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José Carlos Veloso Pereira da Silva A Visão dos Médicos Pesquisadores sobre o TCLE – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido em Pesquisas com Medicamentos Contra HIV/AIDS. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências da Coordenadoria de Controle de Doenças da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, para obtenção do Titulo de Mestre em Ciências. Área de Concentração: Saúde Coletiva Orientadora: Profa. Dra. Wilza Vieira Villela. SÃO PAULO 2005

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José Carlos Veloso Pereira da Silva

A Visão dos Médicos Pesquisadores sobre o TCLE –

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido em

Pesquisas com Medicamentos Contra HIV/AIDS.

Dissertação apresentada ao Programa de

Pós-Graduação em Ciências da

Coordenadoria de Controle de Doenças da

Secretaria de Estado da Saúde de São

Paulo, para obtenção do Titulo de Mestre

em Ciências.

Área de Concentração: Saúde Coletiva

Orientadora: Profa. Dra. Wilza Vieira

Villela.

SÃO PAULO 2005

“A ética não é como um creme amorfo que às vezes se espalha na torta da ciência. É o lugar privilegiado de uma harmonia entre o homem de hoje e

seu fantasma de amanhã: o regulador de nossos desejos delirantes de ser o que nos tornaremos”.

J. Testart Pesquisador francês.

À minha mãe, Nair (in memorian) onde quer que esteja; tenho a certeza que compartilha comigo este momento de felicidade e realização. A meu pai, Teodoro, que mesmo longe torce para minha sobrevivência e vitória nesta “selva” de pedra. A todas as pessoas vivendo com HIV/AIDS, que sofreram e sofrem com o preconceito, o estigma da Aids e as mazelas da saúde publica neste nosso país.

Agradecimentos

São tantos os agradecimentos que tenho receio de esquecer alguém,

espero que isso não aconteça.

Primeiro gostaria de agradecer minha orientadora, Wilza, que acreditou

em mim e aceitou orientar um ativista querendo navegar pelas águas da

academia.

A meus companheiros (as) do grupo de orientação, que muitas vezes

leram e fizeram comentários sobre os conteúdos deste trabalho com sentido

de contribuição e solidariedade.

Aos professores Paulo Fortes e Elma Zoboli, que tanto contribuíram

com orientações e com material bibliográfico de grande importância para

alcançar os resultados finais deste trabalho.

À professora e companheira de CEP, Elvira Filipe, pela paciência e

discussões envolvendo a prática do dia-a-dia de um comitê de ética em

pesquisa.

Aos Comitês de Ética em Pesquisa do CRT DST AIDS e Instituto de

Saúde, ambos da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo.

Aos secretários da Coordenação de Pós-Graduação em Saúde

Coletiva, Cida, Enaura e Davi, hoje em outro departamento.

Às bibliotecárias da biblioteca do Instituto de Saúde, que sempre

estiveram disponíveis para consultas e empréstimos em outras bibliotecas.

À minha amiga Claudete, companheira de pós-graduação, muito

criteriosa na revisão deste trabalho.

A meu amigo Jorge Beloqui, pelas contribuições dadas no decorrer da

pesquisa e nos resultados finais.

Às instituições escolhidas que trabalham com pesquisas, e seus

pesquisadores, que contribuíram com entrevistas concedidas a mim, para a

realização deste trabalho.

Aos meus grandes amigos (as) e companheiros (as) do GAPA, que

compreenderam minha ausência em momentos importantes de trabalho e

me impulsionaram na continuidade e realização deste mestrado.

Aos meus companheiros de apartamento, Marcelo e Thomas, que

compartilharam comigo inúmeros finais de semana de sol e longas

madrugadas, em que eu permanecia escrevendo este trabalho.

A meu querido Renato, que com sua juventude e disposição me deu

forças para ingressar e aceitar o desafio deste mestrado.

A todas as pessoas que diretamente ou indiretamente colaboraram

para que eu chegasse ao fim de mais uma etapa em minha vida.

Agora, mais do que nunca, acredito que posso vencer meus desafios,

brigando, fazendo e lutando por tudo aquilo em que acredito e quero na vida.

Obrigado!!!

RESUMO

O presente estudo teve como objetivo investigar a visão dos médicos

pesquisadores que atuam na prática de pesquisas clínicas com

medicamentos contra HIV/AIDS, sobre o TCLE – Termo de Consentimento

Livre e Esclarecido. Com o advento da Aids, estudos clínicos voltados ao

controle da epidemia, tratamento e prevenção por meio de medicamentos e

vacinas, têm se tornado cada vez mais relevantes. A urgência na busca do

tratamento e controle do HIV/Aids fez com que o tempo utilizado para o

desenvolvimento de pesquisas nesse campo diminuísse consideravelmente.

No Brasil vários estudos vêm acontecendo desde o inicio da década de 90,

envolvendo principalmente a indústria farmacêutica privada. Com este

cenário, se faz necessário uma atenção especial às questões éticas que

envolvem o sujeito de pesquisa e as práticas médicas como: a visão do

pesquisador sobre a sua relação com o voluntário participante; o quê

significa, para o pesquisador, o termo de consentimento que o voluntário

assina ao ser incluído na pesquisa. Tomamos como pressuposto que um

entendimento semelhante do lugar do pesquisador e do sujeito de pesquisa

no processo de investigação seria o eixo principal para a construção de uma

conduta ética num espaço de múltiplos interesses.

O trabalho de campo compreendeu na realização de entrevistas em

profundidade com 08 pesquisadores, de diferentes centros de pesquisas

clínicas em Aids na cidade de São Paulo. As entrevistas foram transcritas e

analisadas, usando a metodologia do Discurso Sujeito Coletivo. Os

resultados permitiram concluir que, embora os pesquisadores entrevistados

tenham pleno conhecimento do uso do TCLE em pesquisa com seres

humanos e as normas vigentes nos país e no mundo sobre o tema, ainda se

faz necessário uma reflexão ética, com enfoque no processo de consentir do

sujeito voluntário participante de pesquisa.

Palavras-chave: Consentimento Esclarecido/ética, Experimentação

humana, Sujeitos da pesquisa, Síndrome de Imunodeficiência Humana, HIV.

Excluído: .

ABSTRACT

This study's objective is to investigate the vision that medical researchers

have of the FITC – The free informed term of consent. The investigation

focuses hereby on medical researchers that are involved in clinical tests and

researches for anti-HIV/Aids medication. Since the beginning of the Aids

epidemic, clinical studies which focus on how to control the epidemic, on

prevention treatment and medical / vaccination prevention have become

more and more relevant. The time spent on the preparation of researches

has diminished considerably ever since, driven by the urgency to find a

treatment and control-tools for HIV/Aids. Various studies, involving mainly the

pharmaceutical industry, have been undertaken in Brazil since the beginning

of the 1990s. On this background it has become necessary to pay attention

on ethical questions concerning the volunteer test participant and the medical

practices, such as the researcher's vision about his relationship with the

volunteer test participant and what the term of consent, signed by the

selected volunteer test participant, means to the researcher. We presuppose

that both sides should have similar comprehensions about the proceedings of

the research process in order to construct an adequate ethical behavior in

this multi-interest environment.

Profound interviews with eight researchers have been realized for this study.

The researchers work in various clinical Aids research center in the city of

São Paulo. The interviews have been transcripted and analyzed under the

"discourse of the collective subject"-method. The study leads to the

conclusion that all of the interviewed researchers were fully aware of the

usage of the FITC within clinical researches with human beings and of the

existence of national and international norms. But still, the study shows that

an ethical reflection about this issue is absolutely necessary, and it should

focus on how to consent the volunteer test participant.

Key-words: Informed consent/ethics, Human experimentation, Research

subjects, Acquired Immunodeficiency Syndrome, HIV.

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

ABIA - Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids

AIDS - Acquired Immuno Deficiency Syndrome

ANVISA - Agência Nacional de Vigilância Sanitária

BIREME - Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Saúde

CAC – Comitê de Acompanhamento Comunitário

CCAP – Centro Comunitário de Acompanhamento de Pesquisa

CCDI – Centro de Controle de Deficiências Imunológicas

CDC – Centers of Disease Control

CEP – Comitê de Ética em Pesquisa

CIOMS – Council for International Organizations of Medical Sciences

CIP – Coordenação dos Institutos de Pesquisa

CNS – Conselho Nacional de Saúde

CONEP – Comissão Nacional de Ética em Pesquisa

CRT – Centro de Referência e Treinamento

DAIDS – Division of Aids

DIMED – Divisão Nacional de Vigilância Sanitária de Medicamentos

DIPA – Disciplina de Doenças Infecciosas e Parasitárias

DSC – Discurso do Sujeito Coletivo

DST – Doença Sexualmente Transmissível

GAPA – Grupo de Apoio à Prevenção à Aids

GIV – Grupo de Incentivo à Vida

GLOBAL CAB – Community Advisory Board Global

HIV – Human Immunodeficiency Virus

HPTN – HIV Prevention Trials Network

HTLV – Human T-Leukemia Virus

HVTN – HIV Vaccine Trials Network

HVTU – HIV Vaccine Trials Unit

IAL – Instituto Adolfo Lutz

IAVI – International Aids Vaccine Initiative

IIER – Instituto de Infectologia Emílio Ribas

LILACS – Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde

MS – Ministério da Saúde

NIH – National Institutes of Health

OMS – Organização Mundial da Saúde

ONG – Organização Não Governamental

PE – Programa Estadual

PELA VIDDA – Pela Valorização, Integração e Dignidade do Doente de Aids

ScIELO – Scientific Eletronic Library Online

SES – Secretaria de Estado da Saúde

TCLE – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro

UNAIDS – Joint United Programme on HIV/AIDS

UNIFESP – Universidade Federal de São Paulo

USP – Universidade de São Paulo

WHO – World Health Organization

SUMÁRIO

Introdução 15

1. Justificativa 18

2. Objetivo 21

3. Metodologia 21

3.1. Plano de Investigação 21

3.2. Participantes 23

3.3. Recrutamento 24

3.4. Instrumento 24

4. Considerações Éticas 27

Capitulo I: Organizações que desenvolvem pesquisas e a resposta

comunitária

28

1. Algumas instituições na cidade de São Paulo envolvidas em

pesquisas clínicas de medicamentos e vacinas anti-HIV/AIDS

28

1.1. Sobre o Centro de Referência e Treinamento em Doenças

Sexualmente Transmissíveis e AIDS – CRT DST/AIDS

28

1.2. Sobre o Instituto de Infectologia Emilio Ribas 29

1.3. Sobre a Casa da AIDS 30

1.4. Sobre a Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP 30

2. As pesquisas de vacinas anti-HIV/Aids 31

2.1. Política de pesquisa em vacinas anti-HIV/Aids no Brasil 33

2.2. A experiência com pesquisa de vacinas anti-HIV/AIDS em

parcerias com organismos internacionais – O HVTN

34

2.3. Composição da equipe 36

2.4. Processo de recrutamento de voluntários 36

2.5. A pesquisa de vacinas da UNIFESP 38

2.6. Composição da equipe 39

3. Acesso aos medicamentos anti-retrovirais no Brasil 39

4. A resposta comunitária às pesquisas em HIV/AIDS no Brasil 41

Capitulo II: A conquista da reflexão ética 44

2. Sobre a ética e suas diferentes concepções 44

2.1. Sobre a bioética e seus conceitos 46

2.2. Bioética e pesquisas 47

Capitulo III: Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Que

ferramenta é essa?

50

3. Sobre o TCLE - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido 50

3.1. O TCLE na ética e pesquisa no Brasil 54

3.2. O TCLE na pesquisa de cooperação estrangeira no Brasil 56

3.3. O TCLE e estudos que abordam o processo de consentir e

autonomia

58

Capitulo IV: O Discurso do Sujeito Coletivo em processo de

construção

62

4. Construindo o discurso dos pesquisadores sobre as questões

éticas, a partir do Discurso Sujeito Coletivo (DSC)

62

4.1. O início das discussões éticas no país e na vida profissional

dos entrevistados

63

4.2. A importância das discussões éticas para pesquisas em

seres humanos

68

4.3 O entendimento do objetivo do TCLE, pelos profissionais

entrevistados

74

4.4. O entendimento do voluntário sobre a importância e a

dimensão do TCLE, segundo os pesquisadores

80

4.5. O voluntário discute o TCLE pós-assinatura? 86

4.6. Percepção dos pesquisadores quanto a seus direitos e

obrigações

89

4.7. Ética como ferramenta facilitadora na participação de

voluntários em pesquisas

96

4.8. A garantia de direitos dos pesquisadores e dos voluntários 100

4.9. Ser um profissional que trabalha com pesquisas em seres

humanos

106

4.10. O pesquisador trazendo a discussão do TCLE à tona 110

4.11. O TCLE é um instrumento necessário? 114

4.12. A cooperação estrangeira e suas diversas faces 116

4.13. Os múltiplos interesses evolvendo diversos atores 121

Capitulo V: O pesquisador falando 127

5. A voz dos pesquisadores no Discurso do Sujeito Coletivo 127

5.1. O início das discussões éticas no país e na vida profissional

dos entrevistados

127

5.2. A importância das discussões éticas para pesquisas em

seres humanos

128

5.3 O entendimento do objetivo do TCLE, pelos profissionais

entrevistados

128

5.4. O entendimento do voluntário sobre a importância e a

dimensão do TCLE, segundo os pesquisadores

129

5.5. O voluntário discute o TCLE pós-assinatura? 130

5.6. Percepção dos pesquisadores quanto a seus direitos e

obrigações

131

5.7. Ética como ferramenta facilitadora na participação de

voluntários em pesquisas

131

5.8. A garantia de direitos dos pesquisadores e dos voluntários 132

5.9. Ser um profissional que trabalha com pesquisas em seres

humanos

133

5.10. O pesquisador trazendo a discussão do TCLE à tona 134

5.11. O TCLE é um instrumento necessário? 134

5.12. A cooperação estrangeira e suas diversas faces 134

5.13. Os múltiplos interesses evolvendo diversos atores 135

Capitulo VI – Resultados 137

Capitulo VII - Comentários Finais 146

Referências Bibliográficas 147

Anexo A I

Apresentação

Este trabalho teve seu inicio a partir da motivação do autor por

entender como se estabelece a relação entre médico pesquisador e paciente

voluntário, nas pesquisas clínicas com medicamentos e vacinas contra o

HIV/AIDS, tendo como foco o TCLE – Termo de Consentimento Livre e

Esclarecido – terminologia esta que é empregada neste trabalho, conforme a

Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde/Ministério da Saúde,

respeitando as terminologias usadas por outros autores na bibliografia

nacional e internacional.

Na introdução e justificativa deste trabalho faz-se um breve relato do

início das pesquisas de medicamentos e vacinas no Brasil e no mundo, com

ênfase na importância de investimentos científicos e tecnológicos nesta

área, como também esclarece a participação do autor neste cenário, além

de pontuar inicialmente a importância das reflexões éticas e o uso do TCLE

nas pesquisas envolvendo seres humanos. Em seguida são apresentados

os objetivos e a metodologia usada.

No capitulo l são apresentadas as quatro instituições de saúde e

pesquisa que fizeram parte do trabalho por meio de seus profissionais

pesquisadores: Centro de Referência e Treinamento em Doenças

Sexualmente Transmissíveis e AIDS, Instituto de Infectologia “Emílio Ribas”

(pertencentes à Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo), Casa da

AIDS do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de

São Paulo e Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Com o relato

sobre as pesquisas de vacinas contra HIV/AIDS no mundo e no Brasil,

apresenta os pontos principais das diretrizes de uma política de vacinas

nacional, bem como a política de acesso a medicamentos no Brasil e

participação comunitária neste cenário.

O capitulo II faz a apresentação da ética em suas diversas concepções,

bioética e conceitos estabelecidos em discussão no mundo, culminando com

a bioética e pesquisa com enfoque na participação e autonomia do

voluntário de pesquisa.

No capítulo III, uma discussão mais aprofundada do TCLE, abrangendo

seu histórico, inserção na pesquisa em seres humanos enquanto ferramenta

de garantia ética e processo de obtenção do consentimento na relação

médico pesquisador e voluntário participante de pesquisa, incluindo as

pesquisas multicêntricas e as com cooperação estrangeira, problematizando

as condutas éticas, múltiplos interesses e motivações. Também neste

capitulo é feita a devida revisão bibliográfica.

O Discurso do Sujeito Coletivo (DSC), metodologia usada para análise

das entrevistas, oito no total, está descrito nos capitulo IV e V. As entrevistas

na íntegra não aparecem neste trabalho, por ser tratar de material

confidencial pactuado entre pesquisador (autor deste trabalho) e

entrevistados (sujeitos da pesquisa).

Nos capítulos VI e VII, respectivamente, estão os resultados e as

considerações finais, onde o autor discorre sobre a importância das

discussões e reflexões éticas sobre pesquisa em seres humanos, com foco

no respeito e na dignidade, implícitos em todos as normas e diretrizes que

norteiam as discussões éticas no mundo.

Segundo Pessini (2003, p.7), a discussão da bioética e dos valores

fundamentais que vislumbram uma utopia de viver com dignidade em uma

sociedade justa e solidária, se colocam numa importância ímpar para o

alcance da saúde como direito no exercício pleno da cidadania.

15

Introdução

Desde que os primeiros casos confirmados de HIV/AIDS começaram a

ser registrados no Brasil, no início da década de 80, os números da infecção

têm-se tornado cada vez maiores.

Em 1986, ainda no início da epidemia, o número de casos notificados

de HIV/AIDS no Brasil ultrapassou o de países como França e Haiti. Desde

então o Brasil vem sendo incluído na lista dos países com maior número de

casos de HIV/AIDS no mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde

(OMS).

De acordo com o boletim epidemiológico do Ministério da Saúde

(janeiro a junho 2004), o total de casos notificados de AIDS no Brasil foi

362.364, sendo 251.050 entre homens e 111.314 entre mulheres. Estima-se

que haja hoje no Brasil mais de 600 mil pessoas infectadas.

O Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS (UNAIDS)1

relata que em 2000 existiam 33 milhões de pessoas infectadas com o vírus

da AIDS no planeta. Diante de tal cenário, surgem a necessidade e a

urgência de empenho no combate à epidemia de AIDS pelos cientistas, tanto

na área de assistência destinada às vitimas da doença como na esfera de

pesquisas destinadas a descobrir a cura e a prevenção do HIV. Torna-se

visível o empenho em encontrar uma vacina contra o vírus. Segundo o

diretor do Comitê Mundial de Vacinas, Dr. José Esparza, somente uma

vacina permitirá a populações de países em desenvolvimento resistir à

devastação da AIDS, que cresce na África, na América Latina e na Ásia

numa assustadora progressão geométrica2.

No Brasil, o esforço de pesquisa em vacina para o HIV/AIDS teve início

em 1991, quando a Organização Mundial da Saúde escolheu o país,

juntamente com Ruanda, Tailândia e Uganda, como potencial sítio de

estudos e testes.

1 O Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS foi criado em 1996, com objetivo principal de impulsionar as ações mundiais contra a epidemia. Sua missão é guiar, fortalecer e apoiar os esforços entre países para conter o curso do HIV/AIDS. www.un.org/espanish/aboutun/organs/ga/specsess/aids/hojas/fsunaids_sp.htm acessado em 24/02/2005.

16

Em 1992 foi criado o primeiro Comitê Nacional de Vacinas anti

HIV/AIDS, ligado ao Programa Nacional de DST/AIDS. No mesmo ano, o

governo brasileiro assume compromissos e estabelece critérios para

preparação e implementação de pesquisas com vacinas candidatas,

conforme o primeiro plano de vacinas anti HIV/AIDS do Brasil, com apoio

logístico e financiamento da Organização Mundial da Saúde. Desde então

foram estabelecidos três centros de pesquisas anti HIV no país: Belo

Horizonte, Rio de Janeiro e São Paulo.

A partir do estabelecimento da política para pesquisas de vacinas anti

HIV/AIDS, deu-se início ao debate sobre o desafio ético nos ensaios clínicos

envolvendo seres humanos, de confidencialidade, respeito à autonomia e à

dignidade humanas.

Também na década de 90 surgem no país os primeiros ensaios

clínicos com medicamentos contra o HIV/AIDS, trazendo para a comunidade

organizada um debate ainda maior sobre os desafios já lançados no campo

de pesquisas em vacinas, com o diferencial de que as pessoas envolvidas

nas pesquisas eram portadores do vírus HIV/AIDS, que também portavam a

esperança de vida, nos ensaios clínicos, que na maioria das vezes eram a

única esperança.

A preocupação principal da sociedade civil organizada (ONG/AIDS) em

identificar a responsabilidade dos patrocinadores e pesquisadores no sentido

de consultar e informar à comunidade pesquisada, respeitando as normas já

vigentes no mundo no sentido de proteção dessa comunidade, tem sido foco

de debate no campo da ética, envolvendo patrocinadores, pesquisadores e

sociedade civil.

De acordo com dados do Programa Nacional de DST/AIDS do

Ministério da Saúde, o impacto da terapia anti-retroviral3 tem sido de

resultados positivos, com a diminuição de mais de 61% nas mortes por Aids,

assim como na redução entre 80% a 90% da ocorrência de manifestações

causadas pela doença. Dados como esses mostram a importância do

2 Cadernos Pela Vidda. N. 10, p. 05. São Paulo, dezembro 1993. 3 Impacto da terapia anti-retroviral. Documento disponível na página eletrônica do Programa Nacional de DST/Aids: www.aids.gov.br

17

acesso aos medicamentos pelos usuários, e o quanto este acesso teve

relevância na vida das pessoas que vivem com HIV. Conseqüentemente,

ensaios clínicos que possam gerar novos medicamentos para o controle da

doença em pessoas já infectadas vêm se tornando cada vez mais

necessários e importantes.

No entanto, estamos diante de um conjunto de motivações e interesses

nem sempre confluentes, pois a indústria farmacêutica, os pesquisadores, os

governos, a sociedade civil e os voluntários participantes de pesquisa têm

razões distintas para se envolverem com este tipo de pesquisa.

Assim, se faz necessário entender como se estabelece a relação entre

o pesquisador e o voluntário participante de pesquisas, tendo como base

alguns princípios éticos como: justiça, autonomia, beneficência e respeito

pela dignidade humana.

Cabe ainda esclarecer minha participação enquanto membro do

Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do Centro de Referência e Treinamento

em Doenças Sexualmente Transmissíveis e Aids da Secretaria Estadual de

Saúde de São Paulo (CRT/AIDS), instituição responsável por uma das

pesquisas sobre vacinas em andamento no país, e pelo desenvolvimento de

diversos ensaios clínico, e membro da sociedade civil, representante do

Fórum de ONG Aids do Estado de São Paulo no Comitê de

Acompanhamento Comunitário do HVTN4 - HIV Vaccine Trials Network. Foi

a partir destas inserções que se deu o interesse no tema “Ética em

Pesquisas em Aids”, concretizado neste trabalho.

É nosso propósito, com a realização deste trabalho, fornecer

instrumentos que possam fortalecer as discussões éticas no campo de

pesquisas de vacinas e medicamentos contra HIV, oferecendo subsídios

para o controle social e qualificando a resposta comunitária para pesquisas

em HIV com enfoque nos princípios éticos.

4 Pesquisa de vacina em andamento no CRT/Aids.

18

1. Justificativa

Ainda que as primeiras discussões com objetivo de regulamentar e

acompanhar as pesquisas em seres humanos tenham se iniciado na década

de 40, após a II Guerra Mundial, no Brasil esse debate ganhou visibilidade

na década de 90, com o advento de pesquisas sobre medicamentos para

Aids e testes para vacinas anti HIV/AIDS no país.

Em virtude da velocidade nas pesquisas envolvendo a infecção do HIV,

decorrente do surgimento de vários ensaios clínicos de medicamentos e dos

estudos de vacinas, os movimentos comunitários e a população afetada pela

epidemia começam a se mobilizar e a se capacitar para a discussão dos

aspectos éticos envolvidos nestas investigações.

A necessidade de pesquisas nesse campo é incontestável, tendo em

vista o grande número de pessoas infectadas pelo vírus HIV no país e no

mundo. Do mesmo modo, é visível o interesse da indústria farmacêutica na

produção de drogas anti HIV, tanto pelo aspecto do lucro financeiro quanto

pelo de desenvolvimento tecnológico, sendo significativo o número de

produtos já testados em nosso país nos principais centros de pesquisa5.

No caso das vacinas anti HIV, embora o interesse seja menor, por

questões econômicas, alguns governos de países desenvolvidos, em

parceira com laboratórios farmacêuticos, estão levando avante pesquisas de

candidatas à vacina em vários países, dentre eles o Brasil.

Neste cenário surge a necessidade de um envolvimento maior da

comunidade pesquisada na discussão das questões éticas, incluindo aí o

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), instrumento que

norteia a relação pesquisador/voluntário.

Participar de um teste seja de um medicamento ou de uma vacina

candidata, é uma decisão voluntária realizada por uma pessoa autônoma e

capaz, tomada após um processo informativo e deliberativo, visando a

aceitação de um tratamento especifico ou experimentação, sabendo da

natureza, das suas conseqüências e dos seus riscos (Clotet et al, 2000,

19

p.13). Assim, é importante que ambos, pesquisador e voluntário, tenham

consciência do significado desta participação, sem a qual a pesquisa não

poderia se concretizar, entendendo o TCLE como o meio pelo qual se firma

um contrato de parceria e confiança mútua entre as partes, igualmente

necessárias para o êxito da investigação.

No Brasil, a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde,

Ministério da Saúde, regulamenta os procedimentos éticos de pesquisa em

seres humanos, dando ênfase ao Termo de Consentimento Livre e

Esclarecido (TCLE) no capítulo II, definindo o seu uso:

“Consentimento Livre e Esclarecido – anuência do sujeito da pesquisa

e/ou de seu representante legal, livre de vícios (simulação, fraude ou erro),

dependência, subordinação ou intimidação, após explicação completa e

pormenorizada sobre a natureza da pesquisa, seus objetivos, métodos,

benefícios, potenciais riscos e incômodos que possa acarretar, formulada

em um termo de consentimento, autorizando sua participação voluntária na

pesquisa6”.

Diante deste cenário, o uso do TCLE como ferramenta que pode ou

não beneficiar não só o voluntário participante, no caso de dano, como

também o pesquisador, em caso de uma eventual acusação, faz-se

necessária uma maior compreensão do uso, utilidade, eficácia e apreensão

do TCLE pelo pesquisador durante todo o processo de pesquisa, desde sua

elaboração até o final do protocolo.

Entender o TCLE para além da sua eventual utilidade como

instrumento jurídico e legal é entende-lo como parte de um processo de

construção da idéia de autonomia e seu exercício, aqui aplicada tanto para o

pesquisador como para o voluntário participante.

Desta forma, é importante clarear a percepção do pesquisador com

relação ao voluntário participante. Qual o seu papel no processo de

obtenção do consentimento? Qual o seu entendimento do processo de

obtenção de consentimento? É um processo contínuo ou é um processo

5 No entanto, não encontramos nenhuma fonte oficial (MS, ANVISA, CONEP) que nos informe oficialmente quantos produtos já foram testados em nosso país desde o início da epidemia.

20

estanque? O TCLE é uma ferramenta utilizada e entendida como

instrumento que garante a participação do voluntário no sentido mais amplo?

Ou é uma ferramenta utilizada e entendida apenas como instrumento de

proteção do pesquisador?

Neste sentido, a interlocução com atores envolvidos no processo de

pesquisa para medicamentos contra HIV/AIDS, neste caso os

pesquisadores, por meio de uma escuta qualitativa, poderá esclarecer a

compreensão de cada um sobre o papel e o significado do Termo de

Consentimento Livre e Esclarecido.

Esta interlocução, em forma de entrevistas, visa trazer à tona a

percepção dos pesquisadores sobre questões que devem estar implícitas no

TCLE, como autonomia, justiça, beneficência - princípios que devem estar

claros e entendidos por ambos, pesquisadores e voluntários.

