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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO ABORDAGEM CONSTITUCIONAL PARA O SISTEMA DE COTAS PARA NEGROS NAS UNIVERSIDADES BRASILEIRAS MICHELLE DANTAS PINTO Itajaí (SC), 07 de novembro de 2008

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

ABORDAGEM CONSTITUCIONAL PARA O SISTEMA DE COTAS PARA NEGROS NAS UNIVERSIDADES BRASILEIRAS

MICHELLE DANTAS PINTO

Itajaí (SC), 07 de novembro de 2008

UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

ABORDAGEM CONSTITUCIONAL PARA O SISTEMA DE COTAS PARA NEGROS NAS UNIVERSIDADES BRASILEIRAS

MICHELLE DANTAS PINTO

Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como

requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientador: Professora Msc Andrietta Kretz

Itajaí (SC), 07 de novembro de 2008

AGRADECIMENTO

Agradeço aos meus pais, Arnaldo e Dayse que são os responsáveis por toda a minha formação e

sem eles esta também não ocorreria.

Agradeço ao meu marido, que me apoiou e me entendeu durante este difícil ano de conclusão de

curso.

Agradeço aos meus colegas de turma, que entre uma opinião e outra contribuíram para tópicos

desta pesquisa.

Um agradecimento especial à professora Andrietta que me direcionou nesta pesquisa, com

muita paciência e prontidão.

Também agradeço à Deus pela iluminação e calma para concluir este trabalho.

DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho aos meus pais que acreditam em mim e me apóiam sempre. Dedico

também ao meu marido por sua paciência durante meus momentos ausentes pertencidos a este

trabalho.

TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo

aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do

Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o

Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

Itajaí (SC), 07 de novembro de 2008

Michelle Dantas Pinto Graduanda

PÁGINA DE APROVAÇÃO

A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale

do Itajaí – UNIVALI, elaborada pela graduanda Michelle Dantas Pinto, sob o título

ABORDAGEM CONSTITUCIONAL PARA O SISTEMA DE COTAS PARA

NEGROS NAS UNIVERSIDADES BRASILEIRAS, foi submetida em 18/11/2008 à

banca examinadora composta pelas seguintes professoras: Andrietta Kretz, Maria

da Graça Ferracioli, e aprovada com a nota [____] (___________________).

Itajaí (SC), 07 de novembro de 2008

Professora Mestra Andrietta Kretz Orientadora e Presidente da Banca

Professor Mestre Antonio Augusto Lapa Coordenação da Monografia

ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CFRB / 88 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

PL Projeto de lei

ROL DE CATEGORIAS

Rol de categorias que a Autora considera estratégicas à

compreensão do seu trabalho, com seus respectivos conceitos operacionais.

Ação Afirmativa

Ação afirmativa consiste numa série de medidas destinadas

a corrigir uma forma específica de desigualdade de oportunidades sociais: aquela

que parece estar associada a determinadas características biológicas (como raça

e sexo) ou sociológicas (como etnia e religião), que marcam a identidade de

certos grupos na sociedade.1

Constituição

A Constituição é o conjunto de normas pertinentes à

organização do poder, à distribuição da competência, ao exercício da autoridade,

à forma de governo, aos direitos da pessoa humana, tanto individuais como

sociais. Tudo quanto for, enfim, conteúdo básico referente à composição e ao

funcionamento da ordem política exprime o aspecto material da Constituição.2

Cotas

De um modo geral, a reserva de vagas para grupos

populacionais discriminados, popularmente conhecida como política de cotas,

configura-se como uma modalidade específica de um conjunto de políticas

1 SELL, Sandro César. Ação afirmativa e democracia racial: uma introdução ao debate no Brasil. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2002, p. 15. 2 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito Constitucional. 8.ed. São Paulo: Malheiros Editores. 1998, p.63.

públicas corretora de desigualdades sociais setorizadas, políticas essas batizadas

com o nome de Ações Afirmativas3.

Crime

Considera-se crime a infração penal a que a lei comina pena

de reclusão ou detenção, quer isoladamente, quer alternativamente ou

cumulativamente com a pena de multa.4

Dignidade Humana

[...] a dignidade, como qualidade intrínseca da pessoa

humana, é irrenunciável e inalienável, constituindo elemento que qualifica o ser

humano como tal e dele não pode ser destacado, de tal sorte que não se pode

cogitar na possibilidade de determinada pessoa ser titular de uma pretensão a

que lhe seja concedida a dignidade.5

Direito Constitucional

O estabelecimento de poderes supremos, a distribuição da

competência, a transmissão e o exercício da autoridade, a formulação dos direitos

e das garantias individuais e sociais são objetos do Direito Constitucional.6

Direitos Humanos

3 SILVA, Petronilha B. G. e SILVÉRIO, Valter R. (Org.). Educação e ações afirmativas: entre a justiça simbólica e a injustiça econômica. Brasília: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2003. 4 Artigo 1° da Lei de Introdução ao Código Penal (Dec reto-lei n° 3.914 de 9 de dezembro de 1941. 5 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na constituição Federal de 1988. 5. ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed. 2007, p. 41-42. 6 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito Constitucional. 8.ed. São Paulo: Malheiros Editores. 1998, p.22.

Um conjunto de faculdades e instituições que em cada

momento histórico, concretizam as exigências da dignidade, liberdade e igualdade

humanas, as quais devem ser reconhecidas positivamente pelos ordenamentos

jurídicos em nível nacional e internacional. 7

Injúria

Afronta, agravo, insulto, ofensa, ultraje, agressão à

determinada pessoa por meio das palavras, atos, inventivas ou gestos

insultantes.8

Injúria Preconceituosa

Temos a injúria preconceituosa como sendo toda a ofensa à

honra subjetiva de uma pessoa determinada, cujo aviltamento intencional é feito

em razão de uma prevenção ligada à etnia, à raça, à cor da pele, à religião ou à

origem da pessoa. 9

Preconceito

Preconceito é uma atitude negativa, desfavorável para com

um grupo, ou seus componentes individuais. É caracterizado por crenças

estereotipadas. Nas Ciências Sociais, o termo preconceito é usado quase

exclusivamente em relação aos grupos étnicos. 10

7 CASTRO, J.L. Cascajo. LUÑO, Antonio-Enrique Pérez, CID, B. Castro, TORRES, C. Gomes. Los derechos humanos: significación, estatuto jurídico y sistema. Sevilha: Universidade de Sevilha. 1979, p. 43. 8 ARANHA, JOSÉ Q.T.C. Crimes contra a honra. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 77. 9 ARANHA, JOSÉ Q.T.C. Crimes contra a honra, p. 87. 10 MIRANDA NETO, Antonio Garcia et. Al. Dicionário de Ciências Sociais. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1986. p. 962

Princípios

[...] os princípios constitucionais são, precisamente, a

síntese dos valores mais relevantes da ordem jurídica. [...] Os princípios

constitucionais consubstanciam as premissas básicas de uma dada ordem

jurídica, irradiando-se por todo o sistema. Eles indicam o ponto de partida e os

caminhos a serem percorridos.11

Raça

Resumindo, uma raça é um grupo de indivíduos aparentados

por casamentos entre si, isto é, uma população que se distingue das outras

populações pela freqüência relativa de certas características hereditárias.12

Racismo

O racismo é o conjunto de crenças populares onde entram

os seguintes elementos: diferenças de ordem física e de ordem intelectual;

nossos hábitos, nossas atitudes, nossas crenças, nosso comportamento;

diferenças que se pode constatar entre uma minoria e uma maioria.13

11BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: Fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. 6.ed. rev. atual. e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2004. p. 153 12 DUNN, L.C. Raça e Ciência: a origem dos preconceitos. São Paulo: Perspectiva, 1972, p. 17 13 ROSE, Arnold. A origem dos preconceitos. In: DUNN, L.C. et. Al. Raça e Ciência, 1972, p.170-171.

SUMÁRIO

RESUMO.......................................................................................... XII INTRODUÇÃO................................................................................ 611 CAPÍTULO 1 ......................................... ............................................. 4 O NASCIMENTO DO NEGRO NO BRASIL E O SURGIMENTO DE UM ALVO DE PRECONCEITO ............................ ............................. 4 1.1 OS NEGROS NO BRASIL HÁ 500 ANOS ................ .......................................4 1.2 A ERA ABOLICIONISTA............................ .......................................................6 1.2.1 Proibição do Tráfico......................... ............................................................7 1.2.2 Novas Escolhas............................... ..............................................................8 1.2.3 Quilombos.................................... .................................................................9 1.2.4 Guerra Do Paraguai........................... .........................................................10 1.2.5 O Nascimento Com Liberdade................... ................................................11 1.2.6 A Velhice Com Liberdade...................... .....................................................12 1.2.7 Enfim A Liberdade............................ ..........................................................13 1.3 A RAÇA NEGRA E SUAS CARACTERÍSTICAS............ ...............................15 1.3.1 Raça: Conceituação........................... .........................................................15 1.3.2 Diferenças Entre Raças....................... .......................................................17 1.3.2.1 Das características físicas................ ......................................................18 1.3.2.2 Das características mentais................ ....................................................19 1.3.3 Preconceito da Raça[AK1]...................................................................................20 1.3.4 A Origem do Preconceito no Mundo............. ............................................21 1.3.5 A Origem do Preconceito no Brasil............ ...............................................21 1.3.6 O Preconceito Atual no Brasil................ ...................................................22 CAPÍTULO 2......................................... ..............................................24 AS FORMAS DE COMBATE AO PRECONCEITO E RACISMO POSITIVADAS NO BRASIL E NO MUNDO................... ............24 2.1 BREVE HISTÓRICO SOBRE OS DIREITOS HUMANOS...... ........................24 2.1.2 O Significado de Direitos Humanos no Ordename nto Jurídico.............26 2.2. DIREITOS FUNDAMENTAIS [AK2]: UM HORIZONTE À DIGNIDADE HUMANA..27 2.2.1 O Direito Fundamental Da Igualdade [AK3].......................................................29 2.2.2 O Princípio Da Dignidade Humana da Pessoa Hum ana[AK4] .........................32 2.2.3 O Objetivo Da Constituição Da República Feder ativa Do Brasil Ao tratar Da Dignidade Da Pessoa Humana...................... ................................................34 2.3 DISCRIMINAÇÃO RACIAL: UM CRIME POSITIVADO NO BR ASIL.............36 2.4 A CONTRIBUIÇÃO DAS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS PARA O FIM DO PRECONCEITO..............................................................................................38 2.5 O PRECONCEITO POSITIVADO NO CÓDIGO PENAL....... ..........................39 2.5.1 Da Injúria Qualificada....................... ..........................................................41

CAPÍTULO 3 ....................................................................................44 A TRAJETÓRIA DAS AÇÕES AFIRMATIVAS E O POLÊMICO SISTEMA DE COTAS NO BRASIL .............................................44 3.1 A NECESSIDADE DA INCLUSÃO NO BRASIL PERANTE A DESIGUALDADE SOCIAL EXISTENTE...................... .........................................44 3.2 AS AÇÕES AFIRMATIVAS NO BRASIL................. .......................................46 3.3 A GRANDE POLÊMICA: O SISTEMA DE COTAS.......... ..............................48 3.4 O SISTEMA DE COTAS RACIAIS NAS UNIVERSIDADES .. ........................51 3.5 COTAS: VERDADEIRAMENTE UMA NECESSIDADE?........ ........................52 3.6 O PAPEL DAS UNIVERSIDADES NO PROCESSO DE INCLUS ÃO SOCIAL............................................. .....................................................................55 3.7 OUTRAS AÇÕES AFIRMATIVAS DE RELEVÂNCIA NO BRASI L................56 3.8 A DIVISÃO DE OPINIÕES DAS DECISÕES NOS TRIBUNAI S ....................58 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................... ............................... 61 REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS ...................... .................... 65 ANEXOS........................................................................................... 74

xii

RESUMO

A presente monografia aborda a situação do preconceito

racial no Brasil e as atitudes tomadas a fim de eliminá-los. Como análise principal,

a presente pesquisa trabalha o polêmico tema sobre as cotas para negros nas

universidades como uma ação afirmativa. Para um melhor entendimento, expõe-

se a entrada e o tratamento dos negros dentre longos anos no Brasil durante o

período de escravidão. Abordam-se também tópicos referentes às raças e as

diferenças entre elas. Em um segundo momento, trabalha-se dentro do

ordenamento jurídico os direitos humanos, os princípios fundamentais, sendo

tópicos desta pesquisa o princípio fundamental da igualdade e o princípio da

dignidade humana. Demonstra-se o tratamento da Constituição Federal Brasileira

de 1988 em relação ao racismo sendo repudiado nesta e penalizado no Código

Penal Brasileiro, além de outros ordenamentos como os tratados internacionais

que o país respeita. Finalmente, evidenciam-se as iniciativas do Estado a fim de

erradicar o racismo no Brasil. Para isto, relatam-se as ações afirmativas propostas

pelo Estado, dentre elas o sistema de cotas nas universidades. Trata-se de uma

pesquisa com base em um assunto recente e muito repercutido no país, que

procura basear seus fundamentos em bibliografias aprofundadas sobre o tema.

INTRODUÇÃO

A sociedade brasileira em que hoje se vive tem traçado seu

desenvolvimento com base na sua formação histórica e cultural, atrelada de

deficiências que tornam as classes sociais relevantemente separadas e distintas,

aumentando as exclusões sociais ainda mais ao passar dos anos e tornando tais

fatos tão comuns que a sociedade chega a ignorar por entender como uma

normalidade.

As diferentes classes raciais também sofrem desta exclusão,

em que pese mencionar o racismo neste país que teve origem na miscigenação,

quando deveria ser este um fator excludente de preconceito, mas que ao contrário

separa ainda mais as raças de uma mesma nacionalidade.

A intervenção do Estado tornou-se então uma necessidade

na tentativa de eliminar o preconceito racial, através da Constituição da República

Federativa Brasileira de 1988, além de outras leis esparsas que posteriormente

foram aprovadas com o mesmo intuito.

Diante da atualidade e complexidade do tema, a presente

Monografia tem como objeto o sistema de cotas para o negro nas Universidades.

Como objetivos da presente monografia destacam-se:

O institucional que é a produção de monografia jurídica

como requisito parcial para a obtenção do título de bacharel em direito.

O geral desse estudo é a abordagem constitucional do

sistema de cotas para negros nas Universidades. E os objetivos específicos que

são: a) destacar os elementos históricos da presença do negro no Brasil e a

origem do preconceito relativo à cor; b) analisar o ordenamento jurídico brasileiro

no tocante ao preconceito de cor e a aplicabilidade de suas normas, bem como

destacar a importância da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

no que concerne à temática estudada; c) destacar e analisar as ações afirmativas,

dentre elas o sistema de cotas para negros nas Universidades.

ii

Para tais abordagens, será necessário um estudo que possa

demonstrar a história de colonização do Brasil. Portanto no primeiro capítulo

tratar-se-á do elemento negro que se tornou extremamente presente na história

brasileira, e torna-se necessário trazer à pesquisa fatos e acontecimentos

ocorridos à época da escravidão que ainda hoje possuem grande interferência na

sociedade e promovem a discriminação que atualmente se tenta eliminar, bem

como um breve estudo da raça, suas características, suas diferenças e as razões

que levam ao preconceito de raça.

No Capítulo 2 abordar-se-á as normas existentes no

ordenamento jurídico brasileiro no sentido de promover a proteção do negro,

destacando os princípios que regem a Constituição Brasileira, dentre eles o

princípio da igualdade e da dignidade humana, e também algumas ilustrações de

ordenamentos e Tratados Internacionais que trabalham visando extinguir o

preconceito caracterizando assim uma doença não nacional, mas sim mundial.

Finalmente, o Capítulo 3 adentrar-se-á especificamente no

plano das ações afirmativas para descobrir-se suas intenções, além de visar

principalmente o sistema de cotas aos negros, expondo o papel das

universidades neste plano.

Trabalhar-se-á, no entanto a especificidade das ações

afirmativas que visam a inclusão do afrodescendente na sociedade. Expondo-se o

motivo pelo qual elas devam existir, dentro dos princípios anteriormente

apresentados, sem feri-los. Far-se-á presente a abordagem sobre o polêmico

sistema de cotas nas universidades, qual o papel deste e qual o impacto que

pode trazer aos brasileiros, até mesmo por ser um tema não pacífico, de opiniões

divergentes em todos os cantos, inclusive nos tribunais.

O presente Relatório de Pesquisa encerrar-se-á com as

Considerações Finais, nas quais serão apresentados pontos conclusivos

destacados, seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões

sobre o preconceito de raça que alimenta a desigualdade nas sociedades sendo

necessárias ações que diminuam tal disparidade.

iii

Para a presente monografia foram levantadas as seguintes

hipóteses:

� O país passa a idéia de que por ser da

miscigenação, todas as raças vivem em harmonia, não existindo a

discriminação racial no Brasil. Porém vale destacar que os negros

foram tratados como escravos e animais por tempos neste país

ensejando a inferioridade deste ao branco restando nos dias de hoje

vestígios sobre a história.

� O Princípio da Igualdade não partiu do

princípio de que todos são efetivamente idênticos. Àqueles que se

encontram em situações idênticas, deverão sim, serem tratados de

maneira igual. Porém, as pessoas que se encontram em situação

desigual, deverão ser tratadas desigualmente a fim de promover a

igualdade.

� Seguindo pela linha de raciocínio de que

as leis brasileiras estão repletas de tratamentos diferenciados em prol

da igualdade: tributos diferenciados, cotas para deficientes, Justiça

gratuita aos pobres, proteções especiais ao índio, cotas para negros

também não pode ser vista como inconstitucional, uma vez que as

diferenciações almejam o mesmo fim: atingir a igualdade a todos.

Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase

de Investigação foi utilizado o Método Indutivo, na Fase de Tratamento de Dados

o Método Cartesiano, e, o Relatório dos Resultados expresso na presente

Monografia é composto na base lógica Indutiva.

Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as

Técnicas, do Referente, da Categoria, do Conceito Operacional e da Pesquisa

Bibliográfica.

iv

CAPÍTULO 1

A CHEGADA DO NEGRO NO BRASIL E O SURGIMENTO DE UM

ALVO DE PRECONCEITO

1.1 OS NEGROS NO BRASIL HÁ 500 ANOS

A saga da raça negra no Brasil teve início no ano 1534,

quando começaram a chegar as primeiras levas de escravos oriundos de tribos

do continente africano.

Os negros eram trazidos da África para o Brasil em navios

denominados “negreiros”. Navios estes de péssimas condições onde eram

amontoados os negros de forma nada higiênica e menos ainda confortável.

Nos navios negreiros, todo o espaço era “economizado” para

os negros. Para se ter espaço, era arremessado ao mar as cargas de alimento e

água que os negros consumiriam na travessia da costa africana para a brasileira.

Por isso, muitas vezes faltava até água.

Julio Chiavenatto14 descreve o fato:

No começo do tráfico, os navios geralmente eram pequenos e de péssima construção, com um pessoal de segunda categoria na marinha portuguesa, e vinham lotados. Amontoados em infectos porões, sem quaisquer cuidados de higiene, alimentação precaríssima e sem comida fresca, era comum os africanos contraírem moléstias que se transformavam em epidemias. Os doentes iam sendo jogados ao mar para não contaminarem o resto da mercadoria. Atiravam-se ao mar os negros vivos.

14 CHIAVENATTO, Julio J. O negro no Brasil: da senzala à guerra do Paraguai. 4ed. São Paulo: Brasiliense, 1987. p. 124.

v

Os negros sobreviventes chegavam em péssimas condições

físicas e mentais ao Brasil.

Tratados como mercadorias, eram exibidos nas lojas dos

comerciantes de carne negra, amarrados uns aos outros e conforme relata

claramente Julio Chiavenatto15 “eram examinados como animais: apalpados,

dedos enfiando-se pelas bocas, procurando os dentes para adivinhar a idade ou

conferir se o vendedor não mentia”.

Vendidos como peças, eram chamados de “peças das

Índias” ou “peças da África”. Eram comercializados por metro ou por tonelada.

Uma peça significava 1,75 metro de negro. Porém havia outros padrões que

interferiam e variavam de acordo com a idade, peso, tamanho, músculo do negro.

Dois negros de 35 a 40 anos poderiam valer somente uma peça16.

O fazendeiro não tratava do escravo como trabalhador, pois

nada lhe pagava sobre o trabalho. Mas tratava-o como um investimento, pelo

dinheiro que por ele pagou. Sendo assim, explorava-o até a morte para obter seu

lucro. O escravo trabalhava de quatorze a dezoito horas por dia, com um pequeno

intervalo para almoço.

Jacob Gorender17 comenta o pensamento de Aristóteles

sobre o escravo que diz: “três coisas são a considerar no escravo: o trabalho, o

castigo e o alimento”.

Nesta linha de pensamento seguiam os donos dos escravos,

acreditando que quanto maior o castigo, melhor o trabalho. E nada mais justo,

pensava o fazendeiro, castigar aquele ‘objeto’ de sua posse que não queria

trabalhar.

Em média, um escravo durava em torno de sete anos.

Porém, aos fazendeiros, era mais barato “depreciar” por total seu escravo e ao

15 CHIAVENATTO, Julio J. O negro no Brasil: da senzala à guerra do Paraguai, p. 127. 16 CHIAVENATTO, Julio J. O negro no Brasil: da senzala à guerra do Paraguai, p. 127. 17 GORENDER, Jacob.Ensaios 29. O escravismo colonial. São Paulo: Ática, 1985. p. 56

vi

final efetuar a troca do que gastar na sua manutenção, ou seja, com alimentação

e saúde do mesmo.

Durante o período do ciclo da mineração, o trabalho era tão

pesado que sobreviviam pouquíssimos escravos em vista dos que eram enviados.

Na era do café e cana-de-açúcar não era diferente. Porém lamentava-se não a

morte dos escravos, mas a perda do investimento.

Acredita-se que a roda de carroças demorou-se a introduzir

no Brasil porque os nobres eram transportados por seus escravos em palanquins.

Por longos anos houve a substituição de animais como burro de carga por

escravos conforme menciona Julio Chiavenato18.

A mulher negra além de enfrentar o sofrimento da

escravidão, enfrentava o abuso sexual de seus patrões e também a violência de

suas sinhás diante do ciúme delas por seus senhores. Por diversas vezes, sinhás

enfurecidas de ciúmes, mandavam cortar mãos, seios e até mesmo olhos de

escravas a qual seus senhores olhavam e abusavam.

Diante do abuso sexual dos fazendeiros perante as

escravas, muitas engravidavam e suas crianças eram tiradas de seus braços e

mortas, pois não lhe compensaria esperar 16 anos para se ter um novo escravo.

1.2 A ERA ABOLICIONISTA

A era abolicionista passou por diversos momentos na

história até a chegada da abolição da escravatura.

Ao contrário de um fato repentino, a abolição foi um

processo longo, demorado e de difícil aceitação no país, que foi introduzindo-se

na cultura do povo brasileiro, mas que até hoje expele conseqüências daquela

época.

18 CHIAVENATTO, Julio J. O negro no Brasil: da senzala à guerra do Paraguai,. p. 129.

vii

1.2.1 Proibição do Tráfico

Em meados de 1800, surge, vinda da Inglaterra, uma

pressão sobre o Brasil, para a eliminação do tráfico de escravos, como descreve

Emilia Costa19 que “a pressão veio da Inglaterra, que depois que o Parlamento

inglês abolira o tráfico de escravos em suas colônias (1807), tornara-se paladina

da emancipação, passando a perseguir os negreiros em alto-mar”.

Em 07 de novembro de 1831, o Brasil se rende à tamanha pressão e declara mediante o art. 1º da Lei de 183120:

“Art. 1º. Todos os escravos que entrarem no território ou portos do Brasil vindos de fora ficam livres”.

Porém, não houve eficácia. Era como se a lei não existisse.

Ainda que ilegal, a introdução dos escravos no país admiravelmente aumentava

ano a ano.

Apesar da pressão britânica, o Governo Brasileiro não foi

capaz de vencer os traficantes.

Diversos eram os meios para burlarem a lei e mais uma

vez[AK5], sob a pressão da Inglaterra, o Parlamento brasileiro aprovou uma outra

lei em 04 de setembro de 1850, chamada Lei Eusébio de Queiroz.

Emília Costa descreve as mudanças na lei de 1850

comparada com a de 183121:

Segundo a nova lei, a importação de escravos foi considerada ato de pirataria e como tal deveria ser punida. As embarcações envolvidas no comércio ilícito seriam vendidas com toda carga encontrada a bordo, sendo seu produto entregue aos apresadores, deduzido um quarto para o denunciante. Os escravos apreendidos seriam reexportados, por conta do governo, para os portos de origem ou qualquer outro porto fora

19 COSTA, Emilia Viotti da. A abolição. 6ed. São Paulo: Global, 1997. p. 25. 20 NABUCO, Joaquim. O abolicionismo. Brasília: Vozes, 1977. p. 91 21 COSTA, Emilia Viotti da. A abolição. p. 29

viii

do Império. Enquanto isso, eles deveriam ser empregados em trabalhos públicos, ficando sob tutela do governo.

Esta lei veio a ter mais sucesso que a de 1831. Apesar o

tráfico não ter cessado de imediato, foi diminuindo aos poucos até se tornar muito

raro.

1.2.2 Novas Escolhas

Com o fim do tráfico, os preços dos escravos tornaram-se

altíssimos, o que preocupava muitos fazendeiros.

Neste sentido relata Emilia Costa22 que “a cessação do

tráfico africano levou os fazendeiros a procurar soluções alternativas para o

problema da mão de obra. Alguns sugeriram a possibilidade de empregar o

trabalhador livre nacional”.

De um lado a valorização de um escravo e de outro

começam os empreendimentos em trabalhadores mais especializados, surgem as

indústrias, estradas de ferro, chegada de imigrantes e estes afastam a

possibilidade do negro de trabalhar como proletariado.

Julio Chiavenatto23 alega que o racismo já existe:

A sociedade racista só quer o negro como escravo: para o

trabalho livre, importa imigrantes europeus, alegando que os

negros não têm mentalidade nem responsabilidade para integrar-

se aos modos de produção mais modernos.

Percebeu-se que o trabalho livre era mais barato que a

escravidão. Este foi um ponto que ajudou a inferiorizar o negro neste país.

22 COSTA, Emilia Viotti da. A abolição. p. 31 23 CHIAVENATTO, Julio J. O negro no Brasil: da senzala à guerra do Paraguai. p. 208

ix

1.2.3 Quilombos

Diante de tanta humilhação, ofensa, exaustão, há de se

esperar uma rebelião por parte dos negros. Ou várias rebeliões. Surgem as

sociedades secretas e os quilombos.

Sociedades de governos negros fugiam e em grupos

assaltavam fazendas, matavam senhores de engenho, libertavam negros e

incendiavam engenhos.

Fugiam novamente, mas muitos eram recapturados ou

mortos.

Suas lutas eram movidas por sua fé religiosa, que na maioria

das vezes eram proibidos de exercer.

Julio Chiavenato24 defende os escravos quando diz que

“tratava-se de uma guerra santa, com a função social da luta, também dirigida

para se conseguir o direito de ter respeitada sua crença”.

Criaram-se centenas de quilombos por todo o Brasil. O

maior e mais conhecido: o dos Palmares. Existiu por 67 anos, formado por

mocambos (núcleos dos quilombos).

Para destruir Palmares, foi necessário cerca de 3 a 8 mil

homens que mataram quase todos os negros que faziam parte deste quilombo.

Porém, aos olhos de Julio Chiavenato25 as lutas dos negros contra os brancos não eram lutas revolucionárias, conforme relatado:

Os escravos não eram uma classe revolucionária, não desenvolviam uma luta política para mudar a sociedade, impor novas estruturas sociais ou substituir os modos de produção.

24 CHIAVENATTO, Julio J. O negro no Brasil: da senzala à guerra do Paraguai. p. 153 25 CHIAVENATTO, Julio J. O negro no Brasil: da senzala à guerra do Paraguai. p. 163

x

A intenção dos escravos não era de revolução e barulho, mas sim de libertação, porém, segundo Emilia Costa26, muitos estavam até adaptados em sua realidade:

A grande maioria dos escravos parece ter-se acomodado bem ou mal à escravidão. Se não fosse assim, a escravidão provavelmente teria sido destruída como instituição muito antes do que foi.

Conforme citação da autora, a demora na abolição da

escravatura também se deu devido a não revolução dos negros em relação aos

brancos, causando conforto a estes mantê-los.

1.2.4 Guerra do Paraguai

Com o início da Guerra do Paraguai, em 1864, muitos

negros misturaram-se aos brancos, todos desqualificados, para participarem do

conflito. O governo comprou milhares de negros escravos para lutarem no

Paraguai. Os negros eram alforriados de suas senzalas e daqueles que tiveram

sorte, voltaram livres para o Brasil. Estima-se que 20 mil negros voltaram livres e

cerca de 60 a 100 mil negros morreram na guerra.

Após a Guerra do Paraguai, apareceram movimentações

para a libertação dos escravos. Partindo com o período Republicano, crescem as

manifestações abolicionistas.

Emília Costa27 narra tal acontecimento: A participação de escravos na guerra forneceu novos temas aos que lutavam pela sua emancipação. A campanha em favor da libertação dos escravos recrudesceu. Grêmios, clubers, jornais, associações abolicionistas ou emancipadoras foram organizadas nas principais cidades do País. As lojas maçônicas passaram, por sua vez, a dar apoio a essas iniciativas.

26 COSTA, Emilia V. da. A abolição. p. 84 27 COSTA, Emilia V. da. A abolição. p. 44

xi

Finalmente os negros começam a se rebelar e causar

incômodo aos brancos. Mas não só se deu por conta dos negros, pois havia,

nesta época, muitos brancos que apoiavam a liberdade aos escravos.

1.2.5 O Nascimento com Liberdade

Diante de debates na Câmara e relatos da imprensa, em 28

de setembro de 1871 foi decretada a “Lei do Ventre Livre”, assinada por Visconde

do Rio Branco. Ela determinava que todo filho de escravo que nascesse a partir

daquela data seriam livre. Mais uma lei a caminho da abolição.

Comenta Joaquim Nabuco28 sobre a Lei do Ventre Livre: A lei de 28 de setembro de 1871, seja dito incidentemente, foi um passo de gigante dado pelo país. Imperfeita, incompleta, impolítica, injusta e até absurda, como nos parece hoje, essa lei foi nada menos que o bloqueio moral da escravidão. A sua única parte definitiva e final foi este princípio: “Ninguém mais nasce escravo”.

Mas esta lei não passava de uma ilusão.

Julio Chiavenato29 menciona Cristiano Ottoni que relata dados:

[...] de cada vinte negros nascidos, apenas um sobrevivia. Dos que sobreviviam, iam para a Casa da Roda (na época chamado de Asilo dos Expostos). Em muitas vezes a mãe do sobrevivente era alugada como ama-de-leite para amamentar o filho branco da

sinhazinha e acabava por matar de fome seu filho negro.

Além disso, também esta lei não escapou de ser burlada.

Muitos dos recém-nascidos eram registrados com data anterior à lei. Outros,

28 NABUCO, Joaquim. O abolicionismo. p. 99 29 CHIAVENATTO, Julio J. O negro no Brasil: da senzala à guerra do Paraguai. p. 133

xii

conforme própria lacuna da lei, poderiam ficar em poder de seus proprietários até

21 anos, retribuindo gratuitamente o seu sustento, ou seja, escravizados.

1.2.6 A Velhice com Liberdade

O país começa a debater sobre a emancipação dos

escravos.

A imprensa torna-se uma fonte de abolicionismo aos jovens intelectuais e profissionais. Pairava uma agitação em favor da emancipação, conforme expõe Emília Costa30:

No Rio de Janeiro, a agitação parecia incontrolável. Os estudantes da Escola Politécnica, do Colégio Pedro II e outras instituições manifestavam-se ruidosamente em favor da emancipação. Seu exemplo era seguido pelos vereadores da câmara Municipal. Os jangadeiros do Ceará, símbolo de luta pela abolição naquelas províncias eram aclamados por grande multidão que, a chamado dos abolicionistas, fora recebê-los, quando da sua visita ao Rio.

Proposta então, em 1884, a Lei dos Sexagenários, que

garantia liberdade aos escravos com mais de 60 anos de idade. Tal lei foi

estudada com grandes discussões na Câmara e no Senado, sendo que a

promulgaram em 28 de setembro de 1885, aumentando o limite de idade para 65

anos.

Opina Emília Costa31 sobre o assunto: De fato, o novo projeto estipulava que os escravos emancipados aos sessenta anos ficavam obrigados a trabalharem mais três anos gratuitamente (ou até atingirem a idade de 65 anos), a título de compensação aos seus senhores.

30 COSTA, Emilia V. da. A abolição. p. 64 31 COSTA, Emilia V. da. A abolição. p. 68.

xiii

Tratava-se de uma lei de poucos benefícios, uma vez que

poucos escravos chegavam com vida aos 60 anos. E destes que chegavam, que

alternativa teriam com sua emancipação? Velhos e cansados, só lhes restavam

continuar onde estavam, pois ao menos nos engenhos, teriam comida e água

para beber.

1.2.7 Enfim a Liberdade

Os rumores para o fim da escravidão no mundo iniciaram-se

em meados de 1770. Um tímido começo, com apoio de grupos isolados, mas de

intelectuais e influentes.

Logo então, Portugal, Inglaterra e França despontam seus interesses no fim da escravidão, conforme relata Herbert Klein32:

Na década de 70, Portugal, Inglaterra e França aplicaram decretos ou apoiaram decisões judiciais que essencialmente aboliam a escravidão dentro de seus territórios no continente ou nas ilhas atlânticas vizinhas.

Houve uma grande libertação maciça de escravos durante a

Revolução Francesa.

Para o Brasil, o processo se dá de forma longa e lenta,

decorrente porém de uma pressão exercida através da Inglaterra.

Já no século XIX, amplia-se a intenção de abolição no país. Os escravos ficam mais confiantes e fogem. Os senhores sentem-se perturbados. Grande parte da população apóia a soltura dos escravos como expressa Emília Costa33:

A partir de 1884, era comuns, em São Paulo, bandos de negros perambulando pelas ruas das cidades, desafiando as

32 KLEIN, Herbert. Raça e Ciência: a origem dos preconceitos. In: DUNN, L.C. et. Al. Raça e Ciência. São Paulo: Perspectiva, 1972. p. 262 33 COSTA, Emilia. A abolição. p. 84.

xiv

autoridades, arrancando escravos das mãos dos capitães-de-mato, invadindo trens com o fim de libertar escravos de seus senhores. A audácia dos agitadores crescia na medida de sua impunidade. A imprensa abolicionista louvava essas ações. A imprensa escravista as condenava com virulência e pedia medidas repressivas que contivessem a insurreição. Os fazendeiros solidarizavam-se com a Polícia; o povo com os escravos.

Em 13 de maio de 1888, a princesa Isabel anunciou, através

da Lei Áurea, o que era inevitável: a libertação de todos os escravos.

Por uma questão muito mais política do que humanista, mas

que vem com a derrubada do Império e nascimento da República.

Tratava-se de uma grande conquista para o país e uma

maior ainda para os negros escravos.

