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1 ABRINDO A CAIXA-VERDE: ESTUDO SOBRE A IMPORTÂNCIA ECONÔMICA DO AUTOCONSUMO NA AGRICULTURA FAMILIAR MERIDIONAL Flávio Sacco dos Anjos Nádia Velleda Caldas Catia Grisa Paulo André Niederle Evandro Pedro Schneider RESUMO O artigo focaliza o tema do autoconsumo na perspectiva da agricultura familiar, à luz de recente pesquisa (UFPEL-UFRGS) que vem sendo desenvolvida no Rio Grande do Sul, sob os auspícios do CNPq e FAPERGS. Envolveu um total de 238 estabelecimentos familiares pesquisados, distribuídos em quatro microrregiões da geografia gaúcha. A atenção está posta na análise sobre as diferenças existentes entre as explorações do ponto de vista das práticas de autoconsumo por força das transformações estruturais desencadeadas a partir da revolução verde e dos efeitos a ela vinculados. Explora, igualmente, o peso da matriz cultural como chave explicativa para entender os contrastes verificados entre os estabelecimentos situados em diferentes microrregiões. A primeira secção aborda a relevância do autoconsumo enquanto objeto de reflexão acadêmica e de política pública, enquanto a segunda enfoca o marco teórico/metodológico da pesquisa. A terceira secção situa as características essenciais de cada uma das zonas estudadas em termos dos aspectos histórico-culturais mais proeminentes. A quarta secção analisa os dados relativos a cada uma das zonas estudadas, revelando a respectiva importância do autoconsumo na composição da renda familiar, bem como as causas que permitem entender tais diferenças. A quinta e última secção reúne as conclusões principais do trabalho. Destaca-se a Serra Gaúcha, representada pelo município de Veranópolis, como a localidade onde o autoconsumo adquire uma importância absoluta e relativa considerável em relação às demais áreas de estudo. Palavras-chave: agricultura familiar, autoconsumo, segurança alimentar. 1. INTRODUÇÃO: O PROBLEMA DE PESQUISA A década precedente estabelece um importante ponto de inflexão na história econômica e social brasileira face à consolidação da noção correspondente à agricultura familiar enquanto objeto de reflexão, momento no qual dá-se o aparecimento de uma experiência inédita de um programa de fomento - o PRONAF - comprometido com um setor que, segundo algumas fontes (GUANZIROLI et al, 2001), abrigaria em seu interior 4,139 milhões de estabelecimentos agrícolas. Do ponto de vista das ciências sociais o problema que se apresenta é fundamentalmente gerir a diversidade de situações que se ocultam sob a égide desta noção, no sentido de estabelecer critérios básicos de definição do que se entende como situações típicas de agricultura familiar. A maior ou menor rigidez não pode ser entendida como simples arbitrariedade ou um mero afã classificatório, mas como um meio através do qual estabeleçam-se as bases para aperfeiçoar o processo de intervenção estatal de modo a

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ABRINDO A CAIXA-VERDE: ESTUDO SOBRE A IMPORTÂNCIA ECONÔMICA

DO AUTOCONSUMO NA AGRICULTURA FAMILIAR MERIDIONAL

Flávio Sacco dos Anjos Nádia Velleda Caldas

Catia Grisa Paulo André Niederle

Evandro Pedro Schneider

RESUMO

O artigo focaliza o tema do autoconsumo na perspectiva da agricultura familiar, à luz de recente pesquisa (UFPEL-UFRGS) que vem sendo desenvolvida no Rio Grande do Sul, sob os auspícios do CNPq e FAPERGS. Envolveu um total de 238 estabelecimentos familiares pesquisados, distribuídos em quatro microrregiões da geografia gaúcha. A atenção está posta na análise sobre as diferenças existentes entre as explorações do ponto de vista das práticas de autoconsumo por força das transformações estruturais desencadeadas a partir da revolução verde e dos efeitos a ela vinculados. Explora, igualmente, o peso da matriz cultural como chave explicativa para entender os contrastes verificados entre os estabelecimentos situados em diferentes microrregiões. A primeira secção aborda a relevância do autoconsumo enquanto objeto de reflexão acadêmica e de política pública, enquanto a segunda enfoca o marco teórico/metodológico da pesquisa. A terceira secção situa as características essenciais de cada uma das zonas estudadas em termos dos aspectos histórico-culturais mais proeminentes. A quarta secção analisa os dados relativos a cada uma das zonas estudadas, revelando a respectiva importância do autoconsumo na composição da renda familiar, bem como as causas que permitem entender tais diferenças. A quinta e última secção reúne as conclusões principais do trabalho. Destaca-se a Serra Gaúcha, representada pelo município de Veranópolis, como a localidade onde o autoconsumo adquire uma importância absoluta e relativa considerável em relação às demais áreas de estudo.

Palavras-chave: agricultura familiar, autoconsumo, segurança alimentar.

1. INTRODUÇÃO: O PROBLEMA DE PESQUISA

A década precedente estabelece um importante ponto de inflexão na história

econômica e social brasileira face à consolidação da noção correspondente à agricultura familiar enquanto objeto de reflexão, momento no qual dá-se o aparecimento de uma experiência inédita de um programa de fomento - o PRONAF - comprometido com um setor que, segundo algumas fontes (GUANZIROLI et al, 2001), abrigaria em seu interior 4,139 milhões de estabelecimentos agrícolas. Do ponto de vista das ciências sociais o problema que se apresenta é fundamentalmente gerir a diversidade de situações que se ocultam sob a égide desta noção, no sentido de estabelecer critérios básicos de definição do que se entende como situações típicas de agricultura familiar. A maior ou menor rigidez não pode ser entendida como simples arbitrariedade ou um mero afã classificatório, mas como um meio através do qual estabeleçam-se as bases para aperfeiçoar o processo de intervenção estatal de modo a

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atender às demandas específicas que se apresentam diante da realidade concreta, visando aumentar a eficácia das políticas públicas, segundo o público-alvo a que se dirijam.

A questão é que os esquemas usuais de enquadramento apresentam-se como essencialmente apoiados na velha oposição entre trabalho familiar e trabalho assalariado enquanto eixo de definição e critério classificatório. O fato é que não são poucos os estudos que retratam a natureza paradoxal de explorações familiares onde não são incomuns as situações em que encontramos o duplo estatuto de patrão e empregado numa mesma pessoa (MARINI e PIERONI, 1988), dependendo das formas de inserção nos mercados de trabalho ou da dinâmica das atividades desenvolvidas pelos indivíduos. O mesmo "colono-operário"1 empregado em uma fábrica de calçados é também o patrão que contrata temporariamente seu vizinho para lavrar o terreno para a lavoura ou para roçar o potreiro da pastagem nativa. Por outro lado, se os processos de produção agropecuários são cada vez menos tributários do uso da força de trabalho familiar, substituída progressivamente pelas inovações tecnológicas, em que se apóia então a natureza familiar da agricultura familiar? A saída ante este dilema pode estar no entendimento de que o estudo da dinâmica da agricultura familiar passa inexoravelmente pelo entendimento de que é a família e não o estabelecimento rural a unidade pertinente de análise. É nesse sentido que nos parecem bastante acertadas as considerações de CARNEIRO (2000, p. 155), visto que:

[...] a família agrícola integra uma variedade de relações sociais que, geralmente, não são levadas em conta nas análises. Nestes termos, cabe chamar a atenção para a especificidade estruturante da unidade de produção familiar. Trata-se da inter-relação entre os domínios do parentesco e do trabalho. É dessa inter-relação que resultam os princípios que orientam as relações sociais e que, ao serem identificados, permitem apreender a lógica de atuação dos indivíduos seja na unidade familiar ou na de produção.

O equívoco reside justamente no reducionismo do enfoque convencional que circunscreve o estudo da agricultura familiar ao universo da produção imediata de bens e de suas relações com o mercado. De modo recorrente, ditas análises acentuam os termos desiguais das trocas, as assimetrias de poder, os handcaps estruturais das unidades familiares de produção que se subordinam a mecanismos implícitos de extração do seu sobretrabalho. Nessa dimensão estão ainda os que justificam sua existência com base no fato de que esta forma social de produção é a única capaz de atender funções essencialmente importantes como a produção de alimentos a um custo extremamente baixo, de modo a permitir com que os baixos salários dos trabalhadores urbanos sejam orientados à compra de bens duráveis, configurando o que convencionalmente passou-se a chamar de "cheap food policy". Quando examinadas as distintas estratégias de reprodução social, incluída aí a prática da pluriatividade, na multiplicidade de mecanismos hoje identificados pelos recentes estudos de caso realizados no país, a ênfase sempre recai no resgate de aspectos vinculados à renda ou do incremento do ingresso econômico familiar que o exercício destas iniciativas é capaz de propiciar.

Em suma, nos inúmeros estudos consagrados à agricultura familiar é possível vislumbrar uma perspectiva recorrente, qual seja, a de que outros processos reiteradamente são negligenciados, a exemplo do que se convencionou chamar de esfera do "autoconsumo familiar" ou do que alguns chamam de "consumo improdutivo". Uma definição preliminar seria a de que se tratam de produtos ou processos que atendem fundamentalmente às necessidades imediatas do grupo doméstico, sendo gerados na própria exploração com base no uso da força de trabalho familiar.

Mas antes de avançar no exame desta matéria é preciso deixar claro que:

1 Sobre este tema ver especialmente Seyferth (1974; 1992), Sacco dos Anjos (1995); Schneider (1999).

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[... ] não são as características do produto nem as quantidades produzidas que definem o produto como comercial ou de autoconsumo. Ele se classifica numa ou noutra situação a partir da lógica que orientou sua produção. É essa orientação das unidades em relação a cada produto que define seu sentido. Por isso, o produto vendido não é nem um resíduo nem um excedente da produção de autoconsumo, da mesma forma que este último não é uma subtração ao produto comercial (LOVISOLO, 1989, p.143).

O que se está propondo nestes termos é que se abandone o clássico antagonismo entre culturas comerciais e culturas de autoconsumo, como se fosse possível no universo da agricultura familiar a existência de dois departamentos distintos: o setor da autoprovisão e o setor comercial. A transcendência deste assunto é agora revisitada no compromisso assumido pelo atual governo em aplacar a insegurança alimentar e nutricional nos quatro cantos do país. Entrementes, há exatos quarenta anos surgia um dos mais importantes estudos etnográficos brasileiros (Os parceiros do Rio Bonito), escrito por Antonio Cândido, no qual era inclusive proposto uma "sociologia dos meios de subsistência" que desse conta da complexidade dos fenômenos envolvidos. Em resumidas contas é destacado o fato de que as necessidades têm um duplo caráter: natural e social, mais além de simples impulsos orgânicos (CÂNDIDO, 1987, p.23). Ou seja,

Há com efeito para cada cultura uma técnica de viver de que a alimentação faz parte, e a que deve submeter-se a fome para ser satisfeita, não obstante o seu caráter inelutável. Além disso, ela se torna o centro de um dos mais vastos complexos culturais, abrangendo atos, normas, símbolos, representações. A obtenção da comida percorre, do esforço físico ao rito, uma gama vastíssima em que alguns têm querido buscar a gênese de quase todas as instituições sociais. (CÂNDIDO, 1987, p.29)

Uma das mais emblemáticas formas em que se cristalizam estes vínculos com a natureza cultural do processo de autoprovisão nos é dada à luz da formação social do Brasil meridional com o assentamento dos imigrantes europeus não-ibéricos e com as transformações operadas ao longo do tempo no qual consolidaram-se as formas familiares de produção. A título de referência evocamos estudos como os de Tedesco (1999); Woortmann (1995), que enaltecem o que poderíamos aludir como sendo o "mito da autonomia" enquanto manifestação dos traços fundamentais associados à tradição camponesa européia implantada no Sul do país. A expressão em epígrafe representa o arraigado costume de assegurar uma dieta familiar não somente rica em termos da diversidade e quantidade de alimentos, mas, sobretudo, que esteja apoiada num processo de produção desencadeado nos limites do terreno de que dispõem os grupos domésticos. Não são poucas as alusões ao chamado "ethos de colono" enquanto quadro de referências específicas, formas de vida, disposições morais, estéticas e culturais ou condutas, "todas elas em dinamismo/confronto com processos sociais e visões de mundo" (TEDESCO, 1999, p.20).

Neste contexto, o afã por assegurar uma dieta familiar satisfatória não aparece apenas como reafirmação da condição camponesa trazida do velho continente, mas como imperativo diante das condições em que se desenvolveu o surgimento dos núcleos coloniais na Região Sul do Brasil. É bastante eloqüente o caso descrito por Seyferth ao descrever dito processo no Vale do Itajaí (SC) com o assentamento de imigrantes germânicos.

"A policultura foi, portanto, adotada desde o início e, por esse motivo, o colono trabalhava na lavoura durante todo o ano, plantando sucessivamente a mesma roça. Em virtude do isolamento da colônia e da dificuldade de obter mercadorias de primeira necessidade, o colono obtinha na sua propriedade o necessário à sua subsistência, com exceção do sal, roupas e ferramentas. A policultura era a condição essencial à sobrevivência e nos primeiros anos só um mínimo de excedente da produção era canalizado para a venda" (SEYFERTH, 1974, p.59).

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Ainda que as análises sobre a dinâmica da agricultura familiar admitam como válida as alusões ao ethos de colono como traço recorrente em amplas zonas do Brasil meridional, não há como fechar os olhos ante o leque de transformações impostas no bojo da revolução verde. Mais além das mudanças estritas nos processos de produção com a introdução progressiva dos insumos modernos, ergue-se como decisivo o impacto do que a literatura consagrou como sendo o processo de mercantilização do espaço rural (MARSDEN, 1990). Em resumidas contas, podemos defini-lo como sendo a frenética busca por converter mercadorias quaisquer em valores de uso por parte de muitos grupos domésticos enquanto estratégia de resistência à própria desaparição, incluindo o recurso à pluriatividade2. Mas não se trata aqui, como assevera Graziano da Silva (1997, p.62),

[...] de um processo de proletarização que resulta da decadência da propriedade familiar, mas sim como uma etapa da diferenciação social e econômica das famílias agrícolas, que já não conseguem se reproduzir apenas nos espaços agrícolas do novo mundo rural que está sendo construído a partir de uma valorização de bens não tangíveis antes ignorados, como a paisagem, o lazer, os ritos dos cotidianos agrícola e pecuário.

É exatamente nesta dimensão que se insere o objeto deste trabalho. Diante de um quadro de mudanças estruturais tão profundas, cabe indagar; qual a real dimensão do autoconsumo no marco do processo de reprodução social das unidades familiares de produção? Até onde é possível imaginar que a tradição da autoprovisão, tão cara ao mencionado ethos de colono é preservada no contexto do processo de mercantilização e do conjunto de mudanças que incidiram no meio rural do Brasil meridional, com ênfase no peso da especialização e do produtivismo "a ultranza" ? Ou ainda, que critérios seriam os mais adequados para aferir o peso correspondente às culturas e criações de subsistência na formação da renda familiar? São estas, em síntese, as grandes questões que orientaram a pesquisa que trazemos a público. Se a primeira secção deste artigo explicitou o problema de pesquisa, a segunda tem por objetivo descrever o marco teórico-metodológico e as definições utilizadas na análise dos dados. A terceira secção apresenta uma descrição sucinta do universo empírico da pesquisa, destacando aspectos de interesse para este estudo, ao passo que na quarta secção dedicamo-nos à apresentação e discussão dos dados. A quinta e última parte reúne as conclusões do trabalho.

2. A PESQUISA E O MARCO TEÓRICO-METODOLÓGICO No início de 2001 o CNPq lança a chamada para projetos de ciência e tecnologia para

Agricultura Familiar. Nesta Chamada-edital previa-se a apresentação de projetos para Pesquisa e Desenvolvimento em cinco áreas temáticas, sendo uma delas denominada “Atividades Rurais Não-Agrícolas, Multifuncionalidade e Desenvolvimento Local”. É nesse contexto que se insere o projeto intitulado: "Agricultura Familiar, Desenvolvimento Local e Pluriatividade: a emergência de uma nova ruralidade no Rio Grande do Sul". Em linhas gerais, é possível resumir como grande objetivo a realização de um estudo comparativo em quatro grandes zonas da geografia gaúcha que, ao serem investigadas, fossem reveladoras dos processos subjacentes à dinâmica da agricultura familiar no Sul do Brasil. Mas a grande questão a que nos propomos resolver não se restringia a um estudo da unidade familiar de per si, senão revelar os traços do contexto em que esta se acha inserida com a mirada posta nas possibilidades que o entorno oferece enquanto espaço de viabilização dos processos de reprodução social da agricultura familiar gaúcha.

2 Sobre este tema ver a propósito: Campanhola et al (2000); Del Grossi (1999); Schneider e Navarro (2000); Sacco dos Anjos (2003).

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Partimos do pressuposto de que as condições agronômicas e as potencialidades do meio físico são insuficientes enquanto instrumentos de interpretação destes processos face a diversidade de situações que se ocultam no universo da agricultura familiar. Pareceu-nos interessante a idéia de trabalhar com a noção de dinâmicas territoriais de desenvolvimento enquanto ferramenta que permitisse estabelecer um diálogo entre o âmbito da produção familiar (nossa unidade de análise) e a dimensão mais ampla da sociabilidade local. Além do recurso às fontes secundárias (dados censitários, confrontação de índices compostos, etc), valemo-nos da elaboração de um questionário estruturado que resultou num banco de dados (SPSS - EXCELL) contendo aproximadamente 1300 variáveis (quantitativas e qualitativas).

Ao todo foram entrevistados 238 estabelecimentos que representam um universo de aproximadamente 2.500 explorações familiares (ver Mapa 1) distribuídos em quatro microrregiões (IBGE), quais sejam: Pelotas (Sul do Estado); Cerro Largo (noroeste, na fronteira com a Argentina); Frederico Westphalen (no Alto Uruguai-fronteira com Santa Catarina) e Caxias do Sul (Serra Gaúcha). A escolha destas microrregiões deu-se não apenas em função da questão das dinâmicas territoriais de desenvolvimento, mas do esforço de captar a diversidade social, cultural e geográfica da agricultura familiar gaúcha num mesmo marco teórico-metodológico que permitisse administrar estes supostos contrastes que esperávamos encontrar in loco. Mapa 1 - Localização das microrregiões e municípios estudados, RS.

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Uma vez escolhida a microrregião, o passo seguinte consistiu na escolha de um

município que pudesse representar, em termos medianos, as características sociais, econômicas e culturais que marcaram a formação e desenvolvimento da agricultura familiar naquele território. Este processo foi realizado tendo por critério o número de agricultores familiares ali existentes, utilizando-se a informação do Censo Agropecuário como uma proxy, pois é sabido que a definição do que seja um agricultor familiar não é uma questão meramente estatística, mas de natureza sociológica, a qual depende de conceituações e do referencial teórico que inspira a investigação. Definidos os municípios, optamos por privilegiar um número de entrevistas que ficasse em torno de 10% a 15% do total dos estabelecimentos existentes em cada município, o que via de regra significou um número aproximado de 60 entrevistas/município. Este critério, não aleatório, adotou-se em consonância com o esforço de compatibilização com a estimativa de custos financeiros para a aplicação dos questionários e a disponibilidade orçamentária.

O método para amostragem utilizado nos estudos de caso do projeto de pesquisa foi a amostragem sistemática por comunidade/localidade, que é considerada uma pesquisa amostral probabilística. Neste tipo de pesquisa, o erro amostral pode ser aproximado ao da amostragem aleatória simples, cuja principal vantagem é de que a aleatoriedade fica mantida e todas as comunidades entram na amostra, algo que não seria garantido se a amostragem fosse apenas sistemática para todo o município. O sorteio da família entrevistada ocorre em todas as comunidades, e não somente no começo da amostra. Estabelecemos sete grandes eixos norteadores do questionário, tal como consta na Quadro 1. Os dados foram levantados ao longo do ano 2002, tendo por base o ano agrícola 2001-2002 como data de referência.

Quadro 1 - Os grandes eixos norteadores da pesquisa:

Eixos norteadores da pesquisa Aspectos analíticos mais relevantes

1. A unidade doméstica Idade, sexo, escolaridade, disponibilidade de meios

2. A estrutura fundiária A terra, capital e trabalho disponível

3. A estrutura produtiva O trabalho e os processos produtivos

4. O valor gerado As rendas agrícolas e não-agrícolas e outras rendas

5. O ambiente social e econômico local As características do território, infra-estruturas e potencialidades

6. o capital social

Aspectos sociais e políticos que afetam a agricultura familiar e o desenvolvimento local

7. As políticas públicas Acesso ao Pronaf, à previdência social, etc.

Fonte: Pesquisa AFDLP- CNPq/UFPel/UFRGS, 2003. 2.1 O cálculo do Autoconsumo Segundo o guia metodológico da pesquisa FAO/INCRA (1999), quando um agricultor

de uma unidade de produção produz algum bem, e este é consumido pela própria família (alimentos, artesanato, lenha, materiais para, a construção, etc), tal produção deve ser considerada para efeito de cálculo do produto bruto. Em geral, para as famílias rurais o valor que estes produtos autoconsumidos possuem é igual ao valor que teriam caso tivessem de ser

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comprados no mercado local. Segundo o manual da pesquisa da FAO/INCRA é pelo preço de compra desses bens que se deve valorizar o autoconsumo.

Como exemplo, pode-se citar o caso do leite, que em algumas comunidades é trocado entre os vizinhos, sendo valorado pelo preço pago pelo lacticínio ou indústria que atua nas proximidades. Nesse caso, verifica-se que o preço do leite para o autoconsumo e para produção que é vendida é o mesmo. Contudo, é freqüente que hajam situações em que os agricultores tenham que comprar as mercadorias que irão consumir, o que fazem recorrendo ao varejo nos pequenos comércios locais. Nesse caso, é pelo preço de compra no mercado que deve ser computado aquele produto, ou seja, pelo preço ao consumidor (FAO/INCRA, 1999, p.52).

Este procedimento para o cálculo do valor do autoconsumo possui vantagens e desvantagens. Ao se utilizar os preços de compra dos produtos praticados no mercado local onde os agricultores realizam suas transações econômicas, acaba-se atribuindo um preço que sobrevaloriza mais a produção do agricultor. Muitos analistas, contudo, criticam este procedimento argumentando que o agricultor jamais obtêm os mesmos preços do varejo como pagamento aos produtos que possui e não vende, utilizando-se então, para o consumo próprio ou para alimentar os animais dentro da propriedade. Critica-se este procedimento porque acarreta uma superestimação do valor do autoconsumo. É bem verdade, contudo, que a contra-argumentação também é verdadeira, ao afirmar que a utilização dos preços recebidos como referência para o cálculo do valor do autoconsumo acabaria por subestimar os valores.

Levando-se em consideração esta argumentação, o procedimento adotado nesta pesquisa foi o de calcular o valor do autoconsumo tomando como referência os preços recebidos pelo agricultor em cada localidade. Embora sensíveis aos argumentos acima esboçados, a opção por este método de cálculo do valor do autoconsumo assenta-se na justificativa de que há uma variação muito grande de preços de mercado para os produtos, os quais variam enormemente em cada localidade estudada. Deste modo, considerou-se que seria mais adequado utilizar os preços recebidos pelos agricultores e admitir-se, deliberadamente, que o método escolhido pode implicar em subestimação do valor gasto no autoconsumo pelos agricultores familiares pesquisados. Quando a pessoa entrevistada não soubesse informar o valor correspondente estimar-se-ia o dado com base na média geral informada pelos demais entrevistados para este mesmo artigo. É oportuno frisar que na dimensão do autoconsumo não nos ativemos estritamente ao conjunto de produtos imediatamente consumíveis, como são os vegetais verdes e produtos hortifrutícolas, mas igualmente aos produtos de origem animal, bem como os artigos resultantes da chamada indústria doméstica rural, como são as geléias, conservas, queijos e outros produtos lácteos (nata, requeijão, etc.), incluindo também a produção de embutidos. Ainda assim, não foram poucas as dificuldades para desenvolver o trabalho, especialmente no tratamento dado à chamada produção insumida, como no caso da silagem que o produtor gera para alimentar as vacas cujo leite se destina ao autoconsumo. Nestes casos, optamos por aferir junto ao produtor o custo de produzir este insumo para chegar ao que denominamos de produção de autoconsumo líquido, ou seja, deduzidos os dispêndios decorrentes de sua geração. Na secção 4 discutiremos estes dados.

3. O CONTEXTO EMPÍRICO DA INVESTIGAÇÃO:

AS QUATRO ÁREAS DE ESTUDO E AS DINÂMICAS TERRITORIAIS DE DESENVOLVIMENTO

Antes de entrar na discussão propriamente dita dos dados e confrontar a informação

disponível no âmbito das quatro grandes áreas de estudo é pertinente uma rápida aproximação à realidade empírica em que se baseou este estudo, identificando os aspectos mais importantes das respectivas dinâmicas territoriais de desenvolvimento. Estes traços serão fundamentais

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para entender como as transformações mais amplas acabam por interferir nos processos que ocorrem no seio da unidade familiar, especialmente no que tange ao objeto deste trabalho, qual seja, a esfera do autoconsumo como dimensão transcendental do processo de reprodução da agricultura familiar.

3.1 A microrregião de Pelotas: Crise e estagnação: O município de Morro Redondo foi escolhido como sendo uma localidade

representativa da microrregião de Pelotas em suas características essenciais. Seu surgimento, enquanto município, deu-se em 1989 ao emancipar-se de Pelotas, do qual, até então, era apenas um distrito. Trata-se de uma zona fisiográfica (Serra dos Tapes) marcada sobretudo pelos traços da colonização germânica, italiana, francesa e portuguesa a partir do assentamento de imigrantes desencadeado na segunda metade do século XIX. A parte plana da região sul do Rio Grande do Sul, como é sabido, já havia sido ocupada com base nas grandes estâncias voltadas à pecuária extensiva (regime de sesmarias) desde o começo do século XIX e que teve seu auge, enquanto modelo econômico, até começos do século XX com o ciclo do charque. Este produto, gerado a partir da salga da carne de vacum era exportado para outros países (Cuba, EUA) e regiões do Brasil (São Paulo, Minas Gerais) como produto presente na dieta alimentar de escravos de grandes explorações. É interessante advertir que a vinda dos colonos europeus para a região coincidiu justamente com a crise da indústria saladeril3, em que pese o fato da colonização privada, apoiada financeiramente pelo Governo Imperial, converter-se em um negócio altamente lucrativo com base no assentamento de imigrantes nas áreas de mato da região serrana. Superadas as dificuldades iniciais os colonos desenvolveram um sistema econômico baseado não apenas na produção de alimentos para serem vendidos no entorno de Pelotas, mas de artigos transformados no interior das propriedades, como no caso da produção vitivinícola, de doces em pasta e sobretudo da indústria de conservas de pêssego e aspargo. Os colonos melhor sucedidos acumularam algum capital e instalaram pequenos moinhos para a produção de farinha de trigo e milho e as primeiras fábricas de conservas vegetais.

Existe um certo consenso de que o auge deste modelo colonial deu-se entre o final do século XIX até as quatro primeiras décadas do século XX. A ascensão de Vargas ao poder e o apoio deliberado aos grandes grupos para o desenvolvimento industrial assumiu, no plano local, uma conotação absolutamente dramática por força dos entraves que foram sendo colocados às famílias rurais, que, da noite para o dia, conheceram toda sorte de embaraços legais (rigorosas normas sanitárias e trabalhistas) ao funcionamento de suas pequenas indústrias. Simultaneamente distribuem-se incentivos fiscais e creditícios para o grande capital que determina aos produtores que sejam simples fornecedores de matéria-prima, como ocorreu especialmente no caso do pêssego, do aspargo e do tomate para as indústrias de Pelotas e região.

Segundo o último censo demográfico existem em Morro Redondo um total de 745 estabelecimentos rurais, dos quais 667 (89,5 %) têm menos de 50 hectares, sendo que 713 são considerados como familiares, segundo o INCRA/SADE (2004). Além disso, como informa a mesma fonte, o valor bruto total da produção é de R$ 5.952.000,00, sendo que 79,2% provém da produção familiar.

Desse total de estabelecimentos familiares extraiu-se uma amostra representativa de 62 estabelecimentos rurais a serem investigados. O exame da realidade concreta revela um cenário onde a crise de perspectivas aparece bastante evidenciada no discurso dos 3 Inúmeras são as causas apontadas para tal, como a extinção do regime escravocrata em distintos países, a desorganização produzida pelos freqüentes conflitos bélicos, a exemplo das grandes revoluções, a concorrência dos países do Prata, etc.

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entrevistados. A fruticultura de clima temperado, com ênfase no pêssego, atravessa a alternância cíclica de queda nos preços pagos pelas indústrias, situação esta que se arrasta ao longo das três últimas décadas, agravada ainda pela elevação nos custos de produção dos pomares. A cultura do fumo tem ampliado o número de produtores integrados em face da escassez de alternativas econômicas para as famílias rurais. O quadro geral é bastante preocupante na medida em que não são poucas as comunidades de Morro Redondo que, dia após dia, transformam-se em bairros rurais de uma população empobrecida e que depende essencialmente dos recursos previdenciários e de ajudas governamentais. Trata-se, portanto, de uma agricultura familiar que, no contexto mais amplo, enfrenta-se a um cenário de crise de expectativas e estagnação.

3.2 A microrregião de Cerro Largo: Sob o império das commodities O processo de ocupação e colonização da Microrregião de Cerro Largo (zona das

Missões, noroeste Riograndense) ocorreu no início do século XX, como resultado da política migratória do Governo do Estado do Rio Grande do Sul. Através de um contrato firmado entre o Northwestbahn4, o Governo Estadual e o Bauernverein5 estabeleceram-se as condições para a colonização da gleba Serro Azul – Boa Vista, no prazo de 10 anos, através do assentamento de famílias de origem alemã. Coube ao Volksverein6 a organização e assentamento das famílias pioneiras, oriundas das “Colônias Velhas”, assim denominadas as regiões circunvizinhas à capital (Porto Alegre), como São Leopoldo e arredores, bem como os municípios pioneiros onde surgiram os primeiros assentamentos de imigrantes alemães em julho de 1824 (WENZEL, 1997).

Desde 1902, data de chegada dos primeiros moradores ao noroeste gaúcho, até a completa implantação das comunidades, foi sendo forjado um estilo de vida identificado com os mesmos traços da colonização germânica operada em outros rincões da geografia do Brasil meridional. A colônia, enquanto espaço de produção e reprodução social, e a "stadtplatz" (vila) como locus das atividades econômicas, sociais e sede administrativa (SEYFERTH, 1974).

A Microrregião de Cerro Largo, como de resto o noroeste riograndense, passou por diversas fases, sendo a primeira correspondente à instalação, compreendendo a derrubada de florestas nativas e abertura de áreas para cultivo. A suinocultura foi a base econômica no espaço de tempo compreendido entre as décadas de 1950 a 1980, mantendo-se como alternativa de renda para um reduzido número de propriedades na atual conjuntura. O período compreendido entre 1970 e 1985 evidencia uma etapa caracterizada pela “revolução verde”, no qual dá-se a ênfase na mecanização agrícola e quimificação dos processos produtivos via expansão da exploração comercial de cereais. Este momento é marcado, entre outros aspectos, pela consolidação do "binômio trigo-soja", haja vista a vocação natural de solos pela ampla possibilidade de mecanização das áreas de cultivo. Nas atuais circunstâncias as atividades agropecuárias representam, indiscutivelmente, o fulcro da matriz econômica e produtiva desta localidade, com ênfase nas culturas de soja, trigo, milho e sorgo, ao lado da produção leiteira que vem recebendo incentivos e fomento por parte do poder público municipal.

O fato a ser destacado é que desde o chamado "boom da soja" houve transformações profundas na fisionomia da região, sendo Salvador das Missões mais um exemplo emblemático dos efeitos da especialização produtiva no que afeta à expulsão reiterada da força de trabalho das explorações familiares. Na atual conjuntura os fluxos migratórios para outras regiões do Estado e do país arrefeceram em decorrência do reconhecimento, por parte dos agricultores, de que os destinos tradicionais para os expulsos do campo, mormente 4 Companhia de Estrada de Ferro Alemã (WENZEL, 1997, p. 67). 5 Sociedade de Agricultores Riograndenses (WENZEL, 1997, p.68). 6 Ramo católico da Companhia de Estrada de Ferro Alemã (WENZEL, 1997, p.68).

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grandes cidades e capitais, reduziram enormemente sua capacidade de absorvê-los enquanto força de trabalho industrial.

Segundo o IBGE (1995/1996) existe em Salvador das Missões um total de 608 estabelecimentos rurais, dos quais, 597 (98,2%) são classificados como unidades familiares de produção, segundo os critérios adotados pelo INCRA/SADE (2004) e 98,7% tem menos de 50 hectares. Do universo de estabelecimentos familiares (597) extraiu-se uma amostra de 58 estabelecimentos rurais de agricultores familiares que foram submetidos à aplicação de questionário estruturado. O valor bruto da produção agropecuária ascende a R$ 5.690.000,00, sendo 95% proveniente da agricultura familiar.

3.3 A microrregião de Frederico Westphalen: Entre a acumulação e a exclusão A terceira microrregião tem Três Palmeiras por município referencial da região

conhecida como Alto Uruguai, na fronteira com Santa Catarina. Trata-se de uma das mais deprimidas zonas da geografia gaúcha, marcada pela forte presença da colonização italiana, do elemento indígena e do caboclo sulriograndense. Tal como assevera Kliemann (1986, p.122), consiste numa região marcada, desde os albores do século XX, pelo fenômeno da "intrusão", no qual dá-se a invasão de terras indígenas por parte dos nacionais e estrangeiros que abandonavam as colônias velhas, à época já superpovoadas, para apossarem-se de áreas de aldeamentos, também chamadas de "toldos". A bem da verdade, passados cem anos os conflitos são ainda presentes, sendo parcialmente solucionados com o surgimento da Reserva da Serrinha. A demarcação desta área envolveu o desalojamento de aproximadamente mil famílias de três municípios do Alto Uruguai, incluindo Três Palmeiras, os quais, em sua grande maioria, foram reassentados e indenizados pelas benfeitorias realizadas nas áreas que ocupavam.

Do mesmo modo que em Salvador das Missões, houve em Três Palmeiras transformações profundas a partir da revolução verde e consolidação do binômio trigo-soja. A diferença é que os solos de Três Palmeiras não possuem o mesmo nível de excelência em razão de um menor potencial agronômico. Na atual conjuntura surgem alguns projetos inovadores que buscam diversificar a matriz econômica e reduzir a dependência em relação aos mercados internacionais, sobretudo o que define o preço da soja. Entrementes, a falta de densidade do tecido econômico, a escassez de indústrias e as históricas dificuldades estruturais (ligação com grandes centros, escassez de investimentos públicos, etc) fazem do Alto Uruguai uma região totalmente tributária do desempenho das grandes culturas.

Ainda que a agricultura familiar seja indiscutivelmente a forma social dominante, nosso estudo comprovou a existência de traços claros de diferenciação social. Num mesmo contexto convivem, lado a lado, unidades com fortes indícios de acumulação (máquinas e equipamentos) e propriedades cujas famílias são extremamente empobrecidas, sobrevivendo de como diaristas que trabalham para outras propriedades, bem como de transferências sociais (aposentadorias, bolsa-escola, bolsa-família, etc).

Segundo o censo agropecuário (IBGE, 1995/1996) existe em Três Palmeiras um total de 740 estabelecimentos rurais, dos quais 93,6 % tem menos de 50 hectares. Deste total, 724 (97,8 %) são classificados como unidades familiares de produção, segundo os critérios adotados pelo INCRA/SADE (2004). O valor bruto da produção agropecuária ascende a R$ 6.575.000,00 sendo que 72,4 % procede da agricultura familiar.

Do aludido universo de estabelecimentos familiares (724) extraiu-se uma amostra de 58 estabelecimentos rurais de agricultores familiares que foram submetidos à aplicação de questionário estruturado.

3.4 A microrregião de Caxias do Sul: A terceira Itália brasileira

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A quarta área de estudo que a pesquisa envolveu se insere na Serra Gaúcha,

representada pela microrregião de Caxias do Sul, tendo Veranópolis como município de referência. De longe chama a atenção por ser a "capital brasileira da longevidade", marcada sobretudo pelos traços da imigração italiana, iniciada precisamente no ano 1875. Sem sombra de dúvida trata-se de uma das regiões mais desenvolvidas do país, não somente pelo alto nível de desenvolvimento humano, mas sobretudo pela densidade das atividades econômicas. O parque industrial é extremamente diversificado, formado de pequenas e médias empresas, apoiadas sobretudo no uso da força de trabalho residente nas áreas rurais. Não são infundadas as ilações que identificam a pujança da Serra Gaúcha com o padrão Terceira Itália, o qual, aliado ao dinamismo empreendido pelas atividades turísticas, torna os pequenos municípios um terreno propício para o pioneirismo e a inovação.

Paradoxalmente defrontamo-nos com as piores condições agronômicas dos solos, se comparados com as demais regiões estudadas (declividade, pedregosidade, etc). Ainda assim, trata-se da localidade com o maior valor bruto agropecuário entre as quatro investigadas e que vivia, à época do trabalho de campo, um grande entusiasmo com a vitivinicultura. O incremento no consumo brasileiro de vinhos tem empurrado os produtores a substituírem antigas vinhas por novas variedades de alta qualidade enológica. O dinamismo econômico não tem repercutido no sentido de induzir à concentração dos meios de produção nas áreas rurais. Muito antes pelo contrário. A forma familiar de produção é dominante, assim como o nível de capitalização dos grupos domésticos em termos das condições de vida, do acesso aos bens públicos, das condições estruturais, etc.

De acordo com o IBGE (1995/1996) há em Veranópolis 683 estabelecimentos rurais, dos quais, 93,1 % tem menos de 50 hectares. Segundo o INCRA/SADE (2004), 659 (96,5 %) são classificados como unidades familiares de produção. Do universo de estabelecimentos familiares (659) extraiu-se uma amostra de 59 estabelecimentos rurais de agricultores familiares que foram submetidos à aplicação de questionário estruturado. O valor bruto da produção agropecuária ascende a R$ 13.761.000,00 sendo que 90,4 % gerado no âmbito da agricultura da agricultura familiar.

4.1 O AUTOCONSUMO E SUA IMPORTÂNCIA PARA A AGRICULTURA

FAMILIAR

Os dados da Tabela 1 mostram que a esmagadora maioria dos 238 estabelecimentos investigados possui horta (92%) e pomar (89,5%). Entre os municípios destaca-se Veranópolis onde 98,3% das propriedades possui horta e Morro Redondo com a mais alta proporção de estabelecimentos que dela não dispõem. No primeiro dos casos, fica evidenciada a importância dos traços culturais da colonização italiana onde é abundante a produção de vegetais verdes, assim como a maior diversidade encontrada entre todas as regiões estudadas. Tabela 1 - Distribuição porcentual dos estabelecimentos que possuem horta e pomar nos

quatro estudos de caso.

Possui Horta (%) Possui Pomar (%) Município Sim Não Sim Não Morro Redondo 87,1 12,9 87,1 12,9 Salvador das Missões 93,1 6,9 91,4 8,6 Três Palmeiras 89,8 10,2 94,9 5,1 Veranópolis 98,3 1,7 84,7 15,3 Total 92,0 8,0 89,5 10,5

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Fonte: Pesquisa AFDLP- CNPq/UFPel/UFRGS, 2003.

Indagados se consideravam que a horta e o pomar existentes na propriedade eram suficientes para atender as necessidades de consumo da família (Tabela 2), nossos entrevistados revelaram diferenças quanto a essa questão. Para o conjunto de estabelecimentos investigados constatou-se uma alta proporção (83,1%) que informou ser a horta suficiente, dado este bastante inferior no caso das frutas onde o pomar cobre 73,9% das necessidades de frutas. A diferença decorre da dificuldade natural de produzir frutas em condições climáticas bastante variáveis, incluindo o rigor do inverno na serra gaúcha que impede o cultivo de plantas tropicais, bem como as preferências das pessoas por consumirem produtos forâneos em detrimento das frutas de época ou de estação e da própria região. É bastante comum encontrarmos camionetes de comerciantes que percorrem as comunidades rurais distribuindo produtos adquiridos em outras regiões do Estado e inclusive do país.

Tabela 2 - Distribuição dos entrevistados sobre a suficiência de hortas e pomares para

atender as necessidades de consumo da família.

A horta é suficiente? (%) O Pomar é suficiente? (%) Município Sim Não Sim Não Morro Redondo 68,5 31,5 52,5 47,5 Salvador das Missões 75,9 24,1 69,8 30,2 Três Palmeiras 94,3 5,7 87,5 12,5 Veranópolis 93,1 6,9 88,0 12,0 Total 83,1 16,9 73,9 26,1

Fonte: Pesquisa AFDLP- CNPq/UFPel/UFRGS, 2003. Paradoxalmente, num dos municípios mais tradicionais na produção de frutas de clima

temperado e hortifrutigranjeiros, como é precisamente o caso de Morro Redondo, encontramos os mais baixos indicadores em ambos quesitos. A explicação para este fato parece apontar no sentido da perda de raízes culturais, muito antes que por outros fatores de ordem técnica. O mesmo traço do imigrante europeu de outras zonas da geografia gaúcha não é suficiente para fortalecer o desejo de resgatar uma vocação tão cara à agricultura familiar, como é precisamente o caso da ênfase no autoconsumo. As entrevistas revelaram que é exatamente em Morro Redondo onde encontramos a mais alta taxa de insatisfação das pessoas em relação à atividade agrícola (37,1% assim se expressaram) entre todas as regiões investigadas.

Este quadro de perda de raízes culturais em Morro Redondo aparece também identificado no fato de que 54,8% dos nossos entrevistados informam que não vêem perspectivas na agricultura, ao passo que para Salvador das Missões, Três Palmeiras e Veranópolis o mesmo dado chega a respectivamente a 41,4%; 27,1% e 35,6%. Parece claro que este dado não justifica tal discrepância mas pode lançar luzes sobre a questão da vulnerabilidade com que a condição camponesa acha-se submetida nesta localidade. O ideal da autonomia na produção de seus próprios alimentos compõe parte deste cenário.

As famílias entrevistadas foram consultadas sobre o valor que atribuíam aos produtos do autoconsumo (Tabela 3) gerados na propriedade, tanto os oriundos da horta quanto do pomar. Houve grande dificuldade em obter tal informação da parte das pessoas na medida em que raros são os casos em que as pessoas sabem o quanto produziram das chamadas "culturas do gasto da casa". Mais difícil ainda torna-se atribuir um valor a elas. Outrossim, fica evidenciado que o município onde transparece a preservação do alto grau de importância do autoconsumo (Veranópolis) é justamente a localidade em que temos um valor médio mais alto

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da produção familiar. O oposto ocorre justamente no caso de Morro Redondo. A produção é em menor quantidade, assim como o valor correspondente atribuído pelos nossos entrevistados. Ou seja, existe uma certa coerência entre o valor que atribuem e os cálculos indiretos que formam parte da pesquisa.

O valor do autoconsumo total exprime o somatório do autoconsumo vegetal, animal e da indústria doméstica rural em termos médios para cada estabelecimento das localidades estudadas. Lembramos que se trata do valor bruto, ou seja, desconsiderando o custo correspondente à produção destes gêneros. Como podemos ver na Tabela 4, a média observada em Veranópolis pode ser considerada bastante alta em relação aos demais municípios investigados, haja vista ser 43,5% superior à média observada em Morro Redondo. Chamamos igualmente a atenção para o fato de que em Três Palmeiras não haver sido informada a geração de produtos da indústria doméstica rural. Ou seja, numa região marcada pela importância da colonização italiana, não aparece um peso correspondente na produção de embutidos, derivados lácteos e outros produtos. Possivelmente estejamos diante de um quadro onde a expansão da soja e o processo de mercantilização que lhe seguiu sejam alguns dos fatores que permitam entender este aspecto.

Entretanto, fica a questão: por que em Salvador das Missões, marcado fortemente pelos efeitos deste mesmo processo, tal situação é exatamente oposta, tendo em vista que temos o maior valor da transformação caseira? Nesta localidade, marcada pela colonização alemã, preservam-se sobretudo a produção de derivados da cana-de-açúcar (melado, açúcar mascavo, rapadura), bem como a produção de biscoitos, embutidos e conservas vegetais. Ou seja, diferentemente de Três Palmeiras, a consolidação do binômio trigo-soja não acarretou o abandono total destas práticas desenvolvidas sobretudo pelas mulheres rurais cujo papel na produção das commodities vem sendo bastante reduzido com a entrada da mecanização e quimificação do processo de produção. O tema é controverso e merece ser aprofundado. Tabela 3 - Distribuição dos entrevistados segundo o valor anual médio atribuído aos

produtos do autoconsumo.

Valor (R$) dos produtos Município Horta Pomar

Morro Redondo 453,1 299,3 Salvador das Missões 668,5 674,9 Três Palmeiras 390,6 416,4 Veranópolis 715,1 656,5 Total 555,1 508,4

Fonte: Pesquisa AFDLP- CNPq/UFPel/UFRGS, 2003. Tabela 4 - Produto Bruto do autoconsumo em Reais (R$) nos municípios investigados

segundo a natureza (vegetal, animal e transformação caseira).

Produto Bruto Autoconsumo em Reais (R$) Vegetal Animal Tranf. Caseira Total

Morro Redondo 1.053,46 565,34 158,83 1.727,14 Salvador das Missões 1.584,18 1.922,23 336,68 3.593,13 Três Palmeiras 1.337,84 1.566,57 0 2.904,41

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Veranópolis 2.153,26 1.820,17 79,34 3.973,44

Fonte: Pesquisa AFDLP- CNPq/UFPel/UFRGS, 2003. A importância do autoconsumo acaba por se refletir no comportamento da renda

agrícola e, conseqüentemente, na renda total das explorações. Este fato demonstra de modo inequívoco a importância que pode assumir esta dimensão do processo de reprodução familiar. Chama a atenção o fato de que é justamente em Veranópolis onde encontramos enormes restrições agronômicas para o desenvolvimento de cultivos de ciclo anual diante das condições topográficas extremamente desfavoráveis para grandes lavouras comerciais.

O esforço por seguir avançando no objetivo de desvendar o “caixa verde” das famílias rurais fez com que buscássemos outras informações adicionais que permitissem avaliar a real dimensão do autoconsumo na composição do ingresso econômico das famílias rurais. É esta a informação reunida nas Tabelas 5, 6, 7 e 8. Em linhas gerais, o que os dados mostram é que especialmente no estrato de menor renda anual total média a participação do autoconsumo líquido7 é absolutamente máxima, chegando a situações, como em Três Palmeiras, caracterizado, como dissemos, por um alto nível de concentração8 de rendas, em que o respectivo porcentual do autoconsumo chega a 73,80% nas explorações cuja renda total anual média é inferior a R$ 6.000.

Tabela 5 - Autoconsumo médio líquido anual, Renda total média anual e participação porcentual respectiva na Renda Total segundo estratos de renda no município de Morro Redondo, RS.

Estrato de

renda * Autoconsumo médio líquido (R$)

AM Renda Total média (R$)

RT % AM/RT

A 1.292,67 2.908,95 44,44 B 1.561,17 7.419,38 21,04 C 2.012,81 13.815,90 14,57 D 1.823,07 30.403,53 6,00

(*) A: até R$ 6mil; B: R$ 6 a 10 mil; C: R$ 10 a 20 mil; D: mais de R$ 20 mil. Fonte: Pesquisa AFDLP- CNPq/UFPel/UFRGS, 2003.

Tabela 6 - Autoconsumo médio líquido anual, Renda total média anual e participação porcentual respectiva na Renda Total segundo estratos de renda no município de Salvador das Missões.

Estrato de

renda* Autoconsumo médio líquido (R$)

AM Renda Total média (R$)

RT % AM/RT

A 2.131,79 3.885,39 54,87 B 2.231,05 8.248,55 26,47

7 Tal como esclarecemos na secção 2.1, autoconsumo líquido representa o autoconsumo deduzido das despesas ou gastos para produzir estes mesmos bens. 8 Segundo dados do O índice de Gini de Três Palmeiras é o mais elevado entre os quatro municípios estudados, ainda que se houvesse reduzido entre 1991 e 2000, passando de 0,67 para 0,59 respectivamente.

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C 3.285,39 14.105,83 23,29 D 5.339,46 35.849,50 14,89

(*) A: até R$ 6mil; B: R$ 6 a 10 mil; C: R$ 10 a 20 mil; D: mais de R$ 20 mil. Fonte: Pesquisa AFDLP- CNPq/UFPel/UFRGS, 2003.

Em linhas gerais, o que podemos constatar é que conforme passamos para estratos de

renda mais elevados declina naturalmente o peso do autoconsumo em relação à renda total média anual dos estabelecimentos. Este quadro decorre do fato de que vai sendo diluída sua respectiva importância, mesmo que em termos absolutos o valor do autoconsumo tenha se elevado consideravelmente. Esta situação é muito clara no caso de Veranópolis, em que o autoconsumo anual médio do estrato de renda mais elevado (D) é mais do que três vezes superior ao do subgrupo de menor renda total (A). Entretanto, se para o primeiro a participação do autoconsumo é de 66,51%, para o segundo ela chega a 12,11%, ou seja, bastante alta mesmo no caso de explorações que possuem uma renda total anual que supera os vinte mil reais.

Tabela 7 - Autoconsumo médio líquido anual, Renda total média anual e participação

porcentual respectiva na Renda Total segundo estratos de renda no município de Três Palmeiras.

Estrato de

renda Autoconsumo médio líquido (R$)

AM Renda Total média (R$)

RT % AM/RT

A 2.601,37 3.524,75 73,80

B 2.515,02 7.589,88 33,14

C 3.481,33 13.991,76 24,88

D 4.161,90 45.242,08 9,20

(*) A: até R$ 6mil; B: R$ 6 a 10 mil; C: R$ 10 a 20 mil; D: mais de R$ 20 mil. Fonte: Pesquisa AFDLP- CNPq/UFPel/UFRGS, 2003.

Tabela 8 - Autoconsumo médio líquido anual, Renda total média anual e participação

porcentual respectiva na Renda Total segundo estratos de renda no município de Veranópolis.

Estrato de

renda Autoconsumo médio líquido (R$)

AM Renda Total média (R$)

RT % AM/RT

A 1.517,28 2.281,17 66,51 B 3.307,92 7.900,89 41,87 C 3.482,42 15.774,43 22,08 D 4.614,74 38.117,21 12,11

(*) A: até R$ 6mil; B: R$ 6 a 10 mil; C: R$ 10 a 20 mil; D: mais de R$ 20 mil. Fonte: Pesquisa AFDLP- CNPq/UFPel/UFRGS, 2003.

Estes dados confirmam o que vimos in situ ao visitar tais propriedades, saltando aos

olhos a importância que a colonização italiana da Serra Gaúcha atribui à geração dos alimentos no próprio estabelecimento, posição esta alicerçada não somente do ponto de vista

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da preservação dos costumes, mas também por considerarem que são muito mais saudáveis os produtos por eles gerados que os adquiridos nos mercados locais. Em Morro Redondo, a situação é exatamente oposta na medida em que são muito próximos os valores do autoconsumo nas propriedades de menores e com maiores rendas totais anuais. Não somente as hortas são mais escassas, mas sobretudo a criação de pequenos animais para o consumo familiar.

Outra questão que nos pareceu interessante explorar sob a ótica do autoconsumo reside na questão da disponibilidade de terra para os cultivos e criações. Ainda que estejamos diante de explorações familiares, cuja lógica de funcionamento é a reprodução social de seus membros, mais do que quaisquer outros objetivos, a realidade revelou novamente algumas discrepâncias entre as áreas estudadas. No caso de Morro Redondo inexiste a influência da maior ou menor disponibilidade de terra na dimensão do autoconsumo líquido, ao passo que em Salvador das Missões os valores do autoconsumo crescem até o estrato C (entre 20 e 30 hectares). A partir daí declina sua dimensão provavelmente por tratarem-se de explorações de maior densidade econômica onde a intensidade das relações econômicas pode estar acompanhada de uma tendência à compra de produtos industrializados ou artigos adquiridos em outras propriedades. Novamente destaca-se a situação de Veranópolis onde há uma maior aproximação entre os valores do autoconsumo nos diferentes tipos de propriedades rurais. Nos estabelecimentos mais de 40 hectares o valor do autoconsumo líquido é aproximadamente 76% superior aos que apenas possuem até 10 hectares.

Tabela 9 - Produto autoconsumo médio anual líquido (R$) segundo estratos de área total*

(ha).

Produto autoconsumo médio Município A B C D

Morro Redondo 1.321,89 1.704,28 1.684,40 1.978,66 Salvador das Missões 2.105,78 2.815,57 5.324,05 4.483,20 Três Palmeiras 1.900,15 2.870,70 3.234,26 4.092,05 Veranópolis 2.546,04 3.598,55 4.594,51 4.479,25

(*) A: área até 10 hectares; B: entre 10 e 20 hectares; C: entre 20 e 30 hectares; D: Mais de 40 hectares Fonte: Pesquisa AFDLP- CNPq/UFPel/UFRGS, 2003.

5. CONCLUSÕES

Ainda que não exatamente por razões acadêmicas, o tema do autoconsumo vem sendo revisitado na perspectiva do aperfeiçoamento do processo de intervenção estatal em termos do combate à insegurança alimentar e nutricional no país e simultaneamente aplacar as mazelas de um modelo de desenvolvimento apoiado na exclusão social. Do ponto de vista da agricultura e do mundo rural esta questão aparece claramente evidenciada no rápido resgate que fizemos na primeira secção deste artigo. Na retórica do Estado desenvolvimentista da era Vargas e das transformações subseqüentes os agricultores foram duramente penalizados por produzirem a farinha e relegados a serem meros produtores de cereais. Em nome da falácia de defesa do consumidor foram fechadas agroindústrias que geravam empregos e oportunidades, como pequenas cantinas, fábricas de conservas vegetais, embutidos e produtos defumados, assim com atafonas de farinha, etc., os quais hoje alguns governos estaduais tentam resgatar a custa de programas específicos, como no caso do conhecido "Sabor Gaúcho".

Simultaneamente foi sendo paulatinamente esvaziado um dos esteios da tradição camponesa do Brasil meridional, qual seja o que chamamos de mito da "autonomia

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camponesa", com o abandono de muitas práticas vinculadas ao autoconsumo (hortas, pomares, criação de pequenos animais e transformação caseira). Entrementes, com a crise na agricultura, entendida aqui como a elevação dos custos de produção simultaneamente com a queda do preço pagos aos produtores, há certos indícios de que estaria em marcha uma revitalização do tema do autoconsumo. Alguns programas desencadeados pelas agências de extensão rural têm sido implementados com o objetivo de melhorar a qualidade de vida das famílias rurais, com iniciativas específicas inclusive no âmbito dos assentamentos rurais.

Como alude Graziano da Silva (2004 citado em PROJETO RURBANO), a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) registrou quase 2 milhões de famílias (3,2 milhões de pessoas) que produzem exclusivamente para o autoconsumo, representando 4,5% da população ativa e 18,5% da população agrícola ocupada semanalmente (uma hora ou mais) na terra. A mesma fonte informa ainda que outras 547 mil famílias obtêm mais da metade de sua alimentação dessa forma. Segundo estes dados, de cada quatro famílias brasileiras ligadas à terra, três produzem para o autoconsumo. Não se trata apenas de agricultores familiares no sentido estrito do termo, mas trabalhadores rurais e famílias que vivem nos espaços ainda não urbanizados.

O estudo que aqui desenvolvemos visa insistir na importância deste assunto diante da necessidade de, ao conhecer os mecanismos subjacentes ao autoconsumo familiar , possam ser implementados programas que permitam reduzir os problemas associados ao projeto de modernização apoiado no apoio deliberado às grandes culturas que acarretam, indiscutivelmente, entre outros aspectos, um desprestígio da produção própria, o enfraquecimento dos mercados locais, a insegurança alimentar e nutricional das famílias e a perda de raízes culturais.

Os dados que aqui apresentamos revelaram que as razões estritamente técnicas não são suficientes para entender as diferenças entre as regiões gaúchas investigadas. A mercantilização do campo trazida no bojo da modernização agropecuária tem afetado a produção familiar no sentido de reduzir a importância do autoconsumo. Os aspectos culturais mostraram-se como decisivos para interpretar os contrastes entre as localidades que serviram de base para esta pesquisa. A dimensão do autoconsumo na renda total é bastante variável entre os estratos de renda total, chegando a quase 74% no caso de Três Palmeiras e 66,5% em Veranópolis, para as famílias com um ingresso anual total de até R$ 6 mil.

Diante deste cenário surgem inúmeras questões que merecem ser oportunamente aprofundadas. Todas as indicações apontam no sentido da complexidade de levantar informações num contexto em que a maior parte dos estudos centram sua atenção na esfera comercial dos estabelecimentos, desconhecendo ou negligenciando o papel transcendental da autoprovisão, ou o que sugestivamente denominamos de "caixa-verde" das famílias rurais.

6. REFERÊNCIAS CAMPANHOLA, C., GRAZIANO DA SILVA, J. (editores) O novo rural brasileiro: uma análise estadual (Sul, Sudeste, Centro-Oeste). Volume 4, Jaguariúna, EMBRAPA Meio Ambiente, 2000. CANDIDO, A. Os parceiros do Rio Bonito. São Paulo: Livraria Duas Cidades, 1987. 7ª ed. CARNEIRO, M.J. Em que consiste o familiar da agricultura familiar? In: IAPAR: Ocupações rurais não-agrícolas, Londrina: IAPAR, 2000, p. 153-173. DEL GROSSI, M. E. Evolução das ocupações não-agrícolas no meio rural brasileiro: 1981-1995. 1999. 222 p. (Tese de Doutorado) - UNICAMP, Campinas.

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A AÇÃO COLETIVA NO CONTROLE DA QUALIDADE DA PRODUÇÃO ORGANICA FAMILIAR : ANALISE COMPARATIVA ENTRE A CERTIFICAÇÃO POR AUDITORIA EXTERNA E A CERTIFICAÇÃO PARTICIPATIVA EM REDE.

Jean Pierre Passos Medaets

Josemar Xavier Medeiros

RESUMO

A produção orgânica utiliza sistemas de certificação para assegurar aos consumidores o controle da qualidade da produção. O acesso individual aos serviços de certificação constitui uma barreira ao engajamento dos produtores de menor escala e renda na produção orgânica. Por esta razão, alguns sistemas de certificação existentes no âmbito da agricultura familiar no Brasil adquirem um perfil diferenciado da Certificação por Auditoria Externa de Terceira Parte estabelecido como padrão internacional de credenciamento. Para analisar estes fenômenos, utilizaram-se as Teorias da Economia dos Custos de Transação e a da Economia da Qualidade, estabelecendo-se como estrutura de análise a convenção do controle da qualidade observada sob a ótica do controle social, das relações interpessoais, da Teoria da Ação Coletiva e da Análise de Redes. Este aparato conceitual é aplicado ao estudo de caso da Certificação Participativa em Rede e na análise comparativa entre este Sistema e o Sistema de Certificação em Grupo por Auditoria Externa de Terceira Parte. A pesquisa demonstra existirem diferenças significativas entre os sistemas, principalmente na descentralização da decisão de certificação no caso da Certificação Participativa em Rede. Por outro lado, demonstra existirem condições para a negociação de equivalência entre os sistemas. Palavras-chave: agricultura familiar, comercialização de produtos orgânicos, certificação, controle social, e ação coletiva.

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INTRODUÇÃO Diversas críticas têm sido levantadas quanto ao uso compulsório da Certificação por

Auditoria Externa de Terceira Parte (CAE) como mecanismo de controle da qualidade na produção e comercialização de orgânicos estabelecido pelas regulamentações privadas e governamentais. A CEE (2002) menciona que tais programas de certificação não distinguem entre grandes e pequenos produtores requerendo esforços idênticos de inspeção independente do tamanho da operação podendo resultar em inspeções desnecessárias a pequenos produtores. Sob a ótica desta pesquisa, a mesma crítica pode ser feita quanto aos critérios de amostragem, a realização de testes e análises, os procedimentos de manutenção dos registros de insumos adquiridos e de vendas realizadas e outros. Além disso, os procedimentos de certificação e de estruturação dos organismos certificadores que estão sendo “globalizados” pelas Guias ISO relacionadas ao assunto, desconsideram as particularidades do meio rural e as potencialidades das relações de cooperação na construção da credibilidade. Além destas críticas, alguns grupos consideram que: os programas de certificação aumentam os custos dificultando que os agricultores de menor escala possam internalizá-los; os agricultores menos estruturados têm dificuldade em cumprir com as exigências documentais; o controle externo realizado é ineficiente;

Como conseqüência, observa-se um posicionamento generalizado de que a CAE é um serviço ao qual o agricultor familiar tem limitações de acesso. Tal questão seria de menor relevância se não se estivesse atravessando um processo de regulamentação do mercado de orgânicos que tornará obrigatória a certificação da produção orgânica no Brasil.

Apesar da universalização da CAE como único mecanismo aceito para reduzir a assimetria de informações na comercialização do produto orgânico, alguns outros mecanismos que buscam este mesmo fim também se manifestam. Primeiramente, observa-se, tanto no Brasil como em outros mercados, o importante papel que os efeitos de reputação têm desempenhado nas feiras locais de produtos orgânicos. Além disso, no caso particular brasileiro, desenvolve-se uma iniciativa denominada “Certificação Participativa em Rede” (CPR) envolvendo número expressivo de produtores e colocando-se como alternativa ao sistema formal de certificação por terceira parte. Tal movimento se desenvolve no âmbito da Rede de Agroecologia Ecovida.

Daí a definição do problema central desta pesquisa ligar-se à inadequação do sistema de certificação que se estrutura a partir dos normativos ISO para a produção orgânica familiar. Consequentemente, a pergunta que norteia este trabalho é: Existem alternativas para as limitações do sistema de certificação por auditoria externa de terceira parte para a produção orgânica de agricultores familiares? Portanto, o trabalho objetiva analisar de maneira comparativa a CPR e CAE buscando ressaltar suas diferenças e possibilidades de harmonização.

Os resultados do trabalho indicam que existem diferenças expressivas entre os dois sistemas de certificação analisados, sendo a descentralização da decisão de certificação (participação) um dos mais significativos. Por outro lado, mostra também que existe um grande espaço para a discussão sobre a equivalência entre os sistemas.

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ASPECTOS CONCEITUAIS

QUALIDADE E CUSTOS DE TRANSAÇÃO Sob o enfoque da Economia dos Custos de Transação, a incerteza sobre a qualidade é

explicada por intermédio da disponibilidade de informações sobre os bens ou serviços. A assimetria de informações se verifica quando uma das partes possui alguma informação privada, não adquirível sem custos pela(s) outra(s) parte(s). Onde se verifica o processo de assimetria de informações, aumenta a possibilidade de manifestação de comportamento oportunista.

Para Barzel (1982) a informação sobre o produto é definida como a “informação sobre o nível dos atributos por unidade de commodity e aquela contida em uma quantidade nominal.” A medição por sua vez é definida como a “quantidade de informação”. “Quanto maior a variabilidade da medição (measurement) ao redor do real valor, menor a informação sobre a commodity.”(p. 28).

Azevedo (2000, pp. 36-37), explica que alguns custos de transação surgem de características intrínsecas do produto, sendo chamados estáticos e tratados no âmbito da Economia de Custos de Transação (ECT), na área de medição. Neste enfoque, os produtos são caracterizados pela “capacidade dos agentes assimilarem as informações relevantes para o estabelecimento de uma relação de troca.” Nesta ótica, os bens de crença são aqueles nos quais “as informações relevantes sobre o produto não podem ser obtidas nem por inspeção direta ao produto, nem após o consumo.” Aqui, enquadram-se os produtos orgânicos. O autor menciona que três alternativas são usualmente utilizadas para a resolução do problema: a) integração vertical; b) contratos de longo prazo com monitoramento; c) certificação por auditoria externa.

AS CONVENÇÕES DA QUALIDADE Para Depuy (op.cit.), é D.K. Lewis1 quem primeiro estabelece a noção de convenção

como uma solução para o problema de coordenação. A convenção é descrita como uma regularidade de comportamento R (ou de comportamento e crença). J.P. Dupuy, F. Eymard-Duvernay, O.Favereau, A. Orléan, R. Salais e L. Thévenot (1989) escrevem que o termo convenção “designa um dispositivo que constitui um acordo de vontades e seus produtos, dotado de uma força normativa obrigatória, devendo ser compreendido também como o resultado das ações individuais e como uma estrutura de coerção dos sujeitos.” Os autores consideram que introduzir a incerteza relativa à qualidade nos bens de troca traz problemas na utilização da estrutura de análise neoclássica. As perturbações a que este modelo é exposto podem resultar em situações críticas de colapso do mercado (seleção adversa, como descrito por Akerlof, 1970) ou em modificações fundamentais nas ligações habituais (como descrito por Stiglitz, 1987). Os autores consideram que o tratamento dessas questões em termos de informações sobre a qualidade dos bens é insuficiente.

1 Lewis, D.K. Convention: a philosophical study. Cambridge, Harvard University Press, 1969.

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Para Eymard-Duvernay (1989) no modelo de mercado, uma diferença de qualidade é traduzida imediatamente em termos de preço. Tal equilíbrio é rompido se condições exógenas, que não possam ser traduzidas em termos de mercado, forem atreladas à qualidade. Este é o caso, por exemplo, quando está em jogo uma questão de segurança alimentar ou quando se trata de certos condicionamentos industriais. Neste caso, os contratos de mercado são insuficientes para fazerem a cadeia industrial operar sem sobressaltos. É necessário assegurar a qualidade por outras formas de coordenação: os procedimentos ligados ao controle da qualidade ou às parcerias. O uso de certificações de qualidade permite objetivar a qualidade sob a forma de uma marca.

Eymard-Duvernay (op.cit.), faz um resumo do tema ao considerar que as diferentes convenções de qualidade podem ser examinadas em função da natureza da equivalência sobre a qual se fundamentam. A equivalência pode se realizar por referência a um conjunto de transações realizadas no mercado e sintetizadas no preço, sobre medidas técnicas relacionadas a padrões e sob a ótica de produtos ligados a uma origem comum (respectivamente, mercado, padrão e marca).

Considera-se que no caso dos produtos de qualidade diferenciada, em particular os orgânicos, a mediação externa presente nas convenções da qualidade se manifesta no estabelecimento dos padrões e na verificação de seu cumprimento. Esta pesquisa se concentra sobre o segundo aspecto que, no caso desses produtos, de maneira geral, é realizada por intermédio de sistemas de certificação. Tal certificação busca assegurar a conformidade do controle da qualidade da produção orgânica. Este controle envolve medidas ou ações realizadas durante a produção, processamento, armazenamento e comercialização do produto, visando a manutenção de sua qualidade.

CONVENÇÃO DO CONTROLE DA QUALIDADE A consolidação da padronização como mecanismo de coordenação no setor

agroalimentar resulta em uma intensificação na utilização das diferentes certificações sem a ampliação de um debate sobre o objeto da certificação: o controle da qualidade da produção. Por isto, o estudo dos sistemas de controle da qualidade da produção orgânica que se encontram em operação nos dias atuais reveste-se de extrema relevância. A intensidade com que tais sistemas de certificação se manifestam nos dias de hoje indica que se poderia discutir uma “Convenção do Controle da Qualidade”.

Considerando-se a abordagem de convenções elaborada por Lewis, tal “convenção” seria uma regularidade composta por:

um padrão de produção; uma organização que executa as ações que resultam no controle; um mecanismo de verificação da conformidade com os padrões; um mecanismo de comunicação da qualidade e transmissão de confiança;

Os padrões de produção

Os padrões de produção são considerados como o primeiro componente de uma convenção de controle da qualidade. Este trabalho não discute o processo de construção dos padrões e sua importância no desenvolvimento de qualquer produto de qualidade diferenciada. A análise do processo de produção e comercialização de orgânicos em países selecionados, inclusive no Brasil, indica que no âmbito do Estado se consolidam as Comissões (Boards) onde se decide sobre os padrões de produção.

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O Organismo Certificador No caso da certificação de produtos de qualidade diferenciada onde exista uma

regulamentação oficial do setor, a certificação constitui uma delegação de poderes do Estado a uma terceira parte para executar um conjunto de tarefas que seriam de sua atribuição. No caso da certificação de orgânicos, o organismo certificador tem a função de desenhar um método que seja capaz de minimizar o risco de fraude em um mercado de “bens de crença”. Neste sentido, espera-se que o organismo certificador seja responsável perante a lei, pelo cumprimento rigoroso do método apresentado a seu credenciador. Daí a importância dada ao organismo certificador nas normas ISO que tratam da matéria.

Uma análise da ISO Guia 65/97 indica que a credibilidade de um sistema de certificação que siga tais requisitos encontra-se fortemente vinculada à estrutura e ao funcionamento do organismo certificador. O documento estabelece um conjunto significativo de requisitos que devem ser seguidos por tais organizações para que sejam reconhecidas como aptas para desempenharem a função de certificação.

A verificação da conformidade com os padrões A verificação da conformidade com os padrões é feita a partir do estabelecimento de

um método adequado para este fim pelo organismo certificador. Este método consistirá de um conjunto de técnicas, procedimentos e instrumentos de registro. Neste aspecto, o sistema ISO fundamenta seu procedimento em inspeções, análises laboratoriais de resíduos e um elaborado sistema de registro de dados, desde a propriedade, passando por todas as etapas de comercialização.

A comunicação da qualidade O debate sobre este tema pode ser feito tendo-se por foco as vantagens e desvantagens

entre um selo oficial e diversos privados, a discussão sobre o posicionamento de uma marca e tantas outras abordagens pertinentes. Entretanto, este componente da estrutura analítica proposta para o estudo da convenção do controle da qualidade da produção orgânica não será discutido em profundidade neste trabalho, tendo-se em consideração que ele, assim como os padrões, não é um componente definidor de uma eventual inadequação de tal convenção para os agricultores familiares no contexto atual.

AUDITORIA DA QUALIDADE Mills (1994) menciona que a norma internacional ISO 8402-1986 intitulada Quality

Vocabulary define Auditoria da Qualidade como “um exame sistemático e independente para determinar se as atividades da qualidade e respectivos resultados cumprem as providências planejadas, se estas providências são implementadas de maneira eficaz e se são adequadas para atingir os objetivos.” Estabelece uma tipologia onde descreve um conjunto de auditorias internas (onde inclui as revisões - reviews) e um conjunto de auditorias externas (onde inclui as certificações).

Revisões (Reviews) Mills menciona que “diversas normas contêm definições ou requisitos relativos à

‘revisão’ ... “Mas, em todos os casos, as ações são equivalentes às da auditoria da qualidade.” O autor menciona que a maioria das normas exigem que a revisão seja feita pela gerência,

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com exceção das normas australianas, que reconhecem que a revisão pode ser delegada. Em qualquer das formas, os princípios e técnicas da auditoria da qualidade se aplicam.

Para os propósitos desta pesquisa importa um tipo particular de revisão denominada revisão de pares (peer review). Para Kostoff (2003), uma definição clássica de par é “Uma pessoa que tem um interesse igual à outra.”. O autor menciona que um par pode ser um especialista na área técnica sob revisão, em áreas técnicas que possam ter impacto sobre aquela em revisão, em áreas operacionais ou de sistemas que possam ter impacto sobre aquela. O autor menciona que uma revisão de pares pode variar de discussões pessoais informais até dezenas de painéis formais.

O autor menciona que os seguintes objetivos podem ser atribuídos a uma revisão de pares:

servir de filtro de qualidade; adicionar valor ou melhorar a qualidade; prover legitimidade e competência; servir de mecanismo de alocação de recursos; servir como forma de antecipação de impactos.

Como será visto adiante, a revisão de pares é uma forma de controle utilizada no caso da CPR.

Padrões e Mecanismos de Verificação O documento Introduction to ISO (2001) menciona que a International Organisation

for Standardisation define padrões como “acordos documentados contendo especificações técnicas ou outros critérios precisos para serem usados consistentemente como regras, guias, ou definições de características, para assegurar que materiais, produtos, processos e serviços estejam adequados aos seus propósitos.” Para Chaves e Teixeira (1991) um padrão de qualidade envolve “todos os atributos de qualidade importantes e seus parâmetros, isto é, os valores que os atributos devem apresentar ou podem ser tolerados, para um determinado artigo ou produto, incluindo as técnicas de avaliação dessas características de qualidade e planos de amostragem.”

Para Foray (1995, p. 142), os padrões podem assumir a função de referência, no sentido de eliminar certos custos de transação; de compatibilização, para facilitar a coordenação; e uma função de limite mínimo que permite garantir um nível de eficiência social que o mercado não pode atender em certos casos. O autor refere que são os padrões de referência que se ligam aos padrões de qualidade. Incluem as definições, terminologias e princípios de classificação ou de criação de selos. “O padrão de referência estabiliza e registra certas características do produto no sentido de assegurar as propriedades de reprodutibilidade, equivalência e de estabilidade adequados às condições de produção e de troca de um sistema industrial”.

Os métodos para assegurar que um produto siga determinados padrões enquadram-se no âmbito da avaliação de conformidade (conformity assessment). De acordo com o ISO/IEC GUIDE 2, General Terms and Definitions Concerning Standardization and Related Activities, avaliações de conformidade são “todas as atividades utilizadas para se determinar direta ou indiretamente que requerimentos específicos estão sendo preenchidos.” A avaliação de conformidade pode ser desenvolvida a partir da aplicação individual ou combinada dos instrumentos e métodos tais como testes, declarações de conformidade do vendedor, avaliações por segunda-parte, inspeções, certificações, credenciamento e acordos de reconhecimento mútuo. A Certificação ocorre quando uma terceira-parte assegura por escrito que um produto, serviço, sistema, processo ou material está em conformidade com uma exigência específica. O Credenciamento é o procedimento pelo qual uma autoridade

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reconhece formalmente que uma entidade ou pessoa é competente para realizar tarefas específicas.

Os principais normativos ISO que estabelecem as condições de operação dos sistemas de certificação, são a ISO Guia 65/1997 (Requisitos Gerais para Organismos que Operam Sistemas de Certificação de Produtos), referente à estruturação e gestão de programas de certificação; a ISO Guia 61/1997 (Requisitos Gerais para Avaliação e Credenciamento de Organismos de Certificação/Registro), a qual estabelece as normas para a estruturação e gestão de programas de certificação.

Para Silva (1996, p. 12), “é por meio da função de certificação que a qualidade percebida pelo consumidor é assegurada.” O documento de certificação emitido por entidade terceira atesta, mediante a aplicação de instrumentos como testes, ensaios e outros, que os requisitos exigidos pelo mercado e constantes nas normas e regulamentos foram atendidos.

Como se observa, a credibilidade do processo de certificação é imputada ao fato de que tal procedimento seja realizado por um organismo que não esteja envolvido nos processos produtivo e comercial. A certificação é, portanto, um atestado da conformidade de um produto a um referencial e deve ser realizada por um organismo independente.

Raynaud, Sauvee e Valceschini (2002) mencionam que as principais funções de um organismo certificador são: 1) especificar as características utilizadas no padrão; 2) monitorar a conformidade destas características; 3) emitir um certificado de conformidade. Se os padrões de qualidade não são atingidos o produto não pode ser vendido ou, em última análise , o produtor perde o direito ao uso do selo.

A AÇÃO SOCIAL PARA A QUALIDADE

Controle Social Trujillo Ferrari (1983) menciona duas diferentes linhas de conceituação de “controle

social”. Na primeira, prevalece a concepção dos efeitos de pressão exercidos pelos sistemas sociais e instituições sociais para obter a conformidade. Na segunda, prevalece o intento de inibir as manifestações do desvio apelando principalmente para as sanções sociais. Para ele, “o ‘controle social’ é um processo ativo que se manifesta no sentido de direcionar ou orientar o comportamento das pessoas dentro de uma sociedade, de acordo com suas normas sociais, valores e padrões culturais, e as expectativas de seus semelhantes, envolvendo certa conformidade e limitando o desvio social.” (p. 449).

Para o autor, de modo geral, o “controle social” visa a manutenção da ordem social pela conformidade de cada membro por meio da internalização das normas (valores, costumes populares, preconceitos e leis) e evitando o desvio por intermédio de sanções e pressões sociais. As sanções, por sua vez, visam aumentar a conformidade ou reconduzir os que se desviaram dos padrões de normalidade sustentados pela sociedade. As sanções podem ser positivas, negativas ou neutras. As sanções positivas refletem a apreciação que a sociedade desenvolve para com seus membros incluindo reconhecimento, prêmios, honrarias, condecorações, títulos, recompensas, promoções, etc. As sanções negativas são aquelas dirigidas às pessoas cujo comportamento desviado tornou-se reprovável envolvendo prisão, punições de diferentes graus, multas, castigos corporais, perda de direitos civis, etc. As sanções neutras ou satíricas consistem em ridicularizar as ações das pessoas quando o comportamento previsto não é o esperado ou é exagerado.

Trujillo Ferrari (op.cit.) menciona que o conformismo ou “conformidade” representa “a alteração ou modificação do comportamento e crenças de uma pessoa ou de um grupo, numa direção determinada por um grupo mais amplo.” (p. 457). A conformidade repousa na pressão do grupo e nos “grupos de referência” como forças motivadoras. O autor menciona

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que a conformidade se manifesta condicionada por variáveis interpessoais e variáveis cognitivas. No primeiro grupo, se insere a semelhança de opinião, que leva uma pessoa a gostar das outras; a motivação para com os objetivos do grupo; e as variáveis de interdependência dos participantes do grupo. As variáveis cognitivas ou externas envolvem a credibilidade, isto é, como uma informação, comunicação, etc., tende a influenciar e ser aceita como verdadeira de acordo com o mapa cognitivo das pessoas.

O presente trabalho de pesquisa levanta a possibilidade de que um dos mecanismos utilizados pelo Sistema de CPR desenvolvido pela Rede Ecovida para o controle da qualidade do produto orgânico é a conformidade social. A combinação de sanções sociais resultaria em uma “conformidade” traduzida no respeito às normas de produção orgânica estabelecida por este grupo. Este seria o primeiro instrumento de controle da qualidade aplicado pelo sistema de certificação mencionado. Este instrumento por sua vez, combinar-se-ia com instrumentos anteriormente vistos como as inspeções e as revisões por pares para compor o ferramental utilizado pelo Sistema de CPR. O conjunto poderia ser visto como compondo uma estratégia de construção da confiança sobre o produto orgânico ou agroecológico do grupo.

Ação Coletiva Olson (1971) considera que o propósito de uma organização é o alcance dos interesses

de seus membros. Ele parte do princípio de que os indivíduos não participam de grupos por altruísmo e sim porque são racionais e movidos pelo auto-interesse. Os grupos têm sua existência assegurada na medida em que consigam alcançar os interesses comuns de seus membros. Apesar disso, os indivíduos que se ligam a um grupo procuram satisfazer seus próprios interesses. Portanto, em tais grupos convivem interesses comuns e interesses individuais.

O mesmo autor define bem coletivo inclusivo como aquele que consumido por uma pessoa não impede o consumo por outra e considera que somente onde um propósito comum ou bens coletivos estão envolvidos uma ação grupal é indispensável. Os indivíduos mover-se-iam pelo interesse individual e racional de se aglutinar para suprir os bens coletivos que julgarem que individualmente não poderão obter. A provisão ótima de um bem coletivo depende de que o custo marginal de unidades adicionadas de bem coletivo sejam divididas entre os indivíduos na mesma proporção que os benefícios adicionais. Um indivíduo racional e agindo em auto-interesse, contribuirá em uma ação coletiva se a provisão do bem coletivo for feita pelos indivíduos que tiverem um ganho individual superior ao custo total de provisão do grupo.

Olson (op.cit.) fala da eficiência dos pequenos grupos para desenvolverem funções que lhe sejam benéficas. Para o autor, na medida do crescimento dos grupos manifesta-se o fenômeno da ineficiência devido à tendência de valorização diferenciada do bem comum pelos indivíduos. Alguns imputam um elevado valor ao bem estando dispostos a contribuir mais para sua obtenção que outros. Por esta razão, outros indivíduos – os “caronas” (free rider) – recebem sem esforço uma quantidade do bem coletivo provida pelo primeiro grupo. Para o autor, os “caronas” têm o papel de inibidor do funcionamento dos grupos chegando a ponto de impedir sua ação e desenvolvimento.

Para Nassar (pp.42-44), o oportunismo aparece como um fator de inibição das ações coletivas. “Oposto ao oportunismo está a confiança. A confiança não é um pressuposto comportamental, porque não se pode afirmar que o homem age, de antemão, com confiança. Mas ela aparece quando as relações tornam-se duradouras, quando os agentes se conhecem profundamente e quando a reputação de cada um está em jogo. Uma relação de confiança não elimina o oportunismo, mas pode evitar as quebras contratuais e baixar os custos de negociação...”

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Este trabalho analisa a possibilidade de que a Rede Ecovida de Agroecologia – fortemente motivada pelas demandas esperadas pelo processo de regulamentação de orgânicos em curso no Brasil – inicia a construção de um bem coletivo: a Certificação Participativa em Rede.

METODOLOGIA O Estudo de Caso apresentado neste trabalho foi realizado em três visitas à região de

atuação da Rede Ecovida. A primeira, realizada em setembro de 2002, teve caráter exploratório para constatação das particularidades da CPR. A segunda visita à Rede Ecovida, realizada em abril de 2003, teve por objetivo a realização das entrevistas cujos roteiros e dados primários fazem parte do trabalho de Medaets (2003). Foram entrevistados técnicos e produtores em visitas aos escritórios de organizações de assessoria da Rede Ecovida e às unidades de produção dos agricultores.

O documento Rede Ecovida (2001) menciona que a Rede Ecovida de Agroecologia surge em novembro de 1998, em Santa Catarina. Segundo o documento da Rede Ecovida (2000), ela se caracteriza por ser “um espaço de articulação entre agricultores familiares e suas organizações, organizações de assessoria e pessoas envolvidas e simpatizantes com a produção, processamento, comercialização e consumo de alimentos ecológicos. A Rede Ecovida trabalha com princípios e objetivos bem definidos e tem como metas fortalecer a agroecologia nos seus mais amplos aspectos, disponibilizar informações entre os envolvidos e criar mecanismos legítimos de geração de credibilidade e de garantia dos processos desenvolvidos pelos seus membros.” A Rede de Agroecologia Ecovida abrange os três estados do Sul do Brasil e o sul do Estado de São Paulo contando com mais de 120 organizações de agricultores (grupos formais e informais, associações e cooperativas de produtores e consumidores) e 23 entidades de assessoria envolvendo, de forma direta, aproximadamente 1.500 famílias.

A escolha da Certificação em Grupo como um referencial de comparação deste trabalho se prende a duas razões. Em primeiro lugar, por que ela segue os requerimentos contidos na ISO Guia 65/97 que, por sua vez, é tomado nesta pesquisa como o padrão para a CAE . Em segundo, porque ela representa uma forma de adaptação dos procedimentos previstos no padrão ISO visando facilitar a certificação para grupos de produtores, sejam eles independentes, ou vinculados a uma “empresa âncora” que fomenta a organização do grupo.

Algumas normas internacionais, como as do sistema IFOAM/IOAS (Grower groups), o Regulamento CEE nº 2.092/91 e a Instrução Normativa MAPA nº 6 de 2002, abrem a perspectiva da certificação de grupos de produtores organizados e estabelecem o perfil de tais grupos e as condições de sua certificação. É uma prerrogativa voltada para aumentar a possibilidade de acesso ao serviço, uma vez que este procedimento pode resultar em redução considerável dos custos de certificação. Neste trabalho de pesquisa, tal sistema foi abordado a partir de informações obtidas a partir da análise documental e em entrevista com um organismo certificados que opera a Certificação em Grupo no Brasil desde longa data, possuindo padrões claros de implementação do sistema.

Levantadas as informações sobre os dois sistemas, procedeu-se a análise dos dois sistemas de maneira comparativa utilizando-se como estrutura de análise a convenção do controle da qualidade que foi estabelecida anteriormente neste trabalho.

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RESULTADOS E DISCUSSÃO

A CERTIFICAÇÃO PARTICIPATIVA EM REDE A figura 3.1. mostra o funcionamento do sistema de CPR como implementado, nos

dias atuais, em alguns núcleos da Rede Ecovida. Figura 3.1 - Síntese dos componentes da CPR.

Fonte: MEDAETS, 2003. Como mencionado por Trujillo Ferrari (1983), sob a ótica sociológica a

“conformidade” representa “a alteração ou modificação do comportamento e crenças de uma pessoa ou de um grupo, numa direção determinada por um grupo mais amplo.” Tal alteração se processa por intermédio de sanções positivas, negativas e neutras. Tendo-se isto em referencia, considera-se que no caso da CPR, existe um elevado investimento para que as pessoas envolvidas no sistema atinjam uma “conformidade social”. Tal conformidade se dá pela participação dos cidadãos na contrução do bem coletivo (CPR) e pelo cumprimento dos acordos firmados sobre as normas de funcionamento dos sistemas produtivos dos indivíduos envolvidos. A avaliação da conformidade social, abordada um pouco mais à frente neste documento, possuiria o fim de aferir se esta participação e os acordos resultantes estariam sendo realizados em conformidade. Ela se diferenciaria da avaliação da conformidade tecnológica em três aspectos. Primeiro, por ser realizada a partir de atividades como reuniões, ações de comitês, a observação sistemática, a convergência de informações, etc, que não possuem perfil tecnológico. Segundo, pelo fato de que os requerimentos de conformidade não se referirem ao sistema produtivo e sim aos condicionantes sociais que o conformam (figura 3.2). Terceiro, por não precisar de técnicos formados em inspeção/auditoria e sim de técnicos e agricultores formados na produção agroecológica. Quarto, pelo fato do técnico estar envolvido no cotidiano dos grupos de produtores certificados, vivenciando o processo de construção da conformidade social. O quadro 4.1 permite a visualização das técnicas e procedimentos geradores da conformidade social e sua inserção no contexto da avaliação de conformidade.

Definição dos valores básicos formadores da ideologia em torno da qual se estrutura a conformidade social.

Busca da conformidade social por intermédio da construção de espaços como reuniões, comitês e outros onde se definem sanções positivas e negativas.

“Visitas” do Comitê de Ética e, em algumas situações, decisão de certificação em revisão de pares.

Realização das revisões de pares nos Núcleos a partir das informações das visitas e decisão de certificação.

Comunicação da decisão de certificação ao nível central da Rede Ecovida.

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Figura 3.2 – Níveis de avaliação de conformidade Fonte: MEDAETS, 2003. As “visitas” do Comitê de Ética constituem uma segunda atividade de controle da

qualidade onde se manifesta a presença externa à unidade de produção. Considera-se que, os técnicos, produtores e, em algumas vezes, consumidores que realizam as “visitas” a uma determinada unidade de produção provêm do ambiente externo à mesma podendo cumprir a função de “inspeção externa” nas propriedades.

Uma última atividade do controle de qualidade é cumprida quando a revisão de pares é realizada no âmbito do Núcleo ou do Grupo e nela é tomada a decisão de certificação. A literatura demonstra que a revisão de pares é um instrumento utilizado em diversos espaços corporativos, profissionais e acadêmicos para a construção de credibilidade e tomada de decisões sobre determinadas questões. Portanto, considera-se adequado o uso de tal técnica no contexto da CPR com a finalidade de se obter o controle da qualidade da produção orgânica. Entretanto, a revisão de pares necessita um grau de formalização adequado para ser reconhecida no ambiente externo como um instrumento de “olhar externo”. Deve-se mencionar que a literatura coloca o custo elevado como uma das limitações desta técnica. Portanto, deve-se ter a precaução de evitar que tal formalização torne a atividade complexa e aumente seu custo de operação a ponto de reduzir sua viabilidade para a agricultura familiar.

A CERTIFICAÇÃO EM GRUPO POR AUDITORIA EXTERNA DE TERCEIRA PARTE

A escolha da Certificação em Grupo como um referencial de comparação deste trabalho se prende a duas razões. Em primeiro lugar, por que ela segue os requerimentos contidos na ISO Guia 65/97 que, por sua vez, é tomado nesta pesquisa como o padrão para a CAE. Em segundo, porque ela representa uma forma de adaptação dos procedimentos previstos no padrão ISO visando facilitar a certificação para grupos de produtores, sejam eles independentes, ou vinculados a uma “empresa âncora” que fomenta a organização do grupo.

Algumas regulamentações internacionais (IFOAM – Grower groups), assim como o Regulamento CEE nº 2.092/91 e a Instrução Normativa MAPA nº 6 de 2002, abrem a perspectiva da certificação de grupos de produtores organizados e estabelecem o perfil de tais grupos e as condições de sua certificação. É uma prerrogativa voltada para aumentar a

Ambiente Externo (Conformidade social)

Unidade produtiva (conformidade técnológica)

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possibilidade de acesso ao serviço, uma vez que este procedimento pode resultar em redução considerável dos custos de certificação.

A verificação da conformidade com os padrões realizada no contexto do Sistema de Certificação em Grupo utiliza o ferramental disponibilizado pela avaliação de conformidade (tecnológica). O grupo de produtores passa por um período de conversão ao longo do qual deve estabelecer os registros demandados respeitando os requerimentos estabelecidos no padrão de produção seguido. Decorrido tal período, o organismo certificador realiza o procedimento de avaliação de conformidade que consta de:

Inspeção em todas as propriedades; Análise laboratorial por amostragem

No caso da Certificação em Grupo, a decisão sobre a certificação não é tomada pelos indivíduos que realizam as inspeções e sim de forma centralizada pelo organismo certificador. Portanto, como exigido pelo padrão ISO de certificação, verifica-se uma separação entre as funções de inspeção e certificação. Os registros de todos os procedimentos de certificação desde a solicitação de matrícula passando pela concessão e manutenção do certificado, são mantidos no organismo certificador. Existem inspetores que desempenham o papel de verificação das unidades produtivas e eles recebem treinamento específico sobre os procedimentos de inspeção. A seleção destes inspetores é fundamentada em um conjunto de requerimentos que reduzem a possibilidade de outra relação entre o inspetor e o inspecionado que não seja a inspeção.

ANÁLISE COMPARATIVA A análise dos sistemas de certificação desenvolvida neste trabalho tem por referência

uma convenção do controle da qualidade formada pela seguinte regularidade: a) um padrão de produção; b) um mecanismo de verificação da conformidade com os padrões; c) uma organização que executa as ações que resultam no controle; d) um mecanismo de comunicação da qualidade e transmissão de confiança; Este trabalho se debruça sobre dois dos componentes da convenção do controle da

qualidade acima exposta: os mecanismos de verificação da conformidade e o organismo certificador. A razão para esta escolha relaciona-se ao fato de se considerar que estes são os dois componentes onde se manifestam as diferenças significativas entre os sistemas estudados.

Poder-se-ia fazer uma analogia onde cada um destes sistemas seria uma “linguagem” diferente. A primeira, é fundamentada em um nível de registros rigoroso (talvez elevado?), em inspeções externas para a redução do oportunismo e na centralização da decisão de certificação, da documentação do sistema e do controle do uso da marca de certificação. A segunda é baseada na “conformidade social” a um objetivo comum, em acordos formais e informais para alcança-lo, na decisão descentralizada (participativa) sobre a certificação, em um mecanismo de exclusão quando os acordos estabelecidos no âmbito dos Grupos não são cumpridos e na busca do envolvimento dos consumidores.

Mecanismos de verificação da conformidade As técnicas utilizadas na Certificação em Grupo são as inspeções externas e as

análises laboratoriais. O sistema adota a estratégia de atingir o grau de excelência na realização das inspeções como recomendado no âmbito da avaliação de conformidade. Para isso se apóia, fortemente, em um programa de formação de inspetores. Além disso, baseia sua decisão em um conjunto de dados e documentos que permite a rastreabilidade do produto controlado.

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O sistema de CPR utiliza um procedimento denominado neste trabalho de conformidade social associado a duas técnicas de auditoria da qualidade: as inspeções (“visitas”) e as revisões de pares. No que se refere às “visitas” e às revisões de pares, os resultados indicam que ambos são realizados tendo por referência um conjunto de requerimentos menor e menos homogêneo (menor objetividade) quando comparados aos referenciais de excelência descritos no marco teórico para inspeções e programas formais de revisão de pares. O volume de registro de dados é reduzido (insuficiente?) e a manutenção da documentação é descentralizada.

Organismos Certificadores. A literatura sobre avaliação de conformidade relata que a separação entre a avaliação

via inspeção e a decisão de certificação busca dar maior imparcialidade ao processo de certificação. No caso da Certificação em Grupo, a avaliação (inspeção) é feita por um inspetor e a decisão de certificação é centralizada, sendo tomada por um conselho que se reúne no organismo certificador.

A análise comparativa dos organismos certificadores sofre a influência do fato de que o organismo certificador criado pela Rede Ecovida para a implementação da CPR – a Associação de Certificação Participativa - ainda não se encontra em plena operação. Quem cumpre suas funções é a própria Rede Ecovida de Agroecologia.

A decisão de certificação é descentralizada caso da CPR. Esta é uma diferença crítica entre os dois sistemas. No caso da CPR a decisão é tomada pelas pessoas envolvidas no processo produtivo. característica quando as decisões de certificação são tomadas no âmbito dos Grupos, não existe uma separação entre as funções de inspeção e de certificação. Quando ocorrem nos Núcleos, pode-se dizer que existe uma separação entre tais funções.

Os registros de todos os procedimentos da Certificação em Grupo são mantidos no organismo certificador, de maneira centralizada, enquanto os registros da CPR são mantidos nas coordenações dos Núcleos, de maneira descentralizada.

As decisões no caso da Certificação em Grupo são baseadas em avaliações objetivas feitas por inspetores treinados enquanto que tal figura não existe no caso da CPR. Por outro lado, pode-se dizer que as “visitas” são realizadas por técnicos e agricultores capacitados na produção agroecológica o que os habilita a identificar não conformidades com as normas de produção estabelecidas pela Rede Ecovida.

No caso da Certificação em Grupo, os técnicos devem procurar manter sua neutralidade por intermédio de seu envolvimento apenas no ato da inspeção. Na CPR, pelo contrário, o envolvimento do técnico no acompanhamento da produção é contínuo devendo ele fazer parte do processo de construção da conformidade social, das “visitas” e das revisões de pares. O quadro 3.3 sintetiza as informações acima.

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Quadro 3.1 – Convenções de Controle da Qualidade.

Componentes da Convenção de Controle da Qualidade

Certificação Participativa Em Rede

Certificação em Grupo

1. Padrões Construção em processo de revisão periódica.

Construção em processo de revisão periódica.

2. Meios de Verificação a) Inspeção b) Capacitação c) Variáveis mensuradas e técnicas utilizadas d) Documentação e registros

a) Feita por especialista em produção agroecológica (produtor ou técnico). Não existe figura do inspetor externo. b) Se concentra sobre a produção agroecológica. c) Conformidade social e avaliação de conformidade. d) Insuficiente e desuniforme. Mantidos descentralizados.

a) Feita por conhecedor da produção orgânica e especialista em inspeção. A figura do inspetor externo é fundamental. b) Se divide entre produção orgânica e inspeção. c) Atividades de avaliação de conformidade. d) Extensos e rigorosos. Mantidos centralizados.

3.Organismo Certificador

a) Responsabilidade pelo sistema de certificação b) Estrutura c) Separação entre as funções de certificação e assessoria d) Decisão de certificação

a) Do organismo certificador mas não operando na prática. b) Como preconizado pela ISO 65 mas não operando na prática. c) Não realizada d-1) Descentralizada. Realizada nos Grupos ou Núcleos da Rede Ecovida. d-2) Separada da inspeção quando realizado no Núcleo e conjunta quando realizada no Grupo.

a) Do Organismo certificador b) Como preconizado pela ISO 65. c) Realizada d-1) Centralizada. d-2) Decisão de certificação separada da inspeção.

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e) Técnico e) Presente na comunidade. e) Externo. 4. Comunicação da Qualidade

Selo, reputação do produtor e da assessoria técnica e influencia dos componentes de avaliação social da conformidade

Selo, reputação do produtor e do organismo certificador

Fonte: MEDAETS, 2003.

CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES A Certificação em Grupo tem como um dos fundamentos de seu processo de

credibilidade o registro dos dados e os documentos produzidos ao longo da cadeia decisória do processo de certificação. Os instrumentos para este fim estão claramente delineados e são aplicados sistematicamente. Além disso, a análise de tais instrumentos indicou sua adequação para, aplicado de maneira sistemática, contribuir para a melhoria da qualidade da produção.

No que se refere à CPR observa-se um conjunto de instrumentos e um nível de registro de dados simplificado quando comparado à Certificação em Grupo. Não é possível concluir se tal nível de simplificação impediria a equivalência entre os sistemas estudados. Observando-se os documentos apresentados e as informações obtidas nas entrevistas, acredita-se que tal debate sobre um nível mínimo de registro possa resultar em adequações factíveis para os protagonistas da CPR. Considera-se que esta adequação também poderia ser conveniente para os produtores no sentido de aparelhá-los melhor no exercício da contabilidade de suas operações.

As reuniões entre as famílias dos Grupos, o intenso processo de troca de informações o acompanhamento mútuo, o estabelecimento da reputação entre as partes e a exclusão daqueles que não sigam os acordos firmados, são fatores que contribuem para a construção da “conformidade social” na CPR. Sugere-se estabelecer o debate sobre a conformidade social como mecanismo que possa desempenhar um papel no controle de qualidade na produção familiar organizada.

