acórdãos contrato de seguro

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Acórdãos TRC Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra Processo : 372/11.1TBACB.C1 Convenci onal: JTRC Relator: TELES PEREIRA Descrito res: CONTRATO DE SEGURO ANULABILIDADE FALSAS DECLARAÇÕES TOMADOR Data do Acordão: 12/03/2013 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE ALCOBAÇA – 3º JUÍZO Texto Integral : S Meio Processu al: APELAÇÃO Decisão: REVOGADA Legislaç ão Nacional : TRIBUNAL JUDICIAL DE ALCOBAÇA – 3º JUÍZO Sumário: I – No quadro legal emergente do Lei do Contrato de Seguro, aprovada pelo Decreto-Lei nº 72/2008, de 16 de Abril (LCS), a afirmação do tomador do seguro no preenchimento da proposta de ser ele, como condutor encartado há mais de 20 anos, o condutor habitual da viatura objecto do seguro, escondendo da Seguradora que o verdadeiro condutor habitual (o filho do tomador) havia obtido licença de conduzir poucos meses antes da celebração do contrato, este comportamento gera a anulabilidade desse contrato de seguro por inexactidão dolosa quanto à declaração de risco, nos termos do artigo 25º, nº 1 da LCS.

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Page 1: Acórdãos Contrato de Seguro

Acórdãos TRC

Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra

Processo: 372/11.1TBACB.C1 Nº Convencional:

JTRC

Relator: TELES PEREIRA Descritores:

CONTRATO DE SEGUROANULABILIDADEFALSAS DECLARAÇÕESTOMADOR

Data do Acordão:

12/03/2013

Votação: UNANIMIDADETribunal Recurso:

TRIBUNAL JUDICIAL DE ALCOBAÇA – 3º JUÍZO

Texto Integral:

S

Meio Processual:

APELAÇÃO

Decisão: REVOGADALegislação Nacional:

TRIBUNAL JUDICIAL DE ALCOBAÇA – 3º JUÍZO

Sumário: I – No quadro legal emergente do Lei do Contrato de Seguro, aprovada pelo Decreto-Lei nº 72/2008, de 16 de Abril (LCS), a afirmação do tomador do seguro no preenchimento da proposta de ser ele, como condutor encartado há mais de 20 anos, o condutor habitual da viatura objecto do seguro, escondendo da Seguradora que o verdadeiro condutor habitual (o filho do tomador) havia obtido licença de conduzir poucos meses antes da celebração do contrato, este comportamento gera a anulabilidade desse contrato de seguro por inexactidão dolosa quanto à declaração de risco, nos termos do artigo 25º, nº 1 da LCS.

II – Essa incidência (a falsa declaração quanto ao condutor habitual) refere-se a um elemento muito significativo para a apreciação do risco assumido pela seguradora no contrato, com incidência na quantificação do prémio;

III – A referida anulabilidade actua, nos termos do artigo 25º, nº 1 da LCS, mediante declaração da seguradora ao tomador do seguro, sendo que isso, descobrindo a seguradora a fraude apenas posteriormente à ocorrência do sinistro, actuará, no quadro de um processo judicial instaurado contra essa seguradora, por via de excepção (invocação pela seguradora na contestação da extinção do contrato por anulabilidade nesse

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contexto declarada);

IV – O disposto no artigo 22º do Decreto-Lei nº 291/2007, de 21 de Agosto (Regime do Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel) não impede a oponibilidade da referida anulabilidade do contrato pela seguradora aos lesados pelo acidente e, reflexamente, ao Fundo de Garantia Automóvel, quando esta entidade exerce a sub-rogação decorrente de ter assumido, perante esses lesados, a responsabilidade indemnizatória emergente do referido acidente.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

I – A Causa

            1. Em 14 de Fevereiro de 2011[1], o Fundo de Garantia Automóvel (A. e Apelado nesta instância de recurso) demandou C… e M… (1º e 2º RR. e aqui Apelados), sendo que, mais tarde, no quadro de uma intervenção principal provocada suscitada concorrentemente pelos RR. e pelo A., acedeu à acção na posição de R. (a 3º R. aqui a Apelante) a Companhia de Seguros A…, S.A.. Pretende o Fundo de Garantia Automóvel realizar através desta acção o reembolso[2] – inicialmente contra os dois primeiros RR., depois também contra a Seguradora – do valor de €5.745,81 que pagou em função de um acidente de viação que gerou a intervenção indemnizatória do Fundo por recusa de cobertura pela Seguradora 3ª R.

            Com efeito, esta (a Seguradora ora 3ª R.), confrontada com o acidente de viação aqui em causa (ocorrido em 18/08/2009, em Alcobaça) no qual foi interveniente o veículo …-IB, cuja riscos de circulação era suposto a A… cobrir, ao abrigo de um contrato de seguro do qual fora tomador/segurado o 1º R., recusou a Seguradora assumir essa responsabilidade indemnizatória por ter determinado, no respectivo processo de averiguação interno subsequente à participação do acidente, que o condutor do IB no momento do acidente, o 2º R., filho do 1º R., era, contra o que expressamente declarara o tomador 1º R. na celebração do contrato, o condutor habitual daquela viatura (e, logo, o verdadeiro segurado)[3].

            1.1. Os RR. originários (os 1º e 2º RR., os RR. indicados na p.i.) contestaram a acção conjuntamente invocando, no que interessa a este recurso, a existência e a validade do contrato de seguro e, logo, a não exclusão da responsabilidade indemnizatória da Seguradora, provocando a intervenção desta, na posição de R. (3ª R.), nos termos do artigo 325º, nº 1 do Código de Processo Civil (CPC)[4].            1.2. Assim, intervindo como 3ª R., excepcionou a Companhia de Seguros A… a “nulidade” (a qualificação do desvalor em causa será tratada nesta decisão) do contrato de seguro celebrado com o 1º R. (no qual este se declarou condutor habitual da viatura IB) por haver este prestado, aquando dessa celebração, falsas declarações, induzindo em erro a Seguradora quanto a um elemento essencial para o cálculo do risco assumido, com reflexo no valor do prémio (o número de anos da habilitação para conduzir do condutor habitual)[5].

            1.3. Realizou-se, enfim, o julgamento documentado a fls. 204 e ss., a culminar o qual foi proferida a Sentença de fls. 214/225 – esta constitui a decisão objecto do presente recurso-, condenando a Seguradora a satisfazer ao A. o montante peticionado [6] .             1.4. Inconformada, reagiu a R. Seguradora com a presente apelação, rematando as alegações adrede apresentadas com as conclusões que aqui se

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transcrevem:“[…]

II – Fundamentação             2. Relatado o essencial do iter processual que conduziu à presente instância de recurso, cumpre apreciar os fundamentos da apelação, tendo em conta que as conclusões formuladas pela Apelante operaram a delimitação temática do objecto do recurso, isto nos termos dos artigos 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1 do CPC – ou, se se entendesse aplicável o Novo CPC, nos termos dos artigos 635º, nº 4 e 639º deste[7]. Assim, fora das conclusões só valem, em sede de recurso, questões que se configurem como de conhecimento oficioso. Paralelamente, mesmo integrando as conclusões, não há que tomar posição sobre questões prejudicadas, na sua concreta incidência no processo, por outras antecedentemente apreciadas e decididas (di-lo, em qualquer dos casos, o artigo 660º, nº 2 do CPC, ou o artigo 608º, nº 2 do Novo CPC). E, enfim – esgotando a enunciação do modelo de construção do objecto de um recurso –, distinguem-se os fundamentos deste (do recurso) dos argumentos esgrimidos pelo recorrente ao longo da motivação, sendo certo que a obrigação de pronúncia do Tribunal ad quem se refere àqueles (às questões-fundamento) e não aos diversos argumentos jurídicos convocados pelo recorrente nas alegações.

            2.1. Os factos a considerar por esta instância, os fixados pelo Tribunal a quo – factos não contestados no presente recurso –, são os seguintes:“[…]            2.2. A única questão colocada pelo recurso, rectius o fundamento deste, confronta-nos com a circunstância da decisão apelada ter desatendido – aqui no confronto entre a Seguradora e o Fundo de Garantia Automóvel, quando este último exerceu judicialmente a sub-rogação prevista no artigo 54º, nº 1 do DL nº 291/2007[8] – a invocação pela Seguradora, por via de excepção, de uma “invalidade” (gera esta aqui, como veremos a anulabilidade do contrato [9] ) inicial, mas por ela desconhecida até ao acidente, do contrato de seguro tomado pelo 1º R. (pai do 2º R.). Com efeito, apurou-se que na formação desse contrato, no preenchimento da proposta de seguro posteriormente aceite pela 3ª R., o 1º R. se declarou, falsamente, como condutor habitual da viatura IB, no intuito de beneficiar o 2º R., seu filho, com condições mais favoráveis nesse seguro (concretamente com um prémio de menor valor), decorrentes de uma incidência não verdadeira afirmada na proposta – ser o condutor habitual a pessoa indicado na proposta, e ser ela encartada desde 1982 e, por isso, estatisticamente sujeita a um menor risco de sinistros – a par de uma incidência verdadeira e cuja relevância para a Seguradora era conhecida (ou intuída) e que foi ocultada nessa mesma proposta – ser o verdadeiro condutor habitual outro e tratar-se de pessoa encartada no próprio mês da celebração do contrato de seguro[10]. A racionalidade económica associada a este expediente é intuitiva. Trata-se, tão-só, de pagar menos pelo seguro, induzindo a seguradora em erro quanto aos elementos relevantes para o cálculo actuarial do risco[11].             A este respeito, tenha-se presente que o “[…] seguro é o contrato pelo qual uma parte, mediante retribuição, suporta um risco económico da outra parte ou de terceiro, obrigando-se a dotar a contraparte ou o terceiro dos meios adequados à supressão ou atenuação de consequências negativas reais ou potenciais da verificação de um determinado facto”[12]. Ora, esta lógica de transferência de um risco é integrada na economia do contrato através do conhecimento e da descrição do conteúdo exacto desse risco, ou seja, através da objectivação desse risco nos termos em que a seguradora aceitou assumi-lo. Daí que a imputação da concretização do risco passe pela aferição da presença, num determinado evento ou situação, dos concretos factores de risco descritivamente assumidos através do contrato[13]. Parecendo redundante, esta afirmação limita-se a caracterizar, na sua essência profunda, a lógica de funcionamento de um seguro[14].            2.2.1. Importa reter neste recurso os elementos centrais do percurso argumentativo do Tribunal a quo que conduziram à decisão de responsabilizar a R. Seguradora pelo reembolso ao Fundo independentemente do desvalor que

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entendeu existir no contrato de seguro base desse mesmo reembolso. Ora, a este respeito, em sede de fundamentação jurídica, escreveu-se na Sentença apelada:“[…]Entende-se, em face do exposto, que, a tratar-se, no caso em apreço, de invalidade do seguro, tal invalidade consiste numa mera anulabilidade e não em nulidade.Estabelece ainda o artigo 14º do DL 522/85, de 31.12 (regime jurídico do seguro automóvel obrigatório) que:‘Para além das exclusões ou anulabilidades que sejam estabelecidas no presente diploma, a seguradora apenas pode opor aos lesados a cessação do contrato (…), ou a sua resolução ou nulidade, nos termos legais e regulamentares em vigor, desde que anteriores à data do sinistro’.Quer isto dizer que, nos contratos de seguro que tenham por objecto cobertura de riscos sujeitos ao regime de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, a seguradora não pode invocar perante os lesados quaisquer exclusões ou anulabilidades não previstas na Lei do Seguro Obrigatório (no DL 522/85, de 31.12), estando-lhe vedado opor-lhes qualquer anulabilidade prevista em qualquer outra lei ou norma jurídica geral ou especial.Infere-se assim do referido preceito que, no âmbito do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, a seguradora não pode livrar-se da sua obrigação perante o lesado mediante a invocação de uma mera anulabilidade não prevista no DL 522/85, como é o caso da consagrada no referido artigo 429º do Código Comercial.E compreende-se que assim seja, uma vez que a instituição do regime do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel tem em vista, como medida de relevante alcance social, a protecção directa (e célere) dos legítimos interesses e direitos das pessoas lesadas em consequência de acidentes de viação, o que postula um seguro em que, sendo a responsabilidade, em regra, garantida pela seguradora, vigore com a máxima amplitude o princípio da inoponibilidade das excepções contratuais, do que resulta que só a nulidade, e não a anulabilidade do contrato de seguro (prevista no artigo 429º do Código Comercial), possa ser oposta aos lesados em acidente de viação, nos termos do citado artigo 14º do DL 522/85.Do exposto resulta que não pode a ré Seguradora opor ao autor a excepção contratual integrante de anulabilidade do contrato de seguro, mantendo-se, por conseguinte, a vinculação decorrente desse mesmo contrato, respondendo a ré seguradora perante o autor pelos danos emergentes do acidente causado pelo veículo seguro, por força do contrato celebrado com o 1º réu.Em consequência, haverão os 1º e 2º réus de necessariamente ser absolvidos do pedido contra si formulado.[…]” (transcrição de fls. 223/224).

            Numa primeira aproximação à ratio decidendi expressa pela primeira instância nos termos acabados de transcrever, haverá que reconduzir a situação ao seu enquadramento legal adequado, corrigindo a incorrecta determinação do Direito aplicável realizada na Sentença, enquanto questão de aplicação da lei no tempo numa situação de sucessão de leis no tempo. Referimo-nos ao regime jurídico do Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel aplicável, que a Sentença, laborando em evidente erro, a referência ao Decreto-Lei nº 522/85, de 31 de Dezembro, quando só pode estar em causa o Decreto-Lei nº 291/2007, de 21 de Agosto. E referimo-nos igualmente ao Regime Jurídico do Contrato de Seguro em geral, que a mesma decisão reporta ao texto do Código Comercial, esquecendo já estar em causa, aqui, a chamada Lei do Contrato de Seguro (doravante LCS), aprovada pelo Decreto-Lei nº 72/2008, de 16 de Abril. Ambas as referências do Tribunal a quo resultam de lapsos, tendo presente, em qualquer dos enquadramentos, a data da celebração do contrato de seguro que aqui está em causa: Maio de 2009. Importa ter presente, relativamente a um seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel celebrado em Maio de 2009, que o DL nº 522/85 fora revogado pelo DL nº 291/2007, de 21 de Agosto (foi revogado em 2007), e substituído pelo regime deste constante (v. os respectivos artigos 94º e 95º), aplicando-se neste caso, pois, esse DL nº 291/2007. E, quanto ao regime do

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contrato de seguro, a LCS aprovada pelo DL nº 72/2008, de 16 de Abril, que substituiu (revogou) os artigos 425º a 462º do Código Comercial (artigo 6º, nº 2, alínea a ) do DL nº 72/2008), aplica-se aos contratos de seguro celebrados após a sua entrada em vigor (aos contratos celebrados de 1 de Janeiro de 2009 em diante), como aqui sucede (v. os respectivos artigos 2º, nº 1 e 7º), ou seja, tem aqui aplicação a LCS e não o Código Comercial[15].             É este, pois (concorrentemente o DL nº 291/2007, de 21 de Agosto e a LCS), o adequado enquadramento legal da situação ora ajuizada. Note-se, todavia, que esta nova referenciação normativa não destrói, por si só, a construção interpretativa empreendida na Sentença apelada, na asserção decisória de considerar inoponível ao Fundo de Garantia Automóvel o tipo de invalidade do contrato de seguro aqui invocada pela Seguradora. Com efeito, embora consideremos incorrecta, em qualquer caso, essa asserção decisória, não deixamos de observar, também no enquadramento legal sucessor do DL nº 522/85 e do artigo 429º do Código Comercial (este último entendido, conforme a Sentença o entendeu, como estabelecendo uma anulabilidade e não uma nulidade), também neste enquadramento existem, dizíamos, elementos normativos com um sentido idêntico aos invocados na Sentença, os quais, por isso, também comportam uma construção interpretativa similar àquela com a qual nos confronta a decisão da primeira instância. É o que sucede, isto relativamente ao artigo 14º do DL nº 522/85[16] (a lei erradamente aplicada na Sentença), com o artigo 22º do DL nº 291/2007[17] (a lei correctamente aplicável à situação). E é o que sucede, desta feita como sucessor do artigo 429º do Código Comercial, entendido como a Sentença apelada o entendeu (como consagrando uma anulabilidade, v. a nota 21 infra e o texto que para ela remete), com o artigo 25º da LCS[18].            2.2.1.1. Note-se que a expressa qualificação, no artigo 25º, nº 1 da LCS, do incumprimento doloso dos deveres associados à declaração inicial de risco como indutor da anulabilidade do seguro, consagrou o entendimento que na doutrina e na jurisprudência eram largamente maioritários face ao artigo 429º do Código Comercial. Este último, embora se referisse a nulidade do seguro – na epígrafe: “nulidade do seguro por inexactidões e omissões”; no texto: “[t]oda a declaração inexacta, assim como toda a reticência de factos ou circunstâncias conhecidas pelo segurado ou por quem fez o seguro, e que teriam podido influir sobre a existência ou condições do contrato tornam o seguro nulo” – era entendido (o artigo 429º do Código Comercial) como estabelecendo, tão-somente, uma causa de anulação do contrato[19].            A aplicação aqui – a aplicabilidade – do artigo 25º da LCS, resolve a questão da qualificação do desvalor induzido no contrato de seguro pela fraude protagonizada pelos 1º e 2º RR. quanto à identidade do condutor habitual. Viciou esta omissão dolosa, com efeito, o contrato – e viciou-o num elemento central da avaliação do risco, como acima vimos (item 2.2. supra) –, gerando a anulabilidade desse mesmo contrato.            2.2.2. Opera tal incidência – a anulabilidade por omissão dolosa –, como resulta do trecho final do nº 1 do artigo 25º da LCS “mediante declaração enviada pelo segurador ao tomador do seguro”[20]. Ora, centrando-nos apenas nas incidências do caso concreto, no qual o fundamento da anulabilidade ocorreu concomitantemente à formação do contrato de seguro (está esse elemento mesmo na génese do contrato marcando-o indelevelmente), mas só foi descoberto pela seguradora com o sinistro (quando foi “confessada” pelos indutores do erro no próprio procedimento de regularização do sinistro), neste quadro de facto, dizíamos, a declaração da seguradora ao tomador visando a anulabilidade aparece-nos sob a forma de excepção peremptória[21] invocada na presente acção quando a seguradora intervém em função da atribuição a ela, pelos RR. originários, da responsabilidade que a eles era (originariamente e em exclusivo) referida pelo A. Vale esta defesa, pois – é o que aqui entendemos –, com o sentido de declaração ao destinatário em vista da produção do efeito anulatório previsto no artigo 25º, nº 1 da LCS.  Esta forma de declaração da seguradora em vista da anulabilidade do contrato de seguro por inexactidão dolosa reportada à declaração inicial de risco pelo tomador, constitui uma forma habitual e adequada, que já era equacionada no regime do

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artigo 429º do Código Comercial e do DL nº 522/85, e continua a valer inteiramente no regime actual (artigo 25º, nº 1 da LCS e DL nº 291/2007). Esta asserção, referida ao regime anterior (especificamente ao artigo 14º do DL nº 522/85), é afirmada expressamente por José Alberto Vieira: “[n]a prática como a invalidade do contrato de seguro ocorre no momento da sua celebração e não em momento posterior, a seguradora nunca vê afectado o seu direito a excepcionar a nulidade (ou a anulabilidade para quem entenda ser esta a invalidade em causa) do contrato de seguro celebrado com falsas declarações por força do artigo 14º do DL nº 522/85”[22]. Assenta este entendimento numa particular caracterização do sentido do artigo 14º da anterior lei do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, entendimento antagónico da leitura deste preceito realizada na decisão aqui recorrida, sendo que entendemos que essa outra caracterização vale, por total paralelismo das normas e absoluta identidade de razão, para o actual artigo 22º do DL nº 291/2007 (v. os textos respectivos nas notas 18 e 19 supra). A este respeito, refere José Alberto Vieira:“[…]Concluímos, afirmando que o artigo 14º do DL nº 522/85 admite a oponibilidade da invalidade do contrato de seguro por falsas declarações do tomador de seguro, mesmo quando se interpreta o artigo 429º do Código Comercial no sentido de consagrar a anulabilidade do contrato de seguro.[…]O artigo 14º não coarcta à seguradora o direito a defender-se por invocação da invalidade do contrato de seguro ou de qualquer facto extintivo do mesmo. [O] artigo 14º veda unicamente a oponibilidade ao lesado dos fundamentos de extinção ou de invalidade do contrato de seguro que sejam posteriores ao sinistro do qual resultou o seu direito de indemnização e não estabelece que qualquer daqueles fundamentos deva ter sido judicialmente declarado como condição de oponibilidade ao lesado.[…]”[23] (sublinhado acrescentado).

            E este mesmo entendimento é actualizadamente referenciado por Luís Poças ao artigo 22º do DL nº 291/2007, no quadro da anulabilidade estabelecida no artigo 25º, nº 1 da LCS:“[…][O] artigo 22º visa apenas impedir a oponibilidade ao lesado das causas de extinção posteriores ao sinistro, não requerendo (como requisito de oponibilidade) que as causas anteriores ao sinistro tenham sido judicialmente reconhecidas.[…]”[24].

            Mas existem argumentos adicionais que nos levam a acolher este entendimento do artigo 22º do DL nº 291/2007.             2.2.2.1. Desde logo, no especial contexto da LCS (que é o contexto aqui aplicável), e significativamente dentro das disposições especiais respeitantes aos seguros obrigatórios, sublinhamos o artigo 147º, colocando particular ênfase no nº 2 deste preceito:Artigo 147ºMeios de defesa1 – O segurador apenas pode opor ao lesado os meios de defesa derivados do contrato de seguro ou de facto do tomador do seguro ou do segurado ocorrido anteriormente ao sinistro.2 – Para efeito do número anterior, são nomeadamente oponíveis ao lesado, como meios de defesa do segurador, a invalidade do contrato, as condições contratuais e a cessação do contrato.

            Parecendo-nos clara a referenciação temporal da inexactidão dolosa respeitante ao condutor habitual – o desvalor com potencialidade anulatória aqui em causa – ao acto de formação do contrato e, por isso, como constituindo facto anterior ao sinistro, estamos em crer que o preceito, e em especial o seu nº 2, veio ultrapassar, no caso das omissões e inexactidões dolosas, questões de

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oponibilidade geradas anteriormente à LCS, concretamente no contexto do artigo 22º do DL nº 291/2007[25].            2.2.2.2. A este elemento interpretativo acrescentaríamos, fornecendo igualmente um contexto sistemático ao referido artigo 22º conforme ao entendimento aqui adoptado quanto à questão da oponibilidade da anulação promovida pela seguradora, o teor do artigo 11º da chamada “Apólice uniforme do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel”, aprovada pela Norma Regulamentar nº 17/2000, de 21 de Dezembro do Instituto de Seguros de Portugal (ISP)[26], em vigor ao tempo da edição do DL nº 291/2007 (entretanto substituída, como de seguida veremos, pelas “Condições Gerais da Apólice de Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel” aprovadas pela Norma Regulamentar nº 14/2008-R, de 27 de Novembro do ISP). Esta disposição (a da Apólice Uniforme), que de seguida transcreveremos, veio fornecer um especial contexto interpretativo ao artigo 22º do DL nº 291/2007[27]:Artigo 11ºNulidade do contrato1- Este contrato considera-se nulo e, consequentemente, não produzirá quaisquer efeitos em caso de sinistro quando da parte do tomador de seguro ou do segurado tenha havido declarações inexactas, assim como reticências de factos ou circunstâncias dele conhecidas que teriam podido influir sobre a existência ou condições do contrato.2 – Se as referidas declarações ou reticências tiverem sido feitas de má fé, a seguradora terá direito ao prémio, sem prejuízo da nulidade do contrato nos termos do número anterior.

            E o mesmo ocorre, reforçando o entendimento aqui adoptado sobre a actuação da anulabilidade do contrato, com o regime sucedâneo desta Apólice Uniforme, através das já mencionadas “Condições Gerais da Apólice de Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel” aprovadas pela Norma Regulamentar nº 14/2008-R, de 27 de Novembro do ISP[28], interessando aqui o teor da cláusula 7ª (com particular ênfase no seu nº 3) dessas “Condições Gerais”[29], enquanto cláusula “relativamente imperativa” actuante nos contratos concretos[30]:Cláusula 7ªIncumprimento doloso do dever de declaração inicial do risco1- Em caso de incumprimento doloso do dever referido no n.º 1 da cláusula anterior, o contrato é anulável mediante declaração enviada pelo segurador ao tomador do seguro. 2- Não tendo ocorrido sinistro, a declaração referida no número anterior deve ser enviada no prazo de três meses a contar do conhecimento daquele incumprimento. 3- O segurador não está obrigado a cobrir o sinistro que ocorra antes de ter tido conhecimento do incumprimento doloso referido no n.º 1 ou no decurso do prazo previsto no número anterior, seguindo-se o regime geral da anulabilidade. 4- O segurador tem direito ao prémio devido até ao final do prazo referido no n.º 2, salvo se tiver concorrido dolo ou negligência grosseira do segurador ou do seu representante. 5- Em caso de dolo do tomador do seguro ou do segurado com o propósito de obter uma vantagem, o prémio é devido até ao termo do contrato.

            2.2.2.3. Finalmente, também afastando a relevância de um argumento normalmente convocado em favor do entendimento do artigo 14º do DL nº 522/85 (e do artigo 22º do DL nº 291/2007) que aqui subjaz à Sentença recorrida – a defesa dos lesados de demoras no recebimento das indemnizações[31], a “medida de relevante alcance social” a que alude a Sentença –, não deixaremos de sublinhar que a intervenção do Fundo de Garantia Automóvel, face aos artigos 47º e ss. do DL nº 291/2007, retira sentido teleológico a este tipo de argumento, sendo que tal intervenção garante aos lesados, desde logo, a efectiva adjectivação do respectivo direito à indemnização, livrando-os do estorvo da discussão dos possíveis desvalores do contrato de seguro, enquanto incidência exterior aos lesados, sendo o direito destes acautelado, como aqui sucedeu, pela intervenção do Fundo de Garantia Automóvel, que, mais tarde – e foi também o que aqui sucedeu –, trava

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com os directamente envolvidos a discussão sobre as incidências do contrato de seguro, determinando a quem incumbe restituir ao Fundo o que este pagou entretanto[32].            2.3. Valem as antecedentes considerações, no seu conjunto, como afastamento da construção interpretativa que conduziu o Tribunal a quo a considerar inoponível ao Fundo de Garantia Automóvel a anulabilidade do contrato de seguro aqui em causa por declaração dolosa inexacta (falsa), com reconhecida incidência nas condições do contrato, quanto à verdadeira identidade do condutor habitual da viatura …-IB, cuja circulação foi objecto do contrato de seguro celebrado entre o 1º R. e a Seguradora 4ª R. Entendemos que essa anulação operou relevantemente nesta acção (por declaração da Seguradora consubstanciada na dedução de uma excepção peremptória) e que afastou o dever contratual de indemnizar os lesados (e o Fundo como sub-rogado destes), face à culpa na produção do acidente por parte do 2º R. Assim, a obrigação de ressarcir o Fundo pelo que satisfez incumbe, em exclusivo, ao 2º R., como causador de um acidente não coberto por um seguro válido[33].            Procede, pois, o recurso de apelação, devendo ser absolvida do pedido a Seguradora 3ª R., ora Apelante, tal como o 1º R., devendo recair a condenação, tributária da sub-rogação do Fundo de Garantia Automóvel, em exclusivo, sobre o 2º R.            É a este conjunto de incidências que importa dar seguimento no pronunciamento decisório a culminar este Acórdão.            2.4. Sumário elaborado pelo relator:I – No quadro legal emergente do Lei do Contrato de Seguro, aprovada pelo Decreto-Lei nº 72/2008, de 16 de Abril (LCS), a afirmação do tomador do seguro no preenchimento da proposta de ser ele, como condutor encartado há mais de 20 anos, o condutor habitual da viatura objecto do seguro, escondendo da Seguradora que o verdadeiro condutor habitual (o filho do tomador) havia obtido licença de conduzir poucos meses antes da celebração do contrato, este comportamento, gera a anulabilidade desse contrato de seguro por inexactidão dolosa quanto à declaração de risco, nos termos do artigo 25º, nº 1 da LCS:II – Essa incidência (a falsa declaração quanto ao condutor habitual) refere-se a um elemento muito significativo para a apreciação do risco assumido pela seguradora no contrato, com incidência na quantificação do prémio;III – A referida anulabilidade actua, nos termos do artigo 25º, nº 1 da LCS, mediante declaração da seguradora ao tomador do seguro, sendo que isso, descobrindo a seguradora a fraude apenas posteriormente à ocorrência do sinistro, actuará, no quadro de um processo judicial instaurado contra essa seguradora, por via de excepção (invocação pela seguradora na contestação da extinção do contrato por anulabilidade nesse contexto declarada);IV – O disposto no artigo 22º do Decreto-Lei nº 291/2007, de 21 de Agosto (Regime do Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel) não impede a oponibilidade da referida anulabilidade do contrato pela seguradora aos lesados pelo acidente e, reflexamente, ao Fundo de Garantia Automóvel, quando esta entidade exerce a sub-rogação decorrente de ter assumido, perante esses lesados, a responsabilidade indemnizatória emergente do referido acidente.

III – Decisão            3. Assim, na procedência do recurso, revoga-se a Sentença apelada, absolvendo-se o 1º R., C… e a 3ª R. A...Seguros, S.A., do pedido formulado pelo A., condenando-se o 2º R. M…, a satisfazer ao A. Fundo de Garantia Automóvel a quantia de €5.745,81, acrescida dos juros de mora que, contados da data de citação do 2º R. (fls. 84), se venceram e venham a vencer até integral pagamento.            As custas em ambas as instâncias ficam a cargo do 2º R. M… (o A., o Fundo de Garantia Automóvel, tendo ficado vencido nesta apelação, goza da isenção prevista no artigo 4º, nº 1, alínea o) do Regulamento das Custas Processuais).            Tribunal da Relação de Coimbra, recurso julgado, em audiência, na sessão desta 3ª Secção Cível realizada no dia 03/12/2013

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(J. A. Teles Pereira - Relator)(Manuel Capelo)(Jacinto Meca)

[1] Trata-se da data de propositura da presente acção, marcando ela a aplicação à presente instância de recurso do regime processual originariamente decorrente do Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto (v. os respectivos artigos 11º, nº 1 e 12º, nº 1). Não se aplica aqui, desta feita por estar em causa decisão recorrida (a de fls. 214/225) anterior a 1 de Setembro de 2013, o texto do Novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho (v. os respectivos artigos 7º, nº 1 e 8º, cfr. António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra, 2013. p. 15). Assumimos ser discutível se a regra do artigo 7º, nº 1 da Lei nº 41/2013, a única disposição do Diploma introdutório do Novo Código de Processo Civil que se refere à instância de recurso, abrange os recursos referidos a decisões anteriores a 01/09/2013 aos quais já se aplicasse o regime do DL nº 303/2007 – processos instaurados depois de 01/01/2008 –, sendo que quanto a estes, em rigor, não há qualquer regime transitório expressamente definido, pelo que há que entender que, em tais casos, se continuará a aplicar o regime antigo, aqui sinónimo do regime “originário” do DL nº 303/2007, até porque, se o legislador se preocupou em definir um regime para as acções instauradas antes de 01/01/2008, não tem sentido concluir que um regime idêntico também vale para as acções propostas depois dessa data, além de que a “tradição” dos nossos Diplomas introdutórias de reformas profundas do Processo Civil é tratar a instância de recurso individualizadamente.[2] Nos termos do artigo 54º, nº 1 do Decreto-Lei nº 291/2007, de 21 de Agosto (regime legal do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, aqui aplicável, como adiante explicitaremos neste texto).[3] Transcrevem-se aqui os seguintes trechos da petição inicial:“[…]1º. No dia 12 de Agosto de 2009, pelas 12:10, ocorreu um acidente de viação na E.N. 242, ao Km 49, concelho e comarca de Alcobaça, como atestam a participação de acidente de viação e declaração amigável de acidente automóvel que se juntam e aqui se dão por integralmente reproduzidas. (Doc. nº. 1 e Doc. nº. 2).2º. Nele foram intervenientes:a) O veículo …-IB, um ligeiro de passageiros que se designará IB;b) O veículo …-TJ, um ligeiro de passageiros, adiante designado TJ;c) O veículo …-VQ, também ligeiro de passageiros, adiante designado VQ;d) O veículo …-62, ligeiro de passageiros, adiante designado EF.3º. O IB era propriedade do 1º R. e conduzido pelo seu filho, ora 2º R.[…]24º. Tal como resulta da descrição do acidente, o 2º R. foi o único culpado pela sua ocorrência.25º. Conclusão, aliás, apresentada no relatório de averiguação requisitado pela A… SEGUROS, constante no Auto de Ocorrência como seguradora do IB (Doc. nº 3).[…]34º. Como já se referiu, a A… SEGUROS realizou averiguação relativa ao presente acidente de viação,35º. Vindo a constatar, nomeadamente pelo depoimento do próprio condutor do IB (seu presumível segurado), que:36º. O condutor habitual da viatura identificada na apólice, não o era efectivamente.37º. Em consequência, declinou a A… qualquer responsabilidade na ocorrência em apreço, no entendimento de que da falsidade das declarações na contratação do seguro, decorria a sua nulidade. (vide Doc. nº 3)38º. Violavam assim os RR. o artº 133º do Código da Estrada, bem como o preceituado no artº 4º, nº 1º do DL 291/2007, de 21 de Agosto.39º. Os proprietários dos veículos VQ e EF reclamaram junto do Fundo de Garantia Automóvel o ressarcimento dos valores que desembolsaram em virtude do acidente,40º. Já que obtiveram a informação de que o veículo IB não dispunha, à data do acidente, de seguro válido e eficaz.41º. Como lhe competia, por aplicação do artº 48º e seguintes do citado DL

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291/2007.42º. O FGA pagou as indemnizações decorrentes do acidente a que o 2º R. deu causa.[…]46º. Assim, despendeu o FGA um total de €5.745,81, conforme certidão emitida pelo Instituto de Seguros de Portugal, em 26 de Janeiro de 2011. (Doc. nº 9).47º. Satisfeita a indemnização, tem o FGA direito ao reembolso do que houver prestado a título de indemnizações e despesas, nos termos do nº 1 do artigo 54º do Decreto-Lei nº 291/2007 que, sob a epígrafe «Sub-rogação do Fundo», determina que «Satisfeita a indemnização, o Fundo de Garantia Automóvel fica sub-rogado nos direitos do lesado, tendo ainda direito ao juro de mora legal e ao reembolso das despesas que houver feito com a instrução e regularização dos processos de sinistroe de reembolso.»48º. Assim, tem o A. direito a reaver a citada quantia de €5.745,81.[…]”.[4] Dizem os 1º e 2º RR. na contestação:“[…]13º)O Réu C…, proprietário do veículo …-IB, transferiu a sua responsabilidade civil, na qualidade de tomador para a Companhia de Seguros A…, S.A., por contrato de seguro titulado pela apólice nº. …, com início em 19/05/2009 e válido até 19/05/20120, conforme Recibo de Prémio, que se junta e dá por integralmente reproduzido – Doc. nº1;14º)Á data do acidente, o veículo …-IB era conduzido pelo segundo Réu, M…, filho do proprietário e tomador do seguro.15º)Com base nesta ‘informação’, a Companhia de Seguros A…, veio entretanto, declinar qualquer responsabilidade na ocorrência em apreço, no entendimento de que da falsidade das declarações na contratação de seguro, decorria a sua nulidade (vide Doc. nº3) – Artº 37º da P.I.[…]18º)[N]ão é qualquer declaração inexacta ou reticente que pode tornar anulável o contrato de seguro.[…]Por conseguinte;20º)O facto de ter sido indicado, em contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, como proprietário e como condutor habitual pessoa diversa do segurado e tomador do seguro, não torna o contrato nulo, sendo a seguradora responsável nos termos e limites do contrato de seguro.[…]”.[5] Refere a Seguradora na contestação:“[…]1.ºA ora Contestante confirma que celebrou um Contrato de Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel titulado pela apólice n.º …, com o R. C… pelo sobre o veículo automóvel com a matrícula …-IB, conforme doc. 1 que ora se junta e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos,2.ºContudo, conforme supra referido, o contrato de seguro tinha como tomador o ora R. C…,3.ºtendo o mesmo declarado aquando do preenchimento da proposta de seguro que era o proprietário e condutor habitual do veiculo …-IB, conforme cópia da proposta de seguro que ora se junta como doc. 2 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos.

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4.ºTal declaração, como se pode ver pela análise da mesma, foi assinada pelo próprio.5.ºNo entanto aquando da averiguação do presente sinistro o Réu M…, condutor do veículo à data do acidente e filho do tomador do seguro, declarou que ‘Mais informo que necessito do carro porque sou o condutor habitual desde início e Abril quando o meu pai comprou o carro para eu fazer as minhas deslocações diárias, no entanto o carro ficou em nome dele e o seguro porque tenho 19 anos e tinha acabado de tirar a carta e assim ficava mais barato’, conforme cópia de declaração que ora se junta como doc. 3 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos.6.ºAcresce que o 1º Réu, pai do declaratário 2º Réu, e tomador do seguro, confirmou as declarações prestadas pelo seu filho, conforme cópia das declarações que supra se juntaram.8.ºPelo exposto, as declarações prestadas pelo tomador do seguro aquando da sua celebração foram declarações falsas ou inexactas em relação á propriedade e condução habitual da coisa segura.9.ºEm decorrência estamos perante uma inquestionável falta de interesse no objecto seguro.10.ºEm face do disposto no art. 428° n.º 1 do Código Comercial, o contrato de seguro é nulo se aquele por quem ou em nome de quem é outorgado não tiver interesse na coisa segurada.[…]16.ºAcresce a prescrição do art. 429º do Código Comercial que estabelece que ‘Toda a declaração inexacta, assim como toda a reticência de factos ou de circunstâncias conhecidas pelo segurado ou por quem fez o seguro e que poderiam ter influído nas condições da existência do contrato tomam o seguro nulo”.17.ºEstabelece ainda o art. 11º da Apólice Uniforme de Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel que o contrato de seguro se considera nulo e consequentemente não produzirá quaisquer efeitos em caso de sinistro quando da parte do tomador de seguro tenha havido declarações inexactas assim como reticências de factos ou circunstâncias dele conhecidas e que teriam podido influir sobre a existência ou condições do contrato.18.ºCom efeito, tal nulidade justifica-se porquanto se a seguradora, no caso a ora Contestante, tivesse tido conhecimento das circunstâncias que aumentam o risco não teria concluído o contrato ou exigiriam outras condições mais onerosas para o Tomador do Seguro.[…]23.ºNos termos supra expostos, desde já se requer a V. Exa. a declaração da nulidade ab initio do contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel titulado pela apólice n.º ...[…]”.[6] Aqui se transcreve todo o pronunciamento decisório da acção:“[…]• Absolver o réu C… do pedido formulado;• Absolver o réu M… do pedido formulado;• Condenar a ré Companhia de Seguros A…, SA, no pagamento ao autor Fundo de Garantia Automóvel, da quantia de €5.745,81 (cinco mil, setecentos e quarenta e cinco euros e oitenta e um cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal em vigor para as obrigações civis, contabilizados desde a data de citação da referida ré nos presentes autos até efectivo e integral pagamento.[…]”.

