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1 Ação educativa na Atenção Básica à Saúde de pessoas com diabetes mellitus e hipertensão arterial: avaliação e qualificação de estratégias com ênfase na educação nutricional. Ana Maria Bartels Rezende Tese apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Nutrição em Saúde Pública para obtenção do título de Doutor em Nutrição em Saúde Pública. Área de Concentração: Nutrição em Saúde Pública. Orientadora: Profa. Dra. Ana Maria Cervato-Mancuso São Paulo 2011

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Saúde

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  • 1

    Ao educativa na Ateno Bsica Sade de

    pessoas com diabetes mellitus e hipertenso

    arterial: avaliao e qualificao de estratgias com

    nfase na educao nutricional.

    Ana Maria Bartels Rezende

    Tese apresentada ao Programa de Ps-

    Graduao em Nutrio em Sade

    Pblica para obteno do ttulo de

    Doutor em Nutrio em Sade Pblica.

    rea de Concentrao: Nutrio em

    Sade Pblica.

    Orientadora: Profa. Dra. Ana Maria

    Cervato-Mancuso

    So Paulo

    2011

  • 2

    expressamente proibida a comercializao desse documento, tanto na sua forma

    impressa como eletrnica. Sua reproduo total ou parcial permitida

    exclusivamente para fins acadmicos e cientficos, desde que na reproduo figure

    a identificao do autor, ttulo, instituio e ano da tese.

  • 3

    Conhecer tarefa de sujeitos, no de objetos. E

    como sujeito e somente enquanto sujeito, que o

    homem pode realmente conhecer.

    Paulo Freire

  • 4

    Ao marido e companheiro Oscar, pela inesgotvel

    pacincia e sabedoria que redimem e orientam a

    minha vida,

    Dedico esta tese e o meu amor!

  • 5

    AGRADECIMENTOS

    A Deus,

    Por me colocar diante de tantas oportunidades, conceder-me sade e a graa da

    famlia e dos amigos.

    Ana Maria Cervato-Mancuso,

    Pela a orientao sensvel, compromissada, dialgica e competente. No haveria

    outra, diante de tantas Anas, com tamanha dedicao e persistncia.

    Elaine Cristina Viana, Mariuza Arlete Gagno, Angela Camila Ghizi, June

    Ferreira Maia, Rosana Vargas de Oliveira e Susete Dresch,

    Pela amizade, apoio e convivncia harmoniosa, sem os quais talvez no fosse

    possvel concretizar o projeto do doutorado.

    minha filha Barbara,

    Pela ajuda na transcrio dos discursos e, principalmente, pela compreenso e

    colaborao no percurso final do preparo da tese.

    Ao professor Marcelo Sipione e s alunas Barbara Monteiro, Christina Helal

    e Jislaine Barbosa,

    Pela colaborao na coleta de dados dos grupos focais e estmulo para a concluso

    do estudo.

    Ao Centro Universitrio Vila Velha UVV,

    Pela compreenso nos momentos de ausncia das atividades de trabalho.

    coordenao, aos profissionais de sade da unidade de Marupe e aos

    sujeitos-pacientes participantes da pesquisa,

    Pela colaborao fundamental.

  • 6

    APRESENTAO

    Esta tese encontra-se estruturada em trs sees. A primeira inclui os

    seguintes elementos: Introduo na qual se contextualiza o objeto de

    investigao; apresentam-se as definies, conceitos e bases tericas utilizadas no

    desenvolvimento do estudo e como subsidio para anlise dos resultados e

    justifica-se a sua realizao. Objetivos gerais e especficos. Mtodos que inclui a

    tipologia, a caracterizao do cenrio e da populao do estudo; o delineamento

    da coleta de dados com descrio das tcnicas e instrumentos utilizados nas trs

    etapas da pesquisa; o mtodo de processamento e anlise dos resultados.

    A segunda seo refere-se aos Resultados e Discusso da pesquisa. Os

    resultados da primeira e da segunda etapa so apresentados em trs manuscritos,

    no formato prvio para submisso publicao. Os resultados da terceira etapa

    so apresentados em formato tradicional.

    A terceira seo trs as Concluses sobre o conjunto da obra e as

    consideraes finais e contribuies do estudo para a rea da Sade Pblica.

    As Referncias para as citaes de cada manuscrito so apresentadas ao

    final deles e as das demais sees ao final da Obra.

    Ao final encontram-se os anexos e a primeira pgina do Currculo Lattes

    da autora e sua orientadora.

  • 7

    RESUMO

    Rezende A.M.B. Ao educativa na ateno bsica sade de pessoas com

    diabetes mellitus e hipertenso arterial: avaliao e qualificao de estratgias

    com nfase na educao nutricional. [Tese de Doutorado]. So Paulo: Faculdade

    de Sade Pblica. Universidade de So Paulo, 2011.

    Introduo: As aes educativas so prticas inerentes ao projeto assistencial de

    sade em todos os nveis de ateno, na perspectiva de empoderamento e

    emancipao das pessoas para atuar nos aspectos fundamentais de sua vida, como

    a alimentao. O diabetes mellitus e a hipertenso arterial esto entre os fatores de

    risco modificveis para as doenas cardiovasculares, cujo controle associado a

    mudanas de estilo de vida pode ser estimulado no mbito da Ateno Bsica

    Sade, minimizando a morbimortalidade por essas doenas e o seu impacto na

    sade pblica. Objetivo: Analisar o processo educativo com nfase na educao

    alimentar e nutricional para pessoas com diabetes mellitus e hipertenso arterial

    no mbito da Ateno Bsica Sade. Mtodos: Estudo analtico-descritivo de

    natureza qualitativa, realizado entre profissionais de sade e pessoas com diabetes

    mellitus e/ou hipertenso arterial acompanhadas em Unidade de Estratgia de

    Sade da Famlia do municpio de Vitria- ES. Procedeu-se a coleta de

    depoimentos por meio de entrevistas semiestruturadas. Aplicou-se a tcnica do

    Discurso do Sujeito Coletivo para a anlise das percepes sobre os espaos, os

    sujeitos, os resultados e os desafios das aes educativas na promoo de prticas

    de vida e alimentares adequadas. As ideias centrais destacadas no material

    discursivo foram utilizadas como substrato para a qualificao dessas aes, num

    processo compartilhado com os profissionais de sade, em que se empregou a

    tcnica dos grupos focais. Resultados: Foram entrevistados 27 profissionais, entre

    mdicos, enfermeiros, orientador fsico, auxiliares de enfermagem e agentes

    comunitrios de sade, bem como 22 usurios-pacientes. Na percepo dos

    profissionais de sade, os grupos constituem o espao mais eficaz para a prtica

  • 8

    educativa. Porm, a preferncia do usurio pela ao individualizada e

    medicocentrada que ocorre nas consultas. A viso mais frequente sobre os

    resultados das aes educativas foi que estas contribuem para mudanas apenas

    para parte das pessoas assistidas, sendo a rebeldia do paciente e os fatores de

    insegurana alimentar e nutricional relacionados ao acesso aos alimentos, baixa

    escolaridade e ao envelhecimento dependente da populao, destacados como

    dificuldades concretas para mudana das prticas alimentares. Quanto aos

    desafios atribudos estrutura e aos resultados do processo educativo, a

    percepo foi que este no est suficientemente sedimentado entre os

    profissionais de sade, que persistem com prticas normativo-prescritivas em suas

    condutas, o que dificulta o seguimento do plano teraputico. No discurso dos

    usurios, evidenciaram-se, como maior dificuldade para a adeso ao tratamento e

    mudana de hbitos alimentares, as prescries restritivas ou proibitivas. O

    processo de qualificao das prticas educativas apontou a necessidade de

    fortalecimento das aes educativas na prtica assistencial; instituio de

    mecanismos de avaliao dos seus impactos; centralidade do sujeito no

    planejamento das aes e na definio do plano teraputico; garantia da

    interdisciplinaridade e integralidade das aes; valorizao do planejamento e da

    organizao do trabalho educativo; capacitao permanente da equipe de sade.

    Concluses: Aes educativas para capacitao das pessoas com diabetes

    mellitus e hipertenso arterial, no mbito da Ateno Bsica Sude, esto ainda

    estruturadas no modelo assistencial hegemnico, de abordagem

    predominantemente higienista, que culpabiliza as pessoas por seus problemas de

    sade e que desconsidera a participao da comunidade nos processos educativos

    a ela dirigidos. A Estratgia de Sade da Famlia se coloca como campo

    potencialmente frtil para a qualificao e reorientao das prticas educativas em

    sade, o que se recomenda seja feito luz das diretrizes das Polticas Pblicas de

    Ateno Bsica e de Promoo da Sade.

    Descritores: Educao em Sade; Educao Alimentar e Nutricional; Ateno

    Primria Sade; Diabetes Mellitus; Hipertenso; Pesquisa Qualitativa.

  • 9

    ABSTRACT

    Rezende A.M.B. Educational action in basic health care of people with

    diabetes mellitus and hypertension: evaluation and qualification of strategies

    emphasizing nutrition education. [Doctoral Thesis] So Paulo: Public Health

    School. University of So Paulo, 2011.

    Introduction: Educational action is a type of practice that is inherent to all levels

    of health care from the perspective of empowering and emancipating people to act

    in fundamental aspects of their lives, such as eating. Diabetes mellitus and

    hypertension are among the modifiable risk factors of cardiovascular diseases

    whose control, associated to lifestyle changes, can be stimulated in the Basic

    Health Care sphere, minimizing morbidity and mortality caused by these diseases,

    as well as their impact on public health. Objective: Analyze the education

    process focusing on eating and nutrition education for people with diabetes

    mellitus and hypertension in the Basic Health Care sphere. Methods: It is an

    analytical, descriptive, and qualitative study carried out among health care

    professionals and people with diabetes mellitus and/or hypertension cared for at a

    family health strategy unit in the city of Vitria, ES, Brazil. Their testimony was

    collected through semistructured interviews. The Collective Subject Discourse

    technique was employed for analyzing their perception of space, subjects, results

    and challenges of the educational actions in promoting appropriate life and eating

    practices. The central ideas standing out in their discourse were used as substrate

    for qualifying these actions in a process shared with health care professionals, in

    which the focus group technique was adopted. Results: Twenty-seven (27)

    professionals (doctors, nurses, physical activity advisor, auxiliary nurses, and

    community health care agents) were interviewed, as well as 22 patient-users. In

    these health care professionals perception, the groups represent the most effective

    space for educational practice. However, the user prefers the individualized,

    doctor-centered practice taking place during consultations. The most frequent

  • 10

    view about the results of educational actions was that they contribute to changing

    just part of the assisted people. Patients resistance to changes and the nutrition

    and food insecurity related to access to food; poor educational background; and

    populations dependent aging are highlighted as concrete difficulties in changing

    eating practices. Regarding the challenges attributed to structure and to the results

    of the educational process, the study found that they are not sufficiently spread

    among health care professionals, that the normative-prescriptive practices still

    guide their conduct, which hinders the subsequent therapies. From the users

    discourse, we identified the restrictive and prohibitive prescriptions as the greatest

    difficulty in complying with treatment and changing eating habits. The process of

    qualification of educational practices pointed out the need of strengthening

    educational actions in health care practice; instituting mechanisms to assess its

    impact; centralizing action planning and therapy on the subject; ensuring

    interdisciplinarity and integrality of actions; valuing planning and organization of

    educational work; and permanently qualifying the health care team. Conclusions:

    Educational actions for recovering individuals with diabetes mellitus and

    hypertension in the Basic Health Care sphere are structured within a hegemonic

    health care model, with a predominantly hygienist approach, which blames

    individuals for their health problems; which disregards the participation of the

    community in the educational processes addressing them. The family health

    strategy is shown as a potentially fertile field for qualifying and reorienting

    educational health care practices, which should ideally be done in compliance

    with the guidelines of basic health care and health promotion public policies.

