ação monitória

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242 Série Aperfeiçoamento de Magistrados 10 Curso: Processo Civil - Procedimentos Especiais Breves Anotações sobre o Procedimento Monitório Rafael Estrela Nóbrega 1 A experiência dos sistemas processuais europeus demonstrou que, em determinadas situações, o demandante que possua direito relativamen- te certo, todavia não configurado em título executivo, poderia fazer jus a uma via judicial alternativa à sua satisfação. Nasce, portanto, o procedi- mento monitório empregado com sucesso em alguns países do continente europeu, tendo o Brasil baseado sua legislação no direito italiano. O procedimento monitório está regulado no Código de Processo Civil nos artigos 1102a a 1102c. Em que pese o legislador processual ter denominado o novo instituto de “ação monitória”, ao que parece utilizou expressão inadequada sob o ponto de vista da técnica processual, porquan- to não se trata de uma nova ação, mas sim de um novo procedimento. Alexandre Freitas Câmara define o procedimento monitório “como o procedimento especial destinado a permitir a rápida formação do título exe- cutivo judicial”. (CÂMARA, Alexandre Freitas Câmara, Lições de Direito Processual Civil, 11ª Edição, Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2006, p. 521). Trata-se, portanto, de um procedimento concentrado, célere que per- mita ao demandante a formação do título executivo sem precisar ultrapassar as agruras do processo de conhecimento. Conforme afirma Mandrioli citado por Humberto eodoro Junior o que se busca é “eliminar a complexidade do juízo ordinário de conhecimento derivada das exigências do contraditório”. (JU- NIOR, Humberto eodoro Junior, Curso de Direito Processual Civil, 16ª Edição, Rio de Janeiro: Editora Forense, 1997, p. 381). 1 Juiz de Direito da 1ª Vara de Órfãos e Sucessões - Capital.

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  • 242Srie Aperfeioamento de Magistrados 10tCurso: Processo Civil - Procedimentos Especiais

    Breves Anotaes sobre o Procedimento Monitrio

    Rafael Estrela Nbrega1

    A experincia dos sistemas processuais europeus demonstrou que, em determinadas situaes, o demandante que possua direito relativamen-te certo, todavia no con$gurado em ttulo executivo, poderia fazer jus a uma via judicial alternativa sua satisfao. Nasce, portanto, o procedi-mento monitrio empregado com sucesso em alguns pases do continente europeu, tendo o Brasil baseado sua legislao no direito italiano.

    O procedimento monitrio est regulado no Cdigo de Processo Civil nos artigos 1102a a 1102c. Em que pese o legislador processual ter denominado o novo instituto de ao monitria, ao que parece utilizou expresso inadequada sob o ponto de vista da tcnica processual, porquan-to no se trata de uma nova ao, mas sim de um novo procedimento.

    Alexandre Freitas Cmara de$ne o procedimento monitrio como o procedimento especial destinado a permitir a rpida formao do ttulo exe-cutivo judicial. (CMARA, Alexandre Freitas Cmara, Lies de Direito Processual Civil, 11 Edio, Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2006, p. 521).

    Trata-se, portanto, de um procedimento concentrado, clere que per-mita ao demandante a formao do ttulo executivo sem precisar ultrapassar as agruras do processo de conhecimento. Conforme a$rma Mandrioli citado por Humberto 3eodoro Junior o que se busca eliminar a complexidade do juzo ordinrio de conhecimento derivada das exigncias do contraditrio. (JU-NIOR, Humberto 3eodoro Junior, Curso de Direito Processual Civil, 16 Edio, Rio de Janeiro: Editora Forense, 1997, p. 381).

    1 Juiz de Direito da 1 Vara de rfos e Sucesses - Capital.

  • 243Srie Aperfeioamento de Magistrados 10tCurso: Processo Civil - Procedimentos Especiais

    Diversas so as correntes doutrinrias acerca da natureza jurdica do procedimento monitrio. Ante a brevidade deste trabalho, no possvel o aprofundamento de todas as diretrizes da doutrina, merecendo destacar, to somente que para alguns se trata de um procedimento do processo de execuo, enquanto que para outros con$gura um quarto tipo de processo ao lado do de conhecimento e do cautelar.

    Na verdade, considerar o procedimento monitrio como um pro-cedimento do processo de execuo no parece ser o entendimento mais adequado, j que para o processo de execuo necessrio que o credor possua um ttulo executivo e neste caso vai se utilizar de uma via proces-sual ainda mais estreita. Conceituada doutrina processualista considera o procedimento monitrio um novo tipo de processo, j que se permite a instaurao da execuo sem necessidade de um processo autnomo. To-davia, to somente o fato de que a execuo do ttulo ocorre em outra fase do mesmo processo no caracteriza um tertium genus, at mesmo porque o processo comum de conhecimento quando demanda sentena condenat-rio no su$ciente satisfao do vencedor, exigindo nova fase processual para satisfao do crdito.

