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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
PROJETO VEZ DO MESTRE
ADOLESCENTE INFRATOR E MEDIDAS
SÓCIO-EDUCATIVAS Abordagem do Trabalho Realizado no Centro de Atendimento Intensivo de
Belford Roxo - CAI - BAIXADA
Por: Lília da Vitória Vilar
Orientador
Prof. Luiz Cláudio Lopes Alves
RIO DE JANEIRO
2004
2UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
PROJETO VEZ DO MESTRE
ADOLESCENTE INFRATOR E MEDIDAS
SÓCIO-EDUCATIVAS Abordagem do Trabalho Realizado no Centro de Atendimento Intensivo de
Belford Roxo - CAI - BAIXADA
Apresentação de monografia à Universidade
Candido Mendes como condição prévia para a
conclusão do Curso de Pós-Graduação “Lato
Sensu” em Supervisão Escolar.
Por: Lília da Vitória Vilar
RIO DE JANEIRO
2004
3AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus, pelo seu infinito amor e misericórdia e
pelas inumeráveis manifestações de Seu poder e bondade
em minha vida.
A minha família pelo orgulho e confiança que sempre me
estimulam, as minhas irmãs Lígia, Lívia e à amiga
Guaraciara, pelo assessoramento na digitação e impressão
desta monografia.
Á direção e funcionários do Centro de Atendimento
Intensivo de Belford Roxo, fontes e motivação para a
realização deste projeto.
Aos funcionários do Colégio Estadual Jornalista Barbosa
Lima Sobrinho, em especial à diretora Miriã Matos
Moreira, pelo apoio no exercício do magistério,
consciente de todas as dificuldades de educar para a
mudança.
Um agradecimento especial ao Professor Luiz Cláudio
Lopes Alves, meu orientador, pelas acuradas observações
e seriedade com que me conduziu na elaboração deste
trabalho.
4DEDICATÓRIA
Dedico esta monografia a todos aqueles trabalham na
recuperação de adolescentes infratores, que acreditam e se
dedicam ao sonho de ajudar esses jovens a reescreverem
suas histórias de vida.
5RESUMO
O presente trabalho tem por objetivo desenvolver um grande problema social
que é a existência de um número cada vez maior de adolescentes envolvidos com
atos infracionais.
O interesse no tema se deveu ao trabalho realizado como professora no
Centro Atendimento Intensivo de Belford Roxo, nos últimos dois anos, presenciando
uma realidade jamais imaginada e senti o desejo de compartilhar de informações
certamente desconhecidas à grande maioria da população de nosso Estado, o que leva
a uma total falta de comprometimento e posicionamento crítico ou, pior, à
assimilação de posturas altamente preconceituosas e superficiais sobre a questão.
6SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 07
Capítulo I
O Adolescente em conflito com a lei e a Sociedade
09
Capítulo II
Implementação, caracterização e operacionalização das medidas sócio-educativas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente
24
Capítulo III
O Centro de Atendimento Intensivo de Belford Roxo
39
Capítulo IV
Escolarização: Colégio Estadual Jornalista Barbosa lima Sobrinho
59
CONCLUSÕES 70
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 72
ANEXOS 74
7INTRODUÇÃO
A promulgação da Lei 8069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente –
ECA) no Brasil, em consonância com as diretrizes aprovadas na Convenção
Internacional dos Direitos da Criança, em 20 de novembro de 1989, fez com que o
país adotasse uma nova doutrina em relação à formulação e implementação das
políticas públicas voltadas para crianças e adolescentes. Pela primeira vez na história
constitucional brasileira, foi conferida à criança e ao adolescente a condição de
sujeito de direito e de prioridade absoluta, responsabilizando pela sua proteção a
família, a sociedade e o Estado.
Passados mais de dez anos da promulgação do Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA), percebe-se que, apesar das mudanças já ocorridas no panorama
jurídico-legal, o atendimento ao adolescente autor de ato infracional em todo país
ainda necessita de um amplo e radical reordenamento institucional e de uma afetiva
melhoria das formas de atenção direta. Isto especialmente no chamado atendimento
em regime sócio-educativo. Ou seja, uma reengenharia institucional que permita
“tirar do papel” os avanços contidos no ECA em termos de segurança cidadã e
direitos fundamentais.
Nesse contexto, o presente trabalho vem abordar o projeto desenvolvido pelo
Centro de Atendimento Intensivo de Belford Roxo – CAI-BAIXADA - uma das
unidades de atendimento aos adolescentes em conflito com a lei do Departamento de
Ações Socioeducativas (DEGASE), órgão hoje subordinado à Secretaria da Infância
e Juventude que objetiva a re-socialização dos jovens infratores.
Procura-se revelar nos dois primeiros capítulos quem é o adolescente infrator,
objeto de nosso estudo e o que é o Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei
8.069/90 com suas medidas socioeducativas, utilizadas para a recuperação desses
jovens.
8Já no Capítulo III adentramos na realidade do atendimento de adolescentes
em conflito com a lei nas unidades fechadas, mas especificamente do CAI-
BAIXADA, unidade em que trabalho.
Reservou-se o último capítulo ao processo de escolarização realizado na
unidade CAI-BAIXADA através da parceria com a Secretaria de Educação, na figura
do Colégio Estadual Jornalista Barbosa Lima Sobrinho, classificado no rol de “escola
diferenciada” devido ao público a que atende.
No desenvolvimento do tema veremos que, além do investimento em infra-
estrutura, é necessário também investir na capacitação de recursos humanos,
formação contínua e sistemática e supervisão de todos os agentes públicos
envolvidos no sistema de atendimento direto ao adolescente privado de liberdade,
para que se possam ter as condições básicas de planejamento e execução de projetos
sócio-pedagógicos que garantam o protagonismo dos adolescentes infratores,
incentivando que os mesmos participem de atividades de formação pessoal e de
desenvolvimento da cidadania.
Finalmente o trabalho é encerrado com as considerações quanto à realidade
das unidades fechadas de atendimento ao adolescente infrator e quanto à necessidade
do comprometimento sociedade com o problema dessa juventude na maioria das
vezes esquecida pelo Poder Público.
9
CAPÍTULO I
O Adolescente em conflito com a lei e a Sociedade
“Não é possível refazer este país, democratizá-
lo, torná-lo sério, com adolescentes brincando
de matar gente, ofendendo a vida, destruindo o
sonho, inviabilizando o amor”.
Paulo Freire
10
1.1 - CONCEPÇÃO DE CRIANÇA E ADOLESCENTE
A criança e o adolescente são concebidos como pessoas em desenvolvimento,
sujeitos de direitos e destinatários de proteção integral.
A condição peculiar de pessoa em desenvolvimento coloca aos responsáveis
pelos jovens a missão de proteger, no sentido de garantir o conjunto de direitos, e
educar, oportunizando a inserção do adolescente na vida social. Esse processo se dá a
partir de um conjunto de ações que propiciem a educação formal, profissionalização,
saúde, lazer e demais direitos assegurados legalmente.
Sua condição de sujeito de direitos implica a necessidade de sua participação
nas decisões de seu interesse e no respeito à sua autonomia, no contexto do
cumprimento das normas legais.
Assim, é responsabilidade do Estado, da sociedade e da família garantir o
desenvolvimento integral da criança e do adolescente e condição especial de acesso a
todos os direitos sociais, políticos e civis, e isso se concretizará através das medidas
sócio-educativas as quais nos reportaremos adiante.
1.2 - ORIGENS DA DELINQÜÊNCIA
O perfil do adolescente infrator, recentemente conhecido como adolescente
em conflito com a Lei, não pode ser visto separado da tormenta emocional que
ocorre na adolescência, tormenta esta que, acentuada pelas condições de vida, pode
atingir níveis limites e até patológicos.
11Em seu livro “Introdução à Psicopatologia Psicanalítca” Kunestzoff nos
lembra que, em algumas ocasiões, o afastamento das imposições são sentidas como
intoleráveis manifestando-se como uma carência de interesse por certos valores
sociais admitidos como consenso, como trabalho e estudo, podendo desembocar em
qualquer tipo de delinqüência.
O caminho a delinqüência não é provocado apenas pela miséria. Há lugares
bem mais pobres do que o Harlem ou do que a periferia do Rio de Janeiro que têm
índices várias vezes menores de violência e criminalidade. O caminho é feito pela
permanente sensação de exclusão, a começar pela casa. Famílias desestruturadas e
conflituosas tendem a provocar filhos desajustados, que buscam nas ruas a
solidariedade e o respeito que não encontraram em casa. Aderir a uma quadrilha não
é apenas uma questão monetária. É a vontade de sentir-se respeitado, apoiado,
temido. A arma é apenas um instrumento desse respeito, conforme determinam as
regras do jogo.
A escola é o segundo cenário da exclusão. Infelizmente, na maioria das
vezes, ela não sabe como lidar com alunos rebeldes, seus currículos são distantes da
realidade, quando não ultrapassados. Os professores estão desmotivados e para
manter a disciplina, punem ou reprovam, o que representa mais um agrave no
problema da auto-estima.
Além disso, laços frágeis na família, na escola, atração pelas gangues,
acabam produzindo um circulo vicioso no qual entram as drogas. E, como é sabido,
com baixo nível escolar, empregos qualificados tornam-se praticamente impossíveis.
As perspectivas de estudo e trabalho vão, dessa forma, se fechando. A marginalidade
torna-se a única fonte de aceitação.
Romper esse ciclo tem sido um verdadeiro desafio para o próprio Estado, o
qual historicamente tem se demonstrado impotente no oferecimento de políticas
sociais básicas que possibilitem uma vida digna para suas crianças e adolescentes.
Pelo contrário, o afunilamento de oportunidades tem multiplicado a marginalidade e
reproduzido a violência.
12
1.3 - A QUESTÃO DAS DROGAS NO RIO DE JANEIRO
Com o objetivo de conhecer e dimensionar quantitativa e qualitativamente o
envolvimento de adolescentes com o uso e o tráfico de drogas no Rio de Janeiro e
analisar a evolução do problema, o Departamento de Ações Socioeducativas
(DEGASE) fez uma demanda de pesquisa à Universidade do Estado do Rio de
Janeiro (UERJ) que, por intermédio do programa de cooperação técnica firmado
entre a Sub-Reitoria de Extensão e Cultura e Secretaria de Estado e Justiça,
desenvolveram-se projetos de estudo dos processos judiciais existentes na 2ª Vara da
Infância e Juventude da Comarca da Capital, recolhimento de opiniões de policiais
militares sobre a questão dos adolescentes envolvidos em atos infracionais e
verificação dos próprios adolescentes sobre seu envolvimento com o crime.
Quando consultamos as diversas estatísticas sobre o assunto, verifica-se que
grande parte das medidas sócio-educativas aplicadas aos adolescentes deveu-se à
imputação de infrações análogas aos crimes previstos na Lei de Entorpecentes. Em
tempos recentes, a maioria dos adolescentes que era autuada e recebia medidas sócio-
educativas era por infrações análogas aos crimes contra o patrimônio. O que se
indaga nos diversos fóruns nos quais a questão tem sido debatida é como se passou
dos 7% de infrações ligadas a entorpecentes no início da década de 90 a mais de 50%
em 1998. Estariam estes dados a indicar uma política específica de criminalização,
por drogas, da juventude pobre do Rio de Janeiro? A política coordenada pelo dito
“poder paralelo”?
O artigo intitulado “Crime contra o futuro”, a revista Veja (Editora Abril, 22
set. 1999, ano 32, edição 1.616, nº 38) afirma que o desafio para o Brasil consiste em
oferecer futuro digno aos 20 milhões de crianças e adolescentes que estão crescendo
na pobreza e no abandono.
A tal ponto chegou a violência praticada entre a população jovem no Brasil
que já existe até um desequilíbrio populacional entre homens e mulheres, decorrente
da mortalidade de adolescentes e de jovens do sexo masculino. Pesquisa no Rio de
13Janeiro têm indicado que, quanto mais a criança se aproxima da adolescência, a partir
dos 11 anos de idade, mais os crimes tendem a ser cometidos com armas de fogo e a
incluir meninos.
Além dos assassinatos, crianças e adolescentes são vitimas de outros tipos de
violência, seja por descaso, negligência, omissão ou insuficiência das políticas
públicas.
Em pesquisa realizada por E. Carline1, o autor indagou a um grupo de
meninos de rua por que tanto uso de drogas, ao que eles responderam: para ter bons
sonhos(47,5%); para ficarem loucas (18%) e porque esta era a sua sina (9,8%).
Segundo Carline, existem três opções para estas crianças: viver a esmo nas ruas,
consumindo drogas pesadas para “sonhar”, numa tentativa de resgate de sua
humanidade, ainda que à custa de sua destruição física; entrar para o mundo do
crime, podendo ou não usar drogas, pelo fácil acesso às mesmas; ou serem cooptadas
para algum programa de atividades estruturadas, que possibilitem um início de
inserção social.
1.4 - PERFIL DOS ADOLESCENTES EM CONFLITO
COM A LEI
Ao atentarmos traçar um perfil do adolescente infrator, percebem-se
semelhanças entre todos, por se encontrarem num período de transformações e
emoções intensas. Para todos eles, adolescentes, esta é uma passagem caracterizada
por uma crise de identidade na qual se debatem em questionamentos relativos ao seu
1 CARLINE, E. “Uso ilícito de drogas ilícitas pela nossa juventude. É um problema solúvel?” In: BASTOS F. I. e GONÇALVES, D. (Orgs.) Drogas. É legal? Um debate autorizado. Rio de Janeiro: Imago Editora/Instituto Cultural Brasil – Alemanha, 1993.
