acesso aos medicamentos: saÚde legal ou doenÇa social?

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” PROJETO A VEZ DO MESTRE ACESSO AOS MEDICAMENTOS: SAÚDE LEGAL OU DOENÇA SOCIAL? Uma análise da questão da judicialização da saúde à luz da bioética e da relação cliente-fornecedor entre o estado e a sociedade Por: Rosecleide Ferreira Andreu Orientador Prof. William Martins Co-orientador Prof. Rildo Pereira da Silva Rio de Janeiro 2011

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Uma análise da questão da judicialização da saúde à luz da bioética e da relação cliente-fornecedor entre o estado e a sociedade

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO A VEZ DO MESTRE

ACESSO AOS MEDICAMENTOS:

SAÚDE LEGAL OU DOENÇA SOCIAL?

Uma análise da questão da judicialização da saúde à luz da bioética

e da relação cliente-fornecedor entre o estado e a sociedade

Por: Rosecleide Ferreira Andreu

Orientador

Prof. William Martins

Co-orientador

Prof. Rildo Pereira da Silva

Rio de Janeiro

2011

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO A VEZ DO MESTRE

ACESSO AOS MEDICAMENTOS:

SAÚDE LEGAL OU DOENÇA SOCIAL?

Uma análise da questão da judicialização da saúde à luz da bioética

e da relação cliente-fornecedor entre o estado e a sociedade

Apresentação de monografia à Universidade

Candido Mendes como condição prévia para a

conclusão do Curso de Pós-Graduação “Lato Sensu”

em Direito do Consumidor por Rosecleide Ferreira

Andreu.

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AGRADECIMENTOS

À minha família, em especial à minha

querida mãe, Maria José Ferreira

Andreu, que é força divina, sem a qual

eu não teria galgado mais este degrau

de minha formação.

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DEDICATÓRIA

Como este trabalho é resultado de uma

trajetória, dedico-o a todas as pessoas

que ajudaram a iluminar este meu

caminho, em especial a Henrique do Vale,

o “Quiquinho” (in memorian), que quando

dos meus primeiros passos escolares foi

um constante tutor e incentivador.

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RESUMO

Esta monografia trata da crescente judicialização da saúde no âmbito da

assistência farmacêutica, especialmente no que se refere ao acesso aos

medicamentos por meio do Sistema Único de Saúde (SUS). Entendendo que,

na prática social e política, sociedade e Estado estabelecem relações

características de cliente e fornecedor, o trabalho faz uma análise teórica

destas relações, à luz da legislação vigente e com o aporte teórico da bioética

da proteção.

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METODOLOGIA

Estudo teórico a partir de pesquisa bibliográfica e análise comparativa.

Uma vez delimitado o problema e definido o objeto de estudo, concluí que a

pesquisa bibliográfica deveria obedecer a uma organização didática, a fim de

enriquecer a análise comparativa intencionada, sendo, desta forma,

classificada em três blocos distintos e inter-relacionados: bibliografia sobre

acesso a medicamentos na visão da bioética, bibliografia sobre acesso a

medicamentos na visão do SUS e bibliografia sobre acesso a medicamentos

na visão do Poder Judiciário.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 08

CAPÍTULO I - ASPECTOS BÁSICOS E CONCEITUAIS 09

CAPÍTULO II - ACESSO AOS MEDICAMENTOS E OS

PRINCÍPIOS NORTEADORES DO SUS 20

CAPÍTULO III - ACESSO AOS MEDICAMENTOS

E A JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE 24

CONCLUSÃO 29

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 31 REFERÊNCIAS BILBIOGRÁFICAS 33

ÍNDICE 36

FOLHA DE AVALIAÇÃO 38

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INTRODUÇÃO

A presente monografia discute a questão central da problemática estabelecida

entre o direito à saúde - que deve ser garantido pelo Estado Brasileiro - e o real

acesso a ela por parte do cidadão, especificamente no que se refere ao acesso

aos medicamentos no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS).

Pressupondo a relação entre cidadão e Estado como uma relação entre cliente

e fornecedor, o primeiro capítulo concentra-se nas definições conceituais

essenciais ao entendimento da complexidade característica dos sistemas de

saúde, além daquelas relativas ao direito do consumidor, com vistas a

estabelecer os seus pontos de interseção.

O capítulo dois fecha o seu foco sobre os princípios do SUS, em especial os

quatro principais: descentralização, equidade, integralidade e universalidade,

relacionando-os ao tema do acesso aos medicamentos.

O recorte feito no terceiro capítulo circunscreve o objeto de estudo à

judicialização da saúde no que se refere à assistência farmacêutica e seus

desdobramentos práticos quanto ao acesso aos medicamentos.

Por fim, à guisa de considerações finais e de conclusão, apresenta-se uma

síntese do trabalho, além de algumas proposições para a melhoria das

relações entre o Poder Judiciário, materializado na figura dos tribunais; o Poder

Executivo, representado pelo Ministério da Saúde e secretarias estaduais e

municipais de saúde; e a sociedade, em especial os cidadãos que se

encontram na condição de pacientes, pleiteadores do direito ao acesso aos

medicamentos.

