeo como por exemplo political question ripness standing mootness dentre

outras

Acrescenta que a Suprema Corte natildeo tem a obrigaccedilatildeo de decidir todo o

tempo e que se assim o fosse poderia levar a um processo manipulativa da democracia

fazendo com que a Corte simplesmente substituisse o legislative impedindo o exerciacutecio do

seu juiacutezo de conveniecircncia tornando-se um second guesser (BICKEL 1962 p200)

Sob o ponto de vista dialoacutegico na contenccedilatildeo da atuaccedilatildeo judicial o cerne

do diaacutelogo estaacute justamente na possibilidade de o legislador lanccedilar um novo olhar para um

tema que possivelmente foi tratado de forma apressada ou sem a profundidade necessaacuteria

aumentando assim a responsabilidade do Legislativo no exerciacutecio da sua atividade tomando

decisotildees poliacuteticas e elaborando normas com niacuteveis adequados de cuidado e deliberaccedilatildeo

(BATEUP 2005)

Nesse mesmo sentido Bickel (1962 p 70-71) em clara referecircncia agraves

teorias do diaacutelogo afirma que ao evitar decidir a Corte estimula o coloacutequio com os outros

poderes e a sociedade O minimalismo judicial seria portanto uma forma de participaccedilatildeo

passiva do Judiciaacuterio no diaacutelogo constitucional permitindo que os juiacutezes abram o diaacutelogo

com os poderes poliacuteticos a fim de incentivar a resoluccedilatildeo poliacutetica das questotildees constitucionais

que satildeo alvo de conflito

42

822 Modulaccedilatildeo temporal dos efeitos da declaraccedilatildeo de

inconstitucionalidade

A possibilidade de modulaccedilatildeo dos efeitos da decisatildeo pelo Tribunal em

sede de controle de constitucionalidade na perspectiva das teorias fundadas no meacutetodo

judicial tambeacutem pode ser considerada como um mecanismo dialoacutegico sob o ponto de vista

das teorias do meacutetodo judicial centradas no processo eis que possibilita a resposta

legislativa entretanto de forma menos agressiva que as outras teacutecnicas explanadas acima

Essa possibilidade eacute prevista expressamente no Direito Portuguecircs Os

efeitos e o alcance das decisotildees do Tribunal Constitucional em sede do controle abstrato de

constitucionalidade estatildeo previstos no n 1 e n 2 do artigo 282 da Constituiccedilatildeo Portuguesa

os quais determinam respectivamente que ldquoA declaraccedilatildeo de inconstitucionalidade ou de

ilegalidade com forccedila obrigatoacuteria geral produz efeitos desde a entrada em vigor da norma

declarada inconstitucional ou ilegal e determina a repristinaccedilatildeo das normas que ela

eventualmente haja revogadordquo ldquoTratando-se poreacutem de inconstitucionalidade ou de

ilegalidade por infraccedilatildeo de norma constitucional ou legal posterior a declaraccedilatildeo soacute produz

efeitos desde a entrada em vigor desta uacuteltimardquo

Todavia o n 4 do referido artigo traz expressamente a possibilidade de

fixaccedilatildeo dos efeitos da decisatildeo pelo Tribunal de forma fundamentada quando a seguranccedila

juriacutedica razotildees de equidade ou interesse puacuteblico de excepcional relevo o exigir Os efeitos

podem ser fixados de diversas formas poreacutem a que nos interessa no presente trabalho eacute a de

fixaccedilatildeo dos efeitos para o futuro

De acordo com a possibilidade de modulaccedilatildeo dos efeitos da declaraccedilatildeo

de inconstitucionalidade pode o Tribunal Constitucional declarar a inconstitucionalidade de

uma lei mas condicionar a sua nulidade a um determinado transcurso de tempo ou seja

determinar a sua nulidade pro futuro fixando um prazo determinado para que ela deixe de

produzir efeitos de ser aplicada possibilitando assim ao legislador a correccedilatildeo do estatuto e

evitando o vaacutecuo legislativo

Inspirado na Constituiccedilatildeo Portuguesa o Brasil atraveacutes do artigo 27 da

Lei 886899 de 10 de novembro passou tambeacutem a regulamentar possibilidade da

modulaccedilatildeo temporal das decisotildees proferidas no julgamento de accedilatildeo direta de

inconstitucionalidade e de accedilatildeo declaratoacuteria de constitucionalidade

43

A referida lei passou a facultar ao Supremo Tribunal Federal no

exerciacutecio do controle abstrato de constitucionalidade modular os efeitos da decisatildeo por

razotildees de seguranccedila juriacutedica ou de excepcional interesse social Todavia atualmente essa

modulaccedilatildeo se estende tambeacutem ao controle difuso conforme se leraacute

A decisatildeo proferida pelo Superior Tribunal Federal no ano de 2004 no

julgamento do caso Mira Estrela eacute tida como paradigmaacutetica40 por ter sido aplicado o artigo

27 da Lei 886899 no controle de constitucionalidade de um caso concreto A declaraccedilatildeo da

inconstitucionalidade se deu no acircmbito do julgamento do Recurso Extraordinaacuterio 197917-

8 de accedilatildeo civil puacuteblica proposta pelo Ministeacuterio Puacuteblico do Estado de Satildeo Paulo visando a

diminuiccedilatildeo do nuacutemero de vereadores do municiacutepio de Mira Estrela alegando que o mesmo

natildeo era proporcional ao nuacutemero de habitantes ainda que estivesse dentro do limite

constitucional41

O Supremo concordou com a desproporcionalidade e em face disso

declarou a inconstitucionalidade da referida norma todavia modulou os efeitos da decisatildeo

pro futuro para salvaguardar os mandatos dos vereadores jaacute eleitos e a validade dos

respectivos atos administrativos por eles praticados evitando assim consequecircncias

desastrosas para a administraccedilatildeo puacuteblica Fundamentou a necessidade da modulaccedilatildeo dos

efeitos na proteccedilatildeo da Seguranccedila Juriacutedica

Em que pese essa ser uma teacutecnica menos agressiva que as anteriores

vez que o Judiciaacuterio ao menos em tese apenas possibilita uma reaccedilatildeo legislativa a sua

decisatildeo sem lhe estipular diretrizes e com isso adentrar em sua liberdade de conformaccedilatildeo

na praacutetica tambeacutem natildeo haacute como garantir que haveraacute a reaccedilatildeo legislativa e eacute nisso que reside

a maioria das criacuteticas a todas esses mecanismos ditos dialoacutegicos conforme se veraacute mais

adiante

40 RE 197917-8SP Iacutentegra da decisatildeo disponiacutevel em

httpredirstfjusbrpaginadorpubpaginadorjspdocTP=ACampdocID=235847 41 A Lei Orgacircnica do municiacutepio de Mira Estrela estabelecia em 11 o nuacutemero de vereadores os quais estavam

dentro dos limites impostos no artigo 29 da Constituiccedilatildeo Federal estabelecido conforme o nuacutemero de

habitantes

44

823 Accedilatildeo de inconstitucionalidade por omissatildeo legislativa

O modelo de controle de constitucionalidade portuguecircs prevecirc

expressamente a possibilidade do controle das omissotildees legislativas por intermeacutedio da

disposiccedilatildeo contida no artigo 283 da Constituiccedilatildeo Federal 42

Inspirado no instituto portuguecircs o Brasil tambeacutem trouxe em sua

Constituiccedilatildeo Federal de 1988 a expressa previsatildeo da possibilidade do controle de

constitucionalidade das omissotildees legislativas (paraacutegrafo 2ordm do artigo 103) poreacutem criou

ainda uma nova figura especifica para esse fim o mandado de injunccedilatildeo (inciso LXXI do

artigo 5ordm)

Em ambos os sistemas uma omissatildeo legislativa eacute considerada

inconstitucional quando o legislador natildeo cumpre com aquilo que estava constitucionalmente

obrigado ou seja quando a sua omissatildeo prejudica a exequibilidade de alguma norma

constitucional Para que a omissatildeo ganhe significado relevante deve ter conexatildeo com uma

exigecircncia constitucional de accedilatildeo natildeo bastando a violaccedilatildeo do simples dever legal de legislar

(CANOTILHO2003)

Miranda (2008) destaca que a omissatildeo pode ser total ou parcial

quando por exemplo existe a norma mas ela eacute insuficiente ou deficiente43 e que o juiacutezo da

inconstitucionalidade por omissatildeo traduz-se num juiacutezo sobre o tempo em que deveria ser

produzida a lei devendo o Judiciaacuterio sem substituir ao oacutergatildeo legislador medir e interpretar

o tempo decorrido para a elaboraccedilatildeo da lei44

42 Neste sentido ver o que Tushnet diz sobre esse tipo de concepccedilatildeo de diaacutelogo em TUSHNET Mark Dialogue

and Constitutional Duty Havard Law School Public Law amp Legal Theory Working Paper Series paper nordm 12-

10 p 4-9

43 ldquoA inconstitucionalidade por omissatildeo natildeo surge apena por carecircncia de medidas legislativas surge tambeacutem

por deficiecircncia delas Mas isto natildeo significa que perante um projecto ou uma proposta de lei com vista ao

cumprimento de determinada norma constitucional tenha de se proceder agrave sua anaacutelise para discernir se o

sentido de seus preceitos se enquadra ou natildeo no sentido de Constituiccedilatildeo De jeito algum cabe ao oacutergatildeo de

fiscalizaccedilatildeo da inconstitucionalidade por omissatildeo debruccedilar-se a esse tiacutetulo sobre o conteuacutedo de qualquer acto

de iniciativa legislativardquo (MIRANDA 2008 p 325)

44ldquoA ausecircncia ou a insuficiecircncia da norma legal natildeo pode ser separada de determinado tempo histoacuterico

assinalado pela necessidade de produccedilatildeo legislativa e cuja duraccedilatildeo maior o menor ou seraacute prefixada pela

proacutepria Constituiccedilatildeo ou depende da natureza das coisas (ou seja da natureza da norma constitucional natildeo

exequiacutevel por si mesma confrontada com as situaccedilotildees da vida inclusive situaccedilatildeo que agrave sua margem esteja

por acccedilatildeo o legislador ordinaacuterio a criar)rdquo (MIRANDA 2008 p 322)

45

A accedilatildeo de inconstitucionalidade por omissatildeo prevista no ordenamento

portuguecircs e brasileiro constitui portanto um meio atraveacutes do qual o Judiciaacuterio controla a

ineacutercia legislativa declarando a inconstitucionalidade da sua ineacutercia e solicitando a tomada

de providecircncias Pode-se dizer que seus efeitos praacuteticos assemelham-se agraves sentenccedilas

apelativas da Alemanha e Itaacutelia todavia nesse instituto a decisatildeo do Judiciaacuterio tem efeito

meramente declaratoacuterio dando conhecimento ao Legislativo da sua omissatildeo e enfatizando a

necessidade de atuaccedilatildeo sem traccedilar qualquer diretriz para tanto45

Desta forma a sentenccedila proferida no controle de constitucionalidade da

omissatildeo legislativa por meio da accedilatildeo declaratoacuteria de inconstitucionalidade por omissatildeo

possui um caraacuteter apelativo eis que objetiva chamar a atenccedilatildeo do legislador para a

necessidade de elaboraccedilatildeo da lei necessaacuteria a concretizar determinada norma constitucional

Assim sob a perspectiva das teorias dialoacutegicas centradas no processo pode ser considerada

como um mecanismo propulsor de interaccedilatildeo entre os poderes no seio da jurisdiccedilatildeo

constitucional

83 Criacuteticas agraves teorias dialoacutegicas fundadas no meacutetodo judicial

Todas essas teacutecnicas de decisatildeo judicial que visam possibilitar uma

resposta do Legislativo por meio de uma decisatildeo judicial embora diferentes em alguns

aspectos possuem um ponto determinante em comum privilegiam a interpretaccedilatildeo do

Judiciaacuterio

Sob o ponto de vista da dificuldade da legitimidade democraacutetica da

revisatildeo judicial portanto essas teorias natildeo seriam suficientes para solucionar as questotildees

eis que o Judiciaacuterio continuaria na praacutetica ainda sendo o detentor da uacuteltima palavra na

resoluccedilatildeo dos conflitos constitucionais

Nessa perspectiva natildeo se verifica uma efetiva deliberaccedilatildeo conjunta

entre Judiciaacuterio e Legislativo na tomada de decisatildeo O que ocorre eacute apenas que o Judiciaacuterio

mediante a adoccedilatildeo de estrateacutegias especiacuteficas busca acionar ou estimular a atuaccedilatildeo

45 Esclarece-se que a aplicabilidade da accedilatildeo de inconstitucionalidade por omissatildeo possui alguns aspectos

controvertidos poreacutem como jaacute dito natildeo constitui nosso objetivo tratar todas as questotildees controvertidas de

cada instituto aqui mencionado mas apenas identifica-los como mecanismos potencialmente dialoacutegicos de

acordo com as teorias

46

legislativa Portanto pode-se concluir que essas teorias se consubstanciam na praacutetica em um

diaacutelogo formal e natildeo material o que jaacute seria um alvo suficiente para criacutetica

Ademais o fato de privilegiarem claramente o ponto de vista judicial

podem acabar permitindo de certa forma que o Judiciaacuterio adentre o acircmbito de atuaccedilatildeo

legislativa sobretudo nas teacutecnicas de aconselhamento judicial

Ainda que se possa considerar que a decisatildeo judicial nesses casos

apenas fornece diretrizes para a atuaccedilatildeo legislativa natildeo haacute como negar que pode acabar

condicionando a sua atuaccedilatildeo restando-lhe apenas acatar o que foi direcionado pelo

Judiciaacuterio o que do ponto de vista dialoacutegico natildeo parece o ideal

Mesmo nos mecanismos mais brandos que os de aconselhamento

judicial onde haacute uma interferecircncia direta do Judiciaacuterio na conformaccedilatildeo legislativa eacute inegaacutevel

que haacute ainda alguma intromissatildeo mesmo que em menor escala ou de forma indireta

Haacute de se destacar tambeacutem a falta de previsibilidade das orientaccedilotildees do

Tribunal e a sua potencialidade enganosa para o Legislador suscitada por Carlos Blanco de

Morais (2014 p 726) ao analisar um recente julgado do Tribunal Constitucional Portuguecircs

no contexto da crise econocircmica

O renomado constitucionalista observa que no Acoacuterdatildeo nordm 1872013 o

Tribunal Constitucional46 ao declarar a inconstitucionalidade da norma da Lei de Orccedilamento

do Estado relativa a tributaccedilatildeo dos subsiacutedios de desemprego e doenccedila agrave luz do princiacutepio da

existecircncia condigna (artigo 2ordm da CRP) fixou orientaccedilatildeo ao legislador no sentido de que no

proacuteximo ano a Lei orccedilamentaacuteria ao tratar da mateacuteria trouxesse uma claacuteusula de salvaguarda

impedindo a tributaccedilatildeo das respectivas prestaccedilotildees de desemprego e doenccedila de forma

prejudicial a garantia dos seus valores miacutenimos

O legislador na elaboraccedilatildeo da Lei Orccedilamentaacuteria do ano de 2014 seguiu

a orientaccedilatildeo do Tribunal todavia ao analisar a constitucionalidade da nova lei o mesmo

Tribunal que havia ditado aquela orientaccedilatildeo no Acoacuterdatildeo nordm 413201447 julgou a claacuteusula

insuficiente e violadora do princiacutepio da razoabilidade

46 Iacutentegra da decisatildeo disponiacutevel em httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20130187html 47 Iacutentegra da decisatildeo disponiacutevel em httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20140413html

47

Blanco de Moraes com base nesse caso concreto destaca o perigo das

orientaccedilotildees perpetradas pelo Judiciaacuterio que podem servir de ldquoemboscadardquo para o legislador

O fato eacute que ainda que o Legislativo siga as orientaccedilotildees do Tribunal natildeo haacute garantia da

constitucionalidade do novo diploma o que pode acabar resultando em um reforccedilo da

postura ativista do Judiciaacuterio que interfere no acircmbito da liberdade de conformaccedilatildeo legislativa

ditando orientaccedilotildees que nem ele mesmo segue posteriormente

Dito isto evidencia-se que assim como a atitude do Judiciaacuterio pode

incentivar e encorajar um debate resultando na criaccedilatildeo de um novo diploma sem viacutecio o

que seria beneacutefico tambeacutem pode acabar resultando em um sequestro do processo legislativo

dando super poderes ao Judiciaacuterio que tanto pode anular como reformar um estatuto legal

(LUNA 2001)

Bateup sintetiza a criacutetica afirmando que a praacutetica do aconselhamento

judicial simplesmente encoraja os ramos poliacuteticos a fazer o que o Judiciaacuterio diz e que na

realidade o aconselhamento seria um aviso de que a legislaccedilatildeo natildeo satisfaz seus

entendimentos constitucionais e que embora ainda natildeo tenha sido derrubada seraacute assim no

futuro caso o Legislativo natildeo a adeque ao entendimento do Tribunal

Outro ponto importante que se verifica em ambas as categorias das

teorias fundadas no meacutetodo judicial tanto a de aconselhamento como as centradas no

processo eacute a necessidade de que para que esses mecanismos surtam algum efeito praacutetico

deve haver uma forte vontade de colaboraccedilatildeo entre os Poderes O Judiciaacuterio haacute de se

preocupar em avaliar a questatildeo e formular as diretrizes para a atuaccedilatildeo legislativa bem como

o Legislativo deve estar aberto ao recebimento dessas orientaccedilotildees e colocaacute-las em praacuteticas

Ou entatildeo no que diz respeito agrave teoria do minimalismo eacute necessaacuteria uma

forte consciecircncia das Cortes para concordar em conter a sua atuaccedilatildeo e ainda verificar quando

deve ou natildeo assim agir havendo o risco dessa contenccedilatildeo ocorrer em momentos inoportunos

e vice e versa

O que esse grupo de teorias revela sobretudo eacute a grande complexidade

das decisotildees judiciais no acircmbito do controle de constitucionalidade nos paiacuteses que seguem

um modelo fundado na supremacia do Judiciaacuterio ficando claro que nem sempre os

problemas constitucionais seratildeo resolvidos por meio da simples declaraccedilatildeo de

48

constitucionalidade ou inconstitucionalidade mesmo que acabem no fim resultando em um

dos dois efeitos isso pode ocorrer em diversas intensidades

Fica claro entatildeo que o Judiciaacuterio exerce um papel tambeacutem poliacutetico

precisando agir com prudecircncia tanto quanto o legislativo para que suas decisotildees sejam bem

aceitas pela sociedade e produzam os efeitos esperados (HUBNER 2008)

Dessa forma ainda que seja alvo de criacuteticas e talvez natildeo seja a melhor

forma de concretizar o diaacutelogo natildeo se pode desprezar totalmente o conteuacutedo dessas teorias

e nem seus efeitos praacuteticos pois assim como essas praacuteticas podem ser consideradas

prejudiciais do ponto de vista democraacutetico ao mesmo tempo podem ser consideradas

beneacuteficas sob a oacutetica de concretizaccedilatildeo de direitos fundamentais sobretudo em paiacuteses

subdesenvolvidos ou que enfrentam uma crise de representatividade do Poder Legislativo

pois mediante decisotildees judiciais este seraacute forccedilado a agir

Um importante caso que vem sendo apontado por diversos

doutrinadores como um sucesso na efetivaccedilatildeo de direitos fundamentais e que segue a loacutegica

dessas teorias eacute a Aacutefrica do Sul o qual passamos a explanar

9 O especial caso da Aacutefrica do Sul

O constitucionalismo Sul Africano tem recebido muita atenccedilatildeo dos

estudiosos sobretudo dos defensores das teorias dialoacutegicas em virtude das inovadoras

decisotildees que vem sendo proferidas pela Suprema Corte desse paiacutes

A implementaccedilatildeo de um Estado democraacutetico na Aacutefrica do Sul

notadamente natildeo foi um processo tranquilo tampouco paciacutefico em virtude da sua conjuntura

histoacuterica O reconhecimento da autoridade do Poder Judicial para realizar a revisatildeo das leis

natildeo foi fruto de um processo gradativo como ocorreu em outros paiacuteses mas sim uma

imposiccedilatildeo brusca e radical 48

O constitucionalismo Sul Africano pode ser dividido em duas fases a

primeira que durou de 1910 a 1994 onde a proteccedilatildeo dos direitos fundamentais cabia ao poder

poliacutetico tendo o judiciaacuterio um papel severamente limitado no controle desse processo e a

48 Ver ROUX Theunis The Politics of Principle the first South African Constitutional Court Cambridge

Cambridge University Press 2013

49

segunda fase recentemente iniciada onde a ordem social e juriacutedica baseia-se na supremacia

de uma constituiccedilatildeo imposta e protegida judicialmente (SCHYFF 2010 p 34)49

A Constituiccedilatildeo de 1996 eacute a quinta adotada pelo paiacutes e eacute exemplo mundial

de uma Constituiccedilatildeo de caraacuteter transformador - que estabelece aspiraccedilotildees entendidas como

um desafio agraves praacuteticas de longa data ndash sendo grande parte do seu texto dedicado a eliminaccedilatildeo

dos efeitos danosos do apartheid (SUSTEIN 2001)

No tocante ao modelo de judicial review adotado a Aacutefrica do Sul optou

por um modelo forte de revisatildeo reconhecendo a supremacia do Poder Judiciaacuterio para a sua

decisatildeo e sendo ele o responsaacutevel pela palavra final no tocante a interpretaccedilatildeo

constitucional Todavia a praacutetica tem revelado uma interessante atuaccedilatildeo do Tribunal no

julgamento de casos que envolvem a efetivaccedilatildeo de direitos socioeconocircmicos

Famoso exemplo eacute o julgamento do caso Grotboom50 no qual estava em

questatildeo o direito a moradia de centenas de pessoas incluindo crianccedilas que estavam

desalojadas Esse grupo de pessoas recorreu agrave Corte para requisitar com base nos artigos 26

e 28 da Constituiccedilatildeo que o Estado Sul Africano providenciasse moradia adequada para eles

A Corte ao analisar o caso agrave luz do artigo 26 que assegura o direito a

moradia entendeu que houve violaccedilatildeo ao direito constitucional dos requerentes pois o

Estado natildeo havia cumprido com o dever de efetivar progressivamente dentro dos recursos

disponiacuteveis o acesso agrave moradia adequada Destacou que embora o programa do Governo

relativo a moradia fosse razoaacutevel em vaacuterios aspectos era falho pois natildeo atendia agraves

necessidades mais urgentes natildeo prevendo soluccedilatildeo para as demandas de curto prazo

No paraacutegrafo 42 da decisatildeo a Corte enfatizou que a mera ediccedilatildeo de leis

natildeo eacute o suficiente para constituir o cumprimento do dever constitucional do Estado que este

tem a obrigaccedilatildeo de agir para alcanccedilar o resultado pretendido e as medidas legislativas

invariavelmente tecircm de ser apoiadas por poliacuteticas e programas bem dirigidos e

adequadamente implementados pelo Executivo Que as poliacuteticas e programas devem ser

49 Para um maior aprofundamento sobre o constitucionalismo Sul Africano ver COCKRELL Alfred The

South African Bill of Rights and the lsquoDuckRabbitrsquo 60 Mod L Rev 513 (1997) BOUCKAERT Peter N The

Negotiated Revolution South Africarsquos Transition to Multiracial Democracy 33 Stanford J Int L 375 (1997)

GOLDSTONE Richard J The South African Bill of Rights 32 Texas Int L J 1451 (1997)

50 Government of The Republic of South Africa and others v Grootboom and others (CCT 1100) Igraventegra da

decisatildeo disponiacutevel emlt httpwwwsafliiorgzacasesZACC200019htmlgt

50

razoaacuteveis tanto na sua concepccedilatildeo quanto na sua implementaccedilatildeo sendo a formulaccedilatildeo de um

programa apenas a primeira etapa para cumprir as obrigaccedilotildees do estado jaacute que este deve ser

razoavelmente implementado pois se assim natildeo for natildeo constituiraacute o cumprimento das

obrigaccedilotildees do Estado51

Por fim o Tribunal emitiu uma ordem declaratoacuteria que delimitou as

deficiecircncias do programa governamental e sugeriu em vez de direcionar medidas para

minimizar as falhas O documento natildeo indicou entretanto que tipo de abrigo o Governo

deveria construir deixando essa decisatildeo para o proacuteprio Estado (NGWENA 2013 p80)

Por intermeacutedio dessa decisatildeo a Corte ao mesmo tempo que reconheceu

a justiciabilidade dos direitos sociais preservou certa autonomia do Estado no que respeita

a elaboraccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas vez que natildeo determinou a exata maneira que o mesmo

deveria agir reconhecendo que essa eacute uma competecircncia que natildeo compete ao Judiciaacuterio

Esse tipo de decisatildeo pode ser visto sob o ponto de vista das teorias

dialoacutegicas fundadas no meacutetodo judicial explicadas acima Nesse sentido reforccedilando o

potencial dialoacutegico dessas decisotildees Dixon (2007) leciona que o Poder Judiciaacuterio deve

exercer um papel ativo a fim de evitar a ineacutercia dos outros poderes

Aponta que as possiacuteveis causas da ineacutercia legislativa seriam de duas

categorias os blind spots ou pontos cegos que satildeo as situaccedilotildees em que natildeo resta claro para

o Legislativo os imperativos de sua accedilatildeo reguladora como por exemplo quando natildeo

reconhecem que determinada forma de aplicaccedilatildeo de uma lei pode ser violadora de direitos

e quando a ineacutercia decorre de motivos de conveniecircncia poliacutetica quando acredita que o ocircnus

eleitoral da sua accedilatildeo pode ser maior que o da sua omissatildeo (DIXON 2007)

Nessa perspectiva de diaacutelogo proposta por Dixon cabe ao Judiciaacuterio

provocar o Legislativo por meio da decisatildeo judicial que o obrigue a elaboraccedilatildeo de poliacuteticas

puacuteblicas para garantir tanto quanto possiacutevel a maior eficaacutecia dos direitos fundamentais

51 [42] The state is required to take reasonable legislative and other measures Legislative measures by

themselves are not likely to constitute constitutional compliance Mere legislation is not enough The state is

obliged to act to achieve the intended result and the legislative measures will invariably have to be supported

by appropriate well-directed policies and programmes implemented by the executive These policies and

programmes must be reasonable both in their conception and their implementation The formulation of a

programme is only the first stage in meeting the statersquos obligations The programme must also be reasonably

implemented An otherwise reasonable programme that is not implemented reasonably will not constitute

compliance with the statersquos obligations Government of The Republic of South Africa and others v Grootboom

and others (CCT 1100)

51

sem todavia adentrar ou comprometer a sua liberdade de conformaccedilatildeo mas de forma que

retire o legislativo da sua ineacutercia

Por decisotildees como essa apesar do sistema Sul Africano ter como

caracteriacutestica a participaccedilatildeo ativa do Judiciaacuterio na efetivaccedilatildeo dos direitos fundamentais o

mesmo vem sendo apontado por alguns estudiosos das teorias do diaacutelogo como um sistema

promissor nesse sentido em virtude do enfraquecimento das decisotildees judiciais que apesar

de direcionarem a atuaccedilatildeo do Legislativo preservam a sua liberdade de escolha e atuaccedilatildeo

10 As teorias estruturais de diaacutelogo

Nessa categoria alocam-se as teorias que se baseiam no reconhecimento

de mecanismos institucionais ou poliacuteticos dentro dos sistemas constitucionais que permitam

aos atores poliacuteticos responder agraves decisotildees judiciais em caso de conflito

Ao contraacuterio das teorias do meacutetodo judicial essas natildeo tecircm como objeto

principal a construccedilatildeo da decisatildeo judicial mas sim as formas pelas quais se estabelecem as

relaccedilotildees entre as diversas estruturas do Poder de maneira que possam oferecer respostas agrave

uma decisatildeo que gere desacordo Hubner (2008 p 99) aponta que as teorias estruturais ao

contraacuterio das que se fundam no meacutetodo judicial possuem um caraacuteter exoacutegeno logo menos

dependente da postura de cada instituiccedilatildeo

Para os que defendem essas teorias o diaacutelogo surge mediante a

utilizaccedilatildeo de mecanismos de interaccedilatildeo entre juiacutezes e os outros atores poliacuteticos Esses

mecanismos satildeo encontrados no modelo do weak judicial review ou sistemas brandos de

controle de constitucionalidade os quais como jaacute dito surgiram como uma alternativa ao

modelo tradicional pautado na supremacia judicial

A maioria dessas teorias foram surgindo a partir da necessidade de

justificar e fundamentar a previsatildeo de mecanismos contidos no Bill of Rights de paiacuteses

tradicionalmente de supremacia parlamentar a fim de harmonizar este tipo de sistema com

a necessidade de proteccedilatildeo aos direitos fundamentais

De acordo com a sistematizaccedilatildeo feita por Bateup existem quatro

subcategorias de teorias estruturais as de construccedilatildeo coordenada as dos princiacutepios juriacutedicos

a do equiliacutebrio e a da parceria Importante esclarecer que apesar de termos adotado essa

52

sistematizaccedilatildeo como nosso referencial teoacuterico por acreditarmos na sua coerecircncia e

completude neste particular ousamos discordar dessa diferenciaccedilatildeo

A diferenciaccedilatildeo feita por Bateup reside basicamente nos argumentos de

que as teorias de construccedilatildeo coordenada se aplicam apenas ao contexto norte-americano as

teorias dos princiacutepios juriacutedicos reconhecem uma especial competecircncia ao Judiciaacuterio para

decidir questotildees relacionadas agrave princiacutepios juriacutedicos as do equiliacutebrio por serem neutras natildeo

reconhecem nenhuma capacidade especial a nenhum Poder e contam ainda com a

participaccedilatildeo da sociedade e as teorias da parceria

Sendo assim todas as subcategorias em que Bateup divide as teorias

estruturais de diaacutelogo enquadram-se na ideia geral da construccedilatildeo coordenada podem ateacute se

diferenciar em um ou outro aspecto mas ainda assim natildeo deixam de fazer parte desta

Dessa forma natildeo se deixaraacute de abordar as subdivisotildees propostas por

Bateup mas ao contraacuterio do que foi feito no tocante as teorias centradas no meacutetodo judicial

natildeo se mencionaraacute especicamente cada uma delas para depois dar exemplos praacuteticos mas

seratildeo feitas as devidas menccedilotildees quando da anaacutelise dos diferenres sistemas de weak judicial

review que aqui se apresenta como exemplo das teorias estruturais de diaacutelogo

Importante se faz esclarecer que essa opccedilatildeo tambeacutem reside em questotildees

didaacuteticas necessaacuterias para a melhor compreensatildeo do trabalho

10 1 Teorias de construccedilatildeo coordenada

Tratam-se de teorias que reconhecem que a identificaccedilatildeo do sentido

constitucional eacute uma tarefa a ser compartilhada entre as diversas esferas do Poder ou seja

natildeo eacute uma tarefa atribuiacuteda unicamente ao Judiciaacuterio Assim o diaacutelogo eacute algo inerente ao

princiacutepio do check and balances natildeo havendo uma uacutenica instacircncia detentora da uacutetlima

palavra

Com isso a base dessas teorias eacute o fato de que da mesma forma que o

Tribunal possui mecanismos de controle dos ramos poliacuteticos por meio da revisatildeo judicial

tambeacutem podem ser colocados controles sobre o Tribunal quando os atores poliacuteticos

estiverem em desacordo com a sua interpretaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo

53

Bateup (2005 p 33) define a teoria da construccedilatildeo coordenada como a

mais antiga concepccedilatildeo de interpretaccedilatildeo constitucional fazendo menccedilatildeo ao pensamento dos

teoacutericos americanos de James Madison e Thomas Jefferson o primeiro por ter reconhecido

que apesar das questotildees de interpretaccedilatildeo constitucional normalmente recaiacuterem sobre o

Judiciaacuterio no curso normal do Governo a Constituiccedilatildeo natildeo lhe atribui qualquer autoridade

especiacutefica perante outros braccedilos do Poder e o segundo por considerar que cada ramo do

Governo deve ser ldquocoordenado e independenterdquo possuindo todos eles responsabilidade pela

interpretaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo

No contexto norte americano um dos primeiros autores a abordar essa

teoria foi Louis Fisher que teve como principal meacuterito demonstrar mediante exemplos da

histoacuteria americana que o processo constitucional eacute mais complexo do que a simples emissatildeo

pela Corte da uacuteltima palavra A uacuteltima palavra segundo essa histoacuteria confirmaria natildeo

pertence a nenhuma instituiccedilatildeo (HUBNER 2009 p 126)

O que haacute de mais caracteriacutestico nessas teorias eacute o fato de os outros

ramos do Poder em especial o Legislativo caso natildeo concordem com a decisatildeo judicial

poderem provocar a Corte reconhecendo assim que a interpretaccedilatildeo constitucional eacute tarefa

que compete a todos os Poderes e natildeo apenas a um ramo em especiacutefico

Vaacuterios autores dentro do cenaacuterio americano passaram a tratar do

assunto inclusive em forma de criacuteticas poreacutem por questotildees didaacuteticas conforme jaacute

mencionado natildeo se limitaraacute a falar especificamente sobre cada um deles52 Todavia destaca-

se a teoria de Barry Friedman a qual Bateup subclassifica como teoria do equiliacutebiro poreacutem

aqui eacute tratada como uma teoria de construccedilatildeo coordenada pelos motivos jaacute acima expostos

A teoria de Friedman merece ser mencionada pois se diferencia das

outras tantas que se encaixam nesta categoria por considerar a importacircncia do papel ativo da

sociedade na deliberaccedilatildeo sobre direitos

Para esse Autor a Constituiccedilatildeo eacute um texto aberto e flexiacutevel que permite

52 Outros importantes nomes dessa teoria satildeo Keith Whittington e Mitchell Pickeril Destaque para a

importacircncia do trabalho deste uacuteltimo que realizou importante pesquisa empiacuterica da realidade americana de

caraacuteter revelador e agregador para a teoria da construccedilatildeo coordenada demonstrando que o diaacutelogo entre os

poderes eacute inerente ao princiacutepio do check and balances americano pelo que sugerimos a consulta PICKERILL

J Mitchell Constitutional Deliberation in Congress the impact of Judicial Review in a Separated System

Duke University Press 2004

54

diversas interpretaccedilotildees sujeitas agrave mudanccedilas constantes Assim a interpretaccedilatildeo constitucional

seria um processo de idas e vindas em que a Corte devolve o tema para a sociedade e

para outros poderes e vice-versa metaforicamente como uma partida de tecircnis na qual os

parceiros rebatem a bola um para o outro53 (FRIEDMAN 1993)

Com isso afasta a ideia de que haacute uma vontade da maioria definida a

ser representada por um dos poderes sugerindo que na realidade essa vontade sofre

constantes mutaccedilotildees54 cabendo aos ramos do Poder no processo de interpretaccedilatildeo

constitucional negociar e definir uma direccedilatildeo em meio ao pluralismo existente na

sociedade55 Reconhece o diaacutelogo institucional como fruto da separaccedilatildeo de poderes

compartilhando dos elementos da teoria da construccedilatildeo coordenada poreacutem acrescenta a eles

a vontade popular

Eacute justamente no aspecto relativo a grande importacircncia que daacute a vontade

popular que reside a principal criacutetica agrave essa teoria pois natildeo oferece alternativa agrave interaccedilatildeo

constitucional estabelecida entre o Judiciaacuterio e os poderes poliacuteticos nas questotildees de menor

importacircncia poliacutetica nas quais o diaacutelogo com toda a sociedade eacute improvaacutevel de ocorrer

(BATEUP 2006 p 69)

Seria impensaacutevel na praacutetica um sistema de jurisdiccedilatildeo constitucional

no qual os Poderes tivessem que recorrer agrave opiniatildeo popular todas as vezes que fossem

realizar a interpretaccedilatildeo de qualquer norma constitucional

Saindo do contexto norte americano outras teorias estruturais do

diaacutelogo emergiram a partir da anaacutelise dos novos modelos de jurisdiccedilatildeo constitucional

adotados por paiacuteses da Commonwealth como jaacute mencionamos no iacutencio deste trabalho Desta

forma optou-se didaticamente por tratar dessas teorias e suas respectivas especificidades no

acircmbito da exposiccedilatildeo dos sistemas e casos em concreto o que se passaraacute a fazer

53 ldquoCourts serve as societyacutes tennis partner always volleying the ball backrdquo (FRIEDMAN 1993 p669)

54 ldquoThe court is free to change its mind The people are free to disagree with the court The court is free to

disagree with the people The members of the courts are free to and usually do disagree with one another As

disagreement occurs the document will take one new meaningsrdquo (FRIEDMAN 1993 p651)

55 ldquoThis process of constitutional interpretation hardly pits the court against the people Rather the court

mediate the views of various people The process is interactive (hellip) Simply put our process of constitutional

interpretation is a dialoguerdquo (FRIEDMAN 1993 p 654)

55

1011 Os mecanismos dialoacutegicos do sistema de revisatildeo judicial

canadense e as teorias de princiacutepios juriacutedicos

Ao adotar formalmente um sistema de judicial review atribuindo ao

Judiciaacuterio a capacidade para solucionar casos concretos de incompatibilidade entre

legislaccedilatildeo e a Carta suscitados por particulares56 o Canadaacute a fim de evitar a consagraccedilatildeo de

um modelo fundado na supremacia judicial ao estilo americano que implicasse na perda do

poder do Parlamento incluiu na sua Carta mecanismos que possibilitassem uma limitaccedilatildeo

do Poder atribuiacutedo ao Judiciaacuterio e ao mesmo tempo preservassem as competecircncias

parlamentares

Esses mecanismos previstos nas Seccedilotildees 33 e 1 da Carta Canadense

consistem respectivamente na ldquoclaacuteusula natildeo obstanterdquo (notwishstanding clause) a qual

possibilita que o Legislativo aplique uma lei mesmo quando esta for contraacuteria ao texto

constitucional e na possibilidade do Legislativo reeditar uma norma que configure e limite

direito consagrado nas seccedilotildees 2 e de 7 a 15 e que jaacute tenha sido objeto de reprovaccedilatildeo pelo

Judiciaacuterio desde que fundada em justificativa razoaacutevel bem como na possibilidade de

configuraccedilatildeo pelo legislativo de direitos e liberdades fundamentais

O estudo realizado por Bushell e Hogg (1997) eacute apontado como um

marco teoacuterico da experiecircncia canadense pois a partir de uma pesquisa de mais de 65 casos

concretos decididos pela Corte canandense desde a Carta de 1982 os autores verificaram

que na grande maioria deles houve em um prazo razoavelmente curto uma resposta

legislativa agrave decisatildeo judicial Diante disso os autores afirmaram que o sistema canadense

propicia a concretizaccedilatildeo de um verdadeiro diaacutelogo entre os Poderes no exerciacutecio da

jurisdiccedilatildeo constitucional

A anaacutelise dos autores a respeito da implementaccedilatildeo da revisatildeo judicial

canadense pela Carta de 1982 eacute bastante otimista pois consideram que ateacute mesmo naqueles

casos em que o legislador aquiesceu agrave decisatildeo proferida pela Corte houve uma reaccedilatildeo

dialoacutegica jaacute que a concordacircncia tambeacutem pode ser fruto de um diaacutelogo

56 ldquoArt 24 (1) Anyone whose rights or freedoms as guaranteed by this Charter have been infringed or denied

may apply to a court of competent jurisdiction to obtain such remedy as the court considers appropriate and

just in the circumstances Art 52 (1) The Constitution of Canada is the supreme law of Canada and any law

that is inconsistent with the provisions of the Constitution is to the extent of the inconsistency of no force or

effectrdquo Canadian Constitutional Act 1982

56

Afirmam que os legisladores canadenses estatildeo engajados na

concretizaccedilatildeo do diaacutelogo com a Corte eis que buscam fundamentar no preacircmbulo das leis

promulgadas tanto das que excedem os limites da Carta como das que substituem as que

foram consideradas inconstitucionais que as mesmas se dirigem a um objetivo ldquourgente e

substancialrdquo e destinam-se a ldquolimitar razoalmenterdquo direitos e liberdades (BUSHELL

HOGG 1997 p 101)

Consideram ainda que mesmo quando apoacutes a anaacutelise judicial a lei natildeo eacute

declarada invaacutelida haacute um diaacutelogo em virtude de tal anaacutelise despertar o debate puacuteblico

chamando a atenccedilatildeo do legislador ao assunto de forma que possa rever possiacuteveis problemas

na lei e eventualmente alteraacute-la Ou seja a decisatildeo judicial natildeo deve ser encarada como um

veto mas como o ponto de partida para uma conversa institucional sobre como conciliar

direitos individuais com obejtivos de poliacuteticas econocircmicas e sociais (BUSHELL HOGG

1997 p 101-105)

Referido estudo teve grande repercussatildeo na doutrina nacional Por um

lado muitos reforccedilaram e concordaram com a ideia dos autores por outro a mesma foi alvo

de intensa criacuteticas sobretudo pela forma abrangente de caracterizaccedilatildeo do diaacutelogo57 O

impacto tambeacutem foi sentido na proacutepria Corte que passou a usar a metaacutefora do diaacutelogo para

justificar suas decisotildees algumas delas bastante controversas conforme se leraacute mais adiante

Portanto a experiecircncia canadense eacute um importante exemplo de aplicaccedilatildeo

das teorias estruturais dialoacutegicas jaacute que traz a previsatildeo expressa de mecanismos

possibilitadores na visatildeo de alguns de um diaacutelogo institucional

Na sistematizaccedilatildeo feita por Bateup as teorias que se referem agrave

experiecircncia canadense satildeo teorias de princiacutepios juriacutedicos Na classificaccedilatildeo da Autora esse

grupo de teorias corresponde agravequelas em que haacute o reconhecimento de que o Judiciaacuterio possui

57 A repercussatildeo literaacuteria do estudo foi tatildeo grande e significativa que apoacutes dez anos da sua publicaccedilatildeo o

mesmo perioacutedico (Osgoode Hall Law Journal) lanccedilou uma ediccedilatildeo comemorativa contendo uma atualizaccedilatildeo

do texto original e outros artigos em resposta ao mesmo Ver HOGG P et al ldquoCharter Dialogue Revisited

ndash Or Much Ado About Metaphorsrdquo HAIGH R e SOBKIN M ldquoDoes the Observer Have an Effect An

Analysis of the Use of the Dialogue Metaphor in Canadarsquos Courtsrdquo HUSCROFT G ldquoConstitutionalism from

the Top Downrdquo MANFREDI C ldquoThe Day the Dialogue Died A Comment on Sauveacute v Canadardquo MATHEN

C ldquoDialogue Theory Judicial Review and Judicial Supremacy A Comment on lsquoCharter Dialogue

Revisitedrsquordquo PETTER A Taking Dialogue Theory Much Too Seriously (or Perhaps Charter Dialogue Isnrsquot

Such a Good Thing After All) ROACH K Sharpening the Dialogue Debate The Next Decade of

Scholarshiprdquo e HOGG P et al ldquoA Reply on lsquoCharter Dialogue Revisitedrdquo

57

uma especial competecircncia institucional voltada para a resoluccedilatildeo de questotildees que envolvem

princiacutepios juriacutedicos cabendo aos poderes poliacuteticos fazer o controle das decisotildees no caso de

erro de interpretaccedilatildeo (BATEUP 2006 p41)

Ainda que essas teorias reconheccedilam uma competecircncia de certo modo

especial ao Judiciaacuterio a qual pode ateacute mesmo ser considerada como caracteriacutestica inerente

ao proacuteprio judicial review tendo em vista que elas tambeacutem preveem a possibilidade de

reaccedilatildeo do legislativo agrave decisatildeo judicial incluindo a possibilidade de correccedilatildeo dessa decisatildeo

entende-se que natildeo se distanciam das teorias de construccedilatildeo coordenada ao ponto de merecer

classificaccedilatildeo diferente

Destaca como primeiro defensor dessa competecircncia especial do

Judiciaacuterio Alexander Bickel que considerou o Judiciaacuterio como detentor de especial

habilidade para preservar proteger e defender princiacutepios devido ao seu isolamento poliacutetico

e por outro lado o Legislativo como melhor indicado para determinar valores sociais

fundamentais pela sua proximidade com as pessoas (BATEUP 2006 p41-42)

Nesse sentido Bushell e Hogg ao tratar da metaacutefora do diaacutelogo na

experiecircncia canadense tambeacutem satildeo partidaacuterios desse entendimento eis que afirmaram

alguns anos e muitas criacuteticas apoacutes o seu primeiro estudo que o legislativo pode e deve

interpretar a Carta mas que natildeo deve agir de forma contraacuteria a interpretaccedilatildeo proferida pela

Corte 58

Kent Roach tambeacutem eacute outro importante autor canadense que defende a

competecircncia especial do Judiciaacuterio para lidar com questotildees de princiacutepios todavia ressalta a

58 ldquoThe key issue in our view is not whether the legislative and executive branches do and should interpret

the Charter (they do and should) but whether they should act on an interpretation of the Charter that conflicts

with an interpretation provided by the courts backdrop of a prior relevant judicial decision the legislature

and the executive may act on their interpretation of the Charter Why Because in doing so they would not be

doing (or refraining from doing) something that the courts have said would unjustifiably infringe the Charter

It would be strange indeed if the legislative or executive branches could not interpret the Charter and act on

that interpretation where a court has not yet considered what the Charter prohibits (or requires) in the

circumstances1 However where the interpretive task takes place against the backdrop of a prior relevant

judicial decision the legislature and the executive may not act on an interpretation of the Charter which

conflicts with an interpretation provided by the courts Why Because in doing so they would be doing (or

refraining from doing) something that the courts have said would unjustifiably infringe the Charter and under

our system of constitutional democracy that is impermissiblerdquo (BUSHEL HOGG 2007 p 33)

58

importacircncia do Parlamento aludindo que a decisatildeo judicial apenas inicia o debate59

Destaca que a atuaccedilatildeo da Corte natildeo impede que o Parlamento prevaleccedila

se este assim quiser mas reforccedila a responsabilidade das suas escolhas poliacuteticas e o induz a

apresentar justificativas razoaacuteveis e aceitaacuteveis para legitimar suas opccedilotildees que venham a

restringir direitos (ROACH 2001)

Portanto em suma as teorias dos princiacutepios juriacutedicos vivenciadas na

experiecircncia canadense satildeo aquelas que defendem a ideia da participaccedilatildeo de todos os poderes

na interpretaccedilatildeo constitucional sendo esta uma tarefa conjunta todavia privilegiam a

interpretaccedilatildeo judicial poreacutem com a possibilidade de reaccedilatildeo legislativa

Bateup acrescenta ainda uma subdivisatildeo dentro dessas teorias tendo em

vista que para alguns autores o diaacutelogo se consubstancia na realizaccedilatildeo do controle das

decisotildees judiciais pelos poderes poliacuteticos no caso da ocorrecircncia de erro de interpretaccedilatildeo e jaacute

para outros - que minimizam o papel do controle poliacutetico sobre o Tribunal - o diaacutelogo surge

por intermeacutedio da articulaccedilatildeo legislativa que emerge como resposta agraves decisotildees judiciais

Essas subdivisotildees se traduzem na praacutetica justamente nos dois

mecanismos dialoacutegicos expressamente adotados pela Carta canadense os quais seratildeo

explicados a seguir

1012 Princiacutepios e articulaccedilatildeo legislativa da poliacutetica ndash seccedilatildeo 1 da

Carta Canadense

As teorias identificadas por Bateup como Teorias de Princiacutepios e

Articulaccedilatildeo Legislativa da Poliacutetica satildeo as que preceituam que a concretizaccedilatildeo do diaacutelogo

ocorre por meio da articulaccedilatildeo legislativa Reconhecem ao Legislativo competecircncia especial

para a elaboraccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas e para conciliar muacuteltiplos objetivos concorrentes na

sociedade pelo que este deve responder agraves decisotildees judiciais respeitando a interpretaccedilatildeo de

princiacutepios feita pelo Tribunal poreacutem com uma visatildeo mais ampla dos objetivos poliacuteticos

(BATEUP p 50-51)

Como exemplo dessa teoria pode-se indicar a Seccedilatildeo 1 da Carta

59 Para maior clareza e detalhes desse entendimento ver as seguintes obras do referido autor ldquoThe Supreme

Court on Trial Judicial Ativism or Democratic Dialogue 2001rdquo e ldquoConstitutional and Common Law

Dialogues Between Supreme Court and Canadian Legislatures2001rdquo

59

Canadense60 a qual atribui ao Legislativo a possibilidade de relativizaccedilatildeo por meio de lei

de direitos e garantias desde que seja razoaacutevel e ldquojustificada de forma demonstraacutevel em uma

sociedade livre e democraacuteticardquo61

O objetivo central para a criaccedilatildeo desta norma era garantir que o

Legislativo continuasse a ter flexibilidade de escolha quando da aprovaccedilatildeo de poliacuteticas que

eventualmente fossem conflitantes com os novos direitos fundamentais que passaram a ser

resguardados pela Carta (HIEBERT 1990)

Todavia apesar de a claacuteusula ser direcionada ao Legislativo a avaliaccedilatildeo

das questotildees que envolvem a sua aplicabilidade como a verificaccedilatildeo da legalidade e da

legitimidade62 acaba por ser feita pelo Judiciaacuterio a quem compete analisar as

incompatibilidades entre as leis e os direitos e liberdades assegurados pela Carta

Dessa forma a aplicaccedilatildeo da Seccedilatildeo 1 da Carta revelou-se de certa forma

engenhosa pois ao mesmo tempo em que confere maior liberdade ao legislador

caracteriacutestica de um weak judicial review a verificaccedilatildeo da razoabilidade da sua escolha eacute

feito pelo Judiciaacuterio Sendo assim ainda que a claacuteusula seja dirigida ao Legislativo as

implicaccedilotildees da sua aplicaccedilatildeo chamaram muita atenccedilatildeo no acircmbito da atuaccedilatildeo judicial

Nesse sentido Elliot (1987 p 279) aponta que a Seccedilatildeo 1 tornou-se de

fato a principal disposiccedilatildeo da Carta e a maneira como a Corte tem lidado com ela diz muito

a respeito natildeo apenas do impacto que a Carta pode ter sobre os outros poderes mas tambeacutem

sobre a proacutepria Corte e como ela percebe seu papel sob a Carta

Os principais estudos realizados para analisar o comportamento da Corte

quando da avaliaccedilatildeo da aplicaccedilatildeo da Seccedilatildeo 1 pelo Legislativo revelaram que natildeo haacute uma

conduta uniforme podendo a Corte tanto ter uma conduta mais ativista quanto mais

deferente agraves opccedilotildees legislativas

Estudiosos classificam e dividem a atuaccedilatildeo da Corte em trecircs momentos

60 Para entender o histoacuterico evolutivo de criaccedilatildeo da referida claacuteusula ver HIEBERT Janet The Evolution of

Limitation Clause 28 Osgoode Hall L J 103 1990

61 ldquo1The Canadian Charter of Rights and Freedoms guarantees the rights and freedoms set out in it subject

only to such reasonable limits prescribed by law as can be demonstrably justified in a free and democratic

societyrdquo Canadian Constitution Act 1982

62 Sobre a verificaccedilatildeo da legalidade e legitimidade ver HIEBERT J L Limiting Rights The Dilemma of

Judicial Review p 137-146

60

o primeiro relativo aos primeiros anos de vigecircncia da Carta o segundo referente a fase

iniciada com o julgamento do caso R v Oakes e o terceiro relativo aos desenvolvimentos

mais atuais

Nos primeiros anos em que vigorou a Carta canadense percebeu-se que

a conduta da Corte no tocante a aplicaccedilatildeo da Seccedilatildeo 1 foi bastante abrangente buscando

afirmar o seu papel de guardiatilde de direitos e liberdades bem como garantir a maacutexima eficaacutecia

dos mesmos Assim pode-se dizer que nos primeiros anos a Corte adotou uma postura

ativista (ELLIOT 1987) 63

Apesar da postura ativista a Corte logo nos primeiros anos natildeo realizava

de fato a anaacutelise da razoabilidade das medidas legislativas restritivas de direito sob seu

escrutiacutenio tentando natildeo enfrentar questotildees de cunho poliacutetico limitava-se a dizer que a

restriccedilatildeo de direitos poderia significar indiretamente a intenccedilatildeo do legislador de reformar a

Carta o que natildeo podia ser admitido (ELLIOT 1987)

A adoccedilatildeo desse tipo de postura pela Corte pode ser percebida no

julgamento do caso Ag Quebec v Quebec Association of Protestant Schools Boards64

ocorrido no ano de 1984 dois anos apenas apoacutes a aprovaccedilatildeo da Carta quando foi discutida

e declarada a incompatibilidade do da Seccedilatildeo 73 da Carta de Quebec da Liacutengua Francesa

(Quebec Charter of the French Language ou Bill 101) com a seccedilatildeo 23 da Carta Canadense

de Direitos e Liberdades 65

Em suma o que dispunha o Bill 101 era uma restriccedilatildeo ao direito de acesso

das crianccedilas a escolas puacuteblicas de Liacutengua Inglesa com exceccedilatildeo das crianccedilas cujo pai ou matildee

tivesse estudado em escolas tambeacutem de Liacutengua Inglesa dos filhos de imigrantes que jaacute

vivessem na proviacutencia anteriormente agrave aprovaccedilatildeo da lei e que tivessem sido educados em

Inglecircs ou cuja educaccedilatildeo tenha sido em uma liacutengua pouco falada naquele local ou aquelas

63 No mesmo sentido ldquoIn its initial judgments under the Canadian Charter of Rights and Freedoms the

Supreme Court of Canada respected the postwar structure of rights protection embedded in its first provision

and began to work out the requisite rules of interpretation legal presumptions and conceptions of institutional

roles Central to thislegal analysis was the Courtrsquos understanding that its responsibility was to secure the

rights guarantees as supreme law and to ensure that the limitation function enjoyed normative continuitywith

the rightsrdquo (WEINRIB 2002 p 122)

64 AG (Que) v Quebec Protestant School Boards [1984] 2 SCR Iacutentegra da decisatildeo disponiacutevel em lt

httpsscc-csclexumcomscc-cscscc-cscenitem26indexdogt

65 Nesse mesmo sentido ver tambeacutem a outros casos como Hunter v Southam Inc Re Singh and Ministered of

Employment and Imigration R v Big M Drug Mart Ltd

61

crianccedilas que tivessem irmatildeo jaacute matriculado na mesma escola

Entendeu a Corte portanto que essa norma visava modificar a

disposiccedilatildeo contida na Carta Canadense a qual dispunha expressamente sobre a garantia da

educaccedilatildeo puacuteblica em inglecircs ou francecircs aos filhos de cidadatildeos cuja primeira liacutengua que

tenham recebido na educaccedilatildeo primaacuteria seja uma liacutengua minoritaacuteria naquele local natildeo se

prestando a analisar a razoabilidade da limitaccedilatildeo de direitos alegada pela Proviacutencia de

Quebec66

Dessa forma o que se percebe eacute que a Corte sequer chegou a analisar a

razoabilidade da medida e as provaacuteveis justificativas do legislador limitando-se a declarar a

incompatibilidade da lei sem tentar sequer interpretaacute-la de acordo com a Carta

A segunda fase de acordo com divisatildeo feita por Elliot foi inaugurada

com o famoso julgamento do caso R v Oakes67 em 1986 quando foi introduzida pela

primeira vez uma regra para a verificaccedilatildeo da razoabilidade da restriccedilatildeo imposta pela medida

legislativa a luz da Seccedilatildeo 1 da Carta Canadense

A Corte passou entatildeo a utilizar o que ficou conhecido como ldquoteste de

Oakesrdquo para verificar se a medida legislativa constitui uma restriccedilatildeo a direitos razoaacutevel e

comprovadamente justificaacutevel em uma sociedade livre e democraacutetica o qual consiste

basicamente no estabelecimento de um padratildeo de prova apoiado em severos criteacuterios de

verificaccedilatildeo da legitimidade racionalidade necessidade e proporcionalidade da restriccedilatildeo

(TREMBLAY WEBBER 2008 p 2)68

66 ldquoThe limits imposed by s 73 are not legitimate limits within the meaning of s 1 of the Charter to the extent

that the latter section applies to rights conferred by s 23 In view of the period when the Charter was enacted

and especially in light of the wording of s 23 which repeats the unique set of criteria contained in s 73 of Bill

101 it is apparent that Chapter VIII seemed to the framers as an archetype of the regimes needing reform

Accordingly the limits which Bill 101 imposes on rights relating to the language of instruction cannot possibly

have been regarded by the framers of the Constitution as coming within ldquosuch reasonable limits prescribed by

law as can be demonstrably justified in a free and democratic societyrdquo Even if enacted after the Charter the

s 73 limits could not be legitimized by s 1 of the Charter Section 73 redefines for Quebec the classes of

persons who are entitled to instruction in the minority language and has the effect of creating an exception to

s 23 and of amending the Charter Whatever their scope the limits which s 1 allows cannot be equated with

exceptions to the rights and freedoms guaranteed by the Charter and may not be treated as amendments to the

Charterrdquo (AG (Que) v Quebec Protestant School Boards 1984 p 67-68)

67 O caso teve por objeto a anaacutelise de incompatibilidade entre a seccedilatildeo 8 do Narcotic Control Act que atribuia

o ocircnus ao cidadatildeo preso por porte de droga de prova que a mesma natildeo se destinava ao traacutefico e a seccedilatildeo 11(d)

da Carta que dispotildee sobre o princiacutepio da presunccedilatildeo de inocecircncia R v Oakes [1986] 1 SCR 103 inteiro teor

da decisatildeo disponiacutevel emhttpsscc-csclexumcomscc-cscscc-cscenitem117indexdo

68 Para uma comparaccedilatildeo entre o teste de Oakes e a aplicaccedilatildeo do princiacutepio da proporcionalidade ver GRIMM

Dieter Porportionality in Canada and German Constitutional Jurisprudence University of Toronto Journal

62

Inicialmente a introduccedilatildeo do ldquoteste de Oakesrdquo parecia ter resolvido as

questotildees e duacutevidas relativas a aplicaccedilatildeo da Seccedilatildeo 1 da Carta Todavia a praacutetica mostrou

rapidamente que o teste natildeo resolvera todas as questotildees os julgamentos que se seguiram

demonstraram ainda existir um forte desacordo entre os membros da Corte sobre a aplicaccedilatildeo

da claacuteusula bem como dificuldades inerentes ao proacuteprio teste (ELLIOT 1986)

A aplicaccedilatildeo do teste por acabar induzindo uma postura mais ativista da

Corte e limitando a margem de atuaccedilatildeo do legislador foi muito discutida doutrinariamente

e tambeacutem no acircmbito da proacutepria Corte (TREMBLAY WEBBER 2008)69 Alguns membros

passaram a ver os desdobramentos da aplicaccedilatildeo do teste como uma expansatildeo injustificada

do Poder judicial em detrimento dos outros poderes pelo que comeccedilaram entatildeo a defender

a necessidade de uma atuaccedilatildeo mais contida (WEINRIB 2002 p 123)

Diante disso as anaacutelises mais recentes dos estudiosos a respeito da

aplicaccedilatildeo da seccedilatildeo 1 da Carta canadense passaram a demonstrar a adoccedilatildeo de uma conduta

mais deferente da Corte para com as medidas legislativas Neste sentido Dixon (2009) ao

analisar inuacutemeros julgados sugere a existecircncia de uma maior contenccedilatildeo da Corte ao lanccedilar

o que chama de ldquosegundo olharrdquo (second look cases) sobre o caso ou no segundo ldquoroundrdquo

do diaacutelogo

O que se percebe eacute que na praacutetica a aplicaccedilatildeo da Seccedilatildeo acaba sendo mais

problemaacutetica do que a teoria imaginava quando da sua criaccedilatildeo Haacute uma dificuldade latente

em estabelecer os limites de interferecircncia do Judiciaacuterio na liberdade de atuaccedilatildeo do

legislativo jaacute que o mesmo acaba tendo que realizar uma anaacutelise do meacuterito das escolhas

poliacuteticas do Legislativo que justifiquem a restriccedilatildeo ou limitaccedilatildeo de direitos e liberdades

Por outro lado se a Corte adota uma postura mais passiva optando por

natildeo interferir na atuaccedilatildeo legislativa e acatar suas escolhas ou ateacute mesmo deixar de adentrar

na anaacutelise do seu meacuterito aiacute tambeacutem haacute riscos Para Weinrib (2002) a postura deferente da

Corte eacute contraacuteria aos objetivos da Carta ignorando a reconstruccedilatildeo dos papeis institucionais

proposta por ela bem como a hierarquia especial dada aos direitos e liberdades nela

Vol 57 N 2 Spring 2007 pp 383-397 e TAVARES DA SILVA Suzana O tretalema do Controlo Judicial

da Porporcionalidade in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra Vol LXXXVIII Tomo

II 2012 pp 639-677 69 Para uma melhor compreensatildeo acerca da aplicaccedilatildeo do teste de Oakes ver CHOUDHRY Sujit So What is

the Real Legacy of Oakes Two Decades of Proportionally Analysis under the Canadian Charterrsquos Section 1

Supreme Court Law Review Vol 34 N 2d pp 501-525 2006

63

previstos assim defender a contenccedilatildeo da Corte seria ceder a primazia dos direitos e

liberdades agrave Poliacutetica enquanto que os legisladores devem estar preparados para arcar com

as responsabilidades das suas escolhas70

No tocante a utilizaccedilatildeo da Seccedilatildeo 1 da Carta pelo Legislativo Tushnet

(2009) destaca que a mesma tambeacutem se revela na praacutetica de certa forma problemaacutetica O

que a experiecircncia canadense mostrou foi que muitas vezes o legislativo utiliza-se da

prerrogativa concedida pela Carta para reeditar a mesma medida legislativa restritiva de

direitos jaacute apreciada e reprovada pelo Judiciaacuterio sem alteraccedilotildees substantivas apenas por

exemplo incluindo no preacircmbulo da lei justificativas usadas por juiacutezes em votos dissidentes

que aprovaram a medida estrateacutegia que ficou conhecida como ldquoin you face responserdquo

Exemplo claacutessico dessa praacutetica do legislador foi o que ocorreu no caso R

v OrsquoConnor71 onde foi discutida pela Suprema Corte Canadense a possibilidade do acusado

em processo penal de obter acesso agraves informaccedilotildees meacutedicas das viacutetimas

O entendimento que prevaleceu na Corte em uma votaccedilatildeo natildeo unacircnime

foi o de que o reacuteu teria direito ao acesso de registros possivelmente relevantes para a

resoluccedilatildeo do caso e mediante anaacutelise do juiz que deveria fazer um balanccedilo entre o direito

de defesa do acusado e o direito a privacidade das viacutetimas Os votos dissidentes defendiam

a exigecircncia de que para que o acusado tivesse acesso agraves informaccedilotildees meacutedicas das viacutetimas

comprovasse antecipadamente de forma substancial e robusta a imprescindibilidade das

70 ldquoI develop a critique of the deferential approach to judicial review under the Charter First it disregards

the prolonged well-informed and remarkably participatory debate that led to the Charterrsquos adoption

Particularly it disregards its fully and publicly articulated remedial purpose to withdraw certain interests

denominated as constitutional rights and freedoms from the give and take of the ordinary political process

Second it fails to take seriously the written product of that debate The deferential approach in effect creates

a hierarchy of rights lacking any discernible basis in the text and ignores the differentiation between rights

that the text does make It also disregards the carefully chosen terms of the limitation formulation drafted in

publicly televised parliamentary proceedings That text was expressly designed to include the technical legal

language of the postwar instruments in order to deliver the effective regime of rights-protection desired by

Canadians generally and in particular sought by those to whom the previous lack of rights-protection

mattered most Disregard of remedial purposes and text leads to the third failing insensitivity to the Charterrsquos

reconstruction of institutional roles The advocates of deference cede the primacy of guaranteed rights and

freedoms to ordinary politics on the ground that the representative accountable legislatures must take

responsibility for the political choices required In effect the polity reverts to the legislative policy-making role

that the Charter was designed to redesignrdquo (WEINRIB 2002 p 123)

71 R v OrsquoConnor [1995] 4 SCR 411 Iacutentegra da decisatildeo disponiacutevel em httpscc-csclexumcomscc-

cscscc-

cscenitem1323indexdor=AAAAAQAjUiB2LiBP4oCZQ29ubm9yIFsxOTk1XSA0IFMuQy5SLiA0MTE

B

64

informaccedilotildees

O Parlamento canadense respondeu ao julgamento da Corte com a ediccedilatildeo

de uma nova lei que visando resguardar o direito agrave privacidade das viacutetimas

consequentemente restringindo o direito de defesa do reacuteu estabelecia um procedimento mais

riacutegido para que o mesmo tivesse acesso agraves informaccedilotildees para fundamentar a restriccedilatildeo seguiu

os argumentos dos votos dissidentes

Essa lei foi objeto de anaacutelise pela Suprema Corte no caso R v Mills72 no

qual a Corte em total deferecircncia ao entendimento do Legislativo considerou que a limitaccedilatildeo

ao direito de defesa do acusado era legiacutetima modificando seu entendimento anterior mesmo

sem nenhum fato novo para tanto73

Para Kent Roach (2001) a resposta legislativa representou o seu

desacordo com a decisatildeo judicial utilizando-se da loacutegica dos votos dissidentes para impor o

seu entendimento sobre a Corte exemplificando assim o uso da ldquoin your face responserdquo

amparado pela prerrogativa da Seccedilatildeo 1 da Carta

Para alguns essa praacutetica eacute vista como uma forma de diaacutelogo74 todavia

natildeo eacute isenta de criacuteticas como se verificaraacute adiante pois pode acabar significando na praacutetica

mais um retorno ao sistema de supremacia parlamentar do que propriamente um sistema

dialoacutegico

1013 Princiacutepios e controle poliacutetico sobre a corte - aplicaccedilatildeo praacutetica

da seccedilatildeo 33

A previsatildeo contida na Seccedilatildeo 33 da Carta Canadense exemplifica a

segunda subcategoria das teorias de princiacutepios juriacutedicos segundo a qual o diaacutelogo se

consubstancia na realizaccedilatildeo do controle das decisotildees judiciais pelos poderes poliacuteticos no

caso da ocorrecircncia de erro de interpretaccedilatildeo

72 R v Mills 1999] 3 SCR 668 Iacutentegra da decisatildeo disponiacutevel em httpsscc-csclexumcomscc-cscscc-

cscenitem1751indexdo

73 Para uma criacutetica mais aprofundada do caso ver CAMERON Jamie Dialogue and Hierarchy in Charter

Interpretation A comment on R v Mills Alberta Law Review Vol 38 N 4 2001

74 Ver DIXON Rosalind The Supreme Court of Canada Charter Dialogue and Deference U of Chicago

Public Law Working Paper N 284

65

A seccedilatildeo 33 ficou conhecida como notwithstanding clause ou overriding

por permitir ao Parlamento a reediccedilatildeo de um texto legal limitador de direitos consagrados

na Carta nas seccedilotildees 2 e de 7 a 15 mesmo quando jaacute tenha sido objeto de reprovaccedilatildeo pelo

Judiciaacuterio pelo prazo maacuteximo de cinco anos75

A referida claacuteusula do overriding apesar de inovadora e do seu aparente

potencial promissor na reconfiguraccedilatildeo dos papeis institucionais na verdade encontrou pouca

aplicaccedilatildeo concreta sendo poucas vezes invocada pelo legislativo Roach (2001) por

exemplo defende ser preferiacutevel a utilizaccedilatildeo da Seccedilatildeo 1 para reeditar uma norma jaacute reprovada

pelo Judiciaacuterio do que fazer uso da Seccedilatildeo 33 que pode representar uma resposta agressiva

como se o Legislativo estivesse gritando para ganhar um debate

Ao mesmo tempo em que a Seccedilatildeo 33 torna a decisatildeo judicial

ldquoprovisoacuteriardquo podendo ser ultrapassada pelo Legislativo possibilitando assim um suposto

diaacutelogo eacute difiacutecil imaginar na praacutetica essa concretizaccedilatildeo O custo poliacutetico a ser suportado

pelo legislador nessa situaccedilatildeo eacute muito alto e nem sempre o mesmo pode estar disposto a

suportaacute-lo 76

Combater a decisatildeo judicial por meio da imposiccedilatildeo da lei conforme

possibilita a Seccedilatildeo 33 parece natildeo ter sido o caminho escolhido pelo legislador canadense jaacute

que a praacutetica revela o pouco usa da referida claacuteusula em detrimento da Seccedilatildeo 1

Apesar de natildeo ter sido muito utilizada pelo Legislativo em razatildeo do seu

alto custo poliacutetico a Corte em alguns casos utliza-se da possibilidade do legislador derrubar

75 33 (1) Parliament or the legislature of a province may expressly declare in an Act of Parliament or of the

legislature as the case may be that the Act or a provision thereof shall operate notwithstanding a provision

included in section 2 or sections 7 to 15 of this Charter Marginal noteOperation of exception (2) An Act or

a provision of an Act in respect of which a declaration made under this section is in effect shall have such

operation as it would have but for the provision of this Charter referred to in the declaration Marginal

noteFive year limitation (3) A declaration made under subsection (1) shall cease to have effect five years

after it comes into force or on such earlier date as may be specified in the declarationMarginal noteRe-

enactment (4) Parliament or the legislature of a province may re-enact a declaration made under

subsection (1)Marginal noteFive year limitation(5) Subsection (3) applies in respect of a re-enactment

made under subsection (4) Canadian Constitutional Act 1982

76 Eacute justamente o alto custo poliacutetico da utilizaccedilatildeo da Seccedilatildeo 33 que faz com que o legislativo opte por responder

de outra forma agrave decisatildeo judicial no caso de discordacircncia fazendo uso assim da Seccedilatildeo 1 na forma da ldquoin your

face responserdquo conforme falamos no toacutepico anterior Para uma criacutetica mais detalhada do assunto ver

TUSHNET Mark Weak Courts Strong Rights judicial review and social welfare rights in comparative

constitutional law Princeton University 2009 p 45-47

66

a decisatildeo judicial contida na Seccedilatildeo 33 para justificar suas decisotildees sejam elas mais ativistas

ou mais contidas como se percebe no julgamento Vriend v Alberta77

O caso em suma tratava de um professor universitaacuterio Delwin Vriend

que fora demitido apoacutes ter revelado sua opccedilatildeo sexual assumindo ser homossexual

Inconformado Vriend alegando a incompatibilidade da Individual Rights Protection Act

(IRPA) da proviacutencia de Alberta local onde ocorreu a demissatildeo com a Carta canadense

recorreu ao Judiciaacuterio para anular o ato A referida lei trazia em seu texto de forma expressa

os motivos pelos quais era vedada a discriminaccedilatildeo de qualquer cidadatildeo como raccedila cor

sexo cor da pele estado civil crenccedila religiosa dentre outros mas natildeo fazia menccedilatildeo agrave

orientaccedilatildeo sexual motivo pelo qual Vriend alegou a sua incompatibilidade

O caso foi inicialmente apreciado pelo Conselho de Direitos Humanos

de Alberta (Alberta Human Rights Board) que entendeu que a demissatildeo natildeo era nula eis

que a orientaccedilatildeo sexual natildeo era prevista legalmente como motivo de vedaccedilatildeo agrave

discriminaccedilatildeo A Court of Queenacutes Bench (Tribunal Superior equivalente a segunda

instacircncia recursal) de Alberta ao apreciar o recurso do professor considerou nula a

demissatildeo afirmando que embora a orientaccedilatildeo sexual natildeo estivesse expressamente prevista

na IRPA deveria ser considerada como se ali estivesse inserida em funccedilatildeo do princiacutepio da

igualdade assegurado pela Carta

A decisatildeo foi revista e modificada pela Alberta Court of Appeal por

entender que a IRPA lei em anaacutelise no caso era uma norma neutra natildeo se dirigia de maneira

especifica nem a heterossexuais nem a homossexuais e por isso natildeo haveria qualquer

incompatibilidade com a Carta

O caso foi levado a julgamento pela Suprema Corte canadense que

afirmou a incompatibilidade da IRPA com a Carta e ao mesmo tempo que declarou a

incompatibilidade da lei em razatildeo da mesma ser omissa por natildeo incluir a previsatildeo da

proibiccedilatildeo de discriminaccedilatildeo por motivo de orientaccedilatildeo sexual justificou expressamente sua

conduta na metaacutefora do diaacutelogo

A Corte em sua decisatildeo mais especificamente dos paraacutegrafos 134 a 138

invocou a possibilidade de superaccedilatildeo da decisatildeo judicial pelo Legislativo por meio do uso

77 Vriend v Alberta [1998] 1 SCR 493 Iacutentegra da decisatildeo disponiacutevel em httpscc-csclexumcomscc-

cscscc-cscenitem1607indexdo

67

da notwishstanding clause prevista na Seccedilatildeo 33 da Carta afirmando ser um mecanismo

propiciador do diaacutelogo justificando assim a legitimidade democraacutetica da sua decisatildeo e do

exerciacutecio do judicial review

Sendo assim ainda que natildeo tenha sido muito utilizada para o objetivo

inicial a que se propocircs natildeo se pode ignorar o papel da Seccedilatildeo 33 na Carta canadense

principalmente pelo que a sua falta de utilizaccedilatildeo revela78

1014 Criacuteticas as teorias estruturais dos princiacutepios juriacutedicos

Apesar do aparente potencial dialoacutegico das teorias dos princiacutepios

juriacutedicos por possibilitarem por meio de mecanismos especiacuteficos que o Legislativo responda

ou reaja a decisatildeo judicial as mesmas natildeo satildeo isentas de criacuteticas

Assim como as teorias dialoacutegicas fundadas no meacutetodo judicial abordadas

anteriormente as teorias dos princiacutepios juriacutedicos com mecanismo de articulaccedilatildeo legislativa

da poliacutetica traduzidas na praacutetica na Seccedilatildeo 1 da Carta Canadense privilegiam a interpretaccedilatildeo

do Judiciaacuterio em detrimento do posicionamento legislativo o que natildeo resolve o problema da

legitimidade democraacutetica inerente a judicial review (BATEUP 2006)

Como dito as teorias estruturais dos princiacutepios juriacutedicos estabelecem

uma metodologia dialoacutegica que reconhece um papel privilegiado concedido ao Judiciaacuterio

para lidar com questotildees de princiacutepios fundada no seu suposto isolamento poliacutetico que lhe

atribui vantagem como deliberador moral Todavia a praacutetica demonstra que esse pressuposto

isolamento poliacutetico natildeo necessariamente refletiraacute nas decisotildees da Corte

Embora o sistema canadense seja apontado como o marco inicial das

teorias dialoacutegicas o que a experiecircncia revela com a praacutetica da metodologia de diaacutelogo nele

prevista eacute que apesar da possibilidade de resposta legislativa e de uma ainda que apenas

78 Para Hiebert o fato da quase inexistente utilizaccedilatildeo da Seccedilatildeo 33 pelo legislativo revela a relutacircncia do

parlamento canadense em tomar decisotildees que possam por em risco a sua imagem de oacutergatildeo comprometido com

a proteccedilatildeo dos direitos e liberdades assegurados pela Carta por acreditarem que a derrubada de uma decisatildeo

judicial pode acarretar o repuacutedio da populaccedilatildeo Destaca que essa situaccedilatildeo ficou evidente nas eleiccedilotildees federais

de 2014 quando o Governo liberal marcou pontos poliacuteticos preciosos ao criticar veementemente Stephen

Harper liacuteder do partido conservador o qual natildeo descartava o uso da claacuteusula natildeo obstante pois a maioria dos

canadenses interpretam o uso da mesmo como uma violaccedilatildeo aos direitos protegidos na Carta o que expressa

um ceticismo acerca da legitimidade dos desacordos poliacuteticos com as interpretaccedilotildees judiciais apesar de tais

divergecircncias serem constitucionalmente permitidas (HIEBERT 2006 p 20)

68

formal maior liberdade de atuaccedilatildeo parlamentar expressamente conferida pela Seccedilatildeo 1 da

Carta ao fim e ao cabo quem iraacute decidir de fato eacute a Corte jaacute que a ela incumbe a anaacutelise da

proporcionalidade da medida legislativa

A utilizaccedilatildeo pelo Legislativo dos mecanismos normativamente previstos

no sistema canadense como propiciadores de um diaacutelogo com a Corte acarretam um alto

custo poliacutetico Em um primeiro plano pode-se observar que o uso dos mesmos de forma

regular pode acarretar prejuiacutezo ao significado e ateacute mesmo reduzir a importacircncia do

instituto da revisatildeo judicial enviando um claro sinal de que as opiniotildees judiciais muitas

vezes natildeo satildeo dignas de respeito jaacute que podem facilmente ser suplantadas pela iniciativa

parlamentar

Somado a isso tem-se em segundo plano o alto niacutevel de apoio popular

que o sistema judicial recebe que faz com que mesmo que a utilizaccedilatildeo dos meacnismos natildeo

ataque diretamente o Judiciaacuterio como instituiccedilatildeo em si haja uma provaacutevel exigecircncia puacuteblica

do cumprimento das decisotildees judicias em desfavor de mecanismos de overriding pelo

menos em relaccedilatildeo aqueles casos de maior relevacircncia

Esses dois aspectos elevam demasiadamente os custos poliacuteticos da

atuaccedilatildeo legislativa influenciando para que mecanismos como o previsto na Seccedilatildeo 33 que

resultam em uma substituiccedilatildeo de decisatildeo judicial sejam pouco ou quase nada utilizados na

praacutetica (BATEUP 2009 p 566)

Ainda supondo uma hipoteacutetica utilizaccedilatildeo da previsatildeo contida na Seccedilatildeo

33 fundada em um controle das decisotildees judicias pelo Legislativo quando considerar que

houve erro no julgamento feito pelo Judiciaacuterio poderia se assemelhar muito mais a um

modelo de supremacia parlamentar do que um mecanismo propiciador de um diaacutelogo

substancial entre ambos os poderes79

Tushnet (2009) alerta dessa maneira para o fato de que sob o ponto de

vista praacutetico o sistema canadense em muito pouco se difere do modelo tradicional

americano onde haacute uma prevalecircncia das decisotildees judiciais

Alguns criacuteticos tambeacutem apontam para o fato de que a existecircncia formal

da ldquoclaacuteusula natildeo obstanterdquo no sistema pode levar a uma atuaccedilatildeo irresponsaacutevel do Judiciaacuterio

69

que ciente da possibilidade de correccedilatildeo e superaccedilatildeo da sua decisatildeo pelo Poder Legislativo

natildeo se esforccedilaraacute na busca por emanar as melhores decisotildees80

Outro ponto importante de criacutetica o qualeacute fortemente destacado por

Bateup (2006 p49) eacute o fato de essas teorias possuiacuterem uma contradiccedilatildeo intriacutenseca muito

forte ao mesmo tempo que defendem uma competecircncia privilegiada do Judiciaacuterio para lidar

com questotildees de princiacutepios propotildeem que a supervisatildeo poliacutetica eacute necessaacuteria para se proteger

contra a possibilidade de erro judicial

Eacute questionaacutevel a maneira como o legislador chegaraacute a conclusatildeo que o

Judiciaacuterio incorreu em erro jaacute que natildeo haacute nenhuma teoria interpretativa que explicite de

forma objetiva como isso deve ser verificado na praacutetica deixando uma margem de

apreciaccedilatildeo muito ampla e subjetiva parecendo muito mais uma forma de simples superaccedilatildeo

da decisatildeo judicial do que uma efetiva correccedilatildeo

Sendo assim natildeo se vislumbra na praacutetica canadense a efetivaccedilatildeo de um

verdadeiro diaacutelogo sob o ponto de vista material podendo-se aferir apenas a possibilidade

de uma conversaccedilatildeo entre os poderes onde o Judiciaacuterio ldquofalardquo e o Legislativo ldquoescutardquo ou vice-

versa sugerindo mais uma ideia de monoacutelogo do que propriamente de diaacutelogo jaacute que na

realidade natildeo haacute um efetivo debate nem a construccedilatildeo conjunta de uma decisatildeo

Poreacutem apesar das criacuteticas se reconhece a importacircncia da praacutetica

deflagrada pelo sistema canadense que mesmo que apenas formalmente possibilita uma

interaccedilatildeo legislativa no processo de controle de constitucionalidade mediante a utilizaccedilatildeo de

mecanismos criados propriamente para esse fim especiacutefico o que ateacute entatildeo natildeo existia na

jurisdiccedilatildeo constitucional

80 Nesse sentido ver PETTER Andrew Taking Dialogue theory much too seriously (or perhaps charter

dialogue isnrsquot such a good thing after all) Osgoode Law Journal v 45 n1 p147-167 2007 A criacutetica

desenvolvida por Andrew Petter faz parte das que se seguiram apoacutes o estudo desenvolvido por Petter Hogg e

Alisson Bushell Para o Autor a tese dos mesmos eacute desprovida de conteuacutedo normativo e subestima a influecircncia

que as decisotildees judiciais exercem no processo de tomada de decisotildees poliacuteticas e em todos os outros aspectos

da vida poliacuteticas O Autor critica veementemente a metodologia adotada pelos dois autores no tocante a anaacutelise

jurisprudencial que os levou a concluir pela existecircncia do diaacutelogo no sistema canadense dentre outros

importantes aspectos por isso sugerimos a leitura

70

11 As teorias dialoacutegicas da parceira

Agrupam-se nessa categoria de teorias estruturais do diaacutelogo aquelas

que apostam nos mecanismos institucionais como a melhor forma de promoccedilatildeo do diaacutelogo

reconhecem o papel igualmente importante tanto dos atores judiciais como dos natildeo judiciais

no processo de tomada de uma decisatildeo constitucional

De acordo com essas teorias tanto o Judiciaacuterio quanto o Legislativo

devem ter seu papel reforccedilado dentro do processo de interpretaccedilatildeo constitucional sendo

reconhecidas as capacidades e competecircncias especiacuteficas de cada um de modo que repartam

a responsabilidade das decisotildees

Ao contraacuterio das teorias dos princiacutepios juriacutedicos para essas teorias natildeo

haacute um polo privilegiado reconhecem as diferentes competecircncias de cada braccedilo do poder

poreacutem defendem uma atuaccedilatildeo colaborativa entre eles na interpretaccedilatildeo constitucional sem

qualquer hierarquia

Bateup (2006 p 71) destaca as ideias de Janet Hiebert como exponente

dessas teorias eis que a referida Autora ao analisar a experiecircncia Canadense na aplicaccedilatildeo da

Carta de 1982 critica a passividade do Legislativo em face da intervenccedilatildeo judicial em

assuntos de poliacutetica puacuteblica argumentando que a interpretaccedilatildeo constitucional deve ser uma

responsabilidade compartilhada entre os Tribunais e o Parlamento

Hibert (2002) defende uma ldquoabordagem relacionalrdquo mediante a

combinaccedilatildeo entre a perspectiva judicial e legislativa para as interpretaccedilotildees da Carta Alega

que o fato de estarem separados Legislativo e Judiciaacuterio poreacutem interligados dentro da ordem

constitucional faz com quem ambos estejam aptos a se engajar em um diaacutelogo no qual cada

um deve ter certo grau de modeacutestia sobre suas proacuteprias conclusotildees e ouvir o outro a fim de

um aprendizado reciacuteproco e conforme necessaacuterio modificar seu ponto de vista

Nesse sentido criacutetica a teoria dialoacutegica de Bushell e Hogg sobretudo por

atribuiacuterem agrave Corte um papel corretivo incompatiacutevel com a ideia do compartilhamento de

responsabilidade inerente ao diaacutelogo Para a Autora natildeo deve ser atribuiacutedo agrave Corte o papel

de conduzir o diaacutelogo mas sim reconhecidas as capacidades diferentes de cada instituiccedilatildeo

do Poder as quais enxergam os problemas por prismas diferentes

71

Demonstra por meio desse entendimento que o Judiciaacuterio natildeo seria a

instacircncia mais bem posicionada para avaliar a escolha dos meios feita pelo legislador para

alcanccedilar seus objetivos mas sim para fiscalizar a qualidade da deliberaccedilatildeo e o empenho

despendido para fazer o balanceamento entre direitos e seus limites

Essa fiscalizaccedilatildeo acabaria por aumentar a responsabilidade do

Legislativo jaacute que precisaraacute convencer o Judiciaacuterio da necessidade da limitaccedilatildeo imposta e

do seu cuidado e compromisso com a proteccedilatildeo dos direitos81

111 Criacuteticas agrave teoria da parceria

No tocante a legitimidade democraacutetica da revisatildeo judicial das leis pode-

se dizer que essas teorias comparadas as demais ateacute aqui expostas demonstram maior

aptidatildeo para solucionar o problema pois oferecem uma resposta satisfatoacuteria a objeccedilatildeo

contramajoritaacuteria ao natildeo reconhecerem nenhuma posiccedilatildeo superior ao Judiciaacuterio em relaccedilatildeo

aos demais poderes mas sim reforccedilando a ideia de separaccedilatildeo de poderes e funccedilotildees

especiacuteficas sendo estas igualmente importantes no processo de interpretaccedilatildeo constitucional

Do ponto de vista teoacuterico a ideia parece ideal sobretudo por reforccedilar o

princiacutepio da separaccedilatildeo de poderes aumentando a responsabilidade institucional e

respeitando as competecircncias teacutecnicas e especiacuteficas de cada braccedilo do Poder como se idealiza

Todavia a sua dificuldade praacutetica eacute tatildeo evidente que natildeo conseguimos sequer vislumbrar

um exemplo concreto da efetivaccedilatildeo dessa teoria

Apesar disso deve ser considerada e reconhecida a sua importacircncia por

servir como um objetivo a ser alcanccedilado como um ponto de referecircncia que se deve buscar

implementar na praacutetica apesar das latentes dificuldades

Para Bateup essas teorias seriam praticamente perfeitas se comparadas

com as outras para alcanccedilar os objetivos a que as teorias dialoacutegicas se propotildeem poreacutem

pecam por natildeo considerar a necessidade da participaccedilatildeo social no diaacutelogo Diante disso a

Autora propotildee uma outra metodologia que a seu ver seria a ideal a qual passamos a expor

81 ldquoThe extent to wich Parliament will be able to convince the judiciary about the merits of how it believes

Charter conflicts should be resolved may be a direct reflection of the extent of its commitment to careful and

principled judgment To a considerable degree Parliament is likely get the kinds of judicial rulings ir

deservesrdquo (HIEBERT 2002 p 227)

72

12 Fusatildeo dialoacutegica

A metodologia de diaacutelogo ideal proposta por Bateup consiste na fusatildeo

entre os elementos das teorias da parceria e do equiliacutebrio que resultaria na forma mais

promissora do diaacutelogo constitucional por permitir uma compreensatildeo mais abrangente dos

diferentes aspectos institucionais e sociais possibilitando a participaccedilatildeo de diferentes atores

no processo de interpretaccedilatildeo constitucional (BATEUP 2006 p 77)

Na concepccedilatildeo da Autora a fusatildeo dialoacutegica seria o modelo ideal de

diaacutelogo pois por meio dos elementos proacuteprios da teoria da parceria se resolveriam as

controveacutersias acerca da legitimidade democraacutetica do judicial review reforccedilando a

competecircncia e atuaccedilatildeo das instituiccedilotildees aumentando a responsabilidade das mesmas pelas

suas decisotildees e atividades e por outro lado por meio dos elementos das teorias do

equiliacutebrio se promoveria a inclusatildeo da sociedade no debate reconhecendo o papel do

Judiciaacuterio como mediador da discussatildeo sem no entanto atribuir-lhe o poder da palavra final

Como aprimoramento das outras teorias a fusatildeo dialoacutegica propotildee a

noccedilatildeo do papel do Judiciaacuterio como um facilitador do debate na sociedade sobre os principais

temas do constitucionalismo para que mediante dele se alcance um resultado mais

duradouro e aceitaacutevel no seio social

Sendo assim em siacutentese o que Bateup propotildee eacute que a criacutetica inicialmente

feita agrave teoria do equiliacutebrio relativa a existecircncia de problemas constitucionais menos

relevantes em que natildeo seria necessaacuterio - nem recomendaacutevel - a abertura de um debate no

seio social seria superada pela metodologia da teoria da parceria surgindo assim um modelo

mais ldquocorretordquo de diaacutelogo

Sob essa perspetiva a revisatildeo judicial das leis teria como consequecircncia

dois aspectos distintos dentro da sociedade moderna Em primeiro lugar seria um

mecanismo auxiliador na produccedilatildeo de respostas mais duraacuteveis e amplamente aceitaacuteveis em

relaccedilatildeo a questotildees constitucionais que envolvam diaacutelogo com a sociedade como um todo e

em segundo tambeacutem auxiliaria na promoccedilatildeo de uma melhor resoluccedilatildeo institucional de

questotildees constitucionais no acircmbito de casos individuais (BATEUP 2006 p 78)

73

121 Criacuteticas agrave teoria da fusatildeo dialoacutegica

Aqui repetem-se as criacuteticas feitas no toacutepico acima acerca da teoria da

parceria acrescentando-se a essas as atinentes agrave inclusatildeo da participaccedilatildeo da sociedade como

participantes do diaacutelogo

A ideia de Bateup parece sob o ponto de vista da legitimidade

democraacutetica do controle de constitucionalidade ideal para superar todas as desconfianccedilas

pois combina os melhores elementos da teoria da parceria e ainda inclui a participaccedilatildeo

social que nesse vieacutes eacute de fundamental importacircncia

De todas as teorias ateacute aqui expostas parece ser a uacutenica a prever a

concretizaccedilatildeo de um diaacutelogo material facilitando a ocorrecircncia de um verdadeiro debate entre

os participantes do processo de interpretaccedilatildeo constitucional a fim de encontrar um consenso

Todavia as dificuldades residentes na implementaccedilatildeo dessa concepccedilatildeo

teoacuterica na praacutetica satildeo inuacutemeras primeiramente pela limitaccedilatildeo dos provaacuteveis meios para

inclusatildeo da sociedade no debate e depois pelos riscos que essa inclusatildeo pode oferecer

Incluir a sociedade civil em um debate atinente a realizaccedilatildeo de poliacuteticas

puacuteblicas para a efetivaccedilatildeo de direitos fundamentais pode ser extremamente perigoso pois a

pressatildeo social pode levar a tomadas de decisotildees irresponsaacuteveis pelos entes puacuteblicos bem

como pode acabar privilegiando uma ou outra parcela da populaccedilatildeo que esteja ativa no

debate em detrimento de outra Com isso pode haver o favorecimento dos interesses de

grupos minoritaacuterios o que nem sempre pode ser considerado favoraacutevel do ponto de vista

democraacutetico

Neste sentido ainda que a metodologia proposta po Bateup seja

aparentemente a mais promissora para resolver o conflito que ronda a legitimidade

democraacutetica do controle judicial das leis natildeo se pode tomaacute-la como uma verdade absoluta

sendo necessaacuterio criterioso cuidado na sua anaacutelise

13 Os mecanismos estruturais de diaacutelogo no sistema britacircnico e neozelandecircs

Como jaacute se abordou brevemente no iniacutecio do presente trabalho o novo

modelo canadense de revisatildeo judicial das leis por ser uma alternativa agrave tradicional forma de

supremacia judicial acabou por influenciar outros paiacuteses da Commonwealth de tradiccedilatildeo

74

parlamentar justamente pela sua promessa de conciliaccedilatildeo entre a supremacia legislativa e a

revisatildeo judicial no tocante a proteccedilatildeo de direitos fundamentais

Assim inspirados nesse novo modelo de judicial review paiacuteses como o

Reino Unido e Nova Zelacircndia ao reconhecerem a necessidade de uma tutela especial aos

direitos fundamentais adotaram sistemas que tambeacutem possuem mecanismos que propiciam

uma forma ldquofracardquo de revisatildeo judicial

O ponto em comum que ambos os sistemas possuem eacute o fato que o

Judiciaacuterio natildeo deteacutem poder para invalidar a legislaccedilatildeo ou seja permanecem pelo menos em

teoria em um sistema onde a supremacia parlamentar ainda se faz presente Todavia diante

da necessidade de assegurar a eficaacutecia dos direitos fundamentais que passaram a fazer parte

do Bill of Rights acabaram por introduzir em seu sistema alguns mecanismos que mitigaram

essa supremacia condicionando o legislador a observaccedilatildeo de tais direitos

Ambos os sistemas possuem assim a figura do mandado interpretativo

que em suma permite ao Judiciaacuterio o exerciacutecio da revisatildeo das leis ainda que natildeo possa

invalidaacute-las e lhe impotildee a tarefa de no momento que for analisar a legislaccedilatildeo interpretaacute-la

conforme os preceitos do Bill of Rights

Apesar de ser o mesmo mecanismo ele se desdobra na praacutetica de

maneiras diversas em cada paiacutes em face das suas peculiaridades razatildeo pela qual se analisaraacute

ambos os sistemas de forma autocircnoma

131 O mandado interpretativo e a declaraccedilatildeo de incompatibilidade no reino

unido (seccedilatildeo 3 e 4 (2) do human rights act 1998)

Como se sabe o Reino Unido eacute considerado o berccedilo da soberania

parlamentar onde ateacute recentemente cabia a este oacutergatildeo a apreciaccedilatildeo e resoluccedilatildeo de problemas

constitucionais tendo o Judiciaacuterio pouca ou quase nenhuma expressatildeo nesse sentido

O reconhecimento da competecircncia do Judiciaacuterio para a realizaccedilatildeo da

revisatildeo das leis foi um processo gradativo Apoacutes a Revoluccedilatildeo Gloriosa e a promulgaccedilatildeo do

Bill of Rights ambas as Casas do Parlamento inglecircs (House of Common e House of Lords)

75

passaram a deter competecircncia exclusiva para receber e apreciar as peticcedilotildees advindas dos

tribunais inferiores 82

Posteriormente jaacute exercendo a Cacircmara dos Lordes tal funccedilatildeo de modo

exclusivo veio a lume o Appellate Jurisdiction Act (1876) por intermeacutedio do qual foi criada

a figura dos lordes de apelaccedilatildeo (Lords of Appeal in Ordinary ou Law Lords) juiacutezes altamente

qualificados que deveriam se dedicar exclusivamente agraves questotildees judiciais submetidas ao

Parlamento Tais juiacutezes passaram a integrar o que veio a ser denominado Comissatildeo de

Apelaccedilatildeo da Cacircmara dos Lordes (Appellate Committee) e exercendo apenas a funccedilatildeo

jurisdicional deixaram de participar das votaccedilotildees do Parlamento (natildeo obstante tenham

permanecido como membros de tal Poder) (LARANJEIRA 2013)

Nesse contexto na estrutura constitucional inglesa cabia ao Parlamento

natildeo apenas a funccedilatildeo legislativa que lhe eacute inerente mas tambeacutem a atuaccedilatildeo como oacutergatildeo de

cuacutepula judicial Essa concepccedilatildeo era decorrente da inexistecircncia de uma constituiccedilatildeo escrita

formalmente superior as demais normas83 razatildeo pela qual o legislador acabava por ter uma

autonomia ilimitada para editar modificar e anular as leis

O ponto inicial de mudanccedila dessa estrutura foi a adoccedilatildeo do Human

Rights Act 199884 que entrou em vigor em 2 de outubro de 2000 e introduziu no

ordenamento juriacutedico interno os princiacutepios fundamentais jaacute enunciados pela Convenccedilatildeo

Europeia de Direitos do Homem85 A adoccedilatildeo desse documento representou uma mudanccedila

significativa na cultura legal do paiacutes porque as autoridades puacuteblicas passaram a ser

obrigadas a obedecer novas normas antes consideradas apenas no acircmbito internacional e

com isso quaisquer accedilotildees do Governo ou outros organismos puacuteblicos que natildeo cumprissem

82 Para um maior aprofundamento sobre a histoacuteria estrutura e composiccedilatildeo do Parlamento britacircnico ver

LEYLAND Peter The Constituion of the United Kingdom a contextual analysis Oxford 2007 p 81-114

83 Necessaacuterio destacar que embora natildeo exista um documento formal intitulado de Constituiccedilatildeo atribui-se esse

mesmo sentido ao ldquo() conjunto de praacuteticas instituiccedilotildees e remeacutedios processuais que determina a estruturaccedilatildeo

poliacutetica do Estado com o adequado controle e distribuiccedilatildeo do poder aleacutem do apontamento de garantias

fundamentais em favor dos cidadatildeos ()rdquo (CYRINO 2007)

84 Eacute importante esclarecer que antes da adoccedilatildeo do HRA o Reino Unido jaacute havia ratificado a Convenccedilatildeo

Europeia de Direitos do Homem em 1951 o que acarretou severesos conflitos de normas A necessidade de

conciliaccedilatildeo desses conflitos normativos pode ser considerada como um dos motivos que ensejaram a adoccedilatildeo

do HRA

85 A adoccedilatildeo desse documento foi tambeacutem decorrente de importantes conflitos poliacuteticos que acabaram por

enfraquecer a ideia de supremacia parlamentar ateacute entatildeo intocaacutevel sobretudo pelas constriccedilotildees decorrentes da

entrada na Uniatildeo Europeia que obrigou o paiacutes a estabelecer um documento legal de proteccedilatildeo de direitos

fundamentais com status qualificado Nesse sentido ver TUSHNET 2008 p 28

76

com a Convenccedilatildeo passaram a poder serem consideradas como ilegais tambeacutem no acircmbito

interno (LEYLAND 2007)

A partir de entatildeo passou-se a travar debates atinentes a necessidade de

ampliaccedilatildeo de um sistema de revisatildeo judicial das leis a fim de dar eficaacutecia ao documento e

consolidar a sua hierarquia qualificada perante as demais leis86

A mudanccedila do sistema onde ateacute entatildeo o controle das leis era feito por

um oacutergatildeo poliacutetico parte do proacuteprio Parlamento se consolidou com a aprovaccedilatildeo do

Constitution Reform Act em 2005 o qual passou a prever a criaccedilatildeo da Suprema Corte que

foi instalada mais recentemente no ano de 2009 e marcou a consolidaccedilatildeo de um oacutergatildeo

judicial independente do legislativo87

O HRA ao introduzir no odernamento juriacutedico interno os princiacutepios e

direitos previstos na Convenccedilatildeo Europeia na Seccedilatildeo 388 determinou que tanto quanto fosse

possiacutevel a legislaccedilatildeo primaacuteria e a legislaccedilatildeo subordinada devem ser interpretadas visando a

compatibilidade com os preceitos da Convenccedilatildeo

Ou seja o mandado interpretativo consiste na imposiccedilatildeo as Cortes do

dever de se esforccedilarem para interpretar as leis de acordo com o HRA Tambeacutem eacute denominado

por alguns doutrinadores de poder interpretativo (interpretative power) visto que possibilita

86 Sobre o impacto do HRA na cultura britacircnica Gadbaum (2001 p 732) destaca ldquoThere is no doubt that in

the British legal and constitutional context the mere existence of a set of codified constitutes a radical change

in legal and political culture independent of the exact form and legal status that they possess This is because

it replaces the existing conception of civil liberties as residual in nature ndash citizens are free to do whatever

statute common law and delegated legislation do not prohibit them from doing ndash with a primary or affirmative

set of rights that limit what citizens may be prohibited from doing in the first placerdquo

87 Leyland (2007 p 154) esclarece que a Suprema Corte britacircnica natildeo foi criada com o objetivo de ser um

Tribunal constitucional em suas palavras ldquoThe Supreme Court will not be established as a constitutional court

although of course it will have to preside over cases that raise constitutional issues and it will take over from

the Judicial Committee of the Privy Council jurisdiction over lsquodevolution issuesrsquo arising from the Scotland Act

1998 Government of Wales Act 1998 and Northern Ireland Act 1998rdquo

88 Interpretation of legislation (1)So far as it is possible to do so primary legislation and subordinate

legislation must be read and given effect in a way which is compatible with the Convention rights (2)This

sectionmdash (a)applies to primary legislation and subordinate legislation whenever enacted (b)does not affect

the validity continuing operation or enforcement of any incompatible primary legislation and (c)does not

affect the validity continuing operation or enforcement of any incompatible subordinate legislation if

(disregarding any possibility of revocation) primary legislation prevents removal of the incompatibility (HRA

1998)

77

a modificaccedilatildeo do significado das leis inicialmente conferido pelo Palamento a fim de

compatibilizaacute-las com a Convenccedilatildeo89

Todavia quando natildeo for possiacutevel uma interpretaccedilatildeo compatiacutevel a lei

natildeo pode ser invalidada permanecendo em pleno vigor podendo ser aplicada e invocada em

qualquer procedimento legal O que deve existir nesses casos eacute a emissatildeo de uma declaraccedilatildeo

de incompatibilidade onde a Corte pronunciaraacute o seu entendimento mas este natildeo teraacute

nenhum efeito direto ou concreto sobre a validade da norma90

A manifestaccedilatildeo do Judiciaacuterio por meio da declaraccedilatildeo de

incompatibilidade apesar de natildeo acarretar a nulidade da lei ao tornar puacuteblico o conflito da

mesma com os direitos assegurados pelo HRA gera um inegaacutevel constrangimento poliacutetico

Poreacutem o Parlamento continua a ser soberano eis que eacute ele que decide se a norma ainda que

declaradamente incompatiacutevel continuaraacute vigente como antes (CYRINO 2007)

Tendo em vista o constrangimento poliacutetico causado pela declaraccedilatildeo de

incompatibilidade alguns autores defendem ser esse um mecanismo propulsor de uma

resposta do Parlamento agraves decisotildees da Corte de forma a alterar a lei para eliminar a

incompatibilidade apontada pelas Cortes bem como de uma maior responsabilidade para

com a observacircncia dos direitos do HRA quando da formulaccedilatildeo das leis a fim de evitar uma

futura incompatibilidade

Um reconhecido e importante exemplo dessa praacutetica ocorreu no

julgamento do caso A and Others v Secretary of State for the Home Departament91 onde o

Governo britacircnico foi acusado de minar direitos individuais por meio da criaccedilatildeo da lei Anti

terrorismo crime e seguranccedilas de 2001 por permitir a detenccedilatildeo por tempo indeterminado

de estrangeiros suspeitos da praacutetica de terrorismo

89 ldquoThis section confers an interpretative power which allows the courts to consider legislation and transform

it by stretching its meaning where it is possible to do so in order to achieve Convention compatibilityThis

marks a significant shift of power from Parliament to judges since the courts are able to rewrite sections of

Acts by reading into them words that are not there and by doing so remove potential conflicts with the

Conventionrdquo (LEYLAND 2007 p 171)

90 4 (2) If the court is satisfied that the provision is incompatible with a Convention right it may make a

declaration of that incompatibility (HRA 1998)

91 A and Others v Secretary of State for the Home Departament (2004) UKHL Iacutentegra disponiacutevel em

httpwwwpublicationsparliamentukpald200405ldjudgmtjd041216aampoth-1htm

78

Nesse caso um grupo de suspeitos que estava detido em Belmarsh haacute

trecircs anos suscitou o conflito da lei com os direitos e garantias assegurados no HRA O

Comitecirc Judicial da Cacircmara dos Lordes emitiu uma declaraccedilatildeo de incompatibilidade da

referida legislaccedilatildeo poreacutem como a mesma natildeo provoca a nulidade os suspeitos continuaram

detidos Contudo a condenaccedilatildeo da legislaccedilatildeo ocasionou uma resposta do Governo

A declaraccedilatildeo de incompatibilidade acabou persuadindo o Governo a

editar uma nova lei utilizando uma outra abordagem para controlar os suspeitos de

terrorismo de forma a superar a incompatibilidade verificada e dessa maneira foi editada a

lei de Anti Terrorismo de 2005 (Prevention of Terrorism Act 2005)

Nesse sentido a declaraccedilatildeo de incompatibilidade pode ser lida sob a

oacutetica das teorias dialoacutegicas92 eis que quase sempre que for emitida ensejaraacute uma resposta do

Governo ou do Parlamento no sentido de modificar a lei para eliminar a incompatibilidade

diante de uma provaacutevel pressatildeo puacuteblica intensa nesse sentido e pelo proacuteprio interesse puacuteblico

em fazecirc-lo

Ademais o Governo e o Parlamento dificilmente iratildeo ignorar o conflito

revelado entre a legislaccedilatildeo e o HRA tambeacutem considerando que a viacutetima da violaccedilatildeo manteacutem

o direito de recorrer ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem alegando uma violaccedilatildeo a

Convenccedilatildeo Europeacuteia pelas normas internas (DEBELJAK 2002 p317)

Sob essa perspectiva a declaraccedilatildeo de incompatibilidade seria um

instrumento ideal para possibilitar um diaacutelogo entre o Judiciaacuterio e o Parlamento na tarefa da

interpretaccedilatildeo e execuccedilatildeo dos direitos fundamentais O HRA confere uma voz formal ao

Judiciaacuterio a qual pode ser colocada em praacutetica mediante a utilizaccedilatildeo deste instrumento com

o objetivo de envolver o legislativo no debate (SCHYFF 2010 p 188)

Complementando essa ideia Seccedilatildeo 1093 do HRA prevecirc mecanismos

que possibilitam uma alteraccedilatildeo da legislaccedilatildeo de forma mais raacutepida que pelo procedimento

92 ldquoThe notion of declarations of incompatibility is congruent with the principle of democratic inclusion The

deliberative process continues via an inter-institutional dialogue ensuring that no arm of government has a

monopoly on the final resolution of the defining commitments of society (hellip) According to the Human Rights

White Paper (UK) a judicial declaration of incompatibility is part of an inter-institutional dialogue A

declaration of incompatibility lsquowill almost certainly prompt the Government and parliament to change the lawrsquo

and lsquothe Government would have to consider and in most cases would consider the position pretty rapidlyrdquo

(DEBELJAK 2002p317)

93 ldquoSection 10 (Power to take remedial action) (1)This section applies ifmdash (a) a provision of legislation has

been declared under section 4 to be incompatible with a Convention right and if an appeal liesmdash (i)all persons

79

comum denominados remedial actions A Seccedilatildeo 1994 ainda estabelece uma forma de

controle preacutevio da legislaccedilatildeo a ser realizado pelo Ministro

Em razatildeo disso o sistema de revisatildeo judicial das leis instituiacutedo no Reino

Unido vem sendo apontado por alguns doutrinadores como um sistema dialoacutegico Contudo

por oacutebvio haacute objeccedilotildees conforme se passaraacute a demonstrar

1311 Criacuteticas agrave experiecircncia britacircnica

Apesar de ainda ser muito cedo para proferir um pronunciamento firme

sobre a nova praacutetica implementada no Reino Unido pelo HRA (HIEBERT 2006) jaacute se

consegue vislumbrar na doutrina algumas criacuteticas valiosas a seu respeito

Em suma as duacutevidas sobre a sustentabilidade deste modelo residem na

imprevisibilidade do comportamento poliacutetico que ao mesmo tempo pode favorecer um

recuo ao antigo modelo da soberania parlamentar como pode tambeacutem acabar se

aproximando ao tradicional modelo norte-americano onde haacute uma evidente supremacia

judicial

who may appeal have stated in writing that they do not intend to do so (ii)the time for bringing an appeal has

expired and no appeal has been brought within that time or (iii)an appeal brought within that time has been

determined or abandoned or (b) it appears to a Minister of the Crown or Her Majesty in Council that having

regard to a finding of the European Court of Human Rights made after the coming into force of this section in

proceedings against the United Kingdom a provision of legislation is incompatible with an obligation of the

United Kingdom arising from the Convention (2)If a Minister of the Crown considers that there are compelling

reasons for proceeding under this section he may by order make such amendments to the legislation as he

considers necessary to remove the incompatibility (3)If in the case of subordinate legislation a Minister of

the Crown considersmdash (a) that it is necessary to amend the primary legislation under which the subordinate

legislation in question was made in order to enable the incompatibility to be removed and (b)that there are

compelling reasons for proceeding under this section he may by order make such amendments to the primary

legislation as he considers necessary (4)This section also applies where the provision in question is in

subordinate legislation and has been quashed or declared invalid by reason of incompatibility with a

Convention right and the Minister proposes to proceed under paragraph 2(b) of Schedule 2 (5)If the legislation

is an Order in Council the power conferred by subsection (2) or (3) is exercisable by Her Majesty in Council

(6)In this section ldquolegislationrdquo does not include a Measure of the Church Assembly or of the General Synod

of the Church of England (7)Schedule 2 makes further provision about remedial ordersrdquo Human Rights Act

1998

94 ldquoSection 19 (Statements of compatibility) (1)A Minister of the Crown in charge of a Bill in either House of

Parliament must before Second Reading of the Billmdash (a) make a statement to the effect that in his view the

provisions of the Bill are compatible with the Convention rights (ldquoa statement of compatibilityrdquo) or (b)make

a statement to the effect that although he is unable to make a statement of compatibility the government

nevertheless wishes the House to proceed with the Bill (2)The statement must be in writing and be published

in such manner as the Minister making it considers appropriaterdquo Human Rights Act 1998

80

Neste sentido as criacuteticas se assemelham agraves crtiacuteticas jaacute disparadas contra

o sistema canadense95 o que nos conduz a percepccedilatildeo de que talvez seja uma caracteriacutestica

comum a todos os modelos concluindo que por melhor e mais elaborado que seja o sistema

de revisatildeo judicial das leis sua concretizaccedilatildeo sofreraacute dificuldades por questotildees de cunho

subjetivo tendo a cultura local de cada paiacutes grande influecircncia nessa praacutetica

Ou seja o grau de comprometimento de cada braccedilo do Poder seja com

a busca pela efetivaccedilatildeo de direitos ou com a preservaccedilatildeo da soberania parlamentar iraacute

influenciar diretamente na forma de utilizaccedilatildeo dos mecanismos dialoacutegicos colocados a

disposiccedilatildeo

Eacute importante notar que o HRA ao mesmo tempo que preserva a

supremacia da legislaccedilatildeo jaacute que a mesma natildeo pode ser invalidada por outro oacutergatildeo que natildeo

o proacuteprio Parlamento acaba por conferir um papel de destaque ao Judiciaacuterio no processo de

interpretaccedilatildeo e efetivaccedilatildeo dos direitos fundamentais

A Seccedilatildeo 3 ao instituir o mandado interpretativo atribui grande

influecircncia ao entendimento do Judicaacuterio na definiccedilatildeo do sentido das leis ao passo que a

declaraccedilatildeo de incompatibilidade apesar do seu potencial dialoacutegico demonstrado acima na

praacutetica tambeacutem faz com que prevaleccedila esse entendimento jaacute que a tendecircncia eacute que os outros

oacutergatildeos sigam a interpretaccedilatildeo judicial no sentido de modificar a lei garantindo a preservaccedilatildeo

dos direitos fudamentais assegurados pelo HRA e pela CEDH (DEBELJAK 2002)

Hiebert (2004 p 1983) ao tratar da experiecircncia britacircnica chama a

atenccedilatildeo para o fato de que apesar da clara intenccedilatildeo dos proponentes do HRA de manter o

princiacutepio da soberania parlamentar natildeo houve muita discussatildeo sobre como esse princiacutepio

iria se relacionar com os julgamentos do Judiciaacuterio sobre direitos

Revela que as pesquisas realizadas por meio da anaacutelise de debates

parlamentares deliberaccedilotildees poliacuteticas e comentaacuterios acadecircmicos sobre o assunto

demonstram pouca consideraccedilatildeo dos criteacuterios condiccedilotildees e circunstacircncias em que o Governo

deve explicitamente discordar das interpretaccedilotildees do HRA feitas pelo Judiciaacuterio

O que se percebe da anaacutelise do sistema de revisatildeo judicial das leis

desenvolvido pelo Reino Unido eacute que muito embora o Judiciaacuterio natildeo detenha a uacuteltima

95 Ver toacutepico 1014

81

palavra natildeo podendo invalidar a legislaccedilatildeo o mandado interpretativo lhe confere um poder

de interpretaccedilatildeo muito amplo podendo mudar o sentido da lei inicialmente conferido pelo

legislador o que pode contribuir para uma forma de supremacia judicial

Aleacutem do que o amplo uso do mesmo pode acabar levando os juiacutezes a

natildeo exprimirem as suas verdadeiras opiniotildees sobre a legislaccedilatildeo camuflando assim uma falsa

compatibilidade o que natildeo eacute desejaacutevel sob o ponto de vista constitucional sobretudo quando

se busca uma efetiva proteccedilatildeo de direitos

Neste sentido seria preferiacutevel que o mandado interpretativo fosse visto

apenas como uma diretriz uma tentativa e natildeo uma obrigaccedilatildeo e que os juiacutezes procurassem

usar em todas as vezes que entederem que uma legislaccedilatildeo natildeo eacute compatiacutevel com a

declaraccedilatildeo de direitos seu poder de declaraccedilatildeo Entretanto natildeo haacute como determinar que o

Judiciaacuterio aja dessa forma pelo que a declaraccedilatildeo de incompatibilidade pode ser utilizada

frequentemente ou como uma medida de uacuteltimo recurso

Os teoacutericos que acreditam na possiacutevel existecircncia de um diaacutelogo no

sistema britacircnico tendem a considerar que o uso frequumlente da Seccedilatildeo 3 pelas Cortes ou seja

o amplo exerciacutecio do poder interpretativo sob o ponto de vista democraacutetico eacute menos

desejaacutevel do que a emissatildeo de declaraccedilotildees de incompatibilidade pois ele daacute ao Judiciaacuterio a

uacuteltima palavra ao menos que seja ou ateacute que seja revista pelo Parlamento (BATEUP 2009

p 547)

Diante do exposto percebe-se que a materializaccedilatildeo de um diaacutelogo na

forma esperada dentro do sistema britacircnico iraacute depender efetivamente do comportamento do

Judiciaacuterio por meio das suas escolhas jaacute que pode optar por exercer o mandado interpretativo

a qualquer custo mudando fundamentalmente o sentido da legilaccedilatildeo bem como pode optar

pela emissatildeo da declaraccedilatildeo de incompatibilidade deixando espaccedilo para a atuaccedilatildeo

Parlamentar no sentido de superar a deficiecircncia da lei Ou seja mais uma vez revela-se na

praacutetica dialoacutegica a importacircncia das escolhas feitas pelas instituiccedilotildees no momento da sua

atuaccedilatildeo

Ademais eacute duvidoso se pode-se afirmar que na melhor das hipoacuteteses

quando o Judiciaacuterio declara uma lei incompatiacutevel e o Parlamento responde a essa declaraccedilatildeo

haacute um diaacutelogo do ponto de vista material eis que natildeo se verifica a interaccedilatildeo entre os Poderes

82

no momento da tomada de decisatildeo o compartilhamento de suas visotildees para a construccedilatildeo do

sentido constitucional

O que haacute eacute mais uma atuaccedilatildeo singular de cada um O Judiciaacuterio tendo

que interpretar a legislaccedilatildeo de acordo com o HRA sem poder invalidaacute-la e o Legislativo

tendo que responder a essa interpretaccedilatildeo quando a mesma for contraacuteria aquela por ele

realizada inicialmente seja no sentido de modificar a legislaccedilatildeo superando a

incompatibilidade apontada pelo Judiciaacuterio ou fazer prevalecer o seu entendimento se assim

achar correto

Todavia ainda que recente a praacutetica tem demonstrado que na quase

totalidade dos casos em que houve uma resposta do Parlamento a uma declaraccedilatildeo de

incompatibilidade a mesma foi no sentido de acolher a opiniatildeo judicial para modificar a lei96

o que demonstra uma tendecircncia desse sistema em acolher a decisatildeo judicial ainda que a

mesma natildeo tenha formalmente o poder de invalidar a lei

132 O mandado interpretativo na experiecircncia neozelandesa

A Nova Zelacircndia assim como o Reino Unido tambeacutem possui um

constitucionalismo de tradiccedilatildeo parlamentar A adoccedilatildeo de um documento formal que visasse

agrave proteccedilatildeo de direitos fundamentais soacute ocorreu em 1990 com a aprovaccedilatildeo do New Zeland

Bill of Rights Act (NZBORA)

A principal caracteriacutestica que difere o sistema Neozelacircndes dos demais

eacute o fato de que o NZBORA natildeo possui uma hierarquia superior as demais leis ordinaacuterias do

paiacutes ou seja eacute um diploma desprovido de qualquer supremacia ou rigidez dentro do

ordenamento juriacutedico Essa caracteriacutestica faz com que o mesmo pelo menos teoricamente

possa ser revogado integralmente ou em parte por qualquer maioria legislativa posterior

(TUSHNET 2009 p 25)

96 ldquoGreater doubts about the behavioral assumptions underpinning weak-form dialogue theory emerge when

we consider the responses that responses that these declarations have elicited from the political branches of

government If Parliament were responding in the manner advocated by weak-form dialogue theorist we would

expect to see disagreement with judicial declarations being regularly expressed or at the very least on

occasion Contrary to these expectations however the British Parliament has almost universally responded

to judicial declarations of incompatibility by amending or repealing the relevant primary legislation in

accordance with the courtrsquos rulingrdquo (BATEUP 2009 p 549)

83

Aleacutem de possuir status de lei ordinaacuteria o NZBORA exclui

expressamente a possibilidade de anulaccedilatildeo das leis pelo Judiciaacuterio97 e determina que este

sempre que for interpretar qualquer dispositivo legal o faccedila em conformidade com o Bill of

Rights98 As seccedilotildees 4 a 7 trazem provisotildees que evitam o engajamento do Judiciaacuterio em uma

revisatildeo substantiva dos atos do Parlamento ratificando a supremacia parlamentar como um

princiacutepio constitucional da Nova Zelacircndia (HIEBERT KELLY 2015 p 62)

Ao contraacuterio do que ocorre no modelo britacircnico na Nova Zelacircndia o

Judiciaacuterio natildeo pode emitir qualquer declaraccedilatildeo de incompatibilidade o que para alguns

doutrinadores afasta a caracterizaccedilatildeo desse sistema como um judicial review jaacute outros o

caracterizam como um sistema ldquosuper fracordquo de revisatildeo judicial

Diante disso parece inicialmente que o NZBORA natildeo possui entatildeo

qualquer influecircncia importante dentro do ordenamento juriacutedico daquele paiacutes entretanto ao

contraacuterio do que parece o mesmo foi responsaacutevel por profundas mudanccedilas na legislaccedilatildeo

interna justamente por funcionar como um documento interpretativo geral servindo de

diretriz para a atuaccedilatildeo do legislativo

Neste sentido Gardbaum (2001 p 728) ensina que embora o NZBORA

possua um status juriacutedico de um estatuto legal comum eacute um documento geral que determina

como deve ser dado o sentido a todas as outras leis ordinaacuterias natildeo por meio da disposiccedilatildeo de

um conjunto de regras interpretativas mas sim pela enunciaccedilatildeo de direitos substantivos

Assim o NZBORA protege os direitos nele contidos por meio do dever

de interpretaccedilatildeo que coloca sobre os tribunais nos termos da Seccedilatildeo 6 e pelo consequente

custo poliacutetico que impotildee ao legislador de a adotar uma medida que viole claramente um

direito protegido ou que natildeo possa ser lida como consistente com ele (GARDBAUM 2001

p 729)

97 ldquoSection 4 (Other enactments not affected) No court shall in relation to any enactment (whether passed or

made before or after the commencement of this Bill of Rights)mdash (a)hold any provision of the enactment to be

impliedly repealed or revoked or to be in any way invalid or ineffective or (b)decline to apply any provision

of the enactmentmdash by reason only that the provision is inconsistent with any provision of this Bill of Rightsrdquo

New Zeland Bill of Rights Act 1990

98 ldquoSection 6 (Interpretation consistent with Bill of Rights to be preferred) Wherever an enactment can be given

a meaning that is consistent with the rights and freedoms contained in this Bill of Rights that meaning shall

be preferred to any other meaningrdquo New Zeland Bill of Rights Act 1990

84

No julgamento do caso R v Hansen99 a Suprema Corte esclareceu a

correta abordagem metodoloacutegica do judicial review a ser utilizada para reforccedilar os direitos

previstos no NZBORA afirmando que primeiramente a Corte deve buscar o significado

original que o Parlamento pretendeu atribuir a medida legislativa apoacutes analisar se o mesmo

eacute compatiacutevel com o NZBORA se houver uma aparente inconsistecircncia deve averiguar se a

mesma eacute razoaacutevel ao abrigo do que dispotildee a Seccedilatildeo 5 Se entender pela desarrazoabilidade

entatildeo deve buscar uma interpretaccedilatildeo diferente que se coadune com a declaraccedilatildeo de direitos

e por fim quando isto natildeo for possiacutevel deveraacute prevalecer entatildeo o significado original

atribuiacutedo pelo Parlamento (HIEBERT KELLY 2015 p63)

Essa metodologia resulta de uma cultura judicial fortemente

influenciada pelo princiacutepio da supremacia legislativa Nesta perspectiva o NZBORA

introduz um importante instrumento processual na Seccedilatildeo 7100 mediante o qual o Procurador

Geral eacute obrigado a examinar todas as propostas de lei e informar ao Parlamento quando for

detectada qualquer incompatibilidade entre uma disposiccedilatildeo legal e os direitos e garantias

assegurados pela Declaraccedilatildeo

O fundamento de tal medida parece consistir justamente em evitar a

aprovaccedilatildeo de medidas legislativas incompatiacuteveis com o Bill of Rights estabelecendo uma

forma preventiva de controle ainda que natildeo tenham o condatildeo de impossibilitar a aprovaccedilatildeo

da lei mesmo quando incompatiacutevel mas servindo de alerta ao Parlamento e assim

aumentando a sua responsabilidade pois arcaraacute com os custos poliacuteticos de suas decisotildees

Em que pese o NZBORA proiacuteba o Judiciaacuterio de emitir qualquer

pronunciamento formal sobre a incompatibilidade de medidas legislativas o New Zeland

Human Rights Act adotado em 1993 prevecirc a possibilidade de uma declaraccedilatildeo judicial de

inconsistecircncia como remeacutedio apropriado para os casos de discriminaccedilatildeo

Assim somente nos casos em que se discute o direito a igualdade o

99 R v Hansen (2007) NZSC 7 Iacutentegra disponiacutevel em httpwwwnzliiorgcgi-

binsinodispnzcasesNZSC20077htmlquery=hansen20nzsc

100 ldquoSection 7 (Attorney-General to report to Parliament where Bill appears to be inconsistent with Bill of

Rights) Where any Bill is introduced into the House of Representatives the Attorney-General shallmdash (a)in

the case of a Government Bill on the introduction of that Bill or (b)in any other case as soon as practicable

after the introduction of the Billmdash bring to the attention of the House of Representatives any provision in the

Bill that appears to be inconsistent with any of the rights and freedoms contained in this Bill of Rightsrdquo New

Zeland Bill of Rights Act 1990

85

Judiciaacuterio quando natildeo encontrar uma interpretaccedilatildeo da lei que seja razoaacutevel e compatiacutevel

com os direitos assegurados Bill of Rights poderaacute emitir um documento formal que ateste a

inconsistecircncia no intuito de dar ciecircncia ao Parlamento da incompatibilidade Em todas as

outras questotildees relativas a direitos fundamentais eacute vedado ao Judiciaacuterio comportamento

semelhante101

O modelo Neozelandecircs assim como os demais que adotam uma forma

fraca de revisatildeo judicial das leis eacute considerado por alguns estudiosos como dialoacutegico por

natildeo ser a interpretaccedilatildeo judicial considerada conclusiva ou definitiva mas sim

possibilitadora de uma interaccedilatildeo legislativa pois por meio do poder de interpretaccedilatildeo

atribuiacutedo ao Judiciaacuterio o legislativo se sentiria constgrangido a adotar medidas favoraacuteveis a

proteccedilatildeo de direitos evitando uma futura incompatibilidade das leis com o NZBORA

1321 Criacuteticas ao modelo neozelandecircs

A principal criacutetica ao modelo neozelandecircs reside na duacutevida se o mesmo

pode ser caracterizado como um judicial review perante a evidecircncia da supremacia

parlamentar e da falta de possibilidade do Judiciaacuterio de sequer emitir uma declaraccedilatildeo de

incompatibilidade das leis sugerindo assim a ausecircncia de uma forma concreta de controle

judicial

O que se percebe da anaacutelise desse sistema eacute que o mesmo apesar de ter

favorecido a implementaccedilatildeo de uma cultura de proteccedilatildeo de direitos fundamentais na Nova

Zelacircndia por meio da adoccedilatildeo do NZBORA e da previsatildeo do mandado interpretativo que de

alguma forma influencia o Parlamento a editar leis compatiacuteveis com a declaraccedilatildeo

restringindo o antes ilitimidado poder de criaccedilatildeo deste oacutergatildeo natildeo haacute como se falar

concretamente na existecircncia de um ldquodiaacutelogo institucionalrdquo

Apesar de alguns doutrinadores otimistas apontarem a praacutetica do

mandado interpretativo na experiecircncia neozelandesa como uma forma de diaacutelogo entre os

101 Eacute necessaacuterio que esclarecer que muito tem sido discutido sobre a possibilidade de uma emissatildeo formal de

declaraccedilatildeo de incompatibilidade pelo Judiciaacuterio no sistema Neozelandecircs Haacute estudiosos que defendam a

necessidade de uma mudanccedila legislativa nesse sentido todavia os entendimentos jurisprudencias mais recentes

indicam que as perspectivas para a adoccedilatildeo dessa possibilidade formal ainda satildeo precaacuterias Ver GINSBURG

Claudia On a Road to Nowhere Implied Declarations of Inconsistency and the New Zeland Bill of Rights

Victoria University of Wellington Law Review 40 613-47 2009

86

poderes existem muitas criacuteticas a tal afirmaccedilatildeo sob o argumento de que o que haacute na

realidade eacute total a prevalecircncia do Poder Legislativo

O NZBORA emerge como um documento de caraacuteter essencialmente

interpretativo baseado em uma implementaccedilatildeo parlamentar Essa caracteriacutestica

interpretativa apesar de reforccedilada pela abordagem judicial ainda estaacute muito ligada a

supremacia parlamentar pronfudamente enraizada no constitucionalismo neozelacircndes e a

essa forma de envolvimento Parlamento natildeo pode nem na melhor das hipoacuteteses ser vista

como uma forma de diaacutelogo (HIEBERT KELLY 2015)

A falta de mecanismos formais ao alcance do Judiciaacuterio para poder

declarar a incompatibilidade de uma medida legislativa com a declaraccedilatildeo de direitos reduz

em grande escala a possibilidade da ocorrecircncia de um diaacutelogo entre os poderes poliacuteticos

Nesse sentido Geiringer (2009 p 647-647) aduz que a experiecircncia

Neozelandesa demonstra que a maioria dos juiacutezes natildeo se sentem confortaacuteveis quando

colocados a exercer o papel de criacuteticos do legislativo justamente pela arraigada cultura

parlamentar presente neste modelo e que a melhor e mais raacutepida forma de mudar essa

mentalidade seria por meio da atribuiccedilatildeo de uma poder formal para declarar a inconsistecircncia

das leis

Sendo assim a possibilidade de um efetivo diaacutelogo entre os Poderes

dentro do sistema da Nova Zelacircndia na forma em que hoje se afigura eacute escassa e limitada

jaacute que a supremacia parlamentar ainda eacute muito forte e evidente

87

CAPIacuteTULO 3 ndash AS TEORIAS DIALOacuteGICAS NO SISTEMA DE JURSIDICcedilAtildeO

CONSTITUCIONAL BRASILEIRO UMA POSSIBILIDADE

Da exposiccedilatildeo feita no capiacutetulo anterior podemos concluir que natildeo haacute

uma forma preacute definida para a ocorrecircncia do diaacutelogo podendo ele se manifestar por meio

das mais diversas praacuteticas e sob perspectivas teoacutericas diferentes a depender da cultura

histoacuterica e poliacutetica do paiacutes em que estaacute inserido

Apesar de ser um tema ainda pouco explorado pela doutrina brasileira

que ainda se centra primordialmente nos estudos das teorias interpretativas nos parece

importante verificar se haacute a possibilidade da aplicaccedilatildeo das teorias dialoacutegicas no Brasil mais

ainda se podemos identificar algum indiacutecio da sua praacutetica nos julgados do STF

Por isso na sequecircncia se buscaraacute por meio da anaacutelise de alguns casos

concretos constatar como e em que medida os diaacutelogos institucionais se manifestam no

sistema brasileiro a fim de revelar quais os traccedilos das teorias dialoacutegicas presentes nesse

sistema

Oportunamente se esclarece que os casos selecionados para anaacutelise satildeo

resultado do controle concentrado de constitucionalidade quando o Supremo Tribunal

Federal exerce seu papel de guardiatildeo da constituiccedilatildeo102 Fez-se essa opccedilatildeo por ser este tipo

de controle o ponto de maior relevacircncia e confronto entre a atuaccedilatildeo do STF e sua relaccedilatildeo

com o Legislativo pois eacute onde haacute uma anaacutelise judicial direta e abstrata da atuaccedilatildeo legislativa

que daacute origem a uma decisatildeo judicial com efeitos erga omnes

A anaacutelise de casos ocorridos no acircmbito do controle concentrado de

constitucionalidade torna-se ainda mais interessante do que a de casos derivados do controle

difuso se levarmos em conta que neste uacuteltimo a reaccedilatildeo legislativa eacute disciplinada pela proacutepria

Constituiccedilatildeo Federal por meio do inciso X do artigo 52 que atribui ao Senado a

competecircncia para suspender a execuccedilatildeo de lei declarada inconstitucional natildeo havendo

102 O art 102 da Constituiccedilatildeo Federal Brasileira atribui expressamente ao STF o papel de guardiatildeo da

Constiticcedilatildeo cabendo-lhe julgar originariamente accedilatildeo direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo

federal ou estadual e a accedilatildeo declaratoacuteria de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal

88

portanto grandes controveacutersias a esse respeito103

Deve ser esclarecido ainda que apesar de no capiacutetulo anterior ter-se

feito referecircncia as teorias que prescrevem a realizaccedilatildeo de um diaacutelogo social no presente

capiacutetulo a anaacutelise se centraraacute apenas em casos onde os atores participantes do processo de

interpretaccedilatildeo constitucional satildeo os poderes institucionalizados excluindo-se os casos onde

se fala na inclusatildeo da sociedade Destaca-se isso porque hoje a realizaccedilatildeo de audiecircncias

puacuteblicas e a convocaccedilatildeo de ldquoamigos da corterdquo durante o processo constitucional tem sido

uma praacutetica comum poreacutem complexa utilizada pelo Supremo Tribunal brasileiro104

Portanto entende-se que seria temeraacuterio invocar aqui casos envolvendo

esses mecanismos populares sem trataacute-los com a devida profundidade dando atenccedilatildeo a todos

os aspectos controversos que a anaacutelise requer Por esses motivos a anaacutelise centra-se apenas

casos onde figuram como atores o Poder Legislativo e o Poder Judiciaacuterio

Ressalta-se que o objetivo do estudo natildeo eacute analisar de forma exaustiva

a jurisprudecircncia brasileira ateacute mesmo porque para tanto seria necessaacuterio um trabalho

dedicado inteiramente agrave esse objetivo Pretende-se verificar e ilustrar como as teorias

dialoacutegicas podem ser encontradas na praacutetica brasileira por meio de importantes julgados

proferidos pelo Supremo Tribunal Federal identificando os elementos dialoacutegicos neles

presentes e as correspondentes teorias

Para fazer a anaacutelise dos casos e identificar seus aspectos dialoacutegicos seraacute

utilizado como base aleacutem das teorias expostas no capiacutetulo anterior a descriccedilatildeo de diaacutelogo

convencional proposta por Tushnet (2012 p 3-13) a qual se estrutura da seguinte forma

1ordm O legislador promulga uma lei rarr 2ordm o estatuto enfrenta um desafio

no Tribunal Constitucional rarr 3ordm O Tribunal invalida o estatuto rarr 4ordm o Tribunal na decisatildeo

103 Necessaacuterio destacar eu haacute uma divergecircncia na doutrina brasileira acerca da discricionariedade do poder

atribuiacutedo ao Senado por forccedila do art 52 X da CF88 Nos filiamos a doutrina minoritaacuteria segundo a qual o

Senado possui a faculdade de suspender a lei e natildeo a obrigaccedilatildeo jaacute que a decisatildeo judicial exarada no exerciacutecio

do controle de constitucionalidade disfuso possui efetios inter partes Sob essa loacutegica pode-se enxergar tal

previsatildeo constitucional como um mecanismo dialoacutegico pois natildeo deixa ser um instrumento de reaccedilatildeo legislativa

agrave decisatildeo judicial que complementa o controle judicial e de certa forma estendendo os efeitos da sua decisatildeo

104 Exemplo emblemaacutetico dessa praacutetica eacute a ADI 3510 onde foi apreciada a inconstitucionalidade da Lei de

Bioseguranccedila em especial no tocante a possibilidade de pesquisas utilizando ceacutelulas tronco e o STF

reconhecendo a complexidade do tema convou a realizaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas onde forma ouvidas vaacuterias

entidadas organizadas da sociedade civil e a particiaccedilatildeo de diversas pessoas na qualidade de ldquoamigos da corterdquo

para compartilhar conhecimento teacutecnico que o Tribunal assumir natildeo possuir para julgar o caso

89

indica algumas formas especiacuteficas em que o estatuto eacute incompatiacutevel com a Constituiccedilatildeo ou

oferece a melhor interpretaccedilatildeo das disposiccedilotildees constitucionais rarr 5ordm O legislativo responde

revendo o estatuto e corrigindo as deficiecircncias apontadas pelo Tribunal ou reedita o estatuto

sem alteraccedilotildees rarr 6ordm O estatuto eacute novamente desafiado rarr 7ordm O Tribunal lida com o desafio

e se abre para um novo debate defendendo o estatuto ou verifica se as modificaccedilotildees do

estatuto foram suficientes para torna-lo compatiacutevel ou estatildeo aqueacutem e ensejam uma nova

invalidaccedilatildeo

Ou ainda 1ordm A Constituiccedilatildeo impotildee ao legislador o dever de legislar

sobre um toacutepico especiacutefico rarr 2ordm O Tribunal identifica falhas na atuaccedilatildeo legislativa

entendendo que a mesma eacute insuficiente para satisfazer o seu dever ou verifica a ausecircncia de

atuaccedilatildeo rarr 3ordm indica ao legislativo as falhas ou a omissao exigindo a tomada de medidas no

sentido de cumprir o seu dever constitucional

Dito isso passa-se a anaacutelise dos casos concretos

14 Julgamento da accedilatildeo direta de inconstitucionalidade nordm 2797df ndash a suacutemula

394 do STF e a lei nordm 106282002

a) Breve resumo do caso

A antiga Suacutemula105 394 do STF editada em 3 de abril de 1964 a qual

dispunha que cometido o crime durante o exerciacutecio funcional prevalece a competecircncia

especial por prerrogativa de funccedilatildeo ainda que o inqueacuterito ou a accedilatildeo penal sejam iniciados

apoacutes a cessaccedilatildeo daquele exerciacutecio foi cancelada por unanimidade em sessatildeo plenaacuteria da

Corte realizada em 30042007

Os argumentos para o cancelamento do referido verbete giraram

basicamente em torno da defesa de que a prerrogativa de foro visa garantir o exerciacutecio do

105 A Suacutemula eacute um instituto juriacutedico muito presente no Direito brasileiro que consiste em um verbete que

registra a interpretaccedilatildeo paciacutefica ou majoritaacuteria de um determinado Tribunal a partir do julgamento de variados

casos concretos a fim de tornar puacuteblico a sociedade o seu entendimento e promover uma uniformizaccedilatildeo das

decisotildees judiciais Em regra natildeo possui efeito vinculante servindo apenas de diretriz poreacutem quando for votada

e aprovada pelo STF por pelo menos 23 do plenaacuterio se torna um entendimento obrigatoacuterio a ser observado

por todos os outros Tribunais e juiacutezes bem como pelos entes da Admnistraccedilatildeo Puacuteblica conforme determina o

Artigo 103-A da Constituiccedilatildeo Federal de 1988

90

cargo e natildeo o seu ocupante sendo assim uma vez que o indiacuteviduo deixa o cargo natildeo deve

fazer jus ao privileacutegio eis que o mesmo eacute inerente ao cargo e natildeo um direito subjetivo assim

atribuir o privileacutegio quando jaacute natildeo mais haacute o exerciacutecio da funccedilatildeo violaria o princiacutepio da

igualdade

Foi entatildeo consolidado pela Corte o entendimento de que deixando o

cargo definitivamente independentemente do motivo o ex-titular natildeo teraacute direito a processo

e julgamento em oacutergatildeo jurisdicional distinto daquele que teria qualquer outro cidadatildeo

Apesar da sedimentaccedilatildeo desse entendimento no acircmbito do STF em

dezembro de 2002 foi promulgada a Lei nordm 106282002 que alterou o artigo 84 do Coacutedigo

de Processo Penal brasileiro para inserir o sect1ordm com a seguinte redaccedilatildeo ldquoa competecircncia

especial por prerrogativa de funccedilatildeo relativa a atos administrativos do agente prevalece

ainda que o inqueacuterito ou a accedilatildeo judicial sejam iniciados apoacutes a cessaccedilatildeo do exerciacutecio da

funccedilatildeo puacuteblicardquo

Foi arguida a inconstitucionalidade do mencionado dispostivo legal por

meio de accedilatildeo direta de inconstitucionalidade proposta pela Associaccedilatildeo Nacional dos

Membros do Ministeacuterio Puacuteblico ndash CONAMP Ao fim do julgamento foi declarada a

inconstitucionalidade material e formal da lei essa uacuteltima com base no argumento de que

uma lei ordinaacuteria natildeo poderia vir a superar uma interpretaccedilatildeo constitucional jaacute realizada pelo

Supremo

Os aspectos relevantes do caso para a anaacutelise pretendida residem

justamente na tentativa do Legislativo de superar uma interpretaccedilatildeo constitucional jaacute

consolidada pela Suprema Corte e natildeo tanto no meacuterito relativo a constitucionalidade

material da norma

O caso eacute emblemaacutetico no cenaacuterio brasileiro por ter despertado um

interessante debate acerca da possibilidade de reaccedilatildeo legislativa a uma interpretaccedilatildeo

constitucional proferida pelo STF o que em muito contribui para a nossa anaacutelise sobre a

possibilidade de um diaacutelogo institucional no sistema brasileiro

Passa-se entatildeo a exposiccedilatildeo das importantes variaacuteveis do debate de

acordo com os votos proferidos pelos Ministros na ocasiatildeo do julgamento

91

b) Debate acerca da possibilidade de reediccedilatildeo de uma lei anteriormente declarada

inconstitucional pelo STF

O relator do caso Ministro Sepuacutelveda Pertence em seu voto o qual foi

seguido pela maioria iniciou a fundamentaccedilatildeo da inconstitucionalidade do dispostivo legal

sob anaacutelise naquela ocasiatildeo afirmando que o mesmo constitui evidente reaccedilatildeo legislativa ao

cancelamento da Suacutemula 394 Destacou que a redaccedilatildeo legal se aproxima substancialmente

da que foi proposta em seu voto vencido pela maioria na ocasiatildeo da deliberaccedilatildeo sobre o

cancelamento do verbete

Afirmou que o cancelamento da Suacutemula decorreu de interpretaccedilatildeo

direta e exclusiva da Contituiccedilatildeo e natildeo pela inexistecircncia de lei ordinaacuteria que o regulasse

Diante disso formulou entatildeo a seguinte indagaccedilatildeo lei ordinaacuteria eacute instrumento normativo

apto agrave alterar jurisprudecircncia assente do STF fundada em interpretaccedilatildeo direta e exclusiva da

Constituiccedilatildeo

Argumentou construindo uma resposta negativa agrave indagaccedilatildeo embora

reconhecendo que as decisotildees da Corte em sede de controle concentrado natildeo vinculam o

Poder Legislativo mas tatildeo somente os demais oacutergatildeos do Judiciaacuterio e o Poder Executivo

Assim concluiu que a ediccedilatildeo de uma lei no sentido contraacuterio de uma decisatildeo do Tribunal

natildeo infere necessariamente um descumprimento dessa decisatildeo estando o Legislativo livre

para agir nesse sentido todavia a medida editada seraacute inevitavelmente considerada

inconstitucional a menos que a Corte recue em seu posicionamento anterior sobre o assunto

Neste ponto o Ministro propocircs uma reflexatildeo diferenciando a

inconstitucionalidade material e formal da lei No seu entender se a lei reeditada pretender

impor com seu objeto imediato uma interpretaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo ela seraacute eivada de uma

inconstitucionalidade formal pois uma lei de hierarquia inferior natildeo pode ditar a

interpretaccedilatildeo de uma norma hierarquicamente superior

Poreacutem quando a lei editada pelo legislativo for de conteuacutedo similar ao

de uma outra jaacute declarada inconstitucional deveraacute ser feita anaacutelise acerca da

inconstitucionalidade material pois a Corte natildeo estaacute vinculada ao seu entendimento anterior

podendo mudar de opiniatildeo sobre o assunto em um novo debate

92

Neste sentido merece destaque o seguinte trecho do voto

ldquoAdmitir pudesse a lei ordinaacuteria inverter a leitura pelo Supremo Tribunal

da Constituiccedilatildeo seria dizer que a interpretaccedilatildeo constitucional da Corte

estaria sujeita ao referendo do legislador ou seja que a Constituiccedilatildeo ndash

como entendida pelo oacutergatildeo que ela proacutepria erigiu em guarda da sua

supremacia ndash soacute constituiria a Lei Suprema na medida da inteligecircncia que

lhe desse outro oacutergatildeo constituiacutedo o legislador ordinaacuterio ao contraacuterio

submetido aos seus ditamesrdquo

O Ministro Eros Grau em voto divergente discordou do entendimento

traccedilado no voto do relator no aspecto da inadmissibilidade da interpretaccedilatildeo constitucional

por lei ordinaacuteria afirmando que todo ato legislativo em alguma medida envolve a

interpretaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo por parte de quem legisla

Concluiu pela inexistecircncia de inconstitucionalidade formal da Lei nordm 10

62802 com base no fundamento de que o Poder Legislativo natildeo fica vinculado por um

dever de natildeo legislar em razatildeo da Corte ter conferido alguma interpretaccedilatildeo constitucional

Sendo entatildeo admissiacutevel que o Legislativo reedite uma lei contraacuteria a interpretaccedilatildeo

constitucional jaacute proferido pelo STF todavia esta lei fatalmente sucumbiraacute agrave anaacutelise da

inconstitucionalidade material jaacute que a uacuteltima palavra deveraacute ser dada pela Corte

O Ministro Gilmar Mendes acompanhou a divergecircncia lanccedilando

argumentos diferentes que enriqueceram o debate os quais satildeo de grande importacircncia para

a anaacutelise que se faraacute s na sequecircncia razatildeo pela qual transcreve-se aqui alguns dos principais

trechos

(hellip) Penso que natildeo eacute possiacutevel admitir que o legislador ordinaacuterio tenha a

sua liberdade totalmente tolhida pelas declaraccedilotildees de constitucionalidade

ou inconstitucionalidade do Tribunal Eacute adequado e prudente inclusive

que tais atos legislativos sejam apreciados a partir de um dado contexto

institucional

Eacute de se ressaltar que se de um lado a Constituiccedilatildeo atribui a este Supremo

Tribunal Federal a tarefa de guarda da integridade da ordem juriacutedico-

constitucional de outro eacute assente que o seu texto esta sujeito a uma

sociedade aberta de inteacuterpretes (HARBELE Peter Hermenecircutica

Constitucional A Sociedade aberta dos inteacuterpretes da Constituiccedilatildeo

93

contribuiccedilatildeo para a interpretaccedilatildeo pluralista e ldquoprocedimentalrdquo da

Constituiccedilatildeo Trad Gilmar Ferreira Mendes Porto Alegre Sergio Antonio

Fabris 1997) os quais podem de acordo com as alteraccedilotildees histoacuterico-

culturais exercer alternativas plurais de interpretaccedilatildeo

(hellip)

Natildeo eacute possiacutevel presumir portanto a inconstitucionalidade dos dispositivos

atacados simplesmente porque eles contrariam a ldquouacuteltima palavrardquo

conferida pelo Supremo Tribunal Federal sobre o tema Que pretendo

ressaltar pelo contraacuterio eacute o fato de que se o legislador federal (re)incide

cria ou regula essa mateacuteria constitucional de modo inteiramente diverso o

ldquodiaacutelogordquo o debate institucional deve continuar

Os demais ministros seguiram o voto do relator sem acrescentar grandes

argumentos ao debate Desta feita restou consignada no julgado a inconstitucionalidade da

lei

c) Anaacutelise do caso pelo prisma das Teorias do Diaacutelogo Institucional

Inicialmente merece ser pontuado que como destacado no voto do

Ministro Relator a lei da qual foi apreciada a constitucionalidade pelo STF trata-se de

expressa reaccedilatildeo legislativa a interpretaccedilatildeo constitucional anteriormente proferida

Como viu-se no capiacutetulo anterior para alguns estudiosos como Peter

Hogg e Allisson Bushell a simples possibilidade de reaccedilatildeo legislativa agrave decisatildeo judicial

resultante do controle de constitucionalidade deve ser considerada como uma praacutetica

dialoacutegica

Nessa perspectiva pode-se dizer que o STF apesar de ter considerado a

inconstitucionalidade da lei natildeo descartou a possibilidade da reaccedilatildeo legislativa agrave sua decisatildeo

preteacuterita admitindo que a mesma natildeo vincula a atuaccedilatildeo legislativa o que demonstra a

existecircncia de um espaccedilo para a possibilidade do diaacutelogo no sistema brasileiro ainda que este

em muito se diferencie estruturalmente do sistema Canadense o qual foi o objeto de estudo

desses Autores

Aplicando a descriccedilatildeo dialoacutegica proposta por Tushnet pode-se dizer que

o caso enquadra-se no conceito de diaacutelogo pois o legislador pretendeu a modificaccedilatildeo do

94

entendimento da Corte por meio da ediccedilatildeo de um estatuto legal com objeto semelhante ao

de uma Suacutemula jaacute cancelada - praacutetica que pode ser comparada a ldquoin your face responserdquo

comum no sistema canadense106- e o Tribunal enfrentou a questatildeo por meio de um novo

debate poreacutem permaneceu firme no seu entendimento anterior

Portanto em que pese a Constituiccedilatildeo Federal brasileira natildeo trazer

expressamente em seu texto a previsatildeo de um mecanismo especiacutefico que possibilite ao

legislativo superar uma decisatildeo do Supremo Tribunal Federal107 proferida no acircmbito do

controle concentrado de constitucionalidade o fato de as decisotildees do Supremo nesta espeacutecie

de controle de constitucionalidade natildeo vincularem o Poder Legislativo108 possibilitam ou

pelo menos natildeo impedem a reediccedilatildeo de uma norma jaacute consagrada inconstitucional

Sendo assim pode-se afirmar que apesar do Brasil adotar um modelo forte

de controle de constitucionalidade e a Constituiccedilatildeo Federal conceder expressamente a

guarda da Constituiccedilatildeo ao Supremo Tribunal Federal a possibilidade de um diaacutelogo

institucional com o Poder Legislativo ndash sob a perspectiva de algumas teorias dialoacutegicas ndash

natildeo eacute algo impensaacutevel

Importante frisar a questatildeo da adoccedilatildeo de um sistema forte de controle

de constitucionalidade jaacute que conforme lecionado por Tushnet (2009) esses sistemas seriam

menos propiacutecios ao diaacutelogo jaacute que seus mecanismos de modificaccedilatildeo da decisatildeo judicial

seriam mais difiacutecies e demorados como a Emenda Constitucional por exemplo Contudo

no presente caso vecirc-se que essa possibilidade pode ocorrer por meio de lei ordinaacuteria e de

forma relativamente ceacutelere se considerado que entre a revogaccedilatildeo da Suacutemula 394 e a ediccedilatildeo

da lei se passaram apenas dois anos

106 Ver toacutepico 1012 107 Apenas a tiacutetulo de conhecimento entendemos necessaacuterio mencionar que no ano de 2011 foi proposto um

Projeto de Emenda a Constituiccedilatildeo conhecido como PEC 33 o qual pretendia modificar o enunciado do artigo

102 da CF para alterar a quantidade miacutenima de votos de membros de tribunais para declaraccedilatildeo de

inconstitucionalidade das leis condicionar o efeito vinculante de suacutemulas aprovadas pelo STF agrave aprovaccedilatildeo

pelo Poder Legislativo e submeter ao Congresso Nacional as decisotildees sobre inconstitucionalidade de Emendas

agrave Constituiccedilatildeo As alteraccedilotildees pretendidas com o prejeto especialemente as duas uacuteltimas que alargam a

competecircncia do Legislativo sugerem a introduccedilatildeo de um modelo de controle de constitucionalidade

semelhante ao weak form A PEC foi arquivada no dia 31012015 com o fim da legislatura em que foi proposta

nos termos do art 105 do regimento interno da Cacircmara dos Deputados

108 O paraacutegrafo uacutenico do artigo 28 da Lei nordm 9 868 de 10 de novembro de 1999 dispotildee que a declaraccedilatildeo de

constitucionalidade ou de inconstitucionalidade inclusive a interpretaccedilatildeo conforme a Constituiccedilatildeo e a

declaraccedilatildeo parcial de inconstitucionalidade sem reduccedilatildeo de texto tecircm eficaacutecia contra todos e efeito vinculante

em relaccedilatildeo aos oacutergatildeos do Poder Judiciaacuterio e agrave Administraccedilatildeo Puacuteblica federal estadual e municipal natildeo

incluindo nesse rol o Poder Legislativo

95

Pois bem da leitura do item b) acima percebe-se uma divergecircncia de

opiniatildeo dentro da proacutepria Corte a respeito do tema alguns ministros a maioria deles

adotaram um pensamento mais conservador e defensor da supremacia judicial no sentido de

considerar a reaccedilatildeo legislativa abusiva Outros principalmente o ministro Gilmar Mendes

optaram por um posicionamento mais tendente ao diaacutelogo reconhecendo a importacircncia de

uma postura mais aberta do Judiciaacuterio nesse sentido

Apesar do voto vencedor ter concluiacutedo pela inconstitucionalidade

formal da lei a anaacutelise do meacuterito natildeo deixou de ocorrer Todos os ministros engajaram-se a

debater o tema tratado pela lei e pela antiga Suacutemula novamente reacendendo o debate dois

anos depois Em que pese o entendimento da Corte ter permanecido o mesmo deve-se

reconhecer os benefiacutecios da reediccedilatildeo da lei no sentido de possibilitar um ldquosegundo olharrdquo

sobre o tema

Nesse aspecto do caso percebe-se a ideia desenvolvida por Kent

Roach109 ndash a qual se enquadra no grupo das teorias de princiacutepios juriacutedicos ndash em que a decisatildeo

judicial deve ser considerada como o iacutenicio do debate o qual prossegue mediante a resposta

legislativa por meio da ediccedilatildeo de leis ordinaacuterias reativas agrave essa decisatildeo e que assim

possibilitam que o tema volte a ser debatido pelo Judiciaacuterio e tambeacutem pelo Legislativo

Para o autor a devoluccedilatildeo do debate ao Judiciaacuterio por meio da resposta

legislativa eacute uma forma mais desejaacutevel de atuaccedilatildeo do legislador ao inveacutes da ou total

deferecircncia agraves decisotildees judiciais ou ainda da superaccedilatildeo da decisatildeo e imposiccedilatildeo do seu

entendimento como o sistema canadense possibilitar com a claacuteusula 33 Todavia tambeacutem

atenta para o lado negativo dessa praacutetica como jaacute se viu anteriormente

O caso traduz exatamente as criacuteticas dirigidas agrave essa teoria e sua

respectiva praacutetica pois viu-se que o legislativo pode simplesmente reeditar uma norma jaacute

considerada inconstitucional sem no entanto se preocupar em justificar a sua escolha

tampouco demonstrar a necessidade da medida mas apenas repetindo o conteuacutedo tal e qual

ao da norma anterior contrariando a expectativa de uma melhor e mais responsaacutevel atuaccedilatildeo

Eacute necessaacuterio perceber tambeacutem a postura ativista da Corte tendo em

vista que o entendimento que prevaleceu nesse caso foi pela impossibilidade de reediccedilatildeo de

109 Ver tambeacutem aleacutem das obras jaacute anteriormente citadas ROACH Kent Constitutional and Common Law

Dialogues between the Supreme Court and Canadian Legislatures Canadian Bar Review p 481-533 2001

96

uma norma jaacute declarada inconstitucional com uma clara intenccedilatildeo de preservar e rearfirmar

o seu poder110 o que evidencia mais uma dificuldade praacutetica da aplicaccedilatildeo das teorias dos

princiacutepios juriacutedicos dependentes da boa disposiccedilatildeo do Judiciaacuterio para abertura do debate e

ateacute para uma eventual deferecircncia agrave escolha legislativa

Em todo caso fato eacute que natildeo se pode considerar que no presente caso

houve um diaacutelogo sob o ponto de vista material concluindo consequentemente que as

teorias dialoacutegicas dos princiacutepios juriacutedicos na praacutetica natildeo se revelam apropriadas para a sua

consecuccedilatildeo Todavia vislumbra-se a tentativa de uma resposta legislativa ao protagonismo

Judicial que pode sob o ponto de vista formal ser considerada como um diaacutelogo

principalmente por ter levado o tema a ser debatido novamente pela Corte apesar da sua

postura mais conservadora conforme propotildee Tushnet111

Essa reaccedilatildeo legislativa ao contraacuterio do que pode parecer em um

primeiro momento natildeo eacute algo tatildeo raro no sistema brasileiro e pode ser encontrada tambeacutem

em diversos outros casos como veraacute na sequecircncia

15 Julgamento da accedilatildeo direta de inconstitucionalidade nordm 4543DF e a lei

131652015

a) Breve resumo do caso

Na Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade nordm 4543DF proposta pela

Procuradoria Geral da Repuacuteblica o Supremo Tribunal apreciou a incompatibilidade do artigo

5ordm da Lei 120342009 com o caput do artigo 14 da Constituiccedilatildeo Federal brasileira que

assegura o voto direto e secreto

O supracitado dispositivo legal previa a criaccedilatildeo do voto impresso a

partir do processo eleitoral de 2014 e possuiacutea a seguinte redaccedilatildeo

5o Fica criado a partir das eleiccedilotildees de 2014 inclusive o voto impresso

110 Neste sentido Barroso (2009) destaca que o primeiro impulso natural do poder eacute a auto-conservaccedilatildeo sendo

intuitivo que os representantes do poder em suas relaccedilotildees entre si ou com outros aotres poliacuteticos sejam eles

institucionais ou sociais procure demarcar e preservar seu espaccedilo de atuaccedilatildeo e sua autoridade

111 Ver toacutepicos 1012 1013 e 1014 que abordam as teorias dialoacutegicas de princiacutepios juriacutedicos sua

concretizaccedilatildeo no sistema canadense e respetivas criacuteticas

97

conferido pelo eleitor garantido o total sigilo do voto e observadas as

seguintes regras

sect 1o A maacutequina de votar exibiraacute para o eleitor primeiramente as telas

referentes agraves eleiccedilotildees proporcionais em seguida as referentes agraves eleiccedilotildees

majoritaacuterias finalmente o voto completo para conferecircncia visual do eleitor

e confirmaccedilatildeo final do voto

sect 2o Apoacutes a confirmaccedilatildeo final do voto pelo eleitor a urna eletrocircnica

imprimiraacute um nuacutemero uacutenico de identificaccedilatildeo do voto associado agrave sua proacutepria

assinatura digital

sect 3o O voto deveraacute ser depositado de forma automaacutetica sem contato

manual do eleitor em local previamente lacrado (grifou-se)

sect 4o Apoacutes o fim da votaccedilatildeo a Justiccedila Eleitoral realizaraacute em audiecircncia

puacuteblica auditoria independente do software mediante o sorteio de 2 (dois

por cento) das urnas eletrocircnicas de cada Zona Eleitoral respeitado o limite

miacutenimo de 3 (trecircs) maacutequinas por municiacutepio que deveratildeo ter seus votos em

papel contados e comparados com os resultados apresentados pelo

respectivo boletim de urna

sect 5o Eacute permitido o uso de identificaccedilatildeo do eleitor por sua biometria ou pela

digitaccedilatildeo do seu nome ou nuacutemero de eleitor desde que a maacutequina de

identificar natildeo tenha nenhuma conexatildeo com a urna eletrocircnica

O Supremo considerou a lei inconstitucional com base em diversos

argumentos alegando resumidamente que a criaccedilatildeo do voto impresso representaria um

retrocesso para o sistema eleitoral brasileiro que atualmente conta com um moderno e

eficiente aparato de votaccedilatildeo eletrocircnica e seria uma ameaccedila ao sigilo garantido

constitucionalmente afirmando a proibiccedilatildeo de qualquer tipo de identificaccedilatildeo do eleitor no

exerciacutecio do voto ou no proacuteprio voto

A accedilatildeo foi julgada procedente por unanimidade nos termos do voto do

Ministro Relator poreacutem eacute interessante destacar o voto do Ministro Luiacutes Roberto Barroso o

qual aduziu expressamente a importacircncia de que o Judiciaacuterio conserve uma postura de

humildade institucional sendo deferente agraves escolhas poliacuteticas do Legislador que natildeo sejam

claramente irrazoaacuteveis Em resposta o Ministro Luiz Fux afirmou que muito embora

98

concorde com a deferecircncia que deve ser dada ao Legislativo em certos casos eacute preciso que

o Supremo exerccedila a funccedilatildeo contramajoritaacuteria ou seja contra a Casa do Povo principalmente

naquelas hipoacuteteses em que haacute uma ameaccedila a direito fundamental

Pouco mais de um ano apoacutes o referido julgamento o Legislativo

promulgou a Lei nordm 131652015 conhecida como ldquolei da minireforma eleitoralrdquo por

introduzir significativas alteraccedilotildees ao Coacutedigo Eleitoral a qual em seu artigo 2ordm deu nova

redaccedilatildeo ao Artigo 59-A do referido Coacutedigo nos seguintes termos

Art 59-A No processo de votaccedilatildeo eletrocircnica a urna imprimiraacute o

registro de cada voto que seraacute depositado de forma automaacutetica e sem

contato manual do eleitor em local previamente lacrado (grifou-se)

Paraacutegrafo uacutenico O processo de votaccedilatildeo natildeo seraacute concluiacutedo ateacute que o

eleitor confirme a correspondecircncia entre o teor de seu voto e o registro

impresso e exibido pela urna eletrocircnica

Da simples leitura do dispositivo acima percebe-se que o que o

Legislativo fez foi reeditar uma norma com igual objeto ao da anteriormente declarada

inconstitucional pela Corte Entretanto algumas alteraccedilotildees no texto satildeo notoacuterias sobretudo

no tocante a retirada da previsatildeo de um nuacutemero uacutenico de identificaccedilatildeo do voto associado agrave

proacutepria assinatura digital e da auditoria pela Justiccedila Eleitoral

Percebe-se entatildeo mais uma vez a ocorrecircncia de uma reaccedilatildeo legislativa

por meio da ediccedilatildeo de lei ordinaacuteria tendo em vista o desacordo do legislador com o

entendimento proferido pela Corte

b) Anaacutelise do caso pelo prisma das Teorias do Diaacutelogo Institucional

Observa-se claramente no presente caso a possibilidade concreta do

Legislativo brasileiro reeditar uma norma de igual objeto e com redaccedilatildeo semelhante e igual

objeto de outra jaacute declarada inconstitucional pelo STF

O caso eacute similar ao antes descrito poreacutem naquele a norma anterior que

estava sendo reeditada natildeo era uma lei ordinaacuteria criada pelo legislativo mas sim uma Suacutemula

editada pela proacutepria Corte Neste caso jaacute se nota duas normas editadas pelo mesmo oacutergatildeo

99

com o mesmo objeto e em um lapso temporal relativamente curto a primeira jaacute considerada

inconstitucional e a segunda ateacute o momento vaacutelida

Se observar-se o caso pela vertente do conteuacutedo daquelas teorias

dialoacutegicas que consideram a reediccedilatildeo de norma idecircntica como uma forma de diaacutelogo chegar-

se-aacute a conclusatildeo que esse pode ser mais um exemplo de diaacutelogo no seu sentido formal assim

como o narrado acima

O caso encaixa-se perfeitamente na descriccedilatildeo convencional de diaacutelogo

sintetizada por Tushnet eis que respeita a execuccedilatildeo de todos os passos descritos pelo autor

todavia conceber a resposta legislativa neste caso como uma forma de diaacutelogo pode ser

considerado como algo positivo ou natildeo a depender do ponto de vista adotado

Pode-se considerar a reaccedilatildeo legislativa tanto como uma afronta agrave

decisatildeo judicial na tentativa de manter uma legislaccedilatildeo flagrantemente inconstitucional em

vigor protegendo seus proacuteprios interesses poliacuteticos ou podemos interpretar a reaccedilatildeo

legislativa tambeacutem como uma manifestaccedilatildeo de deferecircncia agrave decisatildeo judicial sendo uma

revisatildeo da lei anterior

Menciona-se isso porque natildeo se pode ignorar o fato de o texto da

segunda lei ser muito mais sucinto que o da primeira sobretudo por ter sido retirada da sua

redaccedilatildeo alguns aspectos especiacuteficos que foram impugnados pelo Supremo Nesse aspecto

se adotada uma visatildeo positiva poder-se-ia dizer que o resultado esperado pelos defensores

dessa praacutetica foi atingido ocasionando uma atuaccedilatildeo mais responsaacutevel do Legislativo o qual

teria levado em conta as observaccedilotildees do Judiciaacuterio para a elaboraccedilatildeo de uma medida mais

satisfatoacuteria que a anterior

Se observada a reaccedilatildeo legislativa sob esse entendimento poder-se-aacute

dizer que houve no presente caso - conforme o sentido empregado por Tremblay (2000) -

uma ldquoconversardquo entre entre Judiciaacuterio e Legislativo que resultou em uma medida legislativa

criada mediante o compartilhamento das visotildees de ambos os Poderes

Entretanto eacute necessaacuterio destacar que a intenccedilatildeo do Legislativo natildeo resta

clara pois ao mesmo tempo que modificou em alguns aspectos o texto anteriormente

editado tambeacutem manteve o seu principal objeto o qual jaacute havia sido flagrantemente

considerado inconstitucional pela Corte

100

Dessa forma ao mesmo tempo em que se pode vislumbrar a ocorrecircncia

de um diaacutelogo tambeacutem se pode encarar o tipo de resposta legislativa dada neste caso como

uma atuaccedilatildeo abusiva a qual natildeo poderaacute ser entendida como dialoacutegica

Essa ambiguidade demonstra que nem toda forma de resposta

legislativa deve ser encarada sob o ponto de vista dialoacutegico sob pena de enfraquecimento

das proacuteprias teorias dialoacutegicas do esvaziamento do seu potencial Eacute nesse aspecto que a

descriccedilatildeo convencional de diaacutelogo apresenta falha

O que o diaacutelogo institucional - entendido na sua melhor forma -

preceitua natildeo eacute uma imposiccedilatildeo de pontos de vista muito menos a simples deferecircncia de um

Poder para com o outro mas sim uma efetiva troca de argumentos por isso eacute preciso que

haja uma anaacutelise qualitativa das respostas legislativas para soacute assim poder enquadraacute-las

como uma manifestaccedilatildeo dialoacutegica e natildeo apenas considerar que o simples fato da sua

possibilidade existir jaacute eacute uma evidecircncia de diaacutelogo (PETTER 2007)

Como jaacute analisado anteriormente em toacutepico especiacutefico a metodologia

de diaacutelogo que verificamos nos dois casos expostos ateacute aqui eacute alvo de muitas criacuteticas poreacutem

tambeacutem possui alguns aspectos postivos que natildeo podem ser desconsiderados os quais ficam

melhor evidenciados por meio da anaacutelise do caso que a seguir seraacute exposto

16 Julgamento da accedilatildeo direta de inconstitucionalide nordm 3772DF ndash a suacutemula 726

do STF e a lei nordm 113012006

a) Breve resumo do caso

Trata-se da anaacutelise da constitucionalidade da Lei nordm 113012006 que

alargou o conceito de funccedilotildees de Magisteacuterio para efeitos de aplicaccedilatildeo do paraacutegrafo 5ordm do

artigo 40 e do paraacutegrafo 8ordm do artigo 201 da CF88 mediante Accedilatildeo Direta de

Constitucionalidade proposta pelo Procurador Geral da Repuacuteblica

Em suma o que a lei questionada apresentou foi uma introduccedilatildeo de um

paraacutegrafo segundo na Lei nordm 93941996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo Nacional)

com a seguinte redaccedilatildeo ldquoPara os efeitos do disposto no sect 5ordm do art 40 e no sect 8o do art 201

da Constituiccedilatildeo Federal satildeo consideradas funccedilotildees de magisteacuterio as exercidas por professores

e especialistas em educaccedilatildeo no desempenho de atividades educativas quando exercidas em

101

estabelecimento de educaccedilatildeo baacutesica em seus diversos niacuteveis e modalidades incluiacutedas aleacutem

do exerciacutecio da docecircncia as de direccedilatildeo de unidade escolar e as de coordenaccedilatildeo e

assessoramento pedagoacutegicordquo

Os respectivos dispositivos constitucionais tratam da aposentadoria

especial para professores prevendo uma reduccedilatildeo do tempo de serviccedilo exigido para tanto

Sobre esse aspecto o STF jaacute havia editado a Suacutemula 726 com a seguinte redaccedilatildeo para efeito

de aposentadoria especial de professores natildeo se computa o tempo de serviccedilo prestado fora

da sala de aula

O referido verbete foi resultado do julgamento da ADI 2253 onde ao

interpretar a Constituiccedilatildeo o Supremo Tribunal firmou o entendimento de que as funccedilotildees de

magisteacuterio referidas pela Carta Magna seriam apenas as da proacutepria atividade fim do

professor ou seja definiu a docecircncia como atividade exclusiva de sala de aula

Desta forma mais uma vez o Legislativo editou lei contraacuteria agrave

interpretaccedilatildeo constitucional jaacute exarada e sumulada pela Corte Contudo nessa ocasiatildeo o

resultado praacutetico foi diferente dos verificados nos casos acima

Primeiro natildeo houve debate acerca da possibilidade da ediccedilatildeo de uma

lei contraacuteria a decisatildeo jaacute proferida pelo STF mas sim uma mudanccedila no entendimento

anteriormente traccedilado apoacutes um intenso debate sobre o assunto

Poderia o Supremo Tribunal ter declarado a inconstitucionalidade da

norma sem muita dificuldade bastava manter o posicionamento anterior relativo a

impossibilidade de alargamento do benefiacutecio da aposentadoria especial aos profissionais

ldquoespecialistas em educaccedilatildeordquo entretanto optou por modificar seu entendimento parcialmente

e adaptaacute-lo para julgar a accedilatildeo parcialmente procedente mantendo a validade da lei e traccedilando

a correta interpretaccedilatildeo da mesma nos seguintes termos

I ndash A funccedilatildeo de magisteacuterio natildeo se circunscreve apenas ao trabalho em sala

de aula abrangendo tambeacutem a preparaccedilatildeo de aulas a correccedilatildeo de provas

o atendimento aos pais e alunos o assessoramento pedagoacutegico e ainda a

direccedilatildeo de unidade escolar

II ndash As funccedilotildees de direccedilatildeo coordenaccedilatildeo e assessoramento pedagoacutegico

integram a carreira de magisteacuterio desde que exercidos em

estabelecimentos de ensino baacutesico por professores de carreira excluiacutedos

102

os especialistas em educaccedilatildeo fazendo jus aqueles que as desempenham ao

regime especial de aposentadoria estabelecido nos sect 5ordm do art 40 e no sect

8o do art 201 da Constituiccedilatildeo Federal

b) Anaacutelise do caso pelo prisma das Teorias do Diaacutelogo Institucional

Vecirc-se no presente caso um posicionamento da Corte totalmente

contraacuterio ao demonstrado anteriormente Aqui o STF admitiu a superaccedilatildeo da sua decisatildeo por

lei ordinaacuteria esforccedilando-se ainda para traccedilar um entendimento compatiacutevel da lei com a

Constituiccedilatildeo quando poderia tecirc-la simplesmente anulado

Neste caso constata-se o benefiacutecio da praacutetica legislativa que mesmo

ciente do entendimento jaacute fixado pelo Judiciaacuterio forccedilou a reediccedilatildeo da lei como forma de

levantar novamente o debate acerca do tema o qual resultou positivo no tocante a efetivaccedilatildeo

de direito fundamental ampliando o rol de beneficiados com a aposentadoria especial dos

professores

Percebe-se neste ponto que o resultado beneacutefico esperado da praacutetica

das teorias dialoacutegicas dos princiacutepios juriacutedicos pautadas em uma articulaccedilatildeo legislativa no

sentido de propiciar um novo debate sobre determinado tema por meio da ediccedilatildeo de uma lei

ordinaacuteria eacute possiacutevel todavia fica claro que para que haja esse efeito positivo eacute necessaacuteria

uma abertura da Corte uma aceitaccedilatildeo ao novo enfrentamento e possibilidade de modificaccedilatildeo

do antigo posicionamento

O caso revela portanto uma importante criacutetica das teorias dialoacutegicas

nenhuma delas prevecirc uma forma de diaacutelogo que na praacutetica deva e possa ocorrer independente

da vontade das institiuiccedilotildees No mesmo sentido a descriccedilatildeo convencional de diaacutelogo exposta

por Tushnet para que resulte positiva necessita da vontade poliacutetica dos agentes

Por outro lado mais uma vez percebe-se que mesmo natildeo havendo no

sistema brasileiro qualquer previsatildeo expressa de um mecanismo estrutural dialoacutegico esse

diaacutelogo pode ocorrer como fruto do proacuteprio princiacutepio da separaccedilatildeo de poderes evidenciando

assim o que preceituam as teorias de construccedilatildeo coordenada jaacute tratadas no toacutepico 101 ou

seja que o diaacutelogo pode se materializar mesmo em um sistema onde haacute uma supremacia

judicial expressa pela proacutepria Constituiccedilatildeo

103

Mediante a leitura do presente caso percebe-se ainda que as respostas

proferidas no acircmbito da interpretaccedilatildeo constitucional estatildeo sujeitas agrave constantes mudanccedilas

que natildeo haacute uma resposta definitiva sendo entatildeo importante a interaccedilatildeo entre os Poderes

justamente para possbilitar a construccedilatildeo de novas respostas condizentes com a realidade e

mais aceitaacuteveis no seio social conforme a ideia do diaacutelogo institucional pressupotildee

Neste sentido revela-se a pertinecircncia dos ensinamentos de Waldron da

necessidade de um modelo de controle judicial das leis onde natildeo haja invariavelmente a

predominacircncia do Judiciaacuterio sendo necessaacuterio o debate acerca das questotildees constitucionais

mais complexas e natildeo a simples prevalecircncia do entendimento judicial112

Outro ponto do caso que merece destaque eacute a praacutetica da ldquointerpretaccedilatildeo

conformerdquo utilizada pelo Supremo Vecirc-se que houve uma busca por uma interpreteccedilatildeo

compatiacutevel com a Constituiccedilatildeo a fim de manter a validade da medida editada pelo

Legislativo poreacutem com uma relativa alteraccedilatildeo do sentido orginal conferido pelo legislador

Nesse aspecto a teacutecnica decisoacuteria utilizada pela Corte se assemelha ao

mandado interpretativo presente em alguns ordenamentos como jaacute abordou-se113 onde o

Judiciaacuterio possui o dever de buscar uma interpretaccedilatildeo legal compatiacutevel com o Bill of Rights

O que as difere em suma eacute o fato de que o Tribunal brasileiro natildeo

possui a ldquoobrigaccedilatildeordquo de dar uma intepretaccedilatildeo conforme a Constituiccedilatildeo podendo declarar a

lei inconstitucional e proceder a sua consequente invalidaccedilatildeo quando entender que natildeo eacute

possiacutevel adequar a interpretaccedilatildeo aos preceitos constitucionais ao contraacuterio do que ocorre no

Reino Unido e Nova Zelacircndia onde o Judiciaacuterio natildeo pode anular a lei quando natildeo conseguir

vislumbrar nenhuma interpretaccedilatildeo harmonizaacutevel com a Constituiccedilatildeo

Dito isso percebe-se que nesse caso natildeo houve uma simples deferecircncia

do Judiciaacuterio ao ato legislativo havendo a reinvenccedilatildeo do debate com a adoccedilatildeo de novos

posicionamentos buscando o Tribunal natildeo apenas a simples invalidaccedilatildeo do dispositivo legal

mas sim se esforccedilando para encontrar a sua melhor interpretaccedilatildeo de acordo com os preceitos

constitucionais preservando a norma editada pelo legislador

Sob esse ponto de vista essa praacutetica interpretativa pode ser vista como

112 Sobre os ensinamentos do autor leia-se toacutepico 4 113 Ver toacutepico 13

104

dialoacutegica eis que houve uma reaccedilatildeo legislativa agrave decisatildeo judicial inicial um novo debate a

modificaccedilatildeo do entendimento pelo Judiciaacuterio que resultou na manutenccedilatildeo da nova lei com

um sentido em conformidade com os preceitos constitucionais

Tushnet ao detalhar a descriccedilatildeo convencional de diaacutelogo menciona a

possibilidade de o Judiciaacuterio de defender o estatuto legal compatibilizando-o com as normas

constitucionais Nessa perspectiva a interpretaccedilatildeo conforme pode ser vista como uma

medida de defesa da lei da sua soberania e respeito a atuaccedilatildeo do Legislativo

Na oacutetica dos diaacutelogos pode-se dizer que houve um ldquodebaterdquo entre o

Legislativo e Judiciaacuterio provocado por meio das decisotildees judiciais e reediccedilatildeo da medida

legislativa com a sua subsequente anaacutelise judicial

Estatildeo presentes portanto todos os passos da descriccedilatildeo de diaacutelogo

elaborada por Tushnet Entretanto deve-se ressaltar que ao mesmo tempo que a postura

judicial nesse caso pode ser considerada como dialoacutegica pois admitiu a nova medida

legislativa mesmo que contraacuteria ao seu posicionamento tambeacutem pode ser considerada uma

conduta ativista eis que modificou o sentido original que o Legislador pretendeu conferir a

lei Sobre esta praacutetica eacute necessaacuterio observar alguns aspectos especiacuteficos

O princiacutepio da interpretaccedilatildeo conforme a Constituiccedilatildeo possui

unicamente a funccedilatildeo de operar como meacutetodo ldquocomplementarrdquo de interpretaccedilatildeo face a outros

criteacuterios ou meacutetodos interpretativos limita-se a ldquodesenvolverrdquo e ldquocomplementarrdquo as regras

de hermenecircutica apresenta-se basicamente como um postulado inserido num processo de

controle de normas (QUEIROZ 2010)

Eacute no domiacutenio do controle de constitucionalidade que este princiacutepio

ganha mais autonomia antes de declarar uma lei inconstitucional o juiz ou juiacutezes

encarregados do controle tecircm o dever de em via interpretativa buscar um sentido que ainda

estribado no seu enunciado linguiacutestico e ainda respeitador do texto constitucional permita

salvar a mesma (URBANO 2010 p 414)

Todavia o problema deste postulado estaacute na sua aplicaccedilatildeo pelo

Supremo Tribunal Federal que muitas vezes usa dessa justificativa para legitimar uma

postura extremamente ativista e violadora do princiacutepio da separaccedilatildeo de poderes

extrapolando os limites de sua competecircncia e reduzindo significativamente a margem de

atuaccedilatildeo do legislador e podendo ainda falsear a sua vontade original

105

Portanto para que se possa encarar essa praacutetica como beneacutefica e sob o

ponto de vista dialoacutegico eacute necessaacuterio que ela seja limitada a interpretaccedilatildeo proferida pelo

Tribunal ainda tem que ter alguma sustentaccedilatildeo no texto original tem que ser uma

interpretaccedilatildeo plausiacutevel (URBANO 2014 p 417)

Apesar disso eacute possiacutevel avistar uma deliberaccedilatildeo entre os Poderes

sugerindo a concretizaccedilatildeo de um diaacutelogo mais proacuteximo ao ideal esperadoentretanto natildeo se

deve afirmar que houve a concretizaccedilatildeo de um diaacutelogo material como a teoria idealiza mas

acredita-se que essa eacute a praacutetica mais proacutexima do mesmo dentre as jaacute analisadas ateacute aqui

poreacutem a mesma tambeacutem apresenta falhas e alguns riscos

17 Julgamento da accedilatildeo direta de inconstitucionalidade por omissatildeo nordm

3382MT

a) Breve resumo do caso

A Assembleacuteia Legislativa do Estado de Mato Grosso propocircs Accedilatildeo

Direta de Inconstitucionalidade questionando a inatividade do legislador quanto ao dever de

elaborar lei complementar a que se refere o sect4ordm do artigo 18 da Constituiccedilatildeo Federal

O referido dispostivo constitucional dispotildee que a criaccedilatildeo a

incorporaccedilatildeo a fusatildeo e o desmembramento de Municiacutepios far-se-atildeo por lei estadual dentro

do periacuteodo determinado por Lei Complementar Federal e dependeratildeo de consulta preacutevia

mediante plebiscito agraves populaccedilotildees dos Municiacutepios envolvidos apoacutes divulgaccedilatildeo dos Estudos

de Viabilidade Municipal apresentados e publicados na forma da lei Ou seja impotildee ao

legislador o dever de editar lei complementar para definiccedilatildeo do prazo

A redaccedilatildeo do dispositivo foi dada pela Emenda Constitucional nordm

151996114 e a accedilatildeo foi julgada procedente em 2007 O STF entendeu que o legislador

encontrava-se em mora haacute mais de dez anos descumprindo o seu dever constitucional de

legislar considerando portanto a omissatildeo inconstitucional e determinando um prazo de 18

meses para suprir a omissatildeo

114 Antes da EC 151996 qualquer alteraccedilatildeo dos entes federativos municipais era feita por um processo simples

atraveacutes de lei estadual assim a emenda constitucional visou na realidade dificultar essas alteraccedilotildees

106

Diversas accedilotildees tambeacutem foram propostas questionando a criaccedilatildeo de

alguns municiacutepios mesma na ausecircncia da lei115 o STF julgou as respectivas leis estaduais

que os criam inconstitucionais poreacutem sem declarar a sua nulidade modulando os efeitos da

decisatildeo no sentido de garantir a validade da lei por um periacuteodo de vinte e quatro meses

tempo superior ao que fixou para que o Legislativo sanasse a omissatildeo portanto

Relevante destacar que no acoacuterdatildeo a Corte ponderou que a ineacutercia

legislativa acabou dando ensejo agrave consolidaccedilatildeo e conformaccedilatildeo de estados de

inconstitucionalidade que natildeo podem ser ignorados pelo legislador na elaboraccedilatildeo da lei

complementar determinando assim que quando da ediccedilatildeo da lei o Legislativo contemplasse

as situaccedilotildees imperfeitas decorrentes desse estado de inconstitucionalidade gerado pela sua

omissatildeo esclarecendo ainda que o prazo de dezoito meses natildeo se trata de uma imposiccedilatildeo de

limite temporal para atuaccedilatildeo legislativa mas apenas da fixaccedilatildeo de um paracircmetro razoaacutevel

A resposta legislativa veio por meio da ediccedilatildeo da Emenda

Constitucional nordm 572008 a qual convalidou os atos de criaccedilatildeo fusatildeo incorporaccedilatildeo e

desmembramento de municiacutepios cuja lei tenha sido publicada ateacute 31 de dezembro de 2006

atendidos os requisitos estabelecidos na legislaccedilatildeo do respectivo Estado agrave eacutepoca de sua

criaccedilatildeo

Dessa forma o Legislativo cumpriu com a determinaccedilatildeo do STF

relativa ao tratamento das imperfeiccedilotildees geradas pela sua omissatildeo propondo a respectiva

soluccedilatildeo Entretanto no tocante a ediccedilatildeo da lei complementar para a fixaccedilatildeo do prazo exigido

pelo dispositivo constitucional haacute um embate contiacutenuo com o Poder Executivo

A primeira tentativa de legislar sobre o assunto ocorreu com o Projeto

de Lei do Senado Federal ndash PLS nordm 982002 o qual foi objeto de veto poliacutetico do Executivo

sob o argumento de contrariedade ao interesse puacuteblico A segunda tentativa se deu pelo PLS

nordm 1042014 o qual tambeacutem foi vetado pelo Executivo com base no mesmo argumento e haacute

uma terceira tentativa ainda em tramitaccedilatildeo que eacute o PLS nordm 1992015

As razotildees que levaram o Executivo a barrar a promulgaccedilatildeo da lei foram

de ordem orccedilamentaacuteria jaacute que a criaccedilatildeo de novos entes federativos representaria o aumento

das despesas com a estrutura da administraccedilatildeo puacuteblica razotildees essas expressas na Mensagem

115 Ver ADI 2240BA ADI 3316MT ADI 3489SC ADI 3689PA

107

nordm 505 de 12 de dezembro de 2013116 emitida pela Presidente da Repuacuteblica na ocasiatildeo do

veto

A questatildeo ainda estaacute pendente de regulamentaccedilatildeo mesmo apoacutes o

esgotamento do prazo fixado pelo STF todavia natildeo por falta de iniciativa do Legislativo

como se pode ver mas sim por contrariar os interesses do Executivo que por isso vem

dificultando a promulgaccedilatildeo da medida

b) Anaacutelise do caso pelo prisma das Teorias do Diaacutelogo Institucional

No caso narrado encontram-se diferentes pormenores que podem

indicar a presenccedila de teorias dialoacutegicas na praacutetica brasileira sendo assim far-se-aacute a anaacutelise

pontual de cada um

O STF ao realizar o controle de constitucionalidade da omissatildeo

legislativa neste caso considerou a falta de accedilatildeo do legislador como uma conduta

incompatiacutevel com o seu dever constitucional de legislar e determinou um prazo para que

suprisse essa omissatildeo Neste aspecto se evidencia a ideia do Judiciaacuterio como ente

propiciador do diaacutelogo provocando o Legislativo a agir por intermeacutedio da decisatildeo judicial

extamente como alguns teoacutericos sugerem

Como abordou-se no toacutepico 82 a decisatildeo que emana do controle de

constitucionalidade da omissatildeo legislativa pode ser considerada como um mecanismo

diaacutelogico por si soacute sob o ponto de vista das teorias dialoacutegicas centradas no processo A

mesma tambeacutem eacute facilmente enquadrada na concepeccedilatildeo convencional descrita por Tsuhnet

No caso em anaacutelise pode-se ainda identifcar a presenccedila da concepccedilatildeo

dialoacutegica desenvolvida por Dixon segundo a qual o Judiciaacuterio deve agir no sentido de

superar a ineacutercia do Legislativo poreacutem sem comprometer a sua liberdade de conformaccedilatildeo117

Ou seja no presente caso verifica-se a presenccedila das teorias fundadas no meacutetodo judicial onde

o Judiciaacuterio atua como o ente propiciador do diaacutelogo o qual ocorre dentro da proacutepria decisatildeo

judicial

Seguindo essa linha de raciociacutenio eacute possiacutevel notar que o proacuteprio STF

116 Iacutentegra disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrccivil_03_Ato2011-20142013MsgVetVET-505htm

117 Falamos mais especificamente dos ensinamentos de Dixon no toacutepico 9

108

ao pronunciar que o prazo fixado na decisatildeo natildeo objetiva estabeler um limite temporal para

condicionar a accedilatildeo legislativa mas tatildeo somente uma estipulaccedilatildeo de lapso temporal razoaacutevel

preocupou-se em deixar clara a necessidade de manutenccedilatildeo de certa liberdade de atuaccedilatildeo

daquele Poder

Todavia por outro acircngulo o Tribunal determinou que o Legislativo

quando fosse suprir a omissatildeo e regular a mateacuteria a fim de cumprir o seu dever

constitucional necessariamente cuidasse das situaccedilotildees imperfeitas ocasionadas pelo seu

estado de ineacutercia Neste particular encontra-se presente na praacutetica a teoria do

aconselhamento118 onde o Judiciaacuterio profere um direcionamento agrave atuaccedilatildeo do Legislativo

Neste caso o aconselhamento foi realizado de uma forma contida o

Supremo indicou a necessidade de soluccedilatildeo das questotildees mas natildeo determinou como e quais

as medidas a serem adotadas deixando a escolha a cargo do Legislativo Neste ponto a

conduta do Judiciaacuterio merece ser observada sob o aspecto positivo das teorias do

aconselhamento o qual reside na busca de evitar futuros problemas constitucionais por meio

da orientaccedilatildeo do Legislativo por meio de decisotildees judiciais

Nota-se que ao mesmo tempo em que o STF controla a sua atividade no

sentido de natildeo comprometer a liberdade do legislador ao fixar o prazo para a sua atuaccedilatildeo

entende necessaacuterio traccedilar algumas diretrizes para a superaccedilatildeo da inconstitucionalidade

constatada Neste caso em particular como se disse a atuaccedilatildeo do Judiciaacuterio foi de certa

forma contida poreacutem a praacutetica reflete a procedecircncia das principais criacuteticas dirigidas agrave essa

forma de diaacutelogo a qual para sua materializaccedilatildeo depende fortemente da consciecircncia e

vontade do Judiciaacuterio

Outro aspecto relevante que tambeacutem pode ser entendido como parte da

trama dialoacutegica presente no caso diz respeito a modulaccedilatildeo temporal dos efeitos da decisatildeo

quando da apreciaccedilatildeo da constitucionalidade das leis dos muniacutecipios que jaacute haviam sido

criados

O STF poderia simplesmente ter deixado os efeitos de nulidade da

declaraccedilatildeo de inconstitucionalidade se perpetuarem poreacutem tendo em mente os prejuiacutezos

que isso poderia acarretar optou por estabelecer efeitos pro futuro permitindo ao Legislativo

118 Ver toacutepico 81

109

a resoluccedilatildeo do problema por uma via menos danosa

A modulaccedilatildeo dos efeitos temporais da sentenccedila tambeacutem eacute uma praacutetica

que se coaduna com as teorias dialoacutegicas fundadas no meacutetodo judicial conforme jaacute se falou

no toacutepico 822 pois por meio dela o Judiciaacuterio condiciona os efeitos praacuteticos da sua decisatildeo

dando a oportunidade ao legislativo de corrigir ou reeditar a lei assim dode-se dizer que por

intermeacutedio dela o Judiciaacuterio instiga o legislador ao diaacutelogo

No tocante a resposta legislativa presente neste caso incialmente vale

destacar que a mesma se deu em um intervalo de tempo razoaacutevel e que o Legislativo buscou

acatar a orientaccedilatildeo da Corte todavia foi impedido de fazecirc-lo em sua completude pelos

interesses do Executivo o que acaba por retratar bem na praacutetica mais uma das dificuldades

da consolidaccedilatildeo das teorias dialoacutegicas

Pelo exposto depreende-se que o sistema brasileiro natildeo eacute alheio agraves

teorias dialoacutegicas pelo contraacuterio muitas delas estatildeo presentes em seu cotidiano A expressa

supremacia judicial e falta de familiariedade com um sistema parlamentar ndash que inicialmente

poderiam gerar duacutevidas quanto a possibilidade do diaacutelogo ndash natildeo se traduzem portanto em

uma impossibilidade completa de aplicaccedilatildeo das teorias dialoacutegicas agrave realidade brasileira

Por oacutebvio as suas manifestaccedilotildees praacuteticas satildeo peculiares e fortemente

influenciadas pela cultura e histoacuteria do paiacutes uma democracia recente e com um Legislativo

que enfrenta grande crise de representatividade o que faz com que em regra o entendimento

que prevaleccedila seja o do Judiciaacuterio

Ainda assim constata-se uma inclinaccedilatildeo do Legislativo para reagir agraves

decisotildees judiciais e natildeo simplesmente acataacute-las em sinal de uma total deferecircncia agrave um

entendimento superior Os ganhos e as perdas dessa reaccedilatildeo iratildeo depender do caso concreto

dos interesses que estatildeo em jogo podendo ser uma praacutetica temeraacuteria ou positiva como jaacute

verificou-se ao longo desse trabalho

18 Diaacutelogo institucional siacutentese dos aspectos controversos e algumas

consideraccedilotildees acerca da sua consecuccedilatildeo praacutetica

De todo o exposto ateacute aqui resta-no os seguintes questionamentos

110

Pode-se considerar o diaacutelogo institucional como uma possibilidade praacutetica viaacutevel Essa

praacutetica tem de fato o condatildeo de dirimir os conflitos relativos a legitimidade democraacutetica do

judicial review Pode ser considerado como um instrumento de combate ao ativismo judicial

ou seria mais uma forma de dissimulaccedilatildeo desse fenocircmeno

Apresentar respostas exatas a essas questotildees utlrapassa a pretensatildeo

deste trabalho ateacute mesmo porque se reconhece que natildeo haacute apenas uma via de conclusatildeo para

as mesmas em virtude da complexidade que elas envolvem Contudo objetiva-se fazer uma

reflexatildeo acerca desses questionamentos como resultado do presente trabalho de forma a

contribuir para o incremento do debate acadecircmico

No que diz respeito agrave resoluccedilatildeo dos conflitos ligados agrave legitimidade

democraacutetica do judicial review acredita-se que esta praacutetica estaacute longe de apresentar uma

soluccedilatildeo definitiva sendo um tanto pretenciosa nesse sentido pois como jaacute tratado no toacutepico

4 a discussatildeo relativa a dificuldade democraacutetica do judicial review eacute algo que lhe acompanha

a contar do seu surgimento desde sempre os estudiosos tentam justificar baseados em um

tradicional conjunto de argumentos as razotildees pelas quais juiacutezes natildeo eleitos pelo povo podem

e devem realizar um controle dos atos do legislativo com poder para declarar a sua

inconstitucionalidade e tambeacutem anulaacute-los

Natildeo se quer com isso dizer que natildeo haacute uma soluccedilatildeo para o conflito mas

sim que as teorias dialoacutegicas ao mesmo tempo que buscam e propotildeem uma soluccedilatildeo quando

materializadas na praacutetica natildeo eliminam totalmente alguns dos velhos problemas

Como viu-se a promessa da teoria dos diaacutelogos institucionais eacute

proporcionar um reequiliacutebrio entre os Poderes reconhecendo a importacircncia e competecircncias

especiacuteficas de cada um no acircmbito da jurisdiccedilatildeo constitucional sugerindo uma atuaccedilatildeo

conjunta mediante verdadeira deliberaccedilatildeo entre os braccedilos do Poder para chegar em um

consenso que seja melhor para a sociedade proporcionando assim um resultado mais eficaz

e duradouro

Do ponto de vista teoacuterico a ideia parece suficiente para solucionar o

problema principalmente nas concepccedilotildees dialoacutegicas desenvolvidas por Hiebert119 e

Bateup120 que ideliazam a realizaccedilatildeo de um diaacutelogo material sem a predominacircncia de

119 Ver toacutepico 11 que trata da teoria da parceria

120 Ver toacutepico 12 que trata da fusatildeo dialoacutegica

111

nenhum dos poderes mas sim de uma verdadeira atuaccedilatildeo conjunta

Poreacutem da anaacutelise dos exemplos praacuteticos de cada teoria e da aplicaccedilatildeo

das mesmas nos casos concretos no sistema brasileiro eacute faacutecil concluir que o exerciacutecio da

jurisdiccedilatildeo constitucional na grande maioria das vezes para natildeo dizer em todas elas resultaraacute

na prevalecircncia do entendimento de um dos atores envolvidos por vezes seraacute o Legislativo o

protagonista e por outras o Judiciaacuterio Apesar de todos os esforccedilos teoacutericos a praacutetica revela

que sempre haveraacute uma uacuteltima palavra o que eacute algo inerente ao proacuteprio sistema de revisatildeo

constitucional das leis

Acredita-se portanto que natildeo se deve desconsiderar a real existecircncia

de uma uacuteltima palavra jaacute que ela sempre iraacute existir mas sim enxergaacute-la e estimular que ela

seja ldquoprovisoacuteriardquo no sentindo de que pode ser constantemente reformulada e alterada

mediante a interaccedilatildeo entre os Poderes por meio do aprofundamento do debate e maior

possibilidade de troca de argumentos buscando sempre o melhor entendimento no acircmbito

da interpretaccedilatildeo constitucional

A existecircncia da uacuteltima palavra portanto deve estar relacionada a

preponderacircncia e maior efetividade dos direitos fundamentais e natildeo necessariamente

atrelada a prevalecircncia uniforme do entendimento de um uacutenico braccedilo do Poder Esse eacute o

principal contributo a ser extraiacutedo das teorias dialoacutegicas no tocante a resoluccedilatildeo da disputa

entre o Poder Judiciaacuterio e o Poder Legislativo pela uacuteltima palavra na seara constitucional

Em contrapartida observa-se que apesar das teorias dialoacutegicas

proclamarem a realizaccedilatildeo de um controle das leis realizado em conjunto nenhuma delas

prescreve uma forma de diaacutelogo que seja concomitante com o processo de tomada de

decisatildeo de forma que a mesma seja proferida com o comum acordo de ambos os Poderes

O que vecirc-se eacute que as formas de diaacutelogo prescritas pelas teorias estudadas se referem mais agrave

possibilidade de superaccedilatildeo de um ato jaacute concretizado seja pelo Judiciaacuterio ou pelo

Legislativo do que verdadeiramente a construccedilatildeo de uma decisatildeo comum

Asssim esse eacute o primeiro aspecto que entende-se que deve ser

desmistificado pois percebe-se que a ideia de uma ldquodecisatildeo conjuntardquo de uma deliberaccedilatildeo

antes da tomada de decisatildeo e consequentemente a concretizaccedilatildeo de um diaacutelogo no sentido

que a doutrina descreve como material na praacutetica eacute quase que inviaacutevel

Assim acertada eacute a proposiccedilatildeo de Aharaon Barak (2008 p16) de que

112

a tensatildeo entre o Judiciaacuterio e os outros ramos do Poder eacute algo natural e ateacute desejaacutevel pois se

todas as regras e decisotildees proferidas pelos Tribunais forem aceitas com tranquilidade pelos

outros Poderes eacute sinal que este natildeo estaacute cumprindo corretamente com a sua funccedilatildeo na

democaria

O Autor ressalta que junto agrave essa tensatildeo haacute tambeacutem um constante

diaacutelogo entre o Judiciaacuterio e Legislativo o qual natildeo decorre de reuniotildees e debates entre eles

mas sim da realizaccedilatildeo por cada qual da sua respectiva funccedilatildeo constitucional (BARAK

2008 p 236)

Neste sentido eacute importante a constataccedilatildeo de que no Brasil um paiacutes com

um modelo forte de controle de constitucionalidade e onde a supremacia judicial eacute evidente

vez que a proacutepria Constituiccedilatildeo entitula como o detentor da uacuteltima palavra em mateacuteria

constitucional o Supremo Tribunal Federal nada impede que o Legislativo reaja ou ateacute

mesmo desafie as decisotildees proferidas pelo Judiciaacuterio no acircmbito do controle de

constitucionalidade

Assim percebe-se que ao contraacuterio do que muitos estudiosos

pressupotildeem a ideia de diaacutelogo natildeo estaacute necessariamente vinculada agrave um sistema fraco de

revisatildeo judicial das leis ou agrave uma total inexistecircncia de supremacia judicial podendo o

mesmo existir e ser conciliaacutevel mesmo nos sistemas mais riacutegidos

Portanto a ideia de diaacutelogo institucional natildeo extingue necessariamente

a supremacia judicial o que pode eacute mitigaacute-la em alguns casos impondo limites mais riacutegidos

a atuaccedilatildeo judicial justamente por meio da possibilidade de reaccedilatildeo legislativa

Com isso pode-se dizer que a forma mais viaacutevel de se entender o

diaacutelogo institucional eacute como algo decorrente da reformulaccedilatildeo do proacuteprio princiacutepio da

separaccedilatildeo de poderes segundo a qual cada ramo do Poder realiza uma funccedilatildeo que lhe eacute

proacutepria sem interferir na atuaccedilatildeo do outro Todavia essa atuaccedilatildeo natildeo deve ser estanque natildeo

existindo uma fronteira intransponiacutevel entre as atividades inerentes agrave cada um dos Poderes

Ou seja apesar de cada Poder ter de observar seus limites e respeitar a

atuaccedilatildeo dos outros devem compreender a necessidade de cooperaccedilatildeo e buscar uma atuaccedilatildeo

conjunta e complementar

Apesar disso a praacutetica nos revela que nem toda reaccedilatildeo legislativa deve

113

ser interpretada sob o ponto de vista dialoacutegico muitas vezes ela tambeacutem representaraacute mais

uma disputa de poder do que uma tentativa de debate ou de correccedilatildeo da decisatildeo judicial

Sendo assim entender toda e qualquer reaccedilatildeo legislativa como

dialoacutegica pode ser perigoso e temeraacuterio pois em muitos casos essa reaccedilatildeo pode significar

mais um disputa de poder do que necessariamente uma tentativa de debate Assim em

algumas situaccedilotildees o termo ldquodiaacutelogordquo pode natildeo ser propriamente a melhor forma de

caracterizar essas reaccedilotildees

Em muitos casos e exemplos concretos das teorias viu-se que haacute na

realidade mais uma ldquointeraccedilatildeordquo entre os Poderes do que necessariamente um ldquodiaacutelogordquo por

conseguinte a maioria das teorias dialoacutegicas na forma em que satildeo concebidas se revelam

muito otimistas pode-se dizer que ateacute um pouco romantizadas sob o ponto de vista praacutetico

Desta forma assim como as reaccedilotildees legislativas natildeo devem em sua

totalidade serem encaradas como uma praacutetica dialoacutegica o mesmo deve ser observado quanto

a conduta do Tribunal sendo este um ponto importante a ser observado

As teorias dos diaacutelogos institucionais inicialmente se apresentam

como uma forma de combate ao ativismo judicial entretanto quando analisamos algumas

das suas metodologias podemos ver que em muitos casos elas podem acabar servindo de

reforccedilo e ateacute incentivo de uma praacutetica ativista

Como jaacute foi dito o ativismo judicial se manifesta quando as decisotildees

da jurisdiccedilatildeo constitucional tomam uma densidade poliacutetica mais ampla passando a Corte a

natildeo mais apenas declarar normas inconstitucionais atuando como legislador negativo na

forma em que foi orginariamente pensada mas ao mesmo tempo comeccedila a exigir

determinadas posturas dos outros Poderes atuando como um legislador positivo (AGRA

2006)

Dessa forma algumas teacutecnicas dialoacutegicas de decisatildeo judicial podem

representar mais uma dissimulaccedilatildeo ou camuflagem do ativismo do que o seu verdadeiro

combate jaacute que alimentam uma conduta proacute-ativa do Judiciaacuterio no sentido de provocar o

Legislativo aconselhaacute-lo ou qualquer outra forma de tiraacute-lo da ineacutercia

Podem nessa perspectiva ser consideradas tanto como uma conduta

dialoacutegica como uma conduta ativista pois a linha divisoacuteria entre a simples instigaccedilatildeo e a

114

interferecircncia no poder de atuaccedilatildeo do Legislativo eacute muito tecircnue

Por isso natildeo se pode afirmar com certeza que as teorias dialoacutegicas

servem de combate ao ativismo judicial jaacute que muitas vezes podem servir de fundamento

para o Judiciaacuterio justificar decisotildees que extrapolam seu acircmbito de atuaccedilatildeo e adentram na

esfera do Legislativo Portanto eacute essencial prestar atenccedilatildeo na forma com que o Judiciaacuterio eacute

incentivado a agir como um propiciador do diaacutelogo sem perder de vista a existecircncia de

limites agrave essa praacutetica

Apesar disso natildeo se pode desconsiderar que em muitos casos ainda

que o Judiciaacuterio ao exercer o seu papel proposto pelas teorias diaacutelogicas acabe incorrendo

em uma praacutetica ativista o resultado obtido pode ser beneacutefico como vimos por exemplo no

caso da Aacutefrica do Sul e ateacute mesmo no sistema brasileiro o que revela que nem sempre o

ativismo judicial deve ser visto como algo totalmente negativo121

No tocante a efetivaccedilatildeo do diaacutelogo no seu sentido material a proposta

de que a uacuteltima palavra seja fruto de um intenso e efetivo debate entre os atores participantes

do processo de interpretaccedilatildeo constitucional que seja construiacuteda de forma conjunta por eles

por intermedio de uma troca de argumentos para chegar a um consenso razoaacutevel e duraacutevel

no seio da sociedade natildeo se realiza com clareza em nenhuma das praacuteticas identificadas como

dialoacutegicas - pelo menos nas que temos conhecimento ateacute aqui

Por isso percebe-se que a ideia de concretizaccedilatildeo de um diaacutelogo material

estaacute muito distante de uma realidade palpaacutevel pois para que isso ocorra haacute a necessidade de

que todos os braccedilos do Poder estejam dispostos a entrar em um efetivo debate contribuindo

cada um com suas competecircncias teacutecnicas para a criaccedilatildeo de uma soluccedilatildeo conjunta

construindo decisotildees no acircmbito da jurisdiccedilatildeo constitucional mediante deliberaccedilatildeo de uma

concreta troca de argumentos o que nem sempre seraacute possiacutevel

Este fato revela que para que o diaacutelogo se concretize haacute muito mais a

necessidade de uma vontade poliacutetica das instituiccedilotildees do que necessarimente uma prescriccedilatildeo

normativa ou de uma redifiniccedilatildeo do desenho institucional por meio de modificaccedilotildees no texto

constitucional Portanto ao mesmo tempo que o diaacutelogo pode ocorrer em qualquer sistema

121 Aharon Barak destaca que nem sempre o ativismo judicial estaraacute ligado a intenccedilatildeo de expansatildeo do Poder

judicial muitas vezes ele pode ser necessaacuterio para a proteccedilatildeo dos direitos humanos e ainda pode ser a forma

do Judiciaacuterio lidar com o poder dos outros ramos poliacuteticos Ver BARAK Aharon The Judge in a Democracy

Princeton University Press 2008 pp 263-271)

115

de jurisdiccedilatildeo constitucional a sua efetividade tambeacutem seraacute diretamente influenciada pela

cultura poliacutetica e histoacuterica de cada paiacutes

Apesar da concretizaccedilatildeo do diaacutelogo no seu sentido material como

preleciona a melhor doutrina ser uma realidade um tanto distante natildeo se pode ignorar os

benefiacutecios do diaacutelogo formal que se manifesta nessas praacuteticas principalmente no que se

refere ao papel que exercem no sentido de provocar uma mudanccedila de mentalidade dos

proacuteprios entes detentores do Poder bem como no aumento da responsabilidade da sua

atuaccedilatildeo

Nessa linha de raciociacutenio Petter Andrew (2007 p167) afirma que o

apelo agraves teorias dialoacutegicas deriva mais do seu poder como uma metaacutefora do que da sua forccedila

como argumento pois ao retratar a revisatildeo judicial como contributiva para o envolvimento

deliberativo a metaacutefora do diaacutelogo reformula o papel dos juiacutezes que passam a ser vistos

como advogados de um processo democraacutetico natildeo como aacuterbitros dentro de um processo

autoritaacuterio

Apesar dos pontos controversos foram apontados a respeito da sua

praacutetica as teorias dialoacutegicas satildeo de grande valia para o desenvolvimento da justiccedila

constitucional significando a busca pela superaccedilatildeo dos problemas ligados a expansatildeo

desordenada do Poder Judiciaacuterio bem como a maior e mais eficaz efetivaccedilatildeo dos direitos

fundamentais como determina a nova ordem mundial

Pode-se dizer que ainda que as teorias possuam as suas dificuldades

praacuteticas elas direcionam os atores constitucionais para uma atuaccedilatildeo mais consciente

reforccedilam o seu papel institucional e apontam algumas das principais falhas dos sistemas

tradicionais de revisatildeo judicial Assim o diaacutelogo institucional deve ser visto como um ideal

a ser alcanccedilado atraveacutes do aperfeiccediloamento da sua praacutetica atual e sobretudo por meio do

reforccedilo do princiacutepio da separaccedilatildeo de poderes no acircmbito da jurisdiccedilatildeo constitucional

116

CONCLUSAtildeO

No decurso deste trabalho verificou-se como as mudanccedilas da sociedade

global implicaram a (re)definiccedilatildeo de um novo paradigma constitucional pautado em relaccedilotildees

de cooperaccedilatildeo o qual impocircs a busca por um novo modelo de jurisdiccedilatildeo constitucional

originaacuterio da expansatildeo do judicial review para os paiacuteses da Commonwealth

Viu-se que o ativismo judicial e a judicializaccedilatildeo da poliacutetica decorrentes

dessa expansatildeo passaram a ser vistos como patologias do sistema e acenturam novos debates

acerca da legitimidade democraacutetica do Poder Judiciaacuterio para realizar o controle de

constitucionalidade dos atos legislativos incentivando entatildeo a criaccedilatildeo de um sistema de

controle fraco de constitucionalidade originaacuterio do Canadaacute

Dentro desse contexto falou-se do surgimento da ideia de um diaacutelogo

institucional no acircmbito do controle de constitucionalidade e pautamos a diferenccedila entre

diaacutelogo material e diaacutelogo formal Apoacutes fez-se uma anaacutelise das teorias dialoacutegicas

explorando seus conceitos exemplos praacuteticos e principais pontos de criacutetica

Por intermeacutedio dessa investigaccedilatildeo percebe-se que nenhuma das teorias

consubstancia um modelo perfeito sob o ponto de vista praacutetico no sentindo de promover um

diaacutelogo verdadeiro assente em uma efetiva deliberaccedilatildeo entre os Poderes Para aleacutem disso

que alguns acabou-se por registrar que os conflitos relativos agrave legitimidade democraacutetica do

judicial review na praacutetica permanecem

Todavia constatou-se tambeacutem que as teorias dialoacutegicas satildeo valiosas

pois ao contraacuterio das conhecidas teorias interpretativas que buscam disciplinar qual a melhor

forma de os juiacutezes procederem agrave leitura constitucional estas buscam evidenciar o papel

institucional do Judiciaacuterio aliado ao reforccedilo da importacircncia da atividade legislativa visando

a produccedilatildeo de decisotildees no ambito da justiccedila constitucional que natildeo sejam fruto de um

ldquomonoacutelogordquo mas sim da interaccedilatildeo institucional

Concluiacute-se entatildeo que o potencial das teorias dialoacutegicas consiste

justamente na estimulaccedilatildeo da busca por melhores padrotildees de interaccedilatildeo entre os Poderes

sendo todas elas de uma importacircncia iacutempar por tentarem evidenciar como deveria funcionar

um desenho institucional ideal no acircmbito da interpretaccedilatildeo constitucional e controle das leis

117

reforccedilando o papel de cada braccedilo do Poder nessa empreitada conforme suas proacuteprias funccedilotildees

e capacidades

Os resultados dete trabalho natildeo satildeo portanto uma resposta exata

tampouco definitiva aos atuais problemas efrentados pela jurisdiccedilatildeo constitucional mas

servem de ponto de partida para uma reflexatildeo sobre os pontos positivos e negativos das mais

modernos teorias sobre o judicial review

118

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ADRYSSA DINIZ FERREIRA DE MELO

DIAacuteLOGO INSTITUCIONAL REALIDADE OU UTOPIA

Uma abordagem conceitual e praacutetica das Teorias Dialoacutegicas no acircmbito da Jurisdiccedilatildeo Constitucional

INSTITUTIONAL DIALOGUE REALITY OR UTOPIA

A conceptual and practical approach of dialogical theories

Dissertaccedilatildeo apresentada agrave Faculdade de Direito

da Universidade de Coimbra no acircmbito do 2ordm

Ciclo de Estudos em Direito (conducente ao grau

de Mestre) na Aacuterea de Especializaccedilatildeo em

Ciecircncias Juriacutedico-Poliacuteticas (Menccedilatildeo em Direito

Constitucional)

Orientadora Professora Doutora Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva

Coimbra 2016

2

ldquoEscolhe teu diaacutelogo e tua melhor palavra ou teu

melhor silecircncio Mesmo no silecircncio e com o

silecircncio dialogamosrdquo

(O Constante Diaacutelogo ndash Carlos Drummond de

Andrade)

3

AGRADECIMENTOS

Este trabalho eacute fruto de um sonho e apesar da sua autoria ser individual

muitos foram os que contribuiacuteram para a sua concretizaccedilatildeo sem os quais esta natildeo seria

possiacutevel

Meus pais que desde sempre me apoiam e incentivam na construccedilatildeo de

uma vida profissional que suportam a minha ausecircncia em tantos momentos que possibilitam

o alcance dos meus objetivos e que abrem matildeo das suas vontades para que eu possa realizar

as minhas

Meu irmatildeo que mesmo distante eacute para mim exemplo de garra e

determinaccedilatildeo Meus avoacutes Artur Claacuteudio e Diniz Ferreira pela trajetoacuteria de vida que tiveram

e que hoje me servem de inspiraccedilatildeo profissional Minha amada avoacute Lucila que sempre se

fez presente em minha vida e de quem a distacircncia me eacute tatildeo cara Minha querida avoacute Eida

que mesmo em outro plano sei que me acompanha e protege constantemente

Todos aqueles que cruzaram o meu caminho em Coimbra e que de

alguma forma satildeo responsaacuteveis pelo meu crescimento tanto profissional como pessoal Os

grandes amigos que fiz que ajudaram a me sentir em casa e a amenizar a ausecircncia da famiacutelia

Todos os mestres que tive desde o iniacutecio da Graduaccedilatildeo que plantaram em

mim a vontade de aprender cada vez mais e me fizeram admirar a docecircncia

Os professores e funcionaacuterios da Universidade de Coimbra com quem tive

o privileacutegio de conviver e tanto aprender natildeo apenas sobre Direito mas sobre respeito e

valorizaccedilatildeo da Educaccedilatildeo

Minha orientadora Dra Suzana Tavares da Silva que me apresentou um

novo Direito Constitucional e que desde o iacutenicio do Curso de Mestrado ensinou-me natildeo

apenas conteuacutedos juriacutedicos mas sobretudo a pensar e argumentar

Todos aqueles que torcem por mim mesmo em silecircncio ou a distacircncia

Agradeccedilo imensamente apesar de saber que minhas palavras nunca seratildeo

suficientes para demonstrar toda a minha gratidatildeo

Obrigada

4

IacuteNDICE

INTRODUCcedilAtildeO 9

CAPIacuteTULO 1 ndash OS NOVOS DESAFIOS DO CONSTITUCIONALISMO E SEUS

REFLEXOS NA JURISDICcedilAtildeO CONSTITUCIONAL O SURGIMENTO IDEIA DE

COOPERACcedilAtildeO 11

1 Os novos desafios do constitucionalismo 11

2 Constitucionalismo de cooperaccedilatildeo e seus reflexos na jurisdiccedilatildeo constitucional 14

3 O tradicional modelo de judicial review e a supremacia judicial 19

4 Jurisdiccedilatildeo constitucional e democracia um antigo debate 23

5 A implementaccedilatildeo do judicial review nos paiacuteses da commonwealth e o surgimento

de uma nova alternativa ao binocircmio judiciaacuterio v Legislativo ndash weak form of judicial

review 28

CAPIacuteTULO 2 ndash AS TEORIAS DIAacuteLOGICAS E A CONCRETIZACcedilAtildeO DO

DIAacuteOLOGO INSTITUCIONAL 31

6 Teoria dos diaacutelogos institucionais 31

7 Diaacutelogo formal v Diaacutelogo material 33

8 Teorias dialoacutegicas fundadas no meacutetodo judicial 35

81 Aconselhamento judicial 36

82 Teorias centradas no processo 40

83 Criacuteticas agraves teorias dialoacutegicas fundadas no meacutetodo judicial 45

9 O especial caso da Aacutefrica do Sul 48

10 As teorias estruturais de diaacutelogo 51

10 1 Teorias de construccedilatildeo coordenada 52

5

11 As teorias dialoacutegicas da parceira 70

111 Criacuteticas agrave teoria da parceria 71

12 Fusatildeo dialoacutegica 72

121 Criacuteticas agrave teoria da fusatildeo dialoacutegica 73

13 Os mecanismos estruturais de diaacutelogo no sistema britacircnico e neozelandecircs 73

131 O mandado interpretativo e a declaraccedilatildeo de incompatibilidade no reino unido (seccedilatildeo 3 e 4

(2) do human rights act 1998) 74

132 O mandado interpretativo na experiecircncia neozelandesa 82

CAPIacuteTULO 3 ndash AS TEORIAS DIALOacuteGICAS NO SISTEMA DE JURSIDICcedilAtildeO

CONSTITUCIONAL BRASILEIRO UMA POSSIBILIDADE 87

14 Julgamento da accedilatildeo direta de inconstitucionalidade nordm 2797df ndash a suacutemula 394 do

STF e a lei nordm 106282002 89

15 Julgamento da accedilatildeo direta de inconstitucionalidade nordm 4543DF e a lei

131652015 96

16 Julgamento da accedilatildeo direta de inconstitucionalide nordm 3772DF ndash a suacutemula 726 do

STF e a lei nordm 113012006 100

17 Julgamento da accedilatildeo direta de inconstitucionalidade por omissatildeo nordm 3382MT 105

18 Diaacutelogo institucional siacutentese dos aspectos controversos e algumas consideraccedilotildees

acerca da sua consecuccedilatildeo praacutetica 109

CONCLUSAtildeO 116

BIBLIOGRAFIA 118

6

RESUMO

O objeto do presente trabalho satildeo as Teorias dos Diaacutelogos Institucionais

as quais se apresentam no acircmbito da jurisdiccedilatildeo constitucional como uma alternativa para

resolver os problemas relacionados a legitimidade democraacutetica da revisatildeo judicial das leis

combater o ativismo judicial e propiciar uma maior efetivaccedilatildeo dos direitos fundamentais

Inicialmente faz-se uma abordagem dos fatores que contribuiacuteram para o

seu desenvolvimento passando por questotildees relacionadas a expansatildeo do Poder Judiciaacuterio e

a adoccedilatildeo de um sistema de judicial review pelos paiacuteses da Commonwealth e o surgimento

do modelo fraco de controle de constitucionalidade (weak form of judicial review)

As teorias satildeo exploradas por meio da classificaccedilatildeo desenvolvida por

Chistine Bateup por meio de uma abordagem conceitual e praacutetica a fim de identificar os

aspectos positivos bem como as dificuldades da concretizaccedilatildeo das mesmas

Busca-se ainda verificar de que forma e em que medida essas teorias se

manifestam no sistema brasileiro o que eacute feito por meio de uma consulta a importantes

julgados do Supremo Tribunal Federal no ensejo do controle concentrado de

constitucionalidade

Ao final realiza-se um balanccedilo criacutetico dos aspectos controversos das

teorias identificando suas dificuldades praacuteticas bem como o seu potencial normativo

