a vida privada de helena de tróia - john erskine

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A VIDA PRIVADA DE HELENA DE TROIA.

JOHN ERSKINE

PRIMEIRA PARTE O REGRESSO DE HELENA

O melhor de toda esta histria, foi Pris ter dado o prmio a Afrodite, no porque esta o subornasse, mas apenas porque ela era realmente bela. Se bem que Atena e Hera comeassem a discutir sobre a superioridade do poder e da sabedoria, a disputa entre as deusas era sobre a beleza. De forma que, a levantar-se a acusao de tentativa desleal de suborno, so Atena e Hera que a merecem e nunca Afrodite, pois esta mais no fez do que apresentar-se tal qual era para resolver o pleito a seu favor. Claro que s outras deusas no faltavam atributos. Porm, tratando-se de beleza, Afrodite era a prpria beleza. A profecia feita ento, casualmente, por esta deusa, de que Pris casaria com Helena, parecia improvvel. Todavia interessou o rapaz como experincia sobre o valor das promessas divinas. Talvez no acontecesse... Contudo, podia tambm acontecer. A deusa no quis revelar os seus pensamentos. Uma pessoa de senso, mesmo que acreditasse nos orculos, mais no tinha a fazer do que aguardar os acontecimentos. Entretanto, comeou Pris a imaginar como seria Helena; com quem se poderia ela parecer. Sentiu necessidade de viajar. E por que no ir a Esparta em vez de fazer outra qualquer viagem? Cassandra disse-lhe que no, mas Cassandra dizia sempre que no. Enona aconselhou-o a no ir, mas essa, evidentemente, no contava, porque... era a sua mulher. Partiu. Ao chegar ao palcio de Menelau, em Esparta, o guardio mandou-o entrar e, como se tratava de um estrangeiro, no lhe perguntaram nem o nome nem ao que vinha, antes de comer e descansar. Menelau adiou uma viagem que tinha planeado e empenhou-se honestamente no cumprimento de todos os sagrados deveres da hospitalidade. E, ao descobrir a nobreza do seu visitante,

disse a Pris que se considerasse como na sua prpria casa, que se servisse de tudo quanto lhe aprouvesse, e, depois das mais corteses desculpas, partiu para Creta, tal como havia planeado. Reinava, pois, o mais franco entendimento. O pior, que Pris j tinha visto Helena. Aps a queda de Tria, que ps fim guerra, Menelau entrou na cidade de gIdio na mo procura de Helena. Ainda no decidira se lhe iria enterrar a arma no peito tentador, se lhe cortaria de um s golpe o pescoo de cisne. Havia j bastante tempo que no via Helena. Esta esperava-o, como se tivessem marcado aquele encontro. Com um gesto de tocante simplicidade descobriu o peito, altura do corao, ofereceu-o vingana do esposo e fitou-o. Menelau, por sua vez, tambm a fitou. Atrapalhou-se com o gldio... - Helena - disse finalmente - j tempo de voltarmos para casa. Conta-se, ainda, a histria de outro modo. Diz-se que Menelau no estava s quando encontrou Helena naquela cmara retirada do palcio; encontravam-se a Agamnnon e outros chefes para assistirem, finalmente, ao castigo daquela mulher causadora de to dilatada guerra. Muitos homens que nunca tinham visto Helena empurravam-se porta para lanarem um primeiro e ltimo olhar quela beleza por quem haviam combatido. Quando Menelau viu Helena diante de si, lembrou-se que trazia uma escolta. A raiva e as foras comearam a esmorecer aos poucos, mas aqueles simpticos e dedicados amigos estavam ali para assistir vingana de um marido ultrajado. Menelau levantou o gldio vagarosamente, embora no com todo o vagar que desejava e, de repente, ouviu a voz de Agammnon: - A tua ira pode perfeitamente terminar aqui, Menelau. Se encontraste de novo a tua mulher, para que vais mat-la? Tomamos a cidade de Pramo, matamos Pris, ests vingado. Matar Helena s servir para embaraar aqueles que mais tarde quiserem investigar as causas desta guerra. Esparta no teve culpa alguma. A culpa