Pretende-se, com esse estudo, contribuir para a produção de

conhecimento no campo da ética e pesquisas em seres humanos,

fornecendo subsídios para uma reflexão crítica sobre a forma como ocorre o

processo de consentimento do voluntário participante e aprofundando a

reflexão, ainda no campo ético, para o desenvolvimento de novas pesquisas

clínicas medicamentosas e de vacinas contra Aids no país.

6 Conselho Nacional de Saúde. Comissão Nacional de Ética e Pesquisas; Série Cadernos Técnicos; Normas para pesquisas envolvendo seres humanos; Resolução 196/96 e outras:2000.

21

2. Objetivo

Investigar a visão de pesquisadores que desenvolvem pesquisas

clínicas com vacinas e medicamentos anti HIV/AIDS, sobre o Termo de

Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

3. Metodologia

3.1. Plano de investigação

Este é um estudo qualitativo que pretende investigar, através da fala de

pesquisadores que atuam em pesquisas clínicas de medicamentos contra

HIV/AIDS, seu entendimento do TCLE – Termo de Consentimento Livre e

Esclarecido.

O estudo qualitativo foi escolhido por ser o método que mais se

aproxima do objetivo aqui exposto, ao possibilitar a compreensão sobre

como é percebido, por quem o utiliza, um instrumento usado em pesquisas

com seres humanos, para quais já existem normas e códigos

preestabelecidos, que se supõe serem de total conhecimento dos

participantes da pesquisa – pesquisadores e voluntários.

Para tanto, foram acessados pesquisadores nas diferentes instituições

que realizam pesquisas em vacinas ou medicamentos na cidade de São

Paulo. O número de entrevistados foi definido pelo critério da saturação, ou

seja, quando as informações se tornaram repetitivas e sem nenhum

acréscimo qualitativo ao objetivo do estudo proposto, não se acessou mais

nenhum outro pesquisador.

Como o material analisado é oriundo de entrevistas, fazem-se

necessárias algumas considerações sobre interpretação e compreensão,

enquanto parte de uma metodologia que busca significados e percepções

nas análises de discursos.

22

Segundo Foucault7 (1997, p.17) apud Moreno (2001, p.41-42), o

significado que está encerrado na linguagem nem sempre é o manifesto,

existindo falas que subtraem o discurso verbal. Falas que, mesmo não

verbais, são ouvidas e dizem algo.

Ainda que possamos entender o discurso do outro, estaremos sempre

recebendo a informação dada e processando de acordo com os nossos

entendimentos e valores pré-estabelecidos.

O sistema freudiano, estruturado em pré-consciente e consciente, traz

a possibilidade de decifrar conteúdos, como na arqueologia, que aprofunda

camada por camada em busca do que está encoberto (Moreno, 2001, p.44).

Ao fazer a análise proposta neste trabalho, estaremos lidando com

mensagens verbais, as quais o entrevistado deseja passar ao entrevistador,

e também com mensagens ocultas, que o entrevistado pode não desejar

passar ou não conseguir deixar claro verbalmente.

Ricoeur8 (1978, p.92) apud Moreno (2001, p.44-45), afirma que “(...) a

realidade do inconsciente é construída na e pela hermenêutica, em um

sentido epistemológico e transcendental. (...) não é uma relatividade à

consciência que aqui é afirmada, uma relatividade subjetiva, a relatividade

puramente epistemológica do objeto psíquico descoberto à constelação

hermenêutica formada conjuntamente pelo sintoma, pelo método analítico e

pelos modelos interpretativos”.

Para Ricoeur (1978, p.127) apud Moreno (2001, p.46), a compreensão

como hermenêutica se dá a partir de Freud, Nietzsche e Marx: “(...) procurar

o sentido não é mais soletrar a consciência do sentido, mas decifrar a suas

expressões”. Com isso Ricoeur aponta para a concepção de que algo mais

existe além do que é revelado. Freud define o algo mais como instâncias

que operam em um jogo incessante, com o inconsciente pulsando

constantemente com a consciência. Assim, a interpretação tem como tarefa

principal o deciframento das expressões (Moreno, 2001, p 46).

7 Foucault M. Nietzsche, Freud e Marx: Theatrum Philosoficum. Trad. Jorge Lima Barreto. São Paulo: Principio 1997. 8 Ricoeur P. O conflito das interpretações: ensaios de hermenêutica. Rio de Janeiro: Imago, 1978.

23

Seguindo ainda o entendimento de Ricoeur (1976)9 apud Moreno

(2001, p.46) a explicação surge no campo das ciências naturais e a

compreensão no das ciências humanas, onde se possibilita o intercâmbio

entre sujeitos e se expressam os discursos. Segundo o autor, “(...)

explicação e compreensão são pólos de dicotomia que dialogam no

processo dinâmico da leitura interpretativa” (Moreno, 2001, p.46).

Gadamer, citado por Bernstein10 (1991) apud Moreno (2001, p.48)

afirma que “Compreender e interpretar é sempre compreender e interpretar

de maneira diferente...”.Tal afirmação supõe o consenso ser o da utilização

da hermenêutica como método a ser aplicado, como procedimentos com

objetivos de se alcançar os mesmos resultados e compreensão,

compreensão aqui tal como definido por Gadamer: um processo com três

momentos: interpretação, compreensão e aplicação, no que implica no

processo, mas não no resultado (Moreno, 2001, p. 49).

O presente trabalho objetiva analisar o discurso de determinados

sujeitos sobre uma ferramenta utilizada no processo de consentimentos de

outros sujeitos, buscando inferir, a partir da análise, a sua compreensão

sobre esta ferramenta. Convém deixar claro que o entendimento da

ferramenta (TCLE) é a questão chave para o entorno de uma discussão

ética que envolve múltiplos interesses e atores, que poderão ou não

aparecer nos discursos dos entrevistados. Isto posto, podemos pressupor

que entre o discurso do entrevistado e a interpretação do mesmo poderá

haver um vácuo, que deverá ser diminuído o máximo possível e também

interpretado na análise.

3.2. Participantes

Foram realizadas oito entrevistas necessárias para esclarecer o tema,

utilizando-se o critério de saturação, com pesquisadores médicos

participantes de pesquisas clínicas com medicamentos ou vacinas anti-

9 Ricoeur P. Teoria da interpretação, Lisboa: Edições 70;1976. 10 Bernstein RJ. Perfiles Filosoficos. Mexico, DF: Siglo Veintiuno, 1991. ¿ Cúal es la diferencia que marca una diferencia? Gadamer, Habermas y Rorty; p. 72-110.

24

HIV/AIDS, responsáveis pela aplicação dos TCLE junto aos voluntários

participantes. Estes pesquisadores foram acessados pelo sistema de “bola

de neve”, considerando-se, no entanto, nosso interesse em acessar

profissionais de diferentes instituições.

Segundo Turato (2003, p.363), a inclusão dos sujeitos deve ser

amparada nos critérios de homogeneidade ampla11. A amostra é fechada

quando as respostas de novos informantes tornam-se expressamente

repetitivas, na avaliação do pesquisador, dos seus supervisores e dos pares

acadêmicos.

3.3. Recrutamento

Para a realização do trabalho, os pesquisadores foram identificados

nas instituições que desenvolvem pesquisas clínicas de medicamentos anti-

HIV/AIDS, a saber: Centro de Referência e Treinamento em DST/AIDS,

Instituto de Infectologia Emilio Ribas, Casa da Aids (Hospital das Clínicas) e

Universidade Federal de São Paulo. Todos receberam convite prévio para

agendamento de local, dia e horário para entrevistas.

3.4. Instrumento

Entrevistas semi-estruturadas com questões abertas, na tentativa de

apreender o ponto de vista do ator em questão, de ampliar e de aprofundar a

comunicação entre entrevistador e entrevistado. Para garantir a

fidedignidade das informações colhidas, a entrevista foi gravada, com

autorização prévia do entrevistado, e posteriormente transcritas para análise.

A entrevista com os pesquisadores pretendeu identificar qual o seu

envolvimento no processo de construção do TCLE, sua compreensão do

significado jurídico do Termo, sua relevância na pesquisa, como se deu o

processo de obtenção do mesmo junto ao voluntário, como ele pode

11 Situação correspondente a uma soma de características/variáveis em comum a todos os sujeitos que compõem a amostra.

25

beneficiar o pesquisador e em quais circunstâncias o documento pode ser

usado a favor da pesquisa.

A análise das entrevistas teve como objetivo identificar o quê os

pesquisadores entendem sobre o TCLE. Este cumpre com seu propósito de

proteção e apoio ao voluntário participante da pesquisa, com base nos

quatros princípios éticos: autonomia, beneficência, não maleficência e

justiça, conforme proposto no Informe Belmont? O quê facilita ou dificulta

para que haja uma compreensão do comprometimento do pesquisador e do

patrocinador com o voluntário, no sentido de que este possa se sentir

efetivamente autônomo?

O modelo de análise de discurso foi usado para o estudo das

entrevistas. Este modelo foi escolhido porque poderá promover uma reflexão

sobre o discurso do sujeito da pesquisa, criando condições de apreensão do

significado de seu real entendimento no tema exposto. A intenção aqui é

analisar a prática deslocada do objeto teórico na qual o entrevistado pode

estar envolvido.

A metodologia de análise usada foi a de Discurso do Sujeito Coletivo

(DSC).

O conceito do Sujeito Coletivo é uma proposta de organização e

tabulação de dados qualitativos verbais, obtidos de depoimentos, artigos,

matéria de periódicos, cartas, revistas especializadas, entre outros (Lefrève

& Lefrève, 2003, p.20).

Seguindo o conceito exposto, a proposta é analisar o material oriundo

das entrevistas, extraindo as idéias centrais, as ancoragens e as

expressões-chave, a fim de identificar um ou vários discursos-síntese na

primeira pessoa do singular.

A idéia é de que o Sujeito Coletivo se expresse em um discurso emitido

na primeira pessoa (coletiva) do singular, ou seja, retira-se tudo o que o

sujeito verbaliza sobre um determinado tema ou questão, junta-se o que

mais se assemelha de cada um, permitindo ter uma visão ampla do

pensamento coletivo e vice-versa.

26

Assim temos o pensamento coletivo, que pode ser visto como um

conjunto de discursos sobre determinado tema ou questão. O Discurso do

Sujeito Coletivo objetiva trazer à tona o conjunto de individualidades

semânticas compostas no imaginário social (Lefrève & Lefrève, 2003, p.27).

Na verdade, o Discurso do Sujeito Coletivo é a metodologia usada para

dar expressão à voz de um determinado coletivo por meio do indivíduo.

Segundo Lefrève & Lefrève (2003, p.25), temos algumas figuras

metodológicas para a realização do DSC, descritas a seguir.

As expressões-chave (ECH) são trechos e transcrições literais de

depoimentos e discursos que são separadas pelo pesquisador, ou seja, a

essência da questão em foco, posto no discurso pelo sujeito.

A intenção aqui é identificar no depoimento a integralidade do discurso

com outras afirmativas construídas sob formas de idéias do sujeito

depoente.

As idéias centrais (IC) são os meios pelos quais se identifica de forma

precisa e mais fidedigna possível o sentido do discurso dentro das

expressões-chave, e é o que vai dar forma ao Discurso do Sujeito Coletivo.

A IC não é uma interpretação e sim uma descrição do sentido principal

que aparece no depoimento do sujeito ou nos depoimentos.

A ancoragem, diferentemente da IC, remete à representação social que

um indivíduo tem sob determinado tema; na verdade refere-se a uma crença

ou uma ideologia na qual o depoente se assegura como expressão posta, ou

seja, não depende dele, mas está presente e aparece sempre como pano de

fundo em seu discurso.

A proposta de Análise de Discurso do Sujeito Coletivo é viabilizar a

representação social de um dado fenômeno por meio da reconstrução de

pedaços de discursos individuais.

Importante ressaltar que o DSC, apesar de envolver vários atores e

depoentes, não se trata do discurso do nós mas do coletivo, ou coletivizado

(Lefrève & Lefrève, 2003, p.28).

27

4. Considerações éticas

Por se tratar de uma pesquisa que visa trazer a percepção da

compreensão do próprio TCLE em uma determinada pesquisa, as

considerações éticas estão presentes há todo momento, desde a concepção

do próprio projeto.

Nossos sujeitos da investigação - pesquisadores participantes de

outras pesquisas – foram convidados para uma entrevista, lhes sendo

apresentado, para leitura e assinatura, um TCLE confeccionado única e

exclusivamente para este estudo, que objetivou discutir sobre seu

envolvimento e entendimento no processo de obtenção de consentimento

para pesquisas em que atua. Vale ressaltar que, ao entrevistar

pesquisadores envolvidos em diferentes pesquisas sobre um dos

procedimentos necessários ao bom desenvolvimento do seu trabalho - a

relação com o voluntário, estabelecida por meio do TCLE - não se pretendeu

ignorar as implicações éticas, e sim tê-las como norte do estudo.

Sendo assim, todos o cuidados éticos serão contemplados, de forma

que o pesquisador não seja identificado, além de estar de acordo com a

Resolução 196/96 do MS - CNS/CONEP.

28

Capitulo I: Organizações que desenvolvem pesquisas e a

resposta comunitária.

1. Algumas instituições na cidade de São Paulo envolvidas em

pesquisas clínicas de medicamentos e vacinas anti-HIV/AIDS

Neste capitulo pretende-se mostrar o perfil de quatro instituições na

cidade de São Paulo envolvidas diretamente com assistência às pessoas

vivendo com HIV/AIDS e com pesquisas clínicas com medicamentos e

vacinas, bem como a política de medicamentos no Brasil, diretrizes para

uma política de pesquisas em vacinas anti-HIV/AIDS e a reposta comunitária

às pesquisas em HIV/AIDS no Brasil.

1.1. Sobre o Centro de Referência e Treinamento em Doenças

Sexualmente Transmissíveis e AIDS – CRT DST/AIDS

O Programa de DST/AIDS (PE - DST/AIDS)12 foi criado em 1983, pela

Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo, com objetivo de trabalhar a

assistência e prevenção, sendo a primeira resposta governamental no país

para a epidemia da Aids. Inicialmente esteve sediado na Divisão de

Hanseníase e Dermatologia Sanitária do Instituto de Saúde da SES/SP, com

apoio laboratorial dos Instituto de Infectologia Emílio Ribas e Instituto Adolfo

Lutz (IAL). No ano de 1988 foi criado o Centro de Referência e Treinamento

em AIDS (CRT – AIDS), ligado diretamente ao gabinete da Secretaria de

Estado da Saúde, com metas especificas de capacitar recursos humanos

para ações de prevenção e assistência ao HIV/Aids, gerar normas técnicas,

implementar o processo de descentralização de atendimento no Estado e

monitorar as ações técnicas. Em 1993, o Programa de Doenças

Sexualmente Transmissíveis foi incorporado ao CRT AIDS, tornando-se

assim o CRT – DST/AIDS (Centro de Referência e Treinamento em Doenças

12 http://www.crt.saude.sp.gov.br/historiaprograma. Acessado em 28/10/2004.

29

Sexualmente Transmissíveis e Aids). Em 1995 o CRT DST/AIDS passa a ser

sede oficial do Programa Estadual de DST/AIDS do Estado de São Paulo, e

no ano seguinte é incorporado à Coordenação dos Institutos de Pesquisa

(CIP)13, órgão responsável pela definição e implementação da Política de

Pesquisa na Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo. O PE –

DST/AIDS atualmente é responsável pela implementação, coordenação e

supervisão das estratégias de assistência e prevenção das DST/AIDS,

vigilância epidemiológica e gerência das ações anti-HIV/Aids no Estado de

São Paulo14.

1.2. Sobre o Instituto de Infectologia Emilio Ribas

O Instituto de Infectologia Emilio Ribas foi criado ainda no século XIX,

datando de 187515. Seu surgimento se deu com a epidemia de varíola que

atingia a cidade de São Paulo na época. Com o nome de Hospital de

Isolamento, a partir de 1880 passa a abrigar todos os casos de doenças

infecciosas.

A partir de 1932 passa a ser chamado Hospital Emilio Ribas em

homenagem ao ex-diretor do serviço sanitário do Estado de São Paulo,

falecido em 1925. Em 1960, quando se conclui a construção do prédio de

nove andares, o hospital passou a ser um dos maiores centros mundiais em

tratamento de doenças infecto-contagiosas. No ano de 1991 passa a ser

Instituto de Infectologia Emilio Ribas, IIER, ligado agora à CIP -

Coordenação dos Institutos de Pesquisas da Secretaria de Estado da Saúde

de São Paulo. O hospital se torna uma instituição de ensino e pesquisa,

além de prestar assistência médica à população. Foi a primeira instituição de

saúde a atender um caso de Aids no Brasil, com um acúmulo de 27.000

casos de HIV/AIDS atendidos nos últimos anos, sendo hoje uma das

13 Atualmente extinta 14 Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo. www.crt.saude.sp.gov.br/historiaprogrma, consulta eletrônica em 28/10/2004. 15 http://www.emilioribas.sp.gov.br/institu.htm acessado em 15/02/05

30

unidades da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo a conduzir

pesquisas clínicas medicamentosas em HIV/AIDS, entre outras.

1.3. Sobre a Casa da AIDS

O Núcleo de Extensão e Atendimento ao Paciente HIV/AIDS, mais

conhecido como Casa da AIDS, iniciou o atendimento a portadores de

HIV/AIDS em 1986, como laboratório especializado, vinculado à Divisão de

Clínica de Moléstias Infecciosas e Parasitarias do Hospital das Clínicas da

Faculdade de Medicina da USP16. A instituição é mantida com recursos

oriundos da Fundação E.J Zerbini e do Hospital das Clínicas.

A Casa da Aids é constituída por uma equipe multidisciplinar composta

por médicos infectologistas, assistentes sociais, enfermeiras, psicólogos e

funcionários administrativos. Além de oferecer assistência multidisciplinar

aos portadores de HIV/AIDS e familiares, a instituição também desenvolve

pesquisas através de aplicação de protocolo em todas as áreas relacionadas

à infecção HIV/AIDS.

1.4. Sobre a Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP

A Universidade Federal de São Paulo, Escola Paulista de Medicina, foi

fundada no ano de 1933. O departamento de Medicina nasceu junto com a

escola, que desde seu início contava com a Disciplina de Doenças

Infecciosas e Parasitárias (DIPA). Com o nome de Clínica de Doenças

Infecciosas e Tropicais, desenvolveu suas atividades no então Hospital de

Isolamento Emilio Ribas até o ano de 1982, quando foi transferida para a

unidade de internação da DIPA no Hospital São Paulo.

O serviço de interconsulta da DIPA é responsável pelo maior número

de atendimento do Hospital São Paulo, cerca de 12.000 consultas ano.

Destaca-se no serviço o atendimento realizado pelo Centro de Controle

de Deficiências Imunológicas (CCDI) aos pacientes portadores da Síndrome

16 http://www.medicina.fm.usp/departamento/dip/ acessado em 15/02/05

31

da Imunodeficiência Adquirida, com cerca de 1.200 usuários em

acompanhamento.

O CCDI é um ambulatório voltado especificamente ao atendimento a

pacientes infectados com o vírus HIV/AIDS, com atividades voltadas ao

atendimento médico e assistência multiprofissional.17

2. As pesquisas de vacinas anti-HIV/Aids

As primeiras iniciativas de ensaios clínicos de vacinas anti-HIV/AIDS no

mundo ocorreram nos Estados Unidos no ano de 1987. A partir daí, mais de

60 ensaios clínicos envolvendo cerca de 6.000 pessoas (voluntários

participantes) foram e estão sendo desenvolvidos por iniciativas

governamentais e privadas em diferentes países.

Embora as pesquisas tenham início em seus paises de origem - em

sua maioria nos Estados Unidos e Europa - seguindo diretrizes

internacionais, os países em desenvolvimento têm participado efetivamente

dos ensaios clínicos, na Ásia, África, América Latina e Caribe.

Essa participação tem se dado em fases I e II, onde se avaliam a

segurança e as possíveis respostas imunológicas específicas contra o vírus

HIV, e incluem um número relativamente pequeno de voluntários

participantes.

As vacinas são testadas inicialmente em laboratórios, com tecidos

humanos e em pequenos e grandes animais. Caso haja resultados

satisfatórios, com indicação de eficácia e segurança para serem testadas em

seres humanos, passa-se para as etapas clínicas, que compreendem às

fases I e II e posteriormente III e IV, descritas abaixo18.

Fase I: introdução de uma vacina candidata em uma população

humana, para determinar segurança (efeitos adversos e tolerância) e a

imunogenicidade (capacidade de despertar reações imunológicas). Essa

fase pode incluir estudos de doses e formas de administração. Geralmente

17 www.unifesp.br/dmed/dipa/ccdi/ acessado em 15/02/05 18 Informações retiradas do Boletim de Vacinas nº 09. Maio/2003. Publicado por GIV. São Paulo.

32

envolve cerca de 100 voluntários participantes em todos os centros de

pesquisa envolvidos.

Fase II: Objetiva testar a imunogenicidade e examinar a eficácia em um

número limitado, cerca de 200 a 500 voluntários participantes, nos centros

de pesquisas envolvidos.

Fase III. Dedica-se a uma análise mais completa da segurança e

eficácia para prevenção da infecção pelo HIV. Envolve um número maior de

voluntários participantes, cerca de 5.000, com participação de vários centros

de pesquisas em paises diferentes.

Fase IV: Caso o resultado da fase III seja favorável, a vacina é liberada

para uso em determinadas populações. Mesmo depois de liberada, ela

continua sendo acompanhada para observação de efeitos colaterais que

podem não ter sido registrados durante a experimentação.

As fases acima descritas não dizem respeito somente a pesquisas de

vacinas, mas a qualquer teste clinico para novos fármacos.

As pesquisas de vacinas contra HIV se dividem de acordo com

conceitos, desejáveis de esclarecimento neste trabalho19:

a) Vacinas recombinantes - é introduzida no organismo uma

porção de proteína inofensiva do HIV, geralmente de uma porção

externa do HIV (envelope).

b) Virais - Semelhantes às recombinantes, são geradas a partir de

proteínas sinteticamente modificadas.

c) Vacinas à base de vírus atenuado - são amplamente usadas

em doenças virais como a pólio (vacina Sabin); consiste em

enfraquecer o vírus vivo, impedindo-o de causar doença, porém

capaz de infectar células e produzir uma reação imunológica.

Neste caso específico a insegurança de infecção é real e,

portanto, pouco recomendado no caso do HIV. O método com

vetores recombinantes vivos teoricamente proporciona vantagens

sobre os vírus atenuados no que tange à parte de segurança,

esses são criados por meio da engenharia genética.

19 Conceitos retirados do Boletim de Vacinas nº05. Junho/2000. Publicado por GIV. São Paulo.

33

d) Vacinas com DNA (ácido nucléico): usam-se os verdadeiros

genes do HIV para obter uma resposta imunológica.

e) Por último, a combinação de vacinas, que visa o uso

combinado de duas ou mais vacinas candidatas.

A comunidade cientifica vem, ao longo desses anos de pesquisas,

tentando definir o que seria uma resposta ideal de eficácia para uma vacina

contra o HIV. A mais provável seria uma resposta esterilizante, ou seja,

evitar a infecção por meio de uma vacina. Uma outra alternativa seria uma

vacina que diminuísse a carga viral (quantidade de vírus) do indivíduo

infectado, dificultando assim uma possível transmissão e uma melhora no

prognóstico.

2.1. Política de pesquisa em vacinas anti-HIV/Aids no Brasil

O atual Plano Nacional de Vacinas Anti-HIV, do Programa Nacional de

DST/AIDS Ministério da Saúde, data de 199920.

Elaborado por representantes da comunidade científica e de

organizações não governamentais, estabelece diretrizes para uma política

de pesquisa em vacinas anti-HIV no país, e tem como objetivo geral definir

estratégias para o desenvolvimento, avaliação, disseminação de informação,

disponibilização e a produção de vacinas seguras, de acordo com a

resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde. O plano estabelece

metas de curto e médio prazo para avanços científicos, envolvimento da

sociedade civil e interlocução com organismos internacionais de pesquisas e

de financiamentos.

No campo ético e de envolvimento com a sociedade civil, o plano deixa

claro a controvérsia entre o caráter humanitário da iniciativa de produção de

uma vacina e os interesses comerciais dos grandes produtores mundiais de

medicamentos e vacinas, dando ênfase à reflexão ética e ao

aprofundamento das discussões de mútuos interesses entre pesquisa,

20 Plano Nacional de Vacinas Anti-HIV. Pesquisa, Desenvolvimento e avaliação. Ministério da Saúde 1999 Brasília.

34

produção e disponibilização de uma provável vacina para a população em

geral.

2.2. A experiência com pesquisa de vacinas anti-HIV/AIDS em parcerias

com organismos internacionais – O HVTN.

Desde 2000, o Centro de Referência e Treinamento em Doenças

Sexualmente Transmissíveis e AIDS da Secretaria de Estado da Saúde de

São Paulo vem desenvolvendo parceira com o HTVN (HIV Vaccine Trials

Network), rede internacional de pesquisas em vacinas contra AIDS. O HVTN

é uma colaboração internacional de cientistas formada em 1999 pelo

Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas dos Estados Unidos da

América, e atualmente está sediado no Departamento de Divisão de AIDS

(DAIDS) dos Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos (NIH),

possuindo diversos centros de pesquisas nos Estados Unidos, Caribe,

América Latina, África e Ásia. Com apoio do governo estadunidense e

parcerias com governos que integram a rede e laboratórios farmacêuticos

privados, tem por objetivo desenvolver pesquisas de vacinas contra o

HIV/AIDS, utilizando a proposta de rede. Também com a proposta de manter

estreitas relações com a sociedade civil, o HVTN tem interfaces com as

Nações Unidas, por meio do programa de AIDS (UNAIDS), com a Iniciativa

Internacional de Vacinas para AIDS (IAVI), organização não governamental

com sede nos Estados Unidos, com o Centro de Controle e Prevenção de

Doenças dos Estados Unidos (CDC), e com a Rede de Trabalhos em

Prevenção em HIV (HPTN), também sediada no Instituto Nacional de Saúde

(NIH) (HVTN, 2000).

Ainda com o propósito de estreitar relações com a sociedade civil, o

HVTN possui um programa especifico para traçar ações comunitárias,

envolvendo pesquisa e comunidade. O programa de educação comunitária

tem como objetivos proporcionar as discussões éticas nas pesquisas e

promover o envolvimento da comunidade em todas as etapas das pesquisas

em níveis local, regional e mundial.

35

Para garantir essas ações o HVTN estruturou um comitê denominado

Community Advisory Board Global (GlobalCAB), Comitê Comunitário de

Acompanhamento Global. Este comitê tem por objetivo manter contato,

supervisionar e garantir a existência de comitês locais onde são

desenvolvidas pesquisas em parceria com o HVTN.21

No Brasil existem dois centros ligados ao HVTN, Rio de Janeiro (UFRJ)

e São Paulo (CRT DST/AIDS).

Em São Paulo a pesquisa teve início em 2002, quando o protocolo 050-

V520 Merck 018/HVTN 050 foi apresentado oficialmente à comunidade pelos

pesquisadores do centro de pesquisa local.

A pesquisa de fase I, uma parceria do HVTN e laboratório Merck & Co.,

Inc., pretende avaliar a segurança (efeitos adversos e tolerância) e a

imunogenicidade (capacidade de despertar reações imunológicas) com

voluntários sadios em três centros de pesquisa no Brasil: Projeto Praça

Onze – Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Centro de

Referencia e Treinamento em DST AIDS da Secretaria de Estado da Saúde

de São Paulo e Universidade Federal de São Paulo.

Em 2000, quando se iniciou a parceria entre CRT DST/AIDS e HVTN,

formou-se concomitantemente o CAC (Comitê de Acompanhamento

Comunitário), como indicação do Global CAB do HVTN. O CAC/SP é

composto basicamente por representantes da sociedade civil da cidade de

São Paulo, como Fórum de ONG Aids do Estado de São Paulo, ouvidoria do

CRT DST/AIDS, indicação do CEP (Comitê de Ética e Pesquisa) do CRT

DST/AIDS, representantes da área de Direitos Humanos em HIV/AIDS, entre

outros. Este comitê tem por objetivo acompanhar o desenvolvimento das

pesquisas de vacinas para HIV/AIDS no CRT DST/AIDS, promover o

envolvimento da comunidade nas discussões referentes às pesquisas,

acompanhar as questões éticas juntamente com o CEP, além de possibilitar

a interface entre equipe de pesquisa e comunidade na cidade de São Paulo.

