acordão tc 400-2011

14
[ TC > Jurisprudência > Acordãos > Acórdão 400/2011 ] ACÓRDÃO N.º400/2011 Processo n.º 194/11 Plenário Relator: Conselheiro Vítor Gomes Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional I –Relatório 1. O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional reque- reu, nos termos do artigo 82.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13?A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), a apreciação e a declaração, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade da norma constante do n.º 5 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio, na interpretação segundo a qual a obrigação do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores consistente em assegurar as pensões de alimentos a menor, judicialmente fixadas, em substituição do devedor, só se constitui com a decisão do Tribunal que determine o montante da prestação a pagar por este Fundo, não sendo exigível o pagamento de prestações respeitantes a períodos anteriores a essa decisão. Legitima o pedido a circunstância de a referida dimensão normativa já ter sido julgada inconstitucional, no âmbito da fiscalização concreta da constitucionalidade, através do Acórdão n.º 54/11 e das Decisões Sumárias n.º 97/11, 98/11 e 101/11, todos transitados em julgado. 2. Notificado nos termos e para os efeitos dos artigos 54.º e 55.º, n.º 3, da LTC, o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça declarou não pretender pronunciar-se sobre o requerido. 3. Discutido o memorando apresentado pelo Presidente do Tribunal, cumpre formular a decisão em conformidade com o entendimento que prevaleceu. II –Fundamentação 4. O preenchimento dos requisitos previstos nos artigos 281.º, n.º 3, da CRP e 82.º da LTC não suscita dúvidas, uma vez que a interpretação normativa que o Tribunal Constitucional julgou inconstitucional nas quatro decisões invocadas pelo requerente – Acórdão n.º 54/11 e Decisões Sumárias n.º 97/11, 98/11 e 101/11 (disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt) – coincide com aquela que agora se pretende venha a ser declarada inconstitucional com força obrigatória geral. Trata-se do n.º 5 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º164/99, de 13 de Maio, na interpretação segundo a qual a obrigação do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores consistente em assegurar as pensões de alimentos a menor, judicialmente fixadas, em substituição do devedor, só se constitui com a decisão do Tribunal que 1 de 14 Página TC > Jurisprudência > Acordãos > Acórdão 400/2011e 24-02-2012 http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20110400.html?impressao=1

Upload: blue

Post on 24-Sep-2015

215 views

Category:

Documents


3 download

DESCRIPTION

acórdão TC

TRANSCRIPT

  • [ TC > Jurisprudncia > Acordos > Acrdo 400/2011 ]

    ACRDO N. 400/2011Processo n. 194/11PlenrioRelator: Conselheiro Vtor Gomes

    Acordam, em Plenrio, no Tribunal Constitucional

    I Relatrio

    1. O representante do Ministrio Pblico junto do Tribunal Constitucional reque-reu, nos termos do artigo 82. da Lei de Organizao, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n. 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por ltimo, pela Lei n. 13?A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), a apreciao e a declarao, com fora obrigatria geral, da inconstitucionalidade da norma constante do n. 5 do artigo 4. do Decreto-Lei n. 164/99, de 13 de Maio, na interpretao segundo a qual a obrigao do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores consistente em assegurar as penses de alimentos a menor, judicialmente fixadas, em substituio do devedor, s se constitui com a deciso do Tribunal que determine o montante da prestao a pagar por este Fundo, no sendo exigvel o pagamento de prestaes respeitantes a perodos anteriores a essa deciso.

    Legitima o pedido a circunstncia de a referida dimenso normativa j ter sido julgada inconstitucional, no mbito da fiscalizao concreta da constitucionalidade,atravs do Acrdo n. 54/11 e das Decises Sumrias n. 97/11, 98/11 e 101/11,todos transitados em julgado.

    2. Notificado nos termos e para os efeitos dos artigos 54. e 55., n. 3, da LTC, oPresidente do Supremo Tribunal de Justia declarou no pretender pronunciar-se sobre o requerido.

    3. Discutido o memorando apresentado pelo Presidente do Tribunal, cumpre formular a deciso em conformidade com o entendimento que prevaleceu.

    II Fundamentao

    4. O preenchimento dos requisitos previstos nos artigos 281., n. 3, da CRP e 82.da LTC no suscita dvidas, uma vez que a interpretao normativa que o Tribunal Constitucional julgou inconstitucional nas quatro decises invocadas pelo requerente Acrdo n. 54/11 e Decises Sumrias n. 97/11, 98/11 e 101/11 (disponveis em www.tribunalconstitucional.pt) coincide com aquela que agora se pretende venha a ser declarada inconstitucional com fora obrigatria geral.

    Trata-se do n. 5 do artigo 4. do Decreto-Lei n.164/99, de 13 de Maio, na interpretao segundo a qual a obrigao do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores consistente em assegurar as penses de alimentos a menor, judicialmente fixadas, em substituio do devedor, s se constitui com a deciso do Tribunal que

    1 de 14Pgina TC > Jurisprudncia > Acordos > Acrdo 400/2011e

    24-02-2012http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20110400.html?impressao=1

  • determine o montante da prestao a pagar por este Fundo, no sendo exigvel o pagamento de prestaes respeitantes a perodos anteriores a essa deciso.

    5. A Lei n. 75/98, de 19 de Novembro, atribuiu ao Estado, atravs do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, o encargo de assegurar a satisfao dos alimentos a menores residentes em territrio nacional quando a pessoa judicialmente obrigada a prest-los no satisfaa as quantias em dvida pelas formas previstas no artigo 189. da Organizao Tutelar de Menores (O.T.M.) e o alimentado no disponha de rendimento lquido superior ao salrio mnimo nacional, nem beneficie, na mesma medida, de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre (artigo 1.). O Decreto-Lei n. 164/99, de 13 de Maio de 1999, procedeu regulamentao desta Lei (foi alterado pelo Decreto-Lei n. 70/2010, de 16 de Junho, mas somente quando ao modo de determinar o conceito de agregado familiar, os rendimentos a considerar e a capitao de rendimentos, aspectos irrelevantes para o que no presente processo se discute). Completa o regime jurdico da prestao instituda pela Lei n. 75/98, constituindo o Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, gerido em conta especial pelo Instituto de Gesto Financeira da Segurana Social, e regulando outros aspectos do regime previsto naquele primeiro diploma legal, designadamente, os relativos competncia e ao processo de atribuio e de pagamento das prestaes, aodireito do Fundo de reembolso sobre o devedor de alimentos e cessao dasprestaes.