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CAPÍTULO I

ASPECTOS BÁSICOS E CONCEITUAIS

Sendo a saúde pública um tema de alta complexidade (para usar um de seus

termos típicos), é pertinente definir, já nas linhas iniciais deste trabalho, alguns

conceitos ainda nebulosos ou desconhecidos para a maioria dos profissionais

do Direito, em especial do Direito do Consumidor.

1.1 – Sistema de saúde

Um sistema de saúde é o resultado do conjunto das diretrizes, normas e

políticas que definem e regulamentam os serviços de saúde.

Serviços de saúde compõem-se da totalidade das ações de cunho público ou

privado, ofertadas pelo sistema de saúde aos cidadãos, visando à qualidade

da vida humana.

Ainda hoje, o conceito de sistema de saúde é confundido com o de serviço de

saúde. Obviamente, os serviços estão contidos no sistema, mesmo que por

força de sua submissão às políticas de saúde, emanadas pelos governos e

materializadas na legislação vigente, mas, não necessariamente, estes

serviços são o próprio sistema.

Há diversos modelos de sistemas de saúde. No sistema de saúde

estadunidense, por exemplo, o estado norte-americano é gerador das políticas,

regulador dos serviços e fiscalizador do sistema, sem, entretanto, estar

comprometido em produzir serviços de saúde como assistência médico-

hospitalar ou farmacêutica. Os serviços de saúde são produzidos pela iniciativa

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privada; o estado atua predominantemente como um gestor público do sistema

(SCHULTZ, 2003).

Um sistema de saúde como o norte-americano, fundamentado no liberalismo,

portanto, com base na livre iniciativa e na oportunidade comercial, pressupõe

igualdade de condições socioeconômicas para todos os cidadãos, o que,

obviamente, não se aplicaria à realidade dos países de terceiro mundo,

permeada por descomunais desigualdades sociais, embora tal concepção

venha revelando-se uma utopia capitalista mesmo para uma potência

econômica como os Estados Unidos.

Em 2003 a estimativa era de que havia 40 milhões de pessoas excluídas do

sistema norte-americano, sem acesso a nenhum tipo de serviço de saúde

oficial, devido a uma lógica individualista e mercadológica de conceber a saúde

pública (SCHULTZ, 2003).

1.2 – Sistema Único de Saúde

É o sistema de saúde brasileiro, considerado por muitos especialistas como

um dos mais avançados do mundo, principalmente no que tange aos aspectos

sociais de sua concepção.

Embora criado em 1990, pela Lei Orgânica da Saúde nº 8.080 e fundamentado

nos princípios de universalidade, integralidade, eqüidade e descentralização, o

Sistema Único de Saúde ainda enfrenta grandes obstáculos a sua

consolidação em todo o território nacional. Tudo indica que tais dificuldades

são persistentes por se tratar de um sistema que tem sua estrutura

transversalizada pelas três esferas de poder do Estado Brasileiro: a municipal,

a estadual e a federal, o que estabelece relações de interdependência e

autonomia relativas entre elas, implicando em complexas interações políticas e

sociais, devido a interesses e particularidades regionais. Sendo o Brasil um

país com território de proporções continentais e grandes contrastes

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socioculturais e econômicos entre regiões, estados de uma mesma região e,

até mesmo, municípios de um mesmo estado. Esta diversidade reproduz-se na

realidade do funcionamento do SUS.

Fica patente a confusão entre sistema de saúde (SUS) e serviços públicos de

saúde, o que induz o usuário desavisado a relacionar os serviços estatais de

saúde à má qualidade; e os serviços privados de saúde à boa qualidade. Uma

fabulação do imaginário popular, uma vez que ambos os serviços de saúde

são serviços públicos, embora prestados por entidades diferentes.

Harmonizar a relação e a interação entre o estatal1 e o privado é tarefa

necessária, porém árdua, pois nossa história socioeconômica constitui-se de

uma cultura separatista destes dois planos. Em tempos de economia aberta e

mercados comuns, o binômio público-privado ainda se nos apresenta como um

antagonismo, quando deveriam estabelecer-se como áreas mutuamente

complementares.

A legislação vigente desde 1990 e aprimorada ao longo dos últimos 20 anos,

em geral, é considerada avançada e pertinente à realidade brasileira. É uma

legislação que, por sua contemporaneidade, sugere aptidão para atender às

demandas sociais típicas do terceiro mundo, entretanto, a sua aplicação

carece de maior austeridade e obstinação por parte dos órgãos competentes.

Equacionar os interesses do Estado e da iniciativa privada é condição básica

para consolidar a unicidade prevista para o sistema (SANTOS, 2003) e garantir

ao usuário a integralidade da assistência, inclusive a assistência farmacêutica.

1.3 – Direito fundamental

Fundamental é tudo o que é indispensável à existência do ser humano.

