administração n.º 64, vol. xvii, 2004-2.º, 525-555 sobre a

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525 * Doutorado pela Universidade de Nanquim. 1 Estudos sobre este tema, veja-se Wu Zhiliang, O Sistema Político de Macau, Macau, Fundação Macau, 1991; Wu Zhiliang, Segredos de Sobrevivência: O Sistema Administração n.º 64, vol. XVII, 2004-2.º, 525-555 SOBRE A CONSTRUÇÃO DO SISTEMA CORPORATIVISTA EM MACAU Lou Shenghua* Macau, como um importante ponto de intercâmbio entre a China e o Ocidente, possui uma longa história de co-habitação entre os Chineses e os Portugueses. Até que no ano de 1849, Macau caiu sob a administra- ção directa portuguesa. Um grupo de governantes vindos de fora como é que conseguiria manter o seu estatuto de governantes de Macau e fazer esforços para que o Território pudesse manter a sua ordem perante mui- tas crises? As autoridades portuguesas, na sua longa prática de administração de Macau, como é que encararam a existência e o desenvolvimento da comunidade chinesa? Qual teria sido o relacionamento entre a comuni- dade chinesa e o regime da administração portuguesa? O estudo destas questões constitui o conteúdo básico da análise das relações entre o Go- verno português e a sociedade civil, do ponto de vista do corporativismo. Após a abertura de Macau, a correlação entre a influência sino-por- tuguesa e as forças internas sofreu várias alterações, a nível do funciona- mento da sociedade e do regime de administração, tendo a terra adquiri- do um singular modelo administrativo que diferia tanto do chinês como do português, com as seguintes características básicas: 1. Uma estrutura administrativa social de tipo dualista, isto é, a coexistência das comunidades portuguesa e chinesa, mas sob adminis- trações diferentes 1 . Com a presença portuguesa em Macau, para o Gover-

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Page 1: Administração n.º 64, vol. XVII, 2004-2.º, 525-555 SOBRE A

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* Doutorado pela Universidade de Nanquim.1 Estudos sobre este tema, veja-se Wu Zhiliang, O Sistema Político de Macau,

Macau, Fundação Macau, 1991; Wu Zhiliang, Segredos de Sobrevivência: O Sistema

Administração n.º 64, vol. XVII, 2004-2.º, 525-555

SOBRE A CONSTRUÇÃO DO SISTEMACORPORATIVISTA EM MACAU

Lou Shenghua*

Macau, como um importante ponto de intercâmbio entre a China eo Ocidente, possui uma longa história de co-habitação entre os Chinesese os Portugueses. Até que no ano de 1849, Macau caiu sob a administra-ção directa portuguesa. Um grupo de governantes vindos de fora como éque conseguiria manter o seu estatuto de governantes de Macau e fazeresforços para que o Território pudesse manter a sua ordem perante mui-tas crises?

As autoridades portuguesas, na sua longa prática de administraçãode Macau, como é que encararam a existência e o desenvolvimento dacomunidade chinesa? Qual teria sido o relacionamento entre a comuni-dade chinesa e o regime da administração portuguesa? O estudo destasquestões constitui o conteúdo básico da análise das relações entre o Go-verno português e a sociedade civil, do ponto de vista do corporativismo.

Após a abertura de Macau, a correlação entre a influência sino-por-tuguesa e as forças internas sofreu várias alterações, a nível do funciona-mento da sociedade e do regime de administração, tendo a terra adquiri-do um singular modelo administrativo que diferia tanto do chinês comodo português, com as seguintes características básicas:

1. Uma estrutura administrativa social de tipo dualista, isto é, acoexistência das comunidades portuguesa e chinesa, mas sob adminis-trações diferentes1. Com a presença portuguesa em Macau, para o Gover-

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no chinês surgiu o problema de como administrar estes novos habitantesvindos de fora? Problemas semelhantes já tinham surgido ao longo dahistória da China. Tendo a China uma longa história de relacionamentocom o exterior, e devido aos intercâmbios comerciais e culturais cada vezmaiores entre a China e o resto do Mundo, no território chinês, surgiramcomunidades estrangeiras, principalmente formadas por comerciantes,religiosos e estudantes.

Já em meados do século XIV, formaram-se respectivamente emGuangzhou e Quanzhou, que constituiam os dois empórios comerciaismais importantes no sul da China, duas comunidades estrangeiras. Emrelação às colónias estrangeiras, “A política chinesa conferia aos estran-geiros que residiam em grupo no seu território um certo grau de gover-no próprio, enquanto reservava para si a autoridade última. Aos estran-geiros era permitido fazer uso das suas próprias leis e observar os seuscostumes e usos conquanto vivessem em paz e em ordem com os chine-ses”2. Este sistema de gestão com certa “autonomia” dada aos estrangei-ros era o Bairro dos Estrangeiros.

Da mesma maneira, em relação aos Portugueses que se concentra-vam em número cada vez maior em Macau, o Governo chinês tambémadoptou um sistema de gestão semelhante ao do Bairro dos Estrangei-ros3. Em primeiro lugar, demarcaram-se geograficamente as zonas deresidência para os Portugueses e para os Chineses. A comunidade portu-guesa “estava sob administração distrital, com muralhas e mandarins”.O primeiro estabelecimento português em Macau estava amuralhadopor quatro lados e cada rua tinha o seu portão. “Em 1697 foi decididoque nenhum chinês, excepto aqueles cujos nomes constassem dos regis-tos do Senado, tivessem permissão para ficar; os outros tiveram ordem,

Político e o Desenvolvimento Político de Macau, Associação de Educação de Adultos deMacau, 1998 e Enciclopédia de Macau, Beijing, Editora Enciclopédica da China, 1999,entre outras.

2 Tien-Tsê Chang, O comércio sino-português entre 1514 e 1644: uma síntese de fontesportuguesas e chinesas, Macau, Instituto Português do Oriente, 1997, p.9.

3 Para estudos sobre o Senado de Macau e o Bairro dos Estrangeiros, veja-se FeiChengkang, Os 400 anos de Macau, Edições do Povo de Shanghai, 1988; Wu Zhiliang,Segredos de Sobrevivência O Sistema Político e o Desenvolvimento Político de Macau; ZhangHaipeng, A propósito da “Dupla lealdade” dos Portugueses Residentes em Macau, in Estudoda História Moderna, 1996, n.º 6; Jin Guo Ping e Wu Zhiliang, História(s) de Macau— Ficção e Realidade, Macau, Associação de Educação para Adultos, 2001 e TangKaijian, Estudos sobre os Primórdios da Abertura de Macau, Beijing, Livraria China, 1999.

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por meio de uma proclamação, para abandonarem a cidade no prazo detrês dias;... Em 1749 o Senado obteve o consentimento dos Mandarinspara que só 70 trabalhadores de madeira e pedreiros, 10 talhantes —‘porqueiros’ — 4 ferreiros e 100 cules, vivessem na cidade e para osimpedir de se fixarem aí, o Senado publicou uma ordem, determinandoque nenhum proprietário alugasse ou vendesse a sua casa aos chineses,esperando que com esta medida muitos deles abandonassem a cidade”4.Em segundo lugar, foram publicados e reiterados diplomas administra-tivos específicos, por exemplo, em 1608, Cai Shangji, magistrado doDistrito de Xiangshan elaborou as «Dez ordenanças para Macau». Em1614, Yu Anxing, Haidao de Guangdong mandou gravar em pedra as«Cinco ordenanças proibitivas para os bárbaros de Macau» e em 1744,Yin Guangren, Prefeito de Macau, elaborou os «Sete Regulamentos paraa administração dos bárbaros de Macau», etc. Ultimamente, nomearam-se tanto portugueses como funcionários chineses, num reconhecimentoindirecto da “autonomia” interna portuguesa. Em 1583, foi criado oSenado de Macau que funcionou como uma instituição de autonomiainterna e que sobreviveu com tenacidade durante mais de 200 anos. Nomesmo ano, as autoridades locais da Dinastia Ming concederam um tí-tulo ao oficial civil do Senado de Macau, chamando-o de Yimu (cabecilhados bárbaros). Mais tarde, passou a ser conhecido como Duli HaojingShiwu Xiyang Lishiguan (Procurador do Mar de Oeste, com superinten-dência dos Assuntos de Haojing, que tratava dos assuntos de Macau, emrepresentação da Corte da Dinastia Ming).

O Senado de Macau veio a ser politicamente reconhecido pelo Go-verno central de Portugal e adoptou um modelo municipal medievalportuguês. Para os Portugueses residentes em Macau, o Senado tinha afunção política de representar os seus interesses e também a função ad-ministrativo-judicial do quotidiano. A resolução dos conflitos civis den-tro da comunidade portuguesa estavam dentro das competências do Se-nado, desde a manutenção da ordem, da segurança, da defesa, da cobran-ça de impostos, aos assuntos financeiros, à construção municipal, até àsrelações públicas com o exterior, entre outras funções.

4 Anders Ljungstedt, Um esboço histórico dos estabelecimentos dos Portugueses e daIgreja católica Romana e das Missões na China & descrição da Cidade de Cantão, Macau,Leal Senado de Macau, 1999, pp. 80 e 81.