    As prestaes a pagar pelo Fundo so fixadas pelo tribunal, no incidente de incumprimento regulado na O.T.M. e aps verificada a impossibilidade de obter da pessoa judicialmente obrigada a satisfao das prestaes alimentares, no podendoexceder mensalmente, por cada devedor, o montante de 4 UC (artigo 2. da Lei e artigo 3. do Decreto-Lei). Na fixao do montante da prestao a satisfazer pelo Fundo deve atender-se capacidade econmica do agregado familiar, ao montante da prestao de alimentos e s necessidades especficas do menor (artigo 2. da Lei e artigo 3. do Decreto-Lei). O Fundo fica sub-rogado em todos os direitos dos menores a quem sejam atribudas prestaes, com vista ao respectivo reembolso, podendo promover a respectiva execuo judicial, salvo se o devedor fizer prova de manifesta e objectiva incapacidade de pagamento (artigo 6., n. 3 da Lei e artigo 5. do Decreto-Lei).

    Compete ao Ministrio Pblico ou queles a quem a prestao de alimentos deveria ter sido entregue requerer, nos prprios autos de incumprimento, que o tribunal fixe o montante que o Estado deve prestar em substituio do devedor (artigo 3, n. 1, da Lei). A deciso definitiva ser proferida aps realizao das restantes diligncias que o Tribunal entenda indispensveis e a inqurito sobre as necessidades do menor, perdurando o montante fixado pelo tribunal enquanto se verificarem as circunstncias subjacentes sua concesso e at que cesse a obrigao a que o devedor est vinculado (artigo 3., n. 3, da Lei e artigo 4. do Decreto-Lei). A quem receber a prestao incumbe a renovao anual da prova de que se mantm os pressupostos subjacentes sua atribuio (artigo 3., n. 5, da Lei e artigo 9. do Decreto-Lei).

    Finalmente importa destacar, pela relevncia que assume na compreenso do sistema e pelos seus reflexos na questo de constitucionalidade em apreciao, a possibilidade, prevista no n. 2 do artigo 3. da Lei n. 75/98, de o juiz proferir decisoprovisria de fixao da prestao, aps diligncias de prova, se for considerada justificada e urgente a pretenso do requerente.

    Estes so, no essencial, os traos caracterizadores desta prestao social. A prestao a cargo do Fundo independente e autnoma, embora subsidiria, da prestao do obrigado a alimentos. Esta fundada na solidariedade familiar. A

    2 de 14Pgina TC > Jurisprudncia > Acordos > Acrdo 400/2011e

    24-02-2012http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20110400.html?impressao=1

  • prestao pblica funda?se no direito de todos segurana social e, mais imediatamente, na incumbncia de proteco da infncia a cargo da sociedade e do Estado. A interveno ou possibilidade de interveno do Fundo no exonera o devedor de alimentos, designadamente os progenitores que so quem mais avulta neste elenco, dos deveres de prestao decorrentes da responsabilidade parental.

    6. Deste regime, interessa questo a decidir no presente processo o artigo 4. do Decreto-Lei n. 164/99, de 13 de Maio, em que se insere a norma questionada, cujo teor o seguinte:

    Artigo 4.

    Atribuio das prestaes de alimentos

    1 A deciso da fixao das prestaes a pagar pelo Fundo precedida da realizao

    das diligncias de prova que o tribunal considere indispensveis e de inqurito sobre as necessidades do menor, oficiosamente ou a requerimento do Ministrio Pblico.

    2 Para os efeitos do disposto no nmero anterior, o tribunal pode solicitar a

    colaborao dos centros regionais de segurana social e informaes de outros servios e

    de entidades pblicas ou privadas que conheam as necessidades e a situao scio-econmica do alimentado e da sua famlia.

    3 A deciso a que se refere o n. 1 notificada ao Ministrio Pblico, ao

    representante legal do menor ou pessoa a cuja guarda se encontre e respectivos

    advogados e ao Instituto de Gesto Financeira da Segurana Social.

    4 O Instituto de Gesto Financeira da Segurana Social deve de imediato, aps a

    notificao, comunicar a deciso do tribunal competente ao centro regional de segurana

    social da rea de residncia do alimentado.

    5 O centro regional de segurana social inicia o pagamento das prestaes, por conta do Fundo, no ms seguinte ao da notificao da deciso do tribunal.

    A norma objecto do pedido de declarao de inconstitucionalidade, com fora obrigatria geral, a constante deste transcrito n. 5 do artigo 4. do diplomacomplementar, na interpretao segundo a qual a obrigao do Fundo, consistente em assegurar as penses de alimentos a menor, judicialmente fixadas, em substituio do devedor, s se constitui com a deciso do Tribunal que determine o montante da prestao a pagar por este Fundo, no sendo exigvel o pagamento de prestaes respeitantes a perodos anteriores a essa deciso.

    No essencial, esta norma corresponde o sentido para que, na interpretao do direito infraconstitucional, se inclinou o acrdo de uniformizao de jurisprudncia n.12/2009, do Supremo Tribunal de Justia, de 7 de Julho de 2009, publicado no Dirio da Repblica, I Srie, de 5 de Agosto de 2009 (publicado tambm em Cadernos de Direito Privado, n. 34, Abril/Junho de 2011, pag. 20 e segs., com anotao de J.P. Remdio Marques). Efectivamente, nesse aresto foi entendido, perante deciso divergente das instncias e do prprio Supremo, que a obrigao de prestao de alimentos a menor, assegurada pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, em substituio do devedor, nos termos previstos nos artigos 1. da Lei n. 75/98, de 19 de Novembro, e 2. e 4., n. 5 do Decreto-Lei n. 164/99, de 13 de Maio, s nasce com a deciso que julgue o incidente de incumprimento do devedor originrio e a respectiva exigibilidade s ocorre no ms seguinte ao da notificao da deciso do tribunal, no abrangendo as prestaes anteriores.