1 Opto pelo termo estatal em lugar de público por entender que, assim, fica mais clara a

contraposição entre os serviços prestados pelo Estado e os serviços prestados pela iniciativa privada.

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Assim sendo, o melhor exemplo de bem fundamental, considerando o tema em

epígrafe, é a vida, definidora que é da existência do próprio ser. Então, é

verdadeiro afirmar que só existe saúde onde há vida. Obviamente, pode-se

encontrar uma vida sem saúde, mas nunca a saúde sem vida.

Este argumento é estabelecedor de uma condição sine quo non irrefutável e

determinante da fundamentalidade do bem.

Todo bem fundamental deve ser juridicamente protegido como direito

fundamental. Tal entendimento é sustentado pela concepção do positivismo

legal, historicamente presente na Constituição da República Federativa do

Brasil.

Direito fundamental, portanto, é aquele que está protegido por meio de

cláusula pétrea, configurada no topo da estrutura jurídica da nação e detentora

de aplicação direta, não carecendo de legislação complementar para produzir

os seus efeitos (SARLET, 2002).

Trata-se do direito que assegura um bem inquestionavelmente imprescindível

ao indivíduo e que, enquanto bem, se nos apresenta indubitavelmente

verdadeiro, testemunho fidedigno da existência humana, como o é a própria

vida humana.

1.4 – O Estado como fornecedor

A particularidade da relação de consumo estabelecida entre Estado e

sociedade extrapola as convenções comerciais tradicionais. Embora nela não

esteja explícita a prática remuneratória característica das transações

contratuais de compra e venda, o Estado é um fornecedor, conforme prevê o

artigo 3º do Código de Proteção e Defesa do Consumidor (CPDC):

“Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que

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desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços” (CPDC, 1996).

Deste modo, o Estado configura-se num “ente despersonalizado”, ou seja, um

ente que se nos apresenta pela impessoalidade, embora fornecedor de

produtos e serviços, embora constituído pelos órgãos públicos por meio dos

quais emana o poder público, legitimado pelo contrato social garantido na

legislação vigente.

Se Estado é “(...) o conjunto das instituições públicas de um país” (HOUAISS &

VILLAR, 2001); ou ainda, “(...) o conjunto dos poderes políticos de uma nação”

(FERREIRA, 2001), pode-se concluir que é a este ente que o inciso X do artigo

6º do CPDC obriga à “adequada e eficaz prestação de serviços públicos em

geral” (CPDC,1996).

O contrato social implícito na relação entre Estado e sociedade, pode ser

entendido como o contrato que, entre outras, respalda as relações de consumo

entre os mesmos e gera as obrigações de fazer e não fazer explicitadas na

legislação específica.

1.5 – O cidadão como consumidor

Ao analisar a condição do consumidor em seu exercício de cidadania, é

inevitável não tratar do equilíbrio necessário entre direitos e deveres civis e

políticos que caracterizam uma democracia.

O cidadão define-se por sua atuação social à luz das leis que garantem os

direitos e prescrevem os deveres, o que, em suma, legitima o Estado como

regulador das relações entre indivíduo e sociedade. Segundo Aurélio Buarque

(2001), cidadão é o “indivíduo no gozo dos direitos civis e políticos de um

Estado”; já para Houaiss (1993), é o “indivíduo que goza de direitos e deveres

num país”.

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Para efeito deste trabalho, pode-se deduzir que uma terceira definição,

resultante da aglutinação das duas anteriores, se faz apropriada, uma vez que

a primeira definição esclarece quais os direitos que considera, mas não alude

aos deveres; enquanto que a segunda relaciona os direitos e os deveres sem

especificá-los. Desta forma, em uma tentativa ao mesmo tempo de completude

e de especificação, concluo que cidadão é todo indivíduo no exercício dos seus

direitos e deveres civis e políticos.

Assim como o direito de ir e vir, o cidadão tem garantido o direito de comprar e

vender, prática que o classifica como um ser que oscila socialmente entre a

condição de consumidor e a de fornecedor ao exercer o direito de propriedade.

Quando adquire produtos ou serviços, assume o papel de consumidor,

aquisição esta que nem sempre se configura numa transação comercial, como

não o é no caso do acesso aos medicamentos por meio do Sistema Único de

Saúde. Portanto, relação de consumo não é sinônima de transação comercial.

Em seu artigo 2º, o Código de Proteção e Defesa do Consumidor consagra que

“Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou

serviço como destinatário final” (CPDC, 1996).

É importante observar que consumidor não é aquele que simplesmente

consome por meio da aquisição, mas aquele que consome e se situa na

posição final da cadeia de fornecimento, o referido destinatário final do artigo

supracitado.

1.6 – Acesso aos medicamentos

Antes de empreender esforços quanto à definição do que seja acesso aos

medicamentos, faz-se apropriado esclarecer o que é remédio e o que é

medicamento, conceitos aproximados e, compreensivelmente, confundidos

entre si.

