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10259 ACIDENTES DE CONSUMO E RESOLUÇÃO EXTRAJUDICIAL * CONSUMER ACCIDENTS AND EXTRAJUDICIAL SOLUTIONS Leonardo José Peixoto Leal RESUMO A importância da pesquisa sobre a adoção da mediação como meio adequado à solução das controvérsias decorrentes de grandes acidentes é latente. Constantemente os cidadãos estão expostos a fatalidades e riscos da vida comum. Os exemplos se multiplicam todos os dias nos noticiários e na mera observação da vida cotidiana. Em contrapartida o Poder Judiciário não tem respondido de maneira eficaz, numa demora média de dez anos para uma resolução definitiva. O objetivo deste trabalho, assim, é analisar a necessidade e a viabilidade de criação de um sistema extrajudicial, com base nos mecanismos da mediação, para solução das controvérsias decorrentes de grandes acidente. Conclui-se que urge, no sistema jurídico brasileiro uma modificação da atual conjuntura de resposta ineficaz aos anseios da sociedade. PALAVRAS-CHAVES: MEDIAÇÃO. CONTROVÉRSIAS. ACIDENTES ABSTRACT The importance of research on the adoption of mediation as an appropriate means to the solution of disputes arising from major accidents is latent. People are constantly exposed to risks of fatal and common life. Examples abound in the news every day and the mere observation of everyday life. In contrast the Judiciary has not responded effectively in an average delay of ten years for a final settlement. The objective of this study therefore is to examine the necessity and feasibility of establishing a court system based on the mechanisms of mediation for settlement of disputes arising from major accidents. It is urgent, the Brazilian legal system a modification of the current situation of ineffective response to the expectations of society. KEYWORDS: MEDIATION. CONFLICT. ACCIDENTS INTRODUÇÃO A idéia do presente trabalho surgiu do privilégio experimentado pelo autor de participar, em julho de 2007, na cidade de Brasília, do programa de intercâmbio do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor – DPDC, Órgão do Executivo, integrante da Secretaria de Direito Econômico, vinculada ao Ministério da Justiça. * Trabalho publicado nos Anais do XVIII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em São Paulo – SP nos dias 04, 05, 06 e 07 de novembro de 2009.

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ACIDENTES DE CONSUMO E RESOLUÇÃO EXTRAJUDICIAL*

CONSUMER ACCIDENTS AND EXTRAJUDICIAL SOLUTIONS

Leonardo José Peixoto Leal

RESUMO

A importância da pesquisa sobre a adoção da mediação como meio adequado à solução das controvérsias decorrentes de grandes acidentes é latente. Constantemente os cidadãos estão expostos a fatalidades e riscos da vida comum. Os exemplos se multiplicam todos os dias nos noticiários e na mera observação da vida cotidiana. Em contrapartida o Poder Judiciário não tem respondido de maneira eficaz, numa demora média de dez anos para uma resolução definitiva. O objetivo deste trabalho, assim, é analisar a necessidade e a viabilidade de criação de um sistema extrajudicial, com base nos mecanismos da mediação, para solução das controvérsias decorrentes de grandes acidente. Conclui-se que urge, no sistema jurídico brasileiro uma modificação da atual conjuntura de resposta ineficaz aos anseios da sociedade.

PALAVRAS-CHAVES: MEDIAÇÃO. CONTROVÉRSIAS. ACIDENTES

ABSTRACT

The importance of research on the adoption of mediation as an appropriate means to the solution of disputes arising from major accidents is latent. People are constantly exposed to risks of fatal and common life. Examples abound in the news every day and the mere observation of everyday life. In contrast the Judiciary has not responded effectively in an average delay of ten years for a final settlement. The objective of this study therefore is to examine the necessity and feasibility of establishing a court system based on the mechanisms of mediation for settlement of disputes arising from major accidents. It is urgent, the Brazilian legal system a modification of the current situation of ineffective response to the expectations of society.

KEYWORDS: MEDIATION. CONFLICT. ACCIDENTS

INTRODUÇÃO

A idéia do presente trabalho surgiu do privilégio experimentado pelo autor de participar, em julho de 2007, na cidade de Brasília, do programa de intercâmbio do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor – DPDC, Órgão do Executivo, integrante da Secretaria de Direito Econômico, vinculada ao Ministério da Justiça.

* Trabalho publicado nos Anais do XVIII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em São Paulo – SP nos dias 04, 05, 06 e 07 de novembro de 2009.

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No decorrer do programa em referência, ocorreu o fatídico acidente com o avião da empresa aérea TAM, o vôo JJ 3054, que ocorreu no pouso no aeroporto de Congonhas, em São Paulo, vitimando uma quantidade enorme de pessoas e causando uma grande comoção social. A partir de então, buscou-se desenvolver a viabilidade da criação de uma câmara externa, com o intuito de viabilizar uma negociação com as partes envolvidas e as empresas, objetivando acordos com indenizações, de forma mais rápida que os dispendiosos processos judiciais.

Assim, o objetivo deste trabalho é avaliar a necessidade bem como viabilidade de adoção de mecanismos extrajudiciais, com base na mediação, para dirimir as controvérsias decorrentes de grandes acidentes que, via de regra, afetam a vida de centenas de famílias, prejudicando a um número indeterminado de pessoas e envolvendo interesses da mais variada ordem.

Resolver referidas controvérsias é do interesse de todos sendo, portanto, um dever do Estado que, todavia, conforme se demonstrará, não tem respondido eficazmente, mostrando-se, com sua estrutura jurídica, como mecanismo inadequado, ineficiente e injusto.

No primeiro momento trata-se dos acidentes de grandes proporções, traçando um paralelo com os chamado acidentes de consumo; em seguida, faz-se uma conceituação da mediação e das suas peculiaridades avançando-se para as controvérsias decorrentes de tais acidentes; depois, aborda-se a morosidade e dificuldade de atuação do Poder Judiciária nesses casos, utilizando-se como exemplo o acidente do vôo TAM 402 em 1996 e Palace II em 1998; por fim, trata-se da câmara de indenização criada para solução das controvérsias decorrentes do acidente do vôo JJ 3054 em julho de 2007 como modelo a ser seguido.

1. Acidentes de consumo

A vida em sociedade traz, por si só, risco. Executar os mais simples atos do dia a dia como deslocar-se para o trabalho, andar de ônibus, viajar de avião ou de trem colocam o individuo, a todo instante, em risco de ser vítima de um acidente decorrente de uma fatalidade, uma imprudência ou imperícia de terceiro.

Nesse sentido, o presente trabalho tratará dos acidentes de grandes proporções e das controvérsias a eles inerentes, sendo certo que, na maioria dos casos, referidos acidentes se enquadram no conceito dos chamado “acidentes de consumo”, uma vez que, via de regra, há uma relação de consumo entre as partes envolvidas no acidente.