    Cumpre agora ao Tribunal decidir se, no mbito da modelao do regime jurdico desta prestao pblica, o legislador pode determinar que a interveno do Fundo scobre o perodo posterior deciso judicial que fixe o respectivo montante, no lhe

    3 de 14Pgina TC > Jurisprudncia > Acordos > Acrdo 400/2011e

    24-02-2012http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20110400.html?impressao=1

  • impondo o pagamento das prestaes respeitantes a perodos anteriores a essa deciso, designadamente o que decorre desde a formulao do pedido at deciso. No est, obviamente, em causa a coerncia sistmica de uma tal soluo, designadamente por comparao com outras prestaes pblicas que so devidas desde que so requeridas, ainda que precedidas por um procedimento de verificao dos pressupostos, ou com a prpria concepo da prestao em causa como subsidiria ou de garantia da obrigao alimentar (cfr. artigo 2006. do Cdigo Civil), mas apenas se a Constituio, designadamente no n. 1 do artigo 69. (proteco da infncia) e nos n.s1 e 3 do artigo 63. (direito segurana social) veda ao legislador que assim configure esta prestao social pblica.

    7. O dever de prover ao sustento das crianas incumbe, numa primeira linha, aospais, que tm o direito e o dever de educao e manuteno dos filhos (artigo 36., n. 5, da Constituio). Este dever de manuteno compreende o dever de prover ao sustento dos filhos, dentro das capacidades econmicas dos pais, at que eles estejam em condies, ou tenham o dever de procurar por si, meios de subsistncia. Constitui, alis, um dos poucos deveres fundamentais consagrados de modo expresso pela Constituio.

    Contudo, como se disse no referido Acrdo n. 54/11, a natural necessidade de proteco das crianas, no podia deixar um Estado que visa a realizao da democracia econmica e social (artigo 2., da Constituio) margem da tarefa de assegurar o seu crescimento saudvel, reconhecendo-se expressamente no s que as crianas tm direito proteco da sociedade e do Estado com vista ao seu desenvolvimento

    integral, especialmente contra todas as formas de abandono (artigo 69., n. 1, da Constituio), como tambm que os pais e as mes devem gozar de proteco na realizao da sua insubstituvel aco em relao aos filhos (artigo 68., n. 1, da Constituio).

    Deste direito de proteco e dos correlativos deveres de prestao e de actividadelegislativa no resulta que o Estado tenha de assumir, por imposio constitucional, uma posio jurdica de garante da prestao alimentar dos progenitores. A prestao pblica realiza um tpico direito social derivado do n. 1 do artigo 69. da CRP, um direito especial no campo do direito segurana social (artigo 63., n.s 1 e 3, da CRP), num domnio em que se entrecruzam dois tipos de responsabilidade ou deveres de proteco, cada um com a sua lgica prpria.

    Como tpico direito social, na dimenso em que se traduz na pretenso de prestaes materiais a cargo do Estado, este direito das crianas um direito sob reserva do possvel, no sendo directamente determinvel no seu quantum e no seu modo de realizao a nvel da Constituio. O limite de conformao em que o direito de proteco das crianas mediante prestaes fcticas ou pecunirias a cargo do Estado resistente ao legislador s pode (judicialmente) alcanar-se a partir de outros referentes constitucionais, de natureza principial, em que avulta o princpio da dignidade da pessoa humana. Com efeito, salvo quando a soluo afecte o ncleo j realizado de concretizao legislativa radicado na conscincia jurdica geral como ncleo essencial do direito considerado, ao legislador democrtico tem de ser preservada uma larga margem na realizao ou conformao dos direitos sociais, s acessvel censura por parte da justia constitucional na sua dimenso de direitos positivos, entenda-se quando e na medida em que puser em causa os princpios estruturantes do Estado de Direito. Como diz Vieira de Andrade (in Justia Constitucional, n. 1, Jan./Mar. 2004, pg. 27)[a] avaliao do nvel de desenvolvimento social do pas, as concepes estruturais de organizao da sociedade poltica, em especial do papel reconhecido s famlias, associaes e instituies, a articulao entre os diversos modos ou formas de organizao da segurana social e da solidariedade, as opes entre instrumentos

    4 de 14Pgina TC > Jurisprudncia > Acordos > Acrdo 400/2011e

    24-02-2012http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20110400.html?impressao=1

  • alternativos prestaes directas, crditos, bonificaes, ajuda na busca de emprego, bolsas de formao, etc. , e, apesar de tudo, em certa medida, as inevitveis opes oramentais e de afectao de recursos escassos todas estas consideraes tornam a tarefa do legislador muito mais que uma mera concretizao jurdica da Constituio furtada disponibilidade do poder poltico.

    certo que neste domnio particular da proteco da infncia, pela insupervel debilidade do titular, pela sua incapacidade natural de encontrar por si alternativas para satisfazer necessidades vitais comprometidas pelo incumprimento da obrigao alimentar, pela urgncia e pelas consequncias, no plano social e pessoal, da insatisfao imediata das necessidades de uma personalidade em formao, o grau de proteco constitucional mais intenso e o correlativo dever de prestao por parte do Estado mais determinvel no seu contedo mnimo. Designadamente, no aspecto que agora interessa e que consiste na exigncia de que a prestao pblica seja idnea a proporcionar resposta temporalmente adequada necessidade ou situao de carncia que a justifica. Acompanha-se o Acrdo n. 54/11 quando diz:

    Independentemente do quantum da prestao estatal de alimentos que vier concretamente

    a ser fixada pelo tribunal matria que extravasa o objecto do presente recurso deconstitucionalidade , coloca-se a questo da necessidade de assegurar um mnimo de eficcia jurdica na garantia de satisfao desta obrigao de alimentos, sob pena de violao do direito fundamental segurana social (Vide, neste sentido, o Acrdo do Tribunal Constitucional n.509/2002, em ATC, 54. vol., pg. 19).

    Para assegurar a satisfao deste direito fundamental nestas situaes no basta criar

    um qualquer mecanismo de apoio aos menores em relao aos quais o dever parental de

    prover sua subsistncia incumprido, tambm necessrio que esse mecanismo esteja construdo de modo a poder dar uma resposta eficaz a essas situaes.

    Estando ns perante a atribuio de prestaes pecunirias regulares, destinadas a

    custear as despesas dos menores, a questo temporal da satisfao dessas prestaes

    essencial. O sistema de segurana social deve garantir uma adequao temporal da resposta, concedendo oportunamente as prestaes legalmente previstas para uma satisfatria

    promoo das condies dignas de vida das crianas (vide, enunciando este princpio da

    segurana social, Joo Carlos Loureiro, em Proteger preciso, viver tambm: a jurisprudncia

    constitucional portuguesa e o Direito da Segurana Social, inXXV Anos de Jurisprudncia Constitucional Portuguesa, pg. 383, da ed. de 2009, da Coimbra Editora). E este objectivo

    s se mostra alcanado, por um lado, se as prestaes sociais atribudas aos menores

    cobrirem, o mais aproximadamente possvel, todo o perodo em que se verifica o

    incumprimento por parte dos pais do dever de proverem subsistncia dos seus filhos, e por outro lado, se existir um mecanismo que permita acorrer, num curtssimo espao de

    tempo, aos casos de necessidade urgente.

