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A VISÃO DA MULHER NA MÚSICA BRASILEIRA DESDE A DÉCADA DE 30

Regiane Gaertner Marques Seade1

Claudia Garcia Cavalcante2

RESUMO:

Este artigo objetiva investigar a representação da mulher na música popular brasileira sob

uma ótica masculina entre os anos 1930 e 1960. Foram trabalhadas quatro letras, uma por

década que mostram a visão que uma voz masculina de determinada época tem da mulher e o

que espera dela. O que se pretendeu é a interpretação desses textos em sala de aula abordando

a representação da mulher refletida pela voz que a define, a ligação dessa representação com o

contexto histórico da época, além das imagens criadas no texto devido ao uso de linguagem

figurada. Para se cumprir essa meta, as referências utilizadas foram alguns teóricos que

estudam análise do discurso como Mikhail Bakhtin e o Círculo (2006,2010,2014) e seus

comentadores como Carlos Alberto Faraco (2010) e Roxane Rojo (2015), além de alguns

artigos e trabalhos acadêmicos seguindo essa mesma linha teórica. Especificamente, na área

da canção, foram utilizados alguns artigos de Luciane de Paula (2010). Percebeu-se ao longo

deste estudo, como o comportamento da mulher foi mudando e como a visão masculina que

retrata essas mudanças era conservadora, principalmente nas primeiras décadas retratadas. A

leitura e discussão dos textos em sala de aula foi de fundamental importância para os alunos

entenderem a visão da mulher ao longo das décadas e perceberem que houve muita luta por

direitos femininos até as mulheres estarem no estágio social em que se encontram hoje.

Palavras-chave: Visão da mulher na sociedade; Música; Análise do discurso.

___________________________________________________________________

1Formada em Letras pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) em 1991 e Especialização no Ensino de

Língua Portuguesa e Literatura Brasileira em nível de Pós-Graduação Latu-Sensu em 2000

2Mestre e doutora em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem pela PUC-SP; Professora do curso de

Licenciatura em Linguagem e Comunicação da Universidade Federal do Paraná – Setor Litoral.

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Introdução

Este estudo apresenta uma análise do discurso sobre a visão masculina do papel da

mulher na sociedade. Para tanto, foram selecionadas músicas representando desde a década de

30 até a década de 60, com compositores tais como Noel Rosa, Ataulfo Alves, Luiz Gonzaga

e Vinicius de Moraes, que nortearam a investigação da visão que o homem de cada uma

dessas décadas tinha sobre a mulher. Como material complementar, também fizemos uso de

outros materiais como trechos da minissérie “Dalva e Erivelto”, da Rede Globo, do filme

“Garota de Ipanema”; e de outros materiais como o site oficial de Vinicius de Moraes

O trabalho de interpretação de texto em sala de aula, deve ser feito com bastante

empenho, pois, é matéria de grande dificuldade por parte dos alunos. Partindo do princípio de

que a dificuldade aumenta quando se deparam com um texto poético, devido às implicações

inerentes a esse tipo de texto, o uso de materiais complementares, principalmente visuais pode

auxiliar no trabalho.

A opção por textos conotativos, enfocando a visão masculina da mulher na música foi

feita na tentativa de colaborar na melhoria de algumas dificuldades, na área de interpretação,

que se apresentam no dia a dia da sala de aula. Por exemplo: quando os alunos são chamados

a analisar um texto, por mais básico que este seja, têm problemas em elencar as premissas

principais e definir o assunto e a visão do autor apresentados no texto. Nesse sentido, um

texto mais subjetivo abre um número maior de perspectivas de interpretação, fazendo o aluno

pensar sobre ele, o que gera reflexão.

A temática escolhida é pertinente por vivermos em uma sociedade patriarcal na qual a

mulher constantemente precisa conquistar o seu espaço. A grande maioria dos estudantes,

devido à sua pouca idade, talvez não tenha se questionado o quanto os direitos femininos

avançaram ao longo do tempo. O quanto a mulher já teve um papel bem mais coadjuvante em

relação ao homem. Além disso, devido a alguns acontecimentos recentes como ataques e

agressões à mulher, a temática voltou a ser bastante relevante.

A opção pela música também não foi aleatória, visto que esta faz parte do cotidiano da

maioria da população, retrata os movimentos pelos quais passamos ao longo do tempo e,

portanto, reflete o pensamento social vigente. Dessa forma, quando analisamos uma música

de determinada época, vemos veiculado nela o pensamento desse período. Além disso, os

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alunos, de forma geral, gostam de música e, quando gostamos de algo, o trabalho se torna

mais prazeroso.

Este estudo baseia-se em três pontos centrais: a interpretação de texto, o trabalho com

música e a temática da mulher. A intenção é contribuir com a formação acadêmica dos alunos,

visto que o trabalho fará um levantamento de textos literários completamente desvinculado de

qualquer historiografia convencional. Por outro lado, propiciará uma interpretação

investigativa e contextualizada da visão social que se tem do papel da mulher, ao longo do

tempo, estudado na música popular brasileira.

Dessa forma, além de orientar o aluno em uma visão investigativa de como a mulher é

retratada em diferentes épocas, também o auxiliará a ter referencial histórico e artístico de

épocas com contextos diferentes. A expectativa foi que somado a essas questões, houvesse

ainda uma reflexão filosófica sobre o papel da mulher na sociedade.