    Doutrina majoritria cujo entendimento entendo ser o mais ade-quado, a$rma que o procedimento monitrio um procedimento especial do processo de conhecimento. (por todos, TUCCI, Jos Rogrio Cruz e Tucci Ao monitria, 2 Edio, So Paulo: Editora Revista dos Tribu-nais, 1997, p. 53)

    O procedimento monitrio visa, portanto, obteno do mesmo ttulo executivo que se busca atravs do processo de conhecimento, o que o coloca como uma espcie deste, dada a concentrao do rito.

    Consoante o art. 1102a do Cdigo de Processo Civil cabvel o procedimento monitrio para pagamento de soma em dinheiro, entrega de coisa fungvel ou de determinado bem mvel. Acaso o demandante eleja a via do procedimento monitrio em substituio ao comum dever apresentar prova escrita, sem e$ccia de ttulo executivo, quando do ajui-zamento da demanda.

    O texto legal bastante claro ao exigir do demandante prova escrita,

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    espcie de prova documental, sem e$ccia de ttulo executivo, pois do con-trrio a via eleita inadequada, carecendo, portanto, de interesse de agir.

    Por prova escrita a$rma Humberto 3eodoro Junior a preconstituda (instrumento elaborado no ato da realizao do negcio jurdico para registro da declarao de vontade) como a causal (escrito surgido sem a inteno direta de do-cumentar o negcio jurdico, mas que su$ciente para demonstrar sua existncia). (JUNIOR, Humberto 3eodoro Junior, Curso de Direito Processual Civil, 16 Edio, Rio de Janeiro: Editora Forense, 1997, p. 384).

    No se deve exigir o rigor do ato jurdico do direito material, caben-do ao juiz diante do caso concreto se convencer do direito do credor ao analisar perfunctoriamente a autenticidade e a e$ccia probatria do fato constitutivo do direito.

    Para Candido Rangel Dinamarco nada obsta a que, para con$gurar a prova escrita legitimadora do processo monitrio, valha-se o autor de dois ou vrios documentos, cada um insu$ciente mas que, somados, sejam capazes de induzir a probabilidade su$ciente. Para executar, essa soma de ttulos` no seria idnea. (DINAMARCO, Cndido Rangel Dinamarco, A Reforma do Cdigo de Processo Civil, 4 Edio, So Paulo: Editora Malheiros, 1997, p. 235).

    Admite doutrina e jurisprudncia que a prova escrita se baseie em t-tulos de crdito que no mais possuam e$ccia executiva, como por exem-plo aqueles cujas demandas executivas estejam minadas pela prescrio. O Enunciado n 299 das Smulas do Superior Tribunal de Justia admite ao monitria com base em cheque prescrito.

    Vedao imposta por grande parte da doutrina a possibilidade de se utilizar como prova escrita documento produzido unilateralmente pelo demandante. Se princpio geral de direito que ningum pode ser obri-gado a fazer prova contra si mesmo, da mesma forma no se pode admitir que algum seja demandado com base em prova produzida unilateralmen-te pelo prprio credor. Veja-se a propsito entendimento do Tribunal de Justia do Estado do Rio de Janeiro.

  • 245Srie Aperfeioamento de Magistrados 10tCurso: Processo Civil - Procedimentos Especiais

    APELAO CVEL. AO MONITRIA. INEXISTN-CIA DE PROVA ESCRITA. INADMISSIBILIDADE DE DOCUMENTO PRODUZIDO UNILATERALMENTE. DVIDA NO COMPROVADA. SENTENA DE IMPRO-CEDNCIA. EXTINO DO FEITO, SEM RESOLUO DO MRITO ANTE A CARNCIA DE AO. RECURSO DESPROVIDO. 1. A prova escrita exigida para a propositura da ao monitria, em que pese dispensar o atributo da certeza, deve se revestir de exigibilidade, alm de comprovar a existncia de relao jurdica. 2. Assim, inadmissvel a monitria funda-da em planilha unilateralmente produzida pela parte deman-dante. 3. A propositura da monitria sem a competente prova escrita importa em carncia da ao, diante do desatendimento de pressuposto espec$co do procedimento monitrio. 4. Ausn-cia de condio da ao que deve ser conhecida de ofcio pelo Tribunal, alterando o fundamento da sentena. Precedentes do Superior Tribunal de Justia. 5. Recurso desprovido. (Des. Elton Leme, julgamento: 12.05.2010, 17 Cmara Cvel)