    Keywords: Health Care Education; Eating and Nutrition Education; Primary

    Health Care; Diabetes Mellitus, Hypertension; Qualitative Research.

  • 11

    INDICE

    1 INTRODUO ..................................................................................... 15

    1.2 EDUCAO EM SADE E EDUCAO NUTRICIONAL:

    DEFINIES E PERSPECTIVAS TERICAS .......................... 24

    1.1 JUSTIFICATIVA ...................................................................... 30

    2 OBJETIVOS ........................................................................................ 32

    2.1 GERAL ..................................................................................... 32

    2.2 ESPECFICOS .......................................................................... 32

    3 MTODOS ........................................................................................... 33

    3.1 CARACTERIZAO DA PESQUISA ................................... 33

    3.2 O CENRIO DO ESTUDO ..................................................... 33

    3.2.1 A Escolha da UBS do Estudo ......................................... 36

    3.2.1.1 A USF do territrio de Marupe .................................. 37

    3.3 A POPULAO E OS SUJEITOS .......................................... 39

    3.3.1 A Escolha dos Sujeitos ................................................... 40

    3.4 AS ETAPAS DE CAMPO E A COLETA DOS DEPOIMENTOS

    ......................................................................................................... 41

    3.4.1 Primeira Etapa: Identificao das estratgias de interveno

    educativa, implementadas no mbito da ESF, para pessoas com

    DM e HA, na percepo dos profissionais de sade.

    .................................................................................................. 41

    3.4.2 Segunda Etapa: Identificao das estratgias de interveno

    educativa, implementadas no mbito da ESF, para pessoas com

    DM e HA, na percepo dos usurios. .................................... 42

    3.4.3 Terceira Etapa: Qualificao das estratgias de interveno

    nutricional educativa. ............................................................... 43

  • 12

    3.5 A ORGANIZAO DOS DADOS E O PROCESSAMENTO 44

    3.5.1 Os Dados das Entrevistas com Profissionais e Usurios 44

    3.5.2 Os Depoimentos nos Grupos Focais ............................... 46

    3.6 CONSIDERAES TICAS ................................................... 46

    4 RESULTADOS E DISCUSSO ......................................................... 48

    4.1 MANUSCRITO 1 ..................................................................... 49

    Ao educativa para pessoas com diabetes mellitus e hipertenso

    arterial: reflexes sobre a educao em sade na Estratgia de

    Sade da Famlia.

    4.2 MANUSCRITO 2 ................................................................... 95

    Dificuldades e desafios da ao educativa com foco na educao

    nutricional de pessoas com diabetes mellitus e hipertenso

    arterial: a viso dos profissionais da Estratgia de Sade da

    Famlia.

    4.3 MANUSCRITO 3 ................................................................... 138

    Ao educativa na Ateno Bsica Sade para pessoas com

    diabetes mellitus e hipertenso arterial: escutando os sujeitos-

    pacientes.

    4.4 RESULTADOS E DISCUSSO DA TERCEIRA ETAPA ... 172

    Caminhos para a qualificao do processo educativo

    5 CONCLUSES ................................................................................ 185

    6 REFERNCIAS ................................................................................ 190

    7 ANEXOS .............................................................................................. 197

    Anexo 1 Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ....................... 198

    Anexo 2 Discurso do Sujeito Coletivo- Manuscrito 1 ........................ 201

    Anexo 3 Discurso do Sujeito Coletivo- Manuscrito 2 ........................ 212

    CURRICULO LATTES ........................................................................ 218

  • 13

    LISTA DE SIGLAS

    Agentes comunitrios de sade (ACS)

    Ateno Primria Sade (APS)

    Centros de Referncia de Assistncia Social (CRAS)

    Centros Municipais de Ensino Infantil (CEMEIs),

    Comisso Intergestores Tripartite (CIT)

    Comisses Intergestores Bipartite (CIBs)

    Conhecimento-atitude-prtica (CAP)

    Diabetes mellitus (DM)

    Direito Humano Alimentao Adequada (DHAA).

    Discurso do Sujeito Coletivo (DSC)

    Doenas crnicas no transmissveis (DCNT)

    Doenas do aparelho circulatrio (DAC)

    Escolas Municipais de Ensino Fundamental (EMEFs)

    Estratgia de Sade da Famlia (ESF)

    Expresses-chave (ECH)

    Gerncia de Educao em Sade (GES)

    Grupo de Apoio Teraputico ao Tabagismo (GATT)

    Health Belief Model (HBM)

    Hipertenso arterial (HA)

    Ideia central (IC)

    ndice de Massa Corpora (IMC)

    Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE)

    Ministrio da Sade (MS)

    Ncleo de Apoio Sade da Famlia (NASF)

    Organizao Mundial de Sade (OMS)

    Poltica Nacional de Alimentao e Nutrio (PNAN)

    Poltica Nacional de Ateno Sade (PNAS)

    Poltica Nacional de Ateno Bsica (PNAB)

    Poltica Nacional de Promoo Sade (PNPS)

  • 14

    Programa de Agentes Comunitrios de Sade (PACS)

    Programa de Sade da Famlia (PSF)

    Projetos Caminhando Juntos (CAJUN).

    Secretaria de Ateno Sade (SAS)

    Secretaria de Vigilncia em Sade (SVS)

    Segurana Alimentar e Nutricional (SAN)

    Servio de Orientao ao Exerccio (SOE)

    Servio Social da Indstria (SESI)

    Sistema de Cadastro e Acompanhamento de Hipertensos e Diabticos (Hiperdia/

    SISHiperdia)

    Sistema de Informao da Ateno Bsica (SIAB)

    Sistema de Segurana Alimentar e Nutricional (SISAN)

    Sistema nico de Sade (SUS)

    Unidade de Sade (US)

    Unidade de Sade da Famlia (USF)

    Unidades bsicas de sade (UBS)

    Universidade Federal do Esprito Santo (UFES)

  • 15

    1 INTRODUO

    Em menos de 40 anos, o Brasil passou de um perfil tpico de mortalidade

    de uma populao jovem para um quadro caracterizado por enfermidades

    complexas e onerosas, prprias das faixas etrias mais avanadas (GORDILHO et

    al., 2000), representadas principalmente pelas Doenas Crnicas no

    Transmissveis (DCNT).

    Entre as DCNT, as doenas do aparelho circulatrio (DAC), em especial

    as coronarianas e o conjunto de morbidades geralmente associadas: dislipidemias,

    hipertenso arterial (HA), obesidade e diabetes mellitus (DM), constituem

    importante problema de sade pblica em todo o mundo (TURNER, 1980;

    ZIMMET et al., 1986; MARTINS et al., 1993; LESSA, 2004) e, nas ltimas

    dcadas, segundo registros oficiais, a primeira causa de morte no pas (CHOR et

    al., 1995; BRASIL, 2005).

    A HA, o DM e as dislipidemias so as principais condies de risco para

    essas doenas e encontram-se entre as dez primeiras causas de morte em vrios

    pases (YACH et al., 2004). Suas complicaes mais frequentes o infarto agudo

    do miocrdio, o acidente vascular cerebral, a insuficincia renal crnica, a

    insuficincia cardaca, as amputaes de membros inferiores e a cegueira

    definitiva elevam o custo mdico-social e atingem diretamente o Sistema nico

    de Sade (SUS), em que so responsveis por mais de um milho de

    internaes/ano, com um custo aproximado de 475 milhes de reais, sem

    considerar os gastos com procedimentos de alta complexidade (FLACK et al.,

    2002; MION et al., 2002; GARANTINI et al., 2004; BRASIL, 2005).

    As modificaes no estilo de vida e o controle de fatores de risco

    modificveis, ou seja, aqueles sobre os quais podem atuar o paciente e a equipe de

    sade, como dislipidemias, obesidade, HA, DM, tabagismo, sedentarismo, entre

    outros (Cunningham, apud COLOMBO e AGUILAR, 1997, p. 69), so

    considerados a base do tratamento e controle das doenas cardiovasculares

    (TURNER, 1980; GOLDMAN e COOK, 1984; ZIMMET et al.,1986;

    KRUMMEL, 1998; MINISTRIO DA SADE, 2001) e demandam aes

  • 16

    multidisciplinares em todos os nveis de ateno sade, prioritariamente na

    Ateno Bsica.

    Est bastante estabelecido que o comportamento alimentar, um dos

    principais elementos do estilo de vida, relaciona-se com alguns dos fatores de

    risco modificveis j citados, principalmente com a obesidade determinante

    importante da alta incidncia de DAC em nosso meio. Estudos sobre a epidemia

    global de obesidade tm-se concentrado na identificao de fatores ambientais que

    a determinam (GORTMAKER et al., 1993; HILL e PETERS, 1998; EPSTEIN et

    al., 2000), indicando, nas ltimas dcadas, a predominncia de um ambiente

    obesognico nos pases ocidentais ou com hbitos de vida ocidentalizados, em

    que prticas alimentares inadequadas, resultantes de maior acesso a alimentos de

    menor custo, palatveis, prticos, mas de alta concentrao energtica, aliado a

    um modo de vida predominantemente sedentrio, caracterstico do estilo de vida

    moderno e urbano, favorecem a obesidade crescente (HILL et al., 2003;

    OLIVEIRA et al., 2003).

    Especialmente em relao ao papel da dieta na preveno e no controle das

    doenas, vrios estudos tm enfatizado caractersticas dietticas associadas com a

    reduo e com o controle dos fatores de risco para as DAC. Podem ser citados o

    estudo de DANSINGER et al. (2005), que comparou os efeitos de quatro dietas

    populares na perda de peso e nos fatores de risco cardiovascular, encontrando

    resultados medianos, porm positivos; o estudo Dietary Approaches to Stop

    Hypertension (DASH), cujos resultados demonstraram que uma dieta rica em

    gros integrais, oleaginosas, frutas e hortalias e com baixo teor de lipdios

    saturados e totais reduziu significativamente a presso arterial sistlica e a presso

    arterial diastlica em hipertensos (APPEL et al., 1997), e o III National Health

    and Nutritional Examination Survey (NHANES III), que demonstrou que, nos

    Estados Unidos, variaes regionais na presso arterial esto associadas aos

    hbitos alimentares da populao (HAJJAR e KOTCHEN, 2003).

