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junho 2008
ADOO: UM DIREITO DE TODOS E TODAS
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Conselho Federal de PsicologiaFone: (61) 2109-0100Fax: (61) 2109-0150
SRTVN 702 - Ed. Braslia Rdio Center - sala 4024-ACEP 70.719-900 - Braslia - DFhome page: www.pol.org.br
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Conselho Federal de Psicologia
XIV Plenrio
Diretoria do CFPHumberto Cota VeronaPresidente
Ana Maria Pereira Lopes
Vice-presidente
Clara Goldman Ribemboim
Secretria
Andr Isnard LeonardiTesoureiro
Conselheiros efetivos
Alexandra Ayach Anache
Deise Maria do Nascimento
Elisa Zaneratto Rosa
Iolete Ribeiro da Silva
Maria Christina Barbosa Veras
Conselheiros suplentes
Accia Aparecida Angeli dos Santos
Andra dos Santos Nascimento
Anice Holanda Nunes Maia
Aparecida Rosngela Silveira
Cynthia R. Corra Arajo Ciarallo
Henrique Jos Leal Ferreira
Rodrigues
Jureuda Duarte Guerra
Marcos Ratinecas
Maria da Graa Marchina Gonalves
Psiclogos convidados
Aluzio Lopes de Brito
Roseli Goffman
Maria Luiza Moura Oliveira
Comisso Nacional de
Direitos Humanos 2008
Ana Luiza de Souza Castro
Coordenadora
Claudia Regina S. F. da Costa
Deise Maria do Nascimento
Edmar Carrusca
Fernanda Otoni
Janne Calhau Mouro
Jureuda Duarte Guerra
Maria de Jesus Moura
ApoioYvone Magalhes DuarteCoordenadora Geral do CFP
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Adoo: um direito de todos e todasConselho Federal de Psicologia (CFP). --
Braslia, CFP, 2008.52p.
permitida a reproduo parcial ou total destedocumento por todos os meios, desde quecitada a fonte e que no seja para venda ouqualquer fim comercial.
Documento disponvel em: http:www.pol.org.br.
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Sumrio
Apresentao.......................................................................
Conjugalidade, parentalidade e homossexualidade: rimaspossveis..............................................................................
Anna Paula Uziel
A parentalidade de cara nova: quando os homossexuais sedecidem por filhos.............................................................Joo Ricard Pereira da Silva
A adoo em famlias homoafetivas.....................................Maria Cristina dAvila de Castro
A adoo por homossexuais: um caminho para o exerccio
da parentalidade..................................................................Maurcio Ribeiro de Almeida
A adoo por pessoas homossexuais e em casamentoshomoafetivos: uma perspectiva psicanaltica..........................Srgio Laia
Adoo e homossexualidade................................................
Vernica Petersen ChavesAspectos Jurdicos relativos adoo por paishomossexuais.......................................................Fernando Nazar Assessor Jurdico do CFP
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Apresentao
O Conselho Federal de Psicologia e a Comisso Nacionalde Direitos Humanos do CFP esperam, com esta cartilha, trazer ascontribuies da Psicologia para to importante e atual discussoe, desta forma, auxiliar na concretizao dos direitos j obtidospor meio da Constituio Federal Brasileira.
Na elaborao desta publicao, buscamos psiclogos dasmais diversas linhas tericas, com reconhecida produo sobreo tema e atuao profissional. Estes representam, tambm, asdiversidades regionais do pas. A eles foi solicitado responder seguinte pergunta: o que voc tem a nos dizer sobre a adoo porpessoas homossexuais e/ou casais homoafetivos?
Ao final do documento so encontrados os fundamentosjurdicos e a jurisprudncia nacional e a respeito da questo.
Para falarmos, hoje, sobre a adoo por homossexuais ouem casamentos homoafetivos, preciso dar visibilidade para asnovas relaes, para os laos sociais e para as configuraesfamiliares, na contemporaneidade. Mas, acima de tudo, faz-senecessrio desconstruir preconceitos, muitas vezes estimuladospor conceitos estigmatizantes, formulados anteriormente pelaprpria Psicologia. Ao contrrio, como poder ser constatado nosartigos aqui apresentados, inexiste fundamento terico, cientficoou psicolgico condicionando a orientao sexual como fatordeterminante para o exerccio da parentalidade.
Discute-se, sim, as condies subjetivas de pessoas,
de qualquer orientao sexual, para desempenharem ospapis de pais e de se vincularem afetivamente a crianas ouadolescentes.
sempre importante lembrar a Declarao Universal deDireitos Humanos, que completar 60 anos em 2008: livres eiguais em dignidade e direitos nascem todos os homens e todas asmulheres. Portanto, desejamos contribuir para que as conquistasdos direitos dos gays e lsbicas no sejam somente garantias
legais, mas direitos efetivamente vivenciados.Intentamos, tambm, possibilitar que, cada vez mais,crianas tenham o direito de possuir uma famlia, onde recebam
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afeto e cuidados, independentemente do tipo de formao dessencleo familiar.
Lembramos que a origem da palavra adotar, vinda do latim
adotare, significa optar ou decidir-se por, escolher, preferir.Neste sentido, escolhemos, preferimos e nos comprometemoscom a construo de uma sociedade igualitria, justa, inclusiva,livre de preconceitos e mais fraterna, onde as diversidades e asdiferenas sejam realmente respeitadas.
Braslia, junho de 2008.
Humberto Verona
Presidente do Conselho Federal de PsicologiaAna Luiza de Souza Castro
Coordenadora da CNDH do CFP
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Conjugalidade, parentalidade ehomossexualidade: rimas possveis
Anna Paula Uziel1
Os anos 90 do sculo passado foram marcados pela AIDS.Os extremos as mortes em decorrncia da doena e a qualidadede vida proporcionada pelo coquetel evidenciavam a gravidadeda situao ao mesmo tempo em que davam esperana de
vida. A epidemia foi mudando o seu perfil, atingindo diferentespessoas de sexo, idade e grupo social distintos. Nesse cenrio,crescia a luta por direitos, marcada tambm pelos debates sobredireitos sexuais e reprodutivos nas conferncias sobre mulheres,populao, desenvolvimento.
O movimento homossexual, posteriormente nomeado deGLBT, sigla que ressalta a diversidade, pea fundamental, emtodo o mundo, para a visibilidade dos grupos marginalizadoscontidos na sigla. Se, por um lado, podemos dizer que a imagemque se construiu da AIDS atrelada a gaysaguou o preconceito,por outro ps no debate questes que antes eram tratadas nogueto, de forma bastante isolada, ou sequer eram tematizadas.
Na ltima dcada do sculo, nos diversos pases domundo surgem, de forma cada vez mais intensa, lutas peloreconhecimento da conjugalidade para gays, lsbicas e travestis.
A morte precoce dos parceiros e o aparecimento oportunista dasfamlias de origem, interessadas nos bens que seus familiares
deixavam, intimavam a criao de instrumentos legais quegarantissem ao parceiro vivo bens patrimoniais e benefciosdecorrentes da unio afetiva.
As respostas formais, legais, institucionais desde ento tmsido bastante diversificadas. Em alguns pases, como a Espanha,uma mudana legal garantiu no apenas direitos isolados, mas asmesmas condies em todas as esferas da vida, substituindo na leia exigncia de sexos distintos para aes cotidianas conjuntas de
1Professora Adjunta da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, pesquisadora associadado Centro Latino-americano em Sexualidade e Direitos Humanos (IMS/UERJ)
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um par, como o casamento e a parentalidade. O governo espanholtomou para si a luta pela garantia da igualdade de direitos,defendendo-a no parlamento e garantindo a sua aprovao.
Em outros pases, como o Brasil, a conquista de direitostem se dado prioritariamente no mbito do Poder Judicirio,ainda que existam garantias pontuais, em municpios e estados,que concedem Previdncia Social, por exemplo, enquanto a leinacional no reconhece de forma ampla os direitos dos casaiscuja composio escapa dostandard.
O projeto da ento deputada Martha Suplicy, de 1995,sofreu modificaes que transformaram o seu carter inicial,
uma tentativa de escamotear a dimenso conjugal do quese gostaria de estabelecer. O substitutivo que tramita desde1996 no Congresso interdita, por exemplo, a adoo emconjunto por pessoas do mesmo sexo, retrocesso na garantia dedireitos. Este projeto modificado entrou em pauta e foi retiradoestrategicamente inmeras vezes, para que no se perdesse achance de ser aprovado. A presso da bancada religiosa continuasendo o principal motivo para no haver sequer votao.