Em sala de aula, de uma forma geral, vem se constatando a necessidade desse trabalho

mais aprofundado com interpretação de texto, devido à falta de hábito de leitura dos alunos, o

que ocasiona um déficit bastante grande no que diz respeito à capacidade de interpretação e

bastantes dificuldades por parte dos estudantes para perceber a essência e as entrelinhas de

cada texto.

Outro fator a ser destacado é que esse não é um trabalho pautado no repasse de regras

e na nomenclatura, levando o aluno a pensar nas diversas possibilidades de interpretação que

as letras de música irão trazer, pois são poemas e a sua linguagem conotativa propiciará

inúmeras possibilidades de interpretação.

O estudo tem o intuito de trazer à tona a temática da mulher na música popular

brasileira e de colaborar no trabalho que a escola faz no que diz respeito à interpretação. O

objetivo é agregar essas duas questões. Ao mesmo tempo que mostre a importância da leitura

e interpretação de texto para os alunos, também proporcione condições para se discutir a

temática do papel feminino na sociedade através dos tempos.

É importante ressaltar que o foco do trabalho será a análise do discurso. A percepção

de que não existe discurso ingênuo, descontextualizado e nem sem intenção. Que toda e

qualquer discurso vem carregado de ideologia e de vivência de mundo. Segundo Faraco

(2010, p.46):

Ideologia é o nome que o círculo costuma dar, então, para o universo que engloba a

arte, a ciência, a filosofia, o direito, a religião, a ética, a política, ou seja, todas as

manifestações superestruturais (para usar certa terminologia da tradição marxista).

A palavra ocorre também no plural para designar a pluralidade de esferas da

produção imaterial (assim, a arte, a ciência, a filosofia, o direito, a religião, a ética, a

política são as ideologias).

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O texto traz toda a bagagem cultural, emocional, histórica, de credos e de costumes

que seu autor possui e/ou vivenciou. Neste sentido, Faraco (2010, p.46) ainda diz que “A

palavra ocorre também no plural para designar a pluralidade de esferas da produção

imaterial...”. Por isso, é preciso que entendam a evolução do pensamento através dos tempos e

se questionem o quanto realmente se alterou ou não o papel da mulher na sociedade, o quanto

ela é ou não mais valorizada e reconhecida hoje.

O objetivo do trabalho, em essência, é levar os alunos a fazerem um estudo

aprofundado do papel da mulher na sociedade através da interpretação de letras de música,

tais como: “Julieta”, Noel Rosa; “Ai que saudades da Amélia”, Ataulfo Alves; “Xote das

meninas”, Luiz Gonzaga e “Garota de Ipanema”, Vinicius de Moraes.

1. Visão da mulher veiculada na música através do tempo

Esse trabalho tem por objetivo fazer um levantamento de como o elemento feminino é

visto socialmente nos últimos 70, 80 anos nas letras de canções brasileiras consagradas. Nesse

percurso, foi possível perceber que houve muitas mudanças de visão porque o pensamento é

algo que está sempre mudando. Essa é uma das pedras fundamentais que os estudiosos do

teórico Mikhail Bakhtin defendem. Eles acreditam que tudo está sempre em constante

movimento. Nada é, em sua obra, para sempre. Segundo Luis Felipe Ribeiro, (2002),

professor da Universidade Federal Fluminense, de acordo com a teoria de Bakhtin “tudo

oscila com as alterações do quadro histórico em que as ações humanas se desenrolam”. É

exatamente por esse pensamento que não se poderia deixar de elencar as teorias de Bakhtin

quando se analisa o discurso.

Nesse caso das músicas, é discurso porque ao analisarmos uma letra de uma

determinada época, analisamos junto o contexto histórico, o momento do poeta ao compor

aquela obra, a situação que a mulher estava vivendo naquele período, entre outras

implicações. Discutir ou tentar analisar o pensamento de alguém quando compõe uma obra é

algo impossível, teríamos que estar dentro da cabeça do autor quando ele escreveu aquela

obra para sabermos exatamente o que ele queria dizer naquele momento. Mas é óbvio que isso

não é possível. Então, quando interpretamos um enunciado, acabamos contribuindo um pouco

na construção do mesmo, incutimos nele nosso ponto de vista, a maneira como entendemos o

que foi dito. É óbvio que acabamos criando também o não dito, ou seja, aquilo que pensamos

que o autor queria dizer. Além, é claro, de que se escrevesse agora a mesma canção, muito

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provavelmente o enunciado teria outro valor significativo para o autor, pois ele não seria mais

o mesmo e não diria mais exatamente a mesma coisa em outro contexto histórico e social.

Imbuídos desse pensamento, a ideia é deixar claro que não se fará uma interpretação

de texto com o objetivo de se encontrar uma única resposta, pois não estamos analisando a

língua como objeto sem identidade, e sim, a sua realização concreta, viva, mutável, de acordo

com o momento, o enunciador e o receptor daquele texto na situação em que ele irá se

concretizar.

Ou seja, o objetivo é se levar em consideração todo o contexto, toda a história que

existiu para que aquela canção acontecesse, pois para haver um enunciado, é necessário que

haja uma realização histórica. Para podermos entender como a mulher foi retratada naquele

enunciado específico, vai ser necessário adentrarmos também na cultura e sociedade da época.