    Estudos em diferentes pases tm demonstrado a importncia de programas

    educativos para promover maior adeso ao tratamento, resultando em melhor

    controle da HA e/ou DM (AMBROSIO et al., 1988; GRUESSER et al., 1997;

    GONZALES et al., 1997; ARAUZ et al., 2001; CABRERA-PIVARAL et al.,

  • 17

    2001). Tambm no Brasil, embora em menor nmero de publicaes e estudos

    com acompanhamento de curto prazo, tm-se demonstrado resultados favorveis.

    Na Costa Rica, na regio de sade de El Guarco, ARAUZ et al. (2001)

    empreenderam um programa de interveno educativa comunitria sobre o DM

    tipo 2, direcionado para o nvel primrio de ateno. O programa foi elaborado

    com base num estudo qualitativo dos conhecimentos e prticas dos pacientes e dos

    profissionais de sade quanto preveno e ao tratamento do diabetes e num

    levantamento sobre a disponibilidade de alimentos na comunidade. Foram

    desenvolvidos dois manuais, um para os profissionais de sade e outro para os

    pacientes, alm de estratgias comunitrias para dar sustentabilidade ao processo

    educativo. Aps a capacitao dos profissionais de sade, que capacitaram a

    comunidade, observou-se que os pacientes apresentaram queda na glicemia, de

    189 79mg/dl para 157 48mg/dl (p=0,03), e na hemoglobina glicosilada, de

    11,3 2,4% para 9,7 2,3% (p=0,05). Quanto ao perfil lipdico, a alterao foi

    significativa para a diminuio de triglicerdeos (p= 0,04) e no houve alterao

    significativa do peso corporal. O nvel primrio de ateno sade foi

    considerado ideal para a execuo de programas educativos para tratamento,

    preveno e deteco precoce de DM (ARAUZ et al., 2001).

    MILLER et al. (2002), para avaliarem uma interveno para melhorar o

    conhecimento sobre alimentao e as competncias na gesto do DM, realizaram,

    na Pensilvnia, um estudo randomizado, controlado, envolvendo 98 idosos com

    DM tipo 2 (48 no grupo experimental e 50 no grupo controle) que participaram de

    dez sesses semanais em grupos conduzidos por um nutricionista. Concluram que

    essa populao se beneficiou da educao nutricional para melhorar os

    conhecimentos e as competncias necessrias para a gesto do DM.

    Na Esccia, um estudo recentemente realizado com 24 pacientes obesos

    avaliou a percepo sobre o tratamento diettico. Os resultados revelaram que

    esses pacientes consideraram importante o aconselhamento de um dietista para

    apoi-los no controle do peso, pela necessidade de se sentirem responsveis

    perante algum e valorizar as informaes prestadas quanto alimentao,

    atividade fsica, s estratgias de comportamento e obesidade. O estudo ainda

    observou alteraes no estilo de vida e sade nos pacientes que aderiram ao

  • 18

    tratamento. Eles relataram obstculos s mudanas referentes sensao de

    frustrao, sobrecarga em relao s mudanas necessrias, entre outras (JONES

    et al., 2007).

    Estudo realizado em So Jos do Rio Preto-SP, para avaliar os impactos do

    aconselhamento nutricional na mudana do estilo de vida e de indicadores

    antropomtricos, bioqumicos e dietticos preditores de DM, entre 104 adultos

    com excesso de peso (IMC entre 24 e 35 m/Kg-2

    ) cadastrados em uma unidade de

    sade (US), observou mudanas significativamente positivas no grupo que passou

    por trs sesses de aconselhamento nutricional em relao ao grupo-controle,

    indicando a viabilidade da interveno nutricional na preveno do diabetes tipo

    2, na Ateno Bsica, com realce para a viabilidade econmica dessa interveno

    (SARTORELLI et al., 2004).

    Em So Paulo-SP, numa Unidade Bsica de Sade de Vila Romana, foi

    proposta uma interveno com 191 pacientes por meio da formao de grupos de

    hipertensos e de diabticos hipertensos para ao educativa, seguimento regular,

    fornecimento de medicao, controles peridicos e atendimento de

    intercorrncias. A interveno durou 30 meses: nos trs primeiros, ocorreram

    encontros seguidos de consultas peridicas e controle de doenas; nos demais,

    dispensao de medicamentos. Aps a interveno, observou-se reduo relativa

    de 42% e absoluta de 26% no nmero de pacientes com HA moderada e grave.

    Quanto aos diabticos, houve reduo de 22% naqueles com glicemia superior a

    200mg/dl e aumento de 33% para aqueles com nveis inferiores a 125mg/dl.

    Embora o estudo no tivesse feito o controle de todos os determinantes da adeso

    e o controle das doenas, a interveno foi considerada eficiente (SILVA et al.,

    2006).

    Ainda em So Paulo, ALMEIDA-PITITTO (2009), em estudo de

    plausibilidade, avaliou os efeitos de um programa de dois anos de interveno no

    estilo de vida sobre o perfil cardiometablico de populao nipo-brasileira de alto

    risco. Aderiram ao programa, em 2005, 728 indivduos, dos quais 650 foram

    reavaliados em 2006 e 500, em 2007. Os resultados permitiram concluir que a

    interveno trouxe benefcios ao perfil cardiometablico deles aps o primeiro e

    segundo anos do programa, independentemente do grau de tolerncia a glicose no

  • 19

    incio do estudo. As mudanas nos fatores de risco cardiovascular foram

    proporcionais ao alcance das metas do programa. A maioria dos indivduos sem

    DM manteve ou melhorou a tolerncia a glicose aps os dois anos de interveno.

    A despeito do reconhecimento cientfico sobre a importncia de adotar

    prticas de vida e alimentares adequadas para a preveno e o controle dos fatores

    de risco cardiovascular, especialmente do DM, HA e obesidade, para alcanar a

    adeso do paciente s orientaes dos profissionais de sade e a fidelidade s

    recomendaes, permanece como grande desafio na abordagem pelo Sistema de

    Sade a baixa adeso ou continuao ao tratamento de diabticos e/ou hipertensos

    relatada em alguns estudos, em que pese diversidade de mtodos e critrios

    empregados.

    HERNANDEZ-RONQUILLO et al. (2003), num estudo realizado no

    Mxico, verificaram um nvel de no adeso s recomendaes dietticas de 62%

    entre pacientes diabticos tipo 2, 85% para no adeso atividade fsica, 17%,

    medicao oral e 13%, aplicao da insulina.

    Relativamente aos fatores citados na literatura mdica que dificultam a

    adeso ao tratamento por parte de pacientes diabticos, esto o baixo nvel

    socioeconmico, que resulta na menor adeso devido ao custo dos medicamentos

    (BOTELHO e DUDRAK, 1992) e dos alimentos (SHERMAN et al., 2000), a

    baixa escolaridade (ANDERSON e KIRK, 1982; MOREIRA et al., 2003) e

    fatores circunstanciais, como comer fora de casa em restaurantes e a oferta de

    alimentos inadequados por outras pessoas (ARY et al.,1986).

    LESSA e FONSECA (1997), em estudo sobre raa, aderncia ao

    tratamento e/ou consulta e controle da HA, obtiveram, entre outros resultados, um

    ndice de adeso ao tratamento de 41,5%, entre 200 pacientes entrevistados. Essa

    frequncia foi considerada pelas autoras como mais elevada ou similar s

    observadas na literatura. Orientao diettica por escrito foi distribuda entre os

    57,5% dos participantes do estudo, dos quais 49,5% eram dos grupos que

    aderiram ao tratamento e/ou s consultas.

    Em Pelotas-RS, ARAJO et al. (1999), ao estudarem a situao do

    cuidado dos pacientes diabticos assistidos em uma unidade de ateno primria,

    constataram: apenas 28,4% que relataram fazer uso de dieta hipocalrica (tomada

  • 20

    no estudo como critrio para seguimento de dieta adequada ao diabtico); 53,7%,

    incluindo os que no faziam uso de dieta, relataram o uso sistemtico de

    adoantes; somente 20,9% faziam algum tipo de atividade fsica como forma de

    tratamento.

    Estudo com objetivos similares, abrangendo 378 pacientes diabticos

    assistidos na Ateno Primria Sade (APS) de Pelotas-RS, encontrou

    resultados que tambm apontam a baixa adeso dieta e atividade fsica: dos

    284 (75%) participantes que receberam a prescrio de dieta, 53% relataram t-la

    feito nos 15 dias posteriores consulta, 10% no estavam seguindo nenhum tipo

    de tratamento e 26% disseram usar apenas medicamentos no tratamento da

    doena. Concomitantemente, apenas 6,3% e 10,9% dos pacientes do estudo

    apresentaram controle aceitvel do ndice de massa corporal, glicemia e PA

    (ASSUNO et al., 2001).

    Em Vitria-ES, para avaliar a adeso e o impacto do aconselhamento

    nutricional no tratamento da HA, foi realizado estudo longitudinal com 192

    indivduos hipertensos, distribudos em um grupo (82 indivduos) que recebeu

    orientao nutricional em quatro consultas trimestrais durante 12 meses e um

    grupo controle (110 indivduos). Compararam-se medidas antropomtricas e

    bioqumicas, o aumento do consumo de alimentos protetores e a diminuio de

    consumo de alimentos pouco adequados nos dois grupos, alm da frequncia s

    consultas. Observou-se melhora apenas nos parmetros antropomtricos: reduo

    da circunferncia da cintura e do IMC em relao ao grupo orientado, porm com

    diferenas no significativas. De outra forma, as mudanas nos parmetros

    dietticos foram mais positivas: substituio de carnes gordas por magras,

    aumento no consumo de hortalias, reduo do consumo de alimentos como carne

    salgada, carnes gordas, tempero pronto e vsceras. Todavia, adeso dos pacientes

    ao aconselhamento diettico foi considerada baixa (SILVA, 2005).

    PAIVA et al. (2006), ao descreverem o perfil de populao diabtica e

    hipertensa, acompanhada pelo PSF do municpio de Francisco Morato, SP, e

    avaliarem a assistncia prestada a essa populao, verificaram que apenas 32,8%

    da populao estudada relatou uma dieta considerada adequada, segundo

  • 21

    parmetros da pesquisa. Em contrapartida, 75% relataram no ter o hbito de

    praticar atividade fsica.

    O impacto da morbimortalidade cardiovascular na populao brasileira que

    tem o DM e a HA como importantes fatores de risco traz um desafio para o

    Sistema Pblico de Sade: a garantia do acompanhamento sistemtico dos

    indivduos identificados como portadores desses agravos e o desenvolvimento de

    aes de promoo da sade e preveno de DCNT. Estudiosos do tema

    consideram que o grande desafio do Sistema nico de Sade (SUS) na abordagem

    do atual padro de sade e doena no pas est na reorientao de novas prticas

    de sade (MONTEIRO, 1995; BOOG, 1997).