Recorrendo ao Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa (FERREIRA, 2001),

encontra-se que remédio é: “Qualquer agente que cure, alivie, ou evite

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doença”; enquanto que, na mesma fonte, encontra-se que medicamento é:

“Substância ou preparado que se utiliza como remédio”. Numa comparação

analógica entre os dois conceitos, chega-se a conclusão elementar de que a

idéia de medicamento está contida na abrangência da definição de remédio,

sendo este carregado de um sentido amplo e irrestrito, relativo a todo e

qualquer recurso utilizado para vencer a doença; e aquele caracterizado por

sentido restrito e limitado à materialidade da substância, mistura ou preparo

que tem como fim específico de curar ou aliviar (GIGANTE, 1998).

Nestas perspectivas, uma dieta, uma prática de esportes e uma campanha

educativa de combate às drogas são remédios, assim como um medicamento

com base na penicilina também é um remédio, uma vez que todos visam

combater doença e promover a saúde.

Portanto, todo medicamento é um remédio, porém nem todo remédio é um

medicamento.

Por se tratar de questão polêmica, abordada sob uma diversidade de opiniões,

o acesso aos medicamentos requer uma definição conceitual complexa e de

difícil delimitação. Os estudiosos do tema divergem em suas concepções a

respeito do assunto.

Segundo Luiza & Bermudez (2004), “não existe uma definição operacional de

acesso a medicamentos”, ou seja, uma definição que possibilite um

entendimento comum e que sirva de ponto de partida para o debate produtivo

sobre o tema.

Basicamente, pode-se entender o acesso aos medicamentos sob duas

perspectivas: uma que concebe o acesso como um meio, portanto, uma via

pela qual se pode ou não atingir o fim que é a saúde; e a outra que entende

este acesso como um componente do próprio fim, como uma particularidade

imprescindível à integralidade do cuidado.

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Na primeira perspectiva, o acesso aos medicamentos é um “fator mediador”

(LUIZA & BERMUDEZ, 2004), entre o consumidor-usuário e o fornecedor-

provedor, que estão, no caso do SUS, respectivamente configurados nos

atores sociais cidadão e Estado. Assim sendo, amplitude e restrição no

acesso aos medicamentos são mais ou menos determinadas pela oscilação no

equilíbrio “entre os recursos de saúde ofertados e a população e suas

necessidades” (PENCHANSKY & THOMAS, 1981 apud LUIZA & BERMUDEZ,

2004), o que interpreto como uma abordagem mercadológica da saúde, uma

vez que a abrangência do acesso aos medicamentos, nesta concepção, é

relativista e condicionada à lei da procura e oferta, que é notadamente uma lei

econômica.

Embora seja o medicamento um produto que como tal deve ser tratado, não se

pode negligenciar o risco de entendê-lo unicamente como mercadoria geradora

de lucro. Neste caso, implica considerar que, em sua comercialização, há um

capital social relevante e que o seu consumo tem impacto direto sobre um bem

fundamental do consumidor: a vida.

Na segunda perspectiva, o acesso a medicamento é um dos serviços de saúde

assegurados pelo princípio da integralidade, portanto, um elemento particular

dos próprios fins do SUS. O acesso não deve estar condicionado a uma

disponibilidade entendida como uma simples oferta, mas ser garantido por uma

eqüidade racional na distribuição e na utilização dos medicamentos, conforme

preconizam Luiza & Bermudez (2004), “(...) os principais resultados desejados

do acesso aos medicamentos são a utilização racional e a satisfação do

usuário”.

Tratando do acesso aos medicamentos no âmbito da saúde pública, ao longo

deste trabalho adotarei esta última abordagem como base de argumentação,

uma vez que a mesma está em conformidade com os princípios norteadores

da legalidade do SUS.

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1.7 – Bioética

Em geral, encontra-se que o termo bioética foi cunhado entre 1970 e 1971 pelo

médico americano Van Rensselaer Potter. Entretanto, Eve Marie Engel (2004),

da Universidade de Tübingen – Alemanha, retroagiu o marco do surgimento do

termo em quase meio século, ao divulgar o artigo publicado por Fritz Jahr

(1927), no qual o mesmo usa o neologismo bioética para designar a idéia de

obrigações éticas não restritas às relações entre humanos, mas também

estendidas a todos os outros seres vivos.

Embora possa parecer óbvia a significância do neologismo, há diversas

abordagens e entendimentos quanto ao conceito de bioética.

A bioética é, essencialmente, um corpo pluralista de conhecimentos e

formulações teóricas, com vistas à solução de conflitos e ao enfrentamento de

dilemas morais. Sua construção, enquanto arcabouço epistemológico de

aplicação pratica da ética, dá-se, a priori, no processo da síntese

interdisciplinar (FONTES, 1999) que lhe é inerente.

Pode-se concordar, grosso modo, que a expressão bioética traduz-se por ética

da vida, o que talvez até satisfaça a ingênua curiosidade do senso comum,

porém, este conceito não atende às exigências do senso crítico.