simplesmente de Pris, que veio como hspede e violou a tua magnfica hospitalidade. Nesse momento Menelau compreendeu por que motivo chamavam ao seu irmo o mais sbio dos reis. Porm, mais tarde, ceia, ouviram-no dizer que teria morto Helena se Agamnnon no se tivesse interposto. Durante a noite foi preciso conduzir Helena para os navios, juntamente com os outros prisioneiros. Contudo, Menelau hesitava sobre as posies relativas que ele e ela tomariam no cortejo. Evidentemente, no haviam de ir ao lado um do outro. Talvez ele frente... Porque no? Todavia renunciou idia, mesmo antes de chegarem rua. A importncia que dava a estas preocupaes de parada pareceu-lhe fora de propsito. Resolveu mandar Helena frente para que a sua presena de chefia a no protegesse dos insultos que as tropas curiosas lhe quisessem deitar em cara. Porm, os soldados viram-na passar e contemplaram-na em silncio, ou quase. Ningum reparava em Menelau. E ao passar, ouviu um dos homens dizer que ela se parecia com Afrodite apertada nos braos de Ares quando Hefasto, o marido enganado, atirou uma rede sobre os amantes e chamou os outros deuses para assistirem vergonha da mulher. Um outro soldado disse que, nesse momento, se sentia como os deuses: tambm lhe apetecia trocar de lugar com Ares, fosse em que circunstncias fosse, mesmo com rede e tudo. 3. Na noite seguinte, quando Tria foi posta a saque, apesar de no terem as mesmas razes de Menelau para se mostrarem violentos os outros homens foram menos benevolentes do que ele. No templo de Atena, jax encontrou Cassandra onde servia como sacerdotisa. Era uma rapariga bastante bela para Apolo a ter cobiado, apesar de no ter aquela superior beleza que protegia Helena. De modo que nem a beleza nem o fato de estarem, por assim dizer, na presena da deusa, defenderam Cassandra das vontades de jax, que, depois de satisfeito o seu capricho, prosseguiu nos afazeres da pilhagem.

Quando a raiva de Atena se desencadeou, jax reconheceu que injuriara a sua mulher, mas negou que tivesse desacreditado o templo, porquanto Ulisses roubara a imagem sagrada e, por conseguinte, a sala, se que era ainda um santurio, devia considerar-se abandonada. Porm, estas subtis distines no tinham grandes probabilidades de agradar deusa, e Agammnon fez saber de imediato que a armada adiaria a viagem de regresso ptria o tempo necessrio para que se realizassem grandes e prolongados sacrifcios, rituais de confisso e penitncia em honra de Atena, no fosse a deusa lembrar-se de lhes lavar aquelas ndoas da alma na gua fria do mar. O rigor de Agammnon nesta determinao tornou-se inflexvel a partir do momento em que repartiram o saque e Cassandra lhe coube no quinho. Durante todo o dia, enquanto alimentavam as chamas nos altares, Agammnon, rodeado do seu exrcito, permaneceu junto do sacerdote. Menelau estava a seu lado. Eram agora os senhores absolutos, visto que Aquiles tinha partido. Ao anoitecer, deixaram as oferendas a consumir-se lentamente. No acampamento os soldados acenderam as fogueiras para preparar a ceia, e o sacerdote veio anunciar que at a os pressgios apresentavam bons augrios. - Os sacrifcios comeam bem - disse Agammnon. - Para mim - disse Menelau - os sacrifcios acabaram. Como tu mesmo disseste ontem tarde, no foram os nossos pecados que nos trouxeram a Tria, mas sim os pecados alheios. Por maiores erros que tenhamos cometido desde que aqui chegmos, as ocasies para os lamentar e deles nos arrependermos tambm no faltaram. Se alguma coisa esquecemos por orgulho ou por ignorncia, este dia de sacrifcios deve ter compensado tudo isso e alguma coisa mais. Por isso, partirei para Esparta, o mais tardar amanh. - Sempre que penso em partir respondeu-lhe Agamnon -, lembrome de imediato de ulis. Para largarmos desse porto precisei de