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[7] Em qualquer caso, v. o Acórdão do STJ de 03/06/2011 (Pereira da Silva), proferido no processo nº 527/05.8TBVNO.C1.S1, cujo sumário está disponível na base do ITIJ, directamente, no seguinte endereço:http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/f9dd7bb05e5140b1802578bf00470473:Sumário:“[…][O] que baliza o âmbito do recurso, tal sendo, afora as de conhecimento oficioso, as questões levadas às conclusões da alegação do recorrente, extraídas da respectiva motivação (artigos 684.º n.º 3 e 690.º n.º 1 do CPC), defeso é o conhecimento de questão não aflorada naquelas, ainda que versada no corpo alegatório.[…]”.[8] Que estabelece que, “[s]atisfeita a indemnização, o [Fundo] fica sub-rogado nos direitos do lesado […]”.[9] V. item 2.2.1.1., infra. [10] Tudo em Maio de 2009, sendo que o acidente ocorreu logo – como que confirmando o sentido da extrapolação estatística quanto ao risco acrescido representado por um recém-encartado – em 12 de Agosto de 2009.[11] “[D]a identificação do condutor habitual depende a análise do risco segurável e a aplicação de condições mais ou menos favoráveis ao contrato (sobretudo quanto ao prémio). Como a relevância da questão é consabida do público em geral, a apetência por condições mais vantajosas leva, com alguma frequência, a que seja omitida a identidade do verdadeiro condutor e indicada, para esse efeito, a de outra pessoa.” (Luís Poças, O Dever de Declaração Inicial do Risco no Contrato de Seguro, Coimbra, 2013, p. 685).[12] Margarida Lima Rego, Contrato de Seguro e Terceiros, Coimbra, 2010, p. 66.[13] “A delimitação do universo de eventos que há-de ser abrangido pela cobertura faz-se, no drafting, segundo uma técnica consagrada de regras e excepções em níveis sucessivos: afirmações e negações, seguidas de negações parciais destas, e por vezes ainda de negações parciais destas últimas.Desta técnica resulta, no primeiro nível, uma definição básica da cobertura de certo conjunto de eventos, chamada definição ou delimitação primária da cobertura; depois um conjunto de exclusões, que especificam subconjuntos desse conjunto que não ficam abrangidos pelo contrato, e que formam a delimitação secundária; e muitas vezes é preciso ainda especificar subconjuntos destes últimos subconjuntos, que voltam a ser declarados como parte do âmbito da cobertura. Tudo isto porque a linguagem comum não fornece instrumentos para delimitar mais economicamente os eventos cobertos; só pela combinação de múltiplas descrições segundo certas relações lógicas se pode chegar a uma delimitação que satisfaça razoavelmente os fins práticos da contratação” (José António Veloso, “Riscos, Transferência de Risco, Transferência de Responsabilidade”, in Estudos em Memória do Professor Doutor José Dias Marques, Coimbra, 2007, pp. 317/318).[14] Correspondendo à essência do contrato de seguro o assumir (remunerado) de um risco (de um risco que apresenta, fundamentalmente, uma expressão pecuniária), por referência à ocorrência de um evento futuro e incerto, percebe-se a natureza estratégica, no processo de construção do contrato, dos elementos dos quais depende, em larga medida, a antecipação probabilística desse risco, enquanto referencial de quantificação da remuneração devida à seguradora (do prémio). O seguro, tanto numa acepção jurídica como económica, traduz uma forma de “gestão do risco” (risk management), através da minimização das suas consequências. Opera por transferência equitativa desse risco (mais propriamente das consequências patrimoniais desse risco) de uma entidade para outra, sendo que a assunção do risco por esta última (a seguradora) tem como contrapartida o recebimento de um “prémio”, enquanto prestação fixa a cargo do transferente do risco (segurado ou tomador). O seguro expressa, para o segurado ou tomador, uma racionalidade económica básica: o assumir de uma pequena e previsível perda patrimonial (o pagamento do prémio) como forma de fazer face a uma hipotética grande perda (“guaranteed and known small loss to prevent a large, possibly devastating loss”, v. as entradas

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Insurance e Risk management na versão inglesa da “Wikipedia”, respectivamente, nos seguintes endereços: http://en.wikipedia.org/wiki/Insurance e http://en.wikipedia.org/wiki/Risk_management). Para a seguradora, a racionalidade económica do seguro expressa-se, por um lado, na avaliação do risco, seleccionando o assumir deste em função da probabilidade de ocorrência do evento e fixando o montante do prémio com a mesma base (é o processo que, na terminologia anglo-saxónica, se designa por underwriting, v., de novo na “Wikipedia”, http://en.wikipedia.org/wiki/Underwriting) e, por outro lado, numa política de investimento dos recursos obtidos através do percebimento dos prémios, como forma de gerar recursos acrescidos, relativamente às satisfações decorrentes da materialização da utilidade do seguro para o segurado (a concretização das chamadas claims).A forma de avaliação do risco pela seguradora baseia-se na “Ciência Actuarial” (“[a]ctuarial science is the discipline that applies mathematical and statistical methods to assess risk in the insurance and finance industries”, v. http://en.wikipedia.org/wiki/Actuarial_science), sendo que a avaliação probabilística a que esta fornece uma base de trabalho assenta, fundamentalmente, no núcleo de informações relevantes para essa operação prestados pelo segurado ou tomador à seguradora, associado à descrição rigorosa dos contornos do evento concretizador do risco assumido. [15] V. Luís Poças, O Dever de Declaração Inicial…, cit., pp. 326/327.[16] “Para além das exclusões e anulabilidades que sejam estabelecidas no presente diploma, a seguradora apenas pode opor aos lesados a cessação do contrato nos termos do nº 1 do artigo anterior [refere-se à alienação do veículo], ou a sua resolução ou nulidade, nos termos legais e regulamentares em vigor, desde que anteriores à data do sinistro”.[17] “Para além das exclusões e anulabilidades que sejam estabelecidas no presente decreto-lei, a empresa de seguros apenas pode opor aos lesados a cessação do contrato nos termos do nº 1 do artigo anterior [também se refere à alienação do veículo], ou a sua resolução ou nulidade, nos termos legais e regulamentares em vigor, desde que anteriores à data do sinistro”.[18] Aqui o transcrevemos antecedido do artigo 24º, nº 1 para o qual o artigo 25º remete:Artigo 24ºDeclaração inicial do risco1 — O tomador do seguro ou o segurado está obrigado, antes da celebração do contrato, a declarar com exactidão todas as circunstâncias que conheça e razoavelmente deva ter por significativas para a apreciação do risco pelo segurador.Artigo 25ºOmissões ou inexactidões dolosas1 – Em caso de incumprimento doloso do dever referido no n.º 1 do artigo anterior, o contrato é anulável mediante declaração enviada pelo segurador ao tomador do seguro.2 — Não tendo ocorrido sinistro, a declaração referida no número anterior deve ser enviada no prazo de três meses a contar do conhecimento daquele incumprimento.3 — O segurador não está obrigado a cobrir o sinistro que ocorra antes de ter tido conhecimento do incumprimento doloso referido no n.º 1 ou no decurso do prazo previsto no número anterior, seguindo-se o regime geral da anulabilidade.

[19] “Compreendia-se que as reticências do segurado, capazes de falsear totalmente o contrato, devessem ser sancionadas com uma invalidade. Mas não se entenderia porquê um desvio tão grande em relação aos regimes do erro e do dolo – artigos 252º e 254º do Código Civil – que remetem, mesmo nos casos mais graves, para a anulabilidade. Por isso, devia prevalecer a interpretação actualista que, no artigo 429º, via uma simples anulabilidade” [António Menezes Cordeiro, Direito dos Seguros, Coimbra, 2013, p. 574; v. a anotação de Arnaldo da Costa Oliveira ao artigo 25º da LCS, in Lei do Contrato de Seguro anotada, 2º ed., Coimbra, 2011, pp. 155/157; cfr. José Alberto Vieira, “O Dever de Informação do Tomador de Seguro em Contrato de Seguro Automóvel”, in Estudos em Memória do Professor Doutor

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António Marques dos Santos, Vol. I, Coimbra, 2005, pp. 1007/1008, note-se que este Autor, reconhecendo ser diferente o entendimento maioritário, entende que o artigo 429º do Código Comercial consagra uma verdadeira nulidade (p. 1013)].Na jurisprudência, entre muitos exemplos possíveis, v. o Acórdão desta Relação de 21/09/2010, proferido pelo ora relator no processo nº 337/08.0TBALB.C1, consultado em:http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/3300e48a0bd6b9c8802577b5004d9ce.Sumário:“[…]V – A consequência, relativamente ao contrato, da existência de desvalores não atribuíveis à seguradora no processo de recolha de informação conducente à celebração do contrato, enquanto elemento induzido pelo próprio beneficiário ou por quem faz o seguro através da prestação activa ou omissiva de informações não conformes à realidade, conduz a que o negócio assente, face à seguradora, numa base falseada. VI – Este desvalor acarreta a anulabilidade do contrato, no regime do Código Comercial, por aplicação, terminologicamente actualizada, do artigo 429º deste Diploma.[…]”.[20] “O final do artigo 25º/1 aponta a consequência das reticências dolosas: o contrato é anulável mediante declaração enviada pelo segurador ao tomador do contrato. Trata-se de uma anulabilidade sui generis, uma vez que ela se distancia, em diversos aspectos, do regime comum.- a anulação opera mediante declaração enviada ao tomador do seguro: pela nossa parte não aderimos, no direito civil, à ideia de que a anulação exige uma acção judicial, no que traduziria uma inacreditável benesse aos prevaricadores; de todo o modo, a expressa indicação de que (só) por uma declaração se provoca o efeito anulatório é uma especialidade” (António Menezes Cordeiro, Direito dos Seguros, cit., p. 584).[21] “Assim [como excepções peremptórias inominadas] as nulidades ou as anulabilidades dos negócios jurídicos […]” (Manuel A. Domingues de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra, 1979, p. 137).[22] “O Dever de Informação do Tomador de Seguro…”, cit., p. 1019.[23] “O Dever de Informação do Tomador de Seguro…”, cit., pp. 1018/1019.[24] O Dever de Declaração Inicial…, cit., p. 689.[25] Aderimos aqui ao particular entendimento do artigo 147º da LCS propugnado por Luís Poças: O Dever de Declaração Inicial…, cit., pp. 696/698.[26] Publicada no Diário da República – II Série, nº 16 de 19 de Janeiro de 2001. [27] Como indica Luís Poças, O Dever de Declaração Inicial…, cit., p. 688, nota 2480.[28] V. o texto da Norma Regulamentar e das “Condições Gerais” no Diário da República – II Série, nº 240, de 12 de Dezembro de 2008 e no sítio do Instituto de Seguros de Portugal no seguinte endereço: http://www.isp.pt/winlib/cgi/winlibimg.exe?key=&doc=17713&img=2642. V., quanto à aplicação ao contrato aqui em causa, celebrado em Maio de 2009, o artigo 4º da referida Norma:Artigo 4.ºAplicação no tempo aos contratos celebrados a partir de 1 de Janeiro de 2009A Parte Uniforme das Condições Gerais da Apólice de Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel aplica-se aos contratos celebrados a partir de 1 de Janeiro de 2009, com as condicionantes previstas nos artigos anteriores, devendo a apólice ser entregue aquando da celebração, nos termos legais.[29] Sobre a actuação destas cláusulas nos contratos, v. os “comentários complementares” de Arnaldo Costa Oliveira ao artigo 13º da LCS, in Lei do Contrato de Seguro anotada, cit., pp. 70/71. [30] Vale a respeito deste tipo de imperatividade o artigo 2º da Norma Regulamentar nº 14/2008-R, sendo que não existiu nas condições deste contrato o estabelecimento de regime divergente mais favorável ao tomador:Artigo 2ºSubstituição em concreto do previsto na Parte Uniforme

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1- O previsto nas cláusulas preliminar, n.º 4, 1.ª parte, e cláusulas 3.ª, n.º 4, 9.ª, nº 3, 12.ª, 14.ª, 16.ª, 17.ª, nº 3, 2.ª parte, 18.ª, nºs 2 e 8, 21.ª, 22.ª, 24.ª, nºs 1, 2.ª parte, e 2, 1ª. parte, 25.ª, 29.ª, com excepção da 2.ª parte do n.º 2, 30.ª, e 36.ª é, nos termos da lei, absolutamente imperativo, não admitindo convenção em concreto em contrário. 2- O previsto nas cláusulas preliminar, n.os 4, 2.ª parte, 5 e 6, e cláusulas 2.ª, 3ª., n.os 1 a 3, 4.ª a 8.ª , 9.ª, n.os 1 e 2, 10.ª, 13.ª, 17.ª, n.os 1, 1.ª parte, e 3, 1.ª parte, 18.ª, n.os 1, 2.ª parte, e 3, 1.ª parte, 23.ª, 24.ª, nº 2, 2.ª parte, 26.ª a 28.ª, 29.ª, n.º 2, 2.ª parte, 31.ª, 32.ª, n.º 2, 33.ª, 34.ª e 35.ª, n.º 1 é, nos termos da lei, relativamente imperativo, admitindo convenção em concreto mais favorável ao tomador do seguro, segurado ou ao beneficiário da prestação de seguro, sem prejuízo do fixado no n.º 4 . 3- O previsto, de forma abstracta, nas cláusulas 9.ª, n.º 3, 16.ª, 17.ª, n.º 1, 18.ª, n.º 8, 30.ª, e 35.ª, n.º 1, é substituível por indicação concreta. 4- Nos contratos relativos a seguros de grandes riscos, o previsto nas cláusulas identificadas no n.º 2 admite, nos termos legais, convenção em concreto em qualquer sentido, mas sem prejuízo do disposto na lei geral, nomeadamente no regime das cláusulas contratuais gerais, e, bem assim, sem que da convenção possa resultar em restrição do âmbito da cobertura decorrente do previsto nas cláusulas 2.ª a 5.ª e 23.ª. 5- As disposições da Parte Uniforme não identificadas nos n.os 1 e 2 são supletivas.6- Aquando do registo das condições gerais e especiais das apólices no Instituto de Seguros de Portugal, para efeitos de supervisão dos seguros obrigatórios, as empresas de seguros identificam as cláusulas contratuais diversas das da Parte Uniforme.Sobre a imperatividade relativa nas normas de contratos de seguros, v. António Menezes Cordeiro, Direito dos Seguros, cit. Pp. 462/464.[31] Acórdão do STJ de 18/02/2002 (Moitinho de Almeida), proferido no processo nº 02B3891, consultado em:http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/ac0ad956c57d941c80256ce10035e2a6. [32] Neste sentido, referindo-se ainda ao DL 522/85 (mas depois da redacção neste introduzida pelo Decreto-Lei nº 130/94, de 19 de Maio), v. José Alberto Vieira, “O Dever de Informação do Tomador de Seguro…”, cit., pp. 1019/1022.[33] Não ao 1º R., seu pai e testa-de-ferro no seguro, que não conduzia a viatura no momento do acidente nem utilizava o 2º R. como seu comissário: foi no quadro da condução habitual do IB pelo 2º R. que se deu, por culpa deste, o acidente, como resulta da matéria de facto provada.

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Acórdãos TRE Acórdão do Tribunal da Relação de Évora

Processo: 130/09.3TBETZ.E1Relator: FRANCISCO MATOSDescritores: CONTRATO DE SEGURO

NULIDADE DO CONTRATO DE SEGURODECLARAÇÃO INEXACTA

Data do Acordão: 03/22/2012Votação: UNANIMIDADETexto Integral: S

Meio Processual: APELAÇÃODecisão: REVOGADA A SENTENÇA

Sumário: - Constituem motivo de anulabilidade do contrato de seguro as omissões e declarações inexactas que objectivamente analisadas por um declaratário normal colocado na posição da seguradora, sejam essenciais para a apreciação do risco por parte desta ou susceptíveis de determinar uma diferente decisão sobre a proposta que lhe é apresentada.- É inexacta a declaração do segurado que, sofrendo de hidrocefalia, nas respostas ao questionário, prévio a celebração do contrato de seguro de vida, sobre o estado de saúde, responde “não” à pergunta “teve ou tem qualquer doença” e “sim” à pergunta “goza de boa saúde”.

Decisão Texto Integral:

Proc. nº 130/09.3TBETZ.E1Estremoz

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

Apelante/ré: F..., S.A.Apelada/autora: M., por si e em representação de seu filho menor, JC..

1.1. No Tribunal Judicial de Estremoz, intentou M. a presente acção declarativa, com processo ordinário, contra a apelante visando a condenação desta a pagar, em sua substituição, o capital e juros em dívida nos contratos de mútuo que, em conjunto com o seu falecido marido, contraiu junto da C…, as prestações pagas após o decesso deste, imposto de selo, comissões e demais despesas.Resumindo, sem prejuízo na essência, alegou: Haver contraído, em conjunto com o seu marido, dois empréstimos, um no montante de € 67.500,00 para compra de um imóvel, outro no montante de € 12.500,00, ambos a pagar em prestações mensais.

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Para garantia do reembolso do capital e juros em caso de morte ou invalidez absoluta e definitiva de qualquer um dos elementos do casal, celebraram com a ré dois contratos de seguro “vida grupo”, cuja beneficiária é a C....O seu marido faleceu em 23 de Fevereiro de 2008.A ré, não obstante interpelada para o efeito, não cumpriu as obrigações decorrentes do contrato de seguro e é a autora que continua a pagar, as prestações destinadas a amortizar os empréstimos.A ré contestou pugnando pela declaração de nulidade dos contratos de seguro celebrados e em consequência pela improcedência da acção.Resumindo, justificou:A causa do óbito do falecido marido da autora foi hidrocefalia devida a sequelas de meningite de infância. A hidrocefalia é uma doença grave que tem efeitos notórios no desenvolvimento do corpo e no estado de saúde geral do portador da doença ao longo da vida. O falecido não a podia ignorar.Nas propostas de seguro, quer a autora, quer o marido, responderam que gozavam de boa saúde. A omissão sobre a patologia hidrocefalia foi determinante para a aceitação do seguro.Toda a declaração inexacta, assim como toda a reticência de factos ou circunstâncias conhecidas pelo segurado ou por quem fez o seguro e que teriam podido influir sobre a existência ou condições do contrato, como é o caso, tornam o seguro nulo.Razão pela qual, considera, a autora não tem o direito a que se arroga.A autora ainda respondeu afirmando que à data do preenchimento das propostas de seguro, o falecido marido da autora não tinha sintomas da maleita que lhe causou a morte, nem esta se fez sentir ao longo da sua vida, daqui a inexistência do apontado erro ou incorrecção no preenchimento das propostas. Razão porque não se verifica a nulidade do contrato que a ré excepciona.

1.2. Designado dia para a realização de uma audiência preliminar e não se logrando a conciliação das partes, foi condensado o processo com factos provados e base instrutória[1]. Teve lugar a audiência de discussão e julgamento foi proferido, sem reclamações, despacho que respondeu à matéria de facto incluída na base instrutória[2] e depois proferida sentença[3] que julgou procedente a acção e condenou a ré:“…a pagar à C..., SA em substituição dos AA. o montante em divida nos contratos de mútuo a título de capital e juros e o Imposto de Selo a calcular sobre a totalidade dos juros e comissões que venham a ser exigidos, nos termos do nº 17.2 da tabela Geral do Imposto de Selo.Condeno ainda a Ré a pagar aos AA. todas as importâncias já dispendidas e a dispender, em resultado do incumprimento dos contratos de seguro já identificados, nomeadamente todas as prestações pagas desde a morte do JA., bem como todas as despesas realizadas e a realizar estas a liquidar em execução de sentença.Custas pela Ré.”[4]

1.3. É desta decisão que a ré, inconformada, interpôs o presente recurso, exarando as seguintes conclusões que se transcrevem:1) A causa da morte da pessoa seguia foi "Hidrocefalia", "Sequelas de meningite na infância" e "Hipertrofia do coração"; 2) Nos boletins de adesão ou propostas de seguros, perguntava-se quais eram os antecedentes pessoais das pessoas a segurar; e 3) A todas as perguntas foram dadas respostas negativas sobre as doenças aí referidas, à excepção da doença dos olhos, sobre a qual o falecido respondeu afirmativamente; 4) Sobre se gozariam de boa saúde, responderam "Sim", quando podiam e deviam dizer a verdade, contando que já tivera hidrocefalia e outras patologias.5) As mesmas propostas têm impressa uma declaração, segundo a qual

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respondiam com verdade e completamente a todas as perguntas, conscientes de que quaisquer declarações incompletas, inexactas ou omissas, que pudessem induzir a seguradora em erro, tomavam este contrato nulo e de nenhum efeito, qualquer que fosse a data em que a seguradora tomasse delas conhecimento;6) E ainda outra declaração, segundo a qual tomaram conhecimento que estava excluída qualquer incapacidade física pré-existente: Por isso não podiam ignorar a importância das suas declarações.7) O medico assistente do falecido, Dr. JL., emitiu um relatório segundo o qual diz que conhecia o doente, era seu médico desde 29 de Outubro de 1999; E que os diagnósticos principais eram a hidrocefalia aos três meses de idade; baixa acuidade visual e obesidade; 8) Em 19/9/2005 enviou-o pala reavaliação em consulta de neurologia no Hospital de Santa Maria e voltou a consulta-lo em Janeiro e Fevereiro de 2008; 9) Caso a Ré tivesse conhecimento de que o falecido tinha tido hidrocefalia em bebé, tinha pedido mais exames complementares antes de aceitar ou não a proposta de seguro, o que era determinante para avaliação do risco e cálculo do premio do seguro.10) A Ré apenas soube a situação clínica do segurado através da certidão de óbito na qual o Dr P., médico legista, que declarou que a causa da morte foi a) Hidrocefalia; b) sequelas de meningite na infância; c) hipertrofia do coração, factos que eram do desconhecimento da seguradora. 11) São patologias crónicas e persistentes que o segurado não podia ignorar. 12) A douta sentença exprime, desde logo, uma nítida contradição entre os seus fundamentos e a decisão. Dizendo, nomeadamente, que a referida declaração inexacta ou reticente deve respeitar a factos ou circunstâncias conhecidas do candidato a segurado ou tomador do seguro tais, que se fossem conhecidas da seguradora, a levariam a recusa de contratar ou a contratar em distintas condições, conforme resulta do § único do normativo em analise, a lei não exige que o candidato a segurado ou o tomador do contrato de seguro tenha agido com dolo, mas pressupõe que conheça, aquando da subscrição da proposta contratual, dos factos e circunstâncias a que a lei se reporta, o que é verdade. 13) Mas concluiu que não está provado que o falecido tenha produzido no inquérito declaração falsa ou reticente sobre factos ou circunstâncias suas conhecidas influentes sobre a existência ou as condições do contrato de seguro, quando, está provado o contrário de tudo isto. O segurado falecido declarou que não tinha defeito físico, não teve nem tinha qualquer doença, o que era falso. E foi determinante para a aceitação do seguro nas condições em que foi aceite.14) Salvo o devido respeito, entendemos que a douta sentença de que se recorre é nula nos termos do art 668 nº1 c) do C.P.C. e violou flagrantemente o artº 427 do C Comercial, em conjugação com as condições gerais da apólice, e art 429 do mesmo código, em vigor na data da celebração do contrato de seguro. Termos em que deve ser anulada a sentença recorrida e substituída por outra que absolva a Ré do pedido.”[5] A recorrida não respondeu.O recurso foi admitido como de apelação.Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

2. Objecto do recurso.O objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, como resulta do disposto nos artºs. 684º, nº3 e 685º-A, nº1, ambos do Código de Processo Civil (doravante CPC).Vistas estas, importa decidir se:- a sentença recorrida é nula por oposição entre os fundamentos e a decisão;- é inválido o contrato de seguro.

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3. Fundamentação.3.1 Factos.A decisão recorrida considerou provados os seguintes factos:1) Por escritura pública outorgada em 08/94/2005, no cartório Notarial de Estremoz, a ora A. e seu marido, JA., compraram o prédio urbano destinado à habitação própria, inscrito na matriz da freguesia e concelho de Sousel sob o art.° …; 2) Para a compra do indicado imóvel, a ora Autora e o marido celebraram com a C..., S.A., um acordo denominado contrato de mútuo, através do qual esta entidade bancária, concedeu-lhes um empréstimo no montante de €67.500,OO; 3) Empréstimo que deveria ser pago em prestações mensais, pelo prazo de vinte anos; 4) Por escritura pública outorgada em 02/02/2006, no Cartório Notarial de …, em Estremoz, a ora Autora e o marido celebraram com a mesma C..., S.A., um acordo denominado contrato de mútuo com hipoteca, através do qual esta entidade lhe concedeu um empréstimo da quantia de €12.500,00; 5) Empréstimo que devia ser amortizado em prestações mensais, no prazo de quinze anos; 6) Para concessão desses montantes, além da hipoteca sobre o imóvel supra descrito, a C... exigiu à ora Autora e marido a celebração de um acordo denominado contrato de seguro de vida por ambos, que garantisse o reembolso do capital mutuado e juros, em caso de morte ou invalidez absoluta e definitiva de qualquer um dos elementos do casal; 7) Por propostas de 04/02/2005 e 19/12/2005, a ora autora e marido celebraram com a F...S.A. dois acordos denominados contratos de seguro "vida grupo", titulados pelas apólices n.ºs 110 500 1500 e 110 500 1152 sujeitos às condições constantes de fls. 67 a 82, cujo teor damos aqui por integralmente reproduzido; 8) Contratos que tiveram o seu início, respectivamente, em 08/04/2005 e 02/02/2006; 9) Nos quais figura como beneficiária a C...; 10) Contratos que garantem o "pagamento do capital máximo em divida em cada anuidade", em caso de morte até ao 75 anos, ou invalidez permanente por doença ou acidente, até aos 65 anos; 11) Com "exclusão da invalidez resultante da miopia e suas consequências";12) JA. morreu em 23 de Fevereiro de 2008; 13) Como causas da morte foram indicadas: "Hidrocefalia", "Sequelas de meningite na infância" e "Hipertrofia do coração"; 14) Apesar de solicitado o pagamento do capital em dívida, a ora Ré não pagou; 15) A data da morte, JA. era casado com a ora Autora, tendo ambos contraído matrimónio em 10 de Abril de 2001; 16) Do seu casamento nasceu o representado da ora Autora, JC., em 13 de Janeiro de 2000; 17) Nos boletins de adesão ou propostas de seguros, de fls. 30, 32, 33 a 38, cujo teor se dá aqui por reproduzido, perguntava-se quais eram os antecedentes pessoais das pessoas a segurar;18) A todas as perguntas foram dadas respostas negativas sobre as doenças aí referidas, a excepção da doença dos olhos, sobre a qual o falecido respondeu afirmativamente; 19) Sobre se gozariam de boa saúde, responderam "Sim"; 20) As mesmas propostas têm impressa uma declaração, segundo a qual respondiam com verdade e completamente a todas as perguntas, conscientes de que quaisquer declarações incompletas, inexactas ou omissas, que pudessem induzir a seguradora em erro, tornavam este contrato nulo e de nenhum efeito, qualquer que fosse a data em que a seguradora tomasse delas conhecimento; 21) E ainda outra declaração, segundo a qual tomaram conhecimento que estava excluída qualquer incapacidade física pré-existente;

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22) O médico assistente do falecido, Dr. JL., emitiu um relatório segundo o qual diz que conhecia o doente, era seu médico desde 29 de Outubro de 1999; 23) E que os diagnósticos principais eram a hidrocefalia aos três meses de idade; baixa acuidade visual e obesidade; 24) Em 19/9/2005 enviou-o para reavaliação em consulta de neurologia no Hospital de Santa Maria e voltou a consultá-lo em Janeiro e Fevereiro de 2008; 25) Por conta do empréstimo supra mencionado (Al. B)) e a que foi atribuído o n.º 0795.006647.085-0019, desde a morte do JA., os ora AA despenderam até esta data a quantia de €4.079,40 (€2.301,26 de capital e € 1.763,84 de juros e €14,30 de despesas).26) Por conta do empréstimo supra mencionado (A1. D)), ao qual foi atribuído o n.º 0795.006647.085.0027, desde a morte de JA., os AA despenderam a quantia de €1,031,68 (€312,65 a título de amortização de capital, €677,56 de juros e €41,47 de despesas).27) Caso a Ré tivesse conhecimento de que o falecido tinha tido hidrocefalia em bebé, tinha pedido mais exames complementares antes de aceitar ou não a proposta de seguro.

3.2. Do direito.3.2.1. Nulidade da sentença. “ 1- É nula a sentença quando:… c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão;”A sentença comporta, em regra, um silogismo judiciário em que a premissa maior é a lei, a premissa menor são os factos que se provam no caso concreto e a conclusão é a decisão. Num silogismo, as premissas são os juízos que precedem a conclusão e dos quais ela decorre como consequente necessário dos antecedentes, dos quais se infere a consequência. No silogismo judiciário as premissas, ou juízos, são os fundamentos e a conclusão é a decisão propriamente dita. Devendo esta inferir-se daqueles como seu consequente necessário; a lei considera nula a sentença que não observe este método dedutivo.Por regra, as coisas não são tão lineares. A sentença não comporta um, mas vários silogismos judiciários, cujas conclusões funcionam como premissas de outras conclusões que se interligam até à decisão final. Seja como for, deverá ser sempre lógica a relação entre os fundamentos e a decisão, no sentido de que esta só é formalmente válida quando racionalmente decorra daqueles.A oposição surge quando “… os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto.”[6]

Se os fundamentos são exíguos para suportar a decisão, o erro não é de construção da sentença mas de julgamento. “A inidoneidade dos fundamentos para conduzir à decisão traduz um erro de julgamento, mas não é motivo de nulidade.”[7] A recorrente encontra este vício – oposição entre os fundamentos e a decisão - na sentença, se bem interpretamos o seu pensamento, na parte em que a mesma afirma que a declaração inexacta ou reticente deve respeitar a factos ou circunstâncias conhecidas do candidato a segurado ou tomador do seguro tais, que se fossem conhecidas da seguradora, a levariam a recusa de contratar ou a contratar em distintas condições … mas concluiu que não está provado que o falecido tenha produzido no inquérito declaração falsa ou reticente sobre factos ou circunstâncias suas conhecidas influentes sobre a existência ou as condições do contrato de seguro, quando, está provado o contrário de tudo isto.Analisando esta arguição à luz do que ficou dito, já se vê que não ocorre a apontada nulidade da sentença. E não ocorre porque o erro que se aponta não traduz um vício no raciocínio dedutivo da sentença – o que poderia ocorrer caso se considerasse provado que o falecido tinha produzido declaração falsa ou reticente e ainda assim se houvesse decidido como se decidiu. O erro que a

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recorrente aponta consiste em se haver concluído que não está provado que o falecido tenha produzido no inquérito declaração falsa ou reticente sobre factos ou circunstâncias suas conhecidas … quando, está provado o contrário de tudo isto, ora, este, a existir, não se reporta a uma qualquer oposição intrínseca entre os fundamentos e a decisão, mas sim a um erro de formulação – erro de julgamento – da premissa (fundamento de facto) em que a decisão se fundou.Tal erro, a existir e a seu tempo ver-se-á se existe, traduz um erro de julgamento na valoração da matéria de facto e não uma oposição entre os fundamentos sentença e a decisão, razão pela qual não constitui causa de nulidade da sentença.

3.2.2. Invalidade do contrato de seguro.Não se questiona a qualificação do contrato exibido nos autos, como um contrato de seguro de vida, tendo como segurado o falecido marido da autora, como segurador a ré e como beneficiária a C.... Contrato através do qual a seguradora assumiu a obrigação, mediante a retribuição a pagar pelo falecido segurado, de satisfazer o pagamento do capital em dívida, à mutuante Caixa, em caso de morte ou invalidez total e permanente, por doença ou acidente.Também se aceita a aplicabilidade do regime previsto no art. 429º C. Comercial, onde se estabelece que:“Toda a declaração inexacta, assim como toda a reticência de factos ou circunstâncias conhecidas pelo segurado ou por quem fez o seguro, e que teriam podido influir sobre a existência ou condições do contrato tornam o seguro nulo.§ único. Se da parte de quem fez as declarações tiver havido má-fé o segurador terá direito ao prémio.” Como se já escreveu no Ac. STJ de 8/6/2010[8]: “A declaração inexacta é a afirmação errónea, que tanto pode ser dolosa (de má fé) como involuntária (negligente); a declaração reticente traduz-se na omissão de factos ou circunstâncias que importam para a avaliação do risco, e que devem ser do conhecimento do segurado.” Sobre o segurado recai, pois, “o dever de declaração do risco, pois, se não completar a declaração … tendo conhecimento de factos ou circunstâncias que teriam podido influir sobre a existência ou condições do contrato, perde o direito à prestação do segurador.”[9]

Qual bonus pater familiae observando as regras da boa fé, incumbe ao segurado a obrigação de declarar o que deve conhecer, em termos de normalidade de vida e seja relevante para a apreciação do risco pelo segurador.No caso, as declarações do segurado constam de um “questionário” e foi o preenchimento e subscrição deste que constituíram a declaração negocial em que a seguradora assentou contratar e fixou as respectivas condições. Foi através do questionário que a seguradora fez saber ao segurado “as circunstâncias concretas em que se baseou para assumir o risco”.[10] Questionário, que no dizer do Ac. do STJ de 6/7/11[11], citando Moitinho de Almeida «consiste numa facilitação concedida pelo segurador ao segurado, assente na probidade das informações e na boa fé deste último, com vista a evitar um complexo de averiguações e exames, não devendo redundar em prejuízo daquele». Questionário donde consta subscrita - pelo segurado - a advertência expressa que respondia com verdade e completamente a todas as perguntas, consciente de que quaisquer declarações incompletas, inexactas ou omissas, que pudessem induzir a seguradora em erro, tornavam …(o) contrato nulo e de nenhum efeito, qualquer que fosse a data em que a seguradora tomasse delas conhecimento.[12] Declaração genérica que os factos, em concreto demonstrados, não comprovam e, estamos em crer, infirmam.As informações nosológicas do falecido surgiram nos autos, por via do seu

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médico assistente, com os diagnósticos principais de hidrocefalia aos três meses de idade, baixa acuidade visual e obesidade, que o consultou em 19/9/2005, data em que o enviou para reavaliação em consulta de neurologia no Hospital de Santa Maria, voltando-o a consultar em Janeiro e Fevereiro de 2008.[13] Hidrocefalia devida ou consecutiva a sequelas de meningite na infância que, no dia 23/2/2008, lhe viria a causar a morte[14].Nestas circunstâncias têm de haver-se por inexactas – afirmações erróneas – a respostas do segurado assinaladas na quadrícula “não” à pergunta do questionário “teve ou tem qualquer doença?” e a assinalada na quadrícula “sim” à pergunta “goza de boa saúde?”; o que emerge com suficiente evidência porquanto à data da declaração - 19/12/2005 – fazia exactamente três meses que o seu médico assistente o havia enviado para uma consulta de reavaliação na especialidade de neurologia.[15] Na terminologia médica, como na linguagem comum, só é reavaliado quem já foi avaliado. Se foi remetido, pelo seu médico assistente, para uma consulta de reavaliação, na especialidade de neurologia com o diagnóstico de hidrocefalia, três meses antes de preencher o questionário, denominado “declaração do estado de saúde”, não se pode validamente sustentar, salvo melhor opinião, que não conhecia - não sabia – que tinha alguma doença primeiro, já se disse, porque a consulta de reavaliação pressupõe que a doença já havia sido avaliada/diagnosticada, ou seja, já era conhecida – quer do médico assistente, quer do falecido segurado; depois porque a hidrocefalia pode determinar – como determinou - a morte e, como tal, só pode ser havida como uma doença e uma doença grave que o segurado, à luz das regras da experiência e da normalidade da vida, não só não ignorava, como constituiria para si e para a autora, legitimamente, motivo de séria preocupação[16]. Ao marido da autora – bem como a esta - era exigível responder ao questionário sem omissões, com rigor e objectividade, na consideração que as respostas iriam servir de base – como serviram - à apreciação da aceitação e condições do contrato de seguro condicionando, desde logo, a dispensa ou a realização de exames médicos, uma vez que a ré os não exigiu em virtude do teor das referidas respostas. Porque inexactas relevam para efeitos de anulabilidade do contrato de seguro, desde que susceptíveis de influir sobre a vontade de contratar ou sobre as condições do contrato. Afirmou-se, e bem, na sentença recorrida, não exactamente com as mesmas palavras, que não é qualquer declaração inexacta ou reticente que possibilita a anulação do seguro, tem de se tratar de declarações inexactas ou reticentes quanto a factos ou circunstâncias conhecidas pelo segurado ou por quem fez o seguro e que teriam podido influir sobre a existência ou as condições do contrato. É o caso. Demonstrando a ré, como demonstrou, que caso tivesse conhecimento de que o falecido tinha tido hidrocefalia em bebé, tinha pedido mais exames complementares antes de aceitar ou não a proposta de seguro[17], estamos perante uma declaração inexacta que teria podido influir sobre a própria existência do contrato pois tudo dependeria, como se vê, do resultado dos exames.Preenchidos, pois, se mostram os pressupostos da anulabilidade do contrato do contrato de seguro o que determina a improcedência dos pedidos formulados pela autora.Reconhecendo-se razão à recorrente, importa revogar a decisão recorrida.

Em síntese:- Constituem motivo de anulabilidade do contrato de seguro as omissões e declarações inexactas que objectivamente analisadas por um declaratário normal colocado na posição da seguradora, sejam essenciais para a apreciação do risco por parte desta ou susceptíveis de determinar uma diferente decisão sobre a proposta que lhe é apresentada.- É inexacta a declaração do segurado que, sofrendo de hidrocefalia, nas respostas ao questionário, prévio a celebração do contrato de seguro de vida,

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sobre o estado de saúde, responde “não” à pergunta “teve ou tem qualquer doença” e “sim” à pergunta “goza de boa saúde”.