Um dos maiores pontos de tenso na luta pelo direito aoreconhecimento da conjugalidade, seja entendida como casamentoou no, a percepo, para alguns, de que se trata de uma prticaintegracionista: debate-se a legitimidade dessa bandeira, vistoque entendida por parte do movimento como uma submisso aomodelo heterossexista de organizao da vida.
Nos ltimos anos tem crescido o nmero de cartrios queregistram as unies estveis entre pessoas do mesmo sexo, artifcio
utilizado para garantir direitos, para se registrar publicamentevidas em comum, oficializar unies.
A famlia, tradicional base da sociedade, distante durantemuito tempo do iderio daqueles que no viviam relaesprocriativas, passou a ser objeto de desejo de muitos. Mudananas pessoas?! Vontade de se adequar a uma forma de viverque responda a padres entendidos como de normalidade?!Conquista do direito de escolha?! Possibilidade de declarar o
desejo de ter um filho com aquele/a que ama?! No h respostacorreta nem definitiva: os entendimentos so plurais.
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Em relao parentalidade, por mais que lideranas domovimento carioca entendessem-na como um direito de poucos ede segunda ordem, dada a urgncia do combate violncia a que
esto expostos gays, lsbicas e travestis, ela tem sido requisitada.Cada vez mais filhos de relaes heterossexuais anterioresconvivem com seus pais e mes e parceiro/as, e as pessoaspodem declarar a sua homossexualidade ou a sua travestilidadesem que isso as impea de adotar uma criana. E j se pleiteiaabertamente a reproduo assistida.
A morte da cantora Cssia Eller, em 2001, seguida da decisoda Justia de conceder Eugenia, sua companheira, a guarda de
Chico, seu filho, inaugurou nova histria. A me, sendo umafigura miditica; a criana, tendo o pai morto; um av, cujaimagem construiu-se como de um oportunista, tudo isso pode tercontribudo para a deciso favorvel guarda pela mainha, quetambm contou com a fora da escola e da terapeuta do filho, queno se furtaram a declarar posies. Justia, Medicina e educao,campos geralmente mais tradicionais, convocados, posicionaram-se pela manuteno do que foi entendido como ncleo familiar.
Em 2006, a deciso em Catanduva, pela incluso dosnomes dos dois pais no registro civil de Isadora, foi um divisor deguas. Embora no tenha sido a primeira deciso neste sentido,teve excelente repercusso na mdia e abriu um precedente. Osjuzes, se provocados, certamente concedero mais inmerasadoes a pais e mes que se candidatem como casal, definindocerto entendimento da lei.
Aos poucos vo sendo combatidos os principais argumentos
contrrios parentalidade por gayse lsbicas: formato de famliaainda no reconhecido em lei que, portanto, poderia prejudicara criana na vigncia do casamento ou, mais ainda, em processode separao; fantasma de abuso sexual, se forem dois homens,pelo risco da exacerbao de uma sexualidade incontrolvel;confuso dos papis de identificao para a criana. Osargumentos estruturam-se em paradigmas mdicos e jurdicospara ter sustentao.
Embora no sejam comuns no Brasil e eu no acredite quefaam sentido h pesquisas que demonstram no haver danos
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no desenvolvimento infantil entre crianas cujos pais e mes sejamgays e lsbicas. As semelhanas nos processos educativos somaiores segundo o gnero, ou seja, mulheres possuem formas
mais prximas de cuidar, sejam elas hetero ou homossexuais, omesmo ocorrendo entre os homens.Podemos afirmar, como diz Miguel Vale de Almeida, que
o acesso ao casamento ou adoo de crianas parece ser altima barreira contra a igualdade formal entre a populaopresumidamente heterossexual e gays, lsbicas e travestis.
Referncias:GROSSI, Miriam; UZIEL, Anna Paula; MELLO, Luiz.
Conjugalidades, parentalidades e identidades gays,lsbicas e de travestis. Rio de Janeiro: Garamond, 2007.
MELLO, Luiz. Novas famlias. Rio de Janeiro: Garamond, 2005.
UZIEL, Anna Paula. Homossexualidade e adoo. Rio deJaneiro: Garamond, 2007.
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A parentalidade de cara nova: quandoos homossexuais se decidem por filhos
Joo Ricard Pereira da Silva2
O tema da homoparentalidade transformou-se, de formarpida e consistente, em objeto de valiosas discusses no campoda Psicologia. Uma vez que ele tenha a funo de demarcarmudanas significativas na constituio da famlia contempornea,tornou-se importante para a adaptao s transformaes quetransbordam a existncia da famlia.
Tendo origem na Frana, o termo homoparentalidade utilizado para nomear as relaes de parentalidade exercidas porhomens e mulheres homossexuais (ZAMBRANO, 2006). No Brasil,apesar dos ntidos avanos acerca das discusses sobre essatemtica, faz-se necessrio um investimento maior no campoda Psicologia. Se h anos essas famlias escondiam-se por trsdos segredos e dos no-ditos, atualmente elas se mostram nosconsultrios e clnicas, nas escolas e outras instituies sociais,deixando evidente que a homossexualidade desfruta de uma
verdadeira poltica de visibilidade na sociedade. Ela hoje dizrespeito a todas as pessoas.
Tendemos a considerar as configuraes homoparentais3como as mais novas famlias que compem o cenrio da vidasocial familiar. Devido limitada quantidade de pesquisas comestas famlias, diversos profissionais da Psicologia apresentamdvidas relacionadas a esta dinmica familiar e vivncia dassuas parentalidades. Especificamente no campo jurdico, oshomossexuais encontram significativas dificuldades ligadas aosprocessos de adoo e ao reconhecimento da sua famlia no campolegal. Enquanto muitas instncias jurdicas sempre procuramaquilo que melhor para a criana, raramente percebem queautorizar a sua adoo por homossexuais pode fazer parte do
2Psiclogo, psicomotricista relacional, Mestre em Psicologia Clnica pela Universidade
Catlica de Pernambuco.3Homoparentalidade um termo surgido em 1997 para designar uma situao em que pelomenos um dos pais assume-se como homossexual (DERRIDA; ROUDINESCO, 2004, p.48).
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leque de opes oferecido a ela. Essa perspectiva deixaria maisclaro que a adoo por homossexuais constitui-se como algomuito positivo, no somente para as pessoas que adotam, mas
,principalmente, para as crianas que so adotadas.Muitas dvidas e preconceitos rondam as prticas dosprofissionais que se deparam com essa nova configuraofamiliar. Existe um receio de que as crianas cujos pais sejamgays ou lsbicas possam, no futuro, apresentar algumaidentificao com a homossexualidade, como se a convivnciada criana com dois pais ou duas mes tivesse o poder dedeterminar a identidade sexual do filho. Embora outros tantos
estudos demonstrem o contrrio, estas concepes predominamentre os responsveis pelas autorizaes adoo de pessoasque se declaram homossexuais. Entre alguns estudos realizadosnos Estados Unidos com estas famlias (GOMES, 2003), nose verificou diferenas no desenvolvimento psicolgico eescolar dessas crianas, juntamente aos aspectos voltados adaptao social, quando comparadas com famlias nuclearesconvencionais.
Embora encontremos algumas pesquisas que se dedicam investigao dessas famlias, mostrando o sucesso dos homossexuaisno exerccio da sua parentalidade, diversos setores sociais insistemem questionar a capacidade destas pessoas em cuidar de uma crianae oferecer, a ela, uma convivncia familiar saudvel. Mais uma vezentra, em cena, o exerccio de poder da heteronormatividade, emdetrimento da aceitao das diferenas e das mltiplas possibilidadesexistentes para a manuteno da famlia.
Podemos pensar, a princpio, que este ponto de vistaencontra-se fortemente enraizado numa crena que se baseiaunicamente na estruturao de identidades heterossexuais. Uma
vez que nem todas as pessoas, cujos pais so heterossexuais,tornam-se heterossexuais, no se pode afirmar que todas aspessoas cujos pais sejam homossexuais tornem-se homossexuais.