Porém, ao passar o momento de euforia, constata-se que o

abolicionismo não vem trazer a igualdade entre negros e brancos. Não seria tão

fácil um branco tratar um negro como cidadão que meses atrás o tratava como

animal.

O negro acabou por marginalizar-se. Ainda que livres, os

negros portavam a última escala social. Não havia negros profissionais e todos

eles concorreriam com os trabalhadores sempre livres, experientes e brancos.

Emilia Costa34 expressa seu sentimento quando escreve: Desta forma, a Abolição foi apenas um primeiro passo em direção à emancipação do povo brasileiro. O arbítrio, a ignorância, a violência, a miséria, os preconceitos que a sociedade escravista criou ainda pesam sobre nós.

As gerações caminharam acreditando que o negro é

vagabundo, incapaz, preguiçoso, ineficiente. Anos se passaram da escravidão,

porém muitos ainda os inferiorizam, tornando ainda mais presente a marcante

história do Brasil. 34 COSTA, Emilia V. da. A abolição. p. 96

xv

1.3 A RAÇA NEGRA E SUAS CARACTERÍSTICAS

1.3.1 Raça: Conceituação

Ainda que popular, para o bom entendimento desta

pesquisa, se faz necessário conceituar a palavra “raça”.

Eliane Azevedo35 adota o conceito de raça como “populações mais ou menos isoladas, que diferem de outras populações da mesma espécie pela freqüência de características hereditárias”.

Tem-se o seguinte conceito, escrito por Dunn36: Resumindo, uma raça é um grupo de indivíduos aparentados por casamentos entre si, isto é, uma população que se distingue das outras populações pela freqüência relativa de certas características hereditárias.

A palavra é de difícil conceituação, pois não há uma

definição clara desta, em virtude de conotações antigas que lhes foi dada.

Há caminhos para se delimitar uma raça, tendo o ponto de

vista biológico, sendo eles genético ou físico.

Do ponto de vista genético, é avaliado o tipo consangüíneo.

Dunn37[AK6] faz um comentário sobre a consangüinidade:

Quase todos os povos têm a noção de consangüinidade e conhecem o parentesco biológico. Por conseguinte, quase todas as línguas têm necessidade de uma palavra que exprima essa noção. “Raça” é uma dessas palavras. Sabemos que todos os homens, atualmente vivos, descendem de ancestrais comuns e que, portanto são aparentados pelo sangue. A expressão “raça humana” traduz este fato constatado.

35 AZEVEDO, Eliane. Raça, conceito e preconceito. São Paulo: Brasiliense, 1987. p. 21 36 DUNN, L.C. Raça e Ciência: a origem dos preconceitos. p. 17 37 DUNN, L.C. Raça e Ciência: a origem dos preconceitos. p. 15

xvi

No mesmo pensamento, Dunn38 complementa: O parentesco biológico assenta naturalmente numa herança biológica comum. Os parentes consangüíneos têm acesso à mesma reserva de genes, transmitidos por essas “pontes” biológicas que servem de traço da união entre as gerações. Todo parentesco deve ser, do ponto de vista biológico, uma comunidade de genes. No sentido em que todos os homens são aparentados, ainda que de longe, em conseqüência de casamento entre seus ancestrais, o conjunto de raça humana constitui uma única e mesma comunidade de genes.

Resta evidenciado que a transmissão hereditária

consangüínea faz formar a raça, sob o conceito biológico genético. Porém, há

uma certa dificuldade nesta delimitação, pois os genes se expressam em grande

ou pequena freqüência, o que traz dúvida à formalização da raça.

Há ainda a classificação de raça sob o aspecto físico. Neste

aspecto, são avaliadas as características externas do ser humano, ou seja,

características físicas.

Tais características são delimitadas, em sua maioria, pela

cor da pele, textura dos cabelos, forma da cabeça, espessura dos lábios,

distribuição de pelos entre outros.

Porém, segundo Eliane Azevedo39, as características físicas que servem para identificar uma raça, se mostram ineficazes para delimitá-las cientificamente. A autora faz um comparativo que explica o pensamento:

- africanos e australianos não diferem quanto à cor da pele, mas apresentam a textura dos cabelos completamente diferente; - europeus do norte e europeus do centro têm a mesma cor da pele, mas têm índices cefálicos diferentes; - europeus do norte e africanos têm a cor da pele diferente, mas são iguais quanto ao índice cefálico.

38 DUNN, L.C. Raça e Ciência: a origem dos preconceitos. p. 15 39 AZEVEDO, Eliane. Raça: conceito e preconceito. p. 19.

xvii

Destarte, a raça não é algo a ser visto de forma rígida, mas sim de forma mutável, pois as características raciais são variáveis, conforme diz Dunn40:

A freqüência das características raciais isoladas pode variar, o que significa que a “raça” pode modificar-se, mesmo no que diz respeito às características hereditárias. Mas é evidente que se as diferenças raciais são conjuntos ou agregados particulares de características que podem variar entre os indivíduos, e se estas características podem modificar-se por mutação, a “raça” é uma categoria que, em vez de ser rígida ou estática, é dinâmica.

O que se pode demonstrar é que há grande dificuldade em

se classificar, delimitar ou conceituar a palavra raça, pois as informações

utilizadas para construí-la são mutáveis ou questionáveis.

1.3.2 Diferenças entre Raças

Para adentrar o assunto sobre as diferenças entre as raças,

faz-se necessário a separação de suas características, abordadas em físicas e

mentais.

1.3.2.1 Das características físicas

Considerando que uma das delimitações de raça é a

característica física de um povo, há que se atribuir alguma importância a este

dado, ainda que somente para diferenciar povos, raças, mas não que determine

influência sobre as atitudes destes povos.

Diante da aparência física humana, na opinião de Morant41,

“a cor da pele é a característica mais importante, dentro de uma impressão

40 DUNN, L.C. Raça e Ciência: a origem dos preconceitos. p. 17

xviii

imediata da diferença entre os grupos e a história da humanidade poderia ter sido

completamente diferente se não tivesse havido diferença de pigmentação entre os

povos”.

Aparentemente, a pigmentação da pele leva pessoas a crer

que decorrente de uma grande diferença física há também uma diferença

psicológica entre estas pessoas.

Mas, de acordo com Eliane Azevedo42, as diferenças raciais ao nível biológico em nada afetam a unidade da espécie humana:

O verdadeiro significado científico das raças é que elas resultam de adaptações climáticas diferentes. As raças não têm origens genéticas diferentes, nem se originariam em fases diversas na evolução do homem.

Mas há de se destacar que as características físicas são sim

determinantes para delimitar a raça, uma vez que se separam em grupos, aqueles

com características semelhantes entre si, tais como cor da pele, tipo do cabelo

entre outros.

1.3.2.2 Das características mentais

No que concerne a características mentais, admite-se que o

meio social de um grupo traz grandes influências psicológicas a ele.

As características físicas são gritantemente mais fáceis de serem analisadas, porém não há uma comprovação científica de que há diferenças raciais mentais, mas há indícios que existem, conforme Morant43:

Existem diferenças nas características físicas; mas atualmente não se pode dizer com precisão se a situação é a mesma no que respeita às características mentais – sendo estas mais difíceis de

41 MORANT, G.M. Raça e Ciência: a origem dos preconceitos. In: DUNN, L.C. et. Al. Raça e Ciência. São Paulo: Perspectiva, 1972, p. 60 42AZEVEDO, Eliane. Raça: conceito e preconceito. p. 17. 43 MORANT, Raça e Ciência: a origem dos preconceitos. p. 104

xix

se definir e avaliar e não sendo nenhuma daquelas que se serviram até agora muito satisfatórias para fins de comparação racial.

Porém, ainda que exista, de fato diferentes características mentais, não há o que se falar em grau de superioridade de raças como conseqüência de tal, conforme menciona Morant44:

Tal grupo pode apresentar uma certa característica num grau excepcional e outro grupo uma outra característica. Uma diversidade deste gênero tende a colocar todos os povos em pé de igualdade, quando finalmente se encara o conjunto de característica.

Ou seja, ainda que de fato existam diferenças psicológicas

entre as raças, o que não é comprovado cientificamente, estas são se distinguem

hierarquicamente.

1.3.3 Preconceito da Raça [AK7]

Para adentrar ao assunto, primeiramente é necessário expor

dois conceitos que influenciam o preconceito de raça:

Antonio Garcia Miranda Neto45 adotou o seguinte conceito para a palavra preconceito:

Preconceito é uma atitude negativa, desfavorável para com um grupo, ou seus componentes individuais. É caracterizado por crenças estereotipadas. Nas Ciências Sociais, o termo preconceito é usado quase exclusivamente em relação aos grupos étnicos.

Se faz necessário também expor o conceito da palavra racismo, que Arnold M. Rose46 o faz da seguinte forma:

44 MORANT,. Raça e Ciência: a origem dos preconceitos. p. 106 45 MIRANDA NETO, Antonio Garcia et. Al. Dicionário de Ciências Sociais. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1986. p. 962 46 ROSE, Arnold. Raça e Ciência: a origem dos preconceitos. p. 170 e 171

xx

O racismo é o conjunto de crenças populares onde entram os seguintes elementos: diferenças de ordem física e de ordem intelectual; nossos hábitos, nossas atitudes, nossas crenças, nosso comportamento; diferenças que se pode constatar entre uma minoria e uma maioria.

Apesar de diferentes conceitos, o racismo pode ser

considerado uma fonte de preconceito. Mas não foi sempre assim. Anterior ao

preconceito, o racismo apresentava-se somente como a conjunção em grupos de

suas tradições, costumes, culturas e outras particularidades. Diante das

diferenças, começou a brigar por graus de superioridade entre as raças.

Aliás, para Maria Luzia Tucci Carneiro47, a presunção de

existência de uma raça superior e outra inferior é atualmente a característica

essencial do racismo.

1.3.4 A Origem do Preconceito no Mundo

Não há dados que relatem o início do preconceito no mundo,

mas é possível que em todas as épocas de existência do mundo existiu o

preconceito.

Há de se valer ainda que a existência do preconceito é

devido a interesses políticos, sociais, pessoais ou econômicos.

Arnold M. Rose48 relata: Uma das origens mais evidentes dos preconceitos é a vantagem ou o proveito material que deles se extrai. O preconceito pode servir de desculpa ou de razão para a exploração econômica e para a dominação política. Pode justificar hábitos que habitualmente nos repugnam. Indivíduos egoístas e astutos podem explorá-los nos outros.

47 CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. O Racismo na história do Brasil. 8.ed. São Paulo: Ática, 2000. p. 62 48 ROSE, Arnold. Raça e Ciência: a origem dos preconceitos. p. 162

xxi

Segundo Arnold, o preconceito está presente internamente

daquele que reprova atos de outros, e esta reprovação serve de arma para

fortalecer a maioria de mesmo pensamento devido à um interesse político, social

ou mesmo pessoal.

1.3.5 A Origem do Preconceito no Brasil

A colonização do Brasil por Portugal trouxe em sua

bagagem um complexo de inferioridade entre negros. A sua pobreza, seu

analfabetismo e principalmente a sua escravidão fizeram com que o negro no

Brasil, se sentisse inferior aos outros e sem forças para lutar por sua raça.

E diante da soberba do branco e inferioridade do negro, o

racismo e o preconceito foram se tornando parte das pessoas.

Eliane Azevedo49 acredita que as pessoas não se percebem

racistas, conforme descreve:

O racismo na sociedade brasileira é tão implícito nas concepções de relações sociais, que seus protagonistas não se percebem racistas. Toda a carga de herança cultural que modelou a sociedade brasileira é tão fundamentada no racismo, que nem os próprios negros escaparam à assimilação de sentimentos contrários à raça negra.

De acordo com a autora, o negro acaba, devido a repressão

à sua cultura e raça no passado, por sentir preconceito de sua própria raça.

Ainda, complementa este pensamento a autora Maria Luiza

Tucci Carneiro50 quando afirma que herdamos do período colonial um mundo

repleto de preconceitos, apesar de intenso processo de miscigenação.

49 AZEVEDO, Eliane. Raça: conceito e preconceito. p. 49 50 CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. O Racismo na história do Brasil. 8.ed. São Paulo: Ática, 2000. p. 10

xxii

Este racismo parece persistir até os dias atuais. Não de

forma tão grotesca, mas certamente muito maior por parte dos brancos do que

dos negros.

1.3.6 O Preconceito Atual no Brasil

Mais de cem anos se passaram à era da abolição da

escravatura, porém o preconceito racial ainda existe o Brasil. Apesar de ser de[AK8]

forma camuflada ou escondida, ele está através dos olhos de muitos brasileiros.

Camuflado porque o brasileiro não admite sentir qualquer tipo de preconceito,

principalmente o racial. O preconceito é notado através de seus atos, porém não

através de sua palavra, na maioria das vezes.

Maria Luiza Carneiro51 comenta sobre racismo e preconceito

no Brasil:

Não há dúvida de que existe preconceito e discriminação contra negros, mulatos, judeus, índios, ciganos, japoneses e outros estrangeiros. No Brasil há um racismo camuflado, disfarçado de democracia racial. Tal mentalidade, se pensarmos bem, é tão perigosa quanto àquela que é assumida, declarada. O racismo camuflado é traiçoeiro: não se sabe exatamente de onde vem. Tanto pode se manifestar nos regimes autoritários quanto nas democracias.

O Brasil seguiu o caminho plantado por seus colonizadores.

Nasceu e cresceu diferenciando pessoas. Mas hoje é um país misto, miscigenado

na cor e na cultura e deve seguir o caminho da igualdade perante todos, conforme

preceitua sua Constituição vigente.

O próximo capítulo aborda as leis do Brasil e do Mundo em

prol da igualdade, dignidade humana e contra o preconceito racial. Para estes

51 CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. O Racismo na história do Brasil. 8.ed. São Paulo: Ática, 2000. p. 07

xxiii

tópicos, torna-se obrigatório conhecer dos direitos humanos e fundamentais

relevando então os princípios supracitados.

xxiv

CAPÍTULO 2

AS FORMAS DE COMBATE AO PRECONCEITO E RACISMO

POSITIVADAS NO BRASIL E NO MUNDO

2.1 BREVE HISTÓRICO SOBRE OS DIREITOS HUMANOS

Iniciou no antigo Egito e Mesopotâmia, no terceiro milênio a.C. os primeiros indícios de proteção individual, podendo ser considerado este o caminho para os direitos humanos individuais, conforme indica Alexandre de Moraes52. Comentando o autor complementa:

O Código de Hammurabi (1690 a.C.) talvez seja a primeira codificação a consagrar um rol de direitos comuns a todos os homens, tais como a vida, a propriedade, a honra, a dignidade, a família, prevendo, igualmente a supremacia das leis em relação aos governantes.

Não que nessa era já se utilizasse a expressão “direitos

humanos”. O caminho seguia-se neste sentido, mas advindo de um direito natural

ou jusnaturalismo.

Houve também uma concepção religiosa, que declarava a

igualdade dos homens, sem distinção de raça, sexo ou origem, influenciando nos

direitos fundamentais, conforme explica Alexandre de Moraes53.

Porém foi com o surgimento da Magna Charta Libertatum,

na Inglaterra, com sua outorga em 1215 por João Sem-Terra, que ocorreu a

criação de uma norma com conteúdo constitucional.

Segundo Alexandre de Moraes54, esta carta previa:

52 MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1º ao 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. 6.ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 6. 53 MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1º ao 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. p. 7.

xxv

[...] a liberdade da Igreja da Inglaterra, restrições tributárias, proporcionalidade entre delito e sanção, previsão do devido processo legal, livre acesso à justiça, liberdade de locomoção e livre entrada e saída do país.

Outros marcos ocorreram para o Direito Constitucional,

sendo estes descritos por Paulo Márcio Cruz55: [...] o conjunto de normas jurídicas que caracteriza o Direito Constitucional é relativamente recente, com seu início podendo ser fixado na já citada Magna Charta e nos documentos da Revolução Inglesa (Petition of Rights, de 1628, e Bill of rights de 1689). Com maior relevância quanto à criação de modelos seguidos por outros países, são também relevantes a Independência Norte-Americana e a Revolução Francesa.

Porém, foi na França, em 1789 que se consagrou a

normativa dos direitos humanos, publicada a Declaração do Homem do Cidadão.

Alexandre de Moraes56 descreve as previsões mais importantes desta Declaração:

Dentre as inúmeras e importantíssimas previsões, podemos destacar os seguintes direitos humanos fundamentais: Princípio da igualdade, liberdade, propriedade, segurança, resistência à opressão, associação política, princípio da legalidade, princípio da reserva legal e anterioridade em matéria penal, princípio da presunção da inocência, liberdade religiosa, livre manifestação de pensamento.

E diante destas, muitas Constituições em muitos outros

países foram sendo promulgadas, principalmente pela Europa.

54 MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1º ao 5º da

Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. p. 10. 55 CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do Direito Constitucional. 2.ed. Curitiba: Juruá, 2006. p. 26. 56 MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1º ao 5º da

Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. p. 10.

xxvi

No Brasil, foi a Constituição de 1824 que previu em seu art.

179, incisos que mencionavam princípios da igualdade, legalidade, liberdade

religiosa, liberdade de profissão entre muitos outros que consagravam os direitos

humanos e suas garantias neste país.

E sob a luz de todas as seguintes Constituições do Brasil,

constaram extenso rol de direitos e garantias, acrescendo em muitas delas o rol

descrito, como por exemplo, a de 1946 que estabeleceu em seu art. 157 direitos

sociais para trabalhadores e empregados.

2.1.2 O Significado de Direitos Humanos no Ordename nto Jurídico

Após transcorrer a evolução histórica dos diretos humanos

pelo mundo, surge a pergunta, o que de fato significa direitos humanos?