14corpo, aos valores existentes, às escolhas que devem fazer, ao que é exigido deles, ao
seu lugar na sociedade.
Observamos alguns aspectos que merecem destaque:
. Auto-estima fragilizada. Necessitam de um reposicionamento na família,
na comunidade e na sociedade, uma vez que a maioria desses adolescentes reluta em
aceitar elogios ou qualquer palavra de reconhecimento.
. Auto-imagem contaminada por preconceitos. A classe social, etnia, nível
cultura, profissão, local de moradia constituem referências de identidade social.
Muitas vezes o fato de ser negro, pobre ou morador de periferia representa elemento
de desvalorização dentro da sociedade, obstáculos “intransponíveis” e determinantes
de uma condição da qual não podem escapar.
. Falta de perspectiva. A percepção das desigualdades e da posição
desfavorável em que se encontram gera uma atitude de resignação e desesperança,
por não acreditarem que a suas ações possam interferir no curso dos acontecimentos.
. Forte relação com a mãe. Por ocupar a principal posição dentro da família,
o relacionamento entre adolescentes privados da liberdade e a mãe apresenta-se
muito intensa. Na grande maioria das famílias, a figura do pai encontra-se ausente.
Uma pesquisa encomendada pelo governo federal apontou o perfil do
adolescente em conflito com a lei que se encontra nas unidades prisionais do País. Os
estudos revelaram que a população privada de liberdade há muito ultrapassou os 10
mil. Se comparado com o universo de adolescentes brasileiros, com idade entre 12 a
21 anos, a quantidade de adolescentes em conflito com a lei detidos em unidades
prisionais seria bem pequena. Como existem no Brasil 33 milhões de adolescentes,
em cada grupo de 10 mil jovens brasileiros, três estão privados da liberdade.
Os dados da pesquisa apontam que 90% dos cerca de 10 mil internos são do
sexo masculino, sendo que 76% daqueles que cometeram algum tipo de delito estão
15na faixa etária entre 16 e 18 anos. Para se ter uma idéia, mais de 60% destes
adolescentes são da raça negra, 51% não freqüentavam escolas e 49% dos
adolescentes encarcerados no Brasil não trabalhavam.
A assistente social Ivana Alves Machado, integrante da equipe técnica do
Centro de Atendimento Intensivo de Belford Roxo, também apresentou uma pesquisa
no seminário virtual através do site www.ambito-jurídico.com.br/aj/eca0012 , sobre
o perfil dos adolescentes em conflito com a lei, no estado do Rio de Janeiro. Em seu
estudo, dos 411 casos estudados foram coletados dados relativos a ato infracional,
idade, escolaridade, comarca, entre outros. Os adolescentes reincidentes foram
computados uma única vez, considerando-os então como reincidentes e
relacionando-os sempre à última (ou atual) passagem pela unidade.
Considerando-se esse grupo de adolescentes, em relação à sua localização,
fica clara a prevalência sobre a região da Baixada Fluminense perfazendo, em dados
percentuais, em torno de 70% do total de casos, enquanto os 30% restantes
representam todos os demais municípios das regiões. Vamos aos dados:
REGIÃO X ATO INFRACIONAL2
Baixada. Fluminense 291
Capital 02
Costa Verde 32
Norte Fluminense 16
Região dos Lagos 16
Região Serrana 23
São Gonçalo 09
Sul Fluminense 22
TOTAL 441
2 Em relação à prevalência de adolescentes da Baixada Fluminense sobre as demais regiões, têm-se duas observações: a primeira diz respeito á noção de ser esta região considerada de grande violência, a segunda observação, traz á tona duas possibilidades, por um lado de que as demais regiões não apresentem casos de infração com gravidade, e por outro lado, que dada a distância os Juízes estejam optando por outras medidas que não a internação.
16ATO INFRACIONAL3
PORTE DE ARMA 09
TRÁFICO DE DROGAS 175
HOMICÍDIO 24
SEQÜESTRO 01
FURTO 24
ROUBO 125
CONSUMO DE DROGAS 15
ESTUPRO/ ATENT. VIOLENTO AO PUDOR 07
FALSIFICAÇÃO DE DINHEIRO 01
OUTROS 15
IGNORADO 15
TOTAL 411
IDADE4
13 ANOS 09
14 ANOS 17
15 ANOS 58
16 ANOS 99
17 ANOS 168
18 ANOS 51
19 ANOS 02
20 ANOS 03
IGNORADO 04
TOTAL 411
3 No que diz respeito aos atos infracionais, foi constatado que o tráfico de substância entorpecente, representa pelo art. 12 da lei 6368/76 e o roubo com emprego de arma, art. 157 Código Penal, representam a maioria dos atos infracionais cometidos pelo grupo analisado, juntos são 73% do total de casos, enquanto os casos de homicídios, art. 121 do CP, representam 5% do total. A constatação da elevação destes casos ao longo dos anos no Rio de Janeiro, alerta o quão imperioso, deve ser o combate ao narcotráfico, combate que não deve se restringir aos grupos de adolescentes envolvidos, mas à toda a engrenagem que move o tráfico de drogas no Estado.
4 A idade investigada na pesquisa é relativa à época da apreensão. Percebe-se que a entrada na ilicitude ocorre, em geral, por volta dos 16-17 anos, podendo inferir que nas idades abaixo a inserção nos atos infracionais seja incipiente, o que reduz as chances de apreensão. Já dos 18 aos 20 anos, os casos de internação decorrem de mandado de busca e apreensão ou nos casos de regressão por descumprimento de medida anteriormente imposta.
17
ESCOLARIDADE5
1º SÉRIE DO ENSINO MÉDIO 01
2º SÉRIE DO ENSINO MÉDIO 01
1º SÉRIE DO ENS. FUNDAMENTAL 31
2º SÉRIE DO ENS. FUNDAMENTAL 61
3º SÉRIE DO ENS. FUNDAMENTAL 63
4º SÉRIE DO ENS. FUNDAMENTAL 81
5º SÉRIE DO ENS. FUNDAMENTAL 98
6º SÉRIE DO ENS. FUNDAMENTAL 37
7º SÉRIE DO ENS. FUNDAMENTAL 09
8º SÉRIE DO ENS. FUNDAMENTAL 10
ANALFABETO 10
IGNORADO 09
TOTAL 411
ENTRADA NO DEGASE6
PRIMEIRA 134
PRIMEIRA, COM REGRESSÃO 33
SEGUNDA 127
SEGUNDA, COM REGRESSÃO 27
TERCEIRA 41
VÁRIAS 43
IGNORADO 6
TOTAL 411
5 É um fator a ser estudada a questão da evasão escolar ser determinante para um maior aprofundamento à prática de atos infracionais. Essa evasão ocorre, principalmente, nas classes de segundo segmento do Ensino Fundamental (antiga 5ª série). 6 Os casos de três ou mais passagens representam 10% do total, relativa aos casos de adolescentes que iniciaram o cometimento de atos infracionais em idade tenra e com histórico de retorno ao mesmo ato infracional. Primeira e segunda entrada representam uma média de 30% dos casos analisados.
18
REINCIDÊNCIA NO C.A.I. BELFORD ROXO7
REINCIDENTES 40
TOTAL DE REINCIDÊNCIA 02
NÃO REINCIDENTES 369
TOTAL 411
Pesquisas como essas refletem, de uma forma geral, o estado de abandono
em que se encontram esses jovens, o que os leva à busca de outros meios de apego e
sobrevivência; meios esses condenados por uma mesma sociedade que, enquanto
Estado (sociedade democraticamente organizada) deveria demonstrar uma
comprometimento maior com a situação, promovendo uma discussão ampla sobre as
causas que levam o adolescente à delinqüência, e não apenas unificar-se na idéia de
atacas as conseqüências, enclausurando-os todos, até o ponto de não haver mais
unidades que comportem tantos desses marginalizados e excluídos.
1.5 - A QUESTÃO DA INIMPUTABILIDADE
Freqüentemente as forças conservadoras da sociedade e a imprensa
sensacionalista insistem no rebaixamento da idade da responsabilidade penal para 16
e mesmo para 14 anos, apresentando-o como resposta para o problema da violência
urbana. A primeira pergunta que se nos apresenta é: por que, de tempos em tempos,
esse tema ganha tanta evidência?
A banalização da violência na sociedade mundial, incluindo, no caso, o nosso
país, é um dos principais motivos que trazem à cena a controvertida questão do
7 Considerando apenas a segunda entrada o índice é relativamente baixo, representando apenas 7,6% do total de entradas no CAI Belford Roxo. São dados parcialmente significativos pois a unidade tem apenas quatro anos de existência.
19rebaixamento da idade da responsabilidade penal. Adolescentes envolvidos na
prática de atos infracionais graves – entre os quais assaltos, estupros homicídios, etc.
– agindo isoladamente ou em gangues, sobretudo nos grandes centros, povoam nos
últimos tempos os noticiários de jornais e da televisão, gerando o binômio que se
convencionou denominar de jovens violentos e adultos inseguros.
No entanto, levantamento realizado em vários estados da federação, e,
apontado pelo Fórum Permanente de Entidades Não-Governamentais de Defesa dos
Direitos da Criança e do Adolescente, indica que os crimes praticados por maiores de
18 anos representam 90% do total. Assim os adolescentes estariam praticando apenas
10% das infrações. Obviamente, pois, o problema da segurança pública e sua solução
não se resume, nem pode ser centrado, em torno das particularidades de fração tão
pequena dela, ou seja, aquelas praticadas por adolescentes.
O clamor popular pela segurança, diante da crescente onda de violência de
adolescentes, não pode legitimar, por si só, o rebaixamento da idade de
responsabilidade penal, mesmo porque, se este ocorrer, haverá sem dúvida, um
significativo aumento do quadro de violência na sociedade.
As propostas para o rebaixamento da idade de responsabilidade penal
aumentam no Congresso Nacional, onde tramitam atualmente no Senado seis
propostas de emenda constitucional, das quais quatro propõem a alteração do artigo
228 da Constituição Federal, reduzindo a idade para 16 anos; uma revoga o artigo
228 e a última acrescenta-lhe parágrafo, definindo que em atos praticados contra a
vida, o adolescente será denunciado ao Ministério Público quando completar 18
anos. Já na Câmara dos Deputados são sete as propostas de alteração ao artigo 228
reduzindo a idade para 16 anos.
Essas medidas, se aprovadas, irão resolver ou amenizar o problema de
segurança da população? Se os nossos presídios já se acham superlotados, gerando
freqüentes rebeliões e fugas, rebaixada a idade penal, onde serão colocados os
infratores? E em que condições? Inclusive, em que condições de segurança para a
própria população?
20Entendemos que, se de um lado a segurança exigida pela a população deve
ser garantida pelo Estado através de um aparelho policial próprio e adequado, antes
mesmo de qualquer reivindicação do cidadão lesado no seu direito, por outro lado
cabe também ao Estado manter os adolescentes autores de atos infracionais em
estabelecimentos de contenção e segurança. E considerando a personalidade em
desenvolvimento do adolescente, estimular propostas e implantar programas nesses
estabelecimentos que possibilitem a sua reintegração na sociedade.
1.5.1 - A Questão da Segurança da População
A existência indiscutível de atos infracionais graves de relevância atribuídos
a adolescentes, apesar de quantitativamente reduzidos se comparados com os
cometidos por adultos e com o universo das infrações, é fato notório e sua incidência
está distribuída de forma desigual nos diferentes Estados.
Sem esquecermos do direito indiscutível de toda a sociedade à segurança
pública e individual, deparamo-nos com o fato de que diferentes conjunturas
específicas demonstram particularmente nas grandes cidades capitais do Brasil, que o
alarme social produzido por infrações graves cometidas por adolescentes tendem a
comprometer o conjunto das políticas para infância. Também o não-equacionamento
de forma firme e eficiente pode trazer como conseqüências desastrosas no campo
legislativo e judicial: retrocessos, por exemplo, em relação à idade para
inimputabilidade penal (diminuição da idade mínima) e aplicação indiscriminada das
medidas privativas de liberdade.
Dessa forma, ao tratarmos do tema relativos ao envolvimento de adolescentes
com atos infracionais trazem à tona as dificuldades como a falta de definição mais
clara das competências dos diferentes órgãos e das diferentes esferas do poder
público em relação ao cumprimento das medidas socioeducativas; e a falta de
orientações técnicas e pedagógicas, que têm dificultado enormemente o processo de
implementação dessas medidas.
211.5.2 - Razões para Manter a Impunidade Penal dos Adolescentes
Autores de Ato Penal Infracional aos 18 Anos
O Seminário Europeu das Nações Unidas sobre Bem-Estar Social (Paris,
1949) estabeleceu que nos países europeus e de civilização ocidental, para efeitos
penais, a idade da responsabilidade não deve ser fixada abaixo dos dezoito anos.
De acordo com a legislação comparada, a idade de responsabilidade penal,
em termos percentuais é: 14 anos – 0,5%; 15 anos – 8,0%; 16 anos – 13,0%; 17
anos – 19,0%; 18 anos – 55,0%; 19 anos – 0,5%; 21 anos – 4,0%. Haiti apresenta
a idade mais baixa (14 anos) e 21 anos vem a ser a mais alta em países como o Chile
e a Suécia.
