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337 Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, 19: 337-354, 2009. Ação educativa em museus: a Terceira Idade construindo conhecimentos a partir de objetos no MAE/USP Judith Mader Elazari* ELAZARI, J.M. Ação educativa em museus: a Terceira Idade construindo conheci- mentos a partir de objetos no MAE/USP. Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, 19: 337-354, 2009. Resumo: Este artigo trata de ações educativas em museu com público de Terceira Idade. Será apresentada a metodologia deste trabalho, que envolve a exploração de objetos de idosos e suas histórias de vida. Abrangerá também um paralelo entre duas oficinas para idosos, com metodologias de trabalho semelhantes e resultados diferenciados que tiveram como trabalho final a montagem de uma exposição com os objetos contextualizados. Palavras-chave: Memória – Educação – Objetos biográficos – Terceira Idade – Museu reconhecer as identidades dos povos, valorizan- do-as assim como as suas culturas. É o local de comunicação com a sociedade, é um espaço privilegiado de encontros e de contato com a alteridade, um lugar de “mediação cultural” (Nascimento 2007: 268). Os bens culturais produzidos em diferentes sociedades fazem parte do Patrimônio Cultural. É um dos papéis do Museu guardar e preservar estes bens mas, como vimos, esta não é mais a base das ações museais, mas as práticas sociais. Identidade e memória vão garantir a produção e reprodução dessas práticas. A Memória é uma imagem construída pelos materiais e representações que envolvem a sociedade ficando a sua disposição e o lembrar não é só o reviver, mas é o refazer, reconstruir, repensar, com as imagens de hoje e as experiên- cias passadas (Bosi 1987: 17). José do Nascimento Junior considera a memória “vinculada a nossa consciência da existência do tempo e do espaço – passado, (*) Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo. Serviço Técnico de Musealização, Área de Educação. <[email protected]> Introdução ráticas sociais são desenvolvidas em museus e são colocadas a serviço da sociedade e de seu desenvolvimento. Partindo- se desta premissa constata-se que os museus não têm mais apenas a função de guardar, preservar e catalogar coleções, mas eles também investigam e comunicam, produzindo conheci- mentos que contribuem tanto para a constru- ção de memória como para uma concepção crítica da sociedade (Chagas: 2005). O museu é um lugar de memória e como tal, esta instituição se propõe a dar espaço para que diferentes grupos sociais tenham suas histórias de vida preservadas, estudadas e compartilhadas. Esta é a forma de o museu P

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Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, 19: 337-354, 2009.

Ação educativa em museus: a Terceira Idade construindoconhecimentos a partir de objetos no MAE/USP

Judith Mader Elazari*

ELAZARI, J.M. Ação educativa em museus: a Terceira Idade construindo conheci-mentos a partir de objetos no MAE/USP. Revista do Museu de Arqueologia eEtnologia, São Paulo, 19: 337-354, 2009.

Resumo: Este artigo trata de ações educativas em museu com público deTerceira Idade. Será apresentada a metodologia deste trabalho, que envolve aexploração de objetos de idosos e suas histórias de vida. Abrangerá também umparalelo entre duas oficinas para idosos, com metodologias de trabalho semelhantese resultados diferenciados que tiveram como trabalho final a montagem deuma exposição com os objetos contextualizados.

Palavras-chave: Memória – Educação – Objetos biográficos – Terceira Idade– Museu

reconhecer as identidades dos povos, valorizan-do-as assim como as suas culturas. É o local decomunicação com a sociedade, é um espaçoprivilegiado de encontros e de contato com aalteridade, um lugar de “mediação cultural”(Nascimento 2007: 268).

Os bens culturais produzidos em diferentessociedades fazem parte do Patrimônio Cultural.É um dos papéis do Museu guardar e preservarestes bens mas, como vimos, esta não é mais abase das ações museais, mas as práticas sociais.Identidade e memória vão garantir a produçãoe reprodução dessas práticas.

A Memória é uma imagem construídapelos materiais e representações que envolvema sociedade ficando a sua disposição e o lembrarnão é só o reviver, mas é o refazer, reconstruir,repensar, com as imagens de hoje e as experiên-cias passadas (Bosi 1987: 17).

José do Nascimento Junior considera amemória “vinculada a nossa consciência daexistência do tempo e do espaço – passado,

(*) Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade deSão Paulo. Serviço Técnico de Musealização, Área deEducação. <[email protected]>

Introdução

ráticas sociais são desenvolvidas emmuseus e são colocadas a serviço da

sociedade e de seu desenvolvimento. Partindo-se desta premissa constata-se que os museusnão têm mais apenas a função de guardar,preservar e catalogar coleções, mas eles tambéminvestigam e comunicam, produzindo conheci-mentos que contribuem tanto para a constru-ção de memória como para uma concepçãocrítica da sociedade (Chagas: 2005).

O museu é um lugar de memória e comotal, esta instituição se propõe a dar espaço paraque diferentes grupos sociais tenham suashistórias de vida preservadas, estudadas ecompartilhadas. Esta é a forma de o museu

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presente e futuro – onde criamos identidades ereferências e nos situamos no mundo; é ela quenos possibilita o exercício individual e coletivodo sentimento de pertencimento. Ao se referirà memória, está se pensando também emafetos, sensações, percepções e experiências”(Nascimento 2007: 264).

E como envolver o Museu, PatrimônioCultural e a Memória nas práticas sociais?

Ulpiano Bezerra de Meneses pondera que écom uma formação crítica oriunda da Educa-ção que os museus devem se comprometer aotrabalhar essas questões. Educação para esteestudioso é “garantir ao indivíduo condiçõespara que ele continue a educar-se, ou, emoutras palavras, educar é promover a autono-mia de seres conscientes que somos, capazes deproceder a escolhas, hierarquizar alternativas,formular e guiar-se por valores e critérios éticos,reconhecer erros e insuficiências, propor e re-propor direções” (Menezes 2000: 94).