PALAVRAS-CHAVE judicial review supremacia judicial ativismo judicial legitimidade

democraacutetica teorias dialoacutegicas separaccedilatildeo de poderes

7

ABSTRACT

The focus of this study are the Theories of Institutional Dialogue which

are presented in the context of constitutional juridiction as an alternative to solve the

problems the democratic legitimacy of judicial review of laws combating judicial activism

and promote a greater realization of fundamental rights

Initially it is an approach of the factors that contributed to their

development through issues related to expansion of the Judiciary and the adoption of a

judicial review by the countries of the Commonwealth system and the emergence of weak

form of judicial review

The theories are operated by classification developed by Chistine Bateup

through a conceptual and practical approach in order to identify the positive and the

difficulties of their achieving

Also it is a search to verify how and to what extent these theories are

manifested in the Brazilian system which is done through a judged important verification of

the Supreme Court on the occasion of the concentrate constitutionality control

At the end it carried out a critical assessment of the controversial aspects

of the theories identifying their practical difficulties and its normative potential

KEYWORDS judicial review judicial supremacy judicial activism democratic

legitimacy dialogical theories separation of powers

8

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

ADI ndash Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade

Art ndash Artigo

CCORF ndash Canadian Charter of Rights and Freedoms

CEDH ndash Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem

CF88 ndash Constituiccedilatildeo Federal Brasileira de 1988

HRA ndash United Kingdomrsquos Bill of Rights Act

P ndash Paacutegina

PLS ndash Projeto de Lei do Senado

PEC ndash Projeto de Emenda Consrtitucional

RE ndash Recurso Extraordinaacuterio

STF ndash Supremo Tribunal Federal

9

INTRODUCcedilAtildeO

A complexidade das sociedades atuais o novo contexto internacional e a

redefiniccedilatildeo das concepccedilotildees de Constituiccedilatildeo impotildeem a reflexatildeo acerca do tradicional modelo

de jurisdiccedilatildeo constitucional e a sua capacidade de resoluccedilatildeo de conflitos de forma eficaz Se

antes o objetivo do constitucionalismo era assegurar direitos hoje a sua preocupaccedilatildeo gira

em torno da concretizaccedilatildeo dos mesmos

Fatores como o alargamento do Poder Judiciaacuterio o crescente ativismo

judicial e o surgimento de novos sistemas de jurisdiccedilatildeo constitucional dissociados da

tradicional ideia de supremacia judicial intensificam e fazem avanccedilar os debates acerca da

legitimidade do judicial review e da sua eficaacutecia no tocante a efetivaccedilatildeo dos direitos

fundamentais

Apesar de ser um tema recorrente na doutrina constitucional os debates

acerca da jurisdiccedilatildeo constitucional parecem estar longe do fim ao contraacuterio contam com

argumentos cada vez mais complexos e que ultrapassam o tradicional binocircmio Judiciaacuterio v

Legislativo e a disputa pela palavra final

O propoacutesito deste trabalho eacute contribuir para a reflexatildeo acerca do tema

utilizando como instrumento para tanto a exposiccedilatildeo e anaacutelise das Teorias dos Diaacutelogos

Institucionais as quais se propotildeem promover uma redefiniccedilatildeo do desenho institucional no

acircmbito da jurisdiccedilatildeo constitucional a fim de conciliar a revisatildeo judicial das leis com o

princiacutepio democraacutetico e propiciar uma maior eficaacutecia dos direitos fundamentais

O conteuacutedo do primeiro capiacutetulo trata de aspectos mais gerais e

introdutoacuterios buscando demonstrar a importacircncia e atualidade do tema no contexto global

em face do novo paradigma constitucional pautado em relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo na sequecircncia

aborda-se por questotildees especiacuteficas relativas ao judicial review como o tradicional debate

acerca da sua legitimidade e da sua recente expansatildeo para os paiacuteses da Commonwealth as

quais contribuiacuteram decisivamente para o desenvolvimento das teorias dialoacutegicas

Apoacutes contextualizar o surgimento da ideia de um diaacutelogo institucional no

segundo capiacutetulo faz-se uma exposiccedilatildeo conceitual praacutetica e criacutetica das teorias dialoacutegicas

buscando extrair seus principais contributos bem como desmistificar vaacuterios aspectos

10

enaltecidos por alguns estudiosos a respeito das mesmas

Utiliza-se para fins didaacuteticos a classificaccedilatildeo feita por Christine Bateup a

qual agrupa as teorias em classes diferentes e a exposiccedilatildeo de exemplos concretos de cada

teoria trazendo ao final de cada toacutepico as principais criacuteticas concernentes a sua praacutetica

Feita a anaacutelise conceitual e exemplificativa de cada grupo teoacuterico bem

como a exposiccedilatildeo de suas respectivas criacuteticas a proposta do uacuteltimo capiacutetulo eacute verificar como

e em que medida as teorias dialoacutegicas estudadas encontram reflexo na praacutetica da jurisdiccedilatildeo

constitucional brasileira atraveacutes da observaccedilatildeo de julgados do Supremo Tribunal Federal no

acircmbito do controle concentrado - ou abstrato - de constitucionalidade

A principal inquietaccedilatildeo que move este trabalho eacute verificar se o diaacutelogo

institucional na forma em que eacute proposto pelas principais teorias desenvolvidas ateacute nestas

primeiras deacutecadas do seacuteculo XXI eacute uma praacutetica possiacutevel de ser implementada ou tatildeo-

somente uma conjectura teoacuterica

11

CAPIacuteTULO 1 ndash OS NOVOS DESAFIOS DO CONSTITUCIONALISMO E SEUS

REFLEXOS NA JURISDICcedilAtildeO CONSTITUCIONAL O SURGIMENTO IDEIA DE

COOPERACcedilAtildeO

1 Os novos desafios do constitucionalismo

Antes de adentrarmos no tema central do presente trabalho eacute necessaacuterio

entender as novas premissas e diretrizes do constitucionalismo contemporacircneo Dizemos

isso por constatar que natildeo se pode analisar a jurisdiccedilatildeo constitucional de forma dissociada

do contexto histoacuterico e social em que se insere

Haumlrbele (2006) ensina que o constitucionalismo eacute por excelecircncia uma

criaccedilatildeo cultural Na mesma linha de raciociacutenio Bastos (2010) aduz que o constitucionalismo

acima de tudo revela-se como um fenocircmeno social dotado de caraacuteter juriacutedico Explica que

o seu caraacuteter social decorre de uma pressatildeo nascida do povo que objetiva o esvaziamento do

poder absoluto e o caraacuteter juriacutedico por representar a formaccedilatildeo da regulamentaccedilatildeo legal do

exerciacutecio do Poder aliada agrave implementaccedilatildeo da defesa da Constituiccedilatildeo

Dessa forma percebe-se que o constitucionalismo estaacute intimamente ligado

ao contexto social em que se insere Eacute por essa razatildeo que Canotilho (2003 p51) com

pertinecircncia afirma ser preferiacutevel referir-se a movimentos constitucionais pois natildeo haacute soacute um

constitucionalismo e sim diversos movimentos constitucionais com coraccedilotildees nacionais

mas tambeacutem com momentos de aproximaccedilatildeo entre si fornecendo uma complexa tessitura

histoacuterico-cultural

Reconhecida a influecircncia do contexto social no desenvolvimento do

constitucionalismo eacute correto afirmar que os desafios impostos agrave jurisdiccedilatildeo constitucional no

seacuteculo XXI natildeo satildeo os mesmo de outrora Se antes a preocupaccedilatildeo constitucional girava em

torno da limitaccedilatildeo do poder estatal da separaccedilatildeo de poderes e garantia de direitos e

liberdades hoje os problemas satildeo significativamente mais complexos devido ao proacuteprio

desenvolvimento da sociedade moderna

As consequecircncias do intenso processo de globalizaccedilatildeo que a humanidade

vivencia aumentam a complexidade da sociedade atual diminuem a distacircncia entre os

Estados criam novos pontos de convergecircncia entre eles estreitam as suas fronteiras

12

geograacuteficas Soma-se agrave isto o crescente fortalecimento dos mecanismos internacionais de

defesa dos Direitos Humanos e o aumento vertiginoso das normas internacionais Ora o

constitucionalismo como fenocircmeno social que eacute natildeo poderia ser imune a essas grandes

modificaccedilotildees

Jonatas Machado (2011 p33) salienta que o desenvolvimento dos

sistemas internacionais de proteccedilatildeo dos Direitos Humanos Europeu Americano e Africano

por si soacute constiuem uma revoluccedilatildeo constitucional na medida em que estabelecem uma

espeacutecie de jurisdiccedilatildeo constitucional de Direitos Humanos supranacional com capacidade de

condenar os Estados membros por violaccedilotildees a esses direitos

Destaca ainda que a Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos do Homem tem

exercido um efeito direto no Direito Constitucional de numerosos Estados em todos os

continentes inspirando cataacutelogos de direitos liberdades e garantias sendo expressamente

mencionada como auxiliar interpretativo dos cataacutelogos internos ou sendo mesmo

incorporada no bloco de constitucionalidade de alguns Estados

Assim verifica-se a abertura da Constituiccedilatildeo ao Direito Internacional

gerando um novo paradigma constitucional com o surgimento de conflitos mais complexos

sobretudo pela pluralidade no tocante a interpretaccedilatildeo do conteuacutedo dos Direitos Humanos

Neves (2013) sintetiza claramente o momento do constitucionalismo atual

quando aduz que com a maior integraccedilatildeo da sociedade mundial os problemas

constitucionais que versam sobre de direitos humanos ou fundamentais e sobre o controle e

limitaccedilatildeo do poder tornaram-se insuscetiacuteveis de serem tratados por uma uacutenica ordem juriacutedica

estatal no acircmbito do seu territoacuterio vez que esses problemas passam a ser concomitantemente

relevantes para mais de uma ordem juriacutedica muitas vezes natildeo estatais que satildeo instadas a

oferecer respostas para a sua soluccedilatildeo

Nesse contexto o tradicional princiacutepio de soberania tanto do Estado como

do Texto Supremo que o rege acaba por ser relativizado jaacute que as relaccedilotildees sociais

econocircmicas poliacuteticas e tambeacutem juriacutedicas se desenvolvem cada vez mais no acircmbito

internacional ultrapassando os tradicionais limites do poder nacional1

1 Sobre a referida relativizaccedilatildeo do princiacutepio da soberania importante destacar que como bem leciona o ilustre

doutrinador portuguecircs Jonatas Machado a mesma natildeo significa de forma alguma o fim do Estado enquanto

organizaccedilatildeo juriacutedica de uma comunidade poliacutetica Natildeo pode haver uma eficaz proteccedilatildeo dos direitos humanos

13

A moderna doutrina fala em crise do constitucionalismo decorrente dessa

conjuntura2 eis que foi revelada a incapacidade do Estado nacional e o texto magno que o

rege para resolverem isoladamente os impasses constitucionais o que acarreta em uma

perda de forccedila da Constituiccedilatildeo

Desta feita o atual momento do constitucionalismo impotildee uma reflexatildeo

acerca do papel da Constituiccedilatildeo e consequentemente da jurisdiccedilatildeo constitucional reflexatildeo

que deve ser feita natildeo apenas sob seus aspectos internos mas sim de forma comprometida

com o contexto global que seraacute determinante na sua estruturaccedilatildeo sob pena de perda da sua

eficaacutecia A abertura cognitiva que o novo cenaacuterio de fluidez de fronteiras geograacuteficas e de

intensa circulaccedilatildeo de ideias determina em relaccedilatildeo a compreensatildeo e atualidade do sentido

constitucional vem inspirando uma nova visatildeo de constitucionalismo que contemple

arquiteturas de acomodaccedilatildeo institucional que conduzam a um exerciacutecio democraacutetico de

identificaccedilatildeo do sentido constitucional Surgem entatildeo novas relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo

internas e externas ao Estado as quais representam a pedra de toque na atualidade (VALLE

2010 p 32)

Os novos desafios impostos ao constitucionalismo no seacuteculo XXI

sobretudo no tocante a compreensatildeo e delimitaccedilatildeo do conteuacutedo de direitos fundamentais tecircm

permitido a construccedilatildeo de alternativas agrave velha conclusatildeo de que na jurisdiccedilatildeo constitucional

deve existir um oacutergatildeo responsaacutevel por emanar a uacuteltima palavra na resoluccedilatildeo de conflitos jaacute

que nenhum dos atores consituticionais e braccedilos do Poder revela-se por si soacute aptos a

resolver os cada vez mais complexos problemas constitucionais

Em seguida aborda-se-aacute essa nova vertente do constitucionalismo e as

respectivas relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo que vecircm surgindo como consequecircncia dessa mudanccedila de

paradigma

sem um Estado igualmente forte o que deve ocorrer eacute uma reconceitualizaccedilatildeo da soberania mediante a

limitaccedilatildeo de alguma das suas dimensotildees e fortalecimento de outras (MACHADO 2013)

2 Ver DOBNER Petra LOUGHLIN Martin (ed) The Twilight of ConstitutionalismOxford Oxford

University Press 2009

14

2 Constitucionalismo de cooperaccedilatildeo e seus reflexos na jurisdiccedilatildeo constitucional

Conforme pode ser observado no contexto do constitucionalismo atual

haacute uma mudanccedila de paradigma decorrente do reconhecimento do pluralismo como uma

constante dos novos problemas constitucionais A concretizaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo sobretudo

no que tange a efetividade dos direitos fundamentais natildeo pode mais ser pensada de forma

singular devendo se reconhecer a multiplicidade de atores envolvidos nesse processo

Com esse objetivo eclodem inuacutemeras teorias que buscam legitimar

relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo distanciando-se cada vez mais da tradicional ideia de supremacia

seja no acircmbito interno de um Estado ou no espaccedilo internacional

Com isso emerge um conceito de ldquoconstitucionalismo cooperativordquo3 no

qual se albergam essas diversas teorias fundadas na criaccedilatildeo de mecanismos de cooperaccedilatildeo

entre os Estados e suas ordens juriacutedicas Nesse sentido merece destaque o conceito de

Estado constitucional cooperativo desenvolvido por Peter Haumlrbele (2007) como sendo um

Estado que encontra a sua identidade tambeacutem no Direito Internacional no entrelaccedilamento

das relaccedilotildees internacionais e supranacionais na percepccedilatildeo de cooperaccedilatildeo e

responsabilidade bem como no compromisso com a solidariedade e a paz

Tambeacutem com base nessa ideia de abertura e de cooperaccedilatildeo tem-se a

teoria do transconstitucionalismo desenvolvida pelo brasileiro Marcelo Neves4 e a

interconstitucionalidade do ilustre mestre Canotilho5

Apesar de diferentes em alguns aspectos o que essas duas modernas

teorias possuem em comum eacute justamente a tentativa de conciliaccedilatildeo entre o consitucionalismo

e o pluralismo da sociedade globalizada enfrentando a problemaacutetica do estabelecimento de

relaccedilotildees de acoplamento entre ordens nacionais distintas bem como destas com o direito

comunitaacuterio sem que percam a sua respectiva identidade nacional

Enquanto a interconstitucionalidade enfrenta o problema da articulaccedilatildeo

entre constituiccedilotildees e poderes constituintes com fontes e legitimidades diversas dentro de um

3 Neste trabalho o uso do termo ldquoconstitucionalismo cooperativordquo natildeo se refere a nenhuma teoria ou autor em

especiacutefico mas sim ao conjunto da doutrina constitucional que tem como base a construccedilatildeo de relaccedilotildees de

cooperaccedilatildeo seja entre Estados entre entes estatais entre ordens juriacutedicas e outras

4 Ver NEVES Marcelo Transconstitucionalismo Satildeo Paulo Martins Fontes 2013

5 Ver CANOTILHO JJ Gomes ldquoBrancososrdquo e Interconstitucionalidade Itineraacuterios dos Discursos Sobre

Historicidade Constitucional Coimbra Almedina 2006

15

mesmo espaccedilo poliacutetico de forma a solucionar os conflitos decorrentes da justaposiccedilatildeo

concorrecircncia e divergecircncia entre eles (CANOTILHO 2006) o tranconstitucionalismo trata

da construccedilatildeo de ldquopontes de transiccedilatildeordquo entre ordens juriacutedicas diversas buscando um

crescimento e aprendizado muacutetuo entre elas apontando como requisito indispensaacutevel para

tanto a permanente reconstruccedilatildeo da ldquoidentidade constitucionalrdquo de cada uma a partir do

reconhecimento de alteridade sem que isso signifique uma mera convergecircncia entre elas e

uma consequente negaccedilatildeo de identidade proacutepria mas sim a existecircncia de uma prontidatildeo

para a abertura reciacuteproca natildeo apenas cognitiva mas tambeacutem normativa (NEVES 2009)

A partir desse entendimento a conclusatildeo a que se chega eacute que o Estado

natildeo pode mais ser considerado como o principal locus de soluccedilatildeo de conflitos

constitucionais uma vez que esses ultrapassam o seu acircmbito interno sendo imperativa a

abertura agrave relaccedilotildees interestatais e supranacionais

Os exemplos mais emblemaacuteticos desses modelos de relaccedilotildees

cooperativas desenvolvem-se no acircmbito da Uniatildeo Europeia que ao reconhecer a eficaacutecia

imediata ao direito comunitaacuterio introduz um instrumento normativo supranacional agrave ordem

juriacutedica interna de cada paiacutes membro o qual passa tambeacutem a ser paracircmetro de eventual

controle das leis e das proacuteprias constituiccedilotildees estabelecendo assim uma necessaacuteria

convivecircncia entre diversas ordens juriacutedico-normativas dentro de um mesmo espaccedilo poliacutetico

e submetidas a uma jurisdiccedilatildeo supranacional

O proacuteprio Tratado que institui a Uniatildeo Europeia em seu artigo 2346 ao

determinar a competecircncia do Tribunal de Justiccedila europeu sugere que haja um diaacutelogo

intercortes A estrateacutegia a ser adotada para a consolidaccedilatildeo do novo ordenamento eacute portanto

natildeo a de mera subordinaccedilatildeo da ordem juriacutedica nacional agrave supranacional mas sim do

desenvolvimento de constantes relaccedilotildees paritaacuterias de colaboraccedilatildeo (KOMAacuteREK 2005)

6 ldquoArt 234 O Tribunal de Justiccedila eacute competente para decidir a tiacutetulo prejudicial sobre a) A interpretaccedilatildeo do

presente Tratado b) A validade e a interpretaccedilatildeo dos atos adotados pelas instituiccedilotildees da Comunidade e pelo

BCE c) A interpretaccedilatildeo dos estatutos dos organismos criados por ato do Conselho desde que estes estatutos

o prevejam Sempre que uma questatildeo desta natureza seja suscitada perante qualquer oacutergatildeo jurisdicional de um

dos Estados-Membros esse oacutergatildeo pode se considerar que uma decisatildeo sobre essa questatildeo eacute necessaacuteria ao

julgamento da causa pedir ao Tribunal de Justiccedila que sobre ela se pronuncie Sempre que uma questatildeo desta

natureza seja suscitada em processo pendente perante um oacutergatildeo jurisdicional nacional cujas decisotildees natildeo sejam

susceptiacuteveis de recurso judicial previsto no direito interno esse oacutergatildeo eacute obrigado a submeter a questatildeo ao

Tribunal de Justiccedilardquo

16

A niacutevel europeu parece correto afirmar a opccedilatildeo por uma metoacutedica

fundada na imbricaccedilatildeo de cataacutelogos reveladora ou criadora de standards em contraposiccedilatildeo

a um modelo hierarquizado fundado em uma Groundnorm (TAVARES DA SILVA 2014)

ou seja natildeo haacute a primazia entre os ordenamentos mas sim uma ideia de

complementaridade7

Seguindo essa loacutegica de imbricaccedilatildeo e natildeo de hierarquizaccedilatildeo entre os

cataacutelogos a Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa em seu art8ordm4 ldquoAs disposiccedilotildees dos

tratados que regem a Uniatildeo Europeia e as normas emanadas das suas instituiccedilotildees no

exerciacutecio das respectivas competecircncias satildeo aplicaacuteveis na ordem interna nos termos

definidos pelo direito da Uniatildeo com respeito pelos princiacutepios fundamentais do Estado de

direito democraacuteticordquo e ainda no art16ordm determina de forma expressa que ldquoOs direitos

fundamentais consagrados na Constituiccedilatildeo natildeo excluem quaisquer outros constantes das

leis e das regras aplicaacuteveis de direito internacionalrdquo e que ldquoOs preceitos constitucionais

e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados de

harmonia com a Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos do Homemrdquo 8

Portanto como resultado praacutetico dessas normas tem-se a imposiccedilatildeo

obrigatoacuteria ao oacutergatildeo responsaacutevel pelo exerciacutecio da jurisdiccedilatildeo constitucional da observacircncia

do direito comparado propiciando o exerciacutecio do que alguns estudiosos denominam de

diaacutelogo judicial (judicial dialogue) que se caracteriza nessa relaccedilatildeo de cooperaccedilatildeo

estabelecida entre ordens juriacutedicas distintas quando haacute uma conversa entre diferentes

Tribunais a fim de buscar a melhor soluccedilatildeo para a efetivaccedilatildeo dos direitos fundamentais

muito comum na praacutetica da Uniatildeo Europeia9

Saindo do contexto europeu a Constituiccedilatildeo da Aacutefrica do Sul no seu art

39 prevecirc que na interpretaccedilatildeo do Bill of Rights devem ser consideradas as leis internacionais

7 Nesse sentido de acordo com a doutrina impera no ldquotriacircngulo normativo europeurdquo o princiacutepio do niacutevel mais

elevado de proteccedilatildeo o qual pode ser entendido como resultado de uma abertura normativa (TAVARES DA

SILVA 2014)

8 Nesse sentido Jorge Miranda faz uma anaacutelise mais completa da Constituiccedilatildeo portuguesa e fala em um ldquojus-

universalismordquo Ver MIRANDA Jorge O Estado Constitucional Cooperativo e o Jus-Universalismo da

Constituiccedilatildeo Portuguesa In Cadernos da Escola de Direito e Relaccedilotildees Internacionais da UniBrasil JanDez

2007 pp 7-22) Ver tambeacutem CANOTILHO JJ Gomes MOREIRA Vital Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica

Portuguesa Anotada Volume I Coimbra 2014

9 Ver GOLUB Jonathan Modelling Judicial Dialogue in the European Community The Quantitative Basis

of Preliminary References to the ECJ 1996 ISSN 1028-3625

17

e podem ser consideradas leis estrangeiras bem como que o referido documento natildeo nega a

existecircncia de quaisquer outros direitos ou liberdades que sejam reconhecidos ou conferidos

pela common law costumary law ou legislation 10

A previsatildeo contida na Constituiccedilatildeo da Aacutefrica do Sul eacute especialmente

importante nesse contexto pois natildeo se refere apenas a necessidade de observacircncia e

integraccedilatildeo com as normas internacionais mas faz tambeacutem expressa referecircncia as normas

estrangeiras ou seja oriundas de outros paiacuteses

A ideia que fundamenta o exerciacutecio do direito comparado eacute a da busca

pelo enriquecimento da compreensatildeo do conteuacutedo dos direitos fundamentais por intermeacutedio

do compartilhamento de experiecircncias entre tribunais constitucionais distintos11 ou seja no

desenvolvimento de uma jurisdiccedilatildeo constitucional que natildeo se afigure monopolista mas sim

colaborativa

Bobeck (2013) ensina que essa praacutetica pode ser vista como uma forma

de auto-controle dos proacuteprios tribunais que percebem que natildeo podem decidir sozinhos e

buscam no meacutetodo do direito comparado ou no uso de precedentes estrangeiros uma maior

fundamentaccedilatildeo as suas decisotildees

Zagrebelsky (2007) denomina esse fenocircmeno de ldquocosmopolistimo

judicialrdquo o qual consiste justamente na consideraccedilatildeo pelo Judiciaacuterio nacional de documentos

juriacutedicos externos de decisotildees oriundas de outras cortes sejam elas de hierarquia superior

como tribunais internacionais de proteccedilatildeo dos direitos humanos ou ateacute mesmo de outras

cortes constitucionais estrangeiras12

10 ldquo39 Interpretation of Bill of Rights (1) When interpreting the Bill of Rights a court tribunal or forum ndash (a)

must promote the values that underlie an open and democratic society based o human dignity equality and

freedom (b) must consider international law (c) may consider foreing law (2) When interpreting any

legislation and when developing the common law or costumary law every court tribunal or forum must

promote the spirit purport and objects of the Bill of Rights (3) The Bill of Rights does not deny the existence

of any other rights or freedoms that are recognised or conferred by common law customary law or legislation

to the extent that they are consistent with the Bill

11 Nesse sentido Tushnet (2009) ao falar sobre a importacircncia do estudo do direito constitucional comparado

ldquostudiyng comparative constitucional law might improve our ability to make domestic constitucional lawrdquo Ver

ainda HIRSCHL Ran Comparative matters the renaissance of comparative constitutional law Oxford

Oxford University Press 2014 e JACKSON Vicky Comparative Constitucional Law Nova York Foundation

Press 1999 12 Eacute importante destacar que apesar da forma positiva em que se estaacute abordando o cosmopolitismo judicial e o

uso do direito comparado ambos satildeo alvos de criacuteticas pela doutrina Tavares da Silva (2014) destaca que ldquoo

recurso ao direito constitucional comparado por um tribunal constitucional natildeo deve servir um objetivo de

universalizaccedilatildeo de valores mas antes o aprofundamento das soluccedilotildees de inclusividade no contexto

18

Esse fenocircmeno tambeacutem encontra eco em outros lugares do Globo

apesar de em menor escala que no continente europeu A Constituiccedilatildeo Federal Brasileira agrave

semelhanccedila da Portuguesa no sect2ordm do artigo 5ordm adota uma claacuteusula aberta de direitos

fundamentais prevendo expressamente a observacircncia das normas internacionais nessa

mateacuteria

Conclui-se portanto que hoje as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo dentro do

constitucionalismo e no exerciacutecio da jurisdiccedilatildeo constitucional eacute uma realidade concreta e

global A partir disso teve iniacutecio o desenvolvimento de uma noccedilatildeo de diaacutelogo seja ele

judicial ou institucional

Esse eacute um fenocircmeno que natildeo ocorre apenas no acircmbito externo ao

Estado restrito as relaccedilotildees internacionais mas tambeacutem encontra reflexos na estrutura interna

de organizaccedilatildeo do Poder estatal no desenho institucional de cada paiacutes

A ideia de cooperaccedilatildeo e diaacutelogo transporta-se assim tambeacutem para o

acircmbito interno da jurisdiccedilatildeo constitucional dos paiacuteses surgindo um conceito de diaacutelogo

institucional o qual percebe-se deste trabalho

Percebe-se entatildeo que os novos desafios impostos ao

constitucionalismo do seacuteculo XXI tecircm influenciado no desenho institucional da jurisdiccedilatildeo

constitucional adotado por diversos paiacuteses contribuindo sobremaneira para o

desenvolvimento de novos modelos fundados nessa loacutegica da cooperaccedilatildeo superando a

tradicional ideia de uma jurisdiccedilatildeo pautada na supremacia judicial conforme seraacute analisado

intercultural ateacute onde essa inclusividade se revelar possiacutevel ou seja ateacute onde natildeo redunde em uma

neutralizaccedilatildeo do elemento cultural que daacute substacircncia material ao projecto social concreto que aquele oacutergatildeo

judicial tem como missatildeo garantirrdquo

19

3 O tradicional modelo de judicial review e a supremacia judicial

Afirmar que a Constituiccedilatildeo eacute um documento juriacutedico-poliacutetico dotado de

normatividade e superioridade dentro do ordenamento juriacutedico parece algo oacutebvio todavia

essa premissa nem sempre foi verdadeira mas sim resultado de um processo histoacuterico13

Na Ameacuterica do Norte desde o iniacutecio do seu movimento constitucional14

o caraacuteter juriacutedico-normativo da constituiccedilatildeo foi reconhecido o que acabou favorecendo a

um desenvolvimento mais raacutepido da jurisdiccedilatildeo constitucional15 ante a necessidade de

submeter o poder legislativo a limites precisamente soacutelidos16

O tradicional modelo do judicial review americano se formou no

silecircncio dos textos tomando corpo lentamente em um primeiro periacuteodo que foi ateacute 1789

(ano em que se funda o Tribunal Supremo Federal) o mesmo consistia em mera praacutetica

judicial dentro do common law em um segundo periacuteodo que vai de 1789 a 1861

impulsionado pela construccedilatildeo do Estado Federal e pelos conflitos em torno da natureza da

Uniatildeo criado pela Constituiccedilatildeo de 1787 em um terceiro periacuteodo iniciado em 1865 ateacute os

trinta primeiros anos do seacuteculo XX quando se estabeleceu como um sistema de revisatildeo

frente a todas as leis inclusive leis federais em consequecircncia do crescimento do capitalismo

das transformaccedilotildees ocasionadas pelo federalismo e pela necessidade de redefinir as relaccedilotildees

entre o Estado com a nova ordem industrial e em um quarto periacuteodo de 1954 a 1986 quando

se expandiu em resposta aos novos desafios impostos pela busca de justiccedila social igualdade

e liberdade (ACOSTA SAacuteNCHEZ 1998)

13 Nesse sentido Canotilho (2003) nos ensina que a Constituiccedilatildeo eacute o conjunto de regras (escritas ou

consuetudinaacuterias) e de estruturas institucionais conformadoras de uma dada ordem juriacutedico-poliacutetica em um

determinado sistema poliacutetico-social Entre o constitucionalismo antigo e o constitucionalismo moderno vatildeo se

desenvolvendo perspectivas poliacuteticas religiosas e juriacutedico-filosoacuteficas sem o conhecimento das quais natildeo eacute

possiacutevel compreender o proacuteprio fenocircmeno da modernidade constitucional

14 A expressatildeo ldquomovimento constitucionalrdquo eacute utilizada no sentido empregado por Canotilho como um

movimento gerador da constituiccedilatildeo (CANOTILHO 2003)

15 Para uma maior e mais detalhada compreensatildeo do movimento constitucional norte-americano ver Griffin

Stephen American Constitutionalism From the theory to the politics 1998

16 Nesse sentido ver Blaco Valdeacutes Roberto L La configuracioacuten del concepto de Constituicioacuten en las

experieacutencias revolucionarias francesas e norte-americana In Perspectivas Constitucionais Nos 20 anos da

Constituiccedilatildeo de 1976 (org Jorge Miranda) Vol III Coimbra 1998 p11

20

Para muitos a efetiva consagraccedilatildeo desse modelo ocorreu no ano de

1803 com o julgamento do famoso caso Marbury v Madison17 quando houve a formal

proclamaccedilatildeo da superioridade das normas constitucionais frente a qualquer outra lei

formulada pelo Parlamento bem como da autoridade dos Tribunais para invalidaccedilatildeo das leis

consideradas inconstitucionais

A par das questotildees poliacuteticas envolvidas nesse julgamento o fato eacute que

ele se tornou o marco da consolidaccedilatildeo da supremacia18 da Suprema Corte americana que

passou a ser entatildeo formalmente reconhecida como a detentora da uacuteltima palavra dentro do

processo de interpretaccedilatildeo constitucional19

Ateacute meados do seacuteculo XX a ideia que prevalecia na maioria dos paiacuteses

com a exececcedilatildeo dos Estados Unidos20 era a de que as constituiccedilotildees eram proclamaccedilotildees

poliacuteticas importantes mas natildeo possuiacuteam status de normas juriacutedicas As prescriccedilotildees

constitucionais natildeo podiam ser aplicadas diretamente pelos juiacutezes nem geravam direitos

subjetivos para os cidadatildeos

Havia principalmente nos paiacuteses da Europa cidental uma crenccedila na

legitimidade do Parlamento para a criaccedilatildeo do Direito natildeo existindo razatildeo para submeter as

leis por ele criadas agrave nenhuma espeacutecie de revisatildeo judicial O controle que existia era um

controle poliacutetico feito pelo proacuteprio legislativo21

17 Para uma visatildeo criacutetica e maiores detalhes sobre o famoso julgamento Marbury v Madison ver Acosta

Sancheacutez Joseacute Formacioacuten de la Constituicioacuten y Jurisdiccioacuten Constitucional Fundamentos de la Democracia

Constitucional Madri Tecnos 1998 pp 115 e Urbano Maria Benedita Curso de Justiccedila Constitucional

Evoluccedilatildeo Histoacuterica e Modelos de Controlo da Constitucionalidade Almedina 2012 pp 28 a 36

18 Neste trabalho quando fala-se em supremacia refere-se agrave siacutentese de Ward (2007) segundo a qual supremacia

judicial define o status que os precedentes merecem quando desafiados pela atuaccedilatildeo superveniente do

legislativo

19 Griffin (2003) em importante estudo revela que o judicial review americano nem sempre esteve associado agrave

ideia de supremacia judicial tendo sido este elemento incorporado ao modelo posteriormente Nesse sentido

destaca ldquoAs has so often been noted Marshall never claimed supremacy for the Court in Marbury The

opinion ends after all with Marshall saying that courts hace an equal right to the other departament in

interpreting the Constitution The Court committed itself explicity to judicial supremacy only relatively

recently In Cooper v Aaron for example the Court stated that the ldquofederal judiciary is supreme in the

exposition of the law of the Constitutionrdquo

20 Miranda (2007) destaca que diferente da Franccedila e dos paiacuteses europeus durante o seacuteculo XIX os Estados

Unidos vivem quase desde a sua formaccedilatildeo sob o princiacutepio da constitucionalidade isto eacute de que as leis e os

outros atos do Estado devem ser conformes agrave Constituiccedilatildeo e natildeo devem ser aplicados pelos tribunais no caso

de serem desconformes

21 ldquoO controle da conformidade das leis com a constituiccedilatildeo comeccedilou por ser do tipo poliacutetico Aacute medida que o

valor de lei suprema das constituiccedilotildees se ia impondo os parlamentos iam-se sentido cada vez mais pressionados

para permitir que as suas leis fossem objeto de fiscalizaccedilatildeo Numa primeira fase admitiram o controlo da

21

Portanto durante muito tempo na maioria dos paiacuteses europeus em

funccedilatildeo da constituiccedilatildeo ser vista como mero instrumento poliacutetico desprovido de

normatividade cabia ao Parlamento a regulamentaccedilatildeo das relaccedilotildees entre individuo e Estado

usufruindo entatildeo de um papel de legislador soberano eis que seus atos natildeo estavam

subordinados a nenhum controle judicial cabendo ao Poder Judiciaacuterio apenas a mera

aplicaccedilatildeo das leis

O reconhecimento da constituiccedilatildeo como norma juriacutedica soacute ocorreu no

constitucionalismo do poacutes-45 com o fim da segunda guerra mundial quando foram

incorporados no texto constitucional direitos fundamentais e princiacutepios relevantes de

moralidade poliacutetica

Com isso a partir da metade do seacuteculo XX a maioria das novas

constituiccedilotildees passaram a prever mecanismos de jurisdiccedilatildeo constitucional ou procuram

fortalecer ou ampliar os jaacute existentes A maior parte dos paiacuteses que reestruturam suas ordens

juriacutedicas desde entatildeo seja apoacutes libertar-se do jugo de antigas colocircnias seja depois da

superaccedilatildeo de ditaduras internas optaram pela introduccedilatildeo ou ampliaccedilatildeo de instrumentos de

controle de constitucionalidade nos seus textos magnos (SARMENTO 2006)

Ou seja o desenvolvimento do constitucionalismo e o reconhecimento

da constituiccedilatildeo como norma juriacutedica suprema do Estado criaram a necessidade de um

controle das normas infraconstitucionais

Nesse contexto desenvolveram-se inicialmente dois modelos de

controle de constitucionalidade distintos que foram se espalhando pelos diversos paiacuteses ao

longo dos anos que se seguiram O modelo decorrente do sistema americano ficou conhecido

como controle difuso tendo como principal caracteriacutestica o fato de todos os tribunais e juiacutezes

poderem declarar dentro de um caso concreto a inconstitucionalidade de uma lei

infraconstitucional

constitucionalidade das leis mas seriam eles os responsaacuteveis por um tal controlo Era pois um controlo

poliacutetico exercido por um oacutergatildeo poliacutetico o parlamento () Seja como for facilmente se constata que o controle

poliacutetico tende a ser pouco efetivo e eficaz No caso especiacutefico do controlo atribuiacutedo ao parlamento pode

afirmar-se sem grande margem de erro que os parlamentares eram ldquojuiacutezes em causa proacutepriardquo (no fundo era

um autocontrolo) Por este motivo o controlo das normas acabaria por ser atribuiacutedo aos tribunais tornando-se

um controlo judicialrdquo (URBANO 2012 p17)

22

Em oposiccedilatildeo a esse modelo Kelsen desenvolveu uma visatildeo alternativa

de controle de constitucionalidade para os sistemas europeus que ficou conhecido como

controle concentrado de constitucionalidade ou modelo austriacuteaco Nesse tipo de controle a

proteccedilatildeo da Constituiccedilatildeo previa a instituiccedilatildeo de um controle abstrato das atividades do

legislador confiado a um uacutenico oacutergatildeo separado dos tribunais ordinaacuterios - o Tribunal

Constitucional Ao juiacutez constitucional cabia manter ou anular o ato normativo do legislador

consoante o considerasse conforme ou desconforme a constituiccedilatildeo (URBANO 2012)

Jaacute nas uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XX a jurisdiccedilatildeo constitucional foi se

tornando uma realidade quase universal passando a existir em paiacuteses de todos os

continentes Tanto o modelo norte-americano como o modelo austriacuteaco serviram de

inspiraccedilatildeo para a implementaccedilatildeo do controle de constitucionalidade das leis e surgimento de

modelos mistos

Alguns paiacuteses como o Brasil por exemplo desenvolveram sistemas

mistos onde estatildeo presentes caracteriacutesticas de ambos os modelos tanto o austriacuteaco como o

americano ou seja haacute tanto o controle de constitucionalidade difuso quanto o concentrado22

Jaacute nos paiacuteses do continente europeu o modelo mais disseminado foi o modelo Austriacuteaco o

que impulsionou a criaccedilatildeo de diversos Tribunais Constitucionais em paiacuteses como Espanha

Itaacutelia e Portugal23

Assim na grande maioria dos paiacuteses desenvolveu-se um sistema de

jurisdiccedilatildeo constitucional aliado agrave ideia de supremacia judicial no qual o Poder Judiciaacuterio eacute

quem profere a uacuteltima palavra no tocante a interpretaccedilatildeo constitucional Na Europa em

especial a supremacia judicial foi se tornando uma realidade cada vez mais forte sendo o

ativismo judicial um dos responsaacuteveis pelo fortalecimento e desenvolvimento da estrutura

judiciaacuteria que se tem hoje na maioria dos paiacuteses

Diante de tudo isso pode-se afirmar que uma das caracteriacutesticas mais

evidentes no constitucionalismo contemporacircneo eacute a ascensatildeo institucional do Poder

Judiciaacuterio ultrapassando a originaacuteria ideia de legislador negativo tradicionalmente

22 Para maiores detalhes sobre o controle de constitucionalidade brasileiro ver BARROSO Luiacutes Roberto O

Controle de constitucionalidade no direito brasileiro Exposiccedilatildeo sistemaacutetica da doutrina e anaacutelise criacutetica da

jurisprudecircncia Satildeo Paulo Editora Saraiva 2004

23 Para maiores detalhes sobre o controle de constitucionalidade Portuguecircs ver Canotilho 2008 capiacutetulo 2

23

concebida por Kelsen dando margem ao surgimento de alguns fenocircmenos que seratildeo

tratados no toacutepico a seguir

4 Jurisdiccedilatildeo constitucional e democracia um antigo debate

A controveacutersia acerca da natureza da atividade fiscalizatoacuteria exercida

pelas Cortes Constitucionais decorre do possiacutevel conflito entre duas distintas legitimaccedilotildees

a dita legitimaccedilatildeo democraacutetica tipicamente atribuiacuteda ao legislador e a legitimaccedilatildeo

jurisdicional para a defesa do ordenamento juriacutedico constitucional atribuiacuteda ao Juiacutezo

constitucional Discute-se sobretudo o porquecirc da consignaccedilatildeo ao Judiciaacuterio de tal atribuiccedilatildeo

fiscalizatoacuteria bem assim quais seriam os objetos e limites do controle jurisdicional

(PONTES 2001 p 65)24

Os contornos desse debate estatildeo intimamente ligados a noccedilatildeo de

democracia exercendo o seu conceito direta influecircncia nos argumentos de defesa de um ou

de outro Poder Em apertada siacutentese pode-se mencionar que aqueles que defendem a

atribuiccedilatildeo do Poder ao Judiciaacuterio para realizar o controle de constitucionalidade das leis

fundamentam-se na regra contramajoritaacuteria ou seja na necessidade de uma oposiccedilatildeo a regra

da maioria representada pelo Legislativo principalmente para defender e proteger os direitos

e garantias de minorias sem tanta representatividade na busca por uma democracia

substancial25

Em contrapartida existem aqueles que denfendem uma outra noccedilatildeo de

democracia fundada justamente nos argumentos de maioria e de representatividade razatildeo

pela qual entendem pela iligitimidade dos juiacutezes membros natildeo eleitos pelo povo para

derrubar atos legislativos

Apesar da discussatildeo sobre a legitimidade democraacutetica da jurisdiccedilatildeo

constitucional ser um debate antigo natildeo se pode - sob nenhuma hipoacutetese - considera-lo como

24 Sobre o tradicional debate acerca da legitimidade da jurisdiccedilatildeo constitucional ver GARAPON Antonie O

juiz e a democracia o guardiatildeo das promessas Rio de Janeiro Renavn 2009 Linares Sebastiaacuten La

(i)legitimidad democraacutetica del control judicial de las leyes Madrid Marcial Pons MOREIRA Vital Princiacutepio

da Maioria e princiacutepio da constitucionalidade legitimidade e limites da justiccedila constitucional in Coloacutequio no

10ordm Aniversaacuterio do Tribunal Constitucional Lisboa 1993 pp 167-175

25 Sobre a regra contramajoritaacuteria ver BICKEL Alexander The last dangerous branch the Supreme Court at

the bar of politics New Haven Yale University 1986 e WHITE G Edward History and the Constitution

Durham Carolina Academic Press 2007

24

algo superado sobretudo porque na atualidade os argumentos insertos na questatildeo estatildeo

cada vez mais sofisticados e possibilitam uma discussatildeo aleacutem do tradicional binocircmio

Judiciaacuterio x Legislativo no tocante a detenccedilatildeo da uacuteltima palavra em mateacuteria constitucional

Nas uacuteltimas deacutecadas vivencia-se uma expansatildeo do tradicional modelo

do judicial review americano pelo Globo e consequentemente um reforccedilo e um alargamento

do Poder Judiciaacuterio razatildeo pela qual muitos paiacuteses hoje adotam modelos fundados em uma

supremacia judicial na qual os juiacutezes satildeo os responsaacuteveis por emitir a palavra final na

resoluccedilatildeo de conflitos constitucionais

A referida expansatildeo propiciou o desenvolvimento de fenocircmenos como

a judicializaccedilatildeo de questotildees poliacuteticas e o ativismo judicial os quais satildeo atualmente

considerados por alguns como uma ameaccedila ao princiacutepio democraacutetico a separaccedilatildeo de poderes

e ateacute mesmo a efetividade de direitos fundamentais Diante disso acabam por vir

novamente agrave tona antigos questionamentos relativos agrave legitimidade democraacutetica da

jurisdiccedilatildeo constitucional

A judicializaccedilatildeo da Poliacutetica aqui entendida como a dependecircncia de

Tribunais e dos meios judiciais para abordarsolucionar impasses morais fundamentais

questotildees de poliacuteticas puacuteblicas e controveacutersias poliacuteticas eacute um fenocircmeno mundial Embora

muitas questotildees de poliacuteticas puacuteblicas ainda permaneccedilam aleacutem do alcance do Judiciaacuterio eacute

fato incontestaacutevel que tem havido uma deferecircncia das outras esferas do Poder no sentido de

acolher a intrusatildeo do mesmo em suas prerrogativas o que acaba por acelerar o processo de

judicializaccedilatildeo das agendas poliacuteticas (HIRSCHL 2008)26

26 Hirschl faz importante observaccedilatildeo sobre um niacutevel diferente de judicializaccedilatildeo o qual denomina de

judicializaccedilatildeo da acutemega-poliacuteticaacute a qual seria mais impactante e consequentemente mais preocupante De

acordo com o autor ldquoToday not a single week passes without a national high court somewhere in the world

releasing a major judgment pertaining to the scope of constitutional rights or the limits on legislative or

executive powers The most common are cases dealing with procedrual justice and criminal lsquodue processrsquo

rights Aggregate data suggest that approximately two-thirds of all constitutional rights cases in the lsquoworld of

new constitutinalismrsquo deal with that type of rights Also common are rulings involving classic civil liberties

the right to privacy and formal equality This ever-expanding body of civil liberties jurisprudence has

expanded and fortified the boundaries of the constitutionally protected private sphere (often perceived as

threatened by the long arm of the state and its regulatory laws) and hastransformed numerous policy areas

involving individual freedoms In recent years we have seen the emergence of another level of judicialized

politics reliance on courts and judges for dealing with what we might call lsquomega-politicsrsquo ndash core political

controversies that define the boundaries of the collective or cut through the heart of entire nations This level

of judicialization includes several subcategories judicial scrutiny of executive-branch prerogatives in the

realms of macroeconomic planning or national security (ie the demise of what constitutional theorists call

the lsquopolitical questionrsquo doctrine) judicialization of electoral processes judicial corroboration of regime

transformation fundamental restorative-justice dilemmas and above all the judicialization of formative

25

Com o reconhecimento internacional da importacircncia da proteccedilatildeo dos

direitos fundamentais e o consequente entendimento de que a enunciaccedilatildeo desses direitos na

Carta Magna determina por si soacute um direito subjetivo em favor dos cidadatildeos o Estado

passou a ser responsaacutevel pela realizaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas que visem agrave sua efetividade

natildeo mais sendo suficiente apenas que natildeo os viole mas tambeacutem que aja de forma a propiciar

a sua eficaacutecia

Assim o Judiciaacuterio passou a ser visto como o principal centro de

discussatildeo sobre a efetividade desses direitos principalmente pela sociedade que encontrou

nas demandas judiciais um meio de coagir o Estado a dar cumprimento e efetividade aos

direitos constitucionalmente assegurados O progressivo aumento dessas demandas fez com

que fosse possiacutevel uma realizaccedilatildeo do controle judicial das poliacuteticas puacuteblicas estatais

favorecendo a judicializaccedilatildeo de temas que antes eram reservados ao campo da poliacutetica27

Esse cenaacuterio tambeacutem propiciou a ocorrecircncia de outro fenocircmeno

designado como ativismo judicial ou governo de juiacutezes28 que a par da sua difiacutecil e

heterogecircnea conceituaccedilatildeo deve aqui ser entendido como a excessiva atividade criativa do

juiz constitucional29

Tanto a judicializaccedilatildeo de questotildees poliacuteticas como o ativismo judicial

podem ser identificados como patologias dentro do sistema da jurisidiccedilatildeo constitucional sob

o ponto de vista do princiacutepio da separaccedilatildeo de poderes (TAVARES DA SILVA 2014) eis

que ocasionam um excesso de autonomia e poder ao Judiciaacuterio em detrimento dos demais

poderes facilitando inclusive a usurpaccedilatildeo de competecircncias

collective identity nation-building processes and struggles over the very definition or raison decirctre of the polity

as such ndash arguably the most troubling type of judicialization from a participatory democracy stanpoint These

emerging areas of judicialized politics expand the boundaries of national high-court involvement in the

political sphere beyond any previous limitrdquo

27 Esse eacute um tema muito discutido no Brasil onde haacute um grande nuacutemero de demandas judiciais - individuais e

coletivas - que questionam a efetividade de direitos fundamentais como o direito agrave sauacutede agrave educaccedilatildeo etc Sobre

o assunto ver VALLE Vanice Regina Liacuterio do Judicializaccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas no Brasil Ateacute onde

podem nos levar as asas de Iacutecaro In Themis Revista de Direito da Universidade Nova de Lisboa ano XI

nordm 2021 2011

28 A criaccedilatildeo dessas expressotildees eacute respectivamente atribuiacuteda agrave Arthur Schlesinger Jr e Walter Clark

29 Sobre o ativismo judicial ver URBANO 2012 p 87- 101

26

Somado a esses fenocircmenos outro importante componente que ajudou

a reacender o debate30 foi a recente transposiccedilatildeo do modelo americano do judicial review

fundado na supremacia judicial para paiacuteses da Commonwealth tradicionalmente centrados

em um modelo de soberania parlamentar a qual seraacute melhor abordada no toacutepico a seguir

Diante das evidentes dificuldades de harmonizaccedilatildeo do modelo de

revisatildeo judicial das leis para paiacuteses onde ateacute entatildeo o Parlamento era soberano expoentes

doutrinadores como Ronald Dworkin e Jeremy Waldron voltaram sua atenccedilatildeo para a anaacutelise

das vantagens e desvantagens da realizaccedilatildeo de um controle judicial dos atos do Parlamento

e da sua legitimidade democraacutetica

Dworkin (2006) postula uma ldquoconcepccedilatildeo constitucional de

democraciardquo31 segundo a qual o regime democraacutetico demanda a tomada decisotildees coletivas

por instituiccedilotildees que tratem de forma isonocircmica todos os cidadatildeos fato que nem nem sempre

iraacute ocorrer em procedimentos majoritaacuterios Assim o Autor defende que o primordial para a

legitimidade democraacutetica de uma decisatildeo eacute o seu conteuacutedo substantivo e natildeo propriamente

o procedimento em si realizado para a sua elabraccedilatildeo

Sendo assim alega a legitimidade democraacutetica do controle de

constitucionalidade das leis realizada pelo Poder Judiciaacuterio eis que esta seria no seu

entender a instacircncia do Poder mais apta a fornecer a ldquoresposta certardquo sobre direitos

fundamentais (DWORKIN 2001)

30 Necessaacuterio esclarecer que o controle de constitucionalidade sempre foi alvo de desconfianccedila sob o ponto de

vista da teoria democraacutetica durante muitos anos importantes estudiosos concentraram esforccedilos tentando buscar

uma justificativa capaz de legitimaacute-lo como o famoso debate entre Hans Kelsen e Carl Schmitt Todavia o

debate de hoje o qual interessa para o presente trabalho se funda em argumentos mais complexos por razotildees

didaacuteticas natildeo iremos retomar ao debate mais antigo

31ldquoSe rejeitamos a premissa majoritaacuteria precisaremos de uma explicaccedilatildeo diferente e melhor do valor e da

finalidade da democracia Vou defender agora uma explicaccedilatildeo ndash que chamo de concepccedilatildeo constitucional da

democracia ndash que efetivamente rejeita a premissa majoritaacuteria Segundo essa explicaccedilatildeo o fato de as decisotildees

coletivas serem sempre ou normalmente as decisotildees que a maioria dos cidadatildeos e tomariam se fossem

plenamente informados e racionais natildeo eacute nem uma meta nem uma definiccedilatildeo de democracia O objetivo que

define a democracia tem de ser diferente que as decisotildees coletivas sejam tomadas por instituiccedilotildees poliacuteticas

cuja estrutura composiccedilatildeo e modo de operaccedilatildeo dediquem a todos os membros da comunidade enquanto

indiviacuteduos a mesma consideraccedilatildeo e o mesmo respeito () a concepccedilatildeo constitucional requer esses

procedimentos majoritaacuterios em virtude de uma preocupaccedilatildeo com a igualdade dos cidadatildeos e natildeo por causa de

um compromisso com as metas da soberania da maioria Por isso natildeo opotildee objeccedilatildeo alguma ao emprego deste

ou daquele procedimento natildeo majoritaacuterio em ocasiotildees especiais nas quais tal procedimento poderia proteger

ou promover a igualdade que segunda essa concepccedilatildeo eacute a proacutepria essecircncia da democracia e natildeo aceita que

essas exceccedilotildees sejam causa de arrependimento moralrdquo (DWORKIN Ronald O Direito da Liberdade Satildeo

Paulo Martins Fontes 2006 p 26)

27

Em contrapartida Waldron (1999) sustenta que a legitimidade

democraacutetica de uma decisatildeo coletiva natildeo pode ser julgada a partir dos seus resultados como

propotildee Dworkin mas sim pelo caraacuteter democraacutetico do procedimento de tomada da decisatildeo

Partindo do princiacutepio da existecircncia de um grande dissenso acerca dos direitos fundamentais

dentro da sociedade entende que natildeo eacute legiacutetimo que predomine como correta entre as

diversas visotildees existentes aquela enunciada pelo Judiciaacuterio

Segundo o Autor o tradicional modelo do judicial review aliado agrave

supremacia do Judiciaacuterio natildeo eacute o meio mais adequado para a tomada de decisatildeo final em

uma sociedade livre e democraacutetica Apesar de criticar severamente essa praacutetica natildeo ignora

a sua existecircncia na maioria dos paiacuteses e faz uma distinccedilatildeo entre os diversos sistemas

classificando-os em sistemas fortes intermediaacuterios e fracos de acordo com a quantidade de

poder que eacute atribuiacutedo ao Judiciaacuterio (WALDRON 2014)

Neste sentido eacute importante a distinccedilatildeo que propotildee entre judicial review

e supremacia judicial O primeiro conceitua como uma forma de controle judicial das leis

que na sua melhor concretizaccedilatildeo praacutetica pode operar como um poder modesto de restriccedilatildeo

jaacute a supremacia judicial como a ideia de que os juiacutezes satildeo supremos e ateacute soberanos na

poliacutetica estando todos os outros poderes poliacuteticos a eles subordinados (WALDRON 2014

p 5)

Esclarece por exemplo que nos Estados Unidos haacute uma supremacia

judicial natildeo necessariamente pela adoccedilatildeo de um modelo forte de revisatildeo judicial mas sim

pela forma que este vem sendo exercido pela Suprema Corte Americana (WALDRON

2014 p 11)

O raciociacutenio desenvolvido por Wladron eacute importante principalmente

para demonstrar que natildeo deve haver uma vinculaccedilatildeo necessaacuteria entre judicial review e

supremacia judicial Ou seja para o autor a supremacia judicial e seus efeitos negativos pode

e deve ser combatida sem que para isso tenha-se que abolir a praacutetica da revisatildeo judicial das

leis a qual pode ateacute ser considerada como uma praacutetica boa e necesaacuteria

Com base nesse raciociacutenio atualmente o tradicional modelo de judicial

review aliado a supremacia do Poder Judiciaacuterio tem sido um dos maiores alvos de criacuteticas da

teoria constitucional natildeo apenas sob a oacutetica da legitimidade democraacutetica mas tambeacutem pelo

seu resultado no que tange a verdadeira efetivaccedilatildeo dos direitos fundamentais

28

O excesso de poder concedido ao Judiciaacuterio passou entatildeo a ser visto

com maus olhos em razatildeo de fenocircmenos como o ativismo judicial e a judicializaccedilatildeo poliacutetica

levando a doutrina a uma busca incessante por formas de combate a essas patologias

Em face disso alguns Estados de tradiccedilatildeo parlamentar cientes dessa

realidade negativa vivenciada nos demais paiacuteses poreacutem convencidos da necessidade de

implementaccedilatildeo de um sistema de revisatildeo judicial das leis para uma maior efetivaccedilatildeo dos

direitos fundamentais buscaram desenvolver modelos alternativos aos ateacute entatildeo existentes

Uma das propostas desses novos modelos eacute superar o problema da

legitimidade democraacutetica do judicial review mediante a promoccedilatildeo de um reequiliacutebrio entre

o Legislativo e Judiciaacuterio conforme se leraacute nas proacuteximas paacuteginas

5 A implementaccedilatildeo do judicial review nos paiacuteses da commonwealth e o

surgimento de uma nova alternativa ao binocircmio judiciaacuterio v Legislativo ndash weak

form of judicial review

A evoluccedilatildeo do judicial review na medida em que os Estados foram se

confrontando em pleno seacuteculo XX com o problema da escolha de mecanismos de controle

de constitucionalidade para os seus sistemas normativos procurando ajustar os modelos jaacute

existentes agraves suas realidades permitiu o desenvolvimento de diversos novos modelos

(TAVARES DA SILVA 2014)

Entre 1982 e 1998 paiacuteses como Canadaacute Nova Zelacircndia e Reino Unido

que ateacute entatildeo viviam sob a eacutegide de um sistema pautado na supremacia do Parlamento ao

adotarem um Bill of Rigths instituiacuteram um modelo de revisatildeo judicial a partir do tradicional

modelo americano poreacutem tentando uma nova forma de equiliacutebrio entre os poderes ateacute entatildeo

inexistente

Esse modelo foi denominado por Tushnet como weak form of judicial

review em oposiccedilatildeo ao modelo americano que constitui um strong form of judicial review

no qual a interpretaccedilatildeo constitucional efetuada pela Suprema Corte eacute praticamente

irreversiacutevel e inalteraacutevel por maiorias legislativas ordinaacuterias (TUSHNET 2009 p 33)

O novo modelo traduz-se basicamente em uma forma de controle de

constitucionalidade onde existem mecanismos de respostas da populaccedilatildeo agravequelas decisotildees

29

que lhes parecem erradas visando com isso diminuir a tensatildeo natural relativa a legitimidade

democraacutetica do judicial review

Nele a interpretaccedilatildeo judicial das provisotildees constitucionais pode ser

revisada pelo legislativo em um prazo relativamente curto usando uma regra de decisatildeo natildeo

muito diferente da que eacute usada no processo legislativo cotidiano (TUSHNET 2009) Com

isso tem-se um modelo que dissocia a jurisdiccedilatildeo constitucional da supremacia judicial

permitindo tambeacutem ao Legislativo o pronunciamento

Gardbaum (2013) identifica que este modelo foi feito sob a exata

medida para permitir uma maior proteccedilatildeo juriacutedica aos direitos dentro de paiacuteses com culturas

poliacuteticas nas quais haacute um apego substancial agrave soberania parlamentar como provedora de uma

longa e em grande parte bem sucedida tradiccedilatildeo constitucional democraacutetica32

Em siacutentese o novo modelo de jurisdiccedilatildeo constitucional adotado pelos

paiacuteses da Commonwealth adveacutem entatildeo da busca pela conciliaccedilatildeo entre a necessidade de

proteccedilatildeo dos novos direitos fundamentais e a tradiccedilatildeo da supremacia parlamentar o que

certamente natildeo haacute no tradicional modelo norte-americano

Cada um dos paiacuteses adeptos desse modelo buscou em suas

especificidades adotar mecanismos que prometiam a possibilidade de um exerciacutecio da

jurisdiccedilatildeo constitucional pautado no equiliacutebrio institucional sugerindo uma

responsabilidade conjunta pela decisatildeo final aleacutem de permitir o exerciacutecio de um diaacutelogo

deliberativo entre o Judiciaacuterio e o Legislativo no tocante a aplicaccedilatildeo e proteccedilatildeo dos direitos

fundamentais (GARDBAUM 2013) 33

Na praacutetica pode-se dizer que o marco inicial do denominado sistema

brando de constitucionalidade se deu com o advento da Carta Canadense de 198234 a qual

32 ldquoMost importantly while granting courts the power to enforce fundamental rights it decouples judicial

review from judicial supremacy by empowering legislatures to have the final word This new model was

custom-built to permit greater legal protection of rights within political cultures in which there is substantial

attachment to parliamentary sovereignty as having provided a long and largely successful tradition of

constitutionalist democracyrdquo (GARDBAUM 2013 p 760)

33 Sobre a evoluccedilatildeo do constitucionalismo nos paiacuteses da Commonwealth ver tambeacutem ZINES Leslie

Constitutional change in the Commonwealth Cambridge Cambridge University Press 1991 34 Constitution Act 1982 Disponiacutevel em lthttplaws-loisjusticegccaengConstindexhtmlgt

30

traz na sua Seccedilatildeo 3335 a previsatildeo da notwithstanding clause o que permite ao Legislativo

determinar a aplicaccedilatildeo de um diploma normativo expressamente reconhecido pelo Judiciaacuterio

como inconstitucional e na Seccedilatildeo 136 com a previsatildeo da possibilidade do Legislador reeditar

uma norma que configure e limite direito consagrado nas seccedilotildees 2 e de 7 a 15 e que jaacute tenha

sido objeto de reprovaccedilatildeo pelo Judiciaacuterio desde que fundada em justificativa razoaacutevel

A despeito das criacuteticas dirigidas a esses mecanismos as quais seratildeo

abordadas ao longo do presente trabalho a experiecircncia Canadense chamou a atenccedilatildeo de

diversos doutrinadores por todo o mundo bem como inspirou outros paiacuteses de tradiccedilatildeo

parlamentar a adotar esse novo modelo de jurisdiccedilatildeo constitucional

O Reino Unido por exemplo com a aprovaccedilatildeo do Human Rights Act

(HRA) em 1998 passou a adotar o mecanismo da interpretive obligation e de declarations

of incompability a Nova Zelacircndia tambeacutem apoacutes a aprovaccedilatildeo da sua Carta de Direitos

Humanos introduziu mecanismo similar agrave claacuteusula interpretativa da Inglaterra

Logo apesar de cada paiacutes adotar mecanismos diferentes pode-se dizer

que adotam um modelo fraco de controle de constitucionalidade eis que neles natildeo existe a

ideia de supremacia judicial ou seja a uacuteltima palavra em mateacuteria de interpretaccedilatildeo

constitucional natildeo eacute dada necessariamente pelo Judiciaacuterio havendo a possibilidade de

contradita pelo Legislativo e ateacute mesmo de prevalecircncia da interpretaccedilatildeo deste uacuteltimo

Dessa maneira a partir da observaccedilatildeo dessas novas experiecircncias dos

problemas oriundos da praacutetica do ativismo judicial da crescente judicializaccedilatildeo da Poliacutetica

das controveacutersias sobre a legimitidade da jurisdiccedilatildeo constitucional e da incessante busca pela

efetividade de direitos eclodem inuacutemeras teorias que tentam explicar e fundamentar a

existecircncia de um diaacutelogo entre Legislativo e Judiciaacuterio no seio da jurisdiccedilatildeo constitucional

satildeo as denomidadas teorias dialoacutegicas as quais seratildeo expostas e analisadas na sequecircncia de

forma sistemaacutetica

35 ldquo33 (1) Parliament or the legislature of a province may expressly declare in an Act of Parliament or of the

legislature as the case may be that the Act or a provision thereof shall operate notwithstanding a provision

included in section 2 or sections 7 to 15 of this Charterrdquo

36 ldquo1 The Canadian Charter of Rights and Freedoms guarantees the rights and freedoms set out in it subject

only to such reasonable limits prescribed by law as can be demonstrably justified in a free and democratic

societyrdquo

31

CAPIacuteTULO 2 ndash AS TEORIAS DIAacuteLOGICAS E A CONCRETIZACcedilAtildeO DO

DIAacuteOLOGO INSTITUCIONAL

6 Teoria dos diaacutelogos institucionais

Antes de iniciar a anaacutelise das respectivas teorias importa esclarecer que

apesar das mesmas terem se desenvolvido doutrinariamente em sua maioria e com maior

forccedila apoacutes a criaccedilatildeo do weak judicial review como explicado ateacute aqui algumas delas satildeo

anteriores agrave isso e fruto da anaacutelise de sistemas tradicionais como o do proacuteprio Estados

Unidos conforme seraacute demonstrado na sequecircncia

Eacute necessaacuterio explicar que a referecircncia agrave ldquodiaacutelogos institucionaisrdquo apesar

do reconhecimento da existecircncia de diversas instituiccedilotildees no acircmbito estatal estaacute-se

privilegiando especificamente a interaccedilatildeo entre as Cortes Constitucionais e o Parlamento

sobretudo porque o cerne do debate acerca da legitimidade democraacutetica da jurisdiccedilatildeo

constitucional restringe-se a essas duas vertentes do Poder ficando o executivo de fora pois

segundo a tradicional doutrina nunca foi considerado forte candidato a detentor da uacuteltima

palavra no processo de interpretaccedilatildeo constitucional Dito isso explicar-se-aacute o que as teorias

possuem em comum e quais os seus fundamentos basilares

Como jaacute demonstrado a ideia de diaacutelogo institucional surge a partir do

novo paradigma do constitucionalismo contemporacircneo que tem por objetivo natildeo mais

analisar quem deve interpretar a Constituiccedilatildeo mas sim buscar uma teoria que seja construiacuteda

a partir de uma proposta cooperativa por intermeacutedio da qual as instituiccedilotildees possam

compartilhar fundamentos em comum ao operacionalizar as ordens juriacutedica e poliacutetica

Esse entendimento eacute consequecircncia da anaacutelise do novo modelo de

jurisdiccedilatildeo constitucional iniciado no Canadaacute o qual aponta para a necessidade de

reestabelecimento de um equiliacutebrio entre as instituiccedilotildees por meio da alocaccedilatildeo de

responsabilidade reciacuteproca entre Tribunais e Parlamento na formulaccedilatildeo de poliacuteticas e

legislaccedilatildeo

Ou seja as teorias dialoacutegicas partem da premissa de que muitas vezes a

decisatildeo judicial natildeo seraacute suficiente para a resoluccedilatildeo de um conflito sobre direitos sobretudo

nos casos relativos agrave efetivaccedilatildeo de direitos fundamentais nos quais existem limitaccedilotildees que

32

ultrapassam a seara da competecircncia judicial portanto natildeo pode a decisatildeo judicial ser

considerada o fim da linha dentro da jurisdiccedilatildeo constitucional principalmente quando se

busca a maacutexima eficaacutecia de direitos fundamentais

Em contraste com as teorias de interpretaccedilatildeo que propotildeem criteacuterios que os

juiacutezes devem utilizar para resoluccedilatildeo de conflitos constitucionais as teorias de diaacutelogo

centram-se no processo institucional por meio do qual as decisotildees sobre o significado

constitucional satildeo feitas sugerindo que este envolve a elaboraccedilatildeo compartilhada do

significado constitucional entre o Judiciaacuterio e outros atores (BATEUP 2005)

As teorias que abordam o exerciacutecio de um diaacutelogo institucional na

resoluccedilatildeo dos conflitos consitucionais buscam em primeiro lugar entender e verificar como

essa interaccedilatildeo ocorre qual o seu significado reforccedilando o princiacutepio da separaccedilatildeo de poderes

a partir da percepccedilatildeo de que todas as instituiccedilotildees cada uma em sua especificidade satildeo

responsaacuteveis por uma parcela da tarefa da interpretaccedilatildeo constitucional

As teorias dialoacutegicas natildeo fornecem respostas certas para os casos difiacuteceis

de interpretaccedilatildeo mas despertam um processo no qual todos participam na busca dessa

resposta Rejeita os extremos tanto da atuaccedilatildeo judicial como da atuaccedilatildeo legislativa a Corte

natildeo impede que a prevalecircncia da legislaccedilatildeo mas induz o Parlamento a assumir a

responsabilidade poliacutetica e apresentar justificativas razoaacuteveis para suas escolhas no tocante

agrave restriccedilatildeo de direitos (ROACH 2001)

Nesse sentido Sustein e Vermule (2002) indicam a necessidade de uma

virada institucional no pensamento sobre a interpretaccedilatildeo constitucional chamando a atenccedilatildeo

para a necessidade de observaccedilatildeo da capacidade das instituiccedilotildees e dos efeitos dinacircmicos de

qualquer abordagem especiacutefica e de suas consequecircncias

A partir dessa ideia as teorias do diaacutelogo institucional sugerem que natildeo

deve haver um predomiacutenio de uma instituiccedilatildeo sobre a outra quando do exerciacutecio da

jurisdiccedilatildeo constitucional mas sim uma forccedila tarefa uma atuaccedilatildeo conjunta das mesmas

Sendo assim diversas teorias tecircm se proliferado no sentido de fundamentar

agrave abertura ao diaacutelogo no exerciacutecio da jurisdiccedilatildeo constitucional visando sobretudo o

restabelecimento do equiliacutebrio entre os poderes como fundamento de uma legitimidade

democraacutetica a defesa de um sistema brando de controle de constitucionalidade e a

concretizaccedilatildeo dos direitos fundamentais

33

Buscar-se-aacute na continuidade deste capiacutetulo analisar aacute luz das teorias

dialoacutegicas algumas praacuteticas do Judiciaacuterio e Legislativo a fim de identificar ateacute que ponto

essas teorias podem ser consideradas como efetivadoras de um diaacutelogo concreto e

substancial no exerciacutecio da jurisdiccedilatildeo constitucional e quais seus contributos no tocante a

superaccedilatildeo dos problemas relativos a sua legitimidade e no combate ao ativismo

Entretanto antes de fazer a exposccedilatildeo de cada teoria e seus efeitos praacuteticos

em especiacutefico eacute imprescindiacutevel destacar que haacute na doutrina uma aparente diferenciaccedilatildeo

entre tipos de diaacutelogo gerando uma dicotomia diaacutelogo formal e diaacutelogo material a qual

passamos a explorar no toacutepico seguinte

7 Diaacutelogo formal v Diaacutelogo material

Para que se possa analisar de forma mais clara e eficaz as teorias

dialoacutegicas e suas respectivas praacuteticas se faz necessaacuterio primeiramente entender o que seria

um verdadeiro diaacutelogo e quando este pode ser considerado verdadeiramente promissor no

sentido de cumprir os objetivos a que a teoria se propotildee

De iniacutecio pode-se afirmar que essa tarefa eacute aacuterdua eis que nela residem

justamente os maiores alvos das criacuteticas direcionadas as teorias dialoacutegicas conforme veremos

na sequecircncia Apesar de todas as benesses que a ideia de um diaacutelogo constitucional

apresenta a sua praacutetica ainda eacute um pouco conflituosa eis que nem tudo aquilo que alguns

denominam de ldquodiaacutelogordquo deve ser de fato assim considerado

Na definiccedilatildeo de Dor (2000) o diaacutelogo material ou substantivo ocorre

quando haacute o comprometimento e engajamento de todos os participantes na busca de uma

soluccedilatildeo harmoniosa que conteraacute tanto a interpretaccedilatildeo do Tribunal relativa a uma questatildeo

constitucional como o interesse do legislador

Ou seja no desenvolvimento do diaacutelogo em seu sentido material haacute a

conciliaccedilatildeo entre a interpretaccedilatildeo judicial e os interesses do legislador buscando o Tribunal

articular as falhas da legislaccedilatildeo e o legislador a incluir nas suas iniciativas a interpretaccedilatildeo

do Tribunal buscando soluccedilotildees para alcanccedilar o seu objetivo agrave luz dessa interpretaccedilatildeo

Jaacute o diaacutelogo no sentido formal ocorre quando a atuaccedilatildeo legislativa

pouco ou nada acrescenta ao resultado final servindo apenas para ldquocarimbarrdquo a decisatildeo

34

judicial ou seja quando haacute a total deferecircncia do Legislativo agrave decisatildeo judicial

Tremblay (2005) tambeacutem em importante anaacutelise sobre o tema ao tratar

dos limites da teoria dos diaacutelogos institucionais apesar de natildeo negar a possibilidade da sua

concretizaccedilatildeo praacutetica introduz duas concepccedilotildees geneacutericas de diaacutelogos os de conversaccedilatildeo e

os de deliberaccedilatildeo

Para o Autor os diaacutelogos pautados em uma conversaccedilatildeo satildeo em

siacutentese aqueles que ocorrem de uma maneira mais informal e espontacircnea no qual haacute uma

troca de ideias sentimentos ou opiniotildees sem um comprometimento das partes com um

entendimento em comum um aprendizado ou descoberta de novas perspectivas natildeo haacute

pois um empenho na argumentaccedilatildeo ou um debate forte Seria de certa forma como um

diaacutelogo entre amigos apoacutes uma refeiccedilatildeo

Em contrapartida a concepccedilatildeo deliberativa de diaacutelogo consiste em

praacutetica semelhante agrave conversaccedilatildeo pois tambeacutem haacute troca de ideias sentimentos e opiniotildees

entre duas ou mais pessoas poreacutem de maneira mais formal e menos espontacircnea Na

deliberaccedilatildeo as partes possuem um mesmo propoacutesito buscam por intermeacutedio da troca de

argumentos e ideias a resoluccedilatildeo coletiva de conflitos ou problemas

Sendo assim o diaacutelogo pautado na conversaccedilatildeo consistiria em um

diaacutelogo meramente formal o qual segundo alguns autores natildeo deve ser considerado como

uma forma efetiva de diaacutelogo eis que natildeo haacute uma verdadeira inteiraccedilatildeo entre os poderes mas

tatildeo somente uma possibilidade de resposta de um ao outro

Desta forma pode-se inferir que para que haja a verdadeira

concretizaccedilatildeo dos objetivos propostos pela teoria do diaacutelogo institucional a simples

formulaccedilatildeo pautada em um diaacutelogo formal natildeo seria suficiente fazendo-se necessaacuteria a

ocorrecircncia de uma deliberaccedilatildeo concreta entre os poderes uma verdadeira deliberaccedilatildeo a fim

de chegar a consenso no que tange a interpretaccedilatildeo constitucional

Neste estudo natildeo se despreza nenhuma dessas concepccedilotildees de diaacutelogo

ao contraacuterio busca-se demonstrar justamente aquelas praacuteticas que mais se coadunam com a

concepccedilatildeo de um diaacutelogo material poreacutem tambeacutem ressaltando os benefiacutecios daquelas que

consistam apenas uma vertente formal

Feita essa diferenciaccedilatildeo passa-se a expor de maneira mais especiacutefica

35

as teorias dialoacutegicas e suas manifestaccedilotildees praacuteticas Utilizar-se-aacute didaticamente a

sistematizaccedilatildeo das teorias feita por Christine Bateup sobretudo no que tange a classificaccedilatildeo

das mesmas jaacute que nosso objetivo eacute tentar abordar o maior nuacutemero possiacutevel de teorias e

praacuteticas

A exposiccedilatildeo inicia-se pela anaacutelise da praacutetica sugerida pela doutrina

como dialoacutegica em paiacuteses que possuem um controle de constitucionalidade forte ou seja

inicialmente formulado com base em uma supremacia do Judiciaacuterio na tarefa de revisatildeo

judicial das leis

Apoacutes o que seraacute mencionado a praacutetica dialoacutegica nos paiacuteses que adotam

um controle fraco de constitucionalidade onde a ideia de diaacutelogo a priori eacute mais evidente

pelo fato do proacuteprio modelo constitucional prever mecanismos voltados para esse fim

8 Teorias dialoacutegicas fundadas no meacutetodo judicial

As teorias fundadas no meacutetodo judicial satildeo aquelas que defendem que

o diaacutelogo deve ocorrer dentro da decisatildeo judicial Tecircm como elemento central a defesa do

uso consciente pelo Judiciaacuterio de teacutecnicas de tomada de decisotildees que estimulem e incentivem

o debate mais amplo sobre o significado constitucional com - e entre - os poderes poliacuteticos

Para a praacutetica dessa modalidade de diaacutelogo natildeo haacute a exigecircncia da

existecircncia de mecanismos formais de relaccedilatildeo institucional eis que o diaacutelogo se estabelece

natildeo pela observaccedilatildeo de um preceito especiacutefico preacutevio mas pela simples interaccedilatildeo entre os

distintos ramos do Poder por essa razatildeo eacute possiacutevel encontrar os maiores exemplos desse

tipo de diaacutelogo em sistemas de jurisdiccedilatildeo constitucional centrados na supremacia judicial

conforme se leraacute a seguir

Bateup subdivide essas formas de diaacutelogo em duas categorias as

denominadas de aconselhamento judicial (judicial advice- giving) e as teorias centradas no

processo (process centered rules)

Antes de se tratado cada categoria em especiacutefico necessaacuterio destacar

mais uma vez que o foco neste caso estaacute em buscar exemplos da manifestaccedilatildeo dessa teoria

na jurisdiccedilatildeo constitucional de paiacuteses que adotam um modelo de revisatildeo judicial inspirado

no tradicional modelo norte americano justamente para tentar verificar se neles tambeacutem haacute

36

uma possibilidade de diaacutelogo jaacute que adotam um sistema forte de controle de

constitucionalidade sugerindo o que alguns autores chamam de ldquoenfraquecimento do

controle de constitucionalidaderdquo e fazer o contraponto com a forma de diaacutelogo estabelecida

em jurisdiccedilotildees constitucionais que adotam o weak judicial review para verificar onde se

assemelham e onde se distanciam

Reassalte-se ainda que o objetivo natildeo eacute exaurir todas as questotildees e

pormenores praacuteticos e teoacutericos dos exemplos que seratildeo dados a seguir mas tatildeo somente

abordar as questotildees referentes ao potencial dialoacutegico dos institutos juriacutedicos mencionados

que eacute o que interessa para o alcance do objetivo do presente trabalho

81 Aconselhamento judicial

As teacutecnicas de aconselhamento judicial consistem em formas proativas

de interpretaccedilatildeo constitucional e construccedilatildeo de decisotildees que o Judiciaacuterio recomendan o curso

de accedilatildeo do Poder Legislativo e busca aconselhaacute-lo com o obejtivo de evitar futuros

problemas constitucionais

O uso dessas teacutecnicas visa assegurar que os ramos poliacuteticos visualizem

e entendam a interpretaccedilatildeo constitucional feita pelo Judiciaacuterio para que com isso elaborem

a legislaccedilatildeo de acordo com a mesma ou ainda alterem a legislaccedilatildeo em vigor para evitar

discrepacircncias (BATEUP 2005 p17)

Por natildeo existir uma forma predeterminada para promoccedilatildeo do

aconselhamento judicial nem a necessidade de previsatildeo de um mecanismo especiacutefico para

tanto ele se traduz na praacutetica de inuacutemeras formas Sendo assim natildeo haacute como enumerar todas

as suas possibilidades praacuteticas de forma exaustiva razatildeo pela qual foram selecionadas as

mais importantes e evidentes

811 Constitutional road maps

A doutrina americana reporta-se agraves decisotildees judiciais denominadas de

constitutional road maps mediante as quais o Judiciaacuterio pronuncia a inconstitucionalidade de

uma lei mas ao mesmo tempo aponta os caminhos possiacuteveis a serem seguidos pelo

Legislativo para a correccedilatildeo da incompatibilidade

37

Essa teacutecnica foi utilizada pela Suprema Corte Americana no

julgamento do caso City of Chicago v Morales37 no qual foi analisada a constitucionalidade

da Chicagoacutes gang-loitering law lei que impedia a congregaccedilatildeo puacuteblica de membros de

gangues e seus associados

A lei foi considerada inconstitucional por ser vaga e violar o devido

processo legal poreacutem apesar de declarara inconstitucionalidade a Suprema Corte proferiu

decisatildeo esboccedilando de forma detalhada as alternativas legais com potencial para sobreviver

ao escrutiacutenio judicial

As diretrizes para a elaboraccedilatildeo de um estatuto legal em consonacircncia

com a Constituiccedilatildeo foram traccediladas no voto da Juiacuteza Sandra OrsquoConnor as quais em sua

maioria foram seguidas pelo Legislativo na elaboraccedilatildeo do novo diploma legal

aproximadamente trecircs anos depois razatildeo pela qual a decisatildeo eacute apontada pela doutrina como

fruto de diaacutelogo

Apesar de neste caso a decisatildeo da Suprema Corte ter servido de diretriz

para a elaboraccedilatildeo de um novo diploma legal nem sempre eacute o que ocorre A teacutecnica do

constitutional road map eacute alvo de muitas criacuteticas sendo considerada uma das teacutecnicas mais

radicais e perigosas de incentivo poacutes-invalidaccedilatildeo da lei pois ao derrubar a legislaccedilatildeo em

anaacutelise o Judiciaacuterio oferece um roteiro a ser seguido pelo Legislativo para criar um estatuto

legal que seja constitucional (LUNA 2001)

812 Sentenccedilas intermedias (declaraccedilotildees de mera incompatibilidade

e sentenccedilas apelativas)

No acircmbito europeu em especial no Direito alematildeo existem alguns

tipos de sentenccedilas oriundas do controle de constitucionalidade que satildeo consideradas como

teacutecnicas dialoacutegicas sob o ponto de vista das teorias fundadas no meacutetodo judicial Essas

sentenccedilas fazem parte do grupo das chamadas ldquosentenccedilas intermediasrdquo ou ldquosentenccedilas

37 Oportuno se faz esclarecer que natildeo se adentra nas questotildees faacuteticas do caso nem no meacuterito da decisatildeo por

fugir ao escopo do presente trabalho poreacutem a decisatildeo pode ser consultada na iacutentegra em

httpssupremejustiacomcasesfederalus52741casehtml

38

normativasrdquo38 as quais satildeo decisotildees judiciais que se situam entre o considerar e o natildeo

considerar a inconstitucionalidade de uma norma e nos casos em que eacute admissiacutevel entre

rejeitar a norma considerada inconstitucional e concomitantemente expulsaacute-la do

ordenamento juriacutedico e natildeo considerar constitucional e mantecirc-la (URBANO 2012 p 87)39

Apesar de natildeo nos interessar a anaacutelise de todos os diversos tipos de

sentenccedilas intermedias eacute oportuno destacar que as mesmas satildeo uma produccedilatildeo recente da

jurisdiccedilatildeo constitucional dos paiacuteses europeus que adotaram o modelo autriacuteaco de controle

de consitucionalidade ou seja um controle concentradoabstrato realizado por um Tribunal

criado para esse fim especiacutefico e que revelam que a idealizaccedilatildeo de Kelsen de criaccedilatildeo de um

oacutergatildeo que atue como legislador negativo vem sendo ultrapassada agrave medida que os Tribunais

Constitucionais natildeo mais se limitam meramente a decidir pela constitucionalidade ou natildeo de

uma norma sobretudo pela evidente complexidade dos problemas constitucionais que

exigem decisotildees mais elaboradas que o esquema ldquoconstitucional v inconstitucionalrdquo

Pois bem O primeiro tipo de sentenccedila dentro desse universo que pode

ser considerada como uma teacutecnica dialoacutegica eacute a chamada ldquodeclaraccedilatildeo de mera

incompatibilidaderdquo originaacuteria da jurisprudecircncia alematilde Consiste em uma decisatildeo do

Tribunal Constitucional onde natildeo haacute a anulaccedilatildeo da lei mas apenas a declaraccedilatildeo de que a

mesma eacute incompatiacutevel com a constituiccedilatildeo e a sua consequente suspensatildeo ateacute que o

Legislativo efetue a correccedilatildeo da norma a fim de tornaacute-la constitucional

Ou seja o Tribunal reconhece a inconstitucionalidade da norma poreacutem

sem declarar a sua nulidade mantendo-a no ordenamento juriacutedico mas suspendendo a sua

aplicaccedilatildeo Com isso de acordo com os defensores dessa praacutetica o Judiciaacuterio estaria

permitindo ao Legislativo a correccedilatildeo da legislaccedilatildeo a tempo de evitar um vaacutecuo legislativo

(QUEIROZ 2012)

Essa praacutetica tem sido muito utilizada pelo Tribunal Constitucional

Alematildeo nos casos em que ldquoa declaraccedilatildeo de nulidade haveria de produzir uma situaccedilatildeo

juriacutedica insuportaacutevelrdquo especialmente nas seguintes situaccedilotildees a) quando o juiz reconhece

que o legislador natildeo tinha outra alternativa dado o contexto histoacuterico existente b) quando a

38 Natildeo haacute um consenso na doutrina a respeito da denominaccedilatildeo desses tipos de decisatildeo aqui se optou por utilizar

essas duas nomenclaturas por serem amplamente difundidas e utilizadas pelos doutrinados portugueses e

brasileiros respectivamente

39 No contexto brasileiro essas decisotildees satildeo conhecidas como sentenccedilas interpretativas ou intermediaacuterias

39

inconstitucionalidade natildeo eacute evidente designadamente por motivos de seguranccedila c) quando

a ausecircncia da norma inconstitucional eacute menos adequada que a sua manutenccedilatildeo d) quando

estatildeo em causa disciplinas discriminatoacuterias (URBANO 2012 p 81-82)

Mendes (1990) destaca que essa teacutecnica decisoacuteria eacute utilizada pelo

Tribunal Constitucional alematildeo principalmente nos casos em que estaacute em jogo o princiacutepio

da isonomia quando uma lei injustificadamente confere benefiacutecios a um determinado

nuacutemero de pessoas ou grupos sociais deixando de englobar outros setores caracterizando

assim uma situaccedilatildeo singular complexa que natildeo pode ser resolvida com a simples declaraccedilatildeo

de inconstitucionalidade da lei

Outra importante figura tambeacutem originaacuteria do direito alematildeo mas hoje

tambeacutem muito presente no Direto italiano satildeo as ldquosentenccedilas apelativas ou exortativasrdquo

Nesse tipo de sentenccedila o Tribunal Constitucional natildeo considera a lei inconstitucional no

momento em que profere a decisatildeo entretanto alerta o Legislativo para a possibilidade de

uma futura inconstitucionalidade e diante disso dirige-lhe um apelo para que modificaccedilatildeo

a legislaccedilatildeo a fim de adequaacute-la a Lei Maior

Esse apelo visa sobretudo evitar uma futura inconstitucionalidade e

com base nessa justificativa o Tribunal oferece ao legislador com maior ou menor

determinaccedilatildeo e exigecircncia possibilidades orientaccedilotildees para a reparaccedilatildeo da norma em tempo

uacutetil fixando em alguns casos um prazo para tanto (URBANO 2012a)

Diferem das decisotildees de mera incompatibilidade pois nessas a norma jaacute

foi considerada inconstitucional cabendo ao legislador proceder a imediata adequaccedilatildeo para

sanar a inconstitucionalidade enquanto que nas sentenccedilas apelativas a violaccedilatildeo ao texto

constitucional ainda natildeo foi consumada ou ainda natildeo haacute certeza sobre a sua ocorrecircncia

(SILVA 2008)

A doutrina italiana tem maioritariamente fundamentado a utilizaccedilatildeo

desse tipo de decisatildeo em um chamado constitucionalismo cooperativo italiano equivalente

a dizer que o Tribunal Constitucional quando confrontado com a ineacutercia do poder poliacutetico

tem desempenhado uma funccedilatildeo propulsora dos valores constitucionais (SILVA 2008

p1119)

O que essas decisotildees possuem em comum entre si e tambeacutem com a

primeira figura aqui mencionada do constitutional road map eacute o fato de conterem em seu

40

corpo em menor ou maior grau orientaccedilotildees para a atividade legislativa visando sanar ou

evitar questotildees de inconstitucionalidade

Na visatildeo de Gomes Canotilho (2003 p 1018) esses tipos de decisotildees

satildeo altamente criticaacuteveis pois ldquoa natildeo atribuiccedilatildeo dos efeitos da nulidade ipso jure natildeo pode

implicar a sobrevivecircncia e aplicaccedilatildeo da norma considerada inconstitucional nem os

laquoperigosraquo das lacunas legislativas se podem sobrepor aos perigos da erosatildeo do princiacutepio da

constitucionalidade dos actos normativosrdquo

82 Teorias centradas no processo

Apesar de ser classificada por Bateup como uma forma de diaacutelogo que

emana de uma decisatildeo judicial pode-se dizer que eacute o contraponto do meacutetodo do

aconselhamento judicial pois ao inveacutes de defender a postura provocadora do Judiciaacuterio agrave

reposta legislativa como centro do diaacutelogo preconiza justamente o contraacuterio uma atuaccedilatildeo

contida dos Tribunais de forma a deixar um maior espaccedilo para a atuaccedilatildeo legislativa

De acordo com esse grupo de teorias o Judiciaacuterio natildeo deve apontar o

caminho a ser seguido pelo Legislativo criando diretrizes ou dando orientaccedilotildees eacute uma

atividade que natildeo lhe compete mas deve possibilitar um ldquosegundo olharrdquo para a questatildeo

821 Minimalismo judicial

A teoria do minimalismo judicial tem se desenvolvido principalmente

no contexto norte americano onde os precedente judiciais possuem muita forccedila normativa

Ela pretende a afirmaccedilatildeo do priciacutepio democraacutetico por meio da limitiaccedilatildeo da atuaccedilatildeo judicial

no processo de tomada de decisotildees que envolvam principalmente a fixaccedilatildeo do conteuacutedo de

direitos fundamentais em temas sensiacuteveis da vida social como questotildees relacionadas ao

aborto casamento de homossexuais dentre outras

O atual exponente defensor dessa teoria eacute o americano Cass R Sustein

que propotildee uma limitaccedilatildeo da atuaccedilatildeo jurisdicional das Cortes as quais natildeo devem decidir

questotildees que extrapolem o caso concreto que estaacute em analise visando um ldquouso construtivo

do silecircnciordquo

Ou seja o Judiciaacuterio natildeo deve tomar decisotildees abrangentes de forma

41

que enclausurem a discussatildeo para sempre mas sim deve restringir-se agraves questotildees daquele

caso concreto permitindo que a discussatildeo profunda e geneacuterica do tema ocorra no acircmbito do

oacutergatildeo legislativo o qual possui legimitidade democraacutetica para tanto

Dessa forma o minimalismo em sua forma processual consiste em um

esforccedilo para limitar a amplitude e profundidade das decisotildees judiciais quando os juiacutezes

carecem e sabem que carecem de informaccedilotildees relevantes o minimalismo eacute uma forma de

resposta apropriada razoaacutevel e ateacute mesmo inevitaacutevel para resolver o problema praacutetico de

obter o consenso dentro de uma sociedade heterogecircna (SUSTEIN 1999 p 5)

Bickel (1962) tambeacutem um importante nome dos defensores da

contenccedilatildeo da atuaccedilatildeo judicial ao falar sobre o exerciacutecio pela Suprema Corte do que

denomina de ldquovirtudes passivasrdquo faz referecircncia agrave diversas ldquoteacutecnicas de natildeo decisatildeordquo

existentes no processo norte americano mediante as quais pode a Suprema Corte se abster

de emitir opiniatildeo como por exemplo political question ripness standing mootness dentre

outras

Acrescenta que a Suprema Corte natildeo tem a obrigaccedilatildeo de decidir todo o

tempo e que se assim o fosse poderia levar a um processo manipulativa da democracia

fazendo com que a Corte simplesmente substituisse o legislative impedindo o exerciacutecio do

seu juiacutezo de conveniecircncia tornando-se um second guesser (BICKEL 1962 p200)

Sob o ponto de vista dialoacutegico na contenccedilatildeo da atuaccedilatildeo judicial o cerne

do diaacutelogo estaacute justamente na possibilidade de o legislador lanccedilar um novo olhar para um

tema que possivelmente foi tratado de forma apressada ou sem a profundidade necessaacuteria

aumentando assim a responsabilidade do Legislativo no exerciacutecio da sua atividade tomando

decisotildees poliacuteticas e elaborando normas com niacuteveis adequados de cuidado e deliberaccedilatildeo

(BATEUP 2005)

Nesse mesmo sentido Bickel (1962 p 70-71) em clara referecircncia agraves

teorias do diaacutelogo afirma que ao evitar decidir a Corte estimula o coloacutequio com os outros

poderes e a sociedade O minimalismo judicial seria portanto uma forma de participaccedilatildeo

passiva do Judiciaacuterio no diaacutelogo constitucional permitindo que os juiacutezes abram o diaacutelogo

com os poderes poliacuteticos a fim de incentivar a resoluccedilatildeo poliacutetica das questotildees constitucionais

que satildeo alvo de conflito

42

822 Modulaccedilatildeo temporal dos efeitos da declaraccedilatildeo de

inconstitucionalidade

A possibilidade de modulaccedilatildeo dos efeitos da decisatildeo pelo Tribunal em

sede de controle de constitucionalidade na perspectiva das teorias fundadas no meacutetodo

judicial tambeacutem pode ser considerada como um mecanismo dialoacutegico sob o ponto de vista

das teorias do meacutetodo judicial centradas no processo eis que possibilita a resposta

legislativa entretanto de forma menos agressiva que as outras teacutecnicas explanadas acima

Essa possibilidade eacute prevista expressamente no Direito Portuguecircs Os

efeitos e o alcance das decisotildees do Tribunal Constitucional em sede do controle abstrato de

constitucionalidade estatildeo previstos no n 1 e n 2 do artigo 282 da Constituiccedilatildeo Portuguesa

os quais determinam respectivamente que ldquoA declaraccedilatildeo de inconstitucionalidade ou de

ilegalidade com forccedila obrigatoacuteria geral produz efeitos desde a entrada em vigor da norma

declarada inconstitucional ou ilegal e determina a repristinaccedilatildeo das normas que ela

eventualmente haja revogadordquo ldquoTratando-se poreacutem de inconstitucionalidade ou de

ilegalidade por infraccedilatildeo de norma constitucional ou legal posterior a declaraccedilatildeo soacute produz

efeitos desde a entrada em vigor desta uacuteltimardquo

Todavia o n 4 do referido artigo traz expressamente a possibilidade de

fixaccedilatildeo dos efeitos da decisatildeo pelo Tribunal de forma fundamentada quando a seguranccedila

juriacutedica razotildees de equidade ou interesse puacuteblico de excepcional relevo o exigir Os efeitos

podem ser fixados de diversas formas poreacutem a que nos interessa no presente trabalho eacute a de

fixaccedilatildeo dos efeitos para o futuro

De acordo com a possibilidade de modulaccedilatildeo dos efeitos da declaraccedilatildeo

de inconstitucionalidade pode o Tribunal Constitucional declarar a inconstitucionalidade de

uma lei mas condicionar a sua nulidade a um determinado transcurso de tempo ou seja

determinar a sua nulidade pro futuro fixando um prazo determinado para que ela deixe de

produzir efeitos de ser aplicada possibilitando assim ao legislador a correccedilatildeo do estatuto e

evitando o vaacutecuo legislativo

Inspirado na Constituiccedilatildeo Portuguesa o Brasil atraveacutes do artigo 27 da

Lei 886899 de 10 de novembro passou tambeacutem a regulamentar possibilidade da

modulaccedilatildeo temporal das decisotildees proferidas no julgamento de accedilatildeo direta de

inconstitucionalidade e de accedilatildeo declaratoacuteria de constitucionalidade

43

A referida lei passou a facultar ao Supremo Tribunal Federal no

exerciacutecio do controle abstrato de constitucionalidade modular os efeitos da decisatildeo por

razotildees de seguranccedila juriacutedica ou de excepcional interesse social Todavia atualmente essa

modulaccedilatildeo se estende tambeacutem ao controle difuso conforme se leraacute

A decisatildeo proferida pelo Superior Tribunal Federal no ano de 2004 no

julgamento do caso Mira Estrela eacute tida como paradigmaacutetica40 por ter sido aplicado o artigo

27 da Lei 886899 no controle de constitucionalidade de um caso concreto A declaraccedilatildeo da

inconstitucionalidade se deu no acircmbito do julgamento do Recurso Extraordinaacuterio 197917-

8 de accedilatildeo civil puacuteblica proposta pelo Ministeacuterio Puacuteblico do Estado de Satildeo Paulo visando a

diminuiccedilatildeo do nuacutemero de vereadores do municiacutepio de Mira Estrela alegando que o mesmo

natildeo era proporcional ao nuacutemero de habitantes ainda que estivesse dentro do limite

constitucional41

O Supremo concordou com a desproporcionalidade e em face disso

declarou a inconstitucionalidade da referida norma todavia modulou os efeitos da decisatildeo

pro futuro para salvaguardar os mandatos dos vereadores jaacute eleitos e a validade dos

respectivos atos administrativos por eles praticados evitando assim consequecircncias

desastrosas para a administraccedilatildeo puacuteblica Fundamentou a necessidade da modulaccedilatildeo dos

efeitos na proteccedilatildeo da Seguranccedila Juriacutedica

Em que pese essa ser uma teacutecnica menos agressiva que as anteriores

vez que o Judiciaacuterio ao menos em tese apenas possibilita uma reaccedilatildeo legislativa a sua

decisatildeo sem lhe estipular diretrizes e com isso adentrar em sua liberdade de conformaccedilatildeo

na praacutetica tambeacutem natildeo haacute como garantir que haveraacute a reaccedilatildeo legislativa e eacute nisso que reside

a maioria das criacuteticas a todas esses mecanismos ditos dialoacutegicos conforme se veraacute mais

adiante

40 RE 197917-8SP Iacutentegra da decisatildeo disponiacutevel em

httpredirstfjusbrpaginadorpubpaginadorjspdocTP=ACampdocID=235847 41 A Lei Orgacircnica do municiacutepio de Mira Estrela estabelecia em 11 o nuacutemero de vereadores os quais estavam

dentro dos limites impostos no artigo 29 da Constituiccedilatildeo Federal estabelecido conforme o nuacutemero de

habitantes

44

823 Accedilatildeo de inconstitucionalidade por omissatildeo legislativa

O modelo de controle de constitucionalidade portuguecircs prevecirc

expressamente a possibilidade do controle das omissotildees legislativas por intermeacutedio da

disposiccedilatildeo contida no artigo 283 da Constituiccedilatildeo Federal 42

Inspirado no instituto portuguecircs o Brasil tambeacutem trouxe em sua

Constituiccedilatildeo Federal de 1988 a expressa previsatildeo da possibilidade do controle de

constitucionalidade das omissotildees legislativas (paraacutegrafo 2ordm do artigo 103) poreacutem criou

ainda uma nova figura especifica para esse fim o mandado de injunccedilatildeo (inciso LXXI do

artigo 5ordm)

Em ambos os sistemas uma omissatildeo legislativa eacute considerada

inconstitucional quando o legislador natildeo cumpre com aquilo que estava constitucionalmente

obrigado ou seja quando a sua omissatildeo prejudica a exequibilidade de alguma norma

constitucional Para que a omissatildeo ganhe significado relevante deve ter conexatildeo com uma

exigecircncia constitucional de accedilatildeo natildeo bastando a violaccedilatildeo do simples dever legal de legislar

(CANOTILHO2003)

Miranda (2008) destaca que a omissatildeo pode ser total ou parcial

quando por exemplo existe a norma mas ela eacute insuficiente ou deficiente43 e que o juiacutezo da

inconstitucionalidade por omissatildeo traduz-se num juiacutezo sobre o tempo em que deveria ser

produzida a lei devendo o Judiciaacuterio sem substituir ao oacutergatildeo legislador medir e interpretar

o tempo decorrido para a elaboraccedilatildeo da lei44

42 Neste sentido ver o que Tushnet diz sobre esse tipo de concepccedilatildeo de diaacutelogo em TUSHNET Mark Dialogue

and Constitutional Duty Havard Law School Public Law amp Legal Theory Working Paper Series paper nordm 12-

10 p 4-9

43 ldquoA inconstitucionalidade por omissatildeo natildeo surge apena por carecircncia de medidas legislativas surge tambeacutem

por deficiecircncia delas Mas isto natildeo significa que perante um projecto ou uma proposta de lei com vista ao

cumprimento de determinada norma constitucional tenha de se proceder agrave sua anaacutelise para discernir se o

sentido de seus preceitos se enquadra ou natildeo no sentido de Constituiccedilatildeo De jeito algum cabe ao oacutergatildeo de

fiscalizaccedilatildeo da inconstitucionalidade por omissatildeo debruccedilar-se a esse tiacutetulo sobre o conteuacutedo de qualquer acto

de iniciativa legislativardquo (MIRANDA 2008 p 325)

44ldquoA ausecircncia ou a insuficiecircncia da norma legal natildeo pode ser separada de determinado tempo histoacuterico

assinalado pela necessidade de produccedilatildeo legislativa e cuja duraccedilatildeo maior o menor ou seraacute prefixada pela

proacutepria Constituiccedilatildeo ou depende da natureza das coisas (ou seja da natureza da norma constitucional natildeo

exequiacutevel por si mesma confrontada com as situaccedilotildees da vida inclusive situaccedilatildeo que agrave sua margem esteja

por acccedilatildeo o legislador ordinaacuterio a criar)rdquo (MIRANDA 2008 p 322)

45

A accedilatildeo de inconstitucionalidade por omissatildeo prevista no ordenamento

portuguecircs e brasileiro constitui portanto um meio atraveacutes do qual o Judiciaacuterio controla a

ineacutercia legislativa declarando a inconstitucionalidade da sua ineacutercia e solicitando a tomada

de providecircncias Pode-se dizer que seus efeitos praacuteticos assemelham-se agraves sentenccedilas

apelativas da Alemanha e Itaacutelia todavia nesse instituto a decisatildeo do Judiciaacuterio tem efeito

meramente declaratoacuterio dando conhecimento ao Legislativo da sua omissatildeo e enfatizando a

necessidade de atuaccedilatildeo sem traccedilar qualquer diretriz para tanto45

Desta forma a sentenccedila proferida no controle de constitucionalidade da

omissatildeo legislativa por meio da accedilatildeo declaratoacuteria de inconstitucionalidade por omissatildeo

possui um caraacuteter apelativo eis que objetiva chamar a atenccedilatildeo do legislador para a

necessidade de elaboraccedilatildeo da lei necessaacuteria a concretizar determinada norma constitucional

Assim sob a perspectiva das teorias dialoacutegicas centradas no processo pode ser considerada

como um mecanismo propulsor de interaccedilatildeo entre os poderes no seio da jurisdiccedilatildeo

constitucional

83 Criacuteticas agraves teorias dialoacutegicas fundadas no meacutetodo judicial

Todas essas teacutecnicas de decisatildeo judicial que visam possibilitar uma

resposta do Legislativo por meio de uma decisatildeo judicial embora diferentes em alguns

aspectos possuem um ponto determinante em comum privilegiam a interpretaccedilatildeo do

Judiciaacuterio

Sob o ponto de vista da dificuldade da legitimidade democraacutetica da

revisatildeo judicial portanto essas teorias natildeo seriam suficientes para solucionar as questotildees

eis que o Judiciaacuterio continuaria na praacutetica ainda sendo o detentor da uacuteltima palavra na

resoluccedilatildeo dos conflitos constitucionais

Nessa perspectiva natildeo se verifica uma efetiva deliberaccedilatildeo conjunta

entre Judiciaacuterio e Legislativo na tomada de decisatildeo O que ocorre eacute apenas que o Judiciaacuterio

mediante a adoccedilatildeo de estrateacutegias especiacuteficas busca acionar ou estimular a atuaccedilatildeo

45 Esclarece-se que a aplicabilidade da accedilatildeo de inconstitucionalidade por omissatildeo possui alguns aspectos

controvertidos poreacutem como jaacute dito natildeo constitui nosso objetivo tratar todas as questotildees controvertidas de

cada instituto aqui mencionado mas apenas identifica-los como mecanismos potencialmente dialoacutegicos de

acordo com as teorias

46

legislativa Portanto pode-se concluir que essas teorias se consubstanciam na praacutetica em um

diaacutelogo formal e natildeo material o que jaacute seria um alvo suficiente para criacutetica

Ademais o fato de privilegiarem claramente o ponto de vista judicial

podem acabar permitindo de certa forma que o Judiciaacuterio adentre o acircmbito de atuaccedilatildeo

legislativa sobretudo nas teacutecnicas de aconselhamento judicial

Ainda que se possa considerar que a decisatildeo judicial nesses casos

apenas fornece diretrizes para a atuaccedilatildeo legislativa natildeo haacute como negar que pode acabar

condicionando a sua atuaccedilatildeo restando-lhe apenas acatar o que foi direcionado pelo

Judiciaacuterio o que do ponto de vista dialoacutegico natildeo parece o ideal

Mesmo nos mecanismos mais brandos que os de aconselhamento

judicial onde haacute uma interferecircncia direta do Judiciaacuterio na conformaccedilatildeo legislativa eacute inegaacutevel

que haacute ainda alguma intromissatildeo mesmo que em menor escala ou de forma indireta

Haacute de se destacar tambeacutem a falta de previsibilidade das orientaccedilotildees do

Tribunal e a sua potencialidade enganosa para o Legislador suscitada por Carlos Blanco de

Morais (2014 p 726) ao analisar um recente julgado do Tribunal Constitucional Portuguecircs

no contexto da crise econocircmica

O renomado constitucionalista observa que no Acoacuterdatildeo nordm 1872013 o

Tribunal Constitucional46 ao declarar a inconstitucionalidade da norma da Lei de Orccedilamento

do Estado relativa a tributaccedilatildeo dos subsiacutedios de desemprego e doenccedila agrave luz do princiacutepio da

existecircncia condigna (artigo 2ordm da CRP) fixou orientaccedilatildeo ao legislador no sentido de que no

proacuteximo ano a Lei orccedilamentaacuteria ao tratar da mateacuteria trouxesse uma claacuteusula de salvaguarda

impedindo a tributaccedilatildeo das respectivas prestaccedilotildees de desemprego e doenccedila de forma

prejudicial a garantia dos seus valores miacutenimos

O legislador na elaboraccedilatildeo da Lei Orccedilamentaacuteria do ano de 2014 seguiu

a orientaccedilatildeo do Tribunal todavia ao analisar a constitucionalidade da nova lei o mesmo

Tribunal que havia ditado aquela orientaccedilatildeo no Acoacuterdatildeo nordm 413201447 julgou a claacuteusula

insuficiente e violadora do princiacutepio da razoabilidade

46 Iacutentegra da decisatildeo disponiacutevel em httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20130187html 47 Iacutentegra da decisatildeo disponiacutevel em httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20140413html

47

Blanco de Moraes com base nesse caso concreto destaca o perigo das

orientaccedilotildees perpetradas pelo Judiciaacuterio que podem servir de ldquoemboscadardquo para o legislador

O fato eacute que ainda que o Legislativo siga as orientaccedilotildees do Tribunal natildeo haacute garantia da

constitucionalidade do novo diploma o que pode acabar resultando em um reforccedilo da

postura ativista do Judiciaacuterio que interfere no acircmbito da liberdade de conformaccedilatildeo legislativa

ditando orientaccedilotildees que nem ele mesmo segue posteriormente

Dito isto evidencia-se que assim como a atitude do Judiciaacuterio pode

incentivar e encorajar um debate resultando na criaccedilatildeo de um novo diploma sem viacutecio o

que seria beneacutefico tambeacutem pode acabar resultando em um sequestro do processo legislativo

dando super poderes ao Judiciaacuterio que tanto pode anular como reformar um estatuto legal

(LUNA 2001)

Bateup sintetiza a criacutetica afirmando que a praacutetica do aconselhamento

judicial simplesmente encoraja os ramos poliacuteticos a fazer o que o Judiciaacuterio diz e que na

realidade o aconselhamento seria um aviso de que a legislaccedilatildeo natildeo satisfaz seus

entendimentos constitucionais e que embora ainda natildeo tenha sido derrubada seraacute assim no

futuro caso o Legislativo natildeo a adeque ao entendimento do Tribunal

Outro ponto importante que se verifica em ambas as categorias das

teorias fundadas no meacutetodo judicial tanto a de aconselhamento como as centradas no

processo eacute a necessidade de que para que esses mecanismos surtam algum efeito praacutetico

deve haver uma forte vontade de colaboraccedilatildeo entre os Poderes O Judiciaacuterio haacute de se

preocupar em avaliar a questatildeo e formular as diretrizes para a atuaccedilatildeo legislativa bem como

o Legislativo deve estar aberto ao recebimento dessas orientaccedilotildees e colocaacute-las em praacuteticas

Ou entatildeo no que diz respeito agrave teoria do minimalismo eacute necessaacuteria uma

forte consciecircncia das Cortes para concordar em conter a sua atuaccedilatildeo e ainda verificar quando

deve ou natildeo assim agir havendo o risco dessa contenccedilatildeo ocorrer em momentos inoportunos

e vice e versa

O que esse grupo de teorias revela sobretudo eacute a grande complexidade

das decisotildees judiciais no acircmbito do controle de constitucionalidade nos paiacuteses que seguem

um modelo fundado na supremacia do Judiciaacuterio ficando claro que nem sempre os

problemas constitucionais seratildeo resolvidos por meio da simples declaraccedilatildeo de

48

constitucionalidade ou inconstitucionalidade mesmo que acabem no fim resultando em um

dos dois efeitos isso pode ocorrer em diversas intensidades

Fica claro entatildeo que o Judiciaacuterio exerce um papel tambeacutem poliacutetico

precisando agir com prudecircncia tanto quanto o legislativo para que suas decisotildees sejam bem

aceitas pela sociedade e produzam os efeitos esperados (HUBNER 2008)

Dessa forma ainda que seja alvo de criacuteticas e talvez natildeo seja a melhor

forma de concretizar o diaacutelogo natildeo se pode desprezar totalmente o conteuacutedo dessas teorias

e nem seus efeitos praacuteticos pois assim como essas praacuteticas podem ser consideradas

prejudiciais do ponto de vista democraacutetico ao mesmo tempo podem ser consideradas

beneacuteficas sob a oacutetica de concretizaccedilatildeo de direitos fundamentais sobretudo em paiacuteses

subdesenvolvidos ou que enfrentam uma crise de representatividade do Poder Legislativo

pois mediante decisotildees judiciais este seraacute forccedilado a agir

Um importante caso que vem sendo apontado por diversos

doutrinadores como um sucesso na efetivaccedilatildeo de direitos fundamentais e que segue a loacutegica

dessas teorias eacute a Aacutefrica do Sul o qual passamos a explanar

9 O especial caso da Aacutefrica do Sul

O constitucionalismo Sul Africano tem recebido muita atenccedilatildeo dos

estudiosos sobretudo dos defensores das teorias dialoacutegicas em virtude das inovadoras

decisotildees que vem sendo proferidas pela Suprema Corte desse paiacutes

A implementaccedilatildeo de um Estado democraacutetico na Aacutefrica do Sul

notadamente natildeo foi um processo tranquilo tampouco paciacutefico em virtude da sua conjuntura

histoacuterica O reconhecimento da autoridade do Poder Judicial para realizar a revisatildeo das leis

natildeo foi fruto de um processo gradativo como ocorreu em outros paiacuteses mas sim uma

imposiccedilatildeo brusca e radical 48

O constitucionalismo Sul Africano pode ser dividido em duas fases a

primeira que durou de 1910 a 1994 onde a proteccedilatildeo dos direitos fundamentais cabia ao poder

poliacutetico tendo o judiciaacuterio um papel severamente limitado no controle desse processo e a

48 Ver ROUX Theunis The Politics of Principle the first South African Constitutional Court Cambridge

Cambridge University Press 2013

49

segunda fase recentemente iniciada onde a ordem social e juriacutedica baseia-se na supremacia

de uma constituiccedilatildeo imposta e protegida judicialmente (SCHYFF 2010 p 34)49

A Constituiccedilatildeo de 1996 eacute a quinta adotada pelo paiacutes e eacute exemplo mundial

de uma Constituiccedilatildeo de caraacuteter transformador - que estabelece aspiraccedilotildees entendidas como

um desafio agraves praacuteticas de longa data ndash sendo grande parte do seu texto dedicado a eliminaccedilatildeo

dos efeitos danosos do apartheid (SUSTEIN 2001)

No tocante ao modelo de judicial review adotado a Aacutefrica do Sul optou

por um modelo forte de revisatildeo reconhecendo a supremacia do Poder Judiciaacuterio para a sua

decisatildeo e sendo ele o responsaacutevel pela palavra final no tocante a interpretaccedilatildeo

constitucional Todavia a praacutetica tem revelado uma interessante atuaccedilatildeo do Tribunal no

julgamento de casos que envolvem a efetivaccedilatildeo de direitos socioeconocircmicos

Famoso exemplo eacute o julgamento do caso Grotboom50 no qual estava em

questatildeo o direito a moradia de centenas de pessoas incluindo crianccedilas que estavam

desalojadas Esse grupo de pessoas recorreu agrave Corte para requisitar com base nos artigos 26

e 28 da Constituiccedilatildeo que o Estado Sul Africano providenciasse moradia adequada para eles

A Corte ao analisar o caso agrave luz do artigo 26 que assegura o direito a

moradia entendeu que houve violaccedilatildeo ao direito constitucional dos requerentes pois o

Estado natildeo havia cumprido com o dever de efetivar progressivamente dentro dos recursos

disponiacuteveis o acesso agrave moradia adequada Destacou que embora o programa do Governo

relativo a moradia fosse razoaacutevel em vaacuterios aspectos era falho pois natildeo atendia agraves

necessidades mais urgentes natildeo prevendo soluccedilatildeo para as demandas de curto prazo

No paraacutegrafo 42 da decisatildeo a Corte enfatizou que a mera ediccedilatildeo de leis

natildeo eacute o suficiente para constituir o cumprimento do dever constitucional do Estado que este

tem a obrigaccedilatildeo de agir para alcanccedilar o resultado pretendido e as medidas legislativas

invariavelmente tecircm de ser apoiadas por poliacuteticas e programas bem dirigidos e

adequadamente implementados pelo Executivo Que as poliacuteticas e programas devem ser

49 Para um maior aprofundamento sobre o constitucionalismo Sul Africano ver COCKRELL Alfred The

South African Bill of Rights and the lsquoDuckRabbitrsquo 60 Mod L Rev 513 (1997) BOUCKAERT Peter N The

Negotiated Revolution South Africarsquos Transition to Multiracial Democracy 33 Stanford J Int L 375 (1997)

GOLDSTONE Richard J The South African Bill of Rights 32 Texas Int L J 1451 (1997)

50 Government of The Republic of South Africa and others v Grootboom and others (CCT 1100) Igraventegra da

decisatildeo disponiacutevel emlt httpwwwsafliiorgzacasesZACC200019htmlgt

50

razoaacuteveis tanto na sua concepccedilatildeo quanto na sua implementaccedilatildeo sendo a formulaccedilatildeo de um

programa apenas a primeira etapa para cumprir as obrigaccedilotildees do estado jaacute que este deve ser

razoavelmente implementado pois se assim natildeo for natildeo constituiraacute o cumprimento das

obrigaccedilotildees do Estado51

Por fim o Tribunal emitiu uma ordem declaratoacuteria que delimitou as

deficiecircncias do programa governamental e sugeriu em vez de direcionar medidas para

minimizar as falhas O documento natildeo indicou entretanto que tipo de abrigo o Governo

deveria construir deixando essa decisatildeo para o proacuteprio Estado (NGWENA 2013 p80)

Por intermeacutedio dessa decisatildeo a Corte ao mesmo tempo que reconheceu

a justiciabilidade dos direitos sociais preservou certa autonomia do Estado no que respeita

a elaboraccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas vez que natildeo determinou a exata maneira que o mesmo

deveria agir reconhecendo que essa eacute uma competecircncia que natildeo compete ao Judiciaacuterio

Esse tipo de decisatildeo pode ser visto sob o ponto de vista das teorias

dialoacutegicas fundadas no meacutetodo judicial explicadas acima Nesse sentido reforccedilando o

potencial dialoacutegico dessas decisotildees Dixon (2007) leciona que o Poder Judiciaacuterio deve

exercer um papel ativo a fim de evitar a ineacutercia dos outros poderes

Aponta que as possiacuteveis causas da ineacutercia legislativa seriam de duas

categorias os blind spots ou pontos cegos que satildeo as situaccedilotildees em que natildeo resta claro para

o Legislativo os imperativos de sua accedilatildeo reguladora como por exemplo quando natildeo

reconhecem que determinada forma de aplicaccedilatildeo de uma lei pode ser violadora de direitos

e quando a ineacutercia decorre de motivos de conveniecircncia poliacutetica quando acredita que o ocircnus

eleitoral da sua accedilatildeo pode ser maior que o da sua omissatildeo (DIXON 2007)

Nessa perspectiva de diaacutelogo proposta por Dixon cabe ao Judiciaacuterio

provocar o Legislativo por meio da decisatildeo judicial que o obrigue a elaboraccedilatildeo de poliacuteticas

puacuteblicas para garantir tanto quanto possiacutevel a maior eficaacutecia dos direitos fundamentais

51 [42] The state is required to take reasonable legislative and other measures Legislative measures by

themselves are not likely to constitute constitutional compliance Mere legislation is not enough The state is

obliged to act to achieve the intended result and the legislative measures will invariably have to be supported

by appropriate well-directed policies and programmes implemented by the executive These policies and

programmes must be reasonable both in their conception and their implementation The formulation of a

programme is only the first stage in meeting the statersquos obligations The programme must also be reasonably

implemented An otherwise reasonable programme that is not implemented reasonably will not constitute

compliance with the statersquos obligations Government of The Republic of South Africa and others v Grootboom

and others (CCT 1100)

51

sem todavia adentrar ou comprometer a sua liberdade de conformaccedilatildeo mas de forma que

retire o legislativo da sua ineacutercia

Por decisotildees como essa apesar do sistema Sul Africano ter como

caracteriacutestica a participaccedilatildeo ativa do Judiciaacuterio na efetivaccedilatildeo dos direitos fundamentais o

mesmo vem sendo apontado por alguns estudiosos das teorias do diaacutelogo como um sistema

promissor nesse sentido em virtude do enfraquecimento das decisotildees judiciais que apesar

de direcionarem a atuaccedilatildeo do Legislativo preservam a sua liberdade de escolha e atuaccedilatildeo

10 As teorias estruturais de diaacutelogo

Nessa categoria alocam-se as teorias que se baseiam no reconhecimento

de mecanismos institucionais ou poliacuteticos dentro dos sistemas constitucionais que permitam

aos atores poliacuteticos responder agraves decisotildees judiciais em caso de conflito

Ao contraacuterio das teorias do meacutetodo judicial essas natildeo tecircm como objeto

principal a construccedilatildeo da decisatildeo judicial mas sim as formas pelas quais se estabelecem as

relaccedilotildees entre as diversas estruturas do Poder de maneira que possam oferecer respostas agrave

uma decisatildeo que gere desacordo Hubner (2008 p 99) aponta que as teorias estruturais ao

contraacuterio das que se fundam no meacutetodo judicial possuem um caraacuteter exoacutegeno logo menos

dependente da postura de cada instituiccedilatildeo

Para os que defendem essas teorias o diaacutelogo surge mediante a

utilizaccedilatildeo de mecanismos de interaccedilatildeo entre juiacutezes e os outros atores poliacuteticos Esses

mecanismos satildeo encontrados no modelo do weak judicial review ou sistemas brandos de

controle de constitucionalidade os quais como jaacute dito surgiram como uma alternativa ao

modelo tradicional pautado na supremacia judicial

A maioria dessas teorias foram surgindo a partir da necessidade de

justificar e fundamentar a previsatildeo de mecanismos contidos no Bill of Rights de paiacuteses

tradicionalmente de supremacia parlamentar a fim de harmonizar este tipo de sistema com

a necessidade de proteccedilatildeo aos direitos fundamentais

De acordo com a sistematizaccedilatildeo feita por Bateup existem quatro

subcategorias de teorias estruturais as de construccedilatildeo coordenada as dos princiacutepios juriacutedicos

a do equiliacutebrio e a da parceria Importante esclarecer que apesar de termos adotado essa

52

sistematizaccedilatildeo como nosso referencial teoacuterico por acreditarmos na sua coerecircncia e

completude neste particular ousamos discordar dessa diferenciaccedilatildeo

A diferenciaccedilatildeo feita por Bateup reside basicamente nos argumentos de

que as teorias de construccedilatildeo coordenada se aplicam apenas ao contexto norte-americano as

teorias dos princiacutepios juriacutedicos reconhecem uma especial competecircncia ao Judiciaacuterio para

decidir questotildees relacionadas agrave princiacutepios juriacutedicos as do equiliacutebrio por serem neutras natildeo

reconhecem nenhuma capacidade especial a nenhum Poder e contam ainda com a

participaccedilatildeo da sociedade e as teorias da parceria

Sendo assim todas as subcategorias em que Bateup divide as teorias

estruturais de diaacutelogo enquadram-se na ideia geral da construccedilatildeo coordenada podem ateacute se

diferenciar em um ou outro aspecto mas ainda assim natildeo deixam de fazer parte desta

Dessa forma natildeo se deixaraacute de abordar as subdivisotildees propostas por

Bateup mas ao contraacuterio do que foi feito no tocante as teorias centradas no meacutetodo judicial

natildeo se mencionaraacute especicamente cada uma delas para depois dar exemplos praacuteticos mas

seratildeo feitas as devidas menccedilotildees quando da anaacutelise dos diferenres sistemas de weak judicial

review que aqui se apresenta como exemplo das teorias estruturais de diaacutelogo

Importante se faz esclarecer que essa opccedilatildeo tambeacutem reside em questotildees

didaacuteticas necessaacuterias para a melhor compreensatildeo do trabalho

10 1 Teorias de construccedilatildeo coordenada

Tratam-se de teorias que reconhecem que a identificaccedilatildeo do sentido

constitucional eacute uma tarefa a ser compartilhada entre as diversas esferas do Poder ou seja

natildeo eacute uma tarefa atribuiacuteda unicamente ao Judiciaacuterio Assim o diaacutelogo eacute algo inerente ao

princiacutepio do check and balances natildeo havendo uma uacutenica instacircncia detentora da uacutetlima

palavra

Com isso a base dessas teorias eacute o fato de que da mesma forma que o

Tribunal possui mecanismos de controle dos ramos poliacuteticos por meio da revisatildeo judicial

tambeacutem podem ser colocados controles sobre o Tribunal quando os atores poliacuteticos

estiverem em desacordo com a sua interpretaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo

53

Bateup (2005 p 33) define a teoria da construccedilatildeo coordenada como a

mais antiga concepccedilatildeo de interpretaccedilatildeo constitucional fazendo menccedilatildeo ao pensamento dos

teoacutericos americanos de James Madison e Thomas Jefferson o primeiro por ter reconhecido

que apesar das questotildees de interpretaccedilatildeo constitucional normalmente recaiacuterem sobre o

Judiciaacuterio no curso normal do Governo a Constituiccedilatildeo natildeo lhe atribui qualquer autoridade

especiacutefica perante outros braccedilos do Poder e o segundo por considerar que cada ramo do

Governo deve ser ldquocoordenado e independenterdquo possuindo todos eles responsabilidade pela

interpretaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo

No contexto norte americano um dos primeiros autores a abordar essa

teoria foi Louis Fisher que teve como principal meacuterito demonstrar mediante exemplos da

histoacuteria americana que o processo constitucional eacute mais complexo do que a simples emissatildeo

pela Corte da uacuteltima palavra A uacuteltima palavra segundo essa histoacuteria confirmaria natildeo

pertence a nenhuma instituiccedilatildeo (HUBNER 2009 p 126)

O que haacute de mais caracteriacutestico nessas teorias eacute o fato de os outros

ramos do Poder em especial o Legislativo caso natildeo concordem com a decisatildeo judicial

poderem provocar a Corte reconhecendo assim que a interpretaccedilatildeo constitucional eacute tarefa

que compete a todos os Poderes e natildeo apenas a um ramo em especiacutefico

Vaacuterios autores dentro do cenaacuterio americano passaram a tratar do

assunto inclusive em forma de criacuteticas poreacutem por questotildees didaacuteticas conforme jaacute

mencionado natildeo se limitaraacute a falar especificamente sobre cada um deles52 Todavia destaca-

se a teoria de Barry Friedman a qual Bateup subclassifica como teoria do equiliacutebiro poreacutem

aqui eacute tratada como uma teoria de construccedilatildeo coordenada pelos motivos jaacute acima expostos

A teoria de Friedman merece ser mencionada pois se diferencia das

outras tantas que se encaixam nesta categoria por considerar a importacircncia do papel ativo da

sociedade na deliberaccedilatildeo sobre direitos

Para esse Autor a Constituiccedilatildeo eacute um texto aberto e flexiacutevel que permite

52 Outros importantes nomes dessa teoria satildeo Keith Whittington e Mitchell Pickeril Destaque para a

importacircncia do trabalho deste uacuteltimo que realizou importante pesquisa empiacuterica da realidade americana de

caraacuteter revelador e agregador para a teoria da construccedilatildeo coordenada demonstrando que o diaacutelogo entre os

poderes eacute inerente ao princiacutepio do check and balances americano pelo que sugerimos a consulta PICKERILL

J Mitchell Constitutional Deliberation in Congress the impact of Judicial Review in a Separated System

Duke University Press 2004

54

diversas interpretaccedilotildees sujeitas agrave mudanccedilas constantes Assim a interpretaccedilatildeo constitucional

seria um processo de idas e vindas em que a Corte devolve o tema para a sociedade e

para outros poderes e vice-versa metaforicamente como uma partida de tecircnis na qual os

parceiros rebatem a bola um para o outro53 (FRIEDMAN 1993)

Com isso afasta a ideia de que haacute uma vontade da maioria definida a

ser representada por um dos poderes sugerindo que na realidade essa vontade sofre

constantes mutaccedilotildees54 cabendo aos ramos do Poder no processo de interpretaccedilatildeo

constitucional negociar e definir uma direccedilatildeo em meio ao pluralismo existente na

sociedade55 Reconhece o diaacutelogo institucional como fruto da separaccedilatildeo de poderes

compartilhando dos elementos da teoria da construccedilatildeo coordenada poreacutem acrescenta a eles

a vontade popular

Eacute justamente no aspecto relativo a grande importacircncia que daacute a vontade

popular que reside a principal criacutetica agrave essa teoria pois natildeo oferece alternativa agrave interaccedilatildeo

constitucional estabelecida entre o Judiciaacuterio e os poderes poliacuteticos nas questotildees de menor

importacircncia poliacutetica nas quais o diaacutelogo com toda a sociedade eacute improvaacutevel de ocorrer

(BATEUP 2006 p 69)

Seria impensaacutevel na praacutetica um sistema de jurisdiccedilatildeo constitucional

no qual os Poderes tivessem que recorrer agrave opiniatildeo popular todas as vezes que fossem

realizar a interpretaccedilatildeo de qualquer norma constitucional

Saindo do contexto norte americano outras teorias estruturais do

diaacutelogo emergiram a partir da anaacutelise dos novos modelos de jurisdiccedilatildeo constitucional

adotados por paiacuteses da Commonwealth como jaacute mencionamos no iacutencio deste trabalho Desta

forma optou-se didaticamente por tratar dessas teorias e suas respectivas especificidades no

acircmbito da exposiccedilatildeo dos sistemas e casos em concreto o que se passaraacute a fazer

53 ldquoCourts serve as societyacutes tennis partner always volleying the ball backrdquo (FRIEDMAN 1993 p669)

54 ldquoThe court is free to change its mind The people are free to disagree with the court The court is free to

disagree with the people The members of the courts are free to and usually do disagree with one another As

disagreement occurs the document will take one new meaningsrdquo (FRIEDMAN 1993 p651)

55 ldquoThis process of constitutional interpretation hardly pits the court against the people Rather the court

mediate the views of various people The process is interactive (hellip) Simply put our process of constitutional

interpretation is a dialoguerdquo (FRIEDMAN 1993 p 654)

55

1011 Os mecanismos dialoacutegicos do sistema de revisatildeo judicial

canadense e as teorias de princiacutepios juriacutedicos

Ao adotar formalmente um sistema de judicial review atribuindo ao

Judiciaacuterio a capacidade para solucionar casos concretos de incompatibilidade entre

legislaccedilatildeo e a Carta suscitados por particulares56 o Canadaacute a fim de evitar a consagraccedilatildeo de

um modelo fundado na supremacia judicial ao estilo americano que implicasse na perda do

poder do Parlamento incluiu na sua Carta mecanismos que possibilitassem uma limitaccedilatildeo

do Poder atribuiacutedo ao Judiciaacuterio e ao mesmo tempo preservassem as competecircncias

parlamentares

Esses mecanismos previstos nas Seccedilotildees 33 e 1 da Carta Canadense

consistem respectivamente na ldquoclaacuteusula natildeo obstanterdquo (notwishstanding clause) a qual

possibilita que o Legislativo aplique uma lei mesmo quando esta for contraacuteria ao texto

constitucional e na possibilidade do Legislativo reeditar uma norma que configure e limite

direito consagrado nas seccedilotildees 2 e de 7 a 15 e que jaacute tenha sido objeto de reprovaccedilatildeo pelo

Judiciaacuterio desde que fundada em justificativa razoaacutevel bem como na possibilidade de

configuraccedilatildeo pelo legislativo de direitos e liberdades fundamentais

O estudo realizado por Bushell e Hogg (1997) eacute apontado como um

marco teoacuterico da experiecircncia canadense pois a partir de uma pesquisa de mais de 65 casos

concretos decididos pela Corte canandense desde a Carta de 1982 os autores verificaram

que na grande maioria deles houve em um prazo razoavelmente curto uma resposta

legislativa agrave decisatildeo judicial Diante disso os autores afirmaram que o sistema canadense

propicia a concretizaccedilatildeo de um verdadeiro diaacutelogo entre os Poderes no exerciacutecio da

jurisdiccedilatildeo constitucional

A anaacutelise dos autores a respeito da implementaccedilatildeo da revisatildeo judicial

canadense pela Carta de 1982 eacute bastante otimista pois consideram que ateacute mesmo naqueles

casos em que o legislador aquiesceu agrave decisatildeo proferida pela Corte houve uma reaccedilatildeo

dialoacutegica jaacute que a concordacircncia tambeacutem pode ser fruto de um diaacutelogo

56 ldquoArt 24 (1) Anyone whose rights or freedoms as guaranteed by this Charter have been infringed or denied

may apply to a court of competent jurisdiction to obtain such remedy as the court considers appropriate and

just in the circumstances Art 52 (1) The Constitution of Canada is the supreme law of Canada and any law

that is inconsistent with the provisions of the Constitution is to the extent of the inconsistency of no force or

effectrdquo Canadian Constitutional Act 1982

56

Afirmam que os legisladores canadenses estatildeo engajados na

concretizaccedilatildeo do diaacutelogo com a Corte eis que buscam fundamentar no preacircmbulo das leis

promulgadas tanto das que excedem os limites da Carta como das que substituem as que

foram consideradas inconstitucionais que as mesmas se dirigem a um objetivo ldquourgente e

substancialrdquo e destinam-se a ldquolimitar razoalmenterdquo direitos e liberdades (BUSHELL

HOGG 1997 p 101)

Consideram ainda que mesmo quando apoacutes a anaacutelise judicial a lei natildeo eacute

declarada invaacutelida haacute um diaacutelogo em virtude de tal anaacutelise despertar o debate puacuteblico

chamando a atenccedilatildeo do legislador ao assunto de forma que possa rever possiacuteveis problemas

na lei e eventualmente alteraacute-la Ou seja a decisatildeo judicial natildeo deve ser encarada como um

veto mas como o ponto de partida para uma conversa institucional sobre como conciliar

direitos individuais com obejtivos de poliacuteticas econocircmicas e sociais (BUSHELL HOGG

1997 p 101-105)

Referido estudo teve grande repercussatildeo na doutrina nacional Por um

lado muitos reforccedilaram e concordaram com a ideia dos autores por outro a mesma foi alvo

de intensa criacuteticas sobretudo pela forma abrangente de caracterizaccedilatildeo do diaacutelogo57 O

impacto tambeacutem foi sentido na proacutepria Corte que passou a usar a metaacutefora do diaacutelogo para

justificar suas decisotildees algumas delas bastante controversas conforme se leraacute mais adiante

Portanto a experiecircncia canadense eacute um importante exemplo de aplicaccedilatildeo

das teorias estruturais dialoacutegicas jaacute que traz a previsatildeo expressa de mecanismos

possibilitadores na visatildeo de alguns de um diaacutelogo institucional

Na sistematizaccedilatildeo feita por Bateup as teorias que se referem agrave

experiecircncia canadense satildeo teorias de princiacutepios juriacutedicos Na classificaccedilatildeo da Autora esse

grupo de teorias corresponde agravequelas em que haacute o reconhecimento de que o Judiciaacuterio possui

57 A repercussatildeo literaacuteria do estudo foi tatildeo grande e significativa que apoacutes dez anos da sua publicaccedilatildeo o

mesmo perioacutedico (Osgoode Hall Law Journal) lanccedilou uma ediccedilatildeo comemorativa contendo uma atualizaccedilatildeo

do texto original e outros artigos em resposta ao mesmo Ver HOGG P et al ldquoCharter Dialogue Revisited

ndash Or Much Ado About Metaphorsrdquo HAIGH R e SOBKIN M ldquoDoes the Observer Have an Effect An

Analysis of the Use of the Dialogue Metaphor in Canadarsquos Courtsrdquo HUSCROFT G ldquoConstitutionalism from

the Top Downrdquo MANFREDI C ldquoThe Day the Dialogue Died A Comment on Sauveacute v Canadardquo MATHEN

C ldquoDialogue Theory Judicial Review and Judicial Supremacy A Comment on lsquoCharter Dialogue

Revisitedrsquordquo PETTER A Taking Dialogue Theory Much Too Seriously (or Perhaps Charter Dialogue Isnrsquot

Such a Good Thing After All) ROACH K Sharpening the Dialogue Debate The Next Decade of

Scholarshiprdquo e HOGG P et al ldquoA Reply on lsquoCharter Dialogue Revisitedrdquo

57

uma especial competecircncia institucional voltada para a resoluccedilatildeo de questotildees que envolvem

princiacutepios juriacutedicos cabendo aos poderes poliacuteticos fazer o controle das decisotildees no caso de

erro de interpretaccedilatildeo (BATEUP 2006 p41)

Ainda que essas teorias reconheccedilam uma competecircncia de certo modo

especial ao Judiciaacuterio a qual pode ateacute mesmo ser considerada como caracteriacutestica inerente

ao proacuteprio judicial review tendo em vista que elas tambeacutem preveem a possibilidade de

reaccedilatildeo do legislativo agrave decisatildeo judicial incluindo a possibilidade de correccedilatildeo dessa decisatildeo

entende-se que natildeo se distanciam das teorias de construccedilatildeo coordenada ao ponto de merecer

classificaccedilatildeo diferente

Destaca como primeiro defensor dessa competecircncia especial do

Judiciaacuterio Alexander Bickel que considerou o Judiciaacuterio como detentor de especial

habilidade para preservar proteger e defender princiacutepios devido ao seu isolamento poliacutetico

e por outro lado o Legislativo como melhor indicado para determinar valores sociais

fundamentais pela sua proximidade com as pessoas (BATEUP 2006 p41-42)

Nesse sentido Bushell e Hogg ao tratar da metaacutefora do diaacutelogo na

experiecircncia canadense tambeacutem satildeo partidaacuterios desse entendimento eis que afirmaram

alguns anos e muitas criacuteticas apoacutes o seu primeiro estudo que o legislativo pode e deve

interpretar a Carta mas que natildeo deve agir de forma contraacuteria a interpretaccedilatildeo proferida pela

Corte 58

Kent Roach tambeacutem eacute outro importante autor canadense que defende a

competecircncia especial do Judiciaacuterio para lidar com questotildees de princiacutepios todavia ressalta a

58 ldquoThe key issue in our view is not whether the legislative and executive branches do and should interpret

the Charter (they do and should) but whether they should act on an interpretation of the Charter that conflicts

with an interpretation provided by the courts backdrop of a prior relevant judicial decision the legislature

and the executive may act on their interpretation of the Charter Why Because in doing so they would not be

doing (or refraining from doing) something that the courts have said would unjustifiably infringe the Charter

It would be strange indeed if the legislative or executive branches could not interpret the Charter and act on

that interpretation where a court has not yet considered what the Charter prohibits (or requires) in the

circumstances1 However where the interpretive task takes place against the backdrop of a prior relevant

judicial decision the legislature and the executive may not act on an interpretation of the Charter which

conflicts with an interpretation provided by the courts Why Because in doing so they would be doing (or

refraining from doing) something that the courts have said would unjustifiably infringe the Charter and under

our system of constitutional democracy that is impermissiblerdquo (BUSHEL HOGG 2007 p 33)

58

importacircncia do Parlamento aludindo que a decisatildeo judicial apenas inicia o debate59

Destaca que a atuaccedilatildeo da Corte natildeo impede que o Parlamento prevaleccedila

se este assim quiser mas reforccedila a responsabilidade das suas escolhas poliacuteticas e o induz a

apresentar justificativas razoaacuteveis e aceitaacuteveis para legitimar suas opccedilotildees que venham a

restringir direitos (ROACH 2001)

Portanto em suma as teorias dos princiacutepios juriacutedicos vivenciadas na

experiecircncia canadense satildeo aquelas que defendem a ideia da participaccedilatildeo de todos os poderes

na interpretaccedilatildeo constitucional sendo esta uma tarefa conjunta todavia privilegiam a

interpretaccedilatildeo judicial poreacutem com a possibilidade de reaccedilatildeo legislativa

Bateup acrescenta ainda uma subdivisatildeo dentro dessas teorias tendo em

vista que para alguns autores o diaacutelogo se consubstancia na realizaccedilatildeo do controle das

decisotildees judiciais pelos poderes poliacuteticos no caso da ocorrecircncia de erro de interpretaccedilatildeo e jaacute

para outros - que minimizam o papel do controle poliacutetico sobre o Tribunal - o diaacutelogo surge

por intermeacutedio da articulaccedilatildeo legislativa que emerge como resposta agraves decisotildees judiciais

Essas subdivisotildees se traduzem na praacutetica justamente nos dois

mecanismos dialoacutegicos expressamente adotados pela Carta canadense os quais seratildeo

explicados a seguir

1012 Princiacutepios e articulaccedilatildeo legislativa da poliacutetica ndash seccedilatildeo 1 da

Carta Canadense

As teorias identificadas por Bateup como Teorias de Princiacutepios e

Articulaccedilatildeo Legislativa da Poliacutetica satildeo as que preceituam que a concretizaccedilatildeo do diaacutelogo

ocorre por meio da articulaccedilatildeo legislativa Reconhecem ao Legislativo competecircncia especial

para a elaboraccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas e para conciliar muacuteltiplos objetivos concorrentes na

sociedade pelo que este deve responder agraves decisotildees judiciais respeitando a interpretaccedilatildeo de

princiacutepios feita pelo Tribunal poreacutem com uma visatildeo mais ampla dos objetivos poliacuteticos

(BATEUP p 50-51)

Como exemplo dessa teoria pode-se indicar a Seccedilatildeo 1 da Carta

59 Para maior clareza e detalhes desse entendimento ver as seguintes obras do referido autor ldquoThe Supreme

Court on Trial Judicial Ativism or Democratic Dialogue 2001rdquo e ldquoConstitutional and Common Law

Dialogues Between Supreme Court and Canadian Legislatures2001rdquo

59

Canadense60 a qual atribui ao Legislativo a possibilidade de relativizaccedilatildeo por meio de lei

de direitos e garantias desde que seja razoaacutevel e ldquojustificada de forma demonstraacutevel em uma

sociedade livre e democraacuteticardquo61

O objetivo central para a criaccedilatildeo desta norma era garantir que o

Legislativo continuasse a ter flexibilidade de escolha quando da aprovaccedilatildeo de poliacuteticas que

eventualmente fossem conflitantes com os novos direitos fundamentais que passaram a ser

resguardados pela Carta (HIEBERT 1990)

Todavia apesar de a claacuteusula ser direcionada ao Legislativo a avaliaccedilatildeo

das questotildees que envolvem a sua aplicabilidade como a verificaccedilatildeo da legalidade e da

legitimidade62 acaba por ser feita pelo Judiciaacuterio a quem compete analisar as

incompatibilidades entre as leis e os direitos e liberdades assegurados pela Carta

Dessa forma a aplicaccedilatildeo da Seccedilatildeo 1 da Carta revelou-se de certa forma

engenhosa pois ao mesmo tempo em que confere maior liberdade ao legislador

caracteriacutestica de um weak judicial review a verificaccedilatildeo da razoabilidade da sua escolha eacute

feito pelo Judiciaacuterio Sendo assim ainda que a claacuteusula seja dirigida ao Legislativo as

implicaccedilotildees da sua aplicaccedilatildeo chamaram muita atenccedilatildeo no acircmbito da atuaccedilatildeo judicial

Nesse sentido Elliot (1987 p 279) aponta que a Seccedilatildeo 1 tornou-se de

fato a principal disposiccedilatildeo da Carta e a maneira como a Corte tem lidado com ela diz muito

a respeito natildeo apenas do impacto que a Carta pode ter sobre os outros poderes mas tambeacutem

sobre a proacutepria Corte e como ela percebe seu papel sob a Carta

Os principais estudos realizados para analisar o comportamento da Corte

quando da avaliaccedilatildeo da aplicaccedilatildeo da Seccedilatildeo 1 pelo Legislativo revelaram que natildeo haacute uma

conduta uniforme podendo a Corte tanto ter uma conduta mais ativista quanto mais

deferente agraves opccedilotildees legislativas

Estudiosos classificam e dividem a atuaccedilatildeo da Corte em trecircs momentos

60 Para entender o histoacuterico evolutivo de criaccedilatildeo da referida claacuteusula ver HIEBERT Janet The Evolution of

Limitation Clause 28 Osgoode Hall L J 103 1990

61 ldquo1The Canadian Charter of Rights and Freedoms guarantees the rights and freedoms set out in it subject

only to such reasonable limits prescribed by law as can be demonstrably justified in a free and democratic

societyrdquo Canadian Constitution Act 1982

62 Sobre a verificaccedilatildeo da legalidade e legitimidade ver HIEBERT J L Limiting Rights The Dilemma of

Judicial Review p 137-146

60

o primeiro relativo aos primeiros anos de vigecircncia da Carta o segundo referente a fase

iniciada com o julgamento do caso R v Oakes e o terceiro relativo aos desenvolvimentos

mais atuais

Nos primeiros anos em que vigorou a Carta canadense percebeu-se que

a conduta da Corte no tocante a aplicaccedilatildeo da Seccedilatildeo 1 foi bastante abrangente buscando

afirmar o seu papel de guardiatilde de direitos e liberdades bem como garantir a maacutexima eficaacutecia

dos mesmos Assim pode-se dizer que nos primeiros anos a Corte adotou uma postura

ativista (ELLIOT 1987) 63

Apesar da postura ativista a Corte logo nos primeiros anos natildeo realizava

de fato a anaacutelise da razoabilidade das medidas legislativas restritivas de direito sob seu

escrutiacutenio tentando natildeo enfrentar questotildees de cunho poliacutetico limitava-se a dizer que a

restriccedilatildeo de direitos poderia significar indiretamente a intenccedilatildeo do legislador de reformar a

Carta o que natildeo podia ser admitido (ELLIOT 1987)

A adoccedilatildeo desse tipo de postura pela Corte pode ser percebida no

julgamento do caso Ag Quebec v Quebec Association of Protestant Schools Boards64

ocorrido no ano de 1984 dois anos apenas apoacutes a aprovaccedilatildeo da Carta quando foi discutida

e declarada a incompatibilidade do da Seccedilatildeo 73 da Carta de Quebec da Liacutengua Francesa

(Quebec Charter of the French Language ou Bill 101) com a seccedilatildeo 23 da Carta Canadense

de Direitos e Liberdades 65

Em suma o que dispunha o Bill 101 era uma restriccedilatildeo ao direito de acesso

das crianccedilas a escolas puacuteblicas de Liacutengua Inglesa com exceccedilatildeo das crianccedilas cujo pai ou matildee

tivesse estudado em escolas tambeacutem de Liacutengua Inglesa dos filhos de imigrantes que jaacute

vivessem na proviacutencia anteriormente agrave aprovaccedilatildeo da lei e que tivessem sido educados em

Inglecircs ou cuja educaccedilatildeo tenha sido em uma liacutengua pouco falada naquele local ou aquelas

63 No mesmo sentido ldquoIn its initial judgments under the Canadian Charter of Rights and Freedoms the

Supreme Court of Canada respected the postwar structure of rights protection embedded in its first provision

and began to work out the requisite rules of interpretation legal presumptions and conceptions of institutional

roles Central to thislegal analysis was the Courtrsquos understanding that its responsibility was to secure the

rights guarantees as supreme law and to ensure that the limitation function enjoyed normative continuitywith

the rightsrdquo (WEINRIB 2002 p 122)

64 AG (Que) v Quebec Protestant School Boards [1984] 2 SCR Iacutentegra da decisatildeo disponiacutevel em lt

httpsscc-csclexumcomscc-cscscc-cscenitem26indexdogt

65 Nesse mesmo sentido ver tambeacutem a outros casos como Hunter v Southam Inc Re Singh and Ministered of

Employment and Imigration R v Big M Drug Mart Ltd

61

crianccedilas que tivessem irmatildeo jaacute matriculado na mesma escola

Entendeu a Corte portanto que essa norma visava modificar a

disposiccedilatildeo contida na Carta Canadense a qual dispunha expressamente sobre a garantia da

educaccedilatildeo puacuteblica em inglecircs ou francecircs aos filhos de cidadatildeos cuja primeira liacutengua que

tenham recebido na educaccedilatildeo primaacuteria seja uma liacutengua minoritaacuteria naquele local natildeo se

prestando a analisar a razoabilidade da limitaccedilatildeo de direitos alegada pela Proviacutencia de

Quebec66

Dessa forma o que se percebe eacute que a Corte sequer chegou a analisar a

razoabilidade da medida e as provaacuteveis justificativas do legislador limitando-se a declarar a

incompatibilidade da lei sem tentar sequer interpretaacute-la de acordo com a Carta

A segunda fase de acordo com divisatildeo feita por Elliot foi inaugurada

com o famoso julgamento do caso R v Oakes67 em 1986 quando foi introduzida pela

primeira vez uma regra para a verificaccedilatildeo da razoabilidade da restriccedilatildeo imposta pela medida

legislativa a luz da Seccedilatildeo 1 da Carta Canadense

A Corte passou entatildeo a utilizar o que ficou conhecido como ldquoteste de

Oakesrdquo para verificar se a medida legislativa constitui uma restriccedilatildeo a direitos razoaacutevel e

comprovadamente justificaacutevel em uma sociedade livre e democraacutetica o qual consiste

basicamente no estabelecimento de um padratildeo de prova apoiado em severos criteacuterios de

verificaccedilatildeo da legitimidade racionalidade necessidade e proporcionalidade da restriccedilatildeo

(TREMBLAY WEBBER 2008 p 2)68

66 ldquoThe limits imposed by s 73 are not legitimate limits within the meaning of s 1 of the Charter to the extent

that the latter section applies to rights conferred by s 23 In view of the period when the Charter was enacted

and especially in light of the wording of s 23 which repeats the unique set of criteria contained in s 73 of Bill

101 it is apparent that Chapter VIII seemed to the framers as an archetype of the regimes needing reform

Accordingly the limits which Bill 101 imposes on rights relating to the language of instruction cannot possibly

have been regarded by the framers of the Constitution as coming within ldquosuch reasonable limits prescribed by

law as can be demonstrably justified in a free and democratic societyrdquo Even if enacted after the Charter the

s 73 limits could not be legitimized by s 1 of the Charter Section 73 redefines for Quebec the classes of

persons who are entitled to instruction in the minority language and has the effect of creating an exception to

s 23 and of amending the Charter Whatever their scope the limits which s 1 allows cannot be equated with

exceptions to the rights and freedoms guaranteed by the Charter and may not be treated as amendments to the

Charterrdquo (AG (Que) v Quebec Protestant School Boards 1984 p 67-68)

67 O caso teve por objeto a anaacutelise de incompatibilidade entre a seccedilatildeo 8 do Narcotic Control Act que atribuia

o ocircnus ao cidadatildeo preso por porte de droga de prova que a mesma natildeo se destinava ao traacutefico e a seccedilatildeo 11(d)

da Carta que dispotildee sobre o princiacutepio da presunccedilatildeo de inocecircncia R v Oakes [1986] 1 SCR 103 inteiro teor

da decisatildeo disponiacutevel emhttpsscc-csclexumcomscc-cscscc-cscenitem117indexdo

68 Para uma comparaccedilatildeo entre o teste de Oakes e a aplicaccedilatildeo do princiacutepio da proporcionalidade ver GRIMM

Dieter Porportionality in Canada and German Constitutional Jurisprudence University of Toronto Journal

62

Inicialmente a introduccedilatildeo do ldquoteste de Oakesrdquo parecia ter resolvido as

questotildees e duacutevidas relativas a aplicaccedilatildeo da Seccedilatildeo 1 da Carta Todavia a praacutetica mostrou

rapidamente que o teste natildeo resolvera todas as questotildees os julgamentos que se seguiram

demonstraram ainda existir um forte desacordo entre os membros da Corte sobre a aplicaccedilatildeo

da claacuteusula bem como dificuldades inerentes ao proacuteprio teste (ELLIOT 1986)

A aplicaccedilatildeo do teste por acabar induzindo uma postura mais ativista da

Corte e limitando a margem de atuaccedilatildeo do legislador foi muito discutida doutrinariamente

e tambeacutem no acircmbito da proacutepria Corte (TREMBLAY WEBBER 2008)69 Alguns membros

passaram a ver os desdobramentos da aplicaccedilatildeo do teste como uma expansatildeo injustificada

do Poder judicial em detrimento dos outros poderes pelo que comeccedilaram entatildeo a defender

a necessidade de uma atuaccedilatildeo mais contida (WEINRIB 2002 p 123)

Diante disso as anaacutelises mais recentes dos estudiosos a respeito da

aplicaccedilatildeo da seccedilatildeo 1 da Carta canadense passaram a demonstrar a adoccedilatildeo de uma conduta

mais deferente da Corte para com as medidas legislativas Neste sentido Dixon (2009) ao

analisar inuacutemeros julgados sugere a existecircncia de uma maior contenccedilatildeo da Corte ao lanccedilar

o que chama de ldquosegundo olharrdquo (second look cases) sobre o caso ou no segundo ldquoroundrdquo

do diaacutelogo

O que se percebe eacute que na praacutetica a aplicaccedilatildeo da Seccedilatildeo acaba sendo mais

problemaacutetica do que a teoria imaginava quando da sua criaccedilatildeo Haacute uma dificuldade latente

em estabelecer os limites de interferecircncia do Judiciaacuterio na liberdade de atuaccedilatildeo do

legislativo jaacute que o mesmo acaba tendo que realizar uma anaacutelise do meacuterito das escolhas

poliacuteticas do Legislativo que justifiquem a restriccedilatildeo ou limitaccedilatildeo de direitos e liberdades

Por outro lado se a Corte adota uma postura mais passiva optando por

natildeo interferir na atuaccedilatildeo legislativa e acatar suas escolhas ou ateacute mesmo deixar de adentrar

na anaacutelise do seu meacuterito aiacute tambeacutem haacute riscos Para Weinrib (2002) a postura deferente da

Corte eacute contraacuteria aos objetivos da Carta ignorando a reconstruccedilatildeo dos papeis institucionais

proposta por ela bem como a hierarquia especial dada aos direitos e liberdades nela

Vol 57 N 2 Spring 2007 pp 383-397 e TAVARES DA SILVA Suzana O tretalema do Controlo Judicial

da Porporcionalidade in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra Vol LXXXVIII Tomo

II 2012 pp 639-677 69 Para uma melhor compreensatildeo acerca da aplicaccedilatildeo do teste de Oakes ver CHOUDHRY Sujit So What is

the Real Legacy of Oakes Two Decades of Proportionally Analysis under the Canadian Charterrsquos Section 1

Supreme Court Law Review Vol 34 N 2d pp 501-525 2006

63

previstos assim defender a contenccedilatildeo da Corte seria ceder a primazia dos direitos e

liberdades agrave Poliacutetica enquanto que os legisladores devem estar preparados para arcar com

as responsabilidades das suas escolhas70

No tocante a utilizaccedilatildeo da Seccedilatildeo 1 da Carta pelo Legislativo Tushnet

(2009) destaca que a mesma tambeacutem se revela na praacutetica de certa forma problemaacutetica O

que a experiecircncia canadense mostrou foi que muitas vezes o legislativo utiliza-se da

prerrogativa concedida pela Carta para reeditar a mesma medida legislativa restritiva de

direitos jaacute apreciada e reprovada pelo Judiciaacuterio sem alteraccedilotildees substantivas apenas por

exemplo incluindo no preacircmbulo da lei justificativas usadas por juiacutezes em votos dissidentes

que aprovaram a medida estrateacutegia que ficou conhecida como ldquoin you face responserdquo

Exemplo claacutessico dessa praacutetica do legislador foi o que ocorreu no caso R

v OrsquoConnor71 onde foi discutida pela Suprema Corte Canadense a possibilidade do acusado

em processo penal de obter acesso agraves informaccedilotildees meacutedicas das viacutetimas

O entendimento que prevaleceu na Corte em uma votaccedilatildeo natildeo unacircnime

foi o de que o reacuteu teria direito ao acesso de registros possivelmente relevantes para a

resoluccedilatildeo do caso e mediante anaacutelise do juiz que deveria fazer um balanccedilo entre o direito

de defesa do acusado e o direito a privacidade das viacutetimas Os votos dissidentes defendiam

a exigecircncia de que para que o acusado tivesse acesso agraves informaccedilotildees meacutedicas das viacutetimas

comprovasse antecipadamente de forma substancial e robusta a imprescindibilidade das

70 ldquoI develop a critique of the deferential approach to judicial review under the Charter First it disregards

the prolonged well-informed and remarkably participatory debate that led to the Charterrsquos adoption

Particularly it disregards its fully and publicly articulated remedial purpose to withdraw certain interests

denominated as constitutional rights and freedoms from the give and take of the ordinary political process

Second it fails to take seriously the written product of that debate The deferential approach in effect creates

a hierarchy of rights lacking any discernible basis in the text and ignores the differentiation between rights

that the text does make It also disregards the carefully chosen terms of the limitation formulation drafted in

publicly televised parliamentary proceedings That text was expressly designed to include the technical legal

language of the postwar instruments in order to deliver the effective regime of rights-protection desired by

Canadians generally and in particular sought by those to whom the previous lack of rights-protection

mattered most Disregard of remedial purposes and text leads to the third failing insensitivity to the Charterrsquos

reconstruction of institutional roles The advocates of deference cede the primacy of guaranteed rights and

freedoms to ordinary politics on the ground that the representative accountable legislatures must take

responsibility for the political choices required In effect the polity reverts to the legislative policy-making role

that the Charter was designed to redesignrdquo (WEINRIB 2002 p 123)

71 R v OrsquoConnor [1995] 4 SCR 411 Iacutentegra da decisatildeo disponiacutevel em httpscc-csclexumcomscc-

cscscc-

cscenitem1323indexdor=AAAAAQAjUiB2LiBP4oCZQ29ubm9yIFsxOTk1XSA0IFMuQy5SLiA0MTE

B

64

informaccedilotildees

O Parlamento canadense respondeu ao julgamento da Corte com a ediccedilatildeo

de uma nova lei que visando resguardar o direito agrave privacidade das viacutetimas

consequentemente restringindo o direito de defesa do reacuteu estabelecia um procedimento mais

riacutegido para que o mesmo tivesse acesso agraves informaccedilotildees para fundamentar a restriccedilatildeo seguiu

os argumentos dos votos dissidentes

Essa lei foi objeto de anaacutelise pela Suprema Corte no caso R v Mills72 no

qual a Corte em total deferecircncia ao entendimento do Legislativo considerou que a limitaccedilatildeo

ao direito de defesa do acusado era legiacutetima modificando seu entendimento anterior mesmo

sem nenhum fato novo para tanto73

Para Kent Roach (2001) a resposta legislativa representou o seu

desacordo com a decisatildeo judicial utilizando-se da loacutegica dos votos dissidentes para impor o

seu entendimento sobre a Corte exemplificando assim o uso da ldquoin your face responserdquo

amparado pela prerrogativa da Seccedilatildeo 1 da Carta

Para alguns essa praacutetica eacute vista como uma forma de diaacutelogo74 todavia

natildeo eacute isenta de criacuteticas como se verificaraacute adiante pois pode acabar significando na praacutetica

mais um retorno ao sistema de supremacia parlamentar do que propriamente um sistema

dialoacutegico

1013 Princiacutepios e controle poliacutetico sobre a corte - aplicaccedilatildeo praacutetica

da seccedilatildeo 33

A previsatildeo contida na Seccedilatildeo 33 da Carta Canadense exemplifica a

segunda subcategoria das teorias de princiacutepios juriacutedicos segundo a qual o diaacutelogo se

consubstancia na realizaccedilatildeo do controle das decisotildees judiciais pelos poderes poliacuteticos no

caso da ocorrecircncia de erro de interpretaccedilatildeo

72 R v Mills 1999] 3 SCR 668 Iacutentegra da decisatildeo disponiacutevel em httpsscc-csclexumcomscc-cscscc-

cscenitem1751indexdo

73 Para uma criacutetica mais aprofundada do caso ver CAMERON Jamie Dialogue and Hierarchy in Charter

Interpretation A comment on R v Mills Alberta Law Review Vol 38 N 4 2001

74 Ver DIXON Rosalind The Supreme Court of Canada Charter Dialogue and Deference U of Chicago

Public Law Working Paper N 284

65

A seccedilatildeo 33 ficou conhecida como notwithstanding clause ou overriding

por permitir ao Parlamento a reediccedilatildeo de um texto legal limitador de direitos consagrados

na Carta nas seccedilotildees 2 e de 7 a 15 mesmo quando jaacute tenha sido objeto de reprovaccedilatildeo pelo

Judiciaacuterio pelo prazo maacuteximo de cinco anos75

A referida claacuteusula do overriding apesar de inovadora e do seu aparente

potencial promissor na reconfiguraccedilatildeo dos papeis institucionais na verdade encontrou pouca

aplicaccedilatildeo concreta sendo poucas vezes invocada pelo legislativo Roach (2001) por

exemplo defende ser preferiacutevel a utilizaccedilatildeo da Seccedilatildeo 1 para reeditar uma norma jaacute reprovada

pelo Judiciaacuterio do que fazer uso da Seccedilatildeo 33 que pode representar uma resposta agressiva

como se o Legislativo estivesse gritando para ganhar um debate

Ao mesmo tempo em que a Seccedilatildeo 33 torna a decisatildeo judicial

ldquoprovisoacuteriardquo podendo ser ultrapassada pelo Legislativo possibilitando assim um suposto

diaacutelogo eacute difiacutecil imaginar na praacutetica essa concretizaccedilatildeo O custo poliacutetico a ser suportado

pelo legislador nessa situaccedilatildeo eacute muito alto e nem sempre o mesmo pode estar disposto a

suportaacute-lo 76

Combater a decisatildeo judicial por meio da imposiccedilatildeo da lei conforme

possibilita a Seccedilatildeo 33 parece natildeo ter sido o caminho escolhido pelo legislador canadense jaacute

que a praacutetica revela o pouco usa da referida claacuteusula em detrimento da Seccedilatildeo 1

Apesar de natildeo ter sido muito utilizada pelo Legislativo em razatildeo do seu

alto custo poliacutetico a Corte em alguns casos utliza-se da possibilidade do legislador derrubar

75 33 (1) Parliament or the legislature of a province may expressly declare in an Act of Parliament or of the

legislature as the case may be that the Act or a provision thereof shall operate notwithstanding a provision

included in section 2 or sections 7 to 15 of this Charter Marginal noteOperation of exception (2) An Act or

a provision of an Act in respect of which a declaration made under this section is in effect shall have such

operation as it would have but for the provision of this Charter referred to in the declaration Marginal

noteFive year limitation (3) A declaration made under subsection (1) shall cease to have effect five years

after it comes into force or on such earlier date as may be specified in the declarationMarginal noteRe-

enactment (4) Parliament or the legislature of a province may re-enact a declaration made under

subsection (1)Marginal noteFive year limitation(5) Subsection (3) applies in respect of a re-enactment

made under subsection (4) Canadian Constitutional Act 1982

76 Eacute justamente o alto custo poliacutetico da utilizaccedilatildeo da Seccedilatildeo 33 que faz com que o legislativo opte por responder

de outra forma agrave decisatildeo judicial no caso de discordacircncia fazendo uso assim da Seccedilatildeo 1 na forma da ldquoin your

face responserdquo conforme falamos no toacutepico anterior Para uma criacutetica mais detalhada do assunto ver

TUSHNET Mark Weak Courts Strong Rights judicial review and social welfare rights in comparative

constitutional law Princeton University 2009 p 45-47

66

a decisatildeo judicial contida na Seccedilatildeo 33 para justificar suas decisotildees sejam elas mais ativistas

ou mais contidas como se percebe no julgamento Vriend v Alberta77

O caso em suma tratava de um professor universitaacuterio Delwin Vriend

que fora demitido apoacutes ter revelado sua opccedilatildeo sexual assumindo ser homossexual

Inconformado Vriend alegando a incompatibilidade da Individual Rights Protection Act

(IRPA) da proviacutencia de Alberta local onde ocorreu a demissatildeo com a Carta canadense

recorreu ao Judiciaacuterio para anular o ato A referida lei trazia em seu texto de forma expressa

os motivos pelos quais era vedada a discriminaccedilatildeo de qualquer cidadatildeo como raccedila cor

sexo cor da pele estado civil crenccedila religiosa dentre outros mas natildeo fazia menccedilatildeo agrave

orientaccedilatildeo sexual motivo pelo qual Vriend alegou a sua incompatibilidade

O caso foi inicialmente apreciado pelo Conselho de Direitos Humanos

de Alberta (Alberta Human Rights Board) que entendeu que a demissatildeo natildeo era nula eis

que a orientaccedilatildeo sexual natildeo era prevista legalmente como motivo de vedaccedilatildeo agrave

discriminaccedilatildeo A Court of Queenacutes Bench (Tribunal Superior equivalente a segunda

instacircncia recursal) de Alberta ao apreciar o recurso do professor considerou nula a

demissatildeo afirmando que embora a orientaccedilatildeo sexual natildeo estivesse expressamente prevista

na IRPA deveria ser considerada como se ali estivesse inserida em funccedilatildeo do princiacutepio da

igualdade assegurado pela Carta

A decisatildeo foi revista e modificada pela Alberta Court of Appeal por

entender que a IRPA lei em anaacutelise no caso era uma norma neutra natildeo se dirigia de maneira

especifica nem a heterossexuais nem a homossexuais e por isso natildeo haveria qualquer

incompatibilidade com a Carta

O caso foi levado a julgamento pela Suprema Corte canadense que

afirmou a incompatibilidade da IRPA com a Carta e ao mesmo tempo que declarou a

incompatibilidade da lei em razatildeo da mesma ser omissa por natildeo incluir a previsatildeo da

proibiccedilatildeo de discriminaccedilatildeo por motivo de orientaccedilatildeo sexual justificou expressamente sua

conduta na metaacutefora do diaacutelogo

A Corte em sua decisatildeo mais especificamente dos paraacutegrafos 134 a 138

invocou a possibilidade de superaccedilatildeo da decisatildeo judicial pelo Legislativo por meio do uso

77 Vriend v Alberta [1998] 1 SCR 493 Iacutentegra da decisatildeo disponiacutevel em httpscc-csclexumcomscc-

cscscc-cscenitem1607indexdo

67

da notwishstanding clause prevista na Seccedilatildeo 33 da Carta afirmando ser um mecanismo

propiciador do diaacutelogo justificando assim a legitimidade democraacutetica da sua decisatildeo e do

exerciacutecio do judicial review

Sendo assim ainda que natildeo tenha sido muito utilizada para o objetivo

inicial a que se propocircs natildeo se pode ignorar o papel da Seccedilatildeo 33 na Carta canadense

principalmente pelo que a sua falta de utilizaccedilatildeo revela78

1014 Criacuteticas as teorias estruturais dos princiacutepios juriacutedicos

Apesar do aparente potencial dialoacutegico das teorias dos princiacutepios

juriacutedicos por possibilitarem por meio de mecanismos especiacuteficos que o Legislativo responda

ou reaja a decisatildeo judicial as mesmas natildeo satildeo isentas de criacuteticas

Assim como as teorias dialoacutegicas fundadas no meacutetodo judicial abordadas

anteriormente as teorias dos princiacutepios juriacutedicos com mecanismo de articulaccedilatildeo legislativa

da poliacutetica traduzidas na praacutetica na Seccedilatildeo 1 da Carta Canadense privilegiam a interpretaccedilatildeo

do Judiciaacuterio em detrimento do posicionamento legislativo o que natildeo resolve o problema da

legitimidade democraacutetica inerente a judicial review (BATEUP 2006)

Como dito as teorias estruturais dos princiacutepios juriacutedicos estabelecem

uma metodologia dialoacutegica que reconhece um papel privilegiado concedido ao Judiciaacuterio

para lidar com questotildees de princiacutepios fundada no seu suposto isolamento poliacutetico que lhe

atribui vantagem como deliberador moral Todavia a praacutetica demonstra que esse pressuposto

isolamento poliacutetico natildeo necessariamente refletiraacute nas decisotildees da Corte

Embora o sistema canadense seja apontado como o marco inicial das

teorias dialoacutegicas o que a experiecircncia revela com a praacutetica da metodologia de diaacutelogo nele

prevista eacute que apesar da possibilidade de resposta legislativa e de uma ainda que apenas

78 Para Hiebert o fato da quase inexistente utilizaccedilatildeo da Seccedilatildeo 33 pelo legislativo revela a relutacircncia do

parlamento canadense em tomar decisotildees que possam por em risco a sua imagem de oacutergatildeo comprometido com

a proteccedilatildeo dos direitos e liberdades assegurados pela Carta por acreditarem que a derrubada de uma decisatildeo

judicial pode acarretar o repuacutedio da populaccedilatildeo Destaca que essa situaccedilatildeo ficou evidente nas eleiccedilotildees federais

de 2014 quando o Governo liberal marcou pontos poliacuteticos preciosos ao criticar veementemente Stephen

Harper liacuteder do partido conservador o qual natildeo descartava o uso da claacuteusula natildeo obstante pois a maioria dos

canadenses interpretam o uso da mesmo como uma violaccedilatildeo aos direitos protegidos na Carta o que expressa

um ceticismo acerca da legitimidade dos desacordos poliacuteticos com as interpretaccedilotildees judiciais apesar de tais

divergecircncias serem constitucionalmente permitidas (HIEBERT 2006 p 20)

68

formal maior liberdade de atuaccedilatildeo parlamentar expressamente conferida pela Seccedilatildeo 1 da

Carta ao fim e ao cabo quem iraacute decidir de fato eacute a Corte jaacute que a ela incumbe a anaacutelise da

proporcionalidade da medida legislativa

A utilizaccedilatildeo pelo Legislativo dos mecanismos normativamente previstos

no sistema canadense como propiciadores de um diaacutelogo com a Corte acarretam um alto

custo poliacutetico Em um primeiro plano pode-se observar que o uso dos mesmos de forma

regular pode acarretar prejuiacutezo ao significado e ateacute mesmo reduzir a importacircncia do

instituto da revisatildeo judicial enviando um claro sinal de que as opiniotildees judiciais muitas

vezes natildeo satildeo dignas de respeito jaacute que podem facilmente ser suplantadas pela iniciativa

parlamentar

Somado a isso tem-se em segundo plano o alto niacutevel de apoio popular

que o sistema judicial recebe que faz com que mesmo que a utilizaccedilatildeo dos meacnismos natildeo

ataque diretamente o Judiciaacuterio como instituiccedilatildeo em si haja uma provaacutevel exigecircncia puacuteblica

do cumprimento das decisotildees judicias em desfavor de mecanismos de overriding pelo

menos em relaccedilatildeo aqueles casos de maior relevacircncia

Esses dois aspectos elevam demasiadamente os custos poliacuteticos da

atuaccedilatildeo legislativa influenciando para que mecanismos como o previsto na Seccedilatildeo 33 que

resultam em uma substituiccedilatildeo de decisatildeo judicial sejam pouco ou quase nada utilizados na

praacutetica (BATEUP 2009 p 566)

Ainda supondo uma hipoteacutetica utilizaccedilatildeo da previsatildeo contida na Seccedilatildeo

33 fundada em um controle das decisotildees judicias pelo Legislativo quando considerar que

houve erro no julgamento feito pelo Judiciaacuterio poderia se assemelhar muito mais a um

modelo de supremacia parlamentar do que um mecanismo propiciador de um diaacutelogo

substancial entre ambos os poderes79

Tushnet (2009) alerta dessa maneira para o fato de que sob o ponto de

vista praacutetico o sistema canadense em muito pouco se difere do modelo tradicional

americano onde haacute uma prevalecircncia das decisotildees judiciais

Alguns criacuteticos tambeacutem apontam para o fato de que a existecircncia formal

da ldquoclaacuteusula natildeo obstanterdquo no sistema pode levar a uma atuaccedilatildeo irresponsaacutevel do Judiciaacuterio

69

que ciente da possibilidade de correccedilatildeo e superaccedilatildeo da sua decisatildeo pelo Poder Legislativo

natildeo se esforccedilaraacute na busca por emanar as melhores decisotildees80

Outro ponto importante de criacutetica o qualeacute fortemente destacado por

Bateup (2006 p49) eacute o fato de essas teorias possuiacuterem uma contradiccedilatildeo intriacutenseca muito

forte ao mesmo tempo que defendem uma competecircncia privilegiada do Judiciaacuterio para lidar

com questotildees de princiacutepios propotildeem que a supervisatildeo poliacutetica eacute necessaacuteria para se proteger

contra a possibilidade de erro judicial

Eacute questionaacutevel a maneira como o legislador chegaraacute a conclusatildeo que o

Judiciaacuterio incorreu em erro jaacute que natildeo haacute nenhuma teoria interpretativa que explicite de

forma objetiva como isso deve ser verificado na praacutetica deixando uma margem de

apreciaccedilatildeo muito ampla e subjetiva parecendo muito mais uma forma de simples superaccedilatildeo

da decisatildeo judicial do que uma efetiva correccedilatildeo

Sendo assim natildeo se vislumbra na praacutetica canadense a efetivaccedilatildeo de um

verdadeiro diaacutelogo sob o ponto de vista material podendo-se aferir apenas a possibilidade

de uma conversaccedilatildeo entre os poderes onde o Judiciaacuterio ldquofalardquo e o Legislativo ldquoescutardquo ou vice-

versa sugerindo mais uma ideia de monoacutelogo do que propriamente de diaacutelogo jaacute que na

realidade natildeo haacute um efetivo debate nem a construccedilatildeo conjunta de uma decisatildeo

Poreacutem apesar das criacuteticas se reconhece a importacircncia da praacutetica

deflagrada pelo sistema canadense que mesmo que apenas formalmente possibilita uma

interaccedilatildeo legislativa no processo de controle de constitucionalidade mediante a utilizaccedilatildeo de

mecanismos criados propriamente para esse fim especiacutefico o que ateacute entatildeo natildeo existia na

jurisdiccedilatildeo constitucional

80 Nesse sentido ver PETTER Andrew Taking Dialogue theory much too seriously (or perhaps charter

dialogue isnrsquot such a good thing after all) Osgoode Law Journal v 45 n1 p147-167 2007 A criacutetica

desenvolvida por Andrew Petter faz parte das que se seguiram apoacutes o estudo desenvolvido por Petter Hogg e

Alisson Bushell Para o Autor a tese dos mesmos eacute desprovida de conteuacutedo normativo e subestima a influecircncia

que as decisotildees judiciais exercem no processo de tomada de decisotildees poliacuteticas e em todos os outros aspectos

da vida poliacuteticas O Autor critica veementemente a metodologia adotada pelos dois autores no tocante a anaacutelise

jurisprudencial que os levou a concluir pela existecircncia do diaacutelogo no sistema canadense dentre outros

importantes aspectos por isso sugerimos a leitura

70

11 As teorias dialoacutegicas da parceira

Agrupam-se nessa categoria de teorias estruturais do diaacutelogo aquelas

que apostam nos mecanismos institucionais como a melhor forma de promoccedilatildeo do diaacutelogo

reconhecem o papel igualmente importante tanto dos atores judiciais como dos natildeo judiciais

no processo de tomada de uma decisatildeo constitucional

De acordo com essas teorias tanto o Judiciaacuterio quanto o Legislativo

devem ter seu papel reforccedilado dentro do processo de interpretaccedilatildeo constitucional sendo

reconhecidas as capacidades e competecircncias especiacuteficas de cada um de modo que repartam

a responsabilidade das decisotildees

Ao contraacuterio das teorias dos princiacutepios juriacutedicos para essas teorias natildeo

haacute um polo privilegiado reconhecem as diferentes competecircncias de cada braccedilo do poder

poreacutem defendem uma atuaccedilatildeo colaborativa entre eles na interpretaccedilatildeo constitucional sem

qualquer hierarquia

Bateup (2006 p 71) destaca as ideias de Janet Hiebert como exponente

dessas teorias eis que a referida Autora ao analisar a experiecircncia Canadense na aplicaccedilatildeo da

Carta de 1982 critica a passividade do Legislativo em face da intervenccedilatildeo judicial em

assuntos de poliacutetica puacuteblica argumentando que a interpretaccedilatildeo constitucional deve ser uma

responsabilidade compartilhada entre os Tribunais e o Parlamento

Hibert (2002) defende uma ldquoabordagem relacionalrdquo mediante a

combinaccedilatildeo entre a perspectiva judicial e legislativa para as interpretaccedilotildees da Carta Alega

que o fato de estarem separados Legislativo e Judiciaacuterio poreacutem interligados dentro da ordem

constitucional faz com quem ambos estejam aptos a se engajar em um diaacutelogo no qual cada

um deve ter certo grau de modeacutestia sobre suas proacuteprias conclusotildees e ouvir o outro a fim de

um aprendizado reciacuteproco e conforme necessaacuterio modificar seu ponto de vista

Nesse sentido criacutetica a teoria dialoacutegica de Bushell e Hogg sobretudo por

atribuiacuterem agrave Corte um papel corretivo incompatiacutevel com a ideia do compartilhamento de

responsabilidade inerente ao diaacutelogo Para a Autora natildeo deve ser atribuiacutedo agrave Corte o papel

de conduzir o diaacutelogo mas sim reconhecidas as capacidades diferentes de cada instituiccedilatildeo

do Poder as quais enxergam os problemas por prismas diferentes

71

Demonstra por meio desse entendimento que o Judiciaacuterio natildeo seria a

instacircncia mais bem posicionada para avaliar a escolha dos meios feita pelo legislador para

alcanccedilar seus objetivos mas sim para fiscalizar a qualidade da deliberaccedilatildeo e o empenho

despendido para fazer o balanceamento entre direitos e seus limites

Essa fiscalizaccedilatildeo acabaria por aumentar a responsabilidade do

Legislativo jaacute que precisaraacute convencer o Judiciaacuterio da necessidade da limitaccedilatildeo imposta e

do seu cuidado e compromisso com a proteccedilatildeo dos direitos81

111 Criacuteticas agrave teoria da parceria

No tocante a legitimidade democraacutetica da revisatildeo judicial das leis pode-

se dizer que essas teorias comparadas as demais ateacute aqui expostas demonstram maior

aptidatildeo para solucionar o problema pois oferecem uma resposta satisfatoacuteria a objeccedilatildeo

contramajoritaacuteria ao natildeo reconhecerem nenhuma posiccedilatildeo superior ao Judiciaacuterio em relaccedilatildeo

aos demais poderes mas sim reforccedilando a ideia de separaccedilatildeo de poderes e funccedilotildees

especiacuteficas sendo estas igualmente importantes no processo de interpretaccedilatildeo constitucional

Do ponto de vista teoacuterico a ideia parece ideal sobretudo por reforccedilar o

princiacutepio da separaccedilatildeo de poderes aumentando a responsabilidade institucional e

respeitando as competecircncias teacutecnicas e especiacuteficas de cada braccedilo do Poder como se idealiza

Todavia a sua dificuldade praacutetica eacute tatildeo evidente que natildeo conseguimos sequer vislumbrar

um exemplo concreto da efetivaccedilatildeo dessa teoria

Apesar disso deve ser considerada e reconhecida a sua importacircncia por

servir como um objetivo a ser alcanccedilado como um ponto de referecircncia que se deve buscar

implementar na praacutetica apesar das latentes dificuldades

Para Bateup essas teorias seriam praticamente perfeitas se comparadas

com as outras para alcanccedilar os objetivos a que as teorias dialoacutegicas se propotildeem poreacutem

pecam por natildeo considerar a necessidade da participaccedilatildeo social no diaacutelogo Diante disso a

Autora propotildee uma outra metodologia que a seu ver seria a ideal a qual passamos a expor

81 ldquoThe extent to wich Parliament will be able to convince the judiciary about the merits of how it believes

Charter conflicts should be resolved may be a direct reflection of the extent of its commitment to careful and

principled judgment To a considerable degree Parliament is likely get the kinds of judicial rulings ir

deservesrdquo (HIEBERT 2002 p 227)

72

12 Fusatildeo dialoacutegica

A metodologia de diaacutelogo ideal proposta por Bateup consiste na fusatildeo

entre os elementos das teorias da parceria e do equiliacutebrio que resultaria na forma mais

promissora do diaacutelogo constitucional por permitir uma compreensatildeo mais abrangente dos

diferentes aspectos institucionais e sociais possibilitando a participaccedilatildeo de diferentes atores

no processo de interpretaccedilatildeo constitucional (BATEUP 2006 p 77)

Na concepccedilatildeo da Autora a fusatildeo dialoacutegica seria o modelo ideal de

diaacutelogo pois por meio dos elementos proacuteprios da teoria da parceria se resolveriam as

controveacutersias acerca da legitimidade democraacutetica do judicial review reforccedilando a

competecircncia e atuaccedilatildeo das instituiccedilotildees aumentando a responsabilidade das mesmas pelas

suas decisotildees e atividades e por outro lado por meio dos elementos das teorias do

equiliacutebrio se promoveria a inclusatildeo da sociedade no debate reconhecendo o papel do

Judiciaacuterio como mediador da discussatildeo sem no entanto atribuir-lhe o poder da palavra final

Como aprimoramento das outras teorias a fusatildeo dialoacutegica propotildee a

noccedilatildeo do papel do Judiciaacuterio como um facilitador do debate na sociedade sobre os principais

temas do constitucionalismo para que mediante dele se alcance um resultado mais

duradouro e aceitaacutevel no seio social

Sendo assim em siacutentese o que Bateup propotildee eacute que a criacutetica inicialmente

feita agrave teoria do equiliacutebrio relativa a existecircncia de problemas constitucionais menos

relevantes em que natildeo seria necessaacuterio - nem recomendaacutevel - a abertura de um debate no

seio social seria superada pela metodologia da teoria da parceria surgindo assim um modelo

mais ldquocorretordquo de diaacutelogo

Sob essa perspetiva a revisatildeo judicial das leis teria como consequecircncia

dois aspectos distintos dentro da sociedade moderna Em primeiro lugar seria um

mecanismo auxiliador na produccedilatildeo de respostas mais duraacuteveis e amplamente aceitaacuteveis em

relaccedilatildeo a questotildees constitucionais que envolvam diaacutelogo com a sociedade como um todo e

em segundo tambeacutem auxiliaria na promoccedilatildeo de uma melhor resoluccedilatildeo institucional de

questotildees constitucionais no acircmbito de casos individuais (BATEUP 2006 p 78)

73

121 Criacuteticas agrave teoria da fusatildeo dialoacutegica

Aqui repetem-se as criacuteticas feitas no toacutepico acima acerca da teoria da

parceria acrescentando-se a essas as atinentes agrave inclusatildeo da participaccedilatildeo da sociedade como

participantes do diaacutelogo

A ideia de Bateup parece sob o ponto de vista da legitimidade

democraacutetica do controle de constitucionalidade ideal para superar todas as desconfianccedilas

pois combina os melhores elementos da teoria da parceria e ainda inclui a participaccedilatildeo

social que nesse vieacutes eacute de fundamental importacircncia

De todas as teorias ateacute aqui expostas parece ser a uacutenica a prever a

concretizaccedilatildeo de um diaacutelogo material facilitando a ocorrecircncia de um verdadeiro debate entre

os participantes do processo de interpretaccedilatildeo constitucional a fim de encontrar um consenso

Todavia as dificuldades residentes na implementaccedilatildeo dessa concepccedilatildeo

teoacuterica na praacutetica satildeo inuacutemeras primeiramente pela limitaccedilatildeo dos provaacuteveis meios para

inclusatildeo da sociedade no debate e depois pelos riscos que essa inclusatildeo pode oferecer

Incluir a sociedade civil em um debate atinente a realizaccedilatildeo de poliacuteticas

puacuteblicas para a efetivaccedilatildeo de direitos fundamentais pode ser extremamente perigoso pois a

pressatildeo social pode levar a tomadas de decisotildees irresponsaacuteveis pelos entes puacuteblicos bem

como pode acabar privilegiando uma ou outra parcela da populaccedilatildeo que esteja ativa no

debate em detrimento de outra Com isso pode haver o favorecimento dos interesses de

grupos minoritaacuterios o que nem sempre pode ser considerado favoraacutevel do ponto de vista

democraacutetico

Neste sentido ainda que a metodologia proposta po Bateup seja

aparentemente a mais promissora para resolver o conflito que ronda a legitimidade

democraacutetica do controle judicial das leis natildeo se pode tomaacute-la como uma verdade absoluta

sendo necessaacuterio criterioso cuidado na sua anaacutelise

13 Os mecanismos estruturais de diaacutelogo no sistema britacircnico e neozelandecircs

Como jaacute se abordou brevemente no iniacutecio do presente trabalho o novo

modelo canadense de revisatildeo judicial das leis por ser uma alternativa agrave tradicional forma de

supremacia judicial acabou por influenciar outros paiacuteses da Commonwealth de tradiccedilatildeo

74

parlamentar justamente pela sua promessa de conciliaccedilatildeo entre a supremacia legislativa e a

revisatildeo judicial no tocante a proteccedilatildeo de direitos fundamentais

Assim inspirados nesse novo modelo de judicial review paiacuteses como o

Reino Unido e Nova Zelacircndia ao reconhecerem a necessidade de uma tutela especial aos

direitos fundamentais adotaram sistemas que tambeacutem possuem mecanismos que propiciam

uma forma ldquofracardquo de revisatildeo judicial

O ponto em comum que ambos os sistemas possuem eacute o fato que o

Judiciaacuterio natildeo deteacutem poder para invalidar a legislaccedilatildeo ou seja permanecem pelo menos em

teoria em um sistema onde a supremacia parlamentar ainda se faz presente Todavia diante

da necessidade de assegurar a eficaacutecia dos direitos fundamentais que passaram a fazer parte

do Bill of Rights acabaram por introduzir em seu sistema alguns mecanismos que mitigaram

essa supremacia condicionando o legislador a observaccedilatildeo de tais direitos

Ambos os sistemas possuem assim a figura do mandado interpretativo

que em suma permite ao Judiciaacuterio o exerciacutecio da revisatildeo das leis ainda que natildeo possa

invalidaacute-las e lhe impotildee a tarefa de no momento que for analisar a legislaccedilatildeo interpretaacute-la

conforme os preceitos do Bill of Rights

Apesar de ser o mesmo mecanismo ele se desdobra na praacutetica de

maneiras diversas em cada paiacutes em face das suas peculiaridades razatildeo pela qual se analisaraacute

ambos os sistemas de forma autocircnoma

131 O mandado interpretativo e a declaraccedilatildeo de incompatibilidade no reino

unido (seccedilatildeo 3 e 4 (2) do human rights act 1998)

Como se sabe o Reino Unido eacute considerado o berccedilo da soberania

parlamentar onde ateacute recentemente cabia a este oacutergatildeo a apreciaccedilatildeo e resoluccedilatildeo de problemas

constitucionais tendo o Judiciaacuterio pouca ou quase nenhuma expressatildeo nesse sentido

O reconhecimento da competecircncia do Judiciaacuterio para a realizaccedilatildeo da

revisatildeo das leis foi um processo gradativo Apoacutes a Revoluccedilatildeo Gloriosa e a promulgaccedilatildeo do

Bill of Rights ambas as Casas do Parlamento inglecircs (House of Common e House of Lords)

75

passaram a deter competecircncia exclusiva para receber e apreciar as peticcedilotildees advindas dos

tribunais inferiores 82

Posteriormente jaacute exercendo a Cacircmara dos Lordes tal funccedilatildeo de modo

exclusivo veio a lume o Appellate Jurisdiction Act (1876) por intermeacutedio do qual foi criada

a figura dos lordes de apelaccedilatildeo (Lords of Appeal in Ordinary ou Law Lords) juiacutezes altamente

qualificados que deveriam se dedicar exclusivamente agraves questotildees judiciais submetidas ao

Parlamento Tais juiacutezes passaram a integrar o que veio a ser denominado Comissatildeo de

Apelaccedilatildeo da Cacircmara dos Lordes (Appellate Committee) e exercendo apenas a funccedilatildeo

jurisdicional deixaram de participar das votaccedilotildees do Parlamento (natildeo obstante tenham

permanecido como membros de tal Poder) (LARANJEIRA 2013)

Nesse contexto na estrutura constitucional inglesa cabia ao Parlamento

natildeo apenas a funccedilatildeo legislativa que lhe eacute inerente mas tambeacutem a atuaccedilatildeo como oacutergatildeo de

cuacutepula judicial Essa concepccedilatildeo era decorrente da inexistecircncia de uma constituiccedilatildeo escrita

formalmente superior as demais normas83 razatildeo pela qual o legislador acabava por ter uma

autonomia ilimitada para editar modificar e anular as leis

O ponto inicial de mudanccedila dessa estrutura foi a adoccedilatildeo do Human

Rights Act 199884 que entrou em vigor em 2 de outubro de 2000 e introduziu no

ordenamento juriacutedico interno os princiacutepios fundamentais jaacute enunciados pela Convenccedilatildeo

Europeia de Direitos do Homem85 A adoccedilatildeo desse documento representou uma mudanccedila

significativa na cultura legal do paiacutes porque as autoridades puacuteblicas passaram a ser

obrigadas a obedecer novas normas antes consideradas apenas no acircmbito internacional e

com isso quaisquer accedilotildees do Governo ou outros organismos puacuteblicos que natildeo cumprissem

82 Para um maior aprofundamento sobre a histoacuteria estrutura e composiccedilatildeo do Parlamento britacircnico ver

LEYLAND Peter The Constituion of the United Kingdom a contextual analysis Oxford 2007 p 81-114

83 Necessaacuterio destacar que embora natildeo exista um documento formal intitulado de Constituiccedilatildeo atribui-se esse

mesmo sentido ao ldquo() conjunto de praacuteticas instituiccedilotildees e remeacutedios processuais que determina a estruturaccedilatildeo

poliacutetica do Estado com o adequado controle e distribuiccedilatildeo do poder aleacutem do apontamento de garantias

fundamentais em favor dos cidadatildeos ()rdquo (CYRINO 2007)

84 Eacute importante esclarecer que antes da adoccedilatildeo do HRA o Reino Unido jaacute havia ratificado a Convenccedilatildeo

Europeia de Direitos do Homem em 1951 o que acarretou severesos conflitos de normas A necessidade de

conciliaccedilatildeo desses conflitos normativos pode ser considerada como um dos motivos que ensejaram a adoccedilatildeo

do HRA

85 A adoccedilatildeo desse documento foi tambeacutem decorrente de importantes conflitos poliacuteticos que acabaram por

enfraquecer a ideia de supremacia parlamentar ateacute entatildeo intocaacutevel sobretudo pelas constriccedilotildees decorrentes da

entrada na Uniatildeo Europeia que obrigou o paiacutes a estabelecer um documento legal de proteccedilatildeo de direitos

fundamentais com status qualificado Nesse sentido ver TUSHNET 2008 p 28

76

com a Convenccedilatildeo passaram a poder serem consideradas como ilegais tambeacutem no acircmbito

interno (LEYLAND 2007)

A partir de entatildeo passou-se a travar debates atinentes a necessidade de

ampliaccedilatildeo de um sistema de revisatildeo judicial das leis a fim de dar eficaacutecia ao documento e

consolidar a sua hierarquia qualificada perante as demais leis86

A mudanccedila do sistema onde ateacute entatildeo o controle das leis era feito por

um oacutergatildeo poliacutetico parte do proacuteprio Parlamento se consolidou com a aprovaccedilatildeo do

Constitution Reform Act em 2005 o qual passou a prever a criaccedilatildeo da Suprema Corte que

foi instalada mais recentemente no ano de 2009 e marcou a consolidaccedilatildeo de um oacutergatildeo

judicial independente do legislativo87

O HRA ao introduzir no odernamento juriacutedico interno os princiacutepios e

direitos previstos na Convenccedilatildeo Europeia na Seccedilatildeo 388 determinou que tanto quanto fosse

possiacutevel a legislaccedilatildeo primaacuteria e a legislaccedilatildeo subordinada devem ser interpretadas visando a

compatibilidade com os preceitos da Convenccedilatildeo

Ou seja o mandado interpretativo consiste na imposiccedilatildeo as Cortes do

dever de se esforccedilarem para interpretar as leis de acordo com o HRA Tambeacutem eacute denominado

por alguns doutrinadores de poder interpretativo (interpretative power) visto que possibilita

86 Sobre o impacto do HRA na cultura britacircnica Gadbaum (2001 p 732) destaca ldquoThere is no doubt that in

the British legal and constitutional context the mere existence of a set of codified constitutes a radical change

in legal and political culture independent of the exact form and legal status that they possess This is because

it replaces the existing conception of civil liberties as residual in nature ndash citizens are free to do whatever

statute common law and delegated legislation do not prohibit them from doing ndash with a primary or affirmative

set of rights that limit what citizens may be prohibited from doing in the first placerdquo

87 Leyland (2007 p 154) esclarece que a Suprema Corte britacircnica natildeo foi criada com o objetivo de ser um

Tribunal constitucional em suas palavras ldquoThe Supreme Court will not be established as a constitutional court

although of course it will have to preside over cases that raise constitutional issues and it will take over from

the Judicial Committee of the Privy Council jurisdiction over lsquodevolution issuesrsquo arising from the Scotland Act

1998 Government of Wales Act 1998 and Northern Ireland Act 1998rdquo

88 Interpretation of legislation (1)So far as it is possible to do so primary legislation and subordinate

legislation must be read and given effect in a way which is compatible with the Convention rights (2)This

sectionmdash (a)applies to primary legislation and subordinate legislation whenever enacted (b)does not affect

the validity continuing operation or enforcement of any incompatible primary legislation and (c)does not

affect the validity continuing operation or enforcement of any incompatible subordinate legislation if

(disregarding any possibility of revocation) primary legislation prevents removal of the incompatibility (HRA

1998)

77

a modificaccedilatildeo do significado das leis inicialmente conferido pelo Palamento a fim de

compatibilizaacute-las com a Convenccedilatildeo89

Todavia quando natildeo for possiacutevel uma interpretaccedilatildeo compatiacutevel a lei

natildeo pode ser invalidada permanecendo em pleno vigor podendo ser aplicada e invocada em

qualquer procedimento legal O que deve existir nesses casos eacute a emissatildeo de uma declaraccedilatildeo

de incompatibilidade onde a Corte pronunciaraacute o seu entendimento mas este natildeo teraacute

nenhum efeito direto ou concreto sobre a validade da norma90

A manifestaccedilatildeo do Judiciaacuterio por meio da declaraccedilatildeo de

incompatibilidade apesar de natildeo acarretar a nulidade da lei ao tornar puacuteblico o conflito da

mesma com os direitos assegurados pelo HRA gera um inegaacutevel constrangimento poliacutetico

Poreacutem o Parlamento continua a ser soberano eis que eacute ele que decide se a norma ainda que

declaradamente incompatiacutevel continuaraacute vigente como antes (CYRINO 2007)

Tendo em vista o constrangimento poliacutetico causado pela declaraccedilatildeo de

incompatibilidade alguns autores defendem ser esse um mecanismo propulsor de uma

resposta do Parlamento agraves decisotildees da Corte de forma a alterar a lei para eliminar a

incompatibilidade apontada pelas Cortes bem como de uma maior responsabilidade para

com a observacircncia dos direitos do HRA quando da formulaccedilatildeo das leis a fim de evitar uma

futura incompatibilidade

Um reconhecido e importante exemplo dessa praacutetica ocorreu no

julgamento do caso A and Others v Secretary of State for the Home Departament91 onde o

Governo britacircnico foi acusado de minar direitos individuais por meio da criaccedilatildeo da lei Anti

terrorismo crime e seguranccedilas de 2001 por permitir a detenccedilatildeo por tempo indeterminado

de estrangeiros suspeitos da praacutetica de terrorismo

89 ldquoThis section confers an interpretative power which allows the courts to consider legislation and transform

it by stretching its meaning where it is possible to do so in order to achieve Convention compatibilityThis

marks a significant shift of power from Parliament to judges since the courts are able to rewrite sections of

Acts by reading into them words that are not there and by doing so remove potential conflicts with the

Conventionrdquo (LEYLAND 2007 p 171)

90 4 (2) If the court is satisfied that the provision is incompatible with a Convention right it may make a

declaration of that incompatibility (HRA 1998)

91 A and Others v Secretary of State for the Home Departament (2004) UKHL Iacutentegra disponiacutevel em

httpwwwpublicationsparliamentukpald200405ldjudgmtjd041216aampoth-1htm

78

Nesse caso um grupo de suspeitos que estava detido em Belmarsh haacute

trecircs anos suscitou o conflito da lei com os direitos e garantias assegurados no HRA O

Comitecirc Judicial da Cacircmara dos Lordes emitiu uma declaraccedilatildeo de incompatibilidade da

referida legislaccedilatildeo poreacutem como a mesma natildeo provoca a nulidade os suspeitos continuaram

detidos Contudo a condenaccedilatildeo da legislaccedilatildeo ocasionou uma resposta do Governo

A declaraccedilatildeo de incompatibilidade acabou persuadindo o Governo a

editar uma nova lei utilizando uma outra abordagem para controlar os suspeitos de

terrorismo de forma a superar a incompatibilidade verificada e dessa maneira foi editada a

lei de Anti Terrorismo de 2005 (Prevention of Terrorism Act 2005)

Nesse sentido a declaraccedilatildeo de incompatibilidade pode ser lida sob a

oacutetica das teorias dialoacutegicas92 eis que quase sempre que for emitida ensejaraacute uma resposta do

Governo ou do Parlamento no sentido de modificar a lei para eliminar a incompatibilidade

diante de uma provaacutevel pressatildeo puacuteblica intensa nesse sentido e pelo proacuteprio interesse puacuteblico

em fazecirc-lo

Ademais o Governo e o Parlamento dificilmente iratildeo ignorar o conflito

revelado entre a legislaccedilatildeo e o HRA tambeacutem considerando que a viacutetima da violaccedilatildeo manteacutem

o direito de recorrer ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem alegando uma violaccedilatildeo a

Convenccedilatildeo Europeacuteia pelas normas internas (DEBELJAK 2002 p317)

Sob essa perspectiva a declaraccedilatildeo de incompatibilidade seria um

instrumento ideal para possibilitar um diaacutelogo entre o Judiciaacuterio e o Parlamento na tarefa da

interpretaccedilatildeo e execuccedilatildeo dos direitos fundamentais O HRA confere uma voz formal ao

Judiciaacuterio a qual pode ser colocada em praacutetica mediante a utilizaccedilatildeo deste instrumento com

o objetivo de envolver o legislativo no debate (SCHYFF 2010 p 188)

Complementando essa ideia Seccedilatildeo 1093 do HRA prevecirc mecanismos

que possibilitam uma alteraccedilatildeo da legislaccedilatildeo de forma mais raacutepida que pelo procedimento

92 ldquoThe notion of declarations of incompatibility is congruent with the principle of democratic inclusion The

deliberative process continues via an inter-institutional dialogue ensuring that no arm of government has a

monopoly on the final resolution of the defining commitments of society (hellip) According to the Human Rights

White Paper (UK) a judicial declaration of incompatibility is part of an inter-institutional dialogue A

declaration of incompatibility lsquowill almost certainly prompt the Government and parliament to change the lawrsquo

and lsquothe Government would have to consider and in most cases would consider the position pretty rapidlyrdquo

(DEBELJAK 2002p317)

93 ldquoSection 10 (Power to take remedial action) (1)This section applies ifmdash (a) a provision of legislation has

been declared under section 4 to be incompatible with a Convention right and if an appeal liesmdash (i)all persons

79

comum denominados remedial actions A Seccedilatildeo 1994 ainda estabelece uma forma de

controle preacutevio da legislaccedilatildeo a ser realizado pelo Ministro

Em razatildeo disso o sistema de revisatildeo judicial das leis instituiacutedo no Reino

Unido vem sendo apontado por alguns doutrinadores como um sistema dialoacutegico Contudo

por oacutebvio haacute objeccedilotildees conforme se passaraacute a demonstrar

1311 Criacuteticas agrave experiecircncia britacircnica

Apesar de ainda ser muito cedo para proferir um pronunciamento firme

sobre a nova praacutetica implementada no Reino Unido pelo HRA (HIEBERT 2006) jaacute se

consegue vislumbrar na doutrina algumas criacuteticas valiosas a seu respeito

Em suma as duacutevidas sobre a sustentabilidade deste modelo residem na

imprevisibilidade do comportamento poliacutetico que ao mesmo tempo pode favorecer um

recuo ao antigo modelo da soberania parlamentar como pode tambeacutem acabar se

aproximando ao tradicional modelo norte-americano onde haacute uma evidente supremacia

judicial

who may appeal have stated in writing that they do not intend to do so (ii)the time for bringing an appeal has

expired and no appeal has been brought within that time or (iii)an appeal brought within that time has been

determined or abandoned or (b) it appears to a Minister of the Crown or Her Majesty in Council that having

regard to a finding of the European Court of Human Rights made after the coming into force of this section in

proceedings against the United Kingdom a provision of legislation is incompatible with an obligation of the

United Kingdom arising from the Convention (2)If a Minister of the Crown considers that there are compelling

reasons for proceeding under this section he may by order make such amendments to the legislation as he

considers necessary to remove the incompatibility (3)If in the case of subordinate legislation a Minister of

the Crown considersmdash (a) that it is necessary to amend the primary legislation under which the subordinate

legislation in question was made in order to enable the incompatibility to be removed and (b)that there are

compelling reasons for proceeding under this section he may by order make such amendments to the primary

legislation as he considers necessary (4)This section also applies where the provision in question is in

subordinate legislation and has been quashed or declared invalid by reason of incompatibility with a

Convention right and the Minister proposes to proceed under paragraph 2(b) of Schedule 2 (5)If the legislation

is an Order in Council the power conferred by subsection (2) or (3) is exercisable by Her Majesty in Council

(6)In this section ldquolegislationrdquo does not include a Measure of the Church Assembly or of the General Synod

of the Church of England (7)Schedule 2 makes further provision about remedial ordersrdquo Human Rights Act

1998

94 ldquoSection 19 (Statements of compatibility) (1)A Minister of the Crown in charge of a Bill in either House of

Parliament must before Second Reading of the Billmdash (a) make a statement to the effect that in his view the

provisions of the Bill are compatible with the Convention rights (ldquoa statement of compatibilityrdquo) or (b)make

a statement to the effect that although he is unable to make a statement of compatibility the government

nevertheless wishes the House to proceed with the Bill (2)The statement must be in writing and be published

in such manner as the Minister making it considers appropriaterdquo Human Rights Act 1998

80

Neste sentido as criacuteticas se assemelham agraves crtiacuteticas jaacute disparadas contra

o sistema canadense95 o que nos conduz a percepccedilatildeo de que talvez seja uma caracteriacutestica

comum a todos os modelos concluindo que por melhor e mais elaborado que seja o sistema

de revisatildeo judicial das leis sua concretizaccedilatildeo sofreraacute dificuldades por questotildees de cunho

subjetivo tendo a cultura local de cada paiacutes grande influecircncia nessa praacutetica

Ou seja o grau de comprometimento de cada braccedilo do Poder seja com

a busca pela efetivaccedilatildeo de direitos ou com a preservaccedilatildeo da soberania parlamentar iraacute

influenciar diretamente na forma de utilizaccedilatildeo dos mecanismos dialoacutegicos colocados a

disposiccedilatildeo

Eacute importante notar que o HRA ao mesmo tempo que preserva a

supremacia da legislaccedilatildeo jaacute que a mesma natildeo pode ser invalidada por outro oacutergatildeo que natildeo

o proacuteprio Parlamento acaba por conferir um papel de destaque ao Judiciaacuterio no processo de

interpretaccedilatildeo e efetivaccedilatildeo dos direitos fundamentais

A Seccedilatildeo 3 ao instituir o mandado interpretativo atribui grande

influecircncia ao entendimento do Judicaacuterio na definiccedilatildeo do sentido das leis ao passo que a

declaraccedilatildeo de incompatibilidade apesar do seu potencial dialoacutegico demonstrado acima na

praacutetica tambeacutem faz com que prevaleccedila esse entendimento jaacute que a tendecircncia eacute que os outros

oacutergatildeos sigam a interpretaccedilatildeo judicial no sentido de modificar a lei garantindo a preservaccedilatildeo

dos direitos fudamentais assegurados pelo HRA e pela CEDH (DEBELJAK 2002)

Hiebert (2004 p 1983) ao tratar da experiecircncia britacircnica chama a

atenccedilatildeo para o fato de que apesar da clara intenccedilatildeo dos proponentes do HRA de manter o

princiacutepio da soberania parlamentar natildeo houve muita discussatildeo sobre como esse princiacutepio

iria se relacionar com os julgamentos do Judiciaacuterio sobre direitos

Revela que as pesquisas realizadas por meio da anaacutelise de debates

parlamentares deliberaccedilotildees poliacuteticas e comentaacuterios acadecircmicos sobre o assunto

demonstram pouca consideraccedilatildeo dos criteacuterios condiccedilotildees e circunstacircncias em que o Governo

deve explicitamente discordar das interpretaccedilotildees do HRA feitas pelo Judiciaacuterio

O que se percebe da anaacutelise do sistema de revisatildeo judicial das leis

desenvolvido pelo Reino Unido eacute que muito embora o Judiciaacuterio natildeo detenha a uacuteltima

95 Ver toacutepico 1014

81

palavra natildeo podendo invalidar a legislaccedilatildeo o mandado interpretativo lhe confere um poder

de interpretaccedilatildeo muito amplo podendo mudar o sentido da lei inicialmente conferido pelo

legislador o que pode contribuir para uma forma de supremacia judicial

Aleacutem do que o amplo uso do mesmo pode acabar levando os juiacutezes a

natildeo exprimirem as suas verdadeiras opiniotildees sobre a legislaccedilatildeo camuflando assim uma falsa

compatibilidade o que natildeo eacute desejaacutevel sob o ponto de vista constitucional sobretudo quando

se busca uma efetiva proteccedilatildeo de direitos

Neste sentido seria preferiacutevel que o mandado interpretativo fosse visto

apenas como uma diretriz uma tentativa e natildeo uma obrigaccedilatildeo e que os juiacutezes procurassem

usar em todas as vezes que entederem que uma legislaccedilatildeo natildeo eacute compatiacutevel com a

declaraccedilatildeo de direitos seu poder de declaraccedilatildeo Entretanto natildeo haacute como determinar que o

Judiciaacuterio aja dessa forma pelo que a declaraccedilatildeo de incompatibilidade pode ser utilizada

frequentemente ou como uma medida de uacuteltimo recurso

Os teoacutericos que acreditam na possiacutevel existecircncia de um diaacutelogo no

sistema britacircnico tendem a considerar que o uso frequumlente da Seccedilatildeo 3 pelas Cortes ou seja

o amplo exerciacutecio do poder interpretativo sob o ponto de vista democraacutetico eacute menos

desejaacutevel do que a emissatildeo de declaraccedilotildees de incompatibilidade pois ele daacute ao Judiciaacuterio a

uacuteltima palavra ao menos que seja ou ateacute que seja revista pelo Parlamento (BATEUP 2009

p 547)

Diante do exposto percebe-se que a materializaccedilatildeo de um diaacutelogo na

forma esperada dentro do sistema britacircnico iraacute depender efetivamente do comportamento do

Judiciaacuterio por meio das suas escolhas jaacute que pode optar por exercer o mandado interpretativo

a qualquer custo mudando fundamentalmente o sentido da legilaccedilatildeo bem como pode optar

pela emissatildeo da declaraccedilatildeo de incompatibilidade deixando espaccedilo para a atuaccedilatildeo

Parlamentar no sentido de superar a deficiecircncia da lei Ou seja mais uma vez revela-se na

praacutetica dialoacutegica a importacircncia das escolhas feitas pelas instituiccedilotildees no momento da sua

atuaccedilatildeo

Ademais eacute duvidoso se pode-se afirmar que na melhor das hipoacuteteses

quando o Judiciaacuterio declara uma lei incompatiacutevel e o Parlamento responde a essa declaraccedilatildeo

haacute um diaacutelogo do ponto de vista material eis que natildeo se verifica a interaccedilatildeo entre os Poderes

82

no momento da tomada de decisatildeo o compartilhamento de suas visotildees para a construccedilatildeo do

sentido constitucional

O que haacute eacute mais uma atuaccedilatildeo singular de cada um O Judiciaacuterio tendo

que interpretar a legislaccedilatildeo de acordo com o HRA sem poder invalidaacute-la e o Legislativo

tendo que responder a essa interpretaccedilatildeo quando a mesma for contraacuteria aquela por ele

realizada inicialmente seja no sentido de modificar a legislaccedilatildeo superando a

incompatibilidade apontada pelo Judiciaacuterio ou fazer prevalecer o seu entendimento se assim

achar correto

Todavia ainda que recente a praacutetica tem demonstrado que na quase

totalidade dos casos em que houve uma resposta do Parlamento a uma declaraccedilatildeo de

incompatibilidade a mesma foi no sentido de acolher a opiniatildeo judicial para modificar a lei96

o que demonstra uma tendecircncia desse sistema em acolher a decisatildeo judicial ainda que a

mesma natildeo tenha formalmente o poder de invalidar a lei

132 O mandado interpretativo na experiecircncia neozelandesa

A Nova Zelacircndia assim como o Reino Unido tambeacutem possui um

constitucionalismo de tradiccedilatildeo parlamentar A adoccedilatildeo de um documento formal que visasse

agrave proteccedilatildeo de direitos fundamentais soacute ocorreu em 1990 com a aprovaccedilatildeo do New Zeland

Bill of Rights Act (NZBORA)

A principal caracteriacutestica que difere o sistema Neozelacircndes dos demais

eacute o fato de que o NZBORA natildeo possui uma hierarquia superior as demais leis ordinaacuterias do

paiacutes ou seja eacute um diploma desprovido de qualquer supremacia ou rigidez dentro do

ordenamento juriacutedico Essa caracteriacutestica faz com que o mesmo pelo menos teoricamente

possa ser revogado integralmente ou em parte por qualquer maioria legislativa posterior

(TUSHNET 2009 p 25)

96 ldquoGreater doubts about the behavioral assumptions underpinning weak-form dialogue theory emerge when

we consider the responses that responses that these declarations have elicited from the political branches of

government If Parliament were responding in the manner advocated by weak-form dialogue theorist we would

expect to see disagreement with judicial declarations being regularly expressed or at the very least on

occasion Contrary to these expectations however the British Parliament has almost universally responded

to judicial declarations of incompatibility by amending or repealing the relevant primary legislation in

accordance with the courtrsquos rulingrdquo (BATEUP 2009 p 549)

83

Aleacutem de possuir status de lei ordinaacuteria o NZBORA exclui

expressamente a possibilidade de anulaccedilatildeo das leis pelo Judiciaacuterio97 e determina que este

sempre que for interpretar qualquer dispositivo legal o faccedila em conformidade com o Bill of

Rights98 As seccedilotildees 4 a 7 trazem provisotildees que evitam o engajamento do Judiciaacuterio em uma

revisatildeo substantiva dos atos do Parlamento ratificando a supremacia parlamentar como um

princiacutepio constitucional da Nova Zelacircndia (HIEBERT KELLY 2015 p 62)

Ao contraacuterio do que ocorre no modelo britacircnico na Nova Zelacircndia o

Judiciaacuterio natildeo pode emitir qualquer declaraccedilatildeo de incompatibilidade o que para alguns

doutrinadores afasta a caracterizaccedilatildeo desse sistema como um judicial review jaacute outros o

caracterizam como um sistema ldquosuper fracordquo de revisatildeo judicial

Diante disso parece inicialmente que o NZBORA natildeo possui entatildeo

qualquer influecircncia importante dentro do ordenamento juriacutedico daquele paiacutes entretanto ao

contraacuterio do que parece o mesmo foi responsaacutevel por profundas mudanccedilas na legislaccedilatildeo

interna justamente por funcionar como um documento interpretativo geral servindo de

diretriz para a atuaccedilatildeo do legislativo

Neste sentido Gardbaum (2001 p 728) ensina que embora o NZBORA

possua um status juriacutedico de um estatuto legal comum eacute um documento geral que determina

como deve ser dado o sentido a todas as outras leis ordinaacuterias natildeo por meio da disposiccedilatildeo de

um conjunto de regras interpretativas mas sim pela enunciaccedilatildeo de direitos substantivos

Assim o NZBORA protege os direitos nele contidos por meio do dever

de interpretaccedilatildeo que coloca sobre os tribunais nos termos da Seccedilatildeo 6 e pelo consequente

custo poliacutetico que impotildee ao legislador de a adotar uma medida que viole claramente um

direito protegido ou que natildeo possa ser lida como consistente com ele (GARDBAUM 2001

p 729)

97 ldquoSection 4 (Other enactments not affected) No court shall in relation to any enactment (whether passed or

made before or after the commencement of this Bill of Rights)mdash (a)hold any provision of the enactment to be

impliedly repealed or revoked or to be in any way invalid or ineffective or (b)decline to apply any provision

of the enactmentmdash by reason only that the provision is inconsistent with any provision of this Bill of Rightsrdquo

New Zeland Bill of Rights Act 1990

98 ldquoSection 6 (Interpretation consistent with Bill of Rights to be preferred) Wherever an enactment can be given

a meaning that is consistent with the rights and freedoms contained in this Bill of Rights that meaning shall

be preferred to any other meaningrdquo New Zeland Bill of Rights Act 1990

84

No julgamento do caso R v Hansen99 a Suprema Corte esclareceu a

correta abordagem metodoloacutegica do judicial review a ser utilizada para reforccedilar os direitos

previstos no NZBORA afirmando que primeiramente a Corte deve buscar o significado

original que o Parlamento pretendeu atribuir a medida legislativa apoacutes analisar se o mesmo

eacute compatiacutevel com o NZBORA se houver uma aparente inconsistecircncia deve averiguar se a

mesma eacute razoaacutevel ao abrigo do que dispotildee a Seccedilatildeo 5 Se entender pela desarrazoabilidade

entatildeo deve buscar uma interpretaccedilatildeo diferente que se coadune com a declaraccedilatildeo de direitos

e por fim quando isto natildeo for possiacutevel deveraacute prevalecer entatildeo o significado original

atribuiacutedo pelo Parlamento (HIEBERT KELLY 2015 p63)

Essa metodologia resulta de uma cultura judicial fortemente

influenciada pelo princiacutepio da supremacia legislativa Nesta perspectiva o NZBORA

introduz um importante instrumento processual na Seccedilatildeo 7100 mediante o qual o Procurador

Geral eacute obrigado a examinar todas as propostas de lei e informar ao Parlamento quando for

detectada qualquer incompatibilidade entre uma disposiccedilatildeo legal e os direitos e garantias

assegurados pela Declaraccedilatildeo

O fundamento de tal medida parece consistir justamente em evitar a

aprovaccedilatildeo de medidas legislativas incompatiacuteveis com o Bill of Rights estabelecendo uma

forma preventiva de controle ainda que natildeo tenham o condatildeo de impossibilitar a aprovaccedilatildeo

da lei mesmo quando incompatiacutevel mas servindo de alerta ao Parlamento e assim

aumentando a sua responsabilidade pois arcaraacute com os custos poliacuteticos de suas decisotildees

Em que pese o NZBORA proiacuteba o Judiciaacuterio de emitir qualquer

pronunciamento formal sobre a incompatibilidade de medidas legislativas o New Zeland

Human Rights Act adotado em 1993 prevecirc a possibilidade de uma declaraccedilatildeo judicial de

inconsistecircncia como remeacutedio apropriado para os casos de discriminaccedilatildeo

Assim somente nos casos em que se discute o direito a igualdade o

99 R v Hansen (2007) NZSC 7 Iacutentegra disponiacutevel em httpwwwnzliiorgcgi-

binsinodispnzcasesNZSC20077htmlquery=hansen20nzsc

100 ldquoSection 7 (Attorney-General to report to Parliament where Bill appears to be inconsistent with Bill of

Rights) Where any Bill is introduced into the House of Representatives the Attorney-General shallmdash (a)in

the case of a Government Bill on the introduction of that Bill or (b)in any other case as soon as practicable

after the introduction of the Billmdash bring to the attention of the House of Representatives any provision in the

Bill that appears to be inconsistent with any of the rights and freedoms contained in this Bill of Rightsrdquo New

Zeland Bill of Rights Act 1990

85

Judiciaacuterio quando natildeo encontrar uma interpretaccedilatildeo da lei que seja razoaacutevel e compatiacutevel

com os direitos assegurados Bill of Rights poderaacute emitir um documento formal que ateste a

inconsistecircncia no intuito de dar ciecircncia ao Parlamento da incompatibilidade Em todas as

outras questotildees relativas a direitos fundamentais eacute vedado ao Judiciaacuterio comportamento

semelhante101

O modelo Neozelandecircs assim como os demais que adotam uma forma

fraca de revisatildeo judicial das leis eacute considerado por alguns estudiosos como dialoacutegico por

natildeo ser a interpretaccedilatildeo judicial considerada conclusiva ou definitiva mas sim

possibilitadora de uma interaccedilatildeo legislativa pois por meio do poder de interpretaccedilatildeo

atribuiacutedo ao Judiciaacuterio o legislativo se sentiria constgrangido a adotar medidas favoraacuteveis a

proteccedilatildeo de direitos evitando uma futura incompatibilidade das leis com o NZBORA

1321 Criacuteticas ao modelo neozelandecircs

A principal criacutetica ao modelo neozelandecircs reside na duacutevida se o mesmo

pode ser caracterizado como um judicial review perante a evidecircncia da supremacia

parlamentar e da falta de possibilidade do Judiciaacuterio de sequer emitir uma declaraccedilatildeo de

incompatibilidade das leis sugerindo assim a ausecircncia de uma forma concreta de controle

judicial

O que se percebe da anaacutelise desse sistema eacute que o mesmo apesar de ter

favorecido a implementaccedilatildeo de uma cultura de proteccedilatildeo de direitos fundamentais na Nova

Zelacircndia por meio da adoccedilatildeo do NZBORA e da previsatildeo do mandado interpretativo que de

alguma forma influencia o Parlamento a editar leis compatiacuteveis com a declaraccedilatildeo

restringindo o antes ilitimidado poder de criaccedilatildeo deste oacutergatildeo natildeo haacute como se falar

concretamente na existecircncia de um ldquodiaacutelogo institucionalrdquo

Apesar de alguns doutrinadores otimistas apontarem a praacutetica do

mandado interpretativo na experiecircncia neozelandesa como uma forma de diaacutelogo entre os

101 Eacute necessaacuterio que esclarecer que muito tem sido discutido sobre a possibilidade de uma emissatildeo formal de

declaraccedilatildeo de incompatibilidade pelo Judiciaacuterio no sistema Neozelandecircs Haacute estudiosos que defendam a

necessidade de uma mudanccedila legislativa nesse sentido todavia os entendimentos jurisprudencias mais recentes

indicam que as perspectivas para a adoccedilatildeo dessa possibilidade formal ainda satildeo precaacuterias Ver GINSBURG

Claudia On a Road to Nowhere Implied Declarations of Inconsistency and the New Zeland Bill of Rights

