abandono de produtos no contexto de famÍlias … · equipe no restaurante pela simpatia de sempre...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO COPPEAD DE ADMINISTRAÇÃO CARLA LEME BOECHAT ABANDONO DE PRODUTOS NO CONTEXTO DE FAMÍLIAS ENDIVIDADAS: UM ESTUDO EXPLORATÓRIO A PARTIR DA CATEGORIA DE BELEZA Rio de Janeiro (2016)

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Page 1: ABANDONO DE PRODUTOS NO CONTEXTO DE FAMÍLIAS … · equipe no restaurante pela simpatia de sempre e pelos inesquecíveis bolos de cenoura perfeitos ... e nem as pessoas incríveis

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO COPPEAD DE ADMINISTRAÇÃO

CARLA LEME BOECHAT

ABANDONO DE PRODUTOS NO CONTEXTO DE FAMÍLIAS

ENDIVIDADAS: UM ESTUDO EXPLORATÓRIO A PARTIR

DA CATEGORIA DE BELEZA

Rio de Janeiro

(2016)

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CARLA LEME BOECHAT

ABANDONO DE PRODUTOS NO CONTEXTO DE FAMÍLIAS

ENDIVIDADAS: UM ESTUDO EXPLORATÓRIO A PARTIR

DA CATEGORIA DE BELEZA

Dissertação de Mestrado apresentada ao Instituto

COPPEAD de Administração, da Universidade Federal

do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos

necessários à obtenção do título de Mestre em

Administração.

ORIENTADOR: Maribel Carvalho Suarez, D.Sc,

Rio de Janeiro

2016

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CARLA LEME BOECHAT

ABANDONO DE PRODUTOS NO CONTEXTO DE FAMÍLIAS ENDIVIDADAS: UM

ESTUDO EXPLORATÓRIO A PARTIR DA CATEGORIA DE BELEZA

Dissertação de Mestrado apresentada ao Instituto

COPPEAD de Administração, da Universidade Federal

do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos

necessários à obtenção do título de Mestre em

Administração.

Aprovada por:

__________________________________________

Prof. Maribel Carvalho Suarez, D. Sc. (Orientador)

COPPEAD/UFRJ

__________________________________________

Prof. Letícia Casotti, D. Sc.

COPPEAD/UFRJ

__________________________________________

Prof. Cecília Mattoso, D. Sc.

IAG/PUC-RIO

Rio de Janeiro

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DEDICATÓRIA

Page 6: ABANDONO DE PRODUTOS NO CONTEXTO DE FAMÍLIAS … · equipe no restaurante pela simpatia de sempre e pelos inesquecíveis bolos de cenoura perfeitos ... e nem as pessoas incríveis

Ao Instituto COPPEAD de Administração por todo o aprendizado, suporte e

experiência adquiridos.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço, em primeiro lugar, à minha família, que esteve ao meu lado nos momentos bons e

difíceis do Mestrado, vibrando a cada conquista e sendo meu apoio, mesmo de longe, para

que eu concluísse mais essa etapa importante da minha vida.

Obrigada, mãe, por cada palavra de incentivo e carinho e por sempre acreditar nos meus

sonhos; pai, por ser meu maior exemplo de empreendedor, pelos ensinamentos diários e por

ter apoiado sem restrições a decisão de me afastar do mercado de trabalho para fazer este

curso; irmão, por estar tão presente em Itaperuna, por ser o homem que eu admiro e pela

amizade forte que transcende os laços de sangue; Madrinha Alda e Dimbô, por abrirem a casa

de vocês com tanto carinho e amor quando precisei, e me fazerem sentir como uma filha nesse

lar tão querido.

Agradeço aos professores do COPPEAD por todo o aprendizado nestes dois anos e meio de

curso. Em especial minha orientadora Maribel pela dedicação e paciência neste período difícil

de dissertação e por ser o exemplo e a essência de uma verdadeira pesquisadora de

comportamento do consumidor.

Agradeço às professoras Letícia Casotti e Cecília Mattoso por aceitarem avaliar este trabalho

e por me ajudarem a torna-lo cada vez melhor.

Agradeço aos grandes amigos que o COPPEAD me trouxe. Vocês marcaram a minha vida e

fizeram deste período, algumas vezes árduo, intenso e inesquecível.

Agradeço aos meus amigos da vida pela compreensão em todas as vezes que me ausentei de

momentos importantes, e em especial à Luana, que acompanhou todos os altos e baixos dessa

fase e hoje está vibrando tão de perto por mais essa vitória.

Agradeço, por fim, à secretaria acadêmica do Mestrado por todo o suporte, à Adriana e sua

equipe no restaurante pela simpatia de sempre e pelos inesquecíveis bolos de cenoura

perfeitos para recuperar nossas energias depois de horas de estudo, à equipe do “mangue”,

que foi nosso ponto de encontro tantas vezes para relaxar, fortalecer amizades, até mesmo

trabalhar, enfim, nos divertir em meio aos muitos momentos de caos que um Mestrado traz.

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Quando entrei para o COPPEAD, não imaginava tudo o que eu viveria em menos de três anos

e nem as pessoas incríveis que eu (re)conheceria – e sei que vou carregar todas essas

lembranças e aprendizados comigo pelo resto da vida. As mais de 100 páginas deste trabalho

não seriam suficientes para demonstrar a minha gratidão a todos vocês que foram (e são) tão

importantes neste período memorável da minha vida. Obrigada.

RESUMO

LEME BOECHAT, Carla. Abandono de produtos de beleza no contexto de

famílias endividadas: um estudo exploratório a partir da categoria de Beleza.

2016. Dissertação (Mestrado em Administração) – Instituto COPPEAD de

Administração, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2016.

O presente estudo exploratório procurou entender a experiência de

abandono de produtos de Beleza por famílias em dificuldade financeira. De natureza

qualitativa, a pesquisa contou com dez entrevistas em profundidade, feitas com

mães, para relatar o consumo de suas famílias. No estudo destacou-se a relação

entre sentimentos atribuídos pelas entrevistadas e o consumo e abandono de

serviços e produtos de Beleza. Reforçou-se o abandono como um processo que, por

sua vez, passa por diferentes fases de assimilação dos significados negativos e

positivos de um consumo e como isso se reflete nas decisões de compra do

consumidor. A presente pesquisa traz também dinâmicas de resistência ao

abandono e a busca por estratégias de economia (e consequentemente a

substituição de marcas por outras mais baratas), além do abandono em si. Chamou

a atenção a prática da “terceirização” como estratégia para manter o consumo de

Beleza, sobre o qual discorremos ao longo do estudo. Entram aqui pessoas externas

ao seio familiar, como madrinhas e avós, por exemplo, que auxiliam na manutenção

desses hábitos. Por fim, faz-se importante ressaltar aqui a observação do abandono

não apenas como total, mas também como parcial dentro de uma família, quando

um dos membros mantém um consumo em detrimento dos demais. Percebeu-se

essa situação como sendo mais comum aos filhos, quando pais abrem mão de

algum gasto para repassá-lo aos pequenos, reforçando a influência desses nas

decisões de compra de uma família.

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Palavras-chave: Endividamento. Comportamento do Consumidor. Família.

Beleza.

ABSTRACT

LEME BOECHAT, Carla. Abandono de produtos de beleza no contexto de

famílias endividadas: um estudo exploratório a partir da categoria de Beleza.

2016. Dissertação (Mestrado em Administração) – Instituto COPPEAD de

Administração, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2016.

This exploratory study sought to understand the experience of indebted families

dealing with the consumption of beauty products. Qualitative in nature, the research

included ten in-depth interviews, done with mothers, to report the consumption of

their families. The study highlights the relationship between feelings attributed by the

interviewees and their consumption and/or abandonment of beauty products. The

abandonment was strengthened as a process that passes through different stages of

assimilation of negative and positive meanings of consumption and how this is

reflected in consumer purchasing decisions. This research also brings abandonment

resistance dynamics and the pursuit of economic strategies (and consequently the

search for cheaper brands). Among the findings of the study, calls attention the

practice of "outsourcing" in order to keep the consumption of Beauty, which we

discus throughout the study. At this strategy, we see how people outside the family

environment, as godmothers and grandparents, for example, help to maintain those

consumption habits. Finally, it is important to highlight the observation of

abandonment not only as total in a family but also as part within them, for instance

when one member maintains a consumption and the others don´t. It was perceived

this as being more common to children, when parents give up some spending to

transferring it to them, reinforcing their influence at family decisions.

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Palavras-chave: Indebtedness. Consumer Behavior. Family. Beauty.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Indicadores de Inadimplência ................................................................................... 46

Figura 2: Consumo de HPPC ................................................................................................... 48

Resumo Famílias Estudadas45Figura 4: Dinâmica de Negociação de Consumos de Beleza. . 57

Figura 5: Estratégias para Manutenção ou Abandono de Produtos de Beleza ......................... 59

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SUMÁRIO

1 Introdução ........................................................................................................................................... 11

1.1 Objetivo do trabalho .................................................................................................................... 13

1.2 Questões de Pesquisa .................................................................................................................. 14

1.3 Relevância Acadêmica .................................................................................................................. 14

1.4 Relevância Gerencial .................................................................................................................... 16

1.5 Organização do Estudo ................................................................................................................. 17

2 Revisão de Literatura .......................................................................................................................... 18

2.1 Endividamento ............................................................................................................................. 18

2.1.1 DÉBITO E CRÉDITO ...................................................................................................................... 18

2.1.2 CRÉDITO COMO MEIO DE INCLUSÃO NA SOCIEDADE .......................................................................... 20

2.1.3 CRÉDITO COMO CRITÉRIO DE POSIÇÃO SOCIAL ................................................................................. 20

2.1.4 O FENÔMENO DO SUPERENDIVIDAMENTO ...................................................................................... 23

2.2 Família .......................................................................................................................................... 23

2.2.1 CONSUMO DA FAMÍLIA ................................................................................................................ 25

2.2.2 FAMÍLIA E CONFLITO ................................................................................................................... 28

2.2.3 FAMÍLIA E INFLUÊNCIA DOS FILHOS ................................................................................................ 29

2.2.3 FAMÍLIA E PODER DE DECISÃO DA MÃE ........................................................................................... 30

2.3 Abandono ..................................................................................................................................... 32

2.3.1 ANTI-ESCOLHA X NÃO-ESCOLHA ................................................................................................... 32

2.3.2 COMPARTILHAMENTO COMO FORMA DE ANTICONSUMO .................................................................. 33

2.3.3 SUBSTITUIÇÃO COMO FORMA DE ANTICONSUMO ............................................................................. 34

2.3.3 ABANDONO COMO PROCESSO ...................................................................................................... 35

2.3.4 RAZÕES PARA CONSUMO X RAZÕES PARA NÃO CONSUMO ................................................................ 36

2.3.5 SIGNIFICADOS E MOTIVAÇÕES PARA O ABANDONO ........................................................................... 37

2.4 Beleza ........................................................................................................................................... 38

3 Metodologia........................................................................................................................................ 41

3.1 Filiação Paradigmática .................................................................................................................. 41

3.2 Desenho da Pesquisa.................................................................................................................... 42

3.2.1 SELEÇÃO DAS FAMÍLIAS ............................................................................................................... 42

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3.2.2 COLETA DE DADOS ...................................................................................................................... 50

3.2.3 MÉTODO DE ANÁLISE .................................................................................................................. 51

3.2.4 LIMITAÇÕES DO MÉTODO ............................................................................................................ 52

4 Análise ................................................................................................................................................. 53

4.1 Hierarquia dos Gastos .................................................................................................................. 53

4.1.1 GASTOS PRIORITÁRIOS X GASTOS SECUNDÁRIOS .............................................................................. 53

4.1.2 VISIBILIDADE X ANONIMATO ........................................................................................................ 54

4.1.3 PATRIMÔNIO X COTIDIANO .......................................................................................................... 55

4.1.4 NECESSIDADE X PRAZER .............................................................................................................. 62

4.2 Diálogo e relações cotidianos ....................................................................................................... 69

4.2.1 DIÁLOGOS INTERNOS .................................................................................................................. 69

4.2.2 DIÁLOGOS AMPLIADOS ............................................................................................................... 72

4.3 Estratégias para lidar com a dívida .............................................................................................. 75

4.4 Consumo de Beleza ...................................................................................................................... 78

4.4.1 SIGNIFICADOS E SENTIMENTOS RELACIONADOS AO CONSUMO DE BELEZA ............................................. 78

4.4.2 DINÂMICAS DE NEGOCIAÇÃO DOS CONSUMOS DE BELEZA .................................................................. 84

4.4.3 RELACIONAMENTO COM MARCAS DE PRODUTOS DE BELEZA .............................................................. 87

4.4.3.1 MARCAS QUE IDENTIFICAM E POSICIONAM: RESISTÊNCIA À MUDANÇA ............................................. 88

4.4.3.2 MARCAS SUBSTITUTAS: ESTRATÉGIAS PARA MANTER O CONSUMO ................................................... 91

4.4.3.3 ABANDONO DE PRODUTOS DE BELEZA: PARCIAL OU TOTAL ............................................................. 94

5 Considerações finais ........................................................................................................................... 96

5.1 IMPLICAÇÕES GERENCIAIS ............................................................................................................... 96

6 Pesquisas Futuras ............................................................................................................................... 99

7 Referências ....................................................................................................................................... 100

8 Anexos ............................................................................................................................................... 104

8.1 Roteiro das Entrevistas ............................................................................................................... 104

8.2 Imagem da família ideal ............................................................................................................. 107

8.3 Lista de consumo da família ....................................................................................................... 108

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1 INTRODUÇÃO

No presente estudo buscou-se entender como a experiência de endividamento vivida por

famílias de classe média tem impacto sobre sua relação com os produtos de beleza. Ao longo

do trabalho pode-se entender melhor os principais significados e sentimentos associados a

beleza, como a família negocia esse gasto, como se dão os diálogos e relações cotidianos

nessa negociação e suas consequências, que variam entre a substituição, a redução ou o

abandono total do consumo de produtos de beleza. Para reforçar a relevância desse estudo,

nesta introdução serão apresentados, primeiro, um panorama geral do endividamento

brasileiro, e em seguida o da indústria de beleza no Brasil.

Com o incentivo do governo ao consumo somado à baixa instrução sobre planejamento

financeiro, muitas famílias acabam gastando mais do que seu rendimento mensal comporta. A

mais recente Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor, conduzida pela

Confederação Nacional de Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), mostra que em

2015 houve redução de 1,3% no número de famílias com dívidas, com o percentual de

endividados alcançando a média anual de 61,1% do total das famílias brasileiras. Mas apesar

da tendência de redução do endividamento, a pesquisa ressalta que os indicadores de

inadimplência apresentaram alta no período, sobretudo no último trimestre do ano (como se

pode observar no quadro abaixo). Em 2015, entre as famílias endividadas houve aumento do

comprometimento da renda com dívidas e piora na percepção em relação ao nível de

endividamento.

Figura 1: Indicadores de Inadimplência

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12

De acordo com o estudo da CNC, o percentual de famílias que declararam não ter

condições de pagar suas contas ou dívidas em atraso e que, portanto, permaneceriam

inadimplentes aumentou 23,2% na média de 2015 ante o ano anterior.

Assim como nos anos anteriores, o cartão de crédito foi o tipo de dívida mais citado

pelas famílias brasileiras em 2015: 76,1% daquelas que disseram ter dívidas, na média anual.

Em segundo lugar, ficou o carnê, apontado por 16,9% das famílias, e, em terceiro, o

financiamento de carro, por 13,7%. O perfil de endividamento das famílias apresentou pouca

alteração em relação ao ano anterior. Destaca-se a maior importância do crédito habitacional,

sendo o financiamento de casa citado por 8,3% das famílias, em média, em 2015, ante a

média de 7,8% em 2014.

Os grandes motivadores para o início da situação de endividamento excessivo,

segundo pesquisa qualitativa realizada pelo Banco Central entre agosto e outubro de 2014,

seriam a) ocorrência de fatos inesperados, como perda de emprego, doença própria ou de

familiares, morte do responsável pela renda familiar, gravidez não programada e separação

conjugal; b) falta de planejamento financeiro, que leva a compras por impulso, excesso de

parcelamento de compras e uso de linhas de crédito de forma impulsiva e descontrolada; e c)

empréstimo do nome, onde o indivíduo retira empréstimo ou financiamento em seu nome para

terceiros ou empresta seu cartão de crédito a terceiros.

Para o presente estudo fomos à casa de famílias endividadas para conhecer sua rotina

de cuidados pessoais, buscando nos aprofundar em como se dá a relação entre endividamento

e consumo de produtos de beleza.

O Anuário 2015 da ABIHPEC mostrou que o Brasil está em terceiro lugar mundial no

consumo de HPPC, atrás apenas de China e Estados Unidos, e que a indústria brasileira deste

setor representa mais de 1,8% do PIB nacional e 9,4% do consumo mundial – sendo que

ocupa uma fatia de mais de 53% do mercado latinoamericado. De acordo com a pesquisa, o

Brasil é, por exemplo, o segundo maior consumidor mundial de produtos masculinos, infantis

e para cabelos. Mas as categorias que mais se destacam no consumo brasileiro são

desodorantes e fragrâncias – com liderança mundial no consumo desses produtos. O estudo

traz que, de acordo com o Instituto Euromonitor, o segmento de perfumaria movimenta um

mercado de mais de R$17,1 bilhões, enquanto o de desodorantes tem um faturamento de

R$11,5 bilhões.

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Figura 2: Consumo de HPPC

O Anuário 2015 da ABIHPEC traz ainda que, apesar do momento crítico da economia

brasileira, a indústria de HPPC fechou 2014 com um patamar positivo. A pesquisa traz que,

de acordo com o Euromonitor, o setor obteve um faturamento na ordem de R$101,7 bilhões, o

que representa um crescimento nominal de 11%, se comparado aos R$91,9 bilhões de 2013.

1.1.OBJETIVO DO TRABALHO

O objetivo deste trabalho é entender como a experiência de endividamento vivida por

famílias de classe média tem impacto sobre sua relação com os produtos de beleza. Com isso,

esta pesquisa se aprofunda no processo de consumo de produtos de beleza em famílias com

dificuldade financeira e as negociações necessárias para administrar esse consumo.

Foi realizada uma pesquisa qualitativa com entrevistas em profundidade e técnicas

projetivas como principais métodos de coleta de dados. Foram feitas dez entrevistas em

profundidade com mães de família responsáveis pelo orçamento familiar. Cada entrevista foi

realizada na casa das entrevistadas, permitindo aproximar-se de suas realidades.

1.2.QUESTÕES DE PESQUISA

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Questão primária: Como a família administra o consumo de produtos de beleza no

contexto de uma família endividada, com ênfase no processo de abandono?

Para auxiliar na resposta a essa questão principal, foram desenvolvidas as seguintes

questões secundárias:

1. Como a família estrutura seus gastos cotidianos numa situação de endividamento e

quais são as estratégias financeiras utilizadas?

2. Como são desenvolvidos os diálogos e relações cotidianos entre os membros da

família para administrar seu orçamento financeiro?

3. Como são construídos os significados e sentimentos relacionados ao uso de produtos

de beleza no cotidiano feminino?

4. Como o endividamento afeta o consumo e mais especificamente o processo de

abandono de produtos de beleza?

1.3.RELEVÂNCIA ACADÊMICA

Cada vez mais o abandono, como tema de pesquisa, vem ganhando maior importância

dentro do estudo do comportamento do consumidor. Os artigos que formam a base teórica

deste trabalho têm como foco questões relativas à transição de identidade nas famílias, ao

processo de abandono e/ou substituição de marcas e categorias num momento de

endividamento e as relações que surgem entre esses temas. Esta é uma pesquisa que busca

compreender como uma situação de endividamento familiar leva a mudanças no consumo de

beleza. A categoria de cosmético pode ser vista como um consumo considerado não essencial,

portanto vemos aqui uma oportunidade de trabalhar os aspectos menos racionais das decisões

de consumo em contexto de escassez de recursos, buscando captar essa particularidade que é

mais emocional e quais os significados dos valores relacionados a ela.

Pelas palavras de Salomon (2016), “as necessidades e os desejos a serem saciados

variam de fome e sede a amor, status ou realização espiritual”. Portanto, tendo em vista que a

percepção do que é consumo essencial pode variar de indivíduo para indivíduo de acordo com

seus desejos, busquei compreender o que os entrevistados entendem como um consumo

indispensável quando se fala em cuidados com a beleza, e o que consideram menos

importante e que pode ser eliminado de sua rotina.

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De acordo com Suarez, Chauvel e Casotti (2012), o abandono pode estar carregado de

interações e movimentos, tanto de significados positivos como negativos. A discussão em

torno deste aprendizado se deu a partir do discurso das entrevistadas e da observação das

práticas das famílias.

Um estudo de Suarez & Chauvel (2012) ajuda a reforçar que o abandono de

determinado bem ocorre de forma processual e não pontual, não sendo uma decisão ou uma

ação em um dado momento estático. As autoras classificaram três tipos de abandono:

contigencial, posicional ou ideológico.

O primeiro, e também o mais importante para este trabalho, é quando o indivíduo,

devido a limitações, se vê obrigado a abandonar o consumo de determinado bem, ainda que

contra sua vontade – que é justamente o que buscamos compreender na presente pesquisa.

Este trabalho permite olhar o abandono além dos aspectos motivacionais internos, entendendo

como fatores externos (neste caso, a dívida) afetam o abandono de consumos prévios.

Também buscamos entender o contexto familiar como uma oportunidade de olhar o

consumidor não apenas de maneira individual, mas no seu contexto de relações mais

próximas e importantes.

Já o segundo, o posicional, é direcionado, principalmente, pela rejeição a um aspecto

simbólico de determinado produto. Por fim, o abandono ideológico tem uma perspectiva

coletiva e ocorre quando o indivíduo acredita que a sociedade como um todo (e não apenas

ele próprio) deveria deixar de consumir determinado bem.

Segundo as autoras, ainda é possível descrever o abandono não apenas como um

movimento de distanciamento de significados negativos indesejados para proteger a

autoestima do indivíduo, como também uma aproximação de significados positivos desejados.

Este estudo, que teve como foco principal o abandono de automóveis, encontra-se em

sintonia com outros estudos sobre consumo, como o de Chatzidakis & Lee (2012), que reforça

que as razões pelas quais o consumo se realiza não são exatamente opostas às razões pelas

quais o abandono é desejado. Relacionando ao estudo do abandono de produtos de beleza no

contexto de famílias endividadas, é possível compreender que outras motivações, além das

financeiras, podem estar atreladas ao abandono ou consumo de determinado bem. Questões

como religião, cultura, país, grupo de amigos ou família podem levar a uma atitude contrária

ao consumo, por exemplo (CHATZIDAKIS & LEE, 2012).

Adicionalmente, ao investigar o contexto de famílias endividadas, esta pesquisa pode

contribuir para enriquecer, a partir de uma perspectiva cultural e não apenas cognitiva, que é a

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16

que predomina no campo, a compreensão em torno desse tema de extrema relevância no

contexto brasileiro atual.

1.4. RELEVÂNCIA GERENCIAL

A relevância deste estudo, segundo aspectos gerenciais, se dá através da elucidação do

comportamento de consumidores, no caso as mães pesquisadas, a respeito do consumo de

produtos de beleza. Esta pesquisa pode ser utilizada para compreender como são as

negociações e as consequências que giram em torno desta decisão da família, além do nível

de fidelidade a marcas e para entender estratégias para reter consumidores. Com ela, é

possível compreender os significados e experiências, pela perspectiva do consumidor, ao

reduzir, substituir, abandonar ou delegar a terceiros o pagamento e consumo de produtos de

beleza diante de uma situação de dificuldade financeira.

Pela característica dos processos de abandono encontrados, acredita-se haver grande

espaço para o desenvolvimento de estratégias de P&D que possibilitem a criação de serviços

que consigam acompanhar a realidade do orçamento familiar destas famílias.

Além disso, a partir desse estudo os gestores poderão aproximar-se da realidade do

cotidiano feminino, entendendo melhor suas práticas, dificuldades e necessidades, e suas

escolhas por categorias e produtos em tomadas de decisão relacionadas a produtos de beleza.

Por fim, esse estudo traz a possibilidade do governo e das organizações sem fins

lucrativos desenvolverem políticas públicas e iniciativas que contemplem a complexidade das

dinâmicas de endividamento, ajudando a desenvolver políticas relacionadas a esse problema

social.

1.5 ORGANIZAÇÃO DO ESTUDO

Este trabalho se divide em oito capítulos: introdução, revisão de literatura,

metodologia, discussão dos resultados, considerações finais, pesquisas futuras, referências e

anexos. A introdução apresentou um panorama geral sobre o tema do endividamento no

contexto nacional e aspectos importantes da indústria de beleza no Brasil, assim como o

objetivo do trabalho, as questões de pesquisa e a relevância deste estudo.

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17

O capítulo seguinte traz uma revisão da literatura acadêmica desenvolvida em torno de

três tópicos principais: identidade e interações familiares, significados e sentimentos

relacionados ao abandono e o endividamento do consumidor.

No terceiro capítulo são descritas e situadas as opções metodológicas da pesquisa

objeto dessa dissertação, incluindo as justificativas quanto ao paradigma adotado, ao método

de coleta de informações escolhido e procedimentos de análise e interpretação dos dados

adotados. Além disso, o capítulo ainda descreve resumidamente o histórico da situação de

dificuldade financeira vivida pelas famílias pesquisadas, como forma de contextualizar a

discussão que se segue acerca dos resultados das entrevistas realizadas.

No quarto capítulo é realizada uma análise das entrevistas em profundidade realizadas,

com interpretações sobre os discursos e práticas relacionados ao consumo de produtos de

beleza durante dificuldades financeiras vividas pelas famílias, buscando acomodar a

diversidade de lógicas de pensamento em relação à dívida que foram encontradas e seus

impactos no comportamento de consumo das famílias.

No quinto capítulo, são tecidas considerações finais, que contêm algumas reflexões

acerca das principais descobertas proporcionadas pelo estudo, além de sugestões para

pesquisas futuras em torno do assunto.

No sexto capítulo, indico pesquisas futuras que possam complementar o presente

estudo.

O sétimo capítulo traz a lista de referências. E o oitavo, por fim, traz em anexo os

documentos utilizados durante nossas entrevistas em profundidade.

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18

2 REVISÃO DE LITERATURA

Tendo em vista que o presente estudo visa aprofundar-se no abandono de produtos

de beleza no contexto de famílias endividadas, é importante entender o consumidor no seu

contexto mais amplo, para assim situar suas motivações e esforços, bem como as negociações

feitas para manter ou abandonar determinados produtos e/ou serviços em seu cotidiano. O

presente trabalho pretende investigar o endividamento e seus efeitos no consumo não de uma

perspectiva individual, mas a partir do enquadramento do contexto das famílias.

Para isso, a presente revisão de literatura procura contextualizar quatro tópicos

pertinentes ao tema desta dissertação: endividamento, família, abandono e beleza, a fim de

responder às questões de pesquisa propostas nesse estudo.

2.1 ENDIVIDAMENTO

Como exposto anteriormente, cerca de dois terços da população brasileira encontram-

se atualmente endividados, sendo o cartão de crédito o principal causador desta situação

negativa. Neste contexto, faz-se importante delinear a relação direta entre crédito e dívida e os

significados culturais advindos de ambas situações. É o que vamos buscar entender com o

próximo artigo.

2.1.1 DÉBITO E CRÉDITO

Peñaloza & Barnhart (2011) realizaram uma pesquisa que buscou compreender como

a normalização do crédito/débito é afetada e moldada pelo consumo. As autoras focaram nos

significados culturais que informam os consumidores sobre o uso de débito/crédito num

domínio social através de uma investigação dos significados culturais usados no domínio de

mercado, bem como desenvolver uma história mais dinâmica do uso que os consumidores

fazem do débito/crédito através de um olhar sobre como significados culturais reproduzidos

em domínios social e de mercado constituem consumidores em uma posição alternativa

particular.

