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1 Seminário Internacional Fazendo Gênero 10 (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2013. ISSN 2179-510X
ACESSO E APROPRIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS DE GÊNERO NO CENTRO-SUL CEARENSE: OBSERVAÇÕES PRELIMINARES1
Glauberto da Silva Quirino2
Roberto Marques3 Iara Maria de Araújo4
Resumo: Apresentaremos dados da pesquisa “Mulheres em situação de violência: acesso e apropriação das políticas públicas de gênero no centro-sul cearense”. Caracterizaremos o perfil da relação agredida/o-agressor/a, descrevendo os tipos de agressão registrados nos órgãos de atendimento à mulher dos municípios pesquisados, bem como avaliaremos acesso e apropriação das políticas de Estado em municípios de diferentes portes da região. Inspirados em dados quantitativos levantados na DEAM-Crato ao longo dos últimos quatro anos, tenta-se agora complexificar as questões em termos de abrangência das delegacias pesquisadas, levando-se em conta também outras políticas públicas, adicionando-se as Estratégias de Saúde da Família e os Centros de Referência Especializada em Assistência Social. Tentaremos visualizar demandas e apropriações de políticas de equidade de gênero em municípios de menor porte, considerando que as ESF possuem abrangência maior e o CREAS atendem pessoas em situações de vulnerabilidade social. Nessa fase da pesquisa, apresentaremos dados das delegacias da região, enfocando marcadores de gênero e classe social de agressores/as e agredidas/os, caracterizando a apropriação da política pública de equidade de gênero em um universo local marcado pelas imagens de patriarcalismo, violência de gênero e atraso. Palavras-chave: Política Públicas. Gênero. Violência. As Delegacias Especializadas de Atendimento às Mulheres no Centro-Sul Cearense
As Delegacias Especializadas de Atendimento às Mulheres têm ocupado um lugar de
destaque nos debates sobre a violência contra a mulher. Considerada a principal política pública
voltada para as mulheres no Brasil, resultou da ação do movimento feminista no combate à
violência de gênero, e particularmente a violência doméstica e/ou familiar. São tidas como lugares
de informação, escuta, orientação, aconselhamentos e encaminhamentos jurídicos. O surgimento
desses equipamentos públicos se revela como resposta às reivindicações dos movimentos sociais,
indicando que suas funções vão além da punição e repressão, atuando na defesa, proteção e
1Os resultados apresentados referem-se à pesquisa em andamento intitulada “Mulheres em situação de violência: acesso e apropriação de políticas públicas de gênero no centro sul cearense”, financiada pelo CNPq através da Chamada Nº 32/2012. 2 Doutor em Educação em Ciências: Química da Vida e Saúde (UFSM). Professor Adjunto do Departamento de Enfermagem da Universidade Regional do Cariri (URCA), Crato-CE, Brasil. 3 Doutor em Antropologia Cultural (UFRJ). Professor Adjunto do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Regional do Cariri (URCA), Crato-CE, Brasil. 4 Doutora em Sociologia (UFC). Professora Associada do Departamento de Educação da Universidade Regional do Cariri (URCA). Bolsista de produtividade em pesquisa da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FUNCAP), Crato-CE, Brasil.
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construção dos direitos humanos. Essas instituições se estabelecem no intento de dar soluções
legais e tratamento justo às questões que extrapolam hoje o domínio do que chamamos de privado,
tornando a violência contra a mulher como uma questão pública (ARAÚJO; SILVA, 2011).
As décadas de 1970 e 1980 foram férteis no tocante a ações e mobilizações que colocavam
como pauta o combate à violência contra a mulher. Desde então essa temática acabou ganhando
visibilidade, se tornando objeto de estudos acadêmicos, de denúncias e de campanhas para a
prevenção e a punição da violência. Desde 1985, ano da criação da primeira delegacia, ocorreram
mudanças significativas que afetaram não só o funcionamento dessas instituições, mas também a
mulher e seu comportamento diante destas. Embora as DEAMs sejam uma política de âmbito
nacional, muitas singularidades envolvem o funcionamento e as experiências vivenciadas nesses
equipamentos públicos nos diferentes contextos sociais e culturais onde eles se encontram. A
apropriação local dessas políticas envolve rearranjos diversos, merecendo a compreensão das
diversas lógicas que permeiam o uso e apropriação de políticas públicas de gênero, objetivo da
pesquisa em foco.