Paradoxalmente, por ser generalista, esta definição torna-se limitada na sua

abrangência, pois amplia o espectro de sua abordagem, ou seja, abarca uma

amplidão incontível num determinado campo de conhecimento, e reduz a

dimensão da radicalidade filosófica exigida em sua análise. Ganha em

quantidade e perde em qualidade. Daí a existência das „várias bioéticas‟: de

gênero, animal, pública, ambiental, entre outras, que não são excludentes

entre si; apenas intentam delimitar um corte de abrangência no estudo de

determinados problemas relativos à vida. Compõem o escopo da bioética

enquanto disciplina ou campo de conhecimento, mantendo um limiar teórico

para garantir um certo nível de criticidade sobre seu objeto de análise. As

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diversas bioéticas integram-se num todo plural sem se descaracterizarem

como partes que são.

Um breve e crítico olhar, historicamente retrospectivo, sobre o século passado,

logo identificará complexidades morais que não cabem em tal simplificação. Os

conflitos bélicos das 1ª e 2ª grandes guerras mundiais, as experimentações

científicas com seres humanos absolutamente vulneráveis, evidenciaram para

a civilização ocidental os respectivos conflitos morais do nosso tempo.

Recorrendo a formulação conceitual sobre “amigos” e “estranhos morais”,

desenvolvida por H. Tristam Engelhardt Jr. (1998), não é exagero afirmar que

alguns agentes morais (governantes), detentores de poder adquirido ou

usurpado, impondo sua ética de dominação à maioria dos pacientes morais

(cidadãos), levaram grande parte da humanidade aos auspícios do

estranhamento moral e o planeta ao limiar da destruição.

Obviamente, a bioética assumiu, ao longo da régua do seu ainda curto tempo

de existência, enquanto disciplina ou campo de conhecimento, conceitos

vários, atendendo ao contexto sócio-cultural que cada época e cada sociedade

lhe impunha, uma vez que sua pretensão primeira é ser uma ética aplicada aos

fatos humanos relativos à vida, sejam eles considerados moralmente

aceitáveis ou repudiáveis (SCHRAMM, 2002).

A primeira corrente marcante de bioética é conhecida como principialista

(BEAUCHAMP & CHILDRESS, 2002), assim chamada por ser uma bioética

fundada sobre os princípios de autonomia, beneficência, não-maleficência e

justiça. Ainda de cunho hipocrático e inicialmente centrada na relação médico-

paciente, continua a exercer influência nas decisões relativas aos dilemas

morais inerentes à prática médica, além de hoje fundamentar grande parte das

decisões relativas à saúde pública, especialmente a pesquisa em farmacologia,

quando seres humanos são sujeitos de pesquisa durante o desenvolvimento

de novos medicamentos.

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A bioética principialista é a base teórica do documento legal que assegura os

direitos do indivíduo e legitima a pesquisa perante a sociedade e a comunidade

científica. Este documento é denominado “Termo de Consentimento

Informado” ou “Termo de Consentimento Livre e Esclarecido”, como

preconizado pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) e

preferido pelos bioeticistas brasileiros.

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CAPÍTULO II

ACESSO A MEDICAMENTOS E OS PRINCÍPIOS

NORTEADORES DO SUS

A Lei Orgânica da Saúde (LOS), Lei nº 8.080/90, que “dispõe sobre as

condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização

e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências”

(LOS, 1997), determina que, além das diretrizes definidas no artigo 198 da

Constituição da República Federativa do Federal (CRFB), obedeça-se aos

treze princípios descritos em seu capítulo II. Os princípios previstos são

norteadores das práticas em saúde no Brasil e se relacionam de forma

interdependente, refletindo a própria idéia de sistema proposta pelo SUS.

São eles: universalidade, integralidade, autonomia, igualdade, direito à

informação, divulgação de informações, utilização da epidemiologia,

participação da comunidade, descentralização político-administrativa,

integração em nível executivo, conjugação de recursos e organização dos

serviços.

Considerando o objeto deste estudo e as delimitações teóricas

convencionadas para uma monografia, restringir-me-ei aos princípios da

descentralização, da eqüidade, da integralidade e da universalidade, por se

tratarem de princípios amplamente entendidos como de importância imperativa

para o funcionamento do SUS, além de estarem diretamente relacionados com

a questão do acesso aos medicamentos.

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2.1 – Descentralização

O princípio da descentralização remete-nos às esferas do poder público,

abrangendo as dimensões política e administrativa nos níveis federal, estadual

e municipal, contendo em seu bojo as demarcações relativas à

responsabilidade e as conjunções relativas à solidariedade civis entre os três

níveis de governo.

O inciso IX do artigo 7º da Lei Orgânica da Saúde assim descreve o princípio

da descentralização:

“(...) descentralização político-administrativa, com direção única em cada esfera de governo: a) ênfase na descentralização dos serviços para os municípios; b) regionalização e hierarquização da rede de serviços de saúde“ (LOS, 1997).