O termo acidente de consumo é largamente utilizado pela doutrina, servindo como sinônimo para fato do produto ou fato do serviço, que correspondem a qualquer dano ocasionado por um vício, uma falha, uma imperfeição no produto adquirido ou no serviço prestado em uma relação de consumo.

Ao definir acidentes de consumo por fato do produto, Flávia Portella Püschel (2006, p. 16) raciocina como qualquer evento causador de dano físico ou psíquico do consumidor, podendo ser de ordem moral ou material.

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A responsabilidade por fato do produto pode ser definida como responsabilidade do fornecedor por danos causados à vida, à saúde física ou psíquica e ao patrimônio de terceiros por produtos com defeitos de segurança por ele oferecidos no mercado. Trata-se da responsabilidade por danos causados à integridade físico-psíquica da vítima e a bens outros que não o próprio produto defeituoso, em razão de este não atender à legítima expectativa da sociedade com relação à sua segurança.

A Lei 8.078/90 traz em seu texto, no art. 12, a previsão legal do fato do produto:

Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.

Enquanto isso o fato do serviço corresponde a um evento danoso ocasionado por uma falha na execução do serviço contratado, tal qual no caso dos produtos. O Código de Proteção e Defesa do Consumidor - CPDC traz a previsão da matéria no art. 14:

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

Importa ressaltar que o CPDC estabeleceu uma diferença entre vício e defeito que deve ser observada. As hipóteses acima transcritas correspondem ao defeito, seja do produto ou do serviço; já o disposto nos arts. 18, 19 e 20 correspondem a vício.

Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com a indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas.

Art. 19. Os fornecedores respondem solidariamente pelos vícios de quantidade do produto sempre que, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, seu conteúdo líquido for inferior às indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou de mensagem publicitária, podendo o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha:

I - o abatimento proporcional do preço;

II - complementação do peso ou medida;

III - a substituição do produto por outro da mesma espécie, marca ou modelo, sem os aludidos vícios;

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IV - a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos.

Art. 20. O fornecedor de serviços responde pelos vícios de qualidade que os tornem impróprios ao consumo ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade com as indicações constantes da oferta ou mensagem publicitária, podendo o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha:

I - a reexecução dos serviços, sem custo adicional e quando cabível;

II - a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos;

III - o abatimento proporcional do preço.

Em que corresponde então a diferença entre vício e defeito? Ora! A resposta é simples, o vício é tão somente a imperfeição, a falha na execução do serviço ou no funcionamento do produto, quanto a estes subdividindo-se, inclusive, em vício de quantidade e de qualidade. Já o defeito é o vício acrescido de um dano, quando o evento ultrapassa o mero dissabor do mau funcionamento ou não funcionamento e gera um dano efetivo ao consumidor.

Tal questão remete ao próprio conceito de fato do produto ou serviço, que é o dano ocasionado por uma falha, um vício, na relação de consumo. No mesmo sentido, é o entendimento de Rizzatto Nunes (2005, p. 285-286):

O termo ‘vício’, especialmente relacionado a produto, lembra o vício redibitório, instituto do direito civil, e tem com ele alguma semelhança, na condição de vício oculto, mas com ele não se confunde. Até mesmo porque, como já dissemos, é regra própria da sistemática do CPDC. São considerados vícios as características de qualidade ou quantidade que tornem os serviços (ou os produtos) impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam e que também lhes diminuam o valor.

[...]

O defeito, por sua vez, pressupõe o vício. Há vício sem defeito, mas não há defeito sem vício. O vício é uma característica inerente, intrínseca do produto ou serviço em si.

Pode-se depreender ainda do código, o conceito legal de defeito constante do §1º do art. 12 e do §1º do art. 14:

Art. 12

[...]

§ 1° O produto é defeituoso quando não oferece a segurança que dele legitimamente se espera, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:

I - sua apresentação;

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II - o uso e os riscos que razoavelmente dele se esperam;

III - a época em que foi colocado em circulação.

Art. 14

[...]

§ 1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:

I - o modo de seu fornecimento;

II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;

III - a época em que foi fornecido

Sendo assim, conclui-se que vício é o mero não funcionamento ou mau funcionamento do objeto da relação de consumo, produto ou serviço, enquanto que defeito é a união do vício a um evento externo da relação, um dano, os chamados fato do produto ou fato do serviço ou, ainda, acidente de consumo.

Afora todo o exposto, seguindo o raciocínio de Rizzatto Nunes (2005, p. 283), embora a expressão acidente de consumo seja utilizada como sinônimo de fato do produto ou serviço, sua utilização deveria ser mais restrita.

A expressão ‘acidente de consumo’, muito embora largamente utilizada, pode confundir, porque haverá casos de defeito, em que a palavra ‘acidente’ não fica muito adequada. Assim, por exemplo, fazer lançamento equivocado no cadastro de devedores do Serviço de Proteção ao Crédito é defeito do serviço, gerando responsabilidade pelo pagamento de indenização por danos morais e à imagem. Porém, não se assemelha em nada a um acidente;

[...]

Diga-se, de qualquer maneira, que se tem usado tanto ‘fato’ do produto ou serviço quanto ‘acidente de consumo’ para definir o defeito. Porém, o mais adequado é guardar a expressão ‘acidente de consumo’ para as hipóteses em que tenha ocorrido mesmo um acidente: queda de avião, batida de carro por falta de freio, quebra da roda gigante no parque de diversões etc. (destaques do original)

Sendo assim, para fins deste trabalho, acidente de consumo fica definido como fato do produto ou serviço em que haja um acidente concreto, ou seja, o objeto do presente trabalho e as propostas de solução são aplicáveis não a qualquer caso em que haja um fato do produto ou serviço, mas apenas nos que há um acidente concreto como a queda de um avião, o desabamento de uma construção, a explosão de um shopping, o descarrilamento de um trem, dentre várias outras situações.

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Ressalte-se que o trabalho não pretende tratar da responsabilidade civil dos eventuais agentes envolvidos no acidente, mas sim das controvérsias inerentes, bem como da necessidade de criação de um mecanismo mais eficaz na resolução dessas controvérsias.

1.2. Controvérsias inerentes aos acidentes

As controvérsias geradas pelos acidentes de consumo são especialmente complexas. Em se tratando de grandes acidentes como o capotamento de um ônibus, o descarrilamento de um trem, a queda de um avião comercial, o desabamento de uma arquibancada num estádio, só pelo número de partes envolvidas já se pode perceber essa complexidade: as vítimas são várias, além das vítimas há ainda os familiares, no outro pólo há os fornecedores, geralmente com mais de uma empresa envolvida e, em muitos casos, seguradoras.

Além disso, a vulnerabilidade do consumidor é princípio e verdadeiro fundamento da legislação e da Política Nacional das Relações de Consumo, trazendo o próprio CPDC esta previsão, em seu art. 4º inciso I: “I – Reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo”.

A vulnerabilidade se desdobra em vários tipos, para Cláudia Lima Marques (2005, p. 144-145) ela se divide em técnica, fática e jurídica.