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O Senado como um órgão representativo dos interesses dos Portu-gueses residentes em Macau, no que diz respeito à defesa e ao aumentodas suas competências autónomas, teve de vez em quando conflitos, nãosó com o Governo chinês, mas também com o português. Ao mesmotempo, os governos das Dinastias Ming e Qing aplicaram a administra-ção directa à comunidade chinesa de Macau, num procedimento muitodiferente da administração indirecta dada à comunidade portuguesa.

O Governo da Dinastia Ming criou em Macau todo um conjuntode instituições administrativas. Ao mesmo tempo, proibiram os Chine-ses de ir comerciar e até residir na zona de residência dos Portugueses.Nas aldeias chinesas, foram implantados os sistemas de vigilância mú-tua de Baojia e Kijia, num molde de gestão praticamente semelhante aodo interior da China.

Esta situação da coexistência sino-portuguesa sob modelos admi-nistrativos diferentes manteve-se até ao 1849. Durante este período, apesarda mudança verificada no seio da comunidade portuguesa, que consistiuna transferência dos poderes do Senado para o governador, este modusvivendi não sofreu influências radicais. A partir de 1849, ano em que ogovernador João Ferreira do Amaral expulsou os funcionários chinesesacreditados em Macau, a administração do Território caiu completamentena mão dos portugueses, de maneira que Portugal passou a pôr em prá-tica uma dominação de tipo colonial. As dominações coloniais, são, nasua essência, idênticas, mas quanto aos modelos administrativos concre-tos, possuem diferenças bastante marcantes. Basicamente há dois mode-los: o de “dominação directa” e o de “dominação indirecta”.

As autoridades portuguesas não pouparam esforços em se apropriargradualmente dos poderes que estavam na mão duma instituição autó-noma como era o Senado, e em enfraquecer a sua autoridade, numa ten-tativa de reforçar os poderes do governador de Macau, que era o repre-sentante de Portugal na administração de Macau, com o envio de recur-sos humanos de gestão de Portugal para preencher os lugares de chefiado Governo de Macau, com o intuito de criar uma “dominação directa”altamente centralizada. Estes esforços das autoridades portuguesas surti-ram apenas alguns efeitos.

A dissolução do Senado, privado da maioria dos seus poderes, con-servando só as suas funções da administração municipal, deu lugar aomodelo político da “Supremacia do Governador”. Embora desde 1849, a

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comunidade chinesa tivesse sido submetida à administração portuguesa,pelas barreiras linguísticas e culturais e pelos usos e costumes diferentes,os esforços das autoridades coloniais portuguesas de Macau em aplicar aadministração directa sobre os assuntos chineses sofreram reveses, o queobrigou o governo português de Macau a procurar um novo modelo paralevar a cabo a sua administração da comunidade chinesa.

Dos países europeus, Portugal foi pioneiro ao encetar o seu proces–so histórico de descobertas marítimas, de conquista e expansão colo-niais. Foi também o primeiro fundador dum império colonial da eramoderna.

A partir do século XV, num curso de tempo relativamente curto,os Portugueses conseguiram criar um imenso império colonial que seestendia pelos continentes da Ásia, África e América Latina. Nessas activi-dades colonizadoras que cobriam um espaço imenso, os Portugueses acu-mularam as ricas experiências administrativas dos habitantes das suas co-lónias ultramarinas. Eles aprenderam como aplicar modelos de gestão di-ferentes em colónias de etnias, culturas e geografias diversas, apesar de osquadros jurídicos de origem metropolitana serem praticamente iguais.Como bem frisou o politólogo A. F. Mayden, da Universidade deOxford:

“A característica duma dominação colonial tem que ver com a dis-tância: A intenção da metrópole é sempre enfraquecida pela distância,tal como, o poder dum ditador, que também fica enfraquecido; por ou-tro, o direito à escolha resulta sempre limitado numa dominação coloni-al. Um governo colonial, dependa de que regime depender, é a projecçãoda metrópole.

Na maioria dos casos reais, os colonizadores, de acordo com o orde-namento jurídico metropolitano, criam um regime diferente do seu ouum governo alternativo. Em todas as colónias, as práticas metropolita-nas são chamadas para a aplicação quando há conveniência e são rejeita-das quando não há conveniência”5.

De facto, se a essência do colonialismo é a mesma tal não tem im-pedido o suegimento de modelos coloniais diversificados, devido às es-

5 David Mille, The Blackwell encyclopaedia of political science, edição em chinês,dirigida por Deng Zhenglai, Beijing, Editora da Universidade de Estudos Políticos eJurídicos da China, 1992, p. 137.

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pecificidades internas de cada colónia. O colonialismo seja no que dizrespeito ao conteúdo de dominação, seja quanto à forma de dominaçãonão é inalterável.

Variou, acompanhando as mudanças do tempo e do ambiente, acorrelação das forças e as alterações da sua estrutura interna social, dandolugar a reajustes e desenvolvimentos sob as mais variadas formas. A Françaexerceu uma dominação directa sobre o Vietname, enquanto a Inglaterralevou a cabo uma dominação indirecta na Índia6. Então, qual teria sido omodelo da administração que Portugal optou para Macau?

Segundo opina o Professor Liang Zhiming7, que se tem dedicado àhistória do colonialismo no sudeste asiático, se aceitarmos que Portugalconseguiu estabelecer um regime feudal do tipo europeu com bastantesucesso na África e no Brasil, já não pôde transpor este modelo, mesmoadoptando-o, para esta zona do sudeste asiático, o mais que fez foi adaptá-lo à sociedade asiática.

Para poupar despesas administrativas e recursos humanos, os por-tugueses normalmente não desafiam directamente os governantes locaise aprenderam, com boa vontade, os sistemas de dominação eficazes, aonível local, a fim de que os habitantes locais escolhessem entre si os seuschefes para efeitos de administração. De facto, assim foi.

Após a conquista portuguesa da Malaca em 1511, Portugal aplicouum novo regime administrativo que lhe permitiu realizar um bem suce-dido controlo sobre uma zona multiétnica. Trata-se do regime de “capi-tania”8.

Os “capitães” são os chefes eleitos pelos javaneses, tamis e chineses,possuindo a administração civil e penal sobre os membros das suas co-munidades, mas sob a alçada do Bandarra9. Um imigrante chinês, denome Zheng Fangyang (1572-1617), foi o primeiro capitão chinês no-

6 Lawrence C. Mayer, Comparative Politics: Nations and Theories in a ChangingWorld, edição em chinês, Beijing, Editorial China, 2001, p. 357.

7 Liang Zhiming, História do Colonialismo: Sudeste Asiático, Beijing, Editora daUniversidade de Beijing, 1999, pp. 64-68.

8 Veja-se Comissão Redactora da História Revolucionária dos Imigrantes Chi-neses, História Revolucionária dos Imigrantes Chineses, Taipé, Livraria Zhongzheng, vol.I, 1981, p. 77 e Wu Fengbing (dir.), História Geral dos Imigrantes Chineses no SudesteAsiático, Fuzhou, Edições do Povo de Fujian, 1993, pp. 759-760.

9 Era um oficial nomeado pelos Portugueses para governar povos asiáticos.

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meado pelos Portugueses. Tin Kap, o seu nome aportuguesado é umacorrespondência fonética de Zheng Jia10. O sistema de “capitania” cria-do pelos Portugueses foi seguido mais tarde pelos Holandeses.

Em 1641, os Holandeses conquistaram Malaca aos Portugueses enomearam sucessivamente 6 capitães, dos quais destacamos Li Junchang,Zeng Qilu e Chen Yongyang. O capitão e a sua repartição tinham comoa tarefa principal cobrar os impostos estipulados pelo governo colonial;divulgar as leis do Governo e supervisionar a sua aplicação; superinten-der o mercado; manter a ordem social; fazer os registos civis, etc. Alémdisso, também promoviam várias causas de beneficência e solidariedade,por exemplo, criavam asilos para os órfãos, anciãos, viúvas e bebés, casasde socorro, orfanatos, cemitérios de utilidade pública, tratavam dos fu-nerais de imigrantes necessitados, criavam escolas gratuitas, mediavamos conflitos, etc.

Para os Portugueses, qual era o modelo de administração a ser apli-cado em Macau? A partir de 1849, a questão deixou de depender davontade deles, mas antes da peculiaridade da sociedade de Macau, queera diferente duma tradicional “sociedade generalista” da China.

Macau não era uma sociedade em que se sobrepunham duma ma-neira acentuada os 3 níveis, isto é, o político, o económico e o cultural.Era antes uma sociedade de elementos diferentes onde as forças multiétni-cas, multiculturais e multisociais exerciam acções mútuas umas sobreoutras, numa longa tradição de comunidades diferentes sob administra-ções diferentes.

Segundo S.P. Huntington, “No caso de uma sociedade, cujos mem-bros pertençam a mesma força social, os conflitos podem ser restritos eresolvidos mediante a estrutura organizativa da mesma força social, demaneira que não seria preciso criar um regime político especial”11.

Mas Macau era uma sociedade constituída por elementos, cujosmembros sociais pertenciam a forças sociais diferentes. Uma sociedadecom esta característica devia possuir um “regime especial”, para mantere aumentar o nível da comunidade política.

