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    Sociologias, Porto Alegre, ano 10, n 19, jan./jun. 2008, p. 62-91

    D

    DOSSI

    Sem patente no h genrico:acesso farmacutico e polticasde cpia1

    CORI HACORI HACORI HACORI HACORI HAYDENYDENYDENYDENYDEN*****

    esvalorizaes monetrias, a rpida sada de capital estran-geiro e o fechamento de Bancos paralisaram a Argentina,no final de 2001. A subida meterica dos preos de pro-dutos farmacuticos, a falta de medicamentos e o fecha-mento de clnicas e hospitais foram os elementos que tor-

    naram mais aguda a crise econmica de 2001/2002.2 Na seqncia docolapso, entre as medidas prioritrias de recuperao estabelecidas peloMinistro da Sade do Presidente Nstor Kirchner, Gins Gonzlez Garca,foram tomadas duas iniciativas com o propsito de assegurar, ou pelo me-

    *Professora Associada, University of California at Berkeley, Departamento de [email protected] do original em Ingls por Euridice Corra e revisado por Hedy Hoffman.2 A relao entre a turbulenta crise e a escassez de medicamentos no direta: o problema noestapenas na ascenso violenta de preos que os tornou inacessveis populao, embora issotenha de fato ocorrido. Organizaes de direitos humanos na Argentina e outros estudiosos da crisetambm documentaram atos de especulao financeira e reteno de medicamentos pelas drogueras,os poderosos comits de distribuio que atuam como intermedirios entre os laboratrios e farm-cias. A acusao de que as droguerasfomentaram a escassez atravs da prtica de recusar ofornecimento de drogas s farmcias, ato recebimento do pagamento total de cada entrega.Devido s desvalorizaes monetrias,tais pagamentos tornaram-se cada vez mais impossveispara muitas farmcias, que ficaram sem estoque. Particularmente a escassez de Insulina levougrupos de pacientes e organizaes de apoio aos diabticos a pressionar o Governo, no sentido dedeclarar uma situao de emergncia no setor mdico. Sou grata a Sylvia Brunoldi, da Liga Argentinade Proteccin al Diabtico por sua perspectiva (entrevista, 22 de maro de 2006).

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    nos facilitar a aquisio de medicamentos pelo povo, desde antibiticos ata insulina e outros mais. O Programa Remediar, estabelecido em 2002,distribui remdios grtis populao de baixa renda da Argentina.3 Esteexpediente temporrio foi acompanhado por uma lei de 2002, que promo-via a prescrio de drogas copiadas e mais baratas, em vez dos medicamen-tos de marcas dominantes, mais caros. Essa lei, formalmente intitulada Leide Prescrio por Nome Genrico tinha o objetivo de forar a reduo dospreos dos remdios ao exigir que, nas receitas mdicas, fosse escrito onome genrico das drogas isto , o nome de uma molcula, como, porexemplo, o Enalapril em vez de uma marca especfica (como RenitecMR,o nome dado ao Enalapril pelo laboratrio Merck). A inteno dessa lei eraestimular tanto o suprimento, como a demanda de medicamentos maisbaratos, forando uma abertura no controle de tipo monopolista que osfabricantes de marcas lderes no mercado mantm sobre a prtica de recei-tar medicamentos, e (portanto) sobre o consumo pelos pacientes.

    Por certo a Argentina no foi o nico pas a buscar este tipo de alter-nativa. Em 1997, o governo mexicano, de modo semelhante, recorreu aouso de genricos, enquanto o pas se recuperava de sua prpria crise eco-nmica e da desvalorizao do Peso, que ocorrera em 1994 1995. Assimcomo na Argentina, o instrumento principal das medidas mexicanas de com-bate aos crescentes preos dos medicamentos foi um decreto destinado amodificar a prtica, comum entre os mdicos, de receitar remdios pelonome da marca. Essa medida, combinada com mudanas regulamentares aela associadas, introduziu um novo mercado para genricos e abriu cami-nho para o aparecimento e o crescimento de redes de farmcias que com-pram e vendem exclusivamente remdios copiados, de baixo custo. Os

    3 Neste programa, o Governo compra medicamentos, a baixo custo, de firmas transnacionais. Osremdios so distribudos de graa (e em pacotes sem identificao comercial) atravs de CentrosPrimrios de Sade (CPSs) espalhados pelo territrio nacional (Tobar 2004).

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    efeitos desta poltica foram tangveis: comeando em 1999, depois de maisde quatro anos de escaladas crescentes, os preos dos produtos farmacu-ticos finalmente caram (Hayden 2007).

    A idia de que os genricos podem ser a salvao em uma crise eco-nmica e de sade pblica tem adquirido uma dimenso cada vez maisfamiliar e importante nas polticas de sade na Amrica Latina, bem comoglobalmente. De acordo com os termos usados pela Organizao Mundial deSade, drogas genricas ou de mltiplas-fontes so cpias caracterizadaspor duas qualidades que as definem: so farmaceuticamente equivalentesao original e entram em circulao quando a patente original expira, ou modificada de maneira que a droga possa ser manufaturada e comercializadapor outros laboratrios que no o proprietrio original da patente (ver Homedese Ugalde 2005: 65). Coloquialmente, podemos dizer que os genricos sodrogas copiadas que circulam quando a patente se esgota.

    Com a ascendncia da propriedade intelectual como uma caracters-tica central (se no contestada) do comrcio internacional e produo edistribuio farmacutica, de maneira global, e particularmente com a as-cendncia global da epidemia de AIDS, drogas genricas passaram a ganharproeminncia como uma alternativa crucial, freqentemente salvadora devidas, para os caros medicamentos patenteados (ver Petryna, Lakoff, eKleinman 2006; van der Geest e Reynolds Whyte 1988). Os genricosconfiguram campanhas de acesso a medicamentos atravs de duas formasrelacionadas. Primeiro, h a questo, muitas vezes sensacional e conflituosada licena compulsria, um instrumento legal agora sancionado pela de-clarao de Doha(Qatar) da Organizao Mundial de Comrcio (2001), atravsdo qual, governos nacionais podem, em determinadas circunstncias, con-tornar as empresas proprietrias de patentes originais, de forma a obterverses mais baratas de medicamentos especficos e ainda sob patente

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    registrada.4 A Tailndia e o Brasil, por exemplo, em seu esforo para com-bater HIV/AIDS, expediram licenas compulsrias para a droga anti-retroviralEfavirenz, da Merck.5 Este tipo de medida no , com certeza, tomadaapenas por naes perifricas. Em 2001, o governo dos Estados Unidosmandou sinais Bayer de que solicitaria empresa um relaxamento dapatente do antibitico Cipro (permitindo assim que outros laboratrios fa-bricassem e comercializassem o remdio), no caso de um ataque generali-zado de antrax.6

