a voz do silêncio - pré-projeto

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pré porjeto apresentado à univesidade federal fluminens para a entrada no programa de pós graduação em psicologia clínica.

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSEPROJETO DE PESQUISA PARA O MESTRADO EM PSICOLOGIA ESTUDOS DA SUBJETIVIDADE(Linha de Pesquisa: Subjetividade, Poltica e Excluso Social)A VOZ DO SILNCIO:Inquietaes entre arte e produo de sentido na ressignificao da experincia em sade mental Guilherme Augusto Souza PradoINTRODUONa sociedade contempornea a experincia humana perpassada pelo hiper-tecnicismo e por uma patologizao da vida. Posto isto, fato que nos ambulatrios de sade mental somam-se s queixas acerca das sempre referidas categorias de loucura transtornos, males, doenas e fraquezas mentais , queixas sobre insatisfaes, solido, falta de perspectiva e demais categorias de sofrimento da vida contempornea na busca por abrigo e resposta nos servios de ateno a sade mental e a resposta mais comum que receberiam, baseada na compreenso mdico-biologizante do ser, dissociado de seu carter humano, seria a medicalizao psicofarmacolgica.Entretanto, vrias prticas no atual contexto do cuidado em sade mental se situam alm da ordem mdico-biologizante que rege a estrutura formal tcnico-cientfica dos sistemas de cuidado outrora tradicionais. No que prticas alternativas por um lado, e clnica e modelo mdico-medicamentoso por outro sejam necessariamente concorrentes (ou auto-excludentes), mas que devem ser articuladas de maneira a caminharem conjuntamente em direo complementaridade no trato ao sujeito.Talvez em decorrncia deste entendimento ampliado do ser humano, e do sofrimento psquico alm do contexto histrico da reforma no sistema de sade brasileiro concomitante redemocratizao do pas , a idia de um tipo distinto de ateno tenha ganhado espao no interior de diversas organizaes. Uma ateno que possibilite a produo de sentido para esses corpos medicalizados de outrora, ao conferir-lhes desenhos e formas outras que no a do paciente psiquitrico institucionalizado, buscando alguma resposta que intente suprir uma demanda antes praticamente suprimida a partir da compreenso que as relaes humanas so imprescindveis no entendimento das categorias da loucura visto que esta no tem uma essncia fundamental, sendo determinada pelas relaes que se estabelecem com ela e no seu entorno social. A raiz da [assim chamada] patologia mental no deve ser procurada em uma "meta-patologia" qualquer, mas numa certa relao, historicamente situada, entre o homem e o homem louco e o homem verdadeiro (FOUCAULT, 1975, p. 5).Ao passo que o estatuto de verdade de um paradigma responde a modalidades do que visto e dito segundo a produo de determinados saberes ou o fomento de determinados discursos no cerne da sociedade, tal paradigma de entendimento acerca do indivduo em sofrimento psquico tem ganhado cada vez mais espao nos enunciados, nas prticas e nas instituies destinadas ao cuidado e a ateno em sade mental. E a respeito da loucura, impossvel falar sobre doena mental sem fazer referncia estruturao social como sua real condio.Tomando as idias de Foucault em Histria da Loucura na Idade Clssica (2002), percebemos que as verses sobre as manifestaes da loucura, e os discursos sob o prprio louco se alteram conforme as configuraes de poder e saber que se engendram nas sociedades ocidentais. E que o estatuto moderno da loucura como doena, desvio e anormalidade que confere ao sujeito considerado louco os atributos de incapaz e impossibilitado.Uma vez que s se pode conjeturar sobre a loucura perante a relao entre homens, a qual se faz numa cultura, inserida em um modo de produo e de vida, o louco seria, pois, aquele que na sociedade industrial no produz e no pode sequer fazer a si mesmo e a sua histria. Assim o autor nos apresenta a loucura como a ausncia de obra e em decorrncia dela:S h loucura como instante ltimo da obra, esta a empurra indefinidamente para seus confins; ali onde h obra, no h loucura; e no entanto a loucura contempornea da obra, dado que ela inaugura o tempo de sua verdade. No instante em que, juntas, nascem e se realizam a obra e a loucura, tem-se o comeo do tempo em que o mundo se v determinado por essa obra e responsvel por aquilo que existe diante dela (FOUCAULT, 2002, p. 584).A loucura faz da sua presena a ausncia de obra. Propicia o aparecimento de uma palavra que se