A implantação das DEAMs no centro-sul cearense teve início a partir de uma onda de
homicídios na cidade de Crato e na região do Cariri, ocorrida a partir de 2001, que chegou a vitimar
13 mulheres em pouco espaço de tempo. Os crimes foram chocantes, impactando a região e o
Estado do Ceará. A partir de então, uma série de mobilizações envolvendo vários setores dos
movimentos sociais organizados vai a público denunciar os crimes e exigir a punição para os
culpados. Abaixo–assinados, entrevistas, atos públicos e passeatas foram algumas das mobilizações
para chamar a atenção da população e dos setores públicos para a violência sofrida pelas mulheres
em seus vários aspectos. Alguns desses atos foram coordenados pelo Conselho Municipal dos
Diretos da Mulher, entidade criada na cidade de Crato desde 1993, com ação voltada para a defesa
dos interesses das mulheres. Neste caso, o ato extremo do poder masculino de vida e de morte de
mulheres tornou-se um foco que repercutiu na opinião pública e mobilizou a população.
Conforme demonstrado em Marques (2013), as características de violência imputada às
vítimas naquela ocasião, característicos de crimes de formação de quadrilhas, não conseguem
suplantar a imagética patriarcal e rural utilizada nos jornais locais, estaduais e nacionais para se
referir a essa região. A violência contra a mulher é utilizada, portanto, para referendar uma imagem
estática de atraso e patriarcalismo em oposição ao desenvolvimento, urbanidade e cosmopolitismo
da capital do Estado. Esse jogo de imagens que alinha lutas do movimento feminista transnacional,
os processos de universalização dos direitos humanos e uma imagística sobre a região do Cariri
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apoiada nas ideias de atraso e patriarcalismo, revela um complexo jogo de forças cuja recepção
local vale a pena perceber.
As mobilizações e denúncias culminaram na criação de três Delegacias Especializadas de
Atendimento às Mulheres no centro-sul cearense, especificamente nos municípios de Crato,
Juazeiro do Norte e Iguatu. Se contabilizarmos o fato de que apenas sete municípios cearenses
dispõem desse equipamento público, e que três desses municípios se localizam na região
metropolitana de Fortaleza, perceberemos a importância desses dados para a compreensão das
relações de gênero em um cenário narrado a partir de imagens rurais no interior do Ceará.
O presente estudo encontra inspiração na tentativa de consolidar o perfil das usuárias e dos
usuários das DEAMs no centro-sul cearense, em uma porção do Estado longe da capital e das
principais políticas públicas voltadas para a equidade de gênero. Para abranger municípios de
pequeno e médio porte, entrecruzaremos esses dados com informações dos profissionais envolvidos
em outras duas políticas públicas da região, na tentativa de perceber possíveis diferenças e
especificidades na recepção dessas políticas públicas de acordo com a origem social e local das
usuárias e usuários.
A pesquisa “Mulheres em situação de violência: acesso e apropriação das políticas públicas
de gênero no centro-sul cearense” tem buscado, a partir de levantamento e entrecruzamento de
dados específicos, caracterizar a relação agredido/a-agressor/a; descrever os principais tipos de
agressão registrados nos órgãos de atendimento à mulher presentes nos municípios pesquisados,
bem como avaliar o acesso e apropriação das políticas de Estado em municípios de diferentes portes
na região do centro-sul cearense.
Aqui, apresentaremos dados das delegacias da região, enfocando marcadores de gênero, tipo
de agressão, natureza da relação entre denunciantes e acusados/as, escolaridade, ocupação e idade
de agressores/as e agredidas/os.
Para tanto, realizou-se uma pesquisa descritiva de natureza quanti-qualitativa com
abordagem socioantropológica (HEILBORN et al., 2002), nas DEAMs de Crato, Iguatu e Juazeiro
do Norte. A coleta de dados foi realizada por meio de formulário elaborado em pesquisa anterior
(ARAÚJO, 2012). Esse levantamento aconteceu por meio de consultas aos inquéritos instaurados
entre os anos de 2006 a 2012. Concomitante ao levantamento de dados realizou-se observações nas
delegacias, por meio de diário de campo, para detectar a forma de atendimento, acolhimento,
orientação, procedimentos realizados pelos profissionais destas DEAMs. Após a coleta, os dados
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empíricos foram organizados por meio de gráficos, que foram analisados em consonância com o
referencial teórico.