Para Alexandre de Moraes57, direitos humanos são: O conjunto institucionalizado de direitos e garantias do ser humano que tem por finalidade básica o respeito a sua dignidade, por meio de sua proteção contra o arbítrio do poder estatal, e o estabelecimento de condições mínimas de vida e desenvolvimento da personalidade humana.

Antonio E. Pérez Luño58 conceitua da seguinte forma: Um conjunto de faculdades e instituições que em cada momento histórico, concretizam as exigências da dignidade, liberdade e igualdade humanas, as quais devem ser reconhecidas positivamente pelos ordenamentos jurídicos em nível nacional e internacional.

57 MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1º ao 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. p. 21. 58 CASTRO, J.L. Cascajo. LUÑO, Antonio-Enrique Pérez, CID, B. Castro, TORRES, C. Gomes. Los derechos humanos: significación, estatuto jurídico y sistema. Sevilha: Universidade de Sevilha. 1979, p. 43.

xxvii

Ou seja, conforme conceituações, direitos humanos são a

proteção e o respeito que o ser humano tem a seu favor e contra o poder do

Estado para manter a sua dignidade e igualdade perante a todos.

2.2. DIREITOS FUNDAMENTAIS [AK9] – UM HORIZONTE À DIGNIDADE

HUMANA

A Constituição da República Federativa Do Brasil de 1988,

em seu título II trata dos direitos e garantias fundamentais. Estes direitos são tidos

como garantias indispensáveis para o convívio de uma sociedade em um Estado

Democrático de Direito.

Entre os direitos fundamentais e direitos humanos, apesar

de semelhantes, possuem diferenças, a qual Antonio E. Perez Luño demonstra:

“direitos fundamentais” são utilizados para designar os direitos positivados em

nível interno, isto é, nacional, enquanto “direitos humanos” seria mais usual para

denominar direitos naturais positivados nas declarações e convenções

internacionais59.

Acerca dos Direitos fundamentais, cabe ressaltar os

princípios que os regem. Porém, primeiramente, para ser tratar do assunto

princípio, faz-se necessário explicar a diferenciação entre regras (também

chamada de norma) e princípios dentro do ordenamento jurídico.

Para explanar esta diferenciação, Andrietta Kretz60 cita Ronald Dworkin, que diz:

[...] a diferença para Dworkin entre princípios e normas jurídicas reside, principalmente em seu caráter de orientação e dimensão, ou seja, a dimensão do peso e importância que os princípios possuem e as normas não. A norma é sempre aplicada completa e integralmente, não existe a possibilidade de aplicação parcial e,

59 PEREZ LUÑO, Antonio E. Los Derechos Fundamentales. 7.ed. Madrid: Technos, 1998. p. 44. 60 KRETZ, Andrietta. Autonomia da Vontade e Eficácia Horizontal dos Direitos Fundamentais. Florianópolis: Momento Atual, 2005, p.64.

xxviii

desta forma, ou se encontram presentes no caso concreto os fatores pressupostos pela norma ou estão ausentes, caracterizando assim, a ausência à sua não aplicação. Já os princípios possuem um caráter mais genérico, ou melhor, um modelo que deve ser observado, uma orientação a ser seguida para que sejam assegurados os valores da justiça, da equidade e da moralidade.

Em síntese, no pensamento de Andrietta Kretz61, as normas

encerram uma situação específica e delimitada e os princípios encerram

contornos gerais e, portanto podem ensejar diferentes aplicações.

Partindo do entendimento que princípio é algo genérico e

sendo este também objeto desta pesquisa, faz-se necessário um maior

aprofundamento no assunto.

Para tanto, adota-se o conceito de Paulo Márcio Cruz62 no que tange aos princípios constitucionais:

Os princípios constitucionais, latu sensu, são as normas básicas de todo o sistema constitucional. Ou, como assevera Paulo Bonavides, “os princípios são o oxigênio das constituições na época do pós-positivismo. É graças aos princípios que os sistemas constitucionais granjeiam a unidade de sentido e auferem a valoração de sua ordem normativa”.

Os princípios constitucionais formam a base e o

direcionamento jurídico constitucional, sendo abundantemente relevante para o

Direito Constitucional.

Luís Roberto Barroso63 aponta a importância dos princípios na ordem constitucional:

[...] os princípios constitucionais são, precisamente, a síntese dos valores mais relevantes da ordem jurídica. [...] Os princípios constitucionais consubstanciam as premissas básicas de uma

61 KRETZ, Andrietta. Autonomia da Vontade e Eficácia Horizontal dos Direitos Fundamentais. Florianópolis: Momento Atual, 2005, p.64. 62 CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do Direito Constitucional. p. 101 63 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: Fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. 6.ed. rev. atual. e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2004. p. 153

xxix

dada ordem jurídica, irradiando-se por todo o sistema. Eles indicam o ponto de partida e os caminhos a serem percorridos.

A função destes está em direcionar as interpretações e

alterações criadas pelo Direito e que irão refletir nos tribunais.

Paulo Márcio Cruz64 delimita ainda uma caracterização dos princípios que são:

- Condicionarem toda criação, interpretação e aplicação do Direito, ou seja, por serem gerais; - Condicionarem os outros princípios constitucionais, ou seja, por serem primários; - Condicionarem os valores expressos em todo ordenamento jurídico, ou seja, por sua dimensão axiológica.

Desta forma, o princípio está no direito positivo, norteando

valores e normas consolidando seus resultados.

2.2.1 O Direito Fundamental da Igualdade [AK10]

O princípio da igualdade encontra-se no art 5° da Constituição da República Federativa do Brasil de 198865, quando prevê[AK11]:

Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e a propriedade [...]

Mas a que igualdade refere-se a Constituição da República

Federativa do Brasil de 1988 quando a menciona no caput de seu artigo quinto?

Alexandre de Moraes66 interpreta desta forma:

64 CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do Direito Constitucional. p. 107 65 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da Republica Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal. 66 MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1º ao 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. p. 81

xxx

A Constituição Federal de 1988 adotou o princípio da igualdade de direitos, prevendo a igualdade de aptidão, uma igualdade de possibilidades virtuais, ou seja, todos os cidadãos tem o direito de tratamento idêntico pela lei, em consonância com os critérios albergados pelo ordenamento jurídico.

Continuando o autor ainda complementa: Desta forma, o que se veda são as diferenciações arbitrárias, as discriminações absurdas, pois o tratamento desigual dos casos desiguais, na medida que se desigualam é exigência do próprio conceito de justiça, pois o que realmente protege são certas finalidades, somente se tendo por lesado o princípio constitucional quando o elemento discriminador não se encontra

a serviço de uma finalidade acolhida pelo direito [...].67

O autor destaca que não estão proibidos, dentro do

princípio da igualdade os tratamentos desiguais. Ao contrário disto, nos termos de

Aristóteles já constava tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais.

Até mesmo porque se torna inviável e ainda inconcebível o

tratamento idêntico a todos os seres humanos sem qualquer distinção entre

homens e mulheres, adultos e crianças etc.

Celso Antônio Bandeira de Mello68 compartilha da idéia de Alexandre de Moraes quando cita:

O preceito magno da igualdade, como já tem sido assinalado, é norma voltada quer para o aplicador da lei quer para o legislador. Deveras, não só perante a norma posta se nivelam os indivíduos, mas a própria edição dela assujeita-se ao dever de dispensar tratamento equânime às pessoas.

Celso Antônio Bandeira de Mello69 ainda exemplifica

determinados casos em que há o tratamento diferenciado, porém não se choca

com a isonomia:

67 MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1º ao 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. p. 81 68 MELLO, Celso A. Bandeira de. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. 3.ed. v.10. São Paulo: Malheiros Editores, 2001. p. 09

xxxi

Suponha-se hipotético concurso público para a seleção de candidatos a exercícios físicos, controlados por órgãos de pesquisa, que sirvam de base ao estudo e medição da especialidade esportiva mais adaptada às pessoas de raça negra. É óbvio que os indivíduos de raça branca não poderão concorrer a este certame. E nenhum agravo existirá ao princípio da isonomia na exclusão de pessoas de outras raças que não a negra.

Este tipo de tratamento invoca a diferenciação de raças, mas

não afronta o princípio da igualdade. E é este o “tratamento desigual” mencionado

até então que pode ocorrer devendo ser embasado por um fundamento justo, não

sendo arbitrário ou abusivo.

Alexandre de Moraes70, explica este ponto falando da necessidade de justificativas para diferenciações que venham ocorrer, mas que não caracterize infração ao princípio da igualdade:

A desigualdade na lei se produz quando a norma distingue de forma não razoável ou arbitrária um tratamento específico a pessoas diversas. Para que as diferenciações normativas possam ser consideradas não discriminatórias, torna-se indispensável que exista uma justificativa objetiva e razoável, de acordo com critérios e juízos valorativos genericamente aceitos, cuja exigência deve aplicar-se em relação a finalidade e efeitos da medida considerada, devendo estar presente por isso uma razoável relação de proporcionalidade entre os meios empregados e a finalidade perseguida, sempre em conformidade com os direitos e garantias constitucionalmente protegidos. Assim, os tratamentos normativos diferenciados são compatíveis com a Constituição Federal quando verificada a existência de uma finalidade razoavelmente proporcional ao fim visado.

Celso Antônio Bandeira de Mello71 cita Pimenta Bueno,

comentando o assunto:

69 MELLO, Celso A. Bandeira de. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. p. 16 70 MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1º ao 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. p. 82. 71 MELLO, Celso A. Bandeira de. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. p. 18

xxxii

A lei deve ser uma e a mesma para todos; qualquer especialidade ou prerrogativa que não for fundada só e unicamente em uma razão muito valiosa do bem público será uma injustiça e poderá ser uma tirania.

Sendo assim, qualquer medida tomada de diferenciação que

venha a desviar de uma justificativa aceitável, afrontar-se-á com a isonomia

explícita na CRFB/88.

José Gomes Canotilho72 expressa sua opinião sobre o princípio da igualdade e seu sentido:

Ser igual perante a lei não significa apenas aplicação igual da lei. A lei, ela própria, deve tratar por igual todos os cidadãos. O princípio da igualdade dirige-se ao próprio legislador, vinculando-o à criação de um direito igual para todos os cidadãos.

Há de se entender somente que o princípio da isonomia está

para igualar os desiguais e se para isso, for necessária medida de leis desiguais,

estarão protegidas pela Constituição, desde que fundamentadas.

2.2.2 O Princípio da Dignidade Humana da Pessoa Hum ana[AK12]

No art. 1°, inciso III da CRFB de 1988, está expres samente

previsto o princípio da dignidade da pessoa humana. E foi esta a primeira

Constituição do Brasil a tratar da dignidade humana, pois as Constituições

Brasileiras anteriores a de 1988 não previam tal matéria em seu contexto. Porém,

este princípio não nasceu na Constituição Federal Brasileira ou Constituições de

outros países.

Foi na Constituição da Alemanha, de 24 de maio de 1949,

que primeiramente foi expresso, em seu art. 1° a in violabilidade da dignidade

72 CANOTILHO, José J. G. Direito constitucional. 6. ed. Coimbra: Almedina, 2002. p. 426

xxxiii

humana. Mas foram os filósofos Tomás de Aquino e Kant que trataram das

formas de dignidade humana e que até hoje são referência, segundo

entendimento de Flademir Martins73.

Mas como poderá ser conceituada a dignidade da pessoa

humana?

Ingo Sarlet74 transmite o que pensa sobre a dignidade da pessoa humana:

[...] a dignidade, como qualidade intrínseca da pessoa humana, é irrenunciável e inalienável, constituindo elemento que qualifica o ser humano como tal e dele não pode ser destacado, de tal sorte que não se pode cogitar na possibilidade de determinada pessoa ser titular de uma pretensão a que lhe seja concedida a dignidade. Esta, portanto, compreendida como qualidade integrante e irrenunciável da própria condição humana, pode (e deve) ser reconhecida, respeitada, promovida e protegida, não podendo, contudo (no sentido ora empregado) ser criada, concedida ou retirada (embora possa ser violada), já que existe em cada ser humano como algo que lhe é inerente.

Já Flademir J. B. Martins75 conceitua da seguinte forma:

A dignidade efetivamente constitui qualidade inerente de cada pessoa humana que a faz destinatária do respeito e proteção tanto do Estado, quanto das demais pessoas, impedindo que ela seja alvo não só de quaisquer situações desumanas ou degradantes, como também lhe garantindo o direito de acesso a condições existenciais mínimas.

Ou seja, a dignidade humana está atada aos valores

humanos que historicamente foram construídos. E relata Flademir J. B. Martins76

que estes não atingem somente a esfera jurídica, mas também a esfera política e

social remetendo idéia de unidade, complexidade e totalidade.

73 MARTINS, Flademir J. B. Dignidade da Pessoa Humana: princípio constitucional fundamental. Curitiba: Juruá, 2003. p. 15 74 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na constituição Federal de 1988. 5. ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2007, p. 41-42. 75 MARTINS, Flademir J. B. Dignidade da Pessoa Humana: princípio constitucional fundamental. Curitiba: Juruá, 2003. p. 127 76 MARTINS, Flademir J. B. Dignidade da Pessoa Humana: princípio constitucional fundamental. p. 54

xxxiv

Na visão da esfera política, Alexandre de Moraes77 explica: Demonstra a preocupação do legislador constituinte em afirmar-se a ampla e livre participação popular nos destinos políticos do país, garantindo a liberdade de convicção filosófica e política e, também, a possibilidade de organização e participação em partidos políticos.

Na explanação de Alexandre de Moraes, aquele que se

preocupa com a organização política do país e que enseja participar desta, tem

esse direito e está protegido pela Constituição, fazendo-o de forma digna.

Já na esfera social, a dignidade, em sua forma relata à

valores humanos, conforme dito anteriormente, interfere na comunidade, fazendo

transparecer à ordem social.

Flademir Martins78 explica melhor: Assim, temos, que a objetividade dos valores constitucionais é especial – humana – social -, que não se pode reduzir a um ato psíquico de um sujeito individual nem tampouco às prioridades naturais de um objeto real. Trata-se de uma objetividade que transcende o limite de um indivíduo ou de um grupo social determinado, mas que não ultrapassa o âmbito do homem como ser histórico-social.

Ou seja, os valores constitucionais instituídos no homem

acabam por transparecer em suas ações, fazendo com que a comunidade com o

passar do tempo pratique as mesmas ações brotando os mesmos valores

constitucionais.

2.2.3 O Objetivo da Constituição da República Feder ativa do Brasil ao tratar

da Dignidade da Pessoa Humana

77 MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1º ao 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. p. 49. 78 MARTINS, Flademir J. B. Dignidade da Pessoa Humana: princípio constitucional fundamental. p. 55

xxxv

Em se tratando que o princípio da dignidade é um princípio

constitucional fundamental, há de se refletir que este princípio tem o valor

prioritário na Constituição. E este valor deve ser respeitado e coordenado

apropriadamente para não ser ferido. Logo, o Estado tem de assumir e construir

estruturas para que a dignidade humana não seja corrompida.

Para esta abordagem, Flademir J. B. Martins79 faz seus comentários:

Isto nos remete à noção de que conceber a dignidade da pessoa humana como fundamento da República significa admitir que o Estado brasileiro se constrói a partir da pessoa humana, e para servi-la. Implica, também, reconhecer que um dos fins do Estado brasileiro deve ser o de propiciar as condições materiais mínimas para que as pessoas tenham dignidade. Afinal, a pessoa humana é o limite e o fundamento da dominação política em uma República que se propõe democrática como brasileira.

Representa então que este princípio positivado na CRFB/88

é um reconhecimento do legislador, embasado na evolução histórica humana, de

que o homem necessita possuir direitos para o simples convívio em sociedade e

para a permanência do Estado. De nada adiantaria um Estado sem seu povo para

ser governado.

Ingo Sarlet80 confirma a idéia de Flademir J. B. Martins a respeito do reconhecimento da dignidade da pessoa humana como fundamento do Estado quando diz:

Além de ter tomado uma decisão fundamental a respeito do sentido, da finalidade e da justificação do poder estatal e do próprio Estado, reconheceu expressamente que é o Estado que existe em função da pessoa humana e não ao contrário, já que o homem constitui a finalidade precípua, e não meio da atividade estatal.

79 MARTINS, Flademir J. B. Dignidade da Pessoa Humana: princípio constitucional fundamental. p. 72 80 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na constituição Federal de 1988. 5. ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2007, p. 67-68.

xxxvi

Mais uma vez, está transmitida a idéia de que o princípio até

então analisado é decorrente da conscientização do Estado sobre a importância

do homem (ser humano) em seu território e na democracia do país.

E uma vez reconhecido a relevância do homem como

prioritário para o país e governo, implica na obrigação do Estado em proporcionar

condições para que o ser humano tenha dignidade.

2.3 DISCRIMINAÇÃO RACIAL: UM CRIME POSITIVADO NO BR ASIL

A luta dos negros contra discriminação no país e no mundo

levou as Constituições estrangeiras e como não, a brasileira a tratar a prática de

racismo como crime. Crime este inafiançável e imprescritível.

Entretanto o crime de preconceito racial está positivado no

Brasil não só na Constituição Federal, como em várias leis esparsas.

Porém é a lei maior, a Constituição da República Federativa Brasileira de 198881 que detém em seu art. 3º, inciso IV, como seu objetivo fundamental, a convivência sem preconceito, conforme preceitua:

Art. 3° Constituem objetivos fundamentais da Repúbl ica Federativa do Brasil: IV – promover o bem de todos sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Ainda em seu art. 4°, inciso VIII, a CRFB/88 82 menciona o

repúdio ao racismo.

O art. 5º da atual CRFB/8883, em vários dos seus incisos, faz

menção de repúdio a qualquer tipo de discriminação. Dentre os principais

destaca-se o seu caput, que conforme mencionado anteriormente declara a

igualdade de todos e a inviolabilidade de seus direitos.