4. Decisão:Pelo exposto, julga-se procedente a apelação e consequentemente revoga-se a decisão recorrida e absolve-se a ré do pedido.Custas, em ambas as instâncias, a cargo da autora/apelada.Évora, 22/3/2012Francisco Matos

José António Penetra Lúcio

Maria Alexandra Afonso de Moura Santos

__________________________________________________[1] Cfr. fls. 91 a 97.[2] Cfr. fls. 107 e 108.[3] Cfr. fls. 114 a 127.[4] Transcrição de fls. 126 e 127.[5] Trnscrição de fls. 139 a 141.[6] A. Reis, Código de Processo Civil, anotado, pág. 141. [7] Cfr. Ac. STJ de 28/2/69, BMJ, 184º, pág 253.[8] Proc. nº 90/2002.G1.S1, in www.dgsi.pt[9] Moutinho de Almeida “in” O Contrato de Seguro, página 65.[10] Cfr. Ac. STJ de 17/10/06, Proc. 06A2852, in www. dgsi.pt[11] Proc. nº 2617/03.2TBAVR.C1.S1.[12] Cfr. número 20 dos factos provados. [13] Cfr. números 22 a 24 da matéria de facto.[14] Cfr. número 13 da matéria de facto provada e certificado de óbito junto aos autos a fls. 46. [15] Cfr. número 17 da matéria de facto, na parte em que dá por reproduzido o documento de fls. 36. [16] Note-se, aliás, que o segurado, com 48 anos à data da morte já se encontrava reformado – cfr. a referida certidão de óbito a fls. 46. [17] Cfr. número 27 dos factos provados.

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Acórdãos TRE Acórdão do Tribunal da Relação de Évora

Processo: 973/07.2TBPTG.E1Relator: BERNARDO DOMINGOSDescritores: DECLARAÇÕES INEXACTAS

NULIDADE DO CONTRATO DE SEGURO

Data do Acordão: 06/18/2009Votação: UNANIMIDADETexto Integral: S

Meio Processual: APELAÇÃODecisão: CONFIRMADA A SENTENÇA

Sumário:I - A minuta de seguro, preenchida e assinada pelo proponente, não dispensa, de todo, a aprovação ou aceitação da seguradora, sob pena de aquela proposta não equivaler à respectiva apólice, apenas se considerando celebrado o contrato de seguro quando, decorrido o prazo legalmente previsto, após a recepção da minuta, a seguradora não proceda à notificação do proponente, comunicando-lhe a sua aceitação, recusa ou necessidade de recolher esclarecimentos essenciais à avaliação do risco.II – Qualquer seguradora tem ou devia ter, como declaratário e contratante medianamente zeloso e diligente que se espera que seja, conhecimento da circunstância inexactamente declarada sobre a propriedade de um veículo (não se concebe que uma seguradora contrate um seguro com alguém sem lhe pedir a documentação identificadora do tomador de seguro, do proprietário do veículo e do seu condutor habitual, se forem diferentes daquele e do próprio veículo seguro). Se não o faz e além disso aceita uma proposta de seguro que está assinada por pessoa diferente da que está identificada como sendo o tomador do seguro (inexactidão notória e evidente, um olhar medianamente atento) não pode com sucesso vir alegar erro ou engano para obter a anulação da apólice.III - As declarações inexactas, serão irrelevantes e de forma alguma podem constituir causa de nulidade do contrato de seguro, se tais inexactidões, forem facilmente perceptíveis a um declaratário normal, posto na posição do declaratário real, que por desleixo ou incúria sua as não detecta e corrige.

Decisão Texto Integral:Acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

Proc.º N.º 973/07.2TBPTG.E1Apelação2ª SecçãoTribunal Judicial da Comarca de Portalegre -1º Juízo.

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Recorrente: COMPANHIA DE SEGUROS........, S.ARecorrido: JÚLIO MANUEL .................... e PEDRO MIGUEL........................................,

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COMPANHIA DE SEGUROS ................... S.A., com sede na Rua............, em Lisboa, intentou contra JÚLIO MANUEL ...................., com domicílio no Mercado Municipal, ..........., e PEDRO MIGUEL........................................, residente na Rua Frei Amadora Arrais, n.º 22, em Portalegre, a presente acção declarativa de condenação, sob a forma sumária, pedindo que os Réus sejam solidariamente condenados a pagar-lhe a quantia de € 5.772,58, acrescida de juros de mora vencidos a partir da citação daqueles ou, subsidiariamente, só o co-réu Pedro.....................Alegou, em síntese, que, por força do contrato de seguro referente à viatura com a matrícula 36-01-.................... que celebrou com o 1.º Réu, procedeu à regularização do sinistro ocorrido em 14.03.04, em que o referido veículo conduzido pelo 2.º co-réu se despistou, tendo pago a verba de € 5.485,81 com a reparação e peritagem; - que com a averiguação de um segundo sinistro ocorrido em 04.01.05, em que o mesmo veículo, também conduzido pelo co-réu Pedro...................., se despistou, despendeu a verba de € 286,77; - que o contrato de seguro foi efectuado em nome do 1.º co-réu com o intuito de o 2.º co-réu, proprietário do veículo em causa, com menos de 25 anos e carta há menos de 2 anos à data em que aquele foi celebrado, poder beneficiar de um prémio menor; - que ao subscrever a apólice de seguro, o 1.º co-réu teve por finalidade prejudicar a Autora e beneficiar o 2.º co-réu, tendo com as declarações ine....................ctas que conscientemente prestou obtido da Autora o pagamento dos dois sinistros; - que por esse motivo o contrato de seguro é nulo pois caso tivesse sido declarado pelo co-réu Júlio.................... que era o co-réu Pedro.................... o proprietário do veículo segurado e o seu condutor habitual, a Autora nunca aceitaria celebrar o contrato; - que tem direito à repetição do indevidamente prestado porque efectuou as referidas prestações em benefício do 2.º co-réu com a finalidade de cumprir uma obrigação que afinal não existia, tendo-se este último enriquecido sem causa justificativa.Regularmente citados, os Réus apresentaram-se a contestar, invocando, desde logo, que, pese embora a propriedade do veículo ser do 2.º co-réu, por lhe ter sido dado pelo 1.º co-réu no início do ano de 2004, ambos o utilizavam nas suas deslocações, este durante o dia enquanto o 2.º co-réu se encontrava a trabalhar no seu estabelecimento comercial e aquele para as aulas em horário pós-laboral e depois das aulas para a sua residência. Mais invocaram que, por sugestão do mediador de seguros, o 1.º co-réu contratou o seguro na qualidade de tomador doseguro e segurado, pagando inclusivamente o prémio de seguro; que a Autora teve pleno conhecimento de tais factos em momento prévio à aceitação da proposta de seguro porquanto foram entregues ao mediador os documentos do veículo e os documentos de identificação do 1.º co-réu, agindo assim em abuso de direito, prevalecendo-se abusivamente de factos que bem conhecia aquando da outorga do contrato; que ao não assumir a reparação do veículo por virtude do 2.º sinistro ocorrido, levou o 1.º co-réu a pagar tal reparação apenas um ano após, tendo tal atraso causado sérios danos físicos e psicológicos para o 2.º co-réu, concretamentecansaço físico com as deslocações diárias em transportes públicos e insucesso nos estudos.Concluíram pela improcedência da acção, pedindo a condenação da Autora como litigante de má fé no pagamento de multa de valor não inferior a € 1.500,00 e indemnização aos Réus no montante de € 1.000,00 e, em sede de

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reconvenção, a condenação da Autora no pagamento de € 5.500,00, acrescidos de juros, a título de indemnização ao 1.º co-réu pelos prejuízos causados pelo incumprimento do contrato de seguro e no pagamento do montante de € 1.200,00 a título de indemnização ao 2.º co-réu pelos danos que lhe causou o mesmo incumprimento.Foi proferido o despacho saneador de fls. 106 e ss., organizando-se a matéria de facto assente e a base instrutória em moldes que não suscitaram reclamações das partes em litígio.Procedeu-se à audiência e discussão do julgamento e fixada a matéria de facto, foi proferida sentença onde se decidiu julgar «totalmente improcedente o pedido da Autora e parcialmente procedente os pedidos formulados pelos Réus...».

*Inconformada veio a A. interpor recurso de apelação, tendo rematado as suas alegações com as seguintes

conclusões:« A. Tendo em conta os factos provados, verificou-se que: A A. celebrou com o R. Júlio Manuel .................... um contrato de seguro automóvel. "Na declaração de sinistro efectuada pelo Réu Pedro...................., em 26.01.05, este declarou que, embora o referido veículo esteja em seu nome, foi aconselhado pelo mediador de seguros da Autora a celebrar o contrato referido em 1. dos factos provados em nome do seu pai." "Os Réus celebraram o contrato referido em 1. dos factos provados em nome do co-réu Júlio.................... para assim poderem beneficiar de um prémio menor." "Caso a Autora soubesse que o Réu Pedro.................... era o condutor habitual do veículo não teria aceite efectuar o contrato referido em 1. dos factos provados." "À noite, após as aulas, dependia de familiares, amigos e colegas para o levarem a casa." "A residência do Réu Pedro.................... distava, na altura, vários quilómetros da cidade onde trabalhava e estudava." O Réu Pedro.................... sofreu um cansaço físico acrescido, resultante da necessidade de se deslocar diariamente de transportes públicos." "E sofreu cansaço psicológico em virtude de ter perdido a sua mobilidade." "Foi prejudicado nos seus estudos." B. Foi a declaração do co- Réu Pedro.................... mais os dois acidentes participados em que ele era o condutor que despoletou esta lide. C. É o próprio co-réu Pedro.................... a participar declaradamente esta falta para assim poder beneficiar de um prémio mais barato. D. É verdade que ele afirma que foi aconselhado pelo "mediador", contudo, a testemunha em causa Domingos Adelino Galguinho Renga nega permptórimente tal facto ao responder "não" (gravação Cd titulo 14.20081028 de 8,00 minutos a 12,00 minutos). E. É verdade que é declarado na proposta que o condutor habitual é o co-réu Júlio e não podia ser outra declaração, dado que o co-réu Pedro não tinha licença de condução. F. Contudo, a partir do momento em que o co-réu Pedro adquiriu a licença de condução (26.02.04) deveria proceder à alteração do contrato de apólice, pois, ele é o próprio a saber que continuando o pai como condutor, ele seria beneficiado por um seguro de responsabilidade e danos próprios mais barato. Aliás ele afirma expressamente esse facto na declaração que subscreveu. G.

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O contrato de apólice não é um negócio hermético que não se altera face à modificação das circunstâncias que levaram à sua criação, e, salvo o devido respeito, parece ser essa a posição da sentença recorrida. H. Com o decorrer do tempo as circunstâncias iniciais alteraram-se e o co-R. Pedro adquiriu a licença de condução e iniciou a condução do veículo que era da sua propriedade ---, pelo que deveria avisar esta alteração à A.. I. Mas como ele afirmou, ele sabia que se o fizesse o prémio do seguro seria aumentado. J. Por outro lado, as testemunhas dos RR. vieram dizer sobre a utilização do carro o seguinte: --- Ludovina Maria Lourinho.................... disse que o co-réu Pedro (seu filho) usava o veículo "para ir e vir para o trabalho ... para a escola" e a casa é "a 7 ou 8 km de" Portalegre (gravação Cd titulo 08.20081028 de 8,00 minutos a 15,40 minutos); --- Ricardo Miguel Carita Batista disse que o co-réu Júlio (seu afilhado) tinha outro carro "sim, tem outro carro". L. Ficou provado que era o co-réu. Júlio que utilizava durante o dia o veículo, que o utilizava frequentemente, mas é curioso que o único R. a pedir uma indemnização pela paralisação e transtornos pela perda do carro é o co-réu. Pedro, bem como os factos constantes da sentença sob os n.ºs 24 a 28. M. Ora, não restam dúvidas que o co-réu Pedro era o condutor habitual da viatura, tanto mais que é unicamente ele a sofrer com a sua perda. N. E, estando provado que "Caso a Autora soubesse que o Réu Pedro.................... era o condutor habitual do veículo não teria aceite efectuar o contrato referido em 1. dos factos provados.", tem de se concluir pela nulidade do contrato de seguro em apreço, nos termos do Art° 429° do Cód. Comercial. O. E, os factos comprovam: o co-réu obteve a licença de condução em 26.02.04, logo em 14.03.04, passados 16 dias, fez estragos de 5.535,69 €; e em 04.01.05 teve outro acidente, cujos danos alega serem de 5.500,00 €!; pelo que existem razões plausíveis para a A. não aceitar este tipo de contratos. P. Quanto à reconvenção o Tribunal "a quo" dá como provado que "o valor da reparação do veiculo foi de 5.500,00 €", mas a prova produzida não foi suficiente. Q. Com efeito, a testemunha Ludovina Maria Lourinho.................... disse sem convicção "mais de cinco mil euros" (gravação Cd titulo 08.20081028 de 8,00 minutos a 15,40 minutos); e, a testemunha Alice Isabel Rodrigues Galhardo disse "perto dos 6.000,00 €" (gravação Cd titulo 12.20081028 de 0,00 minutos a 4,00 minutos). R. Ora, não podem ficar provados esses danos em concreto, mas tão só se provaram danos. S. Quanto aos juros, os mesmos só podem ser contados desde a notificação da reconvenção, como manda a Jurisprudência maioritária. T. Deste modo, foram, assim, violados, por manifesto erro de interpretação e aplicação os Art° 429° do Cód.Comercial, 349° e 351 ° do Cód. Civil e Art°s 659°, nº 3 e 668°, nº 1, ais. b), c) e d) do cód. Proc. Civil».

*Contra-alegaram os recorridos pedindo a improcedência do recurso.

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**Na perspectiva da delimitação pelo recorrente [1] , os recursos têm como âmbito as questões suscitadas pelos recorrentes nas conclusões das alegações (art.ºs 690º e 684º, n.º 3 do Cód. Proc. Civil) [2] , salvo as questões de conhecimento oficioso (n.º 2 in fine do art.º 660º do Cód. Proc. Civil). Das conclusões decorre que o objecto do recurso visa apenas a decisão jurídica ou seja a subsunção do direito aos factos. Nas conclusões a recorrente parece questionar também um ou outro facto dado como provado. Porém não impugna a decisão de facto e não dá cumprimento mínimo que seja ao disposto no art.º 690-A do CPC. Assim, se as referências feitas visavam impugnar a matéria de facto, tal irá suceder porquanto a lei, nas circunstâncias referidas em que não foi dado cumprimento ao disposto no art.º 690-A, impõe a rejeição do recurso n.º 1 (proémio) e n.º 2 do art.690-A do CPC.

Dos factos

Temos pois por definitivamente assente a factualidade que foi dada como provada na primeira instância e que é a seguinte:«1. A Autora, no exercício da sua actividade, celebrou com o Réu Júlio Manuel .................... o contrato de seguro do ramo automóvel, referente à viatura com matrícula 36-01-.................... (Peugeot), com a apólice n.º 1112683, consubstanciado nas condições gerais e particulares juntas aos autos a fls. 99 a 104 e que aqui se dão por inteiramente reproduzidas.2. O contrato mencionado no ponto anterior garantia a responsabilidade civil perante terceiros e os danos próprios do veículo.3. No âmbito do contrato referido em 1., em 15.03.04, os Réus participaram um acidente de viação ocorrido em 14.03.04, pelas 20h20m, no I.P. 2, ao km n.º 192,8, do concelho de Portalegre, em que foi interveniente o veículo com matrícula 36-01-.....................4. Aquando do acidente de viação referido no ponto anterior, o veículo era conduzido pelo Réu Pedro Miguel........................................ e circulava no sentido Monforte/Portalegre, tendo-se despistado.5. No cumprimento do contrato referido em 1., a Autora procedeu à reparação do veículo, tendo pago a quantia de € 5.535,69, após a dedução da franquia contratual de € 316,00, e bem assim a quantia de € 50,12 pela peritagem do veículo.6. Em 04.01.05, os Réus participaram um acidente de viação, ocorrido nesse mesmo dia, pelas 9h15m, na E.N. n.º 246-2, no sentido Reguengo-Portalegre, em que foi interveniente o veículo com matrícula 36-01-.....................7. No dia do acidente de viação referido no ponto anterior, o mencionado veículo era conduzido pelo réu Pedro...................., que se despistou.8. Com a averiguação do acidente de viação referido em 6. a Autora gastou a quantia de € 286,77.9. Na declaração de sinistro efectuada pelo Réu Pedro...................., em 26.01.05, este declarou que, embora o referido veículo esteja em seu nome, foi aconselhado pelo mediador de seguros da Autora a celebrar o contrato referido em 1. dos factos provados em nome do pai.10. O Réu Pedro...................., à data da celebração do contrato referido em 1., tinha menos de 25 anos de idade.11. Os Réus celebraram o contrato referido em 1. dos factos provados em nome do co-réu Júlio.................... para assim poderem beneficiar de um prémio menor.12. O Réu Pedro.................... obteve a sua licença de condução em 26.02.04.13. Caso a Autora soubesse que o Réu Pedro.................... era o condutor habitual do veículo não teria aceite efectuar o contrato referido em 1. dos factos provados.14. No início de 2004, o Réu Júlio.................... decidiu oferecer ao Réu Pedro.................... o veículo identificado em 1. e segurado na Autora.15. O Réu Pedro.................... trabalhava durante o dia no estabelecimento comercial da empresa em que o 1.º Réu era gerente comercial.

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16. Durante o dia o Réu Pedro.................... não se ausentava do estabelecimento comercial onde trabalhava.17. Era o Réu Júlio.................... que durante o dia utilizava o mencionado veículo nas suas deslocações profissionais.18. O Réu Júlio.................... efectuou em seu nome o contrato de seguro referido em 1. por, entre outras razões, utilizar frequentemente o veículo.19. Era o Réu Júlio.................... quem efectuava o pagamento do prémio de seguro do veículo referido em 1..20. A reparação do veículo automóvel decorrente do acidente de viação referido em 6. foi assumida pelo Réu Júlio.....................21. Este só teve disponibilidade financeira para mandar reparar o veículo em 2006.22. O valor da reparação do veículo foi de € 5.500,00.23. Face à imobilização do veículo, o Réu Pedro.................... passou a deslocar-se de transportes públicos durante o dia.24. À noite, após as aulas, dependia de familiares, amigos e colegas para o levarem a casa.25. A residência do Réu Pedro.................... distava, na altura, vários quilómetros da cidade onde trabalhava e estudava.26. O Réu Pedro.................... sofreu um cansaço físico acrescido, resultante da necessidade de se deslocar diariamente de transportes públicos.27. E sofreu cansaço psicológico em virtude de ter perdido a sua mobilidade.28. Foi prejudicado nos seus estudos.29. À data em que emitiu a declaração de aceitação do seguro, a Autora sabia que o tomador do seguro era o Réu Júlio....................».

*O direito

Quanto à subsunção do direito aos factos descritos a sentença, salvo uma errada, mas inócua, referência a que « o contrato foi celebrado com a intervenção de um mediador de seguros da Autora, que actuou em nome e com poderes de representação daquela» [3] , não merece qualquer censura. Com efeito embora não resulte dos autos e não decorra do regime legal da mediação que o mediador interveio em representação da seguradora, esse facto é indiferente para o desfecho da acção. Na verdade, havendo ou não representação, perante a factualidade descrita e como muito bem se demonstra na profusa fundamentação jurídica aduzida na sentença, a decisão não podia deixar de ser a que foi proferida, quanto ao fundo da causa. Quanto aos juros de mora relativos às quantias que a A. foi condenada a pagar, uma vez que não houve interpelação anterior, a mora só ocorre a partir da notificação do pedido reconvencional à A. e, por certo, foi isso que a Srª Juíza quis dizer quando os manda contar a partir da citação. Com efeito é sabido de todos, que a citação é « o acto pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada acção e se chama ao processo para se defender». A citação, «emprega-se ainda para chamar, pela primeira vez, ao processo alguma pessoa interessada na causa» -art.º 228º n.º 1 do CPC- mas nunca para dar a conhecer ao A. o pedido reconvencional. Assim é com esse sentido que deve interpretar-se o dispositivo da sentença considerando-se que os juros são devidos, apenas, a partir da notificação, à A., do pedido reconvencional.

ConcluindoAssim, louvando-nos nos fundamentos de facto e de direito constantes da sentença, para onde se remete, acorda-se na improcedência da apelação e confirma-se a sentença, com a rectificação acabada de fazer, no tocante ao momento a partir do qual são devidos os juros moratórios, ou seja, a partir da notificação do pedido reconvencional à A..Custas pela apelante.Registe e notifique.Évora, em 18 de Junho de 2009.

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(Bernardo Domingos – Relator)

---------------------------------------------------(Silva Rato – 1º Adjunto)

---------------------------------------------------(Sérgio Abrantes Mendes – 2º Adjunto)

Segue-se a fundamentação constante da sentença e para a qual se remeteu:II. FundamentaçãoA. Factos ProvadosCom interesse para a decisão da causa resultaram provados os seguintesfactos:1. A Autora, no exercício da sua actividade, celebrou com o Réu Júlio Manuel .................... o contrato de seguro do ramo automóvel, referente à viatura com matrícula 36-01-.................... (Peugeot), com a apólice n.º 1112683, consubstanciado nas condições gerais e particulares juntas aos autos a fls. 99 a 104 e que aqui se dão por inteiramente reproduzidas.2. O contrato mencionado no ponto anterior garantia a responsabilidade civil perante terceiros e os danos próprios do veículo.3. No âmbito do contrato referido em 1., em 15.03.04, os Réus participaram um acidente de viação ocorrido em 14.03.04, pelas 20h20m, no I.P. 2, ao km n.º 192,8, do concelho de Portalegre, em que foi interveniente o veículo com matrícula 36-01-.....................4. Aquando do acidente de viação referido no ponto anterior, o veículo era conduzido pelo Réu Pedro Miguel........................................ e circulava no sentido Monforte/Portalegre, tendo-se despistado.5. No cumprimento do contrato referido em 1., a Autora procedeu à reparação do veículo, tendo pago a quantia de € 5.535,69, após a dedução da franquia contratual de € 316,00, e bem assim a quantia de € 50,12 pela peritagem do veículo.6. Em 04.01.05, os Réus participaram um acidente de viação, ocorrido nesse mesmo dia, pelas 9h15m, na E.N. n.º 246-2, no sentido Reguengo-Portalegre, em que foi interveniente o veículo com matrícula 36-01-.....................7. No dia do acidente de viação referido no ponto anterior, o mencionado veículo era conduzido pelo réu Pedro...................., que se despistou.8. Com a averiguação do acidente de viação referido em 6. a Autora gastou a quantia de € 286,77.9. Na declaração de sinistro efectuada pelo Réu Pedro...................., em 26.01.05, este declarou que, embora o referido veículo esteja em seu nome, foi aconselhado pelo mediador de seguros da Autora a celebrar o contrato referido em 1. dos factos provados em nome do pai.10. O Réu Pedro...................., à data da celebração do contrato referido em 1., tinha menos de 25 anos de idade.11. Os Réus celebraram o contrato referido em 1. dos factos provados em nome do co-Réu Júlio.................... para assim poderem beneficiar de um prémio menor.12. O Réu Pedro.................... obteve a sua licença de condução em 26.02.04.13. Caso a Autora soubesse que o Réu Pedro.................... era o condutor habitual do veículo não teria aceite efectuar o contrato referido em 1. dos factos provados.14. No início de 2004, o Réu Júlio.................... decidiu oferecer ao Réu Pedro.................... o veículo identificado em 1. e segurado na Autora.15. O Réu Pedro.................... trabalhava durante o dia no estabelecimento comercial da empresa em que o 1.º Réu era gerente comercial.16. Durante o dia o Réu Pedro.................... não se ausentava do estabelecimento comercial onde trabalhava.17. Era o Réu Júlio.................... que durante o dia utilizava o mencionado veículo nas suas deslocações profissionais.

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18. O Réu Júlio.................... efectuou em seu nome o contrato de seguro referido em 1. por, entre outras razões, utilizar frequentemente o veículo.19. Era o Réu Júlio.................... quem efectuava o pagamento do prémio de seguro do veículo referido em 1..20. A reparação do veículo automóvel decorrente do acidente de viação referido em 6. foi assumida pelo Réu Júlio.....................21. Este só teve disponibilidade financeira para mandar reparar o veículo em 2006.22. O valor da reparação do veículo foi de € 5.500,00.23. Face à imobilização do veículo, o Réu Pedro.................... passou a deslocar-se de transportes públicos durante o dia.24. À noite, após as aulas, dependia de familiares, amigos e colegas para o levarem a casa.25. A residência do Réu Pedro.................... distava, na altura, vários quilómetros da cidade onde trabalhava e estudava.26. O Réu Pedro.................... sofreu um cansaço físico acrescido, resultante da necessidade de se deslocar diariamente de transportes públicos.27. E sofreu cansaço psicológico em virtude de ter perdido a sua mobilidade.28. Foi prejudicado nos seus estudos.29. À data em que emitiu a declaração de aceitação do seguro, a Autora sabia que o tomador do seguro era o Réu Júlio.....................*B. Direito AplicávelA Autora fundamenta o seu pedido indemnizatório, por um lado, na nulidade do contrato de seguro em virtude das declarações inexactas que o 1.º co-Réu prestou aquando da celebração daquele e, por outro lado, no enriquecimento sem causa do 2.º co-Réu na qualidade de proprietário do veículo segurado.Por seu lado, os Réus acusam a Autora de, com a presente acção, litigar de má fé e com abuso de direito e, em sede de reconvenção, peticionam que a mesma seja condenada a indemnizar quer o 1.º co-Réu em € 5.500,00 quer o 2.º co-Réu em € 1.200,00.As questões a apreciar e a decidir são, então, as seguintes:- Nulidade do contrato de seguro;- Enriquecimento sem causa do 2.º co-Réu;- Abuso de direito e litigância de má fé da Autora;- Indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelos Réus.*i) Do contrato de seguroDo ponto 1. da matéria de facto provada resulta que a Autora e o 1.º co-Réu celebraram um contrato de seguro.O legislador não definiu o contrato de seguro, deixando essa tarefa ao intérprete que, a partir da análise dos elementos que o compõem, retirará uma definição capaz de abarcar toda a realidade do fenómeno social e económico que lhe está subjacente e as partes intervenientes, assim como a identificação do motivo determinante da conclusão do mesmo.Nesse sentido, a doutrina tem definido o seguro como o contrato pelo qual a seguradora, mediante retribuição pelo tomador de seguro, se obriga, a favor do segurado ou de terceiro, à indemnização de prejuízos resultantes, ou o pagamento de valor pré-definido, em função da realização de um determinado evento futuro e incerto (cfr. JOSÉ VASQUES, “Contrato de Seguro”, Coimbra Editora, 1999, p. 94).Outros definem-no como o contrato pelo qual o segurador, em troca do pagamento de uma soma em dinheiro (prémio) por parte do contratante (segurado), se obriga a manter indemne o segurado dos prejuízos que podem derivar de determinados sinistros (ou casos fortuitos), ou ainda a pagar (ao segurado ou a terceiro) uma soma em dinheiro conforme a duração ou os eventos da vida de uma ou várias pessoas» (FRANCISCO GUERRA DA MOTA, in “O Contrato de Seguro Terrestre”, vol. I, p. 271,apud CLARA LOPES, “Seguro de Responsabilidade Civil Automóvel”, Lisboa 1987, p. 15).

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O contrato de seguro compreende, portanto, duas prestações: a da seguradora, de conteúdo complexo, consistente na assunção do risco e na obrigação de pagar um determinado capital se esse sinistro se verificar; a do segurado (ou tomador do seguro), consistente na obrigação de pagamento do prémio.Trata-se, assim, de um contrato:- comercial, pelo menos quanto à seguradora, como resulta do artigo 425.º do Código Comercial, regulado nos termos do artigo 99.º do mesmo código;- formal, como demonstra o artigo 426.º do Código Comercial, sendo esta uma formalidade ad substantiam (sob pena de nulidade, conforme o disposto no artigo 220.º do Código Civil);- bilateral ou sinalagmático, pois, como vimos, dele resultam obrigações para ambas as partes, verificando-se um nexo de reciprocidade ou interdependência entre elas;- oneroso, visto cada parte prosseguir uma vantagem pessoal que é contrapartida daquela que confere à outra;- aleatório, porque o segurador não sabe se terá ou não de efectuar a prestação ou, se há certeza da prestação, quando se efectuará, não havendo, porém, incerteza na prestação do segurado;- de execução continuada;- de adesão;- de boa fé.Vigora no direito português os princípios da liberdade contratual e da autonomia da vontade previstos nos artigos 397.º e 405.º do Código Civil: as partes podem fixar livremente o conteúdo dos contratos, dentro dos limites da lei.Princípio vigente, igualmente, no contrato de seguro. Nos termos do artigo 427.º do Código Comercial, “[o] contrato de seguro regular-se-á pelas estipulações da respectiva apólice não proibidas pela lei, e, na sua falta ou insuficiência, pelas disposições deste código”.A regra é a de que o regime legal do contrato de seguro é supletivo aplicando-se apenas quando não existam ou sejam insuficientes as estipulações das partes.A caracterização acabada de fazer ao contrato de seguro encontra-se hoje consagrada no novo regime jurídico do contrato de seguro, regulado pelo Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril, que entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 2009, em cujo artigo 1.º se passou a definir o conteúdo típico do contrato de seguro como aquele em que “o segurador cobre um risco determinado do tomador do seguro ou de outrem, obrigando-se a realizar a prestação convencionada em caso de ocorrência do evento aleatório previsto no contrato, e o tomador do seguro obriga-se a pagar o prémio correspondente”.Tal diploma veio revogar os artigos 425.º a 462.º do Código Comercial.Sucede, porém, que tal regime não se aplica ao caso dos presentes autos uma vez que, em conformidade com o estipulado no artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 72/2008, “[o] disposto no regime jurídico do contrato de seguro aplica-se aos contratos de seguro celebrados após a entrada em vigor do presente decreto-lei, assim como ao conteúdo de contratos de seguro celebrados anteriormente que subsistam à data da sua entrada em vigor, com as especificidades constantes dos artigos seguintes”, aplicando-se-lhe antes os mencionados artigos 425.º a 462.º do Código Comercial e o regime jurídico do contrato de seguro regulado pelo Decreto-Lei n.º 176/95, de 26.07.Podemos dizer que a obrigação da seguradora consiste em suportar um risco o qual, concretizando-se, se materializa na prestação contratualmente definida:pagamento da indemnização ou do capital.Entre as várias classificações possíveis de contratos de seguro, podemos distinguir o seguro de danos e o seguro de responsabilidade civil. Este visa cobrir valores patrimoniais passivos pois as seguradoras obrigam-se a pagar indemnizações a terceiros (vide o artigo 137.º do Decreto-Lei n.º 72/2008), enquanto aquele visa cobrir activos patrimoniais já que têm como efeito colocar o segurado numa situação igual (não superior) àquela em que se

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encontrava antes do evento.Não obstante as diferenças de conteúdo, um e outro são informados por dois princípios basilares:- em primeiro lugar, por um princípio indemnizatório, nos termos do qual as prestações a que o segurador está obrigado não podem ultrapassar os danos reais do segurado. Pretende-se, desta forma, evitar o enriquecimento do segurado e demovê-lo de eventuais tentações de provocar sinistros.- em segundo lugar, por um princípio de liberdade contratual. Este princípio resulta, desde logo, do artigo 405.º do Código Civil, sendo reafirmado pelo artigo 427.º do Código Comercial, nos termos do qual “[o] contrato de seguro regular-se-á pelas estipulações da respectiva apólice não proibidas por lei e, na sua falta ou insuficiência, pelas disposições deste Código” (e do Código Civil, por remissão do artigo 3.º do Código Comercial). O princípio em análise implica, quanto à seguradora, o poder de incluir na apólice cláusulas de exclusão da cobertura de determinados riscos, estipular um descoberto, isto é, assumir o risco de forma parcial, ficando o restante a cargo do segurado (estas cláusulas visam que o segurado se empenhe em evitar o dano), ou estabelecer franquias, isto é, estabelecer o montante mínimo a partir do qual a seguradora responderá.Claro que, hodiernamente, esta liberdade contratual está cerceada de uma forma substancial, nomeadamente pela legislação sobre cláusulas contratuais gerais.Tal como deixámos dito supra, o contrato de seguro é caracterizado por ser um contrato de adesão. Contudo, optaremos aqui por um rigor terminológico no sentido de que contrato de adesão não é sinónimo de cláusula contratual geral. Com efeito, e seguindo de perto ANTÓNIO PINTO MONTEIRO (in “Contratos de Adesão e Cláusulas Contratuais Gerais: Problemas e Soluções”, em Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Rogério Soares, pp. 1103 e seguintes), o contrato de adesão é aquele que é celebrado em conformidade com cláusulas previamente redigidas por uma das partes, sem que a outra possa de alguma forma colaborar na conformação do conteúdo das mesmas.O contrato de adesão em sentido estrito é assim caracterizado por três elementos essenciais: a pré-disposição, a unilateralidade e rigidez. Estes contratos são normalmente redigidos com recurso a cláusulas contratuais gerais. Por sua vez a cláusula contratual geral é caracterizada pela sua generalidade (as cláusulas irão integrar todos os contratos futuros do predisponente) e indeterminação (no sentido de que as clausulas irão ser usadas para um número indeterminado de pessoas).Pois bem, tendo em conta esta distinção, cumpre apenas dizer que a generalidade dos contratos de adesão são celebrados com recurso a cláusulas contratuais gerais mas poderá não ser assim; bastará atentar na possibilidade de determinada entidade propor um contrato (sem ter a pretensão de voltar a usá-lo para qualquer outra relação negocial futura) a outra entidade, perfeitamente determinada, sem lhe dar qualquer possibilidade de negociação quanto ao conteúdo das cláusulas: teremos aqui então um contrato de adesão mas sem recurso a cláusulas contratuais gerais na medida em que lhe faltará as já ditas características da generalidade e indeterminação.Tecidas estas considerações com o único intuito de estabelecer um maior rigor terminológico no uso dos conceitos, já se antevê que o recurso a cláusulas contratuais gerais comporta uma série de problemas, mormente no que diz respeito à liberdade negocial da parte que se limita a aderir à proposta contratual da entidade que a elas recorra. Com efeito, as cláusulas contratuais gerais são aquelas em que um dos contraentes, normalmente o consumidor, não tendo a menor participação na preparação e redacção dessas cláusulas, se limita a aceitar o texto que o outro contraente oferece, em massa, ao público interessado.Este novo modo de contratação é o fruto de uma moderna vida económica que pretende dar satisfação à necessidade de racionalização, planeamento, celeridade e eficácia das relações comerciais (cfr. CARLOS MOTA PINTO, Contratos de Adesão. Uma manifestação jurídica da moderna vida económica,

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em Revista de Direito e de Estudos Sociais”, Coimbra, 1973, pp. 119 e seguintes).Embora concordemos com uma maior agilização das relações comerciais, a verdade é que tal modo de contratação acarreta variadíssimos perigos para o aderente, que passam pela forte limitação da autonomia da vontade da contraparte, pela defesa exaustiva dos interesses do emitente em detrimento do aderente e pelo perigo de criação de cláusulas abusivas.Para evitar esses abusos da livre contratação, foi criado um novo regime legal, o Decreto-Lei n.º 446/85, de 25.10, que diz precisamente respeito às cláusulas contratuais gerais, regime esse que abre as portas a um controlo judicial mais aturado do que era feito até à entrada em vigor daquele diploma.Pode assim dizer-se, tal como ALMENO DE SÁ, que «o regime jurídico das cláusulas contratuais gerais compreende quaisquer cláusulas contratuais, sejam elas de carácter geral, predispostas para uma série de contratos uniformes, ou de carácter individual, pensadas e dirigidas para uma hipótese negocial concreta» (in “Cláusulas Contratuais Gerais e Directiva sobre as Cláusulas Abusivas”, Almedina, 1999, p. 59).Após este breve excurso sobre a natureza das cláusulas contratuais gerais cabe apenas determinar se o contrato de seguro celebrado entre Autora e 1.º co-Réu corresponde a um contrato de adesão com recurso a cláusulas contratuais gerais. E a resposta não poderá deixar de ser positiva. Aliás, é sabido que o contrato de seguro é um dos inúmeros contratos de adesão uma vez que as condições gerais que integram as apólices têm uma intenção uniformizadora e são unilaterais no sentido de que não é dada à parte contrária a hipótese de negociar determinado ponto dessas condições gerais – encontram-se assim presentes as características da pré-disposição, rigidez, indeterminação e generalidade.No caso concreto, estamos perante um contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel.Tal como tantos outros, o seguro de responsabilidade civil automóvel era, no nosso país, um seguro facultativo.Foi, no entanto, instituído o regime de seguro obrigatório pelo Decreto-Lei n.º 408/79, de 25.09.Actualmente, e desde o dia 21 de Outubro de 2007 (data em que o diploma entrou em vigor), o seguro obrigatório é regulado pelo Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21.08, que revogou o Decreto-Lei n.º 522/85, de 31.12, e transpôs para a ordem jurídica interna a designada «5.ª Directiva sobre o Seguro Automóvel» (Directiva n.º 2005/14/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Maio).Porém, embora seja vigente o diploma que o revogou, é ainda ao Decreto-Lei n.º 522/85 que teremos de nos reportar, atenta a data dos acidentes e o disposto no artigo 12.º do Código Civil.Fora do âmbito do seguro obrigatório, podem validamente celebrar-se contratos de seguro de responsabilidade civil automóvel. Só que são facultativos:não estão sujeitos à disciplina do Decreto-Lei n.º 522/85 e aplicam-se-lhes todas as regras que disciplinam os seguros em geral.O seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel é, como dissemos, além de bilateral, oneroso, aleatório, de mera administração, consensual, formal, de execução continuada, de adesão, típico e de boa fé, um contrato a favor de terceiro indeterminado e, face à redacção dos artigos 1.º (“toda a pessoa”) e 13.º (o contrato de seguro não se transmite em caso de alienação do veículo) do Decreto-Lei n.º 522/85, reveste natureza pessoal (vide, nesse sentido, o Acórdão da Relação de Évora de 03.07.90, in CJ 4, 297).São estas duas características que justificam, designadamente, que sejam excluídos da garantia do seguro obrigatório quer os danos decorrentes de lesões corporais sofridas pelo condutor do veículo seguro, quer quaisquer danos decorrentes de lesões materiais causadas às pessoas elencadas no n.º 2 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 522/85 (v.g. o condutor do veículo e o titular da apólice), quer os danos causados no próprio veículo seguro (cfr. artigo 7.º

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do Decreto-Lei n.º 522/85).Quanto às pessoas cuja responsabilidade é garantida pelo contrato de seguro automóvel obrigatório, resulta do disposto no artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 522/85, que são, desde logo, o tomador do seguro (titular da apólice) e os legítimos detentores e condutores do veículo. In casu, resulta provado que o contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel celebrado entre a Autora e o 1.º co-Réu garantia a responsabilidade civil perante terceiros e os danos próprios do veículo (cfr. ponto 2. dos factos provados), o que significa que estamos na presença de um contrato que abrange o seguro obrigatório da responsabilidade civil automóvel e um seguro facultativo (de danos) já que cobre os danos próprios do veículo segurado, excluídos, como vimos, pelo artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 522/85.*ii) Da nulidade do contrato de seguroDissemos que o contrato de seguro é também um contrato de boa fé.Este é um princípio geral das obrigações (cfr. artigos 227.º e 762.º do Código Civil).Contudo, em matéria de seguros há uma tutela reforçada deste princípio, assumindo aí um significado muito próprio: muitas vezes a celeridade da contratação (própria dos contratos de adesão) leva a que as seguradoras não verifiquem a veracidade das indicações do tomador do seguro; outras vezes não têm sequer como proceder a essa verificação. O segurador é obrigado, então, a acreditar no segurado. Em contrapartida, este é obrigado a comportar-se com franqueza e lealdade. Daqui surge uma especial responsabilização do tomador do seguro perante as suas declarações que, nos termos do artigo 429.º do Código Comercial, devem ser exactas e não reticentes. Duvidoso é se este tem o dever de informação para além das questões colocadas no questionário.Este problema tem um tratamento especial, diferente da disciplina do Código Civil relativa aos vícios da vontade. Com efeito, nos termos do citado artigo 429.º do Código Comercial, “[t]oda a declaração inexacta, assim como toda a reticência de factos ou circunstâncias conhecidas pelo segurado, e que teriam podido influir sobrea existência ou condições do contrato, tornam o seguro nulo” (a discussão sobre se aqui se trata de verdadeira nulidade ou antes anulabilidade -que nesta sede foi por nós dirimida quando, a respeito da prescrição invocada pelos Réus, enveredamos pelo regime da nulidade - encontra-se agora decidida pelo Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16.04, cujo artigo 25.º, n.º 1, vem cominar com a anulabilidade apenas as omissões e inexactidões dolosas).Como dissemos, o contrato de seguro é um contrato essencialmente formal, constituindo a sua redução a escrito, através de um instrumento denominado apólice, que é o documento que titula o contrato celebrado entre o tomador do seguro e a seguradora, que contém a roupagem do respectivo contrato, nela se devendo enunciar os elementos e, em geral, todas as circunstâncias cujo conhecimento possa interessar ao segurador, bem como todas as condições estipuladas pelas partes, em conformidade com o disposto pelos artigos 426.º e § único, e n.ºs 3, 4, 6 e 8, do Código Comercial, e 1.º, alínea f), do Decreto-Lei n.º 176/95, de 26.07, isto é, um pressuposto da sua validade ou existência legal.O que deve conter a apólice?Desde logo, as Condições Gerais que são estipulações que, de um modo genérico, regulam determinado tipo de seguro, que de forma prévia foram oficialmente aprovadas, revestem carácter imperativo e são idênticas para todos os contratos do mesmo género. No fundo, são cláusulas contratuais gerais. No seguro facultativo, por norma, estas estipulações têm natureza contratual; no seguro obrigatório, constituirão à partida verdadeiras normas jurídicas (ou, pelo menos, grande parte dessas cláusulas constituem limitação legal do princípio da liberdade contratual), embora não possam deixar de revestir natureza contratual na medida em que a pessoa interessada adere à sua conclusão (se a elas não aderir, são nulas ou têm-se por não escritas, assim como se forem abusivas, cf. Decreto-Lei n.º 446/85).