No que se refere aos mecanismos de verificação, o que se espera de um sistema de certificação é que a aplicação sistemática de seu método reduza significativamente a assimetria de informações e a possibilidade de manifestação do oportunismo. O que se observa no sistema de CPR desenvolvido no âmbito da Rede Ecovida é a associação de diferentes instrumentos (conformidade social, “visitas” e revisão de pares). Considera-se que a CPR, funcionando com requerimentos adequados de registros e documentação e com a aplicação sistemática do método, possui toda a possibilidade de dar credibilidade a um processo produtivo orgânico ou ecológico. Entretanto, verifica-se no momento atual que existem variações nos procedimentos e no nível de registros adotados nos diferentes grupos podendo resultar em uma redução na credibilidade da CPR.

Existem quatro componentes da CPR relacionados ao papel do organismo certificador que a diferem da CAE : as atividades de certificação não são separadas das atividades de assessoria, a decisão de certificação é descentralizada, o técnico convive com os produtores no ambiente local e o controle da qualidade da produção não é feito por inspetores formados e sim por técnicos e produtores capacitados na produção agroecológica. Apesar de seguir procedimentos bastante diferentes do padrão ISO, a credibilidade alcançada pelo “selo Ecovida” nos estados da Região Sul deveria respaldar uma discussão buscando a equivalência com o sistema de CAE.

A Associação de CPR poderia consolidar um conjunto simplificado de requisitos para o controle da qualidade e ampliar a regularidade de sua aplicação, trazendo maior objetividade na verificação da conformidade. Uma inferência que se pode fazer é de que, na medida em que a Associação de Certificação Participativa foi desenhada para se adequar às

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exigências dos normativos do MAPA, seu pleno funcionamento pode aproximar a “linguagem” da CPR daquela praticada pela Certificação em Grupo. Isto poderia facilitar o estabelecimento de equivalência entre os dois sistemas. Para favorecer a Equivalência entre os sistemas, a Associação de Certificação Participativa, separada da Rede Ecovida, poderia:

formalizar a operação das estruturas previstas em seu estatuto, mesmo que a partir de procedimentos simplificados;

assegurar a presença de um técnico nas “visitas” que resultam em relatórios conclusivos sobre a concessão e manutenção do certificado;

assegurar a presença de seus técnicos nos Comitês de Ética e na realização das revisões de pares no âmbito dos Núcleos;

realizar os registros dos dados de produção e do processo de certificação mantendo o nível de simplificação atual, mas de maneira uniforme e sistemática;

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MERCADO DE LEITE: UMA ANÁLISE DAS FLUTUAÇÕES DO PREÇO

Aloisio Teixeira Gomes1 Eliseu Roberto de Andrade Alves1

Alexandre Lopes Gomes 2 Rosangela Zoccal1

Resumo O objetivo deste trabalho é descrever e discutir o comportamento do preço recebido pelos produtores de leite após a implantação do Plano Real, cobrindo o período compreendido entre janeiro de 1995 até fevereiro de 2004. Trabalhou – se com preços deflacionados, corrigindo-os para dezembro de 2003, usando o IGP-DI para efetuar as correções. A inclusão dos meses de janeiro e fevereiro de 2004 se justifica pelo interesse em se analisar o comportamento dos preços após os problemas surgidos no final de 2003, em decorrência das dificuldades da compra de leite pela segunda maior empresa que opera no setor de laticínios no país. Este fato promoveu várias reuniões de lideranças dos produtores entre si e com autoridades do governo, além de desencadear comoventes depoimentos de produtores que deixaram de receber o dinheiro como pagamento do leite fornecido no mês antecedente à crise, e quando esta se instalou, em dezembro de 2003. Portanto, uma análise de especial interesse para este trabalho é verificar se são procedentes as várias manifestações de produtores e suas lideranças, atribuindo à crise da grande empresa a causa da queda do preço do leite no final de 2003 e início de 2004. A análise utiliza como base o trabalho desenvolvido na tese de mestrado de Gomes (2002) e o trabalho de Alves et al (2003). Os autores explicaram o comportamento decrescente do preço do leite, em particular a queda brusca e atípica que ocorreu na entressafra de 2001, utilizando argumentos que consideram fenômenos relacionados à oferta e à demanda. Da análise realizada conclui-se que não são procedentes as manifestações de produtores, atribuindo à crise da segunda maior empresa compradora de leite no país, como sendo a causa da queda no preço do leite na presente safra. Neste trabalho ficou evidente que a queda no preço era esperada para o período, até mesmo em maior intensidade, como foi previsto no modelo e demonstrado utilizando argumentos que consideram fenômenos relacionados à oferta e à demanda.

1 Pesquisadores da EMBRAPA. 2 Estudante de doutorado em economia aplicada USP/Esalq, bolsista do CNPq.

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MERCADO DE LEITE: UMA ANÁLISE DAS FLUTUAÇÕES DO PREÇO

Aloisio Teixeira Gomes1

Eliseu Roberto de Andrade Alves1 Alexandre Lopes Gomes 2

Rosangela Zoccal1 Introdução A dinâmica do setor leiteiro nos últimos anos, principalmente a partir dos anos 90, tem sido motivo de vários estudos. Dentre outras constatações, estes estudos apontam para o crescimento da oferta de leite, decorrente de expressivas taxas de crescimento na produção interna, via um contínuo incremento da produtividade e também das substanciais importações que foram realizadas. Em relação ao preço do leite, observa-se uma queda persistente ao longo das últimas três décadas, documentada por Barros e Rizzieri (2000), Yamaguchi (2001) e Gomes (2002). O objetivo deste trabalho é descrever e discutir o comportamento do preço recebido pelos produtores de leite após a implantação do Plano Real, cobrindo o período compreendido entre janeiro de 1995 até fevereiro de 2004. Trabalhou-se com preços deflacionados, corrigindo-os para dezembro de 2003, usando o IGP-DI para efetuar as correções. A inclusão dos meses de janeiro e fevereiro de 2004 se justifica pelo interesse em se analisar o comportamento dos preços após os problemas surgidos no final de 2003, em decorrência das dificuldades da compra de leite pela segunda maior empresa que opera no setor de laticínios no país. Este fato promoveu várias reuniões de lideranças dos produtores entre si e com autoridades do governo, além de desencadear comoventes depoimentos de produtores que deixaram de receber o dinheiro como pagamento do leite fornecido no mês antecedente à crise, e quando esta se instalou em dezembro de 2003. Portanto, uma análise de especial interesse para este trabalho é verificar se são procedentes as várias manifestações de produtores e suas lideranças, atribuindo à crise da grande empresa a causa da queda do preço do leite no final de 2003 e início de 2004. A análise utiliza como base o trabalho desenvolvido na tese de mestrado de Gomes (2002) e o trabalho de Alves et al.(2003). Os autores explicaram o comportamento decrescente do preço do leite, em particular a queda brusca e atípica que ocorreu na entressafra de 2001, utilizando argumentos que consideram fenômenos relacionados à oferta e à demanda. Comentários sobre o modelo Os produtores têm como objetivo a obtenção do maior lucro possível, e o preço do leite é a primeira referência para os produtores na formação de suas expectativas de lucro. O volume a

1 Pesquisadores da Embrapa. 2 Estudante de doutorado em economia aplicada USP/Esalq, bolsista do CNPq.

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produzir é a variável sobre a qual podem exercer um razoável controle, dados os recursos disponíveis. Quando há um aumento do preço, cada produtor procura ajustar a produção. No curto prazo, a alternativa mais usada e de resposta rápida é por meio do fornecimento de maiores quantidades de concentrado para as vacas em produção. Em todo o País, onde temos 19 milhões de vacas ordenhadas, essa atitude resulta num considerável incremento na produção, em curto espaço de tempo. A falta de um ação coordenada entre os produtores pode resultar num aumento de produção que excede a capacidade de consumo do mercado. Quando isto ocorre os preços caem, primeiro os preços recebidos pelos produtores, e mais tarde os preços pagos pelos consumidores, se o aumento da produção persistir. Se o mercado é de concorrência imperfeita, como muitas vezes ocorre nos segmentos da indústria e do varejo, esta queda dos preços para os consumidores pode não ocorrer ou ocorrer mais lentamente e de forma menos intensa, relativo à queda dos preços recebidos pelos produtores. Esta foi uma das principais conclusões das comissões de inquérito instaladas em algumas assembléias estaduais, ou seja, que a queda anormal do preço do leite em 2001 foi causada pelo poder de oligopsônio dos laticínios, e mais, que a queda no preço não foi repassada aos consumidores. Num prazo mais longo, o aumento da produção e a queda no preço do leite se realizam por meio dos ganhos de produtividade. No caso da produção de leite, investimentos para melhorias no rebanho, por exemplo, exigem um prazo mais longo para repercutir na produção. Como são muitos os produtores e os investimentos de cada um são feitos em tempos diferentes, na realidade os contínuos aumentos na produção no País são causados por ações de curto e de longo prazo. A metodologia usada por Gomes (2002) e Alves (2002) buscou estimar a equação de oferta tomando em conta variáveis que pudessem explicar o deslocamento da curva de oferta no período analisado, caracterizando um aumento na produção. A descrição do modelo foi feita por meio de duas equações. Uma relacionada com a demanda de vacas e outra descrevendo a produção de cada vaca, ou seja, a produtividade. As variáveis consideradas foram o número de vacas como função do preço do leite e tecnologia, e a produtividade como função da produtividade defasada em um ano, e o preço da ração para vacas. Neste trabalho é feita uma simplificação ao considerar os resultados obtidos pelos autores. Para estudar a queda de preços a partir de dezembro de 2003 até fevereiro de 2004, será analisado o comportamento da oferta, incluindo a produção interna e as importações, do preço do leite e do preço da ração. O comportamento da produção A produção de leite no país tem sido crescente nos últimos anos. Alves (2001), analisando o desempenho do setor leiteiro de 1970 a 1999, mostrou que a produção cresceu 3,7% ao ano. O autor mostrou também que, à semelhança de outros produtos, nos últimos 11 anos da série, a produtividade explica a maior parte de crescimento da produção interna. Para o autor, no período 89/99, a produtividade, medida pela produção por vaca ordenhada, cresceu 4,6 % ao ano. Neste estudo trabalhou-se com dados mensais de produção do leite sob inspeção – leite SIF – cobrindo o período 97/03, que foram colocados disponíveis pelo IBGE. Esses dados são mostrados no Anexo A e os incrementos percentuais na produção na Tabela 1.

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Durante o período 97/03 a produção passou de 10,7 bilhões para 13,7 bilhões de litros, ou seja, um incremento de 27%, com destaque para os anos de 2000, 2001 e 2003. Em 2000 o volume de leite destinado às indústrias cresceu 8,7%, destacando-se os meses da safra com maiores incrementos. Em 2001 o percentual de crescimento em relação ao ano anterior foi ainda mais elevado (9,13%). Naquele ano, para surpresa dos agentes que atuam no setor, as taxas de crescimento mais elevadas ocorreram justamente nos meses da entressafra, fato raro e até mesmo nunca visto por muitos que lidam com a cadeia do leite. Em 2002 a produção teve um crescimento inexpressivo, menos de 1%, como reação dos produtores aos baixos preços praticados no segundo semestre de 2001. Entretanto, voltou a crescer de forma mais consistente no ano de 2003. Neste ano os maiores incrementos foram nos meses de safra e o crescimento anual foi de 3.10%, como pode ser visto no Anexo A. Tabela 1 – Variação Percentual na Produção Inspecionada, Leite SIF, mês a mês e total, comparando com o ano anterior - %.

Mês 98/97 99/98 00/99 01/00 02/01 03/02 Janeiro 7,5 -0,13 5,32 10,12 0,18 6,68 Fevereiro 6,8 1,38 12,11 0,67 3,92 5,32 Março 4,9 3,88 5,07 7,32 1,68 5,90 Abril 2,4 6,65 2,85 11,64 5,59 -0,36 Maio 2,8 5,69 2,49 12,53 4,81 -1,46 Junho 4,6 2,70 1,56 21,87 -0,91 -0,43 Julho -1,3 4,64 0,98 20,63 -3,94 1,24 Agosto 4,8 0,68 4,99 15,35 -1,56 -0,16 Setembro 7,8 -2,83 13,97 7,70 -3,98 1.76 Outubro -1,4 -3,50 20,05 4,10 -4,45 4,81 Novembro -0,4 -2,92 17,29 3,97 -2,55 6,12 Dezembro -2,1 1,55 15,67 0,18 3,37 6,46 T O T A L 2,9 1,31 8,70 9,13 0,07 3,10

Fonte: Embrapa Gado de Leite – Base de Dados. As importações A Figura 1 mostra como as importações cresceram de maneira expressiva na vigência do Plano Real. As maciças importações, principalmente de leite em pó, visaram cobrir os déficits gerados pela elevação da renda real per capita impedindo que os preços internos se elevassem. Em equivalentes litros de leite as importações corresponderam a cerca de 20% da produção nacional em 1995 e 13% em 1996. A queda natural do preço do leite ao longo dos anos foi, assim, agravada pelas importações de leite subsidiado, dificultando o ajuste da pecuária leiteira nacional. Alves (2003) demonstra que o sistema produtivo tem condições de abastecer o mercado interno e ainda exportar, concluindo que as importações são desnecessárias.

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Figura 1 – Importações em equivalentes milhões litros de leite, 1970 – 2003.

Fonte: Embrapa Gado de Leite – Base de Dados

Discussão sobre o comportamento do preço do leite Historicamente o preço do leite recebido pelo produtor tem tido um comportamento de queda persistente, principalmente nas décadas de 80 e 90. Esta constatação foi documentada por Barros e Rizzieri (2000), Yamaguchi (2001) e Gomes (2002). Considerações sobre o comportamento do preço de leite durante o período estudado, de janeiro/95 a fevereiro/04, são apresentadas a seguir. As médias de preços anuais estão documentadas na Figura 2 e dos preços mensais no Anexo B.

Figura 2 – Evolução do preço do leite, recebido pelos produtores, médias anuais no período 1995 a 2003 e 2004, média dos meses de janeiro e fevereiro.

Fonte: Embrapa Gado de Leite – Base de Dados

0,60

0,54

0,46 0,44 0,43

0,49

0,43 0,440,47

0,41

0,00

0,10

0,20

0,30

0,40

0,50

0,60

0,70

1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004

0

500

1.000

1.500

2.000

2.500

3.000

3.500

1970

1972

1974

1976

1978

1980

1982

1984

1986

1988

1990

1992

1994

1996

1998

2000

2002

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Período 95/96. Observa-se que os preços foram bem mais elevados nos dois primeiros anos do Plano Real em comparação com os anos subseqüentes, embora sendo bem inferiores aos de anos anteriores, como documentado por Yamaguchi, (2001). A elevação da renda real e da demanda por lácteos naqueles dois anos levou o País a optar por um substancial aumento nas importações a fim de ajustar a oferta à demanda, impedindo elevações mais acentuadas nos preços internos. Mesmo importando muito, o preço do leite foi maior, em comparação com os anos subsequentes, dado o vigoroso crescimento de demanda. Nos anos 95 e 96, o preço do leite apresentou pequena variação ao longo dos meses e médias anuais de 0,60 e 0,54 respectivamente. Período 97/99. Em 97, com o desaquecimento da economia, a queda do preço foi ainda mais acentuada comparada com a queda de 96/95. O preço do leite, cuja média foi 0,46, reduziu em 15%, comparando com o ano de 96, e 23%, se comparar com o ano de 95. Em 98 o movimento de queda continua e o preço chega a 0,44. Em 99, persiste a tendência de queda. O preço ficou relativamente estável, com pequena variação na entressafra (maio a outubro) em relação à safra (novembro/99 a abril/2000). A média anual em 99 foi 0,43, sendo inferior ao ano anterior e muito aquém dos preços praticados nos primeiros anos de Plano Real. Em 2000 ocorre uma reversão da tendência de queda. O preço se manteve em patamares crescentes, subindo consideravelmente na entressafra, atingindo o pico de 0,57 no mês de agosto, e tendo quedas mais acentuadas a partir de outubro, no limiar do período da safra. Ainda assim, a média do ano foi de 0,49, sendo 14% superior ao que ocorreu em 1999. Em janeiro de 2001, o preço, que já havia decrescido no início da safra 2000/2001, cai para 0,39. A partir daí recuperou-se gradativamente nos meses subseqüentes, porém, em patamares sempre inferiores aos preços praticados nos meses correspondentes no ano 2000. No mês de agosto de 2001, para insatisfação dos produtores e suas lideranças, o preço começa a despencar, em plena entressafra, continuando nessa trajetória até o final do ano, quando chegou a 0,36 em novembro e dezembro. Nestes dois meses foram praticados os preços mais baixos, desde a implantação do Real. Na média, o preço em 2001 foi de 0,43, empatando com o valor médio de 1999, sendo estes os dois anos de preços médios anuais mais baixos. A queda acentuada no preço a partir de agosto, foi um fato completamente atípico. Este fato causou grande desagrado aos produtores, que reagiram prontamente, por meio de suas lideranças e forçaram o estabelecimento de comissões de inquérito nas assembléias legislativas dos estados maiores produtores de leite. O ano de 2002 inicia-se com o preço relativamente baixo, porém a tendência de queda foi revertida, modestamente, e prevaleceu uma certa estabilidade e preços crescentes ao longo do ano, principalmente, se comparados com o segundo semestre de 2001. A média foi de 0,44, ligeiramente superior ao valor correspondente do ano anterior. Em termos de produção, esta foi praticamente a mesma de 2001, crescendo apenas 0,07%. Certamente um dos fatores que explica a estagnação na produção em 2002 foi o comportamento inusitado do preço em 2001, gerando uma expectativa negativa entre os produtores. No ano de 2003 e início de 2004, o preço teve poucas oscilações, com variações esperadas nos meses de entressafra e safra. O preço em janeiro de 2003 foi 19% maior que o correspondente no ano anterior. Ao longo de 2003 o preço teve uma considerável recuperação, comparando-se meses correspondentes de 2003 com 2002. A média no ano foi de 0,47, superior portanto em 7%, em valores corrigidos, ao correspondente de 2002. Se considerados os valores correntes ou nominais, o acréscimo no preço de 2003 foi de 32%,

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contra uma inflação anual que ficou ao redor de 9%. O início de 2004 se apresenta com preço ligeiramente menor que os praticados em 2003. Fica registrado um argumento comum das indústrias laticinistas, segundo o qual os preços do leite, em valores correntes ou nominais, se mantiveram ou subiram desde janeiro/02 até setembro/03, portanto, por 21 meses. Os dados brutos confirmam este argumento, mas na realidade o que importa são os preços deflacionados, e estes mostram uma leve queda nas safras tanto de 2002 quanto de 2003. A recuperação do preço baixo de 2001 ocorreu em 2002 e principalmente em 2003, mas ainda há uma grande defasagem em relação aos anos 95 e 96. Comentários sobre a sazonalidade Examinado as médias dos preços de cada um dos meses, durante esse período de nove anos e incluindo também os preços de janeiro e fevereiro de 2004, que eram conhecidos até a data de elaboração deste trabalho, pode-se observar claramente preços maiores na entressafra e menores na safra. Esta diferença entre os preços fica visível na Figura 2. Em média, o preço da entressafra foi 10% maior, no período de 1995 a 2003. Como explicações do menor preço na safra, período das águas no centro-sul do Brasil, pode-se argüir que nestes meses os custos são menores para os sistemas de produção predominantes no País, o que pode não se confirmar em sistemas de produção mais intensivos. Mas certamente a maior produção nas águas exerce forte influência para que os preços caiam. Ressalta-se que, em situações de excedentes, o poder de mercado, liderado por poucas empresas de grande porte (oligopsônios), cresce. Outra questão importante diz respeito à estabilidade da renda. Maior produção e menor preço nas águas e menor produção e maior preço na seca mantêm a renda relativamente estável ao longo do ano.

Figura 3 - Valores médios de cada mês – período jan./95 a fev./2004

Fonte: Embrapa Gado de Leite – Base de Dados

Preço ao Produtor - Média Mensal - Brasil - 95/03(valores corrigidos - IGP-DI - reais/litro)

0,45 0,450,46

0,48

0,500,51 0,51

0,51

0,49

0,47

0,450,44

0,40

0,42

0,44

0,46

0,48

0,50

0,52

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12

Meses

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O comportamento do preço da ração À semelhança do preço do leite, o preço da ração para vacas teve um comportamento de queda ao longo dos anos, porém sem grandes variações dentro de um mesmo ano, ainda que os preços da matéria-prima, ingredientes da ração, tenham apresentado, em alguns momentos, variações em seus períodos de safra e entressafra. Esta é uma constatação mostrada por Gomes (2002). No período de 95 a 2003, o preço da ração apresentou um comportamento decrescente até 99 e crescente nos anos subseqüentes. Entretanto, a relação de troca, dada pela divisão preço do leite/preço da ração, foi mais favorável aos produtores de leite em 95, 96, 99 e 2000. Em 2001 e 2002, a relação foi decrescente, portanto desfavorável aos produtores de leite. No ano de 2003 a relação PL/PR apresentou uma reação, explicada pela reação mais acentuada no preço do leite, que se elevou em 7%, valores corrigidos, contra uma ascensão mais modesta, 4%, no preço da ração. No início de 2004, com a queda no preço do leite e o preço da ração se mantendo no mesmo nível de dezembro de 2003, resultou em uma relação PL/PR mais baixa. A Figura 4 documenta a evolução do preço da ração e da relação preço do leite/ preço da ração (PL / PR).

Figura 4 – Evolução dos preços reais da ração e da relação PL/PR, 1995 – 2003, e 2004, apenas meses de janeiro e fevereiro.

Fonte: Embrapa Gado de Leite – Base de Dados

Entendendo a queda no preço do leite em 2001 Ano de 2001. Embora a queda inusitada do preço em 2001 já foi objeto de análise por Alves (2002), serão apresentados comentários adicionais sobre aquele fato. Vários são os fatores que contribuíram para a queda de preço no segundo semestre de 2001. Como observado, de 97 a 2000 a relação PL/PR aumentou em 17%, fruto de quedas no preço de ração e aumentos no preço do leite, este mais acentuado em 2000. Este aumento gerou boas expectativas entre

0,00

0,10

0,20

0,30

0,40

0,50

0,60

0,70

0,80

0,90

1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004

PRPL/PR

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os produtores que, mostrando sua capacidade de resposta a estímulos de preços, aumentaram significativamente a produção em 2000 e 2001. Note-se que os resultados obtidos por Gomes (2002) e Alves (2003) ao estimarem a equação da produtividade de uma vaca, a qual se insere na oferta de leite de longo prazo, mostram que uma redução de 10% no preço da ração leva a um incremento de 7,9% na produtividade. Deve ser ressaltado que em 2001, para surpresa dos agentes que atuam no setor, as taxas de crescimento mais elevadas ocorreram justamente nos meses da entressafra, fato raro e até mesmo nunca visto por muitos que lidam com a cadeia do leite, mas explicado pelo modelo. Ainda em 2000, os volumes das importações de lácteos, que bateram recordes nos primeiros anos depois do Real, foram elevados, atingindo 1,8 bilhão em equivalentes litros de leite, o que correspondeu a quase 10% da produção nacional daquele ano. Além disso, surge em 2001 o imprevisto do “apagão”, implicando na queda do consumo de produtos refrigerados em geral, incluindo-se os produtos láteos. A combinação destes fatores resultou na acentuada queda do preço do leite em pleno período de entressafra a fim de ajustar a oferta à demanda. Com preços reduzidos nos mercados interno e externo, as indústrias fizeram aquisições que geraram um excedente não absorvido pelos consumidores. Os produtores, ao receberem um preço mais baixo, acabaram arcando com os custos da indústria para processar e estocar. E a queda no preço a partir de dezembro de 2003? Pode-se atribuir a queda no preço, como querem os produtores, à crise da segunda maior compradora de leite do País? Examinando os dados mais recentes, a resposta a esta pergunta é negativa. Os seguintes argumentos podem ser listados para sustentar esta negativa. O primeiro ponto a considerar é que os dados trabalhados não mostram queda brusca do preço real do leite, cujas médias dos meses dezembro, janeiro e fevereiro foram de 0,44 na safra de 2002/03 e de 0,43 nesta safra corrente de 2003/04, uma queda de 2,2%. Como já relatado, os preços em 2002 iniciaram a reversão da forte queda ocorrida em 2001 e prosseguiram crescendo em 2003, apresentando recuperação em 7% no ano. A média dos preços da entressafra foi 0,49 em 2003, e de novembro/03 até fevereiro/04, portanto quatro meses de safra, a média foi 0,44. Esta queda de 10% está dentro dos limites históricos da sazonalidade de preços, entre os dois períodos, entressafra e safra. Preços estabilizados e crescentes em 2002 e grande parte de 2003 fizeram com que os produtores criassem expectativas favoráveis para aumentar a produção e o fizeram fortemente no período das águas, quando o custo é menor, como mostra a Tabela 1. Os dados de crescimento da produção são expressivos nos últimos três meses de 2003 com incrementos de 4,81%, 6,12% e 6,46%, respectivamente, relativo aos meses correspondentes do ano anterior. Complementando este argumento, foram pesquisados os dados da terceira maior empresa compradora de leite no país. Eles mostram que no período de outubro a fevereiro, 2003/04, a recepção cresceu em 5,9%, comparando com igual período de 2002/2003 (Relatórios da CCPR/Itambé – 2002, 2003 e 2004). Acrescenta-se que as áreas de coleta de leite estão em regiões distantes da segunda e a terceira maiores empresas do setor, dificultando a mudança no destino da produção, de uma para outra indústria. Ou seja, o crescimento revelado foi proveniente dos mesmos produtores – fornecedores.

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Outro ponto a considerar é a queda no consumo. Segundo as estimativas da Láctea Brasil (2002), durante o período de novembro a fevereiro, há uma queda normal de 3 a 5% no consumo de lácteos, principalmente leite fluido e iogurtes, em decorrência das férias escolares3. Este fato, por si só, justificaria uma queda até mesmo superior ao que temos assistido nesta última safra. Pelos resultados de Gomes (2002) e Alves (2003), a elasticidade da oferta de curto prazo foi estimada em 0,25. Portanto, a queda de 3% no consumo eqüivale a uma queda de 12% no preço do leite, ou seja, poder-se-ia esperar uma redução no preço bem superior ao que vem ocorrendo. E por que os preços não caíram ainda mais que o observado nestes últimos meses, como é previsto pelo modelo? A estagnação da produção na entressafra, a forte queda das importações e a conseqüente redução dos estoques, frearam a queda dos preços internos. Adiciona-se que informações pessoais de lideranças da terceira maior compradora de leite do País confirmam estas conclusões e, mais ainda, de que existem evidências empíricas de que o preço do leite esteja se recuperando, já agora a partir de março de 2004. É verdade que muitos produtores sofreram com as dificuldades que enfrenta uma das grandes compradoras de leite do País. Mas, do ponto de vista do mercado nacional de leite, não ocorreu nada diferente daquilo que era esperado para o período, considerando-se safra e entressafra. E, mesmo no ciclo restrito de produtores afetados diretamente pela crise, a acomodação ao padrão normal da safra vem ocorrendo. Conclusões Da análise realizada conclui-se que não são procedentes as manifestações de produtores, atribuindo à crise da segunda maior empresa compradora de leite no País, como sendo a causa da queda no preço do leite na presente safra. Neste trabalho ficou evidente que a queda no preço era esperada para o período, até mesmo em maior intensidade, como foi previsto no modelo e demonstrado utilizando argumentos que consideram fenômenos relacionados à oferta e à demanda.

3 Note-se que o efeito da sazonalidade na demanda pode ser maior, em virtude da queda do preço do leite no período das chuvas.

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Referências Bibliográficas ALVES, E.; GOMES, A .L.; SANTOS, M.L.; Gomes, S.T.; Caraterísticas da oferta de leite. Revista de política agrícola, ano XI nº 4, out/nov/dez 2002 p. 45-53. ALVES, E. R. A . Características do desenvolvimento da agricultura brasileira. In: GOMES, A. T. et al. (ed.) O agronegócio do leite no Brasil. Juiz de Fora: EMBRAPA-CNPGL, 2001. p. 11-31. BARROS, J. M. & RIZZIERI, J. A. B. Os efeitos da pesquisa agrícola para o consumidor: relatório , São Paulo, FIPE, junho 2001. CCPR – Itambé; Relatórios Anuais 2002 e 2003; Relatórios mensais 2004. Belo Horizonte. GOMES, A .L. Determinantes da queda do preço do leite recebido pelo produtor: Uma abordagem de curto e longo prazo. Viçosa: UFV, 2002. 51 p. Dissertação (Mestrado em Economia Rural) - Universidade Federal de Viçosa, 2002. GOMES, A .L. Comportamento do preço do leite recebido pelo produtor: Uma abordagem de curto e longo prazo. XLI Congresso de Economia e Sociologia Rural. Juiz de Fora: Sober, 2003. Anais. Resumos. SOBER p. 59. GOMES, S.T. Evolução recente e perspectivas da produção de leite no Brasil. In: GOMES, A. T. et al (ed.) O agronegócio do leite no Brasil. Juiz de Fora: EMBRAPA-CNPGL, 2001. p. 49-61. GOMES, S.T. Situação atual e tendências da competitividade de sistemas de produção In: GOMES, A. T. et al. (ed) O agronegócio do leite e políticas públicas para o seu desenvolvimento sustentável. Juiz de Fora: EMBRAPA-CNPGL, 2002. p. 67-81. HOFFMANN, R. Elasticidades-renda das despesas e do consumo físico de alimentos no Brasil Metropolitano em 1995-96: Agricultura, São Paulo, SP, 47(1):111-122, 2000. LEITE EM NÚMEROS. BASE DE DADOS. Disponível em. http://www.cnpgl.embrapa.br NAVES, L.F. A oferta de leite no Estado de Minas Gerais: um estudo no período de 1975 a 1995. Lavras: UFLA, 1998. 55 p. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Lavras, 1998. SOUZA, D.P.H. Análise da estrutura de custo e preço de sobrevivência dos principais sistemas de produção de leite. Viçosa: UFV, 2000. Dissertação (Mestrado em Economia Rural) - Universidade Federal de Viçosa, 2000. YAMAGUCHI, L.C.T. Produção de leite nas três últimas décadas. In: O agronegócio do leite no Brasil. Juiz de Fora: EMBRAPA-CNPGL, 2001. p. 49-61.

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Anexo A

Recepção de leite pelos laticínios, 1997/2003, em mil litros.

Mês 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003

Janeiro 958.143 1.030.320 1.028.956 1.083.710 1.193.407 1.195.537 1.275.457

Fevereiro 825.195 881.126 893.282 1.001.475 1.008.155 1.047.697 1.103.451

Março 863.303 905.385 940.534 988.188 1.060.550 1.078.325 1.141.971

Abril 801.042 820.389 874.957 899.857 1.004.622 1.060.808 1.057.016

Maio 809.520 832.587 879.926 901.861 1.014.858 1.063.712 1.048.204

Junho 789.274 825.582 847.894 861.098 1.049.435 1.039.875 1.035.438

Julho 880.115 869.001 909.341 918.272 1.107.755 1.064.154 1.077.305

Agosto 874.358 916.544 922.791 968.794 1.117.504 1.100.078 1.098.359

Setembro 857.648 924.670 898.472 1.024.031 1.102.850 1.058.913 1.077.521

Outubro 983.480 969.400 935.473 1.123.015 1.169.042 1.117.072 1.170.836

Novembro 998.307 994.168 965.151 1.132.015 1.176.927 1.146.884 1.217.024

Dezembro 1.047.894 1.026.201 1.042.153 1.205.425 1.207.605 1.248.252 1.328.852

T O T A L 10.688.279 10.995.373 11.138.930 12.107.741 13.212.710 13.221.307 13.631.434

Fonte: Embrapa Gado de Leite – Base de Dados

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Anexo B

Preço do leite ao produtor - jan/1995 a fev/2004 - R$/litro

Ano janeiro Fev março abril maio Junho Julho agosto Set Out nov dez Média anual

1995 0,63 0,62 0,62 0,63 0,63 0,62 0,61 0,60 0,59 0,58 0,56 0,55 0,60

1996 0,52 0,49 0,51 0,54 0,54 0,55 0,56 0,58 0,57 0,55 0,53 0,50 0,54

1997 0,45 0,46 0,46 0,46 0,49 0,49 0,49 0,48 0,45 0,44 0,41 0,40 0,46

1998 0,40 0,40 0,43 0,44 0,46 0,49 0,50 0,50 0,45 0,44 0,44 0,41 0,44

1999 0,39 0,40 0,41 0,42 0,45 0,45 0,45 0,44 0,44 0,45 0,43 0,44 0,43

2000 0,45 0,46 0,46 0,47 0,49 0,52 0,54 0,57 0,56 0,51 0,45 0,42 0,49

2001 0,39 0,41 0,44 0,47 0,49 0,50 0,50 0,44 0,40 0,37 0,36 0,36 0,43

2002 0,37 0,38 0,41 0,44 0,46 0,47 0,48 0,46 0,46 0,44 0,43 0,45 0,44

2003 0,44 0,44 0,45 0,47 0,48 0,50 0,51 0,50 0,49 0,48 0,47 0,45 0,47

2004 0,42 0,41

Média mensal

0,45 0,45 0,46 0,48 0,50 0,51 0,51 0,51 0,49 0,47 0,45 0,44 0,48

Fonte: Embrapa Gado de Leite – Base de Dados Valores corrigidos para dezembro/03 – IGP-DI

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A Influência de Variáveis de Mercado e de Programas Governamentais na Determinação dos Preços de Produtos Agrícolas1

Júnia Cristina P. R. da Conceição2

Resumo

Programas governamentais, como a Política de Preços Mínimos podem ter

importante influência na formação dos preços de produtos agrícolas. Entretanto, mudanças

recentes nos instrumentos de intervenção podem ter alterado o papel destes programas na

determinação dos preços.

A identificação de variáveis que tenham influência sobre a determinação dos preços

são particularmente importantes para o êxito no desenho de programas voltados para o setor

agrícola. Este é o objetivo deste estudo, qual seja, examinar a influência de alguns fatores

na determinação do preço de dois importantes produtos agrícolas: arroz e milho. O modelo

trabalha com dois tipos de fatores que afetam os preços: oferta e demanda de mercado e

variáveis de política governamental.

Palavras-chaves: Política de preços Mínimos, arroz, milho, estoques es.

A Influência de Variáveis de Mercado e de Programas Governamentais na Determinação dos Preços de Produtos Agrícolas

Júnia Cristina P. R. da Conceição

I) Introdução Os últimos anos da década de 80 iniciaram um processo de profunda alteração na

condução da política agrícola no Brasil. Como conseqüência deste processo de

reformulação da política agrícola, houve uma redução significativa das aplicações públicas

fiscais e financeiras no setor agrícola (Barros, Beres e Malheiros, 1993). Neste contexto,

1 Gostaria de expressar meus agradecimentos a Elza Mary de Oliveira e a Hilma N.P. Fonseca, da equipe de informações gerenciais da CONAB, pela valiosa ajuda no fornecimento dos dados e no esclarecimento de dúvidas, eximindo-as, como de praxe, de eventuais incorreções. 2 Técnica de Planejamento e Pesquisa do IPEA

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houve uma diminuição de recursos para dois dos principais instrumentos de política

agrícola: crédito rural e preços mínimos.

Na realidade, a restrição do ponto de vista fiscal associada à consolidação do

processo de abertura comercial, na década de 90, criaram um quadro completamente

distinto do que ocorria nas décadas anteriores, sinalizando um modelo de desenvolvimento

mais liberal e menos intervencionista, com modificações substanciais na condução da

política agrícola.

No que se refere à Política de Garantia de Preços Mínimos (PGPM), os efeitos da

abertura praticamente liquidaram o intento de coordenação simultânea do mercado de

produtor e mercado de atacado. Como bem destaca Coelho (2001), houve uma

reformulação dos mecanismos de suporte aos produtores com o objetivo de reduzir a

presença do Estado na comercialização e facilitar o alinhamento da política doméstica ao

mercado internacional.O preço de liberação de estoque (PLE) foi abandonado como limite

superior à desmobilização de estoques, e a concepção de formação, carregamento e

desmobilização de estoques reguladores foi revista.Barros e Guimarães (1998), quando

analisaram o desempenho da Política de Preços Mínimos (PGPM) entre 1985 e 96,

utilizando um modelo de expectativas racionais evidenciaram a dificuldade do governo em

intervir de forma adequada, nos moldes da Política de Garantia de Preços Mínimos vigente

até 1995. Não foram raros os anos em que o volume de compras realizadas pelo governo

durante a safra foi devolvido ao mercado no mesmo ano, o que contraria o princípio que

fundamenta a política, qual seja, que o volume de AGF deve permanecer fora de mercado

durante todo o ano agrícola. Além disso, o instrumento do EGF, usado com maior

intensidade na década de 90, passou a ter uso distorcido, posto que aparentemente parte de

seus estoques passava para o ano seguinte mediante prorrogação dos empréstimos.

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A interpretação de Bressan Filho (1999) é que as políticas de formação de estoques

e de importação eram controladas pelo governo, e só por isso ganhavam consistência. A

importação ocorria somente quando não havia estoques suficientes. Com a abertura da

economia, as importações ocorreram não obstante a existência de volumosos estoques

públicos de alimentos. Rezende (2000) chama atenção para a inconsistência entre os velhos

instrumentos da PGPM, baseados na formação de estoques públicos, e a economia aberta.

O fato é que, como mostra Delgado (1995), a partir de 1995 a política para os

mercados agrícolas de produtos da cesta básica persegue os objetivos da estabilização de

preços finais, sem intervenções diretas. Os efeitos da abertura praticamente liquidaram o

intento de coordenação simultânea do mercado de produtor e mercado de atacado.

Após 1995, o Governo decidiu promover uma reformulação total nos instrumentos

de apoio à comercialização, com a criação de novos instrumentos e manutenção da AGF e

do EGF somente para casos especiais (veja Conceição, 2001).

Na realidade, houve substituição do modelo de garantia de preços. Passa-se a

utilizar o método de seguro sem compra de excedentes, adotando-se a prática mais ágil dos

pagamentos diferenciais entre preço mínimo e preço de mercado, consubstanciados nos

novos instrumentos de comercialização: Programa de Escoamento da Produção (PEP) e

Contratos de Opção (Conceição, 2001).

Neste período, dois importantes fenômenos macroeconômicos condicionaram o

desempenho e o próprio desenho da política de preços mínimos: abertura econômica e

câmbio fixo. Com a abertura e câmbio sobrevalorizado, a necessidade de constituição de

estoques reguladores é minimizada, já que os produtos poderiam, e de fato foram, obtidos

por meio de importações. Entretanto, com a mudança do regime cambial em 1999 há uma

alteração significativa, já que a importação de alimentos se torna mais onerosa e os

incentivos, do ponto de vista cambial, são mais para a exportação. Neste novo ambiente de

economia aberta, mas agora com câmbio flexível, a atuação eficaz de uma política de

preços mínimos é mais complexa.

Forças de mercado, medidas pela oferta e demanda influenciam os preços. A

posição dos estoques finais anuais de cada produto sumariza os efeitos dos fatores de oferta

e demanda durante o ano e é um indicador útil para o entendimento dos movimentos de

preços para os produtos.

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Programas governamentais, como a Política de Preços Mínimos, também podem ter

importante influência na formação dos preços. Entretanto, mudanças nos instrumentos de

intervenção podem ter alterado o papel destes programas na determinação dos preços.

Neste sentido, informações sobre o comportamento dos preços e a identificação de

variáveis que tenham influência sobre eles se tornaram particularmente importantes para o

êxito no desenho de programas voltados para o setor agrícola. Este é o objetivo deste

estudo, qual seja, examinar a influência de alguns fatores na determinação do preço de dois

importantes produtos agrícolas: arroz e milho. O modelo trabalha com dois tipos de fatores

que afetam os preços: oferta e demanda de mercado e variáveis de política governamental.

II) Objetivos

O presente trabalho procura investigar a influência de algumas variáveis na

determinação do preço ao produtor. Especificamente, o trabalho procura estimar o efeito de

variáveis de mercado (oferta e demanda) e também variáveis referentes à atuação do

governo na condução da política agrícola na formação do preço mercado para dois produtos

importantes para o abastecimento interno: milho e arroz. A pergunta que está subjacente é:

o desenho da política agrícola para os produtos da cesta básica é suficiente para influenciar

a determinação dos preços agrícolas ao nível do produtor, ou as variáveis de mercado tem

tido uma influência maior?

III) Referencial Teórico

O referencial teórico utilizado neste trabalho3 está baseado no modelo para

mercados competitivos com inventories (Labys, 1973), descrito a seguir.

Sejam:

Função de Oferta: S = f (pt-1, z) (1)

Função de Demanda: D = g(p, pt-1, z) (2)

Função Estoques: K= h(p, z) (3)

3 O mesmo referencial teórico foi utilizado por Westcott ,P. C. e Hoffman,L.A.(1999).

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Condição de Equilíbrio: S-D-K=0 (4)

Onde:

S é a oferta agrícola, D é a demanda, K são os estoques finais, p é o preço de

mercado e z é um grupo de variáveis exógenas. O subscrito pt-1 representa preço no ano

anterior, todas as outras variáveis referem-se ao ano corrente. A oferta relaciona-se

positivamente com o preço esperado, enquanto a demanda e os estoques relacionam-se

negativamente.

No equilíbrio, os preços podem ser determinados pelo inverso da função de

estoques. Isto fornece a determinação da equação de preço, com os preços se relacionando

negativamente com os estoques, como pode ser visto na equação abaixo:

Equação de preço: P = h-1 (K, z) (5)

A equação 5 fornece o ponto de partida para a investigação que se pretende fazer.

Introduzindo o preço mínimo na equação de estoques, tem-se:

Função Estoques: h(p,z, pmin) (3 a)

Com esta definição da função de estoques, a função inversa, que fornece a equação

de preço passa a ser a seguinte:

P = h-1 (K,z,pmin) (5a)

Para captar o efeito dos estoques que o governo já tem em mãos sobre a

determinação dos preços, um termo adicional é incluído: estoques governamentais (EG).

P = h-1 (K,z,pmin, EG) .

Os preços relacionam-se negativamente ao total de estoques de mercado, mas

relacionam-se positivamente ao nível de estoques do governo, já que os estoques finais

anuais que o governo tem em mãos geralmente não se tornaram disponíveis para o

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mercado. Isto é, volumes elevados de estoque devem estar relacionados a preços mais

baixos (S>D), por outro lado, volumes elevados de estoques em mãos do governo devem

empurrar os preços para cima.

IV) Metodologia

IV. 1) Modelo Empírico

Os modelos empíricos utilizados na estimação foram os seguintes: Modelo para o Arroz: LNParroz = α 0+ α1Ln K/U +α2Ln EG/U +α3D1LnPminarroz +µ Modelo para o Milho LNPmilho = α 0+ α1Ln K/U +α2Ln EG/U +α3D1LnPminmilho +µ Onde: Pmilho= preço do milho recebido pelo produtor;

K/U= relação estoque/uso;

EG/U= relação estoque governamental/uso;

Pminmilho= preço mínimo milho;

Parroz= preço do arroz recebido pelo produtor;

Pminarroz=preço mínimo do arroz;

D1= variável Dummy igual a 1 no período 1985 a 1995 e zero no período 1996 a 2003.

A relação K/U é uma variável comumente utilizada em price models e fornece

uma medida da influência das forças de mercado na determinação dos preços. O sinal

esperado para esta variável é negativo. Isso porquê se o total da demanda em relação a

oferta aumentar, os estoques de passagem (carryover stocks) diminuem e os preços tendem

a aumentar. Por outro lado, se a demanda em relação a oferta diminuir, os preços de

mercado tendem a cair e os estoques são formados.

O sinal esperado para a variável EG/U é positivo, já que um volume grande de

estoques na mão do governo representa uma diminuição do volume de oferta para o

mercado, resultando em preços maiores. A intervenção governamental nos mercados de

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milho e arroz é bastante conhecida. Estes são, sem dúvida, dois produtos que

historicamente foram alvo de intervenção governamental por meio da Política de Preços

Mínimos.

A interação da variável preço mínimo com a variável Dummy foi feita para

tentar identificar o impacto da mudança ocorrida na política de preços mínimos. A variável

dummy foi definida como sendo igual a 1 no período de 1985 a 1995 e zero no período de

1995 a 2003.

Os modelos foram estimados por Mínimos Quadrados Ordinários (MQO),

utilizando o pacote econométrico SAS (SAS Institute).

IV. 2) Indicadores de Correlação Além da aplicação empírica do modelo de Labys (1973) foram calculados

também indicadores de correlação, entre os preços de mercado e o preço mínimo, para

subsidiar a análise e a interpretação dos resultados.

Os indicadores de correlação foram feitos, inicialmente, considerando o período

total da amostra (1985/2003). Em seguida, para analisar mais detalhadamente, dividiu-se a

amostra em dois períodos: 1988/1995 e 1995/2003. Foram calculados os coeficientes de

correlação entre preço de mercado e preço mínimo para esses dois períodos,

separadamente. Esta divisão tem como objetivo investigar qual tem sido o papel dos preços

mínimos no período mais recente, depois de consolidadas as alterações na condução da

política agrícola.

IV. 3) Dados

Os dados utilizados foram obtidos junto a CONAB, para o período de 1985 a 2003.

Os dados de preço foram deflacionados utilizando-se o IGP-DI da Fundação Getúlio

Vargas, e referem-se a região ao centro-sul.

V) Resultados

Os modelos estimados, tanto para o arroz quanto para o milho, apresentaram um

bom ajuste. As tabelas 1 e 2 abaixo sintetizam os resultados encontrados.

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Tabela 1- Resultados–Modelo Arroz 1985-2003

Variável Estimativa do Parâmetro

Teste t Pr>t

Constante 2.93383 11,66 0,0001

LNK_U arroz -0.11662 -1,20 0,2480

CCCarroz_U Antilog-0,11662 0,68 0,5069

D1lnpminarroz 0.17927 3,71 0,0021

R2=0,7145

R2=0,6573

F=12,51

Pr>F= 0,0002

Fonte: dados do trabalho

No caso do modelo estimado para o arroz, somente a variável que procura verificar

o impacto dos estoques governamentais sobre o preço não se mostrou significativa, embora

apresentasse sinal condizente com a teoria. As demais variáveis mostraram-se

significativas, ao nível de pelo menos 25%. A variável D1lnpminarroz mostrou-se

altamente significativa, confirmando o efeito que a mudança na condução da Política de

Preços Mínimos teve sobre a determinação dos preços. O sinal desta variável é positivo,

mostrando que a PGPM teve um impacto positivo sobre os preços dos produtos até 1995.

A variável que capta o efeito dos estoques de passagem foi significativa somente ao

nível de 25%, e apresentou sinal condizente com a teoria. Isto é, um aumento no estoque de

passagem tem o efeito de diminuir os preços já que verifica-se que há um aumento da oferta

do produto vis-à-vis sua demanda (uso).

O R2 ajustado foi de 65,73%, ou seja, aproximadamente 66% das variações

ocorridas no preço decorrem de variações nas variáveis introduzidas no modelo. O teste F

confirma esta conclusão.

Os resultados para o modelo do milho podem ser visualizados na tabela abaixo:

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Tabela 2- Resultados–Modelo Milho 1985-2003

Variável Estimativa do Parâmetro

Teste t Pr>t

Constante 2,61

7,53 <0,0001

LNK_U milho -0,00236 -0,03 0,9747

lnCCCmilho_U 0,01980 0,34 0,738

D1lnpminmilho 0.1973 5,94 <0,0001

R2=0,7970

R2=0,7564

Teste F=19,63

Pr>F <0,0001

Os resultados encontrados evidenciam a importância da variável dummy*preço

mínimos na determinação do preço do milho. A variável que mede o impacto dos estoques

de passagem sobre o preço teve o sinal esperado, mas não foi significativa. A variável

estoques governamentais também não se mostrou significativa.

A variável D1lnpminmilho, assim como no caso do arroz, mostrou-se altamente

significativa, confirmando o efeito que a mudança na condução da Política de Preços

Mínimos teve sobre a determinação dos preços. O sinal desta variável é positivo, mostrando

que a PGPM teve um impacto positivo sobre os preços dos produtos até 1995 e que há, de

fato, uma alteração da relação preço mínimo-preço de mercado pós 95.

O R2 ajustado foi de 79,70%, indicando que 79,70% das variações ocorridas no

preço do milho são explicadas pelas variáveis utilizadas no modelo. O teste F =19,63

rejeitando-se a hipótese H0 de que os parâmetros são todos iguais a zero ao nível de 1% de

significância.

Os testes de correlação apresentaram resultados interessantes que confirmam a

análise feita. Como já esclarecido anteriormente, a amostra foi dividida em dois períodos:

1985/1995 e 1995/2003. Foram, então, calculados os coeficientes de correlação

considerando a amostra completa e também para esses dois períodos. Os resultados estão

sumarizados na tabela abaixo.

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Tabela 3 - Coeficientes de Correlação Preço Mercado*Preço Mínimo para Arroz e Milho

Coeficiente de Correlação Período

Arroz Milho

1995/2003 0,8335 (ns=1%) 0,83968 (ns=1%)

1985/1995 0,8048 (ns=1%) 0,79653 (ns=1%)

1995/2003 -0,3449 (5%) 0,03934 (NS) Fonte: Dados da Pesquisa

Os coeficientes de correlação também expressam a ruptura na relação preço de

mercado – preço mínimo para milho e arroz. Esta ruptura só é de fato percebida quando a

série é divida. Assim fica claro que, no período mais recente (1995/2003), o preço mínimo

deixa de ter o papel que teve em períodos anteriores. O coeficiente de correlação entre

preço mínimo e preço de mercado cai consideravelmente entre os dois períodos. Isto

também pode ser visualizado nos gráficos abaixo.

Preço de Mercado X Preço MínimoArroz

010

20

30

40

50

60

70

80

1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003

Ano

Preç

o ParrozPmin Arroz

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Preço de Mercado X Preço MínimoMilho

0,00

5,00

10,00

15,00

20,00

25,00

30,00

35,00

40,00

45,00

1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003

Ano

Pre

ço PmilhoPmin milho

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VI) Conclusão

A conclusão do presente trabalho é que, dentre as variáveis utilizadas, a variável que

teve maior influência na explicação dos preços de milho e arroz foi a alteração na condução

da política de Preços Mínimos, principalmente no período pós-95. Isto é reforçado pelos

resultados dos coeficientes de correlação e pela análise dos gráficos.

De fato, a análise dos gráficos permite verificar que tanto para o caso do arroz

quanto para o do milho há um comportamento similar entre os preços de mercado e preços

mínimos até 1995. A partir de 1995, esta relação não é mais mantida. Os preços mínimos

tendem a cair e não há mais um comportamento similar entre preços mínimos e preços de

mercado.

Deve ser ressaltado que outras variáveis, como preço internacional e taxa de

câmbio, devem ter impacto significativo sobre os preços. A questão que se coloca, e que

se pretende aprofundar, e se a regra de interferência no mercado agrícola (quando o preço

de mercado<preço mínimo) está correta, quando se trabalha em uma economia aberta com

câmbio flexível. Talvez fosse o caso de se criar uma outra regra de interferência que

tornasse a política de preços mínimos mais potente na formação dos preços.

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VI)Bibliografia

BARROS, G. S. A C. & GUIMARÃES, V.D.A. Análise da Eficácia da Política de Preços

para Arroz e Milho por meio de um Modelo de Expectativas Racionais. Revista de Economia e Sociologia Rural. Vol 36, n 4, out/dez 1998, Brasília.

BARROS, G.S. A C., BERES, N. A & MALHEIROS, P.C.F. Gastos Públicos na

Agricultura: Tendências e Prioridades. Estudos de Política Agrícola. N 2 Sumários Executivos. Brasília: IPEA, 1993. p.7-20

BRESSAN FILHO, A. A Construção da Nova Política Agrícola. Anais do XXXVII

Congresso Brasileiro de Economia e Sociologia Rural. Brasília. P.5-7, 1999. COELHO, C.N. 70 Anos de Política Agrícola no Brasil (1931-2001). Revista de Política

Agrícola, jul/ago/set 2001. SPA/MAPA CONAB (Companhia Nacional de Abastecimento). Informativo Conjuntural. Diversos. CONCEIÇÃO, J. C. P. R. da. Contribuição dos Novos Instrumentos de Comercialização

(Contratos de Opção e PEP) para Estabilização de Preço e Renda Agrícolas. Brasília: IPEA, Texto para Discussão,

DELGADO, G. C. Estoques Governamentais de Alimentos e Preços Públicos. Brasília:

IPEA, dez 1995. Texto para Discussão, 395. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Plano Agrícola e Pecuário. Safra

2001/2002. Brasília: MAPA/SPA, 2001. REZENDE, G. C. de. Política de Preços na década de 90. Dos Velhos aos Novos

Instrumentos. Texto para Discussão n740, IPEA, julho 2000. WESTCOTT, P. C. & HOFFMAN, L. A. Price Determination for Corn and Wheat: The

Role of Market Factors and Government Programs. Economic Research Service, U. S.Department of Agricultural, Technical Bulletin, number 1878.

July 1999.

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EFICIÊNCIA DA PEQUENA PRODUÇÃO DE LEITE NO ESTADO DE RONDÔNIA

Denzil Bertram Roberts

Adriano Provezano Gomes Resumo: A análise envoltória de dados (DEA) foi aplicada a dados coletados junto a 112 produtores de leite no Estado de Rondônia. O objetivo foi avaliar a eficiência técnica relativa dos pequenos produtores na região e depois identificar os fatores explicativos dessa eficiência. O resultados indicaram que os pequenos produtores apresentam ineficiências técnicas; porém estas não se constituem no principal problema. Todos os pequenos produtores estão operando com retornos crescentes de escala, implicando em maior necessidade de aumentar o volume de produção e, conseqüentemente, melhorar a eficiência de escala. Percebe-se, ainda, que o aumento no volume de produção não pode ocorrer simplesmente pela expansão dos atuais sistemas de produção. É necessário alterar as proporções utilizadas dos fatores. O crescimento extensivo não fará com que a eficiência de escala melhore. Palavras-chave: produção de leite; análise envoltória de dados; medidas de eficiência. 1. Introdução

O mapa geográfico da produção leiteira no Brasil tem sofrido mudanças significativas nas últimas décadas, marcadas pela diminuição da importância relativa de bacias tradicionais e pela expansão das novas áreas produtoras. Outra transformação recente da cadeia leiteira é a concentração da produção nos maiores produtores de leite. O aumento da competição, ao reduzir as margens de lucro unitário, tem forçado os produtores a investirem tanto no aumento da produtividade, como também no volume de produção. A redução ou eliminação dos pequenos produtores da atividade leiteira é citada como um dos efeitos das transformações da cadeia agroindustrial de leite no longo prazo. Entretanto, apesar das tendências que sugerem essa eliminação, isso pode não se verificar, devido à eficiência desses produtores em utilizar os poucos recursos disponíveis, fazendo com que eles sobrevivam na atividade. Nesse sentido, este trabalho procurou analisar se os pequenos produtores de leite no Estado de Rondônia, em face às transformações ocorridas nos últimos anos, são eficientes e quais são os fatores explicativos dessa eficiência. 2. Metodologia Medidas de Eficiência O conceito de eficiência tem sido um dos aspectos centrais nos estudos econômicos atuais. Existe interesse em medir eficiência e produtividade, pois elas são medidas de desempenho na qual as unidades de produção são avaliadas. Esse interesse nas medidas de eficiência teve início com o trabalho pioneiro de FARREL (1957). Neste estudo, o autor consegue decompor a eficiência total (econômica) em dois componentes: a eficiência técnica, que reflete a habilidade da firma em obter máximo produto, dado um conjunto de insumos; e a eficiência alocativa, que reflete a habilidade da firma em utilizar os insumos em proporções

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ótimas, dados seus preços relativos. Essas duas medidas são combinadas para se obter uma medida de eficiência econômica total. Medidas de eficiência técnica podem ser facilmente obtidas em problemas simples, envolvendo poucos insumos e produtos. Entretanto, em situações com várias firmas1 utilizando múltiplos insumos e produzindo vários produtos, o cálculo da eficiência relativa de cada firma torna-se mais complexo. Uma vez que existem restrições tecnológicas sobre as organizações, somente algumas combinações de insumos são formas viáveis de produzir uma certa quantidade de produto. O conjunto de todos os planos de produção viáveis é chamado tecnologia. O subconjunto de todos os planos de produção "ótimos" chama-se fronteira de produção. Assim, no cálculo das medidas de eficiência envolvendo vários insumos e/ou produtos, utiliza-se, como referencial, uma fronteira de produção.

Fronteiras podem ser estimadas por diferentes métodos. Os dois mais utilizados são as fronteiras estocásticas e a análise envoltória de dados (DEA). As fronteiras estocásticas consistem em abordagens paramétricas, sendo estimadas por métodos econométricos, enquanto a técnica DEA é uma abordagem não-paramétrica, que envolve programação matemática em sua estimação.A DEA fornece a fronteira de produção como uma curva que envolve os dados, determinando, para cada unidade analisada, se pertence ou não à fronteira.

A análise não-paramétrica de eficiência ou a análise envoltória de dados (DEA) foi desenvolvida por CHARNES et al. (1978) e tem sido utilizada para estimar a eficiência de unidades organizativas em diversos campos de aplicação, incluindo a agricultura.

A pressuposição fundamental na técnica DEA é que, se uma dada DMU A é capaz de produzir Y(A) unidades de produto, utilizando X(A) unidades de insumos, então outras DMU’s poderiam também fazer o mesmo, caso elas estejam operando eficientemente. De forma similar, se uma DMU B é capaz de produzir Y(B) unidades de produto, utilizando X(B) de insumos, então outras DMU’s poderiam ser capazes de realizar o mesmo esquema de produção. Caso as DMU’s A e B sejam eficientes, elas poderiam ser combinadas para formarem uma DMU composta, isto é, que utiliza uma combinação de insumos para produzir uma combinação de produtos. Desde que esta DMU composta não necessariamente existe, ela é denominada DMU virtual. A DEA consiste em encontrar a melhor DMU virtual para cada DMU da amostra. Caso a DMU virtual seja melhor do que a DMU original, ou por produzir mais com a mesma quantidade de insumos ou produzir a mesma quantidade usando menos insumos, a DMU original será ineficiente.

A maior vantagem da DEA é sua flexibilidade, no sentido de que impõe condições menos restritivas sobre a tecnologia de referência, ou seja, não é necessário estabelecer uma forma funcional para a função de produção. Além de identificar de forma simples as unidades ineficientes, outra vantagem desta técnica é que, ao relacionar todos os insumos com todos os produtos, permite identificar quais insumos estão sendo utilizados em excesso.

Considere que existam k insumos e m produtos para cada n DMU’s. São construídas duas matrizes: a matriz X de insumos, de dimensões (k x n) e a matriz Y de produtos, de dimensões (m x n), representando os dados de todas as n DMU’s. Na matriz X, cada linha representa um insumo e cada coluna representa uma DMU. Já na matriz Y, cada linha representa um produto e cada coluna uma DMU.

Assim, para a i-ésima DMU, são representados os vetores xi e yi, respectivamente para insumos e produtos. Para cada DMU, pode-se obter uma medida de eficiência, que é a razão entre todos os produtos e todos os insumos. Para a i-ésima DMU tem-se:

1 Na literatura relacionada com modelos DEA, uma firma é tratada como DMU (decision making unit), uma vez que desses modelos provém uma medida para avaliar a eficiência relativa de unidades tomadoras de decisão.

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2

kiki22i11

mimi22i11

i

i

xvxvxvyuyuyu

x̀vy`uiDMUdaEficiência

+++++

== (1)

em que u é um vetor (m x 1) de pesos nos produtos e v é um vetor (k x 1) de pesos nos insumos. Note que a medida de eficiência será uma escalar, devido as ordens dos vetores que a compõem.

A pressuposição inicial é que esta medida de eficiência requer um conjunto comum de pesos que será aplicado em todas as DMU’s. Entretanto, existe uma certa dificuldade em obter um conjunto comum de pesos para determinar a eficiência relativa de cada DMU. Isto ocorre pois as DMU’s podem estabelecer valores para os insumos e produtos de modos diferentes, e então adotarem diferentes pesos. É necessário, então, estabelecer um problema que permita que cada DMU possa adotar o conjunto de pesos que for mais favorável, em termos comparativos com as outras unidades. Para selecionar os pesos ótimos para cada DMU, especifica-se um problema de programação matemática. Para a i-ésima DMU tem-se:

( )

0v,u

n,...,2,1j,1x̀vy`u:a.sx̀vy`uMAX

jj

ii

=≤ (2)

Esta formulação envolve obter valores para u e v, de tal forma que a medida de eficiência para a i-ésima DMU seja maximizada, sujeito à restrição de que as medidas de eficiência de todas as DMU`s sejam menores ou iguais a um. Caso a eficiência obtida para a DMU que está sendo testada seja igual a um, ela será eficiente em relação às demais; caso contrário era será ineficiente. O modelo pode ser linearizado, tornando possível sua solução através de métodos de programação linear convencionais. A formulação linearizada é a seguinte:

( )

0v,u

n,...,2,1j,0x̀vy`u1x'v:a.s

y'uMAX

jj

i

i

=≤−=

(3)

Por meio da dualidade em programação linear, tem-se:

00Xx0Yy:a.s

MIN

i

i

≥λ≥λ−θ≥λ+−

θ

(4)

em que θ é uma escalar, cujo valor será a medida de eficiência da i-ésima DMU. Caso o valor de θ seja igual a um, a DMU será eficiente, caso contrário será menor que um. Já λ é um vetor (n x 1) de constantes, cujos valores são calculados de forma a obter a solução ótima. Para uma DMU eficiente, todos os valores de λ serão zero. Já para uma DMU ineficiente, os valores de λ serão os pesos utilizados na combinação linear de outras DMU’s eficientes, que influenciam na projeção da DMU ineficiente sobre a fronteira calculada. Isto significa que, para uma unidade ineficiente, existe ao menos uma unidade eficiente, cujos pesos calculados fornecerão

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a DMU virtual da unidade ineficiente, através de combinação linear. As unidades eficientes que, quando combinadas, fornecem a DMU virtual para a unidade ineficiente são conhecidas como pares ou benchmarks daquela DMU. O problema apresentado na forma dual requer menor número de restrições do que o primal. Como no primal existem (k + m) variáveis, o dual terá (k + m) restrições, que é menor que as (n + 1) restrições do primal. Isto ocorre uma vez que o número de DMU’s é geralmente superior à soma do número de insumos mais o número de produtos. Neste sentido, o dual é preferível ao primal, pois consome menos tempo para ser resolvido.

O modelo, nesta forma, pressupõe retornos constantes à escala. Essa pressuposição pode ser removida, adicionando-se uma restrição de convexidade. Com isto, obtém-se o modelo com retornos variáveis. Para a obtenção desse modelo, basta adicionar a restrição

1N1 =λ , em que N1 é um vetor (n x 1) de uns. Esta abordagem forma uma superfície convexa de planos em interseção, o qual envolve os dados de forma mais compacta do que a superfície formada pelo modelo com retornos constantes. Com isto, os valores obtidos para eficiência técnica, sobre a pressuposição de retornos variáveis, são maiores do que aqueles obtidos com retornos constantes.

Pode-se, ainda, pressupor retornos não crescentes ou não decrescentes à escala. No caso de retornos não crescentes, basta substituir a restrição 1N1 =λ por 1N1 ≤λ . No caso de retornos não decrescentes, basta substituir por 1N1 ≥λ . Identificando os fatores explicativos da eficiência

A Regressão Linear foi usada para identificar a importância relativa dos fatores explicativos da eficiência dos produtores, utilizando o seguinte modelo econométrico:

ε+β+β+β+β+β+β+β+β+β+β+α=

510493827

165544332211

DXDXDXDXDXXXXXXE

(5)

em que a variável dependente é a medida de eficiência. As variáveis explicativas foram: X1 - produção anual de leite, medida em litros, X2 - área utilizada para gado, medida em hectares; X3 - número total de vacas do rebanho; X4 - mão-de-obra para manejo do rebanho medida em R$/ano; e X5 - custo operacional total, em R$/ano.

A variável D representa uma dummy com valores iguais a 1 para os pequenos

produtores e ε representa o erro aleatório. Fonte dos dados

Os dados utilizados neste trabalho foram coletados pelo SEBRAE-RO (2002),

referentes ao diagnóstico do agronegócio do leite e seus derivados do Estado de Rondônia. Para esse diagnóstico foram entrevistados 457 produtores, sendo aplicados 343 questionários para a coleta de dados qualitativos e 114 para dados quantitativos. A atual pesquisa utiliza apenas os questionários com dados quantitativos, dos quais dois foram excluídos por falta de algumas informações. Os dados levantados referem-se ao ano 2001/2002, especificamente de

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junho de 2001 a maio de 2002. Foram utilizados preços médios de insumos, serviços e produtos referentes a esse período.

Para executar os modelos, foi necessário construir duas matrizes de dados, uma contendo os insumos utilizados pelos produtores e outra relacionada com produtos. A matriz X de insumos, de ordem (k x n), é composta por k insumos, utilizados por n produtores. Já a matriz Y de produtos, de ordem (m x n), é composta por m produtos, produzidos pelos n produtores. Neste trabalho, utilizaram-se quatro variáveis, correspondentes aos insumos (k = 4), e uma relacionada com produtos (m = 1). São elas:

Y1 - Produção anual de leite, em litros. X1 - Área destinada ao gado, medida em hectares, obtida somando-se as áreas

com pastagens (natural e formada), cana-de-açúcar, capineira e silagem. Esse fator é importante tanto na influência que exerce na produção de matéria-verde quanto na alta participação do valor da terra no capital total da empresa.

X2 - Quantidade total de vacas, considerando-se tanto as em lactação quanto as falhadas. Essa é uma variável importante, uma vez que vários trabalhos relacionados à produção leiteira consideram a produtividade das vacas como uma medida de desempenho da atividade.

X3 – Custo operacional efetivo, obtido somando-se os gastos com mão-de-obra contratada, concentrados, minerais, manutenção de forragens verdes, silagem, medicamentos, hormônios, reparos de máquinas e benfeitorias, transporte do leite, impostos, aleitamento artificial, materiais de ordenha, energia e combustível.

X4 – Capital investido em benfeitorias, máquinas e animais. Essas variáveis foram também utilizadas por GOMES et al. (2003), SILVA et al.

(2001) e ARZUBI e BERBEL (2002). A analise foi feita em dois grupos com base na produção média de leite: o primeiro grupo consiste de produtores que produzem até 50 litros de leite por dia; o segundo grupo é composto por produtores cuja produção é superior a 50 litros diários de leite.

Vale destacar que os limites que definem o pequeno e o grande produtor, na maioria das pesquisas sobre a produção de leite, dependem de cada região e são portadores de significativa carga de subjetividade. A presente pesquisa não objetiva estabelecer limites que tipificam o pequeno produtor, apenas examina comportamento de quem produz menos e mais leite no estado de Rondônia. O uso de produtores que produzem até 50 litros diários como pequenos produtores tomou como base o trabalho do SEBRAE-RO (2002), referente ao diagnóstico do agronegócio do leite e seus derivados do Estado de Rondônia, onde o menor estrato foi de até 50 litros.

De acordo com ALI e SEIFORD (1993), para que a análise tenha resultados satisfatórios, é necessário que o número de unidades analisadas seja, pelo menos, três vezes o número de insumos e produtos, isto é, considerando-se N o número de unidades de produção, X o número de insumos e Y o número de produtos relativo às unidades, a quantidade necessária de unidades que deve compor a amostra pode ser estimada pela seguinte expressão:

N.º de unidades necessárias ≥ 3 x (X + Y) Como N = 112, X = 4 e Y = 1, não haverá problemas nas estimativas dos modelos.

3. Resultados

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Os dados apresentados na Tabela 1 fornecem a descrição da amostra de produtores dos dois grupos analisados. Os valores são médias simples das variáveis no estado de Rondônia, exceto o número de produtores.

Observando-se os dados, verifica-se que há mais produtores na faixa de até 50 litros/dia do que acima de 50 litros/dia (73 contra 39), o que reforça a tese de que existe uma predominância de pequenos produtores no Estado de Rondônia. Aqueles que produzem acima de 50 litros utilizam, em média, cerca de 79 hectares de terra para a atividade leiteira, enquanto os que produzem até 50 litros utilizam 27 hectares. Tabela 1: Descrição da amostra de produtores de Rondônia. Dados em valores médios

Estratos de produção (litros/dia) Especificação Unidade Até 50 > 50 Número de produtores Ud 73 39 Produção de leite Litro/dia 26,97 148,97 Vacas (total) Cabeça 15,85 58,64 Vacas em lactação Cabeça 7,59 34,08 Área destinada ao gado de leite Hectare 27,01 78,52 Serviços de mão-de-obra contratada Dh/ano 0,81 69,77 Serviços de mão-de-obra familiar Dh/ano 107,28 250,58 Capital investido na produção de leite R$ 45.865 152.523 Fonte: Dados da pesquisa.

Em relação ao número de vacas, pode ser observado que aumentou tanto o número total de vacas como a percentagem de vacas em lactação (48% contra 58%) no estrato de maior produção em relação àquele de até 50 litros/dia. Pode-se dizer que a eficiência reprodutiva dos animais no grupo de mais de 50 litros/dia é maior, uma vez que, proporcionalmente, o número de vacas em lactação em relação ao total de vacas é maior. No fator trabalho, verifica-se a grande diferença entre mão-de-obra contratada e mão-de-obra familiar, predominando a utilização maior do segundo tipo. Do total de mão-de-obra utilizada, cerca de 99% é familiar. Percebe-se que, ao aumentar a produção, aumenta-se a necessidade da mão-de-obra contratada, ou seja, ao aumentar a produção de leite, torna-se necessário maior contratação de mão-de-obra para o manejo do rebanho. Em relação aos dois estratos de produção selecionados, há aumento de 0,81 dias-homem para 69,77 dias-homem, à medida que se aumenta o volume produzido.

Ao analisar o capital empatado na propriedade, verifica-se que, ao aumentar a produtividade de leite, mais volume de capital está sendo empregado; isso pode confirmar que, para operar sistemas mais especializados, é necessário investimento.

Após essa apresentação inicial da amostra, foram calculadas as medidas de eficiência técnica para cada produtor da amostra. Inicialmente, utilizou a pressuposição de retornos constante à escala. Em seguida, a pressuposição de retornos constantes à escala foi retirada, adicionando-se uma restrição de convexidade, a qual possibilitou a obtenção das medidas de eficiência no paradigma de retornos variáveis. Posteriormente, foram calculadas as medidas de eficiência de escala para cada produtor, as quais equivalem à razão entre as medidas de eficiência técnica com retornos constantes e retornos variáveis.

Um produtor com ineficiência de escala pode estar operando na faixa de retornos crescentes ou decrescentes. Para encontrar essa informação, adiciona-se uma restrição de retornos não-crescentes ao modelo de programação linear com retornos variáveis. Se o

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resultado de eficiência dos dois modelos for igual, o produtor está na faixa de retornos decrescentes à escala; caso contrário, ele está na faixa de retornos crescentes à escala. Estar na faixa de escala de retornos decrescentes significa que o produtor está operando acima da escala ótima de produção. Na faixa de retornos crescentes o produtor opera abaixo da escala ótima. Vale destacar que a terminologia “escala ótima”, utilizada neste trabalho, não significa, necessariamente, operar no ponto de mínimo custo médio de longo prazo, mas sim retornos constantes à escala. A Tabela 2 apresenta a distribuição dos produtores em relação à escala de produção, visando facilitar o entendimento dos resultados obtidos no modelo de regressão. Tabela 2: Distribuição dos produtores de leite de Rondônia segundo o volume de produção

Estratos de produção (litros/dia) Especificação Até 50 > 50 Total

Retornos constantes - 5 5 Retornos crescentes 73 31 104 Retornos decrescentes - 3 3 Total 73 39 112

Fonte: Dados da pesquisa. Verifica-se que todos os produtores de até 50 litros encontraram-se na escala de produção de retornos crescentes, possível evidência de propriedades pequenas com necessidades de aumento da produção. No caso do grupo maior de 50 litros, a maioria também se encontra nessa escala; porém três estão na escala de retornos decrescentes e cinco na escala de retornos constantes.

Em seguida, utilizando-se de modelos de regressão linear, buscou-se identificar relações explicativas entre as medidas de eficiência calculadas. A primeira regressão objetivou quantificar a influência da pura eficiência técnica e da eficiência de escala sobre a eficiência técnica global dos produtores. Assim, a variável dependente foi a eficiência calculada admitindo-se retornos constantes de escala. Para captar diferenças entre os estratos de produção, utilizou-se uma variável dummy. Os parâmetros estimados encontram-se na Tabela 3.

Tabela 3: Coeficientes estimados para as variáveis explicativas da eficiência técnica

Estratos de produção (litros/dia) Variável Até 50 > 50 Pura eficiência técnica 0,74 0,98 Eficiência de escala 0,79 0,60 Fonte: Dados da pesquisa.

Na equação estimada descrita na Tabela 3, o coeficiente de determinação (R2) foi de

0,99, e o valor de intercepto, de - 0,59. Todos os parâmetros estimados foram significativos a 1% pelo teste “t”. O teste “F” também foi significativo a 1%.

Ao analisar os coeficientes dos parâmetros estimados, verifica-se, para o grupo de mais de 50 litros/dia, que é mais importante melhorar a eficiência técnica pura, a fim de

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aumentar a sua eficiência, do que a eficiência de escala. Isso significa que devem buscar maneiras de reduzir custos e aumentar a produtividade, para melhorar a eficiência técnica global.

Para os pequenos produtores, observa-se que a variável mais importante é a eficiência de escala. Isso sugere que eles têm mais problemas de escala, ou seja, para se tornarem mais eficientes tecnicamente, é preciso aumentar o volume de produção. Realmente, segundo BALDE BRANCO (2002), um dos grandes desafios desta região é o aumento de escala de produção. No intuito de explicar as medidas de eficiência técnica e de escala, foram ajustadas regressões, considerando-se algumas variáveis explicativas relacionadas. Na Tabela 4, apresentam-se os dados da estimação da equação que busca identificar a influência dessas variáveis sobre a eficiência pura técnica, ou seja, considerando-se retornos variáveis. Utilizou-se de uma variável dummy para captar os efeitos dos pequenos produtores. Tabela 4: Coeficientes estimados para as variáveis explicativas da pura eficiência técnica, obtida no modelo com retornos variáveis

Estratos de produção (litros/dia) Variável Até 50 > 50 Produção 3,20 x 10-5 * 1,03 x 10-5 * Área -4,86 x 10-3 * -1,59 x 10-3 * Vacas -6,00 x 10-3 ** -2,00 x 10-3 ** Mão-de-obra 2,96 x 10-5 ** 2,96 x 10-5 ** Custo operacional total -7,25 x 10-5 * -3,77 x 10-5 * Fonte: Dados da pesquisa. * Significativo a 1% de probabilidade. ** Significativo a 5% de probabilidade. *** Significativo a 10% de probabilidade.

Nessa equação estimada, o coeficiente de determinação (R2) foi de 0,75 e o valor do

intercepto de 0,88. O teste “F” foi significativo a 1%. Os parâmetros estimados apresentaram níveis diferentes de significância, estando indicados na tabela ao lado dos parâmetros.

Em relação à produção anual de leite, verifica-se que o sinal é positivo para ambos os grupos, ou seja, todos precisam aumentar a produção de leite para melhorar a eficiência técnica. Para os pequenos produtores, ao aumentarem sua produção, o efeito de melhoria na eficiência técnica seria maior, cerca de três vezes o ganho que seria obtido no grupo de maior produção.

No caso da variável área utilizada para gado, observa-se sinal negativo, indicando que, para melhorar a eficiência técnica, pode-se reduzir a área utilizada para a atividade leiteira. Também aqui os pequenos atingem melhor eficiência técnica, ao reduzirem a área utilizada para gado, em relação ao grupo de mais de 50 litros/dia. Isso significa que, proporcionalmente, os pequenos produtores estão utilizando maiores quantidades de terra. Em relação à variável vacas, verifica-se também que seu sinal é negativo. Para melhorar a eficiência técnica, ambos os grupos devem reduzir o número total de vacas no plantel. Uma razão para isso pode ser o fato de que a baixa relação vaca em lactação/vaca total indica uma alta percentagem de vacas que não se encontram em lactação. Nesse sentido, não é necessário reduzir o número de vacas, basta melhorar a capacidade reprodutiva dos animais, reduzindo o número de vacas secas no rebanho.

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Esse resultado é coerente com outros já realizados nesse sentido. Em estudos sobre fazendas produtores de leite em Vermont, Estados Unidos, cujos rebanhos variam de 20 a 220 cabeças, AHMAD E BRAVO-URETA (1996) também encontraram relação negativa entre tamanho do rebanho e eficiência técnica. Ao analisar os coeficientes estimados para a variável mão-de-obra, percebe-se que não existe diferença entre os grupos de produtores quanto ao uso desta variável. De modo geral, a eficiência técnica melhoraria se fosse aumentada a utilização desta variável. No coeficiente estimado para a variável custo operacional total, o sinal é negativo para ambos grupos de produtores. É fácil perceber que a redução dos gastos operacionais melhora o nível de eficiência de qualquer empresa.

Na Tabela 5 apresentam-se os dados da estimação da equação que busca identificar a influência de algumas variáveis sobre a eficiência de escala. Semelhante ao ajustamento anterior, foi utilizada uma variável dummy para captar diferenças nos pequenos produtores.

Tabela 5: Coeficientes estimados para as variáveis explicativas da eficiência de escala

Estratos de produção (litros/dia) Variável Até 50 > 50 Produção 2,71 x 10-5 * -3,67 x 10-5 ** Área 1,75 x 10 -3 ns 1,75 x 10 -3 * Vacas -4,42 x 10-5 * 2,13 x 10 -3 *** Mão-de-obra -4.86 x 10-5 *** 8,62 x 10-6 ns

COT -2,20 x 10-5 * 1,18 x 10-5 ns

Fonte: Dados da pesquisa. * Significativo a 1% de probabilidade. ** Significativo a 5% de probabilidade. *** Significativo a 10% de probabilidade. ns Não significativo a 10% de probabilidade.

Na equação estimada descrita na Tabela 5, o coeficiente de determinação (R2) foi de

0,59 e o valor de intercepto de 0,67. O teste “F” foi significativo a 1%. Alguns parâmetros não foram significativos e outros apresentaram níveis diferentes de significância.

O coeficiente estimado para a produção anual de leite apresenta-se com sinal negativo para o grupo de mais de 50 litros/dia. Esse sinal não era esperado, uma vez que grande parte da amostra é composta por pequenos produtores, mesmo no grupo de produção superior a 50 litros diários. Contudo, para o grupo de pequenos produtores, há relação positiva entre volume de produção e eficiência de escala. Isso ocorre em razão de todos os membros deste grupo operarem com retornos crescentes à escala, o que não se verifica para o grupo de mais de 50 litros/dia. Em relação às demais variáveis, nota-se que, para os maiores produtores, existe relação positiva entre seu uso e a medida de eficiência de escala. Para o grupo de pequenos produtores, tais relações já não ocorrem. Neste grupo, o aumento da eficiência de escala se dará com redução no número total de vacas, mão-de-obra e gastos operacionais. A princípio, essas relações parecem contraditórias, isto é, o aumento da eficiência de escala para produtores operando com retornos crescentes é incompatível com a redução de insumos. A explicação reside no fato de que, proporcionalmente, tais produtores utilizam em excesso esses recursos. Conforme já mencionado, a baixa relação vacas em lactação/total de vacas e o elevado uso de mão-de-obra familiar confirmam essa hipótese. Quanto à redução de

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custo operacional total, isso ocorre na medida em que se verifica elevada participação de mão-de-obra familiar e da depreciação. Em suma, é necessário aumentar a produção, porém esse aumento não pode ocorre expandindo-se, proporcionalmente, o uso dos insumos. É preciso que haja melhor distribuição dos recursos, evitando-se desperdícios, constatados nas medidas de eficiência técnica. 4. Conclusões Com o objetivo de analisar a eficiência técnica e os fatores explicativos que a influenciam, o presente estudo utilizou a técnica não-paramétrica de análise envoltória de dados em um conjunto de 112 produtores de leite do Estado de Rondônia. Os resultados da pesquisa revelaram diferenças significativas na utilização de fatores de produção, onde as quantidades médias empregadas de terra, trabalho e capital são sempre maiores no grupo de maior produção. Ainda em relação ao uso dos fatores de produção, verifica-se elevada participação da mão-de-obra familiar em todos sistemas de produção, o que reflete a importância da atividade na ocupação do trabalho familiar. Verificou-se que todos os produtores de até 50 litros estão operando com retornos crescentes de escala, implicando possível evidência de propriedades pequenas com possibilidades de aumento da produção. Além disso, constatou-se diferenças entre a composição da eficiência técnica nos grupos de produtores. Para o grupo de produção acima de 50 litros/dia, é mais importante melhorar a pura eficiência do que a eficiência de escala. Já para os produtores menores, ocorre o inverso, ou seja, na busca de melhores índices de eficiência, é preferível aumentar a eficiência de escala. Essas relações evidenciam que os pequenos produtores têm maiores problemas de escala. Embora os pequenos produtores apresentem ineficiências técnicas, estas não se constituem no principal problema. O problema maior desses produtores está na baixa eficiência de escala. Uma vez que todos eles estão operando com retornos crescentes de escala, a única forma de aumentar a eficiência de escala é aumentar o volume de produção. Entretanto, constatou-se, também, que existem relações negativas entre a eficiência de escala e as variáveis número de vacas, mão-de-obra e gastos operacionais totais. Nesse sentido, percebe-se que o aumento no volume de produção não pode ocorrer simplesmente pela expansão dos atuais sistemas de produção. É necessário alterar as proporções utilizadas dos fatores. O crescimento extensivo não fará com que a eficiência de escala melhore. O problema está em como fazer isso, uma vez que a ineficiência técnica dos pequenos produtores não é o principal entrave. Em síntese, embora a eficiência técnica dos pequenos produtores não seja significativamente diferente da dos demais, há o problema da ineficiência de escala. Em outras palavras: “eficiente, porém pobre”.

5. Referências Bibliográficas

AHMAD, M, BRAVO-URETA, B, Technical Efficiency Measures for Dairy Farms using Panel Data, The Journal of Productivity Analysis, Vol. 7, p. 399-415. 1996.

ALI, A.A., SEIFORD, L.M. The mathematical approach to efficiency analysis. In:FRIED, H., LOVELL, C.A.K., SCHMIDT, S. (Eds.). The measurement of productive efficiency: techniques and applications. Oxford: Oxford University, 1993.

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ARZUBI, A., BERBEL, J. Determinación de índices de eficiencia mediante DEA en explotaciones lecheras de Buenos Aires. Investigación Agrária, v. 17 (1), p. 103-123, 2002.

BALDE BRANCO. Leite em 2010: como será São Paulo, p.50- 54 dez, 2002

CHARNES, A., COOPER, W.W., RHODES, E. Measuring the efficiency of decision making units. European Journal of Operational Research, v. 2, n. 6, p. 429-444, 1978.

FARREL, M.J. The measurement of productive efficiency. Journal of the Royal Statistical Society, Series A, part III, p. 253-290, 1957.

GOMES, A. P, Dias, R S, Finamore, E. B. Eficiência Técnica na atividade leiteria: Região Tradicional e novas fronteiras. In: Congresso Brasileiro de Economia e Sociologia Rural, 41, 2003, Juiz de Fora. Anais... Brasília: SOBER, 2003. 15p. CD-ROM.

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EFICIÊNCIA TÉCNICA NA ATIVIDADE LEITEIRA DE MINAS GERAIS: um estudo a partir de três sistemas de produção

Sílvio Ferreira Júnior

Nina Rosa da Silveira Cunha RESUMO - Diante da importância da atividade leiteira no Brasil e da reconhecida necessidade de aumentar a produção doméstica, este trabalho pretende verificar os níveis de eficiência técnica e alguns de seus determinantes em três sistemas de produção alternativos, buscando evidenciar a heterogeneidade existente no que se refere aos recursos empregados na atividade. Os resultados indicam que apenas o sistema de gado Zebu é ineficiente e que o ajuste no manejo e no aumento da profissionalização da atividade permitem reduções expressivas nos índices de ineficiência. Palavras-chave: Sistemas de produção de leite, eficiência técnica, Minas Gerais. 1. INTRODUÇÃO

A pecuária leiteira no Brasil ocupa o 6º lugar no ranking nacional em valor produzido e o 5º lugar no ranking mundial em quantidade produzida1. O Estado de Minas Gerais é o maior produtor, participando com 29,7% da produção nacional em 2001, seguido pelos Estados de Goiás, Rio Grande do Sul, São Paulo e Paraná. Cerca de 70% da produção nacional de leite concentra-se nestes Estados (MARTINS, 2003; ZOCCAL & FERNANDES, 2001).

A despeito dos números expressivos referentes à produção nacional, o Brasil não se inclui na lista dos países que produzem leite com elevada produtividade e caracteriza-se como grande importador de produtos lácteos, em razão do seu grande mercado interno. Segundo SOUZA (2000), apesar de terem ocorrido ganhos significativos nos últimos anos, a pecuária leiteira nacional ainda está distante dos países mais desenvolvidos em se tratando da produtividade do rebanho. Os dados contidos em MARTINS (2001) mostram que a produtividade da atividade no Brasil é 7,96, 5,87 e 3,84 vezes menor que as produtividades obtidas nos Estados Unidos, na União Européia e na Argentina, respectivamente.

De acordo com GOMES (1996), o perfil da produção de leite de Minas corresponde à realidade de, aproximadamente, 80% da produção do país (com exceção do extremo Sul), possui importância pela sua posição geográfica e contribuição à produção nacional. Por isso, os diagnósticos da pecuária leiteira de Minas Gerais podem refletir a maior parte da produção nacional.

Diversos fatores se interagem para explicar os níveis de produtividade relativamente baixos. GOMES (1999) argumenta que a intervenção inadequada do governo na atividade está entre as principais causas, principalmente no que se refere à intervenção por meio do tabelamento dos preços. Segundo o autor, a intervenção do governo aumentou o risco da atividade, reduziu sua rentabilidade e, por isso, não estimulou a entrada de capitais e de recursos humanos mais capazes.

Adicionalmente, a baixa produtividade pode ser explicada pela característica da estrutura de produção, em sua maior parte, formada por pequenos produtores que utilizam fundamentalmente terra e trabalho. Segundo GOMES (1999), a atividade apresenta duas realidades completamente distintas, onde a produção é composta por grande maioria de

1 Com uma produção na média de 21,6 bilhões de litros/ano (MARTINS, 2003).

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pequenos produtores com baixa tecnologia e baixa produtividade, e por uma minoria de grandes produtores que operam com elevado volume de produção e produtividade.

A partir do início da década de 90, toda a cadeia do leite vem passando por mudanças significativas, em decorrência de vários fatores: a) desregulamentação da atividade em 1991, resultando na liberação do preço e sua conseqüente queda, após quase meio século de tabelamento2; b) maior abertura comercial, em especial a implantação do Mercosul, que se por um lado favoreceu as importações de lácteos subsidiadas, por outro ajudou a criar a cultura de competição; c) estabilidade da economia brasileira com o Plano Real, afetando substancialmente o agronegócio do leite (GOMES, 1999).

A combinação desses fatores trouxe o aumento da concorrência em todos os elos da cadeia do leite, especialmente para o produtor, que passa a competir com outros produtores dos mercados regional, nacional e internacional. Para se tornar competitivo nesse novo ambiente, é fundamental que o produtor obtenha eficiência técnica e alocativa dos fatores de produção, utilizando racionalmente os fatores terra, trabalho e capital, com o objetivo de obter eficiência econômica, independente de qual sistema produtivo for adotado. Diante desta nova realidade, perdem espaço no mercado os produtores com baixa eficiência produtiva, pouca tecnologia e custos médios elevados.

As condições de solo e clima em Minas Gerais e em todo o Brasil implica na existência de diversos sistemas de produção de leite alternativos. Neste estudo, utiliza-se o critério adotado por SOUZA (2000), que classifica os sistemas por meio das informações do genótipo dos animais utilizados na produção, ou seja, a raça e o grau de sangue do rebanho. A utilização deste critério se justifica por sintetizar todo um conjunto de exigências de alimentação, sanidade e manejo. Sendo assim, obtiveram-se da amostra três sistemas de produção distintos – os sistemas de gado Zebu, de gado Mestiço e de gado Puro Europeu.

Diante das questões levantadas e da reconhecida necessidade de aumentar a produção doméstica de leite, este trabalho pretende fornecer informações que atendam às seguintes perguntas: a) Os diferentes sistemas de produção considerados estão operando eficientemente de modo a produzir o máximo possível, dados os recursos empregados na atividade e a tecnologia disponível? b) Quais as características e diferenças entre os sistemas no que se refere ao nível e às combinações dos recursos empregados na atividade? c) Quais variáveis contribuem para a melhoria da eficiência técnica na atividade? 2. Metodologia

2.1. Fronteira de produção estocástica e medida da eficiência técnica O conceito de eficiência econômica foi proposto por FARREL (1957) e possui dois

componentes distintos: o primeiro é a eficiência técnica, que significa a habilidade de produzir o máximo possível dado o nível de recursos variáveis disponíveis. O segundo é a eficiência alocativa, que significa a habilidade da firma em alocar de forma ótima um determinado conjunto de insumos, dado os preços. A eficiência econômica é uma combinação das eficiências técnica e alocativa.

O modelo adotado neste trabalho está baseado em BATTESE & COELLI (1988) que especificam a função de produção de fronteira estocástica da seguinte forma:

jY = f(X ij ;β)e jε , i = 1,2,...,N, j = 1,2,...,N, (1),

2 Segundo HOMEM DE MELO (1999), houve queda significativa dos preços reais recebidos pelos produtores na ordem de 43% entre 1989 e 1998.

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onde jY é a quantidade de produção da firma j; X ij , a quantidade do insumo i usado pela firma j; β, um vetor de parâmetros; ε j = v j - u j , o termo de erro composto. Assume-se que os componentes v j e u j são independentes entre si, sendo v j o erro aleatório que possui N~(0, σ 2); e u j , o termo do erro que capta a ineficiência, sendo não-negativo e truncado em zero [N+~(0, σ 2)].

A vantagem desse método é a introdução de um termo de erro composto, um representando erros de medida e choques exógenos fora do controle da unidade de produção (v j ) e outro, a medida de ineficiência (u j ). Se u j = 0, a firma localiza-se na fronteira de produção, obtendo a máxima produção dado o nível de insumos com que se defronta. Se u j > 0, a firma é ineficiente e produz menos devido a essa ineficiência. Se não se considera o termo de erro u j , o modelo se transforma em uma função média, usada na maior parte dos estudos econométricos sobre função de produção e criticado por FARREL (1957) e outros autores; se não se considera o termo de erro v j , o modelo se torna uma fronteira determinística.

Uma questão importante no modelo se refere às pressuposições feitas sobre a distribuição do termo de erro u j . Na maior parte da literatura, tem-se optado pela distribuição meio-normal, como originalmente sugerido por AIGNER et al. (1977).

Para medir empiricamente a eficiência, estima-se, inicialmente, a função de produção de fronteira estocástica, utilizando-se, depois, a abordagem introduzida por JONDROW et al. (1982) para separar os desvios da fronteira em componentes aleatórios e de eficiência.

No caso de distribuição meio-normal esses autores mostram que as pressuposições feitas sobre as distribuições estatísticas de v j e u j mencionadas acima possibilitam o cálculo do significado condicional de u j dado ε j como:

E(u j \ ε j ) = σ *

− σλε

σλεσλε j

j

j

Ff

)/(1)/(

(2),

onde f e F são, respectivamente, as funções de densidade normal-padrão e de distribuição normal-padrão e σ * = σ 2

u σ 2v /σ 2 .

Dessa forma, a equação (2) fornece estimativas de v j e u j depois da substituição de ε, λ e σ por suas estimativas. Uma vez obtidas as estimativas de u j , é possível calcular a medida de eficiência técnica para cada produtor dada por:

TE j = *j

j

YY

(3),

onde *

jY é o nível de produção na fronteira, ou seja, quando a ineficiência (u j ) é igual a zero. Por conseguinte,

*jY = f(X ij ;β)e jv , jY = f(X ij ;β)e jj uv − ,

TE j = [f(X ij ;β)e jj uv − ] / [ f(X ij ;β)e jv ] (4), ou seja,

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TE j = e ju− (5).

De acordo com BATTESI & COELLI (1988), citados por CONCEIÇÃO & ARAÚJO (2000), essa medida de eficiência técnica é apropriada quando a função é expressa na forma logarítmica. Essa medida encontra-se no intervalo (0,1), em que zero representa completa ineficiência e a unidade representa total eficiência.

É comum em modelos especificados com o objetivo de estimar funções de fronteira de produção a aplicação do teste one-sided da razão de verossimilhança (Teste LR) com o objetivo de verificar, estatisticamente, a inexistência de ineficiência técnica. O teste é conduzido estabelecendo como hipótese alternativa a semelhança entre o modelo estimado por mínimos quadrados ordinários e as estimativas obtidas com a função de máxima verossimilhança. Neste caso se λ for estatisticamente igual a zero, não haverá evidências de que o processo de produção apresenta ineficiência técnica e, portanto, a função de produção pode ser convenientemente, estimada por MQO (BATTESI & COELLI, 1988).

A estatística de teste é calculada pela expressão λ = -2 ln{[L(Ho)/L(H1)]} = -2 {ln[L(Ho)] - ln[L(H1)]} (6),

em que L(Ho) e L(H1) são os valores do logaritmo da função de verossimilhança (LFMV) sob hipótese nula e a hipótese alternativa, respectivamente. A estatística λ tem, assintoticamente, uma distribuição qui-quadrado com graus de liberdade igual ao número de restrições impostas sob a hipótese nula. A razão de máxima verossimilhança testa a significância estatística do grupo de regressores e pode oferecer um critério de relevância em relação à qualidade do ajustamento. Ela envolve o cálculo do parâmetro λ na expressão (6).

Para estimar a fronteira de produção estocástica adotou-se a forma funcional Cobb-Douglas, largamente utilizada em análises de eficiência técnica3. Assim, o modelo estimado em sua forma logarítmica é: ln Yj = β 0 + β 1 ln HA + β 2 ln MO + β 3 ln K + ε j (7), onde jY é a quantidade de leite produzida no ano da fazenda j; HA, a área total explorada (hectares); MO, gasto com mão de obra; K é o capital, representando a soma do capital fixo (valor do rebanho) e do capital variável (gastos com silagem, concentrados e suplementos minerais; e ε j é o termo de erro composto v j - u j .

Os índices de eficiência técnica, obtidos a partir da forma funcional (7), podem ser interpretados como a produtividade total ou conjunta dos fatores terra, trabalho e capital.

2.2. caracterização dos sistemas de produção de leite

Para a caracterização dos três sistemas considerados na atividade leiteira, utilizou-se

de 11 variáveis quantitativas, expressadas por unidade de vaca em lactação (VA), quais sejam: X1 – valor total do capital fixo em máquinas/VA; X2 – valor total do capital fixo em benfeitorias/VA; X3 – valor gasto com reparos de máquinas/VA; X4 – valor gasto com reparos de benfeitorias/VA; X5 – valor gasto com concentrados/VA; X6 – valor gasto com suplementação mineral/VA; X7 – valor gasto com energia elétrica e combustíveis/VA; X8 –

3 KOOP & SMITH (1980) encontraram um impacto muito pequeno da forma funcional adotada sobre as eficiências estimadas.

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valor gasto com medicamentos/VA; X9 – valor do rebanho/VA; X10 – valor gasto com depreciação de máquinas/VA; X11 – valor gasto com depreciação de benfeitorias/VA.

Para facilitar a caracterização dos três sistemas, utilizou-se a técnica de análise estatística multivariada, especificamente, a análise fatorial. Esta tem como princípio básico reduzir o número original de variáveis, por meio da extração de fatores independentes, de tal maneira que estes fatores possam explicar, de forma simples e reduzida, as variáveis originais4. Ou seja, as variáveis originais permitirão obter as novas variáveis (os escores fatoriais) que melhor caracterizarão cada um dos três sistemas de produção de leite.

A análise fatorial geralmente se realiza através do método de componentes principais, que faz com que o primeiro fator contenha o maior percentual de explicação da variância total das variáveis da amostra. O segundo fator, por sua vez, contenha o segundo maior percentual, e assim por diante.

Cada fator, portanto, consiste em uma combinação linear das variáveis originais padronizadas incluídas no estudo. Na composição destes fatores, têm-se os seguintes princípios: as variáveis mais correlacionadas combinam-se dentro de um mesmo fator; as variáveis que compõem um fator são praticamente independentes das que compõem outros fatores; a derivação dos fatores processa-se, visando maximizar a percentagem de variância total correspondente a cada fator consecutivo; e os fatores não são correlacionados entre si.

Procura-se, assim, determinar os coeficientes que relacionam as variáveis observadas com os fatores comuns. Esses coeficientes denominados de cargas fatoriais desempenham a mesma função dos coeficientes de correlação. Para facilitar a interpretação dos fatores é realizada uma rotação ortogonal pelo método Varimax, que procura minimizar o número de variáveis fortemente relacionadas com cada fator, permitindo, assim, obter fatores mais facilmente interpretáveis.