Neste texto não estamos nos referindo àEducação Formal, a que caracteriza a institui-ção escolar, mas à Educação não Formal, queinclui a Educação em Museus, que procuraprincipalmente considerar e recriar a culturados povos envolvidos fazendo com que abagagem cultural de cada um seja respeitada eesteja presente no decorrer do processo educativo(Garcia: 2005). Este, por sua vez, tem umsentido de mão dupla porque o educando e oeducador tanto ensinam como aprendem, re-significando as identidades e, desta forma, amemória tem mais possibilidades de se colocaraberta a ações transformadoras.

Os museus apresentam diferentes culturase recebem públicos variados para os quaisdesenvolvem ações educativas. O Museu deArqueologia e Etnologia da USP (MAE/USP)atende principalmente o público escolar,formado por professores e alunos. Entretanto,se tem tentado atrair outros públicos. Um delesé o da chamada Terceira Idade (os velhos, osidosos). Esta parcela da sociedade, por suanatureza, tem sido excluída dos “elos familiarese comunitários, o que resulta em deteriorar asrelações pessoais” (Aidar 2002: 54).

Há um momento em que o indivíduomaduro deixa de ser um membro ativo da

sociedade, um propulsor da vida presente deseu grupo. Esta é uma perda que sofre, maspode ainda restar-lhe uma função própria: a delembrar, a de ser a memória da família, dogrupo, da instituição, enfim, da sociedade (Bosi1987: 23).

A memória de velhos pode ser vista comomediadora entre a nossa geração, o hoje e ostestemunhos do passado. E do vínculo com opassado é que se extrai a força para a formaçãoda identidade (Bosi 2003: 15).

As atividades especiais para o públicoidoso, de forma qualitativa, passaram a ser umadas práticas sociais do Serviço Técnico deMusealização do MAE/USP, a partir de açõeseducativas. Elas giram em torno da inclusão. Destaforma estamos agindo em direção a um novodimensionamento das práticas museológicas.

A elaboração e execução destes tipos deações sociais ocorrem no presente porque é umprocesso constante de construções e reconstru-ções do que vem do passado. Optou-se portrabalhar com as histórias de vida dos idosos,partindo-se da exploração da história de seusobjetos. Estes são suportes de informaçõessobre suas vivências.

Os objetos dos idosos que serão o objetode estudo das ações educativas são denomina-dos por alguns estudiosos de objetos biográficos.Violetta Morin os descreve como sendo aquelesque envelhecem com seus possuidores, são osque se incorporam às suas vidas. Eles represen-tam experiências vividas, são insubstituíveis.Dão a sensação de continuidade e ganhammaior relevância por proporcionarem osentimento de pertencimento a uma comunida-de. São eles objetos da Memória (Morin 1971:189-195).

Os objetos biográficos podem ser considera-dos como construções do mundo materialsobre os quais são projetadas experiências devida de seus possuidores. Eles abrigam memóri-as e representações ao se evidenciarem comofontes de descobertas e, ao “contarem” ahistória de seus donos, são expressões e instru-mentos de memória (Almeida: 2007).

Além de serem biográficos os própriosobjetos têm a sua biografia e esta tarefa de

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registrar os diferentes níveis biográficos é,segundo José Nascimento Junior, uma dasfunções dos museus ao musealizar e contar ashistórias dos objetos e de seus donos (Nasci-mento 2007: 104).1

Atividades Educativas com o público daTerceira Idade no MAE/USP

As primeiras atividades educativas com opúblico da Terceira Idade realizadas no MAE/USP se deram em 1989, no antigo MAE,2

quando foram atendidos idosos da Faculdadede Saúde Pública da USP. Foram trabalhadasquestões relativas à memória individual e coletiva,relacionadas às experiências vividas por cada um,problematizadas as questões sobre a preservaçãodas minorias. Houve por parte dos participantesuma reação viva de identificação quando tiveramcontato com objetos arqueológicos.

Entre 1994 e 1996 desenvolvemos oProjeto “Patrimônio Cultural e Memória: aTerceira Idade no MAE/USP”.3 Foram atendi-

dos cerca de dez grupos já organizados (peloSESI, Igreja Católica, Prefeitura de São Pauloetc.), nas suas próprias sedes, atingindo-se cercade 240 pessoas.

Nesta proposta desenvolveu-se uma troca deidéias sobre Arqueologia, Museu e PatrimônioCultural, conhecimentos nem sempreproblematizados anteriormente por estesgrupos. Ao final, foi organizada uma mostra deobjetos pessoais dos integrantes do grupo, osquais eram contextualizados e mostrados paraos demais componentes dos outros grupos.4

Outra forma de trabalho, realizada entre1997 e 2004, consistiu de visitas orientadas àexposição de longa duração “Formas deHumanidade”, na sede do MAE/USP vincula-das às atividades do Programa “UniversidadeAberta à Terceira Idade”, da Pró-Reitoria deCultura e Extensão Universitária da USP(PRCEU/USP). Eram visitas mensais, ofereci-das ao público idoso espontâneo, mas tiverampouca procura.

Finalmente, desde 2005, vem sendodesenvolvido um projeto contínuo e sistemáti-co, em forma de oficina, com a duração de umsemestre e reuniões semanais de duas horas.Este Projeto chamou-se inicialmente Oficina daMemória: A Terceira Idade Construindo Conheci-mentos no MAE/USP. Algumas pessoas oprocuraram porque pensavam que seria umaoficina para melhorar a memória e quandoconstatavam que não seria para isso, desistiamda Oficina. Por esta razão, desde 2008 ele seintitula Arqueologia e Memória: Oficina para aTerceira Idade.