A falência pedagógica e a recuperadora do sistema carcerário já motivou
especialistas e penalistas a buscarem uma substituição do cárcere por penas
alternativas aos adultos, com mais eficácia, custos e índices de reincidência menores.
Deste modo, não seria coerente do ponto de vista da política criminal encaminhar
jovens a tal sistema reconhecidamente falido – o que ocasionaria a produção e o
aumento da criminalidade;
A delinqüência juvenil não passou de 10% de toda criminalidade no Brasil.
Diferentemente do que a mídia propala, a participação de jovens em crimes violentos
não é tão significativa comparativamente aos crimes praticados por adultos. Na
cidade de São Paulo, por exemplo, mais de 90 dos homicídios são praticados por
adultos.
Tomando por esta base os adolescentes sentenciados hoje em todo o país,
grande parte está sendo responsabilizada por crimes contra o patrimônio, o que
corresponde a 73,8% das infrações cometidas. Destas infrações 50% são frutos, ou
seja não oferecem sequer ameaça à vitima. Os crimes praticados por adolescentes
contra a vida representam apenas 8,46% do universo das infrações8 .
8 Caderno nº 01 – DCA – SNDH/MJ, Série Idéias e Resultados. Atendimento ao Adolescente em conflito com a lei: Reflexões para uma prática qualificada. Brasília, 1998.
22Remeter os 10% de adolescentes infratores ao sistema penitenciário
implicaria engrossar a listas dos que aguardam vagas nos presídios, haja visto a
quantidade de mandados de prisão a serem cumpridos, e o que é pior, significaria
lançar jovens de 16 anos definitivamente na delinqüência violenta.
As medidas sócio-educativas responsabilizam os adolescentes autores de ato
infracional. O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê seis modalidades de
medida que procuram conjugar uma resposta às infrações e conforme o caso,
proteger, educar e até punir, melhor prevenindo praticas anti-sociais.
Dentre as medidas sócio-educativas, que possuem um caráter
predominantemente pedagógico, o Estatuto privilegia as medidas restritivas de
direitos, reservando a privação de liberdade para os casos de maior gravidade.
O critério de 18 anos para a imputabilidade penal não se relaciona com
capacidade ou incapacidade de entendimento dos jovens nesta idade, e sim com uma
opção acerca da conveniência em não submetê-los ao sistema reservado aos adultos
como forma mais eficiente para prevenir esta modalidade de criminalidade.
Uma política sistemática de encarceramento significa comprometer
segurança das gerações futuras, pois vivemos num período de transição, onde os
empregos são escassos e concorrência desigual especialmente para os jovens.
Para as crianças e jovens o cumprimento das obrigações tem uma ligação
direta com a “confirmação de suas expectativas” de que os adultos e o Estado
respeitam seus direitos. A insinceridade dos adultos e do Estado no cumprimento de
suas obrigações legais não permite ao jovem compreender qual o código de
referencia que deve reger as relações sociais; ou pior, ensina às crianças e
adolescentes que tudo é válido, inclusive desrespeitar seus próprios compromissos
quando isso parecer útil9.
9 VIEIRA, Oscar Vilhena. O principio da reciprocidade e o adolescente autor de ato infracional, in: “Políticas Públicas e estratégias de atendimento sócio-educativo ao adolescente em conflito com a lei”, Coleção Garantias de Direitos, série Subsídios, tomo II, pagina 30.
23Neste sentido, a responsabilização e a punição dos jovens infratores ganha
um caráter de dever do Estado e dos adultos, que não podem nem optar pelo caminho
do retribucionismo hipócrita nem tampouco do paternalismo ingênuo. Significa que
retribuir o mal com o mal os jovens infratores seria perpetrar a crueldade da
exclusão. Tratá-los como se não tivessem violado direitos alheios, por outro lado,
seria negligenciá-los novamente, reproduzindo e sistematizando a impunidade.
Muitas vezes é no contexto da infração que o Estado terá a possibilidade de
suprir e corrigir suas próprias falhas e omissões, do contrario estaremos e por que
não dizer que estamos diante da criminalização da pobreza, da prisionização e da
formação de uma identidade criminosa nos jovens brasileiros.
***
No próximo capítulo serão analisadas as medidas sócio-educativas, que são
os dispositivos legais utilizados para o tratamento da delinqüência juvenil, a
abrangência e os resultados obtidos através dessas políticas públicas.
24
CAPÍTULO II
Implementação, Caracterização e Operacionalização das
Medidas Sócio-Educativas Previstas no Estatuto da Criança
e do Adolescente
“A mudança da legislação para a doutrina da
proteção integral, como era de se esperar, não
mudou muito a situação na prática”.
Siro Darlan
25
2.1 - BREVE HISTÓRICO DA IDEOLOGIA DE
ATENDIMENTO AO MENOR NO BRASIL
Dos sentimentos de “caridade” e posteriormente “filantropia”, passado por
propostas de internação maciça, programas assistencialistas, maior ou menor ênfase
no papel da escola e formação profissional, a trajetória do atendimento à infância em
nosso país adquire muitas facetas, podendo ser caracterizada por três diferentes fases.
A primeira, que se faz presente desde o Descobrimento até o início da década
de 1920, pode ser descrita como a da filantropia ou assistencialismo. O que
caracteriza esta etapa é a criança tida como objeto de caridade e não como sujeita de
direitos. A concepção de filantropia presente nas diferentes instituições de
atendimentos à infância é marcada pela a idéia de que os recursos públicos é que
devem sustentar as diferentes iniciativas particulares. O setor privado se alia a grupos
dentro da administração públicas com o objetivo de garantir verbas e privilégios10.
A segunda fase caracteriza-se pelo enorme corpo jurídico/ institucional
criado pelo Estado brasileiro para o atendimento à infância. Este processo se inicia
na década de 1920 e segue até a de 1980. As três leis específicas de atendimento – a
criação dos Juizados de Menores, o Serviço de Assistência ao Menor (SAM) e a
Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (Funabem) – são produtos deste
momento em que tanto a instituições públicas como privadas recorreram
sistematicamente aos muros, grades, ao fechamento, à clausura. A tentativa era de
circunscrever ou isolar o problema daqueles que se tinham desviado de padrões de
comportamento ou conduta ditos normais. Tratava-se, como nos explica Foucault, do
exercício do poder de modo a domesticar o corpo para controlar a alma11.
10 Ao contrário da tendência que ocorreu na educação brasileira com a iniciativa dos pioneiros (1932), a área da assistência social sempre trabalhou na perspectiva das entidades privadas como “Estado ampliado”. 11 FOULCAULT, Michel. Vigiar e punir.Petrópolis: Vozes, 1977.
26A última fase é caracterizada pela entrada em cena das Organizações Não-
Governamentais (ONGs), pelo desmonte que o Estado brasileiro efetiva em suas
instituições de atendimento, pela participação da sociedade civil na elaboração do
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Segundo Pilotti e Rizzini12, ocorrem sete mudanças substantivas na
legislação de menores a partir da elaboração desta do ECA. São elas:
1 - Seu objetivo: o novo texto parte da concepção da criança como sujeito de
direitos em contraposição aos textos anteriores (Código de Menores de 1927 e
1979) que as viam como objetivo;
2 - Pátrio poder: “a falta de recursos materiais não constitui motivo suficiente
para a perda ou suspensão do pátrio poder”;
3 - Detenção de menores: “nenhum adolescente será privado de sua liberdade
senão em flagrante de ato infracional ou por ordem escrita e fundamentada de
autoridade judiciária competente”;
4 - Direito de defesa: deixa de ser restrita ao curador de menor (figura do Código
de 1979) ou Ministério Público (ECA), podendo ser exercida por outros atores
durante o processo legal;
5 - Internação de menores: não ocorre mais por prazo indeterminado;
6 - Posição de magistrado: não mais absoluto;
7 - Mecanismo de participação: cria mecanismo de participação da sociedade por
intermédio de diferentes Conselhos: o Conselho Tutelar e os demais Conselhos
para o estabelecimento de políticas públicas – municipal, estadual e nacional.
12 PILOTTI, F. e RIZZINI, I. A arte de governar crianças. Rio de Janeiro: Instituto Interamericano Del Nino, 1995
27
2.2 - ECA: ESTATUTO DA CRIANÇA E DO
ADOLESCENTE - A LEI 8.069/90,
O Estatuto da Criança e do Adolescente dedica dezenas de artigos com a
finalidade de dispor ou regular sobre a prática do ato infracional e das garantias
processuais, buscando sair de uma prática repressiva para uma outra, educativa ou
socializadora.
Apesar de o texto da lei avançar significativamente no sentido de propor uma
forma de gestão democrática por meio dos diferentes Conselhos, redução do papel do
Poder Judiciário e inclusão de novos agentes nos cuidados e proteção da infância e
regular sobre medidas socioeducativas em contraposição às atuações repressivas do
passado, a prática tem se demonstrado muito aquém do conjunto da sociedade: temos
uma das mais modernas legislações e uma prática institucional que se mantém
repressiva. Principalmente devido à crise dos mecanismos de financiamento e à
ausência de propostas metodológicas de atendimento ou alternativas educacionais
para os adolescentes em conflito com a lei.
Com relação às medidas sócio-educativas, desperta a nossa atenção o fato de
cerca de 92% de todo o atendimento (isto é, aplicação das medidas socioeducativas)
são realizados por entidades públicas; menos de 3% são realizados em parcerias ou
por responsabilidade de outras entidades e de que na grande maioria dos estados
brasileiros existem organismos de atenção à infância e à adolescência.
A universalização de direitos ainda está muito distante de tornar-se realidade,
predominando ainda na sociedade brasileira a exclusão de grande parte da população
dos mínimos sociais que favoreçam o atendimento às necessidades básicas.
28
2.3 - NATUREZA ATO INFRACIONAL
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), no seu artigo 103, define
taxativamente como ato infracional aquela conduta prevista em lei como
contravenção ou crime. A responsabilidade pela conduta descrita começa aos 12
anos.
Ao assim definir o ato infracional, em correspondência absoluta com a
Convenção Internacional dos Direitos da Criança, o ECA considera o adolescente
infrator como uma categoria jurídica, passando a ser sujeito dos direitos
estabelecidos na Doutrina da Proteção Integral, inclusive do devido processo legal.
Essa conceituação rompe a concepção de adolescente infrator como categoria
sociológica vaga implícita no antigo Código de Menores, concepção que,
amparando-se numa falsa e eufemística ideologia tutelar (doutrina da situação
irregular), aceitava reclusões despidas de todas as garantias que uma medida de tal
natureza deve ser necessariamente incluir e que implicavam uma verdadeira privação
de liberdade.
Todo o sistema de contenção do adolescente do antigo Código e da “Política
de Bem-Estar do Menor” estava organizado para tratar um “delinqüente”, e não para
atender um adolescente que transgrediu uma norma. Por isso consideramos
fundamental a distinção entre o que é ser infrator ocasional e o que é ser delinqüente
habitual.
Diferente do direito penal, onde o delito constitui uma ação típica,
antijurídica, culpável e punível, o direito de menores convertia o delito em uma vaga
categoria sociológica. A inexistência de parâmetros objetivos para medir a dimensão
quantitativa real da chamada delinqüência juvenil é, por vezes, substituída por
avaliações e opiniões impressionistas inadequadas. Isto não significa negar a
importância e a existência real de problemas sociais graves. Significa admitir que os
29distintos aspectos da problemática social podem ser percebidos de ângulos
completamente diferentes.
Dimensões como a da saúde física e emocional, conflitos inerentes à
condição de pessoa em desenvolvimento e aspectos estruturais de personalidade
precisam ser considerados. Por isso, é importante reafirmar que a “delinqüência” não
pode ser considerada uma categoria homogênea, nem um critério exclusivo de
definição de causa da transgressão da lei.
Por essas razões sugere-se que o tema do adolescente infrator seja
considerado na sua relação específica com o sistema de justiça. Isto é, a transgressão
da Lei é que define e limita a atuação da justiça nesta área. As demais problemáticas
que afetam os adolescentes e jovens são objetivo da atuação do Estado mediante o
conjunto das políticas públicas.
2.4 - CARACTERIZAÇÃO DAS MEDIDAS
SÓCIO-EDUCATIVAS
As medidas sócio-educativas são aplicadas de acordo com as características
da infração, circunstancias sociofamiliar e disponibilidade de programa e serviços em
nível municipal, regional e estadual. Comportam aspectos de natureza coercitiva, por
serem punitivas aos infratores, e aspectos educativos, no sentido da proteção integral
e oportunização, e do acesso à formação e informação. Sendo que em cada medida
esses elementos apresentam graduação de acordo com a gravidade do delito
cometido e / ou sua reiteração.
De acordo com o ECA, os regimes sócio-educativos devem ser efetuados em
condições que garantam o acesso do adolescente às oportunidades de superação de
sua condição de exclusão, bem como de acesso à formação de valores positivos de
30participação na vida social. Essa operacionalização deve prever, obrigatoriamente, o
envolvimento familiar e comunitário, mesmo no caso da privação de liberdade.
Sempre que possível deverão ser avaliadas condições favoráveis que possibilitem ao
adolescente infrator a realização de atividades externas.