    Cabe registrar a possibilidade de cabimento de procedimento moni-trio em face da Fazenda Pblica, entendimento j sumulado pelo Superior Tribunal de Justia, no Verbete n 339, muito embora haja respeitvel en-tendimento em contrrio na doutrina. (por todos, MARCATO, Antonio Carlos Marcato, Procedimento Especiais, 8 Edio, So Paulo: Editora Malheiros, 1998, p. 65/69)

    Diverge a doutrina quanto ao cabimento da ao monitria em face de incapaz. Para parte da doutrina, admitir o procedimento monitrio em face de incapaz seria estender um rito para propiciar a interveno obriga-tria do Ministrio Pblico ainda que o demandado no se manifeste aps o recebimento do mandado. Todavia, o melhor entendimento me parece ser a favor da possibilidade, porquanto compete ao demandante avaliar o rito que melhor que aprouver, j ciente de que o Ministrio Pblico dever intervir no feito, como custos legis, o que fortalece o fato de que no h

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    qualquer prejuzo ao incapaz. A rpida formao do ttulo tambm de-sejo do demandante, de modo que eventual atraso na entrega da prestao jurisdicional por conta da interveno do Parquet, no pode servir de bice ao cabimento da ao em face do incapaz.

    Devidamente instruda a petio inicial com o atendimento dos re-quisitos constantes nos artigos 282 e 1102a do Cdigo de Processo Civil, dever o juiz, aps se certi$car, por uma anlise super$cial, da probabilida-de do direito de crdito, determinar a expedio do mandado de pagamen-to, deciso esta que no pode ser objeto de recurso, porquanto o ru ser citado para oferecer embargos. A propsito, veja-se entendimento de nosso Egrgio Tribunal de Justia quando do julgamento da Apelao Cvel n 0000792-98.2007.8.19.0067, em que foi relator o Eminente Desembar-gador Sergio Cavalieri Filho.

    Trs so os posicionamentos quanto possibilidade de citao por edital ou com hora certa no procedimento monitrio. Para aqueles que negam essa possibilidade, a justi$cativa a ausncia de manifestao de vontade para a formao do ttulo executivo, que no pode ser suprida pela participao do curador especial. Para outra parte da doutrina, possvel a citao por edital ou com hora certa, tendo em vista a inexistncia de proibio legal. Corrente intermediria admite, desde que no comparea o demandando, que o curador especial oferea embargos, o que impede a automtica formao do ttulo executivo.

    Citado, o devedor pode oferecer embargos no prazo de quinze dias (hiptese mais comum), permanecer inerte ou cumprir a obrigao cons-tante do mandado.

    Se o demandado optar pelo cumprimento da obrigao constante do mandado, no incidiro custas nem honorrios advocatcios, como es-tmulo ao cumprimento espontneo do objeto da demanda, na forma do pargrafo primeiro do art. 1102c do CPC.

    Se nada $zer, permanecendo inerte, o provimento inicial do juiz se converte, de pleno direito, em ttulo executivo judicial, de modo que no h necessidade de prolao de sentena. O mandado judicial de pagamen-to se transforma automaticamente em mandado executivo. Neste sentido,

  • 247Srie Aperfeioamento de Magistrados 10tCurso: Processo Civil - Procedimentos Especiais

    STJ, AgRg no CC 82905, Relatora Ministra Eliana Calmon. Opostos embargos independentemente de segurana do juzo, que

    devem ser autuados no bojo do dos autos principais, $ca instaurado um juzo de cognio plena e exauriente, cabendo ao juiz anlise de todas as alegaes das partes.

    Curioso notar que Ao contrrio do que se d nos procedimentos cogni-tivos em geral, em que cabe ao demandante a iniciativa de instaurar o contra-ditrio, s podendo o juiz proferir sua deciso aps a oitiva do demandado ou depois de se veri$car regularmente sua revelia), no procedimento monitrio o juiz decide sem prvio contraditrio, $cando a iniciativa de instaurao deste com o ru (e no, como normalmente se d, com o autor). Essa inverso de ini-ciativa do contraditrio se deve ao fato de que, aos olhos do sistema processual, os casos em que cabvel a utilizao do procedimento monitrio so hipteses em que, com grande probabilidade, o ru nada ter a opor ordem de cum-primento da obrigao. Sendo o contraditrio, pois, instaurado no interesse do demandado, nada mais natural do que lhe atribuir o encargo de instaur-lo. (CMARA, Alexandre Freitas Cmara, Lies de Direito Processual Ci-vil, 11 Edio. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2006, p. 539).