Victoria University of Wellington Law Review 40 613-47 2009

86

poderes existem muitas criacuteticas a tal afirmaccedilatildeo sob o argumento de que o que haacute na

realidade eacute total a prevalecircncia do Poder Legislativo

O NZBORA emerge como um documento de caraacuteter essencialmente

interpretativo baseado em uma implementaccedilatildeo parlamentar Essa caracteriacutestica

interpretativa apesar de reforccedilada pela abordagem judicial ainda estaacute muito ligada a

supremacia parlamentar pronfudamente enraizada no constitucionalismo neozelacircndes e a

essa forma de envolvimento Parlamento natildeo pode nem na melhor das hipoacuteteses ser vista

como uma forma de diaacutelogo (HIEBERT KELLY 2015)

A falta de mecanismos formais ao alcance do Judiciaacuterio para poder

declarar a incompatibilidade de uma medida legislativa com a declaraccedilatildeo de direitos reduz

em grande escala a possibilidade da ocorrecircncia de um diaacutelogo entre os poderes poliacuteticos

Nesse sentido Geiringer (2009 p 647-647) aduz que a experiecircncia

Neozelandesa demonstra que a maioria dos juiacutezes natildeo se sentem confortaacuteveis quando

colocados a exercer o papel de criacuteticos do legislativo justamente pela arraigada cultura

parlamentar presente neste modelo e que a melhor e mais raacutepida forma de mudar essa

mentalidade seria por meio da atribuiccedilatildeo de uma poder formal para declarar a inconsistecircncia

das leis

Sendo assim a possibilidade de um efetivo diaacutelogo entre os Poderes

dentro do sistema da Nova Zelacircndia na forma em que hoje se afigura eacute escassa e limitada

jaacute que a supremacia parlamentar ainda eacute muito forte e evidente

87

CAPIacuteTULO 3 ndash AS TEORIAS DIALOacuteGICAS NO SISTEMA DE JURSIDICcedilAtildeO

CONSTITUCIONAL BRASILEIRO UMA POSSIBILIDADE

Da exposiccedilatildeo feita no capiacutetulo anterior podemos concluir que natildeo haacute

uma forma preacute definida para a ocorrecircncia do diaacutelogo podendo ele se manifestar por meio

das mais diversas praacuteticas e sob perspectivas teoacutericas diferentes a depender da cultura

histoacuterica e poliacutetica do paiacutes em que estaacute inserido

Apesar de ser um tema ainda pouco explorado pela doutrina brasileira

que ainda se centra primordialmente nos estudos das teorias interpretativas nos parece

importante verificar se haacute a possibilidade da aplicaccedilatildeo das teorias dialoacutegicas no Brasil mais

ainda se podemos identificar algum indiacutecio da sua praacutetica nos julgados do STF

Por isso na sequecircncia se buscaraacute por meio da anaacutelise de alguns casos

concretos constatar como e em que medida os diaacutelogos institucionais se manifestam no

sistema brasileiro a fim de revelar quais os traccedilos das teorias dialoacutegicas presentes nesse

sistema

Oportunamente se esclarece que os casos selecionados para anaacutelise satildeo

resultado do controle concentrado de constitucionalidade quando o Supremo Tribunal

Federal exerce seu papel de guardiatildeo da constituiccedilatildeo102 Fez-se essa opccedilatildeo por ser este tipo

de controle o ponto de maior relevacircncia e confronto entre a atuaccedilatildeo do STF e sua relaccedilatildeo

com o Legislativo pois eacute onde haacute uma anaacutelise judicial direta e abstrata da atuaccedilatildeo legislativa

que daacute origem a uma decisatildeo judicial com efeitos erga omnes

A anaacutelise de casos ocorridos no acircmbito do controle concentrado de

constitucionalidade torna-se ainda mais interessante do que a de casos derivados do controle

difuso se levarmos em conta que neste uacuteltimo a reaccedilatildeo legislativa eacute disciplinada pela proacutepria

Constituiccedilatildeo Federal por meio do inciso X do artigo 52 que atribui ao Senado a

competecircncia para suspender a execuccedilatildeo de lei declarada inconstitucional natildeo havendo

102 O art 102 da Constituiccedilatildeo Federal Brasileira atribui expressamente ao STF o papel de guardiatildeo da

Constiticcedilatildeo cabendo-lhe julgar originariamente accedilatildeo direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo

federal ou estadual e a accedilatildeo declaratoacuteria de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal

88

portanto grandes controveacutersias a esse respeito103

Deve ser esclarecido ainda que apesar de no capiacutetulo anterior ter-se

feito referecircncia as teorias que prescrevem a realizaccedilatildeo de um diaacutelogo social no presente

capiacutetulo a anaacutelise se centraraacute apenas em casos onde os atores participantes do processo de

interpretaccedilatildeo constitucional satildeo os poderes institucionalizados excluindo-se os casos onde

se fala na inclusatildeo da sociedade Destaca-se isso porque hoje a realizaccedilatildeo de audiecircncias

puacuteblicas e a convocaccedilatildeo de ldquoamigos da corterdquo durante o processo constitucional tem sido

uma praacutetica comum poreacutem complexa utilizada pelo Supremo Tribunal brasileiro104

Portanto entende-se que seria temeraacuterio invocar aqui casos envolvendo

esses mecanismos populares sem trataacute-los com a devida profundidade dando atenccedilatildeo a todos

os aspectos controversos que a anaacutelise requer Por esses motivos a anaacutelise centra-se apenas

casos onde figuram como atores o Poder Legislativo e o Poder Judiciaacuterio

Ressalta-se que o objetivo do estudo natildeo eacute analisar de forma exaustiva

a jurisprudecircncia brasileira ateacute mesmo porque para tanto seria necessaacuterio um trabalho

dedicado inteiramente agrave esse objetivo Pretende-se verificar e ilustrar como as teorias

dialoacutegicas podem ser encontradas na praacutetica brasileira por meio de importantes julgados

proferidos pelo Supremo Tribunal Federal identificando os elementos dialoacutegicos neles

presentes e as correspondentes teorias

Para fazer a anaacutelise dos casos e identificar seus aspectos dialoacutegicos seraacute

utilizado como base aleacutem das teorias expostas no capiacutetulo anterior a descriccedilatildeo de diaacutelogo

convencional proposta por Tushnet (2012 p 3-13) a qual se estrutura da seguinte forma

1ordm O legislador promulga uma lei rarr 2ordm o estatuto enfrenta um desafio

no Tribunal Constitucional rarr 3ordm O Tribunal invalida o estatuto rarr 4ordm o Tribunal na decisatildeo

103 Necessaacuterio destacar eu haacute uma divergecircncia na doutrina brasileira acerca da discricionariedade do poder

atribuiacutedo ao Senado por forccedila do art 52 X da CF88 Nos filiamos a doutrina minoritaacuteria segundo a qual o

Senado possui a faculdade de suspender a lei e natildeo a obrigaccedilatildeo jaacute que a decisatildeo judicial exarada no exerciacutecio

do controle de constitucionalidade disfuso possui efetios inter partes Sob essa loacutegica pode-se enxergar tal

previsatildeo constitucional como um mecanismo dialoacutegico pois natildeo deixa ser um instrumento de reaccedilatildeo legislativa

agrave decisatildeo judicial que complementa o controle judicial e de certa forma estendendo os efeitos da sua decisatildeo

104 Exemplo emblemaacutetico dessa praacutetica eacute a ADI 3510 onde foi apreciada a inconstitucionalidade da Lei de

Bioseguranccedila em especial no tocante a possibilidade de pesquisas utilizando ceacutelulas tronco e o STF

reconhecendo a complexidade do tema convou a realizaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas onde forma ouvidas vaacuterias

entidadas organizadas da sociedade civil e a particiaccedilatildeo de diversas pessoas na qualidade de ldquoamigos da corterdquo

para compartilhar conhecimento teacutecnico que o Tribunal assumir natildeo possuir para julgar o caso

89

indica algumas formas especiacuteficas em que o estatuto eacute incompatiacutevel com a Constituiccedilatildeo ou

oferece a melhor interpretaccedilatildeo das disposiccedilotildees constitucionais rarr 5ordm O legislativo responde

revendo o estatuto e corrigindo as deficiecircncias apontadas pelo Tribunal ou reedita o estatuto

sem alteraccedilotildees rarr 6ordm O estatuto eacute novamente desafiado rarr 7ordm O Tribunal lida com o desafio

e se abre para um novo debate defendendo o estatuto ou verifica se as modificaccedilotildees do

estatuto foram suficientes para torna-lo compatiacutevel ou estatildeo aqueacutem e ensejam uma nova

invalidaccedilatildeo

Ou ainda 1ordm A Constituiccedilatildeo impotildee ao legislador o dever de legislar

sobre um toacutepico especiacutefico rarr 2ordm O Tribunal identifica falhas na atuaccedilatildeo legislativa

entendendo que a mesma eacute insuficiente para satisfazer o seu dever ou verifica a ausecircncia de

atuaccedilatildeo rarr 3ordm indica ao legislativo as falhas ou a omissao exigindo a tomada de medidas no

sentido de cumprir o seu dever constitucional

Dito isso passa-se a anaacutelise dos casos concretos

14 Julgamento da accedilatildeo direta de inconstitucionalidade nordm 2797df ndash a suacutemula

394 do STF e a lei nordm 106282002

a) Breve resumo do caso

A antiga Suacutemula105 394 do STF editada em 3 de abril de 1964 a qual

dispunha que cometido o crime durante o exerciacutecio funcional prevalece a competecircncia

especial por prerrogativa de funccedilatildeo ainda que o inqueacuterito ou a accedilatildeo penal sejam iniciados

apoacutes a cessaccedilatildeo daquele exerciacutecio foi cancelada por unanimidade em sessatildeo plenaacuteria da

Corte realizada em 30042007

Os argumentos para o cancelamento do referido verbete giraram

basicamente em torno da defesa de que a prerrogativa de foro visa garantir o exerciacutecio do

105 A Suacutemula eacute um instituto juriacutedico muito presente no Direito brasileiro que consiste em um verbete que

registra a interpretaccedilatildeo paciacutefica ou majoritaacuteria de um determinado Tribunal a partir do julgamento de variados

casos concretos a fim de tornar puacuteblico a sociedade o seu entendimento e promover uma uniformizaccedilatildeo das

decisotildees judiciais Em regra natildeo possui efeito vinculante servindo apenas de diretriz poreacutem quando for votada

e aprovada pelo STF por pelo menos 23 do plenaacuterio se torna um entendimento obrigatoacuterio a ser observado

por todos os outros Tribunais e juiacutezes bem como pelos entes da Admnistraccedilatildeo Puacuteblica conforme determina o

Artigo 103-A da Constituiccedilatildeo Federal de 1988

90

cargo e natildeo o seu ocupante sendo assim uma vez que o indiacuteviduo deixa o cargo natildeo deve

fazer jus ao privileacutegio eis que o mesmo eacute inerente ao cargo e natildeo um direito subjetivo assim

atribuir o privileacutegio quando jaacute natildeo mais haacute o exerciacutecio da funccedilatildeo violaria o princiacutepio da

igualdade

Foi entatildeo consolidado pela Corte o entendimento de que deixando o

cargo definitivamente independentemente do motivo o ex-titular natildeo teraacute direito a processo

e julgamento em oacutergatildeo jurisdicional distinto daquele que teria qualquer outro cidadatildeo

Apesar da sedimentaccedilatildeo desse entendimento no acircmbito do STF em

dezembro de 2002 foi promulgada a Lei nordm 106282002 que alterou o artigo 84 do Coacutedigo

de Processo Penal brasileiro para inserir o sect1ordm com a seguinte redaccedilatildeo ldquoa competecircncia

especial por prerrogativa de funccedilatildeo relativa a atos administrativos do agente prevalece

ainda que o inqueacuterito ou a accedilatildeo judicial sejam iniciados apoacutes a cessaccedilatildeo do exerciacutecio da

funccedilatildeo puacuteblicardquo

Foi arguida a inconstitucionalidade do mencionado dispostivo legal por

meio de accedilatildeo direta de inconstitucionalidade proposta pela Associaccedilatildeo Nacional dos

Membros do Ministeacuterio Puacuteblico ndash CONAMP Ao fim do julgamento foi declarada a

inconstitucionalidade material e formal da lei essa uacuteltima com base no argumento de que

uma lei ordinaacuteria natildeo poderia vir a superar uma interpretaccedilatildeo constitucional jaacute realizada pelo

Supremo

Os aspectos relevantes do caso para a anaacutelise pretendida residem

justamente na tentativa do Legislativo de superar uma interpretaccedilatildeo constitucional jaacute

consolidada pela Suprema Corte e natildeo tanto no meacuterito relativo a constitucionalidade

material da norma

O caso eacute emblemaacutetico no cenaacuterio brasileiro por ter despertado um

interessante debate acerca da possibilidade de reaccedilatildeo legislativa a uma interpretaccedilatildeo

constitucional proferida pelo STF o que em muito contribui para a nossa anaacutelise sobre a

possibilidade de um diaacutelogo institucional no sistema brasileiro

Passa-se entatildeo a exposiccedilatildeo das importantes variaacuteveis do debate de

acordo com os votos proferidos pelos Ministros na ocasiatildeo do julgamento

91

b) Debate acerca da possibilidade de reediccedilatildeo de uma lei anteriormente declarada

inconstitucional pelo STF

O relator do caso Ministro Sepuacutelveda Pertence em seu voto o qual foi

seguido pela maioria iniciou a fundamentaccedilatildeo da inconstitucionalidade do dispostivo legal

sob anaacutelise naquela ocasiatildeo afirmando que o mesmo constitui evidente reaccedilatildeo legislativa ao

cancelamento da Suacutemula 394 Destacou que a redaccedilatildeo legal se aproxima substancialmente

da que foi proposta em seu voto vencido pela maioria na ocasiatildeo da deliberaccedilatildeo sobre o

cancelamento do verbete

Afirmou que o cancelamento da Suacutemula decorreu de interpretaccedilatildeo

direta e exclusiva da Contituiccedilatildeo e natildeo pela inexistecircncia de lei ordinaacuteria que o regulasse

Diante disso formulou entatildeo a seguinte indagaccedilatildeo lei ordinaacuteria eacute instrumento normativo

apto agrave alterar jurisprudecircncia assente do STF fundada em interpretaccedilatildeo direta e exclusiva da

Constituiccedilatildeo

Argumentou construindo uma resposta negativa agrave indagaccedilatildeo embora

reconhecendo que as decisotildees da Corte em sede de controle concentrado natildeo vinculam o

Poder Legislativo mas tatildeo somente os demais oacutergatildeos do Judiciaacuterio e o Poder Executivo

Assim concluiu que a ediccedilatildeo de uma lei no sentido contraacuterio de uma decisatildeo do Tribunal

natildeo infere necessariamente um descumprimento dessa decisatildeo estando o Legislativo livre

para agir nesse sentido todavia a medida editada seraacute inevitavelmente considerada

inconstitucional a menos que a Corte recue em seu posicionamento anterior sobre o assunto

Neste ponto o Ministro propocircs uma reflexatildeo diferenciando a

inconstitucionalidade material e formal da lei No seu entender se a lei reeditada pretender

impor com seu objeto imediato uma interpretaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo ela seraacute eivada de uma

inconstitucionalidade formal pois uma lei de hierarquia inferior natildeo pode ditar a

interpretaccedilatildeo de uma norma hierarquicamente superior

Poreacutem quando a lei editada pelo legislativo for de conteuacutedo similar ao

de uma outra jaacute declarada inconstitucional deveraacute ser feita anaacutelise acerca da

inconstitucionalidade material pois a Corte natildeo estaacute vinculada ao seu entendimento anterior

podendo mudar de opiniatildeo sobre o assunto em um novo debate

92

Neste sentido merece destaque o seguinte trecho do voto

ldquoAdmitir pudesse a lei ordinaacuteria inverter a leitura pelo Supremo Tribunal

da Constituiccedilatildeo seria dizer que a interpretaccedilatildeo constitucional da Corte

estaria sujeita ao referendo do legislador ou seja que a Constituiccedilatildeo ndash

como entendida pelo oacutergatildeo que ela proacutepria erigiu em guarda da sua

supremacia ndash soacute constituiria a Lei Suprema na medida da inteligecircncia que

lhe desse outro oacutergatildeo constituiacutedo o legislador ordinaacuterio ao contraacuterio

submetido aos seus ditamesrdquo

O Ministro Eros Grau em voto divergente discordou do entendimento

traccedilado no voto do relator no aspecto da inadmissibilidade da interpretaccedilatildeo constitucional

por lei ordinaacuteria afirmando que todo ato legislativo em alguma medida envolve a

interpretaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo por parte de quem legisla

Concluiu pela inexistecircncia de inconstitucionalidade formal da Lei nordm 10

62802 com base no fundamento de que o Poder Legislativo natildeo fica vinculado por um

dever de natildeo legislar em razatildeo da Corte ter conferido alguma interpretaccedilatildeo constitucional

Sendo entatildeo admissiacutevel que o Legislativo reedite uma lei contraacuteria a interpretaccedilatildeo

constitucional jaacute proferido pelo STF todavia esta lei fatalmente sucumbiraacute agrave anaacutelise da

inconstitucionalidade material jaacute que a uacuteltima palavra deveraacute ser dada pela Corte

O Ministro Gilmar Mendes acompanhou a divergecircncia lanccedilando

argumentos diferentes que enriqueceram o debate os quais satildeo de grande importacircncia para

a anaacutelise que se faraacute s na sequecircncia razatildeo pela qual transcreve-se aqui alguns dos principais

trechos

(hellip) Penso que natildeo eacute possiacutevel admitir que o legislador ordinaacuterio tenha a

sua liberdade totalmente tolhida pelas declaraccedilotildees de constitucionalidade

ou inconstitucionalidade do Tribunal Eacute adequado e prudente inclusive

que tais atos legislativos sejam apreciados a partir de um dado contexto

institucional

Eacute de se ressaltar que se de um lado a Constituiccedilatildeo atribui a este Supremo

Tribunal Federal a tarefa de guarda da integridade da ordem juriacutedico-

constitucional de outro eacute assente que o seu texto esta sujeito a uma

sociedade aberta de inteacuterpretes (HARBELE Peter Hermenecircutica

Constitucional A Sociedade aberta dos inteacuterpretes da Constituiccedilatildeo

93

contribuiccedilatildeo para a interpretaccedilatildeo pluralista e ldquoprocedimentalrdquo da

Constituiccedilatildeo Trad Gilmar Ferreira Mendes Porto Alegre Sergio Antonio

Fabris 1997) os quais podem de acordo com as alteraccedilotildees histoacuterico-

culturais exercer alternativas plurais de interpretaccedilatildeo

(hellip)

Natildeo eacute possiacutevel presumir portanto a inconstitucionalidade dos dispositivos

atacados simplesmente porque eles contrariam a ldquouacuteltima palavrardquo

conferida pelo Supremo Tribunal Federal sobre o tema Que pretendo

ressaltar pelo contraacuterio eacute o fato de que se o legislador federal (re)incide

cria ou regula essa mateacuteria constitucional de modo inteiramente diverso o

ldquodiaacutelogordquo o debate institucional deve continuar

Os demais ministros seguiram o voto do relator sem acrescentar grandes

argumentos ao debate Desta feita restou consignada no julgado a inconstitucionalidade da

lei

c) Anaacutelise do caso pelo prisma das Teorias do Diaacutelogo Institucional

Inicialmente merece ser pontuado que como destacado no voto do

Ministro Relator a lei da qual foi apreciada a constitucionalidade pelo STF trata-se de

expressa reaccedilatildeo legislativa a interpretaccedilatildeo constitucional anteriormente proferida

Como viu-se no capiacutetulo anterior para alguns estudiosos como Peter

Hogg e Allisson Bushell a simples possibilidade de reaccedilatildeo legislativa agrave decisatildeo judicial

resultante do controle de constitucionalidade deve ser considerada como uma praacutetica

dialoacutegica

Nessa perspectiva pode-se dizer que o STF apesar de ter considerado a

inconstitucionalidade da lei natildeo descartou a possibilidade da reaccedilatildeo legislativa agrave sua decisatildeo

preteacuterita admitindo que a mesma natildeo vincula a atuaccedilatildeo legislativa o que demonstra a

existecircncia de um espaccedilo para a possibilidade do diaacutelogo no sistema brasileiro ainda que este

em muito se diferencie estruturalmente do sistema Canadense o qual foi o objeto de estudo

desses Autores

Aplicando a descriccedilatildeo dialoacutegica proposta por Tushnet pode-se dizer que

o caso enquadra-se no conceito de diaacutelogo pois o legislador pretendeu a modificaccedilatildeo do

94

entendimento da Corte por meio da ediccedilatildeo de um estatuto legal com objeto semelhante ao

de uma Suacutemula jaacute cancelada - praacutetica que pode ser comparada a ldquoin your face responserdquo

comum no sistema canadense106- e o Tribunal enfrentou a questatildeo por meio de um novo

debate poreacutem permaneceu firme no seu entendimento anterior

Portanto em que pese a Constituiccedilatildeo Federal brasileira natildeo trazer

expressamente em seu texto a previsatildeo de um mecanismo especiacutefico que possibilite ao

legislativo superar uma decisatildeo do Supremo Tribunal Federal107 proferida no acircmbito do

controle concentrado de constitucionalidade o fato de as decisotildees do Supremo nesta espeacutecie

de controle de constitucionalidade natildeo vincularem o Poder Legislativo108 possibilitam ou

pelo menos natildeo impedem a reediccedilatildeo de uma norma jaacute consagrada inconstitucional

Sendo assim pode-se afirmar que apesar do Brasil adotar um modelo forte

de controle de constitucionalidade e a Constituiccedilatildeo Federal conceder expressamente a

guarda da Constituiccedilatildeo ao Supremo Tribunal Federal a possibilidade de um diaacutelogo

institucional com o Poder Legislativo ndash sob a perspectiva de algumas teorias dialoacutegicas ndash

natildeo eacute algo impensaacutevel

Importante frisar a questatildeo da adoccedilatildeo de um sistema forte de controle

de constitucionalidade jaacute que conforme lecionado por Tushnet (2009) esses sistemas seriam

menos propiacutecios ao diaacutelogo jaacute que seus mecanismos de modificaccedilatildeo da decisatildeo judicial

seriam mais difiacutecies e demorados como a Emenda Constitucional por exemplo Contudo

no presente caso vecirc-se que essa possibilidade pode ocorrer por meio de lei ordinaacuteria e de

forma relativamente ceacutelere se considerado que entre a revogaccedilatildeo da Suacutemula 394 e a ediccedilatildeo

da lei se passaram apenas dois anos

106 Ver toacutepico 1012 107 Apenas a tiacutetulo de conhecimento entendemos necessaacuterio mencionar que no ano de 2011 foi proposto um

Projeto de Emenda a Constituiccedilatildeo conhecido como PEC 33 o qual pretendia modificar o enunciado do artigo

102 da CF para alterar a quantidade miacutenima de votos de membros de tribunais para declaraccedilatildeo de

inconstitucionalidade das leis condicionar o efeito vinculante de suacutemulas aprovadas pelo STF agrave aprovaccedilatildeo

pelo Poder Legislativo e submeter ao Congresso Nacional as decisotildees sobre inconstitucionalidade de Emendas

agrave Constituiccedilatildeo As alteraccedilotildees pretendidas com o prejeto especialemente as duas uacuteltimas que alargam a

competecircncia do Legislativo sugerem a introduccedilatildeo de um modelo de controle de constitucionalidade

semelhante ao weak form A PEC foi arquivada no dia 31012015 com o fim da legislatura em que foi proposta

nos termos do art 105 do regimento interno da Cacircmara dos Deputados

108 O paraacutegrafo uacutenico do artigo 28 da Lei nordm 9 868 de 10 de novembro de 1999 dispotildee que a declaraccedilatildeo de

constitucionalidade ou de inconstitucionalidade inclusive a interpretaccedilatildeo conforme a Constituiccedilatildeo e a

declaraccedilatildeo parcial de inconstitucionalidade sem reduccedilatildeo de texto tecircm eficaacutecia contra todos e efeito vinculante

em relaccedilatildeo aos oacutergatildeos do Poder Judiciaacuterio e agrave Administraccedilatildeo Puacuteblica federal estadual e municipal natildeo

incluindo nesse rol o Poder Legislativo

95

Pois bem da leitura do item b) acima percebe-se uma divergecircncia de

opiniatildeo dentro da proacutepria Corte a respeito do tema alguns ministros a maioria deles

adotaram um pensamento mais conservador e defensor da supremacia judicial no sentido de

considerar a reaccedilatildeo legislativa abusiva Outros principalmente o ministro Gilmar Mendes

optaram por um posicionamento mais tendente ao diaacutelogo reconhecendo a importacircncia de

uma postura mais aberta do Judiciaacuterio nesse sentido

Apesar do voto vencedor ter concluiacutedo pela inconstitucionalidade

formal da lei a anaacutelise do meacuterito natildeo deixou de ocorrer Todos os ministros engajaram-se a

debater o tema tratado pela lei e pela antiga Suacutemula novamente reacendendo o debate dois

anos depois Em que pese o entendimento da Corte ter permanecido o mesmo deve-se

reconhecer os benefiacutecios da reediccedilatildeo da lei no sentido de possibilitar um ldquosegundo olharrdquo

sobre o tema

Nesse aspecto do caso percebe-se a ideia desenvolvida por Kent

Roach109 ndash a qual se enquadra no grupo das teorias de princiacutepios juriacutedicos ndash em que a decisatildeo

judicial deve ser considerada como o iacutenicio do debate o qual prossegue mediante a resposta

legislativa por meio da ediccedilatildeo de leis ordinaacuterias reativas agrave essa decisatildeo e que assim

possibilitam que o tema volte a ser debatido pelo Judiciaacuterio e tambeacutem pelo Legislativo

Para o autor a devoluccedilatildeo do debate ao Judiciaacuterio por meio da resposta

legislativa eacute uma forma mais desejaacutevel de atuaccedilatildeo do legislador ao inveacutes da ou total

deferecircncia agraves decisotildees judiciais ou ainda da superaccedilatildeo da decisatildeo e imposiccedilatildeo do seu

entendimento como o sistema canadense possibilitar com a claacuteusula 33 Todavia tambeacutem

atenta para o lado negativo dessa praacutetica como jaacute se viu anteriormente

O caso traduz exatamente as criacuteticas dirigidas agrave essa teoria e sua

respectiva praacutetica pois viu-se que o legislativo pode simplesmente reeditar uma norma jaacute

considerada inconstitucional sem no entanto se preocupar em justificar a sua escolha

tampouco demonstrar a necessidade da medida mas apenas repetindo o conteuacutedo tal e qual

ao da norma anterior contrariando a expectativa de uma melhor e mais responsaacutevel atuaccedilatildeo

Eacute necessaacuterio perceber tambeacutem a postura ativista da Corte tendo em

vista que o entendimento que prevaleceu nesse caso foi pela impossibilidade de reediccedilatildeo de

109 Ver tambeacutem aleacutem das obras jaacute anteriormente citadas ROACH Kent Constitutional and Common Law

Dialogues between the Supreme Court and Canadian Legislatures Canadian Bar Review p 481-533 2001

96

uma norma jaacute declarada inconstitucional com uma clara intenccedilatildeo de preservar e rearfirmar

o seu poder110 o que evidencia mais uma dificuldade praacutetica da aplicaccedilatildeo das teorias dos

princiacutepios juriacutedicos dependentes da boa disposiccedilatildeo do Judiciaacuterio para abertura do debate e

ateacute para uma eventual deferecircncia agrave escolha legislativa

Em todo caso fato eacute que natildeo se pode considerar que no presente caso

houve um diaacutelogo sob o ponto de vista material concluindo consequentemente que as

teorias dialoacutegicas dos princiacutepios juriacutedicos na praacutetica natildeo se revelam apropriadas para a sua

consecuccedilatildeo Todavia vislumbra-se a tentativa de uma resposta legislativa ao protagonismo

Judicial que pode sob o ponto de vista formal ser considerada como um diaacutelogo

principalmente por ter levado o tema a ser debatido novamente pela Corte apesar da sua

postura mais conservadora conforme propotildee Tushnet111

Essa reaccedilatildeo legislativa ao contraacuterio do que pode parecer em um

primeiro momento natildeo eacute algo tatildeo raro no sistema brasileiro e pode ser encontrada tambeacutem

em diversos outros casos como veraacute na sequecircncia

15 Julgamento da accedilatildeo direta de inconstitucionalidade nordm 4543DF e a lei

131652015

a) Breve resumo do caso

Na Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade nordm 4543DF proposta pela

Procuradoria Geral da Repuacuteblica o Supremo Tribunal apreciou a incompatibilidade do artigo

5ordm da Lei 120342009 com o caput do artigo 14 da Constituiccedilatildeo Federal brasileira que

assegura o voto direto e secreto

O supracitado dispositivo legal previa a criaccedilatildeo do voto impresso a

partir do processo eleitoral de 2014 e possuiacutea a seguinte redaccedilatildeo

5o Fica criado a partir das eleiccedilotildees de 2014 inclusive o voto impresso

110 Neste sentido Barroso (2009) destaca que o primeiro impulso natural do poder eacute a auto-conservaccedilatildeo sendo

intuitivo que os representantes do poder em suas relaccedilotildees entre si ou com outros aotres poliacuteticos sejam eles

institucionais ou sociais procure demarcar e preservar seu espaccedilo de atuaccedilatildeo e sua autoridade

111 Ver toacutepicos 1012 1013 e 1014 que abordam as teorias dialoacutegicas de princiacutepios juriacutedicos sua

concretizaccedilatildeo no sistema canadense e respetivas criacuteticas

97

conferido pelo eleitor garantido o total sigilo do voto e observadas as

seguintes regras

sect 1o A maacutequina de votar exibiraacute para o eleitor primeiramente as telas

referentes agraves eleiccedilotildees proporcionais em seguida as referentes agraves eleiccedilotildees

majoritaacuterias finalmente o voto completo para conferecircncia visual do eleitor

e confirmaccedilatildeo final do voto

sect 2o Apoacutes a confirmaccedilatildeo final do voto pelo eleitor a urna eletrocircnica

imprimiraacute um nuacutemero uacutenico de identificaccedilatildeo do voto associado agrave sua proacutepria

assinatura digital

sect 3o O voto deveraacute ser depositado de forma automaacutetica sem contato

manual do eleitor em local previamente lacrado (grifou-se)

sect 4o Apoacutes o fim da votaccedilatildeo a Justiccedila Eleitoral realizaraacute em audiecircncia

puacuteblica auditoria independente do software mediante o sorteio de 2 (dois

por cento) das urnas eletrocircnicas de cada Zona Eleitoral respeitado o limite

miacutenimo de 3 (trecircs) maacutequinas por municiacutepio que deveratildeo ter seus votos em

papel contados e comparados com os resultados apresentados pelo

respectivo boletim de urna

sect 5o Eacute permitido o uso de identificaccedilatildeo do eleitor por sua biometria ou pela

digitaccedilatildeo do seu nome ou nuacutemero de eleitor desde que a maacutequina de

identificar natildeo tenha nenhuma conexatildeo com a urna eletrocircnica

O Supremo considerou a lei inconstitucional com base em diversos

argumentos alegando resumidamente que a criaccedilatildeo do voto impresso representaria um

retrocesso para o sistema eleitoral brasileiro que atualmente conta com um moderno e

eficiente aparato de votaccedilatildeo eletrocircnica e seria uma ameaccedila ao sigilo garantido

constitucionalmente afirmando a proibiccedilatildeo de qualquer tipo de identificaccedilatildeo do eleitor no

exerciacutecio do voto ou no proacuteprio voto

A accedilatildeo foi julgada procedente por unanimidade nos termos do voto do

Ministro Relator poreacutem eacute interessante destacar o voto do Ministro Luiacutes Roberto Barroso o

qual aduziu expressamente a importacircncia de que o Judiciaacuterio conserve uma postura de

humildade institucional sendo deferente agraves escolhas poliacuteticas do Legislador que natildeo sejam

claramente irrazoaacuteveis Em resposta o Ministro Luiz Fux afirmou que muito embora

98

concorde com a deferecircncia que deve ser dada ao Legislativo em certos casos eacute preciso que

o Supremo exerccedila a funccedilatildeo contramajoritaacuteria ou seja contra a Casa do Povo principalmente

naquelas hipoacuteteses em que haacute uma ameaccedila a direito fundamental

Pouco mais de um ano apoacutes o referido julgamento o Legislativo

promulgou a Lei nordm 131652015 conhecida como ldquolei da minireforma eleitoralrdquo por

introduzir significativas alteraccedilotildees ao Coacutedigo Eleitoral a qual em seu artigo 2ordm deu nova

redaccedilatildeo ao Artigo 59-A do referido Coacutedigo nos seguintes termos

Art 59-A No processo de votaccedilatildeo eletrocircnica a urna imprimiraacute o

registro de cada voto que seraacute depositado de forma automaacutetica e sem

contato manual do eleitor em local previamente lacrado (grifou-se)

Paraacutegrafo uacutenico O processo de votaccedilatildeo natildeo seraacute concluiacutedo ateacute que o

eleitor confirme a correspondecircncia entre o teor de seu voto e o registro

impresso e exibido pela urna eletrocircnica

Da simples leitura do dispositivo acima percebe-se que o que o

Legislativo fez foi reeditar uma norma com igual objeto ao da anteriormente declarada

inconstitucional pela Corte Entretanto algumas alteraccedilotildees no texto satildeo notoacuterias sobretudo

no tocante a retirada da previsatildeo de um nuacutemero uacutenico de identificaccedilatildeo do voto associado agrave

proacutepria assinatura digital e da auditoria pela Justiccedila Eleitoral

Percebe-se entatildeo mais uma vez a ocorrecircncia de uma reaccedilatildeo legislativa

por meio da ediccedilatildeo de lei ordinaacuteria tendo em vista o desacordo do legislador com o

entendimento proferido pela Corte

b) Anaacutelise do caso pelo prisma das Teorias do Diaacutelogo Institucional

Observa-se claramente no presente caso a possibilidade concreta do

Legislativo brasileiro reeditar uma norma de igual objeto e com redaccedilatildeo semelhante e igual

objeto de outra jaacute declarada inconstitucional pelo STF

O caso eacute similar ao antes descrito poreacutem naquele a norma anterior que

estava sendo reeditada natildeo era uma lei ordinaacuteria criada pelo legislativo mas sim uma Suacutemula

editada pela proacutepria Corte Neste caso jaacute se nota duas normas editadas pelo mesmo oacutergatildeo

99

com o mesmo objeto e em um lapso temporal relativamente curto a primeira jaacute considerada

inconstitucional e a segunda ateacute o momento vaacutelida

Se observar-se o caso pela vertente do conteuacutedo daquelas teorias

dialoacutegicas que consideram a reediccedilatildeo de norma idecircntica como uma forma de diaacutelogo chegar-

se-aacute a conclusatildeo que esse pode ser mais um exemplo de diaacutelogo no seu sentido formal assim

como o narrado acima

O caso encaixa-se perfeitamente na descriccedilatildeo convencional de diaacutelogo

sintetizada por Tushnet eis que respeita a execuccedilatildeo de todos os passos descritos pelo autor

todavia conceber a resposta legislativa neste caso como uma forma de diaacutelogo pode ser

considerado como algo positivo ou natildeo a depender do ponto de vista adotado

Pode-se considerar a reaccedilatildeo legislativa tanto como uma afronta agrave

decisatildeo judicial na tentativa de manter uma legislaccedilatildeo flagrantemente inconstitucional em

vigor protegendo seus proacuteprios interesses poliacuteticos ou podemos interpretar a reaccedilatildeo

legislativa tambeacutem como uma manifestaccedilatildeo de deferecircncia agrave decisatildeo judicial sendo uma

revisatildeo da lei anterior

Menciona-se isso porque natildeo se pode ignorar o fato de o texto da

segunda lei ser muito mais sucinto que o da primeira sobretudo por ter sido retirada da sua

redaccedilatildeo alguns aspectos especiacuteficos que foram impugnados pelo Supremo Nesse aspecto

se adotada uma visatildeo positiva poder-se-ia dizer que o resultado esperado pelos defensores

dessa praacutetica foi atingido ocasionando uma atuaccedilatildeo mais responsaacutevel do Legislativo o qual

teria levado em conta as observaccedilotildees do Judiciaacuterio para a elaboraccedilatildeo de uma medida mais

satisfatoacuteria que a anterior

Se observada a reaccedilatildeo legislativa sob esse entendimento poder-se-aacute

dizer que houve no presente caso - conforme o sentido empregado por Tremblay (2000) -

uma ldquoconversardquo entre entre Judiciaacuterio e Legislativo que resultou em uma medida legislativa

criada mediante o compartilhamento das visotildees de ambos os Poderes

Entretanto eacute necessaacuterio destacar que a intenccedilatildeo do Legislativo natildeo resta

clara pois ao mesmo tempo que modificou em alguns aspectos o texto anteriormente

editado tambeacutem manteve o seu principal objeto o qual jaacute havia sido flagrantemente

considerado inconstitucional pela Corte

100

Dessa forma ao mesmo tempo em que se pode vislumbrar a ocorrecircncia

de um diaacutelogo tambeacutem se pode encarar o tipo de resposta legislativa dada neste caso como

uma atuaccedilatildeo abusiva a qual natildeo poderaacute ser entendida como dialoacutegica

Essa ambiguidade demonstra que nem toda forma de resposta

legislativa deve ser encarada sob o ponto de vista dialoacutegico sob pena de enfraquecimento

das proacuteprias teorias dialoacutegicas do esvaziamento do seu potencial Eacute nesse aspecto que a

descriccedilatildeo convencional de diaacutelogo apresenta falha

O que o diaacutelogo institucional - entendido na sua melhor forma -

preceitua natildeo eacute uma imposiccedilatildeo de pontos de vista muito menos a simples deferecircncia de um

Poder para com o outro mas sim uma efetiva troca de argumentos por isso eacute preciso que

haja uma anaacutelise qualitativa das respostas legislativas para soacute assim poder enquadraacute-las

como uma manifestaccedilatildeo dialoacutegica e natildeo apenas considerar que o simples fato da sua

possibilidade existir jaacute eacute uma evidecircncia de diaacutelogo (PETTER 2007)

Como jaacute analisado anteriormente em toacutepico especiacutefico a metodologia

de diaacutelogo que verificamos nos dois casos expostos ateacute aqui eacute alvo de muitas criacuteticas poreacutem

tambeacutem possui alguns aspectos postivos que natildeo podem ser desconsiderados os quais ficam

melhor evidenciados por meio da anaacutelise do caso que a seguir seraacute exposto

16 Julgamento da accedilatildeo direta de inconstitucionalide nordm 3772DF ndash a suacutemula 726

do STF e a lei nordm 113012006

a) Breve resumo do caso

Trata-se da anaacutelise da constitucionalidade da Lei nordm 113012006 que

alargou o conceito de funccedilotildees de Magisteacuterio para efeitos de aplicaccedilatildeo do paraacutegrafo 5ordm do

artigo 40 e do paraacutegrafo 8ordm do artigo 201 da CF88 mediante Accedilatildeo Direta de

Constitucionalidade proposta pelo Procurador Geral da Repuacuteblica

Em suma o que a lei questionada apresentou foi uma introduccedilatildeo de um

paraacutegrafo segundo na Lei nordm 93941996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo Nacional)

com a seguinte redaccedilatildeo ldquoPara os efeitos do disposto no sect 5ordm do art 40 e no sect 8o do art 201

da Constituiccedilatildeo Federal satildeo consideradas funccedilotildees de magisteacuterio as exercidas por professores

e especialistas em educaccedilatildeo no desempenho de atividades educativas quando exercidas em

101

estabelecimento de educaccedilatildeo baacutesica em seus diversos niacuteveis e modalidades incluiacutedas aleacutem

do exerciacutecio da docecircncia as de direccedilatildeo de unidade escolar e as de coordenaccedilatildeo e

assessoramento pedagoacutegicordquo

Os respectivos dispositivos constitucionais tratam da aposentadoria

especial para professores prevendo uma reduccedilatildeo do tempo de serviccedilo exigido para tanto

Sobre esse aspecto o STF jaacute havia editado a Suacutemula 726 com a seguinte redaccedilatildeo para efeito

de aposentadoria especial de professores natildeo se computa o tempo de serviccedilo prestado fora

da sala de aula

O referido verbete foi resultado do julgamento da ADI 2253 onde ao

interpretar a Constituiccedilatildeo o Supremo Tribunal firmou o entendimento de que as funccedilotildees de

magisteacuterio referidas pela Carta Magna seriam apenas as da proacutepria atividade fim do

professor ou seja definiu a docecircncia como atividade exclusiva de sala de aula

Desta forma mais uma vez o Legislativo editou lei contraacuteria agrave

interpretaccedilatildeo constitucional jaacute exarada e sumulada pela Corte Contudo nessa ocasiatildeo o

resultado praacutetico foi diferente dos verificados nos casos acima

Primeiro natildeo houve debate acerca da possibilidade da ediccedilatildeo de uma

lei contraacuteria a decisatildeo jaacute proferida pelo STF mas sim uma mudanccedila no entendimento

anteriormente traccedilado apoacutes um intenso debate sobre o assunto

Poderia o Supremo Tribunal ter declarado a inconstitucionalidade da

norma sem muita dificuldade bastava manter o posicionamento anterior relativo a

impossibilidade de alargamento do benefiacutecio da aposentadoria especial aos profissionais

ldquoespecialistas em educaccedilatildeordquo entretanto optou por modificar seu entendimento parcialmente

e adaptaacute-lo para julgar a accedilatildeo parcialmente procedente mantendo a validade da lei e traccedilando

a correta interpretaccedilatildeo da mesma nos seguintes termos

I ndash A funccedilatildeo de magisteacuterio natildeo se circunscreve apenas ao trabalho em sala

de aula abrangendo tambeacutem a preparaccedilatildeo de aulas a correccedilatildeo de provas

o atendimento aos pais e alunos o assessoramento pedagoacutegico e ainda a

direccedilatildeo de unidade escolar

II ndash As funccedilotildees de direccedilatildeo coordenaccedilatildeo e assessoramento pedagoacutegico

integram a carreira de magisteacuterio desde que exercidos em

estabelecimentos de ensino baacutesico por professores de carreira excluiacutedos

102

os especialistas em educaccedilatildeo fazendo jus aqueles que as desempenham ao

regime especial de aposentadoria estabelecido nos sect 5ordm do art 40 e no sect

8o do art 201 da Constituiccedilatildeo Federal

b) Anaacutelise do caso pelo prisma das Teorias do Diaacutelogo Institucional

Vecirc-se no presente caso um posicionamento da Corte totalmente

contraacuterio ao demonstrado anteriormente Aqui o STF admitiu a superaccedilatildeo da sua decisatildeo por

lei ordinaacuteria esforccedilando-se ainda para traccedilar um entendimento compatiacutevel da lei com a

Constituiccedilatildeo quando poderia tecirc-la simplesmente anulado

Neste caso constata-se o benefiacutecio da praacutetica legislativa que mesmo

ciente do entendimento jaacute fixado pelo Judiciaacuterio forccedilou a reediccedilatildeo da lei como forma de

levantar novamente o debate acerca do tema o qual resultou positivo no tocante a efetivaccedilatildeo

de direito fundamental ampliando o rol de beneficiados com a aposentadoria especial dos

professores

Percebe-se neste ponto que o resultado beneacutefico esperado da praacutetica

das teorias dialoacutegicas dos princiacutepios juriacutedicos pautadas em uma articulaccedilatildeo legislativa no

sentido de propiciar um novo debate sobre determinado tema por meio da ediccedilatildeo de uma lei

ordinaacuteria eacute possiacutevel todavia fica claro que para que haja esse efeito positivo eacute necessaacuteria

uma abertura da Corte uma aceitaccedilatildeo ao novo enfrentamento e possibilidade de modificaccedilatildeo

do antigo posicionamento

O caso revela portanto uma importante criacutetica das teorias dialoacutegicas

nenhuma delas prevecirc uma forma de diaacutelogo que na praacutetica deva e possa ocorrer independente

da vontade das institiuiccedilotildees No mesmo sentido a descriccedilatildeo convencional de diaacutelogo exposta

por Tushnet para que resulte positiva necessita da vontade poliacutetica dos agentes

Por outro lado mais uma vez percebe-se que mesmo natildeo havendo no

sistema brasileiro qualquer previsatildeo expressa de um mecanismo estrutural dialoacutegico esse

diaacutelogo pode ocorrer como fruto do proacuteprio princiacutepio da separaccedilatildeo de poderes evidenciando

assim o que preceituam as teorias de construccedilatildeo coordenada jaacute tratadas no toacutepico 101 ou

seja que o diaacutelogo pode se materializar mesmo em um sistema onde haacute uma supremacia

judicial expressa pela proacutepria Constituiccedilatildeo

103

Mediante a leitura do presente caso percebe-se ainda que as respostas

proferidas no acircmbito da interpretaccedilatildeo constitucional estatildeo sujeitas agrave constantes mudanccedilas

que natildeo haacute uma resposta definitiva sendo entatildeo importante a interaccedilatildeo entre os Poderes

justamente para possbilitar a construccedilatildeo de novas respostas condizentes com a realidade e

mais aceitaacuteveis no seio social conforme a ideia do diaacutelogo institucional pressupotildee

Neste sentido revela-se a pertinecircncia dos ensinamentos de Waldron da

necessidade de um modelo de controle judicial das leis onde natildeo haja invariavelmente a

predominacircncia do Judiciaacuterio sendo necessaacuterio o debate acerca das questotildees constitucionais

mais complexas e natildeo a simples prevalecircncia do entendimento judicial112

Outro ponto do caso que merece destaque eacute a praacutetica da ldquointerpretaccedilatildeo

conformerdquo utilizada pelo Supremo Vecirc-se que houve uma busca por uma interpreteccedilatildeo

compatiacutevel com a Constituiccedilatildeo a fim de manter a validade da medida editada pelo

Legislativo poreacutem com uma relativa alteraccedilatildeo do sentido orginal conferido pelo legislador

Nesse aspecto a teacutecnica decisoacuteria utilizada pela Corte se assemelha ao

mandado interpretativo presente em alguns ordenamentos como jaacute abordou-se113 onde o

Judiciaacuterio possui o dever de buscar uma interpretaccedilatildeo legal compatiacutevel com o Bill of Rights

O que as difere em suma eacute o fato de que o Tribunal brasileiro natildeo

possui a ldquoobrigaccedilatildeordquo de dar uma intepretaccedilatildeo conforme a Constituiccedilatildeo podendo declarar a

lei inconstitucional e proceder a sua consequente invalidaccedilatildeo quando entender que natildeo eacute

possiacutevel adequar a interpretaccedilatildeo aos preceitos constitucionais ao contraacuterio do que ocorre no

Reino Unido e Nova Zelacircndia onde o Judiciaacuterio natildeo pode anular a lei quando natildeo conseguir

vislumbrar nenhuma interpretaccedilatildeo harmonizaacutevel com a Constituiccedilatildeo

Dito isso percebe-se que nesse caso natildeo houve uma simples deferecircncia

do Judiciaacuterio ao ato legislativo havendo a reinvenccedilatildeo do debate com a adoccedilatildeo de novos

posicionamentos buscando o Tribunal natildeo apenas a simples invalidaccedilatildeo do dispositivo legal

mas sim se esforccedilando para encontrar a sua melhor interpretaccedilatildeo de acordo com os preceitos

constitucionais preservando a norma editada pelo legislador

Sob esse ponto de vista essa praacutetica interpretativa pode ser vista como

112 Sobre os ensinamentos do autor leia-se toacutepico 4 113 Ver toacutepico 13

104

dialoacutegica eis que houve uma reaccedilatildeo legislativa agrave decisatildeo judicial inicial um novo debate a

modificaccedilatildeo do entendimento pelo Judiciaacuterio que resultou na manutenccedilatildeo da nova lei com

um sentido em conformidade com os preceitos constitucionais

Tushnet ao detalhar a descriccedilatildeo convencional de diaacutelogo menciona a

possibilidade de o Judiciaacuterio de defender o estatuto legal compatibilizando-o com as normas

constitucionais Nessa perspectiva a interpretaccedilatildeo conforme pode ser vista como uma

medida de defesa da lei da sua soberania e respeito a atuaccedilatildeo do Legislativo

Na oacutetica dos diaacutelogos pode-se dizer que houve um ldquodebaterdquo entre o

Legislativo e Judiciaacuterio provocado por meio das decisotildees judiciais e reediccedilatildeo da medida

legislativa com a sua subsequente anaacutelise judicial

Estatildeo presentes portanto todos os passos da descriccedilatildeo de diaacutelogo

elaborada por Tushnet Entretanto deve-se ressaltar que ao mesmo tempo que a postura

judicial nesse caso pode ser considerada como dialoacutegica pois admitiu a nova medida

legislativa mesmo que contraacuteria ao seu posicionamento tambeacutem pode ser considerada uma

conduta ativista eis que modificou o sentido original que o Legislador pretendeu conferir a

lei Sobre esta praacutetica eacute necessaacuterio observar alguns aspectos especiacuteficos

O princiacutepio da interpretaccedilatildeo conforme a Constituiccedilatildeo possui

unicamente a funccedilatildeo de operar como meacutetodo ldquocomplementarrdquo de interpretaccedilatildeo face a outros

criteacuterios ou meacutetodos interpretativos limita-se a ldquodesenvolverrdquo e ldquocomplementarrdquo as regras

de hermenecircutica apresenta-se basicamente como um postulado inserido num processo de

controle de normas (QUEIROZ 2010)

Eacute no domiacutenio do controle de constitucionalidade que este princiacutepio

ganha mais autonomia antes de declarar uma lei inconstitucional o juiz ou juiacutezes

encarregados do controle tecircm o dever de em via interpretativa buscar um sentido que ainda

estribado no seu enunciado linguiacutestico e ainda respeitador do texto constitucional permita

salvar a mesma (URBANO 2010 p 414)

Todavia o problema deste postulado estaacute na sua aplicaccedilatildeo pelo

Supremo Tribunal Federal que muitas vezes usa dessa justificativa para legitimar uma

postura extremamente ativista e violadora do princiacutepio da separaccedilatildeo de poderes

extrapolando os limites de sua competecircncia e reduzindo significativamente a margem de

atuaccedilatildeo do legislador e podendo ainda falsear a sua vontade original

105

Portanto para que se possa encarar essa praacutetica como beneacutefica e sob o

ponto de vista dialoacutegico eacute necessaacuterio que ela seja limitada a interpretaccedilatildeo proferida pelo

Tribunal ainda tem que ter alguma sustentaccedilatildeo no texto original tem que ser uma

interpretaccedilatildeo plausiacutevel (URBANO 2014 p 417)

Apesar disso eacute possiacutevel avistar uma deliberaccedilatildeo entre os Poderes

sugerindo a concretizaccedilatildeo de um diaacutelogo mais proacuteximo ao ideal esperadoentretanto natildeo se

deve afirmar que houve a concretizaccedilatildeo de um diaacutelogo material como a teoria idealiza mas

acredita-se que essa eacute a praacutetica mais proacutexima do mesmo dentre as jaacute analisadas ateacute aqui

poreacutem a mesma tambeacutem apresenta falhas e alguns riscos

17 Julgamento da accedilatildeo direta de inconstitucionalidade por omissatildeo nordm

3382MT

a) Breve resumo do caso

A Assembleacuteia Legislativa do Estado de Mato Grosso propocircs Accedilatildeo

Direta de Inconstitucionalidade questionando a inatividade do legislador quanto ao dever de

elaborar lei complementar a que se refere o sect4ordm do artigo 18 da Constituiccedilatildeo Federal

O referido dispostivo constitucional dispotildee que a criaccedilatildeo a

incorporaccedilatildeo a fusatildeo e o desmembramento de Municiacutepios far-se-atildeo por lei estadual dentro

do periacuteodo determinado por Lei Complementar Federal e dependeratildeo de consulta preacutevia

mediante plebiscito agraves populaccedilotildees dos Municiacutepios envolvidos apoacutes divulgaccedilatildeo dos Estudos

de Viabilidade Municipal apresentados e publicados na forma da lei Ou seja impotildee ao

legislador o dever de editar lei complementar para definiccedilatildeo do prazo

A redaccedilatildeo do dispositivo foi dada pela Emenda Constitucional nordm

151996114 e a accedilatildeo foi julgada procedente em 2007 O STF entendeu que o legislador

encontrava-se em mora haacute mais de dez anos descumprindo o seu dever constitucional de

legislar considerando portanto a omissatildeo inconstitucional e determinando um prazo de 18

meses para suprir a omissatildeo

114 Antes da EC 151996 qualquer alteraccedilatildeo dos entes federativos municipais era feita por um processo simples

atraveacutes de lei estadual assim a emenda constitucional visou na realidade dificultar essas alteraccedilotildees

106

Diversas accedilotildees tambeacutem foram propostas questionando a criaccedilatildeo de

alguns municiacutepios mesma na ausecircncia da lei115 o STF julgou as respectivas leis estaduais

que os criam inconstitucionais poreacutem sem declarar a sua nulidade modulando os efeitos da

decisatildeo no sentido de garantir a validade da lei por um periacuteodo de vinte e quatro meses

tempo superior ao que fixou para que o Legislativo sanasse a omissatildeo portanto

Relevante destacar que no acoacuterdatildeo a Corte ponderou que a ineacutercia

legislativa acabou dando ensejo agrave consolidaccedilatildeo e conformaccedilatildeo de estados de

inconstitucionalidade que natildeo podem ser ignorados pelo legislador na elaboraccedilatildeo da lei

complementar determinando assim que quando da ediccedilatildeo da lei o Legislativo contemplasse

as situaccedilotildees imperfeitas decorrentes desse estado de inconstitucionalidade gerado pela sua

omissatildeo esclarecendo ainda que o prazo de dezoito meses natildeo se trata de uma imposiccedilatildeo de

limite temporal para atuaccedilatildeo legislativa mas apenas da fixaccedilatildeo de um paracircmetro razoaacutevel

A resposta legislativa veio por meio da ediccedilatildeo da Emenda

Constitucional nordm 572008 a qual convalidou os atos de criaccedilatildeo fusatildeo incorporaccedilatildeo e

desmembramento de municiacutepios cuja lei tenha sido publicada ateacute 31 de dezembro de 2006

atendidos os requisitos estabelecidos na legislaccedilatildeo do respectivo Estado agrave eacutepoca de sua

criaccedilatildeo

Dessa forma o Legislativo cumpriu com a determinaccedilatildeo do STF

relativa ao tratamento das imperfeiccedilotildees geradas pela sua omissatildeo propondo a respectiva

soluccedilatildeo Entretanto no tocante a ediccedilatildeo da lei complementar para a fixaccedilatildeo do prazo exigido

pelo dispositivo constitucional haacute um embate contiacutenuo com o Poder Executivo

A primeira tentativa de legislar sobre o assunto ocorreu com o Projeto

de Lei do Senado Federal ndash PLS nordm 982002 o qual foi objeto de veto poliacutetico do Executivo

sob o argumento de contrariedade ao interesse puacuteblico A segunda tentativa se deu pelo PLS

nordm 1042014 o qual tambeacutem foi vetado pelo Executivo com base no mesmo argumento e haacute

uma terceira tentativa ainda em tramitaccedilatildeo que eacute o PLS nordm 1992015

As razotildees que levaram o Executivo a barrar a promulgaccedilatildeo da lei foram

de ordem orccedilamentaacuteria jaacute que a criaccedilatildeo de novos entes federativos representaria o aumento

das despesas com a estrutura da administraccedilatildeo puacuteblica razotildees essas expressas na Mensagem

115 Ver ADI 2240BA ADI 3316MT ADI 3489SC ADI 3689PA

107

nordm 505 de 12 de dezembro de 2013116 emitida pela Presidente da Repuacuteblica na ocasiatildeo do

veto

A questatildeo ainda estaacute pendente de regulamentaccedilatildeo mesmo apoacutes o

esgotamento do prazo fixado pelo STF todavia natildeo por falta de iniciativa do Legislativo

como se pode ver mas sim por contrariar os interesses do Executivo que por isso vem

dificultando a promulgaccedilatildeo da medida

b) Anaacutelise do caso pelo prisma das Teorias do Diaacutelogo Institucional

No caso narrado encontram-se diferentes pormenores que podem

indicar a presenccedila de teorias dialoacutegicas na praacutetica brasileira sendo assim far-se-aacute a anaacutelise

pontual de cada um

O STF ao realizar o controle de constitucionalidade da omissatildeo

legislativa neste caso considerou a falta de accedilatildeo do legislador como uma conduta

incompatiacutevel com o seu dever constitucional de legislar e determinou um prazo para que

suprisse essa omissatildeo Neste aspecto se evidencia a ideia do Judiciaacuterio como ente

propiciador do diaacutelogo provocando o Legislativo a agir por intermeacutedio da decisatildeo judicial

extamente como alguns teoacutericos sugerem

Como abordou-se no toacutepico 82 a decisatildeo que emana do controle de

constitucionalidade da omissatildeo legislativa pode ser considerada como um mecanismo

diaacutelogico por si soacute sob o ponto de vista das teorias dialoacutegicas centradas no processo A

mesma tambeacutem eacute facilmente enquadrada na concepeccedilatildeo convencional descrita por Tsuhnet

No caso em anaacutelise pode-se ainda identifcar a presenccedila da concepccedilatildeo

dialoacutegica desenvolvida por Dixon segundo a qual o Judiciaacuterio deve agir no sentido de

superar a ineacutercia do Legislativo poreacutem sem comprometer a sua liberdade de conformaccedilatildeo117

Ou seja no presente caso verifica-se a presenccedila das teorias fundadas no meacutetodo judicial onde

o Judiciaacuterio atua como o ente propiciador do diaacutelogo o qual ocorre dentro da proacutepria decisatildeo

judicial

Seguindo essa linha de raciociacutenio eacute possiacutevel notar que o proacuteprio STF

116 Iacutentegra disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrccivil_03_Ato2011-20142013MsgVetVET-505htm

117 Falamos mais especificamente dos ensinamentos de Dixon no toacutepico 9

108

ao pronunciar que o prazo fixado na decisatildeo natildeo objetiva estabeler um limite temporal para

condicionar a accedilatildeo legislativa mas tatildeo somente uma estipulaccedilatildeo de lapso temporal razoaacutevel

preocupou-se em deixar clara a necessidade de manutenccedilatildeo de certa liberdade de atuaccedilatildeo

daquele Poder

Todavia por outro acircngulo o Tribunal determinou que o Legislativo

quando fosse suprir a omissatildeo e regular a mateacuteria a fim de cumprir o seu dever

constitucional necessariamente cuidasse das situaccedilotildees imperfeitas ocasionadas pelo seu

estado de ineacutercia Neste particular encontra-se presente na praacutetica a teoria do

aconselhamento118 onde o Judiciaacuterio profere um direcionamento agrave atuaccedilatildeo do Legislativo

Neste caso o aconselhamento foi realizado de uma forma contida o

Supremo indicou a necessidade de soluccedilatildeo das questotildees mas natildeo determinou como e quais

as medidas a serem adotadas deixando a escolha a cargo do Legislativo Neste ponto a

conduta do Judiciaacuterio merece ser observada sob o aspecto positivo das teorias do

aconselhamento o qual reside na busca de evitar futuros problemas constitucionais por meio

da orientaccedilatildeo do Legislativo por meio de decisotildees judiciais

Nota-se que ao mesmo tempo em que o STF controla a sua atividade no

sentido de natildeo comprometer a liberdade do legislador ao fixar o prazo para a sua atuaccedilatildeo

entende necessaacuterio traccedilar algumas diretrizes para a superaccedilatildeo da inconstitucionalidade

constatada Neste caso em particular como se disse a atuaccedilatildeo do Judiciaacuterio foi de certa

forma contida poreacutem a praacutetica reflete a procedecircncia das principais criacuteticas dirigidas agrave essa

forma de diaacutelogo a qual para sua materializaccedilatildeo depende fortemente da consciecircncia e

vontade do Judiciaacuterio

Outro aspecto relevante que tambeacutem pode ser entendido como parte da

trama dialoacutegica presente no caso diz respeito a modulaccedilatildeo temporal dos efeitos da decisatildeo

quando da apreciaccedilatildeo da constitucionalidade das leis dos muniacutecipios que jaacute haviam sido

criados

O STF poderia simplesmente ter deixado os efeitos de nulidade da

declaraccedilatildeo de inconstitucionalidade se perpetuarem poreacutem tendo em mente os prejuiacutezos

que isso poderia acarretar optou por estabelecer efeitos pro futuro permitindo ao Legislativo

118 Ver toacutepico 81

109

a resoluccedilatildeo do problema por uma via menos danosa

A modulaccedilatildeo dos efeitos temporais da sentenccedila tambeacutem eacute uma praacutetica

que se coaduna com as teorias dialoacutegicas fundadas no meacutetodo judicial conforme jaacute se falou

no toacutepico 822 pois por meio dela o Judiciaacuterio condiciona os efeitos praacuteticos da sua decisatildeo

dando a oportunidade ao legislativo de corrigir ou reeditar a lei assim dode-se dizer que por

intermeacutedio dela o Judiciaacuterio instiga o legislador ao diaacutelogo

No tocante a resposta legislativa presente neste caso incialmente vale

destacar que a mesma se deu em um intervalo de tempo razoaacutevel e que o Legislativo buscou

acatar a orientaccedilatildeo da Corte todavia foi impedido de fazecirc-lo em sua completude pelos

interesses do Executivo o que acaba por retratar bem na praacutetica mais uma das dificuldades

da consolidaccedilatildeo das teorias dialoacutegicas

Pelo exposto depreende-se que o sistema brasileiro natildeo eacute alheio agraves

teorias dialoacutegicas pelo contraacuterio muitas delas estatildeo presentes em seu cotidiano A expressa

supremacia judicial e falta de familiariedade com um sistema parlamentar ndash que inicialmente

poderiam gerar duacutevidas quanto a possibilidade do diaacutelogo ndash natildeo se traduzem portanto em

uma impossibilidade completa de aplicaccedilatildeo das teorias dialoacutegicas agrave realidade brasileira

Por oacutebvio as suas manifestaccedilotildees praacuteticas satildeo peculiares e fortemente

influenciadas pela cultura e histoacuteria do paiacutes uma democracia recente e com um Legislativo

que enfrenta grande crise de representatividade o que faz com que em regra o entendimento

que prevaleccedila seja o do Judiciaacuterio

Ainda assim constata-se uma inclinaccedilatildeo do Legislativo para reagir agraves

decisotildees judiciais e natildeo simplesmente acataacute-las em sinal de uma total deferecircncia agrave um

entendimento superior Os ganhos e as perdas dessa reaccedilatildeo iratildeo depender do caso concreto

dos interesses que estatildeo em jogo podendo ser uma praacutetica temeraacuteria ou positiva como jaacute

verificou-se ao longo desse trabalho

18 Diaacutelogo institucional siacutentese dos aspectos controversos e algumas

consideraccedilotildees acerca da sua consecuccedilatildeo praacutetica

De todo o exposto ateacute aqui resta-no os seguintes questionamentos

110

Pode-se considerar o diaacutelogo institucional como uma possibilidade praacutetica viaacutevel Essa

praacutetica tem de fato o condatildeo de dirimir os conflitos relativos a legitimidade democraacutetica do

judicial review Pode ser considerado como um instrumento de combate ao ativismo judicial

ou seria mais uma forma de dissimulaccedilatildeo desse fenocircmeno

Apresentar respostas exatas a essas questotildees utlrapassa a pretensatildeo

deste trabalho ateacute mesmo porque se reconhece que natildeo haacute apenas uma via de conclusatildeo para

as mesmas em virtude da complexidade que elas envolvem Contudo objetiva-se fazer uma

reflexatildeo acerca desses questionamentos como resultado do presente trabalho de forma a

contribuir para o incremento do debate acadecircmico

No que diz respeito agrave resoluccedilatildeo dos conflitos ligados agrave legitimidade

democraacutetica do judicial review acredita-se que esta praacutetica estaacute longe de apresentar uma

soluccedilatildeo definitiva sendo um tanto pretenciosa nesse sentido pois como jaacute tratado no toacutepico

4 a discussatildeo relativa a dificuldade democraacutetica do judicial review eacute algo que lhe acompanha

a contar do seu surgimento desde sempre os estudiosos tentam justificar baseados em um

tradicional conjunto de argumentos as razotildees pelas quais juiacutezes natildeo eleitos pelo povo podem

e devem realizar um controle dos atos do legislativo com poder para declarar a sua

inconstitucionalidade e tambeacutem anulaacute-los

Natildeo se quer com isso dizer que natildeo haacute uma soluccedilatildeo para o conflito mas

sim que as teorias dialoacutegicas ao mesmo tempo que buscam e propotildeem uma soluccedilatildeo quando

materializadas na praacutetica natildeo eliminam totalmente alguns dos velhos problemas

Como viu-se a promessa da teoria dos diaacutelogos institucionais eacute

proporcionar um reequiliacutebrio entre os Poderes reconhecendo a importacircncia e competecircncias

especiacuteficas de cada um no acircmbito da jurisdiccedilatildeo constitucional sugerindo uma atuaccedilatildeo

conjunta mediante verdadeira deliberaccedilatildeo entre os braccedilos do Poder para chegar em um

consenso que seja melhor para a sociedade proporcionando assim um resultado mais eficaz

e duradouro

Do ponto de vista teoacuterico a ideia parece suficiente para solucionar o

problema principalmente nas concepccedilotildees dialoacutegicas desenvolvidas por Hiebert119 e

Bateup120 que ideliazam a realizaccedilatildeo de um diaacutelogo material sem a predominacircncia de

119 Ver toacutepico 11 que trata da teoria da parceria

120 Ver toacutepico 12 que trata da fusatildeo dialoacutegica

111

nenhum dos poderes mas sim de uma verdadeira atuaccedilatildeo conjunta

Poreacutem da anaacutelise dos exemplos praacuteticos de cada teoria e da aplicaccedilatildeo

das mesmas nos casos concretos no sistema brasileiro eacute faacutecil concluir que o exerciacutecio da

jurisdiccedilatildeo constitucional na grande maioria das vezes para natildeo dizer em todas elas resultaraacute

na prevalecircncia do entendimento de um dos atores envolvidos por vezes seraacute o Legislativo o

protagonista e por outras o Judiciaacuterio Apesar de todos os esforccedilos teoacutericos a praacutetica revela

que sempre haveraacute uma uacuteltima palavra o que eacute algo inerente ao proacuteprio sistema de revisatildeo

constitucional das leis

Acredita-se portanto que natildeo se deve desconsiderar a real existecircncia

de uma uacuteltima palavra jaacute que ela sempre iraacute existir mas sim enxergaacute-la e estimular que ela

seja ldquoprovisoacuteriardquo no sentindo de que pode ser constantemente reformulada e alterada

mediante a interaccedilatildeo entre os Poderes por meio do aprofundamento do debate e maior

possibilidade de troca de argumentos buscando sempre o melhor entendimento no acircmbito

da interpretaccedilatildeo constitucional

A existecircncia da uacuteltima palavra portanto deve estar relacionada a

preponderacircncia e maior efetividade dos direitos fundamentais e natildeo necessariamente

atrelada a prevalecircncia uniforme do entendimento de um uacutenico braccedilo do Poder Esse eacute o

principal contributo a ser extraiacutedo das teorias dialoacutegicas no tocante a resoluccedilatildeo da disputa

entre o Poder Judiciaacuterio e o Poder Legislativo pela uacuteltima palavra na seara constitucional

Em contrapartida observa-se que apesar das teorias dialoacutegicas

proclamarem a realizaccedilatildeo de um controle das leis realizado em conjunto nenhuma delas

prescreve uma forma de diaacutelogo que seja concomitante com o processo de tomada de

decisatildeo de forma que a mesma seja proferida com o comum acordo de ambos os Poderes

O que vecirc-se eacute que as formas de diaacutelogo prescritas pelas teorias estudadas se referem mais agrave

possibilidade de superaccedilatildeo de um ato jaacute concretizado seja pelo Judiciaacuterio ou pelo

Legislativo do que verdadeiramente a construccedilatildeo de uma decisatildeo comum

Asssim esse eacute o primeiro aspecto que entende-se que deve ser

desmistificado pois percebe-se que a ideia de uma ldquodecisatildeo conjuntardquo de uma deliberaccedilatildeo

antes da tomada de decisatildeo e consequentemente a concretizaccedilatildeo de um diaacutelogo no sentido

que a doutrina descreve como material na praacutetica eacute quase que inviaacutevel

Assim acertada eacute a proposiccedilatildeo de Aharaon Barak (2008 p16) de que

112

a tensatildeo entre o Judiciaacuterio e os outros ramos do Poder eacute algo natural e ateacute desejaacutevel pois se

todas as regras e decisotildees proferidas pelos Tribunais forem aceitas com tranquilidade pelos

outros Poderes eacute sinal que este natildeo estaacute cumprindo corretamente com a sua funccedilatildeo na

democaria

O Autor ressalta que junto agrave essa tensatildeo haacute tambeacutem um constante

diaacutelogo entre o Judiciaacuterio e Legislativo o qual natildeo decorre de reuniotildees e debates entre eles

mas sim da realizaccedilatildeo por cada qual da sua respectiva funccedilatildeo constitucional (BARAK

2008 p 236)

Neste sentido eacute importante a constataccedilatildeo de que no Brasil um paiacutes com

um modelo forte de controle de constitucionalidade e onde a supremacia judicial eacute evidente

vez que a proacutepria Constituiccedilatildeo entitula como o detentor da uacuteltima palavra em mateacuteria

constitucional o Supremo Tribunal Federal nada impede que o Legislativo reaja ou ateacute

mesmo desafie as decisotildees proferidas pelo Judiciaacuterio no acircmbito do controle de

constitucionalidade

Assim percebe-se que ao contraacuterio do que muitos estudiosos

pressupotildeem a ideia de diaacutelogo natildeo estaacute necessariamente vinculada agrave um sistema fraco de

revisatildeo judicial das leis ou agrave uma total inexistecircncia de supremacia judicial podendo o

mesmo existir e ser conciliaacutevel mesmo nos sistemas mais riacutegidos

Portanto a ideia de diaacutelogo institucional natildeo extingue necessariamente

a supremacia judicial o que pode eacute mitigaacute-la em alguns casos impondo limites mais riacutegidos

a atuaccedilatildeo judicial justamente por meio da possibilidade de reaccedilatildeo legislativa

Com isso pode-se dizer que a forma mais viaacutevel de se entender o

diaacutelogo institucional eacute como algo decorrente da reformulaccedilatildeo do proacuteprio princiacutepio da

separaccedilatildeo de poderes segundo a qual cada ramo do Poder realiza uma funccedilatildeo que lhe eacute

proacutepria sem interferir na atuaccedilatildeo do outro Todavia essa atuaccedilatildeo natildeo deve ser estanque natildeo

existindo uma fronteira intransponiacutevel entre as atividades inerentes agrave cada um dos Poderes

Ou seja apesar de cada Poder ter de observar seus limites e respeitar a

atuaccedilatildeo dos outros devem compreender a necessidade de cooperaccedilatildeo e buscar uma atuaccedilatildeo

conjunta e complementar

Apesar disso a praacutetica nos revela que nem toda reaccedilatildeo legislativa deve

113

ser interpretada sob o ponto de vista dialoacutegico muitas vezes ela tambeacutem representaraacute mais

uma disputa de poder do que uma tentativa de debate ou de correccedilatildeo da decisatildeo judicial

Sendo assim entender toda e qualquer reaccedilatildeo legislativa como

dialoacutegica pode ser perigoso e temeraacuterio pois em muitos casos essa reaccedilatildeo pode significar

mais um disputa de poder do que necessariamente uma tentativa de debate Assim em

algumas situaccedilotildees o termo ldquodiaacutelogordquo pode natildeo ser propriamente a melhor forma de

caracterizar essas reaccedilotildees

Em muitos casos e exemplos concretos das teorias viu-se que haacute na

realidade mais uma ldquointeraccedilatildeordquo entre os Poderes do que necessariamente um ldquodiaacutelogordquo por

conseguinte a maioria das teorias dialoacutegicas na forma em que satildeo concebidas se revelam

muito otimistas pode-se dizer que ateacute um pouco romantizadas sob o ponto de vista praacutetico

Desta forma assim como as reaccedilotildees legislativas natildeo devem em sua

totalidade serem encaradas como uma praacutetica dialoacutegica o mesmo deve ser observado quanto

a conduta do Tribunal sendo este um ponto importante a ser observado

As teorias dos diaacutelogos institucionais inicialmente se apresentam

como uma forma de combate ao ativismo judicial entretanto quando analisamos algumas

das suas metodologias podemos ver que em muitos casos elas podem acabar servindo de

reforccedilo e ateacute incentivo de uma praacutetica ativista

Como jaacute foi dito o ativismo judicial se manifesta quando as decisotildees

da jurisdiccedilatildeo constitucional tomam uma densidade poliacutetica mais ampla passando a Corte a

natildeo mais apenas declarar normas inconstitucionais atuando como legislador negativo na

forma em que foi orginariamente pensada mas ao mesmo tempo comeccedila a exigir

determinadas posturas dos outros Poderes atuando como um legislador positivo (AGRA

2006)

Dessa forma algumas teacutecnicas dialoacutegicas de decisatildeo judicial podem

representar mais uma dissimulaccedilatildeo ou camuflagem do ativismo do que o seu verdadeiro

combate jaacute que alimentam uma conduta proacute-ativa do Judiciaacuterio no sentido de provocar o

Legislativo aconselhaacute-lo ou qualquer outra forma de tiraacute-lo da ineacutercia

Podem nessa perspectiva ser consideradas tanto como uma conduta

dialoacutegica como uma conduta ativista pois a linha divisoacuteria entre a simples instigaccedilatildeo e a

114

interferecircncia no poder de atuaccedilatildeo do Legislativo eacute muito tecircnue

Por isso natildeo se pode afirmar com certeza que as teorias dialoacutegicas

servem de combate ao ativismo judicial jaacute que muitas vezes podem servir de fundamento

para o Judiciaacuterio justificar decisotildees que extrapolam seu acircmbito de atuaccedilatildeo e adentram na

esfera do Legislativo Portanto eacute essencial prestar atenccedilatildeo na forma com que o Judiciaacuterio eacute

incentivado a agir como um propiciador do diaacutelogo sem perder de vista a existecircncia de

limites agrave essa praacutetica

Apesar disso natildeo se pode desconsiderar que em muitos casos ainda

que o Judiciaacuterio ao exercer o seu papel proposto pelas teorias diaacutelogicas acabe incorrendo

em uma praacutetica ativista o resultado obtido pode ser beneacutefico como vimos por exemplo no

caso da Aacutefrica do Sul e ateacute mesmo no sistema brasileiro o que revela que nem sempre o

ativismo judicial deve ser visto como algo totalmente negativo121

No tocante a efetivaccedilatildeo do diaacutelogo no seu sentido material a proposta

de que a uacuteltima palavra seja fruto de um intenso e efetivo debate entre os atores participantes

do processo de interpretaccedilatildeo constitucional que seja construiacuteda de forma conjunta por eles

por intermedio de uma troca de argumentos para chegar a um consenso razoaacutevel e duraacutevel

no seio da sociedade natildeo se realiza com clareza em nenhuma das praacuteticas identificadas como

dialoacutegicas - pelo menos nas que temos conhecimento ateacute aqui

Por isso percebe-se que a ideia de concretizaccedilatildeo de um diaacutelogo material

estaacute muito distante de uma realidade palpaacutevel pois para que isso ocorra haacute a necessidade de

que todos os braccedilos do Poder estejam dispostos a entrar em um efetivo debate contribuindo

cada um com suas competecircncias teacutecnicas para a criaccedilatildeo de uma soluccedilatildeo conjunta

construindo decisotildees no acircmbito da jurisdiccedilatildeo constitucional mediante deliberaccedilatildeo de uma

concreta troca de argumentos o que nem sempre seraacute possiacutevel

Este fato revela que para que o diaacutelogo se concretize haacute muito mais a

necessidade de uma vontade poliacutetica das instituiccedilotildees do que necessarimente uma prescriccedilatildeo

normativa ou de uma redifiniccedilatildeo do desenho institucional por meio de modificaccedilotildees no texto

constitucional Portanto ao mesmo tempo que o diaacutelogo pode ocorrer em qualquer sistema

121 Aharon Barak destaca que nem sempre o ativismo judicial estaraacute ligado a intenccedilatildeo de expansatildeo do Poder

judicial muitas vezes ele pode ser necessaacuterio para a proteccedilatildeo dos direitos humanos e ainda pode ser a forma

do Judiciaacuterio lidar com o poder dos outros ramos poliacuteticos Ver BARAK Aharon The Judge in a Democracy

Princeton University Press 2008 pp 263-271)

115

de jurisdiccedilatildeo constitucional a sua efetividade tambeacutem seraacute diretamente influenciada pela

cultura poliacutetica e histoacuterica de cada paiacutes

Apesar da concretizaccedilatildeo do diaacutelogo no seu sentido material como

preleciona a melhor doutrina ser uma realidade um tanto distante natildeo se pode ignorar os

benefiacutecios do diaacutelogo formal que se manifesta nessas praacuteticas principalmente no que se

refere ao papel que exercem no sentido de provocar uma mudanccedila de mentalidade dos

proacuteprios entes detentores do Poder bem como no aumento da responsabilidade da sua

atuaccedilatildeo

Nessa linha de raciociacutenio Petter Andrew (2007 p167) afirma que o

apelo agraves teorias dialoacutegicas deriva mais do seu poder como uma metaacutefora do que da sua forccedila

como argumento pois ao retratar a revisatildeo judicial como contributiva para o envolvimento

deliberativo a metaacutefora do diaacutelogo reformula o papel dos juiacutezes que passam a ser vistos

como advogados de um processo democraacutetico natildeo como aacuterbitros dentro de um processo

autoritaacuterio

Apesar dos pontos controversos foram apontados a respeito da sua

praacutetica as teorias dialoacutegicas satildeo de grande valia para o desenvolvimento da justiccedila

constitucional significando a busca pela superaccedilatildeo dos problemas ligados a expansatildeo

desordenada do Poder Judiciaacuterio bem como a maior e mais eficaz efetivaccedilatildeo dos direitos

fundamentais como determina a nova ordem mundial

Pode-se dizer que ainda que as teorias possuam as suas dificuldades

praacuteticas elas direcionam os atores constitucionais para uma atuaccedilatildeo mais consciente

reforccedilam o seu papel institucional e apontam algumas das principais falhas dos sistemas

tradicionais de revisatildeo judicial Assim o diaacutelogo institucional deve ser visto como um ideal

a ser alcanccedilado atraveacutes do aperfeiccediloamento da sua praacutetica atual e sobretudo por meio do

reforccedilo do princiacutepio da separaccedilatildeo de poderes no acircmbito da jurisdiccedilatildeo constitucional

116

CONCLUSAtildeO

No decurso deste trabalho verificou-se como as mudanccedilas da sociedade

global implicaram a (re)definiccedilatildeo de um novo paradigma constitucional pautado em relaccedilotildees

de cooperaccedilatildeo o qual impocircs a busca por um novo modelo de jurisdiccedilatildeo constitucional

originaacuterio da expansatildeo do judicial review para os paiacuteses da Commonwealth

Viu-se que o ativismo judicial e a judicializaccedilatildeo da poliacutetica decorrentes

dessa expansatildeo passaram a ser vistos como patologias do sistema e acenturam novos debates

acerca da legitimidade democraacutetica do Poder Judiciaacuterio para realizar o controle de

constitucionalidade dos atos legislativos incentivando entatildeo a criaccedilatildeo de um sistema de

controle fraco de constitucionalidade originaacuterio do Canadaacute

Dentro desse contexto falou-se do surgimento da ideia de um diaacutelogo

institucional no acircmbito do controle de constitucionalidade e pautamos a diferenccedila entre

diaacutelogo material e diaacutelogo formal Apoacutes fez-se uma anaacutelise das teorias dialoacutegicas

explorando seus conceitos exemplos praacuteticos e principais pontos de criacutetica

Por intermeacutedio dessa investigaccedilatildeo percebe-se que nenhuma das teorias

consubstancia um modelo perfeito sob o ponto de vista praacutetico no sentindo de promover um

diaacutelogo verdadeiro assente em uma efetiva deliberaccedilatildeo entre os Poderes Para aleacutem disso

que alguns acabou-se por registrar que os conflitos relativos agrave legitimidade democraacutetica do

judicial review na praacutetica permanecem

Todavia constatou-se tambeacutem que as teorias dialoacutegicas satildeo valiosas

pois ao contraacuterio das conhecidas teorias interpretativas que buscam disciplinar qual a melhor

forma de os juiacutezes procederem agrave leitura constitucional estas buscam evidenciar o papel

institucional do Judiciaacuterio aliado ao reforccedilo da importacircncia da atividade legislativa visando

a produccedilatildeo de decisotildees no ambito da justiccedila constitucional que natildeo sejam fruto de um

ldquomonoacutelogordquo mas sim da interaccedilatildeo institucional

Concluiacute-se entatildeo que o potencial das teorias dialoacutegicas consiste

justamente na estimulaccedilatildeo da busca por melhores padrotildees de interaccedilatildeo entre os Poderes

sendo todas elas de uma importacircncia iacutempar por tentarem evidenciar como deveria funcionar

um desenho institucional ideal no acircmbito da interpretaccedilatildeo constitucional e controle das leis

117

reforccedilando o papel de cada braccedilo do Poder nessa empreitada conforme suas proacuteprias funccedilotildees

e capacidades

Os resultados dete trabalho natildeo satildeo portanto uma resposta exata

tampouco definitiva aos atuais problemas efrentados pela jurisdiccedilatildeo constitucional mas

servem de ponto de partida para uma reflexatildeo sobre os pontos positivos e negativos das mais

modernos teorias sobre o judicial review

118

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ldquoEscolhe teu diaacutelogo e tua melhor palavra ou teu

melhor silecircncio Mesmo no silecircncio e com o

silecircncio dialogamosrdquo

(O Constante Diaacutelogo ndash Carlos Drummond de

Andrade)

3

AGRADECIMENTOS

Este trabalho eacute fruto de um sonho e apesar da sua autoria ser individual

muitos foram os que contribuiacuteram para a sua concretizaccedilatildeo sem os quais esta natildeo seria

possiacutevel

Meus pais que desde sempre me apoiam e incentivam na construccedilatildeo de

uma vida profissional que suportam a minha ausecircncia em tantos momentos que possibilitam

o alcance dos meus objetivos e que abrem matildeo das suas vontades para que eu possa realizar

as minhas

Meu irmatildeo que mesmo distante eacute para mim exemplo de garra e

determinaccedilatildeo Meus avoacutes Artur Claacuteudio e Diniz Ferreira pela trajetoacuteria de vida que tiveram

e que hoje me servem de inspiraccedilatildeo profissional Minha amada avoacute Lucila que sempre se

fez presente em minha vida e de quem a distacircncia me eacute tatildeo cara Minha querida avoacute Eida

que mesmo em outro plano sei que me acompanha e protege constantemente

Todos aqueles que cruzaram o meu caminho em Coimbra e que de

alguma forma satildeo responsaacuteveis pelo meu crescimento tanto profissional como pessoal Os

grandes amigos que fiz que ajudaram a me sentir em casa e a amenizar a ausecircncia da famiacutelia

Todos os mestres que tive desde o iniacutecio da Graduaccedilatildeo que plantaram em

mim a vontade de aprender cada vez mais e me fizeram admirar a docecircncia

Os professores e funcionaacuterios da Universidade de Coimbra com quem tive

o privileacutegio de conviver e tanto aprender natildeo apenas sobre Direito mas sobre respeito e

valorizaccedilatildeo da Educaccedilatildeo

Minha orientadora Dra Suzana Tavares da Silva que me apresentou um

novo Direito Constitucional e que desde o iacutenicio do Curso de Mestrado ensinou-me natildeo

apenas conteuacutedos juriacutedicos mas sobretudo a pensar e argumentar

Todos aqueles que torcem por mim mesmo em silecircncio ou a distacircncia

Agradeccedilo imensamente apesar de saber que minhas palavras nunca seratildeo

suficientes para demonstrar toda a minha gratidatildeo

Obrigada

4

IacuteNDICE

INTRODUCcedilAtildeO 9

CAPIacuteTULO 1 ndash OS NOVOS DESAFIOS DO CONSTITUCIONALISMO E SEUS

REFLEXOS NA JURISDICcedilAtildeO CONSTITUCIONAL O SURGIMENTO IDEIA DE

COOPERACcedilAtildeO 11

1 Os novos desafios do constitucionalismo 11

2 Constitucionalismo de cooperaccedilatildeo e seus reflexos na jurisdiccedilatildeo constitucional 14

3 O tradicional modelo de judicial review e a supremacia judicial 19

4 Jurisdiccedilatildeo constitucional e democracia um antigo debate 23

5 A implementaccedilatildeo do judicial review nos paiacuteses da commonwealth e o surgimento

de uma nova alternativa ao binocircmio judiciaacuterio v Legislativo ndash weak form of judicial

review 28

CAPIacuteTULO 2 ndash AS TEORIAS DIAacuteLOGICAS E A CONCRETIZACcedilAtildeO DO

DIAacuteOLOGO INSTITUCIONAL 31

6 Teoria dos diaacutelogos institucionais 31

7 Diaacutelogo formal v Diaacutelogo material 33

8 Teorias dialoacutegicas fundadas no meacutetodo judicial 35

81 Aconselhamento judicial 36

82 Teorias centradas no processo 40

83 Criacuteticas agraves teorias dialoacutegicas fundadas no meacutetodo judicial 45

9 O especial caso da Aacutefrica do Sul 48

10 As teorias estruturais de diaacutelogo 51

10 1 Teorias de construccedilatildeo coordenada 52

5

11 As teorias dialoacutegicas da parceira 70

111 Criacuteticas agrave teoria da parceria 71

12 Fusatildeo dialoacutegica 72

121 Criacuteticas agrave teoria da fusatildeo dialoacutegica 73

13 Os mecanismos estruturais de diaacutelogo no sistema britacircnico e neozelandecircs 73

131 O mandado interpretativo e a declaraccedilatildeo de incompatibilidade no reino unido (seccedilatildeo 3 e 4

(2) do human rights act 1998) 74

132 O mandado interpretativo na experiecircncia neozelandesa 82

CAPIacuteTULO 3 ndash AS TEORIAS DIALOacuteGICAS NO SISTEMA DE JURSIDICcedilAtildeO

CONSTITUCIONAL BRASILEIRO UMA POSSIBILIDADE 87

14 Julgamento da accedilatildeo direta de inconstitucionalidade nordm 2797df ndash a suacutemula 394 do

STF e a lei nordm 106282002 89

15 Julgamento da accedilatildeo direta de inconstitucionalidade nordm 4543DF e a lei

131652015 96

16 Julgamento da accedilatildeo direta de inconstitucionalide nordm 3772DF ndash a suacutemula 726 do

STF e a lei nordm 113012006 100

17 Julgamento da accedilatildeo direta de inconstitucionalidade por omissatildeo nordm 3382MT 105

18 Diaacutelogo institucional siacutentese dos aspectos controversos e algumas consideraccedilotildees

acerca da sua consecuccedilatildeo praacutetica 109

CONCLUSAtildeO 116

BIBLIOGRAFIA 118

6

RESUMO

O objeto do presente trabalho satildeo as Teorias dos Diaacutelogos Institucionais

as quais se apresentam no acircmbito da jurisdiccedilatildeo constitucional como uma alternativa para

resolver os problemas relacionados a legitimidade democraacutetica da revisatildeo judicial das leis

combater o ativismo judicial e propiciar uma maior efetivaccedilatildeo dos direitos fundamentais

Inicialmente faz-se uma abordagem dos fatores que contribuiacuteram para o

seu desenvolvimento passando por questotildees relacionadas a expansatildeo do Poder Judiciaacuterio e

a adoccedilatildeo de um sistema de judicial review pelos paiacuteses da Commonwealth e o surgimento

do modelo fraco de controle de constitucionalidade (weak form of judicial review)

As teorias satildeo exploradas por meio da classificaccedilatildeo desenvolvida por

Chistine Bateup por meio de uma abordagem conceitual e praacutetica a fim de identificar os

aspectos positivos bem como as dificuldades da concretizaccedilatildeo das mesmas

Busca-se ainda verificar de que forma e em que medida essas teorias se

manifestam no sistema brasileiro o que eacute feito por meio de uma consulta a importantes

julgados do Supremo Tribunal Federal no ensejo do controle concentrado de

constitucionalidade

Ao final realiza-se um balanccedilo criacutetico dos aspectos controversos das

teorias identificando suas dificuldades praacuteticas bem como o seu potencial normativo

PALAVRAS-CHAVE judicial review supremacia judicial ativismo judicial legitimidade

democraacutetica teorias dialoacutegicas separaccedilatildeo de poderes

7

ABSTRACT

The focus of this study are the Theories of Institutional Dialogue which

are presented in the context of constitutional juridiction as an alternative to solve the

problems the democratic legitimacy of judicial review of laws combating judicial activism

and promote a greater realization of fundamental rights

Initially it is an approach of the factors that contributed to their

development through issues related to expansion of the Judiciary and the adoption of a

judicial review by the countries of the Commonwealth system and the emergence of weak

form of judicial review

The theories are operated by classification developed by Chistine Bateup

through a conceptual and practical approach in order to identify the positive and the

difficulties of their achieving

Also it is a search to verify how and to what extent these theories are

manifested in the Brazilian system which is done through a judged important verification of

the Supreme Court on the occasion of the concentrate constitutionality control

At the end it carried out a critical assessment of the controversial aspects

of the theories identifying their practical difficulties and its normative potential

KEYWORDS judicial review judicial supremacy judicial activism democratic

legitimacy dialogical theories separation of powers

8

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

ADI ndash Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade

Art ndash Artigo

CCORF ndash Canadian Charter of Rights and Freedoms

CEDH ndash Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem

CF88 ndash Constituiccedilatildeo Federal Brasileira de 1988

HRA ndash United Kingdomrsquos Bill of Rights Act

P ndash Paacutegina

PLS ndash Projeto de Lei do Senado

PEC ndash Projeto de Emenda Consrtitucional

RE ndash Recurso Extraordinaacuterio

STF ndash Supremo Tribunal Federal

9

INTRODUCcedilAtildeO

A complexidade das sociedades atuais o novo contexto internacional e a

redefiniccedilatildeo das concepccedilotildees de Constituiccedilatildeo impotildeem a reflexatildeo acerca do tradicional modelo

de jurisdiccedilatildeo constitucional e a sua capacidade de resoluccedilatildeo de conflitos de forma eficaz Se

antes o objetivo do constitucionalismo era assegurar direitos hoje a sua preocupaccedilatildeo gira

em torno da concretizaccedilatildeo dos mesmos

Fatores como o alargamento do Poder Judiciaacuterio o crescente ativismo

judicial e o surgimento de novos sistemas de jurisdiccedilatildeo constitucional dissociados da

tradicional ideia de supremacia judicial intensificam e fazem avanccedilar os debates acerca da

legitimidade do judicial review e da sua eficaacutecia no tocante a efetivaccedilatildeo dos direitos

fundamentais

Apesar de ser um tema recorrente na doutrina constitucional os debates

acerca da jurisdiccedilatildeo constitucional parecem estar longe do fim ao contraacuterio contam com

argumentos cada vez mais complexos e que ultrapassam o tradicional binocircmio Judiciaacuterio v

Legislativo e a disputa pela palavra final

O propoacutesito deste trabalho eacute contribuir para a reflexatildeo acerca do tema

utilizando como instrumento para tanto a exposiccedilatildeo e anaacutelise das Teorias dos Diaacutelogos

Institucionais as quais se propotildeem promover uma redefiniccedilatildeo do desenho institucional no

acircmbito da jurisdiccedilatildeo constitucional a fim de conciliar a revisatildeo judicial das leis com o

princiacutepio democraacutetico e propiciar uma maior eficaacutecia dos direitos fundamentais

O conteuacutedo do primeiro capiacutetulo trata de aspectos mais gerais e

introdutoacuterios buscando demonstrar a importacircncia e atualidade do tema no contexto global

em face do novo paradigma constitucional pautado em relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo na sequecircncia

aborda-se por questotildees especiacuteficas relativas ao judicial review como o tradicional debate

acerca da sua legitimidade e da sua recente expansatildeo para os paiacuteses da Commonwealth as

quais contribuiacuteram decisivamente para o desenvolvimento das teorias dialoacutegicas

Apoacutes contextualizar o surgimento da ideia de um diaacutelogo institucional no

segundo capiacutetulo faz-se uma exposiccedilatildeo conceitual praacutetica e criacutetica das teorias dialoacutegicas

buscando extrair seus principais contributos bem como desmistificar vaacuterios aspectos

10

enaltecidos por alguns estudiosos a respeito das mesmas

Utiliza-se para fins didaacuteticos a classificaccedilatildeo feita por Christine Bateup a

qual agrupa as teorias em classes diferentes e a exposiccedilatildeo de exemplos concretos de cada

teoria trazendo ao final de cada toacutepico as principais criacuteticas concernentes a sua praacutetica

Feita a anaacutelise conceitual e exemplificativa de cada grupo teoacuterico bem

como a exposiccedilatildeo de suas respectivas criacuteticas a proposta do uacuteltimo capiacutetulo eacute verificar como

e em que medida as teorias dialoacutegicas estudadas encontram reflexo na praacutetica da jurisdiccedilatildeo

constitucional brasileira atraveacutes da observaccedilatildeo de julgados do Supremo Tribunal Federal no

acircmbito do controle concentrado - ou abstrato - de constitucionalidade

A principal inquietaccedilatildeo que move este trabalho eacute verificar se o diaacutelogo

institucional na forma em que eacute proposto pelas principais teorias desenvolvidas ateacute nestas

primeiras deacutecadas do seacuteculo XXI eacute uma praacutetica possiacutevel de ser implementada ou tatildeo-

somente uma conjectura teoacuterica

11

CAPIacuteTULO 1 ndash OS NOVOS DESAFIOS DO CONSTITUCIONALISMO E SEUS

REFLEXOS NA JURISDICcedilAtildeO CONSTITUCIONAL O SURGIMENTO IDEIA DE

COOPERACcedilAtildeO

1 Os novos desafios do constitucionalismo

Antes de adentrarmos no tema central do presente trabalho eacute necessaacuterio

entender as novas premissas e diretrizes do constitucionalismo contemporacircneo Dizemos

isso por constatar que natildeo se pode analisar a jurisdiccedilatildeo constitucional de forma dissociada

do contexto histoacuterico e social em que se insere

Haumlrbele (2006) ensina que o constitucionalismo eacute por excelecircncia uma

criaccedilatildeo cultural Na mesma linha de raciociacutenio Bastos (2010) aduz que o constitucionalismo

acima de tudo revela-se como um fenocircmeno social dotado de caraacuteter juriacutedico Explica que

o seu caraacuteter social decorre de uma pressatildeo nascida do povo que objetiva o esvaziamento do

poder absoluto e o caraacuteter juriacutedico por representar a formaccedilatildeo da regulamentaccedilatildeo legal do

exerciacutecio do Poder aliada agrave implementaccedilatildeo da defesa da Constituiccedilatildeo

Dessa forma percebe-se que o constitucionalismo estaacute intimamente ligado

ao contexto social em que se insere Eacute por essa razatildeo que Canotilho (2003 p51) com

pertinecircncia afirma ser preferiacutevel referir-se a movimentos constitucionais pois natildeo haacute soacute um

constitucionalismo e sim diversos movimentos constitucionais com coraccedilotildees nacionais

mas tambeacutem com momentos de aproximaccedilatildeo entre si fornecendo uma complexa tessitura

histoacuterico-cultural

Reconhecida a influecircncia do contexto social no desenvolvimento do

constitucionalismo eacute correto afirmar que os desafios impostos agrave jurisdiccedilatildeo constitucional no

seacuteculo XXI natildeo satildeo os mesmo de outrora Se antes a preocupaccedilatildeo constitucional girava em

torno da limitaccedilatildeo do poder estatal da separaccedilatildeo de poderes e garantia de direitos e

liberdades hoje os problemas satildeo significativamente mais complexos devido ao proacuteprio

desenvolvimento da sociedade moderna

As consequecircncias do intenso processo de globalizaccedilatildeo que a humanidade

vivencia aumentam a complexidade da sociedade atual diminuem a distacircncia entre os

Estados criam novos pontos de convergecircncia entre eles estreitam as suas fronteiras

12

geograacuteficas Soma-se agrave isto o crescente fortalecimento dos mecanismos internacionais de

defesa dos Direitos Humanos e o aumento vertiginoso das normas internacionais Ora o

constitucionalismo como fenocircmeno social que eacute natildeo poderia ser imune a essas grandes

modificaccedilotildees

Jonatas Machado (2011 p33) salienta que o desenvolvimento dos

sistemas internacionais de proteccedilatildeo dos Direitos Humanos Europeu Americano e Africano

por si soacute constiuem uma revoluccedilatildeo constitucional na medida em que estabelecem uma

espeacutecie de jurisdiccedilatildeo constitucional de Direitos Humanos supranacional com capacidade de

condenar os Estados membros por violaccedilotildees a esses direitos

Destaca ainda que a Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos do Homem tem

exercido um efeito direto no Direito Constitucional de numerosos Estados em todos os

continentes inspirando cataacutelogos de direitos liberdades e garantias sendo expressamente

mencionada como auxiliar interpretativo dos cataacutelogos internos ou sendo mesmo

incorporada no bloco de constitucionalidade de alguns Estados

Assim verifica-se a abertura da Constituiccedilatildeo ao Direito Internacional

gerando um novo paradigma constitucional com o surgimento de conflitos mais complexos

sobretudo pela pluralidade no tocante a interpretaccedilatildeo do conteuacutedo dos Direitos Humanos

Neves (2013) sintetiza claramente o momento do constitucionalismo atual

quando aduz que com a maior integraccedilatildeo da sociedade mundial os problemas

constitucionais que versam sobre de direitos humanos ou fundamentais e sobre o controle e

limitaccedilatildeo do poder tornaram-se insuscetiacuteveis de serem tratados por uma uacutenica ordem juriacutedica

estatal no acircmbito do seu territoacuterio vez que esses problemas passam a ser concomitantemente

relevantes para mais de uma ordem juriacutedica muitas vezes natildeo estatais que satildeo instadas a

oferecer respostas para a sua soluccedilatildeo

Nesse contexto o tradicional princiacutepio de soberania tanto do Estado como

do Texto Supremo que o rege acaba por ser relativizado jaacute que as relaccedilotildees sociais

econocircmicas poliacuteticas e tambeacutem juriacutedicas se desenvolvem cada vez mais no acircmbito

internacional ultrapassando os tradicionais limites do poder nacional1

1 Sobre a referida relativizaccedilatildeo do princiacutepio da soberania importante destacar que como bem leciona o ilustre

doutrinador portuguecircs Jonatas Machado a mesma natildeo significa de forma alguma o fim do Estado enquanto

organizaccedilatildeo juriacutedica de uma comunidade poliacutetica Natildeo pode haver uma eficaz proteccedilatildeo dos direitos humanos

13

A moderna doutrina fala em crise do constitucionalismo decorrente dessa

conjuntura2 eis que foi revelada a incapacidade do Estado nacional e o texto magno que o

rege para resolverem isoladamente os impasses constitucionais o que acarreta em uma

perda de forccedila da Constituiccedilatildeo

Desta feita o atual momento do constitucionalismo impotildee uma reflexatildeo

acerca do papel da Constituiccedilatildeo e consequentemente da jurisdiccedilatildeo constitucional reflexatildeo

que deve ser feita natildeo apenas sob seus aspectos internos mas sim de forma comprometida

com o contexto global que seraacute determinante na sua estruturaccedilatildeo sob pena de perda da sua

eficaacutecia A abertura cognitiva que o novo cenaacuterio de fluidez de fronteiras geograacuteficas e de

intensa circulaccedilatildeo de ideias determina em relaccedilatildeo a compreensatildeo e atualidade do sentido

constitucional vem inspirando uma nova visatildeo de constitucionalismo que contemple

arquiteturas de acomodaccedilatildeo institucional que conduzam a um exerciacutecio democraacutetico de

identificaccedilatildeo do sentido constitucional Surgem entatildeo novas relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo

internas e externas ao Estado as quais representam a pedra de toque na atualidade (VALLE

2010 p 32)

Os novos desafios impostos ao constitucionalismo no seacuteculo XXI

sobretudo no tocante a compreensatildeo e delimitaccedilatildeo do conteuacutedo de direitos fundamentais tecircm

permitido a construccedilatildeo de alternativas agrave velha conclusatildeo de que na jurisdiccedilatildeo constitucional

deve existir um oacutergatildeo responsaacutevel por emanar a uacuteltima palavra na resoluccedilatildeo de conflitos jaacute

que nenhum dos atores consituticionais e braccedilos do Poder revela-se por si soacute aptos a

resolver os cada vez mais complexos problemas constitucionais

Em seguida aborda-se-aacute essa nova vertente do constitucionalismo e as

respectivas relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo que vecircm surgindo como consequecircncia dessa mudanccedila de

paradigma

sem um Estado igualmente forte o que deve ocorrer eacute uma reconceitualizaccedilatildeo da soberania mediante a

limitaccedilatildeo de alguma das suas dimensotildees e fortalecimento de outras (MACHADO 2013)

2 Ver DOBNER Petra LOUGHLIN Martin (ed) The Twilight of ConstitutionalismOxford Oxford

University Press 2009

14

2 Constitucionalismo de cooperaccedilatildeo e seus reflexos na jurisdiccedilatildeo constitucional

Conforme pode ser observado no contexto do constitucionalismo atual

haacute uma mudanccedila de paradigma decorrente do reconhecimento do pluralismo como uma

constante dos novos problemas constitucionais A concretizaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo sobretudo

no que tange a efetividade dos direitos fundamentais natildeo pode mais ser pensada de forma

singular devendo se reconhecer a multiplicidade de atores envolvidos nesse processo

Com esse objetivo eclodem inuacutemeras teorias que buscam legitimar

relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo distanciando-se cada vez mais da tradicional ideia de supremacia

seja no acircmbito interno de um Estado ou no espaccedilo internacional

Com isso emerge um conceito de ldquoconstitucionalismo cooperativordquo3 no

qual se albergam essas diversas teorias fundadas na criaccedilatildeo de mecanismos de cooperaccedilatildeo

entre os Estados e suas ordens juriacutedicas Nesse sentido merece destaque o conceito de

Estado constitucional cooperativo desenvolvido por Peter Haumlrbele (2007) como sendo um

Estado que encontra a sua identidade tambeacutem no Direito Internacional no entrelaccedilamento

das relaccedilotildees internacionais e supranacionais na percepccedilatildeo de cooperaccedilatildeo e

responsabilidade bem como no compromisso com a solidariedade e a paz

Tambeacutem com base nessa ideia de abertura e de cooperaccedilatildeo tem-se a

teoria do transconstitucionalismo desenvolvida pelo brasileiro Marcelo Neves4 e a

interconstitucionalidade do ilustre mestre Canotilho5

Apesar de diferentes em alguns aspectos o que essas duas modernas

teorias possuem em comum eacute justamente a tentativa de conciliaccedilatildeo entre o consitucionalismo

e o pluralismo da sociedade globalizada enfrentando a problemaacutetica do estabelecimento de

relaccedilotildees de acoplamento entre ordens nacionais distintas bem como destas com o direito

comunitaacuterio sem que percam a sua respectiva identidade nacional

Enquanto a interconstitucionalidade enfrenta o problema da articulaccedilatildeo

entre constituiccedilotildees e poderes constituintes com fontes e legitimidades diversas dentro de um

3 Neste trabalho o uso do termo ldquoconstitucionalismo cooperativordquo natildeo se refere a nenhuma teoria ou autor em

especiacutefico mas sim ao conjunto da doutrina constitucional que tem como base a construccedilatildeo de relaccedilotildees de

cooperaccedilatildeo seja entre Estados entre entes estatais entre ordens juriacutedicas e outras

4 Ver NEVES Marcelo Transconstitucionalismo Satildeo Paulo Martins Fontes 2013

5 Ver CANOTILHO JJ Gomes ldquoBrancososrdquo e Interconstitucionalidade Itineraacuterios dos Discursos Sobre

Historicidade Constitucional Coimbra Almedina 2006

15

mesmo espaccedilo poliacutetico de forma a solucionar os conflitos decorrentes da justaposiccedilatildeo

concorrecircncia e divergecircncia entre eles (CANOTILHO 2006) o tranconstitucionalismo trata

da construccedilatildeo de ldquopontes de transiccedilatildeordquo entre ordens juriacutedicas diversas buscando um

crescimento e aprendizado muacutetuo entre elas apontando como requisito indispensaacutevel para

tanto a permanente reconstruccedilatildeo da ldquoidentidade constitucionalrdquo de cada uma a partir do

reconhecimento de alteridade sem que isso signifique uma mera convergecircncia entre elas e

uma consequente negaccedilatildeo de identidade proacutepria mas sim a existecircncia de uma prontidatildeo

para a abertura reciacuteproca natildeo apenas cognitiva mas tambeacutem normativa (NEVES 2009)

A partir desse entendimento a conclusatildeo a que se chega eacute que o Estado

natildeo pode mais ser considerado como o principal locus de soluccedilatildeo de conflitos

constitucionais uma vez que esses ultrapassam o seu acircmbito interno sendo imperativa a

abertura agrave relaccedilotildees interestatais e supranacionais

Os exemplos mais emblemaacuteticos desses modelos de relaccedilotildees

cooperativas desenvolvem-se no acircmbito da Uniatildeo Europeia que ao reconhecer a eficaacutecia

imediata ao direito comunitaacuterio introduz um instrumento normativo supranacional agrave ordem

juriacutedica interna de cada paiacutes membro o qual passa tambeacutem a ser paracircmetro de eventual

controle das leis e das proacuteprias constituiccedilotildees estabelecendo assim uma necessaacuteria

convivecircncia entre diversas ordens juriacutedico-normativas dentro de um mesmo espaccedilo poliacutetico

e submetidas a uma jurisdiccedilatildeo supranacional

O proacuteprio Tratado que institui a Uniatildeo Europeia em seu artigo 2346 ao

determinar a competecircncia do Tribunal de Justiccedila europeu sugere que haja um diaacutelogo

intercortes A estrateacutegia a ser adotada para a consolidaccedilatildeo do novo ordenamento eacute portanto

natildeo a de mera subordinaccedilatildeo da ordem juriacutedica nacional agrave supranacional mas sim do

desenvolvimento de constantes relaccedilotildees paritaacuterias de colaboraccedilatildeo (KOMAacuteREK 2005)

6 ldquoArt 234 O Tribunal de Justiccedila eacute competente para decidir a tiacutetulo prejudicial sobre a) A interpretaccedilatildeo do

presente Tratado b) A validade e a interpretaccedilatildeo dos atos adotados pelas instituiccedilotildees da Comunidade e pelo

BCE c) A interpretaccedilatildeo dos estatutos dos organismos criados por ato do Conselho desde que estes estatutos

o prevejam Sempre que uma questatildeo desta natureza seja suscitada perante qualquer oacutergatildeo jurisdicional de um

dos Estados-Membros esse oacutergatildeo pode se considerar que uma decisatildeo sobre essa questatildeo eacute necessaacuteria ao

julgamento da causa pedir ao Tribunal de Justiccedila que sobre ela se pronuncie Sempre que uma questatildeo desta

natureza seja suscitada em processo pendente perante um oacutergatildeo jurisdicional nacional cujas decisotildees natildeo sejam

susceptiacuteveis de recurso judicial previsto no direito interno esse oacutergatildeo eacute obrigado a submeter a questatildeo ao

Tribunal de Justiccedilardquo

16

A niacutevel europeu parece correto afirmar a opccedilatildeo por uma metoacutedica

fundada na imbricaccedilatildeo de cataacutelogos reveladora ou criadora de standards em contraposiccedilatildeo

a um modelo hierarquizado fundado em uma Groundnorm (TAVARES DA SILVA 2014)

ou seja natildeo haacute a primazia entre os ordenamentos mas sim uma ideia de

complementaridade7

Seguindo essa loacutegica de imbricaccedilatildeo e natildeo de hierarquizaccedilatildeo entre os

cataacutelogos a Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa em seu art8ordm4 ldquoAs disposiccedilotildees dos

tratados que regem a Uniatildeo Europeia e as normas emanadas das suas instituiccedilotildees no

exerciacutecio das respectivas competecircncias satildeo aplicaacuteveis na ordem interna nos termos

definidos pelo direito da Uniatildeo com respeito pelos princiacutepios fundamentais do Estado de

direito democraacuteticordquo e ainda no art16ordm determina de forma expressa que ldquoOs direitos

fundamentais consagrados na Constituiccedilatildeo natildeo excluem quaisquer outros constantes das

leis e das regras aplicaacuteveis de direito internacionalrdquo e que ldquoOs preceitos constitucionais

e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados de

harmonia com a Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos do Homemrdquo 8

Portanto como resultado praacutetico dessas normas tem-se a imposiccedilatildeo

obrigatoacuteria ao oacutergatildeo responsaacutevel pelo exerciacutecio da jurisdiccedilatildeo constitucional da observacircncia

do direito comparado propiciando o exerciacutecio do que alguns estudiosos denominam de

diaacutelogo judicial (judicial dialogue) que se caracteriza nessa relaccedilatildeo de cooperaccedilatildeo

estabelecida entre ordens juriacutedicas distintas quando haacute uma conversa entre diferentes

Tribunais a fim de buscar a melhor soluccedilatildeo para a efetivaccedilatildeo dos direitos fundamentais

muito comum na praacutetica da Uniatildeo Europeia9

Saindo do contexto europeu a Constituiccedilatildeo da Aacutefrica do Sul no seu art

39 prevecirc que na interpretaccedilatildeo do Bill of Rights devem ser consideradas as leis internacionais

7 Nesse sentido de acordo com a doutrina impera no ldquotriacircngulo normativo europeurdquo o princiacutepio do niacutevel mais

elevado de proteccedilatildeo o qual pode ser entendido como resultado de uma abertura normativa (TAVARES DA

SILVA 2014)

8 Nesse sentido Jorge Miranda faz uma anaacutelise mais completa da Constituiccedilatildeo portuguesa e fala em um ldquojus-

universalismordquo Ver MIRANDA Jorge O Estado Constitucional Cooperativo e o Jus-Universalismo da

Constituiccedilatildeo Portuguesa In Cadernos da Escola de Direito e Relaccedilotildees Internacionais da UniBrasil JanDez

2007 pp 7-22) Ver tambeacutem CANOTILHO JJ Gomes MOREIRA Vital Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica

Portuguesa Anotada Volume I Coimbra 2014

9 Ver GOLUB Jonathan Modelling Judicial Dialogue in the European Community The Quantitative Basis

of Preliminary References to the ECJ 1996 ISSN 1028-3625

17

e podem ser consideradas leis estrangeiras bem como que o referido documento natildeo nega a

existecircncia de quaisquer outros direitos ou liberdades que sejam reconhecidos ou conferidos

pela common law costumary law ou legislation 10

A previsatildeo contida na Constituiccedilatildeo da Aacutefrica do Sul eacute especialmente

importante nesse contexto pois natildeo se refere apenas a necessidade de observacircncia e

integraccedilatildeo com as normas internacionais mas faz tambeacutem expressa referecircncia as normas

estrangeiras ou seja oriundas de outros paiacuteses

A ideia que fundamenta o exerciacutecio do direito comparado eacute a da busca

pelo enriquecimento da compreensatildeo do conteuacutedo dos direitos fundamentais por intermeacutedio

do compartilhamento de experiecircncias entre tribunais constitucionais distintos11 ou seja no

desenvolvimento de uma jurisdiccedilatildeo constitucional que natildeo se afigure monopolista mas sim

colaborativa

Bobeck (2013) ensina que essa praacutetica pode ser vista como uma forma

de auto-controle dos proacuteprios tribunais que percebem que natildeo podem decidir sozinhos e

buscam no meacutetodo do direito comparado ou no uso de precedentes estrangeiros uma maior

fundamentaccedilatildeo as suas decisotildees

Zagrebelsky (2007) denomina esse fenocircmeno de ldquocosmopolistimo

judicialrdquo o qual consiste justamente na consideraccedilatildeo pelo Judiciaacuterio nacional de documentos

juriacutedicos externos de decisotildees oriundas de outras cortes sejam elas de hierarquia superior

como tribunais internacionais de proteccedilatildeo dos direitos humanos ou ateacute mesmo de outras

cortes constitucionais estrangeiras12

10 ldquo39 Interpretation of Bill of Rights (1) When interpreting the Bill of Rights a court tribunal or forum ndash (a)

must promote the values that underlie an open and democratic society based o human dignity equality and

freedom (b) must consider international law (c) may consider foreing law (2) When interpreting any

legislation and when developing the common law or costumary law every court tribunal or forum must

promote the spirit purport and objects of the Bill of Rights (3) The Bill of Rights does not deny the existence

of any other rights or freedoms that are recognised or conferred by common law customary law or legislation

to the extent that they are consistent with the Bill

11 Nesse sentido Tushnet (2009) ao falar sobre a importacircncia do estudo do direito constitucional comparado

ldquostudiyng comparative constitucional law might improve our ability to make domestic constitucional lawrdquo Ver

ainda HIRSCHL Ran Comparative matters the renaissance of comparative constitutional law Oxford

Oxford University Press 2014 e JACKSON Vicky Comparative Constitucional Law Nova York Foundation

Press 1999 12 Eacute importante destacar que apesar da forma positiva em que se estaacute abordando o cosmopolitismo judicial e o

uso do direito comparado ambos satildeo alvos de criacuteticas pela doutrina Tavares da Silva (2014) destaca que ldquoo

recurso ao direito constitucional comparado por um tribunal constitucional natildeo deve servir um objetivo de

universalizaccedilatildeo de valores mas antes o aprofundamento das soluccedilotildees de inclusividade no contexto

18

Esse fenocircmeno tambeacutem encontra eco em outros lugares do Globo

apesar de em menor escala que no continente europeu A Constituiccedilatildeo Federal Brasileira agrave

semelhanccedila da Portuguesa no sect2ordm do artigo 5ordm adota uma claacuteusula aberta de direitos

fundamentais prevendo expressamente a observacircncia das normas internacionais nessa

mateacuteria

Conclui-se portanto que hoje as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo dentro do

constitucionalismo e no exerciacutecio da jurisdiccedilatildeo constitucional eacute uma realidade concreta e

global A partir disso teve iniacutecio o desenvolvimento de uma noccedilatildeo de diaacutelogo seja ele

judicial ou institucional

Esse eacute um fenocircmeno que natildeo ocorre apenas no acircmbito externo ao

Estado restrito as relaccedilotildees internacionais mas tambeacutem encontra reflexos na estrutura interna

de organizaccedilatildeo do Poder estatal no desenho institucional de cada paiacutes

A ideia de cooperaccedilatildeo e diaacutelogo transporta-se assim tambeacutem para o

acircmbito interno da jurisdiccedilatildeo constitucional dos paiacuteses surgindo um conceito de diaacutelogo

institucional o qual percebe-se deste trabalho

Percebe-se entatildeo que os novos desafios impostos ao

constitucionalismo do seacuteculo XXI tecircm influenciado no desenho institucional da jurisdiccedilatildeo

constitucional adotado por diversos paiacuteses contribuindo sobremaneira para o

desenvolvimento de novos modelos fundados nessa loacutegica da cooperaccedilatildeo superando a

tradicional ideia de uma jurisdiccedilatildeo pautada na supremacia judicial conforme seraacute analisado

intercultural ateacute onde essa inclusividade se revelar possiacutevel ou seja ateacute onde natildeo redunde em uma

neutralizaccedilatildeo do elemento cultural que daacute substacircncia material ao projecto social concreto que aquele oacutergatildeo

judicial tem como missatildeo garantirrdquo

19

3 O tradicional modelo de judicial review e a supremacia judicial

Afirmar que a Constituiccedilatildeo eacute um documento juriacutedico-poliacutetico dotado de

normatividade e superioridade dentro do ordenamento juriacutedico parece algo oacutebvio todavia

essa premissa nem sempre foi verdadeira mas sim resultado de um processo histoacuterico13

Na Ameacuterica do Norte desde o iniacutecio do seu movimento constitucional14

o caraacuteter juriacutedico-normativo da constituiccedilatildeo foi reconhecido o que acabou favorecendo a

um desenvolvimento mais raacutepido da jurisdiccedilatildeo constitucional15 ante a necessidade de

submeter o poder legislativo a limites precisamente soacutelidos16

O tradicional modelo do judicial review americano se formou no

silecircncio dos textos tomando corpo lentamente em um primeiro periacuteodo que foi ateacute 1789

(ano em que se funda o Tribunal Supremo Federal) o mesmo consistia em mera praacutetica

judicial dentro do common law em um segundo periacuteodo que vai de 1789 a 1861

impulsionado pela construccedilatildeo do Estado Federal e pelos conflitos em torno da natureza da

Uniatildeo criado pela Constituiccedilatildeo de 1787 em um terceiro periacuteodo iniciado em 1865 ateacute os

trinta primeiros anos do seacuteculo XX quando se estabeleceu como um sistema de revisatildeo

frente a todas as leis inclusive leis federais em consequecircncia do crescimento do capitalismo

das transformaccedilotildees ocasionadas pelo federalismo e pela necessidade de redefinir as relaccedilotildees

entre o Estado com a nova ordem industrial e em um quarto periacuteodo de 1954 a 1986 quando

se expandiu em resposta aos novos desafios impostos pela busca de justiccedila social igualdade

e liberdade (ACOSTA SAacuteNCHEZ 1998)

13 Nesse sentido Canotilho (2003) nos ensina que a Constituiccedilatildeo eacute o conjunto de regras (escritas ou

consuetudinaacuterias) e de estruturas institucionais conformadoras de uma dada ordem juriacutedico-poliacutetica em um

determinado sistema poliacutetico-social Entre o constitucionalismo antigo e o constitucionalismo moderno vatildeo se

desenvolvendo perspectivas poliacuteticas religiosas e juriacutedico-filosoacuteficas sem o conhecimento das quais natildeo eacute

possiacutevel compreender o proacuteprio fenocircmeno da modernidade constitucional

14 A expressatildeo ldquomovimento constitucionalrdquo eacute utilizada no sentido empregado por Canotilho como um

movimento gerador da constituiccedilatildeo (CANOTILHO 2003)

15 Para uma maior e mais detalhada compreensatildeo do movimento constitucional norte-americano ver Griffin

Stephen American Constitutionalism From the theory to the politics 1998

16 Nesse sentido ver Blaco Valdeacutes Roberto L La configuracioacuten del concepto de Constituicioacuten en las

experieacutencias revolucionarias francesas e norte-americana In Perspectivas Constitucionais Nos 20 anos da

Constituiccedilatildeo de 1976 (org Jorge Miranda) Vol III Coimbra 1998 p11

20

Para muitos a efetiva consagraccedilatildeo desse modelo ocorreu no ano de

1803 com o julgamento do famoso caso Marbury v Madison17 quando houve a formal

proclamaccedilatildeo da superioridade das normas constitucionais frente a qualquer outra lei

formulada pelo Parlamento bem como da autoridade dos Tribunais para invalidaccedilatildeo das leis

consideradas inconstitucionais

A par das questotildees poliacuteticas envolvidas nesse julgamento o fato eacute que

ele se tornou o marco da consolidaccedilatildeo da supremacia18 da Suprema Corte americana que

passou a ser entatildeo formalmente reconhecida como a detentora da uacuteltima palavra dentro do

processo de interpretaccedilatildeo constitucional19

Ateacute meados do seacuteculo XX a ideia que prevalecia na maioria dos paiacuteses

com a exececcedilatildeo dos Estados Unidos20 era a de que as constituiccedilotildees eram proclamaccedilotildees

poliacuteticas importantes mas natildeo possuiacuteam status de normas juriacutedicas As prescriccedilotildees

constitucionais natildeo podiam ser aplicadas diretamente pelos juiacutezes nem geravam direitos

subjetivos para os cidadatildeos

Havia principalmente nos paiacuteses da Europa cidental uma crenccedila na

legitimidade do Parlamento para a criaccedilatildeo do Direito natildeo existindo razatildeo para submeter as

leis por ele criadas agrave nenhuma espeacutecie de revisatildeo judicial O controle que existia era um

controle poliacutetico feito pelo proacuteprio legislativo21

17 Para uma visatildeo criacutetica e maiores detalhes sobre o famoso julgamento Marbury v Madison ver Acosta

Sancheacutez Joseacute Formacioacuten de la Constituicioacuten y Jurisdiccioacuten Constitucional Fundamentos de la Democracia

Constitucional Madri Tecnos 1998 pp 115 e Urbano Maria Benedita Curso de Justiccedila Constitucional

Evoluccedilatildeo Histoacuterica e Modelos de Controlo da Constitucionalidade Almedina 2012 pp 28 a 36

18 Neste trabalho quando fala-se em supremacia refere-se agrave siacutentese de Ward (2007) segundo a qual supremacia

judicial define o status que os precedentes merecem quando desafiados pela atuaccedilatildeo superveniente do

legislativo

19 Griffin (2003) em importante estudo revela que o judicial review americano nem sempre esteve associado agrave

ideia de supremacia judicial tendo sido este elemento incorporado ao modelo posteriormente Nesse sentido

destaca ldquoAs has so often been noted Marshall never claimed supremacy for the Court in Marbury The

opinion ends after all with Marshall saying that courts hace an equal right to the other departament in

interpreting the Constitution The Court committed itself explicity to judicial supremacy only relatively

recently In Cooper v Aaron for example the Court stated that the ldquofederal judiciary is supreme in the

exposition of the law of the Constitutionrdquo

20 Miranda (2007) destaca que diferente da Franccedila e dos paiacuteses europeus durante o seacuteculo XIX os Estados

Unidos vivem quase desde a sua formaccedilatildeo sob o princiacutepio da constitucionalidade isto eacute de que as leis e os

outros atos do Estado devem ser conformes agrave Constituiccedilatildeo e natildeo devem ser aplicados pelos tribunais no caso

de serem desconformes

21 ldquoO controle da conformidade das leis com a constituiccedilatildeo comeccedilou por ser do tipo poliacutetico Aacute medida que o

valor de lei suprema das constituiccedilotildees se ia impondo os parlamentos iam-se sentido cada vez mais pressionados

para permitir que as suas leis fossem objeto de fiscalizaccedilatildeo Numa primeira fase admitiram o controlo da

21

Portanto durante muito tempo na maioria dos paiacuteses europeus em

funccedilatildeo da constituiccedilatildeo ser vista como mero instrumento poliacutetico desprovido de

normatividade cabia ao Parlamento a regulamentaccedilatildeo das relaccedilotildees entre individuo e Estado

usufruindo entatildeo de um papel de legislador soberano eis que seus atos natildeo estavam

subordinados a nenhum controle judicial cabendo ao Poder Judiciaacuterio apenas a mera

aplicaccedilatildeo das leis

O reconhecimento da constituiccedilatildeo como norma juriacutedica soacute ocorreu no

constitucionalismo do poacutes-45 com o fim da segunda guerra mundial quando foram

incorporados no texto constitucional direitos fundamentais e princiacutepios relevantes de

moralidade poliacutetica

Com isso a partir da metade do seacuteculo XX a maioria das novas

constituiccedilotildees passaram a prever mecanismos de jurisdiccedilatildeo constitucional ou procuram

fortalecer ou ampliar os jaacute existentes A maior parte dos paiacuteses que reestruturam suas ordens

juriacutedicas desde entatildeo seja apoacutes libertar-se do jugo de antigas colocircnias seja depois da

superaccedilatildeo de ditaduras internas optaram pela introduccedilatildeo ou ampliaccedilatildeo de instrumentos de

controle de constitucionalidade nos seus textos magnos (SARMENTO 2006)

Ou seja o desenvolvimento do constitucionalismo e o reconhecimento

da constituiccedilatildeo como norma juriacutedica suprema do Estado criaram a necessidade de um

controle das normas infraconstitucionais

Nesse contexto desenvolveram-se inicialmente dois modelos de

controle de constitucionalidade distintos que foram se espalhando pelos diversos paiacuteses ao

longo dos anos que se seguiram O modelo decorrente do sistema americano ficou conhecido

como controle difuso tendo como principal caracteriacutestica o fato de todos os tribunais e juiacutezes

poderem declarar dentro de um caso concreto a inconstitucionalidade de uma lei

infraconstitucional

constitucionalidade das leis mas seriam eles os responsaacuteveis por um tal controlo Era pois um controlo

poliacutetico exercido por um oacutergatildeo poliacutetico o parlamento () Seja como for facilmente se constata que o controle

poliacutetico tende a ser pouco efetivo e eficaz No caso especiacutefico do controlo atribuiacutedo ao parlamento pode

afirmar-se sem grande margem de erro que os parlamentares eram ldquojuiacutezes em causa proacutepriardquo (no fundo era

um autocontrolo) Por este motivo o controlo das normas acabaria por ser atribuiacutedo aos tribunais tornando-se

um controlo judicialrdquo (URBANO 2012 p17)

22

Em oposiccedilatildeo a esse modelo Kelsen desenvolveu uma visatildeo alternativa

de controle de constitucionalidade para os sistemas europeus que ficou conhecido como

controle concentrado de constitucionalidade ou modelo austriacuteaco Nesse tipo de controle a

proteccedilatildeo da Constituiccedilatildeo previa a instituiccedilatildeo de um controle abstrato das atividades do

legislador confiado a um uacutenico oacutergatildeo separado dos tribunais ordinaacuterios - o Tribunal

Constitucional Ao juiacutez constitucional cabia manter ou anular o ato normativo do legislador

consoante o considerasse conforme ou desconforme a constituiccedilatildeo (URBANO 2012)

Jaacute nas uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XX a jurisdiccedilatildeo constitucional foi se

tornando uma realidade quase universal passando a existir em paiacuteses de todos os

continentes Tanto o modelo norte-americano como o modelo austriacuteaco serviram de

inspiraccedilatildeo para a implementaccedilatildeo do controle de constitucionalidade das leis e surgimento de

modelos mistos

Alguns paiacuteses como o Brasil por exemplo desenvolveram sistemas

mistos onde estatildeo presentes caracteriacutesticas de ambos os modelos tanto o austriacuteaco como o

americano ou seja haacute tanto o controle de constitucionalidade difuso quanto o concentrado22

Jaacute nos paiacuteses do continente europeu o modelo mais disseminado foi o modelo Austriacuteaco o

que impulsionou a criaccedilatildeo de diversos Tribunais Constitucionais em paiacuteses como Espanha

Itaacutelia e Portugal23

Assim na grande maioria dos paiacuteses desenvolveu-se um sistema de

jurisdiccedilatildeo constitucional aliado agrave ideia de supremacia judicial no qual o Poder Judiciaacuterio eacute

quem profere a uacuteltima palavra no tocante a interpretaccedilatildeo constitucional Na Europa em

especial a supremacia judicial foi se tornando uma realidade cada vez mais forte sendo o

ativismo judicial um dos responsaacuteveis pelo fortalecimento e desenvolvimento da estrutura

judiciaacuteria que se tem hoje na maioria dos paiacuteses

Diante de tudo isso pode-se afirmar que uma das caracteriacutesticas mais

evidentes no constitucionalismo contemporacircneo eacute a ascensatildeo institucional do Poder

Judiciaacuterio ultrapassando a originaacuteria ideia de legislador negativo tradicionalmente

22 Para maiores detalhes sobre o controle de constitucionalidade brasileiro ver BARROSO Luiacutes Roberto O

Controle de constitucionalidade no direito brasileiro Exposiccedilatildeo sistemaacutetica da doutrina e anaacutelise criacutetica da

jurisprudecircncia Satildeo Paulo Editora Saraiva 2004

23 Para maiores detalhes sobre o controle de constitucionalidade Portuguecircs ver Canotilho 2008 capiacutetulo 2

23

concebida por Kelsen dando margem ao surgimento de alguns fenocircmenos que seratildeo

tratados no toacutepico a seguir

4 Jurisdiccedilatildeo constitucional e democracia um antigo debate

A controveacutersia acerca da natureza da atividade fiscalizatoacuteria exercida

pelas Cortes Constitucionais decorre do possiacutevel conflito entre duas distintas legitimaccedilotildees

a dita legitimaccedilatildeo democraacutetica tipicamente atribuiacuteda ao legislador e a legitimaccedilatildeo

jurisdicional para a defesa do ordenamento juriacutedico constitucional atribuiacuteda ao Juiacutezo

constitucional Discute-se sobretudo o porquecirc da consignaccedilatildeo ao Judiciaacuterio de tal atribuiccedilatildeo

fiscalizatoacuteria bem assim quais seriam os objetos e limites do controle jurisdicional

(PONTES 2001 p 65)24

Os contornos desse debate estatildeo intimamente ligados a noccedilatildeo de

democracia exercendo o seu conceito direta influecircncia nos argumentos de defesa de um ou

de outro Poder Em apertada siacutentese pode-se mencionar que aqueles que defendem a

atribuiccedilatildeo do Poder ao Judiciaacuterio para realizar o controle de constitucionalidade das leis

fundamentam-se na regra contramajoritaacuteria ou seja na necessidade de uma oposiccedilatildeo a regra

da maioria representada pelo Legislativo principalmente para defender e proteger os direitos

e garantias de minorias sem tanta representatividade na busca por uma democracia

substancial25

Em contrapartida existem aqueles que denfendem uma outra noccedilatildeo de

democracia fundada justamente nos argumentos de maioria e de representatividade razatildeo

pela qual entendem pela iligitimidade dos juiacutezes membros natildeo eleitos pelo povo para

derrubar atos legislativos

Apesar da discussatildeo sobre a legitimidade democraacutetica da jurisdiccedilatildeo

constitucional ser um debate antigo natildeo se pode - sob nenhuma hipoacutetese - considera-lo como

24 Sobre o tradicional debate acerca da legitimidade da jurisdiccedilatildeo constitucional ver GARAPON Antonie O

juiz e a democracia o guardiatildeo das promessas Rio de Janeiro Renavn 2009 Linares Sebastiaacuten La

(i)legitimidad democraacutetica del control judicial de las leyes Madrid Marcial Pons MOREIRA Vital Princiacutepio

da Maioria e princiacutepio da constitucionalidade legitimidade e limites da justiccedila constitucional in Coloacutequio no

10ordm Aniversaacuterio do Tribunal Constitucional Lisboa 1993 pp 167-175

25 Sobre a regra contramajoritaacuteria ver BICKEL Alexander The last dangerous branch the Supreme Court at

the bar of politics New Haven Yale University 1986 e WHITE G Edward History and the Constitution

Durham Carolina Academic Press 2007

24

algo superado sobretudo porque na atualidade os argumentos insertos na questatildeo estatildeo

cada vez mais sofisticados e possibilitam uma discussatildeo aleacutem do tradicional binocircmio

Judiciaacuterio x Legislativo no tocante a detenccedilatildeo da uacuteltima palavra em mateacuteria constitucional

Nas uacuteltimas deacutecadas vivencia-se uma expansatildeo do tradicional modelo

do judicial review americano pelo Globo e consequentemente um reforccedilo e um alargamento

do Poder Judiciaacuterio razatildeo pela qual muitos paiacuteses hoje adotam modelos fundados em uma

supremacia judicial na qual os juiacutezes satildeo os responsaacuteveis por emitir a palavra final na

resoluccedilatildeo de conflitos constitucionais

A referida expansatildeo propiciou o desenvolvimento de fenocircmenos como

a judicializaccedilatildeo de questotildees poliacuteticas e o ativismo judicial os quais satildeo atualmente

considerados por alguns como uma ameaccedila ao princiacutepio democraacutetico a separaccedilatildeo de poderes

e ateacute mesmo a efetividade de direitos fundamentais Diante disso acabam por vir

novamente agrave tona antigos questionamentos relativos agrave legitimidade democraacutetica da

jurisdiccedilatildeo constitucional

A judicializaccedilatildeo da Poliacutetica aqui entendida como a dependecircncia de

Tribunais e dos meios judiciais para abordarsolucionar impasses morais fundamentais

questotildees de poliacuteticas puacuteblicas e controveacutersias poliacuteticas eacute um fenocircmeno mundial Embora

muitas questotildees de poliacuteticas puacuteblicas ainda permaneccedilam aleacutem do alcance do Judiciaacuterio eacute

fato incontestaacutevel que tem havido uma deferecircncia das outras esferas do Poder no sentido de

acolher a intrusatildeo do mesmo em suas prerrogativas o que acaba por acelerar o processo de

judicializaccedilatildeo das agendas poliacuteticas (HIRSCHL 2008)26

26 Hirschl faz importante observaccedilatildeo sobre um niacutevel diferente de judicializaccedilatildeo o qual denomina de

judicializaccedilatildeo da acutemega-poliacuteticaacute a qual seria mais impactante e consequentemente mais preocupante De

acordo com o autor ldquoToday not a single week passes without a national high court somewhere in the world

releasing a major judgment pertaining to the scope of constitutional rights or the limits on legislative or

executive powers The most common are cases dealing with procedrual justice and criminal lsquodue processrsquo

rights Aggregate data suggest that approximately two-thirds of all constitutional rights cases in the lsquoworld of

new constitutinalismrsquo deal with that type of rights Also common are rulings involving classic civil liberties

the right to privacy and formal equality This ever-expanding body of civil liberties jurisprudence has

expanded and fortified the boundaries of the constitutionally protected private sphere (often perceived as

threatened by the long arm of the state and its regulatory laws) and hastransformed numerous policy areas

involving individual freedoms In recent years we have seen the emergence of another level of judicialized

politics reliance on courts and judges for dealing with what we might call lsquomega-politicsrsquo ndash core political

controversies that define the boundaries of the collective or cut through the heart of entire nations This level

of judicialization includes several subcategories judicial scrutiny of executive-branch prerogatives in the

realms of macroeconomic planning or national security (ie the demise of what constitutional theorists call

the lsquopolitical questionrsquo doctrine) judicialization of electoral processes judicial corroboration of regime

transformation fundamental restorative-justice dilemmas and above all the judicialization of formative

25

Com o reconhecimento internacional da importacircncia da proteccedilatildeo dos

direitos fundamentais e o consequente entendimento de que a enunciaccedilatildeo desses direitos na

Carta Magna determina por si soacute um direito subjetivo em favor dos cidadatildeos o Estado

passou a ser responsaacutevel pela realizaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas que visem agrave sua efetividade

natildeo mais sendo suficiente apenas que natildeo os viole mas tambeacutem que aja de forma a propiciar

a sua eficaacutecia

Assim o Judiciaacuterio passou a ser visto como o principal centro de

discussatildeo sobre a efetividade desses direitos principalmente pela sociedade que encontrou

nas demandas judiciais um meio de coagir o Estado a dar cumprimento e efetividade aos

direitos constitucionalmente assegurados O progressivo aumento dessas demandas fez com

que fosse possiacutevel uma realizaccedilatildeo do controle judicial das poliacuteticas puacuteblicas estatais

favorecendo a judicializaccedilatildeo de temas que antes eram reservados ao campo da poliacutetica27

Esse cenaacuterio tambeacutem propiciou a ocorrecircncia de outro fenocircmeno

designado como ativismo judicial ou governo de juiacutezes28 que a par da sua difiacutecil e

heterogecircnea conceituaccedilatildeo deve aqui ser entendido como a excessiva atividade criativa do

juiz constitucional29

Tanto a judicializaccedilatildeo de questotildees poliacuteticas como o ativismo judicial

podem ser identificados como patologias dentro do sistema da jurisidiccedilatildeo constitucional sob

o ponto de vista do princiacutepio da separaccedilatildeo de poderes (TAVARES DA SILVA 2014) eis

que ocasionam um excesso de autonomia e poder ao Judiciaacuterio em detrimento dos demais

poderes facilitando inclusive a usurpaccedilatildeo de competecircncias

collective identity nation-building processes and struggles over the very definition or raison decirctre of the polity

as such ndash arguably the most troubling type of judicialization from a participatory democracy stanpoint These

emerging areas of judicialized politics expand the boundaries of national high-court involvement in the

political sphere beyond any previous limitrdquo

27 Esse eacute um tema muito discutido no Brasil onde haacute um grande nuacutemero de demandas judiciais - individuais e

coletivas - que questionam a efetividade de direitos fundamentais como o direito agrave sauacutede agrave educaccedilatildeo etc Sobre

o assunto ver VALLE Vanice Regina Liacuterio do Judicializaccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas no Brasil Ateacute onde

podem nos levar as asas de Iacutecaro In Themis Revista de Direito da Universidade Nova de Lisboa ano XI

nordm 2021 2011

28 A criaccedilatildeo dessas expressotildees eacute respectivamente atribuiacuteda agrave Arthur Schlesinger Jr e Walter Clark

29 Sobre o ativismo judicial ver URBANO 2012 p 87- 101

26

Somado a esses fenocircmenos outro importante componente que ajudou

a reacender o debate30 foi a recente transposiccedilatildeo do modelo americano do judicial review

fundado na supremacia judicial para paiacuteses da Commonwealth tradicionalmente centrados

em um modelo de soberania parlamentar a qual seraacute melhor abordada no toacutepico a seguir

Diante das evidentes dificuldades de harmonizaccedilatildeo do modelo de

revisatildeo judicial das leis para paiacuteses onde ateacute entatildeo o Parlamento era soberano expoentes

doutrinadores como Ronald Dworkin e Jeremy Waldron voltaram sua atenccedilatildeo para a anaacutelise

das vantagens e desvantagens da realizaccedilatildeo de um controle judicial dos atos do Parlamento

e da sua legitimidade democraacutetica

Dworkin (2006) postula uma ldquoconcepccedilatildeo constitucional de

democraciardquo31 segundo a qual o regime democraacutetico demanda a tomada decisotildees coletivas

por instituiccedilotildees que tratem de forma isonocircmica todos os cidadatildeos fato que nem nem sempre

iraacute ocorrer em procedimentos majoritaacuterios Assim o Autor defende que o primordial para a

legitimidade democraacutetica de uma decisatildeo eacute o seu conteuacutedo substantivo e natildeo propriamente

o procedimento em si realizado para a sua elabraccedilatildeo

Sendo assim alega a legitimidade democraacutetica do controle de

constitucionalidade das leis realizada pelo Poder Judiciaacuterio eis que esta seria no seu

entender a instacircncia do Poder mais apta a fornecer a ldquoresposta certardquo sobre direitos

fundamentais (DWORKIN 2001)

30 Necessaacuterio esclarecer que o controle de constitucionalidade sempre foi alvo de desconfianccedila sob o ponto de

vista da teoria democraacutetica durante muitos anos importantes estudiosos concentraram esforccedilos tentando buscar

uma justificativa capaz de legitimaacute-lo como o famoso debate entre Hans Kelsen e Carl Schmitt Todavia o

debate de hoje o qual interessa para o presente trabalho se funda em argumentos mais complexos por razotildees

didaacuteticas natildeo iremos retomar ao debate mais antigo

31ldquoSe rejeitamos a premissa majoritaacuteria precisaremos de uma explicaccedilatildeo diferente e melhor do valor e da

finalidade da democracia Vou defender agora uma explicaccedilatildeo ndash que chamo de concepccedilatildeo constitucional da

democracia ndash que efetivamente rejeita a premissa majoritaacuteria Segundo essa explicaccedilatildeo o fato de as decisotildees

coletivas serem sempre ou normalmente as decisotildees que a maioria dos cidadatildeos e tomariam se fossem

plenamente informados e racionais natildeo eacute nem uma meta nem uma definiccedilatildeo de democracia O objetivo que

define a democracia tem de ser diferente que as decisotildees coletivas sejam tomadas por instituiccedilotildees poliacuteticas

cuja estrutura composiccedilatildeo e modo de operaccedilatildeo dediquem a todos os membros da comunidade enquanto

indiviacuteduos a mesma consideraccedilatildeo e o mesmo respeito () a concepccedilatildeo constitucional requer esses

procedimentos majoritaacuterios em virtude de uma preocupaccedilatildeo com a igualdade dos cidadatildeos e natildeo por causa de

um compromisso com as metas da soberania da maioria Por isso natildeo opotildee objeccedilatildeo alguma ao emprego deste

ou daquele procedimento natildeo majoritaacuterio em ocasiotildees especiais nas quais tal procedimento poderia proteger

ou promover a igualdade que segunda essa concepccedilatildeo eacute a proacutepria essecircncia da democracia e natildeo aceita que

essas exceccedilotildees sejam causa de arrependimento moralrdquo (DWORKIN Ronald O Direito da Liberdade Satildeo

Paulo Martins Fontes 2006 p 26)

27

Em contrapartida Waldron (1999) sustenta que a legitimidade

democraacutetica de uma decisatildeo coletiva natildeo pode ser julgada a partir dos seus resultados como

propotildee Dworkin mas sim pelo caraacuteter democraacutetico do procedimento de tomada da decisatildeo

Partindo do princiacutepio da existecircncia de um grande dissenso acerca dos direitos fundamentais

dentro da sociedade entende que natildeo eacute legiacutetimo que predomine como correta entre as

diversas visotildees existentes aquela enunciada pelo Judiciaacuterio

Segundo o Autor o tradicional modelo do judicial review aliado agrave

supremacia do Judiciaacuterio natildeo eacute o meio mais adequado para a tomada de decisatildeo final em

uma sociedade livre e democraacutetica Apesar de criticar severamente essa praacutetica natildeo ignora

a sua existecircncia na maioria dos paiacuteses e faz uma distinccedilatildeo entre os diversos sistemas

classificando-os em sistemas fortes intermediaacuterios e fracos de acordo com a quantidade de

poder que eacute atribuiacutedo ao Judiciaacuterio (WALDRON 2014)

Neste sentido eacute importante a distinccedilatildeo que propotildee entre judicial review

e supremacia judicial O primeiro conceitua como uma forma de controle judicial das leis

que na sua melhor concretizaccedilatildeo praacutetica pode operar como um poder modesto de restriccedilatildeo

jaacute a supremacia judicial como a ideia de que os juiacutezes satildeo supremos e ateacute soberanos na

poliacutetica estando todos os outros poderes poliacuteticos a eles subordinados (WALDRON 2014

p 5)

Esclarece por exemplo que nos Estados Unidos haacute uma supremacia

judicial natildeo necessariamente pela adoccedilatildeo de um modelo forte de revisatildeo judicial mas sim

pela forma que este vem sendo exercido pela Suprema Corte Americana (WALDRON

2014 p 11)

O raciociacutenio desenvolvido por Wladron eacute importante principalmente

para demonstrar que natildeo deve haver uma vinculaccedilatildeo necessaacuteria entre judicial review e

supremacia judicial Ou seja para o autor a supremacia judicial e seus efeitos negativos pode

e deve ser combatida sem que para isso tenha-se que abolir a praacutetica da revisatildeo judicial das

leis a qual pode ateacute ser considerada como uma praacutetica boa e necesaacuteria

Com base nesse raciociacutenio atualmente o tradicional modelo de judicial

review aliado a supremacia do Poder Judiciaacuterio tem sido um dos maiores alvos de criacuteticas da

teoria constitucional natildeo apenas sob a oacutetica da legitimidade democraacutetica mas tambeacutem pelo

seu resultado no que tange a verdadeira efetivaccedilatildeo dos direitos fundamentais

28

O excesso de poder concedido ao Judiciaacuterio passou entatildeo a ser visto

com maus olhos em razatildeo de fenocircmenos como o ativismo judicial e a judicializaccedilatildeo poliacutetica

levando a doutrina a uma busca incessante por formas de combate a essas patologias

Em face disso alguns Estados de tradiccedilatildeo parlamentar cientes dessa

realidade negativa vivenciada nos demais paiacuteses poreacutem convencidos da necessidade de

implementaccedilatildeo de um sistema de revisatildeo judicial das leis para uma maior efetivaccedilatildeo dos

direitos fundamentais buscaram desenvolver modelos alternativos aos ateacute entatildeo existentes

Uma das propostas desses novos modelos eacute superar o problema da

legitimidade democraacutetica do judicial review mediante a promoccedilatildeo de um reequiliacutebrio entre

o Legislativo e Judiciaacuterio conforme se leraacute nas proacuteximas paacuteginas

5 A implementaccedilatildeo do judicial review nos paiacuteses da commonwealth e o

surgimento de uma nova alternativa ao binocircmio judiciaacuterio v Legislativo ndash weak

form of judicial review

A evoluccedilatildeo do judicial review na medida em que os Estados foram se

confrontando em pleno seacuteculo XX com o problema da escolha de mecanismos de controle

de constitucionalidade para os seus sistemas normativos procurando ajustar os modelos jaacute

existentes agraves suas realidades permitiu o desenvolvimento de diversos novos modelos

(TAVARES DA SILVA 2014)

Entre 1982 e 1998 paiacuteses como Canadaacute Nova Zelacircndia e Reino Unido

que ateacute entatildeo viviam sob a eacutegide de um sistema pautado na supremacia do Parlamento ao

adotarem um Bill of Rigths instituiacuteram um modelo de revisatildeo judicial a partir do tradicional

modelo americano poreacutem tentando uma nova forma de equiliacutebrio entre os poderes ateacute entatildeo

inexistente

Esse modelo foi denominado por Tushnet como weak form of judicial

review em oposiccedilatildeo ao modelo americano que constitui um strong form of judicial review

no qual a interpretaccedilatildeo constitucional efetuada pela Suprema Corte eacute praticamente

irreversiacutevel e inalteraacutevel por maiorias legislativas ordinaacuterias (TUSHNET 2009 p 33)

O novo modelo traduz-se basicamente em uma forma de controle de

constitucionalidade onde existem mecanismos de respostas da populaccedilatildeo agravequelas decisotildees

29

que lhes parecem erradas visando com isso diminuir a tensatildeo natural relativa a legitimidade

democraacutetica do judicial review

Nele a interpretaccedilatildeo judicial das provisotildees constitucionais pode ser

revisada pelo legislativo em um prazo relativamente curto usando uma regra de decisatildeo natildeo

muito diferente da que eacute usada no processo legislativo cotidiano (TUSHNET 2009) Com

isso tem-se um modelo que dissocia a jurisdiccedilatildeo constitucional da supremacia judicial

permitindo tambeacutem ao Legislativo o pronunciamento

Gardbaum (2013) identifica que este modelo foi feito sob a exata

medida para permitir uma maior proteccedilatildeo juriacutedica aos direitos dentro de paiacuteses com culturas

poliacuteticas nas quais haacute um apego substancial agrave soberania parlamentar como provedora de uma

longa e em grande parte bem sucedida tradiccedilatildeo constitucional democraacutetica32

Em siacutentese o novo modelo de jurisdiccedilatildeo constitucional adotado pelos

paiacuteses da Commonwealth adveacutem entatildeo da busca pela conciliaccedilatildeo entre a necessidade de

proteccedilatildeo dos novos direitos fundamentais e a tradiccedilatildeo da supremacia parlamentar o que

certamente natildeo haacute no tradicional modelo norte-americano

Cada um dos paiacuteses adeptos desse modelo buscou em suas

especificidades adotar mecanismos que prometiam a possibilidade de um exerciacutecio da

jurisdiccedilatildeo constitucional pautado no equiliacutebrio institucional sugerindo uma

responsabilidade conjunta pela decisatildeo final aleacutem de permitir o exerciacutecio de um diaacutelogo

deliberativo entre o Judiciaacuterio e o Legislativo no tocante a aplicaccedilatildeo e proteccedilatildeo dos direitos

fundamentais (GARDBAUM 2013) 33

Na praacutetica pode-se dizer que o marco inicial do denominado sistema

brando de constitucionalidade se deu com o advento da Carta Canadense de 198234 a qual

32 ldquoMost importantly while granting courts the power to enforce fundamental rights it decouples judicial

review from judicial supremacy by empowering legislatures to have the final word This new model was

custom-built to permit greater legal protection of rights within political cultures in which there is substantial

attachment to parliamentary sovereignty as having provided a long and largely successful tradition of

constitutionalist democracyrdquo (GARDBAUM 2013 p 760)

33 Sobre a evoluccedilatildeo do constitucionalismo nos paiacuteses da Commonwealth ver tambeacutem ZINES Leslie

Constitutional change in the Commonwealth Cambridge Cambridge University Press 1991 34 Constitution Act 1982 Disponiacutevel em lthttplaws-loisjusticegccaengConstindexhtmlgt

30

traz na sua Seccedilatildeo 3335 a previsatildeo da notwithstanding clause o que permite ao Legislativo

determinar a aplicaccedilatildeo de um diploma normativo expressamente reconhecido pelo Judiciaacuterio

como inconstitucional e na Seccedilatildeo 136 com a previsatildeo da possibilidade do Legislador reeditar

uma norma que configure e limite direito consagrado nas seccedilotildees 2 e de 7 a 15 e que jaacute tenha

sido objeto de reprovaccedilatildeo pelo Judiciaacuterio desde que fundada em justificativa razoaacutevel

A despeito das criacuteticas dirigidas a esses mecanismos as quais seratildeo

abordadas ao longo do presente trabalho a experiecircncia Canadense chamou a atenccedilatildeo de

diversos doutrinadores por todo o mundo bem como inspirou outros paiacuteses de tradiccedilatildeo

parlamentar a adotar esse novo modelo de jurisdiccedilatildeo constitucional

O Reino Unido por exemplo com a aprovaccedilatildeo do Human Rights Act

(HRA) em 1998 passou a adotar o mecanismo da interpretive obligation e de declarations

of incompability a Nova Zelacircndia tambeacutem apoacutes a aprovaccedilatildeo da sua Carta de Direitos

Humanos introduziu mecanismo similar agrave claacuteusula interpretativa da Inglaterra

Logo apesar de cada paiacutes adotar mecanismos diferentes pode-se dizer

que adotam um modelo fraco de controle de constitucionalidade eis que neles natildeo existe a

ideia de supremacia judicial ou seja a uacuteltima palavra em mateacuteria de interpretaccedilatildeo

constitucional natildeo eacute dada necessariamente pelo Judiciaacuterio havendo a possibilidade de

contradita pelo Legislativo e ateacute mesmo de prevalecircncia da interpretaccedilatildeo deste uacuteltimo

Dessa maneira a partir da observaccedilatildeo dessas novas experiecircncias dos

problemas oriundos da praacutetica do ativismo judicial da crescente judicializaccedilatildeo da Poliacutetica

das controveacutersias sobre a legimitidade da jurisdiccedilatildeo constitucional e da incessante busca pela

efetividade de direitos eclodem inuacutemeras teorias que tentam explicar e fundamentar a

existecircncia de um diaacutelogo entre Legislativo e Judiciaacuterio no seio da jurisdiccedilatildeo constitucional

satildeo as denomidadas teorias dialoacutegicas as quais seratildeo expostas e analisadas na sequecircncia de

forma sistemaacutetica

35 ldquo33 (1) Parliament or the legislature of a province may expressly declare in an Act of Parliament or of the

legislature as the case may be that the Act or a provision thereof shall operate notwithstanding a provision

included in section 2 or sections 7 to 15 of this Charterrdquo

36 ldquo1 The Canadian Charter of Rights and Freedoms guarantees the rights and freedoms set out in it subject

only to such reasonable limits prescribed by law as can be demonstrably justified in a free and democratic

societyrdquo

31

CAPIacuteTULO 2 ndash AS TEORIAS DIAacuteLOGICAS E A CONCRETIZACcedilAtildeO DO

DIAacuteOLOGO INSTITUCIONAL

6 Teoria dos diaacutelogos institucionais

Antes de iniciar a anaacutelise das respectivas teorias importa esclarecer que

apesar das mesmas terem se desenvolvido doutrinariamente em sua maioria e com maior

forccedila apoacutes a criaccedilatildeo do weak judicial review como explicado ateacute aqui algumas delas satildeo

anteriores agrave isso e fruto da anaacutelise de sistemas tradicionais como o do proacuteprio Estados

Unidos conforme seraacute demonstrado na sequecircncia

Eacute necessaacuterio explicar que a referecircncia agrave ldquodiaacutelogos institucionaisrdquo apesar

do reconhecimento da existecircncia de diversas instituiccedilotildees no acircmbito estatal estaacute-se

privilegiando especificamente a interaccedilatildeo entre as Cortes Constitucionais e o Parlamento

sobretudo porque o cerne do debate acerca da legitimidade democraacutetica da jurisdiccedilatildeo

constitucional restringe-se a essas duas vertentes do Poder ficando o executivo de fora pois

segundo a tradicional doutrina nunca foi considerado forte candidato a detentor da uacuteltima

palavra no processo de interpretaccedilatildeo constitucional Dito isso explicar-se-aacute o que as teorias

possuem em comum e quais os seus fundamentos basilares

Como jaacute demonstrado a ideia de diaacutelogo institucional surge a partir do

novo paradigma do constitucionalismo contemporacircneo que tem por objetivo natildeo mais

analisar quem deve interpretar a Constituiccedilatildeo mas sim buscar uma teoria que seja construiacuteda

a partir de uma proposta cooperativa por intermeacutedio da qual as instituiccedilotildees possam

compartilhar fundamentos em comum ao operacionalizar as ordens juriacutedica e poliacutetica

Esse entendimento eacute consequecircncia da anaacutelise do novo modelo de

jurisdiccedilatildeo constitucional iniciado no Canadaacute o qual aponta para a necessidade de

reestabelecimento de um equiliacutebrio entre as instituiccedilotildees por meio da alocaccedilatildeo de

responsabilidade reciacuteproca entre Tribunais e Parlamento na formulaccedilatildeo de poliacuteticas e

legislaccedilatildeo

Ou seja as teorias dialoacutegicas partem da premissa de que muitas vezes a

decisatildeo judicial natildeo seraacute suficiente para a resoluccedilatildeo de um conflito sobre direitos sobretudo

nos casos relativos agrave efetivaccedilatildeo de direitos fundamentais nos quais existem limitaccedilotildees que

32

ultrapassam a seara da competecircncia judicial portanto natildeo pode a decisatildeo judicial ser

considerada o fim da linha dentro da jurisdiccedilatildeo constitucional principalmente quando se

busca a maacutexima eficaacutecia de direitos fundamentais

Em contraste com as teorias de interpretaccedilatildeo que propotildeem criteacuterios que os

juiacutezes devem utilizar para resoluccedilatildeo de conflitos constitucionais as teorias de diaacutelogo

centram-se no processo institucional por meio do qual as decisotildees sobre o significado

constitucional satildeo feitas sugerindo que este envolve a elaboraccedilatildeo compartilhada do

significado constitucional entre o Judiciaacuterio e outros atores (BATEUP 2005)

As teorias que abordam o exerciacutecio de um diaacutelogo institucional na

resoluccedilatildeo dos conflitos consitucionais buscam em primeiro lugar entender e verificar como

essa interaccedilatildeo ocorre qual o seu significado reforccedilando o princiacutepio da separaccedilatildeo de poderes

a partir da percepccedilatildeo de que todas as instituiccedilotildees cada uma em sua especificidade satildeo

responsaacuteveis por uma parcela da tarefa da interpretaccedilatildeo constitucional

As teorias dialoacutegicas natildeo fornecem respostas certas para os casos difiacuteceis

de interpretaccedilatildeo mas despertam um processo no qual todos participam na busca dessa

resposta Rejeita os extremos tanto da atuaccedilatildeo judicial como da atuaccedilatildeo legislativa a Corte

natildeo impede que a prevalecircncia da legislaccedilatildeo mas induz o Parlamento a assumir a

responsabilidade poliacutetica e apresentar justificativas razoaacuteveis para suas escolhas no tocante

agrave restriccedilatildeo de direitos (ROACH 2001)

Nesse sentido Sustein e Vermule (2002) indicam a necessidade de uma

virada institucional no pensamento sobre a interpretaccedilatildeo constitucional chamando a atenccedilatildeo

para a necessidade de observaccedilatildeo da capacidade das instituiccedilotildees e dos efeitos dinacircmicos de

qualquer abordagem especiacutefica e de suas consequecircncias

A partir dessa ideia as teorias do diaacutelogo institucional sugerem que natildeo

deve haver um predomiacutenio de uma instituiccedilatildeo sobre a outra quando do exerciacutecio da

jurisdiccedilatildeo constitucional mas sim uma forccedila tarefa uma atuaccedilatildeo conjunta das mesmas

Sendo assim diversas teorias tecircm se proliferado no sentido de fundamentar

agrave abertura ao diaacutelogo no exerciacutecio da jurisdiccedilatildeo constitucional visando sobretudo o

restabelecimento do equiliacutebrio entre os poderes como fundamento de uma legitimidade

democraacutetica a defesa de um sistema brando de controle de constitucionalidade e a

concretizaccedilatildeo dos direitos fundamentais

33

Buscar-se-aacute na continuidade deste capiacutetulo analisar aacute luz das teorias

dialoacutegicas algumas praacuteticas do Judiciaacuterio e Legislativo a fim de identificar ateacute que ponto

essas teorias podem ser consideradas como efetivadoras de um diaacutelogo concreto e

substancial no exerciacutecio da jurisdiccedilatildeo constitucional e quais seus contributos no tocante a

superaccedilatildeo dos problemas relativos a sua legitimidade e no combate ao ativismo

Entretanto antes de fazer a exposccedilatildeo de cada teoria e seus efeitos praacuteticos

em especiacutefico eacute imprescindiacutevel destacar que haacute na doutrina uma aparente diferenciaccedilatildeo

entre tipos de diaacutelogo gerando uma dicotomia diaacutelogo formal e diaacutelogo material a qual

passamos a explorar no toacutepico seguinte

7 Diaacutelogo formal v Diaacutelogo material

Para que se possa analisar de forma mais clara e eficaz as teorias

dialoacutegicas e suas respectivas praacuteticas se faz necessaacuterio primeiramente entender o que seria

um verdadeiro diaacutelogo e quando este pode ser considerado verdadeiramente promissor no

sentido de cumprir os objetivos a que a teoria se propotildee

De iniacutecio pode-se afirmar que essa tarefa eacute aacuterdua eis que nela residem

justamente os maiores alvos das criacuteticas direcionadas as teorias dialoacutegicas conforme veremos

na sequecircncia Apesar de todas as benesses que a ideia de um diaacutelogo constitucional

apresenta a sua praacutetica ainda eacute um pouco conflituosa eis que nem tudo aquilo que alguns

denominam de ldquodiaacutelogordquo deve ser de fato assim considerado

Na definiccedilatildeo de Dor (2000) o diaacutelogo material ou substantivo ocorre

quando haacute o comprometimento e engajamento de todos os participantes na busca de uma

soluccedilatildeo harmoniosa que conteraacute tanto a interpretaccedilatildeo do Tribunal relativa a uma questatildeo

constitucional como o interesse do legislador

Ou seja no desenvolvimento do diaacutelogo em seu sentido material haacute a

conciliaccedilatildeo entre a interpretaccedilatildeo judicial e os interesses do legislador buscando o Tribunal

articular as falhas da legislaccedilatildeo e o legislador a incluir nas suas iniciativas a interpretaccedilatildeo

do Tribunal buscando soluccedilotildees para alcanccedilar o seu objetivo agrave luz dessa interpretaccedilatildeo

Jaacute o diaacutelogo no sentido formal ocorre quando a atuaccedilatildeo legislativa

pouco ou nada acrescenta ao resultado final servindo apenas para ldquocarimbarrdquo a decisatildeo

34

judicial ou seja quando haacute a total deferecircncia do Legislativo agrave decisatildeo judicial

Tremblay (2005) tambeacutem em importante anaacutelise sobre o tema ao tratar

dos limites da teoria dos diaacutelogos institucionais apesar de natildeo negar a possibilidade da sua

concretizaccedilatildeo praacutetica introduz duas concepccedilotildees geneacutericas de diaacutelogos os de conversaccedilatildeo e

os de deliberaccedilatildeo

Para o Autor os diaacutelogos pautados em uma conversaccedilatildeo satildeo em

siacutentese aqueles que ocorrem de uma maneira mais informal e espontacircnea no qual haacute uma

troca de ideias sentimentos ou opiniotildees sem um comprometimento das partes com um

entendimento em comum um aprendizado ou descoberta de novas perspectivas natildeo haacute

pois um empenho na argumentaccedilatildeo ou um debate forte Seria de certa forma como um

diaacutelogo entre amigos apoacutes uma refeiccedilatildeo

Em contrapartida a concepccedilatildeo deliberativa de diaacutelogo consiste em

praacutetica semelhante agrave conversaccedilatildeo pois tambeacutem haacute troca de ideias sentimentos e opiniotildees

entre duas ou mais pessoas poreacutem de maneira mais formal e menos espontacircnea Na

deliberaccedilatildeo as partes possuem um mesmo propoacutesito buscam por intermeacutedio da troca de

argumentos e ideias a resoluccedilatildeo coletiva de conflitos ou problemas

Sendo assim o diaacutelogo pautado na conversaccedilatildeo consistiria em um

diaacutelogo meramente formal o qual segundo alguns autores natildeo deve ser considerado como

uma forma efetiva de diaacutelogo eis que natildeo haacute uma verdadeira inteiraccedilatildeo entre os poderes mas

tatildeo somente uma possibilidade de resposta de um ao outro

Desta forma pode-se inferir que para que haja a verdadeira

concretizaccedilatildeo dos objetivos propostos pela teoria do diaacutelogo institucional a simples

formulaccedilatildeo pautada em um diaacutelogo formal natildeo seria suficiente fazendo-se necessaacuteria a

ocorrecircncia de uma deliberaccedilatildeo concreta entre os poderes uma verdadeira deliberaccedilatildeo a fim

de chegar a consenso no que tange a interpretaccedilatildeo constitucional

Neste estudo natildeo se despreza nenhuma dessas concepccedilotildees de diaacutelogo

ao contraacuterio busca-se demonstrar justamente aquelas praacuteticas que mais se coadunam com a

concepccedilatildeo de um diaacutelogo material poreacutem tambeacutem ressaltando os benefiacutecios daquelas que

consistam apenas uma vertente formal

Feita essa diferenciaccedilatildeo passa-se a expor de maneira mais especiacutefica

35

as teorias dialoacutegicas e suas manifestaccedilotildees praacuteticas Utilizar-se-aacute didaticamente a

sistematizaccedilatildeo das teorias feita por Christine Bateup sobretudo no que tange a classificaccedilatildeo

das mesmas jaacute que nosso objetivo eacute tentar abordar o maior nuacutemero possiacutevel de teorias e

praacuteticas

A exposiccedilatildeo inicia-se pela anaacutelise da praacutetica sugerida pela doutrina

como dialoacutegica em paiacuteses que possuem um controle de constitucionalidade forte ou seja

inicialmente formulado com base em uma supremacia do Judiciaacuterio na tarefa de revisatildeo

judicial das leis

Apoacutes o que seraacute mencionado a praacutetica dialoacutegica nos paiacuteses que adotam

um controle fraco de constitucionalidade onde a ideia de diaacutelogo a priori eacute mais evidente

pelo fato do proacuteprio modelo constitucional prever mecanismos voltados para esse fim

8 Teorias dialoacutegicas fundadas no meacutetodo judicial

As teorias fundadas no meacutetodo judicial satildeo aquelas que defendem que

o diaacutelogo deve ocorrer dentro da decisatildeo judicial Tecircm como elemento central a defesa do

uso consciente pelo Judiciaacuterio de teacutecnicas de tomada de decisotildees que estimulem e incentivem

o debate mais amplo sobre o significado constitucional com - e entre - os poderes poliacuteticos

Para a praacutetica dessa modalidade de diaacutelogo natildeo haacute a exigecircncia da

existecircncia de mecanismos formais de relaccedilatildeo institucional eis que o diaacutelogo se estabelece

natildeo pela observaccedilatildeo de um preceito especiacutefico preacutevio mas pela simples interaccedilatildeo entre os

distintos ramos do Poder por essa razatildeo eacute possiacutevel encontrar os maiores exemplos desse

tipo de diaacutelogo em sistemas de jurisdiccedilatildeo constitucional centrados na supremacia judicial

conforme se leraacute a seguir

Bateup subdivide essas formas de diaacutelogo em duas categorias as

denominadas de aconselhamento judicial (judicial advice- giving) e as teorias centradas no

processo (process centered rules)

Antes de se tratado cada categoria em especiacutefico necessaacuterio destacar

mais uma vez que o foco neste caso estaacute em buscar exemplos da manifestaccedilatildeo dessa teoria

na jurisdiccedilatildeo constitucional de paiacuteses que adotam um modelo de revisatildeo judicial inspirado

no tradicional modelo norte americano justamente para tentar verificar se neles tambeacutem haacute

36

uma possibilidade de diaacutelogo jaacute que adotam um sistema forte de controle de

constitucionalidade sugerindo o que alguns autores chamam de ldquoenfraquecimento do

controle de constitucionalidaderdquo e fazer o contraponto com a forma de diaacutelogo estabelecida

em jurisdiccedilotildees constitucionais que adotam o weak judicial review para verificar onde se

assemelham e onde se distanciam

Reassalte-se ainda que o objetivo natildeo eacute exaurir todas as questotildees e

pormenores praacuteticos e teoacutericos dos exemplos que seratildeo dados a seguir mas tatildeo somente

abordar as questotildees referentes ao potencial dialoacutegico dos institutos juriacutedicos mencionados

que eacute o que interessa para o alcance do objetivo do presente trabalho

81 Aconselhamento judicial

As teacutecnicas de aconselhamento judicial consistem em formas proativas

de interpretaccedilatildeo constitucional e construccedilatildeo de decisotildees que o Judiciaacuterio recomendan o curso

de accedilatildeo do Poder Legislativo e busca aconselhaacute-lo com o obejtivo de evitar futuros

problemas constitucionais

O uso dessas teacutecnicas visa assegurar que os ramos poliacuteticos visualizem

e entendam a interpretaccedilatildeo constitucional feita pelo Judiciaacuterio para que com isso elaborem

a legislaccedilatildeo de acordo com a mesma ou ainda alterem a legislaccedilatildeo em vigor para evitar

discrepacircncias (BATEUP 2005 p17)

Por natildeo existir uma forma predeterminada para promoccedilatildeo do

aconselhamento judicial nem a necessidade de previsatildeo de um mecanismo especiacutefico para

tanto ele se traduz na praacutetica de inuacutemeras formas Sendo assim natildeo haacute como enumerar todas

as suas possibilidades praacuteticas de forma exaustiva razatildeo pela qual foram selecionadas as

mais importantes e evidentes

811 Constitutional road maps

A doutrina americana reporta-se agraves decisotildees judiciais denominadas de

constitutional road maps mediante as quais o Judiciaacuterio pronuncia a inconstitucionalidade de

uma lei mas ao mesmo tempo aponta os caminhos possiacuteveis a serem seguidos pelo

Legislativo para a correccedilatildeo da incompatibilidade

37

Essa teacutecnica foi utilizada pela Suprema Corte Americana no

julgamento do caso City of Chicago v Morales37 no qual foi analisada a constitucionalidade

da Chicagoacutes gang-loitering law lei que impedia a congregaccedilatildeo puacuteblica de membros de

gangues e seus associados

A lei foi considerada inconstitucional por ser vaga e violar o devido

processo legal poreacutem apesar de declarara inconstitucionalidade a Suprema Corte proferiu

decisatildeo esboccedilando de forma detalhada as alternativas legais com potencial para sobreviver

ao escrutiacutenio judicial

As diretrizes para a elaboraccedilatildeo de um estatuto legal em consonacircncia

com a Constituiccedilatildeo foram traccediladas no voto da Juiacuteza Sandra OrsquoConnor as quais em sua

maioria foram seguidas pelo Legislativo na elaboraccedilatildeo do novo diploma legal

aproximadamente trecircs anos depois razatildeo pela qual a decisatildeo eacute apontada pela doutrina como

fruto de diaacutelogo

Apesar de neste caso a decisatildeo da Suprema Corte ter servido de diretriz

para a elaboraccedilatildeo de um novo diploma legal nem sempre eacute o que ocorre A teacutecnica do

constitutional road map eacute alvo de muitas criacuteticas sendo considerada uma das teacutecnicas mais

radicais e perigosas de incentivo poacutes-invalidaccedilatildeo da lei pois ao derrubar a legislaccedilatildeo em

anaacutelise o Judiciaacuterio oferece um roteiro a ser seguido pelo Legislativo para criar um estatuto

legal que seja constitucional (LUNA 2001)

812 Sentenccedilas intermedias (declaraccedilotildees de mera incompatibilidade

e sentenccedilas apelativas)

No acircmbito europeu em especial no Direito alematildeo existem alguns

tipos de sentenccedilas oriundas do controle de constitucionalidade que satildeo consideradas como

teacutecnicas dialoacutegicas sob o ponto de vista das teorias fundadas no meacutetodo judicial Essas

sentenccedilas fazem parte do grupo das chamadas ldquosentenccedilas intermediasrdquo ou ldquosentenccedilas

37 Oportuno se faz esclarecer que natildeo se adentra nas questotildees faacuteticas do caso nem no meacuterito da decisatildeo por

fugir ao escopo do presente trabalho poreacutem a decisatildeo pode ser consultada na iacutentegra em

httpssupremejustiacomcasesfederalus52741casehtml

38

normativasrdquo38 as quais satildeo decisotildees judiciais que se situam entre o considerar e o natildeo

considerar a inconstitucionalidade de uma norma e nos casos em que eacute admissiacutevel entre

rejeitar a norma considerada inconstitucional e concomitantemente expulsaacute-la do

ordenamento juriacutedico e natildeo considerar constitucional e mantecirc-la (URBANO 2012 p 87)39

Apesar de natildeo nos interessar a anaacutelise de todos os diversos tipos de

sentenccedilas intermedias eacute oportuno destacar que as mesmas satildeo uma produccedilatildeo recente da

jurisdiccedilatildeo constitucional dos paiacuteses europeus que adotaram o modelo autriacuteaco de controle

de consitucionalidade ou seja um controle concentradoabstrato realizado por um Tribunal

criado para esse fim especiacutefico e que revelam que a idealizaccedilatildeo de Kelsen de criaccedilatildeo de um

oacutergatildeo que atue como legislador negativo vem sendo ultrapassada agrave medida que os Tribunais

Constitucionais natildeo mais se limitam meramente a decidir pela constitucionalidade ou natildeo de

uma norma sobretudo pela evidente complexidade dos problemas constitucionais que

exigem decisotildees mais elaboradas que o esquema ldquoconstitucional v inconstitucionalrdquo

Pois bem O primeiro tipo de sentenccedila dentro desse universo que pode

ser considerada como uma teacutecnica dialoacutegica eacute a chamada ldquodeclaraccedilatildeo de mera

incompatibilidaderdquo originaacuteria da jurisprudecircncia alematilde Consiste em uma decisatildeo do

Tribunal Constitucional onde natildeo haacute a anulaccedilatildeo da lei mas apenas a declaraccedilatildeo de que a

mesma eacute incompatiacutevel com a constituiccedilatildeo e a sua consequente suspensatildeo ateacute que o

Legislativo efetue a correccedilatildeo da norma a fim de tornaacute-la constitucional

Ou seja o Tribunal reconhece a inconstitucionalidade da norma poreacutem

sem declarar a sua nulidade mantendo-a no ordenamento juriacutedico mas suspendendo a sua

aplicaccedilatildeo Com isso de acordo com os defensores dessa praacutetica o Judiciaacuterio estaria

permitindo ao Legislativo a correccedilatildeo da legislaccedilatildeo a tempo de evitar um vaacutecuo legislativo

(QUEIROZ 2012)

Essa praacutetica tem sido muito utilizada pelo Tribunal Constitucional

Alematildeo nos casos em que ldquoa declaraccedilatildeo de nulidade haveria de produzir uma situaccedilatildeo

juriacutedica insuportaacutevelrdquo especialmente nas seguintes situaccedilotildees a) quando o juiz reconhece

que o legislador natildeo tinha outra alternativa dado o contexto histoacuterico existente b) quando a

38 Natildeo haacute um consenso na doutrina a respeito da denominaccedilatildeo desses tipos de decisatildeo aqui se optou por utilizar

essas duas nomenclaturas por serem amplamente difundidas e utilizadas pelos doutrinados portugueses e

brasileiros respectivamente

39 No contexto brasileiro essas decisotildees satildeo conhecidas como sentenccedilas interpretativas ou intermediaacuterias

39

inconstitucionalidade natildeo eacute evidente designadamente por motivos de seguranccedila c) quando

a ausecircncia da norma inconstitucional eacute menos adequada que a sua manutenccedilatildeo d) quando

estatildeo em causa disciplinas discriminatoacuterias (URBANO 2012 p 81-82)

Mendes (1990) destaca que essa teacutecnica decisoacuteria eacute utilizada pelo

Tribunal Constitucional alematildeo principalmente nos casos em que estaacute em jogo o princiacutepio

da isonomia quando uma lei injustificadamente confere benefiacutecios a um determinado

nuacutemero de pessoas ou grupos sociais deixando de englobar outros setores caracterizando

assim uma situaccedilatildeo singular complexa que natildeo pode ser resolvida com a simples declaraccedilatildeo

de inconstitucionalidade da lei

Outra importante figura tambeacutem originaacuteria do direito alematildeo mas hoje

tambeacutem muito presente no Direto italiano satildeo as ldquosentenccedilas apelativas ou exortativasrdquo

Nesse tipo de sentenccedila o Tribunal Constitucional natildeo considera a lei inconstitucional no

momento em que profere a decisatildeo entretanto alerta o Legislativo para a possibilidade de

uma futura inconstitucionalidade e diante disso dirige-lhe um apelo para que modificaccedilatildeo

a legislaccedilatildeo a fim de adequaacute-la a Lei Maior

Esse apelo visa sobretudo evitar uma futura inconstitucionalidade e

com base nessa justificativa o Tribunal oferece ao legislador com maior ou menor

determinaccedilatildeo e exigecircncia possibilidades orientaccedilotildees para a reparaccedilatildeo da norma em tempo

uacutetil fixando em alguns casos um prazo para tanto (URBANO 2012a)

Diferem das decisotildees de mera incompatibilidade pois nessas a norma jaacute

foi considerada inconstitucional cabendo ao legislador proceder a imediata adequaccedilatildeo para

sanar a inconstitucionalidade enquanto que nas sentenccedilas apelativas a violaccedilatildeo ao texto

constitucional ainda natildeo foi consumada ou ainda natildeo haacute certeza sobre a sua ocorrecircncia

(SILVA 2008)

A doutrina italiana tem maioritariamente fundamentado a utilizaccedilatildeo

desse tipo de decisatildeo em um chamado constitucionalismo cooperativo italiano equivalente

a dizer que o Tribunal Constitucional quando confrontado com a ineacutercia do poder poliacutetico

tem desempenhado uma funccedilatildeo propulsora dos valores constitucionais (SILVA 2008

p1119)

O que essas decisotildees possuem em comum entre si e tambeacutem com a

primeira figura aqui mencionada do constitutional road map eacute o fato de conterem em seu

40

corpo em menor ou maior grau orientaccedilotildees para a atividade legislativa visando sanar ou

evitar questotildees de inconstitucionalidade

Na visatildeo de Gomes Canotilho (2003 p 1018) esses tipos de decisotildees

satildeo altamente criticaacuteveis pois ldquoa natildeo atribuiccedilatildeo dos efeitos da nulidade ipso jure natildeo pode

implicar a sobrevivecircncia e aplicaccedilatildeo da norma considerada inconstitucional nem os

laquoperigosraquo das lacunas legislativas se podem sobrepor aos perigos da erosatildeo do princiacutepio da

constitucionalidade dos actos normativosrdquo

82 Teorias centradas no processo

Apesar de ser classificada por Bateup como uma forma de diaacutelogo que

emana de uma decisatildeo judicial pode-se dizer que eacute o contraponto do meacutetodo do

aconselhamento judicial pois ao inveacutes de defender a postura provocadora do Judiciaacuterio agrave

reposta legislativa como centro do diaacutelogo preconiza justamente o contraacuterio uma atuaccedilatildeo

contida dos Tribunais de forma a deixar um maior espaccedilo para a atuaccedilatildeo legislativa

De acordo com esse grupo de teorias o Judiciaacuterio natildeo deve apontar o

caminho a ser seguido pelo Legislativo criando diretrizes ou dando orientaccedilotildees eacute uma

atividade que natildeo lhe compete mas deve possibilitar um ldquosegundo olharrdquo para a questatildeo

821 Minimalismo judicial

A teoria do minimalismo judicial tem se desenvolvido principalmente

no contexto norte americano onde os precedente judiciais possuem muita forccedila normativa

Ela pretende a afirmaccedilatildeo do priciacutepio democraacutetico por meio da limitiaccedilatildeo da atuaccedilatildeo judicial

no processo de tomada de decisotildees que envolvam principalmente a fixaccedilatildeo do conteuacutedo de

direitos fundamentais em temas sensiacuteveis da vida social como questotildees relacionadas ao

aborto casamento de homossexuais dentre outras

O atual exponente defensor dessa teoria eacute o americano Cass R Sustein

que propotildee uma limitaccedilatildeo da atuaccedilatildeo jurisdicional das Cortes as quais natildeo devem decidir

questotildees que extrapolem o caso concreto que estaacute em analise visando um ldquouso construtivo

do silecircnciordquo

Ou seja o Judiciaacuterio natildeo deve tomar decisotildees abrangentes de forma

41

que enclausurem a discussatildeo para sempre mas sim deve restringir-se agraves questotildees daquele

caso concreto permitindo que a discussatildeo profunda e geneacuterica do tema ocorra no acircmbito do

oacutergatildeo legislativo o qual possui legimitidade democraacutetica para tanto

Dessa forma o minimalismo em sua forma processual consiste em um

esforccedilo para limitar a amplitude e profundidade das decisotildees judiciais quando os juiacutezes

carecem e sabem que carecem de informaccedilotildees relevantes o minimalismo eacute uma forma de

resposta apropriada razoaacutevel e ateacute mesmo inevitaacutevel para resolver o problema praacutetico de

obter o consenso dentro de uma sociedade heterogecircna (SUSTEIN 1999 p 5)

Bickel (1962) tambeacutem um importante nome dos defensores da

contenccedilatildeo da atuaccedilatildeo judicial ao falar sobre o exerciacutecio pela Suprema Corte do que

denomina de ldquovirtudes passivasrdquo faz referecircncia agrave diversas ldquoteacutecnicas de natildeo decisatildeordquo

existentes no processo norte americano mediante as quais pode a Suprema Corte se abster

de emitir opiniatildeo como por exemplo political question ripness standing mootness dentre

outras

Acrescenta que a Suprema Corte natildeo tem a obrigaccedilatildeo de decidir todo o

tempo e que se assim o fosse poderia levar a um processo manipulativa da democracia

fazendo com que a Corte simplesmente substituisse o legislative impedindo o exerciacutecio do

seu juiacutezo de conveniecircncia tornando-se um second guesser (BICKEL 1962 p200)

Sob o ponto de vista dialoacutegico na contenccedilatildeo da atuaccedilatildeo judicial o cerne

do diaacutelogo estaacute justamente na possibilidade de o legislador lanccedilar um novo olhar para um

tema que possivelmente foi tratado de forma apressada ou sem a profundidade necessaacuteria

aumentando assim a responsabilidade do Legislativo no exerciacutecio da sua atividade tomando

decisotildees poliacuteticas e elaborando normas com niacuteveis adequados de cuidado e deliberaccedilatildeo

(BATEUP 2005)

Nesse mesmo sentido Bickel (1962 p 70-71) em clara referecircncia agraves

teorias do diaacutelogo afirma que ao evitar decidir a Corte estimula o coloacutequio com os outros

poderes e a sociedade O minimalismo judicial seria portanto uma forma de participaccedilatildeo

passiva do Judiciaacuterio no diaacutelogo constitucional permitindo que os juiacutezes abram o diaacutelogo

com os poderes poliacuteticos a fim de incentivar a resoluccedilatildeo poliacutetica das questotildees constitucionais

que satildeo alvo de conflito

42

822 Modulaccedilatildeo temporal dos efeitos da declaraccedilatildeo de

inconstitucionalidade

A possibilidade de modulaccedilatildeo dos efeitos da decisatildeo pelo Tribunal em

sede de controle de constitucionalidade na perspectiva das teorias fundadas no meacutetodo

judicial tambeacutem pode ser considerada como um mecanismo dialoacutegico sob o ponto de vista

das teorias do meacutetodo judicial centradas no processo eis que possibilita a resposta

legislativa entretanto de forma menos agressiva que as outras teacutecnicas explanadas acima

Essa possibilidade eacute prevista expressamente no Direito Portuguecircs Os

efeitos e o alcance das decisotildees do Tribunal Constitucional em sede do controle abstrato de

constitucionalidade estatildeo previstos no n 1 e n 2 do artigo 282 da Constituiccedilatildeo Portuguesa

os quais determinam respectivamente que ldquoA declaraccedilatildeo de inconstitucionalidade ou de

ilegalidade com forccedila obrigatoacuteria geral produz efeitos desde a entrada em vigor da norma

declarada inconstitucional ou ilegal e determina a repristinaccedilatildeo das normas que ela

eventualmente haja revogadordquo ldquoTratando-se poreacutem de inconstitucionalidade ou de

ilegalidade por infraccedilatildeo de norma constitucional ou legal posterior a declaraccedilatildeo soacute produz

efeitos desde a entrada em vigor desta uacuteltimardquo

Todavia o n 4 do referido artigo traz expressamente a possibilidade de

fixaccedilatildeo dos efeitos da decisatildeo pelo Tribunal de forma fundamentada quando a seguranccedila

juriacutedica razotildees de equidade ou interesse puacuteblico de excepcional relevo o exigir Os efeitos

podem ser fixados de diversas formas poreacutem a que nos interessa no presente trabalho eacute a de

fixaccedilatildeo dos efeitos para o futuro

De acordo com a possibilidade de modulaccedilatildeo dos efeitos da declaraccedilatildeo

de inconstitucionalidade pode o Tribunal Constitucional declarar a inconstitucionalidade de

uma lei mas condicionar a sua nulidade a um determinado transcurso de tempo ou seja

determinar a sua nulidade pro futuro fixando um prazo determinado para que ela deixe de

produzir efeitos de ser aplicada possibilitando assim ao legislador a correccedilatildeo do estatuto e

evitando o vaacutecuo legislativo

Inspirado na Constituiccedilatildeo Portuguesa o Brasil atraveacutes do artigo 27 da

Lei 886899 de 10 de novembro passou tambeacutem a regulamentar possibilidade da

modulaccedilatildeo temporal das decisotildees proferidas no julgamento de accedilatildeo direta de

inconstitucionalidade e de accedilatildeo declaratoacuteria de constitucionalidade

43

A referida lei passou a facultar ao Supremo Tribunal Federal no

exerciacutecio do controle abstrato de constitucionalidade modular os efeitos da decisatildeo por

razotildees de seguranccedila juriacutedica ou de excepcional interesse social Todavia atualmente essa

modulaccedilatildeo se estende tambeacutem ao controle difuso conforme se leraacute

A decisatildeo proferida pelo Superior Tribunal Federal no ano de 2004 no

julgamento do caso Mira Estrela eacute tida como paradigmaacutetica40 por ter sido aplicado o artigo

27 da Lei 886899 no controle de constitucionalidade de um caso concreto A declaraccedilatildeo da

inconstitucionalidade se deu no acircmbito do julgamento do Recurso Extraordinaacuterio 197917-

8 de accedilatildeo civil puacuteblica proposta pelo Ministeacuterio Puacuteblico do Estado de Satildeo Paulo visando a

diminuiccedilatildeo do nuacutemero de vereadores do municiacutepio de Mira Estrela alegando que o mesmo

natildeo era proporcional ao nuacutemero de habitantes ainda que estivesse dentro do limite

constitucional41

O Supremo concordou com a desproporcionalidade e em face disso

declarou a inconstitucionalidade da referida norma todavia modulou os efeitos da decisatildeo

pro futuro para salvaguardar os mandatos dos vereadores jaacute eleitos e a validade dos

respectivos atos administrativos por eles praticados evitando assim consequecircncias

desastrosas para a administraccedilatildeo puacuteblica Fundamentou a necessidade da modulaccedilatildeo dos

efeitos na proteccedilatildeo da Seguranccedila Juriacutedica

Em que pese essa ser uma teacutecnica menos agressiva que as anteriores

vez que o Judiciaacuterio ao menos em tese apenas possibilita uma reaccedilatildeo legislativa a sua

decisatildeo sem lhe estipular diretrizes e com isso adentrar em sua liberdade de conformaccedilatildeo

na praacutetica tambeacutem natildeo haacute como garantir que haveraacute a reaccedilatildeo legislativa e eacute nisso que reside

a maioria das criacuteticas a todas esses mecanismos ditos dialoacutegicos conforme se veraacute mais

adiante

40 RE 197917-8SP Iacutentegra da decisatildeo disponiacutevel em

httpredirstfjusbrpaginadorpubpaginadorjspdocTP=ACampdocID=235847 41 A Lei Orgacircnica do municiacutepio de Mira Estrela estabelecia em 11 o nuacutemero de vereadores os quais estavam

dentro dos limites impostos no artigo 29 da Constituiccedilatildeo Federal estabelecido conforme o nuacutemero de

habitantes

44

823 Accedilatildeo de inconstitucionalidade por omissatildeo legislativa

O modelo de controle de constitucionalidade portuguecircs prevecirc

expressamente a possibilidade do controle das omissotildees legislativas por intermeacutedio da

disposiccedilatildeo contida no artigo 283 da Constituiccedilatildeo Federal 42

Inspirado no instituto portuguecircs o Brasil tambeacutem trouxe em sua

Constituiccedilatildeo Federal de 1988 a expressa previsatildeo da possibilidade do controle de

constitucionalidade das omissotildees legislativas (paraacutegrafo 2ordm do artigo 103) poreacutem criou

ainda uma nova figura especifica para esse fim o mandado de injunccedilatildeo (inciso LXXI do

artigo 5ordm)

Em ambos os sistemas uma omissatildeo legislativa eacute considerada

inconstitucional quando o legislador natildeo cumpre com aquilo que estava constitucionalmente

obrigado ou seja quando a sua omissatildeo prejudica a exequibilidade de alguma norma

constitucional Para que a omissatildeo ganhe significado relevante deve ter conexatildeo com uma

exigecircncia constitucional de accedilatildeo natildeo bastando a violaccedilatildeo do simples dever legal de legislar

(CANOTILHO2003)

Miranda (2008) destaca que a omissatildeo pode ser total ou parcial

quando por exemplo existe a norma mas ela eacute insuficiente ou deficiente43 e que o juiacutezo da

inconstitucionalidade por omissatildeo traduz-se num juiacutezo sobre o tempo em que deveria ser

produzida a lei devendo o Judiciaacuterio sem substituir ao oacutergatildeo legislador medir e interpretar

o tempo decorrido para a elaboraccedilatildeo da lei44

42 Neste sentido ver o que Tushnet diz sobre esse tipo de concepccedilatildeo de diaacutelogo em TUSHNET Mark Dialogue

and Constitutional Duty Havard Law School Public Law amp Legal Theory Working Paper Series paper nordm 12-

10 p 4-9

43 ldquoA inconstitucionalidade por omissatildeo natildeo surge apena por carecircncia de medidas legislativas surge tambeacutem

por deficiecircncia delas Mas isto natildeo significa que perante um projecto ou uma proposta de lei com vista ao

cumprimento de determinada norma constitucional tenha de se proceder agrave sua anaacutelise para discernir se o

sentido de seus preceitos se enquadra ou natildeo no sentido de Constituiccedilatildeo De jeito algum cabe ao oacutergatildeo de

fiscalizaccedilatildeo da inconstitucionalidade por omissatildeo debruccedilar-se a esse tiacutetulo sobre o conteuacutedo de qualquer acto

de iniciativa legislativardquo (MIRANDA 2008 p 325)

44ldquoA ausecircncia ou a insuficiecircncia da norma legal natildeo pode ser separada de determinado tempo histoacuterico

assinalado pela necessidade de produccedilatildeo legislativa e cuja duraccedilatildeo maior o menor ou seraacute prefixada pela

proacutepria Constituiccedilatildeo ou depende da natureza das coisas (ou seja da natureza da norma constitucional natildeo

exequiacutevel por si mesma confrontada com as situaccedilotildees da vida inclusive situaccedilatildeo que agrave sua margem esteja

por acccedilatildeo o legislador ordinaacuterio a criar)rdquo (MIRANDA 2008 p 322)

45

A accedilatildeo de inconstitucionalidade por omissatildeo prevista no ordenamento

portuguecircs e brasileiro constitui portanto um meio atraveacutes do qual o Judiciaacuterio controla a

ineacutercia legislativa declarando a inconstitucionalidade da sua ineacutercia e solicitando a tomada

de providecircncias Pode-se dizer que seus efeitos praacuteticos assemelham-se agraves sentenccedilas

apelativas da Alemanha e Itaacutelia todavia nesse instituto a decisatildeo do Judiciaacuterio tem efeito

meramente declaratoacuterio dando conhecimento ao Legislativo da sua omissatildeo e enfatizando a

necessidade de atuaccedilatildeo sem traccedilar qualquer diretriz para tanto45

Desta forma a sentenccedila proferida no controle de constitucionalidade da

omissatildeo legislativa por meio da accedilatildeo declaratoacuteria de inconstitucionalidade por omissatildeo

possui um caraacuteter apelativo eis que objetiva chamar a atenccedilatildeo do legislador para a

necessidade de elaboraccedilatildeo da lei necessaacuteria a concretizar determinada norma constitucional

Assim sob a perspectiva das teorias dialoacutegicas centradas no processo pode ser considerada

como um mecanismo propulsor de interaccedilatildeo entre os poderes no seio da jurisdiccedilatildeo

constitucional

83 Criacuteticas agraves teorias dialoacutegicas fundadas no meacutetodo judicial

Todas essas teacutecnicas de decisatildeo judicial que visam possibilitar uma

resposta do Legislativo por meio de uma decisatildeo judicial embora diferentes em alguns

aspectos possuem um ponto determinante em comum privilegiam a interpretaccedilatildeo do

Judiciaacuterio

Sob o ponto de vista da dificuldade da legitimidade democraacutetica da

revisatildeo judicial portanto essas teorias natildeo seriam suficientes para solucionar as questotildees

eis que o Judiciaacuterio continuaria na praacutetica ainda sendo o detentor da uacuteltima palavra na

resoluccedilatildeo dos conflitos constitucionais

Nessa perspectiva natildeo se verifica uma efetiva deliberaccedilatildeo conjunta

entre Judiciaacuterio e Legislativo na tomada de decisatildeo O que ocorre eacute apenas que o Judiciaacuterio

mediante a adoccedilatildeo de estrateacutegias especiacuteficas busca acionar ou estimular a atuaccedilatildeo

45 Esclarece-se que a aplicabilidade da accedilatildeo de inconstitucionalidade por omissatildeo possui alguns aspectos

controvertidos poreacutem como jaacute dito natildeo constitui nosso objetivo tratar todas as questotildees controvertidas de

cada instituto aqui mencionado mas apenas identifica-los como mecanismos potencialmente dialoacutegicos de

acordo com as teorias

46

legislativa Portanto pode-se concluir que essas teorias se consubstanciam na praacutetica em um

diaacutelogo formal e natildeo material o que jaacute seria um alvo suficiente para criacutetica

Ademais o fato de privilegiarem claramente o ponto de vista judicial

podem acabar permitindo de certa forma que o Judiciaacuterio adentre o acircmbito de atuaccedilatildeo

legislativa sobretudo nas teacutecnicas de aconselhamento judicial

Ainda que se possa considerar que a decisatildeo judicial nesses casos

apenas fornece diretrizes para a atuaccedilatildeo legislativa natildeo haacute como negar que pode acabar

condicionando a sua atuaccedilatildeo restando-lhe apenas acatar o que foi direcionado pelo

Judiciaacuterio o que do ponto de vista dialoacutegico natildeo parece o ideal

Mesmo nos mecanismos mais brandos que os de aconselhamento

judicial onde haacute uma interferecircncia direta do Judiciaacuterio na conformaccedilatildeo legislativa eacute inegaacutevel

que haacute ainda alguma intromissatildeo mesmo que em menor escala ou de forma indireta

Haacute de se destacar tambeacutem a falta de previsibilidade das orientaccedilotildees do

Tribunal e a sua potencialidade enganosa para o Legislador suscitada por Carlos Blanco de

Morais (2014 p 726) ao analisar um recente julgado do Tribunal Constitucional Portuguecircs

no contexto da crise econocircmica

O renomado constitucionalista observa que no Acoacuterdatildeo nordm 1872013 o

Tribunal Constitucional46 ao declarar a inconstitucionalidade da norma da Lei de Orccedilamento

do Estado relativa a tributaccedilatildeo dos subsiacutedios de desemprego e doenccedila agrave luz do princiacutepio da

existecircncia condigna (artigo 2ordm da CRP) fixou orientaccedilatildeo ao legislador no sentido de que no

proacuteximo ano a Lei orccedilamentaacuteria ao tratar da mateacuteria trouxesse uma claacuteusula de salvaguarda

impedindo a tributaccedilatildeo das respectivas prestaccedilotildees de desemprego e doenccedila de forma

prejudicial a garantia dos seus valores miacutenimos

O legislador na elaboraccedilatildeo da Lei Orccedilamentaacuteria do ano de 2014 seguiu

a orientaccedilatildeo do Tribunal todavia ao analisar a constitucionalidade da nova lei o mesmo

Tribunal que havia ditado aquela orientaccedilatildeo no Acoacuterdatildeo nordm 413201447 julgou a claacuteusula

insuficiente e violadora do princiacutepio da razoabilidade

46 Iacutentegra da decisatildeo disponiacutevel em httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20130187html 47 Iacutentegra da decisatildeo disponiacutevel em httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20140413html

47

Blanco de Moraes com base nesse caso concreto destaca o perigo das

orientaccedilotildees perpetradas pelo Judiciaacuterio que podem servir de ldquoemboscadardquo para o legislador

O fato eacute que ainda que o Legislativo siga as orientaccedilotildees do Tribunal natildeo haacute garantia da

constitucionalidade do novo diploma o que pode acabar resultando em um reforccedilo da

postura ativista do Judiciaacuterio que interfere no acircmbito da liberdade de conformaccedilatildeo legislativa

ditando orientaccedilotildees que nem ele mesmo segue posteriormente

Dito isto evidencia-se que assim como a atitude do Judiciaacuterio pode

incentivar e encorajar um debate resultando na criaccedilatildeo de um novo diploma sem viacutecio o

que seria beneacutefico tambeacutem pode acabar resultando em um sequestro do processo legislativo

dando super poderes ao Judiciaacuterio que tanto pode anular como reformar um estatuto legal

(LUNA 2001)

Bateup sintetiza a criacutetica afirmando que a praacutetica do aconselhamento

judicial simplesmente encoraja os ramos poliacuteticos a fazer o que o Judiciaacuterio diz e que na

realidade o aconselhamento seria um aviso de que a legislaccedilatildeo natildeo satisfaz seus

entendimentos constitucionais e que embora ainda natildeo tenha sido derrubada seraacute assim no

futuro caso o Legislativo natildeo a adeque ao entendimento do Tribunal

Outro ponto importante que se verifica em ambas as categorias das

teorias fundadas no meacutetodo judicial tanto a de aconselhamento como as centradas no

processo eacute a necessidade de que para que esses mecanismos surtam algum efeito praacutetico

deve haver uma forte vontade de colaboraccedilatildeo entre os Poderes O Judiciaacuterio haacute de se

preocupar em avaliar a questatildeo e formular as diretrizes para a atuaccedilatildeo legislativa bem como

o Legislativo deve estar aberto ao recebimento dessas orientaccedilotildees e colocaacute-las em praacuteticas

Ou entatildeo no que diz respeito agrave teoria do minimalismo eacute necessaacuteria uma

forte consciecircncia das Cortes para concordar em conter a sua atuaccedilatildeo e ainda verificar quando

deve ou natildeo assim agir havendo o risco dessa contenccedilatildeo ocorrer em momentos inoportunos

e vice e versa

O que esse grupo de teorias revela sobretudo eacute a grande complexidade

das decisotildees judiciais no acircmbito do controle de constitucionalidade nos paiacuteses que seguem

um modelo fundado na supremacia do Judiciaacuterio ficando claro que nem sempre os

problemas constitucionais seratildeo resolvidos por meio da simples declaraccedilatildeo de

48

constitucionalidade ou inconstitucionalidade mesmo que acabem no fim resultando em um

dos dois efeitos isso pode ocorrer em diversas intensidades

Fica claro entatildeo que o Judiciaacuterio exerce um papel tambeacutem poliacutetico

precisando agir com prudecircncia tanto quanto o legislativo para que suas decisotildees sejam bem

aceitas pela sociedade e produzam os efeitos esperados (HUBNER 2008)

Dessa forma ainda que seja alvo de criacuteticas e talvez natildeo seja a melhor

forma de concretizar o diaacutelogo natildeo se pode desprezar totalmente o conteuacutedo dessas teorias

e nem seus efeitos praacuteticos pois assim como essas praacuteticas podem ser consideradas

prejudiciais do ponto de vista democraacutetico ao mesmo tempo podem ser consideradas

beneacuteficas sob a oacutetica de concretizaccedilatildeo de direitos fundamentais sobretudo em paiacuteses

subdesenvolvidos ou que enfrentam uma crise de representatividade do Poder Legislativo

pois mediante decisotildees judiciais este seraacute forccedilado a agir

Um importante caso que vem sendo apontado por diversos

doutrinadores como um sucesso na efetivaccedilatildeo de direitos fundamentais e que segue a loacutegica

dessas teorias eacute a Aacutefrica do Sul o qual passamos a explanar

9 O especial caso da Aacutefrica do Sul

O constitucionalismo Sul Africano tem recebido muita atenccedilatildeo dos

estudiosos sobretudo dos defensores das teorias dialoacutegicas em virtude das inovadoras

decisotildees que vem sendo proferidas pela Suprema Corte desse paiacutes

A implementaccedilatildeo de um Estado democraacutetico na Aacutefrica do Sul

notadamente natildeo foi um processo tranquilo tampouco paciacutefico em virtude da sua conjuntura

histoacuterica O reconhecimento da autoridade do Poder Judicial para realizar a revisatildeo das leis

natildeo foi fruto de um processo gradativo como ocorreu em outros paiacuteses mas sim uma

imposiccedilatildeo brusca e radical 48

O constitucionalismo Sul Africano pode ser dividido em duas fases a

primeira que durou de 1910 a 1994 onde a proteccedilatildeo dos direitos fundamentais cabia ao poder

poliacutetico tendo o judiciaacuterio um papel severamente limitado no controle desse processo e a

48 Ver ROUX Theunis The Politics of Principle the first South African Constitutional Court Cambridge

Cambridge University Press 2013

49

segunda fase recentemente iniciada onde a ordem social e juriacutedica baseia-se na supremacia

de uma constituiccedilatildeo imposta e protegida judicialmente (SCHYFF 2010 p 34)49

A Constituiccedilatildeo de 1996 eacute a quinta adotada pelo paiacutes e eacute exemplo mundial

de uma Constituiccedilatildeo de caraacuteter transformador - que estabelece aspiraccedilotildees entendidas como

um desafio agraves praacuteticas de longa data ndash sendo grande parte do seu texto dedicado a eliminaccedilatildeo

dos efeitos danosos do apartheid (SUSTEIN 2001)

No tocante ao modelo de judicial review adotado a Aacutefrica do Sul optou

por um modelo forte de revisatildeo reconhecendo a supremacia do Poder Judiciaacuterio para a sua

decisatildeo e sendo ele o responsaacutevel pela palavra final no tocante a interpretaccedilatildeo

constitucional Todavia a praacutetica tem revelado uma interessante atuaccedilatildeo do Tribunal no

julgamento de casos que envolvem a efetivaccedilatildeo de direitos socioeconocircmicos

Famoso exemplo eacute o julgamento do caso Grotboom50 no qual estava em

questatildeo o direito a moradia de centenas de pessoas incluindo crianccedilas que estavam

desalojadas Esse grupo de pessoas recorreu agrave Corte para requisitar com base nos artigos 26

e 28 da Constituiccedilatildeo que o Estado Sul Africano providenciasse moradia adequada para eles

A Corte ao analisar o caso agrave luz do artigo 26 que assegura o direito a

moradia entendeu que houve violaccedilatildeo ao direito constitucional dos requerentes pois o

Estado natildeo havia cumprido com o dever de efetivar progressivamente dentro dos recursos

disponiacuteveis o acesso agrave moradia adequada Destacou que embora o programa do Governo

relativo a moradia fosse razoaacutevel em vaacuterios aspectos era falho pois natildeo atendia agraves

necessidades mais urgentes natildeo prevendo soluccedilatildeo para as demandas de curto prazo

No paraacutegrafo 42 da decisatildeo a Corte enfatizou que a mera ediccedilatildeo de leis

natildeo eacute o suficiente para constituir o cumprimento do dever constitucional do Estado que este

tem a obrigaccedilatildeo de agir para alcanccedilar o resultado pretendido e as medidas legislativas

invariavelmente tecircm de ser apoiadas por poliacuteticas e programas bem dirigidos e

adequadamente implementados pelo Executivo Que as poliacuteticas e programas devem ser

49 Para um maior aprofundamento sobre o constitucionalismo Sul Africano ver COCKRELL Alfred The

South African Bill of Rights and the lsquoDuckRabbitrsquo 60 Mod L Rev 513 (1997) BOUCKAERT Peter N The

Negotiated Revolution South Africarsquos Transition to Multiracial Democracy 33 Stanford J Int L 375 (1997)

GOLDSTONE Richard J The South African Bill of Rights 32 Texas Int L J 1451 (1997)

50 Government of The Republic of South Africa and others v Grootboom and others (CCT 1100) Igraventegra da

decisatildeo disponiacutevel emlt httpwwwsafliiorgzacasesZACC200019htmlgt

50

razoaacuteveis tanto na sua concepccedilatildeo quanto na sua implementaccedilatildeo sendo a formulaccedilatildeo de um

programa apenas a primeira etapa para cumprir as obrigaccedilotildees do estado jaacute que este deve ser

razoavelmente implementado pois se assim natildeo for natildeo constituiraacute o cumprimento das

obrigaccedilotildees do Estado51

Por fim o Tribunal emitiu uma ordem declaratoacuteria que delimitou as

deficiecircncias do programa governamental e sugeriu em vez de direcionar medidas para

minimizar as falhas O documento natildeo indicou entretanto que tipo de abrigo o Governo

deveria construir deixando essa decisatildeo para o proacuteprio Estado (NGWENA 2013 p80)

Por intermeacutedio dessa decisatildeo a Corte ao mesmo tempo que reconheceu

a justiciabilidade dos direitos sociais preservou certa autonomia do Estado no que respeita

a elaboraccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas vez que natildeo determinou a exata maneira que o mesmo

deveria agir reconhecendo que essa eacute uma competecircncia que natildeo compete ao Judiciaacuterio

Esse tipo de decisatildeo pode ser visto sob o ponto de vista das teorias

dialoacutegicas fundadas no meacutetodo judicial explicadas acima Nesse sentido reforccedilando o

potencial dialoacutegico dessas decisotildees Dixon (2007) leciona que o Poder Judiciaacuterio deve

exercer um papel ativo a fim de evitar a ineacutercia dos outros poderes

Aponta que as possiacuteveis causas da ineacutercia legislativa seriam de duas

categorias os blind spots ou pontos cegos que satildeo as situaccedilotildees em que natildeo resta claro para

o Legislativo os imperativos de sua accedilatildeo reguladora como por exemplo quando natildeo

reconhecem que determinada forma de aplicaccedilatildeo de uma lei pode ser violadora de direitos

e quando a ineacutercia decorre de motivos de conveniecircncia poliacutetica quando acredita que o ocircnus

eleitoral da sua accedilatildeo pode ser maior que o da sua omissatildeo (DIXON 2007)

Nessa perspectiva de diaacutelogo proposta por Dixon cabe ao Judiciaacuterio

provocar o Legislativo por meio da decisatildeo judicial que o obrigue a elaboraccedilatildeo de poliacuteticas

puacuteblicas para garantir tanto quanto possiacutevel a maior eficaacutecia dos direitos fundamentais

51 [42] The state is required to take reasonable legislative and other measures Legislative measures by

themselves are not likely to constitute constitutional compliance Mere legislation is not enough The state is

obliged to act to achieve the intended result and the legislative measures will invariably have to be supported

by appropriate well-directed policies and programmes implemented by the executive These policies and

programmes must be reasonable both in their conception and their implementation The formulation of a

programme is only the first stage in meeting the statersquos obligations The programme must also be reasonably

implemented An otherwise reasonable programme that is not implemented reasonably will not constitute

compliance with the statersquos obligations Government of The Republic of South Africa and others v Grootboom

and others (CCT 1100)

51

sem todavia adentrar ou comprometer a sua liberdade de conformaccedilatildeo mas de forma que

retire o legislativo da sua ineacutercia

Por decisotildees como essa apesar do sistema Sul Africano ter como

caracteriacutestica a participaccedilatildeo ativa do Judiciaacuterio na efetivaccedilatildeo dos direitos fundamentais o

mesmo vem sendo apontado por alguns estudiosos das teorias do diaacutelogo como um sistema

promissor nesse sentido em virtude do enfraquecimento das decisotildees judiciais que apesar

de direcionarem a atuaccedilatildeo do Legislativo preservam a sua liberdade de escolha e atuaccedilatildeo

10 As teorias estruturais de diaacutelogo

Nessa categoria alocam-se as teorias que se baseiam no reconhecimento

de mecanismos institucionais ou poliacuteticos dentro dos sistemas constitucionais que permitam

aos atores poliacuteticos responder agraves decisotildees judiciais em caso de conflito

Ao contraacuterio das teorias do meacutetodo judicial essas natildeo tecircm como objeto

principal a construccedilatildeo da decisatildeo judicial mas sim as formas pelas quais se estabelecem as

relaccedilotildees entre as diversas estruturas do Poder de maneira que possam oferecer respostas agrave

uma decisatildeo que gere desacordo Hubner (2008 p 99) aponta que as teorias estruturais ao

contraacuterio das que se fundam no meacutetodo judicial possuem um caraacuteter exoacutegeno logo menos

dependente da postura de cada instituiccedilatildeo

Para os que defendem essas teorias o diaacutelogo surge mediante a

utilizaccedilatildeo de mecanismos de interaccedilatildeo entre juiacutezes e os outros atores poliacuteticos Esses

mecanismos satildeo encontrados no modelo do weak judicial review ou sistemas brandos de

controle de constitucionalidade os quais como jaacute dito surgiram como uma alternativa ao

modelo tradicional pautado na supremacia judicial

A maioria dessas teorias foram surgindo a partir da necessidade de

justificar e fundamentar a previsatildeo de mecanismos contidos no Bill of Rights de paiacuteses

tradicionalmente de supremacia parlamentar a fim de harmonizar este tipo de sistema com

a necessidade de proteccedilatildeo aos direitos fundamentais

De acordo com a sistematizaccedilatildeo feita por Bateup existem quatro

subcategorias de teorias estruturais as de construccedilatildeo coordenada as dos princiacutepios juriacutedicos

a do equiliacutebrio e a da parceria Importante esclarecer que apesar de termos adotado essa

52

sistematizaccedilatildeo como nosso referencial teoacuterico por acreditarmos na sua coerecircncia e

completude neste particular ousamos discordar dessa diferenciaccedilatildeo

A diferenciaccedilatildeo feita por Bateup reside basicamente nos argumentos de

que as teorias de construccedilatildeo coordenada se aplicam apenas ao contexto norte-americano as

teorias dos princiacutepios juriacutedicos reconhecem uma especial competecircncia ao Judiciaacuterio para

decidir questotildees relacionadas agrave princiacutepios juriacutedicos as do equiliacutebrio por serem neutras natildeo

reconhecem nenhuma capacidade especial a nenhum Poder e contam ainda com a

participaccedilatildeo da sociedade e as teorias da parceria

Sendo assim todas as subcategorias em que Bateup divide as teorias

estruturais de diaacutelogo enquadram-se na ideia geral da construccedilatildeo coordenada podem ateacute se

diferenciar em um ou outro aspecto mas ainda assim natildeo deixam de fazer parte desta

Dessa forma natildeo se deixaraacute de abordar as subdivisotildees propostas por

Bateup mas ao contraacuterio do que foi feito no tocante as teorias centradas no meacutetodo judicial

natildeo se mencionaraacute especicamente cada uma delas para depois dar exemplos praacuteticos mas

seratildeo feitas as devidas menccedilotildees quando da anaacutelise dos diferenres sistemas de weak judicial

review que aqui se apresenta como exemplo das teorias estruturais de diaacutelogo

Importante se faz esclarecer que essa opccedilatildeo tambeacutem reside em questotildees

didaacuteticas necessaacuterias para a melhor compreensatildeo do trabalho

10 1 Teorias de construccedilatildeo coordenada

Tratam-se de teorias que reconhecem que a identificaccedilatildeo do sentido

constitucional eacute uma tarefa a ser compartilhada entre as diversas esferas do Poder ou seja

natildeo eacute uma tarefa atribuiacuteda unicamente ao Judiciaacuterio Assim o diaacutelogo eacute algo inerente ao

princiacutepio do check and balances natildeo havendo uma uacutenica instacircncia detentora da uacutetlima

palavra

Com isso a base dessas teorias eacute o fato de que da mesma forma que o

Tribunal possui mecanismos de controle dos ramos poliacuteticos por meio da revisatildeo judicial

tambeacutem podem ser colocados controles sobre o Tribunal quando os atores poliacuteticos

estiverem em desacordo com a sua interpretaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo

53

Bateup (2005 p 33) define a teoria da construccedilatildeo coordenada como a

mais antiga concepccedilatildeo de interpretaccedilatildeo constitucional fazendo menccedilatildeo ao pensamento dos

teoacutericos americanos de James Madison e Thomas Jefferson o primeiro por ter reconhecido

que apesar das questotildees de interpretaccedilatildeo constitucional normalmente recaiacuterem sobre o

Judiciaacuterio no curso normal do Governo a Constituiccedilatildeo natildeo lhe atribui qualquer autoridade

especiacutefica perante outros braccedilos do Poder e o segundo por considerar que cada ramo do

Governo deve ser ldquocoordenado e independenterdquo possuindo todos eles responsabilidade pela

interpretaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo

No contexto norte americano um dos primeiros autores a abordar essa

teoria foi Louis Fisher que teve como principal meacuterito demonstrar mediante exemplos da

histoacuteria americana que o processo constitucional eacute mais complexo do que a simples emissatildeo

pela Corte da uacuteltima palavra A uacuteltima palavra segundo essa histoacuteria confirmaria natildeo

pertence a nenhuma instituiccedilatildeo (HUBNER 2009 p 126)

O que haacute de mais caracteriacutestico nessas teorias eacute o fato de os outros

ramos do Poder em especial o Legislativo caso natildeo concordem com a decisatildeo judicial

poderem provocar a Corte reconhecendo assim que a interpretaccedilatildeo constitucional eacute tarefa

que compete a todos os Poderes e natildeo apenas a um ramo em especiacutefico

Vaacuterios autores dentro do cenaacuterio americano passaram a tratar do

assunto inclusive em forma de criacuteticas poreacutem por questotildees didaacuteticas conforme jaacute

mencionado natildeo se limitaraacute a falar especificamente sobre cada um deles52 Todavia destaca-

se a teoria de Barry Friedman a qual Bateup subclassifica como teoria do equiliacutebiro poreacutem

aqui eacute tratada como uma teoria de construccedilatildeo coordenada pelos motivos jaacute acima expostos

A teoria de Friedman merece ser mencionada pois se diferencia das

outras tantas que se encaixam nesta categoria por considerar a importacircncia do papel ativo da

sociedade na deliberaccedilatildeo sobre direitos

Para esse Autor a Constituiccedilatildeo eacute um texto aberto e flexiacutevel que permite

52 Outros importantes nomes dessa teoria satildeo Keith Whittington e Mitchell Pickeril Destaque para a

importacircncia do trabalho deste uacuteltimo que realizou importante pesquisa empiacuterica da realidade americana de

caraacuteter revelador e agregador para a teoria da construccedilatildeo coordenada demonstrando que o diaacutelogo entre os

poderes eacute inerente ao princiacutepio do check and balances americano pelo que sugerimos a consulta PICKERILL

J Mitchell Constitutional Deliberation in Congress the impact of Judicial Review in a Separated System

Duke University Press 2004

54

diversas interpretaccedilotildees sujeitas agrave mudanccedilas constantes Assim a interpretaccedilatildeo constitucional

seria um processo de idas e vindas em que a Corte devolve o tema para a sociedade e

para outros poderes e vice-versa metaforicamente como uma partida de tecircnis na qual os

parceiros rebatem a bola um para o outro53 (FRIEDMAN 1993)

Com isso afasta a ideia de que haacute uma vontade da maioria definida a

ser representada por um dos poderes sugerindo que na realidade essa vontade sofre

constantes mutaccedilotildees54 cabendo aos ramos do Poder no processo de interpretaccedilatildeo

constitucional negociar e definir uma direccedilatildeo em meio ao pluralismo existente na

sociedade55 Reconhece o diaacutelogo institucional como fruto da separaccedilatildeo de poderes

compartilhando dos elementos da teoria da construccedilatildeo coordenada poreacutem acrescenta a eles

a vontade popular

Eacute justamente no aspecto relativo a grande importacircncia que daacute a vontade

popular que reside a principal criacutetica agrave essa teoria pois natildeo oferece alternativa agrave interaccedilatildeo

constitucional estabelecida entre o Judiciaacuterio e os poderes poliacuteticos nas questotildees de menor

importacircncia poliacutetica nas quais o diaacutelogo com toda a sociedade eacute improvaacutevel de ocorrer

(BATEUP 2006 p 69)

Seria impensaacutevel na praacutetica um sistema de jurisdiccedilatildeo constitucional

no qual os Poderes tivessem que recorrer agrave opiniatildeo popular todas as vezes que fossem

realizar a interpretaccedilatildeo de qualquer norma constitucional

Saindo do contexto norte americano outras teorias estruturais do

diaacutelogo emergiram a partir da anaacutelise dos novos modelos de jurisdiccedilatildeo constitucional

adotados por paiacuteses da Commonwealth como jaacute mencionamos no iacutencio deste trabalho Desta

forma optou-se didaticamente por tratar dessas teorias e suas respectivas especificidades no

acircmbito da exposiccedilatildeo dos sistemas e casos em concreto o que se passaraacute a fazer

53 ldquoCourts serve as societyacutes tennis partner always volleying the ball backrdquo (FRIEDMAN 1993 p669)

54 ldquoThe court is free to change its mind The people are free to disagree with the court The court is free to

disagree with the people The members of the courts are free to and usually do disagree with one another As

disagreement occurs the document will take one new meaningsrdquo (FRIEDMAN 1993 p651)

55 ldquoThis process of constitutional interpretation hardly pits the court against the people Rather the court

mediate the views of various people The process is interactive (hellip) Simply put our process of constitutional

interpretation is a dialoguerdquo (FRIEDMAN 1993 p 654)