Em resumo, em minha opinião, existem três tipos de vulnerabilidade: a técnica a jurídica e a fática.

Na vulnerabilidade técnica, o comprador não possui conhecimentos específicos sobre o objeto que está adquirindo e, portanto, é mais facilmente enganado quanto as características do bem ou quanto à sua utilidade, o mesmo ocorrendo em matéria de serviços.

[...]

A vulnerabilidade fática é aquela desproporção fática de forças, intelectuais econômicas, que caracteriza a relação de consumo. Já a vulnerabilidade jurídica ou científica foi identificada pela corte suprema alemã, nos contratos de empréstimo bancário e financiamento, afirmando que o consumidor não teria suficiente ‘experiência ou conhecimento econômico, nem a possibilidade de recorrer a um especialista’. É a falta de conhecimentos jurídicos específicos, de conhecimentos de contabilidade ou economia.

Há quem defenda a subdivisão em várias espécies de vulnerabilidade, mas parece que, na verdade, em consonância com o entendimento da citada autora, estas subespécies acabam por se encaixar nas três divisões acima apontadas. Raciocina-se que a vulnerabilidade significa estar vulnerável sobre algum aspecto. Nesse sentido, a vulnerabilidade do consumidor é presumida e sempre estará presente, dependendo obviamente de cada caso e suas especificidades. Ocorre que, nos acidentes de consumo, além das espécies clássicas de vulnerabilidade, está presente uma em especial, a vulnerabilidade emocional, que pode ser enquadrada no âmbito da vulnerabilidade fática. O estrago ocasionado pelo trauma de um acidente ou pela perda de um ente

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querido é simplesmente impossível de ser medido e extremamente íntimo a cada indivíduo.

Todos esses fatores contribuem para agravar a controvérsia, são muitas as partes envolvidas, em estados especialmente vulneráveis, com interesses e expectativas diversas. Some-se a isso, o fato de haver, no outro lado, empresas economicamente fortes, visando, na lógica econômica, ter o menor prejuízo possível; além do alto grau de expectativa gerado quanto a valores de indenização. Não bastando todos esses fatores ainda há a lentidão do Poder Judiciário, sem qualquer perspectiva sobre o tempo de duração do processo.

São, portanto, várias as dificuldades, de um lado há a opção do judiciário e sua conhecida demora, podendo, inclusive, ingressar-se com ações coletivas teoricamente mais fortes que várias ações individuais. De outro, tem-se a negociação individual que é dificultada pela perda da força do coletivo e pelo interesse de barganha das empresas, objetivando um valor menor do que o que seria tido como “justo”. Some-se a isso o fator vulnerabilidade dos consumidores, questão acima abordada.

Diante disso fica evidente que tais caminhos não parecem ser dos mais eficazes. Sobre o tema Diego Faleck (2006, on line) defende a busca de outra via que não o Judiciário ou a negociação individual, sugerindo a aplicação de uma câmara externa de solução de conflitos.

A simples negociação individual com cada um dos interessados não é a única e nem a mais eficiente maneira de se evitar o Judiciário e de se obter a satisfação e a adesão do maior número de indenizados no menor tempo possível.

O exemplo internacional nos mostra um modelo alternativo para dar cabo à missão, mais criativo e vantajoso: a criação de uma ‘câmara de solução de demandas’, externa e privada, baseada no modelo norte-americano das claim resolution facilities, que se mostrou extremamente eficiente para proporcionar alívio em casos de calamidade.

Essa opção apresenta vantagens sobre a negociação individual. Existem sérias dificuldades para a composição de questões desta espécie, em virtude das altas expectativas por parte dos indenizados, normalmente acaloradas pela intervenção de advogados e de pessoas próximas. É necessário lidar também com a natural desconfiança por parte das vítimas de que os indenizadores, normalmente dotados de grande poder econômico, estariam barganhando e procurando pagar o menor valor possível, em detrimento daquilo que seria ‘justo’. (destaques do original)

Essa é a proposta do trabalho, a busca por uma maneira mais eficiente e próxima do ideal de justiça de se estabelecer o contato entre fornecedores e consumidores, sem deixar os consumidores desprotegidos numa relação de extrema desigualdade nem na espera angustiante por uma resposta do Poder Judiciário.

2. Mediação

Lília Maia de Morais Sales (2007, p. 23) define a mediação como um mecanismo para resolução de conflito utilizado pelas próprias partes, onde o terceiro imparcial apenas as auxilia a encontrar o caminho mais eficaz e satisfatório na solução do problema.

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A mediação é um procedimento consensual de solução de conflitos por meio do qual uma terceira pessoa imparcial – escolhida ou aceita pelas partes – age no sentido de encorajar e facilitar a resolução de uma divergência. As pessoas envolvidas nesse conflito são as responsáveis pela decisão que melhor as satisfaça. A mediação representa assim um mecanismo de solução de conflitos utilizado pelas próprias partes que, motivadas pelo diálogo, encontram uma alternativa ponderada, eficaz e satisfatória. O mediador é a pessoa que auxilia na construção desse diálogo.

A função do mediador é singular, ele deve pautar-se sempre com imparcialidade, tratando as partes de forma igual e buscando trazer o ponto central do conflito para a discussão. Luís Alberto Warat (2004, p. 29), tratando da função do mediador, afirma que os conflitos estão no interior das pessoas, não sendo a linguagem formal e jurídica adequada para a solução dos conflitos:

Os conflitos reais, profundos, vitais, encontram-se no coração, no interior das pessoas. Por isto é preciso procurar acordos interiorizados. E por isso que a mediação deve escolher outro tipo de linguagem. Ela precisa da linguagem poética, da linguagem dos afetos, que insinue a verdade e não a aponte diretamente; simplesmente sussurre, e não grite. Um sentido vem a nós quando há uma conexão profunda. Uma linguagem usada como estratégia, de tal modo que os corações em conflito possam ser tocados. Estamos falando de uma linguagem poética sem nenhuma pretensão estética ou literária. E uma poesia, às vezes, rústica, sempre exaltada por sua maneira indireta, feminina de insinuar coisas. A linguagem que nos permite vincular, recebermos, como melodia, o sentido do amor.

Nesse contexto, a atuação do mediador, em especial nos casos de acidente de consumo, ante o sofrimento decorrente das tragédias do evento, deve pautar-se na sensibilidade e na condução do diálogo, de forma mais pessoal e menos formal, respeitando a dor das partes vítimas e trazendo a empresa para a consciência de sua função social e de sua imagem perante a sociedade. A linguagem utilizada deve buscar atingir o íntimo dos indivíduos altamente ferido por conta do ocorrido.

Analisa-se, aqui, até que ponto o interesse na indenização, em casos de acidentes de grandes proporções, é econômico. É óbvio que, em muitos casos, a vítima era a mantenedora da família, ou o patrimônio atingido era de extremo valor, pelo que se faz imperativo a devida compensação pecuniária pela perda. Mas há outros aspectos que se encontram no coração, como afirma Luís Alberto Warat, uma vez que a vítima, ao pleitear grandes valores indenizatórios busca muito mais a punição do responsável por sua perda e sua dor, uma espécie de sanção pecuniária pelo ato praticado.