10 Song Zhemei, História dos Imigrantes Chineses na Malásia, Hong Kong, Em-presa da Cultura Chinesa LDA, 1964, p. 57.

11 S.P. Huntington, The political order in changing society, tradução chinesa deWang Guanhua e outros, Beijing, Editora Sanlian, 1989, pp. 9-10.

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Pela estrutura étnica, a esmagadora maioria chinesa, e pela proxi-midade geográfica ao continente chinês, os Portugueses que se encontra-vam em decadência não podiam criar uma dominação colonial directa,ou por outra, só se recorressem a meios violentos o podiam fazer. Assim,viram-se obrigados a optar um modelo indirecto, através da procura deagentes ou correctores, junto da sociedade chinesa, para manter um mí-nimo de integração política.

Por isso, os Portugueses, a partir de 1849, não fizeram acções rigo-rosas, destinadas a eliminar as fronteiras étnicas e a promover uma inte-gração cultural. Antes pelo contrário, serviram-se dos elementos autó-nomos dos recursos de gestão da tradicional sociedade de Macau paraexercer um controlo indirecto extensivo e frouxo sobre a comunidadechinesa. Esse quadro da coabitação sino-portuguesa sob administraçõesdiferentes, que constituía a base da estrutura administrativa de Macau,não sofreu alterações radicais. Apenas foi modificada a estrutura políticaoficial do topo, isto é, os administradores do governo chinês foram subs-tituídos pelos do governo português.

2. UMA PARTICIPAÇÃO POLÍTICA LIMITADA E O CONSENSO DAELITE

Num sentido restrito, os objectos da dominação colonial não go-zam dos direitos cívicos. O governo colonial não permite, dum modogeral, a existência de actividades cívicas que possam exercer influênciasobre as decisões governamentais.

Mas pelas necessidades de administração, as autoridades coloniaisdeviam criar vias prévias para transmitir e irradiar a influência dos pode-res de dominação aos objectos sob a sua administração.

Ao mesmo tempo, os tais objectos, também têm os seus interessesparticulares e precisam de procurar vias de expressão, de maneira queuma necessidade comum leva a que surja uma participação política limi-tada, sob uma administração colonial e se evolua para uma instituciona-lização. O contraponto duma participação institucionalizada é a partici-pação violenta, quer dizer o modo típico de uma participação não insti-tucionalizada sob uma administração colonial. A participação violentasurge geralmente quando se verificam comportamentos explosivos, de-vido à velocidade e ao fluxo da expansão da consciência dos membrossociais, sob a influência da modernização económica e da ideologia nacio-

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nalista dentro da sociedade colonial. Ao longo da história de Macau,surgiram estes dois tipos de participação, mas as violentas nunca foramas principais. De facto, no regime administrativo português de Macau,as vias oficiais de participação chinesa sempre existiram, apesar das mui-tas vicissitudes sofridas.

A instituição que se ocupava especialmente dos assuntos chineses,dentro da estrutura governamental em Macau, era o procurador do Sena-do de Macau. Segundo a Monografia Abreviada de Macau, “Há um Lishiguan(Procurador), que também se chama tesoureiro, com competências paraa cobrança dos direitos dos navios estrangeiros, a administração das des-pesas militares, a fiscalização das contas e das mercadorias, a reparaçãodas muralhas, fortalezas, ruas e estradas. Anualmente, elege-se um cida-dão honesto e abastado para este cargo, o qual é servido por dois escrivãeschineses conhecedores da língua bárbara. As autoridades provinciais edistritais correspondem-se com o procurador por intermédio de chapas,respondendo este com representações. Toda a correspondência é feita emchinês e selada com lacre”12.

Pelos vistos, o procurador13, no Senado de Macau, não só desempe-nhou as funções administrativas e judiciais, também tinha a competên-cia de manter contactos e a comunicação com os governos locais chinesese coordenar o relacionamento entre os Chineses e os Portugueses de Macau.

Em 1584, o procurador recebeu alguns poderes delegados pelo go-verno do Distrito de Xiangshan. As políticas e as medidas dos governoslocais chineses, chegam aos Portugueses de Macau através do procurador.

Este cargo devia ser preenchido por pessoas bilingues, ou, pelomenos, ajudadas por secretários chineses bilingues. As grandes remode-lações das competências do procurador foram feitas a partir de 1846, anoem que João Ferreira do Amaral tomou posse do governador de Macau.

Em 1847, o Governador decretou a integração das competências doprocurador sobre os assuntos chineses na Secretaria do Governo. O pro-curador passou a prestar contas ao Senado de Macau, apenas no que dizia

12 Wu Zhiliang e outros, Mingqingshiqi Aomenwenti Danganwenxian Huibian(Colecção de Arquivos e Documentos das Dinastias Ming e Qing relativos a Macau), Pequim,Edições do Povo, vol. VI, pp. 299.

13 Huang Hanqiang e Wu Zhiliang, Panorama de Macau, (2.ª edição), Macau,Fundação Macau, 1996, pp. 56-57.

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respeito aos assuntos municipais. Em 1849, ano em que João Ferreira doAmaral expulsou as autoridades chinesas acreditadas em Macau, o pro-curador tornou-se de facto duma figura que tratava exclusivamente dosassuntos chineses.

Em 1852, foi decretado pelo governador que, além do procurador,ele era a única pessoa que podia tratar dos assuntos chineses. Em 1865, oprocurador saiu da tutela do Senado de Macau e passou a ser da respon-sabilidade directa do Governo Central de Portugal. A sua repartição tor-nou-se na Procuratura dos Negócios Sínicos.

Este organismo ocupava-se da mediação e julgamento dos casospenais e cíveis dos Chineses, funcionando com a Repartição Técnica doExpediente Sínico e a Secção de Negócios Forenses e Administrativos. Aprimeira responsabilizava-se pelas traduções e tornou-se independenteem 1885, para ajudar outros departamentos públicos no seu relaciona-mento com os Chineses. A Secção de Negócios Forenses e Administrati-vos chegou a converter-se num tribunal de primeira instância.

No âmbito da mesma Repartição funcionava um conselho compos-to por 12 chineses que tinham competência para fazer compreender aoprocurador os usos e costumes chineses. A Secção de Negócios Forensese Administrativos tinha sob a sua alçada o Conselho dos HabitantesChineses. Em 1894, a Procuratura dos Negócios Sínicos foi extinta.

Eis os organismos especiais para os assuntos chineses dentro da es-trutura do governo de Macau, já no século XX14: Nos anos 20, foi criadoo Tribunal dos Negócios Sínicos. Nos anos 40, foi fundada a RepartiçãoTécnica do Expediente Sínico que era uma instituição ao nível da Admi-nistração Civil. Nos anos 50 e 60, a Repartição Técnica do ExpedienteSínico passou a ser a Secretaria dos Negócios Chineses, um departamen-to da Repartição dos Serviços de Administração Civil. Em 1976, a Secre-taria dos Negócios Chineses foi elevada à Repartição dos Serviços deAssuntos Chineses, que tinha paralelo na Repartição dos Serviços deAdministração Civil.

Entre 1981 e 1991, foi criada a Direcção dos Serviços de AssuntosChineses, que era serviço de primeiro escalão, subordinada directamenteà tutela do Secretário-Adjunto para a Administração. Mais tarde, com a

14 Veja-se Wu Zhiliang e Chen Xinxin, Estudos Sócio-Políticos de Macau, Associa-ção de Educação para Adultos de Macau, 2000, pp.77-99.

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vinda do período de transição, estas “estruturas especiais para os assun-tos chineses” que possuíam certas matizes coloniais, desapareceram defi-nitivamente do panorama de Macau.

Os departamentos administrativos governamentais são órgãos exe-cutivos. As políticas que os fundamentam vêm dos órgãos políticos. Asactividades que influenciam a decisão das políticas podem ser definidascomo participações políticas.

O nível da opinião pública que os órgãos políticos reflectem marcao grau de participação da sociedade civil. A organização política dasautoridades portuguesas de Macau criou vias para a expressão dos inte-resses dos Chineses. A evolução15 dos estatutos dos organismos, especial-mente vocacionados para os assuntos chineses dentro do Governo portu-guês de Macau e da legislação dos órgãos políticos de Macau, que regulaa participação dos Chineses, mostra:

Primeiro, o carácter evolutivo e limitativo da abertura do sistema políticopara a comunidade chinesa e para a sua participação. O carácter evolutivo elimitativo reside em que durante um tempo bastante longo os Chinesesque representam 95% da população de Macau foram excluídos da políti-ca de Macau, por serem objectos da administração. Por isso, o processoda participação política dos Chineses caracterizou-se pela passagem dumaexclusão total para uma assimilação individual e pela passagem dumapequena participação limitada à obtenção dos direitos cívicos de toda apopulação chinesa, marcada por um carácter gradual.

O Estatuto Orgânico de Macau de 1976 foi um marco em todo esteprocesso. Antes disso, a participação chinesa era individual e depois dis-so, foram acelerados os passos da participação política dos Chineses. Ocarácter limitativo traduz-se: 1) na limitação do número dos participan-tes, já que antes de 1967, eram apenas alguns representantes; 2) na res-trição no que diz respeito à selecção dos representantes. A maioria foinomeada pelo Governo. À comunidade chinesa faltava o direito de esco-lha, de maneira que a sua participação era passiva; 3) no imobilismo dograu de participação. Em consequência da supremacia do sistema dogovernador, mesmo os deputados (membros) chineses dos órgãos legis-

15 Sobre a evolução do ordenamento jurídico da participação chinesa dentro daorganização política de Macau, no século XX, veja-se O Sistema Político (FundaçãoMacau, 1995) de Wu Zhiliang.