O modelo de análise fatorial pode ser expressa algebricamente da seguinte forma:

Xi = ai1F1 + ai2F2 +...+ aimFm + ei (8), em que Xi representa o i-ésimo escore da variável padronizada, com média zero e variância unitária (i = 1, 2, ... m); Fj indica os fatores comuns não correlacionados, com média zero e variância unitária; aij representa as cargas fatoriais, e ei , o termo de erro que capta a variação especifica de Xi não explicada pela combinação linear das cargas fatoriais com os fatores comuns.

O quadrado das cargas fatoriais representa a contribuição relativa de cada fator para a variância total de uma variável. A soma do quadrado das cargas fatoriais oferece a estimativa da comunalidade, que, por sua vez, indica a proporção da variância total de cada variável que é explicada pelo conjunto de fatores comuns.

Após calcular as cargas fatoriais e identificar os fatores, torna-se necessário a estimação do escore fatorial, por meio do método semelhante ao de regressão. O escore para cada observação (produtor), é, portanto, resultado da multiplicação do valor (padronizado) das variáveis pelo coeficiente do escore fatorial correspondente, sendo a expressão geral para estimação do j-ésimo fator, Fj, dada por:

Fj = Wj1X1 + Wj2X2 + Wj3X3 +...+ WjpXp (9),

em que os Wji são os coeficientes dos escores fatoriais e p é o número de variáveis.

4 Informações detalhadas sobre a análise fatorial podem ser encontradas em Kim & Muelher (1979) ou Manly (1986).

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Para testar a adequabilidade do modelo de análise fatorial, geralmente utiliza-se a estatística de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) e o teste de Bartlett. O KMO é um indicador que compara a magnitude do coeficiente de correlação observado com a magnitude do coeficiente de correlação parcial. Levando em conta que os valores deste teste varia de 0 a 1, pequenos valores de KMO (abaixo de 0,50) indicam a não adequabilidade da análise. Por sua vez, o teste de esfericidade de Bartlett serve para testar a hipótese nula de que a matriz de correlação é uma matriz identidade. Se esta hipótese for rejeitada a análise pode ser realizada.

Na determinação do número de fatores necessários para representar o conjunto de dados, deve-se considerar a sua contribuição individual e adicional para a variância “explicada”. Usualmente, consideram-se apenas os fatores cuja raiz característica é maior do que a unidade, isto é, aqueles que correspondem a uma proporção da variância superior àquela atribuída a uma variável isolada. No entanto, não há critério definitivo para essa determinação, sendo isso uma tarefa dos pesquisadores, que baseiam sua decisão na análise do significado descritivo dos fatores.

2.3. Relação entre eficiência técnica e algumas variáveis quantitativas

Após a determinação e a interpretação dos fatores, é possível, finalmente, calcular os

escores fatoriais para cada produtor. Estes escores serão utilizados juntamente com outras variáveis quantitativas para investigar a relação entre estas e os níveis de eficiência técnica encontrados.

O modelo estimado é: TE j = β 0 + β 1 F1 + β 2 F2 + β 3 F3 + β4ESC + β5ESP + β6CM + ε j (10),

em que ε j é o termo de erro que se admite possuir as propriedades usuais; β 0 a β 6 são os parâmetros a serem estimados; F1, F2 e F3 são as novas variáveis referentes aos escores fatoriais obtidos a partir da equação (9) (estas serão nomeadas a partir dos resultados da análise fatorial); ESC, ESP e CM representam, respectivamente, a escala (quantidade produzida), o grau de especialização (porcentagem da renda total obtida com a atividade leiteira) e o custo total médio. As variáveis independentes são todas binárias e assumindo valores 1 caso sejam iguais ou superiores à média da amostra do sistema e zero se assumem valores abaixo da média.

Como a variável dependente (TE j ) assume valores entre 0% e 100%, foi utilizado o modelo Tobit que permite o truncamento da variável dependente, tanto no limite inferior quanto no superior. No modelo Tobit, o procedimento adequado para a obtenção da estimativa dos parâmetros é a utilização do método de Máxima Verossimilhança (GREENE, 1997; CONCEIÇÃO & ARAÚJO, 2000).

Todos os dados utilizados neste estudo referem-se a 250 produtores de leite do estado de Minas Gerais e fazem parte da amostra de dados quantitativos dos produtores entrevistados pelo SEBRAE-MG/FAEMG (1996). No intuito de trabalhar apenas com produtores estritamente comerciais, optou-se por selecionar, da amostra de questionário, apenas os produtores que têm 50% ou mais da renda da propriedade proveniente da atividade leiteira.

Após seleção da amostra, utilizou-se o critério adotado por SOUZA (2000) para a separação dos produtores em três sistemas de produção distintos com base no genótipo dos animais: sistema de gado zebu, de gado mestiço e de gado Puro Europeu, em ordem crescente de produtividade (litro/vaca). A tipificação da amostra resultou em 131 produtores pertencentes ao sistema de gado zebu, 89 produtores pertencentes ao sistema de gado mestiço e 30 produtores pertencentes ao sistema de gado europeu.

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3. Análise dos resultados5

Primeiramente, foi estimada a função média de produção Cobb-Douglas pelo método de mínimos quadrados ordinários. O programa FRONTIER 4.1 utiliza os parâmetros obtidos por este método como valores iniciais para realizar a estimação da fronteira de produção estocástica, pelo método de máxima verossimilhança.

A Tabela 1 contém os resultados das duas estimativas obtidas para cada sistema de produção considerado. Após a estimação das três funções médias pelo método de mínimos quadrados ordinários, realizou-se Testes de Wald para verificar as hipóteses de igualdade entre os parâmetros das diferentes funções. As hipóteses foram rejeitadas a 1% de probabilidade, evidenciando que os três sistemas são diferentes no que se refere às suas funções de produção.

Tabela 1. Estimativa dos parâmetros da função de produção Cobb-Douglas e da fronteira de

produção estocástica Cobb-Douglas para os três sistemas da amostra de produtores de leite comerciais de Minas Gerais

Zebu Mestiço Europeu

Coeficientes Função Média

Fronteira Estocástica

Função Média

Fronteira Estocástica

Função Média

Fronteira Estocástica

β 0 1,7585* 2,1362* 1,5662* 1,5703* 0,3415ns 0,7601 ns (0,3627) (0,3703) (0,4044) (0,5264) (0,6850) (0,9410)

β 1 -0,0255ns -0,0498ns -0,0179ns -0,0178ns -0,1238ns 0,0713 ns (0,0408) (0,0417) (0,0469) (0,0493) (0,1138) (0,1407)

β 2 0,2855 * 0,3092 * 0,4573 * 0,4572 * 0,6342* 0,6685* (0,0507) (0,0511) (0,0709) (0,0700) (0,2132) (0,2278)

β 3 0,6383* 0,6562* 0,5408* 0,5411* 0,5572* 0,4767** (0,0656) (0,0333) (0,0687) (0,0660) (0,1956) (0,2190)

R2 0,8620 0,9017 0,9460

LFMV -48,5748 -25,6652 -3,2254

γ 0,9538* 0,0064 ns 0,0053 ns (0,0022) (0,0228) (0,0130)

Teste LR 5,4420 0,0000 0,0000

Fonte: Dados da pesquisa. * Significativo a 1%; ** significativo a 5%; ns não significativo; LFMV = logaritmo da função de máxima verossimilhança. Obs.: Os valores entre parênteses são os desvios-padrão.

5Foram utilizados os Softwares FRONTIER 4.1, SPSS 10 e EVIEWS 3.0, para as operacionalizações da fronteira estocástica, da análise fatorial e do modelo Tobit, respectivamente.

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Percebe-se, pela Tabela 1, que os parâmetros relacionados ao fator terra foram não significativos a 10% de significância para todos os três sistemas, tanto no que se refere à função média quanto à função fronteira, o que evidencia que a atividade leiteira em Minas Gerais não utiliza racionalmente este fator.

Todos os demais parâmetros de inclinação estimados são significativos a até 5%. Os R2 são elevados e iguais a 86,20%, 90,17% e 94,60%, respectivamente, e significativos a 1%. Estes valores indicam que ao passar do sistema zebu para o europeu, a produção torna-se mais dependente dos fatores terra, trabalho e capital, e menos dependente dos demais fatores não considerados no modelo, bem como menos afetado por fatores aleatórios ou erros de medida.

Em sua forma logarítmica, os parâmetros da função de produção Cobb-Douglas estimados expressam as elasticidades da produção com relação aos fatores de produção considerados. Com exceção dos parâmetros relacionados ao fator terra, que foram não significativos, os demais resultados são coerentes, no que se refere aos sinais esperados. Percebe-se que, à medida que se passa do sistema Zebu para o Europeu, torna-se maior o efeito de uma variação na produção resultante de uma variação percentual no valor gasto com o fator trabalho e torna-se menor o efeito de uma variação na produção resultante de uma variação percentual no fator capital, refletindo os diferentes níveis de utilização desses fatores em cada sistema, bem como a lei das produtividades marginais decrescentes.

No que se refere aos resultados da fronteira de produção estocástica, verifica-se que, nos sistemas de gado Mestiço e Europeu, as estimativas dos parâmetros são muito semelhantes às encontradas no modelo da função média. O parâmetro γ = σ 2

u /σ 2 , sendo σ 2 =σ 2

u +σ 2v , mede o efeito da ineficiência na variação da produção observada (BATTESE

& BROCA, 1996). No presente estudo, γ é igual a 0,0064 e 0,0053, para os sistemas Mestiço e Europeu, respectivamente, e não significativos a 10%, o que significa que não há ineficiência técnica nesses dois sistemas.

No que se refere ao sistema de gado Zebu, os parâmetros estimados da fronteira de produção estocástica diferem significativamente dos parâmetros obtidos por mínimos quadrados ordinários. O valor do parâmetro γ é 0,9538 e significativo a 1% de probabilidade, o que significa que 95,38% da variação na produção são devidos à ineficiência técnica. Por meio do teste da razão de verossimilhança (Teste LR) obtém-se um valor de λ igual a 5,442, superior ao valor crítico de 2,710 a 5% de probabilidade, rejeitando a hipótese nula de que não há ineficiência técnica no sistema de produção de gado Zebu. Este fato indica que a função fronteira não representa um deslocamento completamente neutro em relação à função média.

Após estimação da função de fronteira estocástica e obtenção da estimativa de u j , é possível calcular a medida de eficiência técnica de cada produtor. A Tabela 2 apresenta a estatística descritiva dos índices de eficiência técnica dos produtores comerciais de Minas Gerais para os três sistemas de produção considerados.

Os dados evidenciam que estatisticamente, a ineficiência técnica está ausente nos sistemas de gado Mestiço e Europeu. As médias de eficiência superam o valor de 90% e o grau de homogeneidade dos dois sistemas é praticamente total.

Quanto aos resultados obtidos para o sistema de gado Zebu, a média de eficiência técnica é de 56,39%. No entanto, o grau de homogeneidade dessa amostra é expressivamente menor quando comparados aos sistemas Zebu e Mestiço. Constata-se uma dispersão em torno da média em torno de 17,77% e eficiências técnicas mínimas e máximas de 23,90% e 95,60%, respectivamente. Na média, o sistema de produção de gado Zebu tem condições potenciais de aumentar sua eficiência técnica em 43,61%. Em outras palavras, há possibilidade de aumento da produtividade total dos fatores, por meio da melhor utilização destes, dado a tecnologia disponível.

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Tabela 2. Estatística descritiva dos índices de eficiência técnica em Minas Gerais, para os três

sistemas de produção considerados

Eficiência técnica Zebu Mestiço Puro

Média 56,39 99,05 99,23

Homogeneidade1 17,77 0,02 0,02

Mínimo 23,90 98,99 99,20

Máximo 95,60 99,11 99,27

Fonte: Dados da pesquisa. 1 É o desvio-padrão expresso em percentagem da média. Quanto menor seu valor, maior a

homogeneidade da amostra.

É importante que se verifique não só o quanto se pode melhorar na adoção eficiente dos fatores, mas também, investigar as relações entre o nível de eficiência técnica e algumas variáveis consideradas importantes para entender essa relação. Seria interessante a inclusão de variáveis quantitativas e qualitativas, sendo estas representativas do capital humano tal como nível de escolaridade do produtor, dentre outros. No entanto, não foi possível a inclusão de variáveis qualitativas no modelo, uma vez que estes dados coletados pelo SEBRAE-MG/FAEMG (1996) fazem parte de uma amostra distinta da amostra em que foram coletados os dados quantitativos.

Nas Tabelas 3 e 4, são apresentados os resultados da análise fatorial para a obtenção de parte das variáveis que permitirão caracterizar e distinguir os três sistemas de produção considerados. Adicionalmente, estas variáveis, juntamente com outras três, inseridas na equação (10), permitirão investigar a relação entre elas e o nível de eficiência técnica no sistema de gado Zebu.

Conforme a Tabela 3, foram considerados, após rotação ortogonal, 3 fatores com raiz característica maior que a unidade e que sintetizam as informações contidas nas 11 variáveis originais. Percebe-se que os fatores F1, F2 e F3 “explicam”, respectivamente, 48,03%, 21,42% e 10,72% da variância total das variáveis utilizadas, e que, em conjunto, explicam 80,16%.

O teste de Bartlett mostrou-se significativo a 1%, rejeitando a hipótese nula de que a matriz de correlação é uma matriz identidade. O teste de KMO, para a análise da adequabilidade da amostra apresentou um valor de 0,743, indicando que a amostra é passível de ser analisada pelas técnicas da análise fatorial.

Tabela 3. Raiz característica e percentual explicado por cada fator

Fator

Raiz característica

Variância explicada pelo

fator (%) Variância

acumulada (%)

F1 5,283 48,03 48,03 F2 2,356 21,42 69,45 F3 1,179 10,72 80,16

Teste de esfericidade de Bartlett = 4.118,89 (p<1%) e KMO = 0,743. A Tabela 4 apresenta as cargas fatoriais e as comunalidades para os 3 fatores

considerados. Para a interpretação de cada um dos fatores, foram consideradas apenas as

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cargas fatoriais com valores superiores a 0,50 (destacadas em negrito). Os valores encontrados para as comunalidades revelam que todas as variáveis têm a sua variabilidade significativamente captada e representada pelos 3 fatores. Percebe-se que o fator F1 está positivo e fortemente relacionado com os indicadores X1, X3, X7 e X10, todos relacionados com a utilização de máquinas. Convencionou-se, portanto, denominar F1 de “uso de máquinas por vaca”.

Tabela 4. Cargas fatoriais após rotação ortogonal e as comunalidades

Indicadores F1 F2 F3 Comunalidades

X1 0,955 0,129 0,001 0,928 X2 0,139 0,974 0,119 0,983 X3 0,697 0,008 0,124 0,958 X4 0,204 0,959 0,138 0,980 X5 0,498 0,004 0,635 0,653 X6 0,008 0,212 0,501 0,474 X7 0,764 0,163 0,217 0,657 X8 0,241 0,001 0,838 0,760 X9 0,407 0,232 0,684 0,687

X10 0,972 0,119 0,007 0,964 X11 0,179 0,962 0,132 0,975

Fonte: Resultados da pesquisa. O fator F2, por sua vez, está positivo e fortemente relacionado com os indicadores X2,

X4, e X11, todos relacionados com a utilização de benfeitorias. Convencionou-se, portanto, denominar F2 de “uso de benfeitorias por vaca”.

Finalmente, o fator F3 tem relação positiva e expressiva com os indicadores X5, X6, X8 e X9, todos relacionados ao rebanho utilizado na atividade. Convencionou-se denominar F3 de “qualidade do rebanho”.

De posse das cargas fatoriais, o passo seguinte é determinar os escores fatoriais, ou seja, determinar o valor dos fatores F1, F2 e F3 para cada produtor em cada sistema de produção considerado. A análise dos fatores deve ser feita levando em conta que seus escores são variáveis com média zero e desvio-padrão igual a 1. Portanto, pode-se interpretar que os escores com valores próximos de zero indicam nível médio em relação à amostra. Quanto maior em relação a zero for o escore fatorial, maior a intensidade de uso do fator em relação ao nível médio, e vice-versa. Escores positivos e com valor acima de 1 indica uso intenso do fator, enquanto escores negativos e com valor abaixo de 1 indica que seu uso é escasso.

A Tabela 5 apresenta a estatística descritiva dos fatores F1, F2 e F3 e permite verificar as diferenças entre os sistemas no que se refere ao nível e às combinações dos recursos empregados na atividade.

No que se refere ao indicador F1, denominado “uso de máquinas por vaca”, percebe-se que o sistema Zebu apresenta valor inferior e próximo da média, o sistema Mestiço apresenta valor superior e próximo da média e o sistema Puro Europeu apresenta valor muito superior à média da amostra (equivalente a 2 desvios-padrão), o que evidencia o uso intenso de máquinas por vaca em lactação neste sistema. Os valores máximos e mínimos, bem como os graus de homogeneidade, mostram que os três sistemas bem heterogêneos no que se refere ao uso de máquinas, com destaque para o sistema Mestiço cuja amostra apresenta desvio-padrão em relação à média acima 700%. Os valores mínimos são iguais ou inferiores a 1 desvio-padrão abaixo da média, evidenciando a presença de produtores que fazem uso escasso de máquinas por vaca, e os valores máximos são superiores a 2 desvios-padrão acima da média,

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evidenciando, por outro lado, que existem produtores nesses dois sistemas que fazem uso intenso deste fator. O sistema de gado Puro, por sua vez, é expressivamente mais homogêneo, com valor mínimo acima da média e valor máximo superior a 6 desvios, evidenciando o uso extremo de máquinas por vaca.

Tabela 5. Estatística descritiva dos níveis tecnológicos, F1, F2 e F3, para os três sistemas de

produção de leite considerados

Fonte: Dados da pesquisa. 1 É o grau de homogeneidade; quanto menor seu valor, mais homogênea é a amostra.

Quanto ao indicador F2, denominado “uso de benfeitorias por vaca”, os valores são

próximos da média, sendo que para o sistema Misto, seu valor é positivo. Apesar de se apresentarem expressivamente heterogêneos, o grau de homogeneidade aumenta significativamente quando se passa do sistema Zebu para os sistemas Mestiço e Puro. Os valores mínimos são inferiores à média em mais de 1 desvio-padrão, enquanto os valores máximos são superiores à média em mais de 3 desvios-padrão.

Finalmente, com relação ao indicador F3, denominado de “qualidade do rebanho”, percebe-se que somente o sistema Zebu apresenta valor inferior e próximo á media da amostra. O sistema Mestiço apresenta valor superior e próximo da média enquanto o sistema Puro apresenta valor acima da média em mais de 1 desvio-padrão.

De posse dos escores fatoriais, é possível investigar a relação entre algumas variáveis quantitativas e os níveis de eficiência técnica para o sistema de produção de gado Zebu em Minas Gerais, por meio do modelo descrito na equação (10). Os resultados encontram-se na Tabela 6.

Para melhor compreensão dos resultados, as variáveis independentes podem ser divididas em duas categorias: as variáveis F1, F2, e F3 representam o manejo dos recursos aplicados na atividade, enquanto as variáveis ESP, ESC e CM dão, em conjunto, a idéia do grau de profissionalização da atividade.

Os parâmetros relativos às variáveis “uso de benfeitorias por vaca” (F2) e “escala” (ESC) são significativamente diferentes de zero a 10% e 5% de probabilidade, respectivamente, enquanto os demais parâmetros são significativos a 1% de probabilidade. Apesar da inclusão de 6 variáveis independentes no modelo, percebe-se que estas explicam conjuntamente as variações no nível de eficiência técnica em apenas 40%, conforme o valor do R2. Faltou, no modelo, a inclusão de variáveis qualitativas representativas do capital humano, que não puderam ser consideradas em virtude do fato destas variáveis serem produto de uma amostra distinta daquela em que se aplicou o questionário de caráter quantitativo, não sendo possível, portanto, vincular essas duas categorias de variáveis á mesma observação ou unidade produtiva.

Os sinais dos parâmetros estão de acordo com o esperado, com exceção do parâmetro referente à variável “qualidade do rebanho” (F3), que apresentou sinal negativo. Uma explicação coerente para tal resultado pode ser encontrada no genótipo do rebanho. De acordo

F1 F2 F3 Zebu Mestiço Puro Zebu Mestiço Puro Zebu Mestiço Puro

Média -0,36 0,12 2,00 -0,06 0,12 -0,09 -0,29 0,16 1,38

Homog. 137,6 701,3 86,6 1503,7 892,0 889,5 214,1 607,6 133,9

Mínimo -1,08 -1,00 0,18 -1,48 -1,26 -1,66 -1,64 -1,98 -2,15

Máximo 2,42 3,91 6,26 3,88 3,57 3,85 2,02 2,99 4,87

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com SOUZA (2000), variando-se do puro holandês para o zebu, se ganha em adaptação ao regime de pasto e perde-se em capacidade de resposta aos insumos modernos, como as rações concentradas, as vacinas e medicamentos, dentre outros.

Tabela 6. Estimativas dos parâmetros do modelo Tobit para o sistema de gado Zebu

Variáveis1 Coeficientes Erro-padrão Z calculado Probabilidade

Intercepto 54,6045 2,8862 18,9189 0,0000

F1 15,2929 3,8755 3,9461 0,0000

F2 4,2282 2,5499 1,6582 0,0793

F3 -8,0498 2,8846 -2,7906 0,0053

ESP 10,6211 2,5267 4,2035 0,0000

ESC 5,7586 2,6614 2,1638 0,0305

CM -16,4340 2,6132 -6,2889 0,0000

LFMV -577,5084 R2 0,4002

Fonte: Dados da pesquisa. LFMV = logaritmo da função de máxima verossimilhança.

Sendo assim, o efeito negativo da “qualidade do rebanho” no nível de eficiência técnica pode estar evidenciando que o produtor, no intuito de aumentar sua produtividade (litros/vaca) esteja aplicando em excesso esses insumos na atividade. Este fato revela um manejo inadequado na atividade, em que a alternativa para o aumento da produtividade seria diminuir a quantidade utilizada destes insumos ou incrementar o rebanho com maior proporção de gado mestiço e, ou, puro sangue, ou seja, mudar para um sistema mais produtivo.

Percebe-se que todas as variáveis têm um peso expressivo na explicação dos níveis de eficiência técnica, com destaque para a “especialização” (ESP), o “uso de máquinas por vaca” (F1) e o “custo total médio” (CM), nesta ordem de grandeza. O grau de especialização do produtor é importante, uma vez que permite a melhor gerência da atividade, com reflexos positivos na eficiência. O uso de máquinas por vaca reflete, dentre outros cuidados, o preparo e a utilização de volumosos na fazenda, e que está diretamente associado a uma atividade menos extensiva, com efeitos positivos na produtividade e na eficiência técnica.

Quanto ao custo total médio, seu parâmetro com sinal negativo e valor expressivo evidencia que produtores com menores custos médios têm eficiência técnica significativamente maior. Uma vez que a variável custo total médio não apresentou correlação expressiva com a variável “escala” (ESC)6, pode-se afirmar que o menor custo médio, se não está fortemente associado à maior escala, apresenta, por outro lado, relação mais expressiva com a eficiência técnica. Este fato parece evidenciar que os produtores com menores custos médios apresentam, também, maior eficiência econômica.

Finalmente, as variáveis “uso de benfeitorias por vaca” e “escala” têm efeitos positivos, embora comparativamente menos expressivos, sobre os níveis de eficiência técnica.

6 Conforme matriz de correlação, em anexo, não foi detectada presença de multicolinearidade entre as variáveis independentes, o que poderia viesar os valores dos parâmetros estimados.

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4. Conclusões O estudo considerou três sistemas distintos de produção na atividade leiteira de Minas

Gerais, classificados de acordo com genótipo predominante do rebanho. Dentre os resultados do trabalho evidencia-se que os sistemas de gado Mestiço e de gado Puro são eficientes, enquanto o sistema de gado Zebu opera, na média, com ineficiência de 43,6% do seu nível de produto potencial.

Existe grande heterogeneidade entre os produtores, no que se refere ao uso de máquinas por vaca, ao uso de benfeitorias por vaca, e à qualidade do rebanho, esta refletida pela intensidade do uso de concentrados e suplementação mineral por vaca e valor do rebanho por vaca. Em média, os sistemas de gado Zebu e de gado Mestiço utilizam estes recursos ao nível próximo da média utilizada na atividade leiteira mineira, enquanto que o sistema de gado Puro utiliza intensamente, ou bem acima da média, os recursos reconhecidamente modernos, representados pelo uso de máquinas por vaca e pela qualidade do rebanho, e utiliza nível médio de recursos mais tradicionais, representados pelo uso de benfeitorias por vaca.

As diferenças nas proporções desses recursos dentro dos sistemas de gado Mestiço e de gado Zebu não prejudicam a eficiência técnica, uma vez que todos os produtores destes sistemas apresentam-se estatisticamente eficientes. Por outro lado, no sistema de gado Zebu, a intensidade de uso de cada um desses recursos influência expressivamente os níveis de eficiência técnica encontrados. A aplicação de recurso em “qualidade do rebanho”, entretanto, tem influenciado negativamente a eficiência técnica, o que mostra que o gado da raça zebu apresenta resposta nula, ou pouco expressiva (produtividade - litros/vaca), aos usos de concentrados, suplementos minerais, ou medicamentos, quando estes já estão sendo utilizados em níveis elevados.

Os fatores referentes à “escala”, à “especialização” e ao “custo total médio” também têm influência expressiva sobre o nível de eficiência dos produtores desse sistema e permitem evidenciar que a profissionalização da atividade e a eficiência econômica apresentam intima relação com a eficiência técnica.

A possibilidade de se aumentar a produtividade nesse sistema sem, contudo, alterar o nível tecnológico ou o sistema de produção, por meio da melhor utilização dos fatores terra, trabalho e capital, evidencia que, no curto prazo, pode-se obter ganhos adicionais em produtividade por meio da melhoria na qualidade da gerência do produtor. Nesse sentido, o acesso à informação e aos serviços de extensão publica ou privada podem contribuir para aumentar a eficiência e a produção mineira já no curto prazo, além de contribuir para diminuir a heterogeneidade entre os produtores.

Por outro lado, políticas que facilitem o acesso a financiamentos, podem contribuir para aumentar a utilização dos recursos que contribuem positivamente para a eficiência, além de facilitar a aquisição de vacas com melhores genótipos (mudança para sistema de gado Mestiço e daí para o Puro europeu) que permitirão retornos positivos da qualidade do rebanho na produção, tornando a atividade mais competitiva.

5. Referências Bibliográficas

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SERVIÇO DE APOIO ÀS PEQUENAS EMPRESAS DE MINAS GERAIS/FEDERAÇÃO DA AGRICULTURA DO ESTADO DE MINAS GERAIS/SEBRAE-MG/FAEMG.

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ZOCCAL, Rosângela, FERNANDES, Elizabeth N. Mudanças na pecuária de leite. Informe Econômico do Leite. EMBRAPA, Brasília, ano 1, n.1, dez. 2001.

ANEXO Matriz de correlação entre as variáveis utilizadas no modelo Tobit

ET F1 F2 F3 ESP ESC CM ET 1 0.1850 0.0390 -0.2457 0.23476 0.2075 0.0847 F1 0.1850 1 0.0236 -0.1372 -0.13826 0.0351 -0.1175 F2 0.0390 0.0236 1 0.1476 -0.09596 -0.0634 0.0219 F3 -0.24579 -0.1372 0.1476 1 -0.09736 0.1656 0.1798

ESP 0.2348 -0.1382 -0.0959 -0.0973 1 -0.0910 -0.4553 ESC 0.2075 0.0351 -0.0634 0.1656 -0.09106 1 0.2856 CM 0.08469 -0.1175 0.0219 0.1798 -0.4553 0.2856 1

Fonte: Dados da pesquisa.

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MERCADOS ATACADISTAS: MUDANÇAS E RESISTÊNCIAS

Roberto da Silva Alves

Luiz Andréa Fávero

RESUMO Este artigo resume uma pesquisa de dissertação mais abrangente cujo principal objetivo foi a identificação e análise dos motivos da resistência dos comerciantes atacadistas de laranja pêra da Ceasa Recife, à implantação do Programa Horti & Fruti Qualidade, programa de adesão voluntária para a melhoria da qualidade dos produtos e dos serviços de distribuição comercial de hortifrutícolas, sendo a laranja pêra, um dos principais produtos comercializados pela central atacadista de Pernambuco. Buscando adaptar-se às novas exigências legais, aos requisitos do mercado e por mais qualidade dos produtos, a Central de Abastecimento do Recife – Ceasa, iniciou a implementação de um programa de qualidade, baseado em normas de padronização, classificação e qualidade alimentar de produtos hortifrutícolas, o Horti & Fruti Qualidade.1 Nosso propósito foi, compreender o processo de mudanças proposto pelo programa, como processo de mudança na gestão do agronegócio através da padronização, classificação, embalagem e rotulagem dos produtos, e a resistência de um grupo de atacadistas e intermediários a essas mudanças, nesse novo cenário de competitividade marcado pela segmentação e diferenciação dos produtos. Foram analisados os vários aspectos dessa resistência, mas aqui será dada ênfase à questão mais claramente colocada pelos atacadistas: o aumento dos preços finais do produto, provocados pelos custos adicionais com embalagens e os serviços de classificação. A pesquisa estudou todos os segmentos da cadeia produtiva da distribuição até a produção, considerando-se os preços pagos aos produtores, as margens de comercialização dos segmentos de intermediação, e a opinião dos consumidores, constatou-se que estes últimos estão dispostos a pagar mais por um produto de melhor qualidade.Conclui-se que as vantagens obtidas com as diferentes categorias de produtos uma vez classificados melhorariam a competitividade e a margem total de comercialização contrariando o principal argumento levantado pelos atacadistas e intermediários. Discute-se, portanto as razões que levam os atacadistas à resistir às mudanças propostas pela direção da CEASA Recife, que em sintonia com as novas tendências do mercado e em consonância com a normalização proposta pelo Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento,busca a modernização dos serviços de distribuição e uma mudança das relações comerciais no mercado atacadista tradicional. Palavras-Chaves Mudança Organizacional Mercado Atacadista Padronização, Classificação e Embalagem INTRODUÇÃO No Brasil, os cultivos de frutas, legumes e verduras ocupam uma área em torno de 2,8 milhões de hectares, o valor bruto de produção é de cerca de R$ 19 bilhões (dezenove bilhões de reais) por ano.2 1 Ver objetivos e metas do programa: www.ceagepe.com.br 2 Favero (2002) - Encontro Internacional Eficiência da Comercialização: Recife, 2002 – média anual: 1991 a 2000.

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Entretanto, as mudanças que vêm ocorrendo no mercado de frutas e verduras devido ao crescente aumento do volume e diversidade de produtos comercializados, bem como às novas tendências de consumo que privilegiam a qualidade e a diferenciação desses produtos estão a exigir das centrais atacadistas - CEASAS - o seu aprimoramento técnico e gerencial. Esse aprimoramento envolve uma reestruturação não só em seu espaço físico, mas, principalmente, em sua forma de atuar, na organização da cadeia produtiva de hortifrutigranjeiros, passando com isso a proporcionar melhores condições para ganhos de qualidade, produtividade e outras vantagens para produtores, atacadistas, varejistas e, conseqüentemente, os consumidores finais. Nesse sentido, o Governo Federal, atuando em parceria com os setores do agronegócio, elaborou propostas de normalização para comercialização de produtos, cuja iniciativa resultou na Lei nº 9.972, de 25.5.2000, regulamentada pelo Decreto nº 3.664, de 17.11.2000, que tornou obrigatório em todo o território nacional a classificação para os produtos vegetais e seus subprodutos, quando destinados à alimentação humana, nas operações de compra e venda do poder público e nos portos e aeroportos de fronteiras, assim como a Instrução Normativa Conjunta No.009 de 12.11.2002, que dispões sobre embalagens e rotulagem dos produtos.Em consonância com as normas do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) e amparado na nova legislação, está sendo implantado na CEAGESP, na Ceasa Campinas, Ceasa Curitiba e na Ceasa Recife, o Programa Brasileiro para Modernização da Horticultura.3 Favorável à essas mudanças a Associação Brasileira das Centrais de Abastecimento (ABRACEN), encaminhou projeto ao MAPA para implementação do programa para a padronização e melhoria da qualidade alimentar dos produtos hortifrutícolas no mercado atacadista, abrangendo as 29 centrais atacadistas afiliadas à instituição. Esse programa tem como objetivo implantar nas centrais de abastecimento, associadas à ABRACEN, um sistema de classificação de produtos hortifrutícolas destinados diretamente à alimentação humana, fundamentado nos padrões oficiais e na organização normativa do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e referenciado no Programa Brasileiro para Modernização da Horticultura (Favero, 2001).4 Buscando adaptar-se às novas exigências legais, aos requisitos de mercado e por mais qualidade nos produtos e serviços, a Central de Abastecimento do Recife – Ceasa, iniciou em junho de 2001, a implementação de um programa, o Horti & Fruti Qualidade, cuja adesão é voluntária e abrange inicialmente um conjunto de produtos entre os mais expressivos, baseado em normas de padronização, classificação e qualidade alimentar de produtos hortifrutícolas. O Programa visa identificar os principais pontos críticos na cadeia do agronegócio hortifrutícola e apresentar soluções para melhoria da qualidade dos produtos, elevar o padrão tecnológico dos serviços, qualificar produtores, atacadistas, operadores de mercado, em técnicas de classificação e embalagem, bem como à adequação dos produtos aos padrões exigidos pelos mercados e pela legislação em vigor. Para tanto, estão sendo implementadas mudanças na forma de apresentação dos produtos ali comercializados atingindo toda a cadeia produtiva, incorporando novos estilos de gestão da qualidade e novas tecnologias. Para a direção da CEASA e sua equipe técnica, o programa posiciona-se como um marco da modernização do setor atacadista, visando aumentar sua competitividade face às mudanças nos padrões de consumo e qualidade dos produtos e serviços.

3 Nova denominação do Programa Brasileiro para a Melhoria dos Padrões Comerciais e Embalagens de Hortigranjeiros. 4 Projeto ABRACEN apresentado no Encontro Nacional de Centrais de Abastecimento – ABRACEN, Rio de Janeiro, 19 a 21 de setembro de 2001.

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Neste contexto, o principal objetivo da pesquisa foi a identificar e analisar os motivos da resistência dos comerciantes atacadistas da Ceasa Recife à implantação do Programa Horti & Fruti Qualidade. Para tanto, buscou-se compreender o processo de mudança desenvolvido nas organizações e os requisitos de qualidade como processo de mudança na gestão do agronegócio através da padronização, classificação, embalagem e rotulagem dos produtos propostos pelo Programa. A análise da qualidade como processo de mudança, nesse novo cenário de competitividade marcado pela segmentação e diferenciação dos produtos, está redesenhando o fluxo, que no vaivém da informação dentro da cadeia agroalimentar, apresenta-se mais forte no sentido do movimento “para trás”, reorganizando a cadeia a partir das mudanças nos padrões de consumo, hoje fortemente influenciadas pela grande distribuição varejista. Sendo as organizações influenciadas pelo ambiente externo, uma das principais forças externas é o mercado, que obriga as organizações modificarem sua estrutura e seus processos. Assim sendo, impõe ao mercado atacadista da Ceasa Recife a necessidade de adaptação às exigências dos consumidores através do desenvolvimento de formas de apresentação e melhoria da qualidade do produto através da padronização, classificação e embalagem. A estratégia de marketing sob a forma de segmentação do produto vem responder às pressões da concorrência das grandes redes de varejo que, além de produtos de qualidade, oferecem outras formas atrativas à seus clientes como: estacionamento, ar-condicionado, vendas facilitadas, ofertas, estimulando o consumidor a novas compras. Dessa forma, os segmentos estudados devem mudar para se tornarem competitivos (padronizando, classificando e embalando a laranja), em resposta à dinâmica dos mercados consumidores, ávidos por produtos de qualidade, além do cumprimento de novas leis e regulamentos. No entanto, a resistência ao processo de mudança é um dos possíveis comportamentos que o indivíduo pode adotar como resultante de sua percepção sobre a mudança. O Programa Horti &n Fruti Qualidade, vem sofrendo resistência a sua implantação por parte de alguns comerciantes da Ceasa Recife que não acreditam no aumento das vendas através da padronização, classificação, embalagem e rotulagem dos produtos propostos pelo Programa. A pesquisa analisou o sistema de comercialização da laranja pêra oriunda de pomares sergipanos, de onde provem mais de 70% do volume comercializado anualmente pela Ceasa Recife, buscando identificar e analisar os aspectos da resistência dos atacadistas e seus fornecedores, à implantação do programa de qualidade proposto pela direção da empresa em parceria com a Universidade Federal Rural de Pernambuco e o Sebrae Pernambuco. A escolha do mercado da laranja deve-se ao fato de ser um dos três produtos mais comercializados, eleito como prioritário pela própria Ceasa Recife, para iniciar o processo de mudanças. METODOLOGIA O universo da pesquisa foi composto pelos atacadistas da Ceasa Recife que comercializam laranja pêra produzida em Sergipe, e por seus fornecedores. Esse segmento atacadista é composto por 60 permissionários, distribuídos da seguinte forma:

− Dos 60 atacadistas que comercializam laranja pêra, apenas 29 adquirem o produto nas zonas de produção e 31 o adquirem dos próprios atacadistas;

− Dos 29 permissionários compradores de laranja pêra, 19, adquirem o produto de fornecedores de Sergipe e 10 a fornecedores do Estado da Bahia. Foram selecionados para a amostra e entrevistados, 10 fornecedores, indicados pelos atacadistas e que vêm enviando regularmente laranja pêra.

A amostra foi definida da seguinte forma:

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− O grupo foco da pesquisa formado pelos 19 atacadistas da Ceasa Recife que comercializam laranja pêra adquirida do Estado de Sergipe;

− Os 10 principais fornecedores de laranja pêra estabelecidos em Sergipe e que a pelo menos dois anos, abastecem os atacadistas contemplados pela amostrada.

Os atacadistas, que fazem parte da amostra, estão divididos, ainda, em: − Quatro que aderiram ao Programa Horti & Fruti Qualidade, e − Quinze que não aderiram ao referido Programa.

A figura 1 apresenta um resumo do universo e a amostra dos atacadistas da pesquisa e seus fornecedores. Figura 1. Diagrama representativo do universo e amostra dos atacadistas de laranja da Ceasa Recife e seus fornecedores.

Fonte: o autor O estudo iniciou-se com o processo de identificação dos atacadistas compradores de laranja pêra produzida em Sergipe. Identificados os atacadistas que compram laranja pêra de fornecedores sergipanos, definiu-se um roteiro básico para coleta de dados primários. Os dados foram coletados através de entrevistas estruturadas e de questionários. Segundo Richardson (1999), entrevistas estruturadas são as que utilizam questões abertas, para permitir ao entrevistador entender e captar a perspectiva do entrevistado. Foram utilizados dois modelos de questionários: um destinado a captar as percepções dos atacadistas, e outro, destinado aos fornecedores. Na pesquisa junto aos atacadistas, solicitou-se a relação de seus principais fornecedores, com no mínimo dois anos de fidelidade, os quais, também, foram entrevistados. Nos questionários e entrevistas procurou-se coletar informações sobre as atividades de compra e venda do produto e qual a percepção sobre a implantação do Programa Horti & Fruti Qualidade ora proposto pela Ceasa, assim como outras informações sobre o mercado de laranja. As respostas dos questionários e das entrevistas permitiram o conhecimento da percepção de cada segmento pesquisado (atacado e fornecedor) ao processo de implantação do Programa Horti & Fruti Qualidade e serviram para subsidiar o processo de identificação dos fatores que influenciam e determinam a resistência ao referido Programa, bem como

60

31

29

Adquirem laranja de fornecedores nas zonas de produção

Adquirem laranja da Bahia

Compram laranja de atacadistas estabelecidos na própria Ceasa

19

10

(*) 16 Atacadistas comercializam laranja lima

e/ou tangerina

Adquirem laranja de Sergipe

Total de atacadistas que comercializam laranja pêra (*)

10

Fornecedores sergipanos

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compreender a maneira pela qual se dá o processo de comercialização da laranja produzida em Sergipe para o atacado do Recife. Além dos questionários e entrevistas, foram utilizados dados secundários estatísticos disponibilizados pela Ceasa sobre a oferta e preços de laranja pêra comercializada, dados do IBGE referentes à produção, área plantada com laranja no Estado de Sergipe, consumo e renda do consumidor da região metropolitana do Recife, principal área de abrangência da Ceasa Recife. As observações do ambiente dos segmentos pesquisados também subsidiaram e enriqueceram as análises e conclusões. Com o resultado das entrevistas e as observações feitas, processou-se a transcrição e análise dos dados para construção do texto e do quadro das percepções dos atacadistas e seus fornecedores quanto à implantação do Programa, que permitiram conclusões sobre o questionamento da pesquisa. Para desenvolver a análise, recorreu-se ao modelo proposto por Robbins (2000), quanto aos principais tipos de resistência ao processo de mudança, e aos pressupostos de Hernandez & Caldas (2001), quanto aos estágios do processo de resistência à mudança dos indivíduos, a partir das quais se identificou os principais tipos de resistência dos atacadistas e seus fornecedores.Um quadro foi elaborado relacionando os tipos identificados na pesquisa com o modelo estabelecido por Robbins (2000) e pressupostos de Hernandez & Caldas (2001). Tipos de resistências e seu comportamento (Modelo de Robbins) Hábito. A vida é bastante complexa, e para simplificar-se as opções diárias, recorre-se a hábitos ou respostas programadas. No entanto, quando o indivíduo depara-se com uma mudança, a tendência imediata é de reagir ao estabelecido, ou seja, os modos habituais tornam-se uma fonte de resistência. Segurança. O indivíduo tende a resistir à mudança quando ele se sente ameaçado em seu sentimento de segurança. Fatores econômicos. É o medo de que a mudança reduza sua renda. Mudanças nas tarefas, no cargo, poder, prestígio, benefícios etc., podem despertar receios econômicos quando as pessoas acharem que perderão remuneração com a mudança proposta. Medo do desconhecido. O temor pelo desconhecido, pela falta de informações sobre os eventos futuros diante de novos procedimentos e da adoção de novas tecnologias, causa resistência pelo fato de se trocar o conhecido pelo desconhecido e pelo medo ou insegurança que o acompanha. Processamento seletivo das informações. Os indivíduos moldam o mundo por meio de suas percepções. Dessa forma, acrescenta Robbins (2000), eles utilizam processos seletivos de informações para não alterar suas percepções. Com isso, passam a ouvir o que desejam, ignoram informações que não estejam no mundo que criaram. Estágio e comportamento do indivíduo à adoção ou rejeição às mudanças (Pressupostos de Hernandez ) Exposição à mudança. É caracterizado pelo contato inicial do indivíduo à proposta de mudança; Processamento inicial. O indivíduo compara os atributos percebidos de mudanças com as conseqüências previstas e com sua expectativa, atitudes e comportamentos adotados no passado;

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Resposta inicial. O indivíduo dá uma resposta inicial de aceitação ou rejeição. Essa resposta pode ser resultante de uma percepção de:

(a) Baixa consistência – quando os atributos da mudança proposta e as conseqüências de sua adoção não puderam ser conciliados com seu conhecimento. Nesse caso a rejeição à mudança é bastante provável. Esse ato pode ser de natureza ativa ou passiva.

− Ativa: os indivíduos tendem a rejeitar mudanças que eles acreditam que possam causar-lhes algum mal; eles são avessos a risco, tendendo a rejeitar a mudança. Nesse caso, temem perde algo de valioso, pela incompreensão sobre as razões da mudança e suas implicações. Crêem que a mudança não faz sentido para a organização e apresentam baixa tolerância à mudança.

− Passiva: o mais comum é o hábito, ou seja, a tendência que os indivíduos têm a responder aos estímulos de mesma forma como sempre fizeram.

(b) Moderada consistência – ocorre quando o indivíduo percebe que os atributos da mudança e suas conseqüências são parcialmente aceitáveis. Nesse caso, ele vai buscar novas informações sobre a mudança proposta para adotar um comportamento em relação a ela. (c) Alta consistência - ocorre quando o indivíduo rapidamente conclui, após o processamento inicial, que os atributos da mudança e suas conseqüências são aceitáveis ou fazem sentido. Processamento estendido. O indivíduo avalia os atributos cuidadosamente, conciliando os atributos da mudança e suas conseqüências com seus conhecimentos, buscando informações adicionais no caso de inconsistências encontradas. Aceitação e resistência emocionais. Surgem como resultado de comparação consciente e inconsciente, geralmente de natureza automática, entre a situação real e a situação ideal. Caso a mudança tenha sido percebida como oportunidade, o resultado é positivo, caso contrário, as emoções são negativas. Integração. O indivíduo tentará integrar todas as emoções e respostas cognitivas geradas no estágio anterior. Conclusão. O indivíduo adota quatro comportamentos possíveis: (a) resistência; (b) decisão de superar a resistência; (c) indecisão; (d) adoção (ou teste) da mudança. Para a finalidade do estudo utilizou-se a própria fala dos entrevistados, com o intuito de mostrar sua percepção quanto à realidade das propostas de mudanças do Programa e sua exeqüibilidade. Como explicitado anteriormente, em termos metodológicos e buscando seguir a orientação do programa Horti & Fruti Qualidade a pesquisa desenvolveu-se de jusante à montante da cadeia produtiva. Na apresentação dos resultados optou-se por apresentar primeiro os dados do suprimento, composto por produtores e intermediários e depois os resultados do segmento atacadista distribuidor, onde as resistências foram maiores e seu conteúdo sugere ensinamentos de grande importância do ponto de vista da discussão acadêmica e da gestão do agronegócio. A PESQUISA E ANÁLISE DOS RESULTADOS Suprimento:produtores e intermediários O processo de comercialização da laranja de Sergipe assemelha-se ao das demais frutas onde aparecem ocupando o mesmo elo da cadeia inicial de comercialização produtores e intermediários, no caso estudado, a participação do intermediário é bastante significativa. Esse comportamento é determinado pelo número expressivo de pequenos produtores que

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individualmente não têm produção suficiente e regular para o atendimento de demandas de mercados mais organizados ou não dispõem de veículo próprio para o transporte, sendo, portanto obrigados a venderem a produção aos agentes intermediários. Quanto aos produtores de maior porte, planeja as suas colheitas e negociam com os intermediários compradores ou diretamente com a indústria com maior poder de barganha obtendo em geral um melhor preço. A oferta do produto é exercida por grande número de produtores, pouco organizados, apesar da atuação marcante da Associação dos Citricultores Sergipanos (ASCISE) a qual adota uma postura de defesa dos preços e de mudanças em benefício da qualidade. Os preços recebidos pelos produtores terminam em geral sendo ditados pelo mercado comprador: intermediários e indústria. No comércio da laranja sergipana, o principal ator é o intermediário agente, ou comprador, definido pelos produtores e atacadistas como corretor (para outros, é o atravessador). Seu negócio, no entanto, é comprar a laranja na propriedade e arcar com todos os custos de colheita, pós-colheita e comercialização, sobrando-lhe, ao final, uma margem de lucro. Muito embora seja comum, também, a cobrança de um piso cobrado ao produtor fixado em R$20,00 por tonelada de laranja comercializada. A atuação de um pequeno número de compradores, mas com conhecimento da evolução dos preços nos diferentes mercados, agindo isoladamente e adquirindo pequenas quantidades de vários produtores exercendo seu poder de compra especulativo influencia decisivamente no processo de formação do preço final, e explica sua expressiva participação na margem total de comercialização como veremos a seguir. A laranja adquirida pelos intermediários destina-se fundamentalmente para consumo in natura em outros mercados, atacado ou varejo e uma pequena parte para a agroindústria. As indústrias de suco, locais ou de outros estados, que absorvem cerca de 30% da produção, têm uma posição de destaque na formação dos preços, em geral forçando a baixa, em função de sua posição compradora em grandes quantidades e sem maiores exigências em relação à qualidade requerida pelo mercado de consumo in natura. As indústrias de suco, adquirem o produto sem classificação, de produtores e intermediários e determinam seu preço de compra de acordo com o mercado internacional do suco, muito embora o preço praticado pelas indústrias sergipanas esteja muito abaixo do preço pago pelas indústrias de São Paulo. A indústria de suco sergipana se revela com características de competição imperfeita e se sobrepõe aos intermediários na determinação dos preços. Em 2002, os preços pagos pelas indústrias, pela tonelada da laranja, acompanharam a alta na cotação do preço da laranja do mercado in natura, buscando atrair os fornecedores que tradicionalmente comercializam seu produto nesse mercado, ainda mais em alta devido à escassez do produto na região sudeste, dificultando a posição das indústrias no fechamento de seus contratos para a exportação de suco. Toda laranja comercializada é transportada por via rodoviária para os principais centros consumidores. As laranjas são postas no caminhão a granel, havendo perdas elevadas principalmente quando se destinam a centros mais distantes, a exemplo de Recife Na pós-colheita e fora da produção, uma classificação manual e simples é feita pelas chamadas beneficiadoras que cobram por esse serviço cujo custo fica a cargo do produtor ou mais freqüentemente a cargo do intermediário. Este beneficiamento mínimo consiste em uma seleção em dois tipos de tamanho: grande e pequeno, uma lavagem, secagem com polimento e banho com parafina, para melhorar a aparência do produto.O beneficiamento não elimina os fungos e muito menos as injúrias sofridas pelo produto, desprovido de embalagem adequada, durante a manipulação da colheita até o carregamento, conseqüente da falta de preocupação com a qualidade.

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Existem atualmente quatorze beneficiadoras espalhadas em diversos municípios da região centro-sul do Estado de Sergipe, no entanto, apenas oito, operam. A figura 2 mostra os principais e mais representativos canais de comercialização da citricultura sergipana.

Figura 2. Fluxo da comercialização da laranja produzida em Sergipe.

Fonte: Elaborado pelo autor Foram entrevistados 10 fornecedores de laranja dos quais quatro são produtores, um deles é o maior produtor do Estado, com uma área plantada de mais de 2.000 hectares e os outros três plantam em áreas entre 40 e 80 hectares, seis são intermediários compradores, sendo a maioria dos fornecedores em atividade há mais de 20 anos e fornecendo a mais de dois anos os atacadistas da CEASA Recife. A tabela 1 registra as resistências relacionadas com o segmento fornecedor, dividido em produtores e intermediários motivos e justificativas para seu comportamento. TABELA 1. Respostas do segmento fornecedor de laranja quanto à resistência ao Programa.

ENTREVISTADOS

RESISTÊNCIA

MOTIVOS

JUSTIFICATIVAS

QUANT

PRODUTORES

Não foi verificada resistência

Acreditam que a melhoria do produto será a saída para

a crise instalada na citricultura sergipana

1. Os produtos terão um padrão que irá favorecer a comercialização;

2. Alcançarão melhor preço no mercado, devido à melhor apresentação do produto;

3. Terão opções de preço e de produto para os diversos mercados;

4. Diminui as perdas.

4

INTERMEDIÁRIOS

Apresentaram resistência

Os custos de classificação e embalagem terão que ser repassados para o produto

Defasagem tecnológica

1. Os atacadistas preferem preço a qualidade; não querem o produto padronizado;

1. As beneficiadoras de Sergipe não têm

condições de classificar e embalar o produto de acordo com as normas do Programa;

6

PRODUTOR

INDÚSTRIA

CONSUMIDOR FINAL

ATACADISTA

SUPERMERCADOS FEIRA-LIVRE MERCADINHOS

VAREJISTAS

BENEFICIADORA

INTERMEDIÁRIO

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2. O custo para iniciar o processo de melhoria nas máquinas e aquisição de embalagem é muito alto e não compensa.

Fornecedores intermediários Observa-se que os fornecedores intermediários apresentam uma resistência quanto à classificação, embalagem e rotulagem, argumentando que os atacadistas não estão dispostos a pagar mais caro pela laranja classificada e embalada saída de Sergipe. A posição dos intermediários na comercialização da laranja é fortemente marcada pela visão especulativa de comprar pelo menor preço buscando ampliar a margem de comercialização por isso resistem à agregar valor ao produto. No caso específico do mercado da laranja em Sergipe como foi visto, a compra do produto na roça sem classificação estabelece um preço da média para baixo, ao classificar o atravessador paga os custos dos serviços, mas embolsa a diferença de preço recebido pelo produto de melhor qualidade e vende o descarte para a indústria a qual paga sem exigir muita qualidade, onde o brix é o determinante e não o calibre ou os padrões de cores como exige o mercado in natura. A atual situação é favorável para o atravessador ainda mais se considerarmos que o programa Horti & Fruti Qualidade preconiza a classificação na produção o que significa transferir os resultados do melhor preço pela qualidade aos produtores, ou seja, transferir para os produtores o adicional de valor ou parte deste, hoje retida pelos intermediários. Estes últimos assumem uma posição defensiva do status quo relativamente cômoda, no mercado. Como são donos do capital, poderão investir em outra atividade caso essa não apresente o retorno desejado, apesar de que alguns intermediários terem montado escritórios com uma estrutura de intermediação e até beneficiadoras. Fornecedores citricultores As entrevistas com os produtores (quatro) que fornecem laranja para a Ceasa Recife, não registram qualquer resistência quanto ao processo de mudança proposto pelo Programa Horti & Fruti Qualidade. No entanto, evidenciaram muitas dificuldades, principalmente financeiras, para que o setor se adeqüe às novas exigências. Essas dificuldades são expostas tanto na produção e colheita, quanto na reforma das obsoletas máquinas beneficiadoras instaladas em toda a região citrícola. Na opinião dos fornecedores produtores, é cada vez mais difícil a sustentabilidade econômica da citricultura no modelo atual. Como fatores negativos arrolam: − o desmonte do serviço público agrícola, atingindo principalmente as áreas de pesquisa,

assistência técnica o e defesa fitossanitária; − a falta de uma política agrícola para o Estado e o País; − baixos preços recebidos pelo produto; − o excessivo aumento dos custos de produção causados pela a dolarização de todos os

insumos e as elevadas taxas de juros e correções monetárias; − a retirada dos subsídios; − a baixa produtividade e competitividade dos pomares com em média apenas 12 toneladas

por hectare;

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− a expansão da citricultura em outros estados com pomares novos e sistemas de produção mais tecnicizados.

O conjunto desses fatores, aliados à ação dos intermediários e o excessivo fracionamento das áreas impede que ocorram ganhos propiciados pela economia de escala. De uma maneira geral, os citricultores acreditam que a padronização, a classificação e a embalagem dos produtos na produção, certamente irão melhorar a posição da laranja sergipana no mercado e seu rendimento agregado. No momento, buscam uma saída para a crise instalada no setor, que vem acarretando prejuízos e, conseqüentemente, perda de arrecadação para os municípios produtores. O aumento ocorrido no final de 2002, no preço pago pela tonelada do produto no mercado in natura, em razão da quebra da safra de laranja no Estado da Flórida (EUA) e a escassez da laranja no mercado do Sudeste, garantiu para o produtor uma remuneração maior do que a praticada ao longo do ano. No entanto, esse aumento de preço é conjuntural, de curto prazo, e não irá capitalizar o citricultor sergipano, tendo em vista que seus problemas são estruturais, necessitando de uma intervenção audaciosa para a alavancagem do agronegócio citrícola. A permanência da situação atual aprofundaria ainda mais o processo de descapitalização do produtor, impossibilitando-o de investir nas melhorias necessárias, agronômicas e de serviços de classificação e, principalmente, em embalagens e renovação dos pomares carentes dessa prática.Uma das possíveis saída para os produtores será a organização para agregar os serviços de classificação e embalagem propostos pelo Programa, para que o retorno propiciado com a melhoria da qualidade reverta o processo de descapitalização. A conscientização e a tomada de posição devem partir dos produtores organizados, pois ao atacado não interessa as mudanças: os atacadistas ganham comprando a granel, classificando de forma precária e vendendo o produto mais caro e por unidade. Atacadistas distribuidores O segmento atacadista de laranja da Ceasa Recife, de uma maneira geral, apresenta ineficiência quanto à gestão, um baixo grau de profissionalização e de qualificação dos recursos humanos, e agregue-se a inexistência de um sistema de apuração de custos. Outro fato constatado pela pesquisa é a deficiência das instalações e da infra-estrutura física de uma maneira geral. São lojas pequenas, a maioria com 12m², muitas sem divisórias entre elas e com pouco espaço para movimentação e exposição dos produtos. Nas relações de mercado, detectou-se alguns aspectos negativos, principalmente no tocante ao sistema de pagamento fornecedor/atacadista, que apresenta elevado grau de inadimplência. Esse fato foi apontado por diversos fornecedores. A defasagem tecnológica, a ausência de padronização para os produtos, a descontinuidade da oferta e a manipulação deficiente – ainda existentes nas operações comerciais da Ceasa, e têm permitido que os atacadistas sofram perdas gradativas no abastecimento de feiras-livres, sacolões, mercadinhos e outras formas de varejo. Foi essa realidade que levou as grandes redes de distribuição, como os supermercados, a adotaram o sistema de compra direta ao produtor, com a implantação de seus próprios sistemas de classificação dos produtos sem a intermediação do mercado atacadista. Estas deficiências levantadas no segmento atacadista iniciam na produção onde não há prática de monitoramento quanto à maturação dos frutos, obtendo-se misturas de frutos verdes e maduros de diversos calibres, coloração, peso e brix, que são aceitos pela indústria de suco, mas com absorção restrita no mercado de frutas in natura. As operações de colheita são feitas manualmente,os frutos sofrem diversos tipos de injúrias até chegar ao mercado consumidor. Não existe nesse processo uma seleção entre o que é destinado à indústria e ao

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mercado de frutas in natura não classificando a fruta, o produtor deixa de agregar valor ao produto na origem e favorece as perdas, as quais entre a produção à comercialização final, atingem cerca de 30%. A maioria dos produtores vende a safra no pé, deixando a cargo do comprador as operações de colheita e o transporte. Como o produto ainda chega a granel das regiões de produção, sem uma classificação adequada, a seleção e a classificação são feitas manualmente na loja, separando-se as laranjas por tamanho: grande, médio e pequeno. O produto é comprado aos intermediários no peso e vendido à unidade. Muitos atacadistas compradores revendem a laranja ainda em cima do caminhão. A tabela 2 registra as principais causas das resistências apresentadas pelos atacadistas entrevistados, motivos e justificativas dos entrevistados em cada segmento.

TABELA 2. Respostas do segmento atacadista quanto à resistência ao Programa.

ENTREVISTADOS

RESISTÊNCIA

MOTIVOS

JUSTIFICATIVAS

QUANT

ADERIRAM AO PROGRAMA

Não apresentaram resistência ao

Programa

Apresentaram desconfiança quanto

ao sucesso do Programa

Acreditam que

aumentarão as vendas devido à melhoria do

produto e dos processos de comercialização

Compreensão dos objetivos do Programa

1. Estão perdendo mercado para os supermercados, que estão vendendo produto de melhor qualidade;

2. As vendas estão caindo devido à falta de qualidade do produto.

1. As dificuldades são grandes e que os

atacadistas têm o hábito de venderem a granel e na unidade, há muitos anos.

2 2

NÃO ADERIRAM AO PROGRAMA

Apresentaram resistência ao

Programa

Aumento dos custos devido à classificação e

embalagem

Falta de infra-estrutura de apoio

1. O consumidor irá diminuir as compras devido o preço;

2. O consumidor quer é preço baixo; 3. Não interessa o produto embalado

para o consumidor; 4. O consumidor irá procurar produto

que substitua a laranja; 5. Haverá concorrência com outros

segmentos que não classificarão e embalarão o produto.

1. O galpão não dá condições de expor o

produto em caixas, principalmente de papelão;

2. Não existe local para estocar caixas plásticas na Ceasa.

15

O principal motivo da resistência dos atacadistas detectado pela pesquisa estão

relacionados à questão da classificação e embalagem do produto, propostas pelo Programa Horti & Fruti Qualidade, por entenderem que haveria um aumento dos custos a serem repassados para os preços o que os consumidores não estariam dispostos a pagar. Defendendo seus ganhos especulativos oriundos da falta de transparência nas relações de mercado, essa resistência encontra eco na maioria daqueles que não aderiram ao Programa. Argumentam que os consumidores não estão dispostos a pagar mais por qualidade, consideram sem importância a classificação da laranja, bloqueando assim a modernização necessária do sistema atacadista requerida pela nova postura do mercado e do consumidor. “O Programa não dará certo porque vai aumentar muito o preço da laranja e o consumidor não vai querer pagar mais caro” Esse relato de um dos atacadistas que não aderiu ao Programa Horti & Fruti Qualidade, resume a posição majoritariamente expressa e constatada pela pesquisa

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. A equipe técnica do Programa Horti & Fruti Qualidade, após uma análise do mercado, da qualidade da laranja na produção e dos custos dos serviços de classificação e embalagem considerou que inicialmente seria viável classificar o produto em três categorias, segundo os padrões do Programa Brasileiro para a Modernização do Horticultura. Cada categoria terá preços diferenciados e cada classe do produto será direcionada para determinado tipo de consumidor. Haverá produto para os consumidores mais exigentes quanto à qualidade e para os menos exigentes, aqueles que procuram preço. O consumidor de baixa renda deverá comprar aquele que maximiza sua renda. Ou seja, comprará, no momento, aquela classe que terá mais laranja por unidade monetária gasta e que satisfaça sua necessidade e desejo de produto de qualidade. Com a classificação todo o produto terá uma finalidade comercial, menos o apodrecimento e o desperdício, que causam prejuízo. Para a formação do preço no atacado do Recife, os atacadistas devem estabelecer um preço que o consumidor esteja disposto a pagar. Conforme foi ressaltado no referencial teórico, o consumidor estará disposto a pagar um pouco mais por produto de qualidade. Considerando a postura resistente dos atacadistas a equipe técnica do programa realizou uma pesquisa junto as classes de renda mais modestas nas feiras-livres mais populares da região metropolitana de Recife: Afogados, Peixinhos, Água Fria. Os consumidores entrevistados colocaram em sua grande maioria “que na hora da comprar laranja observavam primeiro a qualidade e em seguida, o preço. A maior parte dos entrevistados, nas três feiras, opinou ”que está disposto a pagar mais, por laranja de melhor qualidade”. (pesquisa realizada em novembro de 2002 pela equipe do Programa Horti & Fruti qualidade) Na compra de laranja, a satisfação das exigências de consumo é apresentada pelo estímulo, que é explicado pela tendência de grupos estarem procurando melhor qualidade de vida através do consumo de frutas frescas, estilo de vida mais saudável... Neves (2002).

Mesmo entre os atacadistas que de forma voluntária aderiram ao programa por estarem de acordo com os seus objetivos, há uma grande desconfiança quanto ao sucesso comercial da proposta.

“O consumidor irá deixar de comprar ou diminuirá bastante a compra com laranja mais cara” (atacadista que aderiu ao Programa).

Argumentam, ainda, que seus clientes, em sua grande maioria, são feirantes de bairros pobres do Recife e que os consumidores não estariam interessados em qualidade, e sim em preço baixo, e de a laranja é mais consumida por pessoas de baixa renda.

“Os clientes de supermercados são de renda superior, e os que fazem parte da clientela dos feirantes, a maioria, são de baixa renda, de bairros pobres. Um aumento de R$0,50 no cento da laranja representa uma queda nas vendas” (atacadista que aderiu ao Programa).

A pesquisa nas feiras de Afogados, Água Fria e Peixinhos, elaborada pelo Programa, não confirma esse argumento dos atacadistas. Os consumidores pesquisados vão desde a classe D de baixa renda, até as classes B segundo a classificação do IBGE, verificou-se que mesmo entre as pessoas de baixa renda a qualidade da laranja se sobressai em relação ao preço. Um quadro descritivo geral, com base nos depoimentos feitos pelos atacadistas e fornecedores, foi elaborado para facilitar a visualização e análise das respostas coletadas nas entrevistas.

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A tabela 3 mostra a relação entre os motivos da resistência detectados na pesquisa e os tipos de resistências apresentados por Robbins (2000), bem como o estágio de resistência inicial proposto por Hernandez & Caldas (2001).

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TABELA 3. Relação entre os tipos de resistência encontrados nos segmentos atacadista e fornecedor com os enumerados por Robbins (2000) e com o estágio (resposta inicial) proposto por Hernandes & Caldas (2001).

TIPOS DE RESISTENCIAS

COMPORTAMENTO

TIPOS DE RESISTÊNCIA DETECTADOS NA PESQUISA

ESTÁGIO (resposta inicial) DE RESISTÊNCIA OBSERVADO NA

PESQUISA

Hábito

Quando o indivíduo depara-se com uma mudança, a tendência imediata é de reagir ao estabelecido, ou seja, os modos habituais.

Não observado.

Segurança O indivíduo tende a resistir à mudança quando ele se sente ameaçado em seu sentimento de segurança.

Não observado.

Fatores econômicos

É o medo de que a mudança reduza sua renda. Mudanças nas tarefas, no cargo, poder, prestígio, benefícios; receios econômicos quando as pessoas acharem que perderão remuneração com a mudança proposta.

Aumento dos custos devido à classificação e embalagem da laranja. Perda de mercado e/ou diminuição da margem de comercialização.

Percepção de baixa consistência de natureza ativa

Medo do desconhecido

O temor pelo desconhecido, pela falta de informações sobre os eventos futuros e da adoção de novas tecnologias; trocar o conhecido pelo desconhecido.

Temem que o Programa dê errado.

Percepção de baixa consistência de natureza ativa.

Processamento seletivo das

informações

Os indivíduos moldam o mundo por meio de suas percepções. Utilizam processos seletivos de informações, para não alterarem suas percepções. Passam a ouvir o que desejam, ignoram informações que não estejam no mundo que criaram.

Não acreditam que o mercado mudou, que mesmo os consumidores de baixa renda buscam qualidade.

Percepção de baixa consistência de natureza ativa

Inércia de grupo

Os indivíduos que quiserem mudar seu comportamento, as normas e regras do grupo podem criar barreiras a essa mudança.

Um grupo estabeleceu uma forte posição de resistência. Isso pode ter inibido iniciativa de adesão ao Programa e apresentaram o comportamento de esperar para vê o que vai acontecer.

Percepção de baixa consistência de natureza passiva.

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As margens de comercialização nos segmentos pesquisados A principal resistência apresentada pelos segmentos pesquisados, mas, principalmente, pelos atacadistas que bloquearam momentaneamente qualquer passo na direção da classificação, embalagem e rotulagem dos produtos, foi o aumento dos custos e conseqüente aumento do preço do produto para os consumidores que não suportariam tal aumento indo buscar produtos substitutos para seu consumo. Na tentativa de verificar a consistência dos argumentos levantados pelos atacadistas contrários ao programa Horti & Fruti Qualidade, através de dados secundários e empíricos resultantes do estudo de campo, a pesquisa realizou uma análise do comportamento dos preços recebidos pelos produtores e dos preços praticados na CEASA Recife pelos atacadistas, calculando também os custos da agregação de valor e o cálculo das margens de comercialização por segmento em toda a cadeia de comercialização. Os preços médios da tonelada de laranja recebidos pelos produtores para o produto comercializado no mercado de frutas in natura, e na agroindústria foram calculados sobre uma série estatística dos últimos cinco anos fornecida pela ACISE - Associação dos Citricultores de Sergipe, para o estudo do preço médio praticado na CEASA Recife a referência foi uma série histórica dos preços nos últimos 10 anos, estabelecida pela Gerência Técnica de Mercados e o SIMA, que mantêm acompanhamento diário dos preços praticados na central atacadista. Os coeficientes técnicos e os custos de produção e colheita foram fornecidos pela Empresa de Desenvolvimento Agropecuário de Sergipe –EMDAGRO, os custos da pré-colheita à distribuição no mercado atacadista foram calculados com base nos dados fornecidos pela equipe técnica do Programa Horti & Fruti Qualidade complementados por uma pesquisa de campo, junto aos segmentos considerados neste estudo. Os gráficos 1 e 2 resumem os cálculos e mostram a evolução dos preços recebidos pelos produtores de laranja indicam um desequilíbrio bastante acentuado, com quedas bruscas no período analisado o mesmo ocorrendo em relação aos preços praticados pelos atacadistas. Nos dois últimos anos, 2001 e 2002, os preços apresentaram-se com maior cotação, principalmente nos meses de novembro e dezembro.

GRÁFICO 1. Preço médio anual, em R$1,00, da tonelada de laranja recebido pelos produtores sergipanos no mercado in natura e na indústria de suco sergipana - 1995 a 2002.

0

20

40

60

80

100

120

140

160

180

200

1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002

R$

Mercado in natura Indústria

Fonte: ASCISE, preços correntes. Verifica-se que os preços praticados nos diferentes mercados, in natura e para a indústria, são diferentes, favorecendo sempre o mercado in natura, mesmo com a reação dos preços nos meses de novembro e dezembro pagos pela indústria devido à redução da oferta,

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ocasionada pelo fim da safra paulista (a safra temporã paulista que foi menor) e pela quebra da safra nos Estados Unidos, principal importador de suco brasileiro5. A escassez, no entanto acabou puxando todos os preços para cima com repercussões também no atacado como se pode verificar no gráfico 2.

GRÁFICO 2. Preço médio anual quilo da laranja pêra comercializada na Ceasa Recife 1993/ 2002

0,00

0,10

0,20

0,30

0,40

0,50

0,60

1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002

Fonte: CEAGEPE – Gerência Técnica de Mercado e SIMA– correção pelo IGP-DI (FGV) Os dados mais significativos e de maior interesse para este trabalho estão nos cálculos de custos, valor agregado e margens por segmento que foram obtidos pela pesquisa nos anos de 2001 e 2002, onde os preços recebidos pelos produtores foram os mais elevados. As tabelas 4 e 5 mostram como se repartem os custos e as margens na cadeia de comercialização da laranja de mesa, conforme metodologia de cálculo proposta por LEITE (1998), em que se pode verificar também a eficiência de cada segmento no processo de agregação de valor.

TABELA 4. Indicadores de desempenho para venda no mercado in natura - 2001 Segmento

Custo

Custo

Preço

Margem

Valor Agregado

R$/Kg Acumulado R$/Kg % R$ Acumulado % Agrícola 0,136 0,136 0,146 7,35 0,0010 0,0100 58,8235 Intermediário 0,065 0,211 0,231 9,48 0,0062 0,0162 36,4706

Atacadista 0,009 0,240 0,260 8,33 0,0008 0,0170 4,7059 Fonte: adaptado de LEITE (1998).

TABELA 5. Indicadores de desempenho para venda no mercado in natura - 2002 Segmento

Custo

Custo

Preço

Margem

Valor Agregado

R$/Kg Acumulado R$/Kg % R$ Acumulado % Agrícola 0,160 0,160 0,178 11,25 0,0180 0,0180 72,0000 Intermediário 0,078 0,256 0,276 7,81 0,0061 0,0241 24,4000 Atacadista 0,012 0,288 0,310 7,64 0,0009 0,0250 3,6000 Fonte: Adaptado de LEITE (1998).

5 Conforme dados do IBGE, a exportação média de suco de laranja para os Estados Unidos é de 200 mil toneladas/ano e sua demanda interna é superior a 1,1 milhão de toneladas (Garcia, 2003). Portanto, o tamanho do mercado de suco brasileiro no Estados Unidos é dado, principalmente, pela safra da Flórida, que em 2004 deverá atingir o equilíbrio entre oferta e demanda.

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Os indicadores apresentados nas referidas tabelas mostram uma elevação da margem de comercialização favorável ao produtor em 2002, motivada pela conjuntura marcada pela queda da produção dos Estados Unidos e da Região Sudeste. Percebe-se, no entanto que para uma agregação de valor pouco significativa as margens dos setores de intermediação e atacadista são elevadas situando-se mesmo acima das margens dos produtores no ano de 2001, e permanecendo relativamente elevadas em 2002, quando a conjuntura dos preços lhes foi mais favorável. Se analisarmos em conjunto os dois setores de intermediação e comercial, e sua relação custos/margens, verificamos que os mesmos dispõem de uma elevada margem em relação aos produtores e que poderiam sem dificuldades absorver grande parte dos custos adicionais com os serviços agregados de classificação e embalagem mesmo se considerássemos que estes serviços não propiciassem um maior preço pelo produto final. Para os segmentos intermediário e atacadista, a classificação e a embalagem da laranja não interessam, tendo em vista que existem ganhos significativos com a situação atual da comercialização. Os intermediários compram dos produtores, repassam o produto com uma significativa margem de lucro, os atacadistas compram no peso, num patamar de preços que se estabelece sobre um padrão de qualidade muito inferior à realidade e ganham com a classificação que fazem, separando as de maior calibre, que em geral representa cerca de 60% de uma carga de um caminhão com 14 toneladas, pelas quais recebem elevados preços auferindo ainda maior lucratividade. Além disso, os atacadistas vendem a laranja à unidade dificultando a transparência das transações, as quantidades nem sempre são fáceis de conferir. Com a classificação feita pelo produtor, as margens de comercialização serão menores para o setor atacadista, que irá repassar o produto acrescendo uma margem de lucro de acordo com o mercado consumidor. CONSIDERAÇÕES FINAIS As mudanças que vêm ocorrendo no sistema agroalimentar são conseqüência, principalmente, das exigências por alimentos com características de qualidade e segurança por parte dos consumidores, causando inquietação no setor quanto à estratégia a ser adotada, observa Giandon (1994), citado por Spers (2000). Implantadas nos anos 70, um dos instrumentos de intervenção do Estado para a coordenação de um mercado cujo maior problema era a escassez da oferta, as centrais atacadistas de hortifrutícolas, se encontram diante de uma realidade em que mudaram as formas de atuação do Estado, mas também os mercados. A função de mercado atacadista baseado em relações tradicionais onde as vantagens eram especulativas, comprar barato com grandes margens de comercialização, está cedendo lugar para a visão competitiva onde a qualidade e a segmentação do mercado são os novos paradigmas. Alguns fatores determinantes das mudanças no agronegócio já ocorridas em outros países e que hoje estão presentes na realidade brasileira são: a padronização dos produtos pela agroindústria, para facilitar o suprimento e simplificar o processo de distribuição; o crescimento das grandes redes de varejo (super e hipermercados) com suas próprias centrais de compras; a urbanização da população; o crescimento do emprego no setor de serviços; a entrada da mulher no mercado de trabalho; o crescimento do comércio internacional agroalimentar; a influência de novos padrões alimentares; consumidores com mais exigência na qualidade dos produtos. Favero (2002) O Programa Horti & Fruti Qualidade faz parte dessa nova visão do mercado que foi assimilada pela diretoria da empresa,mas não pelos atacadistas,e alguns fornecedores. Esta postura permanece apesar do trabalho de sensibilização e capacitação que a equipe do Programa vem realizando junto aos atacadistas, produtores, agentes técnicos e operadores,

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estes últimos mais conscientes das necessidades e dos impactos que as mudanças provocarão na organização e nas relações de comercialização: estruturais, estratégicas, culturais, tecnológicas e relacionadas aos recursos humanos.

Para a maioria do segmento atacadista estudado, a melhoria da qualidade está associada a aumento dos custos dos produtos. A pesquisa mostrou a fragilidade desses argumentos que são mais fortemente colocados pelos segmentos de intermediação o que na verdade representa uma forma de preservar suas margens relativamente elevadas em relação aos produtores que arcam com os investimentos produtivos e se encontram em posição de negociação desfavorável face à um numero reduzido de compradores. Adotando-se a padronização, haverá um efeito distributivo da renda para toda a cadeia do agronegócio da citricultura, o que não interessa para intermediários e, principalmente para os atacadistas, sendo esses últimos os que ficam com a maior parte da renda ao longo da cadeia. O produtor será o grande beneficiado com a classificação e a embalagem que ocorrerá na produção. Com esse efeito redistributivo dos ganhos entre os demais elos da cadeia, haverá uma maior parcela para os setores produtivos, que poderão reinvestir,em melhorias dos pomares e, conseqüentemente, do padrão de qualidade dos frutos.

Aumentando-se a qualidade, aumenta-se a produtividade e conseqüentemente o lucro. A produtividade é vista no manuseio do produto, ou na facilidade de comercialização. Isso pode ser verificado quando se classifica e embala-se um produto: a diminuição do desperdício é visível; o melhor manuseio, com conseqüente redução de pessoal no carregamento e descarga; facilidade nas transações comerciais; melhor apresentação; a ampliação das classes do produto propiciada pela classificação e embalagem. Traduzidos em melhoria da qualidade, todos esses benefícios não aumentam os custos, e sim, favorecem o estabelecimento de ganhos significativos na cadeia de comercialização e o aumento das transações que poderão, baseadas em padrões aceitos pelo mercado, serem feitas à termo e à distância por via eletrônica por exemplo.

Martins (2000) dá um enfoque a custo da qualidade como “os custos decorrentes da falta de qualidade”. Isto é, a falta de qualidade acarreta custos que, conseqüentemente, oneram o preço do produto na comercialização. O cálculo desses custos dá a noção exata dos benefícios da implementação de um programa de qualidade, ou seja, a qualidade gera um ganho adicional para todos os segmentos da cadeia de comercialização. Outros ganhos serão obtidos também pelos municípios produtores de laranja, através dos serviços de classificação e embalagem realizados na região produtora, com elevação da oferta de emprego, geração de renda e impostos. A resistência baseada em fatores econômicos, a que mais se observou em todos os atacadistas que não aderiram ao Programa Horti & Fruti Qualidade, se expressa num discurso “que a mudança reduzirá sua receita devido o aumento do preço da laranja e a conseqüente queda nas vendas, diminuindo as receitas de comercialização” Essa ameaça é relativa à sua posição especulativa e de controle dos preços pela descontinuidade do produto.Um produto com padrões de classificação, embalado e com rótulo informativo, produz a transparência nas relações de mercado e nos preços. Atualmente o mercado atacadista determina o preço da laranja adicionando um percentual de lucro sobre os custos, com as mudanças o preço será dado pelo consumidor ao perceber o valor do produto através de seus atributos de qualidade, entendidos como diferenciais. Os atacadistas deverão montar uma estratégia de preço baseada no valor do produto percebido pelo consumidor e depois analisar a cadeia de valor para determinar seus custos e margens de comercialização, essa talvez seja a principal razão da resistência dos segmentos de intermediação, porém não explicitada.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS FAVERO, Luiz Andrea. Programa Abracen para a padronização e melhoria da qualidade alimentar e dos produtos hortifrutícolas no mercado atacadista. Recife: mimeo, 2001. FAVERO, Luiz Andrea. “O Programa Brasileiro de Modernização da Horticultura” palestra no Encontro Internacional da Comercialização. Centro de Convenções de Pernambuco. Recife: dez/2002 HERNANDEZ, José Mauro da Costa; CALDAS, Miguel P. Resistência à mudança: uma revisão crítica. In Revista de Administração de Empresas. São Paulo: v. 41. n 2. p. 31-45 abr/jun 2001. LEITE, Lucas Antônio de Sousa e outros. O agronegócio Manga no Nordeste do Brasil. In Cadeias produtivas e sistemas naturais: prospecção tecnológica / editado por Antônio Maria Gomes de Castro; Suzana Maria Valle Lima; Wenceslau J. Goedert ... [ et al,] Brasília: Embrapa-SPI. 1998 MARTINS, Petrônio Garcia; LAUGENI, Fernando Pierro. Administração da produção – São Paulo: Saraiva, 1998. NEVES, Marcos Fava; CHADDAD, Fábio R; LAZZARINI, Sérgio G. – Gestão de negócios em alimentos – São Paulo: Pioneira Thonson Learning, 2002. PESQUISA DE ORÇAMENTO FAMILIAR – IBGE, 1987 e 1996 – Disponível no site www.ibge.org.br capturado em 11.11.2002. RICHARDSON, Roberto Jarry. Pesquisa social: métodos e técnicas. São Paulo: Atlas, 1999.

ROBBINS, Stephen P. ; COULTER, Mary. Administração. Rio de Janeiro: Prentice-Hall do Brasil, 1998. ROBBINS, Stephen Paul. Administração: mudanças e perspectivas. São Paulo: Saraiva, 2000. SERGIPE. Secretaria de Estado da Agricultura, do Abastecimento e da Irrigação, Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Plano Estratégico da Fruticultura. Ações prioritárias para o desenvolvimento da fruticultura em Sergipe, Aracaju, 2001. SPERS, Eduardo Eugênio. Qualidade e segurança alimentar. Economia e Gestão dos Negócios Agroalimentares: industria de alimentos, industria de insumos, produção agropecuária, distribuição – Décio Zybersztajn & Marcos Fava Neves, organizadores. – São Paulo: Pioneira, 2000.

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O PROGRAMA NACIONAL DE ALIMENTAÇÃO ESCOLAR COMO

INSTRUMENTO DE PROMOÇÃO DO DESENVOLVIMENTO LOCAL.

Walter Belik, Nuria Abrahão Chaim, Bruno Weis1

Resumo O Programa Nacional de Alimentação Escolar, maior programa de alimentação em atividade no Brasil, que diariamente serve mais de 37 milhões de refeições, conta com repasses de recursos do Governo Federal da ordem de 1 bilhão de reais. A partir de 1994, este programa passou a ser gerido de forma descentralizada, ou seja, ficou a cargo dos estados e municípios a compra dos alimentos para a merenda escolar. A aquisição da alimentação escolar de forma descentralizada foi um dos grandes avanços ocorridos nos últimos tempos no Brasil. Além de racionalizar a logística e os custos de distribuição dos produtos, essa medida proporciona o respeito à cultura alimentar da população nas diferentes localidades do país. Do ponto de vista do desenvolvimento local, a compra e a gestão descentralizada da alimentação escolar se constitui em um importante fator na medida em que as aquisições feitas de produtores e empresários locais proporcionam a geração de trabalho e renda para as populações dos municípios envolvidos. É uma grande oportunidade de inserção para a pequena empresa, o comércio e a produção agropecuária local. Palavras-chave: Programa Nacional de Alimentação Escolar, desenvolvimento local, compras institucionais.

1 Corpo técnico da Associação de Apoio a Políticas de Segurança Alimentar – Apoio Fome Zero. Este artigo refere-se ao Projeto Gestão da Merenda Escolar, desenvolvido pela Apoio Fome Zero, e faz parte do Manual “Gestão Eficiente da Merenda Escolar”, que será publicado em abril.

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O PROGRAMA NACIONAL DE ALIMENTAÇÃO ESCOLAR COMO INSTRUMENTO DE PROMOÇÃO DO DESENOLVIMENTO LOCAL. 1-Apresentação O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) é o mais antigo programa social do Governo Federal na área de educação e é o maior programa de alimentação em atividade no Brasil. Diariamente são servidas cerca de 37 milhões de refeições com repasses de recursos do Governo Federal, em 2003, de R$ 954 milhões. Somados a esse montante, as prefeituras e os governos de estado acrescentam outra grande quantidade de recursos. Desenvolvido a partir de 1954, com o estabelecimento da Campanha da Merenda Escolar (CME), o Programa atendia algumas escolas de estados do Nordeste. Esta política foi ganhando abrangência nacional e sua operacionalização, durante todos esses anos, se deu sob diferentes denominações. Em 1988, a alimentação escolar passou a ser direito constitucional. Em 1994 foi instituída a descentralização do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Lei 8913). Com a descentralização, a Fundação de Assistência ao Estudante (FAE), órgão vinculado ao Ministério da Educação e Cultura e responsável pelo PNAE, estabeleceu convênios com estados e municípios para o repasse de recursos financeiros. Ficaria a cargo dos estados e municípios elaborar o cardápio, adquirir alimentos, realizar o controle de qualidade, contratar os recursos humanos necessários (merendeiras, nutricionistas) e a infra-estrutura física adequada (equipamentos e utensílios de cozinha). Os recursos repassados pela FAE eram destinados exclusivamente à aquisição de alimentos, ficando as demais despesas como contrapartida de estados e municípios. A administração da alimentação escolar de forma descentralizada foi um dos grandes avanços ocorridos neste Programa, pois permitiu racionalizar a logística e os custos de distribuição dos produtos, além de viabilizar o oferecimento de uma alimentação escolar condizente com o hábito alimentar da população nas diferentes localidades do país. As compras institucionais descentralizadas também abriram a possibilidade de inserção da pequena empresa, do comércio local, do pequeno produtor agrícola e da pecuária local neste mercado institucional. Desde 1997 o Programa Nacional de Alimentação Escolar vem sendo gerenciado pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), autarquia vinculada ao Ministério da Educação, em substituição a Fundação de Assistência ao Estudante. Em 1998, a alimentação escolar passou a ser direito constitucional.

2-Informações gerais sobre o Programa Nacional de Alimentação Escolar O Programa Nacional de Alimentação Escolar atende alunos matriculados na educação infantil (creches e pré-escolas) e no ensino fundamental (1ª a 8ª série) da rede pública de ensino e das escolas mantidas por entidades filantrópicas, desde que estas entidades estejam cadastradas no censo escolar e estejam registradas no Conselho Nacional de Assistência Social. Desde 2003 começaram a ser atendidos também os alunos das escolas indígenas (PNAE Indígena). O objetivo do Programa é suprir no mínimo 15% das necessidades nutricionais diárias dos alunos, contribuir para a redução da evasão escolar e favorecer a formação de bons

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hábitos alimentares em crianças e adolescentes do país, tudo isso dentro do espírito de uma política de Segurança Alimentar e Nutricional. 2.1-As formas de gestão do Programa Nacional de Alimentação Escolar Existem duas modalidades de operacionalização do Programa: centralizada e a escolarizada. A centralização ocorre quando as secretarias estaduais de educação ou prefeituras executam o Programa em todas as suas fases, ou seja, recebem, administram e prestam contas do recurso federal, são responsáveis pela aquisição e distribuição dos alimentos e também pela elaboração dos cardápios. Ainda na forma centralizada, a prefeitura ou a secretaria estadual de educação pode também optar por contratar o serviço de uma empresa para fornecimento da alimentação escolar, sendo que os recursos do FNDE só poderão ser utilizados para o pagamento dos gêneros alimentícios, ficando as demais despesas necessárias a cargo da entidade que executa o Programa. A este tipo de operacionalização denomina-se terceirização. Na modalidade chamada de escolarização, as secretarias estaduais de educação ou as prefeituras transferem os recursos diretamente para as creches e escolas pertencentes à sua rede, que passam a ser responsáveis pela execução do Programa. 2.2-Os recursos previstos O cálculo dos valores financeiros destinados à cada prefeitura e estado, anualmente, é feito com base no número de alunos que consta no Censo Escolar do ano anterior ao do atendimento, ou seja, os recursos da merenda de 2003 são calculados de acordo com o número de alunos matriculados em 2002. Este número é multiplicado pelo número de dias de atendimento (que corresponde aos dias letivos, ou seja, 200 dias para pré-escola e ensino fundamental e 250 dias para creches) e pelo valor per capita da alimentação escolar (para os alunos da pré-escola e ensino fundamental, esse valor é atualmente de R$ 0,13 e para os alunos matriculados em creches é de R$ 0,18). O número de beneficiários em todo o país vem crescendo ano a ano. Em 2003 foram atendidas 37,2 milhões de crianças e adolescentes da rede pública e de escolas filantrópicas e os repasses do Governo Federal atingiram 954 milhões de reais (para 2004 estão previstos 970 milhões de reais em repasses do FNDE aos estados e municípios). Além deste repasse federal, alguns estados e municípios fazem a complementação financeira dos recursos para a alimentação escolar, pois geralmente os recursos federais não são suficientes para a implementação do Programa. Internamente, cada município e estado decide sobre o repasse dos recursos próprios para a alimentação escolar, que varia de acordo com o poder de arrecadação e a lei orçamentária aprovada. E como se trata de verba complementar, poderá ser também destinada inclusive para compra de produtos essenciais para o preparo da merenda. Vale ressaltar que o recurso previsto pela Constituição Federal, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF), que estabelece que anualmente a União aplicará nunca menos do que 18%, e os Estados,

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Distrito Federal e os Municípios 25% da receita resultante de impostos para manutenção e desenvolvimento do ensino, não envolve os recursos para a merenda escolar. Existe um recurso, chamado verba QESE (Quota Estadual do Salário Educação) que pode ser utilizado para compra de gêneros alimentícios para a alimentação escolar. Os recursos da verba QESE provém de uma contribuição obrigatória, feita pelas empresas empregadoras, da ordem de 2,5% sobre a folha de pagamentos. Essa contribuição obrigatória é depositada pelas empresas ao INSS, que é o recolhedor deste tributo. O INSS repassa tais recursos para o tesouro nacional que fica com 1/3 do total e destina os 2/3 restantes aos Estados da Federação. Pela lei, pelo menos 50% da QESE que fica com os Estados teria que ser destinada proporcionalmente aos municípios de cada estado, segundo o número de alunos matriculados. Esta verba é destinada única e exclusivamente a gastos municipais e estaduais com o ensino fundamental (1a. a 8a. série), exceto gasto com pagamento de pessoal. Porém, a grande característica é a sua flexibilidade de uso, já que a única obrigatoriedade de aplicação da verba QESE é com transporte de alunos2, o restante pode ser aplicado em qualquer item voltado para a melhoria do ensino fundamental. E dentre os possíveis usos da verba QESE está o gasto com alimentação escolar. É justamente sobre essa parte livre da QESE que se poderia demandar algum tipo de transferência de recursos visando o reforço da merenda escolar. 2.3-Como o recurso pode ser utilizado Os recursos federais para o Programa Nacional de Alimentação Escolar devem ser utilizados exclusivamente para a compra de alimentos, seguindo as disposições da Lei de licitações. Não é permitida a compra de gás de cozinha, utensílios em geral, nem o pagamento da mão de obra necessária para o preparo da alimentação escolar. E a compra de alimentos também deve obedecer ao que está previsto em lei, ou seja, deve ser utilizado no mínimo 70% destes recursos na aquisição de produtos básicos, respeitando o hábito alimentar do local. Para o Programa Nacional de Alimentação Escolar, são considerados básicos os alimentos abaixo:

açaí carne suína fresca leite em pó pescado resfriado açúcar carne suína

resfriada leite fluido polpa de frutas

amido de milho charque ou carne seca

lentilha polpa de tomate

arroz creme de milho macarrão polvilho banha farinha de

mandioca mandioca queijo de coalho

batata doce farinha de milho manteiga queijo de minas batata inglesa farinha de rosca margarina rapadura biscoito de polvilho

farinha de tapioca mel de abelha sagu

bolacha doce ( tipo farinha de trigo melado de cana sal

2 Pelo menos 30% da verba, sendo que alguns analistas consideram possível utilizar apenas 20%.

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maisena) bolacha salgada (tipo cracker)

fécula de batata milho para canjica (mungunzá)

sardinha em conserva (óleo)

café feijão milho para pipoca sêmola de milho canjiquinha/xerem frango abatido

congelado miúdos congelados soja em grão

cará frango abatido fresco

miúdos resfriados suco de laranja concentrado

carne bovinacongelada

frango abatido resfriado

óleo de soja suco natural

carne bovina fresca frutas ovos temperos carne bovina resfriada

fubá pão toucinho defumado

carne salgada grão de bico pescado congelado trigo para quibe carne suína congelada

inhame pescado fresco verduras/hortaliças

legumes vinagre 3-Como é feita a compra de alimentos para a merenda escolar A compra dos gêneros alimentícios deverá observar os critérios e modalidades previstas na Lei 8.666 de 21 de junho de 1993 – que institui normas para licitações e contratos da Administração Pública. Quando da abertura de processo licitatório, as Unidades Requisitantes das Entidades Executoras (instâncias encarregadas de realizar as licitações) deverão fazer a adequada caracterização do objeto da compra. As modalidades para aquisição de gêneros alimentícios para a merenda escolar são:

• COMPRA DIRETA (dispensa licitação), para valores de até R$ 8.000,00

• CARTA CONVITE, para valores de R$ 8.000,00 até R$ 80.000,00 Modalidade de licitação entre interessados do ramo pertinente ao seu objeto, escolhidos e convidados em número mínimo de 3 (três) pela unidade administrativa.

• TOMADA DE PREÇOS, para valores de R$ 80.000,00 até R$ 650.000,00 Modalidade de licitação entre interessados. O anúncio de Abertura de Edital é feito no mínimo com 15 dias de antecedência. O fornecedor será escolhido entre clientes cadastrados que apresentarem orçamento de menor valor.

• CONCORRÊNCIA PÚBLICA, para valores acima de 650.000,00 É a modalidade de licitação entre interessados que, na fase inicial de habilitação preliminar, comprovem possuir os requisitos mínimos de qualificação exigidos no edital para execução de seu objeto. O anúncio de Abertura da Concorrência deverá ser feito com, no mínimo, 30 dias de antecedência. Escolha do fornecedor que apresentar proposta de menor valor e que atender a todas as especificações contidas no Edital. • REGISTRO DE PREÇO, para valores estipulados pela Unidade Requisitante, com

base na previsão de compras. Segue os procedimentos da modalidade “Concorrência”. O Registro de Preço possibilita à Entidade Executora uma série de vantagens: permite que a programação se torne mais flexível, evitando os demorados processos licitatórios mensais e permite

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que a compra e o fornecimento dos produtos sejam feitos na medida em que houver necessidade, reduzindo assim o custo de armazenamento e imobilização de capital.

Pelo Sistema de Registro de Preços a Entidade Executora não está obrigada a contratar os produtos que têm seu preço registrado. Porém, quando for necessário efetuar a compra, deve antes consultar o mercado, para comparar com o preço registrado. Em caso de realização da compra, basta solicitar os alimentos desejados ao fornecedor que apresentou o menor preço. E a quantidade máxima a ser comprada é a que foi estabelecida pela Unidade Requisitante durante a definição do objeto da licitação.

• PREGÃO. Este sistema pode ser adotado para os mesmos tipos de compras realizados por meio de registro de preço, concorrência, tomada de preços e convite. A Unidade Requisitante deverá estabelecer, de forma clara e precisa, o objeto a ser adquirido, contemplando todas as suas características, além de determinar a quantidade exata. Para participar do pregão, os interessados apresentam propostas e lances, em sessão pública, e as propostas de menor preço e as ofertas até 10% superiores são selecionadas. As regras do pregão inovam com a inversão das fases de habilitação e classificação dos licitantes. Esta inversão permite que seja examinada somente a documentação do participante que apresentou a melhor proposta, evitando o exame prévio da documentação de todos os participantes. • PREGÃO ELETRÔNICO Algumas administrações públicas têm investido na informatização dos processos de aquisição, gerando redução de custos, tanto pelo aumento da concorrência (já que um número maior de empresas toma conhecimento das oportunidades de negócios) quanto pela diminuição do fluxo de papéis em circulação na administração pública. A informatização permite também o acompanhamento dos gastos pela população, por meio da Internet, o que torna o processo mais transparente e possibilita maior controle social. O Pregão Eletrônico, por exemplo, caracteriza-se por ser inteiramente realizado utilizando-se de recursos da informática. Por meio da Internet são registrados os editais para a aquisição de bens e serviços. Os fornecedores poderão oferecer suas propostas iniciais de acordo com hora e data prevista no edital. No horário especificado as propostas são abertas e o pregoeiro e os representantes dos fornecedores entram numa sala virtual de disputa. Em seguida, partindo-se do menor preço cotado nas propostas iniciais, os fornecedores oferecerão lances sucessivos e de valor decrescente, em tempo real, até que seja proclamado o vencedor (aquele que tiver apresentado o menor lance), sendo o aviso de fechamento emitido pelo sistema. 4-Como a gestão do Programa Nacional de Alimentação Escolar pode beneficiar a economia local Todo o sistema de compras da administração pública é regido pela Lei 8666/93. Esta lei procurou moralizar a forma como o poder público se relacionava com os seus fornecedores, o que levou a um extremo rigor no tratamento dos processos de licitação. A lei trata de forma igual a contratação de obras e serviços assim como a compra de alimentos para a merenda escolar, o que pode dificultar bastante a execução da diretriz de compra preferencial de alimentos junto a produtores agrícolas e ao comércio local.

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Mas existem algumas possibilidades de seguir rigorosamente a lei e fomentar o desenvolvimento local por meio da compra de alimentos para a merenda. Em primeiro lugar, a lei dispensa de licitação “compras eventuais de gêneros alimentícios perecíveis em centro de abastecimento ou similar” (artigo 24, inciso XII) sendo que atualmente esse gasto limite vai até R$ 8 mil por mês. Para as compras de maior vulto vale repetir que a lei recomenda a realização de Concorrência para Registro de Preços, que, por sua vez, pode ser adaptado para evitar a burocracia e dar maior agilidade à administração pública. Isso pode ser feito por meio de uma ação coordenada das áreas social e administrativa dos governos. Vejamos a seguir alguns exemplos que permitiriam melhorar a qualidade da alimentação, desenvolvendo a economia local, ao mesmo tempo em que levam a uma economia de custos. Vejamos a seguir alguns exemplos que permitiriam melhorar a qualidade da alimentação, desenvolvendo a economia local: Capacitação de produtores agrícolas É importante esclarecer e capacitar produtores rurais locais para que estes se organizem e passem a fornecer gêneros alimentícios para a prefeitura de forma individual ou organizados em associações ou cooperativas. No primeiro caso, torna-se necessário obter informações sobre como emitir uma nota do produtor3. No caso da organização em associações ou cooperativas, o passo inicial é obter o registro junto aos órgãos de fazenda municipais, estaduais e federais. Criação de uma Comissão Especial de Licitação Nomeação, pelo prefeito ou governador, de uma Comissão Especial de Licitação para Alimentos, Equipamentos, Utensílios de Cozinha e Serviços com a atribuição exclusiva de cuidar das licitações (ou dispensa de licitações) para as escolas municipais. Os servidores alocados nessa Comissão terão como responsabilidade cuidar das Atas de Registros de Preços licitadas, cadastrando fornecedores, acompanhando a evolução dos preços e montando os objetos de licitação. Criação do Serviço de Inspeção Municipal A própria prefeitura pode certificar a qualidade dos alimentos incentivando a criação de um Serviço de Inspeção Municipal (SIM), que passará a zelar pelas condições sanitárias para o fornecimento das refeições. Por exemplo, algumas prefeituras ainda possuem matadouros municipais em boas condições e nesses equipamentos a inspeção municipal pode atuar certificando a produção local. O mesmo pode acontecer no caso de hortifrutis junto a equipamentos atacadistas administrados pelo poder público, como mercados municipais, centrais de abastecimento ou centrais de distribuição. Criação da Central Municipal de Compras O poder público pode também criar uma Central Municipal de Compras de produtos da agricultura familiar, que terá como função aproximar produtores de distribuidores facilitando a compra e venda de produtos agrícolas para os programas municipais de alimentação ao mesmo tempo em que leva à dinamização da agricultura local. 3 O produtor rural deve solicitar à Secretaria da Fazenda Estadual, através de suas coletorias ou postos municipais, a autorização para emitir a Nota Fiscal de Produtor, documento fiscal obrigatório para a venda de produtos agropecuários. Vale ressaltar que na maioria das vezes, o produtor está dispensado do pagamento do ICMS, desde que tenha a Nota Fiscal de Produtor.