Em casos como esses, de grandes calamidades, as pessoas estão abaladas emocionalmente. Dessa forma, facilmente se apresentam os chamado conflitos aparentes que mascaram os conflitos reais e, em uma disputa judicial, dificilmente são alcançados gerando uma perda dos dois lados.

Juan Carlos Vezzulla define (2001, p.28) conflitos reais e aparentes:

Podemos definir que existe um conflito real se há uma real oposição entre os desejos e direitos de uma pessoa e desejos e direitos de outra pessoa ou grupo. Deixemos o nome

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de falso para aqueles conflitos que por falha na comunicação parecem produzir até que as coisas sejam esclarecidas, uma aparente oposição.

É fundamental para um mediador ter absolutamente clara essa diferença, pois, normalmente, a escalada da violência, o desconhecimento dos reais interesses de cada parte, a confusão entre os verdadeiros problemas e as pessoas nele envolvidas, contêm sempre distorções originadas na falta de comunicação entre as partes. Por isso é importante que o mediador domine os conceitos da teoria da comunicação e saiba da importância da clareza na emissão da mensagem e as dificuldades que o ser humano tem de escuta-las tal como foram emitidas.

Nesse sentido, para o sucesso na resolução célere e eficaz da controvérsia é essencial a comunicação que, na mediação, é facilitada pelo mediador, algo inexistente na negociação individual e no processo judicial. Observa-se que somente a mediação tem a capacidade de transpassar o conflito aparente e solucionar o real conflito decorrente daquele evento.

Quanto à mediação nas relações de consumo, Amélia Soares da Rocha (2003 p. 42-43) lembra que o instituto é princípio da Política Nacional das Relações de Consumo, sendo claro o objetivo do CPDC em resolver conflitos de consumo de forma ampla, com um viés social e não atrelado ao caso concreto apenas, no amadurecimento das relações de consumo.

E, diga-se de passagem, provavelmente, o verdadeiro desejo do CDC é não ser objeto de uma lide judicial, mas instrumento de educação continuada, contribuindo para o exercício e promoção dos direitos e, por conseqüência, ser instrumento de inclusão social, pelo necessário resgate da auto-estima de todos brasileiros.

A relação entre mediação e as relações de consumo abrange aspectos implícitos e explícitos do direito do consumidor. Todavia, o grande e nodal ponto de interseção reside no caráter de ‘solução (pretensamente) efetiva’.

Ou seja, porquanto a mediação aplica o método socrático da maiuêtica, utiliza-se de técnicas para que os envolvidos no conflito revejam o ‘problema’e visualizem soluções que vislumbrem a mudança comportamental apta a não apenas ‘resolver’a situação pontual objeto da mediação, mas modificar atitudes hábeis a impedir ou diminuir a reincidência do conflito, o direito do consumidor, principalmente por sua política nacional de relações de consumo, intente, de igual forma, o alcance da ‘maturidade’ das relações consumeristas através da `solução educativa’dos conflitos de consumo. (destaques do oiginal)

Dessa forma percebe-se que não há impedimento à utilização da mediação em acidentes de consumo, sendo, inclusive, um meio indicado pela própria legislação para ser utilizado.

3. Casos de acidentes

3.1 Caso TAM vôo 402

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Como exemplo da ineficiência do Poder judiciário ao tratar de acidentes de consumo com grande número de vítimas, tem-se o caso do acidente aéreo do vôo Tam 402 em 1996,no aeroporto de Congonhas em São Paulo.

No dia 31 de outubro de 1996, um avião da empresa aérea TAM, modelo Focker 100, que fazia o vôo 402, partindo de São Paulo com destino ao Rio de Janeiro, acidentou-se devido a uma falha no motor, no momento da decolagem, no Aeroporto Internacional de Congonhas, vitimando os 96 (noventa e seis) passageiros e ocasionando a morte de mais 3 (três) pessoas no solo. O avião caiu sobre área residencial, atingindo oito casas e havendo colidido com dois prédios, um de dois e outro de três andares. (JATO..., 1996, on line)

O caso gerou grande comoção social, sendo bastante repercutido na época. Trata-se de caso bastante complexo, primeiro por levar-se em conta a quantidade de partes envolvidas, considerando-se inclusive familiares, e depois, por tratar-se de comprovado defeito em equipamento da aeronave, o que gerou discussão acerca da responsabilidade das empresas fabricantes e da prestadora de serviço TAM, além das seguradoras envolvidas.

Tal fato, somado à grande expectativa de indenização, gerada por parte de advogados, aliados à tão falada morosidade do Poder Judiciário, contribuiu para que os dissídios perdurassem por mais de dez anos, havendo até os dias atuais casos sem solução definitiva e sem o percebimento de indenizações correspondentes.

Em um dos recursos interpostos dentre as ações referentes à matéria, assim se manifestou o Tribunal de Justiça de São Paulo de forma definitiva:

Ementa: "RESPONSABILIDADE CML - Acidente aéreo - Responsabilidade calcada no fato de defeito de peça da aeronave - Aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor - Caracterização do defeito comprovado por relatório elaborado pelo Ministério da Aeronáutica - Indenizatória procedente - Recurso improvido. RESPONSABILIDADE CIVIL - Pensão - Termo final adotado como o de sessenta e cinco (65) anos, conforme entendimento jurisprudência! consolidado - Comprovação de que a vítima, efetivamente, recebia mais que treze (13) salários, legais, leva ao ressarcimento também dessa parcela excedente - Não inclusão de eventual participação em lucros, pois tal verba depende da situação de cada empregadora, não sendo possível um cálculo exato e utilizando-se critérios concretos para seu auferimento ao longo dos anos - Recurso parcialmente provido. DANO MORAL - Apuração do "quantum" - Arbitramento em 333 salários mínimos, sob pena de enriquecimento sem causa - Redução da verba arbitrada na r. sentença por conta de não ser a empresa ré a única responsável - Recurso provido para esse fim. RECURSO - Apelação - Existência de homologação de acordo - Recurso prejudicado. INTERVENCÃO DE TERCEIROS - Denunciaçâo da lide - Inadmissibilidade - Caracterização de garantia imprópria, por conta de eventual direito de regresso - Recurso improvido. ILEGITMIDADE 'AD CAUSAM' - Em face da cabal comprovação de que o acidento se deu por conta da falha do reverso, não se pode admitir a manutenção da co-ré Telefíex no pólo passivo, pois o equipamento que fabrica não contribuiu para a fatídica queda da aeronave - Recurso improvido*

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Ressalte-se que o julgamento data de 2006, exatos dez anos após a ocorrência do acidente. Os conflitos decorrentes seguiam sendo objeto de análise do Poder Judiciário sem uma solução definitiva. Sílvia Ribeiro (2006, on line) mostra, em reportagem, que algumas famílias se arrependeram ao realizar acordos extrajudiciais individuais, como também outras, mesmo com determinação judicial em mãos, não receberam a devida indenização, chegando algumas a recorrer à justiça nos Estados Unidos, país da empresa responsável pela fabricação da parte defeituosa causadora do acidente.