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lativos ou consultivos só podiam dar algumas opiniões consultivas sobredeterminados assuntos, portanto os interesses da comunidade chinesanão podiam ser expressos duma maneira exacta e completa.

Segundo, uma abertura limitada do sistema político: a inércia e a passivi-dade da participação chinesa. A abertura do sistema político português deMacau para a participação da comunidade chinesa não foi uma escolhavoluntária do Governo português de Macau, nem o resultado do movi-mento democrático chinês dentro da sociedade de Macau, foi antes umaconsequência da mudança de ambiente.

A maior influência veio da “Revolução dos Cravos”, que se verifi-cou a 25 de Abril de 1974 em Portugal. Depois também foi muito im-portante a entrada em vigor, a 15 de Janeiro de 1988, da DeclaraçãoConjunta entre a China e Portugal.

O primeiro passo conduziu à elaboração do Estatuto Orgânico deMacau, que lançou a base jurídica para a participação política dos Chine-ses e o segundo iniciou o período da transição e o despertar da consciên-cia da participação política dos Chineses. Antes do Estatuto Orgânico deMacau, mesmo na sociedade civil chinesa já se faziam ouvir vozes nosentido de aumentar os representantes chineses, mas nunca obtiveramqualquer resposta.

Por exemplo, em 1957, o Governador Pedro Correia de Barros, noseu mandato, fez a proposta de criar um lugar de vogal eleito para acomunidade chinesa, dentro do Conselho do Governo. Esta proposta,apesar de ter sido discutida por três vezes pelo Conselho do Governo,acabou por ser posta de lado16.

A sociedade chinesa de Macau promoveu vários movimentos deconfronto às autoridades portuguesas de Macau, dos quais não faltaramvitórias, por exemplo, pense-se no incidente do “1,2,3” de 1966. Nãoobstante estes não contribuíram para um avanço essencial da participa-ção política dos Chineses, já que não houve nenhum sinal vitorioso, como,por exemplo, o aumento do número dos representantes chineses no sis-tema da participação política.

Pelo contrário, a sociedade chinesa teve uma atitude indiferente emrelação à revolução do 25 de Abril, que se verificou em Portugal em

16 Ding Zhongjiang (dir.), Crónica dos Imigrantes Chineses de Macau, Taipé, Co-missão Redactora da Crónica dos Imigrantes Chineses de Macau, 1964, p. 174.

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1974, o que constitui um grande contraste, em comparação com a socie-dade portuguesa de Macau que teve uma reacção efectiva. “Em Macau,para a generalidade da população chinesa, o 25 de Abril era incompreen-sível, tão longe ela se encontrava da vida política portuguesa. Mas, paraa classe mais privilegiada dessa população e para a generalidade dos por-tugueses de Macau, além de incompreensível, o 25 de Abril parecia umdisparate”17.

Como bem diz a citação, os comerciantes ricos chineses não tinhamexigências democráticas específicas, nem grandes preocupações com asoberania. A nível das reformas do Governo, a preocupação deles con-centrava-se mais nas questões técnicas do que nas políticas. Esperavamque o Governo aumentasse a sua eficácia administrativa para manter aestabilidade e a ordem social, em detrimento de alguma influência que arevolução de 25 de Abril pudesse exercer sobre a ordem política de Ma-cau.

Quando a notícia da recondução do governador José Manuel SousaFaro Nobre de Carvalho, decidida pelo novo poder português, chegou aMacau, o líder da comunidade chinesa Ho Yin não perdeu tempo emabraçá-la, achando que a readmissão do governador era motivo de ale-gria para os habitantes de Macau18. Mais tarde, a pedido dos Portuguesesradicais de Macau, o Major José Eduardo Martinho Garcia Leandro, queparticipou na revolução do 25 de Abril em Portugal substituiu JoséManuel de Sousa Faro Nobre de Carvalho para assumir o cargo do 122.ºgovernador de Macau e começou a elaborar o Estatuto Orgânico de Ma-cau.

Terceiro, o carácter corporativista e hierárquico da assimilação dos Chine-ses na estrutura política. Na etapa da assimilação individual, os represen-tantes chineses eram nomeados pelo governador, que lhes concedia oestatuto de “Cidadão de mérito e prestígio”. Estes eram exclusivamenteos líderes da comunidade chinesa.

Em relação à participação indirecta, essa forma de assimilação quese baseava em grupos de interesses sociais, garantia eficazmente a ordem

17 Jorge Morbey, Macau 1999: O Desafio da Transição, Lisboa, Edição do Autor,1990,p.57, citado em Wu Zhiliang, Segredos de Sobrevivência: O Sistema Político e o De-senvolvimento Político de Macau, p. 290.

18 Wu Zhiliang, Segredos de Sobrevivência: O Sistema Político e o DesenvolvimentoPolítico de Macau, pp. 290-291.

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da participação, noutros termos, mesmo a participação chinesa limitadaera uma forma de associação organizada, que favorecia a expressão dosseus interesses em detrimento dum modo individual que representasseuma expressão diversificada de interesses.

O regime da supremacia do governador com poder centralizado e abaixa participação política da sociedade civil faziam que nas decisões, ogoverno de Macau optasse pelo consenso da elite. Somente um númeroreduzido das elites macaense e chinesa podiam participar em decisõesgovernamentais sobre determinados assuntos.

Para que a elite, alheia ao governo, pudesse entrar no regime políti-co, fosse qual fosse a forma de selecção, as quotas eram distribuídas pelosgrupos de interesse e não pela percentagem dos bairros eleitorais, porisso, os grupos funcionais representativos eram as únicas vias pelas quaisa reduzida elite chinesa podia ter acesso ao regime político. Mesmo sen-do uma pessoa bem sucedida, havia de entrar primeiro num grupo parapoder chegar a ocupar um lugar de liderança, a fim de ter acesso aoregime político português de Macau e tomar parte nas decisões. Por isso,os grupos, sobretudo os funcionais representativos de interesses, chega-ram a ser as correias de transmissão, pelas quais a elite social podia entrarno regime. Portanto esta via de “grupos regime político” tornou-se oúnico modo de escolha institucionalizada.

3. A EXTERIORIDADE DAS FONTES DO PODER E A MOBILIDA-DE DOS FUNCIONÁRIOS MÉDIOS E SUPERIORES

Ao longo da sua história, Macau nunca chegou a tornar-se numaentidade política independente. Foi uma entidade administrativa localora sob a tutela chinesa ora sob a administração portuguesa. Antes de1849, em Macau coexistiram vários centros de poder, formados por cor-pos de interesse diferentes da China, Portugal e Macau, que exerciamuma administração mista, cruzada e repetitiva sobre o Território. O Se-nado de Macau que representava o poder político autónomo da comuni-dade portuguesa de Macau e os representantes do poder central de Por-tugal acreditados em Macau (o capitão da terra, o governador e o ouvidor)envolveram-se em intermináveis disputas pelo poder da administraçãode Macau. Em 1793, a Rainha Dona Maria I de Portugal decretou a«Instrução para Dom Frederico Guilherme de Sousa, governador e capi-tão geral da Índia» — As chamadas Providências Régias —, que reforçava

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a autoridade do governador em detrimento dos poderes senadoriais. Atrindade Governador-Senado-Ouvidor, como um regime, ia conhecendoo seu desmembramento. Em 1844, Macau saiu da tutela da Goa e for-mou uma nova província ultramarina com Timor e Solor. Com a disso-lução forçada do Senado em 1845 e a conversão de Macau numa colóniaportuguesa em 1849, acabou por se formar o sistema de supremacia dogovernador em Macau.

Este regime pôs termo às lutas internas pelo poder, causadas peladiversificação dos poderes políticos em Macau, mas ao mesmo tempodeu lugar a uma nova instabilidade. Depois de Macau se transformarnuma colónia portuguesa, a fonte do poder do Governo de Macau eradiferente da do Senado. Não vinha da população de Macau, mas sim doGoverno central, da potência administrante, por isso estava inevitavel-mente sujeita às influências da situação política interna portuguesa. Em1910, quando a monarquia portuguesa foi substituída pelo regime re-publicano, a situação política portuguesa conheceu uma grande instabi-lidade, com frequentes mudanças de Governo. O ano de 1919 conheceusucessivamente 4 governos. Em 1920, sucederam-se 9 governos. Em1921, apareceram 5 governos. Em 1925, formaram-se 5 governos e de-ram-se 3 golpes de Estado militares. Entre 1910 e 1926, houve 8 presi-dentes, 44 governos e 24 golpes de Estado.