    Nesse sentido, intervenes com o objetivo de reduzir as cargas das DCNT

    so propostas, h alguns anos, pelo Ministrio da Sade (MS). Tradicionalmente

    essas aes so coordenadas, no mbito nacional, pelas reas tcnicas assistenciais

    da Secretaria de Vigilncia em Sade (SVS) e Secretaria de Ateno Sade

    (SAS), de forma que a articulao entre elas aproxime as aes de vigilncia

    epidemiolgica s de assistncia e promoo da sade. A promoo constitui o

    eixo integrador e articulador das agendas dos servios e a formulao de polticas

    pblicas saudveis.

    Em 2000, a fim de estabelecer diretrizes e metas para a reorganizao da

    assistncia do portador de HA e de DM no SUS, o MS implantou o Plano de

    Reorientao da Ateno Hipertenso Arterial e ao Diabetes Mellitus, em

    parceria com as Sociedades Brasileiras de Cardiologia, Nefrologia, Hipertenso e

    Diabetes, Secretarias Estaduais e Municipais de Sade, Conselhos Nacionais de

    Secretrios Estaduais e Municipais de Sade, Federao Nacional de Portadores

    de Hipertenso e de Diabetes. Entre os objetivos desse plano, esto: orientar a

    implementao, nos estados e municpios, das aes de capacitao dos

    profissionais da Ateno Bsica; pactuar normas e metas entre as trs esferas de

    gesto da sade; prestar assistncia farmacutica e dispensao de medicamentos

    de uso contnuo; promover atividades educativas para minimizar os impactos da

    HA e do DM sobre a sade pblica. Criou tambm o Sistema de Cadastro e

    Acompanhamento de Hipertensos e Diabticos (Hiperdia, recentemente SIS-

    Hiperdia) que possibilita a descrio do perfil epidemiolgico das pessoas com

  • 22

    HA e DM cadastradas e acompanhadas na rede bsica de sade (BRASIL, 2001;

    BOING e BOING, 2007).

    A Coordenao Geral das Doenas e Agravos No Transmissveis da

    SVS, em 2005, assumiu a coordenao da Poltica Nacional de Promoo Sade

    (PNPS), constituindo um grupo de trabalho responsvel por elaborar o documento

    preliminar dessa poltica. O objetivo da PNPS contribuir para mudar o modelo

    de ateno do Sistema, de maneira a ampliar e qualificar aes de promoo de

    sade e construir uma agenda estratgica integrada por meio do envolvimento de

    diversas instncias gestoras no SUS e do fortalecimento de suas diretrizes

    (BRASIL, 2005).

    Seguindo a orientao da Organizao Mundial de Sade (OMS), o Brasil

    est engajado no movimento da Estratgia Global para a Alimentao Saudvel e

    Atividade Fsica. Entre as prioridades da PNPS, est a implantao do projeto

    Pratique Sade, em que a promoo da sade est centrada no compromisso

    tico de enfrentar as desigualdades de acesso aos modos de viver e aos ambientes

    saudveis por meio da construo de graus crescentes de autonomia dos

    indivduos, das famlias e coletividades, no autocuidado, no cuidado com o meio

    ambiente e na produo da sade (BRASIL, 2005).

    Esse compromisso convergente para uma das mais importantes

    circunstncias que envolvem a instituio de prticas alimentares saudveis, mais

    especificamente a adeso a condutas dietticas especiais para o controle da HA e

    do DM: a (In) Segurana Alimentar e Nutricional (SAN). Diversos fatores de

    insegurana alimentar e nutricional, como baixo nvel socioeconmico, excluso

    social, dificuldades relacionadas ao acesso e preparo dos alimentos, nvel de

    entendimento do paciente sobre a conduta diettica, resistncia mudana de

    hbitos alimentares e outros comportamentos pouco saudveis, constituem

    obstculos promoo de prticas de vida saudveis. No Brasil, adota-se, como

    conceito de SAN,

    (...) a garantia do direito de todos ao acesso regular e permanente a

    alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o

    acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base prticas

    alimentares promotoras de sade que respeitem a diversidade cultural e

  • 23

    que sejam ambiental, cultural, econmica e socialmente sustentveis.

    (BRASIL, 2006a).

    A Poltica Nacional de Alimentao e Nutrio (PNAN) implementada

    pela Coordenao Geral da Poltica de Alimentao e Nutrio (CGPAN) da

    SAS/MS, ao mesmo tempo que integra a Poltica Nacional de Sade, insere-se no

    contexto da SAN, compondo o conjunto de polticas governamentais voltadas a

    concretizar o Direito Humano Alimentao Adequada (DHAA).

    Implementada em 1999 pelo Ministrio da Sade, a PNAN precede a

    PNPS e a Poltica Nacional de Ateno Bsica (PNAB). Sua adoo configura um

    marco importante uma vez que a alimentao e a nutrio constituem requisitos

    bsicos para a promoo e proteo da sade. J em sua primeira edio, traz o

    contexto brasileiro de convivncia com a dupla carga de doenas nutricionais: as

    carenciais, ainda com prevalncia significativa, e os altos e crescentes ndices de

    obesidade. A PNAN inova ainda ao introduzir no texto de uma poltica pblica a

    questo da SAN e sua vinculao com a promoo de prticas alimentares

    saudveis, a preveno e controle dos distrbios nutricionais e a necessidade da

    abordagem intersetorial nas aes que propiciam o acesso universal alimentao

    e nutrio (SECRETARIA..., 2000).

    A PNAN tem por uma de suas diretrizes programticas a promoo de

    prticas alimentares e estilos de vida saudveis, com nfase na alimentao para

    preveno e controle das DCNT e na reviso de mtodos, tcnicas e estratgias

    para a educao nutricional:

    Dever (...) ser concedida nfase particular orientao quanto

    preveno de doenas crnicas no transmissveis, tais como as

    cardiovasculares e a diabete melito e a adoo de hbitos alimentares

    apropriados (...) como forma de evitar o agravamento destas patologias

    (BRASIL, 2008, p. 22).

    No entanto, para SANTOS, 2005, O documento que institui a PNAN

    carece de uma concepo clara de educao alimentar e nutricional, e da indicao

    de diretrizes para a sua prtica.

    Nos instrumentos normativos que encaminham diretrizes e aes de cada

    uma das polticas pblicas citadas, esto explcitas a necessidade e a importncia

  • 24

    das prticas de educao em sade e educao nutricional. Principalmente na

    Ateno Bsica, a educao em sade, em particular a educao nutricional, tem-

    se constitudo como instrumento de transformao das prticas inadequadas de

    sade (LIMA et al., 2000).

    Ante o fortalecimento dessas polticas, o SUS enfrenta ainda o desafio de

    reorientar o modelo de ateno, de forma a garantir populao o acesso

    universal, equnime e integral a uma rede de servios resolutivos. Como uma

    alternativa de enfrentamento a esse desafio, desde 1994 o Ministrio da Sade

    props o Programa de Sade da Famlia (PSF) que, por ser considerado como

    estratgia estruturante dos sistemas municipais de sade, passou a ser chamado de

    Estratgia de Sade da Famlia (ESF) (ALVES, 2005; SCHERER, 2005;

    BARRETO e CARMO, 2007).

    1.1 EDUCAO EM SADE E EDUCAO NUTRICIONAL -

    DEFINIES E PERSCPECTIVAS TERICAS.

    Entendida como um processo a educao em sade visa a capacitar as

    pessoas e os grupos sociais para ao consciente em prol da sade e para o

    enfrentamento de problemas fundamentais da vida, tais como a nutrio. Campo

    de prtica e conhecimento na sade pblica, ela constitui possibilidade para o

    desenvolvimento de vnculos entre os servios de sade e a populao e, por isso,

    considerada inerente a todas as prticas desenvolvidas no mbito do SUS.

    (LIMA, 2000; VASCONCELOS, 2004).

    Para STOTZ (2007) a educao em sade, como concebida pelo modelo

    tradicional e dominante da sade, uma rea de saber tcnico que organiza

    conhecimentos das cincias sociais e da sade com a finalidade de

    instrumentalizar os servios para o controle dos pacientes e as pessoas para a

    preveno das doenas, num processo em que os educadores profissionais e

    tcnicos em sade se apropriam do conhecimento tcnico-cientfico da

    biomedicina para repass-los como normas de conduta para as pessoas. Nessa

    viso, respaldada nas evidncias da medicina preventivista e adotada como

    enfoque educativo predominante nos servios de sade h dcadas, os problemas

  • 25

    de sade geralmente se reduzem a dimenso biopsicolgica, o que traz a

    possibilidade de culpabilizar os indivduos por seu adoecimento, principalmente

    para aquelas doenas que tm por causa os denominados comportamentos

    individuais de risco: sedentarismo, alimentao inadequada, consumo de lcool e

    tabaco, entre outros.

    O autor questiona essa concepo do ponto de vista da percepo das

    pessoas sobre a doena, o adoecimento e a sade, percepo essa que

    influenciada pela posio social e pela cultura do grupo social de referncia dos

    indivduos e que precisa ser considerada ao se tentar entender as dificuldades que

    as pessoas tm em cuidar da sua prpria vida e de enfrentar o adoecimento

    (STOTZ, 2007).

    Na ltima dcada, com a perspectiva de reorientao do modelo de ateno

    sade no Brasil, a abordagem preventivista deixou de ser exclusiva e a educao

    em sade passou a incorporar um novo enfoque: o da escolha informada, que

    enfatiza o indivduo, sua privacidade e dignidade em poder decidir sobre sua vida,

    auxiliado pela informao tcnica qualificada (LEFVRE e LEFVRE, 2004;

    STOTZ, 2007).

    Esse enfoque prope o deslocamento do uso do conceito de educao para

    o da informao. Educar, do latim educere, significa conduzir e, para LEFVRE e

    LEFVRE (2004), isso que vem sendo feito no campo da sade: conduo, de

    forma explcita ou disfarada, justificado por uma boa causa, como o combate

    doena. Esses autores consideram que a proposta educativa do tipo conducente na

    promoo de sade deva ser substituda por proposta informativa, pois as pessoas

    no devem, e muitas no querem ser educadas, conduzidas, mas sim conduzir

    suas vidas com a ajuda e dialogando com informaes tcnicas devidamente

    decodificadas (LEFVRE e LEFVRE, 2004, p. 60).

    A proposta est embasada nas ideias de tericos como Fortes, Labonte e

    Freire. O primeiro desenvolve a concepo de processamento no normatizador

    da informao, expresso que retrata uma condio de difuso de informao no

    autoritria, para a qual no seria apropriado para a promoo de sade educar,

    mas sim informar e dialogar com vistas tomada de deciso pela sociedade,

    grupos ou indivduos (FORTES, 1998).