Além disso, sabermos que cada enunciado é único e jamais será recriado tal qual foi criado.

2. Relação entre o discurso e a história

Uma das questões mais importantes a serem colocadas quando abordamos discurso é a

que definição de discurso estamos nos referindo. Nesse trabalho em especial, a questão chave

é que estamos analisando discurso como linguagem em uso, em situações reais. Visto dessa

forma, segundo o professor Marco Antonio Villarta – Neder, a linguagem pode ser construída

de três modos diferentes.

1. A linguagem construída na relação com o mundo.

A ideia primeira é que a linguagem não está pronta, ela vai se construir na relação dela

com o mundo. Tudo que se vê ou que acontece de novo vai fazer com que a linguagem vá se

modificando.

2. A linguagem constrói o mundo na nossa percepção

A percepção que nós temos do mundo também se dá através da linguagem. Nós

representamos e esta representação que vai sendo recriada, que vai sendo aprimorada é que

vai construir os conceitos de mundo e a maneira como nós o entendemos, como nós

interagimos com ele.

3. O sujeito se constrói ao estabelecer relações entre a linguagem e o mundo.

Quem nós somos vai ser uma consequência direta dessa interação entre a linguagem e

o mundo. A linguagem está sendo reconstruída, o mundo também e, consequentemente, nós

vamos nos reconstruindo enquanto sujeitos.

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Vista dessa forma, a linguagem é prática ideológica. Em relação com o mundo, define

quem somos, a maneira como nos comunicamos e interagimos. Como o discurso tem relação

com a história e a sociedade, um discurso produzido em determinada época conta a história

daquele sujeito naquela época, sendo impossível hoje, recriá-lo da mesma forma e até

interpretá-lo como se interpretaria quando foi produzido, pois, a linguagem não está pronta,

ela vai se construindo na relação com o outro. Isso quer dizer que quem interpreta um

determinado texto, também atua sobre ele, dando uma contribuição na sua construção

enquanto texto.

Falando especificamente sobre o nosso objeto, as letras de música retratando

diferentes mulheres, de diferentes épocas, é impossível saber exatamente o que o autor quis

dizer quando escreveu aquele texto, pois aquele sujeito autor, vivendo naquele contexto

histórico e tendo determinada visão sobre a mulher nunca mais vai existir, conforme já vimos.

Hoje, o sujeito que analisa o texto é outra pessoa que não vai ter nem a visão de mundo

daquela época e nem a mesma bagagem cultural e social que aquele sujeito que escreveu o

texto tinha. Seria um verdadeiro trabalho de detetive pensar sobre onde o sentido estava antes

e para onde ele se deslocou. Outra questão importante também a se considerar é a aceitação

ou não da obra para a produção de sentido. Algo que foi produzido em 1930 hoje teria uma

aceitação maior ou menor, mas nunca igual à aceitação que teve na época e isso também vai

interferir na produção de sentido. Até as palavras usadas possuíam outra conotação naquela

época e, consequentemente, outra visão das coisas.

É claro que o autor é importante no processo, mas não existe texto construído só pelo

autor. A partir do momento que o texto se torna de domínio público, o leitor se torna coautor

no processo de entendimento do que o autor quis dizer. O texto está sempre em movimento e

entender o que é proposto, sugerido, também é tarefa do leitor, que participa da construção

desse mesmo texto. O mundo, o sentido e os sujeitos se reconstroem constantemente e

mutuamente, e essa relação é que acaba produzindo linguagem.

Não existe palavra nem sentença isolada, o texto contém elementos que são externos a

ele, que acabam interferindo na construção de sentido.

Se a tudo o que foi dito, ainda acrescentarmos um processo histórico do papel da

mulher na sociedade, temos menos possibilidades ainda de entender o que se passava na

cabeça de um homem em relação à mulher há 60, 50, 40, 30 ou 20 anos.

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3. A linguagem literária

O cenário, como podemos ver, é complexo. E, a essa complexidade, ainda temos que

somar o fato de estarmos trabalhando com um texto que possui traços peculiares e

identificadores do discurso literário enquanto tal. Uma linguagem que tem um alto índice de

multissignificação, uma linguagem que sabemos ser única e especial, distinta da modalidade

própria do uso cotidiano. Segundo Proença (1992), o texto literário possui relações internas,

através das quais se revela uma realidade que não preexiste no poema, a não ser como

potencialidade, além de ser marcado por uma organização absolutamente própria.

Também podemos dizer que:

O emprego da língua efetua-se em forma de enunciados (orais e escritos) concretos

e únicos, proferidos pelos integrantes desse ou daquele campo da atividade humana.

Esses enunciados refletem as condições específicas e as finalidades de cada referido

campo não só por seu conteúdo (temático) e pelo estilo de linguagem, ou seja, pela

seleção de recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais da língua mas, acima de

tudo, por sua construção composicional (Bakhtin, 2003).

Esse tipo de texto envolve uma gama muito grande de questões a serem consideradas

quando fazemos uma interpretação. São conhecidos e reconhecidos tanto pela forma como

pelos temas e funções que viabilizam, além do estilo de linguagem que permitem, segundo

Roxane Rojo. Ainda segundo a autora: “Os textos pertencentes a um gênero é que viabilizam

os discursos de um campo ou esfera social.”