81 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da Republica Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal. 82 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da Republica Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal. 83 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da Republica Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal.

xxxvii

Entretanto, está desta mesma forma, positivado na CRFB/8884, o crime de racismo, considerado inafiançável e imprescritível, exposto no inciso XLII do art. 5°.

Art. 5° […] XLII – a prática de racismo constitui crime inafiançável e imprescritível sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei.

Adiante85, em seu artigo 7°, inciso XXX, fica proibido a

diferença de salários, exercício de funções e de critério de admissão por motivo

de sexo, idade, cor ou estado civil.

Está demonstrado que há uma preocupação positivada pela

CRFB/88 em eliminar o preconceito no país e promover a inclusão social, o que

não deveria ter tamanha dificuldade, tendo em vista este país, o da miscigenação.

No âmbito estadual, a Constituição do Estado de Santa Catarina86 também é defesa ao racismo quando diz em seu artigo 4°, inciso IV:

Art. 4° O Estado, por suas leis e pelos atos de seu s agentes, assegurará, em seu território e nos limites de sua competência, os direitos e garantias individuais e coletivos, sociais e políticos previstos na Constituição Federal e nesta Constituição, ou decorrentes dos princípios e do regime por elas adotados, bem como os constantes de tratados internacionais em que o Brasil seja parte observando o seguinte: IV – a lei cominará sanções de natureza administrativa, econômica e financeira a entidades que incorrerem em discriminação por motivo de origem, raça, cor, sexo, idade, estado civil, crença religiosa ou de convicção política ou filosófica, e de outras quaisquer formas, independentemente das medidas judiciais previstas em lei.

84 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da Republica Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal. 85 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da Republica Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal. 86 SANTA CATARINA. Constituição do Estado de Santa Catarina.

xxxviii

Não somente o governo brasileiro, mas também os seus

estados, dentre eles Santa Catarina, estão preocupados com o preconceito entre

brasileiros e a positivação anti-racista vêm a confirmar tal preocupação.

2.4 A CONTRIBUIÇÃO DAS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS PARA O FIM

DO PRECONCEITO

As organizações internacionais também contribuem para a

eliminação do preconceito no Brasil e no mundo, das quais pode se destacar com

relevância:

� Convenção Internacional sobre a eliminação de todas as formas de

discriminação racial87

Promulgada pelo Decreto n. 65.810 de 1969 e praticada pela ONU (Organização das Nações Unidas), esta convenção expõe inicialmente seu objetivo:

Considerando que a Carta das Nações Unidas baseia-se em princípios de dignidade e igualdade inerentes a todos os seres humanos e que todos os Estados membros comprometeram-se a tomar medidas separadas e conjuntas, em cooperação com a Organização, para a consecução de um dos propósitos das Nações Unidas que é promover e encorajar o respeito universal e observância dos direitos humanos e liberdades fundamentais para todos, sem discriminação de raça, sexo, idioma ou religião.

Tal Convenção declara a necessidade de eliminar quaisquer

tipos de discriminação racial sendo estas as barreiras da sociedade humana.

87 JUNIOR, HÉDIO S. Anti-racismo: coletânea de leis brasileiras (federais, estaduais, municipais) 1. ed. São Paulo: Editora Oliveira Mendes Ltda, 1998. p. 22

xxxix

� Convenção 11188

Promulgada pelo Decreto n° 62.150 de 1968 e pratica da

pela OIT (Organização Internacional do Trabalho), esta Convenção traz consigo o

objetivo de promover a igualdade e proibir matérias relativas à discriminação em

matéria de emprego e profissão.

� Convenção relativa à discriminação no campo do Ensino89

Promulgada pelo Decreto n° 63.223 de 1968 e pratica da pela Conferência Geral da UNESCO, declara o objetivo de:

Consciente de que incumbe conseqüentemente à Organização das Nações Unidas para a educação, a ciência e a cultura, dentro do respeito da diversidade dos sistemas nacionais de educação não só prescrever qualquer discriminação em matéria de ensino, mas igualmente promover a igualdade de oportunidade e tratamento para todos nestes campos.

A esta Convenção, cabe um destaque especial à promoção

de igualdade de oportunidade e tratamento para àqueles que hoje não possuem.

Além destas, outras convenções internacionais participam

da luta contra o preconceito objetivando a igualdade entre os povos no mundo.

Cita-se também a Conferência de Beijing, 1995; o Plano de Ação da Conferência

Regional das Américas, ocorrida em Santiago do Chile, em 2000; a Conferência

Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância

Correlata, de 2001, em Durban, África do Sul.

2.5 O PRECONCEITO POSITIVADO NO CÓDIGO PENAL

88 JUNIOR, HÉDIO S. Anti-racismo: coletânea de leis brasileiras (federais, estaduais, municipais), p. 10 89 JUNIOR, HÉDIO S. Anti-racismo: coletânea de leis brasileiras (federais, estaduais, municipais), p. 15

xl

Assim como a CRFB/88 definiu o preconceito como crime, a

lei n° 7.716 de 1989 veio para indicar quais são es tes.

O artigo 2090 desta Lei tipifica o crime de forma ampla: Art.20 Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Pena – reclusão de um a três anos e multa

A jurisprudência91 confirma a aplicabilidade da norma: EMENTA: PENAL - PRECONCEITO DE RAÇA OU COR - LEI N. 7.716/89 - ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE DOLO PELA DEFESA - CONDENAÇÃO MANTIDA - RECURSO DESPROVIDO Configura crime de racismo, a oposição indistinta à raça ou cor, perpetrada através de palavras, gestos, expressões, dirigidas a indivíduo, em alusão ofensiva a uma determinada coletividade, agrupamento ou raça que se queira diferenciar. Comete o crime de racismo, quem emprega palavras pejorativas, contra determinada pessoa, com a clara pretensão de menosprezar ou diferenciar determinada coletividade, agrupamento ou raça. O crime de racismo é tão repudiado pela consciência nacional que a Carta Política o considerou imprescritível (inciso XLII do art. 5º).

Em seus 22 artigos, a lei demonstra ações que feito de

forma discriminatória, caracterizam o preconceito. Atualmente, esta lei está

atualizada pela lei n° 9.459 de 1997.

Ainda, o Código Penal92 quando trata do crime de injúria, o qualifica, realizado através do racismo:

Art. 140 Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:

§3º Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião e origem:

Pena – reclusão de um a três anos e multa.

90 BRASIL. Lei n.° 7.716 de 5 de janeiro de 1989 . Define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor. Diário Oficial [da] Republica Federativa do Brasil. Brasília, DF, 05 jan., 1989. 91 Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Apelação criminal n° 2004.031024-0. Relator Antonio Fernando do Amaral e Silva. Julgado em 15 de fevereiro de 2005. 92 BRASIL. Decreto-lei n° 2.848 de 7 de dezembro de 1940 . Código Penal. Brasília, DF, dez, 1940.

xli

A lei optou por penalizar rigidamente àquele que comete

crime de injúria preconceituosa passando a pena de detenção de 1 (um) a 6 (seis)

meses (injúria comum) para reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos (injúria

qualificada). O grande aumento da pena se deu na tentativa de inibir este crime

contra a honra na característica preconceituosa de cor.

2.5.1 Da Injúria Qualificada

O crime de injúria, nas palavras de Adalberto José Q. T. de

Camargo Aranha93 significa “afronta, agravo, insulto, ofensa, ultraje, agressão à

determinada pessoa por meio das palavras, atos, inventivas ou gestos

insultantes”.

Ao sofrer injúria, o estado do ofensivo se traduz em forma

depreciativa, reprovável, depressiva. Nos termos de Adalberto94, este tipo penal

foi criado como proteção à honra subjetiva.

Em 1940 tipificou-se o crime de injúria, mas foi somente em

13 de maio de 1997, sob à égide da Lei 6.459 que tipificou-se a injúria

preconceituosa, também chamada de injúria racial, acrescentado ao art. 140 do

Código Penal, conforme prescrito anteriormente.

Nas palavras de Adalberto Aranha95, injúria preconceituosa significa dizer:

Temos a injúria preconceituosa como sendo toda a ofensa à honra subjetiva de uma pessoa determinada, cujo aviltamento intencional é feito em razão de uma prevenção ligada à etnia, à raça, à cor da pele, à religião ou à origem da pessoa.

O fato se consuma quando a vítima toma conhecimento da

ofensa, sendo indiferente se a ofensa foi realizada na frente da vítima ou se

93 ARANHA, José Q.T.C. Crimes contra a honra. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 77. 94 ARANHA, José Q.T.C. Crimes contra a honra, p. 78. 95 ARANHA, José Q.T.C. Crimes contra a honra, p. 87.

xlii

chegou ao conhecimento através de terceiros, e ainda se a qualidade negativa

imputada é verdadeira ou não.

Tal tipificação chamou atenção dos doutrinadores, uma vez

que a injúria, até então era tratada com penas brandas de até no máximo um ano.

Com a chegada da Lei que prevê a injúria preconceituosa, a pena foi agravada

consideravelmente de um a três anos.

Julio F. Mirabete96 comenta sobre a pena aplicada: Evitou-se com o dispositivo punição muito branda nos casos em que ocorre a desclassificação do crime de preconceito de raça ou de cor (Lei 7.716/89, de 5-1-1989) para o de injúria. A injúria qualificada pelo preconceito em contexto de progressão criminosa para o cometimento de crime previsto na Lei n° 7.716/89 é por este absorvida.

Destarte, a injúria diferencia-se do crime de preconceito e

existem alguns aspectos para isto.

Colhe a jurisprudência97 neste sentido: Tratando-se de ofensa dirigida à pessoa específica em razão de sua cor, resta configurado o delito de injúria qualificada, previsto no art. 140, §3° do CP e não o crime disposto no ar t. 20 da Lei 7.716 / 89 que se refere a preconceito generalizado de raça ou de cor.

Há a injúria racial quando as ofensas de conteúdo

discriminatório são empregadas pessoa ou pessoas determinadas. Já o crime de

Preconceito, explicado anteriormente, somente será aplicado quando as ofensas

96 MIRABETE, JULIO F. e FABRINI, RENATO N. Código Penal interpretado. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 1131. 97 MIRABETE, JULIO F. e FABRINI, RENATO N. Código Penal interpretado, p. 1131.

xliii

não tenham pessoas determinadas, e se objetivem a depreciar determinada raça,

cor, etnia, religião ou origem, agredindo um número indeterminado de pessoas.

Há de se comentar, que atualmente no Brasil, há mais

crimes de injúria qualificada do que de racismo, porém sob a visão da pena,

torna-se indiferente visto que a punição é a mesma.

O próximo e último capítulo desta monografia aborda as

Ações Afirmativas já implantadas no Brasil, dando ênfase ao sistema de cotas

para negros nas universidades, discutindo-se sobre seus prós e contras além de

demonstrar o papel da universidade na sociedade.

xliv

CAPÍTULO 3

A TRAJETÓRIA DAS AÇÕES AFIRMATIVAS E O POLÊMICO SISTEMA DE COTAS NO BRASIL

3.1 A NECESSIDADE DA INCLUSÃO NO BRASIL PERANTE A

DESIGUALDADE SOCIAL EXISTENTE

O Brasil é um dos países mais desiguais do mundo.

Desigualdade esta, decorrente do seu histórico de colonização, conforme

apresentado anteriormente, acarretando em uma má estrutura econômica e

social, provocando grandes injustiças sociais.

Jorge Werthein98 descreve resumidamente a que se devem as desigualdades no Brasil:

I) a matriz social originária, fundada na concentração de

terra e do poder político e na dependência externa, que impõe sua marca a todo processo de constituição histórica e evolução da nação brasileira;

II) ao caráter patrimonialista do Estado e à forma como são obtidos e utilizados seus recursos (o caráter regressivo do sistema tributário e a apropriação “privada dos recursos públicos pelos grupos que controlam ou se beneficiam do poder político, por exemplo);

III) ao caráter concentrador e excludente dos modelos econômicos historicamente adotados no país, voltados para a acumulação do capital e preservação e reprodução dos interesses dos grupos econômicos internos e externos que ocupam uma posição hegemônica na estrutura de poder político.

Dados do IBGE demonstram grandes diferenças no Brasil

comparando negros e brancos. É o que explica o autor Álvaro Ricardo Cruz99:

98 WERTHEIN, Jorge e NOLETO, Marlova J. Pobreza e desigualdade no Brasil: traçando caminhos para a inclusão social. 2.ed. Brasília: Unesco, 2004. p. 39

xlv

Em 1999, cerca de 92% dos brancos com mais de quinze anos eram alfabetizados, enquanto que esse número caía para 80% no tocante aos afrodescendentes. O problema também é marcante no fator renda, posto que a renda familiar média per capita é aproximadamente 133% maior que a dos negros.

A diferença não está somente na renda, mas na colocação

do negro no emprego. Como comentário de Álvaro Cruz100, são raros os casos de

afrodescendentes executivos e parlamentares. Por outro lado, estes são

demasiadamente encontrados na construção civil ou trabalhos esportivos.

João José Reis101 confirma o pensamento de Álvaro Cruz quando lamenta a exclusão social de negros e pardos:

Se o Brasil aprendeu a não ter vergonha do lado negro de sua cultura, se o samba virou símbolo de identidade nacional, não aconteceu, em paralelo, um esforço do País em promover social e economicamente seus cidadãos negros e mestiços. Repetidas avaliações dos indicadores sociais demonstram que pretos e pardos — as categorias que o censo identifica como afrodescendentes — estão defasados em relação aos brancos nos índices de distribuição de renda, emprego, educação e saúde.

Ainda102:

O racismo, então, permanece um fenômeno arraigado na sociedade brasileira. (...) A imensa maioria negra permanece "em seu lugar". São raros os rostos negros nos altos escalões do poder político e econômico. (...) Nos poderes executivos, a situação é ainda mais crítica. Não é que não tenhamos experimentado progresso. O problema é que os negros têm progredido menos. Têm hoje mais escolaridade do que há 30 anos, mas continuam tendo menos que os brancos. Alcançaram

99 CRUZ, Álvaro R. de S. O direito à diferença: as ações afirmativas como mecanismo de inclusão social de mulheres, negros, homossexuais e pessoas portadoras de deficiência. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 143. 100 CRUZ, Álvaro R. de S. O direito à diferença: as ações afirmativas como mecanismo de inclusão social de mulheres, negros, homossexuais e pessoas portadoras de deficiência. p. 144. 101 REIS, João José. 500 anos de povoamento /IBGE, 4° capítulo "A presença negra: encontros e conflitos. Disponível em: http://www.ibge.gov.br//ibgeteen/noticias. Acessado em 31ago 2008. 102 REIS, João José. 500 anos de povoamento /IBGE, 4° capítulo "A presença negra: encontros e conflitos. Disponível em: http://www.ibge.gov.br//ibgeteen/noticias. Acessado em 31ago 2008.

xlvi

posições mais altas na estrutura de trabalho, mas ganham menos do que os brancos em ocupações semelhantes.

São estes dados que se faz obrigatoriamente pensar em

ações de inclusão social, de forma urgente. Este país que, por ser da

miscigenação, produz desigualdades alarmantes.

É fato que se trata de um trabalho árduo o de promover a

igualdade no país, sendo este de histórico tão desigual e cruel. Principalmente

diante da visão que os brasileiros têm de não se considerarem racistas. Surge a

necessidade de confessarem a existência do preconceito de cor e raça, para

posteriormente trabalhar a promoção da igualdade.

Jorge Werthein103 admite a dificuldade de trabalhar na inclusão social:

Há o problema da construção de uma verdadeira estratégia nacional de inclusão social portadora de novos mecanismos institucionais e de gestão pública, capaz de superar o atual padrão de políticas sociais e do trabalho fundado na setorialização das ações, na desarticulação dos programas, na focalização de

clientelas e na falta de integração operacional.

Estão explícitos os grandes obstáculos existentes no

trabalho de inclusão social, mas que se fazem necessários para que se cumpra o

que está dito na CRFB/88 dentro do princípio da isonomia e dignidade da pessoa

humana.

3.2 AS AÇÕES AFIRMATIVAS NO BRASIL

As ações afirmativas ou também chamadas de

discriminações positivas tiveram início nos Estados Unidos, e sua nomenclatura

103 WERTHEIN, Jorge e NOLETO, Marlova J. Pobreza e desigualdade no Brasil: traçando caminhos para a inclusão social. p. 80.

xlvii

foi dada por J.F. Kennedy, em 1963. Hoje são utilizadas por outros países tendo a

função de adotar políticas para inserção social das minorias.

O Brasil também possui Ações afirmativas no sentido de

incluir, integrar socialmente os afrodescendentes em áreas tais como educação,

cultura, trabalho e profissão na tentativa de promover a isonomia social no país.

Para um maior entendimento, Sandro Sell104 conceitua ação afirmativa:

Ação afirmativa consiste numa série de medidas destinadas a corrigir uma forma específica de desigualdade de oportunidades sociais: aquela que parece estar associada a determinadas características biológicas (como raça e sexo) ou sociológicas (como etnia e religião), que marcam a identidade de certos grupos na sociedade. Inspira-se no princípio de que a negação social de oportunidades a esses grupos é um mal que deve ser combatido, enfaticamente, com políticas específicas. E que o uso de critérios raciais, por exemplo, na distribuição de determinados bens sociais não é algo errado em si, desde que não esteja a serviço de preconceitos.

Sandro Sell105 apresenta também a função das ações afirmativas dividindo-as em dois grupos:

O primeiro grupo é o dos argumentos que sustentam o caráter de justiça da ação afirmativa entendendo-a como uma compensação pelos prejuízos históricos sofridos pelas minorias cuja situação se quer inverter. São estes argumentos compensatórios.