Através dos discursos obtidos nas entrevistas, as pesquisadoras sugerem que as

pessoas compreendem crédito e endividamento por termos próprios, o que as levou a estudar

os discursos relacionados em termos de posições de sujeito distintas, trazendo à tona as

faculdades produtivas de significados nessas falas e práticas observadas. Através das

entrevistas foi possível perceber como os informantes aprenderam a medir parte de seu valor

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19

por meio da quantidade de crédito que determinada instituição financeira esteja disposta a lhe

conceder.

As autoras tiveram particular interesse em abordagens culturais que enfatizassem

valores e práticas coletivas como molde para viver determinada estrutura de débitos/créditos

em relação ao consumo. De acordo com os achados do artigo, poucos entrevistados relataram

ter recebido alguma orientação financeira, seja em casa, na escola, ou de amigos. A maioria

afirmou ter aprendido essas noções por experiência própria.

Com relação às práticas, um dos objetivos de estudo do artigo, as autoras identificaram

três categorias. A primeira engloba o uso de crédito para veículos, hipoteca da casa, cobrança

da escola, e despesas gerais, sendo que os integrantes desse grupo pagam essas contas

repetidamente em dia. Tais indivíduos se dizem orgulhosos por honrar com seus

compromissos. A segunda categoria consiste no uso de cartões de crédito e tomada de crédito

para a casa, o carro, a escola e despesas gerais, mas, neste caso, envolve outros débitos além

dos mencionados. Ao contrário da primeira categoria, estes indivíduos costumam ter receitas

menores, e, portanto, acabam endividados. Por fim, a terceira categoria envolve fazer compras

com dinheiro, cheque ou cartão de débito, como uma forma de limitar o uso de crédito ou

porque as empresas lhe negaram obter um.

Peñaloza, & Barnhart (2011) identificaram na pesquisa diferentes padrões de

significados. O primeiro, Doing the right thing, consiste em independência, autodisciplina,

ameaça e liberdade. O acesso ao crédito permitiu a esses consumidores limitar seu uso apenas

a parcelas dentro do seu orçamento mensal. A associação do crédito como uma ameaça é o

que os incentiva a manter o seu pagamento mensal em dia. O segundo padrão, Managing the

debit, consiste de integração social, indulgência, segurança e constrangimento. Já o terceiro

padrão, Hybrid Meaning Combinations, mescla significados dos dois anteriores. Enquanto as

duas primeiras levam em direção à gestão do débito, a última seria o caminho de volta –

saindo da gestão do débito, podendo ou não passar por combinações híbridas até chegar a

fazer a coisa certa, que no caso seria não adquirir dívidas.

Com relação à trajetória de experiências de uso do cartão de crédito dos indivíduos, os

autores identificaram: Charging Away (quando há acesso ao crédito e ele é usado

rapidamente), Easing into Debit (movimento gradual de utilização do crédito, numa forma de

auto aprendizado), e Learning Your Lesson (quando o indivíduo é conscientizado sobre o

crédito como uma ameaça e que deve ser utilizado com disciplina, por isso o usa muito

pouco).

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20

2.1.2 CRÉDITO COMO MEIO DE INCLUSÃO NA SOCIEDADE

Com objetivos similares, de entender códigos culturais, Barros & Rocha (2007, p. 1-

16) buscaram investigar como um grupo de famílias pertencentes às camadas populares (em

especial empregadas domésticas brasileiras e suas famílias) orientam suas escolhas de

consumo e como se dá sua hierarquia de valores. Este artigo se torna importante para a

presente pesquisa ao mostrar como as famílias utilizam o crédito como forma de se incluir na

sociedade consumista, e a relação direta desta ação com o seu endividamento.

No universo estudado por Barros & Rocha (2007) foi possível encontrar um grande

desejo de participar dos benefícios da sociedade de consumo, aproveitando-se do

parcelamento oferecido pelas lojas como meio de adquirir vários bens ao mesmo tempo ou,

ainda, para realizar desejos de consumo. Os autores identificaram estratégias para realizar

intensa compra de eletrônicos, ao que chamaram de “consumo de pertencimento”. O acesso a

determinados bens é o que possibilitaria a entrada destes consumidores na sociedade de

consumo abrangente. Nesse contexto, a “marca” do produto exerce papel classificatório na

decisão de compra. E, como veremos adiante durante a análise das entrevistas coletadas para a

presente pesquisa, esse processo decisório tem relação com o consumo de produtos de beleza

e seus significados de pertencimento.

2.1.3. CRÉDITO COMO CRITÉRIO DE POSIÇÃO SOCIAL

Em consonância com o trabalho de Barros & Rocha, Mattoso (2005) também estudou

os aspectos simbólicos criados pelos pobres para seus problemas financeiros, numa tentativa

de entender profundamente o comportamento de compra dos mesmos, e, com base nesse

estudo, descreveu o crédito como uma forma de imprimir identidade e status numa

comunidade, numa busca do consumidor por hierarquizar e distinguir-se constantemente. A

partir das entrevistas realizadas em profundidade com moradores da Rocinha, comunidade

localizada na cidade do Rio de Janeiro, buscou-se entender, sob uma perspectiva

interpretativa, o processo de resolução de problemas financeiros enfrentados pelos pobres, o

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papel dos relacionamentos, bem como os significados atribuídos ao crédito e outros serviços

financeiros.

É interessante ainda observar que o estudo de Mattoso (2005) teve também como

objetivo compreender, a partir do discurso do consumidor, a natureza do seu problema

financeiro, a maneira como ele busca informações, quais critérios são utilizados no momento

de decisão de compra, quais são as alternativas de compra percebidas por ele e a que tipo de

ação ele recorre. De acordo com a autora, a relação dos pobres da Rocinha com serviços

financeiros pode ser influenciada por fatores demográficos, psicográficos e socioculturais.

Segundo a análise dos fatores demográficos, dados como moradia, ocupação, religião

e tamanho da família mostraram-se similares, enquanto divergiam a idade, escolaridade, renda

e naturalidade. Dividiu-se os entrevistados em três grupos com relação à renda: alta renda ou

empreendedores (cerca de cinco salários mínimos), renda média (cerca de três salários

mínimos) e grupo dos mais pobres (até dois salários mínimos). Essa divisão mostrou-se

importante pois a renda, como se comprovou através das entrevistas, seria o fator com maior

influência na maneira de se resolver problemas financeiros, visto que ela limita ou não o

acesso a bancos, permite maiores gastos e/ou poupanças e dá acesso a empréstimos

favoráveis.

Já os fatores psicográficos envolvem o risco percebido pelo consumidor, que está

associado, no caso dos serviços financeiros, a empréstimos ou investimentos. Um possível

exemplo a partir dos discursos dos entrevistados, é a alienação de automóveis com o objetivo

de empréstimos a juros mais baixos, prática pouco comum entre os pobres da comunidade

devido ao alto valor dado à compra do mesmo. A pesquisa separou em dois grupos os

entrevistados: os de renda mais alta, formado por empreendedores e que se expõem mais a

riscos financeiros, por pegar empréstimos e realizar investimentos, e os de renda mais baixa,

formado por empregados sem qualificação ou por autônomos, com menos experiência e mais

limitações em termos de conhecimento financeiro.

Por fim, os fatores socioculturais são demarcados por, por exemplo, ser ou não

correntista de um banco, o que confere privilégio dentro da comunidade e demarca posições

sociais; ter ou não ter um “nome”, o que é impeditivo, no caso, de abrir conta em banco; não

assumir empréstimo, como indicativo de que tem controle sobre o próprio orçamento ou de

que possui reservas; tempo de aprovação para empréstimo nas financeiras, que, quando curto,

significaria ter prestígio, apesar de ser uma prática relacionada a momentos de desespero e

urgências. A autora mencionou a ausência de menção a dois fatores: plano de saúde e

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poupança. Ainda que doenças tenham sido relatadas por entrevistados como motivadoras de

tomadas de empréstimo, devido ao seu caráter inesperado, os planos de saúde foram relatados

como um sonho longínquo, embora não buscado. Já a ausência de depósitos em cadernetas de

poupança poderia ser motivada pela preferência por investir em mercadorias ou outros

negócios.

Como resultados da pesquisa, percebeu-se que problemas de natureza inesperada, tais

como desemprego, perda de renda, gravidez ou doenças, seriam os principais motivadores das

dificuldades financeiras enfrentadas pelos pobres. Destes, o desemprego, por ser frequente, foi

apontado como o fator que mais compromete a vida financeira. A falta de reservas de dinheiro

ou seguros é outro agravante deste cenário.

Mattoso (2005) destacou que a inadimplência é considerada fenômeno comum entre

pessoas dessa faixa de renda. A autora menciona o “empréstimo do nome” como recorrente,

que significa usar o crédito de outra pessoa. Foi possível perceber que o “nome” da pessoa

representa o papel de demarcador social, pois o diferencia de quem tem acesso ao crédito

negado. Ter “nome” permitiria ser conhecido e respeitado. Já ter o “nome sujo” implicaria em

consequências imediatas da inadimplência, como perder o crédito ou depender dos outros, até

consequências existenciais mais profundas, como perder a própria identidade. Foram

encontrados relatos de intenção de “limpar o nome”, no entanto, na prática, as negociações

propostas não atenderiam às condições dos indivíduos. Muitas vezes era comum a espera que

a inadimplência caducasse, após os cinco anos previstos em lei.

Para solucionar seus problemas financeiros, os pobres costumam recorrer a

empréstimos ou simplesmente não quitam suas dívidas, sendo que a inadimplência era o

resultado mais comum e de efeitos mais longos. Suas consequências seriam a perda de

crédito, situações de estresse e risco e perda de ativos (como casa e carro). O pagamento da

dívida seria a volta à situação inicial. Neste caso, os relacionamentos pessoais podem tanto ser

positivos, no sentido de emprestar dinheiro para ajudar a pagar a dívida, como negativos,

quando se empresta o dinheiro a um amigo ou parente, mas não há pagamento do mesmo.

Para explicar por que os pobres ficam tão vulneráveis ao descontrole financeiro, o

artigo levantou cinco hipóteses: inexistência de sobras (impossibilitando ter poupanças),

consumismo e consumo compensatório (gastando mais do que se pode ou comprando

produtos caros para compensar as dificuldades da vida), gratificação imediata (indivíduos

mais focados no presente ao invés de fazer planos para o futuro), visão fatalista da existência

(conformismo, crença de que não é impossível impedir que coisas ruins aconteçam) e

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pensamento mágico (crença de que pensar em um evento negativo teria o poder de, de fato,

provocar sua existência). No entanto, o artigo reforça que nenhuma dessas alternativas parece

explicar plenamente o fato de os pobres da Rocinha não acumularem reservas.

Já como estratégias para solucionar problemas financeiros, o estudo destacou, além

das já citadas (não pagar e contrair empréstimos), aumentar a renda, construir reservas e

vender ativos.

2.1.4 O FENÔMENO DO SUPERENDIVIDAMENTO

Na sociedade moderna, como já foi citado, percebe-se como cada vez mais frequente o

imediatismo e a irresponsabilidade quando se refere ao consumo de bens e serviços. A criação

da necessidade exposta em meios de comunicação de massa, aliada à concessão de crédito

sem a devida verificação de reembolso por parte do consumidor, vêm levando o mesmo, cada

vez mais, a endividar-se continuamente. Além disso, a ausência de um sistema de proteção a

este indivíduo e sua família pode levar à insolvência civil – procedimento que visa liquidar o

patrimônio penhorável do devedor com o objetivo de satisfazer créditos pendentes (NETO &

PERIN, 2010, p. 167-184). Os autores se referem a esse fenômeno como superindividamento,

onde um consumidor adquire dívidas que estão aquém de seus bens e vem a ser reinserido no

mercado após recuperar-se financeiramente, estando apto a adquirir novas dívidas e repetir o

mau uso do crédito.

O estudo de Neto e Perin (2010) visou estudar o superendividado brasileiro que

necessita de apoio estatal para restabelecer sua saúde financeira. Os autores sustentam que a

criação de uma tutela estatal ao superendividado é necessária em face da crescente oferta de

crédito irresponsável, bem como é necessária a correta caracterização do indivíduo que deverá

ser classificado como superendividado, a fim de evitar um possível “paternalismo” que

beneficie devedores que não se encaixem no perfil mencionado. Para eles, o enfrentamento do

superendividamento permitiria que o consumidor não ficasse excluído da sociedade, não

gastasse mais do que pode pagar, e que fosse auxiliado pelos fornecedores, que verificarão

sua capacidade do reembolso.

2.2 FAMÍLIA

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O conhecimento sobre a forma como uma família constrói sua identidade por meio

de práticas de consumo é de suma importância para que empresas entendam melhor como os

membros da mesma se identificam na sociedade. As famílias possuem uma variedade de

possíveis identidades – coletiva, relacional, individual –, o que afeta suas decisões (EPP &

PRICE, 2008). Por exemplo, os indivíduos, seus membros (pai e filhos, mãe e filhas, irmãos,

um casal, e etc) e a família como um coletivo constroem sua identidade através do consumo e

outras práticas.

As autoras definiram identidade familiar (ou seja, aquilo que somos como família)

como dependente de interações compartilhadas entre os membros que formam uma família,

não sendo esta construída na mente de um indivíduo isoladamente, porém co-construída

através de ações. Isto significa que essa identidade é mutuamente construída, tanto

internamente entre seus membros, como externamente em relação à percepção dos demais,

baseados numa observação que fazem do comportamento de determinada família. É

importante ainda ressaltar que a identidade de uma família pode divergir na percepção

individual de seus membros, porque o discurso e a prática do “Nós” pode vir a ser diferente.

Entre as formas de se comunicar e expressar uma identidade familiar estariam

rituais, narrativas, dramas sociais, transferências intergeracionais e as interações do dia-a-dia.

Os rituais delineiam as fronteiras da família e são centrais para a criação, revisão e reforço de

suas identidades, servindo como indicadores da participação e adesão de seus membros nesta

conduta. As narrativas se dão pela forma como membros da família expõem a interação entre

suas identidades relacionais, individuais e coletivas. Essa narrativa muitas vezes pode se

contradizer, e é por isso que as autoras destacam que histórias de família nunca são completas.

Já os dramas sociais ocorrem entre um indivíduo ou grupo e num sistema mais amplo de

relações sociais. Definido como uma resposta pública à violação de normas, os dramas sociais

oferecem um contexto para que surjam identidades e mudanças com base em como um

indivíduo responde a um rompimento. As Influências Intergeracionais e as transferências de

objetos, bens e práticas sinalizam a natureza de certas relações familiares e formam a

identidade familiar e individual. Essas influências funcionam como uma função da estrutura e

do ambiente de vida familiar. Por fim, as Interações do dia-a-dia são identificadas na gestão

do cotidiano através de várias rotinas e atos comunicativos exclusivos de cada família, como

conversar à mesa de jantar, jogar jogos juntos, fazer compras ou mesmo limpar a casa. A

natureza e frequência das interações familiares no cotidiano delineiam a identidade familiar.

O artigo destaca também três elementos da identidade da família: estrutura (quem está

dentro e quem está fora dessa família, tanto agora, como num tempo passado), orientação

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geracional (link entre o passado e o futuro da geração da família; o entendimento da família

sobre sua condição como parte de uma continuidade ao longo do tempo, preservando a

identidade de geração para geração) e características (como é o dia-a-dia na vida da família).

O estudo de Epp & Price (2008) traz ainda sete fatores que influenciam a forma como

as famílias constituem e gerenciam suas identidades. São elas: o nível de adaptação das

formas de comunicar e de símbolos (uma família pode ser rígida, igualitária ou flexível ao

transmitir um ritual a cada geração, a fim de se adaptar); como a família compartilha um

senso coletivo de identidade (os membros de uma família podem divergir em sua descrição

sobre o que constitui sua identidade familiar); nível de comprometimento de um ou mais

membros para manter e compartilhar determinada prática (essa escolha pode ser muito ou

pouco consciente); a sinergia no compartilhamento da identidade familiar individual ou

relacional dos membros (a identidade familiar molda a identidade individual, e ao mesmo

tempo membros individuais de uma família absorvem ou rejeitam certos aspectos de sua

identidade familiar); rupturas nas práticas (casamentos, nascimentos, divórcios, doença, perda

do emprego, acidentes); barreiras nas práticas (falta de acesso a determinado recurso, como

dispersão geográfica dos membros da família, restrição de horários e falta de recursos

financeiros); e variação nas necessidades de identidade da família (dependendo do contexto,

famílias podem reconstruir ou alterar suas identidades, manter ou reforçar uma concepção

recorrente de identidade ou gerar uma diferente reação).

2.2.1 CONSUMO DA FAMÍLIA

Um dos motivos para o abandono de determinada prática ou produto no contexto

familiar pode ser a separação geográfica entre membros da mesma, pois isso gera

distanciamento e esquecimento/desapego de certos costumes. Epp, Schau & Price (2014)

desenvolveram um framework chamado Shifts from Colocated to Reassembled, Tech

Mediated Family Consumption Practices, que descreve essa trajetória de adaptação da família

e suas capacidades para manter ou eliminar determinadas práticas ao longo do tempo de

distanciamento entre os membros e por que determinadas práticas são mantidas e outras não.

Quatro quadrantes foram identificados: Home Sweet Home, Simple Joy, Forget Me Not e Tech

Frontier. Também foram descritas cinco trajetórias que traçam os caminhos prováveis para a

adaptação dessas práticas: No Trial, Heroic Quest, Failed Trial, Easy Translations e Sacred

Pieces.

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Em Home Sweet Home encaixam-se práticas que as famílias consideram como

sagradas, como jantares em conjunto ou tradições de férias. As famílias estão conscientes

sobre estas práticas mais elaboradas quando confrontadas com a separação, portanto espera-se

que elas se esforcem para mantê-las. No estudo percebeu-se que, mesmo quando se trata de

práticas mais elaboradas e que demandam maior dedicação, as famílias não as abandonam

totalmente. Elas podem, por exemplo, adiá-las até que se encontrem pessoalmente para

realizá-las em conjunto (Sacred Pieces, quando partes de uma prática sagrada são mantidas

devido a seus significados). No entanto, é importante observar que isso ocasiona insegurança

mesmo para marcas consideradas fortes, porque as famílias podem priorizar determinadas

práticas em detrimento de outras, permitindo que práticas outrora sagradas sejam revogadas

(trajetória No Trial, quando as famílias não fazem a adaptação).

Em Simple Joys estão práticas consideradas comuns ao dia-a-dia e que são parte da

vida cotidiana, como sair para fazer compras ou jogar videogame juntos. Por serem

corriqueiras e simples, dificilmente estas rotinas têm sua real importância identificada antes

que aconteça a separação entre os membros da família. No entanto, elas são flexíveis em

relação a tempo e espaço, sendo menos vulneráveis ao deslocamento (aqui o estudo reconhece

a trajetória Easy Translations, quando há menos barreiras para as famílias manterem

determinada prática comum). Neste caso, portanto, há uma chance maior de as marcas usuais

não serem abandonadas após a separação.

Já Forget Me Not e Tech Frontier são práticas mantidas com auxílio da tecnologia. A

primeira refere-se a práticas simples que são facilmente mantidas devido ao uso de internet,

por exemplo. Essa adaptação acontece de forma orgânica, o que significa, para as empresas,

que simples inovações tecnológicas já seriam suficientes para estimular a manutenção de uma

rotina antes estabelecida. Um exemplo são irmãos que seguem compartilhando suas

impressões sobre determinado seriado de televisão a que assistem, cada um em sua casa,

porém através de mensagens de celular.

Já a segunda remete a práticas mais elaboradas e depende da criatividade e capacidade

dos membros em se adaptar a novas tecnologias para manter determinadas rotinas (Heroic

Quest, quando há criatividade para se adaptar, versus Failed Trial, quando a família tenta,

mas não consegue desenvolver as habilidades necessárias para tal adaptação). Uma

observação neste caso para as empresas é que as famílias costumam encontrar certas barreiras

para migrar suas tradições, então novas plataformas de interação podem ser ferramentas

fundamentais para tornar este espaço atraente. Neste caso encaixam-se, por exemplo, casais

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que passam a jantar juntos via vídeo conferência a fim de manter uma tradição. Desenvolver

produtos em cocriação com as famílias pode ser uma boa oportunidade para as companhias.

Com as tecnologias se entranhado na vida familiar, as famílias começam a vê-las

como fontes de novas práticas, que trazem oportunidades e desafios. Do lado positivo, vê-se

que as tecnologias servem para três funções: de habilitação, mediadora e transformadora. Do

lado negativo, elas podem ser prejudiciais ou, por vezes, levar a consequências menos

desejáveis (ALLADI, 2011).

Outro estudo analisa o consumo das famílias de acordo com suas decisões por

terceirizar serviços ou não. Epp & Velagaleti (2014) desenvolveram um framework que

explica as estratégias dos pais para minimizar tensões originadas a partir da terceirização em

casa, revela processos de (re)assembling de diferentes tipos de recursos e cuidados e desafia o

que se sabe sobre a relação entre o mercado e a vida familiar. Fundamentado em um ambiente

de crescentes opções de atendimento comercial pago, esse estudo oferece uma estrutura que

investiga essas tensões originadas, que são predominantes nas decisões de cuidado e afetam

diretamente a forma como os pais fazem suas escolhas de terceirização.

Através de uma análise cuidadosa desses efeitos, o framework contribui para a

investigação sociológica do consumidor de três maneiras. Primeiro, foram identificadas três

tensões principais que se manifestam no care assemblage (substituibilidade, intimidade e

controle). Em segundo lugar, descobriu-se cinco estratégias de minimização de tensão que os

pais usam para aceitar essa terceirização de atividades (estabelecimento de presença,

personalização, reenquadramento, uso frequente e desconstruir o cuidado). Por último, os pais

mantêm diferentes laços sociais e regras de funcionamento, que os ajudam a preservar as

fronteiras nesse cruzamento entre reinos econômicos e íntimos. Para isso, foi definido um mix

de recursos (família, aldeia, público e mercado) onde as tensões se encaixam e no qual os pais

se baseiam para realizar seus cuidados domésticos.

A formação e evolução do mix de recursos de uma família pode ser tanto intencional

(planejada e deliberada entre os recursos utilizados) ou emergente (em resposta a mudanças

nos discursos marcantes, estratégias de minimização de tensão sem sucesso ou falhas de

recursos). Desta forma, tensões levam à reavaliação das necessidades e levam a possíveis

reconfigurações de um mix de recursos. Além disso, mudanças nas restrições de acesso (por

exemplo, emprego, finanças) podem influenciar na revisão de recursos. A perda do emprego

pode restringir o acesso a determinados recursos e aumentar a utilização de outros, por

exemplo.

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Esse framework, por fim, pode ser usado também para explicar como care

assemblages são formados e suas mudanças com base nas tensões enfrentadas pelas famílias.

Da mesma forma, os consumidores terceirizam regularmente aspectos de higiene pessoal ou

de beleza, quando fazem combinações de recursos de mercado e de fora do mercado (por

exemplo, personal trainer, hairstylist, manicure, depilação). Neste caso, pode-se observar

discursos de gênero com efeitos sobre a decisão do que terceirizar e o que fazer por conta

própria.

2.2.2 FAMÍLIA E CONFLITO

Dentro do contexto do consumo das famílias, decisões de compra podem levar a

conflitos. Um conflito pode ser definido como “as divergências que surgem no processo de

tomada de decisão do consumidor quando os membros da família se esforçam para atender a

necessidades conflitantes, em conformidade com seus recursos financeiros disponíveis”

(HAMILTON, 2009). No estudo de Hamilton, que se aprofundou na tomada de decisão do

consumidor e no relacionamento entre pais e filhos no contexto de famílias de baixa renda,

compras raramente foram consideradas uma atividade agradável e o planejamento financeiro

foi considerado tedioso, embora necessário.

A pesquisa teve foco na prevenção de conflitos como estratégia-chave das famílias de

baixa renda, como forma de evitar situações de consumo que levem a problemas financeiros.

Esta questão foi discutida em relação a três temas: controle individual (uma das principais

formas que as famílias usam para evitar o conflito é nomear um indivíduo para assumir a

responsabilidade pelo orçamento financeiro), submissão (quando pais cedem aos pedidos dos

filhos) e comunicação aberta (onde os pais tentam ensinar estratégias de gestão financeira aos

filhos a fim de orientar seus hábitos de compra).

Enquanto o controle individual reduz a probabilidade de divergências de orçamento,

ele também incentiva os membros da família a evitar situações de consumo que agravem sua

dificuldade financeira. Já a submissão reduz o desentendimento entre pais e filhos e ainda

proporciona benefícios emocionais para os pais, que se esforçam para garantir que as crianças

não sejam prejudicadas pela situação financeira da família. Por fim, uma comunicação aberta

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e as tentativas dos pais de ensinar boas habilidades de consumo às crianças ajudam a evitar

conflito, garantindo que ambas as partes tenham uma compreensão semelhante sobre escolhas

de consumo.

No entanto, a mera experiência de adversidades familiares no início da vida pode ser

condição necessária, mas não suficiente, para o desenvolvimento de valores materialistas no

comportamento dos filhos. A experiência de eventos familiares perturbadores durante a

adolescência gera estresse e esgota o apoio emocional dos adolescentes para com seus pais.

Como consequência, o desenvolvimento do comportamento de compra compulsivo-impulsivo

é o resultado desse estresse experimentado em momentos de rupturas familiares (MOSCHIS,

MATHUR, FATT & PIZZUTTI, 2013).

2.2.3 FAMÍLIA E A INFLUÊNCIA DOS FILHOS

A relação entre pais e o estado afetivo das crianças no momento da decisão de

compra da família na loja também foi objeto de estudo de Nadeau & Bradley (2012). Os

autores buscaram determinar se o estado afetivo está relacionado com a estratégia de interação

selecionada pela criança e seu real papel na decisão final. Eles elaboraram quatro hipóteses: 1)

o estado afetivo pré-compra da dupla mãe-filho está positivamente relacionado com o papel

de compra da criança; 2) o estado afetivo pré-compra da dupla mãe-filho está positivamente

relacionado com o tipo de estratégia de interação utilizada pela criança; 3) a estratégia de

interação utilizada pela criança está positivamente relacionada com o papel de compra da

criança; 4) a estratégia de interação selecionada pela criança modera a relação entre o estado

afetivo da dupla e o papel de compra da criança.

A principal conclusão deste estudo é a evidência de que existe uma relação indireta

entre o estado afetivo das crianças e o papel que elas desempenham na decisão de compra da

família. Esta relação é moderada por estratégias de interação, o que leva a crer que o papel

que as crianças têm no cenário de compra não é ditado apenas pelo seu estado afetivo. Para

Nadeau & Bradley, o estado afetivo agradável está associado a uma estratégia de interação

positiva e a um papel mais importante para a criança na decisão de compra.

A influência dos filhos na decisão de compra dos pais é tema amplamente explorado

por diversos pesquisadores. Cotte & Wood (2004) também se aprofundaram nas influências

intra e intergeracional da família, reforçando a relação entre pais e filhos e entre irmãos e

usando suas capacidades de inovação (tendência de testar novos comportamentos e produtos)

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como peças fundamentais no momento de consumo. Foi desenvolvido um modelo conceitual

que argumenta que ambos pais e irmãos podem influenciar a inovação de uma pessoa e que

essa inovação vai levar ao julgamento de produtos e serviços mais inovadores.

Carlson, Laczniak & Wertley (2011) desenvolveram uma matriz 2x2 que descreve

quatro estilos dos pais de interagir com os filhos (Anexo 2). No que diz respeito à dimensão

restritividade versus permissividade, os pais que cumprem firmemente as regras em suas

famílias e esperam asseio, comportamento educado e obediência das crianças se caracterizam

como restritivos; pais permissivos seriam representados como cuidadores que incorporam o

comportamento oposto a esse ao interagir com as crianças. Já para afetuosidade versus

hostilidade, um pai afetuoso é aquele que é centrado na criança e usa explicação, raciocínio e

elogios para ensiná-las ao invés de adotar castigo físico. Os pais considerados hostis seriam

aqueles que exibem interações contrárias às anteriormente citadas.

De acordo com os achados deste estudo, um pai autoritário é aquele mais afetuoso

que hostil em interações com as crianças, ao mesmo tempo sendo mais restritivo do que

permissivo. De modo semelhante, um pai autoritário também seria mais restritivo do que

permissivo, mas mais hostil do que afetuoso. Pais indulgentes exibem níveis de afeto

similares aos de pais autoritários, mas tendem a ser mais permissivos do que restritivos. Por

fim, um pai negligente seria caracterizado por ter interações hostis e permissivas com as

crianças.