A estrutura de funcionamento dos programas deve contemplar a participação
de grupos da comunidade que contribuirão com as atividades e participarão no
planejamento e controle das ações desenvolvidas na unidade de trabalho,
oportunizando a relação entre o interno e a comunidade, e esses programas
socioeducativos deverão utilizar-se do principio da incompletude institucional,
caracterizado pela utilização do máximo possível de serviços (saúde, educação,
defesa jurídica, trabalho, profissionalização etc.) na comunidade, responsabilizando
as políticas setoriais no atendimento aos adolescentes.
Na medida que os programas socioeducativos de privação de liberdade
deverão prever os aspectos de segurança, na perspectiva de proteção à vida dos
adolescentes e dos trabalhadores, atentando-se para os aspectos arquitetônicos das
instalações e formas de contenção sem violência, também, obrigatoriamente, devem
culminar na formação permanente dos trabalhadores, tanto funcionários quanto
voluntários.
As denominações das unidades de aplicação das medidas, dos adolescentes
envolvidos e das demais formas de identificação das atividades a eles relacionadas
devem respeitar o principio da não-discriminação e não-estigmatização, evitando-se
os rótulos que marcam os adolescentes e os expõem a situações vexatórias,
impedindo-os de superar as dificuldades na inclusão social. Eis as medidas:
2.4.1 - A Advertência
A advertência constitui uma medida admoestatória, informativa, formativa e
imediata, sendo executada pelo Juiz da Infância e Juventude. A coerção manifesta-se
no seu caráter intimidatório, devendo envolver os responsáveis num procedimento
ritualístico.Deverá ser reduzida a termo e assinada pelas partes.
312.4.2 - Obrigação de Reparar o Dano
A reparação do dano se faz a partir da restituição do bem, do ressarcimento e
compensação da vitima. Caracteriza-se como uma medida coercitiva e educativa,
levando o adolescente a reconhecer o erro e repará-lo. A responsabilidade pela
reparação do dano é do adolescente, sendo intransferível e personalíssima. Para os
casos em que houve necessidades, recomenda-se a aplicação conjunta de medidas de
proteção (artigo 101, do ECA). Havendo manifesta impossibilidade de aplicação, a
medida poderá ser substituída por outra mais adequada.
2.4.3 - Prestação de Serviços à Comunidade
Prestar serviços à comunidade constitui uma medida com forte apelo
comunitário e educativo tanto ara o jovem infrator quanto para a comunidade, que
por sua vez poderá responsabilizar-se pelo desenvolvimento integral desse
adolescente. Para o jovem é oportunizada a experiência da vida comunitária, de
valores sociais e compromisso social.
Nesse sentido, o envolvimento da comunidade por intermédio de órgãos
governamentais, clubes de serviços, entidades sociais e outros, é fundamental na
operacionalização desta medida. A aplicação dessa medida depende exclusivamente
da Justiça da Infância e Juventude, mas na sua operacionalização recomenda-se o uso
de um programa que estabeleça parcerias com órgãos públicos e organizações não-
governamentais.
Entendemos que a prestação de serviços à comunidade será cada vez mais
efetiva na media em que houver o adequado acompanhamento do adolescente pelo
órgão executor, o apoio da entidade que o recebe, e a utilidade real da dimensão
social do trabalho realizado.
322.4.4 - Liberdade Assistida
Constitui-se numa medida coercitiva quando se verifica a necessidade de
acompanhamento da vida social do adolescente (escola, trabalho e família). Sua
intervenção educativa manifesta-se no acompanhamento personalizado, garantindo-
se os aspectos de: proteção, inserção comunitária, cotidiano, manutenção de vínculos
familiares, freqüência à escola, e inserção de trabalho e /ou cursos profissionalizantes
e formativos.
Assim, os programas de liberdade assistida devem ser estruturados no nível
municipal, preferencialmente localizados nas comunidades de origem do
adolescente. Devem ainda ser gerenciados e desenvolvidos pelo órgão executor no
nível municipal em parceria com o judiciário, que supervisiona e acompanha as
ações do programa.
O programa de liberdade assistida exige uma equipe de orientadores sociais,
remunerados ou não, para o cumprimento do artigo 119 do ECA, tendo como
referencia a perspectiva do acompanhamento personalizado, inserido na realidade da
comunidade de origem do adolescente, e ligado a programas de proteção e / ou
formativos. Tanto o programa como os membros da equipe passam a construir uma
referencia permanente para o adolescente e sua família.
A liberdade assistida poderá ser desenvolvida por grupos comunitários com
orientadores voluntários, desde que os mesmos sejam capacitados, supervisionados e
integrados à rede de atendimento ao adolescente. A modalidade de Liberdade
Assistida Comunitária (LAC) mostra-se muito eficiente pelo seu grau de
envolvimento na comunidade e de inserção no cotidiano dos adolescentes
acompanhados, devendo ser estimulada e apoiada.
2.4.5 – Semiliberdade
A semiliberdade contempla os aspectos coercitivos desde que afasta o
adolescente do convívio familiar e da comunidade de origem; contudo, ao restringir
33sua liberdade, não o priva totalmente do seu direito de ir e vir. Assim como na
internação, os aspectos educativos baseiam-se na oportunidade de acesso a serviço,
organização da vida cotidiana etc. deste modo, os programas de semiliberdade
devem, obrigatoriamente, manter uma ampla relação com s serviços e programas
sociais e / ou formativos no âmbito externo à unidade de moradia.
Num entendimento mais amplo da natureza e finalidade da semiliberdade,
entendemos que ela é capaz de substituir em grande arte a medida de internação,
podendo atender os adolescentes como primeira medida, ou como processo de
transição entre a internação e o retorno do adolescente à comunidade.
Propomos a ampla difusão do regime, implantando programas regionalizados
e municipalizados quando necessário.
A falta de unidade ns critérios por parte do judiciário na aplicação de
semiliberdade, bem como a falta de avaliações das atuais propostas, têm impedido a
potencialização dessa abordagem. Por isso propõe-se que os programas de
semiliberdade sejam divididos em duas abordagens: uma destinada a adolescentes
em transição da internação para a liberdade e /ou regressão da medida; e a outra
aplicada como primeira medida socioeducativa, ambas com as seguintes
especificações:
Princípios da estrutura educacional;
Organização do cotidiano como espaço de convivência que possibilite a
expressão individual, o compromisso comunitário, atividades grupais etc.;
Elaboração de um regulamento prevendo deveres e normas de funcionamento
da unidade;
Acompanhamento do adolescente em atividades externas de inserção no
mercado de trabalho, escolarização formal, profissionalização e outros;
Programa de acompanhamento escolar e de inserção do adolescente em
escolarização.
Constatamos a existência de, basicamente, duas modalidades de aplicação da
medida de semiliberdade:
34 Programas caracterizados por unidades de atendimento para grupos de até 40
adolescentes, onde o acesso ao meio externo é programado progressivamente a
partir do processo de desenvolvimento educacional do adolescente. São
conhecidos como semi-internatos.
Programa de semiliberdade caracterizados por unidades comunitárias de
moradia, para grupos de cerca de 12 adolescentes, para manutenção e inserção do
adolescente em programas sociais comunitários.
2.4.6 - Medida de Internação - Natureza da Medida
A internação, como a ultima das medidas na hierarquia que vai da menos
grave para a mais grave, somente deve ser destinada aos adolescentes que cometem
atos infracionais graves. Embora o Estatuto tenha enfatizado os aspectos pedagógicos
e não os punitivos ou repressivos, a medida de internação guarda em si conotações
coercitivas e educativas.
É preciso relembrar que o Estatuto estabelece o principio de que todo
adolescente a quem for atribuída uma medida sócio-educativa não deve ser privado
de liberdade se houver outra medida adequada (ECA, art. 122 § 2º) e nos casos
previstos no artigo 122. Portanto, falar de internação significa referir-se a um
programa de privação da liberdade, o qual por definição, implica contenção do
adolescente autor de ato infracional num sistema de segurança eficaz.
Assim sendo, os que forem submetidos à privação de liberdade só serão por
que a sua contenção e submissão a um sistema de segurança são condições sine qua
non para o cumprimento da medida socioeducativa. Ou seja, a contenção não é em si
a medida sócio-educativa, é a condição para que ela seja aplicada. De outro modo
ainda: a restrição da liberdade deve significar apenas limitação do exercício pleno do
direito de ir e vir e não de outros direitos constitucionais, condição para sua inclusão
na perspectiva cidadã.
35
2.5 - DESENVOLVIMENTO DO PROCESSO
SÓCIO-EDUCATIVO EM PRIVAÇÃO DE LIBERDADE
As garantias constitucionais e os requisitos fixados pelo Estatuto são
parâmetros dentro dos quais o infrator será “contido” e submetido a um sistema de
segurança assegurando-lhe:
Sujeição aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição
peculiar de pessoas em desenvolvimento;
Manutenção condicionada a avaliação em períodos máximos de seis meses;
Tempo máximo de internação três anos, limite após o qual o adolescente deve ser
liberado e colocado em regime de semiliberdade ou de liberdade assistida; e
liberação compulsória aos vinte e um anos de idade (artigo 121);
Permissão para a realização de atividades externas, a critério da equipe técnica da
entidade, salvo expressa determinação judicial em contrario (art. 121, § 1º);
Que a internação seja cumprida em entidade exclusiva para adolescentes,
obedecida rigorosa separação por critérios de idade, compleição física e gravidade
da infração. Durante esse período (inclusive na internação provisória), são
obrigatórias atividades pedagógicas (art. 123);
Observação dos direitos do adolescente privado de liberdade: entrevistar-se
pessoalmente com representante do Ministério Público; peticionar diretamente a
qualquer autoridade; avistar-se reservadamente com seu defensor; ser informado da
sua situação processual; ser tratado com respeito e dignidade; permanecer
internado na mesma localidade ou naquela mais próxima ao domicílio de seus pais
ou responsável; receber visitas, ao menos semanalmente; corresponder-se com seus
familiares e amigos; ter acesso aos objetos necessários à higiene e asseio pessoal;
habitar alojamentos em condições adequadas de higiene e salubridade; receber
36escolarização e profissionalização; realizar atividades culturais, esportivas e de
lazer; ter acesso aos meios de comunicação social; receber assistência religiosa
segundo a crença; manter a posse de seus objetos pessoais e dispor de local seguro
para guardá-los; receber, quando da desinternação, os documentos pessoais
indispensáveis à vida em sociedade.
Segundo ainda o artigo 124, que define os direitos anteriormente
mencionados, em hipótese alguma haverá incomunicabilidade, embora a autoridade
judiciária possa suspender temporariamente visitas ao adolescente.
2.6 - ARTICULAÇÃO E INTEGRAÇÃO
OPERACIONAL DOS ÓRGÃOS RESPONSÁVEIS
PELO ATENDIMENTO DE JOVENS EM CONFLITO
COM A LEI
A aplicação de medidas sócio-educativas não pode acontecer isolada do
contexto social, político e econômico em que está envolvido o adolescente. Antes de
tudo é preciso que o Estado organize políticas públicas para assegurar, com
prioridade absoluta, os direitos infanto-juvenis. Somente com os direitos à
convivência familiar e comunitária, à saúde, à educação, à cultura, esporte e lazer, e
demais direitos universalizados, será possível diminuir significativamente a prática
de atos infracionais cometidos por adolescentes.
Complementarmente às políticas sociais básicas, cabe aos serviços de
assistência social a garantia de proteção aos mais vulnerabilidade e vitimizados por
meio de programas de proteção tais como: apoio socioeducativo em meio aberto,
abrigo, apoio sociofamiliar e demais programas previstos no ECA.
37As medidas sócio-educativas precisam estar articuladas em rede, neste
conjunto de serviços, assegurando assim uma atenção integral aos direitos e ao
mesmo tempo o cumprimento de seu papel específico.
O conceito de rede está inserido na própria definição do ECA sobre a política
de atendimento como um conjunto articulado de ações governamentais e não-
governamentais da União, do Estado e do Município. Este conjunto articulado de
ações deve considerar a distinção entre Estado e sociedade civil, estabelecendo
papéis claramente delimitados para ambos.
A relação entre Estado e sociedade civil deve ser pautada pela explicação e
publicização da diversidade dos pontos de vista e interesse existentes, buscando a
construção de consenso e a implementação das políticas.
A articulação em rede dos serviços e programas destinados a infância e à
juventude caracteriza-se por:
Atuação privilegiada do Conselho de Direitos, enquanto espaço de elaboração e
deliberação sobre a política de direitos;
Existência de uma coordenação no âmbito governamental que articule ações,
otimize recursos, priorize área de intervenção e evite o paralelismo e a
superposição de ações;
Existência de um núcleo de planejamento, monitoramento e avaliação que
concentre informações de interesse comum, análises e projeções que subsidiem a
definição e reordenação permanente das atribuições de cada programa membro da
rede;
Unificação dos procedimentos e explicitações dos critérios de acesso aos
serviços, assegurando o tratamento indiscriminatório e transparente aos usuários;
Capacitação dos prestadores de serviços com o objetivo de qualificar sua
intervenção e aumentar sua eficiência e eficácia;
Socialização de equipamentos e tecnologia para o uso comum e ampliação do
impacto dos serviços;
Outras atribuições que possam demandar os membros da rede.
38A integração operacional dos órgãos do Judiciário, Ministério Público,
Defensoria, Segurança Pública e Assistência Social para efeito de agilização do
atendimento inicial a adolescente a quem se atribua ato infracional (artigo 88-V) vem
sendo reclamada na maioria dos estados brasileiros. A não-existência desta
integração faz com que adolescentes sejam desrespeitados em seus direitos, ou
prazos legais extrapolados, sendo expostos a riscos graves, como manutenção em
delegacias de adultos, por vezes com grave ameaça à integridade física.