diz por baixo de si, e diz coisa distinta do que , mas da qual parte fundamental. Por isso o referido autor faz analogia da loucura com a literatura, por conta da metamorfose dos sentidos, e mais que isso, por conta da suspenso do sentido, passvel de inmeras ressignificaes. Por conta disto o autor considera tanto a loucura como a literatura, ausncia de obra, mas justamente esta ausncia que confere plausibilidade prpria obra.Dessa maneira, a loucura ausncia de obra no momento imediato da ruptura com uma determinao fixa, a loucura atua antes na contramo da objetivao dos significados, confrontando o esttico da obra. Ambas, a loucura e a obra enclausuram as foras do fora (PELBART, 2009), da exterioridade, e podem cunhar significaes para o inacabamento da vida.H um ponto no qual a tagarelice, a verborragia espontnea se mescla na indefinio de ser o que parece e de constituir, na verdade, uma linguagem nova, original e, de certa maneira, crtica linguagem anterior. Na referida tese Foucault estudou, alm do registro das prticas e dos discursos da razo sobre a loucura, as linguagens da loucura, a forma como ela se faz ver atravs da arte e de outras linguagens. No momento em que a palavra da loucura se faz sob o silncio que lhe imposto ela se faz perante transformaes ntimas de significaes mltiplas, entre o homem, ser racional, e seu outro, o louco.A loucura que se apresenta na obra de determinados artistas exatamente a ausncia de obra, a presena repetida dessa ausncia, seu vazio central experimentado e medido em todas as suas dimenses, que no acabam mais (FOUCAULT, op. cit., p. 582). E sabido, pois, que houve movimentos e momentos nos quais a arte procurou a experincia da loucura em suas inquietaes o sonho surrealista, o dadasmo, Bosch, entre tantos outros , entretanto, a questo que se levanta nesta pesquisa justamente o movimento contrrio, da loucura que busca a arte, a experincia artstica como uma possibilidade de produo de sentido para sua prpria existncia.A partir da transdisciplinaridade, as interaes artsticas na interface com a sade mental visam emergncia de um discurso menor (DELEUZE & GUATTARI, 1977), na acepo de um texto do qual insurja o que considerado marginal ao saber formal maior que molda a ordem discursiva corrente. Isto , se voltar para um discurso muitas vezes menosprezado proveniente, no caso, da classe dos usurios dos servios em sade mental, fora de um plano de reconhecimento social. Este discurso menor seria ento um discurso da diferena, um discurso instituinte que, ainda que hbrido na medida em que se mescla com outros campos e linguagens , no deixa de constituir resistncia aos ditames do discurso maior, mas que, entretanto, no o exclui, pelo contrrio, se faz com ele e para alm dele.Em se considerando a concepo da realidade enquanto composio de linhas, a noo de territrio condiz a um emaranhado interpenetrado de fluxos de foras e linhas abstratas e se d a partir da expresso do que o caracteriza. A partir ento do discurso menor, podemos pensar no reordenamento do territrio da loucura que, no mais encerrada no silncio, pode produzir seu prprio discurso sobre si mesma, para alm das incontveis opinies provindas dos mais diferentes campos, como a psicologia, a psiquiatria, o direito, o senso comum, etc. Uma vez que h territrio a partir do momento em que componentes de meios param de ser direcionais para se tornarem dimensionais, quando eles param de ser funcionais para se tornarem expressivos (DELEUZE & GUATTARI apud ALVAREZ & PASSOS, 2009, p. 133).Ainda Foucault assinala que na transio da experincia trgica da loucura para a experincia crtica da loucura, a loucura foi progressivamente desqualificada no seu potencial de dizer a verdade. Ento, o que se engendra com a possibilidade de emergncia desse discurso menor processo importante para o trabalho sociocultural de desconstruo da concepo e representao cultural da loucura (GUERRA, 2004, p.40) e para a produo de sentido para a vida dos sujeitos. Pois que a respeito do atual paradigma na ateno em sade mental, estclaro desde o incio que o projeto antimanicomial no se reduz a reformas assistenciais. Por eficazes que sejam, as reformas no mbito da assistncia s adquirem um carter transformador quando se articulam com uma interveno na cultura, tendo a recriao das idias sobre a figura do louco ao mesmo tempo como objetivo e efeito de sua implementao. (Lobosque, 2001, p. 30)Desta maneira, a