21 Ver manual HVTN de setembro de 2000. Esse manual foi desenvolvido para orientações dos Comitês de Acompanhamento Local, com objetivo de visualizar o formato e estrutura do GlobalCab e do próprio HVTN.

36

Os três centros de pesquisa citados acima passaram pelo processo de

divulgação da pesquisa, recrutamento de voluntários e conseqüentemente

aplicação do TCLE (Termo de Consentimento Livre e Esclarecido), conforme

códigos internacionais e legislação vigente no país, que estabelecem

normas e critérios éticos para pesquisas clínicas em seres humanos.

2.3. Composição da equipe

A composição da equipe do HVTU Vila Mariana, a unidade de pesquisa

do CRT DST/AIDS, é a seguinte22:

Investigador principal, co-investigador, gerente de dados,

administração e finanças, educação comunitária, coordenação de

laboratório, treinamento e produção de materiais educativos, coordenador de

campo, co-coordenador de campo, coordenação administrativa,

pesquisadores clínicos (02), aconselhadoras (02), enfermeira pesquisadora,

farmacêutico, flebotomista e recepcionista, totalizando 20 profissionais.

Desse total, apenas dois profissionais (pesquisadores clínicos) são

responsáveis pela aplicação direta do TCLE com o voluntário participante.

2.4. Processo de recrutamento de voluntários

O processo de recrutamento de voluntários para a pesquisa é

desenvolvido da seguinte forma: a equipe faz a divulgação da pesquisa em

diversos meios de comunicações incluindo meios de transporte público na

cidade de São Paulo, universidades, unidades de saúde, organizações não

governamentais de diversos segmentos, mídia escrita e falada e eventos

públicos previamente selecionados.

Ao chegar no CRT DST/AIDS, o candidato a voluntário participante é

recebido por duas aconselhadoras da equipe e é informado sobre os

objetivos e fases da pesquisa, além de receber esclarecimentos sobre os

critérios de inclusão e exclusão do voluntário na pesquisa. Após este

22 Secretaria de Estado da Saúde. www.crt.saude.sp.gov.br/vacinas/equipe. Consulta eletrônica em 28/10/2005.

37

acolhimento, o candidato a voluntário participante é encaminhado ao

profissional responsável pela aplicação do TCLE, onde discute os critérios

de inclusão e exclusão e sua participação na pesquisa. Realizada esta

etapa, o candidato retorna ao aconselhamento, para discussão

comportamental de risco para as DSTs e HIV. Concomitantemente, é

encaminhado aos testes clínicos para avaliação de seu estado de saúde.

Critérios de exclusão relacionados no TCLE23:

o Tem menos de 18 anos ou mais de 50 anos.

o Não pesa o suficiente para doar sangue (você pesa menos

que 50 Kg).

o Sabe que é alérgico a algum ingrediente do produto

candidato à vacina utilizado no estudo ou possui um histórico de

anafilaxia (alergia grave que pode matar).

o Tomou recentemente outras vacinas, recebeu transfusões

de sangue ou recebeu produtos sanguíneos.

o Os exames laboratoriais estão anormais.

o Tem exame positivo para Hepatite B, Hepatite C, HIV ou

HTLV-1 (vírus linfotrópico tipo 1 da célula humana T).

o Tem certos problemas médicos. São permitidos alguns

problemas médicos de menor importância. A equipe de estudo está

preparada para discuti-los com você.

o Sabe ou suspeita que tem algum problema com seu

sistema imunológico (sistema de defesa do organismo).

o Está tomando algum remédio ou suplemento que não é

permitido pelo estudo. Informe os médicos do estudo se está tomando

remédios ou suplementos.

o Está grávida, está amamentando ou planeja engravidar.

o Planeja engravidar alguém ou planeja doar esperma

durante o primeiro ano de estudo.

o Não concorda em discutir com a equipe de estudo suas

atividades sexuais, uso de drogas ilegais inalatórias (pelo nariz) ou na

38

veia e comportamentos que possam aumentar o risco de pegar HIV

ou que possam qualificar você para este estudo.

o Não concorda em ter um comportamento de baixo risco

para adquirir a infecção pelo HIV durante a participação no estudo.

o Participou anteriormente de outro estudo clinico de

produto candidato à vacina contra o HIV.

o Possui um histórico recente (02 anos) de abuso crônico de

álcool.

o Possui qualquer condição que, na opinião do investigador,

pode interferir dos objetivos do estudo.

o Demonstra que não entende este Termo de

Consentimento Livre e Esclarecido.

o Podem existir outros motivos pelos quais você não possa

participar. Caso existam, eles serão discutidos com você pela equipe

de estudo.

Os candidatos que estiverem dentro dos critérios de inclusão e

passarem pelos testes clínicos serão distribuídos aleatoriamente em três

grupos de vacinação: dois grupos receberão doses diferentes da vacina e

outro receberá placebo (substância inativa), perfazendo um total de 15

voluntários participantes no estudo. Por se tratar de um estudo duplo cego,

nem o voluntário participante nem a equipe de vacinas saberão em que

grupo está cada voluntário participante.

O voluntário participante deverá passar por 24 visitas clínicas durante

cinco (05) anos de acompanhamento.

2.5. A pesquisa de vacinas da UNIFESP

A Escola Paulista de Medicina – Universidade Federal de São Paulo

(UNIFESP) – não está ligada ao HVTN, tendo como patrocinador somente o

laboratório Merck & Co., Inc. No entanto, compartilha do mesmo protocolo

23 TCLE – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido do protocolo V520 – Merck 018/HVTN 050. Versão 18/03/03. Versão final 10/03/04.

39

de pesquisa, incluindo TCLE e os mesmos critérios de inclusão e exclusão

de voluntários.

O processo de recrutamento de voluntários foi desenvolvido de forma

diferente do CRT DST/AIDS. Embora com o mesmo número de voluntários

participantes, estes foram pré-selecionados via web, ou seja, os candidatos

a voluntários responderam um questionário que foi disponibilizado em uma

pagina eletrônica específica para a pesquisa desenvolvida na UNIFESP.

Logo após o envio do questionário, recebiam o convite para uma entrevista

com o profissional responsável em recepcionar o candidato, onde eram

checadas todas as respostas do questionário, dando prosseguimento ou não

ao processo de recrutamento.

2.6. Composição da equipe

A equipe de pesquisa é composta por 12 profissionais, número menor

que a equipe do CRT (HVTU).

Vale lembrar que tanto o processo de recrutamento de voluntários é

diferente do HVTU, como também a interlocução com a sociedade civil. Por

se tratar de um centro de pesquisa que não está ligado diretamente ao

HVTN, não segue as regras estabelecidas com os centros participantes da

rede mundial, não contando, por exemplo, com um comitê comunitário para

acompanhamento do processo.

A equipe é composta por um Investigador principal (médico), um

coordenador de pesquisa (médico), quatro co-investigadores (médicos), uma

farmacêutica, duas supervisoras de laboratório (biomédicas), duas

enfermeiras e uma assistente administrativa.

3. Acesso aos medicamentos anti-retrovirais no Brasil

As pesquisas de medicamentos anti-HIV não possuem uma política

específica que estabeleça diretrizes de avanços tecnológicos e envolvimento

40

com a sociedade civil, como estabelece o Plano Nacional de Vacinas anti-

HIV.

Para medicamentos, o Brasil tem apenas uma política na área de

assistência, que define o acesso aos medicamentos já disponibilizados no

mercado.

A política de distribuição universal de medicamentos anti-retrovirais no

Brasil teve início na década de 90. Segundo dados do Ministério da Saúde,

Programa Nacional de DST/Aids24, mais de 140 mil pessoas vivendo com

HIV/Aids estão hoje em tratamento com medicamentos na rede pública, com

15 anti-retrovirais distribuídos pelo Sistema Único de Saúde.

Esse acesso se refletiu de imediato na população afetada pelo vírus

HIV, reduzindo a mortalidade e o aparecimento de doenças oportunistas.

Os principais objetivos da terapia anti-retroviral são: retardar a

progressão da imunodeficiência do organismo humano e restaurar a

imunidade das pessoas infectadas pelo vírus, evitando o surgimento de

manifestações clínicas decorrentes do HIV e garantindo uma melhor

qualidade de vida para as pessoas infectadas.

No entanto, existe a possibilidade de falha terapêutica, que é definida

como deterioração clínica do tratamento, ou seja, a terapêutica não

responde mais, causando assim uma queda no sistema imunológico e

aumento da carga virológica 25.

Ao ocorrer tal fato, é necessária a troca de tratamento, e muitas vezes

a pessoa infectada já fez uso de todas as terapias disponíveis na rede

pública, ficando, portanto, sem alternativas de tratamento e na dependência

de novas descobertas.

Como no Brasil existem pessoas com mais de dez anos de tratamento,

torna-se comum o aparecimento de falhas terapêuticas.

Embora a política de distribuição universal de anti-retrovirais responda

às necessidades de tratamento das pessoas vivendo com HIV/Aids, não se

24 Políticas de Tratamento www.aids.gov.br acessado em 14/03/2005. 25 Quando a quantidade de vírus aumenta no organismo, podendo causar o aparecimento de infecções oportunistas.

41

pode garantir a eficácia da terapêutica, que exige a todo o momento o uso

de uma nova droga, mais potente que a usada anteriormente.

Para algumas pessoas infectadas, nesse momento torna-se

indispensável a realização de testes clínicos com novos medicamentos, que

oferece a possibilidade de participação da pessoa como voluntária, o que,

para muitas, representa o único acesso à terapêutica de ponta.

Essa situação cria uma série de motivações distintas, desde a própria

necessidade das pessoas infectadas em manter sua qualidade de vida até

os interesses da indústria sobre a possível disponibilização dos novos

medicamentos no mercado, trazendo chance de grandes lucros, e os da

rede pública de saúde, o que, além de significar também lucro para a

indústria farmacêutica, significa a possibilidade de expandir o benefício das

novas drogas para as pessoas que vivem com HIV.

4 A resposta comunitária às pesquisas em HIV/AIDS no Brasil

No Brasil, a primeira resposta comunitária para o enfrentamento da

epidemia de Aids aconteceu em 1985 na cidade de São Paulo, com a

fundação do GAPA – Grupo de Apoio à Prevenção à Aids.

O GAPA surge em meio a um universo conturbado de desinformação e

verdadeiras avalanches de matérias de cunho preconceituoso na mídia,

onde os homossexuais masculinos, usuários de drogas injetáveis e

profissionais do sexo eram categoricamente rotulados como grupos de risco

e como responsáveis pelo alastramento da epidemia da Aids no país e no

mundo.

Embora já existisse uma resposta governamental para a epidemia em

São Paulo, essa ainda era incipiente para a forte demanda criada pela

sociedade.

A partir do surgimento do GAPA em São Paulo, outras cidades também

criam os seus GAPA’s, com os mesmos objetivos: disseminar a informação,

combater a discriminação e o preconceito em torno do HIV/AIDS e das

42

pessoas infectadas, e dar início a uma política pública de assistência e

prevenção no país.

Concomitantemente, surgem outras organizações trabalhando os

mesmos temas, como a ABIA (Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids)

e o Grupo Pela Vidda (Grupo Pela Valorização, Integração e Dignidade do

Doente de Aids), ambas na cidade do Rio de Janeiro.

Em 1992, o já instaurado Programa Nacional de Aids do Ministério da

Saúde cria o Comitê Nacional de Vacinas anti-HIV/AIDS, onde alguns

ativistas são convidados a participar informalmente. No mesmo ano, no V

Encontro Nacional de ONG/AIDS na cidade de Fortaleza, no Ceará, são

eleitas cinco organizações para compor o comitê, representando o

movimento organizado de luta contra Aids da sociedade civil: GAPA’s Bahia,

Minas Gerais, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e São Paulo, e Grupos

Pela Vidda do Rio de Janeiro e de São Paulo.

No ano de 1994 foi realizada na cidade do Rio de Janeiro a primeira

jornada de vacinas contra HIV, organizada pelas instituições pertencentes ao

Comitê de Vacinas conjuntamente com o Pela Vidda São Paulo e Rio de

Janeiro e ABIA.

Em janeiro de 1995 foi publicado o primeiro Boletim de Vacinas, sob a

responsabilidade das organizações participantes do Comitê de Vacinas do

Programa Nacional de Aids, dando início assim a uma série de publicações

que hoje é de responsabilidade do GIV – Grupo de Incentivo à Vida, membro

atual do Comitê de Vacinas26.

Ainda na década de 90, com a Resolução 196/96 do Conselho

Nacional de Saúde do Ministério da Saúde, as organizações não

governamentais com trabalhos em Aids começaram a ocupar espaço nos

Comitês de Ética em Pesquisa, CEP, em São Paulo inicialmente no Instituto

de Infectologia Emilio Ribas e no CRT DST/AIDS, ambos da Secretaria de

Estado da Saúde.

Em 1999, quando se realizou a parceria Universidade Federal do Rio

de Janeiro e HVTN, formou-se o Centro Comunitário de Acompanhamento

43

de Pesquisa, CCAP, composto somente por membros representantes da

sociedade civil, com a finalidade de acompanhar pesquisas de vacinas

contra HIV naquela instituição. No ano seguinte, em São Paulo, surge com a

mesma finalidade o denominado Comitê de Acompanhamento Comunitário

de vacinas contra Aids, CAC.

O CAC de São Paulo, com o objetivo de acompanhar a pesquisa, tanto

no sentido ético como na participação da comunidade no desenvolvimento

da pesquisa, surge com uma particularidade diferente do CCAP Rio de

Janeiro, tem sua composição inicial formada unicamente por representantes

do movimento organizado de ONG/AIDS e uma representação direta no

CEP do CRT DST/AIDS.

26 Informações recolhidas do Boletim de Vacinas nº 10. Dezembro/2003. Publicado por GIV. São Paulo.

44

Capitulo II: A conquista da reflexão ética

2. Sobre a ética e suas diferentes concepções

Discussões sobre ética são prementes em diversos setores da

sociedade. Aqui vamos nos ater especificamente à questão da ética na área

de saúde e na pesquisa. Para tanto, necessitamos dialogar com alguns

autores que discutem ética nesse universo.

Inicialmente se faz necessário um esclarecimento a respeito da palavra

ética, que vem do grego (ethos) e se refere aos costumes, à conduta da vida

e às regras de comportamento. Etimologicamente tem o mesmo sentido que

a palavra moral, que vem do latim (mos, mores). Ocorre que para nós, no

mundo ocidental, onde o latim prevaleceu, a palavra moral teve um peso

religioso devido à forte influência do cristianismo em nossa cultura, que a

tornou distante do sentido dado à ética (Durant, 1995, p.9).

A palavra ética tem um valor que não emprega a conotação da moral

religiosa e sim a conotação da moral natural. A ética tem como princípio três

conceitos: a análise e reflexão das normas ou regras de comportamento, a

sistematização dessa reflexão e o impacto na vida cotidiana, e a prática

concreta na realização dos valores27.

Neste trabalho vamos aplicar a discussão da ética tal como vem se

dando na área da saúde, mais especificamente em pesquisas clínicas.

Para alguns autores, a ética está representada por um conjunto de

normas que regulamentam o comportamento de um grupo em particular,

como médicos, psicólogos, psicanalistas etc. É comum que esses grupos

tenham o seu próprio código de ética, normatizando suas ações específicas

(Barton & Barton, 1984) apud Cohen e Segre (1994, p.19-24).

Esta é uma visão e um entendimento deontológico, do grego (déon-

déontos) que significa: dever, obrigação, aquilo que se dever fazer (Durant,

1995, p.14).

27 Durant, G. A bioética: natureza, princípios, objetivos. São Paulo: Paulus, 1995.

45

Esta compreensão de ética não se diferencia da moral, com a ressalva

de que ética serviria de norma para um grupo determinado de pessoas,

enquanto a moral seria mais ampla, representando a cultura de uma nação,

uma religião ou época. A eticidade está na percepção dos conflitos da vida

psíquica (emoção x razão) e na condição que podemos adquirir de nos

posicionar, de forma coerente, face a esses conflitos. Indica então que ética

está fundamentada em três pré-requisitos: 1) percepção dos conflitos

(consciência); 2) autonomia (condição de posicionar-se entre a emoção e a

razão, sendo que essa escolha de posição é ativa e autônoma) e 3)

coerência (Cohen e Segre, 1994, p.20).

Mesmo com a tentativa de pluralizar ao máximo o conceito de ética,

distinguindo-o de moral, não há como estabelece-lo sem amarrá-lo a alguns

valores preestabelecidos. Porém existe a dicotomia entre ética e moral.

Para que a moral funcione, ela deve ser imposta; a ética, para ser atuante,

deve ser apreendida pelo indivíduo, vinda do seu interior, ou seja, a moral é

imposta, a ética é percebida (Cohen e Segre, 1994, p.22).

Existem outros entendimentos sobre o conceito de ética, como ciência

do comportamento moral dos homens em sociedade. Ou seja, a ciência de

uma forma específica de comportamento humano (Vázquez, 2000, p.23).

No entanto, é evidente que ética não cria a moral. Toda moral supõe

princípios, normas ou regras de comportamento, não é a ética que os

estabelece numa determinada comunidade. A ética se depara com uma

experiência histórico-social no terreno da moral, ou seja, com uma série de

práticas morais já em vigor e, partindo delas, procura determinar a essência

da moral, sua origem, condições objetivas do ato moral, a natureza e a

função dos juízos morais. Assim, Vázquez (2000, p.22) entende que ética se

ocupa de um objetivo próprio: o setor da realidade humana que chamamos

de moral. Como ciência, a ética parte de um certo tipo de fatos visando

descobrir os princípios gerais.

Enquanto conhecimento cientifico, a ética deve aspirar à racionalidade

e à objetividade mais completa e, ao mesmo tempo, deve proporcionar

46

conhecimentos sistemáticos, metódicos e, no limite do possível,

comprováveis (Vázquez, 2000, p.23).

As diversas discussões e percepções sobre a natureza e princípios da

ética, mostram que esse é um universo dinâmico e pluralista, que de alguma

forma é benéfico para diversas situações e áreas, porém também pode

servir para diversas interpretações que podem levar a interesses próprios de

um determinado grupo ou segmento. Como já dito antes, nesse trabalho

pretende-se focar a discussão no campo da saúde, mais especificamente na

bioética.

2.1. Sobre a bioética e seus conceitos

Segundo o conceito formulado por Warrer Thomas Reich e

apresentado na Enciclopédia, edição norte-americana de bioética, bioética

consiste no “estudo das dimensões morais - incluindo visão moral, decisões,

condutas e políticas – das ciências da vida e dos cuidados da saúde,

empregando uma variedade de metodologias éticas em um ambiente

interdisciplinar” (Reich, 1995) apud Fortes e Zoboli (2003, p.12).

Entende-se bioética como “uma reflexão que analisa, investiga, justifica

racional e imparcialmente escolhas morais, critica, valida ou legitima o

comportamento moral na área das ciências da vida e dos cuidados de

saúde, cujas ações têm alto potencial em interferir com os seres humanos, o

meio ambiente e os outros seres vivos” (Fortes e Zoboli, 2003, p.12).

O termo bioética é usado inicialmente pelo médico oncologista Van

Ressenlear Potter no livro Bioethics: Bridge the future (1971), que objetiva,

ao juntar os conhecimentos da biologia e da ética, “ajudar a humanidade na

direção de uma participação racional, mas cautelosa, no processo da

evolução biológica e cultural” (Fortes e Zoboli, 2003, p 12).

O entendimento de Potter era de que “a bioética seria uma disciplina

necessária para construir uma ponte entre a ciência e as humanidades,

especificamente entre as ciências biológicas e sociais e a ética. Uma ponte

que uniria os valores éticos aos fatos biológicos, uma ponte necessária em

47

virtude das possíveis conseqüências desfavoráveis aportadas pelo

desenvolvimento biotecnológico sobre a espécie humana e o meio ambiente,

(...)” (Fortes e Zoboli, 2003, p 12).

2.2. Bioética e pesquisas

As discussões sobre ética e, conseqüentemente, o surgimento da

bioética, têm trazido inúmeras colaborações no campo da pesquisa. Uma

das principais características éticas é a produção de conhecimento,

favorecendo o aumento de benefícios direta e indiretamente para a

sociedade. Isso pode ocorrer por meio de novas práticas, publicações no

campo de ensino e aperfeiçoamento profissional (Fortes e Spinetti, 2003,

p.115).

A pesquisa clínica na área da saúde busca estudar e solucionar

problemas que atingem a coletividade, com fins a controlar, diminuir ou

erradicar doenças que assolam o planeta, em sua maioria em países pobres

ou em desenvolvimento. Esse seria o ideal sobre o entendimento de

pesquisas clinicas entre outras na área da saúde.

No entanto, reflexões éticas constantes se fazem necessárias, para

impedir que, em nome da ciência ou de um bem maior, se cometam

injustiças ou se promova o desrespeito aos Direitos Humanos.

A realização de ações que garantam a ética na pesquisa promove

conseqüentemente uma melhor interação entre pesquisador, sujeito de

pesquisa e comunidade, proporcionando melhor qualidade na pesquisa

científica (Fortes e Spinetti, 2003, p.113).

A participação do sujeito na pesquisa, que neste trabalho preferimos

chamar de voluntário participante, porque ele participa da pesquisa de forma

voluntária, deve ser rigorosamente revista e acompanhada por membros

externos à pesquisa, a fim de garantir que as populações pesquisadas não

sejam manipuladas de acordo com os interesses do pesquisador, a exemplo

do que ocorre muitas vezes com população confinada (em instituições de

saúde ou presídios), membros das forças armadas, entre outras.

48

Numa pesquisa cientifica envolvendo seres humanos, alguns princípios

devem ser seguidos, para que as referências éticas sejam mantidas. A teoria

principialista é uma das mais adotadas em normas que regem pesquisas em

seres humanos, e consiste na não-maleficência, na beneficência, na

autonomia e na justiça. Destaca-se desta teoria a autonomia, que se refere à

capacidade do indivíduo decidir sobre si mesmo, sobre o que é bom e o que

não é bom, direito de livre escolha, respeitando sua cultura e sua crença

(Beauchamp e Childress, 1979) apud Schramm (2003, p.73).

O principio da não-maleficência tem sua origem na ética médica, de

não causar mal ou danos que sejam intencionais e não estão restritos ao

físico, mas também aos aspectos psíquicos, sociais e morais. A beneficência

diz respeito a fazer o bem, cuidar para melhor saúde, evitar ou minorar os

danos e maximizar os benefícios, sejam eles quais forem. Importante

ressaltar que, embora sejam dois princípios que estejam lado a lado no

entendimento do senso comum, um é completamente oposto ao outro.

Enquanto a não-maleficência deixa claro o que não é desejável, a

beneficência se estende no campo da ação do fazer, quase como

mensurável (Clotet et al, 1995, p.52).

O principio da justiça, além do sentido da própria palavra, é entendido

como valor eqüitativo na estrutura social, como justiça distributiva no campo

social e público. Talvez seja esse o mais complexo dos princípios, uma vez

que trata de alocação e distribuição de recursos públicos. Como existem

entendimentos diferentes a respeito do que é justo, é necessário chegar a

um consenso que garanta o acesso de todas as pessoas a todos os

recursos disponíveis, dentro de uma estrutura de cooperação social.

Rawls, em Theory of Justice (1971, p.64)28 apud Oliveira (2001, p.132),

estabelece dois princípios básicos de justiça:

“Primeiro: Cada pessoa deve ter direito igual ao mais abrangente

sistema de liberdades básicas iguais, que seja compatível com um sistema

semelhante de liberdades para outras”.

28 RAWLS, J. Uma teoria da justiça. São Paulo: Editora Martins Fontes, 1997, p.64.

49

Segundo: as desigualdades sociais e econômicas devem ser

ordenadas de tal modo que sejam ao mesmo tempo consideradas como

vantajosas para todos dentro dos limites do razoável e vinculadas a posições

e cargos acessíveis a todos”.

Tais princípios podem regular acordos e estabelecer formas de

governo.

A autonomia parte do princípio que o indivíduo pode e deve escolher

de forma clara e livre o caminho e a alternativa que lhes são apresentados,

de acordo com seus valores culturais, necessidades, expectativas e crenças,

sem coerções diretas e indiretas e com a compreensão das conseqüências

que possam advir de suas escolhas (Muñhoz e Fortes, 1998, p. 53).

Ainda assim, a total autonomia é considerada utópica, o entendimento

de que o indivíduo tem total compreensão e conhecimento de seus atos não

é verdadeiro, porém isso não lhe tira a condição de autônomo, uma vez que

se pode ter um determinado grau entre um e outro, cabendo-lhe então o

exercício da autonomia substancial (Zoboli b, 2002, p.17).

A discussão sobre autonomia permeia todo o processo de pesquisa

com seres humanos, uma vez que a maioria das resoluções dentro e fora do

Brasil enfoca a questão da autonomia no respeito às pessoas, à capacidade

de escolha e de autodeterminação, tendo como base a dignidade humana.

Diante do entendimento da importância que a autonomia tem dentro do

processo de pesquisa em seres humanos, podemos entender que o TCLE

deve estar baseado na autonomia dos voluntários participantes de

pesquisas, garantindo a decisão voluntária e concordância sobre as

informações recebidas (Spinetti, 2001, p.60).

O TCLE, ferramenta que pode garantir os direitos de voluntários

participantes e de pesquisadores, também tem o papel de promover a

discussão sobre a autonomia no processo de pesquisas clínicas envolvendo

seres humanos.

50

Capitulo III: Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Que ferramenta é essa?

3. Sobre o TCLE - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

De forma ampla, o consentimento informado é entendido como um

processo de comunicação e consentimento entre ambas as partes, médico e

paciente. Segundo Fadem (1986a, p.1051-4) “um médico deve informar seu

paciente de forma com que uma pessoa sensata gostaria de saber”.

A primeira citação sobre consentimento se deu em 1767, na Inglaterra,

quando a justiça local condenou dois médicos por provocar danos a um

paciente sem informá-lo do procedimento realizado, ao usar um aparelho de

uso não corrente (Clotet et al, 2000, p.29).

Em 1830, também na Inglaterra, o advogado John William Willcock

publica um livro sobre legislação e exercício médico, onde apresenta a base

jurídica para utilização do consentimento informado em pesquisas com seres

humanos (Clotet et al, 2000, p.30):

“Quando um experimento é realizado com o consentimento da parte

submetida a ele após ter sido informada de que isso era um experimento, o

médico não responde nem pelos danos nem pela originalidade do

procedimento. Mas se o médico realiza um experimento sem ter dado esta

informação e obtido o consentimento é capaz de ter de compensar

quaisquer lesões decorrentes.”

Percebe-se aqui que o foco de preocupação ainda está na proteção do

ato médico; no momento em que o paciente ou voluntário tem conhecimento

da prática que está sendo usada, está automaticamente concordando em

abrir mão de seus direitos a uma possível indenização por danos

decorrentes da pesquisa ou do ato médico.

O primeiro registro do uso do consentimento informado como

documento que estabelece uma relação entre médico e paciente, foi em

1833, nos EUA, pelo médico pesquisador William Beaumont. Neste caso, o

médico se comprometia em fornecer casa, comida e uma quantia em

51

dinheiro por tempo determinado de um ano. O voluntário, que sofria de uma

seqüela em decorrência de um tiro disparado por uma arma de fogo,

acidentalmente, ficaria à disposição do médico pesquisador para observação

e possíveis experiências. (Clotet et al, 2000, p. 31):

“ (...) Servir, residir e continuar com o citado William Beaumont, seja

onde for que ele deva ir ou viajar ou residir em qualquer parte do mundo(...).”

Temos aqui um entendimento muito mais de contrato de trabalho entre

partes do que uma noção de proteção ao paciente voluntário na pesquisa.