Já o segundo grupo106: É formado pelos argumentos que defendem a ação afirmativa pelos benefícios de longo prazo que ela poderá gerar. Chamados de argumentos conseqüencialistas.

104 SELL, Sandro César. Ação afirmativa e democracia racial: uma introdução ao debate no Brasil. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2002, p. 15 105 SELL, Sandro César. Ação afirmativa e democracia racial: uma introdução ao debate no Brasil, p. 19 106 SELL, Sandro César. Ação afirmativa e democracia racial: uma introdução ao debate no Brasil, p. 19

xlviii

No pensamento de Sandro Sell107, as ações afirmativas em

favor nos negros se enquadrariam nos argumentos compensatórios tendo em

vista a história do negro no Brasil, seu passado sofrido em que trabalhou como

escravo ajudando a construir fortunas hoje transmitidas à descendência branca.

Para Sandro, agora seria o tempo de recompensá-los.

Está claro que tais ações encontradas no Brasil são significativamente menores que a que os Estados Unidos promoveram para a inclusão. Porém, segundo opinião de Álvaro Cruz108, o Brasil tem trabalhado, ainda que timidamente, para diminuir a exclusão social:

O advento a constituição de 1988 trouxe inegavelmente novos ventos para a sociedade brasileira, que começa a articular discussões sobre o tema. Nesse sentido, o Brasil tem procurado superar o problema da discriminação, no caminho de efetivar os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e do pluralismo em função de termos vivenciado uma longa história de segregação e destruição das minorias.

Cabe esclarecer que as ações afirmativas não são caminhos

de inclusão única e exclusivamente aos negros, mas sim caminhos de todos os

tipos de exclusão social persistentes através do preconceito e discriminação. No

Brasil possuímos ações afirmativas em favor de mulheres, deficientes físicos ou

mentais, homossexuais entre outros que não cabem aprofundamento por não

serem objetos desta pesquisa.

3.3 A GRANDE POLÊMICA: O SISTEMA DE COTAS

Conforme exposto anteriormente, o Brasil, ainda que de

forma acanhada, tem trabalhado para diminuir o preconceito de raça, cor, e

pobreza dentro do seu território, propondo ações afirmativas, sendo que muitas

delas ainda estão em projetos de lei.

107 SELL, Sandro César. Ação afirmativa e democracia racial: uma introdução ao debate no Brasil, p. 20 108 CRUZ, Álvaro R. de S. O direito à diferença: as ações afirmativas como mecanismo de inclusão social de mulheres, negros, homossexuais e pessoas portadoras de deficiência, p. 213.

xlix

Dentre estas ações, a mais polêmica de todas, que causa

grande repercussão, ou seja, discussão social é o sistema de cotas.

O sistema de cotas é uma forma de Ação afirmativa pelo

qual o Estado estabelece cotas a fim de promover a inclusão de negros,

mulheres, deficientes físicos ou mentais em escolas, universidades, partidos

políticos, concursos públicos, empregos etc. na sociedade.

Wilson de Mattos109 conceitua da seguinte forma: De um modo geral, a reserva de vagas para grupos populacionais discriminados, popularmente conhecida como política de cotas, configura-se como uma modalidade específica de um conjunto de políticas públicas corretora de desigualdades sociais setorizadas, políticas essas batizadas com o nome de Ações Afirmativas.

É com certeza a mais discutida das ações afirmativas por se

tratar de recurso pelo qual os participantes das cotas não são escolhidos somente

por competência, estudo ou experiência, mas também por sua diferença, objeto

de discriminação e preconceito no país.

Implantado no Brasil em 1990, a partir da introdução da

reserva de vagas, no percentual máximo de 20%, em favor do acesso aos cargos

públicos para aqueles classificados como “deficientes físicos”, consoante dispõe o

art. 5º, § 2º da Lei 8.112, em atenção ao que já previa o art. 37, VIII da CRFB/88.

E a partir de então, outras discriminações positivas,

estabelecendo cotas para a promoção de inclusão foram criadas.

Hédio Junior110 se manifesta positivamente a este respeito:

Reside no próprio Texto Constitucional, o critério distintivo da discriminação, aquele critério que demarca as duas espécies de discriminação disciplinadas pela Constituição Federal: uma contrária e outra conforme o princípio da igualdade, de modo que,

109 MATTOS, Wilson R. Educação e ações afirmativas: entre a justiça simbólica e a injustiça econômica. / organização, Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva e Valter Roberto Silvério – Brasília: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2003. p. 133 110 JUNIOR, Hédio S. Educação e ações afirmativas: entre a justiça simbólica e a injustiça econômica. / organização, Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva e Valter Roberto Silvério. p. 109

l

não sendo atentatória dos direitos e liberdades fundamentais, a discriminação é plenamente admitida no sistema jurídico brasileiro.

Os tratados internacionais, também objeto desta pesquisa, preceituam positivamente a respeito da promoção da igualdade através de grupos raciais, sendo o que encontra-se no art. 1°, item 4 da Convenção Internacional pela Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial promulgada pelo Decreto n° 65.810 de 8 de dezembro de 1969.

Não serão consideradas discriminação racial as medidas especiais tomadas com o único objetivo de assegurar progresso adequado de certos grupos raciais ou étnicos ou de indivíduos que necessitem de proteção que possa ser necessária para proporcionar a tais grupos ou indivíduos iguais gozo ou exercício de direitos humanos e liberdades fundamentais, contanto que tais medidas não conduzam, em conseqüência, à manutenção de direitos separados para grupos raciais e não prossigam após terem sido alcançados os seus objetivos.

No Brasil, o tema trouxe grande repercussão e o assunto

ainda não está pacificado, estando sobre medidas de estudos e análises. Por este

motivo, também não há dados que comprovem que este sistema trará benefícios

à desigualdade e promoverá de forma efetiva a inclusão social das minorias.

Porém, Kabengele Munanga111 faz comentários sobre os benefícios causados nos Estados Unidos através das cotas:

Qualquer proposta de mudança em benefícios dos excluídos jamais receberia um apoio unânime, sobretudo quando se trata de uma sociedade racista. Nesse sentido, a política de ação afirmativa nos Estados Unidos tem seus defensores e seus detratores. Foi graças a ela que se deve o crescimento de classe média afro-americana, que hoje atinge cerca de 3% de sua população, sua representação no Congresso Nacional e nas Assembléias estaduais: mais estudantes nos liceus e nas universidades: mais advogados, professores nas universidades, inclusive nas mais conceituadas, mais médicos nos grandes hospitais e profissionais em todos os setores da sociedade

111MUNANGA, Kabengele. Educação e ações afirmativas: entre a justiça simbólica e a injustiça econômica. / organização, Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva e Valter Roberto Silvério, p.118.

li

americana. Apesar das críticas contra a ação afirmativa, a experiência das últimas quatro décadas nos países que a implementaram não deixam dúvidas sobre as mudanças alcançadas.

É certo que cada país, com suas peculiaridades, possui

diferentes reações e no Brasil não seria diferente, até mesmo porque os

brasileiros não admitem a existência de racismo no país e acreditam que todos

são tratados igualitariamente. O sistema de cotas é uma solução criada e

detalhada para um país norte-americano que pode ser usado como base no

Brasil, mas que talvez necessite de reajustes à cultura deste.

3.4 O SISTEMA DE COTAS RACIAIS NAS UNIVERSIDADES BR ASILEIRAS

O estado do Rio de Janeiro foi o pioneiro a instituir o sistema de cotas para negros das universidades a nível estadual, através da Lei nº 3.708, de 9 de novembro de 2001 disciplinada pelo Decreto nº 30.766/02 que diz:

Art. 1º Fica estabelecida a cota mínima de até 40% (quarenta por cento) para as populações negra e parda no preenchimento das vagas relativas aos cursos de graduação da universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e da Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF).

A nível federal, a Universidade de Brasília (UNB) foi a

primeira a implementar o sistema reservando 20% das vagas para negros e

pardos.

Atualmente, vários estados brasileiros adotaram o sistema,

cada qual com seu percentual de reserva, em que cabe mencionar o estado de

Santa Catarina.

Elaborado por uma Comissão Institucional criada em 10 de

julho de 2007, a Resolução Normativa n° 008/CUN/200 7 prevê cotas para negros

na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC):

lii

Art. 1º O "Programa de Ações Afirmativas" da Universidade constitui-se em instrumento de promoção dos valores democráticos, de respeito à diferença e à diversidade socioeconômica e étnico-racial, mediante a adoção de uma política de ampliação do acesso aos seus cursos de graduação e de estímulo à permanência na Universidade. Art. 2º O "Programa de Ações Afirmativas" da Universidade a que se refere o artigo anterior destina-se aos estudantes que: I – tenham cursado integralmente o ensino fundamental e médio em instituição de ensino pública; II – pertençam ao grupo racial negro, na forma prevista nesta Resolução Normativa; III – pertençam aos povos indígenas Art. 6º Para a implementação da ação afirmativa de acesso aos cursos de graduação da Universidade, a que se refere o inciso II do art. 4º, será destinado 30% (trinta por cento) das vagas do vestibular, em cada curso, que serão distribuídas da seguinte forma: I – 20% (vinte por cento) para candidatos que tenham cursado integralmente o ensino fundamental e médio em instituições públicas de ensino; II – 10% (dez por cento) para candidatos auto declarados negros, que tenham cursado integralmente o ensino fundamental e médio em instituições públicas de ensino.

Estas medidas foram implementadas em Santa Catarina

neste ano de 2008 e conforme menciona o seu art. 1º da Resolução Normativa n°

008/CUN/2007, também objetivam promover a igualdade racial.

3.5 COTAS: VERDADEIRAMENTE UMA NECESSIDADE?

A idéia de que o crescimento econômico diminuiria a

desigualdade no país fugiu à regra, pois ainda existem grandes diferenças entre

negros e brancos, principalmente quando o assunto é pobreza versus riqueza.

Conforme já demonstrado nesta pesquisa, os negros perdem dos brancos em

bons empregos, em salários e isto se dá também na educação.

liii

Andréa Vieira112 reflete este pensamento: Os negros brasileiros, ao contrário do que pensavam os defensores da teoria de que o crescimento econômico diminuiria as desigualdades sociais presenciaram um quadro cada vez mais grave onde, gradativamente, ampliou-se a fronteira a ser atravessada para obtenção de bons empregos, melhores salários e conseqüentemente, melhores níveis de instrução.

Joana Passos113 pensa da mesma forma:

Do ponto de vista do estudo realizado, fica evidente a relação entre a baixa escolarização e as limitações de oportunidades da população negra. Nesse sentido, não é possível discutir os processos de escolarização de jovens negros sem considerar o racismo como elemento de estratificação social que se materializou na cultura, no comportamento e nos valores dos indivíduos e das organizações da sociedade brasileira. Isso se dá de tal forma que produz grande parte das desigualdades que a população negra vem acumulando ao longo da história nos diferentes aspectos das suas trajetórias de vida.

Tendo em vista a desigualdade racial no Brasil agravada,

tempos em tempos, pelo racismo que ainda segue com os brasileiros, resta-se

plausível que existam interesses na promoção da inclusão, iniciando pela

educação dos negros, pois esta poderá acarretar em diminuir tais diferenças aqui

nesta pesquisa tão mencionadas tais como menores salários, piores empregos e

menos respeito aos negros.

Kabengele Munanga114 apóia o sistema de cotas:

Num país onde os preconceitos e a discriminação racial não foram zerados, ou seja, onde os alunos brancos pobres e negros pobres ainda não são iguais, pois uns são discriminados uma vez pela condição socioeconômica, e outros são discriminados duas vezes

112 VIEIRA, Andréa L. da C.. Educação e ações afirmativas: entre a justiça simbólica e a injustiça econômica. / organização, Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva e Valter Roberto Silvério, p. 85. 113 PASSOS, Joana Célia dos. Negro e educação: escola, identidades, cultura e políticas públicas / organizado por Iolanda de Oliveira, Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva e Regina Pahim Pinto – São Paulo: Ação Educativa, ANPEd. 2005, p. 53 114 MUNANGA, Kabengele. Educação e ações afirmativas: entre a justiça simbólica e a injustiça econômica. / organização, Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva e Valter Roberto Silvério, p.119.

liv

pela condição racial e socioeconômica, as políticas ditas universais, defendidas, sobretudo pelos intelectuais de esquerda, não trariam mudanças substanciais esperadas para a população negra. O modernismo político nos acostumou a tratar igualmente seres desiguais, em vez de tratá-los de modo desigual. Daí a justificativa de uma política preferencial, no sentido de uma discriminação positiva, sobretudo quando se trata de uma medida de indenização ou de reparação para compensar as perdas de 400 anos de defasagem no processo de desenvolvimento entre brancos e negros. É nesse contexto que colocamos a importância da implementação de políticas de ação afirmativa, entre as quais a experiência das cotas, que, pelas experiências de outros países, afirmou-se como um instrumento veloz de transformação, sobretudo no domínio da mobilidade socioeconômica, considerado como um dos aspectos não menos importante da desigualdade racial.

Contudo, a polêmica paira no ar, principalmente pelo

seguinte motivo: O Brasil é país da miscigenação e poderão ocorrer grandes

dificuldades no sentido que se conseguir realmente aferir quem realmente é negro

no Brasil. Muitas opiniões sustentam a idéia de grandes fraudes que poderão

ocorrer nas universidades, com brancos alegando serem negros devido sua

mestiçagem.

É o que se encontra numa pesquisa da revista Época115, em que relatou o escritor Ernesto Bernardes:

Inicialmente observa-se que o critério de discriminação utilizado não é objetivo, pois não há um meio científico de determinar quem é negro e quem é branco. Uma pesquisa realizada pela Universidade Federal de Minas Gerais "revela que uma pessoa clara de cabelo liso pode ter uma proporção de sangue africano maior que a de alguém com cabelo enrolado e cor escura – porque a aparência é apenas a parte visível da herança genética".

Mesmo defensores da lei das cotas, como o advogado Luiz

Fernando Martins da Silva116, ex-diretor e assessor jurídico do Instituto de

115 BERNARDES, Ernesto. A lógica de Torquemada. Época. São Paulo. N. 248, p.38, 17 fev 2003, p. 38 116 SILVA, Luiz Fernando Martins da. Sobre a implementação de cotas e outras ações afirmativas para os afro-brasileiros. Jus Navigandi, Teresina, a. 7, n. 63, mar. 2003, p. 1 Disponível em: < http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=3823 >. Acesso em: 04/10/2008.

lv

Pesquisa e Culturas Negras e do Centro Brasileiro de Informação e

Documentação do Artista Negro, reconhecem que "uma das principais barreiras a

serem enfrentadas é a definição de quem é negro".

Segue-se a linha de pensamento que se faz necessária a

intervenção do Estado na implementação de discriminações positivas, com o

objetivo de inclusão daqueles que, através de sua base histórica, foram e

permanecem excluídos, ou seja, à margem da sociedade e não conseguem, por

si só igualar-se aos demais.

Destarte, há de se avaliar se os caminhos que a ação

afirmativa tomada atingirá seu objetivo social, não provocando maiores

desigualdades, e sim, tornar-se conseqüência à isonomia, que prevê a CRFB/88.

É valido também, estabelecer em até que momento esta aplicação é legal e

necessária, uma vez que tomada desmedidamente, poderá causar novas

desigualdades após a satisfação de suas finalidades.

3.6 O PAPEL DAS UNIVERSIDADES NO PROCESSO DE INCLUS ÃO SOCIAL

É visível que o nível de educação o qual obtém um ser

humano é diretamente proporcional a bons cargos e salários. E notoriamente já

está constatada nesta pesquisa que bons cargos e salários atualmente são

preferência por brancos, devido a sua melhor classe econômica e

conseqüentemente facilidade de ingresso às melhores escolas.

Walter Frantz117 explica a situação da educação num país:

As transformações pelas quais a sociedade brasileira passou, especialmente a partir da revolução de 1930, abriram caminho para a valorização da educação, como possibilidade de maior qualificação profissional e novas oportunidades ocupacionais, em decorrência, e, portanto de ascensão social. Essa valorização

117 FRANTZ, Walter. Universidade comunitária: uma iniciativa não estatal em construção. In: Silva, E.W. da (org.). As funções sociais da universidade – o papel da extensão e a questão das comunitárias. Ijuí: Unijuí, 2002, p. 47

lvi

também se expressa das mais diferentes formas, inclusive, pelo incentivo ou pelo controle por parte do Estado.

Wilson Mattos118 também relata:

No Brasil, pelo menos desde as décadas iniciais do século IX, momento em que aqui se instituíram os primeiros cursos superiores, até os dias atuais, fazer faculdade, como se diz popularmente, tem sido uma possibilidade mais ou menos segura de formação profissional sólida e conseqüentemente, uma rara oportunidade de construção de uma existência pessoa e social minimamente digna. Portanto, de modo geral, o acesso ao ensino superior funciona, na sociedade brasileira, como fator desencadeador de desenvolvimento social e de expansão da cidadania na medida em que possibilita a formação de individualidades independentes e relativamente autônomas. Não é improcedente afirmar que os efeitos sociais desse processo repercutem positivamente nos âmbitos coletivos onde, necessariamente, se inserem as individualidades: a família, a comunidade, a região e, no limite, a própria nação.

Constata-se que o ensino universitário, não é obviamente o

único meio de inclusão social para a minoria, mas pode ser considerado um meio

importante a ser utilizado para tal favorecendo a equidade social e promovendo

maior acesso à cidadania.

O proveito que se pode tirar é que o ensino universitário traz

à população esclarecimento e cultura que conseqüentemente acarretarão em

qualidade profissional assim como qualidade de vida.