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Também da apólice constam as chamadas Condições Particulares as quais mais não são do que o enunciado dos elementos individuais necessários à elaboração do contrato singular (são as cláusulas manuscritas ou às vezes dactilografadas que permitem adaptar o contrato a cada espécie), sendo, portanto, negociáveis. O artigo 426.º do Código Comercial enuncia-as como sendo a identificação das partes, o objecto do seguro, os riscos, o capital seguro, o prémio, a data de subscrição, a data de vigência e a duração do contrato.Finalmente, há ainda as Condições Específicas, normalmente adoptadas pela seguradora relativamente a um risco ou cobertura específicos, a ter em consideração apenas quando se encontrem discriminadamente referenciadas nas Condições Particulares. Por conseguinte, cada uma e todas essas cláusulas que não se encontrem inscritas no citado documento consideram-se excluídas do contrato a que este se refira nas Condições Particulares (por exemplo, as cláusulas de exclusão do risco).As condições da apólice devem ser interpretadas segundo os princípios que regulam a interpretação dos negócios jurídicos (cfr. artigos 236.º a 239.º do Código Civil e 10.º do Decreto-Lei n.º 446/85). Assim, atender-se-à ao sentido que um declaratário normal, colocado na posição real do declaratário, possa deduzir da cláusula, salvose este não pudesse razoavelmente contar com ela, não devendo o intérprete preocupar-se com o interesse das partes mas com a sua intenção (cfr. MOITINHO DEALMEIDA, in “Contrato de Seguro”, p. 31; PINHEIRO TORRES, in “Ensaio sobre o Contrato de Seguro, p. 64; Acórdãos da Relação de Lisboa de 05.06.86, in CJ 3, 122, e da Relação de Coimbra de 20.12.90, in CJ 5, 100).A pessoa que pretende segurar tem o dever de declarar o risco (cfr. MOITINHO DE ALMEIDA, ob.cit., p. 65). Por regra, fá-lo através do preenchimento de um questionário que é um formulário normalmente utilizado pelas seguradoras com perguntas sobre situações de risco (v.g. idade, doenças anteriores, estado do veículo). Este questionário deve o segurado responder de forma exacta, verdadeira e não reticente. De qualquer modo, a não existência do questionário não dispensa o segurado de declarar o risco. Refere o artigo 429.º do Código Comercial que a declaração inexacta, assim como a reticente, se teriam podido influir sobre a existência ou condições do contrato, tornam o seguro nulo. Isto porque a seguradora precisa de fazer uma correcta avaliação do risco que tem de assumir, para determinar o montante do prémio ou, até, para não contratar. Assim, deve o tomador do seguro prestar todos os esclarecimentos sobre tais factos e circunstâncias, desde que o possa fazer, ou seja, desde que deles esteja consciente. Como se refere no corpo do artigo em questão, que prevê o seu conhecimento por parte do declarante.Com efeito, não são todas as inexactidões e omissões que conduzem ao vício referido, mas tão-somente aquelas que possam ter influência na opinião do risco, ou seja, quaisquer circunstâncias que, por qualquer forma, sejam susceptíveis de tornar o sinistro mais provável ou mais amplas as suas consequências.Esta consequência da nulidade está ancorada na previsibilidade de a seguradora não celebrar o contrato sabendo de tais circunstâncias ou até de o celebrar mas noutras condições, após a devida ponderação de riscos. E é nesta ordem de ideias que entra em cena a importância do chamado “questionário”.Através dele, a seguradora indica ao potencial segurado as circunstâncias concretas em que se baseia para assumir o risco - são aquelas que determinam, a montante, a avaliação dos riscos por parte da seguradora e, a jusante, a celebração do contrato e as suas condições (cfr. o Acórdão do S.T.J. de 17.10.2006, proc. n.º 06A2852, in ww.dgsi.pt).O elemento decisivo para a celebração do contrato é, portanto, o questionário apresentado ao segurado, na medida em que se presume não serem aí feitas perguntas inúteis, e é o próprio segurador que, através dele, indica ao tomador quais as circunstâncias que julga terem influência no contrato.Não é nem pode ser indiferente saber, por exemplo, no caso do seguro

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automóvel, há quanto tempo o potencial segurado é detentor de título de condução ou a sua idade, bem como o ano do veículo seguro - se tal fosse, de todo em todo irrelevante, não se compreenderia a função do questionário.Como escreve MOITINHO DE ALMEIDA, «uma falsa declaração concernente ao risco pode influir na balança de ambas as prestações, levando à fixação de um prémio inferior ao que seria estabelecido conhecida a realidade, ou mesmo determinando a aceitação pelo segurador de um contrato que, de modo algum não aceitaria». E, mais à frente, acrescenta que «o questionário traduz-se numa facilitação concedida pelo segurador ao segurado e não parece justo, assim, que possa redundar em prejuízo daquele» (ob.cit., pp. 73 e ss.).O que fica dito sobre a relevância da inexactidão das declarações colhidas através de questionário prévio ao potencial segurado vale tanto para os contratos celebrados e resultantes de negociações prévias, como também e sobretudo para os chamados contratos de adesão. Com efeito, é nestes que tem perfeita justificação a elaboração de questionário com vista à ponderação por parte da seguradora dos riscos a correr com a celebração do contrato que lhe é proposto (cfr. o Acórdão do S.T.J. de 17.10.2006, proc. n.º 06A2852, in www.dgsi.pt).Refira-se, ainda, que não é preciso dolo ou má fé na inexactidão das declarações para se obter a anulação do contrato; apenas que, enquanto nos casos de má fé a seguradora pode fazer seu o prémio recebido, nos casos de boa fé não o poderá fazer (cfr. § único do artigo 429.º do Código Comercial).Sucede que a minuta de seguro, preenchida e assinada pelo proponente, não dispensa, de todo, a aprovação ou aceitação da seguradora, sob pena de aquela proposta não equivaler à respectiva apólice, apenas se considerando celebrado o contrato de seguro quando, decorrido o prazo legalmente previsto, após a recepção da minuta, a seguradora não proceda à notificação do proponente, comunicando-lhe a sua aceitação, recusa ou necessidade de recolher esclarecimentos essenciais à avaliação do risco.O Assento do S.T.J. de 22.01.1929 (D.G. n.º 29, II série, de 5 de Fevereiro de 1929, Col. Of. 28.º, p. 23) decidiu que «[a] minuta do contrato de seguro equivale para todos os efeitos legais a apólice».Analisemos a proposta de seguro que in casu foi apresentada à Autora e que se encontra junta a fls. 99/100 (e também a fls. 166/167, já que naquela não está legível a assinatura do tomador de seguro). Da mesma consta como declarações do tomador de seguro, identificado o Júlio Manuel ...................., ora 1.º co-Réu, como tal no ponto 1. da proposta, entre outras coisas, que o mesmo segura na qualidade de proprietário do veículo seguro (vide ponto 4. da proposta) e que é o condutor habitual do mesmo (vide ponto 6. da proposta). Concretamente no ponto 12. da proposta, intitulado «Antecedentes do Risco», consta ainda assinalado num dos seus itens que otomador do seguro nunca esteve seguro com este ou outros veículos, constando de outros itens que há 10 anos que tem seguro em seu nome sem participar sinistros e que nos últimos 2 anos não participou qualquer sinistro. Do teor da mesma proposta (vide intróito e ponto 13.) e do ponto 9. dos factos provados resulta que o presente contrato de seguro foi celebrado com a intervenção de um mediador de seguros da Autora, identificado no ponto 13. da proposta de seguro. Finalmente, a proposta está datada do dia 02.02.2004 e foi assinada na qualidade de proponente/tomador do seguro pelo 2.º co-Réu Pedro Miguel......................................... Do teor da proposta de seguro denotam-se, efectivamente, algumas inexactidões e até contradições, as quais são por demais notórias, mesmo aos olhos do homem médio. Ora, a seguradora, tendo conhecimento de tais inexactidões e contradições ou, considerando a diligência do homem mediano, esperando-se que tivesse esse conhecimento através da simples leitura do documento, aceitou a proposta de seguro.Desde logo, no lugar da assinatura do proponente/tomador está a do 2.º co-Réu, que não figura na proposta em qualidade alguma, em vez da daquele que se identifica como assumindo aquela qualidade, ou seja, o 1.º co-Réu.

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Além disso, no item «Antecedentes do Risco» (vide ponto 12. da proposta) está assinalado que o proponente nunca esteve seguro com este ou outros veículos, quando a seguir se declara que há 10 anos o proponente tem seguro em seu nome sem participar sinistros.Resulta dos factos provados que o veículo seguro foi dado pelo 1.º co-Réu ao 2.º co-Réu no início de 2004 e que este obteve a sua licença de condução em 26.02.04, pouco tempo depois da celebração do contrato de seguro em causa (02.02.2004).Portanto, à data da celebração do contrato nunca o 2.º co-Réu poderia figurar como tomador do seguro. Todavia, foi o mesmo que assinou a proposta de seguro.Na proposta de seguro consta ainda que o tomador segura na qualidade de proprietário do veículo seguro e que é o seu condutor habitual. Ou seja, consta como proprietário do veículo identificado no ponto 1. dos factos provados o 1.º co-Réu. Como aqui já se deixou dito, o contrato de seguro é um contrato de adesão com recurso a cláusulas contratuais gerais, correspondentes estas às condições gerais que integram as apólices. Essa forma de contratualização, principalmente no ramo dos seguros, se por um lado ganha em racionalização, uniformização e celeridade, por outro lado perde em eficácia, segurança e certeza jurídicas. Isto porque leva a que as seguradoras, muitas vezes negligentemente, não verifiquem a veracidade das indicações do tomador do seguro; outras vezes não têm sequer como proceder a essa verificação.No que respeita ao caso concreto, a Autora acusa os Réus de a terem defraudado através das declarações respeitantes à propriedade do veículo e à identificação do seu condutor habitual.Está provado que, à data da celebração do contrato de seguro, o 2.º co-Réu ainda não possuía título que o habilitasse a conduzir. Apesar de estar provado que o 1.º co-Réu lhe deu o veículo identificado no ponto 1. dos factos provados no início de 2004, da factualidade que, em obediência às regras e princípios processuais (os factos constantes do documento que se encontra junto a fls. 168 -declaração de venda do veículo identificado no ponto 1. dos factos provados pela Motorex, L.da ao 2.º co-Réu datada de 02.02.2004- não foram alegados por nenhuma das partes), se considerou como provada não resulta que na data em que o contrato de seguro foi celebrado o 2.º co-Réu já era o proprietário do veículo, sabendo-se, porém, do teor da proposta de seguro que Fevereiro de 2004 são o mês e ano da 1.ª matrícula do veículo em causa. Mas isso também não relevava para a seguradora, já que o 2.º co-Réu, mesmo sendo proprietário do veículo, não estava habilitado a conduzi-lo à data da celebração do contrato.O que realmente importa, porém, é que não está provado que à data da celebração do contrato a Autora sabia que o mesmo Réu era o proprietário do aludido veículo, embora se possa questionar se a Autora não deveria sabê-lo, sendo que a experiência, o senso comum e a diligência de um bom pai de família nos revelam que a actuação do homem médio colocado nas mesmas circunstâncias seria a de colher elementos que confirmassem os dados fornecidos pelo proponente/tomador.Mas, ainda que se aceite que à data da celebração do contrato de seguro o 2.º co-Réu já era o proprietário do veículo em causa, há que fazer o seguinte juízo de ponderação, exigido pelo artigo 429.º do Código Comercial: o facto de o tomador do seguro não ser o proprietário do veículo seguro constitui uma daquelas circunstâncias que se fossem conhecidas seriam susceptíveis de influir na existência ou condições do contrato?Adiantamos uma resposta negativa, considerando que se provou que caso a Autora soubesse que o Réu Pedro.................... era o condutor habitual do veículo não teria aceite efectuar o contrato (vide ponto 13. dos factos provados).Com efeito, e as regras da lógica, da experiência e do senso comum confirmam-no (assim como o teor da proposta de seguro - formulário elaborado pela Autora, em que o potencial tomador do seguro se limita a preenchê-lo -, donde resulta, em termos abstractos, que o tomador do seguro

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não tem de ser o proprietário do veículo seguro, nem o condutor habitual do veículo seguro tem de ser o tomador), à companhia de seguros interessa principalmente a identificação do condutor habitual do veículo, já que é com base nessa informação (v.g. idade, tempo de carta de condução) que aquela vai fazer a ponderação dos riscos a correr com a celebração do contrato que lhe é proposto. Estando em causa um seguro de responsabilidade civil pelos danos causados pelo veículo seguro a terceiros, informação crucial é sobre quem é a pessoa que habitualmente o conduz, podendo ser ou não a mesma que o segurou (tomador do seguro). E a importância de tal informação acresce quando, tal como no caso concreto, se associa ao seguro obrigatório a garantia dos danos próprios do veículo.Portanto, considerando apenas a factualidade provada, não podemos desde logo afirmar que o que consta na proposta de seguro sobre a propriedade do veículo constitui uma declaração inexacta. Mas, ainda que com o facto provado de que o 1.ºco-Réu deu o veículo em causa ao 2.º co-Réu no início de 2004 pudéssemos considerar que à data da celebração do contrato de seguro o 2.º co-Réu já era o proprietário do veículo, entendemos que tal declaração inexacta não conduz à nulidade do contrato por não ser essa a circunstância (pelo menos isoladamente considerada) susceptível de tornar o sinistro mais provável ou mais amplas as suas consequências. Até porque, reiteramos, o 2.º co-Réu ainda não era detentor de título de condução.No que se refere à declaração sobre a identificação do condutor habitual do veículo, resulta suficientemente provado que não estamos perante qualquer declaração inexacta, uma vez que o tomador do seguro é efectivamente (e independentemente de ser ou não o único) o condutor habitual do veículo seguro.Repare-se que o ponto 6. da proposta de seguro em análise apresenta apenas um campo para identificar o condutor habitual do veículo seguro. Além disso, não é de olvidar o facto de que o contrato foi celebrado com a intervenção de um mediador de seguros da Autora, que actuou em nome e com poderes de representação daquela. Tal implica que todos os actos realizados pelo tomador do seguro, ou a ele dirigidos pelo mediador, produzem efeitos relativamente à seguradora como se fossem por si ou perante si directamente realizados. Tal circunstância torna estranha a existência das discrepâncias e incorrecções que constam da proposta de seguro. Não se espera que o mediador de seguros ignorasse tais discrepâncias e incorrecções e a própria seguradora que aceitou a proposta de seguro nessas condições.Tal facto associado à circunstância de a proposta de seguro estar assinada pelo 2.º co-Réu coloca a dúvida sobre quem preencheu a mesma e se o 1.º co-Réu conhecia as declarações constantes da dita proposta, o que põe em crise outro dos pressupostos do artigo 429.º do Código Comercial, ou seja, o conhecimento dos factos e circunstâncias declaradas na proposta por parte do declarante.Não obstante todas as incongruências e inexactidões constantes da proposta em causa, o certo é que a Autora a aceitou, transmutando-a em apólice, documento que formalizou o contrato de seguro que celebrou com o 1.º co-Réu, de acordo com as regras da interpretação das declarações negociais. É que segundo o artigo 236.º, n.º 1, do Código Civil, que consagra a teoria da impressão do destinatário, a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele, o que significa que o risco é imputado ao declaratário (cfr. Acórdão do S.T.J. de 22.01.97, in CJ V, I, 259).No caso concreto, não obstante a proposta de seguro estar assinada pelo 2.º co-Réu, todo o comportamento do 1.º co-Réu, associado às declarações constantes do documento, conduzem a que a contraparte no contrato de seguro seja apenas o Réu Júlio.................... e que assim tenha desde sempre sido tomado pela Autora.Aliás, o artigo 238.º, n.º 1, do Código Civil, estipula que nos negócios formais

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(como é o caso) não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso.Apesar de estar provado que o contrato em causa foi celebrado em nome do co-Réu Júlio.................... para assim poder beneficiar de um prémio menor, entendemos que daí não resulta qualquer intenção fraudulenta (ou até reserva mental) dos Réus uma vez que também resultou provado que o mesmo co-Réu efectuou o contrato em seu nome por, entre outras razões, utilizar frequentemente o veículo, já que era ele quem durante o dia utilizava o mencionado veículo nas suas deslocações profissionais, e que efectuava o pagamento do prémio de seguro, além de que foi ele que assumiu a reparação do veículo automóvel decorrente do acidente de viação referido em 6. dos factos provados (vide pontos 11. e 17. a 20). Ora, sendo ele o condutor habitual do veículo (ou um dos condutores habituais), nada mais natural que fosse ele a celebrar o contrato de seguro por, considerando a sua idade, tempo de carta de condução e antecedentes do risco, poder beneficiar de um prémio de seguro menor. Aliás, apenas ele poderia fazê-lo pois à data o 2.º co-Réu ainda não tinha título de condução. Em bom rigor, inexacto seria, à data da celebração do contrato, declarar que (também ou só) o Pedro.................... era o condutor habitual do veículo na medida em que, pelo menos em termos abstractos, a ausência de carta de condução o impedia de sê-lo.Por tudo o que fica dito, julgamos que o contrato de seguro em causa não está ferido de qualquer nulidade.Acresce ainda, a reforçar a posição ora defendida, o facto de que estamos indubitavelmente perante um daqueles casos que a doutrina e a jurisprudência designa de «casos de irrelevância das declarações inexactas ou reticentes». Se não vejamos.Desde logo, a seguradora tinha ou devia ter, como declaratário e contratante medianamente zeloso e diligente que se espera que seja, considerando até aposição contratual mais forte que assume, conhecimento da circunstância inexactamente declarada (não se concebe que uma seguradora contrate um seguro com alguém sem lhe pedir a documentação identificadora do tomador de seguro, do proprietário do veículo e do seu condutor habitual, se forem diferentes daquele e do próprio veículo seguro). Além disso, e quanto à circunstância concreta de a proposta estar assinada por pessoa diferente da que está identificada como sendo o tomador do seguro, estamos perante um facto notório e evidente, além de outras imprecisões constantes do ponto intitulado «Antecedentes do Risco» que, um olhar atento sobre as mesmas, a fariam solicitar esclarecimentos ao tomador.E existindo a dúvida sobre quem preencheu a proposta, sendo altamente provável que tenha sido o mediador de seguros -já que o teor da apólice e os factos provados indicam que o contrato em causa foi celebrado por seu intermédio- pode em última análise ponderar-se que as inexactidões se tenham devido a facto da seguradora, neste caso representada pelo mediador de seguros.*iii) Enriquecimento sem causa do 2.º co-RéuNa medida em que se conclui pela inexistência de qualquer nulidade do contrato de seguro em causa, falece desde logo a invocação do instituto do enriquecimento sem causa.O conceito de enriquecimento sem justa causa enuncia-se nos seguintes termos: dá-se o enriquecimento sem causa quando o património de certa pessoa se valoriza ou se deixa valorizar à custa de outra pessoa e sem que para isso exista causa justificativa. Por isso, o enriquecimento sem causa é, por vezes, designado de enriquecimento injusto ou locupletamento.Dispõe o artigo 473.º, n.º 1, do Código Civil que “[a]quele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com queinjustamente se locupletou”.Como se vê, a figura jurídica requer três pressupostos fundamentais: a) a

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existência de um enriquecimento, b) à custa de outrem e c) obtido sem causa justificativa.Sem mais delongas, adiantamos que é o terceiro pressuposto referido que não tem verificação no caso concreto, considerando que o enriquecimento aqui não configura propriamente um aumento patrimonial mas antes uma diminuição de despesas com a reparação do veículo interveniente num acidente de viação por o seu condutor se ter despistado.O enriquecimento é sem causa justificativa quando, segundo a correcta ordenação jurídica dos bens, ele deve caber a outrem.Ora, no caso concreto, o enriquecimento verificado tem a sua causa justificativa precisamente no contrato de seguro plenamente válido pelas razões que supra expendemos, tendo a Autora cumprido uma obrigação que lhe cabia por força de tal contrato.Pelo exposto, também nesta parte se julga improcedente o pedido da Autora contra o 2.º co-Réu na medida em que sobre este não impende qualquer obrigação de restituir à Autora qualquer quantia.*iv) Abuso de direito e litigância de má fé da AutoraOs Réus alegam que a Autora litiga em manifesto abuso de direito, fabricando factos jurídicos e pondo, dessa forma, em causa a confiança e segurança jurídica que a parte contrária depositou no negócio, pedindo que, por essa razão, seja condenada em multa não inferior a € 1.500,00 e a pagar-lhes uma indemnização no valor de € 1.000,00.A figura jurídica do abuso de direito está expressamente consagrada no artigo 334.º do Código Civil, nos termos do qual “[é] ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.O abuso de direito representa a fórmula mais geral de concretização do princípio da boa fé, constituindo um excelente remédio para garantir a supremacia do sistema jurídico e da Ciência do Direito sobre os infortúnios do legislador e as habilidades das partes, mas com aplicação subsidiária, desde que não haja solução adequada de Direito estrito que se imponha ao intérprete aplicar (cfr. Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, T1, 2.ª edição, 2000, pp. 241 e 248).Porém, aos tribunais requer-se o maior critério e precisão na aplicação da boa fé e, designadamente, quando tal suceda contra o ius strictum, porquanto este deve ser aplicado, em primeira linha, só funcionando o abuso de direito, a título subsidiário (cfr. Acórdão da Relação de Coimbra, de 02.11.99, in CJ, Ano XXIV, T4, 51).O abuso de direito desdobra-se numa série de casos-tipo de aplicação do princípio da boa fé, ou seja, a denominada exceptio doli, a proibição de venire contra factum proprium, a proibição de consubstanciar, dolosamente, posições processuais, as inalegabilidades formais, a suppressio ou neutralização, a surrectio ou surgimento, o tu quoque e o desequilíbrio no exercício de posições jurídicas.Por seu turno, o venire contra factum propprium pode concretizar-se, nomeadamente, quando uma situação de aparência jurídica é criada, em termos tais que suscita a confiança das pessoas de que a posição jurídica contrária não seria actuada, por imposição da boa fé, implicando a demonstração, ainda que mínima, que da inactividade do lesado resultou uma expectativa fundada de que o direito não seria exercido (cfr. MENEZES CORDEIRO, in “Tratado de Direito Civil Português”, Vol. I, T1, pp. 250 a 252; “Da Boa Fé no Direito Civil”, pp. 377, 378, 797; VAZ SERRA, “Abuso de Direito, em Matéria de Responsabilidade Civil”, in BMJ n.º 85, pp. 330 e 331; Acórdão do S.T.J. de 03.05.90, in BMJ n.º Tribunal Judicial de 397, p. 454).Está em causa o exercício do poder formal da Autora negar o reconhecimento do contrato de seguro celebrado com o 1.º co-Réu, em eventual contradição com o seu comportamento anterior, e com os limites normativos do fim específico visado pelo direito subjectivo.

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Efectivamente, na base do abuso de direito está o propósito exclusivo de criar à outra parte uma situação lesiva, através do funcionamento da lei, mas já não de uma cláusula contratual, a que a parte, livre e voluntariamente, se vinculou, não podendo esta figura jurídica sustentar o incumprimento de obrigações assumidas ou a sua transformação em estipulações de conteúdo que lhe seja favorável (cfr. CUNHA DE SÁ, in “Abuso do Direito”, pp. 249, 250 e 278).Revertendo ao caso em análise, adiantamos que, atendendo à factualidade considerada provada, não se vislumbra qualquer comportamento da Autora que consubstancie um abuso de direito. Ou seja, da circunstância de o mediador de seguros da Autora ter intermediado a celebração do contrato de seguro entre aquela e o 1.º co-Réu não resulta qualquer venire contra factum proprium.Os Réus alegam que o abuso de direito da Autora se concretiza na circunstância de o mediador ter sugerido a contratação do seguro pelo 1.º co-Réu e de a Autora ter aceite nos precisos termos em que foi proposto, para depois, baseando-se em declarações inexactamente prestadas pelo tomador do seguro, invocar a invalidade do contrato por forma a eximir-se da responsabilidade de assumir a reparação do veículo sinistrado.Ora, desde logo, a primeira premissa não está verificada. O facto provado de que o Réu Pedro...................., em 26.01.05, declarou que, embora o referido veículo esteja em seu nome, foi aconselhado pelo mediador de seguros da Autora a celebrar o contrato referido em 1. em nome do pai (vide ponto 9. dos factos provados) não implica que esteja provado que foi o mediador de seguros da Autora quem sugeriu aos Réus que o contrato fosse celebrado em nome do 1.º co-Réu por tal lhes ser mais favorável. Isso não está provado.Além disso, e aderindo ao que se decidiu no Acórdão da Relação de Coimbra Tribunal de 23.03.2004 (in CJ, 2004, T. II, p. 22), «não constitui abuso de direito o facto de a seguradora, num momento inicial e sem qualquer verificação sobre as informações do segurado, ter aceite o contrato e só depois, tendo-lhe sido comunicado o sinistro, ter ido investigar as referidas informações, ocasião em que detectou as omissões e falsas declarações e em que invocou a invalidade do contrato».A reforçar tal entendimento in casu estão as circunstâncias concretas em que o contrato de seguro foi celebrado, por intermédio de um mediador de seguros, prática aliás muito recorrente nos dias de hoje. Acresce que, como já dissemos, a celeridade e uniformização que implica o recurso à fórmula do contrato de adesão integrado por cláusulas contratuais gerais leva a que as seguradoras não verifiquem a veracidade das indicações do tomador do seguro, confiando, desde logo, nas averiguações que espera terem sido feitas pelo mediador; outras vezes não têm sequer como proceder a essa verificação, sendo obrigadas a acreditar no segurado.Pelo exposto, também improcede o pedido de condenação da Autora como litigante de má fé.Nos termos do artigo 456.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Civil, diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave, tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar.É corrente distinguir entre má fé material (ou substancial) e má fé instrumental. A primeira relaciona-se com o mérito da causa: a parte, não tendo razão, actua no sentido de conseguir uma decisão injusta ou realizar um objectivo que se afasta da função processual. A segunda abstrai da razão que a parte possa ter quanto ao mérito da causa, qualificando o comportamento processualmente assumido em si mesmo. Desta forma, só a parte vencida pode incorrer em má fé substancial, mas ambas as partes podem actuar com má fé instrumental, podendo o vencedor da acção ser condenado como litigante de má fé. No presente caso, trata-se de aferir se a Autora incorreu em má fé substancial.O que se disse sobre o abuso de direito vale perfeitamente para a questão da litigância de má fé. Ao peticionar o reembolso do que pagou a título de danos provocados pelo primeiro sinistro e de averiguação do segundo sinistro, com base na nulidade do contrato de seguro por causa das declarações inexactas ou

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no enriquecimento sem causa, a Autora ignoraria a falta de fundamento que ora se verificou.*v) Indemnização pelos danos patrimoniais sofridos pelo 1.º co-Réu.Como os contratos devem ser pontualmente cumpridos (cfr. artigo 406.º, n.º 1. do Código Civil) e o devedor cumpre a sua obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado (cfr. artigo 762.º, n.º 1, do Código Civil), não o tendo feito, quando a tal estava obrigada por força de um contrato que, como vimos, era plenamente válido e eficaz, a Autora deverá ser responsabilizada pelo não cumprimento da sua obrigação.Com efeito, nos termos do artigo 798.º do Código Civil, o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor, sendo que no âmbito da responsabilidade contratual a culpa do devedor se presume de acordo com o disposto no artigo 799.º do mesmo diploma.Tal obrigação, decorrente do facto de o contrato de seguro celebrado entre a Autora e o 1.º co-Réu garantir também os danos próprios do veículo, consistia na assunção das despesas com a reparação do veículo seguro que acabaram por ser assumidas pelo 1.º co-Réu.Impõe-se, então, responsabilizar a Autora pelo ressarcimento dos danos sofridos pelo 1.º co-Réu que, conforme se provou, ascenderam ao montante de € 5.500,00.Nos termos do disposto nos artigos 804.º, 805.º, n.º 1, e 806.º, todos do Código Civil, a tal quantia acrescerão juros de mora à taxa legal de 4%, a contar da data da citação até integral pagamento.*vi) Indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pelo 2.º co-Réu.A questão de os danos não patrimoniais que se provou terem sido sofridos pelo 2.º co-Réu serem ressarcíveis pela Autora é problemática. Isto porque o 2.º co-Réu não é parte no contrato de seguro, tendo apenas reflexamente sofrido tais prejuízos.Com que fundamento jurídico poderá a Autora ser responsabilizada pelos danos que da privação do veículo segurado resultaram para o 2.º co-Réu?Como é sabido, a responsabilidade civil pode ter natureza contratual ou extracontratual. No primeiro caso, trata-se da responsabilidade proveniente da falta de cumprimento das obrigações emergentes dos contratos, de negócios unilaterais ou da lei, quando as obrigações (em sentido técnico) provêm da lei. No segundo, se resultante da violação de direitos absolutos ou da prática de actos que, embora lícitos, causam prejuízo a outrem. Assim, na responsabilidade extracontratual, a obrigação de indemnização nasce, em regra, da violação de uma disposição legal ou de um direito absoluto que é inteiramente distinto dela.Em qualquer dos casos, os pressupostos são os mesmos, a apreciação da culpa é feita nos mesmos termos, sendo, porém, de salientar que, na responsabilidade civil contratual, o ónus da prova da culpa recai sobre o devedor (cfr. artigo 799.º, n.º 1, do Código Civil), enquanto que na extracontratual cabe ao lesado, salvo beneficiando da presunção legal, provar a culpa do autor da lesão (cfr. artigo 487.º, n.º 1, do Código Civil).Apreciando a pretensão do 2.º co-Réu à luz do princípio geral da responsabilidade civil por factos ilícitos consagrado no artigo 483.º, n.º 1, do Código Civil, dispõe este normativo que “[a]quele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.Constituem pressupostos do dever de reparação resultante da responsabilidade civil por factos ilícitos: a existência de um facto voluntário do agente, a ilicitude desse facto, um nexo de imputação do facto ao lesante (culpa), a existência de um dano e o nexo de causalidade entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido, de modo a poder concluir-se que o dano resulta daquele facto.

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Assim, o responsável pelo ilícito extracontratual fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos (patrimoniais ou não patrimoniais) de que o facto seja causa adequada.No caso concreto, o facto consiste na omissão de reparar o veículo sinistrado.O caso da omissão encontra-se especialmente regulado no artigo 486.º do Código Civil. Face a este, para que uma omissão seja relevante é necessário que exista uma obrigação de agir, por força da lei ou de negócio jurídico, e um nexo de causa-efeito entre o acto omissivo e o dano. No caso em apreço, havia da parte da Autora um dever de agir por força do contrato de seguro e verifica-se o nexo de causalidade entre a omissão de reparar o veículo e os danos não patrimoniais sofridos pelo 2.º co-Réu.Quanto ao segundo pressuposto da responsabilidade extracontratual aquilina, a modalidade da ilicitude que se aplica ao caso concreto é a violação de direitos de outrem. Estão em causa direitos absolutos, concretamente direitos de personalidade do 2.º co-Réu, os quais foram violados com a conduta da Autora (a saúde, o descanso, a comodidade, o desempenho escolar).No que se refere à culpa (ou nexo de imputação do facto ao lesante), consiste no juízo de censura ou reprovação dirigido ao agente por ter actuado como actuou quando, pela sua capacidade e em face das circunstâncias dos casos, podia ou devia ter agido de outro modo.A culpa pode revestir duas formas essenciais: o dolo e a mera culpa ou negligência. No caso concreto, não temos elementos que nos permitam concluir pela culpa da Autora, em qualquer das suas duas modalidades.O dolo exige a coordenação de dois elementos, o intelectual -conhecimento das circunstâncias de facto que integram a violação do direito ou da norma e a consciência da ilicitude- e o volitivo -nexo de causalidade entre o facto ilícito e a vontade do agente.Quanto ao dolo, inexiste da parte da Autora não só o conhecimento de que com a sua conduta estaria a violar direitos de outrem que não o do tomador de seguro (já que o conhecia como também condutor habitual do veículo) mas também, e por conseguinte, a consciência da ilicitude.A negligência pode assumir duas formas: a negligência consciente e a negligência inconsciente. Na primeira o autor prevê a produção do facto ilícito como Tribunal Judicial de um efeito eventual mas confia na sua não verificação e não toma as providências necessárias para o evitar; na segunda o autor não prevê sequer a produção do facto ilícito como possível, embora devesse prevê-la ou evitá-la se usasse o cuidado e diligência de um bom pai de família.Quanto à negligência ou mera culpa, a única cuja existência se pode conjecturar no caso concreto é a negligência inconsciente, já que, pelas mesmas razões expendidas quanto ao dolo, dos factos provados e das regras do senso comum não resulta que a Autora tivesse previsto, ainda que remotamente, a possibilidade de violar os direitos de terceiro. O 2.º co-Réu não figurava no contrato de seguro em qualidade alguma.Então, o cerne da questão passa por indagar se a Autora, mesmo não a tendo previsto, deveria tê-la previsto ou evitado se usasse aquele cuidado.Do ponto 13. dos factos provados resulta que caso a Autora soubesse que o Réu Pedro.................... era o condutor habitual do veículo não teria aceite efectuar o contrato de seguro. Portanto, a Autora sabia apenas que o 1.º co-Réu era o condutor habitual do veículo seguro.Ainda que se possa pôr em causa se a Autora sabia ou não quem era realmente o proprietário do veículo seguro, desconhece-se principalmente se, à data em que ocorreu o 2.º acidente de viação (04.01.2005), a Autora sabia que o 2.º co-Réu também era um condutor habitual do veículo. O facto de já ter assumido um outro sinistro, em que foi interveniente o veículo seguro e em que este era conduzido pelo 2.º co-Réu, não permite concluir que a Autora devesse ter previsto que com a sua conduta omissiva produziria os danos cuja produção veio a provar-se nesta sede. Isso precisamente porque para si o condutor habitual do veículo era (como aliás se provou) o 1.º co-Réu, não lhe sendo exigível, porque excessivamente exigente e desrazoável para o padrão do

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homem médio colocado nas suas condições contratuais, confiante nas declarações do tomador de seguro (ao abrigo do princípio da boa fé), cuidar de saber se afinal o condutor habitual era o 2.º co-Réu ou outra pessoa para evitar causar danos a terceiros.Portanto, faltando o elemento da culpa, não se encontra verificada a Tribunal Judicial de responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos que fundamente a obrigação de indemnizar o 2.º co-réu por parte da Autora.Quanto à responsabilidade contratual, não existe qualquer obrigação da Autora para com o 2.º co-Réu que emirja de um contrato. Este sofreu danos apenas em termos reflexos. No âmbito da responsabilidade civil extracontratual, a jurisprudência já tem admitido que terceiros refle....................mente ofendidos nos seus direitos de personalidade por danos causados ao lesado possam também ser indemnizados e tem-no feito com base no artigo 70.º do Código Civil. Mas no caso da responsabilidade civil contratual, admiti-lo também seria abrir a porta a umainfinidade de situações, o que implicaria um golpe na segurança e confiança jurídicas - responsabilizar a Autora pelos danos sofridos pelo 2.º co-Réu, ou até por qualquer outro terceiro que conduzisse o veículo seguro.Quando muito a questão pôr-se-ia com mais premência se a Autora soubesse que o 2.º co-Réu era também o condutor habitual do veículo, facto que não se provou, não se exigindo que a mesma soubesse. Isto porque se, por um lado, chegássemos à conclusão que lhe era exigível, então já se verificaria a culpa e a responsabilidade aquilina (já que os danos e o nexo de causalidade estão verificados); se, por outro lado, tal facto se tivesse provado, então poderíamos colocar em hipótese se o contrato de seguro nesses casos não se enquadraria naquela figura doutrinalmente criada (embora para outros casos) do contrato com eficácia de protecção para terceiros, pois aí o 2.º co-Réu encontrar-se-ia na esfera de risco da prestação.Inexistindo qualquer fundamento que vincule a Autora à obrigação de indemnizar o 2.º co-Réu, improcede o pedido reconvencional deste no que respeita à indemnização pelos danos não patrimoniais.*III. Decisão1. Pelo exposto, o tribunal julga totalmente improcedente o pedido da Autorae parcialmente procedente os pedidos formulados pelos Réus e, em consequência:a) Absolvo os Réus do pedido formulado contra si pela Autora;b) Condeno a Autora a pagar ao co-Réu Júlio Manuel .................... aquantia de € 5.500,00, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4%, a contar dadata da citação até integral pagamento;c) Absolvo a Autora do pedido formulado contra si pelo co-Réu Pedro MiguelPereira.....................*Custas a cargo da Autora e dos Réus, estes na proporção do decaimento (cfr.artigo 446.º do C.P.C.).Registe e notifique.*Portalegre, 16 de Janeiro de 2009.(20 e 21/Dez: fim-de-semana; 22.12 a 05.01: férias judiciais)Texto elaborado em computador e integralmente revisto pelo(a) signatário(a).A Juiz de Direito, em regime de estágio,Dr(a). Marta Inês Dias

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[1] O âmbito do recurso é triplamente delimitado. Primeiro é delimitado pelo

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objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na 1.ª instância recorrida. Segundo é delimitado objectivamente pela parte dispositiva da sentença que for desfavorável ao recorrente (art.º 684º, n.º 2 2ª parte do Cód. Proc. Civil) ou pelo fundamento ou facto em que a parte vencedora decaiu (art.º 684º-A, n.ºs 1 e 2 do Cód. Proc. Civil). Terceiro o âmbito do recurso pode ser limitado pelo recorrente. Vd. Sobre esta matéria Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, Lisboa –1997, págs. 460-461. Sobre isto, cfr. ainda, v. g., Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos, Liv. Almedina, Coimbra – 2000, págs. 103 e segs.[2] Vd. J. A. Reis, Cód. Proc. Civil Anot., Vol. V, pág. 56.[3] Dizemos errada referência porquanto da factualidade não resulta que o mediador estivesse mandatado com poderes de representação para actuar em nome e por conta da Seguradora, sendo certo que, do regime jurídico da mediação decorre que a regra é e....................ctamente ao contrário ou seja não existe representação (art.º 4º n.º 1 do DL n.º 388/91) na actividade de mediação de seguros, a menos que, expressamente assim seja acordado, n.º 2 do art.º 4º do mesmo diploma.