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Utilização do Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (PAAL) Outra possibilidade é fazer uso do Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (PAAL), lançado em julho de 2003 pelo Governo Federal com o objetivo de incentivar a produção dos pequenos agricultores. A proposta do PAAL é garantir recursos para os agricultores familiares comercializem sua safra por meio da compra dos produtos pelo Governo Federal. Os alimentos adquiridos pelo governo serão utilizados em programas de segurança alimentar nos municípios e o excedente será direcionado para recompor estoques estratégicos. O governo instituiu o PAAL por meio da Lei nº 10.696/2003. Aproveitando a estrutura proporcionada pelas Centrais de Compras e considerando a possibilidade de compra governamental apoiada pelo PAAL, é possível lançar um programa de hortas urbanas individuais ou comunitárias, aproveitando espaços ociosos, terrenos municipais e outras áreas de pouco uso dentro do perímetro urbano para a produção. Pode-se também fazer um esforço para retomar a pequena agricultura local ou regional, que muitas vezes acaba sendo deixada de lado em função de um sistema de compras centralizado na mão de algumas empresas fornecedoras. Além de ter uma finalidade produtiva, um programa dessa natureza permitiria a realização de trabalhos comunitários ligados à educação, saúde e capacitação de jovens. 5-Algumas experiências de municípios que utilizam a merenda escolar como instrumento de promoção do desenvolvimento local Hulha Negra (RS) No município gaúcho de Hulha Negra , a administração que assumiu a prefeitura em 1997 estabeleceu um projeto de desenvolvimento e inclusão social, e um dos programas criados foi o Programa Oportunidades de Mercado (POM) que tinha como principal objetivo criar mecanismos de incremento da renda aos pequenos agricultores. Uma das ações deste Programa era justamente implementar a merenda escolar regionalizada, ou seja, incluir a produção familiar local no mercado institucional. Para viabilizar a participação da produção familiar local neste mercado, foi criada a Associação dos Produtores Coloniais de Hulha Negra (APROCOHN), uma associação com caráter comercial na qual estão representadas as comunidades rurais do município. A APROCOHN adquiria os produtos dos agricultores e vendia para a prefeitura, mediante emissão de nota fiscal. Paralelamente, a administração municipal passou a valorizar os produtos locais ou que preservassem características típicas dos hábitos da população no cardápio da merenda escolar. Até mesmo as especificações dos produtos a serem adquiridos, como valor nutricional ou menções à produção colonial, eram explicitadas nos procedimentos de compra do Programa, como por exemplo a especificação do nível de carotenóides exigido nos ovos: a partir de um determinado nível, apenas os ovos de galinhas caipiras podem cumprir esta especificação. De fato, criaram-se meios para que os agricultores pudessem não apenas participar da licitação, mas ter oportunidades de vencer a concorrência. A APROCOHN conseguiu vencer a concorrência durante os três anos consecutivos de vigência do programa (R$ 16 mil, em 1998; R$ 18 mil, em 1999 e R$ 21 mil, em 2000), beneficiando 32 famílias de produtores.

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Pelotas (RS) Em Pelotas, outra cidade do Rio Grande do Sul, a prefeitura local desenvolve desde 2001 um projeto de merenda ecológica pelo qual compra alimentos orgânicos produzidos por cooperativas da região para o abastecimento de 20 escolas municipais, nas quais estudam 800 alunos. Além dos benefícios nutricionais que os alimentos livres de agrotóxicos propiciam aos alunos, o projeto possibilitou o desenvolvimento da economia local. Quando foi implantado, uma das cooperativas organizou-se com cerca de 100 pequenos agricultores. Com o aumento da demanda e a garantia de um mercado regular, as cooperativas cresceram e hoje cerca de 240 famílias de produtores trabalham na produção de feijão, batata, cenoura, beterraba, couve e outros alimentos. O acordo com a prefeitura também gerou o nascimento de uma pequena agroindústria nas cooperativas, para a produção de sucos de fruta. Os agricultores afirmam que 30% do que produzem é para o abastecimento das escolas e que, com a garantia da compra por parte da prefeitura, é mais fácil planejar investimentos para otimizar a produção. Aracy (BA) O município baiano constituiu no final dos anos 90 o Conselho de Desenvolvimento Rural. Um dos principais resultados dessa mobilização foi a criação de um centro de comercialização, que congregava as entidades de produtores para viabilizar a emissão de notas fiscais, eliminando, assim, um dos entraves para que os agricultores forneçam seus produtos para a alimentação escolar. Canindé do São Francisco (SE) Algumas escolas deste município sergipano substituíram o leite em pó oferecido na merenda pelo leite de cabra. Neste caso, os criadores de cabra fornecem o leite para uma indústria beneficiadora, que por sua vez abastece as escolas do município. É um exemplo de que a substituição de produtos do cardápio por itens de consumo local gera impactos positivos na economia. A inclusão de leite de cabra significou um incremento de renda aos criadores e uma diversificação do cardápio, valorizando os hábitos locais. Bebedouro (SP) Partindo da necessidade de barrar o processo de exclusão social de pequenos produtores de laranja desta região do interior de São Paulo (conhecida como principal pólo produtivo de suco de laranja do Brasil), Bebedouro encampou no final dos anos 90 um projeto introduzir suco natural de laranja na merenda das escolas e creches públicas da cidade. A prefeitura de Bebedouro foi assessorada por um grupo de pesquisadores universitários que constatou que o poder público da região não utilizava o potencial produtivo da agricultura local, e que as compras municipais estavam enredadas em uma série de procedimentos administrativos burocráticos. A prefeitura foi instruída a utilizar a verba QESE, um recurso estadual para a educação, na organização e orientação de pequenos produtores para a formação de uma associação que fornecesse suco pasteurizado às escolas. Esse trabalho fez com que cerca de 8 mil crianças fossem diariamente atendidas pela produção de 22 pequenos citricultores, que puderam criar uma pequena instalação industrial no próprio município. Dessa forma, o projeto promoveu o acesso da população de baixa renda a um alimento saudável e natural, e garantiu a produção dos pequenos agricultores do município e o desenvolvimento sustentável da atividade, já que toda a renda originada do negócio fica concentrada na própria região.

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6-Conclusão Este trabalho procurou mostrar caminhos e exemplos de gestões do Programa Nacional de Alimentação Escolar em que esta política se constitui como uma possibilidade de promover o desenvolvimento local. A garantia da circulação da renda transferida pelo Governo Federal para a alimentação escolar aos municípios e estados é uma grande oportunidade para a inserção de pequenas empresas, do setor agrícola e pecuário local neste mercado institucional, e é um fator decisivo para proporcionar geração de trabalho e renda para as populações dos municípios e estados envolvidos.

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Claudia Andreoli Galvão Luiz Fernando de Mattos Pimenta Gabrio Marimozzi Marília Luiza Peluso Mariângela da Silva Duarte Endereço: Núcleo de Estudos Agrários – NEAGRI/CEAM Universidade de Brasília Multiuso I Bloco B Sala B1.50 Campus Universitário Darcy Ribeiro Asa Norte Caixa Postal 04611 70919-970 – Brasília – DF Endereço Eletrônico: [email protected] Forma de Apresentação : Oral Resumo: A preocupação com a perda de espaço da agricultura familiar nordestina face a intensificação quer seja do processo de globalização, quer seja dos complexos agroindustriais no mercado interno brasileiro, levando a uma exclusão crescente da produção dessa agricultura, nos leva a refletir sobre as formas possíveis de contribuir de forma a evitar que as pessoas que atualmente dependem dessa agricultura para sua sobrevivência percam suas reais possibilidade de se manterem no meio rural e vejam como alternativa única a migração para as periferias de cidades médias ou grandes. Uma das maneiras de conseguir este intento é a formação de redes solidárias de comércio entre a agricultura familiar e os nordestinos que migraram para grandes cidades em épocas em que o processo quer de crescimento industrial, quer de crescimento urbano, ainda tinha dinamismo suficiente para integrá-los à economia urbana. As populações imigradas não perdem os vínculos com sua origem, assim cria-se um comércio não padronizado e errático de comidas, ingredientes e utensílios e uma enorme gama de produtos típicos da região nordestina. No mundo urbano são criados espaços e associações culturais que ligam os migrantes à sua origem.

O comércio solidário cria parcerias entre produtores e consumidores de forma a aumentar o acesso dos produtores familiares ao mercado, criando os meios e oportunidades para melhorar as condições de vida e de trabalho na agricultura familiar nordestina. O resultado prático é o aumento da renda e a redução da pobreza no campo. As redes solidárias de produção e consumo representam a possibilidade de os agricultores familiares saírem do círculo vicioso da exploração imposta pelo atual sistema que permite que os intermediários fiquem com a maior parcela de acumulação e poupança, para um circulo virtuoso em que os agricultores familiares se apropriariam dos excedentes gerados pelo seu trabalho, e que os consumidores também se beneficiem através de preços menores e com os atributos de produtos “politicamente corretos”.

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Redes Solidárias de Comercialização e Compra de Produtos Nordestinos no Distrito Federal

Claudia Andreoli Galvão

Luiz Fernando de Mattos Pimenta Gabrio Marimozzi

Marília Luiza Peluso Mariângela da Silva Duarte

1. Introdução O processo mundial de globalização, com fortes características de padronização de consumo e valores culturais, faz passar desapercebido do grande público diferenças culturais e regionais extremamente arraigadas e importantes. A mídia de massa facilitada pelos novos meios técnicos da comunicação em tempo real - agora acessível a bilhões de pessoas que vêem televisão e se conectam pela rede mundial – idealiza e procura fazer crer que existe “um consumidor mundial com hábitos politicamente corretos”, independentes de sua história de vida e de sua região de origem. Resistências culturais, religiosas, fundamentalismos milenares, terrorismo, além de lutas por definição de territórios próprios e independentes, que se espalham principalmente pelo Oriente Médio e África, são muitas vezes ignorados ou “transformados” pela mídia mundial como exemplos de intransigência e intolerância unilaterais, antagônicas a um mundo “global e solidário”. Outras vezes os conflitos são excluídos da mídia, evitando-se a exposição e visibilidade das mazelas políticas e sociais que envolvem milhões de pessoas. O Brasil, como país jovem e dinâmico, é influenciado pelo ambiente de forte valorização da globalização. Soma-se, além da influência cultural global, as conseqüências de um dos maiores fenômenos migratórios do mundo, ocorrido no último meio século em solo brasileiro. Em nome da política de industrialização do país, enormes contingentes populacionais deixaram o campo, principalmente Nordeste e Minas Gerais, rumo aos grandes centros urbanos do Centro-Oeste e do Sudeste, denominados genericamente de “sul” pelos imigrantes. Passam a coexistir dois “nordestes”: o Nordeste-Nordeste agrário do semi-árido (parte territorial significativa daquela região) e um “Nordeste do Sul”, formando núcleos mais ou menos homogêneos nas cidades de grande e médio porte das principais áreas receptoras . Trata-se de dois territórios geográficos distintos e distantes unificados, entretanto, pelas mesmas raízes e por elos de identidade cultural. Ficar por lá ou buscar no ironizado “sul maravilha” uma oportunidade de ascensão social, não resultou em rompimento das relações de interpessoalidade e solidariedade entre os nordestinos dos dois lugares ligados não só por laços familiares, mas principalmente pela identidade e auto-estima. Nos lugares de origem, os recursos naturais (solo e água) são limitados, dificultando produções regulares. A falta de chuvas recorrentemente causa aflições e provoca migrações dos homens das famílias em busca de trabalho. A má distribuição da terra provoca um enorme volume de minifúndios, responsáveis não só pela pobreza como pela degradação e desertificação em seu território. Secularmente, a elite local utiliza as políticas públicas em seu próprio beneficio, criando uma cultura política de dependência “por favores”, como a distribuição de água em carros pipas e cestas básicas destinadas às populações flageladas. Paradoxalmente, as populações resistem `as agruras do meio ambiente e à exploração social e política com um misto de religiosidade, orgulho e valores culturais tradicionais que elevam e mantêm sua auto-estima. Tanto choram as perdas de produção e morte de seus animais, como também festejam as chuvas

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anteriores ao dia de São José e as boas colheitas no São João, acreditando que o bom (e improvável) inverno se repetirá. As “colônias nordestinas” que se instalaram inicialmente no Rio de Janeiro e São Paulo nos anos 60, espalharam-se por outros pólos urbanos. Embora viessem para ajudar no desenvolvimento destas cidades, geralmente foram “mal recebidas” pelas populações locais com seus preconceitos de raça (origem cabocla), classe e indiferença à situação dos brasileiros mais pobres. Num mecanismo de ação–reação, inicialmente as comunidades nordestinas se fecharam num instinto de defesa e autoproteção. Com o tempo, não só se integraram nas grandes cidades brasileiras, como também influenciaram enormemente na vida econômica, social e cultural. Festas, comidas, feiras típicas e, mais recentemente, as casas de forró são exemplos da incorporação dos costumes nordestinos no Centro-Oeste e Sudeste brasileiros. 2. Os “Dois Nordestes” No semi-árido encontramos a maior concentração e densidade de agricultores familiares do país. Com municípios tipicamente rurais, a percentagem de famílias que moram nas zonas rurais supera a das cidades. As políticas sociais são mais precárias que no resto do país. Lá se encontram os maiores índices de pobreza rural e de analfabetismo do país. Seus Índices de Desenvolvimento Humano ( IDH ) são também os mais baixos. O resultado do processo é diverso. Se por um lado criou-se uma classe média em diversas cidades de regiões metropolitanas – como os metalúrgicos do ABC - grandes contingentes migratórios não tiveram a mesma sorte. O inchaço das cidades, a favelização, o desemprego no setor formal, agora também nas cidades de médio porte, passam a constituir o retrato da nova realidade urbana. Os fluxos migratórios recentemente passaram a se dirigir às cidades menores espalhadas por todo país, sem que se reduzam as grandes concentrações de nordestinos residentes nas regiões metropolitanas de São Paulo e Rio de Janeiro. As “colônias nordestinas” reproduzem nas metrópoles seus valores e culturas trazidos, na maior parte, do semi-árido nordestino. Comida, festas, religiosidade e feiras de bairro são formas de reprodução cultural e resistência de uma população que troca uma região de economia rural de subsistência e “atrasada” para vir construir o pólo industrial dinâmico e “moderno” do país. As populações imigradas não perdem os vínculos com sua origem, onde ficaram pais, tios e parentes. Além da correspondência social, intercambiam bens: os do Sul mandam produtos eletrodomésticos e roupas, enquanto os do Nordeste enviam a paçoca, a rapadura, a farinha de puba, o polvilho, carnes para a buchada de bode, carne de sol e outras comidas e ingredientes típicos da região. O envio de dinheiro é para ajudar os parentes pobres que ficaram por lá. Espaços e associações culturais são criados nas grandes cidades, reforçando a identidade e o orgulho de ser nordestino. A população das cidades do Centro-Oeste e Sudeste, agora sociedade de massa, não só abandona os preconceitos, como também passa a incorporar os antigos migrantes, adotando suas comidas e costumes. O forró, manifestação mais recente, passa a ser curtido amplamente, não só nos bairros populares, como também por expressivos segmentos das áreas mais nobres. 3. Migrações e Inserção dos Nordestinos no Desenvolvimento das Regiões Metropolitanas Passemos agora a discutir a questão do êxodo rural e suas características, a fim de compreender o processo migratório no Brasil. Embora o êxodo rural dos anos noventa pareça mostrar um certo arrefecimento relativamente às décadas anteriores, as cidades brasileiras continuam atraindo

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fortemente a população rural: sobretudo os mais jovens. Diferentemente do período que vai até o início dos anos oitenta, são cada vez menores as chances de que a população recém-chegada consiga realmente integrar-se à vida urbana. Nas cidades do Centro-Oeste e Sudeste as migrações de nordestinos têm aceleração no final dos anos cinqüenta e início dos sessenta, com a implantação da indústria automobilística em São Paulo e, paralelamente, com a construção de Brasília. A industrialização e seus encadeamentos provocaram grandes demandas na construção civil e no comércio que também utilizaram a mão-de-obra migrante. As concentrações de nordestinos se espalharam pelas periferias das cidades próximas às concentrações industriais. Durante o período de crescimento industrial mais intenso, que vai até o final da década de setenta, boa parte dessa população é incorporada pela indústria nascente, responsável pela formação dos operários das indústrias multinacionais que vieram ao país estimuladas pelo Governo JK. O processo de migração continuou intenso até o final da década de oitenta. Abramovay afirma que:

A partir de 1940, a cada década, mais de um terço da população residente no meio rural no início do período migrava em direção às cidades. Durante os anos 1980 foram mais de 12 milhões de pessoas e na primeira metade da década de 1990, o êxodo atingiu 5,6 milhões de indivíduos. Com a manutenção deste ritmo até o final da década teríamos a migração de 29,3 % da população residente no início do período (Abramovay,1999, p. 12).

O crescimento urbano e metropolitano dos anos setenta oferecia uma possibilidade real de melhoria de vida para a população rural, especialmente porque as condições de vida no interior nem de longe ofereciam as oportunidades apresentadas nas cidades por uma economia em forte expansão. No entanto, esgotaram-se os mecanismos de crescimento rápido a partir dos anos oitenta e o novo padrão de desenvolvimento tem como característica marcante a desaceleração no emprego nos setores econômicos mais dinâmicos. Alban (1999) analisa em profundidade a questão do crescimento sem emprego e mostra que “o progresso técnico tanto pode gerar o crescimento com geração de empregos – como ocorreu nos anos dourados do pós-guerra – quanto o jobless growth, o crescimento sem empregos que caracteriza a crise da grande maioria das economias desenvolvidas nos anos 80 e 90” Ele nos esclarece que o desemprego dos anos oitenta e noventa que ocorreu em praticamente todas as economias desenvolvidas é um fenômeno novo e enigmático, denominado na literatura de desemprego de jobless growth – crescimento sem emprego. No período do pós-guerra a grande maioria das economias desenvolvidas apresentaram taxas de crescimento elevadas, altas taxas de investimento embasadas no avanço tecnológico da mecânica e da eletromecânica, que induziam a ganhos de produtividade em função da exploração de plantas de escala e rigidez crescentes, baixas taxas de desemprego, salários em expansão via incorporação de ganhos de produtividade. Os anos dourados, entretanto, não durariam para sempre. Com o final dos anos sessenta, o almejado American way of life chega também ao seu fim com a desaceleração dos investimentos e elevação das taxas inflacionárias. Com os anos setenta, vieram os choques do petróleo e com eles taxas inflacionárias ainda mais altas. Com os anos oitenta, superada a crise inflacionária, as economias avançadas retomam seu crescimento. Este, porém, acaba ocorrendo a taxas muito baixas e com parcos efeitos sobre o desemprego, que tende a se ampliar. É o fenômeno do crescimento sem emprego.

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A partir da década de setenta, e das crises do petróleo, ocorreram desaceleração da produtividade, estagnação das taxas de investimento e inflação crescente na maioria das economias desenvolvidas. Nos anos oitenta e noventa, com a superação da crise inflacionária, a produtividade volta a crescer, mas os salários paradoxalmente se contrairam e o desemprego passou a ser um processo cronicamente crescente porque, ainda segundo Alban acima citado, a microeletrônica permitiu que os ganhos de produtividade não fossem mais uma função de escalas crescentes de produção. A microeletrônica permitiu que uma mesma planta fabricasse produtos diferenciados, sem investimentos pesados e crescentes no processo de obtenção do lucro. Esse tipo de crescimento não se restringiu aos países desenvolvidos. Os países em desenvolvimento, ao adotarem tecnologia, usaram como modelo a tecnologia disponível dos países ricos, adaptadas às condições dos fatores daqueles, ou seja, intensiva em capital e poupadora de mão-de-obra, especialmente da mão-de-obra não especializada. O que nos restou é o paradoxo – uma tecnologia que poupa nossos recursos abundantes (mão-de-obra não especializada) e utiliza sem parcimônia o recurso que temos escasso (capital).

Segundo Abramovay (1999, p.15), o Brasil está entre os países latino-americanos com os piores indicadores em matéria de educação, mas os dados sinalizam para uma melhoria qualitativa, como demonstra Castro (2000). Analisando dados de educação para o Brasil, Castro (2000, p. 429), apresentou dados que mostram uma redução das taxas de analfabetismo da população com 15 anos ou mais em todo o país, no período 1970-96. No entanto, as diferenças regionais aumentaram no mesmo período, conforme pode ser observado na tabela a seguir: Brasil/Regiões - Taxas de Analfabetismo da População com 15 anos ou mais –1970-1996

Taxas de Analfabetismo (%) Brasil/Regiões

1970 1980 1991 1996 Norte 36,0 29,3 24,6 12,4 Nordeste 54,2 45,5 37,6 28,7 Sudeste 23,6 16,8 12,3 8,7 Sul 24,7 16,3 11,8 8,9 Centro-Oeste 35,5 25,3 16,7 11,6 Brasil 33,6 25,5 20,1 14,7 Fonte: Castro, 2000, a partir de dados dos Censos Demográficos de 1970,1980, 1991, e 1996 da FIBGE. Por outro lado, Castro (2000, p. 437) discute a questão da qualidade da educação e mostra que para os estudantes do Norte e Nordeste a primeira série é um grande obstáculo, a repetência é muito elevada, bem como o abandono. No entanto, os estudantes do Sudeste e do Sul somente vão enfrentar dificuldades na quinta série. A autora alerta para a distorção idade/série que perseguirá o aluno até a universidade, se ele conseguir chegar lá, e esta situação será mais severa para os estudantes das regiões mais pobres. Agora quando se fala de educação rural o quadro é mais grave. Assim, a população que chega do Nordeste (de onde saíram quase 55% dos migrantes rurais brasileiros nos anos noventa) por ser

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não-qualificada, terá um nível de desocupação maior e ganhos salariais menores que a população qualificada.

Outro elemento a analisar é que inicialmente parece grande a prosperidade nas grandes cidades, pois o migrante desenvolve um trabalho menos árduo com melhores salários e melhor padrão de vida. Entretanto, após os primeiros anos, o migrante verifica que suas expectativas não passaram de ilusão e ele se apercebe de que apenas trocou uma forma de sobrevivência por outra, talvez ligeiramente menos árdua, mas cheia de incertezas e dificuldades. Entretanto, o fluxo migratório não se reduz e talvez o motivo resida no fato de que os migrantes já instalados se mostrem uma fonte de atração para os que ficaram, ou seja, um micro espaço cultural é criado na região receptora. Gomes e Haesbaert (1988) destacam atitude tendente `a recriação do ambiente sócio-cultural de origem na área objeto da migração A contínua diferenciação da malha urbana e a experiência muitas vezes assustadora do desconhecido e do inesperado, levam o indivíduo a recriar laços de identidade e enraizamento, fortalecendo grupos e/ou delimitando novos territórios – os guetos – repertório cultural comum e exclusivo do grupo.

4. A Migração para Brasília

Brasília, cidade que foi planejada para ser o centro político e administrativo do país, foi igualmente planejada para abrigar no ano de 2000 uma população não muito superior a 500.000 habitantes. Seria impossível permanecer neste nível no fim do século, porque para as regiões mais pobres do país, Brasília se tornou a esperança para suas populações desempregadas ou em situação de rendas abaixo do nível de pobreza. Como conseqüência, desde o início da construção da nova capital, o fluxo migratório para o Planalto Central foi extraordinário, engrossado por fileiras de migrantes que vieram em busca de lotes prometidos por governos populistas do Distrito Federal. Em fins de 1956, Brasília contava com 6000 habitantes; três anos depois, o número já era dez vezes maior, e por volta de 1960, a população já superava os 140 mil habitantes. Conta-se que “ali chegava gente à pé, de caminhão, atravessando planícies, ao longo de caminhos intermináveis, vindo de todos os cantos do Brasil” (Beaujeu-Garnier, 1971, p. 239) A situação se agravou de tal maneira que no ano de 2003, a população do DF ultrapassou os dois milhões de habitantes. Grande parcela dos migrantes acorreu ao Distrito Federal em busca de emprego, pois foram expulsos de suas origens, quer seja pela perda de suas terras face à concorrência das pequenas propriedades familiares com os complexos agro-industriais ou com as empresas agrícolas, quer seja pela seca nordestina. O curioso, porém, é que Brasília apresenta a maior taxa de desemprego do país, mais de 18%, e em seu entorno a taxa é ainda mais elevada, beirando os 20%, conforme dados da pesquisa coordenada pelo professor Marcel Bursztyn do Departamento de Sociologia da UnB. A passagem do modo de vida rural para o urbano implica na quebra das relações com grupos primários, o que induz à atomização e ao isolamento. Nos núcleos urbanos, o sistema tradicional de normas e valores é substituído pelas relações impessoais de caráter competitivo, o que leva os migrantes a se organizarem e a recriarem ambientes similares aos de sua origem, como forma de se autoprotegerem. As metrópoles, como de resto as grandes cidades, podem atrair e acolher as multidões de pobres expulsos pela modernização da agricultura, e a presença dos pobres como bem disse Milton Santos (1999, p. 259) “ enriquece a diversidade socioespacial (...) a cidade é um grande sistema,

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produto da superposição de subsistemas diversos de cooperação, que criam outros tantos sistemas de solidariedade”. O autor ressalta que os pobres criam redes de solidariedade de forma a proteger os recém-chegado. Nos guetos urbanos, como os denomina Milton Santos, grupos de migrantes criam e desenvolvem uma grande densidade comunicacional, resultado de uma clara percepção de situações pessoais. São os pobres, diz Milton Santos, que nas cidades conseguem melhor vislumbrar o futuro, são os pobres que após o período inicial de grandes dificuldades em sua adaptação a um meio que lhe é estranho, onde seus conhecimentos anteriores não virão em seu auxílio, que começam a vislumbrar o futuro, onde “o processo de alienação vai cedendo ao processo de integração e entendimento, e o indivíduo recupera a parte do seu ser que parecia perdida”(Santos, 1999, p. 263). Assim, para se integrarem ao novo meio dependem cada vez menos de suas experiências passadas e cada vez mais da descoberta de novas experiências.

O espaço da metrópole longe de possuir uma fisionomia unidimensional, apresenta-se como um verdadeiro labirinto tecido em redes complexas de aproximações sucessivas e de significações diversas que nos conduzem irremediavelmente ao jogo dinâmico da multiespectral face da modernidade.

5. Solidariedade – o Elo Cultural Galvão (2001), referindo-se ao estudo de Fafchamps, salienta que é a escassez e não a abundância que torna as pessoas generosas, de tal forma que em momentos onde a sobrevivência está em risco, emergem mecanismos de solidariedade informal, uma forma de auto-ajuda, e a reciprocidade é necessária para que ocorra a continuidade do esquema de ajuda mútua. Quando as pessoas convivem por longos períodos, a cooperação passa a fazer parte das regras de conduta do grupo. A cooperação é premiada e o comportamento oportunístico penalizado no futuro. Se alguém tem um comportamento inadequado hoje, será punido no futuro quando necessitar de ajuda e esta ajuda não for dada pelo grupo. Fafchamps salienta que o mais importante neste esquema de auto-ajuda é a participação voluntária, sem coerção. Putnan (1993, p.183) nos lembra que o contrato social que sustenta a ocorrência de colaboração para a conquista de interesses comuns, é moral e não legal. Dessa forma, a sanção para quem o viola não é penal, mas sim a exclusão da rede de solidariedade e cooperação. Putnan (1993, p.168) mostra que a cooperação espontânea é facilitada pela existência de capital social. Nas associações informais de crédito rotativo, por exemplo, um grupo de componentes concorda em fazer a cada mês uma contribuição para um fundo. Cada mês um dos componentes do grupo receberá a soma das contribuições daquele mês, e esse membro continuará a fazer as contribuições mensais até que todos os membros do grupo tenham tido a chance de receber o total mensal das contribuições. Desta forma, todos os membros do grupo podem formar o capital necessário para iniciar ou incrementar seus negócios de pequena escala, utilizando-se do esquema de solidariedade. A cooperação requer um certo grau de confiança entre os atores participantes do processo. Esta confiança, por sua vez, está calcada nos traços culturais de uma comunidade e perpassa os valores e costumes de uma população consciente das vantagens que a ação coletiva pode proporcionar para o grupo como um todo. Cooperação voluntária é mais fácil em uma comunidade que tem um substancial estoque de inerente capital social, na forma de normas de reciprocidade e redes de engajamento cívico.

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Capital social refere-se a características de organização social, como confiança, normas e redes que podem facilitar a eficiência da sociedade, facilitando ações coordenadas. A característica especial do capital social é ser regularmente um bem público, diferente do capital convencional, o qual é regularmente um bem privado. Isso significa que o capital social, diferente de outras formas de capital, freqüentemente é um subproduto de outras atividades sociais. Confiança é um componente essencial do capital social. 6. Um Pouco da História do Comércio Solidário A idéia de uma economia solidária existindo concomitantemente com o capitalismo selvagem não muito nova. Ainda na primeira década do século XIX, segundo Singer (2002, p.24-25), industriais mais esclarecidos começaram a propor leis de proteção aos trabalhadores. Singer destaca Robert Owen, proprietário de um imenso complexo têxtil em New Lanark, na Inglaterra. “Em vez de explorar plenamente os trabalhadores que empregava, Owen decidiu, , limitar a jornada e proibir o emprego de crianças, para as quais ergueu escolas. O tratamento generoso que Owen dava aos assalariados resultou em maoir produtividade do trabalho, o que tornou sua empresa bastante lucrativa, apesar de gastar muito com a folha de pagamento. Owen tornou-se objeto de grande admiração e respeito, adquirindo fama de filantropo. Visitantes do mundo inteiro vinham a New Lanark tentar decifrar o mistério de como o dinheiro gasto com o bem-estar dos trabalhadores era recuperado sob a forma de lucro, ao fim de cada exercício”. Grüninger e Uriarte (2002, p. 68), elaborando um retrospecto do comércio justo ou fair trade, mostram que este nasceu na década de 60, com o objetivo de auxiliar pequenos produtores vítimas do isolamento comercial ou da pobreza, para tanto grupos de europeus e norte-americanos (ONGs, agências de cooperação, instituições filantrópicas, grupos de consumidores) passam a inserir a produção desses produtores no mercado.

As organizações de comércio alternativo colaboram entre si apenas de forma informal e esporádica até a década de 70. Prada e Freitas (2002, p.43) mostram que é somente a partir da segunda metade da década de 80 a colaboração entre elas se organiza através da IFAT (International Federation for Alternative Trade). Esses autores Essa mostram que essa associação reúne mais de 150 organizações, entre importadores, produtores, varejistas, organizações de promoção e assessoria, e tem por objetivo fomentar a troca de informações e a colaboração entre seus participantes. Em 1988 é criada a primeira certificadora, a Max Havelaar da Holanda, que daria impulso ao surgimento de várias outras em diversos países. A EFTA (European Fair Trade Association), associação européia de doze grandes importadores de produtos de comércio ético, surge em1990, e em 1994 é inaugurada a NEWS, rede de lojas de fair trade na Europa. Os Estados Unidos criam em 1994 a North American Alternative Trade Organization, atualmente Fair Trade Federation (FTF), organização que reúne mais de noventa comerciante que vendem sob critérios de fair trade, para o atacado ou para o varejo, nos Estados Unidos e no Canadá. Em 1997 é criada a FLO (Fairtrade Labelling Organizations International), por europeus que tinham a redução das desigualdades sociais provocada pela abertura comercial mundial como princípio ético, criando a certificação de produtos do mercado justo. Segundo Grüninger e Uriarte (2002, p. 69) as instituições FLO, IFAT, NEWS e EFTA formam um grupo de trabalho conhecido por FINE, grupo esse que busca harmonizar conceitos , princípios e práticas e fomentar a colaboração entre as quatro organizações.

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Sampaio e Flores (2002, p. 22) apresentam os dados levantados pela Secretaria de Reforma Agrária, do Ministério do Desenvolvimento Agrário, para o ano de 2000, na organização Max Havelaar, e segundo esses dados os maiores importadores europeus de comercio ético são a Inglaterra (22,48%), a Alemanha (22,48%), a Suíça (19,56), a Holanda (17,54%), a Itália (4,5%), a Dinamarca (4,5%) e a Franca (2,7%). Segundo Diniz e Ferrari (2002, p.52) o comércio ético inicia no Brasil nos anos 70 com o “suco justo” promovido pela Fairtrade Labelling Organization (FLO), possibilitando melhorias sociais e regularização do trabalho dos produtores de laranja residentes em Paranavaí no Paraná, sendo comercializado na Alemanha, Suíça e Áustria. Segundo Grüninger e Uriarte (2002, p. 71) o Brasil possui vendas certificadas pela FLO de suco de laranja e banana-passa. Outros produtos vendidos em regime de comércio ético mas sem certificação incluem o óleo de soja, melões, café e camisetas.

Uma outra instituição brasileira, a praticar o comércio justo a partir de 1999, é a Visão Mundial que ajuda pequenos produtores agrícolas e de artesanato a exportarem os seus produtos, conforme Diniz e Ferrari (2002, p.55) Esses autores nos mostram, igualmente, a proposta de comércio solidário da Mundaréu, loja de artesanato que oferece em São Paulo produtos de diversas partes do país para um público disposto a pagar mais por artigos que conectam arte e solidariedade. Entretanto, como não existem apenas desigualdades sociais extremas no comércio externo brasileiro, as intensas desigualdades regionais poderiam igualmente dar suporte ao desenvolvimento de um sistema e um conceito de mercado solidário que tivesse por alvo a realidade nacional, despertando na parcela da sociedade brasileira com poder de compra e de consumo, o mesmo sentimento de solidariedade que os levasse a criar elos de apoio aos agricultores familiares pobres, em especial os mais pobres que se localizam no Nordeste brasileiro. 7. Comércio Ético e Solidário Segundo Sampaio e Flores (2002, p. 14) o comércio solidário pode ser entendido como uma “forma de empoderamento dos trabalhadores assalariados, produtores e agricultores familiares, que estão em desvantagem ou marginalizados pelo sistema convencional de comércio” sendo que o Faces do Brasil (Fórum de Articulação do Comércio Ético e Solidário do Brasil) discrimina as seguintes características do comércio ético e solidário:

a) baseia-se em relações éticas, transparentes e co-responsáveis entre os atores da cadeia produtiva;

b) pressupõe uma remuneração justa; c) contribui para a construção de relações solidárias no interior da economia; d) respeita as diversidades culturais e históricas; e) reconhece o grande valor do conhecimento e da imagem das comunidades tradicionais.” Coelho apresenta a definição de comércio justo do Network of European World Shops, a rede européia de lojas de comércio justo:

Uma parceria entre produtores e consumidores que trabalham para ultrapassar as dificuldades enfrentadas pelos primeiros, para aumentar o seu acesso ao mercado e para promover o processo de desenvolvimento sustentado. O comércio justo procura criar os meios e oportunidades para melhorar as condições de vida e de trabalho para os produtores, especialmente os pequenos produtores desfavorecidos. A sua missão é a de

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promover a equidade social, a proteção do meio ambiente e a segurança econômica através do comércio e da promoção de campanhas de consciencialização (Coelho,2002, p.32).

O escopo do comércio justo, ético e solidário engloba ações como a erradicação do trabalho escravo e infantil, a eliminação das discriminações de raça, gênero e religião, a preservação da saúde das pessoas e do ambiente, o respeito aos direitos trabalhistas, o respeito às identidades históricas e culturais, locais e regionais. Age também sobre aspectos relativos à gestão do processo produtivo, como a eliminação da intermediação comercial especulativa, a garantia de pagamentos justos aos pequenos produtores, o estimulo à criação de associações e cooperativas, o apoio ao desenvolvimento e à oferta de ferramentas de conhecimento e de tomada de decisão e a garantia de meios para obter informações para todos os atores envolvidos. Sampaio e Flores (2002) citam Fairbanks, que alerta para a grande velocidade de ocorrência da exclusão social e da perda de oportunidades comerciais num mundo globalizado. A esses problemas, acrescentam-se as dificuldades dos agricultores familiares de se inserirem no mercado, bem como o pouco acesso aos recursos e serviços de apoio à produção, que de uma forma geral são destinados preferencialmente aos grandes empreendimentos agrícolas. A desarticulação com o mercado, acima referida, torna os pequenos produtores dependentes dos intermediários, que na busca de altos retornos, remuneram irrisoriamente os produtos da agricultura familiar, via de regra, pagam apenas uma pequena parcela do que será pago no varejo, pelo consumidor final. Para os agricultores familiares o conhecimento dos canais e mecanismos de comercialização restringe-se, na maioria das vezes, ao mercado local, assim, o que ocorre é a total desarticulação com o mercado nacional ou internacional, o que faz com que a agricultura familiar só seja viável em incipientes mercados locais. A agricultura familiar é ultrapassada e deslocada por setores nacionais mais bem organizados e preparados. Na prática, o que acontece é que os pequenos agricultores familiares, na luta da concorrência, acabam ficando com os segmentos e mercados em que as margens de lucro são as mais baixas. Por outro lado, a falta de conhecimento e informações sobre as necessidades dos consumidores fazem com que esse tipo de produtor não consiga atender plenamente sua clientela. Assim, para Sampaio e Flores (2002, p.19), é fundamental “identificar canais de distribuição e de comunicação que se comprometam com os valores e as necessidades da agricultura familiar de tal forma que o resultado seja o fortalecimento da posição econômica dos produtores marginalizados”. A agricultura familiar brasileira, apesar de ser responsável por 70% dos postos de trabalho e por 40% do valor bruto da produção agrícola, segundo o INCRA e a FAO para o ano de 2000 (Sampaio e Flores, 2002, p. 23), está sujeita a fracassos nas iniciativas de comercialização decorrentes da falta de informações consistentes e da insuficiência de compreensão a respeito dos mercados de destino. É necessário pensar e oferecer a esses agricultores ferramentas que fortaleçam sua capacidade para que possam desenvolver vantagens e diferenciais sustentáveis a longo prazo. Para romper com os mecanismos historicamente construídos de apropriação dos excedentes gerados pelos agricultores familiares, será preciso construir redes solidárias de produção e comércio que permitam a valorização das vantagens comparativas de cada território rural e que articule essas potencialidades locais com alternativas concretas de negócios, para a construção de um sentido de territorialidade, com o fortalecimento dos sistemas locais de produção, que refletem processos históricos e culturas locais e produtos diferenciados. Um enfoque, segundo

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Peixoto (2002, p. 61), deverá estar pautado no fortalecimento das organizações locais, e no estímulo à formação do capital social necessário ao planejamento territorial. Grüninger e Uriarte (2002, p. 68) fazendo referência às injustas circunstâncias enfrentadas por pequenos produtores em países pobres, citam a falta de oportunidades econômicas por dificuldades de acesso a capital, mercados compradores e informação, e sua vulnerabilidade às flutuações de mercado, e a apropriação de boa parte do valor adicionado ao longo da cadeia produtiva por intermediários desnecessários ou sobre-valorizados. Singer, ao analisar a história da economia solidária, cita Owen que discutindo a economia do século XIX mostra que já acontecia com os pequenos produtores o mesmo processo que observamos em relação aos pequenos agricultores familiares que são hoje, igualmente, gravados pelo processo de intermediação: “Os distribuidores, pequenos, médios e grandes, têm todos de ser mantidos pelos produtores e, quanto maior o número de primeiros compradores destes, maior será a carga suportada pelo produtor; pois à medida que aumenta o número de distribuidores, a acumulação de riqueza tem de diminuir e mais tem de ser exigido do produtor. Os distribuidores de riqueza, sob o sistema atual, são um peso morto sobre os produtores e os mais ativos desmoralizadores da sociedade” (Owen, 1821, apud Singer, 2002, p. 30). Mas nem tudo são desvantagens, pois como nos alertam Sampaio e Flores (2002, p. 18), uma possível vantagem dos agricultores familiares é “seu envolvimento com o mercado, seu orgulho com o resultado do seu trabalho e seu carinho para com os consumidores de seus produtos, comparativamente às grandes empresas que em sua luta competitiva pelo aumento da produtividade e em conseqüência dos lucros, passaram a concentrar suas estratégias em programas de qualidade, reengenharia , globalização, fusões e terceirização, o que reduz a satisfação e fidelidade dos consumidores”. Apesar dessas vantagens, existem outros problemas que não podem ser esquecidos e dizem respeito ao não atendimento pela agricultura familiar dos atributos de: higiene, acabamento, prazos de entrega, padronização e a outros atributos de qualidade valorizados pelos consumidores. No entanto, até mesmo esses atributos poderão ser valorizados quando os agricultores se organizarem em cooperativas ou passarem a fazer parte de redes de produção/consumo. Então, o objetivo do comércio solidário é construir parcerias entre consumidores, comerciantes e produtores para que se possa superar a falta de inserção dos produtos em mercados mais competitivos e ágeis, de forma que os ganhos sejam partilhados pelos três tipos de atores sociais. O resultado prático é o aumento da renda, o que trará como decorrência a redução da pobreza no campo, já que os agricultores familiares conseguirão um preço justo pela venda dos seus produtos. Assim, os resultados esperados irão de encontro ao objetivo de induzir novas dinâmicas para incorporar os pobres. Reduzir a fome é o objetivo principal. Como afirmou Anna Maria Peliano, coordenadora de Projetos Especiais do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), ao ser entrevistada pela UnB Revista sobre o problema da fome no Brasil, a carência alimentar é percentualmente maior na zona rural e no Nordeste, enquanto em termos absolutos é mais um fenômeno metropolitano. O problema, ainda enfatiza Peliano, para muitos municípios nordestinos pode significar uma maioria absoluta de famintos, com cerca de 80% da população. O consumo, nas palavras de Mance (2001, p.25), “não visa apenas satisfazer necessidades naturais, biológicas, mas também necessidades culturais que são produzidas pelo próprio modo de viver das sociedades.” Assim, ao consumirmos estaremos fazendo escolhas que podem ter repercussões dramáticas na geração ou na redução dos postos de trabalho na economia, na preservação ou destruição de ecossistemas, na reciclagem de materiais ou na produção cada vez maior de lixo não biodegradável, na extinção ou preservação de espécies vegetais e animais, na

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manutenção da exploração dos trabalhadores em uma sociedade capitalista e injusta ou na eliminação de toda forma de exploração de seres humanos, no aumento da poluição e na piora da qualidade de vida ou na melhoria da qualidade do meio ambiente ou da qualidade de vida da população de sua comunidade, de seu país e do planeta como um todo. Assim, novamente citando Mance, “consumo solidário ocorre quando a seleção do que consumimos é feita não apenas considerando o nosso bem-viver pessoal, mas igualmente o bem-viver coletivo. (...) O consumo é a última etapa de um processo seletivo e as escolhas de consumo – feitas pelos indivíduos em particular e pela sociedade como um todo (2001, p.29). As redes solidárias de produção e consumo representam a possibilidade de os agricultores familiares de saírem do círculo vicioso da exploração imposta pelo atual sistema que permite que os intermediadores fiquem com a maior parcela de acumulação e poupança, para um circulo virtuoso em que esta parcela de acumulação e poupança seja retida em grande parte pela ponta produtora, mas que os consumidores também se beneficiem através de preços menores. Para os agricultores familiares a rede solidária traria mudanças efetivas que permitiriam a apropriação social dos excedentes gerados pelo trabalho por parte de quem os produz. Havendo as duas pontas da cadeia (pequeno produtor e consumidor de produtos de qualidade social), parceiros típicos são as associações de produtores, as organizações de fomento do mercado consumidor, organizações de certificação e monitoramento, organizações de assistência e varejistas (Grüninger e Uriarte, 2002, p. 70). Mance (2000, p.18) considera que o objetivo principal de uma Rede de Colaboração Solidária é “gerar trabalho e renda para as pessoas que estão desempregadas e marginalizadas, melhorar o padrão de consumo de todos os que dela participam, proteger o meio ambiente e construir uma nova sociedade em que não haja exploração das pessoas ou a destruição da natureza” Ao mostrar a importância da rede em unir os diversos atores sociais em variados movimentos sociais de tal forma que evita a exploração do trabalho e a expropriação no consumo típicas do capitalismo, assim implementa “uma nova forma de produzir e consumir compatível com uma sociedade pós-capitalista de caráter solidário e ecologicamente sustentável” (Mance 2000, p.18).

Um outro aspecto prático a considerar é que as redes de comércio solidário podem aproveitar redes já existentes onde já se percebe uma maior organização das cadeias produtivas e um maior acesso aos mercados, em especial aquelas do segmento orgânico. Colaboração gera mais colaboração, assim, cada “célula de colaboração que surgir ensejará o surgimento de outras e assim, progressivamente, os excluídos do capitalismo construirão uma alternativa econômica ao próprio capitalismo como modelo de reprodução social” (Mance, 2001, p. 14). Coelho (2002, p.32 levantou alguns elementos fundamentais para a operacionalização de cadeias solidárias a saber: 1) legislação especial para redes de comércio solidário; 2) quebra das relações verticais na cadeia produtiva; 3) relações horizontais entre fornecedores, produtores e intermediários; 4) garantia de acesso ao crédito; 5) negociação direta com os fornecedores; 6) negociação direta com o mercado; 7) capacidade de estabelecer suas margens de remuneração.

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8. Canais de Comercialização de Produtos da Agricultura Familiar Nordestina no Distrito Federal A presença de populações de origem nordestina em Brasília se manifesta tanto na vida cultural como nos hábitos gastronômicos da cidade. A música se faz presente nos bares e casas noturnas, como em organizações culturais como a casa do Ceará, do Maranhão, a casa do Cantador etc que promovem shows e oferecem comidas regionais durante os eventos. Os produtos de origem nordestina são também encontrados em feiras locais, como as do Guará e Ceilândia, ou mesmo vendidos por ambulantes nas ruas do plano piloto e das cidades satélites. Existe uma demanda de produtos típicos de origem nordestina –sejam eles naturais ou processados – são bastante diversificados e comercializados de forma fragmentada. Tanto sua produção como seu processamento se baseiam em agricultores familiares e/ou "agroindústrias de fundo de quintal”. Assim suas cadeias de produção geralmente se assemelham aos dos outros produtos ligados à agricultura familiar nordestina: coordenação das cadeias ligadas aos caminhoneiros que os recolhem e/ou aos comerciantes que os revendem a nível local e/ou regional. Muitas vezes estes dois papéis são feitos pelo comerciante que diretamente recolhe os produtos. Uma tendência crescente é a da produção se realizar na região de Brasília e entorno (Minas e Goiás) por produtores de origem nordestina ou não. Em alguns casos observamos os feirantes de Brasília produzindo alguns produtos em suas chácaras e sítios. Já existem, por exemplo, abatedouros de ovinos e caprinos em Formosa, Santo Antônio do Descoberto. Observamos nas feiras compradores pedindo produtos associando-os a sua a região de origem: o queijo de coalho do Ceará etc. Os feirantes também procuram ter produtos genuinamente produzidos no Nordeste, embora estes em geral saiam mais caros, entre 20 e 30 % na média. Geralmente os feirantes misturam os produtos nas prateleiras sem identificar sua origem. Outro feirante vende os produtos vindos do Nordeste com o mesmo preço dos produzidos aqui, trabalhando assim com margens diferentes. Este feirante busca pessoalmente os produtos no Piauí sua região de origem, podendo estar havendo aí identidades de familiares ou de outros tipos. Os produtos e suas cadeias Os produtos nordestinos consumidos em Brasília sofrem processos agroindustriais simples, geralmente caseiros ou realizados em pequenas agroindústrias. As principais cadeias encontradas foram: cadeia dos laticínios; cadeia da mandioca; doces de palmeiras nativas; doces de frutas cultivadas; produtos in natura; cadeia de carnes de ovino-caprinos; cadeia da cana-de-açúcar; fitoterápicos e temperos. Foi identificado mais de 25 tipos de produtos destas cadeias, número que se eleva quando são associados à origem. Na cadeia de laticínios estão a manteiga de garrafa, o requeijão nordestino, o queijo de coalho e o doce de leite. Estes produtos vêm da Bahia, Paraíba, Ceará no Nordeste, mas também de Minas, Goiás, Distrito Federal e Tocantins. Os produtos trazidos do Nordeste sofrem desvantagens de preço provocadas tanto pela distância, quanto pelo custo de produção do leite, caro no Nordeste e barato no Centro Oeste. Os produtos da mandioca são o polvilho caipira (granulado) , doce ou azedo; os polvilhos refinados, doces ou azedos; boas de polvilho e as farinhas de mandioca. Os produtos identificados eram baianos e maranhenses apesar de sua produção ocorrer em todo nordeste.

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Das palmeiras nativas são fabricados o doce de buriti, a raspa de buriti e o azeite de coco de babaçu. Estes produtos vêm do Piauí, Ceará e Bahia. Os doces de frutas oferecidos são o caju em calda, caju cristalizado, bananada e goiabada. Os doces vêm de Pernambuco, Piauí, Paraíba, e Minas Gerais. Os produtos in natura são o mel e o arroz integral. Também foi encontrada a massa de arroz. Eles vêm do Maranhão e Piauí. Na cadeia de ovino-caprinos foram identificados a carne de sol; a buchada e as carnes verdes. Estes produtos são encontrados e utilizados nos restaurantes das feiras. Sua origem é a da região do entorno de Brasília (Mina Gerais e Goiás). Provavelmente isto se deve a perecibilidade dos produtos e a inexistência de oferta regular pelos produtores nordestinos do semi-árido (e a desorganização desta cadeia na região). Constatamos em açougues e restaurantes de Brasília a presença destas carnes provenientes de São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Uruguai. O consumo nacional destas carnes vêm crescendo 10% ao ano, através da entrada de pecuaristas tradicionais nas regiões centro sul do país. O único produto de cana encontrado foi a rapadura provenientes do Ceará, Pernambuco, Ceará, Bahia e Minas. A aguardente não foi encontrada nas feiras embora se constitua em produto tradicional na produção Nordestina. Finalmente encontramos também a venda de produtos fitoterápicos de uso popular e de temperos. Embora não se constituam de produtos tipicamente nordestinos constatou-se uma grande quantidade de produtos vindos da Bahia, Piauí e Ceará. Um caso muito interessante foi constatado na comercialização de castanha de caju por ambulantes de rua. A cadeia começa com um caminhoneiro que compra a castanha em casca no Piauí e revende em Itabaiana no Estado de Sergipe. Lá o caju é descascado e torrado em assadeiras rústicas – é a agroindústria do caju caipira (aquele caju que em parte é claro e em parte é queimado). O pequeno empresário revende e despacha este produto para 8 vendedores/distribuidores em Brasília. Estes por sua vez “dão casa e comida”a cerca de 30 jovens, todos da região de Itabaiana, em troca deles venderem suas castanhas pagando o preço de 20 reais o quilo. Os rapazes vendem o copo a 3 reais e faturam em média 400 reais líquidos por mês. Trata-se de uma rede informal, com ligações de origem, que aparentemente misturam interesses comerciais, solidariedade e... exploração. Essa cadeia utiliza cerca de 70 hectares de área plantada e o produtor fica com 10 a 15% do preço do produto final. Os produtos da região nordestina chegam ao mercado da capital de diferentes formas: - fornecedores recebem pedidos por telefone e despacham em pequenas quantidades em complementação de carga de caminhão ou até em ônibus interestaduais. Parece haver relação de confiança entre fornecedor e comerciante seja por grau de parentesco ou por identidade de origem entre estes dois agentes da cadeia (conterrâneos); -fornecedores (produtores e/ou intermediários) levam regularmente as mercadorias para o mercado de Brasília, ou saem de Brasília para buscar e fazer o fornecimento aos feirantes; -feirantes buscam com camionetes os produtos, geralmente em uma única região: a da origem do comerciante, onde conta com apoio de amigos e até de parentes para “juntar” os produtos. Nas entrevistas não identificamos a presença de distribuidores de porte em Brasília: comerciantes que juntassem e armazenassem os produtos para distribuí-los então aos diferentes canais de comercialização. Este fato associado ao uso de camionetes e até de pequenos fretes nos sugerem que além de constituir cadeias com canais muito dispersos e diferentes, trabalham com pequenos volumes de comercialização.

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O caráter prospectivo e qualitativo desta primeira pesquisa entretanto não permite avaliar a expressão das diferentes formas com que os produtos são disponibilizados no mercado brasiliense bem como seus volumes.

9. Conclusão A valorização dos alimentos produzidos pelos agricultores familiares do semi-árido nordestino é muito forte entre os nordestinos moradores do Distrito Federal, principalmente pelos vínculos culturais e tradições culinárias daquela região. Parte dessa população é de classe média ou pelo menos assalariada, constituindo-se grande potencial de mercado consumidor. Além disso, são pessoas que mantêm vínculos com sua terra natal, pois deixaram parentes próximos e um círculo de amizades naquela região. A comercialização de produtos nordestinos em Brasília já existe, mas com canais tradicionais de comercialização, que não geram renda significativa aos agricultores familiares do Nordeste. Por este motivo, nossa pesquisa nesta primeira fase procurou detectar referências teóricas e empíricas sobre a potencialidade da criação de redes de compras solidárias entre consumidores nordestinos do Distrito Federal e agricultores familiares do semi-árido nordestino, seja por venda direta ou mesmo através dos canais tradicionais de comercialização, baseados sempre nos princípios do comércio justo e solidário. O estudo pretendeu dar subsídios para a organização de uma rede solidária e integrada de aquisição e distribuição de produtos nordestinos no Distrito Federal como forma aumentar a renda dos atores envolvidos. Por estar em fase inicial, este trabalho também teve por objetivo definir as próximas necessidades do estudo. Algumas evidências, ainda provisórias, deverão ser confirmadas na continuidade da pesquisa: a) há efetivamente a demanda e um comércio de produtos de origem nordestina na cidade de

Brasília, descriminados segundo as comunidades de origem nordestina ou não; b) o consumo destes produtos está ligado à reprodução cultural das comunidades nordestinas em

Brasília, sendo que as feiras também se constituem em pontos de encontros da gastronomia e de música;

c) o volume comercializado poderá aumentar muito com a ampliação dos produtos nordestinos

oferecidos (desde que apresentem garantias de qualidade e origem), e que seu consumo seja associado a eventos, manifestações culturais e valorização de mercado solidário da comunidade nordestina (e brasiliense);

d) existe envio de recursos entre familiares nordestinos e grande sensibilidade em ajuda à região; e) a falta de organização dos produtores nordestinos (certificação, associativismo, qualificação e diferenciação dos produtos de origem, regularidade da oferta etc) é um dos principais fatores limitantes a maior participação destes produtos no mercado de Brasília; A pesquisa procurará nas próximas fases:

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1. avaliar a capacidade de fornecimento de produtos nordestinos no Distrito Federal em quantidade, com qualidade e regularidade. Pretende-se identificar os principais estrangulamentos nas fases de distribuição e consumo. 2. identificar os comportamentos oportunistas, que impedem relações de cooperação, e os solidários, que reforçam essas relações. No caso dos comportamentos oportunistas abre-se espaço para intermediários desnecessários que reduzem a eficácia da cadeia, aumentando custos e reduzindo o consumo. 3. avaliar as possibilidades de coordenação das cadeias por instituições nordestinas que trabalham a valorização das suas tradições culturais, conhecendo o grau de institucionalização das mesmas na comunidade nordestina. Procura-se com isto vincular tradições culturais com comércio solidário de produtos de qualidade e origem reconhecida. O objetivo final é dar informações que possibilitem a criação de redes de produção e comercialização possibilitando a elevação de renda, e de qualidade de vida, além do aumento da segurança alimentar das populações rurais nordestinas, através do comércio solidário. O aumento de renda dos produtores, e ao mesmo tempo o engajamento de populações de baixa renda nas redes de comercialização, trará como decorrência a redução da pobreza no semi-árido do Nordeste, já que preços mais justos serão obtidos pela venda de seus produtos. Bibliografia Abramovay, Ricardo (1999) Novas Instituições para o desenvolvimento rural: o caso do programa nacional de fortalecimento da agricultura familiar (PRONAF) Brasília, Texto para discussão n° 641 – IPEA Alban, Marcus (1999) Crescimento sem Emprego: o desenvolvimento capitalista e sua crise contemporânea à luz das revoluções tecnológicas. Salvador, Casa da Qualidade. Beaujeu-Garnier, J. (1971) Geografia da População. São Paulo, Editora Nacional e Editora da USP, 438 p. Castro, Maria Helena Guimarães de (2000) As Desigualdades Regionais no Sistema Educacional Brasileiro. In: HENRIQUES, Ricardo(org.) Desigualdade e Pobreza no Brasil. Rio de Janeiro, IPEA, pp.425-458. Coelho, Franklin Dias (2002) Comércio Solidário, Cadeia de Valor e Políticas Públicas In: França, Cassio Luiz de (Org.) Comércio Ético e Solidário. São Paulo, Fundação Friedrich Ebert / ILDES, 31-40 pp. Diniz, João Helder e Glayson Ferrari (2002) Comércio Solidário no Brasil: Esta Idéia tem Futuro?. In: ________ França, Cassio Luiz de (Org.) Comercio Ético e Solidário. São Paulo, Fundação Friedrich Ebert/ILDES, pp. 52-56.

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A utilização do sistema de Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle pela indústria da pesca no Brasil: o caso de uma empresa de pescados no Estado de

Pernambuco.

Reginaldo José Carlini Junior Waldeck Lisboa

Claudemir Farias Barreto

Resumo

A Netuno pescados, empresa com matriz em Recife – PE, vem se destacando nos segmentos de beneficiamento, comercialização e distribuição de peixes, lagostas e camarões e, atualmente, é considerada a maior exportadora de pescados do país. A preocupação em fornecer produtos com a qualidade garantida redobra os esforços de todos que fazem a empresa e faz do controle de qualidade uma peça importante na sua cadeia produtiva. Diante de tal situação a Netuno pescados vem utilizando o sistema de Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle (APPCC), a fim de garantir a segurança do produto e a satisfação do consumidor. O sistema parte do princípio que em vários pontos da indústria podem existir perigos biológicos, químicos e físicos. No entanto, pode-se tomar medidas preventivas para controlá-los. Este artigo tem como objetivo compreender como a Netuno utiliza o APPCC em sua indústria.

Palavras-chave: controle de qualidade, pescados e satisfação do consumidor.

1 Introdução Novas políticas governamentais vêm estimulando o crescimento do setor pesqueiro no

Brasil. Estas políticas visam incrementar e otimizar o desenvolvimento de toda cadeia produtiva da pesca no país. Para maximizar a produção de pescados e reestruturar o setor, foi criada a Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca (SEAP). Caracterizado pela pesca predatória e pelas péssimas condições das embarcações, o setor busca alternativas para reverter o quadro negativo vivido durante anos. A perspectiva de manter o crescimento do setor é sustentada, entre outros fatores, pelo aumento das exportações.

Em 2002, o setor de pescados no Brasil apresentou superávit de US$ 129,63 milhões. As exportações alcançaram US$ 342,81 milhões, enquanto que as importações totalizaram US$ 213,18 milhões (Mathias, 2003). O Brasil está exportando mais pescados. No primeiro trimestre de 2003 foi exportado US$ 79,7 milhões em pescados, contra US$ 62,4 milhões exportado no mesmo período de 2002 (Benatti, 2003). Em volume, o Brasil somou em 2001 cerca de 900 mil de toneladas de pescados. A meta é chegar a 2 milhões e exportar cerca de US$ 1bilhão em 2005 (Mathias, 2003).

Diversos agentes vêm se destacando na cadeia produtiva de pescados no Brasil. Um desses agentes é a Netuno pescados, empresa que vem consolidando a sua liderança no cenário nacional. A Netuno é a maior exportadora de pescados do país (Nascimento, 2003). Esta empresa atua no setor de pescados - peixes, camarão e lagosta - beneficiando,

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comercializando e distribuindo atualmente - segundo dados fornecidos pela empresa - cerca de 1.400 toneladas por mês. A empresa atende desde o consumidor de lagosta, camarão e peixes nobres até os de produtos mais populares como sardinha, cavalinha e corvina. Seus principais mercados são os Estados Unidos e a Europa. A Netuno é formada por empresas espalhadas em onze dos estados brasileiros, gerando emprego e desenvolvimento. Seus produtos atendem a cerca de 5.000 clientes espalhados em praticamente todos os estados no país. Um fator determinante para o sucesso da Netuno é a incansável preocupação com o controle de qualidade de seus produtos. Esta preocupação se torna maior por se tratarem de produtos perecíveis que, dependendo de seu manuseio, podem apresentar perigo para a segurança alimentar. Sendo assim todo o processo desenvolvido na empresa visa a busca permanente pela melhoria da qualidade. A fim de proporcionar aos mercados atendidos pela empresa produtos com qualidade superior, a Netuno vem utilizando o sistema de Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle - (APPCC). Este sistema procura identificar prováveis perigos relacionados com a saúde dos consumidores no processo produtivo. A partir daí procura-se estabelecer formas de controle que garanta tanto a segurança do alimento quanto à saúde do consumidor. De acordo com o sistema APPCC no processo industrial podem ser encontrados perigos significativos de ordem biológica, física e química. Diante desta possibilidade procura-se em toda cadeia de beneficiamento e suprimento tomar as medidas preventivas para controlá-los.

Assim sendo, foi desenvolvido um problema de pesquisa que assim se define: De que maneira o sistema de Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle

(APPCC) vem sendo utilizado pela Netuno nos processos de suprimento, beneficiamento e expedição de pescados e camarão cultivado?

2 Fundamentação teórica 2.1 A importância da função controle para a gestão organizacional

A competitividade mundial vem aumentando, significativamente, nos últimos anos. Esse acontecimento força as empresas buscarem uma melhoria contínua em seus processos, produtos e serviços para oferecer qualidade com baixo custo, satisfazer as necessidades de seus clientes, e se tornarem mais competitiva a ponto de assumir uma posição de liderança em seus mercados. Para isso, é importante que as empresas estejam atentas às mutações que ocorrem em seus ambientes e elaborem ações eficazes para superar os obstáculos que serão encontrados. Para serem bem-sucedidas em seus negócios, é imprescindível a utilização da função controle, item importante para a sua sobrevivência, nas suas diversas atividades.

O controle é a última etapa das funções administrativas e consiste em verificar se os planos e objetivos traçados pela organização, na fase de planejamento, estão sendo atingidos. Para que se possa avaliar o resultado da ação administrativa, é necessário estabelecer padrões de desempenho, medir esse desempenho e compará-lo com os padrões estabelecidos na etapa do planejamento. É importante destacar que ações corretivas devem

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ser tomadas caso seja identificado alguma variação entre o padrão estabelecido e o desempenho atual.

“Controle pode ser definido como o processo de monitorar as atividades de forma a assegurar que elas estejam sendo realizadas conforme o planejado e corrigir quaisquer desvios significativos” (Robbins; Coulter, 1998, p.414). O controle é um instrumento que permite a administração conduzir a organização para os objetivos, previamente, traçados na fase de planejamento, e ajustar os desvios encontrados. O controle não é apenas uma atividade da administração, mas uma função que está presente em todas as organizações na busca de melhorias nos padrões de desempenho, contribuindo para a conquista de posições de mercado que lhe assegure a continuidade de suas operações.

Após a empresa elaborar o seu planejamento, nada garante que as atividades sejam desempenhadas conforme o que foi previsto. É com a finalidade de monitorar esse desempenho que a função controle é adotada nas empresas. O controle representa para a empresa um instrumento de orientação, como a bússola que orienta o navegador e permite o posicionamento no rumo traçado anteriormente.

2.2 O Controle de qualidade Atualmente, o aspecto qualidade vem sendo um elemento diferenciador na preferência dos consumidores por produtos e/ou serviços. Com o aumento crescente da competição através da oferta de uma grande variedade de produtos e/ou serviços que são colocados à disposição do consumidor, a qualidade torna-se o fator decisivo na hora da compra. Para garantir a sobrevivência no complexo e turbulento mercado atual, as empresas têm procurado diferenciar os seus produtos e/ou serviços, fornecendo aos seus consumidores os melhores itens com uma qualidade mais consistente e a custos relativos cada vez menores.

“A qualidade não se faz somente com tecnologia. Ela se faz com pessoas, sobretudo com pessoas capacitadas, treinadas, lideradas, motivadas e plenamente conscientes de suas responsabilidades. Qualidade se faz com a participação e o empowerment das pessoas. Nesse sentido, a qualidade é, sobretudo, um estado de espírito que reina dentro da organização. Ela exige o comprometimento das pessoas com a excelência” (Chiavenato, 1999, p.678).

O Controle da qualidade tem acompanhado o processo de evolução ocorrido na maneira de administrar as empresas, incorporando outros aspectos na avaliação dos produtos, não se restringindo apenas a qualidade intrínseca, ou seja, aos seus aspectos técnicos, as especificações, aos materiais utilizados, aos ensaios de confiabilidade, etc. É importante valorizar o processo de produção, a formação e o treinamento de equipes multifuncionais, criando dessa forma um comprometimento de toda a empresa na busca de melhores resultados através de uma adequação dos produtos à necessidade dos clientes, proporcionando-lhes maior satisfação.

A implantação do controle de qualidade surgiu da necessidade de melhorar o desempenho da produção, afetado pelos custos das falhas compostas por elementos como custos atribuídos a refugo e/ou retrabalho, custos de inspeção, e custos com a perda financeira decorrente de reclamações dos consumidores pelo recebimento de produtos insatisfatórios. Além desse aspecto, as perdas financeiras e de produtividade decorrentes de

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retrabalho e a qualidade inferior dos produtos podem provocar problemas por responsabilidade legal, e contribuir para o declínio da posição comercial da empresa.

“A percentagem dos custos de falha interna em relação ao custo total do trabalho direto planejado reflete, em muitas plantas, uma evidência surpreendente do efeito do controle inadequado da qualidade do produto durante a produção” (Feigenbaum, 1994, p.169).

O controle inadequado muitas vezes ocorre por falhas no dimensionamento das estruturas de inspeção, que poderá ser pequena para atender ao volume da produção ou poderá ser elevada, provocando elevação de custos. O custo da qualidade tem impacto direto no programa de controle da qualidade e são compostos pelos: custos de prevenção com a finalidade de evitar que não-conformidades ocorram; custos de avaliação incluindo as despesas para manter os níveis de qualidade da empresa, por meio de avaliação formal da qualidade do produto, e os custos de falhas causados por material e produtos não-conformes que não atendam às especificações da qualidade da empresa.

“Controle de produto envolve o controle de produtos na origem da produção e ao longo do serviço no campo, de tal forma que desvios da especificação da qualidade possam ser corrigidos antes que produtos defeituosos ou não-conformes sejam fabricados e serviço apropriado possa ser mantido no campo a fim de assegurar total disponibilidade da qualidade exigida pelo consumidor” (Feigenbaum, 1994, p.173).

O controle do produto permeia todo o processo de fabricação, desde a sua concepção, recebimento das matérias-primas, manufatura ou produção, embalagem, expedição e recebimento pelo consumidor que se mantém satisfeito com ele. Não é demais salientar que o propósito do procedimento do controle do produto é obter resultados tangíveis na manutenção e no aperfeiçoamento da qualidade.

“O conceito de controle implica o estudo de características da qualidade por meio das quais um processo é julgado em termos de conformidade ou aceitabilidade. O processo controlado é dito ser predizível. Podemos fixar limites dentro dos quais esperamos que os valores das características conhecidas que estão sendo consideradas permaneçam, desde que o estado de controle seja mantido” (Paranthaman, 1990, p.5).

O controle tem a finalidade de assegurar que o processo de produção especificado no projeto da qualidade possa ser acompanhado durante a fase de fabricação. Esse processo envolve homens, máquinas, matérias-primas, procedimentos de inspeção, e condições ambientais. Através desse enfoque é possível determinar as possíveis fontes de problemas.

No desenvolvimento do controle da qualidade identificam-se três estágios distintos. A etapa inicial da Inspeção, que corresponde ao processo de medição dos resultados da produção, e auxilia no aperfeiçoamento da qualidade e da produtividade, sendo este atualmente fator de grande importância no controle da qualidade. O controle estatístico baseado na necessidade de entender o comportamento do processo, e a partir desse entendimento pode-se definir o conceito da sua melhor especificação. Nessa condição, os desvios podem ser rastreados, identificados e eliminados de um processo, de modo que continue a produzir itens com qualidade aceitável e, finalmente a confiabilidade que trata da probabilidade de executar uma função especificada sem falha, e sob condições específicas durante um determinado período de tempo.

O controle da qualidade trata da execução de planos, da condução das operações de forma a atingir as metas, incluindo a monitoração das operações, de forma a detectar as diferenças entre o desempenho real e as metas, bem como as ações para restaurar o desempenho, quando ocorrer variações. Vale ressaltar que cada processo de fabricação

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exibe variabilidade de tal forma que sempre se permite uma determinada tolerância. O controle da qualidade visa definir parâmetros por meio dos quais um processo é julgado em termos de conformidade ou aceitabilidade.

A qualidade pode ser enfocada sob dois aspectos distintos: qualidade do projeto que se relaciona com as diferenças de especificações para produtos que tenham o mesmo uso, ou seja, refere-se, por exemplo, ao método de fabricação, ao processamento, aos materiais usados, e ao estilo a fatores de segurança, e a qualidade da conformidade, que trata da manutenção da qualidade especificada no projeto. O controle da qualidade está relacionado com os procedimentos para assegurar a qualidade da conformidade especificada no projeto. Nesta concepção, o controle da qualidade não deve ser entendido apenas como uma forma de garantir a conformidade das especificações, pois nesse sentido poderia estar conservando desperdícios de processos ultrapassados e mantendo ineficiência de projetos. A qualidade pressupõe o desenvolvimento de projetos que incorporem novas expectativas e exigências dos consumidores, além do controle do processo produtivo, como forma de garantir que as características definidas no projeto sejam conseguidas na etapa de produção, isto é, que as características projetadas correspondam às obtidas no produto final. Assim, o objetivo da qualidade é um alvo móvel, mutável ao longo do tempo, portanto o essencial é que as especificações dos produtos correspondam sempre às necessidade e as exigências dos clientes e/ou consumidores.

O gerenciamento para a qualidade é feito pelo uso de três processos universais de gerenciamento: planejamento da qualidade, controle da qualidade, e o melhoramento da qualidade.

“A Trilogia Juran (marca registrada do Juran Institue, Inc.) – A gerência para a qualidade é feita utilizando-se os mesmos três processos gerenciais de planejamento, controle e melhoramento. – Planejamento da qualidade; Controle da Qualidade e Melhoramento da Qualidade” (Juran, 1997, p.15).

Uma das atividades do planejamento da qualidade é determinar as necessidades dos clientes e desenvolver os produtos e processos necessários para atender tais necessidades. Para identificá-las é preciso determinar quem são os clientes da empresa e quais as suas necessidades, para assim desenvolver as características nos produtos que correspondam a elas. Para isso, é importante desenvolver processos que sejam capazes de produzir essas características nos produtos oferecidos e, finalmente, transferir os planos resultantes para os processos de produção operacional. Por outro lado, o controle da qualidade visa assegurar a manutenção dos processos planejados de modo que continue capaz de atingir as metas operacionais. Este processo consiste em avaliar o desempenho da qualidade real, comparar o desempenho real com as metas de qualidade e atuar nas diferenças. O melhoramento da qualidade trata da criação organizada de mudanças benéficas, e da obtenção de níveis inéditos de desempenho, através da permanente busca e aplicação da inovação, propiciando uma estrutura que assegure o melhoramento da qualidade, identificando as necessidades específicas para tal objetivo e disponibilizando os recursos, motivação e treinamento necessários às equipes para diagnosticar as causas, estimular o estabelecimento de uma solução e estabelecer controles para manter os ganhos. Uma vez identificados os clientes, suas exigências e suas necessidades, são desenvolvidos projetos de produtos e processos para atender as suas necessidades e finalmente, todo o processo de produção será ajustado para fabricar de acordo com as especificações.

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2.3 Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle - APPCC

Toda fase de comercialização determina o crescimento de negócios em um país de

forma que as trocas de produtos venham atender cada mercado dando a oportunidade à consumidores de todo o mundo de adquirir produtos de diversos países.

De uma forma em geral toda a qualidade de um produto perante seu consumidor é considerada, por exemplo, pelo sabor, apresentação, e formação técnica. No entanto, quando se trata de “produtos de exportação”, apenas estes fatores não são suficientes para que os países comercializem os seus produtos, ou importem de um outro país para colocar a disposição interna de consumo. A qualidade sensorial exigida por um país difere de um outro com base na sua cultura, mas de qualquer forma deve apresentar as especificações que preservem a integridade física da população e passem a atender as amplas exigências técnicas.

As qualidades básicas de um produto passam a ser fundamental na sua integridade, ou seja, a sua formação exige controles de perigos biológicos, químicos ou de presença de material estranho, que de primeira mão venham a oferecer riscos de consumo a uma população. No agronegócio, alguns tipos de produtos em discussão como, por exemplo, peixe, lagosta e camarão pela sua própria nomenclatura já dizem de sua qualidade em sabor e apresentação, apesar de que a cultura alimentar é bastante mutável, de um país para outro dentre as diversas espécies que são comercializadas.

Todos os cuidados são tomados por países importadores com o objetivo de trazer para seus mercados produtos que não apresentem em nenhuma hipótese riscos para sua população. Portanto, a formação total do produto tem que oferecer além de uma qualidade própria a segurança sanitária, deixando que seu consumo seja desenvolvido de uma forma tal que preserve a saúde da população, bem como de eliminar a entrada no país de epidemias localizadas em países exportadores.

O sistema APPCC foi desenvolvido para que todos os países exportadores apresentem aos países importadores suas condições de qualificação básica de todos os seus produtos. Não se trata de um sistema feito de forma empírica e sim fundamentado em base científica na busca pelos perigos que se apresentem nos produtos em questão. A sua base principal é a prevenção ao longo da cadeia produtiva do pescado e do camarão desde a despesca até o beneficiamento do produto, alem da verificação dos equipamentos utilizados.

No processo de avaliação os instrumentos que processam os produtos devem ser avaliados mostrando canais e\ou equipamentos que podem ser causadores de perigos sanitários como, por exemplo, barcos pesqueiros, fazenda de cultivo, e instrumentos de despescas quando, normalmente, a uniformidade de qualidade é extraída somente da unidade de beneficiamento, ou seja, tradicionalmente só se desenvolve e avalia-se a qualidade de um produto não a formação final na ação de embalagem.

“O APPCC é um instrumento de avaliação de perigos sanitários e serve para o estabelecimento de sistemas de controle que visem a prevenção ao invés de concentrar esforços no exame de produtos finais” (Ministério da Agricultura, pecuária e abastecimento, 2001, p.152).

Como se pode avaliar toda a qualidade do produto não pode ser medida na ação final de beneficiamento, e sim em toda a cadeia que o produz, estendendo-se toda a

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avaliação de qualidade da fase inicial até a sua construção final inclusive a forma e a qualidade de embalagem.

Não existe uma uniformidade na aplicação do sistema APPCC pelos países, ou seja, não existe uma padronização em verificação de qualidade em extensão de um produto - cada país determina os seus cuidados.

Cabe então ao exportador conhecer em normatização específica como produzir e os cuidados que serão tomados para a exportação dirigida a cada país. Percebe-se que se algum produtor exportar para dez paises diferentes, provavelmente ele terá dez posicionamentos de qualidade diferentes.

“Os níveis de aplicação do sistema APPCC variam grandemente de país para país, não existindo uma uniformidade. Em todos os países se observa um esforço coordenado indústria-governo (inspeção) para a implementação do sistema na empresa que destina seus produtos ao mercado internacional, em particular para União Européia e EUA” (Ministério da Agricultura, pecuária e abastecimento, 2001, p.153).

A união com o governo passa a ser de fundamental importância para os exportadores, por ser este o responsável pela qualificação determinada pelos outros países e por quem serão fiscalizados, no entanto verifica-se que o cuidado reside nas áreas de beneficiamento e nunca o acontece fora das fábricas.

A aplicação do sistema APPCC no Brasil ainda se encontra em fase embrionária, contudo, ainda, em evolução num processo longo de estagnação tecnológica. A estrutura de uma forma em geral ainda encontra-se na formação antiga sem evolução tecnológica, lay out, linha de produção e equipamentos, inclusive comercialização.

Identificou-se o crescimento da parceria entre o governo e as indústrias para a implantação do sistema APPCC. Com isso constata-se os cuidados com fatores como, por exemplo, higiene e embalagem, apesar de estar longe das exigências satisfatórias que são requeridas. Vale ressaltar que algumas empresas ainda não se conscientizaram de melhorar a qualidade de seus produtos.

No Brasil, muitas empresas procuram apenas atender as suas normas não dando ênfase às exigências sanitárias impostas e requisitadas pelos países importadores o que retarda a aplicação do sistema APPCC.

No formato de mercado o sistema APPCC, bem assimilado e devidamente acordado com os tramites governamentais passa a ser uma vantagem competitiva para o exportador tendo assim a evolução de oportunidades na demanda de seus produtos. A expectativa dos importadores é de que os produtos adquiridos estejam dentro das normas do sistema APPCC e na qualidade especifica de cada produto e de cada país. 3 Aspectos metodológicos

O objeto de estudo deste artigo é a Netuno pescados, empresa que vem se destacando nos segmentos de beneficiamento, comercialização e distribuição de peixes, lagostas e camarões. A preocupação em oferecer ao mercado produtos de qualidade, fez com que a empresa adotasse o sistema de Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle (APPCC) em suas atividades. Durante a pesquisa procurou-se analisar as etapas dos processos desde a entrada dos produtos na indústria até a sua expedição com o objetivo de verificar se existem pontos críticos de controle (PCC) e quais as medidas preventivas adotadas.

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Com a realização de uma pesquisa de natureza descritiva, buscou-se responder o problema de pesquisa, que tem como objetivo central descrever de maneira analítica como a Netuno utiliza o APPCC na sua indústria. “As pesquisas descritivas têm como objetivo primordial a descrição das características de determinada população ou fenômeno ou, então, o estabelecimento de relações entre variáveis” (Gil, 1991, p.46). A principal vantagem desse tipo de pesquisa é a possibilidade de aprofundar a descrição de uma determinada realidade.

No que se refere à coleta de dados foram utilizados três procedimentos técnicos: a pesquisa bibliográfica, a pesquisa documental e a entrevista. “A pesquisa bibliográfica é desenvolvida a partir de material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos” (Gil, 1991, p.48). Utilizou-se este procedimento técnico científico por ser ele indicado para definir os limites do problema definido. Outras fontes de informação foram as análises dos documentos cedidos pela a empresa.

“A pesquisa documental assemelha-se muito à pesquisa bibliográfica. A diferença essencial entre ambas está na natureza das fontes. Enquanto a pesquisa bibliográfica se utiliza fundamentalmente das contribuições dos diversos autores sobre determinado assunto, a pesquisa documental vale-se de materiais que não receberam ainda um tratamento analítico, ou que ainda podem ser reelaborados de acordo com os objetivos da pesquisa” (Gil, 1991, p.51).

Nessas coletas buscaram-se informações relacionadas com a utilização do APPCC nos processos produtivos da Netuno. Vale ressaltar que foram analisados, apenas, quatro dos produtos oferecidos ao mercado pela empresa. Foram escolhidos: a cauda congelada de lagosta, o peixe fresco e o congelado e o camarão congelado.

Também, utilizou-se como procedimento técnico científico a entrevista “A entrevista é um encontro entre duas pessoas a fim de que uma delas obtenha informações a respeito de determinado assunto, mediante uma conversação de natureza profissional” (Rampazzo, 2002, p.108). A entrevista pode ser do tipo estruturada e não-estruturada. A primeira é caracterizada pelo fato de o entrevistador seguir um roteiro previamente estabelecido. Por outro lado, a segunda é aquela em que o entrevistador tem liberdade para adaptar suas perguntas durante a entrevista. Neste procedimento técnico realizou-se uma entrevista semi-estruturada com um integrante do departamento de controle, a fim de se entender como o sistema APPCC é utilizado na empresa.

4 Análise dos resultados

Cauda de lagosta congelada

Etapas do processo de entrada até a expedição do produto: Recepção, evisceração,e toalete (limpeza), congelamento, pesagem e classificação, e estocagem e expedição. As caudas das lagostas chegam frescas na indústria de beneficiamento Netuno, localizada em Recife-PE, acondicionadas em monoblocos plásticos ou em caixas isotérmicas com gelo. As caudas são inspecionadas para verificar se reúnem as características sensoriais que permitam o seu processamento. Neste momento, observa-se e

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anota-se a sua procedência, como medida de controle. Logo em seguida esta matéria-prima é lavada em água resfriada e clorada a 5 ppm. A classificação é efetuada, manualmente, em uma balança e consiste em selecionar, individualmente, as caudas das lagostas nos tamanhos de 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10/12, 12/14, 16/20 e 20 UP. Após a classificação as caudas são envolvidas, individualmente, em sacos plásticos e enviadas em bandejas de aço inox para o túnel de congelamento a uma temperatura de –35ºC a –40ºC por um período de 8 a 10 horas. Este processo, também, pode ser realizado em um túnel de nitrogênio por um período de 35 minutos a uma temperatura de –80ºC. Posteriormente, as caudas são acondicionadas em caixas de papelão e pesadas com a mesma classificação, um peso líquido de 10 libras ou de acordo com o especificado na rotulagem. Estas caixas de 10 libras são acondicionadas em “Master-Box” de papelão corrugado com uma capacidade de 40 libras. As caixas com 5 libras são arqueadas com fita de nylon, formando 20 libras. O produto depois de embalado é transferido para uma câmara frigorífica a uma temperatura de –20ºC. O processo de distribuição é realizado através de container ou caminhões frigoríficos com a temperatura de –18ºC. Nos processos de entrada até a expedição da cauda da lagosta congelada podem existir pontos críticos de controle (PCC) nas etapas de recepção e pesagem/classificação. O primeiro pode ser encontrado na etapa de recepção do produto. O perigo significativo desta etapa é de ordem biológica e química. O perigo biológico é o de multiplicação de microorganismos patogênicos, enquanto que o químico é o de excesso de bissulfito. Ambos apresentam perigos significativos para a segurança do alimento. A medida preventiva que se aplica para prevenir os perigos biológicos na etapa de recepção dos produtos é o controle de temperatura. É importante destacar que o beneficiamento do produto deve ser realizado de imediato ou a sua armazenagem ser realizada de maneira adequada na câmara de espera. Vale ressaltar que a temperatura interna da lagosta não deve exceder a +5ºC e que o cloro residual seja mínimo de 5ppm. Por outro lado, as medidas para prevenir perigos químicos são a lavagem com água clorada e a análise química. É importante destacar que o teor de biossufito deve ser menor ou igual a 100ppm.

O segundo ponto crítico de controle (PCC) pode ser encontrado na etapa de pesagem e classificação do produto. O perigo significativo desta etapa é de ordem física. O perigo físico encontrado nesta etapa é a diferença de peso e classificação declarado. A medida preventiva que se aplica para prevenir este perigo é a calibragem e aferição da balança através de um peso padrão.

Peixe fresco

Etapas do processo de entrada até a recepção do produto: Recepção, lavagem, gelo, pesagem e classificação, e estocagem e expedição. O peixe fresco é recebido na indústria onde é inspecionado. Neste momento, procura-se observar e anotar a procedência do mesmo como forma de controle. Logo em seguida, a matéria-prima é lavada em água resfriada e clorada a 5ppm. Depois, é selecionado, pesado, colocado em monoblocos com gelo na proporção de 2x1 e estocados na câmara de espera com uma temperatura de 0ºC. No que se refere ao beneficiamento, o peixe pode ser embalado inteiro ou eviscerado. As vísceras saem, continuamente, através de cuba de inox ligada a superfície inferior da esteira transportadora. Estes resíduos são

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recolhidos por uma empresa de limpeza urbana credenciada aos órgãos competentes. Após a evisceração o peixe é lavado em água corrente, resfriada e clorada a 5ppm, no mínimo. No que se refere à embalagem deste produto, o mesmo pode ser realizado em caixas de isopor com 13,0 quilos de peso líquido, para peixes de menor porte ou peso variado para os de maior tamanho. A expedição é feita através de caminhões isotérmicos até o mercado consumidor ou levado ao aeroporto para ser embarcado em aeronave até o destino final. Nos processos de entrada até a expedição do peixe fresco podem existir pontos críticos de controle (PCC) nas etapas de recepção e pesagem/classificação. Na etapa de recepção, os perigos significativos que podem ser encontrados são de ordem biológica e química. O perigo biológico é o de microrganismos patogênicos e parasitos. Por outro lado, o perigo químico é a histamina. No perigo de ordem biológica, a medida preventiva que se aplica para prevenir tais perigos significativos é o controle de temperatura com a colocação de gelo. É importante destacar que a temperatura interna do peixe não deve exceder a +5ºC. Por outro lado, no perigo de ordem química a medida é a lavagem com água clorada sob pressão. Na etapa de pesagem e classificação podem existir, apenas, perigos de ordem física que é justamente a diferença de peso e classificação. A medida preventiva adotada é a calibragem e a aferição das balanças através de um peso padrão. Caso seja constatado o erro, a medida tomada é a reclassificação do produto e a verificação do peso de todo o lote.

Peixe congelado Etapas do processo de entrada até a expedição do produto: recepção, lavagem e evisceração, congelamento, pesagem e classificação, e estocagem e expedição.

O peixe fresco ao chegar na indústria é lavado em uma mesa de aço inox, com chuveiros acoplados e com água resfriada e clorada a 5ppm no mínimo. Logo em seguida, é inspecionado e pesado, na qual observa-se e anota-se a procedência do mesmo como medida de controle. Depois os peixes são eviscerados e arrumados em bandejas de inox e colocados em estantes para, posteriormente, ser levados a um túnel de congelamento com uma temperatura de –35ºC por um período de 8 a 10 horas.

Os peixes ao saírem do túnel de congelamento são embalados em sacos de polipropileno ou em caixas de papelão devidamente identificadas (espécie, data, peso líquido de acordo com a rotulagem e lote). Logo em seguida, os sacos são costurados ou selados e as caixas de papelão arqueadas com fita de nylon. Estas depois seguem para a câmara de estocagem. Nesta etapa, o produto é armazenado em câmaras frigoríficas a 18ºC, dotadas de paletes, devidamente, identificados por lote, e arrumados em armários, com endereçamento informatizado, permitindo uma boa circulação do frio até o momento do embarque. No processo de expedição o peixe congelado é remetido ao centro consumidor em caminhões frigoríficos ou em container a uma temperatura de –18ºC.

Nos processos de entrada até a expedição do peixe congelado podem existir pontos críticos de controle (PCC) nas etapas de recepção e pesagem/classificação do produto. Na etapa de recepção podem ser encontrados perigos de ordem biológica e química. Os perigos de ordem biológica são os microorganismos patogênicos. A medida preventiva aplicada para prevenir este perigo significativo é o controle e o ajuste da temperatura com a colocação de gelo. É imprescindível que a temperatura do peixe não exceda +5ºC e o seu

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cloro residual seja mínimo de 5ppm. A histamina é o perigo de ordem química que pode ser encontrado. Neste caso, deve-se tomar como medida preventiva à lavagem com água clorada sob pressão, e realizada uma pesquisa de histamina.

Na etapa de pesagem e classificação o perigo que pode ser encontrado é a diferença de classificação e de peso declarado. Neste caso, a medida preventiva adotada para prevenir este perigo significativo é a calibragem e a aferição das balanças. Estas devem ser calibradas através de um peso padrão. Também, é importante que cada lote de produto final seja analisado. Caso seja verificado algum erro todo o lote deve ser reclassificado e pesado.

Camarão congelado Etapas do processo de entrada até a expedição do produto: recepção, lavagem, pesagem e classificação, congelamento, e estocagem e expedição. O camarão é recebido fresco e acondicionado em caixa monobloco de plástico ou em caixa isotérmica. Este produto é inspecionado para verificar se a matéria-prima reúne características organolépitcas que permitam o seu processamento, observando e anotando a procedência do mesmo como medida de controle. Os camarões poderão ser comercializados inteiro, sem cabeça e descascado. O beneficiamento de ambos são realizados manualmente no salão de beneficiamento, onde serão classificados. Os camarões são beneficiados em esteiras sanitárias. No final da esteira são acondicionados em monoblocos de gelo para serem classificados.

Após a classificação, o camarão congelado em bloco é pesado em caixa de papelão com peso líquido de acordo com o especificado, impresso com as características do produto como, por exemplo, tipo, peso líquido, classificação, data e lote. Após a pesagem, o produto em embalagem primária (caixas de papelão) é arrumado em estantes e levado ao túnel de congelamento a uma temperatura de –35ºC, por um período de 14 a 16 horas. Após o congelamento, o camarão é acondicionado em caixa de papelão (máster Box), devidamente impresso com as características do produto. No que se refere à estocagem, o produto é armazenado em uma câmara frigorífica a uma temperatura de –18ºC, dotada de paletes, devidamente, identificados por lote e arrumados em armários com endereçamento informatizado o que permite uma boa circulação do frio até o momento de embarque. Na etapa de expedição os produtos são remetidos ao centro consumidor em caminhões frigoríficos ou em container a uma temperatura controlada de –18ºC.

Nos processos de entrada até a expedição do camarão congelado podem existir pontos críticos de controle (PCC) nas etapas de recepção e pesagem/classificação do produto. Na etapa de recepção podem ser encontrados perigos de ordem biológica e química. O perigo de ordem biológica é a multiplicação de microrganismos patogênicos. A medida preventiva tomada é o controle e ajuste da temperatura com a colocação de gelo. É importante que o beneficiamento do produto seja realizado de maneira imediata, ou que o mesmo seja armazenado, adequadamente, na câmara de espera mantendo uma temperatura abaixo de 5ºC. Os perigos de ordem química são: o excesso de bissulfito, a presença de antibióticos, de pesticidas e de metais pesados. Neste caso, as medidas tomadas são a análise química, a exigência de certificação por parte dos fornecedores, ou seja, receber apenas o produto de procedência conhecida e analisada e a pesquisa dos pesticidas,

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antibióticos e metais pesados. Também, é importante a lavagem da água utilizada com cloro.

Na etapa de classificação e pesagem o perigo que pode ser encontrado é a diferença de classificação e peso declarado. Conforme já foi visto, anteriormente, a medida preventiva tomada é manter as balanças calibradas, e verificar, constantemente, tal calibragem através de um peso padrão. Caso seja verificado algum erro, ocorre uma reclassificação e todo o lote é pesado novamente.

5 Conclusão

O agronegócio do pescado é sem dúvida uma das atividades que vem se desenvolvendo na região Nordeste, atraindo investimentos e contribuindo para conquistas de novos mercados, com destaque para o mercado internacional.

Este crescimento vem sendo impulsionado com a modernização e reestruturação do setor pesqueiro, a partir da criação da Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca (SEAP). O mercado internacional compra qualidade e para se ajustar a essa exigência a Netuno implantou um rigoroso processo de controle, visando assegurar qualidade aos seus produtos, principalmente por se tratarem de perecíveis que dependendo de seu manuseio podem apresentar perigo para a segurança alimentar. Para assegurar esta qualidade a Netuno vem utilizando o sistema de Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle (APPCC), que consiste na identificação de prováveis perigos relacionados com a saúde dos consumidores no processo produtivo. A partir daí procura-se estabelecer formas de controle que garanta tanto a segurança do alimento quanto a saúde do consumidor.

Observou-se a preocupação da Netuno em qualificar ao máximo os produtos de sua linha dentro das especificações estipuladas ou determinadas, principalmente por se tratar de produtos deveras sensível à alteração de tempo e manuseio.

As qualidades básicas de um produto passam a ser fundamental na sua integridade, ou seja, a sua formação exige controles de perigos biológicos, químicos ou de presença de material estranho, que de primeira mão venham a oferecer riscos de consumo a uma população. No agronegócio, alguns tipos de produtos como, por exemplo, peixe, lagosta e camarão pela sua própria nomenclatura já dizem de sua qualidade em sabor e apresentação, apesar de que a cultura alimentar é bastante mutável, de um país para outro dentre as diversas espécies que são comercializadas.

Os produtos da Netuno passam por severos controles para que em todas as fases de seu beneficiamento e comercialização apresentem fundamentos absolutamente corretos no envio ao mercado, considerando principalmente o tempo de consumo, ou prazo de vencimento que devem estar dentro do que foi determinado.

A preocupação da Netuno em fornecer produtos com a qualidade garantida redobra os esforços de todos que fazem a empresa. Como conseqüência dessa atuação, a empresa tem ocupado um lugar de destaque no mercado exportador.

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OCUPAÇÃO, RENDA E SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL ENTRE FAMÍLIAS BENEFICIÁRIAS DO PROGRAMA FOME ZERO: O CASO DO

MUNICÍPIO DE GUARIBAS (PI)

Airton Saboya Valente Junior (1)

Maria Odete Alves (2)

RESUMO

O presente estudo constitui uma avaliação preliminar do Programa Fome Zero (PFZ).

Objetivou-se criar uma linha de base para que seja possível construir indicadores que deverão ser monitorados e avaliados ao longo do tempo. Para tanto, foram selecionadas algumas localidades, dentre as quais o município de Guaribas no sertão do Piauí, visando a realização de diagnósticos municipais bem como à elaboração do perfil dos beneficiários do referido Programa. As informações colhidas na pesquisa de campo permitem concluir que o nível de pobreza das famílias elegíveis para o PFZ, e a conseqüente situação de insegurança alimentar afetando referidas famílias, decorrem de quatro dimensões principais: baixos níveis de escolaridade; precariedade de inserção ocupacional; baixos níveis de renda; e ausência de atendimento das necessidades coletivas.

Palavras-chaves: Desenvolvimento Regional, Avaliação de Políticas Públicas, Fome Zero

(1) Economista, doutorando em Desenvolvimento Econômico e pesquisador do Banco do Nordeste – ETENE. Correio eletrônico:

[email protected]. (2) Enga. Agrônoma, Mestra em Administração Rural e Desenvolvimento e pesquisadora do Banco do Nordeste – ETENE.

Correio eletrônico: [email protected].

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1. INTRODUÇÃO

O reconhecimento oficial do direito universal à alimentação está expresso na Declaração

Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas, da qual o Brasil é signatário. Implica dizer que nenhuma restrição à alimentação pode ser aceitável, tendo em vista que o bem-estar nutricional é um direito humano. Tal reflexão remete à questão da segurança alimentar e nutricional e à necessidade de definição do seu conceito.

A expressão segurança alimentar e nutricional (SAN), como princípio geral, pode ser definida como “..a realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde, que respeitem a diversidade cultural e que sejam social, econômica e ambientalmente sustentáveis” (CNSAN, 2004, p.1). A ausência dessas condições pode ser gerada por quatro fatores, conforme revisão de literatura elaborada por Pessanha (1998): 1. Escassez de produção e oferta de produtos alimentares; 2. Distribuição desigual dos alimentos entre os membros da sociedade; 3. Baixa qualidade nutricional e contaminação dos alimentos consumidos pela população; e 4. Falta de acesso ou monopólio sobre a base genética do sistema agroalimentar. Daí se concluir que a noção de segurança alimentar e nutricional inclui quatro conteúdos, a saber: a) garantia de produção e oferta de alimentos; b) garantia do direito universal de acesso aos alimentos; c) garantia de qualidade sanitária e nutricional dos alimentos consumidos; d) garantia de conservação e controle da base genética do sistema agroalimentar.

Os problemas de insegurança alimentar e nutricional afetam, sobretudo, os segmentos sociais cujo acesso aos alimentos é precário, seja por insuficiência de renda ou incapacidade de produção para o auto-consumo. Significa que de modo geral, a pobreza é a principal causa do acesso insuficiente aos alimentos. É neste contexto que emerge o Programa Fome Zero (PFZ), com o objetivo geral de “...incorporar ao mercado de consumo de alimentos aqueles que estão excluídos do mercado de trabalho e/ou que têm renda insuficiente para garantir uma alimentação digna a suas famílias” (Instituto de Cidadania, 2001). Surge como uma resposta ao perverso modelo de política adotado no Brasil, pois o referido programa está desenhado para ir além do mero combate à fome. Prevê o desenvolvimento econômico privilegiando o crescimento com distribuição de renda. Busca, portanto, quebrar o círculo vicioso da fome provocado pela falta de políticas de geração de emprego e renda, que fomenta a crescente concentração de riquezas do atual modelo adotado no País. É um programa do Governo Federal que envolve todos os ministérios e conta com a estrutura do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome e do Conselho Nacional de Segurança Alimentar (CONSEA), para a coordenação das ações.