Percebe-se grande influência dos filhos no momento de consumo dos pais, o que

pode levá-los a abandonar determinadas marcas ou produtos e/ou substituí-los por outros. É

reforçada a importância, portanto, para o presente estudo, de se entender como o tema

Abandono vem sendo abordado na área acadêmica.

2.2.4 FAMÍLIA E O PODER DE DECISÃO DA MÃE

Depois de examinar a influência dos filhos no consumo da família, é importante

ainda se aprofundar na importância do papel da mãe como o cerne da tomada de decisão

familiar, bem como os valores que a mesma transmite aos filhos e que moldam seus

comportamentos – num sentido de mão dupla onde ambos, mãe e filhos, compartilham e

gerenciam seu poder de influência. Um estudo de Campos, Suarez & Casotti (2006) buscou

compreender como se dá a transmissão de padrões e gestos de beleza entre mães e filhas,

segmento onde as trocas no ambiente familiar são importantes e ocorrem de maneira intensa.

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31

De acordo com o estudo, a importância do papel da mãe vai além da educação para

o consumo de produtos de beleza e sua influência se dá mesmo nos casos onde a mãe não é

vista como como a principal referência e ou como uma especialista no assunto. A mãe acaba

por agir como gestora dos estoques e da organização do espaço das filhas, especialmente

quando estas são mais jovens, cabendo à matriarca se desfazer de produtos sem uso, organizar

armários, colocar novos produtos para experimentação e incentivar determinadas práticas. A

pesquisa posiciona as mães como responsáveis pelo controle de recursos, feitos através das

“compras do mês”, Os produtos e as marcas que serão utilizados pela filha são escolhidos pela

mãe, restando às jovens a opção de usar o que está disponível em casa. A separação em lares

diferentes e a entrada na vida adulta diminuem a intensidade da influência dos recursos da

mãe para as filhas.

Um dos achados deste estudo é com relação à similaridade percebida entre mãe e

filhas. Há dois tipos de similaridade percebida. O primeiro diz respeito às raízes dessa

influência em uma idade tenra, quando a mãe inicia seus ensinamentos do que representa a

base da feminilidade para ela, introduzindo a filha, desde a infância, no seu estilo e ensinando

o uso de suas ferramentas de consumo.

O segundo aspecto dessa influência por similaridade percebida consiste em olhares e

comparações com a mãe, vislumbrando possíveis cenários de futuro. Visto que as mães

podem não ter o conhecimento de especialistas em beleza e acumula apenas suas experiências

de vida, elas acabam por contribuir involuntariamente à gestão do risco na compra de

cosmético ao oferecerem às filhas um exemplo dos resultados que determinados gestos terão

no futuro – por exemplo, se a filha concorda que a mãe está “bem” para sua idade, que

apresenta uma boa pele, ela pode concluir que os cuidados que a mãe teve ao longo da vida

deram um bom resultado. Essa manifestação da influência por similaridade percebida

raramente é consciente.

Assim como comentado anteriormente, um estudo de Phillips & Sego (2011) reforça

a ideia de que as mães são as principais responsáveis pela eliminação dos bens de seus filhos.

Ele define dois tipos de pessoas: packrats, que têm dificuldade em se desapegar de seus

objetos, pois carregam uma relação emocional muito forte com os mesmos; e purgers, que

têm exatamente o comportamento contrário e veem poucos objetos como sendo uma extensão

de sua identidade. Esses termos foram escolhidos por carregarem significados menos

negativos.

Se o descarte foi uma simples questão de eliminar identidades pessoais indesejadas,

essas decisões seriam bastante simples. No entanto, esta ação foi descrita com uma grande

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quantidade de conflitos. O estudo ampliou a ideia de identidade familiar a fim de incluir

identidades compartilhadas que são criadas através da eliminação de bens. O que se descobriu

é que, quando uma mãe elimina um objeto de posse de uma criança, ela pode considerar que o

significado dessa posse coincide com o de muitas partes da identidade familiar. Por isso o

artigo separou as identidades em quatro: identidade da mãe, identidade da criança, identidade

do parceiro e identidade da família como um todo (PHILLIPS & SEGO, 2011).

De acordo com os autores, o significado de uma posse não deve encontrar várias

identidades distintas antes da eliminação ocorrer. No entanto, observou-se uma exceção a esta

regra, onde, mesmo quando a identidade de um ator combina com o significado de sua posse,

o descarte acaba por ocorrer por decisão da mãe, para quem o objeto possui um significado

indesejável. Ou seja, ela pode considerar não apenas os significados reais de bens para os

membros de sua família, como também seus significados desejados para eles (PHILLIPS &

SEGO, 2011).

Por esses motivos, a eliminação de posses das crianças com o objetivo de criar uma

identidade desejada pela mãe pode criar conflitos entre estas e outros familiares. Esse estudo

retratou que a eliminação é um lugar de tensão perpétua de identidade, como uma constelação

de identidades - tanto identidades reais, como desejadas – que têm de ser consideradas na

decisão de eliminar um objeto (PHILLIPS & SEGO, 2011).

2.3 ABANDONO

O consumo de determinado produto pode ser entendido como uma forma de

melhorar o autoconceito do indivíduo, trazendo associações positivas que favorecem sua

autoestima. De forma análoga, o indivíduo evita consumos de produtos que possam lhe trazer

significados indesejados, ou de objetos que são por ele considerados incongruentes com seu

autoconceito (BANISTER & HOGG, 2004).

De acordo com Salomon (2016), há diferentes tipos de relação que uma pessoa pode

ter com um produto, como ligação de autoconceito (quando o produto ajuda a estabelecer a

identidade do usuário), ligação nostálgica (quando este serve de elo com um “eu” do

passado), de interdependência (ele faz parte da rotina do consumidor) e de amor (traz

sentimentos de afeto, paixão ou alguma emoção intensa).

E assim como há o consumo, também pode-se pensar no anticonsumo. O

anticonsumo está relacionado com as razões, motivos e a simbologia negativa que levam o

indivíduo a não consumir determinado produto, marca ou empresa, rejeitando a sua aquisição

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(HOGG, 1998). Em um estudo mais recente, Hogg, Banister & Stephenson (2008)

desenvolveram um framework onde assumem que o indivíduo seja composto de diferentes

possíveis personas que aceitam determinados produtos que entendem ter significados

positivos e repudiam outros que remetem a significados negativos. Estas personas são

influenciadas por três ambientes: o social, o individual e o mercado. O produto ou marca

circulam por estas dimensões e a forma como esta movimentação será interpretada pelo

consumidor definirá sua reação positiva ou negativa, concretizando o consumo ou o

anticonsumo. Este modelo é capaz de capturar as interações entre o macro e o microambiente,

demonstrando indivíduos com preocupações éticas, ambientais e globais do consumo, e

podendo levar a rejeições ideológicas e morais.

2.3.1 ANTI-ESCOLHA X NÃO-ESCOLHA

O comportamento de anticonsumo pode ainda ser classificado como “não-escolha” ou

“anti-escolha”. A “não-escolha” possui um caráter mais passivo, como em casos onde não há

consumo devido a causas de disponibilidade, acessibilidade ou mesmo questões financeiras –

que é um dos direcionamentos da presente pesquisa. Quando o comportamento é ativo,

chamamos de “anti-escolha”. São os casos onde os produtos são inconsistentes e

incompatíveis com a preferência do consumidor (HOGG, 1998).

Hogg (1998) traz também que existem três tipos de “anti-escolha”: o abandono, o

distanciamento e a aversão. A aversão tem uma ligação forte com os aspectos afetivos,

enquanto o distanciamento e o abandono têm ligações mais fortes com os elementos

comportamentais. O abandono está ligado ao ato voluntário de deixar de consumir algum

produto ou marca que era previamente consumido em um antigo grupo de referência (é uma

escolha deliberadamente feita). O distanciamento estaria ligado a aspectos comportamentais

da atitude e envolve o desejo de minimizar o consumo potencial de produtos ou marcas com

alguma associação simbólica ou sociocultural. Já a aversão é a maior forma de expressar

desgosto por um produto ou marca (lembra nojo, repulsa) e envolve aspectos afetivos e

emocionais na decisão do não consumo. De acordo com a autora, estas três dimensões se

sobrepõem em algum dado momento, mas elas representam distintos graus de “anti-escolha”.

2.3.2 COMPARTILHAMENTO COMO FORMA DE ANTICONSUMO

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Pode-se também relacionar o conceito de anticonsumo a práticas de

compartilhamento, visto que, a partir do momento em que o consumidor deixa de comprar

determinado produto ou marca devido a novas formas de acesso ao mesmo (pegando

emprestado com um amigo ou grupo, por exemplo), percebe-se aí uma alternativa de

anticonsumo. De acordo com Belk (2007), o compartilhamento é uma forma alternativa de

distribuição de mercadorias que, em comparação com as práticas mais tradicionais, ajuda uma

comunidade a economizar recursos e remete a sentimentos de reciprocidade.

O compartilhamento pode ser adotado por quatro tipos de consumidores. Os Socialites

valorizam os benefícios sociais do compartilhamento e o veem como uma forma de se engajar

na comunidade em que vivem. Eles costumam ser integrantes das famílias de menor renda,

seguidos dos Poupadores, que também apreciam os benefícios sociais dessa alternativa,

embora em menor grau, e que são em geral pouco materialistas. Os Pacatos partilham fortes

valores de anticonsumo e frugalidade/parcimônia. Por fim, os membros Passivos não se

mostram socialmente envolvidos, nem têm valores anticonsumo marcantes. Eles constituem

tipicamente o grupo com maior poder aquisitivo (OZANNE & BALLANTINE, 2010).

2.3.3 SUBSTITUIÇÃO COMO FORMA DE ANTICONSUMO

A substituição é outro conceito que pode ser entendido como anticonsumo, visto que

há o abandono de determinado produto ou marca para adoção de um novo em seu lugar, ou,

em outras palavras, um tradeoff entre a alternativa à qual o consumidor é comprometido e

uma potencial reposição. Hamilton et al (2014) desenvolveu um framework para analisar as

chaves condutoras para uma decisão de substituição, o papel moderador do comprometimento

do consumidor, o processo de substituição e seus resultados.

Entre as chaves condutoras da substituição, os autores identificaram: oportunidades

(novas alternativas ou informações, por exemplo), restrições externas (falta de estoque ou

descontinuidade na oferta de determinado produto) e restrições internas (como conflito de

interesses, orçamento e autocontrole). O comprometimento do consumidor com determinado

bem é o que funciona como o moderador de substituição do mesmo (se há um forte

comprometimento, a probabilidade de substituição é menor, e vice-versa). No caso de um

forte comprometimento, a substituição pode se dar por restrições internas ou externas, por

exemplo, que forcem o consumidor a abandonar e repor determinado produto (HAMILTON

ET AL, 2014).

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Já o processo de substituição, de acordo com o estudo, se dá por meio de duas

decisões: se ocorrerá de fato a substituição e qual produto ou marca será escolhido para repor

o anterior. Como resultado desse processo, os autores descreveram quatro dimensões: afetiva,

que inclui satisfação / orgulho (sentimentos positivos) ou arrependimento / decepção

(sentimentos negativos); motivacional, que inclui desejo e saciedade; cognitivo, que inclui

mudança nos pontos de referência e de comparação e aprendizado; e comportamental, que

inclui retornar à alternativa anterior, mudar para uma terceira alternativa ou seguir

consumindo a segunda, que foi a substituta da primeira (HAMILTON ET AL, 2014).

De acordo com os achados de Hamilton et al (2014), se a substituição for motivada por

restrições internas (versus externas), estas tendem a resultar em arrependimento (versus

decepção), caso a substituição seja insatisfatória. Esse estudo é importante para ajudar

gerentes a prevenirem a migração de seus consumidores para seus competidores.

2.3.4 ABANDONO COMO UM PROCESSO

É importante reforçar também que esse abandono não acontece do dia para a noite,

especialmente quando a marca vem desempenhando um papel importante na vida do

consumidor. De acordo com Fournier (2014), o rompimento entre consumidor e marca passa

por um longo processo e, mesmo quando os consumidores param de usar determinada marca,

eles ainda têm um relacionamento com ela, ainda que essa relação mude de forma. A marca,

assim como um indivíduo, pode passar, por exemplo, de um melhor amigo para um amor

platônico, um amigo distante, ou até mesmo um inimigo. Rompimentos nunca são o fim do

relacionamento, ao contrário, eles redefinem o tipo de relacionamento e fazem parte de um

ciclo interminável de mudança (FOURNIER, 2014).

Um estudo de Suarez & Chauvel (2012) ajuda a reforçar que o abandono de

determinado bem ocorre de forma processual e não pontual, não sendo uma decisão ou uma

ação em um dado momento estático. As autoras classificaram três tipos de abandono:

contigencial, posicional ou ideológico. O primeiro é quando o indivíduo, devido a limitações,

se vê obrigado a abandonar o consumo de determinado bem, ainda que seja contra sua

vontade – pode ser por motivações financeiras, de saúde, de acesso ou pressões familiares, por

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exemplo. Nestes casos o consumidor ainda se identifica com o produto e há uma contradição

entre sentimentos positivos e negativos que se alternam.

Já a segunda é direcionada, principalmente, pela rejeição a um aspecto simbólico de

determinado produto – existe uma distância entre a identidade construída pelo consumidor e a

imagem da categoria. Por fim, o abandono ideológico tem uma perspectiva coletiva e ocorre

quando o indivíduo acredita que a sociedade como um todo (e não apenas ele próprio) deveria

deixar de consumir determinado bem. Este é praticado por consumidores que se engajam na

causa e buscam mobilizar a atenção de outros para que façam o mesmo.

Ainda é possível descrever o abandono não apenas como um movimento de

distanciamento de significados negativos indesejados para proteger a autoestima do indivíduo,

como também uma aproximação de significados positivos desejados.

“No abandono, o indivíduo abre mão da funcionalidade

relacionada ao produto. Já as associações simbólicas

continuam sendo usadas, criadas e manipuladas mesmo depois

que este acontece. Ao falar sobre os benefícios e vantagens do

abandono, consumidores se apropriam e ‘tiram vantagem’ dos

significados da categoria descartada. Ao descrever o abandono

de determinado produto, ex-consumidores expressam – a partir

do que não são – aquilo que pretendem ser” (Suarez, Chauvel

& Casotti, 2012).

2.3.5 RAZÕES PARA CONSUMO X RAZÕES PARA NÃO CONSUMO

É válido salientar também que as razões pelas quais o consumo se realiza não são

exatamente opostas às razões pelas quais o abandono é desejado. Relacionando ao estudo do

abandono de produtos de beleza no contexto de famílias endividadas, é possível compreender

que outras motivações, além das financeiras, podem estar atreladas ao abandono ou consumo

de determinado bem. Outros fatores podem ser determinantes para esta decisão, e é neste

contexto que ocorre a complexidade do processo (CHATZIDAKIS & LEE, 2012).

Este estudo foca nas razões “para” e nas razões “contrárias” do consumo, que seriam

fatores subjetivos que as pessoas usam para explicar um comportamento antecipado. A atitude

de uma sociedade ou de um indivíduo em relação a um comportamento particular pode ser

explicada com base em razões subliminares, como, por exemplo, ajudar produtores de terceiro

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mundo, fazer a diferença, aproveitar produtos de maior qualidade e etc. De acordo com os

autores, perguntar por que uma pessoa consumiria determinada marca ou produto teria como

resposta uma lógica oposta de por que ela não o consome, perdendo-se, assim, as razões

subliminares e ainda considerações adicionais, visto que tais perguntas, se feitas juntas,

levariam a crer que as respostas deveriam ser contrárias uma à outra – argumento refutado

pelo artigo. Questões como religião, cultura, país, grupo de amigos ou família podem levar a

uma atitude contrária ao consumo, por exemplo (CHATZIDAKIS & LEE, 2012).

O estudo ressalta, ainda, que anticonsumo não é o mesmo que não consumo ou

consumo alternativo. Não consumo é quando, ao consumir uma marca, o indivíduo acaba

deixando de consumir outra – não havendo escolha intencional de não consumir a marca

específica. Já o consumo alternativo é quando o consumidor, por ver maior atratividade em

outra opção, decide por ela. O anticonsumo é uma escolha consciente de não consumir

determinado bem por motivos específicos a ele (CHATZIDAKIS & LEE, 2012).

O artigo traz quatro áreas diretamente relacionadas ao anticonsumo: questões éticas,

ambientais, de resistência e simbólicas. Analisar o anticonsumo por uma perspectiva ética

leva a três questões. Primeiro, encoraja que os pesquisadores considerem as razões contra

empresas antiéticas como um driver legítimo que leva a adquirir bens de uma empresa mais

ética. Segundo, entender porque alguns indivíduos não boicotam empresas antiéticas, mesmo

que acreditem que esta seja uma atitude ética a ser tomada. Por fim, as razões contrárias a

uma percepção positiva (ética) ou a uma percepção negativa (antiética) podem moderar a

extensão em que o comportamento atual está alinhado com as atitudes gerais do indivíduo

(CHATZIDAKIS & LEE, 2012).

Com relação às questões ambientais, incluem-se aí a redução na utilização de

transporte privado, conservação de energia e trabalhos voluntários, por exemplo. Há a questão

de motivos que levam a comprar produtos “verdes” ou que impedem a compra dos demais.

Essa atitude sustentável é vista como uma forma de compromisso, transformando uma

simples ideologia em atitude. Já a resistência ao consumo é uma área que vem constantemente

sendo confundida com o anticonsumo – mas nem sempre uma coisa leva à outra, como já foi

falado anteriormente. Por último, a questão simbólica representa a construção de um

significado através do anticonsumo (CHATZIDAKIS & LEE, 2012).

2.3.6 SIGNIFICADOS E MOTIVAÇÕES PARA O ABANDONO

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Complementando essa visão sobre como os significados são criados e negociados, um

estudo de Suarez (2014) buscou investigar como se dá esta entrevistando ex consumidores de

cigarro, com o intuito de capturar aspectos inconscientes relacionados a atitudes e motivações.

Os resultados dessa pesquisa evidenciaram, no que diz respeito ao abandono, interações e

movimentos de significados positivos e negativos relacionados com o consumo e o não

consumo de uma categoria. Esses movimentos simbólicos permitem ao indivíduo fazer a

transição da condição de consumidor à de não consumidor - algo que nem sempre é imediato

ou fácil, pois é necessário recriar, subjetiva e socialmente, novos significados associados ao

produto.

A autora propôs um framework que serve como uma ferramenta para analisar o

abandono e que apresenta quatro tipos de associações de significados que podem ocorrer. A

primeira associação é o esmorecimento, que ocorre quando o indivíduo está atrelado ao

significado positivo do consumo mesmo após o abandono. Nestes casos a pessoa tende a

sentir tristeza, sentimento de perda, luto e saudosismo em relação ao antigo hábito.

A descontaminação ocorre quando o indivíduo consegue relacionar significados

negativos ao consumo após o abandono, encontrando um incentivo extra para seguir com o

abandono. O reforço ocorre quando o indivíduo consegue associar significados positivos ao

não consumo, e também é um facilitador do processo de abandono. Por fim, a postura

defensiva acontece quando o indivíduo atrela significados negativos ao não consumo,

dificultando o processo do abandono.

Os movimentos descritos nessas quatro categorizações ocorrem não somente durante o

processo de abandono. Ele pode de fato persistir por toda a vida de um ex consumidor, uma

vez que ele continua a articular argumentos que servem para justificar a sua escolha, tanto

para si mesmo como também socialmente.

2.4 BELEZA

Sendo este estudo centrado na categoria de produtos de beleza, faz-se essencial

aprofundar-se em como o tema Beleza vem sendo abordado na área acadêmica. Segundo

Solomon (2002), o ideal de beleza de um indivíduo e sua satisfação com a própria imagem

física são afetados pela imagem que é construída e valorizada em sua cultura. Essa

identificação, tanto para homens como para mulheres, pode incluir características físicas, bem

como estilo de se vestir, cosméticos, penteados, ou mesmo tom de pele. De acordo com o

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autor, há uma percepção por parte do indivíduo de uma forte ligação entre autoestima e

aparência, no entanto alguns consumidores veem essa conexão de forma exagerada, se

sacrificando para atingir o que consideram uma imagem desejável.

No entanto, há papers que trazem que esse sacrifício em prol da vaidade é negado ou

disfarçado no discurso de muitos consumidores. Rosário (2006) fala justamente sobre o

conflito entre discurso e prática de mulheres que se dizem não vaidosas. A pesquisa foi feita

com mulheres que não pintam seus cabelos brancos, numa atitude que foi chamada de

“desviante”. Apesar da aparência destas mulheres levar a crer que elas não têm um cuidado

com sua estética, e as próprias em alguns momentos terem afirmado que não são vaidosas e

que não gostam de gastar tempo com salão ou cuidados de beleza, em suas falas percebeu-se o

contrário: há uma preocupação com aparência, marcas de produtos de beleza, cores de roupa

que combinam com o cabelo branco e, principalmente, a percepção de terceiros quanto a suas

aparências. Este estudo ajuda a profundar-se nesta questão da beleza, não como algo

individual, mas sim do coletivo, sob uma preocupação com o olhar do outro (ROSÁRIO,

2006).

Outro estudo de Lopes (2005) reforça o conflito entre discurso e prática quanto aos

cuidados de beleza das mulheres. A autora entrevistou mulheres que haviam acabado de ser

mães, com filhos de até um ano de idade, com o objetivo de entender as transições em seus

rituais de beleza antes, durante e depois da gestação. De acordo com os achados da pesquisa,

o fato de algumas mães terem afirmado que não têm cuidados especiais com sua aparência

sugere a possibilidade de haver dificuldade em assumir a vaidade e o consumo de produtos a

ela relacionados, como um receio por parecerem fúteis ou supérfluas, enquanto deveriam ter

preocupações maiores – neste caso, o cuidado com seus filhos. Alguns dos fatores limitantes

para o cuidado com a beleza encontrados por Lopes (2005) foram financeiros, falta de hábito

e preguiça.

Já um estudo de MacNevin (2003) buscou também retratar a preocupação da mulher

com seu corpo ao realizar exercícios físicos, fazendo uma comparação de seus atos e falas

com a justificativa utilizada pelas entrevistadas de que este seria um ato moral para promover

a saúde, e não puramente vaidade. O autor identifica essas atividades como um esforço

despendido através da moda, cosméticos, dieta e exercício para redefinir a aparência a fim de

conjugar saúde e padrão de beleza, num conceito que se aproxima de sensação de bem-estar

individual.

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Dias-Campos e Casotti (2012) buscaram, por meio de histórias de vida das famílias,

identificar o processo de socialização e construção de diferentes momentos de consumo de

beleza sob um ponto de vista social. As entrevistas foram realizadas com famílias brasileiras

de classe média e as autoras apresentam quatro momentos distintos nessa construção do

consumo de beleza: o desenvolvimento de gostos, ensaio através da imitação, a estreia no

consumo e fase de ajustes.

Na primeira fase, o artigo traz que regras e julgamento são incorporados aos valores

do consumidor, onde, antes mesmo de meninas entenderem o significado de rituais e cuidados

diários, elas são incorporadas em um silencioso grupo de valores que ajuda a construir uma

admiração por si próprias. Manicure, pedicure e alisamento de cabelos, por exemplo, são

internalizados como práticas básicas de mulheres no Brasil. Já o ensaio através da imitação

marca o início de uma ação concreta, mesmo que ocorram ainda na infância, como quando

meninas brincam com a maquiagem ou esmalte das mães, sob a observação frequente de

parentes mais velhos. Mesmo que ainda não estejam consumindo, estas meninas já estão

agindo como consumidoras (DIAS-CAMPOS & CASOTTI, 2012).

A terceira fase, da estreia no consumo, é identificada não apenas pelo uso de produtos

de beleza, mas pela prática do consumo em si, por meio de compras, e novas ocasiões de uso

de produtos de beleza. O aniversário de 15 anos, o primeiro trabalho, a fase de começar a sair

com amigos, o primeiro relacionamento amoroso, por exemplo, são estimuladores dessa

estreia. Por fim, a mulher adquire experiência e passa a conhecer melhor suas necessidades de

consumo e marcas preferidas. Assim elas entram na última fase descrita no artigo, onde

começam a procurar por soluções que atendam melhor a seus desejos atuais. É aqui que se

inicia a fase de consumo adulta, e o processo de socialização tem seu fim (DIAS-CAMPOS &

CASOTTI, 2012).

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3 METODOLOGIA

Este capítulo tem por objetivo descrever e situar as opções metodológicas da pesquisa

objeto desta dissertação. Inicialmente é exposta a filiação paradigmática. Em seguida são

apresentadas as perguntas de pesquisa e as justificativas para a escolha de produtos de beleza

como foco para o estudo do abandono de categoria. Ainda são oferecidas razões que

motivaram a escolha da entrevista em profundidade como método qualitativo de coleta de

dados e da aplicação de exercícios projetivos. Por fim, os critérios para seleção dos

entrevistados e a proposta de análise das informações encerram o presente capítulo, junto com

uma descrição resumida das famílias estudadas.

As questões de pesquisa apresentadas no início deste trabalho são aqui rememoradas. A

revisão de literatura norteou a elaboração da seguinte pergunta de pesquisa: Como a mulher

administra o consumo de produtos de beleza no contexto de uma família endividada?

Para responder a esta pergunta principal, questões secundárias foram desenvolvidas:

1. Como a família estrutura seus gastos cotidianos numa situação de endividamento e

quais são as estratégias financeiras utilizadas?

2. Como são desenvolvidos os diálogos e relações cotidianos entre os membros da

família para administrar seu orçamento financeiro?

3. Como são construídos os significados e sentimentos relacionados ao uso de produtos

de beleza no cotidiano feminino?

4. Como o endividamento afeta o consumo de produtos de beleza?

Com o objetivo de encontrar respostas para essas perguntas, através do trabalho de

coleta e análise de dados, foram feitas algumas escolhas de pesquisa que serão apresentadas a

seguir.

3.1. FILIAÇÃO PARADIGMÁTICA

O presente estudo se insere na linha de pesquisa do Consumer Culture Theory (CCT),

denominação dada por Arnould & Thompson (2005) a um programa teórico interpretativista,

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numa tentativa de consolidar perspectivas teóricas relativas a projetos de construção de

identidades, sub-culturas, padrões sócio-históricos de consumo e ideologias de mercado. De

acordo com os autores, o CCT refere-se a uma família de perspectivas teóricas que abordam

as relações dinâmicas entre consumidores, mercados e significados culturais. Assim, a cultura

do consumo denota um arranjo social onde as relações entre a cultura vivida pelo indivíduo e

os recursos materiais e simbólicos dos quais eles dependem são mediados através dos

mercados (ARNOULD & THOMPSON, 2005).

A abordagem CCT tem contribuído para a pesquisa do consumidor, iluminando as

dimensões culturais do consumo e pelo desenvolvimento de novas teorizações relacionadas a

quatro domínios temáticos de interesse da pesquisa: consumer identity projects, marketplace

cultures, the sociohistoric patterning of consumption, e mass-mediated marketplace

ideologies e consumer´s interpretive strategies. A primeira lida com projetos de identidade e

põe atenção no modo como os consumidores utilizam os recursos simbólicos disponíveis no

mercado. A segunda estuda a cultura popular e explora como os consumidores, por meio de

recursos de mercado, produzem sentimento de solidariedade e criam ambientes culturais

distintos a partir do compartilhamento de interesses de consumo. Já a terceira lida com

padrões sócio-históricos de consumo e aborda a relação entre as estruturas sociais e

institucionais que influenciam o consumo – normas e regras já estabelecidas, experiências de

vida do indivíduo, suas crenças e suas práticas. Por fim, a última linha de pesquisa coloca o

consumidor como um agente interpretativo, cujas ações podem, desde aceitar identidades e

estilos de vida impostos na grande mídia, até ser uma crítica consciente a essas imposições

ideológicas.