Por ser o primeiro documento nesse gênero que se tem noticia, o avanço no

entendimento de compromisso entre partes fica claro, possibilitando assim o

início da discussão de necessidades para consolidação de diretrizes para

pesquisas em seres humanos.

No mesmo ano de 1833, estabeleceu-se o primeiro conjunto de

diretrizes éticas para a relação pesquisador/voluntário participante. Seus três

principais focos eram: a necessidade do consentimento voluntário dos

participantes, adequação metodológica do projeto e liberdade para o

participante abandonar o projeto conforme seu desejo (Faden e Beauchamp,

1986, p.190).

Nota-se nessas diretrizes a preocupação com o voluntário participante,

principalmente no que diz respeito à autonomia do voluntário em abandonar

a pesquisa sem punições decorrentes do ato. Cabe lembrar que essas três

diretrizes ainda se fazem presentes em todos os códigos e normas de ética

em pesquisas mais recentes.

Em maio de 1880 ocorre a primeira condenação judicial por falta do

uso do consentimento informado, em uma pesquisa científica na cidade de

Bergen, Noruega.

Este caso tem como marco a controvérsia da descoberta do bacilo

causador da hanseníase, durante muito tempo conhecida por lepra. Na

época, o Dr. Gerhardt Armauer Hansen publicou um artigo descrevendo o

agente causador da doença, porém não havia conseguido desenvolver a

bactéria in vitro. O pesquisador microbiologista alemão, Albert Neisser, em

visita ao laboratório de Hansen, levou amostras consigo e, com a ajuda de

52

novas técnicas, às quais o pesquisador norueguês ainda não tinha acesso,

conseguiu registrar imagens das bactérias e publicou artigo reivindicando

para si a descoberta da doença.

O Dr. Hansen, na tentativa de provar sua descoberta anterior, inoculou

os olhos de uma senhora sem a utilização do consentimento informado,

causando danos à sua visão. Foi denunciado e, ao enfrentar os tribunais,

justificou-se alegando que a descoberta poderia ajudar no desenvolvimento

da ciência e na proteção da população da cidade.

Hansen foi condenado a pagar custas judiciais, perdeu sua licença

para clinicar e encerrou sua carreira cientifica (J Intern Méd; 1995;238:513-

529) apud Clotet et al (2000, p.32).

Neste episódio podemos perceber claramente o argumento de

sacrificar alguns em nome do bem coletivo e do desenvolvimento da ciência,

argumento este usado no decorrer dos anos, a exemplo da II Guerra

Mundial, entre outros.

Nos Estados Unidos, em 1900, houve a primeira tentativa de se

estabelecer uma lei regulamentando os procedimentos e experimentos

científicos no Distrito de Columbia, decorrente de uma comissão do Senado

norte-americano que investigou abusos em pesquisas envolvendo seres

humanos. O projeto de lei, que versava sobre a autorização dos

participantes voluntários, interrupção da participação na pesquisa e

preservação dos grupos vulneráveis, não foi aprovado, mas foi o primeiro

documento que buscou regras claras para pesquisas em seres humanos nos

Estados Unidos (Clotet et al, 2000, p.34).

Ainda no início do século XX, mais precisamente em 1914,

impulsionadas por discussões judiciais, a sociedade científica e a Corte

norte-americana começam a ter um outro olhar para as questões éticas e as

boas práticas clínicas. Um dos exemplos foi o caso Schloendorff vs. Society

of New York Hospital, em que um juiz da Corte da cidade de Nova York

sustentou que:

“Todo ser humano de idade adulta e juízo perfeito tem o direito de

determinar o que de fazer com seu próprio corpo e, um cirurgião que realiza

53

uma intervenção sem o consentimento de seu paciente comete uma

agressão, por a qual se pode reclamar legalmente danos” (Clotet, 2000,

p.21).

A discussão mais acirrada teve início logo após a II Guerra Mundial,

tendo como marco importante o julgamento de Nuremberg em 1946, onde

foram julgados médicos e oficiais do 3 º Reich, sob acusação de falta de

ética em experimentos e crimes de atrocidade nos campos de concentração

durante a guerra (Moreno et al, 1998, p.688). Esta discussão deu origem ao

Código de Nuremberg, utilizando a expressão consentimento voluntário do

paciente, e é considerado o primeiro conjunto internacional de regras

destinado a controlar práticas de pesquisas em seres humanos (Faden e

Beauchamp, 1986b) apud Menegon (2003, p.92).

Neste mesmo ano a Associação Médica Americana (AMA) estabelece

três requisitos básicos para práticas em pesquisas com princípios éticos.

(AMA, JAMA 1946:132: p.1090):

1. Consentimento voluntário da pessoa na qual experimento

será realizado;

2. O perigo de cada experimento deve ser previamente

investigado por experimentação animal;

3. O experimento deve ser realizado sob adequada proteção

e gerenciamento médico.

Após o Código de Nuremberg, o consentimento informado voltou a ser

tratado com relevância na década de 60, com a Declaração de Helsinque,

formulada em 1964 pela Associação Médica Mundial e com diversas

reformulações: 1975, Japão; 1983, Itália; 1989, Hong Kong; 1996, África do

Sul; 2000, Escócia (Menegon, 2003, p.159 ).

Cabe aqui uma reflexão sobre os avanços tecnológicos e o debate

sobre ética em pesquisa no mundo. Ao acompanhar as discussões sobre

ética, percebemos que estas sempre acontecem ao mesmo tempo das

grandes polêmicas em torno dos limites dos avanços tecnológicos, haja vista

as diretrizes pós II Guerra Mundial na década de 40, o escândalo da

pesquisa sobre sífilis nos Estados Unidos, o projeto Tuskegee, na década de

54

70, as pesquisas com HIV/AIDS na década de 90 e, por último, as pesquisas

sobre genética humana na virada do século.

A influência dos avanços tecnológicos nas discussões éticas se

constróem dentro de um conjunto de múltiplos interesses, formado por

indústrias farmacêuticas, pesquisadores e sociedade civil. Estes interesses

têm impacto direto na formulação das diretrizes éticas, que podem ser de

maior ou menor proteção ao sujeito de pesquisa, dependendo da co-relação

de forças estabelecidas entre os diversos atores.

O Informe Belmont29, publicado em 1978 nos Estados Unidos, traz na

sua essência o princípio de respeito pelas pessoas, com uso sistemático em

pesquisa com seres humanos. A beneficência e a justiça são partes

integrantes e indissociáveis em experimentos envolvendo participação

voluntária de seres humanos e devem constar de forma clara e objetiva no

consentimento informado, além da informação, compreensão e

voluntariedade (Clotet et al, 2000, p.50).

O Informe Belmont realmente trata o uso do consentimento informado

não apenas como um documento entre partes, médico e paciente,

pesquisador e voluntário, e sim como um entendimento mais amplo do

processo de consentir. Nota-se que o Relatório, em suas entrelinhas, faz

menção à importância do diálogo entre o profissional e o paciente,

pesquisador e voluntário.

3.1. O TCLE na ética e pesquisa no Brasil

No Brasil, a Declaração de Helsinque foi adotada apenas em 1975,

pelo Conselho Federal de Medicina30, como guia para a classe médica, com

enfoque em pesquisas clínicas. A reformulação da Declaração em 1975

também foi adotada tardiamente no Brasil pelo Conselho Federal de

Medicina, no ano de 198331.

29 The Belmont Report: Ethical Guidelines for the Protection of Human Subjects. Washington: DHEW Publications (OS) 78-0012.1078 30 Brasil Conselho Federal de Medicina. Resolução 671/75 31 Brasil Conselho Federal de Medicina. Resolução 1098/83

55

A primeira regulamentação governamental no Brasil que trata de

pesquisa clínica com medicamentos e, conseqüentemente, do

consentimento informado, data de 1981, Divisão de Vigilância Sanitária de

Medicamentos (DIMED) – Ministério da Saúde, portaria 16/81 (Clotet et al,

2000, p.51).

Esta portaria refere-se a Termo de Conhecimento de Risco, numa

perspectiva muito distante das concepções de autonomia e voluntariedade

propostas inicialmente na Declaração de Helsinque e posteriormente, com

maior ênfase, no Relatório Belmont. Nota-se a postura de

desresponsabilização do âmbito governamental no texto da portaria32, como

segue abaixo:

“(...)

e) O médico que aplica esta medicação ou novo método é responsável

e o laboratório produtor é co-responsável pele medicação, estando a União

isenta de responsabilidade por danos que possam ocorrer ao paciente

decorrentes do uso do produto ou método terapêutico aplicado.”

A discussão em nível governamental no Brasil na década de 80 tem

como foco a questão de indenização por danos, mais na perspectiva de

proteção do próprio setor governamental do que do voluntário participante da

pesquisa. Ainda assim, a década de 80 foi marcada pelo início das

discussões éticas envolvendo seres humanos.

Em 1988, o Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde,

estabelece na Resolução 01/8833 o uso do consentimento informado como

prática em pesquisas em seres humanos, com ênfase na informação ao

voluntário e em pesquisas com grupos específicos, como menores de 18

anos de idade (Clotet et al, 2000, p.52).

Oito anos mais tarde, em 1996, o Conselho Nacional de Saúde

estabelece nova diretriz para pesquisas envolvendo seres humanos. No

Brasil, a Resolução 196/9634 foi resultado de trabalho conjunto entre

governo, academia e sociedade civil. Esta última Resolução, vigente

32 Ministério da Saúde. Portaria 16/ 81. DOU 14/12/81 33 Brasil. Conselho Nacional de Saúde. Resolução 01/88. DOU 14/06/88 34 Brasil. Conselho Nacional de Saúde. Resolução 196/96. DOU 16/10/96

56

atualmente no país, denomina o consentimento informado como Termo de

Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), ampliando as características em

Resoluções anteriores.

A Resolução 196/96 é um marco nas discussões éticas sobre

pesquisas envolvendo seres humanos no Brasil, nos colocando par a par

com países desenvolvidos e, em alguns casos, à frente. A formação da

Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) e dos Comitês de Ética

em Pesquisa (CEP), que compõem o sistema CONEP/CEP, permite a

análise e o acompanhamento do desenvolvimento dos projetos pelo CEP

local, por meio de relatórios fornecidos pelos pesquisadores e a participação

efetiva de profissionais multidisciplinares, em conjunto com a representação

da sociedade civil e de usuários. E é com base nessas diretrizes e

entendimentos éticos que se pretende aqui investigar sobre a percepção do

pesquisador, tendo como ponto de partida o TCLE.

O TCLE é tratado no artigo IV da Resolução 196/96 CNS-MS, como

instrumento que garante o respeito à dignidade do voluntário participante de

pesquisa. Toda e qualquer pesquisa que envolva participação de seres

humanos só poderá ter seu inicio após o consentimento livre e esclarecido

do sujeito participante, grupos ou representantes legais. O termo deverá ser

elaborado pelo próprio pesquisador e com linguagem de fácil compreensão

para o voluntário participante e aprovado pelo CEP local; em se tratando de

pesquisa clínica multicêntrica, deverá também ser aprovado pela CONEP

(Spinetti, 2001, p.37).

3.2. O TCLE na pesquisa de cooperação estrangeira no Brasil

Os estudos realizados em diversos centros clínicos ao mesmo tempo

com o mesmo experimento, chamados de estudos multicêntricos, estão cada

vez mais presentes no universo das pesquisas. A necessidade de recrutar

um número suficiente de voluntários que possam participar das pesquisas

em um curto espaço de tempo e que possibilite gerar resultados

57

convincentes se faz necessário no dia-a-dia, devido à grande demanda de

avanços tecnológicos e concorrência entre as indústrias farmacêuticas.

O Brasil tem sido um país muito procurado pelo setor farmacêutico

privado e internacional para a realização deste tipo de estudo. Inúmeras são

as razões: legislação própria especifica e adequada para o setor,

competência profissional e institucional de vários centros espalhados pelo

país, população miscigenada formando um perfil étnico favorável, além de

ser um possível grande mercado de consumo.

Diante deste fértil campo para pesquisas, as questões éticas se tornam

cada vez mais evidentes. Em geral essas questões são abordadas nas

Resoluções 196/96 CNS/MS e 292/99 CNS/MS35, que versam sobre critérios

éticos entre cooperação estrangeira no país, principalmente pesquisas

coordenadas do Exterior.

Ainda assim, alguns temas são de difícil compreensão para o

patrocinador estrangeiro, como a participação do pesquisador local na

elaboração metodológica da pesquisa, incluindo o Termo de Consentimento

Livre e Esclarecido (TCLE), como também na análise dos dados.

Segundo os professores Willian Saad e Sonia Vieira (2004, p.4), ambos

membros da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa, os estudos de

cooperação estrangeira têm que ser desenvolvidos por profissionais com

competência, com capacidade de discutir o desenho do estudo antes mesmo

de inicia-lo, que possam administrar possíveis desvios e interpretar os

resultados obtidos.36 Seguramente existem no país profissionais com esse

perfil. Mas até onde realmente o pesquisador local tem livre arbítrio no

campo de pesquisa, em se tratando de pesquisas de cooperação

estrangeira?

É claro que não se pode deixar de versar sobre as distintas motivações

dos diferentes atores envolvidos no universo de pesquisas científicas na

área da saúde. Se por um lado existe a indústria farmacêutica interessada

em investir em pesquisas no país por conta das vantagens já citadas, por

35 Maiores detalhes podem ser encontrados no Manual Operacional para Comitês de Ética em Pesquisa MS/CNS Brasília 2002. 36 A questão da Cooperação Estrangeira. Cadernos de Ética em Pesquisa N. 9 CNS MS

58

outro lado existe o interesse nacional no repasse de tecnologia e

aperfeiçoamento de nossos profissionais, além do interesse no acesso da

população ao produto final, por parte das autoridades sanitárias do país e

das pessoas vivendo com HIV/Aids.

O fato é que vários interesses podem existir, como também podem ser

atendidos sem que ultrapassem as barreiras da ética e o respeito à

dignidade humana, principalmente a dos sujeitos voluntários participantes de

pesquisas.

3.3. O TCLE e estudos que abordam o processo de consentir e

autonomia

Dos diversos estudos realizados sobre TCLE, destacamos aqui os

utilizados para nosso propósito neste trabalho. Eles foram selecionados por

tratarem especificamente o tema do consentimento informado como

processo de obtenção de consentimento e ferramenta de informação,

focando a autonomia do voluntário participante de pesquisa e em práticas

clínicas na área da saúde. Tais artigos e obras foram acessados por meio

magnético em banco de dados como BIREME, LILACS e SCIELO, além de

levantamentos nas bibliotecas da Faculdade de Saúde Pública da

Universidade de São Paulo e Instituto de Saúde, da Secretaria de Estado da

São Paulo, como também indicações de especialistas da área.

Lidz et al (1988), em Two Models of Implementig Informed Consent,

explanam sobre o consentimento enquanto evento usado nas práticas de

assistência à saúde de curta duração, onde o paciente decide ou não adotar

a prática oferecida, por meio de um consentimento apresentado a ele, e o

processo de consentimento, onde a participação ativa do paciente ou

voluntário se faz necessária para o estabelecimento de uma relação

amistosa entre médico e paciente/voluntário. Com o mesmo objetivo, Simón

Lorda e Concheiro Carro (1993a), em El consentimiento informado: teoría y

práctica (I), tratam do tema; direito ao consentimento, voluntariedade,

59

competência e conteúdo são tópicos abordados, tendo como pano de fundo

os dois modos de consentimento.

Simón Lorda (1993b), ainda tratando sobre a teoria e prática, em El

consentimiento informado: teoría y práctica (y II), aborda as dificuldades na

formulação dos consentimentos, aplicação e entendimento dos formulários

na prática clínica diária, que podem ser perfeitamente ajustadas às praticas

de pesquisas.

Continuando a discussão, Lorda (1995), em El consentimento

informado y la participación del enfermo em las relaciones sanitárias, faz um

breve histórico sobre a ética, partindo do Grécia hipocrática do século IV AC

até chegar às normas vigentes no mundo na década de 90, tendo como foco

a discussão do termo de consentimento e a relação médico/paciente. Simón

Lorda et al. (1996), no artigo Legibilidad de los formulários escritos de

consentimiento informado, problematizam a legibilidade dos termos de

consentimento usados em diversos procedimentos, utilizando programas da

área da informática para medir o possível grau de compreensão dos termos.

Fortes (1994), em Reflexões sobre a Bioética e o consentimento

esclarecido, faz uma reflexão sobre bioética e consentimento esclarecido,

trazendo à discussão elementos importantes como a autonomia do sujeito

de pesquisa como direito moral do ser humano, destacando pontos cruciais

no termo de consentimento e abordando princípios teóricos na informação,

temporalidade, revogação e situações emergências com profissionais de

saúde com decisões e ações.

Lara e La Fuente (1990), com o artigo Sobre el consentimiento

informado, fazem uma abordagem sobre o conceito de autonomia,

informação e consentimento, com enfoque na relação médico/paciente,

concluindo que não há nenhum argumento sólido que indique uma suposta

incompatibilidade entre medicina cientifica e ética médica.

Em 2002, Hardy et al. publicaram o estudo Consentimento informado

na pesquisa clínica: teoria e prática, com o objetivo de avaliar a

concordância entre a teoria e prática sobre o consentimento informado,

representada pela Resolução 01/88, e a prática de sua obtenção de acordo

60

com o relato de pesquisadores e de mulheres que participaram de suas

pesquisas. O resultado foi um desencontro entre as respostas dos

pesquisadores, quanto às informações fornecidas, e as das mulheres,

quanto às informações recebidas, por ocasião da aplicação do

consentimento.

Zoboli e Massarollo (2002a), em Bioética e consentimento: uma

reflexão para a prática de enfermagem, enfatizam a importância do processo

compartilhado de troca de informações e consenso mútuo na relação

profissional de saúde e usuário de serviço.

Zoboli e Fracolli (2004), no artigo intitulado Vulnerabilidade do sujeito

de pesquisa, destacam a importância que a vulnerabilidade social exerce

sobre as questões éticas e, conseqüentemente, no consentimento

informado, sendo os fatores pobreza e desigualdade social uma barreira

para o exercício da autonomia do sujeito de pesquisa.

O consentimento informado e sua prática na assistência e pesquisa no

Brasil, de Clotet et al (2000), traz uma extensa discussão sobre o uso do

consentimento informado e o seu processo de obtenção. Os autores

enfatizam em sua conclusão que o consentimento informado é um

compromisso moral dos pesquisadores e profissionais de saúde ao respeito

pela dignidade humana.

Sobre bioética, Durant (1995), na obra A bioética: natureza, princípios,

objetivos, explana sobre teorias, princípios e conceitos, abordando a

autonomia, valores morais, e conclui que a preocupação ética deve estar ao

longo da pesquisa, e não se concentrar em intervir depois da descoberta,

como se julgasse sua moralidade ausente do processo.

Em 2002, o Conselho de Organizações Internacionais de Ciências

Médicas publica o International Ethical Guidelines for Biomedical Research

Involving Human Subjects, traduzido no Brasil pelo Centro Universitário São

Camilo em 2004. O trabalho traz todas as diretrizes éticas para pesquisas

em seres humanos no mundo.

61

Fortes e Zoboli (2003), organizadores de Bioética e Saúde Pública,

discutem vários aspectos da ética com interface na saúde pública e enfoque

na teoria e prática.

Oliveira (2001), em Comitê de Ética em Pesquisa no Brasil. Das bases

teóricas à atividade cotidiana: um estudo das Representações Sociais dos

membros dos CEPs, discorre sobre as diversas interpretações que membros

dos comitês de éticas têm sobre o seu papel dentro do CEP e o papel dos

próprios CEPs, a partir de suas práticas cotidianas, sob a luz da Resolução

CNS 196/96.

Na tese de doutorado Entre a linguagem dos clientes e a linguagem

dos riscos: os consentimentos informados na reprodução humana assistida,

Menegon (2003) trabalha com termos de consentimento usados nas práticas

de reprodução assistida, sob a ótica da linguagem dos riscos, destacando o

entendimento do termo na visão de direito legal e abordagem pragmática

dos riscos.

Spinetti (2001), em sua dissertação de mestrado, Análise ética em

artigos científicos que envolvam seres humanos, período de 1990-1996, faz

uma abordagem sobre a história da ética em pesquisa no Brasil e no mundo,

dando ênfase às resoluções e normas estabelecidas até 1996, tomando

como discussão a autonomia e o processo de consentimento do voluntário

sujeito de pesquisa.

A cooperação estrangeira e os múltiplos interesses são abordados por

Hossne e Vieira (2002) em A questão da cooperação estrangeira, que

enfoca o repasse de tecnologia e a participação do pesquisador brasileiro na

metodologia de pesquisa com cooperação internacional. Ainda sobre o

mesmo tema, Hossne (2003) destaca a pesquisa multicêntrica e a

responsabilidade ética dos patrocinadores fora do país.

62

Capitulo IV: O Discurso do Sujeito Coletivo em processo

de construção

4. Construindo o discurso dos pesquisadores sobre as questões éticas,

a partir do Discurso Sujeito Coletivo (DSC)

A coleta de dados ocorreu mediante entrevista semi-estruturada.

Inicialmente, onze questões foram formuladas e posteriormente foram

acrescentadas duas outras, identificadas como de grande importância

durante o processo de coletas de dados. Os sujeitos de pesquisa foram oito

pesquisadores da área de saúde que trabalham com pesquisas clínicas

medicamentosas e de vacinas contra HIV/AIDS. Os discursos das

entrevistas foram registrados por meio de um micro-gravador com fitas

magnéticas de 60 minutos.

Para o tratamento dos dados empregou-se a técnica de análise

temática de discurso. Foram utilizadas quatro figuras metodológicas: idéia

central provisória, expressões-chave, idéia central dos sujeitos e Discurso do

Sujeito Coletivo (DSC).

Com os discursos gravados em fitas, procedeu-se à transcrição literal

dos mesmos. A transcrição e a organização do discurso foram feitas na

mesma ordem em que foram realizadas as entrevistas. Os sujeitos foram

identificados por: sujeito 01, sujeito 02, sujeito 03, e assim por diante.

Na segunda etapa, os discursos já transcritos, selecionaram-se em

cada uma das respostas das entrevistas as partes mais importantes. Estas

partes foram colocadas juntas, formando um novo texto denominado Idéia

Central Provisória, seguida de suas respectivas expressões-chave

provisórias, referentes às entrevistas de cada um dos sujeitos participantes.

Na terceira etapa (próximo capitulo), foram agrupadas idéias centrais

de cada questão, ficando assim uma apenas uma idéia central para cada

questão, denominadas Idéia Central dos Sujeitos. Da mesma forma

procedeu-se com as expressões-chave, fala literal dos sujeitos participantes

63

(em negrito), dando origem assim ao DSC de cada questão por meio das

expressões-chave utilizadas, como segue.

4.1. O início das discussões éticas no país e na vida profissional dos

entrevistados

Idéia Central Provisória - S 01: Para idealização da Resolução 196 de

acordo com as regulamentações internacionais.

Expressão-chave provisória - S 01: O início das discussões no

Brasil se deu na década de 90 e na

realização da Resolução 196, que fez com

que a ética esteja em acordos em

regulamentação internacional. Então acho

que isso tem determinado em uma pressão

da indústria para que as instituições tenham

um comitê de ética mais forte ou mais

acordos a regulamentação internacional.

Isso é mais ou menos o que a grande razão

do que eu conheço sobre o que acontece no

país.

Idéia Central Provisória - S 02: Década de 90 resolução 196 CONEP

e CRM.

Expressão-chave provisória - S 02: Esse é um tema recente.

Somente na década de 90 foi

efetivamente configurado o regimento, o

verdadeiro código de ética que deveria

ser seguido a partir de então pelos

pesquisadores. As primeiras publicações a

respeito dos estudos envolvendo seres

humanos às quais tive acesso são da

CONEP e do CRM. Esse código de ética

64

obrigou os laboratórios a fornecerem aos

pesquisadores uma espécie de manual de

“boas práticas”. Quando os investigadores

são treinados a respeito do estudo, alguém

do laboratório expõe quais seriam essas

“boas práticas” clínicas na pesquisa, ou seja,

o que pode e deve ser feito do ponto de vista

ético.

Idéia Central Provisória - S 03: Resolução 196 e regulamentações

internacionais.

Expressão-chave provisória - S 03: Eu sei a data da última

regulamentação da ANVISA em relação ao

termo de Consentimento que foi em 1996,

mas acho que de uma forma geral a

referência do Brasil em pesquisa é mundial.

De qualquer forma acredito que é nessa

época que as coisas começam a se

estruturar. No começo era muito

complicado mesmo, apesar de haver a

necessidade, não existia a estruturação

das instituições que coordenavam a

pesquisa.

Idéia Central Provisória - S 04: Década de 80, estudos com

contraceptivos em mulheres.

Expressão-chave provisória - S 04: Eu retomaria isso ao início da

década de 80, quando eu trabalhava em

uma ONG. Nos preocupavam, naquela

época, todos os estudos que tinham sido

feitos em relação aos novos

contraceptivos que queriam que fossem

65

testados no Brasil. Nós identificávamos

que esses testes já tinham sido feitos numa

parcela bastante grande, sem que nenhum

dos procedimentos éticos necessários nas

pesquisas tivessem sido tomados. (...).

Nesse momento houve um grande

movimento no sentido de denunciar os

problemas do ponto de vista da ética na

pesquisa. Eu defendia que você só

consegue ter controle ético num estudo se

houver um processo de monitoramento

levado a cabo por pessoas alheias à

pesquisa em si.

Idéia Central Provisória - S 05: Normas vigentes (196) e disciplinas

na universidade.

Expressão-chave provisória - S 05: Na verdade a questão surgiu

antes da minha vida profissional. Durante

a graduação tem uma disciplina de

Medicina Legal que levanta a discussão

de bioética e pesquisas em seres

humanos ainda na graduação. Terminada

a graduação, e mesmo durante, participei de

pesquisas na emergência, tratamento de

choque, por exemplo. Dentro do meu

departamento, de Doenças Infecciosas e

Parasitárias, é um departamento que desde

cedo se inicia com pesquisas. (...). Isso só

durante a fase de especialização que é na

época da residência médica, em que as

pesquisas não interferem na vida da pessoa,

você só observa o que acontece na vida dela

66

(...). Durante o meu trajeto profissional,

mudei o modo de pensar em pesquisa

clínica em uma série de aspectos. Acho que

durante a graduação é importante ter isso.

Acho que deve ser obrigatório ter a

discussão de ética e pesquisas com seres

humanos como base em bioética e medicina

legal. Na verdade, o Termo de

Consentimento, desde que me conheço por

gente existe a resolução que obriga a

existência desse Termo, isso desde a

Segunda Guerra Mundial.

Idéia Central Provisória - S 06: As discussões surgiram com o

advento da Aids.

Expressão-chave provisória - S 06: Bom, no país eu não sei te dizer

há quantos anos, mas quando começaram

as pesquisas começaram a se discutir quais

seriam os direitos... o quê o pesquisador tem

como obrigação e o paciente como direito de

saber, de participar e tal, então isso surgiu

na discussão acho que inicialmente dos

pesquisadores, aí depois... Eu não sei

quanto tempo tem a CONEP, essas datas eu

não tenho isso muito claro, mas na

realidade, pelo menos pra nós

infectologistas, a grande massa de pesquisa

veio com o advento da Aids (...), Eu lembro,

antes da Aids, pesquisa em meningite,

quando nós tivemos a grande epidemia em

74, de drogas novas, mas naquela época

não existia todo esse esquema de, 76, 77,

67

de consentimento, pelo menos dentro da

Infecto o infectologista não tinha isso muito

embasado, foi com o advento da Aids que

a pesquisa tomou mais vulto e o

infectologista entrou mais na área de

pesquisa, especialmente internacional.