reconfigurao da significao social e pessoal da loucura se faz perante outras formas de tratamento que no sejam exclusivas da biomedicina [e que] apresentam potencial emancipador e transformador das tradicionais relaes sociais existentes no cotidiano dos servios de sade (MACHADO et al. 2005, p. 59) e na sociedade. Pois dentro do contexto da Reforma Psiquitrica, entendemos que a desconstruo do manicmio vai alm das estruturas materiais da instituio concreta. Sua estrutura simblica se manifesta de inmeras maneiras, seja por idias e juzos que reproduzem a lgica da excluso, at formas refinadas de se manter a camisa-de-fora e, por esses motivos, a ao teraputica tem de apontar para intercmbios com a vida pblica, tendo em vista a inveno de sade e a reproduo social do paciente (ROTTELI et al, 2001).Ao agenciar dispositivos nos sistemas de sade que sejam dinmicos e flexveis, que acompanhem as necessidades e demandas da populao, que, alm de complexas so dinmicas, buscamos a operao de um olhar de realocamento do sujeito no centro da estratgia de cuidado. Um sistema de cuidado que visa no a doena, mas o sofrimento dos indivduos j que o ponto de partida de cada teraputica, tanto historicamente como a cada episdio da demanda por cuidados, o sofrimento (CAMARGO JR., p. 163).No obstante, ao pensar esse olhar ampliado, expandimo-lo juntamente com as prticas para alm do domnio dos saberes psi, recorrendo aos dispositivos nos quais os saberes sobre o cuidado se aproximam da arte entendida aqui no como produo de uma obra-de-arte necessariamente, mas como acontecimento que privilegia a ao pela experimentao, e que promove potencial e concomitantemente processos de vida, retroalimentao do furor e da inquietude necessrios prpria criao, alm de processos de reinveno do cotidiano. Uma vez que a arte parte da relao do sujeito com sua vida, da inexorvel impreciso e mutabilidade desta, onde se mesclam sobremaneira produo desejante, criatividade e trabalho, possvel, atravs da reatualizao que ela proporciona, transcender os espaos e os meios os quais habitam esses sujeitos. Desejo e arte so capazes de transgredir a funcionalidade imediata dos objetos e mesmo das relaes inter-humanas (ORLANDI, 1997, p. 3). Assim, segundo Lima (2004, p.76), colocados em conexo com as produes artsticas e culturais que nos so contemporneas, podemos nos prover de recursos para criarmos teorias e procedimentos mais de acordo com nosso tempo a fim de que possamos empreender propostas de deslizar dos processos de arte s sensaes de vida, somando s idias de expresso e comunicao, uma concepo construtiva da criao.Desta maneira, as manifestaes expressivas correspondem a expresses de arte bruta, isto , manifestaes espontneas e carregadas de inventividade realizadas por pessoas sem vnculo artstico formal. E justamente a partir da arte nesse estado ainda um pouco ingnuo que poderamos falar de uma arte mais ligada at a uma idia contempornea de arte, que remete acima de tudo expressividade do acontecimento. Pois de fato, enquanto a arte se conserva em perceptos e afectos como um bloco de sensaes (DELEUZE & GUATTARI, 1992), sua experincia confere aos sujeitos uma maneira diferenciada de se colocar na relao de conhecimento, de habitar o mundo da criao ao habitar um universo de referncia diferenciado, ao criar referncias perante o mundo e perante as pessoas. Criar implica instaurar uma existncia. Toda criao que se inscreve na cultura como obra de esprito busca fundar um modo de olhar e uma forma singular de compartilhar experincia (SOUZA, 2003, p. 63).Toda operao de produo de sentido empreende ganho de terrenos existenciais para os indivduos, constituindo pea capital no processo de desassujeitamento, ao provocar uma ciso, uma fenda na paralisia ocasionada pela interdio, pela desabilitao do sujeito e de sua autonomia, pela pressuposio da falta de cincia sobre si mesmo. E toda produo singular na medida em que empreende um estilo. Sempre preciso o estilo (DELEUZE & GUATTARI, 1992, p. 220), marca indelvel da subjetividade, e que atua, portanto, nas formas de fazer do sujeito e influi diretamente nas relaes de mo-dupla entre este e sua rede de contatos.Pois que a arte, ao extrair os perceptos das percepes tanto do objeto quanto do sujeito que o percebe e os afectos das afeces, extrai ao final um bloco de sensaes por meio de uma ao particular que s pode ser feita na singularidade de cada um. Deleuze e Guattari so categricos