Acórdãos TRL Acórdão do Tribunal da Relação de LisboaProcesso: 7448/2006-7Relator: ORLANDO NASCIMENTODescritores: SEGURO DE VIDA

APÓLICE DE SEGURODEVER DE INFORMARCLÁUSULADOENÇAINTERPRETAÇÃO

Nº do Documento: RLData do Acordão: 05/08/2007Votação: UNANIMIDADETexto Integral: S

Meio Processual: APELAÇÃODecisão: CONFIRMADA

Sumário: I- A estipulação constante das condições gerais da apólice segundo a qual […não se considera coberto por este contrato o risco de morte, invalidez ou incapacidade da pessoa segura, resultante de doença pré-existente, doença ou lesão provocada por…] aponta para a questão de saber o que deve entender-se por doença pré-existente.II- Para se considerar o momento em que uma doença em ser humano se deve considerar existente, importa recorrer a um critério objectivo que só pode ser o diagnóstico médico da doença, considerando-se a doença existente a partir da data em que foi medicamente encontrada.III- Não pode a seguradora querer prevalecer-se do facto de uma determinada doença apresentar, quando diagnosticada, um determinado estádio evolutivo a partir do momento em que aceitou celebrar o contrato de seguro sem submeter o interessado a exame médico e sem lhe solicitar informações tidas por pertinentesIV- A mera extracção de um quisto, que não configura qualquer doença, não obriga o tomador de seguro a informar a seguradora, não se podendo considerar errada a informação prestada pelo segurado de que “ está de boa saúde, não sujeito ao controlo médico regular por doença ou acidente, ocorrido nos últimos 12 meses”, declaração prestada em função da cláusula de contrato de seguro segundo a qual [por efeito deste contrato e durante toda a sua vigência o mutuário desde que à data da sua celebração goze de boa saúde e não esteja sob controlo médico regular devido a doença ou acidente e enquanto tiver uma idade compreendida entre os 18 e os 65 anos, beneficia de uma apólice de

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seguro de vida…]

(SC)

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa.

1. RELATÓRIO

BANCO […]S. A., propôs contra,(A) […] e incertos, esta acção declarativa de condenação, sob forma sumária pedindo a condenação desta e herdeiros incertos a entregarem-lhe a quantia de € 6.742,50, acrescida de juros vencidos no valor de € 2.655,03 e respectivo imposto de selo no valor de € 106,20, e ainda de juros vincendos à taxa anual de 34,55%, e respectivo imposto de selo, até efectivo cumprimento, relativa ao valor do financiamento que efectuou a (M)[…], seu falecido marido, em virtude de contrato de mútuo celebrado no âmbito da sua actividade comercial de concessão de crédito, e do qual este apenas terá pago 19 prestações das 48 acordadas e devidas.

Mais referiu que a quantia mutuada reverteu para o património comum do casal uma vez que o veículo adquirido se destinou ao património comum, sendo a R solidariamente responsável com o seu falecido marido pelas quantias em dívida.

Citada, contestou a R pedindo a sua absolvição ou que ela e restantes herdeiros legais de seu falecido marido sejam considerados parte ilegítima, requerendo a intervenção principal provocada de […] COMPANHIA […] DE SEGUROS DE VIDA, S. A., com fundamento em que, com referência ao contrato de mútuo a que se reporta o A, foi celebrado um contrato de seguro de vida, para o caso de falecimento do mutuário, sendo que a seguradora se tem recusado a pagar tal quantia.

A intervenção foi admitida – com a oposição do A – e, citada a seguradora, esta contestou excepcionando a anulabilidade do contrato de seguro com fundamento em que o mutuário falecido ocultou a doença de que padecia e em virtude da qual teria morrido.

Por iniciativa do Tribunal a quo, a R veio aos autos identificar os restantes herdeiros de seu marido, as filhas, C […] e D […].

Também por iniciativa do Tribunal a quo, o A apresentou nova petição inicial, agora correcta, por nela identificar os demandados[1].

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença julgando a acção parcialmente procedente, absolvendo as RR do pedido e condenando a R seguradora a entregar ao A a quantia de € 6.742,50, acrescida de juros à taxa legal, desde 24 de Novembro de 2004 (data de citação da chamada), até integral pagamento, absolvendo-a do restante pedido. 

Inconformadas com essa decisão o A e a R Ocidental dela interpuseram recurso, recebidos como apelação:

I. O A, Banco […], pedindo a procedência da acção e a condenação solidária das RR no pedido, formulando as seguintes conclusões:

1. No entender da recorrente, deveria o Senhor Juiz a quo ter julgando a acção totalmente procedente e provada.

2. Vê-se do exame dos autos e consta, aliás, da sentença recorrida, que

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atento o falecimento do mutuário do contrato dos autos (M) […], a sua viúva a R (A) e as filhas de ambos, as RR C e D, são responsáveis perante o A pelo pagamento da divida dos autos nos termos peticionados.

3. Ao contrário do que se entendeu, na sentença recorrida, fez-se prova nos autos que a doença de que faleceu o R. marido era pré-existente à data da assinatura do contrato de mútuo dos autos e, portanto, pré-existente à data da assinatura do contrato de seguro subjacente ao referido contrato de mútuo.

4. Certo é que a doença de que faleceu (M) […] não é uma doença de carácter súbito e manifestou-se anteriormente ao falecido (M) […] ter subscrito contrato de seguro subjacente ao contrato de mútuo que celebrou com o ora recorrente, como aliás se encontra provado nos autos.

5. No contrato de mútuo dos autos refere-se na cláusula 15.ª - a) Por efeito deste contrato e durante toda a sua vigência o Mutuário desde que à data da sua celebração goze de boa saúde e não esteja sob controlo médico regular devido a doença ou acidente e enquanto tiver uma idade compreendida entre os 18 e 65 anos, beneficia de uma apólice de seguro de vida, subscrita pela T.[…], pela qual, em caso Morte ou Invalidez Absoluta e Definitiva, os débitos emergentes deste contrato, vincendos à data dessa ocorrência ficarão integralmente saldados.

6. Pelo que, não deveria o Senhor Juiz a quo, ter absolvido as RR., ora recorridas da totalidade do pedido dos autos, uma vez que sendo a doença pré-existente, em relação ao contrato, a referida cláusula 15.ª - a), do contrato de mútuo dos autos, não é aqui aplicável.

7. Encontra-se também provado nos autos, que o veiculo adquirido com o financiamento concedido, pelo A, ora recorrente, ao falecido(M) […], reverteu em proveito e para o património comum da sociedade familiar formada pelo falecido(M) […] e pelas RR. (A), viúva do falecido(M) […], C e D, filhas dos mesmos.

8. O A não se encontra ressarcido do que quer que seja relativamente à divida resultante do incumprimento do contrato de mútuo dos autos, pelo que, ao contrário do que se entendeu na sentença recorrida, as RR., solidariamente entre si, devem ao A as quantias peticionadas na acção.

9. Deve, pois, conceder-se provimento ao presente recurso de apelação, considerando-se a presente acção totalmente procedente condenando-se, assim, as RR, ora recorridas, solidariamente entre si, no pedido.

II. A R seguradora pedindo a revogação da sentença e a absolvição, formulando as seguintes conclusões:

1- Importa demonstrar a nulidade do contrato de seguro dos autos, de modo a concluir-se que a ora Apelante não é responsável pelo pagamento de qualquer quantia. 2- Podemos definir o contrato de seguro como aquele “pelo qual a seguradora, mediante retribuição do tomador do seguro, se obriga, a favor do segurado ou de terceiro, à indemnização de prejuízos resultantes, ou ao pagamento de valor pré-definido, em função da realização de um determinado evento futuro e incerto” . 3- O risco é um dos elementos essenciais do Contrato de Seguro, traduzindo-se o mesmo na possibilidade de um evento futuro e incerto, susceptível de determinar a obrigação patrimonial do segurador e cuja materialização constitui o sinistro.

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4- No Ramo Vida, a declaração do risco consiste, fundamentalmente, na informação relativa ao estado de saúde da pessoa a segurar. 5- No caso dos autos, no momento da celebração do Contrato de Mútuo objecto dos presentes autos e, consequentemente, do Contrato de Seguro subjacente ao mesmo, a Pessoa Segura – o falecido marido da 1.ª R -, declarou de forma expressa, ao assinar o mesmo, que estava de boa saúde, não sujeito a controlo médico regular por doença ou acidente, ocorrido nos últimos 12 meses”. 6- A mencionada declaração foi determinante para que a ora Apelante aceitasse assumir os riscos subjacentes ao referido Contrato de Seguro, na medida em que foi com base na referida declaração que esta aceitou cobrir os riscos em causa e calculou o montante do respectivo prémio de seguro. 7- Cerca de um mês antes da data da celebração do contrato de mútuo dos autos, e devido ao aparecimento de um tumor subcutâneo de face plantar do pé direito, o falecido marido da 1 a R. foi submetido a uma intervenção cirúrgica, mantendo-se em vigilância clínica. 8- O marido da 1 a R., ora Apelada omitiu à R. Chamada, ora Apelante, a existência do referido tumor subcutâneo, bem como a circunstância de ter sido submetido a uma intervenção cirúrgica e da necessidade de se manter em vigilância clínica, aquando da celebração do contrato objecto dos presentes autos, ocultando assim os reais condicionalismos do risco a assumir por esta. 9- Se a ora Apelante tivesse tido conhecimento dos referidos factos que o marido da 1.ª R. omitiu não teria realizado o contrato em causa, ou, pelo menos, não o teria realizado nos mesmos termos. 10- Não se pode, de forma alguma, considerar que o falecido marido da 1.ª R desconhecia que tinha um tumor, porque independentemente de saber que se tratava de um tumor maligno ou de prever que viesse a morrer do mesmo, a verdade é que o falecido marido da 1 a R. sabia perfeitamente que lhe tinha sido detectado um tumor subcutâneo de face plantar no pé direito e que, em virtude do mesmo foi submetido a urna intervenção cirúrgica, ficando sob vigilância médica. 11- Não pode relevar-se o facto do mesmo ter declarado que se encontrava de boa saúde, não sujeito a controlo médico regular por doença ou acidente, ocorrido nos últimos 12 meses, quando um mês antes foi submetido a urna intervenção cirúrgica e estava sob vigilância médica. 12- À data da celebração do Contrato de Mútuo e do Contrato de Seguro objecto dos presentes autos, o marido da 1.ª R., ora Apelada prestou declarações com reticência de factos ou circunstâncias de que tinha conhecimento. 13- Resulta do disposto no artigo 429.º do Código Comercial que "toda a declaração inexacta, assim como toda a reticência de factos ou circunstâncias conhecidas pelo segurado ou por quem fez o seguro, e que teriam podido influir sobre a existência ou condições do contrato tornam o seguro nulo". 14- A nulidade prevista no artigo 429.º do Código Comercial visa o equilíbrio das prestações; se o segurado destruir esse equilíbrio induzindo em erro a seguradora através de inexactidões ou omissões, levando-a a praticar condições menos onerosas do que as que praticaria se dos factos deturpados ou silenciados tivesse conhecimento, e que a poderiam levar até a não contratar, o contrato é nulo. 15- A consequência da omissão e prestação de declarações com reticência de factos ou circunstâncias de que tinha conhecimento, por parte do marido da 1.ª R., ora Apelada não pode ser outra que não a nulidade do contrato de seguro dos autos. 16- Muito mais quando ficou provado o nexo de causalidade entre a doença manifestada em data anterior à da celebração do contrato e a morte da pessoa segura. 17- Foi a A. que celebrou o contrato de seguro com a seguradora, sendo

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responsável pelo pagamento do prémio, considerando-se a mesma como a Tomadora do Seguro. 18- Uma vez que estamos no âmbito de um contrato de seguro, e que a lei especial prevalece sobre a lei geral, a aplicação do Decreto-Lei n.º 176/95 de 26 de Julho, onde se prevêem deveres de informação nesta matéria, predomina sobre a Lei das Cláusulas Contratuais Gerais, aplicável a contratos de adesão, na sua generalidade. 19- Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 4° do aludido Decreto-Lei, sob a epígrafe "Seguros de Grupo", inserido no capítulo "Deveres de informação", lê-se que "nos seguros de grupo, o tomador do seguro deve obrigatoriamente informar os segurados sobre as coberturas e exclusões contratadas, as obrigações e direitos em caso de sinistro ( ... )", resultando do n.º 2 do mencionado preceito que "o ónus da prova de ter fornecido as informações referidas no número anterior compete ao tomador do seguro", 20- Prescreve ainda o n.º 5 do mesmo dispositivo que "nos seguros de grupo a seguradora deve facultar, a pedido dos segurados, todas as informações necessárias para a efectiva compreensão do contrato". 21- Era, assim, à A., ora Apelada, e não à R. Chamada, ora Apelante, a quem assistia o dever de informação sobre as coberturas, exclusões, limites, obrigações e direitos, não cabendo a esta, mas sim àquela, provar que deu conhecimento e explicou ao falecido as condições gerais do contrato.

 As apeladas contra-alegaram pugnando pela confirmação da sentença recorrida.

2. FUNDAMENTAÇÃO

A) OS FACTOSO tribunal a quo considerou provados os seguintes factos:

1) A A., era antes uma sociedade financeira para aquisições a crédito, tendo então por objecto exclusivo o exercício das actividades referidas nos artigos 1 ° e 2° do Decreto-Lei 206/95 de 14 de Agosto, tendo anteriormente a denominação de "T.[…]", S. A. 2) No exercício da então sua actividade comercial, e com destino, segundo informação então prestada por (M) […], à data casado que era com a ora R. (A), à aquisição de um veículo automóvel da marca "MITSUBISHI", modelo L 300, com a matrícula […] BC, por contrato constante de título particular datado de 10 de Setembro de 2000, cuja cópia se encontra a fls. 13/14, dos autos, concedeu ao dito(M) crédito directo, sob a forma de um contrato de mútuo no valor de Esc. 1.250.000$00. 3) Nos termos deste contrato a A. emprestou a este a importância de Esc. 1.250.000$00, com juros à taxa nominal de 30,55% ao ano, devendo a importância do empréstimo, e os juros referidos, bem como o prémio de seguro de vida, serem pagos, nos termos acordados, em 48 prestações, mensais e sucessivas, com vencimento a primeira em 10 de Novembro de 2000 e as seguintes nos dias 10 dos meses subsequentes. 4) Nos termos do acordado entre as partes, a importância de cada uma das referidas prestações deveria ser paga, conforme ordem logo dada pelo referido (M) para o seu Banco, mediante transferências bancárias a efectuar, aquando do vencimento de cada uma das referidas prestações, para conta bancária logo indicada pela ora A 5) Conforme também expressamente acordado a falta de pagamento de qualquer das referidas prestações na data do respectivo vencimento implicava o vencimento imediato de todas as demais prestações. 6) Mais foi acordado entre a A e o referido (M) que em caso de mora sobre o montante em débito, a título de cláusula penal, acrescia uma

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indemnização correspondente à taxa de juro contratual ajustada de 30,55%, acrescida de 4 pontos percentuais. 7) Conforme expressamente consta do contrato estabelecido o valor de cada prestação, era de Esc. 46.612$00. 8) No dia 1 de Dezembro de 2001, no lugar e freguesia de Setúbal (S. Sebastião), concelho de Setúbal, faleceu (M) […], com quarenta anos de idade, no estado de casado com a ora R. (A) […], falecimento esse que foi comunicado pela R. à A. 9) As prestações referidas em G) deixaram de ser pagas desde 20.ª e seguintes, vencida esta em 10 de Junho de 2002. 10) Na cláusula 15. a) do contrato referido em B) consta: "Por efeito deste contrato e durante toda a sua vigência o Mutuário desde que à data da sua celebração goze de boa saúde e não esteja sob controlo médico regular devido a doença ou acidente e enquanto tiver uma idade compreendia entre os 18 e 65 anos, beneficia de uma apólice de seguro de vida, subscrita pela T.[…], pela qual, em caso de Morte ou invalidez Absoluta e Definitiva, os débitos emergentes deste contrato, vincendos à data dessa ocorrência ficarão integralmente saldados". 11) Datada de 20 de Junho de 2002, a "[…] Seguros" enviou aos RR. a carta cuja cópia se encontra a fls. 139, que estes receberam, com o assunto "Seguro de Vida - T.[…] – Ref.ª 00000 - Apólice n.º 00000000". 12) Datada de 5 de Setembro de 2002, a "[…] Seguros" enviou aos RR. a carta cuja cópia se encontra a fls. 140, que estes receberam, com o assunto "Seguro de Vida - T.[…] – Ref.ª. 00000 - Apólice n.º 00000000 (insistência à n/carta de 10/07/2002)", tendo a R. remetido para aquela o Relatório Médico elaborado pelo Director Clínico do Hospital de S. Bernardo, em Setúbal 13) Datada de 15 de Novembro de 2002, a "[…] Seguros" enviou aos RR. a carta cuja cópia se encontra a fls. 141, que estes receberam, com o assunto "Seguro de Vida - T.[…] – Ref.ª 00000 - Apólice n.º 00000000" "Tomador do seguro: T.[…] S. A." "Pessoa segura:(M) […]". 14) Datada de 24 de Julho de 2002 a A. enviou aos RR. a carta cuja cópia se encontra a fls. 180, sob o assunto "Documento em falta", e onde, designadamente referia "que nos seja enviado o Informação sobre a história clínica da doença, passada pela Direcção Clínica do Hospital de Setúbal". 15) Datada de 2 de Outubro de 2002 a A. enviou aos RR., em nome do falecido (M) […] a carta cuja cópia se encontra a fls. 181, sob o assunto "Documento em falta", e onde, designadamente referia "que nos seja enviado a Informação sobre a história clínica da doença, passada pela Direcção Clínica do Hospital de Setúbal". 16) Aquando da celebração do contrato referido em B) o falecido (M) […] não informou a A. de que padecia de qualquer doença. 17) A apólice de seguro subscrita pela "T.[…] o" referida em J) foi contratada com a chamada " […] Companhia  de Seguros […] S. A., com as condições gerais cuja cópia consta de fls. 235 a 240, destes autos, nos exactos termos que aí se encontram. 18) Na Condição 3.ª, n.º 1 das Condições Gerais mencionadas em R), com a epígrafe "Riscos Excluídos", consta além do mais que "Não se considera coberto por este contrato o risco de morte, invalidez ou incapacidade da Pessoa Segura, resultante de doença pré-existente, doença ou lesão provocada por. (...)". 19) O Hospital de S. Bernardo elaborou o documento de fls. 302, datado de 18 de Fevereiro de 2005, assinado pelo seu Director Clínico e com o assunto "Pedido de Informação", a pedido dos Réus, nos exactos termos que constam naquelas fls... 20) O veículo referido em 2., foi utilizado em proveito e benefício comum do casal constituído pela R. e o falecido (M). 21) Datada de 11 de Novembro de 2003, a R., através de Mandatário, enviou ao Hospital de S. Bernardo a carta cuja cópia se encontra a fls.

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142, que estes receberam, com o assunto "Seguro de Vida – T.[…] – Ref.ª 00000 - Apólice n.º 00000000". 22) Como resposta a esta carta o ao Hospital de S. Bernardo remeteu à mandatária dos RR a carta cuja cópia se encontra a fls. 143/144, com o assunto "Seu pedido de 3111/10", e onde, entre o mais, se refere: "De acordo com o pedido formulado por V. Exa. a 11/11/2003, transcrevemos o Relatório Médico já entregue à viúva em 19/09/2002 por nada mais haver a acrescentar". 23) Datada de 18 de Novembro de 2003, a R, através de Mandatário, enviou à " […] Seguros" a carta registada cuja cópia se encontra a fls. 145-147, que esta recebeu, com o assunto "Pedido de reabertura do processo de sinistro n. ° 00000" "apólice n.º 00000000" "Tomador do seguro - T.[…] S. A." "Pessoa segura: […](M) […]", na qual juntou o Relatório referido em 22 25) 24) O falecimento de(M) […] deveu-se a falência multiorgânica associada a metastização abdominal difusa. 25) Em Agosto de 2000,(M) […] foi ao médico em virtude do aparecimento de um quisto subcutâneo de face plantar no pé direito que o incomodava enquanto andava, mas que nunca constituiu nenhum impedimento ou incapacidade que se reflectisse no seu dia-a-dia. 26) Só em 8 de Agosto de 2001, veio (M) […] a ser internado por recidiva local da lesão, mas associada a falência hepática e massa tumoral suspeita hematoma/metástases, sendo esta última que o vitimou. 27) A morte de (M) […] resultou da evolução da doença referida em 25) supra.    

B) O DIREITO APLICÁVEL

O conhecimento deste Tribunal de 2.ª instância, quanto à matéria dos autos e quanto ao objecto do recurso, é delimitado pelas conclusões das alegações de cada um dos recorrentes como, aliás, dispõem os art.ºs 684.º, n.º 3 e 690.º, n.º 1 e 2 do C. P. Civil, sem prejuízo do disposto no art.º 660.º, n.º 2 do C. P. Civil (questões cujo conhecimento fique prejudicado pela solução dada a outras e questões de conhecimento oficioso).

Atentas as conclusões das apelações, supra descritas, as questões submetidas ao conhecimento deste Tribunal pelos apelantes consistem em saber se:

I. A apelação do A, Banco […]. a) A doença de que faleceu o mutuário, marido, era pré-existente à data da assinatura do contrato de mútuo dos autos e, portanto, pré-existente à data da assinatura do contrato de seguro subjacente ao referido contrato de mútuo, como pretende o apelante (conclusões 1.ª a 6.ª);b) As RR, viúva e filhas do falecido mutuário respondem solidariamente com a R seguradora pelas quantias em dívida no âmbito do contrato em causa nos autos. (conclusões 7.ª a 9.ª).

II. A apelação da R/ seguradora.c) O falecido mutuário e segurado, ao celebrar o contrato de seguro, omitiu que era portador da doença que determinou a sua morte (conclusões 1.ª a 16.ª);d) O dever de informar o segurado falecido sobre as cláusulas do contrato de seguro impendia sobre o A, Banco […] (conclusões 17.ª a 21.ª).Vejamos.

III. A apelação do A, Banco […].

III. 1. Quanto à primeira questão, a saber se a doença que determinou a morte do falecido (M) […] já existia à data da celebração do contrato de

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seguro referenciado pela apólice n.º 00000000.

Como é pacífico nos autos, o A Banco […] celebrou com o falecido (M) […], em 10/09/2000, um contrato de mútuo oneroso, mercantil, tal como vem definido nos art.ºs 1142.º e 1145.º do C. Civil e 465.º do C. Comercial, e concomitantemente com este, foi celebrado com a R […] o contrato de seguro titulado pela apólice n.º 00000000.

Este contrato de seguro foi celebrado em cumprimento da cláusula 15. a) do escrito que formaliza o contrato de mútuo, nos termos da qual:

"Por efeito deste contrato e durante toda a sua vigência o Mutuário desde que à data da sua celebração goze de boa saúde e não esteja sob controlo médico regular devido a doença ou acidente e enquanto tiver uma idade compreendia entre os 18 e 65 anos, beneficia de uma apólice de seguro de vida, subscrita pela T.[…], pela qual, em caso de Morte ou invalidez Absoluta e Definitiva, os débitos emergentes deste contrato, vincendos à data dessa ocorrência ficarão integralmente saldados” (n.º 10 da matéria de facto supra).

O mutuário faleceu em 01/12/2001 (n.º 8 da matéria de facto) e apesar da existência desse contrato de seguro, o A demandou a viúva para ser ressarcido das quantias em dívida no âmbito do contrato de mútuo, uma vez que a R seguradora não lhe entregou qualquer quantia, assumindo o comportamento evasivo evidenciado nos n.º 11) a 15) da matéria de facto.

Pretende, agora, o A, não obstante ter obtido ganho parcial da causa em face da R seguradora, que, afinal, o contrato de seguro adjuvante do contrato de mútuo e celebrado com a sua intermediação, não abrange a situação de morte do mutuário, nos termos da sua cláusula 3.ª, n.º 1 das Condições Gerais – a qual dispõe que: “Não se consideras coberto por este contrato o risco de morte, invalidez ou incapacidade da Pessoa Segura, resultante de doença pré-existente, doença ou lesão provocada por…” –, pelo que as RR, viúva e filhas do falecido mutuário, devem ser condenadas no pagamento das quantias em dívida.

O cerne da sua proposição situa-se, pois, em saber o que, no âmbito do contrato de seguro em causa, se deva entender por doença pré-existente.

Importa desde logo referir que, tratando-se de matéria de excepção (art.º 342.º, n.º 2, do C. Civil), ela deve ser articulada e provada pela parte que dela se pretende prevalecer.

O A Banco não alegou tal excepção no seu articulado de resposta à contestação[2], mas propõe-se, agora, que a matéria da excepção se encontra provado nos autos.

Ora, nestes consta apenas que:- A morte do mutuário de deveu a “…falência multiorgânica associada a metastização abdominal difusa” (n.º 24 da matéria de facto);- “Em Agosto de 2000,(M) […] foi ao médico em virtude do aparecimento de um quisto subcutâneo de face plantar no pé direito que o incomodava enquanto andava, mas que nunca constituiu nenhum impedimento ou incapacidade que se reflectisse no seu dia-a-dia” (n.º 25);- “Só em Agosto de 2001, veio(M) […] a ser internado por recidiva local da lesão, mas associada a falência hepática e massa tumoral suspeita hematoma/metástase, sendo esta última que o vitimou” (n.º 26);- “A morte de(M) […] resultou da evolução da doença referida em 25) supra” (n.º 27).

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Importa analisar esta matéria de facto, à luz dos conhecimentos da medicina trazidos aos autos pelas autoridades competentes na matéria, sendo de rejeitar liminarmente quaisquer considerações de génese popular/fatalista quanto à data da existência da doença.

De facto, como é do conhecimento público, a ciência genética tem tido nos últimos anos uma evolução tal que muitas das doenças, que actualmente atingem a humanidade, podem ser previstas não só desde tenra idade, mas mesmo antes da formação do ser humano, através do estudo das características genéticas dos progenitores.

Para o que ora nos interessa, importa determinar a partir de que momento uma doença de um ser humano se deve considerar existente. 

Para o efeito, na busca respectiva, teremos de utilizar um critério objectivo, afastando, liminar e terminantemente, qualquer tentação de augúrio (por contraposição a método racional), associada prevalentemente a doenças como a dos autos, e segundo a qual “a doença já lá estava, a doença já lá andava” e semelhantes[3].

E esse critério objectivo só pode ser o diagnóstico médico da doença, considerando-se a doença existente a partir da data em que foi medicamente encontrada, uma vez que antes disso, objectivamente, nada sabemos.[4]

Em termos de diagnóstico médico, sabemos que a doença que determinou a morte de(M) […] foi diagnosticada em Agosto de 2001, data em que foi internado por recidiva local da lesão (produzida por intervenção cirúrgica de Agosto de 2000), mas associada a falência hepática e massa tumoral suspeita hematoma/metástase.

De facto, em Agosto de 2000,(M) […] foi submetido a uma cirurgia para excisão de “um tumor subcutâneo de face plantar do pé direito, que incomodava a marcha”, a qual “revelou tratar-se de tumor das bainhas nervosa periféricas, de potencial maligno incerto mesmo após estudo imunocitoquimico. Manteve-se em vigilância e a 30 de Novembro do mesmo ano foi re-operado por recidiva local do tumor com 5, 5 cm de diâmetro maior. Foi então realizado exérese alargada, sendo o resultado anatomo-patológico sobreponível” (n.º 22 da matéria de facto e relatório do Exm.º Director Clínico de Hospital Público, a fls. 143-144).Como se refere a fls. 302 em “Informação” de um outro Director Clínico do mesmo hospital público – que mais que informação, constitui um autêntico parecer técnico na matéria – depois de referir que: “os tumores de comportamento incerto são aqueles em cuja histologia se pode observar um índice mitótico de baixo grau pelo que não se pode afirmar qual vai ser a sua evolução futura”, acrescenta: “A definição de malignidade ou não malignidade assenta sempre nos aspectos histológicos da peça operatória e no caso presente foi considerado inicialmente um tumor de evolução incerta pelo que não se poderia concluir da sua malignidade”.

Ou seja, em termos de conhecimento médico, em Agosto de 2000, ao ser extraído o quisto subcutâneo/tumor ao (M) […] não só não lhe foi diagnosticada a doença que determinou a sua morte como nem sequer era conhecida a evolução futura da situação.

Na altura, a existência de doença era uma possibilidade de doença (que está sempre presente na vida de um ser humano), mas não uma realidade de doença, sendo que só esta importa para o caso sub judice.

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E a esse estádio do conhecimento médico corresponde também o conhecimento comum da situação, segundo o qual, (M) […] apresentava um quisto subcutâneo[5] (n.º 25 da matéria de facto), o qual lhe foi extraído (documentos relatórios de fls. 143 e 302), porque o incomodava enquanto andava (n.º 25), sendo que a afecção e intervenção cirúrgica não corresponde ao conceito comum de doença, tanto mais que o quisto não constituía nenhum impedimento ou incapacidade que se reflectisse no seu dia-a-dia (n.º 25) nem demandava especiais cuidados (fls. 302).

O Tribunal não pode sobrepor ao conhecimento objectivo, de natureza técnica – imparcial por isso e pela natureza da entidade que o produz – e ao conhecimento comum, de um bonus pater famíliae, um juízo supersticioso, enroupado nos humanos temores sobre a doença em causa nos autos, nem o apelante pode pretender que tal seja feito.

A doença veio depois e esse foi, precisamente, o risco que mutuante e mutuário quiseram prevenir e que a empresa seguradora assumiu ao contratar.Improcedem, pois, as conclusões da apelação quanto a esta questão.

III. 2. Quanto à segunda questão, a saber, se as RR, viúva e filhas do falecido mutuário, respondem solidariamente com a R seguradora pelas quantias em dívida no âmbito do contrato em causa nos autos.

O A demandou a R viúva para haver dela a quantia em dívida com um duplo fundamento, a saber, na qualidade de herdeira[6] de seu falecido marido (art.º 2068.º do C. Civil) e na qualidade de cônjuge responsável por uma dívida comum do casal (art.º 1691.º, n.º 1, al. c) do C. Civil).

Ao fazê-lo, esqueceu-se, todavia, do acordado com o falecido (M) […], a saber, que este beneficiava de um seguro de vida (cuja uma apólice o A também se esqueceu de juntar aos autos), pelo qual, em caso de morte ou invalidez absoluta e definitiva, os seus débitos emergentes do contrato de mútuo, vincendos à data dessa ocorrência, ficariam integralmente saldados (n.º 10 da matéria de facto).

Essa cláusula, estabelecida no âmbito da autonomia privada dos contraentes, é valida e remete para os termos do contrato de seguro-vida o pagamento dos débitos vincendos, que são os pedidos pelo A nesta acção.  

Não vislumbramos, pois, qualquer fundamento para a alegada solidariedade entre a seguradora e as RR, viúva e filhas do mutuário.

Nos termos acordados, o A só poderá ressarcir-se no âmbito do contrato de seguro em causa.

Improcedem, pois, as alegações, também quanto a esta questão.

IV. A apelação da R/chamada seguradora.

IV. 1. Quanto à primeira questão, a saber, se o falecido mutuário e segurado, ao celebrar o contrato de seguro, omitiu que era portador da doença que determinou a sua morte.

Ao contestar, a chamada arguiu logo a nulidade do contrato de seguro com fundamento em errada informação do falecido (M) […] quanto ao seu estado de saúde, a qual se consubstanciaria em este ter declarado no documento 2 junto com a petição (escrito consubstanciador do contrato

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de mútuo) “estar de boa saúde, não sujeito a controlo médico regular por doença ou acidente, ocorrido nos últimos 12 meses”, o que não corresponderia à verdade (art.ºs 1.º a 44.º da sua contestação).

Antes de mais, convém precisar que essa declaração se encontra inserida no texto da cláusula 15. a) do escrito relativo ao contrato de mútuo, já citada, mas que reproduzimos, novamente.

Dispõe tal cláusula 15. a) que: “Por efeito deste contrato e durante toda a sua vigência o Mutuário desde que à data da sua celebração goze de boa saúde e não esteja sob controlo médico regular devido a doença ou acidente e enquanto tiver uma idade compreendia entre os 18 e 65 anos, beneficia de uma apólice de seguro de vida, subscrita pela T.[…], pela qual, em caso de Morte ou invalidez Absoluta e Definitiva, os débitos emergentes deste contrato, vincendos à data dessa ocorrência ficarão integralmente saldados”.

Pela simples leitura do texto citado se depreende que a declaração a que se reporta a apelante seguradora é uma declaração implícita, que mais parece uma simples condição objectiva[7] para “beneficiar” da apólice de seguro, na própria terminologia do contrato a que aderiu.

E, assim sendo, vale aqui o acima expendido quanto à primeira questão suscitada pelo apelante Banco […], ou seja, na data em que celebrou o contrato (M) […], apesar de ter extraído um quisto, gozava de boa saúde e não estava sujeito a controlo médico regular devido a doença ou acidente.

A doença sobreveio-lhe depois, com a natureza e as consequências referidas.

Pretende a apelante seguradora que, de tal cláusula e do disposto no art.º 429.º do C. Comercial, advinha para o (M) […] o dever de informar sobre o seu estado de saúde e que este o não observou.

Admitindo a existência de um tal dever de informar – até para beneficio próprio do(M) […] que, de outro modo, sofreria o prejuízo de ter o custo do seguro reflectido nas quantias a entregar ao Banco A sem beneficiar da cobertura do risco correspondente – o certo é que o mesmo, pela formulação da cláusula, é também acompanhado de um ónus de se informar, incidente sobre a apelante.

Também esta podia (e devia) informar-se sobre se o segurado se encontrava nas condições exigidas pelo contrato de seguro, submetendo-o a exame médico e solicitando-lhe as informações pertinentes.

Se o tivesse feito teria, porventura, sido confrontada com as questões que ora nos ocupam, maxime, se a extracção de um quisto ou actos similares como a extracção de um dente ou de uma verruga, se pode considerar doença para efeitos do contrato cujas cláusulas, ela própria, predeterminou e poderia ter formado a sua vontade de contratar em conformidade com o entendimento a que aportasse.

Quanto ao dever de informar, vale o acima expendido quanto à alegada preexistência da doença, ou seja, a doença que determinou a morte do (M) […] não existia, não podendo, consequentemente, por ele ser conhecida, pelo que o mesmo nada omitiu a esse respeito.

Tinha sido submetido à extracção de um quisto, mas tal situação não configura doença, quer segundo o critério de um bonus pater familiae,

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quer segundo critério médico, pelo que também não estava obrigado a prestar informações sobre esse facto.

Quanto ao ónus de se informar, tendo a apelante predeterminado as cláusulas do contrato de seguro em causa e não tendo desenvolvido qualquer actividade no sentido de aquilatar da existência objectiva das condições que impôs para contratar, as consequências a extrair são as associadas ao brocardo latino, sibi imputet. 