    E tambm se subscreve o ponto de partida desse acrdo quando afirma que sendo os beneficirios desta prestao social menores privados de meios de subsistncia, estamos num universo em relao ao qual os imperativos de proteco social constitucionalmente previstos se verificam na sua mxima expresso.Efectivamente, como se escreveu no Acrdo do Tribunal Constitucional n.306/05, (disponvel em www.tribunalconstitucional.pt) a insatisfao do direito a alimentos atinge directamente as condies de vida do alimentando e, ao menos no caso das crianas, comporta o risco de pr em causa, sem que o titular possa autonomamente procurar remdio, se no o prprio direito vida, pelo menos o direito a uma vida digna (em ATC,62. vol., pg. 649).

    8. Porm, no pode retirar-se daqui que o contedo mnimo do direito social em causa ou, na sua dimenso objectiva, o especial mandamento constitucional de proteco das crianas com vista ao seu desenvolvimento integral, s se cumpra se

    5 de 14Pgina TC > Jurisprudncia > Acordos > Acrdo 400/2011e

    24-02-2012http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20110400.html?impressao=1

  • existir uma prestao pecuniria pblica com esta natureza e se ela for devida (pelo menos) desde o momento em que o pedido formulado. Com efeito, na concretizao dos direitos sociais enquanto direitos positivos, mesmo onde haja maior vinculao do legislador, dificilmente deixa de subsistir um espao de conformao legislativa porque, geralmente, no h uma medida certa, nem uma forma nica, de cumprimento do imperativo constitucional, ficando a sua realizao positiva, alm da reserva do financeiramente possvel, sujeita a uma margem de escolha dos meios, formas e prioridades por parte dos titulares do poder poltico. Deste modo, no se tratando de contedo directamente determinado pela Constituio, importa ver se, no conjunto do regime institudo pelo legislador, h mecanismos capazes de proporcionar aquele grau de proteco para a situao de carncia gerada pelo incumprimento da obrigao alimentar sem o qual poderia discutir-se se preservado o princpio da dignidade dapessoa humana.

    Ora, este dever de proteco que pode extrair-se do n. 1 do artigo 69. e do n. 3 do artigo 63. da Constituio relativamente a situaes de incumprimento por parte do obrigado a alimentos no , no que respeita s prestaes pblicas pecunirias ou de traduo pecuniria a favor do menor note-se que o dever de proteco tambm exige do legislador medidas eficazes para que os progenitores cumpram o dever fundamental manuteno dos filhos (prestaes legislativas; cfr. artigos 4. e 27. da Conveno sobre os Direitos da Criana) , que o Estado se substitua na obrigao do progenitor, ainda que a ttulo subsidirio e apenas numa certa medida, mas o de que proveja situao de carncia impeditiva de uma existncia condigna ameaada por esseincumprimento ou de que essa negligncia ou impossibilidade de cumprimento dasresponsabilidades parentais um dos factos geradores. Existncia condigna, bem certo, que no se refere simples sobrevivncia fisiolgica ou psquica, mas que deve levar em considerao que se trata de proteger o desenvolvimento de uma personalidade em formao (direito proteco da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral). Todavia, esta elevao do padro de exigncia no afasta o reconhecimento do amplo poder de conformao do legislador perante a indeterminao tpica das normas constitucionais relativas ao direito social em causa e o carcter multmodo das suas vias de concretizao. Face a tal amplitude da discricionariedade legislativa, o Tribunal s poderia concluir pela violao do mandado de proteco perante a demonstrao inequvoca da insuficincia ou inadequao manifesta das opes legislativas face ao fim ou ao sentido das normas constitucionais consideradas. Juzo que tem sempre de estar atento existncia no sistema de instrumentos flanqueadores da aparente inadequao de cada aspecto, isoladamente considerado, da interveno prestacional pblica em anlise.

    9. Efectivamente, contra a soluo normativa em apreciao tem-se argumentado que ela acaba por comprometer a eficcia da satisfao das necessidades bsicas do menor alimentando, na medida em que se traduz na aceitao de um novo perodo, dedurao incerta, de carncia continuada de recebimento de qualquer prestao social de alimentos, a cumular a um anterior perodo mais ou menos longo em que j se revelou a frustrao total da solidariedade familiar. Juzo este que no seria afastado pela possibilidade de fixao provisria da prestao pblica uma vez que esta deciso provisria, no s no abrange todas as situaes em que o menor no tem assegurada a sua subsistncia pelos obrigados principais, apenas podendo ser utilizada nos casos de excepcional urgncia, como tambm o momento da exigibilidade das prestaes sociais assim decretadas no deixa de se revelar incerto e sempre tardio, uma vez que essa deciso provisria tambm s decretada j no decurso do processo de apuramento danecessidade da interveno subsidiria do Estado, podendo igualmente ser precedida de diligncias de prova de execuo temporal incerta.

    No parece que esta crtica proceda.

    6 de 14Pgina TC > Jurisprudncia > Acordos > Acrdo 400/2011e

    24-02-2012http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20110400.html?impressao=1

  • Em primeiro lugar, deve notar-se que a retroaco da condenao, impondo ao Fundo o pagamento das prestaes correspondentes ao perodo decorrido entre aformulao do pedido e a deciso final, no seria meio idneo para satisfazer, por si mesma, as necessidades de manuteno do menor no momento a que tais prestaes se referem (nemo alitur in praeteritum). Isto , embora vantajosa para os interesses do menor, no satisfaz a exigncia de proteco temporalmente adequada, que o aspecto que pode elevar-se a parmetro judicialmente atendvel face ao problema que est em considerao. As necessidades vitais do menor tiveram de ser satisfeitas com outros recursos, normalmente mediante esforo acrescido do progenitor (ou da pessoa) que o tem sua guarda, porventura com privaes na satisfao das necessidades prprias. Mas, a cobertura, mediante as prestaes do Fundo, do tempo entretanto passado s pode servir como mecanismo jurdico de compensao, no como meio efectivo de acorrer quelas necessidades prprias do menor no perodo a que respeitam cujainsatisfao pode tornar?se incompatvel com a dignidade da pessoa humana. Se o menor, em consequncia do incumprimento do dever de alimentos por parte do progenitor, sofreu privaes dessa natureza j no ser a retroaco das prestaes a cargo do Fundo que pode remedi-las. Assim sendo, no constituindo sequer meio que possa reivindicar-se inteiramente idneo para obstar colocao do menor em situao incompatvel com a dignidade da pessoa humana, no pode afirmar-se com segurana com o grau de evidncia exigida para a censura judicial das opes legislativas na concretizao dos direitos sociais, na sua dimenso positiva que esse efeito retroactivo da deciso seja imposto por essa ltima barreira contra a discricionariedade legislativa no mbito dos direitos sociais que constitui o limite mnimo do dever de proteco imposto ao Estado, designadamente no domnio das prestaes de segurana social no contributiva.