As frequentes mudanças do governo central de Portugal influencia-ram inevitavelmente a estabilidade política de Macau. Primeiro, verifi-caram-se muitas mudanças de diplomas legais da administração de Ma-cau. De 1917 até ao 1976, em menos de 60 anos, o Governo centralportuguês decretou e ratificou 8 leis orgânicas para Macau, dando assimlugar a uma situação de frequentes mudanças na organização política eadministrativa de Macau. Segundo, as frequentes mudanças traduzi-ram-se na grande mobilidade dos funcionários do Governo de Macau.De há muito tempo que a gestão portuguesa do seu imenso impériocolonial ultramarino era muito caótica e de baixa eficácia. Não havialeis que fundamentassem a nomeação dos funcionários coloniais. Osaltos postos muitas vezes transformavam-se num prémio dos serviçosprestados na metrópole por algumas personalidades. Após a implanta-ção do regime republicano parlamentarista em 1910, os políticos quese sucederam no cenário político de Portugal consideravam as coloca-ções no Governo de Macau como recompensas às pessoas que contribuí-

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ram para as suas campanhas políticas eleitorais. Nomearam-se pessoasde confiança política para governar Macau. Eis um quadro sobre o tem-po por média de mandato do governador de Macau, do presidente daCâmara Municipal e do capitão da Capitania de Macau, na primeirametade do século XX.

Quando I — Tempo por média de mandato dos principais cargos públicos

de Macau, na primeira metade do século XX

Governador Presidente da Capitão da

Câmara Municipal Capitania de Macau

Número de pessoas

(incluídas as acumulações) 41 30 36

Tempo por média de mandato

(dia/mandato) 445 608 507

Fonte: Dados recolhidos da Cronologia de Macau de 1900 a 1949, de Beatriz Basto da Silva, tradução

chinesa por Jin Guo Ping, Macau, Fundação Macau, pp. 313-330.

O Quadro I mostra que, entre 1900 e 1950, o tempo de mandatopor média do governador de Macau foi um ano e dois meses; o docapitão da Capitania de Macau foi relativamente maior do que o dogovernador, mesmo assim situava-se apenas em um ano e quatro me-ses. Dos três cargos, o de presidente da Câmara Municipal tinha ummandato de maior duração, embora não passasse de um ano e oito me-ses. Com mudanças tão frequentes nos principais responsáveis do Go-verno de Macau, era difícil realizar uma administração eficaz sobre acidade. Em primeiro lugar, mesmo no caso dum funcionário sério eresponsável, era muito difícil tomar conhecimento em tão pouco tem-po da opinião pública e da vontade popular das comunidades de Ma-cau. Em segundo lugar, para os funcionários que vinham de Portugal,a barreira linguística era um factor restritivo real que não permitiaexercer uma administração eficaz sobre a comunidade chinesa. Macaué uma cidade em miniatura, tipo “Museu de línguas”. No quotidiano,o chinês, o português e o inglês circulam simultaneamente. Mesmodentro do chinês há muitos dialectos. Além do dialecto cantonense,que é predominante, também os dialectos de Fujian e de Wu contamcom grande número de falantes. Eis o quadro sobre as línguas que seusam em Macau.

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Quadro II — Estado da circulação das línguas em Macau

Língua Número de utilizadores Percentagem (%)

Mandarim 4 955 1,27

Dialecto cantonense 346 082 88,39

Dialecto de Fujian 15 975 4,08

Dialecto de Wu 1 575 0,40

Outras línguas 7 352 1,88

Português 7 352 1,88

Inglês 3 189 0,81

Outras línguas 5 062 1,29

total 391 542 100,00

Fonte: Macau 1999, Macau, Fundação Macau, 1999, p. 249.

Pelos vistos, Macau é um território em que o chinês é a principallíngua veicular, mas também circulam muitas outras línguas. Tem sidomuito longo o desfasamento entre a língua oficial e a principal línguaveicular popular.

No processo da evolução das línguas oficiais de Macau, de 1849 a1992, perfazendo 142 anos, o português foi a língua oficial de Macau19,mas era utilizado sobretudo nos casos que diziam respeito aos assuntosadministrativos, legislativos e judiciais. Quando coexistiam as versõesem chinês e português, no âmbito jurídico, o português servia de pa-drão.

A desconexão entre a língua oficial e a língua social predominantefoi durante muito tempo uma barreira que dificultou a comunicaçãoentre o Governo e a sociedade civil. Os funcionários coloniais que vi-nham de Portugal nunca se livraram desta barreira linguística que nãolhes permitia aperceberem-se das diferenças culturais e dos usos e costu-mes, nem os deixava ter conhecimento aprofundado da sociedade civilde Macau. No caso dum funcionário, que não fosse muito zeloso duranteo seu mandato, nem sequer podia estabelecer comunicação básica com apopulação, muito menos falar de programas e dar cumprimento a obrasa longo prazo.

Note-se ainda, o modelo que um governo colonial vindo de foraimpunha a Macau esteve sempre sob a influência da situação políticaportuguesa. As várias mudanças de estatuto político-jurídico de Macau

19 Boletim Oficial de Macau, 1939, n.º 36, DL nº 29773.

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não surgiram como respostas às necessidades internas da sociedade localde Macau, mas sim como resultados das mudanças da situação políticametropolitana portuguesa.

A proveniência do poder governamental determinava que o gover-no português de Macau considerasse os interesses de Portugal como oobjectivo orientador e a defesa dos interesses políticos e económicos por-tugueses em Macau como a orientação da governação. Seguindo este prin-cípio, manter um pequeno governo com funções e âmbitos limitadoscorrespondia às necessidades coloniais. Ao aplicar uma política do portofranco e economia de mercado livre, durante longo tempo, o governo deMacau fornecia os produtos e serviços públicos dum âmbito muito limi-tado, restringindo-se unicamente à defesa, à ordem jurídica e à proprie-dade dos bens, sem nenhuma intervenção nos assuntos da vida quotidi-ana. Nem sequer desempenhava as funções de guarda-nocturno ou“watchdog”, definidas pelo liberalismo clássico. Em certo sentido, pode-se afirmar que o governo colonial português de Macau foi um “mini-governo”. Esta situação manteve-se até aos anos 70 e 80 do século XX,altura em começou a conhecer rápida alteração sob a dupla acção dasforças política e económica.

Em suma, eis as diferenças existentes entre o regime colonial portu-guês de Macau e a tradicional administração colonial: 1) Os meios comque Portugal conseguiu a dominação colonial de Macau eram diferentes.Principalmente, não foi através da ocupação violenta, mas, antes, se apro-veitou da decadência e da marginalização da China, recorrendo à duplaestratégia de enganos e força; 2) O processo pelo qual Portugal conse-guiu a dominação colonial de Macau foi diferente. Basicamente, não ocu-pou pela guerra, mas sim mediante um processo de comutação de fun-ções Administrados-Autonomia-Admnistradores, que se prolongou du-rante vários séculos; 3) A dominação colonial portuguesa sobre Macauoptou pelo controlo indirecto e só em algumas áreas é que aplicou ocontrolo directo — pense-se, por exemplo, no monopólio completo daárea política. No entanto, as áreas económicas, sociais, culturais e educa-cionais, etc, ficaram sob um controlo indirecto da administração.

Por administração colonial portuguesa sobre Macau entende-se queum pequeno país da Europa conseguiu manter à distância o poder admi-nistrativo duma mini região duma potência mundial, mas a braços coma falta de recursos e o desequilíbrio de forças. Portanto, para manter uma

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administração colonial numa comunidade diferente, dotada de relativasvantagens económicas, sociais e culturais, Portugal não podia decalcarsimplesmente o primitivo modelo da dominação colonial que consisteem recorrer à violência para exercer publicamente pilhagens selvagens ea exploração, vendo-se assim obrigado a fazer as adaptações necessárias.

De facto, apesar de as autoridades coloniais portuguesas de Macauprocurarem um objectivo de governação, assente na estabilidade e or-dem social, foram muito prudentes quanto à utilização da violência. Aindaassim, utilizando de um modo limitado a violência em algumas oca-siões, não conseguiram os objectivos que pretendiam e, pelo contrário,viram enfraquecida a sua autoridade governativa.

A violência era apenas um instrumento de reserva para manter opoder da administração. Os escassos êxitos económicos, uma governaçãopolítica pouco empreendedora, sem grandes objectivos, uma actuaçãotipo curso livre para a cultura e a educação e uma escala de miniatura dogoverno, a mobilidade dos seus funcionários, o carácter monótono dosobjectivos do Governo e um controlo social indirecto e directo sobreuma comunidade etnicamente diferente,... eram factores os desvios, comobem destacou Franco Nogueira, o ministro português dos Negócios Es-trangeiros, a propósito do incidente “1,2,3”:

“Estava-se perante um facto indisputável: a nossa administração emMacau naufragara e ‘dera à costa’: e tínhamos agora uma carcaça na praiaque era preciso salvar e tentar reparar. Desde as altas autoridades ao últi-mo dos soldados — ninguém daria um tiro.

Existiam os sinais exteriores da soberania: a bandeira, a moeda, umasautoridades. Mas os elementos efectivos da soberania haviam-se dissol-vido, mais do que em épocas passadas. Não éramos soberanos: sob fisca-lização alheia, administramos um condomínio.”20

Este peculiar regime colonial tipo agência imobiliária pode ser ape-lidado de “regime colonial suave”. Um regime colonial suave não podiaexercer um controlo rigoroso sobre uma sociedade plural de elementosdiferentes, através dos seus próprios recursos e capacidades, de maneiraque deixava surgir uma fenda de administração entre o governo e a po-

20 Cf. Wu Zhiliang, Segredos de Sobrevivência O Sistema Político e o DesenvolvimentoPolítico de Macau, p. 278

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pulação, que devia ser preenchida por forças estranhas ao regime. EmMacau, estas forças estranhas ao regime são as muitas organizaçõescorporativistas. Na perspectiva do relacionamento entre o governo e asociedade, o vigoroso surgimento das organizações corporativistas emMacau reflectia o “efeito de fenda” que resultou da retracção do controlodo Governo.