55

1011 Os mecanismos dialoacutegicos do sistema de revisatildeo judicial

canadense e as teorias de princiacutepios juriacutedicos

Ao adotar formalmente um sistema de judicial review atribuindo ao

Judiciaacuterio a capacidade para solucionar casos concretos de incompatibilidade entre

legislaccedilatildeo e a Carta suscitados por particulares56 o Canadaacute a fim de evitar a consagraccedilatildeo de

um modelo fundado na supremacia judicial ao estilo americano que implicasse na perda do

poder do Parlamento incluiu na sua Carta mecanismos que possibilitassem uma limitaccedilatildeo

do Poder atribuiacutedo ao Judiciaacuterio e ao mesmo tempo preservassem as competecircncias

parlamentares

Esses mecanismos previstos nas Seccedilotildees 33 e 1 da Carta Canadense

consistem respectivamente na ldquoclaacuteusula natildeo obstanterdquo (notwishstanding clause) a qual

possibilita que o Legislativo aplique uma lei mesmo quando esta for contraacuteria ao texto

constitucional e na possibilidade do Legislativo reeditar uma norma que configure e limite

direito consagrado nas seccedilotildees 2 e de 7 a 15 e que jaacute tenha sido objeto de reprovaccedilatildeo pelo

Judiciaacuterio desde que fundada em justificativa razoaacutevel bem como na possibilidade de

configuraccedilatildeo pelo legislativo de direitos e liberdades fundamentais

O estudo realizado por Bushell e Hogg (1997) eacute apontado como um

marco teoacuterico da experiecircncia canadense pois a partir de uma pesquisa de mais de 65 casos

concretos decididos pela Corte canandense desde a Carta de 1982 os autores verificaram

que na grande maioria deles houve em um prazo razoavelmente curto uma resposta

legislativa agrave decisatildeo judicial Diante disso os autores afirmaram que o sistema canadense

propicia a concretizaccedilatildeo de um verdadeiro diaacutelogo entre os Poderes no exerciacutecio da

jurisdiccedilatildeo constitucional

A anaacutelise dos autores a respeito da implementaccedilatildeo da revisatildeo judicial

canadense pela Carta de 1982 eacute bastante otimista pois consideram que ateacute mesmo naqueles

casos em que o legislador aquiesceu agrave decisatildeo proferida pela Corte houve uma reaccedilatildeo

dialoacutegica jaacute que a concordacircncia tambeacutem pode ser fruto de um diaacutelogo

56 ldquoArt 24 (1) Anyone whose rights or freedoms as guaranteed by this Charter have been infringed or denied

may apply to a court of competent jurisdiction to obtain such remedy as the court considers appropriate and

just in the circumstances Art 52 (1) The Constitution of Canada is the supreme law of Canada and any law

that is inconsistent with the provisions of the Constitution is to the extent of the inconsistency of no force or

effectrdquo Canadian Constitutional Act 1982

56

Afirmam que os legisladores canadenses estatildeo engajados na

concretizaccedilatildeo do diaacutelogo com a Corte eis que buscam fundamentar no preacircmbulo das leis

promulgadas tanto das que excedem os limites da Carta como das que substituem as que

foram consideradas inconstitucionais que as mesmas se dirigem a um objetivo ldquourgente e

substancialrdquo e destinam-se a ldquolimitar razoalmenterdquo direitos e liberdades (BUSHELL

HOGG 1997 p 101)

Consideram ainda que mesmo quando apoacutes a anaacutelise judicial a lei natildeo eacute

declarada invaacutelida haacute um diaacutelogo em virtude de tal anaacutelise despertar o debate puacuteblico

chamando a atenccedilatildeo do legislador ao assunto de forma que possa rever possiacuteveis problemas

na lei e eventualmente alteraacute-la Ou seja a decisatildeo judicial natildeo deve ser encarada como um

veto mas como o ponto de partida para uma conversa institucional sobre como conciliar

direitos individuais com obejtivos de poliacuteticas econocircmicas e sociais (BUSHELL HOGG

1997 p 101-105)

Referido estudo teve grande repercussatildeo na doutrina nacional Por um

lado muitos reforccedilaram e concordaram com a ideia dos autores por outro a mesma foi alvo

de intensa criacuteticas sobretudo pela forma abrangente de caracterizaccedilatildeo do diaacutelogo57 O

impacto tambeacutem foi sentido na proacutepria Corte que passou a usar a metaacutefora do diaacutelogo para

justificar suas decisotildees algumas delas bastante controversas conforme se leraacute mais adiante

Portanto a experiecircncia canadense eacute um importante exemplo de aplicaccedilatildeo

das teorias estruturais dialoacutegicas jaacute que traz a previsatildeo expressa de mecanismos

possibilitadores na visatildeo de alguns de um diaacutelogo institucional

Na sistematizaccedilatildeo feita por Bateup as teorias que se referem agrave

experiecircncia canadense satildeo teorias de princiacutepios juriacutedicos Na classificaccedilatildeo da Autora esse

grupo de teorias corresponde agravequelas em que haacute o reconhecimento de que o Judiciaacuterio possui

57 A repercussatildeo literaacuteria do estudo foi tatildeo grande e significativa que apoacutes dez anos da sua publicaccedilatildeo o

mesmo perioacutedico (Osgoode Hall Law Journal) lanccedilou uma ediccedilatildeo comemorativa contendo uma atualizaccedilatildeo

do texto original e outros artigos em resposta ao mesmo Ver HOGG P et al ldquoCharter Dialogue Revisited

ndash Or Much Ado About Metaphorsrdquo HAIGH R e SOBKIN M ldquoDoes the Observer Have an Effect An

Analysis of the Use of the Dialogue Metaphor in Canadarsquos Courtsrdquo HUSCROFT G ldquoConstitutionalism from

the Top Downrdquo MANFREDI C ldquoThe Day the Dialogue Died A Comment on Sauveacute v Canadardquo MATHEN

C ldquoDialogue Theory Judicial Review and Judicial Supremacy A Comment on lsquoCharter Dialogue

Revisitedrsquordquo PETTER A Taking Dialogue Theory Much Too Seriously (or Perhaps Charter Dialogue Isnrsquot

Such a Good Thing After All) ROACH K Sharpening the Dialogue Debate The Next Decade of

Scholarshiprdquo e HOGG P et al ldquoA Reply on lsquoCharter Dialogue Revisitedrdquo

57

uma especial competecircncia institucional voltada para a resoluccedilatildeo de questotildees que envolvem

princiacutepios juriacutedicos cabendo aos poderes poliacuteticos fazer o controle das decisotildees no caso de

erro de interpretaccedilatildeo (BATEUP 2006 p41)

Ainda que essas teorias reconheccedilam uma competecircncia de certo modo

especial ao Judiciaacuterio a qual pode ateacute mesmo ser considerada como caracteriacutestica inerente

ao proacuteprio judicial review tendo em vista que elas tambeacutem preveem a possibilidade de

reaccedilatildeo do legislativo agrave decisatildeo judicial incluindo a possibilidade de correccedilatildeo dessa decisatildeo

entende-se que natildeo se distanciam das teorias de construccedilatildeo coordenada ao ponto de merecer

classificaccedilatildeo diferente

Destaca como primeiro defensor dessa competecircncia especial do

Judiciaacuterio Alexander Bickel que considerou o Judiciaacuterio como detentor de especial

habilidade para preservar proteger e defender princiacutepios devido ao seu isolamento poliacutetico

e por outro lado o Legislativo como melhor indicado para determinar valores sociais

fundamentais pela sua proximidade com as pessoas (BATEUP 2006 p41-42)

Nesse sentido Bushell e Hogg ao tratar da metaacutefora do diaacutelogo na

experiecircncia canadense tambeacutem satildeo partidaacuterios desse entendimento eis que afirmaram

alguns anos e muitas criacuteticas apoacutes o seu primeiro estudo que o legislativo pode e deve

interpretar a Carta mas que natildeo deve agir de forma contraacuteria a interpretaccedilatildeo proferida pela

Corte 58

Kent Roach tambeacutem eacute outro importante autor canadense que defende a

competecircncia especial do Judiciaacuterio para lidar com questotildees de princiacutepios todavia ressalta a

58 ldquoThe key issue in our view is not whether the legislative and executive branches do and should interpret

the Charter (they do and should) but whether they should act on an interpretation of the Charter that conflicts

with an interpretation provided by the courts backdrop of a prior relevant judicial decision the legislature

and the executive may act on their interpretation of the Charter Why Because in doing so they would not be

doing (or refraining from doing) something that the courts have said would unjustifiably infringe the Charter

It would be strange indeed if the legislative or executive branches could not interpret the Charter and act on

that interpretation where a court has not yet considered what the Charter prohibits (or requires) in the

circumstances1 However where the interpretive task takes place against the backdrop of a prior relevant

judicial decision the legislature and the executive may not act on an interpretation of the Charter which

conflicts with an interpretation provided by the courts Why Because in doing so they would be doing (or

refraining from doing) something that the courts have said would unjustifiably infringe the Charter and under

our system of constitutional democracy that is impermissiblerdquo (BUSHEL HOGG 2007 p 33)

58

importacircncia do Parlamento aludindo que a decisatildeo judicial apenas inicia o debate59

Destaca que a atuaccedilatildeo da Corte natildeo impede que o Parlamento prevaleccedila

se este assim quiser mas reforccedila a responsabilidade das suas escolhas poliacuteticas e o induz a

apresentar justificativas razoaacuteveis e aceitaacuteveis para legitimar suas opccedilotildees que venham a

restringir direitos (ROACH 2001)

Portanto em suma as teorias dos princiacutepios juriacutedicos vivenciadas na

experiecircncia canadense satildeo aquelas que defendem a ideia da participaccedilatildeo de todos os poderes

na interpretaccedilatildeo constitucional sendo esta uma tarefa conjunta todavia privilegiam a

interpretaccedilatildeo judicial poreacutem com a possibilidade de reaccedilatildeo legislativa

Bateup acrescenta ainda uma subdivisatildeo dentro dessas teorias tendo em

vista que para alguns autores o diaacutelogo se consubstancia na realizaccedilatildeo do controle das

decisotildees judiciais pelos poderes poliacuteticos no caso da ocorrecircncia de erro de interpretaccedilatildeo e jaacute

para outros - que minimizam o papel do controle poliacutetico sobre o Tribunal - o diaacutelogo surge

por intermeacutedio da articulaccedilatildeo legislativa que emerge como resposta agraves decisotildees judiciais

Essas subdivisotildees se traduzem na praacutetica justamente nos dois

mecanismos dialoacutegicos expressamente adotados pela Carta canadense os quais seratildeo

explicados a seguir

1012 Princiacutepios e articulaccedilatildeo legislativa da poliacutetica ndash seccedilatildeo 1 da

Carta Canadense

As teorias identificadas por Bateup como Teorias de Princiacutepios e

Articulaccedilatildeo Legislativa da Poliacutetica satildeo as que preceituam que a concretizaccedilatildeo do diaacutelogo

ocorre por meio da articulaccedilatildeo legislativa Reconhecem ao Legislativo competecircncia especial

para a elaboraccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas e para conciliar muacuteltiplos objetivos concorrentes na

sociedade pelo que este deve responder agraves decisotildees judiciais respeitando a interpretaccedilatildeo de

princiacutepios feita pelo Tribunal poreacutem com uma visatildeo mais ampla dos objetivos poliacuteticos

(BATEUP p 50-51)

Como exemplo dessa teoria pode-se indicar a Seccedilatildeo 1 da Carta

59 Para maior clareza e detalhes desse entendimento ver as seguintes obras do referido autor ldquoThe Supreme

Court on Trial Judicial Ativism or Democratic Dialogue 2001rdquo e ldquoConstitutional and Common Law

Dialogues Between Supreme Court and Canadian Legislatures2001rdquo

59

Canadense60 a qual atribui ao Legislativo a possibilidade de relativizaccedilatildeo por meio de lei

de direitos e garantias desde que seja razoaacutevel e ldquojustificada de forma demonstraacutevel em uma

sociedade livre e democraacuteticardquo61

O objetivo central para a criaccedilatildeo desta norma era garantir que o

Legislativo continuasse a ter flexibilidade de escolha quando da aprovaccedilatildeo de poliacuteticas que

eventualmente fossem conflitantes com os novos direitos fundamentais que passaram a ser

resguardados pela Carta (HIEBERT 1990)

Todavia apesar de a claacuteusula ser direcionada ao Legislativo a avaliaccedilatildeo

das questotildees que envolvem a sua aplicabilidade como a verificaccedilatildeo da legalidade e da

legitimidade62 acaba por ser feita pelo Judiciaacuterio a quem compete analisar as

incompatibilidades entre as leis e os direitos e liberdades assegurados pela Carta

Dessa forma a aplicaccedilatildeo da Seccedilatildeo 1 da Carta revelou-se de certa forma

engenhosa pois ao mesmo tempo em que confere maior liberdade ao legislador

caracteriacutestica de um weak judicial review a verificaccedilatildeo da razoabilidade da sua escolha eacute

feito pelo Judiciaacuterio Sendo assim ainda que a claacuteusula seja dirigida ao Legislativo as

implicaccedilotildees da sua aplicaccedilatildeo chamaram muita atenccedilatildeo no acircmbito da atuaccedilatildeo judicial

Nesse sentido Elliot (1987 p 279) aponta que a Seccedilatildeo 1 tornou-se de

fato a principal disposiccedilatildeo da Carta e a maneira como a Corte tem lidado com ela diz muito

a respeito natildeo apenas do impacto que a Carta pode ter sobre os outros poderes mas tambeacutem

sobre a proacutepria Corte e como ela percebe seu papel sob a Carta

Os principais estudos realizados para analisar o comportamento da Corte

quando da avaliaccedilatildeo da aplicaccedilatildeo da Seccedilatildeo 1 pelo Legislativo revelaram que natildeo haacute uma

conduta uniforme podendo a Corte tanto ter uma conduta mais ativista quanto mais

deferente agraves opccedilotildees legislativas

Estudiosos classificam e dividem a atuaccedilatildeo da Corte em trecircs momentos

60 Para entender o histoacuterico evolutivo de criaccedilatildeo da referida claacuteusula ver HIEBERT Janet The Evolution of

Limitation Clause 28 Osgoode Hall L J 103 1990

61 ldquo1The Canadian Charter of Rights and Freedoms guarantees the rights and freedoms set out in it subject

only to such reasonable limits prescribed by law as can be demonstrably justified in a free and democratic

societyrdquo Canadian Constitution Act 1982

62 Sobre a verificaccedilatildeo da legalidade e legitimidade ver HIEBERT J L Limiting Rights The Dilemma of

Judicial Review p 137-146

60

o primeiro relativo aos primeiros anos de vigecircncia da Carta o segundo referente a fase

iniciada com o julgamento do caso R v Oakes e o terceiro relativo aos desenvolvimentos

mais atuais

Nos primeiros anos em que vigorou a Carta canadense percebeu-se que

a conduta da Corte no tocante a aplicaccedilatildeo da Seccedilatildeo 1 foi bastante abrangente buscando

afirmar o seu papel de guardiatilde de direitos e liberdades bem como garantir a maacutexima eficaacutecia

dos mesmos Assim pode-se dizer que nos primeiros anos a Corte adotou uma postura

ativista (ELLIOT 1987) 63

Apesar da postura ativista a Corte logo nos primeiros anos natildeo realizava

de fato a anaacutelise da razoabilidade das medidas legislativas restritivas de direito sob seu

escrutiacutenio tentando natildeo enfrentar questotildees de cunho poliacutetico limitava-se a dizer que a

restriccedilatildeo de direitos poderia significar indiretamente a intenccedilatildeo do legislador de reformar a

Carta o que natildeo podia ser admitido (ELLIOT 1987)

A adoccedilatildeo desse tipo de postura pela Corte pode ser percebida no

julgamento do caso Ag Quebec v Quebec Association of Protestant Schools Boards64

ocorrido no ano de 1984 dois anos apenas apoacutes a aprovaccedilatildeo da Carta quando foi discutida

e declarada a incompatibilidade do da Seccedilatildeo 73 da Carta de Quebec da Liacutengua Francesa

(Quebec Charter of the French Language ou Bill 101) com a seccedilatildeo 23 da Carta Canadense

de Direitos e Liberdades 65

Em suma o que dispunha o Bill 101 era uma restriccedilatildeo ao direito de acesso

das crianccedilas a escolas puacuteblicas de Liacutengua Inglesa com exceccedilatildeo das crianccedilas cujo pai ou matildee

tivesse estudado em escolas tambeacutem de Liacutengua Inglesa dos filhos de imigrantes que jaacute

vivessem na proviacutencia anteriormente agrave aprovaccedilatildeo da lei e que tivessem sido educados em

Inglecircs ou cuja educaccedilatildeo tenha sido em uma liacutengua pouco falada naquele local ou aquelas

63 No mesmo sentido ldquoIn its initial judgments under the Canadian Charter of Rights and Freedoms the

Supreme Court of Canada respected the postwar structure of rights protection embedded in its first provision

and began to work out the requisite rules of interpretation legal presumptions and conceptions of institutional

roles Central to thislegal analysis was the Courtrsquos understanding that its responsibility was to secure the

rights guarantees as supreme law and to ensure that the limitation function enjoyed normative continuitywith

the rightsrdquo (WEINRIB 2002 p 122)

64 AG (Que) v Quebec Protestant School Boards [1984] 2 SCR Iacutentegra da decisatildeo disponiacutevel em lt

httpsscc-csclexumcomscc-cscscc-cscenitem26indexdogt

65 Nesse mesmo sentido ver tambeacutem a outros casos como Hunter v Southam Inc Re Singh and Ministered of

Employment and Imigration R v Big M Drug Mart Ltd

61

crianccedilas que tivessem irmatildeo jaacute matriculado na mesma escola

Entendeu a Corte portanto que essa norma visava modificar a

disposiccedilatildeo contida na Carta Canadense a qual dispunha expressamente sobre a garantia da

educaccedilatildeo puacuteblica em inglecircs ou francecircs aos filhos de cidadatildeos cuja primeira liacutengua que

tenham recebido na educaccedilatildeo primaacuteria seja uma liacutengua minoritaacuteria naquele local natildeo se

prestando a analisar a razoabilidade da limitaccedilatildeo de direitos alegada pela Proviacutencia de

Quebec66

Dessa forma o que se percebe eacute que a Corte sequer chegou a analisar a

razoabilidade da medida e as provaacuteveis justificativas do legislador limitando-se a declarar a

incompatibilidade da lei sem tentar sequer interpretaacute-la de acordo com a Carta

A segunda fase de acordo com divisatildeo feita por Elliot foi inaugurada

com o famoso julgamento do caso R v Oakes67 em 1986 quando foi introduzida pela

primeira vez uma regra para a verificaccedilatildeo da razoabilidade da restriccedilatildeo imposta pela medida

legislativa a luz da Seccedilatildeo 1 da Carta Canadense

A Corte passou entatildeo a utilizar o que ficou conhecido como ldquoteste de

Oakesrdquo para verificar se a medida legislativa constitui uma restriccedilatildeo a direitos razoaacutevel e

comprovadamente justificaacutevel em uma sociedade livre e democraacutetica o qual consiste

basicamente no estabelecimento de um padratildeo de prova apoiado em severos criteacuterios de

verificaccedilatildeo da legitimidade racionalidade necessidade e proporcionalidade da restriccedilatildeo

(TREMBLAY WEBBER 2008 p 2)68

66 ldquoThe limits imposed by s 73 are not legitimate limits within the meaning of s 1 of the Charter to the extent

that the latter section applies to rights conferred by s 23 In view of the period when the Charter was enacted

and especially in light of the wording of s 23 which repeats the unique set of criteria contained in s 73 of Bill

101 it is apparent that Chapter VIII seemed to the framers as an archetype of the regimes needing reform

Accordingly the limits which Bill 101 imposes on rights relating to the language of instruction cannot possibly

have been regarded by the framers of the Constitution as coming within ldquosuch reasonable limits prescribed by

law as can be demonstrably justified in a free and democratic societyrdquo Even if enacted after the Charter the

s 73 limits could not be legitimized by s 1 of the Charter Section 73 redefines for Quebec the classes of

persons who are entitled to instruction in the minority language and has the effect of creating an exception to

s 23 and of amending the Charter Whatever their scope the limits which s 1 allows cannot be equated with

exceptions to the rights and freedoms guaranteed by the Charter and may not be treated as amendments to the

Charterrdquo (AG (Que) v Quebec Protestant School Boards 1984 p 67-68)

67 O caso teve por objeto a anaacutelise de incompatibilidade entre a seccedilatildeo 8 do Narcotic Control Act que atribuia

o ocircnus ao cidadatildeo preso por porte de droga de prova que a mesma natildeo se destinava ao traacutefico e a seccedilatildeo 11(d)

da Carta que dispotildee sobre o princiacutepio da presunccedilatildeo de inocecircncia R v Oakes [1986] 1 SCR 103 inteiro teor

da decisatildeo disponiacutevel emhttpsscc-csclexumcomscc-cscscc-cscenitem117indexdo

68 Para uma comparaccedilatildeo entre o teste de Oakes e a aplicaccedilatildeo do princiacutepio da proporcionalidade ver GRIMM

Dieter Porportionality in Canada and German Constitutional Jurisprudence University of Toronto Journal

62

Inicialmente a introduccedilatildeo do ldquoteste de Oakesrdquo parecia ter resolvido as

questotildees e duacutevidas relativas a aplicaccedilatildeo da Seccedilatildeo 1 da Carta Todavia a praacutetica mostrou

rapidamente que o teste natildeo resolvera todas as questotildees os julgamentos que se seguiram

demonstraram ainda existir um forte desacordo entre os membros da Corte sobre a aplicaccedilatildeo

da claacuteusula bem como dificuldades inerentes ao proacuteprio teste (ELLIOT 1986)

A aplicaccedilatildeo do teste por acabar induzindo uma postura mais ativista da

Corte e limitando a margem de atuaccedilatildeo do legislador foi muito discutida doutrinariamente

e tambeacutem no acircmbito da proacutepria Corte (TREMBLAY WEBBER 2008)69 Alguns membros

passaram a ver os desdobramentos da aplicaccedilatildeo do teste como uma expansatildeo injustificada

do Poder judicial em detrimento dos outros poderes pelo que comeccedilaram entatildeo a defender

a necessidade de uma atuaccedilatildeo mais contida (WEINRIB 2002 p 123)

Diante disso as anaacutelises mais recentes dos estudiosos a respeito da

aplicaccedilatildeo da seccedilatildeo 1 da Carta canadense passaram a demonstrar a adoccedilatildeo de uma conduta

mais deferente da Corte para com as medidas legislativas Neste sentido Dixon (2009) ao

analisar inuacutemeros julgados sugere a existecircncia de uma maior contenccedilatildeo da Corte ao lanccedilar

o que chama de ldquosegundo olharrdquo (second look cases) sobre o caso ou no segundo ldquoroundrdquo

do diaacutelogo

O que se percebe eacute que na praacutetica a aplicaccedilatildeo da Seccedilatildeo acaba sendo mais

problemaacutetica do que a teoria imaginava quando da sua criaccedilatildeo Haacute uma dificuldade latente

em estabelecer os limites de interferecircncia do Judiciaacuterio na liberdade de atuaccedilatildeo do

legislativo jaacute que o mesmo acaba tendo que realizar uma anaacutelise do meacuterito das escolhas

poliacuteticas do Legislativo que justifiquem a restriccedilatildeo ou limitaccedilatildeo de direitos e liberdades

Por outro lado se a Corte adota uma postura mais passiva optando por

natildeo interferir na atuaccedilatildeo legislativa e acatar suas escolhas ou ateacute mesmo deixar de adentrar

na anaacutelise do seu meacuterito aiacute tambeacutem haacute riscos Para Weinrib (2002) a postura deferente da

Corte eacute contraacuteria aos objetivos da Carta ignorando a reconstruccedilatildeo dos papeis institucionais

proposta por ela bem como a hierarquia especial dada aos direitos e liberdades nela

Vol 57 N 2 Spring 2007 pp 383-397 e TAVARES DA SILVA Suzana O tretalema do Controlo Judicial

da Porporcionalidade in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra Vol LXXXVIII Tomo

II 2012 pp 639-677 69 Para uma melhor compreensatildeo acerca da aplicaccedilatildeo do teste de Oakes ver CHOUDHRY Sujit So What is

the Real Legacy of Oakes Two Decades of Proportionally Analysis under the Canadian Charterrsquos Section 1

Supreme Court Law Review Vol 34 N 2d pp 501-525 2006

63

previstos assim defender a contenccedilatildeo da Corte seria ceder a primazia dos direitos e

liberdades agrave Poliacutetica enquanto que os legisladores devem estar preparados para arcar com

as responsabilidades das suas escolhas70

No tocante a utilizaccedilatildeo da Seccedilatildeo 1 da Carta pelo Legislativo Tushnet

(2009) destaca que a mesma tambeacutem se revela na praacutetica de certa forma problemaacutetica O

que a experiecircncia canadense mostrou foi que muitas vezes o legislativo utiliza-se da

prerrogativa concedida pela Carta para reeditar a mesma medida legislativa restritiva de

direitos jaacute apreciada e reprovada pelo Judiciaacuterio sem alteraccedilotildees substantivas apenas por

exemplo incluindo no preacircmbulo da lei justificativas usadas por juiacutezes em votos dissidentes

que aprovaram a medida estrateacutegia que ficou conhecida como ldquoin you face responserdquo

Exemplo claacutessico dessa praacutetica do legislador foi o que ocorreu no caso R

v OrsquoConnor71 onde foi discutida pela Suprema Corte Canadense a possibilidade do acusado

em processo penal de obter acesso agraves informaccedilotildees meacutedicas das viacutetimas

O entendimento que prevaleceu na Corte em uma votaccedilatildeo natildeo unacircnime

foi o de que o reacuteu teria direito ao acesso de registros possivelmente relevantes para a

resoluccedilatildeo do caso e mediante anaacutelise do juiz que deveria fazer um balanccedilo entre o direito

de defesa do acusado e o direito a privacidade das viacutetimas Os votos dissidentes defendiam

a exigecircncia de que para que o acusado tivesse acesso agraves informaccedilotildees meacutedicas das viacutetimas

comprovasse antecipadamente de forma substancial e robusta a imprescindibilidade das

70 ldquoI develop a critique of the deferential approach to judicial review under the Charter First it disregards

the prolonged well-informed and remarkably participatory debate that led to the Charterrsquos adoption

Particularly it disregards its fully and publicly articulated remedial purpose to withdraw certain interests

denominated as constitutional rights and freedoms from the give and take of the ordinary political process

Second it fails to take seriously the written product of that debate The deferential approach in effect creates

a hierarchy of rights lacking any discernible basis in the text and ignores the differentiation between rights

that the text does make It also disregards the carefully chosen terms of the limitation formulation drafted in

publicly televised parliamentary proceedings That text was expressly designed to include the technical legal

language of the postwar instruments in order to deliver the effective regime of rights-protection desired by

Canadians generally and in particular sought by those to whom the previous lack of rights-protection

mattered most Disregard of remedial purposes and text leads to the third failing insensitivity to the Charterrsquos

reconstruction of institutional roles The advocates of deference cede the primacy of guaranteed rights and

freedoms to ordinary politics on the ground that the representative accountable legislatures must take

responsibility for the political choices required In effect the polity reverts to the legislative policy-making role

that the Charter was designed to redesignrdquo (WEINRIB 2002 p 123)

71 R v OrsquoConnor [1995] 4 SCR 411 Iacutentegra da decisatildeo disponiacutevel em httpscc-csclexumcomscc-

cscscc-

cscenitem1323indexdor=AAAAAQAjUiB2LiBP4oCZQ29ubm9yIFsxOTk1XSA0IFMuQy5SLiA0MTE

B

64

informaccedilotildees

O Parlamento canadense respondeu ao julgamento da Corte com a ediccedilatildeo

de uma nova lei que visando resguardar o direito agrave privacidade das viacutetimas

consequentemente restringindo o direito de defesa do reacuteu estabelecia um procedimento mais

riacutegido para que o mesmo tivesse acesso agraves informaccedilotildees para fundamentar a restriccedilatildeo seguiu

os argumentos dos votos dissidentes

Essa lei foi objeto de anaacutelise pela Suprema Corte no caso R v Mills72 no

qual a Corte em total deferecircncia ao entendimento do Legislativo considerou que a limitaccedilatildeo

ao direito de defesa do acusado era legiacutetima modificando seu entendimento anterior mesmo

sem nenhum fato novo para tanto73

Para Kent Roach (2001) a resposta legislativa representou o seu

desacordo com a decisatildeo judicial utilizando-se da loacutegica dos votos dissidentes para impor o

seu entendimento sobre a Corte exemplificando assim o uso da ldquoin your face responserdquo

amparado pela prerrogativa da Seccedilatildeo 1 da Carta

Para alguns essa praacutetica eacute vista como uma forma de diaacutelogo74 todavia

natildeo eacute isenta de criacuteticas como se verificaraacute adiante pois pode acabar significando na praacutetica

mais um retorno ao sistema de supremacia parlamentar do que propriamente um sistema

dialoacutegico

1013 Princiacutepios e controle poliacutetico sobre a corte - aplicaccedilatildeo praacutetica

da seccedilatildeo 33

A previsatildeo contida na Seccedilatildeo 33 da Carta Canadense exemplifica a

segunda subcategoria das teorias de princiacutepios juriacutedicos segundo a qual o diaacutelogo se

consubstancia na realizaccedilatildeo do controle das decisotildees judiciais pelos poderes poliacuteticos no

caso da ocorrecircncia de erro de interpretaccedilatildeo

72 R v Mills 1999] 3 SCR 668 Iacutentegra da decisatildeo disponiacutevel em httpsscc-csclexumcomscc-cscscc-

cscenitem1751indexdo

73 Para uma criacutetica mais aprofundada do caso ver CAMERON Jamie Dialogue and Hierarchy in Charter

Interpretation A comment on R v Mills Alberta Law Review Vol 38 N 4 2001

74 Ver DIXON Rosalind The Supreme Court of Canada Charter Dialogue and Deference U of Chicago

Public Law Working Paper N 284

65

A seccedilatildeo 33 ficou conhecida como notwithstanding clause ou overriding

por permitir ao Parlamento a reediccedilatildeo de um texto legal limitador de direitos consagrados

na Carta nas seccedilotildees 2 e de 7 a 15 mesmo quando jaacute tenha sido objeto de reprovaccedilatildeo pelo

Judiciaacuterio pelo prazo maacuteximo de cinco anos75

A referida claacuteusula do overriding apesar de inovadora e do seu aparente

potencial promissor na reconfiguraccedilatildeo dos papeis institucionais na verdade encontrou pouca

aplicaccedilatildeo concreta sendo poucas vezes invocada pelo legislativo Roach (2001) por

exemplo defende ser preferiacutevel a utilizaccedilatildeo da Seccedilatildeo 1 para reeditar uma norma jaacute reprovada

pelo Judiciaacuterio do que fazer uso da Seccedilatildeo 33 que pode representar uma resposta agressiva

como se o Legislativo estivesse gritando para ganhar um debate

Ao mesmo tempo em que a Seccedilatildeo 33 torna a decisatildeo judicial

ldquoprovisoacuteriardquo podendo ser ultrapassada pelo Legislativo possibilitando assim um suposto

diaacutelogo eacute difiacutecil imaginar na praacutetica essa concretizaccedilatildeo O custo poliacutetico a ser suportado

pelo legislador nessa situaccedilatildeo eacute muito alto e nem sempre o mesmo pode estar disposto a

suportaacute-lo 76

Combater a decisatildeo judicial por meio da imposiccedilatildeo da lei conforme

possibilita a Seccedilatildeo 33 parece natildeo ter sido o caminho escolhido pelo legislador canadense jaacute

que a praacutetica revela o pouco usa da referida claacuteusula em detrimento da Seccedilatildeo 1

Apesar de natildeo ter sido muito utilizada pelo Legislativo em razatildeo do seu

alto custo poliacutetico a Corte em alguns casos utliza-se da possibilidade do legislador derrubar

75 33 (1) Parliament or the legislature of a province may expressly declare in an Act of Parliament or of the

legislature as the case may be that the Act or a provision thereof shall operate notwithstanding a provision

included in section 2 or sections 7 to 15 of this Charter Marginal noteOperation of exception (2) An Act or

a provision of an Act in respect of which a declaration made under this section is in effect shall have such

operation as it would have but for the provision of this Charter referred to in the declaration Marginal

noteFive year limitation (3) A declaration made under subsection (1) shall cease to have effect five years

after it comes into force or on such earlier date as may be specified in the declarationMarginal noteRe-

enactment (4) Parliament or the legislature of a province may re-enact a declaration made under

subsection (1)Marginal noteFive year limitation(5) Subsection (3) applies in respect of a re-enactment

made under subsection (4) Canadian Constitutional Act 1982

76 Eacute justamente o alto custo poliacutetico da utilizaccedilatildeo da Seccedilatildeo 33 que faz com que o legislativo opte por responder

de outra forma agrave decisatildeo judicial no caso de discordacircncia fazendo uso assim da Seccedilatildeo 1 na forma da ldquoin your

face responserdquo conforme falamos no toacutepico anterior Para uma criacutetica mais detalhada do assunto ver

TUSHNET Mark Weak Courts Strong Rights judicial review and social welfare rights in comparative

constitutional law Princeton University 2009 p 45-47

66

a decisatildeo judicial contida na Seccedilatildeo 33 para justificar suas decisotildees sejam elas mais ativistas

ou mais contidas como se percebe no julgamento Vriend v Alberta77

O caso em suma tratava de um professor universitaacuterio Delwin Vriend

que fora demitido apoacutes ter revelado sua opccedilatildeo sexual assumindo ser homossexual

Inconformado Vriend alegando a incompatibilidade da Individual Rights Protection Act

(IRPA) da proviacutencia de Alberta local onde ocorreu a demissatildeo com a Carta canadense

recorreu ao Judiciaacuterio para anular o ato A referida lei trazia em seu texto de forma expressa

os motivos pelos quais era vedada a discriminaccedilatildeo de qualquer cidadatildeo como raccedila cor

sexo cor da pele estado civil crenccedila religiosa dentre outros mas natildeo fazia menccedilatildeo agrave

orientaccedilatildeo sexual motivo pelo qual Vriend alegou a sua incompatibilidade

O caso foi inicialmente apreciado pelo Conselho de Direitos Humanos

de Alberta (Alberta Human Rights Board) que entendeu que a demissatildeo natildeo era nula eis

que a orientaccedilatildeo sexual natildeo era prevista legalmente como motivo de vedaccedilatildeo agrave

discriminaccedilatildeo A Court of Queenacutes Bench (Tribunal Superior equivalente a segunda

instacircncia recursal) de Alberta ao apreciar o recurso do professor considerou nula a

demissatildeo afirmando que embora a orientaccedilatildeo sexual natildeo estivesse expressamente prevista

na IRPA deveria ser considerada como se ali estivesse inserida em funccedilatildeo do princiacutepio da

igualdade assegurado pela Carta

A decisatildeo foi revista e modificada pela Alberta Court of Appeal por

entender que a IRPA lei em anaacutelise no caso era uma norma neutra natildeo se dirigia de maneira

especifica nem a heterossexuais nem a homossexuais e por isso natildeo haveria qualquer

incompatibilidade com a Carta

O caso foi levado a julgamento pela Suprema Corte canadense que

afirmou a incompatibilidade da IRPA com a Carta e ao mesmo tempo que declarou a

incompatibilidade da lei em razatildeo da mesma ser omissa por natildeo incluir a previsatildeo da

proibiccedilatildeo de discriminaccedilatildeo por motivo de orientaccedilatildeo sexual justificou expressamente sua

conduta na metaacutefora do diaacutelogo

A Corte em sua decisatildeo mais especificamente dos paraacutegrafos 134 a 138

invocou a possibilidade de superaccedilatildeo da decisatildeo judicial pelo Legislativo por meio do uso

77 Vriend v Alberta [1998] 1 SCR 493 Iacutentegra da decisatildeo disponiacutevel em httpscc-csclexumcomscc-

cscscc-cscenitem1607indexdo

67

da notwishstanding clause prevista na Seccedilatildeo 33 da Carta afirmando ser um mecanismo

propiciador do diaacutelogo justificando assim a legitimidade democraacutetica da sua decisatildeo e do

exerciacutecio do judicial review

Sendo assim ainda que natildeo tenha sido muito utilizada para o objetivo

inicial a que se propocircs natildeo se pode ignorar o papel da Seccedilatildeo 33 na Carta canadense

principalmente pelo que a sua falta de utilizaccedilatildeo revela78

1014 Criacuteticas as teorias estruturais dos princiacutepios juriacutedicos

Apesar do aparente potencial dialoacutegico das teorias dos princiacutepios

juriacutedicos por possibilitarem por meio de mecanismos especiacuteficos que o Legislativo responda

ou reaja a decisatildeo judicial as mesmas natildeo satildeo isentas de criacuteticas

Assim como as teorias dialoacutegicas fundadas no meacutetodo judicial abordadas

anteriormente as teorias dos princiacutepios juriacutedicos com mecanismo de articulaccedilatildeo legislativa

da poliacutetica traduzidas na praacutetica na Seccedilatildeo 1 da Carta Canadense privilegiam a interpretaccedilatildeo

do Judiciaacuterio em detrimento do posicionamento legislativo o que natildeo resolve o problema da

legitimidade democraacutetica inerente a judicial review (BATEUP 2006)

Como dito as teorias estruturais dos princiacutepios juriacutedicos estabelecem

uma metodologia dialoacutegica que reconhece um papel privilegiado concedido ao Judiciaacuterio

para lidar com questotildees de princiacutepios fundada no seu suposto isolamento poliacutetico que lhe

atribui vantagem como deliberador moral Todavia a praacutetica demonstra que esse pressuposto

isolamento poliacutetico natildeo necessariamente refletiraacute nas decisotildees da Corte

Embora o sistema canadense seja apontado como o marco inicial das

teorias dialoacutegicas o que a experiecircncia revela com a praacutetica da metodologia de diaacutelogo nele

prevista eacute que apesar da possibilidade de resposta legislativa e de uma ainda que apenas

78 Para Hiebert o fato da quase inexistente utilizaccedilatildeo da Seccedilatildeo 33 pelo legislativo revela a relutacircncia do

parlamento canadense em tomar decisotildees que possam por em risco a sua imagem de oacutergatildeo comprometido com

a proteccedilatildeo dos direitos e liberdades assegurados pela Carta por acreditarem que a derrubada de uma decisatildeo

judicial pode acarretar o repuacutedio da populaccedilatildeo Destaca que essa situaccedilatildeo ficou evidente nas eleiccedilotildees federais

de 2014 quando o Governo liberal marcou pontos poliacuteticos preciosos ao criticar veementemente Stephen

Harper liacuteder do partido conservador o qual natildeo descartava o uso da claacuteusula natildeo obstante pois a maioria dos

canadenses interpretam o uso da mesmo como uma violaccedilatildeo aos direitos protegidos na Carta o que expressa

um ceticismo acerca da legitimidade dos desacordos poliacuteticos com as interpretaccedilotildees judiciais apesar de tais

divergecircncias serem constitucionalmente permitidas (HIEBERT 2006 p 20)

68

formal maior liberdade de atuaccedilatildeo parlamentar expressamente conferida pela Seccedilatildeo 1 da

Carta ao fim e ao cabo quem iraacute decidir de fato eacute a Corte jaacute que a ela incumbe a anaacutelise da

proporcionalidade da medida legislativa

A utilizaccedilatildeo pelo Legislativo dos mecanismos normativamente previstos

no sistema canadense como propiciadores de um diaacutelogo com a Corte acarretam um alto

custo poliacutetico Em um primeiro plano pode-se observar que o uso dos mesmos de forma

regular pode acarretar prejuiacutezo ao significado e ateacute mesmo reduzir a importacircncia do

instituto da revisatildeo judicial enviando um claro sinal de que as opiniotildees judiciais muitas

vezes natildeo satildeo dignas de respeito jaacute que podem facilmente ser suplantadas pela iniciativa

parlamentar

Somado a isso tem-se em segundo plano o alto niacutevel de apoio popular

que o sistema judicial recebe que faz com que mesmo que a utilizaccedilatildeo dos meacnismos natildeo

ataque diretamente o Judiciaacuterio como instituiccedilatildeo em si haja uma provaacutevel exigecircncia puacuteblica

do cumprimento das decisotildees judicias em desfavor de mecanismos de overriding pelo

menos em relaccedilatildeo aqueles casos de maior relevacircncia

Esses dois aspectos elevam demasiadamente os custos poliacuteticos da

atuaccedilatildeo legislativa influenciando para que mecanismos como o previsto na Seccedilatildeo 33 que

resultam em uma substituiccedilatildeo de decisatildeo judicial sejam pouco ou quase nada utilizados na

praacutetica (BATEUP 2009 p 566)

Ainda supondo uma hipoteacutetica utilizaccedilatildeo da previsatildeo contida na Seccedilatildeo

33 fundada em um controle das decisotildees judicias pelo Legislativo quando considerar que

houve erro no julgamento feito pelo Judiciaacuterio poderia se assemelhar muito mais a um

modelo de supremacia parlamentar do que um mecanismo propiciador de um diaacutelogo

substancial entre ambos os poderes79

Tushnet (2009) alerta dessa maneira para o fato de que sob o ponto de

vista praacutetico o sistema canadense em muito pouco se difere do modelo tradicional

americano onde haacute uma prevalecircncia das decisotildees judiciais

Alguns criacuteticos tambeacutem apontam para o fato de que a existecircncia formal

da ldquoclaacuteusula natildeo obstanterdquo no sistema pode levar a uma atuaccedilatildeo irresponsaacutevel do Judiciaacuterio

69

que ciente da possibilidade de correccedilatildeo e superaccedilatildeo da sua decisatildeo pelo Poder Legislativo

natildeo se esforccedilaraacute na busca por emanar as melhores decisotildees80

Outro ponto importante de criacutetica o qualeacute fortemente destacado por

Bateup (2006 p49) eacute o fato de essas teorias possuiacuterem uma contradiccedilatildeo intriacutenseca muito

forte ao mesmo tempo que defendem uma competecircncia privilegiada do Judiciaacuterio para lidar

com questotildees de princiacutepios propotildeem que a supervisatildeo poliacutetica eacute necessaacuteria para se proteger

contra a possibilidade de erro judicial

Eacute questionaacutevel a maneira como o legislador chegaraacute a conclusatildeo que o

Judiciaacuterio incorreu em erro jaacute que natildeo haacute nenhuma teoria interpretativa que explicite de

forma objetiva como isso deve ser verificado na praacutetica deixando uma margem de

apreciaccedilatildeo muito ampla e subjetiva parecendo muito mais uma forma de simples superaccedilatildeo

da decisatildeo judicial do que uma efetiva correccedilatildeo

Sendo assim natildeo se vislumbra na praacutetica canadense a efetivaccedilatildeo de um

verdadeiro diaacutelogo sob o ponto de vista material podendo-se aferir apenas a possibilidade

de uma conversaccedilatildeo entre os poderes onde o Judiciaacuterio ldquofalardquo e o Legislativo ldquoescutardquo ou vice-

versa sugerindo mais uma ideia de monoacutelogo do que propriamente de diaacutelogo jaacute que na

realidade natildeo haacute um efetivo debate nem a construccedilatildeo conjunta de uma decisatildeo

Poreacutem apesar das criacuteticas se reconhece a importacircncia da praacutetica

deflagrada pelo sistema canadense que mesmo que apenas formalmente possibilita uma

interaccedilatildeo legislativa no processo de controle de constitucionalidade mediante a utilizaccedilatildeo de

mecanismos criados propriamente para esse fim especiacutefico o que ateacute entatildeo natildeo existia na

jurisdiccedilatildeo constitucional

80 Nesse sentido ver PETTER Andrew Taking Dialogue theory much too seriously (or perhaps charter

dialogue isnrsquot such a good thing after all) Osgoode Law Journal v 45 n1 p147-167 2007 A criacutetica

desenvolvida por Andrew Petter faz parte das que se seguiram apoacutes o estudo desenvolvido por Petter Hogg e

Alisson Bushell Para o Autor a tese dos mesmos eacute desprovida de conteuacutedo normativo e subestima a influecircncia

que as decisotildees judiciais exercem no processo de tomada de decisotildees poliacuteticas e em todos os outros aspectos

da vida poliacuteticas O Autor critica veementemente a metodologia adotada pelos dois autores no tocante a anaacutelise

jurisprudencial que os levou a concluir pela existecircncia do diaacutelogo no sistema canadense dentre outros

importantes aspectos por isso sugerimos a leitura

70

11 As teorias dialoacutegicas da parceira

Agrupam-se nessa categoria de teorias estruturais do diaacutelogo aquelas

que apostam nos mecanismos institucionais como a melhor forma de promoccedilatildeo do diaacutelogo

reconhecem o papel igualmente importante tanto dos atores judiciais como dos natildeo judiciais

no processo de tomada de uma decisatildeo constitucional

De acordo com essas teorias tanto o Judiciaacuterio quanto o Legislativo

devem ter seu papel reforccedilado dentro do processo de interpretaccedilatildeo constitucional sendo

reconhecidas as capacidades e competecircncias especiacuteficas de cada um de modo que repartam

a responsabilidade das decisotildees

Ao contraacuterio das teorias dos princiacutepios juriacutedicos para essas teorias natildeo

haacute um polo privilegiado reconhecem as diferentes competecircncias de cada braccedilo do poder

poreacutem defendem uma atuaccedilatildeo colaborativa entre eles na interpretaccedilatildeo constitucional sem

qualquer hierarquia

Bateup (2006 p 71) destaca as ideias de Janet Hiebert como exponente

dessas teorias eis que a referida Autora ao analisar a experiecircncia Canadense na aplicaccedilatildeo da

Carta de 1982 critica a passividade do Legislativo em face da intervenccedilatildeo judicial em

assuntos de poliacutetica puacuteblica argumentando que a interpretaccedilatildeo constitucional deve ser uma

responsabilidade compartilhada entre os Tribunais e o Parlamento

Hibert (2002) defende uma ldquoabordagem relacionalrdquo mediante a

combinaccedilatildeo entre a perspectiva judicial e legislativa para as interpretaccedilotildees da Carta Alega

que o fato de estarem separados Legislativo e Judiciaacuterio poreacutem interligados dentro da ordem

constitucional faz com quem ambos estejam aptos a se engajar em um diaacutelogo no qual cada

um deve ter certo grau de modeacutestia sobre suas proacuteprias conclusotildees e ouvir o outro a fim de

um aprendizado reciacuteproco e conforme necessaacuterio modificar seu ponto de vista

Nesse sentido criacutetica a teoria dialoacutegica de Bushell e Hogg sobretudo por

atribuiacuterem agrave Corte um papel corretivo incompatiacutevel com a ideia do compartilhamento de

responsabilidade inerente ao diaacutelogo Para a Autora natildeo deve ser atribuiacutedo agrave Corte o papel

de conduzir o diaacutelogo mas sim reconhecidas as capacidades diferentes de cada instituiccedilatildeo

do Poder as quais enxergam os problemas por prismas diferentes

71

Demonstra por meio desse entendimento que o Judiciaacuterio natildeo seria a

instacircncia mais bem posicionada para avaliar a escolha dos meios feita pelo legislador para

alcanccedilar seus objetivos mas sim para fiscalizar a qualidade da deliberaccedilatildeo e o empenho

despendido para fazer o balanceamento entre direitos e seus limites

Essa fiscalizaccedilatildeo acabaria por aumentar a responsabilidade do

Legislativo jaacute que precisaraacute convencer o Judiciaacuterio da necessidade da limitaccedilatildeo imposta e

do seu cuidado e compromisso com a proteccedilatildeo dos direitos81

111 Criacuteticas agrave teoria da parceria

No tocante a legitimidade democraacutetica da revisatildeo judicial das leis pode-

se dizer que essas teorias comparadas as demais ateacute aqui expostas demonstram maior

aptidatildeo para solucionar o problema pois oferecem uma resposta satisfatoacuteria a objeccedilatildeo

contramajoritaacuteria ao natildeo reconhecerem nenhuma posiccedilatildeo superior ao Judiciaacuterio em relaccedilatildeo

aos demais poderes mas sim reforccedilando a ideia de separaccedilatildeo de poderes e funccedilotildees

especiacuteficas sendo estas igualmente importantes no processo de interpretaccedilatildeo constitucional

Do ponto de vista teoacuterico a ideia parece ideal sobretudo por reforccedilar o

princiacutepio da separaccedilatildeo de poderes aumentando a responsabilidade institucional e

respeitando as competecircncias teacutecnicas e especiacuteficas de cada braccedilo do Poder como se idealiza

Todavia a sua dificuldade praacutetica eacute tatildeo evidente que natildeo conseguimos sequer vislumbrar

um exemplo concreto da efetivaccedilatildeo dessa teoria

Apesar disso deve ser considerada e reconhecida a sua importacircncia por

servir como um objetivo a ser alcanccedilado como um ponto de referecircncia que se deve buscar

implementar na praacutetica apesar das latentes dificuldades

Para Bateup essas teorias seriam praticamente perfeitas se comparadas

com as outras para alcanccedilar os objetivos a que as teorias dialoacutegicas se propotildeem poreacutem

pecam por natildeo considerar a necessidade da participaccedilatildeo social no diaacutelogo Diante disso a

Autora propotildee uma outra metodologia que a seu ver seria a ideal a qual passamos a expor

81 ldquoThe extent to wich Parliament will be able to convince the judiciary about the merits of how it believes

Charter conflicts should be resolved may be a direct reflection of the extent of its commitment to careful and

principled judgment To a considerable degree Parliament is likely get the kinds of judicial rulings ir

deservesrdquo (HIEBERT 2002 p 227)

72

12 Fusatildeo dialoacutegica

A metodologia de diaacutelogo ideal proposta por Bateup consiste na fusatildeo

entre os elementos das teorias da parceria e do equiliacutebrio que resultaria na forma mais

promissora do diaacutelogo constitucional por permitir uma compreensatildeo mais abrangente dos

diferentes aspectos institucionais e sociais possibilitando a participaccedilatildeo de diferentes atores

no processo de interpretaccedilatildeo constitucional (BATEUP 2006 p 77)

Na concepccedilatildeo da Autora a fusatildeo dialoacutegica seria o modelo ideal de

diaacutelogo pois por meio dos elementos proacuteprios da teoria da parceria se resolveriam as

controveacutersias acerca da legitimidade democraacutetica do judicial review reforccedilando a

competecircncia e atuaccedilatildeo das instituiccedilotildees aumentando a responsabilidade das mesmas pelas

suas decisotildees e atividades e por outro lado por meio dos elementos das teorias do

equiliacutebrio se promoveria a inclusatildeo da sociedade no debate reconhecendo o papel do

Judiciaacuterio como mediador da discussatildeo sem no entanto atribuir-lhe o poder da palavra final

Como aprimoramento das outras teorias a fusatildeo dialoacutegica propotildee a

noccedilatildeo do papel do Judiciaacuterio como um facilitador do debate na sociedade sobre os principais

temas do constitucionalismo para que mediante dele se alcance um resultado mais

duradouro e aceitaacutevel no seio social

Sendo assim em siacutentese o que Bateup propotildee eacute que a criacutetica inicialmente

feita agrave teoria do equiliacutebrio relativa a existecircncia de problemas constitucionais menos

relevantes em que natildeo seria necessaacuterio - nem recomendaacutevel - a abertura de um debate no

seio social seria superada pela metodologia da teoria da parceria surgindo assim um modelo

mais ldquocorretordquo de diaacutelogo

Sob essa perspetiva a revisatildeo judicial das leis teria como consequecircncia

dois aspectos distintos dentro da sociedade moderna Em primeiro lugar seria um

mecanismo auxiliador na produccedilatildeo de respostas mais duraacuteveis e amplamente aceitaacuteveis em

relaccedilatildeo a questotildees constitucionais que envolvam diaacutelogo com a sociedade como um todo e

em segundo tambeacutem auxiliaria na promoccedilatildeo de uma melhor resoluccedilatildeo institucional de

questotildees constitucionais no acircmbito de casos individuais (BATEUP 2006 p 78)

73

121 Criacuteticas agrave teoria da fusatildeo dialoacutegica

Aqui repetem-se as criacuteticas feitas no toacutepico acima acerca da teoria da

parceria acrescentando-se a essas as atinentes agrave inclusatildeo da participaccedilatildeo da sociedade como

participantes do diaacutelogo

A ideia de Bateup parece sob o ponto de vista da legitimidade

democraacutetica do controle de constitucionalidade ideal para superar todas as desconfianccedilas

pois combina os melhores elementos da teoria da parceria e ainda inclui a participaccedilatildeo

social que nesse vieacutes eacute de fundamental importacircncia

De todas as teorias ateacute aqui expostas parece ser a uacutenica a prever a

concretizaccedilatildeo de um diaacutelogo material facilitando a ocorrecircncia de um verdadeiro debate entre

os participantes do processo de interpretaccedilatildeo constitucional a fim de encontrar um consenso

Todavia as dificuldades residentes na implementaccedilatildeo dessa concepccedilatildeo

teoacuterica na praacutetica satildeo inuacutemeras primeiramente pela limitaccedilatildeo dos provaacuteveis meios para

inclusatildeo da sociedade no debate e depois pelos riscos que essa inclusatildeo pode oferecer

Incluir a sociedade civil em um debate atinente a realizaccedilatildeo de poliacuteticas

puacuteblicas para a efetivaccedilatildeo de direitos fundamentais pode ser extremamente perigoso pois a

pressatildeo social pode levar a tomadas de decisotildees irresponsaacuteveis pelos entes puacuteblicos bem

como pode acabar privilegiando uma ou outra parcela da populaccedilatildeo que esteja ativa no

debate em detrimento de outra Com isso pode haver o favorecimento dos interesses de

grupos minoritaacuterios o que nem sempre pode ser considerado favoraacutevel do ponto de vista

democraacutetico

Neste sentido ainda que a metodologia proposta po Bateup seja

aparentemente a mais promissora para resolver o conflito que ronda a legitimidade

democraacutetica do controle judicial das leis natildeo se pode tomaacute-la como uma verdade absoluta

sendo necessaacuterio criterioso cuidado na sua anaacutelise

13 Os mecanismos estruturais de diaacutelogo no sistema britacircnico e neozelandecircs

Como jaacute se abordou brevemente no iniacutecio do presente trabalho o novo

modelo canadense de revisatildeo judicial das leis por ser uma alternativa agrave tradicional forma de

supremacia judicial acabou por influenciar outros paiacuteses da Commonwealth de tradiccedilatildeo

74

parlamentar justamente pela sua promessa de conciliaccedilatildeo entre a supremacia legislativa e a

revisatildeo judicial no tocante a proteccedilatildeo de direitos fundamentais

Assim inspirados nesse novo modelo de judicial review paiacuteses como o

Reino Unido e Nova Zelacircndia ao reconhecerem a necessidade de uma tutela especial aos

direitos fundamentais adotaram sistemas que tambeacutem possuem mecanismos que propiciam

uma forma ldquofracardquo de revisatildeo judicial

O ponto em comum que ambos os sistemas possuem eacute o fato que o

Judiciaacuterio natildeo deteacutem poder para invalidar a legislaccedilatildeo ou seja permanecem pelo menos em

teoria em um sistema onde a supremacia parlamentar ainda se faz presente Todavia diante

da necessidade de assegurar a eficaacutecia dos direitos fundamentais que passaram a fazer parte

do Bill of Rights acabaram por introduzir em seu sistema alguns mecanismos que mitigaram

essa supremacia condicionando o legislador a observaccedilatildeo de tais direitos

Ambos os sistemas possuem assim a figura do mandado interpretativo

que em suma permite ao Judiciaacuterio o exerciacutecio da revisatildeo das leis ainda que natildeo possa

invalidaacute-las e lhe impotildee a tarefa de no momento que for analisar a legislaccedilatildeo interpretaacute-la

conforme os preceitos do Bill of Rights

Apesar de ser o mesmo mecanismo ele se desdobra na praacutetica de

maneiras diversas em cada paiacutes em face das suas peculiaridades razatildeo pela qual se analisaraacute

ambos os sistemas de forma autocircnoma

131 O mandado interpretativo e a declaraccedilatildeo de incompatibilidade no reino

unido (seccedilatildeo 3 e 4 (2) do human rights act 1998)

Como se sabe o Reino Unido eacute considerado o berccedilo da soberania

parlamentar onde ateacute recentemente cabia a este oacutergatildeo a apreciaccedilatildeo e resoluccedilatildeo de problemas

constitucionais tendo o Judiciaacuterio pouca ou quase nenhuma expressatildeo nesse sentido

O reconhecimento da competecircncia do Judiciaacuterio para a realizaccedilatildeo da

revisatildeo das leis foi um processo gradativo Apoacutes a Revoluccedilatildeo Gloriosa e a promulgaccedilatildeo do

Bill of Rights ambas as Casas do Parlamento inglecircs (House of Common e House of Lords)

75

passaram a deter competecircncia exclusiva para receber e apreciar as peticcedilotildees advindas dos

tribunais inferiores 82

Posteriormente jaacute exercendo a Cacircmara dos Lordes tal funccedilatildeo de modo

exclusivo veio a lume o Appellate Jurisdiction Act (1876) por intermeacutedio do qual foi criada

a figura dos lordes de apelaccedilatildeo (Lords of Appeal in Ordinary ou Law Lords) juiacutezes altamente

qualificados que deveriam se dedicar exclusivamente agraves questotildees judiciais submetidas ao

Parlamento Tais juiacutezes passaram a integrar o que veio a ser denominado Comissatildeo de

Apelaccedilatildeo da Cacircmara dos Lordes (Appellate Committee) e exercendo apenas a funccedilatildeo

jurisdicional deixaram de participar das votaccedilotildees do Parlamento (natildeo obstante tenham

permanecido como membros de tal Poder) (LARANJEIRA 2013)

Nesse contexto na estrutura constitucional inglesa cabia ao Parlamento

natildeo apenas a funccedilatildeo legislativa que lhe eacute inerente mas tambeacutem a atuaccedilatildeo como oacutergatildeo de

cuacutepula judicial Essa concepccedilatildeo era decorrente da inexistecircncia de uma constituiccedilatildeo escrita

formalmente superior as demais normas83 razatildeo pela qual o legislador acabava por ter uma

autonomia ilimitada para editar modificar e anular as leis

O ponto inicial de mudanccedila dessa estrutura foi a adoccedilatildeo do Human

Rights Act 199884 que entrou em vigor em 2 de outubro de 2000 e introduziu no

ordenamento juriacutedico interno os princiacutepios fundamentais jaacute enunciados pela Convenccedilatildeo

Europeia de Direitos do Homem85 A adoccedilatildeo desse documento representou uma mudanccedila

significativa na cultura legal do paiacutes porque as autoridades puacuteblicas passaram a ser

obrigadas a obedecer novas normas antes consideradas apenas no acircmbito internacional e

com isso quaisquer accedilotildees do Governo ou outros organismos puacuteblicos que natildeo cumprissem

82 Para um maior aprofundamento sobre a histoacuteria estrutura e composiccedilatildeo do Parlamento britacircnico ver

LEYLAND Peter The Constituion of the United Kingdom a contextual analysis Oxford 2007 p 81-114

83 Necessaacuterio destacar que embora natildeo exista um documento formal intitulado de Constituiccedilatildeo atribui-se esse

mesmo sentido ao ldquo() conjunto de praacuteticas instituiccedilotildees e remeacutedios processuais que determina a estruturaccedilatildeo

poliacutetica do Estado com o adequado controle e distribuiccedilatildeo do poder aleacutem do apontamento de garantias

fundamentais em favor dos cidadatildeos ()rdquo (CYRINO 2007)

84 Eacute importante esclarecer que antes da adoccedilatildeo do HRA o Reino Unido jaacute havia ratificado a Convenccedilatildeo

Europeia de Direitos do Homem em 1951 o que acarretou severesos conflitos de normas A necessidade de

conciliaccedilatildeo desses conflitos normativos pode ser considerada como um dos motivos que ensejaram a adoccedilatildeo

do HRA

85 A adoccedilatildeo desse documento foi tambeacutem decorrente de importantes conflitos poliacuteticos que acabaram por

enfraquecer a ideia de supremacia parlamentar ateacute entatildeo intocaacutevel sobretudo pelas constriccedilotildees decorrentes da

entrada na Uniatildeo Europeia que obrigou o paiacutes a estabelecer um documento legal de proteccedilatildeo de direitos

fundamentais com status qualificado Nesse sentido ver TUSHNET 2008 p 28

76

com a Convenccedilatildeo passaram a poder serem consideradas como ilegais tambeacutem no acircmbito

interno (LEYLAND 2007)

A partir de entatildeo passou-se a travar debates atinentes a necessidade de

ampliaccedilatildeo de um sistema de revisatildeo judicial das leis a fim de dar eficaacutecia ao documento e

consolidar a sua hierarquia qualificada perante as demais leis86

A mudanccedila do sistema onde ateacute entatildeo o controle das leis era feito por

um oacutergatildeo poliacutetico parte do proacuteprio Parlamento se consolidou com a aprovaccedilatildeo do

Constitution Reform Act em 2005 o qual passou a prever a criaccedilatildeo da Suprema Corte que

foi instalada mais recentemente no ano de 2009 e marcou a consolidaccedilatildeo de um oacutergatildeo

judicial independente do legislativo87

O HRA ao introduzir no odernamento juriacutedico interno os princiacutepios e

direitos previstos na Convenccedilatildeo Europeia na Seccedilatildeo 388 determinou que tanto quanto fosse

possiacutevel a legislaccedilatildeo primaacuteria e a legislaccedilatildeo subordinada devem ser interpretadas visando a

compatibilidade com os preceitos da Convenccedilatildeo

Ou seja o mandado interpretativo consiste na imposiccedilatildeo as Cortes do

dever de se esforccedilarem para interpretar as leis de acordo com o HRA Tambeacutem eacute denominado

por alguns doutrinadores de poder interpretativo (interpretative power) visto que possibilita

86 Sobre o impacto do HRA na cultura britacircnica Gadbaum (2001 p 732) destaca ldquoThere is no doubt that in

the British legal and constitutional context the mere existence of a set of codified constitutes a radical change

in legal and political culture independent of the exact form and legal status that they possess This is because

it replaces the existing conception of civil liberties as residual in nature ndash citizens are free to do whatever

statute common law and delegated legislation do not prohibit them from doing ndash with a primary or affirmative

set of rights that limit what citizens may be prohibited from doing in the first placerdquo

87 Leyland (2007 p 154) esclarece que a Suprema Corte britacircnica natildeo foi criada com o objetivo de ser um

Tribunal constitucional em suas palavras ldquoThe Supreme Court will not be established as a constitutional court

although of course it will have to preside over cases that raise constitutional issues and it will take over from

the Judicial Committee of the Privy Council jurisdiction over lsquodevolution issuesrsquo arising from the Scotland Act

1998 Government of Wales Act 1998 and Northern Ireland Act 1998rdquo

88 Interpretation of legislation (1)So far as it is possible to do so primary legislation and subordinate

legislation must be read and given effect in a way which is compatible with the Convention rights (2)This

sectionmdash (a)applies to primary legislation and subordinate legislation whenever enacted (b)does not affect

the validity continuing operation or enforcement of any incompatible primary legislation and (c)does not

affect the validity continuing operation or enforcement of any incompatible subordinate legislation if

(disregarding any possibility of revocation) primary legislation prevents removal of the incompatibility (HRA

1998)

77

a modificaccedilatildeo do significado das leis inicialmente conferido pelo Palamento a fim de

compatibilizaacute-las com a Convenccedilatildeo89

Todavia quando natildeo for possiacutevel uma interpretaccedilatildeo compatiacutevel a lei

natildeo pode ser invalidada permanecendo em pleno vigor podendo ser aplicada e invocada em

qualquer procedimento legal O que deve existir nesses casos eacute a emissatildeo de uma declaraccedilatildeo

de incompatibilidade onde a Corte pronunciaraacute o seu entendimento mas este natildeo teraacute

nenhum efeito direto ou concreto sobre a validade da norma90

A manifestaccedilatildeo do Judiciaacuterio por meio da declaraccedilatildeo de

incompatibilidade apesar de natildeo acarretar a nulidade da lei ao tornar puacuteblico o conflito da

mesma com os direitos assegurados pelo HRA gera um inegaacutevel constrangimento poliacutetico

Poreacutem o Parlamento continua a ser soberano eis que eacute ele que decide se a norma ainda que

declaradamente incompatiacutevel continuaraacute vigente como antes (CYRINO 2007)

Tendo em vista o constrangimento poliacutetico causado pela declaraccedilatildeo de

incompatibilidade alguns autores defendem ser esse um mecanismo propulsor de uma

resposta do Parlamento agraves decisotildees da Corte de forma a alterar a lei para eliminar a

incompatibilidade apontada pelas Cortes bem como de uma maior responsabilidade para

com a observacircncia dos direitos do HRA quando da formulaccedilatildeo das leis a fim de evitar uma

futura incompatibilidade

Um reconhecido e importante exemplo dessa praacutetica ocorreu no

julgamento do caso A and Others v Secretary of State for the Home Departament91 onde o

Governo britacircnico foi acusado de minar direitos individuais por meio da criaccedilatildeo da lei Anti

terrorismo crime e seguranccedilas de 2001 por permitir a detenccedilatildeo por tempo indeterminado

de estrangeiros suspeitos da praacutetica de terrorismo

89 ldquoThis section confers an interpretative power which allows the courts to consider legislation and transform

it by stretching its meaning where it is possible to do so in order to achieve Convention compatibilityThis

marks a significant shift of power from Parliament to judges since the courts are able to rewrite sections of

Acts by reading into them words that are not there and by doing so remove potential conflicts with the

Conventionrdquo (LEYLAND 2007 p 171)

90 4 (2) If the court is satisfied that the provision is incompatible with a Convention right it may make a

declaration of that incompatibility (HRA 1998)

91 A and Others v Secretary of State for the Home Departament (2004) UKHL Iacutentegra disponiacutevel em

httpwwwpublicationsparliamentukpald200405ldjudgmtjd041216aampoth-1htm

78

Nesse caso um grupo de suspeitos que estava detido em Belmarsh haacute

trecircs anos suscitou o conflito da lei com os direitos e garantias assegurados no HRA O

Comitecirc Judicial da Cacircmara dos Lordes emitiu uma declaraccedilatildeo de incompatibilidade da

referida legislaccedilatildeo poreacutem como a mesma natildeo provoca a nulidade os suspeitos continuaram

detidos Contudo a condenaccedilatildeo da legislaccedilatildeo ocasionou uma resposta do Governo

A declaraccedilatildeo de incompatibilidade acabou persuadindo o Governo a

editar uma nova lei utilizando uma outra abordagem para controlar os suspeitos de

terrorismo de forma a superar a incompatibilidade verificada e dessa maneira foi editada a

lei de Anti Terrorismo de 2005 (Prevention of Terrorism Act 2005)

Nesse sentido a declaraccedilatildeo de incompatibilidade pode ser lida sob a

oacutetica das teorias dialoacutegicas92 eis que quase sempre que for emitida ensejaraacute uma resposta do

Governo ou do Parlamento no sentido de modificar a lei para eliminar a incompatibilidade

diante de uma provaacutevel pressatildeo puacuteblica intensa nesse sentido e pelo proacuteprio interesse puacuteblico

em fazecirc-lo

Ademais o Governo e o Parlamento dificilmente iratildeo ignorar o conflito

revelado entre a legislaccedilatildeo e o HRA tambeacutem considerando que a viacutetima da violaccedilatildeo manteacutem

o direito de recorrer ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem alegando uma violaccedilatildeo a

Convenccedilatildeo Europeacuteia pelas normas internas (DEBELJAK 2002 p317)

Sob essa perspectiva a declaraccedilatildeo de incompatibilidade seria um

instrumento ideal para possibilitar um diaacutelogo entre o Judiciaacuterio e o Parlamento na tarefa da

interpretaccedilatildeo e execuccedilatildeo dos direitos fundamentais O HRA confere uma voz formal ao

Judiciaacuterio a qual pode ser colocada em praacutetica mediante a utilizaccedilatildeo deste instrumento com

o objetivo de envolver o legislativo no debate (SCHYFF 2010 p 188)

Complementando essa ideia Seccedilatildeo 1093 do HRA prevecirc mecanismos

que possibilitam uma alteraccedilatildeo da legislaccedilatildeo de forma mais raacutepida que pelo procedimento

92 ldquoThe notion of declarations of incompatibility is congruent with the principle of democratic inclusion The

deliberative process continues via an inter-institutional dialogue ensuring that no arm of government has a

monopoly on the final resolution of the defining commitments of society (hellip) According to the Human Rights

White Paper (UK) a judicial declaration of incompatibility is part of an inter-institutional dialogue A

declaration of incompatibility lsquowill almost certainly prompt the Government and parliament to change the lawrsquo

and lsquothe Government would have to consider and in most cases would consider the position pretty rapidlyrdquo

(DEBELJAK 2002p317)

93 ldquoSection 10 (Power to take remedial action) (1)This section applies ifmdash (a) a provision of legislation has

been declared under section 4 to be incompatible with a Convention right and if an appeal liesmdash (i)all persons

79

comum denominados remedial actions A Seccedilatildeo 1994 ainda estabelece uma forma de

controle preacutevio da legislaccedilatildeo a ser realizado pelo Ministro

Em razatildeo disso o sistema de revisatildeo judicial das leis instituiacutedo no Reino

Unido vem sendo apontado por alguns doutrinadores como um sistema dialoacutegico Contudo

por oacutebvio haacute objeccedilotildees conforme se passaraacute a demonstrar

1311 Criacuteticas agrave experiecircncia britacircnica

Apesar de ainda ser muito cedo para proferir um pronunciamento firme

sobre a nova praacutetica implementada no Reino Unido pelo HRA (HIEBERT 2006) jaacute se

consegue vislumbrar na doutrina algumas criacuteticas valiosas a seu respeito

Em suma as duacutevidas sobre a sustentabilidade deste modelo residem na

imprevisibilidade do comportamento poliacutetico que ao mesmo tempo pode favorecer um

recuo ao antigo modelo da soberania parlamentar como pode tambeacutem acabar se

aproximando ao tradicional modelo norte-americano onde haacute uma evidente supremacia

judicial

who may appeal have stated in writing that they do not intend to do so (ii)the time for bringing an appeal has

expired and no appeal has been brought within that time or (iii)an appeal brought within that time has been

determined or abandoned or (b) it appears to a Minister of the Crown or Her Majesty in Council that having

regard to a finding of the European Court of Human Rights made after the coming into force of this section in

proceedings against the United Kingdom a provision of legislation is incompatible with an obligation of the

United Kingdom arising from the Convention (2)If a Minister of the Crown considers that there are compelling

reasons for proceeding under this section he may by order make such amendments to the legislation as he

considers necessary to remove the incompatibility (3)If in the case of subordinate legislation a Minister of

the Crown considersmdash (a) that it is necessary to amend the primary legislation under which the subordinate

legislation in question was made in order to enable the incompatibility to be removed and (b)that there are

compelling reasons for proceeding under this section he may by order make such amendments to the primary

legislation as he considers necessary (4)This section also applies where the provision in question is in

subordinate legislation and has been quashed or declared invalid by reason of incompatibility with a

Convention right and the Minister proposes to proceed under paragraph 2(b) of Schedule 2 (5)If the legislation

is an Order in Council the power conferred by subsection (2) or (3) is exercisable by Her Majesty in Council

(6)In this section ldquolegislationrdquo does not include a Measure of the Church Assembly or of the General Synod

of the Church of England (7)Schedule 2 makes further provision about remedial ordersrdquo Human Rights Act

1998

94 ldquoSection 19 (Statements of compatibility) (1)A Minister of the Crown in charge of a Bill in either House of

Parliament must before Second Reading of the Billmdash (a) make a statement to the effect that in his view the

provisions of the Bill are compatible with the Convention rights (ldquoa statement of compatibilityrdquo) or (b)make

a statement to the effect that although he is unable to make a statement of compatibility the government

nevertheless wishes the House to proceed with the Bill (2)The statement must be in writing and be published

in such manner as the Minister making it considers appropriaterdquo Human Rights Act 1998

80

Neste sentido as criacuteticas se assemelham agraves crtiacuteticas jaacute disparadas contra

o sistema canadense95 o que nos conduz a percepccedilatildeo de que talvez seja uma caracteriacutestica

comum a todos os modelos concluindo que por melhor e mais elaborado que seja o sistema

de revisatildeo judicial das leis sua concretizaccedilatildeo sofreraacute dificuldades por questotildees de cunho

subjetivo tendo a cultura local de cada paiacutes grande influecircncia nessa praacutetica

Ou seja o grau de comprometimento de cada braccedilo do Poder seja com

a busca pela efetivaccedilatildeo de direitos ou com a preservaccedilatildeo da soberania parlamentar iraacute

influenciar diretamente na forma de utilizaccedilatildeo dos mecanismos dialoacutegicos colocados a

disposiccedilatildeo

Eacute importante notar que o HRA ao mesmo tempo que preserva a

supremacia da legislaccedilatildeo jaacute que a mesma natildeo pode ser invalidada por outro oacutergatildeo que natildeo

o proacuteprio Parlamento acaba por conferir um papel de destaque ao Judiciaacuterio no processo de

interpretaccedilatildeo e efetivaccedilatildeo dos direitos fundamentais

A Seccedilatildeo 3 ao instituir o mandado interpretativo atribui grande

influecircncia ao entendimento do Judicaacuterio na definiccedilatildeo do sentido das leis ao passo que a

declaraccedilatildeo de incompatibilidade apesar do seu potencial dialoacutegico demonstrado acima na

praacutetica tambeacutem faz com que prevaleccedila esse entendimento jaacute que a tendecircncia eacute que os outros

oacutergatildeos sigam a interpretaccedilatildeo judicial no sentido de modificar a lei garantindo a preservaccedilatildeo

dos direitos fudamentais assegurados pelo HRA e pela CEDH (DEBELJAK 2002)

Hiebert (2004 p 1983) ao tratar da experiecircncia britacircnica chama a

atenccedilatildeo para o fato de que apesar da clara intenccedilatildeo dos proponentes do HRA de manter o

princiacutepio da soberania parlamentar natildeo houve muita discussatildeo sobre como esse princiacutepio

iria se relacionar com os julgamentos do Judiciaacuterio sobre direitos

Revela que as pesquisas realizadas por meio da anaacutelise de debates

parlamentares deliberaccedilotildees poliacuteticas e comentaacuterios acadecircmicos sobre o assunto

demonstram pouca consideraccedilatildeo dos criteacuterios condiccedilotildees e circunstacircncias em que o Governo

deve explicitamente discordar das interpretaccedilotildees do HRA feitas pelo Judiciaacuterio

O que se percebe da anaacutelise do sistema de revisatildeo judicial das leis

desenvolvido pelo Reino Unido eacute que muito embora o Judiciaacuterio natildeo detenha a uacuteltima

95 Ver toacutepico 1014

81

palavra natildeo podendo invalidar a legislaccedilatildeo o mandado interpretativo lhe confere um poder

de interpretaccedilatildeo muito amplo podendo mudar o sentido da lei inicialmente conferido pelo

legislador o que pode contribuir para uma forma de supremacia judicial

Aleacutem do que o amplo uso do mesmo pode acabar levando os juiacutezes a

natildeo exprimirem as suas verdadeiras opiniotildees sobre a legislaccedilatildeo camuflando assim uma falsa

compatibilidade o que natildeo eacute desejaacutevel sob o ponto de vista constitucional sobretudo quando

se busca uma efetiva proteccedilatildeo de direitos

Neste sentido seria preferiacutevel que o mandado interpretativo fosse visto

apenas como uma diretriz uma tentativa e natildeo uma obrigaccedilatildeo e que os juiacutezes procurassem

usar em todas as vezes que entederem que uma legislaccedilatildeo natildeo eacute compatiacutevel com a

declaraccedilatildeo de direitos seu poder de declaraccedilatildeo Entretanto natildeo haacute como determinar que o

Judiciaacuterio aja dessa forma pelo que a declaraccedilatildeo de incompatibilidade pode ser utilizada

frequentemente ou como uma medida de uacuteltimo recurso

Os teoacutericos que acreditam na possiacutevel existecircncia de um diaacutelogo no

sistema britacircnico tendem a considerar que o uso frequumlente da Seccedilatildeo 3 pelas Cortes ou seja

o amplo exerciacutecio do poder interpretativo sob o ponto de vista democraacutetico eacute menos

desejaacutevel do que a emissatildeo de declaraccedilotildees de incompatibilidade pois ele daacute ao Judiciaacuterio a

uacuteltima palavra ao menos que seja ou ateacute que seja revista pelo Parlamento (BATEUP 2009

p 547)

Diante do exposto percebe-se que a materializaccedilatildeo de um diaacutelogo na

forma esperada dentro do sistema britacircnico iraacute depender efetivamente do comportamento do

Judiciaacuterio por meio das suas escolhas jaacute que pode optar por exercer o mandado interpretativo

a qualquer custo mudando fundamentalmente o sentido da legilaccedilatildeo bem como pode optar

pela emissatildeo da declaraccedilatildeo de incompatibilidade deixando espaccedilo para a atuaccedilatildeo

Parlamentar no sentido de superar a deficiecircncia da lei Ou seja mais uma vez revela-se na

praacutetica dialoacutegica a importacircncia das escolhas feitas pelas instituiccedilotildees no momento da sua

atuaccedilatildeo

Ademais eacute duvidoso se pode-se afirmar que na melhor das hipoacuteteses

quando o Judiciaacuterio declara uma lei incompatiacutevel e o Parlamento responde a essa declaraccedilatildeo

haacute um diaacutelogo do ponto de vista material eis que natildeo se verifica a interaccedilatildeo entre os Poderes

82

no momento da tomada de decisatildeo o compartilhamento de suas visotildees para a construccedilatildeo do

sentido constitucional

O que haacute eacute mais uma atuaccedilatildeo singular de cada um O Judiciaacuterio tendo

que interpretar a legislaccedilatildeo de acordo com o HRA sem poder invalidaacute-la e o Legislativo

tendo que responder a essa interpretaccedilatildeo quando a mesma for contraacuteria aquela por ele

realizada inicialmente seja no sentido de modificar a legislaccedilatildeo superando a

incompatibilidade apontada pelo Judiciaacuterio ou fazer prevalecer o seu entendimento se assim

achar correto

Todavia ainda que recente a praacutetica tem demonstrado que na quase

totalidade dos casos em que houve uma resposta do Parlamento a uma declaraccedilatildeo de

incompatibilidade a mesma foi no sentido de acolher a opiniatildeo judicial para modificar a lei96

o que demonstra uma tendecircncia desse sistema em acolher a decisatildeo judicial ainda que a

mesma natildeo tenha formalmente o poder de invalidar a lei

132 O mandado interpretativo na experiecircncia neozelandesa

A Nova Zelacircndia assim como o Reino Unido tambeacutem possui um

constitucionalismo de tradiccedilatildeo parlamentar A adoccedilatildeo de um documento formal que visasse

agrave proteccedilatildeo de direitos fundamentais soacute ocorreu em 1990 com a aprovaccedilatildeo do New Zeland

Bill of Rights Act (NZBORA)

A principal caracteriacutestica que difere o sistema Neozelacircndes dos demais

eacute o fato de que o NZBORA natildeo possui uma hierarquia superior as demais leis ordinaacuterias do

paiacutes ou seja eacute um diploma desprovido de qualquer supremacia ou rigidez dentro do

ordenamento juriacutedico Essa caracteriacutestica faz com que o mesmo pelo menos teoricamente

possa ser revogado integralmente ou em parte por qualquer maioria legislativa posterior

(TUSHNET 2009 p 25)

96 ldquoGreater doubts about the behavioral assumptions underpinning weak-form dialogue theory emerge when

we consider the responses that responses that these declarations have elicited from the political branches of

government If Parliament were responding in the manner advocated by weak-form dialogue theorist we would

expect to see disagreement with judicial declarations being regularly expressed or at the very least on

occasion Contrary to these expectations however the British Parliament has almost universally responded

to judicial declarations of incompatibility by amending or repealing the relevant primary legislation in

accordance with the courtrsquos rulingrdquo (BATEUP 2009 p 549)

83

Aleacutem de possuir status de lei ordinaacuteria o NZBORA exclui

expressamente a possibilidade de anulaccedilatildeo das leis pelo Judiciaacuterio97 e determina que este

sempre que for interpretar qualquer dispositivo legal o faccedila em conformidade com o Bill of

Rights98 As seccedilotildees 4 a 7 trazem provisotildees que evitam o engajamento do Judiciaacuterio em uma

revisatildeo substantiva dos atos do Parlamento ratificando a supremacia parlamentar como um

princiacutepio constitucional da Nova Zelacircndia (HIEBERT KELLY 2015 p 62)

Ao contraacuterio do que ocorre no modelo britacircnico na Nova Zelacircndia o

Judiciaacuterio natildeo pode emitir qualquer declaraccedilatildeo de incompatibilidade o que para alguns

doutrinadores afasta a caracterizaccedilatildeo desse sistema como um judicial review jaacute outros o

caracterizam como um sistema ldquosuper fracordquo de revisatildeo judicial

Diante disso parece inicialmente que o NZBORA natildeo possui entatildeo

qualquer influecircncia importante dentro do ordenamento juriacutedico daquele paiacutes entretanto ao

contraacuterio do que parece o mesmo foi responsaacutevel por profundas mudanccedilas na legislaccedilatildeo

interna justamente por funcionar como um documento interpretativo geral servindo de

diretriz para a atuaccedilatildeo do legislativo

Neste sentido Gardbaum (2001 p 728) ensina que embora o NZBORA

possua um status juriacutedico de um estatuto legal comum eacute um documento geral que determina

como deve ser dado o sentido a todas as outras leis ordinaacuterias natildeo por meio da disposiccedilatildeo de

um conjunto de regras interpretativas mas sim pela enunciaccedilatildeo de direitos substantivos

Assim o NZBORA protege os direitos nele contidos por meio do dever

de interpretaccedilatildeo que coloca sobre os tribunais nos termos da Seccedilatildeo 6 e pelo consequente

custo poliacutetico que impotildee ao legislador de a adotar uma medida que viole claramente um

direito protegido ou que natildeo possa ser lida como consistente com ele (GARDBAUM 2001

p 729)

97 ldquoSection 4 (Other enactments not affected) No court shall in relation to any enactment (whether passed or

made before or after the commencement of this Bill of Rights)mdash (a)hold any provision of the enactment to be

impliedly repealed or revoked or to be in any way invalid or ineffective or (b)decline to apply any provision

of the enactmentmdash by reason only that the provision is inconsistent with any provision of this Bill of Rightsrdquo

New Zeland Bill of Rights Act 1990

98 ldquoSection 6 (Interpretation consistent with Bill of Rights to be preferred) Wherever an enactment can be given

a meaning that is consistent with the rights and freedoms contained in this Bill of Rights that meaning shall

be preferred to any other meaningrdquo New Zeland Bill of Rights Act 1990

84

No julgamento do caso R v Hansen99 a Suprema Corte esclareceu a

correta abordagem metodoloacutegica do judicial review a ser utilizada para reforccedilar os direitos

previstos no NZBORA afirmando que primeiramente a Corte deve buscar o significado

original que o Parlamento pretendeu atribuir a medida legislativa apoacutes analisar se o mesmo

eacute compatiacutevel com o NZBORA se houver uma aparente inconsistecircncia deve averiguar se a

mesma eacute razoaacutevel ao abrigo do que dispotildee a Seccedilatildeo 5 Se entender pela desarrazoabilidade

entatildeo deve buscar uma interpretaccedilatildeo diferente que se coadune com a declaraccedilatildeo de direitos

e por fim quando isto natildeo for possiacutevel deveraacute prevalecer entatildeo o significado original

atribuiacutedo pelo Parlamento (HIEBERT KELLY 2015 p63)

Essa metodologia resulta de uma cultura judicial fortemente

influenciada pelo princiacutepio da supremacia legislativa Nesta perspectiva o NZBORA

introduz um importante instrumento processual na Seccedilatildeo 7100 mediante o qual o Procurador

Geral eacute obrigado a examinar todas as propostas de lei e informar ao Parlamento quando for

detectada qualquer incompatibilidade entre uma disposiccedilatildeo legal e os direitos e garantias

assegurados pela Declaraccedilatildeo

O fundamento de tal medida parece consistir justamente em evitar a

aprovaccedilatildeo de medidas legislativas incompatiacuteveis com o Bill of Rights estabelecendo uma

forma preventiva de controle ainda que natildeo tenham o condatildeo de impossibilitar a aprovaccedilatildeo

da lei mesmo quando incompatiacutevel mas servindo de alerta ao Parlamento e assim

aumentando a sua responsabilidade pois arcaraacute com os custos poliacuteticos de suas decisotildees

Em que pese o NZBORA proiacuteba o Judiciaacuterio de emitir qualquer

pronunciamento formal sobre a incompatibilidade de medidas legislativas o New Zeland

Human Rights Act adotado em 1993 prevecirc a possibilidade de uma declaraccedilatildeo judicial de

inconsistecircncia como remeacutedio apropriado para os casos de discriminaccedilatildeo

Assim somente nos casos em que se discute o direito a igualdade o

99 R v Hansen (2007) NZSC 7 Iacutentegra disponiacutevel em httpwwwnzliiorgcgi-

binsinodispnzcasesNZSC20077htmlquery=hansen20nzsc

100 ldquoSection 7 (Attorney-General to report to Parliament where Bill appears to be inconsistent with Bill of

Rights) Where any Bill is introduced into the House of Representatives the Attorney-General shallmdash (a)in

the case of a Government Bill on the introduction of that Bill or (b)in any other case as soon as practicable

after the introduction of the Billmdash bring to the attention of the House of Representatives any provision in the

Bill that appears to be inconsistent with any of the rights and freedoms contained in this Bill of Rightsrdquo New

Zeland Bill of Rights Act 1990

85

Judiciaacuterio quando natildeo encontrar uma interpretaccedilatildeo da lei que seja razoaacutevel e compatiacutevel

com os direitos assegurados Bill of Rights poderaacute emitir um documento formal que ateste a

inconsistecircncia no intuito de dar ciecircncia ao Parlamento da incompatibilidade Em todas as

outras questotildees relativas a direitos fundamentais eacute vedado ao Judiciaacuterio comportamento

semelhante101

O modelo Neozelandecircs assim como os demais que adotam uma forma

fraca de revisatildeo judicial das leis eacute considerado por alguns estudiosos como dialoacutegico por

natildeo ser a interpretaccedilatildeo judicial considerada conclusiva ou definitiva mas sim

possibilitadora de uma interaccedilatildeo legislativa pois por meio do poder de interpretaccedilatildeo

atribuiacutedo ao Judiciaacuterio o legislativo se sentiria constgrangido a adotar medidas favoraacuteveis a

proteccedilatildeo de direitos evitando uma futura incompatibilidade das leis com o NZBORA

1321 Criacuteticas ao modelo neozelandecircs

A principal criacutetica ao modelo neozelandecircs reside na duacutevida se o mesmo

pode ser caracterizado como um judicial review perante a evidecircncia da supremacia

parlamentar e da falta de possibilidade do Judiciaacuterio de sequer emitir uma declaraccedilatildeo de

incompatibilidade das leis sugerindo assim a ausecircncia de uma forma concreta de controle

judicial

O que se percebe da anaacutelise desse sistema eacute que o mesmo apesar de ter

favorecido a implementaccedilatildeo de uma cultura de proteccedilatildeo de direitos fundamentais na Nova

Zelacircndia por meio da adoccedilatildeo do NZBORA e da previsatildeo do mandado interpretativo que de

alguma forma influencia o Parlamento a editar leis compatiacuteveis com a declaraccedilatildeo

restringindo o antes ilitimidado poder de criaccedilatildeo deste oacutergatildeo natildeo haacute como se falar

concretamente na existecircncia de um ldquodiaacutelogo institucionalrdquo

Apesar de alguns doutrinadores otimistas apontarem a praacutetica do

mandado interpretativo na experiecircncia neozelandesa como uma forma de diaacutelogo entre os

101 Eacute necessaacuterio que esclarecer que muito tem sido discutido sobre a possibilidade de uma emissatildeo formal de

declaraccedilatildeo de incompatibilidade pelo Judiciaacuterio no sistema Neozelandecircs Haacute estudiosos que defendam a

necessidade de uma mudanccedila legislativa nesse sentido todavia os entendimentos jurisprudencias mais recentes

indicam que as perspectivas para a adoccedilatildeo dessa possibilidade formal ainda satildeo precaacuterias Ver GINSBURG

Claudia On a Road to Nowhere Implied Declarations of Inconsistency and the New Zeland Bill of Rights

Victoria University of Wellington Law Review 40 613-47 2009

86

poderes existem muitas criacuteticas a tal afirmaccedilatildeo sob o argumento de que o que haacute na

realidade eacute total a prevalecircncia do Poder Legislativo

O NZBORA emerge como um documento de caraacuteter essencialmente

interpretativo baseado em uma implementaccedilatildeo parlamentar Essa caracteriacutestica

interpretativa apesar de reforccedilada pela abordagem judicial ainda estaacute muito ligada a

supremacia parlamentar pronfudamente enraizada no constitucionalismo neozelacircndes e a

essa forma de envolvimento Parlamento natildeo pode nem na melhor das hipoacuteteses ser vista

como uma forma de diaacutelogo (HIEBERT KELLY 2015)

A falta de mecanismos formais ao alcance do Judiciaacuterio para poder

declarar a incompatibilidade de uma medida legislativa com a declaraccedilatildeo de direitos reduz

em grande escala a possibilidade da ocorrecircncia de um diaacutelogo entre os poderes poliacuteticos

Nesse sentido Geiringer (2009 p 647-647) aduz que a experiecircncia

Neozelandesa demonstra que a maioria dos juiacutezes natildeo se sentem confortaacuteveis quando

colocados a exercer o papel de criacuteticos do legislativo justamente pela arraigada cultura

parlamentar presente neste modelo e que a melhor e mais raacutepida forma de mudar essa

mentalidade seria por meio da atribuiccedilatildeo de uma poder formal para declarar a inconsistecircncia

das leis

Sendo assim a possibilidade de um efetivo diaacutelogo entre os Poderes

dentro do sistema da Nova Zelacircndia na forma em que hoje se afigura eacute escassa e limitada

jaacute que a supremacia parlamentar ainda eacute muito forte e evidente

87

CAPIacuteTULO 3 ndash AS TEORIAS DIALOacuteGICAS NO SISTEMA DE JURSIDICcedilAtildeO

CONSTITUCIONAL BRASILEIRO UMA POSSIBILIDADE

Da exposiccedilatildeo feita no capiacutetulo anterior podemos concluir que natildeo haacute

uma forma preacute definida para a ocorrecircncia do diaacutelogo podendo ele se manifestar por meio

das mais diversas praacuteticas e sob perspectivas teoacutericas diferentes a depender da cultura

histoacuterica e poliacutetica do paiacutes em que estaacute inserido

Apesar de ser um tema ainda pouco explorado pela doutrina brasileira

que ainda se centra primordialmente nos estudos das teorias interpretativas nos parece

importante verificar se haacute a possibilidade da aplicaccedilatildeo das teorias dialoacutegicas no Brasil mais

ainda se podemos identificar algum indiacutecio da sua praacutetica nos julgados do STF

Por isso na sequecircncia se buscaraacute por meio da anaacutelise de alguns casos

concretos constatar como e em que medida os diaacutelogos institucionais se manifestam no

sistema brasileiro a fim de revelar quais os traccedilos das teorias dialoacutegicas presentes nesse

sistema

Oportunamente se esclarece que os casos selecionados para anaacutelise satildeo

resultado do controle concentrado de constitucionalidade quando o Supremo Tribunal

Federal exerce seu papel de guardiatildeo da constituiccedilatildeo102 Fez-se essa opccedilatildeo por ser este tipo

de controle o ponto de maior relevacircncia e confronto entre a atuaccedilatildeo do STF e sua relaccedilatildeo

com o Legislativo pois eacute onde haacute uma anaacutelise judicial direta e abstrata da atuaccedilatildeo legislativa

que daacute origem a uma decisatildeo judicial com efeitos erga omnes

A anaacutelise de casos ocorridos no acircmbito do controle concentrado de

constitucionalidade torna-se ainda mais interessante do que a de casos derivados do controle

difuso se levarmos em conta que neste uacuteltimo a reaccedilatildeo legislativa eacute disciplinada pela proacutepria

Constituiccedilatildeo Federal por meio do inciso X do artigo 52 que atribui ao Senado a

competecircncia para suspender a execuccedilatildeo de lei declarada inconstitucional natildeo havendo

102 O art 102 da Constituiccedilatildeo Federal Brasileira atribui expressamente ao STF o papel de guardiatildeo da

Constiticcedilatildeo cabendo-lhe julgar originariamente accedilatildeo direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo

federal ou estadual e a accedilatildeo declaratoacuteria de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal

88

portanto grandes controveacutersias a esse respeito103

Deve ser esclarecido ainda que apesar de no capiacutetulo anterior ter-se

feito referecircncia as teorias que prescrevem a realizaccedilatildeo de um diaacutelogo social no presente

capiacutetulo a anaacutelise se centraraacute apenas em casos onde os atores participantes do processo de

interpretaccedilatildeo constitucional satildeo os poderes institucionalizados excluindo-se os casos onde

se fala na inclusatildeo da sociedade Destaca-se isso porque hoje a realizaccedilatildeo de audiecircncias

puacuteblicas e a convocaccedilatildeo de ldquoamigos da corterdquo durante o processo constitucional tem sido

uma praacutetica comum poreacutem complexa utilizada pelo Supremo Tribunal brasileiro104

Portanto entende-se que seria temeraacuterio invocar aqui casos envolvendo

esses mecanismos populares sem trataacute-los com a devida profundidade dando atenccedilatildeo a todos

os aspectos controversos que a anaacutelise requer Por esses motivos a anaacutelise centra-se apenas

casos onde figuram como atores o Poder Legislativo e o Poder Judiciaacuterio

Ressalta-se que o objetivo do estudo natildeo eacute analisar de forma exaustiva

a jurisprudecircncia brasileira ateacute mesmo porque para tanto seria necessaacuterio um trabalho

dedicado inteiramente agrave esse objetivo Pretende-se verificar e ilustrar como as teorias

dialoacutegicas podem ser encontradas na praacutetica brasileira por meio de importantes julgados

proferidos pelo Supremo Tribunal Federal identificando os elementos dialoacutegicos neles

presentes e as correspondentes teorias

Para fazer a anaacutelise dos casos e identificar seus aspectos dialoacutegicos seraacute

utilizado como base aleacutem das teorias expostas no capiacutetulo anterior a descriccedilatildeo de diaacutelogo

convencional proposta por Tushnet (2012 p 3-13) a qual se estrutura da seguinte forma

1ordm O legislador promulga uma lei rarr 2ordm o estatuto enfrenta um desafio

no Tribunal Constitucional rarr 3ordm O Tribunal invalida o estatuto rarr 4ordm o Tribunal na decisatildeo

103 Necessaacuterio destacar eu haacute uma divergecircncia na doutrina brasileira acerca da discricionariedade do poder

atribuiacutedo ao Senado por forccedila do art 52 X da CF88 Nos filiamos a doutrina minoritaacuteria segundo a qual o

Senado possui a faculdade de suspender a lei e natildeo a obrigaccedilatildeo jaacute que a decisatildeo judicial exarada no exerciacutecio

do controle de constitucionalidade disfuso possui efetios inter partes Sob essa loacutegica pode-se enxergar tal

previsatildeo constitucional como um mecanismo dialoacutegico pois natildeo deixa ser um instrumento de reaccedilatildeo legislativa

agrave decisatildeo judicial que complementa o controle judicial e de certa forma estendendo os efeitos da sua decisatildeo

104 Exemplo emblemaacutetico dessa praacutetica eacute a ADI 3510 onde foi apreciada a inconstitucionalidade da Lei de

Bioseguranccedila em especial no tocante a possibilidade de pesquisas utilizando ceacutelulas tronco e o STF

reconhecendo a complexidade do tema convou a realizaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas onde forma ouvidas vaacuterias

entidadas organizadas da sociedade civil e a particiaccedilatildeo de diversas pessoas na qualidade de ldquoamigos da corterdquo

para compartilhar conhecimento teacutecnico que o Tribunal assumir natildeo possuir para julgar o caso

89

indica algumas formas especiacuteficas em que o estatuto eacute incompatiacutevel com a Constituiccedilatildeo ou

oferece a melhor interpretaccedilatildeo das disposiccedilotildees constitucionais rarr 5ordm O legislativo responde

revendo o estatuto e corrigindo as deficiecircncias apontadas pelo Tribunal ou reedita o estatuto

sem alteraccedilotildees rarr 6ordm O estatuto eacute novamente desafiado rarr 7ordm O Tribunal lida com o desafio

e se abre para um novo debate defendendo o estatuto ou verifica se as modificaccedilotildees do

estatuto foram suficientes para torna-lo compatiacutevel ou estatildeo aqueacutem e ensejam uma nova

invalidaccedilatildeo

Ou ainda 1ordm A Constituiccedilatildeo impotildee ao legislador o dever de legislar

sobre um toacutepico especiacutefico rarr 2ordm O Tribunal identifica falhas na atuaccedilatildeo legislativa

entendendo que a mesma eacute insuficiente para satisfazer o seu dever ou verifica a ausecircncia de

atuaccedilatildeo rarr 3ordm indica ao legislativo as falhas ou a omissao exigindo a tomada de medidas no

sentido de cumprir o seu dever constitucional

Dito isso passa-se a anaacutelise dos casos concretos

14 Julgamento da accedilatildeo direta de inconstitucionalidade nordm 2797df ndash a suacutemula

394 do STF e a lei nordm 106282002

a) Breve resumo do caso

A antiga Suacutemula105 394 do STF editada em 3 de abril de 1964 a qual

dispunha que cometido o crime durante o exerciacutecio funcional prevalece a competecircncia

especial por prerrogativa de funccedilatildeo ainda que o inqueacuterito ou a accedilatildeo penal sejam iniciados

apoacutes a cessaccedilatildeo daquele exerciacutecio foi cancelada por unanimidade em sessatildeo plenaacuteria da

Corte realizada em 30042007

Os argumentos para o cancelamento do referido verbete giraram

basicamente em torno da defesa de que a prerrogativa de foro visa garantir o exerciacutecio do

105 A Suacutemula eacute um instituto juriacutedico muito presente no Direito brasileiro que consiste em um verbete que

registra a interpretaccedilatildeo paciacutefica ou majoritaacuteria de um determinado Tribunal a partir do julgamento de variados

casos concretos a fim de tornar puacuteblico a sociedade o seu entendimento e promover uma uniformizaccedilatildeo das

decisotildees judiciais Em regra natildeo possui efeito vinculante servindo apenas de diretriz poreacutem quando for votada

e aprovada pelo STF por pelo menos 23 do plenaacuterio se torna um entendimento obrigatoacuterio a ser observado

por todos os outros Tribunais e juiacutezes bem como pelos entes da Admnistraccedilatildeo Puacuteblica conforme determina o

Artigo 103-A da Constituiccedilatildeo Federal de 1988

90

cargo e natildeo o seu ocupante sendo assim uma vez que o indiacuteviduo deixa o cargo natildeo deve

fazer jus ao privileacutegio eis que o mesmo eacute inerente ao cargo e natildeo um direito subjetivo assim

atribuir o privileacutegio quando jaacute natildeo mais haacute o exerciacutecio da funccedilatildeo violaria o princiacutepio da

igualdade

Foi entatildeo consolidado pela Corte o entendimento de que deixando o

cargo definitivamente independentemente do motivo o ex-titular natildeo teraacute direito a processo

e julgamento em oacutergatildeo jurisdicional distinto daquele que teria qualquer outro cidadatildeo

Apesar da sedimentaccedilatildeo desse entendimento no acircmbito do STF em

dezembro de 2002 foi promulgada a Lei nordm 106282002 que alterou o artigo 84 do Coacutedigo

de Processo Penal brasileiro para inserir o sect1ordm com a seguinte redaccedilatildeo ldquoa competecircncia

especial por prerrogativa de funccedilatildeo relativa a atos administrativos do agente prevalece

ainda que o inqueacuterito ou a accedilatildeo judicial sejam iniciados apoacutes a cessaccedilatildeo do exerciacutecio da

funccedilatildeo puacuteblicardquo

Foi arguida a inconstitucionalidade do mencionado dispostivo legal por

meio de accedilatildeo direta de inconstitucionalidade proposta pela Associaccedilatildeo Nacional dos

Membros do Ministeacuterio Puacuteblico ndash CONAMP Ao fim do julgamento foi declarada a

inconstitucionalidade material e formal da lei essa uacuteltima com base no argumento de que

uma lei ordinaacuteria natildeo poderia vir a superar uma interpretaccedilatildeo constitucional jaacute realizada pelo

Supremo

Os aspectos relevantes do caso para a anaacutelise pretendida residem

justamente na tentativa do Legislativo de superar uma interpretaccedilatildeo constitucional jaacute

consolidada pela Suprema Corte e natildeo tanto no meacuterito relativo a constitucionalidade

material da norma

O caso eacute emblemaacutetico no cenaacuterio brasileiro por ter despertado um

interessante debate acerca da possibilidade de reaccedilatildeo legislativa a uma interpretaccedilatildeo

constitucional proferida pelo STF o que em muito contribui para a nossa anaacutelise sobre a

possibilidade de um diaacutelogo institucional no sistema brasileiro

Passa-se entatildeo a exposiccedilatildeo das importantes variaacuteveis do debate de

acordo com os votos proferidos pelos Ministros na ocasiatildeo do julgamento

91

b) Debate acerca da possibilidade de reediccedilatildeo de uma lei anteriormente declarada

inconstitucional pelo STF

O relator do caso Ministro Sepuacutelveda Pertence em seu voto o qual foi

seguido pela maioria iniciou a fundamentaccedilatildeo da inconstitucionalidade do dispostivo legal

sob anaacutelise naquela ocasiatildeo afirmando que o mesmo constitui evidente reaccedilatildeo legislativa ao

cancelamento da Suacutemula 394 Destacou que a redaccedilatildeo legal se aproxima substancialmente

da que foi proposta em seu voto vencido pela maioria na ocasiatildeo da deliberaccedilatildeo sobre o

cancelamento do verbete

Afirmou que o cancelamento da Suacutemula decorreu de interpretaccedilatildeo

direta e exclusiva da Contituiccedilatildeo e natildeo pela inexistecircncia de lei ordinaacuteria que o regulasse

Diante disso formulou entatildeo a seguinte indagaccedilatildeo lei ordinaacuteria eacute instrumento normativo

apto agrave alterar jurisprudecircncia assente do STF fundada em interpretaccedilatildeo direta e exclusiva da

Constituiccedilatildeo

Argumentou construindo uma resposta negativa agrave indagaccedilatildeo embora

reconhecendo que as decisotildees da Corte em sede de controle concentrado natildeo vinculam o

Poder Legislativo mas tatildeo somente os demais oacutergatildeos do Judiciaacuterio e o Poder Executivo

Assim concluiu que a ediccedilatildeo de uma lei no sentido contraacuterio de uma decisatildeo do Tribunal

natildeo infere necessariamente um descumprimento dessa decisatildeo estando o Legislativo livre

para agir nesse sentido todavia a medida editada seraacute inevitavelmente considerada

inconstitucional a menos que a Corte recue em seu posicionamento anterior sobre o assunto

Neste ponto o Ministro propocircs uma reflexatildeo diferenciando a

inconstitucionalidade material e formal da lei No seu entender se a lei reeditada pretender

impor com seu objeto imediato uma interpretaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo ela seraacute eivada de uma

inconstitucionalidade formal pois uma lei de hierarquia inferior natildeo pode ditar a

interpretaccedilatildeo de uma norma hierarquicamente superior

Poreacutem quando a lei editada pelo legislativo for de conteuacutedo similar ao

de uma outra jaacute declarada inconstitucional deveraacute ser feita anaacutelise acerca da

inconstitucionalidade material pois a Corte natildeo estaacute vinculada ao seu entendimento anterior

podendo mudar de opiniatildeo sobre o assunto em um novo debate

92

Neste sentido merece destaque o seguinte trecho do voto

ldquoAdmitir pudesse a lei ordinaacuteria inverter a leitura pelo Supremo Tribunal

da Constituiccedilatildeo seria dizer que a interpretaccedilatildeo constitucional da Corte

estaria sujeita ao referendo do legislador ou seja que a Constituiccedilatildeo ndash

como entendida pelo oacutergatildeo que ela proacutepria erigiu em guarda da sua

supremacia ndash soacute constituiria a Lei Suprema na medida da inteligecircncia que

lhe desse outro oacutergatildeo constituiacutedo o legislador ordinaacuterio ao contraacuterio

submetido aos seus ditamesrdquo

O Ministro Eros Grau em voto divergente discordou do entendimento

traccedilado no voto do relator no aspecto da inadmissibilidade da interpretaccedilatildeo constitucional

por lei ordinaacuteria afirmando que todo ato legislativo em alguma medida envolve a

interpretaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo por parte de quem legisla

Concluiu pela inexistecircncia de inconstitucionalidade formal da Lei nordm 10

62802 com base no fundamento de que o Poder Legislativo natildeo fica vinculado por um

dever de natildeo legislar em razatildeo da Corte ter conferido alguma interpretaccedilatildeo constitucional

Sendo entatildeo admissiacutevel que o Legislativo reedite uma lei contraacuteria a interpretaccedilatildeo

constitucional jaacute proferido pelo STF todavia esta lei fatalmente sucumbiraacute agrave anaacutelise da

inconstitucionalidade material jaacute que a uacuteltima palavra deveraacute ser dada pela Corte

O Ministro Gilmar Mendes acompanhou a divergecircncia lanccedilando

argumentos diferentes que enriqueceram o debate os quais satildeo de grande importacircncia para

a anaacutelise que se faraacute s na sequecircncia razatildeo pela qual transcreve-se aqui alguns dos principais

trechos

(hellip) Penso que natildeo eacute possiacutevel admitir que o legislador ordinaacuterio tenha a

sua liberdade totalmente tolhida pelas declaraccedilotildees de constitucionalidade

ou inconstitucionalidade do Tribunal Eacute adequado e prudente inclusive

que tais atos legislativos sejam apreciados a partir de um dado contexto

institucional

Eacute de se ressaltar que se de um lado a Constituiccedilatildeo atribui a este Supremo

Tribunal Federal a tarefa de guarda da integridade da ordem juriacutedico-

constitucional de outro eacute assente que o seu texto esta sujeito a uma

sociedade aberta de inteacuterpretes (HARBELE Peter Hermenecircutica

Constitucional A Sociedade aberta dos inteacuterpretes da Constituiccedilatildeo

93

contribuiccedilatildeo para a interpretaccedilatildeo pluralista e ldquoprocedimentalrdquo da

Constituiccedilatildeo Trad Gilmar Ferreira Mendes Porto Alegre Sergio Antonio

Fabris 1997) os quais podem de acordo com as alteraccedilotildees histoacuterico-

culturais exercer alternativas plurais de interpretaccedilatildeo

(hellip)

Natildeo eacute possiacutevel presumir portanto a inconstitucionalidade dos dispositivos

atacados simplesmente porque eles contrariam a ldquouacuteltima palavrardquo

conferida pelo Supremo Tribunal Federal sobre o tema Que pretendo

ressaltar pelo contraacuterio eacute o fato de que se o legislador federal (re)incide

cria ou regula essa mateacuteria constitucional de modo inteiramente diverso o

ldquodiaacutelogordquo o debate institucional deve continuar

Os demais ministros seguiram o voto do relator sem acrescentar grandes

argumentos ao debate Desta feita restou consignada no julgado a inconstitucionalidade da

lei

c) Anaacutelise do caso pelo prisma das Teorias do Diaacutelogo Institucional

Inicialmente merece ser pontuado que como destacado no voto do

Ministro Relator a lei da qual foi apreciada a constitucionalidade pelo STF trata-se de

expressa reaccedilatildeo legislativa a interpretaccedilatildeo constitucional anteriormente proferida

Como viu-se no capiacutetulo anterior para alguns estudiosos como Peter

Hogg e Allisson Bushell a simples possibilidade de reaccedilatildeo legislativa agrave decisatildeo judicial

resultante do controle de constitucionalidade deve ser considerada como uma praacutetica

dialoacutegica

Nessa perspectiva pode-se dizer que o STF apesar de ter considerado a

inconstitucionalidade da lei natildeo descartou a possibilidade da reaccedilatildeo legislativa agrave sua decisatildeo

preteacuterita admitindo que a mesma natildeo vincula a atuaccedilatildeo legislativa o que demonstra a

existecircncia de um espaccedilo para a possibilidade do diaacutelogo no sistema brasileiro ainda que este

em muito se diferencie estruturalmente do sistema Canadense o qual foi o objeto de estudo

desses Autores

Aplicando a descriccedilatildeo dialoacutegica proposta por Tushnet pode-se dizer que

o caso enquadra-se no conceito de diaacutelogo pois o legislador pretendeu a modificaccedilatildeo do

94

entendimento da Corte por meio da ediccedilatildeo de um estatuto legal com objeto semelhante ao

de uma Suacutemula jaacute cancelada - praacutetica que pode ser comparada a ldquoin your face responserdquo

comum no sistema canadense106- e o Tribunal enfrentou a questatildeo por meio de um novo

debate poreacutem permaneceu firme no seu entendimento anterior

Portanto em que pese a Constituiccedilatildeo Federal brasileira natildeo trazer

expressamente em seu texto a previsatildeo de um mecanismo especiacutefico que possibilite ao

legislativo superar uma decisatildeo do Supremo Tribunal Federal107 proferida no acircmbito do

controle concentrado de constitucionalidade o fato de as decisotildees do Supremo nesta espeacutecie

de controle de constitucionalidade natildeo vincularem o Poder Legislativo108 possibilitam ou

pelo menos natildeo impedem a reediccedilatildeo de uma norma jaacute consagrada inconstitucional

Sendo assim pode-se afirmar que apesar do Brasil adotar um modelo forte

de controle de constitucionalidade e a Constituiccedilatildeo Federal conceder expressamente a

guarda da Constituiccedilatildeo ao Supremo Tribunal Federal a possibilidade de um diaacutelogo

institucional com o Poder Legislativo ndash sob a perspectiva de algumas teorias dialoacutegicas ndash

natildeo eacute algo impensaacutevel

Importante frisar a questatildeo da adoccedilatildeo de um sistema forte de controle

de constitucionalidade jaacute que conforme lecionado por Tushnet (2009) esses sistemas seriam

menos propiacutecios ao diaacutelogo jaacute que seus mecanismos de modificaccedilatildeo da decisatildeo judicial

seriam mais difiacutecies e demorados como a Emenda Constitucional por exemplo Contudo

no presente caso vecirc-se que essa possibilidade pode ocorrer por meio de lei ordinaacuteria e de

forma relativamente ceacutelere se considerado que entre a revogaccedilatildeo da Suacutemula 394 e a ediccedilatildeo

da lei se passaram apenas dois anos

106 Ver toacutepico 1012 107 Apenas a tiacutetulo de conhecimento entendemos necessaacuterio mencionar que no ano de 2011 foi proposto um

Projeto de Emenda a Constituiccedilatildeo conhecido como PEC 33 o qual pretendia modificar o enunciado do artigo

102 da CF para alterar a quantidade miacutenima de votos de membros de tribunais para declaraccedilatildeo de

inconstitucionalidade das leis condicionar o efeito vinculante de suacutemulas aprovadas pelo STF agrave aprovaccedilatildeo

pelo Poder Legislativo e submeter ao Congresso Nacional as decisotildees sobre inconstitucionalidade de Emendas

agrave Constituiccedilatildeo As alteraccedilotildees pretendidas com o prejeto especialemente as duas uacuteltimas que alargam a

competecircncia do Legislativo sugerem a introduccedilatildeo de um modelo de controle de constitucionalidade

semelhante ao weak form A PEC foi arquivada no dia 31012015 com o fim da legislatura em que foi proposta

nos termos do art 105 do regimento interno da Cacircmara dos Deputados

108 O paraacutegrafo uacutenico do artigo 28 da Lei nordm 9 868 de 10 de novembro de 1999 dispotildee que a declaraccedilatildeo de

constitucionalidade ou de inconstitucionalidade inclusive a interpretaccedilatildeo conforme a Constituiccedilatildeo e a

declaraccedilatildeo parcial de inconstitucionalidade sem reduccedilatildeo de texto tecircm eficaacutecia contra todos e efeito vinculante

em relaccedilatildeo aos oacutergatildeos do Poder Judiciaacuterio e agrave Administraccedilatildeo Puacuteblica federal estadual e municipal natildeo

incluindo nesse rol o Poder Legislativo

95

Pois bem da leitura do item b) acima percebe-se uma divergecircncia de

opiniatildeo dentro da proacutepria Corte a respeito do tema alguns ministros a maioria deles

adotaram um pensamento mais conservador e defensor da supremacia judicial no sentido de

considerar a reaccedilatildeo legislativa abusiva Outros principalmente o ministro Gilmar Mendes

optaram por um posicionamento mais tendente ao diaacutelogo reconhecendo a importacircncia de

uma postura mais aberta do Judiciaacuterio nesse sentido

Apesar do voto vencedor ter concluiacutedo pela inconstitucionalidade

formal da lei a anaacutelise do meacuterito natildeo deixou de ocorrer Todos os ministros engajaram-se a

debater o tema tratado pela lei e pela antiga Suacutemula novamente reacendendo o debate dois

anos depois Em que pese o entendimento da Corte ter permanecido o mesmo deve-se

reconhecer os benefiacutecios da reediccedilatildeo da lei no sentido de possibilitar um ldquosegundo olharrdquo

sobre o tema

Nesse aspecto do caso percebe-se a ideia desenvolvida por Kent

Roach109 ndash a qual se enquadra no grupo das teorias de princiacutepios juriacutedicos ndash em que a decisatildeo

judicial deve ser considerada como o iacutenicio do debate o qual prossegue mediante a resposta

legislativa por meio da ediccedilatildeo de leis ordinaacuterias reativas agrave essa decisatildeo e que assim

possibilitam que o tema volte a ser debatido pelo Judiciaacuterio e tambeacutem pelo Legislativo

Para o autor a devoluccedilatildeo do debate ao Judiciaacuterio por meio da resposta

legislativa eacute uma forma mais desejaacutevel de atuaccedilatildeo do legislador ao inveacutes da ou total

deferecircncia agraves decisotildees judiciais ou ainda da superaccedilatildeo da decisatildeo e imposiccedilatildeo do seu

entendimento como o sistema canadense possibilitar com a claacuteusula 33 Todavia tambeacutem

atenta para o lado negativo dessa praacutetica como jaacute se viu anteriormente

O caso traduz exatamente as criacuteticas dirigidas agrave essa teoria e sua

respectiva praacutetica pois viu-se que o legislativo pode simplesmente reeditar uma norma jaacute

considerada inconstitucional sem no entanto se preocupar em justificar a sua escolha

tampouco demonstrar a necessidade da medida mas apenas repetindo o conteuacutedo tal e qual

ao da norma anterior contrariando a expectativa de uma melhor e mais responsaacutevel atuaccedilatildeo

Eacute necessaacuterio perceber tambeacutem a postura ativista da Corte tendo em

vista que o entendimento que prevaleceu nesse caso foi pela impossibilidade de reediccedilatildeo de

109 Ver tambeacutem aleacutem das obras jaacute anteriormente citadas ROACH Kent Constitutional and Common Law

Dialogues between the Supreme Court and Canadian Legislatures Canadian Bar Review p 481-533 2001

96

uma norma jaacute declarada inconstitucional com uma clara intenccedilatildeo de preservar e rearfirmar

o seu poder110 o que evidencia mais uma dificuldade praacutetica da aplicaccedilatildeo das teorias dos

princiacutepios juriacutedicos dependentes da boa disposiccedilatildeo do Judiciaacuterio para abertura do debate e

ateacute para uma eventual deferecircncia agrave escolha legislativa

Em todo caso fato eacute que natildeo se pode considerar que no presente caso

houve um diaacutelogo sob o ponto de vista material concluindo consequentemente que as

teorias dialoacutegicas dos princiacutepios juriacutedicos na praacutetica natildeo se revelam apropriadas para a sua

consecuccedilatildeo Todavia vislumbra-se a tentativa de uma resposta legislativa ao protagonismo

Judicial que pode sob o ponto de vista formal ser considerada como um diaacutelogo

principalmente por ter levado o tema a ser debatido novamente pela Corte apesar da sua

postura mais conservadora conforme propotildee Tushnet111

Essa reaccedilatildeo legislativa ao contraacuterio do que pode parecer em um

primeiro momento natildeo eacute algo tatildeo raro no sistema brasileiro e pode ser encontrada tambeacutem

em diversos outros casos como veraacute na sequecircncia

15 Julgamento da accedilatildeo direta de inconstitucionalidade nordm 4543DF e a lei

131652015

a) Breve resumo do caso

Na Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade nordm 4543DF proposta pela

Procuradoria Geral da Repuacuteblica o Supremo Tribunal apreciou a incompatibilidade do artigo

5ordm da Lei 120342009 com o caput do artigo 14 da Constituiccedilatildeo Federal brasileira que

assegura o voto direto e secreto

O supracitado dispositivo legal previa a criaccedilatildeo do voto impresso a

partir do processo eleitoral de 2014 e possuiacutea a seguinte redaccedilatildeo

5o Fica criado a partir das eleiccedilotildees de 2014 inclusive o voto impresso

110 Neste sentido Barroso (2009) destaca que o primeiro impulso natural do poder eacute a auto-conservaccedilatildeo sendo

intuitivo que os representantes do poder em suas relaccedilotildees entre si ou com outros aotres poliacuteticos sejam eles

institucionais ou sociais procure demarcar e preservar seu espaccedilo de atuaccedilatildeo e sua autoridade

111 Ver toacutepicos 1012 1013 e 1014 que abordam as teorias dialoacutegicas de princiacutepios juriacutedicos sua

concretizaccedilatildeo no sistema canadense e respetivas criacuteticas

97

conferido pelo eleitor garantido o total sigilo do voto e observadas as

seguintes regras

sect 1o A maacutequina de votar exibiraacute para o eleitor primeiramente as telas

referentes agraves eleiccedilotildees proporcionais em seguida as referentes agraves eleiccedilotildees

majoritaacuterias finalmente o voto completo para conferecircncia visual do eleitor

e confirmaccedilatildeo final do voto

sect 2o Apoacutes a confirmaccedilatildeo final do voto pelo eleitor a urna eletrocircnica

imprimiraacute um nuacutemero uacutenico de identificaccedilatildeo do voto associado agrave sua proacutepria

assinatura digital

sect 3o O voto deveraacute ser depositado de forma automaacutetica sem contato

manual do eleitor em local previamente lacrado (grifou-se)

sect 4o Apoacutes o fim da votaccedilatildeo a Justiccedila Eleitoral realizaraacute em audiecircncia

puacuteblica auditoria independente do software mediante o sorteio de 2 (dois

por cento) das urnas eletrocircnicas de cada Zona Eleitoral respeitado o limite

miacutenimo de 3 (trecircs) maacutequinas por municiacutepio que deveratildeo ter seus votos em

papel contados e comparados com os resultados apresentados pelo

respectivo boletim de urna

sect 5o Eacute permitido o uso de identificaccedilatildeo do eleitor por sua biometria ou pela

digitaccedilatildeo do seu nome ou nuacutemero de eleitor desde que a maacutequina de

identificar natildeo tenha nenhuma conexatildeo com a urna eletrocircnica

O Supremo considerou a lei inconstitucional com base em diversos

argumentos alegando resumidamente que a criaccedilatildeo do voto impresso representaria um

retrocesso para o sistema eleitoral brasileiro que atualmente conta com um moderno e

eficiente aparato de votaccedilatildeo eletrocircnica e seria uma ameaccedila ao sigilo garantido

constitucionalmente afirmando a proibiccedilatildeo de qualquer tipo de identificaccedilatildeo do eleitor no

exerciacutecio do voto ou no proacuteprio voto

A accedilatildeo foi julgada procedente por unanimidade nos termos do voto do

Ministro Relator poreacutem eacute interessante destacar o voto do Ministro Luiacutes Roberto Barroso o

qual aduziu expressamente a importacircncia de que o Judiciaacuterio conserve uma postura de

humildade institucional sendo deferente agraves escolhas poliacuteticas do Legislador que natildeo sejam

claramente irrazoaacuteveis Em resposta o Ministro Luiz Fux afirmou que muito embora

98

concorde com a deferecircncia que deve ser dada ao Legislativo em certos casos eacute preciso que

o Supremo exerccedila a funccedilatildeo contramajoritaacuteria ou seja contra a Casa do Povo principalmente

naquelas hipoacuteteses em que haacute uma ameaccedila a direito fundamental

Pouco mais de um ano apoacutes o referido julgamento o Legislativo

promulgou a Lei nordm 131652015 conhecida como ldquolei da minireforma eleitoralrdquo por

introduzir significativas alteraccedilotildees ao Coacutedigo Eleitoral a qual em seu artigo 2ordm deu nova

redaccedilatildeo ao Artigo 59-A do referido Coacutedigo nos seguintes termos

Art 59-A No processo de votaccedilatildeo eletrocircnica a urna imprimiraacute o

registro de cada voto que seraacute depositado de forma automaacutetica e sem

contato manual do eleitor em local previamente lacrado (grifou-se)

Paraacutegrafo uacutenico O processo de votaccedilatildeo natildeo seraacute concluiacutedo ateacute que o

eleitor confirme a correspondecircncia entre o teor de seu voto e o registro

impresso e exibido pela urna eletrocircnica

Da simples leitura do dispositivo acima percebe-se que o que o

Legislativo fez foi reeditar uma norma com igual objeto ao da anteriormente declarada

inconstitucional pela Corte Entretanto algumas alteraccedilotildees no texto satildeo notoacuterias sobretudo

no tocante a retirada da previsatildeo de um nuacutemero uacutenico de identificaccedilatildeo do voto associado agrave

proacutepria assinatura digital e da auditoria pela Justiccedila Eleitoral

Percebe-se entatildeo mais uma vez a ocorrecircncia de uma reaccedilatildeo legislativa

por meio da ediccedilatildeo de lei ordinaacuteria tendo em vista o desacordo do legislador com o

entendimento proferido pela Corte

b) Anaacutelise do caso pelo prisma das Teorias do Diaacutelogo Institucional

Observa-se claramente no presente caso a possibilidade concreta do

Legislativo brasileiro reeditar uma norma de igual objeto e com redaccedilatildeo semelhante e igual

objeto de outra jaacute declarada inconstitucional pelo STF

O caso eacute similar ao antes descrito poreacutem naquele a norma anterior que

estava sendo reeditada natildeo era uma lei ordinaacuteria criada pelo legislativo mas sim uma Suacutemula

editada pela proacutepria Corte Neste caso jaacute se nota duas normas editadas pelo mesmo oacutergatildeo

99

com o mesmo objeto e em um lapso temporal relativamente curto a primeira jaacute considerada

inconstitucional e a segunda ateacute o momento vaacutelida

Se observar-se o caso pela vertente do conteuacutedo daquelas teorias

dialoacutegicas que consideram a reediccedilatildeo de norma idecircntica como uma forma de diaacutelogo chegar-

se-aacute a conclusatildeo que esse pode ser mais um exemplo de diaacutelogo no seu sentido formal assim

como o narrado acima

O caso encaixa-se perfeitamente na descriccedilatildeo convencional de diaacutelogo

sintetizada por Tushnet eis que respeita a execuccedilatildeo de todos os passos descritos pelo autor

todavia conceber a resposta legislativa neste caso como uma forma de diaacutelogo pode ser

considerado como algo positivo ou natildeo a depender do ponto de vista adotado

Pode-se considerar a reaccedilatildeo legislativa tanto como uma afronta agrave

decisatildeo judicial na tentativa de manter uma legislaccedilatildeo flagrantemente inconstitucional em

vigor protegendo seus proacuteprios interesses poliacuteticos ou podemos interpretar a reaccedilatildeo

legislativa tambeacutem como uma manifestaccedilatildeo de deferecircncia agrave decisatildeo judicial sendo uma

revisatildeo da lei anterior

Menciona-se isso porque natildeo se pode ignorar o fato de o texto da

segunda lei ser muito mais sucinto que o da primeira sobretudo por ter sido retirada da sua

redaccedilatildeo alguns aspectos especiacuteficos que foram impugnados pelo Supremo Nesse aspecto

se adotada uma visatildeo positiva poder-se-ia dizer que o resultado esperado pelos defensores

dessa praacutetica foi atingido ocasionando uma atuaccedilatildeo mais responsaacutevel do Legislativo o qual

teria levado em conta as observaccedilotildees do Judiciaacuterio para a elaboraccedilatildeo de uma medida mais

satisfatoacuteria que a anterior

Se observada a reaccedilatildeo legislativa sob esse entendimento poder-se-aacute

dizer que houve no presente caso - conforme o sentido empregado por Tremblay (2000) -

uma ldquoconversardquo entre entre Judiciaacuterio e Legislativo que resultou em uma medida legislativa

criada mediante o compartilhamento das visotildees de ambos os Poderes

Entretanto eacute necessaacuterio destacar que a intenccedilatildeo do Legislativo natildeo resta

clara pois ao mesmo tempo que modificou em alguns aspectos o texto anteriormente

editado tambeacutem manteve o seu principal objeto o qual jaacute havia sido flagrantemente

considerado inconstitucional pela Corte

100

Dessa forma ao mesmo tempo em que se pode vislumbrar a ocorrecircncia

de um diaacutelogo tambeacutem se pode encarar o tipo de resposta legislativa dada neste caso como

uma atuaccedilatildeo abusiva a qual natildeo poderaacute ser entendida como dialoacutegica

Essa ambiguidade demonstra que nem toda forma de resposta

legislativa deve ser encarada sob o ponto de vista dialoacutegico sob pena de enfraquecimento

das proacuteprias teorias dialoacutegicas do esvaziamento do seu potencial Eacute nesse aspecto que a

descriccedilatildeo convencional de diaacutelogo apresenta falha

O que o diaacutelogo institucional - entendido na sua melhor forma -

preceitua natildeo eacute uma imposiccedilatildeo de pontos de vista muito menos a simples deferecircncia de um

Poder para com o outro mas sim uma efetiva troca de argumentos por isso eacute preciso que

haja uma anaacutelise qualitativa das respostas legislativas para soacute assim poder enquadraacute-las

como uma manifestaccedilatildeo dialoacutegica e natildeo apenas considerar que o simples fato da sua

possibilidade existir jaacute eacute uma evidecircncia de diaacutelogo (PETTER 2007)

Como jaacute analisado anteriormente em toacutepico especiacutefico a metodologia

de diaacutelogo que verificamos nos dois casos expostos ateacute aqui eacute alvo de muitas criacuteticas poreacutem

tambeacutem possui alguns aspectos postivos que natildeo podem ser desconsiderados os quais ficam

melhor evidenciados por meio da anaacutelise do caso que a seguir seraacute exposto

16 Julgamento da accedilatildeo direta de inconstitucionalide nordm 3772DF ndash a suacutemula 726

do STF e a lei nordm 113012006

a) Breve resumo do caso

Trata-se da anaacutelise da constitucionalidade da Lei nordm 113012006 que

alargou o conceito de funccedilotildees de Magisteacuterio para efeitos de aplicaccedilatildeo do paraacutegrafo 5ordm do

artigo 40 e do paraacutegrafo 8ordm do artigo 201 da CF88 mediante Accedilatildeo Direta de

Constitucionalidade proposta pelo Procurador Geral da Repuacuteblica

Em suma o que a lei questionada apresentou foi uma introduccedilatildeo de um

paraacutegrafo segundo na Lei nordm 93941996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo Nacional)

com a seguinte redaccedilatildeo ldquoPara os efeitos do disposto no sect 5ordm do art 40 e no sect 8o do art 201

da Constituiccedilatildeo Federal satildeo consideradas funccedilotildees de magisteacuterio as exercidas por professores

e especialistas em educaccedilatildeo no desempenho de atividades educativas quando exercidas em

101

estabelecimento de educaccedilatildeo baacutesica em seus diversos niacuteveis e modalidades incluiacutedas aleacutem

do exerciacutecio da docecircncia as de direccedilatildeo de unidade escolar e as de coordenaccedilatildeo e

assessoramento pedagoacutegicordquo

Os respectivos dispositivos constitucionais tratam da aposentadoria

especial para professores prevendo uma reduccedilatildeo do tempo de serviccedilo exigido para tanto

Sobre esse aspecto o STF jaacute havia editado a Suacutemula 726 com a seguinte redaccedilatildeo para efeito

de aposentadoria especial de professores natildeo se computa o tempo de serviccedilo prestado fora

da sala de aula

O referido verbete foi resultado do julgamento da ADI 2253 onde ao

interpretar a Constituiccedilatildeo o Supremo Tribunal firmou o entendimento de que as funccedilotildees de

magisteacuterio referidas pela Carta Magna seriam apenas as da proacutepria atividade fim do

professor ou seja definiu a docecircncia como atividade exclusiva de sala de aula

Desta forma mais uma vez o Legislativo editou lei contraacuteria agrave

interpretaccedilatildeo constitucional jaacute exarada e sumulada pela Corte Contudo nessa ocasiatildeo o

resultado praacutetico foi diferente dos verificados nos casos acima

Primeiro natildeo houve debate acerca da possibilidade da ediccedilatildeo de uma

lei contraacuteria a decisatildeo jaacute proferida pelo STF mas sim uma mudanccedila no entendimento

anteriormente traccedilado apoacutes um intenso debate sobre o assunto

Poderia o Supremo Tribunal ter declarado a inconstitucionalidade da

norma sem muita dificuldade bastava manter o posicionamento anterior relativo a

impossibilidade de alargamento do benefiacutecio da aposentadoria especial aos profissionais

ldquoespecialistas em educaccedilatildeordquo entretanto optou por modificar seu entendimento parcialmente

e adaptaacute-lo para julgar a accedilatildeo parcialmente procedente mantendo a validade da lei e traccedilando

a correta interpretaccedilatildeo da mesma nos seguintes termos

I ndash A funccedilatildeo de magisteacuterio natildeo se circunscreve apenas ao trabalho em sala

de aula abrangendo tambeacutem a preparaccedilatildeo de aulas a correccedilatildeo de provas

o atendimento aos pais e alunos o assessoramento pedagoacutegico e ainda a

direccedilatildeo de unidade escolar

II ndash As funccedilotildees de direccedilatildeo coordenaccedilatildeo e assessoramento pedagoacutegico

integram a carreira de magisteacuterio desde que exercidos em

estabelecimentos de ensino baacutesico por professores de carreira excluiacutedos

102

os especialistas em educaccedilatildeo fazendo jus aqueles que as desempenham ao

regime especial de aposentadoria estabelecido nos sect 5ordm do art 40 e no sect

8o do art 201 da Constituiccedilatildeo Federal

b) Anaacutelise do caso pelo prisma das Teorias do Diaacutelogo Institucional

Vecirc-se no presente caso um posicionamento da Corte totalmente

contraacuterio ao demonstrado anteriormente Aqui o STF admitiu a superaccedilatildeo da sua decisatildeo por

lei ordinaacuteria esforccedilando-se ainda para traccedilar um entendimento compatiacutevel da lei com a

Constituiccedilatildeo quando poderia tecirc-la simplesmente anulado

Neste caso constata-se o benefiacutecio da praacutetica legislativa que mesmo

ciente do entendimento jaacute fixado pelo Judiciaacuterio forccedilou a reediccedilatildeo da lei como forma de

levantar novamente o debate acerca do tema o qual resultou positivo no tocante a efetivaccedilatildeo

de direito fundamental ampliando o rol de beneficiados com a aposentadoria especial dos

professores

Percebe-se neste ponto que o resultado beneacutefico esperado da praacutetica

das teorias dialoacutegicas dos princiacutepios juriacutedicos pautadas em uma articulaccedilatildeo legislativa no

sentido de propiciar um novo debate sobre determinado tema por meio da ediccedilatildeo de uma lei

ordinaacuteria eacute possiacutevel todavia fica claro que para que haja esse efeito positivo eacute necessaacuteria

uma abertura da Corte uma aceitaccedilatildeo ao novo enfrentamento e possibilidade de modificaccedilatildeo

do antigo posicionamento

O caso revela portanto uma importante criacutetica das teorias dialoacutegicas

nenhuma delas prevecirc uma forma de diaacutelogo que na praacutetica deva e possa ocorrer independente

da vontade das institiuiccedilotildees No mesmo sentido a descriccedilatildeo convencional de diaacutelogo exposta

por Tushnet para que resulte positiva necessita da vontade poliacutetica dos agentes

Por outro lado mais uma vez percebe-se que mesmo natildeo havendo no

sistema brasileiro qualquer previsatildeo expressa de um mecanismo estrutural dialoacutegico esse

diaacutelogo pode ocorrer como fruto do proacuteprio princiacutepio da separaccedilatildeo de poderes evidenciando

assim o que preceituam as teorias de construccedilatildeo coordenada jaacute tratadas no toacutepico 101 ou

seja que o diaacutelogo pode se materializar mesmo em um sistema onde haacute uma supremacia

judicial expressa pela proacutepria Constituiccedilatildeo

103

Mediante a leitura do presente caso percebe-se ainda que as respostas

proferidas no acircmbito da interpretaccedilatildeo constitucional estatildeo sujeitas agrave constantes mudanccedilas

que natildeo haacute uma resposta definitiva sendo entatildeo importante a interaccedilatildeo entre os Poderes

justamente para possbilitar a construccedilatildeo de novas respostas condizentes com a realidade e

mais aceitaacuteveis no seio social conforme a ideia do diaacutelogo institucional pressupotildee

Neste sentido revela-se a pertinecircncia dos ensinamentos de Waldron da

necessidade de um modelo de controle judicial das leis onde natildeo haja invariavelmente a

predominacircncia do Judiciaacuterio sendo necessaacuterio o debate acerca das questotildees constitucionais

mais complexas e natildeo a simples prevalecircncia do entendimento judicial112

Outro ponto do caso que merece destaque eacute a praacutetica da ldquointerpretaccedilatildeo

conformerdquo utilizada pelo Supremo Vecirc-se que houve uma busca por uma interpreteccedilatildeo

compatiacutevel com a Constituiccedilatildeo a fim de manter a validade da medida editada pelo

Legislativo poreacutem com uma relativa alteraccedilatildeo do sentido orginal conferido pelo legislador

Nesse aspecto a teacutecnica decisoacuteria utilizada pela Corte se assemelha ao

mandado interpretativo presente em alguns ordenamentos como jaacute abordou-se113 onde o

Judiciaacuterio possui o dever de buscar uma interpretaccedilatildeo legal compatiacutevel com o Bill of Rights

O que as difere em suma eacute o fato de que o Tribunal brasileiro natildeo

possui a ldquoobrigaccedilatildeordquo de dar uma intepretaccedilatildeo conforme a Constituiccedilatildeo podendo declarar a

lei inconstitucional e proceder a sua consequente invalidaccedilatildeo quando entender que natildeo eacute

possiacutevel adequar a interpretaccedilatildeo aos preceitos constitucionais ao contraacuterio do que ocorre no

Reino Unido e Nova Zelacircndia onde o Judiciaacuterio natildeo pode anular a lei quando natildeo conseguir

vislumbrar nenhuma interpretaccedilatildeo harmonizaacutevel com a Constituiccedilatildeo

Dito isso percebe-se que nesse caso natildeo houve uma simples deferecircncia

do Judiciaacuterio ao ato legislativo havendo a reinvenccedilatildeo do debate com a adoccedilatildeo de novos

posicionamentos buscando o Tribunal natildeo apenas a simples invalidaccedilatildeo do dispositivo legal

mas sim se esforccedilando para encontrar a sua melhor interpretaccedilatildeo de acordo com os preceitos

constitucionais preservando a norma editada pelo legislador

Sob esse ponto de vista essa praacutetica interpretativa pode ser vista como

112 Sobre os ensinamentos do autor leia-se toacutepico 4 113 Ver toacutepico 13

104

dialoacutegica eis que houve uma reaccedilatildeo legislativa agrave decisatildeo judicial inicial um novo debate a

modificaccedilatildeo do entendimento pelo Judiciaacuterio que resultou na manutenccedilatildeo da nova lei com

um sentido em conformidade com os preceitos constitucionais

Tushnet ao detalhar a descriccedilatildeo convencional de diaacutelogo menciona a

possibilidade de o Judiciaacuterio de defender o estatuto legal compatibilizando-o com as normas

constitucionais Nessa perspectiva a interpretaccedilatildeo conforme pode ser vista como uma

medida de defesa da lei da sua soberania e respeito a atuaccedilatildeo do Legislativo

Na oacutetica dos diaacutelogos pode-se dizer que houve um ldquodebaterdquo entre o

Legislativo e Judiciaacuterio provocado por meio das decisotildees judiciais e reediccedilatildeo da medida

legislativa com a sua subsequente anaacutelise judicial

Estatildeo presentes portanto todos os passos da descriccedilatildeo de diaacutelogo

elaborada por Tushnet Entretanto deve-se ressaltar que ao mesmo tempo que a postura

judicial nesse caso pode ser considerada como dialoacutegica pois admitiu a nova medida

legislativa mesmo que contraacuteria ao seu posicionamento tambeacutem pode ser considerada uma

conduta ativista eis que modificou o sentido original que o Legislador pretendeu conferir a

lei Sobre esta praacutetica eacute necessaacuterio observar alguns aspectos especiacuteficos

O princiacutepio da interpretaccedilatildeo conforme a Constituiccedilatildeo possui

unicamente a funccedilatildeo de operar como meacutetodo ldquocomplementarrdquo de interpretaccedilatildeo face a outros

criteacuterios ou meacutetodos interpretativos limita-se a ldquodesenvolverrdquo e ldquocomplementarrdquo as regras

de hermenecircutica apresenta-se basicamente como um postulado inserido num processo de

controle de normas (QUEIROZ 2010)

Eacute no domiacutenio do controle de constitucionalidade que este princiacutepio

ganha mais autonomia antes de declarar uma lei inconstitucional o juiz ou juiacutezes

encarregados do controle tecircm o dever de em via interpretativa buscar um sentido que ainda

estribado no seu enunciado linguiacutestico e ainda respeitador do texto constitucional permita

salvar a mesma (URBANO 2010 p 414)

Todavia o problema deste postulado estaacute na sua aplicaccedilatildeo pelo

Supremo Tribunal Federal que muitas vezes usa dessa justificativa para legitimar uma

postura extremamente ativista e violadora do princiacutepio da separaccedilatildeo de poderes

extrapolando os limites de sua competecircncia e reduzindo significativamente a margem de

atuaccedilatildeo do legislador e podendo ainda falsear a sua vontade original

105

Portanto para que se possa encarar essa praacutetica como beneacutefica e sob o

ponto de vista dialoacutegico eacute necessaacuterio que ela seja limitada a interpretaccedilatildeo proferida pelo

Tribunal ainda tem que ter alguma sustentaccedilatildeo no texto original tem que ser uma

interpretaccedilatildeo plausiacutevel (URBANO 2014 p 417)

Apesar disso eacute possiacutevel avistar uma deliberaccedilatildeo entre os Poderes

sugerindo a concretizaccedilatildeo de um diaacutelogo mais proacuteximo ao ideal esperadoentretanto natildeo se

deve afirmar que houve a concretizaccedilatildeo de um diaacutelogo material como a teoria idealiza mas

acredita-se que essa eacute a praacutetica mais proacutexima do mesmo dentre as jaacute analisadas ateacute aqui

poreacutem a mesma tambeacutem apresenta falhas e alguns riscos

17 Julgamento da accedilatildeo direta de inconstitucionalidade por omissatildeo nordm

3382MT

a) Breve resumo do caso

A Assembleacuteia Legislativa do Estado de Mato Grosso propocircs Accedilatildeo

Direta de Inconstitucionalidade questionando a inatividade do legislador quanto ao dever de

elaborar lei complementar a que se refere o sect4ordm do artigo 18 da Constituiccedilatildeo Federal

O referido dispostivo constitucional dispotildee que a criaccedilatildeo a

incorporaccedilatildeo a fusatildeo e o desmembramento de Municiacutepios far-se-atildeo por lei estadual dentro

do periacuteodo determinado por Lei Complementar Federal e dependeratildeo de consulta preacutevia

mediante plebiscito agraves populaccedilotildees dos Municiacutepios envolvidos apoacutes divulgaccedilatildeo dos Estudos

de Viabilidade Municipal apresentados e publicados na forma da lei Ou seja impotildee ao

legislador o dever de editar lei complementar para definiccedilatildeo do prazo

A redaccedilatildeo do dispositivo foi dada pela Emenda Constitucional nordm

151996114 e a accedilatildeo foi julgada procedente em 2007 O STF entendeu que o legislador

encontrava-se em mora haacute mais de dez anos descumprindo o seu dever constitucional de

legislar considerando portanto a omissatildeo inconstitucional e determinando um prazo de 18

meses para suprir a omissatildeo

114 Antes da EC 151996 qualquer alteraccedilatildeo dos entes federativos municipais era feita por um processo simples

atraveacutes de lei estadual assim a emenda constitucional visou na realidade dificultar essas alteraccedilotildees

106

Diversas accedilotildees tambeacutem foram propostas questionando a criaccedilatildeo de

alguns municiacutepios mesma na ausecircncia da lei115 o STF julgou as respectivas leis estaduais

que os criam inconstitucionais poreacutem sem declarar a sua nulidade modulando os efeitos da

decisatildeo no sentido de garantir a validade da lei por um periacuteodo de vinte e quatro meses

tempo superior ao que fixou para que o Legislativo sanasse a omissatildeo portanto

Relevante destacar que no acoacuterdatildeo a Corte ponderou que a ineacutercia

legislativa acabou dando ensejo agrave consolidaccedilatildeo e conformaccedilatildeo de estados de

inconstitucionalidade que natildeo podem ser ignorados pelo legislador na elaboraccedilatildeo da lei

complementar determinando assim que quando da ediccedilatildeo da lei o Legislativo contemplasse

as situaccedilotildees imperfeitas decorrentes desse estado de inconstitucionalidade gerado pela sua

omissatildeo esclarecendo ainda que o prazo de dezoito meses natildeo se trata de uma imposiccedilatildeo de

limite temporal para atuaccedilatildeo legislativa mas apenas da fixaccedilatildeo de um paracircmetro razoaacutevel

A resposta legislativa veio por meio da ediccedilatildeo da Emenda

Constitucional nordm 572008 a qual convalidou os atos de criaccedilatildeo fusatildeo incorporaccedilatildeo e

desmembramento de municiacutepios cuja lei tenha sido publicada ateacute 31 de dezembro de 2006

atendidos os requisitos estabelecidos na legislaccedilatildeo do respectivo Estado agrave eacutepoca de sua

criaccedilatildeo

Dessa forma o Legislativo cumpriu com a determinaccedilatildeo do STF

relativa ao tratamento das imperfeiccedilotildees geradas pela sua omissatildeo propondo a respectiva

soluccedilatildeo Entretanto no tocante a ediccedilatildeo da lei complementar para a fixaccedilatildeo do prazo exigido

pelo dispositivo constitucional haacute um embate contiacutenuo com o Poder Executivo

A primeira tentativa de legislar sobre o assunto ocorreu com o Projeto

de Lei do Senado Federal ndash PLS nordm 982002 o qual foi objeto de veto poliacutetico do Executivo

sob o argumento de contrariedade ao interesse puacuteblico A segunda tentativa se deu pelo PLS

nordm 1042014 o qual tambeacutem foi vetado pelo Executivo com base no mesmo argumento e haacute

uma terceira tentativa ainda em tramitaccedilatildeo que eacute o PLS nordm 1992015

As razotildees que levaram o Executivo a barrar a promulgaccedilatildeo da lei foram

de ordem orccedilamentaacuteria jaacute que a criaccedilatildeo de novos entes federativos representaria o aumento

das despesas com a estrutura da administraccedilatildeo puacuteblica razotildees essas expressas na Mensagem

115 Ver ADI 2240BA ADI 3316MT ADI 3489SC ADI 3689PA

107

nordm 505 de 12 de dezembro de 2013116 emitida pela Presidente da Repuacuteblica na ocasiatildeo do

veto

A questatildeo ainda estaacute pendente de regulamentaccedilatildeo mesmo apoacutes o

esgotamento do prazo fixado pelo STF todavia natildeo por falta de iniciativa do Legislativo

como se pode ver mas sim por contrariar os interesses do Executivo que por isso vem

dificultando a promulgaccedilatildeo da medida

b) Anaacutelise do caso pelo prisma das Teorias do Diaacutelogo Institucional

No caso narrado encontram-se diferentes pormenores que podem

indicar a presenccedila de teorias dialoacutegicas na praacutetica brasileira sendo assim far-se-aacute a anaacutelise

pontual de cada um

O STF ao realizar o controle de constitucionalidade da omissatildeo

legislativa neste caso considerou a falta de accedilatildeo do legislador como uma conduta

incompatiacutevel com o seu dever constitucional de legislar e determinou um prazo para que

suprisse essa omissatildeo Neste aspecto se evidencia a ideia do Judiciaacuterio como ente

propiciador do diaacutelogo provocando o Legislativo a agir por intermeacutedio da decisatildeo judicial

extamente como alguns teoacutericos sugerem

Como abordou-se no toacutepico 82 a decisatildeo que emana do controle de

constitucionalidade da omissatildeo legislativa pode ser considerada como um mecanismo

diaacutelogico por si soacute sob o ponto de vista das teorias dialoacutegicas centradas no processo A

mesma tambeacutem eacute facilmente enquadrada na concepeccedilatildeo convencional descrita por Tsuhnet

No caso em anaacutelise pode-se ainda identifcar a presenccedila da concepccedilatildeo

dialoacutegica desenvolvida por Dixon segundo a qual o Judiciaacuterio deve agir no sentido de

superar a ineacutercia do Legislativo poreacutem sem comprometer a sua liberdade de conformaccedilatildeo117

Ou seja no presente caso verifica-se a presenccedila das teorias fundadas no meacutetodo judicial onde

o Judiciaacuterio atua como o ente propiciador do diaacutelogo o qual ocorre dentro da proacutepria decisatildeo

judicial

Seguindo essa linha de raciociacutenio eacute possiacutevel notar que o proacuteprio STF

116 Iacutentegra disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrccivil_03_Ato2011-20142013MsgVetVET-505htm

117 Falamos mais especificamente dos ensinamentos de Dixon no toacutepico 9

108

ao pronunciar que o prazo fixado na decisatildeo natildeo objetiva estabeler um limite temporal para

condicionar a accedilatildeo legislativa mas tatildeo somente uma estipulaccedilatildeo de lapso temporal razoaacutevel

preocupou-se em deixar clara a necessidade de manutenccedilatildeo de certa liberdade de atuaccedilatildeo

daquele Poder

Todavia por outro acircngulo o Tribunal determinou que o Legislativo

quando fosse suprir a omissatildeo e regular a mateacuteria a fim de cumprir o seu dever

constitucional necessariamente cuidasse das situaccedilotildees imperfeitas ocasionadas pelo seu

estado de ineacutercia Neste particular encontra-se presente na praacutetica a teoria do

aconselhamento118 onde o Judiciaacuterio profere um direcionamento agrave atuaccedilatildeo do Legislativo

Neste caso o aconselhamento foi realizado de uma forma contida o

Supremo indicou a necessidade de soluccedilatildeo das questotildees mas natildeo determinou como e quais

as medidas a serem adotadas deixando a escolha a cargo do Legislativo Neste ponto a

conduta do Judiciaacuterio merece ser observada sob o aspecto positivo das teorias do

aconselhamento o qual reside na busca de evitar futuros problemas constitucionais por meio

da orientaccedilatildeo do Legislativo por meio de decisotildees judiciais

Nota-se que ao mesmo tempo em que o STF controla a sua atividade no

sentido de natildeo comprometer a liberdade do legislador ao fixar o prazo para a sua atuaccedilatildeo

entende necessaacuterio traccedilar algumas diretrizes para a superaccedilatildeo da inconstitucionalidade

constatada Neste caso em particular como se disse a atuaccedilatildeo do Judiciaacuterio foi de certa

forma contida poreacutem a praacutetica reflete a procedecircncia das principais criacuteticas dirigidas agrave essa

forma de diaacutelogo a qual para sua materializaccedilatildeo depende fortemente da consciecircncia e

vontade do Judiciaacuterio

Outro aspecto relevante que tambeacutem pode ser entendido como parte da

trama dialoacutegica presente no caso diz respeito a modulaccedilatildeo temporal dos efeitos da decisatildeo

quando da apreciaccedilatildeo da constitucionalidade das leis dos muniacutecipios que jaacute haviam sido

criados

O STF poderia simplesmente ter deixado os efeitos de nulidade da

declaraccedilatildeo de inconstitucionalidade se perpetuarem poreacutem tendo em mente os prejuiacutezos

que isso poderia acarretar optou por estabelecer efeitos pro futuro permitindo ao Legislativo

118 Ver toacutepico 81

109

a resoluccedilatildeo do problema por uma via menos danosa

A modulaccedilatildeo dos efeitos temporais da sentenccedila tambeacutem eacute uma praacutetica

que se coaduna com as teorias dialoacutegicas fundadas no meacutetodo judicial conforme jaacute se falou

no toacutepico 822 pois por meio dela o Judiciaacuterio condiciona os efeitos praacuteticos da sua decisatildeo

dando a oportunidade ao legislativo de corrigir ou reeditar a lei assim dode-se dizer que por

intermeacutedio dela o Judiciaacuterio instiga o legislador ao diaacutelogo

No tocante a resposta legislativa presente neste caso incialmente vale

destacar que a mesma se deu em um intervalo de tempo razoaacutevel e que o Legislativo buscou

acatar a orientaccedilatildeo da Corte todavia foi impedido de fazecirc-lo em sua completude pelos

interesses do Executivo o que acaba por retratar bem na praacutetica mais uma das dificuldades

da consolidaccedilatildeo das teorias dialoacutegicas

Pelo exposto depreende-se que o sistema brasileiro natildeo eacute alheio agraves

teorias dialoacutegicas pelo contraacuterio muitas delas estatildeo presentes em seu cotidiano A expressa

supremacia judicial e falta de familiariedade com um sistema parlamentar ndash que inicialmente

poderiam gerar duacutevidas quanto a possibilidade do diaacutelogo ndash natildeo se traduzem portanto em

uma impossibilidade completa de aplicaccedilatildeo das teorias dialoacutegicas agrave realidade brasileira

Por oacutebvio as suas manifestaccedilotildees praacuteticas satildeo peculiares e fortemente

influenciadas pela cultura e histoacuteria do paiacutes uma democracia recente e com um Legislativo

que enfrenta grande crise de representatividade o que faz com que em regra o entendimento

que prevaleccedila seja o do Judiciaacuterio

Ainda assim constata-se uma inclinaccedilatildeo do Legislativo para reagir agraves

decisotildees judiciais e natildeo simplesmente acataacute-las em sinal de uma total deferecircncia agrave um

entendimento superior Os ganhos e as perdas dessa reaccedilatildeo iratildeo depender do caso concreto

dos interesses que estatildeo em jogo podendo ser uma praacutetica temeraacuteria ou positiva como jaacute

verificou-se ao longo desse trabalho

18 Diaacutelogo institucional siacutentese dos aspectos controversos e algumas

consideraccedilotildees acerca da sua consecuccedilatildeo praacutetica

De todo o exposto ateacute aqui resta-no os seguintes questionamentos

110

Pode-se considerar o diaacutelogo institucional como uma possibilidade praacutetica viaacutevel Essa

praacutetica tem de fato o condatildeo de dirimir os conflitos relativos a legitimidade democraacutetica do

judicial review Pode ser considerado como um instrumento de combate ao ativismo judicial

ou seria mais uma forma de dissimulaccedilatildeo desse fenocircmeno

Apresentar respostas exatas a essas questotildees utlrapassa a pretensatildeo

deste trabalho ateacute mesmo porque se reconhece que natildeo haacute apenas uma via de conclusatildeo para

as mesmas em virtude da complexidade que elas envolvem Contudo objetiva-se fazer uma

reflexatildeo acerca desses questionamentos como resultado do presente trabalho de forma a

contribuir para o incremento do debate acadecircmico

No que diz respeito agrave resoluccedilatildeo dos conflitos ligados agrave legitimidade

democraacutetica do judicial review acredita-se que esta praacutetica estaacute longe de apresentar uma

soluccedilatildeo definitiva sendo um tanto pretenciosa nesse sentido pois como jaacute tratado no toacutepico

4 a discussatildeo relativa a dificuldade democraacutetica do judicial review eacute algo que lhe acompanha

a contar do seu surgimento desde sempre os estudiosos tentam justificar baseados em um

tradicional conjunto de argumentos as razotildees pelas quais juiacutezes natildeo eleitos pelo povo podem

e devem realizar um controle dos atos do legislativo com poder para declarar a sua

inconstitucionalidade e tambeacutem anulaacute-los

Natildeo se quer com isso dizer que natildeo haacute uma soluccedilatildeo para o conflito mas

sim que as teorias dialoacutegicas ao mesmo tempo que buscam e propotildeem uma soluccedilatildeo quando

materializadas na praacutetica natildeo eliminam totalmente alguns dos velhos problemas

Como viu-se a promessa da teoria dos diaacutelogos institucionais eacute

proporcionar um reequiliacutebrio entre os Poderes reconhecendo a importacircncia e competecircncias

especiacuteficas de cada um no acircmbito da jurisdiccedilatildeo constitucional sugerindo uma atuaccedilatildeo

conjunta mediante verdadeira deliberaccedilatildeo entre os braccedilos do Poder para chegar em um

consenso que seja melhor para a sociedade proporcionando assim um resultado mais eficaz

e duradouro

Do ponto de vista teoacuterico a ideia parece suficiente para solucionar o

problema principalmente nas concepccedilotildees dialoacutegicas desenvolvidas por Hiebert119 e

Bateup120 que ideliazam a realizaccedilatildeo de um diaacutelogo material sem a predominacircncia de

119 Ver toacutepico 11 que trata da teoria da parceria

120 Ver toacutepico 12 que trata da fusatildeo dialoacutegica

111

nenhum dos poderes mas sim de uma verdadeira atuaccedilatildeo conjunta

Poreacutem da anaacutelise dos exemplos praacuteticos de cada teoria e da aplicaccedilatildeo

das mesmas nos casos concretos no sistema brasileiro eacute faacutecil concluir que o exerciacutecio da

jurisdiccedilatildeo constitucional na grande maioria das vezes para natildeo dizer em todas elas resultaraacute

na prevalecircncia do entendimento de um dos atores envolvidos por vezes seraacute o Legislativo o

protagonista e por outras o Judiciaacuterio Apesar de todos os esforccedilos teoacutericos a praacutetica revela

que sempre haveraacute uma uacuteltima palavra o que eacute algo inerente ao proacuteprio sistema de revisatildeo

constitucional das leis

Acredita-se portanto que natildeo se deve desconsiderar a real existecircncia

de uma uacuteltima palavra jaacute que ela sempre iraacute existir mas sim enxergaacute-la e estimular que ela

seja ldquoprovisoacuteriardquo no sentindo de que pode ser constantemente reformulada e alterada

mediante a interaccedilatildeo entre os Poderes por meio do aprofundamento do debate e maior

possibilidade de troca de argumentos buscando sempre o melhor entendimento no acircmbito

da interpretaccedilatildeo constitucional

A existecircncia da uacuteltima palavra portanto deve estar relacionada a

preponderacircncia e maior efetividade dos direitos fundamentais e natildeo necessariamente

atrelada a prevalecircncia uniforme do entendimento de um uacutenico braccedilo do Poder Esse eacute o

principal contributo a ser extraiacutedo das teorias dialoacutegicas no tocante a resoluccedilatildeo da disputa

entre o Poder Judiciaacuterio e o Poder Legislativo pela uacuteltima palavra na seara constitucional

Em contrapartida observa-se que apesar das teorias dialoacutegicas

proclamarem a realizaccedilatildeo de um controle das leis realizado em conjunto nenhuma delas

prescreve uma forma de diaacutelogo que seja concomitante com o processo de tomada de

decisatildeo de forma que a mesma seja proferida com o comum acordo de ambos os Poderes

O que vecirc-se eacute que as formas de diaacutelogo prescritas pelas teorias estudadas se referem mais agrave

possibilidade de superaccedilatildeo de um ato jaacute concretizado seja pelo Judiciaacuterio ou pelo

Legislativo do que verdadeiramente a construccedilatildeo de uma decisatildeo comum

Asssim esse eacute o primeiro aspecto que entende-se que deve ser

desmistificado pois percebe-se que a ideia de uma ldquodecisatildeo conjuntardquo de uma deliberaccedilatildeo

antes da tomada de decisatildeo e consequentemente a concretizaccedilatildeo de um diaacutelogo no sentido

que a doutrina descreve como material na praacutetica eacute quase que inviaacutevel

Assim acertada eacute a proposiccedilatildeo de Aharaon Barak (2008 p16) de que

112

a tensatildeo entre o Judiciaacuterio e os outros ramos do Poder eacute algo natural e ateacute desejaacutevel pois se

todas as regras e decisotildees proferidas pelos Tribunais forem aceitas com tranquilidade pelos

outros Poderes eacute sinal que este natildeo estaacute cumprindo corretamente com a sua funccedilatildeo na

democaria

O Autor ressalta que junto agrave essa tensatildeo haacute tambeacutem um constante

diaacutelogo entre o Judiciaacuterio e Legislativo o qual natildeo decorre de reuniotildees e debates entre eles

mas sim da realizaccedilatildeo por cada qual da sua respectiva funccedilatildeo constitucional (BARAK

2008 p 236)

Neste sentido eacute importante a constataccedilatildeo de que no Brasil um paiacutes com

um modelo forte de controle de constitucionalidade e onde a supremacia judicial eacute evidente

vez que a proacutepria Constituiccedilatildeo entitula como o detentor da uacuteltima palavra em mateacuteria

constitucional o Supremo Tribunal Federal nada impede que o Legislativo reaja ou ateacute

mesmo desafie as decisotildees proferidas pelo Judiciaacuterio no acircmbito do controle de

constitucionalidade

Assim percebe-se que ao contraacuterio do que muitos estudiosos

pressupotildeem a ideia de diaacutelogo natildeo estaacute necessariamente vinculada agrave um sistema fraco de

revisatildeo judicial das leis ou agrave uma total inexistecircncia de supremacia judicial podendo o

mesmo existir e ser conciliaacutevel mesmo nos sistemas mais riacutegidos

Portanto a ideia de diaacutelogo institucional natildeo extingue necessariamente

a supremacia judicial o que pode eacute mitigaacute-la em alguns casos impondo limites mais riacutegidos

a atuaccedilatildeo judicial justamente por meio da possibilidade de reaccedilatildeo legislativa

Com isso pode-se dizer que a forma mais viaacutevel de se entender o

diaacutelogo institucional eacute como algo decorrente da reformulaccedilatildeo do proacuteprio princiacutepio da

separaccedilatildeo de poderes segundo a qual cada ramo do Poder realiza uma funccedilatildeo que lhe eacute

proacutepria sem interferir na atuaccedilatildeo do outro Todavia essa atuaccedilatildeo natildeo deve ser estanque natildeo

existindo uma fronteira intransponiacutevel entre as atividades inerentes agrave cada um dos Poderes

Ou seja apesar de cada Poder ter de observar seus limites e respeitar a

atuaccedilatildeo dos outros devem compreender a necessidade de cooperaccedilatildeo e buscar uma atuaccedilatildeo

conjunta e complementar

Apesar disso a praacutetica nos revela que nem toda reaccedilatildeo legislativa deve

113

ser interpretada sob o ponto de vista dialoacutegico muitas vezes ela tambeacutem representaraacute mais

uma disputa de poder do que uma tentativa de debate ou de correccedilatildeo da decisatildeo judicial

Sendo assim entender toda e qualquer reaccedilatildeo legislativa como

dialoacutegica pode ser perigoso e temeraacuterio pois em muitos casos essa reaccedilatildeo pode significar

mais um disputa de poder do que necessariamente uma tentativa de debate Assim em

algumas situaccedilotildees o termo ldquodiaacutelogordquo pode natildeo ser propriamente a melhor forma de

caracterizar essas reaccedilotildees

Em muitos casos e exemplos concretos das teorias viu-se que haacute na

realidade mais uma ldquointeraccedilatildeordquo entre os Poderes do que necessariamente um ldquodiaacutelogordquo por

conseguinte a maioria das teorias dialoacutegicas na forma em que satildeo concebidas se revelam

muito otimistas pode-se dizer que ateacute um pouco romantizadas sob o ponto de vista praacutetico

Desta forma assim como as reaccedilotildees legislativas natildeo devem em sua

totalidade serem encaradas como uma praacutetica dialoacutegica o mesmo deve ser observado quanto

a conduta do Tribunal sendo este um ponto importante a ser observado

As teorias dos diaacutelogos institucionais inicialmente se apresentam

como uma forma de combate ao ativismo judicial entretanto quando analisamos algumas

das suas metodologias podemos ver que em muitos casos elas podem acabar servindo de

reforccedilo e ateacute incentivo de uma praacutetica ativista

Como jaacute foi dito o ativismo judicial se manifesta quando as decisotildees

da jurisdiccedilatildeo constitucional tomam uma densidade poliacutetica mais ampla passando a Corte a

natildeo mais apenas declarar normas inconstitucionais atuando como legislador negativo na

forma em que foi orginariamente pensada mas ao mesmo tempo comeccedila a exigir

determinadas posturas dos outros Poderes atuando como um legislador positivo (AGRA

2006)

Dessa forma algumas teacutecnicas dialoacutegicas de decisatildeo judicial podem

representar mais uma dissimulaccedilatildeo ou camuflagem do ativismo do que o seu verdadeiro

combate jaacute que alimentam uma conduta proacute-ativa do Judiciaacuterio no sentido de provocar o

Legislativo aconselhaacute-lo ou qualquer outra forma de tiraacute-lo da ineacutercia

Podem nessa perspectiva ser consideradas tanto como uma conduta

dialoacutegica como uma conduta ativista pois a linha divisoacuteria entre a simples instigaccedilatildeo e a

114

interferecircncia no poder de atuaccedilatildeo do Legislativo eacute muito tecircnue

Por isso natildeo se pode afirmar com certeza que as teorias dialoacutegicas

servem de combate ao ativismo judicial jaacute que muitas vezes podem servir de fundamento

para o Judiciaacuterio justificar decisotildees que extrapolam seu acircmbito de atuaccedilatildeo e adentram na

esfera do Legislativo Portanto eacute essencial prestar atenccedilatildeo na forma com que o Judiciaacuterio eacute

incentivado a agir como um propiciador do diaacutelogo sem perder de vista a existecircncia de

limites agrave essa praacutetica

Apesar disso natildeo se pode desconsiderar que em muitos casos ainda

que o Judiciaacuterio ao exercer o seu papel proposto pelas teorias diaacutelogicas acabe incorrendo

em uma praacutetica ativista o resultado obtido pode ser beneacutefico como vimos por exemplo no

caso da Aacutefrica do Sul e ateacute mesmo no sistema brasileiro o que revela que nem sempre o

ativismo judicial deve ser visto como algo totalmente negativo121

No tocante a efetivaccedilatildeo do diaacutelogo no seu sentido material a proposta

de que a uacuteltima palavra seja fruto de um intenso e efetivo debate entre os atores participantes

do processo de interpretaccedilatildeo constitucional que seja construiacuteda de forma conjunta por eles

por intermedio de uma troca de argumentos para chegar a um consenso razoaacutevel e duraacutevel

no seio da sociedade natildeo se realiza com clareza em nenhuma das praacuteticas identificadas como

dialoacutegicas - pelo menos nas que temos conhecimento ateacute aqui

Por isso percebe-se que a ideia de concretizaccedilatildeo de um diaacutelogo material

estaacute muito distante de uma realidade palpaacutevel pois para que isso ocorra haacute a necessidade de

que todos os braccedilos do Poder estejam dispostos a entrar em um efetivo debate contribuindo

cada um com suas competecircncias teacutecnicas para a criaccedilatildeo de uma soluccedilatildeo conjunta

construindo decisotildees no acircmbito da jurisdiccedilatildeo constitucional mediante deliberaccedilatildeo de uma

concreta troca de argumentos o que nem sempre seraacute possiacutevel

Este fato revela que para que o diaacutelogo se concretize haacute muito mais a

necessidade de uma vontade poliacutetica das instituiccedilotildees do que necessarimente uma prescriccedilatildeo

normativa ou de uma redifiniccedilatildeo do desenho institucional por meio de modificaccedilotildees no texto

constitucional Portanto ao mesmo tempo que o diaacutelogo pode ocorrer em qualquer sistema

121 Aharon Barak destaca que nem sempre o ativismo judicial estaraacute ligado a intenccedilatildeo de expansatildeo do Poder

judicial muitas vezes ele pode ser necessaacuterio para a proteccedilatildeo dos direitos humanos e ainda pode ser a forma

do Judiciaacuterio lidar com o poder dos outros ramos poliacuteticos Ver BARAK Aharon The Judge in a Democracy

Princeton University Press 2008 pp 263-271)

115

de jurisdiccedilatildeo constitucional a sua efetividade tambeacutem seraacute diretamente influenciada pela

cultura poliacutetica e histoacuterica de cada paiacutes

Apesar da concretizaccedilatildeo do diaacutelogo no seu sentido material como

preleciona a melhor doutrina ser uma realidade um tanto distante natildeo se pode ignorar os

benefiacutecios do diaacutelogo formal que se manifesta nessas praacuteticas principalmente no que se

refere ao papel que exercem no sentido de provocar uma mudanccedila de mentalidade dos

proacuteprios entes detentores do Poder bem como no aumento da responsabilidade da sua

atuaccedilatildeo

Nessa linha de raciociacutenio Petter Andrew (2007 p167) afirma que o

apelo agraves teorias dialoacutegicas deriva mais do seu poder como uma metaacutefora do que da sua forccedila

como argumento pois ao retratar a revisatildeo judicial como contributiva para o envolvimento

deliberativo a metaacutefora do diaacutelogo reformula o papel dos juiacutezes que passam a ser vistos

como advogados de um processo democraacutetico natildeo como aacuterbitros dentro de um processo

autoritaacuterio

Apesar dos pontos controversos foram apontados a respeito da sua

praacutetica as teorias dialoacutegicas satildeo de grande valia para o desenvolvimento da justiccedila

constitucional significando a busca pela superaccedilatildeo dos problemas ligados a expansatildeo

desordenada do Poder Judiciaacuterio bem como a maior e mais eficaz efetivaccedilatildeo dos direitos

fundamentais como determina a nova ordem mundial

Pode-se dizer que ainda que as teorias possuam as suas dificuldades

praacuteticas elas direcionam os atores constitucionais para uma atuaccedilatildeo mais consciente

reforccedilam o seu papel institucional e apontam algumas das principais falhas dos sistemas

tradicionais de revisatildeo judicial Assim o diaacutelogo institucional deve ser visto como um ideal

a ser alcanccedilado atraveacutes do aperfeiccediloamento da sua praacutetica atual e sobretudo por meio do

reforccedilo do princiacutepio da separaccedilatildeo de poderes no acircmbito da jurisdiccedilatildeo constitucional

116

CONCLUSAtildeO

No decurso deste trabalho verificou-se como as mudanccedilas da sociedade

global implicaram a (re)definiccedilatildeo de um novo paradigma constitucional pautado em relaccedilotildees

de cooperaccedilatildeo o qual impocircs a busca por um novo modelo de jurisdiccedilatildeo constitucional

originaacuterio da expansatildeo do judicial review para os paiacuteses da Commonwealth

Viu-se que o ativismo judicial e a judicializaccedilatildeo da poliacutetica decorrentes

dessa expansatildeo passaram a ser vistos como patologias do sistema e acenturam novos debates

acerca da legitimidade democraacutetica do Poder Judiciaacuterio para realizar o controle de

constitucionalidade dos atos legislativos incentivando entatildeo a criaccedilatildeo de um sistema de

controle fraco de constitucionalidade originaacuterio do Canadaacute

Dentro desse contexto falou-se do surgimento da ideia de um diaacutelogo

institucional no acircmbito do controle de constitucionalidade e pautamos a diferenccedila entre

diaacutelogo material e diaacutelogo formal Apoacutes fez-se uma anaacutelise das teorias dialoacutegicas

explorando seus conceitos exemplos praacuteticos e principais pontos de criacutetica

Por intermeacutedio dessa investigaccedilatildeo percebe-se que nenhuma das teorias

consubstancia um modelo perfeito sob o ponto de vista praacutetico no sentindo de promover um

diaacutelogo verdadeiro assente em uma efetiva deliberaccedilatildeo entre os Poderes Para aleacutem disso

que alguns acabou-se por registrar que os conflitos relativos agrave legitimidade democraacutetica do

judicial review na praacutetica permanecem

Todavia constatou-se tambeacutem que as teorias dialoacutegicas satildeo valiosas

pois ao contraacuterio das conhecidas teorias interpretativas que buscam disciplinar qual a melhor

forma de os juiacutezes procederem agrave leitura constitucional estas buscam evidenciar o papel

institucional do Judiciaacuterio aliado ao reforccedilo da importacircncia da atividade legislativa visando

a produccedilatildeo de decisotildees no ambito da justiccedila constitucional que natildeo sejam fruto de um

ldquomonoacutelogordquo mas sim da interaccedilatildeo institucional

Concluiacute-se entatildeo que o potencial das teorias dialoacutegicas consiste

justamente na estimulaccedilatildeo da busca por melhores padrotildees de interaccedilatildeo entre os Poderes

sendo todas elas de uma importacircncia iacutempar por tentarem evidenciar como deveria funcionar

um desenho institucional ideal no acircmbito da interpretaccedilatildeo constitucional e controle das leis

117

reforccedilando o papel de cada braccedilo do Poder nessa empreitada conforme suas proacuteprias funccedilotildees

e capacidades

Os resultados dete trabalho natildeo satildeo portanto uma resposta exata

tampouco definitiva aos atuais problemas efrentados pela jurisdiccedilatildeo constitucional mas

servem de ponto de partida para uma reflexatildeo sobre os pontos positivos e negativos das mais

modernos teorias sobre o judicial review

118

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AGRADECIMENTOS

Este trabalho eacute fruto de um sonho e apesar da sua autoria ser individual

muitos foram os que contribuiacuteram para a sua concretizaccedilatildeo sem os quais esta natildeo seria

possiacutevel

Meus pais que desde sempre me apoiam e incentivam na construccedilatildeo de

uma vida profissional que suportam a minha ausecircncia em tantos momentos que possibilitam

o alcance dos meus objetivos e que abrem matildeo das suas vontades para que eu possa realizar

as minhas

Meu irmatildeo que mesmo distante eacute para mim exemplo de garra e

determinaccedilatildeo Meus avoacutes Artur Claacuteudio e Diniz Ferreira pela trajetoacuteria de vida que tiveram

e que hoje me servem de inspiraccedilatildeo profissional Minha amada avoacute Lucila que sempre se

fez presente em minha vida e de quem a distacircncia me eacute tatildeo cara Minha querida avoacute Eida

que mesmo em outro plano sei que me acompanha e protege constantemente

Todos aqueles que cruzaram o meu caminho em Coimbra e que de

alguma forma satildeo responsaacuteveis pelo meu crescimento tanto profissional como pessoal Os

grandes amigos que fiz que ajudaram a me sentir em casa e a amenizar a ausecircncia da famiacutelia

Todos os mestres que tive desde o iniacutecio da Graduaccedilatildeo que plantaram em

mim a vontade de aprender cada vez mais e me fizeram admirar a docecircncia

Os professores e funcionaacuterios da Universidade de Coimbra com quem tive

o privileacutegio de conviver e tanto aprender natildeo apenas sobre Direito mas sobre respeito e

valorizaccedilatildeo da Educaccedilatildeo

Minha orientadora Dra Suzana Tavares da Silva que me apresentou um

novo Direito Constitucional e que desde o iacutenicio do Curso de Mestrado ensinou-me natildeo

apenas conteuacutedos juriacutedicos mas sobretudo a pensar e argumentar

Todos aqueles que torcem por mim mesmo em silecircncio ou a distacircncia

Agradeccedilo imensamente apesar de saber que minhas palavras nunca seratildeo

suficientes para demonstrar toda a minha gratidatildeo

Obrigada

4

IacuteNDICE

INTRODUCcedilAtildeO 9

CAPIacuteTULO 1 ndash OS NOVOS DESAFIOS DO CONSTITUCIONALISMO E SEUS

REFLEXOS NA JURISDICcedilAtildeO CONSTITUCIONAL O SURGIMENTO IDEIA DE

COOPERACcedilAtildeO 11

1 Os novos desafios do constitucionalismo 11

2 Constitucionalismo de cooperaccedilatildeo e seus reflexos na jurisdiccedilatildeo constitucional 14

3 O tradicional modelo de judicial review e a supremacia judicial 19

4 Jurisdiccedilatildeo constitucional e democracia um antigo debate 23

5 A implementaccedilatildeo do judicial review nos paiacuteses da commonwealth e o surgimento

de uma nova alternativa ao binocircmio judiciaacuterio v Legislativo ndash weak form of judicial

review 28

CAPIacuteTULO 2 ndash AS TEORIAS DIAacuteLOGICAS E A CONCRETIZACcedilAtildeO DO

DIAacuteOLOGO INSTITUCIONAL 31

6 Teoria dos diaacutelogos institucionais 31

7 Diaacutelogo formal v Diaacutelogo material 33

8 Teorias dialoacutegicas fundadas no meacutetodo judicial 35

81 Aconselhamento judicial 36

82 Teorias centradas no processo 40

83 Criacuteticas agraves teorias dialoacutegicas fundadas no meacutetodo judicial 45

9 O especial caso da Aacutefrica do Sul 48

10 As teorias estruturais de diaacutelogo 51

10 1 Teorias de construccedilatildeo coordenada 52

5

11 As teorias dialoacutegicas da parceira 70

111 Criacuteticas agrave teoria da parceria 71

12 Fusatildeo dialoacutegica 72

121 Criacuteticas agrave teoria da fusatildeo dialoacutegica 73

13 Os mecanismos estruturais de diaacutelogo no sistema britacircnico e neozelandecircs 73

131 O mandado interpretativo e a declaraccedilatildeo de incompatibilidade no reino unido (seccedilatildeo 3 e 4

(2) do human rights act 1998) 74

132 O mandado interpretativo na experiecircncia neozelandesa 82

CAPIacuteTULO 3 ndash AS TEORIAS DIALOacuteGICAS NO SISTEMA DE JURSIDICcedilAtildeO

CONSTITUCIONAL BRASILEIRO UMA POSSIBILIDADE 87

14 Julgamento da accedilatildeo direta de inconstitucionalidade nordm 2797df ndash a suacutemula 394 do

STF e a lei nordm 106282002 89

15 Julgamento da accedilatildeo direta de inconstitucionalidade nordm 4543DF e a lei

131652015 96

16 Julgamento da accedilatildeo direta de inconstitucionalide nordm 3772DF ndash a suacutemula 726 do

STF e a lei nordm 113012006 100

17 Julgamento da accedilatildeo direta de inconstitucionalidade por omissatildeo nordm 3382MT 105

18 Diaacutelogo institucional siacutentese dos aspectos controversos e algumas consideraccedilotildees

acerca da sua consecuccedilatildeo praacutetica 109

CONCLUSAtildeO 116

BIBLIOGRAFIA 118

6

RESUMO

O objeto do presente trabalho satildeo as Teorias dos Diaacutelogos Institucionais

as quais se apresentam no acircmbito da jurisdiccedilatildeo constitucional como uma alternativa para

resolver os problemas relacionados a legitimidade democraacutetica da revisatildeo judicial das leis

combater o ativismo judicial e propiciar uma maior efetivaccedilatildeo dos direitos fundamentais

Inicialmente faz-se uma abordagem dos fatores que contribuiacuteram para o

seu desenvolvimento passando por questotildees relacionadas a expansatildeo do Poder Judiciaacuterio e

a adoccedilatildeo de um sistema de judicial review pelos paiacuteses da Commonwealth e o surgimento

do modelo fraco de controle de constitucionalidade (weak form of judicial review)

As teorias satildeo exploradas por meio da classificaccedilatildeo desenvolvida por

Chistine Bateup por meio de uma abordagem conceitual e praacutetica a fim de identificar os

aspectos positivos bem como as dificuldades da concretizaccedilatildeo das mesmas

Busca-se ainda verificar de que forma e em que medida essas teorias se

manifestam no sistema brasileiro o que eacute feito por meio de uma consulta a importantes

julgados do Supremo Tribunal Federal no ensejo do controle concentrado de

constitucionalidade

Ao final realiza-se um balanccedilo criacutetico dos aspectos controversos das

teorias identificando suas dificuldades praacuteticas bem como o seu potencial normativo

PALAVRAS-CHAVE judicial review supremacia judicial ativismo judicial legitimidade

democraacutetica teorias dialoacutegicas separaccedilatildeo de poderes

7

ABSTRACT

The focus of this study are the Theories of Institutional Dialogue which

are presented in the context of constitutional juridiction as an alternative to solve the

problems the democratic legitimacy of judicial review of laws combating judicial activism

and promote a greater realization of fundamental rights

Initially it is an approach of the factors that contributed to their

development through issues related to expansion of the Judiciary and the adoption of a

judicial review by the countries of the Commonwealth system and the emergence of weak

form of judicial review

The theories are operated by classification developed by Chistine Bateup

through a conceptual and practical approach in order to identify the positive and the

difficulties of their achieving

Also it is a search to verify how and to what extent these theories are

manifested in the Brazilian system which is done through a judged important verification of

the Supreme Court on the occasion of the concentrate constitutionality control

At the end it carried out a critical assessment of the controversial aspects

of the theories identifying their practical difficulties and its normative potential

KEYWORDS judicial review judicial supremacy judicial activism democratic

legitimacy dialogical theories separation of powers

8

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

ADI ndash Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade

Art ndash Artigo

CCORF ndash Canadian Charter of Rights and Freedoms

CEDH ndash Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem

CF88 ndash Constituiccedilatildeo Federal Brasileira de 1988

HRA ndash United Kingdomrsquos Bill of Rights Act

P ndash Paacutegina

PLS ndash Projeto de Lei do Senado

PEC ndash Projeto de Emenda Consrtitucional

RE ndash Recurso Extraordinaacuterio

STF ndash Supremo Tribunal Federal

9

INTRODUCcedilAtildeO

A complexidade das sociedades atuais o novo contexto internacional e a

redefiniccedilatildeo das concepccedilotildees de Constituiccedilatildeo impotildeem a reflexatildeo acerca do tradicional modelo

de jurisdiccedilatildeo constitucional e a sua capacidade de resoluccedilatildeo de conflitos de forma eficaz Se

antes o objetivo do constitucionalismo era assegurar direitos hoje a sua preocupaccedilatildeo gira

em torno da concretizaccedilatildeo dos mesmos

Fatores como o alargamento do Poder Judiciaacuterio o crescente ativismo

judicial e o surgimento de novos sistemas de jurisdiccedilatildeo constitucional dissociados da

tradicional ideia de supremacia judicial intensificam e fazem avanccedilar os debates acerca da

legitimidade do judicial review e da sua eficaacutecia no tocante a efetivaccedilatildeo dos direitos

fundamentais

Apesar de ser um tema recorrente na doutrina constitucional os debates

acerca da jurisdiccedilatildeo constitucional parecem estar longe do fim ao contraacuterio contam com

argumentos cada vez mais complexos e que ultrapassam o tradicional binocircmio Judiciaacuterio v

Legislativo e a disputa pela palavra final

O propoacutesito deste trabalho eacute contribuir para a reflexatildeo acerca do tema

utilizando como instrumento para tanto a exposiccedilatildeo e anaacutelise das Teorias dos Diaacutelogos

Institucionais as quais se propotildeem promover uma redefiniccedilatildeo do desenho institucional no

acircmbito da jurisdiccedilatildeo constitucional a fim de conciliar a revisatildeo judicial das leis com o

princiacutepio democraacutetico e propiciar uma maior eficaacutecia dos direitos fundamentais

O conteuacutedo do primeiro capiacutetulo trata de aspectos mais gerais e

introdutoacuterios buscando demonstrar a importacircncia e atualidade do tema no contexto global

em face do novo paradigma constitucional pautado em relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo na sequecircncia

aborda-se por questotildees especiacuteficas relativas ao judicial review como o tradicional debate

acerca da sua legitimidade e da sua recente expansatildeo para os paiacuteses da Commonwealth as

quais contribuiacuteram decisivamente para o desenvolvimento das teorias dialoacutegicas

Apoacutes contextualizar o surgimento da ideia de um diaacutelogo institucional no

segundo capiacutetulo faz-se uma exposiccedilatildeo conceitual praacutetica e criacutetica das teorias dialoacutegicas

buscando extrair seus principais contributos bem como desmistificar vaacuterios aspectos

10

enaltecidos por alguns estudiosos a respeito das mesmas

Utiliza-se para fins didaacuteticos a classificaccedilatildeo feita por Christine Bateup a

qual agrupa as teorias em classes diferentes e a exposiccedilatildeo de exemplos concretos de cada

teoria trazendo ao final de cada toacutepico as principais criacuteticas concernentes a sua praacutetica

Feita a anaacutelise conceitual e exemplificativa de cada grupo teoacuterico bem

como a exposiccedilatildeo de suas respectivas criacuteticas a proposta do uacuteltimo capiacutetulo eacute verificar como

e em que medida as teorias dialoacutegicas estudadas encontram reflexo na praacutetica da jurisdiccedilatildeo

constitucional brasileira atraveacutes da observaccedilatildeo de julgados do Supremo Tribunal Federal no

acircmbito do controle concentrado - ou abstrato - de constitucionalidade

A principal inquietaccedilatildeo que move este trabalho eacute verificar se o diaacutelogo

institucional na forma em que eacute proposto pelas principais teorias desenvolvidas ateacute nestas

primeiras deacutecadas do seacuteculo XXI eacute uma praacutetica possiacutevel de ser implementada ou tatildeo-

somente uma conjectura teoacuterica

11

CAPIacuteTULO 1 ndash OS NOVOS DESAFIOS DO CONSTITUCIONALISMO E SEUS

REFLEXOS NA JURISDICcedilAtildeO CONSTITUCIONAL O SURGIMENTO IDEIA DE

COOPERACcedilAtildeO

1 Os novos desafios do constitucionalismo

Antes de adentrarmos no tema central do presente trabalho eacute necessaacuterio

entender as novas premissas e diretrizes do constitucionalismo contemporacircneo Dizemos

isso por constatar que natildeo se pode analisar a jurisdiccedilatildeo constitucional de forma dissociada

do contexto histoacuterico e social em que se insere

Haumlrbele (2006) ensina que o constitucionalismo eacute por excelecircncia uma

criaccedilatildeo cultural Na mesma linha de raciociacutenio Bastos (2010) aduz que o constitucionalismo

acima de tudo revela-se como um fenocircmeno social dotado de caraacuteter juriacutedico Explica que

o seu caraacuteter social decorre de uma pressatildeo nascida do povo que objetiva o esvaziamento do

poder absoluto e o caraacuteter juriacutedico por representar a formaccedilatildeo da regulamentaccedilatildeo legal do

exerciacutecio do Poder aliada agrave implementaccedilatildeo da defesa da Constituiccedilatildeo

Dessa forma percebe-se que o constitucionalismo estaacute intimamente ligado

ao contexto social em que se insere Eacute por essa razatildeo que Canotilho (2003 p51) com

pertinecircncia afirma ser preferiacutevel referir-se a movimentos constitucionais pois natildeo haacute soacute um

constitucionalismo e sim diversos movimentos constitucionais com coraccedilotildees nacionais

mas tambeacutem com momentos de aproximaccedilatildeo entre si fornecendo uma complexa tessitura

histoacuterico-cultural

Reconhecida a influecircncia do contexto social no desenvolvimento do

constitucionalismo eacute correto afirmar que os desafios impostos agrave jurisdiccedilatildeo constitucional no

seacuteculo XXI natildeo satildeo os mesmo de outrora Se antes a preocupaccedilatildeo constitucional girava em

torno da limitaccedilatildeo do poder estatal da separaccedilatildeo de poderes e garantia de direitos e

liberdades hoje os problemas satildeo significativamente mais complexos devido ao proacuteprio

desenvolvimento da sociedade moderna

As consequecircncias do intenso processo de globalizaccedilatildeo que a humanidade

vivencia aumentam a complexidade da sociedade atual diminuem a distacircncia entre os

Estados criam novos pontos de convergecircncia entre eles estreitam as suas fronteiras

12

geograacuteficas Soma-se agrave isto o crescente fortalecimento dos mecanismos internacionais de

defesa dos Direitos Humanos e o aumento vertiginoso das normas internacionais Ora o

constitucionalismo como fenocircmeno social que eacute natildeo poderia ser imune a essas grandes

modificaccedilotildees

Jonatas Machado (2011 p33) salienta que o desenvolvimento dos

sistemas internacionais de proteccedilatildeo dos Direitos Humanos Europeu Americano e Africano

por si soacute constiuem uma revoluccedilatildeo constitucional na medida em que estabelecem uma

espeacutecie de jurisdiccedilatildeo constitucional de Direitos Humanos supranacional com capacidade de

condenar os Estados membros por violaccedilotildees a esses direitos

Destaca ainda que a Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos do Homem tem

exercido um efeito direto no Direito Constitucional de numerosos Estados em todos os

continentes inspirando cataacutelogos de direitos liberdades e garantias sendo expressamente

mencionada como auxiliar interpretativo dos cataacutelogos internos ou sendo mesmo

incorporada no bloco de constitucionalidade de alguns Estados

Assim verifica-se a abertura da Constituiccedilatildeo ao Direito Internacional

gerando um novo paradigma constitucional com o surgimento de conflitos mais complexos

sobretudo pela pluralidade no tocante a interpretaccedilatildeo do conteuacutedo dos Direitos Humanos

Neves (2013) sintetiza claramente o momento do constitucionalismo atual

quando aduz que com a maior integraccedilatildeo da sociedade mundial os problemas

constitucionais que versam sobre de direitos humanos ou fundamentais e sobre o controle e

limitaccedilatildeo do poder tornaram-se insuscetiacuteveis de serem tratados por uma uacutenica ordem juriacutedica

estatal no acircmbito do seu territoacuterio vez que esses problemas passam a ser concomitantemente

relevantes para mais de uma ordem juriacutedica muitas vezes natildeo estatais que satildeo instadas a

oferecer respostas para a sua soluccedilatildeo

Nesse contexto o tradicional princiacutepio de soberania tanto do Estado como

do Texto Supremo que o rege acaba por ser relativizado jaacute que as relaccedilotildees sociais

econocircmicas poliacuteticas e tambeacutem juriacutedicas se desenvolvem cada vez mais no acircmbito

internacional ultrapassando os tradicionais limites do poder nacional1

1 Sobre a referida relativizaccedilatildeo do princiacutepio da soberania importante destacar que como bem leciona o ilustre

doutrinador portuguecircs Jonatas Machado a mesma natildeo significa de forma alguma o fim do Estado enquanto

organizaccedilatildeo juriacutedica de uma comunidade poliacutetica Natildeo pode haver uma eficaz proteccedilatildeo dos direitos humanos

13

A moderna doutrina fala em crise do constitucionalismo decorrente dessa

conjuntura2 eis que foi revelada a incapacidade do Estado nacional e o texto magno que o

rege para resolverem isoladamente os impasses constitucionais o que acarreta em uma

perda de forccedila da Constituiccedilatildeo

Desta feita o atual momento do constitucionalismo impotildee uma reflexatildeo

acerca do papel da Constituiccedilatildeo e consequentemente da jurisdiccedilatildeo constitucional reflexatildeo

que deve ser feita natildeo apenas sob seus aspectos internos mas sim de forma comprometida

com o contexto global que seraacute determinante na sua estruturaccedilatildeo sob pena de perda da sua

eficaacutecia A abertura cognitiva que o novo cenaacuterio de fluidez de fronteiras geograacuteficas e de

intensa circulaccedilatildeo de ideias determina em relaccedilatildeo a compreensatildeo e atualidade do sentido

constitucional vem inspirando uma nova visatildeo de constitucionalismo que contemple

arquiteturas de acomodaccedilatildeo institucional que conduzam a um exerciacutecio democraacutetico de

identificaccedilatildeo do sentido constitucional Surgem entatildeo novas relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo

internas e externas ao Estado as quais representam a pedra de toque na atualidade (VALLE

2010 p 32)

Os novos desafios impostos ao constitucionalismo no seacuteculo XXI

sobretudo no tocante a compreensatildeo e delimitaccedilatildeo do conteuacutedo de direitos fundamentais tecircm

permitido a construccedilatildeo de alternativas agrave velha conclusatildeo de que na jurisdiccedilatildeo constitucional

deve existir um oacutergatildeo responsaacutevel por emanar a uacuteltima palavra na resoluccedilatildeo de conflitos jaacute

que nenhum dos atores consituticionais e braccedilos do Poder revela-se por si soacute aptos a

resolver os cada vez mais complexos problemas constitucionais

Em seguida aborda-se-aacute essa nova vertente do constitucionalismo e as

respectivas relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo que vecircm surgindo como consequecircncia dessa mudanccedila de

paradigma

sem um Estado igualmente forte o que deve ocorrer eacute uma reconceitualizaccedilatildeo da soberania mediante a

limitaccedilatildeo de alguma das suas dimensotildees e fortalecimento de outras (MACHADO 2013)

2 Ver DOBNER Petra LOUGHLIN Martin (ed) The Twilight of ConstitutionalismOxford Oxford

University Press 2009

14

2 Constitucionalismo de cooperaccedilatildeo e seus reflexos na jurisdiccedilatildeo constitucional

Conforme pode ser observado no contexto do constitucionalismo atual

haacute uma mudanccedila de paradigma decorrente do reconhecimento do pluralismo como uma

constante dos novos problemas constitucionais A concretizaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo sobretudo

no que tange a efetividade dos direitos fundamentais natildeo pode mais ser pensada de forma

singular devendo se reconhecer a multiplicidade de atores envolvidos nesse processo

Com esse objetivo eclodem inuacutemeras teorias que buscam legitimar

relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo distanciando-se cada vez mais da tradicional ideia de supremacia

seja no acircmbito interno de um Estado ou no espaccedilo internacional

Com isso emerge um conceito de ldquoconstitucionalismo cooperativordquo3 no

qual se albergam essas diversas teorias fundadas na criaccedilatildeo de mecanismos de cooperaccedilatildeo

entre os Estados e suas ordens juriacutedicas Nesse sentido merece destaque o conceito de

Estado constitucional cooperativo desenvolvido por Peter Haumlrbele (2007) como sendo um

Estado que encontra a sua identidade tambeacutem no Direito Internacional no entrelaccedilamento

das relaccedilotildees internacionais e supranacionais na percepccedilatildeo de cooperaccedilatildeo e

responsabilidade bem como no compromisso com a solidariedade e a paz

Tambeacutem com base nessa ideia de abertura e de cooperaccedilatildeo tem-se a

teoria do transconstitucionalismo desenvolvida pelo brasileiro Marcelo Neves4 e a

interconstitucionalidade do ilustre mestre Canotilho5

Apesar de diferentes em alguns aspectos o que essas duas modernas

teorias possuem em comum eacute justamente a tentativa de conciliaccedilatildeo entre o consitucionalismo

e o pluralismo da sociedade globalizada enfrentando a problemaacutetica do estabelecimento de

relaccedilotildees de acoplamento entre ordens nacionais distintas bem como destas com o direito

comunitaacuterio sem que percam a sua respectiva identidade nacional

Enquanto a interconstitucionalidade enfrenta o problema da articulaccedilatildeo

entre constituiccedilotildees e poderes constituintes com fontes e legitimidades diversas dentro de um

3 Neste trabalho o uso do termo ldquoconstitucionalismo cooperativordquo natildeo se refere a nenhuma teoria ou autor em

especiacutefico mas sim ao conjunto da doutrina constitucional que tem como base a construccedilatildeo de relaccedilotildees de

cooperaccedilatildeo seja entre Estados entre entes estatais entre ordens juriacutedicas e outras

4 Ver NEVES Marcelo Transconstitucionalismo Satildeo Paulo Martins Fontes 2013

5 Ver CANOTILHO JJ Gomes ldquoBrancososrdquo e Interconstitucionalidade Itineraacuterios dos Discursos Sobre

Historicidade Constitucional Coimbra Almedina 2006

15

mesmo espaccedilo poliacutetico de forma a solucionar os conflitos decorrentes da justaposiccedilatildeo

concorrecircncia e divergecircncia entre eles (CANOTILHO 2006) o tranconstitucionalismo trata

da construccedilatildeo de ldquopontes de transiccedilatildeordquo entre ordens juriacutedicas diversas buscando um

crescimento e aprendizado muacutetuo entre elas apontando como requisito indispensaacutevel para

tanto a permanente reconstruccedilatildeo da ldquoidentidade constitucionalrdquo de cada uma a partir do

reconhecimento de alteridade sem que isso signifique uma mera convergecircncia entre elas e

uma consequente negaccedilatildeo de identidade proacutepria mas sim a existecircncia de uma prontidatildeo

para a abertura reciacuteproca natildeo apenas cognitiva mas tambeacutem normativa (NEVES 2009)

A partir desse entendimento a conclusatildeo a que se chega eacute que o Estado

natildeo pode mais ser considerado como o principal locus de soluccedilatildeo de conflitos

constitucionais uma vez que esses ultrapassam o seu acircmbito interno sendo imperativa a

abertura agrave relaccedilotildees interestatais e supranacionais

Os exemplos mais emblemaacuteticos desses modelos de relaccedilotildees

cooperativas desenvolvem-se no acircmbito da Uniatildeo Europeia que ao reconhecer a eficaacutecia

imediata ao direito comunitaacuterio introduz um instrumento normativo supranacional agrave ordem

juriacutedica interna de cada paiacutes membro o qual passa tambeacutem a ser paracircmetro de eventual

controle das leis e das proacuteprias constituiccedilotildees estabelecendo assim uma necessaacuteria

convivecircncia entre diversas ordens juriacutedico-normativas dentro de um mesmo espaccedilo poliacutetico

e submetidas a uma jurisdiccedilatildeo supranacional

O proacuteprio Tratado que institui a Uniatildeo Europeia em seu artigo 2346 ao

determinar a competecircncia do Tribunal de Justiccedila europeu sugere que haja um diaacutelogo

intercortes A estrateacutegia a ser adotada para a consolidaccedilatildeo do novo ordenamento eacute portanto

natildeo a de mera subordinaccedilatildeo da ordem juriacutedica nacional agrave supranacional mas sim do

desenvolvimento de constantes relaccedilotildees paritaacuterias de colaboraccedilatildeo (KOMAacuteREK 2005)

6 ldquoArt 234 O Tribunal de Justiccedila eacute competente para decidir a tiacutetulo prejudicial sobre a) A interpretaccedilatildeo do

presente Tratado b) A validade e a interpretaccedilatildeo dos atos adotados pelas instituiccedilotildees da Comunidade e pelo

BCE c) A interpretaccedilatildeo dos estatutos dos organismos criados por ato do Conselho desde que estes estatutos

o prevejam Sempre que uma questatildeo desta natureza seja suscitada perante qualquer oacutergatildeo jurisdicional de um

dos Estados-Membros esse oacutergatildeo pode se considerar que uma decisatildeo sobre essa questatildeo eacute necessaacuteria ao

julgamento da causa pedir ao Tribunal de Justiccedila que sobre ela se pronuncie Sempre que uma questatildeo desta

natureza seja suscitada em processo pendente perante um oacutergatildeo jurisdicional nacional cujas decisotildees natildeo sejam

susceptiacuteveis de recurso judicial previsto no direito interno esse oacutergatildeo eacute obrigado a submeter a questatildeo ao

Tribunal de Justiccedilardquo

16

A niacutevel europeu parece correto afirmar a opccedilatildeo por uma metoacutedica

fundada na imbricaccedilatildeo de cataacutelogos reveladora ou criadora de standards em contraposiccedilatildeo

a um modelo hierarquizado fundado em uma Groundnorm (TAVARES DA SILVA 2014)

ou seja natildeo haacute a primazia entre os ordenamentos mas sim uma ideia de

complementaridade7

Seguindo essa loacutegica de imbricaccedilatildeo e natildeo de hierarquizaccedilatildeo entre os

cataacutelogos a Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa em seu art8ordm4 ldquoAs disposiccedilotildees dos

tratados que regem a Uniatildeo Europeia e as normas emanadas das suas instituiccedilotildees no

exerciacutecio das respectivas competecircncias satildeo aplicaacuteveis na ordem interna nos termos

definidos pelo direito da Uniatildeo com respeito pelos princiacutepios fundamentais do Estado de

direito democraacuteticordquo e ainda no art16ordm determina de forma expressa que ldquoOs direitos

fundamentais consagrados na Constituiccedilatildeo natildeo excluem quaisquer outros constantes das

leis e das regras aplicaacuteveis de direito internacionalrdquo e que ldquoOs preceitos constitucionais

e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados de

harmonia com a Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos do Homemrdquo 8

Portanto como resultado praacutetico dessas normas tem-se a imposiccedilatildeo

obrigatoacuteria ao oacutergatildeo responsaacutevel pelo exerciacutecio da jurisdiccedilatildeo constitucional da observacircncia

do direito comparado propiciando o exerciacutecio do que alguns estudiosos denominam de

diaacutelogo judicial (judicial dialogue) que se caracteriza nessa relaccedilatildeo de cooperaccedilatildeo

estabelecida entre ordens juriacutedicas distintas quando haacute uma conversa entre diferentes

Tribunais a fim de buscar a melhor soluccedilatildeo para a efetivaccedilatildeo dos direitos fundamentais

muito comum na praacutetica da Uniatildeo Europeia9

Saindo do contexto europeu a Constituiccedilatildeo da Aacutefrica do Sul no seu art

39 prevecirc que na interpretaccedilatildeo do Bill of Rights devem ser consideradas as leis internacionais

7 Nesse sentido de acordo com a doutrina impera no ldquotriacircngulo normativo europeurdquo o princiacutepio do niacutevel mais

elevado de proteccedilatildeo o qual pode ser entendido como resultado de uma abertura normativa (TAVARES DA

SILVA 2014)

8 Nesse sentido Jorge Miranda faz uma anaacutelise mais completa da Constituiccedilatildeo portuguesa e fala em um ldquojus-

universalismordquo Ver MIRANDA Jorge O Estado Constitucional Cooperativo e o Jus-Universalismo da

Constituiccedilatildeo Portuguesa In Cadernos da Escola de Direito e Relaccedilotildees Internacionais da UniBrasil JanDez

2007 pp 7-22) Ver tambeacutem CANOTILHO JJ Gomes MOREIRA Vital Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica

Portuguesa Anotada Volume I Coimbra 2014

9 Ver GOLUB Jonathan Modelling Judicial Dialogue in the European Community The Quantitative Basis

of Preliminary References to the ECJ 1996 ISSN 1028-3625

17

e podem ser consideradas leis estrangeiras bem como que o referido documento natildeo nega a

existecircncia de quaisquer outros direitos ou liberdades que sejam reconhecidos ou conferidos

pela common law costumary law ou legislation 10

A previsatildeo contida na Constituiccedilatildeo da Aacutefrica do Sul eacute especialmente

importante nesse contexto pois natildeo se refere apenas a necessidade de observacircncia e

integraccedilatildeo com as normas internacionais mas faz tambeacutem expressa referecircncia as normas

estrangeiras ou seja oriundas de outros paiacuteses

A ideia que fundamenta o exerciacutecio do direito comparado eacute a da busca

pelo enriquecimento da compreensatildeo do conteuacutedo dos direitos fundamentais por intermeacutedio

do compartilhamento de experiecircncias entre tribunais constitucionais distintos11 ou seja no

desenvolvimento de uma jurisdiccedilatildeo constitucional que natildeo se afigure monopolista mas sim

colaborativa

Bobeck (2013) ensina que essa praacutetica pode ser vista como uma forma

de auto-controle dos proacuteprios tribunais que percebem que natildeo podem decidir sozinhos e

buscam no meacutetodo do direito comparado ou no uso de precedentes estrangeiros uma maior

fundamentaccedilatildeo as suas decisotildees

Zagrebelsky (2007) denomina esse fenocircmeno de ldquocosmopolistimo

judicialrdquo o qual consiste justamente na consideraccedilatildeo pelo Judiciaacuterio nacional de documentos

juriacutedicos externos de decisotildees oriundas de outras cortes sejam elas de hierarquia superior

como tribunais internacionais de proteccedilatildeo dos direitos humanos ou ateacute mesmo de outras

cortes constitucionais estrangeiras12

10 ldquo39 Interpretation of Bill of Rights (1) When interpreting the Bill of Rights a court tribunal or forum ndash (a)

must promote the values that underlie an open and democratic society based o human dignity equality and

freedom (b) must consider international law (c) may consider foreing law (2) When interpreting any

legislation and when developing the common law or costumary law every court tribunal or forum must

promote the spirit purport and objects of the Bill of Rights (3) The Bill of Rights does not deny the existence

of any other rights or freedoms that are recognised or conferred by common law customary law or legislation

to the extent that they are consistent with the Bill

11 Nesse sentido Tushnet (2009) ao falar sobre a importacircncia do estudo do direito constitucional comparado

ldquostudiyng comparative constitucional law might improve our ability to make domestic constitucional lawrdquo Ver

ainda HIRSCHL Ran Comparative matters the renaissance of comparative constitutional law Oxford

Oxford University Press 2014 e JACKSON Vicky Comparative Constitucional Law Nova York Foundation

Press 1999 12 Eacute importante destacar que apesar da forma positiva em que se estaacute abordando o cosmopolitismo judicial e o

uso do direito comparado ambos satildeo alvos de criacuteticas pela doutrina Tavares da Silva (2014) destaca que ldquoo

recurso ao direito constitucional comparado por um tribunal constitucional natildeo deve servir um objetivo de

universalizaccedilatildeo de valores mas antes o aprofundamento das soluccedilotildees de inclusividade no contexto

18

Esse fenocircmeno tambeacutem encontra eco em outros lugares do Globo

apesar de em menor escala que no continente europeu A Constituiccedilatildeo Federal Brasileira agrave

semelhanccedila da Portuguesa no sect2ordm do artigo 5ordm adota uma claacuteusula aberta de direitos

fundamentais prevendo expressamente a observacircncia das normas internacionais nessa

mateacuteria

Conclui-se portanto que hoje as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo dentro do

constitucionalismo e no exerciacutecio da jurisdiccedilatildeo constitucional eacute uma realidade concreta e

global A partir disso teve iniacutecio o desenvolvimento de uma noccedilatildeo de diaacutelogo seja ele

judicial ou institucional

Esse eacute um fenocircmeno que natildeo ocorre apenas no acircmbito externo ao

Estado restrito as relaccedilotildees internacionais mas tambeacutem encontra reflexos na estrutura interna

de organizaccedilatildeo do Poder estatal no desenho institucional de cada paiacutes

A ideia de cooperaccedilatildeo e diaacutelogo transporta-se assim tambeacutem para o

acircmbito interno da jurisdiccedilatildeo constitucional dos paiacuteses surgindo um conceito de diaacutelogo

institucional o qual percebe-se deste trabalho

Percebe-se entatildeo que os novos desafios impostos ao

constitucionalismo do seacuteculo XXI tecircm influenciado no desenho institucional da jurisdiccedilatildeo

constitucional adotado por diversos paiacuteses contribuindo sobremaneira para o

desenvolvimento de novos modelos fundados nessa loacutegica da cooperaccedilatildeo superando a

tradicional ideia de uma jurisdiccedilatildeo pautada na supremacia judicial conforme seraacute analisado

intercultural ateacute onde essa inclusividade se revelar possiacutevel ou seja ateacute onde natildeo redunde em uma

neutralizaccedilatildeo do elemento cultural que daacute substacircncia material ao projecto social concreto que aquele oacutergatildeo

judicial tem como missatildeo garantirrdquo

19

3 O tradicional modelo de judicial review e a supremacia judicial

Afirmar que a Constituiccedilatildeo eacute um documento juriacutedico-poliacutetico dotado de

normatividade e superioridade dentro do ordenamento juriacutedico parece algo oacutebvio todavia

essa premissa nem sempre foi verdadeira mas sim resultado de um processo histoacuterico13

Na Ameacuterica do Norte desde o iniacutecio do seu movimento constitucional14

o caraacuteter juriacutedico-normativo da constituiccedilatildeo foi reconhecido o que acabou favorecendo a

um desenvolvimento mais raacutepido da jurisdiccedilatildeo constitucional15 ante a necessidade de

submeter o poder legislativo a limites precisamente soacutelidos16

O tradicional modelo do judicial review americano se formou no

silecircncio dos textos tomando corpo lentamente em um primeiro periacuteodo que foi ateacute 1789

(ano em que se funda o Tribunal Supremo Federal) o mesmo consistia em mera praacutetica

judicial dentro do common law em um segundo periacuteodo que vai de 1789 a 1861

impulsionado pela construccedilatildeo do Estado Federal e pelos conflitos em torno da natureza da

Uniatildeo criado pela Constituiccedilatildeo de 1787 em um terceiro periacuteodo iniciado em 1865 ateacute os

trinta primeiros anos do seacuteculo XX quando se estabeleceu como um sistema de revisatildeo

frente a todas as leis inclusive leis federais em consequecircncia do crescimento do capitalismo

das transformaccedilotildees ocasionadas pelo federalismo e pela necessidade de redefinir as relaccedilotildees

entre o Estado com a nova ordem industrial e em um quarto periacuteodo de 1954 a 1986 quando

se expandiu em resposta aos novos desafios impostos pela busca de justiccedila social igualdade

e liberdade (ACOSTA SAacuteNCHEZ 1998)

13 Nesse sentido Canotilho (2003) nos ensina que a Constituiccedilatildeo eacute o conjunto de regras (escritas ou

consuetudinaacuterias) e de estruturas institucionais conformadoras de uma dada ordem juriacutedico-poliacutetica em um

determinado sistema poliacutetico-social Entre o constitucionalismo antigo e o constitucionalismo moderno vatildeo se

desenvolvendo perspectivas poliacuteticas religiosas e juriacutedico-filosoacuteficas sem o conhecimento das quais natildeo eacute

possiacutevel compreender o proacuteprio fenocircmeno da modernidade constitucional

14 A expressatildeo ldquomovimento constitucionalrdquo eacute utilizada no sentido empregado por Canotilho como um

movimento gerador da constituiccedilatildeo (CANOTILHO 2003)

15 Para uma maior e mais detalhada compreensatildeo do movimento constitucional norte-americano ver Griffin

Stephen American Constitutionalism From the theory to the politics 1998

16 Nesse sentido ver Blaco Valdeacutes Roberto L La configuracioacuten del concepto de Constituicioacuten en las

experieacutencias revolucionarias francesas e norte-americana In Perspectivas Constitucionais Nos 20 anos da

Constituiccedilatildeo de 1976 (org Jorge Miranda) Vol III Coimbra 1998 p11

20

Para muitos a efetiva consagraccedilatildeo desse modelo ocorreu no ano de

1803 com o julgamento do famoso caso Marbury v Madison17 quando houve a formal

proclamaccedilatildeo da superioridade das normas constitucionais frente a qualquer outra lei

formulada pelo Parlamento bem como da autoridade dos Tribunais para invalidaccedilatildeo das leis

consideradas inconstitucionais

A par das questotildees poliacuteticas envolvidas nesse julgamento o fato eacute que

ele se tornou o marco da consolidaccedilatildeo da supremacia18 da Suprema Corte americana que

passou a ser entatildeo formalmente reconhecida como a detentora da uacuteltima palavra dentro do

processo de interpretaccedilatildeo constitucional19

Ateacute meados do seacuteculo XX a ideia que prevalecia na maioria dos paiacuteses

com a exececcedilatildeo dos Estados Unidos20 era a de que as constituiccedilotildees eram proclamaccedilotildees

poliacuteticas importantes mas natildeo possuiacuteam status de normas juriacutedicas As prescriccedilotildees

constitucionais natildeo podiam ser aplicadas diretamente pelos juiacutezes nem geravam direitos

subjetivos para os cidadatildeos

Havia principalmente nos paiacuteses da Europa cidental uma crenccedila na

legitimidade do Parlamento para a criaccedilatildeo do Direito natildeo existindo razatildeo para submeter as

leis por ele criadas agrave nenhuma espeacutecie de revisatildeo judicial O controle que existia era um

controle poliacutetico feito pelo proacuteprio legislativo21

17 Para uma visatildeo criacutetica e maiores detalhes sobre o famoso julgamento Marbury v Madison ver Acosta

Sancheacutez Joseacute Formacioacuten de la Constituicioacuten y Jurisdiccioacuten Constitucional Fundamentos de la Democracia

Constitucional Madri Tecnos 1998 pp 115 e Urbano Maria Benedita Curso de Justiccedila Constitucional

Evoluccedilatildeo Histoacuterica e Modelos de Controlo da Constitucionalidade Almedina 2012 pp 28 a 36

18 Neste trabalho quando fala-se em supremacia refere-se agrave siacutentese de Ward (2007) segundo a qual supremacia

judicial define o status que os precedentes merecem quando desafiados pela atuaccedilatildeo superveniente do

legislativo

19 Griffin (2003) em importante estudo revela que o judicial review americano nem sempre esteve associado agrave

ideia de supremacia judicial tendo sido este elemento incorporado ao modelo posteriormente Nesse sentido

destaca ldquoAs has so often been noted Marshall never claimed supremacy for the Court in Marbury The

opinion ends after all with Marshall saying that courts hace an equal right to the other departament in

interpreting the Constitution The Court committed itself explicity to judicial supremacy only relatively

recently In Cooper v Aaron for example the Court stated that the ldquofederal judiciary is supreme in the

exposition of the law of the Constitutionrdquo

20 Miranda (2007) destaca que diferente da Franccedila e dos paiacuteses europeus durante o seacuteculo XIX os Estados

Unidos vivem quase desde a sua formaccedilatildeo sob o princiacutepio da constitucionalidade isto eacute de que as leis e os

outros atos do Estado devem ser conformes agrave Constituiccedilatildeo e natildeo devem ser aplicados pelos tribunais no caso

de serem desconformes

21 ldquoO controle da conformidade das leis com a constituiccedilatildeo comeccedilou por ser do tipo poliacutetico Aacute medida que o

valor de lei suprema das constituiccedilotildees se ia impondo os parlamentos iam-se sentido cada vez mais pressionados

para permitir que as suas leis fossem objeto de fiscalizaccedilatildeo Numa primeira fase admitiram o controlo da

21

Portanto durante muito tempo na maioria dos paiacuteses europeus em

funccedilatildeo da constituiccedilatildeo ser vista como mero instrumento poliacutetico desprovido de

normatividade cabia ao Parlamento a regulamentaccedilatildeo das relaccedilotildees entre individuo e Estado

usufruindo entatildeo de um papel de legislador soberano eis que seus atos natildeo estavam

subordinados a nenhum controle judicial cabendo ao Poder Judiciaacuterio apenas a mera

aplicaccedilatildeo das leis

O reconhecimento da constituiccedilatildeo como norma juriacutedica soacute ocorreu no

constitucionalismo do poacutes-45 com o fim da segunda guerra mundial quando foram

incorporados no texto constitucional direitos fundamentais e princiacutepios relevantes de

moralidade poliacutetica

Com isso a partir da metade do seacuteculo XX a maioria das novas

constituiccedilotildees passaram a prever mecanismos de jurisdiccedilatildeo constitucional ou procuram

fortalecer ou ampliar os jaacute existentes A maior parte dos paiacuteses que reestruturam suas ordens

juriacutedicas desde entatildeo seja apoacutes libertar-se do jugo de antigas colocircnias seja depois da

superaccedilatildeo de ditaduras internas optaram pela introduccedilatildeo ou ampliaccedilatildeo de instrumentos de

controle de constitucionalidade nos seus textos magnos (SARMENTO 2006)

Ou seja o desenvolvimento do constitucionalismo e o reconhecimento

da constituiccedilatildeo como norma juriacutedica suprema do Estado criaram a necessidade de um

controle das normas infraconstitucionais

Nesse contexto desenvolveram-se inicialmente dois modelos de

controle de constitucionalidade distintos que foram se espalhando pelos diversos paiacuteses ao

longo dos anos que se seguiram O modelo decorrente do sistema americano ficou conhecido

como controle difuso tendo como principal caracteriacutestica o fato de todos os tribunais e juiacutezes

poderem declarar dentro de um caso concreto a inconstitucionalidade de uma lei

infraconstitucional

constitucionalidade das leis mas seriam eles os responsaacuteveis por um tal controlo Era pois um controlo

poliacutetico exercido por um oacutergatildeo poliacutetico o parlamento () Seja como for facilmente se constata que o controle

poliacutetico tende a ser pouco efetivo e eficaz No caso especiacutefico do controlo atribuiacutedo ao parlamento pode

afirmar-se sem grande margem de erro que os parlamentares eram ldquojuiacutezes em causa proacutepriardquo (no fundo era

um autocontrolo) Por este motivo o controlo das normas acabaria por ser atribuiacutedo aos tribunais tornando-se

um controlo judicialrdquo (URBANO 2012 p17)

22

Em oposiccedilatildeo a esse modelo Kelsen desenvolveu uma visatildeo alternativa

de controle de constitucionalidade para os sistemas europeus que ficou conhecido como

controle concentrado de constitucionalidade ou modelo austriacuteaco Nesse tipo de controle a

proteccedilatildeo da Constituiccedilatildeo previa a instituiccedilatildeo de um controle abstrato das atividades do

legislador confiado a um uacutenico oacutergatildeo separado dos tribunais ordinaacuterios - o Tribunal

Constitucional Ao juiacutez constitucional cabia manter ou anular o ato normativo do legislador

consoante o considerasse conforme ou desconforme a constituiccedilatildeo (URBANO 2012)

Jaacute nas uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XX a jurisdiccedilatildeo constitucional foi se

tornando uma realidade quase universal passando a existir em paiacuteses de todos os

continentes Tanto o modelo norte-americano como o modelo austriacuteaco serviram de

inspiraccedilatildeo para a implementaccedilatildeo do controle de constitucionalidade das leis e surgimento de

modelos mistos

Alguns paiacuteses como o Brasil por exemplo desenvolveram sistemas

mistos onde estatildeo presentes caracteriacutesticas de ambos os modelos tanto o austriacuteaco como o

americano ou seja haacute tanto o controle de constitucionalidade difuso quanto o concentrado22

Jaacute nos paiacuteses do continente europeu o modelo mais disseminado foi o modelo Austriacuteaco o

que impulsionou a criaccedilatildeo de diversos Tribunais Constitucionais em paiacuteses como Espanha