  • 26

    O segundo, numa dimenso socializadora da promoo de sade,

    considera que o empowerment (empoderamento) das populaes implica munici-

    las de informaes significativas que sejam vistas, sentidas e utilizadas como

    insumos para a tomada autnoma de deciso (LABONTE, 1998).

    No terceiro, encontram-se elementos para enfatizar a importncia de uma

    pedagogia no normativa e dialogal (FREIRE, 1972). Esta, ao propiciar

    oportunidades de encontro e de troca entre o campo sanitrio e o do senso comum

    e o fortalecimento deste, fortalece coletividades e indivduos para que possam

    responder mais adequadamente aos determinantes do processo sade-doena

    (LEFVRE e LEFVRE, 2004).

    A perspectiva conceitual do empoderamento est associada proposta de

    promoo de sade, pela qual a educao toma uma dimenso socializadora, ou

    seja, ao municiar as pessoas com informaes significativas para elas, que possam

    ser sentidas, vivenciadas e utilizadas por elas, as decises sero tomadas com mais

    autonomia (LABONTE, 1998).

    A viso da educao como meio para alcanar a promoo da sade

    comum entre autores do campo da sade pblica. ALVES, 2005, por exemplo,

    acata o conceito de Costa e Lopes, segundo os quais ela constitui um conjunto de

    saberes e prticas orientados para a preveno de doenas e a promoo da sade

    (Costa e Lopes, apud ALVES, 2005, p.43), e completa: trata-se de um recurso

    por meio do qual o conhecimento cientificamente produzido (...) intermediado

    pelos profissionais de sade, atinge a vida das pessoas (...) para adoo de novos

    hbitos e condutas de sade (ALVES, 2005, p.43).

    WEARE (2002) parte da viso da Organizao Mundial de Sade sobre os

    princpios fundamentais da promoo da sade, ou seja, a democracia, a equidade

    e a autonomia, para situar a educao em sade como elemento essencial para a

    realizao dos mesmos. Como princpios ou valores, eles no so elementos

    tcnicos, operacionais, no so alcanveis por si ss; ento, a educao em sade

    esse elemento por que os princpios e objetivos da promoo da sade se

    realizam.

    No entanto, para CANDEIAS (1997), a qualidade das discusses tcnicas

    sobre intervenes sociais em sade podem ser afetadas por confuses conceituais

  • 27

    entre educao e promoo em sade. Ela assume as definies de Green e

    Kreuter: educao em sade diz respeito a quaisquer combinaes de experincias

    de aprendizagem delineadas com vistas a facilitar aes que conduzem sade;

    promoo de sade definida como combinao de apoios educacionais e

    ambientais que visam a atingir aes e condies de vida conducentes sade

    (Green, Kreuter, apud CANDEIAS, 1997, p. 210). Ao significar alguns elementos

    de ambas as definies, Candeias localiza uma maior complexidade e abrangncia

    no conceito de promoo de sade e considera que, embora ambas guardem

    objetivos comuns para contribuir com melhores nveis de sade, a educao em

    sade, na prtica, constitui apenas parte das atividades tcnicas voltadas para a

    sade, cabendo a ela especialmente a habilidade de organizar os componentes

    educativos dos programas de sade. Nesse sentido, a educao em sade uma

    atividade-meio (CANDEIAS, 1997).

    Reconhecidas as diferenas conceituais entre os enfoques preventivista e

    da escolha informada, cabe observar que ambos baseiam-se na responsabilidade

    do indivduo sobre a ao e no entendimento de que a educao ou a informao

    qualificada, respectivamente, podem influir decisivamente na deciso individual

    ou coletiva sobre a sade. Para STOTZ, 2007, enfoques como estes acabam por

    contribuir para inoperncia dos governos em resolver problemas cuja

    determinao est na prpria estrutura social, pois a responsabilidade pela soluo

    dos problemas de sade transferida para os indivduos.

    Uma alternativa s perspectivas anteriores o enfoque radical que

    considera como causas dos problemas de sade as condies e a estrutura social e,

    portanto, a educao em sade orientada no sentido da transformao destas

    condies, numa perspectiva de luta poltica pela sade (STOTZ, 2007). O Estado

    chamado a intervir, por meio de medidas legislativas, normativa, fiscalizadora,

    nas condies que produzem as doenas. Segundo essa concepo, a ao

    interventora do Estado conduziria as pessoas a escolhas mais saudveis, o que do

    ponto de vista do princpio orientador da ao educativa, aproxima-se do enfoque

    preventivista pela nfase na persuaso (STOTZ, 2007).

    Este enfoque, ao desconsiderar as diferenas individuais de percepo da

    sade-doena, o sofrimento que uma deciso mesmo que mais saudvel possa

  • 28

    causar pessoa, limita a autonomia delas sobre sua vida. Ademais, no resolve a

    dicotomia indivduo x coletividade, medida que os problemas de sade so de

    milhares de indivduos, singulares, e, ao mesmo tempo, coletivas.

    Outro enfoque, tratado mais como uma reflexo do que como teoria, o da

    educao popular. Trata-se de um movimento social de profissionais, tcnicos e

    pesquisadores, engajados no dilogo entre o conhecimento tcnico-cientfico e o

    originado das experincias e lutas da populao pela sade. Esta perspectiva

    compartilha os princpios da educao popular proposta por Paulo Freire e apoia-

    se na diversidade de experincias recolhidas e sistematizadas a partir de

    problemas de sade especficos nos servios de sade, locais de moradia ou

    trabalho. Como prtica pedaggica parte do saber popular anterior, saber este que

    mesmo fragmentado e pouco elaborado a matria prima do processo

    educativo; que reduz a passividade tradicional dos processos pedaggicos e a

    verticalidade das prticas educativas tradicionais ou mesmo radicais

    (VASCONCELOS, 2004).

    A educao alimentar e nutricional, entendida como um campo da

    educao em sade, comporta em sua concepo os mesmos referenciais da

    educao em sade.

    O conhecimento em nutrio pode gerar mudanas comportamentais

    especficas e positivas nos hbitos alimentares, introduo de melhores prticas

    higinicas e uso mais eficiente dos recursos alimentares, constituindo esses

    objetivos da educao nutricional (ABREU e MARTINS, 1997).

    Para BOOG (2004), a educao nutricional, assim como todos os

    processos educativos inerentes ao ser humano, acontece no cotidiano social, ao

    longo da existncia das pessoas, no esforo que elas fazem para responder aos

    desafios cotidianos. Contudo, pode tambm se dar por intermdio de aes de

    instruo e ensino planejadas por pessoas capacitadas para tal fim.

    Assim como a educao em sade, a educao nutricional dispem de

    inmeras abordagens pedaggicas, historicamente caracterizadas de acordo com o

    movimento poltico-social vigente. No Brasil, segundo SANTOS (2005), uma

    importante contribuio para a discusso sobre novas perspectivas da educao

    alimentar e nutricional se consolidou em meados de 1980, com a educao

  • 29

    nutricional crtica. Tal concepo determinava haver uma incapacidade da

    educao alimentar e nutricional e, de forma isolada, promover alteraes em

    prticas alimentares. A educao nutricional crtica baseava-se nos princpios da

    pedagogia crtica dos contedos, de orientao marxista, considerando que a

    educao nutricional no neutra e no pode seguir uma metodologia prefixada.

    Nessa perspectiva, essa vertente da educao nutricional pressupunha assumir o

    compromisso poltico de colocar nossa produo tcnica e cientfica a servio do

    fortalecimento das classes populares em sua luta contra a explorao, que gera a

    fome e a desnutrio problemas muito prevalentes no pas naquela poca.

    No final da dcada seguinte, o termo "promoo de prticas alimentares

    saudveis" comea a marcar presena nos documentos oficiais brasileiros

    (SANTOS, 2005), reconhecendo-se a importncia da alimentao saudvel,

    completa e variada para a preveno de doenas crnicas no transmissveis, cuja

    prevalncia veio aumentando significativamente (BOOG, 1999). As interfaces

    terico-conceituais entre educao em sade-educao nutricional-promoo de

    sadepromoo de prticas alimentares saudveis so evidenciadas passam,

    ento a ser presenciadas na literatura da rea.

    Alm das diferentes abordagens ideolgico-conceituais que orientam as

    prticas de sade e, consequentemente, as prticas educativas em sade, inmeras

    formulaes tericas sob o aspecto didtico-pedaggico da educao em sade

    encontram-se disponveis na literatura especializada. Em relao educao

    nutricional, por exemplo, a literatura apresenta modelos relacionados a

    conhecimento-atitude-prtica, motivao, aprendizado social, processamento de

    informao para o consumidor, planejamento de comunicaes, ao social e

    comunitria, difuso de informaes e modelos integrados. Todos apontam a

    complexidade da mudana do comportamento alimentar, a interao dinmica

    entre as variveis a ele relacionadas e a importncia de um processo planejado

    sistematicamente, visando elaborao de intervenes (CERVATO et al. 2004).

    O percurso terico realizado neste estudo foi o de tentar perceber o

    processo educativo no mbito da Ateno Bsica Sade, relativamente

    assistncia sade de pessoas com DM e HA, na perspectiva das diferentes

  • 30

    abordagens tericas que o orientam, para que a sua reflexo e crtica contribusse

    para a qualificao das prticas educativa em sade.

    1.2 JUSTIFICATIVA

    O atual perfil de morbimortalidade da populao brasileira, caracterizado

    pela elevada prevalncia das DCNT, constitui condio que afeta expressivamente

    a demanda pelos servios de sade. O impacto dessas doenas na sade pblica

    pode ser minimizado com aes que promovam mudanas nos hbitos de vida, o

    que, por si s, justifica os estudos que procuram entender e qualificar as aes

    educativas promotoras dessas mudanas. Particularmente para o DM e a HA,

    modificaes de alguns fatores de risco modificveis, como alimentao

    inadequada, sedentarismo, tabagismo e etilismo, podem ser estimuladas no mbito

    da Ateno Bsica Sade, minimizando sua progresso e complicao e

    reduzindo a morbimortalidade por tais doenas.

    No entanto, o que, primeira vista, parece simples constitui um dos

    desafios do Sistema de Sade: promover estilos de vida mais saudveis significa

    intervir na perspectiva da promoo da sade e, portanto, requer essencialmente a

    reorientao do prprio modelo assistencial, que ainda se configura por uma

    ateno centrada na doena e na sua cura, no saber e no fazer fragmentado, o

    que leva desumanizao e a no integralidade das prticas assistncias de sade.

    Na perspectiva da promoo da sade, as aes educativas tm sido uma

    prtica inerente ao projeto assistencial em todos os nveis de ateno, sendo

    orientada por diferentes possibilidades tericas e metodolgicas para promover a

    emancipao e o empoderamento dos sujeitos para responder aos problemas de

    sade.