A questo muito mais complexa do que uma simples aposta,relativizada nos resultados prontos dos jogos que envolvem
causa e efeito. A relao entre filhos e pais homossexuaisprecisa ser olhada com mais naturalidade, uma vez que estas
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crianas conseguem estabelecer o vnculo parental com uma ouduas pessoas, prontas para a vivncia da parentalidade.
preciso questionar se o desejo de normalidade imposto
aos homossexuais, de forma direta ou indireta, no impedeou dificulta a naturalidade da sua parentalidade. Visto quea sociedade, antes mesmo de autorizar ou reconhecer estasfamlias, j deduz problemas futuros relacionados s questesidentitrias dos seus membros, possvel que se instalem, a, fortessentimentos de auto-cobranas infindveis. No nos esqueamos,portanto, que os olhares (avaliativos?) dos profissionais das reaspsicolgicas, sociais e jurdicas, envolvidos nas suas relaes,
implicam quase sempre em cobrana e vigilncia capazes delevar essas pessoas a um sofrimento psquico indescritvel.Em um trabalho anterior (SILVA, 2008) identificamos que,
apesar de muitas dvidas acerca das suas novas configuraesfamiliares, as mulheres que vivenciam a homoparentalidademostram-se felizes com esta experincia. Os filhos passam aocupar um lugar especial em suas vidas, fazendo que com oscasais procurem alternativas diversas, para uma vivncia parental
mais autntica e cada vez menos mascarada. A realizao pessoalque esta experincia proporciona faz com que cada uma delasinvista, cada vez mais, nas mltiplas possibilidades que a prpriaexperincia parental promove.
O conceito de parentesco utilizado por Butler percebidotal como so considerados os conceitos de parentalidade. Aautora entende por parentesco como um conjunto de prticasque estabelece relaes de vrios tipos que negociam a
reproduo da vida e as demandas da morte (BUTLER, 2003,p. 221). Em outras palavras, em todas as relaes que envolvema vida humana, desde o nascimento at a morte, perpassamas necessidades voltadas aos cuidados primeiros criana e srelaes de dependncia que transpassam de gerao a gerao.
As novas configuraes familiares surgem para colocar em xequea concepo heterocntrica de famlia como nica, enfrentandofortes desafios. Uma vez reconhecidas, estas novas formas de
fazer famlia ameaam a cristalizao de modelos anteriores, atento inquebrveis.
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Grossi destaca que os diversos estudos antropolgicosfeministas que partem das reflexes sobre o parentesco,realizados a partir das dcadas de 1970/80, tentam, de diversas
formas, desnaturalizar as relaes de parentesco. No entanto,a autora faz uma observao bastante pertinente acerca da nossarealidade contempornea: poucos antroplogos refletiram sobreo lugar das relaes entre indivduos do mesmo sexo nas estruturasde parentesco de diferentes sociedades (GROSSI, 2003, p. 276).Esta constatao leva-nos a refletir sobre quais os motivos desteburaco encontrado na Antropologia e nas outras cincias sociaise humanas. Talvez a resposta esteja ligada s questes prprias
da (in)visibilidade das conjugalidades homossexuais, que vmsendo desafiadas pelos investimentos de uma verdadeira polticade visibilidade dos homossexuais4.
Nessa perspectiva, os profissionais da Psicologia devem seapropriar das discusses que privilegiam o tema das unies entrepessoas do mesmo sexo e da homoparentalidade. Compreendermelhor essas dinmicas familiares pode ser um passo rumo construo de uma sociedade mais igualitria, que convive bem
com todas as diferenas. Um outro passo pode ser dado frente aoinvestimento em produes cientficas capazes de dizer sobre umaexperincia que causa polmica, mas que j no quer ser percebidacomo um mero arranjo familiar. Pelo contrrio, essas famliasconstituem-se como famlias iguais a quaisquer outras. A diferenaest na diferena natural da condio humana: como no h umindivduo igual a outro, no h uma famlia igual a outra.
4No ms de maio de 2008, a populao da cidade do Recife (PE) deparou-se com umacampanha indita na histria do pas: diversos outdoorsespalhados pela cidade imprimiamuma grande fotografia de duas mulheres com sua filha e a mensagem: uma me aquelaque ama e protege. Duas mes so aquelas que amam e protegem, lembrando o msdas mes como um ms importante tambm para as mulheres lsbicas com filhos. Essainiciativa deixa claro que a homoparentalidade vem se transformando em uma vivncia
visvel sociedade.
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Referncias:
BUTLER, J. O parentesco sempre tido comoheterossexual? In.: Cadernos Pagu: revista semestral doNcleo de Estudos de Gnero. Universidade Estadual deCampinas, 2003.
GROSSI, M. P. Gnero e parentesco: famlias gayse lsbicas no Brasil. In.: Cadernos Pagu: revista semestraldo Ncleo de Estudos de Gnero. Universidade Estadual deCampinas, 2003.
SIILVA, J. R. P. Parentalidades e conjugalidades emunies homoafetivas femininas. Recife: UniversidadeCatlica de Pernambuco, 2008. Dissertao de Mestrado.
ZAMBRANO, E. (org.). O direito homoparentalidade:cartilha sobre as famlias constitudas por pais homossexuais.Porto Alegre Rio Grande do Sul Brasil, 2006. Disponvel em:
www.homoparentalidade.blogspot.com, www.nupacs.ufrgs.bre www.iaj.org.br.
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A adoo em famlias homoafetivas
Maria Cristina dAvila de Castro5
Quando um casal homoafetivo decide pela adoo epreenche todos os requisitos, um(a) dos(as) dois(duas) tem deescolher qual deles(as) formalizar o pedido de paternidade/maternidade da criana. Uma criana adotada em guarda nicas receber direitos relativos ao pai/me que tem a sua guarda.Entretanto, aps a adoo, os(as) dois(duas) educam e criam-najuntos, como acontece com um casal heteroafetivo. Parece, ento,
que a dificuldade da sociedade jurdica brasileira est em aceitara existncia de famlias homoafetivas. Tivemos duas aberturas emrelao a esse aspecto:
a primeira, na cidade de Catanduva-SP, em 2004, quandoo juiz e o promotor, dentre outros fundamentos para a aceitaoda adoo conjunta, orientaram-se pela Resoluo n 01/99,do Conselho Federal de Psicologia, que, estabelecendo normasde atuao para os psiclogos em relao orientao sexual
humana, veda qualquer tipo de tratamento discriminatrio comrelao homossexualidade, ratificando que esta no se trata dedoena, desvio ou distoro;
a segunda, quando o juiz da Infncia e Juventude, dacidade de Bag-RS, concedeu a adoo de duas crianas por duasmulheres. Ambas viviam juntas, em unio afetiva slida h maisde oito anos, e uma delas j havia conseguido a adoo das duascrianas. A deciso do magistrado estendeu, companheira da me
adotiva, o vnculo de maternidade para com as crianas, pois, almde esses j estarem, de fato, sendo educados e convivendo comambas, o pedido da outra me scio-afetiva baseou-se no clarodesejo de compartilhar, juridicamente, com a sua companheira (j,
5Psicloga CRP12. Especialista Clnica CFP; Coordenadora tcnica, supervisora eprofessora do Movimento Instituto e Clnica Sistmica de Florianpolis, de 1994 a 2003.Scia fundadora e presidente da Associao Catarinense de Terapia Familiar (ACATEF)gesto 20042006; Coordenadora da Comisso Cientfica do VI Congresso Brasileiro de
Terapia Familiar julho 2004; membro do Conselho Cientfico da ACATEF e do ConselhoDeliberativo e Cientfico da Associao Brasileira de Terapia Familiar (ABRATEF) naComisso de Formao na gesto 2006 [email protected]
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legalmente, me adotiva), as mesmas responsabilidades e deveresjurdico-parentais para com as crianas.