3.2 DESENHO DA PESQUISA

3.2.1 SELEÇÃO DAS FAMÍLIAS

Este foi um esforço de pesquisa conduzido, em conjunto, por três pessoas, sendo dois

pesquisadores e sua orientadora. A equipe de pesquisa que foi a campo era responsável tanto

pela presente pesquisa de abandono de produtos de beleza como por uma pesquisa de

abandono de planos de saúde (conduzida pelo mestrando do COPPEAD Max Borges), sendo

que ambas compartilhavam do interesse por famílias em dificuldades financeiras.

Para ajudar a compreender as visões dos entrevistados a respeito da dívida e como o

problema financeiro leva a família a escolhas de abandono de consumo, bem como o que

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precisam abrir mão de consumir, quais são os consumos dos quais não abrem mão, e como a

família negocia determinados consumos, o recrutamento para as entrevistas buscou

principalmente os seguintes parâmetros: famílias integrantes das classes B1 e B2 e idealmente

formadas por marido, mulher e filhos adolescentes. A pergunta filtro para qualificar o

informante era se ele possuía ao menos uma conta importante em atraso devido a problemas

financeiros. Por fim, buscou-se nas famílias diversidade de nível de educação dos pais e a

composição de um leque de entrevistados de diferentes religiões. O trabalho contou com o

apoio de um serviço de recrutamento profissional.

A escolha de focar as entrevistas nas mães como principais informantes das famílias

selecionadas se baseou na expectativa de que estas fossem não apenas mais comunicativas,

mas tivessem maior capacidade de refletir sobre a dinâmica da família de maneira mais

holística/coletiva e, em certo sentido, menos individual. Além disso, para o contexto da

pesquisa com foco em abandono de produtos de beleza, houve um consenso de que estas mães

teriam, dentre os membros da família, maior poder de decisão sobre a aquisição desse tipo de

produto. Essa escolha mostrou-se correta, já que todas as entrevistadas eram as responsáveis

pelo controle dos gastos da casa ou tinham total conhecimento da situação financeira da

família, respondendo tanto pelo meu interesse em conhecer práticas e experiências de

consumo da família quanto pelas questões de orçamento familiar.

Foram realizadas 10 entrevistas durante o mês de abril de 2015. O local de realização

das entrevistas foi exclusivamente a casa das famílias das respondentes, possibilitando, além

das entrevistas em profundidade, a observação do espaço de convívio da família.

Para proporcionar uma melhor contextualização para a discussão proposta, reuni

abaixo as principais informações de apresentação de cada família, e na sequência apresentarei

uma descrição resumida dessas famílias estudadas e de alguns aspectos ligados ao

endividamento e a relação dessas entrevistadas com produtos de beleza.

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Figura 3: Resumo Famílias Estudadas

Família Largo

A entrevistada está recém desempregada, tem 35 anos e está em seu segundo

casamento. O marido, técnico de eletromecânica da Light, também está em seu segundo

casamento, sendo que ambos possuem filhos do relacionamento anterior, uma adolescente de

cada parte. No apartamento da entrevistada moram o casal, a filha de 11 anos fruto desse

relacionamento e a filha de 18 anos de seu primeiro casamento, que atualmente é bolsista de

um programa do governo em uma faculdade particular no curso de engenharia civil. O

apartamento onde a família mora é alugado.

A família Largo não se identifica com os estereótipos de famílias apresentados na

televisão e nas músicas populares, se consideram jovens e uma família de mente aberta.

O marido da entrevistada está trabalhando na mesma empresa há 26 anos, o que vem

propiciando à família acesso a determinados bens de consumo. No entanto, a entrevistada não

se mostrou vaidosa e afirmou que não tem o hábito de utilizar produtos de beleza em seu dia-

a-dia.

A perda do emprego da entrevistada dias antes da entrevista, somada a algumas visões

da família sobre a sua estrutura de custos, que formam e legitimam os gastos da casa, são os

principais fatores por trás da mudança de curso na trajetória econômica, até então ascendente

desta família.

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No momento da entrevista a família tinha as seguintes contas em atraso: cheque

especial, cartão de crédito e IPVA.

Família Lobo

A entrevistada desta família é casada e tem uma filha de 17 anos. Também vive no

apartamento um labrador de dois anos de idade, considerado o bebê da casa. A família mora

atualmente no bairro do Estácio, bem próximo à estação do metrô, o que segundo a

entrevistada, lhe garante uma mobilidade incrível na cidade. O imóvel em que vivem é

próprio.

São também integrantes da família, ainda que mesmo como visitas de final de semana,

a filha do primeiro casamento do marido e um filho ‘adotado’ de 21 anos.

O marido é fisioterapeuta durante o dia e trabalha também como chefe de segurança

em casas noturnas do Rio. A entrevistada é gerente supervisora de uma loja de roupas em um

shopping da zona sul da cidade, já acumulando uma experiência de 13 anos no mercado

varejista.

A trajetória econômica da família Lobo é de declínio, o trabalho do pai como

fisioterapeuta já vem precisando ser complementado com um segundo emprego, sendo que o

mercado de sua especialidade técnica vem perdendo atratividade. As dificuldades financeiras

da família ainda são potencializadas pelas práticas de consumo de mãe e filha, que se afirmam

vaidosas e têm uma relação muito próxima com produtos de beleza.

No momento da entrevista, a conta da família que se encontrava em aberto era o

cheque especial, que depois de negociação com o banco, não vem tendo seu parcelamento

pago.

Família Barros

A entrevistada tem 42 anos, é corretora de imóveis, moradora do bairro da Tijuca e se

considera uma autêntica “tijucana”. Tem duas filhas, a mais velha com 17 e a mais nova com

9. É casada há 18 anos, sendo seu marido taxista na cidade do Rio de Janeiro. Ele tem 55

anos. A casa em que a família mora é alugada.

A mãe se considera uma guerreira, tendo conseguido enfrentar e vencer diversas

dificuldades que a vida colocou em seu caminho, no início, principalmente pela família de

seus pais apresentar uma trajetória econômica descendente durante sua adolescência e vida

adulta.

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Na família o dinheiro é visto como algo transitório e não há uma preocupação em

organizar as contas da casa. A entrevistada mostra-se vaidosa e muito consumista, não

abrindo mão de continuar comprando produtos de beleza, apesar do aperto financeiro.

O endividamento é algo frequente na história da família Barros e a construção de sua

trajetória econômica ascendente se deu junto às dívidas. Dentro deste contexto o casal

considera fundamental o diálogo aberto que mantêm dentro de casa com as filhas, facilitando

que todos estejam a par da situação e que se comprometam a ajudar a controlar as despesas.

No momento da entrevista, as contas da família que se encontravam em aberto eram:

dois cartões, um do banco e outro de uma loja de departamentos, plano de saúde, luz e TV a

cabo.

Família Jardim

A entrevistada tem 38 anos e é estudante de serviço social na UFRJ. Casada desde os

18 anos, tem dois filhos desse relacionamento, uma menina de 18 anos, que cursa pedagogia

na UERJ e um menino de 14, aluno do ensino médio em escola da prefeitura. Sua família está

entre suas prioridades diariamente.

Mesmo sendo donos de um imóvel no mesmo bairro em que moram, a família decidiu

por morar de aluguel, para assim sair da comunidade onde viviam. Para a entrevistada, tanto a

violência, como a falta de autonomia de poder chegar e sair a qualquer hora pesaram na

decisão de trocar de endereço.

Como o trabalho do pai à frente do empreendimento da família é o responsável por

compor os ganhos da casa, as variações características do negócio constantemente afetam as

finanças da casa. Por já terem passado dificuldades maiores e ainda assim conseguido

construir uma trajetória econômica de ascensão, as dívidas que a família Jardim possui hoje

são vistas como situacionais, como parte de um objetivo maior, que é a contínua melhora de

sua situação econômica. A entrevistada não se mostra vaidosa e afirma que faz o papel de

controladora de gastos na casa, enquanto o marido é mais consumista e impulsivo.

No momento da entrevista, as contas da família Jardim que estavam inadimplentes

eram referentes aos três cartões de crédito que eles ainda mantinham.

Família De Fátima

A entrevistada, de 45 anos, trabalha há 24 anos em uma universidade pública, onde

desenvolveu toda a sua carreira profissional, estando agora a seis anos de sua aposentadoria.

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Este é seu segundo casamento, sendo que desde o falecimento de sua mãe, seis anos atrás,

trouxe o pai para morar em sua casa junto de sua família.

Na casa moram: seu marido, 51 anos, funcionário terceirizado da marinha; seu enteado

de 20 anos, estudante universitário bolsista; a filha do casal, de seis anos, estudante de colégio

particular; e o pai da entrevistada, que é aposentado e está com 82 anos.

A casa em questão é alugada. Para a entrevista, a dinâmica de funcionamento de sua

família no dia a dia, é como a de um trem, que em seu caminho, está sempre entre idas e

vindas. O endividamento da Família De Fatima é construído conscientemente, o que não

implica dizer que tenham total controle sobre ele. O endividamento é acumulado a cada novo

imóvel comprado pela família ao longo do tempo, muito devido à crença de que precisam

construir e acumular patrimônio.

A entrevistada é vaidosa e gosta de comprar maquiagem e produtos para o cabelo –

tanto para ela, como para a filha.

No momento da entrevista, as contas da família que se encontravam em aberto eram:

luz, telefone e IPVA, com um cartão de crédito tendo sua dívida rolada, através de

pagamentos mínimos.

Família Ferreira

A entrevistada é natural da Paraíba, mãe de dois filhos, o mais novo de 17 e o mais

velho com 22 anos, é casada, mas no momento não vive junto com o marido.

Por conta do sonho do filho mais novo em seguir carreira na TV, a família foi

dividida, o filho mais velho, estudante de administração de empresas, ficou morando com o

pai, em João Pessoa, onde a família mantém uma academia na cidade. A mãe, que fora

bancária por doze anos, se afastou do trabalho e veio com o filho mais novo para o Rio

quando este ainda tinha 12 anos. Hoje o caçula é aluno da faculdade Estácio no curso de

Cinema, financiado por um programa do governo, o Prouni, e já trabalhou por alguns anos em

tele novelas de canais da TV paga.

O tempo da entrevistada, no dia a dia, é integralmente dedicado aos trabalhos do filho

artista. Ela é a responsável pela divulgação de sua carreira, e de produtos e empresas parceiras

na internet.

Assim a família vive, entre o Rio de Janeiro e João Pessoa, sempre contando com a

ajuda de promoções das companhias aéreas para poderem estar juntos. A atual situação

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econômica da família teve uma forte queda recentemente, com a saída do filho da novela onde

atuava para que pudesse se dedicar a um novo projeto, agora musical. O novo projeto,

entretanto, ainda não apresentou resultado, o que ocasionou o declínio na trajetória econômica

da família.

A entrevistada conta que precisou deixar de ser vaidosa, a fim de economizar, e que

atualmente direciona ao filho algumas compras de produtos de beleza, visto que o caçula

depende de manter uma boa aparência para conseguir trabalhos na área artística.

No momento da entrevista, as contas da família que se encontravam em aberto eram:

luz, gás, financiamento do apartamento, IPTU e condomínio.

Família Cavalcante

A entrevistada, de 39 anos, é arquivologista por formação e tem uma pós-graduação

em Gestão de Projetos. Atualmente trabalha como funcionária terceirizada em uma empresa

do setor de energia.

Casada e com um filho de 11 anos, ela conta que sua paixão, e de toda a família, é a

música – seu marido é baterista e professor de música. Mesmo que essa paixão seja comum a

todos, os gostos musicais individuais variam, como entre rock e samba, por exemplo.

Os três moram em um apartamento alugado na região central do Rio de Janeiro. Pelos

preços dos alugueis na cidade, a entrevistada recentemente se mudou, morando próximo do

antigo endereço, mas em uma rua onde os imóveis têm um preço mais acessível.

A família Cavalcanti acredita que atualmente o endividamento é uma realidade da

sociedade como um todo, estando presente na vida de todos brasileiros. Desta maneira é

normal para os membros da família as necessidades de trocas e experiências com novas

marcas, para que possam manter seu consumo de determinadas categorias. Essas substituições

podem ser percebidas na categoria de produtos de beleza, uma vez que a entrevistada conta

que é vaidosa e não abre mão desses consumos, e por isso atualmente recorre a marcas mais

baratas, tendo precisado abandonar as que usava antes da dívida.

No momento da entrevista, as contas da família que se encontravam em aberto eram:

escola, luz, agua, empréstimo bancário e um cartão de crédito.

Família Villa

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A entrevistada é casada, tem 44 anos e é mãe de dois filhos. Na casa moram os filhos,

o marido e sua mãe. Na família, a avó tem também o papel de sogra e tia, uma vez que a

entrevistada e seu marido são primos de primeiro grau.

O filho mais velho do casal, com 20 anos, já está trabalhando, enquanto o mais novo,

de 11 anos, ocupa seu tempo entre a escola particular e atividades extra curriculares ao longo

da semana.

A entrevistada cursou faculdade de letras, mas que depende ainda da entrega de seu

TCC para ser concluída. Neste momento é aluna do curso de biblioteconomia da UFF. Para

ajudar o marido que é autônomo, a entrevistada tem seu tempo dividido entre os estudos, o

cuidado da casa e a administração da agenda de trabalho do marido como professor de

culinária.

O endividamento na família Villa tem sempre uma perspectiva de solução futura. Para

a entrevistada, sempre se encontrará uma maneira de acomodar tudo dentro do orçamento

familiar. O atual momento de dificuldade que atravessam é considerado algo passageiro, foca-

se mais em situações específicas, como a perda de um dos pontos de prestação de serviço do

pai, do que nos gastos totais da casa.

A entrevistada é bastante vaidosa e não relatou grandes mudanças em seu consumo de

produtos de beleza, buscando manter suas marcas preferidas.

No momento da entrevista, as contas da família que se encontravam em aberto eram:

escola do filho mais novo, mensalidade de curso e o financiamento do carro.

Família Conde

A entrevistada, de 46 anos, é casada há 23 anos e tem dois filhos. O mais velho, com

23, está no último ano da faculdade de engenharia, motivo pelo qual atualmente mora fora da

casa dos pais, em Niterói. A filha mais nova tem 19 anos e é estudante de psicologia em uma

faculdade particular do Rio de Janeiro.

Todos na família são muito próximos, mesmo com o filho morando em uma cidade

vizinha. A entrevistada acredita que eles conseguem continuar unidos, pois isso é importante

para todos os membros da família.

A entrevistada e o marido são as duas pessoas à frente do negócio da família, que

consiste de uma orquestra de violinos que toca em festas e casamentos, empreendimento

iniciado pelo seu sogro e continuado pelo casal.

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O negócio da família é a principal fonte de receita da casa. Mesmo que os dois filhos

tenham renda, estes não ajudam a compor os ganhos da família. O mais velho trabalha em um

estágio que vem fazendo pela faculdade e a mais nova em um trabalho já na área em que

pretende seguir carreira – ambos os rendimentos são direcionados a consumos individuais.

A trajetória econômica descendente da família Conde é explicada pela entrevistada

como sendo consequência da queda de atratividade na atividade que exercem em seu

empreendimento familiar.

A entrevistada não é vaidosa e não possui uma relação próxima com produtos de

beleza.

No momento da entrevista, as contas da família que se encontravam em aberto eram:

condomínio, gás e uma dívida de cartão de crédito que vem sendo rolada através de

pagamentos mínimos.

Família Bandeira

A entrevistada, de 51 anos, é a mãe em uma família de quatro integrantes, sendo que

podemos considerar como o quinto membro seu pai, que pelos cuidados especiais que sua

saúde exige, hoje recebe bastante atenção da entrevistada. Seu marido é corretor de imóveis

na cidade do Rio de Janeiro, dependendo assim de recebimentos mensais que podem variar

muito em valor e data de pagamento ao longo do ano, e a entrevistada é funcionária pública,

trabalhando como assistente administrativa, já há muitos anos, em uma universidade pública.

Nenhum dos dois filhos do casal trabalha. A filha mais velha, com 23 anos é aluna do curso

de veterinária de uma faculdade particular e o menino mais novo, de 16 anos, está atualmente

cursando o colegial técnico no Sesi.

Quanto ao consumo, a entrevistada acredita haver uma necessidade de constante

vigília, uma vez que a exposição a propagandas e os estímulos às compras são fortes e podem

ser muito persuasivos.

A família mora em um apartamento alugado, no bairro da Tijuca, e possui dois carros,

comprados em um financiamento. Para a família Bandeira a perspectiva de resolução de suas

dívidas é futura, por mais que haja diálogo dentro de casa sobre possíveis trocas e abandonos

no consumo da família que poderiam resolver hoje os problemas financeiros enfrentados,

todos preferem postergar.

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Apesar de afirmar não ser vaidosa, percebe-se uma relação forte da entrevistada com

produtos de beleza, em especial maquiagens e produtos para o cabelo. Ela e a filha

compartilham alguns produtos e ela não demonstrou mudanças em suas aquisições da

categoria, mantendo as marcas que já utilizava antes do aperto financeiro da família.

No momento da entrevista, as contas da família que se encontravam em aberto eram: o

colégio atual e anterior do filho mais novo, IPVA, luz e um empréstimo consignado feito com

um banco.

3.2.2 COLETA DE DADOS

No estudo do comportamento do consumidor, é importante investigar práticas dos

consumidores ao longo de todo o processo de consumo – não apenas o ato da compra, mas a

interação entre o consumidor e o produto antes e depois de sua aquisição (CAMPOS,

SUAREZ & CASOTTI, 2006). Tendo em vista o objetivo de compreender o processo de

consumo e abandono de produtos de beleza no contexto de famílias endividadas e por

considerar que o abandono é um processo e que este, assim como o consumo, é capaz de

construir identidades e sinalizar mudanças importantes (SUAREZ, CHAUVEL E CASOTTI,

2012), optou-se pelo uso do método qualitativo.

O principal método de coleta de dados foi o das entrevistas em profundidade na casa

das famílias pesquisadas, onde os entrevistadores se valiam de técnicas projetivas para

melhorar o entendimento de como as entrevistadas se viam como membro de uma família na

sociedade.

De acordo com McCracken (1988), não há ferramenta mais reveladora que a entrevista

em profundidade quando se tem propósitos analíticos e descritivos, porque ela nos leva a

conhecer e experimentar o mundo do entrevistado pelos seus próprios olhos. Segundo o autor,

sem esse entendimento qualitativo, ficamos presos apenas ao que os números dos métodos

quantitativos mostram. Assim, para maior imersão no mundo das entrevistadas para a presente

pesquisa, as entrevistas foram realizadas nas casas das respondentes, viabilizando a

observação da sua realidade familiar

Para ajudar o respondente a superar limitações de estruturação do pensamento e ajudá-

lo a se expressar sobre temas considerados difíceis,

A técnica projetiva utilizada no trabalho de campo foi apresentar à entrevistada a

imagem do desenho de uma família. Tal escolha foi de forma a propositadamente representar

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o ideal de uma família feliz (ver anexo 2). O objetivo com a técnica projetiva foi acessar

imaginários do consumo e da dívida da entrevistada. Com a imagem nas mãos da

respondente, para conseguir acessar tanto o imaginário de consumo de uma família abastada

como o de uma família endividada, quando isso não surgia espontaneamente o entrevistador

propositadamente encaminhava a conversa para o polo oposto ao que fora trazido pela mãe.

Por exemplo, se ela descrevia a família como de bom poder aquisitivo, era introduzido um

questionamento sobre quais seriam os impactos no consumo desta família no caso de um

endividamento. E, ao contrário, quando a entrevistada descrevia a família como mais uma

integrante do rol de endividados brasileiros, a conversa era encaminhada para uma situação de

favorecimento financeiro e suas possíveis consequências no consumo desta família.

Somente após a técnica eram introduzidas questões sobre o desenrolar da dívida, a

organização das contas da casa e o relacionamento com a categoria em questão, seja plano de

saúde ou produto de beleza.

Para guiar as entrevistas, elaborou-se um roteiro semiestruturado de perguntas (ver

anexo 1). As conversas tinham um tom informal e, em geral, eram iniciadas com lembranças

do último contato que tiveram com a empresa recrutadora, para depois ir transitando por

temas sobre o cotidiano da casa. Por fim, as perguntas iam se especificando para recordações

de dificuldades financeiras vividas em sua infância, para em seguida voltar o assunto para os

dias atuais, sendo a questão das despesas com produtos de beleza trazida junto a uma lista de

consumos idealizada para pensar sobre as mudanças que a família precisou fazer em seus

gastos mensais (ver anexo 2).

3.2.3 MÉTODO DE ANÁLISE

O trabalho de análise da presente pesquisa se baseou numa compreensão holística de

cada entrevista - da história e do contexto de cada entrevistada, bem como de aprofundamento

de partes mais específicas. Com esse objetivo, para cada entrevista, foi desenvolvido um

sumário analítico (MILES, HUBERMAN E SALDAÑA, 2014). O sumário analítico foi feito

a partir da transcrição das entrevistas e consistiu do desenvolvimento de resenhas específicas

para cada uma das entrevistadas por meio de uma compreensão em profundidade de cada

relato.

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O passo seguinte foi realizar a codificação, onde, baseados em códigos sugeridos pela

literatura ou que surgiram a partir dos relatos, segmentamos em índices os principais pontos

em comum, de contraste ou de destaque em nossas entrevistas, dando uma direção de como a

pesquisa poderia ser desenvolvida. Essa parte foi muito importante para nos aprofundarmos

em cada um dos relatos e descobrirmos como eles poderiam “conversar”, não somente entre

eles, mas também com a teoria utilizada. Os questionamentos que surgiram a partir daí serão

discutidos no próximo tópico.

Após essa interpretação individual e particular de cada entrevistada, surgiram os

questionamentos que serão apresentados no próximo tópico e que me permitiram analisar

conjuntamente todos os achados e reflexões obtidos através do sumário analítico. Este

minucioso trabalho é o que você verá consolidado ao longo do presente estudo.

3.2.4 LIMITAÇÕES DO MÉTODO

A escolha pelo desenvolvimento de uma pesquisa qualitativa apresenta em seu cerne

uma limitação com relação à possibilidade de representatividade de seus resultados,

impossibilitando que os mesmos sejam generalizados do ponto de vista de sua distribuição

populacional. É importante assim, reforçar que o trabalho não buscou estudar cada família

como se representassem um padrão nacional.

Por fim, de acordo com a filiação paradigmática deste trabalho, entende-se que a

percepção e interpretação da pesquisadora são condições inerentes à pesquisa e relacionadas à

sua capacidade de análise. Embora tenha como pressuposto que toda atividade de pesquisa

surge justamente dessa interação entre pesquisador e objeto de pesquisa, essa característica

poderia ser considerada como uma limitação a ser destacada para eventuais leitores de uma

orientação positivista.

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4 ANÁLISE

Ao longo deste capítulo faremos uma análise das entrevistas realizadas com estas mães

de família com o objetivo de melhor entender o consumo familiar e como as negociações de

compra acontecem dentro do lar, além de trazer também sentimentos percebidos como

relacionados ao abandono da categoria Beleza.

Primeiro falaremos sobre como se dá a hierarquia de gastos dentro do orçamento

familiar, entendendo melhor o que são gastos prioritários e quais são secundários, e também o

significado da dívida e do consumo no seio familiar. Na sequência traremos como se dão os

diálogos sobre a dívida entre os membros da família, e como esse tema se estende também a

parentes próximos ou amigos. Com isso, seguiremos para entender quais estratégias são

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utilizadas por essas famílias para administrar seu orçamento num contexto de dificuldade

financeira.

Depois de discorrer sobre consumos em geral, análise se deterá no tema principal: quais

os reflexos da dívida no consumo de produtos de beleza da família e como, quando e por que

alguns produtos são abandonados em detrimento de outros. Para auxiliar nesse entendimento,

trarei também alguns sentimentos relatados, ainda que indiretamente, pelas entrevistadas com

relação ao consumo de Beleza. Por fim, para sintetizar e complementar o tema principal de

discussão neste estudo, me aprofundarei em como é o relacionamento dessas mães de família

com a categoria Beleza, seus sentimentos e negociações de consumo.

4.1. HIERARQUIA DOS GASTOS

4.1.1. GASTOS PRIORITÁRIOS E GASTOS SECUNDÁRIOS

Dentro do estudo de abandono de produtos de beleza no contexto de famílias

endividadas, pôde-se perceber através das entrevistas que há um equilíbrio entre gastos

considerados prioritários e aqueles que são deixados em segundo plano. Portanto, neste tópico

buscarei responder à primeira questão de pesquisa: Como a família estrutura seus gastos

cotidianos numa situação de endividamento? Com esse questionamento, tentarei compreender

como se dá a hierarquia de consumos das entrevistadas e quais são suas contas mais

importantes.

Num estudo detalhado das entrevistas, foi possível delinear que há duas categorias de

prioridades no orçamento dessas famílias: hierarquia do consumo (consumos que eu não

posso deixar de ter) e hierarquia da dívida (consumos que posso ficar sem pagar).

Com a pesquisa de campo, foi possível perceber como essas balanças são administradas

e negociadas dentro de casa. A seguir, desenvolveremos um raciocínio com base em

dualidades absorvidas das falas das entrevistadas, que levaram a crer que estas são a base,

ainda que inconsciente, da definição do que é um consumo prioritário, que não pode faltar

dentro de casa, e de uma conta prioritária, aquela que não pode atrasar de jeito nenhum.

4.1.2. VISIBILIDADE X INVISIBILIDADE

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Uma das balanças percebidas na entrevista é ligada à hierarquia da dívida e retrata a

separação entre visibilidade da dívida (quando outras pessoas, tais como vizinhos ou amigos,

podem tomar conhecimento do não pagamento de determinada conta) versus anonimato da

mesma (quando ninguém de fora da casa fica sabendo que existe aquela dívida). Aluguel e

condomínio, por exemplo, são contas que acabam sendo priorizadas numa tentativa de

“esconder” o aperto financeiro e mantê-lo apenas entre os familiares, sem que conhecidos ou

vizinhos saibam da dificuldade que a família está passando. A Sra. Largo comenta isso

claramente. Ela vive em apartamento próprio com o marido e as duas filhas, sendo uma do

primeiro casamento, e no momento da entrevista havia acabado de ser demitida do emprego, o

que agravava ainda mais sua situação financeira. Seu marido é técnico de eletromecânica.

Segundo a Sra. Largo, o pagamento do condomínio é prioridade, pois, se ela atrasar, seus

vizinhos logo saberão que ela está endividada.

“Condomínio eu estou pagando em dia. Tento pagar em

dia, não posso deixar de pagar. Tenho um problema muito sério

de nome sujo, das pessoas saberem que eu estou devendo. (...)

Não gosto de dever. Não é uma coisa normal. Se eu puder optar

por uma conta que só eu saiba que eu estou devendo, é essa que

vou ficar devendo, então condomínio eu pago”.

Esta afirmação da Sra. Largo confirma o que Mattoso (2005) destacou em seu artigo,

de que o “nome” da pessoa demarca sua posição social ao diferenciá-la como alguém que tem

crédito. Ainda que na prática o indivíduo tenha alguma dívida, o fato de ele publicamente

mostrar que seu “nome” está “limpo”, especialmente entre os círculos comerciais mais

próximos, onde existe algum tipo de relacionamento, lhe impõe respeito.

Por isso taxas municipais, como o IPTU, podem ser adiadas, pois, além de se tornarem

uma dívida menos visível, segundo afirmou a Sra. Largo, “a prefeitura já tem muito dinheiro”.

E esse pensamento se estende ainda a outras contas, como energia, água e gás, por exemplo.

“IPTU está atrasado. Ele atrasa, nunca atrasou, mas

este ano está atrasado. Acho que a prefeitura tem muito

dinheiro, eu posso empurrar ele. Taxas municipais, energia,

água, gás, telefone fixo”.

4.1.3. PATRIMÔNIO X CONSUMO COTIDIANO

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Uma segunda balança que pôde-se perceber na administração de gastos da casa entra

na categoria de hierarquia de consumos e delineia o que é considerado construção de

patrimônio (como financiamento da casa ou do carro) e o que é consumo cotidiano (como

supermercado, conta de luz, IPTU, IPVA).