    Se a educao nutricional entendida como um dos elementos da

    educao em sade, sua prtica tambm est vinculada orientao do modelo

    assistencial; portanto, faz-se necessrio qualificar a interveno educativa para

    transpor os obstculos do modelo hegemnico, construindo, com os sujeitos

    envolvidos em seu pensar e em seu fazer, os elementos motivadores para as

  • 31

    mudanas de atitudes em relao promoo de prticas alimentares saudveis e

    adoo de condutas dietticas adequadas.

    Constitui, ento, um desafio para os profissionais de sade a apropriao

    de estratgias educacionais que concretamente possam auxiliar as pessoas, para

    que, de forma autnoma e consciente, realizem escolhas que as conduzam a uma

    vida mais saudvel e plena.

    A despeito do reconhecimento do alcance da educao em sade/educao

    nutricional como medida coletiva para a promoo de hbitos de vida e

    alimentares saudveis, so pouco numerosas as experincias documentadas sobre

    os programas e as atividades de educao nutricional no Brasil, principalmente as

    desenvolvidas na rede bsica de sade, envolvendo usurios. Configura-se, assim,

    o locus da Sade da Famlia como um campo frtil para os estudos dessa natureza.

    Questes complexas, ainda ao nvel exploratrio, precisam ser

    investigadas e respondidas, para que seja possvel subsidiar programas e polticas

    sobre o carter terico-metodolgico e pedaggico das aes educativas. Nesse

    contexto, o estudo contribui para a qualificao do processo e das prticas

    educativas focalizados nas aes de educao nutricional e empreendidas no

    mbito da Ateno Bsica Sade, particularmente na ateno sade de pessoas

    com DM e/ou HA.

    Como o estudo foi realizado com base na percepo/representao social

    dos sujeitos envolvidos no processo de educao em sade: profissionais de sade

    e usurios, num processo participativo e dialgico, seus resultados oferecem uma

    compreenso das prticas educativas pelo prisma de quem as vivencia, o que

    confere um carter de humanizao e de participao ao processo de qualificao

    delas.

    Qualificar aes de educao em sade na perspectiva da integralidade e

    da participao social pode representar maior resolubilidade, eficcia e

    legitimao de polticas e programas de promoo da sade em todos os nveis de

    ateno, o que torna o estudo relevante para a sade pblica.

  • 32

    2 OBJETIVOS

    2.1 GERAL

    Analisar o processo educativo com nfase na educao nutricional para

    pessoas com DM e HA no mbito da Ateno Bsica Sade.

    2.2 ESPECFICOS

    Reconhecer os espaos, os sujeitos e os resultados das aes de educao

    em sade, com nfase na educao nutricional, destinadas a pessoas com DM e/ou

    HA, no mbito da Ateno Bsica Sade, mediante a representao social dos

    profissionais de sade sobre essas aes.

    Compreender, pela tica dos profissionais da Ateno Bsica Sade, as

    dificuldades e os desafios da ao educativa para a promoo de prticas

    alimentares saudveis e adequadas para pessoas com DM e/ou HA.

    Caracterizar a percepo dos usurios-pacientes cadastrados e

    acompanhados na Ateno Bsica Sade sobre as atividades educativas das

    quais participam e sobre as dificuldades que encontram para aderir e dar

    seguimento s orientaes que recebem para o controle de sua doena e promoo

    de sua sade.

    Qualificar as aes educativas para promover a alimentao saudvel e

    adequada entre pessoas com DM e/ou HA, em atividade compartilhada com os

    profissionais de sade da Ateno Bsica.

  • 33

    2 MTODOS

    3.1 CARACTERIZAO DA PESQUISA

    Realizou-se um estudo de orientao analtico-descritiva e natureza

    qualitativa, com profissionais de sade e usurios da ESF do municpio de

    Vitria-ES.

    3.2 O CENRIO DO ESTUDO

    O estudo foi desenvolvido em uma das 20 unidades de sade de ESF do

    municpio de Vitria-ES, considerada referncia no desenvolvimento de aes de

    promoo de sade e na oferta de servios de acompanhamento e controle para

    pessoas com DM e HA.

    O municpio de Vitria est administrativamente organizado em termos da

    Ateno Bsica Sade em seis regies territoriais, onde se distribui um total de

    28 unidades bsicas de sade (UBS), dessas, 20 so de ESF com 72 equipes e

    quatro de Programa de Agentes Comunitrios de Sade (PACS) com cinco

    equipes, para uma populao de 297.489 habitantes (IBGE, 2010). Quanto aos

    equipamentos de sade, o municpio conta ainda com 11 mdulos e uma unidade

    mvel do Servio de Orientao ao Exerccio (SOE).

    Complementam a rede ambulatorial e integram a Ateno Secundria do

    municpio um Laboratrio Central (com posto de coletas em algumas unidades),

    seis Centros de Referncia: o das Doenas No Transmissveis (DST/AIDS), o de

    Sade do Trabalhador (CRST), o de Ateno ao Idoso (CRAI), o de Preveno e

    Tratamento de Toxicmanos (CPTT), o de Ateno Psicossocial (CAPS) e o de

    Controle de Zoonoses (CCZ); um Centro de Especialidades e uma Policlnica.

    A Figura 1 ilustra uma viso espacial do municpio de Vitria, com as

    delimitaes das Regies Administrativas de Sade e a Figura 2 a distribuio

  • 34

    geogrfica dos equipamentos de sade do municpio. A UBS escolhida para o

    estudo pertence regio de Marupe.

    Figura 1 Regies Territoriais de Sade de Vitria-ES.

    Extrado de: PMV/SEMUS - Seminrio Macrorregional em Sade da Populao Idosa,

    2006.

  • 35

    Figura 2 Equipamentos de Sade por Regio Territorial de Sade, Vitria-ES.

    As equipes bsicas de ESF so integradas por um mdico generalista, um

    enfermeiro, trs auxiliares de enfermagem e cinco a seis agentes comunitrios de

    sade (ACS). Todas as UBS dispem, pelo menos, de um assistente social, um

    psiclogo, uma equipe de sade bucal, formada por um cirurgio-dentista, um

    auxiliar de cirurgio-dentista por equipe e um tcnico de higiene bucal, alm de

    mdicos especialistas, na maioria pediatras e ginecologistas.

    A rede da Ateno Bsica conta ainda com cerca de 80 orientadores fsicos

    do SOE e atualmente com quatro nutricionistas que atuam diretamente nas aes

    da Ateno Bsica Sade. Todavia, o municpio est implantando as equipes

    matriciais de ESF para as quais est prevista a lotao de nutricionistas em todas

    as Regies de Sade.

    O municpio est integrado s diretrizes da Poltica Nacional de Ateno

    Sade (PNAS) no que concerne vigilncia, preveno e ao controle das

    DANT, e as informaes sobre elas, geradas na Ateno Bsica pelas equipes de

    PACS/PSF, alimentam os bancos de dados do SISHiperdia e do Sistema de

  • 36

    Informao da Ateno Bsica (SIAB). Alm disso, ele participa de Estudos

    Multicntricos, como o de Vigilncia de Fatores de Risco e Proteo para

    Doenas Crnicas por Inqurito Telefnico (VIGITEL) e o Estudo Longitudinal

    de Sade do Adulto (ELSA), que tambm geram informaes sobre DCNT no

    municpio.

    Segundo os dados de setembro de 2007, consolidados pelo municpio e

    disponveis no DATASUS/SIAB, naquele ano foram cadastrados, em Vitria,

    3.378 diabticos (dos quais 2.622 acompanhados) e 14.333 hipertensos (dos quais

    11.284 acompanhados). Deste total mais de 80% eram usurios cadastrados e

    assistidos pelas equipes de ESF (MINISTRIO, 2007). Essa data corresponde ao

    momento em que o delineamento desta pesquisa foi realizado, por isso foi

    mantida como referncia, sem atualizao.

    As aes de educao em sade so coordenadas em nvel central pela

    Gerncia de Educao em Sade (GES) e desenvolvidas, nas microrregies de

    sade, pelas equipes de PACS/PSF principalmente.

    3.2.1 A Escolha da UBS do Estudo

    A definio da UBS do estudo foi realizada por meio de entrevistas com

    informantes-chave da Secretaria Municipal de Sade, a saber: gestores e

    coordenadores de equipes de ESF de seis diferentes UBS, bem como as

    referncias tcnicas das coordenaes da Ateno Bsica, da Vigilncia das

    Doenas e Agravos no Transmissveis, do Controle e Avaliao, do

    Desenvolvimento de Recursos Humanos e da Educao Permanente, alm do

    secretrio e da vice-secretria de sade do municpio.

    Os critrios de seleo foram estes: ser uma UBS de ESF, referncia no

    desenvolvimento de aes de promoo de sade e na oferta de servios de

    acompanhamento e controle para pessoas com DM e HA, preferencialmente

    localizada em territrio com extratos sociais variados, cujo gestor e coordenadores

    das equipes de ESF demonstrassem receptividade proposta do estudo.

    A UBS elegida para o estudo foi a Unidade de Sade da Famlia (USF) do

    territrio de Marupe, localizada na regio administrativa de mesmo nome.

  • 37

    A regio administrativa de Marupe a segunda mais populosa do

    municpio, perdendo apenas para a regio Continental. Compreende um conjunto

    de 12 bairros (unidades censitrias ou territrios), numa rea aproximada de

    5.671.517m2, e uma populao estimada de 53.312 habitantes. A ocupao

    territorial da regio uma das mais antigas da cidade de Vitria. Nela esto o

    Hospital Universitrio da Universidade Federal do Esprito Santo (UFES) e o

    maior parque-horto do municpio.

    Os indicadores sociodemogrficos colocam Marupe entre as trs regies

    mais pobres de Vitria, mas com heterogeneidade entre seus territrios. Dos

    14.512 domiclios, 99,5%, 94,2% e 99,5% so atendidos por abastecimento de

    gua tratada, tratamento de esgoto e coleta de lixo, respectivamente. No entanto,

    possui o terceiro menor rendimento mdio entre as regies do municpio (R$

    1.202,00, valor corrigido pelo INPC em setembro de 2008), com 44,3% da

    populao vivendo com dois salrios mnimos, bem como a terceira menor

    escolaridade (mdia de 6,76 anos de estudo).

    Em relao aos equipamentos pblicos sade, educao e assistncia

    social, a regio de Marupe conta com seis UBS; um mdulo do SOE; duas

    academias populares, uma exclusiva para idosos; trs Centros de Referncia de

    Assistncia Social (CRAS) e quatro Projetos Caminhando Juntos (CAJUN). A

    rede de educao composta de 10 Centros Municipais de Ensino Infantil

    (CEMEIs), uma creche de horrio integral; 12 Escolas Municipais de Ensino

    Fundamental (EMEFs) e 18 Laboratrios de Informtica.

    Os dados demogrficos e socioeconmicos apresentados so do Instituto

    Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE) - CENSO 2002, com ajustes

    realizados pela Gerncia de Informao Municipal da Secretaria de Gesto

    Estratgica da Prefeitura de Vitria em 2003 (PREFEITURA DE VITRIA,

    2011).