O cotidiano das delegacias
As DEAMs situadas no centro-sul cearense nos municípios de Crato, Juazeiro do Norte e
Iguatu foram criadas no mesmo ano, em meados de 2002. As Delegacias nas três cidades estão
situadas em bairros centrais e de fácil acesso. Mantém um quadro de pessoal envolvendo escrivãs,
inspetores, atendentes, pessoal de limpeza além da delegada, variando entre oito a 13
funcionários/as. Na DEAM de Crato um dos inspetores assume a função de mediador, pois nessa
instituição há uma sala só para a conciliação. O atendimento das delegadas não se dá de forma
contínua, não contando com profissionais substitutos para licenças e afastamentos rápidos. O
expediente de trabalho acontece em dois turnos, das oito às 18 horas, de segunda à sexta-feira.
Apesar do número razoável de funcionários/as, este não é suficiente para a demanda das DEAMs de
Juazeiro do Norte e Crato, que tem maior procura, comparada com a de Iguatu que apresenta
número de ocorrências bem inferior. Dessa forma, não conseguem acompanhar a todos os casos,
principalmente após a aprovação da lei “Maria da Penha”. Os/As funcionários/as das delegacias
relatam a carência de profissionais tais como, psicólogos/as e assistentes sociais, funções
necessárias no atendimento e executadas informalmente por pessoal não habilitado/a para tal
função.
A função da delegada é despachar os procedimentos, mandar ordens para o cartório,
acompanhar os procedimentos, assinar documentos e ouvir depoimentos das partes envolvidas na
denúncia. As escrivãs registram boletins de ocorrência (BOs) e termos circunstanciais de ocorrência
(TCOs), organizam inquéritos para enviar à justiça, elaboram estatísticas e juntamente com a
delegada escutam os depoimentos das partes. Os policiais, que estão divididos entre externos e
internos, desempenham a função de entregar intimações, cumprir mandado de busca e apreensão,
encaminhar vítimas para o Instituto Médico Legal (IML), entregar correspondências externas,
triagem e transporte de presos/as. Para o investigador cabe o papel de colher informações e
investigar a denúncia. Já o mediador faz a conciliação da denunciante com o denunciado por meio
de uma conversa com os dois na tentativa de chegar a um acordo sem precisar entrar com uma ação
judicial. Na prática cotidiana essas funções são muito flexíveis. As escrivãs muitas vezes realizam o
trabalho da delegada, principalmente nos momentos em que a mesma está ausente. Os policiais
comumente fazem o atendimento às pessoas que entram na delegacia e a ordem de policiais entre
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internos e os externos é constantemente alterada. Todos/as os/as agentes exercem também a função
de informantes, aconselhando as denunciantes, testemunhas e acusados. Muitos/as dos/as
usuários/as desconhecem seus direitos, ignoram os procedimentos de denúncia e a melhor forma de
agir.
A exposição midiática da lei elevou o número de processos nas delegacias, e no centro-sul
cearense não foi diferente. Além disso, a lei “Maria da Penha” trouxe mudanças para os
procedimentos junto à queixa. Antes da lei, o encaminhamento do processo dependia
exclusivamente da vontade da declarante em dar continuidade à acusação. Com a lei, os
encaminhamentos do processo passam a depender não só da vontade da declarante, mas da
gravidade do caso e/ou do ato flagrante. A lei 11.340/2006 formaliza que alguns casos em especial
serão encaminhados às instâncias judiciais mesmo sem haver a disposição da vítima para a ação.
Desse modo, todos os casos de estupro e agressão física que chegarem à delegacia vão virar
inquéritos processuais, mesmo nos casos em que a vítima não quiser dar prosseguimento. Quando a
situação é de ameaça, injúria, ou seja, quando não envolve violência física, o procedimento vai
adiante ou não de acordo com a vontade da usuária.
A forma como as mulheres chegam e são atendidas varia dependendo da condição, se é a
primeira vez que vêm prestar queixa ou se são reincidentes. Nos casos reincidentes, elas já
demonstram familiaridade com o ambiente e com os procedimentos, geralmente perguntam pelos/as
funcionários/as pelo nome. Nesses casos, não raro, as mulheres são recepcionadas com expressões
tais como, “você novamente!” ou “o que foi dessa vez?” As que vêm pela primeira vez, geralmente
tentam se informar sobre os procedimentos e aguardam até alguém vir atendê-las e prestar as
orientações necessárias. Em muitos casos, esse atendimento é demorado, causando inquietações.