Idéia Central provisória - S 07: Surgiram com o inicio das pesquisas

clinicas e a Resolução 196/96

Expressão-chave provisória - S 07: Bom, no Brasil, o conceito de

Comissão de Ética em Pesquisa surgiu

basicamente com o início da pesquisa

clínica, com patrocínio não, a pesquisa

clínica multicêntrica, e fundamentalmente

com a pesquisa clínica, quando você

passa a participar dos trials

internacionais, e aí a preocupação que já

existia nos países desenvolvidos, tipo na

Europa, nos Estados Unidos, eles trazem

junto consigo já uma preocupação, às vezes

uma preocupação até um pouco burocrática,

de você cumprir à risca todos os preceitos

éticos estabelecidos internacionalmente, a

partir da reunião de Helsinki, e vai

progredindo aí todas as instâncias que

passaram a discutir ética (...). Aí

posteriormente então você tem a criação da

CONEP, Comissão Nacional de Ética em

Pesquisa, e a criação da CONEP foi um

passo bastante importante, a criação das leis

propriamente dito, a 196, depois a 252, se

eu não estou enganado, que passam a reger

68

aí todos os trabalhos, e dentro do Hospital

das Clínicas nós temos a divisão da

Comissão de Ética na Comissão de Ética

propriamente dito, e a Comissão de Ética em

Pesquisa.(...). Agora, a questão das

Comissões de Ética em Pesquisa surgiu com

as pesquisas com Aids, basicamente o meu

trabalho com Indinavir, o 028, que nós

iniciamos em 1995, e aí começa, e quando

nós passamos a ter a preocupação, não só a

preocupação burocrática propriamente dito

(...).

Idéia Central Provisória - S 08: Em 1996, quando iniciaram as

pesquisas na vida profissional.

Expressão-chave provisória - S 08: Bom, na minha vida, surgiram em

96; na verdade eu nunca tinha atentado pra

essas questões, mas muito antes até de eu

estar envolvido com pesquisa clínica ou até

concomitantemente com isso aqui, foi mais

ou menos nessa época que a gente

começou aqui no hospital a fazer mais

pesquisa. Sempre foi, a instituição sempre

teve pesquisa, mas nunca como agora ou

como depois de 96, e em 96 surgiu a

Resolução 196 e que estimulava a criação

dos CEP’s nas instituições.

4.2. A importância das discussões éticas para pesquisas em seres

humanos

69

Idéia Central Provisória - S 01: Livre arbítrio do voluntário para

participação em pesquisa, comitê de ética como órgão assessor.

Expressão-chave provisória - S 01: Tem uma coisa interessante e

essa pergunta é relativamente um pouco do

que imagina o senso popular e do voluntário

que se oferece para entrar em um protocolo

de pesquisa. Ele é considerado como se

fosse uma cobaia. E explico porque,

justamente porque não é uma cobaia. E não

é uma cobaia porque é uma pessoa a qual

se você respeita a vontade, então eu acho

que esse é o ponto chave em ética em

pesquisa com seres humanos. É que você

está contando com pessoas que tem um

livre arbítrio, uma capacidade de decidir. (...).

Agora, existe um outro ponto, que é a parte

do respeito aos direitos coletivos, que é a

parte mais abordadas pelos comitês de

ética, propriamente dito, no sentido de

impedir que sejam violados os direitos

coletivos, aproveitando a ignorância de

indivíduos particulares dentro de uma

sociedade sobre um determinado tema, que

geralmente os temas mais científicos têm

uma divulgação limitada. O fato de você

estar sendo apoiado por um comitê para

poder estar esclarecendo como se tem de

respeitar, não só a vontade individual,

mas a vontade coletiva de uma

sociedade, acho que permite que o

pesquisador estabeleça um laço de

confiança (....). Acho que o comitê de ética,

70

o que tem de fazer é assessorar o

pesquisador nessa interpretação desses

valores sociais e de como explicar ao

indivíduo, mas a responsabilidade ética,

primária, é do pesquisador.

Idéia Central Provisória - S 02: Importantes para experiências com

seres humanos e absolutamente fundamental.

Expressão-chave provisória - S 02: A ética na Medicina é capaz de

afirmar hoje que, por exemplo, as

experiências feitas nos campos de

concentração na Alemanha de Hitler durante

a Segunda Guerra Mundial foram

desumanas. Mesmo que elas tenham

demonstrado grandes progressos científicos,

foram conduzidas de forma imoral e

antiética. Eu acredito que baseado nisso é

que a ética na Medicina começou a ser

discutida. (...). Portanto, considero que a

ética é absolutamente fundamental numa

sociedade como a nossa, que visa o

consumo em troca de popularidade,

poder e dinheiro.

Idéia Central Provisória - S 03: Essencial e imprescindível na

pesquisa, serve para informar e orientar os voluntários sobre possíveis

riscos.

Expressão-chave provisória - S 03: É essencial e imprescindível para

que a pesquisa possa se desenvolver. É um

padrão importante de respeito em relação

à pessoa que está participando, ou seja,

você dá a possibilidade para ela entender

71

o que está acontecendo e impede que

possa existir algo de proporção maior.

Acho essencial que isso esteja normatizado.

É preciso respeitar os direitos e garantir que

não haja nenhum engano com pessoas que

eventualmente participem de pesquisas.

Serve pelo menos para informar e orientar

sobre os possíveis riscos.

Idéia Central Provisória - S 04: Importante para impor os limites na

pesquisa.

Expressão-chave provisória - S 04:. A ética faz parte de uma série de

marcos, de balizas que vão nortear o

processo de investigação, de tal maneira

que ela aconteça no sentido de garantir aos

voluntários o conhecimento dos limites da

sua participação e a importância da ética

enquanto um instrumento de proteção

desses direitos. A ética impõe também

limites políticos ao investigador porque

que muitas vezes ele, numa situação

limite, vê a ética na pesquisa como um

processo que é capaz de uniformizar, dar

parâmetros, diretrizes que não sejam

passíveis de serem entendidas de formas

diferentes em diferentes contextos.

Idéia Central Provisória - S 05: a ética ainda está em construção, não

é acessível para todos.

Expressão-chave provisória - S 05:Tudo o que eu não gostaria que

acontecesse comigo eu considero antiético

fazer com uma outra pessoa. É um jeito

72

simples pra você imaginar se a coisa é ética.

O que é ético no Brasil pode não ser ético

nos Estados Unidos, depende da cultura e

de uma série de coisas. Eu acredito que a

tendência é ter uma ética mundial (...), então

ainda não há um controle mundial, o que

ainda existe é o pensamento de que, ah eles

não tem nada mesmo então vamos dar um

pouco e comparar com outro, isso para mim

é um lixo. Nós ainda temos no mundo

uma divisão entre cidadãos e não

cidadãos, como na Grécia antiga;

cidadãos são os brancos, não cidadãos

são os pobres, acamados, negros do

Terceiro Mundo. Por enquanto eu ainda

acho que a ética está voltada para os

cidadãos e muita gente ainda está sem a

proteção ética.

Idéia Central Provisória - S 06: Fundamental a existência de normas

para pesquisas.

Expressão-chave provisória - S 06: É fundamental, sem ela não dá

pra fazer nada; eu acho que se você

remontar algum tempo atrás, sobre as

pesquisas que, por exemplo, os americanos

fizeram nos Estados Unidos com os negros,

em termos de sífilis, que é a nossa área aqui

de Infecto, é uma coisa absurda. Quer dizer,

tem que existir ética, tem que existir

normas pra pesquisa.

73

Idéia Central provisória - S 07: A ética é como um compromisso, está

implícita no cotidiano no profissional do pesquisador.

Expressão-chave provisória - S 07: Olha, eu acho que essa questão

da ética ela envolve uma coisa bilateral;

primeiro eu acho que é o compromisso

médico, que tem uma importância muito

grande, porque a formação médica ela é

uma formação voltada para salvar, ela tem,

digamos, esse tipo de comportamento, então

isso, vamos dizer, é... quer dizer, é um

compromisso ético de toda vida,

propriamente dito.(...). Nunca pensei tão

detalhadamente, porque eu acho que essa

questão da ética ela passou a ser implícita,

então quando ela é implícita é que nem

prescrever Novalgina pra febre, ninguém vai

te perguntar por quê que você vai dar

Novalgina, porque tem febre, mas a questão

da ética passou a ficar implícita, e não se

discutia muito isso.

Idéia Central Provisória - S 08: É importante, porque existem

interesses diferentes em pesquisa, discussão ética facilita.

Expressão-chave provisória - S 08: Ah, é fundamental (...) enquanto

pesquisador, porque muitas vezes a visão do

pesquisador é unilateral (...); não que a

gente não queira o bem do paciente ou não

esteja vendo o bem do paciente, mas que

muitas vezes a relação médico/paciente

passa por questões que não são conscientes

ao paciente, e que deveriam ser, e o médico

muitas vezes age de acordo com a sua

74

cabeça, de acordo com o que ele acha que é

o melhor, sem discutir isso (...). Então eu

acho que é essa a importância da ética em

pesquisa, porque a partir do momento em

que o interesse científico do profissional

é um, o paciente, o sujeito de pesquisa, é

outro.

4.3 O entendimento do objetivo do TCLE, pelos profissionais

entrevistados

Idéia Central Provisória - S 01: É um procedimento que visa garantir

o entendimento do voluntário na pesquisa, e de poder de decisão.

Expressão-chave provisória - S 01: (...). Eu prefiro sempre falar de

procedimento de consentimento a falar

em termo de consentimento, porque o

consentimento não é a assinatura de um

papel. Eu acho que o consentimento é um

procedimento no qual você está

passando informação suficiente para o

indivíduo decidir se gostaria ou não

gostaria de participar disso, sem que isso

signifique que a pesquisa, se ele recusar,

fosse moralmente boa ou, se ele recuse,

fosse moralmente ruim (...). Então não só é

uma forma de ajudar o indivíduo a tomar a

decisão, mas também uma garantia, se ele

for bem aplicado, do sucesso do protocolo,

na medida que a pessoa vai colaborar

mesmo com o sucesso dos objetivos.

75

Idéia Central Provisória - S 02: O TCLE funciona como um

instrumento de fiscalização, uma norma para os médicos pesquisadores.

Expressão-chave provisória - S 02: O Termo de Consentimento é

um instrumento que supervisiona, que

paira sobre a cabeça do médico (...).

Quem é que fiscaliza, que faz auditoria e que

avalia se o médico está se portando bem ou

mal dentro de uma pesquisa? Será que a

CONEP em Brasília consegue fiscalizar o

trabalho científico de um médico? Eu duvido.

Mas existe esse contrato que dá direito ao

profissional de ser supervisionado. O Termo

de Consentimento é o que garante que a

experiência será realizada dentro dos

padrões éticos de pesquisa, esses que

foram determinados na década de 90. (...).

Trata-se de uma relação de normas que

devem ser seguidas. Se alguma parte menor

for desacatada, qualquer dos envolvidos

sabe que está infringindo uma determinada

lei e, portanto, está sujeito a uma

penalidade. Isso é consenso entre o médico,

o assistente, a enfermeira, o paciente, as

instituições, os hospitais. O Termo de

Consentimento é isso, é uma normatização

de relacionamentos internos em uma

pesquisa clínica.

Idéia Central Provisória - S 03: Instrumento que serve para formalizar

um vínculo entre médico e paciente e informar sobre a pesquisa.

Expressão-chave provisória - S 03: O primeiro objetivo é ser um

vínculo entre o pesquisador e o sujeito da

76

pesquisa. Acho que é uma forma de criar

um vínculo também entre a prestação de

contas e o atendimento, ação que muitas

vezes não existia antes. Esse é o momento

em que o paciente senta, e nós estamos

abertos para discutir. Mais objetivamente,

acho que o termo deve passar as

orientações referentes à pesquisa: quais

são os riscos, benefícios e

compensações que a pessoa pode estar

tendo ao participar do estudo. É um termo

informativo e considero que detalha ao

máximo possível os vários aspectos da

pesquisa.

Idéia Central Provisória - S 04: É apenas um documento que

formaliza uma negociação, não dá conta de tudo que pode acontecer dentro

de uma pesquisa.

Expressão-chave provisória - S 04: O Termo de Consentimento em si

é um documento, nada mais do que isso.

Acredito que ele serve para documentar

uma negociação entre partes

(pesquisador/voluntário), um documento

que deixa claro do que se trata aquilo.

Temos aí um pacto realizado. Em princípio,

esse contrato deve proteger tanto o

pesquisador quanto o voluntário. Para mim,

o Termo de Consentimento apenas

formaliza, porque ele não dá conta do que

de verdade acontece no campo. Acredito

que o voluntário deve ter outro tipo de

suporte (uma ouvidoria, por exemplo) que dê

77

voz a ele, porque o documento em si é

meramente um documento burocrático.

Idéia Central Provisória - S 05: Ferramenta que possibilita o

entendimento da pesquisa e garante os direitos do voluntário.

Expressão-chave provisória - S 05: O Termo de Consentimento

tem que possibilitar que a pessoa que

deseje ou não participar entenda a

pesquisa, porque ela pode desde achar a

pesquisa inútil ou legal e querer participar,

entender muito bem tudo o que tem de

benefícios, ou se não tem benefício nenhum,

tudo que tem de malefício ou se não tem

malefício nenhum. Entenda muito

claramente que pode ou não participar; não

pode, como eu já vi por aí, a pessoa

participa da pesquisa, usa os serviços da

unidade, e depois que terminou a pesquisa

está de alta do serviço, isso é cobaia

mesmo, então que ela tem direito ao

tratamento, independente de entrar na

pesquisa e sair quando ela quiser. É uma

garantia para a pessoa que está participando

da pesquisa [O TCLE].

Idéia Central Provisória - S 06: Serve como instrumento que vai

balizar a ética para o pesquisador.

Expressão-chave provisória - S 06: Bom, você tem aí dois lados, o

lado que é mais importante, do paciente, que

é onde você vai explicar para ele,

primeiro, quê pesquisa é essa, o quê que

está utilizando, quais são os riscos,

78

benefícios, qual a finalidade da pesquisa,

pra que ele tenha noção exata de qual o

papel dele dentro dessa pesquisa e quais

são os riscos e benefícios dessa pesquisa, e

do lado do profissional, é ter tranqüilidade de

dizer: “Bom...”; essa pesquisa tem que

passar pelo crivo do profissional e dizer:

“Olha...”. Tem que fazer um Consentimento

Livre e Esclarecido que preenche tudo, mas

a ética não permite que você faça aquela

pesquisa, então antes de tudo tem que

passar pelo crivo do profissional, quer dizer:

“Essa pesquisa eu faço porque é ética, essa

pesquisa eu não faço porque eu não acho

ética”, Quer dizer, jamais eu vou fazer uma

pesquisa que eu sei que o paciente vai

entrar porque ele está numa situação que

ele não tem outra alternativa, mas que pra

minha cabeça não é ético, então o primeiro

crivo de ética tem que passar pela

consciência do pesquisador, antes de tudo,

dizer: Não, essa pesquisa é ética, já tem

estudos em fase I, tem ética, não, eu posso

aplicar”, aí então o Consentimento serve pra

eu dizer pro paciente: “Olha, esse estudo

usa isso, pra pacientes assim, assim, assim,

no qual você está incluído; os benefícios,

pelos dados que eu tenho, são esses, esses,

esses e os riscos são esses, esses, esses,

você quer participar?”

79

Idéia Central Provisória -S 07: Instrumento que serve para firmar um

acordo entre médico e paciente.

Expressão-chave provisória - S 07: O Termo de Consentimento, pra

gente, é um momento de você pactuar as

coisas, pra mim o Termo de

Consentimento é um contrato, eu assino

um contrato em que ambas as partes

conhecem os riscos, conhecem os

benefícios, os direitos propriamente dito,

e que eu acho que também é um momento

de você discutir de maneira mais clara aquilo

que você está fazendo, porque isso é uma

coisa que é compreensível, porque o médico

ele acaba tendo um certo poder, porque

primeiro, eu sou médico, eu posso até estar

errando, mas eu tenho certeza absoluta que

eu estou tentando fazer o melhor, posso até

estar errando, chegar o outro, falar: “Olha,

você fez tudo errado”, etc. e tudo mais, mas

o Termo de Consentimento eu acho que é o

momento pra você tentar tirar um pouco

isso. (...) Termo de Consentimento ele é

passível de erro e que ele deve ser

modificado a qualquer momento. Agora, eu

não entendo o Termo de Consentimento

como sendo uma forma de amarrar, não

estou algemando a pessoa, quer dizer, o

livre arbítrio dela continua, tanto quanto o

meu, de decidir até eventualmente parar

tudo, interromper tudo porque eu não estou

sentindo confortável.

80

Idéia Central Provisória - S 08: É uma ferramenta necessária, que

complementa, mas não substitui a relação médico/paciente.

Expressão-chave provisória - S 08: Sei lá se eu poderia classificar

como um mal necessário; eu imagino que

ele foi criado dentro de uma concepção

que não é a nossa, e ele foi

desvirtualizado com o tempo, você vê hoje

estudos multicêntricos internacionais, o

Termo de Consentimento é um documento

cartorial, ele é um documento que procura

isentar as partes de possíveis acusações ou,

num português mais claro, que deveria ser

num inglês mais claro, fugido do processo,

do processo do ato médico, no caso. Então

eu acho que ele é um documento necessário

sim (...), só que em maneira e hipótese

alguma ele substitui a relação

médico/paciente, ele substitui aquele

contrato não firmado e não assinado de

confiança mútua que existe, aquele contrato

subliminar que é criado quando se

estabelece uma relação médico/paciente.

4.4. O entendimento do voluntário sobre a importância e a dimensão do

TCLE, segundo os pesquisadores

Idéia Central Provisória - S 01: Depende do pesquisador aplicar

corretamente o Termo.

Expressão-chave provisória - S 01: Acho que se você faz certo, isso

é verdade. O problema é achar a maneira

de fazer esse procedimento de

consentimento de forma apropriada.(...).

81

Se você não está conseguindo, você está

fazendo errado. Essa é a conclusão. Quais

são os esforços? Eu já vi múltiplas formas de

fazer. Você às vezes tem de fazer não em

uma sessão só, tem de fazer em duas

sessões, utilizar imagens, utilizar

audiovisuais, você tem de fazer o que for

necessário para que o voluntário

compreenda. Ou seja, para mim ainda é

inaceitável que um voluntário simplesmente

assine sem entender de que se está falando.

Não tem que entender o detalhe mínimo, o

laboratório, às vezes nem o próprio colega

entende, mas tem de entender o intuito do

que você está fazendo.

Idéia Centra Provisória - S 02: Não entende, confia no médico e na

instituição.

Expressão-chave provisória - S 02: Na minha opinião, não entende

nem 10%, porque a terminologia é

complexa. O paciente tem problema de

saúde e está psicologicamente

fragilizado. Para ele chegar e ler uma

sentença que seja diferente de sim ou não e,

portanto requer interpretação, é difícil.

Tenho certeza de que a maioria dos

pacientes tem grandes dificuldades de

compreender o que ali está escrito. Que

direitos ele tem? Quais são seus deveres e

quais os riscos? Para o voluntário, o Termo

acaba tendo o mesmo valor do que a

Constituição ou a Bíblia. É cheio de regras e

82

de normas desconhecidas. Algum jurista por

acaso sabe quais são todos os direitos do

cidadão? Creio que não, muito menos o

povão. Mas por causa desse Termo, o

paciente não se sente tão sozinho. Para ele,

existe alguma instituição que supervisiona a

prática para que tudo dê o mais certo

possível.

Idéia Central Provisória - S 03: Não entendem, mas confiam no

médico.

Expressão-chave provisória - S 03: Eu acho que não. Isso entra

numa rotina da pesquisa clínica: apesar de

você ter cada vez mais voluntários

participando de estudos, isso ainda não é

rotina na nossa sociedade. As ações são

baseadas muito mais na confiança, de

uma forma não tão técnica e normatizada.

De uma forma geral, o esforço todo é para

que as pessoas entendam. Por exemplo,

falar de drogas e o mecanismo de ação

diverso e não só discursar tecnicamente

sobre o vírus que está dentro de uma célula.

É muito difícil esclarecer os termos

científicos. Apesar disso eu acho que as

pessoas entendem. Elas não sabem muito

bem a necessidade, elas acham estranho

porque não estão acostumadas com isso.

Idéia Central Provisória - S 04: Depende da equipe, quanto mais

complexa a pesquisa mais difícil vai ser seu entendimento.

83

Expressão-chave provisória - S 4: Depende da complexidade da

pesquisa, depende dos riscos que ela está

envolvida, da capacidade e do interesse da

equipe, depende do nível de entendimento e

autonomia que o voluntário tem em relação

ao estudo dele em si, à instituição da qual o

pesquisador faz parte, as garantias que você

dá para que ele possa desistir ou não. Eu

tenderia a dizer que quão mais complexa

é a pesquisa, mais você terá que estar

investindo, se assegurando e criando

formas alternativas (e externas ao

pesquisador) de avaliação do

entendimento e do consentimento

comum. Eu vejo assim, não existe um

Termo de Consentimento, existe um

processo de consentimento informal.

Existem várias formas, você pode ser

criativo para ter mais segurança em relação

ao que está acontecendo. Na África do Sul

você tem a explicação do que é a pesquisa e

o voluntário explica o processo tal como ele

foi entendido a uma terceira pessoa, que

defende os interesses da comunidade. É

como se fosse uma ouvidoria. Quanto mais

complexo, mais difícil é para o voluntário

ter a real dimensão de onde ele está se

envolvendo.

Idéia Central Provisória - S 05: Não entendem, o paciente confia no

médico.

84

Expressão-chave provisória - S 05: Geralmente, quando o paciente é

meu, ele confia sem questionar, (...). Acho

que depende muito do pesquisador colocar,

porque o Termo de Consentimento tem que

ser no mínimo acessível às pessoas que vão

ler, às vezes a gente na pressa faz um termo

e depois vê olha que coisa mais

incompreensível eu coloquei aqui, aí cabe na

hora, de explicar para o paciente. O mais

importante do Termo não é o papel, é a

assinatura, o mais importante é ela entender

o que ela tá lendo ali. Eu acho que a

maioria em todas essas pesquisas não

entende.

Idéia Central provisória - S 06: Depende do pesquisador explicar.

Expressão-chave provisória - S 06: Se você der o papel pra ele,

não (...), especialmente num país que nem o

nosso, que você tem uma variação de

compreensão muito grande, você tem que...

ele lê, você discute com ele cada ponto, não

é dar papel pra ele (...), não é só dar o papel

pra ele e falar: “Olha, assina aí”, não é isso,

isso não é um consentimento, consentimento

ele tem que ter ampla compreensão de tudo

que está escrito ali e saber que ele pode (...)

assim como ele é livre pra entrar ele é livre

pra sair.

Idéia Centra Provisória - S 07: De forma geral sim, mas não tem a

dimensão da questão ética.

85

Expressão-chave provisória - S 07: Olha, eu acho que, de uma

maneira geral, o Termo ele é razoavelmente

compreendido (...). Eu acho que uma

dificuldade muito grande é que nós

estamos utilizando Termos de

Consentimentos extremamente

burocráticos, cujo objetivo parece mais nos

protegermos (...), agora, eu acho que, de

uma maneira geral, o Termo de

Consentimento ele pode até ser

compreendido pelo voluntário, mas o

voluntário não sente o Termo de

Consentimento, na maioria das vezes, como

um pacto, como um contrato, entendeu?

Idéia Central Provisória - S 08: Não tem, na maioria das vezes

prevalece o vínculo de confiança.

Expressão-chave provisória - S 08: Pois é. Se ele não tem

capacidade de entender o quê está escrito,

tem que ter alguém que explique o quê está

escrito pra ele, então esse problema é

superável, esse problema é plenamente

superável; a dimensão do quê está ele não

tem, eu não acredito que o paciente tenha a

dimensão de entender o quê é aquele

documento, mas na grande maioria das

vezes ele não está interessado nem em

entender e nem saber qual é a dimensão,

porque na minha experiência, do que eu

mais escuto quando eu vou aplicar um

Termo de Consentimento pra um paciente

meu, é ele falar: “Doutor, é isso que o senhor

86

quer, é isso que o senhor acha que tem que

ser feito? Onde é que é pra assinar?

4.5. O voluntário discute o TCLE pós-assinatura?

Idéia Central Provisória - S 01: Discute, depende da pesquisa.

Expressão-chave provisória - S 01: Isso varia muito de protocolo

para protocolo. A discussão mais

freqüente que acontece durante a

execução dos estudos, há possibilidade

de ele se retirar do estudo. Essa é a

discussão, sem dúvida, a mais freqüente que

acontece. Outra discussão que acontece

com alguma freqüência está relacionada

com as amostras de sangue ou outras

amostras que sejam colhidas do voluntário,

no sentido que têm voluntários que às vezes

recusam em seguir dando sangue para a

pesquisa. Isso tem a ver. Outros tipos de

discussões que acontecem com freqüência

são sobre reembolso de compensação dos

gastos que ele tenha – esse tipo de pergunta

acontece com freqüência; eventos adversos

é outra pergunta que acontece (eles

perguntam novamente sobre efeitos

adversos) e, ocasionalmente, têm

voluntários que pedem para o termo, durante

o processo de estudo, seja explicado a outra

pessoa (por exemplo, um familiar, ou entram

em um relacionamento novo e querem trazer

a outra pessoa para que explique). Esses

são, digamos, as coisas mais

87

freqüentemente que acontecem nos estudos

de pesquisa.

Idéia Central Provisória - S 02: Discuti, principalmente quando há

mudanças.

Expressão-chave provisória - S. 02: Sim. Eu já acompanhei vários

tipos de pacientes mais ou menos em

condição de discutir o Termo. Alguns já se

apegaram a certos itens exigindo uma

explicação mais detalhada. O Termo

também é uma coisa que vai mudando ao

longo dos anos da pesquisa. Quando se

descobre um efeito colateral, as informações

são acrescentadas para que todo mundo

tenha ciência disso. O paciente sempre

acaba debatendo as suas dúvidas a respeito

da pesquisa com o médico. A relação de

confiança entre paciente e pesquisador irá

depender da explicação que esse

profissional dará ao voluntário.

Idéia Central Provisória - S 03: Eventualmente, mais quando surge

alguma dúvida durante a pesquisa e por pessoas mais engajadas em

movimentos sociais.

Expressão-chave provisória - S 03: Isso eventualmente acontece,

mas é muito raro. Normalmente as

pessoas acham que está havendo algum

engano e que alguma coisa está sendo

feita de forma errada. Isso tudo depende

muito de como você [médico] leva o estudo

desde o começo, de como são as conversas

com os voluntários. Mas às vezes acontece

88

sim, principalmente com pessoas mais

engajadas, com um conhecimento mais

organizado. Mas quando elas reclamam,

estão exercendo seu direito de cidadão.

Idéia Central Provisória - S 04: Discute quando surge algum

problema que o afeta diretamente.

Expressão-chave provisória - S 04: Acho que de distintas formas

ele traz a questão da ética quando, por

alguma razão impensada, a equipe de

pesquisa comete algum deslize (...). Cabe

à equipe de pesquisa definir os limites

considerados éticos.

Idéia Central Provisória - S 05: Quando surge algum problema ou

queixa.

Expressão-chave provisória - S 05: Não é comum. Eu já tive duas

situações. Em uma situação, é de abrir uma

discussão legal (jurídica) na instituição, no

caso o hospital, com a família da pessoa que

participou da pesquisa (...). Essa pessoa

voltou pedindo que desse os dados da

pesquisa porque apresentou um quadro de

infecção e o voluntário queria entender como

é que acontecia esse tipo de infecção. Em

outro caso eu tenho dúvidas se foi, se era

verdadeiro, pois o paciente tinha surtos

psiquiátricos, e o mesmo disse que o

pesquisador tinha aplicado o TCLE após

início da pesquisa. No caso, foram duas

queixas.

89

Idéia Central Provisória - S 06: Não traz porque talvez ela não tenha

entendido que poderia trazer.

Expressão-chave provisória - S 06: Não, ele normalmente não traz,

que talvez a gente esteja... não tenha tido

uma conversa e dizer: “Olha, você tem que

ler isso (...)”, não sei, não sei, mas é muito

raro que ele volte pra discutir de novo o

Termo de Consentimento. Eu não me

lembro. Não, ele normalmente não traz.

Idéia Central Provisória - S 07: Somente quando surge a discussão

de cunho legal.