    3.2.1.1 A USF do territrio de Marupe

    a maior e mais complexa das seis USF da macrorregio administrativa

    de Marupe. Sua rea de abrangncia integra a populao de sete bairros (So

  • 38

    Cristvo, Marupe, Santa Ceclia, Tabuazeiro, Bairro de Lourdes, Santos Dumont

    e Engenharia), com 23 mil habitantes, que corresponde a 35% da populao total

    da regio administrativa aproximadamente. Assim como a macrorregio, o

    territrio de abrangncia dessa UBS caracteriza-se pela heterogeneidade entre

    seus bairros: por exemplo, Tabuazeiro apresenta a maior taxa de analfabetismo

    (5,6%) e o menor ndice de qualidade urbana (0,5), enquanto Santa Ceclia o

    bairro com menor taxa de analfabetismo (1,5%) e o ndice de qualidade urbana

    de 0,75.

    Percebe-se um grande nmero de famlias em vulnerabilidade social (600

    famlias cadastradas no Programa Bolsa Famlia) e os problemas de sade so

    indissociveis desse quadro: idosos em situao de fragilidade social, transtorno

    mental, violncia domstica, uso e trfico de drogas.

    Entre as doenas e agravos mais relatados e assistidos pela US esto as do

    aparelho circulatrio e as endocrinometablicas, com relevncia para a HA e o

    DM respectivamente, as do aparelho digestivo (sade bucal/crie dentria) , os

    cuidados ps-operatrios de cncer, a violncia influenciada pelo trfico, alm dos

    agravos sazonais: dengue e as infeces de vias areas inferiores.

    A unidade atende a um total de 4.720 famlias, no horrio de 07:00 s

    22:00 horas, com atividades de acolhimento do usurio, preveno com educao

    em sade, busca ativa, tratamento e acompanhamento ambulatorial. Atende a

    consultas eletivas (pr-agendadas) e demanda espontnea, de acordo com sua

    capacidade e segundo avaliao da necessidade do usurio. Oferta diversificados

    servios e realiza diferentes atividades de sade pblica: curativos; marcao e

    coleta e entrega de exames laboratoriais; verificao de presso arterial;

    eletrocardiograma; vacinao; farmcia; agendamento de especialidades;

    atendimento odontolgico; consultas mdicas, de enfermagem, psicologia, servio

    social e educao fsica; servio de profilaxia da raiva; coleta de material

    biolgico para anlise de influenza sazonal (unidade sentinela).

    Desenvolve, tambm, atividades dos Programas de Tuberculose,

    Hansenase, Grupo de Apoio Teraputico ao Tabagismo (GATT), Projeto Peso

    (apoio a atividades fsicas a pessoas acima do peso), Programa Sorria Vitria

    (atendimento odontolgico das crianas em idade escolar matriculadas nas

  • 39

    instituies pblicas do municpio) e realiza vigilncia sade (ambiental,

    sanitria e epidemiolgica) e matriciamento em sade mental, sade do idoso e

    ginecoobstetrcia. Os principais projetos intersetoriais em que a unidade est

    envolvida so o de Ateno Vtimas de Violncia (crianas s adolescente), o

    Programa Sade na Escola e o Programa Bolsa Famlia.

    No territrio de abrangncia da USF de Marupe localizam-se os seguintes

    equipamentos pblicos de interface com a sade pblica: um CRAS; um CAJUN;

    um Centro de Vivncia para terceira idade; trs CEMEIs; quatro EMEFs; um

    Parque Municipal, o Campus Biomdico da UFES; um Hemocentro; a Delegacia

    de Proteo ao Menor em Conflito com a Lei e o Destacamento de Policia Militar.

    No seu entorno esto ainda: o Horto de Marupe, academia popular, mdulo do

    SOE, Quartel do Comando da Polcia Militar; Bancos, unidade escolar e

    recreativa do Servio Social da Indstria (SESI), organizaes sociais e

    comunitrias diversas (abrigos, associaes de moradores e igrejas).

    So espaos coletivos de discusso a reunio geral da unidade, o

    Colegiado Gestor e o Conselho Local de Sade, este ltimo com atribuies

    deliberativas e de fiscalizao das aes de sade do territrio.

    O planejamento das atividades da ESF realizado por cada uma das sete

    equipes composta por: um mdico; um enfermeiro; dois ou trs auxiliares de

    enfermagem; cinco a seis agentes comunitrios de sade; um atendente de

    consultrio odontolgico e um odontlogo para cada duas equipes.

    A fonte de dados sociodemogrficos referente ao territrio da USF do

    estudo o IBGE - CENSO 2002, com ajustes realizados pela Gerncia de

    Informao Municipal da Secretaria de Gesto Estratgica da Prefeitura de Vitria

    em 2003 (PREFEITURA DE VITRIA, 2011) e os dados de servio foram

    cedidos pela coordenao da USF do territrio de Marupe.

    3.3 A POPULAO E OS SUJEITOS

    A populao do estudo foi composta por:

    Profissionais de sade universitrios, tcnicos ou auxiliares da UBS

    de ESF selecionada para o estudo, que atenderam aos seguintes

  • 40

    critrios de incluso: ser profissional de sade da UBS de estudo

    h, pelo menos, seis meses; participar nas aes de promoo de

    sade, preveno e controle do DM e HA realizadas pelas equipes

    de ESF; estar sensibilizado para a participao no estudo.

    Usurios do Sistema Municipal de Sade, diabticos e/ou

    hipertensos de ambos os sexos, cadastrados no SISHiperdia e/ou no

    SIAB no municpio de Vitria-ES, e acompanhados pelas equipes

    de ESF da US selecionada para o estudo, que atenderam aos

    critrios de incluso: ter idade entre 30 e 80 anos; ser portador de

    DM e/ou HA, acompanhado h, pelo menos, seis meses,

    anteriormente data da entrevista; ser assduo nas aes realizadas

    pelas equipes de ESF; no ter complicaes que o impedissem de

    participar do estudo, respondendo entrevista; manifestar

    consentimento livre e ser esclarecido em participar do estudo.

    3.3.1 A escolha dos sujeitos

    A escolha dos sujeitos da pesquisa, profissionais de sade ou usurios, foi

    do tipo no aleatrio e intencional (FONTANELLA et al., 2008; MINAYO,

    1993).

    Para os primeiros, em reunio com o gestor da unidade e coordenadores

    das equipes de ESF, em que os objetivos e a metodologia do estudo foram

    apresentados e discutidos, solicitou-se que cada coordenador das sete equipes de

    ESF indicasse o nome de profissionais que atuassem naquela unidade, pelo

    menos, a seis meses do incio do estudo em aes especialmente relacionadas ao

    acompanhamento de pessoas com DM e HA. Essa indicao resultou em uma lista

    de 30 nomes, composta por trs a quatro profissionais de cada equipe e por trs

    profissionais da UBS no vinculados estritamente s equipes de ESF, mas com

    aes articuladas a elas.

    Para a definio dos usurios, solicitou-se aos integrantes de cada uma das

    sete equipes de ESF que indicassem de quatro a cinco pessoas acompanhadas por

    sua equipe e que atendessem aos critrios de incluso citados anteriormente.

  • 41

    O carter intencional dessa seleo foi no sentido de garantir que o usurio

    selecionado fosse pessoa que frequentasse as atividades educativas promovidas

    pela UBS para que, assim, pudesse expressar sua opinio sobre elas.

    A participao voluntria de cada participante da pesquisa foi precedida de

    convite individual mediante apresentao e esclarecimentos sobre o carter, os

    objetivos e procedimentos metodolgicos da pesquisa e sobre a garantia do

    anonimato e o sigilo das informaes. A concordncia em participar foi registrada

    mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Anexo 1),

    conforme estabelecido na Resoluo CONEP 196/96 e suas complementares.

    Aceitaram participar do estudo 27 profissionais de sade, dos quais sete

    enfermeiros, trs mdicos, um educador fsico, 14 agentes de sade e dois

    auxiliares de enfermagem, e 25 usurios.

    3.4 AS ETAPAS DE CAMPO E A COLETA DOS DEPOIMENTOS

    O estudo foi realizado em trs etapas, a saber:

    3.4.1 Primeira etapa: Identificao das estratgias de interveno educativa,

    implementadas no mbito da ESF, para pessoas com DM e HA, na

    percepo dos profissionais de sade.

    Os dados desta etapa foram coletados no perodo de fevereiro a setembro

    de 2009, aps o pr-teste da tcnica e do instrumento, por meio de entrevistas

    semiestruturadas, abertas (PATTON, 2002; FONTANA e FREY, 2000). Utilizou-

    se um roteiro composto de questes que abordavam a percepo dos sujeitos

    sobre: 1) aes de carter educativo realizadas na UBS, com o objetivo de

    capacitar pessoas com DM e/ou HA para os cuidados com a sua sade e

    alimentao; 2) profissionais envolvidos nessas aes; 3) contribuio,

    resolutividade, eficcia destas para mudanas relativas s prticas conducentes

    sade, principalmente s alimentares; 4) dificuldades percebidas para a realizao

    das aes educativas e para a adeso ou continuao dos diabticos e/ou

  • 42

    hipertensos s orientaes para o controle de sua doena e a promoo de sua

    sade, principalmente aquelas relacionadas alimentao e nutrio.

    As entrevistas foram previamente agendadas com cada participante e

    geralmente realizadas em um consultrio ou no auditrio da US, com durao de

    quinze a trinta minutos.

    Mediante autorizao do entrevistado, o depoimento foi registrado em

    gravador digital para sua transcrio literal posterior.

    3.4.2 Segunda etapa: Identificao das estratgias de interveno educativa,

    implementadas no mbito da ESF, para pessoas com DM e HA, na

    percepo dos usurios.

    De forma similar dos profissionais de sade, ou seja, por meio de

    entrevistas semiestruturadas abertas, coletaram-se os depoimentos dos usurios.

    Para essa coleta, utilizou-se um roteiro composto por questes que tratavam da

    percepo desses sujeitos, a saber: 1) como realizado o acompanhamento das

    pessoas com diabetes e/ou hipertenso e de quais atividades participam e recebem

    orientaes sobre sua sade e alimentao; 2) profissionais que geralmente

    realizam esse acompanhamento e as orientaes; 3) mudanas que ocorreram em

    suas vidas e em sua alimentao aps a participao no acompanhamento; 4)

    dificuldades percebidas para seguir as orientaes para mudanas de hbitos de

    vida, especialmente alimentares.

    Essa fase ocorreu no perodo de janeiro a agosto de 2010. As entrevistas

    foram agendadas pelos ACS e realizadas na residncia do entrevistado ou, quando

    mais conveniente para a pessoa, em um consultrio ou no auditrio da UBS,

    aproveitando um dia de comparecimento para a consulta mdica.