Observe-se que a descentralização estabelece uma relação de autonomia

relativa e interdependência entre as esferas de governo, sem que a

verticalidade da hierarquização seja negligenciada, embora haja referência

explícita a idéia de direção única em cada esfera.

2.2 – Eqüidade

O conceito de equidade tem suscitado um debate permanente, pois,

inevitavelmente, incomoda a já tensa relação entre direitos individuais e

direitos coletivos. Cabe ressaltar que o entendimento acerca deste princípio

está condicionado à opção por um determinado modelo de sistema de saúde.

Os objetivos primeiros do princípio da equidade referem-se às desigualdades

sociais, que são: quando possível, extingui-las; quando não, minimizá-las.

Portanto, equidade traduz-se por tratar desigualmente os desiguais, investindo

esforços onde a carência é maior, com vistas a equilibrar as disparidades

existentes.

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Inicialmente, tende-se a conjecturar que uma concepção universalista poderia

inviabilizar um sistema de saúde equânime, porém, há que se ponderar que os

princípios doutrinários do SUS não são excludentes entre si. Conforme

preconiza a articulação dos treze incisos constituintes do artigo 7º da Lei

Orgânica da Saúde, a universalidade não pode ocorrer em prejuízo da

equidade.

O princípio da eqüidade remete, inevitavelmente, às questões de alocação de

investimentos em saúde, visto que, neste caso, fica patente a difícil relação

entre interesses individuais e interesses coletivos agravada pela contraposição

dilemática entre escassez de recursos financeiros e a saúde como direito do

cidadão e dever do estado, segundo estabelece o artigo 196 da Constituição:

“A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação” (CRFB, 1998).

De modo que a assistência farmacêutica insere-se como parte integrante da

assistência em saúde e nela está inevitavelmente contido o acesso aos

medicamentos.

2.3 – Integralidade

O princípio da integralidade suscita, inevitavelmente, uma

diversidade de interpretações e, conseqüentemente, um sem fim de

discussões.

Pode-se entendê-lo como conceito que abarca a idéia de cuidado

integral ao paciente em um plano individual, como atenção não

fragmentada ou reducionista; mas, também, como uma

abrangência para além do cuidado individual, envolvendo toda e

qualquer necessidade que implique na prevenção e na promoção

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da saúde, o que está para além do âmbito da pessoa, estendendo-

se aos aspectos tais como coletividade, qualidade de vida, entre

outros.

2.4 – Universalidade

O princípio da Universalidade sacramenta a questão do acesso integral ao

Sistema Único de Saúde, ou seja, todo e qualquer cidadão tem direito ao

tratamento integral, independente de sua condição socioeconômica.

O SUS deve ser o meio pelo qual o estado proporciona ao cidadão a

possibilidade do usufruto de seu direito à saúde, incluindo-se aí a assistência

farmacêutica. Portanto, neste caso, o acesso aos medicamentos

inalienavelmente está previsto como direito garantido juridicamente.

Entretanto, os conflitos entre cidadãos (consumidores) e Estado (fornecedor)

emergem quando se contrapõem as necessidades individuais e coletivas da

população e reservas financeiras do governo, resultando nos dilemas que

caracterizam a questão da alocação de recursos.

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CAPÍTULO III

ACESSO AOS MEDICAMENTOS

E JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE

É unívoca entre os estudiosos que a judicialização da saúde não é o melhor

caminho para que se faça a justiça social quando se trata de acesso aos

medicamentos. Entretanto, se por um lado a constante emissão de liminares,

obrigando gestores municipais, estaduais e federais a efetuarem o

fornecimento de medicamentos, não é o mais eficaz e eficiente exercício de

democracia social, por outro, a inércia do Estado em responder a contento à

demanda das necessidades da população também não o é.

As questões relativas à judicialização da saúde são nevrálgicas e estão

associadas ao confronto dicotômico entre direitos individuais e coletivos, além

de expor algumas das lesões provocadas pelo Estado – na condição de

fornecedor - contra seus cidadãos – na condição de consumidores.

Porém, a enxurrada de ações judiciais pode prejudicar o exercício da equidade

e promover uma prática paternalista, além de privilegiar os interesses

individuais em detrimento dos interesses coletivos.

3.1 – Saúde como mercado e medicamento como mercadoria

Ante toda argumentação até então apresentada, fica óbvio que não se pode

pensar qualquer problema no âmbito da saúde pública dissociado da

economia.

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Se a saúde é um direito fundamental do cidadão e, por conseguinte, está

associado à manutenção da vida como bem fundamental, é também um

lucrativo nicho de mercado. Os produtos e serviços gerados no âmbito da

saúde são de alta valia financeira e movimentam um capital de elevadas cifras

monetárias. Enfim, pode-se dizer que, entendida como atividade econômica, a

saúde no Brasil é um fenômeno do capitalismo marcado por sua grande

margem de lucratividade. Nestes termos, a saúde é uma atividade comercial

com um largo espectro de produtos e serviços fornecidos: tais como planos de

saúde (seguro saúde) dos mais variados formatos e modelos (que são

concebidos para atingir as diversas classes sociais), diagnóstico por meio de

tecnologia avançada, especialidades médicas e, obviamente, farmacologia.