Passados dez anos do maior acidente aéreo em perímetro urbano já ocorrido no País, famílias ainda buscam indenizações nos tribunais do Brasil e dos Estados Unidos.

Pelo menos oito familiares de vítimas recorrem hoje à Justiça dos Estados Unidos pelo direito de receber indenizações da Northrop Grumman, fabricante norte-americana do reversor que se abriu durante a decolagem do vôo 402 e desencadeou as falhas que culminaram no acidente.

De acordo com o advogado Renato Guimarães, que representa essas famílias no Brasil, a Northrop Grumman foi condenada no País a pagar US$ 1,1 milhão por vítima por danos morais, mas não cumpriu a determinação.

Com a sentença em mãos, o grupo partiu para os EUA e tenta agora um acordo com a empresa. O advogado contratado pelas famílias é Walter Lack, representado no filme ‘Erin Brockovich’, que deu um Oscar a Julia Roberts.

‘Sempre defendi que as indenizações podiam alcançar valores muito mais altos do que os oferecidos pelas empresas às famílias brasileiras’, diz Renato Guimarães, que em 2000 provocou uma cisão na associação de parentes das vítimas do vôo 402.

Na ocasião, o advogado foi contra a proposta feita nos Estados Unidos por empresas envolvidas no acidente. Parentes de vítimas ouvidos pelo G1 lembram que foram pressionados a fechar o acordo. O valor oscilou entre US$ 500 mil e US$ 1,5 milhão. O grupo que ficou conhecido como as ‘viúvas da TAM’, organizado para apurar as causas do acidente, não revela os valores das reparações, que obedecem a quesitos como salário da vítima e número de dependentes.

No Brasil, a TAM enfrenta até hoje processos por maiores indenizações. A companhia aérea diz ter indenizado 90% das famílias atingidas e aponta que as questões pendentes ‘extrapolam os limites de atuação da companhia’. No entanto há parentes que não concordaram com as condições oferecidas pela companhia aérea.

‘A TAM chegou a entrar com uma ação contra nós. Eles argumentavam que nós não podíamos entrar com uma ação por danos materiais, porque nós não seríamos dependentes do nosso filho’, diz a professora universitária aposentada, Maria da Conceição Magalhães Vaz de Mello, que perdeu o filho, o engenheiro Alexandre Magalhães. A ação que a família de Minas Gerais move contra a empresa ainda não teve decisão final no Brasil. Em pelo menos outros cinco casos a Justiça não proferiu sentença.

Quando sai, a sentença nem sempre resolve o impasse. É o caso quando ambos os lados (as famílias e a TAM) não concordam com os valores determinados e recorrem

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judicialmente. De acordo com o advogado Renato Guimarães, casos ainda pendentes receberam da TAM tutela antecipada de US$ 145 mil – pagamento determinado pelo juiz de parte da indenização requerida pelos parentes.

Quem fechou acordo com a TAM no Brasil recebeu, em média, R$ 600 mil em indenizações, segundo a presidente da Associação Brasileira de Parentes e Amigos das Vítimas de Acidentes Aéreos, Sandra Assali. Mas houve reparações bem menores, como a aceita pelos parentes do professor Marcos Antônio de Oliveira, vítima atingida em terra pela aeronave. À época, a família aceitou sem contestar proposta de R$ 145 mil feita pela companhia aérea. Mais tarde alguns parentes pensaram em voltar atrás, mas já era tarde demais.

O jornalista Jorge Tadeu da Silva, que teve a casa destruída pela queda da aeronave, queria da TAM R$ 1 milhão para cada um dos cinco parentes que morava com ele. A reparação seria por danos psicológicos, já que eles não se feriram no acidente. Depois de uma verdadeira maratona nos tribunais, a empresa ofereceu somente R$ 300 mil para os cinco parentes. ‘Ao longo desses dez anos, eles (TAM) se mantêm irredutíveis’, lamenta.

A viúva Cibele Castro resume o sentimento e fala da importância das reparações. ‘A indenização nunca é justa para a vítima, porque a vida humana não tem preço. Mas ajuda a dar um novo rumo, a recomeçar a vida. A gente fica muito perdida.’. (destaques do original)

Constata-se, portanto, um grave problema. Uma inacreditável demora na solução de um conflito cujo direito é cristalino perante o Poder Judiciário e, posteriormente, mesmo após o trânsito em julgado da decisão, a não efetividade dos pagamentos das indenizações devidas, deixando as famílias e vítimas numa situação de verdadeiro descaso e abandono por parte do Poder Público e das empresas fornecedoras.

Nesse sentido, constata-se que o Poder Judiciário tem demorado de forma inaceitável na solução dos litígios, deixando os consumidores vitimados à míngua de seus direitos, em uma média de espera de mais de dez anos, para receber qualquer valor a título indenizatório. Não pode tal fato ser ignorado pelo Estado, sob pena de se aceitar a perpetuação de injustiças.

3.2 Caso palace II

Outro exemplo interessante é o conhecido caso do prédio Palace II do Rio de Janeiro. No dia 22 de fevereiro de 1998, um prédio residencial de nome “Palace II”, localizado na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro, desabou, ocasionando a morte de oito pessoas e a destruição de quarenta e quatro apartamentos residenciais. Primeiramente, houve o desmoronamento das colunas 1 e 2 do edifício; e no dia 24 de fevereiro a prefeitura do Rio de Janeiro anunciou a implosão da estrutura restante por conta de risco de novos desmoronamentos. (BELCHIOR, 2008, on line)

Tal fato, causou grande repercussão nacional, ficando comprovado, por perícias, a má construção, com material sem qualidade e erros de cálculos na estrutura do edifício. O engenheiro responsável pela obra, Sérgio Naya, e a construtora Sersan foram responsabilizados civil e penalmente pelo fato ocorrido.

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Trata-se de claro acidente de consumo uma vez que os habitantes do prédio haviam adquirido os apartamentos, sendo, portanto, consumidores de um produto, um bem imóvel, o apartamento. Ante essa realidade é imperiosa a aplicação do CPDC e a responsabilidade indenizatória de todos os fornecedores envolvidos na relação de consumo.

Grande foi o número de ações interpostas no Poder Judiciário, inclusive uma ação civil pública de autoria da associação dos moradores. Entretanto, mais uma vez, o Poder Judiciário não conseguiu dar uma solução definitiva de forma rápida e eficaz ao litígio, havendo famílias que, ainda hoje, mesmo após dez anos do acidente, não receberam por completo as indenizações fixadas pela Justiça. Nesse sentido é a reportagem de Diego Paes e Fabíola Ortiz (2008, on line).