Com relação à forma, é possível reconhecer um poema, uma letra de música devido à

diagramação na página e por sua forma de composição, um texto escrito em versos e estrofes.

Mas, com relação ao conteúdo, só o entenderemos se absorvermos os sentidos que forem

gerados no texto, de acordo com esse estilo de composição.

Para o Círculo de Bakhtin, o tema não se restringe ao conteúdo, assunto ou tópico

fundamental de um texto, é o conteúdo inferido, partindo-se da apreciação de valores, da

avaliação com fundo valorativo, que o autor lhe dá.

Não podemos ter uma visão ingênua de que existe uma interpretação única e “certa”

para um poema, pois, ele engloba dimensões universais, individuais, sociais e históricas que

vão identificá-lo enquanto texto e que vão ser significativas na mensagem veiculada. O texto

conotativo dificilmente vai se mostrar da mesma forma para todos que o leem e a

interpretação de cada um será feita baseando-se na sua experiência de mundo, de leitor.

O texto literário possui uma forma própria de comunicação que se utiliza de uma

modalidade diferenciada de discurso colocado a serviço da criação artística, ou seja, a

conotação. O sentido nessa forma de comunicação não se busca no dicionário, e sim, em

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outros fatores como aspectos fônicos, associação com outras palavras ou conceitos, sensações

e impressões emocionais, ou seja, a significação integral que o texto adquire quando entra em

contato com o leitor. Na definição de Proença (1992, p.34): “A literatura se vale da língua e

revela dimensões culturais. Cultura, língua e literatura estão, portanto, estreitamente

veiculados”.

Ainda segundo lembra Lfebve (1971) (apud PROENÇA, 1992, p.35): a linguagem

literária, abre-se sobre o mundo e coloca diante dele “ uma questão que não é daquelas que

podem ser respondidas pela ciência, pela moral ou pela sociologia [...]”.

O que o auto reforça é que, apesar de o discurso literário estar intimamente ligado ao

discurso comum, apresenta em relação a este bastantes diferenças. Por exemplo, não existe no

discurso literário a objetividade que existe na linguagem denotativa porque este vai além da

informação, diz respeito à criatividade e, nesse sentido, também não é de natureza individual,

buscando constantemente a universalidade. A linguagem literária é criação, é

multissignificativa e, por esse traço peculiar, se torna diferente a cada nova interpretação, a

cada nova pitada de autoria.

Outra questão a se avaliar é a liberdade de criação que o poema prega, pois este pode

não se ater a regras gramaticais ou de estrutura do texto, facilmente prega a ruptura com as

regras e só deve obediência à criatividade do poeta. Ainda segundo Proença Filho (1992,

p.41): “Seu único espaço de criação é o da liberdade”.

4. Relato de implementação

A implementação do PDE exigiu dedicação devido a alguns percalços naturais, porém,

foi prazerosa, devido às várias descobertas e discussões que o tema suscitou. O trabalho foi

desenvolvido com uma turma de segundo ano do Ensino Médio, no Colégio Estadual

Professor Elias Abrahão durante 32 aulas, uma por semana, no período da manhã.

No primeiro dia de aula, em meio aos esclarecimentos gerais sobre o andamento do

processo de ensino-aprendizagem de 2017, apresentei o meu Projeto PDE sobre a visão da

mulher na música popular brasileira, que seria trabalhado com a referida turma, em linhas

gerais. Também esclareci que, no decorrer do ano letivo, separaríamos uma aula semanal para

trabalharmos com esse conteúdo especificamente.

A turma, de modo geral, ficou interessada e curiosa para saber como esse processo se

daria. Como em qualquer grupo, sempre, alguns se revelam muito interessados, outros

desconfiados, mas houve alunos que também não se interessaram muito.

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Na semana seguinte, entreguei a letra da música “Julieta” de Noel Rosa, escrita na

década de 30, para eles. Coloquei a música para ouvirem e começamos a ler e a discutir o

texto. Foi muito flagrante o estranhamento com relação à melodia, visto que se tratava de uma

música da década de 30. Também não se identificaram com a ideia de mulher submissa e

dependente de Julieta, com um contexto social e uma realidade, na maioria dos casos, muito

diferente daquela que eles vivem.

No início, propositadamente, deixei a discussão iniciar de maneira mais espontânea,

até porque as turmas de Ensino Médio não gostam de se expor muito. Em seguida, apresentei

as questões elaboradas para uma discussão mais formal e pedi para que se reunissem

novamente em pequenos grupos para, em seguida, apresentarem suas conclusões para o

grande grupo.

Na sequência, propus para a turma uma releitura da letra como trabalho criativo e uma

pesquisa sobre fatos históricos referentes à situação da mulher na década de 30.

Nesse momento, foi preciso explicar o conceito de “releitura” para que soubessem

exatamente o que se esperava deles em relação à produção. Expliquei que, a grosso modo, a

releitura deveria ser apresentada como uma nova interpretação de uma obra de arte, no caso, a

letra da música “Julieta”, feita com estilo próprio, mas sem fugir ao tema original da letra.