As principais premissas que norteiam essasOficinas são as seguintes:

- Museu como agente educacional,tendo em vista ações educativas que

(1) As atividades educativas que serão aqui relatadas se dãonum museu universitário de Arqueologia e Etnologia oque permite estabelecer uma analogia, a grosso modo,entre os objetos biográficos dos idosos e os objetos arqueoló-gicos. Ambos são suportes de informações; a partir delespodem ser descobertos conhecimentos até então guarda-dos/conservados na memória dos idosos ou sob camadasde terra; a eles são feitas questões e levantadas hipóteses,respondidas ou não. Alguns dos conhecimentos obtidos apartir deles podem ser modificados quando houver novosachados ou novas interpretações e questionamentos. Eainda, as descrições, análises e interpretações dessesobjetos estão sendo feitas no presente “que contém oproduto de atividades dinâmicas realizadas no passado”(Neves 1995: 173). Eles permitem a obtenção de conheci-mentos sobre os povos/pessoas aos quais pertenciam taisobjetos, sobre sua produção, seu valor simbólico, seu valorsocial etc. E não ficam distantes desta interpretação osobjetos biográficos.(2) O atual Museu de Arqueologia e Etnologia daUniversidade de São Paulo foi criado em 1989 com a fusãode acervos arqueológicos e etnográficos do antigo MAE, doMuseu Paulista, do Instituto de Pré-História e doDepartamento de Antropologia da Faculdade de Filosofia ,Letras e Ciências Humanas (acervo Plinio Ayrosa).(3) Tendo em vista a falta de experiência com atividadeseducativas dirigidas ao público da Terceira Idade no MAE/

USP, buscou-se conhecer outros Projetos realizados comeste público, em museus: no Museu de Arte Contemporâ-nea da USP, onde o educador Silvio Coutinho desenvolveaté hoje o Projeto Envelhecer com Arte e no Museu LasarSegall, o Projeto Retratos de Imigrantes, de 1990, realizado porDenise Grinspum, Marcelo Araujo e Marília Xavier Cury.(4) Para conhecer mais detalhes deste Projeto vide:Elazari (1997).

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possibilitem tanto considerar comoreavivar a cultura de pessoas nelaenvolvidas, fazendo com que a bagagemcultural de cada um seja compreendidae respeitada.

- Sociabilidade, prazer, ludicidade eaprendizagem: estas são atitudes,sensações e sentimentos que auxiliam navalorização da auto-estima dos indivíduos.

- Reconstrução da memória dopassado no presente a partir de objetos,levando a histórias de vida dos envolvidos.

- Paralelo entre os conhecimentossobre homens do passado, obtidos apartir das pesquisas arqueológicas e otrabalho com memória de velhos comoconstrução de conhecimentos sobrehomens e mulheres da sociedade atual.

- Memória, Identidade e Museus:relacionados a ações educativas quepropiciam o sentimento de pertencimentoao grupo de onde provêm, possibilitan-do que grupos geralmente excluídosdeixem de se sentirem marginalizados epossam passar a ter o sentimento depertencimento.

- Socialização de histórias de vida apartir de objetos com os quais sãomontadas exposições pelos própriosenvolvidos, dando-se oportunidade aopúblico em geral de se envolver eaprender com tais vivências .

Essas premissas estão relacionadas àmetodologia e aos fundamentos educacionaisque são desenvolvidos, em ações educativascom diferentes públicos, no Serviço Técnico deMusealização do MAE/USP.

O trabalho educativo, baseado nas premis-sas acima, foi desenvolvido em etapas visandoà contextualização teórica e etapas com ativida-des práticas, que são sempre inter-relacionados,como se observa a seguir:

Etapas para a contextualização teórica doprocesso de trabalho:

1. Manuseio/sensibilização e contextualização,dentro de uma visão crítica, de objetos arqueo-

lógicos e etnográficos desenvolvendo habilida-des intelectuais, tais como: observação, análise,classificação, crítica, relações, comparações,levantamento de hipóteses etc.5

2. Leitura de textos e troca de idéias sobreconceitos utilizados durante todo processo dotrabalho educativo, tais como: Arqueologia,Memória, Museu, Cultura Material, PatrimônioCultural e outros.

3. Contato com algumas etapas dotrabalho arqueológico e museográfico, atravésde visita aos “bastidores” do MAE: visita aosServiços de Curadoria; de Biblioteca e Docu-mentação e de Musealização.

4. Visita orientada e à exposição de longaduração “Formas de Humanidade”.6

5. Noções específicas de Expografia,possibilitando o conhecimento básico sobremontagem de exposições museográficas.

6. Observação e análise crítica de exposi-ções de outras instituições museológicas.

Etapas com atividades práticas:

1. Simulação de escavação arqueológica,realizada em caixas de areia, onde são enterra-dos alguns objetos para serem escavados pelosidosos.

2. “Escavação” da Memória dos idosos embusca de objetos pessoais e sua contextualizaçãoatravés das histórias de vida dos velhos.

3. Registro oral, escrito e figurativo dashistórias de vida relacionadas aos objetos,(desenhos de objetos dos próprios idosos, doscolegas, das exposições visitadas etc.) e fotográ-fico (realizado pela coordenação dos grupos epor fotógrafo profissional).

(5) Os objetos manuseados nesta etapa do Projeto são osseguintes: ponta de projétil, raspador e furador lascados;lâmina de machado e afiador; fragmentos cerâmicos; cestose peneiras de fibra vegetal e lamparina greco-romana, de argila.(6) A exposição de longa duração Formas de Humanidade sedivide em três setores. Setor I: Brasil Indígena (Módulos:Origens e Expansão das Sociedades Indígenas e Manifesta-ções Socioculturais Indígenas), Setor II: África: Culturas eSociedades e Setor III: Mediterrâneo e Médio Oriente naAntiguidade (Módulos: Pré-História Européia, Egito,Mesopotâmia, Grécia e Roma).