Rio de Janeiro - Dez anos depois do desabamento do Edifício Palace 2, na Barra da Tijuca (zona oeste), o ex-deputado Sergio Naya, dono da Construtora Sersan, responsável pela obra, responde por mais de 100 processos judiciais e já foi absolvido no processo que o responsabilizava pela morte de oito moradores

De acordo com a presidente da Associação de Moradores do Palace 2, Rauliete Barbosa, 120 pessoas ainda aguardam na Justiça o ressarcimento integral pelos danos no desabamento. Elas teriam apenas recebido um valor que não passa de 20%. O incidente ocorreu em 22 de fevereiro de 1998.‘Todas as pessoas que entraram na Justiça por meio da associação estão pendentes. São 120 famílias que só receberam parte, isso quer dizer de 15% a 20% no máximo. Dez ainda não receberam nada. O que recebemos é uma quantia irrisória que não dá para pagar as dívidas’, informou. A ex-moradora Maria Alba Galvão Fernandes, de 60 anos, disse que ‘a sensação é de perda muito grande, mas é de contínua esperança – eu preciso acreditar na Justiça brasileira, nós precisamos de um meio para seguir em frente’. Ela morava com marido e filho havia dois meses, quando o prédio desabou. E por quase dois anos a família passou a morar em hotéis. Já recebeu cerca de 15% do valor da indenização.

‘Quero ter o direito de usufruir desse dinheiro. Tudo o que tínhamos foi aplicado no apartamento do sonho, mas às 3h do dia 22 de fevereiro de 1998 fui acordada. Reiniciamos a vida do zero, com muitas doações’, contou.

O apartamento, acrescentou, ‘desabou em duas etapas: nós demos dez passos para fora do prédio e a parte em que meu marido havia estado caiu’. Um dos advogados de Sérgio Naya, Jorge Luiz Azevedo, aponta números diferentes dos da associação. Segundo ele, dos 176 apartamentos do prédio, mais da metade já teve o valor integral indenizado por danos morais e materiais. ‘No momento, o que há de prático é um acordo realizado em agosto do ano passado, quando ficou estipulado que o grupo Sersan entregaria todos os bens para leilão. Agora nós resolvemos trabalhar em conjunto com a associação’, informou.

Pelo menos mais 11 famílias permanecem em hotéis e os moradores prometem realizar amanhã (22) um protesto silencioso, com a celebração de uma missa às 9h na Igreja de Santa Luzia, no centro da cidade. Em seguida, em frente ao Tribunal de Justiça, um bolo de dez metros vai ser partido para marcar a data. (destaques do original)

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No caso “Palace II” há ainda um agravante. A empresa Sersan, responsável pela construção da obra, entrou em processo de falência, sendo certo que créditos decorrentes de danos e de acidentes de consumo não dispõem de qualquer preferência na ordem de credores. Tal fato tornou recorrente a vinculação de matérias na imprensa sobre o não recebimento de indenização pelas vítimas, mesmo com sentença judicial transitada em julgado, em decorrência da preferência de credores. Nesse sentido, é a reportagem de Débora Pinho (2004, on line):

O gerente do Banco do Brasil Roberto Santana esteve na Superintendência da Polícia Federal, no Rio de Janeiro, para prestar depoimento sobre o imbróglio jurídico que se transformou o pagamento da indenização para as vítimas do Palace 2.

Policiais federais estiveram com os procuradores Paulo César Negrão e Ronaldo Campos na agência do Fórum, na tarde desta quarta-feira (28/7), para cumprir a determinação da presidente em exercício do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, Vera Lúcia Lima da Silva Ribeiro, que reafirmou a proibição do pagamento para as vítimas do Palace 2. A agência foi fechada e o gerente conduzido à Superintendência da Polícia Federal.

A desembargadora confirmou decisão da juíza da 7ª Vara de Execuções Fiscais do Rio de Janeiro, Frana Elizabeth, que atendeu pedido da Procuradoria da Fazenda Nacional em favor da União. Os procuradores pediram o bloqueio do dinheiro arrecadado na venda do Hotel Saint Paul Park, antiga propriedade do ex-deputado Sérgio Naya. O ex-deputado e suas empresas -- Sersan e Matersan -- devem mais de R$ 20 milhões de Imposto de Renda.

O juiz em exercício na 4ª Vara Empresarial, Luis Felipe Salomão, determinou que os R$ 9 milhões obtidos com a venda do hotel fossem rateados entre as mais de 80 famílias ex-moradoras do Palace 2 que ainda não receberam indenização. Entretanto, a pedido dos procuradores, a juíza Frana Elizabeth suspendeu o pagamento no fim da semana passada.

Salomão determinou a busca e apreensão do dinheiro no Banco do Brasil. Segundo Ronaldo Campos, os funcionários foram mantidos como ‘reféns’ na agência do Banco do Brasil de terça-feira até esta quarta-feira.

Nesta quarta-feira, as 10 famílias que já tinham mandados foram até a agência central do Banco do Brasil, no Andaraí, e receberam cada uma R$ 113 mil. As outras 72 famílias receberiam o dinheiro por depósito. Entretanto, o pagamento foi suspenso. Com a chegada da Polícia Federal por volta das 15 horas, a agência do banco foi fechada e o gerente prestou depoimento sobre o assunto.

O procurador-geral adjunto da Fazenda Nacional deve chegar ao Rio de Janeiro até o fim da tarde desta quarta para tentar resolver o impasse.

O Código Tributário Nacional estabelece que a ordem de prioridade para pagamento deve ser: credores trabalhistas, União, Estados, Municípios e demais credores. As vítimas do Palace II estão em último lugar pela legislação. (destaque do original)

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Nesse sentido, constata-se que o Poder Judiciário tem demorado de forma inaceitável na solução dos litígios, deixando os consumidores vitimados à míngua de seus direitos, em uma média de espera de mais de dez anos, para receber qualquer valor a título indenizatório. Não pode tal fato ser ignorado pelo Estado, sob pena de se aceitar a perpetuação de injustiças.

4. Câmara 3054

No dia 17 de julho de 2007, no aeroporto de Congonhas em São Paulo, capital, ocorreu um dos maiores acidentes da história da aviação brasileira. O avião modelo Airbus 320, da empresa aérea TAM, que fazia o Vôo JJ 3054, partindo de Porto Alegre com destino a São Paulo, ao aterrissar na pista, não conseguiu frear, chocando-se contra um prédio da TAM express, situado próximo à cabeceira da pista. O número de pessoas no avião era 199 sendo 187 passageiros dos quais 19 funcionários da empresa mais seis tripulantes. (ESPECIAL VÔO..., 2007, on line).