3.7 OUTRAS AÇÕES AFIRMATIVAS DE RELEVÂNCIA NO BRASI L

Depois de estudado nesta pesquisa, a discriminação positiva

mais polêmica atualmente, vale apresentar algumas outras ações tomadas no

Brasil que focam em promover a igualdade entre negros e brancos. 118 MATTOS, Wilson R. de. Educação e ações afirmativas: entre a justiça simbólica e a injustiça econômica. / organização, Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva e Valter Roberto Silvério. p. 136

lvii

Dentre elas, destaca-se a criação da Fundação Cultural

Palmares, instituída pela Lei Federal nº 7.668, de 22.08.88, tendo o seu Estatuto

aprovado pelo Decreto nº 418, de 10.01.92.

Sua missão é preservar os valores de afros-descendentes decorrentes do seu histórico no Brasil, conforme declarado pela própria instituição119:

Missão corporifica os preceitos constitucionais de reforços à cidadania, à identidade, à ação e à memória dos segmentos étnicos dos grupos formadores da sociedade brasileira, somando-se, ainda, o direito de acesso á cultura e a indispensável ação do Estado na preservação das manifestações afro-brasileiras. Sua finalidade esta definida no artigo 1º, da Lei que a instituiu, que diz: "promover a preservação dos valores culturais, sociais e econômicos decorrentes da influência negra na formação da sociedade brasileira". O artigo 215 da Constituição Federal de 1998 assegura que o "Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais populares, indígenas e afro-brasileiras, e de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional". A Fundação Cultural Palmares formula e implanta políticas

públicas que têm o objetivo de potencializar a participação da população negra brasileira no processo de desenvolvimento, a partir de sua história e cultura.

Esta fundação é apoiada pelo Governo e trabalha em ações

como: concessão de certidões de auto-reconhecimento para comunidades

remanescentes dos quilombos em todo o território nacional; Aquisição e entrega

de equipamentos para o etnodesenvolvimento (materiais de pesca, artesanato,

casas de farinha) para 150 comunidades remanescentes dos quilombos atendidas

pelo Programa Fome Zero; Promoção do projeto Compartilhamento de

Conhecimento, que está levando à população afro-brasileira da Bahia a

119 Texto extraído do site do ministério da Cultura, Fundação Cultural dos Palmares. Disponível em: http://www.palmares.gov.br/005/00502001.jsp?ttCD_CHAVE=226. Acessado em: 04/10/2008

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Realização de oficinas de bordado afro-brasileiro e culinária, bem como a

restauração da bibliografia afro-brasileira, entre outros120.

Outra que merece destaque é o Projeto de Lei –

6.264/2005. Este projeto de Lei, realizado pelo Senador Paulo Paim chamado de

Estatuto da Igualdade Racial está em tramitação no Congresso Nacional. Tem por

base o incentivo à saúde, educação, lazer igualitária aos brancos assim como

promover a inclusão social dos afrodescendentes no trabalho e educação.

O Estatuto também é polêmico principalmente no que tange

o sistema de cotas. O PL menciona cotas aos negros, não somente para

universidades de ensino como concursos públicos, Contratos de Financiamento

ao Estudante de Ensino Superior (FIES) e empresas com mais de 20

empregados.

Porém, como se trata de apenas um projeto de lei, vale

aguardar para a certeza do que realmente será aprovado.

3.8 A DIVISÃO DE OPINIÕES DAS DECISÕES NOS TRIBUNAI S

Conforme já relatado anteriormente, o sistema de cotas para

universidades tem causado grande repercussão no país.

As opiniões se divergem de todas as formas. Muitas não

possuem o aprofundamento no assunto caracterizando apenas opiniões sem

fundamentação. Outras, já formam respostas mais densas, fundamentadas em

princípios que a Constituição estabelece.

Os tribunais da mesma forma emitem seus pensamentos em

decisões, que aqui estão expostas, com o objetivo de demonstrar as divergências

que ainda pairam sobre suas mentes.

120 Texto extraído do site do ministério da Cultura, Fundação Cultural dos Palmares. Disponível em: http://www.palmares.gov.br/005/00502001.jsp?ttCD_CHAVE=97. Acessado em: 04/10/2008

lix

Obtém-se nas decisões da relatora Maria Lúcia Luz Leiria, a anuência do sistema de cotas, conforme jurisprudência121:

Decisão Monocrática Classe: AG - AGRAVO DE INSTRUMENTO Processo: 2008.04.00.006397-5 UF: SC Data da Decisão: 07/03/2008 Órgão Julgador: TERCEIRA TURMA Inteiro Teor: Citação: Fonte D.E. 28/03/2008 Relatora MARIA LÚCIA LUZ LEIRIA [...]o princípio da igualdade tem, como salientei no julgamento da AMS nº 2003.70.00.017703-1/PR, apreciando a questão das confissões religiosas minoritárias, uma dupla faceta: supõe, ao lado de uma "proibição de diferenciação", em que "tratamento como igual significa direito a um tratamento igual", também uma "obrigação de diferenciação", em que tratamento como igual "significa direito a um tratamento especial", possibilitando "disciplinas jurídicas distintas ajustadas às desigualdades fácticas existentes". A questão do princípio da isonomia é, pois, bem mais complexa do que a petição inicial reputa. Segundo, acrescente-se que há previsão legislativa. É que desde o Primeiro Plano Nacional de Direitos Humanos, elaborado no governo Fernando Henrique Cardoso, por meio do Decreto nº 1.904/1996, a questão das políticas afirmativas já estava incluída, restando, reafirmada pelo governo brasileiro, quando participou da Conferência Mundial contra Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância correlata, realizada em Durban ( 31-08 a 08-09-2001). Esta endossou, nos parágrafos 107 e 108, a importância de os Estados adotarem ações afirmativas para aqueles que foram vítimas de discriminação racial, xenofobia e outras formas de intolerância correlata.

Já o relator Marcelo de Nardi122, em decisão do sistema de

cotas da UFRS que reserva 30% das vagas do curso para os alunos provenientes do ensino público, sendo que desse montante, 15% das vagas são destinadas a candidatos egressos do ensino público auto-declarados negros afirma ser uma cota demasiada alta em vista da população parda e negra do Rio Grande do Sul, votando contrário aos cotistas.

121 SC. Tribunal Regional Federal. Agravo de Instrumento nº 20080400006397-5. Relatora Maria Lúcia Luz Leiria. Julgado em 07/03/2008. 122 RS. Tribunal Regional Federal. Agravo de Instrumento nº 20080400005917-0. Relator Marcelo de Nardi. Julgado em 29/02/2008.

lx

Decisão Monocrática Classe: AG - AGRAVO DE INSTRUMENTO Processo: 2008.04.00.005917-0 UF: RS Data da Decisão: 29/02/2008 Órgão Julgador: TERCEIRA TURMA Inteiro Teor: Citação: Fonte D.E. 13/03/2008 Relator Marcelo de Nardi Um sistema que, a título de promover ações afirmativas, impõe percentuais elevados de reserva de vagas, flagrantemente distanciados da finalidade a que se propõe, por certo não é razoável e acaba constituindo, em efeito inverso, fator de discriminação. Ocorre, nessa hipótese, o desvirtuamento da autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial da Universidade. São excessivas as vagas reservadas aos candidatos quotistas. A título ilustrativo, salienta-se que, de acordo com a Síntese de Indicadores Sociais de 2005 do IBGE, no Estado do Rio Grande do Sul a população parda e negra representa 12,8% da população geral. Tem-se como razoável a reserva de 10% das vagas para os alunos provenientes do ensino público e 5% das vagas do vestibular para candidatos auto declarados negros, que tenham cursado integralmente o ensino fundamental e médio em instituições públicas de ensino. Aplicando-se esses percentuais, teríamos a reserva de 3 vagas para primeiro grupo e de 1,5 para o segundo, totalizando 5 vagas.

Assim como as demonstradas, muitas outras jurisprudências

estão surgindo sem pacificidade alguma. Por se tratarem de novas leis e

conseqüentemente novos processos e novas decisões, devam demorar algum

tempo para se obter as respostas e a eficácia do sistema de cotas.

Mas o que se deve ter em mente é o objetivo que este

projeto possui de fazer diminuir a desigualdade entre raças, de acordo com os

princípios constitucionais, diminuindo o preconceito e o racismo dentro de uma

sociedade relativamente jovem, mas que há tempos já não vive mais na era da

escravidão.

lxi

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Está claro que a sociedade brasileira está hoje refletida em

sua história. O Brasil, colonizado por brancos e estes que trataram os negros

como animais àquela época transparece ainda uma diferença e uma

superioridade dos brancos para com os negros, ainda que já tenha se passado

mais de cem anos da abolição da escravatura. Mesmo que a sociedade brasileira

não admita tal discriminação, ela existe.

A presente monografia buscou exteriorizar parte da história

do país para poder entender a discriminação que hoje persiste. Diante disto, foi

apresentada a conceituação de preconceito, definido por uma atitude negativa

caracterizado por crenças125, o que é diferente de racismo, sendo este, o conjunto

de crenças, porém ocorre quando há a presunção de superioridade entre uma

crença e outra126. Constatou-se que o racismo é fonte do preconceito.

Diante da exposição do racismo, fica este caracterizado

como crime inafiançável e imprescritível nos termos do art 5° da Constituição da

República Federativa Brasileira de 1988. Penalmente punível através do art. 20

do Código Penal que prevê reclusão de um a três anos àquele que praticar,

induzir ou incitar a discriminação em território nacional.

Vê-se que a legislação que rege o tema é rígida, que tem a

intenção de proteger e defender os atualmente excluídos no país. Porém, falha no

seu cumprimento tornando-se ineficaz.

Fala-se também em termos constitucionais da promoção da

igualdade de todos os que convivem neste território. Dentro dos princípios da

igualdade e da dignidade humana, é sabido que o elemento negro deveria estar

no mesmo patamar que o branco. Mais uma vez ineficaz.

123 Nota de Rodapé da Citação Longa. 124 Nota de Rodapé da Citação Curta. 125 MIRANDA NETO, Antonio Garcia et. Al. Dicionário de Ciências Sociais. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1986. p. 962 126 CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. O Racismo na história do Brasil. 8.ed. São Paulo: Ática, 2000. p. 62

62

Destarte, se faz importante a intervenção do Estado para

cumprir com o princípio exposto no art. 5°, mencion ado anteriormente, o da

igualdade. Este princípio tem por base as palavras de Aristóteles: tratar

igualmente os iguais e desigualmente os desiguais. Significa que o objetivo deste

princípio nada mais é que promover a isonomia social, e para isto são essenciais

métodos de diferenciação que chegarão ao momento certo a igualar-se aos

demais.

O tema é tão relevante que se demonstra pequeno quando

menciona-se somente brasileiros. Erradicar o racismo é uma preocupação

mundial que pode ser constatado através das convenções internacionais, da qual

muitas o Brasil faz parte, quando vale ressaltar que o planeta está tratando deste

assunto.

Contudo, diante da ineficácia das normas constitucionais,

assim como punitivas (Código Penal), surgiram as ações afirmativas, descritas na

pesquisa também como discriminações positivas. Conceituada por Sandro César

Sell127 como medidas destinadas a corrigir desigualdades de oportunidades

sociais, tais ações tiveram início nos Estados Unidos e atualmente o Brasil têm

optado por algumas delas, ainda que de forma tímida.

Dentre elas, a mais polêmica ação refere-se ao sistema de

cotas. Esta ação foi implantada no Brasil no ano de 1990, quando introduziu a

reserva de 20% dos candidatos a cargos públicos para deficientes físicos. Porém,

a polêmica se deu após o ano de 2001 quando a primeira universidade brasileira

optou, através de um decreto, inserir cotas para a entrada de negros e pardos nas

universidades.

Após esta, várias universidades seguiram este caminho e

atualmente este assunto é objeto de grandes discussões a respeito de sua

constitucionalidade e até mesmo justiça.

127 SELL, Sandro César. Ação afirmativa e democracia racial: uma introdução ao debate no Brasil. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2002, p. 15

63

Salientando, não se trata de um tema pacífico, até mesmo

no que tange as decisões nos tribunais, em que nesta pesquisa puderam ser

expostas, diante da diversidade de opiniões de juízes.

Finalmente, retomando-se as seguintes hipóteses aventadas

no início desta pesquisa, quais sejam:

� O país passa a idéia de que por ser da

miscigenação, todas as raças vivem em harmonia, não existindo a

discriminação racial no Brasil. Porém vale destacar que os negros

foram tratados como escravos e animais por tempos neste país

ensejando a inferioridade deste ao branco restando nos dias de hoje

vestígios sobre a história.

� O Princípio da Igualdade não partiu do

princípio de que todos são efetivamente idênticos. Àqueles que se

encontram em situações idênticas, deverão sim, serem tratados de

maneira igual. Porém, as pessoas que se encontram em situação

desigual, deverão ser tratadas desigualmente a fim de promover a

igualdade.

� Seguindo pela linha de raciocínio de que

as leis brasileiras estão repletas de tratamentos diferenciados em prol

da igualdade: tributos diferenciados, cotas para deficientes, Justiça

gratuita aos pobres, proteções especiais ao índio, cotas para negros

também não pode ser vista como inconstitucional, uma vez que as

diferenciações almejam o mesmo fim: atingir a igualdade a todos.

Pode-se verificar que todas as hipóteses restaram

confirmadas, uma vez que o racismo e preconceito existe no Brasil, ainda que não

admitido pelos brasileiros. Através da história do Brasil, confirmou-se que este

preconceito tem base na entrada dos negros escravos no país.

A confirmação da segunda e terceira hipótese se deu no

estudo do princípio da igualdade, quando de fato foi esclarecido o objetivo deste

princípio, que é o de promover a igualdade entre os desiguais em uma sociedade.

64

A Constituição da República Federativa Brasileira de1988 trata de diferenciações

à minorias, com intento na igualdade, o que comprova não ser inconstitucional

normas legislativas de inclusão social do negro na universidade.

A abordagem desta monografia se deu para aprofundar

pouco mais sobre este sistema de cotas, trabalhar a sua constitucionalidade sem

adentrar se é a melhor forma ou não de promoção da igualdade até mesmo

porque houve um apontamento claro da dificuldade de implementação e

manutenção deste sistema devido enigma de saber quem realmente é negro no

Brasil.

É fato que através deste sistema, grandes fraudes podem

ocorrer, pois enfatizando novamente, este é o país da miscigenação, e muitos

brasileiros têm de alguma forma descendência afro ainda que não seja notada a

característica física.

Porém há de se concluir, que as ações afirmativas são sim

meios de inclusão social fundamentadas em princípios constitucionais que no

presente momento se fazem necessárias para a eliminação do preconceito no

país, tendo demonstrado que as leis brasileiras em relação ao racismo e

discriminação racial não estão tendo a eficácia almejada.

Contudo há uma dificuldade em apontar o sistema de cotas

com uma ação afirmativa de sucesso devido à falta de dados ou pelo menos

indícios que comprovem a sua eficácia uma vez que o sucesso apontado nos

Estados Unidos pode não ser o mesmo a ocorrer no Brasil, pois cada país possui

próprias peculiaridades. No entanto, uma vez que já estão implantados no Brasil,

fica a essencialidade de serem estudados, para que efetivamente produzam os

efeitos jurídicos almejados e não sejam sujeitos a fraudes para não causarem

efeitos contrários, ou seja, que a eficácia social seja alcançada.

65

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ANEXOS

Decisão Monocrática Classe: AG - AGRAVO DE INSTRUMENTO Processo: 2008.04.00.006397-5 UF: SC Data da Decisão: 07/03/2008 Órgão Julgador: TERCEIRA TURMA Inteiro Teor: Citação: Fonte D.E. 28/03/2008 Relatora MARIA LÚCIA LUZ LEIRIA Decisão Em longa petição inicial, o agravante busca a antecipação de tutela, tendo em vista indeferimento de liminar em mandado de segurança objetivando garantia de sua matrícula no curso de Direito da UFSC, com previsão de total de 80 vagas. Sustenta, em síntese, que teria sido preterido em sua classificação, tendo em vista a adoção, pela Universidade, de um sistema de cotas, destinando-se 30% para egressos do ensino público e, destas, um terço para auto-declarados negros, além de cinco vagas para candidatos auto-declarados indígenas. Tal regra, no seu entender, não pode prevalecer, tendo em vista: a) violação ao princípio da igualdade; b) inobservância do princípio da impessoalidade em concursos públicos (art. 37, CF); c) autonomia universitária deve estar em consonância com os demais dispositivos constitucionais; d) inconstitucionalidade de tal sistema, especialmente da Comissão de Validação da Autodeclaração. Por fim, salienta que a demora na prestação jurisdicional pode vir a causar lesão grave e de difícil reparação. É o relatório. Decido. A inicial narra que o impetrante concorrera a 56 vagas e não às 80 vagas, porque o restante estava previsto para o sistema de cotas.