Observamos também que as mulheres em situação de violência, em raros casos, se dirigem sozinhas
à delegacia, sempre vêm com parentes adultos ou conhecidos. Também é comum a prática de trazer
os/as filhos/as, geralmente pela impossibilidade de ter com quem deixá-los/as. Durante as
observações nas DEAMs percebemos certo desconforto por parte dos/as funcionários/as quanto à
presença de muitos acompanhantes, gerando comentários do tipo, “e trouxe a família toda?”.
Geralmente os comentários soam em tom de reprovação, ocorrendo também repreensões,
especialmente nos casos em que as crianças ficam soltas na delegacia.
De acordo com as observações realizadas na delegacia e relatos das agentes das DEAMs, as
usuárias que procuram a delegacia têm necessidade de falar, desabafar, compartilhar suas
dificuldades. Como não há equipe multidisciplinar, os responsáveis pelo trabalho do cartório, que é
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o registro da queixa e os encaminhamentos processuais, acabam por assumir outras dimensões, pelo
tipo de relação estabelecida nessas circunstâncias. Muitas dessas mulheres esquecem até de relatar a
agressão e focam o discurso em seus sentimentos em relação ao agressor, o mais comum de se ouvir
são frases do tipo: “eu não aguento mais”, “não entendo por que ele é assim”, “eu já fiz de tudo,
mas não dá mais”. São relatos frequentes de relações amorosas que se transformaram em brigas,
agressões físicas e simbólicas, e ameaças de morte. Ciúmes, alcoolismo, inseguranças e
cerceamento da liberdade são alguns dos fatores precipitantes que acabam culminando com a
violência.
Apesar da delegacia ter por finalidade a criminalização do agressor, as mulheres se utilizam
desse aparato policial de diversas formas. Para muitas, esse local representa não apenas um espaço
para denunciar a violência sofrida, mas um lugar de informação apoio e segurança, ou mesmo para
chamar a atenção do agressor na perspectiva de renegociar o pacto conjugal (ARAÚJO, 2012;
MORAIS; SORJ, 2009; PASINATO; SANTOS, 2004). A intenção é reequilibrar a relação conjugal
e, portanto nem sempre criminalizar o agressor pelo ato violento, mas corrigi-los em uma
perspectiva de adequação aos papeis conjugais esperados por meio de ameaça ou mediação através
do suposto poder dos agentes policiais. No fundo, o que muitas esperam com esse ato, é uma
solução via consenso.
Esses aspectos revelam a complexidade da judicialização da violência inscrita no âmbito dos
conflitos interpessoais envolvendo os domínios públicos e privados, e, conforme nos mostra Rifiotis
(2003), torna-se problemática a criminalização desses conflitos.
Alguns resultados preliminares
Os dados abaixo apresentados são resultados preliminares das coletas realizadas na primeira
fase da pesquisa, referente a presença da equipe de pesquisadores/as5 nas três delegacias acima
definidas. Como dissemos, a partir dos contatos com as delegadas responsáveis e o acesso aos
arquivos de boletins de ocorrência e inquéritos, estabeleceu-se também a observação dos serviços
acompanhada da notação em caderno de campo. As análises aqui apresentados são decorrentes
dessa inserção e metodologias.
Definimo-nos por apresentar os dados a partir do ano de 2006, ainda que, conforme
mencionado, as delegacias tenham se instaurado entre 2002 e 2003. A escolha não foi aleatória: aos
5 O levantamento de dados contou com a colaboração do mestrando Antônio Lucas Cordeiro Feitosa e dos graduandos e graduandas Francisca Maria Barbosa, Graciella de Araújo, Lucas Palmeira Dantas, Michelle Damaceno, Paula Bandeira, Tatiane Bantim da Cruz, Tayenne de Oliveira e Wellington Mota.
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anos de instauração das três delegacias, seguiu-se uma adequação dos serviços ao universo em que
haviam se instalado, dentre o que destacamos tanto a apropriação da população local em um caráter
pedagógico contínuo sobre a definição do Estado nas relações de gênero, quanto a própria inserção
desse equipamento em meio a outros agentes, tais como ONGs, lideranças, delegacias civis, etc. A
construção dos serviços em sua relação com o público e agentes externos foi marcada por uma
institucionalização irregular, levando em alguns casos, a ausência de dados aos anos imediatamente
subsequentes a instalação das DEAMs.