Itaacutelia e Portugal23

Assim na grande maioria dos paiacuteses desenvolveu-se um sistema de

jurisdiccedilatildeo constitucional aliado agrave ideia de supremacia judicial no qual o Poder Judiciaacuterio eacute

quem profere a uacuteltima palavra no tocante a interpretaccedilatildeo constitucional Na Europa em

especial a supremacia judicial foi se tornando uma realidade cada vez mais forte sendo o

ativismo judicial um dos responsaacuteveis pelo fortalecimento e desenvolvimento da estrutura

judiciaacuteria que se tem hoje na maioria dos paiacuteses

Diante de tudo isso pode-se afirmar que uma das caracteriacutesticas mais

evidentes no constitucionalismo contemporacircneo eacute a ascensatildeo institucional do Poder

Judiciaacuterio ultrapassando a originaacuteria ideia de legislador negativo tradicionalmente

22 Para maiores detalhes sobre o controle de constitucionalidade brasileiro ver BARROSO Luiacutes Roberto O

Controle de constitucionalidade no direito brasileiro Exposiccedilatildeo sistemaacutetica da doutrina e anaacutelise criacutetica da

jurisprudecircncia Satildeo Paulo Editora Saraiva 2004

23 Para maiores detalhes sobre o controle de constitucionalidade Portuguecircs ver Canotilho 2008 capiacutetulo 2

23

concebida por Kelsen dando margem ao surgimento de alguns fenocircmenos que seratildeo

tratados no toacutepico a seguir

4 Jurisdiccedilatildeo constitucional e democracia um antigo debate

A controveacutersia acerca da natureza da atividade fiscalizatoacuteria exercida

pelas Cortes Constitucionais decorre do possiacutevel conflito entre duas distintas legitimaccedilotildees

a dita legitimaccedilatildeo democraacutetica tipicamente atribuiacuteda ao legislador e a legitimaccedilatildeo

jurisdicional para a defesa do ordenamento juriacutedico constitucional atribuiacuteda ao Juiacutezo

constitucional Discute-se sobretudo o porquecirc da consignaccedilatildeo ao Judiciaacuterio de tal atribuiccedilatildeo

fiscalizatoacuteria bem assim quais seriam os objetos e limites do controle jurisdicional

(PONTES 2001 p 65)24

Os contornos desse debate estatildeo intimamente ligados a noccedilatildeo de

democracia exercendo o seu conceito direta influecircncia nos argumentos de defesa de um ou

de outro Poder Em apertada siacutentese pode-se mencionar que aqueles que defendem a

atribuiccedilatildeo do Poder ao Judiciaacuterio para realizar o controle de constitucionalidade das leis

fundamentam-se na regra contramajoritaacuteria ou seja na necessidade de uma oposiccedilatildeo a regra

da maioria representada pelo Legislativo principalmente para defender e proteger os direitos

e garantias de minorias sem tanta representatividade na busca por uma democracia

substancial25

Em contrapartida existem aqueles que denfendem uma outra noccedilatildeo de

democracia fundada justamente nos argumentos de maioria e de representatividade razatildeo

pela qual entendem pela iligitimidade dos juiacutezes membros natildeo eleitos pelo povo para

derrubar atos legislativos

Apesar da discussatildeo sobre a legitimidade democraacutetica da jurisdiccedilatildeo

constitucional ser um debate antigo natildeo se pode - sob nenhuma hipoacutetese - considera-lo como

24 Sobre o tradicional debate acerca da legitimidade da jurisdiccedilatildeo constitucional ver GARAPON Antonie O

juiz e a democracia o guardiatildeo das promessas Rio de Janeiro Renavn 2009 Linares Sebastiaacuten La

(i)legitimidad democraacutetica del control judicial de las leyes Madrid Marcial Pons MOREIRA Vital Princiacutepio

da Maioria e princiacutepio da constitucionalidade legitimidade e limites da justiccedila constitucional in Coloacutequio no

10ordm Aniversaacuterio do Tribunal Constitucional Lisboa 1993 pp 167-175

25 Sobre a regra contramajoritaacuteria ver BICKEL Alexander The last dangerous branch the Supreme Court at

the bar of politics New Haven Yale University 1986 e WHITE G Edward History and the Constitution

Durham Carolina Academic Press 2007

24

algo superado sobretudo porque na atualidade os argumentos insertos na questatildeo estatildeo

cada vez mais sofisticados e possibilitam uma discussatildeo aleacutem do tradicional binocircmio

Judiciaacuterio x Legislativo no tocante a detenccedilatildeo da uacuteltima palavra em mateacuteria constitucional

Nas uacuteltimas deacutecadas vivencia-se uma expansatildeo do tradicional modelo

do judicial review americano pelo Globo e consequentemente um reforccedilo e um alargamento

do Poder Judiciaacuterio razatildeo pela qual muitos paiacuteses hoje adotam modelos fundados em uma

supremacia judicial na qual os juiacutezes satildeo os responsaacuteveis por emitir a palavra final na

resoluccedilatildeo de conflitos constitucionais

A referida expansatildeo propiciou o desenvolvimento de fenocircmenos como

a judicializaccedilatildeo de questotildees poliacuteticas e o ativismo judicial os quais satildeo atualmente

considerados por alguns como uma ameaccedila ao princiacutepio democraacutetico a separaccedilatildeo de poderes

e ateacute mesmo a efetividade de direitos fundamentais Diante disso acabam por vir

novamente agrave tona antigos questionamentos relativos agrave legitimidade democraacutetica da

jurisdiccedilatildeo constitucional

A judicializaccedilatildeo da Poliacutetica aqui entendida como a dependecircncia de

Tribunais e dos meios judiciais para abordarsolucionar impasses morais fundamentais

questotildees de poliacuteticas puacuteblicas e controveacutersias poliacuteticas eacute um fenocircmeno mundial Embora

muitas questotildees de poliacuteticas puacuteblicas ainda permaneccedilam aleacutem do alcance do Judiciaacuterio eacute

fato incontestaacutevel que tem havido uma deferecircncia das outras esferas do Poder no sentido de

acolher a intrusatildeo do mesmo em suas prerrogativas o que acaba por acelerar o processo de

judicializaccedilatildeo das agendas poliacuteticas (HIRSCHL 2008)26

26 Hirschl faz importante observaccedilatildeo sobre um niacutevel diferente de judicializaccedilatildeo o qual denomina de

judicializaccedilatildeo da acutemega-poliacuteticaacute a qual seria mais impactante e consequentemente mais preocupante De

acordo com o autor ldquoToday not a single week passes without a national high court somewhere in the world

releasing a major judgment pertaining to the scope of constitutional rights or the limits on legislative or

executive powers The most common are cases dealing with procedrual justice and criminal lsquodue processrsquo

rights Aggregate data suggest that approximately two-thirds of all constitutional rights cases in the lsquoworld of

new constitutinalismrsquo deal with that type of rights Also common are rulings involving classic civil liberties

the right to privacy and formal equality This ever-expanding body of civil liberties jurisprudence has

expanded and fortified the boundaries of the constitutionally protected private sphere (often perceived as

threatened by the long arm of the state and its regulatory laws) and hastransformed numerous policy areas

involving individual freedoms In recent years we have seen the emergence of another level of judicialized

politics reliance on courts and judges for dealing with what we might call lsquomega-politicsrsquo ndash core political

controversies that define the boundaries of the collective or cut through the heart of entire nations This level

of judicialization includes several subcategories judicial scrutiny of executive-branch prerogatives in the

realms of macroeconomic planning or national security (ie the demise of what constitutional theorists call

the lsquopolitical questionrsquo doctrine) judicialization of electoral processes judicial corroboration of regime

transformation fundamental restorative-justice dilemmas and above all the judicialization of formative

25

Com o reconhecimento internacional da importacircncia da proteccedilatildeo dos

direitos fundamentais e o consequente entendimento de que a enunciaccedilatildeo desses direitos na

Carta Magna determina por si soacute um direito subjetivo em favor dos cidadatildeos o Estado

passou a ser responsaacutevel pela realizaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas que visem agrave sua efetividade

natildeo mais sendo suficiente apenas que natildeo os viole mas tambeacutem que aja de forma a propiciar

a sua eficaacutecia

Assim o Judiciaacuterio passou a ser visto como o principal centro de

discussatildeo sobre a efetividade desses direitos principalmente pela sociedade que encontrou

nas demandas judiciais um meio de coagir o Estado a dar cumprimento e efetividade aos

direitos constitucionalmente assegurados O progressivo aumento dessas demandas fez com

que fosse possiacutevel uma realizaccedilatildeo do controle judicial das poliacuteticas puacuteblicas estatais

favorecendo a judicializaccedilatildeo de temas que antes eram reservados ao campo da poliacutetica27

Esse cenaacuterio tambeacutem propiciou a ocorrecircncia de outro fenocircmeno

designado como ativismo judicial ou governo de juiacutezes28 que a par da sua difiacutecil e

heterogecircnea conceituaccedilatildeo deve aqui ser entendido como a excessiva atividade criativa do

juiz constitucional29

Tanto a judicializaccedilatildeo de questotildees poliacuteticas como o ativismo judicial

podem ser identificados como patologias dentro do sistema da jurisidiccedilatildeo constitucional sob

o ponto de vista do princiacutepio da separaccedilatildeo de poderes (TAVARES DA SILVA 2014) eis

que ocasionam um excesso de autonomia e poder ao Judiciaacuterio em detrimento dos demais

poderes facilitando inclusive a usurpaccedilatildeo de competecircncias

collective identity nation-building processes and struggles over the very definition or raison decirctre of the polity

as such ndash arguably the most troubling type of judicialization from a participatory democracy stanpoint These

emerging areas of judicialized politics expand the boundaries of national high-court involvement in the

political sphere beyond any previous limitrdquo

27 Esse eacute um tema muito discutido no Brasil onde haacute um grande nuacutemero de demandas judiciais - individuais e

coletivas - que questionam a efetividade de direitos fundamentais como o direito agrave sauacutede agrave educaccedilatildeo etc Sobre

o assunto ver VALLE Vanice Regina Liacuterio do Judicializaccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas no Brasil Ateacute onde

podem nos levar as asas de Iacutecaro In Themis Revista de Direito da Universidade Nova de Lisboa ano XI

nordm 2021 2011

28 A criaccedilatildeo dessas expressotildees eacute respectivamente atribuiacuteda agrave Arthur Schlesinger Jr e Walter Clark

29 Sobre o ativismo judicial ver URBANO 2012 p 87- 101

26

Somado a esses fenocircmenos outro importante componente que ajudou

a reacender o debate30 foi a recente transposiccedilatildeo do modelo americano do judicial review

fundado na supremacia judicial para paiacuteses da Commonwealth tradicionalmente centrados

em um modelo de soberania parlamentar a qual seraacute melhor abordada no toacutepico a seguir

Diante das evidentes dificuldades de harmonizaccedilatildeo do modelo de

revisatildeo judicial das leis para paiacuteses onde ateacute entatildeo o Parlamento era soberano expoentes

doutrinadores como Ronald Dworkin e Jeremy Waldron voltaram sua atenccedilatildeo para a anaacutelise

das vantagens e desvantagens da realizaccedilatildeo de um controle judicial dos atos do Parlamento

e da sua legitimidade democraacutetica

Dworkin (2006) postula uma ldquoconcepccedilatildeo constitucional de

democraciardquo31 segundo a qual o regime democraacutetico demanda a tomada decisotildees coletivas

por instituiccedilotildees que tratem de forma isonocircmica todos os cidadatildeos fato que nem nem sempre

iraacute ocorrer em procedimentos majoritaacuterios Assim o Autor defende que o primordial para a

legitimidade democraacutetica de uma decisatildeo eacute o seu conteuacutedo substantivo e natildeo propriamente

o procedimento em si realizado para a sua elabraccedilatildeo

Sendo assim alega a legitimidade democraacutetica do controle de

constitucionalidade das leis realizada pelo Poder Judiciaacuterio eis que esta seria no seu

entender a instacircncia do Poder mais apta a fornecer a ldquoresposta certardquo sobre direitos

fundamentais (DWORKIN 2001)

30 Necessaacuterio esclarecer que o controle de constitucionalidade sempre foi alvo de desconfianccedila sob o ponto de

vista da teoria democraacutetica durante muitos anos importantes estudiosos concentraram esforccedilos tentando buscar

uma justificativa capaz de legitimaacute-lo como o famoso debate entre Hans Kelsen e Carl Schmitt Todavia o

debate de hoje o qual interessa para o presente trabalho se funda em argumentos mais complexos por razotildees

didaacuteticas natildeo iremos retomar ao debate mais antigo

31ldquoSe rejeitamos a premissa majoritaacuteria precisaremos de uma explicaccedilatildeo diferente e melhor do valor e da

finalidade da democracia Vou defender agora uma explicaccedilatildeo ndash que chamo de concepccedilatildeo constitucional da

democracia ndash que efetivamente rejeita a premissa majoritaacuteria Segundo essa explicaccedilatildeo o fato de as decisotildees

coletivas serem sempre ou normalmente as decisotildees que a maioria dos cidadatildeos e tomariam se fossem

plenamente informados e racionais natildeo eacute nem uma meta nem uma definiccedilatildeo de democracia O objetivo que

define a democracia tem de ser diferente que as decisotildees coletivas sejam tomadas por instituiccedilotildees poliacuteticas

cuja estrutura composiccedilatildeo e modo de operaccedilatildeo dediquem a todos os membros da comunidade enquanto

indiviacuteduos a mesma consideraccedilatildeo e o mesmo respeito () a concepccedilatildeo constitucional requer esses

procedimentos majoritaacuterios em virtude de uma preocupaccedilatildeo com a igualdade dos cidadatildeos e natildeo por causa de

um compromisso com as metas da soberania da maioria Por isso natildeo opotildee objeccedilatildeo alguma ao emprego deste

ou daquele procedimento natildeo majoritaacuterio em ocasiotildees especiais nas quais tal procedimento poderia proteger

ou promover a igualdade que segunda essa concepccedilatildeo eacute a proacutepria essecircncia da democracia e natildeo aceita que

essas exceccedilotildees sejam causa de arrependimento moralrdquo (DWORKIN Ronald O Direito da Liberdade Satildeo

Paulo Martins Fontes 2006 p 26)

27

Em contrapartida Waldron (1999) sustenta que a legitimidade

democraacutetica de uma decisatildeo coletiva natildeo pode ser julgada a partir dos seus resultados como

propotildee Dworkin mas sim pelo caraacuteter democraacutetico do procedimento de tomada da decisatildeo

Partindo do princiacutepio da existecircncia de um grande dissenso acerca dos direitos fundamentais

dentro da sociedade entende que natildeo eacute legiacutetimo que predomine como correta entre as

diversas visotildees existentes aquela enunciada pelo Judiciaacuterio

Segundo o Autor o tradicional modelo do judicial review aliado agrave

supremacia do Judiciaacuterio natildeo eacute o meio mais adequado para a tomada de decisatildeo final em

uma sociedade livre e democraacutetica Apesar de criticar severamente essa praacutetica natildeo ignora

a sua existecircncia na maioria dos paiacuteses e faz uma distinccedilatildeo entre os diversos sistemas

classificando-os em sistemas fortes intermediaacuterios e fracos de acordo com a quantidade de

poder que eacute atribuiacutedo ao Judiciaacuterio (WALDRON 2014)

Neste sentido eacute importante a distinccedilatildeo que propotildee entre judicial review

e supremacia judicial O primeiro conceitua como uma forma de controle judicial das leis

que na sua melhor concretizaccedilatildeo praacutetica pode operar como um poder modesto de restriccedilatildeo

jaacute a supremacia judicial como a ideia de que os juiacutezes satildeo supremos e ateacute soberanos na

poliacutetica estando todos os outros poderes poliacuteticos a eles subordinados (WALDRON 2014

p 5)

Esclarece por exemplo que nos Estados Unidos haacute uma supremacia

judicial natildeo necessariamente pela adoccedilatildeo de um modelo forte de revisatildeo judicial mas sim

pela forma que este vem sendo exercido pela Suprema Corte Americana (WALDRON

2014 p 11)

O raciociacutenio desenvolvido por Wladron eacute importante principalmente

para demonstrar que natildeo deve haver uma vinculaccedilatildeo necessaacuteria entre judicial review e

supremacia judicial Ou seja para o autor a supremacia judicial e seus efeitos negativos pode

e deve ser combatida sem que para isso tenha-se que abolir a praacutetica da revisatildeo judicial das

leis a qual pode ateacute ser considerada como uma praacutetica boa e necesaacuteria

Com base nesse raciociacutenio atualmente o tradicional modelo de judicial

review aliado a supremacia do Poder Judiciaacuterio tem sido um dos maiores alvos de criacuteticas da

teoria constitucional natildeo apenas sob a oacutetica da legitimidade democraacutetica mas tambeacutem pelo

seu resultado no que tange a verdadeira efetivaccedilatildeo dos direitos fundamentais

28

O excesso de poder concedido ao Judiciaacuterio passou entatildeo a ser visto

com maus olhos em razatildeo de fenocircmenos como o ativismo judicial e a judicializaccedilatildeo poliacutetica

levando a doutrina a uma busca incessante por formas de combate a essas patologias

Em face disso alguns Estados de tradiccedilatildeo parlamentar cientes dessa

realidade negativa vivenciada nos demais paiacuteses poreacutem convencidos da necessidade de

implementaccedilatildeo de um sistema de revisatildeo judicial das leis para uma maior efetivaccedilatildeo dos

direitos fundamentais buscaram desenvolver modelos alternativos aos ateacute entatildeo existentes

Uma das propostas desses novos modelos eacute superar o problema da

legitimidade democraacutetica do judicial review mediante a promoccedilatildeo de um reequiliacutebrio entre

o Legislativo e Judiciaacuterio conforme se leraacute nas proacuteximas paacuteginas

5 A implementaccedilatildeo do judicial review nos paiacuteses da commonwealth e o

surgimento de uma nova alternativa ao binocircmio judiciaacuterio v Legislativo ndash weak

form of judicial review

A evoluccedilatildeo do judicial review na medida em que os Estados foram se

confrontando em pleno seacuteculo XX com o problema da escolha de mecanismos de controle

de constitucionalidade para os seus sistemas normativos procurando ajustar os modelos jaacute

existentes agraves suas realidades permitiu o desenvolvimento de diversos novos modelos

(TAVARES DA SILVA 2014)

Entre 1982 e 1998 paiacuteses como Canadaacute Nova Zelacircndia e Reino Unido

que ateacute entatildeo viviam sob a eacutegide de um sistema pautado na supremacia do Parlamento ao

adotarem um Bill of Rigths instituiacuteram um modelo de revisatildeo judicial a partir do tradicional

modelo americano poreacutem tentando uma nova forma de equiliacutebrio entre os poderes ateacute entatildeo

inexistente

Esse modelo foi denominado por Tushnet como weak form of judicial

review em oposiccedilatildeo ao modelo americano que constitui um strong form of judicial review

no qual a interpretaccedilatildeo constitucional efetuada pela Suprema Corte eacute praticamente

irreversiacutevel e inalteraacutevel por maiorias legislativas ordinaacuterias (TUSHNET 2009 p 33)

O novo modelo traduz-se basicamente em uma forma de controle de

constitucionalidade onde existem mecanismos de respostas da populaccedilatildeo agravequelas decisotildees

29

que lhes parecem erradas visando com isso diminuir a tensatildeo natural relativa a legitimidade

democraacutetica do judicial review

Nele a interpretaccedilatildeo judicial das provisotildees constitucionais pode ser

revisada pelo legislativo em um prazo relativamente curto usando uma regra de decisatildeo natildeo

muito diferente da que eacute usada no processo legislativo cotidiano (TUSHNET 2009) Com

isso tem-se um modelo que dissocia a jurisdiccedilatildeo constitucional da supremacia judicial

permitindo tambeacutem ao Legislativo o pronunciamento

Gardbaum (2013) identifica que este modelo foi feito sob a exata

medida para permitir uma maior proteccedilatildeo juriacutedica aos direitos dentro de paiacuteses com culturas

poliacuteticas nas quais haacute um apego substancial agrave soberania parlamentar como provedora de uma

longa e em grande parte bem sucedida tradiccedilatildeo constitucional democraacutetica32

Em siacutentese o novo modelo de jurisdiccedilatildeo constitucional adotado pelos

paiacuteses da Commonwealth adveacutem entatildeo da busca pela conciliaccedilatildeo entre a necessidade de

proteccedilatildeo dos novos direitos fundamentais e a tradiccedilatildeo da supremacia parlamentar o que

certamente natildeo haacute no tradicional modelo norte-americano

Cada um dos paiacuteses adeptos desse modelo buscou em suas

especificidades adotar mecanismos que prometiam a possibilidade de um exerciacutecio da

jurisdiccedilatildeo constitucional pautado no equiliacutebrio institucional sugerindo uma

responsabilidade conjunta pela decisatildeo final aleacutem de permitir o exerciacutecio de um diaacutelogo

deliberativo entre o Judiciaacuterio e o Legislativo no tocante a aplicaccedilatildeo e proteccedilatildeo dos direitos

fundamentais (GARDBAUM 2013) 33

Na praacutetica pode-se dizer que o marco inicial do denominado sistema

brando de constitucionalidade se deu com o advento da Carta Canadense de 198234 a qual

32 ldquoMost importantly while granting courts the power to enforce fundamental rights it decouples judicial

review from judicial supremacy by empowering legislatures to have the final word This new model was

custom-built to permit greater legal protection of rights within political cultures in which there is substantial

attachment to parliamentary sovereignty as having provided a long and largely successful tradition of

constitutionalist democracyrdquo (GARDBAUM 2013 p 760)

33 Sobre a evoluccedilatildeo do constitucionalismo nos paiacuteses da Commonwealth ver tambeacutem ZINES Leslie

Constitutional change in the Commonwealth Cambridge Cambridge University Press 1991 34 Constitution Act 1982 Disponiacutevel em lthttplaws-loisjusticegccaengConstindexhtmlgt

30

traz na sua Seccedilatildeo 3335 a previsatildeo da notwithstanding clause o que permite ao Legislativo

determinar a aplicaccedilatildeo de um diploma normativo expressamente reconhecido pelo Judiciaacuterio

como inconstitucional e na Seccedilatildeo 136 com a previsatildeo da possibilidade do Legislador reeditar

uma norma que configure e limite direito consagrado nas seccedilotildees 2 e de 7 a 15 e que jaacute tenha

sido objeto de reprovaccedilatildeo pelo Judiciaacuterio desde que fundada em justificativa razoaacutevel

A despeito das criacuteticas dirigidas a esses mecanismos as quais seratildeo

abordadas ao longo do presente trabalho a experiecircncia Canadense chamou a atenccedilatildeo de

diversos doutrinadores por todo o mundo bem como inspirou outros paiacuteses de tradiccedilatildeo

parlamentar a adotar esse novo modelo de jurisdiccedilatildeo constitucional

O Reino Unido por exemplo com a aprovaccedilatildeo do Human Rights Act

(HRA) em 1998 passou a adotar o mecanismo da interpretive obligation e de declarations

of incompability a Nova Zelacircndia tambeacutem apoacutes a aprovaccedilatildeo da sua Carta de Direitos

Humanos introduziu mecanismo similar agrave claacuteusula interpretativa da Inglaterra

Logo apesar de cada paiacutes adotar mecanismos diferentes pode-se dizer

que adotam um modelo fraco de controle de constitucionalidade eis que neles natildeo existe a

ideia de supremacia judicial ou seja a uacuteltima palavra em mateacuteria de interpretaccedilatildeo

constitucional natildeo eacute dada necessariamente pelo Judiciaacuterio havendo a possibilidade de

contradita pelo Legislativo e ateacute mesmo de prevalecircncia da interpretaccedilatildeo deste uacuteltimo

Dessa maneira a partir da observaccedilatildeo dessas novas experiecircncias dos

problemas oriundos da praacutetica do ativismo judicial da crescente judicializaccedilatildeo da Poliacutetica

das controveacutersias sobre a legimitidade da jurisdiccedilatildeo constitucional e da incessante busca pela

efetividade de direitos eclodem inuacutemeras teorias que tentam explicar e fundamentar a

existecircncia de um diaacutelogo entre Legislativo e Judiciaacuterio no seio da jurisdiccedilatildeo constitucional

satildeo as denomidadas teorias dialoacutegicas as quais seratildeo expostas e analisadas na sequecircncia de

forma sistemaacutetica

35 ldquo33 (1) Parliament or the legislature of a province may expressly declare in an Act of Parliament or of the

legislature as the case may be that the Act or a provision thereof shall operate notwithstanding a provision

included in section 2 or sections 7 to 15 of this Charterrdquo

36 ldquo1 The Canadian Charter of Rights and Freedoms guarantees the rights and freedoms set out in it subject

only to such reasonable limits prescribed by law as can be demonstrably justified in a free and democratic

societyrdquo

31

CAPIacuteTULO 2 ndash AS TEORIAS DIAacuteLOGICAS E A CONCRETIZACcedilAtildeO DO

DIAacuteOLOGO INSTITUCIONAL

6 Teoria dos diaacutelogos institucionais

Antes de iniciar a anaacutelise das respectivas teorias importa esclarecer que

apesar das mesmas terem se desenvolvido doutrinariamente em sua maioria e com maior

forccedila apoacutes a criaccedilatildeo do weak judicial review como explicado ateacute aqui algumas delas satildeo

anteriores agrave isso e fruto da anaacutelise de sistemas tradicionais como o do proacuteprio Estados

Unidos conforme seraacute demonstrado na sequecircncia

Eacute necessaacuterio explicar que a referecircncia agrave ldquodiaacutelogos institucionaisrdquo apesar

do reconhecimento da existecircncia de diversas instituiccedilotildees no acircmbito estatal estaacute-se

privilegiando especificamente a interaccedilatildeo entre as Cortes Constitucionais e o Parlamento

sobretudo porque o cerne do debate acerca da legitimidade democraacutetica da jurisdiccedilatildeo

constitucional restringe-se a essas duas vertentes do Poder ficando o executivo de fora pois

segundo a tradicional doutrina nunca foi considerado forte candidato a detentor da uacuteltima

palavra no processo de interpretaccedilatildeo constitucional Dito isso explicar-se-aacute o que as teorias

possuem em comum e quais os seus fundamentos basilares

Como jaacute demonstrado a ideia de diaacutelogo institucional surge a partir do

novo paradigma do constitucionalismo contemporacircneo que tem por objetivo natildeo mais

analisar quem deve interpretar a Constituiccedilatildeo mas sim buscar uma teoria que seja construiacuteda

a partir de uma proposta cooperativa por intermeacutedio da qual as instituiccedilotildees possam

compartilhar fundamentos em comum ao operacionalizar as ordens juriacutedica e poliacutetica

Esse entendimento eacute consequecircncia da anaacutelise do novo modelo de

jurisdiccedilatildeo constitucional iniciado no Canadaacute o qual aponta para a necessidade de

reestabelecimento de um equiliacutebrio entre as instituiccedilotildees por meio da alocaccedilatildeo de

responsabilidade reciacuteproca entre Tribunais e Parlamento na formulaccedilatildeo de poliacuteticas e

legislaccedilatildeo

Ou seja as teorias dialoacutegicas partem da premissa de que muitas vezes a

decisatildeo judicial natildeo seraacute suficiente para a resoluccedilatildeo de um conflito sobre direitos sobretudo

nos casos relativos agrave efetivaccedilatildeo de direitos fundamentais nos quais existem limitaccedilotildees que

32

ultrapassam a seara da competecircncia judicial portanto natildeo pode a decisatildeo judicial ser

considerada o fim da linha dentro da jurisdiccedilatildeo constitucional principalmente quando se

busca a maacutexima eficaacutecia de direitos fundamentais

Em contraste com as teorias de interpretaccedilatildeo que propotildeem criteacuterios que os

juiacutezes devem utilizar para resoluccedilatildeo de conflitos constitucionais as teorias de diaacutelogo

centram-se no processo institucional por meio do qual as decisotildees sobre o significado

constitucional satildeo feitas sugerindo que este envolve a elaboraccedilatildeo compartilhada do

significado constitucional entre o Judiciaacuterio e outros atores (BATEUP 2005)

As teorias que abordam o exerciacutecio de um diaacutelogo institucional na

resoluccedilatildeo dos conflitos consitucionais buscam em primeiro lugar entender e verificar como

essa interaccedilatildeo ocorre qual o seu significado reforccedilando o princiacutepio da separaccedilatildeo de poderes

a partir da percepccedilatildeo de que todas as instituiccedilotildees cada uma em sua especificidade satildeo

responsaacuteveis por uma parcela da tarefa da interpretaccedilatildeo constitucional

As teorias dialoacutegicas natildeo fornecem respostas certas para os casos difiacuteceis

de interpretaccedilatildeo mas despertam um processo no qual todos participam na busca dessa

resposta Rejeita os extremos tanto da atuaccedilatildeo judicial como da atuaccedilatildeo legislativa a Corte

natildeo impede que a prevalecircncia da legislaccedilatildeo mas induz o Parlamento a assumir a

responsabilidade poliacutetica e apresentar justificativas razoaacuteveis para suas escolhas no tocante

agrave restriccedilatildeo de direitos (ROACH 2001)

Nesse sentido Sustein e Vermule (2002) indicam a necessidade de uma

virada institucional no pensamento sobre a interpretaccedilatildeo constitucional chamando a atenccedilatildeo

para a necessidade de observaccedilatildeo da capacidade das instituiccedilotildees e dos efeitos dinacircmicos de

qualquer abordagem especiacutefica e de suas consequecircncias

A partir dessa ideia as teorias do diaacutelogo institucional sugerem que natildeo

deve haver um predomiacutenio de uma instituiccedilatildeo sobre a outra quando do exerciacutecio da

jurisdiccedilatildeo constitucional mas sim uma forccedila tarefa uma atuaccedilatildeo conjunta das mesmas

Sendo assim diversas teorias tecircm se proliferado no sentido de fundamentar

agrave abertura ao diaacutelogo no exerciacutecio da jurisdiccedilatildeo constitucional visando sobretudo o

restabelecimento do equiliacutebrio entre os poderes como fundamento de uma legitimidade

democraacutetica a defesa de um sistema brando de controle de constitucionalidade e a

concretizaccedilatildeo dos direitos fundamentais

33

Buscar-se-aacute na continuidade deste capiacutetulo analisar aacute luz das teorias

dialoacutegicas algumas praacuteticas do Judiciaacuterio e Legislativo a fim de identificar ateacute que ponto

essas teorias podem ser consideradas como efetivadoras de um diaacutelogo concreto e

substancial no exerciacutecio da jurisdiccedilatildeo constitucional e quais seus contributos no tocante a

superaccedilatildeo dos problemas relativos a sua legitimidade e no combate ao ativismo

Entretanto antes de fazer a exposccedilatildeo de cada teoria e seus efeitos praacuteticos

em especiacutefico eacute imprescindiacutevel destacar que haacute na doutrina uma aparente diferenciaccedilatildeo

entre tipos de diaacutelogo gerando uma dicotomia diaacutelogo formal e diaacutelogo material a qual

passamos a explorar no toacutepico seguinte

7 Diaacutelogo formal v Diaacutelogo material

Para que se possa analisar de forma mais clara e eficaz as teorias

dialoacutegicas e suas respectivas praacuteticas se faz necessaacuterio primeiramente entender o que seria

um verdadeiro diaacutelogo e quando este pode ser considerado verdadeiramente promissor no

sentido de cumprir os objetivos a que a teoria se propotildee

De iniacutecio pode-se afirmar que essa tarefa eacute aacuterdua eis que nela residem

justamente os maiores alvos das criacuteticas direcionadas as teorias dialoacutegicas conforme veremos

na sequecircncia Apesar de todas as benesses que a ideia de um diaacutelogo constitucional

apresenta a sua praacutetica ainda eacute um pouco conflituosa eis que nem tudo aquilo que alguns

denominam de ldquodiaacutelogordquo deve ser de fato assim considerado

Na definiccedilatildeo de Dor (2000) o diaacutelogo material ou substantivo ocorre

quando haacute o comprometimento e engajamento de todos os participantes na busca de uma

soluccedilatildeo harmoniosa que conteraacute tanto a interpretaccedilatildeo do Tribunal relativa a uma questatildeo

constitucional como o interesse do legislador

Ou seja no desenvolvimento do diaacutelogo em seu sentido material haacute a

conciliaccedilatildeo entre a interpretaccedilatildeo judicial e os interesses do legislador buscando o Tribunal

articular as falhas da legislaccedilatildeo e o legislador a incluir nas suas iniciativas a interpretaccedilatildeo

do Tribunal buscando soluccedilotildees para alcanccedilar o seu objetivo agrave luz dessa interpretaccedilatildeo

Jaacute o diaacutelogo no sentido formal ocorre quando a atuaccedilatildeo legislativa

pouco ou nada acrescenta ao resultado final servindo apenas para ldquocarimbarrdquo a decisatildeo

34

judicial ou seja quando haacute a total deferecircncia do Legislativo agrave decisatildeo judicial

Tremblay (2005) tambeacutem em importante anaacutelise sobre o tema ao tratar

dos limites da teoria dos diaacutelogos institucionais apesar de natildeo negar a possibilidade da sua

concretizaccedilatildeo praacutetica introduz duas concepccedilotildees geneacutericas de diaacutelogos os de conversaccedilatildeo e

os de deliberaccedilatildeo

Para o Autor os diaacutelogos pautados em uma conversaccedilatildeo satildeo em

siacutentese aqueles que ocorrem de uma maneira mais informal e espontacircnea no qual haacute uma

troca de ideias sentimentos ou opiniotildees sem um comprometimento das partes com um

entendimento em comum um aprendizado ou descoberta de novas perspectivas natildeo haacute

pois um empenho na argumentaccedilatildeo ou um debate forte Seria de certa forma como um

diaacutelogo entre amigos apoacutes uma refeiccedilatildeo

Em contrapartida a concepccedilatildeo deliberativa de diaacutelogo consiste em

praacutetica semelhante agrave conversaccedilatildeo pois tambeacutem haacute troca de ideias sentimentos e opiniotildees

entre duas ou mais pessoas poreacutem de maneira mais formal e menos espontacircnea Na

deliberaccedilatildeo as partes possuem um mesmo propoacutesito buscam por intermeacutedio da troca de

argumentos e ideias a resoluccedilatildeo coletiva de conflitos ou problemas

Sendo assim o diaacutelogo pautado na conversaccedilatildeo consistiria em um

diaacutelogo meramente formal o qual segundo alguns autores natildeo deve ser considerado como

uma forma efetiva de diaacutelogo eis que natildeo haacute uma verdadeira inteiraccedilatildeo entre os poderes mas

tatildeo somente uma possibilidade de resposta de um ao outro

Desta forma pode-se inferir que para que haja a verdadeira

concretizaccedilatildeo dos objetivos propostos pela teoria do diaacutelogo institucional a simples

formulaccedilatildeo pautada em um diaacutelogo formal natildeo seria suficiente fazendo-se necessaacuteria a

ocorrecircncia de uma deliberaccedilatildeo concreta entre os poderes uma verdadeira deliberaccedilatildeo a fim

de chegar a consenso no que tange a interpretaccedilatildeo constitucional

Neste estudo natildeo se despreza nenhuma dessas concepccedilotildees de diaacutelogo

ao contraacuterio busca-se demonstrar justamente aquelas praacuteticas que mais se coadunam com a

concepccedilatildeo de um diaacutelogo material poreacutem tambeacutem ressaltando os benefiacutecios daquelas que

consistam apenas uma vertente formal

Feita essa diferenciaccedilatildeo passa-se a expor de maneira mais especiacutefica

35

as teorias dialoacutegicas e suas manifestaccedilotildees praacuteticas Utilizar-se-aacute didaticamente a

sistematizaccedilatildeo das teorias feita por Christine Bateup sobretudo no que tange a classificaccedilatildeo

das mesmas jaacute que nosso objetivo eacute tentar abordar o maior nuacutemero possiacutevel de teorias e

praacuteticas

A exposiccedilatildeo inicia-se pela anaacutelise da praacutetica sugerida pela doutrina

como dialoacutegica em paiacuteses que possuem um controle de constitucionalidade forte ou seja

inicialmente formulado com base em uma supremacia do Judiciaacuterio na tarefa de revisatildeo

judicial das leis

Apoacutes o que seraacute mencionado a praacutetica dialoacutegica nos paiacuteses que adotam

um controle fraco de constitucionalidade onde a ideia de diaacutelogo a priori eacute mais evidente

pelo fato do proacuteprio modelo constitucional prever mecanismos voltados para esse fim

8 Teorias dialoacutegicas fundadas no meacutetodo judicial

As teorias fundadas no meacutetodo judicial satildeo aquelas que defendem que

o diaacutelogo deve ocorrer dentro da decisatildeo judicial Tecircm como elemento central a defesa do

uso consciente pelo Judiciaacuterio de teacutecnicas de tomada de decisotildees que estimulem e incentivem

o debate mais amplo sobre o significado constitucional com - e entre - os poderes poliacuteticos

Para a praacutetica dessa modalidade de diaacutelogo natildeo haacute a exigecircncia da

existecircncia de mecanismos formais de relaccedilatildeo institucional eis que o diaacutelogo se estabelece

natildeo pela observaccedilatildeo de um preceito especiacutefico preacutevio mas pela simples interaccedilatildeo entre os

distintos ramos do Poder por essa razatildeo eacute possiacutevel encontrar os maiores exemplos desse

tipo de diaacutelogo em sistemas de jurisdiccedilatildeo constitucional centrados na supremacia judicial

conforme se leraacute a seguir

Bateup subdivide essas formas de diaacutelogo em duas categorias as

denominadas de aconselhamento judicial (judicial advice- giving) e as teorias centradas no

processo (process centered rules)

Antes de se tratado cada categoria em especiacutefico necessaacuterio destacar

mais uma vez que o foco neste caso estaacute em buscar exemplos da manifestaccedilatildeo dessa teoria

na jurisdiccedilatildeo constitucional de paiacuteses que adotam um modelo de revisatildeo judicial inspirado

no tradicional modelo norte americano justamente para tentar verificar se neles tambeacutem haacute

36

uma possibilidade de diaacutelogo jaacute que adotam um sistema forte de controle de

constitucionalidade sugerindo o que alguns autores chamam de ldquoenfraquecimento do

controle de constitucionalidaderdquo e fazer o contraponto com a forma de diaacutelogo estabelecida

em jurisdiccedilotildees constitucionais que adotam o weak judicial review para verificar onde se

assemelham e onde se distanciam

Reassalte-se ainda que o objetivo natildeo eacute exaurir todas as questotildees e

pormenores praacuteticos e teoacutericos dos exemplos que seratildeo dados a seguir mas tatildeo somente

abordar as questotildees referentes ao potencial dialoacutegico dos institutos juriacutedicos mencionados

que eacute o que interessa para o alcance do objetivo do presente trabalho

81 Aconselhamento judicial

As teacutecnicas de aconselhamento judicial consistem em formas proativas

de interpretaccedilatildeo constitucional e construccedilatildeo de decisotildees que o Judiciaacuterio recomendan o curso

de accedilatildeo do Poder Legislativo e busca aconselhaacute-lo com o obejtivo de evitar futuros

problemas constitucionais

O uso dessas teacutecnicas visa assegurar que os ramos poliacuteticos visualizem

e entendam a interpretaccedilatildeo constitucional feita pelo Judiciaacuterio para que com isso elaborem

a legislaccedilatildeo de acordo com a mesma ou ainda alterem a legislaccedilatildeo em vigor para evitar

discrepacircncias (BATEUP 2005 p17)

Por natildeo existir uma forma predeterminada para promoccedilatildeo do

aconselhamento judicial nem a necessidade de previsatildeo de um mecanismo especiacutefico para

tanto ele se traduz na praacutetica de inuacutemeras formas Sendo assim natildeo haacute como enumerar todas

as suas possibilidades praacuteticas de forma exaustiva razatildeo pela qual foram selecionadas as

mais importantes e evidentes

811 Constitutional road maps

A doutrina americana reporta-se agraves decisotildees judiciais denominadas de

constitutional road maps mediante as quais o Judiciaacuterio pronuncia a inconstitucionalidade de

uma lei mas ao mesmo tempo aponta os caminhos possiacuteveis a serem seguidos pelo

Legislativo para a correccedilatildeo da incompatibilidade

37

Essa teacutecnica foi utilizada pela Suprema Corte Americana no

julgamento do caso City of Chicago v Morales37 no qual foi analisada a constitucionalidade

da Chicagoacutes gang-loitering law lei que impedia a congregaccedilatildeo puacuteblica de membros de

gangues e seus associados

A lei foi considerada inconstitucional por ser vaga e violar o devido

processo legal poreacutem apesar de declarara inconstitucionalidade a Suprema Corte proferiu

decisatildeo esboccedilando de forma detalhada as alternativas legais com potencial para sobreviver

ao escrutiacutenio judicial

As diretrizes para a elaboraccedilatildeo de um estatuto legal em consonacircncia

com a Constituiccedilatildeo foram traccediladas no voto da Juiacuteza Sandra OrsquoConnor as quais em sua

maioria foram seguidas pelo Legislativo na elaboraccedilatildeo do novo diploma legal

aproximadamente trecircs anos depois razatildeo pela qual a decisatildeo eacute apontada pela doutrina como

fruto de diaacutelogo

Apesar de neste caso a decisatildeo da Suprema Corte ter servido de diretriz

para a elaboraccedilatildeo de um novo diploma legal nem sempre eacute o que ocorre A teacutecnica do

constitutional road map eacute alvo de muitas criacuteticas sendo considerada uma das teacutecnicas mais

radicais e perigosas de incentivo poacutes-invalidaccedilatildeo da lei pois ao derrubar a legislaccedilatildeo em

anaacutelise o Judiciaacuterio oferece um roteiro a ser seguido pelo Legislativo para criar um estatuto

legal que seja constitucional (LUNA 2001)

812 Sentenccedilas intermedias (declaraccedilotildees de mera incompatibilidade

e sentenccedilas apelativas)

No acircmbito europeu em especial no Direito alematildeo existem alguns

tipos de sentenccedilas oriundas do controle de constitucionalidade que satildeo consideradas como

teacutecnicas dialoacutegicas sob o ponto de vista das teorias fundadas no meacutetodo judicial Essas

sentenccedilas fazem parte do grupo das chamadas ldquosentenccedilas intermediasrdquo ou ldquosentenccedilas

37 Oportuno se faz esclarecer que natildeo se adentra nas questotildees faacuteticas do caso nem no meacuterito da decisatildeo por

fugir ao escopo do presente trabalho poreacutem a decisatildeo pode ser consultada na iacutentegra em

httpssupremejustiacomcasesfederalus52741casehtml

38

normativasrdquo38 as quais satildeo decisotildees judiciais que se situam entre o considerar e o natildeo

considerar a inconstitucionalidade de uma norma e nos casos em que eacute admissiacutevel entre

rejeitar a norma considerada inconstitucional e concomitantemente expulsaacute-la do

ordenamento juriacutedico e natildeo considerar constitucional e mantecirc-la (URBANO 2012 p 87)39

Apesar de natildeo nos interessar a anaacutelise de todos os diversos tipos de

sentenccedilas intermedias eacute oportuno destacar que as mesmas satildeo uma produccedilatildeo recente da

jurisdiccedilatildeo constitucional dos paiacuteses europeus que adotaram o modelo autriacuteaco de controle

de consitucionalidade ou seja um controle concentradoabstrato realizado por um Tribunal

criado para esse fim especiacutefico e que revelam que a idealizaccedilatildeo de Kelsen de criaccedilatildeo de um

oacutergatildeo que atue como legislador negativo vem sendo ultrapassada agrave medida que os Tribunais

Constitucionais natildeo mais se limitam meramente a decidir pela constitucionalidade ou natildeo de

uma norma sobretudo pela evidente complexidade dos problemas constitucionais que

exigem decisotildees mais elaboradas que o esquema ldquoconstitucional v inconstitucionalrdquo

Pois bem O primeiro tipo de sentenccedila dentro desse universo que pode

ser considerada como uma teacutecnica dialoacutegica eacute a chamada ldquodeclaraccedilatildeo de mera

incompatibilidaderdquo originaacuteria da jurisprudecircncia alematilde Consiste em uma decisatildeo do

Tribunal Constitucional onde natildeo haacute a anulaccedilatildeo da lei mas apenas a declaraccedilatildeo de que a

mesma eacute incompatiacutevel com a constituiccedilatildeo e a sua consequente suspensatildeo ateacute que o

Legislativo efetue a correccedilatildeo da norma a fim de tornaacute-la constitucional

Ou seja o Tribunal reconhece a inconstitucionalidade da norma poreacutem

sem declarar a sua nulidade mantendo-a no ordenamento juriacutedico mas suspendendo a sua

aplicaccedilatildeo Com isso de acordo com os defensores dessa praacutetica o Judiciaacuterio estaria

permitindo ao Legislativo a correccedilatildeo da legislaccedilatildeo a tempo de evitar um vaacutecuo legislativo

(QUEIROZ 2012)

Essa praacutetica tem sido muito utilizada pelo Tribunal Constitucional

Alematildeo nos casos em que ldquoa declaraccedilatildeo de nulidade haveria de produzir uma situaccedilatildeo

juriacutedica insuportaacutevelrdquo especialmente nas seguintes situaccedilotildees a) quando o juiz reconhece

que o legislador natildeo tinha outra alternativa dado o contexto histoacuterico existente b) quando a

38 Natildeo haacute um consenso na doutrina a respeito da denominaccedilatildeo desses tipos de decisatildeo aqui se optou por utilizar

essas duas nomenclaturas por serem amplamente difundidas e utilizadas pelos doutrinados portugueses e

brasileiros respectivamente

39 No contexto brasileiro essas decisotildees satildeo conhecidas como sentenccedilas interpretativas ou intermediaacuterias

39

inconstitucionalidade natildeo eacute evidente designadamente por motivos de seguranccedila c) quando

a ausecircncia da norma inconstitucional eacute menos adequada que a sua manutenccedilatildeo d) quando

estatildeo em causa disciplinas discriminatoacuterias (URBANO 2012 p 81-82)

Mendes (1990) destaca que essa teacutecnica decisoacuteria eacute utilizada pelo

Tribunal Constitucional alematildeo principalmente nos casos em que estaacute em jogo o princiacutepio

da isonomia quando uma lei injustificadamente confere benefiacutecios a um determinado

nuacutemero de pessoas ou grupos sociais deixando de englobar outros setores caracterizando

assim uma situaccedilatildeo singular complexa que natildeo pode ser resolvida com a simples declaraccedilatildeo

de inconstitucionalidade da lei

Outra importante figura tambeacutem originaacuteria do direito alematildeo mas hoje

tambeacutem muito presente no Direto italiano satildeo as ldquosentenccedilas apelativas ou exortativasrdquo

Nesse tipo de sentenccedila o Tribunal Constitucional natildeo considera a lei inconstitucional no

momento em que profere a decisatildeo entretanto alerta o Legislativo para a possibilidade de

uma futura inconstitucionalidade e diante disso dirige-lhe um apelo para que modificaccedilatildeo

a legislaccedilatildeo a fim de adequaacute-la a Lei Maior

Esse apelo visa sobretudo evitar uma futura inconstitucionalidade e

com base nessa justificativa o Tribunal oferece ao legislador com maior ou menor

determinaccedilatildeo e exigecircncia possibilidades orientaccedilotildees para a reparaccedilatildeo da norma em tempo

uacutetil fixando em alguns casos um prazo para tanto (URBANO 2012a)

Diferem das decisotildees de mera incompatibilidade pois nessas a norma jaacute

foi considerada inconstitucional cabendo ao legislador proceder a imediata adequaccedilatildeo para

sanar a inconstitucionalidade enquanto que nas sentenccedilas apelativas a violaccedilatildeo ao texto

constitucional ainda natildeo foi consumada ou ainda natildeo haacute certeza sobre a sua ocorrecircncia

(SILVA 2008)

A doutrina italiana tem maioritariamente fundamentado a utilizaccedilatildeo

desse tipo de decisatildeo em um chamado constitucionalismo cooperativo italiano equivalente

a dizer que o Tribunal Constitucional quando confrontado com a ineacutercia do poder poliacutetico

tem desempenhado uma funccedilatildeo propulsora dos valores constitucionais (SILVA 2008

p1119)

O que essas decisotildees possuem em comum entre si e tambeacutem com a

primeira figura aqui mencionada do constitutional road map eacute o fato de conterem em seu

40

corpo em menor ou maior grau orientaccedilotildees para a atividade legislativa visando sanar ou

evitar questotildees de inconstitucionalidade

Na visatildeo de Gomes Canotilho (2003 p 1018) esses tipos de decisotildees

satildeo altamente criticaacuteveis pois ldquoa natildeo atribuiccedilatildeo dos efeitos da nulidade ipso jure natildeo pode

implicar a sobrevivecircncia e aplicaccedilatildeo da norma considerada inconstitucional nem os

laquoperigosraquo das lacunas legislativas se podem sobrepor aos perigos da erosatildeo do princiacutepio da

constitucionalidade dos actos normativosrdquo

82 Teorias centradas no processo

Apesar de ser classificada por Bateup como uma forma de diaacutelogo que

emana de uma decisatildeo judicial pode-se dizer que eacute o contraponto do meacutetodo do

aconselhamento judicial pois ao inveacutes de defender a postura provocadora do Judiciaacuterio agrave

reposta legislativa como centro do diaacutelogo preconiza justamente o contraacuterio uma atuaccedilatildeo

contida dos Tribunais de forma a deixar um maior espaccedilo para a atuaccedilatildeo legislativa

De acordo com esse grupo de teorias o Judiciaacuterio natildeo deve apontar o

caminho a ser seguido pelo Legislativo criando diretrizes ou dando orientaccedilotildees eacute uma

atividade que natildeo lhe compete mas deve possibilitar um ldquosegundo olharrdquo para a questatildeo

821 Minimalismo judicial

A teoria do minimalismo judicial tem se desenvolvido principalmente

no contexto norte americano onde os precedente judiciais possuem muita forccedila normativa

Ela pretende a afirmaccedilatildeo do priciacutepio democraacutetico por meio da limitiaccedilatildeo da atuaccedilatildeo judicial

no processo de tomada de decisotildees que envolvam principalmente a fixaccedilatildeo do conteuacutedo de

direitos fundamentais em temas sensiacuteveis da vida social como questotildees relacionadas ao

aborto casamento de homossexuais dentre outras

O atual exponente defensor dessa teoria eacute o americano Cass R Sustein

que propotildee uma limitaccedilatildeo da atuaccedilatildeo jurisdicional das Cortes as quais natildeo devem decidir

questotildees que extrapolem o caso concreto que estaacute em analise visando um ldquouso construtivo

do silecircnciordquo

Ou seja o Judiciaacuterio natildeo deve tomar decisotildees abrangentes de forma

41

que enclausurem a discussatildeo para sempre mas sim deve restringir-se agraves questotildees daquele

caso concreto permitindo que a discussatildeo profunda e geneacuterica do tema ocorra no acircmbito do

oacutergatildeo legislativo o qual possui legimitidade democraacutetica para tanto

Dessa forma o minimalismo em sua forma processual consiste em um

esforccedilo para limitar a amplitude e profundidade das decisotildees judiciais quando os juiacutezes

carecem e sabem que carecem de informaccedilotildees relevantes o minimalismo eacute uma forma de

resposta apropriada razoaacutevel e ateacute mesmo inevitaacutevel para resolver o problema praacutetico de

obter o consenso dentro de uma sociedade heterogecircna (SUSTEIN 1999 p 5)

Bickel (1962) tambeacutem um importante nome dos defensores da

contenccedilatildeo da atuaccedilatildeo judicial ao falar sobre o exerciacutecio pela Suprema Corte do que

denomina de ldquovirtudes passivasrdquo faz referecircncia agrave diversas ldquoteacutecnicas de natildeo decisatildeordquo

existentes no processo norte americano mediante as quais pode a Suprema Corte se abster

de emitir opiniatildeo como por exemplo political question ripness standing mootness dentre

outras

Acrescenta que a Suprema Corte natildeo tem a obrigaccedilatildeo de decidir todo o

tempo e que se assim o fosse poderia levar a um processo manipulativa da democracia

fazendo com que a Corte simplesmente substituisse o legislative impedindo o exerciacutecio do

seu juiacutezo de conveniecircncia tornando-se um second guesser (BICKEL 1962 p200)

Sob o ponto de vista dialoacutegico na contenccedilatildeo da atuaccedilatildeo judicial o cerne

do diaacutelogo estaacute justamente na possibilidade de o legislador lanccedilar um novo olhar para um

tema que possivelmente foi tratado de forma apressada ou sem a profundidade necessaacuteria

aumentando assim a responsabilidade do Legislativo no exerciacutecio da sua atividade tomando

decisotildees poliacuteticas e elaborando normas com niacuteveis adequados de cuidado e deliberaccedilatildeo

(BATEUP 2005)

Nesse mesmo sentido Bickel (1962 p 70-71) em clara referecircncia agraves

teorias do diaacutelogo afirma que ao evitar decidir a Corte estimula o coloacutequio com os outros

poderes e a sociedade O minimalismo judicial seria portanto uma forma de participaccedilatildeo

passiva do Judiciaacuterio no diaacutelogo constitucional permitindo que os juiacutezes abram o diaacutelogo

com os poderes poliacuteticos a fim de incentivar a resoluccedilatildeo poliacutetica das questotildees constitucionais

que satildeo alvo de conflito

42

822 Modulaccedilatildeo temporal dos efeitos da declaraccedilatildeo de

inconstitucionalidade

A possibilidade de modulaccedilatildeo dos efeitos da decisatildeo pelo Tribunal em

sede de controle de constitucionalidade na perspectiva das teorias fundadas no meacutetodo

judicial tambeacutem pode ser considerada como um mecanismo dialoacutegico sob o ponto de vista

das teorias do meacutetodo judicial centradas no processo eis que possibilita a resposta

legislativa entretanto de forma menos agressiva que as outras teacutecnicas explanadas acima

Essa possibilidade eacute prevista expressamente no Direito Portuguecircs Os

efeitos e o alcance das decisotildees do Tribunal Constitucional em sede do controle abstrato de

constitucionalidade estatildeo previstos no n 1 e n 2 do artigo 282 da Constituiccedilatildeo Portuguesa

os quais determinam respectivamente que ldquoA declaraccedilatildeo de inconstitucionalidade ou de

ilegalidade com forccedila obrigatoacuteria geral produz efeitos desde a entrada em vigor da norma

declarada inconstitucional ou ilegal e determina a repristinaccedilatildeo das normas que ela

eventualmente haja revogadordquo ldquoTratando-se poreacutem de inconstitucionalidade ou de

ilegalidade por infraccedilatildeo de norma constitucional ou legal posterior a declaraccedilatildeo soacute produz

efeitos desde a entrada em vigor desta uacuteltimardquo

Todavia o n 4 do referido artigo traz expressamente a possibilidade de

fixaccedilatildeo dos efeitos da decisatildeo pelo Tribunal de forma fundamentada quando a seguranccedila

juriacutedica razotildees de equidade ou interesse puacuteblico de excepcional relevo o exigir Os efeitos

podem ser fixados de diversas formas poreacutem a que nos interessa no presente trabalho eacute a de

fixaccedilatildeo dos efeitos para o futuro

De acordo com a possibilidade de modulaccedilatildeo dos efeitos da declaraccedilatildeo

de inconstitucionalidade pode o Tribunal Constitucional declarar a inconstitucionalidade de

uma lei mas condicionar a sua nulidade a um determinado transcurso de tempo ou seja

determinar a sua nulidade pro futuro fixando um prazo determinado para que ela deixe de

produzir efeitos de ser aplicada possibilitando assim ao legislador a correccedilatildeo do estatuto e

evitando o vaacutecuo legislativo

Inspirado na Constituiccedilatildeo Portuguesa o Brasil atraveacutes do artigo 27 da

Lei 886899 de 10 de novembro passou tambeacutem a regulamentar possibilidade da

modulaccedilatildeo temporal das decisotildees proferidas no julgamento de accedilatildeo direta de

inconstitucionalidade e de accedilatildeo declaratoacuteria de constitucionalidade

43

A referida lei passou a facultar ao Supremo Tribunal Federal no

exerciacutecio do controle abstrato de constitucionalidade modular os efeitos da decisatildeo por

razotildees de seguranccedila juriacutedica ou de excepcional interesse social Todavia atualmente essa

modulaccedilatildeo se estende tambeacutem ao controle difuso conforme se leraacute

A decisatildeo proferida pelo Superior Tribunal Federal no ano de 2004 no

julgamento do caso Mira Estrela eacute tida como paradigmaacutetica40 por ter sido aplicado o artigo

27 da Lei 886899 no controle de constitucionalidade de um caso concreto A declaraccedilatildeo da

inconstitucionalidade se deu no acircmbito do julgamento do Recurso Extraordinaacuterio 197917-

8 de accedilatildeo civil puacuteblica proposta pelo Ministeacuterio Puacuteblico do Estado de Satildeo Paulo visando a

diminuiccedilatildeo do nuacutemero de vereadores do municiacutepio de Mira Estrela alegando que o mesmo

natildeo era proporcional ao nuacutemero de habitantes ainda que estivesse dentro do limite

constitucional41

O Supremo concordou com a desproporcionalidade e em face disso

declarou a inconstitucionalidade da referida norma todavia modulou os efeitos da decisatildeo

pro futuro para salvaguardar os mandatos dos vereadores jaacute eleitos e a validade dos

respectivos atos administrativos por eles praticados evitando assim consequecircncias

desastrosas para a administraccedilatildeo puacuteblica Fundamentou a necessidade da modulaccedilatildeo dos

efeitos na proteccedilatildeo da Seguranccedila Juriacutedica

Em que pese essa ser uma teacutecnica menos agressiva que as anteriores

vez que o Judiciaacuterio ao menos em tese apenas possibilita uma reaccedilatildeo legislativa a sua

decisatildeo sem lhe estipular diretrizes e com isso adentrar em sua liberdade de conformaccedilatildeo

na praacutetica tambeacutem natildeo haacute como garantir que haveraacute a reaccedilatildeo legislativa e eacute nisso que reside

a maioria das criacuteticas a todas esses mecanismos ditos dialoacutegicos conforme se veraacute mais

adiante

40 RE 197917-8SP Iacutentegra da decisatildeo disponiacutevel em

httpredirstfjusbrpaginadorpubpaginadorjspdocTP=ACampdocID=235847 41 A Lei Orgacircnica do municiacutepio de Mira Estrela estabelecia em 11 o nuacutemero de vereadores os quais estavam

dentro dos limites impostos no artigo 29 da Constituiccedilatildeo Federal estabelecido conforme o nuacutemero de

habitantes

44

823 Accedilatildeo de inconstitucionalidade por omissatildeo legislativa

O modelo de controle de constitucionalidade portuguecircs prevecirc

expressamente a possibilidade do controle das omissotildees legislativas por intermeacutedio da

disposiccedilatildeo contida no artigo 283 da Constituiccedilatildeo Federal 42

Inspirado no instituto portuguecircs o Brasil tambeacutem trouxe em sua

Constituiccedilatildeo Federal de 1988 a expressa previsatildeo da possibilidade do controle de

constitucionalidade das omissotildees legislativas (paraacutegrafo 2ordm do artigo 103) poreacutem criou

ainda uma nova figura especifica para esse fim o mandado de injunccedilatildeo (inciso LXXI do

artigo 5ordm)

Em ambos os sistemas uma omissatildeo legislativa eacute considerada

inconstitucional quando o legislador natildeo cumpre com aquilo que estava constitucionalmente

obrigado ou seja quando a sua omissatildeo prejudica a exequibilidade de alguma norma

constitucional Para que a omissatildeo ganhe significado relevante deve ter conexatildeo com uma

exigecircncia constitucional de accedilatildeo natildeo bastando a violaccedilatildeo do simples dever legal de legislar

(CANOTILHO2003)

Miranda (2008) destaca que a omissatildeo pode ser total ou parcial

quando por exemplo existe a norma mas ela eacute insuficiente ou deficiente43 e que o juiacutezo da

inconstitucionalidade por omissatildeo traduz-se num juiacutezo sobre o tempo em que deveria ser

produzida a lei devendo o Judiciaacuterio sem substituir ao oacutergatildeo legislador medir e interpretar

o tempo decorrido para a elaboraccedilatildeo da lei44

42 Neste sentido ver o que Tushnet diz sobre esse tipo de concepccedilatildeo de diaacutelogo em TUSHNET Mark Dialogue

and Constitutional Duty Havard Law School Public Law amp Legal Theory Working Paper Series paper nordm 12-

10 p 4-9

43 ldquoA inconstitucionalidade por omissatildeo natildeo surge apena por carecircncia de medidas legislativas surge tambeacutem

por deficiecircncia delas Mas isto natildeo significa que perante um projecto ou uma proposta de lei com vista ao

cumprimento de determinada norma constitucional tenha de se proceder agrave sua anaacutelise para discernir se o

sentido de seus preceitos se enquadra ou natildeo no sentido de Constituiccedilatildeo De jeito algum cabe ao oacutergatildeo de

fiscalizaccedilatildeo da inconstitucionalidade por omissatildeo debruccedilar-se a esse tiacutetulo sobre o conteuacutedo de qualquer acto

de iniciativa legislativardquo (MIRANDA 2008 p 325)

44ldquoA ausecircncia ou a insuficiecircncia da norma legal natildeo pode ser separada de determinado tempo histoacuterico

assinalado pela necessidade de produccedilatildeo legislativa e cuja duraccedilatildeo maior o menor ou seraacute prefixada pela

proacutepria Constituiccedilatildeo ou depende da natureza das coisas (ou seja da natureza da norma constitucional natildeo

exequiacutevel por si mesma confrontada com as situaccedilotildees da vida inclusive situaccedilatildeo que agrave sua margem esteja

por acccedilatildeo o legislador ordinaacuterio a criar)rdquo (MIRANDA 2008 p 322)

45

A accedilatildeo de inconstitucionalidade por omissatildeo prevista no ordenamento

portuguecircs e brasileiro constitui portanto um meio atraveacutes do qual o Judiciaacuterio controla a

ineacutercia legislativa declarando a inconstitucionalidade da sua ineacutercia e solicitando a tomada

de providecircncias Pode-se dizer que seus efeitos praacuteticos assemelham-se agraves sentenccedilas

apelativas da Alemanha e Itaacutelia todavia nesse instituto a decisatildeo do Judiciaacuterio tem efeito

meramente declaratoacuterio dando conhecimento ao Legislativo da sua omissatildeo e enfatizando a

necessidade de atuaccedilatildeo sem traccedilar qualquer diretriz para tanto45

Desta forma a sentenccedila proferida no controle de constitucionalidade da

omissatildeo legislativa por meio da accedilatildeo declaratoacuteria de inconstitucionalidade por omissatildeo

possui um caraacuteter apelativo eis que objetiva chamar a atenccedilatildeo do legislador para a

necessidade de elaboraccedilatildeo da lei necessaacuteria a concretizar determinada norma constitucional

Assim sob a perspectiva das teorias dialoacutegicas centradas no processo pode ser considerada

como um mecanismo propulsor de interaccedilatildeo entre os poderes no seio da jurisdiccedilatildeo

constitucional

83 Criacuteticas agraves teorias dialoacutegicas fundadas no meacutetodo judicial

Todas essas teacutecnicas de decisatildeo judicial que visam possibilitar uma

resposta do Legislativo por meio de uma decisatildeo judicial embora diferentes em alguns

aspectos possuem um ponto determinante em comum privilegiam a interpretaccedilatildeo do

Judiciaacuterio

Sob o ponto de vista da dificuldade da legitimidade democraacutetica da

revisatildeo judicial portanto essas teorias natildeo seriam suficientes para solucionar as questotildees

eis que o Judiciaacuterio continuaria na praacutetica ainda sendo o detentor da uacuteltima palavra na

resoluccedilatildeo dos conflitos constitucionais

Nessa perspectiva natildeo se verifica uma efetiva deliberaccedilatildeo conjunta

entre Judiciaacuterio e Legislativo na tomada de decisatildeo O que ocorre eacute apenas que o Judiciaacuterio

mediante a adoccedilatildeo de estrateacutegias especiacuteficas busca acionar ou estimular a atuaccedilatildeo

45 Esclarece-se que a aplicabilidade da accedilatildeo de inconstitucionalidade por omissatildeo possui alguns aspectos

controvertidos poreacutem como jaacute dito natildeo constitui nosso objetivo tratar todas as questotildees controvertidas de

cada instituto aqui mencionado mas apenas identifica-los como mecanismos potencialmente dialoacutegicos de

acordo com as teorias

46

legislativa Portanto pode-se concluir que essas teorias se consubstanciam na praacutetica em um

diaacutelogo formal e natildeo material o que jaacute seria um alvo suficiente para criacutetica

Ademais o fato de privilegiarem claramente o ponto de vista judicial

podem acabar permitindo de certa forma que o Judiciaacuterio adentre o acircmbito de atuaccedilatildeo

legislativa sobretudo nas teacutecnicas de aconselhamento judicial

Ainda que se possa considerar que a decisatildeo judicial nesses casos

apenas fornece diretrizes para a atuaccedilatildeo legislativa natildeo haacute como negar que pode acabar

condicionando a sua atuaccedilatildeo restando-lhe apenas acatar o que foi direcionado pelo

Judiciaacuterio o que do ponto de vista dialoacutegico natildeo parece o ideal

Mesmo nos mecanismos mais brandos que os de aconselhamento

judicial onde haacute uma interferecircncia direta do Judiciaacuterio na conformaccedilatildeo legislativa eacute inegaacutevel

que haacute ainda alguma intromissatildeo mesmo que em menor escala ou de forma indireta

Haacute de se destacar tambeacutem a falta de previsibilidade das orientaccedilotildees do

Tribunal e a sua potencialidade enganosa para o Legislador suscitada por Carlos Blanco de

Morais (2014 p 726) ao analisar um recente julgado do Tribunal Constitucional Portuguecircs

no contexto da crise econocircmica

O renomado constitucionalista observa que no Acoacuterdatildeo nordm 1872013 o

Tribunal Constitucional46 ao declarar a inconstitucionalidade da norma da Lei de Orccedilamento

do Estado relativa a tributaccedilatildeo dos subsiacutedios de desemprego e doenccedila agrave luz do princiacutepio da

existecircncia condigna (artigo 2ordm da CRP) fixou orientaccedilatildeo ao legislador no sentido de que no

proacuteximo ano a Lei orccedilamentaacuteria ao tratar da mateacuteria trouxesse uma claacuteusula de salvaguarda

impedindo a tributaccedilatildeo das respectivas prestaccedilotildees de desemprego e doenccedila de forma

prejudicial a garantia dos seus valores miacutenimos

O legislador na elaboraccedilatildeo da Lei Orccedilamentaacuteria do ano de 2014 seguiu

a orientaccedilatildeo do Tribunal todavia ao analisar a constitucionalidade da nova lei o mesmo

Tribunal que havia ditado aquela orientaccedilatildeo no Acoacuterdatildeo nordm 413201447 julgou a claacuteusula

insuficiente e violadora do princiacutepio da razoabilidade

46 Iacutentegra da decisatildeo disponiacutevel em httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20130187html 47 Iacutentegra da decisatildeo disponiacutevel em httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20140413html

47

Blanco de Moraes com base nesse caso concreto destaca o perigo das

orientaccedilotildees perpetradas pelo Judiciaacuterio que podem servir de ldquoemboscadardquo para o legislador

O fato eacute que ainda que o Legislativo siga as orientaccedilotildees do Tribunal natildeo haacute garantia da

constitucionalidade do novo diploma o que pode acabar resultando em um reforccedilo da

postura ativista do Judiciaacuterio que interfere no acircmbito da liberdade de conformaccedilatildeo legislativa

ditando orientaccedilotildees que nem ele mesmo segue posteriormente

Dito isto evidencia-se que assim como a atitude do Judiciaacuterio pode

incentivar e encorajar um debate resultando na criaccedilatildeo de um novo diploma sem viacutecio o

que seria beneacutefico tambeacutem pode acabar resultando em um sequestro do processo legislativo

dando super poderes ao Judiciaacuterio que tanto pode anular como reformar um estatuto legal

(LUNA 2001)

Bateup sintetiza a criacutetica afirmando que a praacutetica do aconselhamento

judicial simplesmente encoraja os ramos poliacuteticos a fazer o que o Judiciaacuterio diz e que na

realidade o aconselhamento seria um aviso de que a legislaccedilatildeo natildeo satisfaz seus

entendimentos constitucionais e que embora ainda natildeo tenha sido derrubada seraacute assim no

futuro caso o Legislativo natildeo a adeque ao entendimento do Tribunal

Outro ponto importante que se verifica em ambas as categorias das

teorias fundadas no meacutetodo judicial tanto a de aconselhamento como as centradas no

processo eacute a necessidade de que para que esses mecanismos surtam algum efeito praacutetico

deve haver uma forte vontade de colaboraccedilatildeo entre os Poderes O Judiciaacuterio haacute de se

preocupar em avaliar a questatildeo e formular as diretrizes para a atuaccedilatildeo legislativa bem como

o Legislativo deve estar aberto ao recebimento dessas orientaccedilotildees e colocaacute-las em praacuteticas

Ou entatildeo no que diz respeito agrave teoria do minimalismo eacute necessaacuteria uma

forte consciecircncia das Cortes para concordar em conter a sua atuaccedilatildeo e ainda verificar quando

deve ou natildeo assim agir havendo o risco dessa contenccedilatildeo ocorrer em momentos inoportunos

e vice e versa

O que esse grupo de teorias revela sobretudo eacute a grande complexidade

das decisotildees judiciais no acircmbito do controle de constitucionalidade nos paiacuteses que seguem

um modelo fundado na supremacia do Judiciaacuterio ficando claro que nem sempre os

problemas constitucionais seratildeo resolvidos por meio da simples declaraccedilatildeo de

48

constitucionalidade ou inconstitucionalidade mesmo que acabem no fim resultando em um

dos dois efeitos isso pode ocorrer em diversas intensidades

Fica claro entatildeo que o Judiciaacuterio exerce um papel tambeacutem poliacutetico

precisando agir com prudecircncia tanto quanto o legislativo para que suas decisotildees sejam bem

aceitas pela sociedade e produzam os efeitos esperados (HUBNER 2008)

Dessa forma ainda que seja alvo de criacuteticas e talvez natildeo seja a melhor

forma de concretizar o diaacutelogo natildeo se pode desprezar totalmente o conteuacutedo dessas teorias

e nem seus efeitos praacuteticos pois assim como essas praacuteticas podem ser consideradas

prejudiciais do ponto de vista democraacutetico ao mesmo tempo podem ser consideradas

beneacuteficas sob a oacutetica de concretizaccedilatildeo de direitos fundamentais sobretudo em paiacuteses

subdesenvolvidos ou que enfrentam uma crise de representatividade do Poder Legislativo

pois mediante decisotildees judiciais este seraacute forccedilado a agir

Um importante caso que vem sendo apontado por diversos

doutrinadores como um sucesso na efetivaccedilatildeo de direitos fundamentais e que segue a loacutegica

dessas teorias eacute a Aacutefrica do Sul o qual passamos a explanar

9 O especial caso da Aacutefrica do Sul

O constitucionalismo Sul Africano tem recebido muita atenccedilatildeo dos

estudiosos sobretudo dos defensores das teorias dialoacutegicas em virtude das inovadoras

decisotildees que vem sendo proferidas pela Suprema Corte desse paiacutes

A implementaccedilatildeo de um Estado democraacutetico na Aacutefrica do Sul

notadamente natildeo foi um processo tranquilo tampouco paciacutefico em virtude da sua conjuntura

histoacuterica O reconhecimento da autoridade do Poder Judicial para realizar a revisatildeo das leis

natildeo foi fruto de um processo gradativo como ocorreu em outros paiacuteses mas sim uma

imposiccedilatildeo brusca e radical 48

O constitucionalismo Sul Africano pode ser dividido em duas fases a

primeira que durou de 1910 a 1994 onde a proteccedilatildeo dos direitos fundamentais cabia ao poder

poliacutetico tendo o judiciaacuterio um papel severamente limitado no controle desse processo e a

48 Ver ROUX Theunis The Politics of Principle the first South African Constitutional Court Cambridge

Cambridge University Press 2013

49

segunda fase recentemente iniciada onde a ordem social e juriacutedica baseia-se na supremacia

de uma constituiccedilatildeo imposta e protegida judicialmente (SCHYFF 2010 p 34)49

A Constituiccedilatildeo de 1996 eacute a quinta adotada pelo paiacutes e eacute exemplo mundial

de uma Constituiccedilatildeo de caraacuteter transformador - que estabelece aspiraccedilotildees entendidas como

um desafio agraves praacuteticas de longa data ndash sendo grande parte do seu texto dedicado a eliminaccedilatildeo

dos efeitos danosos do apartheid (SUSTEIN 2001)

No tocante ao modelo de judicial review adotado a Aacutefrica do Sul optou

por um modelo forte de revisatildeo reconhecendo a supremacia do Poder Judiciaacuterio para a sua

decisatildeo e sendo ele o responsaacutevel pela palavra final no tocante a interpretaccedilatildeo

constitucional Todavia a praacutetica tem revelado uma interessante atuaccedilatildeo do Tribunal no

julgamento de casos que envolvem a efetivaccedilatildeo de direitos socioeconocircmicos

Famoso exemplo eacute o julgamento do caso Grotboom50 no qual estava em

questatildeo o direito a moradia de centenas de pessoas incluindo crianccedilas que estavam

desalojadas Esse grupo de pessoas recorreu agrave Corte para requisitar com base nos artigos 26

e 28 da Constituiccedilatildeo que o Estado Sul Africano providenciasse moradia adequada para eles

A Corte ao analisar o caso agrave luz do artigo 26 que assegura o direito a

moradia entendeu que houve violaccedilatildeo ao direito constitucional dos requerentes pois o

Estado natildeo havia cumprido com o dever de efetivar progressivamente dentro dos recursos

disponiacuteveis o acesso agrave moradia adequada Destacou que embora o programa do Governo

relativo a moradia fosse razoaacutevel em vaacuterios aspectos era falho pois natildeo atendia agraves

necessidades mais urgentes natildeo prevendo soluccedilatildeo para as demandas de curto prazo

No paraacutegrafo 42 da decisatildeo a Corte enfatizou que a mera ediccedilatildeo de leis

natildeo eacute o suficiente para constituir o cumprimento do dever constitucional do Estado que este

tem a obrigaccedilatildeo de agir para alcanccedilar o resultado pretendido e as medidas legislativas

invariavelmente tecircm de ser apoiadas por poliacuteticas e programas bem dirigidos e

adequadamente implementados pelo Executivo Que as poliacuteticas e programas devem ser

49 Para um maior aprofundamento sobre o constitucionalismo Sul Africano ver COCKRELL Alfred The

South African Bill of Rights and the lsquoDuckRabbitrsquo 60 Mod L Rev 513 (1997) BOUCKAERT Peter N The

Negotiated Revolution South Africarsquos Transition to Multiracial Democracy 33 Stanford J Int L 375 (1997)

GOLDSTONE Richard J The South African Bill of Rights 32 Texas Int L J 1451 (1997)

50 Government of The Republic of South Africa and others v Grootboom and others (CCT 1100) Igraventegra da

decisatildeo disponiacutevel emlt httpwwwsafliiorgzacasesZACC200019htmlgt

50

razoaacuteveis tanto na sua concepccedilatildeo quanto na sua implementaccedilatildeo sendo a formulaccedilatildeo de um

programa apenas a primeira etapa para cumprir as obrigaccedilotildees do estado jaacute que este deve ser

razoavelmente implementado pois se assim natildeo for natildeo constituiraacute o cumprimento das

obrigaccedilotildees do Estado51

Por fim o Tribunal emitiu uma ordem declaratoacuteria que delimitou as

deficiecircncias do programa governamental e sugeriu em vez de direcionar medidas para

minimizar as falhas O documento natildeo indicou entretanto que tipo de abrigo o Governo

deveria construir deixando essa decisatildeo para o proacuteprio Estado (NGWENA 2013 p80)

Por intermeacutedio dessa decisatildeo a Corte ao mesmo tempo que reconheceu

a justiciabilidade dos direitos sociais preservou certa autonomia do Estado no que respeita

a elaboraccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas vez que natildeo determinou a exata maneira que o mesmo

deveria agir reconhecendo que essa eacute uma competecircncia que natildeo compete ao Judiciaacuterio

Esse tipo de decisatildeo pode ser visto sob o ponto de vista das teorias

dialoacutegicas fundadas no meacutetodo judicial explicadas acima Nesse sentido reforccedilando o

potencial dialoacutegico dessas decisotildees Dixon (2007) leciona que o Poder Judiciaacuterio deve

exercer um papel ativo a fim de evitar a ineacutercia dos outros poderes

Aponta que as possiacuteveis causas da ineacutercia legislativa seriam de duas

categorias os blind spots ou pontos cegos que satildeo as situaccedilotildees em que natildeo resta claro para

o Legislativo os imperativos de sua accedilatildeo reguladora como por exemplo quando natildeo

reconhecem que determinada forma de aplicaccedilatildeo de uma lei pode ser violadora de direitos

e quando a ineacutercia decorre de motivos de conveniecircncia poliacutetica quando acredita que o ocircnus

eleitoral da sua accedilatildeo pode ser maior que o da sua omissatildeo (DIXON 2007)

Nessa perspectiva de diaacutelogo proposta por Dixon cabe ao Judiciaacuterio

provocar o Legislativo por meio da decisatildeo judicial que o obrigue a elaboraccedilatildeo de poliacuteticas

puacuteblicas para garantir tanto quanto possiacutevel a maior eficaacutecia dos direitos fundamentais

51 [42] The state is required to take reasonable legislative and other measures Legislative measures by

themselves are not likely to constitute constitutional compliance Mere legislation is not enough The state is

obliged to act to achieve the intended result and the legislative measures will invariably have to be supported

by appropriate well-directed policies and programmes implemented by the executive These policies and

programmes must be reasonable both in their conception and their implementation The formulation of a

programme is only the first stage in meeting the statersquos obligations The programme must also be reasonably

implemented An otherwise reasonable programme that is not implemented reasonably will not constitute

compliance with the statersquos obligations Government of The Republic of South Africa and others v Grootboom

and others (CCT 1100)

51

sem todavia adentrar ou comprometer a sua liberdade de conformaccedilatildeo mas de forma que

retire o legislativo da sua ineacutercia

Por decisotildees como essa apesar do sistema Sul Africano ter como

caracteriacutestica a participaccedilatildeo ativa do Judiciaacuterio na efetivaccedilatildeo dos direitos fundamentais o

mesmo vem sendo apontado por alguns estudiosos das teorias do diaacutelogo como um sistema

promissor nesse sentido em virtude do enfraquecimento das decisotildees judiciais que apesar

de direcionarem a atuaccedilatildeo do Legislativo preservam a sua liberdade de escolha e atuaccedilatildeo

10 As teorias estruturais de diaacutelogo

Nessa categoria alocam-se as teorias que se baseiam no reconhecimento

de mecanismos institucionais ou poliacuteticos dentro dos sistemas constitucionais que permitam

aos atores poliacuteticos responder agraves decisotildees judiciais em caso de conflito

Ao contraacuterio das teorias do meacutetodo judicial essas natildeo tecircm como objeto

principal a construccedilatildeo da decisatildeo judicial mas sim as formas pelas quais se estabelecem as

relaccedilotildees entre as diversas estruturas do Poder de maneira que possam oferecer respostas agrave

uma decisatildeo que gere desacordo Hubner (2008 p 99) aponta que as teorias estruturais ao

contraacuterio das que se fundam no meacutetodo judicial possuem um caraacuteter exoacutegeno logo menos

dependente da postura de cada instituiccedilatildeo

Para os que defendem essas teorias o diaacutelogo surge mediante a

utilizaccedilatildeo de mecanismos de interaccedilatildeo entre juiacutezes e os outros atores poliacuteticos Esses

mecanismos satildeo encontrados no modelo do weak judicial review ou sistemas brandos de

controle de constitucionalidade os quais como jaacute dito surgiram como uma alternativa ao

modelo tradicional pautado na supremacia judicial

A maioria dessas teorias foram surgindo a partir da necessidade de

justificar e fundamentar a previsatildeo de mecanismos contidos no Bill of Rights de paiacuteses

tradicionalmente de supremacia parlamentar a fim de harmonizar este tipo de sistema com

a necessidade de proteccedilatildeo aos direitos fundamentais

De acordo com a sistematizaccedilatildeo feita por Bateup existem quatro

subcategorias de teorias estruturais as de construccedilatildeo coordenada as dos princiacutepios juriacutedicos

a do equiliacutebrio e a da parceria Importante esclarecer que apesar de termos adotado essa

52

sistematizaccedilatildeo como nosso referencial teoacuterico por acreditarmos na sua coerecircncia e

completude neste particular ousamos discordar dessa diferenciaccedilatildeo

A diferenciaccedilatildeo feita por Bateup reside basicamente nos argumentos de

que as teorias de construccedilatildeo coordenada se aplicam apenas ao contexto norte-americano as

teorias dos princiacutepios juriacutedicos reconhecem uma especial competecircncia ao Judiciaacuterio para

decidir questotildees relacionadas agrave princiacutepios juriacutedicos as do equiliacutebrio por serem neutras natildeo

reconhecem nenhuma capacidade especial a nenhum Poder e contam ainda com a

participaccedilatildeo da sociedade e as teorias da parceria

Sendo assim todas as subcategorias em que Bateup divide as teorias

estruturais de diaacutelogo enquadram-se na ideia geral da construccedilatildeo coordenada podem ateacute se

diferenciar em um ou outro aspecto mas ainda assim natildeo deixam de fazer parte desta

Dessa forma natildeo se deixaraacute de abordar as subdivisotildees propostas por

Bateup mas ao contraacuterio do que foi feito no tocante as teorias centradas no meacutetodo judicial

natildeo se mencionaraacute especicamente cada uma delas para depois dar exemplos praacuteticos mas

seratildeo feitas as devidas menccedilotildees quando da anaacutelise dos diferenres sistemas de weak judicial

review que aqui se apresenta como exemplo das teorias estruturais de diaacutelogo

Importante se faz esclarecer que essa opccedilatildeo tambeacutem reside em questotildees

didaacuteticas necessaacuterias para a melhor compreensatildeo do trabalho

10 1 Teorias de construccedilatildeo coordenada

Tratam-se de teorias que reconhecem que a identificaccedilatildeo do sentido

constitucional eacute uma tarefa a ser compartilhada entre as diversas esferas do Poder ou seja

natildeo eacute uma tarefa atribuiacuteda unicamente ao Judiciaacuterio Assim o diaacutelogo eacute algo inerente ao

princiacutepio do check and balances natildeo havendo uma uacutenica instacircncia detentora da uacutetlima

palavra

Com isso a base dessas teorias eacute o fato de que da mesma forma que o

Tribunal possui mecanismos de controle dos ramos poliacuteticos por meio da revisatildeo judicial

tambeacutem podem ser colocados controles sobre o Tribunal quando os atores poliacuteticos

estiverem em desacordo com a sua interpretaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo

53

Bateup (2005 p 33) define a teoria da construccedilatildeo coordenada como a

mais antiga concepccedilatildeo de interpretaccedilatildeo constitucional fazendo menccedilatildeo ao pensamento dos

teoacutericos americanos de James Madison e Thomas Jefferson o primeiro por ter reconhecido

que apesar das questotildees de interpretaccedilatildeo constitucional normalmente recaiacuterem sobre o

Judiciaacuterio no curso normal do Governo a Constituiccedilatildeo natildeo lhe atribui qualquer autoridade

especiacutefica perante outros braccedilos do Poder e o segundo por considerar que cada ramo do

Governo deve ser ldquocoordenado e independenterdquo possuindo todos eles responsabilidade pela

interpretaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo

No contexto norte americano um dos primeiros autores a abordar essa

teoria foi Louis Fisher que teve como principal meacuterito demonstrar mediante exemplos da

histoacuteria americana que o processo constitucional eacute mais complexo do que a simples emissatildeo

pela Corte da uacuteltima palavra A uacuteltima palavra segundo essa histoacuteria confirmaria natildeo

pertence a nenhuma instituiccedilatildeo (HUBNER 2009 p 126)

O que haacute de mais caracteriacutestico nessas teorias eacute o fato de os outros

ramos do Poder em especial o Legislativo caso natildeo concordem com a decisatildeo judicial

poderem provocar a Corte reconhecendo assim que a interpretaccedilatildeo constitucional eacute tarefa

que compete a todos os Poderes e natildeo apenas a um ramo em especiacutefico

Vaacuterios autores dentro do cenaacuterio americano passaram a tratar do

assunto inclusive em forma de criacuteticas poreacutem por questotildees didaacuteticas conforme jaacute

mencionado natildeo se limitaraacute a falar especificamente sobre cada um deles52 Todavia destaca-

se a teoria de Barry Friedman a qual Bateup subclassifica como teoria do equiliacutebiro poreacutem

aqui eacute tratada como uma teoria de construccedilatildeo coordenada pelos motivos jaacute acima expostos

A teoria de Friedman merece ser mencionada pois se diferencia das

outras tantas que se encaixam nesta categoria por considerar a importacircncia do papel ativo da

sociedade na deliberaccedilatildeo sobre direitos

Para esse Autor a Constituiccedilatildeo eacute um texto aberto e flexiacutevel que permite

52 Outros importantes nomes dessa teoria satildeo Keith Whittington e Mitchell Pickeril Destaque para a

importacircncia do trabalho deste uacuteltimo que realizou importante pesquisa empiacuterica da realidade americana de

caraacuteter revelador e agregador para a teoria da construccedilatildeo coordenada demonstrando que o diaacutelogo entre os

poderes eacute inerente ao princiacutepio do check and balances americano pelo que sugerimos a consulta PICKERILL

J Mitchell Constitutional Deliberation in Congress the impact of Judicial Review in a Separated System

Duke University Press 2004

54

diversas interpretaccedilotildees sujeitas agrave mudanccedilas constantes Assim a interpretaccedilatildeo constitucional

seria um processo de idas e vindas em que a Corte devolve o tema para a sociedade e

para outros poderes e vice-versa metaforicamente como uma partida de tecircnis na qual os

parceiros rebatem a bola um para o outro53 (FRIEDMAN 1993)

Com isso afasta a ideia de que haacute uma vontade da maioria definida a

ser representada por um dos poderes sugerindo que na realidade essa vontade sofre

constantes mutaccedilotildees54 cabendo aos ramos do Poder no processo de interpretaccedilatildeo

constitucional negociar e definir uma direccedilatildeo em meio ao pluralismo existente na

sociedade55 Reconhece o diaacutelogo institucional como fruto da separaccedilatildeo de poderes

compartilhando dos elementos da teoria da construccedilatildeo coordenada poreacutem acrescenta a eles

a vontade popular

Eacute justamente no aspecto relativo a grande importacircncia que daacute a vontade

popular que reside a principal criacutetica agrave essa teoria pois natildeo oferece alternativa agrave interaccedilatildeo

constitucional estabelecida entre o Judiciaacuterio e os poderes poliacuteticos nas questotildees de menor

importacircncia poliacutetica nas quais o diaacutelogo com toda a sociedade eacute improvaacutevel de ocorrer

(BATEUP 2006 p 69)

Seria impensaacutevel na praacutetica um sistema de jurisdiccedilatildeo constitucional

no qual os Poderes tivessem que recorrer agrave opiniatildeo popular todas as vezes que fossem

realizar a interpretaccedilatildeo de qualquer norma constitucional

Saindo do contexto norte americano outras teorias estruturais do

diaacutelogo emergiram a partir da anaacutelise dos novos modelos de jurisdiccedilatildeo constitucional

adotados por paiacuteses da Commonwealth como jaacute mencionamos no iacutencio deste trabalho Desta

forma optou-se didaticamente por tratar dessas teorias e suas respectivas especificidades no

acircmbito da exposiccedilatildeo dos sistemas e casos em concreto o que se passaraacute a fazer

53 ldquoCourts serve as societyacutes tennis partner always volleying the ball backrdquo (FRIEDMAN 1993 p669)

54 ldquoThe court is free to change its mind The people are free to disagree with the court The court is free to

disagree with the people The members of the courts are free to and usually do disagree with one another As

disagreement occurs the document will take one new meaningsrdquo (FRIEDMAN 1993 p651)

55 ldquoThis process of constitutional interpretation hardly pits the court against the people Rather the court

mediate the views of various people The process is interactive (hellip) Simply put our process of constitutional

interpretation is a dialoguerdquo (FRIEDMAN 1993 p 654)

55

1011 Os mecanismos dialoacutegicos do sistema de revisatildeo judicial

canadense e as teorias de princiacutepios juriacutedicos

Ao adotar formalmente um sistema de judicial review atribuindo ao

Judiciaacuterio a capacidade para solucionar casos concretos de incompatibilidade entre

legislaccedilatildeo e a Carta suscitados por particulares56 o Canadaacute a fim de evitar a consagraccedilatildeo de

um modelo fundado na supremacia judicial ao estilo americano que implicasse na perda do

poder do Parlamento incluiu na sua Carta mecanismos que possibilitassem uma limitaccedilatildeo

do Poder atribuiacutedo ao Judiciaacuterio e ao mesmo tempo preservassem as competecircncias

parlamentares

Esses mecanismos previstos nas Seccedilotildees 33 e 1 da Carta Canadense

consistem respectivamente na ldquoclaacuteusula natildeo obstanterdquo (notwishstanding clause) a qual

possibilita que o Legislativo aplique uma lei mesmo quando esta for contraacuteria ao texto

constitucional e na possibilidade do Legislativo reeditar uma norma que configure e limite

direito consagrado nas seccedilotildees 2 e de 7 a 15 e que jaacute tenha sido objeto de reprovaccedilatildeo pelo

Judiciaacuterio desde que fundada em justificativa razoaacutevel bem como na possibilidade de

configuraccedilatildeo pelo legislativo de direitos e liberdades fundamentais

O estudo realizado por Bushell e Hogg (1997) eacute apontado como um

marco teoacuterico da experiecircncia canadense pois a partir de uma pesquisa de mais de 65 casos

concretos decididos pela Corte canandense desde a Carta de 1982 os autores verificaram

que na grande maioria deles houve em um prazo razoavelmente curto uma resposta

legislativa agrave decisatildeo judicial Diante disso os autores afirmaram que o sistema canadense

propicia a concretizaccedilatildeo de um verdadeiro diaacutelogo entre os Poderes no exerciacutecio da

jurisdiccedilatildeo constitucional

A anaacutelise dos autores a respeito da implementaccedilatildeo da revisatildeo judicial

canadense pela Carta de 1982 eacute bastante otimista pois consideram que ateacute mesmo naqueles

casos em que o legislador aquiesceu agrave decisatildeo proferida pela Corte houve uma reaccedilatildeo

dialoacutegica jaacute que a concordacircncia tambeacutem pode ser fruto de um diaacutelogo

56 ldquoArt 24 (1) Anyone whose rights or freedoms as guaranteed by this Charter have been infringed or denied

may apply to a court of competent jurisdiction to obtain such remedy as the court considers appropriate and

just in the circumstances Art 52 (1) The Constitution of Canada is the supreme law of Canada and any law

that is inconsistent with the provisions of the Constitution is to the extent of the inconsistency of no force or

effectrdquo Canadian Constitutional Act 1982

56

Afirmam que os legisladores canadenses estatildeo engajados na

concretizaccedilatildeo do diaacutelogo com a Corte eis que buscam fundamentar no preacircmbulo das leis

promulgadas tanto das que excedem os limites da Carta como das que substituem as que

foram consideradas inconstitucionais que as mesmas se dirigem a um objetivo ldquourgente e

substancialrdquo e destinam-se a ldquolimitar razoalmenterdquo direitos e liberdades (BUSHELL

HOGG 1997 p 101)

Consideram ainda que mesmo quando apoacutes a anaacutelise judicial a lei natildeo eacute

declarada invaacutelida haacute um diaacutelogo em virtude de tal anaacutelise despertar o debate puacuteblico

chamando a atenccedilatildeo do legislador ao assunto de forma que possa rever possiacuteveis problemas

na lei e eventualmente alteraacute-la Ou seja a decisatildeo judicial natildeo deve ser encarada como um

veto mas como o ponto de partida para uma conversa institucional sobre como conciliar

direitos individuais com obejtivos de poliacuteticas econocircmicas e sociais (BUSHELL HOGG

1997 p 101-105)

Referido estudo teve grande repercussatildeo na doutrina nacional Por um

lado muitos reforccedilaram e concordaram com a ideia dos autores por outro a mesma foi alvo

de intensa criacuteticas sobretudo pela forma abrangente de caracterizaccedilatildeo do diaacutelogo57 O

impacto tambeacutem foi sentido na proacutepria Corte que passou a usar a metaacutefora do diaacutelogo para

justificar suas decisotildees algumas delas bastante controversas conforme se leraacute mais adiante

Portanto a experiecircncia canadense eacute um importante exemplo de aplicaccedilatildeo

das teorias estruturais dialoacutegicas jaacute que traz a previsatildeo expressa de mecanismos

possibilitadores na visatildeo de alguns de um diaacutelogo institucional

Na sistematizaccedilatildeo feita por Bateup as teorias que se referem agrave

experiecircncia canadense satildeo teorias de princiacutepios juriacutedicos Na classificaccedilatildeo da Autora esse

grupo de teorias corresponde agravequelas em que haacute o reconhecimento de que o Judiciaacuterio possui

57 A repercussatildeo literaacuteria do estudo foi tatildeo grande e significativa que apoacutes dez anos da sua publicaccedilatildeo o

mesmo perioacutedico (Osgoode Hall Law Journal) lanccedilou uma ediccedilatildeo comemorativa contendo uma atualizaccedilatildeo

do texto original e outros artigos em resposta ao mesmo Ver HOGG P et al ldquoCharter Dialogue Revisited

ndash Or Much Ado About Metaphorsrdquo HAIGH R e SOBKIN M ldquoDoes the Observer Have an Effect An

Analysis of the Use of the Dialogue Metaphor in Canadarsquos Courtsrdquo HUSCROFT G ldquoConstitutionalism from

the Top Downrdquo MANFREDI C ldquoThe Day the Dialogue Died A Comment on Sauveacute v Canadardquo MATHEN

C ldquoDialogue Theory Judicial Review and Judicial Supremacy A Comment on lsquoCharter Dialogue

Revisitedrsquordquo PETTER A Taking Dialogue Theory Much Too Seriously (or Perhaps Charter Dialogue Isnrsquot

Such a Good Thing After All) ROACH K Sharpening the Dialogue Debate The Next Decade of

Scholarshiprdquo e HOGG P et al ldquoA Reply on lsquoCharter Dialogue Revisitedrdquo

57

uma especial competecircncia institucional voltada para a resoluccedilatildeo de questotildees que envolvem

princiacutepios juriacutedicos cabendo aos poderes poliacuteticos fazer o controle das decisotildees no caso de

erro de interpretaccedilatildeo (BATEUP 2006 p41)

Ainda que essas teorias reconheccedilam uma competecircncia de certo modo

especial ao Judiciaacuterio a qual pode ateacute mesmo ser considerada como caracteriacutestica inerente

ao proacuteprio judicial review tendo em vista que elas tambeacutem preveem a possibilidade de

reaccedilatildeo do legislativo agrave decisatildeo judicial incluindo a possibilidade de correccedilatildeo dessa decisatildeo

entende-se que natildeo se distanciam das teorias de construccedilatildeo coordenada ao ponto de merecer

classificaccedilatildeo diferente

Destaca como primeiro defensor dessa competecircncia especial do

Judiciaacuterio Alexander Bickel que considerou o Judiciaacuterio como detentor de especial

habilidade para preservar proteger e defender princiacutepios devido ao seu isolamento poliacutetico

e por outro lado o Legislativo como melhor indicado para determinar valores sociais

fundamentais pela sua proximidade com as pessoas (BATEUP 2006 p41-42)

Nesse sentido Bushell e Hogg ao tratar da metaacutefora do diaacutelogo na

experiecircncia canadense tambeacutem satildeo partidaacuterios desse entendimento eis que afirmaram

alguns anos e muitas criacuteticas apoacutes o seu primeiro estudo que o legislativo pode e deve

interpretar a Carta mas que natildeo deve agir de forma contraacuteria a interpretaccedilatildeo proferida pela

Corte 58

Kent Roach tambeacutem eacute outro importante autor canadense que defende a

competecircncia especial do Judiciaacuterio para lidar com questotildees de princiacutepios todavia ressalta a

58 ldquoThe key issue in our view is not whether the legislative and executive branches do and should interpret

the Charter (they do and should) but whether they should act on an interpretation of the Charter that conflicts

with an interpretation provided by the courts backdrop of a prior relevant judicial decision the legislature

and the executive may act on their interpretation of the Charter Why Because in doing so they would not be

doing (or refraining from doing) something that the courts have said would unjustifiably infringe the Charter

It would be strange indeed if the legislative or executive branches could not interpret the Charter and act on

that interpretation where a court has not yet considered what the Charter prohibits (or requires) in the

circumstances1 However where the interpretive task takes place against the backdrop of a prior relevant

judicial decision the legislature and the executive may not act on an interpretation of the Charter which

conflicts with an interpretation provided by the courts Why Because in doing so they would be doing (or

refraining from doing) something that the courts have said would unjustifiably infringe the Charter and under

our system of constitutional democracy that is impermissiblerdquo (BUSHEL HOGG 2007 p 33)

58

importacircncia do Parlamento aludindo que a decisatildeo judicial apenas inicia o debate59

Destaca que a atuaccedilatildeo da Corte natildeo impede que o Parlamento prevaleccedila

se este assim quiser mas reforccedila a responsabilidade das suas escolhas poliacuteticas e o induz a

apresentar justificativas razoaacuteveis e aceitaacuteveis para legitimar suas opccedilotildees que venham a

restringir direitos (ROACH 2001)

Portanto em suma as teorias dos princiacutepios juriacutedicos vivenciadas na

experiecircncia canadense satildeo aquelas que defendem a ideia da participaccedilatildeo de todos os poderes

na interpretaccedilatildeo constitucional sendo esta uma tarefa conjunta todavia privilegiam a

interpretaccedilatildeo judicial poreacutem com a possibilidade de reaccedilatildeo legislativa

Bateup acrescenta ainda uma subdivisatildeo dentro dessas teorias tendo em

vista que para alguns autores o diaacutelogo se consubstancia na realizaccedilatildeo do controle das

decisotildees judiciais pelos poderes poliacuteticos no caso da ocorrecircncia de erro de interpretaccedilatildeo e jaacute

para outros - que minimizam o papel do controle poliacutetico sobre o Tribunal - o diaacutelogo surge

por intermeacutedio da articulaccedilatildeo legislativa que emerge como resposta agraves decisotildees judiciais

Essas subdivisotildees se traduzem na praacutetica justamente nos dois

mecanismos dialoacutegicos expressamente adotados pela Carta canadense os quais seratildeo

explicados a seguir

1012 Princiacutepios e articulaccedilatildeo legislativa da poliacutetica ndash seccedilatildeo 1 da

Carta Canadense

As teorias identificadas por Bateup como Teorias de Princiacutepios e

Articulaccedilatildeo Legislativa da Poliacutetica satildeo as que preceituam que a concretizaccedilatildeo do diaacutelogo

ocorre por meio da articulaccedilatildeo legislativa Reconhecem ao Legislativo competecircncia especial

para a elaboraccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas e para conciliar muacuteltiplos objetivos concorrentes na

sociedade pelo que este deve responder agraves decisotildees judiciais respeitando a interpretaccedilatildeo de

princiacutepios feita pelo Tribunal poreacutem com uma visatildeo mais ampla dos objetivos poliacuteticos

(BATEUP p 50-51)

Como exemplo dessa teoria pode-se indicar a Seccedilatildeo 1 da Carta

59 Para maior clareza e detalhes desse entendimento ver as seguintes obras do referido autor ldquoThe Supreme

Court on Trial Judicial Ativism or Democratic Dialogue 2001rdquo e ldquoConstitutional and Common Law

Dialogues Between Supreme Court and Canadian Legislatures2001rdquo

59

Canadense60 a qual atribui ao Legislativo a possibilidade de relativizaccedilatildeo por meio de lei

de direitos e garantias desde que seja razoaacutevel e ldquojustificada de forma demonstraacutevel em uma

sociedade livre e democraacuteticardquo61

O objetivo central para a criaccedilatildeo desta norma era garantir que o

Legislativo continuasse a ter flexibilidade de escolha quando da aprovaccedilatildeo de poliacuteticas que

eventualmente fossem conflitantes com os novos direitos fundamentais que passaram a ser

resguardados pela Carta (HIEBERT 1990)

Todavia apesar de a claacuteusula ser direcionada ao Legislativo a avaliaccedilatildeo

das questotildees que envolvem a sua aplicabilidade como a verificaccedilatildeo da legalidade e da

legitimidade62 acaba por ser feita pelo Judiciaacuterio a quem compete analisar as

incompatibilidades entre as leis e os direitos e liberdades assegurados pela Carta

Dessa forma a aplicaccedilatildeo da Seccedilatildeo 1 da Carta revelou-se de certa forma

engenhosa pois ao mesmo tempo em que confere maior liberdade ao legislador

caracteriacutestica de um weak judicial review a verificaccedilatildeo da razoabilidade da sua escolha eacute

feito pelo Judiciaacuterio Sendo assim ainda que a claacuteusula seja dirigida ao Legislativo as

implicaccedilotildees da sua aplicaccedilatildeo chamaram muita atenccedilatildeo no acircmbito da atuaccedilatildeo judicial

Nesse sentido Elliot (1987 p 279) aponta que a Seccedilatildeo 1 tornou-se de

fato a principal disposiccedilatildeo da Carta e a maneira como a Corte tem lidado com ela diz muito

a respeito natildeo apenas do impacto que a Carta pode ter sobre os outros poderes mas tambeacutem

sobre a proacutepria Corte e como ela percebe seu papel sob a Carta

Os principais estudos realizados para analisar o comportamento da Corte

quando da avaliaccedilatildeo da aplicaccedilatildeo da Seccedilatildeo 1 pelo Legislativo revelaram que natildeo haacute uma

conduta uniforme podendo a Corte tanto ter uma conduta mais ativista quanto mais

deferente agraves opccedilotildees legislativas

Estudiosos classificam e dividem a atuaccedilatildeo da Corte em trecircs momentos

60 Para entender o histoacuterico evolutivo de criaccedilatildeo da referida claacuteusula ver HIEBERT Janet The Evolution of

Limitation Clause 28 Osgoode Hall L J 103 1990

61 ldquo1The Canadian Charter of Rights and Freedoms guarantees the rights and freedoms set out in it subject

only to such reasonable limits prescribed by law as can be demonstrably justified in a free and democratic

societyrdquo Canadian Constitution Act 1982

62 Sobre a verificaccedilatildeo da legalidade e legitimidade ver HIEBERT J L Limiting Rights The Dilemma of

Judicial Review p 137-146

60

o primeiro relativo aos primeiros anos de vigecircncia da Carta o segundo referente a fase

iniciada com o julgamento do caso R v Oakes e o terceiro relativo aos desenvolvimentos

mais atuais

Nos primeiros anos em que vigorou a Carta canadense percebeu-se que

a conduta da Corte no tocante a aplicaccedilatildeo da Seccedilatildeo 1 foi bastante abrangente buscando

afirmar o seu papel de guardiatilde de direitos e liberdades bem como garantir a maacutexima eficaacutecia

dos mesmos Assim pode-se dizer que nos primeiros anos a Corte adotou uma postura

ativista (ELLIOT 1987) 63

Apesar da postura ativista a Corte logo nos primeiros anos natildeo realizava

de fato a anaacutelise da razoabilidade das medidas legislativas restritivas de direito sob seu

escrutiacutenio tentando natildeo enfrentar questotildees de cunho poliacutetico limitava-se a dizer que a

restriccedilatildeo de direitos poderia significar indiretamente a intenccedilatildeo do legislador de reformar a

Carta o que natildeo podia ser admitido (ELLIOT 1987)

A adoccedilatildeo desse tipo de postura pela Corte pode ser percebida no

julgamento do caso Ag Quebec v Quebec Association of Protestant Schools Boards64

ocorrido no ano de 1984 dois anos apenas apoacutes a aprovaccedilatildeo da Carta quando foi discutida

e declarada a incompatibilidade do da Seccedilatildeo 73 da Carta de Quebec da Liacutengua Francesa

(Quebec Charter of the French Language ou Bill 101) com a seccedilatildeo 23 da Carta Canadense

de Direitos e Liberdades 65

Em suma o que dispunha o Bill 101 era uma restriccedilatildeo ao direito de acesso

das crianccedilas a escolas puacuteblicas de Liacutengua Inglesa com exceccedilatildeo das crianccedilas cujo pai ou matildee

tivesse estudado em escolas tambeacutem de Liacutengua Inglesa dos filhos de imigrantes que jaacute

vivessem na proviacutencia anteriormente agrave aprovaccedilatildeo da lei e que tivessem sido educados em

Inglecircs ou cuja educaccedilatildeo tenha sido em uma liacutengua pouco falada naquele local ou aquelas

63 No mesmo sentido ldquoIn its initial judgments under the Canadian Charter of Rights and Freedoms the

Supreme Court of Canada respected the postwar structure of rights protection embedded in its first provision

and began to work out the requisite rules of interpretation legal presumptions and conceptions of institutional

roles Central to thislegal analysis was the Courtrsquos understanding that its responsibility was to secure the

rights guarantees as supreme law and to ensure that the limitation function enjoyed normative continuitywith

the rightsrdquo (WEINRIB 2002 p 122)

64 AG (Que) v Quebec Protestant School Boards [1984] 2 SCR Iacutentegra da decisatildeo disponiacutevel em lt

httpsscc-csclexumcomscc-cscscc-cscenitem26indexdogt

65 Nesse mesmo sentido ver tambeacutem a outros casos como Hunter v Southam Inc Re Singh and Ministered of

Employment and Imigration R v Big M Drug Mart Ltd

61

crianccedilas que tivessem irmatildeo jaacute matriculado na mesma escola

Entendeu a Corte portanto que essa norma visava modificar a

disposiccedilatildeo contida na Carta Canadense a qual dispunha expressamente sobre a garantia da

educaccedilatildeo puacuteblica em inglecircs ou francecircs aos filhos de cidadatildeos cuja primeira liacutengua que

tenham recebido na educaccedilatildeo primaacuteria seja uma liacutengua minoritaacuteria naquele local natildeo se

prestando a analisar a razoabilidade da limitaccedilatildeo de direitos alegada pela Proviacutencia de

Quebec66

Dessa forma o que se percebe eacute que a Corte sequer chegou a analisar a

razoabilidade da medida e as provaacuteveis justificativas do legislador limitando-se a declarar a

incompatibilidade da lei sem tentar sequer interpretaacute-la de acordo com a Carta

A segunda fase de acordo com divisatildeo feita por Elliot foi inaugurada

com o famoso julgamento do caso R v Oakes67 em 1986 quando foi introduzida pela

primeira vez uma regra para a verificaccedilatildeo da razoabilidade da restriccedilatildeo imposta pela medida

legislativa a luz da Seccedilatildeo 1 da Carta Canadense

A Corte passou entatildeo a utilizar o que ficou conhecido como ldquoteste de

Oakesrdquo para verificar se a medida legislativa constitui uma restriccedilatildeo a direitos razoaacutevel e

comprovadamente justificaacutevel em uma sociedade livre e democraacutetica o qual consiste

basicamente no estabelecimento de um padratildeo de prova apoiado em severos criteacuterios de

verificaccedilatildeo da legitimidade racionalidade necessidade e proporcionalidade da restriccedilatildeo

(TREMBLAY WEBBER 2008 p 2)68

66 ldquoThe limits imposed by s 73 are not legitimate limits within the meaning of s 1 of the Charter to the extent

that the latter section applies to rights conferred by s 23 In view of the period when the Charter was enacted

and especially in light of the wording of s 23 which repeats the unique set of criteria contained in s 73 of Bill

101 it is apparent that Chapter VIII seemed to the framers as an archetype of the regimes needing reform

Accordingly the limits which Bill 101 imposes on rights relating to the language of instruction cannot possibly

have been regarded by the framers of the Constitution as coming within ldquosuch reasonable limits prescribed by

law as can be demonstrably justified in a free and democratic societyrdquo Even if enacted after the Charter the

s 73 limits could not be legitimized by s 1 of the Charter Section 73 redefines for Quebec the classes of

persons who are entitled to instruction in the minority language and has the effect of creating an exception to

s 23 and of amending the Charter Whatever their scope the limits which s 1 allows cannot be equated with

exceptions to the rights and freedoms guaranteed by the Charter and may not be treated as amendments to the

Charterrdquo (AG (Que) v Quebec Protestant School Boards 1984 p 67-68)

67 O caso teve por objeto a anaacutelise de incompatibilidade entre a seccedilatildeo 8 do Narcotic Control Act que atribuia

o ocircnus ao cidadatildeo preso por porte de droga de prova que a mesma natildeo se destinava ao traacutefico e a seccedilatildeo 11(d)

da Carta que dispotildee sobre o princiacutepio da presunccedilatildeo de inocecircncia R v Oakes [1986] 1 SCR 103 inteiro teor

da decisatildeo disponiacutevel emhttpsscc-csclexumcomscc-cscscc-cscenitem117indexdo

68 Para uma comparaccedilatildeo entre o teste de Oakes e a aplicaccedilatildeo do princiacutepio da proporcionalidade ver GRIMM

Dieter Porportionality in Canada and German Constitutional Jurisprudence University of Toronto Journal

62

Inicialmente a introduccedilatildeo do ldquoteste de Oakesrdquo parecia ter resolvido as

questotildees e duacutevidas relativas a aplicaccedilatildeo da Seccedilatildeo 1 da Carta Todavia a praacutetica mostrou

rapidamente que o teste natildeo resolvera todas as questotildees os julgamentos que se seguiram

demonstraram ainda existir um forte desacordo entre os membros da Corte sobre a aplicaccedilatildeo

da claacuteusula bem como dificuldades inerentes ao proacuteprio teste (ELLIOT 1986)

A aplicaccedilatildeo do teste por acabar induzindo uma postura mais ativista da

Corte e limitando a margem de atuaccedilatildeo do legislador foi muito discutida doutrinariamente

e tambeacutem no acircmbito da proacutepria Corte (TREMBLAY WEBBER 2008)69 Alguns membros

passaram a ver os desdobramentos da aplicaccedilatildeo do teste como uma expansatildeo injustificada

do Poder judicial em detrimento dos outros poderes pelo que comeccedilaram entatildeo a defender

a necessidade de uma atuaccedilatildeo mais contida (WEINRIB 2002 p 123)

Diante disso as anaacutelises mais recentes dos estudiosos a respeito da

aplicaccedilatildeo da seccedilatildeo 1 da Carta canadense passaram a demonstrar a adoccedilatildeo de uma conduta

mais deferente da Corte para com as medidas legislativas Neste sentido Dixon (2009) ao

analisar inuacutemeros julgados sugere a existecircncia de uma maior contenccedilatildeo da Corte ao lanccedilar

o que chama de ldquosegundo olharrdquo (second look cases) sobre o caso ou no segundo ldquoroundrdquo

do diaacutelogo

O que se percebe eacute que na praacutetica a aplicaccedilatildeo da Seccedilatildeo acaba sendo mais

problemaacutetica do que a teoria imaginava quando da sua criaccedilatildeo Haacute uma dificuldade latente

em estabelecer os limites de interferecircncia do Judiciaacuterio na liberdade de atuaccedilatildeo do

legislativo jaacute que o mesmo acaba tendo que realizar uma anaacutelise do meacuterito das escolhas

poliacuteticas do Legislativo que justifiquem a restriccedilatildeo ou limitaccedilatildeo de direitos e liberdades

Por outro lado se a Corte adota uma postura mais passiva optando por

natildeo interferir na atuaccedilatildeo legislativa e acatar suas escolhas ou ateacute mesmo deixar de adentrar

na anaacutelise do seu meacuterito aiacute tambeacutem haacute riscos Para Weinrib (2002) a postura deferente da

Corte eacute contraacuteria aos objetivos da Carta ignorando a reconstruccedilatildeo dos papeis institucionais

proposta por ela bem como a hierarquia especial dada aos direitos e liberdades nela

Vol 57 N 2 Spring 2007 pp 383-397 e TAVARES DA SILVA Suzana O tretalema do Controlo Judicial

da Porporcionalidade in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra Vol LXXXVIII Tomo

II 2012 pp 639-677 69 Para uma melhor compreensatildeo acerca da aplicaccedilatildeo do teste de Oakes ver CHOUDHRY Sujit So What is

the Real Legacy of Oakes Two Decades of Proportionally Analysis under the Canadian Charterrsquos Section 1

Supreme Court Law Review Vol 34 N 2d pp 501-525 2006

63

previstos assim defender a contenccedilatildeo da Corte seria ceder a primazia dos direitos e

liberdades agrave Poliacutetica enquanto que os legisladores devem estar preparados para arcar com

as responsabilidades das suas escolhas70

No tocante a utilizaccedilatildeo da Seccedilatildeo 1 da Carta pelo Legislativo Tushnet

(2009) destaca que a mesma tambeacutem se revela na praacutetica de certa forma problemaacutetica O

que a experiecircncia canadense mostrou foi que muitas vezes o legislativo utiliza-se da

prerrogativa concedida pela Carta para reeditar a mesma medida legislativa restritiva de

direitos jaacute apreciada e reprovada pelo Judiciaacuterio sem alteraccedilotildees substantivas apenas por

exemplo incluindo no preacircmbulo da lei justificativas usadas por juiacutezes em votos dissidentes

que aprovaram a medida estrateacutegia que ficou conhecida como ldquoin you face responserdquo

Exemplo claacutessico dessa praacutetica do legislador foi o que ocorreu no caso R

v OrsquoConnor71 onde foi discutida pela Suprema Corte Canadense a possibilidade do acusado

em processo penal de obter acesso agraves informaccedilotildees meacutedicas das viacutetimas

O entendimento que prevaleceu na Corte em uma votaccedilatildeo natildeo unacircnime

foi o de que o reacuteu teria direito ao acesso de registros possivelmente relevantes para a

resoluccedilatildeo do caso e mediante anaacutelise do juiz que deveria fazer um balanccedilo entre o direito

de defesa do acusado e o direito a privacidade das viacutetimas Os votos dissidentes defendiam

a exigecircncia de que para que o acusado tivesse acesso agraves informaccedilotildees meacutedicas das viacutetimas

comprovasse antecipadamente de forma substancial e robusta a imprescindibilidade das

70 ldquoI develop a critique of the deferential approach to judicial review under the Charter First it disregards

the prolonged well-informed and remarkably participatory debate that led to the Charterrsquos adoption

Particularly it disregards its fully and publicly articulated remedial purpose to withdraw certain interests

denominated as constitutional rights and freedoms from the give and take of the ordinary political process

Second it fails to take seriously the written product of that debate The deferential approach in effect creates

a hierarchy of rights lacking any discernible basis in the text and ignores the differentiation between rights

that the text does make It also disregards the carefully chosen terms of the limitation formulation drafted in

publicly televised parliamentary proceedings That text was expressly designed to include the technical legal

language of the postwar instruments in order to deliver the effective regime of rights-protection desired by

Canadians generally and in particular sought by those to whom the previous lack of rights-protection

mattered most Disregard of remedial purposes and text leads to the third failing insensitivity to the Charterrsquos

reconstruction of institutional roles The advocates of deference cede the primacy of guaranteed rights and

freedoms to ordinary politics on the ground that the representative accountable legislatures must take

responsibility for the political choices required In effect the polity reverts to the legislative policy-making role

that the Charter was designed to redesignrdquo (WEINRIB 2002 p 123)

71 R v OrsquoConnor [1995] 4 SCR 411 Iacutentegra da decisatildeo disponiacutevel em httpscc-csclexumcomscc-

cscscc-

cscenitem1323indexdor=AAAAAQAjUiB2LiBP4oCZQ29ubm9yIFsxOTk1XSA0IFMuQy5SLiA0MTE

B

64

informaccedilotildees

O Parlamento canadense respondeu ao julgamento da Corte com a ediccedilatildeo

de uma nova lei que visando resguardar o direito agrave privacidade das viacutetimas

consequentemente restringindo o direito de defesa do reacuteu estabelecia um procedimento mais

riacutegido para que o mesmo tivesse acesso agraves informaccedilotildees para fundamentar a restriccedilatildeo seguiu

os argumentos dos votos dissidentes

Essa lei foi objeto de anaacutelise pela Suprema Corte no caso R v Mills72 no

qual a Corte em total deferecircncia ao entendimento do Legislativo considerou que a limitaccedilatildeo

ao direito de defesa do acusado era legiacutetima modificando seu entendimento anterior mesmo

sem nenhum fato novo para tanto73

Para Kent Roach (2001) a resposta legislativa representou o seu

desacordo com a decisatildeo judicial utilizando-se da loacutegica dos votos dissidentes para impor o

seu entendimento sobre a Corte exemplificando assim o uso da ldquoin your face responserdquo

amparado pela prerrogativa da Seccedilatildeo 1 da Carta

Para alguns essa praacutetica eacute vista como uma forma de diaacutelogo74 todavia

natildeo eacute isenta de criacuteticas como se verificaraacute adiante pois pode acabar significando na praacutetica

mais um retorno ao sistema de supremacia parlamentar do que propriamente um sistema

dialoacutegico

1013 Princiacutepios e controle poliacutetico sobre a corte - aplicaccedilatildeo praacutetica

da seccedilatildeo 33

A previsatildeo contida na Seccedilatildeo 33 da Carta Canadense exemplifica a

segunda subcategoria das teorias de princiacutepios juriacutedicos segundo a qual o diaacutelogo se

consubstancia na realizaccedilatildeo do controle das decisotildees judiciais pelos poderes poliacuteticos no

caso da ocorrecircncia de erro de interpretaccedilatildeo

72 R v Mills 1999] 3 SCR 668 Iacutentegra da decisatildeo disponiacutevel em httpsscc-csclexumcomscc-cscscc-

cscenitem1751indexdo

73 Para uma criacutetica mais aprofundada do caso ver CAMERON Jamie Dialogue and Hierarchy in Charter

Interpretation A comment on R v Mills Alberta Law Review Vol 38 N 4 2001

74 Ver DIXON Rosalind The Supreme Court of Canada Charter Dialogue and Deference U of Chicago

Public Law Working Paper N 284

65

A seccedilatildeo 33 ficou conhecida como notwithstanding clause ou overriding

por permitir ao Parlamento a reediccedilatildeo de um texto legal limitador de direitos consagrados

na Carta nas seccedilotildees 2 e de 7 a 15 mesmo quando jaacute tenha sido objeto de reprovaccedilatildeo pelo

Judiciaacuterio pelo prazo maacuteximo de cinco anos75

A referida claacuteusula do overriding apesar de inovadora e do seu aparente

potencial promissor na reconfiguraccedilatildeo dos papeis institucionais na verdade encontrou pouca

aplicaccedilatildeo concreta sendo poucas vezes invocada pelo legislativo Roach (2001) por

exemplo defende ser preferiacutevel a utilizaccedilatildeo da Seccedilatildeo 1 para reeditar uma norma jaacute reprovada

pelo Judiciaacuterio do que fazer uso da Seccedilatildeo 33 que pode representar uma resposta agressiva

como se o Legislativo estivesse gritando para ganhar um debate

Ao mesmo tempo em que a Seccedilatildeo 33 torna a decisatildeo judicial

ldquoprovisoacuteriardquo podendo ser ultrapassada pelo Legislativo possibilitando assim um suposto

diaacutelogo eacute difiacutecil imaginar na praacutetica essa concretizaccedilatildeo O custo poliacutetico a ser suportado

pelo legislador nessa situaccedilatildeo eacute muito alto e nem sempre o mesmo pode estar disposto a

suportaacute-lo 76

Combater a decisatildeo judicial por meio da imposiccedilatildeo da lei conforme

possibilita a Seccedilatildeo 33 parece natildeo ter sido o caminho escolhido pelo legislador canadense jaacute

que a praacutetica revela o pouco usa da referida claacuteusula em detrimento da Seccedilatildeo 1

Apesar de natildeo ter sido muito utilizada pelo Legislativo em razatildeo do seu

alto custo poliacutetico a Corte em alguns casos utliza-se da possibilidade do legislador derrubar

75 33 (1) Parliament or the legislature of a province may expressly declare in an Act of Parliament or of the

legislature as the case may be that the Act or a provision thereof shall operate notwithstanding a provision

included in section 2 or sections 7 to 15 of this Charter Marginal noteOperation of exception (2) An Act or

a provision of an Act in respect of which a declaration made under this section is in effect shall have such

operation as it would have but for the provision of this Charter referred to in the declaration Marginal

noteFive year limitation (3) A declaration made under subsection (1) shall cease to have effect five years

after it comes into force or on such earlier date as may be specified in the declarationMarginal noteRe-

enactment (4) Parliament or the legislature of a province may re-enact a declaration made under

subsection (1)Marginal noteFive year limitation(5) Subsection (3) applies in respect of a re-enactment

made under subsection (4) Canadian Constitutional Act 1982

76 Eacute justamente o alto custo poliacutetico da utilizaccedilatildeo da Seccedilatildeo 33 que faz com que o legislativo opte por responder

de outra forma agrave decisatildeo judicial no caso de discordacircncia fazendo uso assim da Seccedilatildeo 1 na forma da ldquoin your

face responserdquo conforme falamos no toacutepico anterior Para uma criacutetica mais detalhada do assunto ver

TUSHNET Mark Weak Courts Strong Rights judicial review and social welfare rights in comparative

constitutional law Princeton University 2009 p 45-47

66

a decisatildeo judicial contida na Seccedilatildeo 33 para justificar suas decisotildees sejam elas mais ativistas

ou mais contidas como se percebe no julgamento Vriend v Alberta77

O caso em suma tratava de um professor universitaacuterio Delwin Vriend

que fora demitido apoacutes ter revelado sua opccedilatildeo sexual assumindo ser homossexual

Inconformado Vriend alegando a incompatibilidade da Individual Rights Protection Act

(IRPA) da proviacutencia de Alberta local onde ocorreu a demissatildeo com a Carta canadense

recorreu ao Judiciaacuterio para anular o ato A referida lei trazia em seu texto de forma expressa

os motivos pelos quais era vedada a discriminaccedilatildeo de qualquer cidadatildeo como raccedila cor

sexo cor da pele estado civil crenccedila religiosa dentre outros mas natildeo fazia menccedilatildeo agrave

orientaccedilatildeo sexual motivo pelo qual Vriend alegou a sua incompatibilidade

O caso foi inicialmente apreciado pelo Conselho de Direitos Humanos

de Alberta (Alberta Human Rights Board) que entendeu que a demissatildeo natildeo era nula eis

que a orientaccedilatildeo sexual natildeo era prevista legalmente como motivo de vedaccedilatildeo agrave

discriminaccedilatildeo A Court of Queenacutes Bench (Tribunal Superior equivalente a segunda

instacircncia recursal) de Alberta ao apreciar o recurso do professor considerou nula a

demissatildeo afirmando que embora a orientaccedilatildeo sexual natildeo estivesse expressamente prevista

na IRPA deveria ser considerada como se ali estivesse inserida em funccedilatildeo do princiacutepio da

igualdade assegurado pela Carta

A decisatildeo foi revista e modificada pela Alberta Court of Appeal por

entender que a IRPA lei em anaacutelise no caso era uma norma neutra natildeo se dirigia de maneira

especifica nem a heterossexuais nem a homossexuais e por isso natildeo haveria qualquer

incompatibilidade com a Carta

O caso foi levado a julgamento pela Suprema Corte canadense que

afirmou a incompatibilidade da IRPA com a Carta e ao mesmo tempo que declarou a

incompatibilidade da lei em razatildeo da mesma ser omissa por natildeo incluir a previsatildeo da

proibiccedilatildeo de discriminaccedilatildeo por motivo de orientaccedilatildeo sexual justificou expressamente sua

conduta na metaacutefora do diaacutelogo

A Corte em sua decisatildeo mais especificamente dos paraacutegrafos 134 a 138

invocou a possibilidade de superaccedilatildeo da decisatildeo judicial pelo Legislativo por meio do uso

77 Vriend v Alberta [1998] 1 SCR 493 Iacutentegra da decisatildeo disponiacutevel em httpscc-csclexumcomscc-

cscscc-cscenitem1607indexdo

67

da notwishstanding clause prevista na Seccedilatildeo 33 da Carta afirmando ser um mecanismo

propiciador do diaacutelogo justificando assim a legitimidade democraacutetica da sua decisatildeo e do

exerciacutecio do judicial review

Sendo assim ainda que natildeo tenha sido muito utilizada para o objetivo

inicial a que se propocircs natildeo se pode ignorar o papel da Seccedilatildeo 33 na Carta canadense

principalmente pelo que a sua falta de utilizaccedilatildeo revela78

1014 Criacuteticas as teorias estruturais dos princiacutepios juriacutedicos

Apesar do aparente potencial dialoacutegico das teorias dos princiacutepios

juriacutedicos por possibilitarem por meio de mecanismos especiacuteficos que o Legislativo responda

ou reaja a decisatildeo judicial as mesmas natildeo satildeo isentas de criacuteticas

Assim como as teorias dialoacutegicas fundadas no meacutetodo judicial abordadas

anteriormente as teorias dos princiacutepios juriacutedicos com mecanismo de articulaccedilatildeo legislativa

da poliacutetica traduzidas na praacutetica na Seccedilatildeo 1 da Carta Canadense privilegiam a interpretaccedilatildeo

do Judiciaacuterio em detrimento do posicionamento legislativo o que natildeo resolve o problema da

legitimidade democraacutetica inerente a judicial review (BATEUP 2006)

Como dito as teorias estruturais dos princiacutepios juriacutedicos estabelecem

uma metodologia dialoacutegica que reconhece um papel privilegiado concedido ao Judiciaacuterio

para lidar com questotildees de princiacutepios fundada no seu suposto isolamento poliacutetico que lhe

atribui vantagem como deliberador moral Todavia a praacutetica demonstra que esse pressuposto

isolamento poliacutetico natildeo necessariamente refletiraacute nas decisotildees da Corte

Embora o sistema canadense seja apontado como o marco inicial das

teorias dialoacutegicas o que a experiecircncia revela com a praacutetica da metodologia de diaacutelogo nele

prevista eacute que apesar da possibilidade de resposta legislativa e de uma ainda que apenas

78 Para Hiebert o fato da quase inexistente utilizaccedilatildeo da Seccedilatildeo 33 pelo legislativo revela a relutacircncia do

parlamento canadense em tomar decisotildees que possam por em risco a sua imagem de oacutergatildeo comprometido com

a proteccedilatildeo dos direitos e liberdades assegurados pela Carta por acreditarem que a derrubada de uma decisatildeo

judicial pode acarretar o repuacutedio da populaccedilatildeo Destaca que essa situaccedilatildeo ficou evidente nas eleiccedilotildees federais

de 2014 quando o Governo liberal marcou pontos poliacuteticos preciosos ao criticar veementemente Stephen

Harper liacuteder do partido conservador o qual natildeo descartava o uso da claacuteusula natildeo obstante pois a maioria dos

canadenses interpretam o uso da mesmo como uma violaccedilatildeo aos direitos protegidos na Carta o que expressa

um ceticismo acerca da legitimidade dos desacordos poliacuteticos com as interpretaccedilotildees judiciais apesar de tais

divergecircncias serem constitucionalmente permitidas (HIEBERT 2006 p 20)

68

formal maior liberdade de atuaccedilatildeo parlamentar expressamente conferida pela Seccedilatildeo 1 da

Carta ao fim e ao cabo quem iraacute decidir de fato eacute a Corte jaacute que a ela incumbe a anaacutelise da

proporcionalidade da medida legislativa

A utilizaccedilatildeo pelo Legislativo dos mecanismos normativamente previstos

no sistema canadense como propiciadores de um diaacutelogo com a Corte acarretam um alto

custo poliacutetico Em um primeiro plano pode-se observar que o uso dos mesmos de forma

regular pode acarretar prejuiacutezo ao significado e ateacute mesmo reduzir a importacircncia do

instituto da revisatildeo judicial enviando um claro sinal de que as opiniotildees judiciais muitas

vezes natildeo satildeo dignas de respeito jaacute que podem facilmente ser suplantadas pela iniciativa

parlamentar

Somado a isso tem-se em segundo plano o alto niacutevel de apoio popular

que o sistema judicial recebe que faz com que mesmo que a utilizaccedilatildeo dos meacnismos natildeo

ataque diretamente o Judiciaacuterio como instituiccedilatildeo em si haja uma provaacutevel exigecircncia puacuteblica

do cumprimento das decisotildees judicias em desfavor de mecanismos de overriding pelo

menos em relaccedilatildeo aqueles casos de maior relevacircncia

Esses dois aspectos elevam demasiadamente os custos poliacuteticos da

atuaccedilatildeo legislativa influenciando para que mecanismos como o previsto na Seccedilatildeo 33 que

resultam em uma substituiccedilatildeo de decisatildeo judicial sejam pouco ou quase nada utilizados na

praacutetica (BATEUP 2009 p 566)

Ainda supondo uma hipoteacutetica utilizaccedilatildeo da previsatildeo contida na Seccedilatildeo

33 fundada em um controle das decisotildees judicias pelo Legislativo quando considerar que

houve erro no julgamento feito pelo Judiciaacuterio poderia se assemelhar muito mais a um

modelo de supremacia parlamentar do que um mecanismo propiciador de um diaacutelogo

substancial entre ambos os poderes79

Tushnet (2009) alerta dessa maneira para o fato de que sob o ponto de

vista praacutetico o sistema canadense em muito pouco se difere do modelo tradicional

americano onde haacute uma prevalecircncia das decisotildees judiciais

Alguns criacuteticos tambeacutem apontam para o fato de que a existecircncia formal

da ldquoclaacuteusula natildeo obstanterdquo no sistema pode levar a uma atuaccedilatildeo irresponsaacutevel do Judiciaacuterio

69

que ciente da possibilidade de correccedilatildeo e superaccedilatildeo da sua decisatildeo pelo Poder Legislativo

natildeo se esforccedilaraacute na busca por emanar as melhores decisotildees80

Outro ponto importante de criacutetica o qualeacute fortemente destacado por

Bateup (2006 p49) eacute o fato de essas teorias possuiacuterem uma contradiccedilatildeo intriacutenseca muito

forte ao mesmo tempo que defendem uma competecircncia privilegiada do Judiciaacuterio para lidar

com questotildees de princiacutepios propotildeem que a supervisatildeo poliacutetica eacute necessaacuteria para se proteger

contra a possibilidade de erro judicial

Eacute questionaacutevel a maneira como o legislador chegaraacute a conclusatildeo que o

Judiciaacuterio incorreu em erro jaacute que natildeo haacute nenhuma teoria interpretativa que explicite de

forma objetiva como isso deve ser verificado na praacutetica deixando uma margem de

apreciaccedilatildeo muito ampla e subjetiva parecendo muito mais uma forma de simples superaccedilatildeo

da decisatildeo judicial do que uma efetiva correccedilatildeo

Sendo assim natildeo se vislumbra na praacutetica canadense a efetivaccedilatildeo de um

verdadeiro diaacutelogo sob o ponto de vista material podendo-se aferir apenas a possibilidade

de uma conversaccedilatildeo entre os poderes onde o Judiciaacuterio ldquofalardquo e o Legislativo ldquoescutardquo ou vice-

versa sugerindo mais uma ideia de monoacutelogo do que propriamente de diaacutelogo jaacute que na

realidade natildeo haacute um efetivo debate nem a construccedilatildeo conjunta de uma decisatildeo

Poreacutem apesar das criacuteticas se reconhece a importacircncia da praacutetica

deflagrada pelo sistema canadense que mesmo que apenas formalmente possibilita uma

interaccedilatildeo legislativa no processo de controle de constitucionalidade mediante a utilizaccedilatildeo de

mecanismos criados propriamente para esse fim especiacutefico o que ateacute entatildeo natildeo existia na

jurisdiccedilatildeo constitucional

80 Nesse sentido ver PETTER Andrew Taking Dialogue theory much too seriously (or perhaps charter

dialogue isnrsquot such a good thing after all) Osgoode Law Journal v 45 n1 p147-167 2007 A criacutetica

desenvolvida por Andrew Petter faz parte das que se seguiram apoacutes o estudo desenvolvido por Petter Hogg e

Alisson Bushell Para o Autor a tese dos mesmos eacute desprovida de conteuacutedo normativo e subestima a influecircncia

que as decisotildees judiciais exercem no processo de tomada de decisotildees poliacuteticas e em todos os outros aspectos

da vida poliacuteticas O Autor critica veementemente a metodologia adotada pelos dois autores no tocante a anaacutelise

jurisprudencial que os levou a concluir pela existecircncia do diaacutelogo no sistema canadense dentre outros

importantes aspectos por isso sugerimos a leitura

70

11 As teorias dialoacutegicas da parceira

Agrupam-se nessa categoria de teorias estruturais do diaacutelogo aquelas

que apostam nos mecanismos institucionais como a melhor forma de promoccedilatildeo do diaacutelogo

reconhecem o papel igualmente importante tanto dos atores judiciais como dos natildeo judiciais

no processo de tomada de uma decisatildeo constitucional

De acordo com essas teorias tanto o Judiciaacuterio quanto o Legislativo

devem ter seu papel reforccedilado dentro do processo de interpretaccedilatildeo constitucional sendo

reconhecidas as capacidades e competecircncias especiacuteficas de cada um de modo que repartam

a responsabilidade das decisotildees

Ao contraacuterio das teorias dos princiacutepios juriacutedicos para essas teorias natildeo

haacute um polo privilegiado reconhecem as diferentes competecircncias de cada braccedilo do poder

poreacutem defendem uma atuaccedilatildeo colaborativa entre eles na interpretaccedilatildeo constitucional sem

qualquer hierarquia

Bateup (2006 p 71) destaca as ideias de Janet Hiebert como exponente

dessas teorias eis que a referida Autora ao analisar a experiecircncia Canadense na aplicaccedilatildeo da

Carta de 1982 critica a passividade do Legislativo em face da intervenccedilatildeo judicial em

assuntos de poliacutetica puacuteblica argumentando que a interpretaccedilatildeo constitucional deve ser uma

responsabilidade compartilhada entre os Tribunais e o Parlamento

Hibert (2002) defende uma ldquoabordagem relacionalrdquo mediante a

combinaccedilatildeo entre a perspectiva judicial e legislativa para as interpretaccedilotildees da Carta Alega

que o fato de estarem separados Legislativo e Judiciaacuterio poreacutem interligados dentro da ordem

constitucional faz com quem ambos estejam aptos a se engajar em um diaacutelogo no qual cada

um deve ter certo grau de modeacutestia sobre suas proacuteprias conclusotildees e ouvir o outro a fim de

um aprendizado reciacuteproco e conforme necessaacuterio modificar seu ponto de vista

Nesse sentido criacutetica a teoria dialoacutegica de Bushell e Hogg sobretudo por

atribuiacuterem agrave Corte um papel corretivo incompatiacutevel com a ideia do compartilhamento de

responsabilidade inerente ao diaacutelogo Para a Autora natildeo deve ser atribuiacutedo agrave Corte o papel

de conduzir o diaacutelogo mas sim reconhecidas as capacidades diferentes de cada instituiccedilatildeo

do Poder as quais enxergam os problemas por prismas diferentes

71

Demonstra por meio desse entendimento que o Judiciaacuterio natildeo seria a

instacircncia mais bem posicionada para avaliar a escolha dos meios feita pelo legislador para

alcanccedilar seus objetivos mas sim para fiscalizar a qualidade da deliberaccedilatildeo e o empenho

despendido para fazer o balanceamento entre direitos e seus limites

Essa fiscalizaccedilatildeo acabaria por aumentar a responsabilidade do

Legislativo jaacute que precisaraacute convencer o Judiciaacuterio da necessidade da limitaccedilatildeo imposta e

do seu cuidado e compromisso com a proteccedilatildeo dos direitos81

111 Criacuteticas agrave teoria da parceria

No tocante a legitimidade democraacutetica da revisatildeo judicial das leis pode-

se dizer que essas teorias comparadas as demais ateacute aqui expostas demonstram maior

aptidatildeo para solucionar o problema pois oferecem uma resposta satisfatoacuteria a objeccedilatildeo

contramajoritaacuteria ao natildeo reconhecerem nenhuma posiccedilatildeo superior ao Judiciaacuterio em relaccedilatildeo

aos demais poderes mas sim reforccedilando a ideia de separaccedilatildeo de poderes e funccedilotildees

especiacuteficas sendo estas igualmente importantes no processo de interpretaccedilatildeo constitucional

Do ponto de vista teoacuterico a ideia parece ideal sobretudo por reforccedilar o

princiacutepio da separaccedilatildeo de poderes aumentando a responsabilidade institucional e

respeitando as competecircncias teacutecnicas e especiacuteficas de cada braccedilo do Poder como se idealiza

Todavia a sua dificuldade praacutetica eacute tatildeo evidente que natildeo conseguimos sequer vislumbrar

um exemplo concreto da efetivaccedilatildeo dessa teoria

Apesar disso deve ser considerada e reconhecida a sua importacircncia por

servir como um objetivo a ser alcanccedilado como um ponto de referecircncia que se deve buscar

implementar na praacutetica apesar das latentes dificuldades

Para Bateup essas teorias seriam praticamente perfeitas se comparadas

com as outras para alcanccedilar os objetivos a que as teorias dialoacutegicas se propotildeem poreacutem

pecam por natildeo considerar a necessidade da participaccedilatildeo social no diaacutelogo Diante disso a

Autora propotildee uma outra metodologia que a seu ver seria a ideal a qual passamos a expor

81 ldquoThe extent to wich Parliament will be able to convince the judiciary about the merits of how it believes

Charter conflicts should be resolved may be a direct reflection of the extent of its commitment to careful and

principled judgment To a considerable degree Parliament is likely get the kinds of judicial rulings ir

deservesrdquo (HIEBERT 2002 p 227)

72

12 Fusatildeo dialoacutegica

A metodologia de diaacutelogo ideal proposta por Bateup consiste na fusatildeo

entre os elementos das teorias da parceria e do equiliacutebrio que resultaria na forma mais

promissora do diaacutelogo constitucional por permitir uma compreensatildeo mais abrangente dos

diferentes aspectos institucionais e sociais possibilitando a participaccedilatildeo de diferentes atores

no processo de interpretaccedilatildeo constitucional (BATEUP 2006 p 77)

Na concepccedilatildeo da Autora a fusatildeo dialoacutegica seria o modelo ideal de

diaacutelogo pois por meio dos elementos proacuteprios da teoria da parceria se resolveriam as

controveacutersias acerca da legitimidade democraacutetica do judicial review reforccedilando a

competecircncia e atuaccedilatildeo das instituiccedilotildees aumentando a responsabilidade das mesmas pelas

suas decisotildees e atividades e por outro lado por meio dos elementos das teorias do

equiliacutebrio se promoveria a inclusatildeo da sociedade no debate reconhecendo o papel do

Judiciaacuterio como mediador da discussatildeo sem no entanto atribuir-lhe o poder da palavra final

Como aprimoramento das outras teorias a fusatildeo dialoacutegica propotildee a

noccedilatildeo do papel do Judiciaacuterio como um facilitador do debate na sociedade sobre os principais

temas do constitucionalismo para que mediante dele se alcance um resultado mais

duradouro e aceitaacutevel no seio social

Sendo assim em siacutentese o que Bateup propotildee eacute que a criacutetica inicialmente

feita agrave teoria do equiliacutebrio relativa a existecircncia de problemas constitucionais menos

relevantes em que natildeo seria necessaacuterio - nem recomendaacutevel - a abertura de um debate no

seio social seria superada pela metodologia da teoria da parceria surgindo assim um modelo

mais ldquocorretordquo de diaacutelogo

Sob essa perspetiva a revisatildeo judicial das leis teria como consequecircncia

dois aspectos distintos dentro da sociedade moderna Em primeiro lugar seria um

mecanismo auxiliador na produccedilatildeo de respostas mais duraacuteveis e amplamente aceitaacuteveis em

relaccedilatildeo a questotildees constitucionais que envolvam diaacutelogo com a sociedade como um todo e

em segundo tambeacutem auxiliaria na promoccedilatildeo de uma melhor resoluccedilatildeo institucional de

questotildees constitucionais no acircmbito de casos individuais (BATEUP 2006 p 78)

73

121 Criacuteticas agrave teoria da fusatildeo dialoacutegica

Aqui repetem-se as criacuteticas feitas no toacutepico acima acerca da teoria da

parceria acrescentando-se a essas as atinentes agrave inclusatildeo da participaccedilatildeo da sociedade como

participantes do diaacutelogo

A ideia de Bateup parece sob o ponto de vista da legitimidade

democraacutetica do controle de constitucionalidade ideal para superar todas as desconfianccedilas

pois combina os melhores elementos da teoria da parceria e ainda inclui a participaccedilatildeo

social que nesse vieacutes eacute de fundamental importacircncia

De todas as teorias ateacute aqui expostas parece ser a uacutenica a prever a

concretizaccedilatildeo de um diaacutelogo material facilitando a ocorrecircncia de um verdadeiro debate entre

os participantes do processo de interpretaccedilatildeo constitucional a fim de encontrar um consenso

Todavia as dificuldades residentes na implementaccedilatildeo dessa concepccedilatildeo

teoacuterica na praacutetica satildeo inuacutemeras primeiramente pela limitaccedilatildeo dos provaacuteveis meios para

inclusatildeo da sociedade no debate e depois pelos riscos que essa inclusatildeo pode oferecer

Incluir a sociedade civil em um debate atinente a realizaccedilatildeo de poliacuteticas

puacuteblicas para a efetivaccedilatildeo de direitos fundamentais pode ser extremamente perigoso pois a

pressatildeo social pode levar a tomadas de decisotildees irresponsaacuteveis pelos entes puacuteblicos bem

como pode acabar privilegiando uma ou outra parcela da populaccedilatildeo que esteja ativa no

debate em detrimento de outra Com isso pode haver o favorecimento dos interesses de

grupos minoritaacuterios o que nem sempre pode ser considerado favoraacutevel do ponto de vista

democraacutetico

Neste sentido ainda que a metodologia proposta po Bateup seja

aparentemente a mais promissora para resolver o conflito que ronda a legitimidade

democraacutetica do controle judicial das leis natildeo se pode tomaacute-la como uma verdade absoluta

sendo necessaacuterio criterioso cuidado na sua anaacutelise

13 Os mecanismos estruturais de diaacutelogo no sistema britacircnico e neozelandecircs

Como jaacute se abordou brevemente no iniacutecio do presente trabalho o novo

modelo canadense de revisatildeo judicial das leis por ser uma alternativa agrave tradicional forma de

supremacia judicial acabou por influenciar outros paiacuteses da Commonwealth de tradiccedilatildeo

74

parlamentar justamente pela sua promessa de conciliaccedilatildeo entre a supremacia legislativa e a

revisatildeo judicial no tocante a proteccedilatildeo de direitos fundamentais

Assim inspirados nesse novo modelo de judicial review paiacuteses como o

Reino Unido e Nova Zelacircndia ao reconhecerem a necessidade de uma tutela especial aos

direitos fundamentais adotaram sistemas que tambeacutem possuem mecanismos que propiciam

uma forma ldquofracardquo de revisatildeo judicial

O ponto em comum que ambos os sistemas possuem eacute o fato que o

Judiciaacuterio natildeo deteacutem poder para invalidar a legislaccedilatildeo ou seja permanecem pelo menos em

teoria em um sistema onde a supremacia parlamentar ainda se faz presente Todavia diante

da necessidade de assegurar a eficaacutecia dos direitos fundamentais que passaram a fazer parte

do Bill of Rights acabaram por introduzir em seu sistema alguns mecanismos que mitigaram

essa supremacia condicionando o legislador a observaccedilatildeo de tais direitos

Ambos os sistemas possuem assim a figura do mandado interpretativo

que em suma permite ao Judiciaacuterio o exerciacutecio da revisatildeo das leis ainda que natildeo possa

invalidaacute-las e lhe impotildee a tarefa de no momento que for analisar a legislaccedilatildeo interpretaacute-la

conforme os preceitos do Bill of Rights

Apesar de ser o mesmo mecanismo ele se desdobra na praacutetica de

maneiras diversas em cada paiacutes em face das suas peculiaridades razatildeo pela qual se analisaraacute

ambos os sistemas de forma autocircnoma

131 O mandado interpretativo e a declaraccedilatildeo de incompatibilidade no reino

unido (seccedilatildeo 3 e 4 (2) do human rights act 1998)

Como se sabe o Reino Unido eacute considerado o berccedilo da soberania

parlamentar onde ateacute recentemente cabia a este oacutergatildeo a apreciaccedilatildeo e resoluccedilatildeo de problemas

constitucionais tendo o Judiciaacuterio pouca ou quase nenhuma expressatildeo nesse sentido

O reconhecimento da competecircncia do Judiciaacuterio para a realizaccedilatildeo da

revisatildeo das leis foi um processo gradativo Apoacutes a Revoluccedilatildeo Gloriosa e a promulgaccedilatildeo do

Bill of Rights ambas as Casas do Parlamento inglecircs (House of Common e House of Lords)

75

passaram a deter competecircncia exclusiva para receber e apreciar as peticcedilotildees advindas dos

tribunais inferiores 82

Posteriormente jaacute exercendo a Cacircmara dos Lordes tal funccedilatildeo de modo

exclusivo veio a lume o Appellate Jurisdiction Act (1876) por intermeacutedio do qual foi criada

a figura dos lordes de apelaccedilatildeo (Lords of Appeal in Ordinary ou Law Lords) juiacutezes altamente

qualificados que deveriam se dedicar exclusivamente agraves questotildees judiciais submetidas ao

Parlamento Tais juiacutezes passaram a integrar o que veio a ser denominado Comissatildeo de

Apelaccedilatildeo da Cacircmara dos Lordes (Appellate Committee) e exercendo apenas a funccedilatildeo

jurisdicional deixaram de participar das votaccedilotildees do Parlamento (natildeo obstante tenham

permanecido como membros de tal Poder) (LARANJEIRA 2013)

Nesse contexto na estrutura constitucional inglesa cabia ao Parlamento

natildeo apenas a funccedilatildeo legislativa que lhe eacute inerente mas tambeacutem a atuaccedilatildeo como oacutergatildeo de

cuacutepula judicial Essa concepccedilatildeo era decorrente da inexistecircncia de uma constituiccedilatildeo escrita

formalmente superior as demais normas83 razatildeo pela qual o legislador acabava por ter uma

autonomia ilimitada para editar modificar e anular as leis

O ponto inicial de mudanccedila dessa estrutura foi a adoccedilatildeo do Human

Rights Act 199884 que entrou em vigor em 2 de outubro de 2000 e introduziu no

ordenamento juriacutedico interno os princiacutepios fundamentais jaacute enunciados pela Convenccedilatildeo

Europeia de Direitos do Homem85 A adoccedilatildeo desse documento representou uma mudanccedila

significativa na cultura legal do paiacutes porque as autoridades puacuteblicas passaram a ser

obrigadas a obedecer novas normas antes consideradas apenas no acircmbito internacional e

com isso quaisquer accedilotildees do Governo ou outros organismos puacuteblicos que natildeo cumprissem

82 Para um maior aprofundamento sobre a histoacuteria estrutura e composiccedilatildeo do Parlamento britacircnico ver

LEYLAND Peter The Constituion of the United Kingdom a contextual analysis Oxford 2007 p 81-114

83 Necessaacuterio destacar que embora natildeo exista um documento formal intitulado de Constituiccedilatildeo atribui-se esse

mesmo sentido ao ldquo() conjunto de praacuteticas instituiccedilotildees e remeacutedios processuais que determina a estruturaccedilatildeo

poliacutetica do Estado com o adequado controle e distribuiccedilatildeo do poder aleacutem do apontamento de garantias

fundamentais em favor dos cidadatildeos ()rdquo (CYRINO 2007)

84 Eacute importante esclarecer que antes da adoccedilatildeo do HRA o Reino Unido jaacute havia ratificado a Convenccedilatildeo

Europeia de Direitos do Homem em 1951 o que acarretou severesos conflitos de normas A necessidade de

conciliaccedilatildeo desses conflitos normativos pode ser considerada como um dos motivos que ensejaram a adoccedilatildeo

do HRA

85 A adoccedilatildeo desse documento foi tambeacutem decorrente de importantes conflitos poliacuteticos que acabaram por

enfraquecer a ideia de supremacia parlamentar ateacute entatildeo intocaacutevel sobretudo pelas constriccedilotildees decorrentes da

entrada na Uniatildeo Europeia que obrigou o paiacutes a estabelecer um documento legal de proteccedilatildeo de direitos

fundamentais com status qualificado Nesse sentido ver TUSHNET 2008 p 28

76

com a Convenccedilatildeo passaram a poder serem consideradas como ilegais tambeacutem no acircmbito

interno (LEYLAND 2007)

A partir de entatildeo passou-se a travar debates atinentes a necessidade de

ampliaccedilatildeo de um sistema de revisatildeo judicial das leis a fim de dar eficaacutecia ao documento e

consolidar a sua hierarquia qualificada perante as demais leis86

A mudanccedila do sistema onde ateacute entatildeo o controle das leis era feito por

um oacutergatildeo poliacutetico parte do proacuteprio Parlamento se consolidou com a aprovaccedilatildeo do

Constitution Reform Act em 2005 o qual passou a prever a criaccedilatildeo da Suprema Corte que

foi instalada mais recentemente no ano de 2009 e marcou a consolidaccedilatildeo de um oacutergatildeo

judicial independente do legislativo87

O HRA ao introduzir no odernamento juriacutedico interno os princiacutepios e

direitos previstos na Convenccedilatildeo Europeia na Seccedilatildeo 388 determinou que tanto quanto fosse

possiacutevel a legislaccedilatildeo primaacuteria e a legislaccedilatildeo subordinada devem ser interpretadas visando a

compatibilidade com os preceitos da Convenccedilatildeo

Ou seja o mandado interpretativo consiste na imposiccedilatildeo as Cortes do

dever de se esforccedilarem para interpretar as leis de acordo com o HRA Tambeacutem eacute denominado

por alguns doutrinadores de poder interpretativo (interpretative power) visto que possibilita

86 Sobre o impacto do HRA na cultura britacircnica Gadbaum (2001 p 732) destaca ldquoThere is no doubt that in

the British legal and constitutional context the mere existence of a set of codified constitutes a radical change

in legal and political culture independent of the exact form and legal status that they possess This is because

it replaces the existing conception of civil liberties as residual in nature ndash citizens are free to do whatever

statute common law and delegated legislation do not prohibit them from doing ndash with a primary or affirmative

set of rights that limit what citizens may be prohibited from doing in the first placerdquo

87 Leyland (2007 p 154) esclarece que a Suprema Corte britacircnica natildeo foi criada com o objetivo de ser um

Tribunal constitucional em suas palavras ldquoThe Supreme Court will not be established as a constitutional court

although of course it will have to preside over cases that raise constitutional issues and it will take over from

the Judicial Committee of the Privy Council jurisdiction over lsquodevolution issuesrsquo arising from the Scotland Act

1998 Government of Wales Act 1998 and Northern Ireland Act 1998rdquo

88 Interpretation of legislation (1)So far as it is possible to do so primary legislation and subordinate

legislation must be read and given effect in a way which is compatible with the Convention rights (2)This

sectionmdash (a)applies to primary legislation and subordinate legislation whenever enacted (b)does not affect

the validity continuing operation or enforcement of any incompatible primary legislation and (c)does not

affect the validity continuing operation or enforcement of any incompatible subordinate legislation if

(disregarding any possibility of revocation) primary legislation prevents removal of the incompatibility (HRA

1998)

77

a modificaccedilatildeo do significado das leis inicialmente conferido pelo Palamento a fim de

compatibilizaacute-las com a Convenccedilatildeo89

Todavia quando natildeo for possiacutevel uma interpretaccedilatildeo compatiacutevel a lei

natildeo pode ser invalidada permanecendo em pleno vigor podendo ser aplicada e invocada em

qualquer procedimento legal O que deve existir nesses casos eacute a emissatildeo de uma declaraccedilatildeo

de incompatibilidade onde a Corte pronunciaraacute o seu entendimento mas este natildeo teraacute

nenhum efeito direto ou concreto sobre a validade da norma90

A manifestaccedilatildeo do Judiciaacuterio por meio da declaraccedilatildeo de

incompatibilidade apesar de natildeo acarretar a nulidade da lei ao tornar puacuteblico o conflito da

mesma com os direitos assegurados pelo HRA gera um inegaacutevel constrangimento poliacutetico

Poreacutem o Parlamento continua a ser soberano eis que eacute ele que decide se a norma ainda que

declaradamente incompatiacutevel continuaraacute vigente como antes (CYRINO 2007)

Tendo em vista o constrangimento poliacutetico causado pela declaraccedilatildeo de

incompatibilidade alguns autores defendem ser esse um mecanismo propulsor de uma

resposta do Parlamento agraves decisotildees da Corte de forma a alterar a lei para eliminar a

incompatibilidade apontada pelas Cortes bem como de uma maior responsabilidade para

com a observacircncia dos direitos do HRA quando da formulaccedilatildeo das leis a fim de evitar uma

futura incompatibilidade

Um reconhecido e importante exemplo dessa praacutetica ocorreu no

julgamento do caso A and Others v Secretary of State for the Home Departament91 onde o

Governo britacircnico foi acusado de minar direitos individuais por meio da criaccedilatildeo da lei Anti

terrorismo crime e seguranccedilas de 2001 por permitir a detenccedilatildeo por tempo indeterminado

de estrangeiros suspeitos da praacutetica de terrorismo

89 ldquoThis section confers an interpretative power which allows the courts to consider legislation and transform

it by stretching its meaning where it is possible to do so in order to achieve Convention compatibilityThis

marks a significant shift of power from Parliament to judges since the courts are able to rewrite sections of

Acts by reading into them words that are not there and by doing so remove potential conflicts with the

Conventionrdquo (LEYLAND 2007 p 171)

90 4 (2) If the court is satisfied that the provision is incompatible with a Convention right it may make a

declaration of that incompatibility (HRA 1998)

91 A and Others v Secretary of State for the Home Departament (2004) UKHL Iacutentegra disponiacutevel em

httpwwwpublicationsparliamentukpald200405ldjudgmtjd041216aampoth-1htm

78

Nesse caso um grupo de suspeitos que estava detido em Belmarsh haacute

trecircs anos suscitou o conflito da lei com os direitos e garantias assegurados no HRA O

Comitecirc Judicial da Cacircmara dos Lordes emitiu uma declaraccedilatildeo de incompatibilidade da

referida legislaccedilatildeo poreacutem como a mesma natildeo provoca a nulidade os suspeitos continuaram

detidos Contudo a condenaccedilatildeo da legislaccedilatildeo ocasionou uma resposta do Governo

A declaraccedilatildeo de incompatibilidade acabou persuadindo o Governo a

editar uma nova lei utilizando uma outra abordagem para controlar os suspeitos de

terrorismo de forma a superar a incompatibilidade verificada e dessa maneira foi editada a

lei de Anti Terrorismo de 2005 (Prevention of Terrorism Act 2005)

Nesse sentido a declaraccedilatildeo de incompatibilidade pode ser lida sob a

oacutetica das teorias dialoacutegicas92 eis que quase sempre que for emitida ensejaraacute uma resposta do

Governo ou do Parlamento no sentido de modificar a lei para eliminar a incompatibilidade

diante de uma provaacutevel pressatildeo puacuteblica intensa nesse sentido e pelo proacuteprio interesse puacuteblico

em fazecirc-lo

Ademais o Governo e o Parlamento dificilmente iratildeo ignorar o conflito

revelado entre a legislaccedilatildeo e o HRA tambeacutem considerando que a viacutetima da violaccedilatildeo manteacutem

o direito de recorrer ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem alegando uma violaccedilatildeo a

Convenccedilatildeo Europeacuteia pelas normas internas (DEBELJAK 2002 p317)

Sob essa perspectiva a declaraccedilatildeo de incompatibilidade seria um

instrumento ideal para possibilitar um diaacutelogo entre o Judiciaacuterio e o Parlamento na tarefa da

interpretaccedilatildeo e execuccedilatildeo dos direitos fundamentais O HRA confere uma voz formal ao

Judiciaacuterio a qual pode ser colocada em praacutetica mediante a utilizaccedilatildeo deste instrumento com

o objetivo de envolver o legislativo no debate (SCHYFF 2010 p 188)

Complementando essa ideia Seccedilatildeo 1093 do HRA prevecirc mecanismos

que possibilitam uma alteraccedilatildeo da legislaccedilatildeo de forma mais raacutepida que pelo procedimento

92 ldquoThe notion of declarations of incompatibility is congruent with the principle of democratic inclusion The

deliberative process continues via an inter-institutional dialogue ensuring that no arm of government has a

monopoly on the final resolution of the defining commitments of society (hellip) According to the Human Rights

White Paper (UK) a judicial declaration of incompatibility is part of an inter-institutional dialogue A

declaration of incompatibility lsquowill almost certainly prompt the Government and parliament to change the lawrsquo

and lsquothe Government would have to consider and in most cases would consider the position pretty rapidlyrdquo

(DEBELJAK 2002p317)

93 ldquoSection 10 (Power to take remedial action) (1)This section applies ifmdash (a) a provision of legislation has

been declared under section 4 to be incompatible with a Convention right and if an appeal liesmdash (i)all persons

79

comum denominados remedial actions A Seccedilatildeo 1994 ainda estabelece uma forma de

controle preacutevio da legislaccedilatildeo a ser realizado pelo Ministro

Em razatildeo disso o sistema de revisatildeo judicial das leis instituiacutedo no Reino

Unido vem sendo apontado por alguns doutrinadores como um sistema dialoacutegico Contudo

por oacutebvio haacute objeccedilotildees conforme se passaraacute a demonstrar

1311 Criacuteticas agrave experiecircncia britacircnica

Apesar de ainda ser muito cedo para proferir um pronunciamento firme

sobre a nova praacutetica implementada no Reino Unido pelo HRA (HIEBERT 2006) jaacute se

consegue vislumbrar na doutrina algumas criacuteticas valiosas a seu respeito

Em suma as duacutevidas sobre a sustentabilidade deste modelo residem na

imprevisibilidade do comportamento poliacutetico que ao mesmo tempo pode favorecer um

recuo ao antigo modelo da soberania parlamentar como pode tambeacutem acabar se

aproximando ao tradicional modelo norte-americano onde haacute uma evidente supremacia

judicial

who may appeal have stated in writing that they do not intend to do so (ii)the time for bringing an appeal has

expired and no appeal has been brought within that time or (iii)an appeal brought within that time has been

determined or abandoned or (b) it appears to a Minister of the Crown or Her Majesty in Council that having

regard to a finding of the European Court of Human Rights made after the coming into force of this section in

proceedings against the United Kingdom a provision of legislation is incompatible with an obligation of the

United Kingdom arising from the Convention (2)If a Minister of the Crown considers that there are compelling

reasons for proceeding under this section he may by order make such amendments to the legislation as he

considers necessary to remove the incompatibility (3)If in the case of subordinate legislation a Minister of

the Crown considersmdash (a) that it is necessary to amend the primary legislation under which the subordinate

legislation in question was made in order to enable the incompatibility to be removed and (b)that there are

compelling reasons for proceeding under this section he may by order make such amendments to the primary

legislation as he considers necessary (4)This section also applies where the provision in question is in

subordinate legislation and has been quashed or declared invalid by reason of incompatibility with a

Convention right and the Minister proposes to proceed under paragraph 2(b) of Schedule 2 (5)If the legislation

is an Order in Council the power conferred by subsection (2) or (3) is exercisable by Her Majesty in Council

(6)In this section ldquolegislationrdquo does not include a Measure of the Church Assembly or of the General Synod

of the Church of England (7)Schedule 2 makes further provision about remedial ordersrdquo Human Rights Act

1998

94 ldquoSection 19 (Statements of compatibility) (1)A Minister of the Crown in charge of a Bill in either House of

Parliament must before Second Reading of the Billmdash (a) make a statement to the effect that in his view the

provisions of the Bill are compatible with the Convention rights (ldquoa statement of compatibilityrdquo) or (b)make

a statement to the effect that although he is unable to make a statement of compatibility the government

nevertheless wishes the House to proceed with the Bill (2)The statement must be in writing and be published

in such manner as the Minister making it considers appropriaterdquo Human Rights Act 1998

80

Neste sentido as criacuteticas se assemelham agraves crtiacuteticas jaacute disparadas contra

o sistema canadense95 o que nos conduz a percepccedilatildeo de que talvez seja uma caracteriacutestica

comum a todos os modelos concluindo que por melhor e mais elaborado que seja o sistema

de revisatildeo judicial das leis sua concretizaccedilatildeo sofreraacute dificuldades por questotildees de cunho

subjetivo tendo a cultura local de cada paiacutes grande influecircncia nessa praacutetica

Ou seja o grau de comprometimento de cada braccedilo do Poder seja com

a busca pela efetivaccedilatildeo de direitos ou com a preservaccedilatildeo da soberania parlamentar iraacute

influenciar diretamente na forma de utilizaccedilatildeo dos mecanismos dialoacutegicos colocados a

disposiccedilatildeo

Eacute importante notar que o HRA ao mesmo tempo que preserva a

supremacia da legislaccedilatildeo jaacute que a mesma natildeo pode ser invalidada por outro oacutergatildeo que natildeo

o proacuteprio Parlamento acaba por conferir um papel de destaque ao Judiciaacuterio no processo de

interpretaccedilatildeo e efetivaccedilatildeo dos direitos fundamentais

A Seccedilatildeo 3 ao instituir o mandado interpretativo atribui grande

influecircncia ao entendimento do Judicaacuterio na definiccedilatildeo do sentido das leis ao passo que a

declaraccedilatildeo de incompatibilidade apesar do seu potencial dialoacutegico demonstrado acima na

praacutetica tambeacutem faz com que prevaleccedila esse entendimento jaacute que a tendecircncia eacute que os outros

oacutergatildeos sigam a interpretaccedilatildeo judicial no sentido de modificar a lei garantindo a preservaccedilatildeo

dos direitos fudamentais assegurados pelo HRA e pela CEDH (DEBELJAK 2002)

Hiebert (2004 p 1983) ao tratar da experiecircncia britacircnica chama a

atenccedilatildeo para o fato de que apesar da clara intenccedilatildeo dos proponentes do HRA de manter o

princiacutepio da soberania parlamentar natildeo houve muita discussatildeo sobre como esse princiacutepio

iria se relacionar com os julgamentos do Judiciaacuterio sobre direitos

Revela que as pesquisas realizadas por meio da anaacutelise de debates

parlamentares deliberaccedilotildees poliacuteticas e comentaacuterios acadecircmicos sobre o assunto

demonstram pouca consideraccedilatildeo dos criteacuterios condiccedilotildees e circunstacircncias em que o Governo

deve explicitamente discordar das interpretaccedilotildees do HRA feitas pelo Judiciaacuterio

O que se percebe da anaacutelise do sistema de revisatildeo judicial das leis

desenvolvido pelo Reino Unido eacute que muito embora o Judiciaacuterio natildeo detenha a uacuteltima

95 Ver toacutepico 1014

81

palavra natildeo podendo invalidar a legislaccedilatildeo o mandado interpretativo lhe confere um poder

de interpretaccedilatildeo muito amplo podendo mudar o sentido da lei inicialmente conferido pelo

legislador o que pode contribuir para uma forma de supremacia judicial

Aleacutem do que o amplo uso do mesmo pode acabar levando os juiacutezes a

natildeo exprimirem as suas verdadeiras opiniotildees sobre a legislaccedilatildeo camuflando assim uma falsa

compatibilidade o que natildeo eacute desejaacutevel sob o ponto de vista constitucional sobretudo quando

se busca uma efetiva proteccedilatildeo de direitos

Neste sentido seria preferiacutevel que o mandado interpretativo fosse visto

apenas como uma diretriz uma tentativa e natildeo uma obrigaccedilatildeo e que os juiacutezes procurassem

usar em todas as vezes que entederem que uma legislaccedilatildeo natildeo eacute compatiacutevel com a

declaraccedilatildeo de direitos seu poder de declaraccedilatildeo Entretanto natildeo haacute como determinar que o

Judiciaacuterio aja dessa forma pelo que a declaraccedilatildeo de incompatibilidade pode ser utilizada

frequentemente ou como uma medida de uacuteltimo recurso

Os teoacutericos que acreditam na possiacutevel existecircncia de um diaacutelogo no

sistema britacircnico tendem a considerar que o uso frequumlente da Seccedilatildeo 3 pelas Cortes ou seja

o amplo exerciacutecio do poder interpretativo sob o ponto de vista democraacutetico eacute menos

desejaacutevel do que a emissatildeo de declaraccedilotildees de incompatibilidade pois ele daacute ao Judiciaacuterio a

uacuteltima palavra ao menos que seja ou ateacute que seja revista pelo Parlamento (BATEUP 2009

p 547)

Diante do exposto percebe-se que a materializaccedilatildeo de um diaacutelogo na

forma esperada dentro do sistema britacircnico iraacute depender efetivamente do comportamento do

Judiciaacuterio por meio das suas escolhas jaacute que pode optar por exercer o mandado interpretativo

a qualquer custo mudando fundamentalmente o sentido da legilaccedilatildeo bem como pode optar

pela emissatildeo da declaraccedilatildeo de incompatibilidade deixando espaccedilo para a atuaccedilatildeo

Parlamentar no sentido de superar a deficiecircncia da lei Ou seja mais uma vez revela-se na

praacutetica dialoacutegica a importacircncia das escolhas feitas pelas instituiccedilotildees no momento da sua

atuaccedilatildeo

Ademais eacute duvidoso se pode-se afirmar que na melhor das hipoacuteteses

quando o Judiciaacuterio declara uma lei incompatiacutevel e o Parlamento responde a essa declaraccedilatildeo

haacute um diaacutelogo do ponto de vista material eis que natildeo se verifica a interaccedilatildeo entre os Poderes

82

no momento da tomada de decisatildeo o compartilhamento de suas visotildees para a construccedilatildeo do

sentido constitucional

O que haacute eacute mais uma atuaccedilatildeo singular de cada um O Judiciaacuterio tendo

que interpretar a legislaccedilatildeo de acordo com o HRA sem poder invalidaacute-la e o Legislativo

tendo que responder a essa interpretaccedilatildeo quando a mesma for contraacuteria aquela por ele

realizada inicialmente seja no sentido de modificar a legislaccedilatildeo superando a

incompatibilidade apontada pelo Judiciaacuterio ou fazer prevalecer o seu entendimento se assim

achar correto

Todavia ainda que recente a praacutetica tem demonstrado que na quase

totalidade dos casos em que houve uma resposta do Parlamento a uma declaraccedilatildeo de

incompatibilidade a mesma foi no sentido de acolher a opiniatildeo judicial para modificar a lei96

o que demonstra uma tendecircncia desse sistema em acolher a decisatildeo judicial ainda que a

mesma natildeo tenha formalmente o poder de invalidar a lei

132 O mandado interpretativo na experiecircncia neozelandesa

A Nova Zelacircndia assim como o Reino Unido tambeacutem possui um

constitucionalismo de tradiccedilatildeo parlamentar A adoccedilatildeo de um documento formal que visasse

agrave proteccedilatildeo de direitos fundamentais soacute ocorreu em 1990 com a aprovaccedilatildeo do New Zeland

Bill of Rights Act (NZBORA)

A principal caracteriacutestica que difere o sistema Neozelacircndes dos demais

eacute o fato de que o NZBORA natildeo possui uma hierarquia superior as demais leis ordinaacuterias do

paiacutes ou seja eacute um diploma desprovido de qualquer supremacia ou rigidez dentro do

ordenamento juriacutedico Essa caracteriacutestica faz com que o mesmo pelo menos teoricamente

possa ser revogado integralmente ou em parte por qualquer maioria legislativa posterior

(TUSHNET 2009 p 25)

96 ldquoGreater doubts about the behavioral assumptions underpinning weak-form dialogue theory emerge when

we consider the responses that responses that these declarations have elicited from the political branches of

government If Parliament were responding in the manner advocated by weak-form dialogue theorist we would

expect to see disagreement with judicial declarations being regularly expressed or at the very least on

occasion Contrary to these expectations however the British Parliament has almost universally responded

to judicial declarations of incompatibility by amending or repealing the relevant primary legislation in

accordance with the courtrsquos rulingrdquo (BATEUP 2009 p 549)

83

Aleacutem de possuir status de lei ordinaacuteria o NZBORA exclui

expressamente a possibilidade de anulaccedilatildeo das leis pelo Judiciaacuterio97 e determina que este

sempre que for interpretar qualquer dispositivo legal o faccedila em conformidade com o Bill of

Rights98 As seccedilotildees 4 a 7 trazem provisotildees que evitam o engajamento do Judiciaacuterio em uma

revisatildeo substantiva dos atos do Parlamento ratificando a supremacia parlamentar como um

princiacutepio constitucional da Nova Zelacircndia (HIEBERT KELLY 2015 p 62)

Ao contraacuterio do que ocorre no modelo britacircnico na Nova Zelacircndia o

Judiciaacuterio natildeo pode emitir qualquer declaraccedilatildeo de incompatibilidade o que para alguns

doutrinadores afasta a caracterizaccedilatildeo desse sistema como um judicial review jaacute outros o

caracterizam como um sistema ldquosuper fracordquo de revisatildeo judicial

Diante disso parece inicialmente que o NZBORA natildeo possui entatildeo

qualquer influecircncia importante dentro do ordenamento juriacutedico daquele paiacutes entretanto ao

contraacuterio do que parece o mesmo foi responsaacutevel por profundas mudanccedilas na legislaccedilatildeo

interna justamente por funcionar como um documento interpretativo geral servindo de

diretriz para a atuaccedilatildeo do legislativo

Neste sentido Gardbaum (2001 p 728) ensina que embora o NZBORA

possua um status juriacutedico de um estatuto legal comum eacute um documento geral que determina

como deve ser dado o sentido a todas as outras leis ordinaacuterias natildeo por meio da disposiccedilatildeo de

um conjunto de regras interpretativas mas sim pela enunciaccedilatildeo de direitos substantivos

Assim o NZBORA protege os direitos nele contidos por meio do dever

de interpretaccedilatildeo que coloca sobre os tribunais nos termos da Seccedilatildeo 6 e pelo consequente

custo poliacutetico que impotildee ao legislador de a adotar uma medida que viole claramente um

direito protegido ou que natildeo possa ser lida como consistente com ele (GARDBAUM 2001

p 729)

97 ldquoSection 4 (Other enactments not affected) No court shall in relation to any enactment (whether passed or

made before or after the commencement of this Bill of Rights)mdash (a)hold any provision of the enactment to be

impliedly repealed or revoked or to be in any way invalid or ineffective or (b)decline to apply any provision

of the enactmentmdash by reason only that the provision is inconsistent with any provision of this Bill of Rightsrdquo

New Zeland Bill of Rights Act 1990

98 ldquoSection 6 (Interpretation consistent with Bill of Rights to be preferred) Wherever an enactment can be given

a meaning that is consistent with the rights and freedoms contained in this Bill of Rights that meaning shall

be preferred to any other meaningrdquo New Zeland Bill of Rights Act 1990

84

No julgamento do caso R v Hansen99 a Suprema Corte esclareceu a

correta abordagem metodoloacutegica do judicial review a ser utilizada para reforccedilar os direitos

previstos no NZBORA afirmando que primeiramente a Corte deve buscar o significado

original que o Parlamento pretendeu atribuir a medida legislativa apoacutes analisar se o mesmo

eacute compatiacutevel com o NZBORA se houver uma aparente inconsistecircncia deve averiguar se a

mesma eacute razoaacutevel ao abrigo do que dispotildee a Seccedilatildeo 5 Se entender pela desarrazoabilidade

entatildeo deve buscar uma interpretaccedilatildeo diferente que se coadune com a declaraccedilatildeo de direitos

e por fim quando isto natildeo for possiacutevel deveraacute prevalecer entatildeo o significado original

atribuiacutedo pelo Parlamento (HIEBERT KELLY 2015 p63)

Essa metodologia resulta de uma cultura judicial fortemente

influenciada pelo princiacutepio da supremacia legislativa Nesta perspectiva o NZBORA

introduz um importante instrumento processual na Seccedilatildeo 7100 mediante o qual o Procurador

Geral eacute obrigado a examinar todas as propostas de lei e informar ao Parlamento quando for

detectada qualquer incompatibilidade entre uma disposiccedilatildeo legal e os direitos e garantias

assegurados pela Declaraccedilatildeo

O fundamento de tal medida parece consistir justamente em evitar a

aprovaccedilatildeo de medidas legislativas incompatiacuteveis com o Bill of Rights estabelecendo uma

forma preventiva de controle ainda que natildeo tenham o condatildeo de impossibilitar a aprovaccedilatildeo

da lei mesmo quando incompatiacutevel mas servindo de alerta ao Parlamento e assim

aumentando a sua responsabilidade pois arcaraacute com os custos poliacuteticos de suas decisotildees

Em que pese o NZBORA proiacuteba o Judiciaacuterio de emitir qualquer

pronunciamento formal sobre a incompatibilidade de medidas legislativas o New Zeland

Human Rights Act adotado em 1993 prevecirc a possibilidade de uma declaraccedilatildeo judicial de

inconsistecircncia como remeacutedio apropriado para os casos de discriminaccedilatildeo

Assim somente nos casos em que se discute o direito a igualdade o

99 R v Hansen (2007) NZSC 7 Iacutentegra disponiacutevel em httpwwwnzliiorgcgi-

binsinodispnzcasesNZSC20077htmlquery=hansen20nzsc

100 ldquoSection 7 (Attorney-General to report to Parliament where Bill appears to be inconsistent with Bill of

Rights) Where any Bill is introduced into the House of Representatives the Attorney-General shallmdash (a)in

the case of a Government Bill on the introduction of that Bill or (b)in any other case as soon as practicable

after the introduction of the Billmdash bring to the attention of the House of Representatives any provision in the

Bill that appears to be inconsistent with any of the rights and freedoms contained in this Bill of Rightsrdquo New

Zeland Bill of Rights Act 1990

85

Judiciaacuterio quando natildeo encontrar uma interpretaccedilatildeo da lei que seja razoaacutevel e compatiacutevel

com os direitos assegurados Bill of Rights poderaacute emitir um documento formal que ateste a

inconsistecircncia no intuito de dar ciecircncia ao Parlamento da incompatibilidade Em todas as

outras questotildees relativas a direitos fundamentais eacute vedado ao Judiciaacuterio comportamento

semelhante101

O modelo Neozelandecircs assim como os demais que adotam uma forma

fraca de revisatildeo judicial das leis eacute considerado por alguns estudiosos como dialoacutegico por

natildeo ser a interpretaccedilatildeo judicial considerada conclusiva ou definitiva mas sim

possibilitadora de uma interaccedilatildeo legislativa pois por meio do poder de interpretaccedilatildeo

atribuiacutedo ao Judiciaacuterio o legislativo se sentiria constgrangido a adotar medidas favoraacuteveis a

proteccedilatildeo de direitos evitando uma futura incompatibilidade das leis com o NZBORA

1321 Criacuteticas ao modelo neozelandecircs

A principal criacutetica ao modelo neozelandecircs reside na duacutevida se o mesmo

pode ser caracterizado como um judicial review perante a evidecircncia da supremacia

parlamentar e da falta de possibilidade do Judiciaacuterio de sequer emitir uma declaraccedilatildeo de

incompatibilidade das leis sugerindo assim a ausecircncia de uma forma concreta de controle

judicial

O que se percebe da anaacutelise desse sistema eacute que o mesmo apesar de ter

favorecido a implementaccedilatildeo de uma cultura de proteccedilatildeo de direitos fundamentais na Nova

Zelacircndia por meio da adoccedilatildeo do NZBORA e da previsatildeo do mandado interpretativo que de

alguma forma influencia o Parlamento a editar leis compatiacuteveis com a declaraccedilatildeo

restringindo o antes ilitimidado poder de criaccedilatildeo deste oacutergatildeo natildeo haacute como se falar

concretamente na existecircncia de um ldquodiaacutelogo institucionalrdquo

Apesar de alguns doutrinadores otimistas apontarem a praacutetica do

mandado interpretativo na experiecircncia neozelandesa como uma forma de diaacutelogo entre os

101 Eacute necessaacuterio que esclarecer que muito tem sido discutido sobre a possibilidade de uma emissatildeo formal de

declaraccedilatildeo de incompatibilidade pelo Judiciaacuterio no sistema Neozelandecircs Haacute estudiosos que defendam a

necessidade de uma mudanccedila legislativa nesse sentido todavia os entendimentos jurisprudencias mais recentes

indicam que as perspectivas para a adoccedilatildeo dessa possibilidade formal ainda satildeo precaacuterias Ver GINSBURG

Claudia On a Road to Nowhere Implied Declarations of Inconsistency and the New Zeland Bill of Rights

Victoria University of Wellington Law Review 40 613-47 2009

86

poderes existem muitas criacuteticas a tal afirmaccedilatildeo sob o argumento de que o que haacute na

realidade eacute total a prevalecircncia do Poder Legislativo

O NZBORA emerge como um documento de caraacuteter essencialmente

interpretativo baseado em uma implementaccedilatildeo parlamentar Essa caracteriacutestica

interpretativa apesar de reforccedilada pela abordagem judicial ainda estaacute muito ligada a

supremacia parlamentar pronfudamente enraizada no constitucionalismo neozelacircndes e a

essa forma de envolvimento Parlamento natildeo pode nem na melhor das hipoacuteteses ser vista

como uma forma de diaacutelogo (HIEBERT KELLY 2015)

A falta de mecanismos formais ao alcance do Judiciaacuterio para poder

declarar a incompatibilidade de uma medida legislativa com a declaraccedilatildeo de direitos reduz

em grande escala a possibilidade da ocorrecircncia de um diaacutelogo entre os poderes poliacuteticos

Nesse sentido Geiringer (2009 p 647-647) aduz que a experiecircncia

Neozelandesa demonstra que a maioria dos juiacutezes natildeo se sentem confortaacuteveis quando

colocados a exercer o papel de criacuteticos do legislativo justamente pela arraigada cultura

parlamentar presente neste modelo e que a melhor e mais raacutepida forma de mudar essa

mentalidade seria por meio da atribuiccedilatildeo de uma poder formal para declarar a inconsistecircncia

das leis

Sendo assim a possibilidade de um efetivo diaacutelogo entre os Poderes

dentro do sistema da Nova Zelacircndia na forma em que hoje se afigura eacute escassa e limitada

jaacute que a supremacia parlamentar ainda eacute muito forte e evidente

87

CAPIacuteTULO 3 ndash AS TEORIAS DIALOacuteGICAS NO SISTEMA DE JURSIDICcedilAtildeO

CONSTITUCIONAL BRASILEIRO UMA POSSIBILIDADE

Da exposiccedilatildeo feita no capiacutetulo anterior podemos concluir que natildeo haacute

uma forma preacute definida para a ocorrecircncia do diaacutelogo podendo ele se manifestar por meio

das mais diversas praacuteticas e sob perspectivas teoacutericas diferentes a depender da cultura

histoacuterica e poliacutetica do paiacutes em que estaacute inserido

Apesar de ser um tema ainda pouco explorado pela doutrina brasileira

que ainda se centra primordialmente nos estudos das teorias interpretativas nos parece

importante verificar se haacute a possibilidade da aplicaccedilatildeo das teorias dialoacutegicas no Brasil mais

ainda se podemos identificar algum indiacutecio da sua praacutetica nos julgados do STF

Por isso na sequecircncia se buscaraacute por meio da anaacutelise de alguns casos

concretos constatar como e em que medida os diaacutelogos institucionais se manifestam no

sistema brasileiro a fim de revelar quais os traccedilos das teorias dialoacutegicas presentes nesse

sistema

Oportunamente se esclarece que os casos selecionados para anaacutelise satildeo

resultado do controle concentrado de constitucionalidade quando o Supremo Tribunal

Federal exerce seu papel de guardiatildeo da constituiccedilatildeo102 Fez-se essa opccedilatildeo por ser este tipo

de controle o ponto de maior relevacircncia e confronto entre a atuaccedilatildeo do STF e sua relaccedilatildeo

com o Legislativo pois eacute onde haacute uma anaacutelise judicial direta e abstrata da atuaccedilatildeo legislativa

que daacute origem a uma decisatildeo judicial com efeitos erga omnes

A anaacutelise de casos ocorridos no acircmbito do controle concentrado de

constitucionalidade torna-se ainda mais interessante do que a de casos derivados do controle

difuso se levarmos em conta que neste uacuteltimo a reaccedilatildeo legislativa eacute disciplinada pela proacutepria

Constituiccedilatildeo Federal por meio do inciso X do artigo 52 que atribui ao Senado a

competecircncia para suspender a execuccedilatildeo de lei declarada inconstitucional natildeo havendo

102 O art 102 da Constituiccedilatildeo Federal Brasileira atribui expressamente ao STF o papel de guardiatildeo da

Constiticcedilatildeo cabendo-lhe julgar originariamente accedilatildeo direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo

federal ou estadual e a accedilatildeo declaratoacuteria de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal

88

portanto grandes controveacutersias a esse respeito103

Deve ser esclarecido ainda que apesar de no capiacutetulo anterior ter-se

feito referecircncia as teorias que prescrevem a realizaccedilatildeo de um diaacutelogo social no presente

capiacutetulo a anaacutelise se centraraacute apenas em casos onde os atores participantes do processo de

interpretaccedilatildeo constitucional satildeo os poderes institucionalizados excluindo-se os casos onde

se fala na inclusatildeo da sociedade Destaca-se isso porque hoje a realizaccedilatildeo de audiecircncias

puacuteblicas e a convocaccedilatildeo de ldquoamigos da corterdquo durante o processo constitucional tem sido

uma praacutetica comum poreacutem complexa utilizada pelo Supremo Tribunal brasileiro104

Portanto entende-se que seria temeraacuterio invocar aqui casos envolvendo

esses mecanismos populares sem trataacute-los com a devida profundidade dando atenccedilatildeo a todos

os aspectos controversos que a anaacutelise requer Por esses motivos a anaacutelise centra-se apenas

casos onde figuram como atores o Poder Legislativo e o Poder Judiciaacuterio

Ressalta-se que o objetivo do estudo natildeo eacute analisar de forma exaustiva

a jurisprudecircncia brasileira ateacute mesmo porque para tanto seria necessaacuterio um trabalho

dedicado inteiramente agrave esse objetivo Pretende-se verificar e ilustrar como as teorias

dialoacutegicas podem ser encontradas na praacutetica brasileira por meio de importantes julgados

proferidos pelo Supremo Tribunal Federal identificando os elementos dialoacutegicos neles

presentes e as correspondentes teorias

Para fazer a anaacutelise dos casos e identificar seus aspectos dialoacutegicos seraacute

utilizado como base aleacutem das teorias expostas no capiacutetulo anterior a descriccedilatildeo de diaacutelogo

convencional proposta por Tushnet (2012 p 3-13) a qual se estrutura da seguinte forma

1ordm O legislador promulga uma lei rarr 2ordm o estatuto enfrenta um desafio

no Tribunal Constitucional rarr 3ordm O Tribunal invalida o estatuto rarr 4ordm o Tribunal na decisatildeo

103 Necessaacuterio destacar eu haacute uma divergecircncia na doutrina brasileira acerca da discricionariedade do poder

atribuiacutedo ao Senado por forccedila do art 52 X da CF88 Nos filiamos a doutrina minoritaacuteria segundo a qual o

Senado possui a faculdade de suspender a lei e natildeo a obrigaccedilatildeo jaacute que a decisatildeo judicial exarada no exerciacutecio

do controle de constitucionalidade disfuso possui efetios inter partes Sob essa loacutegica pode-se enxergar tal

previsatildeo constitucional como um mecanismo dialoacutegico pois natildeo deixa ser um instrumento de reaccedilatildeo legislativa

agrave decisatildeo judicial que complementa o controle judicial e de certa forma estendendo os efeitos da sua decisatildeo

104 Exemplo emblemaacutetico dessa praacutetica eacute a ADI 3510 onde foi apreciada a inconstitucionalidade da Lei de

Bioseguranccedila em especial no tocante a possibilidade de pesquisas utilizando ceacutelulas tronco e o STF

reconhecendo a complexidade do tema convou a realizaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas onde forma ouvidas vaacuterias

entidadas organizadas da sociedade civil e a particiaccedilatildeo de diversas pessoas na qualidade de ldquoamigos da corterdquo

para compartilhar conhecimento teacutecnico que o Tribunal assumir natildeo possuir para julgar o caso

89

indica algumas formas especiacuteficas em que o estatuto eacute incompatiacutevel com a Constituiccedilatildeo ou

oferece a melhor interpretaccedilatildeo das disposiccedilotildees constitucionais rarr 5ordm O legislativo responde

revendo o estatuto e corrigindo as deficiecircncias apontadas pelo Tribunal ou reedita o estatuto

sem alteraccedilotildees rarr 6ordm O estatuto eacute novamente desafiado rarr 7ordm O Tribunal lida com o desafio

e se abre para um novo debate defendendo o estatuto ou verifica se as modificaccedilotildees do

estatuto foram suficientes para torna-lo compatiacutevel ou estatildeo aqueacutem e ensejam uma nova

invalidaccedilatildeo

Ou ainda 1ordm A Constituiccedilatildeo impotildee ao legislador o dever de legislar

sobre um toacutepico especiacutefico rarr 2ordm O Tribunal identifica falhas na atuaccedilatildeo legislativa

entendendo que a mesma eacute insuficiente para satisfazer o seu dever ou verifica a ausecircncia de

atuaccedilatildeo rarr 3ordm indica ao legislativo as falhas ou a omissao exigindo a tomada de medidas no

sentido de cumprir o seu dever constitucional

Dito isso passa-se a anaacutelise dos casos concretos

14 Julgamento da accedilatildeo direta de inconstitucionalidade nordm 2797df ndash a suacutemula

394 do STF e a lei nordm 106282002

a) Breve resumo do caso

A antiga Suacutemula105 394 do STF editada em 3 de abril de 1964 a qual

dispunha que cometido o crime durante o exerciacutecio funcional prevalece a competecircncia

especial por prerrogativa de funccedilatildeo ainda que o inqueacuterito ou a accedilatildeo penal sejam iniciados

apoacutes a cessaccedilatildeo daquele exerciacutecio foi cancelada por unanimidade em sessatildeo plenaacuteria da

Corte realizada em 30042007

Os argumentos para o cancelamento do referido verbete giraram

basicamente em torno da defesa de que a prerrogativa de foro visa garantir o exerciacutecio do

105 A Suacutemula eacute um instituto juriacutedico muito presente no Direito brasileiro que consiste em um verbete que

registra a interpretaccedilatildeo paciacutefica ou majoritaacuteria de um determinado Tribunal a partir do julgamento de variados

casos concretos a fim de tornar puacuteblico a sociedade o seu entendimento e promover uma uniformizaccedilatildeo das

decisotildees judiciais Em regra natildeo possui efeito vinculante servindo apenas de diretriz poreacutem quando for votada

e aprovada pelo STF por pelo menos 23 do plenaacuterio se torna um entendimento obrigatoacuterio a ser observado

por todos os outros Tribunais e juiacutezes bem como pelos entes da Admnistraccedilatildeo Puacuteblica conforme determina o

Artigo 103-A da Constituiccedilatildeo Federal de 1988

90

cargo e natildeo o seu ocupante sendo assim uma vez que o indiacuteviduo deixa o cargo natildeo deve

fazer jus ao privileacutegio eis que o mesmo eacute inerente ao cargo e natildeo um direito subjetivo assim

atribuir o privileacutegio quando jaacute natildeo mais haacute o exerciacutecio da funccedilatildeo violaria o princiacutepio da

igualdade

Foi entatildeo consolidado pela Corte o entendimento de que deixando o

cargo definitivamente independentemente do motivo o ex-titular natildeo teraacute direito a processo

e julgamento em oacutergatildeo jurisdicional distinto daquele que teria qualquer outro cidadatildeo

Apesar da sedimentaccedilatildeo desse entendimento no acircmbito do STF em

dezembro de 2002 foi promulgada a Lei nordm 106282002 que alterou o artigo 84 do Coacutedigo

de Processo Penal brasileiro para inserir o sect1ordm com a seguinte redaccedilatildeo ldquoa competecircncia

especial por prerrogativa de funccedilatildeo relativa a atos administrativos do agente prevalece

ainda que o inqueacuterito ou a accedilatildeo judicial sejam iniciados apoacutes a cessaccedilatildeo do exerciacutecio da

funccedilatildeo puacuteblicardquo

Foi arguida a inconstitucionalidade do mencionado dispostivo legal por

meio de accedilatildeo direta de inconstitucionalidade proposta pela Associaccedilatildeo Nacional dos

Membros do Ministeacuterio Puacuteblico ndash CONAMP Ao fim do julgamento foi declarada a

inconstitucionalidade material e formal da lei essa uacuteltima com base no argumento de que

uma lei ordinaacuteria natildeo poderia vir a superar uma interpretaccedilatildeo constitucional jaacute realizada pelo

Supremo

Os aspectos relevantes do caso para a anaacutelise pretendida residem

justamente na tentativa do Legislativo de superar uma interpretaccedilatildeo constitucional jaacute

consolidada pela Suprema Corte e natildeo tanto no meacuterito relativo a constitucionalidade

material da norma

O caso eacute emblemaacutetico no cenaacuterio brasileiro por ter despertado um

interessante debate acerca da possibilidade de reaccedilatildeo legislativa a uma interpretaccedilatildeo

constitucional proferida pelo STF o que em muito contribui para a nossa anaacutelise sobre a

possibilidade de um diaacutelogo institucional no sistema brasileiro

Passa-se entatildeo a exposiccedilatildeo das importantes variaacuteveis do debate de

acordo com os votos proferidos pelos Ministros na ocasiatildeo do julgamento

91

b) Debate acerca da possibilidade de reediccedilatildeo de uma lei anteriormente declarada

inconstitucional pelo STF

O relator do caso Ministro Sepuacutelveda Pertence em seu voto o qual foi

seguido pela maioria iniciou a fundamentaccedilatildeo da inconstitucionalidade do dispostivo legal

sob anaacutelise naquela ocasiatildeo afirmando que o mesmo constitui evidente reaccedilatildeo legislativa ao

cancelamento da Suacutemula 394 Destacou que a redaccedilatildeo legal se aproxima substancialmente

da que foi proposta em seu voto vencido pela maioria na ocasiatildeo da deliberaccedilatildeo sobre o

cancelamento do verbete

Afirmou que o cancelamento da Suacutemula decorreu de interpretaccedilatildeo

direta e exclusiva da Contituiccedilatildeo e natildeo pela inexistecircncia de lei ordinaacuteria que o regulasse

Diante disso formulou entatildeo a seguinte indagaccedilatildeo lei ordinaacuteria eacute instrumento normativo

apto agrave alterar jurisprudecircncia assente do STF fundada em interpretaccedilatildeo direta e exclusiva da

Constituiccedilatildeo

Argumentou construindo uma resposta negativa agrave indagaccedilatildeo embora

reconhecendo que as decisotildees da Corte em sede de controle concentrado natildeo vinculam o

Poder Legislativo mas tatildeo somente os demais oacutergatildeos do Judiciaacuterio e o Poder Executivo

Assim concluiu que a ediccedilatildeo de uma lei no sentido contraacuterio de uma decisatildeo do Tribunal

natildeo infere necessariamente um descumprimento dessa decisatildeo estando o Legislativo livre

para agir nesse sentido todavia a medida editada seraacute inevitavelmente considerada

inconstitucional a menos que a Corte recue em seu posicionamento anterior sobre o assunto

Neste ponto o Ministro propocircs uma reflexatildeo diferenciando a

inconstitucionalidade material e formal da lei No seu entender se a lei reeditada pretender

impor com seu objeto imediato uma interpretaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo ela seraacute eivada de uma

inconstitucionalidade formal pois uma lei de hierarquia inferior natildeo pode ditar a

interpretaccedilatildeo de uma norma hierarquicamente superior

Poreacutem quando a lei editada pelo legislativo for de conteuacutedo similar ao

de uma outra jaacute declarada inconstitucional deveraacute ser feita anaacutelise acerca da

inconstitucionalidade material pois a Corte natildeo estaacute vinculada ao seu entendimento anterior

podendo mudar de opiniatildeo sobre o assunto em um novo debate

92

Neste sentido merece destaque o seguinte trecho do voto

ldquoAdmitir pudesse a lei ordinaacuteria inverter a leitura pelo Supremo Tribunal

da Constituiccedilatildeo seria dizer que a interpretaccedilatildeo constitucional da Corte

estaria sujeita ao referendo do legislador ou seja que a Constituiccedilatildeo ndash

como entendida pelo oacutergatildeo que ela proacutepria erigiu em guarda da sua

supremacia ndash soacute constituiria a Lei Suprema na medida da inteligecircncia que

lhe desse outro oacutergatildeo constituiacutedo o legislador ordinaacuterio ao contraacuterio

submetido aos seus ditamesrdquo

O Ministro Eros Grau em voto divergente discordou do entendimento

traccedilado no voto do relator no aspecto da inadmissibilidade da interpretaccedilatildeo constitucional

por lei ordinaacuteria afirmando que todo ato legislativo em alguma medida envolve a

interpretaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo por parte de quem legisla

Concluiu pela inexistecircncia de inconstitucionalidade formal da Lei nordm 10

62802 com base no fundamento de que o Poder Legislativo natildeo fica vinculado por um

dever de natildeo legislar em razatildeo da Corte ter conferido alguma interpretaccedilatildeo constitucional

Sendo entatildeo admissiacutevel que o Legislativo reedite uma lei contraacuteria a interpretaccedilatildeo

constitucional jaacute proferido pelo STF todavia esta lei fatalmente sucumbiraacute agrave anaacutelise da

inconstitucionalidade material jaacute que a uacuteltima palavra deveraacute ser dada pela Corte

O Ministro Gilmar Mendes acompanhou a divergecircncia lanccedilando

argumentos diferentes que enriqueceram o debate os quais satildeo de grande importacircncia para

a anaacutelise que se faraacute s na sequecircncia razatildeo pela qual transcreve-se aqui alguns dos principais

trechos

(hellip) Penso que natildeo eacute possiacutevel admitir que o legislador ordinaacuterio tenha a

sua liberdade totalmente tolhida pelas declaraccedilotildees de constitucionalidade

ou inconstitucionalidade do Tribunal Eacute adequado e prudente inclusive

que tais atos legislativos sejam apreciados a partir de um dado contexto

institucional

Eacute de se ressaltar que se de um lado a Constituiccedilatildeo atribui a este Supremo

Tribunal Federal a tarefa de guarda da integridade da ordem juriacutedico-

constitucional de outro eacute assente que o seu texto esta sujeito a uma

sociedade aberta de inteacuterpretes (HARBELE Peter Hermenecircutica

Constitucional A Sociedade aberta dos inteacuterpretes da Constituiccedilatildeo

93

contribuiccedilatildeo para a interpretaccedilatildeo pluralista e ldquoprocedimentalrdquo da

Constituiccedilatildeo Trad Gilmar Ferreira Mendes Porto Alegre Sergio Antonio

Fabris 1997) os quais podem de acordo com as alteraccedilotildees histoacuterico-

culturais exercer alternativas plurais de interpretaccedilatildeo

(hellip)

Natildeo eacute possiacutevel presumir portanto a inconstitucionalidade dos dispositivos

atacados simplesmente porque eles contrariam a ldquouacuteltima palavrardquo

conferida pelo Supremo Tribunal Federal sobre o tema Que pretendo

ressaltar pelo contraacuterio eacute o fato de que se o legislador federal (re)incide

cria ou regula essa mateacuteria constitucional de modo inteiramente diverso o

ldquodiaacutelogordquo o debate institucional deve continuar

Os demais ministros seguiram o voto do relator sem acrescentar grandes

argumentos ao debate Desta feita restou consignada no julgado a inconstitucionalidade da

lei

c) Anaacutelise do caso pelo prisma das Teorias do Diaacutelogo Institucional

Inicialmente merece ser pontuado que como destacado no voto do

Ministro Relator a lei da qual foi apreciada a constitucionalidade pelo STF trata-se de

expressa reaccedilatildeo legislativa a interpretaccedilatildeo constitucional anteriormente proferida

Como viu-se no capiacutetulo anterior para alguns estudiosos como Peter

Hogg e Allisson Bushell a simples possibilidade de reaccedilatildeo legislativa agrave decisatildeo judicial

resultante do controle de constitucionalidade deve ser considerada como uma praacutetica

dialoacutegica

Nessa perspectiva pode-se dizer que o STF apesar de ter considerado a

inconstitucionalidade da lei natildeo descartou a possibilidade da reaccedilatildeo legislativa agrave sua decisatildeo

preteacuterita admitindo que a mesma natildeo vincula a atuaccedilatildeo legislativa o que demonstra a

existecircncia de um espaccedilo para a possibilidade do diaacutelogo no sistema brasileiro ainda que este

em muito se diferencie estruturalmente do sistema Canadense o qual foi o objeto de estudo

desses Autores

Aplicando a descriccedilatildeo dialoacutegica proposta por Tushnet pode-se dizer que

o caso enquadra-se no conceito de diaacutelogo pois o legislador pretendeu a modificaccedilatildeo do

94

entendimento da Corte por meio da ediccedilatildeo de um estatuto legal com objeto semelhante ao

de uma Suacutemula jaacute cancelada - praacutetica que pode ser comparada a ldquoin your face responserdquo

comum no sistema canadense106- e o Tribunal enfrentou a questatildeo por meio de um novo

debate poreacutem permaneceu firme no seu entendimento anterior

Portanto em que pese a Constituiccedilatildeo Federal brasileira natildeo trazer

expressamente em seu texto a previsatildeo de um mecanismo especiacutefico que possibilite ao

legislativo superar uma decisatildeo do Supremo Tribunal Federal107 proferida no acircmbito do

controle concentrado de constitucionalidade o fato de as decisotildees do Supremo nesta espeacutecie

de controle de constitucionalidade natildeo vincularem o Poder Legislativo108 possibilitam ou

pelo menos natildeo impedem a reediccedilatildeo de uma norma jaacute consagrada inconstitucional

Sendo assim pode-se afirmar que apesar do Brasil adotar um modelo forte

de controle de constitucionalidade e a Constituiccedilatildeo Federal conceder expressamente a

guarda da Constituiccedilatildeo ao Supremo Tribunal Federal a possibilidade de um diaacutelogo

institucional com o Poder Legislativo ndash sob a perspectiva de algumas teorias dialoacutegicas ndash

natildeo eacute algo impensaacutevel

Importante frisar a questatildeo da adoccedilatildeo de um sistema forte de controle

de constitucionalidade jaacute que conforme lecionado por Tushnet (2009) esses sistemas seriam

menos propiacutecios ao diaacutelogo jaacute que seus mecanismos de modificaccedilatildeo da decisatildeo judicial

seriam mais difiacutecies e demorados como a Emenda Constitucional por exemplo Contudo

no presente caso vecirc-se que essa possibilidade pode ocorrer por meio de lei ordinaacuteria e de

forma relativamente ceacutelere se considerado que entre a revogaccedilatildeo da Suacutemula 394 e a ediccedilatildeo

da lei se passaram apenas dois anos

106 Ver toacutepico 1012 107 Apenas a tiacutetulo de conhecimento entendemos necessaacuterio mencionar que no ano de 2011 foi proposto um

Projeto de Emenda a Constituiccedilatildeo conhecido como PEC 33 o qual pretendia modificar o enunciado do artigo

102 da CF para alterar a quantidade miacutenima de votos de membros de tribunais para declaraccedilatildeo de

inconstitucionalidade das leis condicionar o efeito vinculante de suacutemulas aprovadas pelo STF agrave aprovaccedilatildeo

pelo Poder Legislativo e submeter ao Congresso Nacional as decisotildees sobre inconstitucionalidade de Emendas

agrave Constituiccedilatildeo As alteraccedilotildees pretendidas com o prejeto especialemente as duas uacuteltimas que alargam a

competecircncia do Legislativo sugerem a introduccedilatildeo de um modelo de controle de constitucionalidade

semelhante ao weak form A PEC foi arquivada no dia 31012015 com o fim da legislatura em que foi proposta

nos termos do art 105 do regimento interno da Cacircmara dos Deputados

108 O paraacutegrafo uacutenico do artigo 28 da Lei nordm 9 868 de 10 de novembro de 1999 dispotildee que a declaraccedilatildeo de

constitucionalidade ou de inconstitucionalidade inclusive a interpretaccedilatildeo conforme a Constituiccedilatildeo e a

declaraccedilatildeo parcial de inconstitucionalidade sem reduccedilatildeo de texto tecircm eficaacutecia contra todos e efeito vinculante

em relaccedilatildeo aos oacutergatildeos do Poder Judiciaacuterio e agrave Administraccedilatildeo Puacuteblica federal estadual e municipal natildeo

incluindo nesse rol o Poder Legislativo

95

Pois bem da leitura do item b) acima percebe-se uma divergecircncia de

opiniatildeo dentro da proacutepria Corte a respeito do tema alguns ministros a maioria deles

adotaram um pensamento mais conservador e defensor da supremacia judicial no sentido de

considerar a reaccedilatildeo legislativa abusiva Outros principalmente o ministro Gilmar Mendes

optaram por um posicionamento mais tendente ao diaacutelogo reconhecendo a importacircncia de

uma postura mais aberta do Judiciaacuterio nesse sentido

Apesar do voto vencedor ter concluiacutedo pela inconstitucionalidade

formal da lei a anaacutelise do meacuterito natildeo deixou de ocorrer Todos os ministros engajaram-se a

debater o tema tratado pela lei e pela antiga Suacutemula novamente reacendendo o debate dois

anos depois Em que pese o entendimento da Corte ter permanecido o mesmo deve-se

reconhecer os benefiacutecios da reediccedilatildeo da lei no sentido de possibilitar um ldquosegundo olharrdquo

sobre o tema

Nesse aspecto do caso percebe-se a ideia desenvolvida por Kent

Roach109 ndash a qual se enquadra no grupo das teorias de princiacutepios juriacutedicos ndash em que a decisatildeo

judicial deve ser considerada como o iacutenicio do debate o qual prossegue mediante a resposta

legislativa por meio da ediccedilatildeo de leis ordinaacuterias reativas agrave essa decisatildeo e que assim

possibilitam que o tema volte a ser debatido pelo Judiciaacuterio e tambeacutem pelo Legislativo

Para o autor a devoluccedilatildeo do debate ao Judiciaacuterio por meio da resposta

legislativa eacute uma forma mais desejaacutevel de atuaccedilatildeo do legislador ao inveacutes da ou total

deferecircncia agraves decisotildees judiciais ou ainda da superaccedilatildeo da decisatildeo e imposiccedilatildeo do seu

entendimento como o sistema canadense possibilitar com a claacuteusula 33 Todavia tambeacutem

atenta para o lado negativo dessa praacutetica como jaacute se viu anteriormente

O caso traduz exatamente as criacuteticas dirigidas agrave essa teoria e sua

respectiva praacutetica pois viu-se que o legislativo pode simplesmente reeditar uma norma jaacute

considerada inconstitucional sem no entanto se preocupar em justificar a sua escolha

tampouco demonstrar a necessidade da medida mas apenas repetindo o conteuacutedo tal e qual

ao da norma anterior contrariando a expectativa de uma melhor e mais responsaacutevel atuaccedilatildeo

Eacute necessaacuterio perceber tambeacutem a postura ativista da Corte tendo em

vista que o entendimento que prevaleceu nesse caso foi pela impossibilidade de reediccedilatildeo de

109 Ver tambeacutem aleacutem das obras jaacute anteriormente citadas ROACH Kent Constitutional and Common Law

Dialogues between the Supreme Court and Canadian Legislatures Canadian Bar Review p 481-533 2001

96

uma norma jaacute declarada inconstitucional com uma clara intenccedilatildeo de preservar e rearfirmar

o seu poder110 o que evidencia mais uma dificuldade praacutetica da aplicaccedilatildeo das teorias dos

princiacutepios juriacutedicos dependentes da boa disposiccedilatildeo do Judiciaacuterio para abertura do debate e

ateacute para uma eventual deferecircncia agrave escolha legislativa

Em todo caso fato eacute que natildeo se pode considerar que no presente caso

houve um diaacutelogo sob o ponto de vista material concluindo consequentemente que as

teorias dialoacutegicas dos princiacutepios juriacutedicos na praacutetica natildeo se revelam apropriadas para a sua

consecuccedilatildeo Todavia vislumbra-se a tentativa de uma resposta legislativa ao protagonismo

Judicial que pode sob o ponto de vista formal ser considerada como um diaacutelogo

principalmente por ter levado o tema a ser debatido novamente pela Corte apesar da sua

postura mais conservadora conforme propotildee Tushnet111

Essa reaccedilatildeo legislativa ao contraacuterio do que pode parecer em um

primeiro momento natildeo eacute algo tatildeo raro no sistema brasileiro e pode ser encontrada tambeacutem

em diversos outros casos como veraacute na sequecircncia

15 Julgamento da accedilatildeo direta de inconstitucionalidade nordm 4543DF e a lei

131652015

a) Breve resumo do caso

Na Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade nordm 4543DF proposta pela

Procuradoria Geral da Repuacuteblica o Supremo Tribunal apreciou a incompatibilidade do artigo

5ordm da Lei 120342009 com o caput do artigo 14 da Constituiccedilatildeo Federal brasileira que

assegura o voto direto e secreto

O supracitado dispositivo legal previa a criaccedilatildeo do voto impresso a

partir do processo eleitoral de 2014 e possuiacutea a seguinte redaccedilatildeo

5o Fica criado a partir das eleiccedilotildees de 2014 inclusive o voto impresso

110 Neste sentido Barroso (2009) destaca que o primeiro impulso natural do poder eacute a auto-conservaccedilatildeo sendo

intuitivo que os representantes do poder em suas relaccedilotildees entre si ou com outros aotres poliacuteticos sejam eles

institucionais ou sociais procure demarcar e preservar seu espaccedilo de atuaccedilatildeo e sua autoridade

111 Ver toacutepicos 1012 1013 e 1014 que abordam as teorias dialoacutegicas de princiacutepios juriacutedicos sua

concretizaccedilatildeo no sistema canadense e respetivas criacuteticas

97

conferido pelo eleitor garantido o total sigilo do voto e observadas as

seguintes regras

sect 1o A maacutequina de votar exibiraacute para o eleitor primeiramente as telas

referentes agraves eleiccedilotildees proporcionais em seguida as referentes agraves eleiccedilotildees

majoritaacuterias finalmente o voto completo para conferecircncia visual do eleitor

e confirmaccedilatildeo final do voto

sect 2o Apoacutes a confirmaccedilatildeo final do voto pelo eleitor a urna eletrocircnica

imprimiraacute um nuacutemero uacutenico de identificaccedilatildeo do voto associado agrave sua proacutepria

assinatura digital

sect 3o O voto deveraacute ser depositado de forma automaacutetica sem contato

manual do eleitor em local previamente lacrado (grifou-se)

sect 4o Apoacutes o fim da votaccedilatildeo a Justiccedila Eleitoral realizaraacute em audiecircncia

puacuteblica auditoria independente do software mediante o sorteio de 2 (dois

por cento) das urnas eletrocircnicas de cada Zona Eleitoral respeitado o limite

miacutenimo de 3 (trecircs) maacutequinas por municiacutepio que deveratildeo ter seus votos em

papel contados e comparados com os resultados apresentados pelo

respectivo boletim de urna

sect 5o Eacute permitido o uso de identificaccedilatildeo do eleitor por sua biometria ou pela

digitaccedilatildeo do seu nome ou nuacutemero de eleitor desde que a maacutequina de

identificar natildeo tenha nenhuma conexatildeo com a urna eletrocircnica

O Supremo considerou a lei inconstitucional com base em diversos

argumentos alegando resumidamente que a criaccedilatildeo do voto impresso representaria um

retrocesso para o sistema eleitoral brasileiro que atualmente conta com um moderno e

eficiente aparato de votaccedilatildeo eletrocircnica e seria uma ameaccedila ao sigilo garantido

constitucionalmente afirmando a proibiccedilatildeo de qualquer tipo de identificaccedilatildeo do eleitor no

exerciacutecio do voto ou no proacuteprio voto

A accedilatildeo foi julgada procedente por unanimidade nos termos do voto do

Ministro Relator poreacutem eacute interessante destacar o voto do Ministro Luiacutes Roberto Barroso o

qual aduziu expressamente a importacircncia de que o Judiciaacuterio conserve uma postura de

humildade institucional sendo deferente agraves escolhas poliacuteticas do Legislador que natildeo sejam

claramente irrazoaacuteveis Em resposta o Ministro Luiz Fux afirmou que muito embora

98

concorde com a deferecircncia que deve ser dada ao Legislativo em certos casos eacute preciso que

o Supremo exerccedila a funccedilatildeo contramajoritaacuteria ou seja contra a Casa do Povo principalmente

naquelas hipoacuteteses em que haacute uma ameaccedila a direito fundamental

Pouco mais de um ano apoacutes o referido julgamento o Legislativo

promulgou a Lei nordm 131652015 conhecida como ldquolei da minireforma eleitoralrdquo por

introduzir significativas alteraccedilotildees ao Coacutedigo Eleitoral a qual em seu artigo 2ordm deu nova

redaccedilatildeo ao Artigo 59-A do referido Coacutedigo nos seguintes termos

Art 59-A No processo de votaccedilatildeo eletrocircnica a urna imprimiraacute o

registro de cada voto que seraacute depositado de forma automaacutetica e sem

contato manual do eleitor em local previamente lacrado (grifou-se)

Paraacutegrafo uacutenico O processo de votaccedilatildeo natildeo seraacute concluiacutedo ateacute que o

eleitor confirme a correspondecircncia entre o teor de seu voto e o registro

impresso e exibido pela urna eletrocircnica

Da simples leitura do dispositivo acima percebe-se que o que o

Legislativo fez foi reeditar uma norma com igual objeto ao da anteriormente declarada

inconstitucional pela Corte Entretanto algumas alteraccedilotildees no texto satildeo notoacuterias sobretudo

no tocante a retirada da previsatildeo de um nuacutemero uacutenico de identificaccedilatildeo do voto associado agrave

proacutepria assinatura digital e da auditoria pela Justiccedila Eleitoral

Percebe-se entatildeo mais uma vez a ocorrecircncia de uma reaccedilatildeo legislativa

por meio da ediccedilatildeo de lei ordinaacuteria tendo em vista o desacordo do legislador com o

entendimento proferido pela Corte

b) Anaacutelise do caso pelo prisma das Teorias do Diaacutelogo Institucional

Observa-se claramente no presente caso a possibilidade concreta do

Legislativo brasileiro reeditar uma norma de igual objeto e com redaccedilatildeo semelhante e igual

objeto de outra jaacute declarada inconstitucional pelo STF

O caso eacute similar ao antes descrito poreacutem naquele a norma anterior que

estava sendo reeditada natildeo era uma lei ordinaacuteria criada pelo legislativo mas sim uma Suacutemula

editada pela proacutepria Corte Neste caso jaacute se nota duas normas editadas pelo mesmo oacutergatildeo

99

com o mesmo objeto e em um lapso temporal relativamente curto a primeira jaacute considerada

inconstitucional e a segunda ateacute o momento vaacutelida

Se observar-se o caso pela vertente do conteuacutedo daquelas teorias

dialoacutegicas que consideram a reediccedilatildeo de norma idecircntica como uma forma de diaacutelogo chegar-

se-aacute a conclusatildeo que esse pode ser mais um exemplo de diaacutelogo no seu sentido formal assim

como o narrado acima

O caso encaixa-se perfeitamente na descriccedilatildeo convencional de diaacutelogo

sintetizada por Tushnet eis que respeita a execuccedilatildeo de todos os passos descritos pelo autor

todavia conceber a resposta legislativa neste caso como uma forma de diaacutelogo pode ser

considerado como algo positivo ou natildeo a depender do ponto de vista adotado

Pode-se considerar a reaccedilatildeo legislativa tanto como uma afronta agrave

decisatildeo judicial na tentativa de manter uma legislaccedilatildeo flagrantemente inconstitucional em

vigor protegendo seus proacuteprios interesses poliacuteticos ou podemos interpretar a reaccedilatildeo

legislativa tambeacutem como uma manifestaccedilatildeo de deferecircncia agrave decisatildeo judicial sendo uma

revisatildeo da lei anterior

Menciona-se isso porque natildeo se pode ignorar o fato de o texto da

segunda lei ser muito mais sucinto que o da primeira sobretudo por ter sido retirada da sua

redaccedilatildeo alguns aspectos especiacuteficos que foram impugnados pelo Supremo Nesse aspecto

se adotada uma visatildeo positiva poder-se-ia dizer que o resultado esperado pelos defensores

dessa praacutetica foi atingido ocasionando uma atuaccedilatildeo mais responsaacutevel do Legislativo o qual

teria levado em conta as observaccedilotildees do Judiciaacuterio para a elaboraccedilatildeo de uma medida mais

satisfatoacuteria que a anterior

Se observada a reaccedilatildeo legislativa sob esse entendimento poder-se-aacute

dizer que houve no presente caso - conforme o sentido empregado por Tremblay (2000) -

uma ldquoconversardquo entre entre Judiciaacuterio e Legislativo que resultou em uma medida legislativa

criada mediante o compartilhamento das visotildees de ambos os Poderes

Entretanto eacute necessaacuterio destacar que a intenccedilatildeo do Legislativo natildeo resta

clara pois ao mesmo tempo que modificou em alguns aspectos o texto anteriormente

editado tambeacutem manteve o seu principal objeto o qual jaacute havia sido flagrantemente

considerado inconstitucional pela Corte

100

Dessa forma ao mesmo tempo em que se pode vislumbrar a ocorrecircncia

de um diaacutelogo tambeacutem se pode encarar o tipo de resposta legislativa dada neste caso como

uma atuaccedilatildeo abusiva a qual natildeo poderaacute ser entendida como dialoacutegica

Essa ambiguidade demonstra que nem toda forma de resposta

legislativa deve ser encarada sob o ponto de vista dialoacutegico sob pena de enfraquecimento

das proacuteprias teorias dialoacutegicas do esvaziamento do seu potencial Eacute nesse aspecto que a

descriccedilatildeo convencional de diaacutelogo apresenta falha

O que o diaacutelogo institucional - entendido na sua melhor forma -

preceitua natildeo eacute uma imposiccedilatildeo de pontos de vista muito menos a simples deferecircncia de um

Poder para com o outro mas sim uma efetiva troca de argumentos por isso eacute preciso que

haja uma anaacutelise qualitativa das respostas legislativas para soacute assim poder enquadraacute-las

como uma manifestaccedilatildeo dialoacutegica e natildeo apenas considerar que o simples fato da sua

possibilidade existir jaacute eacute uma evidecircncia de diaacutelogo (PETTER 2007)

Como jaacute analisado anteriormente em toacutepico especiacutefico a metodologia

de diaacutelogo que verificamos nos dois casos expostos ateacute aqui eacute alvo de muitas criacuteticas poreacutem

tambeacutem possui alguns aspectos postivos que natildeo podem ser desconsiderados os quais ficam

melhor evidenciados por meio da anaacutelise do caso que a seguir seraacute exposto

16 Julgamento da accedilatildeo direta de inconstitucionalide nordm 3772DF ndash a suacutemula 726

do STF e a lei nordm 113012006

a) Breve resumo do caso

Trata-se da anaacutelise da constitucionalidade da Lei nordm 113012006 que

alargou o conceito de funccedilotildees de Magisteacuterio para efeitos de aplicaccedilatildeo do paraacutegrafo 5ordm do

artigo 40 e do paraacutegrafo 8ordm do artigo 201 da CF88 mediante Accedilatildeo Direta de

Constitucionalidade proposta pelo Procurador Geral da Repuacuteblica

Em suma o que a lei questionada apresentou foi uma introduccedilatildeo de um

paraacutegrafo segundo na Lei nordm 93941996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo Nacional)

com a seguinte redaccedilatildeo ldquoPara os efeitos do disposto no sect 5ordm do art 40 e no sect 8o do art 201

da Constituiccedilatildeo Federal satildeo consideradas funccedilotildees de magisteacuterio as exercidas por professores

e especialistas em educaccedilatildeo no desempenho de atividades educativas quando exercidas em

101

estabelecimento de educaccedilatildeo baacutesica em seus diversos niacuteveis e modalidades incluiacutedas aleacutem

do exerciacutecio da docecircncia as de direccedilatildeo de unidade escolar e as de coordenaccedilatildeo e

assessoramento pedagoacutegicordquo

Os respectivos dispositivos constitucionais tratam da aposentadoria

especial para professores prevendo uma reduccedilatildeo do tempo de serviccedilo exigido para tanto

Sobre esse aspecto o STF jaacute havia editado a Suacutemula 726 com a seguinte redaccedilatildeo para efeito

de aposentadoria especial de professores natildeo se computa o tempo de serviccedilo prestado fora

da sala de aula

O referido verbete foi resultado do julgamento da ADI 2253 onde ao

interpretar a Constituiccedilatildeo o Supremo Tribunal firmou o entendimento de que as funccedilotildees de

magisteacuterio referidas pela Carta Magna seriam apenas as da proacutepria atividade fim do

professor ou seja definiu a docecircncia como atividade exclusiva de sala de aula

Desta forma mais uma vez o Legislativo editou lei contraacuteria agrave

interpretaccedilatildeo constitucional jaacute exarada e sumulada pela Corte Contudo nessa ocasiatildeo o

resultado praacutetico foi diferente dos verificados nos casos acima

Primeiro natildeo houve debate acerca da possibilidade da ediccedilatildeo de uma

lei contraacuteria a decisatildeo jaacute proferida pelo STF mas sim uma mudanccedila no entendimento

anteriormente traccedilado apoacutes um intenso debate sobre o assunto

Poderia o Supremo Tribunal ter declarado a inconstitucionalidade da

norma sem muita dificuldade bastava manter o posicionamento anterior relativo a

impossibilidade de alargamento do benefiacutecio da aposentadoria especial aos profissionais

ldquoespecialistas em educaccedilatildeordquo entretanto optou por modificar seu entendimento parcialmente

e adaptaacute-lo para julgar a accedilatildeo parcialmente procedente mantendo a validade da lei e traccedilando

a correta interpretaccedilatildeo da mesma nos seguintes termos

I ndash A funccedilatildeo de magisteacuterio natildeo se circunscreve apenas ao trabalho em sala

de aula abrangendo tambeacutem a preparaccedilatildeo de aulas a correccedilatildeo de provas

o atendimento aos pais e alunos o assessoramento pedagoacutegico e ainda a

direccedilatildeo de unidade escolar

II ndash As funccedilotildees de direccedilatildeo coordenaccedilatildeo e assessoramento pedagoacutegico

integram a carreira de magisteacuterio desde que exercidos em

estabelecimentos de ensino baacutesico por professores de carreira excluiacutedos

102

os especialistas em educaccedilatildeo fazendo jus aqueles que as desempenham ao

regime especial de aposentadoria estabelecido nos sect 5ordm do art 40 e no sect

8o do art 201 da Constituiccedilatildeo Federal

b) Anaacutelise do caso pelo prisma das Teorias do Diaacutelogo Institucional

Vecirc-se no presente caso um posicionamento da Corte totalmente

contraacuterio ao demonstrado anteriormente Aqui o STF admitiu a superaccedilatildeo da sua decisatildeo por

lei ordinaacuteria esforccedilando-se ainda para traccedilar um entendimento compatiacutevel da lei com a

Constituiccedilatildeo quando poderia tecirc-la simplesmente anulado

Neste caso constata-se o benefiacutecio da praacutetica legislativa que mesmo

ciente do entendimento jaacute fixado pelo Judiciaacuterio forccedilou a reediccedilatildeo da lei como forma de

levantar novamente o debate acerca do tema o qual resultou positivo no tocante a efetivaccedilatildeo

de direito fundamental ampliando o rol de beneficiados com a aposentadoria especial dos

professores

Percebe-se neste ponto que o resultado beneacutefico esperado da praacutetica

das teorias dialoacutegicas dos princiacutepios juriacutedicos pautadas em uma articulaccedilatildeo legislativa no

sentido de propiciar um novo debate sobre determinado tema por meio da ediccedilatildeo de uma lei

ordinaacuteria eacute possiacutevel todavia fica claro que para que haja esse efeito positivo eacute necessaacuteria

uma abertura da Corte uma aceitaccedilatildeo ao novo enfrentamento e possibilidade de modificaccedilatildeo

do antigo posicionamento

O caso revela portanto uma importante criacutetica das teorias dialoacutegicas

nenhuma delas prevecirc uma forma de diaacutelogo que na praacutetica deva e possa ocorrer independente

da vontade das institiuiccedilotildees No mesmo sentido a descriccedilatildeo convencional de diaacutelogo exposta

por Tushnet para que resulte positiva necessita da vontade poliacutetica dos agentes

Por outro lado mais uma vez percebe-se que mesmo natildeo havendo no

sistema brasileiro qualquer previsatildeo expressa de um mecanismo estrutural dialoacutegico esse

diaacutelogo pode ocorrer como fruto do proacuteprio princiacutepio da separaccedilatildeo de poderes evidenciando

assim o que preceituam as teorias de construccedilatildeo coordenada jaacute tratadas no toacutepico 101 ou

seja que o diaacutelogo pode se materializar mesmo em um sistema onde haacute uma supremacia

judicial expressa pela proacutepria Constituiccedilatildeo

103

Mediante a leitura do presente caso percebe-se ainda que as respostas

proferidas no acircmbito da interpretaccedilatildeo constitucional estatildeo sujeitas agrave constantes mudanccedilas

que natildeo haacute uma resposta definitiva sendo entatildeo importante a interaccedilatildeo entre os Poderes

justamente para possbilitar a construccedilatildeo de novas respostas condizentes com a realidade e

mais aceitaacuteveis no seio social conforme a ideia do diaacutelogo institucional pressupotildee

Neste sentido revela-se a pertinecircncia dos ensinamentos de Waldron da

necessidade de um modelo de controle judicial das leis onde natildeo haja invariavelmente a

predominacircncia do Judiciaacuterio sendo necessaacuterio o debate acerca das questotildees constitucionais

mais complexas e natildeo a simples prevalecircncia do entendimento judicial112

Outro ponto do caso que merece destaque eacute a praacutetica da ldquointerpretaccedilatildeo

conformerdquo utilizada pelo Supremo Vecirc-se que houve uma busca por uma interpreteccedilatildeo

compatiacutevel com a Constituiccedilatildeo a fim de manter a validade da medida editada pelo

Legislativo poreacutem com uma relativa alteraccedilatildeo do sentido orginal conferido pelo legislador

Nesse aspecto a teacutecnica decisoacuteria utilizada pela Corte se assemelha ao

mandado interpretativo presente em alguns ordenamentos como jaacute abordou-se113 onde o

Judiciaacuterio possui o dever de buscar uma interpretaccedilatildeo legal compatiacutevel com o Bill of Rights

O que as difere em suma eacute o fato de que o Tribunal brasileiro natildeo

possui a ldquoobrigaccedilatildeordquo de dar uma intepretaccedilatildeo conforme a Constituiccedilatildeo podendo declarar a

lei inconstitucional e proceder a sua consequente invalidaccedilatildeo quando entender que natildeo eacute

possiacutevel adequar a interpretaccedilatildeo aos preceitos constitucionais ao contraacuterio do que ocorre no

Reino Unido e Nova Zelacircndia onde o Judiciaacuterio natildeo pode anular a lei quando natildeo conseguir

vislumbrar nenhuma interpretaccedilatildeo harmonizaacutevel com a Constituiccedilatildeo

Dito isso percebe-se que nesse caso natildeo houve uma simples deferecircncia

do Judiciaacuterio ao ato legislativo havendo a reinvenccedilatildeo do debate com a adoccedilatildeo de novos

posicionamentos buscando o Tribunal natildeo apenas a simples invalidaccedilatildeo do dispositivo legal

mas sim se esforccedilando para encontrar a sua melhor interpretaccedilatildeo de acordo com os preceitos

constitucionais preservando a norma editada pelo legislador

Sob esse ponto de vista essa praacutetica interpretativa pode ser vista como

112 Sobre os ensinamentos do autor leia-se toacutepico 4 113 Ver toacutepico 13

104

dialoacutegica eis que houve uma reaccedilatildeo legislativa agrave decisatildeo judicial inicial um novo debate a

modificaccedilatildeo do entendimento pelo Judiciaacuterio que resultou na manutenccedilatildeo da nova lei com

um sentido em conformidade com os preceitos constitucionais

Tushnet ao detalhar a descriccedilatildeo convencional de diaacutelogo menciona a

possibilidade de o Judiciaacuterio de defender o estatuto legal compatibilizando-o com as normas

constitucionais Nessa perspectiva a interpretaccedilatildeo conforme pode ser vista como uma

medida de defesa da lei da sua soberania e respeito a atuaccedilatildeo do Legislativo

Na oacutetica dos diaacutelogos pode-se dizer que houve um ldquodebaterdquo entre o

Legislativo e Judiciaacuterio provocado por meio das decisotildees judiciais e reediccedilatildeo da medida

legislativa com a sua subsequente anaacutelise judicial

Estatildeo presentes portanto todos os passos da descriccedilatildeo de diaacutelogo

elaborada por Tushnet Entretanto deve-se ressaltar que ao mesmo tempo que a postura

judicial nesse caso pode ser considerada como dialoacutegica pois admitiu a nova medida

legislativa mesmo que contraacuteria ao seu posicionamento tambeacutem pode ser considerada uma

conduta ativista eis que modificou o sentido original que o Legislador pretendeu conferir a

lei Sobre esta praacutetica eacute necessaacuterio observar alguns aspectos especiacuteficos

O princiacutepio da interpretaccedilatildeo conforme a Constituiccedilatildeo possui

unicamente a funccedilatildeo de operar como meacutetodo ldquocomplementarrdquo de interpretaccedilatildeo face a outros

criteacuterios ou meacutetodos interpretativos limita-se a ldquodesenvolverrdquo e ldquocomplementarrdquo as regras

de hermenecircutica apresenta-se basicamente como um postulado inserido num processo de

controle de normas (QUEIROZ 2010)

Eacute no domiacutenio do controle de constitucionalidade que este princiacutepio

ganha mais autonomia antes de declarar uma lei inconstitucional o juiz ou juiacutezes

encarregados do controle tecircm o dever de em via interpretativa buscar um sentido que ainda

estribado no seu enunciado linguiacutestico e ainda respeitador do texto constitucional permita

salvar a mesma (URBANO 2010 p 414)

Todavia o problema deste postulado estaacute na sua aplicaccedilatildeo pelo

Supremo Tribunal Federal que muitas vezes usa dessa justificativa para legitimar uma

postura extremamente ativista e violadora do princiacutepio da separaccedilatildeo de poderes

extrapolando os limites de sua competecircncia e reduzindo significativamente a margem de

atuaccedilatildeo do legislador e podendo ainda falsear a sua vontade original

105

Portanto para que se possa encarar essa praacutetica como beneacutefica e sob o

ponto de vista dialoacutegico eacute necessaacuterio que ela seja limitada a interpretaccedilatildeo proferida pelo

Tribunal ainda tem que ter alguma sustentaccedilatildeo no texto original tem que ser uma

interpretaccedilatildeo plausiacutevel (URBANO 2014 p 417)

Apesar disso eacute possiacutevel avistar uma deliberaccedilatildeo entre os Poderes

sugerindo a concretizaccedilatildeo de um diaacutelogo mais proacuteximo ao ideal esperadoentretanto natildeo se

deve afirmar que houve a concretizaccedilatildeo de um diaacutelogo material como a teoria idealiza mas

acredita-se que essa eacute a praacutetica mais proacutexima do mesmo dentre as jaacute analisadas ateacute aqui

poreacutem a mesma tambeacutem apresenta falhas e alguns riscos

17 Julgamento da accedilatildeo direta de inconstitucionalidade por omissatildeo nordm

3382MT

a) Breve resumo do caso

A Assembleacuteia Legislativa do Estado de Mato Grosso propocircs Accedilatildeo

Direta de Inconstitucionalidade questionando a inatividade do legislador quanto ao dever de

elaborar lei complementar a que se refere o sect4ordm do artigo 18 da Constituiccedilatildeo Federal

O referido dispostivo constitucional dispotildee que a criaccedilatildeo a

incorporaccedilatildeo a fusatildeo e o desmembramento de Municiacutepios far-se-atildeo por lei estadual dentro

do periacuteodo determinado por Lei Complementar Federal e dependeratildeo de consulta preacutevia

mediante plebiscito agraves populaccedilotildees dos Municiacutepios envolvidos apoacutes divulgaccedilatildeo dos Estudos

de Viabilidade Municipal apresentados e publicados na forma da lei Ou seja impotildee ao

legislador o dever de editar lei complementar para definiccedilatildeo do prazo

A redaccedilatildeo do dispositivo foi dada pela Emenda Constitucional nordm

151996114 e a accedilatildeo foi julgada procedente em 2007 O STF entendeu que o legislador

encontrava-se em mora haacute mais de dez anos descumprindo o seu dever constitucional de

legislar considerando portanto a omissatildeo inconstitucional e determinando um prazo de 18

meses para suprir a omissatildeo

114 Antes da EC 151996 qualquer alteraccedilatildeo dos entes federativos municipais era feita por um processo simples

atraveacutes de lei estadual assim a emenda constitucional visou na realidade dificultar essas alteraccedilotildees

106

Diversas accedilotildees tambeacutem foram propostas questionando a criaccedilatildeo de

alguns municiacutepios mesma na ausecircncia da lei115 o STF julgou as respectivas leis estaduais

que os criam inconstitucionais poreacutem sem declarar a sua nulidade modulando os efeitos da

decisatildeo no sentido de garantir a validade da lei por um periacuteodo de vinte e quatro meses

tempo superior ao que fixou para que o Legislativo sanasse a omissatildeo portanto

Relevante destacar que no acoacuterdatildeo a Corte ponderou que a ineacutercia

legislativa acabou dando ensejo agrave consolidaccedilatildeo e conformaccedilatildeo de estados de

inconstitucionalidade que natildeo podem ser ignorados pelo legislador na elaboraccedilatildeo da lei

complementar determinando assim que quando da ediccedilatildeo da lei o Legislativo contemplasse

as situaccedilotildees imperfeitas decorrentes desse estado de inconstitucionalidade gerado pela sua

omissatildeo esclarecendo ainda que o prazo de dezoito meses natildeo se trata de uma imposiccedilatildeo de

limite temporal para atuaccedilatildeo legislativa mas apenas da fixaccedilatildeo de um paracircmetro razoaacutevel

A resposta legislativa veio por meio da ediccedilatildeo da Emenda

Constitucional nordm 572008 a qual convalidou os atos de criaccedilatildeo fusatildeo incorporaccedilatildeo e

desmembramento de municiacutepios cuja lei tenha sido publicada ateacute 31 de dezembro de 2006

atendidos os requisitos estabelecidos na legislaccedilatildeo do respectivo Estado agrave eacutepoca de sua

criaccedilatildeo

Dessa forma o Legislativo cumpriu com a determinaccedilatildeo do STF

relativa ao tratamento das imperfeiccedilotildees geradas pela sua omissatildeo propondo a respectiva

soluccedilatildeo Entretanto no tocante a ediccedilatildeo da lei complementar para a fixaccedilatildeo do prazo exigido

pelo dispositivo constitucional haacute um embate contiacutenuo com o Poder Executivo

A primeira tentativa de legislar sobre o assunto ocorreu com o Projeto

de Lei do Senado Federal ndash PLS nordm 982002 o qual foi objeto de veto poliacutetico do Executivo

sob o argumento de contrariedade ao interesse puacuteblico A segunda tentativa se deu pelo PLS

nordm 1042014 o qual tambeacutem foi vetado pelo Executivo com base no mesmo argumento e haacute

uma terceira tentativa ainda em tramitaccedilatildeo que eacute o PLS nordm 1992015

As razotildees que levaram o Executivo a barrar a promulgaccedilatildeo da lei foram

de ordem orccedilamentaacuteria jaacute que a criaccedilatildeo de novos entes federativos representaria o aumento

das despesas com a estrutura da administraccedilatildeo puacuteblica razotildees essas expressas na Mensagem

115 Ver ADI 2240BA ADI 3316MT ADI 3489SC ADI 3689PA

107

nordm 505 de 12 de dezembro de 2013116 emitida pela Presidente da Repuacuteblica na ocasiatildeo do

veto

A questatildeo ainda estaacute pendente de regulamentaccedilatildeo mesmo apoacutes o

esgotamento do prazo fixado pelo STF todavia natildeo por falta de iniciativa do Legislativo

como se pode ver mas sim por contrariar os interesses do Executivo que por isso vem

dificultando a promulgaccedilatildeo da medida

b) Anaacutelise do caso pelo prisma das Teorias do Diaacutelogo Institucional

No caso narrado encontram-se diferentes pormenores que podem

indicar a presenccedila de teorias dialoacutegicas na praacutetica brasileira sendo assim far-se-aacute a anaacutelise

pontual de cada um

O STF ao realizar o controle de constitucionalidade da omissatildeo

legislativa neste caso considerou a falta de accedilatildeo do legislador como uma conduta

incompatiacutevel com o seu dever constitucional de legislar e determinou um prazo para que

suprisse essa omissatildeo Neste aspecto se evidencia a ideia do Judiciaacuterio como ente

propiciador do diaacutelogo provocando o Legislativo a agir por intermeacutedio da decisatildeo judicial

extamente como alguns teoacutericos sugerem

Como abordou-se no toacutepico 82 a decisatildeo que emana do controle de

constitucionalidade da omissatildeo legislativa pode ser considerada como um mecanismo

diaacutelogico por si soacute sob o ponto de vista das teorias dialoacutegicas centradas no processo A

mesma tambeacutem eacute facilmente enquadrada na concepeccedilatildeo convencional descrita por Tsuhnet

No caso em anaacutelise pode-se ainda identifcar a presenccedila da concepccedilatildeo

dialoacutegica desenvolvida por Dixon segundo a qual o Judiciaacuterio deve agir no sentido de

superar a ineacutercia do Legislativo poreacutem sem comprometer a sua liberdade de conformaccedilatildeo117

Ou seja no presente caso verifica-se a presenccedila das teorias fundadas no meacutetodo judicial onde

o Judiciaacuterio atua como o ente propiciador do diaacutelogo o qual ocorre dentro da proacutepria decisatildeo

judicial

Seguindo essa linha de raciociacutenio eacute possiacutevel notar que o proacuteprio STF

116 Iacutentegra disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrccivil_03_Ato2011-20142013MsgVetVET-505htm

117 Falamos mais especificamente dos ensinamentos de Dixon no toacutepico 9

108

ao pronunciar que o prazo fixado na decisatildeo natildeo objetiva estabeler um limite temporal para

condicionar a accedilatildeo legislativa mas tatildeo somente uma estipulaccedilatildeo de lapso temporal razoaacutevel

preocupou-se em deixar clara a necessidade de manutenccedilatildeo de certa liberdade de atuaccedilatildeo

daquele Poder

Todavia por outro acircngulo o Tribunal determinou que o Legislativo

quando fosse suprir a omissatildeo e regular a mateacuteria a fim de cumprir o seu dever

constitucional necessariamente cuidasse das situaccedilotildees imperfeitas ocasionadas pelo seu

estado de ineacutercia Neste particular encontra-se presente na praacutetica a teoria do

aconselhamento118 onde o Judiciaacuterio profere um direcionamento agrave atuaccedilatildeo do Legislativo

Neste caso o aconselhamento foi realizado de uma forma contida o

Supremo indicou a necessidade de soluccedilatildeo das questotildees mas natildeo determinou como e quais

as medidas a serem adotadas deixando a escolha a cargo do Legislativo Neste ponto a

conduta do Judiciaacuterio merece ser observada sob o aspecto positivo das teorias do

aconselhamento o qual reside na busca de evitar futuros problemas constitucionais por meio

da orientaccedilatildeo do Legislativo por meio de decisotildees judiciais

Nota-se que ao mesmo tempo em que o STF controla a sua atividade no

sentido de natildeo comprometer a liberdade do legislador ao fixar o prazo para a sua atuaccedilatildeo

entende necessaacuterio traccedilar algumas diretrizes para a superaccedilatildeo da inconstitucionalidade

constatada Neste caso em particular como se disse a atuaccedilatildeo do Judiciaacuterio foi de certa

forma contida poreacutem a praacutetica reflete a procedecircncia das principais criacuteticas dirigidas agrave essa

forma de diaacutelogo a qual para sua materializaccedilatildeo depende fortemente da consciecircncia e

vontade do Judiciaacuterio

Outro aspecto relevante que tambeacutem pode ser entendido como parte da

trama dialoacutegica presente no caso diz respeito a modulaccedilatildeo temporal dos efeitos da decisatildeo

quando da apreciaccedilatildeo da constitucionalidade das leis dos muniacutecipios que jaacute haviam sido

criados

O STF poderia simplesmente ter deixado os efeitos de nulidade da

declaraccedilatildeo de inconstitucionalidade se perpetuarem poreacutem tendo em mente os prejuiacutezos

que isso poderia acarretar optou por estabelecer efeitos pro futuro permitindo ao Legislativo

118 Ver toacutepico 81

109

a resoluccedilatildeo do problema por uma via menos danosa

A modulaccedilatildeo dos efeitos temporais da sentenccedila tambeacutem eacute uma praacutetica

que se coaduna com as teorias dialoacutegicas fundadas no meacutetodo judicial conforme jaacute se falou

no toacutepico 822 pois por meio dela o Judiciaacuterio condiciona os efeitos praacuteticos da sua decisatildeo

dando a oportunidade ao legislativo de corrigir ou reeditar a lei assim dode-se dizer que por

intermeacutedio dela o Judiciaacuterio instiga o legislador ao diaacutelogo

No tocante a resposta legislativa presente neste caso incialmente vale

destacar que a mesma se deu em um intervalo de tempo razoaacutevel e que o Legislativo buscou

acatar a orientaccedilatildeo da Corte todavia foi impedido de fazecirc-lo em sua completude pelos

interesses do Executivo o que acaba por retratar bem na praacutetica mais uma das dificuldades

da consolidaccedilatildeo das teorias dialoacutegicas

Pelo exposto depreende-se que o sistema brasileiro natildeo eacute alheio agraves

teorias dialoacutegicas pelo contraacuterio muitas delas estatildeo presentes em seu cotidiano A expressa

supremacia judicial e falta de familiariedade com um sistema parlamentar ndash que inicialmente

poderiam gerar duacutevidas quanto a possibilidade do diaacutelogo ndash natildeo se traduzem portanto em

uma impossibilidade completa de aplicaccedilatildeo das teorias dialoacutegicas agrave realidade brasileira

Por oacutebvio as suas manifestaccedilotildees praacuteticas satildeo peculiares e fortemente

influenciadas pela cultura e histoacuteria do paiacutes uma democracia recente e com um Legislativo

que enfrenta grande crise de representatividade o que faz com que em regra o entendimento

que prevaleccedila seja o do Judiciaacuterio

Ainda assim constata-se uma inclinaccedilatildeo do Legislativo para reagir agraves

decisotildees judiciais e natildeo simplesmente acataacute-las em sinal de uma total deferecircncia agrave um

entendimento superior Os ganhos e as perdas dessa reaccedilatildeo iratildeo depender do caso concreto

dos interesses que estatildeo em jogo podendo ser uma praacutetica temeraacuteria ou positiva como jaacute

verificou-se ao longo desse trabalho

18 Diaacutelogo institucional siacutentese dos aspectos controversos e algumas

consideraccedilotildees acerca da sua consecuccedilatildeo praacutetica

De todo o exposto ateacute aqui resta-no os seguintes questionamentos

110

Pode-se considerar o diaacutelogo institucional como uma possibilidade praacutetica viaacutevel Essa

praacutetica tem de fato o condatildeo de dirimir os conflitos relativos a legitimidade democraacutetica do

judicial review Pode ser considerado como um instrumento de combate ao ativismo judicial

ou seria mais uma forma de dissimulaccedilatildeo desse fenocircmeno

Apresentar respostas exatas a essas questotildees utlrapassa a pretensatildeo

deste trabalho ateacute mesmo porque se reconhece que natildeo haacute apenas uma via de conclusatildeo para

as mesmas em virtude da complexidade que elas envolvem Contudo objetiva-se fazer uma

reflexatildeo acerca desses questionamentos como resultado do presente trabalho de forma a

contribuir para o incremento do debate acadecircmico

No que diz respeito agrave resoluccedilatildeo dos conflitos ligados agrave legitimidade

democraacutetica do judicial review acredita-se que esta praacutetica estaacute longe de apresentar uma

soluccedilatildeo definitiva sendo um tanto pretenciosa nesse sentido pois como jaacute tratado no toacutepico

4 a discussatildeo relativa a dificuldade democraacutetica do judicial review eacute algo que lhe acompanha

a contar do seu surgimento desde sempre os estudiosos tentam justificar baseados em um

tradicional conjunto de argumentos as razotildees pelas quais juiacutezes natildeo eleitos pelo povo podem

e devem realizar um controle dos atos do legislativo com poder para declarar a sua

inconstitucionalidade e tambeacutem anulaacute-los

Natildeo se quer com isso dizer que natildeo haacute uma soluccedilatildeo para o conflito mas

sim que as teorias dialoacutegicas ao mesmo tempo que buscam e propotildeem uma soluccedilatildeo quando

materializadas na praacutetica natildeo eliminam totalmente alguns dos velhos problemas

Como viu-se a promessa da teoria dos diaacutelogos institucionais eacute

proporcionar um reequiliacutebrio entre os Poderes reconhecendo a importacircncia e competecircncias

especiacuteficas de cada um no acircmbito da jurisdiccedilatildeo constitucional sugerindo uma atuaccedilatildeo

conjunta mediante verdadeira deliberaccedilatildeo entre os braccedilos do Poder para chegar em um

consenso que seja melhor para a sociedade proporcionando assim um resultado mais eficaz

e duradouro

Do ponto de vista teoacuterico a ideia parece suficiente para solucionar o

problema principalmente nas concepccedilotildees dialoacutegicas desenvolvidas por Hiebert119 e

Bateup120 que ideliazam a realizaccedilatildeo de um diaacutelogo material sem a predominacircncia de

119 Ver toacutepico 11 que trata da teoria da parceria

120 Ver toacutepico 12 que trata da fusatildeo dialoacutegica

111

nenhum dos poderes mas sim de uma verdadeira atuaccedilatildeo conjunta

Poreacutem da anaacutelise dos exemplos praacuteticos de cada teoria e da aplicaccedilatildeo

das mesmas nos casos concretos no sistema brasileiro eacute faacutecil concluir que o exerciacutecio da

jurisdiccedilatildeo constitucional na grande maioria das vezes para natildeo dizer em todas elas resultaraacute

na prevalecircncia do entendimento de um dos atores envolvidos por vezes seraacute o Legislativo o

protagonista e por outras o Judiciaacuterio Apesar de todos os esforccedilos teoacutericos a praacutetica revela

que sempre haveraacute uma uacuteltima palavra o que eacute algo inerente ao proacuteprio sistema de revisatildeo

constitucional das leis

Acredita-se portanto que natildeo se deve desconsiderar a real existecircncia

de uma uacuteltima palavra jaacute que ela sempre iraacute existir mas sim enxergaacute-la e estimular que ela

seja ldquoprovisoacuteriardquo no sentindo de que pode ser constantemente reformulada e alterada

mediante a interaccedilatildeo entre os Poderes por meio do aprofundamento do debate e maior

possibilidade de troca de argumentos buscando sempre o melhor entendimento no acircmbito

da interpretaccedilatildeo constitucional

A existecircncia da uacuteltima palavra portanto deve estar relacionada a

preponderacircncia e maior efetividade dos direitos fundamentais e natildeo necessariamente

atrelada a prevalecircncia uniforme do entendimento de um uacutenico braccedilo do Poder Esse eacute o

principal contributo a ser extraiacutedo das teorias dialoacutegicas no tocante a resoluccedilatildeo da disputa

entre o Poder Judiciaacuterio e o Poder Legislativo pela uacuteltima palavra na seara constitucional

Em contrapartida observa-se que apesar das teorias dialoacutegicas

proclamarem a realizaccedilatildeo de um controle das leis realizado em conjunto nenhuma delas

prescreve uma forma de diaacutelogo que seja concomitante com o processo de tomada de

decisatildeo de forma que a mesma seja proferida com o comum acordo de ambos os Poderes

O que vecirc-se eacute que as formas de diaacutelogo prescritas pelas teorias estudadas se referem mais agrave

possibilidade de superaccedilatildeo de um ato jaacute concretizado seja pelo Judiciaacuterio ou pelo

Legislativo do que verdadeiramente a construccedilatildeo de uma decisatildeo comum

Asssim esse eacute o primeiro aspecto que entende-se que deve ser

desmistificado pois percebe-se que a ideia de uma ldquodecisatildeo conjuntardquo de uma deliberaccedilatildeo

antes da tomada de decisatildeo e consequentemente a concretizaccedilatildeo de um diaacutelogo no sentido

que a doutrina descreve como material na praacutetica eacute quase que inviaacutevel

Assim acertada eacute a proposiccedilatildeo de Aharaon Barak (2008 p16) de que

112

a tensatildeo entre o Judiciaacuterio e os outros ramos do Poder eacute algo natural e ateacute desejaacutevel pois se

todas as regras e decisotildees proferidas pelos Tribunais forem aceitas com tranquilidade pelos

outros Poderes eacute sinal que este natildeo estaacute cumprindo corretamente com a sua funccedilatildeo na

democaria

O Autor ressalta que junto agrave essa tensatildeo haacute tambeacutem um constante

diaacutelogo entre o Judiciaacuterio e Legislativo o qual natildeo decorre de reuniotildees e debates entre eles

mas sim da realizaccedilatildeo por cada qual da sua respectiva funccedilatildeo constitucional (BARAK

2008 p 236)

Neste sentido eacute importante a constataccedilatildeo de que no Brasil um paiacutes com

um modelo forte de controle de constitucionalidade e onde a supremacia judicial eacute evidente

vez que a proacutepria Constituiccedilatildeo entitula como o detentor da uacuteltima palavra em mateacuteria

constitucional o Supremo Tribunal Federal nada impede que o Legislativo reaja ou ateacute

mesmo desafie as decisotildees proferidas pelo Judiciaacuterio no acircmbito do controle de

constitucionalidade

Assim percebe-se que ao contraacuterio do que muitos estudiosos

pressupotildeem a ideia de diaacutelogo natildeo estaacute necessariamente vinculada agrave um sistema fraco de

revisatildeo judicial das leis ou agrave uma total inexistecircncia de supremacia judicial podendo o

mesmo existir e ser conciliaacutevel mesmo nos sistemas mais riacutegidos

Portanto a ideia de diaacutelogo institucional natildeo extingue necessariamente

a supremacia judicial o que pode eacute mitigaacute-la em alguns casos impondo limites mais riacutegidos

a atuaccedilatildeo judicial justamente por meio da possibilidade de reaccedilatildeo legislativa

Com isso pode-se dizer que a forma mais viaacutevel de se entender o

diaacutelogo institucional eacute como algo decorrente da reformulaccedilatildeo do proacuteprio princiacutepio da

separaccedilatildeo de poderes segundo a qual cada ramo do Poder realiza uma funccedilatildeo que lhe eacute

proacutepria sem interferir na atuaccedilatildeo do outro Todavia essa atuaccedilatildeo natildeo deve ser estanque natildeo

existindo uma fronteira intransponiacutevel entre as atividades inerentes agrave cada um dos Poderes

Ou seja apesar de cada Poder ter de observar seus limites e respeitar a

atuaccedilatildeo dos outros devem compreender a necessidade de cooperaccedilatildeo e buscar uma atuaccedilatildeo

conjunta e complementar

Apesar disso a praacutetica nos revela que nem toda reaccedilatildeo legislativa deve

113

ser interpretada sob o ponto de vista dialoacutegico muitas vezes ela tambeacutem representaraacute mais

uma disputa de poder do que uma tentativa de debate ou de correccedilatildeo da decisatildeo judicial

Sendo assim entender toda e qualquer reaccedilatildeo legislativa como

dialoacutegica pode ser perigoso e temeraacuterio pois em muitos casos essa reaccedilatildeo pode significar

mais um disputa de poder do que necessariamente uma tentativa de debate Assim em

algumas situaccedilotildees o termo ldquodiaacutelogordquo pode natildeo ser propriamente a melhor forma de

caracterizar essas reaccedilotildees

Em muitos casos e exemplos concretos das teorias viu-se que haacute na

realidade mais uma ldquointeraccedilatildeordquo entre os Poderes do que necessariamente um ldquodiaacutelogordquo por

conseguinte a maioria das teorias dialoacutegicas na forma em que satildeo concebidas se revelam

muito otimistas pode-se dizer que ateacute um pouco romantizadas sob o ponto de vista praacutetico

Desta forma assim como as reaccedilotildees legislativas natildeo devem em sua

totalidade serem encaradas como uma praacutetica dialoacutegica o mesmo deve ser observado quanto

a conduta do Tribunal sendo este um ponto importante a ser observado

As teorias dos diaacutelogos institucionais inicialmente se apresentam

como uma forma de combate ao ativismo judicial entretanto quando analisamos algumas

das suas metodologias podemos ver que em muitos casos elas podem acabar servindo de

reforccedilo e ateacute incentivo de uma praacutetica ativista

Como jaacute foi dito o ativismo judicial se manifesta quando as decisotildees

da jurisdiccedilatildeo constitucional tomam uma densidade poliacutetica mais ampla passando a Corte a

natildeo mais apenas declarar normas inconstitucionais atuando como legislador negativo na

forma em que foi orginariamente pensada mas ao mesmo tempo comeccedila a exigir

determinadas posturas dos outros Poderes atuando como um legislador positivo (AGRA

2006)

Dessa forma algumas teacutecnicas dialoacutegicas de decisatildeo judicial podem

representar mais uma dissimulaccedilatildeo ou camuflagem do ativismo do que o seu verdadeiro

combate jaacute que alimentam uma conduta proacute-ativa do Judiciaacuterio no sentido de provocar o

Legislativo aconselhaacute-lo ou qualquer outra forma de tiraacute-lo da ineacutercia

Podem nessa perspectiva ser consideradas tanto como uma conduta

dialoacutegica como uma conduta ativista pois a linha divisoacuteria entre a simples instigaccedilatildeo e a

114

interferecircncia no poder de atuaccedilatildeo do Legislativo eacute muito tecircnue

Por isso natildeo se pode afirmar com certeza que as teorias dialoacutegicas

servem de combate ao ativismo judicial jaacute que muitas vezes podem servir de fundamento

para o Judiciaacuterio justificar decisotildees que extrapolam seu acircmbito de atuaccedilatildeo e adentram na

esfera do Legislativo Portanto eacute essencial prestar atenccedilatildeo na forma com que o Judiciaacuterio eacute

incentivado a agir como um propiciador do diaacutelogo sem perder de vista a existecircncia de

limites agrave essa praacutetica

Apesar disso natildeo se pode desconsiderar que em muitos casos ainda

que o Judiciaacuterio ao exercer o seu papel proposto pelas teorias diaacutelogicas acabe incorrendo

em uma praacutetica ativista o resultado obtido pode ser beneacutefico como vimos por exemplo no

caso da Aacutefrica do Sul e ateacute mesmo no sistema brasileiro o que revela que nem sempre o

ativismo judicial deve ser visto como algo totalmente negativo121

No tocante a efetivaccedilatildeo do diaacutelogo no seu sentido material a proposta

de que a uacuteltima palavra seja fruto de um intenso e efetivo debate entre os atores participantes

do processo de interpretaccedilatildeo constitucional que seja construiacuteda de forma conjunta por eles

por intermedio de uma troca de argumentos para chegar a um consenso razoaacutevel e duraacutevel

no seio da sociedade natildeo se realiza com clareza em nenhuma das praacuteticas identificadas como

dialoacutegicas - pelo menos nas que temos conhecimento ateacute aqui

Por isso percebe-se que a ideia de concretizaccedilatildeo de um diaacutelogo material

estaacute muito distante de uma realidade palpaacutevel pois para que isso ocorra haacute a necessidade de

que todos os braccedilos do Poder estejam dispostos a entrar em um efetivo debate contribuindo

cada um com suas competecircncias teacutecnicas para a criaccedilatildeo de uma soluccedilatildeo conjunta

construindo decisotildees no acircmbito da jurisdiccedilatildeo constitucional mediante deliberaccedilatildeo de uma

concreta troca de argumentos o que nem sempre seraacute possiacutevel

Este fato revela que para que o diaacutelogo se concretize haacute muito mais a

necessidade de uma vontade poliacutetica das instituiccedilotildees do que necessarimente uma prescriccedilatildeo

normativa ou de uma redifiniccedilatildeo do desenho institucional por meio de modificaccedilotildees no texto

constitucional Portanto ao mesmo tempo que o diaacutelogo pode ocorrer em qualquer sistema

121 Aharon Barak destaca que nem sempre o ativismo judicial estaraacute ligado a intenccedilatildeo de expansatildeo do Poder

judicial muitas vezes ele pode ser necessaacuterio para a proteccedilatildeo dos direitos humanos e ainda pode ser a forma

do Judiciaacuterio lidar com o poder dos outros ramos poliacuteticos Ver BARAK Aharon The Judge in a Democracy

Princeton University Press 2008 pp 263-271)

115

de jurisdiccedilatildeo constitucional a sua efetividade tambeacutem seraacute diretamente influenciada pela

cultura poliacutetica e histoacuterica de cada paiacutes

Apesar da concretizaccedilatildeo do diaacutelogo no seu sentido material como

preleciona a melhor doutrina ser uma realidade um tanto distante natildeo se pode ignorar os

benefiacutecios do diaacutelogo formal que se manifesta nessas praacuteticas principalmente no que se

refere ao papel que exercem no sentido de provocar uma mudanccedila de mentalidade dos

proacuteprios entes detentores do Poder bem como no aumento da responsabilidade da sua

atuaccedilatildeo

Nessa linha de raciociacutenio Petter Andrew (2007 p167) afirma que o

apelo agraves teorias dialoacutegicas deriva mais do seu poder como uma metaacutefora do que da sua forccedila

como argumento pois ao retratar a revisatildeo judicial como contributiva para o envolvimento

deliberativo a metaacutefora do diaacutelogo reformula o papel dos juiacutezes que passam a ser vistos

como advogados de um processo democraacutetico natildeo como aacuterbitros dentro de um processo

autoritaacuterio

Apesar dos pontos controversos foram apontados a respeito da sua

praacutetica as teorias dialoacutegicas satildeo de grande valia para o desenvolvimento da justiccedila

constitucional significando a busca pela superaccedilatildeo dos problemas ligados a expansatildeo

desordenada do Poder Judiciaacuterio bem como a maior e mais eficaz efetivaccedilatildeo dos direitos

fundamentais como determina a nova ordem mundial

Pode-se dizer que ainda que as teorias possuam as suas dificuldades

praacuteticas elas direcionam os atores constitucionais para uma atuaccedilatildeo mais consciente

reforccedilam o seu papel institucional e apontam algumas das principais falhas dos sistemas

tradicionais de revisatildeo judicial Assim o diaacutelogo institucional deve ser visto como um ideal

a ser alcanccedilado atraveacutes do aperfeiccediloamento da sua praacutetica atual e sobretudo por meio do

reforccedilo do princiacutepio da separaccedilatildeo de poderes no acircmbito da jurisdiccedilatildeo constitucional

116

CONCLUSAtildeO

No decurso deste trabalho verificou-se como as mudanccedilas da sociedade

global implicaram a (re)definiccedilatildeo de um novo paradigma constitucional pautado em relaccedilotildees

de cooperaccedilatildeo o qual impocircs a busca por um novo modelo de jurisdiccedilatildeo constitucional

originaacuterio da expansatildeo do judicial review para os paiacuteses da Commonwealth

Viu-se que o ativismo judicial e a judicializaccedilatildeo da poliacutetica decorrentes

dessa expansatildeo passaram a ser vistos como patologias do sistema e acenturam novos debates

acerca da legitimidade democraacutetica do Poder Judiciaacuterio para realizar o controle de

constitucionalidade dos atos legislativos incentivando entatildeo a criaccedilatildeo de um sistema de

controle fraco de constitucionalidade originaacuterio do Canadaacute

Dentro desse contexto falou-se do surgimento da ideia de um diaacutelogo

institucional no acircmbito do controle de constitucionalidade e pautamos a diferenccedila entre

diaacutelogo material e diaacutelogo formal Apoacutes fez-se uma anaacutelise das teorias dialoacutegicas

explorando seus conceitos exemplos praacuteticos e principais pontos de criacutetica

Por intermeacutedio dessa investigaccedilatildeo percebe-se que nenhuma das teorias

consubstancia um modelo perfeito sob o ponto de vista praacutetico no sentindo de promover um

diaacutelogo verdadeiro assente em uma efetiva deliberaccedilatildeo entre os Poderes Para aleacutem disso

que alguns acabou-se por registrar que os conflitos relativos agrave legitimidade democraacutetica do

judicial review na praacutetica permanecem

Todavia constatou-se tambeacutem que as teorias dialoacutegicas satildeo valiosas

pois ao contraacuterio das conhecidas teorias interpretativas que buscam disciplinar qual a melhor

forma de os juiacutezes procederem agrave leitura constitucional estas buscam evidenciar o papel

institucional do Judiciaacuterio aliado ao reforccedilo da importacircncia da atividade legislativa visando

a produccedilatildeo de decisotildees no ambito da justiccedila constitucional que natildeo sejam fruto de um

ldquomonoacutelogordquo mas sim da interaccedilatildeo institucional

Concluiacute-se entatildeo que o potencial das teorias dialoacutegicas consiste

justamente na estimulaccedilatildeo da busca por melhores padrotildees de interaccedilatildeo entre os Poderes

sendo todas elas de uma importacircncia iacutempar por tentarem evidenciar como deveria funcionar

um desenho institucional ideal no acircmbito da interpretaccedilatildeo constitucional e controle das leis

117

reforccedilando o papel de cada braccedilo do Poder nessa empreitada conforme suas proacuteprias funccedilotildees

e capacidades

Os resultados dete trabalho natildeo satildeo portanto uma resposta exata

tampouco definitiva aos atuais problemas efrentados pela jurisdiccedilatildeo constitucional mas

servem de ponto de partida para uma reflexatildeo sobre os pontos positivos e negativos das mais

modernos teorias sobre o judicial review

118

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IacuteNDICE

INTRODUCcedilAtildeO 9

CAPIacuteTULO 1 ndash OS NOVOS DESAFIOS DO CONSTITUCIONALISMO E SEUS

REFLEXOS NA JURISDICcedilAtildeO CONSTITUCIONAL O SURGIMENTO IDEIA DE

COOPERACcedilAtildeO 11

1 Os novos desafios do constitucionalismo 11

2 Constitucionalismo de cooperaccedilatildeo e seus reflexos na jurisdiccedilatildeo constitucional 14

3 O tradicional modelo de judicial review e a supremacia judicial 19

4 Jurisdiccedilatildeo constitucional e democracia um antigo debate 23

5 A implementaccedilatildeo do judicial review nos paiacuteses da commonwealth e o surgimento

de uma nova alternativa ao binocircmio judiciaacuterio v Legislativo ndash weak form of judicial

review 28

CAPIacuteTULO 2 ndash AS TEORIAS DIAacuteLOGICAS E A CONCRETIZACcedilAtildeO DO

DIAacuteOLOGO INSTITUCIONAL 31

6 Teoria dos diaacutelogos institucionais 31

7 Diaacutelogo formal v Diaacutelogo material 33

8 Teorias dialoacutegicas fundadas no meacutetodo judicial 35

81 Aconselhamento judicial 36

82 Teorias centradas no processo 40

83 Criacuteticas agraves teorias dialoacutegicas fundadas no meacutetodo judicial 45

9 O especial caso da Aacutefrica do Sul 48

10 As teorias estruturais de diaacutelogo 51

10 1 Teorias de construccedilatildeo coordenada 52

5

11 As teorias dialoacutegicas da parceira 70

111 Criacuteticas agrave teoria da parceria 71

12 Fusatildeo dialoacutegica 72

121 Criacuteticas agrave teoria da fusatildeo dialoacutegica 73

13 Os mecanismos estruturais de diaacutelogo no sistema britacircnico e neozelandecircs 73

131 O mandado interpretativo e a declaraccedilatildeo de incompatibilidade no reino unido (seccedilatildeo 3 e 4

(2) do human rights act 1998) 74

132 O mandado interpretativo na experiecircncia neozelandesa 82

CAPIacuteTULO 3 ndash AS TEORIAS DIALOacuteGICAS NO SISTEMA DE JURSIDICcedilAtildeO

CONSTITUCIONAL BRASILEIRO UMA POSSIBILIDADE 87

14 Julgamento da accedilatildeo direta de inconstitucionalidade nordm 2797df ndash a suacutemula 394 do

STF e a lei nordm 106282002 89

15 Julgamento da accedilatildeo direta de inconstitucionalidade nordm 4543DF e a lei

131652015 96

16 Julgamento da accedilatildeo direta de inconstitucionalide nordm 3772DF ndash a suacutemula 726 do

STF e a lei nordm 113012006 100

17 Julgamento da accedilatildeo direta de inconstitucionalidade por omissatildeo nordm 3382MT 105

18 Diaacutelogo institucional siacutentese dos aspectos controversos e algumas consideraccedilotildees

acerca da sua consecuccedilatildeo praacutetica 109

CONCLUSAtildeO 116

BIBLIOGRAFIA 118

6

RESUMO

O objeto do presente trabalho satildeo as Teorias dos Diaacutelogos Institucionais

as quais se apresentam no acircmbito da jurisdiccedilatildeo constitucional como uma alternativa para

resolver os problemas relacionados a legitimidade democraacutetica da revisatildeo judicial das leis

combater o ativismo judicial e propiciar uma maior efetivaccedilatildeo dos direitos fundamentais

Inicialmente faz-se uma abordagem dos fatores que contribuiacuteram para o

seu desenvolvimento passando por questotildees relacionadas a expansatildeo do Poder Judiciaacuterio e

a adoccedilatildeo de um sistema de judicial review pelos paiacuteses da Commonwealth e o surgimento

do modelo fraco de controle de constitucionalidade (weak form of judicial review)

As teorias satildeo exploradas por meio da classificaccedilatildeo desenvolvida por

Chistine Bateup por meio de uma abordagem conceitual e praacutetica a fim de identificar os

aspectos positivos bem como as dificuldades da concretizaccedilatildeo das mesmas

Busca-se ainda verificar de que forma e em que medida essas teorias se

manifestam no sistema brasileiro o que eacute feito por meio de uma consulta a importantes

julgados do Supremo Tribunal Federal no ensejo do controle concentrado de

constitucionalidade

Ao final realiza-se um balanccedilo criacutetico dos aspectos controversos das

teorias identificando suas dificuldades praacuteticas bem como o seu potencial normativo

PALAVRAS-CHAVE judicial review supremacia judicial ativismo judicial legitimidade

democraacutetica teorias dialoacutegicas separaccedilatildeo de poderes

7

ABSTRACT

The focus of this study are the Theories of Institutional Dialogue which

are presented in the context of constitutional juridiction as an alternative to solve the

problems the democratic legitimacy of judicial review of laws combating judicial activism

and promote a greater realization of fundamental rights

Initially it is an approach of the factors that contributed to their

development through issues related to expansion of the Judiciary and the adoption of a

judicial review by the countries of the Commonwealth system and the emergence of weak

form of judicial review

The theories are operated by classification developed by Chistine Bateup

through a conceptual and practical approach in order to identify the positive and the

difficulties of their achieving

Also it is a search to verify how and to what extent these theories are

manifested in the Brazilian system which is done through a judged important verification of

the Supreme Court on the occasion of the concentrate constitutionality control

At the end it carried out a critical assessment of the controversial aspects

of the theories identifying their practical difficulties and its normative potential

KEYWORDS judicial review judicial supremacy judicial activism democratic

legitimacy dialogical theories separation of powers

8

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

ADI ndash Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade

Art ndash Artigo

CCORF ndash Canadian Charter of Rights and Freedoms

CEDH ndash Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem

CF88 ndash Constituiccedilatildeo Federal Brasileira de 1988

HRA ndash United Kingdomrsquos Bill of Rights Act

P ndash Paacutegina

PLS ndash Projeto de Lei do Senado

PEC ndash Projeto de Emenda Consrtitucional

RE ndash Recurso Extraordinaacuterio

STF ndash Supremo Tribunal Federal

9

INTRODUCcedilAtildeO

A complexidade das sociedades atuais o novo contexto internacional e a

redefiniccedilatildeo das concepccedilotildees de Constituiccedilatildeo impotildeem a reflexatildeo acerca do tradicional modelo

de jurisdiccedilatildeo constitucional e a sua capacidade de resoluccedilatildeo de conflitos de forma eficaz Se

antes o objetivo do constitucionalismo era assegurar direitos hoje a sua preocupaccedilatildeo gira

em torno da concretizaccedilatildeo dos mesmos

Fatores como o alargamento do Poder Judiciaacuterio o crescente ativismo

judicial e o surgimento de novos sistemas de jurisdiccedilatildeo constitucional dissociados da

tradicional ideia de supremacia judicial intensificam e fazem avanccedilar os debates acerca da

legitimidade do judicial review e da sua eficaacutecia no tocante a efetivaccedilatildeo dos direitos

fundamentais

Apesar de ser um tema recorrente na doutrina constitucional os debates

acerca da jurisdiccedilatildeo constitucional parecem estar longe do fim ao contraacuterio contam com

argumentos cada vez mais complexos e que ultrapassam o tradicional binocircmio Judiciaacuterio v

Legislativo e a disputa pela palavra final

O propoacutesito deste trabalho eacute contribuir para a reflexatildeo acerca do tema

utilizando como instrumento para tanto a exposiccedilatildeo e anaacutelise das Teorias dos Diaacutelogos

Institucionais as quais se propotildeem promover uma redefiniccedilatildeo do desenho institucional no

acircmbito da jurisdiccedilatildeo constitucional a fim de conciliar a revisatildeo judicial das leis com o

princiacutepio democraacutetico e propiciar uma maior eficaacutecia dos direitos fundamentais

O conteuacutedo do primeiro capiacutetulo trata de aspectos mais gerais e

introdutoacuterios buscando demonstrar a importacircncia e atualidade do tema no contexto global

em face do novo paradigma constitucional pautado em relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo na sequecircncia

aborda-se por questotildees especiacuteficas relativas ao judicial review como o tradicional debate

acerca da sua legitimidade e da sua recente expansatildeo para os paiacuteses da Commonwealth as

quais contribuiacuteram decisivamente para o desenvolvimento das teorias dialoacutegicas

Apoacutes contextualizar o surgimento da ideia de um diaacutelogo institucional no

segundo capiacutetulo faz-se uma exposiccedilatildeo conceitual praacutetica e criacutetica das teorias dialoacutegicas

buscando extrair seus principais contributos bem como desmistificar vaacuterios aspectos

10

enaltecidos por alguns estudiosos a respeito das mesmas

Utiliza-se para fins didaacuteticos a classificaccedilatildeo feita por Christine Bateup a

qual agrupa as teorias em classes diferentes e a exposiccedilatildeo de exemplos concretos de cada

teoria trazendo ao final de cada toacutepico as principais criacuteticas concernentes a sua praacutetica

Feita a anaacutelise conceitual e exemplificativa de cada grupo teoacuterico bem

como a exposiccedilatildeo de suas respectivas criacuteticas a proposta do uacuteltimo capiacutetulo eacute verificar como

e em que medida as teorias dialoacutegicas estudadas encontram reflexo na praacutetica da jurisdiccedilatildeo

constitucional brasileira atraveacutes da observaccedilatildeo de julgados do Supremo Tribunal Federal no

acircmbito do controle concentrado - ou abstrato - de constitucionalidade

A principal inquietaccedilatildeo que move este trabalho eacute verificar se o diaacutelogo

institucional na forma em que eacute proposto pelas principais teorias desenvolvidas ateacute nestas

primeiras deacutecadas do seacuteculo XXI eacute uma praacutetica possiacutevel de ser implementada ou tatildeo-

somente uma conjectura teoacuterica

11

CAPIacuteTULO 1 ndash OS NOVOS DESAFIOS DO CONSTITUCIONALISMO E SEUS

REFLEXOS NA JURISDICcedilAtildeO CONSTITUCIONAL O SURGIMENTO IDEIA DE

COOPERACcedilAtildeO

1 Os novos desafios do constitucionalismo

Antes de adentrarmos no tema central do presente trabalho eacute necessaacuterio

entender as novas premissas e diretrizes do constitucionalismo contemporacircneo Dizemos

isso por constatar que natildeo se pode analisar a jurisdiccedilatildeo constitucional de forma dissociada

do contexto histoacuterico e social em que se insere

Haumlrbele (2006) ensina que o constitucionalismo eacute por excelecircncia uma

criaccedilatildeo cultural Na mesma linha de raciociacutenio Bastos (2010) aduz que o constitucionalismo

acima de tudo revela-se como um fenocircmeno social dotado de caraacuteter juriacutedico Explica que

o seu caraacuteter social decorre de uma pressatildeo nascida do povo que objetiva o esvaziamento do

poder absoluto e o caraacuteter juriacutedico por representar a formaccedilatildeo da regulamentaccedilatildeo legal do

exerciacutecio do Poder aliada agrave implementaccedilatildeo da defesa da Constituiccedilatildeo

Dessa forma percebe-se que o constitucionalismo estaacute intimamente ligado

ao contexto social em que se insere Eacute por essa razatildeo que Canotilho (2003 p51) com

pertinecircncia afirma ser preferiacutevel referir-se a movimentos constitucionais pois natildeo haacute soacute um

constitucionalismo e sim diversos movimentos constitucionais com coraccedilotildees nacionais

mas tambeacutem com momentos de aproximaccedilatildeo entre si fornecendo uma complexa tessitura

histoacuterico-cultural

Reconhecida a influecircncia do contexto social no desenvolvimento do

constitucionalismo eacute correto afirmar que os desafios impostos agrave jurisdiccedilatildeo constitucional no

seacuteculo XXI natildeo satildeo os mesmo de outrora Se antes a preocupaccedilatildeo constitucional girava em

torno da limitaccedilatildeo do poder estatal da separaccedilatildeo de poderes e garantia de direitos e

liberdades hoje os problemas satildeo significativamente mais complexos devido ao proacuteprio

desenvolvimento da sociedade moderna

As consequecircncias do intenso processo de globalizaccedilatildeo que a humanidade

vivencia aumentam a complexidade da sociedade atual diminuem a distacircncia entre os

Estados criam novos pontos de convergecircncia entre eles estreitam as suas fronteiras

12

geograacuteficas Soma-se agrave isto o crescente fortalecimento dos mecanismos internacionais de

defesa dos Direitos Humanos e o aumento vertiginoso das normas internacionais Ora o

constitucionalismo como fenocircmeno social que eacute natildeo poderia ser imune a essas grandes

modificaccedilotildees

Jonatas Machado (2011 p33) salienta que o desenvolvimento dos

sistemas internacionais de proteccedilatildeo dos Direitos Humanos Europeu Americano e Africano

por si soacute constiuem uma revoluccedilatildeo constitucional na medida em que estabelecem uma

espeacutecie de jurisdiccedilatildeo constitucional de Direitos Humanos supranacional com capacidade de

condenar os Estados membros por violaccedilotildees a esses direitos

Destaca ainda que a Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos do Homem tem

exercido um efeito direto no Direito Constitucional de numerosos Estados em todos os

continentes inspirando cataacutelogos de direitos liberdades e garantias sendo expressamente

mencionada como auxiliar interpretativo dos cataacutelogos internos ou sendo mesmo

incorporada no bloco de constitucionalidade de alguns Estados

Assim verifica-se a abertura da Constituiccedilatildeo ao Direito Internacional

gerando um novo paradigma constitucional com o surgimento de conflitos mais complexos

sobretudo pela pluralidade no tocante a interpretaccedilatildeo do conteuacutedo dos Direitos Humanos

Neves (2013) sintetiza claramente o momento do constitucionalismo atual

quando aduz que com a maior integraccedilatildeo da sociedade mundial os problemas

constitucionais que versam sobre de direitos humanos ou fundamentais e sobre o controle e

limitaccedilatildeo do poder tornaram-se insuscetiacuteveis de serem tratados por uma uacutenica ordem juriacutedica

estatal no acircmbito do seu territoacuterio vez que esses problemas passam a ser concomitantemente

relevantes para mais de uma ordem juriacutedica muitas vezes natildeo estatais que satildeo instadas a

oferecer respostas para a sua soluccedilatildeo

Nesse contexto o tradicional princiacutepio de soberania tanto do Estado como

do Texto Supremo que o rege acaba por ser relativizado jaacute que as relaccedilotildees sociais

econocircmicas poliacuteticas e tambeacutem juriacutedicas se desenvolvem cada vez mais no acircmbito

internacional ultrapassando os tradicionais limites do poder nacional1

1 Sobre a referida relativizaccedilatildeo do princiacutepio da soberania importante destacar que como bem leciona o ilustre

doutrinador portuguecircs Jonatas Machado a mesma natildeo significa de forma alguma o fim do Estado enquanto

organizaccedilatildeo juriacutedica de uma comunidade poliacutetica Natildeo pode haver uma eficaz proteccedilatildeo dos direitos humanos

13

A moderna doutrina fala em crise do constitucionalismo decorrente dessa

conjuntura2 eis que foi revelada a incapacidade do Estado nacional e o texto magno que o

rege para resolverem isoladamente os impasses constitucionais o que acarreta em uma

perda de forccedila da Constituiccedilatildeo

Desta feita o atual momento do constitucionalismo impotildee uma reflexatildeo

acerca do papel da Constituiccedilatildeo e consequentemente da jurisdiccedilatildeo constitucional reflexatildeo

que deve ser feita natildeo apenas sob seus aspectos internos mas sim de forma comprometida

com o contexto global que seraacute determinante na sua estruturaccedilatildeo sob pena de perda da sua

eficaacutecia A abertura cognitiva que o novo cenaacuterio de fluidez de fronteiras geograacuteficas e de

intensa circulaccedilatildeo de ideias determina em relaccedilatildeo a compreensatildeo e atualidade do sentido

constitucional vem inspirando uma nova visatildeo de constitucionalismo que contemple

arquiteturas de acomodaccedilatildeo institucional que conduzam a um exerciacutecio democraacutetico de

identificaccedilatildeo do sentido constitucional Surgem entatildeo novas relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo

internas e externas ao Estado as quais representam a pedra de toque na atualidade (VALLE

2010 p 32)

Os novos desafios impostos ao constitucionalismo no seacuteculo XXI

sobretudo no tocante a compreensatildeo e delimitaccedilatildeo do conteuacutedo de direitos fundamentais tecircm

permitido a construccedilatildeo de alternativas agrave velha conclusatildeo de que na jurisdiccedilatildeo constitucional

deve existir um oacutergatildeo responsaacutevel por emanar a uacuteltima palavra na resoluccedilatildeo de conflitos jaacute

que nenhum dos atores consituticionais e braccedilos do Poder revela-se por si soacute aptos a

resolver os cada vez mais complexos problemas constitucionais

Em seguida aborda-se-aacute essa nova vertente do constitucionalismo e as

respectivas relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo que vecircm surgindo como consequecircncia dessa mudanccedila de

paradigma

sem um Estado igualmente forte o que deve ocorrer eacute uma reconceitualizaccedilatildeo da soberania mediante a

limitaccedilatildeo de alguma das suas dimensotildees e fortalecimento de outras (MACHADO 2013)

2 Ver DOBNER Petra LOUGHLIN Martin (ed) The Twilight of ConstitutionalismOxford Oxford

University Press 2009

14

2 Constitucionalismo de cooperaccedilatildeo e seus reflexos na jurisdiccedilatildeo constitucional

Conforme pode ser observado no contexto do constitucionalismo atual

haacute uma mudanccedila de paradigma decorrente do reconhecimento do pluralismo como uma

constante dos novos problemas constitucionais A concretizaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo sobretudo

no que tange a efetividade dos direitos fundamentais natildeo pode mais ser pensada de forma

singular devendo se reconhecer a multiplicidade de atores envolvidos nesse processo

Com esse objetivo eclodem inuacutemeras teorias que buscam legitimar

relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo distanciando-se cada vez mais da tradicional ideia de supremacia

seja no acircmbito interno de um Estado ou no espaccedilo internacional

Com isso emerge um conceito de ldquoconstitucionalismo cooperativordquo3 no

qual se albergam essas diversas teorias fundadas na criaccedilatildeo de mecanismos de cooperaccedilatildeo

entre os Estados e suas ordens juriacutedicas Nesse sentido merece destaque o conceito de

Estado constitucional cooperativo desenvolvido por Peter Haumlrbele (2007) como sendo um

Estado que encontra a sua identidade tambeacutem no Direito Internacional no entrelaccedilamento

das relaccedilotildees internacionais e supranacionais na percepccedilatildeo de cooperaccedilatildeo e

responsabilidade bem como no compromisso com a solidariedade e a paz

Tambeacutem com base nessa ideia de abertura e de cooperaccedilatildeo tem-se a

teoria do transconstitucionalismo desenvolvida pelo brasileiro Marcelo Neves4 e a

interconstitucionalidade do ilustre mestre Canotilho5

Apesar de diferentes em alguns aspectos o que essas duas modernas

teorias possuem em comum eacute justamente a tentativa de conciliaccedilatildeo entre o consitucionalismo

e o pluralismo da sociedade globalizada enfrentando a problemaacutetica do estabelecimento de

relaccedilotildees de acoplamento entre ordens nacionais distintas bem como destas com o direito

comunitaacuterio sem que percam a sua respectiva identidade nacional

Enquanto a interconstitucionalidade enfrenta o problema da articulaccedilatildeo

entre constituiccedilotildees e poderes constituintes com fontes e legitimidades diversas dentro de um

3 Neste trabalho o uso do termo ldquoconstitucionalismo cooperativordquo natildeo se refere a nenhuma teoria ou autor em

especiacutefico mas sim ao conjunto da doutrina constitucional que tem como base a construccedilatildeo de relaccedilotildees de

cooperaccedilatildeo seja entre Estados entre entes estatais entre ordens juriacutedicas e outras

4 Ver NEVES Marcelo Transconstitucionalismo Satildeo Paulo Martins Fontes 2013

5 Ver CANOTILHO JJ Gomes ldquoBrancososrdquo e Interconstitucionalidade Itineraacuterios dos Discursos Sobre

Historicidade Constitucional Coimbra Almedina 2006

15

mesmo espaccedilo poliacutetico de forma a solucionar os conflitos decorrentes da justaposiccedilatildeo

concorrecircncia e divergecircncia entre eles (CANOTILHO 2006) o tranconstitucionalismo trata

da construccedilatildeo de ldquopontes de transiccedilatildeordquo entre ordens juriacutedicas diversas buscando um

crescimento e aprendizado muacutetuo entre elas apontando como requisito indispensaacutevel para

tanto a permanente reconstruccedilatildeo da ldquoidentidade constitucionalrdquo de cada uma a partir do

reconhecimento de alteridade sem que isso signifique uma mera convergecircncia entre elas e

uma consequente negaccedilatildeo de identidade proacutepria mas sim a existecircncia de uma prontidatildeo

para a abertura reciacuteproca natildeo apenas cognitiva mas tambeacutem normativa (NEVES 2009)

A partir desse entendimento a conclusatildeo a que se chega eacute que o Estado

natildeo pode mais ser considerado como o principal locus de soluccedilatildeo de conflitos

constitucionais uma vez que esses ultrapassam o seu acircmbito interno sendo imperativa a

abertura agrave relaccedilotildees interestatais e supranacionais

Os exemplos mais emblemaacuteticos desses modelos de relaccedilotildees

cooperativas desenvolvem-se no acircmbito da Uniatildeo Europeia que ao reconhecer a eficaacutecia

imediata ao direito comunitaacuterio introduz um instrumento normativo supranacional agrave ordem

juriacutedica interna de cada paiacutes membro o qual passa tambeacutem a ser paracircmetro de eventual

controle das leis e das proacuteprias constituiccedilotildees estabelecendo assim uma necessaacuteria

convivecircncia entre diversas ordens juriacutedico-normativas dentro de um mesmo espaccedilo poliacutetico

e submetidas a uma jurisdiccedilatildeo supranacional

O proacuteprio Tratado que institui a Uniatildeo Europeia em seu artigo 2346 ao

determinar a competecircncia do Tribunal de Justiccedila europeu sugere que haja um diaacutelogo

intercortes A estrateacutegia a ser adotada para a consolidaccedilatildeo do novo ordenamento eacute portanto

natildeo a de mera subordinaccedilatildeo da ordem juriacutedica nacional agrave supranacional mas sim do

desenvolvimento de constantes relaccedilotildees paritaacuterias de colaboraccedilatildeo (KOMAacuteREK 2005)

6 ldquoArt 234 O Tribunal de Justiccedila eacute competente para decidir a tiacutetulo prejudicial sobre a) A interpretaccedilatildeo do

presente Tratado b) A validade e a interpretaccedilatildeo dos atos adotados pelas instituiccedilotildees da Comunidade e pelo

BCE c) A interpretaccedilatildeo dos estatutos dos organismos criados por ato do Conselho desde que estes estatutos

o prevejam Sempre que uma questatildeo desta natureza seja suscitada perante qualquer oacutergatildeo jurisdicional de um

dos Estados-Membros esse oacutergatildeo pode se considerar que uma decisatildeo sobre essa questatildeo eacute necessaacuteria ao

julgamento da causa pedir ao Tribunal de Justiccedila que sobre ela se pronuncie Sempre que uma questatildeo desta

natureza seja suscitada em processo pendente perante um oacutergatildeo jurisdicional nacional cujas decisotildees natildeo sejam

susceptiacuteveis de recurso judicial previsto no direito interno esse oacutergatildeo eacute obrigado a submeter a questatildeo ao

Tribunal de Justiccedilardquo

16

A niacutevel europeu parece correto afirmar a opccedilatildeo por uma metoacutedica

fundada na imbricaccedilatildeo de cataacutelogos reveladora ou criadora de standards em contraposiccedilatildeo

a um modelo hierarquizado fundado em uma Groundnorm (TAVARES DA SILVA 2014)

ou seja natildeo haacute a primazia entre os ordenamentos mas sim uma ideia de

complementaridade7

Seguindo essa loacutegica de imbricaccedilatildeo e natildeo de hierarquizaccedilatildeo entre os

cataacutelogos a Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa em seu art8ordm4 ldquoAs disposiccedilotildees dos

tratados que regem a Uniatildeo Europeia e as normas emanadas das suas instituiccedilotildees no

exerciacutecio das respectivas competecircncias satildeo aplicaacuteveis na ordem interna nos termos

definidos pelo direito da Uniatildeo com respeito pelos princiacutepios fundamentais do Estado de

direito democraacuteticordquo e ainda no art16ordm determina de forma expressa que ldquoOs direitos

fundamentais consagrados na Constituiccedilatildeo natildeo excluem quaisquer outros constantes das

leis e das regras aplicaacuteveis de direito internacionalrdquo e que ldquoOs preceitos constitucionais

e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados de

harmonia com a Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos do Homemrdquo 8

Portanto como resultado praacutetico dessas normas tem-se a imposiccedilatildeo

obrigatoacuteria ao oacutergatildeo responsaacutevel pelo exerciacutecio da jurisdiccedilatildeo constitucional da observacircncia

do direito comparado propiciando o exerciacutecio do que alguns estudiosos denominam de

diaacutelogo judicial (judicial dialogue) que se caracteriza nessa relaccedilatildeo de cooperaccedilatildeo

estabelecida entre ordens juriacutedicas distintas quando haacute uma conversa entre diferentes

Tribunais a fim de buscar a melhor soluccedilatildeo para a efetivaccedilatildeo dos direitos fundamentais

muito comum na praacutetica da Uniatildeo Europeia9

Saindo do contexto europeu a Constituiccedilatildeo da Aacutefrica do Sul no seu art

39 prevecirc que na interpretaccedilatildeo do Bill of Rights devem ser consideradas as leis internacionais

7 Nesse sentido de acordo com a doutrina impera no ldquotriacircngulo normativo europeurdquo o princiacutepio do niacutevel mais

elevado de proteccedilatildeo o qual pode ser entendido como resultado de uma abertura normativa (TAVARES DA

SILVA 2014)

8 Nesse sentido Jorge Miranda faz uma anaacutelise mais completa da Constituiccedilatildeo portuguesa e fala em um ldquojus-

universalismordquo Ver MIRANDA Jorge O Estado Constitucional Cooperativo e o Jus-Universalismo da

Constituiccedilatildeo Portuguesa In Cadernos da Escola de Direito e Relaccedilotildees Internacionais da UniBrasil JanDez

2007 pp 7-22) Ver tambeacutem CANOTILHO JJ Gomes MOREIRA Vital Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica

Portuguesa Anotada Volume I Coimbra 2014

9 Ver GOLUB Jonathan Modelling Judicial Dialogue in the European Community The Quantitative Basis

of Preliminary References to the ECJ 1996 ISSN 1028-3625

17

e podem ser consideradas leis estrangeiras bem como que o referido documento natildeo nega a

existecircncia de quaisquer outros direitos ou liberdades que sejam reconhecidos ou conferidos

pela common law costumary law ou legislation 10

A previsatildeo contida na Constituiccedilatildeo da Aacutefrica do Sul eacute especialmente

importante nesse contexto pois natildeo se refere apenas a necessidade de observacircncia e

integraccedilatildeo com as normas internacionais mas faz tambeacutem expressa referecircncia as normas

estrangeiras ou seja oriundas de outros paiacuteses

A ideia que fundamenta o exerciacutecio do direito comparado eacute a da busca

pelo enriquecimento da compreensatildeo do conteuacutedo dos direitos fundamentais por intermeacutedio

do compartilhamento de experiecircncias entre tribunais constitucionais distintos11 ou seja no

desenvolvimento de uma jurisdiccedilatildeo constitucional que natildeo se afigure monopolista mas sim

colaborativa

Bobeck (2013) ensina que essa praacutetica pode ser vista como uma forma

de auto-controle dos proacuteprios tribunais que percebem que natildeo podem decidir sozinhos e

buscam no meacutetodo do direito comparado ou no uso de precedentes estrangeiros uma maior

fundamentaccedilatildeo as suas decisotildees

Zagrebelsky (2007) denomina esse fenocircmeno de ldquocosmopolistimo

judicialrdquo o qual consiste justamente na consideraccedilatildeo pelo Judiciaacuterio nacional de documentos

juriacutedicos externos de decisotildees oriundas de outras cortes sejam elas de hierarquia superior

como tribunais internacionais de proteccedilatildeo dos direitos humanos ou ateacute mesmo de outras

cortes constitucionais estrangeiras12

10 ldquo39 Interpretation of Bill of Rights (1) When interpreting the Bill of Rights a court tribunal or forum ndash (a)

must promote the values that underlie an open and democratic society based o human dignity equality and

freedom (b) must consider international law (c) may consider foreing law (2) When interpreting any

legislation and when developing the common law or costumary law every court tribunal or forum must

promote the spirit purport and objects of the Bill of Rights (3) The Bill of Rights does not deny the existence

of any other rights or freedoms that are recognised or conferred by common law customary law or legislation

to the extent that they are consistent with the Bill

11 Nesse sentido Tushnet (2009) ao falar sobre a importacircncia do estudo do direito constitucional comparado

ldquostudiyng comparative constitucional law might improve our ability to make domestic constitucional lawrdquo Ver

ainda HIRSCHL Ran Comparative matters the renaissance of comparative constitutional law Oxford

Oxford University Press 2014 e JACKSON Vicky Comparative Constitucional Law Nova York Foundation

Press 1999 12 Eacute importante destacar que apesar da forma positiva em que se estaacute abordando o cosmopolitismo judicial e o

uso do direito comparado ambos satildeo alvos de criacuteticas pela doutrina Tavares da Silva (2014) destaca que ldquoo

recurso ao direito constitucional comparado por um tribunal constitucional natildeo deve servir um objetivo de

universalizaccedilatildeo de valores mas antes o aprofundamento das soluccedilotildees de inclusividade no contexto

18

Esse fenocircmeno tambeacutem encontra eco em outros lugares do Globo

apesar de em menor escala que no continente europeu A Constituiccedilatildeo Federal Brasileira agrave

semelhanccedila da Portuguesa no sect2ordm do artigo 5ordm adota uma claacuteusula aberta de direitos

fundamentais prevendo expressamente a observacircncia das normas internacionais nessa

mateacuteria

Conclui-se portanto que hoje as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo dentro do

constitucionalismo e no exerciacutecio da jurisdiccedilatildeo constitucional eacute uma realidade concreta e

global A partir disso teve iniacutecio o desenvolvimento de uma noccedilatildeo de diaacutelogo seja ele

judicial ou institucional

Esse eacute um fenocircmeno que natildeo ocorre apenas no acircmbito externo ao

Estado restrito as relaccedilotildees internacionais mas tambeacutem encontra reflexos na estrutura interna

de organizaccedilatildeo do Poder estatal no desenho institucional de cada paiacutes

A ideia de cooperaccedilatildeo e diaacutelogo transporta-se assim tambeacutem para o

acircmbito interno da jurisdiccedilatildeo constitucional dos paiacuteses surgindo um conceito de diaacutelogo

institucional o qual percebe-se deste trabalho

Percebe-se entatildeo que os novos desafios impostos ao

constitucionalismo do seacuteculo XXI tecircm influenciado no desenho institucional da jurisdiccedilatildeo

constitucional adotado por diversos paiacuteses contribuindo sobremaneira para o

desenvolvimento de novos modelos fundados nessa loacutegica da cooperaccedilatildeo superando a

tradicional ideia de uma jurisdiccedilatildeo pautada na supremacia judicial conforme seraacute analisado

intercultural ateacute onde essa inclusividade se revelar possiacutevel ou seja ateacute onde natildeo redunde em uma

neutralizaccedilatildeo do elemento cultural que daacute substacircncia material ao projecto social concreto que aquele oacutergatildeo

judicial tem como missatildeo garantirrdquo

19

3 O tradicional modelo de judicial review e a supremacia judicial

Afirmar que a Constituiccedilatildeo eacute um documento juriacutedico-poliacutetico dotado de

normatividade e superioridade dentro do ordenamento juriacutedico parece algo oacutebvio todavia

essa premissa nem sempre foi verdadeira mas sim resultado de um processo histoacuterico13

Na Ameacuterica do Norte desde o iniacutecio do seu movimento constitucional14

o caraacuteter juriacutedico-normativo da constituiccedilatildeo foi reconhecido o que acabou favorecendo a

um desenvolvimento mais raacutepido da jurisdiccedilatildeo constitucional15 ante a necessidade de

submeter o poder legislativo a limites precisamente soacutelidos16

O tradicional modelo do judicial review americano se formou no

silecircncio dos textos tomando corpo lentamente em um primeiro periacuteodo que foi ateacute 1789

(ano em que se funda o Tribunal Supremo Federal) o mesmo consistia em mera praacutetica

judicial dentro do common law em um segundo periacuteodo que vai de 1789 a 1861

impulsionado pela construccedilatildeo do Estado Federal e pelos conflitos em torno da natureza da

Uniatildeo criado pela Constituiccedilatildeo de 1787 em um terceiro periacuteodo iniciado em 1865 ateacute os

trinta primeiros anos do seacuteculo XX quando se estabeleceu como um sistema de revisatildeo

frente a todas as leis inclusive leis federais em consequecircncia do crescimento do capitalismo

das transformaccedilotildees ocasionadas pelo federalismo e pela necessidade de redefinir as relaccedilotildees

entre o Estado com a nova ordem industrial e em um quarto periacuteodo de 1954 a 1986 quando

se expandiu em resposta aos novos desafios impostos pela busca de justiccedila social igualdade

e liberdade (ACOSTA SAacuteNCHEZ 1998)

13 Nesse sentido Canotilho (2003) nos ensina que a Constituiccedilatildeo eacute o conjunto de regras (escritas ou

consuetudinaacuterias) e de estruturas institucionais conformadoras de uma dada ordem juriacutedico-poliacutetica em um

determinado sistema poliacutetico-social Entre o constitucionalismo antigo e o constitucionalismo moderno vatildeo se

desenvolvendo perspectivas poliacuteticas religiosas e juriacutedico-filosoacuteficas sem o conhecimento das quais natildeo eacute

possiacutevel compreender o proacuteprio fenocircmeno da modernidade constitucional

14 A expressatildeo ldquomovimento constitucionalrdquo eacute utilizada no sentido empregado por Canotilho como um

movimento gerador da constituiccedilatildeo (CANOTILHO 2003)

15 Para uma maior e mais detalhada compreensatildeo do movimento constitucional norte-americano ver Griffin

Stephen American Constitutionalism From the theory to the politics 1998

16 Nesse sentido ver Blaco Valdeacutes Roberto L La configuracioacuten del concepto de Constituicioacuten en las

experieacutencias revolucionarias francesas e norte-americana In Perspectivas Constitucionais Nos 20 anos da

Constituiccedilatildeo de 1976 (org Jorge Miranda) Vol III Coimbra 1998 p11

20

Para muitos a efetiva consagraccedilatildeo desse modelo ocorreu no ano de

1803 com o julgamento do famoso caso Marbury v Madison17 quando houve a formal

proclamaccedilatildeo da superioridade das normas constitucionais frente a qualquer outra lei

formulada pelo Parlamento bem como da autoridade dos Tribunais para invalidaccedilatildeo das leis

consideradas inconstitucionais

A par das questotildees poliacuteticas envolvidas nesse julgamento o fato eacute que

ele se tornou o marco da consolidaccedilatildeo da supremacia18 da Suprema Corte americana que

passou a ser entatildeo formalmente reconhecida como a detentora da uacuteltima palavra dentro do

processo de interpretaccedilatildeo constitucional19

Ateacute meados do seacuteculo XX a ideia que prevalecia na maioria dos paiacuteses

com a exececcedilatildeo dos Estados Unidos20 era a de que as constituiccedilotildees eram proclamaccedilotildees

poliacuteticas importantes mas natildeo possuiacuteam status de normas juriacutedicas As prescriccedilotildees

constitucionais natildeo podiam ser aplicadas diretamente pelos juiacutezes nem geravam direitos

subjetivos para os cidadatildeos

Havia principalmente nos paiacuteses da Europa cidental uma crenccedila na

legitimidade do Parlamento para a criaccedilatildeo do Direito natildeo existindo razatildeo para submeter as

leis por ele criadas agrave nenhuma espeacutecie de revisatildeo judicial O controle que existia era um

controle poliacutetico feito pelo proacuteprio legislativo21

17 Para uma visatildeo criacutetica e maiores detalhes sobre o famoso julgamento Marbury v Madison ver Acosta

Sancheacutez Joseacute Formacioacuten de la Constituicioacuten y Jurisdiccioacuten Constitucional Fundamentos de la Democracia

Constitucional Madri Tecnos 1998 pp 115 e Urbano Maria Benedita Curso de Justiccedila Constitucional

Evoluccedilatildeo Histoacuterica e Modelos de Controlo da Constitucionalidade Almedina 2012 pp 28 a 36

18 Neste trabalho quando fala-se em supremacia refere-se agrave siacutentese de Ward (2007) segundo a qual supremacia

judicial define o status que os precedentes merecem quando desafiados pela atuaccedilatildeo superveniente do

legislativo

19 Griffin (2003) em importante estudo revela que o judicial review americano nem sempre esteve associado agrave

ideia de supremacia judicial tendo sido este elemento incorporado ao modelo posteriormente Nesse sentido

destaca ldquoAs has so often been noted Marshall never claimed supremacy for the Court in Marbury The

opinion ends after all with Marshall saying that courts hace an equal right to the other departament in

interpreting the Constitution The Court committed itself explicity to judicial supremacy only relatively

recently In Cooper v Aaron for example the Court stated that the ldquofederal judiciary is supreme in the

exposition of the law of the Constitutionrdquo

20 Miranda (2007) destaca que diferente da Franccedila e dos paiacuteses europeus durante o seacuteculo XIX os Estados

Unidos vivem quase desde a sua formaccedilatildeo sob o princiacutepio da constitucionalidade isto eacute de que as leis e os

outros atos do Estado devem ser conformes agrave Constituiccedilatildeo e natildeo devem ser aplicados pelos tribunais no caso

de serem desconformes

21 ldquoO controle da conformidade das leis com a constituiccedilatildeo comeccedilou por ser do tipo poliacutetico Aacute medida que o

valor de lei suprema das constituiccedilotildees se ia impondo os parlamentos iam-se sentido cada vez mais pressionados

para permitir que as suas leis fossem objeto de fiscalizaccedilatildeo Numa primeira fase admitiram o controlo da

21

Portanto durante muito tempo na maioria dos paiacuteses europeus em

funccedilatildeo da constituiccedilatildeo ser vista como mero instrumento poliacutetico desprovido de

normatividade cabia ao Parlamento a regulamentaccedilatildeo das relaccedilotildees entre individuo e Estado

usufruindo entatildeo de um papel de legislador soberano eis que seus atos natildeo estavam

subordinados a nenhum controle judicial cabendo ao Poder Judiciaacuterio apenas a mera

aplicaccedilatildeo das leis

O reconhecimento da constituiccedilatildeo como norma juriacutedica soacute ocorreu no

constitucionalismo do poacutes-45 com o fim da segunda guerra mundial quando foram

incorporados no texto constitucional direitos fundamentais e princiacutepios relevantes de

moralidade poliacutetica

Com isso a partir da metade do seacuteculo XX a maioria das novas

constituiccedilotildees passaram a prever mecanismos de jurisdiccedilatildeo constitucional ou procuram

fortalecer ou ampliar os jaacute existentes A maior parte dos paiacuteses que reestruturam suas ordens

juriacutedicas desde entatildeo seja apoacutes libertar-se do jugo de antigas colocircnias seja depois da

superaccedilatildeo de ditaduras internas optaram pela introduccedilatildeo ou ampliaccedilatildeo de instrumentos de

controle de constitucionalidade nos seus textos magnos (SARMENTO 2006)

Ou seja o desenvolvimento do constitucionalismo e o reconhecimento

da constituiccedilatildeo como norma juriacutedica suprema do Estado criaram a necessidade de um

controle das normas infraconstitucionais

Nesse contexto desenvolveram-se inicialmente dois modelos de

controle de constitucionalidade distintos que foram se espalhando pelos diversos paiacuteses ao

longo dos anos que se seguiram O modelo decorrente do sistema americano ficou conhecido

como controle difuso tendo como principal caracteriacutestica o fato de todos os tribunais e juiacutezes

poderem declarar dentro de um caso concreto a inconstitucionalidade de uma lei

infraconstitucional

constitucionalidade das leis mas seriam eles os responsaacuteveis por um tal controlo Era pois um controlo

poliacutetico exercido por um oacutergatildeo poliacutetico o parlamento () Seja como for facilmente se constata que o controle

poliacutetico tende a ser pouco efetivo e eficaz No caso especiacutefico do controlo atribuiacutedo ao parlamento pode

afirmar-se sem grande margem de erro que os parlamentares eram ldquojuiacutezes em causa proacutepriardquo (no fundo era

um autocontrolo) Por este motivo o controlo das normas acabaria por ser atribuiacutedo aos tribunais tornando-se

um controlo judicialrdquo (URBANO 2012 p17)

22

Em oposiccedilatildeo a esse modelo Kelsen desenvolveu uma visatildeo alternativa

de controle de constitucionalidade para os sistemas europeus que ficou conhecido como

controle concentrado de constitucionalidade ou modelo austriacuteaco Nesse tipo de controle a

proteccedilatildeo da Constituiccedilatildeo previa a instituiccedilatildeo de um controle abstrato das atividades do

legislador confiado a um uacutenico oacutergatildeo separado dos tribunais ordinaacuterios - o Tribunal

Constitucional Ao juiacutez constitucional cabia manter ou anular o ato normativo do legislador

consoante o considerasse conforme ou desconforme a constituiccedilatildeo (URBANO 2012)

Jaacute nas uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XX a jurisdiccedilatildeo constitucional foi se

tornando uma realidade quase universal passando a existir em paiacuteses de todos os

continentes Tanto o modelo norte-americano como o modelo austriacuteaco serviram de

inspiraccedilatildeo para a implementaccedilatildeo do controle de constitucionalidade das leis e surgimento de

modelos mistos

Alguns paiacuteses como o Brasil por exemplo desenvolveram sistemas

mistos onde estatildeo presentes caracteriacutesticas de ambos os modelos tanto o austriacuteaco como o

americano ou seja haacute tanto o controle de constitucionalidade difuso quanto o concentrado22

Jaacute nos paiacuteses do continente europeu o modelo mais disseminado foi o modelo Austriacuteaco o

que impulsionou a criaccedilatildeo de diversos Tribunais Constitucionais em paiacuteses como Espanha

Itaacutelia e Portugal23

Assim na grande maioria dos paiacuteses desenvolveu-se um sistema de

jurisdiccedilatildeo constitucional aliado agrave ideia de supremacia judicial no qual o Poder Judiciaacuterio eacute

quem profere a uacuteltima palavra no tocante a interpretaccedilatildeo constitucional Na Europa em

especial a supremacia judicial foi se tornando uma realidade cada vez mais forte sendo o

ativismo judicial um dos responsaacuteveis pelo fortalecimento e desenvolvimento da estrutura

judiciaacuteria que se tem hoje na maioria dos paiacuteses

Diante de tudo isso pode-se afirmar que uma das caracteriacutesticas mais

evidentes no constitucionalismo contemporacircneo eacute a ascensatildeo institucional do Poder

Judiciaacuterio ultrapassando a originaacuteria ideia de legislador negativo tradicionalmente

22 Para maiores detalhes sobre o controle de constitucionalidade brasileiro ver BARROSO Luiacutes Roberto O

Controle de constitucionalidade no direito brasileiro Exposiccedilatildeo sistemaacutetica da doutrina e anaacutelise criacutetica da

jurisprudecircncia Satildeo Paulo Editora Saraiva 2004

23 Para maiores detalhes sobre o controle de constitucionalidade Portuguecircs ver Canotilho 2008 capiacutetulo 2

23

concebida por Kelsen dando margem ao surgimento de alguns fenocircmenos que seratildeo

tratados no toacutepico a seguir

4 Jurisdiccedilatildeo constitucional e democracia um antigo debate

A controveacutersia acerca da natureza da atividade fiscalizatoacuteria exercida

pelas Cortes Constitucionais decorre do possiacutevel conflito entre duas distintas legitimaccedilotildees

a dita legitimaccedilatildeo democraacutetica tipicamente atribuiacuteda ao legislador e a legitimaccedilatildeo

jurisdicional para a defesa do ordenamento juriacutedico constitucional atribuiacuteda ao Juiacutezo

constitucional Discute-se sobretudo o porquecirc da consignaccedilatildeo ao Judiciaacuterio de tal atribuiccedilatildeo

fiscalizatoacuteria bem assim quais seriam os objetos e limites do controle jurisdicional

(PONTES 2001 p 65)24

Os contornos desse debate estatildeo intimamente ligados a noccedilatildeo de

democracia exercendo o seu conceito direta influecircncia nos argumentos de defesa de um ou

de outro Poder Em apertada siacutentese pode-se mencionar que aqueles que defendem a

atribuiccedilatildeo do Poder ao Judiciaacuterio para realizar o controle de constitucionalidade das leis

fundamentam-se na regra contramajoritaacuteria ou seja na necessidade de uma oposiccedilatildeo a regra

da maioria representada pelo Legislativo principalmente para defender e proteger os direitos

e garantias de minorias sem tanta representatividade na busca por uma democracia

substancial25

Em contrapartida existem aqueles que denfendem uma outra noccedilatildeo de

democracia fundada justamente nos argumentos de maioria e de representatividade razatildeo

pela qual entendem pela iligitimidade dos juiacutezes membros natildeo eleitos pelo povo para

derrubar atos legislativos

Apesar da discussatildeo sobre a legitimidade democraacutetica da jurisdiccedilatildeo

constitucional ser um debate antigo natildeo se pode - sob nenhuma hipoacutetese - considera-lo como

24 Sobre o tradicional debate acerca da legitimidade da jurisdiccedilatildeo constitucional ver GARAPON Antonie O

juiz e a democracia o guardiatildeo das promessas Rio de Janeiro Renavn 2009 Linares Sebastiaacuten La

(i)legitimidad democraacutetica del control judicial de las leyes Madrid Marcial Pons MOREIRA Vital Princiacutepio

da Maioria e princiacutepio da constitucionalidade legitimidade e limites da justiccedila constitucional in Coloacutequio no

10ordm Aniversaacuterio do Tribunal Constitucional Lisboa 1993 pp 167-175

25 Sobre a regra contramajoritaacuteria ver BICKEL Alexander The last dangerous branch the Supreme Court at

the bar of politics New Haven Yale University 1986 e WHITE G Edward History and the Constitution

Durham Carolina Academic Press 2007

24

algo superado sobretudo porque na atualidade os argumentos insertos na questatildeo estatildeo

cada vez mais sofisticados e possibilitam uma discussatildeo aleacutem do tradicional binocircmio

Judiciaacuterio x Legislativo no tocante a detenccedilatildeo da uacuteltima palavra em mateacuteria constitucional

Nas uacuteltimas deacutecadas vivencia-se uma expansatildeo do tradicional modelo

do judicial review americano pelo Globo e consequentemente um reforccedilo e um alargamento

do Poder Judiciaacuterio razatildeo pela qual muitos paiacuteses hoje adotam modelos fundados em uma

supremacia judicial na qual os juiacutezes satildeo os responsaacuteveis por emitir a palavra final na

resoluccedilatildeo de conflitos constitucionais

A referida expansatildeo propiciou o desenvolvimento de fenocircmenos como

a judicializaccedilatildeo de questotildees poliacuteticas e o ativismo judicial os quais satildeo atualmente

considerados por alguns como uma ameaccedila ao princiacutepio democraacutetico a separaccedilatildeo de poderes

e ateacute mesmo a efetividade de direitos fundamentais Diante disso acabam por vir

novamente agrave tona antigos questionamentos relativos agrave legitimidade democraacutetica da

jurisdiccedilatildeo constitucional

A judicializaccedilatildeo da Poliacutetica aqui entendida como a dependecircncia de

Tribunais e dos meios judiciais para abordarsolucionar impasses morais fundamentais

questotildees de poliacuteticas puacuteblicas e controveacutersias poliacuteticas eacute um fenocircmeno mundial Embora

muitas questotildees de poliacuteticas puacuteblicas ainda permaneccedilam aleacutem do alcance do Judiciaacuterio eacute

fato incontestaacutevel que tem havido uma deferecircncia das outras esferas do Poder no sentido de

acolher a intrusatildeo do mesmo em suas prerrogativas o que acaba por acelerar o processo de

judicializaccedilatildeo das agendas poliacuteticas (HIRSCHL 2008)26

26 Hirschl faz importante observaccedilatildeo sobre um niacutevel diferente de judicializaccedilatildeo o qual denomina de

judicializaccedilatildeo da acutemega-poliacuteticaacute a qual seria mais impactante e consequentemente mais preocupante De

acordo com o autor ldquoToday not a single week passes without a national high court somewhere in the world

releasing a major judgment pertaining to the scope of constitutional rights or the limits on legislative or

executive powers The most common are cases dealing with procedrual justice and criminal lsquodue processrsquo

rights Aggregate data suggest that approximately two-thirds of all constitutional rights cases in the lsquoworld of

new constitutinalismrsquo deal with that type of rights Also common are rulings involving classic civil liberties

the right to privacy and formal equality This ever-expanding body of civil liberties jurisprudence has

expanded and fortified the boundaries of the constitutionally protected private sphere (often perceived as

threatened by the long arm of the state and its regulatory laws) and hastransformed numerous policy areas

involving individual freedoms In recent years we have seen the emergence of another level of judicialized

politics reliance on courts and judges for dealing with what we might call lsquomega-politicsrsquo ndash core political

controversies that define the boundaries of the collective or cut through the heart of entire nations This level

of judicialization includes several subcategories judicial scrutiny of executive-branch prerogatives in the

realms of macroeconomic planning or national security (ie the demise of what constitutional theorists call

the lsquopolitical questionrsquo doctrine) judicialization of electoral processes judicial corroboration of regime

transformation fundamental restorative-justice dilemmas and above all the judicialization of formative

25

Com o reconhecimento internacional da importacircncia da proteccedilatildeo dos

direitos fundamentais e o consequente entendimento de que a enunciaccedilatildeo desses direitos na

Carta Magna determina por si soacute um direito subjetivo em favor dos cidadatildeos o Estado

passou a ser responsaacutevel pela realizaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas que visem agrave sua efetividade

natildeo mais sendo suficiente apenas que natildeo os viole mas tambeacutem que aja de forma a propiciar

a sua eficaacutecia

Assim o Judiciaacuterio passou a ser visto como o principal centro de

discussatildeo sobre a efetividade desses direitos principalmente pela sociedade que encontrou

nas demandas judiciais um meio de coagir o Estado a dar cumprimento e efetividade aos

direitos constitucionalmente assegurados O progressivo aumento dessas demandas fez com

que fosse possiacutevel uma realizaccedilatildeo do controle judicial das poliacuteticas puacuteblicas estatais

favorecendo a judicializaccedilatildeo de temas que antes eram reservados ao campo da poliacutetica27

Esse cenaacuterio tambeacutem propiciou a ocorrecircncia de outro fenocircmeno

designado como ativismo judicial ou governo de juiacutezes28 que a par da sua difiacutecil e

heterogecircnea conceituaccedilatildeo deve aqui ser entendido como a excessiva atividade criativa do

juiz constitucional29

Tanto a judicializaccedilatildeo de questotildees poliacuteticas como o ativismo judicial

podem ser identificados como patologias dentro do sistema da jurisidiccedilatildeo constitucional sob

o ponto de vista do princiacutepio da separaccedilatildeo de poderes (TAVARES DA SILVA 2014) eis

que ocasionam um excesso de autonomia e poder ao Judiciaacuterio em detrimento dos demais

poderes facilitando inclusive a usurpaccedilatildeo de competecircncias

collective identity nation-building processes and struggles over the very definition or raison decirctre of the polity

as such ndash arguably the most troubling type of judicialization from a participatory democracy stanpoint These

emerging areas of judicialized politics expand the boundaries of national high-court involvement in the

political sphere beyond any previous limitrdquo

27 Esse eacute um tema muito discutido no Brasil onde haacute um grande nuacutemero de demandas judiciais - individuais e

coletivas - que questionam a efetividade de direitos fundamentais como o direito agrave sauacutede agrave educaccedilatildeo etc Sobre

o assunto ver VALLE Vanice Regina Liacuterio do Judicializaccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas no Brasil Ateacute onde

podem nos levar as asas de Iacutecaro In Themis Revista de Direito da Universidade Nova de Lisboa ano XI

nordm 2021 2011

28 A criaccedilatildeo dessas expressotildees eacute respectivamente atribuiacuteda agrave Arthur Schlesinger Jr e Walter Clark

29 Sobre o ativismo judicial ver URBANO 2012 p 87- 101

26

Somado a esses fenocircmenos outro importante componente que ajudou

a reacender o debate30 foi a recente transposiccedilatildeo do modelo americano do judicial review

fundado na supremacia judicial para paiacuteses da Commonwealth tradicionalmente centrados

em um modelo de soberania parlamentar a qual seraacute melhor abordada no toacutepico a seguir

Diante das evidentes dificuldades de harmonizaccedilatildeo do modelo de

revisatildeo judicial das leis para paiacuteses onde ateacute entatildeo o Parlamento era soberano expoentes

doutrinadores como Ronald Dworkin e Jeremy Waldron voltaram sua atenccedilatildeo para a anaacutelise

das vantagens e desvantagens da realizaccedilatildeo de um controle judicial dos atos do Parlamento

e da sua legitimidade democraacutetica

Dworkin (2006) postula uma ldquoconcepccedilatildeo constitucional de

democraciardquo31 segundo a qual o regime democraacutetico demanda a tomada decisotildees coletivas

por instituiccedilotildees que tratem de forma isonocircmica todos os cidadatildeos fato que nem nem sempre

iraacute ocorrer em procedimentos majoritaacuterios Assim o Autor defende que o primordial para a

legitimidade democraacutetica de uma decisatildeo eacute o seu conteuacutedo substantivo e natildeo propriamente

o procedimento em si realizado para a sua elabraccedilatildeo

Sendo assim alega a legitimidade democraacutetica do controle de

constitucionalidade das leis realizada pelo Poder Judiciaacuterio eis que esta seria no seu

entender a instacircncia do Poder mais apta a fornecer a ldquoresposta certardquo sobre direitos

fundamentais (DWORKIN 2001)

30 Necessaacuterio esclarecer que o controle de constitucionalidade sempre foi alvo de desconfianccedila sob o ponto de

vista da teoria democraacutetica durante muitos anos importantes estudiosos concentraram esforccedilos tentando buscar

uma justificativa capaz de legitimaacute-lo como o famoso debate entre Hans Kelsen e Carl Schmitt Todavia o

debate de hoje o qual interessa para o presente trabalho se funda em argumentos mais complexos por razotildees

didaacuteticas natildeo iremos retomar ao debate mais antigo

31ldquoSe rejeitamos a premissa majoritaacuteria precisaremos de uma explicaccedilatildeo diferente e melhor do valor e da

finalidade da democracia Vou defender agora uma explicaccedilatildeo ndash que chamo de concepccedilatildeo constitucional da

democracia ndash que efetivamente rejeita a premissa majoritaacuteria Segundo essa explicaccedilatildeo o fato de as decisotildees

coletivas serem sempre ou normalmente as decisotildees que a maioria dos cidadatildeos e tomariam se fossem

plenamente informados e racionais natildeo eacute nem uma meta nem uma definiccedilatildeo de democracia O objetivo que

define a democracia tem de ser diferente que as decisotildees coletivas sejam tomadas por instituiccedilotildees poliacuteticas

cuja estrutura composiccedilatildeo e modo de operaccedilatildeo dediquem a todos os membros da comunidade enquanto

indiviacuteduos a mesma consideraccedilatildeo e o mesmo respeito () a concepccedilatildeo constitucional requer esses

procedimentos majoritaacuterios em virtude de uma preocupaccedilatildeo com a igualdade dos cidadatildeos e natildeo por causa de

um compromisso com as metas da soberania da maioria Por isso natildeo opotildee objeccedilatildeo alguma ao emprego deste

ou daquele procedimento natildeo majoritaacuterio em ocasiotildees especiais nas quais tal procedimento poderia proteger

ou promover a igualdade que segunda essa concepccedilatildeo eacute a proacutepria essecircncia da democracia e natildeo aceita que

essas exceccedilotildees sejam causa de arrependimento moralrdquo (DWORKIN Ronald O Direito da Liberdade Satildeo

Paulo Martins Fontes 2006 p 26)

27

Em contrapartida Waldron (1999) sustenta que a legitimidade

democraacutetica de uma decisatildeo coletiva natildeo pode ser julgada a partir dos seus resultados como

propotildee Dworkin mas sim pelo caraacuteter democraacutetico do procedimento de tomada da decisatildeo

Partindo do princiacutepio da existecircncia de um grande dissenso acerca dos direitos fundamentais

dentro da sociedade entende que natildeo eacute legiacutetimo que predomine como correta entre as

diversas visotildees existentes aquela enunciada pelo Judiciaacuterio

Segundo o Autor o tradicional modelo do judicial review aliado agrave

supremacia do Judiciaacuterio natildeo eacute o meio mais adequado para a tomada de decisatildeo final em

uma sociedade livre e democraacutetica Apesar de criticar severamente essa praacutetica natildeo ignora

a sua existecircncia na maioria dos paiacuteses e faz uma distinccedilatildeo entre os diversos sistemas

classificando-os em sistemas fortes intermediaacuterios e fracos de acordo com a quantidade de

poder que eacute atribuiacutedo ao Judiciaacuterio (WALDRON 2014)

Neste sentido eacute importante a distinccedilatildeo que propotildee entre judicial review

e supremacia judicial O primeiro conceitua como uma forma de controle judicial das leis

que na sua melhor concretizaccedilatildeo praacutetica pode operar como um poder modesto de restriccedilatildeo

jaacute a supremacia judicial como a ideia de que os juiacutezes satildeo supremos e ateacute soberanos na

poliacutetica estando todos os outros poderes poliacuteticos a eles subordinados (WALDRON 2014

p 5)

Esclarece por exemplo que nos Estados Unidos haacute uma supremacia

judicial natildeo necessariamente pela adoccedilatildeo de um modelo forte de revisatildeo judicial mas sim

pela forma que este vem sendo exercido pela Suprema Corte Americana (WALDRON

2014 p 11)

O raciociacutenio desenvolvido por Wladron eacute importante principalmente

para demonstrar que natildeo deve haver uma vinculaccedilatildeo necessaacuteria entre judicial review e

supremacia judicial Ou seja para o autor a supremacia judicial e seus efeitos negativos pode

e deve ser combatida sem que para isso tenha-se que abolir a praacutetica da revisatildeo judicial das

leis a qual pode ateacute ser considerada como uma praacutetica boa e necesaacuteria

Com base nesse raciociacutenio atualmente o tradicional modelo de judicial

review aliado a supremacia do Poder Judiciaacuterio tem sido um dos maiores alvos de criacuteticas da

teoria constitucional natildeo apenas sob a oacutetica da legitimidade democraacutetica mas tambeacutem pelo

seu resultado no que tange a verdadeira efetivaccedilatildeo dos direitos fundamentais

28

O excesso de poder concedido ao Judiciaacuterio passou entatildeo a ser visto

com maus olhos em razatildeo de fenocircmenos como o ativismo judicial e a judicializaccedilatildeo poliacutetica

levando a doutrina a uma busca incessante por formas de combate a essas patologias

Em face disso alguns Estados de tradiccedilatildeo parlamentar cientes dessa

realidade negativa vivenciada nos demais paiacuteses poreacutem convencidos da necessidade de

implementaccedilatildeo de um sistema de revisatildeo judicial das leis para uma maior efetivaccedilatildeo dos

direitos fundamentais buscaram desenvolver modelos alternativos aos ateacute entatildeo existentes

Uma das propostas desses novos modelos eacute superar o problema da

legitimidade democraacutetica do judicial review mediante a promoccedilatildeo de um reequiliacutebrio entre

o Legislativo e Judiciaacuterio conforme se leraacute nas proacuteximas paacuteginas

5 A implementaccedilatildeo do judicial review nos paiacuteses da commonwealth e o

surgimento de uma nova alternativa ao binocircmio judiciaacuterio v Legislativo ndash weak

form of judicial review

A evoluccedilatildeo do judicial review na medida em que os Estados foram se

confrontando em pleno seacuteculo XX com o problema da escolha de mecanismos de controle

de constitucionalidade para os seus sistemas normativos procurando ajustar os modelos jaacute

existentes agraves suas realidades permitiu o desenvolvimento de diversos novos modelos

(TAVARES DA SILVA 2014)

Entre 1982 e 1998 paiacuteses como Canadaacute Nova Zelacircndia e Reino Unido

que ateacute entatildeo viviam sob a eacutegide de um sistema pautado na supremacia do Parlamento ao

adotarem um Bill of Rigths instituiacuteram um modelo de revisatildeo judicial a partir do tradicional

modelo americano poreacutem tentando uma nova forma de equiliacutebrio entre os poderes ateacute entatildeo

inexistente

Esse modelo foi denominado por Tushnet como weak form of judicial

review em oposiccedilatildeo ao modelo americano que constitui um strong form of judicial review

no qual a interpretaccedilatildeo constitucional efetuada pela Suprema Corte eacute praticamente

irreversiacutevel e inalteraacutevel por maiorias legislativas ordinaacuterias (TUSHNET 2009 p 33)

O novo modelo traduz-se basicamente em uma forma de controle de

constitucionalidade onde existem mecanismos de respostas da populaccedilatildeo agravequelas decisotildees

29

que lhes parecem erradas visando com isso diminuir a tensatildeo natural relativa a legitimidade

democraacutetica do judicial review

Nele a interpretaccedilatildeo judicial das provisotildees constitucionais pode ser

revisada pelo legislativo em um prazo relativamente curto usando uma regra de decisatildeo natildeo

muito diferente da que eacute usada no processo legislativo cotidiano (TUSHNET 2009) Com

isso tem-se um modelo que dissocia a jurisdiccedilatildeo constitucional da supremacia judicial

permitindo tambeacutem ao Legislativo o pronunciamento

Gardbaum (2013) identifica que este modelo foi feito sob a exata

medida para permitir uma maior proteccedilatildeo juriacutedica aos direitos dentro de paiacuteses com culturas

poliacuteticas nas quais haacute um apego substancial agrave soberania parlamentar como provedora de uma

longa e em grande parte bem sucedida tradiccedilatildeo constitucional democraacutetica32

Em siacutentese o novo modelo de jurisdiccedilatildeo constitucional adotado pelos

paiacuteses da Commonwealth adveacutem entatildeo da busca pela conciliaccedilatildeo entre a necessidade de

proteccedilatildeo dos novos direitos fundamentais e a tradiccedilatildeo da supremacia parlamentar o que

certamente natildeo haacute no tradicional modelo norte-americano

Cada um dos paiacuteses adeptos desse modelo buscou em suas

especificidades adotar mecanismos que prometiam a possibilidade de um exerciacutecio da

jurisdiccedilatildeo constitucional pautado no equiliacutebrio institucional sugerindo uma

responsabilidade conjunta pela decisatildeo final aleacutem de permitir o exerciacutecio de um diaacutelogo

deliberativo entre o Judiciaacuterio e o Legislativo no tocante a aplicaccedilatildeo e proteccedilatildeo dos direitos

fundamentais (GARDBAUM 2013) 33

Na praacutetica pode-se dizer que o marco inicial do denominado sistema

brando de constitucionalidade se deu com o advento da Carta Canadense de 198234 a qual

32 ldquoMost importantly while granting courts the power to enforce fundamental rights it decouples judicial

review from judicial supremacy by empowering legislatures to have the final word This new model was

custom-built to permit greater legal protection of rights within political cultures in which there is substantial

attachment to parliamentary sovereignty as having provided a long and largely successful tradition of

constitutionalist democracyrdquo (GARDBAUM 2013 p 760)

33 Sobre a evoluccedilatildeo do constitucionalismo nos paiacuteses da Commonwealth ver tambeacutem ZINES Leslie

Constitutional change in the Commonwealth Cambridge Cambridge University Press 1991 34 Constitution Act 1982 Disponiacutevel em lthttplaws-loisjusticegccaengConstindexhtmlgt

30

traz na sua Seccedilatildeo 3335 a previsatildeo da notwithstanding clause o que permite ao Legislativo

determinar a aplicaccedilatildeo de um diploma normativo expressamente reconhecido pelo Judiciaacuterio

como inconstitucional e na Seccedilatildeo 136 com a previsatildeo da possibilidade do Legislador reeditar

uma norma que configure e limite direito consagrado nas seccedilotildees 2 e de 7 a 15 e que jaacute tenha

sido objeto de reprovaccedilatildeo pelo Judiciaacuterio desde que fundada em justificativa razoaacutevel

A despeito das criacuteticas dirigidas a esses mecanismos as quais seratildeo

abordadas ao longo do presente trabalho a experiecircncia Canadense chamou a atenccedilatildeo de

diversos doutrinadores por todo o mundo bem como inspirou outros paiacuteses de tradiccedilatildeo

parlamentar a adotar esse novo modelo de jurisdiccedilatildeo constitucional

O Reino Unido por exemplo com a aprovaccedilatildeo do Human Rights Act

(HRA) em 1998 passou a adotar o mecanismo da interpretive obligation e de declarations

of incompability a Nova Zelacircndia tambeacutem apoacutes a aprovaccedilatildeo da sua Carta de Direitos

Humanos introduziu mecanismo similar agrave claacuteusula interpretativa da Inglaterra

Logo apesar de cada paiacutes adotar mecanismos diferentes pode-se dizer

que adotam um modelo fraco de controle de constitucionalidade eis que neles natildeo existe a

ideia de supremacia judicial ou seja a uacuteltima palavra em mateacuteria de interpretaccedilatildeo

constitucional natildeo eacute dada necessariamente pelo Judiciaacuterio havendo a possibilidade de

contradita pelo Legislativo e ateacute mesmo de prevalecircncia da interpretaccedilatildeo deste uacuteltimo

Dessa maneira a partir da observaccedilatildeo dessas novas experiecircncias dos

problemas oriundos da praacutetica do ativismo judicial da crescente judicializaccedilatildeo da Poliacutetica

das controveacutersias sobre a legimitidade da jurisdiccedilatildeo constitucional e da incessante busca pela

efetividade de direitos eclodem inuacutemeras teorias que tentam explicar e fundamentar a

existecircncia de um diaacutelogo entre Legislativo e Judiciaacuterio no seio da jurisdiccedilatildeo constitucional

satildeo as denomidadas teorias dialoacutegicas as quais seratildeo expostas e analisadas na sequecircncia de

forma sistemaacutetica

35 ldquo33 (1) Parliament or the legislature of a province may expressly declare in an Act of Parliament or of the

legislature as the case may be that the Act or a provision thereof shall operate notwithstanding a provision

included in section 2 or sections 7 to 15 of this Charterrdquo

36 ldquo1 The Canadian Charter of Rights and Freedoms guarantees the rights and freedoms set out in it subject

only to such reasonable limits prescribed by law as can be demonstrably justified in a free and democratic

societyrdquo

31

CAPIacuteTULO 2 ndash AS TEORIAS DIAacuteLOGICAS E A CONCRETIZACcedilAtildeO DO

DIAacuteOLOGO INSTITUCIONAL

6 Teoria dos diaacutelogos institucionais

Antes de iniciar a anaacutelise das respectivas teorias importa esclarecer que

apesar das mesmas terem se desenvolvido doutrinariamente em sua maioria e com maior

forccedila apoacutes a criaccedilatildeo do weak judicial review como explicado ateacute aqui algumas delas satildeo

anteriores agrave isso e fruto da anaacutelise de sistemas tradicionais como o do proacuteprio Estados

Unidos conforme seraacute demonstrado na sequecircncia

Eacute necessaacuterio explicar que a referecircncia agrave ldquodiaacutelogos institucionaisrdquo apesar

do reconhecimento da existecircncia de diversas instituiccedilotildees no acircmbito estatal estaacute-se

privilegiando especificamente a interaccedilatildeo entre as Cortes Constitucionais e o Parlamento

sobretudo porque o cerne do debate acerca da legitimidade democraacutetica da jurisdiccedilatildeo

constitucional restringe-se a essas duas vertentes do Poder ficando o executivo de fora pois

segundo a tradicional doutrina nunca foi considerado forte candidato a detentor da uacuteltima

palavra no processo de interpretaccedilatildeo constitucional Dito isso explicar-se-aacute o que as teorias

possuem em comum e quais os seus fundamentos basilares

Como jaacute demonstrado a ideia de diaacutelogo institucional surge a partir do

novo paradigma do constitucionalismo contemporacircneo que tem por objetivo natildeo mais

analisar quem deve interpretar a Constituiccedilatildeo mas sim buscar uma teoria que seja construiacuteda

a partir de uma proposta cooperativa por intermeacutedio da qual as instituiccedilotildees possam

compartilhar fundamentos em comum ao operacionalizar as ordens juriacutedica e poliacutetica

Esse entendimento eacute consequecircncia da anaacutelise do novo modelo de

jurisdiccedilatildeo constitucional iniciado no Canadaacute o qual aponta para a necessidade de

reestabelecimento de um equiliacutebrio entre as instituiccedilotildees por meio da alocaccedilatildeo de

responsabilidade reciacuteproca entre Tribunais e Parlamento na formulaccedilatildeo de poliacuteticas e

legislaccedilatildeo

Ou seja as teorias dialoacutegicas partem da premissa de que muitas vezes a

decisatildeo judicial natildeo seraacute suficiente para a resoluccedilatildeo de um conflito sobre direitos sobretudo

nos casos relativos agrave efetivaccedilatildeo de direitos fundamentais nos quais existem limitaccedilotildees que

32

ultrapassam a seara da competecircncia judicial portanto natildeo pode a decisatildeo judicial ser

considerada o fim da linha dentro da jurisdiccedilatildeo constitucional principalmente quando se

busca a maacutexima eficaacutecia de direitos fundamentais

Em contraste com as teorias de interpretaccedilatildeo que propotildeem criteacuterios que os

juiacutezes devem utilizar para resoluccedilatildeo de conflitos constitucionais as teorias de diaacutelogo

centram-se no processo institucional por meio do qual as decisotildees sobre o significado

constitucional satildeo feitas sugerindo que este envolve a elaboraccedilatildeo compartilhada do

significado constitucional entre o Judiciaacuterio e outros atores (BATEUP 2005)

As teorias que abordam o exerciacutecio de um diaacutelogo institucional na

resoluccedilatildeo dos conflitos consitucionais buscam em primeiro lugar entender e verificar como

essa interaccedilatildeo ocorre qual o seu significado reforccedilando o princiacutepio da separaccedilatildeo de poderes

a partir da percepccedilatildeo de que todas as instituiccedilotildees cada uma em sua especificidade satildeo

responsaacuteveis por uma parcela da tarefa da interpretaccedilatildeo constitucional

As teorias dialoacutegicas natildeo fornecem respostas certas para os casos difiacuteceis

de interpretaccedilatildeo mas despertam um processo no qual todos participam na busca dessa

resposta Rejeita os extremos tanto da atuaccedilatildeo judicial como da atuaccedilatildeo legislativa a Corte

natildeo impede que a prevalecircncia da legislaccedilatildeo mas induz o Parlamento a assumir a

responsabilidade poliacutetica e apresentar justificativas razoaacuteveis para suas escolhas no tocante

agrave restriccedilatildeo de direitos (ROACH 2001)

Nesse sentido Sustein e Vermule (2002) indicam a necessidade de uma

virada institucional no pensamento sobre a interpretaccedilatildeo constitucional chamando a atenccedilatildeo

para a necessidade de observaccedilatildeo da capacidade das instituiccedilotildees e dos efeitos dinacircmicos de

qualquer abordagem especiacutefica e de suas consequecircncias

A partir dessa ideia as teorias do diaacutelogo institucional sugerem que natildeo

deve haver um predomiacutenio de uma instituiccedilatildeo sobre a outra quando do exerciacutecio da

jurisdiccedilatildeo constitucional mas sim uma forccedila tarefa uma atuaccedilatildeo conjunta das mesmas

Sendo assim diversas teorias tecircm se proliferado no sentido de fundamentar

agrave abertura ao diaacutelogo no exerciacutecio da jurisdiccedilatildeo constitucional visando sobretudo o

restabelecimento do equiliacutebrio entre os poderes como fundamento de uma legitimidade

democraacutetica a defesa de um sistema brando de controle de constitucionalidade e a

concretizaccedilatildeo dos direitos fundamentais

33

Buscar-se-aacute na continuidade deste capiacutetulo analisar aacute luz das teorias

dialoacutegicas algumas praacuteticas do Judiciaacuterio e Legislativo a fim de identificar ateacute que ponto

essas teorias podem ser consideradas como efetivadoras de um diaacutelogo concreto e

substancial no exerciacutecio da jurisdiccedilatildeo constitucional e quais seus contributos no tocante a

superaccedilatildeo dos problemas relativos a sua legitimidade e no combate ao ativismo

Entretanto antes de fazer a exposccedilatildeo de cada teoria e seus efeitos praacuteticos

em especiacutefico eacute imprescindiacutevel destacar que haacute na doutrina uma aparente diferenciaccedilatildeo

entre tipos de diaacutelogo gerando uma dicotomia diaacutelogo formal e diaacutelogo material a qual

passamos a explorar no toacutepico seguinte

7 Diaacutelogo formal v Diaacutelogo material

Para que se possa analisar de forma mais clara e eficaz as teorias

dialoacutegicas e suas respectivas praacuteticas se faz necessaacuterio primeiramente entender o que seria

um verdadeiro diaacutelogo e quando este pode ser considerado verdadeiramente promissor no

sentido de cumprir os objetivos a que a teoria se propotildee

De iniacutecio pode-se afirmar que essa tarefa eacute aacuterdua eis que nela residem

justamente os maiores alvos das criacuteticas direcionadas as teorias dialoacutegicas conforme veremos

na sequecircncia Apesar de todas as benesses que a ideia de um diaacutelogo constitucional

apresenta a sua praacutetica ainda eacute um pouco conflituosa eis que nem tudo aquilo que alguns

denominam de ldquodiaacutelogordquo deve ser de fato assim considerado

Na definiccedilatildeo de Dor (2000) o diaacutelogo material ou substantivo ocorre

quando haacute o comprometimento e engajamento de todos os participantes na busca de uma

soluccedilatildeo harmoniosa que conteraacute tanto a interpretaccedilatildeo do Tribunal relativa a uma questatildeo

constitucional como o interesse do legislador

Ou seja no desenvolvimento do diaacutelogo em seu sentido material haacute a

conciliaccedilatildeo entre a interpretaccedilatildeo judicial e os interesses do legislador buscando o Tribunal

articular as falhas da legislaccedilatildeo e o legislador a incluir nas suas iniciativas a interpretaccedilatildeo

do Tribunal buscando soluccedilotildees para alcanccedilar o seu objetivo agrave luz dessa interpretaccedilatildeo

Jaacute o diaacutelogo no sentido formal ocorre quando a atuaccedilatildeo legislativa

pouco ou nada acrescenta ao resultado final servindo apenas para ldquocarimbarrdquo a decisatildeo

34

judicial ou seja quando haacute a total deferecircncia do Legislativo agrave decisatildeo judicial

Tremblay (2005) tambeacutem em importante anaacutelise sobre o tema ao tratar

dos limites da teoria dos diaacutelogos institucionais apesar de natildeo negar a possibilidade da sua

concretizaccedilatildeo praacutetica introduz duas concepccedilotildees geneacutericas de diaacutelogos os de conversaccedilatildeo e

os de deliberaccedilatildeo

Para o Autor os diaacutelogos pautados em uma conversaccedilatildeo satildeo em

siacutentese aqueles que ocorrem de uma maneira mais informal e espontacircnea no qual haacute uma

troca de ideias sentimentos ou opiniotildees sem um comprometimento das partes com um

entendimento em comum um aprendizado ou descoberta de novas perspectivas natildeo haacute

pois um empenho na argumentaccedilatildeo ou um debate forte Seria de certa forma como um

diaacutelogo entre amigos apoacutes uma refeiccedilatildeo

Em contrapartida a concepccedilatildeo deliberativa de diaacutelogo consiste em

praacutetica semelhante agrave conversaccedilatildeo pois tambeacutem haacute troca de ideias sentimentos e opiniotildees

entre duas ou mais pessoas poreacutem de maneira mais formal e menos espontacircnea Na

deliberaccedilatildeo as partes possuem um mesmo propoacutesito buscam por intermeacutedio da troca de

argumentos e ideias a resoluccedilatildeo coletiva de conflitos ou problemas

Sendo assim o diaacutelogo pautado na conversaccedilatildeo consistiria em um

diaacutelogo meramente formal o qual segundo alguns autores natildeo deve ser considerado como

uma forma efetiva de diaacutelogo eis que natildeo haacute uma verdadeira inteiraccedilatildeo entre os poderes mas

tatildeo somente uma possibilidade de resposta de um ao outro

Desta forma pode-se inferir que para que haja a verdadeira

concretizaccedilatildeo dos objetivos propostos pela teoria do diaacutelogo institucional a simples

formulaccedilatildeo pautada em um diaacutelogo formal natildeo seria suficiente fazendo-se necessaacuteria a

ocorrecircncia de uma deliberaccedilatildeo concreta entre os poderes uma verdadeira deliberaccedilatildeo a fim

de chegar a consenso no que tange a interpretaccedilatildeo constitucional

Neste estudo natildeo se despreza nenhuma dessas concepccedilotildees de diaacutelogo

ao contraacuterio busca-se demonstrar justamente aquelas praacuteticas que mais se coadunam com a

concepccedilatildeo de um diaacutelogo material poreacutem tambeacutem ressaltando os benefiacutecios daquelas que

consistam apenas uma vertente formal

Feita essa diferenciaccedilatildeo passa-se a expor de maneira mais especiacutefica

35

as teorias dialoacutegicas e suas manifestaccedilotildees praacuteticas Utilizar-se-aacute didaticamente a

sistematizaccedilatildeo das teorias feita por Christine Bateup sobretudo no que tange a classificaccedilatildeo

das mesmas jaacute que nosso objetivo eacute tentar abordar o maior nuacutemero possiacutevel de teorias e

praacuteticas

A exposiccedilatildeo inicia-se pela anaacutelise da praacutetica sugerida pela doutrina

como dialoacutegica em paiacuteses que possuem um controle de constitucionalidade forte ou seja

inicialmente formulado com base em uma supremacia do Judiciaacuterio na tarefa de revisatildeo

judicial das leis

Apoacutes o que seraacute mencionado a praacutetica dialoacutegica nos paiacuteses que adotam

um controle fraco de constitucionalidade onde a ideia de diaacutelogo a priori eacute mais evidente

pelo fato do proacuteprio modelo constitucional prever mecanismos voltados para esse fim

8 Teorias dialoacutegicas fundadas no meacutetodo judicial

As teorias fundadas no meacutetodo judicial satildeo aquelas que defendem que

o diaacutelogo deve ocorrer dentro da decisatildeo judicial Tecircm como elemento central a defesa do

uso consciente pelo Judiciaacuterio de teacutecnicas de tomada de decisotildees que estimulem e incentivem

o debate mais amplo sobre o significado constitucional com - e entre - os poderes poliacuteticos

Para a praacutetica dessa modalidade de diaacutelogo natildeo haacute a exigecircncia da

existecircncia de mecanismos formais de relaccedilatildeo institucional eis que o diaacutelogo se estabelece

natildeo pela observaccedilatildeo de um preceito especiacutefico preacutevio mas pela simples interaccedilatildeo entre os

distintos ramos do Poder por essa razatildeo eacute possiacutevel encontrar os maiores exemplos desse

tipo de diaacutelogo em sistemas de jurisdiccedilatildeo constitucional centrados na supremacia judicial

conforme se leraacute a seguir

Bateup subdivide essas formas de diaacutelogo em duas categorias as

denominadas de aconselhamento judicial (judicial advice- giving) e as teorias centradas no

processo (process centered rules)

Antes de se tratado cada categoria em especiacutefico necessaacuterio destacar

mais uma vez que o foco neste caso estaacute em buscar exemplos da manifestaccedilatildeo dessa teoria

na jurisdiccedilatildeo constitucional de paiacuteses que adotam um modelo de revisatildeo judicial inspirado

no tradicional modelo norte americano justamente para tentar verificar se neles tambeacutem haacute

36

uma possibilidade de diaacutelogo jaacute que adotam um sistema forte de controle de

constitucionalidade sugerindo o que alguns autores chamam de ldquoenfraquecimento do

controle de constitucionalidaderdquo e fazer o contraponto com a forma de diaacutelogo estabelecida

em jurisdiccedilotildees constitucionais que adotam o weak judicial review para verificar onde se

assemelham e onde se distanciam

Reassalte-se ainda que o objetivo natildeo eacute exaurir todas as questotildees e

pormenores praacuteticos e teoacutericos dos exemplos que seratildeo dados a seguir mas tatildeo somente

abordar as questotildees referentes ao potencial dialoacutegico dos institutos juriacutedicos mencionados

que eacute o que interessa para o alcance do objetivo do presente trabalho

81 Aconselhamento judicial

As teacutecnicas de aconselhamento judicial consistem em formas proativas

de interpretaccedilatildeo constitucional e construccedilatildeo de decisotildees que o Judiciaacuterio recomendan o curso

de accedilatildeo do Poder Legislativo e busca aconselhaacute-lo com o obejtivo de evitar futuros

problemas constitucionais

O uso dessas teacutecnicas visa assegurar que os ramos poliacuteticos visualizem

e entendam a interpretaccedilatildeo constitucional feita pelo Judiciaacuterio para que com isso elaborem

a legislaccedilatildeo de acordo com a mesma ou ainda alterem a legislaccedilatildeo em vigor para evitar

discrepacircncias (BATEUP 2005 p17)

Por natildeo existir uma forma predeterminada para promoccedilatildeo do

aconselhamento judicial nem a necessidade de previsatildeo de um mecanismo especiacutefico para

tanto ele se traduz na praacutetica de inuacutemeras formas Sendo assim natildeo haacute como enumerar todas

as suas possibilidades praacuteticas de forma exaustiva razatildeo pela qual foram selecionadas as

mais importantes e evidentes

811 Constitutional road maps

A doutrina americana reporta-se agraves decisotildees judiciais denominadas de

constitutional road maps mediante as quais o Judiciaacuterio pronuncia a inconstitucionalidade de

uma lei mas ao mesmo tempo aponta os caminhos possiacuteveis a serem seguidos pelo

Legislativo para a correccedilatildeo da incompatibilidade

37

Essa teacutecnica foi utilizada pela Suprema Corte Americana no

julgamento do caso City of Chicago v Morales37 no qual foi analisada a constitucionalidade

da Chicagoacutes gang-loitering law lei que impedia a congregaccedilatildeo puacuteblica de membros de

gangues e seus associados

A lei foi considerada inconstitucional por ser vaga e violar o devido

processo legal poreacutem apesar de declarara inconstitucionalidade a Suprema Corte proferiu

decisatildeo esboccedilando de forma detalhada as alternativas legais com potencial para sobreviver

ao escrutiacutenio judicial

As diretrizes para a elaboraccedilatildeo de um estatuto legal em consonacircncia

com a Constituiccedilatildeo foram traccediladas no voto da Juiacuteza Sandra OrsquoConnor as quais em sua

maioria foram seguidas pelo Legislativo na elaboraccedilatildeo do novo diploma legal

aproximadamente trecircs anos depois razatildeo pela qual a decisatildeo eacute apontada pela doutrina como

fruto de diaacutelogo

Apesar de neste caso a decisatildeo da Suprema Corte ter servido de diretriz

para a elaboraccedilatildeo de um novo diploma legal nem sempre eacute o que ocorre A teacutecnica do

constitutional road map eacute alvo de muitas criacuteticas sendo considerada uma das teacutecnicas mais

radicais e perigosas de incentivo poacutes-invalidaccedilatildeo da lei pois ao derrubar a legislaccedilatildeo em

anaacutelise o Judiciaacuterio oferece um roteiro a ser seguido pelo Legislativo para criar um estatuto

legal que seja constitucional (LUNA 2001)

812 Sentenccedilas intermedias (declaraccedilotildees de mera incompatibilidade

e sentenccedilas apelativas)

No acircmbito europeu em especial no Direito alematildeo existem alguns

tipos de sentenccedilas oriundas do controle de constitucionalidade que satildeo consideradas como

teacutecnicas dialoacutegicas sob o ponto de vista das teorias fundadas no meacutetodo judicial Essas

sentenccedilas fazem parte do grupo das chamadas ldquosentenccedilas intermediasrdquo ou ldquosentenccedilas

37 Oportuno se faz esclarecer que natildeo se adentra nas questotildees faacuteticas do caso nem no meacuterito da decisatildeo por

fugir ao escopo do presente trabalho poreacutem a decisatildeo pode ser consultada na iacutentegra em

httpssupremejustiacomcasesfederalus52741casehtml

38

normativasrdquo38 as quais satildeo decisotildees judiciais que se situam entre o considerar e o natildeo

considerar a inconstitucionalidade de uma norma e nos casos em que eacute admissiacutevel entre

rejeitar a norma considerada inconstitucional e concomitantemente expulsaacute-la do

ordenamento juriacutedico e natildeo considerar constitucional e mantecirc-la (URBANO 2012 p 87)39

Apesar de natildeo nos interessar a anaacutelise de todos os diversos tipos de

sentenccedilas intermedias eacute oportuno destacar que as mesmas satildeo uma produccedilatildeo recente da

jurisdiccedilatildeo constitucional dos paiacuteses europeus que adotaram o modelo autriacuteaco de controle

de consitucionalidade ou seja um controle concentradoabstrato realizado por um Tribunal

criado para esse fim especiacutefico e que revelam que a idealizaccedilatildeo de Kelsen de criaccedilatildeo de um

oacutergatildeo que atue como legislador negativo vem sendo ultrapassada agrave medida que os Tribunais

Constitucionais natildeo mais se limitam meramente a decidir pela constitucionalidade ou natildeo de

uma norma sobretudo pela evidente complexidade dos problemas constitucionais que

exigem decisotildees mais elaboradas que o esquema ldquoconstitucional v inconstitucionalrdquo

Pois bem O primeiro tipo de sentenccedila dentro desse universo que pode

ser considerada como uma teacutecnica dialoacutegica eacute a chamada ldquodeclaraccedilatildeo de mera

incompatibilidaderdquo originaacuteria da jurisprudecircncia alematilde Consiste em uma decisatildeo do

Tribunal Constitucional onde natildeo haacute a anulaccedilatildeo da lei mas apenas a declaraccedilatildeo de que a

mesma eacute incompatiacutevel com a constituiccedilatildeo e a sua consequente suspensatildeo ateacute que o

Legislativo efetue a correccedilatildeo da norma a fim de tornaacute-la constitucional

Ou seja o Tribunal reconhece a inconstitucionalidade da norma poreacutem

sem declarar a sua nulidade mantendo-a no ordenamento juriacutedico mas suspendendo a sua

aplicaccedilatildeo Com isso de acordo com os defensores dessa praacutetica o Judiciaacuterio estaria

permitindo ao Legislativo a correccedilatildeo da legislaccedilatildeo a tempo de evitar um vaacutecuo legislativo

(QUEIROZ 2012)

Essa praacutetica tem sido muito utilizada pelo Tribunal Constitucional

Alematildeo nos casos em que ldquoa declaraccedilatildeo de nulidade haveria de produzir uma situaccedilatildeo

juriacutedica insuportaacutevelrdquo especialmente nas seguintes situaccedilotildees a) quando o juiz reconhece

que o legislador natildeo tinha outra alternativa dado o contexto histoacuterico existente b) quando a

38 Natildeo haacute um consenso na doutrina a respeito da denominaccedilatildeo desses tipos de decisatildeo aqui se optou por utilizar

essas duas nomenclaturas por serem amplamente difundidas e utilizadas pelos doutrinados portugueses e

brasileiros respectivamente

39 No contexto brasileiro essas decisotildees satildeo conhecidas como sentenccedilas interpretativas ou intermediaacuterias

39

inconstitucionalidade natildeo eacute evidente designadamente por motivos de seguranccedila c) quando

a ausecircncia da norma inconstitucional eacute menos adequada que a sua manutenccedilatildeo d) quando

estatildeo em causa disciplinas discriminatoacuterias (URBANO 2012 p 81-82)

Mendes (1990) destaca que essa teacutecnica decisoacuteria eacute utilizada pelo

Tribunal Constitucional alematildeo principalmente nos casos em que estaacute em jogo o princiacutepio

da isonomia quando uma lei injustificadamente confere benefiacutecios a um determinado

nuacutemero de pessoas ou grupos sociais deixando de englobar outros setores caracterizando

assim uma situaccedilatildeo singular complexa que natildeo pode ser resolvida com a simples declaraccedilatildeo

de inconstitucionalidade da lei

Outra importante figura tambeacutem originaacuteria do direito alematildeo mas hoje

tambeacutem muito presente no Direto italiano satildeo as ldquosentenccedilas apelativas ou exortativasrdquo

Nesse tipo de sentenccedila o Tribunal Constitucional natildeo considera a lei inconstitucional no

momento em que profere a decisatildeo entretanto alerta o Legislativo para a possibilidade de

uma futura inconstitucionalidade e diante disso dirige-lhe um apelo para que modificaccedilatildeo

a legislaccedilatildeo a fim de adequaacute-la a Lei Maior

Esse apelo visa sobretudo evitar uma futura inconstitucionalidade e

com base nessa justificativa o Tribunal oferece ao legislador com maior ou menor

determinaccedilatildeo e exigecircncia possibilidades orientaccedilotildees para a reparaccedilatildeo da norma em tempo

uacutetil fixando em alguns casos um prazo para tanto (URBANO 2012a)

Diferem das decisotildees de mera incompatibilidade pois nessas a norma jaacute

foi considerada inconstitucional cabendo ao legislador proceder a imediata adequaccedilatildeo para

sanar a inconstitucionalidade enquanto que nas sentenccedilas apelativas a violaccedilatildeo ao texto

constitucional ainda natildeo foi consumada ou ainda natildeo haacute certeza sobre a sua ocorrecircncia

(SILVA 2008)

A doutrina italiana tem maioritariamente fundamentado a utilizaccedilatildeo

desse tipo de decisatildeo em um chamado constitucionalismo cooperativo italiano equivalente

a dizer que o Tribunal Constitucional quando confrontado com a ineacutercia do poder poliacutetico

tem desempenhado uma funccedilatildeo propulsora dos valores constitucionais (SILVA 2008

p1119)

O que essas decisotildees possuem em comum entre si e tambeacutem com a

primeira figura aqui mencionada do constitutional road map eacute o fato de conterem em seu

40

corpo em menor ou maior grau orientaccedilotildees para a atividade legislativa visando sanar ou

evitar questotildees de inconstitucionalidade

Na visatildeo de Gomes Canotilho (2003 p 1018) esses tipos de decisotildees

satildeo altamente criticaacuteveis pois ldquoa natildeo atribuiccedilatildeo dos efeitos da nulidade ipso jure natildeo pode

implicar a sobrevivecircncia e aplicaccedilatildeo da norma considerada inconstitucional nem os

laquoperigosraquo das lacunas legislativas se podem sobrepor aos perigos da erosatildeo do princiacutepio da

constitucionalidade dos actos normativosrdquo

82 Teorias centradas no processo

Apesar de ser classificada por Bateup como uma forma de diaacutelogo que

emana de uma decisatildeo judicial pode-se dizer que eacute o contraponto do meacutetodo do

aconselhamento judicial pois ao inveacutes de defender a postura provocadora do Judiciaacuterio agrave

reposta legislativa como centro do diaacutelogo preconiza justamente o contraacuterio uma atuaccedilatildeo

contida dos Tribunais de forma a deixar um maior espaccedilo para a atuaccedilatildeo legislativa

De acordo com esse grupo de teorias o Judiciaacuterio natildeo deve apontar o

caminho a ser seguido pelo Legislativo criando diretrizes ou dando orientaccedilotildees eacute uma

atividade que natildeo lhe compete mas deve possibilitar um ldquosegundo olharrdquo para a questatildeo

821 Minimalismo judicial

A teoria do minimalismo judicial tem se desenvolvido principalmente

no contexto norte americano onde os precedente judiciais possuem muita forccedila normativa

Ela pretende a afirmaccedilatildeo do priciacutepio democraacutetico por meio da limitiaccedilatildeo da atuaccedilatildeo judicial

no processo de tomada de decisotildees que envolvam principalmente a fixaccedilatildeo do conteuacutedo de

direitos fundamentais em temas sensiacuteveis da vida social como questotildees relacionadas ao

aborto casamento de homossexuais dentre outras

O atual exponente defensor dessa teoria eacute o americano Cass R Sustein

que propotildee uma limitaccedilatildeo da atuaccedilatildeo jurisdicional das Cortes as quais natildeo devem decidir

questotildees que extrapolem o caso concreto que estaacute em analise visando um ldquouso construtivo

do silecircnciordquo

Ou seja o Judiciaacuterio natildeo deve tomar decisotildees abrangentes de forma

41

que enclausurem a discussatildeo para sempre mas sim deve restringir-se agraves questotildees daquele

caso concreto permitindo que a discussatildeo profunda e geneacuterica do tema ocorra no acircmbito do

oacutergatildeo legislativo o qual possui legimitidade democraacutetica para tanto

Dessa forma o minimalismo em sua forma processual consiste em um

esforccedilo para limitar a amplitude e profundidade das decisotildees judiciais quando os juiacutezes

carecem e sabem que carecem de informaccedilotildees relevantes o minimalismo eacute uma forma de

resposta apropriada razoaacutevel e ateacute mesmo inevitaacutevel para resolver o problema praacutetico de

obter o consenso dentro de uma sociedade heterogecircna (SUSTEIN 1999 p 5)

Bickel (1962) tambeacutem um importante nome dos defensores da

contenccedilatildeo da atuaccedilatildeo judicial ao falar sobre o exerciacutecio pela Suprema Corte do que

denomina de ldquovirtudes passivasrdquo faz referecircncia agrave diversas ldquoteacutecnicas de natildeo decisatildeordquo

existentes no processo norte americano mediante as quais pode a Suprema Corte se abster

de emitir opiniatildeo como por exemplo political question ripness standing mootness dentre

outras

Acrescenta que a Suprema Corte natildeo tem a obrigaccedilatildeo de decidir todo o

tempo e que se assim o fosse poderia levar a um processo manipulativa da democracia

fazendo com que a Corte simplesmente substituisse o legislative impedindo o exerciacutecio do

seu juiacutezo de conveniecircncia tornando-se um second guesser (BICKEL 1962 p200)

Sob o ponto de vista dialoacutegico na contenccedilatildeo da atuaccedilatildeo judicial o cerne

do diaacutelogo estaacute justamente na possibilidade de o legislador lanccedilar um novo olhar para um

tema que possivelmente foi tratado de forma apressada ou sem a profundidade necessaacuteria

aumentando assim a responsabilidade do Legislativo no exerciacutecio da sua atividade tomando

decisotildees poliacuteticas e elaborando normas com niacuteveis adequados de cuidado e deliberaccedilatildeo

(BATEUP 2005)

Nesse mesmo sentido Bickel (1962 p 70-71) em clara referecircncia agraves

teorias do diaacutelogo afirma que ao evitar decidir a Corte estimula o coloacutequio com os outros

poderes e a sociedade O minimalismo judicial seria portanto uma forma de participaccedilatildeo

passiva do Judiciaacuterio no diaacutelogo constitucional permitindo que os juiacutezes abram o diaacutelogo

com os poderes poliacuteticos a fim de incentivar a resoluccedilatildeo poliacutetica das questotildees constitucionais

que satildeo alvo de conflito

42

822 Modulaccedilatildeo temporal dos efeitos da declaraccedilatildeo de

inconstitucionalidade

A possibilidade de modulaccedilatildeo dos efeitos da decisatildeo pelo Tribunal em

sede de controle de constitucionalidade na perspectiva das teorias fundadas no meacutetodo

judicial tambeacutem pode ser considerada como um mecanismo dialoacutegico sob o ponto de vista

das teorias do meacutetodo judicial centradas no processo eis que possibilita a resposta

legislativa entretanto de forma menos agressiva que as outras teacutecnicas explanadas acima

Essa possibilidade eacute prevista expressamente no Direito Portuguecircs Os

efeitos e o alcance das decisotildees do Tribunal Constitucional em sede do controle abstrato de

constitucionalidade estatildeo previstos no n 1 e n 2 do artigo 282 da Constituiccedilatildeo Portuguesa

os quais determinam respectivamente que ldquoA declaraccedilatildeo de inconstitucionalidade ou de

ilegalidade com forccedila obrigatoacuteria geral produz efeitos desde a entrada em vigor da norma

declarada inconstitucional ou ilegal e determina a repristinaccedilatildeo das normas que ela

eventualmente haja revogadordquo ldquoTratando-se poreacutem de inconstitucionalidade ou de

ilegalidade por infraccedilatildeo de norma constitucional ou legal posterior a declaraccedilatildeo soacute produz

efeitos desde a entrada em vigor desta uacuteltimardquo

Todavia o n 4 do referido artigo traz expressamente a possibilidade de

fixaccedilatildeo dos efeitos da decisatildeo pelo Tribunal de forma fundamentada quando a seguranccedila

juriacutedica razotildees de equidade ou interesse puacuteblico de excepcional relevo o exigir Os efeitos

podem ser fixados de diversas formas poreacutem a que nos interessa no presente trabalho eacute a de

fixaccedilatildeo dos efeitos para o futuro

De acordo com a possibilidade de modulaccedilatildeo dos efeitos da declaraccedilatildeo

de inconstitucionalidade pode o Tribunal Constitucional declarar a inconstitucionalidade de

uma lei mas condicionar a sua nulidade a um determinado transcurso de tempo ou seja

determinar a sua nulidade pro futuro fixando um prazo determinado para que ela deixe de

produzir efeitos de ser aplicada possibilitando assim ao legislador a correccedilatildeo do estatuto e

evitando o vaacutecuo legislativo

Inspirado na Constituiccedilatildeo Portuguesa o Brasil atraveacutes do artigo 27 da

Lei 886899 de 10 de novembro passou tambeacutem a regulamentar possibilidade da

modulaccedilatildeo temporal das decisotildees proferidas no julgamento de accedilatildeo direta de

inconstitucionalidade e de accedilatildeo declaratoacuteria de constitucionalidade

43

A referida lei passou a facultar ao Supremo Tribunal Federal no

exerciacutecio do controle abstrato de constitucionalidade modular os efeitos da decisatildeo por

razotildees de seguranccedila juriacutedica ou de excepcional interesse social Todavia atualmente essa

modulaccedilatildeo se estende tambeacutem ao controle difuso conforme se leraacute

A decisatildeo proferida pelo Superior Tribunal Federal no ano de 2004 no

julgamento do caso Mira Estrela eacute tida como paradigmaacutetica40 por ter sido aplicado o artigo

27 da Lei 886899 no controle de constitucionalidade de um caso concreto A declaraccedilatildeo da

inconstitucionalidade se deu no acircmbito do julgamento do Recurso Extraordinaacuterio 197917-

8 de accedilatildeo civil puacuteblica proposta pelo Ministeacuterio Puacuteblico do Estado de Satildeo Paulo visando a

diminuiccedilatildeo do nuacutemero de vereadores do municiacutepio de Mira Estrela alegando que o mesmo

natildeo era proporcional ao nuacutemero de habitantes ainda que estivesse dentro do limite

constitucional41

O Supremo concordou com a desproporcionalidade e em face disso

declarou a inconstitucionalidade da referida norma todavia modulou os efeitos da decisatildeo

pro futuro para salvaguardar os mandatos dos vereadores jaacute eleitos e a validade dos

respectivos atos administrativos por eles praticados evitando assim consequecircncias

desastrosas para a administraccedilatildeo puacuteblica Fundamentou a necessidade da modulaccedilatildeo dos

efeitos na proteccedilatildeo da Seguranccedila Juriacutedica

Em que pese essa ser uma teacutecnica menos agressiva que as anteriores

vez que o Judiciaacuterio ao menos em tese apenas possibilita uma reaccedilatildeo legislativa a sua

decisatildeo sem lhe estipular diretrizes e com isso adentrar em sua liberdade de conformaccedilatildeo

na praacutetica tambeacutem natildeo haacute como garantir que haveraacute a reaccedilatildeo legislativa e eacute nisso que reside

a maioria das criacuteticas a todas esses mecanismos ditos dialoacutegicos conforme se veraacute mais

adiante

40 RE 197917-8SP Iacutentegra da decisatildeo disponiacutevel em

httpredirstfjusbrpaginadorpubpaginadorjspdocTP=ACampdocID=235847 41 A Lei Orgacircnica do municiacutepio de Mira Estrela estabelecia em 11 o nuacutemero de vereadores os quais estavam

dentro dos limites impostos no artigo 29 da Constituiccedilatildeo Federal estabelecido conforme o nuacutemero de

habitantes

44

823 Accedilatildeo de inconstitucionalidade por omissatildeo legislativa

O modelo de controle de constitucionalidade portuguecircs prevecirc

expressamente a possibilidade do controle das omissotildees legislativas por intermeacutedio da

disposiccedilatildeo contida no artigo 283 da Constituiccedilatildeo Federal 42

Inspirado no instituto portuguecircs o Brasil tambeacutem trouxe em sua

Constituiccedilatildeo Federal de 1988 a expressa previsatildeo da possibilidade do controle de

constitucionalidade das omissotildees legislativas (paraacutegrafo 2ordm do artigo 103) poreacutem criou

ainda uma nova figura especifica para esse fim o mandado de injunccedilatildeo (inciso LXXI do

artigo 5ordm)

Em ambos os sistemas uma omissatildeo legislativa eacute considerada

inconstitucional quando o legislador natildeo cumpre com aquilo que estava constitucionalmente

obrigado ou seja quando a sua omissatildeo prejudica a exequibilidade de alguma norma

constitucional Para que a omissatildeo ganhe significado relevante deve ter conexatildeo com uma

exigecircncia constitucional de accedilatildeo natildeo bastando a violaccedilatildeo do simples dever legal de legislar

(CANOTILHO2003)

Miranda (2008) destaca que a omissatildeo pode ser total ou parcial

quando por exemplo existe a norma mas ela eacute insuficiente ou deficiente43 e que o juiacutezo da

inconstitucionalidade por omissatildeo traduz-se num juiacutezo sobre o tempo em que deveria ser

produzida a lei devendo o Judiciaacuterio sem substituir ao oacutergatildeo legislador medir e interpretar

o tempo decorrido para a elaboraccedilatildeo da lei44

42 Neste sentido ver o que Tushnet diz sobre esse tipo de concepccedilatildeo de diaacutelogo em TUSHNET Mark Dialogue

and Constitutional Duty Havard Law School Public Law amp Legal Theory Working Paper Series paper nordm 12-

10 p 4-9

43 ldquoA inconstitucionalidade por omissatildeo natildeo surge apena por carecircncia de medidas legislativas surge tambeacutem

por deficiecircncia delas Mas isto natildeo significa que perante um projecto ou uma proposta de lei com vista ao

cumprimento de determinada norma constitucional tenha de se proceder agrave sua anaacutelise para discernir se o

sentido de seus preceitos se enquadra ou natildeo no sentido de Constituiccedilatildeo De jeito algum cabe ao oacutergatildeo de

fiscalizaccedilatildeo da inconstitucionalidade por omissatildeo debruccedilar-se a esse tiacutetulo sobre o conteuacutedo de qualquer acto

de iniciativa legislativardquo (MIRANDA 2008 p 325)

44ldquoA ausecircncia ou a insuficiecircncia da norma legal natildeo pode ser separada de determinado tempo histoacuterico

assinalado pela necessidade de produccedilatildeo legislativa e cuja duraccedilatildeo maior o menor ou seraacute prefixada pela

proacutepria Constituiccedilatildeo ou depende da natureza das coisas (ou seja da natureza da norma constitucional natildeo

exequiacutevel por si mesma confrontada com as situaccedilotildees da vida inclusive situaccedilatildeo que agrave sua margem esteja

por acccedilatildeo o legislador ordinaacuterio a criar)rdquo (MIRANDA 2008 p 322)

45

A accedilatildeo de inconstitucionalidade por omissatildeo prevista no ordenamento

portuguecircs e brasileiro constitui portanto um meio atraveacutes do qual o Judiciaacuterio controla a

ineacutercia legislativa declarando a inconstitucionalidade da sua ineacutercia e solicitando a tomada

de providecircncias Pode-se dizer que seus efeitos praacuteticos assemelham-se agraves sentenccedilas

apelativas da Alemanha e Itaacutelia todavia nesse instituto a decisatildeo do Judiciaacuterio tem efeito

meramente declaratoacuterio dando conhecimento ao Legislativo da sua omissatildeo e enfatizando a

necessidade de atuaccedilatildeo sem traccedilar qualquer diretriz para tanto45

Desta forma a sentenccedila proferida no controle de constitucionalidade da

omissatildeo legislativa por meio da accedilatildeo declaratoacuteria de inconstitucionalidade por omissatildeo

possui um caraacuteter apelativo eis que objetiva chamar a atenccedilatildeo do legislador para a

necessidade de elaboraccedilatildeo da lei necessaacuteria a concretizar determinada norma constitucional

Assim sob a perspectiva das teorias dialoacutegicas centradas no processo pode ser considerada

como um mecanismo propulsor de interaccedilatildeo entre os poderes no seio da jurisdiccedilatildeo

constitucional

83 Criacuteticas agraves teorias dialoacutegicas fundadas no meacutetodo judicial

Todas essas teacutecnicas de decisatildeo judicial que visam possibilitar uma

resposta do Legislativo por meio de uma decisatildeo judicial embora diferentes em alguns

aspectos possuem um ponto determinante em comum privilegiam a interpretaccedilatildeo do

Judiciaacuterio

Sob o ponto de vista da dificuldade da legitimidade democraacutetica da

revisatildeo judicial portanto essas teorias natildeo seriam suficientes para solucionar as questotildees

eis que o Judiciaacuterio continuaria na praacutetica ainda sendo o detentor da uacuteltima palavra na

resoluccedilatildeo dos conflitos constitucionais

Nessa perspectiva natildeo se verifica uma efetiva deliberaccedilatildeo conjunta

entre Judiciaacuterio e Legislativo na tomada de decisatildeo O que ocorre eacute apenas que o Judiciaacuterio

mediante a adoccedilatildeo de estrateacutegias especiacuteficas busca acionar ou estimular a atuaccedilatildeo

45 Esclarece-se que a aplicabilidade da accedilatildeo de inconstitucionalidade por omissatildeo possui alguns aspectos

controvertidos poreacutem como jaacute dito natildeo constitui nosso objetivo tratar todas as questotildees controvertidas de

cada instituto aqui mencionado mas apenas identifica-los como mecanismos potencialmente dialoacutegicos de

acordo com as teorias

46

legislativa Portanto pode-se concluir que essas teorias se consubstanciam na praacutetica em um

diaacutelogo formal e natildeo material o que jaacute seria um alvo suficiente para criacutetica

Ademais o fato de privilegiarem claramente o ponto de vista judicial

podem acabar permitindo de certa forma que o Judiciaacuterio adentre o acircmbito de atuaccedilatildeo

legislativa sobretudo nas teacutecnicas de aconselhamento judicial

Ainda que se possa considerar que a decisatildeo judicial nesses casos

apenas fornece diretrizes para a atuaccedilatildeo legislativa natildeo haacute como negar que pode acabar

condicionando a sua atuaccedilatildeo restando-lhe apenas acatar o que foi direcionado pelo

Judiciaacuterio o que do ponto de vista dialoacutegico natildeo parece o ideal

Mesmo nos mecanismos mais brandos que os de aconselhamento

judicial onde haacute uma interferecircncia direta do Judiciaacuterio na conformaccedilatildeo legislativa eacute inegaacutevel

que haacute ainda alguma intromissatildeo mesmo que em menor escala ou de forma indireta

Haacute de se destacar tambeacutem a falta de previsibilidade das orientaccedilotildees do

Tribunal e a sua potencialidade enganosa para o Legislador suscitada por Carlos Blanco de

Morais (2014 p 726) ao analisar um recente julgado do Tribunal Constitucional Portuguecircs

no contexto da crise econocircmica

O renomado constitucionalista observa que no Acoacuterdatildeo nordm 1872013 o

Tribunal Constitucional46 ao declarar a inconstitucionalidade da norma da Lei de Orccedilamento

do Estado relativa a tributaccedilatildeo dos subsiacutedios de desemprego e doenccedila agrave luz do princiacutepio da

existecircncia condigna (artigo 2ordm da CRP) fixou orientaccedilatildeo ao legislador no sentido de que no

proacuteximo ano a Lei orccedilamentaacuteria ao tratar da mateacuteria trouxesse uma claacuteusula de salvaguarda

impedindo a tributaccedilatildeo das respectivas prestaccedilotildees de desemprego e doenccedila de forma

prejudicial a garantia dos seus valores miacutenimos

O legislador na elaboraccedilatildeo da Lei Orccedilamentaacuteria do ano de 2014 seguiu

a orientaccedilatildeo do Tribunal todavia ao analisar a constitucionalidade da nova lei o mesmo

Tribunal que havia ditado aquela orientaccedilatildeo no Acoacuterdatildeo nordm 413201447 julgou a claacuteusula

insuficiente e violadora do princiacutepio da razoabilidade

46 Iacutentegra da decisatildeo disponiacutevel em httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20130187html 47 Iacutentegra da decisatildeo disponiacutevel em httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20140413html

47

Blanco de Moraes com base nesse caso concreto destaca o perigo das

orientaccedilotildees perpetradas pelo Judiciaacuterio que podem servir de ldquoemboscadardquo para o legislador

O fato eacute que ainda que o Legislativo siga as orientaccedilotildees do Tribunal natildeo haacute garantia da

constitucionalidade do novo diploma o que pode acabar resultando em um reforccedilo da

postura ativista do Judiciaacuterio que interfere no acircmbito da liberdade de conformaccedilatildeo legislativa

ditando orientaccedilotildees que nem ele mesmo segue posteriormente

Dito isto evidencia-se que assim como a atitude do Judiciaacuterio pode

incentivar e encorajar um debate resultando na criaccedilatildeo de um novo diploma sem viacutecio o

que seria beneacutefico tambeacutem pode acabar resultando em um sequestro do processo legislativo

dando super poderes ao Judiciaacuterio que tanto pode anular como reformar um estatuto legal

(LUNA 2001)

Bateup sintetiza a criacutetica afirmando que a praacutetica do aconselhamento

judicial simplesmente encoraja os ramos poliacuteticos a fazer o que o Judiciaacuterio diz e que na

realidade o aconselhamento seria um aviso de que a legislaccedilatildeo natildeo satisfaz seus

entendimentos constitucionais e que embora ainda natildeo tenha sido derrubada seraacute assim no

futuro caso o Legislativo natildeo a adeque ao entendimento do Tribunal

Outro ponto importante que se verifica em ambas as categorias das

teorias fundadas no meacutetodo judicial tanto a de aconselhamento como as centradas no

processo eacute a necessidade de que para que esses mecanismos surtam algum efeito praacutetico

deve haver uma forte vontade de colaboraccedilatildeo entre os Poderes O Judiciaacuterio haacute de se

preocupar em avaliar a questatildeo e formular as diretrizes para a atuaccedilatildeo legislativa bem como

o Legislativo deve estar aberto ao recebimento dessas orientaccedilotildees e colocaacute-las em praacuteticas

Ou entatildeo no que diz respeito agrave teoria do minimalismo eacute necessaacuteria uma

forte consciecircncia das Cortes para concordar em conter a sua atuaccedilatildeo e ainda verificar quando

deve ou natildeo assim agir havendo o risco dessa contenccedilatildeo ocorrer em momentos inoportunos

e vice e versa

O que esse grupo de teorias revela sobretudo eacute a grande complexidade

das decisotildees judiciais no acircmbito do controle de constitucionalidade nos paiacuteses que seguem

um modelo fundado na supremacia do Judiciaacuterio ficando claro que nem sempre os

problemas constitucionais seratildeo resolvidos por meio da simples declaraccedilatildeo de

48

constitucionalidade ou inconstitucionalidade mesmo que acabem no fim resultando em um

dos dois efeitos isso pode ocorrer em diversas intensidades

Fica claro entatildeo que o Judiciaacuterio exerce um papel tambeacutem poliacutetico

precisando agir com prudecircncia tanto quanto o legislativo para que suas decisotildees sejam bem

aceitas pela sociedade e produzam os efeitos esperados (HUBNER 2008)

Dessa forma ainda que seja alvo de criacuteticas e talvez natildeo seja a melhor

forma de concretizar o diaacutelogo natildeo se pode desprezar totalmente o conteuacutedo dessas teorias

e nem seus efeitos praacuteticos pois assim como essas praacuteticas podem ser consideradas

prejudiciais do ponto de vista democraacutetico ao mesmo tempo podem ser consideradas

beneacuteficas sob a oacutetica de concretizaccedilatildeo de direitos fundamentais sobretudo em paiacuteses

subdesenvolvidos ou que enfrentam uma crise de representatividade do Poder Legislativo

pois mediante decisotildees judiciais este seraacute forccedilado a agir

Um importante caso que vem sendo apontado por diversos

doutrinadores como um sucesso na efetivaccedilatildeo de direitos fundamentais e que segue a loacutegica

dessas teorias eacute a Aacutefrica do Sul o qual passamos a explanar

9 O especial caso da Aacutefrica do Sul

O constitucionalismo Sul Africano tem recebido muita atenccedilatildeo dos

estudiosos sobretudo dos defensores das teorias dialoacutegicas em virtude das inovadoras

decisotildees que vem sendo proferidas pela Suprema Corte desse paiacutes

A implementaccedilatildeo de um Estado democraacutetico na Aacutefrica do Sul

notadamente natildeo foi um processo tranquilo tampouco paciacutefico em virtude da sua conjuntura

histoacuterica O reconhecimento da autoridade do Poder Judicial para realizar a revisatildeo das leis

natildeo foi fruto de um processo gradativo como ocorreu em outros paiacuteses mas sim uma

imposiccedilatildeo brusca e radical 48

O constitucionalismo Sul Africano pode ser dividido em duas fases a

primeira que durou de 1910 a 1994 onde a proteccedilatildeo dos direitos fundamentais cabia ao poder

poliacutetico tendo o judiciaacuterio um papel severamente limitado no controle desse processo e a

48 Ver ROUX Theunis The Politics of Principle the first South African Constitutional Court Cambridge

Cambridge University Press 2013

49

segunda fase recentemente iniciada onde a ordem social e juriacutedica baseia-se na supremacia

de uma constituiccedilatildeo imposta e protegida judicialmente (SCHYFF 2010 p 34)49

A Constituiccedilatildeo de 1996 eacute a quinta adotada pelo paiacutes e eacute exemplo mundial

de uma Constituiccedilatildeo de caraacuteter transformador - que estabelece aspiraccedilotildees entendidas como

um desafio agraves praacuteticas de longa data ndash sendo grande parte do seu texto dedicado a eliminaccedilatildeo

dos efeitos danosos do apartheid (SUSTEIN 2001)

No tocante ao modelo de judicial review adotado a Aacutefrica do Sul optou

por um modelo forte de revisatildeo reconhecendo a supremacia do Poder Judiciaacuterio para a sua

decisatildeo e sendo ele o responsaacutevel pela palavra final no tocante a interpretaccedilatildeo

constitucional Todavia a praacutetica tem revelado uma interessante atuaccedilatildeo do Tribunal no

julgamento de casos que envolvem a efetivaccedilatildeo de direitos socioeconocircmicos

Famoso exemplo eacute o julgamento do caso Grotboom50 no qual estava em

questatildeo o direito a moradia de centenas de pessoas incluindo crianccedilas que estavam

desalojadas Esse grupo de pessoas recorreu agrave Corte para requisitar com base nos artigos 26

e 28 da Constituiccedilatildeo que o Estado Sul Africano providenciasse moradia adequada para eles

A Corte ao analisar o caso agrave luz do artigo 26 que assegura o direito a

moradia entendeu que houve violaccedilatildeo ao direito constitucional dos requerentes pois o

Estado natildeo havia cumprido com o dever de efetivar progressivamente dentro dos recursos

disponiacuteveis o acesso agrave moradia adequada Destacou que embora o programa do Governo

relativo a moradia fosse razoaacutevel em vaacuterios aspectos era falho pois natildeo atendia agraves

necessidades mais urgentes natildeo prevendo soluccedilatildeo para as demandas de curto prazo

No paraacutegrafo 42 da decisatildeo a Corte enfatizou que a mera ediccedilatildeo de leis

natildeo eacute o suficiente para constituir o cumprimento do dever constitucional do Estado que este

tem a obrigaccedilatildeo de agir para alcanccedilar o resultado pretendido e as medidas legislativas

invariavelmente tecircm de ser apoiadas por poliacuteticas e programas bem dirigidos e

adequadamente implementados pelo Executivo Que as poliacuteticas e programas devem ser

49 Para um maior aprofundamento sobre o constitucionalismo Sul Africano ver COCKRELL Alfred The

South African Bill of Rights and the lsquoDuckRabbitrsquo 60 Mod L Rev 513 (1997) BOUCKAERT Peter N The

Negotiated Revolution South Africarsquos Transition to Multiracial Democracy 33 Stanford J Int L 375 (1997)

GOLDSTONE Richard J The South African Bill of Rights 32 Texas Int L J 1451 (1997)

50 Government of The Republic of South Africa and others v Grootboom and others (CCT 1100) Igraventegra da

decisatildeo disponiacutevel emlt httpwwwsafliiorgzacasesZACC200019htmlgt

50

razoaacuteveis tanto na sua concepccedilatildeo quanto na sua implementaccedilatildeo sendo a formulaccedilatildeo de um

programa apenas a primeira etapa para cumprir as obrigaccedilotildees do estado jaacute que este deve ser

razoavelmente implementado pois se assim natildeo for natildeo constituiraacute o cumprimento das

obrigaccedilotildees do Estado51

Por fim o Tribunal emitiu uma ordem declaratoacuteria que delimitou as

deficiecircncias do programa governamental e sugeriu em vez de direcionar medidas para

minimizar as falhas O documento natildeo indicou entretanto que tipo de abrigo o Governo

deveria construir deixando essa decisatildeo para o proacuteprio Estado (NGWENA 2013 p80)

Por intermeacutedio dessa decisatildeo a Corte ao mesmo tempo que reconheceu

a justiciabilidade dos direitos sociais preservou certa autonomia do Estado no que respeita

a elaboraccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas vez que natildeo determinou a exata maneira que o mesmo

deveria agir reconhecendo que essa eacute uma competecircncia que natildeo compete ao Judiciaacuterio

Esse tipo de decisatildeo pode ser visto sob o ponto de vista das teorias

dialoacutegicas fundadas no meacutetodo judicial explicadas acima Nesse sentido reforccedilando o

potencial dialoacutegico dessas decisotildees Dixon (2007) leciona que o Poder Judiciaacuterio deve

exercer um papel ativo a fim de evitar a ineacutercia dos outros poderes

Aponta que as possiacuteveis causas da ineacutercia legislativa seriam de duas

categorias os blind spots ou pontos cegos que satildeo as situaccedilotildees em que natildeo resta claro para

o Legislativo os imperativos de sua accedilatildeo reguladora como por exemplo quando natildeo

reconhecem que determinada forma de aplicaccedilatildeo de uma lei pode ser violadora de direitos

e quando a ineacutercia decorre de motivos de conveniecircncia poliacutetica quando acredita que o ocircnus

eleitoral da sua accedilatildeo pode ser maior que o da sua omissatildeo (DIXON 2007)

Nessa perspectiva de diaacutelogo proposta por Dixon cabe ao Judiciaacuterio

provocar o Legislativo por meio da decisatildeo judicial que o obrigue a elaboraccedilatildeo de poliacuteticas

puacuteblicas para garantir tanto quanto possiacutevel a maior eficaacutecia dos direitos fundamentais

51 [42] The state is required to take reasonable legislative and other measures Legislative measures by

themselves are not likely to constitute constitutional compliance Mere legislation is not enough The state is

obliged to act to achieve the intended result and the legislative measures will invariably have to be supported

by appropriate well-directed policies and programmes implemented by the executive These policies and

programmes must be reasonable both in their conception and their implementation The formulation of a

programme is only the first stage in meeting the statersquos obligations The programme must also be reasonably

implemented An otherwise reasonable programme that is not implemented reasonably will not constitute

compliance with the statersquos obligations Government of The Republic of South Africa and others v Grootboom

and others (CCT 1100)

51

sem todavia adentrar ou comprometer a sua liberdade de conformaccedilatildeo mas de forma que

retire o legislativo da sua ineacutercia

Por decisotildees como essa apesar do sistema Sul Africano ter como

caracteriacutestica a participaccedilatildeo ativa do Judiciaacuterio na efetivaccedilatildeo dos direitos fundamentais o

mesmo vem sendo apontado por alguns estudiosos das teorias do diaacutelogo como um sistema

promissor nesse sentido em virtude do enfraquecimento das decisotildees judiciais que apesar

de direcionarem a atuaccedilatildeo do Legislativo preservam a sua liberdade de escolha e atuaccedilatildeo

10 As teorias estruturais de diaacutelogo

Nessa categoria alocam-se as teorias que se baseiam no reconhecimento

de mecanismos institucionais ou poliacuteticos dentro dos sistemas constitucionais que permitam

aos atores poliacuteticos responder agraves decisotildees judiciais em caso de conflito

Ao contraacuterio das teorias do meacutetodo judicial essas natildeo tecircm como objeto

principal a construccedilatildeo da decisatildeo judicial mas sim as formas pelas quais se estabelecem as

relaccedilotildees entre as diversas estruturas do Poder de maneira que possam oferecer respostas agrave

uma decisatildeo que gere desacordo Hubner (2008 p 99) aponta que as teorias estruturais ao

contraacuterio das que se fundam no meacutetodo judicial possuem um caraacuteter exoacutegeno logo menos

dependente da postura de cada instituiccedilatildeo

Para os que defendem essas teorias o diaacutelogo surge mediante a

utilizaccedilatildeo de mecanismos de interaccedilatildeo entre juiacutezes e os outros atores poliacuteticos Esses

mecanismos satildeo encontrados no modelo do weak judicial review ou sistemas brandos de

controle de constitucionalidade os quais como jaacute dito surgiram como uma alternativa ao

modelo tradicional pautado na supremacia judicial

A maioria dessas teorias foram surgindo a partir da necessidade de

justificar e fundamentar a previsatildeo de mecanismos contidos no Bill of Rights de paiacuteses

tradicionalmente de supremacia parlamentar a fim de harmonizar este tipo de sistema com

a necessidade de proteccedilatildeo aos direitos fundamentais

De acordo com a sistematizaccedilatildeo feita por Bateup existem quatro

subcategorias de teorias estruturais as de construccedilatildeo coordenada as dos princiacutepios juriacutedicos

a do equiliacutebrio e a da parceria Importante esclarecer que apesar de termos adotado essa

52

sistematizaccedilatildeo como nosso referencial teoacuterico por acreditarmos na sua coerecircncia e

completude neste particular ousamos discordar dessa diferenciaccedilatildeo

A diferenciaccedilatildeo feita por Bateup reside basicamente nos argumentos de

que as teorias de construccedilatildeo coordenada se aplicam apenas ao contexto norte-americano as

teorias dos princiacutepios juriacutedicos reconhecem uma especial competecircncia ao Judiciaacuterio para

decidir questotildees relacionadas agrave princiacutepios juriacutedicos as do equiliacutebrio por serem neutras natildeo

reconhecem nenhuma capacidade especial a nenhum Poder e contam ainda com a

participaccedilatildeo da sociedade e as teorias da parceria

Sendo assim todas as subcategorias em que Bateup divide as teorias

estruturais de diaacutelogo enquadram-se na ideia geral da construccedilatildeo coordenada podem ateacute se

diferenciar em um ou outro aspecto mas ainda assim natildeo deixam de fazer parte desta

Dessa forma natildeo se deixaraacute de abordar as subdivisotildees propostas por

Bateup mas ao contraacuterio do que foi feito no tocante as teorias centradas no meacutetodo judicial

natildeo se mencionaraacute especicamente cada uma delas para depois dar exemplos praacuteticos mas

seratildeo feitas as devidas menccedilotildees quando da anaacutelise dos diferenres sistemas de weak judicial

review que aqui se apresenta como exemplo das teorias estruturais de diaacutelogo

Importante se faz esclarecer que essa opccedilatildeo tambeacutem reside em questotildees

didaacuteticas necessaacuterias para a melhor compreensatildeo do trabalho

10 1 Teorias de construccedilatildeo coordenada

Tratam-se de teorias que reconhecem que a identificaccedilatildeo do sentido

constitucional eacute uma tarefa a ser compartilhada entre as diversas esferas do Poder ou seja

natildeo eacute uma tarefa atribuiacuteda unicamente ao Judiciaacuterio Assim o diaacutelogo eacute algo inerente ao

princiacutepio do check and balances natildeo havendo uma uacutenica instacircncia detentora da uacutetlima

palavra

Com isso a base dessas teorias eacute o fato de que da mesma forma que o

Tribunal possui mecanismos de controle dos ramos poliacuteticos por meio da revisatildeo judicial

tambeacutem podem ser colocados controles sobre o Tribunal quando os atores poliacuteticos

estiverem em desacordo com a sua interpretaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo

53

Bateup (2005 p 33) define a teoria da construccedilatildeo coordenada como a

mais antiga concepccedilatildeo de interpretaccedilatildeo constitucional fazendo menccedilatildeo ao pensamento dos

teoacutericos americanos de James Madison e Thomas Jefferson o primeiro por ter reconhecido

que apesar das questotildees de interpretaccedilatildeo constitucional normalmente recaiacuterem sobre o

Judiciaacuterio no curso normal do Governo a Constituiccedilatildeo natildeo lhe atribui qualquer autoridade

especiacutefica perante outros braccedilos do Poder e o segundo por considerar que cada ramo do

Governo deve ser ldquocoordenado e independenterdquo possuindo todos eles responsabilidade pela

interpretaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo

No contexto norte americano um dos primeiros autores a abordar essa

teoria foi Louis Fisher que teve como principal meacuterito demonstrar mediante exemplos da

histoacuteria americana que o processo constitucional eacute mais complexo do que a simples emissatildeo

pela Corte da uacuteltima palavra A uacuteltima palavra segundo essa histoacuteria confirmaria natildeo

pertence a nenhuma instituiccedilatildeo (HUBNER 2009 p 126)

O que haacute de mais caracteriacutestico nessas teorias eacute o fato de os outros

ramos do Poder em especial o Legislativo caso natildeo concordem com a decisatildeo judicial

poderem provocar a Corte reconhecendo assim que a interpretaccedilatildeo constitucional eacute tarefa

que compete a todos os Poderes e natildeo apenas a um ramo em especiacutefico

Vaacuterios autores dentro do cenaacuterio americano passaram a tratar do

assunto inclusive em forma de criacuteticas poreacutem por questotildees didaacuteticas conforme jaacute

mencionado natildeo se limitaraacute a falar especificamente sobre cada um deles52 Todavia destaca-

se a teoria de Barry Friedman a qual Bateup subclassifica como teoria do equiliacutebiro poreacutem

aqui eacute tratada como uma teoria de construccedilatildeo coordenada pelos motivos jaacute acima expostos

A teoria de Friedman merece ser mencionada pois se diferencia das

outras tantas que se encaixam nesta categoria por considerar a importacircncia do papel ativo da

sociedade na deliberaccedilatildeo sobre direitos

Para esse Autor a Constituiccedilatildeo eacute um texto aberto e flexiacutevel que permite

52 Outros importantes nomes dessa teoria satildeo Keith Whittington e Mitchell Pickeril Destaque para a

importacircncia do trabalho deste uacuteltimo que realizou importante pesquisa empiacuterica da realidade americana de

caraacuteter revelador e agregador para a teoria da construccedilatildeo coordenada demonstrando que o diaacutelogo entre os

poderes eacute inerente ao princiacutepio do check and balances americano pelo que sugerimos a consulta PICKERILL

J Mitchell Constitutional Deliberation in Congress the impact of Judicial Review in a Separated System

Duke University Press 2004

54

diversas interpretaccedilotildees sujeitas agrave mudanccedilas constantes Assim a interpretaccedilatildeo constitucional

seria um processo de idas e vindas em que a Corte devolve o tema para a sociedade e

para outros poderes e vice-versa metaforicamente como uma partida de tecircnis na qual os

parceiros rebatem a bola um para o outro53 (FRIEDMAN 1993)

Com isso afasta a ideia de que haacute uma vontade da maioria definida a

ser representada por um dos poderes sugerindo que na realidade essa vontade sofre

constantes mutaccedilotildees54 cabendo aos ramos do Poder no processo de interpretaccedilatildeo

constitucional negociar e definir uma direccedilatildeo em meio ao pluralismo existente na

sociedade55 Reconhece o diaacutelogo institucional como fruto da separaccedilatildeo de poderes

compartilhando dos elementos da teoria da construccedilatildeo coordenada poreacutem acrescenta a eles

a vontade popular

Eacute justamente no aspecto relativo a grande importacircncia que daacute a vontade

popular que reside a principal criacutetica agrave essa teoria pois natildeo oferece alternativa agrave interaccedilatildeo

constitucional estabelecida entre o Judiciaacuterio e os poderes poliacuteticos nas questotildees de menor

importacircncia poliacutetica nas quais o diaacutelogo com toda a sociedade eacute improvaacutevel de ocorrer

(BATEUP 2006 p 69)

Seria impensaacutevel na praacutetica um sistema de jurisdiccedilatildeo constitucional

no qual os Poderes tivessem que recorrer agrave opiniatildeo popular todas as vezes que fossem

realizar a interpretaccedilatildeo de qualquer norma constitucional

Saindo do contexto norte americano outras teorias estruturais do

diaacutelogo emergiram a partir da anaacutelise dos novos modelos de jurisdiccedilatildeo constitucional

adotados por paiacuteses da Commonwealth como jaacute mencionamos no iacutencio deste trabalho Desta

forma optou-se didaticamente por tratar dessas teorias e suas respectivas especificidades no

acircmbito da exposiccedilatildeo dos sistemas e casos em concreto o que se passaraacute a fazer

53 ldquoCourts serve as societyacutes tennis partner always volleying the ball backrdquo (FRIEDMAN 1993 p669)

54 ldquoThe court is free to change its mind The people are free to disagree with the court The court is free to

disagree with the people The members of the courts are free to and usually do disagree with one another As

disagreement occurs the document will take one new meaningsrdquo (FRIEDMAN 1993 p651)

55 ldquoThis process of constitutional interpretation hardly pits the court against the people Rather the court

mediate the views of various people The process is interactive (hellip) Simply put our process of constitutional

interpretation is a dialoguerdquo (FRIEDMAN 1993 p 654)

55

1011 Os mecanismos dialoacutegicos do sistema de revisatildeo judicial

canadense e as teorias de princiacutepios juriacutedicos

Ao adotar formalmente um sistema de judicial review atribuindo ao

Judiciaacuterio a capacidade para solucionar casos concretos de incompatibilidade entre

legislaccedilatildeo e a Carta suscitados por particulares56 o Canadaacute a fim de evitar a consagraccedilatildeo de

um modelo fundado na supremacia judicial ao estilo americano que implicasse na perda do

poder do Parlamento incluiu na sua Carta mecanismos que possibilitassem uma limitaccedilatildeo

do Poder atribuiacutedo ao Judiciaacuterio e ao mesmo tempo preservassem as competecircncias

parlamentares

Esses mecanismos previstos nas Seccedilotildees 33 e 1 da Carta Canadense

consistem respectivamente na ldquoclaacuteusula natildeo obstanterdquo (notwishstanding clause) a qual

possibilita que o Legislativo aplique uma lei mesmo quando esta for contraacuteria ao texto

constitucional e na possibilidade do Legislativo reeditar uma norma que configure e limite

direito consagrado nas seccedilotildees 2 e de 7 a 15 e que jaacute tenha sido objeto de reprovaccedilatildeo pelo

Judiciaacuterio desde que fundada em justificativa razoaacutevel bem como na possibilidade de

configuraccedilatildeo pelo legislativo de direitos e liberdades fundamentais

O estudo realizado por Bushell e Hogg (1997) eacute apontado como um

marco teoacuterico da experiecircncia canadense pois a partir de uma pesquisa de mais de 65 casos

concretos decididos pela Corte canandense desde a Carta de 1982 os autores verificaram

que na grande maioria deles houve em um prazo razoavelmente curto uma resposta

legislativa agrave decisatildeo judicial Diante disso os autores afirmaram que o sistema canadense

propicia a concretizaccedilatildeo de um verdadeiro diaacutelogo entre os Poderes no exerciacutecio da

jurisdiccedilatildeo constitucional

A anaacutelise dos autores a respeito da implementaccedilatildeo da revisatildeo judicial

canadense pela Carta de 1982 eacute bastante otimista pois consideram que ateacute mesmo naqueles

casos em que o legislador aquiesceu agrave decisatildeo proferida pela Corte houve uma reaccedilatildeo

dialoacutegica jaacute que a concordacircncia tambeacutem pode ser fruto de um diaacutelogo

56 ldquoArt 24 (1) Anyone whose rights or freedoms as guaranteed by this Charter have been infringed or denied

may apply to a court of competent jurisdiction to obtain such remedy as the court considers appropriate and

just in the circumstances Art 52 (1) The Constitution of Canada is the supreme law of Canada and any law

that is inconsistent with the provisions of the Constitution is to the extent of the inconsistency of no force or

effectrdquo Canadian Constitutional Act 1982

56

Afirmam que os legisladores canadenses estatildeo engajados na

concretizaccedilatildeo do diaacutelogo com a Corte eis que buscam fundamentar no preacircmbulo das leis

promulgadas tanto das que excedem os limites da Carta como das que substituem as que

foram consideradas inconstitucionais que as mesmas se dirigem a um objetivo ldquourgente e

substancialrdquo e destinam-se a ldquolimitar razoalmenterdquo direitos e liberdades (BUSHELL

HOGG 1997 p 101)

Consideram ainda que mesmo quando apoacutes a anaacutelise judicial a lei natildeo eacute

declarada invaacutelida haacute um diaacutelogo em virtude de tal anaacutelise despertar o debate puacuteblico

chamando a atenccedilatildeo do legislador ao assunto de forma que possa rever possiacuteveis problemas

na lei e eventualmente alteraacute-la Ou seja a decisatildeo judicial natildeo deve ser encarada como um

veto mas como o ponto de partida para uma conversa institucional sobre como conciliar

direitos individuais com obejtivos de poliacuteticas econocircmicas e sociais (BUSHELL HOGG

1997 p 101-105)

Referido estudo teve grande repercussatildeo na doutrina nacional Por um

lado muitos reforccedilaram e concordaram com a ideia dos autores por outro a mesma foi alvo

de intensa criacuteticas sobretudo pela forma abrangente de caracterizaccedilatildeo do diaacutelogo57 O

impacto tambeacutem foi sentido na proacutepria Corte que passou a usar a metaacutefora do diaacutelogo para

justificar suas decisotildees algumas delas bastante controversas conforme se leraacute mais adiante

Portanto a experiecircncia canadense eacute um importante exemplo de aplicaccedilatildeo

das teorias estruturais dialoacutegicas jaacute que traz a previsatildeo expressa de mecanismos

possibilitadores na visatildeo de alguns de um diaacutelogo institucional

Na sistematizaccedilatildeo feita por Bateup as teorias que se referem agrave

experiecircncia canadense satildeo teorias de princiacutepios juriacutedicos Na classificaccedilatildeo da Autora esse

grupo de teorias corresponde agravequelas em que haacute o reconhecimento de que o Judiciaacuterio possui

57 A repercussatildeo literaacuteria do estudo foi tatildeo grande e significativa que apoacutes dez anos da sua publicaccedilatildeo o

mesmo perioacutedico (Osgoode Hall Law Journal) lanccedilou uma ediccedilatildeo comemorativa contendo uma atualizaccedilatildeo

do texto original e outros artigos em resposta ao mesmo Ver HOGG P et al ldquoCharter Dialogue Revisited

ndash Or Much Ado About Metaphorsrdquo HAIGH R e SOBKIN M ldquoDoes the Observer Have an Effect An

Analysis of the Use of the Dialogue Metaphor in Canadarsquos Courtsrdquo HUSCROFT G ldquoConstitutionalism from

the Top Downrdquo MANFREDI C ldquoThe Day the Dialogue Died A Comment on Sauveacute v Canadardquo MATHEN

C ldquoDialogue Theory Judicial Review and Judicial Supremacy A Comment on lsquoCharter Dialogue

Revisitedrsquordquo PETTER A Taking Dialogue Theory Much Too Seriously (or Perhaps Charter Dialogue Isnrsquot

Such a Good Thing After All) ROACH K Sharpening the Dialogue Debate The Next Decade of

Scholarshiprdquo e HOGG P et al ldquoA Reply on lsquoCharter Dialogue Revisitedrdquo

57

uma especial competecircncia institucional voltada para a resoluccedilatildeo de questotildees que envolvem

princiacutepios juriacutedicos cabendo aos poderes poliacuteticos fazer o controle das decisotildees no caso de

erro de interpretaccedilatildeo (BATEUP 2006 p41)

Ainda que essas teorias reconheccedilam uma competecircncia de certo modo

especial ao Judiciaacuterio a qual pode ateacute mesmo ser considerada como caracteriacutestica inerente

ao proacuteprio judicial review tendo em vista que elas tambeacutem preveem a possibilidade de

reaccedilatildeo do legislativo agrave decisatildeo judicial incluindo a possibilidade de correccedilatildeo dessa decisatildeo

entende-se que natildeo se distanciam das teorias de construccedilatildeo coordenada ao ponto de merecer

classificaccedilatildeo diferente

Destaca como primeiro defensor dessa competecircncia especial do

Judiciaacuterio Alexander Bickel que considerou o Judiciaacuterio como detentor de especial

habilidade para preservar proteger e defender princiacutepios devido ao seu isolamento poliacutetico

e por outro lado o Legislativo como melhor indicado para determinar valores sociais

fundamentais pela sua proximidade com as pessoas (BATEUP 2006 p41-42)

Nesse sentido Bushell e Hogg ao tratar da metaacutefora do diaacutelogo na

experiecircncia canadense tambeacutem satildeo partidaacuterios desse entendimento eis que afirmaram

alguns anos e muitas criacuteticas apoacutes o seu primeiro estudo que o legislativo pode e deve

interpretar a Carta mas que natildeo deve agir de forma contraacuteria a interpretaccedilatildeo proferida pela

Corte 58

Kent Roach tambeacutem eacute outro importante autor canadense que defende a

competecircncia especial do Judiciaacuterio para lidar com questotildees de princiacutepios todavia ressalta a

58 ldquoThe key issue in our view is not whether the legislative and executive branches do and should interpret

the Charter (they do and should) but whether they should act on an interpretation of the Charter that conflicts

with an interpretation provided by the courts backdrop of a prior relevant judicial decision the legislature

and the executive may act on their interpretation of the Charter Why Because in doing so they would not be

doing (or refraining from doing) something that the courts have said would unjustifiably infringe the Charter

It would be strange indeed if the legislative or executive branches could not interpret the Charter and act on

that interpretation where a court has not yet considered what the Charter prohibits (or requires) in the

circumstances1 However where the interpretive task takes place against the backdrop of a prior relevant

judicial decision the legislature and the executive may not act on an interpretation of the Charter which

conflicts with an interpretation provided by the courts Why Because in doing so they would be doing (or

refraining from doing) something that the courts have said would unjustifiably infringe the Charter and under

our system of constitutional democracy that is impermissiblerdquo (BUSHEL HOGG 2007 p 33)

58

importacircncia do Parlamento aludindo que a decisatildeo judicial apenas inicia o debate59

Destaca que a atuaccedilatildeo da Corte natildeo impede que o Parlamento prevaleccedila

se este assim quiser mas reforccedila a responsabilidade das suas escolhas poliacuteticas e o induz a

apresentar justificativas razoaacuteveis e aceitaacuteveis para legitimar suas opccedilotildees que venham a

restringir direitos (ROACH 2001)

Portanto em suma as teorias dos princiacutepios juriacutedicos vivenciadas na

experiecircncia canadense satildeo aquelas que defendem a ideia da participaccedilatildeo de todos os poderes

na interpretaccedilatildeo constitucional sendo esta uma tarefa conjunta todavia privilegiam a

interpretaccedilatildeo judicial poreacutem com a possibilidade de reaccedilatildeo legislativa

Bateup acrescenta ainda uma subdivisatildeo dentro dessas teorias tendo em

vista que para alguns autores o diaacutelogo se consubstancia na realizaccedilatildeo do controle das

decisotildees judiciais pelos poderes poliacuteticos no caso da ocorrecircncia de erro de interpretaccedilatildeo e jaacute

para outros - que minimizam o papel do controle poliacutetico sobre o Tribunal - o diaacutelogo surge

por intermeacutedio da articulaccedilatildeo legislativa que emerge como resposta agraves decisotildees judiciais

Essas subdivisotildees se traduzem na praacutetica justamente nos dois

mecanismos dialoacutegicos expressamente adotados pela Carta canadense os quais seratildeo

explicados a seguir

1012 Princiacutepios e articulaccedilatildeo legislativa da poliacutetica ndash seccedilatildeo 1 da

Carta Canadense

As teorias identificadas por Bateup como Teorias de Princiacutepios e

Articulaccedilatildeo Legislativa da Poliacutetica satildeo as que preceituam que a concretizaccedilatildeo do diaacutelogo

ocorre por meio da articulaccedilatildeo legislativa Reconhecem ao Legislativo competecircncia especial

para a elaboraccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas e para conciliar muacuteltiplos objetivos concorrentes na

sociedade pelo que este deve responder agraves decisotildees judiciais respeitando a interpretaccedilatildeo de

princiacutepios feita pelo Tribunal poreacutem com uma visatildeo mais ampla dos objetivos poliacuteticos

(BATEUP p 50-51)

Como exemplo dessa teoria pode-se indicar a Seccedilatildeo 1 da Carta

59 Para maior clareza e detalhes desse entendimento ver as seguintes obras do referido autor ldquoThe Supreme

Court on Trial Judicial Ativism or Democratic Dialogue 2001rdquo e ldquoConstitutional and Common Law

Dialogues Between Supreme Court and Canadian Legislatures2001rdquo

59

Canadense60 a qual atribui ao Legislativo a possibilidade de relativizaccedilatildeo por meio de lei

de direitos e garantias desde que seja razoaacutevel e ldquojustificada de forma demonstraacutevel em uma

sociedade livre e democraacuteticardquo61

O objetivo central para a criaccedilatildeo desta norma era garantir que o

Legislativo continuasse a ter flexibilidade de escolha quando da aprovaccedilatildeo de poliacuteticas que

eventualmente fossem conflitantes com os novos direitos fundamentais que passaram a ser

resguardados pela Carta (HIEBERT 1990)

Todavia apesar de a claacuteusula ser direcionada ao Legislativo a avaliaccedilatildeo

das questotildees que envolvem a sua aplicabilidade como a verificaccedilatildeo da legalidade e da

legitimidade62 acaba por ser feita pelo Judiciaacuterio a quem compete analisar as

incompatibilidades entre as leis e os direitos e liberdades assegurados pela Carta

Dessa forma a aplicaccedilatildeo da Seccedilatildeo 1 da Carta revelou-se de certa forma

engenhosa pois ao mesmo tempo em que confere maior liberdade ao legislador

caracteriacutestica de um weak judicial review a verificaccedilatildeo da razoabilidade da sua escolha eacute

feito pelo Judiciaacuterio Sendo assim ainda que a claacuteusula seja dirigida ao Legislativo as

implicaccedilotildees da sua aplicaccedilatildeo chamaram muita atenccedilatildeo no acircmbito da atuaccedilatildeo judicial

Nesse sentido Elliot (1987 p 279) aponta que a Seccedilatildeo 1 tornou-se de

fato a principal disposiccedilatildeo da Carta e a maneira como a Corte tem lidado com ela diz muito

a respeito natildeo apenas do impacto que a Carta pode ter sobre os outros poderes mas tambeacutem

sobre a proacutepria Corte e como ela percebe seu papel sob a Carta

Os principais estudos realizados para analisar o comportamento da Corte

quando da avaliaccedilatildeo da aplicaccedilatildeo da Seccedilatildeo 1 pelo Legislativo revelaram que natildeo haacute uma

conduta uniforme podendo a Corte tanto ter uma conduta mais ativista quanto mais

deferente agraves opccedilotildees legislativas

Estudiosos classificam e dividem a atuaccedilatildeo da Corte em trecircs momentos

60 Para entender o histoacuterico evolutivo de criaccedilatildeo da referida claacuteusula ver HIEBERT Janet The Evolution of

Limitation Clause 28 Osgoode Hall L J 103 1990

61 ldquo1The Canadian Charter of Rights and Freedoms guarantees the rights and freedoms set out in it subject

only to such reasonable limits prescribed by law as can be demonstrably justified in a free and democratic

societyrdquo Canadian Constitution Act 1982

62 Sobre a verificaccedilatildeo da legalidade e legitimidade ver HIEBERT J L Limiting Rights The Dilemma of

Judicial Review p 137-146

60

o primeiro relativo aos primeiros anos de vigecircncia da Carta o segundo referente a fase

iniciada com o julgamento do caso R v Oakes e o terceiro relativo aos desenvolvimentos

mais atuais

Nos primeiros anos em que vigorou a Carta canadense percebeu-se que

a conduta da Corte no tocante a aplicaccedilatildeo da Seccedilatildeo 1 foi bastante abrangente buscando

afirmar o seu papel de guardiatilde de direitos e liberdades bem como garantir a maacutexima eficaacutecia

dos mesmos Assim pode-se dizer que nos primeiros anos a Corte adotou uma postura

ativista (ELLIOT 1987) 63

Apesar da postura ativista a Corte logo nos primeiros anos natildeo realizava

de fato a anaacutelise da razoabilidade das medidas legislativas restritivas de direito sob seu

escrutiacutenio tentando natildeo enfrentar questotildees de cunho poliacutetico limitava-se a dizer que a

restriccedilatildeo de direitos poderia significar indiretamente a intenccedilatildeo do legislador de reformar a

Carta o que natildeo podia ser admitido (ELLIOT 1987)

A adoccedilatildeo desse tipo de postura pela Corte pode ser percebida no

julgamento do caso Ag Quebec v Quebec Association of Protestant Schools Boards64

ocorrido no ano de 1984 dois anos apenas apoacutes a aprovaccedilatildeo da Carta quando foi discutida

e declarada a incompatibilidade do da Seccedilatildeo 73 da Carta de Quebec da Liacutengua Francesa

(Quebec Charter of the French Language ou Bill 101) com a seccedilatildeo 23 da Carta Canadense

de Direitos e Liberdades 65

Em suma o que dispunha o Bill 101 era uma restriccedilatildeo ao direito de acesso

das crianccedilas a escolas puacuteblicas de Liacutengua Inglesa com exceccedilatildeo das crianccedilas cujo pai ou matildee

tivesse estudado em escolas tambeacutem de Liacutengua Inglesa dos filhos de imigrantes que jaacute

vivessem na proviacutencia anteriormente agrave aprovaccedilatildeo da lei e que tivessem sido educados em

Inglecircs ou cuja educaccedilatildeo tenha sido em uma liacutengua pouco falada naquele local ou aquelas

63 No mesmo sentido ldquoIn its initial judgments under the Canadian Charter of Rights and Freedoms the

Supreme Court of Canada respected the postwar structure of rights protection embedded in its first provision

and began to work out the requisite rules of interpretation legal presumptions and conceptions of institutional

roles Central to thislegal analysis was the Courtrsquos understanding that its responsibility was to secure the

rights guarantees as supreme law and to ensure that the limitation function enjoyed normative continuitywith

the rightsrdquo (WEINRIB 2002 p 122)

64 AG (Que) v Quebec Protestant School Boards [1984] 2 SCR Iacutentegra da decisatildeo disponiacutevel em lt

httpsscc-csclexumcomscc-cscscc-cscenitem26indexdogt

65 Nesse mesmo sentido ver tambeacutem a outros casos como Hunter v Southam Inc Re Singh and Ministered of

Employment and Imigration R v Big M Drug Mart Ltd

61

crianccedilas que tivessem irmatildeo jaacute matriculado na mesma escola

Entendeu a Corte portanto que essa norma visava modificar a

disposiccedilatildeo contida na Carta Canadense a qual dispunha expressamente sobre a garantia da

educaccedilatildeo puacuteblica em inglecircs ou francecircs aos filhos de cidadatildeos cuja primeira liacutengua que

tenham recebido na educaccedilatildeo primaacuteria seja uma liacutengua minoritaacuteria naquele local natildeo se

prestando a analisar a razoabilidade da limitaccedilatildeo de direitos alegada pela Proviacutencia de

Quebec66

Dessa forma o que se percebe eacute que a Corte sequer chegou a analisar a

razoabilidade da medida e as provaacuteveis justificativas do legislador limitando-se a declarar a

incompatibilidade da lei sem tentar sequer interpretaacute-la de acordo com a Carta

A segunda fase de acordo com divisatildeo feita por Elliot foi inaugurada

com o famoso julgamento do caso R v Oakes67 em 1986 quando foi introduzida pela

primeira vez uma regra para a verificaccedilatildeo da razoabilidade da restriccedilatildeo imposta pela medida

legislativa a luz da Seccedilatildeo 1 da Carta Canadense

A Corte passou entatildeo a utilizar o que ficou conhecido como ldquoteste de

Oakesrdquo para verificar se a medida legislativa constitui uma restriccedilatildeo a direitos razoaacutevel e

comprovadamente justificaacutevel em uma sociedade livre e democraacutetica o qual consiste

basicamente no estabelecimento de um padratildeo de prova apoiado em severos criteacuterios de

verificaccedilatildeo da legitimidade racionalidade necessidade e proporcionalidade da restriccedilatildeo

(TREMBLAY WEBBER 2008 p 2)68

66 ldquoThe limits imposed by s 73 are not legitimate limits within the meaning of s 1 of the Charter to the extent

that the latter section applies to rights conferred by s 23 In view of the period when the Charter was enacted

and especially in light of the wording of s 23 which repeats the unique set of criteria contained in s 73 of Bill

101 it is apparent that Chapter VIII seemed to the framers as an archetype of the regimes needing reform

Accordingly the limits which Bill 101 imposes on rights relating to the language of instruction cannot possibly

have been regarded by the framers of the Constitution as coming within ldquosuch reasonable limits prescribed by

law as can be demonstrably justified in a free and democratic societyrdquo Even if enacted after the Charter the

s 73 limits could not be legitimized by s 1 of the Charter Section 73 redefines for Quebec the classes of

persons who are entitled to instruction in the minority language and has the effect of creating an exception to

s 23 and of amending the Charter Whatever their scope the limits which s 1 allows cannot be equated with

exceptions to the rights and freedoms guaranteed by the Charter and may not be treated as amendments to the

Charterrdquo (AG (Que) v Quebec Protestant School Boards 1984 p 67-68)

67 O caso teve por objeto a anaacutelise de incompatibilidade entre a seccedilatildeo 8 do Narcotic Control Act que atribuia

o ocircnus ao cidadatildeo preso por porte de droga de prova que a mesma natildeo se destinava ao traacutefico e a seccedilatildeo 11(d)

da Carta que dispotildee sobre o princiacutepio da presunccedilatildeo de inocecircncia R v Oakes [1986] 1 SCR 103 inteiro teor

da decisatildeo disponiacutevel emhttpsscc-csclexumcomscc-cscscc-cscenitem117indexdo

68 Para uma comparaccedilatildeo entre o teste de Oakes e a aplicaccedilatildeo do princiacutepio da proporcionalidade ver GRIMM

Dieter Porportionality in Canada and German Constitutional Jurisprudence University of Toronto Journal

62

Inicialmente a introduccedilatildeo do ldquoteste de Oakesrdquo parecia ter resolvido as

questotildees e duacutevidas relativas a aplicaccedilatildeo da Seccedilatildeo 1 da Carta Todavia a praacutetica mostrou

rapidamente que o teste natildeo resolvera todas as questotildees os julgamentos que se seguiram

demonstraram ainda existir um forte desacordo entre os membros da Corte sobre a aplicaccedilatildeo

da claacuteusula bem como dificuldades inerentes ao proacuteprio teste (ELLIOT 1986)

A aplicaccedilatildeo do teste por acabar induzindo uma postura mais ativista da

Corte e limitando a margem de atuaccedilatildeo do legislador foi muito discutida doutrinariamente

e tambeacutem no acircmbito da proacutepria Corte (TREMBLAY WEBBER 2008)69 Alguns membros

passaram a ver os desdobramentos da aplicaccedilatildeo do teste como uma expansatildeo injustificada

do Poder judicial em detrimento dos outros poderes pelo que comeccedilaram entatildeo a defender

a necessidade de uma atuaccedilatildeo mais contida (WEINRIB 2002 p 123)

Diante disso as anaacutelises mais recentes dos estudiosos a respeito da

aplicaccedilatildeo da seccedilatildeo 1 da Carta canadense passaram a demonstrar a adoccedilatildeo de uma conduta

mais deferente da Corte para com as medidas legislativas Neste sentido Dixon (2009) ao

analisar inuacutemeros julgados sugere a existecircncia de uma maior contenccedilatildeo da Corte ao lanccedilar

o que chama de ldquosegundo olharrdquo (second look cases) sobre o caso ou no segundo ldquoroundrdquo

do diaacutelogo

O que se percebe eacute que na praacutetica a aplicaccedilatildeo da Seccedilatildeo acaba sendo mais

problemaacutetica do que a teoria imaginava quando da sua criaccedilatildeo Haacute uma dificuldade latente

em estabelecer os limites de interferecircncia do Judiciaacuterio na liberdade de atuaccedilatildeo do

legislativo jaacute que o mesmo acaba tendo que realizar uma anaacutelise do meacuterito das escolhas

poliacuteticas do Legislativo que justifiquem a restriccedilatildeo ou limitaccedilatildeo de direitos e liberdades

Por outro lado se a Corte adota uma postura mais passiva optando por

natildeo interferir na atuaccedilatildeo legislativa e acatar suas escolhas ou ateacute mesmo deixar de adentrar

na anaacutelise do seu meacuterito aiacute tambeacutem haacute riscos Para Weinrib (2002) a postura deferente da

Corte eacute contraacuteria aos objetivos da Carta ignorando a reconstruccedilatildeo dos papeis institucionais

proposta por ela bem como a hierarquia especial dada aos direitos e liberdades nela

Vol 57 N 2 Spring 2007 pp 383-397 e TAVARES DA SILVA Suzana O tretalema do Controlo Judicial

da Porporcionalidade in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra Vol LXXXVIII Tomo

II 2012 pp 639-677 69 Para uma melhor compreensatildeo acerca da aplicaccedilatildeo do teste de Oakes ver CHOUDHRY Sujit So What is

the Real Legacy of Oakes Two Decades of Proportionally Analysis under the Canadian Charterrsquos Section 1

Supreme Court Law Review Vol 34 N 2d pp 501-525 2006

63

previstos assim defender a contenccedilatildeo da Corte seria ceder a primazia dos direitos e

liberdades agrave Poliacutetica enquanto que os legisladores devem estar preparados para arcar com

as responsabilidades das suas escolhas70

No tocante a utilizaccedilatildeo da Seccedilatildeo 1 da Carta pelo Legislativo Tushnet

(2009) destaca que a mesma tambeacutem se revela na praacutetica de certa forma problemaacutetica O

que a experiecircncia canadense mostrou foi que muitas vezes o legislativo utiliza-se da

prerrogativa concedida pela Carta para reeditar a mesma medida legislativa restritiva de

direitos jaacute apreciada e reprovada pelo Judiciaacuterio sem alteraccedilotildees substantivas apenas por

exemplo incluindo no preacircmbulo da lei justificativas usadas por juiacutezes em votos dissidentes

que aprovaram a medida estrateacutegia que ficou conhecida como ldquoin you face responserdquo

Exemplo claacutessico dessa praacutetica do legislador foi o que ocorreu no caso R

v OrsquoConnor71 onde foi discutida pela Suprema Corte Canadense a possibilidade do acusado

em processo penal de obter acesso agraves informaccedilotildees meacutedicas das viacutetimas

O entendimento que prevaleceu na Corte em uma votaccedilatildeo natildeo unacircnime

foi o de que o reacuteu teria direito ao acesso de registros possivelmente relevantes para a

resoluccedilatildeo do caso e mediante anaacutelise do juiz que deveria fazer um balanccedilo entre o direito

de defesa do acusado e o direito a privacidade das viacutetimas Os votos dissidentes defendiam

a exigecircncia de que para que o acusado tivesse acesso agraves informaccedilotildees meacutedicas das viacutetimas

comprovasse antecipadamente de forma substancial e robusta a imprescindibilidade das

70 ldquoI develop a critique of the deferential approach to judicial review under the Charter First it disregards

the prolonged well-informed and remarkably participatory debate that led to the Charterrsquos adoption

Particularly it disregards its fully and publicly articulated remedial purpose to withdraw certain interests

denominated as constitutional rights and freedoms from the give and take of the ordinary political process

Second it fails to take seriously the written product of that debate The deferential approach in effect creates

a hierarchy of rights lacking any discernible basis in the text and ignores the differentiation between rights

that the text does make It also disregards the carefully chosen terms of the limitation formulation drafted in

publicly televised parliamentary proceedings That text was expressly designed to include the technical legal

language of the postwar instruments in order to deliver the effective regime of rights-protection desired by

Canadians generally and in particular sought by those to whom the previous lack of rights-protection

mattered most Disregard of remedial purposes and text leads to the third failing insensitivity to the Charterrsquos

reconstruction of institutional roles The advocates of deference cede the primacy of guaranteed rights and

freedoms to ordinary politics on the ground that the representative accountable legislatures must take

responsibility for the political choices required In effect the polity reverts to the legislative policy-making role

that the Charter was designed to redesignrdquo (WEINRIB 2002 p 123)

71 R v OrsquoConnor [1995] 4 SCR 411 Iacutentegra da decisatildeo disponiacutevel em httpscc-csclexumcomscc-

cscscc-

cscenitem1323indexdor=AAAAAQAjUiB2LiBP4oCZQ29ubm9yIFsxOTk1XSA0IFMuQy5SLiA0MTE

B

64

informaccedilotildees

O Parlamento canadense respondeu ao julgamento da Corte com a ediccedilatildeo

de uma nova lei que visando resguardar o direito agrave privacidade das viacutetimas

consequentemente restringindo o direito de defesa do reacuteu estabelecia um procedimento mais

riacutegido para que o mesmo tivesse acesso agraves informaccedilotildees para fundamentar a restriccedilatildeo seguiu

os argumentos dos votos dissidentes

Essa lei foi objeto de anaacutelise pela Suprema Corte no caso R v Mills72 no

qual a Corte em total deferecircncia ao entendimento do Legislativo considerou que a limitaccedilatildeo

ao direito de defesa do acusado era legiacutetima modificando seu entendimento anterior mesmo

sem nenhum fato novo para tanto73

Para Kent Roach (2001) a resposta legislativa representou o seu

desacordo com a decisatildeo judicial utilizando-se da loacutegica dos votos dissidentes para impor o

seu entendimento sobre a Corte exemplificando assim o uso da ldquoin your face responserdquo

amparado pela prerrogativa da Seccedilatildeo 1 da Carta

Para alguns essa praacutetica eacute vista como uma forma de diaacutelogo74 todavia

natildeo eacute isenta de criacuteticas como se verificaraacute adiante pois pode acabar significando na praacutetica

mais um retorno ao sistema de supremacia parlamentar do que propriamente um sistema

dialoacutegico

1013 Princiacutepios e controle poliacutetico sobre a corte - aplicaccedilatildeo praacutetica

da seccedilatildeo 33

A previsatildeo contida na Seccedilatildeo 33 da Carta Canadense exemplifica a

segunda subcategoria das teorias de princiacutepios juriacutedicos segundo a qual o diaacutelogo se

consubstancia na realizaccedilatildeo do controle das decisotildees judiciais pelos poderes poliacuteticos no

caso da ocorrecircncia de erro de interpretaccedilatildeo

72 R v Mills 1999] 3 SCR 668 Iacutentegra da decisatildeo disponiacutevel em httpsscc-csclexumcomscc-cscscc-

cscenitem1751indexdo

73 Para uma criacutetica mais aprofundada do caso ver CAMERON Jamie Dialogue and Hierarchy in Charter

Interpretation A comment on R v Mills Alberta Law Review Vol 38 N 4 2001

74 Ver DIXON Rosalind The Supreme Court of Canada Charter Dialogue and Deference U of Chicago

Public Law Working Paper N 284

65

A seccedilatildeo 33 ficou conhecida como notwithstanding clause ou overriding

por permitir ao Parlamento a reediccedilatildeo de um texto legal limitador de direitos consagrados

na Carta nas seccedilotildees 2 e de 7 a 15 mesmo quando jaacute tenha sido objeto de reprovaccedilatildeo pelo

Judiciaacuterio pelo prazo maacuteximo de cinco anos75

A referida claacuteusula do overriding apesar de inovadora e do seu aparente

potencial promissor na reconfiguraccedilatildeo dos papeis institucionais na verdade encontrou pouca

aplicaccedilatildeo concreta sendo poucas vezes invocada pelo legislativo Roach (2001) por

exemplo defende ser preferiacutevel a utilizaccedilatildeo da Seccedilatildeo 1 para reeditar uma norma jaacute reprovada

pelo Judiciaacuterio do que fazer uso da Seccedilatildeo 33 que pode representar uma resposta agressiva

como se o Legislativo estivesse gritando para ganhar um debate

Ao mesmo tempo em que a Seccedilatildeo 33 torna a decisatildeo judicial

ldquoprovisoacuteriardquo podendo ser ultrapassada pelo Legislativo possibilitando assim um suposto

diaacutelogo eacute difiacutecil imaginar na praacutetica essa concretizaccedilatildeo O custo poliacutetico a ser suportado

pelo legislador nessa situaccedilatildeo eacute muito alto e nem sempre o mesmo pode estar disposto a

suportaacute-lo 76

Combater a decisatildeo judicial por meio da imposiccedilatildeo da lei conforme

possibilita a Seccedilatildeo 33 parece natildeo ter sido o caminho escolhido pelo legislador canadense jaacute

que a praacutetica revela o pouco usa da referida claacuteusula em detrimento da Seccedilatildeo 1

Apesar de natildeo ter sido muito utilizada pelo Legislativo em razatildeo do seu

alto custo poliacutetico a Corte em alguns casos utliza-se da possibilidade do legislador derrubar

75 33 (1) Parliament or the legislature of a province may expressly declare in an Act of Parliament or of the

legislature as the case may be that the Act or a provision thereof shall operate notwithstanding a provision

included in section 2 or sections 7 to 15 of this Charter Marginal noteOperation of exception (2) An Act or

a provision of an Act in respect of which a declaration made under this section is in effect shall have such

operation as it would have but for the provision of this Charter referred to in the declaration Marginal

noteFive year limitation (3) A declaration made under subsection (1) shall cease to have effect five years

after it comes into force or on such earlier date as may be specified in the declarationMarginal noteRe-

enactment (4) Parliament or the legislature of a province may re-enact a declaration made under

subsection (1)Marginal noteFive year limitation(5) Subsection (3) applies in respect of a re-enactment

made under subsection (4) Canadian Constitutional Act 1982

76 Eacute justamente o alto custo poliacutetico da utilizaccedilatildeo da Seccedilatildeo 33 que faz com que o legislativo opte por responder

de outra forma agrave decisatildeo judicial no caso de discordacircncia fazendo uso assim da Seccedilatildeo 1 na forma da ldquoin your

face responserdquo conforme falamos no toacutepico anterior Para uma criacutetica mais detalhada do assunto ver

TUSHNET Mark Weak Courts Strong Rights judicial review and social welfare rights in comparative

constitutional law Princeton University 2009 p 45-47

66

a decisatildeo judicial contida na Seccedilatildeo 33 para justificar suas decisotildees sejam elas mais ativistas

ou mais contidas como se percebe no julgamento Vriend v Alberta77

O caso em suma tratava de um professor universitaacuterio Delwin Vriend

que fora demitido apoacutes ter revelado sua opccedilatildeo sexual assumindo ser homossexual

Inconformado Vriend alegando a incompatibilidade da Individual Rights Protection Act

(IRPA) da proviacutencia de Alberta local onde ocorreu a demissatildeo com a Carta canadense

recorreu ao Judiciaacuterio para anular o ato A referida lei trazia em seu texto de forma expressa

os motivos pelos quais era vedada a discriminaccedilatildeo de qualquer cidadatildeo como raccedila cor

sexo cor da pele estado civil crenccedila religiosa dentre outros mas natildeo fazia menccedilatildeo agrave

orientaccedilatildeo sexual motivo pelo qual Vriend alegou a sua incompatibilidade

O caso foi inicialmente apreciado pelo Conselho de Direitos Humanos

de Alberta (Alberta Human Rights Board) que entendeu que a demissatildeo natildeo era nula eis

que a orientaccedilatildeo sexual natildeo era prevista legalmente como motivo de vedaccedilatildeo agrave

discriminaccedilatildeo A Court of Queenacutes Bench (Tribunal Superior equivalente a segunda

instacircncia recursal) de Alberta ao apreciar o recurso do professor considerou nula a

demissatildeo afirmando que embora a orientaccedilatildeo sexual natildeo estivesse expressamente prevista

na IRPA deveria ser considerada como se ali estivesse inserida em funccedilatildeo do princiacutepio da

igualdade assegurado pela Carta

A decisatildeo foi revista e modificada pela Alberta Court of Appeal por

entender que a IRPA lei em anaacutelise no caso era uma norma neutra natildeo se dirigia de maneira

especifica nem a heterossexuais nem a homossexuais e por isso natildeo haveria qualquer

incompatibilidade com a Carta

O caso foi levado a julgamento pela Suprema Corte canadense que

afirmou a incompatibilidade da IRPA com a Carta e ao mesmo tempo que declarou a

incompatibilidade da lei em razatildeo da mesma ser omissa por natildeo incluir a previsatildeo da

proibiccedilatildeo de discriminaccedilatildeo por motivo de orientaccedilatildeo sexual justificou expressamente sua

conduta na metaacutefora do diaacutelogo

A Corte em sua decisatildeo mais especificamente dos paraacutegrafos 134 a 138

invocou a possibilidade de superaccedilatildeo da decisatildeo judicial pelo Legislativo por meio do uso

77 Vriend v Alberta [1998] 1 SCR 493 Iacutentegra da decisatildeo disponiacutevel em httpscc-csclexumcomscc-

cscscc-cscenitem1607indexdo

67

da notwishstanding clause prevista na Seccedilatildeo 33 da Carta afirmando ser um mecanismo

propiciador do diaacutelogo justificando assim a legitimidade democraacutetica da sua decisatildeo e do

exerciacutecio do judicial review

Sendo assim ainda que natildeo tenha sido muito utilizada para o objetivo

inicial a que se propocircs natildeo se pode ignorar o papel da Seccedilatildeo 33 na Carta canadense

principalmente pelo que a sua falta de utilizaccedilatildeo revela78

1014 Criacuteticas as teorias estruturais dos princiacutepios juriacutedicos

Apesar do aparente potencial dialoacutegico das teorias dos princiacutepios

juriacutedicos por possibilitarem por meio de mecanismos especiacuteficos que o Legislativo responda

ou reaja a decisatildeo judicial as mesmas natildeo satildeo isentas de criacuteticas

Assim como as teorias dialoacutegicas fundadas no meacutetodo judicial abordadas

anteriormente as teorias dos princiacutepios juriacutedicos com mecanismo de articulaccedilatildeo legislativa

da poliacutetica traduzidas na praacutetica na Seccedilatildeo 1 da Carta Canadense privilegiam a interpretaccedilatildeo

do Judiciaacuterio em detrimento do posicionamento legislativo o que natildeo resolve o problema da

legitimidade democraacutetica inerente a judicial review (BATEUP 2006)

Como dito as teorias estruturais dos princiacutepios juriacutedicos estabelecem

uma metodologia dialoacutegica que reconhece um papel privilegiado concedido ao Judiciaacuterio

para lidar com questotildees de princiacutepios fundada no seu suposto isolamento poliacutetico que lhe

atribui vantagem como deliberador moral Todavia a praacutetica demonstra que esse pressuposto

isolamento poliacutetico natildeo necessariamente refletiraacute nas decisotildees da Corte

Embora o sistema canadense seja apontado como o marco inicial das

teorias dialoacutegicas o que a experiecircncia revela com a praacutetica da metodologia de diaacutelogo nele

prevista eacute que apesar da possibilidade de resposta legislativa e de uma ainda que apenas

78 Para Hiebert o fato da quase inexistente utilizaccedilatildeo da Seccedilatildeo 33 pelo legislativo revela a relutacircncia do

parlamento canadense em tomar decisotildees que possam por em risco a sua imagem de oacutergatildeo comprometido com

a proteccedilatildeo dos direitos e liberdades assegurados pela Carta por acreditarem que a derrubada de uma decisatildeo

judicial pode acarretar o repuacutedio da populaccedilatildeo Destaca que essa situaccedilatildeo ficou evidente nas eleiccedilotildees federais

de 2014 quando o Governo liberal marcou pontos poliacuteticos preciosos ao criticar veementemente Stephen

Harper liacuteder do partido conservador o qual natildeo descartava o uso da claacuteusula natildeo obstante pois a maioria dos

canadenses interpretam o uso da mesmo como uma violaccedilatildeo aos direitos protegidos na Carta o que expressa

um ceticismo acerca da legitimidade dos desacordos poliacuteticos com as interpretaccedilotildees judiciais apesar de tais

divergecircncias serem constitucionalmente permitidas (HIEBERT 2006 p 20)

68

formal maior liberdade de atuaccedilatildeo parlamentar expressamente conferida pela Seccedilatildeo 1 da

Carta ao fim e ao cabo quem iraacute decidir de fato eacute a Corte jaacute que a ela incumbe a anaacutelise da

proporcionalidade da medida legislativa

A utilizaccedilatildeo pelo Legislativo dos mecanismos normativamente previstos

no sistema canadense como propiciadores de um diaacutelogo com a Corte acarretam um alto

custo poliacutetico Em um primeiro plano pode-se observar que o uso dos mesmos de forma

regular pode acarretar prejuiacutezo ao significado e ateacute mesmo reduzir a importacircncia do

instituto da revisatildeo judicial enviando um claro sinal de que as opiniotildees judiciais muitas

vezes natildeo satildeo dignas de respeito jaacute que podem facilmente ser suplantadas pela iniciativa

parlamentar

Somado a isso tem-se em segundo plano o alto niacutevel de apoio popular

que o sistema judicial recebe que faz com que mesmo que a utilizaccedilatildeo dos meacnismos natildeo

ataque diretamente o Judiciaacuterio como instituiccedilatildeo em si haja uma provaacutevel exigecircncia puacuteblica

do cumprimento das decisotildees judicias em desfavor de mecanismos de overriding pelo

menos em relaccedilatildeo aqueles casos de maior relevacircncia

Esses dois aspectos elevam demasiadamente os custos poliacuteticos da

atuaccedilatildeo legislativa influenciando para que mecanismos como o previsto na Seccedilatildeo 33 que

resultam em uma substituiccedilatildeo de decisatildeo judicial sejam pouco ou quase nada utilizados na

praacutetica (BATEUP 2009 p 566)

Ainda supondo uma hipoteacutetica utilizaccedilatildeo da previsatildeo contida na Seccedilatildeo

33 fundada em um controle das decisotildees judicias pelo Legislativo quando considerar que

houve erro no julgamento feito pelo Judiciaacuterio poderia se assemelhar muito mais a um

modelo de supremacia parlamentar do que um mecanismo propiciador de um diaacutelogo

substancial entre ambos os poderes79

Tushnet (2009) alerta dessa maneira para o fato de que sob o ponto de

vista praacutetico o sistema canadense em muito pouco se difere do modelo tradicional

americano onde haacute uma prevalecircncia das decisotildees judiciais

Alguns criacuteticos tambeacutem apontam para o fato de que a existecircncia formal

da ldquoclaacuteusula natildeo obstanterdquo no sistema pode levar a uma atuaccedilatildeo irresponsaacutevel do Judiciaacuterio

69

que ciente da possibilidade de correccedilatildeo e superaccedilatildeo da sua decisatildeo pelo Poder Legislativo

natildeo se esforccedilaraacute na busca por emanar as melhores decisotildees80

Outro ponto importante de criacutetica o qualeacute fortemente destacado por

Bateup (2006 p49) eacute o fato de essas teorias possuiacuterem uma contradiccedilatildeo intriacutenseca muito

forte ao mesmo tempo que defendem uma competecircncia privilegiada do Judiciaacuterio para lidar

com questotildees de princiacutepios propotildeem que a supervisatildeo poliacutetica eacute necessaacuteria para se proteger

contra a possibilidade de erro judicial

Eacute questionaacutevel a maneira como o legislador chegaraacute a conclusatildeo que o

Judiciaacuterio incorreu em erro jaacute que natildeo haacute nenhuma teoria interpretativa que explicite de

forma objetiva como isso deve ser verificado na praacutetica deixando uma margem de

apreciaccedilatildeo muito ampla e subjetiva parecendo muito mais uma forma de simples superaccedilatildeo

da decisatildeo judicial do que uma efetiva correccedilatildeo

Sendo assim natildeo se vislumbra na praacutetica canadense a efetivaccedilatildeo de um

verdadeiro diaacutelogo sob o ponto de vista material podendo-se aferir apenas a possibilidade

de uma conversaccedilatildeo entre os poderes onde o Judiciaacuterio ldquofalardquo e o Legislativo ldquoescutardquo ou vice-

versa sugerindo mais uma ideia de monoacutelogo do que propriamente de diaacutelogo jaacute que na

realidade natildeo haacute um efetivo debate nem a construccedilatildeo conjunta de uma decisatildeo

Poreacutem apesar das criacuteticas se reconhece a importacircncia da praacutetica

deflagrada pelo sistema canadense que mesmo que apenas formalmente possibilita uma

interaccedilatildeo legislativa no processo de controle de constitucionalidade mediante a utilizaccedilatildeo de

mecanismos criados propriamente para esse fim especiacutefico o que ateacute entatildeo natildeo existia na

jurisdiccedilatildeo constitucional

80 Nesse sentido ver PETTER Andrew Taking Dialogue theory much too seriously (or perhaps charter

dialogue isnrsquot such a good thing after all) Osgoode Law Journal v 45 n1 p147-167 2007 A criacutetica

desenvolvida por Andrew Petter faz parte das que se seguiram apoacutes o estudo desenvolvido por Petter Hogg e

Alisson Bushell Para o Autor a tese dos mesmos eacute desprovida de conteuacutedo normativo e subestima a influecircncia

que as decisotildees judiciais exercem no processo de tomada de decisotildees poliacuteticas e em todos os outros aspectos

da vida poliacuteticas O Autor critica veementemente a metodologia adotada pelos dois autores no tocante a anaacutelise

jurisprudencial que os levou a concluir pela existecircncia do diaacutelogo no sistema canadense dentre outros

importantes aspectos por isso sugerimos a leitura

70

11 As teorias dialoacutegicas da parceira

Agrupam-se nessa categoria de teorias estruturais do diaacutelogo aquelas

que apostam nos mecanismos institucionais como a melhor forma de promoccedilatildeo do diaacutelogo

reconhecem o papel igualmente importante tanto dos atores judiciais como dos natildeo judiciais

no processo de tomada de uma decisatildeo constitucional

De acordo com essas teorias tanto o Judiciaacuterio quanto o Legislativo

devem ter seu papel reforccedilado dentro do processo de interpretaccedilatildeo constitucional sendo

reconhecidas as capacidades e competecircncias especiacuteficas de cada um de modo que repartam

a responsabilidade das decisotildees

Ao contraacuterio das teorias dos princiacutepios juriacutedicos para essas teorias natildeo

haacute um polo privilegiado reconhecem as diferentes competecircncias de cada braccedilo do poder

poreacutem defendem uma atuaccedilatildeo colaborativa entre eles na interpretaccedilatildeo constitucional sem

qualquer hierarquia

Bateup (2006 p 71) destaca as ideias de Janet Hiebert como exponente

dessas teorias eis que a referida Autora ao analisar a experiecircncia Canadense na aplicaccedilatildeo da

Carta de 1982 critica a passividade do Legislativo em face da intervenccedilatildeo judicial em

assuntos de poliacutetica puacuteblica argumentando que a interpretaccedilatildeo constitucional deve ser uma

responsabilidade compartilhada entre os Tribunais e o Parlamento

Hibert (2002) defende uma ldquoabordagem relacionalrdquo mediante a

combinaccedilatildeo entre a perspectiva judicial e legislativa para as interpretaccedilotildees da Carta Alega

que o fato de estarem separados Legislativo e Judiciaacuterio poreacutem interligados dentro da ordem

constitucional faz com quem ambos estejam aptos a se engajar em um diaacutelogo no qual cada

um deve ter certo grau de modeacutestia sobre suas proacuteprias conclusotildees e ouvir o outro a fim de

um aprendizado reciacuteproco e conforme necessaacuterio modificar seu ponto de vista

Nesse sentido criacutetica a teoria dialoacutegica de Bushell e Hogg sobretudo por

atribuiacuterem agrave Corte um papel corretivo incompatiacutevel com a ideia do compartilhamento de

responsabilidade inerente ao diaacutelogo Para a Autora natildeo deve ser atribuiacutedo agrave Corte o papel

de conduzir o diaacutelogo mas sim reconhecidas as capacidades diferentes de cada instituiccedilatildeo

do Poder as quais enxergam os problemas por prismas diferentes

71

Demonstra por meio desse entendimento que o Judiciaacuterio natildeo seria a

instacircncia mais bem posicionada para avaliar a escolha dos meios feita pelo legislador para

alcanccedilar seus objetivos mas sim para fiscalizar a qualidade da deliberaccedilatildeo e o empenho

despendido para fazer o balanceamento entre direitos e seus limites

Essa fiscalizaccedilatildeo acabaria por aumentar a responsabilidade do

Legislativo jaacute que precisaraacute convencer o Judiciaacuterio da necessidade da limitaccedilatildeo imposta e

do seu cuidado e compromisso com a proteccedilatildeo dos direitos81

111 Criacuteticas agrave teoria da parceria

No tocante a legitimidade democraacutetica da revisatildeo judicial das leis pode-

se dizer que essas teorias comparadas as demais ateacute aqui expostas demonstram maior

aptidatildeo para solucionar o problema pois oferecem uma resposta satisfatoacuteria a objeccedilatildeo

contramajoritaacuteria ao natildeo reconhecerem nenhuma posiccedilatildeo superior ao Judiciaacuterio em relaccedilatildeo

aos demais poderes mas sim reforccedilando a ideia de separaccedilatildeo de poderes e funccedilotildees

especiacuteficas sendo estas igualmente importantes no processo de interpretaccedilatildeo constitucional

Do ponto de vista teoacuterico a ideia parece ideal sobretudo por reforccedilar o

princiacutepio da separaccedilatildeo de poderes aumentando a responsabilidade institucional e

respeitando as competecircncias teacutecnicas e especiacuteficas de cada braccedilo do Poder como se idealiza

Todavia a sua dificuldade praacutetica eacute tatildeo evidente que natildeo conseguimos sequer vislumbrar

um exemplo concreto da efetivaccedilatildeo dessa teoria

Apesar disso deve ser considerada e reconhecida a sua importacircncia por

servir como um objetivo a ser alcanccedilado como um ponto de referecircncia que se deve buscar

implementar na praacutetica apesar das latentes dificuldades

Para Bateup essas teorias seriam praticamente perfeitas se comparadas

com as outras para alcanccedilar os objetivos a que as teorias dialoacutegicas se propotildeem poreacutem

pecam por natildeo considerar a necessidade da participaccedilatildeo social no diaacutelogo Diante disso a

Autora propotildee uma outra metodologia que a seu ver seria a ideal a qual passamos a expor

81 ldquoThe extent to wich Parliament will be able to convince the judiciary about the merits of how it believes

Charter conflicts should be resolved may be a direct reflection of the extent of its commitment to careful and

principled judgment To a considerable degree Parliament is likely get the kinds of judicial rulings ir

deservesrdquo (HIEBERT 2002 p 227)

72

12 Fusatildeo dialoacutegica

A metodologia de diaacutelogo ideal proposta por Bateup consiste na fusatildeo

entre os elementos das teorias da parceria e do equiliacutebrio que resultaria na forma mais

promissora do diaacutelogo constitucional por permitir uma compreensatildeo mais abrangente dos

diferentes aspectos institucionais e sociais possibilitando a participaccedilatildeo de diferentes atores

no processo de interpretaccedilatildeo constitucional (BATEUP 2006 p 77)

Na concepccedilatildeo da Autora a fusatildeo dialoacutegica seria o modelo ideal de

diaacutelogo pois por meio dos elementos proacuteprios da teoria da parceria se resolveriam as

controveacutersias acerca da legitimidade democraacutetica do judicial review reforccedilando a

competecircncia e atuaccedilatildeo das instituiccedilotildees aumentando a responsabilidade das mesmas pelas

suas decisotildees e atividades e por outro lado por meio dos elementos das teorias do

equiliacutebrio se promoveria a inclusatildeo da sociedade no debate reconhecendo o papel do

Judiciaacuterio como mediador da discussatildeo sem no entanto atribuir-lhe o poder da palavra final

Como aprimoramento das outras teorias a fusatildeo dialoacutegica propotildee a

noccedilatildeo do papel do Judiciaacuterio como um facilitador do debate na sociedade sobre os principais

temas do constitucionalismo para que mediante dele se alcance um resultado mais

duradouro e aceitaacutevel no seio social

Sendo assim em siacutentese o que Bateup propotildee eacute que a criacutetica inicialmente

feita agrave teoria do equiliacutebrio relativa a existecircncia de problemas constitucionais menos

relevantes em que natildeo seria necessaacuterio - nem recomendaacutevel - a abertura de um debate no

seio social seria superada pela metodologia da teoria da parceria surgindo assim um modelo

mais ldquocorretordquo de diaacutelogo

Sob essa perspetiva a revisatildeo judicial das leis teria como consequecircncia

dois aspectos distintos dentro da sociedade moderna Em primeiro lugar seria um

mecanismo auxiliador na produccedilatildeo de respostas mais duraacuteveis e amplamente aceitaacuteveis em

relaccedilatildeo a questotildees constitucionais que envolvam diaacutelogo com a sociedade como um todo e

em segundo tambeacutem auxiliaria na promoccedilatildeo de uma melhor resoluccedilatildeo institucional de

questotildees constitucionais no acircmbito de casos individuais (BATEUP 2006 p 78)

73

121 Criacuteticas agrave teoria da fusatildeo dialoacutegica

Aqui repetem-se as criacuteticas feitas no toacutepico acima acerca da teoria da

parceria acrescentando-se a essas as atinentes agrave inclusatildeo da participaccedilatildeo da sociedade como

participantes do diaacutelogo

A ideia de Bateup parece sob o ponto de vista da legitimidade

democraacutetica do controle de constitucionalidade ideal para superar todas as desconfianccedilas

pois combina os melhores elementos da teoria da parceria e ainda inclui a participaccedilatildeo

social que nesse vieacutes eacute de fundamental importacircncia

De todas as teorias ateacute aqui expostas parece ser a uacutenica a prever a

concretizaccedilatildeo de um diaacutelogo material facilitando a ocorrecircncia de um verdadeiro debate entre

os participantes do processo de interpretaccedilatildeo constitucional a fim de encontrar um consenso

Todavia as dificuldades residentes na implementaccedilatildeo dessa concepccedilatildeo

teoacuterica na praacutetica satildeo inuacutemeras primeiramente pela limitaccedilatildeo dos provaacuteveis meios para

inclusatildeo da sociedade no debate e depois pelos riscos que essa inclusatildeo pode oferecer

Incluir a sociedade civil em um debate atinente a realizaccedilatildeo de poliacuteticas

puacuteblicas para a efetivaccedilatildeo de direitos fundamentais pode ser extremamente perigoso pois a

pressatildeo social pode levar a tomadas de decisotildees irresponsaacuteveis pelos entes puacuteblicos bem

como pode acabar privilegiando uma ou outra parcela da populaccedilatildeo que esteja ativa no

debate em detrimento de outra Com isso pode haver o favorecimento dos interesses de

grupos minoritaacuterios o que nem sempre pode ser considerado favoraacutevel do ponto de vista

democraacutetico

Neste sentido ainda que a metodologia proposta po Bateup seja

aparentemente a mais promissora para resolver o conflito que ronda a legitimidade

democraacutetica do controle judicial das leis natildeo se pode tomaacute-la como uma verdade absoluta

sendo necessaacuterio criterioso cuidado na sua anaacutelise

13 Os mecanismos estruturais de diaacutelogo no sistema britacircnico e neozelandecircs

Como jaacute se abordou brevemente no iniacutecio do presente trabalho o novo

modelo canadense de revisatildeo judicial das leis por ser uma alternativa agrave tradicional forma de

supremacia judicial acabou por influenciar outros paiacuteses da Commonwealth de tradiccedilatildeo

74

parlamentar justamente pela sua promessa de conciliaccedilatildeo entre a supremacia legislativa e a

revisatildeo judicial no tocante a proteccedilatildeo de direitos fundamentais

Assim inspirados nesse novo modelo de judicial review paiacuteses como o

Reino Unido e Nova Zelacircndia ao reconhecerem a necessidade de uma tutela especial aos

direitos fundamentais adotaram sistemas que tambeacutem possuem mecanismos que propiciam

uma forma ldquofracardquo de revisatildeo judicial

O ponto em comum que ambos os sistemas possuem eacute o fato que o

Judiciaacuterio natildeo deteacutem poder para invalidar a legislaccedilatildeo ou seja permanecem pelo menos em

teoria em um sistema onde a supremacia parlamentar ainda se faz presente Todavia diante

da necessidade de assegurar a eficaacutecia dos direitos fundamentais que passaram a fazer parte

do Bill of Rights acabaram por introduzir em seu sistema alguns mecanismos que mitigaram

essa supremacia condicionando o legislador a observaccedilatildeo de tais direitos

Ambos os sistemas possuem assim a figura do mandado interpretativo

que em suma permite ao Judiciaacuterio o exerciacutecio da revisatildeo das leis ainda que natildeo possa

invalidaacute-las e lhe impotildee a tarefa de no momento que for analisar a legislaccedilatildeo interpretaacute-la

conforme os preceitos do Bill of Rights

Apesar de ser o mesmo mecanismo ele se desdobra na praacutetica de

maneiras diversas em cada paiacutes em face das suas peculiaridades razatildeo pela qual se analisaraacute

ambos os sistemas de forma autocircnoma

131 O mandado interpretativo e a declaraccedilatildeo de incompatibilidade no reino

unido (seccedilatildeo 3 e 4 (2) do human rights act 1998)

Como se sabe o Reino Unido eacute considerado o berccedilo da soberania

parlamentar onde ateacute recentemente cabia a este oacutergatildeo a apreciaccedilatildeo e resoluccedilatildeo de problemas

constitucionais tendo o Judiciaacuterio pouca ou quase nenhuma expressatildeo nesse sentido

O reconhecimento da competecircncia do Judiciaacuterio para a realizaccedilatildeo da

revisatildeo das leis foi um processo gradativo Apoacutes a Revoluccedilatildeo Gloriosa e a promulgaccedilatildeo do

Bill of Rights ambas as Casas do Parlamento inglecircs (House of Common e House of Lords)

75

passaram a deter competecircncia exclusiva para receber e apreciar as peticcedilotildees advindas dos

tribunais inferiores 82

Posteriormente jaacute exercendo a Cacircmara dos Lordes tal funccedilatildeo de modo

exclusivo veio a lume o Appellate Jurisdiction Act (1876) por intermeacutedio do qual foi criada

a figura dos lordes de apelaccedilatildeo (Lords of Appeal in Ordinary ou Law Lords) juiacutezes altamente

qualificados que deveriam se dedicar exclusivamente agraves questotildees judiciais submetidas ao

Parlamento Tais juiacutezes passaram a integrar o que veio a ser denominado Comissatildeo de

Apelaccedilatildeo da Cacircmara dos Lordes (Appellate Committee) e exercendo apenas a funccedilatildeo

jurisdicional deixaram de participar das votaccedilotildees do Parlamento (natildeo obstante tenham

permanecido como membros de tal Poder) (LARANJEIRA 2013)

Nesse contexto na estrutura constitucional inglesa cabia ao Parlamento

natildeo apenas a funccedilatildeo legislativa que lhe eacute inerente mas tambeacutem a atuaccedilatildeo como oacutergatildeo de

cuacutepula judicial Essa concepccedilatildeo era decorrente da inexistecircncia de uma constituiccedilatildeo escrita

formalmente superior as demais normas83 razatildeo pela qual o legislador acabava por ter uma

autonomia ilimitada para editar modificar e anular as leis

O ponto inicial de mudanccedila dessa estrutura foi a adoccedilatildeo do Human

Rights Act 199884 que entrou em vigor em 2 de outubro de 2000 e introduziu no

ordenamento juriacutedico interno os princiacutepios fundamentais jaacute enunciados pela Convenccedilatildeo

Europeia de Direitos do Homem85 A adoccedilatildeo desse documento representou uma mudanccedila

significativa na cultura legal do paiacutes porque as autoridades puacuteblicas passaram a ser

obrigadas a obedecer novas normas antes consideradas apenas no acircmbito internacional e

com isso quaisquer accedilotildees do Governo ou outros organismos puacuteblicos que natildeo cumprissem

82 Para um maior aprofundamento sobre a histoacuteria estrutura e composiccedilatildeo do Parlamento britacircnico ver

LEYLAND Peter The Constituion of the United Kingdom a contextual analysis Oxford 2007 p 81-114

83 Necessaacuterio destacar que embora natildeo exista um documento formal intitulado de Constituiccedilatildeo atribui-se esse

mesmo sentido ao ldquo() conjunto de praacuteticas instituiccedilotildees e remeacutedios processuais que determina a estruturaccedilatildeo

poliacutetica do Estado com o adequado controle e distribuiccedilatildeo do poder aleacutem do apontamento de garantias

fundamentais em favor dos cidadatildeos ()rdquo (CYRINO 2007)

84 Eacute importante esclarecer que antes da adoccedilatildeo do HRA o Reino Unido jaacute havia ratificado a Convenccedilatildeo

Europeia de Direitos do Homem em 1951 o que acarretou severesos conflitos de normas A necessidade de

conciliaccedilatildeo desses conflitos normativos pode ser considerada como um dos motivos que ensejaram a adoccedilatildeo

do HRA

85 A adoccedilatildeo desse documento foi tambeacutem decorrente de importantes conflitos poliacuteticos que acabaram por

enfraquecer a ideia de supremacia parlamentar ateacute entatildeo intocaacutevel sobretudo pelas constriccedilotildees decorrentes da

entrada na Uniatildeo Europeia que obrigou o paiacutes a estabelecer um documento legal de proteccedilatildeo de direitos

fundamentais com status qualificado Nesse sentido ver TUSHNET 2008 p 28

76

com a Convenccedilatildeo passaram a poder serem consideradas como ilegais tambeacutem no acircmbito

interno (LEYLAND 2007)

A partir de entatildeo passou-se a travar debates atinentes a necessidade de

ampliaccedilatildeo de um sistema de revisatildeo judicial das leis a fim de dar eficaacutecia ao documento e

consolidar a sua hierarquia qualificada perante as demais leis86

A mudanccedila do sistema onde ateacute entatildeo o controle das leis era feito por

um oacutergatildeo poliacutetico parte do proacuteprio Parlamento se consolidou com a aprovaccedilatildeo do

Constitution Reform Act em 2005 o qual passou a prever a criaccedilatildeo da Suprema Corte que

foi instalada mais recentemente no ano de 2009 e marcou a consolidaccedilatildeo de um oacutergatildeo

judicial independente do legislativo87

O HRA ao introduzir no odernamento juriacutedico interno os princiacutepios e

direitos previstos na Convenccedilatildeo Europeia na Seccedilatildeo 388 determinou que tanto quanto fosse

possiacutevel a legislaccedilatildeo primaacuteria e a legislaccedilatildeo subordinada devem ser interpretadas visando a

compatibilidade com os preceitos da Convenccedilatildeo

Ou seja o mandado interpretativo consiste na imposiccedilatildeo as Cortes do

dever de se esforccedilarem para interpretar as leis de acordo com o HRA Tambeacutem eacute denominado

por alguns doutrinadores de poder interpretativo (interpretative power) visto que possibilita

86 Sobre o impacto do HRA na cultura britacircnica Gadbaum (2001 p 732) destaca ldquoThere is no doubt that in

the British legal and constitutional context the mere existence of a set of codified constitutes a radical change

in legal and political culture independent of the exact form and legal status that they possess This is because

it replaces the existing conception of civil liberties as residual in nature ndash citizens are free to do whatever

statute common law and delegated legislation do not prohibit them from doing ndash with a primary or affirmative

set of rights that limit what citizens may be prohibited from doing in the first placerdquo

87 Leyland (2007 p 154) esclarece que a Suprema Corte britacircnica natildeo foi criada com o objetivo de ser um

Tribunal constitucional em suas palavras ldquoThe Supreme Court will not be established as a constitutional court

although of course it will have to preside over cases that raise constitutional issues and it will take over from

the Judicial Committee of the Privy Council jurisdiction over lsquodevolution issuesrsquo arising from the Scotland Act

1998 Government of Wales Act 1998 and Northern Ireland Act 1998rdquo

88 Interpretation of legislation (1)So far as it is possible to do so primary legislation and subordinate

legislation must be read and given effect in a way which is compatible with the Convention rights (2)This

sectionmdash (a)applies to primary legislation and subordinate legislation whenever enacted (b)does not affect

the validity continuing operation or enforcement of any incompatible primary legislation and (c)does not

affect the validity continuing operation or enforcement of any incompatible subordinate legislation if

(disregarding any possibility of revocation) primary legislation prevents removal of the incompatibility (HRA

1998)

77

a modificaccedilatildeo do significado das leis inicialmente conferido pelo Palamento a fim de

compatibilizaacute-las com a Convenccedilatildeo89

Todavia quando natildeo for possiacutevel uma interpretaccedilatildeo compatiacutevel a lei

natildeo pode ser invalidada permanecendo em pleno vigor podendo ser aplicada e invocada em

qualquer procedimento legal O que deve existir nesses casos eacute a emissatildeo de uma declaraccedilatildeo

de incompatibilidade onde a Corte pronunciaraacute o seu entendimento mas este natildeo teraacute

nenhum efeito direto ou concreto sobre a validade da norma90

A manifestaccedilatildeo do Judiciaacuterio por meio da declaraccedilatildeo de

incompatibilidade apesar de natildeo acarretar a nulidade da lei ao tornar puacuteblico o conflito da

mesma com os direitos assegurados pelo HRA gera um inegaacutevel constrangimento poliacutetico

Poreacutem o Parlamento continua a ser soberano eis que eacute ele que decide se a norma ainda que

declaradamente incompatiacutevel continuaraacute vigente como antes (CYRINO 2007)

Tendo em vista o constrangimento poliacutetico causado pela declaraccedilatildeo de

incompatibilidade alguns autores defendem ser esse um mecanismo propulsor de uma

resposta do Parlamento agraves decisotildees da Corte de forma a alterar a lei para eliminar a

incompatibilidade apontada pelas Cortes bem como de uma maior responsabilidade para

com a observacircncia dos direitos do HRA quando da formulaccedilatildeo das leis a fim de evitar uma

futura incompatibilidade

Um reconhecido e importante exemplo dessa praacutetica ocorreu no

julgamento do caso A and Others v Secretary of State for the Home Departament91 onde o

Governo britacircnico foi acusado de minar direitos individuais por meio da criaccedilatildeo da lei Anti

terrorismo crime e seguranccedilas de 2001 por permitir a detenccedilatildeo por tempo indeterminado

de estrangeiros suspeitos da praacutetica de terrorismo

89 ldquoThis section confers an interpretative power which allows the courts to consider legislation and transform

it by stretching its meaning where it is possible to do so in order to achieve Convention compatibilityThis

marks a significant shift of power from Parliament to judges since the courts are able to rewrite sections of

Acts by reading into them words that are not there and by doing so remove potential conflicts with the

Conventionrdquo (LEYLAND 2007 p 171)

90 4 (2) If the court is satisfied that the provision is incompatible with a Convention right it may make a

declaration of that incompatibility (HRA 1998)

91 A and Others v Secretary of State for the Home Departament (2004) UKHL Iacutentegra disponiacutevel em

httpwwwpublicationsparliamentukpald200405ldjudgmtjd041216aampoth-1htm

78

Nesse caso um grupo de suspeitos que estava detido em Belmarsh haacute

trecircs anos suscitou o conflito da lei com os direitos e garantias assegurados no HRA O

Comitecirc Judicial da Cacircmara dos Lordes emitiu uma declaraccedilatildeo de incompatibilidade da

referida legislaccedilatildeo poreacutem como a mesma natildeo provoca a nulidade os suspeitos continuaram

detidos Contudo a condenaccedilatildeo da legislaccedilatildeo ocasionou uma resposta do Governo

A declaraccedilatildeo de incompatibilidade acabou persuadindo o Governo a

editar uma nova lei utilizando uma outra abordagem para controlar os suspeitos de

terrorismo de forma a superar a incompatibilidade verificada e dessa maneira foi editada a

lei de Anti Terrorismo de 2005 (Prevention of Terrorism Act 2005)

Nesse sentido a declaraccedilatildeo de incompatibilidade pode ser lida sob a

oacutetica das teorias dialoacutegicas92 eis que quase sempre que for emitida ensejaraacute uma resposta do

Governo ou do Parlamento no sentido de modificar a lei para eliminar a incompatibilidade

diante de uma provaacutevel pressatildeo puacuteblica intensa nesse sentido e pelo proacuteprio interesse puacuteblico

em fazecirc-lo

Ademais o Governo e o Parlamento dificilmente iratildeo ignorar o conflito

revelado entre a legislaccedilatildeo e o HRA tambeacutem considerando que a viacutetima da violaccedilatildeo manteacutem

o direito de recorrer ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem alegando uma violaccedilatildeo a

Convenccedilatildeo Europeacuteia pelas normas internas (DEBELJAK 2002 p317)

Sob essa perspectiva a declaraccedilatildeo de incompatibilidade seria um

instrumento ideal para possibilitar um diaacutelogo entre o Judiciaacuterio e o Parlamento na tarefa da

interpretaccedilatildeo e execuccedilatildeo dos direitos fundamentais O HRA confere uma voz formal ao

Judiciaacuterio a qual pode ser colocada em praacutetica mediante a utilizaccedilatildeo deste instrumento com

o objetivo de envolver o legislativo no debate (SCHYFF 2010 p 188)

Complementando essa ideia Seccedilatildeo 1093 do HRA prevecirc mecanismos

que possibilitam uma alteraccedilatildeo da legislaccedilatildeo de forma mais raacutepida que pelo procedimento

92 ldquoThe notion of declarations of incompatibility is congruent with the principle of democratic inclusion The

deliberative process continues via an inter-institutional dialogue ensuring that no arm of government has a

monopoly on the final resolution of the defining commitments of society (hellip) According to the Human Rights

White Paper (UK) a judicial declaration of incompatibility is part of an inter-institutional dialogue A

declaration of incompatibility lsquowill almost certainly prompt the Government and parliament to change the lawrsquo

and lsquothe Government would have to consider and in most cases would consider the position pretty rapidlyrdquo

(DEBELJAK 2002p317)

93 ldquoSection 10 (Power to take remedial action) (1)This section applies ifmdash (a) a provision of legislation has

been declared under section 4 to be incompatible with a Convention right and if an appeal liesmdash (i)all persons

79

comum denominados remedial actions A Seccedilatildeo 1994 ainda estabelece uma forma de

controle preacutevio da legislaccedilatildeo a ser realizado pelo Ministro

Em razatildeo disso o sistema de revisatildeo judicial das leis instituiacutedo no Reino

Unido vem sendo apontado por alguns doutrinadores como um sistema dialoacutegico Contudo

por oacutebvio haacute objeccedilotildees conforme se passaraacute a demonstrar

1311 Criacuteticas agrave experiecircncia britacircnica

Apesar de ainda ser muito cedo para proferir um pronunciamento firme

sobre a nova praacutetica implementada no Reino Unido pelo HRA (HIEBERT 2006) jaacute se

consegue vislumbrar na doutrina algumas criacuteticas valiosas a seu respeito

Em suma as duacutevidas sobre a sustentabilidade deste modelo residem na

imprevisibilidade do comportamento poliacutetico que ao mesmo tempo pode favorecer um

recuo ao antigo modelo da soberania parlamentar como pode tambeacutem acabar se

aproximando ao tradicional modelo norte-americano onde haacute uma evidente supremacia

judicial

who may appeal have stated in writing that they do not intend to do so (ii)the time for bringing an appeal has

expired and no appeal has been brought within that time or (iii)an appeal brought within that time has been

determined or abandoned or (b) it appears to a Minister of the Crown or Her Majesty in Council that having

regard to a finding of the European Court of Human Rights made after the coming into force of this section in

proceedings against the United Kingdom a provision of legislation is incompatible with an obligation of the

United Kingdom arising from the Convention (2)If a Minister of the Crown considers that there are compelling

reasons for proceeding under this section he may by order make such amendments to the legislation as he

considers necessary to remove the incompatibility (3)If in the case of subordinate legislation a Minister of

the Crown considersmdash (a) that it is necessary to amend the primary legislation under which the subordinate

legislation in question was made in order to enable the incompatibility to be removed and (b)that there are

compelling reasons for proceeding under this section he may by order make such amendments to the primary

legislation as he considers necessary (4)This section also applies where the provision in question is in

subordinate legislation and has been quashed or declared invalid by reason of incompatibility with a

Convention right and the Minister proposes to proceed under paragraph 2(b) of Schedule 2 (5)If the legislation

is an Order in Council the power conferred by subsection (2) or (3) is exercisable by Her Majesty in Council

(6)In this section ldquolegislationrdquo does not include a Measure of the Church Assembly or of the General Synod

of the Church of England (7)Schedule 2 makes further provision about remedial ordersrdquo Human Rights Act

1998

94 ldquoSection 19 (Statements of compatibility) (1)A Minister of the Crown in charge of a Bill in either House of

Parliament must before Second Reading of the Billmdash (a) make a statement to the effect that in his view the

provisions of the Bill are compatible with the Convention rights (ldquoa statement of compatibilityrdquo) or (b)make

a statement to the effect that although he is unable to make a statement of compatibility the government

nevertheless wishes the House to proceed with the Bill (2)The statement must be in writing and be published

in such manner as the Minister making it considers appropriaterdquo Human Rights Act 1998

80

Neste sentido as criacuteticas se assemelham agraves crtiacuteticas jaacute disparadas contra

o sistema canadense95 o que nos conduz a percepccedilatildeo de que talvez seja uma caracteriacutestica

comum a todos os modelos concluindo que por melhor e mais elaborado que seja o sistema

de revisatildeo judicial das leis sua concretizaccedilatildeo sofreraacute dificuldades por questotildees de cunho

subjetivo tendo a cultura local de cada paiacutes grande influecircncia nessa praacutetica

Ou seja o grau de comprometimento de cada braccedilo do Poder seja com

a busca pela efetivaccedilatildeo de direitos ou com a preservaccedilatildeo da soberania parlamentar iraacute

influenciar diretamente na forma de utilizaccedilatildeo dos mecanismos dialoacutegicos colocados a

disposiccedilatildeo

Eacute importante notar que o HRA ao mesmo tempo que preserva a

supremacia da legislaccedilatildeo jaacute que a mesma natildeo pode ser invalidada por outro oacutergatildeo que natildeo

o proacuteprio Parlamento acaba por conferir um papel de destaque ao Judiciaacuterio no processo de

interpretaccedilatildeo e efetivaccedilatildeo dos direitos fundamentais

A Seccedilatildeo 3 ao instituir o mandado interpretativo atribui grande

influecircncia ao entendimento do Judicaacuterio na definiccedilatildeo do sentido das leis ao passo que a

declaraccedilatildeo de incompatibilidade apesar do seu potencial dialoacutegico demonstrado acima na

praacutetica tambeacutem faz com que prevaleccedila esse entendimento jaacute que a tendecircncia eacute que os outros

oacutergatildeos sigam a interpretaccedilatildeo judicial no sentido de modificar a lei garantindo a preservaccedilatildeo

dos direitos fudamentais assegurados pelo HRA e pela CEDH (DEBELJAK 2002)

Hiebert (2004 p 1983) ao tratar da experiecircncia britacircnica chama a

atenccedilatildeo para o fato de que apesar da clara intenccedilatildeo dos proponentes do HRA de manter o

princiacutepio da soberania parlamentar natildeo houve muita discussatildeo sobre como esse princiacutepio

iria se relacionar com os julgamentos do Judiciaacuterio sobre direitos

Revela que as pesquisas realizadas por meio da anaacutelise de debates

parlamentares deliberaccedilotildees poliacuteticas e comentaacuterios acadecircmicos sobre o assunto

demonstram pouca consideraccedilatildeo dos criteacuterios condiccedilotildees e circunstacircncias em que o Governo

deve explicitamente discordar das interpretaccedilotildees do HRA feitas pelo Judiciaacuterio

O que se percebe da anaacutelise do sistema de revisatildeo judicial das leis

desenvolvido pelo Reino Unido eacute que muito embora o Judiciaacuterio natildeo detenha a uacuteltima

95 Ver toacutepico 1014

81

palavra natildeo podendo invalidar a legislaccedilatildeo o mandado interpretativo lhe confere um poder

de interpretaccedilatildeo muito amplo podendo mudar o sentido da lei inicialmente conferido pelo

legislador o que pode contribuir para uma forma de supremacia judicial

Aleacutem do que o amplo uso do mesmo pode acabar levando os juiacutezes a

natildeo exprimirem as suas verdadeiras opiniotildees sobre a legislaccedilatildeo camuflando assim uma falsa

compatibilidade o que natildeo eacute desejaacutevel sob o ponto de vista constitucional sobretudo quando

se busca uma efetiva proteccedilatildeo de direitos

Neste sentido seria preferiacutevel que o mandado interpretativo fosse visto

apenas como uma diretriz uma tentativa e natildeo uma obrigaccedilatildeo e que os juiacutezes procurassem

usar em todas as vezes que entederem que uma legislaccedilatildeo natildeo eacute compatiacutevel com a

declaraccedilatildeo de direitos seu poder de declaraccedilatildeo Entretanto natildeo haacute como determinar que o

Judiciaacuterio aja dessa forma pelo que a declaraccedilatildeo de incompatibilidade pode ser utilizada

frequentemente ou como uma medida de uacuteltimo recurso

Os teoacutericos que acreditam na possiacutevel existecircncia de um diaacutelogo no

sistema britacircnico tendem a considerar que o uso frequumlente da Seccedilatildeo 3 pelas Cortes ou seja

o amplo exerciacutecio do poder interpretativo sob o ponto de vista democraacutetico eacute menos

desejaacutevel do que a emissatildeo de declaraccedilotildees de incompatibilidade pois ele daacute ao Judiciaacuterio a

uacuteltima palavra ao menos que seja ou ateacute que seja revista pelo Parlamento (BATEUP 2009

p 547)

Diante do exposto percebe-se que a materializaccedilatildeo de um diaacutelogo na

forma esperada dentro do sistema britacircnico iraacute depender efetivamente do comportamento do

Judiciaacuterio por meio das suas escolhas jaacute que pode optar por exercer o mandado interpretativo

a qualquer custo mudando fundamentalmente o sentido da legilaccedilatildeo bem como pode optar

pela emissatildeo da declaraccedilatildeo de incompatibilidade deixando espaccedilo para a atuaccedilatildeo

Parlamentar no sentido de superar a deficiecircncia da lei Ou seja mais uma vez revela-se na

praacutetica dialoacutegica a importacircncia das escolhas feitas pelas instituiccedilotildees no momento da sua

atuaccedilatildeo

Ademais eacute duvidoso se pode-se afirmar que na melhor das hipoacuteteses

quando o Judiciaacuterio declara uma lei incompatiacutevel e o Parlamento responde a essa declaraccedilatildeo

haacute um diaacutelogo do ponto de vista material eis que natildeo se verifica a interaccedilatildeo entre os Poderes

82

no momento da tomada de decisatildeo o compartilhamento de suas visotildees para a construccedilatildeo do

sentido constitucional

O que haacute eacute mais uma atuaccedilatildeo singular de cada um O Judiciaacuterio tendo

que interpretar a legislaccedilatildeo de acordo com o HRA sem poder invalidaacute-la e o Legislativo

tendo que responder a essa interpretaccedilatildeo quando a mesma for contraacuteria aquela por ele

realizada inicialmente seja no sentido de modificar a legislaccedilatildeo superando a

incompatibilidade apontada pelo Judiciaacuterio ou fazer prevalecer o seu entendimento se assim

achar correto

Todavia ainda que recente a praacutetica tem demonstrado que na quase

totalidade dos casos em que houve uma resposta do Parlamento a uma declaraccedilatildeo de

incompatibilidade a mesma foi no sentido de acolher a opiniatildeo judicial para modificar a lei96

o que demonstra uma tendecircncia desse sistema em acolher a decisatildeo judicial ainda que a

mesma natildeo tenha formalmente o poder de invalidar a lei

132 O mandado interpretativo na experiecircncia neozelandesa

A Nova Zelacircndia assim como o Reino Unido tambeacutem possui um

constitucionalismo de tradiccedilatildeo parlamentar A adoccedilatildeo de um documento formal que visasse

agrave proteccedilatildeo de direitos fundamentais soacute ocorreu em 1990 com a aprovaccedilatildeo do New Zeland

Bill of Rights Act (NZBORA)

A principal caracteriacutestica que difere o sistema Neozelacircndes dos demais

eacute o fato de que o NZBORA natildeo possui uma hierarquia superior as demais leis ordinaacuterias do

paiacutes ou seja eacute um diploma desprovido de qualquer supremacia ou rigidez dentro do

ordenamento juriacutedico Essa caracteriacutestica faz com que o mesmo pelo menos teoricamente

possa ser revogado integralmente ou em parte por qualquer maioria legislativa posterior

(TUSHNET 2009 p 25)

96 ldquoGreater doubts about the behavioral assumptions underpinning weak-form dialogue theory emerge when

we consider the responses that responses that these declarations have elicited from the political branches of

government If Parliament were responding in the manner advocated by weak-form dialogue theorist we would

expect to see disagreement with judicial declarations being regularly expressed or at the very least on

occasion Contrary to these expectations however the British Parliament has almost universally responded

to judicial declarations of incompatibility by amending or repealing the relevant primary legislation in

accordance with the courtrsquos rulingrdquo (BATEUP 2009 p 549)

83

Aleacutem de possuir status de lei ordinaacuteria o NZBORA exclui

expressamente a possibilidade de anulaccedilatildeo das leis pelo Judiciaacuterio97 e determina que este

sempre que for interpretar qualquer dispositivo legal o faccedila em conformidade com o Bill of

Rights98 As seccedilotildees 4 a 7 trazem provisotildees que evitam o engajamento do Judiciaacuterio em uma

revisatildeo substantiva dos atos do Parlamento ratificando a supremacia parlamentar como um

princiacutepio constitucional da Nova Zelacircndia (HIEBERT KELLY 2015 p 62)

Ao contraacuterio do que ocorre no modelo britacircnico na Nova Zelacircndia o

Judiciaacuterio natildeo pode emitir qualquer declaraccedilatildeo de incompatibilidade o que para alguns

doutrinadores afasta a caracterizaccedilatildeo desse sistema como um judicial review jaacute outros o

caracterizam como um sistema ldquosuper fracordquo de revisatildeo judicial

Diante disso parece inicialmente que o NZBORA natildeo possui entatildeo

qualquer influecircncia importante dentro do ordenamento juriacutedico daquele paiacutes entretanto ao

contraacuterio do que parece o mesmo foi responsaacutevel por profundas mudanccedilas na legislaccedilatildeo

interna justamente por funcionar como um documento interpretativo geral servindo de

diretriz para a atuaccedilatildeo do legislativo

Neste sentido Gardbaum (2001 p 728) ensina que embora o NZBORA

possua um status juriacutedico de um estatuto legal comum eacute um documento geral que determina

como deve ser dado o sentido a todas as outras leis ordinaacuterias natildeo por meio da disposiccedilatildeo de

um conjunto de regras interpretativas mas sim pela enunciaccedilatildeo de direitos substantivos

Assim o NZBORA protege os direitos nele contidos por meio do dever

de interpretaccedilatildeo que coloca sobre os tribunais nos termos da Seccedilatildeo 6 e pelo consequente

custo poliacutetico que impotildee ao legislador de a adotar uma medida que viole claramente um

direito protegido ou que natildeo possa ser lida como consistente com ele (GARDBAUM 2001

p 729)

97 ldquoSection 4 (Other enactments not affected) No court shall in relation to any enactment (whether passed or

made before or after the commencement of this Bill of Rights)mdash (a)hold any provision of the enactment to be

impliedly repealed or revoked or to be in any way invalid or ineffective or (b)decline to apply any provision

of the enactmentmdash by reason only that the provision is inconsistent with any provision of this Bill of Rightsrdquo

New Zeland Bill of Rights Act 1990

98 ldquoSection 6 (Interpretation consistent with Bill of Rights to be preferred) Wherever an enactment can be given

a meaning that is consistent with the rights and freedoms contained in this Bill of Rights that meaning shall

be preferred to any other meaningrdquo New Zeland Bill of Rights Act 1990

84

No julgamento do caso R v Hansen99 a Suprema Corte esclareceu a

correta abordagem metodoloacutegica do judicial review a ser utilizada para reforccedilar os direitos

previstos no NZBORA afirmando que primeiramente a Corte deve buscar o significado

original que o Parlamento pretendeu atribuir a medida legislativa apoacutes analisar se o mesmo

eacute compatiacutevel com o NZBORA se houver uma aparente inconsistecircncia deve averiguar se a

mesma eacute razoaacutevel ao abrigo do que dispotildee a Seccedilatildeo 5 Se entender pela desarrazoabilidade

entatildeo deve buscar uma interpretaccedilatildeo diferente que se coadune com a declaraccedilatildeo de direitos

e por fim quando isto natildeo for possiacutevel deveraacute prevalecer entatildeo o significado original

atribuiacutedo pelo Parlamento (HIEBERT KELLY 2015 p63)

Essa metodologia resulta de uma cultura judicial fortemente

influenciada pelo princiacutepio da supremacia legislativa Nesta perspectiva o NZBORA

introduz um importante instrumento processual na Seccedilatildeo 7100 mediante o qual o Procurador

Geral eacute obrigado a examinar todas as propostas de lei e informar ao Parlamento quando for

detectada qualquer incompatibilidade entre uma disposiccedilatildeo legal e os direitos e garantias

assegurados pela Declaraccedilatildeo

O fundamento de tal medida parece consistir justamente em evitar a

aprovaccedilatildeo de medidas legislativas incompatiacuteveis com o Bill of Rights estabelecendo uma

forma preventiva de controle ainda que natildeo tenham o condatildeo de impossibilitar a aprovaccedilatildeo

da lei mesmo quando incompatiacutevel mas servindo de alerta ao Parlamento e assim

aumentando a sua responsabilidade pois arcaraacute com os custos poliacuteticos de suas decisotildees

Em que pese o NZBORA proiacuteba o Judiciaacuterio de emitir qualquer

pronunciamento formal sobre a incompatibilidade de medidas legislativas o New Zeland

Human Rights Act adotado em 1993 prevecirc a possibilidade de uma declaraccedilatildeo judicial de

inconsistecircncia como remeacutedio apropriado para os casos de discriminaccedilatildeo

Assim somente nos casos em que se discute o direito a igualdade o

99 R v Hansen (2007) NZSC 7 Iacutentegra disponiacutevel em httpwwwnzliiorgcgi-

binsinodispnzcasesNZSC20077htmlquery=hansen20nzsc

100 ldquoSection 7 (Attorney-General to report to Parliament where Bill appears to be inconsistent with Bill of

Rights) Where any Bill is introduced into the House of Representatives the Attorney-General shallmdash (a)in

the case of a Government Bill on the introduction of that Bill or (b)in any other case as soon as practicable

after the introduction of the Billmdash bring to the attention of the House of Representatives any provision in the

Bill that appears to be inconsistent with any of the rights and freedoms contained in this Bill of Rightsrdquo New

Zeland Bill of Rights Act 1990

85

Judiciaacuterio quando natildeo encontrar uma interpretaccedilatildeo da lei que seja razoaacutevel e compatiacutevel

com os direitos assegurados Bill of Rights poderaacute emitir um documento formal que ateste a

inconsistecircncia no intuito de dar ciecircncia ao Parlamento da incompatibilidade Em todas as

outras questotildees relativas a direitos fundamentais eacute vedado ao Judiciaacuterio comportamento

semelhante101

O modelo Neozelandecircs assim como os demais que adotam uma forma

fraca de revisatildeo judicial das leis eacute considerado por alguns estudiosos como dialoacutegico por

natildeo ser a interpretaccedilatildeo judicial considerada conclusiva ou definitiva mas sim

possibilitadora de uma interaccedilatildeo legislativa pois por meio do poder de interpretaccedilatildeo

atribuiacutedo ao Judiciaacuterio o legislativo se sentiria constgrangido a adotar medidas favoraacuteveis a

proteccedilatildeo de direitos evitando uma futura incompatibilidade das leis com o NZBORA

1321 Criacuteticas ao modelo neozelandecircs

A principal criacutetica ao modelo neozelandecircs reside na duacutevida se o mesmo

pode ser caracterizado como um judicial review perante a evidecircncia da supremacia

parlamentar e da falta de possibilidade do Judiciaacuterio de sequer emitir uma declaraccedilatildeo de

incompatibilidade das leis sugerindo assim a ausecircncia de uma forma concreta de controle

judicial

O que se percebe da anaacutelise desse sistema eacute que o mesmo apesar de ter

favorecido a implementaccedilatildeo de uma cultura de proteccedilatildeo de direitos fundamentais na Nova

Zelacircndia por meio da adoccedilatildeo do NZBORA e da previsatildeo do mandado interpretativo que de

alguma forma influencia o Parlamento a editar leis compatiacuteveis com a declaraccedilatildeo

restringindo o antes ilitimidado poder de criaccedilatildeo deste oacutergatildeo natildeo haacute como se falar

concretamente na existecircncia de um ldquodiaacutelogo institucionalrdquo

Apesar de alguns doutrinadores otimistas apontarem a praacutetica do

mandado interpretativo na experiecircncia neozelandesa como uma forma de diaacutelogo entre os

101 Eacute necessaacuterio que esclarecer que muito tem sido discutido sobre a possibilidade de uma emissatildeo formal de

declaraccedilatildeo de incompatibilidade pelo Judiciaacuterio no sistema Neozelandecircs Haacute estudiosos que defendam a

necessidade de uma mudanccedila legislativa nesse sentido todavia os entendimentos jurisprudencias mais recentes

indicam que as perspectivas para a adoccedilatildeo dessa possibilidade formal ainda satildeo precaacuterias Ver GINSBURG

Claudia On a Road to Nowhere Implied Declarations of Inconsistency and the New Zeland Bill of Rights

Victoria University of Wellington Law Review 40 613-47 2009

86

poderes existem muitas criacuteticas a tal afirmaccedilatildeo sob o argumento de que o que haacute na

realidade eacute total a prevalecircncia do Poder Legislativo

O NZBORA emerge como um documento de caraacuteter essencialmente

interpretativo baseado em uma implementaccedilatildeo parlamentar Essa caracteriacutestica

interpretativa apesar de reforccedilada pela abordagem judicial ainda estaacute muito ligada a

supremacia parlamentar pronfudamente enraizada no constitucionalismo neozelacircndes e a

essa forma de envolvimento Parlamento natildeo pode nem na melhor das hipoacuteteses ser vista

como uma forma de diaacutelogo (HIEBERT KELLY 2015)

A falta de mecanismos formais ao alcance do Judiciaacuterio para poder

declarar a incompatibilidade de uma medida legislativa com a declaraccedilatildeo de direitos reduz

em grande escala a possibilidade da ocorrecircncia de um diaacutelogo entre os poderes poliacuteticos

Nesse sentido Geiringer (2009 p 647-647) aduz que a experiecircncia

Neozelandesa demonstra que a maioria dos juiacutezes natildeo se sentem confortaacuteveis quando

colocados a exercer o papel de criacuteticos do legislativo justamente pela arraigada cultura

parlamentar presente neste modelo e que a melhor e mais raacutepida forma de mudar essa

mentalidade seria por meio da atribuiccedilatildeo de uma poder formal para declarar a inconsistecircncia

das leis

Sendo assim a possibilidade de um efetivo diaacutelogo entre os Poderes

dentro do sistema da Nova Zelacircndia na forma em que hoje se afigura eacute escassa e limitada

jaacute que a supremacia parlamentar ainda eacute muito forte e evidente

87

CAPIacuteTULO 3 ndash AS TEORIAS DIALOacuteGICAS NO SISTEMA DE JURSIDICcedilAtildeO

CONSTITUCIONAL BRASILEIRO UMA POSSIBILIDADE

Da exposiccedilatildeo feita no capiacutetulo anterior podemos concluir que natildeo haacute

uma forma preacute definida para a ocorrecircncia do diaacutelogo podendo ele se manifestar por meio

das mais diversas praacuteticas e sob perspectivas teoacutericas diferentes a depender da cultura

histoacuterica e poliacutetica do paiacutes em que estaacute inserido

Apesar de ser um tema ainda pouco explorado pela doutrina brasileira

que ainda se centra primordialmente nos estudos das teorias interpretativas nos parece

importante verificar se haacute a possibilidade da aplicaccedilatildeo das teorias dialoacutegicas no Brasil mais

ainda se podemos identificar algum indiacutecio da sua praacutetica nos julgados do STF

Por isso na sequecircncia se buscaraacute por meio da anaacutelise de alguns casos

concretos constatar como e em que medida os diaacutelogos institucionais se manifestam no

sistema brasileiro a fim de revelar quais os traccedilos das teorias dialoacutegicas presentes nesse

sistema

Oportunamente se esclarece que os casos selecionados para anaacutelise satildeo

resultado do controle concentrado de constitucionalidade quando o Supremo Tribunal

Federal exerce seu papel de guardiatildeo da constituiccedilatildeo102 Fez-se essa opccedilatildeo por ser este tipo

de controle o ponto de maior relevacircncia e confronto entre a atuaccedilatildeo do STF e sua relaccedilatildeo

com o Legislativo pois eacute onde haacute uma anaacutelise judicial direta e abstrata da atuaccedilatildeo legislativa

que daacute origem a uma decisatildeo judicial com efeitos erga omnes

A anaacutelise de casos ocorridos no acircmbito do controle concentrado de

constitucionalidade torna-se ainda mais interessante do que a de casos derivados do controle

difuso se levarmos em conta que neste uacuteltimo a reaccedilatildeo legislativa eacute disciplinada pela proacutepria

Constituiccedilatildeo Federal por meio do inciso X do artigo 52 que atribui ao Senado a

competecircncia para suspender a execuccedilatildeo de lei declarada inconstitucional natildeo havendo

102 O art 102 da Constituiccedilatildeo Federal Brasileira atribui expressamente ao STF o papel de guardiatildeo da

Constiticcedilatildeo cabendo-lhe julgar originariamente accedilatildeo direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo

federal ou estadual e a accedilatildeo declaratoacuteria de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal

88

portanto grandes controveacutersias a esse respeito103

Deve ser esclarecido ainda que apesar de no capiacutetulo anterior ter-se

feito referecircncia as teorias que prescrevem a realizaccedilatildeo de um diaacutelogo social no presente

capiacutetulo a anaacutelise se centraraacute apenas em casos onde os atores participantes do processo de

interpretaccedilatildeo constitucional satildeo os poderes institucionalizados excluindo-se os casos onde

se fala na inclusatildeo da sociedade Destaca-se isso porque hoje a realizaccedilatildeo de audiecircncias

puacuteblicas e a convocaccedilatildeo de ldquoamigos da corterdquo durante o processo constitucional tem sido

uma praacutetica comum poreacutem complexa utilizada pelo Supremo Tribunal brasileiro104

Portanto entende-se que seria temeraacuterio invocar aqui casos envolvendo

esses mecanismos populares sem trataacute-los com a devida profundidade dando atenccedilatildeo a todos

os aspectos controversos que a anaacutelise requer Por esses motivos a anaacutelise centra-se apenas

casos onde figuram como atores o Poder Legislativo e o Poder Judiciaacuterio

Ressalta-se que o objetivo do estudo natildeo eacute analisar de forma exaustiva

a jurisprudecircncia brasileira ateacute mesmo porque para tanto seria necessaacuterio um trabalho

dedicado inteiramente agrave esse objetivo Pretende-se verificar e ilustrar como as teorias

dialoacutegicas podem ser encontradas na praacutetica brasileira por meio de importantes julgados

proferidos pelo Supremo Tribunal Federal identificando os elementos dialoacutegicos neles

presentes e as correspondentes teorias

Para fazer a anaacutelise dos casos e identificar seus aspectos dialoacutegicos seraacute

utilizado como base aleacutem das teorias expostas no capiacutetulo anterior a descriccedilatildeo de diaacutelogo

convencional proposta por Tushnet (2012 p 3-13) a qual se estrutura da seguinte forma

1ordm O legislador promulga uma lei rarr 2ordm o estatuto enfrenta um desafio

no Tribunal Constitucional rarr 3ordm O Tribunal invalida o estatuto rarr 4ordm o Tribunal na decisatildeo

103 Necessaacuterio destacar eu haacute uma divergecircncia na doutrina brasileira acerca da discricionariedade do poder

atribuiacutedo ao Senado por forccedila do art 52 X da CF88 Nos filiamos a doutrina minoritaacuteria segundo a qual o

Senado possui a faculdade de suspender a lei e natildeo a obrigaccedilatildeo jaacute que a decisatildeo judicial exarada no exerciacutecio

do controle de constitucionalidade disfuso possui efetios inter partes Sob essa loacutegica pode-se enxergar tal

previsatildeo constitucional como um mecanismo dialoacutegico pois natildeo deixa ser um instrumento de reaccedilatildeo legislativa

agrave decisatildeo judicial que complementa o controle judicial e de certa forma estendendo os efeitos da sua decisatildeo

104 Exemplo emblemaacutetico dessa praacutetica eacute a ADI 3510 onde foi apreciada a inconstitucionalidade da Lei de

Bioseguranccedila em especial no tocante a possibilidade de pesquisas utilizando ceacutelulas tronco e o STF

reconhecendo a complexidade do tema convou a realizaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas onde forma ouvidas vaacuterias

entidadas organizadas da sociedade civil e a particiaccedilatildeo de diversas pessoas na qualidade de ldquoamigos da corterdquo

para compartilhar conhecimento teacutecnico que o Tribunal assumir natildeo possuir para julgar o caso

89

indica algumas formas especiacuteficas em que o estatuto eacute incompatiacutevel com a Constituiccedilatildeo ou

oferece a melhor interpretaccedilatildeo das disposiccedilotildees constitucionais rarr 5ordm O legislativo responde

revendo o estatuto e corrigindo as deficiecircncias apontadas pelo Tribunal ou reedita o estatuto

sem alteraccedilotildees rarr 6ordm O estatuto eacute novamente desafiado rarr 7ordm O Tribunal lida com o desafio

e se abre para um novo debate defendendo o estatuto ou verifica se as modificaccedilotildees do

estatuto foram suficientes para torna-lo compatiacutevel ou estatildeo aqueacutem e ensejam uma nova

invalidaccedilatildeo

Ou ainda 1ordm A Constituiccedilatildeo impotildee ao legislador o dever de legislar

sobre um toacutepico especiacutefico rarr 2ordm O Tribunal identifica falhas na atuaccedilatildeo legislativa

entendendo que a mesma eacute insuficiente para satisfazer o seu dever ou verifica a ausecircncia de

atuaccedilatildeo rarr 3ordm indica ao legislativo as falhas ou a omissao exigindo a tomada de medidas no

sentido de cumprir o seu dever constitucional

Dito isso passa-se a anaacutelise dos casos concretos

14 Julgamento da accedilatildeo direta de inconstitucionalidade nordm 2797df ndash a suacutemula

394 do STF e a lei nordm 106282002

a) Breve resumo do caso

A antiga Suacutemula105 394 do STF editada em 3 de abril de 1964 a qual

dispunha que cometido o crime durante o exerciacutecio funcional prevalece a competecircncia

especial por prerrogativa de funccedilatildeo ainda que o inqueacuterito ou a accedilatildeo penal sejam iniciados

apoacutes a cessaccedilatildeo daquele exerciacutecio foi cancelada por unanimidade em sessatildeo plenaacuteria da

Corte realizada em 30042007

Os argumentos para o cancelamento do referido verbete giraram

basicamente em torno da defesa de que a prerrogativa de foro visa garantir o exerciacutecio do

105 A Suacutemula eacute um instituto juriacutedico muito presente no Direito brasileiro que consiste em um verbete que

registra a interpretaccedilatildeo paciacutefica ou majoritaacuteria de um determinado Tribunal a partir do julgamento de variados

casos concretos a fim de tornar puacuteblico a sociedade o seu entendimento e promover uma uniformizaccedilatildeo das

decisotildees judiciais Em regra natildeo possui efeito vinculante servindo apenas de diretriz poreacutem quando for votada

e aprovada pelo STF por pelo menos 23 do plenaacuterio se torna um entendimento obrigatoacuterio a ser observado

por todos os outros Tribunais e juiacutezes bem como pelos entes da Admnistraccedilatildeo Puacuteblica conforme determina o

Artigo 103-A da Constituiccedilatildeo Federal de 1988

90

cargo e natildeo o seu ocupante sendo assim uma vez que o indiacuteviduo deixa o cargo natildeo deve

fazer jus ao privileacutegio eis que o mesmo eacute inerente ao cargo e natildeo um direito subjetivo assim

atribuir o privileacutegio quando jaacute natildeo mais haacute o exerciacutecio da funccedilatildeo violaria o princiacutepio da

igualdade

Foi entatildeo consolidado pela Corte o entendimento de que deixando o

cargo definitivamente independentemente do motivo o ex-titular natildeo teraacute direito a processo

e julgamento em oacutergatildeo jurisdicional distinto daquele que teria qualquer outro cidadatildeo

Apesar da sedimentaccedilatildeo desse entendimento no acircmbito do STF em

dezembro de 2002 foi promulgada a Lei nordm 106282002 que alterou o artigo 84 do Coacutedigo

de Processo Penal brasileiro para inserir o sect1ordm com a seguinte redaccedilatildeo ldquoa competecircncia

especial por prerrogativa de funccedilatildeo relativa a atos administrativos do agente prevalece

ainda que o inqueacuterito ou a accedilatildeo judicial sejam iniciados apoacutes a cessaccedilatildeo do exerciacutecio da

funccedilatildeo puacuteblicardquo

Foi arguida a inconstitucionalidade do mencionado dispostivo legal por

meio de accedilatildeo direta de inconstitucionalidade proposta pela Associaccedilatildeo Nacional dos

Membros do Ministeacuterio Puacuteblico ndash CONAMP Ao fim do julgamento foi declarada a

inconstitucionalidade material e formal da lei essa uacuteltima com base no argumento de que

uma lei ordinaacuteria natildeo poderia vir a superar uma interpretaccedilatildeo constitucional jaacute realizada pelo

Supremo

Os aspectos relevantes do caso para a anaacutelise pretendida residem

justamente na tentativa do Legislativo de superar uma interpretaccedilatildeo constitucional jaacute

consolidada pela Suprema Corte e natildeo tanto no meacuterito relativo a constitucionalidade

material da norma

O caso eacute emblemaacutetico no cenaacuterio brasileiro por ter despertado um

interessante debate acerca da possibilidade de reaccedilatildeo legislativa a uma interpretaccedilatildeo

constitucional proferida pelo STF o que em muito contribui para a nossa anaacutelise sobre a

possibilidade de um diaacutelogo institucional no sistema brasileiro

Passa-se entatildeo a exposiccedilatildeo das importantes variaacuteveis do debate de

acordo com os votos proferidos pelos Ministros na ocasiatildeo do julgamento

91

b) Debate acerca da possibilidade de reediccedilatildeo de uma lei anteriormente declarada

inconstitucional pelo STF

O relator do caso Ministro Sepuacutelveda Pertence em seu voto o qual foi

seguido pela maioria iniciou a fundamentaccedilatildeo da inconstitucionalidade do dispostivo legal

sob anaacutelise naquela ocasiatildeo afirmando que o mesmo constitui evidente reaccedilatildeo legislativa ao

cancelamento da Suacutemula 394 Destacou que a redaccedilatildeo legal se aproxima substancialmente

da que foi proposta em seu voto vencido pela maioria na ocasiatildeo da deliberaccedilatildeo sobre o

cancelamento do verbete

Afirmou que o cancelamento da Suacutemula decorreu de interpretaccedilatildeo

direta e exclusiva da Contituiccedilatildeo e natildeo pela inexistecircncia de lei ordinaacuteria que o regulasse

Diante disso formulou entatildeo a seguinte indagaccedilatildeo lei ordinaacuteria eacute instrumento normativo

apto agrave alterar jurisprudecircncia assente do STF fundada em interpretaccedilatildeo direta e exclusiva da

Constituiccedilatildeo

Argumentou construindo uma resposta negativa agrave indagaccedilatildeo embora

reconhecendo que as decisotildees da Corte em sede de controle concentrado natildeo vinculam o

Poder Legislativo mas tatildeo somente os demais oacutergatildeos do Judiciaacuterio e o Poder Executivo

Assim concluiu que a ediccedilatildeo de uma lei no sentido contraacuterio de uma decisatildeo do Tribunal

natildeo infere necessariamente um descumprimento dessa decisatildeo estando o Legislativo livre

para agir nesse sentido todavia a medida editada seraacute inevitavelmente considerada

inconstitucional a menos que a Corte recue em seu posicionamento anterior sobre o assunto

Neste ponto o Ministro propocircs uma reflexatildeo diferenciando a

inconstitucionalidade material e formal da lei No seu entender se a lei reeditada pretender

impor com seu objeto imediato uma interpretaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo ela seraacute eivada de uma

inconstitucionalidade formal pois uma lei de hierarquia inferior natildeo pode ditar a

interpretaccedilatildeo de uma norma hierarquicamente superior

Poreacutem quando a lei editada pelo legislativo for de conteuacutedo similar ao

de uma outra jaacute declarada inconstitucional deveraacute ser feita anaacutelise acerca da

inconstitucionalidade material pois a Corte natildeo estaacute vinculada ao seu entendimento anterior

podendo mudar de opiniatildeo sobre o assunto em um novo debate

92

Neste sentido merece destaque o seguinte trecho do voto

ldquoAdmitir pudesse a lei ordinaacuteria inverter a leitura pelo Supremo Tribunal

da Constituiccedilatildeo seria dizer que a interpretaccedilatildeo constitucional da Corte

estaria sujeita ao referendo do legislador ou seja que a Constituiccedilatildeo ndash

como entendida pelo oacutergatildeo que ela proacutepria erigiu em guarda da sua

supremacia ndash soacute constituiria a Lei Suprema na medida da inteligecircncia que

lhe desse outro oacutergatildeo constituiacutedo o legislador ordinaacuterio ao contraacuterio

submetido aos seus ditamesrdquo

O Ministro Eros Grau em voto divergente discordou do entendimento

traccedilado no voto do relator no aspecto da inadmissibilidade da interpretaccedilatildeo constitucional

por lei ordinaacuteria afirmando que todo ato legislativo em alguma medida envolve a

interpretaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo por parte de quem legisla

Concluiu pela inexistecircncia de inconstitucionalidade formal da Lei nordm 10

62802 com base no fundamento de que o Poder Legislativo natildeo fica vinculado por um

dever de natildeo legislar em razatildeo da Corte ter conferido alguma interpretaccedilatildeo constitucional

Sendo entatildeo admissiacutevel que o Legislativo reedite uma lei contraacuteria a interpretaccedilatildeo

constitucional jaacute proferido pelo STF todavia esta lei fatalmente sucumbiraacute agrave anaacutelise da

inconstitucionalidade material jaacute que a uacuteltima palavra deveraacute ser dada pela Corte

O Ministro Gilmar Mendes acompanhou a divergecircncia lanccedilando

argumentos diferentes que enriqueceram o debate os quais satildeo de grande importacircncia para

a anaacutelise que se faraacute s na sequecircncia razatildeo pela qual transcreve-se aqui alguns dos principais

trechos

(hellip) Penso que natildeo eacute possiacutevel admitir que o legislador ordinaacuterio tenha a

sua liberdade totalmente tolhida pelas declaraccedilotildees de constitucionalidade

ou inconstitucionalidade do Tribunal Eacute adequado e prudente inclusive

que tais atos legislativos sejam apreciados a partir de um dado contexto

institucional

Eacute de se ressaltar que se de um lado a Constituiccedilatildeo atribui a este Supremo

Tribunal Federal a tarefa de guarda da integridade da ordem juriacutedico-

constitucional de outro eacute assente que o seu texto esta sujeito a uma

sociedade aberta de inteacuterpretes (HARBELE Peter Hermenecircutica

Constitucional A Sociedade aberta dos inteacuterpretes da Constituiccedilatildeo

93

contribuiccedilatildeo para a interpretaccedilatildeo pluralista e ldquoprocedimentalrdquo da

Constituiccedilatildeo Trad Gilmar Ferreira Mendes Porto Alegre Sergio Antonio

Fabris 1997) os quais podem de acordo com as alteraccedilotildees histoacuterico-

culturais exercer alternativas plurais de interpretaccedilatildeo

(hellip)

Natildeo eacute possiacutevel presumir portanto a inconstitucionalidade dos dispositivos

atacados simplesmente porque eles contrariam a ldquouacuteltima palavrardquo

conferida pelo Supremo Tribunal Federal sobre o tema Que pretendo

ressaltar pelo contraacuterio eacute o fato de que se o legislador federal (re)incide

cria ou regula essa mateacuteria constitucional de modo inteiramente diverso o

ldquodiaacutelogordquo o debate institucional deve continuar

Os demais ministros seguiram o voto do relator sem acrescentar grandes

argumentos ao debate Desta feita restou consignada no julgado a inconstitucionalidade da

lei

c) Anaacutelise do caso pelo prisma das Teorias do Diaacutelogo Institucional

Inicialmente merece ser pontuado que como destacado no voto do

Ministro Relator a lei da qual foi apreciada a constitucionalidade pelo STF trata-se de

expressa reaccedilatildeo legislativa a interpretaccedilatildeo constitucional anteriormente proferida

Como viu-se no capiacutetulo anterior para alguns estudiosos como Peter

Hogg e Allisson Bushell a simples possibilidade de reaccedilatildeo legislativa agrave decisatildeo judicial

resultante do controle de constitucionalidade deve ser considerada como uma praacutetica

dialoacutegica

Nessa perspectiva pode-se dizer que o STF apesar de ter considerado a

inconstitucionalidade da lei natildeo descartou a possibilidade da reaccedilatildeo legislativa agrave sua decisatildeo

preteacuterita admitindo que a mesma natildeo vincula a atuaccedilatildeo legislativa o que demonstra a

existecircncia de um espaccedilo para a possibilidade do diaacutelogo no sistema brasileiro ainda que este

em muito se diferencie estruturalmente do sistema Canadense o qual foi o objeto de estudo

desses Autores

Aplicando a descriccedilatildeo dialoacutegica proposta por Tushnet pode-se dizer que

o caso enquadra-se no conceito de diaacutelogo pois o legislador pretendeu a modificaccedilatildeo do

94

entendimento da Corte por meio da ediccedilatildeo de um estatuto legal com objeto semelhante ao

de uma Suacutemula jaacute cancelada - praacutetica que pode ser comparada a ldquoin your face responserdquo

comum no sistema canadense106- e o Tribunal enfrentou a questatildeo por meio de um novo

debate poreacutem permaneceu firme no seu entendimento anterior

Portanto em que pese a Constituiccedilatildeo Federal brasileira natildeo trazer

expressamente em seu texto a previsatildeo de um mecanismo especiacutefico que possibilite ao

legislativo superar uma decisatildeo do Supremo Tribunal Federal107 proferida no acircmbito do

controle concentrado de constitucionalidade o fato de as decisotildees do Supremo nesta espeacutecie

de controle de constitucionalidade natildeo vincularem o Poder Legislativo108 possibilitam ou

pelo menos natildeo impedem a reediccedilatildeo de uma norma jaacute consagrada inconstitucional

Sendo assim pode-se afirmar que apesar do Brasil adotar um modelo forte

de controle de constitucionalidade e a Constituiccedilatildeo Federal conceder expressamente a

guarda da Constituiccedilatildeo ao Supremo Tribunal Federal a possibilidade de um diaacutelogo

institucional com o Poder Legislativo ndash sob a perspectiva de algumas teorias dialoacutegicas ndash

natildeo eacute algo impensaacutevel

Importante frisar a questatildeo da adoccedilatildeo de um sistema forte de controle

de constitucionalidade jaacute que conforme lecionado por Tushnet (2009) esses sistemas seriam

menos propiacutecios ao diaacutelogo jaacute que seus mecanismos de modificaccedilatildeo da decisatildeo judicial

seriam mais difiacutecies e demorados como a Emenda Constitucional por exemplo Contudo

no presente caso vecirc-se que essa possibilidade pode ocorrer por meio de lei ordinaacuteria e de

forma relativamente ceacutelere se considerado que entre a revogaccedilatildeo da Suacutemula 394 e a ediccedilatildeo

da lei se passaram apenas dois anos

106 Ver toacutepico 1012 107 Apenas a tiacutetulo de conhecimento entendemos necessaacuterio mencionar que no ano de 2011 foi proposto um

Projeto de Emenda a Constituiccedilatildeo conhecido como PEC 33 o qual pretendia modificar o enunciado do artigo

102 da CF para alterar a quantidade miacutenima de votos de membros de tribunais para declaraccedilatildeo de

inconstitucionalidade das leis condicionar o efeito vinculante de suacutemulas aprovadas pelo STF agrave aprovaccedilatildeo

pelo Poder Legislativo e submeter ao Congresso Nacional as decisotildees sobre inconstitucionalidade de Emendas

agrave Constituiccedilatildeo As alteraccedilotildees pretendidas com o prejeto especialemente as duas uacuteltimas que alargam a

competecircncia do Legislativo sugerem a introduccedilatildeo de um modelo de controle de constitucionalidade

semelhante ao weak form A PEC foi arquivada no dia 31012015 com o fim da legislatura em que foi proposta

nos termos do art 105 do regimento interno da Cacircmara dos Deputados

108 O paraacutegrafo uacutenico do artigo 28 da Lei nordm 9 868 de 10 de novembro de 1999 dispotildee que a declaraccedilatildeo de

constitucionalidade ou de inconstitucionalidade inclusive a interpretaccedilatildeo conforme a Constituiccedilatildeo e a

declaraccedilatildeo parcial de inconstitucionalidade sem reduccedilatildeo de texto tecircm eficaacutecia contra todos e efeito vinculante

em relaccedilatildeo aos oacutergatildeos do Poder Judiciaacuterio e agrave Administraccedilatildeo Puacuteblica federal estadual e municipal natildeo

incluindo nesse rol o Poder Legislativo

95

Pois bem da leitura do item b) acima percebe-se uma divergecircncia de

opiniatildeo dentro da proacutepria Corte a respeito do tema alguns ministros a maioria deles

adotaram um pensamento mais conservador e defensor da supremacia judicial no sentido de

considerar a reaccedilatildeo legislativa abusiva Outros principalmente o ministro Gilmar Mendes

optaram por um posicionamento mais tendente ao diaacutelogo reconhecendo a importacircncia de

uma postura mais aberta do Judiciaacuterio nesse sentido

Apesar do voto vencedor ter concluiacutedo pela inconstitucionalidade

formal da lei a anaacutelise do meacuterito natildeo deixou de ocorrer Todos os ministros engajaram-se a

debater o tema tratado pela lei e pela antiga Suacutemula novamente reacendendo o debate dois

anos depois Em que pese o entendimento da Corte ter permanecido o mesmo deve-se

reconhecer os benefiacutecios da reediccedilatildeo da lei no sentido de possibilitar um ldquosegundo olharrdquo

sobre o tema

Nesse aspecto do caso percebe-se a ideia desenvolvida por Kent

Roach109 ndash a qual se enquadra no grupo das teorias de princiacutepios juriacutedicos ndash em que a decisatildeo

judicial deve ser considerada como o iacutenicio do debate o qual prossegue mediante a resposta

legislativa por meio da ediccedilatildeo de leis ordinaacuterias reativas agrave essa decisatildeo e que assim

possibilitam que o tema volte a ser debatido pelo Judiciaacuterio e tambeacutem pelo Legislativo

Para o autor a devoluccedilatildeo do debate ao Judiciaacuterio por meio da resposta

legislativa eacute uma forma mais desejaacutevel de atuaccedilatildeo do legislador ao inveacutes da ou total

deferecircncia agraves decisotildees judiciais ou ainda da superaccedilatildeo da decisatildeo e imposiccedilatildeo do seu

entendimento como o sistema canadense possibilitar com a claacuteusula 33 Todavia tambeacutem

atenta para o lado negativo dessa praacutetica como jaacute se viu anteriormente

O caso traduz exatamente as criacuteticas dirigidas agrave essa teoria e sua

respectiva praacutetica pois viu-se que o legislativo pode simplesmente reeditar uma norma jaacute

considerada inconstitucional sem no entanto se preocupar em justificar a sua escolha

tampouco demonstrar a necessidade da medida mas apenas repetindo o conteuacutedo tal e qual

ao da norma anterior contrariando a expectativa de uma melhor e mais responsaacutevel atuaccedilatildeo

Eacute necessaacuterio perceber tambeacutem a postura ativista da Corte tendo em

vista que o entendimento que prevaleceu nesse caso foi pela impossibilidade de reediccedilatildeo de

109 Ver tambeacutem aleacutem das obras jaacute anteriormente citadas ROACH Kent Constitutional and Common Law

Dialogues between the Supreme Court and Canadian Legislatures Canadian Bar Review p 481-533 2001

96

uma norma jaacute declarada inconstitucional com uma clara intenccedilatildeo de preservar e rearfirmar

o seu poder110 o que evidencia mais uma dificuldade praacutetica da aplicaccedilatildeo das teorias dos

princiacutepios juriacutedicos dependentes da boa disposiccedilatildeo do Judiciaacuterio para abertura do debate e

ateacute para uma eventual deferecircncia agrave escolha legislativa

Em todo caso fato eacute que natildeo se pode considerar que no presente caso

houve um diaacutelogo sob o ponto de vista material concluindo consequentemente que as

teorias dialoacutegicas dos princiacutepios juriacutedicos na praacutetica natildeo se revelam apropriadas para a sua

consecuccedilatildeo Todavia vislumbra-se a tentativa de uma resposta legislativa ao protagonismo

Judicial que pode sob o ponto de vista formal ser considerada como um diaacutelogo

principalmente por ter levado o tema a ser debatido novamente pela Corte apesar da sua

postura mais conservadora conforme propotildee Tushnet111

Essa reaccedilatildeo legislativa ao contraacuterio do que pode parecer em um

primeiro momento natildeo eacute algo tatildeo raro no sistema brasileiro e pode ser encontrada tambeacutem

em diversos outros casos como veraacute na sequecircncia

15 Julgamento da accedilatildeo direta de inconstitucionalidade nordm 4543DF e a lei

131652015

a) Breve resumo do caso

Na Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade nordm 4543DF proposta pela

Procuradoria Geral da Repuacuteblica o Supremo Tribunal apreciou a incompatibilidade do artigo

5ordm da Lei 120342009 com o caput do artigo 14 da Constituiccedilatildeo Federal brasileira que

assegura o voto direto e secreto

O supracitado dispositivo legal previa a criaccedilatildeo do voto impresso a

partir do processo eleitoral de 2014 e possuiacutea a seguinte redaccedilatildeo

5o Fica criado a partir das eleiccedilotildees de 2014 inclusive o voto impresso

110 Neste sentido Barroso (2009) destaca que o primeiro impulso natural do poder eacute a auto-conservaccedilatildeo sendo

intuitivo que os representantes do poder em suas relaccedilotildees entre si ou com outros aotres poliacuteticos sejam eles

institucionais ou sociais procure demarcar e preservar seu espaccedilo de atuaccedilatildeo e sua autoridade

111 Ver toacutepicos 1012 1013 e 1014 que abordam as teorias dialoacutegicas de princiacutepios juriacutedicos sua

concretizaccedilatildeo no sistema canadense e respetivas criacuteticas

97

conferido pelo eleitor garantido o total sigilo do voto e observadas as

seguintes regras

sect 1o A maacutequina de votar exibiraacute para o eleitor primeiramente as telas

referentes agraves eleiccedilotildees proporcionais em seguida as referentes agraves eleiccedilotildees

majoritaacuterias finalmente o voto completo para conferecircncia visual do eleitor

e confirmaccedilatildeo final do voto

sect 2o Apoacutes a confirmaccedilatildeo final do voto pelo eleitor a urna eletrocircnica

imprimiraacute um nuacutemero uacutenico de identificaccedilatildeo do voto associado agrave sua proacutepria

assinatura digital

sect 3o O voto deveraacute ser depositado de forma automaacutetica sem contato

manual do eleitor em local previamente lacrado (grifou-se)

sect 4o Apoacutes o fim da votaccedilatildeo a Justiccedila Eleitoral realizaraacute em audiecircncia

puacuteblica auditoria independente do software mediante o sorteio de 2 (dois

por cento) das urnas eletrocircnicas de cada Zona Eleitoral respeitado o limite

miacutenimo de 3 (trecircs) maacutequinas por municiacutepio que deveratildeo ter seus votos em

papel contados e comparados com os resultados apresentados pelo

respectivo boletim de urna

sect 5o Eacute permitido o uso de identificaccedilatildeo do eleitor por sua biometria ou pela

digitaccedilatildeo do seu nome ou nuacutemero de eleitor desde que a maacutequina de

identificar natildeo tenha nenhuma conexatildeo com a urna eletrocircnica

O Supremo considerou a lei inconstitucional com base em diversos

argumentos alegando resumidamente que a criaccedilatildeo do voto impresso representaria um

retrocesso para o sistema eleitoral brasileiro que atualmente conta com um moderno e

eficiente aparato de votaccedilatildeo eletrocircnica e seria uma ameaccedila ao sigilo garantido

constitucionalmente afirmando a proibiccedilatildeo de qualquer tipo de identificaccedilatildeo do eleitor no

exerciacutecio do voto ou no proacuteprio voto

A accedilatildeo foi julgada procedente por unanimidade nos termos do voto do

Ministro Relator poreacutem eacute interessante destacar o voto do Ministro Luiacutes Roberto Barroso o

qual aduziu expressamente a importacircncia de que o Judiciaacuterio conserve uma postura de

humildade institucional sendo deferente agraves escolhas poliacuteticas do Legislador que natildeo sejam

claramente irrazoaacuteveis Em resposta o Ministro Luiz Fux afirmou que muito embora

98

concorde com a deferecircncia que deve ser dada ao Legislativo em certos casos eacute preciso que

o Supremo exerccedila a funccedilatildeo contramajoritaacuteria ou seja contra a Casa do Povo principalmente

naquelas hipoacuteteses em que haacute uma ameaccedila a direito fundamental

Pouco mais de um ano apoacutes o referido julgamento o Legislativo

promulgou a Lei nordm 131652015 conhecida como ldquolei da minireforma eleitoralrdquo por

introduzir significativas alteraccedilotildees ao Coacutedigo Eleitoral a qual em seu artigo 2ordm deu nova

redaccedilatildeo ao Artigo 59-A do referido Coacutedigo nos seguintes termos

Art 59-A No processo de votaccedilatildeo eletrocircnica a urna imprimiraacute o

registro de cada voto que seraacute depositado de forma automaacutetica e sem

contato manual do eleitor em local previamente lacrado (grifou-se)

Paraacutegrafo uacutenico O processo de votaccedilatildeo natildeo seraacute concluiacutedo ateacute que o

eleitor confirme a correspondecircncia entre o teor de seu voto e o registro

impresso e exibido pela urna eletrocircnica

Da simples leitura do dispositivo acima percebe-se que o que o

Legislativo fez foi reeditar uma norma com igual objeto ao da anteriormente declarada

inconstitucional pela Corte Entretanto algumas alteraccedilotildees no texto satildeo notoacuterias sobretudo

no tocante a retirada da previsatildeo de um nuacutemero uacutenico de identificaccedilatildeo do voto associado agrave

proacutepria assinatura digital e da auditoria pela Justiccedila Eleitoral

Percebe-se entatildeo mais uma vez a ocorrecircncia de uma reaccedilatildeo legislativa

por meio da ediccedilatildeo de lei ordinaacuteria tendo em vista o desacordo do legislador com o

entendimento proferido pela Corte

b) Anaacutelise do caso pelo prisma das Teorias do Diaacutelogo Institucional

Observa-se claramente no presente caso a possibilidade concreta do

Legislativo brasileiro reeditar uma norma de igual objeto e com redaccedilatildeo semelhante e igual

objeto de outra jaacute declarada inconstitucional pelo STF

O caso eacute similar ao antes descrito poreacutem naquele a norma anterior que

estava sendo reeditada natildeo era uma lei ordinaacuteria criada pelo legislativo mas sim uma Suacutemula

editada pela proacutepria Corte Neste caso jaacute se nota duas normas editadas pelo mesmo oacutergatildeo

99

com o mesmo objeto e em um lapso temporal relativamente curto a primeira jaacute considerada

inconstitucional e a segunda ateacute o momento vaacutelida

Se observar-se o caso pela vertente do conteuacutedo daquelas teorias

dialoacutegicas que consideram a reediccedilatildeo de norma idecircntica como uma forma de diaacutelogo chegar-

se-aacute a conclusatildeo que esse pode ser mais um exemplo de diaacutelogo no seu sentido formal assim

como o narrado acima

O caso encaixa-se perfeitamente na descriccedilatildeo convencional de diaacutelogo

sintetizada por Tushnet eis que respeita a execuccedilatildeo de todos os passos descritos pelo autor

todavia conceber a resposta legislativa neste caso como uma forma de diaacutelogo pode ser

considerado como algo positivo ou natildeo a depender do ponto de vista adotado

Pode-se considerar a reaccedilatildeo legislativa tanto como uma afronta agrave

decisatildeo judicial na tentativa de manter uma legislaccedilatildeo flagrantemente inconstitucional em

vigor protegendo seus proacuteprios interesses poliacuteticos ou podemos interpretar a reaccedilatildeo

legislativa tambeacutem como uma manifestaccedilatildeo de deferecircncia agrave decisatildeo judicial sendo uma

revisatildeo da lei anterior

Menciona-se isso porque natildeo se pode ignorar o fato de o texto da

segunda lei ser muito mais sucinto que o da primeira sobretudo por ter sido retirada da sua

redaccedilatildeo alguns aspectos especiacuteficos que foram impugnados pelo Supremo Nesse aspecto

se adotada uma visatildeo positiva poder-se-ia dizer que o resultado esperado pelos defensores

dessa praacutetica foi atingido ocasionando uma atuaccedilatildeo mais responsaacutevel do Legislativo o qual

teria levado em conta as observaccedilotildees do Judiciaacuterio para a elaboraccedilatildeo de uma medida mais

satisfatoacuteria que a anterior

Se observada a reaccedilatildeo legislativa sob esse entendimento poder-se-aacute

dizer que houve no presente caso - conforme o sentido empregado por Tremblay (2000) -

uma ldquoconversardquo entre entre Judiciaacuterio e Legislativo que resultou em uma medida legislativa

criada mediante o compartilhamento das visotildees de ambos os Poderes

Entretanto eacute necessaacuterio destacar que a intenccedilatildeo do Legislativo natildeo resta

clara pois ao mesmo tempo que modificou em alguns aspectos o texto anteriormente

editado tambeacutem manteve o seu principal objeto o qual jaacute havia sido flagrantemente

considerado inconstitucional pela Corte

100

Dessa forma ao mesmo tempo em que se pode vislumbrar a ocorrecircncia

de um diaacutelogo tambeacutem se pode encarar o tipo de resposta legislativa dada neste caso como

uma atuaccedilatildeo abusiva a qual natildeo poderaacute ser entendida como dialoacutegica

Essa ambiguidade demonstra que nem toda forma de resposta

legislativa deve ser encarada sob o ponto de vista dialoacutegico sob pena de enfraquecimento

das proacuteprias teorias dialoacutegicas do esvaziamento do seu potencial Eacute nesse aspecto que a

descriccedilatildeo convencional de diaacutelogo apresenta falha

O que o diaacutelogo institucional - entendido na sua melhor forma -

preceitua natildeo eacute uma imposiccedilatildeo de pontos de vista muito menos a simples deferecircncia de um

Poder para com o outro mas sim uma efetiva troca de argumentos por isso eacute preciso que

haja uma anaacutelise qualitativa das respostas legislativas para soacute assim poder enquadraacute-las

como uma manifestaccedilatildeo dialoacutegica e natildeo apenas considerar que o simples fato da sua

possibilidade existir jaacute eacute uma evidecircncia de diaacutelogo (PETTER 2007)

Como jaacute analisado anteriormente em toacutepico especiacutefico a metodologia

de diaacutelogo que verificamos nos dois casos expostos ateacute aqui eacute alvo de muitas criacuteticas poreacutem

tambeacutem possui alguns aspectos postivos que natildeo podem ser desconsiderados os quais ficam

melhor evidenciados por meio da anaacutelise do caso que a seguir seraacute exposto

16 Julgamento da accedilatildeo direta de inconstitucionalide nordm 3772DF ndash a suacutemula 726

do STF e a lei nordm 113012006

a) Breve resumo do caso

Trata-se da anaacutelise da constitucionalidade da Lei nordm 113012006 que

alargou o conceito de funccedilotildees de Magisteacuterio para efeitos de aplicaccedilatildeo do paraacutegrafo 5ordm do

artigo 40 e do paraacutegrafo 8ordm do artigo 201 da CF88 mediante Accedilatildeo Direta de

Constitucionalidade proposta pelo Procurador Geral da Repuacuteblica

Em suma o que a lei questionada apresentou foi uma introduccedilatildeo de um

paraacutegrafo segundo na Lei nordm 93941996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo Nacional)

com a seguinte redaccedilatildeo ldquoPara os efeitos do disposto no sect 5ordm do art 40 e no sect 8o do art 201

da Constituiccedilatildeo Federal satildeo consideradas funccedilotildees de magisteacuterio as exercidas por professores

e especialistas em educaccedilatildeo no desempenho de atividades educativas quando exercidas em

101

estabelecimento de educaccedilatildeo baacutesica em seus diversos niacuteveis e modalidades incluiacutedas aleacutem

do exerciacutecio da docecircncia as de direccedilatildeo de unidade escolar e as de coordenaccedilatildeo e

assessoramento pedagoacutegicordquo

Os respectivos dispositivos constitucionais tratam da aposentadoria

especial para professores prevendo uma reduccedilatildeo do tempo de serviccedilo exigido para tanto

Sobre esse aspecto o STF jaacute havia editado a Suacutemula 726 com a seguinte redaccedilatildeo para efeito

de aposentadoria especial de professores natildeo se computa o tempo de serviccedilo prestado fora

da sala de aula

O referido verbete foi resultado do julgamento da ADI 2253 onde ao

interpretar a Constituiccedilatildeo o Supremo Tribunal firmou o entendimento de que as funccedilotildees de

magisteacuterio referidas pela Carta Magna seriam apenas as da proacutepria atividade fim do

professor ou seja definiu a docecircncia como atividade exclusiva de sala de aula

Desta forma mais uma vez o Legislativo editou lei contraacuteria agrave

interpretaccedilatildeo constitucional jaacute exarada e sumulada pela Corte Contudo nessa ocasiatildeo o

resultado praacutetico foi diferente dos verificados nos casos acima

Primeiro natildeo houve debate acerca da possibilidade da ediccedilatildeo de uma

lei contraacuteria a decisatildeo jaacute proferida pelo STF mas sim uma mudanccedila no entendimento

anteriormente traccedilado apoacutes um intenso debate sobre o assunto

Poderia o Supremo Tribunal ter declarado a inconstitucionalidade da

norma sem muita dificuldade bastava manter o posicionamento anterior relativo a

impossibilidade de alargamento do benefiacutecio da aposentadoria especial aos profissionais

ldquoespecialistas em educaccedilatildeordquo entretanto optou por modificar seu entendimento parcialmente

e adaptaacute-lo para julgar a accedilatildeo parcialmente procedente mantendo a validade da lei e traccedilando

a correta interpretaccedilatildeo da mesma nos seguintes termos

I ndash A funccedilatildeo de magisteacuterio natildeo se circunscreve apenas ao trabalho em sala

de aula abrangendo tambeacutem a preparaccedilatildeo de aulas a correccedilatildeo de provas

o atendimento aos pais e alunos o assessoramento pedagoacutegico e ainda a

direccedilatildeo de unidade escolar

II ndash As funccedilotildees de direccedilatildeo coordenaccedilatildeo e assessoramento pedagoacutegico

integram a carreira de magisteacuterio desde que exercidos em

estabelecimentos de ensino baacutesico por professores de carreira excluiacutedos

102

os especialistas em educaccedilatildeo fazendo jus aqueles que as desempenham ao

regime especial de aposentadoria estabelecido nos sect 5ordm do art 40 e no sect

8o do art 201 da Constituiccedilatildeo Federal

b) Anaacutelise do caso pelo prisma das Teorias do Diaacutelogo Institucional

Vecirc-se no presente caso um posicionamento da Corte totalmente

contraacuterio ao demonstrado anteriormente Aqui o STF admitiu a superaccedilatildeo da sua decisatildeo por

lei ordinaacuteria esforccedilando-se ainda para traccedilar um entendimento compatiacutevel da lei com a

Constituiccedilatildeo quando poderia tecirc-la simplesmente anulado

Neste caso constata-se o benefiacutecio da praacutetica legislativa que mesmo

ciente do entendimento jaacute fixado pelo Judiciaacuterio forccedilou a reediccedilatildeo da lei como forma de

levantar novamente o debate acerca do tema o qual resultou positivo no tocante a efetivaccedilatildeo

de direito fundamental ampliando o rol de beneficiados com a aposentadoria especial dos

professores

Percebe-se neste ponto que o resultado beneacutefico esperado da praacutetica

das teorias dialoacutegicas dos princiacutepios juriacutedicos pautadas em uma articulaccedilatildeo legislativa no

sentido de propiciar um novo debate sobre determinado tema por meio da ediccedilatildeo de uma lei

ordinaacuteria eacute possiacutevel todavia fica claro que para que haja esse efeito positivo eacute necessaacuteria

uma abertura da Corte uma aceitaccedilatildeo ao novo enfrentamento e possibilidade de modificaccedilatildeo

do antigo posicionamento

O caso revela portanto uma importante criacutetica das teorias dialoacutegicas

nenhuma delas prevecirc uma forma de diaacutelogo que na praacutetica deva e possa ocorrer independente

da vontade das institiuiccedilotildees No mesmo sentido a descriccedilatildeo convencional de diaacutelogo exposta

por Tushnet para que resulte positiva necessita da vontade poliacutetica dos agentes

Por outro lado mais uma vez percebe-se que mesmo natildeo havendo no

sistema brasileiro qualquer previsatildeo expressa de um mecanismo estrutural dialoacutegico esse

diaacutelogo pode ocorrer como fruto do proacuteprio princiacutepio da separaccedilatildeo de poderes evidenciando

assim o que preceituam as teorias de construccedilatildeo coordenada jaacute tratadas no toacutepico 101 ou

seja que o diaacutelogo pode se materializar mesmo em um sistema onde haacute uma supremacia

judicial expressa pela proacutepria Constituiccedilatildeo

103

Mediante a leitura do presente caso percebe-se ainda que as respostas

proferidas no acircmbito da interpretaccedilatildeo constitucional estatildeo sujeitas agrave constantes mudanccedilas

que natildeo haacute uma resposta definitiva sendo entatildeo importante a interaccedilatildeo entre os Poderes

justamente para possbilitar a construccedilatildeo de novas respostas condizentes com a realidade e

mais aceitaacuteveis no seio social conforme a ideia do diaacutelogo institucional pressupotildee

Neste sentido revela-se a pertinecircncia dos ensinamentos de Waldron da

necessidade de um modelo de controle judicial das leis onde natildeo haja invariavelmente a

predominacircncia do Judiciaacuterio sendo necessaacuterio o debate acerca das questotildees constitucionais

mais complexas e natildeo a simples prevalecircncia do entendimento judicial112

Outro ponto do caso que merece destaque eacute a praacutetica da ldquointerpretaccedilatildeo

conformerdquo utilizada pelo Supremo Vecirc-se que houve uma busca por uma interpreteccedilatildeo

compatiacutevel com a Constituiccedilatildeo a fim de manter a validade da medida editada pelo

Legislativo poreacutem com uma relativa alteraccedilatildeo do sentido orginal conferido pelo legislador

Nesse aspecto a teacutecnica decisoacuteria utilizada pela Corte se assemelha ao

mandado interpretativo presente em alguns ordenamentos como jaacute abordou-se113 onde o

Judiciaacuterio possui o dever de buscar uma interpretaccedilatildeo legal compatiacutevel com o Bill of Rights

O que as difere em suma eacute o fato de que o Tribunal brasileiro natildeo

possui a ldquoobrigaccedilatildeordquo de dar uma intepretaccedilatildeo conforme a Constituiccedilatildeo podendo declarar a

lei inconstitucional e proceder a sua consequente invalidaccedilatildeo quando entender que natildeo eacute

possiacutevel adequar a interpretaccedilatildeo aos preceitos constitucionais ao contraacuterio do que ocorre no

Reino Unido e Nova Zelacircndia onde o Judiciaacuterio natildeo pode anular a lei quando natildeo conseguir

vislumbrar nenhuma interpretaccedilatildeo harmonizaacutevel com a Constituiccedilatildeo

Dito isso percebe-se que nesse caso natildeo houve uma simples deferecircncia

do Judiciaacuterio ao ato legislativo havendo a reinvenccedilatildeo do debate com a adoccedilatildeo de novos

posicionamentos buscando o Tribunal natildeo apenas a simples invalidaccedilatildeo do dispositivo legal

mas sim se esforccedilando para encontrar a sua melhor interpretaccedilatildeo de acordo com os preceitos

constitucionais preservando a norma editada pelo legislador

Sob esse ponto de vista essa praacutetica interpretativa pode ser vista como

112 Sobre os ensinamentos do autor leia-se toacutepico 4 113 Ver toacutepico 13

104

dialoacutegica eis que houve uma reaccedilatildeo legislativa agrave decisatildeo judicial inicial um novo debate a

modificaccedilatildeo do entendimento pelo Judiciaacuterio que resultou na manutenccedilatildeo da nova lei com

um sentido em conformidade com os preceitos constitucionais

Tushnet ao detalhar a descriccedilatildeo convencional de diaacutelogo menciona a

possibilidade de o Judiciaacuterio de defender o estatuto legal compatibilizando-o com as normas

constitucionais Nessa perspectiva a interpretaccedilatildeo conforme pode ser vista como uma

medida de defesa da lei da sua soberania e respeito a atuaccedilatildeo do Legislativo

Na oacutetica dos diaacutelogos pode-se dizer que houve um ldquodebaterdquo entre o

Legislativo e Judiciaacuterio provocado por meio das decisotildees judiciais e reediccedilatildeo da medida

legislativa com a sua subsequente anaacutelise judicial

Estatildeo presentes portanto todos os passos da descriccedilatildeo de diaacutelogo

elaborada por Tushnet Entretanto deve-se ressaltar que ao mesmo tempo que a postura

judicial nesse caso pode ser considerada como dialoacutegica pois admitiu a nova medida

legislativa mesmo que contraacuteria ao seu posicionamento tambeacutem pode ser considerada uma

conduta ativista eis que modificou o sentido original que o Legislador pretendeu conferir a

lei Sobre esta praacutetica eacute necessaacuterio observar alguns aspectos especiacuteficos

O princiacutepio da interpretaccedilatildeo conforme a Constituiccedilatildeo possui

unicamente a funccedilatildeo de operar como meacutetodo ldquocomplementarrdquo de interpretaccedilatildeo face a outros

criteacuterios ou meacutetodos interpretativos limita-se a ldquodesenvolverrdquo e ldquocomplementarrdquo as regras

de hermenecircutica apresenta-se basicamente como um postulado inserido num processo de

controle de normas (QUEIROZ 2010)

Eacute no domiacutenio do controle de constitucionalidade que este princiacutepio

ganha mais autonomia antes de declarar uma lei inconstitucional o juiz ou juiacutezes

encarregados do controle tecircm o dever de em via interpretativa buscar um sentido que ainda

estribado no seu enunciado linguiacutestico e ainda respeitador do texto constitucional permita

salvar a mesma (URBANO 2010 p 414)

Todavia o problema deste postulado estaacute na sua aplicaccedilatildeo pelo

Supremo Tribunal Federal que muitas vezes usa dessa justificativa para legitimar uma

postura extremamente ativista e violadora do princiacutepio da separaccedilatildeo de poderes

extrapolando os limites de sua competecircncia e reduzindo significativamente a margem de

atuaccedilatildeo do legislador e podendo ainda falsear a sua vontade original

105

Portanto para que se possa encarar essa praacutetica como beneacutefica e sob o

ponto de vista dialoacutegico eacute necessaacuterio que ela seja limitada a interpretaccedilatildeo proferida pelo

Tribunal ainda tem que ter alguma sustentaccedilatildeo no texto original tem que ser uma

interpretaccedilatildeo plausiacutevel (URBANO 2014 p 417)

Apesar disso eacute possiacutevel avistar uma deliberaccedilatildeo entre os Poderes

sugerindo a concretizaccedilatildeo de um diaacutelogo mais proacuteximo ao ideal esperadoentretanto natildeo se

deve afirmar que houve a concretizaccedilatildeo de um diaacutelogo material como a teoria idealiza mas

acredita-se que essa eacute a praacutetica mais proacutexima do mesmo dentre as jaacute analisadas ateacute aqui

poreacutem a mesma tambeacutem apresenta falhas e alguns riscos

17 Julgamento da accedilatildeo direta de inconstitucionalidade por omissatildeo nordm

3382MT

a) Breve resumo do caso

A Assembleacuteia Legislativa do Estado de Mato Grosso propocircs Accedilatildeo

Direta de Inconstitucionalidade questionando a inatividade do legislador quanto ao dever de

elaborar lei complementar a que se refere o sect4ordm do artigo 18 da Constituiccedilatildeo Federal

O referido dispostivo constitucional dispotildee que a criaccedilatildeo a

incorporaccedilatildeo a fusatildeo e o desmembramento de Municiacutepios far-se-atildeo por lei estadual dentro

do periacuteodo determinado por Lei Complementar Federal e dependeratildeo de consulta preacutevia

mediante plebiscito agraves populaccedilotildees dos Municiacutepios envolvidos apoacutes divulgaccedilatildeo dos Estudos

de Viabilidade Municipal apresentados e publicados na forma da lei Ou seja impotildee ao

legislador o dever de editar lei complementar para definiccedilatildeo do prazo

A redaccedilatildeo do dispositivo foi dada pela Emenda Constitucional nordm

151996114 e a accedilatildeo foi julgada procedente em 2007 O STF entendeu que o legislador

encontrava-se em mora haacute mais de dez anos descumprindo o seu dever constitucional de

legislar considerando portanto a omissatildeo inconstitucional e determinando um prazo de 18

meses para suprir a omissatildeo

114 Antes da EC 151996 qualquer alteraccedilatildeo dos entes federativos municipais era feita por um processo simples

atraveacutes de lei estadual assim a emenda constitucional visou na realidade dificultar essas alteraccedilotildees

106

Diversas accedilotildees tambeacutem foram propostas questionando a criaccedilatildeo de

alguns municiacutepios mesma na ausecircncia da lei115 o STF julgou as respectivas leis estaduais

que os criam inconstitucionais poreacutem sem declarar a sua nulidade modulando os efeitos da

decisatildeo no sentido de garantir a validade da lei por um periacuteodo de vinte e quatro meses

tempo superior ao que fixou para que o Legislativo sanasse a omissatildeo portanto

Relevante destacar que no acoacuterdatildeo a Corte ponderou que a ineacutercia

legislativa acabou dando ensejo agrave consolidaccedilatildeo e conformaccedilatildeo de estados de

inconstitucionalidade que natildeo podem ser ignorados pelo legislador na elaboraccedilatildeo da lei

complementar determinando assim que quando da ediccedilatildeo da lei o Legislativo contemplasse

as situaccedilotildees imperfeitas decorrentes desse estado de inconstitucionalidade gerado pela sua

omissatildeo esclarecendo ainda que o prazo de dezoito meses natildeo se trata de uma imposiccedilatildeo de

limite temporal para atuaccedilatildeo legislativa mas apenas da fixaccedilatildeo de um paracircmetro razoaacutevel

A resposta legislativa veio por meio da ediccedilatildeo da Emenda

Constitucional nordm 572008 a qual convalidou os atos de criaccedilatildeo fusatildeo incorporaccedilatildeo e

desmembramento de municiacutepios cuja lei tenha sido publicada ateacute 31 de dezembro de 2006

atendidos os requisitos estabelecidos na legislaccedilatildeo do respectivo Estado agrave eacutepoca de sua

criaccedilatildeo

Dessa forma o Legislativo cumpriu com a determinaccedilatildeo do STF

relativa ao tratamento das imperfeiccedilotildees geradas pela sua omissatildeo propondo a respectiva

soluccedilatildeo Entretanto no tocante a ediccedilatildeo da lei complementar para a fixaccedilatildeo do prazo exigido

pelo dispositivo constitucional haacute um embate contiacutenuo com o Poder Executivo

A primeira tentativa de legislar sobre o assunto ocorreu com o Projeto

de Lei do Senado Federal ndash PLS nordm 982002 o qual foi objeto de veto poliacutetico do Executivo

sob o argumento de contrariedade ao interesse puacuteblico A segunda tentativa se deu pelo PLS

nordm 1042014 o qual tambeacutem foi vetado pelo Executivo com base no mesmo argumento e haacute

uma terceira tentativa ainda em tramitaccedilatildeo que eacute o PLS nordm 1992015

As razotildees que levaram o Executivo a barrar a promulgaccedilatildeo da lei foram

de ordem orccedilamentaacuteria jaacute que a criaccedilatildeo de novos entes federativos representaria o aumento

das despesas com a estrutura da administraccedilatildeo puacuteblica razotildees essas expressas na Mensagem

115 Ver ADI 2240BA ADI 3316MT ADI 3489SC ADI 3689PA

107

nordm 505 de 12 de dezembro de 2013116 emitida pela Presidente da Repuacuteblica na ocasiatildeo do

veto

A questatildeo ainda estaacute pendente de regulamentaccedilatildeo mesmo apoacutes o

esgotamento do prazo fixado pelo STF todavia natildeo por falta de iniciativa do Legislativo

como se pode ver mas sim por contrariar os interesses do Executivo que por isso vem

dificultando a promulgaccedilatildeo da medida

b) Anaacutelise do caso pelo prisma das Teorias do Diaacutelogo Institucional

No caso narrado encontram-se diferentes pormenores que podem

indicar a presenccedila de teorias dialoacutegicas na praacutetica brasileira sendo assim far-se-aacute a anaacutelise

pontual de cada um

O STF ao realizar o controle de constitucionalidade da omissatildeo

legislativa neste caso considerou a falta de accedilatildeo do legislador como uma conduta

incompatiacutevel com o seu dever constitucional de legislar e determinou um prazo para que

suprisse essa omissatildeo Neste aspecto se evidencia a ideia do Judiciaacuterio como ente

propiciador do diaacutelogo provocando o Legislativo a agir por intermeacutedio da decisatildeo judicial

extamente como alguns teoacutericos sugerem

Como abordou-se no toacutepico 82 a decisatildeo que emana do controle de

constitucionalidade da omissatildeo legislativa pode ser considerada como um mecanismo

diaacutelogico por si soacute sob o ponto de vista das teorias dialoacutegicas centradas no processo A

mesma tambeacutem eacute facilmente enquadrada na concepeccedilatildeo convencional descrita por Tsuhnet

No caso em anaacutelise pode-se ainda identifcar a presenccedila da concepccedilatildeo

dialoacutegica desenvolvida por Dixon segundo a qual o Judiciaacuterio deve agir no sentido de

superar a ineacutercia do Legislativo poreacutem sem comprometer a sua liberdade de conformaccedilatildeo117

Ou seja no presente caso verifica-se a presenccedila das teorias fundadas no meacutetodo judicial onde

o Judiciaacuterio atua como o ente propiciador do diaacutelogo o qual ocorre dentro da proacutepria decisatildeo

judicial

Seguindo essa linha de raciociacutenio eacute possiacutevel notar que o proacuteprio STF

116 Iacutentegra disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrccivil_03_Ato2011-20142013MsgVetVET-505htm

117 Falamos mais especificamente dos ensinamentos de Dixon no toacutepico 9

108

ao pronunciar que o prazo fixado na decisatildeo natildeo objetiva estabeler um limite temporal para

condicionar a accedilatildeo legislativa mas tatildeo somente uma estipulaccedilatildeo de lapso temporal razoaacutevel

preocupou-se em deixar clara a necessidade de manutenccedilatildeo de certa liberdade de atuaccedilatildeo

daquele Poder

Todavia por outro acircngulo o Tribunal determinou que o Legislativo

quando fosse suprir a omissatildeo e regular a mateacuteria a fim de cumprir o seu dever

constitucional necessariamente cuidasse das situaccedilotildees imperfeitas ocasionadas pelo seu

estado de ineacutercia Neste particular encontra-se presente na praacutetica a teoria do

aconselhamento118 onde o Judiciaacuterio profere um direcionamento agrave atuaccedilatildeo do Legislativo

Neste caso o aconselhamento foi realizado de uma forma contida o

Supremo indicou a necessidade de soluccedilatildeo das questotildees mas natildeo determinou como e quais

as medidas a serem adotadas deixando a escolha a cargo do Legislativo Neste ponto a

conduta do Judiciaacuterio merece ser observada sob o aspecto positivo das teorias do

aconselhamento o qual reside na busca de evitar futuros problemas constitucionais por meio

da orientaccedilatildeo do Legislativo por meio de decisotildees judiciais

Nota-se que ao mesmo tempo em que o STF controla a sua atividade no

sentido de natildeo comprometer a liberdade do legislador ao fixar o prazo para a sua atuaccedilatildeo

entende necessaacuterio traccedilar algumas diretrizes para a superaccedilatildeo da inconstitucionalidade

constatada Neste caso em particular como se disse a atuaccedilatildeo do Judiciaacuterio foi de certa

forma contida poreacutem a praacutetica reflete a procedecircncia das principais criacuteticas dirigidas agrave essa

forma de diaacutelogo a qual para sua materializaccedilatildeo depende fortemente da consciecircncia e

vontade do Judiciaacuterio

Outro aspecto relevante que tambeacutem pode ser entendido como parte da

trama dialoacutegica presente no caso diz respeito a modulaccedilatildeo temporal dos efeitos da decisatildeo

quando da apreciaccedilatildeo da constitucionalidade das leis dos muniacutecipios que jaacute haviam sido

criados

O STF poderia simplesmente ter deixado os efeitos de nulidade da

declaraccedilatildeo de inconstitucionalidade se perpetuarem poreacutem tendo em mente os prejuiacutezos

que isso poderia acarretar optou por estabelecer efeitos pro futuro permitindo ao Legislativo

118 Ver toacutepico 81

109

a resoluccedilatildeo do problema por uma via menos danosa

A modulaccedilatildeo dos efeitos temporais da sentenccedila tambeacutem eacute uma praacutetica

que se coaduna com as teorias dialoacutegicas fundadas no meacutetodo judicial conforme jaacute se falou

no toacutepico 822 pois por meio dela o Judiciaacuterio condiciona os efeitos praacuteticos da sua decisatildeo

dando a oportunidade ao legislativo de corrigir ou reeditar a lei assim dode-se dizer que por

intermeacutedio dela o Judiciaacuterio instiga o legislador ao diaacutelogo

No tocante a resposta legislativa presente neste caso incialmente vale

destacar que a mesma se deu em um intervalo de tempo razoaacutevel e que o Legislativo buscou

acatar a orientaccedilatildeo da Corte todavia foi impedido de fazecirc-lo em sua completude pelos

interesses do Executivo o que acaba por retratar bem na praacutetica mais uma das dificuldades

da consolidaccedilatildeo das teorias dialoacutegicas

Pelo exposto depreende-se que o sistema brasileiro natildeo eacute alheio agraves

teorias dialoacutegicas pelo contraacuterio muitas delas estatildeo presentes em seu cotidiano A expressa

supremacia judicial e falta de familiariedade com um sistema parlamentar ndash que inicialmente

poderiam gerar duacutevidas quanto a possibilidade do diaacutelogo ndash natildeo se traduzem portanto em

uma impossibilidade completa de aplicaccedilatildeo das teorias dialoacutegicas agrave realidade brasileira

Por oacutebvio as suas manifestaccedilotildees praacuteticas satildeo peculiares e fortemente

influenciadas pela cultura e histoacuteria do paiacutes uma democracia recente e com um Legislativo

que enfrenta grande crise de representatividade o que faz com que em regra o entendimento

que prevaleccedila seja o do Judiciaacuterio

Ainda assim constata-se uma inclinaccedilatildeo do Legislativo para reagir agraves

decisotildees judiciais e natildeo simplesmente acataacute-las em sinal de uma total deferecircncia agrave um

entendimento superior Os ganhos e as perdas dessa reaccedilatildeo iratildeo depender do caso concreto

dos interesses que estatildeo em jogo podendo ser uma praacutetica temeraacuteria ou positiva como jaacute

verificou-se ao longo desse trabalho

18 Diaacutelogo institucional siacutentese dos aspectos controversos e algumas

consideraccedilotildees acerca da sua consecuccedilatildeo praacutetica

De todo o exposto ateacute aqui resta-no os seguintes questionamentos

110

Pode-se considerar o diaacutelogo institucional como uma possibilidade praacutetica viaacutevel Essa

praacutetica tem de fato o condatildeo de dirimir os conflitos relativos a legitimidade democraacutetica do

judicial review Pode ser considerado como um instrumento de combate ao ativismo judicial

ou seria mais uma forma de dissimulaccedilatildeo desse fenocircmeno

Apresentar respostas exatas a essas questotildees utlrapassa a pretensatildeo

deste trabalho ateacute mesmo porque se reconhece que natildeo haacute apenas uma via de conclusatildeo para

as mesmas em virtude da complexidade que elas envolvem Contudo objetiva-se fazer uma

reflexatildeo acerca desses questionamentos como resultado do presente trabalho de forma a

contribuir para o incremento do debate acadecircmico

No que diz respeito agrave resoluccedilatildeo dos conflitos ligados agrave legitimidade

democraacutetica do judicial review acredita-se que esta praacutetica estaacute longe de apresentar uma

soluccedilatildeo definitiva sendo um tanto pretenciosa nesse sentido pois como jaacute tratado no toacutepico

4 a discussatildeo relativa a dificuldade democraacutetica do judicial review eacute algo que lhe acompanha

a contar do seu surgimento desde sempre os estudiosos tentam justificar baseados em um

tradicional conjunto de argumentos as razotildees pelas quais juiacutezes natildeo eleitos pelo povo podem

e devem realizar um controle dos atos do legislativo com poder para declarar a sua

inconstitucionalidade e tambeacutem anulaacute-los

Natildeo se quer com isso dizer que natildeo haacute uma soluccedilatildeo para o conflito mas

sim que as teorias dialoacutegicas ao mesmo tempo que buscam e propotildeem uma soluccedilatildeo quando

materializadas na praacutetica natildeo eliminam totalmente alguns dos velhos problemas

Como viu-se a promessa da teoria dos diaacutelogos institucionais eacute

proporcionar um reequiliacutebrio entre os Poderes reconhecendo a importacircncia e competecircncias

especiacuteficas de cada um no acircmbito da jurisdiccedilatildeo constitucional sugerindo uma atuaccedilatildeo

conjunta mediante verdadeira deliberaccedilatildeo entre os braccedilos do Poder para chegar em um

consenso que seja melhor para a sociedade proporcionando assim um resultado mais eficaz

e duradouro

Do ponto de vista teoacuterico a ideia parece suficiente para solucionar o

problema principalmente nas concepccedilotildees dialoacutegicas desenvolvidas por Hiebert119 e

Bateup120 que ideliazam a realizaccedilatildeo de um diaacutelogo material sem a predominacircncia de

119 Ver toacutepico 11 que trata da teoria da parceria

120 Ver toacutepico 12 que trata da fusatildeo dialoacutegica

111

nenhum dos poderes mas sim de uma verdadeira atuaccedilatildeo conjunta

Poreacutem da anaacutelise dos exemplos praacuteticos de cada teoria e da aplicaccedilatildeo

das mesmas nos casos concretos no sistema brasileiro eacute faacutecil concluir que o exerciacutecio da

jurisdiccedilatildeo constitucional na grande maioria das vezes para natildeo dizer em todas elas resultaraacute

na prevalecircncia do entendimento de um dos atores envolvidos por vezes seraacute o Legislativo o

protagonista e por outras o Judiciaacuterio Apesar de todos os esforccedilos teoacutericos a praacutetica revela

que sempre haveraacute uma uacuteltima palavra o que eacute algo inerente ao proacuteprio sistema de revisatildeo

constitucional das leis

Acredita-se portanto que natildeo se deve desconsiderar a real existecircncia

de uma uacuteltima palavra jaacute que ela sempre iraacute existir mas sim enxergaacute-la e estimular que ela

seja ldquoprovisoacuteriardquo no sentindo de que pode ser constantemente reformulada e alterada

mediante a interaccedilatildeo entre os Poderes por meio do aprofundamento do debate e maior

possibilidade de troca de argumentos buscando sempre o melhor entendimento no acircmbito

da interpretaccedilatildeo constitucional

A existecircncia da uacuteltima palavra portanto deve estar relacionada a

preponderacircncia e maior efetividade dos direitos fundamentais e natildeo necessariamente

atrelada a prevalecircncia uniforme do entendimento de um uacutenico braccedilo do Poder Esse eacute o

principal contributo a ser extraiacutedo das teorias dialoacutegicas no tocante a resoluccedilatildeo da disputa

entre o Poder Judiciaacuterio e o Poder Legislativo pela uacuteltima palavra na seara constitucional

Em contrapartida observa-se que apesar das teorias dialoacutegicas

proclamarem a realizaccedilatildeo de um controle das leis realizado em conjunto nenhuma delas

prescreve uma forma de diaacutelogo que seja concomitante com o processo de tomada de

decisatildeo de forma que a mesma seja proferida com o comum acordo de ambos os Poderes

O que vecirc-se eacute que as formas de diaacutelogo prescritas pelas teorias estudadas se referem mais agrave

possibilidade de superaccedilatildeo de um ato jaacute concretizado seja pelo Judiciaacuterio ou pelo

Legislativo do que verdadeiramente a construccedilatildeo de uma decisatildeo comum

Asssim esse eacute o primeiro aspecto que entende-se que deve ser

desmistificado pois percebe-se que a ideia de uma ldquodecisatildeo conjuntardquo de uma deliberaccedilatildeo

antes da tomada de decisatildeo e consequentemente a concretizaccedilatildeo de um diaacutelogo no sentido

que a doutrina descreve como material na praacutetica eacute quase que inviaacutevel

Assim acertada eacute a proposiccedilatildeo de Aharaon Barak (2008 p16) de que

112

a tensatildeo entre o Judiciaacuterio e os outros ramos do Poder eacute algo natural e ateacute desejaacutevel pois se

todas as regras e decisotildees proferidas pelos Tribunais forem aceitas com tranquilidade pelos

outros Poderes eacute sinal que este natildeo estaacute cumprindo corretamente com a sua funccedilatildeo na

democaria

O Autor ressalta que junto agrave essa tensatildeo haacute tambeacutem um constante

diaacutelogo entre o Judiciaacuterio e Legislativo o qual natildeo decorre de reuniotildees e debates entre eles

mas sim da realizaccedilatildeo por cada qual da sua respectiva funccedilatildeo constitucional (BARAK

2008 p 236)

Neste sentido eacute importante a constataccedilatildeo de que no Brasil um paiacutes com

um modelo forte de controle de constitucionalidade e onde a supremacia judicial eacute evidente

vez que a proacutepria Constituiccedilatildeo entitula como o detentor da uacuteltima palavra em mateacuteria

constitucional o Supremo Tribunal Federal nada impede que o Legislativo reaja ou ateacute

mesmo desafie as decisotildees proferidas pelo Judiciaacuterio no acircmbito do controle de

constitucionalidade

Assim percebe-se que ao contraacuterio do que muitos estudiosos

pressupotildeem a ideia de diaacutelogo natildeo estaacute necessariamente vinculada agrave um sistema fraco de

revisatildeo judicial das leis ou agrave uma total inexistecircncia de supremacia judicial podendo o

mesmo existir e ser conciliaacutevel mesmo nos sistemas mais riacutegidos

Portanto a ideia de diaacutelogo institucional natildeo extingue necessariamente

a supremacia judicial o que pode eacute mitigaacute-la em alguns casos impondo limites mais riacutegidos

a atuaccedilatildeo judicial justamente por meio da possibilidade de reaccedilatildeo legislativa

Com isso pode-se dizer que a forma mais viaacutevel de se entender o

diaacutelogo institucional eacute como algo decorrente da reformulaccedilatildeo do proacuteprio princiacutepio da

separaccedilatildeo de poderes segundo a qual cada ramo do Poder realiza uma funccedilatildeo que lhe eacute

proacutepria sem interferir na atuaccedilatildeo do outro Todavia essa atuaccedilatildeo natildeo deve ser estanque natildeo

existindo uma fronteira intransponiacutevel entre as atividades inerentes agrave cada um dos Poderes

Ou seja apesar de cada Poder ter de observar seus limites e respeitar a

atuaccedilatildeo dos outros devem compreender a necessidade de cooperaccedilatildeo e buscar uma atuaccedilatildeo

conjunta e complementar

Apesar disso a praacutetica nos revela que nem toda reaccedilatildeo legislativa deve

113

ser interpretada sob o ponto de vista dialoacutegico muitas vezes ela tambeacutem representaraacute mais

uma disputa de poder do que uma tentativa de debate ou de correccedilatildeo da decisatildeo judicial

Sendo assim entender toda e qualquer reaccedilatildeo legislativa como

dialoacutegica pode ser perigoso e temeraacuterio pois em muitos casos essa reaccedilatildeo pode significar

mais um disputa de poder do que necessariamente uma tentativa de debate Assim em

algumas situaccedilotildees o termo ldquodiaacutelogordquo pode natildeo ser propriamente a melhor forma de

caracterizar essas reaccedilotildees

Em muitos casos e exemplos concretos das teorias viu-se que haacute na

realidade mais uma ldquointeraccedilatildeordquo entre os Poderes do que necessariamente um ldquodiaacutelogordquo por

conseguinte a maioria das teorias dialoacutegicas na forma em que satildeo concebidas se revelam

muito otimistas pode-se dizer que ateacute um pouco romantizadas sob o ponto de vista praacutetico

Desta forma assim como as reaccedilotildees legislativas natildeo devem em sua

totalidade serem encaradas como uma praacutetica dialoacutegica o mesmo deve ser observado quanto

a conduta do Tribunal sendo este um ponto importante a ser observado

As teorias dos diaacutelogos institucionais inicialmente se apresentam

como uma forma de combate ao ativismo judicial entretanto quando analisamos algumas

das suas metodologias podemos ver que em muitos casos elas podem acabar servindo de

reforccedilo e ateacute incentivo de uma praacutetica ativista

Como jaacute foi dito o ativismo judicial se manifesta quando as decisotildees

da jurisdiccedilatildeo constitucional tomam uma densidade poliacutetica mais ampla passando a Corte a

natildeo mais apenas declarar normas inconstitucionais atuando como legislador negativo na

forma em que foi orginariamente pensada mas ao mesmo tempo comeccedila a exigir

determinadas posturas dos outros Poderes atuando como um legislador positivo (AGRA

2006)

Dessa forma algumas teacutecnicas dialoacutegicas de decisatildeo judicial podem

representar mais uma dissimulaccedilatildeo ou camuflagem do ativismo do que o seu verdadeiro

combate jaacute que alimentam uma conduta proacute-ativa do Judiciaacuterio no sentido de provocar o

Legislativo aconselhaacute-lo ou qualquer outra forma de tiraacute-lo da ineacutercia

Podem nessa perspectiva ser consideradas tanto como uma conduta

dialoacutegica como uma conduta ativista pois a linha divisoacuteria entre a simples instigaccedilatildeo e a

114

interferecircncia no poder de atuaccedilatildeo do Legislativo eacute muito tecircnue

Por isso natildeo se pode afirmar com certeza que as teorias dialoacutegicas

servem de combate ao ativismo judicial jaacute que muitas vezes podem servir de fundamento

para o Judiciaacuterio justificar decisotildees que extrapolam seu acircmbito de atuaccedilatildeo e adentram na

esfera do Legislativo Portanto eacute essencial prestar atenccedilatildeo na forma com que o Judiciaacuterio eacute

incentivado a agir como um propiciador do diaacutelogo sem perder de vista a existecircncia de

limites agrave essa praacutetica

Apesar disso natildeo se pode desconsiderar que em muitos casos ainda

que o Judiciaacuterio ao exercer o seu papel proposto pelas teorias diaacutelogicas acabe incorrendo

em uma praacutetica ativista o resultado obtido pode ser beneacutefico como vimos por exemplo no

caso da Aacutefrica do Sul e ateacute mesmo no sistema brasileiro o que revela que nem sempre o

ativismo judicial deve ser visto como algo totalmente negativo121

No tocante a efetivaccedilatildeo do diaacutelogo no seu sentido material a proposta

de que a uacuteltima palavra seja fruto de um intenso e efetivo debate entre os atores participantes

do processo de interpretaccedilatildeo constitucional que seja construiacuteda de forma conjunta por eles

por intermedio de uma troca de argumentos para chegar a um consenso razoaacutevel e duraacutevel

no seio da sociedade natildeo se realiza com clareza em nenhuma das praacuteticas identificadas como

dialoacutegicas - pelo menos nas que temos conhecimento ateacute aqui

Por isso percebe-se que a ideia de concretizaccedilatildeo de um diaacutelogo material

estaacute muito distante de uma realidade palpaacutevel pois para que isso ocorra haacute a necessidade de

que todos os braccedilos do Poder estejam dispostos a entrar em um efetivo debate contribuindo

cada um com suas competecircncias teacutecnicas para a criaccedilatildeo de uma soluccedilatildeo conjunta

construindo decisotildees no acircmbito da jurisdiccedilatildeo constitucional mediante deliberaccedilatildeo de uma

concreta troca de argumentos o que nem sempre seraacute possiacutevel

Este fato revela que para que o diaacutelogo se concretize haacute muito mais a

necessidade de uma vontade poliacutetica das instituiccedilotildees do que necessarimente uma prescriccedilatildeo

normativa ou de uma redifiniccedilatildeo do desenho institucional por meio de modificaccedilotildees no texto

constitucional Portanto ao mesmo tempo que o diaacutelogo pode ocorrer em qualquer sistema

121 Aharon Barak destaca que nem sempre o ativismo judicial estaraacute ligado a intenccedilatildeo de expansatildeo do Poder

judicial muitas vezes ele pode ser necessaacuterio para a proteccedilatildeo dos direitos humanos e ainda pode ser a forma

do Judiciaacuterio lidar com o poder dos outros ramos poliacuteticos Ver BARAK Aharon The Judge in a Democracy

Princeton University Press 2008 pp 263-271)

115

de jurisdiccedilatildeo constitucional a sua efetividade tambeacutem seraacute diretamente influenciada pela

cultura poliacutetica e histoacuterica de cada paiacutes

Apesar da concretizaccedilatildeo do diaacutelogo no seu sentido material como

preleciona a melhor doutrina ser uma realidade um tanto distante natildeo se pode ignorar os

benefiacutecios do diaacutelogo formal que se manifesta nessas praacuteticas principalmente no que se

refere ao papel que exercem no sentido de provocar uma mudanccedila de mentalidade dos

proacuteprios entes detentores do Poder bem como no aumento da responsabilidade da sua

atuaccedilatildeo

Nessa linha de raciociacutenio Petter Andrew (2007 p167) afirma que o

apelo agraves teorias dialoacutegicas deriva mais do seu poder como uma metaacutefora do que da sua forccedila

como argumento pois ao retratar a revisatildeo judicial como contributiva para o envolvimento

deliberativo a metaacutefora do diaacutelogo reformula o papel dos juiacutezes que passam a ser vistos

como advogados de um processo democraacutetico natildeo como aacuterbitros dentro de um processo

autoritaacuterio

Apesar dos pontos controversos foram apontados a respeito da sua

praacutetica as teorias dialoacutegicas satildeo de grande valia para o desenvolvimento da justiccedila

constitucional significando a busca pela superaccedilatildeo dos problemas ligados a expansatildeo

desordenada do Poder Judiciaacuterio bem como a maior e mais eficaz efetivaccedilatildeo dos direitos

fundamentais como determina a nova ordem mundial

Pode-se dizer que ainda que as teorias possuam as suas dificuldades

praacuteticas elas direcionam os atores constitucionais para uma atuaccedilatildeo mais consciente

reforccedilam o seu papel institucional e apontam algumas das principais falhas dos sistemas

tradicionais de revisatildeo judicial Assim o diaacutelogo institucional deve ser visto como um ideal

a ser alcanccedilado atraveacutes do aperfeiccediloamento da sua praacutetica atual e sobretudo por meio do

reforccedilo do princiacutepio da separaccedilatildeo de poderes no acircmbito da jurisdiccedilatildeo constitucional

116

CONCLUSAtildeO

No decurso deste trabalho verificou-se como as mudanccedilas da sociedade

global implicaram a (re)definiccedilatildeo de um novo paradigma constitucional pautado em relaccedilotildees

de cooperaccedilatildeo o qual impocircs a busca por um novo modelo de jurisdiccedilatildeo constitucional

originaacuterio da expansatildeo do judicial review para os paiacuteses da Commonwealth

Viu-se que o ativismo judicial e a judicializaccedilatildeo da poliacutetica decorrentes

dessa expansatildeo passaram a ser vistos como patologias do sistema e acenturam novos debates

acerca da legitimidade democraacutetica do Poder Judiciaacuterio para realizar o controle de

constitucionalidade dos atos legislativos incentivando entatildeo a criaccedilatildeo de um sistema de

controle fraco de constitucionalidade originaacuterio do Canadaacute

Dentro desse contexto falou-se do surgimento da ideia de um diaacutelogo

institucional no acircmbito do controle de constitucionalidade e pautamos a diferenccedila entre

diaacutelogo material e diaacutelogo formal Apoacutes fez-se uma anaacutelise das teorias dialoacutegicas

explorando seus conceitos exemplos praacuteticos e principais pontos de criacutetica

Por intermeacutedio dessa investigaccedilatildeo percebe-se que nenhuma das teorias

consubstancia um modelo perfeito sob o ponto de vista praacutetico no sentindo de promover um

diaacutelogo verdadeiro assente em uma efetiva deliberaccedilatildeo entre os Poderes Para aleacutem disso

que alguns acabou-se por registrar que os conflitos relativos agrave legitimidade democraacutetica do

judicial review na praacutetica permanecem

Todavia constatou-se tambeacutem que as teorias dialoacutegicas satildeo valiosas

pois ao contraacuterio das conhecidas teorias interpretativas que buscam disciplinar qual a melhor

forma de os juiacutezes procederem agrave leitura constitucional estas buscam evidenciar o papel

institucional do Judiciaacuterio aliado ao reforccedilo da importacircncia da atividade legislativa visando

a produccedilatildeo de decisotildees no ambito da justiccedila constitucional que natildeo sejam fruto de um

ldquomonoacutelogordquo mas sim da interaccedilatildeo institucional

Concluiacute-se entatildeo que o potencial das teorias dialoacutegicas consiste

justamente na estimulaccedilatildeo da busca por melhores padrotildees de interaccedilatildeo entre os Poderes

sendo todas elas de uma importacircncia iacutempar por tentarem evidenciar como deveria funcionar

um desenho institucional ideal no acircmbito da interpretaccedilatildeo constitucional e controle das leis

117

reforccedilando o papel de cada braccedilo do Poder nessa empreitada conforme suas proacuteprias funccedilotildees

e capacidades

Os resultados dete trabalho natildeo satildeo portanto uma resposta exata

tampouco definitiva aos atuais problemas efrentados pela jurisdiccedilatildeo constitucional mas

servem de ponto de partida para uma reflexatildeo sobre os pontos positivos e negativos das mais

modernos teorias sobre o judicial review

118

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11 As teorias dialoacutegicas da parceira 70

111 Criacuteticas agrave teoria da parceria 71

12 Fusatildeo dialoacutegica 72

121 Criacuteticas agrave teoria da fusatildeo dialoacutegica 73

13 Os mecanismos estruturais de diaacutelogo no sistema britacircnico e neozelandecircs 73

131 O mandado interpretativo e a declaraccedilatildeo de incompatibilidade no reino unido (seccedilatildeo 3 e 4

(2) do human rights act 1998) 74

132 O mandado interpretativo na experiecircncia neozelandesa 82

CAPIacuteTULO 3 ndash AS TEORIAS DIALOacuteGICAS NO SISTEMA DE JURSIDICcedilAtildeO

CONSTITUCIONAL BRASILEIRO UMA POSSIBILIDADE 87

14 Julgamento da accedilatildeo direta de inconstitucionalidade nordm 2797df ndash a suacutemula 394 do

STF e a lei nordm 106282002 89

15 Julgamento da accedilatildeo direta de inconstitucionalidade nordm 4543DF e a lei

131652015 96

16 Julgamento da accedilatildeo direta de inconstitucionalide nordm 3772DF ndash a suacutemula 726 do

STF e a lei nordm 113012006 100

17 Julgamento da accedilatildeo direta de inconstitucionalidade por omissatildeo nordm 3382MT 105

18 Diaacutelogo institucional siacutentese dos aspectos controversos e algumas consideraccedilotildees

acerca da sua consecuccedilatildeo praacutetica 109

CONCLUSAtildeO 116

BIBLIOGRAFIA 118

6

RESUMO

O objeto do presente trabalho satildeo as Teorias dos Diaacutelogos Institucionais

as quais se apresentam no acircmbito da jurisdiccedilatildeo constitucional como uma alternativa para

resolver os problemas relacionados a legitimidade democraacutetica da revisatildeo judicial das leis

combater o ativismo judicial e propiciar uma maior efetivaccedilatildeo dos direitos fundamentais

Inicialmente faz-se uma abordagem dos fatores que contribuiacuteram para o

seu desenvolvimento passando por questotildees relacionadas a expansatildeo do Poder Judiciaacuterio e

a adoccedilatildeo de um sistema de judicial review pelos paiacuteses da Commonwealth e o surgimento

do modelo fraco de controle de constitucionalidade (weak form of judicial review)

As teorias satildeo exploradas por meio da classificaccedilatildeo desenvolvida por

Chistine Bateup por meio de uma abordagem conceitual e praacutetica a fim de identificar os

aspectos positivos bem como as dificuldades da concretizaccedilatildeo das mesmas

Busca-se ainda verificar de que forma e em que medida essas teorias se

manifestam no sistema brasileiro o que eacute feito por meio de uma consulta a importantes

julgados do Supremo Tribunal Federal no ensejo do controle concentrado de

constitucionalidade

Ao final realiza-se um balanccedilo criacutetico dos aspectos controversos das

teorias identificando suas dificuldades praacuteticas bem como o seu potencial normativo

PALAVRAS-CHAVE judicial review supremacia judicial ativismo judicial legitimidade

democraacutetica teorias dialoacutegicas separaccedilatildeo de poderes

7

ABSTRACT

The focus of this study are the Theories of Institutional Dialogue which

are presented in the context of constitutional juridiction as an alternative to solve the

problems the democratic legitimacy of judicial review of laws combating judicial activism

and promote a greater realization of fundamental rights

Initially it is an approach of the factors that contributed to their

development through issues related to expansion of the Judiciary and the adoption of a

judicial review by the countries of the Commonwealth system and the emergence of weak

form of judicial review

The theories are operated by classification developed by Chistine Bateup

through a conceptual and practical approach in order to identify the positive and the

difficulties of their achieving

Also it is a search to verify how and to what extent these theories are

manifested in the Brazilian system which is done through a judged important verification of

the Supreme Court on the occasion of the concentrate constitutionality control

At the end it carried out a critical assessment of the controversial aspects

of the theories identifying their practical difficulties and its normative potential

KEYWORDS judicial review judicial supremacy judicial activism democratic

legitimacy dialogical theories separation of powers

8

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

ADI ndash Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade

Art ndash Artigo

CCORF ndash Canadian Charter of Rights and Freedoms

CEDH ndash Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem

CF88 ndash Constituiccedilatildeo Federal Brasileira de 1988

HRA ndash United Kingdomrsquos Bill of Rights Act

P ndash Paacutegina

PLS ndash Projeto de Lei do Senado

PEC ndash Projeto de Emenda Consrtitucional

RE ndash Recurso Extraordinaacuterio

STF ndash Supremo Tribunal Federal

9

INTRODUCcedilAtildeO

A complexidade das sociedades atuais o novo contexto internacional e a

redefiniccedilatildeo das concepccedilotildees de Constituiccedilatildeo impotildeem a reflexatildeo acerca do tradicional modelo

de jurisdiccedilatildeo constitucional e a sua capacidade de resoluccedilatildeo de conflitos de forma eficaz Se

antes o objetivo do constitucionalismo era assegurar direitos hoje a sua preocupaccedilatildeo gira

em torno da concretizaccedilatildeo dos mesmos

Fatores como o alargamento do Poder Judiciaacuterio o crescente ativismo

judicial e o surgimento de novos sistemas de jurisdiccedilatildeo constitucional dissociados da

tradicional ideia de supremacia judicial intensificam e fazem avanccedilar os debates acerca da

legitimidade do judicial review e da sua eficaacutecia no tocante a efetivaccedilatildeo dos direitos

fundamentais

Apesar de ser um tema recorrente na doutrina constitucional os debates

acerca da jurisdiccedilatildeo constitucional parecem estar longe do fim ao contraacuterio contam com

argumentos cada vez mais complexos e que ultrapassam o tradicional binocircmio Judiciaacuterio v

Legislativo e a disputa pela palavra final

O propoacutesito deste trabalho eacute contribuir para a reflexatildeo acerca do tema

utilizando como instrumento para tanto a exposiccedilatildeo e anaacutelise das Teorias dos Diaacutelogos

Institucionais as quais se propotildeem promover uma redefiniccedilatildeo do desenho institucional no

acircmbito da jurisdiccedilatildeo constitucional a fim de conciliar a revisatildeo judicial das leis com o

princiacutepio democraacutetico e propiciar uma maior eficaacutecia dos direitos fundamentais

O conteuacutedo do primeiro capiacutetulo trata de aspectos mais gerais e

introdutoacuterios buscando demonstrar a importacircncia e atualidade do tema no contexto global

em face do novo paradigma constitucional pautado em relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo na sequecircncia

aborda-se por questotildees especiacuteficas relativas ao judicial review como o tradicional debate

acerca da sua legitimidade e da sua recente expansatildeo para os paiacuteses da Commonwealth as

quais contribuiacuteram decisivamente para o desenvolvimento das teorias dialoacutegicas

Apoacutes contextualizar o surgimento da ideia de um diaacutelogo institucional no

segundo capiacutetulo faz-se uma exposiccedilatildeo conceitual praacutetica e criacutetica das teorias dialoacutegicas

buscando extrair seus principais contributos bem como desmistificar vaacuterios aspectos

10

enaltecidos por alguns estudiosos a respeito das mesmas

Utiliza-se para fins didaacuteticos a classificaccedilatildeo feita por Christine Bateup a

qual agrupa as teorias em classes diferentes e a exposiccedilatildeo de exemplos concretos de cada

teoria trazendo ao final de cada toacutepico as principais criacuteticas concernentes a sua praacutetica

Feita a anaacutelise conceitual e exemplificativa de cada grupo teoacuterico bem

como a exposiccedilatildeo de suas respectivas criacuteticas a proposta do uacuteltimo capiacutetulo eacute verificar como

e em que medida as teorias dialoacutegicas estudadas encontram reflexo na praacutetica da jurisdiccedilatildeo

constitucional brasileira atraveacutes da observaccedilatildeo de julgados do Supremo Tribunal Federal no

acircmbito do controle concentrado - ou abstrato - de constitucionalidade

A principal inquietaccedilatildeo que move este trabalho eacute verificar se o diaacutelogo

institucional na forma em que eacute proposto pelas principais teorias desenvolvidas ateacute nestas

primeiras deacutecadas do seacuteculo XXI eacute uma praacutetica possiacutevel de ser implementada ou tatildeo-

somente uma conjectura teoacuterica

11

CAPIacuteTULO 1 ndash OS NOVOS DESAFIOS DO CONSTITUCIONALISMO E SEUS

REFLEXOS NA JURISDICcedilAtildeO CONSTITUCIONAL O SURGIMENTO IDEIA DE

COOPERACcedilAtildeO

1 Os novos desafios do constitucionalismo

Antes de adentrarmos no tema central do presente trabalho eacute necessaacuterio

entender as novas premissas e diretrizes do constitucionalismo contemporacircneo Dizemos

isso por constatar que natildeo se pode analisar a jurisdiccedilatildeo constitucional de forma dissociada

do contexto histoacuterico e social em que se insere

Haumlrbele (2006) ensina que o constitucionalismo eacute por excelecircncia uma

criaccedilatildeo cultural Na mesma linha de raciociacutenio Bastos (2010) aduz que o constitucionalismo

acima de tudo revela-se como um fenocircmeno social dotado de caraacuteter juriacutedico Explica que

o seu caraacuteter social decorre de uma pressatildeo nascida do povo que objetiva o esvaziamento do

poder absoluto e o caraacuteter juriacutedico por representar a formaccedilatildeo da regulamentaccedilatildeo legal do

exerciacutecio do Poder aliada agrave implementaccedilatildeo da defesa da Constituiccedilatildeo

Dessa forma percebe-se que o constitucionalismo estaacute intimamente ligado

ao contexto social em que se insere Eacute por essa razatildeo que Canotilho (2003 p51) com

pertinecircncia afirma ser preferiacutevel referir-se a movimentos constitucionais pois natildeo haacute soacute um

constitucionalismo e sim diversos movimentos constitucionais com coraccedilotildees nacionais

mas tambeacutem com momentos de aproximaccedilatildeo entre si fornecendo uma complexa tessitura

histoacuterico-cultural

Reconhecida a influecircncia do contexto social no desenvolvimento do

constitucionalismo eacute correto afirmar que os desafios impostos agrave jurisdiccedilatildeo constitucional no

seacuteculo XXI natildeo satildeo os mesmo de outrora Se antes a preocupaccedilatildeo constitucional girava em

torno da limitaccedilatildeo do poder estatal da separaccedilatildeo de poderes e garantia de direitos e

liberdades hoje os problemas satildeo significativamente mais complexos devido ao proacuteprio

desenvolvimento da sociedade moderna

As consequecircncias do intenso processo de globalizaccedilatildeo que a humanidade

vivencia aumentam a complexidade da sociedade atual diminuem a distacircncia entre os

Estados criam novos pontos de convergecircncia entre eles estreitam as suas fronteiras

12

geograacuteficas Soma-se agrave isto o crescente fortalecimento dos mecanismos internacionais de

defesa dos Direitos Humanos e o aumento vertiginoso das normas internacionais Ora o

constitucionalismo como fenocircmeno social que eacute natildeo poderia ser imune a essas grandes

modificaccedilotildees

Jonatas Machado (2011 p33) salienta que o desenvolvimento dos

sistemas internacionais de proteccedilatildeo dos Direitos Humanos Europeu Americano e Africano

por si soacute constiuem uma revoluccedilatildeo constitucional na medida em que estabelecem uma

espeacutecie de jurisdiccedilatildeo constitucional de Direitos Humanos supranacional com capacidade de

condenar os Estados membros por violaccedilotildees a esses direitos

Destaca ainda que a Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos do Homem tem

exercido um efeito direto no Direito Constitucional de numerosos Estados em todos os

continentes inspirando cataacutelogos de direitos liberdades e garantias sendo expressamente

mencionada como auxiliar interpretativo dos cataacutelogos internos ou sendo mesmo

incorporada no bloco de constitucionalidade de alguns Estados

Assim verifica-se a abertura da Constituiccedilatildeo ao Direito Internacional

gerando um novo paradigma constitucional com o surgimento de conflitos mais complexos

sobretudo pela pluralidade no tocante a interpretaccedilatildeo do conteuacutedo dos Direitos Humanos

Neves (2013) sintetiza claramente o momento do constitucionalismo atual

quando aduz que com a maior integraccedilatildeo da sociedade mundial os problemas

constitucionais que versam sobre de direitos humanos ou fundamentais e sobre o controle e

limitaccedilatildeo do poder tornaram-se insuscetiacuteveis de serem tratados por uma uacutenica ordem juriacutedica

estatal no acircmbito do seu territoacuterio vez que esses problemas passam a ser concomitantemente

relevantes para mais de uma ordem juriacutedica muitas vezes natildeo estatais que satildeo instadas a

oferecer respostas para a sua soluccedilatildeo

Nesse contexto o tradicional princiacutepio de soberania tanto do Estado como

do Texto Supremo que o rege acaba por ser relativizado jaacute que as relaccedilotildees sociais

econocircmicas poliacuteticas e tambeacutem juriacutedicas se desenvolvem cada vez mais no acircmbito

internacional ultrapassando os tradicionais limites do poder nacional1

1 Sobre a referida relativizaccedilatildeo do princiacutepio da soberania importante destacar que como bem leciona o ilustre

doutrinador portuguecircs Jonatas Machado a mesma natildeo significa de forma alguma o fim do Estado enquanto

organizaccedilatildeo juriacutedica de uma comunidade poliacutetica Natildeo pode haver uma eficaz proteccedilatildeo dos direitos humanos

13

A moderna doutrina fala em crise do constitucionalismo decorrente dessa

conjuntura2 eis que foi revelada a incapacidade do Estado nacional e o texto magno que o

rege para resolverem isoladamente os impasses constitucionais o que acarreta em uma

perda de forccedila da Constituiccedilatildeo

Desta feita o atual momento do constitucionalismo impotildee uma reflexatildeo

acerca do papel da Constituiccedilatildeo e consequentemente da jurisdiccedilatildeo constitucional reflexatildeo

que deve ser feita natildeo apenas sob seus aspectos internos mas sim de forma comprometida

com o contexto global que seraacute determinante na sua estruturaccedilatildeo sob pena de perda da sua

eficaacutecia A abertura cognitiva que o novo cenaacuterio de fluidez de fronteiras geograacuteficas e de

intensa circulaccedilatildeo de ideias determina em relaccedilatildeo a compreensatildeo e atualidade do sentido

constitucional vem inspirando uma nova visatildeo de constitucionalismo que contemple

arquiteturas de acomodaccedilatildeo institucional que conduzam a um exerciacutecio democraacutetico de

identificaccedilatildeo do sentido constitucional Surgem entatildeo novas relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo

internas e externas ao Estado as quais representam a pedra de toque na atualidade (VALLE

2010 p 32)

Os novos desafios impostos ao constitucionalismo no seacuteculo XXI

sobretudo no tocante a compreensatildeo e delimitaccedilatildeo do conteuacutedo de direitos fundamentais tecircm

permitido a construccedilatildeo de alternativas agrave velha conclusatildeo de que na jurisdiccedilatildeo constitucional

deve existir um oacutergatildeo responsaacutevel por emanar a uacuteltima palavra na resoluccedilatildeo de conflitos jaacute

que nenhum dos atores consituticionais e braccedilos do Poder revela-se por si soacute aptos a

resolver os cada vez mais complexos problemas constitucionais

Em seguida aborda-se-aacute essa nova vertente do constitucionalismo e as

respectivas relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo que vecircm surgindo como consequecircncia dessa mudanccedila de

paradigma

sem um Estado igualmente forte o que deve ocorrer eacute uma reconceitualizaccedilatildeo da soberania mediante a

limitaccedilatildeo de alguma das suas dimensotildees e fortalecimento de outras (MACHADO 2013)

2 Ver DOBNER Petra LOUGHLIN Martin (ed) The Twilight of ConstitutionalismOxford Oxford

University Press 2009

14

2 Constitucionalismo de cooperaccedilatildeo e seus reflexos na jurisdiccedilatildeo constitucional

Conforme pode ser observado no contexto do constitucionalismo atual

haacute uma mudanccedila de paradigma decorrente do reconhecimento do pluralismo como uma

constante dos novos problemas constitucionais A concretizaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo sobretudo

no que tange a efetividade dos direitos fundamentais natildeo pode mais ser pensada de forma

singular devendo se reconhecer a multiplicidade de atores envolvidos nesse processo

Com esse objetivo eclodem inuacutemeras teorias que buscam legitimar

relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo distanciando-se cada vez mais da tradicional ideia de supremacia

seja no acircmbito interno de um Estado ou no espaccedilo internacional

Com isso emerge um conceito de ldquoconstitucionalismo cooperativordquo3 no

qual se albergam essas diversas teorias fundadas na criaccedilatildeo de mecanismos de cooperaccedilatildeo

entre os Estados e suas ordens juriacutedicas Nesse sentido merece destaque o conceito de

Estado constitucional cooperativo desenvolvido por Peter Haumlrbele (2007) como sendo um

Estado que encontra a sua identidade tambeacutem no Direito Internacional no entrelaccedilamento

das relaccedilotildees internacionais e supranacionais na percepccedilatildeo de cooperaccedilatildeo e

responsabilidade bem como no compromisso com a solidariedade e a paz

Tambeacutem com base nessa ideia de abertura e de cooperaccedilatildeo tem-se a

teoria do transconstitucionalismo desenvolvida pelo brasileiro Marcelo Neves4 e a

interconstitucionalidade do ilustre mestre Canotilho5

Apesar de diferentes em alguns aspectos o que essas duas modernas

teorias possuem em comum eacute justamente a tentativa de conciliaccedilatildeo entre o consitucionalismo

e o pluralismo da sociedade globalizada enfrentando a problemaacutetica do estabelecimento de

relaccedilotildees de acoplamento entre ordens nacionais distintas bem como destas com o direito

comunitaacuterio sem que percam a sua respectiva identidade nacional

Enquanto a interconstitucionalidade enfrenta o problema da articulaccedilatildeo

entre constituiccedilotildees e poderes constituintes com fontes e legitimidades diversas dentro de um

3 Neste trabalho o uso do termo ldquoconstitucionalismo cooperativordquo natildeo se refere a nenhuma teoria ou autor em

especiacutefico mas sim ao conjunto da doutrina constitucional que tem como base a construccedilatildeo de relaccedilotildees de

cooperaccedilatildeo seja entre Estados entre entes estatais entre ordens juriacutedicas e outras

4 Ver NEVES Marcelo Transconstitucionalismo Satildeo Paulo Martins Fontes 2013

5 Ver CANOTILHO JJ Gomes ldquoBrancososrdquo e Interconstitucionalidade Itineraacuterios dos Discursos Sobre

Historicidade Constitucional Coimbra Almedina 2006

15

mesmo espaccedilo poliacutetico de forma a solucionar os conflitos decorrentes da justaposiccedilatildeo

concorrecircncia e divergecircncia entre eles (CANOTILHO 2006) o tranconstitucionalismo trata

da construccedilatildeo de ldquopontes de transiccedilatildeordquo entre ordens juriacutedicas diversas buscando um

crescimento e aprendizado muacutetuo entre elas apontando como requisito indispensaacutevel para

tanto a permanente reconstruccedilatildeo da ldquoidentidade constitucionalrdquo de cada uma a partir do

reconhecimento de alteridade sem que isso signifique uma mera convergecircncia entre elas e

uma consequente negaccedilatildeo de identidade proacutepria mas sim a existecircncia de uma prontidatildeo

para a abertura reciacuteproca natildeo apenas cognitiva mas tambeacutem normativa (NEVES 2009)

A partir desse entendimento a conclusatildeo a que se chega eacute que o Estado

natildeo pode mais ser considerado como o principal locus de soluccedilatildeo de conflitos

constitucionais uma vez que esses ultrapassam o seu acircmbito interno sendo imperativa a

abertura agrave relaccedilotildees interestatais e supranacionais

Os exemplos mais emblemaacuteticos desses modelos de relaccedilotildees

cooperativas desenvolvem-se no acircmbito da Uniatildeo Europeia que ao reconhecer a eficaacutecia

imediata ao direito comunitaacuterio introduz um instrumento normativo supranacional agrave ordem

juriacutedica interna de cada paiacutes membro o qual passa tambeacutem a ser paracircmetro de eventual

controle das leis e das proacuteprias constituiccedilotildees estabelecendo assim uma necessaacuteria

convivecircncia entre diversas ordens juriacutedico-normativas dentro de um mesmo espaccedilo poliacutetico

e submetidas a uma jurisdiccedilatildeo supranacional

O proacuteprio Tratado que institui a Uniatildeo Europeia em seu artigo 2346 ao

determinar a competecircncia do Tribunal de Justiccedila europeu sugere que haja um diaacutelogo

intercortes A estrateacutegia a ser adotada para a consolidaccedilatildeo do novo ordenamento eacute portanto

natildeo a de mera subordinaccedilatildeo da ordem juriacutedica nacional agrave supranacional mas sim do

desenvolvimento de constantes relaccedilotildees paritaacuterias de colaboraccedilatildeo (KOMAacuteREK 2005)

6 ldquoArt 234 O Tribunal de Justiccedila eacute competente para decidir a tiacutetulo prejudicial sobre a) A interpretaccedilatildeo do

presente Tratado b) A validade e a interpretaccedilatildeo dos atos adotados pelas instituiccedilotildees da Comunidade e pelo

BCE c) A interpretaccedilatildeo dos estatutos dos organismos criados por ato do Conselho desde que estes estatutos

o prevejam Sempre que uma questatildeo desta natureza seja suscitada perante qualquer oacutergatildeo jurisdicional de um

dos Estados-Membros esse oacutergatildeo pode se considerar que uma decisatildeo sobre essa questatildeo eacute necessaacuteria ao

julgamento da causa pedir ao Tribunal de Justiccedila que sobre ela se pronuncie Sempre que uma questatildeo desta

natureza seja suscitada em processo pendente perante um oacutergatildeo jurisdicional nacional cujas decisotildees natildeo sejam

susceptiacuteveis de recurso judicial previsto no direito interno esse oacutergatildeo eacute obrigado a submeter a questatildeo ao

Tribunal de Justiccedilardquo

16

A niacutevel europeu parece correto afirmar a opccedilatildeo por uma metoacutedica

fundada na imbricaccedilatildeo de cataacutelogos reveladora ou criadora de standards em contraposiccedilatildeo

a um modelo hierarquizado fundado em uma Groundnorm (TAVARES DA SILVA 2014)

ou seja natildeo haacute a primazia entre os ordenamentos mas sim uma ideia de

complementaridade7

Seguindo essa loacutegica de imbricaccedilatildeo e natildeo de hierarquizaccedilatildeo entre os

cataacutelogos a Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Portuguesa em seu art8ordm4 ldquoAs disposiccedilotildees dos

tratados que regem a Uniatildeo Europeia e as normas emanadas das suas instituiccedilotildees no

exerciacutecio das respectivas competecircncias satildeo aplicaacuteveis na ordem interna nos termos

definidos pelo direito da Uniatildeo com respeito pelos princiacutepios fundamentais do Estado de

direito democraacuteticordquo e ainda no art16ordm determina de forma expressa que ldquoOs direitos

fundamentais consagrados na Constituiccedilatildeo natildeo excluem quaisquer outros constantes das

leis e das regras aplicaacuteveis de direito internacionalrdquo e que ldquoOs preceitos constitucionais

e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados de

harmonia com a Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos do Homemrdquo 8

Portanto como resultado praacutetico dessas normas tem-se a imposiccedilatildeo

obrigatoacuteria ao oacutergatildeo responsaacutevel pelo exerciacutecio da jurisdiccedilatildeo constitucional da observacircncia

do direito comparado propiciando o exerciacutecio do que alguns estudiosos denominam de

diaacutelogo judicial (judicial dialogue) que se caracteriza nessa relaccedilatildeo de cooperaccedilatildeo

estabelecida entre ordens juriacutedicas distintas quando haacute uma conversa entre diferentes

Tribunais a fim de buscar a melhor soluccedilatildeo para a efetivaccedilatildeo dos direitos fundamentais

muito comum na praacutetica da Uniatildeo Europeia9

Saindo do contexto europeu a Constituiccedilatildeo da Aacutefrica do Sul no seu art

39 prevecirc que na interpretaccedilatildeo do Bill of Rights devem ser consideradas as leis internacionais

7 Nesse sentido de acordo com a doutrina impera no ldquotriacircngulo normativo europeurdquo o princiacutepio do niacutevel mais

elevado de proteccedilatildeo o qual pode ser entendido como resultado de uma abertura normativa (TAVARES DA

SILVA 2014)

8 Nesse sentido Jorge Miranda faz uma anaacutelise mais completa da Constituiccedilatildeo portuguesa e fala em um ldquojus-

universalismordquo Ver MIRANDA Jorge O Estado Constitucional Cooperativo e o Jus-Universalismo da

Constituiccedilatildeo Portuguesa In Cadernos da Escola de Direito e Relaccedilotildees Internacionais da UniBrasil JanDez

2007 pp 7-22) Ver tambeacutem CANOTILHO JJ Gomes MOREIRA Vital Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica

Portuguesa Anotada Volume I Coimbra 2014

9 Ver GOLUB Jonathan Modelling Judicial Dialogue in the European Community The Quantitative Basis

of Preliminary References to the ECJ 1996 ISSN 1028-3625

17

e podem ser consideradas leis estrangeiras bem como que o referido documento natildeo nega a

existecircncia de quaisquer outros direitos ou liberdades que sejam reconhecidos ou conferidos

pela common law costumary law ou legislation 10

A previsatildeo contida na Constituiccedilatildeo da Aacutefrica do Sul eacute especialmente

importante nesse contexto pois natildeo se refere apenas a necessidade de observacircncia e

integraccedilatildeo com as normas internacionais mas faz tambeacutem expressa referecircncia as normas

estrangeiras ou seja oriundas de outros paiacuteses

A ideia que fundamenta o exerciacutecio do direito comparado eacute a da busca

pelo enriquecimento da compreensatildeo do conteuacutedo dos direitos fundamentais por intermeacutedio

do compartilhamento de experiecircncias entre tribunais constitucionais distintos11 ou seja no

desenvolvimento de uma jurisdiccedilatildeo constitucional que natildeo se afigure monopolista mas sim

colaborativa

Bobeck (2013) ensina que essa praacutetica pode ser vista como uma forma

de auto-controle dos proacuteprios tribunais que percebem que natildeo podem decidir sozinhos e

buscam no meacutetodo do direito comparado ou no uso de precedentes estrangeiros uma maior

fundamentaccedilatildeo as suas decisotildees

Zagrebelsky (2007) denomina esse fenocircmeno de ldquocosmopolistimo

judicialrdquo o qual consiste justamente na consideraccedilatildeo pelo Judiciaacuterio nacional de documentos

juriacutedicos externos de decisotildees oriundas de outras cortes sejam elas de hierarquia superior

como tribunais internacionais de proteccedilatildeo dos direitos humanos ou ateacute mesmo de outras

cortes constitucionais estrangeiras12

10 ldquo39 Interpretation of Bill of Rights (1) When interpreting the Bill of Rights a court tribunal or forum ndash (a)

must promote the values that underlie an open and democratic society based o human dignity equality and

freedom (b) must consider international law (c) may consider foreing law (2) When interpreting any

legislation and when developing the common law or costumary law every court tribunal or forum must

promote the spirit purport and objects of the Bill of Rights (3) The Bill of Rights does not deny the existence

of any other rights or freedoms that are recognised or conferred by common law customary law or legislation

to the extent that they are consistent with the Bill

11 Nesse sentido Tushnet (2009) ao falar sobre a importacircncia do estudo do direito constitucional comparado

ldquostudiyng comparative constitucional law might improve our ability to make domestic constitucional lawrdquo Ver

ainda HIRSCHL Ran Comparative matters the renaissance of comparative constitutional law Oxford

Oxford University Press 2014 e JACKSON Vicky Comparative Constitucional Law Nova York Foundation

Press 1999 12 Eacute importante destacar que apesar da forma positiva em que se estaacute abordando o cosmopolitismo judicial e o

uso do direito comparado ambos satildeo alvos de criacuteticas pela doutrina Tavares da Silva (2014) destaca que ldquoo

recurso ao direito constitucional comparado por um tribunal constitucional natildeo deve servir um objetivo de

universalizaccedilatildeo de valores mas antes o aprofundamento das soluccedilotildees de inclusividade no contexto

18

Esse fenocircmeno tambeacutem encontra eco em outros lugares do Globo

apesar de em menor escala que no continente europeu A Constituiccedilatildeo Federal Brasileira agrave

semelhanccedila da Portuguesa no sect2ordm do artigo 5ordm adota uma claacuteusula aberta de direitos

fundamentais prevendo expressamente a observacircncia das normas internacionais nessa

mateacuteria

Conclui-se portanto que hoje as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo dentro do

constitucionalismo e no exerciacutecio da jurisdiccedilatildeo constitucional eacute uma realidade concreta e

global A partir disso teve iniacutecio o desenvolvimento de uma noccedilatildeo de diaacutelogo seja ele

judicial ou institucional

Esse eacute um fenocircmeno que natildeo ocorre apenas no acircmbito externo ao

Estado restrito as relaccedilotildees internacionais mas tambeacutem encontra reflexos na estrutura interna

de organizaccedilatildeo do Poder estatal no desenho institucional de cada paiacutes

A ideia de cooperaccedilatildeo e diaacutelogo transporta-se assim tambeacutem para o

acircmbito interno da jurisdiccedilatildeo constitucional dos paiacuteses surgindo um conceito de diaacutelogo

institucional o qual percebe-se deste trabalho

Percebe-se entatildeo que os novos desafios impostos ao

constitucionalismo do seacuteculo XXI tecircm influenciado no desenho institucional da jurisdiccedilatildeo

constitucional adotado por diversos paiacuteses contribuindo sobremaneira para o

desenvolvimento de novos modelos fundados nessa loacutegica da cooperaccedilatildeo superando a

tradicional ideia de uma jurisdiccedilatildeo pautada na supremacia judicial conforme seraacute analisado

intercultural ateacute onde essa inclusividade se revelar possiacutevel ou seja ateacute onde natildeo redunde em uma

neutralizaccedilatildeo do elemento cultural que daacute substacircncia material ao projecto social concreto que aquele oacutergatildeo

judicial tem como missatildeo garantirrdquo

19

3 O tradicional modelo de judicial review e a supremacia judicial

Afirmar que a Constituiccedilatildeo eacute um documento juriacutedico-poliacutetico dotado de

normatividade e superioridade dentro do ordenamento juriacutedico parece algo oacutebvio todavia

essa premissa nem sempre foi verdadeira mas sim resultado de um processo histoacuterico13

Na Ameacuterica do Norte desde o iniacutecio do seu movimento constitucional14

o caraacuteter juriacutedico-normativo da constituiccedilatildeo foi reconhecido o que acabou favorecendo a

um desenvolvimento mais raacutepido da jurisdiccedilatildeo constitucional15 ante a necessidade de

submeter o poder legislativo a limites precisamente soacutelidos16

O tradicional modelo do judicial review americano se formou no

silecircncio dos textos tomando corpo lentamente em um primeiro periacuteodo que foi ateacute 1789

(ano em que se funda o Tribunal Supremo Federal) o mesmo consistia em mera praacutetica

judicial dentro do common law em um segundo periacuteodo que vai de 1789 a 1861

impulsionado pela construccedilatildeo do Estado Federal e pelos conflitos em torno da natureza da

Uniatildeo criado pela Constituiccedilatildeo de 1787 em um terceiro periacuteodo iniciado em 1865 ateacute os

trinta primeiros anos do seacuteculo XX quando se estabeleceu como um sistema de revisatildeo

frente a todas as leis inclusive leis federais em consequecircncia do crescimento do capitalismo

das transformaccedilotildees ocasionadas pelo federalismo e pela necessidade de redefinir as relaccedilotildees

entre o Estado com a nova ordem industrial e em um quarto periacuteodo de 1954 a 1986 quando

se expandiu em resposta aos novos desafios impostos pela busca de justiccedila social igualdade

e liberdade (ACOSTA SAacuteNCHEZ 1998)

13 Nesse sentido Canotilho (2003) nos ensina que a Constituiccedilatildeo eacute o conjunto de regras (escritas ou

consuetudinaacuterias) e de estruturas institucionais conformadoras de uma dada ordem juriacutedico-poliacutetica em um

determinado sistema poliacutetico-social Entre o constitucionalismo antigo e o constitucionalismo moderno vatildeo se

desenvolvendo perspectivas poliacuteticas religiosas e juriacutedico-filosoacuteficas sem o conhecimento das quais natildeo eacute

possiacutevel compreender o proacuteprio fenocircmeno da modernidade constitucional

14 A expressatildeo ldquomovimento constitucionalrdquo eacute utilizada no sentido empregado por Canotilho como um

movimento gerador da constituiccedilatildeo (CANOTILHO 2003)

15 Para uma maior e mais detalhada compreensatildeo do movimento constitucional norte-americano ver Griffin

Stephen American Constitutionalism From the theory to the politics 1998

16 Nesse sentido ver Blaco Valdeacutes Roberto L La configuracioacuten del concepto de Constituicioacuten en las

experieacutencias revolucionarias francesas e norte-americana In Perspectivas Constitucionais Nos 20 anos da

Constituiccedilatildeo de 1976 (org Jorge Miranda) Vol III Coimbra 1998 p11

20

Para muitos a efetiva consagraccedilatildeo desse modelo ocorreu no ano de

1803 com o julgamento do famoso caso Marbury v Madison17 quando houve a formal

proclamaccedilatildeo da superioridade das normas constitucionais frente a qualquer outra lei

formulada pelo Parlamento bem como da autoridade dos Tribunais para invalidaccedilatildeo das leis

consideradas inconstitucionais

A par das questotildees poliacuteticas envolvidas nesse julgamento o fato eacute que

ele se tornou o marco da consolidaccedilatildeo da supremacia18 da Suprema Corte americana que

passou a ser entatildeo formalmente reconhecida como a detentora da uacuteltima palavra dentro do

processo de interpretaccedilatildeo constitucional19

Ateacute meados do seacuteculo XX a ideia que prevalecia na maioria dos paiacuteses

com a exececcedilatildeo dos Estados Unidos20 era a de que as constituiccedilotildees eram proclamaccedilotildees

poliacuteticas importantes mas natildeo possuiacuteam status de normas juriacutedicas As prescriccedilotildees

constitucionais natildeo podiam ser aplicadas diretamente pelos juiacutezes nem geravam direitos

subjetivos para os cidadatildeos

Havia principalmente nos paiacuteses da Europa cidental uma crenccedila na

legitimidade do Parlamento para a criaccedilatildeo do Direito natildeo existindo razatildeo para submeter as

leis por ele criadas agrave nenhuma espeacutecie de revisatildeo judicial O controle que existia era um

controle poliacutetico feito pelo proacuteprio legislativo21

17 Para uma visatildeo criacutetica e maiores detalhes sobre o famoso julgamento Marbury v Madison ver Acosta

Sancheacutez Joseacute Formacioacuten de la Constituicioacuten y Jurisdiccioacuten Constitucional Fundamentos de la Democracia

Constitucional Madri Tecnos 1998 pp 115 e Urbano Maria Benedita Curso de Justiccedila Constitucional

Evoluccedilatildeo Histoacuterica e Modelos de Controlo da Constitucionalidade Almedina 2012 pp 28 a 36

18 Neste trabalho quando fala-se em supremacia refere-se agrave siacutentese de Ward (2007) segundo a qual supremacia

judicial define o status que os precedentes merecem quando desafiados pela atuaccedilatildeo superveniente do

legislativo

19 Griffin (2003) em importante estudo revela que o judicial review americano nem sempre esteve associado agrave

ideia de supremacia judicial tendo sido este elemento incorporado ao modelo posteriormente Nesse sentido

destaca ldquoAs has so often been noted Marshall never claimed supremacy for the Court in Marbury The

opinion ends after all with Marshall saying that courts hace an equal right to the other departament in

interpreting the Constitution The Court committed itself explicity to judicial supremacy only relatively

recently In Cooper v Aaron for example the Court stated that the ldquofederal judiciary is supreme in the

exposition of the law of the Constitutionrdquo

20 Miranda (2007) destaca que diferente da Franccedila e dos paiacuteses europeus durante o seacuteculo XIX os Estados

Unidos vivem quase desde a sua formaccedilatildeo sob o princiacutepio da constitucionalidade isto eacute de que as leis e os

outros atos do Estado devem ser conformes agrave Constituiccedilatildeo e natildeo devem ser aplicados pelos tribunais no caso

de serem desconformes

21 ldquoO controle da conformidade das leis com a constituiccedilatildeo comeccedilou por ser do tipo poliacutetico Aacute medida que o

valor de lei suprema das constituiccedilotildees se ia impondo os parlamentos iam-se sentido cada vez mais pressionados

para permitir que as suas leis fossem objeto de fiscalizaccedilatildeo Numa primeira fase admitiram o controlo da

21

Portanto durante muito tempo na maioria dos paiacuteses europeus em

funccedilatildeo da constituiccedilatildeo ser vista como mero instrumento poliacutetico desprovido de

normatividade cabia ao Parlamento a regulamentaccedilatildeo das relaccedilotildees entre individuo e Estado

usufruindo entatildeo de um papel de legislador soberano eis que seus atos natildeo estavam

subordinados a nenhum controle judicial cabendo ao Poder Judiciaacuterio apenas a mera

aplicaccedilatildeo das leis

O reconhecimento da constituiccedilatildeo como norma juriacutedica soacute ocorreu no

constitucionalismo do poacutes-45 com o fim da segunda guerra mundial quando foram

incorporados no texto constitucional direitos fundamentais e princiacutepios relevantes de

moralidade poliacutetica

Com isso a partir da metade do seacuteculo XX a maioria das novas

constituiccedilotildees passaram a prever mecanismos de jurisdiccedilatildeo constitucional ou procuram

fortalecer ou ampliar os jaacute existentes A maior parte dos paiacuteses que reestruturam suas ordens

juriacutedicas desde entatildeo seja apoacutes libertar-se do jugo de antigas colocircnias seja depois da

superaccedilatildeo de ditaduras internas optaram pela introduccedilatildeo ou ampliaccedilatildeo de instrumentos de

controle de constitucionalidade nos seus textos magnos (SARMENTO 2006)

Ou seja o desenvolvimento do constitucionalismo e o reconhecimento

da constituiccedilatildeo como norma juriacutedica suprema do Estado criaram a necessidade de um

controle das normas infraconstitucionais

Nesse contexto desenvolveram-se inicialmente dois modelos de

controle de constitucionalidade distintos que foram se espalhando pelos diversos paiacuteses ao

longo dos anos que se seguiram O modelo decorrente do sistema americano ficou conhecido

como controle difuso tendo como principal caracteriacutestica o fato de todos os tribunais e juiacutezes

poderem declarar dentro de um caso concreto a inconstitucionalidade de uma lei

infraconstitucional

constitucionalidade das leis mas seriam eles os responsaacuteveis por um tal controlo Era pois um controlo

poliacutetico exercido por um oacutergatildeo poliacutetico o parlamento () Seja como for facilmente se constata que o controle

poliacutetico tende a ser pouco efetivo e eficaz No caso especiacutefico do controlo atribuiacutedo ao parlamento pode

afirmar-se sem grande margem de erro que os parlamentares eram ldquojuiacutezes em causa proacutepriardquo (no fundo era

um autocontrolo) Por este motivo o controlo das normas acabaria por ser atribuiacutedo aos tribunais tornando-se

um controlo judicialrdquo (URBANO 2012 p17)

22

Em oposiccedilatildeo a esse modelo Kelsen desenvolveu uma visatildeo alternativa

de controle de constitucionalidade para os sistemas europeus que ficou conhecido como

controle concentrado de constitucionalidade ou modelo austriacuteaco Nesse tipo de controle a

proteccedilatildeo da Constituiccedilatildeo previa a instituiccedilatildeo de um controle abstrato das atividades do

legislador confiado a um uacutenico oacutergatildeo separado dos tribunais ordinaacuterios - o Tribunal

Constitucional Ao juiacutez constitucional cabia manter ou anular o ato normativo do legislador

consoante o considerasse conforme ou desconforme a constituiccedilatildeo (URBANO 2012)

Jaacute nas uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XX a jurisdiccedilatildeo constitucional foi se

tornando uma realidade quase universal passando a existir em paiacuteses de todos os

continentes Tanto o modelo norte-americano como o modelo austriacuteaco serviram de

inspiraccedilatildeo para a implementaccedilatildeo do controle de constitucionalidade das leis e surgimento de

modelos mistos

Alguns paiacuteses como o Brasil por exemplo desenvolveram sistemas

mistos onde estatildeo presentes caracteriacutesticas de ambos os modelos tanto o austriacuteaco como o

americano ou seja haacute tanto o controle de constitucionalidade difuso quanto o concentrado22

Jaacute nos paiacuteses do continente europeu o modelo mais disseminado foi o modelo Austriacuteaco o

que impulsionou a criaccedilatildeo de diversos Tribunais Constitucionais em paiacuteses como Espanha

Itaacutelia e Portugal23

Assim na grande maioria dos paiacuteses desenvolveu-se um sistema de

jurisdiccedilatildeo constitucional aliado agrave ideia de supremacia judicial no qual o Poder Judiciaacuterio eacute

quem profere a uacuteltima palavra no tocante a interpretaccedilatildeo constitucional Na Europa em

especial a supremacia judicial foi se tornando uma realidade cada vez mais forte sendo o

ativismo judicial um dos responsaacuteveis pelo fortalecimento e desenvolvimento da estrutura

judiciaacuteria que se tem hoje na maioria dos paiacuteses

Diante de tudo isso pode-se afirmar que uma das caracteriacutesticas mais

evidentes no constitucionalismo contemporacircneo eacute a ascensatildeo institucional do Poder

Judiciaacuterio ultrapassando a originaacuteria ideia de legislador negativo tradicionalmente

22 Para maiores detalhes sobre o controle de constitucionalidade brasileiro ver BARROSO Luiacutes Roberto O

Controle de constitucionalidade no direito brasileiro Exposiccedilatildeo sistemaacutetica da doutrina e anaacutelise criacutetica da

jurisprudecircncia Satildeo Paulo Editora Saraiva 2004

23 Para maiores detalhes sobre o controle de constitucionalidade Portuguecircs ver Canotilho 2008 capiacutetulo 2

23

concebida por Kelsen dando margem ao surgimento de alguns fenocircmenos que seratildeo

tratados no toacutepico a seguir

4 Jurisdiccedilatildeo constitucional e democracia um antigo debate

A controveacutersia acerca da natureza da atividade fiscalizatoacuteria exercida

pelas Cortes Constitucionais decorre do possiacutevel conflito entre duas distintas legitimaccedilotildees

a dita legitimaccedilatildeo democraacutetica tipicamente atribuiacuteda ao legislador e a legitimaccedilatildeo

jurisdicional para a defesa do ordenamento juriacutedico constitucional atribuiacuteda ao Juiacutezo

constitucional Discute-se sobretudo o porquecirc da consignaccedilatildeo ao Judiciaacuterio de tal atribuiccedilatildeo

fiscalizatoacuteria bem assim quais seriam os objetos e limites do controle jurisdicional

(PONTES 2001 p 65)24

Os contornos desse debate estatildeo intimamente ligados a noccedilatildeo de

democracia exercendo o seu conceito direta influecircncia nos argumentos de defesa de um ou

de outro Poder Em apertada siacutentese pode-se mencionar que aqueles que defendem a

atribuiccedilatildeo do Poder ao Judiciaacuterio para realizar o controle de constitucionalidade das leis

fundamentam-se na regra contramajoritaacuteria ou seja na necessidade de uma oposiccedilatildeo a regra

da maioria representada pelo Legislativo principalmente para defender e proteger os direitos

e garantias de minorias sem tanta representatividade na busca por uma democracia

substancial25

Em contrapartida existem aqueles que denfendem uma outra noccedilatildeo de

democracia fundada justamente nos argumentos de maioria e de representatividade razatildeo

pela qual entendem pela iligitimidade dos juiacutezes membros natildeo eleitos pelo povo para

derrubar atos legislativos

Apesar da discussatildeo sobre a legitimidade democraacutetica da jurisdiccedilatildeo

constitucional ser um debate antigo natildeo se pode - sob nenhuma hipoacutetese - considera-lo como

24 Sobre o tradicional debate acerca da legitimidade da jurisdiccedilatildeo constitucional ver GARAPON Antonie O

juiz e a democracia o guardiatildeo das promessas Rio de Janeiro Renavn 2009 Linares Sebastiaacuten La

(i)legitimidad democraacutetica del control judicial de las leyes Madrid Marcial Pons MOREIRA Vital Princiacutepio

da Maioria e princiacutepio da constitucionalidade legitimidade e limites da justiccedila constitucional in Coloacutequio no

10ordm Aniversaacuterio do Tribunal Constitucional Lisboa 1993 pp 167-175

25 Sobre a regra contramajoritaacuteria ver BICKEL Alexander The last dangerous branch the Supreme Court at

the bar of politics New Haven Yale University 1986 e WHITE G Edward History and the Constitution

Durham Carolina Academic Press 2007

24

algo superado sobretudo porque na atualidade os argumentos insertos na questatildeo estatildeo

cada vez mais sofisticados e possibilitam uma discussatildeo aleacutem do tradicional binocircmio

Judiciaacuterio x Legislativo no tocante a detenccedilatildeo da uacuteltima palavra em mateacuteria constitucional

Nas uacuteltimas deacutecadas vivencia-se uma expansatildeo do tradicional modelo

do judicial review americano pelo Globo e consequentemente um reforccedilo e um alargamento

do Poder Judiciaacuterio razatildeo pela qual muitos paiacuteses hoje adotam modelos fundados em uma

supremacia judicial na qual os juiacutezes satildeo os responsaacuteveis por emitir a palavra final na

resoluccedilatildeo de conflitos constitucionais

A referida expansatildeo propiciou o desenvolvimento de fenocircmenos como

a judicializaccedilatildeo de questotildees poliacuteticas e o ativismo judicial os quais satildeo atualmente

considerados por alguns como uma ameaccedila ao princiacutepio democraacutetico a separaccedilatildeo de poderes

e ateacute mesmo a efetividade de direitos fundamentais Diante disso acabam por vir

novamente agrave tona antigos questionamentos relativos agrave legitimidade democraacutetica da

jurisdiccedilatildeo constitucional

A judicializaccedilatildeo da Poliacutetica aqui entendida como a dependecircncia de

Tribunais e dos meios judiciais para abordarsolucionar impasses morais fundamentais

questotildees de poliacuteticas puacuteblicas e controveacutersias poliacuteticas eacute um fenocircmeno mundial Embora

muitas questotildees de poliacuteticas puacuteblicas ainda permaneccedilam aleacutem do alcance do Judiciaacuterio eacute

fato incontestaacutevel que tem havido uma deferecircncia das outras esferas do Poder no sentido de

acolher a intrusatildeo do mesmo em suas prerrogativas o que acaba por acelerar o processo de

judicializaccedilatildeo das agendas poliacuteticas (HIRSCHL 2008)26

26 Hirschl faz importante observaccedilatildeo sobre um niacutevel diferente de judicializaccedilatildeo o qual denomina de

judicializaccedilatildeo da acutemega-poliacuteticaacute a qual seria mais impactante e consequentemente mais preocupante De

acordo com o autor ldquoToday not a single week passes without a national high court somewhere in the world

releasing a major judgment pertaining to the scope of constitutional rights or the limits on legislative or

executive powers The most common are cases dealing with procedrual justice and criminal lsquodue processrsquo

rights Aggregate data suggest that approximately two-thirds of all constitutional rights cases in the lsquoworld of

new constitutinalismrsquo deal with that type of rights Also common are rulings involving classic civil liberties

the right to privacy and formal equality This ever-expanding body of civil liberties jurisprudence has

expanded and fortified the boundaries of the constitutionally protected private sphere (often perceived as

threatened by the long arm of the state and its regulatory laws) and hastransformed numerous policy areas

involving individual freedoms In recent years we have seen the emergence of another level of judicialized

politics reliance on courts and judges for dealing with what we might call lsquomega-politicsrsquo ndash core political

controversies that define the boundaries of the collective or cut through the heart of entire nations This level

of judicialization includes several subcategories judicial scrutiny of executive-branch prerogatives in the

realms of macroeconomic planning or national security (ie the demise of what constitutional theorists call

the lsquopolitical questionrsquo doctrine) judicialization of electoral processes judicial corroboration of regime

transformation fundamental restorative-justice dilemmas and above all the judicialization of formative

25

Com o reconhecimento internacional da importacircncia da proteccedilatildeo dos

direitos fundamentais e o consequente entendimento de que a enunciaccedilatildeo desses direitos na

Carta Magna determina por si soacute um direito subjetivo em favor dos cidadatildeos o Estado

passou a ser responsaacutevel pela realizaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas que visem agrave sua efetividade

natildeo mais sendo suficiente apenas que natildeo os viole mas tambeacutem que aja de forma a propiciar

a sua eficaacutecia

Assim o Judiciaacuterio passou a ser visto como o principal centro de

discussatildeo sobre a efetividade desses direitos principalmente pela sociedade que encontrou

nas demandas judiciais um meio de coagir o Estado a dar cumprimento e efetividade aos

direitos constitucionalmente assegurados O progressivo aumento dessas demandas fez com

que fosse possiacutevel uma realizaccedilatildeo do controle judicial das poliacuteticas puacuteblicas estatais

favorecendo a judicializaccedilatildeo de temas que antes eram reservados ao campo da poliacutetica27

Esse cenaacuterio tambeacutem propiciou a ocorrecircncia de outro fenocircmeno

designado como ativismo judicial ou governo de juiacutezes28 que a par da sua difiacutecil e

heterogecircnea conceituaccedilatildeo deve aqui ser entendido como a excessiva atividade criativa do

juiz constitucional29

Tanto a judicializaccedilatildeo de questotildees poliacuteticas como o ativismo judicial

podem ser identificados como patologias dentro do sistema da jurisidiccedilatildeo constitucional sob

o ponto de vista do princiacutepio da separaccedilatildeo de poderes (TAVARES DA SILVA 2014) eis

que ocasionam um excesso de autonomia e poder ao Judiciaacuterio em detrimento dos demais

poderes facilitando inclusive a usurpaccedilatildeo de competecircncias

collective identity nation-building processes and struggles over the very definition or raison decirctre of the polity

as such ndash arguably the most troubling type of judicialization from a participatory democracy stanpoint These

emerging areas of judicialized politics expand the boundaries of national high-court involvement in the

political sphere beyond any previous limitrdquo

27 Esse eacute um tema muito discutido no Brasil onde haacute um grande nuacutemero de demandas judiciais - individuais e

coletivas - que questionam a efetividade de direitos fundamentais como o direito agrave sauacutede agrave educaccedilatildeo etc Sobre

o assunto ver VALLE Vanice Regina Liacuterio do Judicializaccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas no Brasil Ateacute onde

podem nos levar as asas de Iacutecaro In Themis Revista de Direito da Universidade Nova de Lisboa ano XI

nordm 2021 2011

28 A criaccedilatildeo dessas expressotildees eacute respectivamente atribuiacuteda agrave Arthur Schlesinger Jr e Walter Clark

29 Sobre o ativismo judicial ver URBANO 2012 p 87- 101

26

Somado a esses fenocircmenos outro importante componente que ajudou

a reacender o debate30 foi a recente transposiccedilatildeo do modelo americano do judicial review

fundado na supremacia judicial para paiacuteses da Commonwealth tradicionalmente centrados

em um modelo de soberania parlamentar a qual seraacute melhor abordada no toacutepico a seguir

Diante das evidentes dificuldades de harmonizaccedilatildeo do modelo de

revisatildeo judicial das leis para paiacuteses onde ateacute entatildeo o Parlamento era soberano expoentes

doutrinadores como Ronald Dworkin e Jeremy Waldron voltaram sua atenccedilatildeo para a anaacutelise

das vantagens e desvantagens da realizaccedilatildeo de um controle judicial dos atos do Parlamento

e da sua legitimidade democraacutetica

Dworkin (2006) postula uma ldquoconcepccedilatildeo constitucional de

democraciardquo31 segundo a qual o regime democraacutetico demanda a tomada decisotildees coletivas

por instituiccedilotildees que tratem de forma isonocircmica todos os cidadatildeos fato que nem nem sempre

iraacute ocorrer em procedimentos majoritaacuterios Assim o Autor defende que o primordial para a

legitimidade democraacutetica de uma decisatildeo eacute o seu conteuacutedo substantivo e natildeo propriamente

o procedimento em si realizado para a sua elabraccedilatildeo

Sendo assim alega a legitimidade democraacutetica do controle de

constitucionalidade das leis realizada pelo Poder Judiciaacuterio eis que esta seria no seu

entender a instacircncia do Poder mais apta a fornecer a ldquoresposta certardquo sobre direitos

fundamentais (DWORKIN 2001)

30 Necessaacuterio esclarecer que o controle de constitucionalidade sempre foi alvo de desconfianccedila sob o ponto de

vista da teoria democraacutetica durante muitos anos importantes estudiosos concentraram esforccedilos tentando buscar

uma justificativa capaz de legitimaacute-lo como o famoso debate entre Hans Kelsen e Carl Schmitt Todavia o

debate de hoje o qual interessa para o presente trabalho se funda em argumentos mais complexos por razotildees

didaacuteticas natildeo iremos retomar ao debate mais antigo

31ldquoSe rejeitamos a premissa majoritaacuteria precisaremos de uma explicaccedilatildeo diferente e melhor do valor e da

finalidade da democracia Vou defender agora uma explicaccedilatildeo ndash que chamo de concepccedilatildeo constitucional da

democracia ndash que efetivamente rejeita a premissa majoritaacuteria Segundo essa explicaccedilatildeo o fato de as decisotildees

coletivas serem sempre ou normalmente as decisotildees que a maioria dos cidadatildeos e tomariam se fossem

plenamente informados e racionais natildeo eacute nem uma meta nem uma definiccedilatildeo de democracia O objetivo que

define a democracia tem de ser diferente que as decisotildees coletivas sejam tomadas por instituiccedilotildees poliacuteticas

cuja estrutura composiccedilatildeo e modo de operaccedilatildeo dediquem a todos os membros da comunidade enquanto

indiviacuteduos a mesma consideraccedilatildeo e o mesmo respeito () a concepccedilatildeo constitucional requer esses

procedimentos majoritaacuterios em virtude de uma preocupaccedilatildeo com a igualdade dos cidadatildeos e natildeo por causa de

um compromisso com as metas da soberania da maioria Por isso natildeo opotildee objeccedilatildeo alguma ao emprego deste

ou daquele procedimento natildeo majoritaacuterio em ocasiotildees especiais nas quais tal procedimento poderia proteger

ou promover a igualdade que segunda essa concepccedilatildeo eacute a proacutepria essecircncia da democracia e natildeo aceita que

essas exceccedilotildees sejam causa de arrependimento moralrdquo (DWORKIN Ronald O Direito da Liberdade Satildeo

Paulo Martins Fontes 2006 p 26)

27

Em contrapartida Waldron (1999) sustenta que a legitimidade

democraacutetica de uma decisatildeo coletiva natildeo pode ser julgada a partir dos seus resultados como

propotildee Dworkin mas sim pelo caraacuteter democraacutetico do procedimento de tomada da decisatildeo

Partindo do princiacutepio da existecircncia de um grande dissenso acerca dos direitos fundamentais

dentro da sociedade entende que natildeo eacute legiacutetimo que predomine como correta entre as

diversas visotildees existentes aquela enunciada pelo Judiciaacuterio

Segundo o Autor o tradicional modelo do judicial review aliado agrave

supremacia do Judiciaacuterio natildeo eacute o meio mais adequado para a tomada de decisatildeo final em

uma sociedade livre e democraacutetica Apesar de criticar severamente essa praacutetica natildeo ignora

a sua existecircncia na maioria dos paiacuteses e faz uma distinccedilatildeo entre os diversos sistemas

classificando-os em sistemas fortes intermediaacuterios e fracos de acordo com a quantidade de

poder que eacute atribuiacutedo ao Judiciaacuterio (WALDRON 2014)

Neste sentido eacute importante a distinccedilatildeo que propotildee entre judicial review

e supremacia judicial O primeiro conceitua como uma forma de controle judicial das leis

que na sua melhor concretizaccedilatildeo praacutetica pode operar como um poder modesto de restriccedilatildeo

jaacute a supremacia judicial como a ideia de que os juiacutezes satildeo supremos e ateacute soberanos na

poliacutetica estando todos os outros poderes poliacuteticos a eles subordinados (WALDRON 2014

p 5)

Esclarece por exemplo que nos Estados Unidos haacute uma supremacia

judicial natildeo necessariamente pela adoccedilatildeo de um modelo forte de revisatildeo judicial mas sim

pela forma que este vem sendo exercido pela Suprema Corte Americana (WALDRON

2014 p 11)

O raciociacutenio desenvolvido por Wladron eacute importante principalmente

para demonstrar que natildeo deve haver uma vinculaccedilatildeo necessaacuteria entre judicial review e

supremacia judicial Ou seja para o autor a supremacia judicial e seus efeitos negativos pode

e deve ser combatida sem que para isso tenha-se que abolir a praacutetica da revisatildeo judicial das

leis a qual pode ateacute ser considerada como uma praacutetica boa e necesaacuteria

Com base nesse raciociacutenio atualmente o tradicional modelo de judicial

review aliado a supremacia do Poder Judiciaacuterio tem sido um dos maiores alvos de criacuteticas da

teoria constitucional natildeo apenas sob a oacutetica da legitimidade democraacutetica mas tambeacutem pelo

seu resultado no que tange a verdadeira efetivaccedilatildeo dos direitos fundamentais

28

O excesso de poder concedido ao Judiciaacuterio passou entatildeo a ser visto

com maus olhos em razatildeo de fenocircmenos como o ativismo judicial e a judicializaccedilatildeo poliacutetica

levando a doutrina a uma busca incessante por formas de combate a essas patologias

Em face disso alguns Estados de tradiccedilatildeo parlamentar cientes dessa

realidade negativa vivenciada nos demais paiacuteses poreacutem convencidos da necessidade de

implementaccedilatildeo de um sistema de revisatildeo judicial das leis para uma maior efetivaccedilatildeo dos

direitos fundamentais buscaram desenvolver modelos alternativos aos ateacute entatildeo existentes

Uma das propostas desses novos modelos eacute superar o problema da

legitimidade democraacutetica do judicial review mediante a promoccedilatildeo de um reequiliacutebrio entre

o Legislativo e Judiciaacuterio conforme se leraacute nas proacuteximas paacuteginas

5 A implementaccedilatildeo do judicial review nos paiacuteses da commonwealth e o

surgimento de uma nova alternativa ao binocircmio judiciaacuterio v Legislativo ndash weak

form of judicial review

A evoluccedilatildeo do judicial review na medida em que os Estados foram se

confrontando em pleno seacuteculo XX com o problema da escolha de mecanismos de controle

de constitucionalidade para os seus sistemas normativos procurando ajustar os modelos jaacute

existentes agraves suas realidades permitiu o desenvolvimento de diversos novos modelos

(TAVARES DA SILVA 2014)

Entre 1982 e 1998 paiacuteses como Canadaacute Nova Zelacircndia e Reino Unido

que ateacute entatildeo viviam sob a eacutegide de um sistema pautado na supremacia do Parlamento ao

adotarem um Bill of Rigths instituiacuteram um modelo de revisatildeo judicial a partir do tradicional

modelo americano poreacutem tentando uma nova forma de equiliacutebrio entre os poderes ateacute entatildeo

inexistente

Esse modelo foi denominado por Tushnet como weak form of judicial

review em oposiccedilatildeo ao modelo americano que constitui um strong form of judicial review

no qual a interpretaccedilatildeo constitucional efetuada pela Suprema Corte eacute praticamente

irreversiacutevel e inalteraacutevel por maiorias legislativas ordinaacuterias (TUSHNET 2009 p 33)

O novo modelo traduz-se basicamente em uma forma de controle de

constitucionalidade onde existem mecanismos de respostas da populaccedilatildeo agravequelas decisotildees

29

que lhes parecem erradas visando com isso diminuir a tensatildeo natural relativa a legitimidade

democraacutetica do judicial review

Nele a interpretaccedilatildeo judicial das provisotildees constitucionais pode ser

revisada pelo legislativo em um prazo relativamente curto usando uma regra de decisatildeo natildeo

muito diferente da que eacute usada no processo legislativo cotidiano (TUSHNET 2009) Com

isso tem-se um modelo que dissocia a jurisdiccedilatildeo constitucional da supremacia judicial

permitindo tambeacutem ao Legislativo o pronunciamento

Gardbaum (2013) identifica que este modelo foi feito sob a exata

medida para permitir uma maior proteccedilatildeo juriacutedica aos direitos dentro de paiacuteses com culturas

poliacuteticas nas quais haacute um apego substancial agrave soberania parlamentar como provedora de uma

longa e em grande parte bem sucedida tradiccedilatildeo constitucional democraacutetica32

Em siacutentese o novo modelo de jurisdiccedilatildeo constitucional adotado pelos

paiacuteses da Commonwealth adveacutem entatildeo da busca pela conciliaccedilatildeo entre a necessidade de

proteccedilatildeo dos novos direitos fundamentais e a tradiccedilatildeo da supremacia parlamentar o que

certamente natildeo haacute no tradicional modelo norte-americano

Cada um dos paiacuteses adeptos desse modelo buscou em suas

especificidades adotar mecanismos que prometiam a possibilidade de um exerciacutecio da

jurisdiccedilatildeo constitucional pautado no equiliacutebrio institucional sugerindo uma

responsabilidade conjunta pela decisatildeo final aleacutem de permitir o exerciacutecio de um diaacutelogo

deliberativo entre o Judiciaacuterio e o Legislativo no tocante a aplicaccedilatildeo e proteccedilatildeo dos direitos

fundamentais (GARDBAUM 2013) 33

Na praacutetica pode-se dizer que o marco inicial do denominado sistema

brando de constitucionalidade se deu com o advento da Carta Canadense de 198234 a qual

32 ldquoMost importantly while granting courts the power to enforce fundamental rights it decouples judicial

review from judicial supremacy by empowering legislatures to have the final word This new model was

custom-built to permit greater legal protection of rights within political cultures in which there is substantial

attachment to parliamentary sovereignty as having provided a long and largely successful tradition of

constitutionalist democracyrdquo (GARDBAUM 2013 p 760)

33 Sobre a evoluccedilatildeo do constitucionalismo nos paiacuteses da Commonwealth ver tambeacutem ZINES Leslie

Constitutional change in the Commonwealth Cambridge Cambridge University Press 1991 34 Constitution Act 1982 Disponiacutevel em lthttplaws-loisjusticegccaengConstindexhtmlgt

30

traz na sua Seccedilatildeo 3335 a previsatildeo da notwithstanding clause o que permite ao Legislativo

determinar a aplicaccedilatildeo de um diploma normativo expressamente reconhecido pelo Judiciaacuterio

como inconstitucional e na Seccedilatildeo 136 com a previsatildeo da possibilidade do Legislador reeditar

uma norma que configure e limite direito consagrado nas seccedilotildees 2 e de 7 a 15 e que jaacute tenha

sido objeto de reprovaccedilatildeo pelo Judiciaacuterio desde que fundada em justificativa razoaacutevel

A despeito das criacuteticas dirigidas a esses mecanismos as quais seratildeo

abordadas ao longo do presente trabalho a experiecircncia Canadense chamou a atenccedilatildeo de

diversos doutrinadores por todo o mundo bem como inspirou outros paiacuteses de tradiccedilatildeo

parlamentar a adotar esse novo modelo de jurisdiccedilatildeo constitucional

O Reino Unido por exemplo com a aprovaccedilatildeo do Human Rights Act

(HRA) em 1998 passou a adotar o mecanismo da interpretive obligation e de declarations

of incompability a Nova Zelacircndia tambeacutem apoacutes a aprovaccedilatildeo da sua Carta de Direitos

Humanos introduziu mecanismo similar agrave claacuteusula interpretativa da Inglaterra

Logo apesar de cada paiacutes adotar mecanismos diferentes pode-se dizer

que adotam um modelo fraco de controle de constitucionalidade eis que neles natildeo existe a

ideia de supremacia judicial ou seja a uacuteltima palavra em mateacuteria de interpretaccedilatildeo

constitucional natildeo eacute dada necessariamente pelo Judiciaacuterio havendo a possibilidade de

contradita pelo Legislativo e ateacute mesmo de prevalecircncia da interpretaccedilatildeo deste uacuteltimo

Dessa maneira a partir da observaccedilatildeo dessas novas experiecircncias dos

problemas oriundos da praacutetica do ativismo judicial da crescente judicializaccedilatildeo da Poliacutetica

das controveacutersias sobre a legimitidade da jurisdiccedilatildeo constitucional e da incessante busca pela

efetividade de direitos eclodem inuacutemeras teorias que tentam explicar e fundamentar a

existecircncia de um diaacutelogo entre Legislativo e Judiciaacuterio no seio da jurisdiccedilatildeo constitucional

satildeo as denomidadas teorias dialoacutegicas as quais seratildeo expostas e analisadas na sequecircncia de

forma sistemaacutetica

35 ldquo33 (1) Parliament or the legislature of a province may expressly declare in an Act of Parliament or of the

legislature as the case may be that the Act or a provision thereof shall operate notwithstanding a provision

included in section 2 or sections 7 to 15 of this Charterrdquo

36 ldquo1 The Canadian Charter of Rights and Freedoms guarantees the rights and freedoms set out in it subject

only to such reasonable limits prescribed by law as can be demonstrably justified in a free and democratic

societyrdquo

31

CAPIacuteTULO 2 ndash AS TEORIAS DIAacuteLOGICAS E A CONCRETIZACcedilAtildeO DO

DIAacuteOLOGO INSTITUCIONAL

6 Teoria dos diaacutelogos institucionais

Antes de iniciar a anaacutelise das respectivas teorias importa esclarecer que

apesar das mesmas terem se desenvolvido doutrinariamente em sua maioria e com maior

forccedila apoacutes a criaccedilatildeo do weak judicial review como explicado ateacute aqui algumas delas satildeo

anteriores agrave isso e fruto da anaacutelise de sistemas tradicionais como o do proacuteprio Estados

Unidos conforme seraacute demonstrado na sequecircncia

Eacute necessaacuterio explicar que a referecircncia agrave ldquodiaacutelogos institucionaisrdquo apesar

do reconhecimento da existecircncia de diversas instituiccedilotildees no acircmbito estatal estaacute-se

privilegiando especificamente a interaccedilatildeo entre as Cortes Constitucionais e o Parlamento

sobretudo porque o cerne do debate acerca da legitimidade democraacutetica da jurisdiccedilatildeo

constitucional restringe-se a essas duas vertentes do Poder ficando o executivo de fora pois

segundo a tradicional doutrina nunca foi considerado forte candidato a detentor da uacuteltima

palavra no processo de interpretaccedilatildeo constitucional Dito isso explicar-se-aacute o que as teorias

possuem em comum e quais os seus fundamentos basilares

Como jaacute demonstrado a ideia de diaacutelogo institucional surge a partir do

novo paradigma do constitucionalismo contemporacircneo que tem por objetivo natildeo mais

analisar quem deve interpretar a Constituiccedilatildeo mas sim buscar uma teoria que seja construiacuteda

a partir de uma proposta cooperativa por intermeacutedio da qual as instituiccedilotildees possam

compartilhar fundamentos em comum ao operacionalizar as ordens juriacutedica e poliacutetica

Esse entendimento eacute consequecircncia da anaacutelise do novo modelo de

jurisdiccedilatildeo constitucional iniciado no Canadaacute o qual aponta para a necessidade de

reestabelecimento de um equiliacutebrio entre as instituiccedilotildees por meio da alocaccedilatildeo de

responsabilidade reciacuteproca entre Tribunais e Parlamento na formulaccedilatildeo de poliacuteticas e

legislaccedilatildeo

Ou seja as teorias dialoacutegicas partem da premissa de que muitas vezes a

decisatildeo judicial natildeo seraacute suficiente para a resoluccedilatildeo de um conflito sobre direitos sobretudo

nos casos relativos agrave efetivaccedilatildeo de direitos fundamentais nos quais existem limitaccedilotildees que

32

ultrapassam a seara da competecircncia judicial portanto natildeo pode a decisatildeo judicial ser

considerada o fim da linha dentro da jurisdiccedilatildeo constitucional principalmente quando se

busca a maacutexima eficaacutecia de direitos fundamentais

Em contraste com as teorias de interpretaccedilatildeo que propotildeem criteacuterios que os

juiacutezes devem utilizar para resoluccedilatildeo de conflitos constitucionais as teorias de diaacutelogo

centram-se no processo institucional por meio do qual as decisotildees sobre o significado

constitucional satildeo feitas sugerindo que este envolve a elaboraccedilatildeo compartilhada do

significado constitucional entre o Judiciaacuterio e outros atores (BATEUP 2005)

As teorias que abordam o exerciacutecio de um diaacutelogo institucional na

resoluccedilatildeo dos conflitos consitucionais buscam em primeiro lugar entender e verificar como

essa interaccedilatildeo ocorre qual o seu significado reforccedilando o princiacutepio da separaccedilatildeo de poderes

a partir da percepccedilatildeo de que todas as instituiccedilotildees cada uma em sua especificidade satildeo

responsaacuteveis por uma parcela da tarefa da interpretaccedilatildeo constitucional

As teorias dialoacutegicas natildeo fornecem respostas certas para os casos difiacuteceis

de interpretaccedilatildeo mas despertam um processo no qual todos participam na busca dessa

resposta Rejeita os extremos tanto da atuaccedilatildeo judicial como da atuaccedilatildeo legislativa a Corte

natildeo impede que a prevalecircncia da legislaccedilatildeo mas induz o Parlamento a assumir a

responsabilidade poliacutetica e apresentar justificativas razoaacuteveis para suas escolhas no tocante

agrave restriccedilatildeo de direitos (ROACH 2001)

Nesse sentido Sustein e Vermule (2002) indicam a necessidade de uma

virada institucional no pensamento sobre a interpretaccedilatildeo constitucional chamando a atenccedilatildeo

para a necessidade de observaccedilatildeo da capacidade das instituiccedilotildees e dos efeitos dinacircmicos de

qualquer abordagem especiacutefica e de suas consequecircncias

A partir dessa ideia as teorias do diaacutelogo institucional sugerem que natildeo

deve haver um predomiacutenio de uma instituiccedilatildeo sobre a outra quando do exerciacutecio da

jurisdiccedilatildeo constitucional mas sim uma forccedila tarefa uma atuaccedilatildeo conjunta das mesmas

Sendo assim diversas teorias tecircm se proliferado no sentido de fundamentar

agrave abertura ao diaacutelogo no exerciacutecio da jurisdiccedilatildeo constitucional visando sobretudo o

restabelecimento do equiliacutebrio entre os poderes como fundamento de uma legitimidade

democraacutetica a defesa de um sistema brando de controle de constitucionalidade e a

concretizaccedilatildeo dos direitos fundamentais

33

Buscar-se-aacute na continuidade deste capiacutetulo analisar aacute luz das teorias

dialoacutegicas algumas praacuteticas do Judiciaacuterio e Legislativo a fim de identificar ateacute que ponto

essas teorias podem ser consideradas como efetivadoras de um diaacutelogo concreto e

substancial no exerciacutecio da jurisdiccedilatildeo constitucional e quais seus contributos no tocante a

superaccedilatildeo dos problemas relativos a sua legitimidade e no combate ao ativismo

Entretanto antes de fazer a exposccedilatildeo de cada teoria e seus efeitos praacuteticos

em especiacutefico eacute imprescindiacutevel destacar que haacute na doutrina uma aparente diferenciaccedilatildeo

entre tipos de diaacutelogo gerando uma dicotomia diaacutelogo formal e diaacutelogo material a qual

passamos a explorar no toacutepico seguinte

7 Diaacutelogo formal v Diaacutelogo material

Para que se possa analisar de forma mais clara e eficaz as teorias

dialoacutegicas e suas respectivas praacuteticas se faz necessaacuterio primeiramente entender o que seria

um verdadeiro diaacutelogo e quando este pode ser considerado verdadeiramente promissor no

sentido de cumprir os objetivos a que a teoria se propotildee

De iniacutecio pode-se afirmar que essa tarefa eacute aacuterdua eis que nela residem

justamente os maiores alvos das criacuteticas direcionadas as teorias dialoacutegicas conforme veremos

na sequecircncia Apesar de todas as benesses que a ideia de um diaacutelogo constitucional

apresenta a sua praacutetica ainda eacute um pouco conflituosa eis que nem tudo aquilo que alguns

denominam de ldquodiaacutelogordquo deve ser de fato assim considerado

Na definiccedilatildeo de Dor (2000) o diaacutelogo material ou substantivo ocorre

quando haacute o comprometimento e engajamento de todos os participantes na busca de uma

soluccedilatildeo harmoniosa que conteraacute tanto a interpretaccedilatildeo do Tribunal relativa a uma questatildeo

constitucional como o interesse do legislador

Ou seja no desenvolvimento do diaacutelogo em seu sentido material haacute a

conciliaccedilatildeo entre a interpretaccedilatildeo judicial e os interesses do legislador buscando o Tribunal

articular as falhas da legislaccedilatildeo e o legislador a incluir nas suas iniciativas a interpretaccedilatildeo

do Tribunal buscando soluccedilotildees para alcanccedilar o seu objetivo agrave luz dessa interpretaccedilatildeo

Jaacute o diaacutelogo no sentido formal ocorre quando a atuaccedilatildeo legislativa

pouco ou nada acrescenta ao resultado final servindo apenas para ldquocarimbarrdquo a decisatildeo

34

judicial ou seja quando haacute a total deferecircncia do Legislativo agrave decisatildeo judicial

Tremblay (2005) tambeacutem em importante anaacutelise sobre o tema ao tratar

dos limites da teoria dos diaacutelogos institucionais apesar de natildeo negar a possibilidade da sua

concretizaccedilatildeo praacutetica introduz duas concepccedilotildees geneacutericas de diaacutelogos os de conversaccedilatildeo e

os de deliberaccedilatildeo

Para o Autor os diaacutelogos pautados em uma conversaccedilatildeo satildeo em

siacutentese aqueles que ocorrem de uma maneira mais informal e espontacircnea no qual haacute uma

troca de ideias sentimentos ou opiniotildees sem um comprometimento das partes com um

entendimento em comum um aprendizado ou descoberta de novas perspectivas natildeo haacute

pois um empenho na argumentaccedilatildeo ou um debate forte Seria de certa forma como um

diaacutelogo entre amigos apoacutes uma refeiccedilatildeo

Em contrapartida a concepccedilatildeo deliberativa de diaacutelogo consiste em

praacutetica semelhante agrave conversaccedilatildeo pois tambeacutem haacute troca de ideias sentimentos e opiniotildees

entre duas ou mais pessoas poreacutem de maneira mais formal e menos espontacircnea Na

deliberaccedilatildeo as partes possuem um mesmo propoacutesito buscam por intermeacutedio da troca de

argumentos e ideias a resoluccedilatildeo coletiva de conflitos ou problemas

Sendo assim o diaacutelogo pautado na conversaccedilatildeo consistiria em um

diaacutelogo meramente formal o qual segundo alguns autores natildeo deve ser considerado como

uma forma efetiva de diaacutelogo eis que natildeo haacute uma verdadeira inteiraccedilatildeo entre os poderes mas

tatildeo somente uma possibilidade de resposta de um ao outro

Desta forma pode-se inferir que para que haja a verdadeira

concretizaccedilatildeo dos objetivos propostos pela teoria do diaacutelogo institucional a simples

formulaccedilatildeo pautada em um diaacutelogo formal natildeo seria suficiente fazendo-se necessaacuteria a

ocorrecircncia de uma deliberaccedilatildeo concreta entre os poderes uma verdadeira deliberaccedilatildeo a fim

de chegar a consenso no que tange a interpretaccedilatildeo constitucional

Neste estudo natildeo se despreza nenhuma dessas concepccedilotildees de diaacutelogo

ao contraacuterio busca-se demonstrar justamente aquelas praacuteticas que mais se coadunam com a

concepccedilatildeo de um diaacutelogo material poreacutem tambeacutem ressaltando os benefiacutecios daquelas que

consistam apenas uma vertente formal

Feita essa diferenciaccedilatildeo passa-se a expor de maneira mais especiacutefica

35

as teorias dialoacutegicas e suas manifestaccedilotildees praacuteticas Utilizar-se-aacute didaticamente a

sistematizaccedilatildeo das teorias feita por Christine Bateup sobretudo no que tange a classificaccedilatildeo

das mesmas jaacute que nosso objetivo eacute tentar abordar o maior nuacutemero possiacutevel de teorias e

praacuteticas

A exposiccedilatildeo inicia-se pela anaacutelise da praacutetica sugerida pela doutrina

como dialoacutegica em paiacuteses que possuem um controle de constitucionalidade forte ou seja

inicialmente formulado com base em uma supremacia do Judiciaacuterio na tarefa de revisatildeo

judicial das leis

Apoacutes o que seraacute mencionado a praacutetica dialoacutegica nos paiacuteses que adotam

um controle fraco de constitucionalidade onde a ideia de diaacutelogo a priori eacute mais evidente

pelo fato do proacuteprio modelo constitucional prever mecanismos voltados para esse fim

8 Teorias dialoacutegicas fundadas no meacutetodo judicial

As teorias fundadas no meacutetodo judicial satildeo aquelas que defendem que

o diaacutelogo deve ocorrer dentro da decisatildeo judicial Tecircm como elemento central a defesa do

uso consciente pelo Judiciaacuterio de teacutecnicas de tomada de decisotildees que estimulem e incentivem

o debate mais amplo sobre o significado constitucional com - e entre - os poderes poliacuteticos

Para a praacutetica dessa modalidade de diaacutelogo natildeo haacute a exigecircncia da

existecircncia de mecanismos formais de relaccedilatildeo institucional eis que o diaacutelogo se estabelece

natildeo pela observaccedilatildeo de um preceito especiacutefico preacutevio mas pela simples interaccedilatildeo entre os

distintos ramos do Poder por essa razatildeo eacute possiacutevel encontrar os maiores exemplos desse

tipo de diaacutelogo em sistemas de jurisdiccedilatildeo constitucional centrados na supremacia judicial

conforme se leraacute a seguir

Bateup subdivide essas formas de diaacutelogo em duas categorias as

denominadas de aconselhamento judicial (judicial advice- giving) e as teorias centradas no

processo (process centered rules)

Antes de se tratado cada categoria em especiacutefico necessaacuterio destacar

mais uma vez que o foco neste caso estaacute em buscar exemplos da manifestaccedilatildeo dessa teoria

na jurisdiccedilatildeo constitucional de paiacuteses que adotam um modelo de revisatildeo judicial inspirado

no tradicional modelo norte americano justamente para tentar verificar se neles tambeacutem haacute

36

uma possibilidade de diaacutelogo jaacute que adotam um sistema forte de controle de

constitucionalidade sugerindo o que alguns autores chamam de ldquoenfraquecimento do

controle de constitucionalidaderdquo e fazer o contraponto com a forma de diaacutelogo estabelecida

em jurisdiccedilotildees constitucionais que adotam o weak judicial review para verificar onde se

assemelham e onde se distanciam

Reassalte-se ainda que o objetivo natildeo eacute exaurir todas as questotildees e

pormenores praacuteticos e teoacutericos dos exemplos que seratildeo dados a seguir mas tatildeo somente

abordar as questotildees referentes ao potencial dialoacutegico dos institutos juriacutedicos mencionados

que eacute o que interessa para o alcance do objetivo do presente trabalho

81 Aconselhamento judicial

As teacutecnicas de aconselhamento judicial consistem em formas proativas

de interpretaccedilatildeo constitucional e construccedilatildeo de decisotildees que o Judiciaacuterio recomendan o curso

de accedilatildeo do Poder Legislativo e busca aconselhaacute-lo com o obejtivo de evitar futuros

problemas constitucionais

O uso dessas teacutecnicas visa assegurar que os ramos poliacuteticos visualizem

e entendam a interpretaccedilatildeo constitucional feita pelo Judiciaacuterio para que com isso elaborem

a legislaccedilatildeo de acordo com a mesma ou ainda alterem a legislaccedilatildeo em vigor para evitar

discrepacircncias (BATEUP 2005 p17)

Por natildeo existir uma forma predeterminada para promoccedilatildeo do

aconselhamento judicial nem a necessidade de previsatildeo de um mecanismo especiacutefico para

tanto ele se traduz na praacutetica de inuacutemeras formas Sendo assim natildeo haacute como enumerar todas

as suas possibilidades praacuteticas de forma exaustiva razatildeo pela qual foram selecionadas as

mais importantes e evidentes

811 Constitutional road maps

A doutrina americana reporta-se agraves decisotildees judiciais denominadas de

constitutional road maps mediante as quais o Judiciaacuterio pronuncia a inconstitucionalidade de

uma lei mas ao mesmo tempo aponta os caminhos possiacuteveis a serem seguidos pelo

Legislativo para a correccedilatildeo da incompatibilidade

37

Essa teacutecnica foi utilizada pela Suprema Corte Americana no

julgamento do caso City of Chicago v Morales37 no qual foi analisada a constitucionalidade

da Chicagoacutes gang-loitering law lei que impedia a congregaccedilatildeo puacuteblica de membros de

gangues e seus associados

A lei foi considerada inconstitucional por ser vaga e violar o devido

processo legal poreacutem apesar de declarara inconstitucionalidade a Suprema Corte proferiu

decisatildeo esboccedilando de forma detalhada as alternativas legais com potencial para sobreviver

ao escrutiacutenio judicial

As diretrizes para a elaboraccedilatildeo de um estatuto legal em consonacircncia

com a Constituiccedilatildeo foram traccediladas no voto da Juiacuteza Sandra OrsquoConnor as quais em sua

maioria foram seguidas pelo Legislativo na elaboraccedilatildeo do novo diploma legal

aproximadamente trecircs anos depois razatildeo pela qual a decisatildeo eacute apontada pela doutrina como

fruto de diaacutelogo

Apesar de neste caso a decisatildeo da Suprema Corte ter servido de diretriz

para a elaboraccedilatildeo de um novo diploma legal nem sempre eacute o que ocorre A teacutecnica do

constitutional road map eacute alvo de muitas criacuteticas sendo considerada uma das teacutecnicas mais

radicais e perigosas de incentivo poacutes-invalidaccedilatildeo da lei pois ao derrubar a legislaccedilatildeo em

anaacutelise o Judiciaacuterio oferece um roteiro a ser seguido pelo Legislativo para criar um estatuto

legal que seja constitucional (LUNA 2001)

812 Sentenccedilas intermedias (declaraccedilotildees de mera incompatibilidade

e sentenccedilas apelativas)

No acircmbito europeu em especial no Direito alematildeo existem alguns

tipos de sentenccedilas oriundas do controle de constitucionalidade que satildeo consideradas como

teacutecnicas dialoacutegicas sob o ponto de vista das teorias fundadas no meacutetodo judicial Essas

sentenccedilas fazem parte do grupo das chamadas ldquosentenccedilas intermediasrdquo ou ldquosentenccedilas

37 Oportuno se faz esclarecer que natildeo se adentra nas questotildees faacuteticas do caso nem no meacuterito da decisatildeo por

fugir ao escopo do presente trabalho poreacutem a decisatildeo pode ser consultada na iacutentegra em

httpssupremejustiacomcasesfederalus52741casehtml

38

normativasrdquo38 as quais satildeo decisotildees judiciais que se situam entre o considerar e o natildeo

considerar a inconstitucionalidade de uma norma e nos casos em que eacute admissiacutevel entre

rejeitar a norma considerada inconstitucional e concomitantemente expulsaacute-la do

ordenamento juriacutedico e natildeo considerar constitucional e mantecirc-la (URBANO 2012 p 87)39

Apesar de natildeo nos interessar a anaacutelise de todos os diversos tipos de

sentenccedilas intermedias eacute oportuno destacar que as mesmas satildeo uma produccedilatildeo recente da

jurisdiccedilatildeo constitucional dos paiacuteses europeus que adotaram o modelo autriacuteaco de controle

de consitucionalidade ou seja um controle concentradoabstrato realizado por um Tribunal

criado para esse fim especiacutefico e que revelam que a idealizaccedilatildeo de Kelsen de criaccedilatildeo de um

oacutergatildeo que atue como legislador negativo vem sendo ultrapassada agrave medida que os Tribunais

Constitucionais natildeo mais se limitam meramente a decidir pela constitucionalidade ou natildeo de

uma norma sobretudo pela evidente complexidade dos problemas constitucionais que

exigem decisotildees mais elaboradas que o esquema ldquoconstitucional v inconstitucionalrdquo

Pois bem O primeiro tipo de sentenccedila dentro desse universo que pode

ser considerada como uma teacutecnica dialoacutegica eacute a chamada ldquodeclaraccedilatildeo de mera

incompatibilidaderdquo originaacuteria da jurisprudecircncia alematilde Consiste em uma decisatildeo do