    Segundo, h a questo dos ostensivamente mais prosaicos genricossem patente: medicamentos que so ou podem ser amplamente (isto ,no exclusivamente) fabricados e comercializados, aps expirada a patenteoriginal. Ou seja, genricos sem patente entram em circulao por oca-sio da morte arbitrariamente natural da patente (o ciclo de vida de umapatente, segundo a legislao dos Estados Unidos e na maioria dos acordoscomerciais multilaterais, agora de 20 anos) e no, com seu relaxamentoou trmino antecipado atravs de licena compulsria. o caso, por exem-plo, dos muitos ibuprofenos que encontramos disputando espao com Advilnas prateleiras das farmcias nos Estados Unidos. Esforos para promover aprescrio, consumo e fabricao domstica de remdios sem patente in-tervm na questo do acesso a medicamentos, reconfigurando ou, paraadaptar a linguagem de Michel Callon (1998), reformatando mercados far-macuticos nacionais em sentido lato. Isto , facilitar a entrada de cpias

    4 A declarao de Doha formalmente chamada a Declarao sobre o Acordo Relativo aosAspectos do Direito da Propriedade Intelectual Relacionados com o Comrcio (ADPIC) [em inglsTRIPS] e Sade Pblica (14 de novembro de 2001), Doc. WT/MIN(01)/DEC/2 (Nov. 20, 2001). Paraobter uma viso geral melhor, ver Abbott 2005.5 Ver o press release no website da organizao Knowledge Ecology International, http://www.keionline.org/index.php?option=com_content&task=view&id=46&Itemid=1 acessado pelaltima vez em 15 de maio de 2007.6 Para uma excelente discusso e links para fontes, veja o website do Centro pelo Projeto emTecnologia [Center for the Project on Technology website em ingls], http://www.cptech.org/ip/health/cl/cipro/ , baseado em Washington, DF.

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    7 Tal reconfigurao tem ocorrido precisamente nos Estados Unidos, depois da lei de Hatch-Waxman, de 1984, que removeu algumas das barreiras at ento existentes entrada de genricosno mercado, quando terminasse a patente de certos medicamentos.

    (legais) no mercado tem o sentido de estimular a competio e, assim,reduzir os custos gerais da medicao.7

    Esta qualificao digressiva - o genrico como cpia legal - sinalizauma das minhas preocupaes centrais neste ensaio. As duas iniciativasmencionadas acima, quanto ao Mxico e Argentina, so, primeira vista,marcadamente similares e se alinham perfeitamente a tentativas de promo-ver genricos sem patente, como j observado. Entretanto, as similaridadesentre essas iniciativas e, entre elas e as definies encontradas de umapoltica para genricos, so menos estveis do que podem parecer. NoMxico, a virada para os genricos se tem enquadrado, de muitas maneiras,de acordo com o que se poderia esperar: isto , como uma forma de contero domnio de remdios patenteados caros, fabricados no exterior. L, osgenricos emergiram como um tipo de produto novo e distinto, em termoscomerciais, regulamentares e jurdicos, e fabricantes e redes comerciaisdomsticas j deram um salto para ocupar uma nova, recm-descoberta,visibilidade do genrico no mercado.

    Mas, na Argentina, a questo dos genricos est configurada de outraforma. As marcas dominantes em questo tm sido largamente providaspor poderosos fabricantes de drogas argentinos, os quais floresceram desdea metade do sculo XX, atravs da produo de cpias sem licena dedrogas patenteadas alhures (o governo dos Estados Unidos chama essasdrogas de pirateadas). De fato, a Argentina efetivamente no concede oufaz valer patentes de produtos farmacuticos; como conseqncia, os ge-nricos l existem apenas no nome. (Este no um floreado retrico, massim, detalhe tcnico). Como veremos abaixo, sua relao com marcasdominantes pode, assim, ser mais bem descrita como uma diferena de

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    grau do que de tipo legal. Este cenrio traz discusso um nmero desuposies sobre a definio de genrico e sobre o problema para o qual ogenrico uma soluo: a mudana para o (nome) genrico na Argentinano usa a sua fora contra remdios estrangeiros patenteados originais,mas em muitas instncias, contra as cpias domsticas.

    Esta pequena, mas aguda questo classificatria traz tona vrias ques-tes sobre a promessa, limites e especificidades do genrico. Baseadoem minha pesquisa na Argentina e no Mxico, este artigo discute, emparte, as taxonomias farmacuticas admiravelmente diferentes e comple-xas que surgem nos esforos de introduzir os genricos em novos camposeconmicos e regulamentares. Essa discusso, por sua vez, traz luz umargumento especfico sobre as polticas das cpias. Porque o que est emjogo no crescimento e expanso dos mercados de drogas genricas no apenas uma relao de Davi e Golias entre o genrico (mais barato, acess-vel, democratizante) e o (caro) original patenteado, mas tambm funda-mentalmente agregada a uma poltica dos genricos entre a cpia lcita ea ilcita, bem como fundamentalmente implcita em uma poltica de gen-ricos. Esta um ponto no qual se concentram intensamente as atenesdas organizaes internacionais de sade, companhias farmacuticas e muitosgovernos nacionais, uma vez que acordos de comrcio bilaterais e multi-laterais que estendem direitos de patentes de drogas a novos contextos nacio-nais tambm trouxeram com eles redefinies restritivas e intensamentecontestadas do que pode ser considerada uma cpia legal. Ainda assim,este ponto frequentemente perdido no vocabulrio liberal que animamuitas discusses sobre acesso farmacutico, nas quais o modelo imagina-do de acesso ricocheteia entre dois horizontes possveis: se no for drogapatenteada (propriedade privada), ento h de ser genrico legal (domniopblico). Entre muitas outras iteraes de cpias licitas ao redor do mun-do, as copias domsticas da Argentina - nem originais patenteados nemgenricos demonstram vividamente os limites dessa simples proposio

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    de isso/ou aquilo (ver tambm da Costa Marques 2005: 139-140). Tendoem vista essa idia, pergunto quais seriam as implicaes de configurar-seuma linguagem poltica de acesso em torno dos termos da prpria proprie-dade intelectual?

    Argentina: Antes do genrico, havia a cpia

    A Argentina o lar de uma das mais poderosas indstrias farmacuti-cas domsticas da Amrica Latina, junto com o Brasil. Enquanto a indstriabrasileira tem sido largamente financiada pelo Estado (Biehl 2004)8, com-panhias domsticas na Argentina so financiadadas pelo capital privadoargentino (Katz e Burachik 1997). Durante o perodo em que foi realizadaa industrializao para substituir a importao (a assinatura estratgica eco-nmica do nacionalismo populista latino-americano de meados do sculoXX e, na Argentina dos anos 1930 ao final dos 1960), a indstria domsticafloresceu sob um conjunto de condies caracterizadas por um alto grau deprotecionismo estatal: regulamentaes favorecendo companhias nacionaisem processos de licenciamento e lanamento de novos produtos, altastarifas de importao e a dbil proteo a normas de propriedade intelec-tual internacional (Katz and Burachik 1997: 87). De fato, como um produ-to da era de substituies importao, a indstria farmacutica argentinafoi explcita e orgulhosamente construda sobre a fabricao de cpias, jus-tamente em um contexto no qual patentes farmacuticas no eram reco-nhecidas (ver Lakoff 204: 195-7). Assim, as empresas argentinas alcana-ram o domnio domstico atravs da cpia de drogas desenvolvidas alhures

    8 Deve-se observar que, no Brasil, o financiamento estatal dos setores farmacutico e bio-mdico acompanhado, desde 1996, por aquilo que Joo Biehl chama de uma relao dinmica com firmastransnacionais, que tm permanecido amplamente envolvidas no mercado brasileiro de anti-retrovirais(Biehl 2004, 2005, 2006).