Deve-se reconhecer que o “regime colonial suave” teria sido a con-dição necessária para o surgimento do corporativismo em Macau. Masfoi apenas uma condição necessária, longe de provocar o seu desenvolvi-mento. O corporativismo é a organização dos interesses colectivos, quemuitas vezes é influenciada pela correlação dos interesses internos dosgrupos.

Em termos de comportamento, os indivíduos, no seu relacionamentocom o governo, têm à sua escolha dois modelos: não organização e orga-nização. No seu relacionamento com o governo, os indivíduos encon-tram-se sempre numa situação de relativa desvantagem.

Se faltar uma organização eficaz, o custo de obter informações paraa sobrevivência é muito elevado e dificulta a expressão dos interesses.Mais, até pelas informações incompletas, poderiam surgir tensões ouconfrontos sociais, por isso, os indivíduos tendem a optar por algumaorganização. As organizações podem dividir-se em próprias e governa-mentais. As organizações próprias são associações completamente popu-lares, que se agrupam e transmitem com exactidão os interesses dos seusmembros. Já as organizações oficiais são criadas sob a orientação do go-verno, provocando a transferência da autonomia associativa e a perdainevitável de legitimidade. Deve-se optar por uma organização própriaou por uma oficial? A resposta depende da capacidade dos organizadoresinternos e das condições institucionais exteriores.

Primeiro, vamos começar por analisar as condições institucionaisexteriores. O governo português de Macau, durante a administração doTerritório, viveu um processo evolutivo do sistema preventivo ao vigi-lante em relação ao regime de grupos populares.

Pelo sistema preventivo, exigia-se que os grupos, antes da sua cria-ção, fossem submetidos a exames rigorosos dos respectivos departamen-tos do Governo e só podiam concretizar a sua fundação com uma autori-zação dos departamentos pertinentes. Pelo sistema vigilante, entende-seque antes da sua formação, os grupos populares não precisavam de ser

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examinados pelos departamentos pertinentes do governo. A responsabi-lidade de gestão do Governo residia em inspeccionar as actividades dosgrupos já criados, exercendo a vigilância sobre as possíveis ilegalidadesdesses grupos.

O regime de gestão do corporativismo do governo português deMacau veio de Portugal, potência administrante. No processo evolutivodo sistema corporativista português, o “regime de Salazar” ocupou umcapítulo histórico muito importante.

Em 1926, quando surgiu em Portugal o golpe militar que derru-bou o regime republicano, criado em 1910, Oliveira Salazar, na alturadocente de Ciências Económicas e Financeiras na Universidade deCoimbra, veio em 1928 a ser convidado para assumir o cargo do Minis-tro das Finanças e das Colónias do novo Governo. Em Julho de 1932, foinomeado o primeiro-ministro. Para Salazar, “É capaz de existir um po-der absoluto, mas as liberdades absolutas nunca as houve”. “Formar umaelite social é mais preeminente do que a alfabetização, por que é ela e nãoo povo quem decide as grandes questões estatais”21. Foi com este concei-to de governação que Salazar começou a construir um regime de “EstadoNovo “ em Portugal. Na nova Constituição, aprovada em 1933, o Esta-do Novo de Salazar é descrito como “República do corporativismo labo-ral-patronal, sob um poder centralizado”.

Em Setembro de 1933, foi publicada a lei laboral que estabelece acriação de 3 tipos de organizações entre os assalariados e o patronato: OSindicato Nacional (para os operários e empregados), a associação em-presarial (para os empresários e os comerciantes e 3 ordens de profissio-nais (dos médicos, advogados e dos engenheiros).

Todos os nacionais economicamente activos (excepto os funcionári-os públicos, os profissionais liberais e os agricultores) tinham o dever defiliar-se numa destas organizações. A direcção do Sindicato Nacional eraaparentemente eleita pelos operários, de 3 em 3 anos. A direcção eleitadevia ser confirmada pelo Conselho Laboral-Patronal e pelo ministro daSegurança Social. A contabilidade do Sindicato Nacional estava sob avigilância duma instituição governamental, o Conselho de Trabalho,Emprego e Assistência Social. Segundo os estatutos do Conselho Labo-

21 G. N. Kolomiets, Sinopse da História Moderna de Portugal, Nanjing, Edições doPovo de Jiangsu, 1973, p. 33.

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ral-Patronal, os interesses dos agricultores estavam sob a protecção dumaorganização laboral-patronal que se chamava a “Casa do Povo”, em quese filiavam todos os que se dedicavam à agricultura, dos camponeses aosproprietários de terra. Todos os camponeses, com terra, deviam inte-grar-se na “Casa do Povo”. Nos centros piscatórios, criou-se outra orga-nização laboral-patronal que se chamava a “Casa dos Pescadores”, cujosdirigentes eram armadores ou capitães. Além do Sindicato Nacional, da“Casa do Povo” e da “Casa dos Pescadores”, existiam outras associaçõesprofissionais, federações e juntas para os empresários, comerciantes eproprietários de terra, que vigiavam a produção e a distribuição dos pro-dutos, “regulando” as actividades industriais, comerciais e agrícolas”.Pelos vistos, no “Estado Novo” de Salazar, não só existiam organizaçõescorporativistas, mas também associações funcionais que eram compo-nentes pilares do “corporativismo laboral-patronal, sob um poder cen-tralizado”. Para garantir as funções destas organizações na vida do Esta-do, em 1954, Salazar decretou que todas as associações devessem reme-ter os seus estatutos à autorização das autoridades. Todas as associaçõesque não apresentaram os seus estatutos ou viram os seus estatutos inde-feridos seriam consideradas ilegais. Em Maio de 1955, o Governo orde-nou que todos aqueles que não cumprissem o decreto de 1954 seriamacusados do “crime contra a segurança do Estado”. Pelos vistos, no pe-ríodo do Salazarismo, o ordenamento jurídico associativo português eratipicamente de “sistema preventivo”. Com a Revolução de 25 de Abrilde 1974, que derrubou o governo de Salazar, o ordenamento jurídicoassociativo português começou a conhecer alterações essenciais. A Cons-tituição Portuguesa, que entrou em vigor em 25 de Abril de 1976, peloseu Artigo 46 estabelece:

“Os cidadãos têm o direito de, livremente e sem a dependência dequalquer autorização, constituir associações... As associações prosseguemlivremente os seus fins sem interferência das autoridades públicas e nãopodem ser dissolvidas pelo Estado ou suspensas as suas actividades senãonos casos previstos na lei e mediante decisão judicial.”

A avaliar por esta cláusula, o ordenamento jurídico associativo por-tuguês passou do sistema preventivo ao sistema vigilante.

No que diz respeito às origens jurídicas, as leis básicas de Portugal,metrópole, são extensíveis às suas colónias. Durante o período de Salazar,foi reforçado o controlo sobre as colónias. A 8 de Julho de 1930, foi

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publicado o Acto Colonial. Na nova Carta Orgânica do Império Colo-nial Português, promulgada a (15 de Novembro de 1933), o conteúdoda Lei Colonial conheceu algum desenvolvimento. As colónias então cha-madas de “províncias” voltaram aos seus nomes antigos e revogaram al-guns direitos autónomos limitados de que gozavam os seus povos.

Só a partir da publicação do Estatuto Orgânico de Macau, em 1976,os direitos políticos dos Chineses de Macau começaram a obter algumasgarantias. Sob a influência portuguesa, o ordenamento jurídico docorporativismo em Macau também viveu um processo evolutivo, pas-sando do sistema preventivo para sistema vigilante. Segundo “ordens dogovernador” na publicação dos estatutos da Sociedade Funerária e deBeneficência “Ien-Chai-Sie” e da Associação de Beneficência “T’ung-sin-t’ong”, entre outras associações, os estatutos devem ser “assinados pelosecretário-geral do Governo” e discutidos com o Conselho da Provínciapelo próprio governador para poderem ser publicados no Boletim Ofi-cial para efeitos de entrada em vigor.

“A autorização seria revogada sempre e quando aparecesse qualqueracto contrário aos princípios da sua fundação.” O poder de vigilânciasobre o cumprimento dos estatutos compete ao administrador do Con-celho. O último artigo (31) dos Estatutos da Sociedade Funerária e deBeneficência “Ien-Chai-Sie” estabelece: “o administrador da communi-dade chineza é competente, como delegado do governo, para fiscalisarem todos os livros e actos da sociedade, o cumprimento dos presentesestatutos.” Os Estatutos da Associação de Beneficência “T’ung-sin-t’ong”,pelo seu Artigo 7, § 3, estipula “Todas as vezes que se reúna a assembleiageral, deve a direcção dar parte ao administrador do concelho competen-te para assistir a ele querendo, devendo também indicar na participaçãoo dia e a hora da reunião.”