    O que no significa que esse seja o nico princpio operante no controlo judicial da observncia dos deveres estatais de promoo positiva dos direitos sociais. Como diz Jorge Reis Novais, Direitos Sociais. Teoria Jurdica dos Direitos Sociais enquanto Direitos Fundamentais, Coimbra, 2010, pag. 306 () ainda que de forma lateral, a margem de deciso poltica dos poderes pblicos pode ser significativamente reduzida atravs da interveno dos frequentemente chamados guardas de flanco dos direitos sociais, como sejam o princpio da proibio do excesso, o princpio da proteco da confiana e, sobretudo, o princpio da igualdade (). Mas nenhum destes princpios pode ser utilmente invocado a propsito da soluo normativa submetida a apreciao.

    E, ao invs, afigura-se que a possibilidade de fixao provisria de uma prestao pblica um meio adequado um dos meios adequados, no competindo ao Tribunal ir mais alm para ocorrer em tempo real a necessidades imperiosas, quelasnecessidades cuja no satisfao pelo incumprimento do progenitor do dever dealimentos pode pr em risco ou, pelo menos, comprometer o seu desenvolvimentointegral. Mais do que uma medida que cubra a posteriori todo o tempo de carncia, a adopo de medidas provisrias, contemporneas da necessidade de sustento permitir ocorrer num curto espao de tempo a situaes de especial urgncia, proporcionando-lhes remdio ou alvio medida que elas surgem.

    certo que uma medida dessa natureza no cobre todo o tempo do incumprimento por parte do progenitor, nem se aplica a todas as situaes de incumprimento do obrigado a alimentos. Alis, mesmo com a retroaco das prestaes ao momento da formulao do pedido de condenao do Fundo tambm haveria um perodo que, em regra, ficaria a descoberto, por no haver coincidncia entre o vencimento da prestao no satisfeita e a deduo do incidente de condenao do Fundo. Mas no possvel conferir incumbncia constitucional de proteco da infncia por parte do Estado uma tal extenso de cobertura temporal, cuja exignciaparece pressupor uma lgica de interveno substitutiva das responsabilidades parentais que se no retira por interpretao do artigo 69., n. 1 e 68., n1 da Constituio. A

    7 de 14Pgina TC > Jurisprudncia > Acordos > Acrdo 400/2011e

    24-02-2012http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20110400.html?impressao=1

  • Constituio no investe o Estado na posio jurdica de garante das concretas obrigaes alimentares dos progenitores. Os deveres dos poderes pblicos correlativos ao direito proteco infantil impea adopo das medidas legislativas e administrativas, inclusivamente mediante prestaes de segurana social (artigo 63., n.3) com vista a prosseguir, conjuntamente com a sociedade, o objectivo do integral desenvolvimento das crianas. Desenvolvimento integral que, assenta em dois pressupostos: por um lado, a garantia de dignidade da pessoa humana (cfr. artigo 1.), elemento esttico mas fundamental para o aliceramentodo direito ao desenvolvimento; por outro lado, a considerao da criana como pessoa em formao, elemento dinmico, cujo desenvolvimento exige o aproveitamento de todas as suas virtualidades (Gomes Canotilhoe Vital Moreira, Constituio da Repblica Portuguesa Anotada, Tomo I, IV edio revista, Coimbra, 2007, pag 869). O Estado no intervm como prestador por causa do incumprimento da obrigao alimentar judicialmente fixada, mas por causa da situao de carncia para que esse incumprimento contribui. Da a condio de recursos de que a prestao social em causa est dependente.

    Em segundo lugar, a circunstncia de a fixao provisria da prestao pblica poder ser precedida de diligncias de prova no de molde a comprometer-lheintoleravelmente a aptido para, em termos de razovel praticabilidade e normalactuao dos diversos protagonistas, permitir resposta pblica temporalmente adequada s situaes carecidas de providncias urgentes. As diligncias de prova devem ser reduzidas ao mnimo compatvel com um juzo prima facie acerca dos pressupostos da decretao provisria da prestao, devendo o n. 2 do artigo 3. da Lei n. 75/98 ser aplicado com a flexibilidade inerente ao facto de prover a uma situao de urgncia qualificada num processo que j tem natureza urgente (princpio da adequao formal). certo que h sempre uma demora mnima, praticamente ineliminvel, inerente circunstncia de o reconhecimento do direito ser dependente de um procedimento. Mas que, em termos de formalidades processuais ou de exigncias probatrias que, alm do grau de demonstrao de primeira aparncia inerente natureza cautelar da deciso provisria e das exigncias gerais de probidade processual, devem ainda levar em conta que a omisso de factos relevantes para a concesso da prestao sujeita o requerente a procedimento penal por crime de burla (artigo 5., n. 2, da Lei n. 75/98) no impede as entidades com legitimidade de recorrer em tempo til aos meios que assegurem a efectividade do direito social em causa. Alis, uma das entidades legitimadas para pedir a atribuio da prestao pblica a favor do menor o Ministrio Pblico, magistratura sobre a qual impende o dever funcional de impulsionar a deciso provisria quando tal se justifique, por essa via cumprindo tambm o Estado (por instrumentos legislativos e organizacionais) os deveres de proteco que lhe incumbem. O eventual no uso ou a aplicao prtica deficiente dos meios processuais existentes no justifica o recurso sucedneo ao juzo de inconstitucionalidade da norma agora em causa.