De facto, a apólice de seguro foi contratada entre a seguradora e o A, com as condições gerais cuja cópia consta de fls. 235 a 240, destes autos, (n.º 17 da matéria de facto) e na sua cláusula 3.ª, n.º 1 consta que: "Não se considera coberto por este contrato o risco de morte, invalidez ou incapacidade da Pessoa Segura, resultante de doença pré-existente, doença ou lesão provocada por” (n.º 18 da matéria de facto).

Pelo conhecimento adquirido, ex post factum, pode concluir-se que a doença não existia à data da celebração do contrato e a apelante, que nada fez, anteriormente, para confirmar ou infirmar esse conhecimento, terá de assumir as consequências da sua omissão e da assunção do risco contratual.Improcedem, pois, as conclusões da sua apelação a este respeito.

IV. 2. Quanto à segunda questão, a saber, se o dever de informar o segurado falecido sobre as cláusulas do contrato de seguro impendia sobre o A, Banco […].

A sentença em apreciação aborda esta questão, de forma comprida, entre as questões já referidas da existência ou inexistência da doença e seu conhecimento ou desconhecimento pelo falecido (M) […] e conclui que: “…a seguradora chamada não deu cumprimento ao dever de informação e comunicação que sobre si recaía”.

 Como fluí do supra exposto, essa questão encontra-se prejudicada pela solução dada às questões da existência ou inexistência da doença, seu conhecimento ou desconhecimento pelo falecido (M) […] e consequente informação ou omissão de informação à apelante, tanto bastando para não ter que se apreciada, pois aos tribunais cabe administrar a justiça, dirimindo os conflitos que lhe são submetidos e não solucionar questões académicas (art.º 660.º, n.º 2, do C. P. Civil).

Não obstante, a talhe de foice, vejamos.

Como refere a apelante, nos termos do disposto no art.º 4.º, n.º 1, do Dec. Lei n.º 176/95 de 26 de Julho, relativamente ao dever de informação “nos seguros de grupo, o tomador do seguro deve obrigatoriamente informar os segurados sobre coberturas e exclusões contratadas, as obrigações e direitos em caso de sinistro…”, sobre ele incidindo o ónus da prova de ter fornecido essas informações (n.º 2), cabendo à seguradora facultar aos segurados, a seu pedido, todas as informações necessárias à compreensão do contrato (n.º 5)[8].

Por sua vez, dispõe o art.º 8.º al. b) do Dec. Lei n.º 446/85 de 25 de Outubro que: “Consideram-se excluídas dos contratos singulares as cláusulas comunicadas com violação do dever de informação, de molde que não seja de esperar conhecimento efectivo”.

Pretende a apelante que as normas daquele diploma se configuram como “lei especial” face ao regime das cláusulas contratuais gerais estabelecido neste último diploma, mas não lhe assiste razão.

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Trata-se de duas leis especiais que urge compatibilizar, em cada caso concreto, tendo em vista os interesses sociais relevantes em cada um desses regimes, no primeiro, a protecção dos interesses de contratação (com a mitigação de um risco)  e de economia de escala, presentes nos denominados seguros de grupo e no segundo, a protecção do contraente débil que se limita a aderir a cláusulas predeterminadas.

No caso sub judice, como referimos, a questão prefigura-se como meramente académica, não sendo relevante para decisão da causa, atento o decidido quanto às restantes questões, não havendo, pois, que procurar o sentido dessa compatibilização.    V. Improcedem, pois, as conclusões de ambas as apelações, devendo confirmar-se a sentença recorrida. 

3.DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar ambas as apelações improcedentes confirmando a sentença recorrida.

Custas pelas apelantes.

Lisboa, 08 de Maio de 2007

(Orlando Nascimento)(Roque Nogueira)(Pimentel Marcos)

______________________________________________________________

[1] O que, aliás, deveria ter feito ao propor a acção, como lhe impõe o art.º 467.º, n.º 1, al. a) do C. P. Civil.  [2] Na qual se limitou a acolitar o comportamento evasivo da R Ocidental (art.º 16 e segts.) do qual se deduz que, também ela, entende que sobre a R viúva impendia o dever de carrear para ambos (A e R seguradora) os factos e as provas de algo correspondente aos seus interesses no âmbito do contrato de seguro, quando esse dever nem em sede judicial existe como decorre do art.º 342.º, n.º 2, do C. Civil, citado.[3] Não é por acaso que a doença em causa em parte alguma dos autos é mencionada pelo seu, tenebroso, nome comum.[4] Apenas podemos agoirar e a justiça não se estrutura em agoiros, ainda que produzidos em oráculo solene, deles se devendo, claramente, demarcar, como referimos.[5] Em tempo algum um “quisto” se pode considerar como doença, sendo apenas uma mazela, uma imperfeição, das muitas com que o ser humano tem de conviver.[6] As filhas, também herdeiras legais (art.ºs 2133.º e 2159.º do C. Civil), foram chamadas aos autos por iniciativa do Tribunal a quo, como referimos.[7] Com a seguinte proposição: “se à data da sua celebração gozar de boa saúde e não estiver sob controlo médico regular devido a doença ou acidente e enquanto tiver uma idade compreendia entre os 18 e 65 anos, beneficia de uma apólice de seguro”.[8] Ou seja, o dever de informação do tomador do seguro não elimina nem consome o dever de informar do segurador.

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Acórdãos TRL Acórdão do Tribunal da Relação de LisboaProcesso: 575/08.6TCFUN.L1-7Relator: MARIA JOÃO AREIASDescritores: CONTRATO DE SEGURO

PROPOSTA DE SEGUROMEDIADORDECLARAÇÃO INEXACTACLÁUSULA CONTRATUAL GERAL

Nº do Documento: RLData do Acordão: 12/15/2011Votação: UNANIMIDADETexto Integral: S

Meio Processual: APELAÇÃODecisão: IMPROCEDENTE

Sumário: I - O preenchimento do questionário médico por parte do mediador, na presença do segurado, no qual este apôs a sua assinatura, não passa de um auxilio material por parte do mediador a um acto praticado pelo próprio segurado.II - O facto de determinadas clausulas gerais ou especiais do contrato não terem sido previamente comunicadas ao segurado torna-se irrelevante no caso de invocação da anulabilidade do contrato com fundamento em falsas declarações deste e é com esse fundamento que o autor vê improceder a sua pretensão.(Sumário da Relatora)

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Decisão Texto Parcial:

Decisão Texto Integral:

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa (7ª Secção):

I – RELATÓRIO.A (…), instaura a presente acção declarativa sob a forma de processo ordinário contra(…) Seguros, S.A.pedindo que se considere válido o contrato de seguro com ela celebrado e, consequentemente, a condenação desta a pagar ao A., beneficiário do referido seguro, a quantia de €50.000,00 euros, acrescida de juros de mora contados desde a data da citação, à taxa legal, até efectivo e integral pagamento.Para tanto alegou, em síntese: a 16.10.2007, celebrou com a Ré um contrato de vida com a cobertura complementar de invalidez total e permanente, em que esta se comprometia a pagar a quantia acima referida aos beneficiários do seguro por si indicados em caso de morte ou invalidez absoluta e definitiva;em Fevereiro de 2008, adoeceu gravemente, tendo sido hospitalizado, sendo que, desde essa data, se encontra em situação de invalidez absoluta e permanente para qualquer tipo de trabalho, graduada em 90%;na sequência do ocorrido, contactou a Ré para lhe pagar o valor segurado, mas, em resposta, a Ré comunicou-lhe que considerava a apólice de seguro nula e de nenhum efeito desde o seu início;a Ré nunca lhe comunicou as cláusulas especiais de exclusão de responsabilidade em que se baseou para considerar o contrato de seguro nulo;a proposta de subscrição foi preenchida com assistência de um mediador, sobre o qual recaía o dever de comunicar e informar na íntegra as cláusulas gerais e especiais do seguro, dever que não foi cumprido.A Ré apresentou articulado de contestação/reconvenção, alegando em síntese:a Ré não tem qualquer relação com a agência mediadora de seguros, que não é sua mediadora, nem empregada, nem representante;o quadro clínico do Autor permite, ainda assim, que este pratique actos essenciais à sua vida corrente, sem necessidade de recorrer ao auxílio de terceira pessoa, sendo certo ainda que pode exercer várias actividades profissionais. de resto, esse quadro clínico é prévio à outorga do contrato de seguro ajuizado;por outro lado, o autor não respondeu com verdade ao

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questionário que foi preenchido previamente à sua decisão de contratar, sendo que, caso soubesse da sua situação clínica, a ré não teria contratado com ele ou tê-lo-ia feito de forma diversa.Em consequência, pede, em reconvenção, a anulação do contrato de seguro constante da proposta de seguro subscrita pelo Autor, condenando-se este em conformidade.O Autor notificado desse articulado, não replicou.Foi proferido Despacho Saneador que seleccionou a matéria de facto assente e controvertida.Procedeu-se a Audiência de Discussão e Julgamento, tendo o tribunal proferido despacho a fixar a matéria de facto.Foi proferida sentença a:· Julgar a acção totalmente improcedente, absolvendo-se a Ré do pedido contra ela deduzido pelo Autor.· Julgar a reconvenção procedente, declarando-se anulado o contrato o contrato de seguro de vida celebrado entre o Autor e a Ré, titulado pela apólice n.º .../...Não se conformando com tal decisão, veio o Autor dela interpor recurso de apelação, concluindo a sua motivação com as seguintes conclusões:1 – Quanto à invalidez absoluta e permanente graduada em 90% do Apelante, o perito de medicinal legal, concluiu que a doença de que o Apelante padece é impeditiva para o exercício de uma actividade profissional, dentro da área de preparação técnico profissional, qualificando a invalidez daquele como absoluta e permanente.2 – O grau e tipo de incapacidade, foi determinado pelo quadro patológico que o Apelante apresenta, ou seja, a uma pancreatite com reflexos na parte cardíaca daquele, originando uma fibrilhação auricular, que não tratado levaria a morte.3 – Quanto ao capacidade do Apelante reger a sua pessoa necessitando de auxilio de terceiros, é referido pelo perito em medicina legal, que não obstante o Apelante poder reger a sua pessoa com uma autonomia relativa, é necessário a vigilância e o eventual auxílio de terceiros atendendo ao facto de ser frequente situações de tontura e desequilíbrios, de que aquele padece.4 – Quanto ao preenchimento de formulário pelo mediador de seguros, foi referido a existência de parcerias, permitindo pôr à disposição do público em geral, os produtos oferecidos na área dos seguros pelas seguradoras incluindo a Apelada, a fim de ser comercializadas ao público.5 – Dessa parceria, entre a Apelada e entidade patronal para o qual aquela testemunha trabalhava, resulta o lucro desta última, nomeadamente através do pagamento às correctoras de uma percentagem de cada produto que as seguradoras entre as quais a

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Apelada, oferecem ao público em geral, e pelas correctoras comercializadas, funcionando estas como canais de escoamento dos produtos daquelas.6 – Devido aquela relação que existe entre a Apelada e as correctoras, expressa nas parcerias existente, aquele mediador integrado na sua entidade patronal (Correctora VB) estava e está a agir por conta e interesse da Apelada, o que desde logo, exonera a responsabilidade do Apelante sobre no conteúdo do referido contrato de seguro.7 – Quanto à omissão da comunicação das cláusulas gerais e especiais ao Apelado, é do conhecimento geral, que no momento em que é recepcionado a apólice do seguro e entregue as condições gerais e especiais, o contrato já se encontra celebrado, uma vez que a contraprestação da entrega da apólice, é o pagamento do prémio (preço).8 – No caso dos autos, só após a subscrição da proposta e o pagamento do preço pelo Apelante, é que lhe foi enviado a apólice, pois ao contrário do que sucede no ramo não vida, (em que o pagamento do preço e simultânea a emissão e entrega da apólice), no ramo vida pelo facto da seguradora emitir a apólice só após o pagamento do mesmo, não permite, que o Apelante tenha conhecimento das cláusulas especiais e gerais que compõem o mesmo, pelo que, houve omissão da comunicação ao Apelante daquelas cláusulas especiais e gerais e explicação do seu conteúdo ao mesmo.8 – Ao proferir aquela decisão, absolvendo a Apelada no pedido formulado pelo Apelante na condenação daquela em pagar ao beneficiário do seguro o montante de € 50,000,00 acrescidos de juros à taxa legal em vigor desde a citação até efectivo e integral pagamento da forma como o fez, foram violadas pela “Mma. Juiz, ad quo”, as disposições constantes da al. c) do n.º 1 do art.º 668 do Cód. Proc. Civil.Conclui pela revogação a sentença recorrida, substituindo-a por decisão que julgue a presente acção declarativa de condenação procedente por provada, condenando a Apelada a pagar ao beneficiário do seguro o montante de € 50,000,00 acrescidos de juros á taxa legal em vigor desde a citação até efectivo e integral pagamento.A Ré apresentou contra-alegações, no sentido da improcedência do recurso.Dispensados que foram os vistos legais, ao abrigo do disposto no nº4 do art. 707º, do CPC, há que decidir.

II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO.Considerando que as conclusões da alegação de recurso delimitam

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os poderes de cognição deste tribunal, as questões a decidir   são as seguintes. 1. Impugnação da matéria de facto – deficiências na impugnação.2. Subsunção do direito aos factos – anulabilidade do contrato de seguro com fundamento em falsas declarações por parte do segurado.a. Inquérito preenchido pelo mediador.b. Falta de comunicação das cláusulas gerais.

III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO.A. Matéria de Facto.São os seguintes os factos considerados como provados na sentença de que se recorre:A. Em 16 de Outubro de 2007, o Autor e a Ré celebraram um contrato de seguro e vida com a cobertura complementar de invalidez total e permanente, contrato que foi titulado pela apólice n.º .../..., de que fazem parte integrante a proposta, com as condições gerais e especiais e as condições particulares juntas a fls. 7 a 9 e 26 a 58 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido e integrado para os legais e devidos efeitos (al. A) dos Factos Assentes).B) Pelo aludido contrato, a Ré comprometeu-se a pagar a quantia de € 50.000,00 aos beneficiários indicados pelo Autor em caso de morte ou invalidez absoluta e definitiva, durante o período de vigência da apólice (al. B) dos Factos Assentes).C) Em Fevereiro de 2008, o Autor adoeceu gravemente, tendo sido hospitalizado (al. C) dos Factos Assentes).D) De acordo com relatório médico junto a fls. 10 dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos, o Autor padece de Cardiomiopatia com fibrilhação auricular e de Diabetes tipo II (al. D) dos Factos Assentes).E) A Ré foi contactada no sentido de ser pago ao Autor valor assegurado em caso de morte ou invalidez total e permanente (al. E) dos Factos Assentes).F) Em 11 de Setembro de 2008, a Ré informou o Autor que considerava a apólice de seguro referida em A) nula e de nenhum efeito desde o seu início, invocando a omissão por parte do Autor, de factos importantes relativos à sua saúde, constantes da proposta de seguro e que a invalidez por ele apresentada nunca poderia ser incluída na garantia de invalidez total e permanente, invocando a alínea c) do n.º 3.1 das Condições Especiais da Cobertura Complementar (al. F) dos Factos Assentes).G) Na proposta de subscrição do seguro referida em A), imediatamente antes do local onde o Autor apôs a sua assinatura, consta a declaração de que, ao fazê-lo, reconhece ter recebido e

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tomado conhecimento das condições contratuais, o teor e a natureza das respectivas garantias (al. H) dos Factos Assentes).H) Nessa proposta, encontra-se integrado um questionário médico, ao qual o Autor, teve de responder, sendo que, em resposta a tal questionário, respondeu “sim” à pergunta sobre se se sentia, à data, em perfeito estado de saúde; respondeu “não” à pergunta sobre se se encontrava afectado em consequência de acidente ou doença; respondeu “não” à pergunta sobre se tomava habitualmente medicamentos, se seguia algum tratamento, dieta, ou se estava sob controlo médico permanente; respondeu que “não” quando perguntado sobre se já alguma vez houvera sido examinado em algum hospital ou outro estabelecimento de saúde e respondeu ainda que “não” à pergunta sobre se tomava bebidas alcoólicas (al. I) dos Factos Assentes).I) Desde Fevereiro de 2008, o Autor encontra-se numa situação de invalidez absoluta e permanente de 90%, impeditiva do exercício da sua actividade profissional habitual, bem como de outras actividades dentro da sua área de preparação técnico-profissional (resposta ao item 1º da BI).J) O Autor teve conhecimento da situação de invalidez de que padece em Fevereiro de 2008 (resposta ao item 2º da BI).K) Apesar do referido em G) (anterior al. H) dos factos assentes), as cláusulas especiais de exclusão de responsabilidade não foram comunicadas nem dadas a conhecer ao Autor aquando da subscrição da proposta referente ao contrato ajuizado (resposta ao item 3º da BI).L) A proposta de seguro referida em A) foi preenchida por um mediador (resposta ao item 3º-A da BI).M) O mediador onde foi subscrita a proposta referente ao contrato de seguro ajuizado, aquando da sua subscrição, não informou o Autor das cláusulas gerais e especiais que vieram a integrar o contrato (resposta ao item 4º da BI).N) A agência onde foi subscrita a proposta não é representante legal ou voluntária da Ré, limitando-se a pôr à disposição do público em geral, os produtos (apólices de seguros) que a Ré tem para vender, o que faz a par de outros contratos de seguro disponibilizados por outras seguradoras (resposta ao item 5º da BI).O) Uma vez celebrado o contrato, a Ré enviou ao Autor as condições gerais e especiais a ele referentes (resposta ao item 7º da BI).P) O Autor, depois de as ter recebido, nunca questionou a Ré sobre a existência de qualquer contradição ou insuficiência nelas existente (resposta ao item 8º da BI).Q) O Autor, apesar da doença que o afecta, pode praticar os actos

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essenciais da vida corrente, como comer, vestir-se, calçar-se, fazer a sua higiene pessoal, sem necessidade de para tal recorrer ao auxílio de terceira pessoa (resposta ao item 9º da BI).R) As patologias de que o Autor padece têm como causa provável o etilismo que abandonou há algum tempo (resposta ao item 11º da BI).S) E o seu início remonta há alguns anos (resposta ao item 12º da BI).T) Foi com base nas declarações do Autor, constantes do questionário médico que integra a proposta de subscrição de seguro e desta proposta que a R. aceitou realizar o seguro de vida referido em A) (resposta ao item 13º da BI).U) Se, ao preencher o questionário médico, o Autor tivesse respondido de forma diferente da referida em H), a Ré não teria dado a sua aceitação à proposta e à concessão da garantia do seguro (resposta ao item 14º da BI).V) Ou, pelo menos, se tivesse aceitado contratar com o A., tê-lo-ia feito em diferentes e mais gravosas condições contratuais para ele, nomeadamente quanto ao valor do prémio que o mesmo haveria de suportar (resposta ao item 15º da BI).B – O Direito.1. Impugnação da matéria de facto – deficiências na impugnação.Segundo o nº1 do art. 712º do CPC, na redacção que lhe foi dada pelo DL 303/2007, de 24 de Agosto, a decisão do tribunal da 1ª instância pode ser alterada pela Relação:a) Se do processo constarem todos os meios de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do art. 685º-B, a decisão com base neles proferida.b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas.c) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou. Tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados em audiência, no caso de impugnação da matéria de facto por parte da apelante, poderia este tribunal proceder à alteração da matéria da matéria de facto ao abrigo da a al. a), do art. 712º[1] do CPC.Contudo, no caso em apreço, da leitura do teor do corpo das alegações de recurso e da sua conjugação com as respectivas conclusões, não se consegue atingir com clareza o que pretende o recorrente, nomeadamente, se pretende impugnar as respostas dadas pelo tribunal a quo à base instrutória ou se questionar

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somente as soluções de direito a que o tribunal foi chegando para concluir pela anulabilidade do contrato de seguro.

Com efeito, de uma primeira leitura das suas alegações (conjugando o teor das conclusões com o corpo das alegações), poderá inferir-se que nos Pontos I, II, III e IV (e únicos) do corpo das alegações, o autor pretende pôr em causa a resposta dada pelo tribunal a quo à matéria de facto constante da base instrutória.Contudo, quer no corpo das alegações quer nas respectivas conclusões, o apelante não formula qualquer concreto pedido de alteração de algum ponto da matéria de facto.Vejamos, assim, a fundamentação do recorrente:I – Invalidez absoluta e permanente do Apelante graduada em 90%.Sob tal item, o recorrente refere, em síntese, que, para considerar provada tal incapacidade, o tribunal se socorreu do relatório pericial junto aos autos e do depoimento da testemunha Dr. A (…), que são coincidentes, e que dos mesmos resulta que “fruto da doença que padece e que foi verificada e do conhecimento do Apelante em Fevereiro de 2008, o mesmo encontra-se incapacitado para o trabalho na sua área profissional, o que determinou um grau de invalidez absoluta e permanente de 90%.Contudo, nem no corpo das alegações, nem nas respectivas conclusões, o recorrente pede expressamente a alteração da resposta ao ponto 1 (assim como, não refere qual o teor da resposta a dar a tal ponto) no qual se insere a matéria em causa.Assim sendo, impor-se-ia a rejeição do recurso nesta parte, por incumprimento do disposto na al. a) do nº1 do art. 685º-B, segundo o qual quando se impugne a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos que considera incorrectamente julgados.De qualquer modo, para o caso de o tribunal de recurso vir a ter outro entendimento e a fim de evitar uma eventual anulação da presente decisão, sempre se dirá que não assiste qualquer razão ao apelante.Com efeito, o ponto 1º da base instrutória, com a seguinte redacção:Ponto 1 – Desde Fevereiro de 2008, o Autor encontra-se em situação de invalidez absoluta e permanente para qualquer tipo de trabalho, graduada em 90%?obteve a seguinte resposta por parte do tribunal a quo:“Provado apenas que, desde Fevereiro de 2008, o autor se encontra numa situação de invalidez absoluta e permanente de 90%, impeditiva do exercício da sua actividade profissional habitual, bem como de outras actividades dentro da sua área de preparação técnico

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profissional.”Ora, esta resposta corresponde “ipsis verbis” à resposta dada pelo IML no relatório de exame médico junto aos autos a fls. 82 a 88.E, se a força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal (art. 389º do CC), o que permite ao tribunal afastar-se do parecer dos peritos sempre que os demais elementos de prova existentes nos autos invalidem, a seu ver, o laudo dos peritos, no caso em apreço, nenhuns outros elementos existem que contrariem a resposta dada no relatório de peritagem.Com efeito, a testemunha referida pelo Apelante, Dr. A (…), médico da especialidade de medicina interna que acompanhou o Autor nos últimos seis anos, referiu que “lhe atribuiu uma incapacidade absoluta, total e permanente de 90%, acrescentado “o que aliás foi corroborado pelo IML”, donde se pode retirar que ele nada tem a opor à resposta dada pelo IML e que, coincide com a resposta dada pelo tribunal.E o próprio relatório de exame elaborado pelo IML refere que a incapacidade permanente parcial de que o autor é portador “é coincidente com a que lhe foi atribuída pelo seu médico assistente, isto é, de 90%”.Ou seja, caso o Apelante pretendesse uma alteração da resposta ao ponto 1 (o que não se tem por líquido), dando-o como provado sem qualquer restrição, nenhuns elementos de prova existem nos autos que apoiassem tal alteração. “II – Capacidade do Apelante para se reger no dia-a-dia, vigilância e auxílio por parte de terceiros.”Sob tal item, o recorrente alega que do Relatório Pericial elaborado pelo IML e do depoimento do Dr. A (…), se chega à conclusão de que “não obstante o apelante ter capacidade para praticar actos da vida comum como o vestir, o calçar, o comer, o fazer a sua higiene pessoal, possuindo uma autonomia relativa, o mesmo ainda necessita de auxílio de terceiros, uma vez que é frequente situações de tontura e desequilíbrios, que originam quedas de que padece”.Constando a matéria em causa do ponto 9 da base instrutória, o apelante mais uma vez não pede expressamente a alteração da resposta dada a tal ponto pelo tribunal a quo (e muito menos indica qual a resposta que, em seu entender, deveria ter sido dada) – ou seja, também nesta parte, em bom rigor, o tribunal dever-se-ia abster de conhecer do recurso.É o seguinte o teor do ponto 9 da base instrutória, a que o tribunal respondeu afirmativamente:Ponto 9 – O autor, apesar da doença que o afecta, pode praticar os actos essenciais da vida corrente, como comer, vestir, calçar-se, fazer a sua higiene pessoal, sem necessidade de para tal recorrer ao auxílio de terceira pessoa?

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Ora, ao contrário do alegado pelo recorrente, do referido relatório de exame elaborado pelo IML consta o seguinte, quanto a tal questão:“Refere contudo que, após um período em que se viu completamente impossibilitado de exercer as suas actividades básicas da vida diária sem a ajuda de terceira pessoa, consegue actualmente realizar algumas dessas actividades, como sejam as relacionadas com os seus hábitos de higiene pessoal, o vestir e despir-se, calçar-se e alimentar-se, pese embora o faça com uma autonomia relativa, na medida em que, por força dos frequentes episódios de tonturas e desequilíbrio de que padece, alguns dos quais seguidos de queda, sempre necessita de alguém por perto que o possa auxiliar, se necessário”.Ou seja, a necessidade de auxílio de terceiros é referenciada como meramente eventual, e reportada não à prática de tais actos em si, mas em relação ao facto de em qualquer momento poder ter um episódio de tontura.E, segundo o depoimento do Dr. A (…), o autor não se encontra acamado, podendo trabalhar embora com muitas limitações: “Não o conhece suficientemente, mas supõe que para fazer a barba não precisa de ninguém que lha faça, para tomar banho, toma por si só, e vestir pressupõe que sim”; afirmando ainda que ele pode exercer alguma actividade, desde que não exija esforço, e que relativamente à actividade que exercia de exploração de um restaurante, poderá gerir o restaurante mas não pode andar de bandeja a servir às mesas.Ou seja, sempre seria de indeferir qualquer pretensa reposta negativa a dar ao ponto 9 da base instrutória.III – Preenchimento do formulário do seguro pelo mediador de seguros.Na alegação do recorrente, a testemunha M (…) afirmou que a sua intervenção como mediador no surgimento daquele contrato de seguro, resultou da parceria estabelecida entre aquela correctora de seguros onde o mesmo trabalhava e a apelada. Assim, em seu entender, “devido àquela relação que existe entre a Apelada e as correctoras, expressa nas parcerias existentes, aquele mediador integrado na sua entidade patronal (Corretora VB) estava e está a agir por conta da Apelada, o que, desde logo, exonera a responsabilidade do Apelante sobre o conteúdo do referido contrato de seguro.”Contudo, e mais uma vez, a Apelante não refere expressamente se pretende a alteração da resposta ao ponto 5 da base instrutória, onde tal matéria se encontra inserida, e em que termos.De qualquer modo, é o seguinte o teor do citado Ponto 5, a que o tribunal respondeu como “provado”:

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Ponto 5 – A agência onde foi subscrita a proposta não é representante legal ou voluntária da Ré, limitando-se a pôr à disposição do público em geral, os produtos (apólices de seguros) que a R. tem para vender, o que faz a par de outros contratos de seguro disponibilizados por outras seguradoras?A testemunha M (…), mediador que intermediou a contratação do seguro em causa, declarou que trabalhava para a Corretora “VB”, afirmando que são agentes de seguros, mediadores, não trabalham para nenhuma seguradora em especial, fazem a gestão dos contratos, só fazem a contratação e a gestão.Ora, de tais declarações resulta claramente inexistir qualquer relação de representação nos termos em que são colocados no quesito em causa, pelo que a resposta a tal matéria teria necessariamente de ser positiva.IV – Omissão de comunicação das cláusulas gerais e especiais ao Apelante.Neste ponto, o Apelante conclui que do depoimento da testemunha M (…) resulta que houve omissão da comunicação ao apelante daquelas cláusulas especiais e gerais e explicação do seu conteúdo ao mesmo.Quanto a este ponto, não se atinge de todo o que o Apelante pretende: os pontos 4 e 5, nos quais se pergunta se as cláusulas especiais de exclusão e as cláusulas gerais e especiais não lhe foram comunicadas, respeitam a factos que lhe são favoráveis e que obtiveram já por parte do tribunal a resposta de “provado”.Concluindo, ainda que se considere que nas alegações de recurso o apelante impugna validamente as respostas dadas pelo tribunal à matéria de facto constante da base instrutória, dos elementos de prova existentes nos autos não resulta a ocorrência de qualquer erro de julgamento, não havendo que proceder a qualquer alteração à decisão proferida pelo tribunal a quo, cujas respostas são de manter na íntegra.B. Subsunção do direito aos factos.Se os fundamentos das alegações da Apelante são difíceis de integrar no âmbito de uma impugnação da matéria de facto, mais difícil se torna descortinar com precisão quais as suas razões de discordância quanto à solução de direito a que chegou o tribunal a quo.De qualquer modo, nos ns. 4 a 8 das respectivas conclusões, são levantadas as seguintes questões, que passamos a analisar:- Preenchimento do questionário pelo mediador.- Omissão de comunicação das clausulas gerais.1. Preenchimento do questionário pelo mediador.Segundo o apelante, a proposta de seguro foi preenchida pelo mediador, sendo que “devido à relação existente entre a Apelada e

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as corretoras, expressa nas parecerias existentes, aquele mediador integrado na sua entidade patronal (Corretora VB) estava e está a agir por conta da apelada, o que desde logo exonera a responsabilidade do apelante sobre o conteúdo do referido contrato de seguro”.Ora, antes de mais, haverá que deixar claro que os elementos existentes nos autos não nos permitem sustentar a conclusão de que o referido mediador estava a agir “por conta” da apelada.Com efeito, encontra-se demonstrado que a “agência onde foi subscrita a proposta não é representante legal ou voluntária da Ré, limitando-se a pôr à disposição do público em geral, os produtos (apólices de seguros) que a Ré tem para vender, o que faz a par de outros contratos de seguros disponibilizados por outras seguradoras” (cfr., al. N), dos factos considerados como provados).A apelante, misturando indiferentemente os factos e o direito (e sem se descortinar o que pretende exactamente pôr em causa, se os factos, se o direito, ou ambas), e socorrendo-se do que teria sido afirmado pela testemunha M (…), mediador que intermediou a celebração do contrato de seguro em causa, invoca a existência de parcerias entre a entidade patronal do mediador – Corretora VB – e a ora Ré, para dela extrair a conclusão de que o mediador estava a agir “por conta e no interesse da apelada”.Ora, independentemente de, em sede de impugnação de direito, não poder invocar o que uma testemunha possa ter afirmado e que não tenha sido levado à matéria dada como provada, sempre se dirá que o facto de a entidade patronal do referido mediador ser uma “corretora” mais evidencia a ausência de razão da apelante.Com efeito, o DL 388/91 de 10 de Outubro, distinguia os mediadores em três categorias: a) agentes de seguros; b) angariadores; corretores de seguros.Ora, no âmbito de tal diploma, ao agente de seguros e ao corretor é facultada a celebração de contratos “em nome e por conta” da seguradora, unicamente no caso de existência de acordo entre o mediador e a seguradora que o permita (art. 18º, nº1, e 4º, nº2, e nº3 do art. 36º).E, o Dec. Lei nº 144/2006, de 31 de Julho (que procedeu à transposição da Directiva nº 2002/92 CE, de 9 de Dezembro, e que entrou em vigor a 31 de Janeiro de 2007), passou a distinguir os mediadores de seguros nas seguintes três categorias, que se caracterizam, fundamentalmente, como se afirma no preâmbulo do citado diploma, “pela maior ou menor proximidade ou grau de dependência ou de vinculação às empresas de seguros”: a) mediador de seguros; agente de seguros; c) corretor de seguros.Segundo o novo regime, enquanto que o mediador de seguros e o agente de seguros exercem a sua actividade em nome e por conta

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de uma ou de várias empresas de seguros, “a qualificação de corretor de seguros fica reservada às pessoas que exercem a actividade de mediação de seguros de forma independente face às empresas de seguros[2]”.Ora, não se encontrando demonstrada alegada e demonstrada a existência de qualquer acordo entre a ora Ré a referida Corretora VB no sentido de esta se encontrar autorizada a celebrar contratos “em nome e por conta” da ora Ré, que terá intermediado a celebração do contrato em causa, não podemos concluir que o referido mediador estava a agir em representação da Ré Seguradora.De qualquer modo, ainda que o referido “mediador” fosse um funcionário da própria Ré, o facto de ter sido ele a preencher a proposta de seguro não teria por consequência a exoneração da responsabilidade do autor quanto às declarações nele apostas em seu nome.Passamos, assim, à questão de a proposta de seguro ter sido preenchida por um terceiro, neste caso, pelo referido mediador.Da proposta de adesão ao contrato de seguro fazia parte um “questionário médico”, encontrando-se provado que a referida proposta de adesão foi preenchida pelo mediador (al. L) dos factos considerados como provados).Na parte final do referido questionário médico (denominado “questionário sobre o estado de saúde da pessoa segura”), encontra-se aposta a assinatura do ora autor[3].Tendo o autor alegado que “a proposta (de seguro) foi preenchida com a assistência do mediador” (art. 15º da p.i.), foi dado como provado pelo tribunal a quo que a proposta de seguro foi “preenchida pelo mediador”.Convém, assim, salientar, nunca ter sido alegado que, a ter sido o questionário preenchido pelo mediador o tenha sido contra as instruções do autor ou sem que este tenha tido conhecimento do respectivo teor.Ou seja, na petição inicial nunca o autor alega que as respostas apostas no questionário não correspondessem à sua vontade ou que não tenha tido conhecimento das mesmas, assentando antes a sua defesa no argumento de que “o autor só poderia declarar doenças de que tivesse conhecimento” (art. 19º da p.i.).Assim sendo, este preenchimento por parte do mediador, na presença do segurado, não passa de um auxílio material por parte do mediador a um acto praticado pelo segurado[4].E, no Acórdão do STJ de 27-05-2008, foi-se ainda mais longe ao considerar “completamente indiferente que o segurado haja ou não tido conhecimento do conteúdo das respostas dadas ao questionário”: “ao assinar o questionário, devidamente

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preenchido, o segurado subscreveu o conteúdo das respostas dadas, assumindo toda a responsabilidade daí resultante, independentemente de não ter sido ele a proceder ao seu preenchimento e não ter tido conhecimento do conteúdo das respostas[5]”.No contrato de seguro assumem particular relevância os deveres do tomador do seguro, em especial de prestação de informações relativas ao objecto do seguro, sendo a declaração de risco normalmente referida como uma das suas obrigações fundamentais. Como refere Moitinho de Almeida, sobre o segurado cai “o dever de declaração do risco, pois, se não completar a declaração realizada por quem fez o seguro, tendo conhecimento de factos ou circunstâncias que teriam podido influir sobre a existência e condições do contrato, perde o direito à prestação do segurador. Deve porém entender-se que este dever só recai sobre o segurado se este tiver conhecimento do seguro e da omissão ou inexactidão da declaração de risco do tomador, pois de outro modo é impossível o cumprimento[6]”.Segundo o art. 429º do Código Comercial, “toda a declaração inexacta, assim como toda a reticência de factos ou circunstâncias conhecidas do segurado ou por quem fez o seguro, e que teriam podido influir sobre a existência ou condições do contrato tornam o seguro nulo”.No ramo Vida a declaração de risco consistirá fundamentalmente na informação relativa ao estado de saúde da pessoa a segurar.A exacta declaração do risco pelo Tomador do Seguro é pressuposto essencial, necessário, para uma adequada ponderação de interesses em presença, suas consequências contratuais e oportuna formação do contrato de seguro.E, como defende Manuel da Costa Martins[7], não parecendo adequado poder exigir-se do tomador do seguro um conhecimento técnico-científico do risco que pretende ver seguro, será defensável que a seguradora, detentora dos conhecimentos técnicos da análise de riscos tenha de – por intermédio do questionário apresentado – precisar quais as circunstâncias concretas, relevantes, para caracterização científica do risco, em cada caso concreto. Como se afirma no Acórdão do STJ de 17.10.2006, é através do questionário que a seguradora faz saber ao candidato “as circunstâncias concretas em que se baseia para assumir o risco”.“O elemento decisivo para a celebração do contrato é, precisamente, o questionário apresentado ao potencial segurado, na medida em que se presume que não são feitas aí perguntas inúteis e, através dele, é o próprio segurador que indica ao tomador quais as circunstâncias que julga terem influência no contrato a

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celebrar[8]”.No questionário médico integrado na proposta de seguro, o autor em resposta a tal questionário, respondeu “sim” à pergunta sobre se se sentia, à data, em perfeito estado de saúde; respondeu “não” à pergunta sobre se se encontrava afectado em consequência de acidente ou doença; respondeu “não” à pergunta sobre se tomava habitualmente medicamentos, se seguia algum tratamento, dieta, ou se estava sob controlo médico permanente; respondeu que “não” quando perguntado sobre se já alguma vez houvera sido examinado em algum hospital ou outro estabelecimento de saúde e respondeu ainda que “não” à pergunta sobre se tomava bebidas alcoólicas (al. I) dos Factos Assentes).Ora, se se encontra provado que o autor teve conhecimento da situação de invalidez de que padece em Fevereiro de 2008 (data posterior à subscrição da proposta de seguro), igualmente se encontra provado que as patologias de que padece – Cardiomiopatia com Fibrilhação auricular e de Diabetes Tipo II[9] – têm como causa provável o etilismo que abandonou há algum tempo, remontando o seu início há alguns anos (als. R) e S) da matéria considerada como provada).Ou seja, a 16.10.2007, data da subscrição da apólice de seguro, cerca de quatro meses antes de o autor vir a ser declarado em situação de invalidez absoluta e permanente de 90%, o autor não podia ignorar a situação que se encontra na causa de tal invalidez – o etilismo que abandonara há algum tempo e cujo início remonta há alguns anos.Como tal, ao responder negativamente às perguntas se se encontrava afectado por doença, se tomava medicamentos, se estava sob controlo médico permanente e se alguma vez houvera sido examinado em algum hospital ou outro estabelecimento de saúde, terá necessariamente prestado falsas declarações, ou, pelo menos, declarações inexactas.Com efeito, e apesar de ser verdadeira a resposta “sim” à pergunta sobre se tomava bebidas alcoólicas (pelo facto de o autor já não beber à data da subscrição do seguro) sobre o autor impendia, pelo menos, a obrigação de informação do facto que lhe veio a causar a invalidez permanente – a situação de etilismo em que se encontrava.Como refere Manuel da Costa Martins[10], “ poderá entender-se que o dever de declaração do risco é amplo e representa a concretização de que tudo deve ser declarado, atento o princípio da máxima boa-fé, e portanto, tudo o que foi dito se presume, na realidade, como tudo o que há a dizer, na apreciação daquele risco em concreto. O questionário serviria apenas como ponto de partida, como ponto de referência declarativa, como ponto de

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enquadramento da declaração, a qual, poderia ser mais extensa do que as respostas ao mesmo, como poderia ser mais restrita”.E, sem sentido semelhante se pronuncia José Vasques:“Com o objectivo de auxiliar o tomador do seguro a evidenciar os factos relevantes para a apreciação do risco, usam as seguradoras fornecer-lhe um questionário, que o guie nas suas declarações. No entanto, a existência do questionário, por mais exaustivo que seja, não exime o tomador do seguro da obrigação de comunicar à seguradora outros factos e circunstâncias com influência sobre o risco. Pese embora as críticas que esta última recebe – principalmente fundadas no facto de que, não sendo o tomador um técnico de seguros, difícil lhe será identificar aspectos relevantes que tenham escapado à seguradora que elaborou o questionário – parece que, sendo o questionário um elemento de facilitação concedida pela seguradora ao segurado, não é justo que possa redundar num prejuízo daquela, o equilíbrio há-de encontrar-se em dever o tomador declarar todos os factos e circunstâncias dele conhecidas e cuja relevância para a formação esteja ao alcance de um segurado diligente com capacidade normal[11]”. De qualquer modo, ainda que considerássemos o dever de informação do risco como um mero dever de resposta às perguntas solicitadas (e se entendesse não caber nas mesmas o relato da situação de etilismo, pelo facto de já não beber à data do preenchimento do questionário), sempre teríamos de considerar como afectadas de omissão ou inexactidão as respostas negativas dadas pelo autor às perguntas sobre se “se sentia, à data, em perfeito estado de saúde”, “se encontrava afectado em consequência de doença”, “se tomava habitualmente medicamentos, se seguia algum tratamento, dieta, ou se estava sob controlo médico”.Com efeito, o diagnóstico que lhe feito de “cardiomiopatia com fibrilhação auricular, Diabetes tipo II e Pancreatite crónica recidivante”, embora lhe tenha causado uma incapacidade reportada a Fevereiro de 2008, “o inicio de tais patologias remonta há alguns anos”, como consta expressamente do relatório médico subscrito pelo médico assistente do autor, e que se encontra junto aos autos a fls. 59 (doc. 4)[12].E a lei não exige o carácter doloso das omissões ou reticências de factos com relevância para a determinação da probabilidade ou grau de risco, pressupondo apenas que o declarante conheça os factos ou circunstâncias passíveis de influírem sobre a aceitação ou condições do contrato, ou seja, que aja com negligência[13].E, ainda que entendamos que “só será relevante para sancionar uma eventual invalidade do contrato a omissão ou inexactidão da declaração conhecida do Segurado e que se possa objectivamente

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considerar dirimente para a aceitação do seguro (para a sua “existência”) ou para as condições de cobertura do mesmo (“ou condições do contrato”)[14]”, no caso em apreço encontra-se provado que “se ao preencher o questionário médico o autor tivesse respondido de forma diferente da referida em H), a Ré não teria dado a sua aceitação à proposta e à concessão da garantia do seguro” “ou, pelo menos, se tivesse aceitado contratar com o A. tê-lo-ia feito em diferentes e mais gravosas condições contratuais para ele, nomeadamente, quanto ao valor do prémio que o mesmo havia de suportar”.Temos assim por verificada a ocorrência de declarações inexactas e omissão de elementos essenciais para a apreciação do risco assumido pela seguradora, o que importa a anulabilidade do contrato.2. Consequência da omissão de comunicação das clausulas gerais. O Apelante faz, por fim, referência nas suas alegações ao facto de ter havido omissão de comunicação das cláusulas gerais e especiais ao autor, sem, contudo, daí retirar qualquer ilação.De qualquer modo, sempre se dirá que, para a apreciação das questões em apreço, a falta de comunicação e explicação prévia das cláusulas gerais e especiais do contrato surge como irrelevante.Com efeito, tal falta de comunicação só teria interesse na hipótese de a seguradora se pretender fazer valer de alguma clausula do contrato que não lhe tivesse sido devidamente comunicada, caso em que o autor, com a invocação de tal falta de comunicação conseguiria a exclusão do contrato da referida clausula[15].Tal falta de comunicação teria, assim, interesse se a atribuição da indemnização lhe fosse negada nos presentes autos por força do estabelecido na al. c), do nº3.1. das Condições Especiais, como chegou a ser referido na carta pela qual a Ré Seguradora veio invocar a nulidade do contrato.Contudo, o facto de determinadas cláusulas (gerais e especiais) não terem sido comunicadas ao segurado torna-se irrelevante quando é a própria seguradora que vem invocar a anulabilidade do contrato com fundamento em falsas declarações e é com esse fundamento que o autor vê improceder a sua pretensão.Com efeito, encontramo-nos numa fase anterior à celebração do próprio contrato, perante o denominado “dever pré-contratual de declaração de risco”, cuja violação a lei sanciona com a anulabilidade do contrato[16].E a previsão de tal anulabilidade não resulta de qualquer cláusula contratual não devidamente comunicada ao autor, mas do regime geral do seguro constante do art. 429º do CComercial.A presente apelação encontrar-se-á, assim, necessariamente votada ao insucesso.