Somente com a instauração da lei “Maria da Penha” os arquivos das delegacias passam a se
organizar de forma mais consistente, evidenciando a profissionalização dos serviços e a melhor
definição de sua função junto à população de usuários e usuárias desse serviço. Pensemos sobre
alguns desses dados.
A partir dos gráficos abaixo, pode-se perceber a consistência da descrição das agressões
cometidas. A soma das ações tipificadas a partir das noções de “agressão física” e “agressão
psicológica” contabilizam em todas as delegacias aqui observadas porcentagens acima de 65% do
número total de ocorrências, atingindo 76 % dos casos em Juazeiro do Norte.
Figura 1: Tipificação das agressões ocorridas em Juazeiro do Norte entre 2006 e 2012. Crato-CE,
2013.
Fonte: DEAM Juazeiro do Norte-CE
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Figura 2: Tipificação das agressões ocorridas em Crato entre os anos de 2006 e 2012. Crato-CE,
2013.
Fonte: DEAM Crato-CE
Figura 3: Tipificação das agressões ocorridas em Iguatu entre 2006 e 2012. Crato-CE, 2013.
Fonte: DEAM Iguatu-CE
Destaca-se a ocorrência de “agressões morais”, em Juazeiro do Norte, contabilizando 11,5%
dos casos e “agressões sexuais”, em Iguatu, contabilizando 12,9% do total de agressões. Seria um
erro tomar esses números de forma descritiva. Antes, eles informam sobre uma forma de recepção
das delegacias e o destino que tal equipamento encontra junto a população local, evidenciando o
que compreendem, para o centro-sul cearense, as relações de gênero e sua materialização mediada
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por um órgão público. Tal apropriação ganha corpo a partir do momento em que as DEAMs se
colocam como destino para esse tipo de queixa e no momento em que os atos performados e
verbalizados ali encontram, junto às escrivãs, policiais e delegadas, escuta e enquadramento,
conferindo às relações de gênero nova sensibilidade, nova gramática e novos agentes.
Apesar da importância dos assassinatos de mulheres ocorridos entre os anos de 2001 e 2003
para a implantação das delegacias no centro-sul cearense, é notório o fato de que as DEAMs
funcionam majoritariamente para a regulação das relações de gênero no âmbito familiar e
doméstico. Entre os dados levantados, o número de agressões realizadas por desconhecidos não
ultrapassa em nenhuma delas 3,0%, índice da DEAM de Crato. A porcentagem de agressões
realizadas por namorados também é bastante irrisória, chegando a seu maior índice, 2,3%, em
Juazeiro do Norte. Relações entre familiares contabilizam 84,9%, 85,3 % e 80,3%, respectivamente
em Crato, Juazeiro do Norte e Iguatu. Um dado relevante, no entanto, é a proximidade entre as
agressões sofridas por companheiros atuais e ex-companheiros6. Vejamos a figura abaixo:
Figura 4: Relação denunciante-denunciado em Juazeiro do Norte entre 2006 e 2012. Crato-CE,
2013.
Fonte: DEAM Juazeiro do Norte-CE
6 Devido ao limite de espaço, apresentamos aqui somente o gráfico relativo a DEAM em Crato-CE. Considere-se que há proximidade entre tais dados e os encontrados nas outras duas delegacias pesquisadas.
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Possivelmente, a negociação no presente de relações do passado, muitas vezes mediada por
filhos/as, patrimônio móvel ou imóvel, bens ou simplesmente por convicções morais, apontam para
a contínua possibilidade de agredir a mulher, ainda que a relação tenha sido finalizada. O irrisório
número de agressões sofridas entre pai e filha7, em oposição ao número de agressões sofridas por
ex-companheiros aponta para uma apropriação da delegacia como local de negociação das relações
de gênero entre parceiros adultos, mas não iguais, em que o corpo de um é subjugado ao outro.
Aponta ainda para a indissolubilidade dessa subjugação.
Em relação à idade das denunciantes, observa-se maior incidência nas faixas etárias entre 20
e 39 anos com percentuais bastante semelhantes entre as três cidades. Iguatu apresenta o menor
índice (55,5%), seguido de Crato (55,6%) e Juazeiro do Norte (59,1%). Isto é mais da metade das
incidências, o que nos mostra um perfil de mulheres muito jovens. Por não haver delegacia
especializada para o atendimento de idosos/as, crianças e adolescentes muitas vezes estes/as são
encaminhados/as para a delegacia da mulher. O maior número de registro de acusados no que diz
respeito à idade encontra-se na faixa etária entre 30 e 39 anos com percentuais um pouco mais
elevados em relação às denunciantes, variando entre 62,2 % a 68,9%, o que demonstra também um
perfil jovem. Em seguida, os maiores índices encontram-se na faixa de 40 a 49 anos com dados que
variam de 16,2% a 18,6%.