sacrificar a vida da minha filha, oferecida em holocausto aos deuses. Nessa altura, nenhuns sacrifcios te pareciam excessivos. Revertiam todos a teu favor, meu irmo. A minha disputa com Aquiles j h muito tempo a expiei, porque era eu que estava enganado. Como, depois disso, em outras ocasies posso tambm ter errado, convencido de que estava certo, julgo que tenho agora obrigao de apaziguar a clera de Zeus e Atena, que me parece insuspeita, antes de levar as minhas hostes a enfrentarem mares e ventos e todos os perigos que nos separam da nossa ptria e dos entes que nos so queridos. - Do que tu realmente tens medo - disse Menelau -, da tua mulher. - A tua est junto de ti - tornou Agammnon - e a tua filha s e escorreita, em Esparta, a tratar dos teus negcios, que foi tambm, afinal, do que ns tratamos durante todo o tempo que aqui estivemos. Agora a minha vez de tratar do que me pertence. O que realmente temo que, enfurecida pelo roubo da sua imagem do templo e pela violao da sacerdotisa, Atena faa cair a sua clera sobre mim, sobre cada um dos meus, sobre ti, meu irmo, sobre o mais insignificante remador dos meus navios. - Ulisses roubou a imagem - disse Menelau -, porque no poderamos tomar a cidade enquanto a esttua l estivesse. Contudo, por essa e por outras coisas de grande utilidade que empreendeu, s ele deve sacrificar. E quanto ao que aconteceu a Cassandra, parece-me muito bem feito (embora um pouco cruel), porque Pris era irmo dela. A nica acusao que jax merece ter sido precipitado. Podia-lhe ter calhado a rapariga na repartio do saque. Levava-a com ele, e, em casa e com regalo, tratava-a como muito bem entendesse, a salvo da crtica dos deuses e dos protestos dos homens, uma vez que no tem mulher sua espera l em casa. - A minha mulher - volveu Agammnon -, at agora no causou nenhum escndalo na famlia. Sob esse ponto de vista bem diferente da sua irm Helena. Quantos foram os homens que j

seduziram Helena ou que Helena seduziu? Teseu, antes de ti; depois tu, claro; depois Pris; e, por fim, Defobo. E no houve qualquer coisa entre ela e Aquiles? E foi Heitor que a cobiou ou era ela que sonhava com Heitor? Meu irmo, uma filosofia prpria da famlia ensina-nos que devemos viver em paz com o passado. No me pareces a pessoa indicada para fazer reparos conduta de jax. Serve-te da tua filosofia, bem falta te faz. - Como ia dizendo - insistiu Menelau -, amanh largo rumo a Esparta. Tenho pena que nos separemos zangados, depois desta contenda. Se te fizesse c alguma falta, ficaria de boa vontade, mesmo que no me agradecesses. O que os deuses preferem, penso eu, so coisas razoveis; no fundo, no ,,querem mesmo outra coisa. Ainda que a tua mania dos sacrifcios prolongados tivesse algo a ver com a religio, sempre te diria que os mesmos deuses que nos deram sorte para queimarmos Tria, no iam agora querer que ficssemos aqui, para toda a vida. - Segue o teu caminho - disse Agammnon. - No mais te verei. - Ests de novo enganado - volveu-lhe Menelau. - Fao votos para que ele no te obrigue a mais nenhum sacrificiozinho de arrependimento. Helena estava sentada na tenda de Menelau, imvel, junto da lanterna vacilante. A chama e o fumo perfumado da tripea que subiam junto do seu rosto e o envolviam, despertaram no marido pensamentos de deusas e de fogos de altar. Afinal, porque estava ela ali? Seria possvel que tivesse passado o dia inteiro naquela tenda? L fora, durante os sacrifcios, Menelau imaginara-a humilhada, entre as outras cativas, sentindo, enfim, o ferrete do castigo. Ao menos podia bem ter-se levantado, quando ele entrou. - Amanh, vamos para Esparta. - To depressa? - Parece-te assim to depressa? Preferes Tria?

- Agora j no - disse Helena -, alis, no sei se te lembras, nunca tive especial predileo por lugar nenhum. Mas acho muitos homens e embarcaes para aprontar num s dia. Mais tempo levaste tu a partir quando vieste para aqui e tinhas mais razes para andar apressado, creio. Repara que, antes de partirmos h ainda sacrifcios para realizar: h que pensar nos deuses, no imenso e sombrio oceano, nas almas de tantos mortos para apaziguar. - Os mortos esto em paz e os deuses satisfeitos - disse Menelau. Para isso dedicamos todo o dia aos sacrifcios. O oceano permanece amplo e escuro. Agammnon continuar os sacrifcios por essa e por outras razes que as preces nada alteram. Tivemos agora mesmo uma contenda sobre o assunto, antes de nos separarmos. Ele fica ainda mais algum tempo com as suas tropas. Eu parto amanh com os meus homens e cativos. O que Menelau queria dizer era que partia com Helena, mas no sabia como diz-lo. Com a minha mulher e os meus cativos, no, no podia ser. Tambm lhe faltara coragem para ir at comigo e com os meus outros cativos. - Menelau - disse ela -, certamente que fao a viagem contigo, mesmo que a considere uma imprudncia da tua parte. Mas quem tem razo Agammnon. Os que tm conscincia do mal que praticaram necessitam de tempo para o remorso e o arrependimento, e ns, que guardamos o sentimento de no ter feito' mal algum, devemos tambm oferecer sacrifcios e proteger-nos contra o orgulho. Tu tens o teu velho bom senso, quase uma espcie de inteligncia, mas ainda te falta viso. - Segundo me parece - admirou-se Menelau -, ests a aconselhar-me a no me desviar das regras de conduta que a sociedade estabelece. a minha opinio - disse Helena. Olha, estou exausto e a minha cabea recusa-se a obedecer-me - volveu Menelau. - Queres voltar