ao afirmar: composio, composio, eis a nica definio da arte (1992, p. 247), e que, no obstante, a arte quer criar um finito que restitua o infinito (op. cit., p. 253). Tomando em conta o que foi exposto acima, consideramos de mximo interesse o problema das interaes entre arte e produo de sentido na vida das pessoas em sofrimento psquico questo que faz necessria a investigao de como essas prticas, elas mesmas, adquirem significao enquanto prticas e tcnicas de si a partir do discurso menor produzido pela prpria loucura.Uma vez que conhecer a realidade traar seu processo constante de produo (ESCSSIA & TEDESCO, 2009, p. 106), escolhemos o mtodo da cartografia para nos auxiliar em nossa problematizao. A partir das idias de planos, linhas de fora, perceptos e afectos e outras, provenientes de diferentes campos de conhecimento, pretendemos cartografar algumas das prticas em sade mental notadamente as das oficinas que trabalham com produo de sentido atravs da arte no processo de ressignificao da experincia da loucura na apreenso das potencialidades das experincias e dos sujeitos dinmicos, nunca encerrados em concepes estticas sejam elas psicodiagnsticos, ou formas sofisticadas quaisquer de camisa-de-fora.JUSTIFICATIVAA implicao do candidato para com o tema deste trabalho parte da experincia de estgio cumprido junto ao curso de Psicologia da UNESP Campus de Assis e, sobretudo, dos acontecimentos a este estgio vinculados, como a participao em oficinas e projetos correlatos, o acompanhamento do processo de composio de pinturas, poemas e escritos, msicas, e outras obras/acontecimentos no decorrer de dois anos. E, no obstante, de um impulso anterior a essa experincia, relacionado inquietude e ao interesse do candidato para com a arte e no que esta toca, mobiliza nas pessoas e da sua importncia para a vida em sociedade.Nestes termos, pleiteamos deslocar a arte dos objetos, das ditas obras-de-arte, e realoc-la perante o sujeito e a vida, que "apesar do seu suceder-se em meio a referenciais empricos, tambm uma potncia capaz de imanncia" (ORLANDI apud NEVES, 2004, p. 13). Poisa arte uma necessidade, uma interpretao da vida, que provavelmente abandonada por si s pareceria privada de sentido, privada de significado, monstruosa. A arte, por outro lado qualquer coisa que nos conforta, que nos reassegura, [...] Faz-nos refletir sobre a vida (FELLINI, 2009)A convivncia com pessoas que vivem o contexto do crculo da sade mental e a relao destas com o que produzido em termos artsticos e/ou teraputicos nas oficinas expressivas levou ao interesse sobre o processo de re-significao da experincia psiquitrica nas pessoas que integram o grande contingente de atendidos nos servios de cuidado e ateno psicossocial. Entendido que a partir do movimento da Reforma Psiquitrica brasileira, as atividades passaram a ser um dos eixos que estruturam o cotidiano e as relaes de cuidado (LIMA, 1997) nos servios que se prestam ao tratamento dos indivduos em sofrimento psquico, tomamos a arte como possvel forma de ressignificao da representao social e pessoal da loucura.Com efeito, a arte, depositria de uma verdade inacessvel ao conhecimento discursivo (ROCHLITZ, 2003, P. 157), , muito perspicazmente, capaz de promover de um discurso para alm do plano do institudo, explicitando a inexorvel ligao entre teraputica e poltica e ressaltando que a vida requer mais do que a simples sobrevivncia.A arte capaz ainda de promover a emergncia de um registro diferenciado no somente quantitativa, mas qualitativamente de comunicao. Pois a comunicao nos centros de referncia em sade mental no se restringe ento aos assuntos cotidianos de uma instituio de sade, outra ordem de assuntos sobretudo cultural e de ordem da vida mesma, doena parte se junta s conversas sobre medicao e agenda dos profissionais, por exemplo.No obstante, a instaurao de um campo de comunicao variado atravessa os muros dos locais de cuidado, atinge as demais facetas da sociedade, a comear pelas associaes e grupos comunitrios e populares de organizao civil, como crculos artsticos. Sucede que a comunicao se sociabiliza e transversaliza, extrapolando as determinaes verticais hierrquicas altamente restritivas, mas tambm as horizontais, classistas, corporativistas, e no menos limitantes da expressividade e da vida. Se em toda fronteira h arames rgidos e arames cados (CANCLINI, 2006, p. 349), talvez somente nas interfaces possamos reconhecer o que