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    e da venda das mesmas sob suas prprias marcas. Laboratrios domsticos a industria copista tm dominado consistentemente mais de 50% domercado farmacutico do Pas; em 1999, o laboratrio argentino Roemmersera o maior lder do mercado ( frente de empresas americanas, europias,brasileiras e outras argentinas).9

    A poltica de cpias, sancionada na Argentina h muito tempo, temgerado acusaes de pirataria do governo dos Estados Unidos e de em-presas farmacuticas transnacionais, particularmente desde a dcada de1990, quando a expanso de acordos de comrcio multilaterais (particular-mente atravs da Rodada Uruguaia do Acordo Geral sobre Tarifas Aduanei-ras e Comrcio [sigla em ingls GATT], em 1988) deu prioridade proteode direitos intelectuais de propriedade na rea comercial. Isto , aps aRodada do Uruguai, a subscrio ao Acordo Relativo aos Aspectos do Direi-to da Propriedade Intelectual Relacionados com o Comrcio (ADPIC, siglaem ingls TRIPs) tornou-se condio central para as naes em desenvolvi-mento que se juntavam ao GATT e Organizao Mundial de Comrcio(WTO, World Trade Organization ). Assim, as naes participantes devemharmonizar o seu copyright, marca registrada, e legislao de patentes,segundo normas que so, em realidade, norte-americanas. Citando CarlosCorrea, que foi o negociador comercial da Argentina, a supremacia do TRIPstransformou dramaticamente a capacidade de muitas naes em desenvol-vimento de exercitar aquela que era outrora uma relativa ou total liberda-de para imitar (Correa 1998: 1).

    Depois de tentativas de privatizar aspectos da economia durante osanos das ditaduras militares argentinas (1976-1983), os experimentos radi-cais no sentido da liberalizao de mercados e desregulamentaao iniciados

    9 Como observa Andrew Lakoff, o mercado farmacutico argentino , neste sentido, peculiar: aArgentina acompanha os Estados Unidos, Alemanha, Sua e Japo numa lista dos nicos pasescujos produtores domsticos tm para si uma parte maior do mercado do que os estrangeiros(2004: 196).

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    pelo presidente Carlos Menem no final dos anos 1980 e 1990, de fatopareciam estar dando fim prtica argentina de copiar em diversas frentes.Com a eleio de Menem em 1989, os Estados Unidos pensaram quetinham finalmente encontrado um parceiro bem disposto em relao aoseu projeto de abrir a economia Argentina a investimentos estrangeiros,competio e proteo da liberdade intelectual em certo nmero de are-nas, com o vasto mercado de farmacuticos receitados posicionado em12 lugar no mundo em 1999, com um valor de $3 bilhes de dlaresamericanos servindo como objeto de desejo central dos Estados Unidos.Em consonncia com a disponibilidade declarada por Menem, deimplementar patentes 0farmacuticas, a Argentina subscreveu o acordo TRIPsdo GATT em 1994 e a legislatura a seguir aprovou uma lei nacional depatentes, em 1996, que inclua produtos farmacuticos e patentes de pro-cessos. Entretanto, a forte presso da poderosa indstria domstica temafastado a implementao de patentes farmacuticas em particular (outrosdomnios na rea de patentes tm sido menos polmicos. A Associao deFabricantes e Pequisa Farmacutica (PhRMA), com sede nos EUA, que vemliderando o ataque contra o que chama de firmas piratas locais,e em suacrtica tem apontado as excees inseridas na lei de patentes da Argentina,destacando o direito de no conceder patentes com o objetivo de protegera ordem pblica e os bons costumes. A PhRMA entende que essasexcees do luz verde antiga prtica de construo de farmacuticos(copiados) como essencial ao bem-estar pblico argentino (ver Katz eBurachik 1997: 87-89; Lakoff 2004).

    Essas disputas sobre patentes farmacuticas animaram disputas co-merciais bastante ferozes entre os Estados Unidos e a Argentina no decor-rer dos anos 1990.10 A Argentina foi consistentemente descrita nas avalia-

    10 Ver a excelente e extensa cronologia dessa disputa publicada no website do Center for the Projecton Technology, de Washington, D.F.: http://www.cptech.org/ip/health/c/argentina/argentinatimeline.html

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    es do Departamento de Estado dos Estados Unidos e do seu Represen-tante Comercial, como o mais notrio pirata farmacutico da AmricaLatina (e ainda que uma lei de direitos autorais de fato exista, pelo menosno papel, essas queixas faziam muitas referncias tambm pirataria emmsica e filmes). O Governo Clinton imps sanes comerciais em 1997,justamente por causa da questo da indstria farmacutica. Nesse nterim,muita coisa aconteceu, inclusive a catastrfica crise econmica de 2001,vista, em grande parte, como resultado direto das fracassadas reformasneoliberais de Menem. Atualmente (2007), a Argentina tecnicamente temuma lei de patentes, mas, de fato, no concede patentes farmacuticas;isto , a lei no se aplica a produtos farmacuticos.11

    Contudo, esta recusa da patente farmacutica no constitui uma re-jeio geral de todas as formas de propriedade intelectual. Marcas e selostm um espao importante na estrutura do mercado domstico de dro-gas.12 Este ponto relevante, uma vez que um dos aspectos-chave dadesregulamentao do mercado no comeo dos anos 90 na Argentina foiuma elevao aguda nos preos das marcas lderes de drogas domsticas(Lakoff 2004: 196). Como Andrew Lakoff observa enfaticamente, com aretirada do controle de preos pelo Estado, empresas domsticas aprovei-taram a estrutura de valores da indstria farmacutica transnacional, que baseada na proteo de patentes, ao mesmo tempo em que desafiaram talproteo (2004: 196). Implcito aqui est que a estrutura de valores daindstria transnacional baseia-se no apenas na patente, mas no valor damarca reconhecida. Laboratrios domsticos, apoiados nesta (a marca), masrejeitando aquela (a patente), no apenas tm conseguido bloquear a

    11 Houve uma srie de atividades, em 2000, na qual 82 patentes foram concedidas, em ummercado que contm milhares de produtos.12 Embora nem sempre no nvel desejado pelas companhias estrangeiras. Deve-se considerar aquias lojas de etiqueta (marca) em Buenos Aires, vendendo marcas e selos com nomes e logotipos quevo desde os de grupos comunitrios de bairros at Wrangler e outras marcas transnacionais.

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    implementao das patentes farmacuticas foram tambm instrumentais,at as medidas ps-crise de Gonzlez Garca em 2002, no bloqueio ao surgimentode um mercado de genricos. A patente (ausente), o genrico (bloqueado) ea cpia sem licena (dominante) ento serviram, at 2002, como as coordena-das trianguladas do mercado de prescrio farmacutica da Argentina.