para onde vieste, ou deixo-te nesta tenda? Partimos amanh de madrugada. A brisa soprava pela proa e os homens remavam. Menelau sentou-se junto ao timoneiro e Helena adiante dele com o rosto ao vento. Os remadores levantavam os olhos para ela. No lhe guardavam rancor, apesar de lhes ter trazido a guerra e os padecimentos. Primeiro movera-os a curiosidade, mas agora era j a compreenso e o respeito, como se houvesse algo divino no barco. Menelau observou a mudana no olhar dos marinheiros e encontrou-se a cismar nas razes que, de algum modo, o arrastaram a Tria. Passado muito tempo, Helena mudou de posio pela primeira vez, e fitou os olhos de Menelau. Os homens olharam tambm e esqueceram-se de remar. - Menelau - disse ela -, devias oferecer sacrifcios s divindades. H qualquer coisa de muito estranho neste barco. - Pelo contrrio - replicou ele -, o barco talvez aqui a nica coisa que no merece reparos. O vento est contrrio, mas os homens remam bem, exceto quando tu os distrais. - Neste momento, em Tria, ou em qualquer outro stio - disse ela -, Agammnon oferece as suas preces e parece-me que surtiro efeito; enquanto a nossa sorte se apresenta difcil, direi mesmo duvidosa, ele chegar, com certeza, a Esparta. Tu conheces bem o meu modo de ser. Nunca gostei de me meter em aventuras, a no ser quando sei exatamente para onde vou. Vamos para Esparta - disse Menelau. - Receio bem que no volveu ela. - Seguimos o bom rumo - disse o marido -, e a menos que as estrelas estejam avariadas neste mundo de incertezas, chegaremos a Esparta dentro de uma semana. O que j excelente, no achas? - perguntou ao timoneiro. - Muito mais tempo levamos ns para chegar a Tria - respondeu o

timoneiro. - Pois eu, quando vim para Tria - contou Helena -, demorei apenas trs dias, mas enfim foi uma viagem excepcional... Depois disto, os homens curvaram-se sobre os remos e o timoneiro ps-se a consultar os astros e a carta. Comearam a correr os dias. No incio, Helena olhava ainda para. Menelau, de tempos a tempos, como que para dizer alguma coisa, se surgisse a oportunidade. Contudo, por fim, sentava-se imvel, fitando o mar ao longe. Os remadores envolviam-na num olhar paciente, como se todos ali, menos o chefe, fossem fiis a alguma coisa, que Menelau no pudesse compreender, enquanto este se sentiu todo o tempo sozinho a recear que a gua e os mantimentos no fossem suficientes. - At que enfim que se v Esparta - disse, finalmente. - Duvido - respondeu Helena. Na realidade era o Egipto. Helena desceu para terra pela estreita prancha que os marinheiros suspenderam, como se constitusse um velho hbito passarem ali e ela desembarcar. O vento parou por completo. Os homens, fatigados, ergueram a tenda do rei, e abrigos para eles, e adormeceram. Menelau no conseguia lembrar-se de quando dera ordem para desembarcar, e, no tendo a certeza, no iria perguntar. Aguardaram melhores ventos. - Esta famosa terra mais interessante do que eu pensava - disse Helena algumas semanas mais tarde. - Nos meus passeios encontro indgenas com uma cultura que me parece bem acima do melhor que temos em Esparta, no achas? - Helena, tu exasperas-me - disse Menelau. - No estou aqui para percorrer o pas nem para comparar civilizaes. - Claro que no, nem eu - volveu Helena. - Quando achares o vento bom para partir diz-me. Entretanto, Polidamna, a mulher desse abastado mercador que te forneceu mantimentos para a viagem, est a ensinar-me a arte das ervas e das drogas, coisa muito til para