Visto que cada ser humano tem um modo próprio de ver e interpretar a realidade, naquele

momento eles iriam criar a sua própria “julieta”, podendo, inclusive, compô-la com

características próprias da sua realidade e ambientada nesse contexto. Reuni os alunos em

trios e pedi que fizessem esse trabalho com a letra da música “Julieta”, adaptando-a ao século

XXI.

Pedi que pensassem como seria a Julieta moderna, que tipo de mulher seria, com quais

características. Percebi algumas dificuldades da turma no decorrer do trabalho, tanto no

aspecto criativo, quanto no formal. Tiveram problemas para escrever em versos, visto que o

texto possuía uma estrutura narrativa. Também houve casos em que a produção própria foi

quase cópia do texto original. Não finalizaram o trabalho em uma única aula, o que fez com

que um quarto da turma não o entregasse. Permiti que entregassem o trabalho em outro

momento, pois, os alunos tem o direito tanto de recuperar integralmente a nota, quanto de

serem avaliados em qualquer momento do processo educativo.

Depois de corrigidos os textos, entreguei-os para eles em sala e teci os comentários

gerais sobre os principais problemas encontrados. Mostrei exemplos dessas falhas e

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discutimos em grupo como seria possível melhorarmos os textos. Depois disso, os alunos

fizeram a reescrita.

Com relação à correção, acredito ser necessário descrever os critérios utilizados para

fazê-la, visto que o foco da produção era um texto criativo e que não se prendia a aspectos

gramaticais rígidos. A orientação feita foi que se ativessem aos aspectos gramaticais e textuais

como um todo, mas dessem especial atenção à adequação ao gênero, escrevessem uma letra

de música, preocupando-se com a escrita dos versos, a organização em estrofes, o uso formal

ou não de rimas, trabalhassem, a musicalidade e a criatividade.

Fizeram a reescrita e voltamos à discussão da postura da mulher na década de 30, visto

que eles já tinham feito a pesquisa histórica. Houve, na releitura, a possibilidade de a mulher,

a Julieta, ser o eu-lírico e percebi que vários alunos optaram por dar voz à mulher, colocá-la

como protagonista de seu próprio destino, pois, não foram poucas as manifestações de

indignação com a submissão de Julieta durante o trabalho com a letra da música.

Apresento aqui dois exemplos de releitura produzidos pelos alunos e ressalto que as

letras foram reproduzidas literalmente, sem nenhuma intervenção da professora.

1. Exemplo de trabalho de releitura

Julieta do século XXI

JULIETA DO SÉCULO XXI

Não sou mais a inocente e frágil de antes Hoje em dia Julieta é outra mulher

Nem tampouco preciso de um “Romeu” É independente e faz o que quer

Minhas despesas quem paga sou eu. Ela trabalha para ter o seu

E não precisa de Romeu

Criada para acreditar que nasci para ser Julieta

Esperar no castelo a boa vontade do Romeu Se ela procura algo, é amor verdadeiro

Aguardando o momento de ser “salva”, Que seja fiel e que se entregue por inteiro

E depois de deixar minha inocência,

Para aguentar a opressão: Da sua vida ela é aprendiz

Nos dias de hoje, só pensa em ser feliz

Romeu, abaixa a tua voz!

Abaixa a tua mão. Essa é a nova Julieta

Nem um pouco submissa

Agora a julieta tem nome. Luta pelos seus direitos

Nome que minha mãe me deu E sobre viver de verdade é especialista.

Não atendo mais pela “mulher de Romeu”. Agora a Julieta tem rosto, tem boca e tem fala. Não espera a vida passar somente esfregando o chão da

sala.

Agora a julieta tem escolha, tem carreira e diploma. Se quiser, sem o Romeu, até atravessa a fronteira.

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Não que a Julieta precise ser sozinha, Só que agora tem o verdadeiro Romeu: Vai viver com o amor que ela mesmo escolheu.

LEGENDA: Esses dois textos foram produzidos pelos alunos em sala de aula.

Os exemplos acima do texto “Julieta do século XXI” retratam com bastante clareza o

pensamento dos alunos, mostrando o quanto eles não se identificam com uma mulher

submissa e dependente.

Como o objetivo aqui era eles retratarem a “sua” Julieta, percebe-se claramente que

eles acreditam em uma mulher protagonista, que vive intensamente a sua vida e toma suas

próprias decisões, afastando-se completamente de uma mulher que é dependente do marido e

dominada por ele.

Na semana seguinte, os alunos entregaram a pesquisa sobre a situação social e política

da mulher na década de 30.

Terminada essa etapa, houve a continuação do trabalho com a segunda letra “Ai que

saudades da Amélia” de Ataulfo Alves, composta na década de 40. O trabalho começou com a

entrega da letra a eles e a audição da música. Como aconteceu com a primeira letra, persistiu

o estranhamento, principalmente com a melodia, que ainda era bastante atípica em relação ao

que eles ouvem diariamente. Como trabalho paralelo, fizemos uma produção de texto da

UFPR, que era baseada na música “Saudosa Maloca” de Adoniram Barbosa e, curiosamente,

um aluno disse que ouvia várias músicas deste cantor.

No trabalho com essa segunda letra, houve uma tentativa no sentido de proceder de

forma diferente. Propus que partisse deles a discussão sobre o que entenderam da letra e tentei

ir mediando para aprofundar a discussão. Procurei, na mediação, “amarrar” os detalhes

importantes em relação à letra que não poderia deixar de ressaltar.