    Os novos genricos do Mxico

    Sob vrios aspectos, o contraste da Argentina com o Mxico no pode-ria ser mais completo. A estreita integrao econmica e poltica do Mxi-co com os Estados Unidos torna quase impossvel aos mexicanos pensaremem uma atitude semelhante da Argentina com relao s patentes farma-cuticas. Uma firme legislao sobre patentes, direitos autorais e marcasregistradas foi introduzida no comeo dos anos 1990, poca em que ogoverno do Presidente Carlos Salinas de Gortari preparava o caminho para aentrada do Mxico no Tratado Norte-Americano de Livre Comrcio (NAFTA).Alm disso, o Mxico no tem uma indstria farmacutica minimamentecomparvel com a poderosa industria copista da Argentina. H, por outrolado, uma srie de laboratrios de genricos relativamente pequenos que,dos anos 1950 at o final da dcada de 1990, teve como seus consumidoreso setor de sade pblica financiado pelo Estado. Depois dos movimentosregulamentares de 1997, que visavam fomentar um mercado mais amplopara os genricos, esses laboratrios agora tm novas vias comerciais para osseus produtos, na forma de redes de farmcias domsticas que vendem dro-gas genricas mais baratas para o pblico em geral (veja Hayden 2007). Po-rm, ao final dos anos 1990 e comeo dos 2000, mais de 90% do mercadofarmacutico do Mxico (em valor) era controlado por firmas transnacionais.

    Esforos no sentido de tornar os genricos mais disponveis, no Mxi-co em 1997 e em 1998, criaram um mercado de produtos farmacuticos,

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    essencialmente dividido em dois. A maior parte dos investimentos do Estadoem sade vai para o programa de penses e seguro de sade mantido peloEstado e pelos empregadores - conhecido pelo acrnimo, IMSS, que cobre aspessoas com emprego formal. H um programa semelhante para funcionri-os pblicos, militares e companhia de petrleo nominalmente administradapelo Estado; uma rede de hospitais pobremente financiados, para aquelesque no tm o direito a qualquer um dos mencionados anteriormente, bemcomo um novo plano de seguros, o Seguro Popular, que procura incluir estaltima categoria de pessoas sem proteo em uma forma hbrida de cobertu-ra de sade baseada em contribuies individuais e fundos estatais descen-tralizados. Com exceo do Seguro Popular (um experimento relativamentenovo), essas instituies estatais tm suas prprias farmcias, que distribuem,na maior parte, genricos sem marca e sem patente.

    Muita gente aqueles que podem pagar, aqueles que por razes deafiliao contestada tm sido mantidos fora do IMSS, os que no tm aces-so ao IMSS porque trabalham no setor informal, ou aqueles que enten-dem que no podem ausentar-se um dia do trabalho para esperar por umaconsulta esses pagam pela medicina privada, que por sua vez, dirige ospacientes s farmcias privadas (no administradas pelo Estado). At o finaldos anos 1990, a maioria das drogas receitadas e vendidas nessas farmciasde esquina e em outros locais de venda, era de remdios relativamentecaros, de marcas originais ou inovadores; simplesmente no havia genri-cos no mercado. Esta situao era identificada como uma fonte de despe-sas cada vez mais insustentvel para os muitos consumidores que, por umarazo ou outra, compravam suas drogas em farmcias comerciais. O proble-ma tornou-se particularmente agudo entre os anos de 1995 e 1997, quan-do as farmcias do setor pblico comearam a experimentar a escassez demuitas das drogas de sua farmacopia bsica, e seus pacientes tambmtiveram que recorrer s farmcias particulares. A mudana para os genricos

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    no Mxico era, assim, destinada a canalizar uma escala mais ampla degenricos mais baratos, sem patente, para as farmcias comuns de esquina,e assim, presumivelmente para as mos dos consumidores.

    A viagem do genrico para fora das farmcias do setor pblico mexi-cano e para dentro da esfera pblica do mercado isto , como uma novacategoria regulatria e comercial produziu uma serie de controvrsias,batalhas de relaes pblicas e de mdia e demandas contestadas a respeitodo local e da fonte da qualidade de uma droga. De fato, o genricoemergiu como uma novidade que exigia certa explicao, para no dizerpromoo. A Secretaria de Sade e as redes de farmcias domsticas lana-ram campanhas de relaes pblicas promovendo a idia de que uma dro-ga pode existir separadamente da sua (mais famosa) marca e pode serreexaminada como um dos muitos veculos possveis para ministrar umasubstncia chave ou ingrediente ativo. O domnio de companhias farma-cuticas estrangeiras como a Roche, a Merck, e a Schering-Plough temalimentado muito marketing nacionalista de parte das redes de farmciasemergentes tais como as Farmacias Similares (Hayden 2007). Por outro lado,companhias transnacionais e suas filiais domsticas tm lutado ferozmenteem um esforo para derrubar esta onda insurgente de concorrentes maisbaratos, vendendo a idia de qualidade (ostensivamente ligada marcareconhecida) em um esforo central para redefinir as cpias legais comoportadoras de uma qualidade menos do que lcita. Ainda que contestada,essa contnua reconfigurao do mercado farmacutico mexicano tem sidodefinida em torno dos termos operativos de dois tipos de lei de proprieda-de intelectual que, como nos Estados Unidos, funcionam de forma estrita-mente relacionada para dar um sentido de prioridade droga original: amarca associada com o original patenteado, e a cpia legal ou lcitaemerge tanto cronolgica como semioticamente como um segundo maisbarato. Aqui o genrico e seus muitos irmos (genricos intercambiveis e

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    genricos de marca) entram em cena como o(s) outro(s) em relao drogaoriginal, patenteada ou de marca. Embora a proliferao de tipos de cpiasno possa ser facilmente mapeada na taxonomia farmacutica dos EstadosUnidos ou da Europa, a diviso estrutural de drogas anteriores, patenteadasversus cpias, a mesma; esta , afinal de contas, a diviso entendidaconvencionalmente como parte integrante da prpria lei de propriedadeintelectual. Todavia esta uma oposio difcil de manter na Argentina.

    A Argentina e a serialidade da cpia

    Em que horizonte deve haver interveno dos genricos na Argen-tina? Como ficou claro acima, este um horizonte (j) dominado pordrogas copiadas. Copias so cpias em vrios sentidos. Em primeiro lugar,so freqentemente obtidas atravs da engenharia reversa de drogas de-senvolvidas e patenteadas por companhias estrangeiras como a Merck, aEli-Lilly e a Schering-Plough. Assim, companhias argentinas muito conheci-das, como a Gador, a Roemmers e a Bag lanam produtos no mercadodomstico com suas prprias marcas, muitas vezes antes mesmo que amarca de origem aparea no mercado, isto , se ela aparecer.13 Por exem-plo, em vrios dos nichos farmacuticos de grande venda (como remdiospara hipertenso e certas classes de psicofrmacos), as duas ou trs drogasmais vendidas so feitas por companhias argentinas, com o originador,seguindo a trilha das mesmas (ver tambm Lakoff 2004). Ento, tanto emtermos de temporalidade, como de um perodo prognosticado de domnio

    13 Considerando Lipitor, a marca do popular redutor de colesterol Atorvastatin, da Pfizer, ainda sobpatente (mas como sabemos atravs deste meio caracterstico que o spam, algo chamado Lipitorgenrico est amplamente disponvel online. A Pfizer iniciou uma ao legal contra estes mercado-res cibernticos). Na Argentina h trs diferentes produtos de Atorvastatin no mercado, dois feitospor laboratrios argentinos (Northia e Bioqumico Argentina) e o terceiro pelo laboratrio brasileiroRichet. A prpria Pfizer no vende diretamente o Lipitor ou Atorvastatin na Argentina.