O último artigo (24) determina: “A commissão directora prestaráannualmente uma conta de receita e despeza em china ao administradordo concelho para seguir os tranmites legaes”22. Pelos vistos, não foi umacoisa fácil criar associações em Macau nessa altura. Antes da criação,

22 Os Estatutos da Sociedade Funerária e de Beneficência “Ien-Chai-Sie” e osEstatutos da Associação de Beneficência “T’ung-sin-t’ong”, in Tang Kaijian e WuZhiliang (dir.), Compilações de textos chineses publicados no Boletim Oficial de Macau (1850--1911), Macau, Fundação Macau, pp. 209-212.

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eram submetidas a exames para autorização. E depois de criadas, esta-vam sujeitas a uma rigorosa vigilância e administração. Sobre os grupospolíticos e meetings políticos, o Governo português de Macau adoptou asmedidas preventivas mais rigorosas.

Antes da fundação da República da China, a célula da Liga da Ali-ança, em Macau, era secreta. Em Setembro de 1911, a Procuratura dosNegócios Sínicos emitiu o seguinte comunicado: “Tenho por conveniente,auctorisado por Sua Excellencia o Chefe da colonia, prohibir quaesquerreuniões em publico feitas por individuos pertencentes á communidadechineza, que sejam da natureza politica; tolerando-se porém todas as quetenham outra feição, as quaes ficam ainda assim dependentes de previapermissão dada por esta procuratura”23.

Em 1922, logo após o movimento operário de 29 de Maio, ocorridoem Macau, o governo português decretou imediatamente a dissoluçãode 68 organizações sindicais, cujos estatutos não foram examinados eautorizados. Durante a Guerra de Resistência contra o Japão, o Governoportuguês de Macau que dizia ser “neutral” decretou a suspensão daseleições dos dirigentes associativos e a publicação regular dos orçamen-tos anuais de todos os grupos existentes no Boletim Oficial. Após o inci-dente do “1,2,3” de 1966, o governo assinou um documento, vulgar-mente conhecido como “documento de reconhecimento de culpas”, en-cerrando e expulsando algumas “associações livres” e os seus dirigentespro-Kuomintang, tais como a Associação Geral dos Operários Livres deMacau, a Associação dos Professores Chineses Livres de Macau e a Secre-taria em Macau da Associação Geral dos Chineses Ultramarinos para aSalvação da Pátria. Seguindo a Revolução do 25 de Abril de 1974, ouseja, a mudança da situação política portuguesa em Portugal, designa-damente com a publicação do Estatuto Orgânico de Macau, a 22 deMarço de 1976, o governador de Macau Garcia Leandro mandou publi-car o DL n.º 3/76/M (vulgarmente conhecido como a Lei do Livre Exer-cício do Direito de Associação) em que se declara: O livre exercício dodireito de associação constitui uma garantia básica para as actividadesindividuais na vida colectiva dos cidadãos e realça a necessidade de revo-gar qualquer autorização prévia administrativa que existia para restrin-

23 Idem, p. 627.

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gir o livre exercício do direito de associação. Este DL determina: “Dei-xam de ter aplicação no território a Lei n.º 1 901, de 21 de Maio de1935, e os Decretos-Leis n.os 39 660, de 20 de Maio de 1954, e 40 166,de 18 de Maio de 1955, postos em vigor, respectivamente, pelas Porta-rias Ministeriais n.os 8 126, de 4 de Junho de 1936, 14 911, de 1 deJunho de 1954, e 15 989, de 8 de Outubro de 1956”24. Por isso, a popu-lação Macau conseguiu os seus direitos relativamente concretos de asso-ciação livre, o que também simboliza a mudança do sistema preventivopara o sistema vigilante, que diz respeito ao ordenamento jurídico asso-ciativo em Macau.

A 9 de Agosto de 1999, o Governo português de Macau decretou aLei n.º 2/99/M, que estabelece o regime geral do direito de associação,bem como o regime específico das associações políticas. O sistema pre-ventivo do ordenamento jurídico associativo pretende a concretizaçãodas preferências governamentais, que reflectem e asseguram uma gestãooficial das associações populares, cujo espírito interno consiste em con-duzir estas associações para uma estrutura de ordem previamente estabe-lecida. Evidentemente, o ordenamento jurídico-associativo tanto de Por-tugal como da sua “dependência “ colonial — Macau — favorece a con-dução das associações cívicas para uma estrutura de ordem, facilmentecontrolável pelo Governo. O regime determina a estrutura. O ambientedo regime associativo de Macau estimulou e conduziu ao aparecimentodos grupos representativos funcionais, sendo estes a pedra basilar do sis-tema da concertação social de Macau.

Em segundo lugar, pela análise da realidade da sociedade chinesade Macau, que é principalmente formada por emigrantes de trabalhobraçal, são muito poucas as pessoas com a capacidade para criar umaorganização própria. As pessoas com uma maior consciência de autono-mia e de direitos vêm dos meios industrial, comercial e intelectual. Eis arazão da criação dos primeiros grupos funcionais de Macau terem sur-gido nestas áreas nas áeas referidas. Em termos relativos, a maioria dosChineses viviam à margem do regime colonial português de Macau.Eles preferiam procurar protecção junto das organizações associativaschinesas.

24 Boletim Oficial de Macau, 1976, n.º 16, pp. 522-523.

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Segundo um estudo realizado pelo Professor Boaventura de SousaSantos25, Director do Centro de Estudos Sociais da Universidade deCoimbra, antes dos anos 80 do século XX, o regime oficial português deMacau era preferido pelos Portugueses e pelos Macaenses, ao passo queos Chineses recorriam geralmente aos métodos informais e não oficiaisdentro da comunidade chinesa para a mediação dos seus conflitos. Nacomunidade chinesa, a maioria dos conflitos no foro judicial era resolvi-da mediante vias informais e não oficiais, de maneira a evitar a interven-ção das autoridades portuguesas de Macau. Não é que os Chineses nãoquisessem recorrer ao regime oficial, mas existiam obstáculos de comu-nicação, dos quais um dos maiores era o burocratismo oficial.

Um membro da direcção duma associação de moradores destaca:“A eficácia dos departamentos governamentais é baixa. Além disso, épreciso preencher montes de formulários. Mesmo com repetidas idas aestes departamentos, acaba-se por não receber nenhuma assistência. Éuma perda de tempo. As exigências aos cidadãos são muito maiores doque as respostas. Os cidadãos são na sua maioria pessoas de nível culturale educativo baixo, de maneira que não percebem os dados requeridospelos formulários ou não sabem responder-lhes, por isso acabam por de-sistir, procurando outras ajudas.” Um caso típico é a criação e o encerra-mento do Tribunal Privativo dos Chinas26.

Com a publicação do Código de Usos e Costumes Chineses, em1909, veio a ser criado o supracitado tribunal, que tinha as competên-cias para os casos cíveis, comerciais (excepto a falência) e pequenas causaspenais. O tribunal era presidido por um juiz do quadro colonial, nomea-do pelo Governo Central de Portugal. No seu âmbito funcionava umacomissão composta por 6 chineses que deviam dar esclarecimentos aojuiz sobre os usos e costumes chineses, se fosse necessário. Os membroseram seleccionados, mediante rifa, pelo juiz antes de 12 de Dezembro decada ano, entre os chineses que pagassem mais impostos. O mandato eradum ano. Como o tribunal só tinha competência para casos cíveis depouca monta (entre 200 e 10000 patacas) e pequenos casos penais (sujei-tos a prisão correccional de menos de 6 meses,) os Chineses inclinavam-

25 Boaventura Sousa Santos, A Justiça e a Comunidade em Macau: problemas sociais,a Administração Pública e a organização comunitária no contexto de transição, in Adminis-tração, n.os 13-14, 1991, pp. 705-725.

26 Huang Hanqiang e Wu Zhiliang, Panorama de Macau, (2.ª edição), p. 67.

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-se para não optar por uma solução judicial, por isso, eram muito poucosos casos apresentados a este tribunal, que veio a se encerrado em Outu-bro de 1927.

O segundo obstáculo vinha da língua veicular. Como durante muitotempo a língua oficial do de Macau era o português, qualquer assuntoque a população tratasse junto das autoridades era em português. Dou-tro modo, o Governo não procurava resolver a questão. Entre os habitan-tes chineses, aqueles que sabiam ler e escrever português eram em nú-mero muito reduzido, portanto, a comunicação eficaz com o Governoportuguês de Macau tornou-se uma das grandes dificuldades quotidia-nas para a população chinesa de Macau. Exemplifiquemos com o bilhetede identidade dos Chineses.

Em Junho de 1957, o Governo português de Macau, de acordocom a Ordem 4071 do Governo central, suspendeu a emissão do “bilhe-te de identidade dos Chineses” e passou a considerar o mesmo documen-to de identificação em uso na metrópole. Era um documento legal enecessário para sair e entrar, residir e criar firmas em Macau, fazer pe-queno comércio, pedir o registo de automóvel, a carta de condução, alicença de aprendizagem, a licença para o porte de armas, a licença deexame escolar, apresentar pedidos junto das autoridades, enviar e rece-ber as cartas registadas, fazer as operações bancárias, registos postais oude dívidas, era inclusive necessário para os funcionários receberem o seuvencimento, já para não mencionar tantos outros assuntos civis. Para aobtenção deste documento, os trâmites eram muitos e complicados. Se-gundo os regulamentos, os solicitantes deviam apresentar o passaporteou a cédula, que a maioria dos emigrantes chineses não tinha. Alémdisso, os formulários deviam ser preenchidos em português. Para os emi-grantes chineses, a única maneira de obter o documento era através deadvogados, pagando para tal entre 300 e 500 patacas. Por isso, os emi-grantes chineses, através das associações chinesas, fizeram várias exposi-ções ao Governador Pedro Correia de Barros, que “levando em conside-ração a situação real e respondendo à necessidade popular”, mandou sim-plificar os trâmites e autorizou os emigrantes chineses, a solicitar o bi-lhete de identidade sem apresentar o passaporte ou a cédula, bastandopossuírem duas testemunhas idóneas27.

27 Ding Zhongjiang (dir.), Crónica dos Imigrantes Chineses de Macau, pp. 173--174.

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Pelos factos acima expostos, quando um regime oficial não podefornecer a assistência, os habitantes recorrem ao regime oficioso e comresultados bons. Portanto, num sistema social em que existe a escolha doregime oficioso para a população, as associações tornaram-se numa alter-nativa principal ao regime. Claro, sempre houve pessoas a optar por ou-tros meios não oficiosos, por exemplo, as sociedades secretas, que nãodesaparecem enquanto conseguirem os seus objectivos.

No entanto, as sociedades secretas podem ter alguma utilidade naresolução dos conflitos entre os indivíduos ou ao nível popular.

Para um indivíduo, no caso de necessidade de se integrar numaassociação ou grupo com vista à expressão e defesa dos seus interesses,qual a organização ou o grupo a ser escolhido? As organizações cominteresses semelhantes conseguem com mais facilidade os efeitos de ex-pressão dos seus interesses. Aqueles grupos que têm o reconhecimento ea confiança do governo, ao ponto de possuírem um relacionamento privile-giado com as autoridades, tornam-se objectos prioritários de atenção.

As organizações associativas são os corpos representativos, com basena divisão social, conforme os interesses. São os chamados “Grupos re-presentativos funcionais”. Este quadro institucional não é resultado deescolhas individuais. A sua criação e existência faz com que haja um jogopositivo entre os 3 agentes de acção (as autoridades, os grupos e os seusmembros).

Para o governo português de Macau, esta situação podia reduzir asdespesas da administração e, simultaneamente, evitar a dupla ordem ouas múltiplas ordens, em consequência duma desorganização das forçassociais. Os membros da direcção, através das suas organizações represen-tativas funcionais podiam capitalizar, a nível de honras e conhecimen-tos. Mesmo os membros ordinários desses grupos, através das suasfiliações, faziam ouvir com mais facilidade os seus próprios interesses.

Ao analisar o processo da criação e desenvolvimento dos gruposrepresentativos funcionais de Macau, vê-se que sob condições exteriorese a acção das forças internas, os grupos de Macau souberam construirorganizações representativas funcionais, com divisão constante de fun-ções.

Por exemplo, o Hospital Kiang Wu foi criado em 1871, com fun-dos angariados junto dos comerciantes chineses, cujas funções são a as-sistência aos doentes, aos pobres e aos refugiados. Pelo seu carácter, deve

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pertencer a um grupo de caridade. Não obstante, durante bastante tem-po também foi um lugar da reunião dos comerciantes de Macau. Em1913, foi criada uma organização especial dos comerciantes chineses, aCâmara Comercial de Macau (Câmara dos Comerciantes Chineses). Logoapós a sua fundação, conseguiu o direito de “arbitragem comercial” e oreconhecimento pelo governo português de Macau, o que lhe permitiutransformar-se de um modo relativamente rápido num grupo represen-tativo das classes industrial e comercial de Macau.

Os grupos de caridade, como não possuem um carácter político econtribuem para atenuar a pobreza social, mereceram atenções especiaisao governo português de Macau.

As autoridades portuguesas de Macau deram sempre algum apoiomaterial e estímulos honoríficos aos grupos de caridade, de maneira quea par do Hospital Kiang Wu surgiu um grupo de caridade de grandeenvergadura, sem fins lucrativos, que tem por objectivo fornecer a assis-tência médica,o Tung Sin Tong, uma associação de caridade geral quefornece a assistência aos desfavorecidos. Estes são dois exemplos de gru-pos mais representativos na área da caridade em Macau.

Também os grupos de intelectuais de Macau começaram a aparecernos finais do século XIX início do século XX. Com o desenvolvimentoda educação escolar moderna no Território, o meio educacional de Ma-cau criou em 1920 uma associação de ensino (a Associação de Educaçãode Macau)28, cujo registo veio a ser autorizado em 1923 pelo governoportuguês de Macau. Durante muito tempo, a Associação de Educaçãode Macau assumiu a função de intermediária entre os departamentosadministrativos educacionais do governo (a Inspecção do Ensino Chinêse a Inspecção do Ensino, etc.) e as escolas chinesas, razão pela qual, nasua qualidade dum grupo representativo do meio educacional chinês deMacau, teve o reconhecimento do governo português de Macau.

A União Geral dos Operários de Macau e a Associação das Senhorasde Macau (inicialmente era conhecida como a Associação Democráticadas Senhoras de Macau), criadas nos anos 50 do século XX, eram gruposcom tendências políticas a favor da Nova China.

28 No 3.º dia da 8.ª lua de 1920, a Associação de Educação de Macau foi criadacom uma sessão inaugural realizada no salão nobre do Hospital Kiang Wu, cf. Lau SinPeng, História da Educação em Macau, Beijing, Editora do Ensino do Povo, 1999,p. 270.

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No início, como existiam grupos com tendências políticas opostas,não se transformaram imediatamente em grupos representativos das suasáreas de acção. Só depois do “incidente do 1,2,3” de 1966, altura em queas autoridades de Macau expulsaram os grupos afectos a Taiwan e encer-raram alguns grupos sob o controlo do Partido Nacionalista — dos quaisse destaca o Sindicato Geral de Macau — é que o União Geral dos Ope-rários de Macau se tornou num grupo representativo do mundo laboralde Macau. Quando da fundação da Associação das Senhoras, já existia aAssociação das Mulheres de Macau, que foi objecto de menção honrosado governo português de Macau, pelas suas actividades de angariação defundos para os refugiados e pela criação da “sopa económica” durante aSegunda Guerra Mundial29. Mas a partir dos anos 50 do século XX, aAssociação das Senhoras de Macau, por causa dos seus dirigentes, come-çou a ter menos visibilidade. Pelo contrário, a Associação das Mulheresde Macau desenvolvia actividades cada vez mais activas. Em 1958, aAssociação Democrática das Senhoras de Macau mudou o seu nome paraAssociação das Senhoras de Macau e passou a ser num grupo representa-tivo do meio feminino de Macau.

A partir de meados da década 70 do século XX, adoptou-se o méto-do da distribuição de quotas entre os representantes dos grupos da As-sembleia Legislativa, do Conselho Consultivo e dos órgãos de consultapolítica interna do Governo, bem como aos candidatos pelos grupos deinteresses para as organizações consultivas e preparadoras do retorno deMacau à mãe-pátria, durante o período da transição, o que acelerou adivisão dos grupos de Macau e o desenvolvimento dos grupos represen-tativos. Alguns sinais concretos deste estado de coisas são: A divisãointerna dos grupos dos mesmos interesses e representativos (por exem-plo os grupos profissionais filiados na União Geral das Associações deMoradores de Macau foram reforçados) e a diversificação das actividadesdos grupos representativos (por exemplo, além da Associação Comercialde Macau, foram criadas a Associação de Companhias e Serviços de Pu-

29 Os governadores de Macau, mediante donativos e menções honrosas, confir-maram os trabalhos realizados pela Associação das Senhoras de Macau e a sua antecessoraAssociação de Consolação das Senhoras de Macau. A Associação das Senhoras de Ma-cau levou directamente as autoridades portuguesas de Macau a introduzir alteraçõesno Código de Usos e Costumes Chineses e à sua abolição, cf. Jornal dos Cidadãos, edições de6 de Dezembro de 1944, 7 de Maio de 1946 4 13 de Setembro de 1947.

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blicidade de Macau e a Associação de Jovens Empresários). Ao mesmotempo, as associações bairristas dos moradores que apareceram nos anos50 acabaram por se fundir nos finais de 1983 na União Geral das Asso-ciações de Moradores de Macau.

Esta última toma as associações bairristas dos moradores como base.Representa e defende os direitos dos moradores comunitários de Macau,participa nos assuntos políticos e sociais de Macau, tendo-se tornado umgrupo representativo funcional com uma grande estrutura organizativae rede de serviços.

A divisão dos grupos e o desenvolvimento dos grupos representati-vos funcionais de Macau mostram que na falta dum regime democráticooficial, os grupos representativos funcionais têm sido a escolha comumpara as partes sociais expressarem os seus interesses, numa participaçãode gestão social indirecta junto do Governo. Com uma componente ins-titucional peculiar, os grupos representativos funcionais foram a baseorganizativa da construção do corporativismo em Macau.

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