A Sra. Ferreira, que veio da Paraíba para o Rio com o filho, com o objetivo de investir

em sua carreira de ator, coloca como prioritário pagar o financiamento do apartamento em que

moram. Ela chega a dizer que passaria até fome, mas não atrasaria esse pagamento. Entende-

se como uma tentativa de se sentir mais segura e garantir ao menos um lar, um patrimônio, em

meio ao endividamento no qual a família se encontra.

“Por exemplo, esse apartamento aqui é financiado,

então a prioridade é a habitação. Ele tem que dar prioridade

para pagar financiamento e o condomínio porque aí você não

tem para onde correr (...) Eu não sei como não cortaram ainda.

Eu estou para negociar as minhas contas de energia. Eu tenho

quatro. A minha prioridade é o que eu disse a você, é o

apartamento que é o financiamento, esse daí você pode passar

fome, mas você não pode deixar de pagar e o outro é o

condomínio, se você mora aqui você tem que pagar condomínio

não tem como fugir dele. A energia a gente pode renegociar, o

gás a gente pode renegociar, o telefone, mas o condomínio e

financiamento de imóvel não”.

Aqui é importante destacar os significados culturais que essa decisão carrega. De

acordo com suas práticas, a Sra. Ferreira se enquadraria na categoria definida por Peñaloza &

Barnhart (2011) como a de indivíduos que fazem o uso de crédito para o que consideram mais

importante, como veículos, hipoteca da casa, e pagam essas contas repetidamente em dia. Eles

se dizem orgulhosos por honrar seus compromissos com as contas que são tidas como

prioritárias e que são diretamente associadas como um patrimônio. Tanto que, além da

moradia, vale destacar a importância dada pelos entrevistados a bens e transporte, em especial

do carro, no contexto familiar.

O curioso foi perceber que algumas das famílias mal usavam seu carro, mas faziam

questão de tê-lo para usar em momentos pontuais ou mesmo pelo hábito de sempre ter tido

um carro na garagem. Conclui-se que ainda existe uma percepção de que ter um carro coloca

a família numa posição de conforto financeiro perante a sociedade, e que o mesmo tem um

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significado de patrimônio, algo que tem significado de poder de compra para a família

endividada. É como se, ao vender esse bem, a família automaticamente migrasse para um

grupo de “endividados até o pescoço”, assumindo publicamente uma posição de fracassados

na administração do orçamento familiar. Por isso o carro pode ser percebido como aquilo que

dá identidade à família, um objeto que posiciona seus membros em um grupo que possui

algum poder aquisitivo, ainda que mantenha contas em atraso. É o que Barros & Rocha

chamaram de “consumo de pertencimento”, onde há um grande desejo de participar dos

benefícios da sociedade de consumo, aproveitando-se do parcelamento oferecido pelas lojas

como meio de adquirir bens que não estariam antes ao seu alcance e realizando sonhos de

consumo. O esforço para manter esse carro pode figurar como um dos motores de construção

da dívida dessas famílias, visto que, além do pagamento das parcelas do mesmo, há outros

custos altos envolvidos, como IPVA, aluguel de garagem, seguro, combustível, entre outros.

A Sra. Ferreira, por exemplo, conta que nem se lembra a última vez que ligou o carro, que

está esquecido na garagem de seu prédio e, por ser a gás, precisa de um gasto fixo anual de

revisão, que ela não está conseguindo pagar. Além disso, quem cuida disso é seu marido, que

segue vivendo na Paraíba, e não faz parte do cotidiano de uso do automóvel na família.

“Eu tenho um carrinho velho 99 está parado lá embaixo

no estacionamento porque para eu ter um carro tem que fazer...

Inclusive está atrasado porque ele é a gás. Então para você ter

um carro a gás você tem que fazer anualmente a revisão dele.

Você tem um cartãozinho assim dizendo que ele está revisado.

Eu estou sem dinheiro para fazer.”.

A Sra. Lobo foi outra entrevistada que endossou a posse de um carro que não é usado

pela família. Ela mora com o marido, a filha, o enteado e um cachorro, e não tem custos com

aluguel. Além do carro, ela e o marido têm ainda duas motos. Porém, a própria entrevistada

afirma que o carro é apenas um objeto de luxo, o qual ela não se lembra a última vez que

ligou.

“Despesa com carro e moto, IPVA tem, duas motos e o

carro. Seguro obrigatório só carro, não tem seguro das motos.

Combustível, quase a gente não usa o carro, de verdade, hoje

ele (marido) está lá resolvendo essa questão do carro e eu falei

‘daqui a pouco não sei mais ligar o carro’. Eu particularmente

acho que não ligo o carro há mais de 6 meses. O carro está na

garagem, parecendo que estava no depósito do Detran largado,

ontem ele botou o carro pra andar e tal, está lá mexendo, está

mais ou menos... Enfim, o carro está novo, está lá sem usar. (...)

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O carro é novo novo, de ano, a gente comprou faz 2 anos. A

gente sempre teve carro (...)O carro ficou como objeto de luxo,

entrou em desuso, a gente usa o carro de 15 em 15, quando meu

filho vem para cá, porque daí sai a grande família. A gente usou

para ir ao parque, foi a grande família. Do contrário a gente

quase não usa. O carro está lá parado”.

Por esta fala da Sra. Lobo, percebe-se o carro como um objeto de manutenção e

construção da identidade da família. Mesmo que pouco utilizado, ele é guardado para

momentos em que todos saem juntos. Como um dos filhos mora fora, é quando ele visita a

família que todos utilizam o carro para passeios familiares, fazendo com que os membros se

sintam integrados e conectados desta maneira. Como descreveram Epp & Price (2008), aquilo

que somos como família depende de interações compartilhadas entre seus membros e é co-

construída através de ações do cotidiano.

A descrição de Epp & Price (2008) também se confirma no caso da Sra. Jardim, onde

o carro simboliza a possibilidade de uma viagem em conjunto. A compra do veículo foi

motivada pelo marido, que tem um bar junto a um sócio, e precisava de um meio de transporte

melhor para comprar e carregar mercadorias. E, além disso, há planos da família viajar para o

Nordeste no carro, realizando o sonho de todos irem juntos visitar os parentes que lá estão – e

ter o carro é visto por eles como uma grande economia devido aos altos preços de passagem

aérea – parece haver uma relativização do alto valor de um carro zero quilômetro, cujo preço

é comparado ao de passagens aéreas nacionais como sendo uma vantagem econômica. No

entanto, se fosse necessário, Jardim afirma que este seria o primeiro bem a ser cortado das

despesas da família, pois é pouco usado.

“O que eu tenho no momento não dá para tirar porque

são coisas essenciais, só se for o carro, tirar o carro. A gente já

falou que a gente precisa do carro, mas não usa tanto. Mas ele

(marido) queria tanto ter esse carro, queria tanto, e até manteve

isso de comprar por causa do bar, das compras do bar, daí eu

falo ‘mas é uma despesa a mais, é uma coisa que tem que ficar

pagando documento e tudo mais’. E ele pretende também, com

esse carro, economizar na passagem de avião para viajar

devagarzinho e com calma no carro. Acho que o que é mais

nesse carro é o fato da viagem, de querer economizar porque se

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a gente viajar daqui de avião, quando chega na casa da mãe

dele e do meu pai, a gente fica ilhado, é muito longe, não tem

como depender do transporte de lá, não tem na hora que a gente

quer como aqui”.

A família da Sra. Largo abriu mão de muitos consumos, como sair à noite, ir a

restaurantes ou comprar roupas novas, devido ao endividamento, no entanto o carro continua

sendo um bem sem planos de ser eliminado do orçamento. Ela e o marido estavam para quitar

as parcelas do carro antigo, quando o trocaram por um modelo mais novo, prolongando por

mais tempo o pagamento desse meio de transporte. No entanto, a família entende que tenha

feito um bom negócio, visto que agora estão com um carro mais novo, pagando praticamente

a mesma parcela mensal anterior – porém pelo dobro de meses. Outro gasto prioritário,

consequente do carro, é o seguro, que a entrevistada comenta que também é pago sem atrasos

(percebe-se aqui uma prioridade a essa conta como objetivo de preservar um patrimônio). A

Sra. Largo não utiliza o carro, visto que só anda de ônibus. Já o marido utiliza o carro para ir

ao trabalho e buscar a filha na faculdade.

“Então por exemplo, eu tenho o carro, a gente paga a

prestação do carro e isso bate direto na minha conta, é débito

automático. Se o dinheiro não entra, automaticamente minha

conta fica negativa, então foi gerando uma bola de neve. Na

verdade a gente trocou o carro. Eu troquei o carro. Eu tinha um

Palio, estava pagando ele há uns 2 anos e pouco e daí ano

passado eu resolvi trocar o carro, a gente não estava tão

apertado e também não ia ter muita diferença. Eu reiniciei o

financiamento e peguei um carro mais novo, 2011, maior, mais

confortável e estou pagando praticamente a mesma prestação, a

diferença é que eu voltei ao início das prestações (...) Daí as

despesas do carro, IPVA no momento está atrasado. Seguro tem

que ter, não tem como fugir. E tem que ser pago em dia, é uma

despesa que não pode atrasar, porque se acontecer alguma

coisa a seguradora não te auxilia, então tem que estar em dia.

(...) carro sem seguro é dinheiro jogado fora. O carro para a

gente ainda é uma dívida, não é só um bem de consumo. (...) Em

termos de custo benefício sai mais barato andar de carro do que

pegar o ônibus, porque a despesa de ida e volta gera o custo da

ida e volta de carro”.

Por fim, a Sra. Conde, depois de ter vendido um de seus carros para arcar com as

despesas de tratamento de saúde de seu sogro, voltou a adquirir um novo recentemente. Para

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isso, ela vendeu seu carro de passeio e adquiriu uma caminhonete. Ela vive com o marido e

um de seus filhos e eles têm uma empresa de orquestra para festas e casamentos. Por esse

motivo, eles acharam necessário voltar a ter um carro, em especial de grande porte, para

conseguir carregar todos os equipamentos dos eventos em que trabalham. Segundo ela, seria

uma economia, pois com o carro não seria mais necessário pagar frete a cada novo evento

realizado. No entanto, pelo carro ser grande, ele não atende a todas as necessidades da família.

Por exemplo, seu tamanho dificulta que ela visite muitos de seus clientes, como os que

moram na Zona Sul, pois é difícil encontrar vaga ou esta é até mesmo proibida em

determinados locais, como na orla. Nesse caso, ela e o marido precisam recorrer a transportes

públicos, deixando o carro na garagem.

“Na época que a gente parou de pagar o plano de saúde,

a gente tinha comprado um carro novo onde pagava a

prestação. Então meio que foi assim, a gente comprou o carro

em abril, conseguiu levar a prestação do carro e o plano até

outubro, aí a gente viu que não dava mais. Como a prestação

era mais ou menos a mesma coisa, meio que foi assim por causa

talvez de ter entrado a prestação do carro, que a gente

precisava de um carro de transporte, a gente vendeu o carro de

uso pessoal e compramos uma caminhonete que dá para a gente

e transporte. Talvez a prestação do carro tenha entrado no

lugar do plano de saúde”.

A fala da Sra. Conde reforça mais uma vez a visão da construção de patrimônio

(aquisição de um carro) versus consumo cotidiano (plano de saúde).

Já o que é de consumo cotidiano nas famílias aparece com uma menor lealdade. É

possível perceber uma substituição de marcas a fim de economizar mais e até mesmo

abandonos de alguns produtos, que passam a ser vistos como um peso no orçamento familiar.

Uma observação interessante que pôde ser feita foi a contabilidade detalhista realizada pelas

famílias para esses gastos cotidianos considerados menores – em oposição a uma tentativa de

relativizar os gastos maiores (que são destinados à construção de patrimônios, a fim de

proporcionar maior segurança às famílias). No caso da Sra. De Fátima, por exemplo, ela sabe

exatamente quantos quilos de carne, caixas de ovos e de sabão em pó são gastos mensalmente

pela família. Porém ela se perde quando precisa pagar as obras realizadas nos apartamentos

comprados como forma de investimentos, que são gastos altos que vêm contabilizados

diretamente em seu cartão de crédito – e cuja fatura nunca é paga por completo, rolando a

dívida mensalmente com o banco.

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“Faço um controle (das despesas e gastos do mês).

Geralmente vou botando as notas todas aqui, depois no final do

mês vou e tiro. (...)Tenho a conta certinha de tudo o que eu

gasto. Gasto de 7 a 10 quilos de arroz por mês. Um quilo de

feijão por semana, 4 quilos de sabão em pó por mês. Carne é de

2 a 3 quilos por semana. 2 quilos de peixe por semana. 1 a 2

frangos por semana. São 4 frangos por mês que eu gasto.

Sabonete, gasto 25 por mês. São dois sacos de açúcar, 4 dúzias

de ovos, às vezes gasto mais porque esse bolo eu compro

pronto”.

Em outro momento, a Sra. De Fátima fala da dificuldade em arcar com o pagamento

de gastos relativos ao carro ou de seu cartão de crédito, que tem um valor alto e cujas compras

são majoritariamente destinadas às obras de seus apartamentos – e não a compras de comida,

por exemplo.

“O que eu não estou conseguindo pagar tudo mesmo é o

cartão. O cartão vem R$ 3 mil e pouco, eu pago R$ 2 mil e

pouco, sempre fico devendo R$ 500 ou R$ 600 no cartão. IPVA

do meu carro está atrasado, só vou pagar daqui a 3 meses

quando terminar de pagar o seguro. Ou seguro ou IPVA,

primeiro o seguro, depois pago o IPVA do carro”.

O que se vê pela fala dela é que, mesmo as despesas com carro e obras nos

apartamentos sendo uma despesa muito grande, elas não são abandonadas. Já outros gastos

cotidianos, como compra de produtos de beleza, roupas, saídas à noite, foram eliminados ou

diminuídos de sua rotina.

É como a Sra. Bandeira, que afirma que duas seriam as atitudes que trariam maior

impacto positivo no orçamento da família: mudar-se para o apartamento de seu pai, que é

próprio, o que diminuiria a despesa com aluguel; e vender um dos carros, que, além das

prestações mensais, ainda somam IPVA, seguro, gasolina. Porém, como forma de tentar

equilibrar seu saldo mensal sem abrir mão de seus patrimônios, a Sra. Bandeira recorre a

estratégias menores, como, por exemplo, economizar nas compras de supermercado,

substituindo marcas caras por outras mais baratas. Outras alternativas que a entrevistada

mencionou foram cortar a TV a cabo e pegar ônibus ao invés de sair de carro nos fins-de-

semana.

“Eu gosto de comprar no Mundial porque é o mercado

mais barato que tem. Prefiro ir lá, pesquisar preço. Se tem

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oferta, quanto de oferta...já compro vários produtos e faço

estoque da oferta (...) O que a gente gasta mais é mercado

mesmo, não é nem as outras coisas (...) Eu amo isso daqui, é um

silêncio de domingo, é bem gostosinho de viver, super seguro,

muito tranquilo. Então em termos de aluguel não acho que

tenha mudado muito pelo que vi do mercado. Tem uma

administradora aqui do lado e estou sempre olhando lá”.

Mais uma vez se percebe por sua entrevista a valorização dos gastos com moradia e

automóvel, e uma suavização ao montante desses gastos quando comparados aos consumos

cotidianos (“o que a gente gasta mais é mercado mesmo, não é nem tanto as outras coisas”).

Já a Sra. Lobo se diz fiel a algumas marcas, mas em seu discurso se percebe também uma

economia detalhista, buscando opções mais baratas para seus consumos cotidianos. É

interessante observar que, como se viu em outras entrevistas, essa economia não inclui

qualquer marca que seja a mais barata da prateleira. Existe um plano de compras organizado

mentalmente, e até mesmo subconscientemente, com um leque de três ou quatro opções de

marcas que tenham uma qualidade mínima aprovada, cujos preços são comparados e, dentre

essas três ou quatro opções, se escolhe a mais barata no momento da compra. Observe como a

Sra. Lobo descreve essa ação.

“Tem algumas coisas que eu não abriria mão porque a

gente consegue perceber, a gente já experimentou e não foi

legal. (...) Estou usando esse que é muito bom, que é da

Predilecta, antes a gente usava os melhores, Elefante, Arisco.

Pude até comparar Arisco com Predilecta, Predilecta está muito

mais gostoso (...) A gente acaba fazendo comparações. Tem

(produto) novo no mercado, testamos (...) Volto, compro mais e

falo para os outros: gente, tem que experimentar! (...)Já fiz

várias experiências (...) Não adianta, não vou entrar num

inferior, num tipo B que tem pedra, isso e aquilo, só por causa

de 1 ou 2 reais. É o nosso conceito, por causa de 1 ou 2 reais

comprar porcaria, também não. É mais ou menos assim”.

Com a Sra. Barros acontece uma situação semelhante. Apesar de ela não ter uma

gestão sobre seus gastos mensais (em especial de forma detalhada), sua noção de economia é

inconscientemente relacionada aos gastos de supermercado, que seriam inferiores a outros,

como aluguel e carro. E ela conta que, no supermercado, compra as marcas mais baratas para

ir testando sua qualidade – reforçando uma falta de fidelidade a produtos específicos.

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“Mercado a gente tenta pegar promoções, vai ao

Guanabara, vai ao Mundial, muda marcas, experimenta marcas

novas, mais em conta (...)Eu vou no preço, se eu for lá e a gente

experimentar e ver que é muito ruim também, a gente tenta

outro, mas eu vou pelo preço, hoje em dia eu vou pelo preço”.

Portanto, para compras cotidianas de mercado, não se percebe uma preocupação de

construção de valor em cima de determinada marca, como por exemplo discursos em que o

entrevistado é 100% fiel a um produto X. Eles buscam o melhor custo benefício, ou seja, o

menor preço para uma qualidade mínima que eles esperam do produto. Ou, se necessário,

eliminam aquele consumo de sua rotina.

4.1.4. NECESSIDADE X PRAZER

O consumo hedônico, ou de prazer, como restaurantes, viagens ou barzinhos, por

exemplo, apareceu como um gasto que conflita com os considerados de necessidade, como

alimentação, luz, taxas municipais – e aqui ele se enquadra na categoria de hierarquia de

consumos. O consumo hedônico seria aquele que não é necessário à sobrevivência da família

e poderia ser considerado supérfluo. Ele estaria ligado ao que Solomon (2016) definiu como

uma relação de amor de um usuário com um produto ou serviço, pois ele produz sentimentos

mais intensos de prazer e satisfação. E, durante as entrevistas, percebemos que ele era

declarado quase que como uma recompensa pelas dificuldades e economias que a família

precisa fazer. É um pensamento de “Eu mereço por todo o meu esforço”.

No caso da Sra. Bandeira, a entrevistada conta que tem dificuldade de ceder para

economizar em algumas situações e que gosta de se permitir determinados luxos, como

academia, personal trainer para o filho, cinema, viagem com o marido. Ela é funcionária

pública e vive de aluguel com o marido e dois filhos. Evangélica, é a Sra. Bandeira quem

cuida de todo o dinheiro da família, principalmente por ter emprego estável e garantir uma

estabilidade financeira, enquanto seu marido é corretor de imóveis e depende de um bom

desempenho nas vendas para construir seu salário.

“Então por exemplo, a gente não é de ficar toda hora

comendo fora. A não ser Mc Donalds, uma pizza no mês,

cinema... Eu uso muito Peixe Urbano, Groupon e aproveito a

oportunidades (...) E aproveito algumas coisas. Se quiser viajar

com meu marido, e tem 3 noites em Maceió com almoço,

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translado, avião por mil reais. Eu pego porque é um lazer do

casal, uma alimentação da relação. São 26 anos com a mesma

pessoa e você tem que renovar porque não há casamento que

aguente. Ainda mais com tantas oportunidades aí fora, tanto da

parte feminina quanto da masculina. São coisas que eu me

esforço mais de gastar e não tenho coragem de abdicar por

causa do bem estar que tudo isso traz em relação a minha

família (...) Educação, saúde, isso pra mim...um lazer pra

família...Eu tenho muita dificuldade de ceder. Eu não ligo pra

roupa, ficar fazendo festa, cabelo, nada disso. Mas essas coisas

eu não abro mão de ser mais em conta, mais barato, de graça”.

Como se pode ver, o consumo hedônico, de prazer, da Sra. Bandeira é mantido no

orçamento da família, embora estejam passando dificuldades. Percebe-se um conflito entre

emoção e razão. Por exemplo, ao mesmo tempo em que quer viajar com o marido para sair da

rotina, não o faz com frequência e busca sempre promoções.

No exemplo da Sra. Cavalcanti há uma situação de consumo maior de lazer num

momento anterior de vida, possibilitado por um cargo melhor no trabalho, e a tentativa de

manter alguns desses costumes no momento atual de vida, já mais apertado financeiramente.

A entrevistada conta que, quando estava em seu cargo anterior, precisava viajar com muita

frequência pela empresa, e por isso, aos finais-de-semana, quando estava acompanhada do

marido e do filho, tinha o hábito de sair para jantares, almoços e barzinhos. Isso foi cortado

pela mudança de emprego e por necessidade de economizar, e atualmente ela só se dá ao luxo

de ir a um barzinho às sextas-feiras – que são seus consumos considerados hedônicos. A Sra.

Cavalcanti é casada, mora de aluguel com o marido e o filho e trabalha atualmente como

terceirizada numa empresa multinacional francesa da área de energia.

Para manter este consumo hedônico de lazer, a Sra. Cavalcanti conta sua estratégia:

leva marmita para o trabalho para economizar no ticket refeição e poder usá-lo para tomar

uma cervejinha depois do trabalho, uma vez por semana, às sextas-feiras. Seu bar preferido é

o Belmonte, porém, por ser mais caro, é seu destino apenas uma vez por mês. É o luxo que ela

se permite, já que, como ela mesma frisa, não pode mais viajar ou frequentar restaurantes.

Esta seria a recompensa por trabalhar tanto e se sacrificar para economizar. É o que Mattoso

(2005) descreveu como consumo compensatório, onde gasta-se mais do que se pode para

compensar as dificuldades da vida.

“Outro dia eu falei, quero ir no Belmonte, só que ir no

Belmonte na sexta-feira não dá né, então eu tiro uma sexta-

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feira no mês e eu vou ao Belmonte. Então assim, isso é uma

coisa que, eu trabalho para caramba, já que eu não estou

viajando, não estou fazendo nada, pelo menos eu quero ir num

lugar legal, num restaurante bacana”.

Com a Sra. Lobo, a impressão que se tem é que seus maiores gastos são com

consumos hedônicos, como roupas, relógios, sapatos. Apesar de ela citar que não paga aluguel

e que seu condomínio é o gasto de maior peso no orçamento, em outras falas constata-se que a

conta mensal mais cara da família é proveniente de cartões de crédito, muitas vezes usados

para suas compras individuais.

“O saldo dos meus cartões de crédito, é obvio que falo

sempre que estou sem roupa, sem sapato, havaiana eu tinha que

comprar 1 por mês, eu tenho 23 Havaianas. Vai ficando velha

eu dou. Roupa, nesse quarto aqui eu tenho 7 sacolas, estou

juntando a 8ª só de roupa para dar. (...) eu comprei meu 30º

relógio. Sou apaixonada por relógio. Todos os relógios que eu

uso são lindos, ele (marido) reclama. Os relógios não são

relógios caros, mas são relógios bonitos, Seculos, Mondaine. O

relógio tem que combinar com a roupa”.

A Sra. Lobo conta que não abre mão de estar sempre com uma roupa nova, um relógio

que combine com a roupa, uma bolsa diferente, um celular moderno. Ela tem um armário só

com bolsas e mais de 200 pares de sapatos.

“Poxa, eu trabalho em shopping (…) todo dia troco de

bolsa, tem uma parte do meu guarda roupa que é só bolsas.

Quando a gente está tirando as coisas para limpar, tem uma

caixa lá deste tamanho que é só 215 pares de sapatos. Tem N

sapatos baratinhos”.

É o que Mattoso (2005) definiu como uma gratificação imediata, onde indivíduos são

mais focados no presente ao invés de fazer planos para o futuro. No caso das Sra. Lobo, por

exemplo, ela se mostra impulsiva quando se trata de consumos próprios, como quando afirma

“não posso ver uma promoção”, ou quando tenta justificar “poxa, eu trabalho em shopping”.

O pensamento imediatista, de satisfação urgente de um desejo, dificulta que ela junte uma

poupança e faz com que a entrevistada esteja sempre enrolada com o pagamento do cartão de

crédito, onde as compras são majoritariamente de roupas e acessórios da moda, como ela

mesma afirma.

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4.1.5. GASTO FAMÍLIA X GASTO INDIVIDUAL

Neste estudo de campo foi possível constatar o impacto do consumo dos filhos na

decisão de compra da família. Essas escolhas acabam por interferir no consumo de toda uma

família. Na casa da Sra. Conde, o gasto individual que mais sobressai é o do intercâmbio do

filho mais velho. Esta foi uma negociação inicialmente polêmica, em que o pai se colocou

parcialmente contra. Para facilitar esta situação, o filho começou a trabalhar como forma de

arcar com os gastos altos da viagem, que consiste em um ano nos Estados Unidos. Aqui

percebe-se um esforço de toda a família numa tentativa de satisfazer o desejo de apenas um

membro da casa. A forma encontrada para evitar que este tipo de consumo impacte

diretamente no orçamento familiar normalmente é delegar o custo de tal consumo ao

indivíduo diretamente interessado nele, que foi o que aconteceu com o filho da Sra.Conde.

“Quando meu filho se inscreveu no Ciências sem

Fronteiras, ele ficava naquela assim, não torcendo contra, mas

se não fosse para ele seria melhor. O meu filho fez um plano de

saúde para ele, ele tem o estágio e tem a remuneração, mas essa

remuneração fica para ele, ele não ajuda em nada em casa,

também porque praticamente é a conta para ele sobreviver. Ele

fez um plano de saúde, como ele vai parar os EUA ele tem que

fazer exames e tudo isso, tem que estar com tudo certinho”.

Hamilton (2009) apresentou uma pesquisa com foco na prevenção de conflitos como

estratégia-chave das famílias de baixa renda, e uma dessas formas é a comunicação aberta,

como se vê na família da Sra. Conde, onde os pais buscam ensinar boas habilidades de

consumo aos filhos, garantindo que ambas as partes tenham uma compreensão semelhante

sobre escolhas de consumo. No caso do filho da Sra. Conde, a solução para viajar foi buscar

um trabalho para evitar conflitos devidos aos gastos individuais de cada um.

É como o caso da família da Sra. Barros, onde há o esforço de satisfazer o consumo de

sua filha mais velha com uma viagem à Disney. Para possibilitar a realização desse sonho, a

filha buscou um emprego como forma de ajudar a pagar pela viagem. Barros até ajudou, mas

a filha usou parte de seu salário na satisfação de seu desejo.

“Ah sim, porque a vida é de altos e baixos, minha filha

mais velha ela fez Jovem Aprendiz o ano passado, ela queria ir

pra Disney, eu falei, ‘olha, eu não tenho condições, eu posso

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pagar a passagem, vou me sacrificar’, eu paguei em várias

vezes e ela foi trabalhar pra juntar o dinheirinho pra levar, aí

trabalhou, todo mundo adorou ela lá no trabalho”.

Com esta fala, vemos o consumo da viagem quase como uma ferramenta pedagógica,

o que nos remete a um estudo de Suarez & Casotti (2015) que investigou como os

significados relacionados à compra de um automóvel ajudam a moldar relações dentro da

família. O paper discorreu sobre as ferramentas educacionais utilizadas pela família para

transmitir valores e influenciar o comportamento dos filhos adultos. De acordo com as

autoras, “os filhos devem esforçar-se e conquistar outras posições a partir de seu próprio

mérito”. É isso o que vemos nas falas relatadas anteriormente, onde os pais estimulam o filho

a trabalhar como forma de viabilizar seus próprios sonhos de consumo, numa forma de, pelas

palavras de Suarez & Casotti, “ensinar a eles que a vida é árdua”.