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    do mercado as cpias j transtornam a noo convencional da relaosecundria da cpia com o original patenteado.

    Podemos proveitosamente optar por pensar em termos de serialidade.Tericos de um universo marcadamente diferente de propriedade intelec-tual e produo industrial os regimes de direitos autorais anglo-america-nos nos campos da literatura, arte e outras produes culturais tm de-fendido claramente a posio de que certos tipos de produtos (obras cultu-rais produzidas em massa) nem sempre, nem fundamentalmente tm degirar em torno de sua relao com um original que presumivelmentevenha desde o momento da fundao (Frow 1988; Lury 1993: 43-44). Comoobserva Celia Lury, baseada em Umberto Eco, uma noo de serialidade(como nas sries de TV) pode obscurecer a aceitao simplista da cpia comouma rplica e, portanto, um desvio em relao a um original autntico (Lury1993: 42-43).14 Embora estejamos falando aqui de objetos e formas de pro-duo, circulao e consumo, bem diferentes, este deslocamento analticoda nfase para a cpia como parte de um regime de serialidade intensa-mente pertinente ao contexto em questo. De fato, esse deslocamento aponta-nos intervenes feministas e ps-estruturalistas que nos levariam a pensarsobre o prprio original como uma cpia iterativa (Butler 1990).

    Porque no mercado farmacutico argentino todas as drogas, literal-mente, tm uma relao serial com outras drogas no mercado, isto , copiasacompanham marcas presumivelmente originais (que no so percebidasnem vendidas como tais), o mais das vezes em um campo horizontal im-pressionantemente amplo de produtos similares. Considere uma das dro-gas mais vendidas na Argentina, o Enalapril, contra hipertenso (leva o nomede uma molcula, e no de uma marca). Em 2006, havia 30 marcas de

    14 Mesmo aqui, contudo, discusses tericas tendem a necessitar de uma teoria da novidade ouoriginalidade que possa ser localizada dentro da cpia. Como no contexto da srie de TV, porexemplo, ou do romance de detetive, a serialidade permite um espao para a novidade ou variaodentro da forma da prpria cpia formulada (ver Lury 1993: 42-43).

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    Enalapril no mercado, inclusive o Lotrial da Roemmers, o Baypril, da Bayer;o Renitec da Merck, e o Enalafel, do laboratrio argentino Raffo. Cada umdesses produtos considerado uma marca, mas nenhum a marca nosentido assumido e garantido por lei nos EUA, ou que opera no Mxicodesde o comeo dos anos 1990 isto , privilegiado como a droga demarca original detentora da patente.

    Ainda que o efeito, em certos sentidos, seja um campo extraordinaria-mente nivelado naquilo que (no) concerne patente, devemos tambmobservar que, no meio de toda essa semelhana, no deixam de surgir hierar-quias. Uma dessas trinta drogas possivelmente venha a destacar-se do restocomo a marca mais vendida, ou la marca lder. Como que essas duasmedidas de distino uma noo de originalidade ou prioridade centrada napatente e uma noo de marca lder centrada na marca registrada relacio-nam-se entre si? Neste contexto, no h uma necessria correlao entreelas. A companhia farmacutica Merck, Sharp and Dohme, sediada nos Esta-dos Unidos, desenvolveu originalmente o Enalapril, que vende como Renitec,e registrou a sua patente. Durante os dois anos anteriores ao vencimento dapatente americana (em fevereiro de 2000), o Renitec foi a segunda drogamais vendida da Merck no mundo inteiro.15 Entretanto, na Argentina, a mar-ca lder, nos ltimos vinte e cinco anos isto , desde o tempo em que oEnalapril foi patenteado e vendido nos Estados Unidos e em outros lugares sempre foi o Lotrial, da Roemmers (Gonzlez Garca, 2004).

    Todos so cpias, todos so de marca

    Este descentramento da originalidade protegida por patente torna omercado de farmacuticos da Argentina similar s muitas outras arenas nas

    15 Patentes Atuais (Current Patents) Gazette February 18, 2000, disponvel no endereo da web:http://72.14.253.104/search?q=cache:fP26dmwyBv8J:scientific.thomson.com/ts/media/cdjournals/gazettenews/2000/CPG_News_0007.pdf+enalapril+patent&hl=en&gl=us&ct=clnk&cd=2

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    quais os direitos de propriedade intelectual so vistos como esquisitos e ame-aadores e no, como uma forma naturalizada de relaes sociais, legais etcnicas (ver Vann, 2006). Entretanto, deveramos observar as dimensesparticulares deste descentramento na Argentina. Como vimos, aqui no estem questo a total ausncia de propriedade intelectual, mas uma re-orienta-o das relaes entre diferentes formas da mesma. Como Daniel Maceiradescreveu-me este cenrio, na Argentina, a marca divorciada da patente(Maceira, entrevista, 2006), desta forma achatando e refazendo as conexesdo horizonte temporal que, em outros contextos, purifica o original comoanterior cpia e diferente dela. Esta separao do par patente/marca temuma srie de corolrios importantes, os quais, juntos, ajudam a preparar acena para uma considerao do que ou no uma droga genrica nestecontexto. Primeiro, no mercado Argentino, como meus interlocutores fize-ram-me notar repetidamente, todas as drogas so de marca desde o incio.Ento, simultaneamente, todas so cpias, no sentido de serem uma entremuitas. Todos son de marca; todos son copias. Segundo, como foi observadoanteriormente, copias lderes argentinas no so necessariamente mais bara-tas do que outras marcas, inclusive aquelas feitas e comercializadas por em-presas estrangeiras. A tradicional marca lder Lotrial, da Roemmers, por exem-plo, alinha-se com o Renitec da Merck entre as marcas mais caras de Enalapril,enquanto a Bayer (uma companhia alem) e a Duncan (da Argentina) estoentre os laboratrios que s vezes oferecem preos marcadamente inferiorespara a mesma apresentao.16

    Terceiro (e portanto), bem diferentemente do Mxico, hieraquias devalor, credibilidade e mesmo de preo no so , em princpio, organizadasem torno da idia central do original versus cpia, ou mesmo do nacionalversus estrangeiro. Em vez disso, quando perguntei a farmacuticos como

    16 Desde maio de 2007, amostras de listas de preos para um pacote de 30 comprimidos de 10mgapresentavam os seguintes dados: Renitec, da Merck $26.89 (pesos argentinos); Lotrial, da Roemmers19.79; Baypril, da Bayer, 17.42, e Enaldun, da Duncan 14.81. http://www.alfabeta.net.