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4. Planejamento e elaboração de projeto deexposição com os objetos e outras linguagensde apoio (síntese do processo de trabalho).

5. Montagem e abertura da exposição parao público em geral.

6. Avaliação do processo de trabalhoeducativo.

7. Possíveis desdobramentos das Oficinas,após a desmontagem da exposição (exs: monta-gem de outra exposição, livreto explicativo etc.).

Estudo de casos: duas oficinas commetodologia de trabalho semelhante eresultados diferenciados

Será apresentado a seguirum paralelo entre açõeseducativas desenvolvidas pordois grupos de idosos de origensdiferentes, com os quais foiaplicada uma metodologiasemelhante, mas cujos resultadosforam diferenciados.

Primeira oficina: Encontroscom Idosos: “Escavando” a Memóriaa partir de Objetos.7 Este projetofoi realizado pelo MAE/USP emparceria com o Centro de SaúdeEscola do Butantã (ligado àFaculdade de Medicina da USP).Os idosos já se reuniam com aeducadora de saúde e agentescomunitárias de saúde do Centrode Saúde, na Comunidade SãoRemo. Esta se localiza a cerca de 200 metros doMAE, vizinha da Cidade Universitária da USP,separada por um muro, não somente de concre-to! Este grupo se encontrava desde 2005 para

Segunda Oficina: Oficina da Memória: ATerceira Idade Construindo o Conhecimento noMAE/USP: este grupo se formou espontanea-mente, após a divulgação feita pela PRCEU/USP, dentro de seu Programa UniversidadeAberta para a Terceira Idade.9

Foto A. Fachada da Associação de Moradores da Comunidade São Remo.

(7) Projeto Encontros com idosos; “Escavando” a Memória apartir de objetos – Participantes do grupo: Epifanio Fernandes,Francisca Tenório, Givalgina A. Borges, Isabel X. dos Reis,João H. da Silva, José A. da Silva, Palmira de Oliveira eRaimundo J. Irineu; Educadora de Saúde: Beatriz Pereira;Educadora de Museu: Judith Mader Elazari; AgentesComunitárias de Saúde: Rita de Cassia Silva e Gislene deAlmeida; Estagiária (Bolsa Trabalho- COSEAS/USP):Karina Giusti - (grupo da São Remo).

discutir e refletir sobre questões de saúde, tendocomo principal objetivo melhorar a qualidade devida dos participantes através da valorização dosmesmos.

Constou da programação cultural deste grupo,uma visita ao MAE/USP. Fizeram-na justamenteno dia da inauguração da exposição “Memória eVivências”, montada por outros idosos de umaOficina da Terceira Idade. Após este primeirocontato, foram feitas algumas reuniões conjuntasentre a educadora do MAE/USP e o grupo,surgindo a idéia de se realizar um projeto, sendoparceiras duas unidades da USP tão diversas, mastrabalhando juntas a partir do trabalho educativodesenvolvido por ambas (Foto A).8

(8) Créditos das fotos deste artigo: Wagner Souza e Silva, KarinaGiusti, Cida Santos e Judith Mader Elazari – Acervo fotográficodo Serviço Técnico de Musealização do MAE/USP).(9) Projeto Oficina da Memória: A Terceira Idade construindo oconhecimento no MAE/USP – Participantes do grupo:Aparecida do Amaral, Dora Dias, Eleny V. Gomes,Eleonora A. Cardoso, Ellen P. Schaffa, Enyr C. Veiga, Elisa

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As reuniões de ambos os grupos se derambasicamente no primeiro semestre de 2006,semanalmente, com duração de duas horas,sendo que as do primeiro grupo se realizaramna Associação de Moradores da ComunidadeSão Remo e as da outra Oficina, na sala deAtividades Educativas do MAEUSP.

1. Características dos integrantes dosgrupos:

Escolaridade: todos os componentes da SãoRemo eram analfabetos ou semi-analfabetos(assinavam o nome) enquanto os da Oficina daMemória tinham no mínimo o nível funda-mental e alguns o nível universitário.

Procedência geográfica: os da São Remosvieram de alguns estados do Nordeste brasilei-ro, chegando a São Paulo na idade adulta e osda Oficina da Memória eram da cidade de SãoPaulo, do interior do estado ou de outros países(Alemanha e Líbano).

Infância: devido às vivências de cada um, osda São Remo só tinham lembranças tristes ealgumas senhoras pediram para não relatá-lasporque não gostam de lembrar de tanta tristeza,enquanto que os da Oficina da Memória conside-ram esta fase da vida bastante positiva e fizeramquestão de recordá-la e alguns idosos disseramque esta foi a fase da vida mais feliz de suas vidas.

Envelhecimento: sabemos que cada socieda-de e mesmo dentro delas, há formas diferencia-das de se encarar o declínio biológico dohomem da mulher e neste item os dois grupostambém se diferenciaram bastante: o da SãoRemo encarou a velhice como um descanso erecolhimento merecido depois de tanto tempode trabalho duro e desgastante. Todos estãoaposentados ou recebem pensão alimentícia.Para os da Oficina da Memória este período erade alegria, liberdade e de novos conhecimentos,não uma ruptura com o trabalho árduo eobrigatório.

Saúde física: todos os integrantes dogrupo da São Remos tinham algum problemade saúde, uma vez que foram contatados noCentro de Saúde. Tiveram que trabalharprematuramente (alguns com três ou quatroanos de idade), trabalho duro e pesado, máalimentação, insalubridade. Os da Oficina daMemória não precisaram trabalhar nainfância, não executaram trabalhos braçaispesados e algumas mulheres somente foramdonas de casa.