A abrangência e a diversidade das situações que caracterizam o público da segurança alimentar e nutricional implicam a necessidade de utilização de instrumentos diversos e formas de ação social voltadas para o enfrentamento de situações emergenciais de fome, de caráter estrutural e local. Assim, o PFZ inclui ações estruturais, com políticas voltadas para as causas da fome e da pobreza (geração de emprego e renda, previdência social, incentivo à agricultura familiar, intensificação da reforma agrária, bolsa escola e renda mínima); ações específicas, com políticas direcionadas ao atendimento das famílias (cartão-alimentação, cestas básicas emergenciais, combate à desnutrição materno-infantil, ampliação da merenda escolar, educação

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para o consumo, dentre outras) e ações locais, com políticas a serem implementadas pelas prefeituras e sociedade civil (Belik, 2003; MESA, 2003).

O Banco do Nordeste do Brasil (BNB), Instituição Pública Federal, tem o papel de desenvolver a Região e, mais que isso, a responsabilidade social de se engajar no PFZ, oferecendo os instrumentos e mecanismos de que dispõe, de forma a contribuir efetivamente para a redução da pobreza e para as mudanças estruturais necessárias no Nordeste, mais especificamente, através de ações voltadas para o aumento da renda por meio de políticas que incorporem o incentivo à agricultura familiar, além do já tradicional apoio à agricultura patronal. Neste sentido, o BNB se propôs a estabelecer um PLANO DE AÇÃO com base nos instrumentos e mecanismos de que dispõe, levando em conta suas características de instituição financeira e respeitando os limites territoriais de sua área de atuação1.

Há, também, a determinação de se realizar avaliações periódicas das ações da Instituição no âmbito do Programa, havendo, dessa forma, a necessidade de se criar uma LINHA DE BASE para que seja possível construir os INDICADORES que deverão ser MONITORADOS e avaliados ao longo do tempo. Para tanto, foram selecionadas algumas localidades, pertencentes à área de atuação do BNB, objetivando a realização de diagnósticos municipais, bem como a elaboração do perfil dos beneficiários do PFZ. O estudo de caso do município de Guaribas é apresentado a seguir.

2. METODOLOGIA DA PESQUISA

A coleta de informações para compor o diagnóstico municipal bem como para

estabelecer a linha de base dos beneficiários do PFZ constou de três etapas: na primeira, coletaram-se dados secundários (de diversas fontes) sobre o Município, tendo-se como premissa a obtenção de indicadores econômicos e sociais; na segunda etapa, colheram-se informações primárias a partir de visita exploratória a Guaribas, a fim de inserir o conhecimento e a percepção dos diferentes segmentos da sociedade sobre a realidade local; e na terceira etapa realizou-se pesquisa de campo para a obtenção de informações junto às comunidades locais.

O recolhimento das informações, através da pesquisa de campo, foi realizado por meio da aplicação de questionários semi-estruturados, os quais foram ministrados por agentes de desenvolvimento do BNB com atuação no Município. Preliminarmente à visita a campo, o entrevistador foi submetido a treinamento sobre o Programa Fome Zero, a metodologia do trabalho a ser implementado e sobre o preenchimento dos questionários. O universo pesquisado foi considerado como sendo o total de beneficiários do Cartão Alimentação na ocasião da pesquisa, definido pelo Comitê Gestor local do Programa Fome Zero.

Os questionários foram aplicados a uma amostra de 32 beneficiários levando-se em conta os cortes territorial (rural e urbano) e de gênero (homem e mulher), e observando-se a proporção de cada uma dessas variáveis no universo pesquisado. Os entrevistados foram sorteados a partir do cadastro fornecido pelo então Ministério Extraordinário da Segurança Alimentar e Combate à Fome – MESA (Tabela 1).

1 Estados do Nordeste e municípios do Norte de Minas Gerais, Vale do Jequitinhonha e Norte do estado do Espírito Santo.

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TABELA 1. Beneficiários do Programa Fome Zero em Guaribas

Universo Amostra Distribuição (territorial e gênero) Beneficiários % Beneficiários %

Rural 370 74 19 59 - homens 179 36 7 22 - mulheres 191 38 12 37 Urbano 130 26 13 41 - homens 50 10 7 22 - mulheres 80 16 6 19 Total 500 100 32 100

Fonte: Ministério Extraordinário de Segurança Alimentar e Combate à Fome - MESA

3. CARACTERÍSTICAS SÓCIO-ECONÔMICAS DO MUNICÍPIO DE GUARIBAS

O município de Guaribas situa-se no semi-árido nordestino, no sudeste do Piauí, e está localizado a 517 km da capital Teresina. Guaribas abriga uma população de 4.814 habitantes, dos quais 81% residem no meio rural. No que respeita à distribuição etária, existe elevado contingente de crianças e jovens na faixa de 0 aos 15 anos (45% do total da população do Município), o que implica uma grande demanda por escolas formais. Considerando ainda que aproximadamente 50% da população está na faixa etária dos 15 aos 59 anos, ou seja, em idade ativa, é grande também a demanda por postos de trabalho. Apenas 5% da população têm idade superior a 59 anos (BNB, 2003).

A renda per capita do município de Guaribas (estimada em US$ 125 em 1998) situa-se bem abaixo quando comparada com a renda per capita do Piauí (US$ 1.405 em 1998) e do próprio sertão do Piauí (US$ 719 em 1998). Conforme informações colhidas junto ao comitê local que coordena as ações do Programa Fome Zero, cerca de 84% da população ganha entre zero e 1 salário mínimo. Embora os habitantes de Guaribas sejam extremamente solidários, de acordo com o comitê gestor local do PFZ, é difícil selecionar beneficiários para receber o Cartão Alimentação, considerando-se a pobreza generalizada no Município. Os técnicos do Comitê afirmam que a fonte de proteína na dieta alimentar dos habitantes do Município é basicamente vegetal e informam que a pessoa mais pesada não ultrapassa os 76 kg (BNB, 2003).

A taxa de analfabetismo entre pessoas com 15 anos ou mais em Guaribas é elevada e superior à média do Estado, ou seja, aproximadamente 59% da população do Município, em idade economicamente ativa, não possui nenhum nível de escolaridade. Em Guaribas observa-se, ainda, que elevado percentual dos moradores não possui documentação, o que certamente dificulta o exercício da cidadania.

O Município apresenta baixo IDH (0,478), contra 0,534 no Piauí e 0,548 no Nordeste. A taxa de mortalidade infantil é elevada (em torno de 59 crianças a cada 1000 nascidos vivos), cerca de duas vezes o índice apresentado pelo Sudeste do País (25/1000). De acordo com estimativas do BNB, o percentual de pobres na população do Município é de 79%, contra 48% no Piauí e 49% no Nordeste. Registre-se ainda que 84% da população do meio rural, em Guaribas, é

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considerada pobre (contra 62% no Piauí e 49% no Nordeste), o que implica dizer que a pobreza do Município é explicada, em parte, pelo baixo desempenho do setor agropecuário (BNB, 2003).

4. PERFIL DO BENEFICIÁRIO DO PROGRAMA FOME ZERO

Conforme definido na amostra do presente estudo, 19 entrevistados residem no meio rural (sendo 12 entrevistadas do sexo feminino e 7 do sexo masculino), enquanto que 13 residem no meio urbano (sendo 7 do sexo masculino e 6 do sexo feminino).

Na Tabela 2, abaixo é possível observar as médias de idade, estatura e peso dos beneficiários do PFZ em Guaribas. Relativamente jovens, os entrevistados possuem idade média de 31 anos. No meio rural, a idade média também é de 31 anos, enquanto que no meio urbano a média é de 29 anos. A idade média dos homens é mais elevada quando comparada com a média das mulheres (32 e 30 anos, respectivamente).

A estatura média é relativamente baixa (1,58m), sendo que no meio rural a estatura média é ainda menor: 1,55m contra 1,63m no meio urbano. A estatura média dos homens e das mulheres é de 1,63 e 1,55 m, respectivamente. O peso médio dos entrevistados é de 54 Kg, o que implica um índice de massa corporal - IMC2 médio de 21,6. Observe-se que a Organização Mundial de Saúde estabelece que IMC menor que 18,5 (para pessoas acima de 24 anos) é indicativo de déficit energético nos indivíduos. Índices entre 18,5 e 25,0 são considerados pesos normais. Os IMCs médios para os espaços rural e urbano foram de 21,6 e 21,0, respectivamente, enquanto que a média para homens e mulheres foi de 21,4 e 21,2, respectivamente.

TABELA 2. Perfil dos Entrevistados em Guaribas

Discriminação Idade Média Estatura Média Peso Médio Rural 31 1,55 52 Urbano 29 1,63 56 Homem 32 1,63 57 Mulher 30 1,55 51 Total dos Entrevistados 31 1,58 54

Fonte: Pesquisa de Campo

No que diz respeito à escolaridade, observa-se elevado nível de analfabetismo entre os beneficiários do PFZ (Tabela 3). Enquanto que 40,6% dos entrevistados declaram não possuir nenhum grau de instrução, 15,6% revelam serem somente alfabetizados. A título de comparação, a taxa de analfabetismo do Nordeste é de 23,3%. O ensino fundamental incompleto representa o ápice do grau de escolaridade entre as pessoas pesquisadas, ocorrendo entre 43,8% dos entrevistados. Por conseguinte, não se registrou nenhum entrevistado com o ensino fundamental concluído, muito menos com níveis mais elevados de educação. As condições de instrução das mulheres são ainda mais precárias, quando comparadas com os níveis educacionais dos homens.

2 IMC = Peso / (Altura)2

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A totalidade dos entrevistados afirmou que os filhos possuem acesso à escola, devendo-se registrar, contudo, que a oferta de educação formal em Guaribas restringe-se apenas ao nível fundamental.

TABELA 3. Nível de Escolaridade do Entrevistado

Sem Instrução Alfabetizado Ensino Fundamental

Incompleto Nível de Escolaridade Qtd. % Qtd. % Qtd. %

Homem 5 35,7 3 21,4 6 42,9 Mulher 8 44,4 2 11,1 8 44,4 Total 13 40,6 5 15,6 14 43,8 Urbano 3 23,1 1 7,7 9 69,2 Rural 10 52,6 4 21,1 5 26,3 Total 13 40,6 5 15,6 14 43,8

Fonte: Pesquisa de Campo

As famílias dos entrevistados são constituídas, em média, por 5,41 pessoas e 2,10 crianças (até 15 anos). O tamanho médio das famílias no rural e no urbano é de 5,89 e 4,69 pessoas, respectivamente. O número médio de crianças por domicílio no rural e no urbano é de 2,58 e 1,38, respectivamente. No Nordeste, o tamanho médio das famílias é 3,6 pessoas. A composição familiar típica dos entrevistados é formada pelo casal com filhos, podendo o tamanho da família variar de 3 até 7 ou mais pessoas. Parentes residindo com o casal e filhos também mostrou-se bastante freqüente entre os entrevistados. Considerando que a idade média dos entrevistados é relativamente jovem, é de se esperar que o tamanho dessas famílias tenda a crescer em um futuro próximo (Tabela 4).

TABELA 4. Tipos de Famílias e Número de Pessoas entre os Entrevistados Tipos de Família Número de Pessoas 1 2 3 4 5 6 7 ou +

Total

Casal - 1 - - - - - 1 Casal com filhos - - 4 6 5 1 16 Monoparentais - - 1 - - - - 1 Monoparentais e parentes - - - - - - - 0 Biparental e parentes - - - 1 5 1 7 14 Total 0 1 5 7 10 2 7 32

Fonte: Pesquisa de Campo

5. OCUPAÇÃO E RENDA

A totalidade dos entrevistados da pesquisa trabalha na informalidade, ou seja, não possui emprego, mas ocupações e, conseqüentemente, não faz jus aos benefícios sociais da legislação

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trabalhista. O percentual de informalidade registrado entre os entrevistados (100%) está bem acima das médias nacionais e para o Nordeste. Assim é que, no Brasil, os trabalhadores informais correspondem a 71% do emprego total na agricultura, enquanto que no Nordeste o percentual de pessoas ocupadas na agricultura sem carteira de trabalho assinada é de 83%. Referidos percentuais atestam o elevado grau de informalidade das atividades agrícolas, e particularmente, entre os entrevistados da pesquisa. Assim, a condição de agricultor, o baixo nível de escolaridade e a oferta restrita de emprego formal em Guaribas exercem grande influência no que diz respeito à predominância de ocupações meramente informais.

As atividades agrícolas predominam entre os entrevistados – 93,8% se autodenominaram agricultores enquanto que os 6,2% restantes afirmaram ser serventes (esses últimos são todos do sexo masculino). Interessante observar que no meio rural somente dois entrevistados não são agricultores e no meio urbano todos os entrevistados são agricultores, o que implica dizer que Guaribas é um município tipicamente rural possuindo um pequeno núcleo urbano, no caso a sede municipal.

Entre os entrevistados, somente 21,9% declararam pagar algum tipo de previdência para fins de aposentadoria (todas do sexo feminino e agricultoras). Daqueles residentes no meio urbano, somente 15,4% pagam algum tipo de instituição para fins de aposentadoria. Mesmo entre aqueles que residem no meio rural, onde há alguma facilidade de acesso à previdência rural, é baixo o percentual de entrevistados que contribuem com algum tipo de previdência (26,3%). Nenhum dos entrevistados recebe benefícios referentes à previdência, seja pública ou privada. Não é de se estranhar, tendo em vista que a média de idade entre eles é de apenas 31 anos.

O público cadastrado no Programa Fome Zero se enquadra no perfil das pessoas que estão impossibilitadas de contribuir para instituições previdenciárias, em função da renda insuficiente (rendimento médio entre 1 e 2 salários-mínimos), falta de acesso a informações sobre questões previdenciárias, além das condições ocupacionais (trabalhadores empregados sem carteira, trabalhadores domésticos e trabalhadores por conta-própria). A título de comparação, os percentuais de cobertura previdenciária, no Brasil, são de 42,3% para a população ocupada e 60,2% para a população ocupada restrita (nessa última se excluem os menores de 16 e maiores de 59 anos e os que ganham menos do que um salário mínimo).

O chefe da família, na maioria dos domicílios, é o esposo ou esposa (53,1%), sendo que em 34,4% dos casos é o próprio entrevistado. Apenas 9,4% dos domicílios têm o pai do entrevistado como chefe da família e em somente 3,1%, o sogro do entrevistado é o chefe da família.

Veja-se que 96,9% dos entrevistados (o que corresponde a 31 deles) declararam que o chefe da família está desempregado. Esse dado confirma a tese de que a maioria exerce a atividade agrícola e que, por isso, se considera desempregado. Da mesma forma, o entrevistado declara que não há outras pessoas da família trabalhando, o que demonstra, por um lado, que todos praticam atividades agrícolas e/ou possuem alguma ocupação não agrícola, de forma que prevalece uma situação de insegurança em termos de ganhos monetários nessas famílias. Em suma, os entrevistados se consideram desempregados pelo fato de não possuírem emprego assalariado e formal, carteira de trabalho assinada ou ainda renda constante durante o ano.

Em termos médios, a renda monetária mensal por domicílio é de R$ 152,83 (aproximadamente US$ 53), enquanto que a renda monetária mensal per capita é de apenas R$ 28,27 (aproximadamente US$ 10). As rendas monetárias mensais por domicílio rural e urbano

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foram, em média, de R$ 155,50 e R$ 148,92, respectivamente. A renda per capita no rural e no urbano é de R$ 26,37 e R$ 31,74, respectivamente. Registre-se que os benefícios governamentais (Vale Gás, Bolsa Escola e principalmente o Cartão Alimentação do PFZ) constituem parte substancial da renda monetária dos entrevistados. Em média, referidos benefícios representam 41,0% do total da renda monetária dessas famílias. Conseqüentemente, a ausência dos citados benefícios governamentais implicaria drástica redução da renda monetária dos entrevistados, ou seja, a renda monetária por domicílio seria, em média, apenas R$ 90,17 (aproximadamente US$ 31), o que acarretaria uma renda monetária mensal per capita de apenas R$ 16,68, o equivalente a aproximadamente US$ 6 (Tabela 5).

TABELA 5. Renda Monetária dos Entrevistados

RESIDÊNCIA Rural Urbano Total Quantidade de pessoas residentes 112 61 173 Quantidade de crianças 49 18 67 Renda Monetária 2.954,50 1.935,99 4.890,49

Fonte: Pesquisa de Campo

Considerando-se as faixas de renda dos entrevistados, aproximadamente 31% das famílias possuem renda monetária mensal de até R$ 100,00 (aproximadamente US$ 35), cerca de 78% das famílias possuem renda monetária mensal de até R$ 200,00 (aproximadamente US$ 70), enquanto que 97% recebem até R$ 300,00. Apenas 3% das famílias possuem renda monetária mensal acima de R$ 300,00, equivalente a aproximadamente US$ 103 (Tabela 6).

TABELA 6. Faixas de Renda dos Entrevistados

Total Rural Urbano Faixas de Renda (R$) Qtd. % Qtd. % Qtd. %

000 – 100 10 31,25 8 42,11 2 15,38 101 – 200 15 46,88 7 36,84 8 61,54 201 – 300 6 18,75 3 15,79 3 23,08 301 – 400 - - - - - - 401 – 500 1 3,12 1 5,26 - - TOTAL 32 100,00 19 100,00 13 100,00

Fonte: Pesquisa de Campo Nota: Os benefícios governamentais, a exemplo do bolsa escola, vale gás e o cartão alimentação estão computados no

cálculo da renda monetária dos entrevistados.

Além do Cartão Alimentação, parte dos entrevistados faz jus ao recebimento de outros tipos de ajuda ou benefícios, tais como o Vale Gás (17 famílias) e Bolsa Escola (apenas 8 domicílios ou 19 crianças beneficiadas). Os benefícios governamentais totalizaram R$ 2.012,50, ou seja, as ajudas recebidas totalizaram R$ 62,88 por família (aproximadamente US$ 22) ou R$ 11,63 per capita, aproximadamente US$ 4 (Tabela 7).

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TABELA 7. Distribuição dos Benefícios Governamentais Recebidos pelos Entrevistados

Benefício Valor (R$) Nº de Domicílios Nº de Crianças nos Domicílios

Benefício Total 2.012,50 32 67 Benefício Vale Gás 127,50 17 43 Benefício Bolsa Escola 285,00 8 19 Benefício Cartão Alimentação 1.600,00 32 67

Fonte: Pesquisa de Campo

Independente da metodologia que se adote para mensurar a pobreza ou indigência dos entrevistados da pesquisa, é possível afirmar que as famílias não têm renda monetária suficiente para ter acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais. Acrescente-se que dado o baixo nível de renda monetária dos entrevistados, é de se esperar que, para algumas famílias, os benefícios governamentais não serão suficientes para lhes garantir segurança alimentar e nutricional.

6. SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL

No entender de Pessanha (1998), dois fatores determinam o acesso aos alimentos, quais sejam: “o poder aquisitivo necessário para os indivíduos que atuam em mecanismos descentralizados de produção e consumo; e a propriedade de meios de produção de alimentos no caso dos produtores rurais de alimentos de subsistência”. Com base nessa premissa, buscou-se, explorar, nas Tabelas 8 e 9, a seguir, os conteúdos referentes às questões ligadas à capacidade de acesso da população aos alimentos, bem como à qualidade nutricional dos alimentos por ela consumidos, seja nos seus aspectos nutricional ou sanitário3.

A quantidade e a qualidade do acesso a alimentos dos entrevistados e de suas famílias são mostradas nas Tabelas 8 e 9. Conforme aparece na Tabela 8, em 53,3% dos domicílios observados as famílias têm acesso a alimentos em quantidade suficiente, enquanto que 46,7% não conseguem o acesso à quantidade por eles considerada mínima. A situação é mais grave no meio rural, onde 68,4% dos domicílios declaram não ter acesso à quantidade suficiente de alimentos. No meio urbano, este percentual cai para 15,4%. Entretanto, conforme se pode observar na Tabela 9, boa parte dos entrevistados (59,4%) considera os alimentos disponíveis de má qualidade, sendo no meio rural o mais elevado índice (63,2%). Tanto em termos de quantidade quanto de qualidade, os entrevistados do meio urbano têm as melhores condições de alimentação.

3 Cabe considerar que todas as inferências sobre quantidade e qualidade dos alimentos consumidos pelos entrevistados e suas

famílias foram feitas com base nos pontos de vista dos próprios entrevistados e no seu grau de entendimento e nível de informação sobre a questão. Significa que o julgamento expresso sobre quantidade e qualidade ideais dos alimentos consumidos não necessariamente reflete as condições ideais em termos de atributos nutricionais e sanitários adequados às necessidades dessas famílias (alimentos com boas qualidades nutricionais e livres de contaminações de natureza química, biológica e física etc).

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TABELA 8. Acesso Anual a Alimentos, em Termos de Quantidade, por parte das Famílias Quantidade Anual de Alimentos Total % Rural % Urbano % Suficiente 17 53,3 6 31,6 11 84,6 Insuficiente 15 46,7 13 68,4 2 15,4

Fonte: Pesquisa de campo

TABELA 9. Acesso Anual a Alimentos, em Termos de Qualidade, por parte das Famílias Qualidade dos Alimentos Total % Rural % Urbano % Boa qualidade 13 40,6 7 36,8 6 46,2 Má qualidade 19 59,4 12 63,2 7 53,8

Fonte: Pesquisa de campo

Nas Tabelas seguintes, serão analisados os tipos refeições cotidianas das famílias e a freqüência com que ocorrem. Também serão observados os principais alimentos consumidos pelo público-alvo da pesquisa e a freqüência com que isso ocorre.

Nas Tabelas 10 a 15 é possível detectar em que nível ocorre o acesso às principais refeições diárias, em termos de diversidade e freqüência. A primeira observação a ser feita é que, para o entrevistado e adultos das famílias (Tabela 10), não está assegurado o acesso a 3 refeições diárias (café da manhã, almoço e jantar), o mínimo considerado necessário par a segurança alimentar do grupo. Apesar de todos terem acesso diário ao almoço e quase todos (90,6%) terem acesso diário ao jantar, verifica-se que estas são as refeições com maior peso em sua dieta alimentar, considerando-se que 56,3% não têm acesso ao café da manhã, uma vez sequer durante a semana. Também, somente 6,3% fazem o desjejum durante todos os dias da semana e 35,0% têm assegurada essa refeição por apenas 3 dias na semana. No que se refere à merenda, 93,8% do grupo nunca têm acesso a esse tipo de refeição.

TABELA 10. Tipos e Quantidade de Refeições Diárias Realizadas pelo Entrevistado e Adultos das Famílias

Freqüência Refeição Nenhuma

vez

1 vez por

semana

2 vezes por

semana

3 vezes por

semana

4 vezes por

semana

5 vezes por

semana

6 vezes por

sema-na

7 vezes por

semana Café da manhã / Desjejum 18 1 2 8 1 0 0 2 Almoço 0 0 0 0 0 0 0 32 Jantar 0 0 0 0 3 0 0 29 Lanches / Merendas 30 0 1 1 0 0 0 0

Fonte: Pesquisa de campo

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É possível observar, também, que entre os adultos, é mais grave a situação no meio urbano (Tabelas 11 e 12), onde são mais elevados os percentuais dos que nunca têm acesso a café da manhã (76,9% contra 42% no meio rural) e a merendas (100,0% contra 94,7% no meio rural).

TABELA 11. Tipos e Quantidades de Refeições Diárias Realizadas pelo Entrevistado e Adultos das Famílias Rurais

Consumo de Alimentos (Adultos) (Zona Rural = 19 Entrevistados) Freqüência Refeição

Nenhuma Vez

1 vez por

semana

2 vezes por

semana

3 vezes por

semana

4 vezes por

semana

5 vezes por

semana

6 vezes por

semana

7 vezes por

semana Café da manhã / Desjejum

8 1 1 7 1 0 0 1

Almoço 0 0 0 0 0 0 0 19 Jantar 0 0 0 1 2 0 0 16 Lanches / Merendas

18 0 1 0 0 0 0 0

Fonte: Pesquisa de campo

TABELA 12. Tipos e Quantidades de Refeições Realizadas pelo Entrevistado e Adultos das Famílias Urbanas

Consumo de Alimentos (Adultos) (Zona Urbana = 13 Entrevistados)

Freqüência Refeição Nenhum

a vez 1 vez por semana

2 vezes por

semana

3 vezes por

semana

4 vezes por

semana

5 vezes por

semana

6 vezes por

semana

7 vezes por

semana Café da manhã / desjejum 10 0 1 1 0 0 0 1 Almoço 0 0 0 0 0 0 0 13 Jantar 0 0 0 0 1 0 0 12 Lanches / Merendas 13 0 0 0 0 0 0 0

Fonte: Pesquisa de campo

Com relação à alimentação das crianças pertencentes a essas famílias, as informações são apresentadas nas Tabelas 13 a 15. Do total das crianças, verifica-se que em cerca de 97,0% dos casos têm acesso a almoço durante 7 dias da semana e em 87,0% têm acesso a jantar. No caso do desjejum, em cerca de 55,0% das famílias, as crianças nunca têm acesso. Ainda, 84,0% dessas crianças não têm acesso a merendas (Tabela 13).

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TABELA 13. Tipos e Quantidades de Refeições Realizadas pelas Crianças das Famílias Freqüência (31 famílias têm crianças)

Refeição Nenhuma vez

1 vez por

semana

2 vezes por

semana

3 vezes por

semana

4 vezes por

semana

5 vezes por

semana

6 vezes por

semana

7 vezes por

semana Café da manhã / Desjejum 17 1 3 7 1 0 0 3 Almoço 2 0 0 0 0 0 0 30 Jantar 2 0 0 1 1 0 1 27 Lanches / Merendas 26 0 3 1 1 1 0 0

Fonte: Pesquisa de campo

No meio rural (Tabela 14), as principais refeições são o almoço e o jantar, tendo em vista que 94,5% e 83,0% têm acesso a essas duas refeições, respectivamente, durante toda a semana. Porém, os lanches e o desjejum não são refeições corriqueiras na vida dessas crianças, pois 72,0% e 39,0%, respectivamente, nunca têm acesso a essas refeições.

TABELA 14.Tipos e Quantidades de Refeições Realizadas pelas Crianças das Famílias Rurais Freqüência (18 famílias têm crianças)

Refeição Nenhuma vez

1 vez por

semana

2 vezes por

semana

3 vezes por

semana

4 vezes por

semana

5 vezes por

semana

6 vezes por

semana

7 vezes por

semana Café da manhã / Desjejum 7 1 1 6 1 0 0 2 Almoço 1 0 0 0 0 0 0 17 Jantar 1 0 0 1 0 0 1 15 Lanches / Merendas 13 0 2 1 1 1 0 0

Fonte: Pesquisa de campo

Também para as crianças das famílias urbanas, as principais refeições são o almoço e o jantar, pois todas elas têm acesso ao almoço durante toda a semana, e 92,3% delas, a jantar. Por outro lado, o desjejum e os lanches inexistem para respectivamente 69,0% e 92,0% das crianças (Tabela 15).

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TABELA 15. Tipos e Quantidades de Refeições Realizadas pelas Crianças das Famílias Urbanas

Freqüência (13 famílias têm crianças)

Refeição Nenhuma vez

1 vez por semana

2 vezes por

semana

3 vezes por

semana

4 vezes por

semana

5 vezes por

semana

6 vezes por

semana

7 vezes por

semana Café da manhã / Desjejum 9 0 2 1 0 0 0 1 Almoço 0 0 0 0 0 0 0 13 Jantar 0 0 0 0 1 0 0 12 Lanches / Merendas 12 0 1 0 0 0 0 0 Fonte: Pesquisa de campo

Com relação aos principais alimentos consumidos no cotidiano das famílias, como era de se esperar, tendo em vista que se espera estar diante de um público de baixíssima renda, são alimentos básicos como feijão, óleos/gorduras, açúcar/doces/rapadura e arroz (Tabela 16). O percentual de famílias que consomem esses alimentos diariamente são, respectivamente, 88,0%, 81,0%, 75,0% e 62,5%. Com relação ao consumo de carnes, 50,0% consomem 3 ou 4 vezes por semana, 28,0% consomem 1 ou 2 vezes por semana e 15,6% raramente consomem este tipo de alimento. Ao lado das carnes, o leite e os ovos são alimentos ricos em proteína animal que não fazem parte das refeições diárias das famílias. Cerca de 69,0% e 56,3% raramente consomem o leite e os ovos, respectivamente, enquanto que 25,0% e 34,4%, respectivamente, nunca têm acesso a esses alimentos.

Além disso, é importante observar que outra parcela importante das famílias dos entrevistados declara nunca ter acesso a frutas (65,6%), peixes (96,9%) e legumes e verduras (37,5%), alimentos ricos em minerais e vitaminas. Sabe-se que a segurança nutricional depende da superação de carências essenciais de minerais e vitaminas que se superpõem e influenciam umas às outras. No caso dos legumes e verduras, pela sua composição em termos de vitaminas, ferro, sais minerais e fibras, existe a recomendação, por parte de especialistas, de que pelo menos quatro porções componham o cardápio diário de um adulto.

TABELA 16. Tipos de Alimentos e Freqüência com que são Consumidos pelas Famílias

Freqüência Alimentos

Diariamente 6 ou 5 vezes por semana

4 ou 3 vezes por semana

2 ou 1 vez por semana Raramente Não

consome 1. Carnes 0 2 16 9 5 0 2. Peixes 0 0 0 0 1 31 3. Ovos 1 0 0 2 18 11 4. Arroz 20 6 2 4 0 0 5. Feijão 28 3 1 0 0 0 6. Milho / Derivados 5 1 6 4 16 0 7. Tubérculos / Raízes 6 2 1 5 15 2 8. Legumes / Verduras 1 0 0 3 16 12 9. Frutas 0 0 0 1 10 21 10. Leite 0 0 2 0 22 8 11. Queijos / Requeijão 0 0 0 0 0 32

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12. Pães / Bolachas 0 0 0 7 21 4 13. Macarrão 0 1 1 4 12 14 14. Açúcar / Doces / Rapadura 24 3 1 2 0 2 15. Margarina / Manteiga / Nata 0 0 1 1 1 28 16. Óleos / Gorduras 26 3 2 0 1 0 17. Outros 0 0 0 0 0 0

Fonte: Pesquisa de campo

No meio rural, os principais alimentos da composição alimentar dos grupos entrevistados são o feijão, óleos/gorduras, açúcar/doces/rapadura e o arroz, pois são consumidos diariamente por 78,9%, 68,4%, 63,2% e 52,6%, respectivamente, das famílias, todos produtores de energia, uma das necessidades básicas para aqueles que lidam com a agricultura (Tabela 17). As carnes também têm relativa importância na alimentação das famílias rurais, visto que compõem o cardápio de 63,2% delas por 3 ou 4 vezes durante a semana. Por outro lado, 18 (94,7%) das 19 famílias residentes no meio rural informaram que jamais consomem peixes, cuja composição nutricional também é considerada importante na dieta alimentar humana. Além disso, o leite, os legumes e verduras, os ovos, os pães e bolachas e o macarrão raramente são consumidos por cerca de 60% do grupo residente na zona rural.

No que diz respeito às frutas, não são consumidas por grande parte das famílias (52,6%), enquanto que outras tantas (47,2%) raramente as consomem. As frutas têm grande importância na composição da dieta alimentar do dia-a-dia, em virtude do conteúdo equilibrado de nutrientes fundamentais para a manutenção da saúde humana. Entretanto, em geral as populações de baixa renda não têm acesso a esse tipo de alimento, em virtude de serem oferecidas a preços incompatíveis com a capacidade de aquisição dessa camada da população.

TABELA 17. Tipos de Alimentos e Freqüência com que são Consumidos pelas Famílias Rurais Periodicidade

Alimentos Diariamente

6 ou 5 vezes por semana

4 ou 3 vezes por semana

2 ou 1 vez por semana Raramente Não

consome

1. Carnes 0 1 12 2 4 0 2. Peixes 0 0 0 0 1 18 3. Ovos 1 0 0 1 12 5 4. Arroz 10 4 2 3 0 0 5. Feijão 15 3 1 0 0 0 6. Milho / Derivados 4 0 4 3 8 0 7. Tubérculos / Raízes 5 1 0 4 7 2 8. Legumes / Verduras 0 0 0 2 12 5 9. Frutas 0 0 0 0 9 10 10. Leite 0 0 1 0 12 6 11. Queijos / Requeijão 0 0 0 0 0 19 12. Pães / Bolachas 0 0 0 4 11 4

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13. Macarrão 0 0 1 2 11 5 14. Açúcar / Doces / Rapadura 12 4 1 2 0 0 15. Margarina / Manteiga / Nata 0 0 0 1 1 17 16. Óleos / Gorduras 13 3 2 0 1 0 17. Outros 0 0 0 0 0 0

Fonte: Pesquisa de campo

Também no meio urbano, os principais alimentos da composição alimentar do grupo são feijão, óleos/gorduras e arroz. O consumo diário desses produtos é feito por, respectivamente, 100,0%, 100,0%, 92,3% e 76,9% das famílias urbanas pesquisadas (Tabela 18). As carnes não são um componente regular na alimentação do grupo, pois o maior número de famílias (53,8%) tem acesso entre 1 e 2 vezes por semana. Da mesma forma que na zona rural, no meio urbano alguns alimentos importantes para a nutrição humana não fazem parte da composição alimentar da maioria das famílias. A seguir são enumerados os principais produtos cujo consumo é nulo, bem como a respectiva representação percentual em termos de famílias: peixes, 100%; queijos: 100%; margarinas (92,3%); frutas, 84,6%; legumes e verduras, (53,8%) e ovos (46,2%).

Comparando-se os componentes da alimentação básica nas zonas rural e urbana, observa-se que não há diferenças do ponto de vista da qualidade básica da alimentação (feijão, arroz e gorduras).

Importante observar que a mistura de feijão e arroz equivale a uma combinação protéica de origem vegetal de bom aproveitamento biológico. Esses alimentos se completam, tendo em vista que a quantidade do aminoácido lisina, que é limitante no arroz, é abundante no feijão. Essa condição propicia a síntese da proteína no organismo.

Por outro lado, a carência de proteínas de origem animal é evidente, tendo em vista o baixo consumo de carnes, leite, ovos e peixes.

TABELA 18. Tipos de Alimentos e Freqüência com que são Consumidos pelas Famílias Urbanas

Freqüência Alimentos

Diariamente 6 ou 5

vezes por semana

4 ou 3 vezes por semana

2 ou 1 vez por

semana Raramente Não

consome

1. Carnes 0 1 4 7 1 0 2. Peixes 0 0 0 0 0 13 3. Ovos 0 0 0 1 6 6 4. Arroz 10 2 0 1 0 0 5. Feijão 13 0 0 0 0 0 6. Milho / Derivados 1 1 2 1 8 0 7. Tubérculos / Raízes 1 1 1 1 8 0 8. Legumes / Verduras 1 0 0 1 4 7 9. Frutas 0 0 0 1 1 11 10. Leite 0 0 1 0 10 2 11. Queijos / Requeijão 0 0 0 0 0 13 12. Pães / Bolachas 0 0 0 3 10 0

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13. Macarrão 0 0 0 2 1 10 14. Açúcar / Doces / Rapadura 12 0 0 0 0 1 15. Margarina / Manteiga / Nata 0 0 0 0 0 12 16. Óleos / Gorduras 13 0 0 0 0 0 17. Outros 0 0 0 0 0 0

Fonte: Pesquisa de campo

Aqui cabe lembrar a baixa estatura apresentada pelos entrevistadas (Tabela 2), a qual pode estar relacionada à carência de ingestão de Vitamina A, que prejudica o crescimento e o desenvolvimento do organismo humano nos primeiros anos de vida. A carência de Vitamina A no organismo resulta da falta de ingestão (ou pouca ingestão) de alguns alimentos de origem vegetal (folhas da cor verde-escuro, frutos e verduras nas cores amarelo, alaranjado ou vermelho) e animal (fígado, gema de ovo, leite, manteiga, queijo), todos com baixo índice de consumo cotidiano pelo grupo pesquisado.

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em termos da disponibilidade física de alimentos, existe suficiência alimentar para toda a humanidade. O que significa dizer que a fome no mundo hoje é muito mais uma “questão política e ética”, que poderia ser sanada pela decisão dos governos de garantir o direito de acesso aos alimentos a todos os cidadãos, através da implementação de políticas re-distributivas que reduzissem as desigualdades entre os diversos segmentos e estratos sociais.

O acesso aos alimentos é um direito humano fundamental, ao qual as políticas econômicas e comerciais, nacionais e internacionais, deveriam subordinar-se e não sobrepor-se (Pessanha, 1998, citando Drèze e Sen, 1989). Infelizmente, o Brasil acumula essa dívida com grande parte da população, a qual está impossibilitada de exercer o direito fundamental de alimentar-se diariamente em quantidade e qualidade adequadas, por pura incapacidade de acesso aos alimentos, principalmente em virtude de insuficiência de renda.

A pesquisa realizada em Guaribas apresenta fortes indícios de que o nível de pobreza das famílias elegíveis para o PFZ, e conseqüentemente, a situação de insegurança alimentar afetando referidas famílias, decorre de quatro dimensões principais: baixos níveis de escolaridade, precariedade de inserção ocupacional, renda insuficiente e ausência de atendimento das necessidades coletivas. Tais informações atestam a afirmação de Pessanha (1998), de que a capacidade de acesso aos alimentos não se restringe à capacidade de acesso às mercadorias, mas implica também o acesso aos serviços que têm impacto substantivo sobre a nutrição, saúde e bem-estar dos indivíduos, tais como serviços médicos e cuidados de saúde, condições sanitárias e água potável, bem como educação básica.

Porém, é fato que, numa economia de mercado, a oferta de alimentos não garante, por si só, o direito de uma pessoa de consumi-los. Portanto, mudar o perfil de desigualdade do País, implica por um lado, recuperar a capacidade de regulação pública das atividades econômicas, por outro, garantir a vontade política dos partidos e dos governos que se sucederem no comando do

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País; também, é necessário que a luta contra a fome e o desemprego seja assumida, no seu sentido mais amplo, por toda a sociedade.

Nesse sentido, é fundamental que seja elaborada uma política nacional de segurança alimentar e nutricional, cuja implementação deve envolver ações de diferentes setores de governo e sociedade, o que requer a construção de pactos nacionais mais amplos, abrangendo as esferas da produção, comercialização, controle de qualidade, acesso e utilização do alimento no nível familiar e biológico.

A intersetorialidade é fundamental para a construção desses pactos nacionais, “necessários para o enfrentamento de problemas complexos que exigem ação integrada”. Contudo, para que ela ocorra, é necessário que haja um processo de construção de acordos políticos em torno de um projeto integrador, capitaneado por um Estado forte. Essa proposta se apresenta como um grande desafio na atual conjuntura, na medida em que há grande fragmentação institucional no Brasil, agravada pela preponderância, em termos de poder, da área econômica sobre a área social.

Mas não há outra saída. Não é possível alterar a atual estrutura socioeconômica brasileira (que produz um abismo entre ricos e pobres) sem que haja uma ação coordenada do Estado, direcionada para unir desenvolvimentos econômico e social. Ou seja, políticas de combate à fome devem ser articuladas com a oferta de outras políticas sociais e de desenvolvimento, tais como saúde, educação, infra-estrutura, emprego e crédito, dentre outras.

Atendidas essas premissas, e considerando as informações obtidas entre beneficiários do Programa Fome Zero em Guaribas, pode-se afirmar que o combate à elevada extensão da pobreza pode realizar-se no curto prazo, com a complementação de renda e, no longo prazo, com a consolidação de um conjunto articulado de políticas sociais, desde que seja desenvolvida uma metodologia que permita a articulação e a orientação dessas ações.

BIBLIOGRAFIA

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INSTITUTO DE CIDADANIA. Política de segurança alimentar para o Brasil. São Paulo, 2001.

MALUF, R. S. Ações públicas locais de apoio à produção de alimentos e a segurança alimentar. São Paulo: Polis Papers 4, 1999.

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FONTES DE CRESCIMENTO DA ORIZICULTURA NO MATO GROSSO

Paulo Nazareno Alves Almeida Mirian Rumenos Piedade Bacchi

RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo avaliar as fontes de crescimento da orizicultura no Mato Grosso, em competição com a cotonicultura, a milhocultura e a sojicultura, no período de 1980 a 2001. Nota-se grandes avanços tecnológicos empregados na cultura do arroz sob o sistema terras altas, diminuindo a diferença produtiva entre este e o arroz irrigado. Diante destas alterações e da carência de informações no tocante ao cultivo desse cereal em terras altas, são necessários estudos que demonstrem essas alterações de forma sistematizada. Utilizou-se a metodologia “shift-share” na mensuração das fontes de crescimento das atividades agrícolas, tendo como fatores explicativos da evolução da produção os efeitos área, rendimento, composição da produção e localização geográfica. As alterações na área cultivada das culturas foram desmembradas em efeitos escala e substituição, realizadas na análise individual por cultura. Apesar das pastagens apresentarem grande relação com a orizicultura, estas não foram incluídas no estudo devido à ausência de dados estatísticos. Verificou-se que o arroz de terras altas continua carregando o estigma de abertura de área para domesticação da terra e posterior substituição pela cultura da soja ou pastagens. A orizicultura tem seu uso também relacionado à recuperação de pastagens e rotação com soja. Todas as culturas analisadas tiveram crescimento da produção de 1980 a 2001. A cultura do arroz apresentou crescimento da produção à taxa de 2,4% a.a., devido aos efeitos rendimento e localização geográfica, enquanto o efeito área foi negativo (-0,99% a.a.). A cultura do arroz foi a única a ceder área agrícola para as demais culturas (208.003 ha) na década de 1980. Palavras-chave: fontes de crescimento, arroz de terras altas, Mato Grosso. 1 INTRODUÇÃO

As mudanças econômicas e políticas ocorridas nos últimos anos afetaram o agronegócio de uma forma geral. Comportamentos típicos de um ambiente inflacionário e fechado à concorrência internacional foram rapidamente modificados. Novos conceitos e ações ganharam espaço no contexto atual, em que alta produtividade, baixos custos e maior eficiência surgem como regras de sobrevivência no mercado globalizado. Os reflexos sobre a cultura do arroz de terras altas, denominação atual do termo “arroz de sequeiro”, foram bastante significativos, pois os avanços tecnológicos permitiram a diminuição da diferença de produtividade entre esse tipo de cultivo e o do arroz irrigado. Muitas mudanças foram sentidas pelos atores da cadeia e, portanto, são necessários estudos que mostrem essas alterações de forma sistematizada, que sirvam de ferramenta para diagnosticar a capacidade dos produtores em atender à demanda interna. De maneira geral, este estudo busca caracterizar e mostrar a evolução da orizicultura no Mato Grosso em competição com a sojicultura, milhocultura e cotonicultura. Pretende-se realizar no trabalho um estudo das fontes de crescimento da orizicultura nesse estado, utilizando a metodologia “shift-share”, de modo a desvendar as relações existentes entre essas atividades.

A cultura do arroz de terras altas na região central do Brasil passou por um processo evolutivo com o desenvolvimento de novas variedades e novos sistemas de cultivo. Diante das mudanças ocorridas, vários questionamentos vêm à tona. Como se comporta a

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produção de arroz no Mato Grosso? Como o arroz interage com as principais culturas do estado? Enfim, como a produção de arroz está inserida no Mato Grosso?

No presente estudo analisou-se a evolução da cultura do arroz em competição com a cultura do milho, da soja e do algodão, que são concorrentes do arroz em área em diversos municípios do Mato Grosso. Exclui-se do estudo as áreas com matas e as pastagens pela imprecisão das estimativas existentes, mesmo sabendo que há uma grande concorrência em relação a esse fator de produção entre a orizicultura e a pecuária.

Têm-se como objetivos específicos analisar: • o comportamento da produção de arroz no Mato Grosso por meio do cálculo e

decomposição das taxas médias anuais de variação na produção, subdivididas em efeitos área, produtividade, localização geográfica e composição da produção;

• decompor o efeito área em efeitos escala e substituição para determinar em que medida a variação da área ocorre por expansão, ou retração, ou ainda, pela substituição de uma lavoura por outra;

Os resultados obtidos permitem a análise da evolução da produção de arroz com base em crescimento de área cultivada, produtividade, localização geográfica e composição da produção regional de 1980 a 2000.

Importância e caracterização da orizicultura no Brasil e no Mato Grosso

O arroz é um cereal de suma importância na dieta alimentar da população

brasileira, fornecendo calorias e proteínas de grande valor nutritivo; sua proteína contém oito aminoácidos essenciais para o balanceamento nutricional (Juliano et al., 1987). É considerado pelo governo brasileiro um produto importante quando se trata de segurança alimentar, o que justifica a intervenção no mercado, objetivando a garantia de preços ao produtor e o abastecimento da população.

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (2003) apresentam o setor orizícola como responsável por 6% do valor bruto da produção agrícola nacional, perdendo apenas para a cultura da soja, milho e cana-de-açúcar. Segundo a FAO (2003) e a Companhia Nacional de Abastecimento – Conab (2002), o Brasil é o décimo maior produtor mundial de arroz e o maior produtor fora do continente asiático, sendo colhidos 10,656 milhões de toneladas desse cereal em 2002, representando 1,8% da produção mundial.

O arroz é cultivado em todo o território nacional, sendo dois os sistemas básicos de produção: arroz irrigado e de terras altas. O cultivo irrigado é conduzido com alta tecnologia, produtividade e uniformidade dos grãos. Já no cultivo de terras altas, a utilização de tecnologia é menor, a produtividade é mais baixa e a variação no padrão dos grãos é maior; contudo, este vem evoluindo significativamente nos últimos anos. O termo “arroz de terras altas” vem sendo utilizado pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - Embrapa em substituição ao “arroz de sequeiro”, com o intuito de resgatar a credibilidade do arroz neste sistema, abalada em função da orizicultura ser usada como cultura desbravadora do cerrado (Ferreira & Yokoyama, 1999).

A região Sul é a principal produtora de arroz do país, respondendo por mais de 60% da produção nacional. Destacam-se o Rio Grande do Sul, com a maior produção, e Santa Catarina, com a maior produtividade. Esses estados utilizam tradicionalmente o sistema irrigado. O Centro-Oeste é o segundo maior produtor, respondendo por 15% da produção brasileira. Nessa região, o Mato Grosso tem grande importância, sendo o principal produtor regional e o segundo maior produtor nacional, respondendo por 11% da produção brasileira (Conab, 2002).

A produção brasileira passou de 9,820 milhões de toneladas na safra 1985/86 para 10,656 milhões de toneladas em 2001/02, enquanto que a área apresentou comportamento

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decrescente ao longo dos anos, passando de 5,547 milhões de hectares (ha) em 1985/86 para 3,230 milhões de ha em 2001/02 (Conab, 2002). Na Figura 1, visualiza-se a produção brasileira de arroz, segmentada nos dois principais sistemas de cultivo.

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1.000.000

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1985

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1.000.000

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hectares

Prod. terras altas Prod. irrigado Área terras altas Área irrigado

Figura 1 - Produção e área brasileira de arroz de terras altas e irrigado. Fonte: Conab (2002) Analisando a série de dados de produção de arroz da Figura 1, percebe-se grande

instabilidade, principalmente no sistema “terras altas”, havendo uma brusca queda que se iniciou no ano agrícola 1988/89 e uma redução menos acentuada que se iniciou na safra agrícola 1995/96. O crescimento da produção brasileira no período considerado foi de 8,5%, com uma produção média de 10,295 milhões de toneladas. Ao analisar a evolução da área colhida de arroz no Brasil, verifica-se uma tendência de redução, até atingir o patamar de 3,4 milhões de hectares em 2000/01. A escassez de novas áreas a serem exploradas (principalmente no Sul do país), as leis que protegem o meio ambiente e as terras impróprias para o cultivo são fatores determinantes dessa estagnação.

Pode-se associar os dois tipos de sistema de produção de arroz às localidades em que são produzidos: na região Sul predomina o arroz irrigado e no restante do país, o de terras altas. Essa distinção representa uma aproximação razoável, visto que as áreas em que se cultiva arroz irrigado fora da região Sul são bastante pequenas.

O sistema de cultivo irrigado tem o custo de produção mais elevado que o sistema de terras altas. Insumos como a água, maquinário de irrigação, de drenagem, preparo do solo, sistematização da área, construção de canais e taipas, entre outros, oneram os custos da produção gaúcha, além de o valor da terra no Sul ser mais alto (Yokoyama, 2002). Um fator que deve ser levado em consideração é que esses insumos são aproveitados somente no arroz. No Centro-Oeste, os custos de produção são distribuídos com outras culturas, como a soja, por exemplo. No estudo de competitividade realizado por Villar et al. (2003), enfocando basicamente os custos de produção de arroz nos dois sistemas, representados por fazendas nos municípios de Santa Vitória do Palmar-RS e Sinop-MT, verificou-se que o cultivo irrigado é mais “caro” que o cultivo de terras altas. Nos itens de custo considerados pelos autores, somente o valor do fertilizante no sistema irrigado é inferior ao do de terras altas, devido a diferenças no custo de transporte. Segundo esses autores, o custo do arroz por tonelada no Rio Grande do Sul é de US$ 100,02, enquanto no Mato Grosso é US$ 93,58. Souza & Arbage

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(2002) relatam que o desenvolvimento de variedades de arroz de terras altas mais produtivas e adaptadas ao cerrado, com características semelhantes às do arroz longo fino do Rio Grande do Sul, tem exercido forte pressão de custos sobre os produtores gaúchos.

A produção no Centro-Oeste apresenta um fator cultural que explica em parte a situação da orizicultura de terras altas. O cultivo do arroz de terras altas sempre esteve ligado ao processo de abertura de área para posterior cultivo de soja ou atividade pecuária. Praticava-se, também, uma agricultura itinerante, associada normalmente à subsistência, sendo mais observada no Nordeste brasileiro. Apesar de sua relevância, o arroz de terras altas passou um longo período relegado ao segundo plano, o que decorre parcialmente do seu passado, quando a exploração ocorria em um contexto caracterizado por baixo aporte tecnológico, com baixa produtividade e baixa qualidade da matéria-prima. Era uma exploração agrícola baseada somente na “domesticação” da terra, sendo mais considerada como um instrumento de abertura do cerrado do que como uma atividade comercial que possibilitava boa rentabilidade (Ferreira et al., 2002). O arroz de terras altas também tinha o seu uso ligado à recuperação de áreas degradadas. Segundo Portugal (1996), o arroz, juntamente com o feijão, foram acusados de retardatários do processo de modernização da agricultura brasileira.

Esse caráter de exploração do arroz no Mato Grosso implica em grande variação de área e produção, ocasionando dificuldades para toda a cadeia produtiva por não permitir um bom planejamento por parte dos demais agentes da cadeia, como as agroindústrias, constituindo-se em fator de risco para as empresas que pretendem se instalar no estado. A Figura 2 demonstra o comportamento de área e produção de arroz no Mato Grosso.

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800.000

hectares

produção área

Figura 2 – Produção e área de arroz no Mato Grosso. Fonte: IBGE (2004)

2 MATERIAL E MÉTODOS

Área de estudo

O presente trabalho tem como foco o Estado do Mato Grosso e como objetivo

determinar as fontes de crescimento da orizicultura nesse estado em competição com as

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culturas da soja, do milho e do algodão, conforme já mencionado anteriormente. Essas culturas alternativas foram selecionadas com base no conhecimento prévio a cerca do sistema produtivo do arroz, mediante aplicação de questionários a diversos agentes da cadeia produtiva em importantes microrregiões produtoras do estado. São elas: Alto Teles Pires, Sinop, Colíder, Canarana, Paranatinga, Parecis, Alta Floresta e Primavera do Leste. Segundo Patrick (1975), o modelo “shift-share” é uma técnica descritiva extremamente útil para quantificar as mudanças, mas não é uma técnica analítica a ser usada na explicação destas mudanças. Como uma forma de suprir essa deficiência, foram aplicados 34 questionários aos agentes da cadeia produtiva, sendo 23 aos produtores e 11 às agroindústrias, incluindo armazéns, objetivando o maior conhecimento do sistema produtivo do arroz para complementar esta limitação metodológica.

Levantamento dos dados

Os dados de área, produção e produtividade utilizados no estudo de “shift-share”

foram extraídos da PAM. O período analisado compreende os anos de 1979 a 2001. As informações de área colhida são uma aproximação dos dados de área plantada. Os dados são transformados em médias aritméticas móveis trienais, com o objetivo de amenizar as possíveis interferências climáticas (anos anormais) e/ou econômicas que afetam a produção agrícola. Centraliza-se a análise nos anos de 1980, 1985, 1990, 1995 e 2000 para efeito do estudo do crescimento da produção orizícola no Mato Grosso.

Essa segmentação quinqüenal foi realizada devido aos seguintes fatores: a divisão do Estado do Mato Grosso em 1978, o que motivou o início da análise a partir de 1980. Nakano (1992) argumenta que o crédito rural abundante existente até meados de década de 1980 permitiu a capitalização, modernização da agricultura e incorporação de novas áreas no Centro-Oeste. A razão em se escolher o ano de 1985 como marco no estudo está relacionado ao fato de que a partir da segunda metade da década de 80 foram sendo implantadas reformas estruturais liberalizantes, o desmantelamento de órgãos, esfacelamento dos instrumentos de intervenção e eliminação de políticas discricionárias, principalmente para o arroz (Dias & Amaral, 1999; Baer, 2002). A década de 90 foi dividida em outros dois subperíodos: 1990 a 1995 e 1995 a 2000. O primeiro subperíodo foi decorrente da abertura comercial brasileira, do desmonte das instituições e instrumentos que nortearam a política agrícola e do baixo volume de crédito rural disponível. O segundo subperíodo é marcado pelo início do Plano Real (Belik, 1998).

Descrição do modelo “shift-share”

O modelo "shift-share" é também conhecido como diferencial-estrutural. O

modelo visa explicar o comportamento da produção agrícola mediante a decomposição dos fatores responsáveis pela variação da produção. O crescimento das culturas é explicado por dois componentes: o estrutural, que está ligado à composição setorial das atividades da região, e o diferencial, relacionado às vantagens locacionais comparativas. Consideram-se nesse estudo três efeitos explicativos na variação da produção: a) efeito área - EA; b) efeito rendimento ou produtividade - ER; c) efeito localização geográfica - EL;

Quanto à análise individual de cada cultura, pode-se obter os efeitos área, rendimento e localização geográfica. A análise não considera as interações entre as fontes de crescimento (Moreira, 1996).

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Detalhando os efeitos explicativos da variação da produção, tem-se que o efeito área indica mudanças na produção provenientes de alterações na área cultivada (usando a área colhida como aproximação), supondo que os demais efeitos permanecem constantes no decorrer do tempo. Dessa forma, um aumento na produção é atribuído à incorporação de novas áreas, indicando um uso extensivo do solo.

O efeito rendimento mensura a variação na produção decorrente da variação da produtividade, dados os outros efeitos inalterados. A variação no rendimento pode refletir mudanças tecnológicas pela adoção de novos insumos, técnicas de produção e melhoria do capital humano. Silva (1984) afirma que a mensuração ideal do progresso tecnológico seria o ganho de produtividade total, porém a inexistência de dados do uso dos fatores de produção torna a tarefa difícil, daí recorre-se à produtividade da terra, utilizando a produtividade da cultura como uma “proxy” das mudanças tecnológicas. Vera Filho & Tollini (1979) afirmam que o rendimento não está necessariamente associado ao progresso tecnológico, pois, em um dado momento, produtores que obtêm maior produtividade podem estar empregando um processo produtivo menos eficiente que produtores cuja produtividade é menor. Alguns autores1 consideram a produtividade como uma importante variável na explicação dos ganhos do setor agrícola.

O efeito localização geográfica reflete as alterações observadas na produção advindas das vantagens locacionais, ou seja, decorrentes da mudança na localização das culturas entre as microrregiões estudadas, mantendo-se os demais componentes constantes. Segundo Curi (1997), no modelo "shift-share", as vantagens locacionais de uma cultura são positivas quando a expansão da área cultivada em algumas regiões for suficiente para contrabalancear a estabilidade ou retração da área nas demais regiões e for acompanhada de maiores produtividades. No caso de redução generalizada da área cultivada, o efeito ainda será positivo se esta redução ocorrer de forma menos que proporcional nas regiões de maiores ganhos relativos no rendimento.

Utiliza-se também no estudo o modelo desenvolvido por Zockun (1978) para analisar as alterações na composição da área cultivada no estado nos períodos distintos. O autor pressupõe que a área cultivada de determinada cultura num dado período, dentro do sistema de produção, pode ser modificada por dois fatores ou efeitos:

a) escala: é a variação da área total das culturas estudadas; b) substituição: relacionado à variação da participação de cada cultura dentro do sistema

de produção. Pode ser positivo, indicando que no período analisado a cultura considerada se expandiu, ganhando área de outras culturas e aumentando sua participação. Em contrapartida, o efeito também pode ser negativo, indicando que no período considerado uma determinada cultura está sendo substituída por outra dentro do sistema, diminuindo sua participação.

Variáveis utilizadas

Objetivando simplificar a leitura, dispõem-se neste item a notação utilizada no

estudo de “shift-share” da orizicultura mato-grossense. O subíndice “c” indica a cultura estudada e varia de 1 a n, com c assumindo os

valores {1, 2, 3, 4}, representando respectivamente as culturas do arroz, soja, milho e algodão, para o estado e cada microrregião.

O subíndice “m” representa a microrregião de estudo, variando de 1 a k (com m variando de 1 a 22).

1 Fassarella (1987), Yokoyama (1988), Gasques & Verde (1990), Moreira (1996), Alves (2000) etc.

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O subíndice “t” define o período de tempo. O período inicial é representado por “i” e o período final por “f”.

As variáveis utilizadas são:

ctQ é a quantidade produzida da c-ésima cultura no estado, no período t;

cmtA representa a área total cultivada com a c-ésima cultura, na m-ésima microrregião, no período t;

ctA é a área total cultivada com a c-ésima cultura no estado, no período t;

mtA é a área total cultivada das culturas, em hectares, na m-ésima microrregião do estado, no período t;

tA corresponde à área total cultivada com as culturas, em hectares, no estado, no período t;

cmtR é o rendimento da c-ésima cultura, na m-ésima microrregião do estado, no período t;

cmtγ é a proporção da área total cultivada com a c-ésima cultura na m-ésima microrregião,

na área cultivada da c-ésima cultura no estado ( cmtA / ctA ), no período t;

λ é o coeficiente que mensura a modificação na área total cultivada das culturas entre o período inicial e final ( if AA / ).

Descrição do modelo matemático

Descreve-se neste item a formulação matemática do modelo "shift-share" utilizada

no presente estudo. A quantidade produzida no estado da c-ésima cultura, no período t, é expressa

pela seguinte equação:

)(1

cmtk

mcmtct RAQ ∑=

= (1)

Para determinar a quantidade produzida no estado da c-ésima cultura, no período inicial "i", utiliza-se a equação (1) para os dados relativos ao período inicial.

)()(11

cmicik

mcmi

k

mcmicmici RARAQ ∑∑ ==

==γ (2)

Se cmfA e cmfR são, respectivamente, área cultivada e rendimento da c-ésima cultura na m-ésima microrregião no período final ( f ), então a quantidade produzida da c-ésima cultura no período final ( cfQ ) é definida por:

)()(11

cmfcfk

mcmfcmf

k

mcmfcf RARAQ ∑=∑=

==γ (3)

Se, no período considerado, apenas a área total cultivada com a cultura no estado

se alterar, a produção final (QA

cf) será:

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)(1

cmicfk

mcmi

Acf RAQ ∑=

=γ (4)

No entanto, se a área e o rendimento variarem, permanecendo constantes a localização geográfica e a composição da produção, a quantidade produzida no período “f”

(QAR

cf) será:

)(1

cmfcfk

mcmi

ARcf RAQ ∑=

=γ (5)

E se, por último, variarem a localização geográfica, juntamente com a área e com o rendimento, a produção final será descrita por:

QRAQ cfcmfcfk

mcmf

ARLcf =∑=

=)(

1γ (6)

Pode-se expressar a mudança total da quantidade produzida da c-ésima cultura do período inicial “i” para o período final “f” ( cicf QQ − ) pela equação:

cmicik

mcmicmfcf

k

mcmfcicf RARAQQ ∑−∑=−

== 11γγ (7)

que também pode ser expressa da seguinte forma:

( ) ( ) ( )ARcfcf

Acf

ARcfci

Acfcicf QQQQQQQQ −+−+−=− (8)

onde:

cicf QQ − é a variação total da produção da c-ésima cultura entre o período inicial e final;

ciAcf QQ − é a variação total da quantidade produzida da c-ésima cultura entre o período

inicial e final, quando apenas a área cultivada se altera, sendo denominada de efeito área (EA);

Acf

ARcf QQ − é a variação total da produção da c-ésima cultura entre “i” e “f”, quando o

rendimento varia e as outras variáveis permanecem constantes, sendo chamada de efeito rendimento (ER);

ARcfcf QQ − é a variação total da quantidade produzida da c-ésima cultura entre os períodos

“i” e “f”, devido à mudança da localização geográfica, mantendo constantes as outras variáveis, sendo conhecido por efeito localização geográfica (EL).

Utiliza-se a metodologia proposta por Igreja (1987) para a apresentação dos

resultados na forma de taxas anuais de crescimento da produção. Tal metodologia foi utilizada por Yokoyama (1988), Cardoso (1995), Moreira (1996), Alves (2000), entre outros.

Os valores dos efeitos isolados encontrados são apresentados na forma de taxas anuais de crescimento, sendo expressos individualmente como uma percentagem da mudança total na produção.

Dividindo-se ambos os lados da equação (8) por ( cicf QQ − ), tem-se a identidade:

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( )( )

( )( )

( )( )cicf

ARcfcf

cicf

Acf

ARcf

cicf

ciAcf

QQQQ

QQQQ

QQQQ

−+

−+

−≡1 (9)

Multiplicando-se ambos os lados da identidade (9) por:

1001 ⋅

−= f

ci

cf

QQ

r

onde f corresponde à quantidade de anos do período em análise e r é a taxa anual média de variação da produção da c-ésima cultura, em porcentagem, obtém-se a seguinte expressão:

( )( )

( )( )

( )( ) rQQ

QQr

QQQQ

rQQQQ

rcicf

ARcfcf

cicf

Acf

ARcf

cicf

ciAcf

−+

−+

−= (10)

na qual: ( )( ) rQQ

QQ

cicf

ciAcf

− é o efeito área (EA), expresso em taxa de crescimento ao ano, em

porcentagem; ( )( ) rQQ

QQ

cicf

Acf

ARcf

− é o efeito rendimento (ER), expresso em taxa de crescimento ao

ano, em porcentagem; ( )( ) rQQ

QQ

cicf

ARcfcf

− é o efeito localização geográfica (EL), expresso em taxa de

crescimento ao ano, em porcentagem. Para a decomposição do efeito área em efeitos escala (EE) e substituição (ES)

procede-se da maneira especificada a seguir. A variação da área ocupada por determinada cultura no sistema de produção é expressa por:

( )cicf AA − Considerando λ como o coeficiente que mede a modificação do tamanho do

sistema, a variação da área ocupada do sistema pode ser decomposta no efeito escala e no efeito substituição:

( )cici AA −λ é o efeito escala (EE); (11)

( )cicf AA λ− é o efeito substituição (ES). (12) Ou seja,

( ) ( ) ( )cicfcicicicf AAAAAA λλ −+−=− (13) Verifica-se dentro do sistema de produção o efeito escala, visto que o somatório

do efeito substituição é nulo, ou seja:

( ) 01

=−∑=

n

ccicf AA λ (14)

Esses efeitos também podem ser apresentados na forma de taxas anuais de crescimento, seguindo os mesmos procedimentos da transformação anteriormente

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demonstrada. Isso significa que, dividindo-se ambos os lados da equação (13) por ( cicf AA − ) tem-se:

( )( )

( )( )cicf

cicf

cicf

cici

AAAA

AAAA

−+

−−

≡λλ1 (15)

Multiplicando-se ambos os lados da identidade (15) pelo efeito área (EA), definido anteriormente, tem-se:

( )( )

( )( ) EAAA

AAEA

AAAA

EAcicf

cicf

cicf

cici

−+

−−

=λλ

(16)

onde: ( )( ) EAAA

AA

cicf

cici

−−λ é o efeito escala, em porcentagem ao ano;

( )( ) EAAA

AA

cicf

cicf

− λ é o efeito substituição, em porcentagem ao ano.

Pressupõe-se no modelo que as culturas que cederam área o fizeram

proporcionalmente para todas as culturas que expandiram suas áreas, podendo-se determinar a parcela das áreas cedidas pelas culturas (efeito substituição negativo) que se destinou à produção das culturas que tiveram efeito substituição positivo.

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Apresenta-se, inicialmente, os resultados do estudo que trata de analisar o

comportamento da área das culturas, resultados estes segmentados em efeitos escala e substituição, para em seguida apresentar os resultados das taxas anuais de crescimento das culturas de interesse no Estado do Mato Grosso.

Expansão e substituição de culturas

Analisando o período de 1980-2000, pode-se observar que no Estado do Mato

Grosso o efeito escala é positivo, de 3.311.874 ha, significando um aumento das áreas das culturas selecionadas (Tabela 1). O arroz foi a cultura que apresentou o maior efeito escala, entretanto, o efeito substituição foi maior e negativo, resultando em diminuição da área cultivada. Seu efeito substituição foi negativo à taxa média anual de 14,21%. O arroz foi a única cultura que cedeu área no período considerado (-2.974.964 ha), sendo que a cultura da soja absorveu 87% da área total cedida pelo arroz. O algodão incorporou 9% dessa área e o milho 4% (Tabela 1).

Em síntese, o arroz foi a cultura que mais sofreu perdas de área devido ao efeito substituição. A soja foi a cultura que mais ganhou área pelo efeito substituição, exceto no subperíodo de 1995-2000. O efeito escala foi positivo para todas as culturas em análise em todos períodos considerados.

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Tabela 1. Decomposição do efeito área em efeitos escala e substituição no Mato Grosso, de

1980 a 2000. Efeitos (ha)

Culturas Área Escala Substituição Algodão 285.580,00 14.964,88 270.615,12

Arroz -208.003,00 2.766.961,13 -2.974.964,13 Milho 416.576,33 297.875,20 118.701,13 Soja 2.817.720,33 232.072,45 2.585.647,88 Total 3.311.873,67 3.311.873,67 0,00

Fonte: dados da pesquisa. Verifica-se, no subperíodo (1980-1985), comportamento semelhante ao observado

para o período tomado como um todo. No subperíodo 1980-1985, a cultura do arroz sofreu redução da área devido ao efeito substituição (-752.408,05 ha), sendo que a cultura da soja incorporou 85% da área cedida pelo arroz, o milho 14% e o algodão 1%. Observa-se um aumento total de área de 520.985,33 ha no período, passando de 997.295 ha em 1980 para 1.518.281 ha em 1985; aumento de 52%. Nota-se, na Tabela 2, que o efeito escala do arroz foi de 435.266 ha, correspondendo a 83,5% do efeito escala total. Isto fornece indícios de que o sistema de produção cresceu em maior parte com o cultivo do arroz, cereal que em seqüência foi substituído por outras culturas, principalmente pela soja.

Tabela 2. Decomposição do efeito área em efeitos escala e substituição no Mato Grosso, de

1980 a 1985. Efeitos (ha)

Culturas Área Escala Substituição Algodão 8.576,33 2.354,10 6.222,23

Arroz -317.142,00 435.266,05 -752.408,05 Milho 150.491,33 46.858,25 103.633,08 Soja 679.059,67 36.506,93 642.552,74 Total 520.985,33 520.985,33 0,00

Fonte: dados da pesquisa. Observa-se, na Tabela 3, uma redução da área de arroz entre 1985 e 1990 (-

92.349 ha), provocada pelo efeito substituição de grande magnitude (-333.360 ha). Verifica-se também que a cultura do milho teve efeito substituição negativo. Do total de área cedida, o arroz foi responsável por 83,5% e o milho por 16,5%, sendo que a soja absorveu 92% da área total cedida.

Tabela 3. Decomposição do efeito área em efeitos escala e substituição no Mato Grosso, de

1985 a 1990. Efeitos (ha)

Culturas Área Escala Substituição Algodão 38.491,67 6.109,82 32.381,85

Arroz -92.349,00 241.010,98 -333.359,98 Milho 46.533,00 112.172,52 -65.639,52 Soja 716.386,33 349.768,68 366.617,66 Total 709.062,00 709.062,00 0,00

Fonte: dados da pesquisa.

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Ao contrário dos subperíodos 1980-1985 e 1985-1990, as culturas do algodão,

arroz, milho e soja tiveram aumento de área no subperíodo 1990-1995. As culturas do arroz e do algodão cederam 95% e 5% de suas áreas, respectivamente, e a soja e o milho incorporaram cada 50% da área total cedida (152.252,64 ha) (Tabela 4).

Tabela 4. Decomposição do efeito área em efeitos escala e substituição no Mato Grosso, de

1990 a 1995. Efeitos (ha)

Culturas Área Escala Substituição Algodão 11.933,67 19.680,74 -7.747,07

Arroz 17.184,33 161.689,91 -144.505,57 Milho 185.521,00 109.413,20 76.107,80 Soja 635.313,67 559.168,82 76.144,84 Total 849.952,67 849.952,67 0,00

Fonte: dados da pesquisa. Da mesma forma que no subperíodo 1990-1995, no subperíodo 1995-2000 as

culturas analisadas tiveram aumento de área, destacando-se a soja com um aumento de 786.961 ha (Tabela 5). Vale salientar que a soja e o milho tiveram efeito substituição negativo. Aproximadamente 26% da área total cedida foi proveniente da sojicultura e 74% foi proveniente da cultura do milho. A cultura do algodão incorporou 96% da área cedida e o arroz 4%.

Tabela 5. Decomposição do efeito área em efeitos escala e substituição no Mato Grosso, de

1995 a 2000. Efeitos (ha)

Culturas Área Escala Substituição Algodão 226.578,33 25.422,92 201.155,41

Arroz 184.303,67 176.497,17 7.806,50 Milho 34.031,00 189.044,10 -155.013,10 Soja 786.960,67 840.909,47 -53.948,81 Total 1.231.873,67 1.231.873,67 0,00

Fonte: dados da pesquisa. Observou-se coerência entre os resultados decorrentes da decomposição do efeito

área em efeito escala e substituição e as informações obtidas dos questionários aos agentes da cadeia produtiva, onde é citado que a cultura do arroz entra no sistema para o desbravamento de novas áreas e em seguida ela é substituída pela soja. Isso também foi apontados por Igreja et al. (1995) e Villar & Ferreira (2002). No subperíodo 1995-2000, observou-se efeito substituição negativo para a cultura da soja, fato inesperado dado o comportamento incorporador de área verificado nos outros subperíodos. O efeito substituição positivo da cultura do algodão era esperado devido ao ganho de área observado na segunda metade da década de 90 e às inovações tecnológicas incorporadas por essa cultura.

Deve-se observar os resultados de alteração na área plantada com certa cautela, visto que o estudo não levou em consideração as áreas de pastagens e de matas nativas pela ausência de dados estatísticos para as microrregiões, conforme já mencionado.

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Análise individual das culturas

Busca-se explicar o comportamento da produção de algodão, arroz, milho e soja

no Mato Grosso, analisando distintamente os efeitos área (subdividido em efeito escala e substituição), efeito rendimento e localização geográfica.

Observa-se na Tabela 6, que expressa a taxa média anual de crescimento das culturas, bem como os efeitos área, rendimento e localização geográfica, que a soja foi a cultura que mais cresceu em produção no período, atingindo uma taxa anual média de crescimento de 24,21%, com efeito área positivo de 12,95% a.a., efeito substituição positivo de 11,88% a.a. e efeito rendimento de 10,81% a.a.. O arroz foi a cultura que menos cresceu, 2,34% a.a., sendo responsável por esse baixo crescimento o efeito área negativo (-0,99% a.a.). Percebe-se que o efeito escala foi o maior no período (13,21% a.a.), contudo, o efeito substituição foi de -14,21% a.a.. Esses dados mostram mais uma vez que a cultura do arroz tem sido usada no processo de expansão de novas áreas agrícolas, para posteriormente ser substituída por culturas mais rentáveis, como a soja, por exemplo. O efeito rendimento para o arroz (2,09% a.a.) foi modesto, comparado ao das outras culturas.

O efeito localização geográfica foi positivo para as culturas do algodão, do arroz e da soja, indicando que a proporção da área total cultivada no estado por cultura cresceu nas regiões que apresentam maiores índices de produtividade.

Tabela 6. Taxa média anual de crescimento, efeitos área, rendimento e localização

geográfica das culturas do algodão, arroz, milho e soja no Mato Grosso, de 1980 a 2000.

Efeito área (%) Culturas

Tx. anual de crescimento da produção (%)

Total Efeito escala

Efeito substituição

Efeito rendimento

(%)

Efeito localização

(%) Algodão 31,91 7,98 0,42 7,56 18,13 5,80

Arroz 2,34 -0,99 13,21 -14,21 2,09 1,24 Milho 12,26 6,25 4,47 1,78 6,04 -0,03 Soja 24,21 12,95 1,07 11,88 10,81 0,45

Fonte: dados da pesquisa. Percebe-se, com as informações da Tabela 6, que o efeito área foi o principal fator

explicativo do aumento da produção da soja e do milho, vindo em seguida o fator rendimento. O principal fator explicativo do crescimento da produção do algodão e do arroz foi o rendimento.

De maneira geral, os efeitos área e rendimento alternaram-se como os principais fatores explicativos da variação da produção das culturas em todos os subperíodos considerados.

As Tabelas 7 a 10 mostram os componentes da taxa anual média de variação da produção nos subperíodos em estudo.

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Tabela 7. Taxa média anual de crescimento, efeitos área, rendimento e localização geográfica das culturas do algodão, arroz, milho e soja no Mato Grosso, de 1980 a 1985.

Efeito área (%) Culturas

Tx. anual de crescimento da produção (%)

Total Efeito escala

Efeito substituição

Efeito rendimento

(%)

Efeito localização

(%) Algodão 32,09 20,22 5,55 14,67 12,60 -0,72

Arroz -8,25 -8,98 12,32 -21,30 0,05 0,67 Milho 24,08 -10,18 -3,17 -7,01 35,79 -1,54 Soja 68,72 -4,26 -0,23 -4,03 73,86 -0,88

Fonte: dados da pesquisa. Tabela 8. Taxa média anual de crescimento, efeitos área, rendimento e localização

geográfica das culturas do algodão, arroz, milho e soja no Mato Grosso, de 1985 a 1990.

Efeito área (%) Culturas

Tx. anual de crescimento da produção (%)

Total Efeito escala

Efeito substituição

Efeito rendimento

(%)

Efeito localização

(%) Algodão 32,22 19,56 3,11 16,46 11,19 1,47

Arroz -2,00 -3,72 9,72 -13,45 1,24 0,49 Milho 10,89 3,12 7,52 -4,40 3,60 4,17 Soja 15,97 13,92 6,80 7,12 2,11 -0,06

Fonte: dados da pesquisa. Tabela 9. Taxa média anual de crescimento, efeitos área, rendimento e localização

geográfica das culturas do algodão, arroz, milho e soja no Mato Grosso de 1990 a 1995.

Efeito área (%) Culturas

Tx. anual de crescimento da produção (%)

Total Efeito escala

Efeito substituição

Efeito rendimento

(%)

Efeito localização

(%) Algodão 3,99 4,27 7,05 -2,77 0,14 -0,43

Arroz 5,63 0,72 6,82 -6,09 4,40 0,51 Milho 13,33 9,92 5,85 4,07 2,03 1,38 Soja 10,50 7,03 6,19 0,84 3,38 0,09

Fonte: dados da pesquisa. Tabela 10. Taxa média anual de crescimento, efeitos área, rendimento e localização

geográfica das culturas do algodão, arroz, milho e soja no Mato Grosso, de 1995 a 2000.

Efeito área (%) Culturas

Tx. anual de crescimento da produção (%)

Total Efeito escala

Efeito substituição

Efeito rendimento

(%)

Efeito localização

(%) Algodão 66,72 20,04 2,25 17,79 21,85 24,83

Arroz 15,48 6,14 5,88 0,26 7,57 1,76 Milho 1,86 1,39 7,71 -6,32 1,00 -0,53 Soja 10,09 6,12 6,54 -0,42 4,00 -0,03

Fonte: dados da pesquisa.

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O comportamento das taxas de crescimento da produção das culturas consideradas variaram bastante nos subperíodos analisados. Somente a cultura do arroz apresentou taxa de crescimento negativa da produção na década de 1980. Já na década de 1990, todas as culturas apresentaram taxa anual de crescimento da produção positivo.

Algodão

A cultura do algodão apresentou taxa anual de crescimento de 31,91% no período

de 1980 a 2000, destacando-se o aumento da produtividade de 18,13% a.a. e o aumento da área de 7,98% a.a.. O efeito localização geográfica foi o maior entre as culturas analisadas para o período considerado como um todo (5,80% a.a.) (Tabela 6).

O algodão apresentou um grande crescimento da produção no subperíodo 1980-1985 (32,09% a.a.), tendo como fator explicativo o efeito área (20,22% a.a.) e o efeito rendimento (12,6% a.a.) (Tabela 7). O efeito localização foi negativo (-0,72% a.a.). Moreira (1996) verificou, para o Rio Grande do Norte, que o efeito área do algodão foi negativo nesse mesmo período.

No subperíodo de 1985-1990, a taxa de crescimento da produção foi de 32,22% a.a., tendo-se verificado aumento da área plantada e de rendimento para a cultura. O efeito localização foi de 1,47% ao ano (Tabela 8).

Entre os anos de 1990 e 1995, a taxa de crescimento da produção do algodão foi de 3,99% a.a., mesmo com a área crescendo à taxa de 4,27% a.a.. O efeito rendimento contribuiu para o aumento da produção com apenas 0,14% a.a. e o efeito localização foi negativo (-0,43% a.a.). Verifica-se, neste período, que o algodão foi substituído por outras culturas à taxa média de -2,77% ao ano (Tabela 9). A redução no crescimento da produção pode ter sido causada por problemas climáticos e por pragas (bicudo do algodoeiro), que no quinqüênio anterior dizimaram muitas lavouras algodoeiras no Nordeste brasileiro.

Visualiza-se, na Tabela 10, que a taxa de crescimento da cultura do algodão foi de 66,72% a.a. no período de 1995 a 2000, devendo-se ao efeito localização (24,83% a.a.), ao efeito rendimento de 21,85% a.a. e ao efeito área de 20,04% a.a.. Destaca-se um efeito substituição da ordem de 17,79% a.a.. Desenvolveram-se neste período tecnologias de produção que permitiram melhor controle do bicudo do algodoeiro, além de variedades mais produtivas e resistentes ao ataque do inseto.

Arroz

A taxa de crescimento da produção de arroz de 1980 a 1985 foi negativa, (-8,25%

a.a.), explicada pela retração da área cultivada (-8,98% a.a.), devido principalmente ao efeito substituição negativo (-21,3% a.a.). O pequeno crescimento da produtividade (0,05% a.a.) e o efeito localização de apenas 0,67% a.a. contribuíram para a redução da produção (Tabela 7).

No subperíodo de 1985 a 1990 foi observada taxa negativa de crescimento da produção de arroz (-2,0% a.a.) e mais uma vez o efeito área negativo foi preponderante para explicar essa redução, pois o efeito rendimento e localização geográfica explicaram pouco a variação da produção de arroz. O efeito substituição foi novamente marcante no período (-13,45% a.a.). O efeito escala do arroz foi o maior entre as culturas, contudo, não foi suficiente para reverter a queda na produção (Tabela 8).

Visualiza-se, na Tabela 9 (subperíodo 1990-1995), o aumento na produção de arroz à taxa de 5,63% ao ano, tendo como principal fator explicativo o rendimento (4,4% a.a.), enquanto que o efeito área foi de apenas 0,72% a.a.. Apesar do crescimento da área cultivada, o arroz continua sofrendo substituição, desta vez à taxa de -6,09% a.a.; o efeito escala foi de 6,82% a.a..

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A cultura do arroz teve uma taxa de crescimento de 15,48% a.a. no período de 1995 a 2000. O efeito rendimento foi o maior responsável pelo bom desempenho da produção, tendo um aumento de 7,57% ao ano. O efeito área foi de 6,14% a.a., destacando-se o efeito escala (5,88% a.a.); desta vez a cultura do arroz incorporou 176.497 ha, à taxa de 0,26% a.a.. O efeito localização geográfica foi de 1,76% a.a., indicando que a maior parte da produção ocorreu em regiões de maior produtividade. O desenvolvimento e uso de variedades mais adaptadas ao cerrado e resistentes a pragas e a doenças foram os principais responsáveis ao aumento da produtividade do arroz no Mato Grosso.

Vale salientar que por força da metodologia utilizada emprega-se o termo substituição como resultado de perda de área devido a maior expansão de área de outra cultura, contudo, observou-se uma espécie de ciclo, em que o arroz inicia o cultivo e é substituído temporariamente pela soja ou pastagem e depois retorna ao sistema, não caracterizando a real substituição de uma lavoura por outra.

Milho

Analisando o período de 1980 a 2000, verifica-se que a taxa de crescimento do

milho foi de 12,26% a.a., sendo a metade desse valor devido ao efeito área. A produtividade cresceu à taxa de 6,04% a.a. e o efeito localização foi de -0,03% ao ano (Tabela 6).

Visualiza-se, na Tabela 7, o crescimento da produção à taxa de 24,08% a.a. de 1980 a 1985. O principal componente explicativo desse crescimento foi o efeito rendimento, de 35,79% a.a.. O crescimento da produção poderia ter sido maior se não fosse a participação negativa do efeito área na explicação da produção (-10,18% a.a.). O efeito localização foi de -1,54% ao ano.

O crescimento da produção entre 1985 e 1990 ocorreu à taxa de 10,89% a.a., e o efeito área foi de 3,12% a.a.. O efeito rendimento cresceu à taxa de 3,6% a.a., sendo essa taxa bem menor do que a observada no subperíodo anterior. O efeito localização foi de 4,17% a.a.. (Tabela 8).

A produção do milho cresceu à taxa de 13,33% a.a. no subperíodo de 1990 a 1995, tendo como principal fator explicativo o efeito área, com uma taxa de crescimento de 9,92% a.a.; o efeito rendimento foi de 2,03% a.a. e o efeito localização geográfica de 1,38% a.a. (Tabela 9).

O menor crescimento da produção observado para a cultura do arroz foi no período de 1995 a 2000, aumento à taxa de 1,86% a.a.. O efeito área foi de 1,39% a.a. e o efeito rendimento e localização foram de 1,0% a.a. e -0,53% a.a., respectivamente. O milho e a soja cederam área neste período, contudo, a parcela do efeito escala na explicação da produção de milho foi maior que a do efeito substituição negativo (Tabela 10).

Soja

Visualiza-se, na Tabela 7, o grande crescimento da produção de soja (68,72%

a.a.), aumentando de 112.167 t em 1980 para 1.533.383 t em 1985. O principal fator explicativo para a elevação da produção foi o rendimento, que aumentou à taxa de 73,86% a.a.. Na contramão do crescimento da produção de soja, tem-se o efeito área (-4,26% a.a.) e o efeito localização (-0,88%a.a.).

A taxa de crescimento da produção entre os anos 1985 e 1990 foi de 15,97% a.a., com a área crescendo à taxa de 13,92% a.a. devido aos efeitos escala (6,8% a.a.) e substituição (7,12% a.a.). O efeito rendimento, que no subperíodo anterior foi o principal responsável pelo aumento da produção de soja, neste subperíodo foi de 2,11% a.a., enquanto o efeito localização foi de -0,06% a.a. (Tabela 8).

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No subperíodo 1990-1995 observou-se comportamento semelhante ao subperíodo 1985-1990. A taxa de crescimento da produção foi de 10,5% a.a., os efeitos área, rendimento e localização foram 7,03% a.a., 3,38% a.a. e 0,09% a.a., respectivamente (Tabela 9). O subperíodo seguinte (1995-2000) também apresentou o mesmo padrão, ou seja, o efeito área foi o principal fator explicativo da produção (6,12% a.a), mesmo apresentando efeito substituição negativo, conforme visto na Tabela 6. O crescimento da produtividade foi de 4,0% a.a. e o efeito localização foi -0,03% ao ano.

Em suma, o principal componente explicativo do aumento da produção da soja em todo o período foi o efeito área, destacando-se o efeito substituição positivo. A cultura do milho também teve o efeito área como principal componente explicativo do crescimento da produção, no entanto, decompondo este efeito percebe-se que o efeito escala foi mais importante que o efeito substituição. As culturas do algodão e do arroz tiveram o efeito rendimento como principal componente explicativo do crescimento da produção. Vale destacar que a cultura do arroz teve efeito área negativo, sobretudo pelo efeito substituição, confirmando o caráter secundário da cultura no estado.

4 CONCLUSÕES

Percebeu-se por meio dos resultados da metodologia “shift-share” para a divisão

do efeito área em escala e substituição, para o período de 1980 a 2000, que o arroz foi a cultura, dentre as estudadas, que cedeu área agrícola, especialmente para a soja. Dentre as culturas analisadas, a orizicultura foi a única a ceder área agrícola. Verifica-se que nesse período o efeito substituição foi, em módulo, superior ao efeito escala, resultando em diminuição da área cultivada com arroz no estado. Detalhando o comportamento de área do arroz, conclui-se que ele cedeu área para as outras culturas nos dois primeiros subperíodos (1980-1985 e 1985-1990). Nos dois últimos subperíodos (1990-1995 e 1995-2000) todas as culturas tiveram expansão da área cultivada.

Com base nos resultados obtidos da análise individual da cultura do arroz, percebeu-se que o crescimento da produção entre os anos de 1980 e 2000 foi devido ao aumento da produtividade e ao efeito localização, o que indica que a produção está crescendo em maior proporção em microrregiões mais propícias ao cultivo do cereal. O efeito área contribuiu negativamente na expansão da produção. Verificaram-se taxas negativas de crescimento da produção na década de 1980, causada exclusivamente pela diminuição da área. A taxa de crescimento positiva da produção de arroz na década de 1990 foi devida principalmente à elevação da produtividade, seguida pelo efeito área. O aumento da produtividade impulsionou a produção nessa década, sendo um reflexo do investimento em pesquisa agronômica que se iniciou em meados da década de 1970 e possibilitou a ocupação do cerrado do Centro-Oeste.

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Supermercados e Produtores: Limites, Possibilidades e Desafios

Walter Belik1 I. Introdução A expansão da produção em massa ao final do século XIX ocorrida nos Estados Unidos esteve baseada na igual viabilização de um sistema de distribuição em massa. A produção dependia do acesso aos mercados que, por sua vez, estavam ávidos aguardando por consumir. A expansão da produção e distribuição de alimentos no Brasil obedeceu a essa mesma dinâmica até meados dos anos 80. De um lado, a agricultura e indústria de alimentos produziam grande quantidade de mercadorias indiferenciadas buscando atingir um mercado em constante expansão. De outra parte, a rápida taxa de urbanização, a introdução do automóvel como bem de consumo e as mudanças no mercado do trabalho com o crescimento da participação da mulher colaboravam para o sucesso desse crescimento. Em poucos anos esse padrão de expansão do consumo de alimentos entra em crise. Os problemas decorrentes do ajuste na estrutura econômica brasileira reduziram o poder de consumo da população ao mesmo tempo em que concentravam a renda no alto da pirâmide. Do lado da oferta foram introduzidas inovações importantes na produção de alimentos e distribuição, decorrentes do maior acesso à informática e telecomunicações, dando maior competitividade às indústrias de alimentos e aos distribuidores. Analisando-se os dados brasileiros do período se observa uma intensa concentração nos principais ramos da indústria e do varejo. Essa concentração foi intensificada pela entrada de novos players no mercado em decorrência da expansão dos investimentos das multinacionais para a América Latina. A concentração e a internacionalização das cadeias de supermercados brasileiros se intensificou nos últimos dez anos. O fato é que em um curto espaço de tempo, essas passaram a promover um sistema de distribuição segmentado para produtos diferenciados com eficiência e economia de custos. Na área de FLV – Frutas Legumes e Verduras em que o supermercado brasileiro compete mais diretamente com as feiras livres e quitandas, a Grande Distribuição logrou desenvolver interessantes programas de qualidade junto a produtores familiares. Com a ajuda do poder público, esses produtores estão sendo treinados para produzirem especialidades e produtos diferenciados a custos extremamente competitivos o que tem influenciado toda a cadeia a assumir novos padrões. II. A evolução do auto-serviço no Brasil

1 Professor Livre Docente do Instituto de Economia da Unicamp e coordenador adjunto do NEPA - Núcleo de Estudos e Pesquisas em Alimentação da Unicamp. Cidade Universitária “Zeferino Vaz”, Campinas , SP CEP 13083-970. e-mail: [email protected]

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O desenvolvimento do varejo moderno está diretamente ligado ao sistema de produção em massa. O final do século 19 é um período de grande interesse para entendermos a abertura e a constituição dos mercados de massa. É nessa época que se amplia a capacidade de transporte e as telecomunicações se colocam a serviço do escoamento da produção. Era necessário dar vazão à quantidade crescente de mercadorias e isso teria que ser feito igualmente por um sistema de distribuição em massa. Os grandes magazines, dedicados à venda de artigos de vestuário e utilidades domésticas, surgem na Europa e depois nos Estados Unidos no século 19 mas essa revolução só iria chegar a venda de alimentos décadas mais tarde. Os primeiros supermercados surgem nos Estados Unidos nos anos 30 devido a condições muito peculiares que decorrem das suas características urbanas e da necessidade de barateamento dos preços dos produtos em função da crise econômica. Esse mesmo modelo deverá se espalhar primeiramente para a Europa e posteriormente para o resto do mundo somente ao final dos anos 50. Até então, devido aos problemas decorrentes da guerra o consumo se encontrava absolutamente reprimido com racionamento de produtos e também devido ao grande esforço de reconstrução. No Brasil o sistema de vendas através de supermercados começa a ser implantado também nos anos 50. Com ele alguns elementos fundamentais da sua gestão e que influenciam diretamente no mercado de alimentos começam a ser implementados, entre estes estão: a estrutura departamentalizada, auto-serviço, organização e gestão de Recursos Humanos e; a formula vencedora da baixa margem e alta rotação de estoques Até esta época, a legislação que regulamentava o comércio de alimentos era extremamente antiquada e obsoleta em praticamente todas as cidades do Brasil. As lojas de secos & molhados e padarias eram obrigadas a trabalhar aos sábados e domingos até as 20 horas e os primeiros supermercados também deveriam se enquadrar nesta categoria. Como normalmente os empórios e mercearias eram administrados pela própria família, não havia problemas trabalhistas e, além de tudo atendia as preferências da clientela. Essas características faziam com que a instalação de estabelecimentos comerciais do varejo de alimentos, fora dos moldes convencionais, fosse custosa. Outra questão institucional importante era a carga tributária imposta à venda de alimentos. Até 1966, era vigente no Brasil o sistema de impostos “em cascata” era aplicado em todas as fases de produção e distribuição de uma determinada mercadoria. Com isso, a mercadoria chegava ao consumidor com preços elevadíssimos. Como o supermercado trabalhava com uma estrutura profissional, não era possível praticar a sonegação como nas pequenas empresas. Isto levava a custos mais elevados de operação (Cyrillo, 1987). Os supermercados traziam um conceito novo para o brasileiro que, ao mesmo tempo começava a entrar em contato com a modernidade trazida pela televisão, pela motorização da classe média e pelo american-way-of-life. A sensação era de que o o Brasil entrava na era desenvolvimentista, deixando para trás os seus resquícios rurais e provincianos. Como país jovem e confiante em suas potencialidades, o novo formato caiu no gosto do consumidor que se adaptou rapidamente às inovações trazidas pelo supermercado.

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Somente em 1968, os supermercados foram reconhecidos oficialmente como uma categoria diferenciada de varejo de alimentos e com uma incidência tributária à parte regulamentando a atividade de supermercados e auto serviço. Da mesma forma, a carga tributária começava a ser aliviada devido às mudanças fiscais que eliminaram o antigo imposto ao mesmo tempo que se implantava outro, mais conveniente para os supermercados. Vieram também os incentivos creditícios à expansão das redes de supermercados com taxas de juros muito reduzidas e prazos de pagamento mais largos. Rapidamente os supermercados começam a ganhar espaço. Dados levantados por Furtuoso (1985) mostram que em 1970 os supermercados tinham 2,2% dos pontos comerciais realizando 29,3% das vendas de alimentos. Trinta anos depois a participação dos pontos comerciais havia subido para 17,& do total e as vendas somavam 86,8% de todas as vendas de alimentos ( Farina, 2003 com base nos dados da AC Nielsen). O governo militar, que no Brasil exercia o poder de forma centralizada, tinha planos de modernização para a distribuição de alimentos in natura. Haveria uma distribuição de papéis em que o atacado, por exemplo, deveria exercer um papel importante na formação do preço e na estabilização da oferta. Para tanto se criou uma bem montada rede de entrepostos e armazéns que eram controlados pelo Estado. Todavia, alguns anos depois, com a abertura da economia, o crescimento do poder de mercado da ponta da distribuição (varejo) e a reestruturação da indústria de alimentos em bases flexíveis, as bases da intervenção do Estado no setor de abastecimento começam a apresentar um rápido esgotamento. Já no final dos anos 80, começa-se a se questionar os benefícios desta intervenção. Nessa década, nos paises desenvolvidos já se vivia a plenitude de um novo ambiente competitivo suplantando o paradigma da produção e distribuição em massa. Havia claramente um esgotamento do crescimento baseado na expansão extensiva dos mercados, aumentos de escalas de produção e verticalização. Ao mesmo tempo gestava-se uma revolução tecnológica de grande envergadura proporcionada pela informática e pelas telecomunicações. Nasce, portanto o sistema o que se costumou denominar de "varejo flexível”, representando uma nova revolução no comércio de alimentos ao mesmo tempo em que provocava alterações nas relações entre produtores, processadores e distribuidores. A mudança tecnológica, a automação, a busca de novas linhas de produtos e de novos mercados, a dispersão geográfica das indústrias, as fusões empresariais e as novas formas organizacionais permitiram uma aceleração no ritmo da inovação e na produção dos produtos. Em conseqüência, as indústrias passaram a oferecer um número maior e mais diversificado de produtos, ampliando-se assim o rol de mercadorias a serem apresentadas à população. Também pelo lado do consumidor se observa mudanças significativas no seu comportamento, com a busca de produtos diferenciados e uma preocupação maior com a informação e a qualidade. Para os FLV e os produtos in natura em geral este novo paradigma produtivo nos propõe diferentes desafios. Os mandamentos impostos pela produção flexível esbarram em alguns limites. De parte da demanda, que já atua de forma segmentada, ocorrem enormes flutuações prejudicando o planejamento por parte dos produtores. A produção, por sua vez,

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operando em condições estabelecidas pela natureza necessita realizar pesados investimentos de forma a vencer as limitações impostas pela perecibilidade dos produtos. Este comportamento da demanda e o novo paradigma colocado para a oferta proporcionam necessidades de aprovisionamento e manipulação de produtos distintas daquelas colocadas pelo comércio de produtos não perecíveis. III. Centrais de Compra e Logística de Distribuição A presença de Centrais de Compras e Centrais de Distribuição representam uma mudança radical em relação a forma de comercialização tradicional. Nos mercados tradicionais, as operações se realizam com a presença física da mercadoria, e o preço é definido em função da qualidade no momento da negociação. No caso de produtos homogêneos e “commoditizados”, as relações entre os atores chegam a ser até mesmo impessoais. Isto quer dizer que não se coloca a necessidade de grandes arranjos institucionais para a promoção das transações. Entretanto, quando analisamos o fornecimento baseado em demandas irregulares ou a fabricação de produtos a partir de necessidades específicas temos um volume maior de custos de transação envolvidos. Ou seja, a necessidade de “administrar uma contínua barganha” (Pondé, 1993:40) leva ao desenvolvimento de acordos institucionais de mais longa duração. Alguns elementos ligados a estas características do ambiente, como, por exemplo, o maior poder da informação, permitem reduzir os custos de transação a partir da perspectiva de um dos elos da cadeia produtiva. É exatamente este o caso do elo da distribuição na cadeia produtiva de alimentos in natura. Na medida em que a tecnologia permite um melhor conhecimento do mercado, incluindo uma certa previsibilidade da demanda, a ponta da distribuição leva vantagens em relação aos demais agentes da cadeia. Por estar em contato com o consumidor, a distribuição tem a possibilidade de ajustar os seus custos em relação aos atributos do produto exercendo um peso mais elevado na coordenação da cadeia produtiva. A análise das transformações sofridas pelas funções de compra e venda ao longo do tempo podem auxiliar no cotidiano das relações mercantis que envolvem os produtos hortifrutigranjeiros. As funções tradicionais são: a) Informações de mercado (qualidade) Antigas funções de mercado eram baseadas no contato direto com o produto para viabilização do negócio, observando aspectos de aparência como cor, tamanho, conservação, etc, que pudessem nortear a qualidade do produto a ser comercializado naquele momento. b) Condições Financeiras (pagamento) As condições de pagamento eram acertadas no momento do negócio e em condições de costume que variavam de lugar para lugar e dependiam do tipo de produto. Essas condições de pagamento poderiam ser resultado de um acordo tácito entre as partes e transferidas de geração para outra de comerciantes.