Há de se tratar com um Centro de Atendimento Integrado destinado
exclusivamente ao adolescente a quem se atribua prática de ato infracional, que não
pode ser confundido com outros serviços auxiliares do Conselho Tutelar como, por
exemplo, o SOS Criança.
***
O Capítulo a seguir entra no universo do Centro de Atendimento Intensivo de
Belford Roxo, sua rotina de funcionamento e o trabalho realizado pelos profissionais
que ali constroem o ideal sócio-educativo.
39
CAPÍTULO III
O Centro de Atendimento Intensivo de Belford Roxo
“Uma visão sem uma tarefa é apenas um sonho,
uma tarefa sem uma visão é apenas um trabalho
árduo. Mas uma visão com uma tarefa pode
mudar o mundo”.
Mount Abu
40
3.1 - IDEOLOGIA DO TRABALHO DAS UNIDADES
FECHADAS
A finalidade maior do processo educacional, inclusive daqueles privados de
liberdade, deve ser a formação para a cidadania, cabendo, portanto, aos governos
estaduais, extinguir os modelos centralizados ainda existentes segundo padrões
calcados na velha política nacional do bem-estar do menor, substituindo-os por
programas pedagogicamente formulados para atender ao tipo de adolescente e o tipo
de criminalidade própria das diversidades apresentadas.
Atendidas as existências da Constituição e do ECA, a proposta pedagógica
deve ser coerente com a Política Estadual de Direitos definida pelo Conselho
Estadual. A denominação das instituições destinadas a este fim devem ser expressão
desta proposta pedagógica, afastando-se das antigas matrizes estigmatizantes.
Cada internato será uma unidade com denominação própria, estilo e proposta
identificada pela equipe de professores, orientadores, profissionais das ciências
humanas, trabalhadores sociais e dos adolescentes internos dela participantes.
O que caracteriza tais estabelecimentos é o fim social a que eles se destinam.
Para esse fim estarão voltados os meios pedagógicos utilizados em sua dinâmica. Tal
fim social é o exercício da cidadania plena pelo adolescente submetido por lei à
medida sócio-educativa. O conteúdo pedagógico estará voltado, portanto, para os
elementos que compõem o artigo 6º do Estatuto: os fins sociais a que o ECA se
dirige; as exigências do bem comum; s direitos e deveres individuais e coletivos; a
condição peculiar do adolescente como pessoa em desenvolvimento.
41
3.2 - HISTÓRICO DO CENTRO DE ATENDIMENTO
INTENSIVO DE BELFORD ROXO
O Centro de Atendimento Intensivo (CAI) de Belford Roxo, mais conhecido
como CAI BAIXADA é uma das unidades do sistema DEGASE – Departamento de
ações Sócio-Educativas – Órgão da Secretaria de Direitos Humanos e Sistema
Penitenciário – inaugurado em 21 de agosto de 1998 com capacidade inicial para 80
adolescentes, destina-se à execução da medida sócio-educativa de internação por
determinação judicial expedida pelos Juizados das Varas de Infância e Juventude da
Baixada Fluminense, do Norte Fluminense e outras regiões do interior.
Sendo assim, trata-se de uma instituição fechada, voltada ao acolhimento do
jovem infrator que necessite ficar temporariamente privado de sua liberdade. O eixo
principal da proposta de ação do CAI-Baixada está fundamentado na doutrina de
proteção integral preconizada pelo ECA. O Adolescente passou a ser visto como
sujeito de direitos e deveres. O enfoque é transferido para a conquista da dignidade e
a sua eficácia dentro da sociedade.
A Direção-Geral da Unidade recai sobre o experiente Ivamor da Silva Lima,
que trabalha em atendimento de adolescentes em conflito com a lei há mais de 10
anos e conseguiu organizar uma equipe competente. Há uma Direção Administrativa
e também a Direção Técnica, que em conjunto, comemoram o fato de, em quatro
anos de existência da unidade, nunca ter havido rebelião ou divisão dos adolescentes
por facções. Outro Mérito da equipe também é a permanência da grande maioria dos
jovens ali internados na escola, exceto em períodos de superlotação, por falta de
vagas.
42
3.3 - PRINCÍPIOS PEDAGÓGICOS NORTEADORES
DA ORGANIZAÇÃO DA VIDA COTIDIANA
Em virtude da localização e da estrutura física da Unidade ser organizada
para atendimento até 120 adolescentes, a organização da mesma é a seguinte:
1) Estrutura: Formada por cinco módulos de 25 adolescentes, sendo respeitada a
separação por módulos na execução de todas as atividades.
2) Equipes:
a- Técnica: Constituída por 5 mini-equipes formadas por assistentes sociais,
psicólogos e pedagogos. Possui três médicos ( um Clinico, um pediatra e uma
psiquiatra), uma dentista e duas enfermeiras. Essa equipe atua a partir de uma visão
interdisciplinar acompanhando o adolescente nos atendimentos individuais e grupais.
Atualmente, há carência de três pedagogos, um assistente social e um psicólogo, pois
há módulos com atendimento precário, por estar com a equipe incompleta.
b- Apoio: Constituída de agentes educacionais e de disciplina que atuam no
acompanhamento de todo as atividades da Unidade, como também na coordenação
das oficinas de profissionalização e recreação da Unidade.
c- Administrativa: Compreendida pelos setores que administram as áreas de recursos
humanos e materiais da Unidade.
3) A atuação da equipe do CAI-BAIXADA: está baseada na valorização do
adolescente enquanto sujeito, considerando suas peculiaridades e seu referencial
comunitário familiar. Nesse sentido, a equipe estabelece dois níveis de atuação um
interno e outro externo.
43A atuação interna compreende o atendimento aos adolescentes e seus
familiares e o próprio espaço institucional:
recepção com informação da rotina de trabalho:
divulgação da normas de conduta da unidade ;
atendimentos individuais para coleta de dados iniciais;
acompanhamento do adolescente nas atividades da unidade
pesquisa da situação processual junto às comarcas;
discussão de equipe para elaboração de propostas de trabalho para o caso.
Observação do comportamento do adolescente em grupo e individual
Atendimento familiar
Observação da visita familiar, contatos estabelecidos entre o adolescente e
seu grupo de origem.
Discussão da mini-equipe, diante da medida sócio-educativa determinada.
A atuação externa está pautada na compreensão de que a intervenção técnica
não pode se esgotar com o atendimento do adolescente no interior da Unidade. A
ação se desdobra e está vinculada ao seu retorno comunitário. Nesse sentido, faz-se
necessária organização de uma rede de apoio capaz de facilitar a manutenção do
adolescente e sua família em posição consoante com a lei e um levantamento dos
programas existentes já desenvolvidos na área de assistência social com vistas a
parcerias.
Através da sensibilização das prefeituras para a articulação do CAI com
projetos vinculados às seguintes questões: qualificação profissional, recolocação no
mercado de trabalho, habitação e dependência química, ampliação da discussão sobre
mitos, preconceitos, estigmatizarão, exclusão social que os adolescente, em conflito
com a lei e suas famílias sofrem, e ação conjunta com o Ministério Público da
Infância e Juventude, Defensoria Pública do Estado, DEGASE, Conselho Tutelar e
parcerias com CRIAMs para continuidade dos trabalhos.
44
3.4 - A QUESTÃO DA VIOLÊNCIA
A vida social e cotidiana e a convivência constituem-se em importante
conteúdo pedagógico, que deve ser baseado na relação solidária e na co-gestão entre
educadores e educandos de modo que as regras de convivência, a organização do
espaço físico, o planejamento das atividades devem ser amplamente discutidos e
decididos em conjunto com os educandos. Contudo, a orientação é para se evitar
atitudes pseudodemocráticas.
Existem limites legais na definição das regras que não são passíveis de
decisão do grupo, mas que podem e devem ser informadas da maneira mais clara e
pedagógica possível, inclusive por escrito.
As sanções disciplinares por descumprimento de normas estabelecidas devem
ser aplicadas de forma clara, de modo que o adolescente saiba a razão pela qual está
sendo punido. É preciso lembrar que espancamento e tortura são crimes e não
instrumentos pedagógicos. Neste sentido, devem ser descobertos e utilizados
exclusivamente métodos de contenção não violentos.
Para evitar que as normas e procedimentos sejam utilizados apenas de acordo
com a subjetividade dos educadores, é recomendado que sejam expressos por escrito
na modalidade de regimento interno ou outro instrumento similar. Atualmente a
forma utilizada para reprimira indisciplina e a violência na Unidade é o impedimento
da entrega das “sucatas” (gêneros trazidos pelos responsáveis para os adolescentes
nos dias de visitação, com a permissão da direção, a saber: biscoito, refrigerantes,
cigarros, etc.). O envolvimento tanto da família quanto da comunidade na vida da
unidade são elementos vitais para a quebra do isolamento, facilitando o processo de
retorno à vida social (família e comunidade, quando for o caso).
O ECA recomenda observar separação por critérios de idade, compleição
física e gravidade de infração. Acredita-se que essas observações devam ser
contextualizadas à análise da situação dos grupos com os quais se trabalha. É preciso
45estudar a procedência dos participantes, histórico familiar e de vida, tanto no sentido
de adequar a norma à realidade como para, inclusive, se estabelecer novos critérios
de separação: por exemplo, de adolescentes da mesma gangue ou de gangues
adversárias, ou ainda adolescentes rivais envolvidos no mesmo crime.
Ainda para o fim de auxiliar a observação e a contenção da violência, os
adolescentes são agrupados em módulos por compleição física e gravidade de
infração (módulos A,B,C,D e no decorrer dos anos foi necessária a criação de mais
um módulo –E - devido à superlotação da Unidade, 162 adolescentes no período de
abril a julho de 2002). Mas infelizmente hoje já ocorre a superlotação: o número de
adolescentes acautelados hoje já ultrapassa os 190.
O papel de desenvolvimento das atividades é educar para o exercício de
cidadania e não meramente ocupar o tempo e gastar a energia dos internos. Assim, a
realização de atividades lúdicas, culturais, esportivas devem ser consideradas
conteúdos fundamentais do processo educacional e não instrumentos de
preenchimento do tempo “ocioso”.
Adolescentes no pátio da unidade, aguardando a atividade que será desenvolvida.
46
3.5 - ATIVIDADES ESPECÍFICAS REALIZADAS
Entendemos que o Colégio Estadual Jornalista Barbosa Lima Sobrinho é o
grande propulsor das práticas socioeducativas desenvolvidas no CAI-BAIXADA,
principalmente pela total integração que seus profissionais demonstram em
consonância às propostas apresentados pela direção geral da unidade. Tanto que
dedicamos um capítulo à parte quanto à escolarização por ela realizada.
A equipe técnica do CAI BAIXADA, mesmo antes da implantação da escola,
vinha executando uma Proposta Pedagógica baseada nos princípios educativos que
constam na Lei nº 9394/96, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional a saber:
Liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber,
Pluralismo de idéias e concepções pedagógicas e vinculação entre educação escolar,
trabalho e práticas sociais.
Foi iniciada a escolarização, promovendo sub-projetos educativos que foram
baseados nos Parâmetros Curriculares Nacionais (MEC – 1997) com as seguintes
oficinas pedagógicas:
“LER E /ESCREVER” – alfabetização, com o objetivo de utilizar as diferentes
linguagens: verbal e matemática como meio para produzir, expressar e comunicar
idéias;
TEATRO – com a meta de desenvolver psico-físico da expressividade e a
comunicabilidade, da criatividade, integração e socialização.
Grupo “Nós do CAI”, em apresentação da
peça: “Eles não usam Blakc Tie”, durante a
visitação.
47
As apresentações teatrais têm um papel de destaque na unidade, que sempre é
convidada para apresentações especiais em eventos e outras unidades. Essa oficina
tem no ator, diretor e também agente de disciplina Jefferson Rocha seu maior
incentivador, com o apoio de todos os segmentos do CAI Baixada.
Projeto “Teatro do Oprimido: Adolescentes encenam esquetes criadas por eles próprios, enfocando situações de opressão.
Agradecimentos no encerramento de uma apresentação, durante visita de familiares.
48 PRESERVIDA – Doenças, sexualmente transmissíveis e AIDS; com o fim de
conhecer e cuidar do próprio corpo, valorizando hábitos saudáveis .
MARCENARIA - arte e criação na madeira, visando estimular a criatividade na
criação de brinquedos, objetos de decoração etc. Projeto de capacitação profissional
para os adolescentes em conflito com a lei, permitindo o início da profissionalização
em curto prazo e geração de renda, através da execução de atividades práticas nas
diversas ocupações, integrando os conhecimentos aprendidos.
HORTA E JARDINAGEM - Capacitação dos adolescentes, visando aquisição de
conhecimentos básicos na execução de atividades de horticultura, colheita e
comercialização das culturas, além dos conhecimentos básicos na execução de
técnicas de plantio, poda e tratamento do solo. Será dada orientação quanto à limpeza
da área utilizada, preparação nas atividades e orientação na comercialização das
culturas; também sobre preparação dos canteiros, orientação da poda e preparação e
tratamento do solo.
Adolescentes confeccionando utensílios e brincados com madeira.
49
Mesa ornamentada pelos adolescentes da oficina.