Ainda mostrando a força do consumo dos filhos no orçamento de uma família, na casa

da Sra. Ferreira toda a atenção é voltada aos desejos de seu filho mais novo, que deseja ser

artista e também já trabalha. As compras em geral são comandadas pela entrevistada, no

entanto há alguns consumos da família que são negociados entre seus membros, como por

exemplo um Iphone 6 que o filho quer. Na ânsia de realizar o sonho de carreira do filho, a

Sra. Ferreira busca permutas para conseguir o que não tem dinheiro para pagar, como um

book fotográfico para o filho, sua festa de 17 anos em uma famosa boate do Rio, ou cursos,

como de dublagem. Ela consegue estes serviços em troca de divulgação utilizando a imagem

do garoto, que já faz algumas novelas. É a forma que ela encontra de satisfazer esse consumo

particular do garoto. Para isso, ela abre mão dos próprios desejos, que ficam em segundo

plano – entende-se que o sucesso do filho seria sua grande recompensa.

“Por exemplo, ele está fazendo um curso de dublagem

com permuta. Como é isso? Eu divulgo na internet e em troca

eu ganho o curso. Eu fiz isso com várias permutas para ele

poder fazer várias coisas.(...) Já que a gente vai sonhar né... Eu

sou consumista. Eu só não estou podendo, mas sou. Eu queria

poder. Essa banda era minha esperança sabia? Eu pensei que

fosse ficar rica. Só aparece uma oportunidade dessas uma vez

na vida de uma pessoa”.

De acordo com os estudos de Hamilton (2009), este pode ser visto como um caso de

submissão, quando os pais cedem aos pedidos dos filhos. Segundo o autor, a submissão reduz

o desentendimento entre pais e filhos e ainda proporciona benefícios emocionais para os pais,

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que se esforçam para garantir que as crianças não sejam prejudicadas pela situação financeira

da família.

No caso da filha da Sra. Conde, a delimitação entre consumos da família e consumos

individuais se deu na escolha da universidade particular que ela escolheu cursar e, para tal,

começou a trabalhar como forma de ajudar a pagar a mensalidade.

Como na família da Sra. Conde o detalhamento da fatura de cartão de crédito é feito

para que cada um pague por seus consumos individuais, e não apenas uma pessoa pague o

valor cheio, na casa da Sra. De Fátima também há essa separação: é o interessado em

determinado consumo o responsável por pagar por ele – aqui reforçando mais uma situação de

comunicação aberta, onde segundo os estudos de Hamilton (2009), os pais tentam ensinar

estratégias de gestão financeira aos filhos a fim de orientar seus hábitos de compra. Falaremos

melhor desse artigo mais à frente.

Um exemplo desta situação é a TV por assinatura. Este é um gasto polêmico, onde a

Sra. De Fátima é contra e seu marido é a favor da manutenção. Para negociar esta situação,

decidiu-se que o marido pagaria, com seu salário, a mensalidade da TV por assinatura (já que

é ele quem quer manter esse custo), e que esse valor não seria retirado do orçamento conjunto

da família. Aqui constata-se o conflito do consumo individual versus o da família, e as

negociações envolvidas para administrar esses gastos. A forma encontrada para evitar que este

tipo de consumo impacte diretamente no orçamento familiar foi delegar o pagamento da

mensalidade ao marido da Dra. De Fátima, o indivíduo diretamente interessado no produto.

“TV por assinatura eu pago contra a minha vontade.

Comecei a pagar agora, estou pagando por causa do meu

marido, é ele quem está pagando (...) Está pagando R$ 200 e

pouco a internet, telefone, TV...”.

Por fim, na família da Sra. De Fátima há ainda o consumo específico de seu pai. Ela

explica que o dinheiro do pai vai para uma poupança e que ela e o marido ficam responsáveis

pelas contas de uso comum da casa, como aluguel, IPTU, luz, mercado. No entanto, foi

relatado pela entrevistada que seu pai usa parte de seu dinheiro no que chamamos aqui de

hedonismo individual. Segundo Sra. De Fátima, ele é o gastador da família e costuma

comprar muitos produtos de beleza da marca Natura. Em seguida ela explica que, muitas

vezes, tais produtos não são nem mesmo para uso próprio, mas para galantear as vendedoras.

A entrevistada afirma não se importar com esse tipo de gasto supérfluo de seu pai.

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“O que combinei com meu pai? O dinheiro do meu pai

a gente bota na poupança, o meu dinheiro é para pagar o

aluguel, as coisas aqui dentro de casa e o aluguel de Paquetá, o

aluguel da da Veiga é para mexer nas obras. Fazemos assim.

Meu pai tem um guarda vestido, está meio bagunçado o quarto

dele porque minha filha dormiu lá, meu pai tem tudo da Natura,

até coisa que ele nem conhece ele compra. As meninas chegam,

ele vai e compra. Para galantear, agradar. Meu marido que

fica pra morrer. Ele está com 82 anos, deixa ele, o dinheiro é

dele, deixa ele gastar no que ele quer”.

Nestes casos, percebe-se a importância de se manter o diálogo dentro de casa para

delinear atitudes de consumo e evitar conflitos. É o assunto que trataremos no próximo tópico,

sobre Diálogos e Relações Familiares.

Neste primeiro tópico distinguimos os diferentes tipos de hierarquia de gastos dentro

do contexto de uma família endividada, a fim de entender quais são as contas e consumos

prioritários para esses indivíduos e como eles encaixam consumos hedônicos e de prazer em

seus orçamentos. Uma primeira percepção é que há dívidas que são mantidas porque podem

ser “invisíveis”, ou seja, ninguém além deles próprios sabe que a família não teve dinheiro

para pagar aquela conta. Também se pôde perceber que há contas que representam a

construção de um patrimônio, e outras que são cotidianas – e o pagamento das primeiras

costuma ser priorizado. Há ainda uma nuance do que é necessidade e do que é prazer – e esse

segundo não é deixado de lado mesmo diante da dificuldade financeira. Por fim, vimos uma

separação do que é consumo individual e do que é coletivo da família, onde há um esforço

para não deixar que o primeiro impacte negativamente o orçamento conjunto da família.

Agora no próximo tópico vamos buscar entender como se dão esses diálogos dentro de

casa.

4.2. DIÁLOGOS E RELAÇÕES COTIDIANOS

Com base nas entrevistas desta pesquisa, vimos que o diálogo com os filhos sobre

dificuldades e educação financeiras foram relatos bastante recorrentes. Um estudo de

Hamilton (2009) com foco na prevenção de conflitos como estratégia-chave das famílias de

baixa renda como forma de evitar situações de consumo que levem a problemas financeiros

discutiu esse tópico em relação a três temas: controle individual (uma das principais formas

que as famílias usam para evitar o conflito é nomear um indivíduo para assumir a

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responsabilidade pelo orçamento financeiro), submissão (quando pais cedem aos pedidos dos

filhos) e comunicação aberta (onde os pais tentam ensinar estratégias de gestão financeira aos

filhos a fim de orientar seus hábitos de compra).

Neste tópico tentarei responder à seguinte pergunta de pesquisa: Como são

desenvolvidos os diálogos e relações cotidianos entre os membros da família para administrar

seu orçamento financeiro?

Nesse estudo foi identificado o que chamamos de Diálogos Internos, apenas entre

membros da família, e Diálogos Ampliados, quando transcendem os limites do lar.

4.2.1. DIÁLOGOS INTERNOS

No estudo sobre abandono de produtos de beleza no contexto de famílias endividadas

percebe-se a comunicação aberta como uma forma de prevenção à submissão, numa tentativa

de educar os filhos sobre dinheiro para evitar ter de ceder a pedidos que não estejam dentro de

seu orçamento. Chamamos de Diálogos Internos os que acontecem entre os membros da

família (pai e mãe, mãe e filhos, pai e filhos, irmãos).

Foi interessante perceber no estudo de campo que a construção deste diálogo pode não

ser um aprendizado que vem de berço e que as entrevistadas aprenderam em casa, visto que a

maioria afirmou não se recordar de ter conversas sobre dinheiro ao longo de sua infância e

juventude. Essa noção de educar os filhos financeiramente e manter um diálogo aberto dentro

de casa seria uma atitude mais recente nos lares. Com a Sra. Cavalcanti não foi diferente. Ela

afirmou que nunca presenciou nenhuma discussão sobre dinheiro ou dificuldades financeiras

com seus pais. No entanto, com seu filho ela conversa às vezes, para que ele seja menos

consumista.

“Converso as vezes. O Y. é muito afoito, ele ganha o

dinheiro e quer gastar, não importa com o que, ele quer gastar.

Eu falo ‘não é assim, você tem que guardar’. Então às vezes eu

converso com ele ‘você tem que economizar’, ‘você não precisa

pegar seu dinheiro e sair gastando desesperadamente’. ‘Por que

você vai gastar? Tem tudo para comer, tudo que você quer’, ‘eu

quero comprar pirulito para as minhas amigas na escola’,

porque ele é o bonitinho da escola, então já viu”.

Na família da Sra. Bandeira a situação é bem parecida. Seus pais não costumavam

comentar sobre dificuldades de dinheiro dentro de casa durante sua infância e adolescência,

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tanto que a entrevistada reclama que não teve educação financeira e que isso teria sido um dos

motivos da mesma ter se endividado. No entanto, justamente por essa experiência anterior,

atualmente a Sra. Bandeira busca conversar com seus filhos sobre situações em que precisa

economizar ou explicar os motivos por que algumas vezes precisa negar seus pedidos de

consumo.

“Com meus filhos falo sim, dessa questão, da coragem

de mudar para um lugar mais simples, da gente juntar dinheiro.

Até minha filha fala que aluguel é burrice. Mas também não tem

tanto entendimento da situação. A gente conversa...”.

A Sra. Bandeira citou alguns consumos que viraram tema de debate entre a família

para decidir se seriam cortados do orçamento ou não, reforçando essa importância de se

conversar sobre dinheiro com os filhos, conscientizando-os da condição econômica da

família.

“Meus filhos são tranquilos porque sabem que carro vai

mas depois volta. São tranquilos. O meu marido diz que a gente

vai conseguir. E estamos conseguindo. Nós 2 pensamos da

mesma forma. Numa extrema necessidade, emergência, a

primeira coisa a ser desfeita é o carro. Tudo que se vai fazer é

colocado, mas geralmente quem toma a frente sou eu, passa

tudo por mim. Meu marido às vezes não se mete muito”.

Em oposição a esses exemplos e que não foi observado na maioria das mães de família

entrevistadas para esta pesquisa, a Sra. Lobo contou que desde nova havia conversas abertas

em sua casa sobre dinheiro. Ela conta que sua mãe fazia uma brincadeira com ela. Como a

mãe era manicure e chegava em casa sempre com as mãos com resto de esmalte, a Sra. Lobo

ajudava a limpar suas mãos e como recompensa podia pegar as moedinhas que sobrassem na

bolsa de sua mãe. É como um aprendizado inicial de pagamento por uma tarefa realizada.

“Minha mãe chegava, ela fazia unha, ela limpava na

mão, minha mãe chegava com aquele monte de resto de esmalte

na mão, eu ficava tirando e tirando e falava ‘mamãe, já

trabalhei, o que a senhora tem hoje?’, minha mãe ‘vê o que tem

no fundo da minha bolsa’, era um monte de moedas de R$ 0,10,

R$ 0,05, já era a bala do dia seguinte no colégio”.

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E esse diálogo se estende até os dias de hoje. A Sra. Lobo conta que sua mãe ainda dá

opinião sobre ela ter casa própria, investir em imóvel.

“Hoje, uma das coisas que minha mãe não concorda e

eu já faço diferente, é que eu moro aqui, eu não tenho casa, na

minha casa eu só pago luz, água e meu consumo, tem que pagar

condomínio, entendeu? De tanto minha falar, isso já faz muito

diferente”.

Como reflexo disso, a Sra. Lobo conta que conversa bastante sobre dinheiro com seus

filhos, em especial a filha, que é muito consumista. Mas, ao mesmo tempo, percebe-se que o

diálogo não é transferido para a prática, pois os desejos consumistas da filha são incentivados

e atendidos.

“Se a filha for adolescente como a minha, ninguém me

ouve! Aqui é um gasto absurdo. O gasto dela é um gasto que

não tem preço, porque tudo o que você compra é sempre pouco,

sempre está precisando. O adolescente é pior do que criança,

pior do que bebê que você compra uma roupinha de 1 mês e na

semana que vem não dá mais. Para o adolescente tudo é

pouco... e falo para ela da importância, porque ela tem 3

cartões de crédito, eu falo da importância também do gasto

produtivo”.

Por fim, um exemplo que vale ser destacado é o da Sra. De Fátima. Ela é

mais uma que nunca presenciou conversas sobre dinheiro ou dificuldades financeiras por

parte de seus pais. No entanto, com sua filha ela faz o contrário, buscando orientá-la desde

cedo sobre noções econômicas numa estratégia que ela chama de “combinados”.

“Eu sempre trabalhei com M. os combinados. Desde

pequenininha: vamos fazer os combinados. Agora ela está com

6 anos, está no 1º ano, está aprendendo a contar. Está

conhecendo letras, números. ‘Mamãe, quero ovo’’, fui ao

mercado e mostrei para ela ‘Você está vendo aqui? O ovo tem

isso aqui, olha só o preço do ovo’, peguei a barra de chocolate

‘tem isso aqui, 250, olha o preço’. Tem que barganhar com

alguma coisa. ‘Esse ovo aqui dá para comprar 5 dessas’, e ela é

olho grande, ‘você quer um desses ou 5 desses?’, ‘quero 5

desses’, ‘aqui não tem brinquedo’, ‘não, depois você compra’.

Então... (...) Consciência de economia, até economia do lar.

Sempre falei com ela, vou ao mercado com ela às vezes, até

peixe, tudo que vou comprar, ela pega assim ‘isso está muito

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caro? Qual é o mais barato?’, danoninho que ela gosta, leite

fermentado, tem de várias marcas ‘esse não, aquele está mais

barato’, sempre faço isso com ela”.

4.2.2. DIÁLOGOS AMPLIADOS

Optei por chamar de Diálogos Ampliados aqueles que vão além do domínio do lar,

envolvendo outras pessoas que influenciam no consumo da família, como madrinhas e avós,

por exemplo, servindo até mesmo para compartilhar alguns gastos com os

filhos. Normalmente é alguém com uma condição financeira melhor, que serve como uma

“muleta” para a família, dando presentes e ajudando a custear alguns consumos dos filhos. No

entanto, é importante observar que os presentes dados por essa pessoa de fora têm um

significado de identidade de sua classe social, como uma tentativa de atrair o presenteado para

seu patamar financeiro, conferindo-lhe uma identidade diferente da que recebe dos pais. Na

maioria das vezes esse agrado é visto com bons olhos e como um afrouxo no aperto da

família. Mas pode acontecer ainda da mãe administrar o que o filho está merecendo ganhar ou

não, agindo como uma fiscal dos agrados.

Uma identidade familiar (ou seja, aquilo que somos enquanto família) é dependente

de interações compartilhadas entre os membros que formam uma família, não sendo esta

construída na mente de um indivíduo isoladamente, porém co-construída através de ações.

Isto significa que essa identidade é mutuamente construída, tanto internamente entre seus

membros, como externamente em relação à percepção dos demais (EPP & PRICE, 2008). De

acordo com as autoras, as famílias possuem uma variedade de possíveis identidades –

coletiva, relacional, individual –, o que afeta suas decisões. Por exemplo, os indivíduos, seus

membros (pai e filhos, mãe e filhas, irmãos, um casal, e etc) e a família como um coletivo

constroem sua identidade através do consumo e outras práticas. A negociação e os diálogos

que ocorrem entre os membros da família e as pessoas de fora que influenciam seus consumos

ajudam a construir a identidade daquele indivíduo, tanto individualmente, como

coletivamente. Por isso a influência de alguém de fora pode interferir nessa construção de

identidade, visto que ela é tida como um membro da família, porém com acesso a consumos

diferentes.

Como o estudo de campo foi realizado em datas próximas à Páscoa, por exemplo, a

madrinha era bastante lembrada como a pessoa que deu o esperado ovo de páscoa aos filhos,

enquanto a família presentava com barras de chocolates (que custam bem menos que o

ovo). No caso de Da Sra. De Fátima, ainda que a entrevistada criticasse o

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consumismo exacerbado da comadre, ela deixou claro que o papel da madrinha de sua

filha era importante muitas vezes para aliviar seu orçamento familiar. Além do exemplo do

ovo de Páscoa, Solange contou também que optou por comemorar o aniversário da filha na

festa da filha de sua comadre, como uma forma de economizar.

“Esse ano minha filha não vai ter aniversário, vou

combinar o que vou fazer com ela ainda. Já estou trabalhando

isso. (...) Um dos irmãos da minha comadre, da Conchita, faz

aniversário em julho e ele adora fazer festa, toda vez é na casa

da Conchita que é um casarão, já falei com a Con, ‘Con, vou

aproveitar o aniversário do Inácio (...) vou mandar fazer um

bolo para a Mariá e vou botar na festa do Inácio’. Como lá tem

bastante criança ela vai achar que é a festa dela. Tudo no

rolo”.

Um caso diferente que surgiu nas entrevistas foi com a Sra. Barros, que é afilhada,

junto com a filha, da mesma pessoa. Portanto, neste caso a madrinha, que é irmã da

Sra. Barros (há uma diferença de nove ano entre as duas) assume um papel duplo de muleta

da família. Por exemplo, quando a filha mais velha quis fazer Muay Thai na academia e

Barros não tinha dinheiro para pagar, ela incentivou que a filha recorresse à madrinha.

“A academia também eu saí, entrei, mas saí porque não

dava, a minha irmã está pagando pra minha filha, ela está

fazendo Muay Thai, a minha irmã está pagando porque é

madrinha dela. ’Mamãe paga pra mim’, ela já tinha feito

(Muay Thai), trancou a matrícula, porque eu não tive dinheiro

pra pagar, aí ‘eu não tenho, eu não tenho condições, pede pra

sua madrinha’. ‘Então eu vou pedir’, e minha irmã já chegou e

ela tem, aí pagou, aí está pagando (...) Ela é gente boa”.

Já a ajuda da madrinha à própria entrevistada ocorre na forma de prestação de serviços

de beleza. É que a madrinha é proprietária de um salão de beleza, então a Sra. Barros, quando

está sem dinheiro, recorre à irmã. Barros contou que “pendura” sua conta (deixa para pagar

depois, quando puder).

“É, a mesma, só tenho ela de irmã, os outros 2 são

homens, é minha madrinha e madrinha dela (da filha da Sra.

Barros), madrinha das duas (...) Higiene pessoal a minha irmã

tem um salão, eu tenho botado no pendura direto lá, a depilação

eu estou botando tudo no pendura. Não dá, aí já é demais, ainda

bem que minha irmã tem esse salão, aí eu vou lá, poxa eu fico

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até constrangida, ‘não, pode vir, vem aí’, quando eu ganho

dinheiro eu pago, pago metade, depois eu pago outra”.

Há ainda o caso em que outros membros da família fazem o papel da “madrinha”,

como na casa da Sra. Cavalcanti, onde a avó do filho é quem participa aliviando o orçamento

da família, dando presentes e permitindo alguns pequenos luxos ao garoto. Aqui existe um

pequeno conflito entre o que a avó quer dar e o que a mãe acha que o filho merece. Um

conflito pode ser definido como “as divergências que surgem no processo de tomada de

decisão do consumidor quando os membros da família se esforçam para atender a

necessidades conflitantes, em conformidade com seus recursos financeiros disponíveis”

(HAMILTON, 2009). Portanto, a Sra. Cavalcanti faz questão de fiscalizar os presentes dados

pela avó, decidindo se o filho está “merecendo” aquele agrado.

“É que a vó dele, tudo que ele quer, ele liga para avó e

pede. Semana passada ele queria um tablet, ligou para avó e

pediu. A avó depositou o dinheiro na minha conta para

comprar, daí nesse meio tempo o professor de inglês parou o

pai dele na rua para reclamar do comportamento dele na

escola. Daí eu falei ‘seu dinheiro está guardado’, ‘mas o

dinheiro é meu, a avó que me deu’, ‘primeiro eu não pedi para

você pedir dinheiro para a sua avó, segundo, não tem condições

de ter tablet, eu não quero tablet nessa casa’”.

Durante este estudo de campo, houve apenas um caso onde a entrevistada era quem

fazia o papel de “madrinha” com seus familiares, que foi com a Sra. Bandeira, ainda que

informalmente. A Sra. Bandeira contou que muitas vezes é ela quem ajuda a bancar alguns

almoços em família, por exemplo, em momentos que sua irmã está mais apertada

financeiramente.

“Somos 3 irmãs e cada uma tem sua família. Mas

aniversários, as datas festivas é o momento. E geralmente são

as ceias, os almoços. Na páscoa vem todo mundo pra cá, pra

minha casa, já elaborei tudo que vai ser feito. E sobra pra mim.

Tem que ter um que se sacrifica (...) Como pra mim isso é

importante, coloco isso pra debaixo do tapete e vou curtir o que

gosto, de estar com elas, de conversar, rir, abraçarmos. Minha

família tem uma coisa bacana que é na alegria ou na merda

está todo mundo junto. Se eu cair aqui e precisar vai todo

mundo correndo. Enquanto puderem encostar em mim vão

encostar, mas na hora do vamos ver é todo mundo junto”.

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Por fim, é importante comentar que a presença de pessoas atuando com o papel de

“madrinha” e auxiliando a família com seus consumos, apesar de trazer esse alívio financeiro,

também podem estar alimentando o desejo dos filhos por mais produtos de consumo, a partir

do momento em que há um intercâmbio de identidades familiares (dos pais, endividados x da

madrinha, de classe social superior). Esse desejo estimulado pode originar cobranças por parte

dos filhos a seus pais a fim de dar continuidade ao consumo ora proporcionado pela madrinha.

Estes agrados por parte da madrinha podem também suscitar uma obrigação de recompensa

por parte dos pais como forma de agradecimento pela ajuda, o que pode ter consequências

negativas para o endividamento da família, uma vez que poderão vir a ter um gasto que não

existiria se não fosse essa compensação.

Portanto, neste tópico delineamos os diálogos que acontecem apenas entre os membros

da família, que chamamos de Internos, e os que envolvem terceiros, que chamamos de

Ampliados. No caso desse último, avós e madrinhas têm um papel importante, não apenas

educacional, mas também como um a “muleta” onde a família se apoia nos momentos de

dificuldade financeira. Essas figuras externas ao lar dos entrevistados aparecem como um

alívio, um suporte onde as famílias podem se apoiar. E por isso elas têm papel importante na

forma como os entrevistados lidam com sua vida financeira.

A seguir buscaremos estudar quais são as estratégias utilizadas pelas famílias para

lidar com a dívida.

4.3. ESTRATÉGIAS PARA LIDAR COM A DÍVIDA

A fim de entender como as famílias administram na prática seus gastos e seu

orçamento financeiro, busquei aqui responder à terceira pergunta da pesquisa: Quais as

estratégias financeiras utilizadas pelas famílias para lidar com o endividamento?

Para lidar com as contas em atraso e gerenciar melhor o orçamento da família, a fim

de encaixar todos os consumos prioritários, secundários e hedônicos, as entrevistadas

recorriam a diferentes estratégias de economia. Percebemos duas estratégias principais

utilizadas pelas famílias para gerenciar a vida financeira: a substituição e a terceirização, que

explicaremos melhor a seguir.

Foi interessante perceber que alguns consumos, ainda que aparentemente

supérfluos, às vezes não são totalmente eliminados da vida dessas famílias (como

comentamos anteriormente, há os consumos que chamamos de hedônicos), mesmo que estas

estejam passando por dificuldades financeiras. Como alternativa, elas recorrem a substitutos

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mais baratos (demonstrando uma baixa fidelidade a marcas) ou realizam o mesmo consumo,

porém em menor frequência ou recorrendo ao auxílio de terceiros para arcar com tal produto.

Na substituição há o abandono de determinado produto ou marca para adoção de um

novo em seu lugar, ou, em outras palavras, um tradeoff entre a alternativa à qual o

consumidor é comprometido e uma potencial reposição (HAMILTON ET AL, 2014). Entre as

chaves condutoras da substituição, os autores identificaram: oportunidades (novas alternativas

ou informações, por exemplo), restrições externas (falta de estoque ou descontinuidade na

oferta de determinado produto) e restrições internas (como conflito de interesses, orçamento e

autocontrole). O comprometimento do consumidor com determinado bem é o que funciona

como o moderador de substituição do mesmo (se há um forte comprometimento, a

probabilidade de substituição é menor, e vice-versa). No caso de um forte comprometimento,

a substituição pode se dar por restrições internas ou externas, por exemplo, que forcem o

consumidor a abandonar e repor determinado produto (HAMILTON ET AL, 2014). No caso

das entrevistadas, a motivação foi externa – causada pelo endividamento.

A Sra. De Fátima, por exemplo, contou suas estratégias para seguir comprando roupas,

sapatos ou mesmo móveis para a casa. Esses são consumos que a entrevistada contou não ter

abandonado. Enquanto os sapatos são comprados apenas em épocas de promoções, uma vez

ao ano, suas roupas e os móveis agora são comprados em brechós, onde os produtos são

encontrados a preços mais acessíveis.

“Agora vou fazer fofoca: acordar 5 ou 6 horas da

manhã no sábado, ir na Praça XV e futucar, você consegue

coisas ótimas, bolsas de couro, roupa, sapato não é bom, mas

bolsa, roupa, sempre você consegue. Vou pegar um negócio

para você ver, foi R$ 10, R$ 15 (...) Essa mesa aqui foi usada,

essa divisão usada, o sofá da minha sala é usado, mandei

reformar. Quase tudo comprei usado”.

Ainda sobre os consumos considerados supérfluos, A Sra. De Fátima contou que

diminuiu a ida a restaurantes e boates, mas que não deixa de ir a bares e ao pagode que ela

gosta. Aqui segue a mesma estratégia para conseguir manter esse lazer: ela leva sua própria

cerveja no isopor, ao invés de comprar na rua, que é mais caro. Ela chega a citar este hábito

como sendo “da moda”. Confirma-se aqui mais um hábito que não foi abandonado devido ao

endividamento, mas que foram negociadas alternativas para mantê-lo na rotina da família.

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“A única coisa que fiz para mudar foi aquele consumo

que está na moda, levar cerveja para o pagode. Só isso.

Geralmente eu vou para os pagodes com minha cerveja. Tinha

um pagode na rua que não está tendo mais, que eu gosto de ir,

estou levando, comprei na Leroy Merlin, é um carrinho tipo

aqueles carrinhos da Brahma que o pessoal vende no carnaval,

com rodinha. Eu encho de cerveja e vou na maior cara de pau,

meu marido morre de vergonha, não tem jeito”.

No caso da terceirização, esta pode vir até mesmo de membros da família, como

quando filhos arcam com seu próprio consumo, aliviando o orçamento familiar. Nesse caso,

os filhos iniciam no mercado de trabalho ainda jovens e isso faz com que essa forma de lidar

com o dinheiro permita que a educação financeira se inicie cada vez mais cedo, visto que eles

passam a precisar negociar seus consumos por conta própria. É o caso da família Cavalcanti,

onde o filho inclusive é o arrimo da casa.

“Por exemplo, ele (filho) fez uma dublagem, ele é

dublador também, assim em dez minutos ele ganhou cento e

cinquenta reais. Mas ele é um adolescente e o que ele ganha

pouquinho é para ele, tudo que ele vai ganhando é para ele.

Então quando eu vim para cá eu vim com uma certa quantia

para investir. Quando ele começou entrar em televisão o nível

financeiro da gente melhorou porque ele tinha já um salário

certinho todo mês e tudo mais”.

Além disso, é importante destacar que essa é mais uma forma de aliviar o orçamento

familiar e permitir consumos hedônicos e/ou individuais. Com este tópico, confirmamos que

há hábitos de consumo que não são abandonados, e que a família encontra “jeitinhos” para

mantê-los em seu cotidiano. A seguir, entraremos no consumo que mais nos interessa nesse

estudo: o de produtos de beleza.

4.4. CONSUMO DE BELEZA

Após um panorama geral da situação financeira de nossas entrevistadas e suas

prioridades e estratégias de consumo, abordaremos neste tópico o coração da presente

pesquisa: o consumo de produtos de beleza. A seguir me aprofundarei nos sentimentos

relacionados a esse consumo, e na sequência falarei das estratégias de manutenção,

substituição ou abandono desta categoria.