Expressão-chave provisória - S 07: Esquece, eu acho que é

relativamente comum, até por essa política

de banalizar um pouco o Termo de

Consentimento, mas eu acho que... pro

voluntário eu acho que a maioria; agora,

muitas vezes o Termo de Consentimento ele

volta dentro da perspectiva do processo.

Idéia Central Provisória - S 08: Nunca teve a experiência.

Expressão Chave provisória - S 08: Nunca (...). Já teve, por exemplo,

do paciente vir discutir com a gente e querer

sair do estudo, e sair do estudo ele lembrava

que era uma possibilidade que ele (...) que

tinha essa possibilidade, mas não se

discutia o Termo de Consentimento,

nunca tive experiência do Termo de

Consentimento voltar, nem fisicamente e

nem na lembrança.

4.6. Percepção dos pesquisadores quanto a seus direitos e obrigações

90

Idéia Central Provisória - S 01: O pesquisador tem diversas

obrigações frente ao voluntário, direito quase nenhum.

Expressão-chave provisória - S 01: Em relação à ética, eu ainda

acredito que o responsável primário pela

ética num protocolo é o pesquisador, sem

dúvida. E esse papel começa desde a

formulação do protocolo, no sentido de não

estar pedindo coisas irracionais ou não estar

propondo coisas que não levem a nenhuma

conclusão. Isso também é ética. Seguinte

parte que, quando já são convidados seus

voluntários, ele tem de garantir realmente

que a participação seja livre. Durante a

execução do protocolo, ele tem de garantir

que a informação que aconteça e que possa

acontecer que afete o protocolo seja

entregue aos voluntários e que estes

possam reavaliar seu consentimento, se for

necessário. (...). Algumas pesquisas são

realizadas, mas os dados nunca são

publicados. E quando falo publicados, não

estou falando só da publicação científica.

Mas, em alguns casos, a obrigação

deveria se estender à publicação na

comunidade, no sentido que seja

apropriado (...). Esses pontos acho que tem

a ver com a ética; de publicação, de fazer o

acompanhamento posterior do voluntário

quando se encerra o estudo.

Idéia Central Provisória - S 02: Obrigação frente ao paciente.

91

Expressão-chave provisória - S 02: O pesquisador tem a obrigação

de ser médico diante do seu paciente.

Uma coisa é o voluntário que todo o dia

recebe uma dose de whisky para avaliar o

que acontece com o seu fígado em dez

anos. Os americanos fazem isso. Outra

coisa é você fazer um estudo com pessoas

que têm uma doença ou são potencialmente

doentes. Nesse caso, o paciente espera do

pesquisador uma atitude de médico: que

exista na consulta um espaço para

conversar. Um paciente não procura um

estudo para ser voluntário. Ele não vai até lá

para doar órgãos ou seu corpo para a

ciência. Ele aparece como enfermo

procurando uma alternativa para a sua

doença.

Idéia Central Provisória - S 03: Obrigações são muitas para com o

voluntário, direitos na condução da pesquisa.

Expressão-chave provisória - S 03: Obrigações são várias: ser

responsável pelo que acontece na

pesquisa, garantir que o estudo

transcorra da forma planejada, respeitar o

sigilo profissional, manter o cuidado com

os papéis e informações e prestar

assistência no caso da ocorrência de um

evento mais sério na pesquisa. Quanto

aos direitos, o pesquisador pode adequar

os critérios de inclusão àquilo que o

profissional acha mais real, ou seja, o

92

médico tem como direcionar o estudo da

pesquisa para o que acha melhor.

Idéia Central Provisória - S 04: Obrigações para com o voluntário e

direitos na condução de busca de informações.

Expressão-chave provisória - S 4: (...) me sinto com o dever de, de

alguma forma, essa pesquisa evitar mal

estar, e devo dar suporte à pessoa

voluntária, não necessariamente enquanto

pesquisadora. Se eu não posso dar esse

suporte, que a pessoa tenha em outro lugar.

Que ela tenha claro qual é o momento que

deve falar, (e é sempre um momento de

reflexão para o participante). Que o sujeito

da pesquisa reflita sobre o fato de não ter

tido tempo para pensar sobre essas

questões e que o processo de pesquisa em

si estimule as lembranças que as pessoas

gostariam de manter. Em discussões, por

exemplo, sobre gravidez e AIDS, o sujeito

resolve que por conta dessa discussão eu

não quero mais ter relações sexuais com o

parceiro. Embora eu possa admitir que

exista essa discussão, eu não me considero

com o direito de perguntar isso para o

voluntário. Eu prefiro perder essa

informação. Agora, direitos... eu acho que

eu tenho direitos quando está acordado

na medida em que aquela relação vai

acontecer , eu tenho direitos por exemplo

de buscar informações que eu necessito

da forma que eu acho mais correta,

93

consistente, até o limite que eu tenho que

perceber que é o limite do entrevistado.

Só me ocorre agora isso, eu consigo dizer o

que eu não tenho direito.

Idéia Central Provisória - S 05: Obrigações frente aos voluntários de

informações pré e pós-pesquisa, direito de ter as condições necessárias

para realização da pesquisa dentro da instituição.

Expressão-chave provisória - S 05: Direitos? Engraçado. Na

verdade, dentro de uma universidade, em

termos de direito, ele tem que ter o direito

de condições mínimas para fazer uma

pesquisa ou então o direito de saber que

não tem condições; na verdade, todo

mundo quer que você faça pesquisa, mas na

hora de te dar as condições, ninguém quer.

(...). Em relação a deveres o contrário

também é verdade, se você se propõe a

fazer um trabalho dentro de uma

pesquisa e se compromete com o

paciente e não devolve nada, não publica,

não faz com que aquele conhecimento

chegue até as pessoas que realmente

necessitam. Isso é uma obrigação de

quem faz pesquisa. E que esse estudo seja

bem feito, bem estruturado (...). Têm que

realmente garantir que não tenha nenhum

dano decorrente da pesquisa, e se houver

danos isso tem que estar muito claro e se

responsabilizar por esse dano.

94

Idéia Central Provisória - S 06: O único direito é de exigir que o

voluntário tome a medicação corretamente e o dever de acompanhá-lo na

pesquisa.

Expressão-chave provisória - S 06: Direitos? Direitos não tem quase

nenhum. Direitos não, ele tem mais

obrigação do que direito, na minha

concepção, ele tem... porque... qual direito?

(...) muito direito. Ele tem o direito de dizer

para cara, que acho que o único direito que

a gente tem, lembrando das pesquisas,

quando você tem um paciente,

principalmente paciente que está falido, se

tem droga nova e você viu os trabalhos

mostrando que está funcionando, direito de

brigar com ele quando ele não está tomando

direito o remédio, certo? E os deveres,

primeiro o dever de explicar pra ele, dever

de entender o protocolo, primeiro de

tudo; segundo, o dever de seguir esse

paciente corretamente, de acompanhar

como é que está evoluindo, o dever de, caso

você tenha efeitos que não estavam escritos

antes, comunicar rapidamente, quer dizer, e

o dever de dar suporte a esse paciente.

Idéia Central Provisória - S 07: Obrigações na condução da pesquisa

e direitos são poucos, no resultado e na decisão de continuidade do paciente

na pesquisa.

Expressão-chave provisória - S 07: Quais são os direitos e as

obrigações? Quer dizer, da parte da

obrigação, eu acho que é aquilo que está

escrito em toda legislação, quer dizer,

95

primeiro lugar, quer dizer, a informação pro

paciente (...). Uma outra obrigação da parte

do investigador é informar o quê está

acontecendo com essa pesquisa que ele

está participando, eu acho que isso foi um

ganho grande que nós tivemos e uma

obrigação que a gente passou a cumprir (...).

Uma outra obrigação que eu acho que a

gente tem é informar o quê é ruim, não só o

quê é bom, então informar que aconteceu

um óbito, dando a oportunidade pro

voluntário de até sair do estudo, eu acho que

isso foi um ganho qualitativo que nós

trouxemos, porque de uma maneira geral eu

não quero dar má notícia, eu quero dar boa

notícia (...). Direitos do pesquisador? Porque

o pesquisador, quê que ele tem de direito

dentro dessa coisa? Ele tem direito a um

resultado final daquilo que ele está

fazendo, ele tem o direito sobre (...), quer

dizer, ele tem o direito não, ele tem a

possibilidade de decidir a continuação ou

não do voluntário, ou ele tem a possibilidade

de discutir esse tipo de coisa; fora isso, o

investigador não tem direito nenhum.

Idéia Central Provisória - S 08: As obrigações são rotineiras, direitos

só o de cobrar a presença do paciente.

Expressão-chave provisória - S 08: Acho que não tem direito, eu

acho que o pesquisador tem as mesmas

obrigações de sempre, talvez até alguma

obrigação a mais, que é: mais do que nunca

96

ele tem que manter o sujeito atualizado de

tudo quê está acontecendo, de todas as

informações que possam influencia-lo na

decisão de permanecer ou não no estudo,

além de todas as obrigações inerentes à

relação médico/paciente (...). Agora, direito?

Eu acho que a única coisa que ele tem o

direito, não é um direito adicional, é o direito

de cobrar a presença, falar (...). Então não

acho que o âmbito da pesquisa dê direitos

pro pesquisador.

4.7. Ética como ferramenta facilitadora na participação de voluntários

em pesquisas

Idéia Central Provisória - S 01: A discussão ética faz toda a diferença

e facilita a participação do voluntário na pesquisa.

Expressão-chave provisória -S 01: Com certeza. Porque é isso que

faz com que o indivíduo esteja ciente que

ele não é uma cobaia, que está

participando ativamente de uma

pesquisa; isso faz toda a diferença

porque, quando o indivíduo assume, foi

sua decisão participar da pesquisa, está

implicitamente assumindo sua

responsabilidade dentro da pesquisa.

Para os pesquisadores isso é o melhor que

pode acontecer, porque isso significa que ele

vai fazer o protocolo, ele vai colaborar com o

pesquisador em todos os pontos que lhe são

pedidos durante o protocolo. Então, com

certeza, isso é o melhor que pode acontecer.

97

Isso de fato é um objetivo do Termo de

Consentimento.

Idéia Central Provisória - S 02: Pode facilitar ou não, depende do

entendimento do voluntário.

Expressão-chave provisória - S 02: Até certo ponto sim, porque o

voluntário pode se sentir mais protegido,

respeitado e supervisionado. É comum

para o voluntário o sentimento de estar

sendo usado e, por isso, o Termo de

Consentimento se torna o seu documento

oficial, a sua defesa. Por outro lado, talvez

dificulte a vida do paciente porque não é um

contrato “branco”, ou seja, de fácil

compreensão. Têm pessoas que ficam

atemorizadas e vão embora, se

recusando a participar do estudo.

Idéia Central Provisória - S 03: Facilita em todos os sentidos.

Expressão-chave provisória - S 03: A ética é o primeiro ponto do

Termo de Consentimento. É a criação

desse vínculo que o médico estabelece

com a pessoa durante o atendimento

médico. Nessa primeira hora é que você

pauta e coloca como vai ser o

relacionamento com o paciente. Portanto, eu

acho que a ética facilita sim a pesquisa, em

todos os sentidos.

Idéia Central Provisória - S 04: Pode facilitar ou não, depende da

discussão entre pesquisador e voluntário.

98

Expressão-chave provisória - S 4: Se esse processo de discussão é

de fato debatido com o voluntário, pode até

prejudicar, se você pensar em metas de

recrutamento ele pode até prejudicar

essas metas. Mas por outro lado, essas

discussões garantem pelo menos que

você tenha uma pessoa que está sabendo

o que está acontecendo no estudo.

Sabendo que pode haver um desconforto

físico e mental e que, por mais cuidado que

se tome, essa informação pode vazar e pode

trazer algum tipo de problema para o

voluntário. Eu acho que você pode

estabelecer um laço de confiança nesse

processo. Se você entende como processo a

ética na pesquisa, se existe esse

consentimento formado como um

instrumento de formação de um laço de

confiança, eu acho que ele te ajuda.

Idéia Central Provisória - S 05: A discussão facilita, principalmente

com voluntários na área de HIV/Aids.

Expressão-chave provisória - S O5: Sim, porque o voluntário, quando

não entende a importância do estudo, (...).

Acho que em HIV/Aids as coisas já

ficaram muito mais evoluídas, porque

muitos pacientes já participaram de

muitas pesquisas, então às vezes falar

em Termo de Consentimento já é algo

mais fácil, então esse conhecimento

facilita sim.

99

Idéia Central Provisória - S 06: Sim, todas as discussões que tornam

a pesquisas mais claras são importantes.

Expressão-chave provisória - S 06: Olha, eu acho que toda

discussão que esclareça o voluntário vai

ajudar a pesquisa (...), então eu acho que

todas as leis que vieram, todos os

procedimentos que vieram pra

normatizar, pra tornar a pesquisa mais

clara pro voluntário, pro pesquisador, são

bem-vindas, mas burocracia eu acho

complicado, são coisas diferentes.

Idéia Central Provisória - S 07: Sim, ajuda, também a desfazer o

estigma de cobaia.

Expressão-chave provisória - S 07: Com certeza, porque é muito

mais simples, porque à medida que ele

tem uma discussão dessa parte ética,

qual que é o papel dele, qual é o papel do

investigador, qual é o papel das

Comissões de Ética em Pesquisa e tudo

mais, eu acho que isso tira um pouco aquele

caráter também do... “Eu vou ser cobaia”,

não é isso, não é essa palavra que é

utilizada? (...). Então eu acho que à medida

que você tem a discussão ética e vai por aí à

fora, eu acho que você melhora muito e tira

um pouco esse estigma que tem, da

pesquisa, e esse estigma não é só do

voluntário, você tem muito médico que

acaba tendo posicionamento desta forma, de

que você vai virar um cobaia dentro da

coisa.

100

Idéia Central Provisória - S 08: Não facilita muito.

Expressão-chave provisória - S 08: Sabe que eu acho que não?

Acho que não altera, eu acho que não altera,

e eu tenho uma amostra muito viciada,

porque eu não tenho estudos que o paciente

me é novo no momento que ele entra pra

pesquisa, todas as pesquisas que eu faço

são com os pacientes que seguem a gente

(...). Eu acho que muito mais do que

confiar num documento, numa resolução,

num Comitê de Ética que tem por trás

numa instituição, ele está confiando nos

profissionais que já o seguem (...), mas na

prática eu acho que essa facilitação não

ocorre não.

4.8. A garantia de direitos dos pesquisadores e dos voluntários

Idéia Central Provisória - S 01: Enquanto instrumento legal, não.

Expressão-chave provisória - S 01: Enquanto relação, eu acho que

a proteção, muitos pesquisadores

acreditam que é uma proteção bastante

relativa. No sentido seguinte: você tem de

fazer o termo de consentimento. E isso é

uma obrigação legal. Mas, se você faz uma

coisa diferente do que está escrito no

protocolo que você foi autorizado, você pode

igualmente ser processado por má prática.

Têm alguns pesquisadores que acham que

ter um consentimento assinado numa

patente é para fazer o que eles quiserem. E

101

isso realmente não é assim (...). Acho que

isso não é um papel que dá licença, ou

protege, ou obriga ninguém para nenhuma

das coisas (...). E a obrigação do paciente,

ou do voluntário no caso, é uma obrigação

da qual ele não tem nenhum empecilho legal

nem moral para decidir não cumprir. É

simplesmente para documentar um

procedimento. É uma ferramenta que você

utiliza, como pode utilizar muitas outras, para

poder executar esse procedimento, na

medida em que nesse termo existe

informação para poder passar informações

sobre o protocolo, mas não vejo mais

implicações além disso.

Idéia Central Provisória - S 02: Pode proteger muito mais o

pesquisador.

Expressão-chave provisória - S 02: Do ponto de vista jurídico,

acho que sim. Em uma situação de

acusação perante júri, todo o estudo

clínico pode ser considerado como uma

experiência cujo resultado tenha sido

visível. Por isso que existe a

obrigatoriedade jurídica do Termo de

Consentimento. Por isso que nenhum

laboratório faz testes ou ensaios sem o

documento, que é usado a título de

proteção, como uma defesa. O paciente

morreu, mas ele assinou antes. Ficou mal,

teve um problema, acabou tendo efeitos

colaterais, mas se trata de uma experiência

102

que segue uma norma. Isso foi muito falado

dez anos atrás, quando houve a aplicação

do primeiro coquetel nos Estados Unidos,

por volta de 1994. Todo mundo criticou

porque o coquetel começou a ser aplicado

antes de seis meses em pacientes com

infecção primária de HIV. Dois ou três anos

depois, eu participei de um congresso em

que o caso foi debatido. Além de queimar as

alternativas de tratamento do grupo, houve a

produção de vírus mutantes. Mas o

responsável pela pesquisa se defendeu,

garantindo que cada voluntário havia

assinado o Termo de Consentimento. Para o

paciente, às vezes o documento acaba

sendo um cheque em branco.

Idéia Central Provisória - S 03: Não garante, mas serve como

orientação aos direitos.

Expressão-chave provisória - S 03: Garantir, não garante. O que o

termo faz é orientar sobre os direitos e

tentar o máximo possível fazer com que

eles não sejam atingidos. Teoricamente o

paciente tem o direito de parar a pesquisa,

isso é uma das coisas que o termo garante.

Mas o dever do médico é explicar,

esclarecer e ter uma base, um contrato que

garanta que o estudo não seja quebrado. É

tudo no nível da discussão, mas garantir,

não garante.

103

Idéia Central Provisória - S 04: Sim e não, depende do grau de

autonomia do voluntário.

Expressão-chave provisória - S 04: Sim e não. Acho que sim se

você tiver mecanismos que possam

monitorar a adesão da pessoa ao pacto

que foi estabelecido. Se houver

mecanismo de correção, reajuste de metas e

se houver mecanismos que garantam ao

voluntário eventuais prejuízos ocasionados

por questões previstas ou não previstas, vão

ser dadas, ou seja, se você tem suporte pra

isso; se não, acho que ele passa a ser um

mero... Enfim, eu quero dizer isso, se você

tem realmente suporte para dar ao

voluntário, em qualquer instância prevista ou

não prevista, que haja mecanismo que

possibilite isso. Senão, pode virar um termo

que é assinado e engavetado, a pessoa leva

pra casa. A gente tem uma população

brasileira que, em função de onde está

inserida, tem diferentes graus de autonomia

e de acesso a possibilidades de fazer com

que alguma coisa que tenha acontecido com

você tenha eco, eco político, eco na

instituição. Acho mesmo que ele [TCLE] é

um instrumento que formaliza um pacto.

Idéia Central Provisória - S 05: Para o voluntário garante muito mais.

Expressão-chave provisória - S 05: O direito que o pesquisador tem,

fica estranho, porque o voluntário, no Termo

de Consentimento, fica claro que ele pode

sair da pesquisa, então não pode garantir

104

que ele fique na pesquisa. Se ele quiser sair

você vai ficar com um a menos, mesmo...

Então isso não é um direito do pesquisador

(...). Garante o direito do voluntário na

medida que formaliza e entende os

direitos. Na hora que o pesquisador fizer

o Termo, ele também entende (...). Muitas

vezes o Termo vai e volta do Comitê de

Ética, e não são coisas bobas, são

apontamentos em que vai ao encontro do

interesse do paciente, como frases em que o

paciente não vai entender, esquecimento de

detalhes importante (...). O paciente muitas

vezes não quer saber, mas quer saber

quantos ml vai tirar de sangue.

Idéia Central Provisória - S 06: Depende da elaboração do Termo de

Consentimento.

Expressão-chave provisória - S 06: Depende do consentimento; se

ele é como deve ser feito, sim, se ele segue

as normas (...), se ele segue as normas

que devem ser feitas, quando se coloca

tudo claro, todos os deveres, obrigações,

tudo que diz como deve ser feito, eu acho

que sim. O problema é que nem todo

Consentimento Livre e Esclarecido é feito

de acordo como deve ser feito.

Idéia Central Provisória - S 07: Para o voluntário não garante, a

burocratização garante muito mais os direitos do pesquisador.

Expressão-chave provisória - S 07: Eu acho que nessa tentativa de

garantir cada vez mais de que nessa relação

105

do pesquisador com o voluntário você... me

processe menos, o Termo de

Consentimento foi se burocratizando e se

alongando de uma maneira absurda (...).

Então eu acho que, de uma maneira geral,

ele não garante não, eu acho que ele não

é uma garantia nem pro pesquisador nem

pro... mas eu não conheço nenhuma outra

fórmula melhor (...); eu acho que nós temos

que transformar o Termo de Consentimento

num pacto mais simples, e eu acho que

muito desse negócio do Termo também veio

um pouco dessa indústria do processo, e

muito a idéia americana (...). Agora, nessas

mesmas condições, você está garantindo

algumas coisas, mais, eu acho, do

pesquisador do que do voluntário

propriamente dito (...), então eu acho que o

Termo de Consentimento ele não garante

nada, vira um contrato burocrático, não um

contrato de bilateralidade que seria o ideal

do Termo de Consentimento.

Idéia Central Provisória - S 08: Não garante direitos a nenhum dos

dois, a reflexão ética é muito mais ampla que direitos legais.

Expressão-chave provisória - S 08: Não, porque eu acho que na

essência, nem a 196 é lei, e eu acho

interessante que não seja lei, porque lei e

ética são duas coisas complicadas, são duas

coisas que não são... a ética não é estática,

a ética é muito do momento que está se

vivendo, então... e as leis são negócios

106

muito rígidos e demorados, então (...) eu

acho que ele não garante direito a

nenhum dos dois, porque esses direitos eu

acho que acabam sendo regidos por normas

até superiores, em termos legislativos, do

que a Resolução 196 ou suas

complementares.

4.9. Ser um profissional que trabalha com pesquisas em seres

humanos

Idéia Central Provisória - S 01: É um profissional normal, como

qualquer outro.

Expressão-chave provisória - S 01: Essa é uma pergunta que,

digamos, tem a ver muito com a percepção

pessoal que cada um tem sobre si mesmo.

Eu acho, pessoalmente, que ser

pesquisador é um trabalho tão digno

como qualquer outro e merece respeito

como qualquer outro. Como merece uma

secretária, como merece um porteiro, como

merece uma pessoa que atende o caixa na

loja (...). Eu parto da obrigação normal que

tem um pesquisador. Mas eu não acho que

ser pesquisador seja uma coisa melhor ou

pior do que qualquer outra coisa. É minha

profissão, só. Um trabalho como qualquer

um, que você tem que exercer com

honestidade.

107

Idéia Central Provisória - S 03: Um profissional buscando novos

aprendizados.

Expressão-chave provisória S 03: Isso faz parte da profissão. Você

[médico] precisa de novas informações, de

uma estruturação melhor do que é feito. Da

forma que a medicina é entendida hoje em

dia, não tem como não existir pesquisa.

Acho que isso tem que ser feito com a maior

ética possível. E, é claro, fica muito melhor

atuar de forma estruturada. Em geral, a

pesquisa é muito importante para o

conhecimento e pessoalmente é muito

bom, porque isso faz parte mesmo da

medicina, do sentimento de tentar

melhorar o que você faz. Em algum

momento você vai ter que passar por essa

avaliação das pessoas.

Idéia Central Provisória - S 04: Uma profissional buscando novos

aprendizados e comprometida com os desdobramentos da pesquisa.

Expressão-chave provisória - S 04: Eu me sinto mais

comprometida com os desdobramentos

da pesquisa. No sentido de, primeiro, de

não deixar as pessoas, após o termino da

pesquisa, sem acesso, que durante

processo de um, dois ou mais anos, tiveram.

Por outro lado, tendo clareza se

adequadamente foi comprometido com o

voluntário, como um processo de

aprendizado tanto para nós pesquisadores

como para os voluntários.

108

Idéia Central Provisória - S 05: Se fizer as coisas corretas, é um

profissional comum.

Expressão-chave provisória - S 05: Eu acho engraçado o tom

formal, porque eu não acho isso

dramático. Eu acho que se você fizer as

coisas da melhor maneira; agora, se é mal

feito, se é induzido, por exemplo: esse

protocolo tem que concluir em seis meses

para inclusão de voluntários, aí é aquela

correria, aquele desespero, se incluiu,

incluiu, se não, tudo bem, (...); concorrência

é pior ainda (...). Você deixa de ser alguém

que está convidando para ser alguém que

quer induzir a pessoa a entrar, nesse

momento participar de pesquisas em seres

humanos é horrível, porque eu já profissional

induzindo (...). Mas isso, dentro da nossa

área [HIV] é mais tranqüilo, até porque a

sociedade esta mais organizada.

Idéia Central Provisória - S 06: Com muita tranqüilidade.

Expressão-chave provisória - S 06: Muito tranqüila, muito tranqüila e

muito feliz, porque eu acho que é uma

chance que você tem de, especialmente na

área que a gente trabalha, que é HIV, e você

sabe que você tem à mão, tem uma vida útil

que é a medicação, então sempre

medicações, que obviamente, que tenham

todo (...) nós estamos falando sempre de

uma coisa correta.

Idéia Central Provisória - S 07: Aprendizado profissional.

109

Expressão-chave provisória - S 07: Eu acho que eu me sinto muito

bem, (...) eu acho que foi um aprendizado

muito grande, foi um avanço muito

significativo, (...) pra mim foi um grande

crescimento, a pesquisa.

Idéia Central Provisória - S 08: Um profissional completo pode

combinar compensação financeira com crescimento profissional.

Expressão-chave provisória - S 08: Ah, eu me sinto super bem, eu

me sinto fazendo o quê eu sempre quis,

então a área de pesquisa pra mim ela é

tão fascinante quanto a da assistência, e

especialmente quando eu consigo associar

as duas coisas, pra mim era o quê eu

sempre quis. É óbvio que tem pesquisa

que te traz mais retorno profissional, e

têm outras que nem tanto, e incrível,

confissão, as que trazem maior retorno

financeiro são as que trazem menor

retorno profissional, porque muitas vezes,

quando a gente faz pesquisa com indústria

farmacêutica, por exemplo, a gente tem

muito pouco acesso à criação do projeto, à

adaptação do projeto (...), então esse tipo de

estudo, que é o mais comum da indústria

farmacêutica, que já traz tudo pronto e divide

todos os resultados, esse estudo traz

menos, apesar de que ele traz maior

compensação financeira, ele traz menos

compensação profissional (...) Mas têm

outros estudos que você passa anos

elaborando o estudo, você passa meses

110

discutindo cada procedimento que vai ser

feito, cada objetivo, e você tem reuniões

periódicas, aonde você vai mostrando os

resultados preliminares pra todo mundo,

você vai discutindo, você vai tendo (...).

4.10. O pesquisador trazendo a discussão do TCLE à tona

Idéia Central Provisória - S 01: O papel (TCLE) fisicamente não, mas

os temas contidos nele, sim.

Expressão-chave provisória - S 01: Eu tinha comentado antes que o

termo, o documento físico, eu considero

como uma parte de um procedimento. E

você utiliza muitas coisas para esse

procedimento e informar ao paciente, dentre

outras coisas que você tem que utilizar,

obviamente varia de protocolo para

protocolo. Existem protocolos em que você

vai ver o indivíduo só uma vez (colheu uma

amostra e nada mais). Existem

procedimentos nos quais você tem de

acompanhar o indivíduo ao longo do tempo.

Nesse caso em que você tem de

acompanhar o indivíduo ao longo do tempo,

é sempre interessante estar colocando

novamente todos os pontos mais

importantes em relação ao que significa

participar do protocolo. Então, por exemplo,

participar do protocolo vai significar para

você estar vindo com esta freqüência X ou

Y. Dessa forma, colocando isso outra vez

sobre a mesa, sobre a discussão, o

111

voluntário vai ter a oportunidade de reavaliar

sua posição. Estar no protocolo significa, por

exemplo, que você, a cada vez que toma um

medicamento, eu gostaria que comentasse

comigo. Isso novamente é botar outra vez

sobre a mesa. Isso acontece em todas as

consultas de acompanhamento, ou deveria

estar acontecendo. Então, de alguma

forma, pode ser que o papel fisicamente

do termo não volte à mesa. Mas os temas

do papel sempre estão constantes. E

sempre vão estar constantes até o final

do acompanhamento.

Idéia Central Provisória - S 02: Somente enquanto instrumento

necessário para ingressar na pesquisa.