Lazer: os idosos da São Remo tinhamcomo lazer a TV, atividades nas suas respec-tivas Igrejas e visita a parentes, enquanto osda Oficina tinham o hábito de ir ao cinemae teatro, viajar pelo Brasil e fora dele,participar de atividades especiais para aTerceira Idade etc.

Situação econômica: este item não foiaprofundado, mas era muito visível a discrepân-cia econômica entre os dois grupos.

Sentimento de pertencimento e comprometi-mento com o grupo de trabalho, assim como aassiduidade dos integrantes (estes itens estãorelacionados): o grupo da São Remo demo-rou mais para se envolver no trabalho,houve muitas ausências, principalmente dasmulheres que por quaisquer motivos nãocompareciam (visita em casa, doença, frioetc.). Já o outro grupo estava desde o inícioenvolvido com o trabalho e cada vez maisintegrado.

Os objetivos gerais destas oficinas foram osseguintes:

1. Tornar mais rica a vida dosintegrantes da Terceira Idade.

2. Propiciar aos idosos a oportuni-dade de ter uma relação prazerosa comos novos conhecimentos construídos eadquiridos no decorrer do trabalhoeducativo.

3. Incentivar os velhos a refletiremsobre seu papel na sociedade, tanto nopassado como hoje.

4. Refletir sobre a memória indivi-dual e sua relação com a coletiva namedida em que forem reconstruídas ecompartilhadas pelo grupo.

G. Broitman, Fares Youssef Murr, Kazuê Y. F. Santos,Luciana de A. Stanize, Maria Elisa V. Krauze, MariaMenegheni dos Santos, Ninon H. Moussalli, Thereza M. J.Arantes, Vanda Incao, Verenice L. Ribeiro, Yedda D.Rebouças e Zulmira G. Leite; Educadora de museu: JudithMader Elazari; Estagiária: Karina Giusti - (grupo da Oficina)

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5. Desenvolver através de açãoeducativa e do trabalho com a memóriarelações do cotidiano de cada um com osentimento de pertencimento e deidentidade.

6. Compreender que a instituiçãomuseológica é um lugar de memória,onde se procura dar espaço a diferentesgrupos sociais.

7. Promover a troca de experiênciaentre os velhos de modo que possibilitea sua valorização como seres produtorese consumidores de Cultura.

8. Possibilitar aos participantes dosgrupos que re-signifiquem o passado poreles abandonado ou deixado de lado nasociedade em que vivem.

9. Discutir questões relacionadas àsaúde, não apenas físicas, mas quetambém possam desenvolver a valoriza-ção do ser humano na sua totalidade.

10. Socializar com o público emgeral, em forma de exposição, osconhecimentos construídos a partir deobjetos biográficos.

11. Conhecer, e dar a conhecer, ahistória da Comunidade São Remo apartir da Memória de alguns de seushabitantes mais antigos e socializá-laentre os seus moradores.

Os primeiros nove objetivos são comunsaos dois grupos e os dois últimos são específi-cos para o grupo da São Remo

No decorrer do processo de trabalho foramobservadas diferentes reações dos participantesdos dois grupos em relação aos mesmosobjetivos e etapas de seu desenvolvimento:

1. O amadurecimento teórico sobre osdiversos conceitos que permearam o trabalhoteve ritmo bem diferenciado. O grupo daOficina da Memória já trazia experiências comdiscussões teóricas, mesmo que nem todas deforma aprofundada. O grupo da São Remo,pouco hábito tinha de discutir qualquer temaem grupo, iniciando esta prática no Centro deSaúde há pouco tempo, mas tinha muitavergonha de se expor.

Existiram também dificuldades comrelação ao vocabulário utilizado pela coordena-ção do grupo. Na São Remo, por exemplo,houve problema com a palavra exposição. Forammencionadas várias vezes “visitas a exposições”e “montagem de exposição” de objetos.Percebeu-se, com o passar do tempo, que aspessoas não se colocavam, nada questionavamsobre estes assuntos e assim foi perguntadocomo eles achavam que seria uma exposição edisseram que não tinham idéia sobre isso. Foi,então, levada uma coleção de objetos e de fotosrelacionadas a eles e montou-se uma pequenaexposição. Só assim começaram a ter idéia dosignificado de uma exposição. A visita aoMAE/USP ampliou esta compreensão.

2. Visita à exposição de longa duração“Formas de Humanidade” do MAE/USP:pressupõe-se que um visitante quando se colocadiante de uma exposição já dispõe de umabagagem prévia de conhecimentos e é a partirdestes que irá interpretar, compreender,desfrutar e sentir a nova experiência (Asensio:s/d) . O grupo da Oficina da Memória passoupor toda exposição, pouco se deteve diante dasvitrinas questionando o que era apresentado.Não se criou espaço para pensamento crítico,criativo ou de identidade, somente para aspossibilidades cognitivas que a exposiçãooferece.

Entretanto, a visita à mesma exposição,realizada pela São Remo levou a reações muitoespeciais. Logo que chegaram os participantesforam apontando e falando sobre os objetos quehaviam manuseado no início dos encontros edemonstraram contentamento por vê-los nova-mente e em maior quantidade (Fotos B, C, D).

Seus rostos se iluminaram quando viramobjetos conhecidos, que os remetiam a vivênciaspassadas. Trocaram idéias entre si quanto àconfecção de vasilhas de argila, confeccionadascom a técnica de roletes e com as quais estavamfamiliarizados porque as confeccionaram emsua terra natal, juntamente com os familiares,tanto para uso como para vender. E a admira-ção foi grande também porque desde quemoravam em São Paulo, nunca mais tinhamvisto esses tipos de objetos.