Existe outra razo para se justificar o no reconhecimento
legal de famlias homoafetivas: a crena generalizada de que essaconfigurao familiar poder ser prejudicial ao desenvolvimentopsicossociolgico normal das crianas. Questiona-se se aausncia de modelo do gnero masculino e feminino pode,eventualmente, tornar confusa a prpria identidade sexual,havendo o risco de a criana tornar-se homossexual. A seconfunde sexualidade com funo parental, como se a orientaosexual das figuras parentais fosse determinante na orientao
sexual dos filhos. A funo parental no est contida no sexo, e,sim, na forma como os adultos que esto no lugar de cuidadoreslidam com as questes de poder e hierarquia no relacionamentocom os filhos, com as questes relativas a problemas disciplinares,de controle de comportamento e de tomada de deciso. Asatitudes que compem a funo parental so responsividade quefavorece a individualidade e a auto-afirmao por meio de apoioe aquiescncia, exigncia que nada mais do que atitude de
superviso e de disciplina para com os filhos. Essas atitudes noesto relacionadas ao sexo das pessoas.Outra razo para o no reconhecimento da famlia
homoafetiva a apreenso, quanto possibilidade de o filhoser alvo de repdio no meio em que freqenta ou de ser vtimade escrnio por parte de colegas e vizinhos, o que lhe poderiaacarretar perturbaes psquicas ou problemas de inserosocial. Conforme relata Maria Berenice Dias, desembargadora do
Tribunal de Justia do RS,essas preocupaes so afastadas com segurana porquem se debrua no estudo das famlias homoafetivascom prole. As evidncias apresentadas pelas pesquisasno permitem vislumbrar a possibilidade de ocorrnciade distrbios ou desvios de conduta pelo fato de algumter dois pais ou duas mes. No foram constatadosquaisquer efeitos danosos ao desenvolvimento moral ou estabilidade emocional decorrentes do convvio com
pais do mesmo sexo. Tambm no h registro de dano
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sequer potencial, ou risco ao sadio desenvolvimento dosvnculos afetivos. Igualmente nada comprova que a faltade modelo heterossexual acarretar perda de referenciais
a tornar confusa a identidade de gnero. Diante detais resultados, no h como prevalecer o mito de quea homossexualidade dos genitores gere patologias na
prole. Assim, nada justifica a viso estereotipada de que acriana que vive em um lar homossexual ser socialmenteestigmatizada ou ter prejudicada a sua insero social.Disponvel em www.mariaberenice.com.br.
Conclu-se, ento, que os problemas que se colocam s
famlias homoparentais so de ordem social, jurdica e poltica,como sempre foram em todas as situaes de mudana nainstituio familiar, como, por exemplo, por ocasio do estatutodo divrcios e a existncia de pais/mes solteiros nos anos de1970 e 1980.
Miriam Grossi (antroploga da Universidade Federal deSanta Catarina/UFSC) tem razo quando fala que a luta nasparadas gaysda Frana pelo direito reproduo. J no Brasil,a luta central trata da homofobia.
O fato que a visibilidade que vem adquirindo ahomoafetividade tem levado cada vez mais as pessoas aassumirem a sua verdadeira orientao sexual. Gayse lsbicasbuscam a realizao do sonho de estruturarem uma famliacom a presena de filhos, e freqente crianas e adolescentes
viverem em lares homoafetivos. Negar ao par homossexual odireito convivncia familiar e no reconhecer a existncia depais do mesmo sexo s uma questo de tempo. Como dizUziel: A discusso a respeito no inaugura essa realidade social,d apenas visibilidade a tal condio e a inclui na pauta daconquista de direitos, concorrendo para a extenso da concepode entidade familiar (2007, p. 197).
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Referncias:
PEREIRA, ngelo B. Retrato em branco e preto: manual prticopara pais solteiros. Coleo Para homens e mulheres.
SILVA, Denise M. P. Psicologia Jurdica no processo civilbrasileiro. So Paulo: Casa do Psiclogo, 2003.
VITALE, M. A F. (org.). Laos Amorosos: Terapia de Casal ePsicodrama. So Paulo: Editora Agora, 2004.
PAPP, Peggy. Casais em Perigo: novas diretrizes paraterapeutas. Porto Alegre: Artmed Editora, 2002.
FRES-CARNEIRO, T. (org.). Famlia e casal: arranjos edemandas contemporneas. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio; SoPaulo: Ed. Loyola, 2003.
BETHOULD, C. M. E. Re-significando a parentalidade: osdesafios de ser pais na atualidade. Taubat/SP: Cabral EditoraUniversitria, 2003.
RIESENFELD, R. Papai, mame, sou gay! Um guia para
compreender a orientao sexual dos filhos. So Paulo:Summus, 2002.
BRUN, G. Pais, filhos & cia. ilimitada. Rio de Janeiro: EditoraRecord, 1999.
VAINER, R. Anatomia de um divrcio interminvel: o litgiocomo forma de vnculo. So Paulo: Casa do Psiclogo, 1999.
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A adoo por homossexuais:um caminho para o exerccio da
parentalidadeMaurcio Ribeiro de Almeida6
Ao discutirmos o tema da adoo, no podemos nosesquecer de que so as crianas e os adolescentes, assim comoos adotantes, os maiores interessados no processo de escolhae de estabelecimento de relaes vinculares. So as leis que
regulamentam, legitimam e do consistncia ao vnculo, porm,se estas no estiverem sintonizadas com as necessidades dosadotantes e dos adotandos, transformam-se apenas em merosinstrumentos burocrticos que aprisionam esses atores (candidatosa pais e filhos) em papis estereotipados pouco coerentes aos finsaos quais se destinam.
O interesse por novas prticas de atendimento infnciae adolescncia foi mais estimulado a partir da promulgao
do Estatuto da Criana e do Adolescente ECA, em 13 de julhode 1990. Esta lei federal versa sobre as questes da infncia eadolescncia e pressupe a necessidade de implementao eimplantao de polticas pblicas que garantam os direitos dessaparcela da populao. O artigo 19 do ECA um dos exemplosdessa nova filosofia, pois, ao definir a criana e o adolescentecomo sujeitos de direitos, garante-lhes a convivncia familiare comunitria. Ressalta o artigo: Toda criana ou adolescente
tem o direito a ser criado e educado no seio da sua famliae, excepcionalmente, em famlia substituta, assegurada aconvivncia familiar e comunitria, no sendo identificada aquiqualquer distino jurdica entre a famlia biolgica e a adotiva.
Nesse contexto, a adoo apresenta-se como uma formavivel e legal de estabelecimento de relaes filio-parental.
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Psiclogo judicirio, Mestre em Psicologia (Programa Psicologia e Sociedade) Unesp/Assis; Doutorando pelo Instituto de Psicologia da USP Programa de Ps-Graduao emPsicologia Social; professor do Centro Universitrio Unisalesiano Lins/SP.Maurcio928 @uol.com.br
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Contudo, os mecanismos jurdicos ainda no atendem de formaefetiva ao segmento que deles necessitam, sejam crianas ouadolescentes que aguardam por adoo, sejam pais e mes
adotivos em potencial que no se inscrevem, entretanto, nosprocessos de seleo, por receio de serem discriminados oureprovados. O sentimento de suposta rejeio dos adotantesbaseia-se no fato de que estes acreditam no serem portadoresdas caractersticas consideradas normais no mbito dasociedade heteronormativa que divulga um padro estereotipadode famlia ideal.
A ttulo de exemplo, podemos ilustrar um caso ocorrido
na Comarca de So Jos do Rio Preto, em So Paulo, bastantedivulgado pela mdia: uma transexual e seu companheiro, hmeses, cuidavam de uma criana que lhes fora entregue pelagenitora biolgica, mas foram impedidos de efetivar o pedido deguarda, uma vez que os operadores do direito entenderam quea referida famlia no dispunha dos atributos necessrios parapropiciar os cuidados e a educao criana.
O conceito de adoes necessrias, desenvolvido pelos
grupos de apoio adoo, mostra-se como um importante recursode oposio aos elementos que dificultam o processo de adoo ecomo elemento norteador das especificidades da questo.
As adoes necessrias referem-se importncia daelaborao de estratgias que estimulem o acolhimento decrianas que apresentam problemas de sade, cor da pelenegra ou que se encontrem em faixa etria superior a dois anos(denominada adoo tardia). De fato, so estas as categorias de
crianas e adolescentes que, em maior nmero, aguardam, nosabrigos, a possibilidade de adoo, mas que no so, contudo,o maior alvo de interesse dos adotantes que aguardam em listasde espera mantidas pelos tribunais de justia. Ao conceito deadoes necessrias, poderamos vincular o de aceitao de novasconfiguraes parentais, para que esses potenciais candidatos adoo tambm sejam acolhidos.
A famlia contempornea passa, na atualidade, por
significativas alteraes em sua estrutura e funcionamento. Essasmodificaes podem ser visualizadas em diferentes modelos,
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encontrados nas seguintes composies: famlia monoparental,inter-racial ou miscigenada, recomposta, casais sem filhos,pessoas morando sozinhas, sistema de co-parentalidade7, entre
outros arranjos e configuraes. s instituies governamentaise no-governamentais cabe dar legitimidade e funcionalidades diferentes estruturas familiares, sejam elas tradicionais oucontestadoras dos modelos hegemnicos.
