a violência no rosto da emigração: a gestualidade dos emigrantes galegos
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A motivação deste artigo surgiu da constatação de que um quinto da população galega vivefora das nossas fronteiras, sendo que a maior parte dessas pessoas não emigraram por vontade própria. Além disso, as pessoas migrantes sofreram a violência antes, durante e depois da viagemque lhes mudou a vida.TRANSCRIPT
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A VIOLNCIA NO ROSTO DA EMIGRAO:
A GESTUALIDADE DOS EMIGRANTES GALEGOS.
Aitor Rivas
A meus avs, minha famlia,meus amigos e amigas,
e a todos os galegos e galegasque sofreram a emigrao.
A motivao deste artigo surgiu da constatao de que um quinto da populao galega vive
fora das nossas fronteiras, sendo que a maior parte dessas pessoas no emigraram por vontade
prpria. Alm disso, as pessoas migrantes sofreram a violncia antes, durante e depois da viagem
que lhes mudou a vida.
No nosso trabalho pretendemos analisar quais foram os principais motivos e consequncias
da emigrao galega desde o sculo XIX por meio de dados quantitativos sobre o nmero de
pessoas foradas a emigrar. Estes dados so bem determinantes, porm, achamos que a anlise no
seria completa se no tentssemos conhecer como eram as sensaes dos emigrantes, quais os seus
medos e o que sentiam ao se mudarem para outros pases. Mas, onde possvel observar isso? Com
esse intuito analisaremos os rostos de algumas pessoas migrantes por intermdio do testemunho de
duas fotografias, sob uma perspectiva completa da comunicao no verbal proposta por
Birdwhistell (1970) e da tripla estrutura bsica da comunicao apresentada por Poyatos (1994a;
1994b), a qual j aplicamos na anlise do relato de um narrador oral (Rivas, 2015).
Mesmo sem pretenso de oferecer uma perspectiva absolutamente objetiva e exata dos
fenmenos migratrios na Galiza, queremos com este artigo iniciar uma pequena homenagem
memria daqueles homens e mulheres que se viram forados a mudar de sua casa, por outra que no
conheciam, e a realizar quaisquer tarefas para sobreviverem.
Em primeiro lugar, iremos esclarecer o que entendemos por migrao, emigrao e
imigrao. A migrao o movimento de entrada ou sada de indivduos em pases diferentes ou
dentro de um mesmo pas. Normalmente fala-se de imigrao para denominar a entrada de
estrangeiros em um pas, seja temporariamente ou permanentemente. J a emigrao (para a sada
espontnea de um territrio, provisria ou definitivamente).
Lembramos que as causas da emigrao so sempre plurais e mltiplas, mas existem trs
mais importantes e presentes em todos os fenmenos migratrios:
1. A pobreza: o desemprego e a falta de perspectiva de crescimento em certa regio sempre
foi uma das principais causas da migrao dos povos. Isso aconteceu, por exemplo, com a migrao
nordestina no Brasil; com os imigrantes mexicanos nos EUA; com a migrao galega dos ltimos
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duzentos anos.
2. A violncia: o grau de violncia sofrida por uma pessoa ou por uma comunidade. A
violncia uma das causas (e tambm uma consequncia) mais comuns que obrigam a migrar.
Seja por motivos tnicos, religiosos ou polticos, seja por outros motivos, a violncia esteve sempre
presente nas grandes migraes histricas: os judeus fugindo da Alemanha durante a Segunda
Guerra Mundial; os conflitos no Oriente Mdio; os homens que emigravam para no irem guerra
na Galiza... A violncia das guerras e conflitos blicos, e alm disso a violncia cometida contra as
mulheres.
3. O baixo nvel de estudos das pessoas migrantes. No exclusivo das pessoas migrantes,
mas muito comum que os homens e mulheres que emigram tenham um nvel de estudos baixo ou
nenhuma formao cultural. Milhares de pessoas saem de suas regies para procurarem uma melhor
situao econmica, sacrificando-se e permitindo que seus filhos possam estudar no futuro.