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    reduzem o campo potencial de produtos para poder fazer uma recomenda-o, especialmente numa classe to populosa como a dos Enalapris, osmesmos apresentaram uma distino rotineira entre os grandes laboratriosde renome uma lista na qual o domstico e o estrangeiro se misturamfacilmente (Roemmers, Bag, Merck, Duncan, Bayer) e os laboratriospequenos, dos quais ningum ouviu falar. No caso do Enalapril, eramlaboratrios menores da Argentina e uns poucos, brasileiros.

    Sem dvida, os maiores laboratrios de drogas da Argentina usufruemde um enorme reconhecimento de suas marcas por parte de mdicos, farma-cuticos e consumidores. Esta influncia alcanada por vrios meios, quevo desde o desenvolvimento de uma relao direta de marketing junto aomdico, comumente associada com laboratrios transnacionais (Lakoff 2004),at uma estreita relao com as obras sociales, as associaes de muturiosque so a forma principal de seguridade social para muita gente na Argentina.As obras sociales fornecem cobertura do preo dos medicamentos e planosde sade para a maioria das pessoas com emprego formal; essas associaestm contratos com redes de farmcias especficas e oferecem 40% de des-conto nos medicamentos para os seus associados. Na maioria dos casos, omedicamento coberto em qualquer categoria ser da marca lder, que , emgeral, um produto nacional. O poder de regulamentar tal acesso no deve sersubestimado: a obra social para aposentados, conhecida por sua sigla PAMI,sozinha, responsvel por quase 50% do mercado de receitas farmacuticasno pas (Tobar, entrevista, 19 de maio de 2006).

    Sem patente no h genrico

    Onde fica o genrico neste quadro? Acima de tudo, qual o espaodeixado para o genrico quando a marca desligada ou divorciada do origi-nal, e quando no h, de fato, patente? Muitos argumentam que genri-cos, na verdade, no existem de fato, no podem existir na Argentina.

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    Para os mdicos, os criadores de polticas e os farmacuticos que entrevis-tei em 2006, a questo simples. Sem patentes o horizonte contra o qualdefinimos o genrico simplesmente no existe genrico. Sin patente, nohay genrico. Esta elegante dupla recusa, chama a nossa ateno direta-mente para o status definidor e limitado das drogas genricas como objetojurdico, com freqncia descrito ou aceito como o oposto da molculapatenteada, ou marginal em relao a ela. Nossa ateno, por conseguin-te, volta-se para as especificidades de uma perspectiva de propriedade in-telectual centrada nos EUA, perturbando alguns vocabulrios polticos elegais facilmente aceitos, que assentam seus limites em um eixo organizadorem torno do privado (a patente) e do pblico (o genrico).17 Claramente, ogenrico pode ser qualquer coisa, menos genrico generalizado, ouindiferenciado (ver Homedes e Ugalde 2005; ver tambm Hayden 2007?).Trata-se de um objeto tcnico, legal, altamente especfico, que definidoem seu senso mais claro e forte no contexto de um regime de patenteresguardado por lei. Se o genrico requer e aceita a patente, ento, naArgentina temos um non sequitur.

    Todavia, embora no exista tal coisa como um genrico na Argenti-na h farmcias que anunciam remdios genricos, farmacuticos que osvendem e gente que os consome, em todos os sentidos da palavra. O que que circula, ento, sob o nome do genrico? Seria mais acurado dizersob o nome genrico, porque o genrico no opera no contexto argenti-no em nvel de coisa ontolgica ou legal. Antes, opera atravs de significa-

    17 Isto tambm, no por acaso, evoca a clara dupla recusa da antroploga Marilyn Strathern, semnatureza no h cultura (No nature, no culture - Strathern 1980), na qual me baseio aqui, com umacerta licena potica. O ensaio de Strathern com esse ttulo baseava seu argumento contra o fcilrecurso ao familiar na situao do trabalho na Melansia e ligava correntes de oposies (pblico/privado, homem/mulher, natureza/cultura) em anlise etnogrfica. No necessrio dizer queArgentina e Melansia servem como modelos para diferentes tipos de diferena vis-a-vis normase formas tcnicas, legais e epistemolgicas anglo-americanas. Mas, conforme mencionado no texto,a dupla recusa faz aqui um trabalho anlogo.

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    18 Lakoff articula bem o ponto na sua discusso sobre o mercado farmacutico argentino do final dos1990, quando observa que desenvolvimentos-chave estavam ocorrendo mais em termos dacriao das relaes entre marca-consumidor do que no plano da criao de coisas novas (Lakoff2004: 196). Esta uma referncia produo de drogas copiadas em vez de drogas novas ouinovadoras (e a importncia da relao da apresentao comercial destas com aquelas), mas omesmo poderia ser dito da emergncia de uma mudana na direo dos genricos.

    o, isto , pelo processo de renomear produtos farmacuticos existen-tes.18 Como me disse enfaticamente Federico Tobar, o enrgico e solcitofrmaco-economista que atualmente dirige o Programa Remediar da Secre-taria de Sade, a abordagem singular da Argentina nesta questo que elano criou um novo mercado para uma coisa nova chamada genrico. Aquisurge novamente o contraste com o Mxico e, desta vez, a questo dacpia versus inovao vem tona, humorosamente, em nvel de polticanacional. Segundo argumentou Tobar:

    O Mxico era uma cpia. Isto , a poltica mexicana uma cpia dapoltica americana, certo? A nica poltica farmacutica verdadeiramenteinovadora foi a nossa. Em que sentido? Bem, podemos dizer que os EstadosUnidos criaram um mercado adicional. Eles criaram dois mercados: um paradrogas originais protegidas por patente e um para remdios genricos. Ainovao da Argentina foi que a lei 24C49 que ns aprovamos, no produzum mercado de genricos como os Estados Unidos, Mxico, e Brasil fize-ram. Tudo o que ela faz decretar que voc deve usar [receitar] drogaspelo seu nome genrico... Ento, no criamos um mercado de genricos.O que fizemos, por decreto e pela fora, foi transformar todos os remdiosem genricos (sublinhado por ns; 19 de maio de 2006). Todas as drogasso cpias, todas so de marca e, segundo a avaliao de Tobar, de um sgolpe, todas viraram genricas tambm. Isto , todas as drogas no merca-do j tm um nome genrico, (o nome da molcula na qual se baseia omedicamento) e este nome que deve ser receitado a partir de agora. A leide 2002 tem ento o objetivo de permitir, incentivar mdicos, farmacuticos

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    e consumidores a renomear (ou poderamos dizer retro-nomear) produtos exis-tentes e, assim, a repensar as relaes entre estes. Esta mudana reimplantamarcas lderes em um campo de similaridade e possibilidade de substituio.19

    Ainda que mecanismos de generificao, no Mxico e na Argenti-na, sejam substancialmente diferentes, sua lgica, de muitas maneiras, nodiverge radicalmente. Apesar de sua impossibilidade legal formalizada naArgentina, o genrico um conceito que de fato intervm da maneira queseria de esperar e que se alinha com as intenes sinalizadas pelo Secret-rio da Sade, Gins Gonzlez Garca. Quer dizer, assim como na situaodo Mxico, remdios de marca relativamente cara dominam o mercadofarmacutico da Argentina, e tanto mdicos como consumidores tiveramsua ateno efetivamente chamada para as marcas dominantes. O projetoao redor do qual o (nome) genrico organizado na Argentina, assim comono Mxico, disponibilizar e incentivar os consumidores a entrarem numafarmcia e pedir Enalapril (o complexo), em vez de Lotrial, a marca lder.Esta reformulao da pergunta comum, como uma frmula, voc tem[insira a molcula aqui]...? precisamente o momento de substituiosobre o qual parece repousar uma promessa de melhor acesso sade,pelo menos na forma de produtos farmacuticos.