No bojo dessas mudanas e questionamentos acercada instituio familiar, as lutas em prol dos direitos humanose sexuais, que visam ao reconhecimento dos indivduos queexibem sexualidades e papis de gnero que no se enquadram
nos padres heteronormativos, tm repercusso significativa nombito das discusses sobre famlia, j que apontam para aquebra de paradigmas que fundam a lgica tradicional familiar:a heterossexualidade, relacionamentos monogmicos, papis degnero rgidos, dentre outros.
As mudanas ocorridas nos conceitos de adoo articulam-se s transformaes ocorridas na famlia ao longo da histria es preocupaes com a infncia, quando esta passou a gozar de
maior interesse e cuidados por parte da sociedade moderna. Taismudanas passaram a exercer influncias tambm na legislao,conforme observado em adoes realizadas por pessoas solteirasou por casais separados.
A adoo por homossexuais, embora muito propagandeada,ainda no se efetiva de forma consistente no mbito da Justia. Aadoo efetivada pelo casal ou parceria homossexual bastanterara, tendo-se conhecimento apenas de dois casos at o momento
no Brasil: um em Catanduva, interior do estado de So Paulo, eoutro efetivado no estado do Rio Grande do Sul. No caso deadoo homossexual, o que muito praticado a adoo mono-parental, ou seja, apenas um dos elementos da parceria conjugaltorna-se o requerente no processo judicial.
Dessa forma, entendemos que o contexto de avaliaodesses adotantes um importante momento de reflexo e
7Segundo Miriam Grossi (2005), este grupo pode ser composto tanto por um casal delsbicas com um gayou por um casal de gayscom uma lsbica.
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problematizao que deve ser propiciado pelo profissional aosusurios. Esto esses profissionais devidamente preparados elivres de estigmas para lidarem com a dimenso mais global
do processo avaliativo? Esto eles centrados na questo daorientao sexual apenas como um critrio de excluso?Ao abordamos o tema da adoo por homossexuais, nessa
cartilha, no tivemos a pretenso de esgotar o assunto, torn-losimplista ou enfatiz-lo como um tema de extrema complexidade.Nossa contribuio foi no sentido de trazer para o debate aadoo por homossexuais, suas possibilidades e os desafios queesta gera aos usurios que a almejam, bem como aos prprios
profissionais que ainda se mostram inseguros para lidarem comas peculiaridades em suas prticas.
Referncias:
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MELLO, L. Novas famlias: conjugalidade e homossexualidade noBrasil contemporneo. Rio de Janeiro: Garamond, 2005.
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A adoo por pessoas homossexuaise em casamentos homoafetivos: uma
perspectiva psicanalticaSrgio Laia8
No caso dos seres humanos, independentemente de suaorientao sexual, a adoo um procedimento que pode serconsiderado generalizado. Afinal, ningum nasce pai ou nasceme e, embora seja como filhos que todos nasamos, a filiao,
a paternidade e a maternidade no so, entre os seres humanos,processos intrinsecamente biolgicos, propriamente naturais ouinstintivos, tal como podemos constatar a partir de vrios estudosantropolgicos, jurdicos, psicanalticos, sociolgicos e, maisrecentemente, tambm por meio das experincias subjetivase culturais geradas com e pelos processos de inseminaoartificial. Por isso e, de um modo especial, em Psicanlise, possvel afirmarmos que todos ns somos adotados: a partir de
um processo de adoo simblica que os seres humanos sobatizados como pai, me e filho(a) e, ao se reconheceremassim (mesmo quando atravessados por conflitos familiares),eles se tornam, no dia-a-dia de suas existncias, efetivamentepai, me e filhos.
Considerando essa perspectiva generalizada de uma adoosimblica, a adoo de crianas por pessoas homossexuais ounos casamentos homoafetivos no apresentaria diferenas com
relao quelas realizadas por casais heteroafetivos. Poderiam,ento, ser utilizados os mesmos procedimentos e orientaesque guiam qualquer processo de adoo: importante garantira estabilidade da criana a ser adotada, proporcionando-lhe noapenas uma casa ou a sobrevivncia pela satisfao de suas
8Psicanalista, Membro da Escola Brasileira de Psicanlise (EBP) e da Associao Mundial dePsicanlise (AMP); Diretor do Instituto de Psicanlise e Sade Mental de Minas Gerais (IPSM-
MG); Professor Titular IV da Universidade FUMEC e Pesquisador do Programa de Pesquisa eIniciao Cientfica da Universidade FUMEC (ProPIC-FUMEC); Mestre em Filosofia e Doutorem Letras pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
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necessidades, mas o que chamamos comumente de um lar euma vida.
No mbito da Psicanlise, essas orientaes e esses
procedimentos sequer se diferenciariam daqueles que se esperada famlia em geral. Podemos depreend-los, por exemplo, numapassagem de um breve texto do psicanalista francs JacquesLacan, intitulado Nota sobre a criana e publicado em OutrosEscritos. A famlia conjugal o que se mantm na evoluo dassociedades porque enfatiza o irredutvel de uma transmisso(...) de uma constituio subjetiva, implicando a relao com umdesejo que no seja annimo.
Poderamos, ento, perguntar: que desejo no-annimoseria esse? Uma das respostas possveis apontaria para o desejoem jogo na fala de algum capaz de sustentar, com todos os riscose os ganhos que isso implica, uma declarao como: quero essacriana como meu filho, quero essa criana como minha filha.
Afinal, quando algum decide se tornar pai ou me, um desejo deadoo coloca-se em ato. Este ato uma declarao pblica quediz sim responsabilidade de sustentar um processo particular de
filiao/adoo. Devemos, portanto, averiguar, em cada situao,se a declarao quero essa criana como filho(a) comportaefetivamente o consentimento com uma responsabilidade, se hmesmo quem responda por este desejo e se, por isso, ao ser odesejo de algum, no annimo, mas um desejo particular desustentar, na lida com a criana, as funes paterna e materna.
Afirmar a importncia da famlia na transmisso de umaconstituio subjetiva um outro modo de dizer que por
adoo que uma famlia forma-se, mesmo se no h factuale juridicamente nenhum membro desse grupo que tenha sidoadotado. Portanto, um modo de verificarmos se h uma famlia buscarmos o que pode indicar, num grupo que declara ser umafamlia, a transmisso de um desejo capaz de dizer o seu nome.
Ainda na mesma Nota sobre a criana, Lacan d-nostambm mais dois indicativos para julgarmos o que seriam asfunes do pai e da me: da me, que seus cuidados tragam a
marca de um interesse particularizado, mesmo que pela via desuas prprias faltas; e, do pai, que seu nome seja o vetor de
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uma encarnao da Lei no desejo. Interessante destacar, paraa questo abordada nesta cartilha, que Lacan no corresponde,necessariamente, a funo materna a uma mulher e a funo
paterna a um homem. No no campo da anatomia que oexerccio destas funes decide-se. Entretanto, na medida emque fala de interesse e de desejo, Lacan tampouco faz umaabstrao da sexualidade no que concerne a tais funes.
Lacan associa a funo materna aos cuidados com a criana,mas almeja que esses cuidados comportem uma particularidade,mesmo que baseada nas faltas de quem cuida: me quem, porexperimentar uma falta, pode vir a querer uma criana como um
modo de responder a essa falta e, por isso, torna-se parte interessadanos cuidados que dedica a quem toma como sua criana.No mesmo vis, a funo paterna no implica puramente
a abstrao de um nome (de famlia) que se d a uma criana.Esse nome um vetor, ou seja, esse desejo de responder pelanomeao de um filho no sem Lei. A encarnao desta Lei nodesejo ser responsvel por inscrever a forma particular daquelesque se tornam pais, de modo que a efetiva considerao de uma
criana como filho(a) faz com que ela deixe de ser uma crianaqualquer e se torne, para um pai, a sua criana, aquela quetraz o seu nome, a marca da sua famlia.
Se, a partir da Psicanlise, poderemos afirmar que funomaterna e funo paterna no correspondem, necessriae biunivocamente, a uma mulher e a um homem, porque acorrespondncia dessas funes com a sexualidade de quemresponde por cada uma delas processa-se por contingncia: para
Lacan, elas no seriam dissociveis do desejo e da particularidadede quem as encarna, no estariam separadas do encontro sempre marcado por algum tipo de casualidade, de contingncia entre os sexos. Na pluralidade das solues da constituiosubjetiva de uma criana, temos relatos cotidianos de que noh uma norma universal para a criao correta de crianas:erros e acertos podem acontecer tanto numa famlia constitudatradicionalmente por seus pais biolgicos quanto em famlias
recompostas, famlias monoparentais, famlias de criaoetc. No entanto, por que tenderamos a atribuir a funo do pai
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a um homem; a funo da me a uma mulher; e o par familiara um casal heteroafetivo? H, sem dvida, razes histricas,sociais, culturais e psquicas em jogo nesse tipo de atribuio,
mas a tendncia de fazermos destas razes uma necessidade tema ver tambm com uma espcie de temor que temos da dimensodo imprevisto e do que nos parece incalculvel ou sem avaliaoprvia possvel.
A questo, portanto, no impedir a adoo de crianaspor parte de casais homoafetivos por temermos moralmenteou no conseguirmos avaliar cientfica e precisamente o quepoder acontecer com elas, e, assim, por preferirmos o conforto
do que supomos necessrio, porque j conhecido. Ora, umadesumanidade atroz e annima criar filhos sem disposio paraenfrentar o que da ordem do imprevisto.
Sem dvida, haver particularidades e especificidades naadoo de crianas por casais homoafetivos, inclusive porqueno se trata de uma experincia ainda comum. Entretanto, darum amparo jurdico e legal a esse tipo de adoo poder serum fator importante para que ela no seja recusada por ser
pouco comum. Alm disso, particularidades e especificidadesno so uma exclusividade da adoo de crianas por casaishomoafetivos: a Psicanlise ensina-nos que o particular e oespecfico so elementos decisivos para a transmisso de umaconstituio subjetiva promovida por uma famlia (formada apartir de um casal homoafetivo ou de um casal heteroafetivo),para a formao de um lar e para a criao de uma vidadignos desses nomes.
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Adoo e homossexualidade
Vernica Petersen Chaves9
H alguns anos a adoo passou a ser motivo de interesse depensadores e de pesquisadores. Hoje ela vive os seus momentosde glria e de glamourizao, aparecendo nas pginas de revistase jornais, com a adeso de celebridades prtica da adoo.
A abrangncia da discusso do tema passa tambm pelointeresse das famlias constitudas por parelhas homossexuais naadoo de crianas. Na escalada de sua luta por reconhecimento
de direitos sociais, essas novas famlias passam a buscar, commaior nfase, a possibilidade do exerccio da homoparentalidade(UZIEL, 2007; ZAMBRANO, 2007).
Dentre as trs possibilidades de uma pessoa homossexualser pai/me seja tendo tido filhos em uma unio heterossexualanterior, seja atravs das tecnologias reprodutivas, seja pelaadoo verifica-se que a ltima constitui-se no modo maisdiscutido abertamente na sociedade (UZIEL, 2007).
A adoo tem por objetivo principal favorecer a insero deuma criana em uma entidade familiar, sendo esse o entendimento,das diretrizes atuais das convenes de direitos internacionais dacriana, como o melhor para o seu desenvolvimento. Para tanto,so pontos de partida o rompimento dos vnculos da criana coma sua famlia de origem e a disponibilidade e o desejo de umadulto de ser pai ou me.
H semelhanas entre os procedimentos de casais
homossexuais e heterossexuais que se tornam pais por meiodas novas tecnologias reprodutivas ou da adoo enquantoalternativas reproduo biolgica sexual, com a busca depossibilidades no-sexuadas de constituio familiar. Contudo,no primeiro caso, d-se um filho a uma famlia e, no segundo, deacordo com as diretrizes da Conveno dos Direitos da Criana eno interesse dela, d-se uma famlia a uma criana (UZIEL, 2007).
9Psicloga clnica e jurdica. Psicloga do Juizado da Infncia e da Juventude de PortoAlegre. Mestre em Psicologia pela UFRGS. Membro fundador da Associao Acolher Instituto Pinkler-Loczy do Brasil.
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importante que possamos pensar nas novas organizaesfamiliares e em suas necessidades e direitos. Por outro lado,mais importante pensarmos nas crianas que esto disponveis
para adoo, em termos da construo de sua subjetividade ecidadania. Conforme salienta Michel Soul, importante quepossamos analisar as famlias que oferecemos s crianas queprecisam ser adotadas, seja qual for a orientao sexual daspessoas interessadas na adoo. Ao descrever as condies paraa habilitao de candidatos para a adoo de crianas, o ECA(Estatuto da Criana e do Adolescente) aponta de forma vagaos impedimentos com relao adoo10. Homens e mulheres,
pela orientao sexual, no sofrem qualquer restrio, tampoucoqualquer benefcio especial.O melhor interesse da criana deve ser o norteador dos
profissionais encarregados de buscar para ela as alternativasde reinsero familiar e social. Muitos so os aspectos a seremenfocados nas famlias candidatas: as motivaes de cada famlia(explcitas e implcitas); a estabilidade e a estrutura psquicae emocional de cada um dos seus integrantes; experincias
familiares e de vida; crenas e expectativas com relao aofilho a ser adotado; compreenso dos aspectos relacionados adoo e histria anterior do adotado. Sabemos que as crianasdisponveis para adoo, em sua maioria, tiveram em sua histria
vivncias traumticas, que, provavelmente, desencadearocomportamentos e reaes comportamentais decorrentes deexperincias de privao e maus-tratos (REPPOLD, CHAVES,NABINGER & HUTZ, 2005).
No entanto, como nos coloca Hamad (2002), entre o direito adoo e a adoo propriamente dita, h uma distncia queno deve ser ignorada, porque estamos lidando com sujeitostomados pelo desejo de ter uma criana, e a experincia ensina-nos que os adotantes, sejam eles quem forem, onde estiverem ede qualquer orientao sexual, podem ter idias muito fechadassobre a criana que desejam acolher, o que pode faz-los tender
10Art. 29. No se deferir colocao em famlia substituta a pessoa que revele, porqualquer modo, incompatibilidade com a natureza da medida ou no oferea ambientefamiliar adequado.
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relativizao da noo de seus deveres (papel). A criana parte integrante e ativa do processo de adoo e no podenunca ser coisificada ao longo do processo, como se fosse uma
mercadoria, mesmo que preciosa.Um outro aspecto a ser considerado no panorama atualdas prticas de adoo a chamada adoo tardia, cada vezmais freqente e mais aceita em nossa cultura. Esta implica nanecessidade de instaurao de vnculos de filiao e afiliaobastante elaborados e que exigiro, tanto dos pais quantoda criana, capacidades psquicas igualmente elaboradas. importante saber e compreender destas crianas, com marcas
importantes de rechao e abandono, se elas j foram capazesde fazer o luto com relao a sua famlia de origem e quais soas suas expectativas e desejos com relao a uma nova famliaadotiva, de forma a estabelecer, com outros adultos, o eixonarcsico de sua nova filiao (GOLSE, 2004). Isso se coloca tantopara casais homossexuais quanto para casais heterossexuais.
Muitas foram as pesquisas desenvolvidas pela Psicologia epor reas afins sobre a homoparentalidade, estando as crianas
envolvidas como adotivas ou no. O entendimento de que ahomossexualidade por si s possa ser danosa, colocando-a nacategoria de risco para a criana, no encontra respaldo naspesquisas feitas at o momento e, como enfatizam os autores, oconceito de dano depende do que culturalmente construdo comotal (UZIEL, 2007; ZAMBRANO & cols, 2006; ZAMBRANO, 2007).
A maioria dos autores concorda que a homoparentalidadeenfrenta atualmente as mesmas restries e preconceitos sociais
que o divrcio enfrentou na dcada de 1970. Mesmo com aglamourizao da adoo, aspecto levantado na introduo destetexto, at a sua banalizao pela mdia nos tempos atuais, nose pode desconsiderar que o sucesso da adoo depender daarticulao dos diversos atores envolvidos.
Vrios so os fatores que podem entravar o processo defiliao adotiva de uma criana, que vive uma passagem para umanova vida. importante que sejam consideradas, anteriormente
adoo, as capacidades, tanto da criana quanto dos adultosenvolvidos, de organizao e reconstruo de vnculos familiares
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(CRINE & NABINGER, 2004). Esse um trabalho rduo e profundoa ser realizado na fase pr-adotiva e no acompanhamento dosestgios iniciais da adoo, independentemente da orientao
sexual das pessoas interessadas na adoo de crianas eadolescentes.Da mesma forma, a superposio desses complexos
contextos homoparentalidade, adoo e adoo tardia propenovos desafios s equipes de sade mental e aos pesquisadores.O preparo das equipes profissionais no atendimento dessasfamlias passa a ser ento uma condio importante para osucesso da adoo e para a preveno do seu fracasso este,
sim, todos concordam, sendo altamente prejudicial e corrosivoao desenvolvimento infantil (NABINGER & CHAVES, 2005). importante que os profissionais envolvidos assistentes sociais,psiclogos, juzes, promotores, conselheiros tutelares, pessoasque trabalham em abrigos e todos os demais que fazem parteda rede de atendimento possam buscar formao especficana rea e aprofundar as discusses que concernem ao temada adoo, procurando depurar as idias pr-concebidas e os
preconceitos.
Referncias:
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Aspectos jurdicos com relao adoopor pais homossexuais
Fernando Nazar11
Acerca da possibilidade da adoo por casais formadospor pessoas do mesmo sexo, h que se concluir que a resposta afirmativa. Isso porque a homossexualidade reveste-se de um laoafetivo, representando a exteriorizao do amor pelo prximo,pelo companheiro ou companheira, que adquire contornossociais. Vale dizer que no pode a sociedade marginalizar a unioconstituda por pessoas do mesmo sexo, sob qualquer tipo dediscriminao, o que vedada pela Constituio Federal de 1988,a conhecida Constituio cidad. Ademais, o relacionamentoconstitudo assume, hodiernamente, laos de famlia, em virtudedo vnculo afetivo, social e econmico assumido pelo casal. Faz-se importante lembrar que o amor, o respeito e o cuidado com ocompanheiro representam a mais legtima forma de viver do serhumano, sendo foroso concluir que a negao a esses direitosconstitui flagrante violao do direito vida, e viola os princpiosda dignidade da pessoa humana e da igualdade.
Nesse sentido, veja-se, guisa de informao, o julgado doTribunal de Justia do Rio Grande do Sul, a seguir transcrito, quemerece destaque pela justia e lucidez dos seus fundamentos, in
verbis:
APELAO CVEL. ADOO. CASAL FORMADO POR
DUAS PESSOAS DE MESMO SEXO. POSSIBILIDADE Reconhecida como entidade familiar, merecedorada proteo estatal, a unio formada por pessoas domesmo sexo, com caractersticas de durao, publicidade,continuidade e inteno de constituir famlia, decorrnciainafastvel a possibilidade de que seus componentespossam adotar. Os estudos especializados no apontamqualquer inconveniente em que crianas sejam adotadas
por casais homossexuais, mais importando a qualidade11Assessor Jurdico do CFP
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do vnculo e do afeto que permeia o meio familiar emque sero inseridas e que as liga aos seus cuidadores. hora de abandonar de vez preconceitos e atitudes
hipcritas desprovidas de base cientfica, adotando-seuma postura de firme defesa da absoluta prioridadeque constitucionalmente assegurada aos direitos dascrianas e dos adolescentes (art. 227 da ConstituioFederal). Caso em que o laudo especializado comprova osaudvel vnculo existente entre as crianas e as adotantes.NEGARAM PROVIMENTO. UNNIME. (Apelao Cvel70013801592) RELATRIO Des. Luiz Felipe Brasil Santos
(RELATOR)(...) Com efeito, o art. 1.622 do Cdigo Civil dispe:Ningum pode ser adotado por duas pessoas, salvo seforem marido e mulher, ou viverem em unio estvel. Nocaso destes autos, L. (que j me adotiva dos meninos)e LI. (ora pretendente adoo) so mulheres, o que, emprincpio, por fora do art. 226, 3, da CF e art. 1.723 doCdigo Civil, obstaria reconhecer que o relacionamento
entre elas entretido possa ser juridicamente definidocomo unio estvel, e, portanto, afastaria a possibilidadede adoo conjunta. No entanto, a jurisprudncia destecolegiado j se consolidou, por ampla maioria, nosentido de conferir s unies entre pessoas do mesmosexo tratamento em tudo equivalente ao que nossoordenamento jurdico confere s unies estveis (...).
A ausncia de lei especfica sobre o tema no implica
ausncia de direito, pois existem mecanismos para supriras lacunas legais, aplicando-se aos casos concretos aanalogia, os costumes e os princpios gerais de direito,em consonncia com os preceitos constitucionais (art. 4da LICC). (...) Com efeito, o tratamento analgico dasunies homossexuais como entidades familiares segue aevoluo jurisprudencial iniciada em meados do sc. XIXno Direito francs, que culminou no reconhecimento da
sociedade de fato nas formaes familiares entre homeme mulher no consagradas pelo casamento. poca,
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por igual, no havia, no ordenamento jurdico positivobrasileiro, e nem no francs, nenhum dispositivo legal quepermitisse afirmar que unio ftica entre homem e mulher
constitua famlia, da por que o recurso analogia, indoa jurisprudncia inspirar-se em um instituto tipicamenteobrigacional como a sociedade de fato.Houve resistncias inicialmente? Certamente sim, como ash agora em relao s unies entre pessoas do mesmosexo. O fenmeno rigorosamente o mesmo. No seest aqui a afirmar que tais relacionamentos constituemexatamente uma unio estvel. O que se sustenta que,
se para tratar por analogia, muito mais se assemelhama uma unio estvel do que a uma sociedade de fato.Por qu? Porque a affectio que leva estas duas pessoasa viverem juntas, a partilharem os momentos bons emaus da vida muito mais a affectio conjugalisdo que aaffectio societatis. Elas no esto ali para obter resultadoseconmicos da relao, mas, sim, para trocarem afeto, eesta troca de afeto, com o partilhamento de uma vida em
comum, que forma uma entidade familiar. Pode-se dizerque no unio estvel, mas uma entidade familiar qual devem ser atribudos iguais direitos.Estamos hoje, como muito bem ensina Luiz Edson Fachin,na perspectiva da famlia eudemonista, ou seja, aquelaque se justifica exclusivamente pela busca da felicidade, darealizao pessoal dos seus indivduos. E essa realizaopessoal pode dar-se dentro da heterossexualidade ou da
homossexualidade (...). Parece inegvel que o que levaestas pessoas a conviverem o amor (...). Em contrrioa esse entendimento costuma-se esgrimir sobretudocom o argumento de que as entidades familiares estoespecificadas na Constituio Federal, e que dentre elasno se alinha a unio entre pessoas de mesmo sexo (...).
A proteo jurdica que era dispensada com exclusividade forma familiar (pense-se no ato formal do casamento)
foi substituda, em conseqncia, pela tutela jurdicaatualmente atribuda ao contedo ou substncia: o
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que se deseja ressaltar que a relao estar protegidano em decorrncia de possuir esta ou aquela estrutura,mesmo se e quando prevista constitucionalmente, mas em
virtude da funo que desempenha isto , como espaode troca de afetos, assistncia moral e material, auxliomtuo, companheirismo ou convivncia entre pessoashumanas, quer sejam do mesmo sexo, quer sejam desexos diferentes.Se a famlia, atravs de adequada interpretao dosdispositivos constitucionais, passa a ser entendidaprincipalmente como instrumento, no h como se
recusar tutela a outras formas de vnculos afetivos que,embora no previstos expressamente pelo legisladorconstituinte, se encontram identificados com a mesmaratio, como os mesmos fundamentos e com a mesmafuno. Mais do que isto: a admissibilidade de outrasformas de entidades familiares torna-se obrigatriaquando se considera seja a proibio de qualquer outraforma de discriminao entre as pessoas, especialmente
aquela decorrente de sua orientao sexual a qual seconfigura como direito personalssimo seja a razo maiorde que o legislador constituinte se mostrou profundamentecompromissado com a dignidade da pessoa humana (art.1, II, CF), tutelando-a onde quer que sua personalidademelhor se desenvolva (...).O argumento de que entidade familiar denominadaunio estvel o legislador constitucional imps o requisito
da diversidade de sexo parece insuficiente para fazerconcluir que onde vnculo semelhante se estabelea, entrepessoas do mesmo sexo sero capazes, a exemplo doque ocorre entre heterossexuais, de gerar uma entidadefamiliar, devendo ser tutelados de modo semelhante,garantindo-se-lhes direitos semelhantes e, portanto,tambm, os deveres correspondentes (...).
A partir do reconhecimento da existncia de pessoas
definitivamente homossexuais, ou homossexuais inatas, edo fato de que tal orientao ou tendncia no configura
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doena de qualquer espcie a ser, portanto, curadae destinada a desaparecer mas uma manifestaoparticular do ser humano, e considerado, ainda, o valor
jurdico do princpio fundamental da dignidade da pessoa,ao qual est definitivamente vinculado todo o ordenamentojurdico, e da conseqente vedao discriminao em
virtude da orientao sexual, parece que as relaes entrepessoas do mesmo sexo devem merecerstatussemelhantes demais comunidade de afeto, podendo gerar vnculo denatureza familiar.Para tanto, d-se como certo o fato de que a concepo
sociojurdica de famlia mudou. E mudou seja do pontode vista dos seus objetivos, no mais exclusivamentede procriao, como outrora, seja do ponto de vistada proteo que lhe atribuda. Atualmente, comose procurou demonstrar, a tutela jurdica no maisconcedida instituio em si mesma, como portadora deum interesse superior ou supra-individual, mas famliacomo um grupo social, como o ambiente no qual seus
membros possam, individualmente, melhor se desenvolver(CF, art. 226, 8). Partindo ento do pressuposto de queo tratamento a ser dado s unies entre pessoas domesmo sexo, que convivem de modo durvel, sendoessa convivncia pblica, contnua e com o objetivo deconstituir famlia, deve ser o mesmo que atribudo emnosso ordenamento s unies estveis, resta concluir que possvel reconhecer, em tese, a essas pessoas, o direito
de adotar em conjunto (...)., portanto, hora de abandonar de vez os preconceitose atitudes hipcritas desprovidas de base cientfica,adotando-se uma postura de firme defesa da absolutaprioridade que constitucionalmente assegurada aosdireitos das crianas e dos adolescentes (art. 227 daConstituio Federal). Como assinala Rolim (...):
Temos, no Brasil, cerca de 200 mil crianasinstitucionalizadas em abrigos e orfanatos. A esmagadoramaioria delas permanecer nesses espaos de mortificao
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e desamor at completarem 18 anos, porque esto forada faixa de adoo provvel. Tudo o que essas crianasesperam e sonham o direito de terem uma famlia no
interior das quais sejam amadas e respeitadas. Graas aopreconceito e a tudo aquilo que ele oferece de violnciae intolerncia, entretanto, essas crianas no podero,em regra, ser adotadas por casais homossexuais. Algumpoderia me dizer por qu? Ser possvel que a estupidezhistrica construda escrupulosamente por sculos de morallusitana seja forte o suficiente para dizer: - Sim, prefervelque essas crianas no tenham qualquer famlia a serem
adotadas por casais homossexuais ? Ora, tenham a santapacincia. O que todas as crianas precisam cuidado,carinho e amor. Aquelas que foram abandonadas, foramespancadas, negligenciadas e/ou abusadas sexualmentepor suas famlias biolgicas. Por bvio, aqueles que asmaltrataram por surras e suplcios que ultrapassam aimaginao dos torturadores; que as deixaram sem teremo que comer ou o que beber, amarradas tantas vezes ao
p da cama; que as obrigaram a manter relaes sexuaisou atos libidinosos, eram heterossexuais, no mesmo?Dois neurnios seriam, ento, suficientes para concluirque a orientao sexual dos pais no informa nada derelevante quando o assunto cuidado e amor para com ascrianas. Poderamos acrescentar que aquela circunstnciatambm no agrega nada de relevante, inclusive quanto futura orientao sexual das prprias crianas, mas isso j
seria outro tema. Por hora, me parece o bastante apontarpara o preconceito vigente contra as adoes por casaishomossexuais com base numa pergunta: - que valor moral esse que se faz cmplice do abandono e do sofrimentode milhares de crianas?
Postas as premissas, passo ao exame do caso, a fimde verificar se esto aqui concretamente atendidos osinteresses dos adotandos. E tambm sob esse aspecto, aresposta favorvel apelada.Como ressalta o relatrio de avaliao, de fls. 13/17:
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Li., de 39 anos, e L. de 31 anos, convivem desde 1998.Em abril de 2003 L. teve a adoo de P.H. deferida e,em fevereiro de 2004, foi deferida a adoo de J.V.. Na
poca, Li. participou da deciso e de todo o processode adoo, auxiliando nos cuidados e manutenodas crianas. Elas relatam que procuram ser discretasquanto ao seu relacionamento afetivo, na presenadas crianas. Participam igualmente nos cuidados eeducao dos meninos, porm Li. que se envolve maisno deslocamento deles, quando depende de carro, pois ela quem dirige. Li. diz que mais metdica e rgida do
que L. e observou-se que mais atenta na imposio delimites. Segundo a Sra. Iara, me de Li., a famlia aceitae apia Li. na sua orientao sexual: ela uma filhaque nunca deu problemas para a famlia, acho que ascrianas tiveram sorte, pois tm ateno, carinho e tudoo que necessitam. Li. os trata como filhos (SIU). Colocaque Li. e L. se relacionam bem. Observou-se fotos dosmeninos e de Li. na casa dos pais dela. Eles costumam
visit-la aos finais de semana, quando almoam todosjuntos e convivem mais com as crianas, e com L.. Com afamlia de L. a convivncia mais freqente, pois a mede L. auxilia no cuidado a J.V. Com relao s crianas:os meninos chamam Li. e L. de me. P.H. est com 2 anose 6 meses, freqenta a escolinha particular ModelandoSonhos, tarde. A professora dele, L. B. F., informou queo menino apresenta comportamento normal para a sua
faixa etria, se relaciona bem e adaptou-se rapidamente.Li. e L. esto como responsveis na escola e participamjuntas nos eventos na escolinha, sendo bem aceitaspelos demais pais de alunos. Observou-se que P.H. uma criana com aparncia saudvel, alegre e ativo.J.V. faz tratamento constante para bronquite e, apesardos problemas de sade iniciais, apresenta aparnciasaudvel e desenvolvimento normal para a sua faixa
etria. Durante a tarde, ele fica sob os cuidados da mede L. enquanto L. e Li. trabalham. A Sra. N. coloca que, os
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meninos so muito afetivos com as mes e vice-versa. L.coloca que at agora, no sentiu nenhuma discriminaoaos filhos, e que P.H. costuma ser convidado para ir brincar
na casa de coleguinhas da escolinha. So convidadospara festas de aniversrio de filhas de colegas de trabalhoe amigos.Situao atual: Li coloca que sempre pensou emadotar, o que se acentuou com a convivncia com L. eas crianas, pois se preocupa com o futuro dos meninos,j que L. autnoma e possui problema de sade. Eela j pensou em uma situao mais estvel, trabalhacom vnculo empregatcio como professora da URCAMP,
possuindo convnios de sade e vantagens para o acessodos meninos ao ensino bsico e superior. Coloca: aminha preocupao no criar polmica, mas resguard-los para o futuro (SIU). Li. relata que, quando no esttrabalhando, se dedica ao cuidado das crianas. Refere-se personalidade de cada um, demonstrando os vnculos econvivncia intensa que possui com os meninos. Diz quecostuma limitar a vida social s condies de sade das
crianas, principalmente J.V. (...)De acordo com o exposto acima, s.m.j., parece que Li.tem exercido a parentalidade adequadamente. Comrelao s vantagens da adoo para estas crianas,especificamente, conhecendo-se a famlia de origem,pode-se afirmar que, quanto aos efeitos sociais ejurdicos, so inegveis; quanto aos efeitos subjetivos, prematuro dizer, porm existem fortes vnculos afetivos
que indicam bom prognstico. (grifo nosso) Por fim, delouvar a soluo encontrada pelo em. magistrado MarcosDanbio Edon Franco, ao determinar na sentena queno assento de nascimento das crianas conste que sofilhas de L.R.M. e Li.M.B.G., sem declinar a condiode pai ou me. Ante o exposto, por qualquer nguloque se visualize a controvrsia, outra concluso no possvel obter a no ser aquela a que tambm chegou a
r. sentena, que, por isso, merece ser confirmada (...).
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