h de produtivo e de inovador no encontro entre os diferentes saberes e fazeres, pois a zona de fronteira, no o lugar no qual algo se desfaz, mas sim onde passa a existir sua presena no mundo.OBJETIVOSEsta pesquisa tem como objetivo investigar como acontecem as interaes entre arte e produo de sentido, especialmente no dispositivo das oficinas e suas adjacncias nas interaes da teraputica em sade mental. Pretendemos fazer uma leitura de como a relao das pessoas em sofrimento psquico com a sua produo pode ser fundante na sua relao com o mundo, de maneira global, e com sua vida.Ressaltamos, ento, a relao entre arte no espao das instituies dispositivos de substituio ao manicmio e as tecnologias de construo de significado para as pessoas inseridas neste meio a partir do processo de reabilitao psicossocial, que visa inserir o sujeito no lao social , revisando o curso daquilo que Foucault considera na loucura a ausncia de obra.A respeito da produo dos discursos menores em relao aos discursos oficiais e oficiosos no campo da sade mental, o foco pensar em que medida essa classe de discurso propicia, alm da subverso da ordem instituda, uma sub-verso do entendimento ocasionado por essa ltima, isto , a constituio de discursos (versos) alternos ao texto do plano institudo.REFERENCIAL TERICO necessrio pontuar que concebemos uma compreenso da realidade a partir do plano imanente, que abrange o potencial inscrito no movimento das foras sobre as formas, e do plano do institudo, no qual a realidade se organiza de maneira estvel, e a partir do qual partem suas representaes apreensveis por leis e estatsticas, dedues e relaes lineares.No registro do plano do institudo, os objetos e estados de coisas so delimitados e distintos uns dos outros, a apreenso que temos dele como uma espcie de retrato esttico de um tempo do caminhar processual que dinmico. O plano do instituinte ou de imanncia, por sua vez composto por conglomerados de fora se relacionando incessantemente em fluxos variveis de organizao e arranjo. , na verdade, um coletivo de foras, um campo aberto de embates entre as foras que resultam nas formas, as quais tm carter transitrio e parcial.E, uma vez que os objetos e os sujeitos esto, nesta lgica, em processo permanente de construo de si, ao olhar, enfatizamos as foras que atravessam e constituem os sujeitos em vez das formas com que se tenta defini-los (COIMBRA, BOCCO & NASCIMENTO, 2005, p. 8).Com efeito, considerando que o propsito de uma teraputica seria desestabilizar a unidade que se apresenta a partir de uma forma ou campo, seja ele o social, o institudo ou o indivduo, provocando uma dinmica ao movimentar os sedimentos cristalizados desses campos, a proposta teraputica abarca o caminhar da unidade ao coletivo, visando mxima comunicao. Os sentidos das intervenes artsticas no campo da sade mental as quais nunca se pretenderam unvocas se multiplicam a partir da atualizao das existncias contra assujeitamentos e paralisias sintomticas de encontro a desarranjos e novos arranjos de produo de subjetividade. Sobre isto Rauter (1997, p. 109) ressalta se a clnica aspira produzir mutaes no campo da subjetividade, deve aproximar-se da arte, talvez deva mesmo tornar-se arte.Recentemente est em voga a chamada clnica ampliada a qual em inmeros espaos, rompendo paradigmas e abarcando novos sentidos (BENEVIDES & PASSOS, 2004; FONSECA & KIRST, 2005; LIMA, 2009; MACIEL JNIOR, KUPERMAN & TEDESCO, 2005 e ROMAGNOLI, 2006; entre outros). Onde se entende desejo como um combinado de produo social e desejante e entrevemos uma clnica que no separa o desejo do campo social, ou seja, da criao da vida em suas mltiplas manifestaes (NEVES & JOSEPHSON, 2002, p. 104).Orientamos-nos, assim, pela filosofia da diferena, desenvolvida por Deleuze e Guattari, e pelo paradigma da transversalidade no apenas em relao aos conhecimentos e prticas referidos, mas, sobretudo no mbito da comunicao humana. Mas sem perder de vista os pilares da Reforma Psiquitrica, isto , os paradigmas da cidadania, enquanto incluso social plena; da autonomia, ao fomentar maneiras de o sujeito lidar com suas vicissitudes e sua rede de dependncias; e da desinstitucionalizao, a qual consiste numa incessante prtica de resistncia a todo e qualquer tipo de reduo da vida ou de congelamento ou anestesia das subjetividades.A prpria noo de subjetividade indissocivel da idia de produo, de processo. (KASTRUP, 2008). A inveno do