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Discutiram entre si sobre o processamentoda mandioca, as diferenças regionais e otrabalho que executavam com seus parentes nasplantações e moinhos de farinha, algunstrabalhando desde os três ou quatro anos deidade o que nunca mais haviam realizado.

Falaram sobre a pesca, ao verem anzóis ealguns “causos” sobre a pesca foram contadosespontaneamente.

Ficou clara a memória coletiva, a partir daslembranças individuais, principalmente

relacionadas a trabalho e sobrevivência, em seusespaços de origem.

Os idosos se tornaram os mediadores naexposição e os coordenadores o seu público!Realizaram um re-encontro com fases de suasvidas, esquecidas, mas reativadas a partir deobjetos tão familiares, sem agora o seu valor deuso, mas que possibilitaram a reconstrução demuitos conhecimentos e a troca entre eles.

3. Encontro dos grupos que estavamdesenvolvendo projetos semelhantes: tendo emvista que as duas Oficinas estavam acontecendono mesmo período, tentou-se realizar encontrosdos grupos a fim de se desenvolver atividadesconjuntas. Houve, porém, um estranhamentomuito grande entre eles nos poucos encontrosrealizados. Seriam necessárias muitas atividadesespeciais para a socialização das pessoas, mas comonão constava dos objetivos e das etapas de trabalho,deixou-se de tentar aprofundar os encontros.

4. Escolha de objetos biográficos: a escolha deobjetos em suas casas foi parte fundamentaldessas oficinas. Quando foi solicitado ao grupoda São Remo que “escavasse” a memória embusca de objetos, todos disseram que nãotinham nada para levar. No encontro seguintesomente duas pessoas apresentaram seusobjetos e contaram suas histórias, que muitointeressaram a todos. No encontro seguinte,

Fotos B, C, D. Visita à exposição Formas de Humanida-de – Grupo da Comunidade São Remo.

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todos levaram um, dois ou trêsobjetos cada e falaram sobreeles, introduzindo-os emdiferentes fases de suas históriasde vida, deixando todos muitointeressados e atentos, surgindomuitas perguntas e mesmoacréscimos pessoais às históriasdos companheiros (Fotos E, F).

Os objetos10 eram utensíliosdomésticos ou de trabalho,houve poucos fora destas linhas.Somente três (colcha, navalha echapéu) vieram do Nordeste, osoutros foram adquiridos ouganhos já em São Paulo.

O grupo da Oficina não secontentou em levar três objetoscada um, como era a proposta.Disseram logo no início queseria muito difícil escolher equase não precisariam “escavar”a memória, pois os objetos“aflorariam à superfície”.Constatou-se que não era arealidade, pois, ao apresentaremos objetos, alguns disseram queprocuraram muito por eles. E aescolha de um levou à lembran-ça de outro e algumas pessoaschegaram a ir à casa de parentesbuscarem objetos que considera-ram importantes em suas vidas eque até então não se haviam dadoconta dessa importância. Forammomentos de relatarem históriasda vida familiar que estavam esquecidas, talvezpor estarem estes objetos dispersos (Fotos G, H).

Os objetos do grupo da Oficina11 serelacionavam a lembranças de viagens, relíquias

de família, lembranças de infância, símbolosreligiosos, presentes de pessoas significativas em

(10) Os objetos escolhidos por este grupo foram osseguintes: canivete, navalha, pedras - escorredor demacarrão, panela de pressão, caneca de louça, tigelinha delouça, colcha de cama - chapéu, martelo, prumo - rádio.Nem todos levaram três objetos como tinha sido pedido.(11) Os objetos escolhidos por este grupo foram osseguintes: fivela de cabelo, bolsa de prata, adorno decabeça, colar de sementes, anel, dois leques, bolsa de

Fotos E, F. Objetos biográficos – Grupo da Comunidade São Remo.

tecido, dedal, camafeu, estojo de maquiagem, par desapatos, broche, terço de louça, chaveiro de cruz, doislivros de orações, duas bonecas, cachorro de pelúcia,camisa de pagão para batizado, macacão de criança,tesoura, lapiseira e caneta, medalha do Quarto Centenáriode São Paulo, pedra ágata, quadro de flores, escultura demulher com galinhas, ânfora de alabastro, três porta-jóias,dois álbuns de fotos, prendedor de papéis, toalhinha de“frivoletté”, flor de vidro, taças, xícara de café, taça de“Baccarat”, ferro de passar roupas, dois paliteiros, prato decerâmica, porta-ovos, estojo de injeção.

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suas vidas, quase nenhum era especialmenteligado ao trabalho ou utensílio doméstico.

5. Registro dos objetos: em ambos osgrupos foi feito registro fotográfico. O registroescrito foi realizado de forma diferenciada, poisos componentes do grupo da São Remo eramanalfabetos e os coordenadores do grupoanotavam o que eles iam contando, mas algunsdetalhes foram perdidos, já os da Oficina foramcontextualizados em um Cadastro de Objeto.12

O grupo da Oficina fez representações dealguns de seus objetos e de objetos dos colegasatravés de desenho, que se tornaram registrosgráficos bastante significativos.13

6. Processo de elaboração, montagem e ainauguração da exposição de objetos: o grupo

da Oficina iniciou-o com visitas orientadas aoutras exposições e com palestra sobre Noçõespreliminares de museografia.14 Estabeleceram ostemas da exposição e das vitrinas e escolheramdemocraticamente o nome para ela: Escavando anossa Memória, depois da apresentação de váriosoutros nomes (Fotos I, J).

Desta exposição constaram objetos dosmembros do grupo, com etiquetas que continhamfrases explicativas, retiradas dos Cadastros de Objetos;painel fotográfico com as várias fases do processode trabalho; painel com os desenhos dos objetosexpostos, texto sobre a exposição e ficha técnica.