Observa-se um baixo nível de escolaridade, tanto das denunciantes quanto dos agressores,
ambos, em sua maioria, têm até o ensino fundamental completo, com percentuais que variam de 53
a 79,6%, onde o Crato apresenta os menores índices e o Iguatu os maiores. Constatou-se uma
simetria de gênero na relação denunciante/acusado no que concerne à escolaridade. Pode-se afirmar,
ainda, que há uma pequena tendência de melhor desempenho escolar para as denunciantes, as quais
têm maior percentual de ensino médio completo e ingresso no ensino superior. Ademais, destaca-se
o considerável percentual médio de dados não informados para o município do Crato (17,5%),
dispersando-se dos demais (Juazeiro do Norte, 4,5% e Iguatu, 5,7%).
As mulheres, em geral, estão mais presentes na escola e, consequentemente, apresentam
melhor desempenho escolar e, portanto, maior escolaridade, quando comparadas aos homens.
Conforme apontam Quirino e Rocha (2012), a presença do sexo feminino no ensino médio de uma
escola pública de Juazeiro do Norte alcança índices de 80,6%, superior ao encontrado em outras
pesquisa (52,3 a 61,2%). Esse fato pode estar relacionado à maior evasão escolar e menor procura
do sistema educacional por parte dos adolescentes do sexo masculino. Ademais, destaca-se que uma 7 3,2%, 3,7% e 3,2% do total de agressões entre 2006 e 2012, ocorridas respectivamente em Juazeiro do Norte, Crato e Iguatu.
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complexa trama de masculinidades e feminilidades se articula ao pertencimento social dos/as
estudantes, com implicações diferenciadas para o fracasso/sucesso escolar (BRITO, 2006).
A ocupação das denunciantes acontece no âmbito doméstico, geralmente, mulheres que têm
as lides domiciliares como atividade remunerada ou não, onde os percentuais foram semelhantes
nas três cidades, com variação de 39 a 41%. Juazeiro do Norte tem uma tendência menor de
mulheres estudantes (9,3%) quando comparado aos demais municípios (Crato, 16,4% e Iguatu,
16,0%), entretanto maior proporção de trabalhadores/as do comércio (maior percentual masculino,
20,1%), esse fato decorre da sua base econômica, voltada para atividades comerciais. Quanto ao
perfil dos acusados há variação de maior frequência nas três cidades: Crato (construção civil),
Juazeiro do Norte (comércio) e Iguatu (trabalhador rural). Constata-se que a ocupação concentra-se
em atividades que requerem baixa escolaridade.
A violência doméstica é comumente associada à desestruturação social e à posição
subordinada na hierarquia de gênero que coloca a mulher em situação de vulnerabilidade, nesse
sentido os homens sofrem mais violência no espaço público e a mulher no privado, isto decorre do
fato das mulheres manterem posição social delicada em relação à autonomia e a dificuldade de
romper com a ordem social que confere sentido à existência das mulheres no âmbito da casa,
família e casamento, construindo suas trajetórias de vida a partir dessas instituições (CARRARA et
al., 2009).
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Access and ownership of public policies on gender South Central Ceará: preliminary observations Astract: We will present data from the study "Women in violent situations: access and ownership of public policies on gender in south central cearense" Characterize the profile of the relationship assaulted-aggressor, describing the types of aggression recorded in the organs to assist women of the municipalities surveyed, as well as evaluate access and appropriation of state policies in municipalities of different sizes in the region. From the quantitative data collected in DEAM-Crato tries now complexify the issues in terms of coverage of the surveyed stations and other public policies cover, adding Strategies Family Health and Reference Centers Specializing in Social Work. We will try to visualize demands and appropriations policy of gender equity in small cities, whereas the ESF have greater scope and CREAS serving people in situations of social vulnerability. In this phase of research, we present data from stations in the region, focusing on markers of gender, ethnicity and social class of offenders and abused, featuring the appropriation of public policy on gender equity in a local universe marked by images of patriarchy, gender violence and backwardness. Keywords: Public Policies. Violence. Gender.