No sculo XIX a populao europeia quase duplicou, o que provocou o desemprego e
deteriorao das condies de vida, fazendo com que aumentasse a emigrao. Na Galiza essas
condies foram acentuadas pelos restos do sistema feudal e por uma modernizao serdia. Logo,
podemos questionar: por qu decidiram emigrar? Vejamos agora algumas caractersticas prprias da
migrao galega:
1. Elevado crescimento da populao nas dcadas anteriores.
2. Agricultura atrasada.
3. Predominncia de pequenos agricultores.
4. Sistema de herana desigual, que provoca a migrao das pessoas mais desfavorecidas.
5. Baixos nveis salariais e uma taxa de desemprego muito alta.
6. O pobre desenvolvimento urbano e industrial da Galiza.
7. O peso da existncia de uma tradio migratria anterior.
Muitos desses galegos e galegas foram obrigados a emigrarem por estas causas e tambm
devido a outras motivaes polticas, sociais, ideolgicas e econmicas. A sada natural (e
provavelmente a nica sada) para milhes de pessoas foi a emigrao, como disse Castelao, o pai
do nacionalismo galego:Os galegos sabemos arranxar os papeis e pedir un pasaxe de terceira; sabemos agacharnos nas bodegas duntrasatlntico cando non temos dieiro; sabemos pillar estradas cun fatelo ao lombo ou empurrando a roda deamolar; sabemos abrir fronteiras pechadas e pedir traballo en tdalas lngoas; sabemos, en fin, canto debe saberun bo camiante, anda que o viaxe sexa o primeiro da nosa vida.
(Castelao, Sempre en Galiza, 1944: p. 450-451)
A emigrao galega para o exterior conta com um precedente tradicional: as migraes de
curta e mdia distncia ou os chamados deslocamentos intrapeninsulares. Antes de cruzarem o
Atlntico, a partir da segunda metade do sculo XIX, os galegos tinham nas cidades portuguesas e
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castelhanas o seu destino preferencial. Este tipo de emigrao reunia atividades agrcolas e do setor
secundrio, e servia para as famlias camponesas como forma de complementar a renda da
economia familiar de subsistncia galega. Muitos galegos experimentaram, anteriormente, alguma
modalidade de emigrao peninsular, como, por exemplo, o deslocamento dos ceifeiros em Castela
e Andaluzia e a emigrao estacional de trabalhadores a outros pontos da Pennsula. Essa circulao
de homens dentro da Pennsula foi, durante sculos, a possibilidade de equilibrar a economia de
muitas famlias camponesas.
Devido a todos estes fatores, milhares de galegos e galegas se arriscaram a sair das suas
casas, atravessando o oceano para enfrentar um mundo desconhecido, no qual depositavam suas
esperanas e as de toda a famlia. Comeou assim, com o sculo XX, o que se conheceu como a
emigrao macia.
Com intuito de melhor apresentar esse contexto, podemos citar que no ano 1912 saram da
Galiza 203.542 emigrantes, seguindo de 1913 com 165.010 e 1920 com 163.465. O fato de que at
1910 no existam estatsticas fiveis fez com que todas estas cifras tivessem alguma impreciso,
pois nenhum autor conseguiu determinar a quantia das pessoas que emigraram clandestinamente.
especialmente notvel a quantidade de pessoas que escolheram a Amrica como destino
nestes anos. Muitas cidades do novo mundo passaram a formar parte da nossa geografia familiar:
Cuba, Mxico, Venezuela, Brasil e Argentina foram os pases com mais migrao galega.
De fato, a segunda cidade galega (atendendo origem galega da sua populao) Buenos
Aires, na Argentina, onde a imigrao da Galiza foi to macia que todos os espanhis so agora
conhecidos como gallegos (em espanhol, galegos). Como comenta Ruy Faras (2015, p. 37) sobre a
emigrao galega na Argentina: a presenza dos fillos de Galicia foi superlativa: en torno a 1,1
milln deles arribaron entre 1857 e 1960. (...) altura de 1910, a capital arxentina albergaba uns
150.000 galegos (...) sendo xa entn (...) a maior urbe galaica do planeta e por isso foi considerada
sempre como territrio galego.
Muitos galegos e galegas que levavam mais tempo l acolheram e ajudaram os outros que
acabavam de chegar. Este um exemplo de como era a percepo de um galego que acabava de
chegar na Argentina:Cuando llegamos la colonia de paisanos era muy grande. (...) Y todos resueltamente decididos a quedarse portoda la eternidad. Ninguno de ellos hablaba del retorno. (...) Nosotros (...) tambin llegamos con el decididopropsito de imitar a los que estaban, quedndonos para siempre. Ms cuando nos relacionbamos ydescubramos las ventajas que nos proporcionaba Argentina. Incluso vivir en una ciudad de la jerarqua deBuenos Aires. Nos entusiasmaba el que aqu podamos disponer de un hogar, educar los hijos sin separarnosde ellos, y disfrutar de muchos otros beneficios, que en la aldea ni sobamos.