Além da morte de todos no avião, o acidente ainda causou vítimas em solo, como funcionários do prédio e pessoas que estavam nas proximidades, no instante do evento. Gerou-se uma grande comoção social. Diante da preocupação com a dificuldade de solução dos conflitos judicialmente, aliados aos princípios da Política Nacional das Relações de Consumo já abordados neste estudo, por iniciativa dos órgãos que integram o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor – SNDC, notadamente, Ministério Público do Estado de São Paulo, Defensoria Pública do Estado de São Paulo, Fundação Procon/SP e o Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor, juntamente com a empresa TAM linha aéreas e suas seguradoras, foi criada a Câmara de Indenização TAM Vôo 3054, em caráter extrajudicial e opcional, com objetivo de facilitar a resolução dos conflitos extrajudicialmente e a efetiva reparação dos danos causados pelo acidente.

A câmara dispõe de Regimento Interno de 33 artigos e seu procedimento dá-se, basicamente, com o preenchimento de um formulário próprio, por parte dos legitimados, nos termos do art. 13 do Regimento abaixo transcrito. Esse formulário deve ser apresentado juntamente com todos os documentos necessários às comprovações, sendo tais documentos também previstos no regulamento, perante a câmara, o que oficializa o ingresso do beneficiário no programa.

Art. 13. Todos os que sofreram danos indenizáveis relacionados às vítimas fatais e ainda não foram indenizados têm, nos termos da legislação vigente, legitimidade para participar da câmara.

1º. No que tange aos lucros cessantes (indenização dos danos materiais) , com exceção dos cônjuges/companheiro(a)(s), descendente(s) (até 30 anos) e ascendente(s) ( com idade superior a 70 anos), não há titularidade automática, sendo necessária a comprovação de dependência econômica mantida em relação à vítima.

§ 2º. Fazem jus à indenização por danos morais aqueles pretendentes que comprovem:

I - sua condição de cônjuge, filho, pai, mãe ou irmão das vítimas do Evento;

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II - o companheiro que mantinha com a vítima do Evento sociedade de fato ou união estável, cujo reconhecimento se expresse em decisão judicial, escritura pública declaratória (lavrada antes do acidente), ou outros meios de prova previstos na legislação ou normas infralegais.

III - Vínculo afetivo ou convívio com as vítimas do evento que demandará quaisquer provas admitidas em direito e implicará em análise individualizada.

Em seguida, é marcada uma reunião preliminar entre a TAM e a vítima beneficiária, no intuito de complementar informações, esclarecer dúvidas ou complementar juntada de documentos. Posteriormente, haverá tantas reuniões quantas forem necessárias para se estabelecer um parâmetro em relação ao valor da indenização, sendo sempre as reuniões acompanhadas por um observador, membro integrante da câmara, a não ser que os beneficiários, de forma expressa, §3º do art.10 do Regimento, dispensem a presença deste. A figura do observador, bem como dos assistentes, tem função definida nos parágrafos 1º e 2º do art. 10 do Regimento, tendo como objetivo sempre assegurar os direitos dos consumidores participantes da Câmara.

Art. 10

[...]

§ 1º. Os Assistentes, dentre outras atribuições, deverão:

I - dar atendimento prévio ao ingresso na Câmara aos Beneficiários e Requerentes, objetivando esclarecer e sanar quaisquer dúvidas sobre o programa de indenização, dentre elas questões que se refiram à legitimidade, aos Parâmetros Referenciais, prazos, documentos necessários, produção de provas, mecanismos de consulta aos órgãos que integram o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, dentre outros;

II – dar assessoria individualizada aos Beneficiários quanto ao preenchimento de Formulário de Ingresso na Câmara, bem como orientar sobre a reunião e organização dos documentos necessários;

III - dar assistência completa e contínua aos Beneficiários durante todo o procedimento da Câmara, esclarecendo eventuais dúvidas.

§ 2º. Ao Observador compete:

I - dar supervisão ao trabalho dos Assistentes;

II - acompanhar os Beneficiários em todas as reuniões realizadas com a TAM, certificando-se do equilíbrio das relações e de todos os objetivos da Câmara;

III - relatar, ao Conselho dos órgãos que integram o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, em documento próprio, as ocorrências relevantes havidas nas Reuniões referidas no inciso anterior;

IV - recomendar às partes, sempre que entender necessário, o encaminhamento de Consulta aos órgãos que integram o Sistema nacional de Defesa do Consumidor, nas

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hipóteses previstas no Capítulo XIII, prestando para tanto o auxílio técnico ao Beneficiário sempre que solicitado.

§ 3º. Os Beneficiários podem optar pela não participação dos Assistentes e do Observador em suas reuniões, se assim preferirem, firmando termo de renúncia de tal prerrogativa.

Quanto aos cálculos sobre valores, estes são feitos com base na legislação e na Jurisprudência do STJ, nos termos do parágrafo único do art. 1º e do art. 15 do Regimento, sem, entretanto, deixar de considerar as circunstânceas específicas de cada caso. Haverá, sempre, cálculo individualizado do montante indenizatório, sendo claro o objetivo da câmara de garantir a analise individual e justa para cada caso concreto.

Parágrafo Único: Os valores indenizatórios serão calculados com base nos Parâmetros Referenciais definidos a partir dos parâmetros estabelecidos pela legislação vigente e aplicados pelos Tribunais pátrios

[…]

Art. 15. Os valores das indenizações deverão ser balizados pelos Parâmetros Referenciais.

§ 1º. Independentemente dos Parâmetros Referenciais, sempre haverá cálculo individualizado e pormenorizado, que levará em conta as circunstânceas específicas de cada Beneficiário.

§ 2º. A eficácia dos parâmetros é exclusiva na esfera da Câmara e tem caráter extrajudicial não vinculando as partes ao seu cumprimento fora desse âmbito.

§3º. Os casos excepcionais serão analisados individualmente, de forma a garantir a efetiva indenização do Beneficiário.

Superada a fase de análise do caso, é marcada uma reunião onde a TAM oferece uma proposta de indenização, apresentando detalhadamente os critérios e parâmetros de cálculos utilizados, sendo defeso ao beneficiário fazer qualquer questionamento. Após isso, dispõe o beneficiário de 30 dias para aceitar a proposta que, em ocorrendo, será lavrada em escritura pública, dando-se a devida quitação dos danos para com a empresa.

A qualquer momento, a parte pode requisitar informações perante os órgãos de consulta descritos no §1º do art. 8º e de acordo com os arts. 11 e 12, todos do Regimento. As consultas podem versar sobre as questões apontadas no art. 29, e suspendem o prazo de 30 dias acima mencionado nos termos do art.28. Ressalte-se que é dever dos órgãos que integram o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor exercer função fiscalizadora quanto ao funcionamento da câmara, segundo expressa determinação de seu Regimento.

Art. 8º. Aos órgãos que integram o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (art. 6o supra) compete monitorar o funcionamento da Câmara, garantindo a estrita observância do presente Regimento, dos princípios e direitos fundamentais, previstos na Constituição Federal de 1988, na Lei 8.078, de 11 de novembro de 1990, e nos artigos 944 e seguintes do Código Civil de 2002.