qualquer dona-de-casa. A no ser que ofereas sacrifcios aos deuses, parece-me que os dias que ainda temos de esperar pelo vento so suficientes para eu aprender muita coisa. - No quero saber de mais sacrifcios - disse Menelau. O vento h de levantar-se por si. - Ento, aprenderei tudo antes de partirmos. Sensivelmente quinze dias depois, Helena viu sair Menelau da casa de Tnis, marido de Polidarana, a esconder um cordeiro debaixo da tnica. Enquanto convocava os homens para um lugar retirado e sacrificava o cordeiro, ela conservou-se discretamente na tenda onde Menelau a veio encontrar, depois. - Prepara-te para embarcares amanh no caso de se levantar vento. Ela aprontou-se. E o vento tambm. No entanto, enviou uma brisa to frgil, to tnue e to breve que quando chegaram ilha de Faro dissipou-se definitivamente. - Ora muito bem - disse Menelau -, aqui est um bom porto e com gua bem fresca. Vamos aproar, encher os barris e esperar que o vento refresque. Helena desceu para terra pela estreita prancha que os marinheiros suspenderam, como se fosse habitual desembarcar-se sempre em Faro. No havia ningum na ilha, exceto um ou outro caranguejo que se aventurava para fora do mar. Vinte dias depois, os mantimentos acabaram-se e os homens nadaram ao longo da praia pedregosa para, com um cordel e anzis sem isco, tentarem pescar alguma coisa. Todos esses dias, Helena ou passeava, muito calma e graciosa, pelos caminhos mais macios que conseguia encontrar nos rochedos ou se sentava no cume de um penhasco admirando as guas cor-de-prpura, o vo das gaivotas e a linha do horizonte. Menelau evitava os homens e vagueava sozinho na extremidade da ilha oposta quela onde Helena se sentava. At que um dia se abeirou da mulher, sem que esta manifestasse a mais leve surpresa.

- Penso voltar para o Egipto - comeou ele. - Estes homens precisam realmente de comer mais do que podem encontrar aqui. Num dia de boa remada alcanaremos Canopo. _ Se ests a pedir-me conselho disse Helena - parece-me ser a coisa mais ajuizada que jamais disseste, porque, como dizes, precisamos de comer. - Helena, s vezes, irritas-me - explodiu Menelau. - Qualquer tolo saberia que somos obrigados a voltar. No aguardava a tua opinio para o fazer, embora j o devesse ter feito h muito. Contava que ela lhe perguntasse porque no o fizera, mas Helena manteve-se calada. Menelau voltou-lhe as costas furioso. Deparou com trs dos seus homens, plidos e esfomeados, chefia- dos pelo timoneiro a aguardarem a oportunidade de lhe dirigirem a palavra, que, pelos modos, se adivinhava inapropriada. - Menelau - comeou o timoneiro - seguimos-vos h tanto tempo que no podeis duvidar da nossa fidelidade. Isso autoriza-me a vir perguntar-vos se perdesteis a razo, se vos diverte sofrer, ou se vos apraz o espetculo do nosso sofrimento? Conservais-nos nesta ilha a morrer de fome, enquanto no Egito, a um dia de remos, se tivermos fora, podemos contar com alimento e conforto. Algumas horas mais e nem fora teremos para deitar o nosso barco gua. espera de vento, dizeis. Mesmo que viesse agora a melhor brisa os mantimentos j no chegavam para alcanar Esparta; no podemos pescar enquanto navegamos. - A fome perdoa os teus modos indesejveis - respondeu Menelau -, mas, como sucede sempre em casos destes, o conselho veio tarde e , alm disso, intil. J tinha decidido voltar ao Egipto para comprar mantimentos. Vamos partir imediatamente. Prepara o barco... Fiz-me entender? Deita o barco gua... Ou tens mais alguma coisa a acrescentar? - Sim, Menelau - replicou o timoneiro. - Quando chegarmos ao Egito faremos sacrifcios apropriados para que os deuses nos deixem chegar nossa terra. No o fizemos em Tria com os nossos companheiros, porque nos mandaste embora. Agora,