O público foi convidado para a inauguraçãoe para conhecer a exposição através de convites ecartazes, mala direta e telefone.15 (Foto K)

Na inauguração da exposição os idososcom alguns de seus objetos fizeram umarepresentação para o público16 .(Fotos L, M)

Fotos G, H. Objetos biográficos – Grupo da Oficina da Memória.

(12) Do Cadastro do Objeto deveria constar: Nome doobjeto; Nome do proprietário; Origem do objeto; Tempo;Contextualização/história do objeto.(13) A avaliação deste Projeto se orientou, entre outrascoisas, pelo fato de não ter sido feita, paralelamente, umaoficina de pintura e/ou desenho para estes idosos, dando-lhes a oportunidade de aprender e exercitar uma atividadeque nunca antes tinham tido. Considera-se válida a crítica,mas a justificativa é que no desenrolar do Projeto nãohouve nem tempo e nem profissionais para orientarem taloficina. Fica porém um alerta para trabalhos futuros, emque se poderá incluir este tipo de orientação para públicossem experiências em desenho e/ou pintura.

(14) A palestra Noções preliminares de Museografia foiministrada pelo museólogo Mauricio Candido da Silva.(15) Os convites e cartazes para a divulgação das aberturasdas exposições foram criados e elaborados pela designergráfica do MAE Cida Santos e a divulgação das mesmas,por mala direta e telefone, foi realizada pela secretária doSTM/MAE Maria Aparecida Gomes de Andrade.(16) Estes exercícios corporais com objetos foram realizadossob a coordenação do mestrando em Artes Cênicas daECA/USP Alexandre Calado que acompanhou o grupoem horário posterior ao da Oficina. Escolheram um deseus objetos pessoais e com eles fizeram uma apresentação

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Durante cinco dias a exposição Escavando anossa Memória permaneceu aberta e os partici-pantes se organizaram para ficarem de plantãoatendendo aos possíveis visitantes.

A exposição de objetos dos idosos da SãoRemo foi planejada e montada pelos coordena-dores da Oficina, com a cooperação da designerCida Santos e do fotógrafo Wagner Souza eSilva, sem a participação dos integrantes dogrupo. O nome Objetos e Lembranças não foiescolhido por eles, que somente viram aexposição no dia da inauguração. Por que?Teria sido uma atitude paternalista dos coorde-nadores, da qual não tiveram consciência nomomento? A avaliação posterior deu contadesta atitude contraditória, alertando para queem futuros trabalhos seja evitada, permitindoque os participantes dos grupos sempre possammontar suas próprias exposições. Para isso elesnecessitam estar instrumentalizados suficiente-mente, como estavam os integrantes do grupoda Oficina.

Essa exposição não tinha vitrinas e osobjetos ficaram expostos sobre suportes, semproteção. Foi escolhido pelo fotógrafo do MAEum objeto de cada participante os quais foramfotografados e as fotos foram ampliadas etransformadas em posters que fizeram parte daexposição. Também foi elaborado um painelcom fotos sobre todo o processo de trabalho,texto explicativo e ficha técnica (Fotos N, O).

dos mesmos, mas com um gestual próprio, uma representa-ção que foi além da contextualização dos mesmos atravésda memória. Destes exercícios se originou um curtoespetáculo que foi apresentado durante a abertura daexposição Escavando a nossa Memória.

Fotos I, J. Montagem da exposição Escavando a nossa Memória.

Foto K. Convite/Cartaz da exposição Escavando anossa Memória.

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Na a inauguração desta exposição umdos participantes do grupo contou alguns“causos” que muito divertiram o públicopresente. Compareceram os dirigentes doMAE e do Centro de Saúde Escola, poucosservidores das duas unidades e muitosmoradores da Comunidade. Ela permaneceuaberta durante um dia e meio, pois o espaçoda Associação de Moradores é utilizado pordiferentes tipos de eventos e à noite por umCurso de Alfabetização de Adultos (Fotos P,Q, R, R1, R2).

7. Visitação à exposição: tanto umaexposição como a outra foram visitadas poruma grande quantidade de pessoas quando desuas inaugurações. Na exposição Escavandonossa Memória compareceram alguns dosdirigentes e servidores do MAE, parentes eamigos dos participantes e público espontâneo.Nos outros dias em que ficou aberta ao públi-co, entretanto, houve uma visitação mínima.

À exposição Objetos e Lembranças compare-ceram os dirigentes das duas unidades envolvi-das, poucos servidores, quase nenhum familiar

Fotos L, M. Inauguração da exposição Escavando a nossa Memória.

Fotos N, O. Montagem da exposição Objetos e Lembranças.

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Fotos Q, R, R1, R2. Inau-guração da exposição Objetose Lembranças.

Foto P. Convite/Cartaz da exposiçãoObjetos e Lembranças.

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dos participantes, mas grande quantidade demoradores da Comunidade São Remo. Visita-ram esta exposição três escolas que se localizamna Comunidade.17 As crianças chegaram comseus professores. Foram recebidas por algunsidosos que fizeram um relato das histórias deseus objetos e pelos coordenadores do Projetoque explicaram o significado da exposição.Finalizaram a visita desenhandoalguns dos objetos observados.Com esta socialização daslembranças, os velhos e ascrianças buscaram compreensãoe sentido para as suas participa-ções (Leite:2006). Foram váriosolhares sobre os mesmos objetoso que possibilitou uma maiorcompreensão sobre a representa-ção dos objetos na vida de cadaum. Além disto, houve umreconhecimento mútuo, poistodos habitam o mesmo espaço etêm uma relação com ele, mas nãotinham tido até então outro tipode reconhecimento (Fotos S, T).