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IV – DECISÃO  Pelo exposto, os juízes deste tribunal da Relação acordam em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.Custas do recurso pela apelante.

IV – Sumário elaborado nos termos do art. 713º, nº7, do CPC.            1. O preenchimento do questionário médico por parte do mediador, na presença do segurado, no qual este apôs a sua assinatura, não passa de um auxilio material por parte do mediador a um acto praticado pelo próprio segurado.2. O facto de determinadas clausulas gerais ou especiais do contrato não terem sido previamente comunicadas ao segurado torna-se irrelevante no caso de invocação da anulabilidade do contrato com fundamento em falsas declarações deste e é com esse fundamento que o autor vê improceder a sua pretensão.

Lisboa, 15 de Dezembro de 2011

Maria João AreiasLuís LameirasRoque Nogueira----------------------------------------------------------------------------------------[1] Quanto à questão altamente debatida na jurisprudência sobre se a impugnação da matéria de facto deve ser reservada para a correcção de erros manifestos de apreciação de prova, ou se a relação pode proceder a uma reapreciação autónoma dos meios de prova com base na sua convicção nos termos do art. 655º do CPC, seguiremos a posição actualmente dominante na doutrina e jurisprudência de que, embora a impugnação se destine à detecção e correcção de erros pontuais de julgamento, na reapreciação das provas gravadas, a relação dispõe dos mesmos poderes atribuídos ao tribunal de 1ª instância, nomeadamente o da livre apreciação da prova consagrado no nº1 do art. 655º do CPC – cfr., entre outros, Acórdãos do STJ de 06-07-2001, relatado por Granja da Fonseca, de 16-03-2001, relatado por Moreira Camilo, 15-09-2010, relatado por Pinto Hespanhol, de 12-03-2009, relatado por Santos Bernardino, e de 28-05-2009, relatado por Serra Baptista, todos disponíveis in http://www.dgsi.pt/jstj.  Isto sem esquecer que, como refere Abrantes Geraldes, as limitações decorrentes da falta de imediação não devem esvaziar o regime da reapreciação da matéria de facto, mas tão só aconselhar especiais cuidados aquando da reapreciação dos meios de prova

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produzidos na 1ª instância, “evitando a introdução de alterações na decisão da matéria de facto, quando, fazendo actuar o princípio da livre apreciação das provas, nãos eja possível concluir, com a necessária segurança, pela existência de erro na apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados – cfr., “Recursos Em Processo Civil, Novo Regime”, 3ª ed., Almedina 2010, pag. 318.[2] Cfr., preâmbulo do DL 144/2006, de 31 de Julho.[3] Assinatura que surge imediatamente aos seguintes dizeres: “Declaro que nos últimos meses não sofri qualquer acidente nem sou portador de qualquer doença que me tenha impossibilitado de exercer a minha actividade profissional. Mais declaro ignorar se estou afectado por qualquer doença que me possa provocar morte prematura” – cfr., documento junto pela Ré com a contestação como doc. 2 e que não sofreu impugnação por parte do autor.[4] Cfr., em sentido semelhante, quando a um questionário clínico preenchido por um familiar dos segurados, Acórdão do STJ de 08.01.2009, relatado por Alberto Sobrinho, disponível na dgsi.[5] Acórdão relatado por Moreira Camilo, disponível in http://www.dgsi.pt., e referente a um caso em que o segurado se havia limitado a assinar toda a documentação relativa a uma empréstimo bancário, documentação previamente preenchida por um terceiro na qual se incluía uma proposta de adesão ao contrato de seguro e o questionário médico.[6] “O Contrato de Seguro”, pag. 65.[7] Cfr., “Contributo Para a Delimitação do Âmbito da Boa-fé no Contrato de Seguro”, in III Congresso Nacional de Direito dos Seguros, Almedina, pag. 178.[8] Acórdão do STJ de 27-05-2008, relatado por Moreira Camilo, disponível in http://www.dgsi.pt. [9] Note-se que tal facto foi levado à matéria assente (al. D) dos factos assentes) por alegação do autor, omitindo este que, de acordo com o relatório médico por si junto aos autos, o autor sofre ainda de pancreatitie crónica recidivante.[10] Cfr, artigo e local citados, pag. 179.[11] “Contrato de Seguro”, Coimbra Editora, 1999, pag. 220.[12] O referido médico assistente do autor, ouvido como testemunha, esclareceu que os problemas de diabetes, pâncreas e cardíacos que apresenta foram desencadeados por uma agressão constante derivada do consumo de bebidas alcoólicas ao longo dos anos, referindo, ainda, que, quando passou a ser o seu médico assistente, há cerca de seis anos, já ele tinha tido uma pancreatite aguda que degenerou em pancreatite crónica e que o autor se encontrava a ser medicado.[12] Cfr, artigo e local citados, pag. 179

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[13] Cfr., neste sentido, Acórdãos do STJ de 06-07-2011, relatado por Alves Velho, e de 08-06-2010, relatado por Barreto Nunes, disponíveis in http://www.dgsi.pt. [14] Cfr., neste sentido, Luís Filipe Caldas, “Direitos e Deveres de Informação: Sanção das Declarações Inexactas do Tomador”, in III Congresso de Direito dos Seguros, Almedina, pag. 289.[15] A incorporação de cláusulas contratuais gerais em contratos de adesão, geralmente constantes de modelos pré-elaborados com propostas a que a outra parte se limita a subscrever e aceitar, encontra-se dependente da sua aceitação pelo destinatário, o que supõe um perfeito conhecimento prévio de todo o clausulado. Daí que a omissão, pelo contratante que recorra a clausulas contratuais gerais, dos deveres de comunicação e/ou informação de tais clausulas determina a sua exclusão do contrato – arts. 5º, 6º e 8º al. a), do Regime das Clausulas Contratuais Gerais, constante do DL 446/85, de 31 de Janeiro.[16] Apesar do art. art. 429º do CComercial falar em “nulidade”, a doutrina e a jurisprudência são unânimes em considerar tratar-se de uma mera anulabilidade.

Acórdãos TRL Acórdão do Tribunal da Relação de LisboaProcesso: 5305/06.4YXLSB.L1-6Relator: MANUEL GONÇALVESDescritores: CONTRATO DE SEGURO DE SAÚDE

TERMORESPONSABILIDADEEXCLUSÃO DE RESPONSABILIDADE

Nº do Documento: RLData do Acordão: 04/15/2010Votação: UNANIMIDADETexto Integral: S

Meio Processual: APELAÇÃODecisão: CONFIRMADA A DECISÃO

Sumário: - Ainda que a patologia consistente na «ginecomastia bilateral», possa ocorrer em 40% dos jovens do sexo masculino entre os 13 e os 15 anos, e desaparecer com o tempo, a necessidade de se proceder a intervenção cirúrgica depende da avaliação médica da especialidade;- Concluindo os médicos pela necessidade de se proceder à referida cirurgia e afastando expressamente que a mesma nada tem a ver com cirurgia «estética» ou «plástica», e nada mais se

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provando nesse domínio, é de afastar aquele qualificativo;- Gorada a prova de que em causa está cirurgia «estética» ou «plástica», não se verifica a exclusão prevista no contrato de saúde em que se prevê a exclusão da «cirurgia estética ou plástica».(Sumário do Relator)

Decisão Texto Parcial:

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

B... e C..., em representação de seu filho menor, D..., intentaram acção sob a forma sumária, contra E... COMPANHIA DE SEGUROS SA, pedindo a condenação da Ré:a) No pagamento de 6.192,82 euros, acrescida de juros vencidos, à taxa legal de 4%, que se computam em 405,00 euros e ainda nos juros vincendos;b) No pagamento de uma indemnização a fixar, de valor não inferior a 5.000,00 euros. Para o efeito, alegam em síntese o seguinte:Quando o menor tinha 13 anos de idade, foi-lhe diagnosticada «ginecomastia bilateral». Consideraram os técnicos ser necessária uma cirurgia designada por «mastectomia subcutânea bilateral», que nada tem a ver com cirurgia estética.Havia sido celebrado um contrato de seguro de saúde titulado pela apólice nº ..., que integrava o D....Foi solicitada pré-autorização à Ré.Dada a urgência o menor foi submetida intervenção, informando depois a Ré que não ser possível a «emissão do termo de responsabilidade», por se tratar de uma cirurgia plástica.Todo o procedimento importou em 6.192,82 euros.Os prejuízos suportados e a suportar pelos AA., não são ainda determináveis, pois não é possível determinar que diligências os AA., vão ter de suportar, tendo em vista o ressarcimento.Contestou a Ré (fol. 99), dizendo em síntese:Uma cirurgia mamária, desde que não justificada por acidente ou doença, tem carácter estético.As alterações na disposição da gordura corporal nas mamas, no caso em apreço, caso típico de ginecomastia puberal, em discreto grau, não apresenta qualquer motivo

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endocrinológico, podendo ser devido a muitas razões, como obesidade, má alimentação etc. A ginecomastia desaparece expontâneamente em cerca de 75% dos casos dentro de dois anos e em cerca de 90% dos casos dentro de três anos.Responderam os AA. (fol. 115).Foi proferido despacho saneador (fol. 112), dispensando-se a selecção da matéria de facto.Procedeu-se a julgamento (fol. 176), após o que foi proferida decisão da matéria de facto (fol. 180)Foi proferida sentença (fol. 185), em que se conclui da seguinte forma: «Julgo a presente acção parcialmente procedente e, em consequência, condeno a R., a pagar aos AA., a quantia de 6.192,82 euros, acrescida dos juros de mora à taxa legal supletiva aplicável aos juros civis, vencidos contados desde 15.04.2006 e até à data da propositura da acção e vincendos contados desde a citação e até integral pagamento, tudo sobre aquele montante de 6.192,82 euros, absolvendo a R., do demais peticionado».Inconformada recorreu a Ré (fol. 200), recurso que foi admitido como apelação, com subida imediata e efeito devolutivo.Nas alegações que apresentou (fol. 214), formula a apelante, as seguintes conclusões:1- A discreta ginecomastia de que o D... padeceu, não derivou de qualquer doença, antes de um fenómeno normal nos jovens do sexo masculino quando entram na puberdade (à volta dos 13 anos).2- Tal fenómeno desaparece na maioria dos casos ao fim de dois anos (70%) ou de 3 anos (90%).3- Só após o decurso desse período de tempo e a manutenção do problema é que deve levar a que um menor seja clinicamente observado, dado que aí, sim, pode uma ginecomastia derivar de razões de doença e não fisiológicas.4- A cirurgia a que o menor D... foi sujeito foi-o em consequência de apreensão dos pais e do natural incómodo que tal fenómeno lhe causava.5- Esta situação demonstra que tal cirurgia foi consequência de uma questão estética (desconforto do menor) ou plástica (remoção antecipada).6- Logo, ao abrigo do disposto pela cláusula 4.3 do seguro contratado está excluída a responsabilidade da seguradora no reclamado pagamento da cirurgia e seus

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afins.7- Acresce que o disposto no ponto 2.7 do art. 6º da Condições Gerais da Apólice se não aplica ao caso sub judice, na medida em que uma mastectomia por patologia benigna, relaciona-se com uma doença, não maligna embora, mas uma doença, quando o menor D..., sem problemas hormonais, padeceu de uma discreta ginecomastia por razões fisiológicas, obesidade exógena nomeadamente e a invocada cirurgia serviu, apenas, para lhe aliviar um incómodo do foro estético.8- A decisão a quo, fez errada interpretação das cláusulas do contrato de seguro assumido (4.3 e 6.2.7) e dos art. 236 e segs do CC.

Foram apresentadas contra-alegações.Corridos os vistos legais, há que apreciar e decidir.

FUNDAMENTAÇÃO.É a seguinte a matéria de facto considerada assente, na sentença sob recurso:1- B... e C... são pais do menor D..., nascido a 6 de Setembro de 1991.2- O D... sempre revelou ser uma criança saudável, evidenciando um crescimento e desenvolvimento normal.3- Contudo, em Janeiro de 2005, pouco após ter completado 13 anos, os pais começaram a aperceber-se de um crescimento anormal, tratando-se como se trata de um rapaz, ao nível do peito.4- Face à dimensão do problema e receando os efeitos físicos e psicológicos do mesmo, entenderam conduzir o dito D... a consulta médica da especialidade.5- No âmbito do referido acompanhamento médico o menor foi sujeito a vários exames complementares entre os quais a ecografia mamária.6- Tendo resultado da mesma a verificação de ... um certo aumento da espessura do tecido celular subcutâneo, traduzindo provável acumulação de tecido adiposo. Não se pode excluir, no entanto, coexistir discreto grau de ginecomastia ...» nos termos constantes de fol. 35 e 36.7- Mais foi ainda o D... sujeito a estudo hormonal, referenciado a fol. 36, tendo apresentado análises hormonais normais e excluída patologia endócrina, excepto obesidade exógena.8- Sendo que, na sequência dos referidos exames, foi-lhe diagnosticada ginecomastia bilateral.

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9- A patologia em questão, consiste no aumento das glândulas mamárias no homem, podendo ser glandular, gordurosa e glandular mais gordurosa.10- No caso do D..., a referida patologia apresentou-se de forma bilateral.11- Tal patologia pode ser oriunda de vários factores, entre eles, desequilíbrio hormonal. 12- Na puberdade, em virtude de uma disfunção hormonal, tal patologia, incide em cerca de 40% no jovens de 13 a 15 anos, devendo ser tratada caso não desapareça.13- Como forma de obviar à referida patologia, consideraram os técnicos ser necessário proceder a uma intervenção cirúrgica designada por «mastectomia subcutânea bilateral» ou «mastectomia por patologia benigna», com internamento de 1 a 2 dias, conforme consta de fol. 37.14- Havia sido celebrado com a Ré, um contrato de seguro de saúde, titulado pela apólice nº ..., que integrava o aludido D..., o qual teve o seu início em 16.01.2001, e cujas condições constam de fol. 38 e 70 e segs.15- Assim, foi solicitada à Ré, pré-autorização, com vista à realização da intervenção cirúrgica supra referida, nos termos constantes de fol. 37.16- Dado que a resposta da Ré tardava, o D... deu entrada nos Hospitais Privados de Portugal – HPP Norte, a 5 de Janeiro de 2006.17- Naquele mesmo dia foi submetido à intervenção cirúrgica.18- Tendo tido alta no dia 7 de Janeiro de 2006.19- Entretanto, por missiva datada de 13 de Janeiro de 2006, a Ré informou «... não ser possível a emissão do termo de responsabilidade, correspondente ao procedimento requerido», nos termos constantes de fol. 40.20- A ré fundamentou tal posição, na alegada circunstância de a cirurgia em causa se traduzir numa cirurgia plástica.21- Por missiva de 21 de Janeiro de 2006, solicitaram os autores que a Ré, processe a reanálise da pré-autorização solicitada, conforme consta de fol. 41 e segs.22- Tal pedido assentou fundamentalmente em relatório médico constante de fol. 58 e 59, do qual consta que a intervenção cirúrgica a que o D... foi submetido «... nada tem a ver com a especialidade de cirurgia plástica e

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estética».23- Tendo a ré respondido, por missiva datada de 3 de Abril de 2006, reiterando a impossibilidade de comparticipação na intervenção cirúrgica em causa, por entender tratar-se de cirurgia estética ou plástica.24- Em todo o procedimento que envolveu a cirurgia despendeu-se o valor de 6.192,82 euros.25- Quantia esta respeitante a unidade de saúde onde decorreu a referida intervenção e os respectivos profissionais de saúde (médico, médico assistente, anestesista e instrumentista) assim discriminada:- Hospitais Privados de Portugal – HPP Norte SA – 1.842,82 euros;- Fc – Serv. Clinicos Imp. De Equipamentos Lda – 2.750,00 euros;- A.V.P. – anestesia Lda – 375,00 euros;- E... – 375,00 euros;- FC Serv. Clínicos. Imp. De Equipamentos Lda – 100,00 euros;- Dr. F... – 750,00 euros, nos termos constantes de fol. 61 e segs.26- Nos termos do art. 2º das Condições Gerais «O contrato celebrado entre as partes tem por objecto garantir às pessoas seguras as prestações convencionadas e as prestações indemnizatórias, em consequência de doença manifestada ou acidente ocorrido durante a vigência do contrato».27- Em conformidade com o art. 4º nº 3 das referidas Condições Gerais, «O contrato nunca garante o pagamento de quaisquer prestações decorrentes de cirurgia estética ou plástica, excepto quando em consequência de acidente ocorrido ou doença manifestada durante a vigência do contrato».28- Nos termos do ponto 2.7 do art. 6º, das Condições Gerais da apólice, o período de carência para entrada em vigor das garantias é de 12 meses no caso de mastectomia por patologia benigna».O DIREITO.O âmbito do recurso afere-se pelas conclusões das alegações do recorrente, art. 660nº 2, 684 nº 3 e 690 CPC, apenas havendo que conhecer dessas questões, salvo verificação de questões de conhecimento oficioso. No caso presente a questão posta consiste em saber se a situação que originou a intervenção cirúrgica do menor, se encontra excluída da cobertura do seguro.

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O contrato de seguro, define-se, no essencial, como «aquele pelo qual o segurador, em troca do pagamento de uma soma em dinheiro (prémio) por parte do contratante (segurado), se obriga a manter indemne o segurado dos prejuízos que podem derivar de determinado sinistro (ou casos fortuitos), ou ainda a pagar (ao sinistrado ou terceiro) uma soma em dinheiro, conforme a duração ou os eventos da visa de uma ou várias pessoas». (Francisco Guerra Mota – O Contrato de Seguro).Trata-se pois de contrato bilateral ou sinalagmático. O contrato em causa está sujeito a forma, porquanto dispõe o art. 426 C. Com, que «o contrato de seguro deve ser reduzido a escrito num instrumento que constituirá a apólice de seguro». Em causa está exigência de forma «ad substantiam», sendo pois nulo o contrato na falta de observância de forma. «Entende-se por apólice o documento que titula o contrato celebrado entre o tomador do seguro e a seguradora, de onde constem as respectivas condições gerais, especiais, se as houver, e particulares acordadas» (O Contrato de Seguro – José Vasques, pag. 97). «Na falta de apólice, o contrato de seguro é formalmente nulo, equivalendo, todavia, à apólice a minuta do contrato, desde que dela conste a assinatura do segurador, demonstrativa da sua aceitação» (Assento STJ de 22.01.1929).No caso presente, não se suscitam dúvidas quanto à validade do contrato de seguro, em função da forma observada.Em causa está seguro de saúde, tendo por objecto, tratamentos, internamentos e intervenções cirúrgicas futuras. O contrato teve o seu início em 16.01.2001 e o valor em que a Ré (apelante) foi condenada reporta-se ao correspondente à cirurgia a que o menor foi submetido em 05.01.2006, para resolução de patologia manifestada a partir de Janeiro de 2005.Alega o apelante, que o sinistro em causa se encontra excluído da cobertura do seguro, nomeadamente, por cair na previsão do art. 4º nº 3 das Condições Gerais, cujo teor é o seguinte: «O presente contrato nunca garante o pagamento de quaisquer prestações decorrentes de cirurgia estética ou plástica, excepto quando consequência de acidente ocorrido ou doença manifestada durante a vigência deste contrato».Mais sustenta o apelante que «a discreta ginecomatia de

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que o D... padece, não derivou de qualquer doença antes de um fenómeno normal nos jovens do sexo masculino, quando entram na puberdade» e que «tal fenómeno desaparece na maioria dos casos ao fim de dois ou três anos».Alega ainda que «a cirurgia a que o menor foi submetido, foi-o em consequência de apreensão dos pais e do natural incómodo que tal fenómeno lhe causava» e que «esta situação demonstra que tal cirurgia foi consequência de uma questão estética ou plástica».Em causa está o «âmbito do contrato», entendido este como a definição das garantias, riscos cobertos e riscos excluídos. Isso deverá resultar do próprio contrato, que deverá identificar as garantias, identificar os riscos cobertos e apresentar a listagem das exclusões, ou riscos excluídos.Será que os factos assentes corroboram a tese do apelante?Temos nesta parte provado o seguinte:a) O contrato de seguro é de 16.01.2001, as manifestações que deram origem à cirurgia, são de 2005 e consistiram num crescimento anormal ao nível do peito;b) No seguimento de consultas da especialidade e exames vários, foi diagnosticado ao menor «ginecomastia bilateral», consistente no aumento das glândulas mamárias, podendo ser glandular, gordurosa ou glandular e gordurosa. (8, 9); c) No caso do menor, a patologia apresentou-se bilateral, tendo apresentado análises hormonais normais e excluída patologia endócrina, excepto obesidade exógena (7, 10);d) Na puberdade tal patologia incide em cerca de 40% dos jovens de 13 a 15 anos, devendo ser tratada caso não desapareça (12);e) Como forma de obviar à referida patologia, os técnicos consideraram ser necessário proceder a uma intervenção cirúrgica designada por «mastectomia subcutânea» ou «mastectomia por patologia benigna» (13);f) De acordo com o relatório médico, constante de fol. 58 e 59, a intervenção a que o menor foi submetido, nada tem a ver com a «especialidade de cirurgia plástica e estética» (22).Na interpretação do contrato de seguro, segue-se no essencial, o regime da interpretação dos contratos em geral, art. 236 e segs CC, que como se refere na sentença sob recurso, consagra a teoria de «impressão do

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destinatário». Assim, (art. 236 CC) «a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele. Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida». «Em caso de dúvida (art. 237 CC) sobre o sentido da declaração, prevalece, nos negócios gratuitos, o menos gravoso para o disponente e, nos onerosos, o que conduzir ao maior equilíbrio das prestações». «Nos negócios formais (art. 238 CC) não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso...». O factualismo supra referido, não apoia a tese do apelante, quando sustenta tratar-se de cirurgia estética ou plástica. Para se concluir da forma como o faz o apelante, necessário é recorrer a conceitos técnicos, próprios da medicina e não tendo o tribunal conhecimentos nessa área, por certo que carece do apoio de técnicos da especialidade. Ora estes, no caso concreto, afastam a natureza «estética» ou «plástica» da cirurgia a que o menor foi submetido. E afastando aquela natureza, consideraram os técnicos ser «necessário» proceder à cirurgia.Ainda que se entenda, que a «ginecomastia» pode surgir em cerca de 40% dos jovens do sexo masculino entre os 13 e os 15 anos de idade, e que pode desaparecer com o tempo (12), isso não é suficiente para se incluir nessa situação o caso presente, pois que pode ser devida a outros factores e não passar com o tempo. Serão os médicos da especialidade quem deverá avaliar as situações. Ora no caso presente, não foi feita essa prova, tendo pelo contrário ficado assente que «os técnicos consideraram necessário proceder-se à referida cirurgia (13). Acresce que o médico especialista, expressamente se pronunciou no sentido de a cirurgia em causa, nada ter a ver com cirurgia «estética» ou «plástica».Nas suas alegações, refere ainda o apelante que a situação presente, não pode qualificar-se como de «doença».Ainda que reconhecendo a dificuldade que o conceito de «doença» apresenta, cremos que o constante das Cláusulas Gerais do contrato em causa, é susceptível de integrar a presente situação. Com efeito, diz-se aí (fol. 73)

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que doença é «a alteração do estado de saúde, estranha à vontade da pessoa segura e não causada por acidente, que se revele por sinais ou sintomas manifestos e seja reconhecida como tal pelo médico».A sentença sob recurso não merece censura, tendo feito boa aplicação da lei, sendo por isso de confirmar.O recurso não merece proceder.Concluindo:- Ainda que a patologia consistente na «ginecomastia bilateral», possa ocorrer em 40% dos jovens do sexo masculino entre os 13 e os 15 anos, e desaparecer com o tempo, a necessidade de se proceder a intervenção cirúrgica depende da avaliação médica da especialidade;- Concluindo os médicos pela necessidade de se proceder à referida cirurgia e afastando expressamente que a mesma nada tem a ver com cirurgia «estética» ou «plástica», e nada mais se provando nesse domínio, é de afastar aquele qualificativo;- Gorada a prova de que em causa está cirurgia «estética» ou «plástica», não se verifica a exclusão prevista no contrato de saúde em que se prevê a exclusão da «cirurgia estética ou plástica».DECISÃO.Em face do exposto, decide-se:1- Julgar improcedente o recurso de apelação, confirmando-se a sentença recorrida;2- Condenar nas custas o apelante.Lisboa, 15 de Abril de 2010.Manuel GonçalvesAscenção LopesGilberto Jorge.

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Acórdãos STJ Acórdão do Supremo Tribunal de JustiçaProcesso: 64/09.TBSJM.P1.S1Nº Convencional: 2ª SECÇÃORelator: ABRANTES GERALDESDescritores: CONTRATO DE SEGURO

SEGURO DO RAMO VIDAFALSIDADE DAS DECLARAÇÕES NEXO DE CAUSALIDADE

Data do Acordão: 12/06/2012Votação: UNANIMIDADETexto Integral: SPrivacidade: 1

Meio Processual: REVISTADecisão: CONCEDIDA A REVISTAÁrea Temática: DIREITO COMERCIAL - SEGUROSDoutrina: - José Vasques, Contrato de Seguro, p. 223 e segs..Legislação Nacional: CÓDIGO COMERCIAL (CCOM): - ARTIGO 429.º.Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 04-03-04, CJSTJ, TOMO I, PÁG. 102;-DE 17-11-05, CJSTJ, TOMO III, PÁG. 120; -DE 11-07-06, CJSTJ, TOMO I, PÁG. 151;-DE 24-02-08, CJSTJ, TOMO I, PÁG. 116;-DE 27-05-08, CJSTJ, TOMO II, PÁG. 81;-DE 02-12-08, CJSTJ, TOMO III, PÁG. 158;

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-DE 23-02-12, WWW.DGSI.PT .

Sumário :

1. A invalidade do contrato de seguro, nos termos do art. 429º do Cód. Comercial (entretanto revogado), pressupõe que se trate de declarações relevantes para efeitos da aceitação ou definição, por parte do segurador, do clausulado do contrato de seguro.

2. Ao abrigo de tal preceito, no âmbito de um contrato de seguro do “Ramo Vida”, recai sobre o segurador a prova do nexo de causalidade entre a inveracidade das declarações do tomador respeitantes aos seus antecedentes clínicos e a outorga ou o conteúdo do contrato.

3. O facto de o segurado ter negado que sofrera acidente de trabalho que lhe provocou redução da capacidade de trabalho não exonera o segurador da responsabilidade que assumiu ao abrigo do contrato de seguro quando o sinistro participado se traduza em incapacidade decorrente de doença do foro mental que posteriormente àquele acidente lhe foi diagnosticada.

Decisão Texto Integral: I - AA

intentou acção declarativa de condenação, com forma de processo ordinário,

contra I. COMPANHIA de SEGUROS, S.A.,

pedindo a sua condenação na liquidação da dívida que tem para com o Banco E., SA, e a entregar-lhe o valor remanescente, até perfazer o montante de € 83.000,00, acrescido dos juros legais, calculados desde 1-9-07, até efectivo cumprimento.

Alegou que em 7-12-05 contratou com a R. um seguro do Ramo Vida, o qual garantia, nas eventualidades de morte e invalidez total e permanente, o pagamento ao BES de empréstimo contraído pelo A., com capital seguro até ao limite de € 83.000,00;

Desde o Verão de 2006 o A. padece de graves problemas de saúde mental, traduzidos num estado depressivo grave, crónico e regressivo, bem como bloqueio cerebral que o

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deixou sem memória, concentração e equilíbrio, vivendo isolado do mundo, o que determinou a perda total da capacidade de trabalho e declaração de invalidez.

O A. participou à R. a sua invalidez total e permanente, mas a R. declina pagar o capital seguro, com a alegação de que se trata de doença que já se verificava à data da subscrição do seguro.

Na contestação a R. conclui que a acção deve ser julgada improcedente, por não provada, e requereu a intervenção principal do BES.

Sumariamente, alegou que antes de subscrever o contrato de seguro o A. já padecia dos problemas de saúde mental que deram origem à alegada situação de invalidez e tinha conhecimento da doença na data em que preencheu o questionário clínico da proposta de seguro (17-8-05), tendo então omitido referências a doenças pré-existentes e a um acidente de trabalho grave que sofrera em 26-1-05.

O acidente de trabalho reduziu a utilização do braço direito do A. e evoluiu para doença psíquica, a qual se revelou durante o ano de 2005.

O A. falseou os dados clínicos, apesar de ter sido clausulado que as declarações inexactas, reticentes ou com omissão de factos relevantes para a apreciação do risco tornam o contrato nulo, sendo que a R. não o teria celebrado se o A. declarasse a verdade.

Houve réplica, alegando o A. que os dois acidentes de trabalhos que antes tinha sofrido só determinaram incapacidades temporárias, com grau de invalidez nulo a partir de 9-6-05, retomando a actividade laboral nessa data. Só o problema psiquiátrico determinou a invalidez total, o qual foi constatado medicamente em Setembro de 2006, não tendo qualquer relação com o acidente de trabalho ocorrido em Janeiro de 2005.

Efectuado o julgamento foi julgada procedente a acção, sendo a R. condenada a pagar ao BES, até ao limite do montante seguro de € 83.000,00, com referência à apólice de seguro em discussão, o capital seguro necessário para

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amortização do empréstimo concedido ao A., bem como a pagar ao A. a totalidade dos valores por que este pagou ao referido banco, a partir da data da verificação do risco (1-9-07), acrescido dos juros legais, vencidos e vincendos, até efectivo e integral pagamento, valores esses a liquidar em incidente de liquidação.

A R. apelou e a Relação revogou a sentença e absolveu a R. do pedido.

Recorre de revista o A. e concluiu que:

II – Factos provados:

1. O A. nasceu em 24-12-55 – 1º;

2. Em 7-12-05, o A. contratou com a R., para si e para a sua esposa, um seguro do “Ramo Vida”, titulado pela apólice 00000000, sendo que o 1º titular da apólice é o A. e a 2ª titular é a sua esposa – A) e B);

3. O contrato teve início em 7-12-05 e garantia, no caso da primeira pessoa segura, ao A., o pagamento do capital seguro em caso de morte e invalidez total e permanente, sendo o capital seguro de € 83.000,00, e beneficiário do capital seguro o BES, SA, na qualidade de credor hipotecário, com carácter irrevogável, e do remanescente a pessoa segura – C) a F);

4. A fls. 27 a 34 encontram-se juntas as condições gerais e especiais da apólice e a fls. 17 e 18 o documento denominado certificado individual de seguro – I) e N);

5. No questionário clínico das pessoas seguras, preenchido e assinado pelo A., em 17-8-05, o A. declarou o seguinte:

- Já o aconselharam a consultar um médico, a ser hospitalizado, a submeter-se a algum tratamento ou intervenção cirúrgica? Não

- Está de baixa por doença ou acidente? Não

- Tem ou teve alguma doença que o tenha obrigado a interromper a sua actividade laboral durante mais de 15

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dias consecutivos nos últimos 5 anos? Não

- Tem alguma alteração física ou funcional, teve algum acidente grave, foi submetido a alguma intervenção cirúrgica ou recebeu alguma transfusão de sangue? Não

- Já fez ou foi aconselhado a fazer um teste de sida? Sim

– J);

6. O A. sofreu um acidente de trabalho em Janeiro de 2005; em Janeiro de 2003, havia sofrido igualmente um acidente de trabalho; antes de subscrever o contrato de seguro, o A. já havia sofrido acidentes de trabalho em 2003 e Janeiro de 2005 que o afectaram fisicamente – L), O) e M);

7. A afectação física do A. mencionada em 6. consistiu na redução da utilização do seu membro superior direito, tendo podido retomar, em consequência disso, o trabalho a 100%, numa actividade menos pesada – 19º;

8. Quando o A. preencheu a proposta de seguro tinha plena consciência de que já tinham ocorrido os factos aludidos em 6. – 21º, 22º e 24º.

9. A partir de Setembro de 2006, o A. passou a padecer de problemas de saúde mental – 2º;

10. Em 1-9-07, na sequência de avaliação médica da responsabilidade da administração de saúde e invalidade da cidade de Friburgo, o Gabinete de Seguros de Invalidez do Cantão de Friburgo atribuiu ao A. uma invalidez de 100% e encontra-se, por via disso, a auferir desde Outubro de 2007 uma pensão mensal de invalidez, cujo valor em 2009 estava fixado em € 245,70 – 11º e 12º;

11. O A. participou à R. a sua invalidez total e definitiva por doença e enviou-lhe todos os documentos solicitados, mas a R. declinou qualquer responsabilidade pelo pagamento do capital seguro, fundamentando a sua decisão no facto de ter concluído que a doença do A. já se verificava à data da subscrição do contrato (doc. fls. 26) –

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G) e H);

12. O A. sofre de um estado depressivo grave, crónico e regressivo, vive totalmente isolado do mundo e da realidade, raramente dirige a palavra a alguém, seja ou não da família, descontrola-se e chora com frequência e fecha-se em casa - 3º e 5º a 9º;

13. Em 1-9-07, data em que foi declarada oficialmente a situação de invalidez do A., este devia ao Banco E. a quantia de € 70.865,15 - 13º;

14. Não tendo a R. liquidado qualquer indemnização ao A., este continuou a liquidar as mensalidades devidas ao Banco E., pelo que, em 12-1-09, o seu débito ascendia a € 65.555,51 - 14º.