    Os instrumentos e a tcnica da entrevista passaram por pr-teste com

    populao similar do estudo, porm em UBS de outro municpio. As entrevistas

    foram realizadas individualmente por um nico entrevistador e, quando

    autorizadas pelo entrevistado, registradas em gravador digital para posterior

    transcrio literal. Variou de 10min a 30min a durao das entrevistas.

  • 43

    3.4.3 Terceira etapa: Qualificao das estratgias de interveno nutricional

    educativa

    Nesta etapa, foram realizados debates com os profissionais de sade

    participantes do estudo. A eles foram apresentados os resultados da primeira etapa

    da pesquisa relativamente s ideias centrais por eles formuladas sobre espaos,

    sujeitos, resolubilidade, eficcia e limites das aes educativas, para que, num

    novo dilogo, suas concepes fossem reelaboradas e novos elementos surgissem

    para o processo de qualificao das prticas educativas.

    Os debates foram realizados em trs reunies, no auditrio da UBS de

    estudo em dezembro de 2010 e janeiro de 2011.

    Os profissionais de sade que participaram da primeira etapa do estudo

    foram preliminarmente distribudos em trs grupos de sete a dez integrantes e

    convidados a participar das reunies.

    Nessas reunies, adotou-se a tcnica de grupo focal como um recurso

    metodolgico que permitisse compreender o processo de construo de

    percepes, atitudes e representaes sociais de grupos humanos (Veiga e

    Gondim, apud GONDIM, 2003, p.151). Trata-se de uma tcnica de pesquisa de

    abordagem qualitativa, no diretiva, em que se pretende o controle da discusso

    de um grupo de pessoas. Sua aplicao permite a coleta de dados por meio de

    interaes grupais ao discutir um tema especial sugerido pelo pesquisador

    (TANAKA e MELO, 2001; MORGAN, 1997).

    A tcnica foi conduzida por um pesquisador facilitador e trs

    pesquisadores auxiliares, e cada reunio teve durao de duas horas.

    Para a consecuo do debate, utilizou-se um roteiro com os seguintes

    passos: 1) apresentao dos objetivos do grupo, da forma como conduzi-lo, da

    durao e do tema central de discusso; 2) apresentao por meio de recurso de

    multimdia, de resultados parciais da primeira etapa do estudo (IC processadas

    com base nos depoimentos dos profissionais de sade sobre resultados, eficcia,

    dificuldades e limites das aes educativas para a capacitao de pessoas com DM

    e HA); 3) apresentao da questo foco: como vocs acham que podemos driblar

  • 44

    as dificuldades e os limites percebidos e tornar as aes educativas mais

    resolutivas e eficazes? 4) debate.

    Mediante a concordncia dos presentes, o debate foi registrado em dois

    gravadores, um eletrnico e outro digital. Aspectos importantes da discusso e

    intercorrncias durante a realizao dos grupos foram registrados parte, por

    escrito, por um dos pesquisadores auxiliares.

    3.5 A ORGANIZAO DOS DADOS E O PROCESSAMENTO DOS

    DISCURSOS

    3.5.1. Os dados das entrevistas com profissionais e usurios

    Para a transcrio e primeira editorao das entrevistas realizadas na

    primeira e segunda etapas do estudo, foram tomados alguns cuidados referentes

    fidelidade do que foi afirmado e ao anonimato delas, como a manuteno das

    palavras repetidas e dos vcios de linguagem e a omisso dos nomes prprios dos

    sujeitos. Sempre que possvel, optou-se por fazer o registro ortograficamente

    correto das falas, exceto para as situaes que fugiam ao lxico da lngua-padro

    ou suprimiam slabas e/ou fonemas iniciais e finais das palavras, conforme

    recomendado por ARAUJO (2001) para a transcrio e editorao de entrevistas

    em pesquisa de abordagem qualitativa.

    Os depoimentos orais resultantes das entrevistas, aps transcrio,

    passaram por leitura flutuante, uma das etapas preliminares do processo de anlise

    do material emprico na pesquisa qualitativa, quando, num contato mais prximo

    com o material de anlise, o pesquisador se permite invadir pelas primeiras

    impresses e orientaes (BARDIN, 1977). A leitura flutuante permitiu delimitar

    as respostas para cada uma das questes formuladas, independentemente do

    momento exato em que os pensamentos e as percepes dos sujeitos foram

    expressos durante a entrevista. Isso porque, quando essas so do tipo aberto, do

    margem a manifestaes e sentimentos menos organizados, o que requer um

    esforo de organizao dos dados discursivos, preliminar ao processamento e

    anlise deles.

  • 45

    Os depoimentos foram, ento, tabulados e organizados segundo a tcnica

    de anlise do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC), que consiste em uma sequncia

    de operaes metodologicamente definidas: 1) seleo de expresses-chave

    (ECH) de cada depoimento ou resposta dada a uma questo; 2) identificao da

    ideia central (IC) de cada uma dessas expresses-chave; 3) reunio das ECH,

    referente s ideias centrais semelhantes ou complementares, resulta em um

    conjunto nuclear do discurso ou discurso-sntese, redigido na primeira pessoa do

    discurso, que o prprio DSC (SALES et al., 2007; LEFVRE e LEFVRE,

    2003).

    A escolha do DSC como recurso metodolgico se deve propriedade

    dessa tcnica. Ao reunir fragmentos de discursos individuais em um ou mais

    discursos-sntese, proferidos por um grupo social (profissionais de sade ou

    usurios), propicia a expresso de pensamentos, percepes ou representaes

    sociais sobre o objeto do estudo (aes educativas na Ateno Bsica Sade) de

    forma mais densa, complexa e enriquecida. Assim, requer a pesquisa de base

    qualitativa, que tem nos depoimentos a matria-prima para a descrio e a

    tentativa de compreender fenmenos sociais complexos. Com o DSC, evita-se

    reduzir os discursos individuais a uma categoria comum unificadora; ao contrrio,

    realam-se as expresses individuais quando o contedo dos depoimentos

    reunido em ideias centrais de sentidos semelhantes ou complementares e estas so

    usadas para reconstruir o discurso de uma coletividade. Redigido na primeira

    pessoa do singular, o DSC produz no leitor o efeito no de um sujeito, mas de

    uma coletividade falando, o que acrescenta densidade semntica s

    representaes sociais, pois ideia de um depoente so acrescidas e incorporadas

    ideias semelhantes ou complementares de outros (LEFVRE et al., 2009;

    TEIXEIRA e LEFVRE, 2008; LEFVRE et al., 2003).

    Para a anlise e discusso do material discursivo, recorreu-se a leituras

    bibliogrficas, norteadas pelas possibilidades de anlise e interpretao de textos

    (SEVERINO, 1996), recorrendo-se literatura cientfica de estrutura conceitual

    abrangente, como encontrado no campo da sociologia do conhecimento e no das

    cincias sociais aplicadas sade coletiva.

  • 46

    3.5.2 Os depoimentos nos grupos focais

    As falas da discusso dos grupos focais foram ouvidas repetidas vezes para

    que se procedesse ao registro dos fragmentos de discurso que fossem mais

    relevantes e respondessem ao tema central da discusso.

    Esses fragmentos de discurso foram ento agrupados segundo as seguintes

    categorias de anlise sobre: 1) o fortalecimento das aes educativas no plano

    teraputico de pessoas com DM e HA; 2) as prticas prescritivas e as dietas

    restritivas; 3) o espao de planejamento das aes educativas; 4) a ausncia de

    profissionais especialistas para apoiar as aes e educao alimentar; 5) a falta de

    espao fsico para realizao das aes.

    Para analisar os resultados, utilizou-se como recurso o destaque de

    tendncias e as conexes entre as falas (TANAKA e MELO, 2001) resultantes dos

    grupos focais e as falas resultantes das entrevistas semiestruturadas da primeira

    etapa da pesquisa.

    Neste estudo a proposta de qualificao tem o sentido de indicar e

    reelaborar as qualidades do objeto do estudo, ou seja, o processo de educao em

    sade com foco na educao nutricional, na perspectiva de que os sujeitos

    envolvidos nesse processo podem faz-lo com mais propriedade. Ao pesquisador

    cabe, nesse caso, de forma pretensiosa, mas respaldada em referencial terico-

    metodolgico das cincias sociais aplicado Sade Pblica, tentar compreender e

    significar os pensamentos, sentimentos e representaes desses sujeitos.

    3.6 CONSIDERAES TICAS

    Este estudo est em consonncia com o estabelecido na Resoluo CONEP

    196/96 e suas complementares. A participao na pesquisa foi condicionada

    expressa autorizao dos sujeitos no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

    (Anexo I). A coleta de dados s teve incio aps a aprovao do estudo pelo

    Comit de tica na Pesquisa da Universidade de So Paulo-USP.

    A pesquisa no ofereceu riscos sade dos participantes. As entrevistas

    incluram questes relacionadas a opinies, sentimentos, percepes dos

  • 47

    profissionais de sade e usurios sobre o objeto do estudo, e, por isso, todas as

    medidas foram tomadas para deix-los confortveis na participao, preservando

    o princpio da participao voluntria. Todas as informaes foram confidenciais,

    sem identificao pessoal, garantindo-se o anonimato e o sigilo das respostas s

    entrevistas.

    A realizao do estudo foi precedida do contato com a Secretaria de Sade

    e com as coordenaes e gerncias envolvidas: Gerncia de Ateno Bsica

    Sade; Gerncia de Educao em Sade; Gerncia de Recursos Humanos;

    Gerncia da UBS (a selecionada), para apresentao dos objetivos e

    procedimentos metodolgicos do estudo.

    O pesquisador visitou a UBS selecionada em datas e horrios previamente

    agendados e apresentou, em reunies com as equipes de ESF e demais

    profissionais de sade envolvidos, todos os esclarecimentos necessrios sobre a

    relevncia do estudo, sua finalidade, planejamento, etapas, entre outros. A mesma

    exposio de motivo e os esclarecimentos foram prestados inicialmente aos

    usurios selecionados para a participao.

    As atividades em grupo com profissionais de sade foram realizadas nas

    dependncias das unidades de sade, em ambientes, horrios e condies que

    ofereceram conforto e segurana. Em nenhuma circunstncia, foi conferido nus

    material ou financeiro aos participantes.

  • 48

    4 RESULTADOS E DISCUSSO

    Os resultados e a discusso da primeira e da segunda etapa da pesquisa so

    apresentados e discutidos em trs manuscritos, apresentados no formato prvio

    para posterior submisso em peridico cientfico.

    Manuscrito 1: Ao educativa para pessoas com diabetes mellitus e

    hipertenso arterial: reflexes sobre a educao em sade na Estratgia

    de Sade da Famlia.

    Manuscrito 2: Dificuldades e desafios da ao educativa com foco na

    educao nutricional de pessoas com diabetes mellitus e hipertenso

    arterial: a viso dos profissionais da Estratgia de Sade da Famlia.

    Manuscrito 3: Ao educ