    Tanto basta para julgar improcedente a crtica de que o diferimento da prestao(definitiva) a cargo do Fundo para o momento em que proferida a deciso judicial, no sendo devidas prestaes correspondentes ao perodo decorrido entre o momento da formulao do pedido e essa deciso, priva o menor de proteco temporalmente adequada por parte do Estado, violando o disposto no n. 1 do artigo 69. e nos n.s 1 e 3 do artigo 63.da Constituio.

    10.Embora no tenha sido parmetro invocado nas decises do Tribunal que justificam o pedido de declarao de inconstitucionalidade com fora obrigatria geral, mas porque se trata de fundamento de que se socorreram algumas decises judiciais que recusaram aplicao ao critrio normativo em causa, importa referir que a norma

    8 de 14Pgina TC > Jurisprudncia > Acordos > Acrdo 400/2011e

    24-02-2012http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20110400.html?impressao=1

  • em apreciao tambm no viola o princpio da igualdade consagrado no n. 1 do artigo 13. da Constituio.

    Estamos perante uma prestao social que atribuda mediante a verificao depressupostos, designadamente quanto interveno do Fundo e chamadacondio de recursos, objectivamente fixados e iguais para todos os que se encontrem nessas condies. certo que as vicissitudes processuais podem conduzir a que menores em situao de necessidade substancialmente semelhante venham a receber tratamento diferenciado. Mas, como diz Remdio Marques (loc. cit. p.36),...pelo seu carcter de subsidiariedade, o seu nascimento e a sua exigibilidade est necessariamente dependente de um conjunto de factores verificveis a montante: v.g. a inaco dos representantes legais dos menores (ou do prprio Ministrio Pblico) em fazer condenar o obrigado legal a prestar alimentos ao menor; a tentativa de cobrana coerciva dos montantes em que este tiver sido condenado; a deduo do incidente de incumprimento; o chamamento do Fundo de Garantia ao processo. As situaes de desigualdade decorrem da prpria situao da vida concretamente considerada e no de um critrio normativo fixado legislativamente ou extrado por via interpretativa com base em tais situaes da vida.

    E tambm no viola o princpio da igualdade a circunstncia de, em outras prestaes sociais, com diferentes pressupostos e diverso procedimento de atribuio (v. gr., o rendimento social de insero n. 6 do artigo 15.da Lei n. 13/2003, de 21 de Maio), a prestao pblica cobrir, em regra, todo o tempo posterior ao pedido. Trata-se de situaes no comparveis. A igualdade no implica a simetria de solues normativas adoptadas para questes diversas, ainda que isso pudesse conferir maior harmonia ao sistema jurdico no seu conjunto.

    III Deciso

    Pelo exposto, decide-se no julgar inconstitucional a norma constante do artigo 4., n. 5, do Decreto-Lei n. 164/99, de 13 de Maio, na interpretao de que a obrigao de o Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores assegurar as prestaes a menor judicialmente fixadas, em substituio do devedor de alimentos, s se constitui com a deciso do tribunal que determine o montante da prestao a pagar por este Fundo, no sendo exigvel o pagamento de prestaes respeitantes a perodos anteriores a essa deciso.Lisboa, 22 de Setembro de 2011. Vtor Gomes Carlos Fernandes Cadilha Gil Galvo Maria Lcia Amaral Maria Joo Antunes Carlos Pamplona de Oliveira Ana Maria Guerra Martins Jos Borges Soeiro Joo Cura Mariano (vencido pelas razes constantes da declarao de voto que junto) Joaquim de Sousa Ribeiro (vencido, de acordo com a declarao anexa) J. Cunha Barbosa (vencido, por entender que a norma sindicanda inconstitucional com base nos fundamentos constantes do Ac. 54/2011, quanto deciso de mrito a alcanada, que, entre outras decises, deu origem ao presente recurso). Catarina Sarmento e Castro (vencida, de acordo com a declarao de voto em anexo) Rui Manuel Moura Ramos (Vencido, nos termos do acrdo n. 54/2011, e pelo essencial das razes aduzidas nas declaraes de voto dos Senhores Conselheiros Cura Mariano e Sousa Ribeiro.

    DECLARAO DE VOTO

    9 de 14Pgina TC > Jurisprudncia > Acordos > Acrdo 400/2011e

    24-02-2012http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20110400.html?impressao=1

  • Divergi da posio maioritria por entender que deveria ter sido declarada, com fora obrigatria geral, a inconstitucionalidade da norma constante do artigo 4.,n. 5, do Decreto-Lei n. 164/99, de 13 de Maio, na interpretao sob fiscalizao, uma vez que a mesma compromete o cumprimento pelo Estado do mandado constitucional de proteco das crianas, com vista ao seu desenvolvimento integral, nas situaes em que se encontram judicialmente fixados alimentos a um menor.

    No oferece dvidas que o disposto nos artigos 68., n. 1, e 69., n. 1, da Constituio, impe que o Estado actue em apoio das crianas, quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a um menor no os satisfaa e o alimentado no tenha um rendimento lquido suficiente para se auto-sustentar, nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre.

    Na verdade, nestes casos de frustrao do cumprimento da obrigao de alimentos no quadro da solidariedade familiar, os menores incorrem numa situao grave de falta ou diminuio de meios de subsistncia, que coloca em risco o seu direito a uma vida digna.

    Da imposio constitucional do Estado dar uma resposta eficaz a estes ditames, nestas situaes, apercebeu-se o legislador ordinrio que, no prembulo do Decreto-Lei n. 164/99, de 13 de Maio, que veio regulamentar a Lei n. 75/98, de 19 de Novembro, escreveu:

    A Constituio da Repblica Portuguesa consagra expressamente o direito das crianas proteco, como funo da sociedade e do Estado, tendo em vista o seu desenvolvimento integral (artigo 69.). Ainda que assumindo uma dimenso programtica, este direito impe ao Estado os deveres de assegurar a garantia da dignidade da criana como pessoa em formao a quem deve ser concedida a necessria proteco. Desta concepo resultam direitos individuais, desde logo o direito a alimentos, pressuposto necessrio dos demais e decorrncia, ele mesmo, do direito vida (artigo 24.). Este direito traduz-se no acesso a condies de subsistncia mnimas, o que, em especial no caso das crianas, no pode deixar de comportar a faculdade de requerer sociedade e, em ltima instncia, ao prprio Estado as prestaes existenciais que proporcionem as condies essenciais ao seu desenvolvimento e a uma vida digna.

    A evoluo das condies scio-econmicas, as mudanas de ndole cultural e a alterao dos padres de comportamento tm determinado mutaes profundas a nvel das estruturas familiares e um enfraquecimento no cumprimento dos deveres inerentes ao poder paternal, nomeadamente no que se refere prestao de alimentos, circunstncia que tem determinado um aumento significativo de aces tendo por objecto a regulao do exerccio do poder paternal, a fixao de prestao de alimentos e situaes de incumprimento das decises judiciais, com riscos significativos para os menores.

    De entre os factores que relevam para o no cumprimento da obrigao de alimentos assumem frequncia significativa a ausncia do devedor e a sua situao scio-econmica, seja por motivo de desemprego ou de situao laboral menos estvel, doena ou incapacidade, decorrentes, em muitos casos, da toxicodependncia, e o crescimento de situaes de maternidade ou paternidade na adolescncia que inviabilizam, por vezes, a assuno das respectivas responsabilidades parentais.

    Estas situaes justificam que o Estado crie mecanismos que assegurem, na falta de cumprimento daquela obrigao, a satisfao do direito a alimentos.

    Ao regulamentar a Lei n. 75/98, de 19 de Novembro, que consagrou a garantia de alimentos devidos a menores, cria-se uma nova prestao social, que traduz um avano qualitativo inovador na poltica social desenvolvida pelo Estado, ao mesmo tempo que se d cumprimento ao objectivo de reforo da proteco social devida a menores.

    O legislador dispe de ampla liberdade na escolha dos meios de interveno do Estado em apoio das crianas que se encontrem em situao de risco, mas esses meios

    10 de 14Pgina TC > Jurisprudncia > Acordos > Acrdo 400/2011e

    24-02-2012http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20110400.html?impressao=1

  • tem que ser suficientes, sob pena dos referidos direitos constitucionais seremincumpridos, por violao do princpio da proibio do dfice de tutela.

    No fcil apurar o nvel de suficincia exigido, mas existir seguramente um mnimo social que o Estado deve garantir, tendo em considerao o nvel dedesenvolvimento civilizacional, os recursos pblicos e as condies que, segundo os valores dominantes, so indispensveis a uma vida digna.

    Aps se terem previsto mecanismos coercivos de cobrana das prestaes pecunirias incumpridas pelo devedor de alimentos (artigo 189., da O.T.M.), quando sefrustram essas diligncias optou-se por atribuir uma prestao mensal ao menor em causa, a pagar por um Fundo especfico estadual, sendo essa quantia entregue pessoa guarda do qual o menor se encontra.

    Ora, para avaliar a suficincia desta medida so parmetros fulcrais no s os requisitos estabelecidos para a atribuio das prestaes e o montante destas, mas tambm os momentos em que o Estado passa a ser responsvel pelo seu pagamento, ou seja o da constituio da respectiva obrigao, e o da sua exigibilidade.

    Na verdade, estando ns perante a atribuio de prestaes pecunirias regulares, destinadas a custear as despesas dos menores, a questo temporal da satisfao dessas prestaes essencial. O sistema de segurana social deve garantir uma adequao temporal da resposta, concedendo oportunamente as prestaes legalmente previstas para uma satisfatria promoo das condies dignas de vida das crianas. E este objectivo s se mostra alcanado se as prestaes sociais atribudas aos menores cobrirem, o mais aproximadamente possvel, todo o perodo em que se verifica o incumprimento de quem tem o dever de prover sua subsistncia.

    Estando em causa menores privados de meios de subsistncia necessrios ao seudesenvolvimento, esta uma situao em que no h razes que possam justificar uma resposta tardia do Estado na defesa de condies dignas de vida destes seus cidados.

    Na interpretao normativa sob fiscalizao apenas est em jogo o momento daconstituio da obrigao do Estado pagar uma prestao mensal que garanta pessoa a cuja guarda o menor se encontre os meios suficientes para esta prover a um saudvel crescimento do menor.

    Ao fixar o momento de constituio da obrigao do Estado pagar essa prestao mensal na data em que proferida a deciso que apura a verificao dos requisitos para a sua atribuio, a soluo normativa em apreciao compromete a eficcia jurdica da satisfao das necessidades bsicas do menor alimentando, na medida em que a mesma se traduz na aceitao de sucessivos perodos, de durao incerta, de carncia continuada de recebimento de qualquer prestao, depois de se ter revelado a frustrao da solidariedade familiar.

    Aps a pessoa obrigada a alimentos ter falhado no cumprimento desta obrigao, decorre normalmente um primeiro perodo de consolidao da situao de inadimplemento, um segundo perodo em que se tenta infrutiferamente a cobrana coerciva das quantias em dvida e depois um terceiro perodo em que o tribunal apura averificao dos requisitos legais para a atribuio de uma penso social ao menor.

    uma soma de tempos que se prolongam por vrios meses, ultrapassando frequentemente um ano, cuja existncia incompatvel com uma avaliao de suficincia da medida de proteco escolhida pelo legislador.

    Note-se que no cabe a este Tribunal apontar solues alternativas, nem verificar se as mesmas cumpririam o referido nvel de suficincia, nomeadamente a fixao deprestaes cuja obrigao retroagisse data da formulao no tribunal do pedido de atribuio da penso social. Para que se profira um juzo de inconstitucionalidade basta verificar que a norma sob fiscalizao no atinge o mnimo social que o Estado est obrigado a garantir, no lhe cumprindo apontar solues alternativas.

    11 de 14Pgina TC > Jurisprudncia > Acordos > Acrdo 400/2011e

    24-02-2012http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20110400.html?impressao=1

  • O presente acrdo v no procedimento cautelar estabelecido no artigo 3., n. 2, do Decreto-Lei n. 75/98, de 19 de Novembro, a salvaguarda do contedo mnimo dosdireitos constitucionais referidos.

    Nesse preceito estabelece-se que, aps a deduo do pedido de pagamento da penso ao menor pelo Fundo, se for considerada justificada e urgente a pretenso do requerente, o juiz, aps diligncias de prova, proferir deciso provisria de atribuio da penso.

    Em primeiro lugar, este procedimento abreviado apenas abrange os casos urgentes, deixando de fora todas as outras situaes que no revelem essa premncia.

    Ora, tendo em considerao que as prestaes sociais apenas so atribudas s crianas que no tenham um rendimento lquido superior ao salrio mnimo nacional nem beneficiem nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontrem (artigo 1., do Decreto-Lei n. 75/98, de 19 de Novembro), as situaes de urgncia, diferenciadoras das demais, sero aquelas em que seguramente estar em causa a prpria sobrevivncia fisiolgica do menor.