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c) Logística Física (transporte direto) O transporte era feito imediatamente após a transação comercial propriamente dita e normalmente era realizado por veículos de carga contratados verbalmente no local ou de propriedade das partes negociantes. As novas funções são: a) Informação Virtual As novas funções de comercialização podem receber contribuição de conjuntos de informações baseadas em pregões ou redes de negócios que ofereçam o produto a partir de uma padronização conhecida e portanto dispensando o contato direto entre o comprador e o produto no momento do negócio. b) Contrato de Compra (jurídico) Os contratos de compra e venda já são estabelecidos a partir de conjuntos de regras de negociação que reservem obrigações e direitos jurídicos previamente acordados por escrito entre as partes. c) Logística Operacional (redes de transporte) Os sistemas de transportes de mercadorias podem ser terceirizados, contratados, ou previamente organizados em centrais de compra e distribuição que pré-classifiquem, selecionem, manipulem ou até mesmo embalem e paletizem a carga antes de ser remetida ao comprador. Essas condições irão refletir diretamente nas relações entre o setor de distribuição e os produtores de FFV. Da mesma forma, essa mudança no ambiente competitivo retirou do mercado rapidamente os pequenos varejistas tradicionais do ramo de alimentos, tornando igualmente difícil a manutenção dos supermercados não integrados em redes. Nos competidores mais capitalizados e possuidores de tecnologias modernas surgiram no mercado e, rapidamente, a oferta se concentrou. IV. A rápida expansão das multinacionais de distribuição Até o ano de 1995 o Brasil tinha apenas uma única rede de supermercados de capital estrangeiro. O Carrefour construiu o seu primeiro supermercado na cidade de S. Paulo em 1975 revolucionando o varejo brasileiro e essa empresa francesa permaneceu 20 anos como a única estrangeira dentre uma maioria brasileira. Em poucos anos essa rede francesa assumiu a liderança nas vendas e, através de um bem montado plano de expansão iniciou a compra de pequenas redes locais. Na realidade, tratava-se do início de uma guerra que trouxe para o Brasil a competição que se dava em escala global entre as grandes empresas de distribuição (Belik & Rocha dos Santos, 2002). Em apenas cinco anos, entre 1995 e 2000, fizeram grandes aquisições ou se implantaram no Brasil os grupos supermercadistas Wal-Mart (norte-americano), Sonae e Jerônimo Martins (portugueses), Casino, Promodés e Comptoirs Modernes (franceses), Royal Ahold (holandês). No último ranking elaborado pela ABRAS - Associação Brasileira de

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Supermercados com informações de 2002 temos que das cinco maiores empresas brasileiras, apenas uma era de capital totalmente nacional. (ver Quadro 1, em seguida). Projetando-se os dados de 2002 para o ano seguinte e à luz dos novos movimentos de fusões e aquisições, a empresa Casas Sendas, única brasileira do grupo, teria sido vendida para o Grupo Pão de Açúcar (Cia Brasileira de Distribuição) com participação francesa e a Rede Wal-Mart, que se encontrava na sexta posição em 2002 teria adquirido o Bompreço, expandindo a sua atuação para o Nordeste do Brasil, onde o Bompreço tem forte presença.

Quadro 1

Classificação das empresas por volume de vendas. Dezembro de 2002 Posição Empresa Origem do

capital Vendas

(US$ 106) Share (%)

1 Cia. Brasileira de Distribuição Brasil/França 1,257 14.6 2 Carrefour França 1,228 12.6 3 Bompreço Holanda 1,595 4.2 4 Sonae Distribuição Portugal 451 4.2 5 Casas Sendas Brasil 376 3.2

Fonte: www.abrasnet.com.br O cenário não é muito distinto em outros países da América Latina. Reardon et al. (2003) mostram que o crescimento dos supermercados na década de 90 se expandiu pelo mundo todo, entrando como uma primeira onda nas grandes cidades da América Latina e liderando processo de crescimento em todo o mundo, passando depois para a Ásia, mais tarde para regiões mais atrasadas da América Latina e finalmente para o sul da Ásia e África ocidental. O fenômeno da concentração não é só brasileiro, os autores demonstram que as 5 maiores redes concentram 65% das vendas em todos países da região, muito mais que os 40% dos Estados Unidos mas menos que na França (e Inglaterra). “The results are striking: 3 of each 10 pesos spent on food by Mexicans are now spent in Wal-Mart” (Reardon et al. 2003:8) Pode-se afirmar que há um efeito dominó entre as multinacionais com essas empresas buscando ocupar espaços e fechar áreas de atuação para os seus competidores internacionais. Ademais, vale registrar a pouca resistência dos capitais locais dada a sua fraqueza e baixa eficiência. O padrão verificado na América Latina para a concentração é aquele em que o peixe grande come o peixe pequeno e então um peixe maior come o peixe grande e finalmente um peixe gigante come o maior” (Reardon & Berdegué , 2002: 375). O Gráfico 2 mostra a evolução da concentração das vendas de supermercados no Brasil. Observa-se pela comparação que em um período de dez anos a participação dos 5 grandes praticamente dobrou atingindo 60%, considerando o ranking dos 300 maiores da ABRAS. Esse crescimento foi mais acelerado a partir de 1997 com a entrada maciça de capital estrangeiro no ramo da distribuição.

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Gráfico 2

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Brssil: Concentração das Vendas de Supermercados

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40

50

60

70

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1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002

%

5+����

10+Fonte: ABRAS

Para os fornecedores de FLV a mudança de cenário ocorrida nos anos 90 teve enormes impactos. Como foi mencionado, os programas de redução de custos com a introdução de EDI e ECR obrigaram os produtores a promoverem uma rápida adaptação na sua forma de operar. Sabemos que as facilidades para identificação de nuances nos hábitos de consumo reforçam o poder de coordenação imposto pela distribuição junto aos seus fornecedores fazendo com que a administração de marcas próprias, lançamento de produtos diferenciados e exclusivos ocorra com muito mais facilidade. Raynaud et al (2002) analisando o caso das FLV, e mais outras duas categorias de alimentos, em 7 países europeus demonstraram que a imposição de qualidade para as marcas próprias de supermercados se dá através de formas de coordenação vertical (contratos escritos, joint-ventures e integração) e esses são muito mais importantes que a governança baseada no mercado e sustentada por políticas do tipo Denominação de Origem Controlada. (PDO- Protected Denomination of Origin). Essa práticas retiram vários graus de liberdade dos produtores e eliminam também as possibilidades desses agricultores comercializarem os seus produtos em outros mercados visando reduzir futuros prejuízos por cancelamento de encomendas.

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Segundo Belik & Rocha dos Santos (2002) a tendência é de que a integração entre fornecedores e distribuidores se realize de forma cada vez mais estreita, mediante o gerenciamento conjunto da supply chain, onde se procura melhorar a produtividade e reduzir os estoques em todos os níveis. A necessidade de reduzir custos para manter a competitividade torna obrigatório o desenvolvimento de instrumentos logísticos e informáticos. Agrupar num só local, estrategicamente situado, as tarefas administrativas antes dispersas pelas lojas, parece ser um procedimento comum entre as grandes redes. Os hipermercados da rede Carrefour na França já eliminaram seus estoques alimentares em 1998. A intenção do grupo é de que as lojas do Brasil e da Argentina também procedam da mesma forma, com o depósito dos hipermercados sendo reduzidos a um décimo do tamanho atual. No entanto, a complexidade da negociação com os fornecedores cresce com o aumento do número de itens comercializados e a estratégia de incorporar equipamentos menores como os supermercados para aumentar a densidade operacional. O Carrefour, que se caracterizava pelo sistema descentralizado de compras, mudou sua estratégia de negociação com os fornecedores para adaptar-se à estratégia mundial do grupo e está respondendo às novas condições do ambiente competitivo pela construção de uma central de distribuição em São Paulo, que visa atender a um território formado por três Estados brasileiros. Estão também previstas implantações de novos centros nas regiões Nordeste e Centro-Oeste. O Grupo Sonae, que já opera com centrais de distribuição no Rio Grande do Sul e no Paraná, vai também instalar uma grande central de distribuição em São Paulo. Os outros grandes grupos já operam com centrais. Para o caso dos FLV que, como vimos, convivem com o problema da perecibilidade e necessitam de uma distribuição mais próxima do ponto-de-venda ainda existe muito espaço de atuação. Isso explica porque as quitandas e as feiras livres representam zonas de resistência à entrada dos supermercados que são difíceis de serem dobradas. Ademais, essas pequenas empresas familiares trabalham com custos extremamente reduzidos proporcionando preços competitivos e atendimento personalizado. Entrevistas com executivos de redes supermercadistas brasileiras mostram que hoje o grande desafio está em estabelecer suprimentos regulares e de qualidade na categoria FLV. Ao contrário do que se observava no passado, a margem de lucro na venda dessas mercadorias é elevada e a qualidade e diversidade garantem a freqüência e a fidelidade dos clientes.

Todavia, algumas tendências ainda não estão claras quando nos referimos ao futuro das relações entre pequenos produtores e as gigantescas redes de distribuição. Dois projetos desenvolvidos no Brasil chamam a atenção e mostram as possibilidades de integração da pequena produção em bases modernas fornecendo produtos diferenciados e de alta qualidade. A seguir, apresentamos o projeto “Caras do Brasil”, em que a líder no setor supermercadista exerce a sua coordenação capacitando produtores e criando uma espécie de híbrido de “marca própria” com “denominação de origem controlada” que está estabelecendo um novo padrão em termos de consumo pra o cliente de alta renda. Outro projeto, inspirado e organizado sob a liderança do Governo do Estado do Paraná apresenta uma nova forma de intervenção no setor, organizando a cadeia produtiva e promovendo a regulação em novas bases. Caras do Brasil

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É um programa de comercialização, do Grupo Pão de Açúcar de Supermercados (a segunda maior cadeia de Supermercados do Brasil em faturamento, com cerca de 500 pontos de vendas, operando com as bandeiras Pão de Açúcar, Extra e Barateiro), que leva às prateleiras de suas lojas produtos de todo o Brasil, elaborados por grupos e organizações que promovem a inclusão social, preservam o meio ambiente e encontram alternativas criativas de geração de renda por meio da produção sustentável. São produtos das mais variadas origens e usos tais como: mercearia (farinha de banana), culinária, perecível (doces, geléias e méis), higiene pessoal (sabonetes e xampus), decoração (velas, potes, cestas e caixas), utensílios domésticos e têxteis e produtos orgânicos (café, mel, açúcar). No caso do café, por exemplo, o produto e vendido por um preço 30% superior ao produto standard. O projeto Caras do Brasil começou a funcionar em Agosto de 2003. Atualmente, 33 organizações de pequenos empreendedores trabalham como fornecedores do projeto.A seleção dos fornecedores obedece a critérios básicos como ser uma organização legalmente constituída, habilitada a emitir Nota Fiscal de Venda e recolher os impostos e encargos cabíveis; que rejeite o trabalho infantil; que respeite os direitos dos povos indígenas; que preserve o meio ambiente; que promova a igualdade entre funcionários homens e mulheres e que promova a distribuição de renda na comunidade em que atua. Essas organizações têm que comprovar os laços com suas comunidades, demonstrando que são canais para a melhoria da qualidade de vida local. Só a partir da análise desses critérios é que o Pão de Açúcar passa para a segunda fase de avaliação, na qual são analisados os produtos. Nesse momento são observados a qualidade e o preço, além de serem estudadas as necessidades de adequação das embalagens para exposição e venda nos supermercados. Várias das comunidades interessadas em participar do programa nunca haviam tido a oportunidade de apresentar seus produtos em gôndolas de uma grande rede de supermercado, e se viram às voltas com um sistema de comercialização completamente novo, profissionalizado. Esses pequenos fornecedores tiveram que ser orientados quanto a códigos de barras e padrão de embalagem para transportes, assuntos novos que tiveram que ser aprendidos e incorporados. Uma das características do projeto é o respeito à capacidade de produção dos fornecedores, que não são obrigados a atingir grandes escalas que normalmente caracterizam as empresas que colocam seus produtos em supermercados. Esse respeito à capacidade de produção visa garantir que o pequeno produtor possa manter seu padrão de qualidade. Isso é um atrativo a mais para o consumidor, que passa a ter acesso a um produto original, tradicional, típico de determinada região do Brasil, que é feito em poucas unidades. Por este motivo os produtos estão presentes em apenas dez lojas da rede Pão de Açúcar na cidade de São Paulo. No entanto, o grupo Pão de Açúcar decidiu ampliar o projeto Caras do Brasil, no seu segundo ano de funcionamento, para lojas de outros estados brasileiros e até mesmo para outras empresas do grupo, e está aumentando o número de fornecedores. Estudando as condições financeiras desses pequenos fornecedores, o grupo Pão de Açúcar

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decidiu abrir uma nova condição de pagamento para os participantes do Caras do Brasil. Os pagamentos foram antecipados e, no caso dessas comunidades, estão com prazo médio de 10 dias, diferente do padrão adotado pela companhia de 30 dias, em média. O Grupo Pão de Açúcar avalia que o projeto Caras do Brasil tem alcançado o objetivo de ser uma ponte entre pequenos produtores de várias regiões do país e consumidores da cidade de São Paulo. O projeto é visto como uma prática de comércio justo, que contribui para gerar emprego e renda em comunidades pobres. Fábrica do Agricultor O Programa Fábrica do Agricultor foi implantado em 2000 pelo Governo do Estado do Paraná e busca a inclusão social e econômica do pequeno agricultor, além de tratar da questão ambiental e do desenvolvimento regional. Neste programa o Estado atua dando suporte para viabilizar e melhorar o funcionamento de agroindústrias, basicamente aquelas que o PRONAF – Programa Nacional da Agricultura Familiar caracteriza como de agricultura familiar, ou seja, qualquer pequeno produtor pode ser inserido no programa. Hoje são cerca de 1.300 pequenas agroindústrias beneficiadas que geraram cerca de 6 mil empregos. O objetivo da Fábrica do Agricultor é formar 2.383 agroindústrias no Paraná até 2006. O governo apóia desde a regularização do produtor até a comercialização dos produtos. Cursos de capacitação são oferecidos nas áreas de marketing e tecnologia. O programa funciona por meio de convênios com empresas, como, por exemplo, empresas de design para a criação de rótulos, logomarcas e embalagens. Não existe nenhuma restrição em relação ao tipo de produção, o que permite ampla diversificação de produtos como compotas e geléias caseiras com sabores exóticos, como de cravo, rosa, canela e até pimenta; frutas desidratadas, licores, sucos, cachaça orgânica, açúcar mascavo, patês, conservas, flores, embutidos e defumados e cortes especiais de carne. A Fábrica do Agricultor incentiva a criação de associações regionais para orientar, organizar e facilitar a venda, o acesso ao mercado e aos créditos dos pequenos produtores. Já existem 14 associações reunindo, em média, de 30 a 40 agricultores cada uma. Com isto o produtor não precisa criar uma empresa e assim pode emitir nota fiscal como pequeno produtor. O programa é executado pela Emater (Empresa de Extensão Rural) do Paraná, sendo que existe um executor por município e ainda um executor para cada uma das vinte regiões de atuação da Secretaria da Agricultura do Estado. O produtor entra em contato e recebe apoio direto da Emater. Um dos pontos fortes do programa é o suporte na comercialização dos produtos. Isso é feito por meio de Feiras e Centros de Comercialização organizados pelo governo. Há também

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um convênio com a Associação Paranaense de Supermercados (APRAS), no qual o governo isenta, através de um decreto, pequenos produtores rurais do pagamento do ICMS o que tem atraído o interesse de mais pontos de venda. Outro exemplo de apoio do governo às pequenas agroindústrias é o caso do açúcar mascavo, obrigatório na merenda escolar paranaense, que é adquirido pelas prefeituras de agroindústrias beneficiadas pelo programa. O governo, contudo não compra os produtos diretamente. V. Conclusões Esse trabalho procurou demonstrar que a Grande Distribuição no Brasil está passando por enormes transformações. Nos últimos 10 anos, o setor supermercadista recebeu grandes volumes de capital estrangeiro e sofreu uma enorme concentração. Atualmente as cinco maiores redes de supermercados detêm aproximadamente 60% das vendas de alimentos no país. Esse não foi um fenômeno isolado e sim o resultado de uma onda de crescimento dessas empresas em escala mundial em busca de mercados com algum potencial e também com baixa competição. A entrada dos competidores estrangeiros provocou mudanças radicais na forma de relacionamento com fornecedores, clientes e nas rotinas de aprovisionamento. No entanto, essas mudanças são particularmente delicadas para o caso das FLV - Frutas, Legumes e Verduras que, devido às suas características e devido à dispersão na oferta, devem ser analisadas como casos especiais. Normalmente, as redes de supermercados têm procurado estabelecer formas de coordenação junto aos pequenos produtores que possam dar conta da necessidade de uma padronização de qualidade e também de garantias de regularidade e suprimento permanente para cada ponto-de-venda. Estudos realizados em redes européias mostram que a percepção de qualidade por parte do consumidor está diretamente ligada a intensidade da integração entre produtores e redes de varejo. Isso tem levado a que os supermercados intensifiquem seus esforços criando marcas próprias e fornecedores cativos para esses produtos, que cada vez pesam mais em termos de volume de vendas de contribuição para a margem de lucro. Como a tendência natural desse movimento é a de concentrar o provimento de FLV junto aos mais capitalizados e dinâmicos, o artigo procura destacar duas experiências relevantes que estão permitindo mudanças nas relações entre produtores e supermercados. No projeto “Caras do Brasil”, a empresa líder do setor supermercadista está capacitando produtores a atuar em segmentos premium para o fornecimento de produtos às suas lojas. Além de dar treinamento aos produtores e orientações sobre logística e sistemas de qualidade a rede Pão de Açúcar estabelece orientações quanto aos aspectos legais da comercialização para finalmente expor esses produtos na sua área de vendas. Outro exemplo de destaque é o Projeto “Fábrica do Produtor” queé uma parceria entre o governo do Paraná e os supermercados locais. Através de um sistema de compensações fiscais, os supermercados estão sendo incentivados a trabalhar com associações de produtores locais que, por sua vez estão melhorando a qualidade de sues produtos e a logística de distribuição.

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The New Endogenous Growth Theory: An Investigation on Growth Policy for Developing Countries

Augusto M. C. Sena

Raimundo Eduardo S. Fontenele

ABSTRACT

This article focuses on the main growth policies arising from the new endogenous growth theory. A critical investigation of an important class of theoretical models is presented and relevance is given to variables known to be of crucial importance regarding growth policy’s design and implementation, mainly for developing countries. Levels of education, labor skills/learning, savings, provision of productive services (factors) by the government, and trade are key-variables coming from the new growth models investigated and these macroeconomic variables are shown to have strong appeal as growth policy’s design and implementation in developing countries are concerned.

Key Words: Endogenous Growth, Government Policies, Growth Policies. 1. Introduction As admitted by Solow in his 1987 Nobel lecture, the development of a new growth model was, at that time, a reaction against the incompleteness of the Harrod-Domar-Hicks tradition, built up as a by-product of the great depression pervading the economic thinking preexistent during the Second World War period. Completeness, however, has been a moving target in the field of sciences. The logic of the Theory of Growth that emerged in the fifties, probably reflecting the long upswing of the American economy in the mid-sixties, started to be challenged in the last two decades of the current century. Completeness here should be understood not only in the sense of broadening the scope of the theory, while endogeneizing model’s parameters, but also as upgrading the assumptions in order to adequate these models to new stylized facts. The new endogenous growth theory is an instance of this sort of challenge that has improved upon Solow’s tradition, introducing endogenously into the theory the formation of knowledge, either as part of labor or as a broad notion of capital. The main purpose of this paper, therefore, is to review the most representative models of the new endogenous growth theory. In this sense the paper has no pretence to originality concerning model construction. Its main contribution is - altogether with the synthesis of the main results - the extraction of growth policy generated by these models, mainly to serve as guide to master policy design and implementation in developing countries. The role of government as a

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provider of protuctive factors, international trade, knowledge generation and the external and spillovers effects they embody are importante aspectos to guide growth policy in developing countries. In order to do this the remaining of the paper is divided in three sections. The following section reviews the Rommer-Lucas and Rebelo’s growth models and their main predictions concerning policy. The second section presents two extensions of the new endogenous growth theory: Barro’s growth-cum-government model and Grossman-Helpman’s growth-cum-trade model. The last section summarizes the main findings of the paper. 2. The New Endogenous Growth Theory

There are two main branches in the new endogenous growth theory: i) models featuring technological advances that endogenously generate externality effects. Here the production function presents increasing returns to scale due to the presence of spillovers effects coming from knowledge generation and/or education; ii) models using the AK-technology, where constant returns, due to the accumulation of all types of capital – physical, human and knowledge – are present. Beyond these ‘new’ models there are at least two extensions that deserve mention, mainly if economic policy is concerned: i) Growth-cum-government as in Barro (1990) and Growth-cum-Trade as in Grossman & Helpman (1990 and 1991). These models will be presneted and growth policy for developing countries derived.

Regarding type i) models, the works of Romer (1986) and Lucas (1988) are the most important to summarize the first branch of the ‘new’ growth theory. The second branch is well known as the AK-Technology model, which Rebelo’s (1991) model is an example. Regarding the extensions, government expenditures and international trade are two powerful features to be introduced in policy-based growth models to be discussed below.

Next section presents the Romer-Lucas model. The novelty, beside the endogenous

character of technical advances, is the presence of externality effects, both from Lucas’ introduction of human capital and Romer’s consideration of knowledge spillovers. These external economies are key to the endogenous models’ predictions, in the sense that non-decreasing marginal productivity of capital is obtained and sustained long-run growth results. 2.1. Skills-Knowledge Spillovers: Romer-Lucas’ Model - Production

Following Romer (1986), consider a generic production function for a firm i in the economy, where output for this firm is a function of its physical capital and intensive labor stocks, i.e., labor corrected by the state of knowledge at time t, At: (1) Yti = F(Kti, AtLti).

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Let Gt, the stock of experience at time t, be a function of past investments of all firms in the economy, such that assuming no depreciation it equals to the aggregate level of capital stock κt:

t

(2) Gt = ∫−∞ Isds = κt. Moreover, by assuming that technology is endogenously generated by At = Gt

η (0<η<1), i.e., the state of knowledge is a positive but decreasing function of the stock of experience – Arrow’s (1962) learning-by-investing hypothesis –, equation (1) can be rewritten as a Cobb-Douglas: (3) Yti = F(Kti, Lti, κt) = Kti

α.Ltiβ.κt

η.

This production function for firm i presents constant returns to scale in Kti and Lti, if κt, the aggregate level of capital stock (which equals the stock of experience at time t), is being held constant, but increasing returns result if all three inputs are considered together. Now assume that there is a large number of firms in the economy and that every firm takes the aggregate stock of capital as given, even though each firm contributes to it, in such a way that the Cobb-Douglas aggregate production function for the whole economy is: (4) Yt = F(Kt, Lt, κt) = Kt

α.Ltβ.κt

η, where Yt = ∑i

NYti, Kt = ∑iNKti and Lt = ∑i

NLti and N is the number of firms in this economy. To get its intensive representation, divide equation (4) by Lt and use the constant returns to scale (CRS) condition on the two rival inputs (Kt, Lt) to yield: (5) yt = kt

α.κtη.

- Consumption

In this model, consumption is modeled with households maximizing an intertemporal constant elasticity of substitution (CES) utility function, i.e.: (6) Ut(ct) = [ct

1 - ξ]/[1-ξ], where ct is per capita consumption and 0<ξ<1 represents the parameter of intertemporal substitution in consumption. Needless to say, Ut(ct) has all nice properties to be elegible for a maximization problem. - Solution

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The dynamic optimization problem is: ∞

(7) Maximize Ut(ct) = ∫0 {[ct1 - ξ]/[1-ξ]}e -rtdt.

. Subject to kt = kt

α.κtη - ct,

where r is the discount rate and kt = Kt/Lt, i.e., kt is the capital-labor ratio. To solve this dynamic maximization problem consider the current Hamiltonian: (8) HC = [ct

1 − ξ]/[1-ξ] + µt(ktα.κt

η - ct) The maximum principle conditions are: (9) ∂Η

c/∂ct = 0.

. µt = µt.r - ∂Η

c/∂kt.

. kt = kt

α.κtη - ct.

The objective is to maximize the present value of the CES utility, which is a function of

the control (policy) variable ct, subject to the capital accumulation equation. This equation connects the state variable kt to the control variable ct. Obviously, the optimal paths of ct will both drive the state variable kt to its optimal path and maximize the present value of the objective functional utility. Note that because this problem is a dynamic optimization involving the infinite horizon time framework, transversality conditions, i.e., terminal point constraints do not have a role to play1.

Combining the results of the first two conditions, after taking logarithms and the

derivative with respect to time, and using the fact that for equilibrium in the capital market total capital must be equal to the sum of individual capital stocks (κt = Lt.kt), the long-run per capita consumption growth rate is:

. (10) ct/ct = [αkt

-(1-η−α)Ltη - r]/ξ.

1 See Sargent (1987) for the two methods used to solve dynamic optimization problems of this type.

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The positiveness of the long-run per capita growth rate of consumption depends on the difference between the marginal productivity of capital and the discount rate, since the intertemporal parameter is less than one but positive. Using the third condition in equation (9), it is straightforward to show that the long-run per capita capital growth rate is the same as that of consumption (for α = 1). Also, using equation (5), it is easy to see that the long-run per capita income growth equals the long-run per capita capital growht rate. Therefore, this model predicts continued long-run growth for a given country depending on how productive its technology is, i.e., how high is its MPk level relative to its discount rate.

One salient feature arises when reconsidering equation (5) in the context of the Romer-Lucas model. Assuming that κt includes both physical and human capital, as in Lucas (1988), or the stock of knowledge, as in Romer (1986), externalities will be present due to the non-rival character of skills and/or knowledge. The implication is that the production function [equation (5)] exhibits increasing returns to scale (α + η > 1), the reason being that with the presence of non-rival input, which is a consequence of the manner endogenous technology is modeled, a doubling of output can be achieved by a doubling of only the rival inputs (represented by kt). In this case, marginal productivity of capital, while broadly defined, is increasing, which makes (MPk – r) positive and widening over time. As a result, the per capita consumption, via equation (9), as well as the per capita income and capital growth rates, will be increasing in the long-run. - Growth Policy Implications for Developing Countries from Romer-Lucas’ Model

Policy implications coming from this model are related to the potential for externalities spillovers coming from the stock of knowledge and/or labor force skills. Economies, which have abundance in those factors, can grow faster than the ones constrained by shortage of them. Considering policy, the most important ways to foster growth is to improve the eduactional levels of the labor force. Thus, based on this model, education, as a positive spillover, is crucial to growth. Since many developing countries have constraints regarding education and related issues, it is key for governments in those countries trying to prioritize improvements on education.

Regarding the growth model presented above, it is fair to say that both human capital and knowledge spillovers are the key-aspects to be considered as long as growth policy is concerned.

A model based on skills/learning/knowledge, like the Romer-Lucas model summarized

here, implies divergence among economies’ growth rates. If, for instance, there are two activities, one giving high skills/learning/knowledge and other that results in low skills/learning/knowledge, countries that specialize in the former will grow sustainably faster then the ones that specialize in the latter. Thus, this model does not predict convergence, mainly because of the presence of skills/learning/knowledge obstacles in lagged countries.

Next section brings an AK-Technology type model, which in many aspects is similar to the one analyzed above, but with very different policy predictions.

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2.2. The AK-Technology: Rebelo’s Model - Production

Following Rebelo (1991), the production side of the economy is represented by the following Cobb-Douglas production function:

(11) Yt = A0.Kt, where A0 is the constant average/marginal productivity of capital and Kt is aggregate capital broadly conceived here. Note that this production function presents constant returns to both scale and capital. This is due to the fact that capital is broadly defined, including not only physical, but also human capital and the stock of knowledge. There is no role for labor, a non-reproducible resource. The argument is that what is relevant is quality adjusted labor, i.e., human capital is accumulated as each generation is more knowledgeable than the one before. This is also in the same spirit of the Romer-Lucas model presented above, the difference being that now broadly defined capital is the unique source of non-diminishing (constant) returns to capital. Derivation of the intensive form of this production function is straightforward. Dividing both sides of equation (11) by Lt yields: (12) yt = A0.kt. - Consumption

The demand side is represented in the same way as in Romer-Lucas’ model, by a constant elasticity of substitution (CES) utility function, given as: (13) Ut(ct) = [ct

1 - ξ]/[1-ξ], where ct is per capita consumption and 0<ξ<1 represents the parameter of intertemporal substitution in consumption as before. - Solution

Considering production and consumption sides, this model can be written as: ∞

(14) Maximize Ut(ct) = ∫0 {[ct1 - ξ]/[1-ξ]}e -rtdt.

. Subject to kt = A0.kt - ct,

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where the assumption of equality between savings and investment (St = It) is used, no depreciation on capital is assumed (δ = 0) and r is the discount rate as before. To set up the maximum principle conditions, it is needed first to state the current Hamiltonian: (15) HC = [ct

1 − ξ]/[1-ξ] + µt(A0.kt - ct). The three conditions are:

(16) ∂Η

c/∂ct = 0.

. µt = µt.r - ∂Η

c/∂kt.

. kt = A0.kt - ct.

To determine the optimal steady-state (balanced-growth) per capita consumption growth

rate is straightforward. Taking logarithms and the time derivative of the result in the first of the three conditions above and using the result of the second yields:

. (17) ct/ct = [A0 - r]/ξ.

This optimal steady-state per capita consumption is positive as long as A0 > r, i.e., as long as the discount rate is less than the constant average/marginal productivity of capital (because 0<ξ<1). This is the same result reached in the Romer-Lucas model, with the already mentioned qualification on capital.

The long-run per capita capital growth rate is derived using the third condition above. To

get it, apply logarithms and take the time derivative to both sides of that condition to yield:

. . (18) kt/kt = ct/ct.

Therefore, the long-run per capita capital growth is the same as that of the long-run optimal per capita consumption, and it is a positive constant as long as the discount rate r is less than A0. This is what is required by the specification of the optimal control problem: the optimal long-run path of per capita consumption (the control variable), while driving the path of per capita capital growth to its optimal level, maximizes the present value of the utility functional Ut(ct), given the parameters of the model. It is clear that in the long-run all positive rates of growth must be equal and constant.

Derivation of optimal long-run per capita output can be done similarly. Using equation (12), after applying logarithms and taking the time derivatives, yields:

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. . (19) yt/yt = kt/kt.

Making use of the previous results, the optimal steady-state growth rates of the relevant

variables relate one to each other as:

. . . (20) yt/yt = kt/kt = ct/ct = λο = [A0 - r]/ξ.

Therefore, all long-run growth rates are determined in this model in a similar way as they were in the Romer-Lucas model, i.e., as the difference between the MPk and the discount rate divided by the parameter of intertemporal substitution in consumption. Also, it is possible to endogenously determine the optimal long-run savings rate as a fraction of the aggregate per capita output in the following way:

. . . (21) st/yt = kt/yt = [kt/kt][kt/yt] = λο[1/A0], since kt = It = St and yt = A0.kt.

Now, substituting for λο, the final expression for the savings rate is:

(22) st/yt = [A0 - r]/[ξA0] = [1/ξ] - r/[ξA0].

Solving for λο (the optimal long-run growth rate of per capita output) in equation (21), the

long-run growth rate of the economy investigated can be expressed as: (23) λο = A0[st/yt].

Therefore, the long run growth rate of a country depends on its savings rate, which

depends on ξ and r, and on how productive its capital (A0) is. - Growth Policy Implications for Developing Countries from Rebelo’s Model

Interesting policy implications can be drawn from this growth model. Looking at equation (22), it can be predicted that the more patient a country is (low r), the larger is its saving rate and thus its long-run growth rate [via equation (23)]. Also, the more willing a country is to substitute intertemporally (low ξ), the higher its long-run savings and growth rates. Therefore, differently from Romer-Lucas’ Model, policies that have impact on savings are crucial for long-run growth. For example, if East Asian countries are pricing present consumption at a very high level (low ξ) and/or discounting future consumption at a very low rate r (both causing higher savings), relative to Latin American countries, then the long-run growth rates of the former will be greater than those of the latter. This can be extended to various developing countries that grow at

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different stages and are differently acquired with savings. According to this model, increasing savings is key to foster sustained economic growth.

Considering A0 among countries, the higher the marginal productivity of the broadly

defined capital of a country is, the more apt it is to save and thus speed up its long-run growth rate. This is an important variable to understand the economic growth paths Latin American countries have experienced in the last five decades. According to this model, e.g., if it is reasonable to assume that Brazil has a relatively small A0 (relatively low capital productivity) compared to other more developed countries, it would be expected the former having a lower long-run growth rate.

If two countries have the same parameters A0, r and ξ, they will grow at the same rates,

even with different initial levels of capital stocks, and thus, convergence will not result. Thus, this model gives sustained long-run growth, but it does not predict convergence.

Next, two extensions of the new growth theory come into analysis. The first is due to

Barro (1990) and deals with the government fiscal actions and their effects on the rate of growth, and the second to Grossman & Helpman (1991) who deal with trade and its impact on growth of a small open economy. The two extensions are important in terms of policy implications, as long as economic growth is concerned, since both government intervention and international trade are two powerful tools often used by policy makers. 3. Two Extensions of the ‘New’ Growth Theory: Government and Trade - Barro’s Model of Growth-cum-Government Barro (1990) modifies Rebelo’s (1991) analysis to incorporate a public sector. Let gt be the quantity of public services provided by the government to each private producer in the economy. The main objective is to link the role of these services, as inputs to private production, to the growth performance of a country. A generic representation of the aggregate production function for the economy in its intensive form is: (24) yt = φ(kt, gt) = kt.φ(gt/kt), where it is assumed to be well behaved and all variables are defined in the same way as in Rebelo (1991). This production function presents constant returns to scale in kt and gt together, but decreasing returns to kt itself. Thus, the source of the non-rival input now is the presence of gt, a public good, which is assumed to be measurable by the per capita quantity of government purchases. Even using a broad definition of kt, i.e., including physical and human capital as in Rebelo (1991), production here involves decreasing returns to the rival inputs if the government inputs do not expand in a parallel way. A Cobb-Douglas specific form for equation (24) is: (25) yt = φ(gt/kt) = A.(gt/kt)α, where 0<α<1 and A = technology.

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Now assume that government finances its expenditures via a flat-rate income tax that, after normalizing the number of households to unity and using equation (24), yields: (26) Gt = Tt = τt.yt = τt.kt.φ(gt/kt), where Tt is the government revenue and τt the tax rate. It is clearly seen that equation (26) implies a balanced budget, i.e., the government can neither finance deficits via issuing of debt nor run surpluses via accumulation of assets.

Now it is time to derive the long-run growth rate for this economy. The step-by-step solution for the dynamic optimization problem is similar to the ones performed earlier in the Romer-Lucas and the Rebelo models, resulting in a long-run growth rate given by the difference between the MPk and the discount rate divided by the parameter of intertemporal substitution in consumption. Here, using the generic representation for the aggregate production function in equation (24) in the presence of government, the long-run growth rates are:

. . . (27) yt/yt = kt/kt = ct/ct = λο = [(1-τt).φ(gt/kt).(1-η) - r]/ξ, where the term inside the brackets and to the left of the minus sign is dyt/dkt = MPk and η is the elasticity of yt with respect to gt. As long as τt and gt/yt are constants, gt/kt and η and thus the economy’s growth rate will be all constants, implying that in the long-run the economy is always in a position of steady-state growth in which all variables grow at the rate λο shown in equation (27). But in terms of the government sizes, i.e., of the magnitudes of τt and consequently gt/yt, the model predicts a negative impact of tax increases and a positive effect of government expenditures. However, since government expenditures are financed by tax, what matters is the net effect of both impacts. If the government is small, then the second effect dominates, i.e., government purchases speed up the economy’s growth rate. On the other hand, if the government is large, then the first force dominates and taxes will affect the economy’s growth rate negatively. This result is easily seen when the specific Cobb-Douglas production function (25) is considered. To get the effect of the government size in the economy’s growth rate in this case, it is required that the elasticity η = α be a constant, as it is for a Cobb-Douglas. Under the conditions that τt = gt/yt and gt/kt = (gt/yt).φ(gt/kt) the derivative of λο with respect to gt/yt is: (28) dλο/d(gt/yt) = [φ(gt/kt).(φ’–1)]/ξ.

Therefore, φ’>1 or φ’<1 will define if the impact of gt/yt on the economy’s growth rate will be positive or negative. If gt/kt is small, which leads to φ’>1, growth is speeded up with increased government purchases of public services. On the contrary, if the government size is large, which leads to φ’<1, the economy’s growth rate is hurt via high rates of taxes. Thus, based on this model, the government has a role to play via its provision of public services used as productive inputs in the private sector producers’ production functions. As long as its size is not too large, government purchases are a potential way to speed up growth.

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Otherwise, taxes will negatively affect the economy’s long-run growth rate. - Grossman-Helpman’s Model of Growth-cum-Trade

Grossman & Helpman (1991) develop a model envisioning both technology and foreign trade engagement in an endogenous manner. Their model of a small open country that produces two tradable goods is derived below. The production of these tradable goods uses non-tradable intermediate inputs. Innovation is confined to the sector that produces the non-traded intermediate inputs used to produce the two tradable goods with the usual primary factors of production – unskilled labor and human capital. The Cobb-Douglas production functions are: (29) Y = AyDyβHy1-β and Z = AzDzβLz1-β, where Y and Z are the two tradable goods, Ai is an arbitrary constant reflecting the choice of units, Di represents an index of the intermediate inputs used in sector i (i = y, z), Hy is human capital, which is specific of sector y and Lz, unskilled labor used only in Z production. Note that both sectors use D with the same intensity. Under diversification, the prices of Y and Z are: (30) py = wH

1-βpDβ and pz = wL

1-βpDβ,

where pi is the world price of good i (i = y, z), wj is the reward to factor j (j = H, L) and pD is a price index of the prices of intermediates. The main purpose of this model is to introduce some of the ways that world trade might influence the incentives for industrial innovation and growth. Innovation comes about from two different sources. In one version, entrepreneurs develop new varieties of differentiated intermediate goods. In the other, entrepreneurs seek quality improvements of a given set of non-tradable factors. This amounts to specifying formulations for endogenous product variety and quality. The formal analysis of these specifications is used to establish the production side of the small open country. To close the model, the demand side of the economy is considered via characterization of a utility function whose consumers have both Y and Z as arguments and for a given interested rate, they decide how much to consume (spend) at optimal patterns. The basic question to be addressed relates to whether or not trade promotes innovation for the small open country and if this is the case, how it impacts on the country’s growth rate. The answer is not unique. According to Grossman & Helpman (1991, p.152):

When trade causes resources to be released from the manufacturing sector, which then find their way into research labs, the rate of innovation rises. But when the sectors that expand in response to the trading opportunities compete with the research labs for factor inputs, international integration may retard growth.

Therefore, contractions (expansions) in the R&D sector that produces the non-tradable

intermediate input are the relevant cause of negative (positive) growth. To see the effects of trade on growth it suffices to compare the equilibrium under autarky with that under trade. Relying upon the Stolper-Samuelson theorem, the model implies that an increase in the relative price of Y (the human capital intensive final good) raises the relative reward to human capital. For a country importing this final tradable good, foreign trade brings about a decline in its relative price and thus, a relative reduction in the reward to human capital. In this event, the resource base of

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human capital expands and its price falls – excess supply; more skilled workers will be available to the innovative sector – as a consequence of economic integration and the country’s growth rate increases – the sector that generates technological progress expands at the expense of the importing sector. It is straightforward to see that the opposite occurs if the small open economy exports the human capital-intensive good. In this case, excess demand for skilled labor in the exporting sector will contract the R&D activities – the exportable sector would expand at the expense of the innovative sector. - The Government-Trade Extensions: Growth Policy Implications for Developiing Countries

The extensions discussed above have with them a concern on the role government and trade should take in terms of impacting on the growth process. As seen above, the two extensions point to certain conditions under which government action and trade engagement can improve the growth possibilities of an economy. Here, a brief summary of two possibilities of economic policy implementation - fiscal policy and trade policy - will be presented. Regarding fiscal policy, Barro (1990) examines the role of government expenditures in services that enhance productivity in the private sector. He concludes that these expenditures may increase the growth rate of the economy. However, if the government revenues are used to finance government services that have no effects on productivity, or are wasted by bureaucrats, then growth will decrease. On the other hand, the role of taxation depends on how it alters the choices that economic agent faces. For instance, if the engine of growth is capital accumulation, income taxes that include taxation of interest income will decrease capitalist’s incentives to accumulate capital, and consequently, growth will be negatively affected. This will be so since the owners of capital will obtain only a fraction of the future benefits due to the tax. Thus, regarding developing countries, government intervention as a provider of infrastructure cannot be disconnected to the government role as a tax imposer, and if the tax burden is excessive the developing country can face growth restrictions.

Considering the other economic policy branch, international trade has definite implications for economic growth. A large part of the literature on endogenous growth has evolved around this issue. Most of the studies are based on models that emphasize the role of research and development (R&D) activities, as in the Grossman & Helpman (1991) model above, and the possibility of technology-knowledge spillovers. Regarding policy linked to the first, Grossman & Helpman (1991, p. 154) state:

An import tariff or export subsidy that rises the relative domestic price of the labor-intensive good spurs innovation and growth in the small economy, whereas trade policy that promotes the human-capital-intensive final good has the opposite effects.

Grossman & Helpman (1990) also explore de role of comparative advantage in the

determination of trade patterns and growth performances of different countries in the world economy. In this model, if technological spillovers are global such that innovative firms have access to a common pool of knowledge, then, eventually, relative factor endowments will determine the specialization of a certain country. A country that is well endowed with human

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capital will specialize in R&D and develop a comparative advantage in it, while, on the other hand, a country with an abundance of unskilled workers will end up specializing in other traditional activities and will have slower growth rates.

Another trade/R&D-based model due to Rivera-Batiz & Romer (1991) has also interesting policy implications. They emphasize the role of economic integration between two countries with the same endowments in changing the countries’ ability to conduct research and, at the same time, to benefit from the flow of endogenously generated ideas. Since Rivera-Batiz & Romer (1991) assume that creation of ideas and their flow between countries is what promotes growth, trade policy promoting exports of goods only has no effect on the long run growth rate. But allowing for flows of ideas in addition to trade in goods, trade can positively affect the growth rate of an integrated economy. 4. Conclusion The main conclusion drawn in this paper relates to the crucial role economic policy has in influencing economic growth, mainly when developing countries are the concern. Based upon the new endogenous growth models summarized above, at least three dimensions deserve comment.

First, the Romer-Lucas’ model showed us that the potential for positive externalities spillovers remain as one of the relevant arenas for government interventions, mainly as education and labor skills improvements are concerned. It is concluded that countries that have abundance in knowledge and/or human capital and get the most from an educated labor force is more prompted to grow in a sustained manner. Based on this model, policy should priorize education as an important structural variable to foster economic growth.

Second, according to Rebelo’s model, capital of all types – human, knowledge and physical – are the main source of sustained growth. In this model, economic policy has even more influence, other than the ones related to the broadly defined capital, since endogenously generated savings can act as an important variable to foster long-run growth. It was seen that both the discount rate r and the parameter of intertemporal substitution in consumption ε have strong influence in the rate of growth of a given economy, via their impact in the savings rate. Policy makers, based in this model, should priorize actions that change the fundamentals to save.

Third, to better qualify the importance of economic policy implications in the new

endogenous growth models, the extensions from Barro (1990) and Grossman & Helpman (1990 e 1991) have shown us the importance of both government intervention and international trade as promoters of growth. To sum up on the new growth models and their policy implications, it is worthy noting that differently from old growth models, economic policy has been showed to have strong effects on long-run growth performance, and this paper relies on this result to point out the importance of economic policy, mainly to developing countries that have suffered for so many decades trying to find ways to make economic growth a reality.

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Studies, 29, 1962. [02] Barro, R., “Government Spending in a Simple Model of Endogenous Growth”, The

Journal of Political Economy, 98, 1990. [03] ______, “Macroeconomics”, 4th Edition, Wiley, 1993. [04] Cass, D., “Optimum Growth in an Aggregative Model of Capital Accumulation”, Review

of Economic Studies, 32, 1965. [05] Chiang, A., “Elements of Dynamic Optimization”, McGraw-Hill, 1992. [06] Grossman, G. & Helpman, E., “Comparative Advantage and Long-Run Growth”, The

American Economic Review, 80, 1990. [07] ________, “Innovation and Growth in the Global Economy”, The MIT Press, 1991. [08] Koopmans, T., “On the Concept of Optimal Economic Growth”, In “The Economic

Approach to Development Planning”, Amsterdam: North-Holland, 1965. [09] Lucas, R. Jr., “On the Mechanics of Economic Development”, Journal of Monetary

Economics, 22, 1988. [10] Rebelo, S., “Long-Run Policy Analysis and Long-Run Growth”, Journal of Political

Economy, 99, 1991. [11] Rivera-Batiz, L. & Romer, P., “Economic Integration and Endogenous Growth”, The

Quartely Journal of Economics, 106, 1991. [12] Romer, D., “Advanced Macroeconomics”, McGraw-Hill, 1996. [13] Romer, P., “Increasing Returns and Long-Run Growth”, The Journal of Political

Economy, 94, 1986. [14] ________, “Endogenous Technical Change”, The Journal of Political Economy, 98, 1990. [15] Sargent, T., “Dynamic Macroeconomics Theory”, Harvard University Press, 1987.

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UMA AVALIAÇÃO DO DESEMPENHO DA AVICULTURA DE CORTE GAÚCHA NO PERÍODO DE 1992 A 2003

Resumo: a Avicultura de Corte representa importante alternativa de investimentos, uma vez que tem ciclos curtos de produção, comparativamente a outros setores agro-industriais. O segmento gaúcho, por sua vez, sempre esteve entre os mais importantes do setor, apresentando resultados bastante expressivos ao longo dos anos, dando-lhe lugar de destaque no cenário nacional. O segmento representa, atualmente, importante alternativa na geração de renda e empregos, uma vez que abarca grande número de pequenas e médias unidades produtivas, nos mais diversos elos da cadeia. Busca-se, portanto, com este estudo, fazer uma análise das principais questões inerentes a produção de carnes de frango no Rio Grande do Sul ao longo dos últimos anos. Destaca-se o crescimento na produção, exportações e na participação relativa do setor gaúcho. Contata-se, também, que os custos de produção relativos a milho e farelo de soja se elevaram significativamente.

Palavras Chaves: Complexos Agroindustriais, Avicultura de Corte Gaúcha. Introdução

O objetivo deste estudo é fazer, primeiramente, uma abordagem sobre o

surgimento do Complexo do Complexo Avícola Brasileiro dentro de um processo de industrialização da agricultura, estendendo a análise para a avicultura de corte gaúcha, mais precisamente o seu desempenho no período de 1992 a 2003. Destacam-se questões referentes à produção, abate, comercialização e custos relativos.

A partir da década de 1950, o setor agropecuário brasileiro sofreu inúmeras transformações. A agricultura tradicional, auto-suficiente, cedeu lugar a um processo de produção integrado entre os setores agrícolas e industriais. O capital industrial criou uma nova dinâmica, com características distintas, dando origem aos sistemas integrados de produção.

Neste novo momento, a natureza está subordinada à dinâmica do capital industrial, que por sua vez, comanda o processo, substituindo ou recriando, sempre que necessário, as condições ideais a produção (Silva, 1996). Desta forma, o novo complexo agro-industrial assumiu as mesmas características de outros ramos de produção industrial, com alto grau de concentração, concorrência aligopolística e controle pelo capital estrangeiro e nacional (SORJ, et. al., 1980).

A partir da década de 50 o capital industrial desempenha papel principal no processo e determina, também, a modernização de outros complexos agroindustriais, como a instalação da indústria de rações, na década de 1960, que desenvolveu consigo a indústria química farmacêutica, a indústria de máquinas e equipamentos para o processamento de carnes e o setor de serviços de modo geral, que em conjunto, criaram as condições necessárias ao desenvolvimento do Complexo Avícola Brasileiro.

O desenvolvimento deste complexo foi determinado pelo capital industrial estrangeiro, através da importação de matrizes, tecnologia e medicamentos. O decreto n. º 55.981, de 22 de abril de 1965, veio regulamentar e disciplinar a importação, principalmente de matrizes, as quais passaram a ser produzidas internamente e, em conseqüência, o setor avícola especializou-se em granjas de

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matrizes de produção final. Esse esforço, para a constituição da produção avícola brasileira, já pode ser percebido em 1973, quando 18 empresas estavam em operação no Brasil (SORJ, et. al., 1982).

Outra transformação importante na avicultura de corte brasileira, e gaúcha conseqüentemente, foi à rápida evolução das exportações. De um produtor secundário no mercado mundial, o Brasil começa a década de 1980 ocupando o segundo lugar entre os exportadores de frangos. Estas exportações evoluíram de 12,8 milhões de unidades em 1970 para cerca de 43,2 milhões em 1976 e 100,8 milhões em 1980 (SORJ, et. al., 1982).

Em 1980 o Brasil participava com 11,7% do total das exportações mundiais de carne de frango, aumentando para 12,5% em 1994. Em termos de quantidades absolutas, porém, estes números são bem mais expressivos, com um total de 169 mil toneladas em 1980, passando para 467 mil toneladas em 1994, representando aumento de 176% (Censo Agropecuário do Rio Grande do Sul - 1980 a 1995. 1996).

O Rio Grande do Sul, por sua vez, também apresentou índices elevados de crescimento, aumentando sua produção em 193% entre os anos de 1980 a 1993. Esta produção eleva a participação do estado em relação à produção nacional, passando de 10,42% em 1980, para 13,49% em 1993 (Censo Agropecuário do Rio Grande do Sul - 1980 a 1995. 1996).

Existem, no entanto, algumas limitações para que a avicultura gaúcha mantenha bons índices de crescimento. Dentre outros, destaca-se a escassez relativa das principais matérias-primas (milho e soja). O preço destes insumos se eleva, visto que o estado apresenta menor produtividade em relação, por exemplo, ao Paraná e Mato Grosso. Outro problema enfrentado constantemente é o custo da mão-de-obra, geralmente mais elevado que estes estados, impondo dificuldades de competitividade diante das demais regiões produtoras (NÚCLEO AGROBUSSINES, 1997).

1 O Complexo Avícola Brasileiro

As discussões sobre os Complexos Agroindustriais foram bastante intensas

ao longo da década de 1980. Vários pesquisadores, entre eles SORJ (1980, 1982), MULLER (1989), GUIMARÃES (1982), SILVA (1986) e KAGERAMA (1990), procuraram a conceituação e caracterização desse processo.

Esses complexos representam uma nova etapa dentro do sistema capitalista de produção. Eles são, na verdade, parte do intenso processo de industrialização ocorrido apartir da década de 1950, com características de interdependência, alto grau de concentração e concorrência oligopólica, geralmente comandado pela indústria.

Neste contexto, surge e se desenvolve o Complexo Avícola Brasileiro, representando uma nova alternativa de investimento, substituindo o sistema de produção comercial.

O primeiro programa avícola brasileiro, nos moldes de integração, foi desenvolvido pela Sadia em 1964, numa extensão da suinocultura, na cidade de Concórdia, SC em conjunto com a prefeitura local e a associação rural. O programa visava selecionar algumas propriedades rurais que servissem de modelo de modernização. A razão pela qual a Sadia e demais empresas integradoras tiveram facilidade em impor esta forma de relacionamento contratual foi o caráter da estrutura agrária da região, formada principalmente por pequenos produtores que dispunham de poucas alternativas para a geração de renda (Sorj et al. 1982).

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Por ser a avicultura uma atividade dinâmica, com alto poder de transformação e retorno, essa passou por transformações significativas e seu melhor desempenho ocorre a partir de 1970. O crescimento dessa atividade demonstra, que mais que substituir a antiga produção, o complexo também criou seu próprio mercado, pelo aumento da produção e transformação da carne em natura em produto de crescente importância na dieta da população brasileira (Sorj et al. 1982).

Além deste grande desenvolvimento e da criação de seu próprio mercado, a avicultura moderna, juntamente com a suinocultura, criaram condições para que outros segmentos, ou indústrias se instalassem e se internacionalizassem no país. Um exemplo foi à indústria de rações que se instalou na mesma época, juntamente com a indústria de aditivos farmacêuticos.

A avicultura de corte brasileira desenvolveu-se rapidamente. Isso se deve em grande parte ao alto grau de controle do processo biológico, isto é, diferentemente de outras atividades agropecuárias o seu desempenho não depende de solo e clima. O segmento até poderia ser afetado por estes fatores, no entanto, existe a facilidade de incremento de tecnologia, e qualquer variação de temperatura, por exemplo, poderia ser controlada por isolamento térmico e controle de patologias (Sorj et al. 1982).

Além desta facilidade de adaptação ao meio, comparativamente a produção de outras carnes, a de frango é considerada mais saudável em relação à suína e bovina, e com custos de produção mais baixos, em função de avanços genéticos e ciclos curtos de produção (Troccoli, 1995).

Neste contexto, a consolidação do padrão avícola industrial predomina, superando as formas mais rústicas de produção. Uma característica deste novo sistema produtivo é que ele atingiu um alto grau de produtividade, frente ao qual a avicultura comercial1 não sobrevive. Desta forma, a avicultura comercial ou tradicional fica marginalizada, em função da sua incapacidade de produzir nas condições de qualidade, controle sanitário e quantidades regulares impostas pelos setores de processamento e comercialização. (Sorj et al. 1982).

Outra característica da produção avícola de corte é a alta conversão de cereais em carne, proporcionando melhores índices de produtividade, baseados em retornos mais rápidos. A empresa integradora transforma seu capital, na forma de insumos, em produtos finais em curto espaço de tempo, eliminando grande parte dos riscos existentes no processo produtivo.

A produção avícola de corte brasileira se diferencia das outras atividades agropecuárias no que se refere às relações existentes entre as unidades produtivas e a indústria. Existem duas formas de integração: Uma se verifica principalmente no sul do país (RS, SC, PR), onde a integração se dá através de contratos. O produtor recebe o pinto de um dia, participa com o manejo de engorda, e quando o frango atinge a fase adulta, entrega para a empresa integradora que abate, processa, e comercializa o produto. Este método favorece a empresa integradora, pois elimina grande parte do risco existente, sem perder o controle em todas as etapas produtivas.

Outra forma de integração é aquela feita pela verticalização da empresa, ou seja, todas as atividades desenvolvem-se sob o comando da empresa integradora, com capital próprio e mão-de-obra assalariada. Nas duas formas de integração, 1 Entende-se por avicultura comercial, neste contexto, aquele sistema de produção no qual o processo acontece isolado e independente das outros elos da cadeia, ou seja, o produtor é responsável desde a obtenção das matrizes para ovos, da criação dos pintos bem como engorda e comercialização, produzindo sua própria ração, o abate, etc. de forma independente.

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porém, existe controle total por parte da empresa integradora, que geralmente atua desde a produção da ração, dos pintos, bem como no abate, processamento e comercialização.

Mesmo tendo seu marco inicial na década de 60, a atividade avícola brasileira começou a apresentar melhor desempenho a partir da década de 70, período em que houve a consolidação do complexo de carnes no Brasil. Seu desenvolvimento foi bastante rápido, em função da estrutura que se formava em torno da atividade, e também pelo grande incremento de tecnologias. Inicialmente a produção concentrou-se na criação de matrizes, para que estas fornecessem pintos em quantidades suficientes e estáveis ao desenvolvimento da avicultura de corte (Sorj et al. 1982).

O consumo interno foi o grande responsável pelo impulso do setor. O produto tornou-se popular, ganhando importância no cardápio de muitos brasileiros, substituindo, em partes, o consumo de carne bovina. Enquanto em 1970, o consumo per capita era de 2,3 kg, atinge 8,9kg em 1980 e 22,2 kg em 1996. Com esta performance, o Brasil passou a ser o segundo maior produtor mundial de carne de frango em 1996, e o terceiro maior exportador em 1995, perdendo somente para os Estados Unidos e França (Klauck, 1998).

No que se refere aos custos de produção, em pesquisa realizada pelo Sebrae/SC, em 1978, 85% destes eram constituídos por pintos, rações e concentrados, adquiridos das empresas integradoras. A pesquisa estima que 90% do valor da produção dessa atividade vai para a empresa na forma de pagamento de diversos. Subtraindo-se as despesas financeiras, energia elétrica e gás, verifica-se que somente 5,5% dos custos tem origem na propriedade do agricultor em forma de mão-de-obra e depreciação do imóvel (Sorj et al. 1982). Atualmente estes números se confirmam, sendo que 90,24% dos custos totais se devem aos custos de pintos e ração (APA – Associação Paulista de Avicultura). Isto demonstra, que toda tecnologia incorporada no setor e o conseqüente aumento na produtividade, foram absorvidos pelo aumento nos custos relativos.

Em relação à estrutura empresarial brasileira, o setor avícola contava em 1996, com 150 empresas, nas quais se realiza a inspeção federal. Dentre estas, as vinte maiores foram responsáveis por 58,7% do total abatido, sendo que a maior concentração se encontrava no sul do país (Klauck, 1998).

Em relação aos mercados consumidores da carne de frango brasileira, sem dúvida, o interno é o que dá maior suporte a produção. Isto pode ser comprovado pelo alto crescimento do consumo per capita verificado após o plano real, o qual apresenta crescimento de 19,70% em 1994, ao mesmo tempo em que os preços internos aumentaram em menor proporção, com acréscimo de 13,6% entre julho de 1994 e dezembro de 1996, enquanto a inflação acumulou alta de 47,30% no mesmo período. Um fato importante para o controle de preços, foi à manutenção do preço do milho, importante insumo, bem abaixo do que se previa, possibilitando custos de produção menores e competitividade no mercado internacional (Troccoli, 1997).

Um ponto importante a destacar, com relação às exportações, são as estratégias adotadas pelas empresas deste segmento. A principal é a prática de cortes diferenciados, os quais atendem as exigências e necessidades dos consumidores, além de representar melhores preços, visto que estes cortes agregam maior valor, na forma de serviços incorporados. Além disto, as empresas, com intuito de aumentar seus lucros, tem buscado explorar mercados com maior potencial consumidor aliado a melhor poder aquisitivo (Trocolli, 1996).

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A necessidade de produzir novos cortes para exportar, se deu principalmente em função da grande concorrência dos Estados Unidos e França, países estes em que as empresas recebem grandes incentivos fiscais para produtos de exportação. Assim, produtos diferenciados, proporcionam maiores ganhos e novos mercados para os produtos brasileiros.

2 O Complexo Avícola Gaúcho

O setor avícola do Rio Grande do Sul, diferentemente dos outros estados

produtores, já surgiu na forma industrial, conforme descrito por Sorj (1982), isto é, sem ter percorrido as diversas fases até sua consolidação. Assim, a avicultura gaúcha é resultado da diversificação de atividades de empresas já consolidadas. Em final dos anos 60, e início dos anos 70, as empresas agro-industriais buscavam alternativas para diversificar seus investimentos, e foi na avicultura industrial que encontraram as melhores expectativas de rendimentos no curto prazo.

Diferentemente da suinocultura, a avicultura foi introduzida pelas agroindústrias a partir da adaptação de um pacote tecnológico internacional. Este pacote tecnológico implica no controle industrial de todas as fases do processo de produção de aves, que vai desde a produção do material genético, passando pela produção de insumos (rações e medicamentos), até o manejo, engorda, processamento e comercialização do produto final (Klauck 1998).

A Sadia foi pioneira neste tipo de expansão, instalando-se na cidade de Concórdia, SC, onde no princípio atuava com um moinho de trigo e um abatedouro de suínos. Em seguida, adquiriu um moinho em Marcelino Ramos, iniciando as atividades no Rio Grande do Sul. No início da década de 60, a Sadia passou a atuar no setor avícola, atuando em toda cadeia produtiva (matrizes - contratos de produção - abatedouros - transporte - comercialização). A partir desta experiência, outras empresas seguiram este caminho, como é o caso da Perdigão SA., que iniciou suas atividades na área avícola no Estado de Santa Catarina em 1970, e se expandiu em 1980, adquirindo uma unidade produtiva em Marau (RS), e outra em Serafina Corrêa (RS), dando início as atividades da empresa no Estado do Rio Grande do Sul. Ao contrário da Sadia e Perdigão, a Ceval e Frangosul iniciaram suas atividades avícolas no Rio Grande do Sul em meados da década de 60, expandindo suas atividades, posteriormente, no próprio estado e em outros estados brasileiros.

No que se refere às características da avicultura de corte do Rio Grande do Sul, elas são praticamente as mesmas da avicultura dos outros estados do sul do país (SC, PR), ou seja, alto controle do processo produtivo por parte da empresa integradora, alto controle biológico e grande conversão de cereal em carne, o que proporciona ao estado uma grande importância no cenário brasileiro neste segmento.

A maior concentração, das unidades produtivas, encontram-se em propriedades com características de agricultura familiar, ou seja, baixa mecanização e pequenas extensões. Dessa forma, as possibilidades de barganha destas unidades é muito pequena e suas oportunidades de investimento são muito poucas, fortalecendo ainda mais o caráter determinante da indústria, que cada vez mais dita o ritmo do processo.

A forma de estrutura produtiva que predomina no Rio Grande do Sul é a de integração através de contratos. As empresas integradoras condicionam a produção através de contratos com os pequenos produtores que atuam somente no período

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de manejo e engorda das aves. Através destes contratos a indústria coordena a produção dos insumos e serviços necessários, como o fornecimento de pintos, rações, transporte, assistência técnica, etc., sendo que o produtor rural é responsável pela criação e manejo das aves. A partir daí, a agroindústria volta a controlar o processo de industrialização e distribuição do produto final.

Os contratos entre as indústrias e os produtores rurais possuem as funções de minimizar os custos de produção e transação, reduzindo o preço final, e propiciar quantidades mais estáveis, eliminando grande parte dos riscos existentes em outros setores agro-industriais. Assim, os contratos buscam monitorar as atividades dentro do complexo, evitando o comportamento oportunista de alguns agentes envolvidos. Em resumo, estes contratos servem como mecanismos de obter melhor eficiência em todo o complexo produtivo.

No princípio, a produção avícola gaúcha destinava-se basicamente ao mercado local. Em meados da década de 70, passa a participar também das exportações brasileiras. A partir da década de 80, o setor ganha mais força, e consolida mercados nacionais, e internacionais. Em 1976, o Rio Grande do Sul exportou 1.031 toneladas de carne de frango, o que representa 5,3% do total nacional, 19.636 toneladas. Este número aumenta significativamente, atingindo 18,9% em 1977, mantendo-se estável até 1992, voltando a crescer em 1993, participando com 20,9%.

2.1 A Avicultura de Corte Gaúcha no período de 1992 a 2003

A década de 1990 foi marcada por transformações importantes na economia

brasileira, em particular no segmento agroindustrial, que cada vez mais buscou a profissionalização do setor, adotando tecnologias modernas e assim, superando resultados ao longo dos anos.

A avicultura de corte também acompanhou esta trajetória, e os resultados obtidos foram se sobrepondo no decorrer dos anos, atingindo um grau de produção que se iguala, ou até supera, os grandes produtores de frangos mundiais. Parte destes bons resultados se devem a avicultura gaúcha que, assim como a brasileira, vem crescendo em toda sua cadeia.

Neste sentido, a Tabela 1 apresenta uma evolução da avicultura brasileira, no que tange a produção, e a participação relativa do setor gaúcho neste segmento.

Tabela 1: Avicultura de corte brasileira e participação relativa da avicultura gaúcha.

Prod. Brasileira Produção Gaúcha Ano Toneladas Var % Toneladas %/Brasil Var. % 1992 2.726.992 - 493.038,06 18,08% - 1993 3.142.998 15,2 542.274,67 17,25% 9,9 1994 3.411.026 8,5 604.064,66 17,71% 11,3 1995 4.050.449 18,7 674.025,80 16,64% 11,5 1996 4.051.561 0,03 690.244,03 17,04% 2,4 1997 4.460.925 10,1 718.924,02 16,12% 4,1 1998 4.874.708 9,2 792.276,77 16,25% 10,2 1999 5.526.044 13,3 883.058,04 15,98% 11,4 2000 5.976.523 8,15 876.773,61 14,67% -0,7 2001 6.735.696 12,7 876.547,83 13,01% -0,0 2002 7.516.923 11,6 912.357,07 12,14% 4,0 2003 7.842.900 4,3 917.283,66 11,70% 0,5

Fonte: ASGAV (Associação Gaúcha de Avicultura).

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Inicialmente, é importante posicionar o setor gaúcho diante da produção

nacional no início da década. Observa-se que em 1992, a avicultura de corte brasileira produzia mais de dois milhões de toneladas de carne de frango. No mesmo período, o Rio Grande do Sul produziu 493 mil toneladas, o que representou, naquele ano, uma participação de 18,08% da produção nacional. A partir de então, a avicultura brasileira cresce de forma acelerada, atingindo índices de crescimento de 18% em 1995, 13,3% em 1999, e assim por diante, demonstrando o grande vigor do setor ano após ano.

O setor gaúcho, por sua vez, sempre foi responsável por parcela significativa da produção nacional. No período de 1992 a 1998, acompanhou o bom desempenho nacional, mantendo sempre participação relativa entre 16% e 18%, respectivamente, graças aos bons índices de crescimento, como, por exemplo, os de 1994 e 1995, em torno de 11%. A partir de 1999, tem-se um período de maiores dificuldades, em que os índices de crescimento não são mais tão vigorosos, mesmo assim, positivos para o segmento nacional.

Grande parte da produção nacional de frango é destinada ao comércio mundial, colocando o Brasil entre os principais produtores e exportadores mundiais. No entanto, é possível distinguir dois períodos distintos no que diz respeito às exportações, conforme Tabela 2, o antes e o depois da desvalorização cambial em janeiro de 1999. Tabela 2: Participação relativa da avicultura gaúcha nas exportações brasileiras de

carne de frango. Exportações Brasileiras Exportações Gaúchas

Ano Toneladas Var. % Toneladas %/Brasil Var. % 1992 371.719,00 - 73.583,54 19,80% - 1993 433.498,00 16,6 89.809,25 20,72% 22,0 1994 481.429,00 11,1 99.218,38 20,61% 10,4 1995 428.988,00 -10,9 87.007,54 20,28% -12,3 1996 568.795,00 32,6 131.390,52 23,10% 51,0 1997 649.357,00 14,2 173.106,55 26,66% 31,7 1998 612.477,53 -5,7 170.566,77 27,85% -1,4 1999 770.551,78 25,8 198.383,78 25,75% 16,3 2000 916.093,96 18,9 210.398,71 22,97% 6,0 2001 1.265.887,17 38,2 347.127,73 27,42% 64,9 2002 1.624.887,11 28,4 450.213,13 27,71% 29,7 2003 1.959.773,06 20,6 530.114,46 27,05% 17,7

Fonte: ASGAV Em 1992, o comércio exterior era responsável por 371,719 mil toneladas das

exportações brasileiras, e desse total, o Rio Grande do Sul participava com 19,80%. O crescimento das exportações de frango pode ser observado em quase todos os anos subseqüentes, com exceção de 1995, logo após a implementação do Plano de Estabilização Econômica, onde o frango tomou a forma de “símbolo do Plano Real”. Neste período, o mercado interno ficou aquecido e a produção não respondeu as demandas internas e externas, oferecendo melhores preços no mercado doméstico. Este comportamento permanece até 1998, alternando anos de crescimento e de queda nas exportações nacionais.

A avicultura gaúcha, mais uma vez, foi responsável por parcela significativa das exportações totais, mantendo-se na casa dos 20% até 1995. Seus montantes

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exportados também cresceram significativamente, com destaque para 1993, com aumentos de 22% em relação a 1992, 51% em 1996 e 31% em 1997. O ano de 1998 foi muito adverso para esta atividade, em razão do câmbio brasileiro estar supervalorizado. Essa valorização cambial refletiu nas exportações de frango, tornando os preços relativos dessa commodity muito altos. Pode-se ver que houve uma queda tanto nas exportações totais brasileiras de frangos, como gaúchas, -5,7% e -1,4%, respectivamente.

A partir de 1999, após o ajuste cambial, com a desvalorização da moeda nacional, as exportações brasileiras tornaram-se mais competitivas no mercado internacional. Observa-se pela Tabela 2, que a resposta do setor foi rápida e já 1999, a exportações brasileiras cresceram 25%, enquanto o setor gaúcho exportou 16,3% a mais em relação ao ano de 1998. Para o setor nacional este crescimento permanece, e até se intensifica, atingindo índices bastante expressivos até 2003. O crescimento mais vigoroso obtido pela avicultura de corte gaúcha foi em 2001, quando exportou um montante de 64% superior ao ano anterior, proporcionando ao estado, uma participação de 27,42% das exportações nacionais, o qual permanece até 2003.

Um aspecto importante referente à avicultura de corte gaúcha é o destino dado a produção. Neste sentido, a Tabela 3 apresenta a evolução do setor, destacando a participação do mercado local, de outros estados brasileiros, bem como as exportações realizadas no decorrer dos anos.

Observa-se que, no início do período, a produção gaúcha de carne de frango era destinada basicamente ao mercado interno, sendo que o mercado local respondia por 44,46% do total, seguido do mercado de outros estados brasileiros, com 40,61%. As exportações representavam apenas 14,92% no ano de 1992. Este comportamento se mantém praticamente inalterado até o ano de 1995, com pequenas oscilações na participação do mercado gaúcho e demais estados brasileiros.

Tabela 3: Produção e destinos da carne de frango do Rio Grande do Sul.

Participação relativa no comércio: kg e %/total Próprio RS Exportação Outros Estados

Ano

Produção Total

KG %/total KG %/total KG %/total 1992 493.038.061 219.225.869 44,46% 73.583.547 14,92% 200.228.645 40,61% 1993 542.274.677 234.291.461 43,21% 89.809.251 16,56% 218.173.965 40,23% 1994 604.064.665 236.040.676 39,08% 99.218.385 16,43% 268.805.604 44,50% 1995 674.025.800 280.958.610 41,68% 87.007.541 12,91% 306.059.649 45,41% 1996 690.244.031 237.327.525 34,38% 131.390.527 19,04% 321.525.979 46,58% 1997 718.924.027 232.814.882 32,38% 173.106.558 24,08% 313.002.567 43,54% 1998 792.276.778 296.388.742 37,41% 170.566.774 21,53% 325.321.262 41,06% 1999 883.058.045 288.297.924 32,65% 198.383.789 22,47% 396.376.332 44,89% 2000 876.773.618 247.690.381 28,25% 210.398.716 24,00% 418.684.521 47,75% 2001 876.547.836 247.889.858 28,28% 347.127.736 39,60% 281.530.242 32,12% 2002 912.357.076 228.895.275 25,09% 450.213.138 49,35% 233.248.663 25,57% 2003 917.283.666 216.669.635 23,62% 530.114.461 57,79% 170.499.570 18,59%

Fonte: Elaboração do autor a partir de dados da ASGAV

Em 1996, já é possível perceber uma tendência diferenciada, ou seja, o setor deixa de comercializar com os mercados locais, preferindo os demais centros consumidores, bem como o incremento significativo das exportações, que passa de uma participação de 12,91% em 1995 para 19,04% em 1996. Os anos que se sucedem comprovam esta tendência, com perda de participação relativa do mercado

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gaúcho e aumento da participação dos demais mercados nacionais e também no exterior.

Após o ajuste cambial realizado no início de 1999, as exportações passam a ter maior importância no comércio de carnes gaúcho, aumentando sua participação a cada ano, atingindo em 2003 a marca de 57,79% do total produzido e comercializado pelo setor gaúcho. O comércio tanto local como para os demais estados brasileiros perde importância a partir de 1999.

Apesar do setor ter exportado mais de 50% de sua produção no ano de 2003, vale destacar que o comércio exterior é muito sensível as variações cambiais, aumentando ou diminuindo a competitividade externa de forma muito rápida. Assim, é importante observar todo o período, a fim de obter a participação relativa dos mercados ao longo do período analisado. Este resumo está expresso na Figura 1.

Figura 1: Destino da Produção de Carne de Frango do Rio Grande do Sul.

1992-2003

Outros Estados38%

Mercado gaúcho33%

Exportações29%

Fonte: Compilação própria a partir da tabela 3.

Pode-se observar que o principal mercado de destino da carne de frango gaúcha ainda foi o brasileiro, mais especificamente os outros estados, representando 38% do total, seguido do mercado gaúcho com 33% e 29% das exportações.

Outro aspecto importante a destacar é a participação da indústria gaúcha no segmento de abates, a qual representa importante etapa dentro da cadeia produtiva. A Tabela 4 apresenta a posição relativa do setor gaúcho diante dos demais estados brasileiros no ano de 2001. Tabela 4: Participação relativa da indústria gaúcha no abate de frangos brasileiros

em 2001 Participação relativa

Local de abate Quantidade de aves SIF Total Paraná 671.998.690 23,82% 19,49% Santa Catarina 642.931.458 22,77% 18,64% Rio Grande do Sul 548.395.560 19,44% 15,90% São Paulo 426.318.711 15,11% 12,36% Minas Gerais 205.631.274 7,29% 5,96% Sub total 2.495.275.693 88,43% 72,35% Outros C/SIF 326.306.495 15,57% 9,46% Total C/SIF 2.821.582.188 100,00% 81,81% Sem SIF 627.270.007 18,19% Total 3.448.852.195 100,00% Fonte: ASGAV Nota: SIF: Sob inspeção federal

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Observa-se que o Rio Grande do Sul ocupa a terceira posição relativa, com

abate de 548.395.560 aves, superando estados como São Paulo e Minas Gerais. Este número representa 19,44% do total de abates inspecionados por órgão federal e 15,90% do total geral abatido, sejam de inspeção federal ou estadual. Outro aspecto importante a destacar é a grande concentração da indústria no sul do país, uma vez que os três estados representam 66,03% do total abatido sob inspeção federal e 54,03% do total geral.

Além de um retrato estático, mostrado na Tabela 4, é importante observar o comportamento e evolução ao longo de um período mais longo, conforme está expresso na Figura 2.

Figura 2: Evolução no abate de frangos no Rio Grande do Sul, 1992-2003.

Abate de Frangos de Corte do RSMilhões de Cabeças

289 317 336382 409 436 445

500 516558

602 611

050

100150200250300350400450500550600650

1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003

Fonte: ASGAV

Primeiramente, destaca-se o bom desempenho apresentado por este segmento da cadeia produtiva, ao longo da década de 1990. Em 1992 eram abatidos, no Estado do Rio Grande do Sul, um total de 289 milhões de cabeças de frangos, número que se eleva em todos os períodos seguintes, atingindo 611 milhões em 2003, o que representa crescimento de 111,42%. Destaca-se, em especial, o grande incremento ocorrido em 1995, logo após o Plano Real, em 1999, ano da desvalorização cambial, além de 2002, o que mostra a grande capacidade que o setor tem em responder a políticas setoriais.

Outro indicador importante de análise de desempenho do setor avícola do Rio Grande do Sul é o comportamento no alojamento de pintos, que vai determinar a dinâmica das demais etapas de produção. A Figura 3 apresenta uma evolução deste segmento ao longo dos últimos anos.

O alojamento de pintos de corte também apresentou desempenho positivo no decorrer dos anos, e isto é importante, pois esta etapa da cadeia dita o ritmo de outros elos, como a indústria de insumos, os transportes, etc. Observa-se que 1992 eram alojados 309 bilhões de unidades, com crescimento contínuo, exceção em 1994, atingindo um montante de 625 milhões em 2003, representando crescimento de 102,27%. Novamente destaca-se o grande incremento ocorrido em 1999, como resposta ao ajuste cambial, o qual deu maior competitividade às exportações brasileiras, estimulando a produção como um todo.

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Figura 3: Alojamento de pintos de corte no Rio Grande do Sul, 1992-2003.

Evolução do Alojamento de Pintos de Corte milhões de cabeças

309

415 408 415 436 457484

536 544587 608 625

50100150200250300350400450500550600650

1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003

Fonte: ASGAV

Apesar do bom desempenho, em relação às quantidades, sejam elas na produção, no alojamento de pintos, no abate, etc., é importante avaliar o desempenho financeiro dessa atividade. A tabela 5 apresenta o comparativo dos faturamentos 2001, 2002 e 2003, expressos em R$ e US$. Tabela 5: Faturamento da avicultura de corte gaúcha

Discriminação 2001 2002 2003 Faturamento Mercado Interno R$688,2 milhões R$623,8 milhões R$677,5 milhões Faturamento com Exportações US$365,76 milhões US$385,8milhões US$471 milhões Faturamento Total US$ US$473,04 milhões US$428,6 milhões US$534,0 milhões Faturamento Total R$ R$1,140 bilhões R$1,231 bilhões R$1,6 bilhões Fonte: ASGAV Nota: O faturamento em R$ é baseado no preço médio do Kg do frango vendido pelos Frigoríficos no

decorrer do ano, representando também o preço na conversão em dólar. O faturamento com exportações é baseado no preço médio da tonelada em US$ fornecido pela ABEF (Associação Brasileira de Exportadores de Frango).

Verifica-se que em 2001, o setor faturou com vendas no mercado interno o correspondente a 688,2 milhões de reais. No ano de 2002, este mesmo mercado, rendeu um montante de 623,8 milhões de reais, representando um decréscimo de 9,36%, em função da menor quantidade comercializada internamente. Para o ano de 2003, o faturamento foi de 677,5 milhões de reais, acréscimo de 8,61% em relação a 2002, porém, ainda abaixo do montante de 2001.

O faturamento com exportações, por sua vez, apresentou em 2001, um montante de 365,76 milhões de dólares, com exportação de 347.127 toneladas. Em 2002, este faturamento sobe para 385,8 milhões de dólares, com exportações totais de 450.213 toneladas. Estes números nos mostram que enquanto as exportações aumentaram 29,70%, o faturamento cresceu apenas 5,48%, evidenciando a queda nos preços médios auferidos pelo setor.

Em 2003, o faturamento total com as exportações foi de 471 milhões de dólares, 22,08% superior a 2002, com um total de 530.114 toneladas, representando crescimento de 17,75%, o que significa que houve recuperação nos preços médios auferidos pelas exportações gaúchas de carne de frango.

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No que se refere ao faturamento total, observa-se que de 2001 para 2002 há uma queda no valor expresso em dólares, recuperando-se em 2003. O faturamento em reais, por sua vez, apresentou acréscimos de 7,98% de 2001 para 2002 e de 29,98% para 2003, o que pode ser considerado como uma boa recuperação do setor.

Apesar de atingir um bom desempenho, tanto no volume produzido e exportado, como na participação relativa, o setor avícola gaúcho tem apresentado problemas no que tange aos custos de produção. O item ração, importante insumo dentro da cadeia de produção, tem representado cerca de 80% dos custos totais, sendo que o milho e o farelo de soja são seus principais componentes. Estes insumos, no entanto, apresentam preços bastante sensíveis a variações de oferta e demanda, a frustrações de safras, etc., alterando também, os da carne de frango. A Figura 4 apresenta uma evolução comparativa entre o valor da tonelada de carne de frango e o custo da tonelada de milho2.

Figura 4: Relação entre os preços da carne de frango e os custos com milho.

Tonelada de Frango/Tonelada de Milho

9,70

7,54 7,636,84

5,61 5,13

7,09

4,42

8,639,278,44

0,001,002,003,004,005,006,007,008,009,00

10,0011,00

1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002

Índi

ce R

elat

ivo

Fonte: Compilação própria a partir de dados da ASGAV. Nota: O preço do milho refere-se ao valor médio da saca de 60kg, preço a vista, sem ICMS. O preço

do frango refere-se a média do período, sobre produto resfriado e embalado no atacado.

Os índices calculados são interpretados da seguinte forma: quanto maior o índice, melhor é o resultado, por exemplo, em 1992, o índice de 9,27 significa que o valor obtido com uma tonelada de carne de frango representava 9,27 vezes superior aquele obtido por uma tonelada de milho, ou ainda, que o montante auferido com a venda de uma tonelada de frango seria possível adquirir 9,27 toneladas de milho. Vale dizer, também, que por ser um índice relativo, as variações podem ocorrer, tanto em função da mudança no preço do frango quanto no preço do milho, sejam eles para mais ou para menos. Para melhor interpretação dos resultados, utilizaremos este índice como sendo de custo relativo.

Neste sentido, percebe-se que de 1992 a 1995, mantém-se uma situação estável, sem grandes variações nos custos relativos referente ao milho. A partir de 1995 acorrem quedas sistemáticas, atingindo o menor índice em 2002, menos da metade daquele apresentado em 1992, o que significa que os custos relativos a este insumo aumentaram mais que 100%.

2 A ração representa cerca de 80% dos custos totais na produção de carne de frango, sendo que o milho e o farelo de soja são seus principais componentes(APA – Associação Paulista de Avicultura).

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A figura 5 apresenta a mesma análise em relação ao farelo de soja, outro importante componente da ração. A forma de interpretação é idêntica à realizada na Figura 4. Figura 5: Relação entre os preços da carne de frango e os custos com farelo de soja

Tonelada de Frango/Tonelada de Farelo de Soja

5,50 5,28 5,606,43

4,103,10

4,94

3,693,15 2,90 2,48

0,001,002,003,004,005,006,007,00

1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002

Índi

ce R

elat

ivo

Fonte: Compilação própria a partir de dados da ASGAV. Nota: O preço do farelo de soja refere-se ao valor médio, composição de 46% de proteína bruta,

preço a vista, sem ICMS. O preço do frango refere-se a média do período, sobre produto resfriado e embalado no atacado.

Percebe-se que no período de 1992 a 1995 ocorrem pequenas oscilações,

atingindo o maior índice em 1995, quando era possível adquirir 6,43 toneladas de farelo de soja com o montante auferido com uma tonelada de carne de frango. A partir deste ano, no entanto, ocorrem quedas bastante bruscas, atingindo um índice de 3,10 em 1997, o que significa dizer que os custos relativos a este insumo também aumentaram bruscamente.

Percebe-se uma melhora significativa no ano de 1998, que volta a cair sistematicamente, atingindo um índice de 2,48 no ano de 2002, sendo este o pior resultados ao longo dos dez anos analisados.

Dentro deste nosso estudo, vale destacar ainda, a estrutura apresentada pela avicultura de corte gaúcha, a qual apresenta, hoje, um total de 14 frigoríficos com inspeção federal, 6 frigoríficos com inspeção estadual, 50 empresas de postura comercial, 180 mini e pequenos produtores de ovos, 5 incubadores independentes, 14 fornecedores para a avicultura, além de cerca de 8.000 mini e pequenos produtores integrados. O setor é responsável, ainda, por cerca de 40.000 empregos diretos e 780 mil empregos indiretos (ASGAV 2004).

O setor é responsável, também, pelo consumo de 2,350 milhões de toneladas de milho, 800 mil toneladas de soja e 250 mil toneladas de sorgo, movimentando toda a estrutura deste elo da cadeia (ASGAV 2004).

As principais empresas de abate, e que fazem parte do complexo avícola gaúcho, estão ordenadas em grau de participação, conforme Tabela 6. Percebe-se, que este segmento da indústria é bastante concentrado, ou seja, pequeno número de empresas são responsáveis pela maior parcela dos abates realizados. Além disso, a concentração se intensifica, ou seja, a cada ano, as cinco principais empresas respondem por um montante maior. Em 2001, as cinco principais empresas representavam 79,54% do total, aumentando para 80,86% em 2002 e 84,57% em 2003. Destaca-se a liderança da Frangosul, apesar de haver perdido

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participação no último ano, seguido da Avipal, que vem aumentando sua participação relativa.

Tabela 6: Principais empresas no abate de frango de corte no Rio Grande do Sul

Empresa 2001 2002 2003 1º Doux Frangosul 36,16% 37,64% 34,63% 2º Avipal S/A 18,72% 19,60% 23,71% 3º Perdigão S/A 13,04% 12,00% 14,91% 4º Penasul Alimentos 6,07% 5,86% 5,89% 5º Cotrel 5,55% 5,76% 5,43% Total das 5 maiores empresas 79,54% 80,86% 84,57% Fonte: ASGAV

Esse é, portanto, o cenário da avicultura de corte do Rio Grande do Sul até o ano de 2003, considerado, a nosso ver, como tendo apresentado um desempenho bastante positivo ao longo dos últimos anos. Para 2004, segundo previsões da Asgav, a avicultura gaúcha busca produzir 1 milhão de toneladas, bem como atingir exportações na ordem de 580 mil toneladas. Conclusões

O Complexo Avícola Brasileiro pertence à um sistema de produção agro-industrial integrado, que se consolidou no Brasil, após 1950, apartir da modernização da agricultura, em detrimento ao modelo de produção tradicional. Nesse novo processo, destaca-se a importância e influência do capital industrial, que determina uma nova dinâmica produtiva.

Os complexos agro-industriais, de modo geral, mantém forte interdependência com a indústria, seja na demanda por matérias primas ou na oferta de bens para processamento e industrialização. O setor agroindustrial adquiriu características idênticas aos demais setores industriais, tais sejam o alto grau de subordinação ao capital, a interdependência, a concentração e, geralmente, concorrência do tipo monopolístico.

O setor avícola representa um exemplo típico de integração, com ligação entre as diversas unidades, que na sua interdependência, constituem o complexo. Suas características são distintas de outros setores agroindustriais, por possuir um alto grau de controle; comandado geralmente pela indústria e quase sempre regido por contratos.

A avicultura de corte gaúcha surgiu apartir de 1960, como resultado da diversificação de empresas que desenvolviam outras atividades agro-industriais e buscavam alternativas de investimentos rentáveis.

Uma característica da avicultura gaúcha é a concentração de suas unidades produtivas em propriedades com pequenas extensões e baixa mecanização, representando alternativa de geração de renda. Prevalece a forma tradicional de integração, através de contratos.

O setor adquiriu maior importância apartir da década de 80, consolidando sua posição no cenário avícola brasileiro. A produção cresceu significativamente na década de 90, com índices que superaram os 10% em diversos anos, mantendo e até aumentando a participação relativa na avicultura nacional. No período estudado, ou seja, 1992 a 2003, o crescimento real da produção foi de 86,05%.

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O comércio exterior foi importante alternativa de comercialização da carne gaúcha. O desempenho foi positivo, com crescimento real de 620,4% no período de 1992 a 2003. Este montante exportado representou em 2003, 57,79% da produção gaúcha e 27,05% das exportações brasileiras de carne de frango.

O Estado possui, também, boa estrutura industrial de abate, ocupando a terceira posição em 2001, com participação de 19,44% dos totais sob inspeção federal e 15,90% do total geral abatido. No período de 1992 a 2003 o crescimento real foi de 111,42%, atingindo 611 milhões de cabeças em 2003.

O faturamento apresentou desempenho positivo nos três últimos anos, passando de US$473 milhões em 2001 para US$534 milhões em 2003, aumento de 12,9%, bem superior à média de crescimento da economia brasileira.

Como aspecto negativo, destaca-se o aumento relativo nos custos de produção referentes aos insumos milho e farelo de soja, como foi apresentado nas Tabela 4 e 5, os quais cresceram significativamente.

Destaca-se, também, a importância do setor na geração de emprego e renda, uma vez que a produção envolve 8.000 mini e pequenos produtores integrados, além de 20 frigoríficos, gerando cerca de 40 mil empregos diretos e 780 mil empregos indiretos ao longo da cadeia produtiva.

Referências Bibliográficas JALFIN, Anete & RIBEIRO, Fernanda B.. Competitividade da Indústria gaúcha: O caso da agroindústria de aves. FEE, vol. 24, nº2, p.229-249, setembro 1996. KAGERAMA, Ângela. O novo padrão agrícola brasileiro: do complexo rural aos complexos agroindustriais in Agricultura e políticas públicas. IPEA, 1990, 574 p. Cap. II. KLAUCK, Paula Daiane Bortoluzzi. O setor avícola do oeste catarinense frente o Plano Real. Caderno de Economia, vol.2, nº3, ed. Grifos, p.124-147, 1998. MULLER, Geraldo. Formulações gerais sobre o CAI In Complexo Agro-industrial e Modernização Agrária, São Paulo, HUCITEC:EDUC, p.45-67, 1989 (Estudos Rurais, 10). Núcleo Agrobusiness. Projeto RS 2010. (1997) Porto Alegre: SCP/FEE/METROPLAN. SILVA, José Graziano da. Do complexo rural aos complexos agro-industriais In A nova dinâmica da Agricultura Brasileira. São Paulo: UNICAMP.IE, p.1-40, 1996. ____.Complexos agro-industriais e outros complexos In A nova dinâmica da Agricultura Brasileira. São Paulo: UNICAMP.IE, 1996, p.62-106. SORJ, Bernardo. O Complexo Agro-industrial In Estado e Classes Sociais na Agricultura Brasileira. Rio de Janeiro. ed. Zahar, p.29-67, 1980. SORJ, Bernardo, POMPERMAYER, Malori J., CORADINI, Odacir Luiz. Camponeses e Agroindústria – Transformação Social e Representação Política na Avicultura Brasileira. Rio, Zahar Ed., 1982. TROCOLLI, Irene Raguenet. Carnes: um negócio cada vez mais sofisticado. AGROANALYSIS, vol.15, nº2, p.23-25, fev. 1995. ____.MERCADO DE CARNES: A disputa pelo consumidor. AGROANALYSIS, vol.15, nº8, p.30-34, agosto 1995. WILKINSON, John. Integração regional e o setor agroalimentar nos países do Mercosul: a produção familiar na encruzilhada. Ensaios FEE, Porto Alegre, (17)1: 155-184, 1996.

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VALORAÇÃO ECONÔMICA DOS IMPACTOS AMBIENTAIS DA PRODUÇÃO DE SOJA E MILHO NOS CERRADOS BRASILEIROS

Waldecy Rodrigues1 Resumo - Este artigo tem o objetivo de valorar economicamente os impactos ambientais de tecnologias de plantio de soja e milho nos região de cerrados. Foram medidos os impactos ambientais do plantio convencional e direto. Para a valoração econômica do processo erosivo e o assoreamento de recursos hídricos causados pelas técnicas de plantio foi utilizado o Método Custo-Reposição (MCR). No caso da soja a adoção do plantio direto eleva o custo de produção em 0,47%, mas com a adição do custo de reposição de nutrientes do solo este custo passa a ser (-0,37%) menor do que no plantio convencional.. Ainda, com a posterior adição do custo de remoção de sedimentos de recursos hídricos, o custo social da soja passa a ser (-0,93%) menor do que no plantio convencional. No cultivo do milho, os custos de produção do plantio direto são (-5,92%) menores do que os referentes ao plantio convencional, demostrando sua maior eficiência econômica. O plantio direto tem custos 3,62% superiores nos insumos e são inferiores em (-43,44%) no preparo do solo com relação ao plantio convencional, mostrando uma maior eficiência econômica no resultado geral. Ademais, a adoção do plantio direto reduz o custo ambiental em (-29,43%) e o custo social do milho em (-6,17%), também ficando assim demonstrado a maior sustentabilidade do plantio direto. Palavras-chaves: Método custo-reposição, cerrados, valoração ambiental. 1) Introdução

A sustentabilidade na atividade agrícola está diretamente relacionada com os impactos ambientais, econômicos e sociais provocados pela utilização das tecnologias agrícolas. A discussão sobre o desenvolvimento rural sustentável passa fundamentalmente pela análise das escolhas técnicas feitas pelos produtores rurais e seus efeitos sobre a eficiência da produção e as externalidades ambientais geradas no processo.

Historicamente, os Cerrados brasileiros, com a expansão da fronteira agrícola na região a partir da década de 70, passaram a ser sistematicamente ocupados pela produção agropecuária em larga escala. O modelo tecnológico dominante na exploração agrícola nos Cerrados é profundamente dependente de insumos externos (calcário e fertilizantes) produzidos por grandes indústrias do setor químico.

Este artigo tem o objetivo de valorar economicamente os impactos ambientais de tecnologias de plantio de soja e milho nos região de cerrados. Pretende-se problematizar a relação entre a eficiência na combinação de insumos e seus custos privados com a geração das externalidades ambientais e seus custos sociais. A idéia básica é comparar diferentes alternativas de plantio – plantio direto e plantio convencional – quanto seus custos privados e ambientais.

Assim, surge a necessidade de se comparar técnicas de cultivo não só quanto aos seus custos privados, mas abrangendo a questão de sua sustentabilidade. Assim, é necessário questionar quais são os custos e benefícios privados e sociais do uso das técnicas de plantio para melhor conciliar as escolhas tecnológicas dos com o bem-estar social .

1Professor Doutor do Departamento de Economia da Universidade Federal do Tocantins. E-mail: [email protected]

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2) Metodologia Para a valoração econômica do processo erosivo foi utilizado o método custo-

reposição (efeitos internos e efeitos externos). Em que pese todos os limites da aplicação dos métodos de valoração ambiental, os mesmos são de grande utilidade para avaliação de impactos ambientais da produção agrícola.

O Método Custo de Reposição (MCR) está baseado na reparação de algum dano ao recurso ambiental e o custo de reposição pode ser entendido como uma medida do seu benefício. PEARCE (1993) afirma que o MCR é freqüentemente utilizado como uma medida do dano causado. Essa abordagem é correta nas situações em que é possível argumentar que a reparação do dano deve acontecer por causa de alguma restrição da sustentabilidade da produção agrícola no longo prazo.

O MCR será utilizado empiricamente a partir dos seguintes procedimentos metodológicos: 1. descrição das tecnologias de plantio a serem analisadas – plantio direto e plantio

convencional - enfatizando suas características técnicas e econômicas; 2. análise das relações naturais entre causas e efeitos do processo de erosão agrícola

causado pelo uso de tecnologias de plantio na região do Cerrado; 3. valoração econômica dos efeitos do processo erosivo no custo de reposição de

nutrientes dos solos nas tecnologias de plantio abordadas; 4. valoração econômica dos efeitos do processo de assoreamento dos recursos hídricos

nas tecnologias de plantio abordadas no custo de reposição para companhia de recursos hídricos.

3) Resultados e Discussões 3.1) Evolução do plantio direto nos cerrados brasileiros

Segundo LANDERS (1996) , o plantio direto (PD) foi introduzido no país, em 1969, em Não-Me-Toque – RS, com um plantio experimental de sorgo. Em relação às técnicas convencionais de preparo e cultivo do solo, o PD apresenta práticas agronômicas inovadoras, que movimentam menos o solo e permitem um eficiente controle da erosão, pela manutenção de uma cobertura morta (palha) sobre o solo. A adoção do PD foi uma reação espontânea de agricultores que sentiram a falta de sustentabilidade econômica e física do sistema de plantio convencional, intensivamente mecanizado, e em função dos efeitos da erosão e do alto investimento em maquinário.

As principais características técnicas do plantio direto, que reduzem o impacto erosivo nos solos, são (LANDERS, 1996): 1. A eliminação do uso de práticas agrícolas convencionais, como a aração e a

gradagem, reduzindo a movimentação de máquinas sobre o solo; 2. Criação de uma cobertura permanente de palha na superfície, aumentando a fertilidade

do solo; 3. Plantio com máquinas especializadas que cortam a palha para inserir simultaneamente

a semente e o adubo (racionalização do uso de insumos). O técnica do plantio direto vem sendo utilizada por um maior número de produtores na região dos cerrados brasileiros com o decorrer do tempo. A partir da tabela 1, pode-se constatar que no início dos anos noventa a área destinada para plantio direto nos cerrados brasileiros correspondia 8,7% do total destinado em todo o Brasil. Já no final desta década subiu para 29,70%. Nesse mesmo período, enquanto a área brasileira destinada para o plantio direto crescia 13,5 vezes nos cerrados brasileiros cresceu cerca de 46 vezes.

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TABELA 1 – Evolução da área plantadas em plantio direto (em ha) Ano agrícola Cerrados Brasil

1974/75 - 8.0001976/77 - 57.0001978/79 - 54.0001980/81 - 205.0001982/83 500 260.0001984/85 2.000 500.0001986/87 9.000 n.d.1988/89 35.000 n.d.1990/91 87.000 1.000.0001991/92 180.000 1.350.0001992/93 270.000 n.d.1993/94 420.000 3.000.0001994/95 930.000 3.800.0001995/96 1.500.000 4.500.0001996/97 1.938.000 7.900.0001997/98 2.670.000 10.100.0001998/99 3.402.000 12.100.0001999/00 4.000.000 13.470.000

Fonte – Fundação ABC - Citada por LANDERS (1996), p. 14. FEBRAPD (2001). Entre 1990/2000, houve uma expansão de 4.498% na área plantada nos cerrados com a utilização da tecnologia do plantio direto, em contrapartida com uma expansão de 1.247% na área plantada no Brasil (Tabela 1). Houve uma expansão considerável da utilização do plantio direto, tanto no Brasil, com particular destaque para região dos cerrados, por ser uma importante fronteira agrícola do país, com a exploração intensiva de commodities propícias a utilização desta tecnologia de plantio. Outros fatores devem ser observados como elementos da mudança de comportamento dos produtores rurais na adoção de tecnologias com menor impacto ambiental . SAMAHA e LANDERS (1998), ressalta que essas mudanças estão sendo condicionadas por uma crescente exigência social a respeito da qualidade ambiental. Dessa forma, o plantio direto se torna uma ferramenta importante para a busca da competitividade e da sustentabilidade da produção agrícola. Competitividade pois possibilita a maximização do lucro na propriedade rural no longo prazo, pela contenção do processo de erosão e sustentabilidade pois esta tecnologia reduz os impactos ambientais causados pelo processo erosivo reduzindo o nível de externalidades ambientais negativas.