No caso dos serviços de farmacologia, no qual está inserida a questão do

acesso aos medicamentos, é relevante observar que o sistema de saúde

brasileiro constitui-se de uma rede pública e uma rede complementar. A rede

complementar, assim denominada por, entre outras coisas, complementar os

serviços oferecidos pela rede pública, é formada por instituições privadas

conveniadas ao SUS.

Como já exposto anteriormente, o princípio da integralidade conjugado com o

princípio da universalidade garantem ao cidadão o direito à assistência

farmacêutica, ou seja, o indivíduo em tratamento ambulatorial ou internado faz

jus ao medicamento necessário. Curiosamente, não se encontram registros de

planos de saúde privados que garantam o acesso aos medicamentos, exceto

em caso de internação.

De modo que, concordando com Pignarre (1999), além de ser uma

mercadoria, o medicamento é também algo que está para além dela. Uma

espécie de desconhecido involucrado nos meandros das relações entre a

ciência, o mercado e a sociedade.

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3.2 – Entre o estatal e o privado: o dilema do consumidor

Em 2003, o Instituto de Defesa do Consumidor (IDEC), em parceria com o

Ministério da Saúde, publicou uma segunda edição - 3ª reimpressão - do livro

“O SUS pode ser o seu melhor plano de saúde”. E poderia mesmo, caso não

houvesse ainda tantas lacunas entre a legislação e a prática em saúde pública.

Importa dizer que, tratando-se das questões inerentes ao direito à saúde e, em

especial, à assistência farmacêutica, as relações entre as esferas estatal e

privada precisam ser criticamente repensadas e politicamente redesenhadas.

Se por um lado, não há lugar para utopias que idealizem uma sociedade

economicamente madura, capaz de priorizar equitativamente os produtos e

serviço ditos de primeira necessidade, por outro não se pode por muito tempo

viver nos auspícios de uma hostilidade econômica, que é sustentada por uma

injustiça social.

O cidadão que, neste caso, vive a condição de paciente e, portanto, já é um

ser socialmente vulnerado, não suportará por muito mais tempo debater-se

entre o estatal e o privado, entre a rede pública de saúde e a rede privada de

saúde, entre a promessa e o inatingível.

Estado e sociedade não podem mais esperar das leis apenas a solução para a

complexidade dos problemas sociais originados dos impasses econômicos. É

preciso que à vida humana seja devolvido o seu valor de bem maior.

3.3 – Vulnerabilidade social e bioética da proteção

A judicialização da saúde tem muitos determinantes sociais e econômicos,

porém, a vulneração social a que está relegada grande parte da população

certamente é uma dos seus mais significativos determinantes.

Então, é oportuno distinguir-se entre indivíduos socialmente vulneráveis e

indivíduos socialmente vulnerados. Nos termos da bioética de proteção

proposta por Schramm (2008), vulneráveis são todos os humanos que, só por

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sua condição de viventes, são mortais, ou seja, a própria condição humana é

uma condição de vulnerabilidade. Entretanto, os vulnerados são aqueles que

estão efetivamente em um estado de vulneração. Em outras palavras, são

aqueles que, de fato, encontram-se vitimados por uma situação de

desigualdade que afeta diretamente a sua autonomia e, consequentemente, a

sua cidadania.

3.4 – Entre o Judiciário e o Executivo: a urgência de parcerias

O dever de garantir o acesso universal à saúde é do Estado, responsabilidade

esta configurada na atuação do Poder Executivo, personificada como

atribuição do Ministério da Saúde; já a competência de fazer cumprir p

exercício do direito do cidadão, quando do não atendimento ou do atendimento

parcial ao direito protegido constitucionalmente, é do Poder Judiciário.

Segundo divulgação do Conselho Nacional de Justiça, em 2010, após

levantamento parcial em 20 (vinte) dos 91 (noventa e um) tribunais brasileiros,

havia mais de 112.000 (cento e doze mil) processos demandados relativos ao

direito à saúde em geral. Sendo que, desta quantidade parcial, a maioria dos

processos reivindica a prestação judicial para obrigar o Estado a fornecer

medicamentos não inclusos nas listas de compras públicas.

Após largo tempo de querelas e demandas, nas quais as armas acordadas

para os muitos “duelos” travados foram as liminares e os recursos, é sempre

bom lembrar que os poderes são autônomos, porém, interdependentes entre

si. É mister que o Judiciário e o Executivo acentuem o processo de parceria

com vistas ao enfrentamento do problema da judicialização, sob pena de

amargarmos um colapso socioeconômico no âmbito da saúde.

É certo que já existem muitas iniciativas em andamento, tais como a criação de

comitês especiais, assessorias técnicas especializadas, mutirões judiciais,

além de publicações orientadoras etc. Entretanto, são medidas ainda paliativas

e localizadas. É fundamental e urgente que os dois poderes, conjuntamente,

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repensem as suas relações radicalmente no que se refere aos conflitos de

interesse relativos ao direito à saúde no Brasil.