    Contudo, claro que a diferena-chave entre a Argentina e o Mxiconesta frente que, na primeira, muitas (mas no todas) das caras marcasdominantes j so tambm cpias. Na minha pesquisa em Buenos Airesem 2006, pedi a uma grande variedade de farmacuticos, inclusive quelesque trabalham em novas redes de farmcias que vendem especificamentegenricos, que me ajudassem a entender a diferena entre uma marcacopiada que vende como marca e uma marca copiada que vende como

    19 Devemos notar que este um tipo de publicidade ou comercializao ao avesso, no qual aintercambialidade e a similaridade tornam-se, em si mesmas, marcas de distino. Este umponto sobre o qual vale a pena elaborar, mas no o fao aqui devido a restries de espao.

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    genrico. Em Villa Lugano, um bairro operrio na periferia de Buenos Aires,um farmacutico explicou: bem, a coisa , so todos a mesma coisa tudonaquelas prateleiras (todas estocadas com genricos) uma marca. O que sepassa que, se o povo no reconhece uma droga famosa pela TV [gesticulouem direo a TV num suporte elevado em um canto da loja estreita], ento,ela deve ser um genrico (entrevista, 31 de maio de 2006).

    Essa regra prtica vlida de muitas maneiras. As farmcias que ven-dem exclusivamente genricos esto vendendo drogas fabricadas pelospequenos laboratrios, dos quais ningum ouviu falar, e que tm umoramento de marketing limitado. Essas drogas vendem mais barato do quemuitas das cpias bem conhecidas, fabricadas pelos laboratrios argentinosmaiores, a maior parte dos quais tem uma viva presena em anncios deoutdoors, propaganda no metr, na televiso no rdio, e em consultriosmdicos. Num contexto, no qual todos os medicamentos so de marca etodos so cpias, a combinao de preo, reputao e presena no mer-cado que, pelo menos por enquanto, os diferencia do genrico. Em outraspalavras, o conceito de genrico, na Argentina, emerge no da lei de paten-tes, mas da forma de marketing.20

    Linguagens de acesso

    Argumentei acima que a dupla recusa da Argentina sem patenteno h genrico chama a nossa ateno para as especificidades de umaperspectiva americana de propriedade intelectual, desequilibrando um vo-cabulrio organizado e limitado pelo eixo de propriedade privada (a paten-te) e domnio pblico (o genrico). apenas neste contexto, obviamente,

    20 Ver Nathan Greenslit (2002) para uma verso diferente do grau para o qual tcnicas demarketing so, nos EUA, usadas para justificar a extenso de patentes sobre essencial-mente as mesmas molculas cujas patentes estariam a ponto de expirar.

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    que poderamos automaticamente definir um genrico como aquilo queno patenteado e com marca registrada por uma Merck ou uma Wyeth(Maceira, comunicao pessoal, 29 de maio de 2006). Com as cpiasargentinas firmemente em vista, devemos observar at que ponto essaformulao invisivelmente naturaliza o genrico (e, por extenso, o dom-nio pblico) como ao mesmo tempo residual em relao patente e totalem relao a tudo o que deixado de fora: tudo que no for Merck temque ser genrico. No contexto das contestadas negociaes de comrciointernacional e dos horizontes regulatrios e comerciais reconfigurados, estaafirmao normativa, e no descritiva.

    Quero explicar alguns dos efeitos que poderamos identificar em rela-o aos recentes esforos para aperfeioar o acesso a farmacuticos atravsde uma virada para o genrico, ou, pelo menos, para o nome genrico noMxico e na Argentina. Primeiro, tanto no Mxico quanto na Argentina, osurgimento de (algo chamado) genrico resultou em quedas documentadasnos preos de medicamentos e em uma maior disponibilidade de remdiosmais baratos (Espicom 1999; Gonzlez Garca 2004). Acesso, entendidoespecificamente e, talvez, problematicamente, como um crescimento doconsumo privado, em especial entre os pobres, pode de fato melhorar,com os esforos para trazer drogas menos conhecidas e mais baratas a ummercado dominado pelas marcas mais conhecidas e mais caras.

    Ao mesmo tempo, a noo do genrico no apenas abre o acessoatravs da circulao mais efetiva de (algumas) cpias. Sua regularizaotambm disciplina e bloqueia a circulao de (outras) cpias. Digamos queisto seja um segundo efeito no processo de genericizao. Considere agrande gama de termos para remdios copiados, prescritos atualmente noMxico e na Argentina: drogas similares, genricos intercambiveis, ge-nricos regulares e genricos de marca no Mxico; e cpias, genricos,drogas fabricadas por grandes laboratrios, drogas fabricadas em laboratri-

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    os pequenos e drogas fabricadas pelo Estado, na Argentina. A chegada deum tipo de droga especfica chamada genrica, com taxonomias farmacu-ticas to heterogneas, pode ter poderosos efeitos disciplinadores. O argu-mento particularmente crtico no Mxico, onde reguladores federais desade e associaes de indstrias transnacionais vm trabalhando juntospara instituir novos regulamentos que eliminaro do mercado todos os tiposde cpias legais (no patenteadas), exceto a mais restritiva categoria degenrico, o genrico intercambivel. Esta designao subentende queuma droga copiada no apenas baseada na mesma substncia ativa daoriginal patenteada, mas foi tambm submetida a ensaios relativamentecaros de bioequivalncia em seres humanos, para testar o grau de absor-o da droga na corrente sangunea. Tais ensaios no so exigidos paraoutras categorias de genricos e cpias, no Mxico (Hayden 2007). Omovimento no sentido de nomear genricos intercambiveis como o nicotipo legtimo de droga copiada dentro de um campo de cpias legais , nomnimo, complexo. Este movimento feito em nome da qualidade que em si parte de uma questo poltica e de sade pblica carregada deimplicaes mas, como os diretores de diversos laboratrios genricosdomsticos tm observado, tambm produz um obstculo dispendioso entrada de empresas domsticas no mercado de genricos (ver Hayden2007). No Mxico, o genrico intercambivel desempenha um papel im-portante nos esforos para submeter o desregrado mundo dos farmacuti-cos copiados a normas e terminologia que so, como a comunidade deinformao no comrcio (business intelligence community) gosta de dizer,internacionalmente aquiescentes.