que sofremos o castigo, a mais ningum obedeceremos neste assunto seno aos deuses. Parece-nos que no teremos a sorte de ver os nossos amigos, a menos que ofeream hecatombes de sacrifcios aos imortais que governam os cus e os caminhos. Parece-nos ainda que j teramos morrido, se, para abrandar a clera dos deuses, no trouxssemos a bordo a vossa esposa, tambm para ns considerada imortal, e sempre adorada com o cuidado que merecem todos quantos esto acima de ns, nos do a vida ou a conservam. - Tambm me parece - disse Menelau - que altura de oferecer sacrifcios, simplesmente no h aqui nada que sirva para sacrificar. Logo que chegarmos ao Egito, como sugeres, contem com oferendas valiosas como, alis, eu j resolvera fazer na primeira oportunidade. E agora podes ir deitar o barco gua, a no ser que haja mais alguma coisa? Os homens correram para junto dos companheiros e Menelau voltou para junto de Helena. - Espero que no nos faas esperar mais porque esta conversa j durou bastante. No Egito, Tonis forneceu-lhes mantimentos, gado e vinho para os sacrifcios. Bem vista de todos e com repentes de irritao, Menelau enterrava a faca impiedosa nas goelas das vtimas, que caam para o cho a estrebuchar. Em seguida, vazava o vinho das nforas nas taas e espargia-o solenemente, enquanto, com voz cortante, orava aos deuses eternos. - Oh, Zeus, entre todos glorioso. Oh, Atena, temida me da sabedoria! Oh, vs todos, seres imortais! Aplicai os vossos castigos ante os olhos dos homens para que vejam a justia. Puni os culpados, recompensai os justos. Quem de entre ns vos ofendeu que morra de fome nos rochedos do mar ou afogado nas profundezas das guas. Mas os que, com coraes puros, obedeceram vossa

vontade, esses, levai-os depressa para junto dos seus e da ptria. E levantou-se ento o vento que os levou a todos sos e salvos at Esparta. - Menelau - disse Eteoneu, o velho guardio do palcio -, desde o vosso regresso espero que me dispenseis alguns minutos para falarmos. Estivestes ausente tanto tempo que certamente pretendereis que vos d conta de quanto se passou. - No h novidade, pois no? - perguntou Menelau. - Orestes esteve c. - Ah, o filho de meu irmo. - Exatamente - disse Eteoneu - e quase me apetecia acrescentar, o filho da irm da vossa esposa. - E o que queres dizer com isso? - perguntou Menelau. - Quero dizer que duvidei se devia mand-lo entrar. - Parece-me que tratas mal os parentes da minha mulher. - Para dizer a verdade - disse Eteoneu -, eu no calculava, antes de voltardes, que continusseis a contar com a vossa esposa entre as pessoas da famlia. - Ests a exceder-te - disse Menelau. - No, Menelau, no estou. Eu sei que o caso melindroso, mas temos que o encarar bem de frente. Eu, pelo menos, tenho que o fazer apesar de tudo, porque em parte sou responsvel. Quando Pris aqui chegou, fui eu quem lhe abriu a porta. O que se passou depois, todos ns sabemos. Pelo menos, conhecemos os factos. Mas o que nos tem confundido a quase todos a interpretao que lhe devemos dar. Recebestes Pris, claro, sem quererdes saber ao que vinha, e ele, em troca, roubou-vos a esposa e tudo quanto podia levar de vossa casa. Como estava certo e era decente, organizastes uma expedio para vos vingardes; ora, nenhum dos que c ficou contava com o regresso de Helena, e menos ainda merecendo novamente a vossa estima. Se quissseis explicar qual a nova situao, ou se, pelo menos, nos dsseis instrues sobre a

atitude que devemos tomar para com a vossa esposa, prestveis um grande auxlio a quantos vos servem, porque lhes resolvereis a embaraosa situao em que atualmente se encontram. - Estavas a falar de Orestes - lembrou Menelau. - Assim era. Pois, como vos deveis lembrar, antes de partir dissestes-me que olhasse pela casa com vigilncia redobrada, visto que os vossos melhores e mais valentes homens partiam convosco, e deixveis c a vossa filha Hermone e, ainda, os grandes tesouros das caves. Orestes apareceu numa situao destas. Talvez fosse minha obrigao, visto que se tratava de uma visita, mand-lo entrar primeiro e s depois saber quem era.e a que devia o prazer. A verdade, porm, que no me quis arriscar na vossa ausncia. Conservei-o l fora at saber quem era. natural que ele vos faa queixa por isso. - No h nada que eu mais deteste do que estes aborrecimentos de famlia. Espero que no tivessem chegado a discutir? - Custa-me dizer-vos, mas parece-me que sim - disse Eteoneu. Orestes quis saber o que se passava nesta casa para se esquecer toda a virtude, at a mais elementar. Insinuou, se bem me recordo, que a vergonha do nosso comportamento devia enojar os prprios deuses. Entrou em pormenores que no me atrevo a repetir. Em suma, afirmou que, comeando por um ligeiro deslize, perfeitamente perdovel, como era a infidelidade da vossa esposa, a degradao fora to longe que j nem sabamos o que era a hospitalidade. Assegurei-lhe que em vossa casa, tal como em qualquer outra de gente civilizada, nada era to sagrado como os direitos de um hspede, mas que ultimamente resolvramos tambm cuidar dos direitos do hospedeiro e, desde que estes ltimos tinham sido esquecidos por uma visita, nos sentamos um pouco nervosos diante dos rapazes novos, desconhecidos e simpticos como ele; acrescentei ainda que, atendendo aos tempos conturbados que vivemos, esperava que a nossa precauo no fosse mal