II – Decidindo:

1. A única questão que importa apreciar gira em torno dos efeitos decorrentes do facto de o A., aquando do preenchimento do questionário que lhe foi apresentado, na ocasião em que subscreveu a proposta de contrato de seguro, ter respondido negativamente a determinadas perguntas sobre os seus antecedentes clínicos.

2. O normativo essencial que interessa é o art. 429º do Cód. Comercial, entretanto revogado, mas ainda aplicável ao caso, atenta a data em que o contrato de seguro foi celebrado.

Não importando incidir profundamente sobre a nova legislação em matéria de prestação de informações à Seguradora, decorre daquele preceito que é inválido o contrato quando o segurado fizer declaração inexacta ou reticente sobre factos ou circunstâncias conhecidas do mesmo e que teriam podido influir sobre a existência ou condições do contrato.

São incontáveis os acórdãos que incidiram sobre tal preceito, havendo segmentos relativamente aos quais as dúvidas se encontram dissipadas.

Há muito se reconheceu que a solução formalmente prevista na lei não se ajustava nem às necessidades do

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sistema, nem à moderna qualificação dos vícios dos negócios jurídicos e que essencialmente se traduz na diferenciação entre nulidades (ou nulidades absolutas) e anulabilidades (ou nulidades relativas), tendo-se formado, por isso, um largo consenso no sentido de fazer corresponder àquela cominação a anulabilidade do contrato, o que se reflectiu, além do mais, na exigência da sua arguição pelo interessado (sem possibilidade de apreciação oficiosa), na delimitação dos sujeitos legitimados a argui-la, no estabelecimento de um prazo de caducidade para a sua invocação e na possibilidade de convalidação, nos termos a que obedece a anulabilidade dos negócios jurídicos em geral.

Outros problemas emergentes do desfasamento entre aquele preceito abstracto e a realidade dinâmica e multifacetada levaram a considerar ilegítima a invocação da invalidade contratual, por parte do segurador, em determinadas circunstâncias, designadamente:

a) Quando falte um nexo de adequação entre a actuação do segurado ou do tomador e o resultado;

b) Quando o segurador revele inércia na sua actuação posterior;

c) Quando tenha havido omissão manifesta de deveres de diligência por parte do segurador

ou, em geral;

d) Sempre que tenham sido adoptados comportamentos susceptíveis de integrarem a figura do abuso de direito, nas suas diversas dimensões, com especial destaque para comportamentos contraditórios, criação de expectativas legítimas ou demora irrazoável na detecção ou superação das situações de desconformidade entre o que fora declarado pelo tomador do seguro ou pelo segurado e a realidade existente à data das declarações.

Como se disse, a verificação do referido vício depende da existência de um nexo de causalidade entre as inexactidões ou reticências do tomador do seguro sobre os factos e circunstâncias relevantes e a outorga do

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contrato ou, ao menos, sobre o seu clausulado, maxime, sobre as exclusões do âmbito de cobertura ou sobre o prémio a suportar pelo tomador em função do risco calculado assumido pelo segurador.

Como se refere no Ac. do STJ, de 4-3-04, CJSTJ, tomo I, pág. 102, não é qualquer declaração inexacta ou reticente que desencadeia a possibilidade de anulação do seguro, sendo indispensável que a inexactidão influa na existência e condições do contrato, de sorte que o segurador ou não contrataria ou teria contratado em diversas condições se as conhecesse, sendo, assim, relevantes apenas as declarações inexactas ou reticentes respeitantes a factos ou circunstâncias que servem para a exacta apreciação do risco.

Tal foi detectado e declarado, por exemplo, nas seguintes situações em que o sinistro estava relacionado com doenças coronárias:- Omissão de que o segurado sofria de angina de peito (Ac. do STJ, de 11-7-06, CJSTJ, tomo I, pág. 151);- Omissão de que o segurado sofria da diabetes (Ac. do STJ, de 2-12-08, CJSTJ, tomo III, pág. 158);- Omissão do segurado de que sofria de hipertensão arterial (Ac. do STJ, de 27-5-08, CJSTJ, tomo II, pág. 81)

Acresce que recai sobre o segurador o ónus da prova do nexo de causalidade entre as informações inverídicas ou reticentes e a outorga do contrato de seguro, dependendo a procedência da defesa assente na invalidade da demonstração de que o segurado exarou declarações falsas ou reticentes de factos ou circunstâncias dele conhecidas susceptíveis de influir na formação do contrato e suas condições, enquanto relacionadas com a avaliação do risco a assumir, como se decidi designadamente nos Acs. do STJ, de 17-11-05, CJSTJ, tomo III, pág. 120, de 4-3-04, CJSTJ, tomo I, pág. 102, e de 24-2-08, CJSTJ, tomo I, pág. 116, entendimento também seguido por José Vasques, Contrato de Seguro, págs. 223 e segs.

Estes aspectos já foram, aliás, apreciados no acórdão deste mesmo colectivo (Ac. do STJ, de 23-2-12,

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www.dgsi.pt).

3. As questões que o caso concita não emergem tanto da interpretação do art. 429º do Cód. Comercial, antes da conjugação entre a matéria alegada ou apurada e os referidos pressupostos normativos, especialmente no que concerne à verificação do aludido nexo de causalidade entre as declarações do segurado e a outorga ou o conteúdo do contrato.

O contrato de seguro foi celebrado em 2005, tratando-se de seguro do “Ramo Vida” que, em caso de morte ou invalidez, cobria a responsabilidade que o segurado iria assumir no âmbito de um contrato de empréstimo hipotecário celebrado com uma entidade bancária.

O sinistro participado à R. Seguradora respeitou a uma doença do foro psíquico, verificando-se que as perguntas que foram inscritas no questionário a que o A. respondeu aquando do preenchimento da proposta de contrato de seguro estavam relacionadas com outros vectores.

Está provado que foi a partir de Setembro de 2006 que o A. passou a padecer de problemas de natureza psíquica, revelando um estado depressivo grave, crónico e regressivo que o levou a viver totalmente isolado do mundo e da realidade, raramente dirigindo a palavra a alguém, seja ou não da família, de se descontrolar e chorar com frequência e de se fechar em casa.

Foi essa doença que determinou que, em 1-9-07, na sequência de uma avaliação médica, lhe tivesse sido atribuída uma invalidez total e definitiva (100%), invalidez que o A. participou à R. ao abrigo do contrato de seguro.

A R., confrontada com a participação do referido sinistro, declinou a sua responsabilidade, fundamentando a sua recusa no facto de a doença causal da situação de invalidez (doença do foro psíquico) já se verificar na data da subscrição do contrato.

Tratava-se de factualidade pertinente mas que, apesar de

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também ter sido alegada na contestação, não se provou.

Na aludida contestação a R. alegou que:

- Quando celebrou o contrato o A. já padecia dos problemas de saúde mental que deram origem à situação de invalidez (art. 3º, 4º e 10º);

- O acidente de trabalho teve, numa primeira fase, como consequência a redução da utilização do membro superior direito do A. e, posteriormente, a evoluiu para um estado de saúde doença psíquica (9º);

- A doença psíquica resultou do acidente de trabalho de Janeiro de 2005 (art. 11º);

- Tal doença psíquica estava diagnosticada antes de o A. assinar a proposta (art. 12º);

- Na ocasião em que subscreveu a proposta de seguro, o A. já se encontrava afectado com uma incapacidade para o trabalho de 100%, já havia sofrido um gravíssimo acidente de trabalho que lhe trouxe sequelas físicas não menos graves e já padecia da doença psíquica alegada na petição (art. 24º);

- Se o A. tivesse informado a R. do seu estado de saúde, esta nunca teria celebrado o contrato ou, caso o celebrasse, excluiria estas patologias e o prémio seria muitíssimo superior ao fixado (art. 42º).

Tal matéria ficou a constar dos pontos 15º a 20º da base instrutória.

Receberam resposta “não provada” os pontos 15º a 18º e 20º e resposta clarificadora o ponto 19º.

Com efeito, estando apurado que a proposta de contrato de seguro (e a resposta ao questionário) foi subscrita pelo A. em Agosto de 2005 e que o contrato foi outorgado em Dezembro desse mesmo ano, não se provou, no entanto, que:

“O A., antes de subscrever o contrato já padecia dos problemas de saúde mental que deram origem à alegada

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situação de invalidez” (15º);

“Doença de que o mesmo tinha conhecimento desde 2005 anteriormente a subscrever a proposta relativa ao contrato em apreço, designadamente na data do preenchimento do questionário clínico da pessoa segura assinalado em 17-8-05 e entregue à R.” (16º e 17º);

“Assim como na data do início da vigência do contrato de seguro, ou seja, em 7-12-05” (18º).

Também não se provou que

“Em 7-12-05 (data do início do contrato de seguro titulado pela apólice nº 00000000) o A. já estava declarado como 100% incapaz para o trabalho” (20º).

E ao ponto 19º, onde se perguntava se:

“Este acidente de trabalho terá tido, numa primeira fase, como consequência a redução da utilização do membro superior direito do A. e, posteriormente, a evolução para um estado de doença psíquica?”

Foi dada a seguinte resposta restritiva:

“Provado apenas e esclarecidamente o que consta da al. M) (ou seja, que “o A., antes de subscrever o contrato de seguro dos autos já havia sofrido acidentes de trabalho em 2003 e Janeiro de 2005 que afectaram o mesmo fisicamente”) e que a ali mencionada afectação física do A. consistiu na redução da utilização do seu membro superior direito, tendo podido retomar, em consequência disso, o trabalho a 100% numa actividade menos pesada”.

Finalmente, a respeito do nexo de causalidade entre a actuação do segurado e a aceitação do contrato de seguro por parte da Seguradora, perguntava-se no ponto 23º:

“Se o A. na altura tivesse informado a R. do seu estado de saúde, esta nunca teria celebrado o contrato de seguro em apreço ou, sem conceder, caso o celebrasse (que, de todo em todo, não celebraria), excluiria sempre estas patologias e seria sempre por um prémio muitíssimo

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superior ao fixado”.

Tal ponto recebeu a resposta “não provado”.

4. O contrato de seguro tem uma vertente fundamentalmente aleatória para o tomador do seguro e para o segurador, assim se justificando, respectivamente, a transferência e a assunção da responsabilidade mediante o compromisso do pagamento e recebimento de um prémio de seguro.

Naturalmente que na ocasião em que o contrato é celebrado é suposto que nem o segurador, nem o segurado tenham certezas quanto à ocorrência do sinistro, impondo-se ao segurado ou ao tomado do seguro que forneça ao segurador elementos relevantes e verdadeiros de que esta carece para a assunção e delimitação do risco.

Pode dizer-se também que no contrato de seguro existe uma certa assimetria informativa, embora seja mais difícil estabelecer qual a parte que se encontra em melhores condições, pois se é verdade que é o tomador do seguro que está a par das circunstâncias que existem na ocasião em que o contrato é celebrado e que está em directa conexão com os factos geradores do risco, é o segurador que domina aspectos de ordem técnica, designadamente de natureza estatística, elementos fundamentais para a circunscrição do risco assumido.

Por outro lado, sendo o segurador livre na aceitação e preenchimento do conteúdo do contrato, está nas suas mãos o uso de maior ou menor rigor na avaliação prévia da situação, suportando os custos inerentes em termos de estrutura e de encargos, com eventuais reflexos na ampliação ou redução da sua penetração no mercado de seguros, maxime quando, como ocorre com os seguros de vida afectos a contratos de mútuo hipotecário, se trata de contratos massificados.

Tomando como referência contratos de seguro do “Ramo Vida”, maxime quando visem a transferência de responsabilidade referente ao pagamento de empréstimos bancários, entre as diligências que estão na livre disponibilidade do segurador conta-se a formulação de

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um questionário mais ou menos extenso, cujo conteúdo está na exclusiva disponibilidade do segurador, ao qual o tomador do seguro deve responder, habilitando a contraparte a aceitar, rejeitar ou modelar o contrato ou, porventura, fornecendo-lhe elementos susceptíveis de indiciarem a necessidade de serem efectuados exames médicos complementares, mais ou menos profundos.

5. No caso concreto, a R. Seguradora, para afastar a sua responsabilidade pelo sinistro, invocou exclusivamente, quer na fase pré-judicial, quer na contestação da presente acção, a prestação de informações inverídicas sobre a doença mental em que se traduziu o sinistro que posteriormente lhe foi participado.

Porém, o questionário a que o A. respondeu e que lhe foi apresentado pela R. incidia sobre outros aspectos, sendo inviável estabelecer qualquer relação entre a situação em que o A. se encontrava nessa ocasião e a doença mental que depois disso veio a ser verificada, com as consequências referidas relativamente à situação de invalidez total.

Embora não se duvide do interesse da R. Seguradora em ser posta a par dos factos relevantes para a assunção do risco ou para a fixação do clausulado, no caso sub judice a matéria de facto apurada não permite afirmar que se acaso o A. tivesse respondido com total veracidade às perguntas que lhe foram formuladas teria recusado celebrar o contrato ou tê-lo-ia aceite com outro conteúdo, designadamente em termos de cobertura ou de valor do prémio de seguro.

Como tem sido insistentemente afirmado pela jurisprudência e pela doutrina, não é qualquer informação inverídica ou reticente da parte do segurado ou do tomador do seguro que pode justificar a exoneração da responsabilidade que o segurador assumiu com a aceitação do contrato de seguro, devendo estabelecer-se uma distinção entre informações inócuas para o risco que veio a revelar-se e informações relevantes.

Verifica-se, assim, que não encontram qualquer eco na matéria de facto os motivos de recusa de assunção de

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responsabilidade, quer os que foram indicados na fase pré-judicial, quer os que foram invocados na contestação da presente acção, impondo-se a revogação do acórdão recorrido, com subsistência da sentença de 1ª instância.

IV – Face ao exposto, acorda-se em julgar procedente o recurso de revista, revogando o acórdão da Relação, ficando a subsistir a sentença de primeira instância.

Custas da revista e em ambas as instâncias a cargo da R.

Notifique.

Lisboa, 6 de Dezembro de 2012

Abrantes Geraldes (Relator)

Bettencourt de Faria

Pereira da Silva

Acórdãos STJ Acórdão do Supremo Tribunal de JustiçaProcesso: 90/2002.G1.S1Nº Convencional: 7ª SECÇÃORelator: BARRETO NUNESDescritores: CONTRATO DE SEGURO

DECLARAÇÕES INEXACTASANULABILIDADE

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Nº do Documento: SJData do Acordão: 06/08/2010Votação: UNANIMIDADETexto Integral: SPrivacidade: 1

Meio Processual: REVISTADecisão: NEGADA A REVISTA

Sumário :

1. O art. 429º do Código Comercial, que vem de 1888, fulmina de nulidade o seguro celebrado com base em declarações inexactas ou reticentes, desde que influenciem a existência ou condições do contrato.2. É hoje jurisprudencialmente pacífico que, na vigência do Código Civil de 1966, o vício de que padecem tais contratos é de anulabilidade e não de nulidade.3. Declaração inexacta é a declaração errada que tanto pode ser dolosa como negligente, traduzindo-se a declaração reticente na omissão de factos ou circunstâncias que, importando para a avaliação do risco, são do conhecimento do tomador do seguro e interessam ao segurador.4. Omitindo o tomador do seguro qualquer menção à doença de que padecia estamos perante uma declaração reticente, a qual não necessita de ser dolosa, bastando a negligência, para que o contrato seja anulável. 5. Já não será necessariamente assim na vigência do Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril, que entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 2009, mas é inaplicável in casu.6. Sabendo o tomador do seguro que tinha uma “malformação cardíaca congénita”, embora não tendo consciência “da gravidade e o carácter incapacitante que dessa malformação poderia advir, nomeadamente, com afectação do normal exercício da sua profissão”, o certo é que a devia ter declarado quando celebrou o contrato de seguro de vida com a seguradora, por nessa data já ter problemas de saúde que o afectaram na sua capacidade para o trabalho, o que gera a sua anulabilidade.7. Anulado o contrato de seguro, não goza o tomador do seguro do necessário direito de obter da seguradora o capital segurado, não podendo obter qualquer prestação indemnizatória a quantificar segundo juízos de equidade.

Decisão Texto Integral:

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Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I – Relatório

AA, intentou a presente acção ordinária demandando a Ré, Companhia de Seguros BB, S.A., pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 33.116,82, acrescida de juros de mora a partir da citação e até efectivo pagamento, e ainda o montante que se vier a liquidar em execução de sentença referente a prestações entretanto vencidas e outros danos que venha a sofrer por virtude de a R. não disponibilizar o capital de seguro.

Para tanto, alega, em síntese, que, na sequência de um empréstimo que pediu à U.B.P. – actual B.P.I. –, do montante de 5.500.000$00, celebrou com a R. um contrato de seguro de vida, titulado pela apólice n.º 00000000000000, nos termos do qual esta última assumiu a responsabilidade pelos riscos ocorridos pela morte ou invalidez total e definitiva de que o Autor viesse a padecer, tendo sido fixado um capital seguro de 5.500.000$00.

Sucede que em Agosto de 2005 foi diagnosticado e dado conhecimento ao Autor de que sofria de uma malformação cardíaca grave e inoperante, com insuficiência cardíaca que ele desconhecia e que determinou, por conselho médico, a elaboração de um processo de reforma por invalidez, vindo-lhe a ser atribuída em 16/04/98, pela junta médica da sub-região de saúde de Braga uma incapacidade permanente de 90%, considerando-o total e definitivamente incapaz para o exercício de qualquer profissão.

A Ré contestou, tendo admitido a celebração do referido contrato, mas invocando a sua nulidade, alegando como fundamento que o Autor, aquando da celebração do contrato em causa, declarou não padecer de qualquer doença ou deformidade física e, portanto, gozar de boa saúde, tendo ainda declarado que as declarações exaradas no boletim de adesão eram exactas e que nada havia omitido que pudesse induzir em erro na apreciação dos riscos propostos.

Todavia o Autor, nessa data, já padecia da mencionada

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doença cardíaca, e não o referiu, faltando à verdade, tendo, assim, a Ré actuado em erro, uma vez que se tivesse tido conhecimento da situação clínica do Autor, não teria celebrado o contrato nos termos e condições em que o fez, o que foi provocado pelas falsas declarações do segurado.

Com estes fundamentos, conclui a Ré pela improcedência da acção e ainda pela condenação do Autor como litigante de má-fé em multa e indemnização a seu favor nunca inferior a € 7.500,00.

O Autor ofereceu réplica na qual, pronunciando-se no sentido da improcedência da invocada nulidade, conclui como na petição inicial.

Realizado o julgamento foi proferida sentença julgando a acção nos seguintes termos:

“Pelo exposto, julga-se a acção totalmente procedente e, em consequência, condena-se a R. Companhia de Seguros BB, S.A., a pagar ao A., AA:- O montante de € 33.116,82, acrescido de juros de mora à taxa legal, contados a partir da citação e até efectivo pagamento- O montante que se vier a liquidar em execução de sentença referente a prestações entretanto vencidas e respectivos juros, e outros danos que venha a sofrer em consequência do incumprimento perante o B.P.I., por virtude de a R. não disponibilizar o capital de seguro.”

Inconformada a Ré seguradora interpôs recurso de apelação, a que a Relação concedeu provimento, considerando, no que ora releva, o seguinte:

“Pelo menos, em 4 de Fevereiro de 1992 foi diagnosticado que o A. sofria de uma malformação cardíaca congénita, tendo sido, nessa data, dado conhecimento ao A. de que padecia dessa malformação.

Por consequência dessa malformação cardíaca de que o A. padecia, foi elaborado, em 13/04/95, um processo de reforma por invalidez.Em 16.4.1998, a Junta Medica de Invalidez da Sub-Região de Saúde de Braga atribuiu ao Autor uma incapacidade parcial permanente de 90% e considerou-o

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total e definitivamente incapaz para o exercício de qualquer profissão.Na data referida que assinou o boletim de adesão para o seguro, o autor já tinha conhecimento da doença aludida e já tinha problemas de saúde que, de um modo temporário, afectaram a sua capacidade para o trabalho. Sabia padecer de uma malformação cardíaca congénita, mas não tinha consciência da gravidade e do carácter incapacitante que dessa mal formação poderia advir, nomeadamente, com afectação do normal exercício da sua profissão.O autor assinou o documento de fls. 47 e seguintes no balcão do banco U.B.P. em Fão – Esposende. A omissão de declaração da sua patologia, até pelos antecedentes clínicos que a mesma importara – considerando a data da declaração, podiam, pelo menos, influir sobre as condições do contrato, se não mesmo sobre a sua existência. Aquela situação do autor acarretava um elevado risco (muito além do que normal e pressuposto da base do acordo), de verificação dentro do período de vigência do contrato da ocorrência determinante da responsabilidade da seguradora, no caso a invalidez. Desse risco acrescido não tomou conhecimento a seguradora (por isso não foi considerado na fixação do prémio devido).Note-se que foi esse risco acrescido e não declarado que se concretizou na incapacidade do autor.A questão da consciência da gravidade da situação é irrelevante, pois trata-se de segurar um risco e não uma certeza. O seguro implica sempre alguma incerteza quanto ao acontecimento futuro, devendo, ao declarar-se o risco que se pretende cobrir, indicar os factos ou circunstâncias capazes de influir neste. O estado geral de saúde, a indicação de patologias ou situações clínicas relevantes, são circunstâncias a indicar em contratos de seguro como o dos autos.No DD a declaração do risco consistirá fundamentalmente na informação relativa ao estado de saúde da pessoa a segurar. Com tal objectivo as seguradoras, visando auxiliar o tomador do seguro a descrever os factos relevantes para a apreciação do risco, forneçam questionários a preencher por estes, sendo, como parece manifesto, da responsabilidade destes o que for declarado.A sanção do artigo 429.º do Código Comercial

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corresponde a um particular caso de erro vício, previsto no artigo 251.º do CC. vd. Ac. do STJ de 30/10/2007, www.dgsi.pt, processo 07A2961 – onde se refere:“Incidindo sobre a própria formação do contrato, as declarações falsas ou as omissões relevantes impedem a formação da vontade real da contraparte (seguradora), pois que essa formação assenta em factos ou circunstâncias ignoradas, por não reveladas ou deficientemente reveladas. Daí que, como resulta do preceito legal e é entendimento corrente, não é necessário que as declarações ou omissões influam efectivamente sobre a celebração ou condições contratuais fixadas, bastando que pudessem ter influído ou fossem susceptíveis de influir nas condições de aceitação do contrato.”Flui da matéria provada, e a essa nos ateremos, carecendo de sentido o referenciado nas contra-alegações quanto ao modo como as declarações se processaram, porque não demonstrado nos autos; que o segurado omitiu a sua situação de saúde. Incorreu quer numa declaração inexacta (declarando não ter problemas de saúde), quer numa reticência, ocultando o problema de que padecia e bem conhecia.Na parte relativa a “doenças” declarou gozar de boa saúde e no que tange ao aparelho cardiocirculatório, declarou não sofrer de doenças.Sobre a obrigatoriedade de declarar uma deficiência do pâncreas – Ac. STJ de 2/12/2008, www.dgsi.pt, processo nº 08A3737.É de revogar a decisão, ficando prejudicado o conhecimento das restantes questões.”

Inconformado, recorre agora o Autor, de revista, para este Supremo Tribunal, delimitando o objecto do recurso às seguintes conclusões:

“1. O demandante nasceu em 19/06/1963 com uma malformação cardíaca congénita – um único ventrículo.

2. Esta malformação cardíaca só lhe foi detectada em 1992 pela sua médica de família.3. Essa médica deu-lhe conhecimento dessa malformação mas não lhe explicou as consequências que daí lhe poderiam advir, nem prescreveu qualquer restrição.4. O demandante exercia a profissão habitual de chapeiro

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de automóveis, profissão que exercia em 1992 quando lhe foi detectada a malformação cardíaca congénita, mas que nunca o impediu de trabalhar.5. Em Maio de 1995 assinou, no Banco, o boletim de adesão ao contrato de seguro que se discute nos autos.6. E continuou a trabalhar como chapeiro de automóveis, tendo, em 1997 sido proposto a uma Junta Médica com vista á sua passagem à situação de reforma.7. Essa Junta Médica em 1997 chumbou-o e considerou-o completamente apto para o trabalho, sem qualquer tipo de incapacidade.8. Certamente que, dois anos antes, quando assinou o boletim de adesão o sue estado de saúde, decorrente da malformação ainda era melhor do que aquando da sua pretensão – que era mais da sua médica de família do que dele – de passar á reforma.9. Como resulta inequivocamente dos autos o demandante não tinha, aquando da assinatura (e nada mais) do boletim de adesão, consciência da gravidade e do carácter incapacitante que da malformação cardíaca congénita lhe poderia advir, designadamente com afectação da sua profissão.10. Com efeito, foi a própria médica de família do demandante, Dr.ª CC que declarou que ele não tinha a menor consciência da gravidade do problema de saúde de que estava acometido.11. E foram, também, os peritos médicos, nos esclarecimentos que prestaram em audiência de julgamento, que manifestaram e sustentaram a sua convicção de que o demandante não tinha uma clara e esclarecida consciência da gravidade da doença de que estava acometido.12. Se assim não sucedesse, disseram, que de modo algum se poderia compreender que, a ter essa consciência, tivesse continuado a trabalhar como chapeiro de automóveis colocando a sua saúde em risco e até mesmo a própria vida.

13. Por tudo isso, mesmo que tivesse sido o demandante a preencher o boletim de adesão – e não foi –, ou tivesse sido ele a responder a qualquer questionário – e não respondeu –, relativamente ao que consta do referido boletim, jamais teria faltado à verdade.14. Está assim, por total falta de conhecimento e de consciência do seu grave estado de saúde, totalmente fora

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de causa, que não prestou falsas declarações ou declarações inexactas.15. O douto acórdão recorrido violou o conceito de equidade, no sentido definido repetidamente por este STJ e que atrás, no texto, referimos por mais do que uma vez, ou seja: - a justiça do caso concreto flexível, humana, independente de critérios normativos fixados na lei, devendo o julgador ter em conta as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e de critérios de ponderação das realidades da vida e também o então disposto nos artigos 429º do Código Comercial.”

Em extensa peça alegatória, respondeu a Recorrida, focando essencialmente, a pré-existência da doença do recorrente em relação à celebração do contrato de seguro e a anulabilidade do mesmo contrato, pugnando, enfim, pela confirmação do acórdão recorrido.

Foram colhidos os “vistos” legais.

Como se acabou de evidenciar, o recorrente limita o seu inconformismo à sua análise de um rol de factos demonstrados e indemonstrados, quedando-se, a final, pela aplicação ao caso concreto dos princípios da justiça equitativa, socorrendo-se e alicerçando-se numa melhor interpretação do art. 429º do Código Comercial.

II – Os factos que vêm fixados das instâncias

“1 - Em 30.06.1995, o autor contraiu um empréstimo para aquisição de habitação própria, no montante de 5.500.000.80 esc., na União de Bancos Portugueses, S.A. (actualmente, Banco de Investimento Imobiliário, S.A.), nos termos do documento de fls. 9 a 19, que se dá como reproduzido.2 - O referido Banco celebrou com a Companhia de Seguros BB (actualmente, BB) um contrato de seguro (DD – grupo), titulado pela apólice nº 000000000, nos termos dos documentos de fls. 51 a 57, que se dão como reproduzidos.3 - Nesse contrato, com início em 5.6.1995, o Banco figura como tomador do seguro e o autor como pessoa segura, sendo este quem suportava o pagamento dos

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prémios do seguro.4 - Nos termos desse contrato, e, a seguradora garante o pagamento ao Banco das quantias correspondentes ao capital em dívida na data da contestação da doença, até ao limite do capital seguro.5 - Em 8.5.1995, o autor assinou, para efeito do seguro, o boletim de adesão de fls. 47 e seguintes, que se dá como reproduzido.6 - O autor sofre frequentemente de crises de dispepsia e tem necessidade de tratamento, inclusive sangrias.7 - Pelo menos, em 4 de Fevereiro de 1992 foi diagnosticado que o A. sofria de uma malformação cardíaca congénita, tendo sido, nessa data, dado conhecimento ao A. de que padecia dessa malformação.8 - Por consequência dessa malformação cardíaca de que o A. padecia, foi elaborado, em 13/04/95, um processo de reforma por invalidez.9 - Em 08/04/97 o A. foi submetido a uma primeira Junta Médica para Verificação de Invalidez que o considerou apto e sem qualquer incapacidade para o trabalho. 10 - Em 16.4.1998, a Junta Medica de Invalidez da Sub-Região de Saúde de Braga atribuiu ao Autor uma incapacidade parcial permanente de 90% e considerou-o total e definitivamente incapaz para o exercício de qualquer profissão.11 - O facto referido em 6) torna o autor dependente dos cuidados de terceira pessoa para os actos da vida quotidiana, designadamente na locomoção, no lavar e no vestir.

12 - O autor interpelou a ré no sentido de proceder ao pagamento ao banco do capital seguro e forneceu-lhe, para o efeito, toda a documentação solicitada.13 - O autor deixou de possuir rendimentos suficientes para suportar as mensalidades do empréstimo referido em 1).14 - A quantia em dívida ao Banco, em 1.6.2001, incluindo juros de mora, era de 6.639.326,80 esc.15 - Na data referida em 5), quando assinou o boletim de adesão para o seguro, o autor já tinha conhecimento da doença aludida em 7).16 - Na data referida em 5) o A. já tinha problemas de saúde que, de um modo temporário, afectaram a sua capacidade para o trabalho.

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17 - Na data referida em 5) o A. sabia padecer de uma malformação cardíaca congénita, mas não tinha consciência da gravidade e do carácter incapacitante que dessa mal formação poderia advir, nomeadamente, com afectação do normal exercício da sua profissão.18 - O autor assinou o documento de fls. 47 e seguintes no balcão do banco U.B.P. em Fão – Esposende.”

III – O direito

1. O contrato de seguro em geral caracteriza-se por ser um acordo vinculativo assente sobre duas declarações de vontade (proposta e aceitação), contrapostas mas harmonizáveis entre si, através do qual a seguradora assume a obrigação, mediante a retribuição a pagar pelo segurado, de satisfazer uma indemnização pelo prejuízo por este sofrido ou um montante previamente determinado.

É um contrato formal, já que deve ser reduzido a escrito num instrumento que constitui a apólice de seguro – art. 426º do Código Comercial).

Regula-se pelas estipulações particulares e gerais constantes da respectiva apólice e, nas partes omissas ou insuficientes, pelo disposto no Código Comercial e, na falta de previsão deste, pelo disposto no Código Civil – arts. 3º e 427º do Código Comercial)(1)..

É também um contrato de adesão na medida em que as cláusulas contratuais gerais são elaboradas sem prévia negociação individual e que proponentes ou destinatários se limitam a subscrever.

Resulta dos autos que o contrato de seguro em apreço se mostra viciado por uma declaração inexacta e reticente, nos termos previstos no corpo do art. 429º do Código Comercial – entretanto revogado pelo artigo 6.º, n.º 2, alínea a) do Decreto Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril, que aprovou o regime jurídico do contrato de seguro, inaplicável in casu já que só entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 2009 – que a fulmina, segundo o seu texto, com a nulidade do seguro.

Porém, presentemente, à luz do actual Código Civil, que não do então vigente Código de 1867, já que o Código

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Comercial é de 1888 – onde se lê nulidade deve interpretar-se como anulabilidade, conceito que substitui a anterior designação de nulidade relativa (por contraposição à nulidade absoluta, actualmente nulidade).

A nulidade, a operar ipso jure (ou ipso vi legis), resulta da violação de uma norma imperativa a tutelar um interesse de ordem pública – art. 294.º do Código Civil – ferindo o negócio ab initio.

A anulabilidade só opera por iniciativa dos interessados, já que o vício, por se reportar à lesão de interesses privados, não é de conhecimento oficioso, é sanável pelo decurso do tempo, e por confirmação, admitindo-se, assim, a convalidação do negócio, podendo ser arguida dentro do ano subsequente à cessação do vício que lhe serve de fundamento, mas enquanto o negócio não estiver cumprido, pode ser arguida, sem dependência de prazo, tanto por via de acção como por via de excepção – (cf. v.g., os Professores Manuel de Andrade – Teoria Geral da Relação Jurídica, pp. 432-435 – e Galvão Telles – Dos contratos em geral, pp. 150-152; e inter alia, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Outubro de 2006, proc. n.º 06A2852 e de 27 de Maio de 2008, proc. n.º 08 A1373).

Este aresto do STJ reafirma a jurisprudência pacífica de que o artigo 429.º do Código Comercial estabeleceu um regime de anulabilidade, que não de nulidade, pois é aquele “que melhor defende o interesse público de ressarcimento dos lesados, naturalmente alheios às relações contratuais entre a seguradora e o seu segurado” (cfr., o Acórdão do STJ de 27 de Maio de 2008, já citado).

O novo regime do Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril já consagra, expressamente, a anulabilidade do contrato de seguro, embora limitando-a ao incumprimento doloso (art. 25º, n.º1) dos deveres de declaração exacta.

O Dr. L. P. Moitinho de Almeida, O Contrato de Seguro, p. 65, refere que sobre o segurado cai “o dever de declaração do risco, pois, se não completar a declaração realizada por quem fez o seguro, tendo conhecimento de factos ou circunstâncias que teriam podido influir sobre a

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existência ou condições do contrato, perde o direito à prestação do segurador. Deve, porém, entender-se que este dever só recai sobre o segurado se este tiver conhecimento do seguro e da omissão ou inexactidão da declaração de risco do tomador, pois de outro modo é impossível o cumprimento.” O tomador do seguro, qual bonus pater familiae, tem a obrigação de declarar o que deve conhecer, em termos de normalidade de vida.

Mas, embora não relatando certos factos, a declaração não é de considerar inexacta se os mesmos são, ou deviam ser do conhecimento do segurador. (cf. Dr. J. Mota, Seguro Marítimo, p. 76, reportando-se a circunstâncias “presumidamente conhecidas do segurador”).

A declaração inexacta é a afirmação errónea, que tanto pode ser dolosa (de má fé) como involuntária (negligente); a declaração reticente traduz-se na omissão de factos ou circunstâncias que importam para a avaliação do risco, e que devem ser do conhecimento do segurado.

Mas para que a declaração, inexacta ou reticente implique a anulação não é necessário o dolo do declarante.

O dolo só releva para os efeitos, e nos termos, do § único do citado artigo 429.º.

Neste sentido vejam-se o Doutor Cunha Gonçalves, Comentário ao Código Comercial, II, p. 540; Dr. Pinheiro Torres, Ensaio sobre o contrato de seguro, p. 106; Dr. Moitinho de Almeida, ob. cit., p. 79; e v.g., os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Junho de 1967 – BMJ 168-323, e de 30 de Outubro de 2007, proc. n.º 07 A2961.

Mas quer a declaração inexacta – por contrário à verdade dos factos – quer a reticente – por omissiva de factos que deviam ser declarados – só relevam se tiveram influência na existência ou nas condições (como, v.g., prémios) do contrato (2).

2. Depois deste breve excurso sobre a exegese do art. 429º do Código Comercial, revertendo agora para o caso dos autos, desnecessitando de trazer de novo à colação a

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plenitude do factualismo apurado, resta-nos ponderar e concluir, que a única questão aflorada pelo recorrente, a da aplicação in casu da justiça equitativa, não tem aqui qualquer justificação.

Previamente, porém, parece-nos oportuno recuperar o que o Supremo Tribunal de Justiça discorreu no acórdão uniformizador de jurisprudência do n.º 10/2001, de 21 de Novembro de 2001 (3)., que tem aqui plena aplicação: “sendo fundamental, no contrato de seguro, a confiança nas declarações emitidas pelos contraentes, para prevenir as eventuais tentativas de fraude, a lei sanciona com a invalidade os contratos em que tenha havido declarações inexactas, incompletas ou prestadas com reticências, com omissões por parte do tomador do seguro e que influam sobre a existência ou condições do contrato, sendo inócua a intenção do segurado. A avaliação do que sejam declarações inexactas, ou omissões relevantes, determinantes do regime de invalidade do negócio terá de ser feita caso a caso.”

Ora, in casu, o contrato de seguro de vida celebrado entre recorrente e recorrido padece de declaração inexacta e reticente, já que foi omitida por parte do segurado qualquer menção à doença de que sofria, a qual era do seu conhecimento e que esteve na origem da sua invalidez permanente, assim se estabelecendo o nexo de causalidade, para nós imprescindível à invalidade do contrato de seguro, já que seria de todo desproporcionado sancionar com o vício da anulabilidade o seguro em que o evento que despoletou o pagamento do risco assumido seja completamente alheio aos elementos inexactos ou omitidos (4).

É certo que o segurado “Na data referida em 5) [leia-se: na data em que celebrou o contrato de seguro de adesão] o A. sabia padecer de uma malformação cardíaca congénita, mas não tinha consciência da gravidade e do carácter incapacitante que dessa mal formação poderia advir, nomeadamente, com afectação do normal exercício da sua profissão”.

De qualquer modo, deparamos com uma omissão na declaração que induziu em erro o segurador que, muito provavelmente, não o celebraria, pelo menos nos termos

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segurados, caso tivesse conhecimento prévio da referida doença.

Tal omissão configura o erro-motivo ou erro-vício, que atinge os motivos determinantes da vontade de negociar, que o art. 251º do Código Civil prevê e cujo tratamento jurídico é o do regime da anulabilidade, nos termos previstos no art. 247º do mesmo Código.

Declarando-se, como se declara, anulado o contrato de seguro de adesão em apreço, não goza o recorrente do necessário direito de obter da seguradora o capital segurado, o que afasta a possibilidade de obtenção de qualquer prestação indemnizatória a quantificar segundo juízos de equidade.

Nos termos expostos, nega-se a revista e confirma-se o acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente.

STJ, aos 8 de Junho de 2010

Barreto Nunes (Relator)Orlando AfonsoCunha Barbosa_____________

(1)- Até aqui, nesta parte, seguimos de perto o acórdão do STJ de 8 de Janeiro de 2009, processo n.º 08B3903, 7.ª secção, relatado pelo Conselheiro António Sobrinho, nas bases de dados do ITIJ.(2)- Nesta parte, seguimos de perto o acórdão do STJ de 2 de Dezembro de 2008, processo n.º 08A3737, relatado pelo Conselheiro Sebastião Povoas, nas bases de dados do ITIJ. (3)- Publicado no Diário da República, I-A, de 27 de Dezembro de 2001.(4)- Neste sentido, o acórdão do STJ de 8 de Janeiro de 2009, já citado na nota 1, que, por sua vez, cita José Vasques,Contrato de Seguro, p. 228.