PROJETO PADARIA - Considerando que o centro de Atendimento Intensivo
Belford Roxo é responsável por atender adolescentes em conflito com a lei
cumprindo medida sócio educativa de internação e que é direito destes adolescentes
de receber escolarização e profissionalização durante seu período de privação de
liberdade e que o Estado do Rio de Janeiro – Secretaria de Justiça equipou esta
Unidade com maquinários necessários para a criação de uma “oficina pedagógica de
iniciação para o trabalho nas atividades de padaria”. O projeto Oficina de padaria
tem como objetivo desenhar um projeto pedagógico para um curso de qualificação
profissional tendo como princípio geral capacitar os alunos adolescentes para a
execução das atividades da ocupação de padeiro, visando aquisição de
conhecimentos, habilidades e atitudes exigidas pela ocupação, possibilitando a
geração de renda seja através de ingresso nesse nicho de mercado de trabalho, com
empregabilidade ou serviço autônomo. (SENAI – 1999)
Marcelo, responsável pela oficina, entre os adolescentes participantes do projeto.
50 VÍDEO – objetivando estimular a criatividade, a importância do trabalho em
equipe e a roteirização e criação de produto audiovisual com vista ao ingresso no
mercado de trabalho. “Jovens consumindo cultura” – Cine-Clubelford Roxo diz
respeito a uma série de atividades eu permitam que os jovens canalizem suas
reflexões acerca da conduta intra e extramuros, trazendo à baila, por um viés
pedagógico, discussões sobre comportamento anti-sociais. Enfim, trabalhar,
planejar, desenvolver e produzir ações no campo da cultura, com o fim de
aprofundar valores éticos, políticos, religiosos, cívicos, comemorativos, etc., que
na ação socioeducativa representa o oferecimento vídeos, filmes, e outras mostras
de curta duração que discutam temas como violência, solidariedade, intolerância,
cidadania, discriminação, auto-estima, sexualidade, drogas, promovendo a
participação das famílias e articulando parcerias.
INFORMÁTICA – Com o objetivo de levar ao adolescente as noções básicas
quanto à informatização, a oficina de informática apresenta-lhes os programas
iniciais e reconhecimento do hardwares. Infelizmente faltam os recursos idéias,
pois trabalha-se apenas com três computadores com baixíssima potência.
51
Oficinas e outras diversas propostas e/ou desenvolvidas por profissionais
voluntários, como a capoeira, xadrez, dinâmicas de grupo, etc.
3.6 - A QUESTÃO DA PROFISSIONALIZAÇÃO
O assistente social Jair Preto de Oliveira, componente da equipe técnica da
unidade, em apontamentos enviados à direção do DEGASE, ao qual nos reportamos,
trata do tema da profissionalização, uma das problemáticas com o qual convivemos
cotidianamente dentro do espaço da privação de liberdade, muito atentos com o
futuro do adolescente no que diz respeito ao ingresso imediato no mercado de
trabalho.
Roda de Capoeira, no pátio da Unidade.
52Reconhecemos a necessidade de contribuir na viabilização do ingresso do
adolescente, em conflito com a lei, no mercado, oferecendo oportunidades outras
para que não cometa atos infracionais, por exemplo, através da garantia do Direito à
Profissionalização (art. 124 – XI – ECA), traduzindo essa possibilidade em via de
acesso, uma estratégia da Instituição, para que ele se descubra enquanto pessoa, um
ser provido de valores ontológicos; da sua potencialidade em desenvolver uma
atividade reconhecida, que recebendo o apoio e as condições favoráveis poderia
mudar o “curso de seu destino” e transformar as suas condições reais de existência.
Podemos constatar que a maioria dos adolescentes que ingressam no CAI –
Belford Roxo possui baixa escolarização e um numero expressivo não foram
alfabetizados.
A baixa escolarização ou o analfabetismo somado à idade avançada do
adolescente, ao tempo necessário à profissionalização, aliada à limitação estrutural
do CAI em prepará-lo, torna-se um desafio, um óbice que provoca a criatividade dos
atores institucionais.
O baixo nível de escolaridade ou formação escolar inadequada, se coloca
como empecilho na preparação do adolescente para o trabalho. É fruto da condição
sócio-cultural dos pais ou responsáveis e principalmente uma herança anterior da
falta de políticas publicas voltadas para a família.13
Infelizmente observa-se que os recursos destinados à preparação do nosso
adolescente para trabalho, no CAI, envolvendo recursos materiais (oficinas e
estrutura pragmática à altura da clientela) e humanos (pessoal qualificado) é
inexistente. Requer atenção especialíssima de nossas autoridades14 não só para
13 - LAUREL, ASA CRISTINA, 1995, p. 151. A queda vertiginosa dos salários e o crescente aumento do sub e do desemprego na América Latina, da última década leva ao reconhecimento unânime de que nesses anos um retrocesso social dramático; o problema revela-se no empobrecimento generalizado da população trabalhadora e na incorporação de novos grupos sociais à condição de pobreza ou extrema pobreza. Observando-se simultaneamente uma redução considerável nos gastos sociais, o que indica uma redução dos serviços públicos sociais. 14 Reunião Ministerial, Revista Veja n° 37 – 13 set. 2000. estudo do Sr. Eliezer Batista, ex-Ministro, ex-presidente da Vale do Rio Doce aos empresários... a de enxergar apenas o próprio umbigo. O tempo médio que um estudante da União Européia fica na escola é de dezesseis anos. No Chile é de
53atender a dispositivos existentes no ECA – art. 4° (profissionalização) art. 6°
(condição peculiar de pessoa em desenvolvimento) e o art. 124 – XI (referente ao
adolescente com privação de liberdade), mas também para oferecer um suporte que
venha ensejar mudança de vida de nossos adolescentes.
O trabalho para o adolescente com esse perfil seria o antídoto, àqueles que
fazem da pratica anti-social uma estratégia para suprir suas necessidades, uma vez
que não possuem nem escolaridade, nem possibilidade de concorrer a uma vaga num
mercado globalizado como o de nossos dias.
O CAI – Belford Roxo, necessita, com urgência, de delimitar o número da
população a ser atendida. O numero de adolescentes que estão hoje no CAI, em torno
de 138, é quase o dobro da capacidade de seu projeto original, estimado em 80, por
ocasião de sua inauguração em 1998.
O numero excessivo da população atendida desgasta a todos os funcionários
da Unidade, decai verticalmente a quantidade das atenções de que são merecedores
os adolescentes; alem de ocorrer gradativamente a credibilidade do CAI e do Sistema
DEGASE, perante às autoridades judiciárias e a sociedade em geral.
É necessária a reivindicação a quem de direito e exigência dos recursos
necessários ao cumprimento às exigências contidas na Lei 8069/90 referentes ao
adolescente e em especial ao que preceitua o art. 4° (caput), parágrafo único, letra C,
do ECA. Instalar com urgência no CAI oficinas de recursos de iniciação profissional.
Reconhecemos que numa permanência de três meses na Unidade a capacitação não
seja viável, ma permanecer dois anos e sair sem ter iniciado a dita preparação é um
enorme desrespeito ao adolescente e ao Estatuto da Criança e do Adolescente.
9,5 anos. E no Brasil, é de apenas 6,2 anos. Ou seja, não é sequer o prazo necessário para um aluno completar o ensino fundamental... o Brasil tem uma mão-de-obra mal formada se comparada à de nações com o mesmo nível de renda. E isso aconteceu porque aqui, o contrario de outros países, o Estado não desempenhou o papel que lhe cabia na educação, principalmente nos ensinos básico, médio, e fundamental. O despreparo da mão-de-obra, contudo, é apenas um dos componentes que ajudam a emperrar a engrenagem tecnológica brasileira.
54Enquanto o CAI – Belford Roxo não dispuser de recursos necessários à
preparação da mão-de-obra não dá para se pensar em mercado de trabalho. Ou seja, é
preciso dotar a Unidade de oficinas apropriadas com pessoal técnico qualificado para
oferecer a qualificação profissional necessária que atenda a todos os adolescentes
acautelados; o que é exigido pelo ECA;
Para a valorização da personalidade e elevação da auto-estima, seria
importante melhorar o vestuário do adolescente. Criar espaço onde ele possa guardar
seus objetos de uso pessoal. Seria complicado? Sim. Mas o papel sócio-educativo
comporta um processo de reeducação, de mudanças de hábitos, de atitudes; de
respeito às diferenças.
3.7 - CRÍTICA AO TRABALHO REALIZADO NAS
UNIDADES FECHADAS
A política estadual deve se responsabilizar para que o atendimento do
adolescente em medida de privação de liberdade seja executado por uma política de
recursos humanos que elimine radicalmente o modelo de atendimento até hoje
praticado.
A conhecida figura do infrator confinado em pátios de imensos pavilhões sob
“guarda” de um corpo despreparado de monitores, vigilantes, inspetores etc. deve ser
definitivamente abolida. Ela não atende, em hipótese alguma, aos fins sociais a que
se dirige o Estatuto. Mesmo que os agentes hoje denominados monitores, vigilantes,
inspetores etc. sejam “preparados” a experiência já tem demonstrado que não passam
de carcereiros sem nenhuma carga pedagógica para formação da cidadania.
As unidades pequenas serão sede de um trabalho pedagógico executado por
educadores, todos vivendo um verdadeiro programa de desenvolvimento de recursos
55humanos, voltados para a especificidade dos adolescentes submetidos à sua
orientação.
Embora se perceba que o caráter da ação básica e central seja educacional,
não se deve confundir a natureza e as especificidades profissionais necessárias para o
programa da unidade: assistentes sociais, pedagogos, psicólogos, advogados etc.
Neste aspecto queremos retomar a discussão acerca da incompletude
profissional. Para evitar a impregnação da chamada cultura da institucionalização,
resguardar a saúde mental dos educadores e dos educandos e, ao mesmo tempo,
preservar a criação e a manutenção dos vínculos efetivos entre ambos, propomos o
aprofundamento do principio da chamada incompletude profissional, principio pelo
qual os trabalhadores não devem cumprir sua jornada de trabalho integral na mesma
unidade. Ou seja, devem compor sua jornada de trabalho entre a unidade de privação
da liberdade e ouros serviços voltados para o atendimento dos direitos da criança e
do adolescente. Esta reflexão deve integrar-se à preocupação com a elaboração de
uma política de recursos humanos que preveja estratégias que vão desde a
capacitação e a valorização dos profissionais, até atividades de descontração e lazer.
3.7.1 - O Projeto Arquitetônico
Vale o principio de que a infra-estrutura é meio para consecução de um
projeto pedagógico e que a arquitetura reflete da mesma forma uma concepção de
mundo e de organização social. Assim sendo o projeto arquitetônico deve refletir os
princípios estabelecidos pelo ECA para a privação de liberdade, com toda dignidade
e respeito aos direitos humanos.
Assim, internamente, o espaço físico deverá ser adotado de dependências
adequadas ao programa pedagógico de formação para a cidadania. Externamente, a
construção deve resguardar a cidadania da comunidade. A pedagogia deste
estabelecimento será exercida com restrição da liberdade de ir e vir – esse é o aspecto
da contenção. Ou seja, os internos serão contidos num espaço arquitetônico com as
56liberdades previstas no próprio programa pedagógico da entidade de atendimento. O
estabelecimento, por sua vez, será dotado externamente da segurança necessária a
essa finalidade. Em resumo: serão criadas dificuldades arquitetônicas para a evasão
dos internos e para invasão do prédio por indivíduos vindo de fora.
De acordo com o espírito do ECA, fortemente centrado no aspecto
pedagógico e avaliação contraria aos grandes internatos do passado, que já
demonstraram sua eficácia, recomenda-se que o internamento seja feito em pequenas
unidades, com capacidade para 40 adolescentes infratores. Ao mesmo tempo, esse é
um numero que permite otimizar recursos humanos e materiais. Permite também a
individualização e a personalização necessária ao tipo de adolescentes com o qual se
trabalha. Também, para a definição do numero, avaliou-se que o trabalho com grupos
demasiadamente pequenos pode criar privilégios e facilitar o desgaste das relações.
A estrutura desse espaço arquitetônico deve prever espaços para o direito ao
respeito e à dignidade (artigo 15 a 17 do ECA), particularmente no que se refere ao
direito ao respeito: “consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e
moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da
identidade, da autonomia, dos valores, idéias e crenças, dos espaços e objetos
pessoais”. Assim, os alojamentos devem ser individuais. Quando for totalmente
impossível deve-se assegurar que o sejam para pequenos grupos observando-se a
proposta pedagógica e a formação dos grupos sociais espontâneos (não estamos
falando aqui de gangues). Observando, entretanto que não se deve ter numa mesma
unidade alojamentos individuais para uns e coletivos para outros. Em qualquer caso,
é sempre importante assegurar espaços para a guarda dos objetos pessoais com
segurança. Os banheiros, ainda que não sejam totalmente fechados, devem preservar
a intimidade – meia-porta, parede incompleta.
Ponto polêmico que deve ser enfrentado é a necessidade da existência de cela
de isolamento. As experiências avaliadas e as discussões até o momento realizadas
contestam essa necessidade. A experiência e proposta pedagógica podem prescindir
das celas, “cafuas”, quartinhos escuros. Contudo, a experiência também tem
demonstrado que é preciso prever espaços de isolamento e reclusão exclusivamente
57nos casos em que há uma grave ameaça á integridade física do adolescente ou uma
ameaça à integridade física do grupo. Quando este tipo de contenção for requerido,
que respeite a dignidade humana.