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4.4.1. SIGNIFICADOS E SENTIMENTOS RELACIONADOS AO CONSUMO DE BELEZA

Dentre os consumos considerados prioritários e/ou secundários pelas entrevistadas

deste estudo, encaixa-se a categoria de produtos de beleza, intimamente ligados à sensação de

bem-estar, cuidado com a saúde e autoestima. Segundo dados do Instituto de Análise e

Pesquisa de Mercado Mintel de 2013, 73% dos consumidores passaram a comprar e gastar

mais com esses artigos, colocando-os como prioridade acima até de gastos com férias, casa e

eletrônicos.

Segundo a pesquisa “Mais feminino – A beleza da mulher brasileira”, do Data Popular,

publicada pela Revista Exame, as mulheres estão se preocupando mais com produtos de

beleza do que há cinco anos. Os dados trazem que a preocupação das brasileiras se reflete na

movimentação do mercado: foram R$ 53,5 bilhões gastos com beleza no primeiro semestre de

2012. Na hora da decisão, a prioridade seria pela qualidade: 63,7% das brasileiras se

preocupam mais com o produto do que com o preço, 18,5% buscam qualidade, 14,3%

priorizam o preço em relação à qualidade e 3,5% consideram apenas o preço. A fidelidade

também é característica fundamental de consumo para as brasileiras. De acordo com o Data

Popular, perfume e desodorante (60,6%), limpeza facial (52,3%), tintura para cabelo (51,7%)

e protetor solar (50,3%) são os produtos mais comprados levando em conta a marca.

Relembrar esses dados é importante para fazer uma comparação com os achados dessa

pesquisa. No geral, percebeu-se a importância que os produtos de beleza têm na autoestima

das mães de família. Porém, como esse estudo focou em famílias endividadas, foi interessante

se aprofundar melhor nos conflitos dessa relação da mulher com a beleza e nos significados

que esta categoria representa em seu dia-a-dia, além da questão da fidelidade às marcas.

Talvez por uma questão até mesmo moral, numa tentativa de minimizar os gastos com

um consumo supérfluo em meio à dificuldade financeira da família, algumas entrevistadas se

afirmavam pouco vaidosas. No entanto, ao aprofundar perguntas e se aproximar do cotidiano

mais íntimo dessas mulheres, podia-se perceber que elas tinham, sim, uma preocupação com

sua aparência. O ritual de beleza continuava presente na vida de algumas das mães de família,

embora se pudesse perceber uma troca de marcas e produtos. Já outras se diziam

assumidamente vaidosas, não abrindo mão de alguns cuidados consigo mesmas.

Todo esse cotidiano ligado aos cuidados com a beleza provoca diferentes sentimentos

no indivíduo, que são importantes destacar pela influência que os mesmos têm nas decisões de

consumo dos entrevistados.

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Entre os significados e sentimentos das entrevistadas relacionados à categoria produtos

de beleza, pudemos perceber: saudosismo, vaidade, orgulho, conformação,

constrangimento, privação, persistência, receio e desapego. A seguir falarei sobre cada um

deles e trarei algumas falas que melhor exemplificarão os exemplos.

Tristeza

O endividamento também leva a um sentimento de tristeza, em especial por não poder

mais pagar pelos produtos que se utilizava antes. Cavalcanti foi uma entrevistada que expôs

essa situação, afirmando até mesmo um pesar pelo abandono do produto.

“Então assim, o Redken também foi uma coisa que saiu

da minha vida. É com muito pesar que eu falo isso. Você não

sabe o bem que faz, não sei se você já usou...”.

Nessa análise mais abstrata da pesquisa, onde buscamos compreender os sentimentos

demonstrados pelas entrevistadas, foi importante relacionar suas falas com seus hábitos, já

que muitos sentimentos não eram citados de forma explícita, mas demonstrado através de

exemplos. Essa é uma parte muito importante do estudo, pois permite relacionar esses

sentimentos com os hábitos de consumo dessas mães.

Privação

Com relação ao sentimento de privação, mais de uma entrevistada mostrou-se contida

em seus consumos antes cotidianos, às vezes se proibindo de comprar ou se aproximar de

pontos de venda tentadores. É o caso de Barros, que cita as revistas de produtos como Avon e

Natura como um contato que precisa ser evitado, pois poderia gerar compras por impulso.

“Isso aí temos que diminuir, não fazemos mais aquelas

comprinhas das revistas que a gente gosta de comprar, mulher

adora comprar coisa. Ah eu não posso, ‘pega isso, pode isso’,

não, não, não, pelo amor de Deus, não quero, não dá, não estou

podendo, eu não posso também ir fora do meu alcance, eu não

vou me comprometer e depois ficar...”.

Já Bandeira conta que, pelo receio de gostar de uma marca mais cara, prefere se privar

de experimentá-la, para não correr o risco de querer comprar sempre.

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“Avon é uma das mais em conta e tradicional, por isso

que sou fiel a ela. A Natura é maravilhosa, mas não dou nem

oportunidade de conhecer. Quando vejo o preço nem me

interesso”.

Constrangimento

Sentir-se constrangido por estar numa situação financeira apertada e não poder realizar

determinados consumos é uma recorrente. Por exemplo, Lobo relatou que tem o hábito de

solicitar, mesmo com vergonha, serviços gratuitos no salão de beleza da irmã quando está sem

dinheiro, o que ela chamou de “pendurar a conta”.

“Higiene pessoal a minha irmã tem um salão, eu tenho

botado no pendura direto lá, a depilação eu estou botando tudo

no pendura. Não dá, aí já é demais, ainda bem que minha irmã

tem esse salão, aí eu vou lá, poxa eu fico até constrangida irmã,

‘não, pode vir, vem aí’, quando eu ganho dinheiro eu pago,

pago metade, depois eu pago outra”.

Saudosimo

Entre as saudosistas, destaca-se Ferreira, que por mais de uma vez durante a entrevista

relembrou o nome de um perfume que não fazia parte mais de seu repertório de produtos de

beleza.

“Eu trabalhei no Bradesco por doze anos aí eu tinha um

nível financeiro muito bom, bancário naquela época ganhava

muito bem, existia um perfume chamado Drakar Noir que eu

sonho com ele até hoje. Era um negocinho assim desse tamanho

pretinho. Vocês lembram da Mesbla ou não? Tinha Mesbla

aqui não tinha? Só vendia na Mesbla. Era um pretinho assim e

esse que eu gostaria de usar todos os dias até o fim da minha

vida porque ele é maravilhoso”.

Percebe-se aqui claramente o rompimento de uma prática devido ao endividamento.

Conformismo

Passar por uma situação financeira complicada, que leva a substituir produtos antes

preferidos por outros de menor qualidade ou apego leva, também, a uma situação de

conformação. É um caso parecido com o relatado por Ferreira. Observou-se esse sentimento

quando as entrevistadas se mostravam dispostas a enxergar pontos positivos nos novos

produtos que se viam obrigadas a consumir, estando conformadas em ter de abandonar um

consumo ora praticado. Cavalcanti, por exemplo, disse ter consciência de que outra marca de

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maquiagem era superior, no entanto a que ela tinha passado a comprar ainda era uma boa

opção, com qualidade reconhecida.

“Maquiagem, eu gosto muito de maquiagem. Tipo assim,

a Payot está muito mais cara e aí você vai substituir por uma

coisa mais barata, até Avon. Avon tem produtos bons, mas a

Payot tem produtos muito melhores. Então ultimamente estou

comprando Avon, pó da Avon, sombra do Boticário, mas a

Payot é bem melhor”.

Desapego

Um outro sentimento que surgiu ao longo das entrevistas foi o de desapego, tanto

constante (a entrevistada nunca se interessou por cuidados de beleza) ou como consequência

da dívida. Percebeu-se esta segunda situação claramente na fala de Ferreira, que tinha um

cabelo comprido e o cortou para economizar – segundo ela, um xampu, por exemplo, durava

apenas três lavagens e já era necessário comprar outro.

“Por exemplo, eu cortei meu cabelo. Eu cortei

cinquenta e cinco centímetros do meu cabelo. Imagina aí. Você

vê o monte de cabelo que eu tenho e eu doei lá em João Pessoa

porque eu não tenho condições de sustentar um cabelo

daqueles. Para você ter cabelo grande você tem que ter

dinheiro. Então não deu mais para sustentar o cabelo. Até o

cabelo... Sabe de uma coisa? Eu vou fazer uma boa ação, aí eu

cortei e deu quatro perucas para quatro criancinhas. Está bom

demais. Nesse calor do Rio de Janeiro ninguém suporta ficar

com um cabelão”.

Já Largo contou ser absolutamente desapegada de rituais de beleza, independente de

situação financeira. Portanto a dívida não teria surtido efeitos em seu consumo na categoria.

“Eu não sou desse consumo, nunca tive esse costume,

não é de agora, não foi uma coisa que eu cortei. Nunca fui de

creme, não consigo ter esse ritual de creme, disso, daquilo...

Acho chato, não tenho paciência, acho chato esse ritual de

beleza”.

Resistência

Quando o indivíduo demonstra dificuldade em substituir ou abandonar produtos,

percebe-se aí uma resistência em mudar hábitos. Bandeira foi um exemplo que seguiu usando

um xampu de marca mais cara, apesar do aperto financeiro, por não abrir mão de sua

qualidade superior.

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“Aqui é o xampu Kerastase que fortalece o

cabelo. É caro, mas se você dividir pelos xampus comuns

ele rende meses, então acaba saindo mais econômico e

com qualidade (...) O xampu invisto com maior prazer,

gosto dessas marcas, são marcas que me atraem, o

cuidado com o cabelo”.

Receio

Quando se falou em experimentar marcas mais baratas, Bandeira afirmou ter

preconceito, preferindo recorrer a outras que, ainda que mais em conta também, sejam

reconhecidas.

“Eu tenho meio preconceito com isso, não gosto (de

conhecer marcas mais em conta). Se a Avon tem a mesma

qualidade ou melhor e é mais em conta, não tem porque ficar

comprando outra marca”.

Bem-estar

Similar ao sentimento de orgulho, está o de bem-estar pessoal. Villa foi uma

entrevistada que contou ter um ritual diário de beleza cuidadoso, desde protetor solar no rosto,

até maquiagem e cremes anti-idade.

“Sempre fui muito vaidosa com essa questão de tratar de

rosto, mas especificamente usando esses produtos assim tem 2

anos, foi quando conheci essa dermatologista de pele negra. Eu

não tinha rotina de filtro solar, agora hoje eu acordei, coloco,

não passo de 3 em 3 horas porque não dá tempo, mas de manhã

eu passo. Eu tomo banho no meio da tarde e passo de novo o

filtro, tem essa questão. Tratamento, outra coisa que gosto de

fazer é sobrancelha, fiz sobrancelha temporária, aquela que

você faz uma tatuagem, eu faço, mas faz tempo, está na época de

fazer (...) Até porque por ser síndica, às vezes a gente está aqui,

vem alguém, toca, bate na porta, tem que resolver alguma coisa,

não posso descer lá de qualquer jeito, tenho que estar

arrumadinha, me maquio, mas gosto muito de maquiagem.

Gosto demais. Sou quase uma drag Queen”.

Orgulho

Lobo, que manteve alguns de seus consumos de beleza preferidos, ainda que mais

caros, mostrou-se orgulhosa por conhecer tão bem os benefícios dos produtos escolhidos por

ela.

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“Fui gerente da Boticário, consigo diferenciar um

perfume do outro perfeitamente, não vou usar qualquer um (...)

Então esse perfume, por exemplo, tenho há 1 ano e meio, eu usei

em início de fevereiro num casamento. Então quer dizer, vou

abraçar todo mundo, vou estar de vestido longo, sair com uma

boa maquiagem e vou estar com um perfume marcante e caro,

que as pessoas vão olhar ‘está rica’”.

Também se percebeu um sentimento de orgulho quando elas mostravam como

estavam se saindo bem em suas estratégias para economizar.

“É o jeito. Bolsa, agora vou fazer fofoca! Acordar 5 ou 6

horas da manhã no sábado, ir na Praça XV e futucar, você

consegue coisas ótimas, bolsas de couro, roupa, sapato não é

bom, mas bolsa, roupa, sempre você consegue. Vou pegar um

negócio para você ver, foi R$ 10, R$ 15. Meu marido perdeu um

óculos que custou R$ 600. O óculos era esse daqui, igualzinho,

a armação e tudo, só que nós tiramos a lente. O que é caro no

óculos? A armação. Foi R$ 10. Tiramos a lente e vai mandar

botar só a lente, a lente vai sair por R$ 100, vamos economizar

(…) O enxoval dela eu comprei tudo na Barra, num brechó que

eu tenho uma amiga que é a Cristiane Brasil daqueles Palhaços

da Alegria dos hospitais e aquele grupo Roda Gigante que faz

teatro, ela falou ‘Solange, lá no Pontal tem

um brechó maravilhoso’. Fui na minha gravidez toda, minha

filha só teve coisas chiquérrimas, super baratas, tudo

importado. Todas as minhas amigas eu levo lá quando estão

grávidas: vamos lá garimpar”.

Portanto, entender e explorar estes sentimentos trazidos pelos produtos de beleza ajuda

a contextualizar o significado de beleza para as entrevistadas durante esse período de

endividamento e a explorar como essas mães de família negociam esse consumo em família.

Numa análise ainda mais profunda sobre este sentimento, pôde-se perceber que eles têm

conotações positivas ou negativas, e que estas podem relacionar-se como um processo de

abandono do produto de beleza. Explicaremos melhor no tópico a seguir.

4.4.2. DINÂMICA DE NEGOCIAÇÃO DOS CONSUMOS DE BELEZA

Os sentimentos relatados anteriormente nos remetem a um estudo de Suarez (2014)

que traz que, no que diz respeito ao abandono, há interações e movimentos de significados

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positivos e negativos relacionados com o consumo e o não consumo de uma categoria. Esses

movimentos simbólicos permitem ao indivíduo fazer a transição da condição de consumidor à

de não consumidor - algo que nem sempre é imediato ou fácil, pois é necessário recriar,

subjetiva e socialmente, novos significados associados ao produto (SUAREZ,

2014). Suarez propôs um framework que serve como uma ferramenta para analisar o processo

do abandono e que apresenta quatro tipos de associações de significados que podem ocorrer.

Esse framework nos ajuda a entender melhor como os sentimentos advindos das falas

das nossas entrevistadas podem representar o abandono de produtos de beleza como um

processo.

A primeira associação feita por Suarez é o esmorecimento, que ocorre quando o

indivíduo está atrelado ao significado positivo do consumo mesmo após o abandono. Nestes

casos a pessoa tende a sentir tristeza, sentimento de perda, luto e saudosismo em relação ao

antigo hábito.

Já a descontaminação ocorre quando o indivíduo consegue relacionar significados

negativos ao consumo após o abandono, encontrando um incentivo extra para seguir com o

abandono. O reforço ocorre quando o indivíduo consegue associar significados positivos ao

não consumo e se empenha para se desvincular de estigmas associados ao não consumo. Por

fim, a postura defensiva acontece quando o indivíduo atrela significados negativos ao não

consumo, dificultando o processo do abandono (SUAREZ, 2014).

É importante observar que os movimentos descritos nessas quatro categorizações

ocorrem não somente durante o processo de abandono. Ele pode de fato persistir por toda a

vida de um ex consumidor, uma vez que ele continua a articular argumentos que servem para

justificar a sua escolha, tanto para si mesmo como também socialmente. Esses movimentos

puderam ser percebidos nas entrevistas para o presente estudo quando se falava em abandono

de produtos de beleza. Na Figura 1. Dinâmica de Negociação de Consumos de Beleza,

reproduzida abaixo, é possível associar melhor o estudo de Suarez aos sentimentos percebidos

nos relatos das entrevistadas para a presente pesquisa.

Figura 4: Dinâmica de Negociação de Consumos de Beleza

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O que se chamou de esmorecimento, por exemplo, esteve presente em muitas falas

sobre as substituições necessárias no ritual de beleza das mães de família, uma vez que as

mesmas demonstravam tristeza e saudosismo por não terem condições financeiras mais para

consumir tais produtos. Ferreira, por exemplo, fala com saudades de um perfume que ela não

pode mais comprar. Percebe-se um conflito entre a imagem que ela gostaria de criar para si

própria e os produtos que ela pode comprar – que não refletem suas preferências. Ela chega a

dizer que sonha com o tal perfume, como num desejo distante, impossível de se realizar no

momento.

“Eu tinha um nível financeiro muito bom, bancário

naquela época ganhava muito bem, existia um perfume

chamado Drakar Noir que eu sonho com ele até hoje”.

Semelhante a esse sentimento de tristeza, mas mais forte, devido aos aspectos

negativos relacionados ao abandono, há o exemplo de Cavalcanti, onde se percebe uma

postura defensiva. Como já comentado anteriormente, ela cita a marca Redken como sua

maior perda no repertório de produtos de beleza, se diz triste pelo abandono realizado contra

sua vontade e conta que agora seu cabelo parece indomável devido à falta do produto, o que

dificulta seu desligamento da marca e envolvimento com uma nova que a substitua.

“Assim, eu mudei, não compro mais Redken. E aí eu

resolvi assumir minha negritude, não passo mais química

nenhuma no cabelo, então tem que ser uns cremes, uns

shampoos minimamente mais ou menos para poder controlar a

juba. Então, como não tem Redken, está bem

assim, alvoroçado (...) Então assim, o Redken também foi uma

coisa que saiu da minha vida. É com muito pesar que eu falo

isso. Você não sabe o bem que faz, não sei se você já usou...”.

Nestes dois casos, percebe-se que as entrevistadas ainda nutrem um desejo pelas

marcas abandonadas, alimentando uma vontade de voltar a consumir esses produtos. No

entanto, foi possível perceber, ainda, que há marcas abandonadas que são indiferentes, ou que

não fazem tanta falta. Nesses casos, numa comparação com o estudo de Suarez, pode haver

uma construção de significados negativos relacionados ao consumo do

produto (descontaminação) ou de significados positivos ligados ao seu abandono (reforço).

No caso de Barros, por exemplo, ela cita a academia como parte integrante de seus cuidados

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de beleza – e este foi um consumo que precisou ser abandonado devido às dificuldades

financeiras. No entanto, ela diz não sentir tanta falta dos exercícios, pois era uma atividade

cansativa – atrelou significados negativos ao consumo como forma, ainda que inconsciente,

de aceitação do abandono.

“A academia também eu saí, entrei, mas saí, porque não

dava (...) Saí ano passado. Eu também estava meio cansada,

essa foi fácil de largar, muita coisa pra mim, eu estava muito

cansada, vou ter que voltar, mas não estou podendo agora

não”.

Já Villa, que precisou parar um consumo do qual gostava para repassá-lo ao filho

(tratamentos de pele com dermatologista), vê significados positivos nesse abandono, uma vez

que está ajudando seu filho. Pelo benefício proporcionado ao filho, Villa minimiza a falta que

sente do tratamento – atrelou significados positivos ao abandono como forma de

compensação e suavização do sentimento de perda.

“No plano de saúde tem dermatologista e eu tenho o

hábito de ir, sempre tive, mas através de uma amiga em comum

com minha mãe fui parar lá em Madureira, conheci uma

dermatologista que era do Leblon, mas trabalhava

especificamente em Madureira que é especialista em pele negra.

Comecei a me tratar lá com ela, mas ela é do consultório da

Paula Beloz, o que está acontecendo? Tem aquela lá do Leblon

que eu pagava R$ 400 pela consulta, estou pagando R$ 50 na

Madureira, Madureira estava bombando lá e o Leblon ficando

vazio. A mulher voltou para o Leblon, deixou de atender em

Madureira. Ela não é do plano de saúde não. Eu ia lá, fazia

esses pacotes de pé, várias coisas com ela”.

Todo esse misto de sentimentos e atitudes com relação ao consumo de Beleza reforça

a complexidade deste estudo, mostrando que essa decisão de consumo é muitas vezes

inconsciente e sensível a emoções. Além disso, percebe-se que não existe uma escolha

consciente de “consumir apenas o que é necessidade”, mas sim uma negociação para manter

consumos hedônicos e de lazer. Para finalizar minha análise, me aprofundarei a seguir nestas

negociações e decisões de consumo de produtos de beleza.

4.4.3. RELACIONAMENTO COM MARCAS DE PRODUTOS DE BELEZA

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Neste último tópico antes das Considerações Finais, vou buscar me aprofundar mais

na relação de consumo das entrevistadas desta pesquisa com os produtos de beleza. Aqui

percebi três movimentos: 1- entrevistadas mantêm o consumo de produtos de beleza,

resistindo à mudança de marcas; 2- mantêm o consumo, mas buscam estratégias de economia;

3- entrevistadas abandonam o produto. Veja na figura 5. Estratégias para Manutenção ou

Abandono de Produtos de Beleza, reproduzida abaixo.

Figura 5: Estratégias para Manutenção ou Abandono de Produtos de Beleza

Para manter o consumo sem abrir mão de comprar suas marcas favoritas, as

entrevistadas recorrem a algumas estratégias. Uma delas é a terceirização, que é quando

alguém de fora banca o consumo, como uma madrinha ou avó, por exemplo, ou quando as

entrevistadas dão um jeito de que seus amigos mais próximos saibam qual é o seu produto “de

desejo” ou “dos sonhos”, assim aumentam as chances de que o ganhem de presente de

aniversário, Natal e etc. Outra é a tática de esconder/proteger um produto mais caro, como

quando compram um xampu de marca importada e o escondem num cantinho do armário para

que as filhas não o utilizem.

Já quando as entrevistadas mantêm o consumo, mas buscam estratégias para

economizar, algumas táticas percebidas foram abandonar o salão de beleza e começar a fazer

suas próprias unhas, depilação e cabelo em casa, ou simplesmente substituir marcas dos

produtos que não abrem mão por uma mais em conta.

Por fim, quando elas abandonam o produto de beleza, há um ponto importante a ser

observado: esse abandono pode ser parcial (quando algum membro da família ainda usa

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aquele produto, por exemplo, enquanto outros abrem mão do seu consumo) ou total (ninguém

na casa utiliza mais determinado produto).

A seguir discorrerei melhor sobre essas observações, falando sobre a resistência à

mudança quando as consumidoras têm uma percepção de que determinada marca as posiciona

numa identidade com a qual elas se identificam. Na sequência, sobre marcas substitutas como

meio de manter um determinado consumo de produtos de beleza. E por fim, sobre o abandono

em si.

4.4.3.1.MARCAS QUE IDENTIFICAM E POSICIONAM: RESISTÊNCIA À MUDANÇA

O presente estudo tem entre seus objetivos entender o relacionamento das

entrevistadas em situação de endividamento com as marcas de produtos de beleza. E ao longo

das conversas foi possível perceber que há algumas marcas predominantes no discurso dessas

mães de família. Avon, O Boticário e Natura, por exemplo, foram as mais citadas, sendo que

às duas primeiras era atribuída uma maior fidelidade.

Dentre as entrevistas realizadas, diversas mencionaram O Boticário como sendo suas

primeiras escolhas. Avon foi citada como a preferida por uma delas – porém muitas vezes

acabava sendo a escolhida devido a seu preço mais baixo. Essas duas marcas, somadas à

Natura, mostraram-se fortes no repertório de beleza dessas famílias, sendo colocadas como

marcas que posicionam.

Quando utilizamos a expressão “marcas que posicionam”, nos referimos a um

conjunto de valores subjetivos associados à imagem da marca, que, no entendimento do

consumidor, se refletiriam em sua própria imagem. Por exemplo, se a Avon é conhecida por

ter boa qualidade, o consumidor dessa marca pode se ver como um indivíduo usuário de

marcas de qualidade. Ou se o consumidor enxerga a Natura como uma marca sustentável e

preocupada com o meio ambiente, ao utilizá-la, o ele pode se ver como um indivíduo

preocupado com sustentabilidade. Neste caso, essas marcas estariam ajudando a posicionar,

ou categorizar, a maneira como o indivíduo se vê e quer ser visto pela sociedade.

Trazendo para o universo das entrevistas, essas marcas que identificam e posicionam

se mostraram mais dificilmente abandonadas, há uma certa resistência em abandoná-las.

Como justificativas para elencar O Boticário como sendo sua primeira escolha, Largo, Lobo,

Cavalcanti e Conde comentam de sua qualidade superior. Lobo, por exemplo, já trabalhou

numa loja O Boticário, e por isso reforça que tem propriedade para falar dos atributos da

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marca. Ela é quase uma embaixadora da marca, tamanha sua admiração e empenho em elogiar

a qualidade.

“É muito mais barato, mas se for pensar em qualidade

vou comprar Boticário, não vou comprar Contem 1g, vou

comprar Boticário. Eu conheço o produto, além de ter

trabalhado lá, eu conheço o produto (...) Não adianta, tem um

evento importante, vai ter um casamento em julho, você pode ter

certeza que se eu não tiver uma base da Boticário vou comprar,

pelo menos a base, passar, por quê? Porque vai cobrir as

imperfeições (...) É o perfume da Boticário. É o perfume que eu

vou botar e vou ficar com ele, porque tem perfumes que não

ficam na minha pele. Então esse perfume, por exemplo, tenho há

1 ano e meio, eu usei em início de fevereiro num casamento.

Então quer dizer, vou abraçar todo mundo, vou estar de vestido

longo, sair com uma boa maquiagem e vou estar com um

perfume marcante e caro, que as pessoas vão olhar ‘está

rica’”.

Como comentamos anteriormente, para manter esse consumo de marcas com as quais

as entrevistadas se identificam, elas recorrem à terceirização. Jardim conta que “tem sorte”

porque sempre ganha seus cremes hidratantes e perfumes favoritos, então assim não precisa

gastar dinheiro comprando-os.

“Eu ganho muito creme, quando é meu aniversário eu

ganho mesmo não fazendo nada, da Natura. Então a Barbara

que adora, a gente tem sempre 3 sobrando, agora mesmo a

gente tem 2 porque a gente acabou com um, ganhamos 2 iguais

e 1 diferente, então acabou que a gente ainda tem, mas não é

aquela coisa de acabou e ir lá comprar, eu acabo sempre

ganhando. Perfume eu ganho muito também, até tenho um tanto

que eu vou usando e quando acaba eu vou usando outro, tenho

sorte”.

A outra estratégia é a da proteção dos produtos que são seus preferidos, que chamo

aqui de “Cantinho da Beleza”. Ao longo das conversas para esse estudo, percebeu-se tanto a

cumplicidade entre mãe e filha no compartilhamento de produtos, como um jogo de esconde-

esconde, onde tal uso buscava ser individual. Uma das mães chegava a se referir à filha

como “sócia” no consumo de produtos de beleza. Foi o caso de Lobo, que deixa bem claro

com sua filha quais são os produtos que ela pode usar e quais são proibidos (como já relatado

aqui, Lobo é muito apegada a perfumes).

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“Esse perfume está escondidinho porque tenho sócia. É

problema. Esse aqui é relaxante, da minha filha, uso

esporadicamente, esse também é da minha filha. Aquele lá, ela

sabe, se usar é a morte (...) O meu kit de maquiagem está com

minha filha. Eu tenho sócia, maquiagem hoje, esse é da minha

filha e o meu kit de maquiagem é o que ficava aqui dentro que é

tudo da Boticário”.

Já Largo conta que gosta muito de uma linha específica de produtos para o cabelo.

Porém, como está numa situação financeira difícil, não é sempre que pode comprar e, quando

consegue, fiscaliza o uso das filhas, para que não acabe rápido.

“Eu gosto de um determinado shampoo que hidrata

melhor. Eu gosto muito de uma linha do Boticário, de ameixa.

Adoro, mas é uma coisa que eu não estou comprando. Se tem

dinheiro a gente vai lá, corre e compra, mas usa com muita

moderação. As meninas quando usam vou tomar conta, porque

não pode ser do jeito que elas usam, como usam outros

produtos”.

Jardim foi mais uma entrevistada que tem o hábito de compartilhar produtos de beleza

com a filha.

“Creme hidratante quem usa mais é a Barbara porque

eu não costumo usar muito não. Eu ganho muito creme, quando

é meu aniversário eu ganho mesmo não fazendo nada, da

Natura. Então a Barbara que adora, a gente tem sempre 3

sobrando, agora mesmo a gente tem 2 porque a gente acabou

com um, ganhamos 2 iguais e 1 diferente, então acabou que a

gente ainda tem”.