interpretada. - No vejo nessas palavras nada que o pudesse ofender - disse Menelau. - At aqui, no, realmente - tornou o guardio -, mas eu ainda no disse tudo. Quando ele gracejou acerca da vossa esposa senti que, por dever de lealdade a esta casa, devia fazer alguma coisa e perguntei-lhe pela sade da sua me. - Coisa absolutamente normal entre pessoas educadas. - Quero dizer - continuou o guardio -, que perguntei se no achava mais delicado abandonar a casa do seu marido antes de o trair do que engan-lo sob o prprio teto, enquanto ele est ausente. Orestes sentiu-se atingido. Foi por isso que se encolerizou. - Devo confessar que Orestes mais esperto do que eu se descobriu alguma inteno nessas palavras - disse Menelau. - Suponho que ainda no sabeis o que se passa - esclareceu Eteoneu -, mas em Esparta no se fala de outra coisa. A vossa cunhada Clitemenestra, a vossa cunhada dupla, podia eu dizer, visto ser irm da vossa esposa e mulher do vosso irmo, vive com Egisto desde que Agammnon partiu para Tria. Mal ele sabe o que o espera quando voltar. - Eu sempre disse! - exclamou Menelau. - Nunca gostei dessa mulher. O que me dizes aborrece-me, mas no me surpreende, a no ser pelo homem que est metido no caso. Egisto vai arrependerse pelo atrevimento. O meu irmo volta, com certeza. No lhe devem sentir muito a falta, mas quando ele souber disso, ainda vem mais depressa, tanto mis que, nos ltimos tempos, aprendeu a lidar com os homens que roubam as mulheres dos outros. - O que Esparta desejava saber - disse Eteoneu - se ele alguma vez aprendeu a lidar com Clitemenestra. Ela uma mulher temvel, mesmo nos seus momentos de maior doura, e atualmente no esconde de ningum a forma vergonhosa como vive. Segundo parece, pensa que os seus atos se justificam plenamente com outros

praticados por Agammnon. Tem tanto a certeza do regresso do vosso irmo como vs e cr-se at que lhe prepara uma recepo especial. - terrvel - suspirou Menelau. - Em todo o caso, devem ser ditos e mexericos. Mulheres to bonitas como estas duas irms pagam pelos seus dotes, sendo alvo da m lngua e da inveja. Realmente, Eteoneu, agora no me admiro em absoluto que Orestes se zangasse. - Nem eu - disse Eteoneu. - Porm, zangado ou no, o certo que se calou e no disse mais nada. Nem podia, alis, porque estes rumores de m lngua que se espalham sobre as mulheres bonitas so frequentemente maliciosos ou invejosos, como dizeis, mas raro no serem verdadeiros. - Bom - cortou Menelau -, isso so pormenores que no interessa discutir... Com que ento Orestes veio c a casa! Sinceramente, Eteoneu, agora gostava de ouvir a verso que ele apresenta desta histria. - Ah, mas isso faclimo - disse o guardio -, porque ele passou a vir aqui regularmente e, a no ser que os seus hbitos se tenham alterado, deve aparecer hoje ou amanh. - Pensei que no o tinhas deixado entrar! - Assim foi, no deixei. Mas ele tambm nunca mais me pediu licena. Entrou, simplesmente! Devo acrescentar que a inteno era estar com Hermone e que ela arranjava sempre as coisas para que isso acontecesse, no percebo bem como. E notai que agora a vossa filha gosta tanto de mim como Orestes! -No acredito em nenhum escndalo com a minha filha disse Menelau -, e procedeste mal ao sugerir-me essa idia. Assim, sinto-me na obrigao de tambm duvidar dos teus outros relatos. certo que me ausentei muitos anos e agora Hermone est uma mulher. Mas o seu carter, no fundo, no mudou. Sempre me pareceu uma rapariga conveniente.