    Essa caracterstica transfere ao demandado o desenvolvimento pleno do contraditrio como forma de acelerar a formao do ttulo executivo, acaso no haja oposio de embargos. Assim, somente quando necessrio, haver o contraditrio pleno.

    Deveras controvertida a natureza jurdica dos embargos no proce-dimento monitrio. H quem entenda se tratar de demanda autnoma, j que o oferecimento dos embargos inaugura um novo processo de conhe-cimento, suspendendo o mandado monitrio e se julgado improcedente, acarreta a coverso do mandado inicial em ttulo executivo. Outros a$r-mam se tratar de contestao (STJ, REsp n 222937, Relatora Ministra Nancy Andrighi), convertendo o procedimento monitrio em ordinrio, o que possibilita o manejo de excees processuais, intervenes de terceiro (STJ, REsp n 751450, Relator Ministro Joo Otvio de Noronha) e re-conveno (Enunciado n 292 do STJ).

    A sentena que acolhe os embargos possui, na verdade, natureza

  • 248Srie Aperfeioamento de Magistrados 10tCurso: Processo Civil - Procedimentos Especiais

    jurdica de declaratria negativa, posto que julga improcedente o pedido monitrio, enquanto que rejeita os embargos , de fato, uma sentena de procedncia do pedido monitrio, sendo portanto, meramente declarat-ria. Mais uma vez $ca o ttulo constitudo de pleno direito acaso rejeitados os embargos, cuja e$ccia havia sido suspensa com seu oferecimento.

    O recurso cabvel a apelao. Quanto aos efeitos, diverge a doutri-na quando se trata de sentena que rejeita os embargos.

    Como se sabe, a regra no direito brasileiro o recebimento da apela-o no duplo efeito, estando as excees previstas no artigo 520 do Cdigo de Processo Civil.

    A lei que introduziu a ao monitria no ordenamento jurdico brasileiro no disps acerca dos efeitos em que o recurso de apelao deve ser recebido, de modo que deve-se utilizar a regra geral, impedindo-se a execuo provisria, ante o efeito suspensivo do recurso.

    Posio contrria no sentido da inexistncia do efeito suspensivo por aplicao analgica do art. 520, V, do CPC.

    Ocorre que, os embargos ali contidos se referem queles opostos inci-dentalmente ao processo de execuo, o que no se confunde com os embar-gos do procedimento monitrio, cuja natureza jurdica de contestao.

    Alexandre Freitas Cmara aborda uma questo interessante quanto a inexistncia de efeito suspensivo ao recurso recebido da sentena que rejeita os embargos monitrios. A$rma o renomado processualista que: A nosso sentir a ausncia de efeito suspensivo na hiptese decorre do disposto no 3, do art. 1102-C do Cdigo de Processo Civil. Nos termos do aludi-do dispositivo, rejeitados os embargos` intima-se o devedor, `prosseguindo-se` com a execuo. A$rma o dispositivo, pois, que a execuo se inicia logo aps a `rejeio dos embargos`, bastando, assim, a prolao da sentena para que se inicie a produo dos efeitos da sentena liminar que determinou a expedio do mandado monitrio, no exigindo a lei processual que se aguarde o julga-mento da apelao para que aquela e$ccia comece a se manifestar. (CMA-RA, Alexandre Freitas Cmara, Lies de Direito Processual Civil, 11 Edio. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2006, p. 557).

    Por $m, a doutrina tambm no converge quando o assunto coisa

  • 249Srie Aperfeioamento de Magistrados 10tCurso: Processo Civil - Procedimentos Especiais

    julgada. Isto porque, quando o demandado no ope embargos, forma-se, de pleno direito, o ttulo executivo judicial, independentemente de sen-tena judicial. Assim, parte da doutrina a$rma inexistir coisa julgada, j que esta s incide sobre sentenas e diante de um juzo de certeza que no ocorre na deciso que expede o mandado monitrio.

    Entretanto, tal posicionamento sofre crticas, na medida em que a au-sncia de embargos acarreta o surgimento da certeza jurdica que capaz de legitimar a coisa julgada, tal qual ocorre no procedimento comum quando o juiz julga procedente o pedido em processo que correu revelia.

    Encerrado o procedimento monitrio com a formao do ttulo executivo judicial, a execuo se far pelas regras do cumprimento de sen-tena.

    Registre-se que a defesa do executado $ca limitada as matrias cons-tantes do art. 475-L do CPC, acaso oferecidos os embargos. u