A alegria dos participantesde ambos os grupos nesteseventos foi bastante grande e demonstrada emseus semblantes, ora com sorrisos, ora compalavras explicativas e ora com lágrimas nosolhos. Percebeu-se que conseguiram umreconhecimento por seu trabalho de memória apartir de fragmentos de suas histórias de vidarelembradas por intermédio de seus objetosagora socializados com o público visitante.Estava estabelecido através desta exposição osentimento de pertencimento a um grupo nelarepresentado e de identificação com outraspessoas.

8. As exposições são o principal produtofinal, a síntese das Oficinas da Memória. Elassão a extroversão dos conhecimentos construídos

a partir da contextualização dos objetos biográfi-cos, a partir da memória que é reconstruídatendo-os como seu suporte. Nestas duasOficinas, entretanto, houve outros resultadosfinais, além da exposição de objetos.

Durante cerca de dois meses o grupo daOficina desenvolveu, após as duas horasregulamentares, exercícios de expressão corpo-

(17) Visitaram a exposição Objetos e Lembranças e assinaramo livro de presença 222 pessoas, sendo 100 adultos e 122crianças, mas o número de visitantes deve ter sido maior,pois muitos não registram a presença. Fotos S, T. Crianças na exposição Objetos e Lembranças.

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ral e representação corporal de alguns de seusobjetos, como já foi mencionado anteriormen-te, e um espetáculo que foi apresentado aopúblico que compareceu à abertura de suaexposição. Foram atividades muito prazerosasque complementaram o trabalho desta Oficina(Fotos U, V).

evidenciar a importância de um acervo naconstrução da memória, mas não pela evidênciadas fotos milenares, como geralmente aconteceem museus, mas sim por meio de objetos docotidiano contemporâneo. Este tipo de exposiçãoé um mecanismo questionador e de novas formasde percepção e métodos de aproximação com

objetos de estudos diversos (Souzae Silva 2007) (Fotos X1 a X7).

A exposição itineranteObjetos e Lembranças ficou quasedois meses no saguão do Centrode Saúde Escola do Butantã.Assinaram o livro de presençaaproximadamente 150 pessoas,sendo que algumas deixaram assuas impressões.18 Acredita-seque um número muito maior depessoas a tenha visitado, vistoque a exposição estava montadaem um espaço estratégico, depassagem, no Centro de Saúde.

A exposição também estevemontada na recepção do MAE/USP, mas houve pouca visitação.19

A Oficina da São Remo teráainda mais um desmembramento.Está sendo elaborado um livreto.Esta foi a forma encontrada parase retornar aos moradores daComunidade, para conhecimen-to e reflexão, alguns conheci-mentos recolhidos com otrabalho de memória de algunsde seus habitantes mais velhos.

(18) Alguns comentários de pessoas quevisitaram a exposição itinerante quandoesteve montada no Centro de SaúdeEscola do Butantã: “Valiosa a mostra da simplicidade de nossopovo. “; “Cada objeto, cada coisa, por maissimples que seja tem sua grandeza.”; “Umcolírio para os olhos! “; “Eu Roberto

Jefferson apoio esses incentivos à Comunidade.”; “Não entendi oobjetivo.”; “As lembranças trazem histórias, todas são parte denós.”; “Adorei a panela de pressão!”; “Eu achei muito legal, maschato.”; “Muito bom ver a história de nosso bairro.”(19) Esta exposição itinerante será brevemente montada naFaculdade de Medicina da USP.

O fotógrafo Wagner Souza e Silva propôs aelaboração de uma exposição itinerante, compos-ta pelos painéis fotográficos de objetos dosparticipantes do grupo da São Remo. Para ele,estas fotos seriam expostas com o objetivo claro de

Fotos U, V. Exercícios de expressão corporal do grupo da Oficina daMemória.

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Fotos X1–X7. Painéisfotográficos da exposi-ção itinerante Objetose Lembranças.

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Este livreto conterá textos explicativos sobreo trabalho realizado, do ponto de vista dofotógrafo, da educadora de saúde, da educadorade museu e das agentes comunitárias de saúde;fotos do processo de trabalho realizado pelogrupo; retratos de seus participantes; fotos dospainéis da exposição itinerante e entrevistascom eles, cujo tema principal é a chegada delesà Comunidade São Remo e as modificaçõesocorridas em suas histórias de vida e na própriaComunidade.

Considerações finais

Acreditamos que o museu cumpriualgumas de suas funções, principalmente a deser um lugar de memória, desenvolver açõeseducativas em suas práticas sociais como asque foram desenvolvidas nas oficinas aquiapresentadas.

Os trabalhos com públicos especiais dãooportunidade para que se compreenda suaimportância dentro da sociedade em quevivem, identifiquem-se como grupo social e queseu processo de construção de conhecimentosseja lúdico e prazeroso.

Os dois grupos de idosos apresentadosneste artigo desenvolveram trabalhos dememória com metodologias semelhantes, masas diferenças geográficas, de escolarização, desaúde física, de valores sociais e culturais, deformas de sobrevivência levaram a reaçõesdiversas, tornando os resultados interessantes ericos em informações sobre as histórias de vidade cada um.

Enfim, este trabalho demonstra que aCultura Material, seja representada por objetosarqueológicos ou por objetos biográficos, ésuporte de informações para se conhecer ecompreender os povos e as pessoas que osproduziram e utilizaram.

ELAZARI, J.M. Educational action in museums: the Third Age building knowledgefrom objects in the Museum of Archeology and Etnology - São Paulo University.Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, 19: 337-354, 2009.

Abstract: This article deals with educational actions with elderly people in apublic museum. The methodology of this work will be presented. It involves anexploration of objects of the elderly and their life stories. It includes also aparallel between two workshops for elderly people, with similar workingmethodologies and different results which had as final work the assemblage ofan exhibition of contextualized objects.

Keywords: Memory – Education – Museum – Biographical Objects – Elderly.

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Recebido para publicação em 18 de junho de 2009.

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