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CONCLUSÃO

Após percorrer toda a trajetória teórica delineada por este estudo monográfico,

algumas considerações finais e algumas conclusões, mesmo que

preliminarmente e a título de recomendações, podem ser formuladas.

Em tempo, ressalte-se que as pretensões acadêmicas deste trabalho, limitam-

se a construtos ensaísticos e, em certa medida, revisionais, estabelecedores

de vínculos possíveis e, talvez, ainda não apropriadamente apontados, como a

triangulação entre a legislação específica da saúde, a abordagem da bioética

da proteção e a legislação específica da defesa do consumidor.

No Brasil, o acesso aos medicamentos, como parte constituinte do acesso

integral à saúde, longe de ser uma prática agregadora de qualidade à saúde

pública, como se pretende em termos legais, ainda é um problema de alta

complexidade e de difícil solução. Mesmo havendo diversas iniciativas de

enfrentamento do problema, que são louváveis e - em alguns casos isolados -

relativamente exitosas, a situação persiste, visto que proliferam os processos

judiciais que potencializam a judicialização da saúde.

A recomendação mais relevante que se pode fazer ante o exposto é que o

problema, por ser abrangente e exponencialmente crescente, deve ser

combatido pelo Estado Brasileiro em sentido amplo. As ações com vistas a

uma possível solução não podem ser isoladas, mas sim conjugadas e

articuladas entre todos os poderes.

Está evidente que enquanto o Poder Legislativo criar leis ideais, como se o

país fosse uma república platônica, o Poder Judiciário emitir sentenças,

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obrigando os responsáveis a suprir o direito lesado e o Poder Executivo

impetrar recursos protelatórios, seremos cada vez mais uma república

burocrática e não democrática, pois cidadãos continuarão morrendo por falta

de insumos e serviços em uma suposta saúde garantida constitucionalmente.

Sem uma ações programadas e estratégicas envolvendo os três poderes,

inclusive considerando as esferas municipais, estaduais e federais, que não

prescinda da participação ativa e decisória da sociedade em geral, dando voz

às entidades representativas de usuários do SUS, instituições de controle

social, universidades, e que convoque a indústria farmacêutica a participar não

só do problema, mas também da solução, não se pode vislumbrar uma

possibilidade real de extinção do problema do acesso aos medicamentos na

saúde pública brasileira.

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Vantagens e perigos do uso de produtos da indústria farmacêutica mais

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20 - SCHRAMM, F. R. A Bioética, seu desenvolvimento e importância para as

Ciências da Vida e da Saúde. Revista Brasileira de Cancerologia, vol. 48,

nº 4: p. 609-615. Rio de Janeiro: INCA, 2002.

21 - SCHRAMM, F. R. Bioética da Proteção: ferramenta válida para enfrentar

problemas morais na era da globalização. Revista Bioética 2008. V.16 (1):

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22 - SHULTZ, G. E. Quando o “igual tratamento” acaba em injustiça: um

paradoxo bioético das políticas sanitárias universalistas de alocação de

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2003.

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ÍNDICE

FOLHA DE ROSTO 02

AGRADECIMENTO 03

DEDICATÓRIA 04

RESUMO 05

METODOLOGIA 06

SUMÁRIO 07

INTRODUÇÃO: 08

CAPÍTULO I - ASPECTOS BÁSICOS E CONCEITUAIS 09

1.1 - Sistema de saúde; 09

1.2 - Sistema Único de Saúde; 10

1.3 - Direitos fundamentais; 11

1.4 - O Estado como fornecedor; 12

1.5 - O cidadão como consumidor; 13

1.6 - Acesso a medicamentos; 14

1.7 - Bioética. 17

CAPÍTULO II - O ACESSO A MEDICAMENTOS E OS PRINCÍPIOS NORTEADORES DO SUS 20 2.1 - Eqüidade; 21

2.2 - Descentralização; 21

2.3 – Integralidade; 22

2.4 – Universalidade. 23

CAPÍTULO III - O ACESSO A MEDICAMENTOS E A ATUAÇÃO

DO PODER JUDICIÁRIO: 24

3.1 - Saúde como mercado e medicamento como mercadoria 24

3.2 - Entre o estatal e o privado: o dilema do consumidor; 26

3.3 – Vulnerabilidade social e bioética da proteção; 26

3.4 – Entre o Judiciário e o Executivo: a urgência de parcerias 27

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CONCLUSÃO 29

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FOLHA DE AVALIAÇÃO

Nome da Instituição: Universidade Cândido Mendes

Título da Monografia: Acesso aos medicamentos: saúde legal ou doença

social? Uma análise da questão da judicialização

da saúde à luz da bioética e da relação cliente-

fornecedor entre o estado e a sociedade.

Autor: Rosecleide Ferreira Andreu

Data da entrega: 31 de janeiro de 2011

Avaliado por: Conceito: