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Ação direta de inconstitucionalidade Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre. Ir para: navegação , pesquisa A Wikipédia possui o: Portal do Direito A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI ou ADIN) é um instrumento utilizado no chamado controle direto da constitucionalidade das leis e atos normativos, exercido perante o Supremo Tribunal Federal brasileiro . A ação direta de inconstitucionalidade é regulamentada pela Lei 9.868/99. [1] Ela tem fundamento na alínea "a" do inciso I do artigo 102 da Constituição Federal e pode ser ajuizada, em nível federal, perante o STF, contra leis ou atos normativos federais ou estaduais que contrariem a Constituição Federal. É conhecida doutrinariamente como ADIN Genérica. O poder de ajuizar essa ação, chamado de legitimação, é dado pelos incisos I a IX do artigo 103 da Constituição Federal, constituindo-se em uma legitimação restrita àqueles enumerados nos dispositivos retromencionados. São eles: o presidente da República ; o Procurador Geral da República ; os Governadores dos Estados e o Governador do Distrito Federal ; as mesas (órgãos administrativos) da Câmara dos Deputados , do Senado Federal, da Câmara Legislativa do Distrito Federal ; a Mesa de Assembléia Legislativa; Partidos Políticos com representação no Congresso Nacional ; Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB ); Entidades de Classe de Âmbito Nacional e Confederações Sindicais . Diferentemente das decisões proferidas em outros processos judiciais, nos quais a o efeito da decisão proferida dirige-se, em regra, apenas às partes que dele participaram, a decisão proferida em ação direta de

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Ação direta de inconstitucionalidadeOrigem: Wikipédia, a enciclopédia livre.Ir para: navegação, pesquisa

A Wikipédia possui o:Portal do Direito

A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI ou ADIN) é um instrumento utilizado no chamado controle direto da constitucionalidade das leis e atos normativos, exercido perante o Supremo Tribunal Federal brasileiro. A ação direta de inconstitucionalidade é regulamentada pela Lei 9.868/99.[1]

Ela tem fundamento na alínea "a" do inciso I do artigo 102 da Constituição Federal e pode ser ajuizada, em nível federal, perante o STF, contra leis ou atos normativos federais ou estaduais que contrariem a Constituição Federal. É conhecida doutrinariamente como ADIN Genérica.

O poder de ajuizar essa ação, chamado de legitimação, é dado pelos incisos I a IX do artigo 103 da Constituição Federal, constituindo-se em uma legitimação restrita àqueles enumerados nos dispositivos retromencionados. São eles: o presidente da República; o Procurador Geral da República; os Governadores dos Estados e o Governador do Distrito Federal; as mesas (órgãos administrativos) da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, da Câmara Legislativa do Distrito Federal; a Mesa de Assembléia Legislativa; Partidos Políticos com representação no Congresso Nacional; Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB); Entidades de Classe de Âmbito Nacional e Confederações Sindicais.

Diferentemente das decisões proferidas em outros processos judiciais, nos quais a o efeito da decisão proferida dirige-se, em regra, apenas às partes que dele participaram, a decisão proferida em ação direta de inconstitucionalidade alcança quem não participou do processo onde ela foi proferida. A isso a doutrina denomina de efeito erga omnes.

Outros efeitos decorrentes de decisões proferidas em ADIN são os chamados efeitos retroativo, ou ex tunc; e irretroativo, prospectivo, ou ex nunc.

Ocorre, ainda, o chamado efeito vinculante, através do qual ficam submetidas à decisão proferida em ADI, os demais órgãos do Poder Judiciário e as Administrações Públicas Federal, Estadual, Distrital e Municipal (§ único, art. 28, Lei 9.868/99).

A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) pode ser entendida como um instrumento de

controle abstrato de constitucionalidade instituído pela Constituição Federal de 1988 que

tem como objeto a defesa da própria Constituição e que permite a exclusão de lei ou ato

normativo que contrarie suas regras e princípios. Sua pretensão fundamental é a

declaração da inconstitucionalidade dos mesmos para que seja preservado o ordenamento

constitucional.

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A Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) também faz parte do controle objetivo

de constitucionalidade e serve à preservação das regras e princípios constitucionais. Sua

função, entretanto, cinge-se à declaração da conformidade de uma determinada lei à

Constituição, de maneira que não restaria qualquer possibilidade de decretação incidental

de inconstitucionalidade da mesma.

A questão restringe-se em saber se as duas ações acima descritas são ações dúplices, ou

seja, se existe ambivalência entre as mesmas, se o resultado produzido por uma é

idêntico, ou melhor, diametralmente oposto ao da outra, fazendo com que a procedência

de uma delas signifique a improcedência da outra.

Como se sabe, com a Emenda Constitucional nº 03 foi previsto a eficácia contra todos e o

efeito vinculante apenas no que se refere à ADC. Eis a redação do § 2.º do art. 102 da

Constituição Federal: "As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal

Federal, nas ações declaratórias de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal,

produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do

Poder Judiciário e ao Poder Executivo."

Apesar disso, entendia-se que a ADI e a ADC era na verdade a mesma ação com o sinal

trocado, e assim, a procedência da ADI equivaleria à improcedência da ADC e a

improcedência da ADI seria a procedência da ADC.

Para o Ministro Gilmar Ferreira Mendes [01], o caráter dúplice das ações envolvidas,

decorria até mesmo da intelecção do art. 24 da Lei n. 9.868/99 que preceitua

que"Proclamada a constitucionalidade, julgar-se-á improcedente a ação direta ou

procedente eventual ação declaratória; e, proclamada a inconstitucionalidade, julgar-se-á

procedente a ação direta ou improcedente eventual ação declaratória."

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sobretudo, os pobres

André Ramos Tavares compartilha do mesmo entendimento, ao afirmar que a natureza

dúplice das ações foi encampada pelo art. 24 da Lei n. 9.868/99. Entende que "qualquer

dos resultados possíveis (constitucionalidade e inconstitucionalidade) pode ser obtido por

meio de qualquer uma das ações diretas (ADC ou ADI). Uma vez fixada a conclusão sobre

a constitucionalidade ou não do ato impugnado, os efeitos das decisões proferidas em

cada uma dessas ações serão absolutamente idênticos." [02]

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Com a promulgação da EC 45, não restaram dúvidas que as ações são dúplices e seus

efeitos são equivalentes já que a previsão da eficácia geral e o efeito vinculante decorria

da própria literalidade do art. 102, § 2º: "As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo

Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações

declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante,

relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e

indireta, nas esferas federal, estadual e municipal."

O último doutrinador citado ainda vai além discorrendo sobre a natureza das ações em

questão, afirmando que o ideal não seria apenas a padronização, mas a unificação das

mesmas existindo apenas uma única ação direta: "referida ‘padronização’, de há muito

solicitada para o processo objetivo no Brasil pela doutrina, não foi realizada de maneira

adequada pela Reforma. Isso porque se as referidas ações têm, efetivamente, ‘natureza

dúplice’, como se costuma denominar, teria sido mais oportuna sua reunião em uma única

ação direta." [03]

Destaque-se, ainda, manifestação de Nilson Dias de Assis Neto confirmando os

posicionamentos até aqui destacados, consignando que "quando da análise do controle de

constitucionalidade do Brasil, a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) e a Ação

Declaratória de Constitucionalidade (ADC), corroborando o eminente jurista e ministro do

STF Gilmar Ferreira Mendes, são, em real verdade, a mesma ação com sinal trocado.

Ambas as ações seriam fruto da mutação acontecida quando da passagem de um modelo

tão somente concreto e difuso de influência dos Estados Unidos para um modelo misto no

qual, outrossim, também há influência euro-continental. ADI e a ADC estão cada vez mais

próximas, haja vista a diminuição paulatina das diferenças entre os dois instrumentos de

controle abstratos e concentrados, o que tem levado a configuração daquela natureza

dúplice ou ambivalente das ações: a procedência de uma ADC equivale à improcedência

de uma ADI e, por sua vez, a improcedência de uma ADC equivale à procedência de uma

ADI – vice-versa e respectivamente, tendo em vista que as ações têm o sinal trocado."[04]

Para o Supremo Tribunal Federal tratam-se realmente de ações de natureza dúplice.

Apenas para ilustrar, registre-se o seguinte julgado que aborda a natureza da decisão de

ambas as ações: "as decisões de mérito da ADI ou da ADC – ações dúplices -, por sua

própria natureza, repelem a desconstituição por ação rescisória, delas podendo resultar

tanto a declaração de inconstitucionalidade quanto de constitucionalidade. Esclareceu-se

que, no caso de se declarar a inconstitucionalidade, a desconstituição dessa decisão

restabeleceria a força da lei antes eliminada, o que geraria insegurança jurídica. Por sua

vez, na hipótese de declaração de constitucionalidade, a segurança jurídica também

estaria comprometida se essa decisão, vinculante de todos os demais órgãos da jurisdição

e da administração pública, pudesse ser desconstituída por força de simples variações na

composição do STF, sem mudança relevante do contexto histórico e das concepções

jurídicas subjacentes ao julgado rescindido." [05]

Enfim, as ações chegam a uma mesma determinação, diferenciando-se apenas quanto ao

ângulo inicial de visão da norma jurídica frente à Constituição Federal.

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É certo que existem peculiaridades próprias de cada uma das ações. Entretanto, não são

suficientes para descaracterizar a ambivalência existente entre as mesmas.

Por tudo isto, não resta qualquer dúvida, que a ADI e a ADCsão ações dúplices que geram

essencialmente a mesma solução jurídica, qual seja, a declaração da inconstitucionalidade

ou da constitucionalidade das leis E ATOS

A jurisdição constitucional no Brasil: uma história em construção

RODRIGO PIRES FERREIRA LAGO

1 Introdução

JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL significa, nos dizeres de Hans Kelsen, “a garantia jurisdicional da Constituição”, e “é um elemento do sistema de medidas técnicas que têm por fim garantir o exercício regular das funções estatais” (KELSEN, 2007, p. 123-124). Em outras palavras, é a outorga de poderes a um órgão jurisdicional para verificar a conformação das leis e demais atos ao texto constitucional.

O controle jurisdicional de constitucionalidade das leis no Brasil surgiu a partir da proclamação da República, no fim do século XIX, inspirado no sistema norte-americano do judicial review. Mas a escola jurídica brasileira era a Civil Law, e não a Common Law. O direito brasileiro era positivado nas leis, enquanto nos Estados Unidos se tinha o stare decisis, que impõe força vinculante aos precedentes judiciais. Essa diferença entre os dois grandes sistemas jurídicos exigiria mais tarde algumas adaptações no sistema de controle difuso e concreto brasileiro.

Além do aperfeiçoamento do controle difuso de constitucionalidade, o Brasil passou a adotar o controle concentrado e abstrato de constitucionalidade, difundido por Hans Kelsen. E desde então os dois sistemas de controle judicial de constitucionalidade conviveram harmonicamente.

Passados cento e vinte anos da implantação do controle judicial de constitucionalidade no Brasil, os dois institutos continuam sendo aperfeiçoados, e cada vez mais um se aproxima do outro. A história do judicial review no Brasil demonstra que esse instituto ainda está em construção.

2 Cronologia do controle de constitucionalidade nos textos constitucionais brasileiros

2.1 A origem do controle judicial no Brasil

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Com a crise da monarquia no Brasil, o país sofreu um golpe de estado em 15 de novembro de 1889, proclamando-se a República sob a batuta do Marechal Deodoro da Fonseca. Um novo ordenamento constitucional seria produzido. Mas seria necessário criar instrumentos que garantissem a nova ordem constitucional contra eventuais maiorias legislativas contrárias ao sistema republicano ou ao pacto federativo. Mesmo alguns monarquistas, mas defensores da descentralização do poder, concordaram com a implantação do controle judicial de constitucionalidade, para proteger o federalismo.

A inspiração brasileira foi no sistema norte-americano. Nos Estados Unidos, o controle judicial de constitucionalidade das leis nasceu na doutrina de Hamilton, em The Federalist, no fim do Século XVIII, e em alguns casos isolados nos tribunais estaduais. Mas se estabeleceu de vez a partir do caso Marbury v. Madison, julgado pela Suprema Corte em 1803. Neste caso, o controle de constitucionalidade serviu para que a Suprema Corte protegesse o federalismo de uma crise que era iminente. O Tribunal, antes de julgar a causa, analisou a constitucionalidade de uma lei, assentando não ser de sua competência decidir o mérito da questão. Estava definitivamente implantado nos Estados Unidos o controle de constitucionalidade das leis.

O Brasil, recém convertido em República, inspirou-se neste sistema. Essa inspiração é evidente na história, e confessada por Rui Barbosa: “Os autores de nossa Constituição, em cujo nome tenho algum direito de falar (…) eram discípulos de Madison e Hamilton” (BARBOSA, 2010, p. 30).

O Decreto n° 848, de 11 de outubro de 1890, ao organizar a Justiça Federal, previu expressamente a possibilidade do Poder Judiciário declarar a inconstitucionalidade de uma lei. Previu-se como competência do Supremo Tribunal Federal o julgamento de recursos das sentenças definitivas “quando a validade de uma lei ou acto de qualquer Estado seja posta em questão como contrario á Constituição, aos tratados e ás leis federaes e a decisão tenha sido em favor da validade da lei ou acto” (Decreto n° 848, de 11 de outubro de 1890, art. 9°, p. ún., b).

A influência norte-americana na instituição do controle brasileiro de constitucionalidade é destacada por Gilmar Ferreira Mendes:

O regime republicano inaugura uma nova concepção. A influência do direito norte-americano sobre personalidades marcantes, como a de Rui Barbosa, parece ter sido decisiva para a consolidação do modelo difuso, consagrado já na chamada Constituição provisória de 1890 (art. 58, §1°, a e b). (MENDES; COELHO; BRANCO, 2010, p. 1194)

O controle de constitucionalidade seria exercido apenas no julgamento de casos concretos através do sistema difuso. E serviria à proteção do Estado, da sua forma de governo e do próprio sistema federativo. Mas o controle de constitucionalidade instituído pré-Constituição de 1891 sequer chegou a ser executado, porquanto a Constituição que lhe daria suporte, do Governo Provisório, não chegou a viger. Entretanto, a Constituição de 1891 previu expressamente em seu texto esse controle de constitucionalidade.

Anos depois, Rui Barbosa, um dos responsáveis pela importação do controle de constitucionalidade, destacou o avanço trazido com este instituto:

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O que sob a Constituição de 1891 lucrou em poder a Justiça, não foi a atribuição de verificar a constitucionalidade nos atos do Poder Executivo: foi a de pronunciar a inconstitucionalidade nos atos do Congresso Nacional. (BARBOSA, In: LACERDA, 1997, p. 530)

Estava implantado o controle de constitucionalidade no Brasil, inspirado no sistema norte-americano. Era um controle concreto, porque fundado em um caso concreto e não de forma abstrata, e exercido de modo difuso, por quaisquer juízes federais.

2.2 A fórmula do Senado Federal, a reserva de plenário, a maioria absoluta e a representação interventiva, previstas na Constituição de 1934

Já estava em plena aplicação no Brasil o controle judicial de constitucionalidade. Não se discutia mais sobre a sua conveniência ou juridicidade. Mas o sistema precisava ser aperfeiçoado. A Constituição de 1934 tentaria resolver alguns problemas encontrados na aplicação prática desse instituto.

O primeiro problema do sistema brasileiro era a falta de eficácia geral às decisões do Supremo Tribunal Federal que declaravam a inconstitucionalidade de alguma lei. Assim, todos aqueles alcançados pela lei violadora da Constituição eram obrigados a provocar o Poder Judiciário em ações individuais, e os juízes sequer eram vinculados aos precedentes do Supremo Tribunal Federal. Previu-se que o Senado Federal suspendesse, por resolução, a execução de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do STF, dando eficácia geral às decisões do controle concreto de constitucionalidade.

Também a Constituição de 1934 preocupou-se com a segurança jurídica, especialmente por passar a prever a fórmula do Senado. É que não se poderia declarar uma lei inconstitucional com o quorum reduzido e maioria simples. Passou-se a exigir a reserva de plenário e maioria absoluta dos membros do Tribunal para a declaração de inconstitucionalidade.

E foi a Carta de 1934 que introduziu, pela primeira vez, um esboço de controle abstrato de constitucionalidade, criando a representação interventiva. Como assentou Gilmar Mendes e Ives Gandra:

Cuidava-se de fórmula peculiar de composição judicial dos conflitos federativos, que condicionava a eficácia da lei interventiva, de iniciativa do Senado (art. 41, §3°), à declaração de sua constitucionalidade pelo Supremo Tribunal (art. 12, §2°). (MARTINS; MENDES, 2005, p. 39)

Na prática, toda vez que os poderes políticos pretendessem intervir em um estado, o que deveria ser feito mediante lei, teriam que submeter esta lei ao prévio controle judicial de constitucionalidade, como requisito de validade. Trata-se, pois, de um controle judicial preventivo, e não repressivo como ocorre presentemente a ação direta de inconstitucionalidade. Por isso, e também considerada a limitação do objeto e dos parâmetros de controle, tem-se que a representação interventiva é apenas um esboço do atual controle abstrato e concentrado de constitucionalidade.

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Esta Constituição pouco vigeu, porque foi substituída pela Constituição de 1937, outorgada pela ditadura do Presidente Getúlio Vargas. Mas os avanços teóricos alicerçados em seu texto serviriam de influência para futuras constituições.

2.3 Cláusula não-obstante inserida pela Constituição de 1937

A ditadura de Getúlio Vargas outorgou em 1937 uma nova Constituição ao Brasil. Com o viés autoritário, o Presidente da República concentrou em demasia os poderes nas suas mãos. Além disso, foram reduzidas as garantias constitucionais.

Consideradas essas premissas, criou-se uma espécie de cláusula não-obstante, ou mais propriamente, o direito ao Congresso Nacional de vetar as decisões do Supremo Tribunal Federal sobre a inconstitucionalidade de leis. A possibilidade de veto parlamentar ao controle de constitucionalidade poderia ser provocada pelo Presidente da República quando, ao seu juízo discricionário, a lei fosse necessária ao bem-estar do povo. Era uma carta branca aos poderes políticos para invalidar uma decisão jurídica. As leis que fossem ratificadas pelo Congresso Nacional após serem declaradas inconstitucionais pelo Supremo Tribunal passariam a ter status de emenda à Constituição.

Esse dispositivo teve o seu ineditismo afirmado por Afonso Arinos, ao tratar da limitação política imposta às decisões do Supremo Tribunal Federal:

Era, comentou Afonso Arinos, uma limitação política, pela primeira e única vez na República, à atribuição do Supremo Tribunal Federal de decidir sobre a constitucionalidade das leis. (apud PORTO, In: D´ÁVILA, 1993, p. 55)

Apesar da outorga pelo texto constitucional ao Congresso Nacional do direito de veto às decisões do STF, na prática esse direito era exercido pelo Presidente Getúlio Vargas. É que os poderes do Congresso Nacional eram delegados ao Presidente da República nos períodos de recesso ou dissolução do Parlamento. Como o Poder Legislativo permaneceu fechado durante o Estado Novo (1937-1945), o poder de veto era exclusivo do Presidente da República.

2.4 A Constituição de 1946

Com o fim da primeira Era Vargas, o Brasil ganhou uma nova Constituição em 1946. Foi restabelecido o modelo de controle de constitucionalidade da Constituição de 1934, retirando-se a cláusula não-obstante, que permitia a convolação de lei declarada inconstitucional em espécie de emenda constitucional. Também houve grande avanço no controle abstrato de constitucionalidade.

A representação interventiva ganhou uma nova roupagem. O objeto da ação passou a ser leis estaduais que ofendessem os princípios sensíveis da Constituição. Se em 1934 a questão só era submetida ao Supremo Tribunal Federal após deliberação do Senado, no modelo de 1946 permitiu-se em caso de ofensas aos princípios sensíveis a submissão direta do ato estadual ao STF, e somente depois, em caso de declaração de inconstitucionalidade, a intervenção seria efetivada. Este instrumento muito se aproximava da atual ação direta de inconstitucionalidade, mas com objeto e parâmetros de controle limitados, e de legitimação exclusiva ao Procurador Geral da República –

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que cumulava as funções de órgão de acusação com a advocacia da União Federal. Entretanto, só poderia ser usado para solver conflitos federativos.

Citando Temístocles Cavalcanti, a doutrina de Gilmar Mendes e Ives Gandra Martins registra que a ausência de regulamentação procedimental concedeu liberdade ao Supremo Tribunal Federal para fazê-lo. Essa regulamentação, depois, acabaria sendo positivada pela legislação (MARTINS; MENDES, 2005, p. 45).

A dificuldade inicial foi tamanha que a primeira representação fundada na Carta de 1946 recebeu o número de 93, posto que foi classificada genericamente como representação, dada a ausência de classificação própria para a representação interventiva.

Logo surgiu a controvérsia se o Procurador Geral da República, único legitimado a provocar o Supremo Tribunal Federal, ao receber uma notícia de inconstitucionalidade poderia arquivá-la, se entendesse improcedente a argüição. Esse debate se estenderia ao longo dos anos, tanto no campo doutrinário, como na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Houve representação onde de pronto do Procurador opinava pela improcedência. Em outras, o Procurador Geral da República encaminhava a representação ao STF, mas em seguida emitia parecer em sentido contrário à pretensão.

Também foi presente, à míngua de previsão constitucional expressa, a discussão eficácia da decisão do Supremo Tribunal Federal, se também se sujeitava à fórmula do Senado Federal, criada para dar eficácia geral às decisões tomadas no controle difuso e concreto de constitucionalidade.

2.5 A Emenda n° 16 de 1965 à Constituição de 1946

Ainda sob a égide da Constituição de 1946, a Emenda à Constituição n° 16 de 1965 trouxe ampla modificação no controle de constitucionalidade brasileiro.

Passou a permitir, tal como hoje, o controle de constitucionalidade das leis municipais em face das constituições estaduais, a ser exercido pelos tribunais estaduais.

Também foi a EC n° 16 de 1965 que permitiu o controle de concentrado e abstrato de constitucionalidade de leis federais, além de ampliar os parâmetros de controle, antes limitados às questões vinculadas ao pacto federativo. Era uma espécie de ação direta de inconstitucionalidade como hoje vigente, mas com outra nomenclatura e de legitimidade ainda restrita ao Procurador Geral da República. A discussão sobre a discricionariedade do Procurador em encaminhar notícia de inconstitucionalidade, outrora referente à representação interventiva, se estenderia à representação de inconstitucionalidade.

Luis Roberto Barroso assenta ser a representação de inconstitucionalidade a instituição definitiva do controle concentrado de constitucionalidade:

O controle judicial de constitucionalidade por via principal ou por ação direta tem como antecedente, embora de alcance limitado, a denominada representação interventiva, criada pela Constituição de 1934. (…) Todavia, foi com a introdução da ação genérica de inconstitucionalidade, pela Emenda Constitucional n. 16, de 26 de novembro de 1965, que o controle por via principal teve ampliado o seu objeto, dando início à

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trajetória que o conduziria a uma posição de destaque dentro do sistema. (BARROSO, 2009, p. 145)

Registra a doutrina de Ives Gandra Martins e Gilmar Mendes que o modelo de controle de constitucionalidade implantado a partir da Emenda à Constituição n° 16 de 1965, na verdade ampliado, muito se aproxima das lições de Hans Kelsen. No sistema brasileiro, o Procurador Geral da República fazia às vezes de Advogado da Constituição, e o Supremo Tribunal Federal de Corte Constitucional (MARTINS; MENDES, 2005, p. 54).

2.5 A Constituição de 1967 e a EC n° 1 de 1969

A Constituição de 1967 manteve na íntegra, tal como previsto no texto constitucional anterior, o controle difuso de constitucionalidade. Também foi mantida, no mesmo formato e para as mesmas finalidades, a representação de inconstitucionalidade.

O texto constitucional foi silente a respeito do controle de constitucionalidade das leis municipais em face das constituições estaduais pelos tribunais de justiça, permitido a partir da EC n° 16 de 1965 à Constituição de 1946.

A grande modificação trazida pela redação originária da Constituição foi na representação interventiva, que passou a ter como parâmetros de controle, ao lado dos denominados princípios sensíveis, a garantia a execução de lei federal.

A EC n° 1 de 1969 reintroduziu o controle estadual de constitucionalidade, mas limitando-o para fins de intervenção em municípios.

Foi sob a égide deste texto constitucional que se acentuou a discussão, havida desde a Constituição de 1946, sobre o poder discricionário do Procurador Geral da República de encaminhar as notícias de inconstitucionalidade ao Supremo Tribunal Federal. Na década de 1970, no julgamento da RCL n° 849, o STF reconheceu poderes ao Procurador Geral para decidir sobre o encaminhamento ou não de representações de inconstitucionalidade. Apesar disto, já em 1980, inseriu-se no Regimento Interno do STF previsão no sentido de que, uma vez proposta a representação, tornava-se ela indisponível ao PGR, ainda que opinasse pela improcedência.

Mesmo amparado pela jurisprudência do STF, o Procurador Geral da República continuou encaminhando as notícias de inconstitucionalidade que entendia relevantes, ainda quando se manifestava pela improcedência. Essa situação peculiar demonstrava o reconhecimento do caráter ambivalente da representação de inconstitucionalidade, porque uma vez julgada improcedente tinha-se a declaração de constitucionalidade da lei.

2.6 A Emenda n° 7 de 1977 à Constituição de 1967

Com a EC n° 7 de 1977, sem afetar a representação de inconstitucionalidade, introduziu-se a representação para fins de interpretação de lei ou ato normativo federal ou estadual. Na exposição de motivos da Proposta de Emenda à Constituição justificou-se a medida para “evitar a proliferação de demandas, com a fixação imediata da correta exegese da lei” (MARTINS; MENDES, 2005, p. 58).

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Também foi a partir desta emenda constitucional que se passou a permitir expressamente a concessão de medida cautelar nos processos de controle concentrado de constitucionalidade, pondo fim à dúvida sobre o seu cabimento. A previsão constitucional inequívoca afastava a controvérsia instaurada na jurisprudência sobre a possibilidade do exercício do poder geral de cautela no âmbito do controle concentrado de constitucionalidade.

Foi instituída também a avocatória, a ser requerida pelo Procurador-Geral da República, quando o Supremo Tribunal Federal poderia chamar para si a discussão constitucional sobre qualquer ação ou ações em trâmite no Poder Judiciário. Esse instituto foi alvo de ampla crítica e acabou não sendo devidamente utilizado.

2.7 A redação originária da Constituição de 1988

Desde a redação originária da Constituição de 1988 acabou-se com a avocatória, instituída pela EC n° 7/77 e também com a representação para interpretação de lei.

A partir da Constituição de 1988 ampliou-se o rol dos legitimados a instaurar o controle concentrado de constitucionalidade. O processo de controle abstrato de constitucionalidade foi rebatizado. O que antes era denominado de representação de inconstitucionalidade passou a ser chamado de ação direta de inconstitucionalidade, nomenclatura ainda atual.

Acabou o monopólio pelo Procurador Geral da República da representação de inconstitucionalidade. Vários outros órgãos públicos se tornaram legitimados. Ao conferir legitimidade ativa ao Presidente da República para a instauração do controle concentrado a Constituição em pouco inovou, porquanto antes de 1988 o Procurador Geral da República também exercia a função de representante judicial da União Federal, deixando de cumular essas funções exatamente a partir do texto constitucional atual. Entretanto, além do PGR e do Presidente da República, outorgou-se legitimidade a órgãos do Poder Legislativo e chefes do Poder Executivo, inclusive dos estados.

Não apenas a esses, mas Constituição também conferiu legitimidade para a instauração do controle concentrado e abstrato de constitucionalidade a entes privados, como órgãos sindicais, aos partidos políticos e à Ordem dos Advogados do Brasil.

Com relação à legitimidade de órgãos sindicais e de entes públicos estaduais, logo o STF assentou em sua jurisprudência a necessidade de demonstração de pertinência temática da argüição. Ou seja, para que tenham legitimidade é necessário demonstrar o especial interesse jurídico na declaração de inconstitucionalidade.

Desde o texto originário também se previu a argüição de descumprimento de preceito fundamental (art. 103, p. ún., posteriormente convertido em §1° do mesmo artigo, após a EC n° 3/93). Em obra específica, Gilmar Mendes bem sintetizou a importância da ADPF:

Vê-se, assim, que a argüição de descumprimento, que pode ser manejada para solver controvérsias constitucionais sobre a constitucionalidade do direito federal, do direito estadual e também do direito municipal, veio completar o sistema de controle de

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constitucionalidade de perfil relativamente concentrado no Supremo Tribunal Federal. (MENDES, 2007, p. X)

Mas esse instrumento só foi descoberto na prática após a edição de lei o regulamentando (Lei n° 9.882 de 06 de dezembro de 1999). Tanto é que a ADPF n° 01 só foi proposta em 2000. E apesar da lei regulamentadora, a jurisprudência foi a principal responsável pela definição de seus contornos, passando a servir em caráter subsidiário aos processos de controle de constitucionalidade, especialmente ao controle abstrato. É assim quando utilizada para exercer o controle de conformação constitucional do direito pré-constitucional, declarando-o não recepcionado, ou para declarar a inconstitucionalidade de lei municipal em face da Constituição da República. Na prática, o STF vem se servindo da ADPF para superar obstáculos que assentou em sua jurisprudência no momento pós-Constituição de 1988. Mas o instituto ainda vem sendo desenhado na jurisprudência do STF, como no debate sobre o seu cabimento em determinadas hipóteses, e sobre a amplitude do parâmetro de controle, definindo o conceito de preceitos fundamentais.

É importante destacar que essa mesma ADPF vem servindo como uma aproximação dos instrumentos de controle de constitucionalidade objetivo e subjetivo. Essa aproximação seria ainda maior não tivesse sido vetado dispositivo da lei regulamentadora que conferia ampla legitimidade para a sua propositura, atualmente restrita aos mesmos legitimados para o controle objetivo de constitucionalidade.

Também previu o texto constitucional originário, ao lado da ação direta de inconstitucionalidade, cuja pretensão era declarar a nulidade de lei ou ato normativo contrário à Constituição, a ação direta de inconstitucionalidade por omissão. Essa ação serviria para se reconhecer a omissão estatal na efetivação de normas constitucionais. Mas o STF entendeu que no caso de omissão na edição de lei regulamentadora a decisão apenas declararia a mora do Estado, o que não possui efeito prático algum, tornando pouco útil essa modalidade de ação do controle concentrado.

Também com esse mesmo objetivo, criou a Constituição de 1988 o mandado de injunção, que seria instrumento de controle subjetivo da omissão inconstitucional. O Supremo Tribunal Federal primeiramente equiparou os efeitos da decisão no mandado de injunção ao da ação direta de inconstitucionalidade. Somente anos mais tarde, com a gradativa evolução na sua jurisprudência, passou o STF a emprestar eficácia concretista, e efetivamente mandamental, às decisões em mandados de injunção, indicando a forma de integrar a lacuna legal, até que venha a ser editada a lei regulamentadora da norma constitucional.

E novamente o texto constitucional trouxe previsão para o controle de constitucionalidade estadual, a ser exercido pelos tribunais de justiça, tendo como parâmetro as constituições estaduais. Ampliou-se os parâmetros de controle para todo o texto das constituições dos estados, e não apenas princípios sensíveis, permitindo também a impugnação de leis estaduais, e não apenas de leis municipais.

Também foi a partir da Constituição de 1988, mais fortemente após a regulamentação das ações de controle concentrado (ADI na Lei n° 9.868/99 e ADPF na Lei n° 9.882/99), que se passou a admitir a participação de terceiros no processo (os amici curiae), pluralizando o debate.

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2.8 A Emenda n° 3 de 1993 à Constituição de 1988

A EC n° 3 de 1993 criou a ação declaratória de constitucionalidade. Na verdade, positivou-se o que na prática já ocorria. Desde a representação de inconstitucionalidade se entendia que as decisões no controle concentrado de constitucionalidade eram ambivalentes. Assim, tanto valiam para declarar a inconstitucionalidade, quando procedentes as representações, como para proclamar a constitucionalidade, quando improcedentes os pedidos.

Mas a grande contribuição ao positivar a ADC foi afastar as dúvidas quanto à eficácia e os efeitos das decisões que reconheciam a constitucionalidade de lei ou ato normativo. O texto reformador tornou expressa a eficácia geral e o efeito vinculante nas decisões tomadas em ADC. Pecou o texto de reforma ao não assentar que essa eficácia erga omnes e o efeito vinculante também alcançavam a procedência de ADI, mas a jurisprudência já não vacilava quanto a isso. A questão mostrava-se controvertida apenas quando a ADI era julgada improcedente, porquanto se questionava o dever dos demais órgãos de seguir a decisão do STF e considerar o ato impugnado como constitucional.

Outro ponto interessante é que, no primeiro momento, o rol de legitimados para a ADC era mais restrito, cabendo apenas aos entes públicos da esfera federal, excluídos os entes estaduais e os entes privados. O rol dos legitimados só seria equiparado aos da ação direta de inconstitucionalidade anos mais tarde.

2.9 A Emenda n° 45 de 2004 à Constituição de 1988

A última grande modificação no controle difuso de constitucionalidade ocorrera com a Constituição de 1934, quando se criou a fórmula do Senado Federal e a necessidade de maioria absoluta para a declaração de inconstitucionalidade de lei. Por outro lado os seguidos textos constitucionais, e as suas reformas, produziram ampla modificação no processo de controle concentrado e abstrato de constitucionalidade.

A situação inverteu-se na EC n° 45 de 2004, denominada de Reforma do Poder Judiciário. O seu texto trouxe modificações singelas quanto ao controle abstrato e concentrado de constitucionalidade. Tratou de tornar expressa a eficácia geral e o efeito vinculante nas decisões proferidas em sede de ação direta de inconstitucionalidade, o que na prática nunca suscitou dúvidas, e que já era expresso para as decisões tomadas na ADC, desde a ECn° 03/93. A principal modificação se deu com a ampliação do rol de legitimados para a propositura da ADC, antes restrito, equiparando aos legitimados para a ADI. Mas, antes disso, bem se poderia burlar a ausência de legitimidade para a ADC manejando-se a ADI para obter um juízo de improcedência da argüição de inconstitucionalidade, que na prática teria o mesmo efeito de uma ADC.

Entretanto, a EC n° 45 de 2004 imprimiu grandes avanços ao controle difuso de constitucionalidade. O novo texto constitucional criou o regime de repercussão geral para os recursos extraordinários e a possibilidade de edição de súmula de jurisprudência com efeitos vinculantes. Ambos os institutos foram criados como resposta à crise numérica que atingiu a jurisdição constitucional. O Supremo Tribunal Federal recebia por ano mais de uma centena de milhares de processos, congestionando-o a ponto tal que o impedia de se manifestar sobre as questões constitucionais relevantes.

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O regime de repercussão geral consiste na racionalização do tempo do Supremo Tribunal Federal, que deixa de se dedicar sobre questões constitucionais cuja relevância não é suficiente a justificar o seu conhecimento em sede extraordinária, devendo prevalecer o que for decidido pelas instâncias ordinárias. O novo regime afasta a prática de outrora, que acabava convertendo o STF em uma espécie de quarta instância judiciária – o que era de todo incomum no direito comparado e nada recomendável.

A regulamentação deste instituto foi ainda mais além, permitindo que em casos de inúmeros recursos versando sobre a mesma questão, seja escolhido apenas um como paradigma da controvérsia constitucional. Uma vez resolvida esta, os tribunais apenas aplicariam aos processos represados o conteúdo da decisão do STF. Esse regime em muito aproxima os dois modelos de controle de constitucionalidade: o difuso, concreto e subjetivo do concentrado, abstrato e subjetivo.

Muito embora se possa encontrar semelhanças entre o regime brasileiro da repercussão geral com o modelo norte-americano do writ of certiorari há diferenças acentuadas entre ambos. Certamente o legislador brasileiro buscou, mais uma vez, inspiração no direito norte-americano, mas o regime criado no Brasil é único no mundo. Em obra específica sobre a repercussão geral, Ulisses Schwars Viana destaca essa característica:

O estudo comparativo – do writ of certiorari, da Verfassungsbeschwerde e do recurso de amparo – foi feito dentro dos limites do necessário à demonstração de que a repercussão geral, em sua conformação, não pode ser colocada na perspectiva da adoção de modelos “importados” puros de controle concentrado ou difuso de constitucionalidade. (VIANA, 2010, p. 50)

Por essa sua característica, de ineditismo, tal como regulamentado, e por representar verdadeiro rompimento com o sistema até então vigente, o regime de repercussão geral ainda levará um bom tempo para encontrar a sua perfeita conformação na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal

Já a súmula vinculante representou o tema mais polêmico da EC n° 45 de 2004. A possibilidade de edição de súmula vinculante, sem dúvidas, agrega ao STF, ao lado da qualidade de legislador negativo (na declaração de nulidade de leis), a condição de legislador positivo. Essa condição é reconhecida na doutrina de Elival da Silva Ramos que, em obra sobre o ativismo judicial, constatou “a natureza normativa, no sentido de que a súmula vinculante é antes um ato de criação do que de aplicação do direito” (RAMOS, 2010, p. 295).

Por certo, a súmula vinculante serve especialmente ao controle difuso de constitucionalidade, de modo que o STF pode sumular o seu entendimento sobre determinada norma constitucional, a vincular todos os órgãos do Poder Judiciário e do Poder Executivo. Mas também a súmula vinculante pode ser usada para emprestar maior eficácia ao controle abstrato de constitucionalidade, porquanto se pode garantir os efeitos vinculantes aos motivos determinantes de decisões em ADI´s, e não apenas ao dispositivo das decisões. É o que ocorreu no caso dos bingos, através da edição da Súmula Vinculante n° 02.

No presente momento se vê interessantes debates em aberto no Supremo Tribunal Federal e no plano acadêmico, de conclusões ainda incertas ou que podem ser

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modificadas, quer pela própria jurisprudência, quer pela via legislativa ou pelo poder de reforma constitucional:

a) a superação da fórmula do Senado Federal para conferir eficácia geral com efeitos vinculantes às decisões definitivas do STF no controle difuso de constitucionalidade;

b) a vinculação dos motivos determinantes das decisões tomadas em sede de controle concentrado de constitucionalidade;

c) a superação dos requisitos de admissibilidade nos recursos extraordinários com repercussão geral;

d) a possibilidade de modulação dos efeitos de declaração de inconstitucionalidade tomada em processo de caráter difuso e subjetivo;

e) a modulação prospectiva dos efeitos de declaração de inconstitucionalidade no controle concentrado de constitucionalidade e o quorum de deliberação;

f) os critérios objetivos para a aceitação de amicus curiae nas diversas ações da jurisdição constitucional;

g) a coisa julgada inconstitucional; e

h) o uso da ADPF em caráter subsidiário aos processos puramente subjetivos.

Esses temas estão postos nas discussões acadêmicas, e logo motivarão evolução da jurisprudência ou alteração normativa.

3 Conclusão

A narrativa cronológica desde a sua instituição até as últimas modificações normativas acerca da jurisdição constitucional revelam que o controle jurisdicional de constitucionalidade das leis no Brasil possui um modelo único no mundo.

Confrontando-se as classificações tradicionais, verifica-se que o Brasil adota simultaneamente os dois modelos: o controle difuso, concreto e subjetivo; e o controle concentrado, abstrato e objetivo. Entretanto, não se tratou apenas de importar esses modelos dos sistemas originários, no caso o controle difuso norte-americano, e o controle concentrado proposto por Hans Kelsen. O Brasil apenas buscou inspirações no direito estrangeiro, mas criou o seu próprio modelo de controle jurisdicional de constitucionalidade.

E passados cento e vinte anos após o Decreto n° 848, de 11 de outubro de 1890, que pela primeira vez outorgou competência a um órgão judicial para o exame de constitucionalidade das leis antes de aplicá-las, nota-se que o modelo brasileiro ainda está em plena formação. Tem sido freqüente, nas duas últimas décadas, mas especialmente a partir da EC n° 45 de 2004, com a implantação do regime de repercussão geral aos recursos extraordinários, a diminuição das distâncias entre os dois modelos adotados no Brasil, o subjetivo e o objetivo. Há uma tendência crescente de objetivação e concentração do controle de constitucionalidade outrora puramente

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subjetivo e difuso. Isso demonstra que a atual regulamentação dos instrumentos de controle de constitucionalidade ainda não atingiu o seu caráter definitivo.

O atual modelo brasileiro ainda será objeto de aperfeiçoamentos, seja por novas alterações normativas, seja mesmo pela via jurisprudencial. A história da jurisdição constitucional brasileira ainda está em construção.

A Abrasce (Associação Brasileira de Shopping Centers) propôs ontem uma ação contra a lei que proíbe

o preço único por até quatro horas de permanência em estacionamentos privados no Rio de Janeiro. A

entidade diz que a medida é ‘inconstitucional’. A nova lei ainda proíbe a cobrança de multa por perda do

cartão de estacionamento. Em São Paulo, não há lei sobre os preços de garagens em shoppings. No fim

de semana, a maioria dos shoppings cariocas usou a nova norma para subir o preço do estacionamento.

O Procon-RJ fez uma blitz para apurar as queixas e, depois disso, ao menos três shoppings cariocas

desistiram do reajuste. O órgão registrou ao menos 200 queixas e sete notificações”.

Embora a material não diga o instrumento usado pela Associação para questionar a constitucionalidade da

lei foi provavelmente o que chamamos de Adin ou ação direta de inconstitucionalidade, que você

provavelmente já ouviu falar na TV.

E o que é a Adin? Para entendê-la devemos primeiro entender como o Judiciário funciona.

A regra geral é que você não pode ir ao Judiciário perguntar a ele qual é a opinião dele sobre uma lei ou

como ele decidiria uma causa antes que o fato ocorra. Em outras palavras, o Judiciário não julga causas

em abstrato. Ele não dá opiniões. Ele julga causas concretas depois que o litígio ocorre. Para que ele

possa julgar algo, esse ‘algo’ precisa ter ocorrido. É por isso que você não pode entrar com uma ação

perguntando ao juiz qual será sua sentença se você matar Fulano. O juiz só pode determinar sua pena

depois que você cometer tal crime. A justiça, portanto, só se pronuncia em casos concretos.

Pois bem, essa é a regra. Mas existem algumas exceções. A Adin é uma delas.

A parte que propõe a Adin está questionando se uma lei controversa é constitucional, ainda que essa lei

ainda não tenha sido aplicada. A parte que propõe a Adin está, em suma, dizendo que o STF – e apenas o

STF pode julgar uma Adin – precisa declarar a inconstitucionalidade de uma lei antes que sua aplicação

prejudique as pessoas ou para que ela pare de ser aplicada.

Como o próprio nome já diz, a Adin só pode ser usada em casos de inconstitucionalidade, ou seja, quando

uma lei vai contra o que está disposto pela Constituição. Ela não serve, por exemplo, para declarar a

ilegalidade de um decreto presidencial porque o conflito, nesse caso, é entre um decreto e uma lei.

E não é qualquer pessoa que pode propor uma Adin. Apenas o o presidente da República, as mesas do

Senado, da Câmara, ou de uma das assembléias legislativas (ou da Câmara Legislativa do Distrito

Federal), um governador, o procurador-geral da República, o Conselho Federal da OAB, partidos

políticos com representação no Congresso, confederações sindicais ou entidades de classe de âmbito

nacional podem propor a Adin. É por isso que a Associação da matéria acima pode propor a Adin.

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A Adin têm uma ‘quase-irmã’ chamada ADC, ação declaratória de constitucionalidade. A ADC

funciona basicamente como o contrário da Adin. Enquanto na Adin quem a requer pede que uma norma

seja declarada inconstitucional, na ADC a pessoa requer que uma lei seja declarada constitucional. Isso

ocorre quando, promulgada uma lei, as pessoas (normalmente juristas) começam a dizer que tal lei não é

constitucional. Para evitar que a dúvida sobre a constitucionalidade dessa lei fique pairando no ar e gere

instabilidade jurídica, a Constituição permite que o presidente da República, as mesas da Câmara ou do

Senado, ou o procurador-geral da República (e apenas eles) possam pedir ao STF que ele declare que

aquela norma gerando o debate é constitucional pondo, assim, fim à instabilidade jurídica sobre sua

validade.

Por fim, um último detalhe interessante da Adin: a regra (e há exceção) é que se uma lei for declarada

inconstitucional pela Adin, aquela lei será tratada como se nunca tivesse existido, ou seja, como se jamais

houvesse gerado efeitos. Assim, quem quer que tenha sido prejudicado por ela terá seu direito reparado

como se aquela lei não houvesse existido. É o que os juristas chamam de efeito ex tunc (algo como

‘desde sempre’). Mas às vezes o STF pode decidir (excepcionalmente) que isso não é possível do ponto

de vista prático e estabelecer que a aplicação da sua decisão só tem efeito do momento de sua decisão

final em diante, ou mesmo de um momento futuro em diante. Isso é o que os jusistas chamam de efeito ex

nunc (algo como ‘a partir de agora’).

PS: Existe um tipo de Adin especial chamado de Adin por omissão, mas como ela é um pouco mais

complicada de entender, vamos falar dela outro dia.