3.7.2 - O Sistema de Contenção e Segurança
A descrição do sistema de atendimento deve prever quem e como fará a
segurança externa e a contenção interna do estabelecimento onde se realizará a
medida privativa de liberdade. Também devem ser previstos os recursos necessários
para isso.
Assim, existe consenso que a contenção deva ser definida pelo conjunto da
proposta pedagógica como conjunto de medidas de autocontrole social dos internos
cercadas de um conjunto de garantias de caráter pedagógico, combinada com os
requisitos arquitetônicos para o cumprimento das medidas.
A contenção interna é entendida como um processo ou, se preferir, uma das
condições a que os sujeitos à medida socioeducativas se subordinam, para que
reflitam sobre as violações que praticam e decidam sobre o futuro exercício de sua
cidadania. Essa tarefa deve ser feita por educadores treinados em métodos de
contenção não violentos.
Em relação à segurança externa, que ela seja composta pelo próprio sistema
local da política de segurança pública. No caso, a Política Militar, adotando-se regras
específicas e precisas para os casos de motim, rebelião ou invasões externas, e as
regras legais de emergências, de forma que a incolumidade dos cidadãos seja
resguardada em quaisquer circunstâncias.
58
***
No próximo capítulo mostraremos o trabalho realizado dentro da unidade
pelo Colégio Estadual Barbosa Lima Sobrinho.
Adolescentes e familiares em dia de visitação.
59
CAPÍTULO IV
Escolarização: Colégio Estadual Jornalista Barbosa Lima
Sobrinho
“É preciso acreditar na criatividade do ser
humano para mudar o que é insatisfatório. É
preciso mudar o caminho que a educação tem
tomado, antes que seja tarde demais”.
Içami Tiba
60
4.1 - VISÃO, MISSÃO E OBJETIVOS DA ESCOLA
Em fevereiro de 2001, a Secretaria de Estado de Educação, implanta uma
Escola nas dependências do CAI-BAIXADA, homenageando um grande jurista
brasileiro. Nasce assim, o Colégio Estadual Jornalista Barbosa Lima Sobrinho.
A partir de sua efetivação, a Escola, com o objetivo de trabalhar valores
positivos e éticos como o resgate e a formação de cidadãos críticos e felizes,
trabalhando seu desenvolvimento integral em seus aspectos físico, psicológico,
intelectual e social, complementando a ação da família e da sociedade, em sua
proposição tem se respaldado no Estatuto da Criança e do adolescente, no capítulo
referente ao Direito à Educação, à cultura, ao esporte e ao Lazer, em seu artigo 57,
que possibilita “novas experiências e propostas relativas a calendário, seriação,
currículo, metodologia, didática e avaliação com vista a inserção de crianças e
adolescentes excluídos do Ensino Fundamental obrigatório” e na nova lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei 9394/96, no capítulo referente a
Educação Básica essencialmente em seu artigo 24, inciso V, alínea “b” que
possibilita a “aceleração de estudos para alunos com atraso escolar.
Também no Estatuto da Criança e do Adolescente, capítulo IV, das medidas
sócio-educativas, seção VII , de Internação artigo 123, parágrafo único, “durante o
período de internação, inclusive provisório, serão obrigatórias atividades
pedagógicas e o artigo 124 “são direitos do adolescente privado de liberdade entre
outros, os seguintes, receber escolarização e profissionalização”.
Direção, professores e funcionários da Escola, em confraternização.
61O respeito e a solidariedade serão os valores que norteiam o trabalho durante
todo o ano, onde são trabalhados com os alunos, professores e demais funcionários,
conscientizando-os de que o respeito é a base de todo e qualquer convivência numa
sociedade democrática e pluralista, adotando, no dia-a-dia, atitudes de solidariedade,
cooperação e repúdio às injustiças e discriminações, valorizando e empregando o
diálogo como forma de esclarecer conflitos e tomar decisões coletivas.
4.2 - FUNDAMENTOS DIDÁTICO–PEDAGÓGICOS
A proposta pedagógica configura-se como ação específica, destinada a
retomar a escolarização do adolescente, sob novos alicerces, rompendo com o
reducionismo e o arcaísmo do ensino tradicional buscando como referencial os
parâmetros curriculares nacionais, em especial aos temas transversais objetivando o
desenvolvimento das competências básicas.
Procuram buscar através da interdisciplinaridade e da contextualização
superar a visão fragmentadora e produção do conhecimento, como também de
articular e produzir coerência entre os múltiplos fragmentados que estão postos no
acervo de conhecimentos da humanidade, buscando estabelecer o sentido de unidade
na diversidade uma visão de conjunto.
A assiduidade é obrigatória pela Equipe de Apoio, como alternativa de
reduzir o tempo de ociosidade, já que as oficinas não oportunizam a freqüência de
todos internos. Cabe ao professor dinamizar suas aulas, tornando-as prazerosa de
maneira tal que o adolescente veja-a como direito e não só como dever. A repetência
e a exclusão escolar sofrida anos anteriores tiveram poder devastador de uma bomba
na vida dos adolescentes, principalmente nas primeiras series. Quando não
conseguem aprender, quando percebem que esse é um universo que escapa
completamente ao seu controle, transformam essa impotência em violência, em
62revolta ou em negação dos próprios valores. O papel da escola tem sido vencer o
desafio de abrir um espaço entre o que se quer ensinar e o que o aluno traz em sua
bagagem de crenças, ilusões, para estabelecer um contrato com ele no que diz
respeito á aprendizagem.
Tem sido preocupação constante por parte da Direção da Escola, desenvolver
um trabalho integrado com todos os segmentos da Instituição, visando a melhoria da
qualidade do ensino, através de novos paradigmas educacionais contextualizados à
realidade local. A cada dia a equipe escolar relaciona-se com uma equipe diferente
de plantonistas. São quatro tipos de coordenações: cada um com suas peculiaridades
próprias. Em alguns, observa-se a preocupação de valorizar o cumprimento do
horário escolar, a diversificação de atividades extra-classes, a disposição de enfrentar
os dilemas da educação numa Unidade prisional. Em outros, observa-se ainda, a
resistência em estabelecer uma parceria constante com a comunidade escolar,
baseados, talvez, em antigos paradigmas.
A proposta curricular para o 1º e 2º segmentos parte do princípio de que a
reconstrução de uma educação votada para a cidadania se resolve proporcionando
ensino comprometido com a qualidade porém, a escola enfrenta dificuldades para
implementar um planejamento pedagógico por se encontrar numa teia de inter-
relações. Se a escola é valorizada pela Equipe Técnica que há muito ansiava pela
educação chamada de “formal” por outro lado ela precisa a cada dia vencer
resistências e estabelecer conexões com todos os setores a fim de estreitar relações,
tornar currículos + significativos , promover clima favorável à aprendizagem, fator
imprescindível ao processo educativo – os alunos mesmo dentro da sala de aula, são
vigiados pela equipe de disciplina, que, constantemente, ronda nos corredores
procurando manter “a ordem”.
“A educação nas suas mais diversas modalidades, não têm
condições de sanear nossos múltiplos problemas, nem satisfazer
nossas mais variadas necessidades. Ela não salva a sociedade,
porém o papel fundamental no processo de distanciamento da
incultura, da acriticidade e na construção de um processo
civilizatório mais digno do que esse que vivemos.
Luckesi (1996).
63
4.3 - CONTEÚDOS PROGRAMÁTICOS
Objetivos do Ensino são primeiramente o domínio da leitura, da escrita e do
cálculo; a compreensão do ambiente natural e social, o sistema político; a tecnologia;
as artes e os valores sociais; o fortalecimento dos vínculos de família, solidariedade e
tolerância recíproca, imprescindíveis à vida social.
Procurando tematizar o conceito de exclusão social, por estar articulada à
proposta de educação crítica, fundamenta-se na concepção teórica de que o
conhecimento é resultado das ações coletivas Baseia-se no princípio freiriano da
horizontalidade e do diálogo e nos Códigos da Modernidade que são, segundo o
educador colombiano Bernardo Toro, as sete capacidades e competências mínimas
para a participação produtiva no século XXI., voltadas para as competências e
habilidades15:
1. Domínio da leitura e da escrita;
2. Capacidade de fazer cálculos e de resolver problemas;
3. Capacidade de analisar, sintetizar e interpretar dados, fatos e situações;
4. Capacidade de compreender e atuar em seu entorno social;
5. Receber, criticamente, os meios de comunicação;
6. Capacidade para localizar, acessar e usar melhor a informação acumulada; e
7. Capacidade de planejar, trabalhar e decidir em grupo.
Os conteúdos são os meios que os alunos desenvolvem as capacidades para
viver em sociedade; o currículo esta integrado buscando a coerência com os
conteúdos das séries anteriores, com o objetivo do curso e visando as necessidades
reais.
15 Texto reproduzido do pôster Fundação Maurico Strosky Sobrinho e da Fundacion social. Autor: José Bernardo Toro – 1997 – Col^}ombia – tradução e adaptação: Antonio Carlos Gomes da Costa.
64 Língua Portuguesa: O objetivo primeiro é que todos tenham o direito de
usufruir dos bens simbólicos proporcionados pela leitura e pela escrita.
Artes: Desenvolver possibilidades de manifestações a partir de outras
linguagens que não apenas verbal ou matemática.
Educação Física: Desenvolver uma consciência crítica que possibilita ao
aluno ser sujeito de seu processo de desenvolvimento.
Ciências Naturais: Desenvolver a construção de uma nova relação entre
homem/natureza, homem/serhumano, onde falar de “qualidade de vida” passa
a ser uma perspectiva para todos.
Matemática: Identificar os conhecimentos matemáticos como meios para
compreender e transformar o mundo a sua volta, percebendo o caráter de jogo
intelectual, característico da matemática, como aspecto que estimula o
interesse, a curiosidade, o espírito de investigação, sentindo-se seguro da
própria capacidade de construir conhecimentos ,desenvolver a auto-estima,
perseverando na busca de soluções, respeitando o modo de pensar dos
colegas e aprendendo com eles.
Oficina de Cestaria durante o projeto “Escola de Paz”.
65 História: Facilitar ao aluno compreender que o conhecimento é uma
construção, apreciando vida social em toda a sua complexidade e no estudo
das mentalidades dos povos e grupos sociais.
Geografia: Integrar o aluno ao meio através da observação, descrição,
analogia e síntese que são procedimentos importantes e devem ser praticados
para que os alunos possam aprender a explicar, compreender e representar os
processos de construção do s diferentes tipos de paisagens, territórios e
lugares.
4.4 - AVALIAÇÃO DO RENDIMENTO ESCOLAR
A avaliação é um processo que representa um compromisso do professor em
investigar o processo de aprendizagem do aluno, sendo contínua, gradativa
utilizando-se de diversos encaminhamentos pedagógicos. Leva-se em conta a análise
do seu desempenho, através da observação e interpretação da seqüência de suas
atividades e manifestações. Aprovação e reprovação têm como base a história do
processo de aprendizagem do conhecimento. Observa-se a preocupação que se
estabeleça uma avaliação como processo preventivo, no sentido de uma atenção
constante às dificuldades apresentadas pelos alunos e, também cumulativo no sentido
de que os dados qualitativos e quantitativos se complementem, permitindo uma
análise global do aprendizado do aluno.
São ainda, consideradas:
A humanização de atitudes, conteúdos e procedimentos;
A elevação da auto –estima
A participação, enriquecimento, interesse e criatividade
A transposição dos conteúdos da teoria para a prática.
66Para ajudar a mediar e medir a avaliação, utilizam-se tipos de atividades
criativas e diversificadas que respeitam o ritmo individual e valorizam a produção
coletiva também:
Auto – avaliação
Observação da participação oral / escrita dos alunos durante várias atividades
como: entrevistas, questionários, pesquisas, trabalhos com recorte e colagem,
dinâmicas de grupo, testes, experiências práticas, olimpíadas de
conhecimento por área, gincanas sociais, exposições, relatórios, sínteses,
participação ativa na organização de eventos, etc..
O Conselho de Classe é a instância da escola que avalia a situação do aluno,
da turma e da ação pedagógica. É realizado bimestralmente, com a participação de
todos os professores, orientador pedagógico e representante da Equipe Técnica da
Instituição.
67
4.5 - ORGANIZAÇÃO DISCIPLINAR: DIREITOS E
DEVERES DOS ALUNOS
Há uma necessidade de ser estar sempre em comunicação com os agentes de
disciplina pois são responsáveis pelo trânsito de adolescentes na instituição.
O Regime disciplinar da Unidade Escolar visa despertar nos alunos o senso
de responsabilidade que possibilite o uso devido da liberdade.
DIREITOS DOS ALUNOS: DEVERES DOS ALUNOS
Ser valorizado em sua individualidade;
Ser respeitado em seu ritmo de aprendizagem;
Receber em igualdade de condições, a orientação necessária para realizar suas atividades escolares.
Participar ativamente do processo de avaliação, inclusive nas definições das normas disciplinares visando também o cumprimento dos seus deveres enquanto aluno;
Receber atendimento dos especialistas e acompanhamento quando tiver dificuldades de aprendizagem que podem ser sanadas na própria escola, quando não, será acompanhado e encaminhado junto dos responsáveis para tratamento.
Conhecer e cumprir as normas de disciplina da escola e da rotina diária da Instituição. .;
Tratar todos os membros da comunidade escolar com respeito e cordialidade tendo noção de seu espaço na escola;
Colaborar na conservação e asseio do prédio, do mobiliário e de todo o patrimônio escolar;
Realizar e participar das atividades desenvolvidas pelos docentes e pela U.E. sempre que solicitado.
A Unidade Escolar, quando necessário observará os seguintes aspectos no
sentido de manter a disciplina:
Pesquisa das causas dos desajustes;
Providência visando eliminar as causas verificadas;
Solicitação da colaboração da Equipe Técnica.
Atuação junto ao aluno, visando despertar-lhe o desejo de colaboração para a
boa ordem escolar;
Advertência por escrito, registrada em livro próprio.
68
4.6 - ASPECTOS ADMINISTRATIVOS
A Unidade Escolar que está inserida no Centro de Atendimento Intensivo de
Belford Roxo utiliza a técnica de gestão participativa desde sua inauguração. A
parceria com a administração da Instituição tem tornado o trabalho eficaz e
prazeroso, pois há a união dos esforços e o empenho para o alcance dos objetivos. A
experiência tem sido vista, pela equipe da instituição, como altamente positiva,
gerando significativa melhora das relações interdepartamentais bem como das
relações com alunos, agentes, equipe técnica e pais.
A Gestão Participativa integra as equipes e melhora a administração das duas
instituições, reduzindo drasticamente a burocracia, facilitando o surgimento de novas
técnicas e de novas soluções administrativas bem como as sensíveis reduções de
custo. Estas têm se verificado através da parceria nos custos da manutenção geral
preventiva e corretiva das dependências escolares.
Trabalha-se com uma proposta diferenciada de educação: um espaço
educacional com função preventiva-recuperadora. Preventiva na medida em que o
adolescente em conflito com a lei na impossibilidade em freqüentar uma escola com
estrutura convencional, possa desenvolver suas potencialidades antes que seu
processo ensino-aprendizagem seja bloqueado novamente; recuperadora na medida
em que estes fatores já tenham ficado explicito para o aluno ajudando-o a recuperar
sua credibilidade, a encontrar seu canal de aprendizagem e tornar o processo
cognitivo, senão prazeroso, menos sofrido e mais produtivo a expectativa da sua
reinserção social.
4.6.1 - Formação das Turmas:
As salas comportam, no máximo, doze alunos. Objetiva-se a socialização
deste aluno no primeiro momento e, posteriormente a inserção dos conteúdos
curriculares.
69A equipe técnica da Unidade Escolar deve trabalhar no sentido de rever e
reverter fracassos, angústias e frustrações ocorridas no processo de ensino-
aprendizagem. É necessário ter grande disponibilidade afetiva e persistência, além do
apoio mais que determinante da Secretaria Estadual de Educação e do Departamento
de Ações Socioeducativas, que devem agir em parceria na capacitação de todas as
pessoas envolvidas na prática educativa: professores, técnicos, funcionários e
direção.
4.6.2 – Funcionamento:
A escola funciona em 2 turnos: o primeiro de 8:15 às 11:15 horas e 2º turno
das 13:15 às 16:30. O relacionamento professor-aluno deve ser de respeito mútuo,
deve-se estabelecer inicialmente regras de conduta, evitando-se comentários
maldosos, sarcasmos e críticas negativas. Não se deve permitir que o aluno rabisque
mesas, carteiras e paredes nem que o aluno utilize o caderno para desenhos de armas
ou de alusão às facções. Deve-se evitar também os rótulos, diagnósticos,
prognósticos, muitas vezes infundados e precoces, que levam à falta de estímulo e
contínuo rebaixamento da auto-estima.
Manter a disciplina em sala de aula é tarefa exclusiva do professor; caso haja
dificuldade deve procurar auxílio imediatamente. O agente de disciplina de apoio
deve estar próximo, mas não vai interferir na rotina da aula, a não ser que o professor
perca o controle. O professor é orientado a pedir ajuda imediatamente sempre que
perceber que o controle da situação independa dele e nunca deve tentar separar uma
briga.
Os alunos são revistados na entrada e saída; não trazem materiais nem levam,
pois tudo pode ser usado de forma prejudicial. Os professores devem levar cadernos,
lápis, canetas, etc., e as atividades que fugirem da rotina, como gincana, artes,
vídeos, som, devem ser comunicadas antes do início da aula aos agentes de apoio.
É terminantemente proibido dar qualquer objeto ou balas, doces, chicletes,
cigarros aos adolescentes, sendo considerado falta grave.
70
CONCLUSÃO
Apesar dos esforços lançados pelos profissionais lotados no Centro de
Atendimento Intensivo de Belford Roxo, a aplicação das medidas socioeducativas
não atingem os objetivos preconizados no Estatuto da Criança e do Adolescente.
Uma sociedade altamente consumista, onde se “vale o quanto se tem” é, no
mínimo complicado incutir em mentes tão ávidas por novidades, certos valores há
muito esquecidos por esta mesma sociedade. Muito mais ainda quando nos
deparamos com uma realidade de superlotação e impossibilidade de atendimento
individualizado, que é o que ocorre no CAI-BAIXADA.
As instituições de atendimento aos adolescentes em conflito com a lei e
educadores carecem de propostas pedagógicas funcionais e coerentes com as
diretrizes traçadas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente a serem desenvolvidas
ao longo da execução das medidas socioeducativas, principalmente no que se refere
às medidas privativas de liberdade e especialmente em relação à medida de
internação. Deste modo, consegue destacar quais os pontos que dificultam a
realização da mencionada tarefa, como a baixa auto-estima dos adolescentes,
dificuldade de estabelecer vínculos afetivos duradouros ou a aceitação das regras
sociais impostas.Com isso, a sócio educação prevista como novo paradigma para o
atendimento aos adolescentes não se realiza, prejudicando sobremaneira o pleno
desenvolvimento destes adolescentes.
Concluiu-se, com o presente estudo que os jovens percebem claramente que
não são atendidos por um sistema socioeducativo, mas, infelizmente, por um sistema
carcerário que cumpre a função de prisionização. É nítida a idéia desses adolescentes
que possuem uma representação de que estão cumprindo penas por terem violado
qualquer dispositivo do Código Penal.
No que tange à convivência com o estereótipo da delinqüência, este causa um
efeito destrutivo para a formação da identidade destes jovens. Os jovens privados de
71liberdade não conseguem identificar a violação de seus direitos por parte das
entidades que executam os programas de medida socioeducativa de internação, uma
vez que não possuem a noção dos direitos individuais e garantias processuais
previstos nas leis. Institucionalizados, aos adolescentes são negados a
profissionalização para atuar em mercado competitivo, atendimento personalizado,
fortalecimento de vínculos familiares e comunitários, elaboração de projeto de vida,
ou construção de cidadania, entre muitas outras negações.
O que fazer?
Quando nos deparamos com a realidade de que este órgão tão importante nos
últimos cinco anos esteve subordinado a Secretaria de Justiça, Secretaria de Direitos
do Cidadão, Secretaria de Ação Social e, hoje, Secretaria da Infância e Juventude,
têm-se a impressão de que a situação dos adolescentes infratores em nosso estado
não passa de jogada política, com objetivos escusos. Quando percebemos que não há
uma estruturação no sistema e que o trabalho depende muito mais da dedicação de
um grupo de profissionais esquecidos num dos municípios mais pobres da Baixada
Fluminense, alvo de alagamentos e reportagens sensacionalistas do que da vontade
política.
Ainda assim entendo que se deve acreditar na mudança, ter fé. Crer pelo
menos que a exposição dessa realidade permita às Organizações Não-
Governamentais e à Sociedade assumir um sério compromisso com esses
adolescentes em conflito com a lei, esquecidos, para que, ao final do tempo máximo
de internação permitido – três anos – não nos deparemos com a dura realidade de
sermos vítimas da omissão.
72
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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social. Rio de Janeiro: Ed. Universitária Santa Úrsula, 1993.
AMARAL E SILVA, A. F. Direito do menor: uma posição critica. In: BRITO, L.
(org.). Psicologia e instituições de direito: a pratica em questão. Rio de Janeiro:
Comunicarte / UERJ / CRP – RJ, 1994, pp. 70 – 73.
BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei federal n.° 8.069 de 1990.
BRITO, Leila Maria T. (Coord.) Jovens em conflito com a lei: a contribuição da
universidade ao sistema socioeducativo– Rio de Janeiro: EdUERJ, 2000.
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infância e juventude no Estado do Rio de Janeiro.– Rio de Janeiro: EdUERJ, 2000.
DEGASE / Secretaria de Estado de Justiça e Interior. A medida socioeducativa de
internação e as alternativas do Estatuto da Criança e do Adolescente. Rio de Janeiro,
1998.
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______. Levantamentos estatísticos. Rio de Janeiro: Centro de Recepção, 1998 e
1999.
DINIZ, A e CUNHA, J. R. (orgs.). Visualizando a política de atendimento à criança
e ao adolescente. Rio de Janeiro: Litteris /Fundação Bento Rubião, 1998.
FOUCAUT, M. vigiar e punir. Petrópolis: Editora Vozes, 1997.
73FREIRE, P. Pedagogia da autonomia – saberes necessários à prática educativa. 2. ed.
São Paulo: Paz e Terra, 1997.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedaogia do
oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
Internet: http://www.abmp.org.br/forumx/esboço_roteiro.htm.
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. Atendimento ao adolescente em conflito com a lei:
reflexões para uma prática qualificada. Brasília, 1998 (Coleção Garantia de Direitos).
_______. Programa de Saúde do Adolescente – Prosad. Bases programáticas.
Brasília, 1989.
TAVARES, J. F. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. Rio de
Janeiro: Forense, 1997.
TIBA, Içami. Ensinar aprendendo: como superar os desafios do relacionamento
professor-aluno em tempos de globalização – São Paulo: Editora Gente, 1998.
Veja, edições de 4/8/99 e 22/9/99.
VOLPI, M. (org.). O adolescente e o ato infracional. São Paulo: Cortez, 1997.
VOLPI, M. e SARAIVA, J. B. C. Os adolescentes e a lei: o direito dos adolescentes,
a pratica de atos infracionais e sua responsabilização. Programa de Justiça Penal
Juvenil e Direitos Humanos. Brasília: ILANUD, 1998.
74
ÍNDICE
INTRODUÇÃO 07
Capítulo I
O Adolescente em conflito com a lei e a Sociedade 1.1 – Concepção de criança e adolescente 1.2 - Origens da delinqüência 1.3 – A questão das drogas no Rio de Janeiro 1.4 – Perfil dos adolescentes em conflito com a lei 1.5 - A questão da inimputabilidade
1.5.1 - A questão da segurança da população. 1.5.2 - Razões para manter a impunidade penal dos adolescentes autores de ato penal infracional aos 18 anos.
09
10 10 12 13 18 20 21
Capítulo II
Implementação, caracterização e operacionalização das medidas sócio-educativas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente2.1 – Breve histórico da ideologia de atendimento ao menor no Brasil 2.2 – ECA: Estatuto da Criança e do Adolescente - a lei 8.069/90, 2.3 - Natureza ato infracional 2.4 – Caracterização das medidas socioeducativas
2.4.1 - Advertência 2.4.2 - Obrigação de reparar o dano 2.4.3 - Prestação de serviços à comunidade 2.4.4 - Liberdade Assistida 2.4.5 - Semiliberdade 2.4.6 - Internação – Natureza da medida
2.5 - Desenvolvimento do processo socioeducativo em privação de liberdade. 2.6 – Articulação e integração operacional dos órgãos responsáveis pelo atendimento de jovens em conflito com a lei.
24
25 27 28 29 30 31 31 32 32 34 35 36
Capítulo III
O Centro de Atendimento Intensivo de Belford Roxo 3.1 – Ideologia do trabalho das unidades fechadas 3.2 – Histórico do Centro De Atendimento Intensivo de Belford Roxo 3.3 – Princípios pedagógicos norteadores da organização da vida cotidiana 3.4 – A questão da violência 3.5 – Atividades específicas realizadas 3.6 – Questão da profissionalização 3.7 – Crítica ao trabalho realizado nas unidades fechadas
3.7.1 – O projeto arquitetônico 3.7.2 – O sistema de contenção e segurança
39
40 41 42 44 46 51 54 55 57
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Capítulo IV
Escolarização: Colégio Estadual Jornalista Barbosa lima Sobrinho4.1 - Apresentação da visão, da missão e dos objetivos da escola 4.2 - Fundamentos didático-pedagógicos 4.3 - Conteúdo programático 4.4 - Avaliação do rendimento escolar 4.5 - Organização disciplina: direitos e deveres dos alunos 4.6 - Aspectos administrativos
4.6.1 - Formação das turmas 4.6.2 – Funcionamento
59
60 61 63 65 67 68 68 69
CONCLUSÕES 70
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 72
ANEXOS 74
76
FOLHA DE AVALIAÇÃO
Nome da Instituição: Universidade Candido Mendes
Título da Monografia: Adolescente Infrator e Medidas Sócio-Educativas:
Abordagem do Trabalho Realizado no Centro de Atendimento Intensivo de Belford
Roxo.
Autor: Lília da Vitória Vilar
Data da entrega: 31 de janeiro de 2004
Avaliado por:____________________________ Conceito:__________________
Avaliado por:____________________________ Conceito:__________________
Avaliado por:____________________________ Conceito:__________________
Conceito Final: ______________________________