Expressão-chave provisória - S 02: As pesquisas clínicas evoluíram

de tal forma que o Termo de Consentimento

é hoje irreversível. Sem ele ninguém

consegue fazer uma pesquisa e compará-la

com outro estudo. Se você aplica um

medicamento, o paciente fica bom em

comparação a outro medicamento que era

anteriormente usado. O Termo de

Consentimento obriga a ter o parâmetro

de comparação com outros estudos

éticos corretos.

Idéia Central Provisória - S 03: Geralmente não, só quando o

voluntário traz.

Expressão-chave provisória - S 03: Isso é normal, principalmente em

relação aos direitos do paciente poder sair

112

quando quiser. O voluntário, por exemplo,

contrai alguma coisa e comenta que não

está se sentindo bem, você acha que ele se

lembra do Termo de Consentimento que ele

assinou? Na prática esse contrato

normalmente não é lembrado. Os problemas

são muitos maiores do que o potencial risco

de quebrar o Termo. Eu geralmente não

retomo assuntos relativos ao Termo, mas

se algum item é lembrado, normalmente é

feito pelo voluntário.

Idéia Central Provisória - S 05: Não é comum.

Expressão-chave provisória - S 5: Não é comum, mas já vi

acontecer. Já vi um médico mudar um termo

porque ele fez um termo que impedia

qualquer pessoa de participar da pesquisa.

Porque o jeito que ele descreveu... Se eu

faço uma pesquisa com um procedimento

intervencionista como uma broncoscopia e

descrevo os detalhes da intervenção,

ninguém vai querer saber, então ele precisou

rever, porque o termo não explicava nada ao

paciente.

Idéia Central Provisória - S 06: Nunca foi necessário.

Expressão-chave provisória - S 06: Depois não. Nós nunca tivemos

situações em que isso tivesse que ser

discutido. Isso não quer dizer que amanhã

não tenha, e eu acho que a gente tem que

estar disponível e pronto pra discutir a

113

qualquer momento de novo o Termo de

Consentimento, quer dizer, (...).

Idéia Central Provisória - S 07: Como ferramenta explicativa da

pesquisa.

Expressão-chave provisória - S 07: Eu, assim, na verdade eu chego

a utilizar muitas vezes pra explicar o quê

que ele está fazendo na pesquisa, não o

Termo de Consentimento pelo Termo, mas

eu, até por uma particularidade minha, eu

volto à questão daquilo que ele assinou, ou

seja, daquilo que ele fez quando ele passou

a optar a participar da pesquisa, isso é uma

coisa bem importante. Principalmente nos

estudos que você compara o novo com o

quê existe (...,) o Termo de Consentimento

volta, porque foi aquilo, você não lê a

pesquisa, o voluntário não lê a pesquisa, ele

lê o Termo de Consentimento, que é a única

oportunidade que ele tem de entender o quê

que está sendo feito com ele, então... e esse

Termo volta, mais por mim e menos pelo

voluntário.

Idéia Central Provisória - S 08: Não, só quando há mudança na

pesquisa.

Expressão-chave provisória - S 08: Não acontece, discussão (...) é

isso que eu falo, nem o sujeito traz o Termo

de Consentimento nem a gente; quando a

gente vai conversar sobre Termo de

Consentimento é porque houve uma

emenda e é necessário, e o patrocinador

114

exige que seja coletado um novo Termo de

Consentimento e a gente fala.

4.11. O TCLE é um instrumento necessário?

Idéia Central Provisória - S 01: O termo não pode ser encarado

simplesmente como um papel burocrático.

Expressão-chave provisória -S 01: Acho que temos de começar a

entender algumas coisas melhor, sobre o

que é, qual é o significado do TCLE

dentro de um procedimento, de um

consentimento. Às vezes, focar tanto num

papelzinho... é simplesmente uma parte

do procedimento. Eu realmente acho que o

papel é interessante. Inclusive eu acho que

poderia ter outras alternativas. Estou

discutindo agora como se faz um TC virtual.

Como se pode fazer, por exemplo, TC

audiovisuais. Existem outras formas de fazer

isso, que deveria ser factível, mas que a

legislação ainda é muito rígida nesse sentido

de focar muito no papelzinho. Acho que a

legislação deveria ser um pouco mais... mais

do que a legislação, a educação dos

pesquisadores deveria ser mais focada em

entender que o papelzinho é simplesmente

parte de um procedimento. Isso é o que

acontece: quando você foca num

papelzinho, o pesquisador simplesmente

procura a assinatura do cara e nada mais,

esquece o resto, (...).

115

Idéia Central Provisória - S 05: O TCLE pode ser dispensável, mas

tem que ser uma discussão caso a caso.

Expressão-chave provisória - S 05: Em outra pergunta eu falei do

prontuário No Brasil, para ter acesso ao

prontuário tem que ter uma autorização do

paciente, em outros paises não, como na

França, tudo que está em arquivo pode ser

acessado, inclusive o prontuário... Se você

for pensar em termos da pesquisa, não vai

ter influencia nenhuma, são apenas dados

de sexo, idade, raça, etc. Então, talvez eu

não tenha na minha cabeça muito claro,

porque, até se você for pesar no caso do

prontuário, tem situações em que é

complicado pessoas que não são do

serviço ter acesso as certas informações,

eu acho que teria que discutir caso a

caso.

Idéia Central Provisória - S 06: É importante, para assegurar os

direitos do voluntário.

Expressão-chave provisória - S 06: Eu acho que é. Esclarece o

voluntário – eu estou falando sempre de um

consentimento completo – esclarece o

voluntário sobre o quê ele vai participar,

quais são os seus direitos totais, quais são

os prováveis benefícios, quais são os

efeitos, eu já falei, (...) de qualquer forma, eu

acho que tem que ter algum documento

que assegure ao voluntário que,

independente da minha presença ou da

116

presença de quem quer que seja, aquilo vai

ser seguido daquela forma.

Idéia Central Provisória - S 07: Sim, extremamente necessário,

porém a burocracia em torno fez perder o sentido original.

Expressão-chave provisória - S 07: Atualmente eu acho que é

inquestionável a necessidade dele, eu não

sei se é esse Termo de Consentimento que

nós estamos tendo atualmente (...). Então eu

acho que o Termo de Consentimento ele é

fundamental, mas todas essas nuances que

foram sendo acopladas, acopladas,

acopladas, tornaram o Termo de

Consentimento uma bobagem, tornaram um

instrumento não pro fim que ele se

destinava, de ver quais são os meus direitos,

quais são os meus deveres enquanto

voluntário, propriamente dito, e passou a ser

maçante, ruim.

Idéia Central Provisória S 08: É necessário mostra que houve alguma

discussão.

Expressão-chave provisória - S 08: Eu acho que é necessário

justamente por isso, porque ele é, na

menor das hipóteses, na mais primária

hipótese, ele é uma documentação de que

houve alguma discussão entre as partes

sobre o estudo, então isso eu acho que é

indispensável.

4.12. A cooperação estrangeira e suas diversas faces

117

Idéia Central Provisória - S 03: Importante, porque tem acesso a

informações e medicamentos não disponíveis no país.

Expressão-chave provisória - S 03: Existe um interesse grande que é

financeiro e interesses pessoais daqueles

que estão participando. Acredito que é

importante a colaboração de outras fontes.

São dois benefícios principais, um é

financeiro, no sentido de estar sendo

beneficiado por um organismo

internacional e o segundo é o acesso que

você acaba tendo de experiência com

medicamentos que demoram um tempo

para estar na rede. Isso muda seu

entendimento da doença.

Idéia Central provisória - S 04: Depende, existem pesquisas que

realmente há cooperação e troca de experiência, como há pesquisas onde o

pesquisador de fora somente serve como supervisor de campo.

Expressão-chave provisória - S 04: Dependo do estudo, acho que

não são todos iguais, eu não padronizaria

todos não. Tem uma coisa chamada

multicêntrico, que são definidos, que

foram definidos fora do país, como é

linha de estudos da industria

farmacêutica, que é um modelo, onde já

vem tudo definido, e na verdade, quem

está no campo eu não considero

pesquisador, mas como pessoas que são

entrevistadores, ou são supervisores de

campo, que a figura do pesquisador é de

alguém que tem autoria com relação à

pesquisa, alguém que pensa a pesquisa,

118

que pensa a metodologia, que analisa a

pesquisa, isso para mim é pesquisador. A

pesquisa que indústria farmacêutica hoje

nos coloca é na verdade uma contratação

de pessoas para executar o campo.

Existe um outro tipo de pesquisa que aí já

é uma pesquisa multicêntrica, mais na

linha do OMS, onde é uma pesquisa em

que você vai ter um núcleo de pessoas,

um grupo de pessoas que estão

pensando a pesquisa. Outro tipo de

cooperação estrangeira é a cooperação

entre dois pesquisadores mesmo. Eu já

participei de pesquisas em parceria de

cooperação com o governo americano por,

exemplo, que é muito distinto do modelo de

pesquisas para vacinas (HVTN), dos

multicêntricos,ou seja, no HVTN, você está

formando uma rede de pesquisas que

precisam ir a campo concertadamente , com

uma metodologia com os mesmos

procedimentos, para você produzir

informações que são comparáveis.

Idéia Central Provisória - S 05: Depende da maturidade e dos

interesses das instituições envolvidas.

Expressão-chave provisória - S 05: Depende da maturidade da

relação com o órgão estrangeiro ou com a

universidade com outras universidades, ou

com indústria privada não necessariamente

fora do país... Nós começamos com o

HIV/AIDS... Essas pesquisas, a grande

119

maioria vem pronta e a gente não tem

interesse mais nesse tipo de pesquisa,

porque não traz benefícios diretos e muitas

vezes a gente aponta erros. Porque muitas

vezes você aponta erros importantes na

pesquisa e você não tem como mexer. Esse

tipo de pesquisa é de importância? Sim,

numa fase da vida, até pra você ver

estruturações de grandes estudos; muitas

vezes você tá com dinheiro escasso na

universidade e traz recursos, mas depois de

uma fase de amadurecimento isso já não é

mais importante. A não ser novas drogas,

nesse caso não é um beneficio acadêmico

nem de pesquisa, é um beneficio

assistencial. Então essas pesquisas que

vêm de balde não têm conteúdo

acadêmico nenhum, muitas vezes são

apenas marketing para entrar no

mercado.

Idéia Central Provisória - S 06: Depende da origem da pesquisa.

Expressão-chave provisória -S 06: Você tem coisas diferentes, você

tem trabalhos multicêntricos internacionais,

de algumas diferentes origens; se você falar

de laboratório, pesquisa de laboratório

privado, normalmente eles têm uma

equipe que formula essas pesquisas, te

mandam o papel, você lê e fala: Olha, isso

eu faço, isso eu não faço.

120

Idéia Central Provisória - S 07: Deve-se separar o tipo de cooperação

estrangeira, em cada uma delas existem vantagens e desvantagens.

Expressão-chave provisória - S 07: Eu acho que a gente tem que

separar o joio do trigo, eu acho que existem

duas coisas diferentes, eu acho que há...

vamos chamar assim, projetos

patrocinados versus projetos de

investigador; assim, os projetos

patrocinados eles são fundamentalmente

patrocinados pela iniciativa privada, ou

seja, pela indústria farmacêutica; além

disso, nós temos projetos patrocinados, por

exemplo, pelo FDA, a vacina, a pesquisa da

vacina é mais clássica, o HPTN (...). Eu leio

o projeto, concordo ou não concordo com

esse projeto, é factível no meu centro, não é

factível no meu centro, e vou ver o quê vai

dar, então a participação do investigador,

apesar do projeto vir pronto, (...).

Idéia Central Provisória - S 08: Na maioria das vezes é frustrante,

trabalhar em um estudo e não ter acesso ao processo, como mão de obra. O

retorno é muito mais financeiro.

Expressão-chave provisória - S 08: Ah, você sabe disso, você sabe

disso tão bem quanto eu, tem uma série de

estudos da indústria farmacêutica que vem o

pacote fechado (...). E aí o pesquisador

aceita ou não aceita (...). E aí você tem que

pesar prós e contras, e nessa análise de

risco e benefício você vai ver tudo: se é

interessante para o seu paciente ter essa

opção terapêutica, se é interessante pra

121

você fazer isso, na grande maioria das

vezes não é interessante senão pela parte

financeira, já vou adiantando, o altruísmo

muitas vezes não existe nessa situação, e

muitas vezes... Vamos falar, você está

falando de pesquisas com HIV e Aids, certo?

(...). É frustrante, mas está dentro lá do

geral. E às vezes vêm uns estudos que a

gente nem entra, tem proposta indecente, é

óbvio que tem proposta indecente, então eu

acho que, de uma maneira geral, pro cara

que é investigador, esses estudos que vêm

prontos eles são frustrantes, de uma

maneira geral, porque você (...) é muito ruim

às vezes você se sentir mera mão-de-obra

da indústria farmacêutica, sem a

possibilidade de alterar nada do curso

daquela pesquisa.

4.13. Os múltiplos interesses evolvendo diversos atores

Idéia Central Provisória - S 01: O Brasil precisa se adequar com os

interesses internacionais.

Expressão-chave provisória - S 01: Primeiro, porque a burocracia

do Brasil é absurda. E leva coisas a

alongar tempos que não precisariam ser

alongados. ... Eu vou comentar, por

exemplo, justamente a aprovação ética. Nos

países europeus, por exemplo, eles dizem

se um estudo vai ser realizado em cinco

locais diferentes do país europeu, por falar

na Bélgica, só um comitê precisa aprovar.

122

Os outros quatro não precisariam aprovar. O

que acontece aqui? Aqui você vai fazer uma

pesquisa em cinco locais, os cincos locais

têm que aprovar e ainda têm que esperar a

aprovação da CONEP. (...). E acontece que

no campo da pesquisa internacional, o

Brasil está competindo não contra o

vizinho. O centro de São Paulo não está

competindo contra o centro de Porto Alegre.

O que está competindo é o Brasil, como

país, contra a República Tcheca, contra a

Romênia, contra a Tailândia. E o que

termina acontecendo com isso? Menos

quantidade de recursos de pesquisa vem

para o Brasil, os medicamentos ou vacinas

que estão sendo desenvolvidos terminam

não levando em conta o padrão genético ou

as diferenças na história natural ou nos

micro-organismos, se estamos trabalhando

em um agente infeccioso. Há diferenças

locais que podem estar acontecendo no

Brasil. Em conclusão, o Brasil sai perdendo.

Então é muito mais fácil você ter uma

regulamentação clara, mas simples, ágil, que

permita a proteção, mas que não termine

atrapalhando. Então, por exemplo,

protocolos que têm multicêntricos, isso

tem acontecido. É um absurdo, porque eu

tenho que esperar até que todos os

centros corrijam o erro para que me

aprove o protocolo no meu centro, sendo

que meu centro não tinha o erro.

123

Obviamente isso nunca se envolveu na

opinião pública, inclusive porque são

informações confidenciais da indústria

farmacêutica, como se tomam essas

decisões, mas o que tem perdido o Brasil

tem sido inimaginável.

Idéia Central Provisória - S 03: Interesses existem e temos que

conviver com eles.

Expressão-chave provisória - S 03: Eu acho que em qualquer

situação você está lidando o interesse de

várias partes. Isso é rotina. Não vejo um

complô por trás da indústria. Acho que é o

momento de tentar cada vez mais nos

acostumarmos a isso. O mais importante é o

interesse que está no Termo de

Consentimento, garantindo indiretamente

que a pessoa não sofra nenhum dano, e não

só ela, também a instituição, a indústria e o

próprio pesquisador.

Idéia Central Provisória - S 04: Independente dos interesses, a

autonomia do pesquisador tem que prevalecer.

Expressão-chave provisória -S 4: Eu parto do pressuposto de que

não vale a pena trabalhar em uma

pesquisa em que eu não tenha autonomia

enquanto pesquisadora. É questão de

princípio não trabalhar, por exemplo, junto a

uma indústria farmacêutica onde o resultado

do estudo não pertence a mim enquanto

pesquisadora (pertence no sentido de que

eu possa dar o destino que eu considere

124

melhor). Um assunto delicado e pouco

debatido é o fato de que um dado de

pesquisa pode prejudicar determinados

segmentos da população que já são

discriminados. Se eu participo de um estudo

em que eu estou testando um medicamento

que não deu certo, devo tomar todas as

providências para que seja divulgado e para

que as pessoas prejudicadas com isso

sejam adequadamente indenizadas,

recebendo suporte médico e psicológico se

necessário.

Idéia Central Provisória - S 05: Uma vez que os interesses existem, é

necessário deixa-los claro, para que todos tenham ciência.

Expressão-chave provisória - S 05: Se você deixar claro para todo

mundo porquê cada um está

participando, é melhor maneira; até dentro

da equipe dos pesquisadores tem conflitos,

com relação à autoria do trabalho, quem faz

o quê, isso tem regras muito claras. Quando

tem alguém que pode estar ganhando um

resultado positivo na sua pesquisa, eu acho

que você tem que deixar claro para quem lê

o estudo, para deixar claro que o estudo

pode ter essa influencia (...).

Idéia Central Provisória - S 06: Não existem múltiplos interesses,

somente um, o do paciente.

Expressão-chave provisória - S 06: Não tem múltiplos interesses; o

pesquisador que trabalha seriamente só

existe um interesse, que é o do paciente,

125

ponto, certo? Qualquer outro interesse é

desprezível frente ao interesse do paciente

(...). Se me chega um protocolo de pesquisa,

pra mim a primeira coisa que eu vejo é: isso

é bom pro paciente?

Idéia Central Provisória - S 07: O conflito principal é o financeiro, que

deve ser monitorado pela sociedade civil.

Expressão-chave provisória - S 07: O grande conflito, na verdade,

é salvar uma vida versus ganhar dinheiro,

porque por um lado você tem um

interesse do investigador, em que você

tenha uma melhora da qualidade daquele

voluntário, então é muito gratificante pra um

médico, de uma maneira geral, poder ter

uma situação de melhora significativa, então

eu acho que o conflito aí se estabelece,

digamos, entre o voluntário, a sociedade de

uma maneira geral e o centro de pesquisa,

eles de uma maneira geral eles convergem

pra um mesmo... para uma mesma situação.

(...). O grande conflito que eu enxergo aí é a

questão monetária, esse eu acho que é o

grande conflito; como é que eu enxergo esse

conflito? Por um lado, existe uma coisa

que é óbvia: na hora que eu estou

participando de um projeto de pesquisa em

que a indústria farmacêutica patrocina, é

óbvio que a indústria farmacêutica

patrocina pra ter fins de lucro, lógico, ela

quer que o produto seja aprovado, ela quer

que ele seja comercializado (...). Então aí eu

126

acho que está o grande conflito nosso, eu

não vejo a indústria farmacêutica como

conflito, a sociedade civil só se beneficia,

agora, cabe à sociedade civil agir de todas

as formas pra fazer com que esse lucro

também possa reverter em benefício pra

população de uma maneira geral, isso que o

governo brasileiro fez, isso que a própria

Organização Mundial da Saúde está

fazendo, todas essas coisas que estão

sendo feitas de uma maneira geral.

Idéia Central Provisória - S 08: Interesses sempre vão existir, o

pesquisador vai ter que fazer um balanço entre todos.

Expressão-chave provisória - S 08: Ah, sempre balanceando tudo,

sempre tudo é analisado, sempre, porque

não adianta a indústria farmacêutica querer,

ou a gente querer um estudo pra uma

determinada população, na verdade o

interesse tem que ser de todo mundo, senão

a coisa não sai, porque não se faz pesquisa,

a gente não tem como fazer pesquisa neste

país com recursos próprios, aonde você

possa, por exemplo, excluir os interesses da

indústria farmacêutica, então não tem. É

óbvio que você vai ter os seus interesses e o

interesse dos sujeitos de pesquisa, e você

vai ter que balancear isso tudo, então

sempre a gente vai ter que analisar tudo,

todos esses interesses.

127

Capitulo V: O pesquisador falando

5. A voz dos pesquisadores no Discurso do Sujeito Coletivo

Nossa proposta neste capítulo é mostrar o discurso dos pesquisadores

em forma de Discurso do Sujeito Coletivo, depois de ter realizado as devidas

etapas metodológicas com objetivo de análise, no capítulo seguinte.

5.1. O inicio das discussões ética no país e na vida profissional dos

entrevistados

Idéia Central dos Sujeitos: Surgiram na década de 80, quando já

existiam algumas discussões, porém, com o advento da Aids e

posteriormente com a criação da CONEP, através da Resolução 196/96.

Discurso do Sujeito Coletivo: Foi com o advento da Aids que a

pesquisa tomou mais vulto, mas retomaria isso ao início da década de 80;

naquela época, todos os estudos que tinham sido feitos em relação aos

novos contraceptivos, queriam que fossem testados no Brasil e com a

pesquisa multicêntrica e fundamentalmente com a pesquisa clínica, quando

você passa a participar dos trials internacionais. Para uma regulamentação

formal se deu na década de 90 e na realização da Resolução 196, que fez

com que a ética esteja em acordos com a regulamentação internacional e

que estimulou a criação dos CEPs nas instituições. Somente nesta década

foi efetivamente configurado o regimento, o verdadeiro código de ética que

deveria ser seguido a partir de então pelos pesquisadores. De qualquer

forma é nessa época que as coisas começam a se estruturar. No começo

era muito complicado mesmo, apesar de haver a necessidade, não existia a

estruturação das instituições que coordenavam a pesquisa. Na verdade, a

questão surgiu antes da vida profissional, durante a graduação tem uma

disciplina de Medicina Legal que levanta a discussão de bioética e pesquisas

em seres humanos, ainda na graduação.

128

5.2. A importância das discussões éticas para pesquisas em seres

humanos

Idéia Central dos Sujeitos: A discussão é fundamental para

pesquisas com seres humanos, serve como limites entre interesses.

Discurso do Sujeito Coletivo: Primeiro é um compromisso médico,

porém o fato de você estar sendo apoiado por um comitê para poder

esclarecer como respeitar, não só a vontade individual, mas a vontade

coletiva de uma sociedade, permite que o pesquisador estabeleça um laço

de confiança, portanto, a ética é absolutamente fundamental numa

sociedade como a nossa, que visa o consumo em troca de popularidade,

poder e dinheiro, ou seja, tem que existir ética, tem que existir normas para

pesquisa. É um padrão importante de respeito em relação à pessoa que está

participando, você dá a possibilidade para ela entender o que está

acontecendo e impede que possa existir algo de proporção maior. A ética

impõe também limites políticos ao investigador, porque que muitas vezes

ele, numa situação limite, vê a ética na pesquisa como um processo que é

capaz de uniformizar, dar parâmetros, diretrizes que não sejam passíveis de

serem entendidas de formas diferentes em diferentes contextos, porque a

partir do momento em que o interesse científico do profissional é um, o do

sujeito de pesquisa pode ser outro. Entretanto, nós ainda temos um mundo

dividido entre cidadãos e não cidadãos, como na Grécia antiga, cidadãos

sãos os brancos, não cidadãos são os pobres, acamados, negros do

Terceiro Mundo. Por enquanto eu ainda acho que a ética está voltada para

os cidadãos, e muita gente ainda tá sem a proteção ética.

5.3. O entendimento do objetivo do TCLE, pelos profissionais

entrevistados

Idéia Central dos Sujeitos: Ferramenta de formalização e fiscalização

entre pesquisador e voluntário, que serve para informar sobre seus direitos,

129

riscos e benefícios, e permitir que o mesmo entenda a pesquisa para que

possa participar.

Discurso do Sujeito Coletivo: É preferível sempre falar de

procedimento de consentimento a falar em termo de consentimento, porque

o consentimento não é a assinatura de um papel. O termo de consentimento

é um procedimento no qual você está passando informação suficiente para o

indivíduo decidir se gostaria ou não gostaria de participar disso, sem que

isso signifique que a pesquisa, se ele aceitar, fosse moralmente boa ou se

ele recuse fosse moralmente ruim. É o momento de você pactuar as coisas,

o termo é um contrato, em que ambas as partes conhecem os riscos e os

benefícios, os direitos propriamente dito. É um instrumento que supervisiona,

que paira sobre a cabeça do médico, é o que garante que a experiência será

realizada dentro dos padrões éticos, esses que foram determinados na

década de 90. É um vínculo entre o pesquisador e o sujeito da pesquisa,

entretanto o termo deve passar as orientações referentes à pesquisa: quais

as compensações que a pessoa pode ter ao participar do estudo, é onde

você vai explicar, primeiro, quê pesquisa é essa, o quê que está utilizando,

qual a finalidade da pesquisa, para que tenha noção exata de qual o papel

de voluntário dentro da pesquisa. Serve para documentar uma negociação

entre partes (pesquisador/voluntário), um documento que deixa claro do que

se trata aquilo. Porém poderia ser classificado como um mal necessário, o

termo foi criado dentro de uma concepção que não é a nossa, e ele foi

desvirtualizado com o tempo, o termo de consentimento apenas formaliza,

porque ele não dá conta do que de verdade acontece no campo. Na

verdade, o termo tem que possibilitar que a pessoa que deseje ou não

participar entenda a pesquisa.

5.4. O entendimento do voluntário sobre a importância e a dimensão do

TCLE, segundo os pesquisadores

Idéia Central dos Sujeitos: Grande parte não entende, o termo em

sua maioria é muito complexo, a confiança no médico prevalece.

130

Discurso do Sujeito Coletivo: Se você der o papel pra ele, não; o

problema é achar a maneira de fazer esse procedimento de consentimento

de forma apropriada. Se você não está conseguindo, é porque você está

fazendo errado, uma dificuldade muito grande é que nós estamos utilizando

Termos de Consentimento extremamente burocráticos, então não entende

nem 10%, porque a terminologia é complexa. O paciente tem problema de

saúde e está psicologicamente fragilizado, na maioria das vezes ele não

está interessado nem em entender e nem em saber qual é a dimensão, até

mesmo porque tem grandes dificuldades de compreender o que ali está

escrito. As ações são baseadas muito mais na confiança, de uma forma não

tão técnica e normatizada; quanto mais complexa é a pesquisa, mais você

terá que estar investindo, se assegurando e criando formas alternativas (e

externas ao pesquisador) de avaliação do entendimento e do consentimento

comum. Quanto mais complexo, mais difícil é para o voluntário ter a real

dimensão de onde ele está se envolvendo, e na maioria das vezes não

entende.

5.5. O voluntário discute o TCLE pós-assinatura?

Idéia Central dos Sujeitos: Geralmente não, o termo é esquecido;

somente quando surge algum problema relacionado entre ele e a pesquisa.

Discurso do Sujeito Coletivo: Normalmente não traz, esquece; o que

é relativamente comum, a discussão mais freqüente que acontece durante a

execução dos estudos é a possibilidade dele se retirar do estudo, mas não

se discute o Termo de Consentimento. Entretanto, há vários tipos de

pacientes mais ou menos em condição de discutir o termo, normalmente as

pessoas acham que está havendo algum engano e que alguma coisa está

sendo feita de forma errada, isso eventualmente acontece, mas é muito raro,

esta é uma das distintas formas em que ele traz a questão da ética: quando,

por alguma razão impensada, a equipe de pesquisa comete algum deslize,

mas não é comum.

131

5.6. Percepção dos pesquisadores de seus direitos e obrigações

Idéia Central dos Sujeitos: Muitas obrigações éticas com relação ao

voluntário, direitos basicamente de ações que garantam a continuidade da

pesquisa.

Discurso do Sujeito Coletivo: Em relação à ética, o responsável

primário pela ética num protocolo é o pesquisador, sem dúvida; em alguns

casos a obrigação deveria se estender à publicação na comunidade. O

pesquisador também tem a obrigação de ser médico diante do seu paciente,

ser responsável pelo que acontece na pesquisa, garantir que o estudo

transcorra da forma planejada, respeitar o sigilo profissional, manter o

cuidado com os papéis e informações e prestar assistência no caso da

ocorrência de um evento mais sério na pesquisa; o dever de evitar o mal, de

dar suporte à pessoa voluntária, tem o dever de explicar pra ele, dever de

seguir esse paciente corretamente. Se você se propõe a fazer um trabalho

dentro de uma pesquisa e se compromete com o paciente e não devolve

nada, não publica, não faz com que aquele conhecimento chegue até as

pessoas que realmente necessitam, isso também é uma obrigação de quem

faz pesquisa, obrigação, além aquilo que está escrito em toda legislação, ou

seja, o pesquisador tem as mesmas obrigações de sempre.