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§ 1º. Dúvidas dos Beneficiários relativas à indenização poderão ser encaminhadas ao Conselho dos órgãos que integram o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, que funcionará nos termos do artigo 11 infra, e será composto pela Defensoria Pública, Fundação Procon e Ministério Público todos do Estado de São Paulo, que se pronunciará formalmente.

Art. 11. A Câmara contará com o Conselho dos órgãos que integram o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor que funcionará conforme as regras dos artigos 29 e 30, infra, composto na forma do artigo 8º, § 1º, supra, cuja principal incumbência é a de emitir Parecer formal nas Consultas, acerca de quaisquer questões ou dúvidas individuais relativas à indenização, eventualmente surgidas no procedimento da Câmara.

Art. 12. Em resposta à Consulta, os órgãos que integram o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor elaborarão um Parecer, sem caráter vinculante, que não gera direitos ou obrigações para a TAM e/ou para os Beneficiários, cuja finalidade é a de prestar esclarecimentos necessários, principalmente aos Beneficiários, de modo a possibilitar que façam uma opção informada para a celebração ou não do acordo.

Art. 28. Os Beneficiários terão o prazo de 30 dias para a aceitação da Proposta de Indenização, contados de sua apresentação. No caso de apresentação de Consulta ao Conselho dos órgãos que integram o Sistema nacional de Defesa do Consumidor, o prazo será interrompido e começará a fluir após o recebimento do respectivo Parecer pelas partes.

Art. 29. As Consultas formuladas pelos Beneficiários ao Conselho dos órgãos do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor poderão versar sobre:

I – legitimação para participação da Câmara;

II – força probatória de documentos e/ou depoimentos;

III – presença de circunstânceas extraordinárias ou de fatos que impliquem revisão da indenização;

IV – qualquer forma de erro no cálculo dos valores ou na aplicação dos Parâmetros Referenciais;

V – quaisquer outras questões de maior complexidade jurídica;

VI – os casos omissos deste regimento.

A Câmara ainda está em atividade, com sede na cidade de São Paulo e tem como fixação para encerramento de suas atividades a apreciação de todos os requerimentos protocolados por beneficiários legitimados. Sendo a data limite de protocolo, ingresso na câmara, o dia 23 de outubro de 2008.

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Pode-se observar, diante dos procedimentos acima transcritos, que a Câmara de indenização do vôo 3054, assemelha-se ao instituto da mediação acima tratada, uma vez que os órgãos do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor facilitam e participam efetivamente da composição entre os beneficiários e a empresa aérea TAM, participando de todas as reuniões e emitindo pareceres no caso de consulta; tendo ainda o dever de salvaguardar os objetivos e princípios da Câmara.

Mais evidente fica a relação da Câmara em estudo com o instituto da mediação ao se observar os princípios constantes do art. 2º de seu Regimento Interno, nos quais ela se institui.

Art. 2º. Os princípios que regem a Câmara são os da isonomia, transparência, liberdade de escolha e autonomia da vontade, celeridade, eficiência, impessoalidade, publicidade dos procedimentos (ressalvado o sigilo necessário à preservação da intimidade dos envolvidos) moralidade, distributividade, pleno acesso, racionalidade, razoabilidade, promoção dos valores sociais de honestidade e comunidade, fortalecimento da sociedade cívica e da cidadania e dignidade da pessoa humana.

Tais princípios estão em consonância como os próprios princípios da mediação, como a imparcialidade, credibilidade, competência, confidencialidade e a diligência, demonstrando, de forma mais forte, a clara relação entre a Câmara e o instituto da mediação no direito brasileiro. (SALES, 2007).

No caso em análise, tem-se a Câmara, juntamente com os órgãos que integram o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, os assistentes e os auxiliares, como a figura do terceiro imparcial que facilita o diálogo entre as partes e a empresa TAM, objetivando que elas, por mútuo consenso, cheguem a uma decisão final acerca das compensações devidas pelo acidente. Evita-se a burocracia e demora do judiciário, objetivando-se a solução mais eficaz possível para o conflito.

Assim, no momento em que, no exemplo do caso analisado, a empresa se posiciona de forma igual para com as vítimas, tratando-as de forma individualizada, ouvindo suas razões e necessidades, chega-se muito mais próximo ao ideal do íntimo do conflito, diferentemente da morosa solução judicial. Nesta, dificilmente se tocaria nesse ponto. Há uma relação muito distante e desigual entre as partes, o que ocasiona uma verdadeira má administração do conflito, contribuindo para um mal estar social e um sentimento de injustiça.

Tem-se, portanto, no modelo inaugurado no Brasil pela Câmara de Indenização 3054, uma oportunidade de viabilizar uma saída eficiente, justa e célere para todos os acidentes de consumo, evitando a já demonstrada e comentada morosidade do Poder Judiciário.

CONCLUSÃO

A pesquisa realizada mostra a riqueza do Código de Proteção e Defesa do Consumidor – CPDC, instrumento normativo singular no ordenamento jurídico nacional, merecedor de profundas análises e discussões no meio jurídico. Referido diploma legal, no entanto, tem sua eficácia limitada ante o próprio desconhecimento da lei, decorrente, talvez, da

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inércia do Poder Público em instituir seus princípios, em particular o mandamento do seu artigo 5o.

Tanto isto é verdade que, quase dezoito anos após sua vigência, as políticas básicas nele previstas ainda não foram devidamente implementadas, bem como vários dispositivos legais, nele constantes, restam subutilizados ou utilizados inadequadamente, por advogados, defensores públicos, promotores de justiça e até mesmo por juizes. Sequer temos delegacias especializadas em relação de consumo ou Juizados, como determina o CPDC, para a execução da Política Nacional das Relações de Consumo.

Assim, acredita-se que a atual realidade do Poder Judiciário não está apta a tratar dessas controvérsias da forma como elas devem ser tratadas, com atendimento apropriado, em conformidade com a realidade sistêmica do Direito do Consumidor. São necessárias francas conversas, respeito ao sofrimento das vítimas e sincera ocorrência de boa-fé e mútua cooperação, necessários a qualquer meio de resolução de controvérsias.

Nesse contexto, a instituição de uma via alternativa, de um mecanismo eficiente de resolução de conflitos de forma extrajudicial, mostra-se necessária, dando inclusive a impressão de que tal implementação já viria tarde.

Resta agora buscar a implementação prática tanto de um mecanismo extrajudicial aplicável a todos os acidentes de consumo, como também dos instrumentos constantes da do art. 5º do CPDC, no intuito de melhor estruturar o Poder Judiciário, deixando-o apto a tratar não só dos acidentes de consumo mas de toda matéria que envolva direitos do consumidor, de forma plena e satisfatória.

Existem, portanto, no mínimo, dois caminhos a serem seguidos, os quais não se excluem, mas se complementam e não são novidade, dada a realidade principiológica do Direito do Consumidor brasileiro: é perfeitamente viável e necessário, a efetivação do CPDC e a garantia dos direitos dos consumidores, além do sistema tradicional, a utilização de sistemas alternativos e eficazes, como o apresentando neste trabalho.

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