Segundo CAMPANHOLA et alli (1997) pode-se adotar um enfoque simplificador e quantificar a externalidades ambientais negativas de acordo com a importância que o bem perdido ou deteriorado tem para o agrossistema. Neste caso, o custo da erosão seria dado pelo valor dos nutrientes contidos no solo que foi perdido, ou, em outros casos mais graves onde a área torna-se inapta para a agricultura, o custo é obtido pelo preço de mercado da área de terra afetada. Entretanto, este tipo de abordagem não mede os danos sobre outros bens e serviços ambientais, como por exemplo, perdas da biodiversidade, e, também, não mede outros efeitos decorrentes do processo erosivo que afetam outras partes do ecossistema, como, por, exemplo, a qualidade dos recursos hídricos.

Para se realizar a valoração econômica dos efeitos do processo de erosão / sedimentação é necessária uma compreensão prévia dos impactos ambientais causados pelo agente degradador. Para tal finalidade, utiliza-se o Quadro 1 que representa as relações entre causas e efeitos no processo de erosão agrícola no processo de produção.

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QUADRO 1 - As relações entre causas e efeitos no processo de erosão agrícola na região do Cerrado. Problema Causas do problema Agentes causadores Efeitos Agentes

receptores Erosão do solo na área de lavoura

- Taxas de infiltração do solo reduzidas pela compactação do solo; - Monoculturas; -Insuficiente cobertura do solo; - Práticas de manejo do solo mal dimensionadas.

- Agricultores (pelo removimento excessivo do solo e práticas de manejo inadequadas).

- Perda da população de plantas; - Perda de nutrientes, calcário e outros insumos; - Deposição de sedimentos nos terraços; - Sulcos e voçorocas de erosão; - Elevação dos custos de produção; - Queda na produtividade.

- Os próprios agricultores.

Externalidades geradas pela erosão do solo nas áreas agrícolas Poluição da água - Solutos líquidos em suspensão - Agricultores - Assoreamento dos rios e represas;

- Elevação dos custos de tratamento da água; - Eutrofização dos rios; - Redução da população de peixes; - Aumento nos custos de manutenção de usinas hidrelétricas.

-Usinas hidrelétricas; - Pescadores; -População a jusante.

Regime hídrico - Redução na fase de infiltração do solo

- Agricultores - Redução na taxa de infiltração do solo; Aumento no volume das enchentes; - Redução nos caudais dos rios e rendimento de poços durante a estiagens; - Redução na evaporação do solo.

-População a jusante. - Os próprios agricultores

Fonte-LANDERS(1996)

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O processo de erosão dos solos tem basicamente dois tipos de efeitos: internos e externos. Os efeitos internos estão associados com a perda da eficiência da produção agrícola associados com o processo erosivo. Nesse sentido, esses custos são absorvidos pelos próprios produtores rurais, aumentando assim seus custos de produção no médio e longo prazo. Já os efeitos externos são absorvidos por outros agentes econômicos que sofrem fundamentalmente com o processo de assoreamento dos recursos hídricos, sendo que estes custos não estão incluídos nos custos privados do produtor / degradador. 3.2 - Efeitos internos do processo de erosão dos solos

Os custos internos do processo de erosão devem ser calculados utilizando-se as perdas de solo por cultura transformadas em perdas de nutrientes conforme a composição do solo. Considera-se que toda a perda de terra representa também correspondente perda de nutrientes. Tem-se a seguinte equação de determinação dos custos internos (MARQUES, 1998): Custos internos = Qn (Pn + Ca) + (Pp * Qp), onde: Qn = fertilizantes carreados pela erosão; Pn = preço dos fertilizantes; Ca = custo de aplicação dos fertilizantes Pp = preço da produção agrícola; Qp = redução da produtividade de longo prazo em virtude da erosão2.

A idéia básica é comparar os custos gerados pelo processo de erosão na utilização de duas tecnologias alternativas de plantio: plantio convencional utilizando técnicas de aração e gradeamento dos solos e o plantio direto que busca o não removimento dos solos e a formação de uma palhada visando aumentar a produtividade no longo prazo. Verifica-se na Tabela 2 que o plantio convencional gera uma erosão 300,12% superior ao plantio direto, indicando que esta tecnologia é muito mais sustentável no que diz respeito exclusivamente ao manejo dos solos. TABELA 2 – Grupos de culturas, área ocupada e perdas de solo no município de Mineiros – GO

Produtos Área ocupada (ha)¹

Erosão no plantio convencional

(ton./ano)²

Erosão no plantio direto (ton./ano)²

Soja 44.864 215.347,20 40.377,60Milho 8.672 29.484,80 20.812,80

TOTAL 55.536 244.832,00 61.190,40Fonte: ¹IBGE - Censo Agropecuário (1995/1996); ² Cálculos feitos a partir de SATURNINO e LANDERS (1997); o arraste de partículas na soja plantio convencional é de 4,8 ton./ano e no plantio direto 0,9 ton./ano; no milho os indicadores para o plantio convencional e o plantio são respectivamente 3,4 ton./ano e 2,4 ton./ano. Para se avaliar os efeitos do processo erosivo sobre a rentabilidade do produtor individual serão elaboradas duas hipóteses: 1) toda a produção de milho e soja no município de Mineiros – GO é feita através do plantio convencional (tabela .3) e; 2) toda a produção de milho e soja é realizada pelo uso do plantio direto (tabela 4). Utilizando-se o Método Custo-Reposição verifica-se na tabela 3 que se todos os produtores de milho e soja do município de Mineiros – GO utilizarem a tecnologia tradicional têm um custo anual com reposição de nutrientes de R$ 227.482,46, ou seja, um valor médio de R$ 4,10 por hectare.

2 Neste trabalho não são considerados a perda de produtividade no longo prazo com a erosão. Por hipótese admite-se que toda a perda de nutrientes pode ser reposta.

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TABELA 3 – Estimativa do valor econômico das perdas de solo no Plantio Convencional no município de Mineiros – GO

Nutrientes Concentração de nutrientes no solo (%)¹

Perdas de nutrientes

(ton.)

Fertilizantes Kg. Fert./kg

nutrientes¹

Perdas de fertilizante

s (ton./ano)

Preço dos fertilizantes

(R$ )

Valor econômico das perdas

em R$ / anoNitrogênio 0,096750 236,87 Uréia (45%

N) 2,22 525,85 388,00 204.029,04

Fósforo 0,002614 6,40 Superfosfato simples

5,56 35,58 263,00 9.537,54

Potássio 0,010058 24,63 Cloreto de potássio

1,66 4,08 220,00 897,60

Cálcio + Magnésio

0,094872 232,28 Calcário dolomítico

2,63 610,90 21,31 13.018,28

Perdas do solo em ton.

244.832,00 - - - - - 227.482,46

Fonte – Elaborado pelo próprio autor; ¹indicadores técnicos colhidos em Marques (1998). Por outro lado observa-se que , de acordo com a tabela 4, se todos os produtores do

município utilizarem a tecnologia do plantio direto teriam um custo médio com reposição de nutrientes de R$ 1,06 por hectare, ou seja, um custo anual com reposição de nutrientes de R$ 58.949,48. TABELA 4 – Estimativa do valor econômico das perdas de solo no Plantio Direto no município de Mineiros – GO

Nutrientes Concentração de nutrientes

no solo (%)

Perdas de nutrientes

(ton.)

Fertilizantes Kg. Fert./kg

nutrientes

Perdas de fertilizante

s (ton./ano)

Preço dos fertilizantes

(R$ )

Valor econômico das perdas

em R$ / anoNitrogênio 0,096750 59,20 Uréia (45%

N) 2,22 131,42 388,00 50.992,51

Fósforo 0,002614 1,60 Superfosfato simples

5,56 8,90 263,00 2..340,70

Potássio 0,010058 6,47 Cloreto de potássio

1,66 10,74 220,00 2.362,84

Cálcio + Magnésio

0,094872 58,05 Calcário dolomítico

2,63 152,67 21,31 3.253,43

Perdas do solo em ton.

61.190,40 - - - - - 58.949,48

Fonte – Elaborado pelo próprio autor; ¹indicadores técnicos colhidos em Marques (1998). Em uma abordagem comparativa dos custos anuais de reposição com nutrientes,

verifica-se uma redução de 74,15% com adoção da tecnologia conservacionista (plantio direto). Entretanto, do ponto de vista econômico, em uma perspectiva de maximização de lucros no curto prazo, os produtores rurais podem preferir a alternativa de ocupar outras áreas na sua propriedade sem fazer o custo de reposição de nutrientes ou mesmo trocar a tecnologia de plantio. Nesse sentido, pode ocorrer o desmatamento das reservas florestais legais e das matas ciliares para o uso como lavouras. 3.3 - Efeitos externos: os custos do assoreamento para os sistemas de captação de água

Como já foi destacado, existem vários efeitos externos associados ao processo de erosão, sendo o mais significativo o assoreamento dos recursos hídricos. O processo de assoreamento reduz a disposição de recursos hídricos para outros agentes econômicos que compartilham do mesmo recurso ambiental. Dessa forma o processo de erosão causa indiretamente, por exemplo, o aumento no custo de geração de energia elétrica, o aumento no custo da captação de água para o abastecimento urbano e pode reduzir a disposição de recursos hídricos para regiões que necessitam de projetos de irrigação. Nesse artigo a externalidade escolhida para a valoração econômica é constituído pelos efeitos econômicos do processo de erosão sobre o custo de captação de água no município de Mineiros – GO. A função física para a estimativa do total de sedimentos retidos nos córregos, rios e

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reservatórios é a seguinte (CHAVES ET ALII, 1995)3: R = P . E . n . A . p Onde: R – volume de retenção de sedimentos nos recursos hídricos P – valor médio de perda do solo E – taxa de entrega de sedimentos n – eficiência média de retenção dos sedimentos nos recursos hídricos A – área estimada pela ocupação de lavouras p – volume do solo carreado para os recursos hídricos

Ainda em uma perspectiva comparativa, nas tabelas 5 e 6 têm-se para as culturas do milho e da soja tem-se os seguintes indicadores para o plantio convencional e o plantio direto no município de Mineiros – GO: TABELA 5 – Estimativa do custo social do assoreamento dos recursos hídricos com a utilização da tecnologia de plantio convencional no sistema de captação de água no município de Mineiros – GO

Cultura R (ton./ano)

P (ton./ano)

E (%) p (%) A (ha) P (%)

Soja 10.767,36 4,8 50% 50% 44.864 20%Milho 1.474,24 3,4 50% 50% 8.672 20%

TOTAL 12.241,60 - - - - -Fonte – Elaborado pelo próprio autor; ¹indicadores técnicos colhidos em Marques (1998). TABELA 6 – Estimativa do custo social do assoreamento dos recursos hídricos com a utilização da tecnologia de plantio direto no sistema de captação de água no município de Mineiros – GO Cultura R

(ton./ano) P (ton./ano) E (%) p (%) A (ha) P (%)

Soja 2.018,88 0,9 50% 50% 44.864 20% Milho 1.040,64 2,4 50% 50% 8.672 20% TOTAL 3.059,52 Fonte – Elaborado pelo próprio autor; ¹indicadores técnicos colhidos em Marques (1998).

Considerando a hipótese de que toda o plantio de soja e milho é feito pelo método convencional (grade niveladora) o volume de retenção total estimada no município de Mineiros – GO é de 12.241,60 ton./ano. Medindo as externalidades causadas pelo processo de assoreamento sobre o sistema de captação de água, estima-se que o custo eventual de remoção do sedimento eqüivale a R$ 7,334. Desta forma pode-se calcular os custos sociais do processo de erosão / assoreamento no município de Mineiros - GO sobre o sistema de captação de água em R$ 89.730,93 /ano.

Considerando a hipótese de que toda o plantio de soja e milho é feito pelo plantio direto o volume de retenção total estimada no município de Mineiros – GO é de 3.059,52 ton./ano. Pode-se estimar os custos sociais do processo de erosão / assoreamento no município de Mineiros - GO sobre o sistema de captação de água em R$ 22.426,28 / ano.

Levando em conta a hipótese de que a Companhia Municipal de Abastecimento de Mineiros queira manter a mesma disponibilidade de recursos hídricos, verifica-se o fato que a adoção da tecnologia do plantio direto por parte dos produtores de soja e milho geraria uma economia anual para a empresa de R$ 67.304,65 que corresponde uma redução de 75% do custo anterior de remoção dos sedimentos.

Tendo em vista que esta estimativa esteja correta, faz-se uma reflexão dentro do

3 Citado por LANDERS, J. N.. O plantio direto na agricultura : o caso do Cerrado. In LOPES, I V; BASTOS FILHO, G S; BILLER, BILLER, D. e BALE, M,. In Gestão ambiental no Brasil – experiência e sucesso.. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1994, p. 8-9. 4 Valor estimado pela SABESP em U$ 3,90 para a remoção de uma tonelada de sedimentos do fundo dos rios.

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raciocínio dos custos marginais de redução da poluição e da redução dos danos marginais, será que não seria compensador para as empresas de captação de água subsidiar (instrumento de gestão econômica do meio ambiente para obter a “degradação ótima”) um programa de gestão das microbacias no seu curso de captação de água, visando obter práticas sustentáveis por parte dos produtores rurais até no valor de R$ 67.304,64, que a mesma estaria obtendo um benefício marginal com a redução da sedimentação dos recursos hídricos. A partir do somatório dos efeitos internos e externos do processo erosivo pode-se estimar que os danos ambientais causados pelo processo erosivo com a utilização do plantio convencional são de R$ 317.213,39 / ano, enquanto que se os produtores utilizarem a tecnologia do plantio direto estes mesmos danos serão de R$ 81.375,76. Entretanto, os impactos ambientais derivados ao processo de erosão dos solos não estão relacionados apenas aos seus efeitos sobre o sistema de captação de água municipal e nem somente pelas perdas de nutriente dos solos. Por essa razão, pode-se inferir que o valor total dos danos ambientais , incluindo valores de opção, quase opção e de existência dos recursos ambientais, são bastante superiores. Também a diferença monetária entre a redução dos danos ambientais com a adoção da tecnologia do plantio direto também são bem mais elevadas. 3,4 - A análise custo – benefício econômica do plantio convencional e direto

A seguir são detalhados os custos de produção de duas importantes culturas dos Cerrados brasileiros – milho e soja – no plantio convencional e no plantio direto.5 No caso da soja, conforme a tabela 7, o plantio direto é cerca de 0,47% mais caro do que o plantio convencional, demonstrando uma pequena vantagem de custos da tecnologia convencional. O plantio direto com relação ao plantio convencional tem um maior custo com insumos (9,48%), principalmente com o uso de dessecantes, e custos inferiores (- 35,84%) com relação ao preparo do solo. TABELA 7 – Custo médio de produção de soja no plantio convencional e no plantio direto no município de Mineiros – GO na safra de 1998/996.

Itens Plantio Direto (R$ / ha )

Plantio Convencional (R$ / ha )

1. Insumos 363,71 332,19Fertilizante c/ micros 119,00 119,00Inoculante 0,40 0,40Micronutriente / foliar (Zn + Mn + B) 5,00 5,00Sementes 38,00 38,00Tratamento c/ sementes 2,33 2,33Herbicidas (incluindo dessecantes) 105,02 75,90Inseticidas 21,60 21,60Fungicida 14,00 14,00Aplicação de herbicidas 3,60 1,20Aplicação de inseticidas 8,78 8,78Aplicação aérea de fungicida 10,00 10,00Calcário / há / ano 35,98 35,982. Operações hora /maq. 53,32 83,10Subsolagem - 22,50Manutenção terraços - 4,10Gradagem - 17,60Roçagem 9,50 -Plantio 17,88 12,50Colheita 21,14 21,14Transporte 5,00 5,00TOTAL 417,23 415,29Fonte – ASSOCIAÇÃO DOS PRODUTORES DE GRÃOS MINEIROS – GO (1999). Dados trabalhados pelo autor. Indicadores técnicos colhidos em LANDERS (1994).

5 Os dados foram colhidos no município de Mineiros – GO. 6 Não se considerou o custo da construção rural. Propriedade em sistema de produção em plantio direto em média a três anos.

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No caso do milho (Tabela 8), o plantio direto é cerca de (-5,9%) menor do que o plantio convencional, mostrando neste caso a maior eficiência econômica da tecnologia sustentável. Nesta cultura o plantio direto tem custos 3,62% superiores nos insumos e são inferiores em (-43,46%) no preparo do solo com relação ao plantio convencional, mostrando uma maior eficiência econômica no resultado geral. TABELA 8 – Custo médio de produção do milho no plantio convencional e no plantio direto no município de Mineiros – GO na safra de 1998/99.

Itens Plantio Direto7

(R$ / ha )Plantio Convencional

(R$ / ha )1. Insumos 402,63 388,54Fertilizante c/ micros 122,00 122,00Fertilizante cobertura 46,50 46,50Micronutriente / foliar (Zn + Mn + B) 5,00 5,00

Sementes 65,00 65,00Tratamento c/ sementes 8,95 8,95Herbicidas 59,89 44,00Inseticidas 16,30 16,30Aplicação de herbicidas 3,60 1,20Aplicação de inseticidas 4,39 4,39Adubação de cobertura - 4,20Recepção e secagem 36,00 36,00Calcário / ha / ano 35,00 35,002. Operações hora /maq. 55,88 98,85Subsolagem - 22,50Manutenção terraços - 4,09Gradagem - 22,26Roçagem (Capina) 0,50 -Plantio 17,88 12,50Colheita 27,50 27,50Transporte 10,00 10,00TOTAL 458,51 487,39Fonte – ASSOCIAÇÃO DOS PRODUTORES DE GRÃOS MINEIROS – GO (1999). Dados trabalhados pelo autor. Indicadores técnicos colhidos em LANDERS (1994).

Na análise custo-benefício da soja pode ser verificada a eficiência econômica das tecnologias de plantio em análise. As duas tecnologias – plantio direto e plantio convencional - são viáveis economicamente, pois o B / C é maior que 1 nas duas alternativas, satisfazendo a principal condição de viabilidade econômica. Considerando a taxa interna de retorno anual descontada (TIRdescano.), verifica-se que a TIRdescano anual do plantio direto é de 3,84% enquanto no plantio convencional é de 3,91% (Tabela 9).

7 Propriedade em sistema de produção em plantio direto em média a três anos.

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TABELA 9 – Análise custo-benefício da produção de soja/ha/ano8 ANOS9 PLANTIO DIRETO PLANTIO CONVENCIONAL

CUSTOS² BENEFÍCIOS CUSTOS BENEFÍCIOS0 -188,60 -204,20 1 434,60 566,67 415,29 566,672 434,60 566,67 415,29 566,673 417,23 566,67 415,29 566,674 417,23 566,67 415,29 566,675 417,23 566,67 415,29 566,676 417,23 566,67 415,29 566,677 417,23 566,67 415,29 566,678 417,23 566,67 415,29 566,679 417,23 566,67 415,29 566,67

10 417,23 566,67 415,29 566,67TOTAL DO FLUXO DE

CAIXA 4.207,04 5.666,70 4.152,90 5.666,70

TOTAL DO FLUXO DE CAIXA DESCONTADO¹

1869,26 2502,07 1833,66 2502,07

BENEFÍCIO CUSTO (B/C) 1,33853 1,36452 VALOR PRESENTE

LÍQUIDO (VPL) 444,21 464,20

TIR DESCONTADA – 10 ANOS (TIRdesc10anos)

45,80% 46,70%

TIR ANUAL DESCONTADA (TIRdescano)

3,84% 3,91%

Fonte – Elaborado pelo autor. ¹Total dos fluxos de caixa descontado a uma taxa de 18,5% (OVER-SELIC julho / 2002) ² a partir do 3° ano há queda de 2,6% nos custos do plantio direto (LANDERS, 1996).

A alternativa tecnológica mais eficiente do ponto de vista econômico é o plantio

convencional, entretanto com uma grande proximidade com o plantio direto em termos de eficiência econômica. Entretanto, em uma situação de longo prazo o processo de erosão pode afetar substancialmente as áreas cultivadas com a tecnologia convencional de aragem e gradeação simples, podendo reduzir os níveis futuros de produtividade e até mesmo, em situações mais extremas, inviabilizar as áreas para o cultivo.

Na análise custo-benefício do milho fica demonstrado que as duas tecnologias são viáveis economicamente, pois o B/C é maior que 1 nas duas alternativas , satisfazendo a principal condição de viabilidade econômica da tecnologia. Verifica-se que a TIRdesc anual do plantio direto é de 2,49% enquanto no plantio convencional é de 1,38%. (Tabela 10).

8 Os custos dos anos 1 e 2 para o plantio direto foram estimados pelo autor com base em LANDERS (1994). Os benefícios privados é a receita total por hectare, considerando o preço da saca de soja 60 kg é de R$ 13,60, e a produtividade média considerada no plantio direto no plantio convencional é de (kg/ha) 2.500. (Estes dados foram cruzados com o Censo Agrícola do IBGE - 1995). 9 Foram escolhidos 10 anos para análise no fluxo de caixa, pois é tempo suficiente para a tecnologia conservacionista apresentar rendimentos crescentes de escala em virtude da utilização da palhada no plantio direto.

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TABELA 10 – Análise custo-benefício da produção de milho/ha/ano10

ANOS PLANTIO DIRETO PLANTIO CONVENCIONAL

CUSTOS² BENEFÍCIOS CUSTOS² BENEFÍCIOS0 -188,60 -204,20 1 470,77 564,34 487,39 564,342 470,77 564,34 487,39 564,343 458,51 564,34 487,39 564,344 458,51 564,34 487,39 564,345 458,51 564,34 487,39 564,346 458,51 564,34 487,39 564,347 458,51 564,34 487,39 564,348 458,51 564,34 487,39 564,349 458,51 564,34 487,39 564,34

10 458,51 564,34 487,39 564,34TOTAL DO FLUXO DE

CAIXA 4.609,62 5.643,40 4.873,90 5.643,40

TOTAL DO FLUXO DE CAIXA DESCONTADO¹

2043,57 2491,78 2152,01 2491,78

BENEFÍCIO CUSTO (B/C) 1,21932 1,15788 VALOR PRESENTE

LÍQUIDO (VPL) 259,60 135,56

TIR DESCONTADA – 10 ANOS (TIRdesc10anos)

27,90% 14,71%

TIR ANUAL DESCONTADA (TIRdesc)

2,49% 1,38%

Fonte – Elaborado pelo autor. ¹Total dos fluxos de caixa descontado a uma taxa de 18,5% (OVER-SELIC julho / 2002) ² a partir do 3° ano há queda de 2,6% nos custos do plantio direto (LANDERS, 1996).

A alternativa tecnológica mais eficiente do ponto de vista econômico é o plantio direto, sendo que o produtor rural com o conhecimento da aplicação do sistema vai escolher esta tecnologia para o plantio. Entretanto, ressalva-se as dificuldades de manejo como um empecilho para o desenvolvimento desta tecnologia. No município de Mineiros – Go, os produtores locais estão com muitas dificuldades na prevenção de pragas e doenças, que segundo os mesmos são mais difíceis de controlar com a formação da palhada no plantio direto.

Muitos produtores vêm adotando práticas mistas de plantio (direto e convencional), visando a se precaver das vantagens e desvantagens dos dois métodos de cultivo. A principal vantagem do plantio direto é a redução do processo erosivo. Entretanto, segundo os agricultores, no plantio convencional o combate a doenças e pragas e o manejo são mais simples e eficazes.

Uma outra constatação que pode ser feita através da análise custo-benefício – em particular da TIRdescano - é que, em termos comparativos, a produção da soja é muito mais rentável do ponto de vista econômico do que a produção de milho. Um produtor de soja utilizando a técnica de plantio direto tem uma TIRdescano de 3,84%, enquanto o produtor de 10 Os custos dos anos 1 e 2 para o plantio direto foram estimados pelo autor com base em LANDERS (1994). Os benefícios privados é a receita total por hectare, considerando o preço da saca de milho (60 kg) é de R$ 7,18, e a produtividade média estimada do plantio direto e do plantio convencional é de (kg/ha) 4.716 - Censo Agropecuário Brasileiro (IBGE - 1995).

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milho, utilizando a mesma tecnologia, tem uma TIRdescano de 1,38%. Isso explica em grande parte o aumento da produção da soja na região dos Cerrados e a queda da produção de milho durante a década de 90. Segundo a FAEG (1999)11, no estado de Goiás, a produção de soja no início da década era de 1.661.260 toneladas e na safra de 1997/98 passou para 3.393.240 toneladas, apresentando um crescimento real de 104,25%. A produção de milho no início da década era de 2.886.410 e na safra 1997/98 passou para 2.527.662, houve uma queda de (–12,43%). Na tabela 11 é feita uma abordagem da evolução histórica dos custos privados nas décadas de 80 e 90 das técnicas de manejo dos solos (plantio convencional e direto) nos Cerrados brasileiros. Destaca-se o fato que a tecnologia do plantio direto está se tornando cada vez mais eficiente do ponto de vista econômico se comparada com o plantio convencional.

TABELA 11 - Avaliação comparativa dos custos relativos do plantio direto e convencional

ITEM CUNHA (1989)

LANDERS (1994)

RODRIGUES (1999)

Plantio Convencional Soja

Milho 100,00100,00

100,00100,00

100,00 100,00

Plantio Direto Soja

Milho 106,00105,00

102,4398,01

100,47 94,07

Fonte: CUNHA (1989) , LANDERS (1994), ASSOCIAÇÃO DOS PRODUTORES DE GRÃOS MINEIROS – GO (1999) - dados trabalhados pelo autor.

No final da década de 80 o plantio direto era considerado praticamente inviável economicamente para os Cerrados, a não ser em uma situação de muito longo prazo (CUNHA, 1989). Este autor demonstra que no final da década de 1980 o plantio direto tinha custos superiores ao plantio convencional. No cultivo da soja e do milho o plantio direto apresentava custos 6% e 5% superiores ao plantio convencional, respectivamente. Já na avaliação de LANDERS (1996) o plantio direto demonstrava custos menores que o plantio convencional no caso do milho em (–1,99%) e na soja a tecnologia conservacionista apresenta um custo superior em 2,43%, demonstrando uma grande proximidade nos custos privados entre o plantio direto e convencional no caso das duas culturas.

RODRIGUES (1999) reforça a tendência do aumento da eficiência econômica do plantio direto com relação ao plantio convencional. Há uma grande proximidade nos custos de produção da soja nas duas técnicas de manejo dos solos, sendo que no plantio direto os custos são superiores ao plantio convencional em apenas 0,47%, enquanto no cultivo do milho a tecnologia conservacionista apresenta custos (–5,93%) menores do que a tecnologia convencional. Em suma, ao longo da década de 90 foi constatada uma evolução da eficiência econômica do plantio direto com ao convencional. Durante este período o plantio direto foi tendo seus custos reduzidos, principalmente, pela redução do preço dos herbicidas dessecantes12. Entretanto, mesmo com a evolução da eficiência econômica do plantio direto, os produtores rurais têm algumas restrições à utilização desta tecnologia: 1) o surgimento de pragas e doenças que requerem um nível diferente de manejo pela existência da palhada; 2) falta de preparo adequado para o manejo de herbicidas e 3) a dependência da produção agrícola com relação a grandes empresas multinacionais produtoras de herbicidas

11 FAEG. Produção e custo de produção do milho e da soja. Goiânia: 1999. (mimeo) 12 Por exemplo, o litro do Rondoup (dessecante) em 1994 era US$ 8,90 e em 1999 foi orçado em US$ 3,60.

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dessecantes. 3.5 - A análise custo – benefício social do plantio convencional e do plantio direto

No caso do milho há uma vantagem de custos para a tecnologia do plantio direto, enquanto no caso da soja há um pequena vantagem para a tecnologia convencional (arado + aiveca). Resta saber quais são as externalidades ambientais das duas tecnologias, para processar a análise custo-benefício agregando os danos ambientais e os benefícios advindos da redução da degradação. Ressalta-se que principal conseqüência do manejo inadequado dos solos é o processo de erosão / sedimentação, por isso este será o impacto ambiental considerado na análise feita a seguir. Para realizar a análise custo benefício social do plantio convencional e direto, é necessário calcular o custo social médio, que agrega tanto o custo privado de produção quanto os custos ambientais gerados pelo processo erosivo. O custo social é estimado a partir do somatório dos custos de produção (privados) e dos efeitos do processo de erosão / sedimentação sobre a reposição dos nutrientes dos solos e dos efeitos da sedimentação dos recursos hídricos no sistema de captação de água (ambientais).

No caso da soja, a utilização do plantio convencional gera um custo social de R$ 422,53 por hectare / ano, sendo R$ 415,29 de custo privado e R$ 7,24 de custo ambiental (R$ 4,5 para a reposição de nutrientes do solo erodido e R$ 1,72 para cobrir custos com a remoção dos sedimentos dos recursos hídricos). Já no plantio direto, o cultivo da soja gera um custo social de R$ 418,59 por hectare / ano, sendo R$ 417,23 de custo privado e R$ 1,36 de custo ambiental (R$ 0,61 para a reposição de nutrientes e R$ 0,69 para a remoção de sedimentos dos recursos hídricos) (Tabela 12).

No caso do milho, a utilização do plantio convencional gera um custo social de R$ 487,39 por hectare / ano, sendo R$ 487,39 de custo privado e R$ 5,13 de custo ambiental (R$ 3,16 para a reposição de nutrientes do solo erodido e R$ 1,25 para cobrir custos com a remoção dos sedimentos dos recursos hídricos). Já no plantio direto, o cultivo de milho gera um custo social de R$ 458,51 por hectare / ano, sendo R$ 458,51 de custo privado e R$ 3,62 de custo ambiental (R$ 2,30 para a reposição de nutrientes e R$ 0,32 para a remoção de sedimentos dos recursos hídricos) (Tabela 12).

TABELA 12 - Estimativa do custo social médio das tecnologias de plantio convencional e direto

Áreas de plantio Custo de produção médio

(R$ / ha)

Custo ambiental médio

(R$ / ha)

Custo social médio

(R$ / ha) Plantio convencional

Soja 415,29 7,24 422,53 Milho 487,39 5,13 492,52

Plantio direto Soja 417,23 1,36 418,59

Milho 458,51 3,62 462,13 Fonte – Elaboração própria.

Na Tabela 12 verifica-se que no caso da soja, a adoção do plantio direto reduz o custo ambiental em (-81,22%) e o custo social em (0,93%). Já no caso do milho, a adoção do plantio direto reduz o custo ambiental em (-29,43%) e o custo social em (-6,17%).

Após os cálculos dos custos sociais é possível realizar análise custo-benefício social, que incorpora, simultaneamente, os custos privados e os custos ambientais nos cultivos da soja e do milho utilizando plantio direto e convencional. No caso da soja, a adoção do plantio direto gera um valor presente líquido social 1,38% e uma taxa interna de retorno

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descontada social anual 0,29% maiores do que no caso do plantio convencional (Tabela 13).

TABELA 13 – Análise dos custos sociais do processo erosivo na produção de soja/ha/ano

ANOS PLANTIO DIRETO PLANTIO CONVENCIONAL CUSTOS² BENEFÍCIOS CUSTOS² BENEFÍCIOS 0 -188,60 -204,20 1 435,96 566,67 422,53 566,672 435,96 566,67 422,53 566,673 418,59 566,67 422,53 566,674 418,59 566,67 422,53 566,675 418,59 566,67 422,53 566,676 418,59 566,67 422,53 566,677 418,59 566,67 422,53 566,678 418,59 566,67 422,53 566,679 418,59 566,67 422,53 566,67

10 418,59 566,67 422,53 566,67TOTAL DO FLUXO 4.220,64 5.666,70 4.225,30 5.666,70TOTAL DO FLUXO DESCONTADO¹

1875,26 2502,07 1865,63 2502,07

B/C SOCIAL 1,33425 1,34114 VPL SOCIAL 438,20 432,23

TIR DESCONTADA SOCIAL – 10 ANOS

(TIRdescsoc10anos)

45,20% 43,66%

TIR DESCONTADA SOCIAL ANUAL

(TIRdescsocano)

3,80% 3,69%

Fonte – Elaboração própria. ¹Total dos fluxos de caixa descontado a uma taxa de 18,5% (OVER-SELIC julho / 2002) ² a partir do 3° ano há queda de 2,6% nos custos do plantio direto (LANDERS, 1996). Olhando apenas os custos e benefícios privados na produção da soja, os indicadores econômicos apontaram para a vantagem da adoção no plantio convencional. Entretanto, com a soma dos custos ambientais envolvidos nas duas tecnologias de plantio, a situação inverte-se. Ficando o plantio direto com melhores indicadores de viabilidade. Na produção da soja quais variáveis, ou condições específicas, implicam nessa alteração das condições de viabilidade econômica e ambiental destas tecnologias de plantio?

Observa-se que enquanto os custos de produção da soja são superiores no plantio direto em 0,47%, mas ao adicionar-se os custos ambientais de reposição nutrientes do solo o plantio direto passa a ter um custo (-0,37%) menor (Gráfico 1). Este indicador demonstra que na medida que as terras aptas para atividade agrícola são utilizadas na fazenda, o produtor sente-se impelido a adotar práticas mais sustentáveis de cultivo (plantio direto), pois o seu custo com erosão é menor. Isso explica, em parte, a grande aceitação do plantio direto em áreas de Cerrado, com uma adesão cada vez maior de produtores.

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Fonte – Elaboração própria. No caso do milho, a adoção do plantio direto gera um valor presente líquido social 299,68% e uma taxa interna de retorno descontada social anual 1,19% maiores do que no caso do plantio convencional (Tabela 14). TABELA 14 – Análise dos custos sociais do processo erosivo na produção de milho/ha/ano

ANOS PLANTIO DIRETO PLANTIO CONVENCIONAL

CUSTOS² BENEFÍCIOS CUSTOS² BENEFÍCIOS 0 -188,60 -204,20 1 471,64 564,34 418,56 564,342 471,64 564,34 418,56 564,343 459,38 564,34 418,56 564,344 459,38 564,34 418,56 564,345 459,38 564,34 418,56 564,346 459,38 564,34 418,56 564,347 459,38 564,34 418,56 564,348 459,38 564,34 418,56 564,349 459,38 564,34 418,56 564,3410 459,38 564,34 418,56 564,34

TOTAL DO FLUXO 4.618,32 5.643,40 4.185,60 5.643,40TOTAL DO FLUXO DESCONTADO¹

2047,42 2491,78 1848,10 2491,78

B/C 1,31069 1,14582 VPL 451,28 112,91 TIR DESCONTADA – 10 ANOS (TIRdesc10anos)

26,27% 12,37%

TIR ANUAL 2,36% 1,17% Fonte – Elaboração própria. ¹Total dos fluxos de caixa descontado a uma taxa de 18,5% (OVER-SELIC julho / 2002) ² a partir do 3° ano há queda de 2,6% nos custos do plantio direto (LANDERS, 1996).

GRÁFICO 1 - SOJA: COMPARAÇÃO DOS CUSTOS SOCIAIS NO PLANTIO DIRETO E CONVENCIONAL

417,23415,29

2,62

4,621,100,62

405,00

407,00

409,00

411,00

413,00

415,00

417,00

419,00

421,00

423,00

Plantio direto Plantio convencional

R$

/ ha

Custo de produção Custo reposição de nutrientes do solo Custo assoreamento

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Fonte – Elaboração própria. No caso do milho, o plantio direto tem uma clara vantagem sobre o plantio

convencional, tanto em custos privados e sociais. Com a adoção do plantio direto tem-se uma redução de (-5,93%) no custo de produção , (-29,43%) no custo ambiental e (-6,37%) no custo social (Gráfico 2). Sintetizando, no caso da soja a adoção do plantio direto eleva o custo de produção em 0,47%, mas com a adição do custo de reposição de nutrientes do solo este custo passa a ser (-0,37%) menor do que no plantio convencional. Ainda, com a posterior adição do custo de remoção de sedimentos de recursos hídricos, o custo social passa a ser (-0,93%) menor do que no plantio convencional. Avaliando, especificamente, os custos ambientais (reposição de solos e assoreamento de recursos hídricos), no cultivo da soja, a adoção do plantio direto reduz o custo ambiental em (-80,28%) (Gráfico 1). No caso do milho, a adoção do plantio direto reduz o custo de produção em (-5,92%), custo ambiental em (-29,43%) e o custo social em (-6,17%) (Gráfico 2). Assim, a hipótese central do trabalho que o plantio direto causa uma elevação dos custos de produção e leva a uma redução custos ambientais é corroborada para o cultivo da soja e rejeitada para o cultivo do milho, uma vez que neste caso também os custos de produção privados são menores no plantio direto e os custos ambientais inferiores, devido a redução do processo de erosão dos solos e assoreamento dos recursos hídricos.

GRÁFICO 2 - MILHO: COMPARAÇÃO DOS CUSTOS SOCIAIS DO PLANTIO CONVENCIONAL E DIRETO

458,51

487,393,62

5,13

440,00

450,00

460,00

470,00

480,00

490,00

500,00

Plantio direto Plantio convencional

R$

/ ha

Custo de produção Custo Ambiental

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Particularmente, considerando a arraste de partículas assoreando os recursos hídricos (rios, córregos e reservatórios) verifica-se que a adoção do plantio direto reduziria os custos das atividades econômicas e dos empreendimentos que dependessem diretamente da captação da água, como, por exemplo, empresas de saneamento, usinas hidrelétricas e, até mesmo, outros produtores rurais que estão localizados ao longo da microbacia. Outros benefícios existem, em nível de produtor, porém nem sempre são imediatamente percebidos ou economicamente valorados, como o aumento da capacidade de retenção da água no solo, bem como a redução da necessidade de herbicidas nas safras seguintes. A conversão ao plantio direto, por exemplo, reduz o tempo de preparo do solo e, com isso, o tempo gasto pelo gerente / produtor na condução da operação.

O que se pode concluir em termos de análise custo benefício que além da tecnologia do plantio direto ser mais eficiente do ponto de vista econômico no caso do milho tem um custo de produção relativamente superior no caso da soja. Entretanto, o plantio direto gera um benefício social líquido na medida que reduz o impacto da erosão sobre a sedimentação dos recursos hídricos reduzindo as externalidades ambientais negativas. Isto afeta positivamente o bem-estar dos outros agentes econômicos que dependem do mesmo recurso ambiental, podendo justificar a intervenção do poder público, através de instrumentos de gestão econômica do meio ambiente - para estimular a adoção da tecnologia tida como mais conservacionista.

No caso do milho, sendo a tecnologia do plantio direto mais eficiente economicamente do que o plantio convencional não há razão para o poder público elaborar instrumentos de gestão econômica do meio ambiente (subsídios) para estimular a adoção da tecnologia considerada conservacionista, pois neste caso apenas os mecanismos de mercado são suficientes. Entretanto, recomenda-se como sendo responsabilidade do poder público a promoção de programas de educação ambiental para a disseminação da tecnologia agrícola sustentável.

No cultura do milho, com a utilização do plantio direto, houve a feliz coincidência de que a tecnologia menos agressiva ao meio ambiente também é a mais eficiente do ponto de vista econômico. Entretanto isso só foi possível porque os produtores rurais começaram a sentir os efeitos da erosão sobre seus níveis de lucratividade e houve um acentuado investimento em pesquisa agropecuária por parte do governo e entidades de classe para o aperfeiçoamento desta técnica de plantio.

No caso da soja, a tecnologia do plantio convencional apresentou custos de produção menores do que o plantio direto, entretanto com a consideração dos custos com reposição de nutrientes, o plantio direto já passa a apresentar vantagens econômicas. Também, neste caso, é imprescindível que o poder público juntamente com as organizações dos produtores rurais, disseminem o plantio direto para ampliar sua utilização, levando-se em conta a necessidade de treinamento dos produtores rurais para o correto manejo dos herbicidas a fim de evitar acidentes de trabalho e o agravamento dos impactos ambientais desta tecnologia. Outro papel fundamental a ser desempenhado pelo poder público, é fomento a pesquisas agronômicas que visem a aperfeiçoar o plantio direto, principalmente na redução do uso de herbicidas no seu manejo, reduzindo assim possíveis contaminações de cursos de água. 4) Considerações Finais O plantio direto é uma tecnologia em plena expansão nos Cerrados brasileiros, atualmente nos Cerrados cerca de 4.000.000 de hectares são cultivados em neste regime de plantio. Nos últimos anos, o plantio direto vem tendo grandes evoluções em termos de eficiência econômica através do esforço do institutos de pesquisa do governo, de grandes empresas multinacionais à montante e das associações dos produtores, onde os herbicidas dessecantes vem tendo seus preços reduzidos e as técnicas de manejo estão sendo difundidas em larga escala. Em termos ambientais a técnica do plantio direto apresenta

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várias vantagens, principalmente, associadas com a redução do processo de erosão dos solos e assoreamento dos recursos hídricos. No caso da soja a adoção do plantio direto eleva o custo de produção em 0,47%, mas com a adição do custo de reposição de nutrientes do solo este custo passa a ser (-0,37%) menor do que no plantio convencional. Isso comprova que em uma situação de longo prazo o plantio direto já uma alternativa econômica mais atraente do que o plantio convencional, na medida em que áreas vão sendo praticamente inutilizadas para a exploração econômica em propriedades que utilizam métodos convencionais de cultivo. Ainda, com a posterior adição do custo de remoção de sedimentos de recursos hídricos, o custo social passa a ser (-0,93%) menor do que no plantio convencional. Ademais, foi verificada uma redução de (-81,22%) no custo ambiental com a adoção do plantio direto, ficando assim demonstrado a maior sustentabilidade da tecnologia conservacionista.

No cultivo do milho, os custos de produção do plantio direto são (-5,92%) menores do que os referentes ao plantio convencional, demostrando a maior eficiência econômica da tecnologia sustentável. O plantio direto tem custos 3,62% superiores nos insumos e são inferiores em (-43,44%) no preparo do solo com relação ao plantio convencional, mostrando uma maior eficiência econômica no resultado geral. Ademais, a adoção do plantio direto reduz o custo ambiental em (-29,43%) e o custo social em (-6,17%), também ficando assim demonstrado a maior sustentabilidade da tecnologia conservacionista. . 5) Referências Bibliográficas AFFIN ,O,A.D.; ZINN,Y.L. Biodiversidade e produção sustentável de alimentos e fibras nos Cerrados. In: PEREIRA, R.C.; NASSER,L.C.B. VIII Simpósio sobre o Cerrado. Brasília:1996. p.28-35.

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MUDANÇA ESTRUTURAL NO SETOR SUPERMERCADISTA BRASILEIRO

Mônica Concha-Amin1

Danilo R. D. Aguiar2

Resumo – Este trabalho analisa a estrutura do segmento supermercados, no Brasil, desde o ano 1991 até 2002. Constatou-se que houve crescimento da concentração, impulsionado pela entrada de redes supermercadistas estrangeiras e por expressivo processo de fusões e aquisições, nos últimos anos da década de 1990. No tocante aos efeitos da concentração do mercado, o elevado turnover entre os supermercados menores e a rivalidade entre as maiores redes supermercdistas, disputando parcelas de mercado, pode estar dificultando o exercício de poder de monopólio por meio de preços mais altos ao consumidor. No entanto, em mercados em que a concentração é maior, e a rivalidade é menor, os preços pagos pelos consumidores tendem a ser maiores, o que gera preocupações em relação ao futuro, caso a tendência de concentração se aprofunde. Por outro lado, o uso de poder monopsônico, particularmente por meio de estratégias extra-preço, tal como, a transferência de custos aos fornecedores, parece estar presente de forma mais generalizada. Palavras-chave: poder de mercado, varejo, supermercados. Abstract – This paper analyzes the structure of the supermarket sector in Brazil from 1991 to 2002. It was verified a process of market concentration intensified by entry of foreign retail companies and by an increase in merger and acquisitions in the end of the 1990’s. Despite the increasing in market concentration, both high turnover and rivalry among the major supermarkets might have precluded the exercise of market power through retail prices. However, in local markets where the concentration is higher and rivalry is weak, retail prices tend to be higher, what raises concerns about market power usage in case of increasing concentration. On the other hand, monopsony power has been used mainly by means of extra-price strategies such as the transference of costs to suppliers. Key-words: market power, retail, supermarkets.

1 Economista, mestre em economia aplicada pela Universidade Federal de Viçosa. 2 Professor adjunto IV do Departamento de Economia Rural da Universidade Federal de Viçosa.

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MUDANÇA ESTRUTURAL NO SETOR SUPERMERCADISTA BRASILEIRO

1. INTRODUÇÃO

O padrão de crescimento do setor supermercadista brasileiro tem acompanhado as tendências de globalização econômica. Há evidências de aumento de concentração de mercado, logo após a implantação do Plano real, em 1994 e maior entrada de redes supermercadistas estrangeiras (AGUIAR e SILVA, 2002). Paralelamente ao aumento da concentração, as fusões dentro do setor aumentaram expressivamente em meados da década de noventa e, mais notoriamente, a partir de 1997, enquanto a participação de redes estrangeiras, como a francesa CARREFOUR, a norte-americana WAL MART, a portuguesa SONAE e a holandesa ROYAL AHOLD, entre outras, se acentuou no País.

Diante desse cenário, a questão que se coloca é como as mudanças na organização estrutural do setor estão afetando a sociedade. Embora esta questão seja de extrema relevância nos dias atuais, a literatura brasileira tem dado pouca atenção à reestruturação do varejo. Sobre o setor supermercadista, predominam trabalhos acadêmicos nas áreas de administração de empresas, marketing e, em menor grau, engenharia da produção e economia, tendo sido analisados aspectos que envolvem a gestão financeira e organizacional das empresas, a competitividade das empresas do setor, as mudanças de hábitos dos consumidores, os preços e as margens de comercialização, entre outros tópicos3. Na área de economia, em particular, CYRILLO (1987) analisou a estrutura do setor supermercadista brasileiro nas três décadas anteriores a 1987.

Portanto, evidencia-se uma lacuna na análise econômica sobre os supermercados brasileiros, a qual impede maior compreensão sobre o que está ocorrendo no setor de varejo em anos mais recentes. Por um lado, os dados e informações apresentados em diversos estudos sugerem que a estrutura do segmento supermercadista brasileiro tem mudado drasticamente. Por outro lado, a literatura recente referente ao varejo brasileiro mostra-se carente de estudos que discutam, em profundidade, as várias dimensões das mudanças estruturais pelas quais têm passado o setor. Sendo as estratégias uma decorrência da estrutura de mercado, a caracterização das mudanças estruturais deveria ser o ponto de partida para a compreensão dos impactos das diferentes estratégias adotadas por supermercadistas. Por isso, o foco deste trabalho é justamente a estrutura do segmento supermercadista.

O objetivo principal desta pesquisa consiste em quantificar e avaliar as principais mudanças na estrutura do setor supermercadista brasileiro no período 1991 – 2002 e examinar seus possíveis efeitos sobre consumidores e fornecedores. Especificamente, pretende-se: (a) Caracterizar a estrutura do setor supermercadista no Brasil a partir de 1991; (b) Identificar as principais mudanças que vêm ocorrendo no setor; e (c) Avaliar os possíveis impactos de tais mudanças, no sentido de facilitarem ou dificultarem o exercício de poder de mercado por parte dos supermercados.

2. METODOLOGIA 2.1. Referencial teórico O referencial teórico da pesquisa é o modelo estrutura-conduta-desempenho (E-C-D), desenvolvido por Mason (1939) e Bain (1968). De maneira geral, a escola de pensamento que propôs o modelo E-C-D considera que estruturas de mercado mais concentradas e, ou, 3 Ver NETO (2000), CAMPOS (2000), DELUCA (2001), LEPSCH (2001), PASTORELLY (1999), DIB (1997), KLEIN (1995) e BEISER (1995), entre outros.

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elevadas barreiras à entrada, proporcionariam maior poder econômico que seria exercido por meio de condutas oligopolistas, as quais reduziriam o bem-estar social, seja por meio de preços não-competitivos repassados aos consumidores, seja por exercício de poder abusivo com outros agentes econômicos (tais como fornecedores). Este quadro se agravaria em presença de produtos altamente diferenciados. Conseqüentemente, essa escola propõe que políticas públicas atuem sobre a estrutura (causa) para aumentar o bem-estar (efeito).

Contrapondo-se ao modelo E-C-D, os economistas da linha teórica conhecida como Escola de Chicago defendem que ganhos de eficiência adviriam de estruturas mais concentradas, uma vez que empresas maiores se beneficiariam de economias de escala e escopo e, além disso, qualquer firma que fosse eficiente estaria nas mesmas condições de atingir tais vantagens. Para chegar a tal resultado, a Escola de Chicago assume ausência de barreiras à entrada, as quais só seriam criadas, na visão desta linha de pensamento, por meio de políticas públicas reguladoras. Conseqüentemente, a Escola de Chicago defende que nenhum tipo de intervenção governamental seja feito. Ainda segundo os economistas da Escola de Chicago, o modelo de competição perfeita teria poder explicativo para qualquer evento econômico, o que se contrapõe à escola E-C-D que enfatiza os modelos de oligopólio.

Dadas as posições divergentes dos principais grupos teóricos da teoria da organização industrial, a prática recente tem sido no sentido de se verificar, empiricamente, o potencial de uso de poder de mercado decorrente dos processos de concentração de mercado, antes de se coibir atos de concentração. Atualmente, há consenso entre os estudiosos das várias linhas teóricas de que existam, também, aspectos positivos relacionados com o aumento de tamanho das firmas, desde que as barreiras à entrada sejam pouco expressivas. Entretanto, grandes empresas costumam adotar comportamentos estratégicos, caracterizados por ações que elevam o custo de entrada de concorrentes, reforçando seu poder de mercado.

2.2. Métodos analíticos

As variáveis estimadas neste trabalho para representar a estrutura de mercado foram as taxas de concentração de mercado (CRk) e o índice de Herfindahl- Hirschman (H), sendo analisado, também, o grau de turnover do setor.

A CRk é definida como a parcela de mercado de um determinado número de firmas (k), podendo ser calculada pela equação (1):

CRk = ∑=

k

iis

1 (1)

Em que Si é a parcela de mercado da firma i, e i varia de 1 a k, sendo que k

representa o número de firmas escolhido. Os resultados de CRk podem ser expressos em forma percentual ou decimal e

permitem descrever como as parcelas de mercado estão distribuídas entre as firmas. Logicamente, quanto maior a parcela de mercado nas mãos das maiores firmas, mais poder de mercado estas terão.

O índice H fornece outras informações para avaliar o grau de concentração. Este índice é calculado pela soma dos quadrados das parcelas de mercado de cada firma, em determinada indústria ou setor, como descreve a equação (2).

H = ∑=

N

iis

1

2 (2)

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3

Em que N é o número total de firmas do setor, Si é a parcela de mercado da firma i e , i varia de 1,2,3,.......até N.

No caso, as parcelas de mercado podem ser expressas na forma percentual ou na

forma decimal. Quando utilizada a notação decimal, o resultado obtido varia entre zero e um. Valor de H próximo de zero indica maior número de empresas no mercado, e H próximo a um indica reduzido número de empresas. Os valores do H permitem comparar o grau de concentração entre indústrias ou setores diferentes, assim como estabelecer o número de firmas (N*) que um mercado teria para atingir o valor calculado de H com firmas idênticas. O valor de N* é calculado como o inverso do valor do índice H.

A variação dos resultados de N*, calculados para determinado período de tempo, melhor ilustra a dimensão de concentração de um dado mercado. A importância do uso de tal instrumento para ajudar na interpretação do índice H decorre de o H reduzir-se rapidamente à medida que aumenta o número de firmas no mercado, o que poderia dar a falsa impressão de um mercado pouco concentrado. Por exemplo, um H igual a 0,25 poderia dar a falsa idéia de um mercado pouco concentrado, já que 0,25 está muito mais próximo de zero do que de um. Entretanto, o valor do N* mostra que tal valor de H corresponde a um mercado com quatro firmas iguais, o que caracteriza um mercado bastante concentrado.

Para calcular os indicadores mencionados nas equações (1) e (2) é preciso definir, adequadamente, o mercado relevante e seu espaço geográfico, já que, de outro modo, os resultados obtidos estariam viesados. Assim, dependendo dos produtos ou serviços incluídos na definição do mercado e dependendo de se considerar maior ou menor área geográfica, diferentes níveis de concentração seriam obtidos.

Normalmente, quanto mais ampla a delimitação do mercado, seja em termos de produtos ou espaço geográfico, menores seriam os valores calculados da CRk e do H. Embora deva-se reconhecer a importância da delimitação do mercado, nem sempre é possível se obter dados com o nível de agregação desejável. O que se faz, normalmente, é calcular os índices por meio dos dados que estiverem disponíveis, tomando-se cuidado especial na interpretação dos resultados.

Outra limitação do uso isolado da CRk e do H, numa análise dinâmica, é que os mesmos não mostram se as empresas que os compunham num dado ano eram as mesmas do período precedente. Para avaliar a dinâmica da competição no setor, ferramentas analíticas adicionais podem ser utilizadas, como a análise de turnover. A definição de turnover utilizada por HYMER E PASHIGIAN (1962) consiste na mudança nas posições das empresas, em determinado ranking, dentro de dado período. Para operacionalizar a análise de turnover, este artigo baseia-se no procedimento desenvolvido por JOSCOW (1960).

O método proposto por JOSCOW (1960) permite identificar as mudanças na posição de determinadas empresas de um ano para outro, dividindo o conjunto de empresas em grupos. No exemplo apresentado no Quadro 1, as firmas foram divididas, com base nas posições que ocupavam em 1992 (início), em grupos de cinco empresas, ou seja, o grupo A seria formado pelas cinco maiores, o grupo B seria formado pelas empresas que ocupavam da 6ª à 10ª posição, e assim sucessivamente. O Quadro 1 mostra como as cinco empresas de cada grupo se encontravam em 2002. Por exemplo, a primeira linha mostra que das cinco empresas que faziam parte do grupo A, em 1992, apenas duas continuavam neste grupo em 2002, sendo que uma havia saído desse grupo, ficando no grupo B, e duas haviam saído do mercado. Similarmente, para as empresas que faziam parte do grupo B (segunda linha), em 1992, três permaneciam neste grupo em 2002, uma havia ascendido para o grupo A e outra havia saído do mercado. Este procedimento é feito para todos os grupos, ficando, na última linha, a soma das colunas.

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4

Quadro 1 – Exemplo de análise de resultados de turnover por meio do procedimento de JOSCOW (1960)

ANO INICIAL: 1992 ANO FINAL: 2002 GRUPO RANK Grupo A Grupo B Grupo ... SAIU TOTAL

A (1 – 5) 2 1 2 5 B (6 – 10) 1 3 1 5 ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...

TOTAL Soma da coluna

Soma da coluna

Soma da coluna

Soma da coluna

Soma da coluna

A partir dos resultados obtidos no Quadro 1, é possível organizar os dados como

aparece no Quadro 2. Dessa forma, fica claramente definido o número de firmas que ascenderam, caíram, saíram ou permaneceram no mesmo grupo.

Quadro 2 – Exemplo de mudança na posição por número de empresas para análise de

resultados de turnover Grupo Ascenderam Caíram Saíram Permaneceram

A (1 – 5) ... 1 2 2 B (6 – 10) 1 1 3

...

... TOTAL 1 1 3 5

Posteriormente, o número de “vagas” ocupadas pelas empresas que ingressaram no

mercado, por grupo, é identificado pela diferença entre o número de firmas que compõe cada grupo (cinco, no exemplo) e o número de firmas que se mantiveram nesse grupo (última coluna), até o final do período de análise.

Para caracterizar a dinâmica da competição no segmento supermercadista brasileiro, este artigo aplica o método de JOSCOW (1960) para as 300 maiores empresas supermercadistas do ano de 1992, avaliando as mudanças de posicionamento, por grupos, no período completo 1992 – 2001, e no período compreendido entre 1992 e 1997.

2.3. Natureza e fonte de dados

Seguindo o critério adotado pela Associação Brasileira de Supermercados (ABRAS) e pela empresa de consultoria de mercados ACNielsen, o auto-serviço é definido pela existência de, no mínimo, um check-out, enquanto a categoria “supermercado” diz respeito, exclusivamente, às lojas com dois ou mais check-outs (SUPERHIPER, 2000). As análises de dados e os resultados apresentados neste artigo enfatizam os supermercados, na maioria das vezes em nível nacional e, em alguns casos, em nível regional e estadual, segundo a disponibilidade de dados e a precisão requerida para estes serem interpretados. Adotou-se maior especificidade focalizando as 300 maiores empresas do Ranking ABRAS/ACNielsen (período 1992-2002) e, particularmente, as 30 primeiras firmas dentro desse grupo4, considerando as 300 como representativas do segmento por serem responsáveis, na média do período, por mais de 95% do faturamento bruto dos supermercados participantes do censo ABRAS/ ACNielsen.

4 Os dados mais recentes, do ano 2002, foram incorporados até o que foi possível pois não estão, ainda, disponibilizados, no site da ABRAS, da mesma forma que para os anos anteriores (ABRASNET, 2003).

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Em termos de mercado relevante, adota-se, na maioria das vezes, o critério adotado pelo CADE, publicado em SEAE (2002, p.4), excluindo as análises para o setor de auto-serviços - que não corresponde aos supermercados - pelo sortimento limitado das lojas de 1 check-out, impossibilitando a perfeita capacidade de substituição, para os consumidores, entre este tipo de lojas e os supermercados. A periodicidade dos dados varia segundo sua disponibilidade. O período de análise inicia-se em 1991.

3. RESULTADOS 3.1. Concentração de mercado

Os dados da Tabela 1 apresentam vários cálculos de taxas de concentração (CRk), com base no faturamento bruto nominal de todas as empresas do setor auto-serviços e das 300 maiores empresas. Infelizmente, só havia dados em relação a todo o setor para o período pós-1993, razão pela qual utiliza-se, também, as taxas de concentração entre as 300 maiores, desde 1992.

Os vários índices reportados na Tabela 1 mostram que as parcelas de mercado das cinco, das 10, das 20 e das 30 maiores firmas aumentaram entre 1995 e 2000. Nota-se ainda que, neste mesmo período, a parcela das cinco maiores aumentou relativamente mais que as parcelas das 10, 20 e 30 maiores, porém houve tendência de queda na participação das cinco primeiras entre as 20 e as 30 maiores a partir de 2000, sugerindo maior crescimento das empresas que ocuparam da sexta até a trigésima posição, nos respectivos anos. Mas, mesmo assim, as cinco maiores continuam controlando cerca de 40% do mercado total do setor.

Os resultados da Tabela 1, em relação às 300 maiores firmas, podem ser visualizados, graficamente, por meio da Figura 1. Nota-se, nesta figura, o aumento expressivo (20%) da concentração de mercado entre 1997 e 1999. Um aumento desta magnitude, num período tão curto, é quase impossível de ser feito por meio de implantação de novas unidades. O que está por trás desta transformação é um forte processo de fusões e aquisições de empresas supermercadistas, assunto este que será tratado mais adiante.

Tabela 1 – Taxas de concentração (CRk) para as 30 maiores empresas de supermercados no

Brasil, período 1992 - 2002

Fonte: Ranking ABRAS (1992 – 2002); ABRASNET (2003). Obs.: Em alguns anos, as 300 maiores empresas reportadas pela ABRAS são aquelas com um mínimo

de 5 check – outs que ocupam os primeiros lugares em faturamento bruto por ano. As parcelas de mercado foram calculadas sobre o faturamento bruto, em valores nominais. O total do setor para os anos 1994 e 1995 foi estimado baseando-se no resultado de CR5 apresentado em Aguiar e Silva, (2002).

ANO

CR5 entre as maiores

300

CR10 entre as maiores

300

CR20 entre as maiores

300

CR30 entre as maiores

300

CR5 entre o Total do

Setor

CR10 entre o

Total do Setor

CR20 entre o

Total do Setor

CR30 entre o

Total do Setor

CR300 entre o

Total do Setor

CR5 entre as maiores 10

das 300

CR5 entre as maiores 20

das 300

CR5entre as maiores 30 das 300

1992 0,38 0,47 0,58 0,64 ... ... ... ... ... 0,81 0,66 0,591993 0,38 0,48 0,6 0,66 ... ... ... ... ... 0,79 0,63 0,581994 0,38 0,47 0,58 0,65 0,23 0,29 0,35 0,39 0,61 0,81 0,66 0,581995 0,38 0,47 0,57 0,63 0,28 0,35 0,43 0,47 0,74 0,81 0,67 0,61996 0,39 0,48 0,6 0,67 0,26 0,33 0,4 0,45 0,68 0,81 0,65 0,581997 0,4 0,49 0,6 0,68 0,27 0,34 0,42 0,47 0,69 0,82 0,67 0,591998 0,48 0,58 0,67 0,73 0,33 0,4 0,46 0,5 0,69 0,83 0,72 0,661999 0,6 0,69 0,76 0,8 0,39 0,45 0,5 0,53 0,65 0,87 0,79 0,752000 0,61 0,7 0,77 0,81 0,41 0,47 0,52 0,54 0,67 0,87 0,79 0,752001 0,6 0,7 0,78 0,82 0,39 0,46 0,51 0,54 0,65 0,86 0,77 0,732002 0,59 0,69 0,78 0,82 0,39 0,45 0,51 0,54 0,66 0,86 0,76 0,72

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Figura 1 – Taxas de concentração (CRk) para as 30 maiores empresas de

supermercados no Brasil, período 1992 – 2002, sobre o faturamento das 300 maiores.

Fonte: Ranking ABRAS /ACNielsen (1992 – 2002). Para situar a estrutura do varejo brasileiro no contexto internacional, a Tabela 2

reporta taxas de concentração para as 5 maiores firmas no Brasil e em alguns países membros da União Européia (UE). Nota-se que o processo de concentração ocorrido no Brasil levou a mercado brasileiro a níveis de concentração similares aos encontrados na maioria dos países europeus, quando se considera o CR5 em relação aos maiores 300 supermercados. No caso do CR5 em relação a todo o setor de auto-serviço, nota-se que a concentração, no Brasil ainda é bem menor do que nos países europeus. Entretanto, como os países europeus são substancialmente menores que o Brasil, é natural que a concentração de mercado seja maior nesses países. O que se nota, no entanto, é que a concentração do varejo europeu reduziu sua taxa de crescimento na segunda metade da década de 1990, período em que a parcela das cinco maiores redes supermercadistas aumentou 50% no Brasil.

Tabela 2 – Taxas de concentração no varejo de alimentos e produtos básicos para o

Brasil e outros países da União Européia em 1993 - 1996 - 1999

CR5 (%) Países 1993 1996 1999

Variação entre 1996 e 1999 (%)

Brasila 38 39 60 76,9 Brasilb ... 26 39 50,0 Portugal 36,5 55,7 63,2 13,5 Áustria 54,2 58,6 60,2 2,7 Bélgica e Luxemburgo 60,2 61,6 60,9 -1,1 Irlanda 62,6 64,2 58,3 -9,2 Reino Unido 50,2 56,2 63,0 12,1 UE (peso médio) 40,7 43,7 48,9 11,9

Fonte: Dados da pesquisa para o Brasil. DOBSON et. all. (2003, p.113) para os outros países e a UE. ª Parcela de mercado sobre as 300 maiores firmas de supermercados b Parcela de mercado sobre o total do setor auto-serviços. Obs.: Parcela de mercado das 5 maiores firmas no varejo de alimentos e produtos básicos para os

países membros da UE.

00.10.20.30.40.50.60.70.80.9

1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002Tax

as d

e co

ncen

traç

ão d

ecim

ais (

fat.

brut

o em

val

ores

nom

inai

s)CR5CR10CR20CR30

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A Tabela 2 mostra ainda que o processo de concentração do varejo brasileiro se deu

de maneira mais tardia em relação ao que se verificou nos países europeus, onde a concentração tem se mantido aproximadamente estável desde meados da década de 1995. Este aspecto é importante porque as dificuldades de expansão enfrentadas pelas redes supermercadistas européias, em sua região, foi um dos aspectos que levou as mesmas a investirem nos mercados emergentes na segunda metade da década de 1990. Nota-se, na última coluna, que houve até casos de redução da concentração em alguns países, ocorrendo o posto no Brasil.

No caso dos Estados Unidos, HENDRICKSON et al. (2001) reportam que o CR5 do varejo norte-americano aumentou de 24%, em 1997, para 42%, em 2000. Ou seja, nos estados Unidos está ocorrendo um processo muito semelhante ao que vem ocorrendo no Brasi.

Outra dimensão da concentração pode ser obtida por meio do Índice de Herfindahl- Hirschman (H). A Tabela 3 registra os valores do H calculados dentro do grupo das 300 maiores empresas de supermercados, bem como o número de empresas que hipoteticamente existiriam no mercado caso todas fossem do mesmo tamanho (N*).

Tabela 3 – Índice Herfindhal – Hirschman (H) e estimativa do número de firmas (N*) que

atenderiam o mercado com parcelas iguais, no segmento supermercados, no Brasil, período 1992 – 2002

ANO 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002

H 0,039 0,044 0,044 0,044 0,046 0,047 0,066 0,096 0,103 0,097 0,101 N* 26 23 23 23 22 21 15 10 10 10 10

O aumento no valor de H acompanha a progressiva queda do número de firmas (N*),

de 26 até 10, retratando, de maneira mais dramática, o processo de concentração ocorrido após 1995. Conforme a Tabela 3 mostra, os valores de N* calculados entre 1992 e 1997 sugerem que a parcela de mercado das firmas maiores estava crescendo, porém, a taxas menores que as verificadas após 1997. Por outro lado, entre 1997 e 2000, o processo de concentração acentuou-se, podendo ser comparado a uma redução de 21 para 10 firmas iguais no mercado. A vantagem de tal indicador em relação às taxas de concentração é que ele retrata não só a concentração, mas também a desigualdade. Por isso, os números mostrados na Tabela 3 retratam uma mudança mais acentuada do que a identificada, por meio das taxas de concentração, em nível nacional.

Em termos regionais a Tabela 4 apresenta as dez primeiras firmas do ranking de cada região, em 2002, com suas posições no País, na região e no estado-sede da empresa. Além do valor do faturamento bruto, a classificação é feita segundo o estado-sede da empresa.

Para a região Sul, a Tabela 4 registra, em primeiro lugar, a SONAE DISTRIBUICÃO BRASIL S/A, com sede no estado do Rio Grande do Sul. Fazendo parte das cinco maiores do País, esta rede concorre pelo mercado regional com outras nove empresas, todas de capital nacional. Considerando que o registro da posição no ranking é feito por estado-sede da empresa, a SONAE, no Rio Grande do Sul, concorre com quatro dessas nove empresas regionais e, dentro desse grupo, na cidade de Porto Alegre, concorre unicamente com a CIA. ZAFFARI COM E IND. Em anos anteriores a 2002, a SONAE adquiriu empresas locais que ocupavam as primeiras posições na região sul, tais como: NACIONAL, CIA. REAL DE DISTRIB., DEMETERCO, MUFFATÃO, COLETÃO, ECONÔMICO.

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Na região Centro Oeste, que incluía, até 2001, o Estado de Minas Gerais5, deve-se destacar que, para o ano de 2001, oito das 10 maiores empresas estavam localizadas em MG. Já a partir de 2002, os dados da ABRAS mudaram este critério, seguindo o de divisão territorial do País.

Para a região Sudeste, a Tabela 4 registra, por estado-sede, os maiores concorrentes, em nível nacional. Sob o critério de estado-sede, CBD, CARREFOUR, WAL MART, D’AVÔ SUPERMERCADOS, COOP GRUPO RODHIA e SONDA, teriam como sede o Estado de São Paulo, em 2002. O grupo SENDAS S/A (anteriormente, CASAS SENDAS) e a rede SUPERMERCADOS MUNDIAL ocupam os dois primeiros lugares no Rio de Janeiro; porém, a CBD adquiu, neste estado, a ABC SUPERMERCADOS S/A, que ocupava o segundo lugar, no mercado estadual, em 2000. Em 2002, a CBD adquiriu a rede SÉ do grupo JERÔNIMO MARTINS, em São Paulo, a qual ocupava, em 2001, a quarta posição no ranking do Estado. A partir desses dados, nota-se que houve aumento da parcela de mercado da CBD, na região como um todo, e, mais particularmente, no Estado de São Paulo.

Nos estados do Norte e Nordeste, em 2001, nove empresas disputavam o mercado com a multinacional ROYAL AHOLD, sob a razão social BOMPREÇO / ROYAL AHOLD. No entanto, em 2002 essa empresa adquiriu a G.BARBOSA e a LUSITANA, respectivamente segunda e décima colocadas no ranking regional, em 2001, aumentando sua parcela de mercado na região, a partir da expansão nos estados de Sergipe e Maranhão – segundo o critério de estado-sede das empresas6 –. Em 2002, a BOMPREÇO/ ROYAL AHOLD manteve-se na primeira posição regional, seguida pela G. BARBOSA da qual não permitiu que fossem incluídos os registros do faturamento na empresa matriz.

Compatibilizando as informações apresentadas acima, fica evidente que o nível de agregação dos dados afeta os resultados das análises de CRk calculados, uma vez que a participação das empresas difere por região, por estado e, ainda mais, por cidade.

5 Segundo o critério adotado pela ABRAS, por ser MG representado pela associação de supermercadistas do Centro Oeste. 6 No início de 2004, a rede WALMART está concluindo a aquisição da rede BOM PREÇO, o que fará da rede norte-americana a maior do nordeste a a terceira maior do País (GAZETA MERCANTIL, 2004).

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Tabela 4 – Ranking por regiões das 10 maiores empresas de supermercados segundo faturamento bruto, calculado por localização de loja, em 2002

Fonte: ABRASNET (2003).

Considerando o que permitem ver os dados, pode-se dizer que, para o último ano do

período analisado (2001/ 2002), a concentração na região Sul se manteve relativamente

2002 REGIÃO SUL

EMPRESA CIDADE SEDE ESTADO REGIÃOCLASSIF.

BRCLASSIF. REGIÃO

CLASS.ESTAD

SONAE DISTRIB. BRASIL S.A PORTO ALEGRE RS SUL 4 1 1CIA ZAFFARI COM. E IND. PORTO ALEGRE RS SUL 7 2 2A ANGELONI & LTDA CRICIÚMA SC SUL 11 3 1IRMÃOS MUFFATÃO E CIA. LTDA CASCAVEL PR SUL 14 4 1CONDOR SUPERCENTER LTDA. CURITIBA PR SUL 17 5 2GIASSI E CIA. LTDA. ICARA SC SUL 26 6 2COML.UNIDA DE CEREAIS LTDA SÃO LEOPOLDO RS SUL 39 7 3SUPERM. SUPERPÃO LTDA GUARAPUAVA PR SUL 40 8 3IMP. E EXP. DE CEREAIS S/A LAJEADO RS SUL 46 9 4SUPERM. GUANABARA S/A RIO GRANDE RS SUL 56 10 5

2002 REGIÃO SUDESTE

EMPRESA CIDADE SEDE ESTADO REGIÃOCLASSIF.

BRCLASSIF. REGIÃO

CLASSIF.ESTA

CIA BRASILEIRA DE DISTRIBUIÇÃO SÃO PAULO SP SUDESTE 1 1 1CARREFOUR COM. IND.LTDA SÃO PAULO SP SUDESTE 2 2 2SENDAS S/A SÃO JOÃO DE MERITI RJ SUDESTE 5 3 1WAL MART BRASIL OSASCO SP SUDESTE 6 4 3COOP. CONS. EMP. GRUPO RHODIA SANTO ANDRÉ SP SUDESTE 9 5 3IRMÃOS BRETAS FILHOS E CIA. CONTAGEM MG SUDESTE 10 6 1SUPERM. MUDIAL LTDA. RIO DE JANEIRO RJ SUDESTE 12 7 2SONDA SUPERM. EXP. E IMP.LTDA SÃO PAULO SP SUDESTE 15 8 5DMA DISTRIBUIDORA S/A BELO HORIZONTE MG SUDESTE 16 9 2D´AVÔ SUPERMERCADOS LTDA SÃO PAULO SP SUDESTE 18 10 6

2002 REGIÃO CENTRO OESTE

EMPRESA CIDADE SEDE ESTADO REGIÃOCLASSIF.

BRCLASSIF. REGIÃO

CLASSIF.ESTA

SUPERM. MODELO LTDA. VÁRZEA GRANDE MT CENTRO OESTE 29 1 1SANTA CRUZ IMP.COM ALIM.LTDA GOIÂNIA GO CENTRO OESTE 33 2 1SUPERMAIA SUPERMERCADO BRASILIA DF CENTRO OESTE 48 3 1SUPERM. MOREIRA LTDA GOIÂNIA GO CENTRO OESTE 70 4 2SUPERM. PRO BRAZIL LTDA. GOIÂNIA GO CENTRO OESTE 124 5 3CABRAL E MAIA LTDA. RIO VERDE GO CENTRO OESTE 148 6 4FAVORITO SUPERM. LTDA PONTES E LACERDA MT CENTRO OESTE 149 7 2SANGALETTI SANGALETTI E CIA LTDA SINOP MT CENTRO OESTE 170 8 3DEL MORO E DEL MORO LTDA ALTA FLORESTA MT CENTRO OESTE 179 9 4FRUTAL CORUMBAENSE LTDA CORUMBÁ MS CENTRO OESTE 208 10 1

2002 REGIÃO NORTE NORDESTE

EMPRESA CIDADE SEDE ESTADO REGIÃOCLASSIF.

BRCLASSIF. REGIÃO

CLASSIF.ESTA

BOMPREÇO SA SUPEM DO NORDESTE RECIFE PE NORTE NORDESTE 3 1 1G BARBOSA & CIA LTDA N.S.DO SOCORRO SE NORTE NORDESTE 8 2 1LÍDER SUPERM E MAGAZINE LTDA BELÉM PA NORTE NORDESTE 13 3 1EMP.BAHIANA DE ALIM. S.A. EBAL SALVADOR BA NORTE NORDESTE 20 5 1Y. YAMADA S/A COM. IND BELÉM PA NORTE NORDESTE 19 4 2SUPERM NORDESTÃO LTDA NATAL RN NORTE NORDESTE 25 7 1CARVALHO E FERNANDES LTDA TERESINA PI NORTE NORDESTE 24 6 1SUPERM. LUSITANA LTDA SÃO LUIS MA NORTE NORDESTE 54 10 1NAZARÉ COMERCIAL DE ALIM. BELÉM PA NORTE NORDESTE 30 8 3FORMOSA SUPERM E MAGAZINE LTDA BELÉM PA NORTE NORDESTE 31 9 4

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estável, pois já havia aumentado via as aquisições do grupo SONAE, em anos anteriores; no Sudeste, houve uma disputa maior entre as maiores firmas com aumento da parcela de mercado da CBD; no Centro Oeste, mudaram os resultados após ter sido excluído, desta região, o Estado de Minas Gerais, sendo impossível qualquer comparação com períodos anteriores; e, para a região composta pelos estados do Norte e Nordeste, os resultados sugerem aumento de concentração.

3.2. Fusões e aquisições Três dimensões facilitam a análise do processo de fusões e aquisições (doravante,

F/A) acontecido no segmento supermercadista brasileiro, a saber: evolução temporal, localização e perfil das empresas envolvidas.

Conforme ressalta a Figura 2, até 1996 tinham ocorrido somente 6,54% do total de F/A do período 1989-2002, ao passo que, a partir de 1997, aconteceram 93,46% dessas - 153 F/A no total, incluindo nove F/A no exterior, de multinacionais que operam no Brasil.

Figura 2 – Percentual do número de fusões e aquisições de supermercados no Brasil, período 1989 - 2002. Fonte: ABRAS, IHC (2003). Por trás do aprofundamento das F/A após 1997, há dois aspectos: por um lado, há a

internacionalização do varejo, com investimentos de empresas multinacionais no Brasil, via fusões e aquisições, e por outro lado, há a resposta de empresas que já atuavam no mercado nacional, recorrendo à estratégia de se fundirem para aumentarem suas participações no mercado ou, pelo menos, sustentarem-se de forma viável (SANTOS e GIMENEZ, 2002). Nota-se, ainda, que a maior parte das F/A (cerca de 70%) ocorreu em apenas três anos (1999, 2000 e 2001), justamente após a mudança na política cambial brasileira (com conseqüente desvalorização cambial), o que, entre outras coisas, aumentou o poder de compra, em dólares, das empresas estrangeiras, com o decorrente acirramento da concorrência entre as empresas de capitais nacionais e as de capitais estrangeiros.

Historicamente, deve-se considerar que, após a implementação do Plano Real, em 1994, houve maior estabilidade econômica e política no Brasil, com controle da inflação, políticas monetárias mais estáveis e melhoramento do nível de renda da maior parte da população (pela redução da perda de renda decorrente do processo inflacionário). Este cenário favorável, aliado à mudança na política cambial, tornou o mercado brasileiro altamente atraente às empresas multinacionais. Em 1995, a multinacional norte-americana WAL MART

0.00

10.00

20.00

30.00

40.00

1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002

Anos

Perc

entu

al

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ingressou no mercado Brasileiro operando novas lojas em São Paulo. Porém, a estratégia de entrada ou expansão no mercado de outras multinacionais, como o GRUPO SONAE (de Portugal, ingressante no País em 1989), ROYAL AHOLD (da Holanda, ingressante em 1996), GRUPO CASSINO (da França, ingressante via participação acionária na COMPANHIA BRASILEIRA DE DISTIBUIÇÃO do Grupo Pão de Açúcar- CBD, em 1999), e JERONIMO MARTINS (de Portugal, ingressante em 1997) (BNDES, 1998), entre outras, foi a de se associar e posteriormente adquirir as redes que detinham grandes participações em mercados regionais.

Por sua vez, as duas maiores empresas já atuantes do setor, uma nacional, a CBD, e outra multinacional, a rede CARREFOUR, da França, adotaram, entre várias, a estratégia de adquirir outras empresas para se expandirem em mercados locais e regionais diferentes, participando com 18% e 12 %, respectivamente, no processo de F/A do período 1989 – 2002 (ABRAS, 2003).

A Tabela 5 detalha o número de F/A ocorridas por empresa. Embora muitas delas sejam empresas nacionais, que agiram como adquirentes de outras, as negociações mais significativas correspondem às maiores empresas do País e às grandes multinacionais, pelo fato de incorporarem as redes de supermercados com faturamento mais significativo. Nota-se ainda que as três maiores redes supermercadistas foram responsáveis por 37,5% de todas as fusões ocorridas no setor.

Tabela 5 – Número de fusões e aquisições de supermercados por empresa adquirente, período

1989 - 2002

Fonte: ABRAS, IHC (2003). Obs.: NR Não há registro no ranking.

Na Tabela 6 aparecem, por ano, alguns dos supermercados adquiridos pelas maiores

firmas, os quais foram incluídos no faturamento da adquirente para o respectivo ano, aumentando suas parcelas de mercado.

Rank 2001 EMPRESA

No DE FUSÕES / AQUISIÇÕES

1 CBD 28 2 CARREFOUR 19 3 SONAE 11

NR ZONA SUL 7 NR ROYAL AHOLD 5 74 ABC- ABC ALIMENTOS 5 4 BOMPREÇO Royal Ahold- BOMPREÇO 5 7 JERÓNIMO MARTINS/SÉ - JERÓNIMO MARTINS 4 9 G. BARBOSA 3

11 IRMÃOS BRETAS 3 NR NACIONAL 3 61 BONANZA SUPER 2 5 CASAS SENDAS 2

15 DMA DISTRIBUIDORA S/A 2 140 FLATEL 2 14 SONDA 2 NR SUPERM MAMBO 2 113 UNI COMPRA SUPER 2 ... OUTRAS EMPRESAS (1 FUSÃO/EMPRESA) 46

TOTAL 153

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Tabela 6 – Fusões e aquisições das maiores empresas de supermercados e as multinacionais

no Brasil, período 1998 – 2002 ADQUIRINTES 1998 1999 2000 2001 2002

CBD

BARATEIRO IPICAL

MAMBO FREEWAY

PERALTA MAPPIN

MOGIANO PÃES

MENDOÇA

SÃO LUIZ REIMBERG

BOA ESPERANÇA

NAGUMO

ABC SUPERM.

JERÓNIMO MARTINS/

SÉ SUPERM.

CARREFOUR ELDORADO

LOJAS AMERICANAS

PLANALTÃO MINEIRÃO RONCETTI

HIPER MANAU

RAINHA DALLAS E

CONTINENTE BIG BOM

RONCELLI SÃO

MATEUS

CASAS SENDAS S. PARLÉ TRÊS

PODERES RONCETTI

GRUPO SONAE

CIA. REAL DE DISTRIB. CÂNDIA

DEMETERCO

NACIONAL COLETÃO

MUFFATÃO ECONÔMICO

ROYAL AHOLD BOMPREÇO LUSITANA

JERÓNIMO MARTINS REDE STO.

ANTÔNIO MERCASUPER

Fonte: SUPERHIPER (1999; 2000; 2001; 2002), ABRASNET (2003).

As empresas adquiridas, em sua maioria, detinham parcela de mercado não desprezível, já que, além de ocuparem posições de destaque entre as 300 maiores, em nível nacional, antes de 1998, figuravam entre as primeiras nos mercados regionais e estaduais, como registram os dados da Tabela 6. Seis das empresas adquiridas figuravam entre as 10 maiores, em nível nacional, no momento em que foram adquiridas (Tabela 7).

Dezessete estados participaram nos processos de F/A, as quais foram registradas segundo o estado-sede da empresa adquirida. A Figura 30 ilustra que o maior número de F/A ocorreu nos estados de São Paulo (SP), Rio de Janeiro (RJ), Rio Grande do Sul (RS), Minas Gerais (MG), e Bahia (BA). Juntos representaram 72% do total de F/A realizadas pelas empresas, no Brasil. Nestes estados encontram-se as cinco principais regiões metropolitanas do país.

Consolidando os dados para empresas com mais de uma F/A, no Brasil, entre 1997 e 2002, quando o número de F/A foi maior, os registros da Tabela 8 sugerem que as estratégias de crescimento das empresas seguem, pelo menos, dois padrões. Algumas dessas firmas se expandiram em uma única região, como por exemplo, a BOMPREÇO-ROYAL AHOLD no Nordeste, e a JERÔNIMO MARTINS, no sudeste, enquanto outras, como as redes CARREFOUR e CBD o fizeram em quase todas as regiões do país, se destacando a expansão da CBD (Grupo Pão de Açúcar) nos estados do Nordeste, Sudeste, Centro-Oeste e Sul. É de se notar que, na região Centro-Oeste, somente houve F/A no DF, enquanto, na região norte, o único estado que participou desse processo foi o de Amazonas. Isso sugere que, diante da falta de boas alternativas de redes para serem adquiridas fora dos grandes centros urbanos, as

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estratégias de crescimento nas áreas de desenvolvimento mais recente do País foram no sentido de construção de novas lojas. Tabela 7 – Empresas de supermercados, no Brasil, com posições no ranking antes de serem

adquiridas

EMPRESA RANKING BRASIL RANKING REGIÃO

RANKING ESTADO

ELDORADO 14 8 6 (SP) MINEIRÃO 13 1 1 (MG) BARATEIRO 10 5 3 (SP) LOJAS AMERICANAS 7 4 2 (RJ)

CIA. REAL DE DISTRI. 9 3 3 (RS)

CÂNDIA 17 10 9 (SP) DEMETERCO 12 4 1 (PR) PAES MENDOÇA 5 2 1 (BA) NACIONAL 6 2 2 (RS) PLANALTÃO 29 4 1 (DF) PETIPREÇO 37 6 2 (BA) ABC SUPERM. 14 7 2 (RJ) G. BARBOSA 9 2 1 (SE)

Fonte: SUPERHIPER (1997; 1998; 1999; 2000; 2001; 2002).

Figura 3 – Distribuição por Estado das fusões e aquisições de supermercados no Brasil, período 1989 - 2002.

Fonte: ABRAS, IHC (2003). * Inclui nove estados, com 13 F/A durante o período (SE, CE, PB, ES, AM, RN, AL, SC, AC) (9%) e, outras 14 em que não aparece local de registro da F/A (10%).

DF3%

PE3%

PR4%

RJ17%

SP 34%

MG7%

RS8%

BA5%OUTROS*

19%

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Tabela 8 – Empresas com mais de uma fusão e aquisição, por estado-sede da adquirida, no Brasil, período 1997 – 2002

REGIÃO ESTADO EMPRESAS ADQUIRENTES

CENTRO OESTE DF CBD, CARREFOUR, IRMÃOS BRETAS

NORDESTE BA BOMPREÇO/ ROYAL AHOLD, G.BARBOSA NORDESTE CE CBD NORDESTE PB CBD NORDESTE PE CBD, BOMPREÇO/ ROYAL AHOLD NORDESTE RN BONANZA SÚPER NORDESTE SE BOMPREÇO/ ROYAL AHOLD, G.BARBOSA NORTE AM CARREFOUR SUDESTE ES CARREFOUR SUDESTE MG CARREFOUR, ABC, J.MARTINS /SÉ, IRMÃOS

BRETAS, BONANZA SÚPER SUDESTE RJ CBD, CARREFOUR, ZONA SUL, ABC, CASAS SENDAS

SUDESTE SP CBD, CARREFOUR, SONAE, ROYAL AHOLD, J.MARTINS/ SÉ, DMA DISTRIB., SONDA

SUL PR CBD, SONAE, FLATEL SUL RS SONAE, NACIONAL

Fonte: ABRAS, IHC (2003)

Completando a análise, por regiões, sob o esquema de rivalidade entre as firmas com F/A, principalmente entre 1997 e 2002, pode-se dizer que, junto com outras empresas, CBD e CARREFOUR concorreram, principalmente, nas regiões do Centro Oeste (DF) e do Sudeste (SP, RJ); BOMPREÇO/ ROYAL AHOLD e CBD concorreram no Nordeste; o Sul, ainda se mantém com maior influência da SONAE – e a da CBD, no Estado de Paraná -; sendo que a região Norte é a menos explorada pelas maiores firmas, descontando a presença do CARREFOUR no Estado do Amazonas, e a recente liderança de empresas nacionais nessa região, principalmente do Estado do Pará.

3.3. Análise de turnover

A metodologia de Joscow (1960) permitiu a elaboração das Tabelas 9 a 12. A análise de turnover foi feita para as trezentas maiores empresas de supermercados de 1992, acompanhando-se suas mudanças no ranking até 1997 e até 2001.

No período compreendido entre 1992 – 1997 (Tabela 9), as cinco maiores empresas mantiveram seu lugar dentro do mesmo grupo. Já para os grupos entre a 6ª e a 30ª posições, houve um turnover maior, o que significa que, houve mais mudanças nas posições entre essas empresas, por grupos, com a saída de somente quatro destas para fora do grupo das trezentas.

O restante das posições, da 31a até 300a, apresenta turnover proporcionalmente maior, com taxas de saída do mercado entre 40% (grupos G e H) até 74% (grupo L), frente a de 13% das trinta primeiras.

A Tabela 10 apresenta o turnover para as mesmas empresas da Tabela 10, no período completo 1992 – 2001, mostrando quantas firmas se mantiveram entre as trezentas de 1992 a 2001.

Entre as cinco primeiras posições, destaca-se a saída de uma empresa, a PAES MENDONÇA S/A, que se manteve no grupo até 1997, e continuou em operação sob arrendamento da CBD, desde 1999, no Estado de São Paulo (ABRAS, 2003). O lugar dessa

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empresa, no grupo das cinco maiores, foi ocupado pela SONAE DISTRIBUIÇÃO BRASIL, de Portugal, desde 1998, quando tinha iniciado sua expansão na região sul do país. Outra mudança dentro desse grupo foi a aquisição total da BOMPREÇO SUPERMERCADOS DO NORDESTE S/A pela multinacional ROYAL HOLD, em 2000, após terem feito joint venture em 1996 (BOMPREÇO, PE). Além disso, a CBD, desde 1999, conta com participação acionária (40%) de capital francês do grupo CASSINO. A única empresa totalmente nacional, dentro desse grupo, é a CASAS SENDAS COM. E IND. S/A.

Tabela 9 – Análise de turnover de 300 empresas de supermercados, no Brasil, entre

1992 e 1997 1992 EMPRESAS POR RANKING EM 1997

GRUPO A B C D E F G H I J K L

Saiu ou não foi registrada entre as

300 A (1 – 5) 5 0 B (6 –10) 3 1 1 C (11–15) 1 2 1 1 D (16–20) 1 2 0 2 0 E (21–25) 1 1 1 2 F (26–30) 1 0 3 1 0 G (31–50) 1 0 2 1 5 3 0 0 0 0 8 H (51–100) 1 0 0 8 16 4 1 0 0 20 I (101–150) 1 10 12 4 0 0 23 J (151–200) 7 5 6 3 1 28 K (201–250) 1 7 6 3 1 32 L (251–300) 3 3 5 2 37 TOTAL 5 4 5 5 4 4 17 38 31 20 11 4 152

Fonte: Dados da pesquisa.

Tabela 10 – Análise de turnover de 300 empresas de supermercados, no Brasil, entre 1992 e

2001

1992 EMPRESAS POR RANKING EM 2001

GRUPO A B C D E F G H I J K L

Saiu ou não foi registrada entre as

300 A (1 – 5) 4 1 B (6 –10) 1 4 C (11–15) 1 0 4 D (16–20) 1 0 1 3 E (21–25) 1 1 0 3 F (26–30) 0 1 4 G (31–50) 1 0 1 0 2 1 0 1 0 0 14 H (51–100) 2 2 1 1 4 5 0 0 0 0 35 I (101–150) 1 2 4 6 0 1 0 0 36 J (151–200) 3 7 7 2 1 0 30 K (201–250) 1 2 7 1 1 1 37 L (251–300) 4 3 2 1 0 40 TOTAL 4 3 4 4 3 3 15 25 17 7 3 1 211

Fonte: Dados da pesquisa.

Como era de se esperar, considerando-se um período maior (1992-2001), houve ainda maior número de mudanças de empresas que ocupavam o restante das posições entre as

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30 maiores. Da mesma forma que no período 1992 – 1997, a análise do período completo mostra que houve turnover proporcionalmente maior para o agregado das outras 270. Porém, as taxas de saída foram entre 70% (grupo G) e 80% (grupo L), frente a uma média de 65%, para os mesmos grupos, até 1997.

Para complementar a análise do turnover, no período completo, a Figura 4 apresenta a evolução da parcela de mercado das oito maiores firmas atuantes entre 1992 e 2001. O aumento na parcela de mercado da CBD, mais evidente desde 1998, lhe permitiu superar, em 2001, a rede que era, até então, primeira colocada (CARREFOUR). Este processo de crescimento já foi explicado pelo aumento das F/A, em que a CDB foi a maior adquirente. Por sua vez, a CARREFOUR também realizou o segundo maior número de F/A, o que fez com que essa rede também aumentasse sua participação entre 1997 e 2000. Somadas as parcelas de mercado de ambas as redes, entre as 300 maiores, nota-se que a parcela conjunta aumentou de 22%, em 1992, para 40%, em 2001. A disputa pelas melhores aquisições nas várias regiões do País, por parte dessas duas redes supermercadistas, denota forte rivalidade entre as mesmas.

Fonte: ABRASNET (2002).

Figura 4 – Evolução da parcela de mercado dos 8 maiores supermercados, no Brasil, em relação às 300 maiores, período 1992 - 2001.

A Tabela 11 permite comparar as mudanças no Ranking no período completo, até

2001, e, no período corrido até 1997. Nota-se a baixa taxa de quedas de posições, em relação às ascendências e saídas. Isto sugere que, grosso modo, as firmas que não foram capazes de crescer deixaram o mercado.

A maior permanência das firmas do grupo A e os resultados alcançados pelas demais firmas sugerem que a estrutura de mercado do segmento supermercados, no Brasil, pode ser definida como de oligopólio com franja, da mesma forma como CYRILLO (1987) havia estabelecido, em 1987. Ainda, quase uma década e média depois, essa característica estrutural se mantém. Porém, vale mencionar que, não em sua forma, mas em seu conteúdo, houve mudanças mais evidentes a partir de 1997, pelo fato de ter aumentado os investimentos de empresas com capitais do exterior, terem se consolidado ainda mais às cinco maiores empresas e, principalmente, as duas maiores, em nível nacional.

0,000

0,050

0,100

0,150

0,200

0,250

1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001

Ano

Perc

entu

al

COMPANHIA BRASILEIRA DEDISTRIBUIÇÃO

CARREFOUR COM. IND. LTDA.

SONAE DISTRIBUIÇÃO BRASIL S/A(CBD/98)

BOMPREÇO S/A SUPERMERCADOSDO NORDESTE

CASAS SENDAS COMÉRCIO EINDÚSTRIA S/A

WAL-MART BRASIL LTDA.

JERONIMO MARTINS DISTRIBUIÇÃOBRASIL LTDA

CIA. ZAFFARI COMÉRCIO EINDÚSTRIA

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Tabela 11 – Análise comparativo turnover 300 maiores empresas de supermercados, no Brasil, 1992/1997 e 1992/2001

Ascenderam Caíram Saíram Permaneceram GRUPO 97 2001 97 2001 97 2001 97 2001

A (1 – 5) ... ... 0 0 0 1 5 4 B (6 –10) 0 0 1 0 1 4 3 1 C (11–15) 1 1 1 0 1 4 2 0 D (16–20) 1 1 2 0 0 3 2 1 E (21–25) 1 2 1 0 2 3 1 0 F (26–30) 1 0 4 1 0 4 0 0 G (31–50) 4 2 3 2 8 14 5 2 H (51–100) 9 10 5 0 20 35 16 5 I (101–150) 11 13 4 1 23 36 12 0 J (151–200) 12 17 4 1 28 30 6 2 K (201–250) 14 11 1 1 32 37 3 1 L (251–300) 11 10 ... ... 37 40 2 0 TOTAL 65 67 26 6 152 211 57 16

Fonte: Dados da pesquisa. A Tabela 12 ilustra sobre o número de novas empresas que ingressaram no Ranking

até 1997 e até 2001. Nota-se que a parcela de empresas que deixaram o mercado, no período de 10 anos, é substancial: das 300 maiores empresas, em 1992, 211 haviam deixado o mercado (ou, pelo menos, deixado o grupo das 300), em 2001. Nota-se ainda que a maior parte das saídas se deu até 1997 (152). A despeito disso, praticamente não mudou o topo da pirâmide, permanecendo quatro das cinco maiores por todo o período.

Tabela 12 – Número de “vagas” preenchidas, em 1997, e, em 2001, por empresas de

supermercados, no Brasil, desde 1992

GRUPO , Ranking 2001 VAGAS 1997 VAGAS 2001

A (1 – 5) 0 1 B (6 –10) 1 2 C (11–15) 0 1 D (16–20) 0 1 E (21–25) 1 2 F (26–30) 1 2 G (31–50) 3 5 H (51–100) 12 25 I (101–150) 19 33 J (151–200) 30 43 K (201–250) 39 47 L (251–300) 46 49

TOTAL 152 211

Fonte: Dados da pesquisa. 3.4. Considerações sobre o uso de poder de mercado

Conforme o modelo E-C-D sugere, a importância de se avaliar a estrutura de mercado está em sua relação com as condutas empresariais e com o desempenho econômico. Embora este estudo tenha focalizado o primeiro dos três elementos do modelo e, mais particularmente, as parcelas de mercado e os índices de concentração, é importante avaliar

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como as mudanças na estrutura, identificadas neste trabalho, podem estar facilitando ou restringindo o exercício de poder de mercado por parte dos supermercados sobre outros setores da economia.

Pelos resultados obtidos para as taxas de concentração das cinco e das dez maiores empresas supermercadistas que atuam no Brasil, com base no faturamento das 300 maiores, pode-se dizer que a estrutura do segmento passou de um grau de concentração “moderadamente baixo”, em 1992, a “moderadamente alto”, em 2001, segundo a escala sugerida por BAIN (1968). Ou seja, a concentração de mercado aumentou e, com isto, seus possíveis efeitos exigem análise cuidadosa, visto que o exercício de poder de mercado é mais provável em estruturas mais concentradas.

A análise da dinâmica concorrencial no segmento, por meio dos resultados de turnover e das parcelas de mercado, permitiu identificar o setor supermercadista como um oligopólio composto por pequeno grupo de grandes firmas dominantes, que dividem o mercado com grande número de outras firmas, sejam estas supermercados médios ou pequenos, que compõem o que é conhecido como “franja”. Neste sentido, a despeito do recente processo de concentração, a estrutura do setor mantém-se, de maneira geral, como havia sido identificada por CYRILLO (1987).

Em estruturas dessa natureza, a rivalidade entre as grandes firmas, principalmente entre as cinco primeiras, e entre estas e as firmas da “franja”, poderia limitar o exercício de poder de mercado sobre os consumidores. Ademais, dentro da “franja”, as empresas teriam concorrência ainda mais acentuada, conforme sugerem os dados de “mortalidade” e mudanças de posições analisados no item anterior.

Enquanto houver rivalidade entre as empresas, ainda que o mercado seja concentrado, mais difícil será para os grandes supermercados exercerem poder de mercado via preços. Entretanto, mais fácil se torna a competição extra-preço, com as empresas implementando outras estratégias para manterem e, ou, expandirem suas parcelas de mercado.