(Puga, 1988: p. 159-160)
Porm, a partir de 1930 registrou-se uma forte crise migratria que durou at 1946/47,
interrompendo este xodo, e que foi originada por trs motivos. Em primeiro lugar, a crise
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econmica de 1929 que deixou muitos pases americanos em uma situao precria. Em segundo
lugar, a guerra civil espanhola (1936-1939), com o seu fechamento de fronteiras, e as pssimas
consequncias que sofreram os sobreviventes. Por ltimo, a segunda grande guerra, que fazia mais
difcil a travessia do Atlntico, porque as principais companhias de navegao pertenciam a pases
participantes no conflito blico. Neste perodo s se contabilizam 62.036 emigrados galegos, muitos
deles por motivos polticos.
Depois de 1945, com a fim da segunda grande guerra e a abertura de fronteiras, comeou um
novo perodo migratrio massivo, durando at 1970; perodo durante o qual emigraram 286.437
galegos.
Durante o governo fascista do General Franco, nomeadamente a partir de 1960, as
migraes interiores e transatlnticas foram amplamente superadas pelas facilidades oferecidas por
pases da Europa ocidental, imersos na industrializao posterior reconstruo ps-conflito (como
a Sua, a Alemanha, a Frana ou o Reino Unido) e muitas pessoas optaram por continuar com as
suas vidas procurando a sorte na Europa.
Um outro dado interessante que, desde 1961 at 1980, emigraram mais mulheres do que
anteriormente. A Galiza a comunidade que apresenta uma maior percentagem de mulheres entre
as pessoas migrantes. Aps as experincias anteriores, esta migrao europeia ficou muito mais
familiar, e frequente que muitos homens viajem acompanhados pelas mulheres ou que as
chamem depois de uns anos para o pais onde residem.
Um dos preconceitos mais comuns sobre a migrao que as pessoas vivem muito bem e
acabam esquecendo o seu pas. Nada mais longe da realidade aconteceu com os emigrantes galegos:
o demonstrando os milhares de centros e sociedades galegas que existem ainda hoje ao redor do
mundo.
No comeo, tudo era diferente para as pessoas que chegavam a um novo destino. As
diferenas a respeito dos seus lugares de origem eram enormes, como se pode ler nos testemunhos
daqueles que podiam e sabiam escrever cartas, destacando principalmente as coisas boas do lugar
de acolhida.
Por um lado sabemos que alguns emigrantes fizeram sucesso e ganharam dinheiro, mas,
contra o que algumas pessoas ainda hoje acreditam, no pensemos que esta foi a situao mais
habitual. A vergonha, o medo de serem ridicularizados e o sentimento de fracasso fez com que
muitos outros no tivessem coragem de voltar nunca mais sua terra natal.
Por outro lado, a emigrao modificou tambm negativamente a vida das pessoas que
ficaram: a falta de mo de obra, a falta de recursos, a ruptura social e, especialmente, a falta de
homens, veio provocada pela emigrao. Muito antes, na metade do sculo XIX, Rosala Castro, a
maior poeta galega, criticou nos seus textos a poltica que forava a emigrao dos seus
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compatriotas, explicando a quantidade de pessoas que emigraram e como ficou a situao da Galiza
na altura:Este vaise y aquel vaise,e todos, todos se van.Galicia, sin homes quedasque te poidan traballar.
Tes, en cambio, orfos e orfase campos de soledad,e nais que non teen fillose fillos que non tn pais.
E ts corazons que sufrenlongas ausencias morts,viudas de vivos e mortosque ningun consolar.
(Rosala Castro, Follas novas, 1880: p. 214).
Se fizermos uma aproximao ao nmero total de emigrantes, podemos comprovar que
desde 1810 at 1970 saram da Galiza 2.146.982 de galegos e galegas, dados que seriam mais
precisos se se pudesse quantificar o valor real do fenmeno clandestino.
E qual a situao no sculo XXI? A Galiza tem hoje uma populao total de 2.780.000
pessoas. Na atualidade mais de 480.000 galegos e galegas moram no exterior. Isso significa que o
18% est fora da Galiza.