Uma discussão bastante interessante foi a questão da “amélia” propriamente dita. O

que significa uma mulher ser “amélia”, hoje. Quando perceberam que a letra de música escrita

na década de 40 tinha relação com um conceito que se perpetua até hoje, ficaram bastante

surpresos.

Na sequência do trabalho, tivemos contato com alguns trechos da minissérie da Rede

Globo, “Dalva e Erivelto”, que conta a história do relacionamento conturbado do casal e, por

extensão, a história do rádio no Brasil.

À partir dessa motivação, iniciamos logo em seguida um trabalho de pesquisa e

confecção de cartazes sobre as cantoras do rádio que se destacaram, principalmente na década

de 40, na música popular brasileira. Como já tinha combinado previamente com eles que tipo

de trabalho seria feito, dividi a turma em grupos e destinei a cada um dos grupos uma cantora

que se destacou neste período. O objetivo era que cada grupo pesquisasse sobre aquela

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cantora a fim de confeccionar um cartaz sobre ela. O cartaz deveria conter fotos da cantora e

fatos relacionados, principalmente, à sua carreira. Também deveriam dar destaque às

dificuldades enfrentadas por ela, pelo fato de ser uma cantora mulher num mundo masculino,

na década de 40, quando o papel da mulher ainda era bastante coadjuvante.

Grande parte da turma trouxe o material e conseguiu trabalhar em sala, em grupos.

Alguns não fizeram a pesquisa ou deixaram para a última hora, querendo imprimir imagens e

comprar cartolinas no colégio, o que nem sempre é possível e gerou um certo tumulto.

Usamos a aula toda para concluir esse trabalho, que seguiu alguns critérios pré-

estabelecidos para a confecção dos cartazes, entre eles o fato de que não seria possível

colarem folhas contendo textos nos cartazes. Estes deveriam ser escrito a mão e conterem

trechos curtos e significativos, previamente selecionados pelos alunos, mediante pesquisa,

além de fotos impressas em tamanho adequado ao cartaz. Após a entrega do trabalho,

combinamos que, para quem não foi possível terminar naquela aula, entregaria o cartaz pronto

na aula seguinte. Expusemos o trabalho nos corredores da escola.

Em sala de aula, os alunos, nesse momento, assistiram a alguns trechos de seriados

que contam a história de cantoras do rádio como Dalva de Oliveira em “Dalva e Herivelto” e

pesquisaram fatos históricos sobre a situação da mulher na década de 40.

Antes de iniciarmos com a próxima letra, resolvi por em prática uma ideia que surgiu

no GTR (grupo de trabalho em rede). Uma professora participante deste GTR relatou ter feito

em sala de aula, um trabalho comparando a letra de “Ai que saudades da Amélia” de Ataulfo

Alves com “Desconstruindo Amélia” da cantora Pitty. Achei a ideia interessante e resolvi

fazer o mesmo trabalho com a minha turma. Foi bastante produtivo, até porque com a letra de

“Julieta”, dos anos 30, propus que os alunos fizessem uma releitura e, quando apresentei a

letra da Pitty, reforcei a ideia da releitura feita por uma cantora conhecida, mostrando que a

deles não tinha ficado tão diferente.

Começamos a trabalhar a década de 50 com a letra da música “Xote das meninas” de

Luiz Gonzaga. Como de costume, ouvimos a música e trabalhamos a interpretação de texto.

Conversamos sobre a letra, levando em consideração as referências que o texto trazia sobre a

fecundidade no sertão e sobre as características típicas do comportamento da menina na

adolescência. Essa letra, em particular, trouxe mais dificuldade no aspecto da interpretação de

texto devido ao sentido metafórico de boa parte das referências utilizadas na letra.

Fizemos também um debate e uma pesquisa sobre as características da moda nos anos

50, visto que na leitura da letra, surgiram termos desconhecidos dos alunos em relação a esse

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aspecto. O termo que mais despertou curiosidade e pediu uma pesquisa mais aprofundada foi

a palavra “timão”, devido ao fato de a menina não querer mais vestir timão, não querer mais

sapato baixo, usar vestido bem cintado, entre outras referências que a letra traz em relação à

moda dos anos 50. Depois de todas as discussões anteriores, partimos para a produção de

texto, propus uma atividade utilizando discurso direto. Conversei com eles sobre o fato de o

pai levar ao doutor a filha adoentada e pedi que criassem a conversa do pai com o médico.

Como seria? O que conversariam? O que o pai diria ao médico que a filha tem e qual seria a

resposta do médico somente utilizando discurso direto. Os alunos não puderam utilizar em

nenhum momento a fala do narrador.

Aproveitei para trabalhar a estrutura do discurso direto, visto que o trabalho com

discurso direto e indireto, a transformação de um em outro é uma tipologia textual que está

presente em concursos e em vestibulares. De uma forma geral, os textos foram bons, mas

alguns apresentaram problemas bem básicos de estruturação, como a dificuldade de não usar

narrador, de usar parágrafos e travessões corretamente e até de confundir a estrutura do

discurso direto com a do texto teatral, colocando o nome dos personagens antes da fala dos

mesmos. Houve até quem pulasse linha entre um parágrafo e outro, problemas que foram

retomados na aula seguinte e devidamente esclarecidos. Alguns alunos tiveram que refazer o

texto quase integralmente.