possvel acontece ao fomentar formas de resistncia ao esvaziamento da esfera do coletivo, exausto e ao empobrecimento afetivo das cidades; ao restabelecer as ligaes de arte e trabalho com o desejo, o prazer, o plano de produo da vida e o primado da criao; e ao constatar o grande potencial da arte como meio para a construo de territrios existenciais, ao desestabilizar territrios antigos e criar novos (RAUTER, 2000).METODOLOGIAA pesquisa consistir na reviso bibliogrfica do que est sendo feito e publicado na rea no Brasil, busca em revistas e peridicos sobre a rea e nos portais da internet, e na realizao de entrevistas com usurios dos servios de sade mental da cidade de Assis que entendem a arte como fundamental s suas vidas, e que se disponham a participar de entrevistas sobre suas experincias no mbito da sade mental e da produo de sentido atravs de experimentaes artsticas, e tambm com os tcnicos e profissionais que os acompanham nestes processos.As entrevistas seguiro um modelo semi-estruturado (BLEGER, 1998). Isto significa que a partir de um roteiro bsico a ser desenvolvido no decorrer da pesquisa , realizaremos uma entrevista semi-aberta com a possibilidade de aprofundamento nos temas e durao varivel segundo a demanda subjetiva do entrevistado e a demanda especfica de cada entrevista.As entrevistas sero gravadas, transcritas e analisadas de acordo com as seguintes etapas: leitura atenta do relato inteiro de cada um dos sujeitos para a compreenso de seu sentido global; anlise de cada relato, buscando entender os significados das vivncias dos sujeitos na sua implicao com a arte e a relao desta com o sofrimento psquico; sntese das informaes obtidas, verificando a existncia e apontando os sentimentos comuns e os que diferenciam na vivncia de cada um; anlise dos dados, estabelecendo relao com a parte terica do trabalho e com os demais relatos consultados.Pretendemos realizar, no uma anlise das obras produzidas nesses contextos, mas uma cartografia dos modos dessa produo, voltando-nos para as significaes que lhes conferem seus autores no contexto de produo de sentido e de sensibilidade na e para a vida. Trata-se antes de fazer audvel a voz do silncio que se lhes imposto (muitas vezes na forma de descrdito) do que escutar o som do indizvel buscando significaes ocultas esmiuando a semitica do que dito. O prprio mtodo da cartografia se inscreve numa idia de criao-processo, entendendo que o que coordena ao final a pesquisa o prprio caminho que esta percorrer. Isto , as decorrncias do prprio pesquisar, na medida do contato com as experincias relatadas nos textos e com as idias e significaes provenientes das demais experimentaes da rea sero capazes de conceber melhor um delineamento conclusivo investigao.Ademais, uma vez que esta pesquisa se prope ao acompanhamento de processos que esto em curso, que esto se fazendo e se reconstituindo a cada desenho, a cada tentativa, a cada experimentao no plano fecundo e incessante entre arte e cuidado, arte e significao, entre a arte e a vida, poderamos afirmar de antemo que a reatualizao das problematizaes certa e, at certo ponto, necessria ao desenvolvimento das idias. E, uma vez que viver em sociedade se inter-relacionar, isto , fazer relaes dentro de relaes, estas podem sim ser ressignificadas de maneira distinta a cada experimentao vivida. A cada relao de cuidado que se dirige, a cada relao com a vida que se atualiza. Na tentativa de no focalizar na sade ou na no-sade do doente ou de tentar domin-lo sob uma virtual normalidade, procura-se acompanhar o sujeito na construo de sua obra, nos sentidos que atribui, no engendramento de sua prpria teraputica e na sua relao com a arte para alm ou aqum da arte instituda, e da promoo de sade que possa da advir (LIMA, 2009, p. 17). REFERNCIAS BIBLIOGRFICASALVAREZ J.; PASSOS, E. Cartografar habitar um territrio existencial. In: PASSOS, E.; KASTRUP, V.; ESCSSIA, L. (org.) Pistas do mtodo da cartografia: pesquisa-interveno e produo de subjetividade. Porto Alegre: Sulina, 2009.BENEVIDES, R. D. B.; PASSOS, E. Clnica, poltica e as modulaes do capitalismo. Lugar comum, Rio de Janeiro, n. 19 -20, 2004.BLEGER, J. Temas em Psicologia: entrevistas e grupos. So Paulo: Martins Fontes, 1998.CAMARGO JR., K. R. Epistemologia numa hora dessas? Os limites do cuidado In: PINHEIRO, R.; MATTOS, R. A. Cuidado: as fronteiras da integralidade. 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