70

Entende, em razão dos recém ditos argumentos, que tenha direito a tais vagas. Não verifico, por enquanto, a verossimilhança do direito. Primeiro, porque o princípio da igualdade tem, como salientei no julgamento da AMS nº 2003.70.00.017703-1/PR, apreciando a questão das confissões religiosas minoritárias, uma dupla faceta: supõe, ao lado de uma "proibição de diferenciação", em que "tratamento como igual significa direito a um tratamento igual", também uma "obrigação de diferenciação", em que tratamento como igual "significa direito a um tratamento especial", possibilitando "disciplinas jurídicas distintas ajustadas às desigualdades fácticas existentes". A questão do princípio da isonomia é, pois, bem mais complexa do que a petição inicial reputa. Segundo, acrescente-se que há previsão legislativa. É que desde o Primeiro Plano Nacional de Direitos Humanos, elaborado no governo Fernando Henrique Cardoso, por meio do Decreto nº 1.904/1996, a questão das políticas afirmativas já estava incluída, restando, reafirmada pelo governo brasileiro, quando participou da Conferência Mundial contra Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância correlata, realizada em Durban ( 31-08 a 08-09-2001). Esta endossou, nos parágrafos 107 e 108, a importância de os Estados adotarem ações afirmativas para aqueles que foram vítimas de discriminação racial, xenofobia e outras formas de intolerância correlata. Não sendo nova, pois, a questão, ela se encontra internamente incorporada no ordenamento jurídico brasileiro, desde que o Decreto nº 65.810, de 08-12-1969, internalizou a Convenção Internacional sobre a eliminação de todas as formas de discriminação racial, que previu, no art. 1º, parágrafo 4º, a adoção de "discriminação positiva", no sentido de "medidas especiais tomadas com o objetivo precípuo de assegurar, de forma conveniente, o progresso de certos grupos sociais ou étnicos ou de indivíduos que necessitem de proteção para poderem gozar e exercitar os direitos humanos e as liberdades fundamentais em igualdade de condições, não serão consideradas medidas de discriminação racial, desde que não conduzam à manutenção de direitos separados para diferentes grupos raciais e não prossigam após terem sido atingidos os seus objetivos". Com mais razão, ainda, quando, como no caso da UFSC, fica estabelecida duração e verificação periódica dos resultados na aplicação do sistema de cotas. Não estabeleceu-se, pois, uma regra a vigorar indefinidamente, sem qualquer análise de sua eficácia.

71

No que diz respeito a estabelecimento de cotas para egressos de escolas de ensino público, tampouco parece desarrazoada a exigência, fixada, no caso em apreço, em percentual de 30%, quando, segundo dados do INEP, vinculado ao Ministério da Educação, estas são responsáveis por 87,58 % da oferta de vagas, e a tanto não corresponde o ingresso nas universidades públicas. Não é demais lembrar que a jurisprudência atual do STF tem se inclinado no sentido de conferir aos tratados internacionais uma hierarquia de supralegalidade em relação à legislação nacional. Ao contrário, pois, do alegado, o Brasil poderia responder, no plano internacional, justamente por não estabelecer, na prática, a realização de "ações afirmativas" com as quais já se comprometera mais de trinta anos. Terceiro, porque a própria Constituição estabelece determinadas situações de "ações afirmativas", conforme se verifica no art. 7º, XX (proteção ao mercado de trabalho da mulher) e no art. 37, inciso VIII (percentual de cargos públicos para pessoas portadoras de deficiência). Tampouco a legislação infraconstitucional destoou destes princípios norteadores, ao estabelecer, na Lei nº 9.100/95, mínimo de vinte por cento para candidaturas de mulheres, ou na Lei nº 9.504/97, o mínimo de trinta por cento e o máximo de sessenta por cento para candidaturas de cada sexo. E mesmo a Lei nº 7.853/89, ao fixar cinco por cento das vagas, ou a Lei nº 8.112/90, no máximo de vinte por cento, para fins do art. 37 da Constituição. Em todas elas, vinculadas ao total de vagas disponíveis ou ofertadas ao certame, inclusive para concursos, também instituto tipicamente "meritório". Inclusão de novos critérios nunca implicou o ferimento do alegado "mérito" nos concursos públicos. Em nenhuma das previsões anteriores, houve fortes contestações de inconstitucionalidade, talvez a revelar, por via oblíqua, o grau de "racismo cordial" que permeia o imaginário brasileiro. Quarto, porque a inconstitucionalidade não é flagrante de molde a desnaturar o edital do certame, ainda mais quando, recentemente, o STF, por meio de uma de suas Turmas, afirmou, ao tratar do inciso VIII do art. 37 da Constituição, "que reparar ou compensar os fatores de desigualdade factual com medidas de superioridade jurídica configuraria política de ação afirmativa que se inscreve nos quadros de uma sociedade fraterna que a Constituição idealiza a partir das disposições de seu preâmbulo e acrescentou-se a esses fundamentos o valor social do trabalho" ( RMS 26.071/DF, Rel. Min. Ayres Britto, 13-11-2007, Informativo 488).

72

Ademais, se a previsão de cotas fosse inconstitucional, conforme alegado, seria a sua previsão editalícia e não a sua aplicação na prática que geraria a impetração do mandado de segurança, com o que, neste sentido, o "dies a quo" para a impetração teria ocorrido no lançamento do edital, fulminando a própria ação que manejara. Ou seja, a alegação de inconstitucionalidade total da previsão editalícia teria o condão de decretar a decadência de sua impetração, contrária aos seus interesses. Quinto, porque a jurisprudência deste Tribunal tem se orientado no sentido de que é possível, como decorrência da autonomia universitária, prevista no art. 207, V, da Constituição, o estabelecimento de sistema de cotas. Ainda que autonomia não se confunda com soberania, como salientado no recurso, é fato que a previsão encontra-se consentânea com a legislação infraconstitucional e constitucional. Não é demais que a LDB ( Lei nº 9.394/96), em seu art. 53, que a autonomia tem como parâmetros " as normas gerais da União" e do "respectivo sistema de ensino" ( inciso I) ou mesmo "fixar o número de vagas de acordo com a capacidade institucional e as exigências do seu meio" ( inciso IV), sendo certo que cabe aos colegiados de ensino decidir sobre "ampliação e diminuição de vagas" ( art. 53, §único, II). Podendo reduzir ou mesmo ampliar as vagas, "dentro dos recursos orçamentários disponíveis" não há impedimento legal para o exercício da autonomia no tocante à fixação de cotas. Ademais, cabe à União, constitucionalmente, o financiamento das instituições públicas e o exercício, "em matéria educacional, de função redistributiva e supletiva" (art. 211, §1º, CF). Não é demais lembrar, também, que inexiste um sistema único de ações afirmativas implantadas nas universidades, destoando os critérios nas 20 universidades federais e 19 estaduais que adotaram tal política. A título de exemplo, a UFBA fixou, desde 2002, 43% para egressos do ensino médio da rede pública, sendo destas 85% para pardos e negros. A UNEB, por sua vez, 40% para afro-descendentes. A UNICAMP fixou pontuação extra para egressos de ensino público (30 pontos), além de pontos para negros (10 pontos). Isto tudo a indicar, pois, a plena autonomia universitária, e a impossibilidade de estabelecimento de um modelo único, em desacordo com as situações histórico-culturais de cada universidade ou região do país. Todas elas fixando como políticas temporárias e sujeitas à reavaliação periódica dos seus efeitos. Por fim, ao contrário ao alegado, o deferimento da liminar implicaria o cancelamento de matrícula de algum candidato, tendo

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em vista a impossibilidade de criação de vagas, exceto por meio de legislação específica. Assim sendo, indefiro a antecipação de tutela pleiteada. Intimem-se para fins do art. 527, V, CPC. Publique-se.

Decisão Monocrática Classe: AG - AGRAVO DE INSTRUMENTO Processo: 2008.04.00.005917-0 UF: RS Data da Decisão: 29/02/2008 Órgão Julgador: TERCEIRA TURMA Inteiro Teor: Citação: Fonte D.E. 13/03/2008 Relator MARCELO DE NARDI Decisão Relatório. Trata-se de agravo de instrumento contra decisão que, em mandado de segurança, concedeu liminar para determinar à autoridade impetrada que garanta ao impetrante a vaga no curso de Ciências Atuariais - Noturno, deferindo-lhe o direito de matrícula e de freqüência às aulas, ignorando a preferência prevista na Decisão nº 134/2007 do CONSUN, a qual reserva 30% das vagas do curso para os alunos provenientes do ensino público, sendo que desse montante, 15% das vagas são destinadas a candidatos egressos do ensino público auto-declarados negros, efetivada no Edital do Concurso Vestibular de 2008, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS. A agravante alega que: a) a reserva de vagas encontra justificativa no ideal de justiça e na busca da igualdade substantiva, buscando corrigir situações de disparidade, injustiça ou desigualdade material que recaiam sobre determinados grupos sociais; b) a Constituição deve interpretada como instrumento para corrigir distorções e maximizar o potencial do Direito como pacificador social e, c) as Universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial. Requer a concessão de efeito suspensivo. Fundamentação. O art. 207 da CF 1988 confere autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial às Universidades. Em razão disso, a jurisprudência

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deste Tribunal entende lícito o estabelecimento de sistema de cotas para as vagas oferecidas à seleção de candidatos. Nesse sentido: AC 2005.70.00.005658-3/PR, 4ª Turma, Rel. Des. Fed. Valdemar Capeletti, D.E. 16/7/2007; AC 2005.70.00.003167-7/PR, Rel. Juíza Vânia Hack de Almeida, D.E. 7/2/2007; AMS 2005.70.00.005194-9/PR, 3ª Turma, Rel. Juiz Federal Fernando Quadros da Silva, D.E. 6/12/2006; AG 2005.04.01.039263-2/PR, 1ª Turma Suplementar, Rel. Des. Fed. Luiz Carlos de Castro Lugon, DJU de 26/4/2006, p. 1137. No entanto, esse sistema de cotas também deve ser casuisticamente delimitado pela jurisprudência, a partir da premissa de que poder de dispor sobre reserva de vagas das Universidades tem como limite o princípio da razoabilidade. Um sistema que, a título de promover ações afirmativas, impõe percentuais elevados de reserva de vagas, flagrantemente distanciados da finalidade a que se propõe, por certo não é razoável e acaba constituindo, em efeito inverso, fator de discriminação. Ocorre, nessa hipótese, o desvirtuamento da autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial da Universidade. Por meio da Decisão nº 134/2007, foi instituída reserva de 30% das vagas para os alunos provenientes do ensino público. Desse montante, 15% das vagas são destinadas a candidatos egressos do ensino público auto-declarados negros, conforme os itens 1.5.4 e 1.5.5 do Edital de 17 de agosto de 2007, relativo ao Concurso Vestibular/2008. Do total de 30 vagas oferecidas para o curso de Ciências Atuariais, 20 (vinte) são destinadas aos candidatos do sistema universal e as outras 10 aos candidatos quotistas. São excessivas as vagas reservadas aos candidatos quotistas. A título ilustrativo, salienta-se que, de acordo com a Síntese de Indicadores Sociais de 2005 do IBGE, no Estado do Rio Grande do Sul a população parda e negra representa 12,8% da população geral. Tem-se como razoável a reserva de 10% das vagas para os alunos provenientes do ensino público e 5% das vagas do vestibular para candidatos auto declarados negros, que tenham cursado integralmente o ensino fundamental e médio em instituições públicas de ensino. Aplicando-se esses percentuais, teríamos a reserva de 3 vagas para primeiro grupo e de 1,5 para o segundo, totalizando 5 vagas. Assim, restariam para os candidatos do sistema universal 25 vagas. Como o impetrante logrou alcançar a 24ª colocação, deve ser mantida a liminar concedida, considerando tais critérios.

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Decisão. Pelo exposto, concedo em parte o pedido, assegurando ao impetrante o direito de concorrer às vagas do curso de Ciências Atuariais, observados os percentuais acima referido.

http://www.folha.com.br/ http://www.folha.com.br/

08/01/2008 - 02h30

51% das universidades estaduais adotam ações afirmativas ANTÔNIO GOIS da Folha de S.Paulo , no Rio

Mais da metade das universidades estaduais e 42% das federais adotam algum tipo de ação afirmativa no Brasil.

Um levantamento feito pelo Laboratório de Políticas Públicas da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) mostra que 51 instituições públicas oferecem, por meio de cotas ou de bonificação no vestibular, vantagens a alunos negros, pobres, de escola pública, deficientes ou indígenas.

Das 51 instituições, 18 são universidades estaduais. Elas representam 51% do total de 35 mantidas por Estados no Brasil. Das 53 universidades federais, 22 têm ações afirmativas.

Além de universidades (instituições com mais autonomia e exigência de investimento em pesquisa), há também na lista faculdades, centros universitários e Cefets.

O Mapa das Ações Afirmativas mostra ainda que as cotas --onde determinado percentual de vagas é reservado a um grupo-- são a ação mais comum. Só sete instituições públicas adotam a bonificação-- em que um candidato recebe pontos adicionais em relação aos demais, sem percentual de vagas preestabelecidas.

No caso dos negros (somatório dos auto-declarados pretos e pardos), 33 instituições têm políticas voltadas para eles; 18, não. O critério mais utilizado é o da autodeclaração, ou seja, a cor da pele ou etnia é definida pelo próprio estudante.

Para o autor do levantamento, Renato Ferreira, é preocupante o fato de muitas instituições não adotarem o critério racial. Militante do movimento negro, ele diz que

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apenas o critério social --beneficiando só alunos carentes ou de escolas públicas sem fazer distinção de raça ou cor-- pode não ser suficiente para os negros.

"O sistema de cotas no Brasil foi criado principalmente para a inclusão do negro nas universidades e acabou beneficiando também outras minorias. O número de instituições que não utilizam corte racial, no entanto, cresceu. É um retrocesso. Estão flexibilizando o sistema e excluindo os negros."

A antropóloga da UFRJ Yvonne Maggie, contrária a políticas como as de cotas, discorda. "Para tornar o sistema mais justo, é imprescindível que se melhore a educação oferecida aos mais pobres, sendo eles negros, brancos, indígenas ou orientais. O sistema de cotas é só um atalho que não nos levará a romper com nossa estrutura altamente iníqua."

Para ela, não é correto falar em grupos excluídos das universidades. "É uma falsa questão. O Brasil é um país injusto para todos os pobres e não construiu políticas voltadas para excluir grupos específicos. Os orientais, por exemplo, têm melhor desempenho e não podemos dizer que haja aí discriminação contra brancos."

Em 2006, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio do IBGE, 30,4% dos estudantes do ensino superior se declararam pretos ou pardos. É um percentual menor do que os 49,5% no total da população, mas que vem crescendo ininterruptamente desde 1998, quando representavam somente 17,6% dos alunos no ensino superior.

MAPA DAS AÇÕES AFIRMATIVAS

Tipo de ação afirmativa (C) = Cotas (sistema onde há a reserva de um percentual de vagas na universidade para um determinado grupo) (B) = Bônus (política que oferece a um grupo específico pontos a mais no vestibular, mas sem reservar um percentual de vagas) (N) = Beneficia negros (universidades que, em sua ação afirmativa, optarem por fazer um corte racial em favor dos estudantes pretos ou pardos)

Estados e universidades públicas Tipo de ação afirmativa

Rio de Janeiro

Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) (C) (N)

UENF (Universidade do Norte-Fluminense) (C) (N)

Uezo (Centro Universitário Estadual da Zona Oeste) (C) (N)

Faetec (Fundação de Apoio à Escola Técnica do Rio de Janeiro) (C) (N)

UFF (Universidade Federal Fluminense) (B)

Minas Gerais

UEMG (Universidade Estadual de Minas Gerais) (C) (N)

Unimontes (Universidade Estadual de Montes Claros) (C) (N)

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UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora) (C) (N)

São Paulo

Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) (C) (N)

Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) (B) (N)

Famerp (Faculdade de Medicina S.J. do Rio Preto) (B) (N)

USP (Universidade de São Paulo) (B)

UFABC (Universidade Federal do ABC) (C) (N)

Fatec (Faculdade de Tecnologia - São Paulo) (B) (N)

Facef (Centro Universitário de Franca) (C) (N)

UFSCar (Universidade Federal de São Carlos) (C) (N)

Espírito Santo

Ufes (Universidade Federal do Espírito Santo) (C)

Amazonas

UEA (Universidade do Estado do Amazonas) (C)

Pará

UFPA (Universidade Federal do Pará) (C) (N)

Ufra (Universidade Federal Rural da Amazônia) (C)

Tocantins

UFT (Universidade Federal do Tocantins) (C)

Distrito Federal

UnB (Universidade Federal de Brasília) (C) (N)

ESCS-DF (Escola Superior de Ciências da Saúde) (C)

Goiás

UEG (Universidade Estadual de Goiás) (C) (N)

Mato Grosso

Unemat (Universidade do Estado de Mato Grosso) (C) (N)

Mato Grosso do Sul

UEMS (Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul) (C) (N)

Alagoas

Ufal (Universidade Federal de Alagoas) (C) (N)

Bahia

78

UEFS (Universidade Estadual de Feira de Santana) (C) (N)

UFBA (Universidade Federal da Bahia) (C) (N)

UFRB (Universidade Federal do Recôncavo da Bahia) (C) (N)

Uesc (Universidade Estadual de Santa Cruz) (C) (N)

Uneb (Universidade do Estado da Bahia) (C) (N)

Cefet-BA (Centro Federal de Educação Tecnológica da Bahia) (C) (N)

Maranhão

UFMA (Universidade Federal do Maranhão) (C) (N)

Paraíba

UEPB (Universidade Estadual da Paraíba) (C)

Pernambuco

UPE (Universidade Estadual de Pernambuco) (C)

UFRPE (Universidade Federal Rural de Pernambuco) (B)

Cefet-PE (Centro Federal de Educ. Tecnológica de Pernambuco) (C)

Rio Grande do Norte

UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte) (B)

Cefet-RN (Centro Federal de Educ. Tec. do Rio Grande do Norte) (C)

Piauí

UFPI (Universidade Federal do Piauí) (C)

Sergipe

Cefet-SE (Centro Federal de Educação Tecnológica do Sergipe) (C)

Paraná

UFPR (Universidade Federal do Paraná) (C) (N)

UEPG (Universidade Estadual de Ponta Grossa) (C) (N)

UEL (Universidade Estadual de Londrina) (C) (N)

UTFPR (Universidade Tecnológica Federal do Paraná) (C)

Rio Grande do Sul

UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) (C) (N)

UERGS (Universidade Estadual do Rio Grande do Sul) (C)

UFSM (Universidade Federal de Santa Maria) (C) (N)

Santa Catarina

79

UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) (C) (N)

USJ (Centro Universitário de São José) (C)

Fonte: Laboratório de Políticas Públicas da Uerj