Chegamos aos anos 60 e começamos o trabalho com a quarta letra de música: “Garota

de Ipanema”. Discutimos a visão da mulher contida nela, conversamos sobre a inspiração dos

compositores, “Helô Pinheiro” e a história sobre como Tom e Vinicius a conheceram e

resolveram escrever a letra, visto que a letra contém uma história real e pitoresca, interessante

para os alunos. “A dupla escreveu a canção para Helô Pinheiro, uma menina muito bonita, de

15 anos, que frequentava a praia de Ipanema, no Rio de Janeiro. Quem primeiro a notou foi

Tom, que costumava observar escondido “a garça que é uma graça”, como dizia. O maestro

contou a Vinicius sobre a namorada platônica e fez o amigo esperar 3 dias sentado em um bar

para ver a menina passar. Impressionados com sua beleza, os dois decidiram compor a

melodia, que se tornou uma das canções brasileiras mais executadas em todos os tempos.”

Propus, como parte do trabalho, uma pesquisa sobre a “Bossa Nova”, movimento

muito forte na música popular brasileira, do qual Tom e Vinicius fizeram parte. Os alunos

deveriam pesquisar sobre que movimento foi esse, quais suas características e quais seus

principais participantes. Quando começou e até quando durou.

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Visitamos o site do Vinicius na Internet e assistimos a um clipe chamado “Garota de

Ipanema – A Verdadeira”. Conversamos sobre o filme “Garota de Ipanema”, que ainda vai ser

lançado no cinema, e vimos alguns trechos do mesmo, contidos no trailler.

Propus para os alunos que escrevessem uma paródia da letra da música e expliquei o

que é e como se faz uma paródia. Pesquisamos na Internet algumas paródias conhecidas. Em

seguida, discutimos se existiam e quais seriam as diferenças básicas entre paródia e releitura.

Chegamos à conclusão de que a principal diferença é o teor cômico, crítico ou irônico que a

paródia comumente apresenta e a releitura não.

Os alunos se reuniram em grupos de 5 pessoas para escreverem uma paródia de

“Garota de Ipanema”. Orientei o trabalho e fui lendo e discutindo com eles a produção de

cada grupo, conforme o trabalho foi sendo feito.

Alguns alunos foram pouco criativos e previsíveis, se restringiram a usar ideias

opostas trocando linda por feia e descrevendo uma menina com atributos que a

ridicularizavam. Já outros, foram extremamente criativos, usando, inclusive o cenário político

atual como alvo de crítica ou o contexto de suas vidas na escola e no dia a dia.

As letras abaixo apresentam-se na íntegra, conforme foram escritas pelos alunos, sem

nenhuma intervenção ou modificação por parte do professor. O objetivo é realmente serem

ilustrativas na questão de como os alunos podem ser criativos e competentes quando

realmente se propõem a fazer algo com boa vontade e dedicação.

2. Exemplo de trabalho de paródia:

Olha que coisa mais triste Olha o carrinho de sorvete

Que coisa sem graça Que vem e que passa

O professor de Física que entra e que passa Mas ele é pago e não é de graça

Trazendo exercícios Tem de abacaxi e também de cachaça

Que eu não sei fazer

Tá passando o carrinho dourado

Hoje perdi o buzão Na praia de Ipanema

Cheguei atrasado Esse é o nosso lema

Não tô aguentando tanto cansaço São três por dez

Estou esperando um feriado chegar Com o seu Moisés

Ah, tô devendo pra tia Ah, por que está tão quente?

Ah, ela me cobra na cantina Preciso de um sorvete

Ah, a bolacha que existe Pra ficar contente

A bolacha salvava meus dias

E agora só tem na cantina Ah, se você soubesse

Qual é a graça

Ah, se a escola soubesse De quando ele passa

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Que todos os dias É feito com amor

Prometo estudar pra prova de Física Para todos na praça

E fico mais triste Eu quero chorar.

LEGENDA: exemplos de paródias da música “Garota de Ipanema”.

Esses dois textos foram selecionados como bons exemplos de paródia devido ao fato

de os alunos que os produziram, terem conseguido sair do senso comum, não terem se

restringido a trocarem “linda” por “feia” ou ridicularizarem a garota. Muito pelo contrário, no

primeiro texto eles usaram como tema da paródia seu cotidiano e as dificuldades enfrentadas

por eles em sala de aula e com os professores, no pátio, no recreio e na volta pra casa,

pegando ônibus lotados. Já no segundo texto, usaram com inspiração uma cena trivial e

cotidiana como o carrinho de sorvete passando na praia em um dia de sol e anunciando o tão

esperado sorvete para aliviar o calor.

As paródias foram entregues pelos grupos e corrigidas segundo os mesmos critérios

das releituras, com ênfase na adequação ao gênero e pouca interferência nos aspectos

gramaticais e textuais, fazendo-se somente pequenas interferências com ortografia ou

pontuação. Nesse momento, os alunos foram orientados de como deveriam utilizar a letra da

paródia feita por eles para gravarem um clipe, como parte do trabalho de avaliação. O clipe

foi feito no laboratório de computação da escola ou mesmo em seus próprios aparelhos e

compartilha via gmail comigo.