Há também os casos em que os filhos incentivam que os pais comprem determinados

produtos, que são de seu interesse, visando a um uso compartilhado futuro. Bandeira contou

que aceitou experimentar uma marca nova de maquiagem por incentivo da filha, que

certamente se tornará, como nominou Lobo, sua “sócia” no produto.

“A Mary Kay está agora começando a aparecer no

Brasil, são importadas. Minha filha até falou que era uma

excelente marca. Então agora como estou precisando de blush,

já encomendei. E todo mundo elogiando, então vou

experimentar. E é cara”.

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É interessante observar estas colocações sobre quais produtos têm um lugar mais

importante no nécessaire e no armário do banheiro, pois mostra muito do relacionamento

dentro de casa, em especial entre mães e filhos, e a forma como determinados produtos são

utilizados no dia-a-dia – por exemplo, se são de uso exclusivo ou se são compartilhados em

momentos especiais. Esta observação nos permite aproximar do universo dessas famílias e

entender melhor como é sua rotina de beleza.

Até aqui vemos a importância dada por alguns dos entrevistados à marca que utilizam,

se é reconhecida, se é confiável, se tem bom preço. Reforçando mais uma vez a ideia de que

as marcas posicionam os consumidores em categorias construídas subjetivamente em suas

mentes. Ter esse conhecimento é muito importante, em especial no competitivo mercado

atual, pois ajuda que as empresas entendam as necessidades do consumidor e venham a

oferecer produtos e serviços que atendam aos seus desejos. As marcas capazes de transferir

valores ao que é oferecido ao público acabam ganhando sua preferência, devido aos

benefícios emocionais que levam ao consumo e fidelidade em seus produtos e serviços.

4.4.3.2.MARCAS SUBSTITUTAS: ESTRATÉGIAS PARA MANTER O CONSUMO

Com o aperto financeiro e a necessidade de substituir e abandonar determinadas

categorias e/ou marcas, foi forte a percepção de falta de fidelidade. Como já mencionado com

relação aos produtos de mercado, onde as mães de família criam mentalmente um grupo de

produtos com qualidade mínima, para então optarem pelo de preço mais baixo, o mesmo não

foi percebido tão claramente quando se fala em produtos de beleza. Foi possível perceber uma

distinção entre a escolha por produtos de higiene (xampu, condicionador, sabonete,

hidratante) e por maquiagens em geral. Muitas entrevistadas contaram comprar a marca de

produto de higiene mais barata da prateleira. Porém, como já foi visto com relação

aos produtos de maquiagem, há uma “peneira” a fim de atestar sua qualidade.

Portanto, para produtos de higiene, foram comuns discursos como “hoje em dia busco

o mais barato”, “infelizmente não dá para escolher mais”, “nem sei qual marca está no meu

banheiro, foi a mais barata que achei”. O caso de Jardim foi ainda mais claro, visto que ela

contou que seu marido tem um bar e recebe de um de seus clientes, como pagamento,

produtos de farmácia. Por esse motivo, ela tampouco tem opção de escolha, usa o que recebe,

sem se importar com a marca.

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“A gente tinha aqui em casa porque tem um rapaz que

paga meu marido... Coisa de comércio é assim, tem um rapaz

que paga meu marido com coisas de farmácia, xampu, pasta,

escova, essas coisas. Eu não sei como ele consegue, eu sei que

ele negocia, está devendo tanto, aqui estão as coisas

equivalentes. Então ele acaba trazendo para casa essas coisas

que a gente não precisa colocar na lista do mercado. Ele trazia

xampu de várias marcas, então a gente foi fazendo assim, não

tem marca que a gente usa, que a gente prefere. A gente foi

usando todas que ele trouxe então agora acabou”.

Cavalcanti, que antes só usava produtos Redken para o cabelo, contou que precisou

buscar por marcas mais baratas, que estão em promoção nas farmácias, para poder

economizar. Segundo ela, nem mesmo pedir para trazerem de fora do país vale mais a pena,

devido ao dólar alto, então ela precisa mesmo recorrer aos substitutos.

“Eu substituí por Querafix, Bio-Querafix, substituí

pela Bionatus, Bioderma, fui substituindo assim, o que eu vejo

às vezes na farmácia que está na promoção, tem uma loja de

salão, de produtos para salões e aí eu vejo lá uma coisa mais ou

menos, um preço mais em conta porque como o pessoal lá da

empresa vai para França sempre, direto, eu até andei pedindo

para trazer, mas o preço lá está quase o preço daqui, nem está

valendo a pena trazer de fora. O dólar alto né (...) Então assim,

o Redken também foi uma coisa que saiu da minha vida. É com

muito pesar que eu falo isso”.

Barros também contou que houve uma mudança com relação aos xampus que utiliza.

Antes dava preferência aos da marca O Boticário, mas atualmente precisa comprar outros

mais baratos.

“Agora xampu a gente quer comprar o melhor, não

compra, compra um inferior. Eu gostava de comprar um do

Boticário, um da Natura, agora a gente compra o Elseve da

promoção, isso aí temos que diminuir, não fazemos mais

aquelas comprinhas das revistas que a gente gosta de comprar,

mulher adora comprar coisa”.

Lobo também substituiu O Boticário por uma mais barata, no caso a

marca Maybelline. Já Cavalcanti, que se assume vaidosa e gosta bastante de maquiagem,

varia seu uso entre Avon, Natura e O Boticário atualmente – apesar de sua marca preferida ser

Payot, porém, por ser mais cara, esta não cabe em seu orçamento mais. Perguntada se tem

alguma preferência entre essas três marcas, Cavalcanti destaca que prefere O Boticário e

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Natura, porém, por questão de preço, acaba comprando mais Avon, destacando sua qualidade

reconhecida mundialmente – como que numa tentativa de posicionar-se numa classe de

indivíduos que ainda não compra qualquer marca, aquela que é mais barata. A Avon permite

que Cavalcanti mantenha uma identidade e se equipare a outros consumidores que privilegiam

a qualidade ao preço.

“Eu tenho preferência pela Natura e pelo Boticário

também. O Boticário agora lançou um quarteto de sombras

violeta, roxo, não sei se você já viu, a coleção outono inverno,

lindo. Está sessenta e quatro reais um quarteto de sombras. Mas

eu prefiro Boticário e Natura, mas como as coisas são um

pouquinho mais caras e a grana está curta, eu compro Avon.

Apesar de que a Avon tem uns produtos bons assim, de

qualidade. A sombra da Avon, essa sombra aqui é muito boa, e

dura bastante também. E por ser uma marca reconhecida no

mercado né, você compra uma sombra qualquer ali do camelô e

vai passar no olho, vai dar coceira, é um produto que você sabe

que ele foi dermatologicamente testado, tudo bonitinho, então

assim, ele tem uma boa qualidade. Tanto é que é vendido no

mundo todo, acho que é a segunda maior empresa que vende no

mundo é a Avon”.

É nesse espaço de preço mais baixo, e ainda com qualidade, que a Avon parece ganhar

mercado. Outras entrevistadas relataram a marca como a alternativa para economizar sem

precisar recorrer a produtos desconhecidos. A comodidade em adquirir produtos Avon foi

outro fator bastante citado, visto que os mesmos podem ser encontrados nas conhecidas

revistas e são vendidos muitas vezes por amigas. A maioria das entrevistadas comentou

também sobre uma loja no Centro do Rio que vende produtos Natura e Avon com desconto, o

que funciona como mais um atrativo para a marca.

Salão de beleza também é um “luxo” que foi abandonado por muitas das entrevistadas,

que agora tentam fazer suas próprias unhas ou depilação, recorrendo ao profissional em

situações especiais, como um evento. É a estratégia de adaptar-se para fazer em casar o

serviço que era feito no salão, como no caso de Cavalcante.

“Unha, não faço mais unha toda semana. Eu até hoje de

manhã pintei minha unha porque estava horrível, está muito

feia, vou até tirar isso hoje. Mas unha não faço mais toda

semana, antes eu fazia toda semana, não estou fazendo.

Depilação, eu tento segurar o máximo possível. Como eu tomo

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hormônio nasce muito pêlo no meu rosto, então tem que fazer

depilação no rosto toda semana, só que eu estou tentando

passar maquiagem para disfarçar. Cosméticos é aquilo que eu

já falei né, cabeleireiro eu não vou mais”.

4.4.3.3. ABANDONO DOS PRODUTOS DE BELEZA: PARCIAL OU TOTAL

Como já viemos explorando, as entrevistadas relataram que podem ser resistentes a

trocar algumas marcas, podem ceder a substituí-las ou, por fim, podem abandonar

determinados consumos, como já debatemos anteriormente. O que vale destacar aqui é que

esse consumo pode ser parcial, quando algum membro da família ainda o utiliza, ou total,

quando todos os membros abrem mão de seu uso.

No parcial, mesmo com a situação financeira da família apertada, houve mães que

abriram mão do próprio consumo para possibilitar o consumo do filho. Esse exemplo

apareceu mais de uma vez durante as entrevistas. Um deles foi com De Fátima, que preza

muito cuidar dos cabelos, mas opta sempre por um xampu barato como forma de manutenção

de seu tratamento capilar.

“Já tive muito isso, de comprar uma marca

específica (...) Lavo duas vezes por semana, fico com ele solto o

dia inteiro pra secar, porque demora pra caramba para secar.

Passo um pouquinho de secador. Lavo com xampu de jaborandi,

só xampu, não pode passar condicionador. Xampu de jaborandi,

qualquer marca, só para a limpeza mesmo do couro

cabeludo”.

Em contrapartida, para a filha ela busca dar preferência aos produtos indicados pelo

salão, que são mais caros. Sua filha, hoje com apenas 6 anos, faz alisamento em um salão que

funciona como um “genérico” da rede Beleza Natural, onde também compra todos os

produtos para fazer a manutenção do cabelo da filha em casa. Enquanto economiza nos

produtos para seu próprio cabelo (não exigindo uma marca específica de xampu, por

exemplo), Solange busca sempre comprar o Kit de tratamento do salão para manutenção

caseira do cabelo da filha.

“Minha filha já faz o permanente todo mês, eu vou com

ela fazer, vou no salão. Tem os produtos que eu compro.

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Tem um salão Cachos Naturais, tipo Beleza Natural, mas o da

minha filha é clandestino. Ela faz desde 1 ano e meio. É esse

cabelo que ela usa. Para ficar bonitinho, senão fica aquele

negócio duro, em pé. Ela vai todo mês. A gente compra o kit

também. Quando não quero comprar o kit, na farmácia tem esse

produto aqui... Esse kit aqui é o mesmo kit do Beleza Natural.

Todo mês a gente vai lá fazer”.

Como já mencionado anteriormente, o caso de Ferreira é uma exceção entre as

entrevistadas, onde seu filho é o arrimo da casa. Esse seria um dos motivadores para que

Ferreira abrisse mão de muitos de seus consumos em nome do filho, e os produtos de beleza

não fogem à regra. Como o filho é adolescente e está passando por uma fase de aparecimento

de espinhas, a maioria dos produtos que ela mostrou em sua prateleira de banheiro tinham

essa finalidade.

“Quase não uso maquiagem. Teve um pó que eu

comprei, esse daqui foi vinte reais... E esse pó aqui quando você

tem acne você joga o corretivo e você bota esse pó aqui ele

absorve, ele parece que diminui o volume da acne entendeu?

(...) Aí eu tive que comprar esse daqui, mas quando ele (filho)

estava trabalhando por causa da pele”.

Villa contou que abriu mão de frequentar a dermatologista, onde fazia vários pacotes

de beleza, para possibilitar um tratamento de pele para o filho, também adolescente, e

sofrendo dos mesmos problemas com espinha.

“Eu ia lá, fazia esses pacotes de pé, várias coisas com

ela. Aí ela voltou a atender lá no Leblon, durante uns 3 meses

eu ainda consegui que ela fizesse um preço de Madureira. Só

que meu filho mais velho tinha muito mais necessidade do que

eu, era adolescente, negro, aquela pele empipocada de espinha,

tudo manchado, horrível, eu dei prioridade para ele. Então ele

começou, ficou fazendo tratamento lá com ela. Enfim, eu

comecei a fazer esse tratamento lá, depois ele continuou se

tratando com ela”.

Neste tópico identifica-se mais uma vez a influência dos filhos nas decisões de consumo

da família. Nesse caso, quando há dificuldade financeira, prevalece a necessidade do filho em

utilizar determinados produtos de cuidados pessoais.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A busca pela compreensão do processo de abandono de produtos de Beleza por famílias

endividadas, através de entrevistas com dez mães, ajudou a iluminar um pouco a

complexidade de significados que permeiam a experiência da dívida e do processo do

abandono. O presente estudo exploratório buscou entender como se dá essa relação de

consumo de produtos de beleza no contexto de famílias endividadas. Embora a atenção à

aparência física possa ser ressaltada por alguns como superficial ou de menor importância, ela

se mostra aqui como um consumo mais complexo, e até mesmo subconsciente, que vai além

de apenas optar por consumir “o que é necessário” e abandonar o que é “supérfluo”,

“hedônico”, “de lazer” durante momentos de crise financeira.

Essa percepção foi explanada com a ajuda da Figura 4: Dinâmicas de Negociação do

Consumo de Beleza, que explanou os sentimentos das entrevistadas relacionados ao seu

consumo/abandono de produtos de beleza num contexto de endividamento. Esses sentimentos

e significados podem ser relacionados ao artigo de Suarez (2014), que ressalta o abandono

como um processo que passa por momentos de esmorecimento, descontaminação, reforço e

de aspecto defensivo.

Sendo algo dinâmico, e não estático, o processo de abandono das entrevistadas

mostrou fases em que algumas delas, em luto pelo abandono forçado devido a fatores externos

(no caso, a dívida), se mostram tristes ou saudosistas. É o que Suarez chamou de

Esmorecimento.

Em outro momento, na Descontaminação, percebia-se uma tentativa de ver aspectos

negativos no consumo – após o seu abandono, claro – como um jogo para dizer a si mesmo

que deixar de consumir é a melhor opção. Aqui elas demonstraram desapego ou um

sentimento de privação, algo como “é melhor me privar daquele consumo, pois ele era

descontrolado, não me fazia bem, é melhor nem ficar perto do que for tentação, estou melhor

assim”.

No que a autora chamou de Reforço, as entrevistadas tentam enxergar os benefícios

do não consumo. Aqui identificou-se, por exemplo, o sentimento de conformismo (“a marca

atual que estou consumindo é mais barata, mas a qualidade é excelente, é reconhecida

internacionalmente”).

Por fim, o Defensivo, onde existe uma grande resistência em abandonar determinadas

marcas pois as entrevistadas enxergam fortemente os pontos positivos do consumo desses

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produtos de beleza. Aqui entram a vaidade e o orgulho. Uma fala das entrevistadas que me

marcou e que se encaixa aqui é quando Villa diz “Gosto muito de maquiagem, sou quase uma

drag queen”, pois demonstra sua satisfação em utilizar seus produtos preferidos.

Paralela à conclusão de que o abandono do consumo de beleza não é a única

alternativa ao endividamento familiar, está o processo demonstrado na Figura 5: Estratégias

para Manutenção ou Abandono de Produtos de Beleza, que traz as dinâmicas de resistência à

mudança, a busca por estratégias de economia (e consequentemente a substituição de marcas

por outras mais baratas) e o abandono.

Na tentativa de manter um consumo hedônico, chamou a atenção nesta pesquisa a

prática da “terceirização” como estratégia para manter o consumo de Beleza, sobre o qual

discorremos no capítulo 4. Entram aqui pessoas externas ao seio familiar, como madrinhas e

avós, por exemplo, que auxiliam na manutenção desses hábitos. O papel dessas pessoas

externas ao lar, e com poder aquisitivo às vezes superior, é muito importante neste estudo,

pois mostrou que os diálogos e negociações de consumo não se travam apenas entre os

membros da família, extrapolando para ambientes alheios.

Faz-se importante também ressaltar aqui a observação do abandono não apenas como

total, mas também como parcial dentro de uma família, quando um dos membros mantém um

consumo em detrimento dos demais. Essa é uma situação comum aos filhos, quando pais

abrem mão de algum gasto para repassá-lo aos filhos, reforçando a influência desses nas

decisões de compra de uma família.

Por fim, esse estudo traz a possibilidade do governo e das organizações sem fins

lucrativos desenvolverem políticas públicas e iniciativas que contemplem a complexidade das

dinâmicas de endividamento, ajudando a desenvolver políticas relacionadas a esse problema

social.

No próximo tópico vou explorar como este panorama pode ser útil às empresas.

5.1. IMPLICAÇÕES GERENCIAIS

Muitas poderiam ser as implicações gerenciais específicas tiradas do presente estudo,

dada a importância para os gestores saberem por que as famílias endividadas abandonam os

produtos uma vez que poderiam tomar atitudes para evitar este comportamento. Os

sentimentos e significados relacionados ao consumo de Beleza aqui apresentados ajudam as

empresas a entender mais das decisões inconscientes que estão por trás do ato de compra do

consumidor e a tomarem iniciativas que retenham ou reconquistem esse público.

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Estudar cada uma das fases do processo de abandono pode trazer um rico

entendimento sobre tomadas de decisão de compra. Por exemplo, na fase do Esmorecimento,

o cliente ainda está sensível à necessidade do abandono, e por isso mais suscetível a retomar o

consumo caso a empresa saiba reconquistá-lo.

Já na Descontaminação e no Reforço, o consumidor está mais convicto de sua

decisão e buscando uma autoafirmação que o convença de que abandonar uma marca ou

produto é a melhor escolha no momento. Neste caso, vemos a oportunidade da indústria de

Beleza se aprofundar nas desvantagens de seu concorrente, destacando suas qualidades em

cima dessa percepção do consumidor.

Por fim, o Defensivo é a “galinha dos ovos de ouro” da indústria de Beleza. Esse

consumidor é muito apegado à marca e não a abandona nem mesmo numa situação de

endividamento familiar. Manter este cliente, e envolve-lo em campanhas ou promoções, é

crucial para a empresa. Hoje em dia, reter clientes sai mais barato e dá mais lucro que captar

clientes novos. Por isso as empresas precisam ter muita atenção a esses consumidores que

estão nessa situação Defensiva, evitando que eles abram mão de um consumo e migrem para

as fases de Descontaminação ou Reforço.

Portanto, o desenvolvimento de estratégias de P&D que possibilitem a criação de

serviços que consigam acompanhar a realidade do orçamento familiar destas famílias é uma

excelente alternativa para a indústria desse setor se aproximar da realidade do seu consumidor

e adequar seus planos de ação.

A seguir, indico como o tema desta pesquisa pode ser abordado em pesquisas futuras.

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6 PESQUISAS FUTURAS

Sendo o abandono um tema tão recente, e ao mesmo tempo tão importante, vale

recomendar aprofundar-se nesta questão relacionada ao consumo de Beleza. Como sugestão

para pesquisas futuras, valeria se aprofundar na relação entre Beleza/Estética e Saúde.

Na presente pesquisa, percebeu-se o uso da ideia de saúde e de prazer para justificar

socialmente consumos que, numa norma moralista, as entrevistadas não deveriam estar

realizando. Essas decisões, muitas vezes inconscientes, podem revelar informações

importantes para as empresas do setor de cosméticos e produtos de beleza em geral.

Recomendo também aplicar a mesma pesquisa com outras famílias de classes sociais

distintas da apresentada neste estudo para uma maior percepção de como se dá o consumo de

produtos de beleza por mães de família num diferente contexto de endividamento.

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8 ANEXOS

8.1. ROTEIRO DAS ENTREVISTAS

1. APRESENTAÇÃO E INÍCIO DA PESQUISA

Bom dia / tarde / noite, o meu nome é Carla e sou mestranda do COPPEAD (Instituto de

Pesquisa em Administração de Empresas), que é a pós-graduação em administração da UFRJ.

Nesse momento eu desenvolvo uma pesquisa para minha dissertação e por isso gostaria de

conversar com você.

Trata-se de uma conversa informal, onde não há respostas certas ou erradas. Aqui me

interessa saber a sua opinião, o que você pensa.

Os dados desta pesquisa serão apresentados de maneira anônima, ou seja, você não será

identificado pelo nome.

Eu gostaria de gravar nossa conversa e assim evitar ficar tomando notas enquanto você fala.

Você autoriza essa gravação? Fique à vontade para parar a gravação em qualquer momento

que desejar.

2. CONTEXTO DE VIDA E AQUECIMENTO

- Nome, idade, estado civil. Com que pessoas vive em casa (nome e idade), Atividade

profissional (profissão), vive de aluguel ou casa própria.

- Antes de começarmos a falar do tema da nossa pesquisa, gostaria de lhe pedir que falasse

um pouco de você. Você poderia se apresentar?

- Uma brincadeira: se a sua família fosse uma música (ou um programa de TV), que música

seria?

- Ao longo da semana, quais momentos são mais importantes para a sua família?

- Ao longo do ano, que datas, momentos, são os mais importantes para a sua família? Como

isso é negociado quando os filhos têm outros compromissos?

- Uma curiosidade: existe algum produto ou serviço, aqui dentro da casa, que você diria que é

o mais importante para a sua família? Aquele que caso não estivesse aqui todos ficariam

aborrecidos?

3. EXERCICÍO PROJETIVO: IMAGINÁRIOS DE CONSUMO E DÍVIDA

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Eu queria começar com uma brincadeira. A gente tem aqui uma família brasileira, a família

Silva. Me fala um pouco sobre como é a vida dessa família e como é o consumo dela?

[SE NÃO SURGIR ESPONTANEAMENTE, PERGUNTAR:]

- ELA PAGA AS CONTAS EM DIA OU TEM ALGUMA CONTA QUE ESTÁ

ATRASADA?

[LEVAR PARA O POLO OPOSTO AO QUE FOI TRASIDO PELO ENTREVISTADO, SE

A FAMILIA FOR ENDIVIDADA, PERGUNTAR:]

- Agora vamos imaginar que a família Silva conseguiu resolver seus problemas financeiros. O

que vai mudar no consumo deles?

[SE A FAMÍLIA NÃO FOR ENDIVIDADA:]

- Agora a família Silva teve um problema e está com dificuldade de pagar as suas contas, o

que vai mudar no consumo deles?

- Como você se sente em relação a seu próprio consumo de crédito?

- O que você acha que outras pessoas pensam sobre sua estratégia de uso do crédito?

[CASO O ASSUNTO FUJA DO TEMA CONSUMO:]

- Existem consumos que são mais fáceis de controlar ou deixar de consumir?

3.1 RELACIONAMENTO COM A DÍVIDA

- Comparando a época que você vivia com seus pais, a sua infância e adolescência, você diria

que a sua família atual tem uma condição financeira mais ou menos confortável?

- Quem era o responsável por cuidar do dinheiro na sua família, quando você era criança?

- E HOJE, QUEM CUIDA DO DINHEIRO AQUI NA SUA FAMÍLIA?

- NA SUA INFANCIA, VC LEMBRA DE SEUS PAIS FALAREM SOBRE DINHEIRO?

- E na sua família atual, vocês falam abertamente sobre dinheiro? Se sim, poderia me

descrever uma situação comum, dar um exemplo?

- QUANDO VOCE ERA JOVEM, SE LEMBRA DE ALGUMA SITUAÇAO EM QUE

SEUS PAIS TIVERAM PROBLEMAS PARA PAGAR UMA CONTA?

- E NA SUA FAMILIA HOJE, VOCES JÁ TIVERAM ALGUM PROBLEMA DE

PAGAMENTO DE ALGUMA CONTA IMPORTANTE?

- Como foi a sua primeira experiência com uma conta em atraso? (quantos anos tinha, o que

aconteceu, precisou renegociar). O QUE FOI MARCANTE NESSA PRIMEIRA

EXPERIENCIA?

- E DESDE ENTAO, quantas vezes você diria que já deixou uma CONTA em ATRASO?

4. ORGANIZAÇÃO DAS CONTAS E ABANDONOS

- Alguma coisa mudou no consumo da família a partir dessa conta em atraso? O que mudou?

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- Conhecem ou já usaram algum aplicativo de gerenciamento de despesas da casa?

VAMOS UTILIZAR ESSA LISTA PARA NOS AJUDAR A PENSAR SOBRE AS

MUDANÇAS.

- Quais foram os primeiros itens a serem cortados? Como foi a decisão de quais itens

deveriam ser cortados?

- Quais foram aqueles que toda a família concordou que deveriam ser cortados? Quais foram

os itens mais POLEMICOS, aqueles que cada um tinha uma opinião diferente sobre cortar ou

não?

- Começaram por aquilo que acreditavam ser mais fácil deixar de consumir?

- A DECISAO É NEGOCIADA (advogo pela minha causa)?

- Quais são os itens que a família toda não aceitaria cortar? (Maribel questionou sobre o lazer

da família)

DESSES ITENS QUE AGENTE FALOU AGORA, se a sua família precisar cortar e mudar

mais algum consumo? QUAL SERIA O PRÓXIMO (segundo)?

- Dos itens que o consumo foi mantido, MUDOU A ESTRATÉGIA DE PAGAMENTO?

E CASO VOCES RECEBESSEM UM PREMIO, OU UMA QUANTIA EM DINHEIRO

NÃO ESPERADA, QUAIS SERIAM DOIS DESEJOS QUE REALIZARIAM?

[CASO NÃO APARECEÇA ATÉ AGORA NA ENTREVISTA]

- E teve alguma vez em que você percebeu que precisaria cortar algum consumo mais

relacionado à vaidade, como produtos de beleza ou salão de beleza, pois ele estava pesando

no seu orçamento?

- Como você escolheu o que sairia da rotina da familia e o que continuaria? Houve uma

negociação entre vocês, da sua família, para decidir como ou quando seria cortado ou se seria

mantido?

5. RELACIONAMENTO COM A CATEGORIA

- Quem faz as compras de produtos de beleza aqui?

- Qual a frequência de consume de produtos e serviços relacionados aos cuidados com a

beleza?

COMO VOCE LIDOU quando teve que cortar esses gastos do seu orçamento? PODE ME

CONTAR O QUE VC SENTIU?

- Considerou abrir mão de outras despesas para manter seus cuidados com vaidade?

VOCE BUSCOU ALGUMA AJUDA PARA FAZER ESSA TROCA (como dicas de amigos,

sites/blogs...)

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- Existem SUGESTÕES que você daria para alguém que precisasse cortar ou diminuir esse

consumo?

- Você tem uma ideia do quanto gasta por mês com produtos de beleza?

- Mudou alguma coisa na FORMA DE PAGAR POR serviços e produtos de beleza (por

exemplo, antes pagava de forma parcelada ou no cartão de crédito e passou a usar apenas

dinheiro)?

- Tem ALGUM SERVIÇO OU PRODUTO DE BELEZA que é SAGRADO para você, que

não pode deixar de ser consumido?

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tem algo que a gente não falou sobre esse tema, que você acha importante falar? Algum tema

importante que gostaria de falar? Agradecemos a sua participação nesta pesquisa.

8.2.IMAGEM DA FAMÍLIA IDEAL

8.3. LISTA DE CONSUMOS DA FAMÍLIA

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CASA: Aluguel / Prestação Condomínio IPTU + Taxas Municipais, Contas (de

energia, agua, gas e telefone fixo), celulares Internet, TV por assinatura,

Supermercado, Feira e Padaria, Empregados.

SAÚDE: Plano de Saúde, Médicos e terapeutas, Dentista e Medicamentos.

TRANSPORTE: Prestação carro ou moto, Despesas carro ou moto (IPVA + Seguro

Obrigatório, SEGURO, COMBUSTIVEL, MECANICO, MULTA, ETC), Ônibus, metro,

trem e taxi.

BELEZA: Higiene Pessoal (unha, depilação etc.), Cosméticos Cabeleireiro,

Vestuário, Academia.

EDUCAÇÃO: Escola / Faculdade, Cursos de idiomas e outros tipos de cursos,

Material escolar e Uniformes.

LAZER: Restaurantes e Cafés, bares e boates, Livraria, jornais e revistas, Viagens e

passeios, Presentes de aniversário e de natal, Datas festivas (dia das mães, páscoa,

feriados, etc).