Estes so os dados da dispora galega, mas neste trabalho no pretendemos fazer apenas
uma reviso histrica nem terica da emigrao, e sim uma breve aproximao s pessoas reais que
emigraram.
A seguir passamos anlise de duas fotografias de emigrantes no momento imediato
anterior sua partida para a emigrao e tentamos comprovar como se manifestam as
consequncias da violncia no rosto do emigrante a nvel cinsico (Birdwhistell, 1970).
A comunicao no verbal um fenmeno de muita complexidade, pode nos permitir
conhecer melhor a situao de uma pessoa, como o que pensa, devido aos comportamentos e
posturas no verbais que observamos no seu corpo, como j tnhamos comentado anteriormente: dicir, falamos de comunicacin non verbal para referrmonos ao conxunto de signos (movementos, cheiros,expresins do rostro, etc.) moito mis complexos ca a linguaxe verbal que serven para comunicar (voluntariaou involuntariamente). Como se pode observar, a linguaxe do corpo deixa ver moitas cousas de ns e tamn dequen nos rodean. O corpo , por riba de todo, un centro de informacins e, moitas veces, aquilo que menoscoecemos de ns mesmos o noso principal vehculo de comunicacin. Un observador atento podera vernunha persoa case todo aquilo que ela est a agochar, conscientemente ou non. Por iso, todo o que non se dicon palabras se pode atopar no ton de voz, na expresin do rostro, na forma do xesto ou na actitude de cadaindividuo.
(Rivas, 2008: p. 147)
A primeira imagem, do fotgrafo galego Manuel Ferrol, foi capturada no Porto da Corunha
(Galiza) em 1957 e pertence a uma srie de fotografias chamada de Emigracin.
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Nessa fotografia vemos um homem de uma idade mediana, nem jovem nem velho, que est
segurando alguma coisa (provavelmente uma pea de roupa) na sua mo direita. Em segundo plano
aparece um casal dando um emocionante abrao e mais atrs um grupo de pessoas se despedindo.
Provavelmente, o homem ir subir em um barco com destino emigrao para tentar ganhar a vida
em Cuba, em Venezuela, na Argentina ou no Brasil.
Analisemos agora o rosto do homem: ele est olhando para o fundo, com o olhar fixo em
um ponto longe e com uma expresso na sua face que transmite otimismo, incerteza e medo ao
mesmo tempo. Os olhos, um pouco fundos, tm um brilho especial e comunicam determinao,
esperana e iluso. A postura do seu tronco firme, mas no tensa, e tem um ombro mais afastado e
ligeiramente inclinado para atrs. Junto com os olhos, a posio da testa, firme e levemente erguida,
faz com que o imaginemos pensando no futuro. Porm, a boca, semiaberta, parece que vai esboar
um sorriso e deixa a mandbula descontrada.
Achamos que ele est um tanto nervoso, preocupado e concentrado pela viagem, mas o seu
rosto transmite tambm um certo otimismo a respeito do futuro, concentrado nesse ponto ao longe
(provavelmente o barco ou a imensidade do mar), alheio despedida das outras pessoas que o
rodeiam. A fotografia tem muita fora e parece-nos muito dura, principalmente se imaginamos a
situao pessoal do homem e lembramos a dramtica situao econmica e social na ps-guerra
espanhola e a incerteza perante a vida e o futuro que aguardava por ele em outro pas, bem longe da
sua terra.
Imagem 1. Despedida de emigrantes. Manuel Ferrol, 1957.
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Em um dos cantares mais conhecidos de Rosala Castro, no livro fundacional da literatura
galega moderna, aparece refletido este difcil momento da despedida das pessoas e da terra do
emigrante:Adios groria! Adios contento!Deixo a casa onde nacn,deixo a aldea que conosopor un mundo que non vin!
Deixo amigos por estraos,deixo a veiga polo mar,deixo, en fin, canto ben quero...Que pudera non deixar...!
(Rosala Castro, Cantares gallegos, 2013: p. 186).
Tanto quanto a dos versos de Rosala, a do emigrante da foto uma despedida amarga por
tudo o que tem que deixar para trs, mas tambm, ao mesmo tempo, deixa entrever iluso e
esperana, como a de muitssimas pessoas que emigraram nessa altura.