Tribunal Constitucional onde natildeo haacute a anulaccedilatildeo da lei mas apenas a declaraccedilatildeo de que a

mesma eacute incompatiacutevel com a constituiccedilatildeo e a sua consequente suspensatildeo ateacute que o

Legislativo efetue a correccedilatildeo da norma a fim de tornaacute-la constitucional

Ou seja o Tribunal reconhece a inconstitucionalidade da norma poreacutem

sem declarar a sua nulidade mantendo-a no ordenamento juriacutedico mas suspendendo a sua

aplicaccedilatildeo Com isso de acordo com os defensores dessa praacutetica o Judiciaacuterio estaria

permitindo ao Legislativo a correccedilatildeo da legislaccedilatildeo a tempo de evitar um vaacutecuo legislativo

(QUEIROZ 2012)

Essa praacutetica tem sido muito utilizada pelo Tribunal Constitucional

Alematildeo nos casos em que ldquoa declaraccedilatildeo de nulidade haveria de produzir uma situaccedilatildeo

juriacutedica insuportaacutevelrdquo especialmente nas seguintes situaccedilotildees a) quando o juiz reconhece

que o legislador natildeo tinha outra alternativa dado o contexto histoacuterico existente b) quando a

38 Natildeo haacute um consenso na doutrina a respeito da denominaccedilatildeo desses tipos de decisatildeo aqui se optou por utilizar

essas duas nomenclaturas por serem amplamente difundidas e utilizadas pelos doutrinados portugueses e

brasileiros respectivamente

39 No contexto brasileiro essas decisotildees satildeo conhecidas como sentenccedilas interpretativas ou intermediaacuterias

39

inconstitucionalidade natildeo eacute evidente designadamente por motivos de seguranccedila c) quando

a ausecircncia da norma inconstitucional eacute menos adequada que a sua manutenccedilatildeo d) quando

estatildeo em causa disciplinas discriminatoacuterias (URBANO 2012 p 81-82)

Mendes (1990) destaca que essa teacutecnica decisoacuteria eacute utilizada pelo

Tribunal Constitucional alematildeo principalmente nos casos em que estaacute em jogo o princiacutepio

da isonomia quando uma lei injustificadamente confere benefiacutecios a um determinado

nuacutemero de pessoas ou grupos sociais deixando de englobar outros setores caracterizando

assim uma situaccedilatildeo singular complexa que natildeo pode ser resolvida com a simples declaraccedilatildeo

de inconstitucionalidade da lei

Outra importante figura tambeacutem originaacuteria do direito alematildeo mas hoje

tambeacutem muito presente no Direto italiano satildeo as ldquosentenccedilas apelativas ou exortativasrdquo

Nesse tipo de sentenccedila o Tribunal Constitucional natildeo considera a lei inconstitucional no

momento em que profere a decisatildeo entretanto alerta o Legislativo para a possibilidade de

uma futura inconstitucionalidade e diante disso dirige-lhe um apelo para que modificaccedilatildeo

a legislaccedilatildeo a fim de adequaacute-la a Lei Maior

Esse apelo visa sobretudo evitar uma futura inconstitucionalidade e

com base nessa justificativa o Tribunal oferece ao legislador com maior ou menor

determinaccedilatildeo e exigecircncia possibilidades orientaccedilotildees para a reparaccedilatildeo da norma em tempo

uacutetil fixando em alguns casos um prazo para tanto (URBANO 2012a)

Diferem das decisotildees de mera incompatibilidade pois nessas a norma jaacute

foi considerada inconstitucional cabendo ao legislador proceder a imediata adequaccedilatildeo para

sanar a inconstitucionalidade enquanto que nas sentenccedilas apelativas a violaccedilatildeo ao texto

constitucional ainda natildeo foi consumada ou ainda natildeo haacute certeza sobre a sua ocorrecircncia

(SILVA 2008)

A doutrina italiana tem maioritariamente fundamentado a utilizaccedilatildeo

desse tipo de decisatildeo em um chamado constitucionalismo cooperativo italiano equivalente

a dizer que o Tribunal Constitucional quando confrontado com a ineacutercia do poder poliacutetico

tem desempenhado uma funccedilatildeo propulsora dos valores constitucionais (SILVA 2008

p1119)

O que essas decisotildees possuem em comum entre si e tambeacutem com a

primeira figura aqui mencionada do constitutional road map eacute o fato de conterem em seu

40

corpo em menor ou maior grau orientaccedilotildees para a atividade legislativa visando sanar ou

evitar questotildees de inconstitucionalidade

Na visatildeo de Gomes Canotilho (2003 p 1018) esses tipos de decisotildees

satildeo altamente criticaacuteveis pois ldquoa natildeo atribuiccedilatildeo dos efeitos da nulidade ipso jure natildeo pode

implicar a sobrevivecircncia e aplicaccedilatildeo da norma considerada inconstitucional nem os

laquoperigosraquo das lacunas legislativas se podem sobrepor aos perigos da erosatildeo do princiacutepio da

constitucionalidade dos actos normativosrdquo

82 Teorias centradas no processo

Apesar de ser classificada por Bateup como uma forma de diaacutelogo que

emana de uma decisatildeo judicial pode-se dizer que eacute o contraponto do meacutetodo do

aconselhamento judicial pois ao inveacutes de defender a postura provocadora do Judiciaacuterio agrave

reposta legislativa como centro do diaacutelogo preconiza justamente o contraacuterio uma atuaccedilatildeo

contida dos Tribunais de forma a deixar um maior espaccedilo para a atuaccedilatildeo legislativa

De acordo com esse grupo de teorias o Judiciaacuterio natildeo deve apontar o

caminho a ser seguido pelo Legislativo criando diretrizes ou dando orientaccedilotildees eacute uma

atividade que natildeo lhe compete mas deve possibilitar um ldquosegundo olharrdquo para a questatildeo

821 Minimalismo judicial

A teoria do minimalismo judicial tem se desenvolvido principalmente

no contexto norte americano onde os precedente judiciais possuem muita forccedila normativa

Ela pretende a afirmaccedilatildeo do priciacutepio democraacutetico por meio da limitiaccedilatildeo da atuaccedilatildeo judicial

no processo de tomada de decisotildees que envolvam principalmente a fixaccedilatildeo do conteuacutedo de

direitos fundamentais em temas sensiacuteveis da vida social como questotildees relacionadas ao

aborto casamento de homossexuais dentre outras

O atual exponente defensor dessa teoria eacute o americano Cass R Sustein

que propotildee uma limitaccedilatildeo da atuaccedilatildeo jurisdicional das Cortes as quais natildeo devem decidir

questotildees que extrapolem o caso concreto que estaacute em analise visando um ldquouso construtivo

do silecircnciordquo

Ou seja o Judiciaacuterio natildeo deve tomar decisotildees abrangentes de forma

41

que enclausurem a discussatildeo para sempre mas sim deve restringir-se agraves questotildees daquele

caso concreto permitindo que a discussatildeo profunda e geneacuterica do tema ocorra no acircmbito do

oacutergatildeo legislativo o qual possui legimitidade democraacutetica para tanto

Dessa forma o minimalismo em sua forma processual consiste em um

esforccedilo para limitar a amplitude e profundidade das decisotildees judiciais quando os juiacutezes

carecem e sabem que carecem de informaccedilotildees relevantes o minimalismo eacute uma forma de

resposta apropriada razoaacutevel e ateacute mesmo inevitaacutevel para resolver o problema praacutetico de

obter o consenso dentro de uma sociedade heterogecircna (SUSTEIN 1999 p 5)

Bickel (1962) tambeacutem um importante nome dos defensores da

contenccedilatildeo da atuaccedilatildeo judicial ao falar sobre o exerciacutecio pela Suprema Corte do que

denomina de ldquovirtudes passivasrdquo faz referecircncia agrave diversas ldquoteacutecnicas de natildeo decisatildeordquo

existentes no processo norte americano mediante as quais pode a Suprema Corte se abster

de emitir opiniatildeo como por exemplo political question ripness standing mootness dentre

outras

Acrescenta que a Suprema Corte natildeo tem a obrigaccedilatildeo de decidir todo o

tempo e que se assim o fosse poderia levar a um processo manipulativa da democracia

fazendo com que a Corte simplesmente substituisse o legislative impedindo o exerciacutecio do

seu juiacutezo de conveniecircncia tornando-se um second guesser (BICKEL 1962 p200)

Sob o ponto de vista dialoacutegico na contenccedilatildeo da atuaccedilatildeo judicial o cerne

do diaacutelogo estaacute justamente na possibilidade de o legislador lanccedilar um novo olhar para um

tema que possivelmente foi tratado de forma apressada ou sem a profundidade necessaacuteria

aumentando assim a responsabilidade do Legislativo no exerciacutecio da sua atividade tomando

decisotildees poliacuteticas e elaborando normas com niacuteveis adequados de cuidado e deliberaccedilatildeo

(BATEUP 2005)

Nesse mesmo sentido Bickel (1962 p 70-71) em clara referecircncia agraves

teorias do diaacutelogo afirma que ao evitar decidir a Corte estimula o coloacutequio com os outros

poderes e a sociedade O minimalismo judicial seria portanto uma forma de participaccedilatildeo

passiva do Judiciaacuterio no diaacutelogo constitucional permitindo que os juiacutezes abram o diaacutelogo

com os poderes poliacuteticos a fim de incentivar a resoluccedilatildeo poliacutetica das questotildees constitucionais

que satildeo alvo de conflito

42

822 Modulaccedilatildeo temporal dos efeitos da declaraccedilatildeo de

inconstitucionalidade

A possibilidade de modulaccedilatildeo dos efeitos da decisatildeo pelo Tribunal em

sede de controle de constitucionalidade na perspectiva das teorias fundadas no meacutetodo

judicial tambeacutem pode ser considerada como um mecanismo dialoacutegico sob o ponto de vista

das teorias do meacutetodo judicial centradas no processo eis que possibilita a resposta

legislativa entretanto de forma menos agressiva que as outras teacutecnicas explanadas acima

Essa possibilidade eacute prevista expressamente no Direito Portuguecircs Os

efeitos e o alcance das decisotildees do Tribunal Constitucional em sede do controle abstrato de

constitucionalidade estatildeo previstos no n 1 e n 2 do artigo 282 da Constituiccedilatildeo Portuguesa

os quais determinam respectivamente que ldquoA declaraccedilatildeo de inconstitucionalidade ou de

ilegalidade com forccedila obrigatoacuteria geral produz efeitos desde a entrada em vigor da norma

declarada inconstitucional ou ilegal e determina a repristinaccedilatildeo das normas que ela

eventualmente haja revogadordquo ldquoTratando-se poreacutem de inconstitucionalidade ou de

ilegalidade por infraccedilatildeo de norma constitucional ou legal posterior a declaraccedilatildeo soacute produz

efeitos desde a entrada em vigor desta uacuteltimardquo

Todavia o n 4 do referido artigo traz expressamente a possibilidade de

fixaccedilatildeo dos efeitos da decisatildeo pelo Tribunal de forma fundamentada quando a seguranccedila

juriacutedica razotildees de equidade ou interesse puacuteblico de excepcional relevo o exigir Os efeitos

podem ser fixados de diversas formas poreacutem a que nos interessa no presente trabalho eacute a de

fixaccedilatildeo dos efeitos para o futuro

De acordo com a possibilidade de modulaccedilatildeo dos efeitos da declaraccedilatildeo

de inconstitucionalidade pode o Tribunal Constitucional declarar a inconstitucionalidade de

uma lei mas condicionar a sua nulidade a um determinado transcurso de tempo ou seja

determinar a sua nulidade pro futuro fixando um prazo determinado para que ela deixe de

produzir efeitos de ser aplicada possibilitando assim ao legislador a correccedilatildeo do estatuto e

evitando o vaacutecuo legislativo

Inspirado na Constituiccedilatildeo Portuguesa o Brasil atraveacutes do artigo 27 da

Lei 886899 de 10 de novembro passou tambeacutem a regulamentar possibilidade da

modulaccedilatildeo temporal das decisotildees proferidas no julgamento de accedilatildeo direta de

inconstitucionalidade e de accedilatildeo declaratoacuteria de constitucionalidade

43

A referida lei passou a facultar ao Supremo Tribunal Federal no

exerciacutecio do controle abstrato de constitucionalidade modular os efeitos da decisatildeo por

razotildees de seguranccedila juriacutedica ou de excepcional interesse social Todavia atualmente essa

modulaccedilatildeo se estende tambeacutem ao controle difuso conforme se leraacute

A decisatildeo proferida pelo Superior Tribunal Federal no ano de 2004 no

julgamento do caso Mira Estrela eacute tida como paradigmaacutetica40 por ter sido aplicado o artigo

27 da Lei 886899 no controle de constitucionalidade de um caso concreto A declaraccedilatildeo da

inconstitucionalidade se deu no acircmbito do julgamento do Recurso Extraordinaacuterio 197917-

8 de accedilatildeo civil puacuteblica proposta pelo Ministeacuterio Puacuteblico do Estado de Satildeo Paulo visando a

diminuiccedilatildeo do nuacutemero de vereadores do municiacutepio de Mira Estrela alegando que o mesmo

natildeo era proporcional ao nuacutemero de habitantes ainda que estivesse dentro do limite

constitucional41

O Supremo concordou com a desproporcionalidade e em face disso

declarou a inconstitucionalidade da referida norma todavia modulou os efeitos da decisatildeo

pro futuro para salvaguardar os mandatos dos vereadores jaacute eleitos e a validade dos

respectivos atos administrativos por eles praticados evitando assim consequecircncias

desastrosas para a administraccedilatildeo puacuteblica Fundamentou a necessidade da modulaccedilatildeo dos

efeitos na proteccedilatildeo da Seguranccedila Juriacutedica

Em que pese essa ser uma teacutecnica menos agressiva que as anteriores

vez que o Judiciaacuterio ao menos em tese apenas possibilita uma reaccedilatildeo legislativa a sua

decisatildeo sem lhe estipular diretrizes e com isso adentrar em sua liberdade de conformaccedilatildeo

na praacutetica tambeacutem natildeo haacute como garantir que haveraacute a reaccedilatildeo legislativa e eacute nisso que reside

a maioria das criacuteticas a todas esses mecanismos ditos dialoacutegicos conforme se veraacute mais

adiante

40 RE 197917-8SP Iacutentegra da decisatildeo disponiacutevel em

httpredirstfjusbrpaginadorpubpaginadorjspdocTP=ACampdocID=235847 41 A Lei Orgacircnica do municiacutepio de Mira Estrela estabelecia em 11 o nuacutemero de vereadores os quais estavam

dentro dos limites impostos no artigo 29 da Constituiccedilatildeo Federal estabelecido conforme o nuacutemero de

habitantes

44

823 Accedilatildeo de inconstitucionalidade por omissatildeo legislativa

O modelo de controle de constitucionalidade portuguecircs prevecirc

expressamente a possibilidade do controle das omissotildees legislativas por intermeacutedio da

disposiccedilatildeo contida no artigo 283 da Constituiccedilatildeo Federal 42

Inspirado no instituto portuguecircs o Brasil tambeacutem trouxe em sua

Constituiccedilatildeo Federal de 1988 a expressa previsatildeo da possibilidade do controle de

constitucionalidade das omissotildees legislativas (paraacutegrafo 2ordm do artigo 103) poreacutem criou

ainda uma nova figura especifica para esse fim o mandado de injunccedilatildeo (inciso LXXI do

artigo 5ordm)

Em ambos os sistemas uma omissatildeo legislativa eacute considerada

inconstitucional quando o legislador natildeo cumpre com aquilo que estava constitucionalmente

obrigado ou seja quando a sua omissatildeo prejudica a exequibilidade de alguma norma

constitucional Para que a omissatildeo ganhe significado relevante deve ter conexatildeo com uma

exigecircncia constitucional de accedilatildeo natildeo bastando a violaccedilatildeo do simples dever legal de legislar

(CANOTILHO2003)

Miranda (2008) destaca que a omissatildeo pode ser total ou parcial

quando por exemplo existe a norma mas ela eacute insuficiente ou deficiente43 e que o juiacutezo da

inconstitucionalidade por omissatildeo traduz-se num juiacutezo sobre o tempo em que deveria ser

produzida a lei devendo o Judiciaacuterio sem substituir ao oacutergatildeo legislador medir e interpretar

o tempo decorrido para a elaboraccedilatildeo da lei44

42 Neste sentido ver o que Tushnet diz sobre esse tipo de concepccedilatildeo de diaacutelogo em TUSHNET Mark Dialogue

and Constitutional Duty Havard Law School Public Law amp Legal Theory Working Paper Series paper nordm 12-

10 p 4-9

43 ldquoA inconstitucionalidade por omissatildeo natildeo surge apena por carecircncia de medidas legislativas surge tambeacutem

por deficiecircncia delas Mas isto natildeo significa que perante um projecto ou uma proposta de lei com vista ao

cumprimento de determinada norma constitucional tenha de se proceder agrave sua anaacutelise para discernir se o

sentido de seus preceitos se enquadra ou natildeo no sentido de Constituiccedilatildeo De jeito algum cabe ao oacutergatildeo de

fiscalizaccedilatildeo da inconstitucionalidade por omissatildeo debruccedilar-se a esse tiacutetulo sobre o conteuacutedo de qualquer acto

de iniciativa legislativardquo (MIRANDA 2008 p 325)

44ldquoA ausecircncia ou a insuficiecircncia da norma legal natildeo pode ser separada de determinado tempo histoacuterico

assinalado pela necessidade de produccedilatildeo legislativa e cuja duraccedilatildeo maior o menor ou seraacute prefixada pela

proacutepria Constituiccedilatildeo ou depende da natureza das coisas (ou seja da natureza da norma constitucional natildeo

exequiacutevel por si mesma confrontada com as situaccedilotildees da vida inclusive situaccedilatildeo que agrave sua margem esteja

por acccedilatildeo o legislador ordinaacuterio a criar)rdquo (MIRANDA 2008 p 322)

45

A accedilatildeo de inconstitucionalidade por omissatildeo prevista no ordenamento

portuguecircs e brasileiro constitui portanto um meio atraveacutes do qual o Judiciaacuterio controla a

ineacutercia legislativa declarando a inconstitucionalidade da sua ineacutercia e solicitando a tomada

de providecircncias Pode-se dizer que seus efeitos praacuteticos assemelham-se agraves sentenccedilas

apelativas da Alemanha e Itaacutelia todavia nesse instituto a decisatildeo do Judiciaacuterio tem efeito

meramente declaratoacuterio dando conhecimento ao Legislativo da sua omissatildeo e enfatizando a

necessidade de atuaccedilatildeo sem traccedilar qualquer diretriz para tanto45

Desta forma a sentenccedila proferida no controle de constitucionalidade da

omissatildeo legislativa por meio da accedilatildeo declaratoacuteria de inconstitucionalidade por omissatildeo

possui um caraacuteter apelativo eis que objetiva chamar a atenccedilatildeo do legislador para a

necessidade de elaboraccedilatildeo da lei necessaacuteria a concretizar determinada norma constitucional

Assim sob a perspectiva das teorias dialoacutegicas centradas no processo pode ser considerada

como um mecanismo propulsor de interaccedilatildeo entre os poderes no seio da jurisdiccedilatildeo

constitucional

83 Criacuteticas agraves teorias dialoacutegicas fundadas no meacutetodo judicial

Todas essas teacutecnicas de decisatildeo judicial que visam possibilitar uma

resposta do Legislativo por meio de uma decisatildeo judicial embora diferentes em alguns

aspectos possuem um ponto determinante em comum privilegiam a interpretaccedilatildeo do

Judiciaacuterio

Sob o ponto de vista da dificuldade da legitimidade democraacutetica da

revisatildeo judicial portanto essas teorias natildeo seriam suficientes para solucionar as questotildees

eis que o Judiciaacuterio continuaria na praacutetica ainda sendo o detentor da uacuteltima palavra na

resoluccedilatildeo dos conflitos constitucionais

Nessa perspectiva natildeo se verifica uma efetiva deliberaccedilatildeo conjunta

entre Judiciaacuterio e Legislativo na tomada de decisatildeo O que ocorre eacute apenas que o Judiciaacuterio

mediante a adoccedilatildeo de estrateacutegias especiacuteficas busca acionar ou estimular a atuaccedilatildeo

45 Esclarece-se que a aplicabilidade da accedilatildeo de inconstitucionalidade por omissatildeo possui alguns aspectos

controvertidos poreacutem como jaacute dito natildeo constitui nosso objetivo tratar todas as questotildees controvertidas de

cada instituto aqui mencionado mas apenas identifica-los como mecanismos potencialmente dialoacutegicos de

acordo com as teorias

46

legislativa Portanto pode-se concluir que essas teorias se consubstanciam na praacutetica em um

diaacutelogo formal e natildeo material o que jaacute seria um alvo suficiente para criacutetica

Ademais o fato de privilegiarem claramente o ponto de vista judicial

podem acabar permitindo de certa forma que o Judiciaacuterio adentre o acircmbito de atuaccedilatildeo

legislativa sobretudo nas teacutecnicas de aconselhamento judicial

Ainda que se possa considerar que a decisatildeo judicial nesses casos

apenas fornece diretrizes para a atuaccedilatildeo legislativa natildeo haacute como negar que pode acabar

condicionando a sua atuaccedilatildeo restando-lhe apenas acatar o que foi direcionado pelo

Judiciaacuterio o que do ponto de vista dialoacutegico natildeo parece o ideal

Mesmo nos mecanismos mais brandos que os de aconselhamento

judicial onde haacute uma interferecircncia direta do Judiciaacuterio na conformaccedilatildeo legislativa eacute inegaacutevel

que haacute ainda alguma intromissatildeo mesmo que em menor escala ou de forma indireta

Haacute de se destacar tambeacutem a falta de previsibilidade das orientaccedilotildees do

Tribunal e a sua potencialidade enganosa para o Legislador suscitada por Carlos Blanco de

Morais (2014 p 726) ao analisar um recente julgado do Tribunal Constitucional Portuguecircs

no contexto da crise econocircmica

O renomado constitucionalista observa que no Acoacuterdatildeo nordm 1872013 o

Tribunal Constitucional46 ao declarar a inconstitucionalidade da norma da Lei de Orccedilamento

do Estado relativa a tributaccedilatildeo dos subsiacutedios de desemprego e doenccedila agrave luz do princiacutepio da

existecircncia condigna (artigo 2ordm da CRP) fixou orientaccedilatildeo ao legislador no sentido de que no

proacuteximo ano a Lei orccedilamentaacuteria ao tratar da mateacuteria trouxesse uma claacuteusula de salvaguarda

impedindo a tributaccedilatildeo das respectivas prestaccedilotildees de desemprego e doenccedila de forma

prejudicial a garantia dos seus valores miacutenimos

O legislador na elaboraccedilatildeo da Lei Orccedilamentaacuteria do ano de 2014 seguiu

a orientaccedilatildeo do Tribunal todavia ao analisar a constitucionalidade da nova lei o mesmo

Tribunal que havia ditado aquela orientaccedilatildeo no Acoacuterdatildeo nordm 413201447 julgou a claacuteusula

insuficiente e violadora do princiacutepio da razoabilidade

46 Iacutentegra da decisatildeo disponiacutevel em httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20130187html 47 Iacutentegra da decisatildeo disponiacutevel em httpwwwtribunalconstitucionalpttcacordaos20140413html

47

Blanco de Moraes com base nesse caso concreto destaca o perigo das

orientaccedilotildees perpetradas pelo Judiciaacuterio que podem servir de ldquoemboscadardquo para o legislador

O fato eacute que ainda que o Legislativo siga as orientaccedilotildees do Tribunal natildeo haacute garantia da

constitucionalidade do novo diploma o que pode acabar resultando em um reforccedilo da

postura ativista do Judiciaacuterio que interfere no acircmbito da liberdade de conformaccedilatildeo legislativa

ditando orientaccedilotildees que nem ele mesmo segue posteriormente

Dito isto evidencia-se que assim como a atitude do Judiciaacuterio pode

incentivar e encorajar um debate resultando na criaccedilatildeo de um novo diploma sem viacutecio o

que seria beneacutefico tambeacutem pode acabar resultando em um sequestro do processo legislativo

dando super poderes ao Judiciaacuterio que tanto pode anular como reformar um estatuto legal

(LUNA 2001)

Bateup sintetiza a criacutetica afirmando que a praacutetica do aconselhamento

judicial simplesmente encoraja os ramos poliacuteticos a fazer o que o Judiciaacuterio diz e que na

realidade o aconselhamento seria um aviso de que a legislaccedilatildeo natildeo satisfaz seus

entendimentos constitucionais e que embora ainda natildeo tenha sido derrubada seraacute assim no

futuro caso o Legislativo natildeo a adeque ao entendimento do Tribunal

Outro ponto importante que se verifica em ambas as categorias das

teorias fundadas no meacutetodo judicial tanto a de aconselhamento como as centradas no

processo eacute a necessidade de que para que esses mecanismos surtam algum efeito praacutetico

deve haver uma forte vontade de colaboraccedilatildeo entre os Poderes O Judiciaacuterio haacute de se

preocupar em avaliar a questatildeo e formular as diretrizes para a atuaccedilatildeo legislativa bem como

o Legislativo deve estar aberto ao recebimento dessas orientaccedilotildees e colocaacute-las em praacuteticas

Ou entatildeo no que diz respeito agrave teoria do minimalismo eacute necessaacuteria uma

forte consciecircncia das Cortes para concordar em conter a sua atuaccedilatildeo e ainda verificar quando

deve ou natildeo assim agir havendo o risco dessa contenccedilatildeo ocorrer em momentos inoportunos

e vice e versa

O que esse grupo de teorias revela sobretudo eacute a grande complexidade

das decisotildees judiciais no acircmbito do controle de constitucionalidade nos paiacuteses que seguem

um modelo fundado na supremacia do Judiciaacuterio ficando claro que nem sempre os

problemas constitucionais seratildeo resolvidos por meio da simples declaraccedilatildeo de

48

constitucionalidade ou inconstitucionalidade mesmo que acabem no fim resultando em um

dos dois efeitos isso pode ocorrer em diversas intensidades

Fica claro entatildeo que o Judiciaacuterio exerce um papel tambeacutem poliacutetico

precisando agir com prudecircncia tanto quanto o legislativo para que suas decisotildees sejam bem

aceitas pela sociedade e produzam os efeitos esperados (HUBNER 2008)

Dessa forma ainda que seja alvo de criacuteticas e talvez natildeo seja a melhor

forma de concretizar o diaacutelogo natildeo se pode desprezar totalmente o conteuacutedo dessas teorias

e nem seus efeitos praacuteticos pois assim como essas praacuteticas podem ser consideradas

prejudiciais do ponto de vista democraacutetico ao mesmo tempo podem ser consideradas

beneacuteficas sob a oacutetica de concretizaccedilatildeo de direitos fundamentais sobretudo em paiacuteses

subdesenvolvidos ou que enfrentam uma crise de representatividade do Poder Legislativo

pois mediante decisotildees judiciais este seraacute forccedilado a agir

Um importante caso que vem sendo apontado por diversos

doutrinadores como um sucesso na efetivaccedilatildeo de direitos fundamentais e que segue a loacutegica

dessas teorias eacute a Aacutefrica do Sul o qual passamos a explanar

9 O especial caso da Aacutefrica do Sul

O constitucionalismo Sul Africano tem recebido muita atenccedilatildeo dos

estudiosos sobretudo dos defensores das teorias dialoacutegicas em virtude das inovadoras

decisotildees que vem sendo proferidas pela Suprema Corte desse paiacutes

A implementaccedilatildeo de um Estado democraacutetico na Aacutefrica do Sul

notadamente natildeo foi um processo tranquilo tampouco paciacutefico em virtude da sua conjuntura

histoacuterica O reconhecimento da autoridade do Poder Judicial para realizar a revisatildeo das leis

natildeo foi fruto de um processo gradativo como ocorreu em outros paiacuteses mas sim uma

imposiccedilatildeo brusca e radical 48

O constitucionalismo Sul Africano pode ser dividido em duas fases a

primeira que durou de 1910 a 1994 onde a proteccedilatildeo dos direitos fundamentais cabia ao poder

poliacutetico tendo o judiciaacuterio um papel severamente limitado no controle desse processo e a

48 Ver ROUX Theunis The Politics of Principle the first South African Constitutional Court Cambridge

Cambridge University Press 2013

49

segunda fase recentemente iniciada onde a ordem social e juriacutedica baseia-se na supremacia

de uma constituiccedilatildeo imposta e protegida judicialmente (SCHYFF 2010 p 34)49

A Constituiccedilatildeo de 1996 eacute a quinta adotada pelo paiacutes e eacute exemplo mundial

de uma Constituiccedilatildeo de caraacuteter transformador - que estabelece aspiraccedilotildees entendidas como

um desafio agraves praacuteticas de longa data ndash sendo grande parte do seu texto dedicado a eliminaccedilatildeo

dos efeitos danosos do apartheid (SUSTEIN 2001)

No tocante ao modelo de judicial review adotado a Aacutefrica do Sul optou

por um modelo forte de revisatildeo reconhecendo a supremacia do Poder Judiciaacuterio para a sua

decisatildeo e sendo ele o responsaacutevel pela palavra final no tocante a interpretaccedilatildeo

constitucional Todavia a praacutetica tem revelado uma interessante atuaccedilatildeo do Tribunal no

julgamento de casos que envolvem a efetivaccedilatildeo de direitos socioeconocircmicos

Famoso exemplo eacute o julgamento do caso Grotboom50 no qual estava em

questatildeo o direito a moradia de centenas de pessoas incluindo crianccedilas que estavam

desalojadas Esse grupo de pessoas recorreu agrave Corte para requisitar com base nos artigos 26

e 28 da Constituiccedilatildeo que o Estado Sul Africano providenciasse moradia adequada para eles

A Corte ao analisar o caso agrave luz do artigo 26 que assegura o direito a

moradia entendeu que houve violaccedilatildeo ao direito constitucional dos requerentes pois o

Estado natildeo havia cumprido com o dever de efetivar progressivamente dentro dos recursos

disponiacuteveis o acesso agrave moradia adequada Destacou que embora o programa do Governo

relativo a moradia fosse razoaacutevel em vaacuterios aspectos era falho pois natildeo atendia agraves

necessidades mais urgentes natildeo prevendo soluccedilatildeo para as demandas de curto prazo

No paraacutegrafo 42 da decisatildeo a Corte enfatizou que a mera ediccedilatildeo de leis

natildeo eacute o suficiente para constituir o cumprimento do dever constitucional do Estado que este

tem a obrigaccedilatildeo de agir para alcanccedilar o resultado pretendido e as medidas legislativas

invariavelmente tecircm de ser apoiadas por poliacuteticas e programas bem dirigidos e

adequadamente implementados pelo Executivo Que as poliacuteticas e programas devem ser

49 Para um maior aprofundamento sobre o constitucionalismo Sul Africano ver COCKRELL Alfred The

South African Bill of Rights and the lsquoDuckRabbitrsquo 60 Mod L Rev 513 (1997) BOUCKAERT Peter N The

Negotiated Revolution South Africarsquos Transition to Multiracial Democracy 33 Stanford J Int L 375 (1997)

GOLDSTONE Richard J The South African Bill of Rights 32 Texas Int L J 1451 (1997)

50 Government of The Republic of South Africa and others v Grootboom and others (CCT 1100) Igraventegra da

decisatildeo disponiacutevel emlt httpwwwsafliiorgzacasesZACC200019htmlgt

50

razoaacuteveis tanto na sua concepccedilatildeo quanto na sua implementaccedilatildeo sendo a formulaccedilatildeo de um

programa apenas a primeira etapa para cumprir as obrigaccedilotildees do estado jaacute que este deve ser

razoavelmente implementado pois se assim natildeo for natildeo constituiraacute o cumprimento das

obrigaccedilotildees do Estado51

Por fim o Tribunal emitiu uma ordem declaratoacuteria que delimitou as

deficiecircncias do programa governamental e sugeriu em vez de direcionar medidas para

minimizar as falhas O documento natildeo indicou entretanto que tipo de abrigo o Governo

deveria construir deixando essa decisatildeo para o proacuteprio Estado (NGWENA 2013 p80)

Por intermeacutedio dessa decisatildeo a Corte ao mesmo tempo que reconheceu

a justiciabilidade dos direitos sociais preservou certa autonomia do Estado no que respeita

a elaboraccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas vez que natildeo determinou a exata maneira que o mesmo

deveria agir reconhecendo que essa eacute uma competecircncia que natildeo compete ao Judiciaacuterio

Esse tipo de decisatildeo pode ser visto sob o ponto de vista das teorias

dialoacutegicas fundadas no meacutetodo judicial explicadas acima Nesse sentido reforccedilando o

potencial dialoacutegico dessas decisotildees Dixon (2007) leciona que o Poder Judiciaacuterio deve

exercer um papel ativo a fim de evitar a ineacutercia dos outros poderes

Aponta que as possiacuteveis causas da ineacutercia legislativa seriam de duas

categorias os blind spots ou pontos cegos que satildeo as situaccedilotildees em que natildeo resta claro para

o Legislativo os imperativos de sua accedilatildeo reguladora como por exemplo quando natildeo

reconhecem que determinada forma de aplicaccedilatildeo de uma lei pode ser violadora de direitos

e quando a ineacutercia decorre de motivos de conveniecircncia poliacutetica quando acredita que o ocircnus

eleitoral da sua accedilatildeo pode ser maior que o da sua omissatildeo (DIXON 2007)

Nessa perspectiva de diaacutelogo proposta por Dixon cabe ao Judiciaacuterio

provocar o Legislativo por meio da decisatildeo judicial que o obrigue a elaboraccedilatildeo de poliacuteticas

puacuteblicas para garantir tanto quanto possiacutevel a maior eficaacutecia dos direitos fundamentais

51 [42] The state is required to take reasonable legislative and other measures Legislative measures by

themselves are not likely to constitute constitutional compliance Mere legislation is not enough The state is

obliged to act to achieve the intended result and the legislative measures will invariably have to be supported

by appropriate well-directed policies and programmes implemented by the executive These policies and

programmes must be reasonable both in their conception and their implementation The formulation of a

programme is only the first stage in meeting the statersquos obligations The programme must also be reasonably

implemented An otherwise reasonable programme that is not implemented reasonably will not constitute

compliance with the statersquos obligations Government of The Republic of South Africa and others v Grootboom

and others (CCT 1100)

51

sem todavia adentrar ou comprometer a sua liberdade de conformaccedilatildeo mas de forma que

retire o legislativo da sua ineacutercia

Por decisotildees como essa apesar do sistema Sul Africano ter como

caracteriacutestica a participaccedilatildeo ativa do Judiciaacuterio na efetivaccedilatildeo dos direitos fundamentais o

mesmo vem sendo apontado por alguns estudiosos das teorias do diaacutelogo como um sistema

promissor nesse sentido em virtude do enfraquecimento das decisotildees judiciais que apesar

de direcionarem a atuaccedilatildeo do Legislativo preservam a sua liberdade de escolha e atuaccedilatildeo

10 As teorias estruturais de diaacutelogo

Nessa categoria alocam-se as teorias que se baseiam no reconhecimento

de mecanismos institucionais ou poliacuteticos dentro dos sistemas constitucionais que permitam

aos atores poliacuteticos responder agraves decisotildees judiciais em caso de conflito

Ao contraacuterio das teorias do meacutetodo judicial essas natildeo tecircm como objeto

principal a construccedilatildeo da decisatildeo judicial mas sim as formas pelas quais se estabelecem as

relaccedilotildees entre as diversas estruturas do Poder de maneira que possam oferecer respostas agrave

uma decisatildeo que gere desacordo Hubner (2008 p 99) aponta que as teorias estruturais ao

contraacuterio das que se fundam no meacutetodo judicial possuem um caraacuteter exoacutegeno logo menos

dependente da postura de cada instituiccedilatildeo

Para os que defendem essas teorias o diaacutelogo surge mediante a

utilizaccedilatildeo de mecanismos de interaccedilatildeo entre juiacutezes e os outros atores poliacuteticos Esses

mecanismos satildeo encontrados no modelo do weak judicial review ou sistemas brandos de

controle de constitucionalidade os quais como jaacute dito surgiram como uma alternativa ao

modelo tradicional pautado na supremacia judicial

A maioria dessas teorias foram surgindo a partir da necessidade de

justificar e fundamentar a previsatildeo de mecanismos contidos no Bill of Rights de paiacuteses

tradicionalmente de supremacia parlamentar a fim de harmonizar este tipo de sistema com

a necessidade de proteccedilatildeo aos direitos fundamentais

De acordo com a sistematizaccedilatildeo feita por Bateup existem quatro

subcategorias de teorias estruturais as de construccedilatildeo coordenada as dos princiacutepios juriacutedicos

a do equiliacutebrio e a da parceria Importante esclarecer que apesar de termos adotado essa

52

sistematizaccedilatildeo como nosso referencial teoacuterico por acreditarmos na sua coerecircncia e

completude neste particular ousamos discordar dessa diferenciaccedilatildeo

A diferenciaccedilatildeo feita por Bateup reside basicamente nos argumentos de

que as teorias de construccedilatildeo coordenada se aplicam apenas ao contexto norte-americano as

teorias dos princiacutepios juriacutedicos reconhecem uma especial competecircncia ao Judiciaacuterio para

decidir questotildees relacionadas agrave princiacutepios juriacutedicos as do equiliacutebrio por serem neutras natildeo

reconhecem nenhuma capacidade especial a nenhum Poder e contam ainda com a

participaccedilatildeo da sociedade e as teorias da parceria

Sendo assim todas as subcategorias em que Bateup divide as teorias

estruturais de diaacutelogo enquadram-se na ideia geral da construccedilatildeo coordenada podem ateacute se

diferenciar em um ou outro aspecto mas ainda assim natildeo deixam de fazer parte desta

Dessa forma natildeo se deixaraacute de abordar as subdivisotildees propostas por

Bateup mas ao contraacuterio do que foi feito no tocante as teorias centradas no meacutetodo judicial

natildeo se mencionaraacute especicamente cada uma delas para depois dar exemplos praacuteticos mas

seratildeo feitas as devidas menccedilotildees quando da anaacutelise dos diferenres sistemas de weak judicial

review que aqui se apresenta como exemplo das teorias estruturais de diaacutelogo

Importante se faz esclarecer que essa opccedilatildeo tambeacutem reside em questotildees

didaacuteticas necessaacuterias para a melhor compreensatildeo do trabalho

10 1 Teorias de construccedilatildeo coordenada

Tratam-se de teorias que reconhecem que a identificaccedilatildeo do sentido

constitucional eacute uma tarefa a ser compartilhada entre as diversas esferas do Poder ou seja

natildeo eacute uma tarefa atribuiacuteda unicamente ao Judiciaacuterio Assim o diaacutelogo eacute algo inerente ao

princiacutepio do check and balances natildeo havendo uma uacutenica instacircncia detentora da uacutetlima

palavra

Com isso a base dessas teorias eacute o fato de que da mesma forma que o

Tribunal possui mecanismos de controle dos ramos poliacuteticos por meio da revisatildeo judicial

tambeacutem podem ser colocados controles sobre o Tribunal quando os atores poliacuteticos

estiverem em desacordo com a sua interpretaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo

53

Bateup (2005 p 33) define a teoria da construccedilatildeo coordenada como a

mais antiga concepccedilatildeo de interpretaccedilatildeo constitucional fazendo menccedilatildeo ao pensamento dos

teoacutericos americanos de James Madison e Thomas Jefferson o primeiro por ter reconhecido

que apesar das questotildees de interpretaccedilatildeo constitucional normalmente recaiacuterem sobre o

Judiciaacuterio no curso normal do Governo a Constituiccedilatildeo natildeo lhe atribui qualquer autoridade

especiacutefica perante outros braccedilos do Poder e o segundo por considerar que cada ramo do

Governo deve ser ldquocoordenado e independenterdquo possuindo todos eles responsabilidade pela

interpretaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo

No contexto norte americano um dos primeiros autores a abordar essa

teoria foi Louis Fisher que teve como principal meacuterito demonstrar mediante exemplos da

histoacuteria americana que o processo constitucional eacute mais complexo do que a simples emissatildeo

pela Corte da uacuteltima palavra A uacuteltima palavra segundo essa histoacuteria confirmaria natildeo

pertence a nenhuma instituiccedilatildeo (HUBNER 2009 p 126)

O que haacute de mais caracteriacutestico nessas teorias eacute o fato de os outros

ramos do Poder em especial o Legislativo caso natildeo concordem com a decisatildeo judicial

poderem provocar a Corte reconhecendo assim que a interpretaccedilatildeo constitucional eacute tarefa

que compete a todos os Poderes e natildeo apenas a um ramo em especiacutefico

Vaacuterios autores dentro do cenaacuterio americano passaram a tratar do

assunto inclusive em forma de criacuteticas poreacutem por questotildees didaacuteticas conforme jaacute

mencionado natildeo se limitaraacute a falar especificamente sobre cada um deles52 Todavia destaca-

se a teoria de Barry Friedman a qual Bateup subclassifica como teoria do equiliacutebiro poreacutem

aqui eacute tratada como uma teoria de construccedilatildeo coordenada pelos motivos jaacute acima expostos

A teoria de Friedman merece ser mencionada pois se diferencia das

outras tantas que se encaixam nesta categoria por considerar a importacircncia do papel ativo da

sociedade na deliberaccedilatildeo sobre direitos

Para esse Autor a Constituiccedilatildeo eacute um texto aberto e flexiacutevel que permite

52 Outros importantes nomes dessa teoria satildeo Keith Whittington e Mitchell Pickeril Destaque para a

importacircncia do trabalho deste uacuteltimo que realizou importante pesquisa empiacuterica da realidade americana de

caraacuteter revelador e agregador para a teoria da construccedilatildeo coordenada demonstrando que o diaacutelogo entre os

poderes eacute inerente ao princiacutepio do check and balances americano pelo que sugerimos a consulta PICKERILL

J Mitchell Constitutional Deliberation in Congress the impact of Judicial Review in a Separated System

Duke University Press 2004

54

diversas interpretaccedilotildees sujeitas agrave mudanccedilas constantes Assim a interpretaccedilatildeo constitucional

seria um processo de idas e vindas em que a Corte devolve o tema para a sociedade e

para outros poderes e vice-versa metaforicamente como uma partida de tecircnis na qual os

parceiros rebatem a bola um para o outro53 (FRIEDMAN 1993)

Com isso afasta a ideia de que haacute uma vontade da maioria definida a

ser representada por um dos poderes sugerindo que na realidade essa vontade sofre

constantes mutaccedilotildees54 cabendo aos ramos do Poder no processo de interpretaccedilatildeo

constitucional negociar e definir uma direccedilatildeo em meio ao pluralismo existente na

sociedade55 Reconhece o diaacutelogo institucional como fruto da separaccedilatildeo de poderes

compartilhando dos elementos da teoria da construccedilatildeo coordenada poreacutem acrescenta a eles

a vontade popular

Eacute justamente no aspecto relativo a grande importacircncia que daacute a vontade

popular que reside a principal criacutetica agrave essa teoria pois natildeo oferece alternativa agrave interaccedilatildeo

constitucional estabelecida entre o Judiciaacuterio e os poderes poliacuteticos nas questotildees de menor

importacircncia poliacutetica nas quais o diaacutelogo com toda a sociedade eacute improvaacutevel de ocorrer

(BATEUP 2006 p 69)

Seria impensaacutevel na praacutetica um sistema de jurisdiccedilatildeo constitucional

no qual os Poderes tivessem que recorrer agrave opiniatildeo popular todas as vezes que fossem

realizar a interpretaccedilatildeo de qualquer norma constitucional

Saindo do contexto norte americano outras teorias estruturais do

diaacutelogo emergiram a partir da anaacutelise dos novos modelos de jurisdiccedilatildeo constitucional

adotados por paiacuteses da Commonwealth como jaacute mencionamos no iacutencio deste trabalho Desta

forma optou-se didaticamente por tratar dessas teorias e suas respectivas especificidades no

acircmbito da exposiccedilatildeo dos sistemas e casos em concreto o que se passaraacute a fazer

53 ldquoCourts serve as societyacutes tennis partner always volleying the ball backrdquo (FRIEDMAN 1993 p669)

54 ldquoThe court is free to change its mind The people are free to disagree with the court The court is free to

disagree with the people The members of the courts are free to and usually do disagree with one another As

disagreement occurs the document will take one new meaningsrdquo (FRIEDMAN 1993 p651)

55 ldquoThis process of constitutional interpretation hardly pits the court against the people Rather the court

mediate the views of various people The process is interactive (hellip) Simply put our process of constitutional

interpretation is a dialoguerdquo (FRIEDMAN 1993 p 654)

55

1011 Os mecanismos dialoacutegicos do sistema de revisatildeo judicial

canadense e as teorias de princiacutepios juriacutedicos

Ao adotar formalmente um sistema de judicial review atribuindo ao

Judiciaacuterio a capacidade para solucionar casos concretos de incompatibilidade entre

legislaccedilatildeo e a Carta suscitados por particulares56 o Canadaacute a fim de evitar a consagraccedilatildeo de

um modelo fundado na supremacia judicial ao estilo americano que implicasse na perda do

poder do Parlamento incluiu na sua Carta mecanismos que possibilitassem uma limitaccedilatildeo

do Poder atribuiacutedo ao Judiciaacuterio e ao mesmo tempo preservassem as competecircncias

parlamentares

Esses mecanismos previstos nas Seccedilotildees 33 e 1 da Carta Canadense

consistem respectivamente na ldquoclaacuteusula natildeo obstanterdquo (notwishstanding clause) a qual

possibilita que o Legislativo aplique uma lei mesmo quando esta for contraacuteria ao texto

constitucional e na possibilidade do Legislativo reeditar uma norma que configure e limite

direito consagrado nas seccedilotildees 2 e de 7 a 15 e que jaacute tenha sido objeto de reprovaccedilatildeo pelo

Judiciaacuterio desde que fundada em justificativa razoaacutevel bem como na possibilidade de

configuraccedilatildeo pelo legislativo de direitos e liberdades fundamentais

O estudo realizado por Bushell e Hogg (1997) eacute apontado como um

marco teoacuterico da experiecircncia canadense pois a partir de uma pesquisa de mais de 65 casos

concretos decididos pela Corte canandense desde a Carta de 1982 os autores verificaram

que na grande maioria deles houve em um prazo razoavelmente curto uma resposta

legislativa agrave decisatildeo judicial Diante disso os autores afirmaram que o sistema canadense

propicia a concretizaccedilatildeo de um verdadeiro diaacutelogo entre os Poderes no exerciacutecio da

jurisdiccedilatildeo constitucional

A anaacutelise dos autores a respeito da implementaccedilatildeo da revisatildeo judicial

canadense pela Carta de 1982 eacute bastante otimista pois consideram que ateacute mesmo naqueles

casos em que o legislador aquiesceu agrave decisatildeo proferida pela Corte houve uma reaccedilatildeo

dialoacutegica jaacute que a concordacircncia tambeacutem pode ser fruto de um diaacutelogo

56 ldquoArt 24 (1) Anyone whose rights or freedoms as guaranteed by this Charter have been infringed or denied

may apply to a court of competent jurisdiction to obtain such remedy as the court considers appropriate and

just in the circumstances Art 52 (1) The Constitution of Canada is the supreme law of Canada and any law

that is inconsistent with the provisions of the Constitution is to the extent of the inconsistency of no force or

effectrdquo Canadian Constitutional Act 1982

56

Afirmam que os legisladores canadenses estatildeo engajados na

concretizaccedilatildeo do diaacutelogo com a Corte eis que buscam fundamentar no preacircmbulo das leis

promulgadas tanto das que excedem os limites da Carta como das que substituem as que

foram consideradas inconstitucionais que as mesmas se dirigem a um objetivo ldquourgente e

substancialrdquo e destinam-se a ldquolimitar razoalmenterdquo direitos e liberdades (BUSHELL

HOGG 1997 p 101)

Consideram ainda que mesmo quando apoacutes a anaacutelise judicial a lei natildeo eacute

declarada invaacutelida haacute um diaacutelogo em virtude de tal anaacutelise despertar o debate puacuteblico

chamando a atenccedilatildeo do legislador ao assunto de forma que possa rever possiacuteveis problemas

na lei e eventualmente alteraacute-la Ou seja a decisatildeo judicial natildeo deve ser encarada como um

veto mas como o ponto de partida para uma conversa institucional sobre como conciliar

direitos individuais com obejtivos de poliacuteticas econocircmicas e sociais (BUSHELL HOGG

1997 p 101-105)

Referido estudo teve grande repercussatildeo na doutrina nacional Por um

lado muitos reforccedilaram e concordaram com a ideia dos autores por outro a mesma foi alvo

de intensa criacuteticas sobretudo pela forma abrangente de caracterizaccedilatildeo do diaacutelogo57 O

impacto tambeacutem foi sentido na proacutepria Corte que passou a usar a metaacutefora do diaacutelogo para

justificar suas decisotildees algumas delas bastante controversas conforme se leraacute mais adiante

Portanto a experiecircncia canadense eacute um importante exemplo de aplicaccedilatildeo

das teorias estruturais dialoacutegicas jaacute que traz a previsatildeo expressa de mecanismos

possibilitadores na visatildeo de alguns de um diaacutelogo institucional

Na sistematizaccedilatildeo feita por Bateup as teorias que se referem agrave

experiecircncia canadense satildeo teorias de princiacutepios juriacutedicos Na classificaccedilatildeo da Autora esse

grupo de teorias corresponde agravequelas em que haacute o reconhecimento de que o Judiciaacuterio possui

57 A repercussatildeo literaacuteria do estudo foi tatildeo grande e significativa que apoacutes dez anos da sua publicaccedilatildeo o

mesmo perioacutedico (Osgoode Hall Law Journal) lanccedilou uma ediccedilatildeo comemorativa contendo uma atualizaccedilatildeo

do texto original e outros artigos em resposta ao mesmo Ver HOGG P et al ldquoCharter Dialogue Revisited

ndash Or Much Ado About Metaphorsrdquo HAIGH R e SOBKIN M ldquoDoes the Observer Have an Effect An

Analysis of the Use of the Dialogue Metaphor in Canadarsquos Courtsrdquo HUSCROFT G ldquoConstitutionalism from

the Top Downrdquo MANFREDI C ldquoThe Day the Dialogue Died A Comment on Sauveacute v Canadardquo MATHEN

C ldquoDialogue Theory Judicial Review and Judicial Supremacy A Comment on lsquoCharter Dialogue

Revisitedrsquordquo PETTER A Taking Dialogue Theory Much Too Seriously (or Perhaps Charter Dialogue Isnrsquot

Such a Good Thing After All) ROACH K Sharpening the Dialogue Debate The Next Decade of

Scholarshiprdquo e HOGG P et al ldquoA Reply on lsquoCharter Dialogue Revisitedrdquo

57

uma especial competecircncia institucional voltada para a resoluccedilatildeo de questotildees que envolvem

princiacutepios juriacutedicos cabendo aos poderes poliacuteticos fazer o controle das decisotildees no caso de

erro de interpretaccedilatildeo (BATEUP 2006 p41)

Ainda que essas teorias reconheccedilam uma competecircncia de certo modo

especial ao Judiciaacuterio a qual pode ateacute mesmo ser considerada como caracteriacutestica inerente

ao proacuteprio judicial review tendo em vista que elas tambeacutem preveem a possibilidade de

reaccedilatildeo do legislativo agrave decisatildeo judicial incluindo a possibilidade de correccedilatildeo dessa decisatildeo

entende-se que natildeo se distanciam das teorias de construccedilatildeo coordenada ao ponto de merecer

classificaccedilatildeo diferente

Destaca como primeiro defensor dessa competecircncia especial do

Judiciaacuterio Alexander Bickel que considerou o Judiciaacuterio como detentor de especial

habilidade para preservar proteger e defender princiacutepios devido ao seu isolamento poliacutetico

e por outro lado o Legislativo como melhor indicado para determinar valores sociais

fundamentais pela sua proximidade com as pessoas (BATEUP 2006 p41-42)

Nesse sentido Bushell e Hogg ao tratar da metaacutefora do diaacutelogo na

experiecircncia canadense tambeacutem satildeo partidaacuterios desse entendimento eis que afirmaram

alguns anos e muitas criacuteticas apoacutes o seu primeiro estudo que o legislativo pode e deve

interpretar a Carta mas que natildeo deve agir de forma contraacuteria a interpretaccedilatildeo proferida pela

Corte 58

Kent Roach tambeacutem eacute outro importante autor canadense que defende a

competecircncia especial do Judiciaacuterio para lidar com questotildees de princiacutepios todavia ressalta a

58 ldquoThe key issue in our view is not whether the legislative and executive branches do and should interpret

the Charter (they do and should) but whether they should act on an interpretation of the Charter that conflicts

with an interpretation provided by the courts backdrop of a prior relevant judicial decision the legislature

and the executive may act on their interpretation of the Charter Why Because in doing so they would not be

doing (or refraining from doing) something that the courts have said would unjustifiably infringe the Charter

It would be strange indeed if the legislative or executive branches could not interpret the Charter and act on

that interpretation where a court has not yet considered what the Charter prohibits (or requires) in the

circumstances1 However where the interpretive task takes place against the backdrop of a prior relevant

judicial decision the legislature and the executive may not act on an interpretation of the Charter which

conflicts with an interpretation provided by the courts Why Because in doing so they would be doing (or

refraining from doing) something that the courts have said would unjustifiably infringe the Charter and under

our system of constitutional democracy that is impermissiblerdquo (BUSHEL HOGG 2007 p 33)

58

importacircncia do Parlamento aludindo que a decisatildeo judicial apenas inicia o debate59

Destaca que a atuaccedilatildeo da Corte natildeo impede que o Parlamento prevaleccedila

se este assim quiser mas reforccedila a responsabilidade das suas escolhas poliacuteticas e o induz a

apresentar justificativas razoaacuteveis e aceitaacuteveis para legitimar suas opccedilotildees que venham a

restringir direitos (ROACH 2001)

Portanto em suma as teorias dos princiacutepios juriacutedicos vivenciadas na

experiecircncia canadense satildeo aquelas que defendem a ideia da participaccedilatildeo de todos os poderes

na interpretaccedilatildeo constitucional sendo esta uma tarefa conjunta todavia privilegiam a

interpretaccedilatildeo judicial poreacutem com a possibilidade de reaccedilatildeo legislativa

Bateup acrescenta ainda uma subdivisatildeo dentro dessas teorias tendo em

vista que para alguns autores o diaacutelogo se consubstancia na realizaccedilatildeo do controle das

decisotildees judiciais pelos poderes poliacuteticos no caso da ocorrecircncia de erro de interpretaccedilatildeo e jaacute

para outros - que minimizam o papel do controle poliacutetico sobre o Tribunal - o diaacutelogo surge

por intermeacutedio da articulaccedilatildeo legislativa que emerge como resposta agraves decisotildees judiciais

Essas subdivisotildees se traduzem na praacutetica justamente nos dois

mecanismos dialoacutegicos expressamente adotados pela Carta canadense os quais seratildeo

explicados a seguir

1012 Princiacutepios e articulaccedilatildeo legislativa da poliacutetica ndash seccedilatildeo 1 da

Carta Canadense

As teorias identificadas por Bateup como Teorias de Princiacutepios e

Articulaccedilatildeo Legislativa da Poliacutetica satildeo as que preceituam que a concretizaccedilatildeo do diaacutelogo

ocorre por meio da articulaccedilatildeo legislativa Reconhecem ao Legislativo competecircncia especial

para a elaboraccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas e para conciliar muacuteltiplos objetivos concorrentes na

sociedade pelo que este deve responder agraves decisotildees judiciais respeitando a interpretaccedilatildeo de

princiacutepios feita pelo Tribunal poreacutem com uma visatildeo mais ampla dos objetivos poliacuteticos

(BATEUP p 50-51)

Como exemplo dessa teoria pode-se indicar a Seccedilatildeo 1 da Carta

59 Para maior clareza e detalhes desse entendimento ver as seguintes obras do referido autor ldquoThe Supreme

Court on Trial Judicial Ativism or Democratic Dialogue 2001rdquo e ldquoConstitutional and Common Law

Dialogues Between Supreme Court and Canadian Legislatures2001rdquo

59

Canadense60 a qual atribui ao Legislativo a possibilidade de relativizaccedilatildeo por meio de lei

de direitos e garantias desde que seja razoaacutevel e ldquojustificada de forma demonstraacutevel em uma

sociedade livre e democraacuteticardquo61

O objetivo central para a criaccedilatildeo desta norma era garantir que o

Legislativo continuasse a ter flexibilidade de escolha quando da aprovaccedilatildeo de poliacuteticas que

eventualmente fossem conflitantes com os novos direitos fundamentais que passaram a ser

resguardados pela Carta (HIEBERT 1990)

Todavia apesar de a claacuteusula ser direcionada ao Legislativo a avaliaccedilatildeo

das questotildees que envolvem a sua aplicabilidade como a verificaccedilatildeo da legalidade e da

legitimidade62 acaba por ser feita pelo Judiciaacuterio a quem compete analisar as

incompatibilidades entre as leis e os direitos e liberdades assegurados pela Carta

Dessa forma a aplicaccedilatildeo da Seccedilatildeo 1 da Carta revelou-se de certa forma

engenhosa pois ao mesmo tempo em que confere maior liberdade ao legislador

caracteriacutestica de um weak judicial review a verificaccedilatildeo da razoabilidade da sua escolha eacute

feito pelo Judiciaacuterio Sendo assim ainda que a claacuteusula seja dirigida ao Legislativo as

implicaccedilotildees da sua aplicaccedilatildeo chamaram muita atenccedilatildeo no acircmbito da atuaccedilatildeo judicial

Nesse sentido Elliot (1987 p 279) aponta que a Seccedilatildeo 1 tornou-se de

fato a principal disposiccedilatildeo da Carta e a maneira como a Corte tem lidado com ela diz muito

a respeito natildeo apenas do impacto que a Carta pode ter sobre os outros poderes mas tambeacutem

sobre a proacutepria Corte e como ela percebe seu papel sob a Carta

Os principais estudos realizados para analisar o comportamento da Corte

quando da avaliaccedilatildeo da aplicaccedilatildeo da Seccedilatildeo 1 pelo Legislativo revelaram que natildeo haacute uma

conduta uniforme podendo a Corte tanto ter uma conduta mais ativista quanto mais

deferente agraves opccedilotildees legislativas

Estudiosos classificam e dividem a atuaccedilatildeo da Corte em trecircs momentos

60 Para entender o histoacuterico evolutivo de criaccedilatildeo da referida claacuteusula ver HIEBERT Janet The Evolution of

Limitation Clause 28 Osgoode Hall L J 103 1990

61 ldquo1The Canadian Charter of Rights and Freedoms guarantees the rights and freedoms set out in it subject

only to such reasonable limits prescribed by law as can be demonstrably justified in a free and democratic

societyrdquo Canadian Constitution Act 1982

62 Sobre a verificaccedilatildeo da legalidade e legitimidade ver HIEBERT J L Limiting Rights The Dilemma of

Judicial Review p 137-146

60

o primeiro relativo aos primeiros anos de vigecircncia da Carta o segundo referente a fase

iniciada com o julgamento do caso R v Oakes e o terceiro relativo aos desenvolvimentos

mais atuais

Nos primeiros anos em que vigorou a Carta canadense percebeu-se que

a conduta da Corte no tocante a aplicaccedilatildeo da Seccedilatildeo 1 foi bastante abrangente buscando

afirmar o seu papel de guardiatilde de direitos e liberdades bem como garantir a maacutexima eficaacutecia

dos mesmos Assim pode-se dizer que nos primeiros anos a Corte adotou uma postura

ativista (ELLIOT 1987) 63

Apesar da postura ativista a Corte logo nos primeiros anos natildeo realizava

de fato a anaacutelise da razoabilidade das medidas legislativas restritivas de direito sob seu

escrutiacutenio tentando natildeo enfrentar questotildees de cunho poliacutetico limitava-se a dizer que a

restriccedilatildeo de direitos poderia significar indiretamente a intenccedilatildeo do legislador de reformar a

Carta o que natildeo podia ser admitido (ELLIOT 1987)

A adoccedilatildeo desse tipo de postura pela Corte pode ser percebida no

julgamento do caso Ag Quebec v Quebec Association of Protestant Schools Boards64

ocorrido no ano de 1984 dois anos apenas apoacutes a aprovaccedilatildeo da Carta quando foi discutida

e declarada a incompatibilidade do da Seccedilatildeo 73 da Carta de Quebec da Liacutengua Francesa

(Quebec Charter of the French Language ou Bill 101) com a seccedilatildeo 23 da Carta Canadense

de Direitos e Liberdades 65

Em suma o que dispunha o Bill 101 era uma restriccedilatildeo ao direito de acesso

das crianccedilas a escolas puacuteblicas de Liacutengua Inglesa com exceccedilatildeo das crianccedilas cujo pai ou matildee

tivesse estudado em escolas tambeacutem de Liacutengua Inglesa dos filhos de imigrantes que jaacute

vivessem na proviacutencia anteriormente agrave aprovaccedilatildeo da lei e que tivessem sido educados em

Inglecircs ou cuja educaccedilatildeo tenha sido em uma liacutengua pouco falada naquele local ou aquelas

63 No mesmo sentido ldquoIn its initial judgments under the Canadian Charter of Rights and Freedoms the

Supreme Court of Canada respected the postwar structure of rights protection embedded in its first provision

and began to work out the requisite rules of interpretation legal presumptions and conceptions of institutional

roles Central to thislegal analysis was the Courtrsquos understanding that its responsibility was to secure the

rights guarantees as supreme law and to ensure that the limitation function enjoyed normative continuitywith

the rightsrdquo (WEINRIB 2002 p 122)

64 AG (Que) v Quebec Protestant School Boards [1984] 2 SCR Iacutentegra da decisatildeo disponiacutevel em lt

httpsscc-csclexumcomscc-cscscc-cscenitem26indexdogt

65 Nesse mesmo sentido ver tambeacutem a outros casos como Hunter v Southam Inc Re Singh and Ministered of

Employment and Imigration R v Big M Drug Mart Ltd

61

crianccedilas que tivessem irmatildeo jaacute matriculado na mesma escola

Entendeu a Corte portanto que essa norma visava modificar a

disposiccedilatildeo contida na Carta Canadense a qual dispunha expressamente sobre a garantia da

educaccedilatildeo puacuteblica em inglecircs ou francecircs aos filhos de cidadatildeos cuja primeira liacutengua que

tenham recebido na educaccedilatildeo primaacuteria seja uma liacutengua minoritaacuteria naquele local natildeo se

prestando a analisar a razoabilidade da limitaccedilatildeo de direitos alegada pela Proviacutencia de

Quebec66

Dessa forma o que se percebe eacute que a Corte sequer chegou a analisar a

razoabilidade da medida e as provaacuteveis justificativas do legislador limitando-se a declarar a

incompatibilidade da lei sem tentar sequer interpretaacute-la de acordo com a Carta

A segunda fase de acordo com divisatildeo feita por Elliot foi inaugurada

com o famoso julgamento do caso R v Oakes67 em 1986 quando foi introduzida pela

primeira vez uma regra para a verificaccedilatildeo da razoabilidade da restriccedilatildeo imposta pela medida

legislativa a luz da Seccedilatildeo 1 da Carta Canadense

A Corte passou entatildeo a utilizar o que ficou conhecido como ldquoteste de

Oakesrdquo para verificar se a medida legislativa constitui uma restriccedilatildeo a direitos razoaacutevel e

comprovadamente justificaacutevel em uma sociedade livre e democraacutetica o qual consiste

basicamente no estabelecimento de um padratildeo de prova apoiado em severos criteacuterios de

verificaccedilatildeo da legitimidade racionalidade necessidade e proporcionalidade da restriccedilatildeo

(TREMBLAY WEBBER 2008 p 2)68

66 ldquoThe limits imposed by s 73 are not legitimate limits within the meaning of s 1 of the Charter to the extent

that the latter section applies to rights conferred by s 23 In view of the period when the Charter was enacted

and especially in light of the wording of s 23 which repeats the unique set of criteria contained in s 73 of Bill

101 it is apparent that Chapter VIII seemed to the framers as an archetype of the regimes needing reform

Accordingly the limits which Bill 101 imposes on rights relating to the language of instruction cannot possibly

have been regarded by the framers of the Constitution as coming within ldquosuch reasonable limits prescribed by

law as can be demonstrably justified in a free and democratic societyrdquo Even if enacted after the Charter the

s 73 limits could not be legitimized by s 1 of the Charter Section 73 redefines for Quebec the classes of

persons who are entitled to instruction in the minority language and has the effect of creating an exception to

s 23 and of amending the Charter Whatever their scope the limits which s 1 allows cannot be equated with

exceptions to the rights and freedoms guaranteed by the Charter and may not be treated as amendments to the

Charterrdquo (AG (Que) v Quebec Protestant School Boards 1984 p 67-68)

67 O caso teve por objeto a anaacutelise de incompatibilidade entre a seccedilatildeo 8 do Narcotic Control Act que atribuia

o ocircnus ao cidadatildeo preso por porte de droga de prova que a mesma natildeo se destinava ao traacutefico e a seccedilatildeo 11(d)

da Carta que dispotildee sobre o princiacutepio da presunccedilatildeo de inocecircncia R v Oakes [1986] 1 SCR 103 inteiro teor

da decisatildeo disponiacutevel emhttpsscc-csclexumcomscc-cscscc-cscenitem117indexdo

68 Para uma comparaccedilatildeo entre o teste de Oakes e a aplicaccedilatildeo do princiacutepio da proporcionalidade ver GRIMM

Dieter Porportionality in Canada and German Constitutional Jurisprudence University of Toronto Journal

62

Inicialmente a introduccedilatildeo do ldquoteste de Oakesrdquo parecia ter resolvido as

questotildees e duacutevidas relativas a aplicaccedilatildeo da Seccedilatildeo 1 da Carta Todavia a praacutetica mostrou

rapidamente que o teste natildeo resolvera todas as questotildees os julgamentos que se seguiram

demonstraram ainda existir um forte desacordo entre os membros da Corte sobre a aplicaccedilatildeo

da claacuteusula bem como dificuldades inerentes ao proacuteprio teste (ELLIOT 1986)

A aplicaccedilatildeo do teste por acabar induzindo uma postura mais ativista da

Corte e limitando a margem de atuaccedilatildeo do legislador foi muito discutida doutrinariamente

e tambeacutem no acircmbito da proacutepria Corte (TREMBLAY WEBBER 2008)69 Alguns membros

passaram a ver os desdobramentos da aplicaccedilatildeo do teste como uma expansatildeo injustificada

do Poder judicial em detrimento dos outros poderes pelo que comeccedilaram entatildeo a defender

a necessidade de uma atuaccedilatildeo mais contida (WEINRIB 2002 p 123)

Diante disso as anaacutelises mais recentes dos estudiosos a respeito da

aplicaccedilatildeo da seccedilatildeo 1 da Carta canadense passaram a demonstrar a adoccedilatildeo de uma conduta

mais deferente da Corte para com as medidas legislativas Neste sentido Dixon (2009) ao

analisar inuacutemeros julgados sugere a existecircncia de uma maior contenccedilatildeo da Corte ao lanccedilar

o que chama de ldquosegundo olharrdquo (second look cases) sobre o caso ou no segundo ldquoroundrdquo

do diaacutelogo

O que se percebe eacute que na praacutetica a aplicaccedilatildeo da Seccedilatildeo acaba sendo mais

problemaacutetica do que a teoria imaginava quando da sua criaccedilatildeo Haacute uma dificuldade latente

em estabelecer os limites de interferecircncia do Judiciaacuterio na liberdade de atuaccedilatildeo do

legislativo jaacute que o mesmo acaba tendo que realizar uma anaacutelise do meacuterito das escolhas

poliacuteticas do Legislativo que justifiquem a restriccedilatildeo ou limitaccedilatildeo de direitos e liberdades

Por outro lado se a Corte adota uma postura mais passiva optando por

natildeo interferir na atuaccedilatildeo legislativa e acatar suas escolhas ou ateacute mesmo deixar de adentrar

na anaacutelise do seu meacuterito aiacute tambeacutem haacute riscos Para Weinrib (2002) a postura deferente da

Corte eacute contraacuteria aos objetivos da Carta ignorando a reconstruccedilatildeo dos papeis institucionais

proposta por ela bem como a hierarquia especial dada aos direitos e liberdades nela

Vol 57 N 2 Spring 2007 pp 383-397 e TAVARES DA SILVA Suzana O tretalema do Controlo Judicial

da Porporcionalidade in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra Vol LXXXVIII Tomo

II 2012 pp 639-677 69 Para uma melhor compreensatildeo acerca da aplicaccedilatildeo do teste de Oakes ver CHOUDHRY Sujit So What is

the Real Legacy of Oakes Two Decades of Proportionally Analysis under the Canadian Charterrsquos Section 1

Supreme Court Law Review Vol 34 N 2d pp 501-525 2006

63

previstos assim defender a contenccedilatildeo da Corte seria ceder a primazia dos direitos e

liberdades agrave Poliacutetica enquanto que os legisladores devem estar preparados para arcar com

as responsabilidades das suas escolhas70

No tocante a utilizaccedilatildeo da Seccedilatildeo 1 da Carta pelo Legislativo Tushnet

(2009) destaca que a mesma tambeacutem se revela na praacutetica de certa forma problemaacutetica O

que a experiecircncia canadense mostrou foi que muitas vezes o legislativo utiliza-se da

prerrogativa concedida pela Carta para reeditar a mesma medida legislativa restritiva de

direitos jaacute apreciada e reprovada pelo Judiciaacuterio sem alteraccedilotildees substantivas apenas por

exemplo incluindo no preacircmbulo da lei justificativas usadas por juiacutezes em votos dissidentes

que aprovaram a medida estrateacutegia que ficou conhecida como ldquoin you face responserdquo

Exemplo claacutessico dessa praacutetica do legislador foi o que ocorreu no caso R

v OrsquoConnor71 onde foi discutida pela Suprema Corte Canadense a possibilidade do acusado

em processo penal de obter acesso agraves informaccedilotildees meacutedicas das viacutetimas

O entendimento que prevaleceu na Corte em uma votaccedilatildeo natildeo unacircnime

foi o de que o reacuteu teria direito ao acesso de registros possivelmente relevantes para a

resoluccedilatildeo do caso e mediante anaacutelise do juiz que deveria fazer um balanccedilo entre o direito

de defesa do acusado e o direito a privacidade das viacutetimas Os votos dissidentes defendiam

a exigecircncia de que para que o acusado tivesse acesso agraves informaccedilotildees meacutedicas das viacutetimas

comprovasse antecipadamente de forma substancial e robusta a imprescindibilidade das

70 ldquoI develop a critique of the deferential approach to judicial review under the Charter First it disregards

the prolonged well-informed and remarkably participatory debate that led to the Charterrsquos adoption

Particularly it disregards its fully and publicly articulated remedial purpose to withdraw certain interests

denominated as constitutional rights and freedoms from the give and take of the ordinary political process

Second it fails to take seriously the written product of that debate The deferential approach in effect creates

a hierarchy of rights lacking any discernible basis in the text and ignores the differentiation between rights

that the text does make It also disregards the carefully chosen terms of the limitation formulation drafted in

publicly televised parliamentary proceedings That text was expressly designed to include the technical legal

language of the postwar instruments in order to deliver the effective regime of rights-protection desired by

Canadians generally and in particular sought by those to whom the previous lack of rights-protection

mattered most Disregard of remedial purposes and text leads to the third failing insensitivity to the Charterrsquos

reconstruction of institutional roles The advocates of deference cede the primacy of guaranteed rights and

freedoms to ordinary politics on the ground that the representative accountable legislatures must take

responsibility for the political choices required In effect the polity reverts to the legislative policy-making role

that the Charter was designed to redesignrdquo (WEINRIB 2002 p 123)

71 R v OrsquoConnor [1995] 4 SCR 411 Iacutentegra da decisatildeo disponiacutevel em httpscc-csclexumcomscc-

cscscc-

cscenitem1323indexdor=AAAAAQAjUiB2LiBP4oCZQ29ubm9yIFsxOTk1XSA0IFMuQy5SLiA0MTE

B

64

informaccedilotildees

O Parlamento canadense respondeu ao julgamento da Corte com a ediccedilatildeo

de uma nova lei que visando resguardar o direito agrave privacidade das viacutetimas

consequentemente restringindo o direito de defesa do reacuteu estabelecia um procedimento mais

riacutegido para que o mesmo tivesse acesso agraves informaccedilotildees para fundamentar a restriccedilatildeo seguiu

os argumentos dos votos dissidentes

Essa lei foi objeto de anaacutelise pela Suprema Corte no caso R v Mills72 no

qual a Corte em total deferecircncia ao entendimento do Legislativo considerou que a limitaccedilatildeo

ao direito de defesa do acusado era legiacutetima modificando seu entendimento anterior mesmo

sem nenhum fato novo para tanto73

Para Kent Roach (2001) a resposta legislativa representou o seu

desacordo com a decisatildeo judicial utilizando-se da loacutegica dos votos dissidentes para impor o

seu entendimento sobre a Corte exemplificando assim o uso da ldquoin your face responserdquo

amparado pela prerrogativa da Seccedilatildeo 1 da Carta

Para alguns essa praacutetica eacute vista como uma forma de diaacutelogo74 todavia

natildeo eacute isenta de criacuteticas como se verificaraacute adiante pois pode acabar significando na praacutetica

mais um retorno ao sistema de supremacia parlamentar do que propriamente um sistema

dialoacutegico

1013 Princiacutepios e controle poliacutetico sobre a corte - aplicaccedilatildeo praacutetica

da seccedilatildeo 33

A previsatildeo contida na Seccedilatildeo 33 da Carta Canadense exemplifica a

segunda subcategoria das teorias de princiacutepios juriacutedicos segundo a qual o diaacutelogo se

consubstancia na realizaccedilatildeo do controle das decisotildees judiciais pelos poderes poliacuteticos no

caso da ocorrecircncia de erro de interpretaccedilatildeo

72 R v Mills 1999] 3 SCR 668 Iacutentegra da decisatildeo disponiacutevel em httpsscc-csclexumcomscc-cscscc-

cscenitem1751indexdo

73 Para uma criacutetica mais aprofundada do caso ver CAMERON Jamie Dialogue and Hierarchy in Charter

Interpretation A comment on R v Mills Alberta Law Review Vol 38 N 4 2001

74 Ver DIXON Rosalind The Supreme Court of Canada Charter Dialogue and Deference U of Chicago

Public Law Working Paper N 284

65

A seccedilatildeo 33 ficou conhecida como notwithstanding clause ou overriding

por permitir ao Parlamento a reediccedilatildeo de um texto legal limitador de direitos consagrados

na Carta nas seccedilotildees 2 e de 7 a 15 mesmo quando jaacute tenha sido objeto de reprovaccedilatildeo pelo

Judiciaacuterio pelo prazo maacuteximo de cinco anos75

A referida claacuteusula do overriding apesar de inovadora e do seu aparente

potencial promissor na reconfiguraccedilatildeo dos papeis institucionais na verdade encontrou pouca

aplicaccedilatildeo concreta sendo poucas vezes invocada pelo legislativo Roach (2001) por

exemplo defende ser preferiacutevel a utilizaccedilatildeo da Seccedilatildeo 1 para reeditar uma norma jaacute reprovada

pelo Judiciaacuterio do que fazer uso da Seccedilatildeo 33 que pode representar uma resposta agressiva

como se o Legislativo estivesse gritando para ganhar um debate

Ao mesmo tempo em que a Seccedilatildeo 33 torna a decisatildeo judicial

ldquoprovisoacuteriardquo podendo ser ultrapassada pelo Legislativo possibilitando assim um suposto

diaacutelogo eacute difiacutecil imaginar na praacutetica essa concretizaccedilatildeo O custo poliacutetico a ser suportado

pelo legislador nessa situaccedilatildeo eacute muito alto e nem sempre o mesmo pode estar disposto a

suportaacute-lo 76

Combater a decisatildeo judicial por meio da imposiccedilatildeo da lei conforme

possibilita a Seccedilatildeo 33 parece natildeo ter sido o caminho escolhido pelo legislador canadense jaacute

que a praacutetica revela o pouco usa da referida claacuteusula em detrimento da Seccedilatildeo 1

Apesar de natildeo ter sido muito utilizada pelo Legislativo em razatildeo do seu

alto custo poliacutetico a Corte em alguns casos utliza-se da possibilidade do legislador derrubar

75 33 (1) Parliament or the legislature of a province may expressly declare in an Act of Parliament or of the

legislature as the case may be that the Act or a provision thereof shall operate notwithstanding a provision

included in section 2 or sections 7 to 15 of this Charter Marginal noteOperation of exception (2) An Act or

a provision of an Act in respect of which a declaration made under this section is in effect shall have such

operation as it would have but for the provision of this Charter referred to in the declaration Marginal

noteFive year limitation (3) A declaration made under subsection (1) shall cease to have effect five years

after it comes into force or on such earlier date as may be specified in the declarationMarginal noteRe-

enactment (4) Parliament or the legislature of a province may re-enact a declaration made under

subsection (1)Marginal noteFive year limitation(5) Subsection (3) applies in respect of a re-enactment

made under subsection (4) Canadian Constitutional Act 1982

76 Eacute justamente o alto custo poliacutetico da utilizaccedilatildeo da Seccedilatildeo 33 que faz com que o legislativo opte por responder

de outra forma agrave decisatildeo judicial no caso de discordacircncia fazendo uso assim da Seccedilatildeo 1 na forma da ldquoin your

face responserdquo conforme falamos no toacutepico anterior Para uma criacutetica mais detalhada do assunto ver

TUSHNET Mark Weak Courts Strong Rights judicial review and social welfare rights in comparative

constitutional law Princeton University 2009 p 45-47

66

a decisatildeo judicial contida na Seccedilatildeo 33 para justificar suas decisotildees sejam elas mais ativistas

ou mais contidas como se percebe no julgamento Vriend v Alberta77

O caso em suma tratava de um professor universitaacuterio Delwin Vriend

que fora demitido apoacutes ter revelado sua opccedilatildeo sexual assumindo ser homossexual

Inconformado Vriend alegando a incompatibilidade da Individual Rights Protection Act

(IRPA) da proviacutencia de Alberta local onde ocorreu a demissatildeo com a Carta canadense

recorreu ao Judiciaacuterio para anular o ato A referida lei trazia em seu texto de forma expressa

os motivos pelos quais era vedada a discriminaccedilatildeo de qualquer cidadatildeo como raccedila cor

sexo cor da pele estado civil crenccedila religiosa dentre outros mas natildeo fazia menccedilatildeo agrave

orientaccedilatildeo sexual motivo pelo qual Vriend alegou a sua incompatibilidade

O caso foi inicialmente apreciado pelo Conselho de Direitos Humanos

de Alberta (Alberta Human Rights Board) que entendeu que a demissatildeo natildeo era nula eis

que a orientaccedilatildeo sexual natildeo era prevista legalmente como motivo de vedaccedilatildeo agrave

discriminaccedilatildeo A Court of Queenacutes Bench (Tribunal Superior equivalente a segunda

instacircncia recursal) de Alberta ao apreciar o recurso do professor considerou nula a

demissatildeo afirmando que embora a orientaccedilatildeo sexual natildeo estivesse expressamente prevista

na IRPA deveria ser considerada como se ali estivesse inserida em funccedilatildeo do princiacutepio da

igualdade assegurado pela Carta

A decisatildeo foi revista e modificada pela Alberta Court of Appeal por

entender que a IRPA lei em anaacutelise no caso era uma norma neutra natildeo se dirigia de maneira

especifica nem a heterossexuais nem a homossexuais e por isso natildeo haveria qualquer

incompatibilidade com a Carta

O caso foi levado a julgamento pela Suprema Corte canadense que

afirmou a incompatibilidade da IRPA com a Carta e ao mesmo tempo que declarou a

incompatibilidade da lei em razatildeo da mesma ser omissa por natildeo incluir a previsatildeo da

proibiccedilatildeo de discriminaccedilatildeo por motivo de orientaccedilatildeo sexual justificou expressamente sua

conduta na metaacutefora do diaacutelogo

A Corte em sua decisatildeo mais especificamente dos paraacutegrafos 134 a 138

invocou a possibilidade de superaccedilatildeo da decisatildeo judicial pelo Legislativo por meio do uso

77 Vriend v Alberta [1998] 1 SCR 493 Iacutentegra da decisatildeo disponiacutevel em httpscc-csclexumcomscc-

cscscc-cscenitem1607indexdo

67

da notwishstanding clause prevista na Seccedilatildeo 33 da Carta afirmando ser um mecanismo

propiciador do diaacutelogo justificando assim a legitimidade democraacutetica da sua decisatildeo e do

exerciacutecio do judicial review

Sendo assim ainda que natildeo tenha sido muito utilizada para o objetivo

inicial a que se propocircs natildeo se pode ignorar o papel da Seccedilatildeo 33 na Carta canadense

principalmente pelo que a sua falta de utilizaccedilatildeo revela78

1014 Criacuteticas as teorias estruturais dos princiacutepios juriacutedicos

Apesar do aparente potencial dialoacutegico das teorias dos princiacutepios

juriacutedicos por possibilitarem por meio de mecanismos especiacuteficos que o Legislativo responda

ou reaja a decisatildeo judicial as mesmas natildeo satildeo isentas de criacuteticas

Assim como as teorias dialoacutegicas fundadas no meacutetodo judicial abordadas

anteriormente as teorias dos princiacutepios juriacutedicos com mecanismo de articulaccedilatildeo legislativa

da poliacutetica traduzidas na praacutetica na Seccedilatildeo 1 da Carta Canadense privilegiam a interpretaccedilatildeo

do Judiciaacuterio em detrimento do posicionamento legislativo o que natildeo resolve o problema da

legitimidade democraacutetica inerente a judicial review (BATEUP 2006)

Como dito as teorias estruturais dos princiacutepios juriacutedicos estabelecem

uma metodologia dialoacutegica que reconhece um papel privilegiado concedido ao Judiciaacuterio

para lidar com questotildees de princiacutepios fundada no seu suposto isolamento poliacutetico que lhe

atribui vantagem como deliberador moral Todavia a praacutetica demonstra que esse pressuposto

isolamento poliacutetico natildeo necessariamente refletiraacute nas decisotildees da Corte

Embora o sistema canadense seja apontado como o marco inicial das

teorias dialoacutegicas o que a experiecircncia revela com a praacutetica da metodologia de diaacutelogo nele

prevista eacute que apesar da possibilidade de resposta legislativa e de uma ainda que apenas

78 Para Hiebert o fato da quase inexistente utilizaccedilatildeo da Seccedilatildeo 33 pelo legislativo revela a relutacircncia do

parlamento canadense em tomar decisotildees que possam por em risco a sua imagem de oacutergatildeo comprometido com

a proteccedilatildeo dos direitos e liberdades assegurados pela Carta por acreditarem que a derrubada de uma decisatildeo

judicial pode acarretar o repuacutedio da populaccedilatildeo Destaca que essa situaccedilatildeo ficou evidente nas eleiccedilotildees federais

de 2014 quando o Governo liberal marcou pontos poliacuteticos preciosos ao criticar veementemente Stephen

Harper liacuteder do partido conservador o qual natildeo descartava o uso da claacuteusula natildeo obstante pois a maioria dos

canadenses interpretam o uso da mesmo como uma violaccedilatildeo aos direitos protegidos na Carta o que expressa

um ceticismo acerca da legitimidade dos desacordos poliacuteticos com as interpretaccedilotildees judiciais apesar de tais

divergecircncias serem constitucionalmente permitidas (HIEBERT 2006 p 20)

68

formal maior liberdade de atuaccedilatildeo parlamentar expressamente conferida pela Seccedilatildeo 1 da

Carta ao fim e ao cabo quem iraacute decidir de fato eacute a Corte jaacute que a ela incumbe a anaacutelise da

proporcionalidade da medida legislativa

A utilizaccedilatildeo pelo Legislativo dos mecanismos normativamente previstos

no sistema canadense como propiciadores de um diaacutelogo com a Corte acarretam um alto

custo poliacutetico Em um primeiro plano pode-se observar que o uso dos mesmos de forma

regular pode acarretar prejuiacutezo ao significado e ateacute mesmo reduzir a importacircncia do

instituto da revisatildeo judicial enviando um claro sinal de que as opiniotildees judiciais muitas

vezes natildeo satildeo dignas de respeito jaacute que podem facilmente ser suplantadas pela iniciativa

parlamentar

Somado a isso tem-se em segundo plano o alto niacutevel de apoio popular

que o sistema judicial recebe que faz com que mesmo que a utilizaccedilatildeo dos meacnismos natildeo

ataque diretamente o Judiciaacuterio como instituiccedilatildeo em si haja uma provaacutevel exigecircncia puacuteblica

do cumprimento das decisotildees judicias em desfavor de mecanismos de overriding pelo

menos em relaccedilatildeo aqueles casos de maior relevacircncia

Esses dois aspectos elevam demasiadamente os custos poliacuteticos da

atuaccedilatildeo legislativa influenciando para que mecanismos como o previsto na Seccedilatildeo 33 que

resultam em uma substituiccedilatildeo de decisatildeo judicial sejam pouco ou quase nada utilizados na

praacutetica (BATEUP 2009 p 566)

Ainda supondo uma hipoteacutetica utilizaccedilatildeo da previsatildeo contida na Seccedilatildeo

33 fundada em um controle das decisotildees judicias pelo Legislativo quando considerar que

houve erro no julgamento feito pelo Judiciaacuterio poderia se assemelhar muito mais a um

modelo de supremacia parlamentar do que um mecanismo propiciador de um diaacutelogo

substancial entre ambos os poderes79

Tushnet (2009) alerta dessa maneira para o fato de que sob o ponto de

vista praacutetico o sistema canadense em muito pouco se difere do modelo tradicional

americano onde haacute uma prevalecircncia das decisotildees judiciais

Alguns criacuteticos tambeacutem apontam para o fato de que a existecircncia formal

da ldquoclaacuteusula natildeo obstanterdquo no sistema pode levar a uma atuaccedilatildeo irresponsaacutevel do Judiciaacuterio

69

que ciente da possibilidade de correccedilatildeo e superaccedilatildeo da sua decisatildeo pelo Poder Legislativo

natildeo se esforccedilaraacute na busca por emanar as melhores decisotildees80

Outro ponto importante de criacutetica o qualeacute fortemente destacado por

Bateup (2006 p49) eacute o fato de essas teorias possuiacuterem uma contradiccedilatildeo intriacutenseca muito

forte ao mesmo tempo que defendem uma competecircncia privilegiada do Judiciaacuterio para lidar

com questotildees de princiacutepios propotildeem que a supervisatildeo poliacutetica eacute necessaacuteria para se proteger

contra a possibilidade de erro judicial

Eacute questionaacutevel a maneira como o legislador chegaraacute a conclusatildeo que o

Judiciaacuterio incorreu em erro jaacute que natildeo haacute nenhuma teoria interpretativa que explicite de

forma objetiva como isso deve ser verificado na praacutetica deixando uma margem de

apreciaccedilatildeo muito ampla e subjetiva parecendo muito mais uma forma de simples superaccedilatildeo

da decisatildeo judicial do que uma efetiva correccedilatildeo

Sendo assim natildeo se vislumbra na praacutetica canadense a efetivaccedilatildeo de um

verdadeiro diaacutelogo sob o ponto de vista material podendo-se aferir apenas a possibilidade

de uma conversaccedilatildeo entre os poderes onde o Judiciaacuterio ldquofalardquo e o Legislativo ldquoescutardquo ou vice-

versa sugerindo mais uma ideia de monoacutelogo do que propriamente de diaacutelogo jaacute que na

realidade natildeo haacute um efetivo debate nem a construccedilatildeo conjunta de uma decisatildeo

Poreacutem apesar das criacuteticas se reconhece a importacircncia da praacutetica

deflagrada pelo sistema canadense que mesmo que apenas formalmente possibilita uma

interaccedilatildeo legislativa no processo de controle de constitucionalidade mediante a utilizaccedilatildeo de

mecanismos criados propriamente para esse fim especiacutefico o que ateacute entatildeo natildeo existia na

jurisdiccedilatildeo constitucional

80 Nesse sentido ver PETTER Andrew Taking Dialogue theory much too seriously (or perhaps charter

dialogue isnrsquot such a good thing after all) Osgoode Law Journal v 45 n1 p147-167 2007 A criacutetica

desenvolvida por Andrew Petter faz parte das que se seguiram apoacutes o estudo desenvolvido por Petter Hogg e

Alisson Bushell Para o Autor a tese dos mesmos eacute desprovida de conteuacutedo normativo e subestima a influecircncia

que as decisotildees judiciais exercem no processo de tomada de decisotildees poliacuteticas e em todos os outros aspectos

da vida poliacuteticas O Autor critica veementemente a metodologia adotada pelos dois autores no tocante a anaacutelise

jurisprudencial que os levou a concluir pela existecircncia do diaacutelogo no sistema canadense dentre outros

importantes aspectos por isso sugerimos a leitura

70

11 As teorias dialoacutegicas da parceira

Agrupam-se nessa categoria de teorias estruturais do diaacutelogo aquelas

que apostam nos mecanismos institucionais como a melhor forma de promoccedilatildeo do diaacutelogo

reconhecem o papel igualmente importante tanto dos atores judiciais como dos natildeo judiciais

no processo de tomada de uma decisatildeo constitucional

De acordo com essas teorias tanto o Judiciaacuterio quanto o Legislativo

devem ter seu papel reforccedilado dentro do processo de interpretaccedilatildeo constitucional sendo

reconhecidas as capacidades e competecircncias especiacuteficas de cada um de modo que repartam

a responsabilidade das decisotildees

Ao contraacuterio das teorias dos princiacutepios juriacutedicos para essas teorias natildeo

haacute um polo privilegiado reconhecem as diferentes competecircncias de cada braccedilo do poder

poreacutem defendem uma atuaccedilatildeo colaborativa entre eles na interpretaccedilatildeo constitucional sem

qualquer hierarquia

Bateup (2006 p 71) destaca as ideias de Janet Hiebert como exponente

dessas teorias eis que a referida Autora ao analisar a experiecircncia Canadense na aplicaccedilatildeo da

Carta de 1982 critica a passividade do Legislativo em face da intervenccedilatildeo judicial em

assuntos de poliacutetica puacuteblica argumentando que a interpretaccedilatildeo constitucional deve ser uma

responsabilidade compartilhada entre os Tribunais e o Parlamento

Hibert (2002) defende uma ldquoabordagem relacionalrdquo mediante a

combinaccedilatildeo entre a perspectiva judicial e legislativa para as interpretaccedilotildees da Carta Alega

que o fato de estarem separados Legislativo e Judiciaacuterio poreacutem interligados dentro da ordem

constitucional faz com quem ambos estejam aptos a se engajar em um diaacutelogo no qual cada

um deve ter certo grau de modeacutestia sobre suas proacuteprias conclusotildees e ouvir o outro a fim de

um aprendizado reciacuteproco e conforme necessaacuterio modificar seu ponto de vista

Nesse sentido criacutetica a teoria dialoacutegica de Bushell e Hogg sobretudo por

atribuiacuterem agrave Corte um papel corretivo incompatiacutevel com a ideia do compartilhamento de

responsabilidade inerente ao diaacutelogo Para a Autora natildeo deve ser atribuiacutedo agrave Corte o papel

de conduzir o diaacutelogo mas sim reconhecidas as capacidades diferentes de cada instituiccedilatildeo

do Poder as quais enxergam os problemas por prismas diferentes

71

Demonstra por meio desse entendimento que o Judiciaacuterio natildeo seria a

instacircncia mais bem posicionada para avaliar a escolha dos meios feita pelo legislador para

alcanccedilar seus objetivos mas sim para fiscalizar a qualidade da deliberaccedilatildeo e o empenho

despendido para fazer o balanceamento entre direitos e seus limites

Essa fiscalizaccedilatildeo acabaria por aumentar a responsabilidade do

Legislativo jaacute que precisaraacute convencer o Judiciaacuterio da necessidade da limitaccedilatildeo imposta e

do seu cuidado e compromisso com a proteccedilatildeo dos direitos81

111 Criacuteticas agrave teoria da parceria

No tocante a legitimidade democraacutetica da revisatildeo judicial das leis pode-

se dizer que essas teorias comparadas as demais ateacute aqui expostas demonstram maior

aptidatildeo para solucionar o problema pois oferecem uma resposta satisfatoacuteria a objeccedilatildeo

contramajoritaacuteria ao natildeo reconhecerem nenhuma posiccedilatildeo superior ao Judiciaacuterio em relaccedilatildeo

aos demais poderes mas sim reforccedilando a ideia de separaccedilatildeo de poderes e funccedilotildees

especiacuteficas sendo estas igualmente importantes no processo de interpretaccedilatildeo constitucional

Do ponto de vista teoacuterico a ideia parece ideal sobretudo por reforccedilar o

princiacutepio da separaccedilatildeo de poderes aumentando a responsabilidade institucional e

respeitando as competecircncias teacutecnicas e especiacuteficas de cada braccedilo do Poder como se idealiza

Todavia a sua dificuldade praacutetica eacute tatildeo evidente que natildeo conseguimos sequer vislumbrar

um exemplo concreto da efetivaccedilatildeo dessa teoria

Apesar disso deve ser considerada e reconhecida a sua importacircncia por

servir como um objetivo a ser alcanccedilado como um ponto de referecircncia que se deve buscar

implementar na praacutetica apesar das latentes dificuldades

Para Bateup essas teorias seriam praticamente perfeitas se comparadas

com as outras para alcanccedilar os objetivos a que as teorias dialoacutegicas se propotildeem poreacutem

pecam por natildeo considerar a necessidade da participaccedilatildeo social no diaacutelogo Diante disso a

Autora propotildee uma outra metodologia que a seu ver seria a ideal a qual passamos a expor

81 ldquoThe extent to wich Parliament will be able to convince the judiciary about the merits of how it believes

Charter conflicts should be resolved may be a direct reflection of the extent of its commitment to careful and

principled judgment To a considerable degree Parliament is likely get the kinds of judicial rulings ir

deservesrdquo (HIEBERT 2002 p 227)

72

12 Fusatildeo dialoacutegica

A metodologia de diaacutelogo ideal proposta por Bateup consiste na fusatildeo

entre os elementos das teorias da parceria e do equiliacutebrio que resultaria na forma mais

promissora do diaacutelogo constitucional por permitir uma compreensatildeo mais abrangente dos

diferentes aspectos institucionais e sociais possibilitando a participaccedilatildeo de diferentes atores

no processo de interpretaccedilatildeo constitucional (BATEUP 2006 p 77)

Na concepccedilatildeo da Autora a fusatildeo dialoacutegica seria o modelo ideal de

diaacutelogo pois por meio dos elementos proacuteprios da teoria da parceria se resolveriam as

controveacutersias acerca da legitimidade democraacutetica do judicial review reforccedilando a

competecircncia e atuaccedilatildeo das instituiccedilotildees aumentando a responsabilidade das mesmas pelas

suas decisotildees e atividades e por outro lado por meio dos elementos das teorias do

equiliacutebrio se promoveria a inclusatildeo da sociedade no debate reconhecendo o papel do

Judiciaacuterio como mediador da discussatildeo sem no entanto atribuir-lhe o poder da palavra final

Como aprimoramento das outras teorias a fusatildeo dialoacutegica propotildee a

noccedilatildeo do papel do Judiciaacuterio como um facilitador do debate na sociedade sobre os principais

temas do constitucionalismo para que mediante dele se alcance um resultado mais

duradouro e aceitaacutevel no seio social

Sendo assim em siacutentese o que Bateup propotildee eacute que a criacutetica inicialmente

feita agrave teoria do equiliacutebrio relativa a existecircncia de problemas constitucionais menos

relevantes em que natildeo seria necessaacuterio - nem recomendaacutevel - a abertura de um debate no

seio social seria superada pela metodologia da teoria da parceria surgindo assim um modelo

mais ldquocorretordquo de diaacutelogo

Sob essa perspetiva a revisatildeo judicial das leis teria como consequecircncia

dois aspectos distintos dentro da sociedade moderna Em primeiro lugar seria um

mecanismo auxiliador na produccedilatildeo de respostas mais duraacuteveis e amplamente aceitaacuteveis em

relaccedilatildeo a questotildees constitucionais que envolvam diaacutelogo com a sociedade como um todo e

em segundo tambeacutem auxiliaria na promoccedilatildeo de uma melhor resoluccedilatildeo institucional de

questotildees constitucionais no acircmbito de casos individuais (BATEUP 2006 p 78)

73

121 Criacuteticas agrave teoria da fusatildeo dialoacutegica

Aqui repetem-se as criacuteticas feitas no toacutepico acima acerca da teoria da

parceria acrescentando-se a essas as atinentes agrave inclusatildeo da participaccedilatildeo da sociedade como

participantes do diaacutelogo

A ideia de Bateup parece sob o ponto de vista da legitimidade

democraacutetica do controle de constitucionalidade ideal para superar todas as desconfianccedilas

pois combina os melhores elementos da teoria da parceria e ainda inclui a participaccedilatildeo

social que nesse vieacutes eacute de fundamental importacircncia

De todas as teorias ateacute aqui expostas parece ser a uacutenica a prever a

concretizaccedilatildeo de um diaacutelogo material facilitando a ocorrecircncia de um verdadeiro debate entre

os participantes do processo de interpretaccedilatildeo constitucional a fim de encontrar um consenso

Todavia as dificuldades residentes na implementaccedilatildeo dessa concepccedilatildeo

teoacuterica na praacutetica satildeo inuacutemeras primeiramente pela limitaccedilatildeo dos provaacuteveis meios para

inclusatildeo da sociedade no debate e depois pelos riscos que essa inclusatildeo pode oferecer

Incluir a sociedade civil em um debate atinente a realizaccedilatildeo de poliacuteticas

puacuteblicas para a efetivaccedilatildeo de direitos fundamentais pode ser extremamente perigoso pois a

pressatildeo social pode levar a tomadas de decisotildees irresponsaacuteveis pelos entes puacuteblicos bem

como pode acabar privilegiando uma ou outra parcela da populaccedilatildeo que esteja ativa no

debate em detrimento de outra Com isso pode haver o favorecimento dos interesses de

grupos minoritaacuterios o que nem sempre pode ser considerado favoraacutevel do ponto de vista

democraacutetico

Neste sentido ainda que a metodologia proposta po Bateup seja

aparentemente a mais promissora para resolver o conflito que ronda a legitimidade

democraacutetica do controle judicial das leis natildeo se pode tomaacute-la como uma verdade absoluta

sendo necessaacuterio criterioso cuidado na sua anaacutelise

13 Os mecanismos estruturais de diaacutelogo no sistema britacircnico e neozelandecircs

Como jaacute se abordou brevemente no iniacutecio do presente trabalho o novo

modelo canadense de revisatildeo judicial das leis por ser uma alternativa agrave tradicional forma de

supremacia judicial acabou por influenciar outros paiacuteses da Commonwealth de tradiccedilatildeo

74

parlamentar justamente pela sua promessa de conciliaccedilatildeo entre a supremacia legislativa e a

revisatildeo judicial no tocante a proteccedilatildeo de direitos fundamentais

Assim inspirados nesse novo modelo de judicial review paiacuteses como o

Reino Unido e Nova Zelacircndia ao reconhecerem a necessidade de uma tutela especial aos

direitos fundamentais adotaram sistemas que tambeacutem possuem mecanismos que propiciam

uma forma ldquofracardquo de revisatildeo judicial

O ponto em comum que ambos os sistemas possuem eacute o fato que o

Judiciaacuterio natildeo deteacutem poder para invalidar a legislaccedilatildeo ou seja permanecem pelo menos em

teoria em um sistema onde a supremacia parlamentar ainda se faz presente Todavia diante

da necessidade de assegurar a eficaacutecia dos direitos fundamentais que passaram a fazer parte

do Bill of Rights acabaram por introduzir em seu sistema alguns mecanismos que mitigaram

essa supremacia condicionando o legislador a observaccedilatildeo de tais direitos

Ambos os sistemas possuem assim a figura do mandado interpretativo

que em suma permite ao Judiciaacuterio o exerciacutecio da revisatildeo das leis ainda que natildeo possa

invalidaacute-las e lhe impotildee a tarefa de no momento que for analisar a legislaccedilatildeo interpretaacute-la

conforme os preceitos do Bill of Rights

Apesar de ser o mesmo mecanismo ele se desdobra na praacutetica de

maneiras diversas em cada paiacutes em face das suas peculiaridades razatildeo pela qual se analisaraacute

ambos os sistemas de forma autocircnoma

131 O mandado interpretativo e a declaraccedilatildeo de incompatibilidade no reino

unido (seccedilatildeo 3 e 4 (2) do human rights act 1998)

Como se sabe o Reino Unido eacute considerado o berccedilo da soberania

parlamentar onde ateacute recentemente cabia a este oacutergatildeo a apreciaccedilatildeo e resoluccedilatildeo de problemas

constitucionais tendo o Judiciaacuterio pouca ou quase nenhuma expressatildeo nesse sentido

O reconhecimento da competecircncia do Judiciaacuterio para a realizaccedilatildeo da

revisatildeo das leis foi um processo gradativo Apoacutes a Revoluccedilatildeo Gloriosa e a promulgaccedilatildeo do

Bill of Rights ambas as Casas do Parlamento inglecircs (House of Common e House of Lords)

75

passaram a deter competecircncia exclusiva para receber e apreciar as peticcedilotildees advindas dos

tribunais inferiores 82

Posteriormente jaacute exercendo a Cacircmara dos Lordes tal funccedilatildeo de modo

exclusivo veio a lume o Appellate Jurisdiction Act (1876) por intermeacutedio do qual foi criada

a figura dos lordes de apelaccedilatildeo (Lords of Appeal in Ordinary ou Law Lords) juiacutezes altamente

qualificados que deveriam se dedicar exclusivamente agraves questotildees judiciais submetidas ao

Parlamento Tais juiacutezes passaram a integrar o que veio a ser denominado Comissatildeo de

Apelaccedilatildeo da Cacircmara dos Lordes (Appellate Committee) e exercendo apenas a funccedilatildeo

jurisdicional deixaram de participar das votaccedilotildees do Parlamento (natildeo obstante tenham

permanecido como membros de tal Poder) (LARANJEIRA 2013)

Nesse contexto na estrutura constitucional inglesa cabia ao Parlamento

natildeo apenas a funccedilatildeo legislativa que lhe eacute inerente mas tambeacutem a atuaccedilatildeo como oacutergatildeo de

cuacutepula judicial Essa concepccedilatildeo era decorrente da inexistecircncia de uma constituiccedilatildeo escrita

formalmente superior as demais normas83 razatildeo pela qual o legislador acabava por ter uma

autonomia ilimitada para editar modificar e anular as leis

O ponto inicial de mudanccedila dessa estrutura foi a adoccedilatildeo do Human

Rights Act 199884 que entrou em vigor em 2 de outubro de 2000 e introduziu no

ordenamento juriacutedico interno os princiacutepios fundamentais jaacute enunciados pela Convenccedilatildeo

Europeia de Direitos do Homem85 A adoccedilatildeo desse documento representou uma mudanccedila

significativa na cultura legal do paiacutes porque as autoridades puacuteblicas passaram a ser

obrigadas a obedecer novas normas antes consideradas apenas no acircmbito internacional e

com isso quaisquer accedilotildees do Governo ou outros organismos puacuteblicos que natildeo cumprissem

82 Para um maior aprofundamento sobre a histoacuteria estrutura e composiccedilatildeo do Parlamento britacircnico ver

LEYLAND Peter The Constituion of the United Kingdom a contextual analysis Oxford 2007 p 81-114

83 Necessaacuterio destacar que embora natildeo exista um documento formal intitulado de Constituiccedilatildeo atribui-se esse

mesmo sentido ao ldquo() conjunto de praacuteticas instituiccedilotildees e remeacutedios processuais que determina a estruturaccedilatildeo

poliacutetica do Estado com o adequado controle e distribuiccedilatildeo do poder aleacutem do apontamento de garantias

fundamentais em favor dos cidadatildeos ()rdquo (CYRINO 2007)

84 Eacute importante esclarecer que antes da adoccedilatildeo do HRA o Reino Unido jaacute havia ratificado a Convenccedilatildeo

Europeia de Direitos do Homem em 1951 o que acarretou severesos conflitos de normas A necessidade de

conciliaccedilatildeo desses conflitos normativos pode ser considerada como um dos motivos que ensejaram a adoccedilatildeo

do HRA

85 A adoccedilatildeo desse documento foi tambeacutem decorrente de importantes conflitos poliacuteticos que acabaram por

enfraquecer a ideia de supremacia parlamentar ateacute entatildeo intocaacutevel sobretudo pelas constriccedilotildees decorrentes da

entrada na Uniatildeo Europeia que obrigou o paiacutes a estabelecer um documento legal de proteccedilatildeo de direitos

fundamentais com status qualificado Nesse sentido ver TUSHNET 2008 p 28

76

com a Convenccedilatildeo passaram a poder serem consideradas como ilegais tambeacutem no acircmbito

interno (LEYLAND 2007)

A partir de entatildeo passou-se a travar debates atinentes a necessidade de

ampliaccedilatildeo de um sistema de revisatildeo judicial das leis a fim de dar eficaacutecia ao documento e

consolidar a sua hierarquia qualificada perante as demais leis86

A mudanccedila do sistema onde ateacute entatildeo o controle das leis era feito por

um oacutergatildeo poliacutetico parte do proacuteprio Parlamento se consolidou com a aprovaccedilatildeo do

Constitution Reform Act em 2005 o qual passou a prever a criaccedilatildeo da Suprema Corte que

foi instalada mais recentemente no ano de 2009 e marcou a consolidaccedilatildeo de um oacutergatildeo

judicial independente do legislativo87

O HRA ao introduzir no odernamento juriacutedico interno os princiacutepios e

direitos previstos na Convenccedilatildeo Europeia na Seccedilatildeo 388 determinou que tanto quanto fosse

possiacutevel a legislaccedilatildeo primaacuteria e a legislaccedilatildeo subordinada devem ser interpretadas visando a

compatibilidade com os preceitos da Convenccedilatildeo

Ou seja o mandado interpretativo consiste na imposiccedilatildeo as Cortes do

dever de se esforccedilarem para interpretar as leis de acordo com o HRA Tambeacutem eacute denominado

por alguns doutrinadores de poder interpretativo (interpretative power) visto que possibilita

86 Sobre o impacto do HRA na cultura britacircnica Gadbaum (2001 p 732) destaca ldquoThere is no doubt that in

the British legal and constitutional context the mere existence of a set of codified constitutes a radical change

in legal and political culture independent of the exact form and legal status that they possess This is because

it replaces the existing conception of civil liberties as residual in nature ndash citizens are free to do whatever

statute common law and delegated legislation do not prohibit them from doing ndash with a primary or affirmative

set of rights that limit what citizens may be prohibited from doing in the first placerdquo

87 Leyland (2007 p 154) esclarece que a Suprema Corte britacircnica natildeo foi criada com o objetivo de ser um

Tribunal constitucional em suas palavras ldquoThe Supreme Court will not be established as a constitutional court

although of course it will have to preside over cases that raise constitutional issues and it will take over from

the Judicial Committee of the Privy Council jurisdiction over lsquodevolution issuesrsquo arising from the Scotland Act

1998 Government of Wales Act 1998 and Northern Ireland Act 1998rdquo

88 Interpretation of legislation (1)So far as it is possible to do so primary legislation and subordinate

legislation must be read and given effect in a way which is compatible with the Convention rights (2)This

sectionmdash (a)applies to primary legislation and subordinate legislation whenever enacted (b)does not affect

the validity continuing operation or enforcement of any incompatible primary legislation and (c)does not

affect the validity continuing operation or enforcement of any incompatible subordinate legislation if

(disregarding any possibility of revocation) primary legislation prevents removal of the incompatibility (HRA

1998)

77

a modificaccedilatildeo do significado das leis inicialmente conferido pelo Palamento a fim de

compatibilizaacute-las com a Convenccedilatildeo89

Todavia quando natildeo for possiacutevel uma interpretaccedilatildeo compatiacutevel a lei

natildeo pode ser invalidada permanecendo em pleno vigor podendo ser aplicada e invocada em

qualquer procedimento legal O que deve existir nesses casos eacute a emissatildeo de uma declaraccedilatildeo

de incompatibilidade onde a Corte pronunciaraacute o seu entendimento mas este natildeo teraacute

nenhum efeito direto ou concreto sobre a validade da norma90

A manifestaccedilatildeo do Judiciaacuterio por meio da declaraccedilatildeo de

incompatibilidade apesar de natildeo acarretar a nulidade da lei ao tornar puacuteblico o conflito da

mesma com os direitos assegurados pelo HRA gera um inegaacutevel constrangimento poliacutetico

Poreacutem o Parlamento continua a ser soberano eis que eacute ele que decide se a norma ainda que

declaradamente incompatiacutevel continuaraacute vigente como antes (CYRINO 2007)

Tendo em vista o constrangimento poliacutetico causado pela declaraccedilatildeo de

incompatibilidade alguns autores defendem ser esse um mecanismo propulsor de uma

resposta do Parlamento agraves decisotildees da Corte de forma a alterar a lei para eliminar a

incompatibilidade apontada pelas Cortes bem como de uma maior responsabilidade para

com a observacircncia dos direitos do HRA quando da formulaccedilatildeo das leis a fim de evitar uma

futura incompatibilidade

Um reconhecido e importante exemplo dessa praacutetica ocorreu no

julgamento do caso A and Others v Secretary of State for the Home Departament91 onde o

Governo britacircnico foi acusado de minar direitos individuais por meio da criaccedilatildeo da lei Anti

terrorismo crime e seguranccedilas de 2001 por permitir a detenccedilatildeo por tempo indeterminado

de estrangeiros suspeitos da praacutetica de terrorismo

89 ldquoThis section confers an interpretative power which allows the courts to consider legislation and transform

it by stretching its meaning where it is possible to do so in order to achieve Convention compatibilityThis

marks a significant shift of power from Parliament to judges since the courts are able to rewrite sections of

Acts by reading into them words that are not there and by doing so remove potential conflicts with the

Conventionrdquo (LEYLAND 2007 p 171)

90 4 (2) If the court is satisfied that the provision is incompatible with a Convention right it may make a

declaration of that incompatibility (HRA 1998)

91 A and Others v Secretary of State for the Home Departament (2004) UKHL Iacutentegra disponiacutevel em

httpwwwpublicationsparliamentukpald200405ldjudgmtjd041216aampoth-1htm

78

Nesse caso um grupo de suspeitos que estava detido em Belmarsh haacute

trecircs anos suscitou o conflito da lei com os direitos e garantias assegurados no HRA O

Comitecirc Judicial da Cacircmara dos Lordes emitiu uma declaraccedilatildeo de incompatibilidade da

referida legislaccedilatildeo poreacutem como a mesma natildeo provoca a nulidade os suspeitos continuaram

detidos Contudo a condenaccedilatildeo da legislaccedilatildeo ocasionou uma resposta do Governo

A declaraccedilatildeo de incompatibilidade acabou persuadindo o Governo a

editar uma nova lei utilizando uma outra abordagem para controlar os suspeitos de

terrorismo de forma a superar a incompatibilidade verificada e dessa maneira foi editada a

lei de Anti Terrorismo de 2005 (Prevention of Terrorism Act 2005)

Nesse sentido a declaraccedilatildeo de incompatibilidade pode ser lida sob a

oacutetica das teorias dialoacutegicas92 eis que quase sempre que for emitida ensejaraacute uma resposta do

Governo ou do Parlamento no sentido de modificar a lei para eliminar a incompatibilidade

diante de uma provaacutevel pressatildeo puacuteblica intensa nesse sentido e pelo proacuteprio interesse puacuteblico

em fazecirc-lo

Ademais o Governo e o Parlamento dificilmente iratildeo ignorar o conflito

revelado entre a legislaccedilatildeo e o HRA tambeacutem considerando que a viacutetima da violaccedilatildeo manteacutem

o direito de recorrer ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem alegando uma violaccedilatildeo a

Convenccedilatildeo Europeacuteia pelas normas internas (DEBELJAK 2002 p317)

Sob essa perspectiva a declaraccedilatildeo de incompatibilidade seria um

instrumento ideal para possibilitar um diaacutelogo entre o Judiciaacuterio e o Parlamento na tarefa da

interpretaccedilatildeo e execuccedilatildeo dos direitos fundamentais O HRA confere uma voz formal ao

Judiciaacuterio a qual pode ser colocada em praacutetica mediante a utilizaccedilatildeo deste instrumento com

o objetivo de envolver o legislativo no debate (SCHYFF 2010 p 188)

Complementando essa ideia Seccedilatildeo 1093 do HRA prevecirc mecanismos

que possibilitam uma alteraccedilatildeo da legislaccedilatildeo de forma mais raacutepida que pelo procedimento

92 ldquoThe notion of declarations of incompatibility is congruent with the principle of democratic inclusion The

deliberative process continues via an inter-institutional dialogue ensuring that no arm of government has a

monopoly on the final resolution of the defining commitments of society (hellip) According to the Human Rights

White Paper (UK) a judicial declaration of incompatibility is part of an inter-institutional dialogue A

declaration of incompatibility lsquowill almost certainly prompt the Government and parliament to change the lawrsquo

and lsquothe Government would have to consider and in most cases would consider the position pretty rapidlyrdquo

(DEBELJAK 2002p317)

93 ldquoSection 10 (Power to take remedial action) (1)This section applies ifmdash (a) a provision of legislation has

been declared under section 4 to be incompatible with a Convention right and if an appeal liesmdash (i)all persons

79

comum denominados remedial actions A Seccedilatildeo 1994 ainda estabelece uma forma de

controle preacutevio da legislaccedilatildeo a ser realizado pelo Ministro

Em razatildeo disso o sistema de revisatildeo judicial das leis instituiacutedo no Reino

Unido vem sendo apontado por alguns doutrinadores como um sistema dialoacutegico Contudo

por oacutebvio haacute objeccedilotildees conforme se passaraacute a demonstrar

1311 Criacuteticas agrave experiecircncia britacircnica

Apesar de ainda ser muito cedo para proferir um pronunciamento firme

sobre a nova praacutetica implementada no Reino Unido pelo HRA (HIEBERT 2006) jaacute se

consegue vislumbrar na doutrina algumas criacuteticas valiosas a seu respeito

Em suma as duacutevidas sobre a sustentabilidade deste modelo residem na

imprevisibilidade do comportamento poliacutetico que ao mesmo tempo pode favorecer um

recuo ao antigo modelo da soberania parlamentar como pode tambeacutem acabar se

aproximando ao tradicional modelo norte-americano onde haacute uma evidente supremacia

judicial

who may appeal have stated in writing that they do not intend to do so (ii)the time for bringing an appeal has

expired and no appeal has been brought within that time or (iii)an appeal brought within that time has been

determined or abandoned or (b) it appears to a Minister of the Crown or Her Majesty in Council that having

regard to a finding of the European Court of Human Rights made after the coming into force of this section in

proceedings against the United Kingdom a provision of legislation is incompatible with an obligation of the

United Kingdom arising from the Convention (2)If a Minister of the Crown considers that there are compelling

reasons for proceeding under this section he may by order make such amendments to the legislation as he

considers necessary to remove the incompatibility (3)If in the case of subordinate legislation a Minister of

the Crown considersmdash (a) that it is necessary to amend the primary legislation under which the subordinate

legislation in question was made in order to enable the incompatibility to be removed and (b)that there are

compelling reasons for proceeding under this section he may by order make such amendments to the primary

legislation as he considers necessary (4)This section also applies where the provision in question is in

subordinate legislation and has been quashed or declared invalid by reason of incompatibility with a

Convention right and the Minister proposes to proceed under paragraph 2(b) of Schedule 2 (5)If the legislation

is an Order in Council the power conferred by subsection (2) or (3) is exercisable by Her Majesty in Council

(6)In this section ldquolegislationrdquo does not include a Measure of the Church Assembly or of the General Synod

of the Church of England (7)Schedule 2 makes further provision about remedial ordersrdquo Human Rights Act

1998

94 ldquoSection 19 (Statements of compatibility) (1)A Minister of the Crown in charge of a Bill in either House of

Parliament must before Second Reading of the Billmdash (a) make a statement to the effect that in his view the

provisions of the Bill are compatible with the Convention rights (ldquoa statement of compatibilityrdquo) or (b)make

a statement to the effect that although he is unable to make a statement of compatibility the government

nevertheless wishes the House to proceed with the Bill (2)The statement must be in writing and be published

in such manner as the Minister making it considers appropriaterdquo Human Rights Act 1998

80

Neste sentido as criacuteticas se assemelham agraves crtiacuteticas jaacute disparadas contra

o sistema canadense95 o que nos conduz a percepccedilatildeo de que talvez seja uma caracteriacutestica

comum a todos os modelos concluindo que por melhor e mais elaborado que seja o sistema

de revisatildeo judicial das leis sua concretizaccedilatildeo sofreraacute dificuldades por questotildees de cunho

subjetivo tendo a cultura local de cada paiacutes grande influecircncia nessa praacutetica

Ou seja o grau de comprometimento de cada braccedilo do Poder seja com

a busca pela efetivaccedilatildeo de direitos ou com a preservaccedilatildeo da soberania parlamentar iraacute

influenciar diretamente na forma de utilizaccedilatildeo dos mecanismos dialoacutegicos colocados a

disposiccedilatildeo

Eacute importante notar que o HRA ao mesmo tempo que preserva a

supremacia da legislaccedilatildeo jaacute que a mesma natildeo pode ser invalidada por outro oacutergatildeo que natildeo

o proacuteprio Parlamento acaba por conferir um papel de destaque ao Judiciaacuterio no processo de

interpretaccedilatildeo e efetivaccedilatildeo dos direitos fundamentais

A Seccedilatildeo 3 ao instituir o mandado interpretativo atribui grande

influecircncia ao entendimento do Judicaacuterio na definiccedilatildeo do sentido das leis ao passo que a

declaraccedilatildeo de incompatibilidade apesar do seu potencial dialoacutegico demonstrado acima na

praacutetica tambeacutem faz com que prevaleccedila esse entendimento jaacute que a tendecircncia eacute que os outros

oacutergatildeos sigam a interpretaccedilatildeo judicial no sentido de modificar a lei garantindo a preservaccedilatildeo

dos direitos fudamentais assegurados pelo HRA e pela CEDH (DEBELJAK 2002)

Hiebert (2004 p 1983) ao tratar da experiecircncia britacircnica chama a

atenccedilatildeo para o fato de que apesar da clara intenccedilatildeo dos proponentes do HRA de manter o

princiacutepio da soberania parlamentar natildeo houve muita discussatildeo sobre como esse princiacutepio

iria se relacionar com os julgamentos do Judiciaacuterio sobre direitos

Revela que as pesquisas realizadas por meio da anaacutelise de debates

parlamentares deliberaccedilotildees poliacuteticas e comentaacuterios acadecircmicos sobre o assunto

demonstram pouca consideraccedilatildeo dos criteacuterios condiccedilotildees e circunstacircncias em que o Governo

deve explicitamente discordar das interpretaccedilotildees do HRA feitas pelo Judiciaacuterio

O que se percebe da anaacutelise do sistema de revisatildeo judicial das leis

desenvolvido pelo Reino Unido eacute que muito embora o Judiciaacuterio natildeo detenha a uacuteltima

95 Ver toacutepico 1014

81

palavra natildeo podendo invalidar a legislaccedilatildeo o mandado interpretativo lhe confere um poder

de interpretaccedilatildeo muito amplo podendo mudar o sentido da lei inicialmente conferido pelo

legislador o que pode contribuir para uma forma de supremacia judicial

Aleacutem do que o amplo uso do mesmo pode acabar levando os juiacutezes a

natildeo exprimirem as suas verdadeiras opiniotildees sobre a legislaccedilatildeo camuflando assim uma falsa

compatibilidade o que natildeo eacute desejaacutevel sob o ponto de vista constitucional sobretudo quando

se busca uma efetiva proteccedilatildeo de direitos

Neste sentido seria preferiacutevel que o mandado interpretativo fosse visto

apenas como uma diretriz uma tentativa e natildeo uma obrigaccedilatildeo e que os juiacutezes procurassem

usar em todas as vezes que entederem que uma legislaccedilatildeo natildeo eacute compatiacutevel com a

declaraccedilatildeo de direitos seu poder de declaraccedilatildeo Entretanto natildeo haacute como determinar que o

Judiciaacuterio aja dessa forma pelo que a declaraccedilatildeo de incompatibilidade pode ser utilizada

frequentemente ou como uma medida de uacuteltimo recurso

Os teoacutericos que acreditam na possiacutevel existecircncia de um diaacutelogo no

sistema britacircnico tendem a considerar que o uso frequumlente da Seccedilatildeo 3 pelas Cortes ou seja

o amplo exerciacutecio do poder interpretativo sob o ponto de vista democraacutetico eacute menos

desejaacutevel do que a emissatildeo de declaraccedilotildees de incompatibilidade pois ele daacute ao Judiciaacuterio a

uacuteltima palavra ao menos que seja ou ateacute que seja revista pelo Parlamento (BATEUP 2009

p 547)

Diante do exposto percebe-se que a materializaccedilatildeo de um diaacutelogo na

forma esperada dentro do sistema britacircnico iraacute depender efetivamente do comportamento do

Judiciaacuterio por meio das suas escolhas jaacute que pode optar por exercer o mandado interpretativo

a qualquer custo mudando fundamentalmente o sentido da legilaccedilatildeo bem como pode optar

pela emissatildeo da declaraccedilatildeo de incompatibilidade deixando espaccedilo para a atuaccedilatildeo

Parlamentar no sentido de superar a deficiecircncia da lei Ou seja mais uma vez revela-se na

praacutetica dialoacutegica a importacircncia das escolhas feitas pelas instituiccedilotildees no momento da sua

atuaccedilatildeo

Ademais eacute duvidoso se pode-se afirmar que na melhor das hipoacuteteses

quando o Judiciaacuterio declara uma lei incompatiacutevel e o Parlamento responde a essa declaraccedilatildeo

haacute um diaacutelogo do ponto de vista material eis que natildeo se verifica a interaccedilatildeo entre os Poderes

82

no momento da tomada de decisatildeo o compartilhamento de suas visotildees para a construccedilatildeo do

sentido constitucional

O que haacute eacute mais uma atuaccedilatildeo singular de cada um O Judiciaacuterio tendo

que interpretar a legislaccedilatildeo de acordo com o HRA sem poder invalidaacute-la e o Legislativo

tendo que responder a essa interpretaccedilatildeo quando a mesma for contraacuteria aquela por ele

realizada inicialmente seja no sentido de modificar a legislaccedilatildeo superando a

incompatibilidade apontada pelo Judiciaacuterio ou fazer prevalecer o seu entendimento se assim

achar correto

Todavia ainda que recente a praacutetica tem demonstrado que na quase

totalidade dos casos em que houve uma resposta do Parlamento a uma declaraccedilatildeo de

incompatibilidade a mesma foi no sentido de acolher a opiniatildeo judicial para modificar a lei96

o que demonstra uma tendecircncia desse sistema em acolher a decisatildeo judicial ainda que a

mesma natildeo tenha formalmente o poder de invalidar a lei

132 O mandado interpretativo na experiecircncia neozelandesa

A Nova Zelacircndia assim como o Reino Unido tambeacutem possui um

constitucionalismo de tradiccedilatildeo parlamentar A adoccedilatildeo de um documento formal que visasse

agrave proteccedilatildeo de direitos fundamentais soacute ocorreu em 1990 com a aprovaccedilatildeo do New Zeland

Bill of Rights Act (NZBORA)

A principal caracteriacutestica que difere o sistema Neozelacircndes dos demais

eacute o fato de que o NZBORA natildeo possui uma hierarquia superior as demais leis ordinaacuterias do

paiacutes ou seja eacute um diploma desprovido de qualquer supremacia ou rigidez dentro do

ordenamento juriacutedico Essa caracteriacutestica faz com que o mesmo pelo menos teoricamente

possa ser revogado integralmente ou em parte por qualquer maioria legislativa posterior

(TUSHNET 2009 p 25)

96 ldquoGreater doubts about the behavioral assumptions underpinning weak-form dialogue theory emerge when

we consider the responses that responses that these declarations have elicited from the political branches of

government If Parliament were responding in the manner advocated by weak-form dialogue theorist we would

expect to see disagreement with judicial declarations being regularly expressed or at the very least on

occasion Contrary to these expectations however the British Parliament has almost universally responded

to judicial declarations of incompatibility by amending or repealing the relevant primary legislation in

accordance with the courtrsquos rulingrdquo (BATEUP 2009 p 549)

83

Aleacutem de possuir status de lei ordinaacuteria o NZBORA exclui

expressamente a possibilidade de anulaccedilatildeo das leis pelo Judiciaacuterio97 e determina que este

sempre que for interpretar qualquer dispositivo legal o faccedila em conformidade com o Bill of

Rights98 As seccedilotildees 4 a 7 trazem provisotildees que evitam o engajamento do Judiciaacuterio em uma

revisatildeo substantiva dos atos do Parlamento ratificando a supremacia parlamentar como um

princiacutepio constitucional da Nova Zelacircndia (HIEBERT KELLY 2015 p 62)

Ao contraacuterio do que ocorre no modelo britacircnico na Nova Zelacircndia o

Judiciaacuterio natildeo pode emitir qualquer declaraccedilatildeo de incompatibilidade o que para alguns

doutrinadores afasta a caracterizaccedilatildeo desse sistema como um judicial review jaacute outros o

caracterizam como um sistema ldquosuper fracordquo de revisatildeo judicial

Diante disso parece inicialmente que o NZBORA natildeo possui entatildeo

qualquer influecircncia importante dentro do ordenamento juriacutedico daquele paiacutes entretanto ao

contraacuterio do que parece o mesmo foi responsaacutevel por profundas mudanccedilas na legislaccedilatildeo

interna justamente por funcionar como um documento interpretativo geral servindo de

diretriz para a atuaccedilatildeo do legislativo

Neste sentido Gardbaum (2001 p 728) ensina que embora o NZBORA

possua um status juriacutedico de um estatuto legal comum eacute um documento geral que determina

como deve ser dado o sentido a todas as outras leis ordinaacuterias natildeo por meio da disposiccedilatildeo de

um conjunto de regras interpretativas mas sim pela enunciaccedilatildeo de direitos substantivos

Assim o NZBORA protege os direitos nele contidos por meio do dever

de interpretaccedilatildeo que coloca sobre os tribunais nos termos da Seccedilatildeo 6 e pelo consequente

custo poliacutetico que impotildee ao legislador de a adotar uma medida que viole claramente um

direito protegido ou que natildeo possa ser lida como consistente com ele (GARDBAUM 2001

p 729)

97 ldquoSection 4 (Other enactments not affected) No court shall in relation to any enactment (whether passed or

made before or after the commencement of this Bill of Rights)mdash (a)hold any provision of the enactment to be

impliedly repealed or revoked or to be in any way invalid or ineffective or (b)decline to apply any provision

of the enactmentmdash by reason only that the provision is inconsistent with any provision of this Bill of Rightsrdquo

New Zeland Bill of Rights Act 1990

98 ldquoSection 6 (Interpretation consistent with Bill of Rights to be preferred) Wherever an enactment can be given

a meaning that is consistent with the rights and freedoms contained in this Bill of Rights that meaning shall

be preferred to any other meaningrdquo New Zeland Bill of Rights Act 1990

84

No julgamento do caso R v Hansen99 a Suprema Corte esclareceu a

correta abordagem metodoloacutegica do judicial review a ser utilizada para reforccedilar os direitos

previstos no NZBORA afirmando que primeiramente a Corte deve buscar o significado

original que o Parlamento pretendeu atribuir a medida legislativa apoacutes analisar se o mesmo

eacute compatiacutevel com o NZBORA se houver uma aparente inconsistecircncia deve averiguar se a

mesma eacute razoaacutevel ao abrigo do que dispotildee a Seccedilatildeo 5 Se entender pela desarrazoabilidade

entatildeo deve buscar uma interpretaccedilatildeo diferente que se coadune com a declaraccedilatildeo de direitos

e por fim quando isto natildeo for possiacutevel deveraacute prevalecer entatildeo o significado original

atribuiacutedo pelo Parlamento (HIEBERT KELLY 2015 p63)

Essa metodologia resulta de uma cultura judicial fortemente

influenciada pelo princiacutepio da supremacia legislativa Nesta perspectiva o NZBORA

introduz um importante instrumento processual na Seccedilatildeo 7100 mediante o qual o Procurador

Geral eacute obrigado a examinar todas as propostas de lei e informar ao Parlamento quando for

detectada qualquer incompatibilidade entre uma disposiccedilatildeo legal e os direitos e garantias

assegurados pela Declaraccedilatildeo

O fundamento de tal medida parece consistir justamente em evitar a

aprovaccedilatildeo de medidas legislativas incompatiacuteveis com o Bill of Rights estabelecendo uma

forma preventiva de controle ainda que natildeo tenham o condatildeo de impossibilitar a aprovaccedilatildeo

da lei mesmo quando incompatiacutevel mas servindo de alerta ao Parlamento e assim

aumentando a sua responsabilidade pois arcaraacute com os custos poliacuteticos de suas decisotildees

Em que pese o NZBORA proiacuteba o Judiciaacuterio de emitir qualquer

pronunciamento formal sobre a incompatibilidade de medidas legislativas o New Zeland

Human Rights Act adotado em 1993 prevecirc a possibilidade de uma declaraccedilatildeo judicial de

inconsistecircncia como remeacutedio apropriado para os casos de discriminaccedilatildeo

Assim somente nos casos em que se discute o direito a igualdade o

99 R v Hansen (2007) NZSC 7 Iacutentegra disponiacutevel em httpwwwnzliiorgcgi-

binsinodispnzcasesNZSC20077htmlquery=hansen20nzsc

100 ldquoSection 7 (Attorney-General to report to Parliament where Bill appears to be inconsistent with Bill of

Rights) Where any Bill is introduced into the House of Representatives the Attorney-General shallmdash (a)in

the case of a Government Bill on the introduction of that Bill or (b)in any other case as soon as practicable

after the introduction of the Billmdash bring to the attention of the House of Representatives any provision in the

Bill that appears to be inconsistent with any of the rights and freedoms contained in this Bill of Rightsrdquo New

Zeland Bill of Rights Act 1990

85

Judiciaacuterio quando natildeo encontrar uma interpretaccedilatildeo da lei que seja razoaacutevel e compatiacutevel

com os direitos assegurados Bill of Rights poderaacute emitir um documento formal que ateste a

inconsistecircncia no intuito de dar ciecircncia ao Parlamento da incompatibilidade Em todas as

outras questotildees relativas a direitos fundamentais eacute vedado ao Judiciaacuterio comportamento

semelhante101

O modelo Neozelandecircs assim como os demais que adotam uma forma

fraca de revisatildeo judicial das leis eacute considerado por alguns estudiosos como dialoacutegico por

natildeo ser a interpretaccedilatildeo judicial considerada conclusiva ou definitiva mas sim

possibilitadora de uma interaccedilatildeo legislativa pois por meio do poder de interpretaccedilatildeo

atribuiacutedo ao Judiciaacuterio o legislativo se sentiria constgrangido a adotar medidas favoraacuteveis a

proteccedilatildeo de direitos evitando uma futura incompatibilidade das leis com o NZBORA

1321 Criacuteticas ao modelo neozelandecircs

A principal criacutetica ao modelo neozelandecircs reside na duacutevida se o mesmo

pode ser caracterizado como um judicial review perante a evidecircncia da supremacia

parlamentar e da falta de possibilidade do Judiciaacuterio de sequer emitir uma declaraccedilatildeo de

incompatibilidade das leis sugerindo assim a ausecircncia de uma forma concreta de controle

judicial

O que se percebe da anaacutelise desse sistema eacute que o mesmo apesar de ter

favorecido a implementaccedilatildeo de uma cultura de proteccedilatildeo de direitos fundamentais na Nova

Zelacircndia por meio da adoccedilatildeo do NZBORA e da previsatildeo do mandado interpretativo que de

alguma forma influencia o Parlamento a editar leis compatiacuteveis com a declaraccedilatildeo

restringindo o antes ilitimidado poder de criaccedilatildeo deste oacutergatildeo natildeo haacute como se falar

concretamente na existecircncia de um ldquodiaacutelogo institucionalrdquo

Apesar de alguns doutrinadores otimistas apontarem a praacutetica do

mandado interpretativo na experiecircncia neozelandesa como uma forma de diaacutelogo entre os

101 Eacute necessaacuterio que esclarecer que muito tem sido discutido sobre a possibilidade de uma emissatildeo formal de

declaraccedilatildeo de incompatibilidade pelo Judiciaacuterio no sistema Neozelandecircs Haacute estudiosos que defendam a

necessidade de uma mudanccedila legislativa nesse sentido todavia os entendimentos jurisprudencias mais recentes

indicam que as perspectivas para a adoccedilatildeo dessa possibilidade formal ainda satildeo precaacuterias Ver GINSBURG

Claudia On a Road to Nowhere Implied Declarations of Inconsistency and the New Zeland Bill of Rights

Victoria University of Wellington Law Review 40 613-47 2009

86

poderes existem muitas criacuteticas a tal afirmaccedilatildeo sob o argumento de que o que haacute na

realidade eacute total a prevalecircncia do Poder Legislativo

O NZBORA emerge como um documento de caraacuteter essencialmente

interpretativo baseado em uma implementaccedilatildeo parlamentar Essa caracteriacutestica

interpretativa apesar de reforccedilada pela abordagem judicial ainda estaacute muito ligada a

supremacia parlamentar pronfudamente enraizada no constitucionalismo neozelacircndes e a

essa forma de envolvimento Parlamento natildeo pode nem na melhor das hipoacuteteses ser vista

como uma forma de diaacutelogo (HIEBERT KELLY 2015)

A falta de mecanismos formais ao alcance do Judiciaacuterio para poder

declarar a incompatibilidade de uma medida legislativa com a declaraccedilatildeo de direitos reduz

em grande escala a possibilidade da ocorrecircncia de um diaacutelogo entre os poderes poliacuteticos

Nesse sentido Geiringer (2009 p 647-647) aduz que a experiecircncia

Neozelandesa demonstra que a maioria dos juiacutezes natildeo se sentem confortaacuteveis quando

colocados a exercer o papel de criacuteticos do legislativo justamente pela arraigada cultura

parlamentar presente neste modelo e que a melhor e mais raacutepida forma de mudar essa

mentalidade seria por meio da atribuiccedilatildeo de uma poder formal para declarar a inconsistecircncia

das leis

Sendo assim a possibilidade de um efetivo diaacutelogo entre os Poderes

dentro do sistema da Nova Zelacircndia na forma em que hoje se afigura eacute escassa e limitada

jaacute que a supremacia parlamentar ainda eacute muito forte e evidente

87

CAPIacuteTULO 3 ndash AS TEORIAS DIALOacuteGICAS NO SISTEMA DE JURSIDICcedilAtildeO

CONSTITUCIONAL BRASILEIRO UMA POSSIBILIDADE

Da exposiccedilatildeo feita no capiacutetulo anterior podemos concluir que natildeo haacute

uma forma preacute definida para a ocorrecircncia do diaacutelogo podendo ele se manifestar por meio

das mais diversas praacuteticas e sob perspectivas teoacutericas diferentes a depender da cultura

histoacuterica e poliacutetica do paiacutes em que estaacute inserido

Apesar de ser um tema ainda pouco explorado pela doutrina brasileira

que ainda se centra primordialmente nos estudos das teorias interpretativas nos parece

importante verificar se haacute a possibilidade da aplicaccedilatildeo das teorias dialoacutegicas no Brasil mais

ainda se podemos identificar algum indiacutecio da sua praacutetica nos julgados do STF

Por isso na sequecircncia se buscaraacute por meio da anaacutelise de alguns casos

concretos constatar como e em que medida os diaacutelogos institucionais se manifestam no

sistema brasileiro a fim de revelar quais os traccedilos das teorias dialoacutegicas presentes nesse

sistema

Oportunamente se esclarece que os casos selecionados para anaacutelise satildeo

resultado do controle concentrado de constitucionalidade quando o Supremo Tribunal

Federal exerce seu papel de guardiatildeo da constituiccedilatildeo102 Fez-se essa opccedilatildeo por ser este tipo

de controle o ponto de maior relevacircncia e confronto entre a atuaccedilatildeo do STF e sua relaccedilatildeo

com o Legislativo pois eacute onde haacute uma anaacutelise judicial direta e abstrata da atuaccedilatildeo legislativa

que daacute origem a uma decisatildeo judicial com efeitos erga omnes

A anaacutelise de casos ocorridos no acircmbito do controle concentrado de

constitucionalidade torna-se ainda mais interessante do que a de casos derivados do controle

difuso se levarmos em conta que neste uacuteltimo a reaccedilatildeo legislativa eacute disciplinada pela proacutepria

Constituiccedilatildeo Federal por meio do inciso X do artigo 52 que atribui ao Senado a

competecircncia para suspender a execuccedilatildeo de lei declarada inconstitucional natildeo havendo

102 O art 102 da Constituiccedilatildeo Federal Brasileira atribui expressamente ao STF o papel de guardiatildeo da

Constiticcedilatildeo cabendo-lhe julgar originariamente accedilatildeo direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo

federal ou estadual e a accedilatildeo declaratoacuteria de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal

88

portanto grandes controveacutersias a esse respeito103

Deve ser esclarecido ainda que apesar de no capiacutetulo anterior ter-se

feito referecircncia as teorias que prescrevem a realizaccedilatildeo de um diaacutelogo social no presente

capiacutetulo a anaacutelise se centraraacute apenas em casos onde os atores participantes do processo de

interpretaccedilatildeo constitucional satildeo os poderes institucionalizados excluindo-se os casos onde

se fala na inclusatildeo da sociedade Destaca-se isso porque hoje a realizaccedilatildeo de audiecircncias

puacuteblicas e a convocaccedilatildeo de ldquoamigos da corterdquo durante o processo constitucional tem sido

uma praacutetica comum poreacutem complexa utilizada pelo Supremo Tribunal brasileiro104

Portanto entende-se que seria temeraacuterio invocar aqui casos envolvendo

esses mecanismos populares sem trataacute-los com a devida profundidade dando atenccedilatildeo a todos

os aspectos controversos que a anaacutelise requer Por esses motivos a anaacutelise centra-se apenas

casos onde figuram como atores o Poder Legislativo e o Poder Judiciaacuterio

Ressalta-se que o objetivo do estudo natildeo eacute analisar de forma exaustiva

a jurisprudecircncia brasileira ateacute mesmo porque para tanto seria necessaacuterio um trabalho

dedicado inteiramente agrave esse objetivo Pretende-se verificar e ilustrar como as teorias

dialoacutegicas podem ser encontradas na praacutetica brasileira por meio de importantes julgados

proferidos pelo Supremo Tribunal Federal identificando os elementos dialoacutegicos neles

presentes e as correspondentes teorias

Para fazer a anaacutelise dos casos e identificar seus aspectos dialoacutegicos seraacute

utilizado como base aleacutem das teorias expostas no capiacutetulo anterior a descriccedilatildeo de diaacutelogo

convencional proposta por Tushnet (2012 p 3-13) a qual se estrutura da seguinte forma

1ordm O legislador promulga uma lei rarr 2ordm o estatuto enfrenta um desafio

no Tribunal Constitucional rarr 3ordm O Tribunal invalida o estatuto rarr 4ordm o Tribunal na decisatildeo

103 Necessaacuterio destacar eu haacute uma divergecircncia na doutrina brasileira acerca da discricionariedade do poder

atribuiacutedo ao Senado por forccedila do art 52 X da CF88 Nos filiamos a doutrina minoritaacuteria segundo a qual o

Senado possui a faculdade de suspender a lei e natildeo a obrigaccedilatildeo jaacute que a decisatildeo judicial exarada no exerciacutecio

do controle de constitucionalidade disfuso possui efetios inter partes Sob essa loacutegica pode-se enxergar tal

previsatildeo constitucional como um mecanismo dialoacutegico pois natildeo deixa ser um instrumento de reaccedilatildeo legislativa

agrave decisatildeo judicial que complementa o controle judicial e de certa forma estendendo os efeitos da sua decisatildeo

104 Exemplo emblemaacutetico dessa praacutetica eacute a ADI 3510 onde foi apreciada a inconstitucionalidade da Lei de

Bioseguranccedila em especial no tocante a possibilidade de pesquisas utilizando ceacutelulas tronco e o STF

reconhecendo a complexidade do tema convou a realizaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas onde forma ouvidas vaacuterias

entidadas organizadas da sociedade civil e a particiaccedilatildeo de diversas pessoas na qualidade de ldquoamigos da corterdquo

para compartilhar conhecimento teacutecnico que o Tribunal assumir natildeo possuir para julgar o caso

89

indica algumas formas especiacuteficas em que o estatuto eacute incompatiacutevel com a Constituiccedilatildeo ou

oferece a melhor interpretaccedilatildeo das disposiccedilotildees constitucionais rarr 5ordm O legislativo responde

revendo o estatuto e corrigindo as deficiecircncias apontadas pelo Tribunal ou reedita o estatuto

sem alteraccedilotildees rarr 6ordm O estatuto eacute novamente desafiado rarr 7ordm O Tribunal lida com o desafio

e se abre para um novo debate defendendo o estatuto ou verifica se as modificaccedilotildees do

estatuto foram suficientes para torna-lo compatiacutevel ou estatildeo aqueacutem e ensejam uma nova

invalidaccedilatildeo

Ou ainda 1ordm A Constituiccedilatildeo impotildee ao legislador o dever de legislar

sobre um toacutepico especiacutefico rarr 2ordm O Tribunal identifica falhas na atuaccedilatildeo legislativa

entendendo que a mesma eacute insuficiente para satisfazer o seu dever ou verifica a ausecircncia de

atuaccedilatildeo rarr 3ordm indica ao legislativo as falhas ou a omissao exigindo a tomada de medidas no

sentido de cumprir o seu dever constitucional

Dito isso passa-se a anaacutelise dos casos concretos

14 Julgamento da accedilatildeo direta de inconstitucionalidade nordm 2797df ndash a suacutemula

394 do STF e a lei nordm 106282002

a) Breve resumo do caso

A antiga Suacutemula105 394 do STF editada em 3 de abril de 1964 a qual

dispunha que cometido o crime durante o exerciacutecio funcional prevalece a competecircncia

especial por prerrogativa de funccedilatildeo ainda que o inqueacuterito ou a accedilatildeo penal sejam iniciados

apoacutes a cessaccedilatildeo daquele exerciacutecio foi cancelada por unanimidade em sessatildeo plenaacuteria da

Corte realizada em 30042007

Os argumentos para o cancelamento do referido verbete giraram

basicamente em torno da defesa de que a prerrogativa de foro visa garantir o exerciacutecio do

105 A Suacutemula eacute um instituto juriacutedico muito presente no Direito brasileiro que consiste em um verbete que

registra a interpretaccedilatildeo paciacutefica ou majoritaacuteria de um determinado Tribunal a partir do julgamento de variados

casos concretos a fim de tornar puacuteblico a sociedade o seu entendimento e promover uma uniformizaccedilatildeo das

decisotildees judiciais Em regra natildeo possui efeito vinculante servindo apenas de diretriz poreacutem quando for votada

e aprovada pelo STF por pelo menos 23 do plenaacuterio se torna um entendimento obrigatoacuterio a ser observado

por todos os outros Tribunais e juiacutezes bem como pelos entes da Admnistraccedilatildeo Puacuteblica conforme determina o

Artigo 103-A da Constituiccedilatildeo Federal de 1988

90

cargo e natildeo o seu ocupante sendo assim uma vez que o indiacuteviduo deixa o cargo natildeo deve

fazer jus ao privileacutegio eis que o mesmo eacute inerente ao cargo e natildeo um direito subjetivo assim

atribuir o privileacutegio quando jaacute natildeo mais haacute o exerciacutecio da funccedilatildeo violaria o princiacutepio da

igualdade

Foi entatildeo consolidado pela Corte o entendimento de que deixando o

cargo definitivamente independentemente do motivo o ex-titular natildeo teraacute direito a processo

e julgamento em oacutergatildeo jurisdicional distinto daquele que teria qualquer outro cidadatildeo

Apesar da sedimentaccedilatildeo desse entendimento no acircmbito do STF em

dezembro de 2002 foi promulgada a Lei nordm 106282002 que alterou o artigo 84 do Coacutedigo

de Processo Penal brasileiro para inserir o sect1ordm com a seguinte redaccedilatildeo ldquoa competecircncia

especial por prerrogativa de funccedilatildeo relativa a atos administrativos do agente prevalece

ainda que o inqueacuterito ou a accedilatildeo judicial sejam iniciados apoacutes a cessaccedilatildeo do exerciacutecio da

funccedilatildeo puacuteblicardquo

Foi arguida a inconstitucionalidade do mencionado dispostivo legal por

meio de accedilatildeo direta de inconstitucionalidade proposta pela Associaccedilatildeo Nacional dos

Membros do Ministeacuterio Puacuteblico ndash CONAMP Ao fim do julgamento foi declarada a

inconstitucionalidade material e formal da lei essa uacuteltima com base no argumento de que

uma lei ordinaacuteria natildeo poderia vir a superar uma interpretaccedilatildeo constitucional jaacute realizada pelo

Supremo

Os aspectos relevantes do caso para a anaacutelise pretendida residem

justamente na tentativa do Legislativo de superar uma interpretaccedilatildeo constitucional jaacute

consolidada pela Suprema Corte e natildeo tanto no meacuterito relativo a constitucionalidade

material da norma

O caso eacute emblemaacutetico no cenaacuterio brasileiro por ter despertado um

interessante debate acerca da possibilidade de reaccedilatildeo legislativa a uma interpretaccedilatildeo

constitucional proferida pelo STF o que em muito contribui para a nossa anaacutelise sobre a

possibilidade de um diaacutelogo institucional no sistema brasileiro

Passa-se entatildeo a exposiccedilatildeo das importantes variaacuteveis do debate de

acordo com os votos proferidos pelos Ministros na ocasiatildeo do julgamento

91

b) Debate acerca da possibilidade de reediccedilatildeo de uma lei anteriormente declarada

inconstitucional pelo STF

O relator do caso Ministro Sepuacutelveda Pertence em seu voto o qual foi

seguido pela maioria iniciou a fundamentaccedilatildeo da inconstitucionalidade do dispostivo legal

sob anaacutelise naquela ocasiatildeo afirmando que o mesmo constitui evidente reaccedilatildeo legislativa ao

cancelamento da Suacutemula 394 Destacou que a redaccedilatildeo legal se aproxima substancialmente

da que foi proposta em seu voto vencido pela maioria na ocasiatildeo da deliberaccedilatildeo sobre o

cancelamento do verbete

Afirmou que o cancelamento da Suacutemula decorreu de interpretaccedilatildeo

direta e exclusiva da Contituiccedilatildeo e natildeo pela inexistecircncia de lei ordinaacuteria que o regulasse

Diante disso formulou entatildeo a seguinte indagaccedilatildeo lei ordinaacuteria eacute instrumento normativo

apto agrave alterar jurisprudecircncia assente do STF fundada em interpretaccedilatildeo direta e exclusiva da

Constituiccedilatildeo

Argumentou construindo uma resposta negativa agrave indagaccedilatildeo embora

reconhecendo que as decisotildees da Corte em sede de controle concentrado natildeo vinculam o

Poder Legislativo mas tatildeo somente os demais oacutergatildeos do Judiciaacuterio e o Poder Executivo

Assim concluiu que a ediccedilatildeo de uma lei no sentido contraacuterio de uma decisatildeo do Tribunal

natildeo infere necessariamente um descumprimento dessa decisatildeo estando o Legislativo livre

para agir nesse sentido todavia a medida editada seraacute inevitavelmente considerada

inconstitucional a menos que a Corte recue em seu posicionamento anterior sobre o assunto

Neste ponto o Ministro propocircs uma reflexatildeo diferenciando a

inconstitucionalidade material e formal da lei No seu entender se a lei reeditada pretender

impor com seu objeto imediato uma interpretaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo ela seraacute eivada de uma

inconstitucionalidade formal pois uma lei de hierarquia inferior natildeo pode ditar a

interpretaccedilatildeo de uma norma hierarquicamente superior

Poreacutem quando a lei editada pelo legislativo for de conteuacutedo similar ao

de uma outra jaacute declarada inconstitucional deveraacute ser feita anaacutelise acerca da

inconstitucionalidade material pois a Corte natildeo estaacute vinculada ao seu entendimento anterior

podendo mudar de opiniatildeo sobre o assunto em um novo debate

92

Neste sentido merece destaque o seguinte trecho do voto

ldquoAdmitir pudesse a lei ordinaacuteria inverter a leitura pelo Supremo Tribunal

da Constituiccedilatildeo seria dizer que a interpretaccedilatildeo constitucional da Corte

estaria sujeita ao referendo do legislador ou seja que a Constituiccedilatildeo ndash

como entendida pelo oacutergatildeo que ela proacutepria erigiu em guarda da sua

supremacia ndash soacute constituiria a Lei Suprema na medida da inteligecircncia que

lhe desse outro oacutergatildeo constituiacutedo o legislador ordinaacuterio ao contraacuterio

submetido aos seus ditamesrdquo

O Ministro Eros Grau em voto divergente discordou do entendimento

traccedilado no voto do relator no aspecto da inadmissibilidade da interpretaccedilatildeo constitucional

por lei ordinaacuteria afirmando que todo ato legislativo em alguma medida envolve a

interpretaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo por parte de quem legisla

Concluiu pela inexistecircncia de inconstitucionalidade formal da Lei nordm 10

62802 com base no fundamento de que o Poder Legislativo natildeo fica vinculado por um

dever de natildeo legislar em razatildeo da Corte ter conferido alguma interpretaccedilatildeo constitucional

Sendo entatildeo admissiacutevel que o Legislativo reedite uma lei contraacuteria a interpretaccedilatildeo

constitucional jaacute proferido pelo STF todavia esta lei fatalmente sucumbiraacute agrave anaacutelise da

inconstitucionalidade material jaacute que a uacuteltima palavra deveraacute ser dada pela Corte

O Ministro Gilmar Mendes acompanhou a divergecircncia lanccedilando

argumentos diferentes que enriqueceram o debate os quais satildeo de grande importacircncia para

a anaacutelise que se faraacute s na sequecircncia razatildeo pela qual transcreve-se aqui alguns dos principais

trechos

(hellip) Penso que natildeo eacute possiacutevel admitir que o legislador ordinaacuterio tenha a

sua liberdade totalmente tolhida pelas declaraccedilotildees de constitucionalidade

ou inconstitucionalidade do Tribunal Eacute adequado e prudente inclusive

que tais atos legislativos sejam apreciados a partir de um dado contexto

institucional

Eacute de se ressaltar que se de um lado a Constituiccedilatildeo atribui a este Supremo

Tribunal Federal a tarefa de guarda da integridade da ordem juriacutedico-

constitucional de outro eacute assente que o seu texto esta sujeito a uma

sociedade aberta de inteacuterpretes (HARBELE Peter Hermenecircutica

Constitucional A Sociedade aberta dos inteacuterpretes da Constituiccedilatildeo

93

contribuiccedilatildeo para a interpretaccedilatildeo pluralista e ldquoprocedimentalrdquo da

Constituiccedilatildeo Trad Gilmar Ferreira Mendes Porto Alegre Sergio Antonio

Fabris 1997) os quais podem de acordo com as alteraccedilotildees histoacuterico-

culturais exercer alternativas plurais de interpretaccedilatildeo

(hellip)

Natildeo eacute possiacutevel presumir portanto a inconstitucionalidade dos dispositivos

atacados simplesmente porque eles contrariam a ldquouacuteltima palavrardquo

conferida pelo Supremo Tribunal Federal sobre o tema Que pretendo

ressaltar pelo contraacuterio eacute o fato de que se o legislador federal (re)incide

cria ou regula essa mateacuteria constitucional de modo inteiramente diverso o

ldquodiaacutelogordquo o debate institucional deve continuar

Os demais ministros seguiram o voto do relator sem acrescentar grandes

argumentos ao debate Desta feita restou consignada no julgado a inconstitucionalidade da

lei

c) Anaacutelise do caso pelo prisma das Teorias do Diaacutelogo Institucional

Inicialmente merece ser pontuado que como destacado no voto do

Ministro Relator a lei da qual foi apreciada a constitucionalidade pelo STF trata-se de

expressa reaccedilatildeo legislativa a interpretaccedilatildeo constitucional anteriormente proferida

Como viu-se no capiacutetulo anterior para alguns estudiosos como Peter

Hogg e Allisson Bushell a simples possibilidade de reaccedilatildeo legislativa agrave decisatildeo judicial

resultante do controle de constitucionalidade deve ser considerada como uma praacutetica

dialoacutegica

Nessa perspectiva pode-se dizer que o STF apesar de ter considerado a

inconstitucionalidade da lei natildeo descartou a possibilidade da reaccedilatildeo legislativa agrave sua decisatildeo

preteacuterita admitindo que a mesma natildeo vincula a atuaccedilatildeo legislativa o que demonstra a

existecircncia de um espaccedilo para a possibilidade do diaacutelogo no sistema brasileiro ainda que este

em muito se diferencie estruturalmente do sistema Canadense o qual foi o objeto de estudo

desses Autores

Aplicando a descriccedilatildeo dialoacutegica proposta por Tushnet pode-se dizer que

o caso enquadra-se no conceito de diaacutelogo pois o legislador pretendeu a modificaccedilatildeo do

94

entendimento da Corte por meio da ediccedilatildeo de um estatuto legal com objeto semelhante ao

de uma Suacutemula jaacute cancelada - praacutetica que pode ser comparada a ldquoin your face responserdquo

comum no sistema canadense106- e o Tribunal enfrentou a questatildeo por meio de um novo

debate poreacutem permaneceu firme no seu entendimento anterior

Portanto em que pese a Constituiccedilatildeo Federal brasileira natildeo trazer

expressamente em seu texto a previsatildeo de um mecanismo especiacutefico que possibilite ao

legislativo superar uma decisatildeo do Supremo Tribunal Federal107 proferida no acircmbito do

controle concentrado de constitucionalidade o fato de as decisotildees do Supremo nesta espeacutecie

de controle de constitucionalidade natildeo vincularem o Poder Legislativo108 possibilitam ou

pelo menos natildeo impedem a reediccedilatildeo de uma norma jaacute consagrada inconstitucional

Sendo assim pode-se afirmar que apesar do Brasil adotar um modelo forte

de controle de constitucionalidade e a Constituiccedilatildeo Federal conceder expressamente a

guarda da Constituiccedilatildeo ao Supremo Tribunal Federal a possibilidade de um diaacutelogo

institucional com o Poder Legislativo ndash sob a perspectiva de algumas teorias dialoacutegicas ndash

natildeo eacute algo impensaacutevel

Importante frisar a questatildeo da adoccedilatildeo de um sistema forte de controle

de constitucionalidade jaacute que conforme lecionado por Tushnet (2009) esses sistemas seriam

menos propiacutecios ao diaacutelogo jaacute que seus mecanismos de modificaccedilatildeo da decisatildeo judicial

seriam mais difiacutecies e demorados como a Emenda Constitucional por exemplo Contudo

no presente caso vecirc-se que essa possibilidade pode ocorrer por meio de lei ordinaacuteria e de

forma relativamente ceacutelere se considerado que entre a revogaccedilatildeo da Suacutemula 394 e a ediccedilatildeo

da lei se passaram apenas dois anos

106 Ver toacutepico 1012 107 Apenas a tiacutetulo de conhecimento entendemos necessaacuterio mencionar que no ano de 2011 foi proposto um

Projeto de Emenda a Constituiccedilatildeo conhecido como PEC 33 o qual pretendia modificar o enunciado do artigo

102 da CF para alterar a quantidade miacutenima de votos de membros de tribunais para declaraccedilatildeo de

inconstitucionalidade das leis condicionar o efeito vinculante de suacutemulas aprovadas pelo STF agrave aprovaccedilatildeo

pelo Poder Legislativo e submeter ao Congresso Nacional as decisotildees sobre inconstitucionalidade de Emendas

agrave Constituiccedilatildeo As alteraccedilotildees pretendidas com o prejeto especialemente as duas uacuteltimas que alargam a

competecircncia do Legislativo sugerem a introduccedilatildeo de um modelo de controle de constitucionalidade

semelhante ao weak form A PEC foi arquivada no dia 31012015 com o fim da legislatura em que foi proposta

nos termos do art 105 do regimento interno da Cacircmara dos Deputados

108 O paraacutegrafo uacutenico do artigo 28 da Lei nordm 9 868 de 10 de novembro de 1999 dispotildee que a declaraccedilatildeo de

constitucionalidade ou de inconstitucionalidade inclusive a interpretaccedilatildeo conforme a Constituiccedilatildeo e a

declaraccedilatildeo parcial de inconstitucionalidade sem reduccedilatildeo de texto tecircm eficaacutecia contra todos e efeito vinculante

em relaccedilatildeo aos oacutergatildeos do Poder Judiciaacuterio e agrave Administraccedilatildeo Puacuteblica federal estadual e municipal natildeo

incluindo nesse rol o Poder Legislativo

95

Pois bem da leitura do item b) acima percebe-se uma divergecircncia de

opiniatildeo dentro da proacutepria Corte a respeito do tema alguns ministros a maioria deles

adotaram um pensamento mais conservador e defensor da supremacia judicial no sentido de

considerar a reaccedilatildeo legislativa abusiva Outros principalmente o ministro Gilmar Mendes

optaram por um posicionamento mais tendente ao diaacutelogo reconhecendo a importacircncia de

uma postura mais aberta do Judiciaacuterio nesse sentido

Apesar do voto vencedor ter concluiacutedo pela inconstitucionalidade

formal da lei a anaacutelise do meacuterito natildeo deixou de ocorrer Todos os ministros engajaram-se a

debater o tema tratado pela lei e pela antiga Suacutemula novamente reacendendo o debate dois

anos depois Em que pese o entendimento da Corte ter permanecido o mesmo deve-se

reconhecer os benefiacutecios da reediccedilatildeo da lei no sentido de possibilitar um ldquosegundo olharrdquo

sobre o tema

Nesse aspecto do caso percebe-se a ideia desenvolvida por Kent

Roach109 ndash a qual se enquadra no grupo das teorias de princiacutepios juriacutedicos ndash em que a decisatildeo

judicial deve ser considerada como o iacutenicio do debate o qual prossegue mediante a resposta

legislativa por meio da ediccedilatildeo de leis ordinaacuterias reativas agrave essa decisatildeo e que assim

possibilitam que o tema volte a ser debatido pelo Judiciaacuterio e tambeacutem pelo Legislativo

Para o autor a devoluccedilatildeo do debate ao Judiciaacuterio por meio da resposta

legislativa eacute uma forma mais desejaacutevel de atuaccedilatildeo do legislador ao inveacutes da ou total

deferecircncia agraves decisotildees judiciais ou ainda da superaccedilatildeo da decisatildeo e imposiccedilatildeo do seu

entendimento como o sistema canadense possibilitar com a claacuteusula 33 Todavia tambeacutem

atenta para o lado negativo dessa praacutetica como jaacute se viu anteriormente

O caso traduz exatamente as criacuteticas dirigidas agrave essa teoria e sua

respectiva praacutetica pois viu-se que o legislativo pode simplesmente reeditar uma norma jaacute

considerada inconstitucional sem no entanto se preocupar em justificar a sua escolha

tampouco demonstrar a necessidade da medida mas apenas repetindo o conteuacutedo tal e qual

ao da norma anterior contrariando a expectativa de uma melhor e mais responsaacutevel atuaccedilatildeo

Eacute necessaacuterio perceber tambeacutem a postura ativista da Corte tendo em

vista que o entendimento que prevaleceu nesse caso foi pela impossibilidade de reediccedilatildeo de

109 Ver tambeacutem aleacutem das obras jaacute anteriormente citadas ROACH Kent Constitutional and Common Law

Dialogues between the Supreme Court and Canadian Legislatures Canadian Bar Review p 481-533 2001

96

uma norma jaacute declarada inconstitucional com uma clara intenccedilatildeo de preservar e rearfirmar

o seu poder110 o que evidencia mais uma dificuldade praacutetica da aplicaccedilatildeo das teorias dos

princiacutepios juriacutedicos dependentes da boa disposiccedilatildeo do Judiciaacuterio para abertura do debate e

ateacute para uma eventual deferecircncia agrave escolha legislativa

Em todo caso fato eacute que natildeo se pode considerar que no presente caso

houve um diaacutelogo sob o ponto de vista material concluindo consequentemente que as

teorias dialoacutegicas dos princiacutepios juriacutedicos na praacutetica natildeo se revelam apropriadas para a sua

consecuccedilatildeo Todavia vislumbra-se a tentativa de uma resposta legislativa ao protagonismo

Judicial que pode sob o ponto de vista formal ser considerada como um diaacutelogo

principalmente por ter levado o tema a ser debatido novamente pela Corte apesar da sua

postura mais conservadora conforme propotildee Tushnet111

Essa reaccedilatildeo legislativa ao contraacuterio do que pode parecer em um

primeiro momento natildeo eacute algo tatildeo raro no sistema brasileiro e pode ser encontrada tambeacutem

em diversos outros casos como veraacute na sequecircncia

15 Julgamento da accedilatildeo direta de inconstitucionalidade nordm 4543DF e a lei

131652015

a) Breve resumo do caso

Na Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade nordm 4543DF proposta pela

Procuradoria Geral da Repuacuteblica o Supremo Tribunal apreciou a incompatibilidade do artigo

5ordm da Lei 120342009 com o caput do artigo 14 da Constituiccedilatildeo Federal brasileira que

assegura o voto direto e secreto

O supracitado dispositivo legal previa a criaccedilatildeo do voto impresso a

partir do processo eleitoral de 2014 e possuiacutea a seguinte redaccedilatildeo

5o Fica criado a partir das eleiccedilotildees de 2014 inclusive o voto impresso

110 Neste sentido Barroso (2009) destaca que o primeiro impulso natural do poder eacute a auto-conservaccedilatildeo sendo

intuitivo que os representantes do poder em suas relaccedilotildees entre si ou com outros aotres poliacuteticos sejam eles

institucionais ou sociais procure demarcar e preservar seu espaccedilo de atuaccedilatildeo e sua autoridade

111 Ver toacutepicos 1012 1013 e 1014 que abordam as teorias dialoacutegicas de princiacutepios juriacutedicos sua

concretizaccedilatildeo no sistema canadense e respetivas criacuteticas

97

conferido pelo eleitor garantido o total sigilo do voto e observadas as

seguintes regras

sect 1o A maacutequina de votar exibiraacute para o eleitor primeiramente as telas

referentes agraves eleiccedilotildees proporcionais em seguida as referentes agraves eleiccedilotildees

majoritaacuterias finalmente o voto completo para conferecircncia visual do eleitor

e confirmaccedilatildeo final do voto

sect 2o Apoacutes a confirmaccedilatildeo final do voto pelo eleitor a urna eletrocircnica

imprimiraacute um nuacutemero uacutenico de identificaccedilatildeo do voto associado agrave sua proacutepria

assinatura digital

sect 3o O voto deveraacute ser depositado de forma automaacutetica sem contato

manual do eleitor em local previamente lacrado (grifou-se)

sect 4o Apoacutes o fim da votaccedilatildeo a Justiccedila Eleitoral realizaraacute em audiecircncia

puacuteblica auditoria independente do software mediante o sorteio de 2 (dois

por cento) das urnas eletrocircnicas de cada Zona Eleitoral respeitado o limite

miacutenimo de 3 (trecircs) maacutequinas por municiacutepio que deveratildeo ter seus votos em

papel contados e comparados com os resultados apresentados pelo

respectivo boletim de urna

sect 5o Eacute permitido o uso de identificaccedilatildeo do eleitor por sua biometria ou pela

digitaccedilatildeo do seu nome ou nuacutemero de eleitor desde que a maacutequina de

identificar natildeo tenha nenhuma conexatildeo com a urna eletrocircnica

O Supremo considerou a lei inconstitucional com base em diversos

argumentos alegando resumidamente que a criaccedilatildeo do voto impresso representaria um

retrocesso para o sistema eleitoral brasileiro que atualmente conta com um moderno e

eficiente aparato de votaccedilatildeo eletrocircnica e seria uma ameaccedila ao sigilo garantido

constitucionalmente afirmando a proibiccedilatildeo de qualquer tipo de identificaccedilatildeo do eleitor no

exerciacutecio do voto ou no proacuteprio voto

A accedilatildeo foi julgada procedente por unanimidade nos termos do voto do

Ministro Relator poreacutem eacute interessante destacar o voto do Ministro Luiacutes Roberto Barroso o

qual aduziu expressamente a importacircncia de que o Judiciaacuterio conserve uma postura de

humildade institucional sendo deferente agraves escolhas poliacuteticas do Legislador que natildeo sejam

claramente irrazoaacuteveis Em resposta o Ministro Luiz Fux afirmou que muito embora

98

concorde com a deferecircncia que deve ser dada ao Legislativo em certos casos eacute preciso que

o Supremo exerccedila a funccedilatildeo contramajoritaacuteria ou seja contra a Casa do Povo principalmente

naquelas hipoacuteteses em que haacute uma ameaccedila a direito fundamental

Pouco mais de um ano apoacutes o referido julgamento o Legislativo

promulgou a Lei nordm 131652015 conhecida como ldquolei da minireforma eleitoralrdquo por

introduzir significativas alteraccedilotildees ao Coacutedigo Eleitoral a qual em seu artigo 2ordm deu nova

redaccedilatildeo ao Artigo 59-A do referido Coacutedigo nos seguintes termos

Art 59-A No processo de votaccedilatildeo eletrocircnica a urna imprimiraacute o

registro de cada voto que seraacute depositado de forma automaacutetica e sem

contato manual do eleitor em local previamente lacrado (grifou-se)

Paraacutegrafo uacutenico O processo de votaccedilatildeo natildeo seraacute concluiacutedo ateacute que o

eleitor confirme a correspondecircncia entre o teor de seu voto e o registro

impresso e exibido pela urna eletrocircnica

Da simples leitura do dispositivo acima percebe-se que o que o

Legislativo fez foi reeditar uma norma com igual objeto ao da anteriormente declarada

inconstitucional pela Corte Entretanto algumas alteraccedilotildees no texto satildeo notoacuterias sobretudo

no tocante a retirada da previsatildeo de um nuacutemero uacutenico de identificaccedilatildeo do voto associado agrave

proacutepria assinatura digital e da auditoria pela Justiccedila Eleitoral

Percebe-se entatildeo mais uma vez a ocorrecircncia de uma reaccedilatildeo legislativa

por meio da ediccedilatildeo de lei ordinaacuteria tendo em vista o desacordo do legislador com o

entendimento proferido pela Corte

b) Anaacutelise do caso pelo prisma das Teorias do Diaacutelogo Institucional

Observa-se claramente no presente caso a possibilidade concreta do

Legislativo brasileiro reeditar uma norma de igual objeto e com redaccedilatildeo semelhante e igual

objeto de outra jaacute declarada inconstitucional pelo STF

O caso eacute similar ao antes descrito poreacutem naquele a norma anterior que

estava sendo reeditada natildeo era uma lei ordinaacuteria criada pelo legislativo mas sim uma Suacutemula

editada pela proacutepria Corte Neste caso jaacute se nota duas normas editadas pelo mesmo oacutergatildeo

99

com o mesmo objeto e em um lapso temporal relativamente curto a primeira jaacute considerada

inconstitucional e a segunda ateacute o momento vaacutelida

Se observar-se o caso pela vertente do conteuacutedo daquelas teorias

dialoacutegicas que consideram a reediccedilatildeo de norma idecircntica como uma forma de diaacutelogo chegar-

se-aacute a conclusatildeo que esse pode ser mais um exemplo de diaacutelogo no seu sentido formal assim

como o narrado acima

O caso encaixa-se perfeitamente na descriccedilatildeo convencional de diaacutelogo

sintetizada por Tushnet eis que respeita a execuccedilatildeo de todos os passos descritos pelo autor

todavia conceber a resposta legislativa neste caso como uma forma de diaacutelogo pode ser

considerado como algo positivo ou natildeo a depender do ponto de vista adotado

Pode-se considerar a reaccedilatildeo legislativa tanto como uma afronta agrave

decisatildeo judicial na tentativa de manter uma legislaccedilatildeo flagrantemente inconstitucional em

vigor protegendo seus proacuteprios interesses poliacuteticos ou podemos interpretar a reaccedilatildeo

legislativa tambeacutem como uma manifestaccedilatildeo de deferecircncia agrave decisatildeo judicial sendo uma

revisatildeo da lei anterior

Menciona-se isso porque natildeo se pode ignorar o fato de o texto da

segunda lei ser muito mais sucinto que o da primeira sobretudo por ter sido retirada da sua

redaccedilatildeo alguns aspectos especiacuteficos que foram impugnados pelo Supremo Nesse aspecto

se adotada uma visatildeo positiva poder-se-ia dizer que o resultado esperado pelos defensores

dessa praacutetica foi atingido ocasionando uma atuaccedilatildeo mais responsaacutevel do Legislativo o qual

teria levado em conta as observaccedilotildees do Judiciaacuterio para a elaboraccedilatildeo de uma medida mais

satisfatoacuteria que a anterior

Se observada a reaccedilatildeo legislativa sob esse entendimento poder-se-aacute

dizer que houve no presente caso - conforme o sentido empregado por Tremblay (2000) -

uma ldquoconversardquo entre entre Judiciaacuterio e Legislativo que resultou em uma medida legislativa

criada mediante o compartilhamento das visotildees de ambos os Poderes

Entretanto eacute necessaacuterio destacar que a intenccedilatildeo do Legislativo natildeo resta

clara pois ao mesmo tempo que modificou em alguns aspectos o texto anteriormente

editado tambeacutem manteve o seu principal objeto o qual jaacute havia sido flagrantemente

considerado inconstitucional pela Corte

100

Dessa forma ao mesmo tempo em que se pode vislumbrar a ocorrecircncia

de um diaacutelogo tambeacutem se pode encarar o tipo de resposta legislativa dada neste caso como

uma atuaccedilatildeo abusiva a qual natildeo poderaacute ser entendida como dialoacutegica

Essa ambiguidade demonstra que nem toda forma de resposta

legislativa deve ser encarada sob o ponto de vista dialoacutegico sob pena de enfraquecimento

das proacuteprias teorias dialoacutegicas do esvaziamento do seu potencial Eacute nesse aspecto que a

descriccedilatildeo convencional de diaacutelogo apresenta falha

O que o diaacutelogo institucional - entendido na sua melhor forma -

preceitua natildeo eacute uma imposiccedilatildeo de pontos de vista muito menos a simples deferecircncia de um

Poder para com o outro mas sim uma efetiva troca de argumentos por isso eacute preciso que

haja uma anaacutelise qualitativa das respostas legislativas para soacute assim poder enquadraacute-las

como uma manifestaccedilatildeo dialoacutegica e natildeo apenas considerar que o simples fato da sua

possibilidade existir jaacute eacute uma evidecircncia de diaacutelogo (PETTER 2007)

Como jaacute analisado anteriormente em toacutepico especiacutefico a metodologia

de diaacutelogo que verificamos nos dois casos expostos ateacute aqui eacute alvo de muitas criacuteticas poreacutem

tambeacutem possui alguns aspectos postivos que natildeo podem ser desconsiderados os quais ficam

melhor evidenciados por meio da anaacutelise do caso que a seguir seraacute exposto

16 Julgamento da accedilatildeo direta de inconstitucionalide nordm 3772DF ndash a suacutemula 726

do STF e a lei nordm 113012006

a) Breve resumo do caso

Trata-se da anaacutelise da constitucionalidade da Lei nordm 113012006 que

alargou o conceito de funccedilotildees de Magisteacuterio para efeitos de aplicaccedilatildeo do paraacutegrafo 5ordm do

artigo 40 e do paraacutegrafo 8ordm do artigo 201 da CF88 mediante Accedilatildeo Direta de

Constitucionalidade proposta pelo Procurador Geral da Repuacuteblica

Em suma o que a lei questionada apresentou foi uma introduccedilatildeo de um

paraacutegrafo segundo na Lei nordm 93941996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo Nacional)

com a seguinte redaccedilatildeo ldquoPara os efeitos do disposto no sect 5ordm do art 40 e no sect 8o do art 201

da Constituiccedilatildeo Federal satildeo consideradas funccedilotildees de magisteacuterio as exercidas por professores

e especialistas em educaccedilatildeo no desempenho de atividades educativas quando exercidas em

101

estabelecimento de educaccedilatildeo baacutesica em seus diversos niacuteveis e modalidades incluiacutedas aleacutem

do exerciacutecio da docecircncia as de direccedilatildeo de unidade escolar e as de coordenaccedilatildeo e

assessoramento pedagoacutegicordquo

Os respectivos dispositivos constitucionais tratam da aposentadoria

especial para professores prevendo uma reduccedilatildeo do tempo de serviccedilo exigido para tanto

Sobre esse aspecto o STF jaacute havia editado a Suacutemula 726 com a seguinte redaccedilatildeo para efeito

de aposentadoria especial de professores natildeo se computa o tempo de serviccedilo prestado fora

da sala de aula

O referido verbete foi resultado do julgamento da ADI 2253 onde ao

interpretar a Constituiccedilatildeo o Supremo Tribunal firmou o entendimento de que as funccedilotildees de

magisteacuterio referidas pela Carta Magna seriam apenas as da proacutepria atividade fim do

professor ou seja definiu a docecircncia como atividade exclusiva de sala de aula

Desta forma mais uma vez o Legislativo editou lei contraacuteria agrave

interpretaccedilatildeo constitucional jaacute exarada e sumulada pela Corte Contudo nessa ocasiatildeo o

resultado praacutetico foi diferente dos verificados nos casos acima

Primeiro natildeo houve debate acerca da possibilidade da ediccedilatildeo de uma

lei contraacuteria a decisatildeo jaacute proferida pelo STF mas sim uma mudanccedila no entendimento

anteriormente traccedilado apoacutes um intenso debate sobre o assunto

Poderia o Supremo Tribunal ter declarado a inconstitucionalidade da

norma sem muita dificuldade bastava manter o posicionamento anterior relativo a

impossibilidade de alargamento do benefiacutecio da aposentadoria especial aos profissionais

ldquoespecialistas em educaccedilatildeordquo entretanto optou por modificar seu entendimento parcialmente

e adaptaacute-lo para julgar a accedilatildeo parcialmente procedente mantendo a validade da lei e traccedilando

a correta interpretaccedilatildeo da mesma nos seguintes termos

I ndash A funccedilatildeo de magisteacuterio natildeo se circunscreve apenas ao trabalho em sala

de aula abrangendo tambeacutem a preparaccedilatildeo de aulas a correccedilatildeo de provas

o atendimento aos pais e alunos o assessoramento pedagoacutegico e ainda a

direccedilatildeo de unidade escolar

II ndash As funccedilotildees de direccedilatildeo coordenaccedilatildeo e assessoramento pedagoacutegico

integram a carreira de magisteacuterio desde que exercidos em

estabelecimentos de ensino baacutesico por professores de carreira excluiacutedos

102

os especialistas em educaccedilatildeo fazendo jus aqueles que as desempenham ao

regime especial de aposentadoria estabelecido nos sect 5ordm do art 40 e no sect

8o do art 201 da Constituiccedilatildeo Federal

b) Anaacutelise do caso pelo prisma das Teorias do Diaacutelogo Institucional

Vecirc-se no presente caso um posicionamento da Corte totalmente

contraacuterio ao demonstrado anteriormente Aqui o STF admitiu a superaccedilatildeo da sua decisatildeo por

lei ordinaacuteria esforccedilando-se ainda para traccedilar um entendimento compatiacutevel da lei com a

Constituiccedilatildeo quando poderia tecirc-la simplesmente anulado

Neste caso constata-se o benefiacutecio da praacutetica legislativa que mesmo

ciente do entendimento jaacute fixado pelo Judiciaacuterio forccedilou a reediccedilatildeo da lei como forma de

levantar novamente o debate acerca do tema o qual resultou positivo no tocante a efetivaccedilatildeo

de direito fundamental ampliando o rol de beneficiados com a aposentadoria especial dos

professores

Percebe-se neste ponto que o resultado beneacutefico esperado da praacutetica

das teorias dialoacutegicas dos princiacutepios juriacutedicos pautadas em uma articulaccedilatildeo legislativa no

sentido de propiciar um novo debate sobre determinado tema por meio da ediccedilatildeo de uma lei

ordinaacuteria eacute possiacutevel todavia fica claro que para que haja esse efeito positivo eacute necessaacuteria

uma abertura da Corte uma aceitaccedilatildeo ao novo enfrentamento e possibilidade de modificaccedilatildeo

do antigo posicionamento

O caso revela portanto uma importante criacutetica das teorias dialoacutegicas

nenhuma delas prevecirc uma forma de diaacutelogo que na praacutetica deva e possa ocorrer independente

da vontade das institiuiccedilotildees No mesmo sentido a descriccedilatildeo convencional de diaacutelogo exposta

por Tushnet para que resulte positiva necessita da vontade poliacutetica dos agentes

Por outro lado mais uma vez percebe-se que mesmo natildeo havendo no

sistema brasileiro qualquer previsatildeo expressa de um mecanismo estrutural dialoacutegico esse

diaacutelogo pode ocorrer como fruto do proacuteprio princiacutepio da separaccedilatildeo de poderes evidenciando

assim o que preceituam as teorias de construccedilatildeo coordenada jaacute tratadas no toacutepico 101 ou

seja que o diaacutelogo pode se materializar mesmo em um sistema onde haacute uma supremacia

judicial expressa pela proacutepria Constituiccedilatildeo

103

Mediante a leitura do presente caso percebe-se ainda que as respostas

proferidas no acircmbito da interpretaccedilatildeo constitucional estatildeo sujeitas agrave constantes mudanccedilas

que natildeo haacute uma resposta definitiva sendo entatildeo importante a interaccedilatildeo entre os Poderes

justamente para possbilitar a construccedilatildeo de novas respostas condizentes com a realidade e

mais aceitaacuteveis no seio social conforme a ideia do diaacutelogo institucional pressupotildee

Neste sentido revela-se a pertinecircncia dos ensinamentos de Waldron da

necessidade de um modelo de controle judicial das leis onde natildeo haja invariavelmente a

predominacircncia do Judiciaacuterio sendo necessaacuterio o debate acerca das questotildees constitucionais

mais complexas e natildeo a simples prevalecircncia do entendimento judicial112

Outro ponto do caso que merece destaque eacute a praacutetica da ldquointerpretaccedilatildeo

conformerdquo utilizada pelo Supremo Vecirc-se que houve uma busca por uma interpreteccedilatildeo

compatiacutevel com a Constituiccedilatildeo a fim de manter a validade da medida editada pelo

Legislativo poreacutem com uma relativa alteraccedilatildeo do sentido orginal conferido pelo legislador

Nesse aspecto a teacutecnica decisoacuteria utilizada pela Corte se assemelha ao

mandado interpretativo presente em alguns ordenamentos como jaacute abordou-se113 onde o

Judiciaacuterio possui o dever de buscar uma interpretaccedilatildeo legal compatiacutevel com o Bill of Rights

O que as difere em suma eacute o fato de que o Tribunal brasileiro natildeo

possui a ldquoobrigaccedilatildeordquo de dar uma intepretaccedilatildeo conforme a Constituiccedilatildeo podendo declarar a

lei inconstitucional e proceder a sua consequente invalidaccedilatildeo quando entender que natildeo eacute

possiacutevel adequar a interpretaccedilatildeo aos preceitos constitucionais ao contraacuterio do que ocorre no

Reino Unido e Nova Zelacircndia onde o Judiciaacuterio natildeo pode anular a lei quando natildeo conseguir

vislumbrar nenhuma interpretaccedilatildeo harmonizaacutevel com a Constituiccedilatildeo

Dito isso percebe-se que nesse caso natildeo houve uma simples deferecircncia

do Judiciaacuterio ao ato legislativo havendo a reinvenccedilatildeo do debate com a adoccedilatildeo de novos

posicionamentos buscando o Tribunal natildeo apenas a simples invalidaccedilatildeo do dispositivo legal

mas sim se esforccedilando para encontrar a sua melhor interpretaccedilatildeo de acordo com os preceitos

constitucionais preservando a norma editada pelo legislador

Sob esse ponto de vista essa praacutetica interpretativa pode ser vista como

112 Sobre os ensinamentos do autor leia-se toacutepico 4 113 Ver toacutepico 13

104

dialoacutegica eis que houve uma reaccedilatildeo legislativa agrave decisatildeo judicial inicial um novo debate a

modificaccedilatildeo do entendimento pelo Judiciaacuterio que resultou na manutenccedilatildeo da nova lei com

um sentido em conformidade com os preceitos constitucionais

Tushnet ao detalhar a descriccedilatildeo convencional de diaacutelogo menciona a

possibilidade de o Judiciaacuterio de defender o estatuto legal compatibilizando-o com as normas

constitucionais Nessa perspectiva a interpretaccedilatildeo conforme pode ser vista como uma

medida de defesa da lei da sua soberania e respeito a atuaccedilatildeo do Legislativo

Na oacutetica dos diaacutelogos pode-se dizer que houve um ldquodebaterdquo entre o

Legislativo e Judiciaacuterio provocado por meio das decisotildees judiciais e reediccedilatildeo da medida

legislativa com a sua subsequente anaacutelise judicial

Estatildeo presentes portanto todos os passos da descriccedilatildeo de diaacutelogo

elaborada por Tushnet Entretanto deve-se ressaltar que ao mesmo tempo que a postura

judicial nesse caso pode ser considerada como dialoacutegica pois admitiu a nova medida

legislativa mesmo que contraacuteria ao seu posicionamento tambeacutem pode ser considerada uma

conduta ativista eis que modificou o sentido original que o Legislador pretendeu conferir a

lei Sobre esta praacutetica eacute necessaacuterio observar alguns aspectos especiacuteficos

O princiacutepio da interpretaccedilatildeo conforme a Constituiccedilatildeo possui

unicamente a funccedilatildeo de operar como meacutetodo ldquocomplementarrdquo de interpretaccedilatildeo face a outros

criteacuterios ou meacutetodos interpretativos limita-se a ldquodesenvolverrdquo e ldquocomplementarrdquo as regras

de hermenecircutica apresenta-se basicamente como um postulado inserido num processo de

controle de normas (QUEIROZ 2010)

Eacute no domiacutenio do controle de constitucionalidade que este princiacutepio

ganha mais autonomia antes de declarar uma lei inconstitucional o juiz ou juiacutezes

encarregados do controle tecircm o dever de em via interpretativa buscar um sentido que ainda

estribado no seu enunciado linguiacutestico e ainda respeitador do texto constitucional permita

salvar a mesma (URBANO 2010 p 414)

Todavia o problema deste postulado estaacute na sua aplicaccedilatildeo pelo

Supremo Tribunal Federal que muitas vezes usa dessa justificativa para legitimar uma

postura extremamente ativista e violadora do princiacutepio da separaccedilatildeo de poderes

extrapolando os limites de sua competecircncia e reduzindo significativamente a margem de

atuaccedilatildeo do legislador e podendo ainda falsear a sua vontade original

105

Portanto para que se possa encarar essa praacutetica como beneacutefica e sob o

ponto de vista dialoacutegico eacute necessaacuterio que ela seja limitada a interpretaccedilatildeo proferida pelo

Tribunal ainda tem que ter alguma sustentaccedilatildeo no texto original tem que ser uma

interpretaccedilatildeo plausiacutevel (URBANO 2014 p 417)

Apesar disso eacute possiacutevel avistar uma deliberaccedilatildeo entre os Poderes

sugerindo a concretizaccedilatildeo de um diaacutelogo mais proacuteximo ao ideal esperadoentretanto natildeo se

deve afirmar que houve a concretizaccedilatildeo de um diaacutelogo material como a teoria idealiza mas

acredita-se que essa eacute a praacutetica mais proacutexima do mesmo dentre as jaacute analisadas ateacute aqui

poreacutem a mesma tambeacutem apresenta falhas e alguns riscos

17 Julgamento da accedilatildeo direta de inconstitucionalidade por omissatildeo nordm

3382MT

a) Breve resumo do caso

A Assembleacuteia Legislativa do Estado de Mato Grosso propocircs Accedilatildeo

Direta de Inconstitucionalidade questionando a inatividade do legislador quanto ao dever de

elaborar lei complementar a que se refere o sect4ordm do artigo 18 da Constituiccedilatildeo Federal

O referido dispostivo constitucional dispotildee que a criaccedilatildeo a

incorporaccedilatildeo a fusatildeo e o desmembramento de Municiacutepios far-se-atildeo por lei estadual dentro

do periacuteodo determinado por Lei Complementar Federal e dependeratildeo de consulta preacutevia

mediante plebiscito agraves populaccedilotildees dos Municiacutepios envolvidos apoacutes divulgaccedilatildeo dos Estudos

de Viabilidade Municipal apresentados e publicados na forma da lei Ou seja impotildee ao

legislador o dever de editar lei complementar para definiccedilatildeo do prazo

A redaccedilatildeo do dispositivo foi dada pela Emenda Constitucional nordm

151996114 e a accedilatildeo foi julgada procedente em 2007 O STF entendeu que o legislador

encontrava-se em mora haacute mais de dez anos descumprindo o seu dever constitucional de

legislar considerando portanto a omissatildeo inconstitucional e determinando um prazo de 18

meses para suprir a omissatildeo

114 Antes da EC 151996 qualquer alteraccedilatildeo dos entes federativos municipais era feita por um processo simples

atraveacutes de lei estadual assim a emenda constitucional visou na realidade dificultar essas alteraccedilotildees

106

Diversas accedilotildees tambeacutem foram propostas questionando a criaccedilatildeo de

alguns municiacutepios mesma na ausecircncia da lei115 o STF julgou as respectivas leis estaduais

que os criam inconstitucionais poreacutem sem declarar a sua nulidade modulando os efeitos da

decisatildeo no sentido de garantir a validade da lei por um periacuteodo de vinte e quatro meses

tempo superior ao que fixou para que o Legislativo sanasse a omissatildeo portanto

Relevante destacar que no acoacuterdatildeo a Corte ponderou que a ineacutercia

legislativa acabou dando ensejo agrave consolidaccedilatildeo e conformaccedilatildeo de estados de

inconstitucionalidade que natildeo podem ser ignorados pelo legislador na elaboraccedilatildeo da lei

complementar determinando assim que quando da ediccedilatildeo da lei o Legislativo contemplasse

as situaccedilotildees imperfeitas decorrentes desse estado de inconstitucionalidade gerado pela sua

omissatildeo esclarecendo ainda que o prazo de dezoito meses natildeo se trata de uma imposiccedilatildeo de

limite temporal para atuaccedilatildeo legislativa mas apenas da fixaccedilatildeo de um paracircmetro razoaacutevel

A resposta legislativa veio por meio da ediccedilatildeo da Emenda

Constitucional nordm 572008 a qual convalidou os atos de criaccedilatildeo fusatildeo incorporaccedilatildeo e

desmembramento de municiacutepios cuja lei tenha sido publicada ateacute 31 de dezembro de 2006

atendidos os requisitos estabelecidos na legislaccedilatildeo do respectivo Estado agrave eacutepoca de sua

criaccedilatildeo

Dessa forma o Legislativo cumpriu com a determinaccedilatildeo do STF

relativa ao tratamento das imperfeiccedilotildees geradas pela sua omissatildeo propondo a respectiva

soluccedilatildeo Entretanto no tocante a ediccedilatildeo da lei complementar para a fixaccedilatildeo do prazo exigido

pelo dispositivo constitucional haacute um embate contiacutenuo com o Poder Executivo

A primeira tentativa de legislar sobre o assunto ocorreu com o Projeto

de Lei do Senado Federal ndash PLS nordm 982002 o qual foi objeto de veto poliacutetico do Executivo

sob o argumento de contrariedade ao interesse puacuteblico A segunda tentativa se deu pelo PLS

nordm 1042014 o qual tambeacutem foi vetado pelo Executivo com base no mesmo argumento e haacute

uma terceira tentativa ainda em tramitaccedilatildeo que eacute o PLS nordm 1992015

As razotildees que levaram o Executivo a barrar a promulgaccedilatildeo da lei foram

de ordem orccedilamentaacuteria jaacute que a criaccedilatildeo de novos entes federativos representaria o aumento

das despesas com a estrutura da administraccedilatildeo puacuteblica razotildees essas expressas na Mensagem

115 Ver ADI 2240BA ADI 3316MT ADI 3489SC ADI 3689PA

107

nordm 505 de 12 de dezembro de 2013116 emitida pela Presidente da Repuacuteblica na ocasiatildeo do

veto

A questatildeo ainda estaacute pendente de regulamentaccedilatildeo mesmo apoacutes o

esgotamento do prazo fixado pelo STF todavia natildeo por falta de iniciativa do Legislativo

como se pode ver mas sim por contrariar os interesses do Executivo que por isso vem

dificultando a promulgaccedilatildeo da medida

b) Anaacutelise do caso pelo prisma das Teorias do Diaacutelogo Institucional

No caso narrado encontram-se diferentes pormenores que podem

indicar a presenccedila de teorias dialoacutegicas na praacutetica brasileira sendo assim far-se-aacute a anaacutelise

pontual de cada um

O STF ao realizar o controle de constitucionalidade da omissatildeo

legislativa neste caso considerou a falta de accedilatildeo do legislador como uma conduta

incompatiacutevel com o seu dever constitucional de legislar e determinou um prazo para que

suprisse essa omissatildeo Neste aspecto se evidencia a ideia do Judiciaacuterio como ente

propiciador do diaacutelogo provocando o Legislativo a agir por intermeacutedio da decisatildeo judicial

extamente como alguns teoacutericos sugerem

Como abordou-se no toacutepico 82 a decisatildeo que emana do controle de

constitucionalidade da omissatildeo legislativa pode ser considerada como um mecanismo

diaacutelogico por si soacute sob o ponto de vista das teorias dialoacutegicas centradas no processo A

mesma tambeacutem eacute facilmente enquadrada na concepeccedilatildeo convencional descrita por Tsuhnet

No caso em anaacutelise pode-se ainda identifcar a presenccedila da concepccedilatildeo

dialoacutegica desenvolvida por Dixon segundo a qual o Judiciaacuterio deve agir no sentido de

superar a ineacutercia do Legislativo poreacutem sem comprometer a sua liberdade de conformaccedilatildeo117

Ou seja no presente caso verifica-se a presenccedila das teorias fundadas no meacutetodo judicial onde

o Judiciaacuterio atua como o ente propiciador do diaacutelogo o qual ocorre dentro da proacutepria decisatildeo

judicial

Seguindo essa linha de raciociacutenio eacute possiacutevel notar que o proacuteprio STF

116 Iacutentegra disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrccivil_03_Ato2011-20142013MsgVetVET-505htm

117 Falamos mais especificamente dos ensinamentos de Dixon no toacutepico 9

108

ao pronunciar que o prazo fixado na decisatildeo natildeo objetiva estabeler um limite temporal para

condicionar a accedilatildeo legislativa mas tatildeo somente uma estipulaccedilatildeo de lapso temporal razoaacutevel

preocupou-se em deixar clara a necessidade de manutenccedilatildeo de certa liberdade de atuaccedilatildeo

daquele Poder

Todavia por outro acircngulo o Tribunal determinou que o Legislativo

quando fosse suprir a omissatildeo e regular a mateacuteria a fim de cumprir o seu dever

constitucional necessariamente cuidasse das situaccedilotildees imperfeitas ocasionadas pelo seu

estado de ineacutercia Neste particular encontra-se presente na praacutetica a teoria do

aconselhamento118 onde o Judiciaacuterio profere um direcionamento agrave atuaccedilatildeo do Legislativo

Neste caso o aconselhamento foi realizado de uma forma contida o

Supremo indicou a necessidade de soluccedilatildeo das questotildees mas natildeo determinou como e quais

as medidas a serem adotadas deixando a escolha a cargo do Legislativo Neste ponto a

conduta do Judiciaacuterio merece ser observada sob o aspecto positivo das teorias do

aconselhamento o qual reside na busca de evitar futuros problemas constitucionais por meio

da orientaccedilatildeo do Legislativo por meio de decisotildees judiciais

Nota-se que ao mesmo tempo em que o STF controla a sua atividade no

sentido de natildeo comprometer a liberdade do legislador ao fixar o prazo para a sua atuaccedilatildeo

entende necessaacuterio traccedilar algumas diretrizes para a superaccedilatildeo da inconstitucionalidade

constatada Neste caso em particular como se disse a atuaccedilatildeo do Judiciaacuterio foi de certa

forma contida poreacutem a praacutetica reflete a procedecircncia das principais criacuteticas dirigidas agrave essa

forma de diaacutelogo a qual para sua materializaccedilatildeo depende fortemente da consciecircncia e

vontade do Judiciaacuterio

Outro aspecto relevante que tambeacutem pode ser entendido como parte da

trama dialoacutegica presente no caso diz respeito a modulaccedilatildeo temporal dos efeitos da decisatildeo

quando da apreciaccedilatildeo da constitucionalidade das leis dos muniacutecipios que jaacute haviam sido

criados

O STF poderia simplesmente ter deixado os efeitos de nulidade da

declaraccedilatildeo de inconstitucionalidade se perpetuarem poreacutem tendo em mente os prejuiacutezos

que isso poderia acarretar optou por estabelecer efeitos pro futuro permitindo ao Legislativo

118 Ver toacutepico 81

109

a resoluccedilatildeo do problema por uma via menos danosa

A modulaccedilatildeo dos efeitos temporais da sentenccedila tambeacutem eacute uma praacutetica

que se coaduna com as teorias dialoacutegicas fundadas no meacutetodo judicial conforme jaacute se falou

no toacutepico 822 pois por meio dela o Judiciaacuterio condiciona os efeitos praacuteticos da sua decisatildeo

dando a oportunidade ao legislativo de corrigir ou reeditar a lei assim dode-se dizer que por

intermeacutedio dela o Judiciaacuterio instiga o legislador ao diaacutelogo

No tocante a resposta legislativa presente neste caso incialmente vale

destacar que a mesma se deu em um intervalo de tempo razoaacutevel e que o Legislativo buscou

acatar a orientaccedilatildeo da Corte todavia foi impedido de fazecirc-lo em sua completude pelos

interesses do Executivo o que acaba por retratar bem na praacutetica mais uma das dificuldades

da consolidaccedilatildeo das teorias dialoacutegicas

Pelo exposto depreende-se que o sistema brasileiro natildeo eacute alheio agraves

teorias dialoacutegicas pelo contraacuterio muitas delas estatildeo presentes em seu cotidiano A expressa

supremacia judicial e falta de familiariedade com um sistema parlamentar ndash que inicialmente

poderiam gerar duacutevidas quanto a possibilidade do diaacutelogo ndash natildeo se traduzem portanto em

uma impossibilidade completa de aplicaccedilatildeo das teorias dialoacutegicas agrave realidade brasileira

Por oacutebvio as suas manifestaccedilotildees praacuteticas satildeo peculiares e fortemente

influenciadas pela cultura e histoacuteria do paiacutes uma democracia recente e com um Legislativo

que enfrenta grande crise de representatividade o que faz com que em regra o entendimento

que prevaleccedila seja o do Judiciaacuterio

Ainda assim constata-se uma inclinaccedilatildeo do Legislativo para reagir agraves

decisotildees judiciais e natildeo simplesmente acataacute-las em sinal de uma total deferecircncia agrave um

entendimento superior Os ganhos e as perdas dessa reaccedilatildeo iratildeo depender do caso concreto

dos interesses que estatildeo em jogo podendo ser uma praacutetica temeraacuteria ou positiva como jaacute

verificou-se ao longo desse trabalho

18 Diaacutelogo institucional siacutentese dos aspectos controversos e algumas

consideraccedilotildees acerca da sua consecuccedilatildeo praacutetica

De todo o exposto ateacute aqui resta-no os seguintes questionamentos

110

Pode-se considerar o diaacutelogo institucional como uma possibilidade praacutetica viaacutevel Essa

praacutetica tem de fato o condatildeo de dirimir os conflitos relativos a legitimidade democraacutetica do

judicial review Pode ser considerado como um instrumento de combate ao ativismo judicial

ou seria mais uma forma de dissimulaccedilatildeo desse fenocircmeno

Apresentar respostas exatas a essas questotildees utlrapassa a pretensatildeo

deste trabalho ateacute mesmo porque se reconhece que natildeo haacute apenas uma via de conclusatildeo para

as mesmas em virtude da complexidade que elas envolvem Contudo objetiva-se fazer uma

reflexatildeo acerca desses questionamentos como resultado do presente trabalho de forma a

contribuir para o incremento do debate acadecircmico

No que diz respeito agrave resoluccedilatildeo dos conflitos ligados agrave legitimidade

democraacutetica do judicial review acredita-se que esta praacutetica estaacute longe de apresentar uma

soluccedilatildeo definitiva sendo um tanto pretenciosa nesse sentido pois como jaacute tratado no toacutepico

4 a discussatildeo relativa a dificuldade democraacutetica do judicial review eacute algo que lhe acompanha

a contar do seu surgimento desde sempre os estudiosos tentam justificar baseados em um

tradicional conjunto de argumentos as razotildees pelas quais juiacutezes natildeo eleitos pelo povo podem

e devem realizar um controle dos atos do legislativo com poder para declarar a sua

inconstitucionalidade e tambeacutem anulaacute-los

Natildeo se quer com isso dizer que natildeo haacute uma soluccedilatildeo para o conflito mas

sim que as teorias dialoacutegicas ao mesmo tempo que buscam e propotildeem uma soluccedilatildeo quando

materializadas na praacutetica natildeo eliminam totalmente alguns dos velhos problemas

Como viu-se a promessa da teoria dos diaacutelogos institucionais eacute

proporcionar um reequiliacutebrio entre os Poderes reconhecendo a importacircncia e competecircncias

especiacuteficas de cada um no acircmbito da jurisdiccedilatildeo constitucional sugerindo uma atuaccedilatildeo

conjunta mediante verdadeira deliberaccedilatildeo entre os braccedilos do Poder para chegar em um

consenso que seja melhor para a sociedade proporcionando assim um resultado mais eficaz

e duradouro

Do ponto de vista teoacuterico a ideia parece suficiente para solucionar o

problema principalmente nas concepccedilotildees dialoacutegicas desenvolvidas por Hiebert119 e

Bateup120 que ideliazam a realizaccedilatildeo de um diaacutelogo material sem a predominacircncia de

119 Ver toacutepico 11 que trata da teoria da parceria

120 Ver toacutepico 12 que trata da fusatildeo dialoacutegica

111

nenhum dos poderes mas sim de uma verdadeira atuaccedilatildeo conjunta

Poreacutem da anaacutelise dos exemplos praacuteticos de cada teoria e da aplicaccedilatildeo

das mesmas nos casos concretos no sistema brasileiro eacute faacutecil concluir que o exerciacutecio da

jurisdiccedilatildeo constitucional na grande maioria das vezes para natildeo dizer em todas elas resultaraacute

na prevalecircncia do entendimento de um dos atores envolvidos por vezes seraacute o Legislativo o

protagonista e por outras o Judiciaacuterio Apesar de todos os esforccedilos teoacutericos a praacutetica revela

que sempre haveraacute uma uacuteltima palavra o que eacute algo inerente ao proacuteprio sistema de revisatildeo

constitucional das leis

Acredita-se portanto que natildeo se deve desconsiderar a real existecircncia

de uma uacuteltima palavra jaacute que ela sempre iraacute existir mas sim enxergaacute-la e estimular que ela

seja ldquoprovisoacuteriardquo no sentindo de que pode ser constantemente reformulada e alterada

mediante a interaccedilatildeo entre os Poderes por meio do aprofundamento do debate e maior

possibilidade de troca de argumentos buscando sempre o melhor entendimento no acircmbito

da interpretaccedilatildeo constitucional

A existecircncia da uacuteltima palavra portanto deve estar relacionada a

preponderacircncia e maior efetividade dos direitos fundamentais e natildeo necessariamente

atrelada a prevalecircncia uniforme do entendimento de um uacutenico braccedilo do Poder Esse eacute o

principal contributo a ser extraiacutedo das teorias dialoacutegicas no tocante a resoluccedilatildeo da disputa

entre o Poder Judiciaacuterio e o Poder Legislativo pela uacuteltima palavra na seara constitucional

Em contrapartida observa-se que apesar das teorias dialoacutegicas

proclamarem a realizaccedilatildeo de um controle das leis realizado em conjunto nenhuma delas

prescreve uma forma de diaacutelogo que seja concomitante com o processo de tomada de

decisatildeo de forma que a mesma seja proferida com o comum acordo de ambos os Poderes

O que vecirc-se eacute que as formas de diaacutelogo prescritas pelas teorias estudadas se referem mais agrave

possibilidade de superaccedilatildeo de um ato jaacute concretizado seja pelo Judiciaacuterio ou pelo

Legislativo do que verdadeiramente a construccedilatildeo de uma decisatildeo comum

Asssim esse eacute o primeiro aspecto que entende-se que deve ser

desmistificado pois percebe-se que a ideia de uma ldquodecisatildeo conjuntardquo de uma deliberaccedilatildeo

antes da tomada de decisatildeo e consequentemente a concretizaccedilatildeo de um diaacutelogo no sentido

que a doutrina descreve como material na praacutetica eacute quase que inviaacutevel

Assim acertada eacute a proposiccedilatildeo de Aharaon Barak (2008 p16) de que

112

a tensatildeo entre o Judiciaacuterio e os outros ramos do Poder eacute algo natural e ateacute desejaacutevel pois se

todas as regras e decisotildees proferidas pelos Tribunais forem aceitas com tranquilidade pelos

outros Poderes eacute sinal que este natildeo estaacute cumprindo corretamente com a sua funccedilatildeo na

democaria

O Autor ressalta que junto agrave essa tensatildeo haacute tambeacutem um constante

diaacutelogo entre o Judiciaacuterio e Legislativo o qual natildeo decorre de reuniotildees e debates entre eles

mas sim da realizaccedilatildeo por cada qual da sua respectiva funccedilatildeo constitucional (BARAK

2008 p 236)

Neste sentido eacute importante a constataccedilatildeo de que no Brasil um paiacutes com

um modelo forte de controle de constitucionalidade e onde a supremacia judicial eacute evidente

vez que a proacutepria Constituiccedilatildeo entitula como o detentor da uacuteltima palavra em mateacuteria

constitucional o Supremo Tribunal Federal nada impede que o Legislativo reaja ou ateacute

mesmo desafie as decisotildees proferidas pelo Judiciaacuterio no acircmbito do controle de

constitucionalidade

Assim percebe-se que ao contraacuterio do que muitos estudiosos

pressupotildeem a ideia de diaacutelogo natildeo estaacute necessariamente vinculada agrave um sistema fraco de

revisatildeo judicial das leis ou agrave uma total inexistecircncia de supremacia judicial podendo o

mesmo existir e ser conciliaacutevel mesmo nos sistemas mais riacutegidos

Portanto a ideia de diaacutelogo institucional natildeo extingue necessariamente

a supremacia judicial o que pode eacute mitigaacute-la em alguns casos impondo limites mais riacutegidos

a atuaccedilatildeo judicial justamente por meio da possibilidade de reaccedilatildeo legislativa

Com isso pode-se dizer que a forma mais viaacutevel de se entender o

diaacutelogo institucional eacute como algo decorrente da reformulaccedilatildeo do proacuteprio princiacutepio da

separaccedilatildeo de poderes segundo a qual cada ramo do Poder realiza uma funccedilatildeo que lhe eacute

proacutepria sem interferir na atuaccedilatildeo do outro Todavia essa atuaccedilatildeo natildeo deve ser estanque natildeo

existindo uma fronteira intransponiacutevel entre as atividades inerentes agrave cada um dos Poderes

Ou seja apesar de cada Poder ter de observar seus limites e respeitar a

atuaccedilatildeo dos outros devem compreender a necessidade de cooperaccedilatildeo e buscar uma atuaccedilatildeo

conjunta e complementar

Apesar disso a praacutetica nos revela que nem toda reaccedilatildeo legislativa deve

113

ser interpretada sob o ponto de vista dialoacutegico muitas vezes ela tambeacutem representaraacute mais

uma disputa de poder do que uma tentativa de debate ou de correccedilatildeo da decisatildeo judicial

Sendo assim entender toda e qualquer reaccedilatildeo legislativa como

dialoacutegica pode ser perigoso e temeraacuterio pois em muitos casos essa reaccedilatildeo pode significar

mais um disputa de poder do que necessariamente uma tentativa de debate Assim em

algumas situaccedilotildees o termo ldquodiaacutelogordquo pode natildeo ser propriamente a melhor forma de

caracterizar essas reaccedilotildees

Em muitos casos e exemplos concretos das teorias viu-se que haacute na

realidade mais uma ldquointeraccedilatildeordquo entre os Poderes do que necessariamente um ldquodiaacutelogordquo por

conseguinte a maioria das teorias dialoacutegicas na forma em que satildeo concebidas se revelam

muito otimistas pode-se dizer que ateacute um pouco romantizadas sob o ponto de vista praacutetico

Desta forma assim como as reaccedilotildees legislativas natildeo devem em sua

totalidade serem encaradas como uma praacutetica dialoacutegica o mesmo deve ser observado quanto

a conduta do Tribunal sendo este um ponto importante a ser observado

As teorias dos diaacutelogos institucionais inicialmente se apresentam

como uma forma de combate ao ativismo judicial entretanto quando analisamos algumas

das suas metodologias podemos ver que em muitos casos elas podem acabar servindo de

reforccedilo e ateacute incentivo de uma praacutetica ativista

Como jaacute foi dito o ativismo judicial se manifesta quando as decisotildees

da jurisdiccedilatildeo constitucional tomam uma densidade poliacutetica mais ampla passando a Corte a

natildeo mais apenas declarar normas inconstitucionais atuando como legislador negativo na

forma em que foi orginariamente pensada mas ao mesmo tempo comeccedila a exigir

determinadas posturas dos outros Poderes atuando como um legislador positivo (AGRA

2006)

Dessa forma algumas teacutecnicas dialoacutegicas de decisatildeo judicial podem

representar mais uma dissimulaccedilatildeo ou camuflagem do ativismo do que o seu verdadeiro

combate jaacute que alimentam uma conduta proacute-ativa do Judiciaacuterio no sentido de provocar o

Legislativo aconselhaacute-lo ou qualquer outra forma de tiraacute-lo da ineacutercia

Podem nessa perspectiva ser consideradas tanto como uma conduta

dialoacutegica como uma conduta ativista pois a linha divisoacuteria entre a simples instigaccedilatildeo e a

114

interferecircncia no poder de atuaccedilatildeo do Legislativo eacute muito tecircnue

Por isso natildeo se pode afirmar com certeza que as teorias dialoacutegicas

servem de combate ao ativismo judicial jaacute que muitas vezes podem servir de fundamento

para o Judiciaacuterio justificar decisotildees que extrapolam seu acircmbito de atuaccedilatildeo e adentram na

esfera do Legislativo Portanto eacute essencial prestar atenccedilatildeo na forma com que o Judiciaacuterio eacute

incentivado a agir como um propiciador do diaacutelogo sem perder de vista a existecircncia de

limites agrave essa praacutetica

Apesar disso natildeo se pode desconsiderar que em muitos casos ainda

que o Judiciaacuterio ao exercer o seu papel proposto pelas teorias diaacutelogicas acabe incorrendo

em uma praacutetica ativista o resultado obtido pode ser beneacutefico como vimos por exemplo no

caso da Aacutefrica do Sul e ateacute mesmo no sistema brasileiro o que revela que nem sempre o

ativismo judicial deve ser visto como algo totalmente negativo121

No tocante a efetivaccedilatildeo do diaacutelogo no seu sentido material a proposta

de que a uacuteltima palavra seja fruto de um intenso e efetivo debate entre os atores participantes

do processo de interpretaccedilatildeo constitucional que seja construiacuteda de forma conjunta por eles

por intermedio de uma troca de argumentos para chegar a um consenso razoaacutevel e duraacutevel

no seio da sociedade natildeo se realiza com clareza em nenhuma das praacuteticas identificadas como

dialoacutegicas - pelo menos nas que temos conhecimento ateacute aqui

Por isso percebe-se que a ideia de concretizaccedilatildeo de um diaacutelogo material

estaacute muito distante de uma realidade palpaacutevel pois para que isso ocorra haacute a necessidade de

que todos os braccedilos do Poder estejam dispostos a entrar em um efetivo debate contribuindo

cada um com suas competecircncias teacutecnicas para a criaccedilatildeo de uma soluccedilatildeo conjunta

construindo decisotildees no acircmbito da jurisdiccedilatildeo constitucional mediante deliberaccedilatildeo de uma

concreta troca de argumentos o que nem sempre seraacute possiacutevel

Este fato revela que para que o diaacutelogo se concretize haacute muito mais a

necessidade de uma vontade poliacutetica das instituiccedilotildees do que necessarimente uma prescriccedilatildeo

normativa ou de uma redifiniccedilatildeo do desenho institucional por meio de modificaccedilotildees no texto

constitucional Portanto ao mesmo tempo que o diaacutelogo pode ocorrer em qualquer sistema

121 Aharon Barak destaca que nem sempre o ativismo judicial estaraacute ligado a intenccedilatildeo de expansatildeo do Poder

judicial muitas vezes ele pode ser necessaacuterio para a proteccedilatildeo dos direitos humanos e ainda pode ser a forma

do Judiciaacuterio lidar com o poder dos outros ramos poliacuteticos Ver BARAK Aharon The Judge in a Democracy

Princeton University Press 2008 pp 263-271)

115

de jurisdiccedilatildeo constitucional a sua efetividade tambeacutem seraacute diretamente influenciada pela

cultura poliacutetica e histoacuterica de cada paiacutes

Apesar da concretizaccedilatildeo do diaacutelogo no seu sentido material como

preleciona a melhor doutrina ser uma realidade um tanto distante natildeo se pode ignorar os

benefiacutecios do diaacutelogo formal que se manifesta nessas praacuteticas principalmente no que se

refere ao papel que exercem no sentido de provocar uma mudanccedila de mentalidade dos

proacuteprios entes detentores do Poder bem como no aumento da responsabilidade da sua

atuaccedilatildeo

Nessa linha de raciociacutenio Petter Andrew (2007 p167) afirma que o

apelo agraves teorias dialoacutegicas deriva mais do seu poder como uma metaacutefora do que da sua forccedila

como argumento pois ao retratar a revisatildeo judicial como contributiva para o envolvimento

deliberativo a metaacutefora do diaacutelogo reformula o papel dos juiacutezes que passam a ser vistos

como advogados de um processo democraacutetico natildeo como aacuterbitros dentro de um processo

autoritaacuterio

Apesar dos pontos controversos foram apontados a respeito da sua

praacutetica as teorias dialoacutegicas satildeo de grande valia para o desenvolvimento da justiccedila

constitucional significando a busca pela superaccedilatildeo dos problemas ligados a expansatildeo

desordenada do Poder Judiciaacuterio bem como a maior e mais eficaz efetivaccedilatildeo dos direitos

fundamentais como determina a nova ordem mundial

Pode-se dizer que ainda que as teorias possuam as suas dificuldades

praacuteticas elas direcionam os atores constitucionais para uma atuaccedilatildeo mais consciente

reforccedilam o seu papel institucional e apontam algumas das principais falhas dos sistemas

tradicionais de revisatildeo judicial Assim o diaacutelogo institucional deve ser visto como um ideal

a ser alcanccedilado atraveacutes do aperfeiccediloamento da sua praacutetica atual e sobretudo por meio do

reforccedilo do princiacutepio da separaccedilatildeo de poderes no acircmbito da jurisdiccedilatildeo constitucional

116

CONCLUSAtildeO

No decurso deste trabalho verificou-se como as mudanccedilas da sociedade

global implicaram a (re)definiccedilatildeo de um novo paradigma constitucional pautado em relaccedilotildees

de cooperaccedilatildeo o qual impocircs a busca por um novo modelo de jurisdiccedilatildeo constitucional

originaacuterio da expansatildeo do judicial review para os paiacuteses da Commonwealth

Viu-se que o ativismo judicial e a judicializaccedilatildeo da poliacutetica decorrentes

dessa expansatildeo passaram a ser vistos como patologias do sistema e acenturam novos debates

acerca da legitimidade democraacutetica do Poder Judiciaacuterio para realizar o controle de

constitucionalidade dos atos legislativos incentivando entatildeo a criaccedilatildeo de um sistema de

controle fraco de constitucionalidade originaacuterio do Canadaacute

Dentro desse contexto falou-se do surgimento da ideia de um diaacutelogo

institucional no acircmbito do controle de constitucionalidade e pautamos a diferenccedila entre

diaacutelogo material e diaacutelogo formal Apoacutes fez-se uma anaacutelise das teorias dialoacutegicas

explorando seus conceitos exemplos praacuteticos e principais pontos de criacutetica

Por intermeacutedio dessa investigaccedilatildeo percebe-se que nenhuma das teorias

consubstancia um modelo perfeito sob o ponto de vista praacutetico no sentindo de promover um

diaacutelogo verdadeiro assente em uma efetiva deliberaccedilatildeo entre os Poderes Para aleacutem disso

que alguns acabou-se por registrar que os conflitos relativos agrave legitimidade democraacutetica do

judicial review na praacutetica permanecem

Todavia constatou-se tambeacutem que as teorias dialoacutegicas satildeo valiosas

pois ao contraacuterio das conhecidas teorias interpretativas que buscam disciplinar qual a melhor

forma de os juiacutezes procederem agrave leitura constitucional estas buscam evidenciar o papel

institucional do Judiciaacuterio aliado ao reforccedilo da importacircncia da atividade legislativa visando

a produccedilatildeo de decisotildees no ambito da justiccedila constitucional que natildeo sejam fruto de um

ldquomonoacutelogordquo mas sim da interaccedilatildeo institucional

Concluiacute-se entatildeo que o potencial das teorias dialoacutegicas consiste

justamente na estimulaccedilatildeo da busca por melhores padrotildees de interaccedilatildeo entre os Poderes

sendo todas elas de uma importacircncia iacutempar por tentarem evidenciar como deveria funcionar

um desenho institucional ideal no acircmbito da interpretaccedilatildeo constitucional e controle das leis

117

reforccedilando o papel de cada braccedilo do Poder nessa empreitada conforme suas proacuteprias funccedilotildees

e capacidades

Os resultados dete trabalho natildeo satildeo portanto uma resposta exata

tampouco definitiva aos atuais problemas efrentados pela jurisdiccedilatildeo constitucional mas

servem de ponto de partida para uma reflexatildeo sobre os pontos positivos e negativos das mais

modernos teorias sobre o judicial review

118

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