Há de se considerar ainda que, como o mercado relevante para os supermercados é o mercado local (em nível de município, ou, no caso de cidades maiores, em nível de bairro), a probabilidade de exercer poder de mercado estará determinada, entre outros fatores, pela presença de outras firmas agindo como rivais nesse micromercado, assim como pela elasticidade preço da demanda e pela elasticidade renda dos consumidores potenciais. Este fato é relevante porque, enquanto o índice de concentração das cinco maiores redes supermercadistas esteja, em nível nacional, na faixa dos 40%, a concentração em alguns mercados locais chega a ser muito maior.

Dessa forma, considerando o preço como a principal variável que influencia a decisão de compra dos consumidores, muitas empresas de supermercados, no Brasil, têm adotado políticas de preços reduzidos com vistas a aumentarem suas parcelas de mercado, além da estratégia de fusões e aquisições analisada anteriormente. Dando suporte a tal constatação, FARINA e NUNES (2002), analisando a evolução do sistema agroalimentar brasileiro, no período 1994 – 2002, apresentam evidências de que os preços dos alimentos se mantiveram baixos e que, entre outros fatores relacionados à produção agrícola e industrial, o setor varejista teria contribuído para este resultado.

Neste cenário, as líderes evitariam aumentar seus preços e as firmas da “franja” tentariam segui-las. Entretanto, conforme mencionava CONNOR (1996), citado por KINSEY (1998), as empresas menores não poderiam acompanhar o nível de preços decrescente imposto pelas maiores, dadas suas estruturas de custos e reduzida escala.

Há de se considerar, porém, que essas políticas de preços decrescentes forçam as empresas a buscarem ganhos de eficiência, reduzindo custos e aproveitando-se de economias de escala e economias pecuniárias, e, ou, a exercerem poder monopsônico junto a seus fornecedores. Num contexto internacional, a rede WAL MART é apontada, em vários estudos

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de outros países, como praticante deste tipo de estratégia, reduzindo as margens dos fornecedores para sustentar os baixos preços das mercadorias em suas lojas (KINSEY, 1998; CONNOR e SCHIECK, 1997).

Nos Estados Unidos, por exemplo, a maioria dos estudos verificou altas de preços como resultado do aumento da concentração (KINSEY, 1998), mas ANDERSON (1990), citado por KINSEY (1998), sugere que mercados mais concentrados oferecem mais e melhores serviços aos consumidores, os quais estariam dispostos a pagar preços mais elevados.

Em relação ao uso de poder monopsônico, no Brasil, o mesmo estudo de FARINA e NUNES (2002) apresenta reclamações, por parte de alguns entrevistados da indústria de alimentos, no sentido de que algumas estratégias dos supermercados estariam reduzindo suas margens, assim como a de outros fornecedores. No entanto, o verificado foi que as margens dos supermercados “...permaneceram baixas e sem tendência” (FARINA e NUNES, 2002, p.17).

Os resultados divergentes sobre os impactos da concentração do varejo norte-americano, apontados por KINSEY (1998), também são encontrados no Brasil. Em contraposição aos resultados encontrados por FARINA e NUNES (2002), CUNHA e MACHADO (2003) verificaram que, após o aumento da concentração local dos supermercados, em Belo Horizonte, o nível de preços praticado pelas maiores redes, para a Cesta Smab, entre 1999 e 2000, foi maior que o praticado por empresas de supermercados de médio e pequeno porte para a mesma Cesta Smab.

O que diferencia as análises de FARINA e NUNES (2002) e de CUNHA e MACHADO (2003) é o nível de agregação. FARINA e NUNES analisaram diversos índices, tanto referentes ao Brasil quanto a São Paulo, onde, pelo próprio tamanho do mercado, o nível de concentração tende a ser menor do que em Belo Horizonte, município estudado por CUNHA e MACHADO. Além disso, CUNHA e MACHADO separaram os supermercados maiores dos menores, enquanto que o estudo de FARINA e NUNES utilizou preços médios, tanto provenientes do grande quanto do pequeno varejo.

A comparação dos métodos utilizados nos estudos acima fornece algumas luzes sobre o exercício do poder de mercado no varejo brasileiro. Primeiro, quanto mais desagregada for a análise, mais provável é a constatação de uso de poder de monopólio. Claramente, onde a rivalidade for maior, devido ao menor grau de concentração do mercado, mais improvável é a prática de preços abusivos. Nesse sentido, a comparação do que ocorre em regiões de maior concentração de mercado (como é o caso de Belo Horizonte), com outras de menor concentração (como São Paulo), poderia esclarecer mais a relação entre concentração e preços de venda. Segundo, o fato de os supermercados maiores venderem a preços maiores, em Belo Horizonte, sugere que o poder de mercado está mais associado à parcela de mercado das firmas do que ao grau de concentração de mercado, o que é consistente com o que ocorre em diversos setores e em diversos países7. Por último, muitas das formas de exercício de poder de mercado, mais particularmente, de poder monopsônico, podem não aparecer nas análises de preços por estarem camufladas na transferência de custos para os fornecedores. As condutas adotadas pelos supermercados, exigindo enxovais, promotores de vendas, pagamento por gôndolas, entre outros, reduzem os “preços líquidos” pagos aos fornecedores, mas não os “preços brutos” (sem descontar os custos que foram transferidos aos fornecedores), os quais acabam sendo utilizados nas análises de preços e margens de comercialização. 4. Conclusões 7 Ver SHEPHERD (1999).

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No quesito das mudanças estruturais acontecidas, este estudo permite concluir que, embora tenha se mantido a forma estrutural de oligopólio com franja, identificada desde anos atrás na década de oitenta, houve mudanças em tal estrutura, com crescimento da concentração e maior internacionalização do mercado.

Na década de noventa e nos primeiros anos de 2000, a concentração no segmento supermercadista brasileiro aumentou entre as trinta maiores firmas e, principalmente, entre o grupo das cinco maiores, sendo, ao final do período, moderadamente alta, quando calculada sobre o faturamento bruto das 300 maiores empresas. Esta tendência foi impulsionada pela entrada de redes supermercadistas estrangeiras e por expressivo processo de fusões e aquisições, nos últimos anos da década de 1990.

Embora a reestruturação do setor tenha sido no sentido de maior concentração, o que, de forma geral, facilita o exercício de poder de mercado, este estudo mostrou algumas dimensões das mudanças estruturais que podem estar apresentando efeitos benéficos em termos de bem-estar social. Primeiramente, há indícios de arrefecimento no crescimento da taxa de concentração das cinco maiores redes supermercadistas entre 2000 e 2002. Se isto representa um fortalecimento por parte dos demais supermercados, ou mudança temporária de estratégia das grandes, diante da conjuntura macroeconômica do País, é questão ainda a ser verificada. Outra dimensão pró-competitiva decorre do elevado turnover identificado nos vários grupos de supermercados, com exceção do grupo dos cinco maiores. Num cenário em que as empresas têm dificuldades em manterem suas posições, a busca de ganhos de eficiência torna-se mais provável, assim como o repasse de preços altos aos consumidores tende a ser evitado. Mas como tal turnover pouco tem afetado as maiores redes, a possibilidade de abuso econômico por parte de tais redes permanece.

Essas dificuldades decorrentes da concorrência entre as redes de supermercados podem justificar os indícios existentes na literatura no sentido de que não estejam ocorrendo práticas de preços mais altos aos consumidores. Resultados de outros estudos sobre alguns produtos alimentares, para o agregado nacional, evidenciam este fato. Porém, estudos locais, ou seja, com um nível de agregação menor, têm apresentado resultados diferentes, indicando que, após o aumento da concentração, as grandes empresas podem praticar preços mais altos a serem repassados aos consumidores. A lógica para tal comportamento decorre da utilização de preços predatórios para conquistar mercados, e preços monopólicos quando o controle do mercado já se mostrar efetivado.

Diante das dificuldades de repasse de preços aos consumidores, os supermercados maiores estariam implementando estratégias de ganhos de eficiência e, simultaneamente, exercendo poder monopsônico em relação aos fornecedores que não possuem marcas comerciais fortes. Evidências de tal exercício de poder econômico têm surgido em estudos diversos e, até mesmo, de questionamentos feitos por fornecedores junto a órgãos de imprensa e a órgãos públicos de regulação de mercados.

Desta forma, os órgãos de avaliação da concorrência, no Brasil, entre estes, a Secretaria de Defesa Econômica (SDE) e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), devem estar atentos, não somente no sentido de avaliar os ganhos de eficiência vis-à-vis poder de mercado, em estruturas mais concentradas, mas também os impactos das mudanças estruturais do setor sobre outros agentes, tais como distribuidores, indústrias e agroindústrias, no curto, e médio prazos, em mercados locais e regionais.

Mais estudos também seriam necessários para que se pudesse evidenciar, de forma mais acurada, os efeitos da reestruturação do varejo sobre a economia brasileira. Enquanto o presente estudo preocupou-se, essencialmente, em caracterizar tal processo de reestruturação, estudos que mensurassem os efeitos das mudanças sobre os preços recebidos pelos fornecedores e pagos pelos consumidores seriam necessários. A esse respeito, a evidência existente sugere que os novos estudos deveriam privilegiar mercados locais, comparando

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locais de maior concentração com outros de menor concentração. Em termos das medidas da estrutura, o ideal parece ser a utilização das parcelas de mercado, em vez das taxas de concentração. Uma dificuldade para tal procedimento seria a obtenção dos preços praticados em nível de rede supermercadista, os quais deveriam ser relacionados às parcelas de mercado das redes. Finalmente, esforços no sentido de medir os custos transferidos aos fornecedores, por parte das grandes redes de supermercados, poderiam ilustrar de maneira mais apropriada o uso de poder de mercado por parte do grande varejo.

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PRODUÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA A PARTIR DO BAGAÇO DE CANA-DE-AÇÚCAR: CENÁRIOS DE SUBSTITUIÇÃO NA INDÚSTRIA DE ALIMENTOS E

BEBIDAS DO ESTADO DE SÃO PAULO1

Valeria Comitre

Maristela Simões do Carmo

RESUMO: A pesquisa analisa o potencial de cogeração de energia elétrica a partir

do bagaço de cana-de-açúcar em substituição à energia elétrica na indústria de alimentos e bebidas do Estado de São Paulo para o ano de 2010. Os cenários de projeções de energia tendencial para o setor industrial de alimentos e bebidas do Estado de São Paulo, procurou determinar o comportamento apresentado pela demanda dos energéticos para este setor num horizonte de dez anos e o segundo, cenário eficiente, também chamado de potencial econômico buscou demonstrar comparativamente as vantagens ou não da substituição entre energéticos. Por fim, discutiu-se a expansão da área de cana-de-açúcar e alguns impactos sobre a agricultura paulista. O potencial energético produzido a partir da cana-de-açúcar pode subsidiar três questões fundamentais para o desenvolvimento do país: produção de energia de fonte renovável, geração de empregos temporários e, uma fonte alternativa ao consumo de energia, garantindo a autonomia do País para enfrentar possíveis crises futuras. Palavras-chave: energia de biomassa, cana-de-açúcar, cenários prospectivos. 1. INTRODUÇÃO

A oferta de energia elétrica de origem hidráulica possibilitou, durante as últimas décadas, a expansão das atividades econômicas do país contribuindo para sua industrialização e desenvolvimento. O crescimento da demanda de energia aliado ao aumento da população associado às dificuldades do Estado de prover os investimentos necessários à atualização do parque energético nacional, são alguns dos fatores que contribuíram para o quadro da crise energética que culminou com o racionamento estabelecido pelo governo federal de junho de 2001 a março de 2002.

Através de medidas governamentais foi criada a Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica, a fim de estabelecer diretrizes para programas de enfrentamento da crise de energia elétrica no país. Além disso, no sentido de se evitar um possível colapso do sistema de geração de energia elétrica a curto prazo, adotou-se o racionamento baseado num amplo programa de conscientização da população e dos principais setores da economia objetivando uma redução de 20% do consumo. Este esforço, aliado às chuvas ocorridas nos meses de verão (dezembro/2001 a março/2002), que aumentaram os níveis dos lagos das hidrelétricas, propiciaram a suspensão do racionamento.

Desta forma, o Governo Federal vem empreendendo um conjunto de ações visando garantir as atividades econômicas e sociais do País. Dentre elas, o Programa de Apoio Financeiro a Investimentos Prioritários no Setor Elétrico, cujo objetivo principal é o de contribuir para o aumento de energia elétrica a curto prazo. Neste sentido, foi criada, através do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), uma linha de crédito destinada ao financiamento de projetos voltados à cogeração de eletricidade a partir do bagaço da cana-de-açúcar. 1 Este trabalho foi realizado com dados da pesquisa da primeira autora “Produção de Energia a partir da Cana-de-Açúcar: Perspectivas de Ação na Composição da Matriz Energética do Estado de São Paulo”, financiada pelo CNPq (Bolsa RD).

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O Programa, lançado em maio de 2001, foi dotado de R$ 250 milhões e destinou-se às usinas de açúcar e destilarias de álcool de qualquer região do País. O financiamento pode representar até 80% do valor aplicado na reestruturação da empresa, e ser amortizado em até dez anos, com pagamentos a serem efetuados durante os meses de safra.

O Brasil é o principal produtor de cana-de-açúcar do mundo, e tem no Estado de São Paulo um complexo agroindustrial responsável por 60% da cana cultivada no País. Essa expressiva participação o coloca como um dos principais clientes desta nova carteira de crédito.

No Estado de São Paulo, de acordo com CASTRO (2001), as 131 usinas e destilarias são auto-suficientes e empregam o bagaço de cana para gerar a energia que consomem durante o processo de produção do álcool e do açúcar. Destas, doze geram excedentes, estimados, para a safra 2001/2002, em 85 megawatts (MW), volume suficiente para abastecer cerca de 270 mil residências com consumo médio de 250 kWh/mês no período de safra da cana.

Entre as quatro grandes concessionárias estaduais2, a Companhia Paulista de Força e Luz (CPFL), cuja área de concessão atende um dos mercados mais desenvolvidos do País, tem contrato de compra de eletricidade excedente com nove destas usinas, e projeta essa capacidade para 200 MW em 2005, beneficiando 680 mil residências, o que equivale a uma comunidade de 2,5 milhões de habitantes, durante os meses de safra.

Tomando-se a CPFL, como exemplo das ações governamentais, encontra-se no BNDES, em fase de carta-consulta ou de enquadramento, oito pedidos de financiamento para projetos de cogeração e ainda existem 30 usinas interessadas em investir nessa área em São Paulo. Em agosto de 2001 foram assinados os primeiros contratos de financiamentos para cogeração de energia, firmados entre o BNDES, a Companhia Energética Santa Elisa de Sertãozinho e a usina Cerradinho de Catanduva, ambas no Estado de São Paulo e a Companhia Paulista de Força e Luz (CPFL), interessada na compra de energia elétrica (http://www.bndes.gov.br/notícias).

Outro fator relevante, apontado pela Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda em relatório sobre os efeitos do racionamento de energia sobre a oferta agregada (SPE, 2001), consiste na transferência de energia elétrica entre os setores da economia como sendo uma alternativa fundamental para diminuir o impacto de um possível racionamento, bem como para preservar o crescimento da economia.

É fundamental ressaltar que, além de utilizado nas usinas e destilarias, o bagaço é empregado como combustível em outras indústrias, como substituto dos derivados de petróleo e da lenha. A indústria de alimentos e bebidas paulista, em especial a cítrica e a da soja, são grandes consumidoras de bagaço, devido à proximidade de suas unidades de esmagamento com as regiões canavieiras, e pelo fato de sua sazonalidade coincidir com a safra da cana-de-açúcar.

Portanto, um maior volume de bagaço, destinado a cogeração de energia elétrica, necessitaria de uma maior produção de cana, e conforme ressaltaram Veiga Filho & Yoshii apud CAMARGO et alii (1995), “o Estado de São Paulo não tem mais fronteira agrícola externa a ocupar, ou seja, não conta com grandes áreas devolutas ou extensos maciços florestais que poderiam ser utilizados para uso agrícola, de acordo com o processo de

2 No Estado de São Paulo existem treze distribuidoras de energia elétrica, sendo que quatro delas (Bandeirante, CPFL, Elektro e Eletropaulo) atendem 541 municípios dos 643 existentes, respondendo por 93% da energia fornecida à população. As outras concessionárias são: Caiuá - Serviços de Eletricidade S. A. (CSE), Companhia Luz e Força de Mococa (CLFM), Companhia Luz e Força Santa Cruz (CLFSC), Companhia Nacional de Energia Elétrica (CNEE), Companhia Paulista de Energia Elétrica (CPEE), Empresa Elétrica Bragantina S. A. (EEB), Empresa de Eletricidade Vale Paranapanema S. A. (EEVP), Companhia Jaguari de Energia (CJE) e Companhia Sul Paulista de Energia (CSPE).

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evolução da agricultura que ocorreu no passado, feito por incorporação de áreas novas. Assim, qualquer expansão de área de atividades agrícolas que não ocorra por uso mais intensivo da terra, será feita por substituição de outras atividades”.

Deste modo haveria o deslocamento de áreas de culturas alimentares de mercado interno e de produtos de exportação, provocado pelo aumento da área de produção de cana-de-açúcar. A partir disso, podem ser projetados efeitos na concentração de terras e de renda no meio rural, e também no aumento da sazonalidade da mão-de-obra.

Não se pode esquecer ainda os impactos no ambiente advindos da perda da biodiversidade, e da queima na colheita manual, com a expansão da monocultura da cana.

Há que se pensar, portanto, que se a cogeração de energia elétrica pelo bagaço de cana pode resolver, a curto prazo, os entraves no abastecimento energético, pode também estar aumentando os custos sociais e ambientais dessa alternativa na matriz energética estadual. É preciso ter em pauta nesses programas de incentivo quais parâmetros devem ser estabelecidos no sentido de não acirrar a questão agrária e suas conseqüências, o equilíbrio e produção entre as culturas alimentares, de exportação e energéticas, além da necessidade premente de se aplicar a legislação ambiental, para diminuir os impactos no meio natural.

Nesse sentido, pesquisas sobre o emprego de fontes energéticas alternativas, e os impactos gerados por sua adoção, são de grande relevância, por apontar soluções, a curto prazo, para subsidiar o planejamento de políticas voltadas ao desenvolvimento econômico.

2. OBJETIVO

Essa pesquisa analisa a cogeração de energia elétrica a partir do bagaço de cana,

capaz de suprir a demanda do setor industrial de alimentos e bebidas do Estado de São Paulo numa projeção para o ano de 2010.

Para a projeção da demanda foram construídos cenários levando-se em conta as alternativas possíveis para atender esta expectativa. Foi feita uma abordagem sobre os impactos que a expansão da área cultivada provocaria na mão-de-obra agrícola e na composição da produção agropecuária paulitas. 3. METODOLOGIA 3.1. Modelos de Análise e Projeção da Demanda de Energia

Dentre os diversos modelos de análise e projeção de demanda de energia os mais empregados pelas agências de planejamento, segundo JANNUZZI & SWISHER (1997), são os econométricos e os técnicos-econômicos, esses últimos também denominados por usos-finais.

Os modelos econométricos foram aplicados em projeções da demanda de energia até meados da década de 70. No entanto, mostraram-se incapazes de captar mudanças significativas no quadro evolutivo do consumo, principalmente no que se refere aos serviços de energia (iluminação, refrigeração e transporte, dentre outros).

Esses modelos, basicamente, utilizavam, para suas projeções, dados sobre o preço de energia e renda e, ao estimarem as elasticidades de energia a partir de dados do passado, não incorporavam outras variáveis, como mudanças na estrutura tecnológica da demanda de energia, no comportamento do consumidor, bem como em programas de economia de energia.

Os modelos de usos-finais, por sua vez, desagregam o consumo de energia pelos seus serviços (força motriz, cocção de alimentos, etc), contemplando, assim, tanto o lado

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da oferta quanto as possíveis alternativas de tecnologias para a realização desses serviços em seus usos-finais, que podem ser avaliados empregando-se a técnica de cenarização, do ponto de vista de seus desempenhos e custos.

As equações usadas para projetar a demanda de energia por usos-finais apresentam formulações analíticas simples e, são passíveis de alterações conforme a disponibilidade dos dados e o resultado que se busca para o planejamento dos serviços de energia. Ao incorporar informações relacionadas ao crescimento desejável da economia brasileira e utilizá-las para projetar a demanda dos serviços de energia em dado setor, tem representado um instrumental importante e bastante consistente para análises prospectivas.

Procurou-se, inicialmente, identificar as variáveis fundamentais para a realização destas projeções e caracterizar, tomando-se o ano de 2000 como referência, os aspectos sócio-econômicos e energéticos mais relevantes do complexo agroindustrial canavieiro, bem como da indústria de alimentos e bebidas do Estado de São Paulo.

Algumas variáveis tiveram que ser adequadas ao propósito do trabalho, tendo em vista a indisponibilidade de dados específicos, tanto para o setor industrial quanto para o agrícola.

As projeções para atender a demanda da indústria de alimentos e bebidas, no ano 2010, foram realizadas considerando-se dois cenários energéticos, construídos a partir do modelo discutido em JANNUZZI & SWISHER (1997), aqui denominados tendencial e eficiente. 3.2. Cenários de Projeções

A técnica de cenarização vem sendo aplicada em diversas áreas do conhecimento, e

basicamente consiste em uma sistematização das informações, devidamente relacionadas, e capaz de produzir elementos passíveis de análise. É também utilizada como instrumental de simulação em estudos de planejamento e avaliação da introdução/substituição de atividades.

A escolha dos cenários deve atender a alguns requisitos, como plausibilidade, consistência interna, inclusão de todos os fatores críticos relevantes e similaridade com outros cenários, quando houver propósito de comparação (VIEIRA et alii, 1978).

Seu emprego para a projeção da demanda de energia tem, à semelhança de estudos em outras áreas, o objetivo de avaliar diferentes alternativas, sejam elas tecnológicas, econômicas ou ambientais, capazes de proporcionar o mesmo nível de serviços de energia que estão sendo demandados.

JANNUZZI & SWISHER (1997) definem cenário “como sendo um conjunto de hipóteses que descrevem as características sócio-econômicas, requerimentos de demanda de energia e estratégias de atendimento dessa demanda”.

Os cenários projetados pelo modelo de usos-finais procuram comparar diferentes alternativas para satisfazer um determinado nível de serviços de energia, contemplando ainda informações sobre a evolução do crescimento econômico.

Admitiu-se como hipótese básica, que, qualquer que seja a trajetória da economia brasileira até 2010, ela não sofrerá solução de continuidade ou transformações radicais em relação ao comportamento observado nos últimos anos.

3.2.1. Cenário Tendencial

Este cenário supõe, para o horizonte temporal proposto (2010), que a oferta de

bagaço de cana e de energia elétrica na indústria de alimentos e bebidas seja mantida nos

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mesmos níveis atuais, portanto guardando as características observadas no ano base (2000), refletindo, assim, os níveis de crescimento historicamente observados. Neste cenário não se admitem alterações na composição do consumo de energia, seja em função da melhoria da eficiência dos usos finais, seja da conservação ou da substituição de energéticos. É portanto, uma projeção tendencial em que não existem alterações nas políticas para o setor energético.

Logo, vai apresentar, de acordo com as evoluções da economia do período, um acréscimo em relação ao consumo final de energia do ano base, como conseqüência do crescimento das variáveis explanatórias utilizadas, como o PIB e a participação do consumo de energia nos diversos usos finais.

As projeções das demandas dos consumos de energia utilizaram, como referência, a planilha de cálculo apresentada em JANNUZZI & SWISHER (1997). A projeção do consumo final requer que se tenha, para o ano base, o conhecimento das seguintes variáveis:

Intensidade Energética (I) = fluxo de energia por unidade de serviço. No caso da indústria pode ser definida como a quantidade de energia por tonelada do produto em kcal/R$.

Produto Interno Bruto (PIB) = o valor da produção, a preços de mercado, realizada dentro das fronteiras geográficas do País. Segundo UGAYA (1996), para se realizar um estudo sobre energia em um determinado setor é necessário relacionar o consumo de energia deste com algumas variáveis sócio-econômicas. A autora cita estudos realizados por Chateau (1982) e Goldemberg et alli (1988), que demonstram que, no caso do setor industrial, a demanda por energia está diretamente relacionada com o Produto Interno Bruto.

Horas-ano de trabalho (M) = número de horas por ano (horas/ano) de funcionamento do setor, admitindo-se que as indústrias funcionem durante os 365 dias.

Taxa de crescimento (TC) = estimativa de crescimento médio anual projetado para o setor em função de determinadas variáveis econômicas, em percentagem (%).

A energia total do setor E(X) no ano base é calculada pela equação expressa em tEP/ano:

E(X) = PIB * I * M A partir da obtenção do valor correspondente à energia consumida pelo setor no

ano base é possível projetá-lo para o horizonte desejado, no caso, dez (10) anos, fazendo uso da equação3:

E(X + 10) = PIB (X + 10) * I * M, onde PIB (X + 10) = PIB * (I + TC) Uma vez que o estudo procura enfocar somente a substituição entre os energéticos,

considerou-se o consumo de todos os usos finais de energia elétrica a serem substituídos pela cogeração a partir do bagaço de cana, de acordo com a Agência para Aplicação de Energia - AAE (1990).

3 Os cálculos das projeções foram realizados utilizando-se o software Mathematica for Windows (versão 2.2.3) da Microsoft.

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3.2.2. Cenário Eficiente

No cenário eficiente pode se contemplar tanto a melhoria dos diversos usos finais,

via reduções de consumo e de potência, como a possibilidade de substituição entre energéticos. Este pode ser construído em função da finalidade que se pretende atingir, em diversos tipos de cenários, dentre eles, o potencial técnico, o potencial econômico e o potencial de mercado.

Nesta pesquisa são apresentados os resultados utilizando-se o cenário eficiente, contemplando o potencial econômico para avaliar a alternativa de cogeração de energia elétrica a partir do bagaço de cana.

Assim, a redução do consumo da fonte substituída, em contrapartida com a fonte que deverá substituí-la, pode ser avaliada por meio de algumas variáveis econômicas e ambientais, como tipo de combustível, poder calorífico, eficiência do sistema de conversão e de uso-final, emissão de poluentes (CO2) e custos. Essa análise, portanto, avalia, além dos custos econômicos para a indústria, os efeitos que a implementação da substituição implicará em termos de custos ambientais e outras externalidades.

Neste cenário compara-se os efeitos da substituição entre energéticos utilizados no processo produtivo levando-se em conta especificidades como emissões de carbono, eficiência tecnológica e custos, conforme JANNUZZI & SWISHER (1997):

E = Carga/Ef TE = E * DEC/DE = (DEC/DE) * Carga/Ef CA = (Ccap * FRC) + (E * Ccomb), onde E = Uso de energia anual (tEP/ano). Carga (ou potência) = carga de energia útil anual (tEP/ano). Ef = Eficiência da tecnologia do uso final (%). TE = Taxa de emissão anual (t/ano). DEC/DE = intensidade de emissão do combustível (t/tEP) CA = Custo anual do serviço ($/ano) Ccap = Custo de capital da tecnologia de uso final ($). FRC = Fator de recuperação de capital4 = [r (1+r)n / (1+r)n - 1], onde r = taxa de retorno n = vida útil do equipamento Ccomb = custo unitário do combustível (R$/tEP).

O cenário eficiente corresponde ao incremento da produção para fazer frente às

metas de crescimento da demanda por bagaço da cana, pressupondo diversos desdobramentos. Excluindo-se o aumento do rendimento industrial haveria duas outras soluções possíveis, a expansão da produção da matéria-prima (área cultivada de cana) e a elevação da produtividade da lavoura.

Destaque-se que a expansão da área da lavoura de cana pode provocar alterações no nível de emprego e mudanças na composição do setor agropecuário.

4 Fator de recuperação de capital é definido pela relação inversa entre o valor presente líquido e a sua distribuição em parcelas uniformes ao longo do fluxo de caixa (NORONHA, 1981).

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3.3. Dados do Setor Agrícola no Ano 2000

Considerando-se as 46 principais culturas a SEADE (2001) calculou o equivalente

em homens-ano (EHA)5 ocupados em cada atividade em 729.800 ou 145.960 homens-dia por ano (hd/ano). Destes, 212.882 EHA (42.576 hd/ano), ou seja, 29,17%, estavam ocupados na cultura da cana-de-açúcar (Tabela 1). Tabela 1. Área Cultivada e Demanda da Força de Trabalho Agrícola, segundo as Principais Culturas, 2000. Principais Culturas Área % Força de Trabalho % 1.000 ha EHA(1) Abacaxi 3,20 0,04 735 0,10 Algodão 65,80 0,91 9.606 1,32 Alho 0,30 0,00 319 0,04 Amendoim 76,60 1,06 6.429 0,88 Arroz 49,60 0,69 5.230 0,72 Banana 63,70 0,88 27.706 3,80 Batata 27,80 0,39 5.500 0,75 Café 366,40 5,08 136.588 18,72 Cana-de-Açúcar 2.727,00 37,82 212.882 29,17 Cebola 10,80 0,15 4.095 0,56 Chá 4,10 0,06 2.554 0,35 Eucalipto 720,50 9,99 30.994 4,25 Feijão 179,70 2,49 15.467 2,12 Figo 0,60 0,01 590 0,08 Fumo 0,20 0,00 139 0,02 Goiaba 3,90 0,05 2.982 0,41 Laranja 843,50 11,70 90.993 12,47 Maçã 0,40 0,01 209 0,03 Mamona 2,80 0,04 401 0,05 Mandioca 51,10 0,71 9.565 1,31 Maracujá 3,50 0,05 1.715 0,23 Melancia 5,60 0,08 1.969 0,27 Milho 1.081,90 15,01 25.385 3,48 Morango 0,90 0,01 6.445 0,88 Olerícolas(2) 86,30 1,20 79.180 10,85 Pêssego 3,40 0,05 2.720 0,37 Pinus 159,0 2,21 4.975 0,68 Seringueira 35,40 0,49 11.003 1,51 Soja 535,00 7,42 8.814 1,21 Sorgo 72,70 1,01 476 0,07 Tomate Rasteiro 3,60 0,05 590 0,08 Trigo 14,0 0,19 89 0,01 Uva 10,90 0,15 23.455 3,21 Total 7.210,20 100,00 729.800 100,00 (1) EHA – equivalentes-homens-ano. Um EHA corresponde a 0,2 dias de trabalho de 8 horas de um homem. (2) Incluem abóbora, abobrinha, alface, batata-doce, berinjela, beterraba, brócolis, cenoura, chuchu, couve, couve-flor, milho verde, mandioquinha, pepino, pimentão, quiabo, repolho, tomate envarado e vagem. Fonte: FUNDAÇÃO SEADE, 2001.

5 Equivalentes homens é uma medida de emprego com o intuito de se obter o número médio de trabalhadores convertendo também o trabalho de mulheres e crianças em equivalente homem. De acordo com GONÇALVES & SOUZA (1998), 1000 equivalentes-homem-ano corresponde a 200 dias de trabalho de 8 horas.

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Os impactos sobre a demanda da força de trabalho podem ser calculados, seguindo a metodologia da fundação SEADE, cuja projeção conservadora se apóia na manutenção do número de equivalentes-homem-ano por hectare (EHA/ha). O efeito substituição, provocado pela ampliação da área com cana sobre as áreas de outras culturas foi estimado com base em pesquisas desenvolvidas por IGREJA & CAMARGO (1992) e CAMARGO et alii (1995) para o Estado de São Paulo.

3.4. Matriz Energética Paulista

O consumo final de energia por setor de atividade no Estado de São Paulo, em

2000, correspondia a 510.045*109 kcal ou 70.131*103 tEP (Tabela 2).

Tabela 2. Composição Setorial do Balanço Energético do Estado de São Paulo, 2000. Setores 109 kcal % Consumo Final não Energético 77.387 15,17 Consumo Final Energético 432.658 84,83 Setor Energético 24.488 4,80 Residencial 43.192 8,47 Comercial 17.566 3,44 Público 8.673 1,70 Agropecuário 11.409 2,24 Transportes 150.977 29,60 Industrial 176.353 34,58 Total 510.045 100,00 Fonte: Balanço Energético do Estado de São Paulo, 2001.

A matriz energética do Estado de São Paulo, no mesmo ano, apresentou a

distribuição da Tabela 3. Tabela 3. Composição por Energético do Balanço Energético do Estado de SP, 2000. Energéticos 109 kcal % Carvão Vapor 364 0,07 Gás Natural 13.286 2,60 Lenha 10.863 2,13 Outras Primárias 7.364 1,44 Energia Primária 31.877 6,25 Óleo Diesel 76.649 15,03 Óleo Combustível 42.639 8,36 Gasolina 45.768 8,97 GLP 22.494 4,41 Nafta 22.146 4,34 Querosene 15.839 3,11 Gás Canalizado 4 0,00 Gás de Coque 2.433 0,48 Coque de Carvão Mineral 10.633 2,08 Eletricidade 90.098 17,66 Carvão Vegetal 1.276 0,25 Álcool (Hidratado e Anidro) 16.994 3,33 Bagaço de Cana 58.116 11,39 Outras Secundárias 73.079 14,33 Energia Secundária 478.168 93,75 Total 510.045 100,00 Fonte: Balanço Energético do Estado de São Paulo, 2001.

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Segundo dados do BEESP (2001) o consumo final de biomassa na matriz está presente de maneira significativa nos setores energético (22,4%), de transportes rodoviário (11,3%) e industrial (66,2%), destacando-se, neste último, a indústria de alimentos e bebidas (62,3%).

Dentre estes energéticos, os produtos da cana-de-açúcar estão representados pelo álcool (hidratado utilizado como combustível em carros e anidro misturado à gasolina) no setor de transportes e bagaço nos setores industrial e energético.

O consumo final de energia elétrica, por sua vez, contabiliza 90.098*109 kcal, em que se destacam os setores industrial com participação de 44,20%, sendo que o ramo de alimentos e bebidas responde por 13,06% deste consumo, e os setores residencial por 26,85% e o comercial com 15,13%.

3.5. O Consumo de Energia no Setor Industrial

O consumo total de energia do setor industrial corresponde a 176.353*109 kcal ou

27.873*103 tEP. Deste total, 37.246*109 kcal referem-se ao consumo de eletricidade e 62.200*109 kcal ao de bagaço, respectivamente 21,12% e 35,27% do total de energia consumida pelo setor.

Apresentam-se as participações do consumo de energia por usos-finais para o segmento de alimentos e bebidas, publicadas em estudo da Agência para Aplicação de Energia (Tabela 4).

Tabela 4. Distribuição do Consumo de Energia por Usos Finais na Indústria de Alimentos e Bebidas, Estado de São Paulo, 2000. Usos Finais Energético Óleo Combustível e

Derivados(1) (%) Eletricidade (%) Bagaço de Cana e

Outros(2) (%) Caldeira 28,00 40,00 89,00 Secador/Estufa 12,00 0,00 11,00 Força Motriz 0,00 48,00 0,00 Iluminação 0,00 3,00 0,00 Outros 60,00 9,00 0,00 Total 100,00 100,00 100,00 (1) Inclui óleo diesel, GLP e querosene. (2) Inclui lenha, carvão vapor e gás natural. Fonte: A partir dos dados da AAE (1990) e BEESP (2000).

O consumo de bagaço neste ramo industrial destina-se à caldeira (89,00%) e ao

secador/estufa (11%) como usos-finais. Já a eletricidade é empregada na caldeira (40%) e em motores (48%), além de servir à iluminação (3%) e demais usos (9%).

Quanto ao consumo específico, ou seja, a intensidade energética na indústria de alimentos e bebidas estimada para o setor em São Paulo, representando a relação entre o consumo total de energia pelo produto interno bruto do setor, o valor foi de 5,15 kcal/R$ (BEESP, 2000).

4. ANÁLISE DOS RESULTADOS E DISCUSSÃO

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4.1. Cenário Tendencial

A energia total estimada para a matriz energética do Estado de São Paulo, para o

setor industrial e para o ramo de alimentos e bebidas, no ano base (2000), compreendeu a intensidade energética (I) calculada com dados do ano anterior (1999), admitindo-se que a mesma relação se mantivesse para a estimativa do total consumido de 2000, e correspondeu a 1,52 Kcal/R$ (matriz energética), 1,35 Kcal/R$ (setor industrial) e 5,15 Kcal/R$ (alimentos e bebidas), a partir do BEESP (2000).

O Produto Interno Bruto (PIB), correspondente ao ano de 1998, foi obtido com os dados da SEADE (2001), como sendo R$ 324.012 milhões (Estado de São Paulo), R$ 121.346 milhões (setor industrial) e R$ 13.474 milhões (alimentos e bebidas).

As horas/ano (M) de funcionamento das indústrias, 1.095, foi estimada por UGAYA (1996).

A taxa de crescimento (TC) média anual estimada para o crescimento econômico foi de 4,5%, baseada em dados do Fundo Monetário Internacional e Banco Mundial, publicada no relatório Perspectivas da Economia Mundial (WORLD ECONOMIC OUTLOOK, 2000), de setembro de 2000.

Inicialmente, abordou-se o consumo energético total para o cenário tendencial da matriz energética considerando-se todos os energéticos que compõem a matriz.

O consumo total de energia da matriz paulista, do setor industrial e do ramo de alimentos e bebidas, no ano base, bem como as projeções de energia para o cenário tendencial em 2010 encontram-se na Tabela 5. Tabela 5. Consumo Real e Calculado de Energia da Matriz Paulista, Setor Industrial e Ramo de Alimentos e Bebidas, Estado de São Paulo, 2000. Setores 2000 2010 Real (tEP) Calculado (tEP) Estado de São Paulo 71.670.000 108.147.000 Industrial 28.477.000 44.223.900 Alimentos e Bebidas 9.929.000 15.419.400 Fonte: Dados da pesquisa.

No caso das projeções dos consumos de energia elétrica e bagaço de cana para o

setor industrial e para o ramo de alimentos e bebidas utilizaram-se os valores das variáveis [PIB, M, E(X), TC e I], descritas anteriormente, que resultaram nas projeções da Tabela 6.

Tabela 6. Consumo Real e Calculado de Bagaço de Cana e Energia Elétrica, Setor Industrial e Ramo de Alimentos e Bebidas, Estado de São Paulo, 2000 e 2010. Setor 2000 2010 Real (tEP) Calculado (tEP) Industrial

Bagaço de Cana 7.473.000 11.605.300 Energia Elétrica 12.836.000 19.933.900

Alimentos e Bebidas Bagaço de Cana 7.416.000 11.516.800 Energia Elétrica 1.677.000 2.604.330

Fonte: Dados da pesquisa. A energia elétrica demandada pela indústria de alimentos e bebidas foi de

1.677*103 tEP/ano e a projetada para 2010 de 2.604*103 tEP/ano. Esse valor, em 103 tEP,

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convertido em bagaço de cana (103t) pelo fator 0,209 corresponde a 12.459*103 toneladas de bagaço.

4.2. Cenário Eficiente ou Cenário Potencial Econômico

Para o cenário eficiente, onde se procuram verificar os efeitos da substituição entre

energéticos utilizados no processo produtivo salientou-se a necessidade de se considerar novas formas de geração de energia a curto prazo e os efeitos que suas adoções provocariam junto aos setores envolvidos.

A energia necessária ao aquecimento da caldeira foi de 11.105 * 103 tEP/ano (BEESP, 2001). Esse valor representa a soma de 89,00% de energia do bagaço (8.750*103) acrescido de 40,00% (2.355*103) de energia elétrica usados na caldeira. Admitiu-se uma caldeira mista onde o bagaço apresenta uma eficiência de 75% e a eletricidade 88%, cujo valor foi estimado em R$ 32 milhões6.

Com respeito às emissões produzidas pelo ramo de alimentos e bebidas, constatou-se que 0,74 mega toneladas de carbono por ano (MtC/ano) são lançados na atmosfera pela combustão de biomassa (BEESP, 2001), presumindo-se que as emissões relativas ao bagaço referem-se ao aquecimento da caldeira e ao secador/estufa.

Além disso, a fuligem produzida pela utilização do bagaço de cana nas caldeiras industriais polui, à semelhança das queimadas, o entorno das indústrias, que necessitam de equipamentos retentores de fuligem para garantir uma eficiência de 98% (MANFRIM & SEVERI, 2001).

O custo médio da energia gerada a partir do bagaço foi estimado em R$ 84,21/tEP e o da eletricidade em R$ 288,62/tEP (BEN, 2000).

O fator de recuperação de capital foi calculado para duas situações distintas. Na primeira considerou-se a vida útil da caldeira em 15 anos, levando-se em conta a obsolescência técnica, e na segunda o sucateamento físico em 30 anos. Para a outra variável que compõe os cálculos, a taxa de desconto, admitiu-se a taxa de juro paga pelas instituições financeiras às aplicações em poupança, ou seja de 6% ao ano, resultando nos respectivos fatores: 0,10 e 0,073.

Os resultados obtidos, usando-se as relações mencionadas para avaliar os custos anuais e as emissões de CO2 para a caldeira acionada à bagaço e a energia elétrica, podem ser observados na Tabela 7.

Tabela 7. Custos Anuais, Emissões de CO2 e Custos de Energia para o Bagaço de Cana e Eletricidade no Setor de Alimentos e Bebidas, 2000. Energético Custos Anuais (103 R$) Emissões

Anuais de CO2 Custos de Energia

Vida Útil – 15 anos

Vida Útil – 30 anos

MtC/ano R$/tEP

Bagaço de Cana 1.250.069 1.249.205 0,74 84,21 Energia Elétrica 3.645.387 3.644.523 --- 288,62 Fonte: Dados da pesquisa.

O tempo de vida útil do equipamento, parte integrante dos cálculos do fator de

recuperação de capital, não representou um item de diferenciação importante, uma vez que

6 Informações fornecidas pelo representante de vendas da Ata- Combustão Técnica S.A., ao qual as autoras agradecem.

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os valores das economias de custos anuais foram absolutamente iguais, bem como os preços da energia economizada7.

O cenário eficiente mostra que as economias de custos anuais, obtidas pela diferença entre os custos dos energéticos, representaram R$ 2.395.318.133,00 para substituir a eletricidade pelo bagaço de cana na caldeira.

Levando-se ainda em conta que a eletricidade tem um valor de energia primária 3,4273 vezes superior ao do bagaço ter-se-ía uma economia de energia primária na ordem de 28.443.521 tEP/ano, calculada como segue:

EP = 3,4273 (12.619.318) – 14.806.667 = 28.443.521 tEP/ano O custo da energia elétrica economizada seria de R$ 98,80/tEP, obtido pela

relação: [32*106 (0,10) + 14.806.667 (84,21) - 32*106 (0,10)]/ 12.619.318. Portanto, o custo calculado é inferior ao preço considerado para aquele energético

de R$ 288,62/tEP e, do ponto de vista econômico, o custo da energia elétrica conservada substituída pelo bagaço de cana-de-açúcar representaria uma alternativa vantajosa.

Já as economias de emissões anuais de CO2 apontam uma vantagem para a manutenção da energia elétrica. Do ponto de vista ambiental a comparação entre as emissões de poluentes, especificamente do CO2, um dos gases responsáveis pelo chamado efeito estufa, mostrou vantagem da eletricidade sobre o bagaço de cana. Ressalte-se, porém, conforme salientado no Balanço Energético do Estado de São Paulo, que as emissões produzidas pela combustão da biomassa “não contribuem para o efeito estufa, desde que sua utilização seja acompanhada da equivalente reposição da matéria-prima vegetal, pois o processo de fotossíntese retira da atmosfera, a quantidade correspondente de carbono liberada na combustão. Existe consenso de que o uso da biomassa como energético em um sistema efetivamente renovável, ou seja, com reposição da biomassa utilizada, o balanço de CO2 é nulo” (BEESP, 1996). Para que as emissões sejam compensadas pela fotossíntese é necessário haver uma proximidade entre a indústria e as áreas “absorvedoras”, visto que a importância está em se obter um equilíbrio entre emissão e assimilação de CO2, cuja mensuração é difícil de ser realizada.

4.3. Impactos na Agricultura

Considerando que a área plantada com cana de açúcar representou cerca de 15% da área agrícola paulista, no ano base de 2000, a substituição total da energia elétrica pelo bagaço de cana na indústria de alimentos e bebidas, necessitaria de uma quantidade de cana que produzisse 12.459*103 toneladas de bagaço para cogerar energia elétrica. Isto significa 49.837.320 toneladas obtida pela relação produção de bagaço por tonelada de cana através da expansão da área em 684.264 hectares.

Neste sentido, o cenário que se vislumbra, em função dos investimentos do setor energético, produzirá importantes reflexos sobre o setor agrícola paulista. Os impactos 7 Os cálculos utilizando-se o tempo de vida útil de 15 anos, por exemplo, foram os seguintes: Para a caldeira à bagaço de cana: E = 11.105.000/0,75 = 14.806.667 tEP/ano TE = 0,74 MtC/ano CA = 32*106 (0,10) + 14.806.667 (84,21) = R$ 1.250.069.428,00 Para a caldeira à eletricidade: E = 11.105.000/0,88 = 12.619.318 tEP/ano TE = 0 MtC/ano CA = 32*106 (0,10) + 12.619.318 (288,62) = R$ 3.645.387.561,00

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decorrentes da expansão da área de cana-de-açúcar incorrerão, basicamente, em transformações na agricultura, na redistribuição regional da produção, no aumento da concentração fundiária, e ocupação da mão-de-obra agrícola, com efeitos no volume de emprego na agricultura.

Utilizando-se os dados sobre a quantidade de hectares e de equivalentes homens ano ocupados em 2000, por atividade, calculou-se o deslocamento de área das principais culturas que tradicionalmente cedem espaço para a cultura da cana, de acordo com IGREJA & CAMARGO (1992) e CAMARGO et alii (1995), e da respectiva mão-de-obra empregada para o ano 2010 (Tabela 8).

Tabela 8. Área Cultivada com as Principais Culturas Substituídas e Demanda da Força de Trabalho Agrícola Efetiva e Deslocada, Estado de São Paulo, 2000 e 2010.

2000 2010 Cultura

Área

Força de Trabalho

Área Deslocada

Força de Trabalho

Deslocada (ha) (%) (EHA) (ha) (EHA)

Abacaxi 3.200 0.07 735 478 109 Algodão 65.800 1.46 9.606 9.990 1.457 Amendoim 76.600 1.70 6.429 11.633 976 Arroz 49.600 1.10 5.230 7.527 793 Batata 27.800 0.62 5.500 4.242 839 Café 366.400 8.13 136.588 55.632 20.737 Eucalipto 720.500 15.98 30.994 109.346 4.703 Feijão 179.700 3.99 15.467 27.302 2.349 Mamão nd nd nd nd nd Mamona 2.800 0.06 401 411 58 Mandioca 51.100 1.13 9.565 7.732 1.447 Milho 1.081.900 24.00 25.385 164.223 3.852 Pastagem Natural 1.706.640 37.85 1.160 258.994 176 Pinus 159.000 3.53 4.975 24.154 755 Tomate Rasteiro 3.600 0.08 590 547 89 Trigo 14.000 0.30 89 2.053 13 Total 4.508.640 100.00 252.711 684.264 38.353

nd = dado não disponível. Fonte: A partir de SEADE (2001).

Dos 684.264 hectares a serem incorporados pela cana-de-açúcar, 37,85% seriam

provenientes de pastagem natural, 24,00% de milho, 15,98% do eucalipto, 8,13% de café, 3,99% de feijão, 3,53% do pinus, 1,70% do amendoim, 1,46% de algodão, e os 3,36% restantes distribuídos entre as culturas de abacaxi, arroz, batata, mamona, mandioca, tomate rasteiro e trigo.

A expansão da área com cana-de-açúcar em 684.264 hectares representaria, no total, a perda de 38.353 equivalentes homens ano nas culturas que cederiam área , contra o emprego de 53.417 EHA, que teriam ocupação naquela atividade, portanto um aumento da demanda da força de trabalho de 15.064 EHA. 5. CONCLUSÕES

Do ponto de vista do planejamento, pensar a médio e longo prazos é um desafio e

uma necessidade. Nesse sentido, exercícios de cenários realçam a importância daquelas

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que podem ser consideradas alternativas para se atingir metas de crescimento, identificando as variáveis fundamentais para a concretização destas projeções.

Neste trabalho foram projetados e discutidos dois cenários para o consumo de energia elétrica na indústria de alimentos e bebidas do Estado de São para o ano 2010, diante de uma perspectiva de crescimento moderado da economia brasileira. Discutiu-se, ainda, a viabilidade da substituição da energia elétrica, no processo de produção industrial, contemplando aspectos sócio-econômicos e ambientais.

Os resultados das projeções do consumo de energia para o setor, em 2010, bem como da análise do potencial econômico da substituição entre os energéticos, mostraram que o modelo utilizado é um instrumental importante e consistente para análises prospectivas.

A análise econômica salientou os benefícios em se promover a substituição da energia elétrica nas caldeiras, pelo bagaço de cana-de-açúcar, devido à economia nos custos. O cenário eficiente ou potencial econômico demonstrou que, sob o ponto de vista dessas economias, existem benefícios em se substituir a energia elétrica pelo bagaço de cana nas caldeiras da indústria de alimentos e bebidas, seja como medida de conservação de energia primária ou como vantagem dos custos anuais para a indústria.

Sob o enfoque ambiental, a substituição da energia elétrica pelo bagaço de cana, mostrou-se desvantajosa em virtude de seu maior impacto na taxa de emissão de CO2 que, no entanto, pode ser compensada pela maior área fotossintética proveniente dos plantios de cana adicionais. Apresenta-se também como uma medida de conservação dos recursos naturais ao promover uma importante economia de energia primária.

Quanto aos impactos no setor agrícola se concluiu que a ampliação territorial das áreas com cana-de-açúcar devem intensificar o deslocamento das culturas que, historicamente, já vêem sendo substituídas por outras tão dinâmicas e rentáveis quanto ela. E, em relação à ocupação da força de trabalho tem-se um horizonte de aumento da demanda pela mão-de-obra temporária, ou seja, de aumento da oferta de emprego. 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AAE – Agência para Aplicação de Energia. Uso Final de Energia nas Indústrias do Estado de São Paulo- 1986/1989. CESP/CPFL/ELETROPAULO/COMGÁS. SICEN, 1990. BEESP – Balanço Energético do Estado de São Paulo. Ano Base 1995. Secretaria de Estado de Energia. CESP. São Paulo. 1996. BEESP – Balanço Energético do Estado de São Paulo. Ano Base 1999. Secretaria de Estado de Energia. CESP. São Paulo. 2000. BEESP – Balanço Energético do Estado de São Paulo. Ano Base 2000. Secretaria de Estado de Energia. CESP. São Paulo. 2001. BEN – Balanço Energético Nacional. Ano Base 1999. Ministério das Minas e Energia, Brasília, 2000, 154p. BNDES - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. In: http://www.bndes.gov.br

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Simulação da Produção de Soja e Milho no Brasil: Detecção de Características Regionais com o Modelo Shift-Share

ABEL CIRO MINNITI IGREJA

MARINA BRASIL ROCHA NELSON RAIMUNDO BRAGA

IVANI POSAR OTSUK ELIANA APARECIDA SCHAMMASS

RESUMO – O presente trabalho apresenta uma simulação das séries históricas recentes da produção de soja e milho, tendo em vista uma análise privilegiada do componente locacional, obtido a partir do Modelo Shift-Share. Para os indicadores nacionais de localização geográfica, tanto a soja quanto o milho revelaram uma contribuição moderada desse efeito, fato que pode ser atribuído a uma contraposição entre resultados regionais que se anulam. Já no caso da área, os sinais foram opostos: as quantidades de milho decresceriam se somente esse efeito operasse sobre as mudanças da produção, enquanto para a soja, ao contrário, esse continuaria sendo o efeito propulsor mais importante nos anos 90´s. Quanto ao rendimento, os indicadores nacionais mostraram ganhos importantes, tanto para a soja quanto para o milho. Nos resultados obtidos por Estados, o trabalho permitiu evidenciar padrões distintos. No que se refere ao Efeito da Localização Geográfica (ELG), objeto de maior atenção, verificou-se, quando se comparam os indicadores com resultados de outros trabalhos, uma acentuada associação positiva entre ELG de elevada magnitude com economias de escala para as lavouras consideradas. PALAVRAS-CHAVE: Cultura do milho; Cultura da soja; Economia regional;

Economias de Escala; Modelo Shift-Share. 1. Introdução

Ao se analisar séries históricas recentes da produção brasileira de soja pode-se ter uma falsa impressão de que o rápido crescimento observado, com taxas anuais de crescimento de 10 a 15%, vem ocorrendo de forma linear entre diferentes regiões e tamanhos de propriedade. Há, entretanto, operando de forma conjunta, um componente locacional e de alteração nas escalas de operação da atividade, fatores que merecem uma atenção especial, devido ao potencial de transformações que a lavoura da soja vem impondo em termos espaciais, bem como na estrutura de operação da atividade agropecuária (IGREJA, 1999; IGREJA, 2001). Além disso, há também associados ao efeito locacional, fatores advindos do "espalhamento" do calendário agrícola (aproximando épocas de plantios em algumas regiões das épocas de colheita de outras), à medida que a lavoura se dirige para latitudes mais ao norte (fato possível graças às novas variedades). Vale notar que esse é um fator que, ao mesmo tempo, contribui para o aumento da produtividade, mas constitui-se também em ameaça, uma vez que facilita a propagação de doenças e parasitas na lavoura, como é o caso recente da "Ferrugem Asiática".

Esse crescimento faz sentido, frente à conjuntura do mercado externo de grãos, em geral, e da soja, em particular, seja por sua versatilidade e dinamismo intrínsecos, como matéria-prima para rações animais, de elevado teor proteico, seja pelas inúmeras destinações industriais que vem adquirindo para o consumo humano (inclusive como alternativa saudável de alimentação). A soja tornou-se, recentemente, um produto ainda

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mais estratégico, ao ter seu principal subproduto, o farelo, como uma das opções viáveis de substituição de fontes proteicas de origem animal para a formulação das rações nos países desenvolvidos da União Européia, dado o problema da Encefalopatia Espongiforme, a conhecida "Doença da Vaca Louca". Além disso, vem encontrando espaço para aumento significativo de exportações para a Ásia, notadamente para a China, na forma de soja em grão.

A cultura do milho tem apresentado um significativo aumento no grau de tecnificação nos últimos 10 a 15 anos. Com expressivos ganhos de produtividade, essa lavoura, que tem um forte encadeamento com a produção animal, aparentemente reverteu os não raros episódios de crises de escassez, passando nos dois a três últimos anos a apresentar até mesmo sobras do grão para exportação, com potencial de se tornar mais uma commodity da agricultura brasileira no competitivo mercado internacional de grãos. Isso porque o patamar da produção tem superado a casa dos 40,0 milhões de toneladas, superando as necessidades de consumo interno.

Partindo-se da hipótese básica segundo a qual, a difusão da soja por todo o território nacional é relativamente recente, espera-se que essa lavoura apresente um conteúdo de "vetor tecnológico" da agricultura brasileira, por sua grande contribuição para mudanças da agricultura brasileira, inicialmente pela evolução dos padrões tecnológicos e integração dos mercados (décadas de 70 e 80), e, mais recentemente, pelas mudanças espaciais e estruturais (a partir dos anos noventas). Já para a lavoura de milho, há muito difundida nacionalmente, espera-se que apresente elevado grau de heterogeneidade da evolução tecnológica entre as diversas regiões/Estados do País.

Detectar essas características regionais das lavouras de soja e milho, faz parte, portanto, de um esforço para uma melhor compreensão das transformações estruturais e regionais, e, mais do que concorrer para elaborar políticas para o setor, contribui para o desenho de políticas de desenvolvimento regional, envolvendo questões como infra-estrutura, políticas industriais, políticas públicas na esfera social, etc.

2. Objetivos

O presente trabalho teve como objetivo principal estabelecer simulações das produções de soja e milho a partir da utilização do método shift-share, ou estrutural-diferencial.

A partir desse objetivo mais geral, propõe-se como objetivo secundário a verificação para cada produto da participação regional nesses dados simulados obtidos. Com isso, analisam-se as diferenças que existem entre os produtos soja e milho e as regiões de produção, podendo-se atribuir a elas diferentes pesos para os resultados obtidos nacionalmente.

3. Material e Métodos

Os dados básicos são provenientes do IBGE (SIDRA: www.ibge.gov.br) e se referem à área plantada, quantidade produzida e respectivo rendimento das culturas de soja e milho, por Unidade da Federação e para o Brasil, para o período de 1990 a 2002.

A metodologia mais indicada para os objetivos do trabalho foi proposta por PATRICK (1975), conhecida como Modelo Shift-Share. Esta tem sido utilizada de modo amplo na literatura econômica para a obtenção de indicadores gerais de crescimento regional. No caso da agricultura, sua utilização mais freqüente se dá com dados levantados em cortes temporais, a partir dos quais são obtidos os indicadores de crescimento agrícola.

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No presente trabalho, propõe-se trabalhar com a mesma proposta metodológica, porém aplicada à toda série temporal, de forma a se elaborarem exercícios de simulações, ou de reconstituição das séries históricas a partir dos indicadores obtidos.

Formulação Matemática

Em uma determinada série temporal, a produção de um determinado produto i no ano t, pode ser dada pela fórmula:

Qit = Σαijt.Ait.Rijt (1) Onde:

αij é a participação percentual do Estado j, na produção do produto i (no caso, a soja ou o milho) Ai é a área com a lavoura i (i = 1,2) no Brasil. Rij é o rendimento da lavoura i (i= 1,2) no Estado j (j = 1, 2, 3,

...27). Observe-se que, para se obter a produção nacional para a cultura i

= 1 (soja), o somatório é operado em j (Estados). O mesmo é válido para i = 2 (milho).

No ano imediatamente anterior, a produção pode ser expressa por:

Qt-1 = Σαijt-1.Ait-1.Rijt-1 (2)

Na expressão (2), se somente a área variasse entre o ano t-1 e o ano t, teríamos a seguinte quantidade produzida:

Qta = Σαijt-1.Ait.Rijt-1 (3)

Se, além da área, também o rendimento variar, entre o ano t-1 e o ano t, a quantidade produzida seria:

Qtr = Σαijt-1.Ait.Rijt (4)

Assim, a variação total da produção nacional (Qt-Qt-1) pode ser decomposta em 3 (três) efeitos, a saber:

Efeito-Área (EA): Qta - Qt-1 Efeito-Rendimento (ER): Qtr - Qta Efeito Localização Geográfica (ELG): Qt - Qtr

Um exercício que faz parte dos objetivos do presente trabalho diz respeito à reconstituição das séries históricas de produção de soja e milho, tanto para o Brasil, quanto para os principais Estados produtores, com dados simulados a partir dos efeitos obtidos pelo Modelo Shift-Share..

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Simulação da Série Histórica para a Produção Nacional da Soja e Milho

A produção nacional de soja (i = 1) e milho (i = 2), para um determinado ano t+n pode ser obtida pela expressão:

Qijt+n = Σαijt+n.Ait+n.Rijt+n Onde n é o número de anos além do ano t

Dessa forma, a série de quantidades produzidas, para essa formulação é Q0, Q1,Q2,Q3, Q4, ... Qt, Qt+n, e constitui a própria série original dos dados.

A série a partir do efeito-área é obtida a partir da soma pelos j Estados da quantidade produzida da cultura i (soja = 1; milho = 2) no ano inicial e do efeito-área do ano subseqüente. Para o caso geral, do ano t+n, tem-se: Qi(t+n)a = Σαijt+n.Ait+n.Rijt+n + Σαijt+n.Ait+n+1.Rijt+n -Σαijt+n.Ait+n.Rijt+n Portanto, QA

ij(t+n) = Σαijt+n.Ait+n+1.Rijt+n Por analogia, são reconstituídas as séries de quantidades a partir dos efeitos rendimento e localização geográfica: QRij(t+n) = Σαijt+n.Ait+n+1.Rijt+n+1 QLG

j(t+n) = Σαijt+n.Ait+n.Rijt+n + (αijt+n+1 - αijt+n).(Ait+n+1.Rijt+n+1) Na simulação das séries históricas para a produção da soja e milho nos principais

estados produtores, o mesmo procedimento metodológico pode ser adotado. Para tanto, basta deixar de operar o somatório em j (ou, em outras palavras, j é fixo). 4. Resultados das Simulações 4.1- Soja A produção brasileira de soja evoluiu de forma significativa, no período de 1990 a 2002, de 19,9 para 42,1 milhões de toneladas. Dado seu crescimento a taxas muito elevadas (6,5% ao ano, em média), seria de se esperar que o fator que responderia com maior prontidão seria o efeito-área. O que é altamente significativo, é que o efeito-rendimento foi o que o sucedeu, mesmo após os elevados ganhos de produtividade já observados nos anos 70 e 80 (Tabela 1). Essa característica mais geral de continuidade da evolução tecnológica da cultura corrobora o processo de continuadas conquistas obtidas pela pesquisa, que permitiram o avanço da lavoura para regiões anteriormente inóspitas, fato já de ampla divulgação nos últimos anos (CUNHA et al., 1994; WWF e PROCER, 1995, citados In: SABOYA, 2001; MAFIOLETTI, 2000)

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Tabela 1- Evolução da Quantidade Produzida de Soja (Efetiva e Obtida a partir dos Efeitos do Modelo Shift-Share), Brasil, Período 1990 a 2002.

(em toneladas) Índice (1990 = 100) Ano Produção EA1 ER2 ELG3 Produção EA1 ER2 ELG3 1990 19897804 19897804 19897804 19897804 100.00 100.00 100.00 100.00 1991 14937806 16605000 18510462 19617952 75.07 83.45 93.03 98.59 1992 19214705 16289792 22971693 19748828 96.57 81.87 115.45 99.25 1993 22590978 18707030 23907875 19771681 113.54 94.02 120.15 99.37 1994 24931832 20595055 24233671 19898714 125.30 103.50 121.79 100.00 1995 25682637 20937013 24540407 20000825 129.07 105.22 123.33 100.52 1996 23166874 17981474 24758162 20222846 116.43 90.37 124.43 101.63 1997 26392636 20558340 25545444 20084459 132.64 103.32 128.38 100.94 1998 31307440 24711500 26182510 20209039 157.34 124.19 131.58 101.56 1999 30987476 24120518 26403642 20258924 155.73 121.22 132.70 101.81 2000 32820826 25595100 26495571 20525763 164.95 128.63 133.16 103.16 2001 37907259 26297254 30898226 20507387 190.51 132.16 155.28 103.06 2002 42124898 32779462 28401336 20739708 211.71 164.74 142.74 104.23

1. EA - Efeito-Área; 2. ER - Efeito-Rendimento; 3. ELG - Efeito-Localização Geográfica Fonte: dados básicos do IBGE (SIDRA: www.ibge.gov.br)

O que não fica evidente, a partir da análise dos resultados gerais, é que diferentes

padrões de contribuição dos efeitos são encontrados entre os principais estados produtores. Para o Estado de São Paulo (TABELA 2), verifica-se que a participação na produção nacional seria mais acentuada a partir dos efeitos área e rendimento. O Efeito Localização Geográfica não contribui na mesma proporção. Dada a nítida associação entre o efeito-localização e as escalas operacionais, essa composição de resultados parece indicar que que, ao contrário da cana-de-açúcar e da laranja, as escalas de operação da soja pouco contribuem no Estado de São Paulo. Restam, como fontes alternativas de crescimento, os avanços tecnológicos ainda possíveis, que se manifestam no rendimento e as possibilidades que a lavoura apresenta de ampliar áreas nas "fronteiras internas" de atividades como a cana-de-açúcar (áreas de renovação dos canaviais), melhor aproveitamento das áreas de pastagens cultivadas, etc.

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Tabela 2.- Contribuição Percentual do Estado de São Paulo para Quantidade Produzida de Soja, a partir dos Efeitos do Modelo Shift-Share, Período 1990 a 2002 (em %)

Ano Prod. Efetiva EA1 ER2 ELG3 1990 4.71 4.71 4.71 4.71 1991 6.58 4.71 5.78 5.13 1992 4.44 4.67 4.40 4.84 1993 4.32 4.64 4.58 4.49 1994 4.94 4.61 5.02 4.72 1995 4.62 4.62 4.99 4.34 1996 5.33 4.62 4.86 5.32 1997 5.34 4.71 5.34 4.73 1998 3.28 4.81 3.94 3.37 1999 4.59 4.85 5.44 3.40 2000 3.63 4.84 4.38 3.24 2001 3.58 4.80 4.34 3.04 2002 3.70 4.56 5.05 2.43

1. EA - Efeito-Área; 2. ER - Efeito-Rendimento; 3. ELG - Efeito-Localização Geográfica

Fonte: dados básicos do IBGE (SIDRA: www.ibge.gov.br) O Estado de Minas Gerais mostra uma maior propensão ao crescimento da participação na produção nacional quando as simulações são feitas a partir do efeito-rendimento (TABELA 3). Esse resultado indica que essa Unidade da Federação tem sido um lócus privilegiado de avanço tecnológico da lavoura da soja no País. Sob o ponto de vista do efeito-localização, sua participação não apresentou uma capacidade de resposta análoga, o que (dada sua associação com as escalas de operação) sugere que as economias de escala não respondem da mesma forma como ocorre com os pólos produtores da Região Centro-Oeste (principalmente Mato Grosso) e Sul (Paraná). Tabela 3.- Contribuição Percentual do Estado de Minas Gerais para Quantidade Produzida de Soja, a partir dos Efeitos do Modelo Shift-Share, Período 1990 a 2002 (em %)

Ano Prod. Efetiva EA1 ER2 ELG3 1990 3.76 3.76 3.76 3.76 1991 6.51 3.76 5.83 3.91 1992 5.07 3.71 4.72 3.96 1993 4.96 3.89 4.37 4.28 1994 5.09 3.98 4.71 4.04 1995 4.67 4.00 4.26 4.06 1996 3.93 3.89 4.11 3.41 1997 4.10 3.90 4.51 3.11 1998 4.08 3.93 4.57 3.00 1999 4.32 3.93 4.66 3.26 2000 4.38 3.95 4.80 3.18 2001 3.67 3.96 3.72 3.39 2002 4.63 3.90 5.40 3.06

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1. EA - Efeito-Área; 2. ER - Efeito-Rendimento; 3. ELG - Efeito-Localização Geográfica

Fonte: dados básicos do IBGE (SIDRA: www.ibge.gov.br)

No Estado do Paraná, que responde por cerca de 20 a 25% da produção nacional da soja, os resultados apontam para uma importância relativa maior do efeito-localização geográfica, fato que está associado ao aumento das escalas de operação da lavoura, que passou a substituir áreas de pastagens cultivadas nos grandes estabelecimentos (IGREJA, 1999) (TABELA 4). Sua participação relativa na produção nacional seria ainda maior, se toda a variação ocorresse por conta desse fator para a maior parte dos anos da série analisada. Tabela 4 - Contribuição Percentual do Estado do Paraná para Quantidade Produzida de Soja, a partir dos Efeitos do Modelo Shift-Share, Período 1990 a 2002 (em %)

Ano Prod. Efetiva EA1 ER1 ELG1 1990 23.37 23.37 23.37 23.37 1991 23.64 23.37 22.41 24.48 1992 17.91 23.36 19.04 23.09 1993 21.09 22.66 21.68 23.48 1994 21.39 22.51 22.96 22.28 1995 22.17 22.50 23.69 22.35 1996 27.80 22.55 24.41 27.90 1997 24.94 23.21 22.41 26.81 1998 23.36 23.50 21.62 25.47 1999 25.03 23.50 23.82 25.15 2000 21.90 23.59 20.81 24.04 2001 22.73 23.54 22.97 22.55 2002 22.64 23.38 22.95 22.43

1. EA - Efeito-Área; 2. ER - Efeito-Rendimento; 3. ELG - Efeito-Localização Geográfica

Fonte: dados básicos do IBGE (SIDRA: www.ibge.gov.br) Para o Estado de Santa Catarina ocorre algo semelhante ao que se verificou para o Estado de São Paulo, havendo preponderância dos efeitos área e rendimento como fatores que mais respondem pelo aumento da parcela mineira na produção nacional (TABELA 5). Aparentemente, o patamar tecnológico ainda avança sobre uma base de pequenos a médios produtores, considerando-se a escala de operação em que a lavoura é conduzida nos pólos mais dinâmicos. Observa-se, entretanto, a partir de outros estudos (IGREJA, MARTINS, e BLISKA, 2002), que a própria evolução tecnológica da lavoura nesse Estado induz a um crescimento no tamanho das lavouras, deslocando-as para Unidades Produtivas maiores.

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Tabela 5.- Contribuição Percentual do Estado de Santa Catarina para Quantidade Produzida de Soja, a partir dos Efeitos do Modelo Shift-Share, Período de 1990 a 2002 (em %)

Ano Prod. Efetiva EA1 ER2 ELG3 1990 2.70 2.70 2.70 2.70 1991 1.67 2.70 2.03 2.55 1992 1.91 2.72 2.62 2.01 1993 1.93 2.62 2.70 1.90 1994 1.74 2.55 2.68 1.67 1995 1.73 2.54 2.80 1.49 1996 1.75 2.67 2.96 1.32 1997 1.72 2.56 2.86 1.35 1998 1.63 2.42 2.75 1.34 1999 1.52 2.43 2.55 1.41 2000 1.60 2.38 2.83 1.17 2001 1.41 2.36 2.58 0.93 2002 1.26 2.17 2.39 1.03

1. EA - Efeito-Área; 2. ER - Efeito-Rendimento; 3. ELG - Efeito-Localização Geográfica

Fonte: dados básicos do IBGE (SIDRA: www.ibge.gov.br) O Estado do Rio Grande do Sul apresenta uma acentuada diferenciação dos efeitos, com predominância da área e da localização geográfica, significando um provável aumento de escalas operacionais, sugerindo que o avanço da soja ocorre acompanhado de uma possível reestruturação fundiária. O rendimento seria responsável por uma resposta maior na contribuição da produção riograndense na produção nacional nos últimos anos, sobretudo em 2001 (TABELA 6). Tabela 6.- Contribuição Percentual do Estado do Rio Grande do Sul para Quantidade Produzida de Soja, a partir dos Efeitos do Modelo Shift-Share, Período 1990 a 2002 (em %)

Ano Prod. Efetiva EA1 ER2 ELG3 1990 31.73 31.73 31.73 31.73 1991 14.86 31.73 16.89 32.89 1992 29.40 32.06 30.33 30.82 1993 26.86 31.71 29.27 29.15 1994 21.83 31.27 25.23 27.72 1995 22.77 31.11 28.05 25.38 1996 18.28 32.48 24.78 24.16 1997 18.02 30.70 23.50 25.23 1998 20.64 28.58 28.37 22.76 1999 14.42 28.78 21.38 22.26 2000 14.58 27.98 22.71 20.66 2001 18.34 27.63 27.06 19.32 2002 13.32 25.81 21.59 17.64

1. EA - Efeito-Área; 2. ER - Efeito-Rendimento; 3. ELG - Efeito-Localização Geográfica

Fonte: dados básicos do IBGE (SIDRA: www.ibge.gov.br)

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Ao contrário da lavoura do milho, em que há coincidência na diferenciação do Efeito-localização geográfica, para a cultura da soja os Estados do Mato Grosso do Sul e do Mato Grosso divergem neste aspecto.

No Estado do Mato Grosso do Sul (TABELA 7), há uma nítida preponderância do efeito-rendimento, como aquele que mais responderia individualmente pelo aumento da participação relativa do Estado na produção nacional. É um indicador de que o crescimento via escalas de operação encontrou aí seu limite. Tabela 7- Contribuição Percentual do Estado do Mato Grosso do Sul para Quantidade Produzida de Soja, a partirdos Efeitos do Modelo Shift-Share, Período 1990 a 2002 (em %)

Ano Prod. Efetiva EA1 ER2 ELG3 1990 10.25 10.25 10.25 10.25 1991 13.51 10.25 12.74 10.38 1992 9.74 10.18 10.67 9.31 1993 10.13 10.12 10.99 9.33 1994 9.60 10.13 10.99 8.65 1995 8.89 10.12 10.94 7.79 1996 8.65 10.32 11.67 6.60 1997 8.28 10.11 11.52 6.17 1998 7.41 9.80 9.71 7.08 1999 9.03 9.86 11.84 6.77 2000 7.57 9.81 10.27 6.48 2001 8.22 9.75 11.29 5.56 2002 7.76 9.45 11.43 4.82

1. EA - Efeito-Área; 2. ER - Efeito-Rendimento; 3. ELG - Efeito-Localização Geográfica Fonte: dados básicos do IBGE (SIDRA: www.ibge.gov.br)

Já o Estado do Mato Grosso apresenta uma nítida diferenciação do Efeito-Localização Geográfica, fator que mais responde pelo aumento da contribuição percentual do Estado na produção nacional. Trata-se, pelo fenômeno de associação entre localização e escalas de operação, de uma evolução para economias de escala, implicando estrutura fundiária consubstanciada em unidades produtivas de grande porte (TABELA 8). Tabela 8.- Contribuição Percentual do Estado do Mato Grosso para Quantidade Produzida de Soja, a partir dos Efeitos do Modelo Shift-Share, Período 1990 a 2002 (em %)

Ano Prod. Efetiva EA1 ER2 ELG3 1990 15.40 15.40 15.40 15.40 1991 18.33 15.40 19.10 14.15 1992 18.96 15.35 16.19 18.00 1993 18.23 15.81 15.24 18.44 1994 21.34 16.03 16.38 21.00 1995 21.38 16.12 13.82 24.27 1996 21.72 15.26 15.58 22.56 1997 22.96 16.07 16.73 22.97 1998 23.09 17.23 16.03 24.26 1999 24.12 17.08 16.88 24.80 2000 26.73 17.49 18.74 26.60 2001 25.15 17.74 16.41 28.89 2002 27.78 19.20 17.93 31.06

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1. EA - Efeito-Área; 2. ER - Efeito-Rendimento; 3. ELG - Efeito-Localização Geográfica

Fonte: dados básicos do IBGE (SIDRA: www.ibge.gov.br) Para o Estado de Goiás (TABELA 9), notam-se fases de alternância entre respostas mais pronunciadas do efeito-rendimento e do efeito localização geográfica, fatores indicativos de evolução tecnológica e crescimento nas escalas de operação da lavoura. Tabela 9. Contribuição Percentual do Estado de Goiás para Quantidade Produzida de Soja, a partir dos Efeitos do Modelo Shift-Share, Período 1990 a 2002 (em %)

Ano Prod. Efetiva EA1 ER1 ELG3 1990 6.32 6.32 6.32 6.32 1991 11.12 6.32 10.49 6.05 1992 9.36 6.23 8.81 6.46 1993 8.87 6.64 7.91 7.02 1994 9.27 6.84 7.98 7.46 1995 8.36 6.88 7.10 7.41 1996 8.47 6.64 8.31 6.08 1997 9.34 6.87 8.78 6.60 1998 10.89 7.28 8.81 9.00 1999 11.04 7.19 9.23 8.70 2000 12.47 7.42 10.17 9.83 2001 10.69 7.55 8.17 10.04 2002 12.83 8.17 10.20 11.30

1. EA - Efeito-Área; 2. ER - Efeito-Rendimento; 3. ELG - Efeito-Localização Geográfica

Fonte: dados básicos do IBGE (SIDRA: www.ibge.gov.br) O Estado da Bahia (TABELA 10), com uma participação relativa menor que a do Estado de Goiás, apresenta uma composição de efeitos semelhantes, na medida em que alterna-se a importância entre os efeitos rendimento e localização. Tabela 10.- Contribuição Percentual do Estado da Bahia para Quantidade Produzida de Soja, a partir dos Efeitos do Modelo Shift-Share, Período 1990 a 2002 (em %)

Ano Prod. Efetiva EA1 ER2 ELG3 1990 1.11 1.11 1.11 1.11 1991 2.95 1.11 3.61 0.16 1992 2.50 1.07 2.37 1.02 1993 2.62 1.26 2.36 1.19 1994 3.50 1.38 3.11 1.39 1995 4.18 1.42 3.55 1.73 1996 3.02 0.96 2.40 1.85 1997 3.84 1.22 3.46 1.59 1998 3.79 1.66 3.23 1.85 1999 3.71 1.61 2.87 2.20 2000 4.59 1.73 3.81 2.41 2001 3.71 1.81 2.52 2.89 2002 3.48 2.18 2.15 2.79

1. EA - Efeito-Área; 2. ER - Efeito-Rendimento; 3. ELG - Efeito-Localização Geográfica

Fonte: dados básicos do IBGE (SIDRA: www.ibge.gov.br)

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Finalmente, um bom exemplo para ilustrar lavouras operadas em larga escala, e

cujos resultados aparecem de forma nítida no efeito-localização, é o advento da lavoura da soja no Estado do Maranhão (Região de Balsas) (TABELA 11). Tabela 11. - Contribuição Percentual do Estado do Maranhão para Quantidade Produzida de Soja, a partir dos Efeitos do Modelo Shift-Share, Período 1990 a 2002 (em %)

Ano Prod. Efetiva EA1 ER2 ELG3 1990 0.02 0.02 0.02 0.02 1991 0.05 0.02 0.12 -0.05 1992 0.13 0.02 0.09 0.04 1993 0.39 0.03 0.17 0.24 1994 0.56 0.07 0.21 0.42 1995 0.63 0.07 0.11 0.64 1996 0.59 -0.02 0.20 0.49 1997 0.84 0.06 0.16 0.88 1998 0.93 0.19 0.14 1.07 1999 1.32 0.17 0.39 1.34 2000 1.39 0.24 0.45 1.37 2001 1.30 0.27 0.24 1.72 2002 1.33 0.47 0.32 1.57

1. EA - Efeito-Área; 2. ER - Efeito-Rendimento; 3. ELG - Efeito-Localização Geográfica Fonte: dados básicos do IBGE (SIDRA: www.ibge.gov.br) 4.2- Milho

A produção brasileira de milho evoluiu, no período de 1990 a 2002, tendo como principal componente o rendimento (Tabela 12). Essa característica mais geral da evolução da cultura corrobora a tecnificação acentuada da lavoura, já amplamente divulgada nos últimos anos. Tabela 12.- Evolução da Quantidade Produzida do Milho (Efetiva e Obtida a partir dos Efeitos do Modelo Shift-Sha2002.

(em toneladas) Índice (1990 = 100) Produção EA1 ER2 ELG3 Produção EA1 ER2 ELG3

1990 21347774 21347774 21347774 21347774 100.00 100.00 100.00 100.00 1991 23624340 24111951 21006553 21201384 110.66 112.95 98.40 99.31 1992 30506127 24644547 27067826 21489302 142.90 115.44 126.79 100.66 1993 30055633 22424865 27809877 22516439 140.79 105.05 130.27 105.47 1994 32487625 26267890 27896090 21019193 152.18 123.05 130.67 98.46 1995 36266951 25506591 32144382 21311525 169.89 119.48 150.57 99.83 1996 29652791 21218479 29138943 21990916 138.90 99.39 136.50 103.01 1997 32948044 21977060 31341753 22324779 154.34 102.95 146.82 104.58 1998 29601753 17889657 31613056 22794589 138.66 83.80 148.09 106.78 1999 32239479 21009573 31340036 22585418 151.02 98.42 146.81 105.80 2000 32321000 21605414 31129737 22281397 151.40 101.21 145.82 104.37 2001 41962475 22281029 39170650 23206344 196.57 104.37 183.49 108.71 2002 35932962 20274353 35987430 22366727 168.32 94.97 168.58 104.77

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1 EA - Efeito-Área; 2. ER - Efeito-Rendimento; 3. ELG - Efeito-Localização Geográfica Fonte: dados básicos do IBGE (SIDRA: www.ibge.gov.br)

Mais uma vez, vale ressaltar que não fica evidente, a partir da análise desses resultados gerais, qual o comportamento ou a contribuição dos efeitos dos principais estados produtores, sobretudo para o efeito localização geográfica, que para o Brasil, tal como a soja, não mostrou ser um fator de impulso para a produção de milho. Assim, cumpre analisar, para cada uma das principais Unidades da Federação que respondem por parcelas importantes da produção nacional, quais as que respondem com maior impulso no que se refere ao aspecto locacional (e de escalas de operação, uma vez que são fenômenos associados). Para o Estado de São Paulo (TABELA 13), verifica-se que a participação na produção nacional seria mais acentuada a partir do efeito-área (com exceção de alguns anos, em que os efeitos rendimento e localização geográfica mais se sobressaíram). Essa composição de resultados parece indicar que os avanços tecnológicos atingiram um certo patamar nesse Estado (predominância de lavouras em sistemas de cultivos "solteiros"), e que a cultura atingiu uma inserção na economia agrícola paulista que a impede de avanços em escalas operacionais, dada a competição de atividades com maior poder de mercado, como a cana-de-açúcar e a laranja. A resposta possível para aumentos na produção se dá, portanto, predominantemente por via da área, provavelmente com a contribuição dos plantios do "milho safrinha", realizados em sucessão a outras culturas anuais, sobretudo a soja, à medida em que se expande o plantio direto. Com isso, a participação paulista na produção nacional de milho não tem apresentado um declínio ainda maior (a cultura respondia por de cerca de 13,0%, em 1990, evoluindo para 11,0%, em 2002). Tabela 13.- Contribuição Percentual para a Produção Nacional de Milho do Estado de São Paulo, a partir de Simulação dos Efeitos do Modelo Shift-Share, Período 1990 a 2002.

Ano EA1 ER2 ELG3 Produção 1990 12.96 12.96 12.96 12.96 1991 12.96 15.70 15.01 17.23 1992 13.05 11.03 15.84 13.36 1993 13.02 11.41 13.87 12.26 1994 12.91 9.81 12.38 9.85 1995 13.00 12.15 11.66 11.51 1996 13.30 12.31 12.13 11.95 1997 13.25 12.10 12.26 11.87 1998 13.57 12.27 12.64 12.35 1999 13.39 11.65 12.75 11.82 2000 13.35 10.48 10.97 9.47 2001 13.23 10.93 10.79 10.01 2002 13.55 11.73 11.21 10.97

1. EA - Efeito-Área; 2. ER - Efeito-Rendimento; 3. ELG - Efeito-Localização Geográfica Fonte: dados básicos do IBGE (SIDRA: www.ibge.gov.br) O Estado de Minas Gerais mostra uma maior propensão a maior participação na produção nacional, quando as simulações são feitas a partir do efeito-rendimento (TABELA 14). Esse resultado indica que no Estado de Minas Gerais a lavoura de

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milho encontrou como via privilegiada de crescimento da produção mediante um relativo avanço tecnológico da lavoura (principalmente com o aumento da proporção de lavouras "solteiras" mais tecnificadas), e não o aumento das escalas de operação. Com isso, o Estado de Minas Gerais mostra uma certa tendência de retomada na participação relativa na produção nacional, atingindo a casa dos 13,4 %. Tabela 14.- Contribuição Percentual para a Produção Nacional de Milho do Estado de Minas Gerais, a partir de Simulação dos Efeitos do Modelo Shift-Share, Período 1990 a 2002.

Ano EA ER ELG Produção 1990 10.65 10.65 10.65 10.65 1991 10.65 17.12 9.88 15.71 1992 10.76 13.50 9.33 12.34 1993 10.60 13.87 9.39 12.65 1994 10.90 13.22 7.98 11.34 1995 10.89 11.62 8.35 10.32 1996 11.00 13.14 7.79 11.23 1997 11.01 13.78 7.72 11.88 1998 10.81 13.64 8.81 12.53 1999 11.06 14.24 7.40 12.13 2000 11.09 15.88 6.46 13.09 2001 11.15 12.27 5.49 9.58 2002 11.31 15.52 6.60 13.38

Fonte: dados básicos do IBGE (SIDRA: www.ibge.gov.br) No Estado do Paraná, que responde por cerca de 20 a 25% da produção nacional de milho, os resultados apontam para uma importância relativa maior do efeito-localização geográfica (TABELA 15). Sua participação relativa na produção nacional seria ainda maior, se toda a variação ocorresse por conta desse fator, contrarrestando o pífio resultado obtido para o Efeito Localização Geográfica obtido nacionalmente (ver tabela 12), e indicando que a lavoura vem se reposicionando em termos de escalas de operação. Ou seja, no Paraná, os produtores estão buscando economias de escala e se especializando, tal como ocorre com a soja. A magnitude maior de resposta do efeito-área em relação ao rendimento, em muitos anos da série analisada, pode estar relacionada à presença do "milho safrinha" como opção à sucessão com a lavoura da soja cultivada no sistema de plantio direto, tornando, desse modo, a área, depois da localização geográfica, uma importante fonte de crescimento da lavoura.

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Tabela 15.- Contribuição Percentual para a Produção Nacional de Milho do Estado do Paraná, a partir de Simulação dos Efeitos do Modelo Shift-Share, Período 1990 a 2002.

Ano EA ER ELG Produção 1990 24.17 24.17 24.17 24.17 1991 24.17 19.03 25.10 20.43 1992 24.09 22.75 25.62 23.86 1993 24.12 23.47 29.14 27.20 1994 24.57 21.88 28.20 25.12 1995 24.55 23.06 26.45 24.78 1996 24.50 24.62 26.75 26.75 1997 24.58 21.82 26.13 23.53 1998 24.82 24.83 26.16 26.79 1999 25.12 24.31 27.47 27.23 2000 25.17 18.62 28.90 22.75 2001 25.10 26.83 29.59 30.14 2002 24.60 25.24 27.05 27.27

Fonte: dados básicos do IBGE (SIDRA: www.ibge.gov.br) Para o Estado de Santa Catarina ocorre algo semelhante ao que se verificou para o Estado de São Paulo, havendo preponderância do efeito-área como fator de resposta na produção nacional (TABELA 16). Aparentemente, o patamar tecnológico já alcançado entre os produtores catarinenses não apresentou uma evolução mais significativa no período, havendo espaços para reacomodação da produção estadual via área, provavelmente devido, também, a uma certa presença do "milho safrinha". Aparentemente, a inserção da atividade na economia agrícola catarinense ainda é a de uma atividade de apoio à avicultura e à suinocultura, não adquirindo o mesmo status das lavouras matogrossenses e paranaenses, onde são conduzidas por agricultores especializados e em larga escala. Tabela 16.- Contribuição Percentual para a Produção Nacional de Milho do Estado de Santa Catarina, a partir de Simulação dos Efeitos do Modelo Shift-Share, Período 1990 a 2002.

Ano EA ER ELG Produção 1990 12.53 12.53 12.53 12.53 1991 12.53 6.23 12.00 6.45 1992 12.40 11.03 11.95 10.69 1993 12.57 11.24 11.72 10.76 1994 12.30 11.50 10.66 10.25 1995 12.36 10.71 11.28 10.07 1996 12.83 10.54 8.59 7.87 1997 12.66 11.18 8.15 8.36 1998 13.64 10.60 9.39 8.72 1999 12.91 10.90 8.46 8.34 2000 12.78 12.71 9.13 10.53 2001 12.71 10.71 9.77 9.41 2002 13.04 10.03 9.82 8.63

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Fonte: dados básicos do IBGE (SIDRA: www.ibge.gov.br) O Estado do Rio Grande do Sul apresenta uma acentuada diferenciação positiva dos efeitos área e localização geográfica, sendo o rendimento um fator que contribuiria com menor peso relativo (TABELA 17). É uma evidência acentuada de ocorrência simultânea de aumento nas escalas de operação das lavouras e de especialização dos produtores e da presença do "milho safrinha", como opção para sucessão com a soja. Tabela 17.- Contribuição Percentual para a Produção Nacional de Milho do Estado do Rio Grande do Sul, a partir de Simulação dos Efeitos do Modelo Shift-Share, Período 1990 a 2002.

Ano EA ER ELG Produção 1990 18.54 18.54 18.54 18.54 1991 18.54 7.30 18.67 8.66 1992 18.32 17.29 19.78 18.14 1993 18.34 16.09 17.46 15.32 1994 17.90 16.86 15.51 14.63 1995 18.00 16.68 18.29 16.37 1996 18.33 10.48 18.19 10.21 1997 18.05 13.76 16.72 12.44 1998 19.33 15.42 17.31 14.74 1999 18.65 11.75 15.61 9.97 2000 18.41 13.80 16.06 12.18 2001 18.22 15.38 17.09 14.62 2002 18.58 12.32 16.17 10.86

Fonte: dados básicos do IBGE (SIDRA: www.ibge.gov.br) No Estado do Mato Grosso do Sul (TABELA 18), a lavoura do milho encontraria maior espaço para crescer por meio do efeito localização geográfica. Esses são indicadores que apontam ao mesmo tempo para a modernização e para os aumentos de escala daquela atividade, provavelmente sendo conduzida por agricultores altamente especializados. Apesar disso, a participação efetiva do Estado do Mato Grosso do Sul na produção nacional de milho é relativamente baixa, não superando os 6,0%, em todo o período analisado.

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Tabela 18.- Contribuição Percentual para a Produção Nacional de Milho do Estado de Mato Grosso do Sul, a partir de Simulação dos Efeitos do Modelo Shift-Share, Período 1990 a 2002.

Ano EA ER ELG Produção 1990 2.79 2.79 2.79 2.79 1991 2.79 3.34 3.54 3.95 1992 2.82 2.30 3.39 2.80 1993 2.82 2.41 3.60 3.06 1994 2.85 1.94 4.73 3.37 1995 2.84 2.69 4.87 3.96 1996 2.61 3.60 4.82 4.96 1997 2.69 3.60 6.29 5.86 1998 1.97 3.61 6.12 5.73 1999 2.53 3.85 6.10 5.97 2000 2.62 1.24 5.87 3.31 2001 2.64 3.53 6.05 5.21 2002 2.39 2.15 5.88 3.84

Fonte: dados básicos do IBGE (SIDRA: www.ibge.gov.br) No Estado do Mato Grosso (TABELA 19) há uma nítida semelhança nos resultados obtidos para o Mato Grosso do Sul quanto a uma participação efetiva na produção nacional relativamente baixa. Mas se somente o efeito localização geográfica operasse, a produção matogrossense chegaria a ter uma participação relativa de 8,8% da produção nacional; essa preponderância absoluta do efeito-localização geográfica deve estar associada a fenômenos de especialização crescente e de aumentos nas escalas de operação da lavoura. Tabela 18.- Contribuição para a Produção Nacional de Milho do Estado de Mato Grosso, a partir de Simulação dos Efeitos do Modelo Shift-Share, Período 1990 a 2002.

Ano EA ER ELG Produção 1990 2.90 2.90 2.90 2.90 1991 2.90 3.47 2.26 2.83 1992 2.90 2.52 2.82 2.50 1993 2.94 2.61 3.38 3.02 1994 2.95 2.72 4.12 3.58 1995 2.93 2.46 4.34 3.38 1996 2.84 2.77 6.11 5.11 1997 2.92 2.33 6.21 4.62 1998 2.53 1.24 5.89 3.20 1999 2.63 1.54 5.86 3.47 2000 2.65 2.22 6.30 4.42 2001 2.71 2.77 5.58 4.15 2002 2.56 2.97 8.78 6.44

Fonte: dados básicos do IBGE (SIDRA: www.ibge.gov.br) Finalmente, a produção de milho ganharia maior participação, no caso do Estado de Goiás (TABELA 19), caso o efeito-rendimento operasse isoladamente, sendo seguido pelo efeito-área. Além de ter experimentado um impulso da modernização, como indicam os ganhos em produtividade, a flexibilidade da área como fonte de

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crescimento pode ser um indicador de que plantios do "milho safrinha", em sucessão com a lavoura da soja, estejam sendo realizados em grau não desprezível. Tabela 19.- Contribuição para a Produção Nacional de Milho do Estado de Goiás, a partir de Simulação dos Efeitos do Modelo Shift-Share, Período 1990 a 2002.

Ano EA ER ELG Produção 1990 8.66 8.66 8.66 8.66 1991 8.66 14.70 6.64 12.22 1992 8.74 12.04 4.95 9.10 1993 8.70 11.87 4.63 8.64 1994 8.69 11.69 6.32 9.77 1995 8.66 11.51 5.94 9.59 1996 8.47 12.58 7.45 11.48 1997 8.57 11.88 8.35 11.46 1998 7.91 11.35 5.42 8.59 1999 8.02 12.07 7.52 10.76 2000 8.09 12.87 7.19 11.32 2001 8.19 10.71 7.90 9.91 2002 8.02 11.71 5.57 9.43

Fonte: dados básicos do IBGE (SIDRA: www.ibge.gov.br) 5. Conclusões e Considerações Finais

A diferenciação dos fatores de expansão das produções de soja e de milho nos principais estados produtores evidencia claramente a maneira pela qual deu-se o crescimento dessas culturas em seu avanço pela região Centro-Oeste, particularmente nas duas últimas décadas, e, mais recentemente, em direção aos cerrados do Nordeste, nos anos 90.

Contando com o apoio governamental através de políticas de desenvolvimento regional (por exemplo, o Programa de Desenvolvimento dos Cerrados-Polocentro e o Programa de Cooperação Nipo-Brasileira para Desenvolvimento dos Cerrados-Prodecer), e de investimentos públicos em infra-estrutura básica, entre os anos 60 e 80, além de políticas de incentivos à agricultura de fronteira, como a de preços mínimos unificados, a produção de grãos direcionou-se para o Centro-Oeste em bases empresariais, com a utilização de uma tecnologia de produção homogênea, sobre uma estrutura fundiária altamente concentradora, com grandes fazendas nas mãos de poucos produtores. Esse fato vem se repetindo ao observar-se o modo como vem ocorrendo o avanço da soja nos estados da Bahia e do Maranhão no período mais recente. É, em consequência disso que o fator localização geográfica tem preponderância sobre os demais como fonte de explicação para o aumento da produção sobretudo no estado do Mato Grosso e Maranhão, no caso da soja, e Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, no caso do milho. A estrutura fundiária concentradora está altamente relacionada aos ganhos de escala na atividade agrícola desenvolvida naqueles estados. Já no Mato Grosso do Sul, onde o processo de expansão das culturas de grãos verificou-se principalmente de meados dos anos 70 a 80, o fator locacional perde terreno para o de rendimento no caso da cultura de soja na última década, verificando-se, em relação ao milho, fases de alternância com o de rendimento, como fonte explicativa.

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De modo geral, nos estados do Sul e do Sudeste, os fatores explicativos para o crescimento da produção de soja e de milho alternam-se entre área e rendimento, à exceção do Paraná, onde o fator locacional, devido à incorporação de áreas de pastagens ao cultivo da soja, passou a adquirir importância nos anos 90, e de Minas Gerais, onde o de rendimento sobrepujou os demais. A maior importância do fator rendimento nesses estados pode ser atribuída, notadamente no caso do milho, à adoção cada vez maior do sistema de cultivo simples (lavouras “solteiras”) em São Paulo, Goiás e até mesmo no Paraná, e ao uso mais intensivo de tecnologia (sementes selecionadas e fertilizantes) por produtores de porte médio em São Paulo, Minas Gerais e Goiás (TSUNECHIRO et alii, 1996). Mais uma vez, a estrutura fundiária alicerçada em pequenos e médios produtores de milho, explica a maneira como a lavoura se insere no conjunto de atividades, havendo uma maior preponderância de movimentos do rendimento e da área, e uma parca captura do fator locacional nesses estados pelo modelo Shift-Share.

Deve-se destacar o papel dos constantes avanços na tecnologia de produção, especialmente a técnica de plantio direto da soja, que permitiu que o milho passasse a ser cultivado também no inverno, como gramínea preferencial, sobretudo nos anos 90, quando a desregulamentação da cultura do trigo levou essa cultura à perda de competitividade frente ao milho. O crescimento da importância do cultivo da 2a safra de milho no cômputo da produção nacional nos últimos cinco anos pode explicar em grande parte, o aumento de importância do fator área em estados do Sul e Sudeste do Brasil.

O conhecimento dos fatores explicativos da produção de milho e soja no País, por regiões, é importante para o desenho de políticas regionais de desenvolvimento. No caso da produção de soja, que se direciona para os cerrados do Nordeste, seria importante a formulação de políticas que viabilizassem maior eqüidade no acesso à renda gerada, sobretudo por parte de pequenos a médios produtores, a quem deveriam ser propiciadas oportunidades preferenciais, em relação aos grandes, não só no que se refere às oportunidades econômicas propriamente ditas (acesso a crédito, à tecnologia, às facilidades de comercialização, etc), mas também no investimento social (investimentos em educação, saneamento e saúde, habitação, etc), não se repetindo os vieses ocorridos no passado, quando da ocupação do Centro-Oeste, o que poderia levar a uma melhor distribuição de emprego e renda ao campo, atuando como forma de ampliação do capital social na região.

LITERATURA CITADA CUNHA, A.S. et al. Uma Avaliação da sustentabilidade da agricultura nos cerrados.

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IGREJA, A.C.M.; MARTINS, S.S. e BLISKA, F.M.M Fatores alocativos no uso do solo e densidade econômica no setor primário catarinense. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE ECONOMIA E SOCIOLOGIA RURAL, 40.. Passo Fundo, RS. Anais ...Passo Fundo: SOBER, de 28 a 31 jul. 2002 (CD-ROM).

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ECOLÓGICAS DO CERRADO – PROCER. De grão em grão o cerrado perde espaço. Brasília, 1995. (Documento para discussão) http:\\www.wwf.org.br/wwfpr32.htm (jul.1999). In: SABOYA, L. V. A Dinâmica Locacional da Avicultura e Suinocultura no Centro-Oeste Brasileiro. Piracicaba, 2001. 132p. Dissertação (M.S.)- Escola de Agricultura “Luiz de Queiroz”, Universidade de São Paulo.

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