Passemos agora para a segunda imagem sobre a qual queremos fazer alguns comentrios,
tambm uma fotografia do porto da Corunha, mas tomada em 1962, uns anos depois da anterior, por
Alberto Mart Villardefrancos:
J nesta segunda fotografia pode-se observar quatro senhoras idosas subindo no barco que as
levar para um mundo diferente do que conhecem.
A primeira de todas elas caminha olhando para o cho, carregando uma sacola na mo
Imagem 2. Subindo a bordo co seu obxecto mis prezado: un tallo. Alberto Mart Villardefrancos, 1962.
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direita e alguns papis (que poderiam ser a passagem) na mo esquerda. Ela tem a cabea baixa,
com os olhos apontando para o cho, quase fechados, e com um gesto que indica tristeza e
concentrao em um tempo. A face est inclinada para abaixo, mostrando preocupao e tristeza,
provavelmente refletindo sobre a sua situao pessoal no presente e pensando no futuro... Parece
que vai sozinha, absolutamente alheia presena do fotgrafo e do resto das pessoas.
Tem tambm uma mulher atrs das outras trs, vestida com roupas claras, e que parece
acompanhada de um homem alto, mas que fica oculta atrs de uma outra e no podemos apreciar o
seu rosto. Parece mais jovem, pois a nica na imagem que no tem os cabelos brancos nem
cinzentos.
Na frente dela, observamos uma senhora vestida de preto, com cabelos brancos e com um
pano na cabea. Coloca a mo direita sobre o corrimo da passarela para se ajudar a subir no barco
e tem o olhar fixo no objetivo da cmera, at parece que mostra um sorriso para o fotgrafo. um
olhar cheio de esperana e, quase, de felicidade. Esse olhar e esse sorriso, como assinalamos em um
trabalho sobre o humor (Rivas, 2006) poderia estar relacionado com o que percebemos como a
retranca, o recurso humorstico mais tradicional e to prprio do ser galego. Na dcada de noventa
Os Diplomticos de Monte Alto cantavam: A vos quedades, a vos quedades, entre curas, frades e
militares. Era este o grito de autoconfiana de alguns que abandonavam a terra, dizendo adeus aos
que ficavam do jeito que mais dano podiam fazer: com o orgulho de emigrar, pois na verdade, todos
quereriam ir nesse barco. Esta mulher assimilou perfeitamente a situao de emigrante e parece
querer brincar com o destino, deixando um sorriso de despedida.
Porm, a mulher que achamos mais interessante na fotografia a que fica no centro da
imagem, em segundo lugar. Ela tem a mesma postura corporal do que a que acabamos de descrever,
mas com uma expresso no rosto muito diferente: tem as sobrancelhas baixas, os olhos tristes de
uma mulher cansada e que sofreu, vai acompanhada com um leve rictus de contrariedade e
sofrimento na boca. Tem a face alongada, melanclica, com esse tipo de sentimento que s as
pessoas mais idosas conseguem transmitir. Na mo esquerda leva um envelope com alguns papis e,
seguramente, um pouco dinheiro que poupou para os primeiros dias, e com o brao sujeita um
tamborete de madeira. Possivelmente esse tamborete seja um tesouro para ela, onde est contido
quase tudo o que tem e com um valor sentimental incalculvel.
O corpo da mulher, que segura com fora o corrimo parece se resistir viagem, mas o
tamborete arrasta com ele toda a iluso que pode restar para ela no futuro.
Achamos que para fechar este texto sobre a emigrao o poema A iluso do migrante de
Drummond de Andrade bem adequado. Nele pode se observar a percepo do mundo para muitos
migrantes, essa sensao de derrota que tm algumas pessoas em relao com o mundo onde vivem:Quando vim, se que vimde algum para outro lugar,
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o mundo girava, alheio minha baa pessoa,e no seu giro entrevique no se vai nem se voltade stio algum a nenhum.
(Carlos Drummond de Andrade, Farewell, 1996)
Finalmente, com esse artigo quisemos fazer uma aproximao emigrao galega dos
ltimos duzentos anos e mostrar a violncia que sofreram milhares de seres humanos, para ressaltar
que os emigrantes so mais do que nmeros e estatsticas, so histrias de muitas pessoas, famlias e
amigos que foram separados. Esperamos que estas pginas sirvam tambm para homenagear a todas
as pessoas que se viram obrigadas a emigrar e que sacrificaram as suas vidas para construir um
mundo melhor.
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