Quanto aos direitos, o pesquisador pode adequar os critérios de

inclusão àquilo que o profissional acha mais real, ou seja, o médico tem

como direcionar o estudo da pesquisa para o que acha melhor, tem direito

ao resultado final daquilo que ele está fazendo; direitos, por exemplo, de

buscar informações necessárias da forma mais correta, consistente, até o

limite do entrevistado, o direito de cobrar a presença. Também direito de ter

condições mínimas para fazer uma pesquisa ou então o direito de saber que

não tem essas condições.

5.7. Ética como ferramenta facilitadora na participação de voluntários

em pesquisas

132

Idéia Central dos Sujeitos: A discussão ética facilita muito; em casos

como HIV/Aids, onde o voluntário já conhece o pesquisador, a confiança

prevalece.

Discurso do Sujeito Coletivo: Com certeza, porque é muito mais

simples, porque à medida que ele tem uma discussão dessa parte ética, qual

que é o papel dele, qual é o papel do investigador, qual é o papel das

Comissões de Ética em Pesquisa, isso que faz que o indivíduo esteja ciente

que ele não é uma cobaia, que está participando ativamente de uma

pesquisa; isso faz toda a diferença porque quando o indivíduo assume, foi

sua decisão participar da pesquisa, está implicitamente assumindo sua

responsabilidade dentro da pesquisa. Então até certo ponto, sim, porque o

voluntário pode se sentir mais protegido, respeitado e supervisionado. Têm

pessoas que ficam atemorizadas e vão embora, se recusando a participar do

estudo. A ética é o primeiro ponto do Termo de Consentimento, é a criação

desse vínculo que o médico estabelece com a pessoa durante o

atendimento médico. Se você pensar em metas de recrutamento, ele pode

até prejudicar essas metas. Mas, por outro lado, essas discussões garantem

pelo menos que você tenha uma pessoa que está sabendo o que está

acontecendo no estudo; todas as leis que vieram, todos os procedimentos

que vieram para normatizar, para tornar a pesquisa mais clara pro voluntário

e para o pesquisador, são bem-vindas. Em HIV/Aids as coisas já ficaram

muito mais evoluídas, porque muitos pacientes já participaram de muitas

pesquisas, então às vezes falar em Termo de Consentimento, já algo mais

fácil, esse conhecimento facilita, e muito mais do que confiar num

documento, numa resolução, num Comitê de Ética que tem por trás, numa

instituição, ele está confiando nos profissionais que já o seguem, neste caso

essa facilitação não ocorre.

5.8. A garantia de direitos dos pesquisadores e voluntários

133

Idéia Central dos Sujeitos: Pode proteger do ponto de vista jurídico,

mas na medida em que o termo foi se burocratizando, a proteção perde o

sentido para ambos os lados.

Discurso do Sujeito Coletivo: Enquanto relação há proteção, muitos

pesquisadores acreditam que é uma proteção bastante relativa. Do ponto de

vista jurídico, sim, quando se coloca tudo claro, todos os deveres e

obrigações, diz como deve ser feito, então garante o direito do voluntário na

medida que ele formaliza e entende os seus direitos. Porque em uma

situação de acusação perante júri, todo estudo clínico pode ser considerado

como uma experiência cujo resultado tenha sido visível. O Termo também

orienta sobre os direitos e tenta o máximo possível fazer com que eles não

sejam atingidos. Também como mecanismos que possam monitorar a

adesão da pessoa ao pacto que foi estabelecido. Na hora que o pesquisador

faz o Termo, ele também tem que entender. O problema é que nem todo

Consentimento Livre e Esclarecido é feito de acordo como deve ser feito.

Termo de Consentimento foi se burocratizando e se alongando de uma

maneira absurda, aí então de uma maneira geral ele não garante, ele não é

uma garantia de direito a nenhum dos dois.

5.9. Ser um profissional que trabalha com pesquisas em seres

humanos

Idéia Central dos Sujeitos: É um profissional comum, buscando

novos aprendizados e também retorno financeiro.

Discurso do Sujeito Coletivo: Ser pesquisador é um trabalho tão

digno como qualquer outro e merece respeito como qualquer outro, mas

também é um aprendizado muito grande. Em geral a pesquisa é muito

importante para o conhecimento, e pessoalmente é muito bom porque isso

faz parte mesmo da medicina, do sentimento de tentar melhorar o que você

faz. A área de pesquisa é tão fascinante quanto a da assistência, porque

também tem o comprometimento com os desdobramentos da pesquisa.

Entretanto, tem pesquisa que te traz mais retorno profissional, e têm outras

134

que nem tanto, e as que trazem maior retorno financeiro são as que trazem

menor retorno profissional.

5.10. O pesquisador trazendo a discussão do TCLE à tona

Idéia Central dos Sujeitos: Geralmente só quando há mudanças na

pesquisa ou quando se faz necessário explicar novamente a pesquisa, ou

então pelo próprio voluntário.

Discurso do Sujeito Coletivo: De alguma forma, pode ser que o papel

fisicamente do Termo não volte à mesa. Mas, os temas do papel sempre

estão constantes para explicar o quê que ele está fazendo na pesquisa,

esses sempre vão estar constantes até o final do acompanhamento, ou

então porque houve uma emenda e é necessário, então temos que estar

disponíveis e prontos para discutir a qualquer momento de novo o Termo de

Consentimento. O Termo de Consentimento obriga a ter o parâmetro de

comparação com outros estudos éticos corretos, e geralmente assuntos

relativos ao Termo retornam pelo voluntário.

5.11. O TCLE é um instrumento necessário?

Idéia Central dos Sujeitos: A necessidade é inquestionável,

entretanto é necessário discutir seu significado e seu uso caso a caso.

Discurso do Sujeito Coletivo: Atualmente é inquestionável a

necessidade dele, porém temos de começar a entender algumas coisas

melhor, sobre o que é, qual é o significado do TCLE dentro de um

procedimento, de um consentimento. Então se faz necessário, porque ele é,

na menor das hipóteses, na mais primária hipótese, ele é uma

documentação de que houve alguma discussão entre as partes sobre o

estudo, tem que ter algum documento que assegure ao voluntário.

Entretanto, talvez não seja muito claro, teria que discutir caso a caso.

5.12. A cooperação estrangeira e suas diversas faces

135

Idéia Central dos Sujeitos: Importante para acesso às informações e

medicações não disponíveis no país, porém a indústria farmacêutica privada

não possibilita a participação do profissional na elaboração da pesquisa; a

única vantagem na maioria das vezes é o retorno financeiro.

Discurso do Sujeito Coletivo: São dois benefícios principais: um é

financeiro, no sentido de estar sendo beneficiado por um organismo

internacional, e o segundo é o acesso que você acaba tendo de experiência

com medicamentos que demoram um tempo para estar na rede. Se você

falar de laboratório, pesquisa de laboratório privado, normalmente eles têm

uma equipe que formula essas pesquisas, e te mandam o papel. Mas

dependendo do estudo, não são todos iguais, não são todos padronizados,

tem uma coisa chamada multicêntrico, que são definidos fora do país, como

é linha de estudos da indústria farmacêutica, que é esse modelo aonde já

vem tudo definido. Então temos projetos patrocinados versus projetos de

investigador; os projetos patrocinados eles são fundamentalmente

patrocinados pela iniciativa privada, ou seja, pela indústria farmacêutica e na

verdade quem está no campo não é pesquisador, que é mera mão-de-obra

da indústria farmacêutica, sem a possibilidade de alterar nada do curso da

pesquisa, são entrevistadores, ou são supervisores de campo. A figura do

pesquisador é de alguém que tem autoria com relação à pesquisa, alguém

que pensa a pesquisa, que pensa a metodologia, que analisa a pesquisa,

isso é pesquisador. A pesquisa que a indústria farmacêutica hoje nos coloca

é, na verdade, uma contratação de pessoas para executar o campo, e na

grande maioria das vezes não é interessante senão pela parte financeira.

Então essas pesquisas que vêm de balde não têm conteúdo acadêmico

nenhum, muitas vezes são apenas marketing para entrar no mercado. Existe

um outro tipo de pesquisa que também é pesquisa multicêntrica, mais na

linha do OMS, onde é uma pesquisa em que você vai ter um núcleo de

pessoas, um grupo de pessoas que estão pensando a pesquisa.

5.13. Os múltiplos interesses evolvendo diversos atores

136

Idéia Central dos Sujeitos: Os interesses estão postos, então temos

que direcioná-los, sempre mantendo nossa autonomia.

Discurso do Sujeito Coletivo: A burocracia do Brasil é absurda, e

leva a alongar tempos que não precisariam ser alongados, Então, por

exemplo, protocolos que são multicêntricos, isso tem acontecido, temos que

esperar até que todos os centros corrijam o erro para que aprovem o

protocolo no centro, sendo que em nosso centro não tinha erro; na verdade,

em qualquer situação você está lidando com o interesse de várias partes.

Isso é rotina, mas para o pesquisador que trabalha seriamente só existe um

interesse, que é o do paciente, porém o grande conflito na verdade é salvar

vida versus ganhar dinheiro, porque por um lado você tem um interesse do

investigador, em que tenha uma melhora da qualidade de vida daquele

voluntário, e por um lado, existe uma coisa que é óbvia, a indústria

farmacêutica patrocina para ter fins de lucro, então você vai ter que

balancear isso tudo, agora não vale a pena trabalhar em uma pesquisa em

que não tem autonomia enquanto pesquisador. Por isso você tem que deixar

claro para todo mundo.

137

Capitulo VI - Resultados

Iniciamos este trabalho com objetivo de identificar a visão do

profissional sobre o TCLE que trabalha com pesquisas clínicas

medicamentosas e vacinas.

O Discurso do Sujeito Coletivo foi utilizado como ferramenta

metodológica para este fim.

Passamos agora aos resultados finais, fazendo uma análise sobre

cada um dos Discursos do Sujeito Coletivo, juntamente com o referencial

teórico utilizado neste trabalho.

Na primeira questão, quando questionados sobre o surgimento das

discussões éticas no Brasil e em suas vidas profissionais, todos os

entrevistados, sem exceção, fizeram referências à Resolução 196/96 do

Conselho Nacional de Saúde, embora nenhum dos entrevistados tenha feito

referências à regulamentação de 1981, portaria 16/81, Divisão de Vigilância

Sanitária de Medicamentos, Ministério da Saúde, sobre o Termo de

Conhecimento de Risco, já relatada neste trabalho. Podemos entender que a

Resolução 196/96 foi um marco para as discussões éticas no país, e com

um poder de expressão muito forte para os entrevistados e em suas vidas

profissional.

A discussão de ética em pesquisa no Brasil vem sendo ampliada nas

últimas décadas. Em 1985, foram traduzidas as “Diretrizes e Normas

Internacionais Propostas para a Pesquisa Biomédica em Seres Humanos”.

Estas diretrizes foram elaboradas pelo CIOMS/OMS37, em 1981 (Spinetti,

2001, p.33).

A Resolução 196/96 CNS/MS foi o marco na discussão ética no Brasil,

trouxe e incorporou definitivamente as discussões éticas de códigos

internacionais como Nuremberg, Helsinque, guias para pesquisas

biomédicas e epidemiológicas do CIOMS/OMS, além de incorporar também

os códigos e leis já existentes no Brasil, como Códigos Civil e Penal, Lei

37 Concil for International Organizations of Medical Sciences (CIOMS) World Health Organization (WHO).

138

Orgânica da Saúde 8.080, Estatuto da Criança e do Adolescente, entre

outros de grande importância (Spinetti, 2001, p.36).

Embora haja consenso sobre a importância das discussões éticas,

traduzido nas falas de que a ética impõe limites para o pesquisador, o

discurso não apresenta a idéia de ética enquanto espaço de reflexão

individual do sujeito, o que nos remete ao entendimento de que os

pesquisadores têm a ética como um espaço de respeito a normas e

autocontrole.

Segundo o guia de diretrizes para pesquisas biomédicas do CIOMS

1996, p ix, citado por (Spinetti, 2001, p.29):

“É difícil que a mera formulação de normas éticas para investigações

biomédicas com sujeitos humanos resolva todas as dúvidas morais que

surjam em conseqüência destas investigações”.

Oliveira (2001, p.124), ao explanar sobre a Resolução 196/96, afirma

que a exigência sobre a ética está em primeiro plano, seguida pela ênfase

cientifica. “A ética neste reflete a preocupação com o pesquisador e sua

consciência moral conseqüentes de suas ações. A qualidade moral na

relação entre pesquisador e pesquisado deve ter destaque para obrigações

profissionais do pesquisador, na qual podemos identificar a teoria

deontológica, ou seja, é baseado nos deveres de sua profissão, honra

profissional aceitos pela sociedade”.

Ainda assim, a reflexão sobre a ética em pesquisas em seres humanos

deve objetivar garantir os direitos básicos do voluntário participante,

respeitar e defender valores que impeçam ações maléficas que coloque em

risco os direitos, e a autonomia do voluntário participante deve estar

constantemente na prática reflexiva do pesquisador. Por meio destas ações

práticas é que a ética em pesquisa busca um relacionamento mais interativo

e digno entre pesquisador e voluntário participante, visando a pesquisa de

maior qualidade científica e humana (Spinetti, 2001, p.11).

Na questão sobre o objetivo do TCLE, o discurso é claro no

entendimento de ferramenta de fiscalização e informação para o voluntário

participante. O TCLE como processo de consentimento aparece de forma

139

tímida, o que nos leva a crer que este é pensado, por parte dos

pesquisadores entrevistados, como uma ferramenta necessária no sentido

da obediência às normas existente de informação ao voluntário, no que diz

respeito à pesquisa para qual está sendo oferecida a participação, e não

como um processo estabelecido na relação médico/voluntário.

No entanto, o Termo de Consentimento traduz uma decisão voluntária

e realizada por pessoa autônoma e capaz de decidir, após um processo

informativo e deliberativo, visando à aceitação de um tratamento específico

ou experimentação, sabendo a natureza do mesmo, suas conseqüências e

seus riscos (Clotet et al, 2000, p.13).

“O consentimento livre e esclarecido é um processo compartilhado, de

troca de informações e consenso mútuo, que se amálgama ao trabalho de

assistência à saúde e se insere no bojo da relação vincular entre profissional

e usuários do serviço” (Zoboli e Massarollo, 2002, p.66).

Na questão referente ao entendimento do voluntário sobre a dimensão

ética que existe no TCLE, temos o discurso que o voluntário não entende, e

em grande parte é uma relação baseada na confiança. Este discurso leva ao

entendimento, já identificado anteriormente, de que o TCLE é utilizado como

forma de fiscalização e de cumprimento de uma norma para a existência da

pesquisa, mais uma vez não se notando no discurso a questão do processo

de consentir e a autonomia do voluntário para tomada de decisão. Aqui

aparece uma contradição à questão anterior, onde no discurso o TCLE é

colocado como ferramenta de informação para o voluntário e ao mesmo

tempo o discurso de que o mesmo voluntário não entende a dimensão ética

e o teor do documento. Neste caso, o que podemos entender é que o termo,

como já citado, é usado como uma ferramenta necessária para as normas

vigentes, mas não necessariamente tem seu objetivo alcançado.

Esse não entendimento por parte dos voluntários, presente no discurso

dos pesquisadores, pode estar relacionado a vários fatores, como diferença

do nível educacional e social entre ambos, ou então a figura do médico que

expressa a imagem do poder e da detenção do conhecimento (Hardy et al,

2002, p.410).

140

Com relação à confiança, Lara e La Fuente (1990, p.61) entendem que

o paternalismo muitas vezes é justificado pelos pesquisadores para o

alcance de benefícios e resultados que poderão ser obtidos para o paciente;

explanam ainda que muitas pessoas preferem ser tratadas de forma

paternal, “pondo-se nas mãos do médico”, e que, para as mesmas, o

exercício de cidadania é mais uma fonte de frustração e ansiedade que de

satisfação.

Podemos ancorar aqui as condições socioeconômicas, acesso à saúde

e tratamentos específicos, e ao entendimento do senso comum de que o

médico sempre tem o poder do conhecimento e, portanto, sabe o que está

fazendo.

Ainda assim, temos que assinalar com insistência que o consentimento

informado é um processo e não um acontecimento ilhado na relação

pesquisador e usuário. O consentimento informado perfeito é um processo

de encontro e diálogo entre pesquisador e paciente, que abarca desde o

primeiro momento em que o pesquisador entra em contato com o paciente

até o instante final do tratamento ou pesquisa. Neste largo processo, ambos

se transmitem mutuamente informação e ambos decidem os objetivos

terapêuticos e procedimentos aceitáveis para alcançá-los (Lorda, 1995,

p.268).

A retomada do TCLE pelo voluntário também aparece de forma

contraditória; ao mesmo tempo em que o discurso aponta para uma prática

de confiança entre pesquisador e voluntário, nesta questão o discurso de

que o voluntário traz à tona o TCLE quando identifica algum problema que

possa prejudicar-lo, a relação de confiança é rompida, e o documento se

torna uma ferramenta de autoproteção para o voluntário.

Neste caso, há que se considerar que a autonomia não é uma

condição que o individuo exerce ou não exerce, mas existem graus diversos

que permitem ou não exercê-la, total ou parcialmente (Lara e La Fuente,

1990, p.62).

No discurso sobre os direitos e deveres dos pesquisadores, o

entendimento de que os deveres são muitos maiores que os direitos nos

141

leva a acreditar que o próprio pesquisador não entende a figura do

pesquisador como um sujeito passível de direitos dentro da pesquisa, em

nenhum momento aparece a construção da metodologia da pesquisa como

um direito e, portanto, o TCLE também como um processo metodológico e

participativo do pesquisador antes mesmo de chegar ao voluntário. A

condição de mais-valia, no sentido de explorar o conhecimento do

pesquisador sem o devido reconhecimento, parece estar presente no

discurso, porém sem que os mesmo percebam isso.

“Mesmo que os recursos sejam de empresas multinacionais ou

organizações internacionais, os pesquisadores brasileiros têm que participar

da construção da metodologia, delineamento, e participar da análise

entendendo sua interpretação e resultados” (Hossne e Vieira, 2002, p.20).

A discussão da ética como facilitadora na participação aparece no

discurso como ferramenta que pode facilitar, no entanto existem algumas

exceções; quando o voluntário acaba tomando muito conhecimento das

discussões pode influenciar na não participação na pesquisa, e nos casos de

HIV/Aids, onde, segundo o discurso, os voluntários já estão mais

familiarizados com as pesquisas e com seus médicos, a participação é

facilitada, aparecendo mais uma vez a questão da confiança como um fator

decisivo, descartando a autonomia do voluntário.

Aqui vale ressaltar a diferença entre respeito à autonomia e respeito

pela autonomia do voluntário participante. No respeito à autonomia do

voluntário, implica reconhecer que o individuo deve possuir determinados

pontos de vista e que é ele quem deve deliberar e tomar decisões segundo

seu plano de ação, apoiado em valores próprios, ainda que não sejam

valores dominantes. Pressupõe a aceitação do pluralismo social. No respeito

pela autonomia do voluntário participante, deve-se conjugar com o princípio

da dignidade da natureza humana, aceitando o ser humano como um fim em

si mesmo e não somente como um meio de satisfação de terceiros, sejam

pesquisadores, laboratórios, indústrias ou profissionais de saúde (Oliveira,

2001, p.126).

142

Ainda assim, temos que levar em conta vários fatores que estão entre o

voluntário participante e o pesquisador, tais como: analfabetismo,

desinformação, falta de dinheiro para locomoção até o serviço de saúde, a

falta de vagas no serviço. “Os sujeitos de pesquisa em nosso país são em

sua maioria provenientes de classes populares, conscientes de sua falta de

informação e conhecimento” (Oliveira, 2001, p. 65). Seguindo o mesmo

raciocínio, Zoboli e Fracolli (2004, p. 21), alertam para vulnerabilidade social

do sujeito de pesquisa como condição que pode influenciar no poder de

decisão e na autonomia.

O discurso sobre a garantia de direitos é de que o TCLE oferece uma

garantia relativa, uma vez que o mesmo só pode oferecer qualquer garantia

se o voluntário participante da pesquisa entende o TCLE como ferramenta

para este fim. Da mesma forma, segundo o discurso, não garante para o

pesquisador uma vez que o TCLE tem se tornado um documento

burocrático, o valor de proteção tem perdido o sentido. Na verdade, aqui

temos uma confusão de direitos pelos pesquisadores entrevistados, que

entendem direitos como direito legal e não como direito à informação,

cidadania, respeito à dignidade humana e respeito mútuo entre pesquisador

e voluntário participante.

”Se o desejo é de que a compreensão acerca do consentimento

ultrapasse os limites dos entendimentos jurídicos, rumo à responsabilidade

ética, seu verdadeiro marco, é essencial inserir a discussão desse tópico no

âmbito das relações da equipe multiprofissional e do trabalho coletivo de

saúde, de forma que possa garantir o efetivo processo livre e esclarecido, no

qual o maior protagonista é o usuário ou voluntário participante de pesquisa”

(Zoboli e Massarollo, 2002, p.66).

Segundo Beauchamp e Childress (1989), citados por Spinetti (2001,

p.67): ”o processo de consentimento deve ter o objetivo de permitir escolhas

autônomas de voluntários de pesquisa e pacientes, mas também serve para

proteção dos voluntários contra eventuais riscos e o encorajamento dos

pesquisadores para agir responsavelmente em sua interação com pacientes

e sujeitos de pesquisa.”

143

O profissional da área de pesquisa em seres humanos aparece no

discurso, segundo eles mesmos, como um profissional comum em busca de

aprendizagens e retorno financeiro. A reflexão ética não aparece como fator

decisivo na vida profissional, porém não podemos indicar o quanto isto pode

influenciar nas práticas com o voluntário participante de pesquisa e na

obtenção do TCLE.

Engelhardt Jr. (1998, p.351) enfoca que “a busca do lucro individual

pode trazer complicações financeiras ao individuo como também prejuízos à

condição profissional. Embora ganhar dinheiro e prestígio seja apenas um

dos objetivos do profissional de saúde, encontramos uma distinção que

assinala uma profissão douta, a busca de conhecimento pode entrar em

conflito com interesses dos indivíduos que estão sendo tratados.”

Segundo Oliveira (2001, p.65), do ponto de vista deontológico, a

moralidade do pesquisador investe-se de uma importância fundamental, com

destaque para os seus deveres como profissional. Ainda assim, vale

ressaltar que nem sempre o sujeito que detém a técnica detém a ética.

O retorno ao TCLE pelo próprio pesquisador não é hábito comum

dentro da pesquisa, segundo o discurso. Da mesma forma que acontece

quando o TCLE é trazido pelo voluntário participante, se repete na ação do

pesquisador, ou seja, somente quando há alguma mudança no protocolo ou

quando surge algum problema identificado pelo voluntário participante,

reforçando então a idéia de que o TCLE não é entendido como um processo

de consentimento que passa ao longo da pesquisa, nem pelo pesquisador e

nem para o voluntário participante.

Aqui identificamos, mais uma vez, na relação pesquisador versus

voluntário participante, a tutela e dominação entre aquele que detém o

conhecimento e concede o benefício do saber, do progresso e do

desenvolvimento, apresentado como novidade, eficácia e produto importado

de última descoberta. (Oliveira, 2001, p.65).

O discurso da necessidade inquestionável do TCLE em pesquisas com

seres humanos está focado na informação que o voluntário deve receber

como garantia de entendimento da pesquisa. Entretanto, também aparece

144

no discurso a necessidade de se discutir caso a caso a utilização do TCLE, o

que por um lado pode ser uma perda de direitos assegurados do voluntário

participante de pesquisa e, por outro, um ganho na realização de pesquisas,

para o pesquisador e eventuais patrocinadores.

O consentimento informado é condição indispensável na relação

profissional/paciente em pesquisas com seres humanos (Clotet, 2000, p. 13).

Ainda assim, o mesmo autor (Clotet, 1995), citado por Spinetti (2001,

p.66), ressalta que o consentimento pode ser oral ou escrito, sendo a última

forma a mais recomendável.

Seguindo o mesmo raciocínio, Vieira e Hossne (1987 p.134) apud

Spinetti (2001, p.66), ponderam que nem sempre um termo de

consentimento significa que houve respeito à autonomia e dignidade com o

voluntário participante. Ou seja, o ato de aplicar o TCLE não significa que

houve um diálogo e, conseqüentemente, uma relação de respeito mútuo

entre pesquisador e voluntário.

A cooperação estrangeira, principalmente com a indústria farmacêutica,

aparece no discurso como um mal necessário. O fato de se ter acesso a

medicamentos não disponíveis no país por meio dos estudos

disponibilizados pela indústria farmacêutica privada e multinacional,

conjuntamente com o retorno financeiro, coloca a cooperação estrangeira

numa posição de destaque no universo dos pesquisadores. Porém, existe o

entendimento entre os pesquisadores de não participação na metodologia e

conseqüente na elaboração do TCLE usado em campo, que de alguma

forma não é um entendimento suficiente para impedir a participação nas

cooperações estrangeiras.

Para Hossne (2003, p.03), interesses e objetivos podem ser

perfeitamente compreensíveis. Interesses econômicos sejam do pesquisador

ou do patrocinador, são aceitáveis desde que estejam em plena

conformidade ética, aqui entendida como respeito à dignidade humana, a

qual está acima de qualquer objetivo e interesse.

O entendimento de que existem diversos interesses no campo de

pesquisas em seres humanos está presente no discurso, porém isso

145

aparece de forma contraditória, pois ao mesmo tempo em que, no discurso

da cooperação estrangeira, pode significar para o pesquisador que ele é

simples mão-de-obra, o mesmo discurso se refere à autonomia do

pesquisador como imprescindível, o que nos remete a uma situação

conflitante entre os pesquisadores, até porque não existe a garantia de

autonomia do pesquisador, principalmente focando na elaboração do TCLE.

Todavia, a pesquisa no Brasil pode ser desenvolvida por profissionais

que não somente façam ou cumpram ordens, mas sim saibam discutir e

tenham poder de tomada de decisão dentro da pesquisa. (Hossne e Vieira,

2002, p.20).

Ainda assim, os múltiplos interesses emanados por: pesquisadores,

voluntários participantes, patrocinadores (públicos, privados, organismos

internacionais) e sociedade civil devem ser discutidos sempre na ótica da

ética, visando garantir o respeito à dignidade humana.

146

Capitulo VII - Comentários Finais

Ao chegarmos ao final deste trabalho, podemos considerar que o TCLE

usado hoje nas pesquisas clínicas medicamentosas envolvendo HIV/AIDS

ainda está para o profissional pesquisador como ferramenta de fiscalização

e auto regulamentação necessária para nortear suas ações no interior da

pesquisa e na relação com o voluntário participante.

Embora muitos autores e estudiosos da área falem sobre o processo

contínuo de consentimento, a prática nos mostra uma realidade diferente. O

olhar do pesquisador para o TCLE é muito mais do ponto de vista legal e

burocrático do que para o fortalecimento da garantia de um processo

contínuo e autônomo.

A prática medica baseada na confiança que o voluntário ou paciente

tem no seu médico, como coloca grande parte dos profissionais, permeia

toda a relação, o que pode levar a uma substituição da autonomia do

voluntário participante pela confiança estabelecida e pelo paternalismo,

principalmente nos casos de HIV/AIDS, onde voluntários e pesquisadores

estão muito próximos, até mesmo por conta do acompanhamento médico,

que se aplica em muitos casos de pesquisas nesta área.

Isto nos levar a acreditar que tanto a sociedade civil organizada como a

própria classe de médicos pesquisadores necessitam de uma ação mais

rígida, no sentido de promover discussões e ações que impliquem no uso do

TCLE como processo contínuo autônomo, sempre na garantia da reflexão

ética e no respeito à dignidade humana.

Excluído:

147

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