    Mas o que dizer da Argentina, na qual o (nome) genrico entra numcampo de produtos similares, de tal maneira que as formas de dominaopraticadas no Mxico parecem quase irrelevantes, ou pelo menos demomento impossveis? Este qualificador temporal importante, porque

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    no se pode esperar que o universo classificatrio delineado acima permane-a esttico por muito tempo. Referindo-se qualidade que distingue a atuallei de patentes farmacuticas da Argentina, que existe, mas no aplicada,disse-me Federico Tobar: Temos uma lei de patentes, mas no concedemospatentes [farmacuticas]. brilhante. tambm um pouco como cuspir noar; cedo ou tarde a coisa cai e te atinge na cara (com. pessoal, 19 de marode 2006). Tobar no estava sozinho entre os meus muitos interlocutoresquando sugeriu que um regime aplicado de patentes farmacuticas na Argen-tina definitivamente uma possibilidade na prxima dcada, um pouco comoos efeitos da gravidade, sugeriu ele. Isto pode ser inevitvel.

    Neste caso, devemos esperar que o genrico faa e seja coisas dife-rentes. Considere a situao atual da ndia, cuja poderosa indstria de dro-gas , h muito tempo, um fornecedor-chave de genricos mais baratospara o Brasil, a Tailndia e outras naes, tanto na metade Sul como nametade Norte do globo (ver Sunder Rajan 2006; Shadlen 2007). Como naArgentina, a indstria indiana foi forjada na ausncia de um regime de pa-tentes farmacuticas, e as marcas lderes tenderam a ser cpias criadas nopas. (Ecks, com. pessoal, 30 de janeiro de 2007). Ainda assim, em 1 dejaneiro de 2005, a ndia viu chegarem ao fim os seus dez anos de isenodo TRIPs, e uma nova lei de patentes farmacuticas entrou em vigor. StefanEcks comenta o que se poderia esperar dos prximos anos, de acordo como que observou da emergncia simultnea de uma noo de drogas origi-nais e, conseqentemente, de genricos: a entrada crescente de origi-nais de patente protegida cria, pela primeira vez, a percepo de genri-cos [como um tipo distinto de drogas] entre pacientes indianos (Ecks,com. pessoal, 2007; nfase original).

    De fato, medida que regimes de patentes farmacuticas entram emvigor (com a devida considerao pela substancial contestao eheterogeneidade das mesmas), em naes como a ndia e possivelmente

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    Argentina, talvez tenhamos de perguntar a respeito de formas corolriasde expanso. Na ndia e, talvez, na Argentina, o objeto categoricamentedistinto chamado o genrico surge, no contra a patente, mas cuidadosa-mente mesclado com esta. Porque o domnio pblico legalmente sanciona-do no passa dos limites da propriedade intelectual. E neste sentido queestou interessada tanto nas promessas quanto nos limites de uma polticade acesso, igualdade e distribuio amarrada linguagem da propriedadeintelectual mesma. Este ponto relevante no apenas para o problema dosprodutos farmacuticos copiados, como tambm para um amplo espectrode arenas do conhecimento e produo tecnolgica, na qual estratgiasalternativas para garantir igualdade de acesso e distribuio foram configura-das atravs da linguagem do domnio pblico. Eu ento recomendaria umaconscincia crtica das implicaes de compromissos cada vez maiores paraassegurar o domnio pblico ou os direitos comuns. Em muitos projetostecnopolticos progressistas nos EUA e na Europa, esta expresso veio arepresentar o nico antdoto possvel contra os excessos da privatizao.Mas ser que o domnio pblico legalmente sancionado constitui a nicaexpresso ou mecanismo atravs do qual se pode repensar acesso, igualda-de e uma poltica de cpias?

    Esta indagao no transforma, necessariamente, a cpia ilcita naresposta aos problemas de acesso (farmacutico). Este ensaio organizado,apesar de tudo, em torno do fato de que a ausncia da patente e a prevalnciade cpias no licenciadas na Argentina no melhorou o acesso, na formade uma proliferao de drogas mais baratas. Em primeiro lugar, foram osaltos preos das cpias no licenciadas que culminaram no decreto da pres-crio pelo nome genrico, em 2002 na Argentina. Na verdade, minhapreocupao com a ftil reificao do domnio pblico como a margemtanto constitutiva como universal, ou antdoto, patente e a outras formasde propriedade intelectual. Temos sido lembrados em outros contextos

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    particularmente em crticas indgenas e ps-coloniais - de renovados inte-resses em bioprospeco e coleo biogentica que o domnio pblico criado e no, achado. Se o acesso farmacutico deve ser configurado emtorno da questo do que pode ser contado como uma poltica de cpiasvivel, ento importante, tanto poltica como analiticamente, que no seperca de vista este ponto, e seu incitamento anlise dos efeitos dominan-tes da propriedade intelectual e seu corolrio, o domnio pblico.

    Agradecimentos:

    Reconheo e agradeo a cordial disponibilidade, comentrios e assis-tncia de Andrew Lakoff, Daniel Maceira, Federico Tobar, Horacio Svori,Carlos Forment, Sylvia Hirsch, Mario Biagioli, Ivan da Costa Marques, StefanEcks, Ken Shadlen, e Hlne Mialet.

    Nota irnica, mas necessria (?): uma verso deste artigo foi original-mente preparada para Contexts of Invention, editada por Mario Biagioli,Peter Jaszi, e Martha Woodmansee (University of Chicago Press, a ser publicadaem 2008).

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  • SOCIOLOGIAS 91

    Sociologias, Porto Alegre, ano 10, n 19, jan./jun. 2008, p. 62-91

    Resumo:

    Baseado em pesquisas etnogrficas no Mxico e na Argentina, este ensaiovolta a ateno para as promessas, limites e especificidades do medicamentogenrico como artefato poltico, tcnico e legal. Tendo em conta a complexasemitica comercial da similaridade no Mxico e a figura poderosa da copianacional na Argentina, procuro mostrar que o que est em jogo com a expansodos mercados para medicamentos genricos no simplesmente uma relao dotipo David e Golias entre o genrico (barato, acessvel, democratizante) e o originalpatenteado (caro). Tambm central para uma poltica do genrico a linha dedeslocamento entre a cpia lcita e ilcita. Desta maneira este ensaio coloca aquesto: quais so as implicaes de configurar uma linguagem poltica de aces-so em torno aos termos da prpria propriedade intelectual?

    Palavras-chave: patentes, genricos, polticas de cpia.

    Recebido: 06/12/2007Aceite final: 07/01/2008

  • SOCIOLOGIAS 347

    Sociologias, Porto Alegre, ano 10, n 19, jan./jun. 2008, p. 346-353

    No patent, no generic: pharmaceutical access and the politics

    of the copy

    Cori Haydem

    Drawing on ethnographic research in Mexico and Argentina, this essayaddresses the promise, limits, and specificities of the generic pharmaceutical as alegal, technical, and political artifact. Attending to the complex commercial semiotics

    348

    of similarity in Mexico, and to the powerful figure of the domestic copia inArgentina, I argue that at stake with the rise and expansion of markets for genericdrugs is not simply a David and Goliath relationship between the (cheaper,accessible, democratizing) generic and the (expensive) patented original. Alsocentral to a politics of the generic is the shifting line between the licit and the illicitcopy. The essay thus poses the question, what are the implications of configuringa political language of access around the terms of intellectual property itself?

    Keywords: patents, generics, politics of the copy.