    Ora, no sculo XXI, um Estado da Europa Ocidental, integrante da Comunidade Europeia, que tem por objectivo uma democracia social (artigo 2., da Constituio) no pode satisfazer-se com a garantia da mera sobrevivncia fisiolgica das crianas a quem faltou a solidariedade familiar.

    Exige-se-lhe mais. O Estado tem que garantir o desenvolvimento integral em condies dignas dessas

    crianas, proporcionando-lhe atempadamente as condies para um crescimento saudvel.

    Da que, desde logo, a mera contemplao dos casos urgentes por um procedimento mais expedito, no seja suficiente para retirar ao actual sistema de apoio a estas crianas, na interpretao sob fiscalizao, a qualificao de deficitrio, tendo em conta as exigncias ditadas pelas actuais concepes sociais.

    Alm disso, mesmo nos casos urgentes, dos trs perodos de tempo de carncia acima apontados, o nico que reduzido o ltimo aquele em que o tribunal apura averificao dos requisitos legais para a atribuio de uma penso social ao menor sem que essa reduo seja significativa, uma vez que o tribunal, tal como sucede no processamento comum, no deixa de estar obrigado a alguma demora com a realizao das diligncias para apuramento da situao da criana, pelo que a previso de tal processamento no determina um encurtamento do tempo de interveno do Estado que o permita considerar como razovel, face s necessidades que visa acudir.

    No se revelando, pelas razes enunciadas, que a previso do procedimento cautelar previsto no artigo no artigo 3., n. 2, do Decreto-Lei n. 75/98, de 19 deNovembro, seja suficiente para o sistema de segurana social, na interpretao sob fiscalizao, garantir uma adequao temporal da resposta situao de carncia das crianas a quem faltou a solidariedade familiar, deveria essa interpretao normativa ser declarada inconstitucional, com fora obrigatria geral, na sequncia das anteriores pronncias deste Tribunal. Joo Cura Mariano.

    DECLARAO DE VOTO

    12 de 14Pgina TC > Jurisprudncia > Acordos > Acrdo 400/2011e

    24-02-2012http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20110400.html?impressao=1

  • O que fundamentalmente me afasta do acrdo a que esta declarao se anexa o seu pressuposto de base, bem expresso no seguinte passo: Como tpico direito social, na dimenso em que se traduz na pretenso de prestaes materiais a cargo do Estado, este direito das crianas umdireito sob reserva do possvel, no sendo directamente determinvel no seu quantum e no seu modo de realizao a nvel da Constituio.

    Esta posio ignora a especificidade do bem jurdico que o Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores tutela. Trata-se dos alimentos devidos a uma categoria de cidados incapazes de os obter por si, com incumprimento, pelos obrigados, do dever de os prestar. Como tal, est em causa a satisfao de necessidades vitais, objecto do direito a um mnimo de existncia condigna. Ora, este direito goza de um estatuto especial dentro dos direitos sociais, sendo dotado de um grau de fundamentalidade praticamente equivalente ao dos direitos pessoais. Tanto assim que no falta quem o integre no arco normativo do direito vida (cfr., por exemplo, GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituio da Repblica Portuguesa anotada, I, 4. ed., pg. 451). Viso, esta, de que muito se aproximou o Acrdo n.306/2005 (citado, alis, no presente Acrdo), ao exprimir a ideia de que a insatisfao do direito a alimentos de menores comporta o risco de pr em causa, sem que o titular possa autonomamente procurar remdio, se no o prprio direito vida, pelo menos o direito a uma vida digna.

    O ponto de partida desta deciso, de que estamos perante um tpico direito social, leva formulao de um discurso argumentativo desajustado da particular natureza do direito em causa. No h que falar, a seu respeito, de uma reserva do possvel. Isso mesmo quis acentuar o Acrdo n. 509/2002, sobre o rendimento social de insero, ao reconhecer uma garantia constitucional a um mnimo de existncia condigna, de que faz derivar, citando GOMES CANOTILHO uma imediata pretenso dos cidados [itlico meu], no caso de particulares situaes sociais de necessidade.

    A soluo normativa impugnada no satisfaz esta garantia, durante o perodo, que pode ser dilatado, de pendncia da aco. A prevista possibilidade de fixao provisria de uma prestao no um meio cabalmente adequado a suprir a carncia de meios, como referem o Acrdo n. 54/2011 e a declarao de voto do Conselheiro Cura Mariano apensa ao presente Acrdo. No por acaso que o regime do rendimento social de insero cobre, em regra, todo o tempo posterior ao pedido. Um regime idntico que corresponde, alis, a uma regra comum, de que ningum pode ser prejudicado na efectivao dos seus direitos pela necessidade de intentar uma aco para os ver reconhecidos no conferiria apenas maior harmonia ao sistema jurdico no seu conjunto. Na falta de outra medida perfeitamente equivalente, daria plenasatisfao garantia constitucional a um mnimo de sobrevivncia. Joaquim de Sousa Ribeiro

    DECLARAO DE VOTO

    Divergi da posio maioritria, por considerar que deveria ter sido declarada, com fora obrigatria geral, a inconstitucionalidade da norma constante do artigo 4., n. 5 do Decreto-lei n. 164/99, de 13 de Maio, na interpretao em apreciao, com os fundamentos encontrados no Acrdo n. 54/2011, deciso que, ento, votei, nomeadamente, por entender estar em causa, no uma qualquer prestao social, mas um apoio criana, em casos em que esta se encontra em situao de grave desproteco. Nestas circunstncias, no se me afigura suficiente, para assegurar atempadamente condies dignas s crianas em situao de carncia gerada pelo

    13 de 14Pgina TC > Jurisprudncia > Acordos > Acrdo 400/2011e

    24-02-2012http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20110400.html?impressao=1

  • incumprimento da obrigao alimentar, o mecanismo cautelar chamado argumentao do presente projecto (veja-se, designadamente, as razes apontadas na declarao de voto do senhor Conselheiro Cura Mariano), razo pela qual manteria a posio que subscrevi no Acrdo citado. Catarina Sarmento e Castro.

    [ documento impresso do Tribunal Constitucional no endereo URL: http://www.tribunalconstitucional.pt/tc//tc/acordaos/20110400.html ]

    14 de 14Pgina TC > Jurisprudncia > Acordos > Acrdo 400/2011e

    24-02-2012http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20110400.html?impressao=1