Após ter assistido e avaliado os trabalhos decidi, em comum acordo com os alunos,

quais os clipes que seriam assistidos pela turma toda. Fizemos a exibição dos clipes no

laboratório de informática.

5. Compartilhando experiências no GTR

O GTR (Grupo de Trabalho em Rede) faz parte do PDE e é uma formação continuada

oferecida aos professores públicos da rede de ensino, que foi realizado no Ambiente Virtual

de Ensino de Educação do Paraná, plataforma Moodle. O curso on-line foi ministrado pelos

professores PDE e o objetivo deste trabalho foi compartilhar o projeto de intervenção

pedagógica com professores da rede Estadual de Ensino e trocar experiências.

Através da plataforma virtual do curso, recebi algumas contribuições de professores

participantes, que foram valiosas e merecem ser destacadas nesse artigo. Como o material é

vasto, fez-se necessário um recorte de algumas sugestões e questionamentos interessantes,

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apresentados pelas professoras cursistas durante as discussões propostas nos módulos do

curso.

1. Mulheres que desempenham o papel de mães e esposas tendem a ser mais frustradas

do que as que conquistam o mercado de trabalho?

2. A mulher, sempre fonte de inspiração, tem sido constituída por diferentes prismas

na música popular brasileira. Mas o que isso significa? Quem são essas mulheres?

3. As cantoras dos anos 50 e 60 buscavam instigar a liberdade feminina por meio de

suas músicas. E as da atualidade contribuem com o processo de libertação feminina?

4. O que pode ser feito para combater a violência simbólica contra as mulheres nas

letras de música, considerando que grande parte das mulheres reproduz as letras e não se sente

“violentada” pelo que está escrito?

5. Qual é o contexto da circulação das músicas que abordam as questões de gênero?

Em que ambientes elas circulam? Com quais públicos ela dialoga mais frequentemente?

6. Precisamos rever nossos conceitos: a que ponto chegou a liberdade e a igualdade

pelas quais tanto lutamos? Era mesmo essa liberdade e igualdade que almejávamos?

Todos esses questionamentos foram amplamente debatidos pelo grupo de professores

na plataforma virtual e não ficaram sem respostas, mas também não se chegou a uma única

resposta “correta”, visto que são questões muito subjetivas e pessoais, todos puderam mostrar

suas opiniões e foram respeitados. Alguns debates apresentaram-se de forma mais acalorada,

porém, sem perder o respeito.

Esta foi uma experiência bastante enriquecedora por reunir um grupo de mais ou

menos 20 professores, todos com experiência em sala de aula e, no meu caso, comprometidos

com a discussão em pauta e compartilhando experiências que foram desenvolvidas em sala de

aula, deram certo e podem ser repassadas para que outros professores também possam

desenvolvê-las. Muitas vezes sendo possível, ainda, discutirmos diferentes resultados do

trabalho em diversos colégios e com turmas com realidades particulares.

Feitas essas considerações, tenho uma avaliação positiva da discussão do material

didático com os outros professores, no GTR, pois, essa experiência só vem a acrescentar no

seu trabalho, muitas vezes ajudando na elucidação de questões que passaram despercebidas

por parte de quem está muito envolvido e mergulhado em sua produção pessoal.

6. Considerações finais

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Após a implementação do projeto “A Visão da mulher na música popular brasileira

desde a década de 30”, percebeu-se que ele possibilitou realizar um trabalho de interpretação

de texto e, ao mesmo tempo, uma reflexão sobre o papel da mulher na sociedade desde a

década de 30.

Também foi interessante os alunos conhecerem alguns autores consagrados da música

popular brasileira, com os quais eles dificilmente teriam contato por iniciativa própria, e fazer

um trabalho detalhado com interpretação de textos conotativos. Nesse momento, foi possível

explorar diversas características específicas das letras como o trabalho com linguagem

figurada e particularidades do poema como musicalidade, repetição, sonoridade, uso de rimas,

entre outros.

O foco do trabalho foi a análise do discurso, por isso os alunos leram, interpretaram e

discutiram letra por letra, tentando entender como era pensado o papel da mulher em cada

uma das décadas estudadas. Além disso, foi possível também conhecer alguns termos e

particularidades de cada década, como a moda, a regionalidade e os diversos exemplos de

mulheres que em sua época e de sua maneira contribuíram para que o papel da mulher fosse

discutido e ela tivesse, progressivamente seus direitos reconhecidos.

Outra questão a ser considerada e que foi bastante positiva e proveitosa foi a produção

de texto, visto que com cada uma das letras de música trabalhadas, os alunos produziram uma

tipologia textual diferenciada. Estudaram as características de todas elas e revisaram suas

especificidades.

Um trabalho como este mostrou-se importante por ser complexo, ter conteúdo e, ao

mesmo tempo, ser quase lúdico por ter como foco a música que é algo agradável e prazeroso.

Mesmo o período de implementação do material didático na escola tendo terminado,

continuo trabalhando com os alunos outras letras previstas, pois no material produzido

inicialmente, a ideia era analisarmos a visão da mulher em letras de música dos anos 30 até os

anos 2000.

Acredita-se que esse recorte maior tenderá a ampliar a visão que os alunos terão do

papel da mulher. Também será importante historicamente, pois terão mais facilidade de

perceber a evolução das conquistas e direitos que as mulheres foram tendo ao longo do tempo.

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