- Tambm a mim, tambm a mim - exclamou Eteoneu -, e, quando se trata de rigor, Orestes ainda mais rigoroso. Tenho notado que acontece quase sempre assim: os filhos procuram portar-se bem, principalmente, quando os pais so alvo de conversa. - Dizem que a minha filha se parece comigo - afirmou Menelau - e creio que nos entenderemos. Mas, se tu mesmo concordas que ambos so pessoas convenientes, que diabo tens que estar para a a barafustar? Porque no deixaste o rapaz entrar de imediato? Antes de todo este embrglio na famlia j eles estavam prometidos um ao outro. Agora que voltamos, natural que casem, quem sabe se brevemente. A questo quererem. - Menelau - insistiu Eteoneu -, muito difcil fazer compreender estas coisas por meias palavras a quem no da minha profisso. Sou o guardio da vossa casa, da casa da vossa famlia, e o sentimento das responsabilidades agua o meu esprito de observao quando se trata de deixar entrar algum. No momento em que abri a porta a Pris, disse-me o corao que era o prprio amor que entrava e o instinto garantia-me que uma grande paixo ia perturbar a tranqilidade da vossa casa. Em compensao no sentistes perigo algum. Agora, Orestes, tenho a certeza absoluta disso, traz tambm idias novas. Se me disser bem as conseqncias deste fato, a introduo de novas idias, tereis mais cuidado. - Eteoneu - disse Menelau -, ouvi bastantes discursos desde que sa de Esparta e, posto que no me considere grande crtico no assunto, aprendi a descobrir as insinuaes escondidas nas palavras. Grande parte do que acabas de me dizer soa-me como um insulto diplomaticamente disfarado. - Posso ter excedido as minhas intenes - afirmou o guardio -, mas o que eu queria era simplesmente chamar a ateno para um problema que mais ningum pode resolver. Todos vos temos servido aqui com lealdade, mas no sabemos que lei nos

governa. Uma mulher, quando abandonava os filhos e o marido, era desonrada, e, quando era possvel, era castigada. Pensveis assim quando partistes para Tria. Ns aqui em casa passamos estes anos a preparar-nos para vos reconfortar o melhor possvel da solido, quando um dia voltsseis para... - No disseste j isso, h pouco? - interrompeu Menelau. Repetes-te e desvias-te do assunto principal. Pensei que me quisesses dar relao do que se passou em casa desde que a deixei. - Mas exatamente o que estou a fazer, Menelau. E se o fao indiretamente para no magoar ningum. Tento informar-vos, com todo o respeito e cautela, de que h idias novas perigosas e estranhas vossa casa, e tento descobrir se as conheceis e desaprovais ou se concordais com elas. Receio terrivelmente que concordais, porque, se assim for, terei de abandonar o vosso servio, velho como sou, pois, exatamente por ser assim to velho, j no mudo de idias. Suspeitei que estivsseis mudado assim que se avistou o vosso navio ao largo. Soubemos imediatamente que no viajveis sozinho: Helena voltava convosco. Primeira idia nova, Menelau. Fiis s nossas idias, pensamos que o fato, afinal, s traduzia uma atitude respeitvel para com a cativa arrependida, trazida para casa coberta de vergonha. A verdade, porm, que ela parece ignorar que coisa seja essa, a vergonha, e no se mostra nada arrependida. A vossa atitude condiz com a dela e ela porta-se como se no fosse uma... - Basta, Eteoneu - cortou Menelau - j ouvi mais do que devia. Primeiro, pretendes tratar do governo da casa; em seguida, lanar insinuaes sobre Orestes, que te desacreditam mais a ti do que a ele; por fim, tudo isso no passa de um pretexto para denegrres a reputao da minha mulher. Agora, que j c estou, quero ser eu prprio a assumir o governo da minha casa. Quanto a ti, pe-te no teu lugar: a guardar o porto. E ouve bem isto que te digo: se cometeres a loucura de falar novamente de Helena f-lo de maneira

que nada me chegue aos ouvidos. No sabes porque a poupei da morte? Porque extraordinariamente bela. No bem o teu caso, entendes? Toma, portanto, tento nessa lngua! - Louvados sejam os deuses! ~ exclamou o guardio. - Falais novamente como um chefe de outros tempos. Posso continuar com o que dizia? - Termina o assunto de Orestes e retira-te! - ordenou Menelau. - Tenho de voltar um pouco atrs, porque perdi o fio meada comeou Eteoneu. - Ah! sim... Estivemos a falar, claro, com a tripulao do navio, e os homens responderam-nos como se estivssemos loucos. Mesmo para eles, que suportaram a guerra de A VIDA PRIVADA DE HELENA DE TRIA 25 Tria e as suas misrias, Helena no mais do que, simplesmente, bela. Tentamos receber de vs algum esclarecimento; mas porque, segundo me parece, s vezes estais um pouco acabrunhado e porque, agora, vos zan -aste tanto quando falei no assunto, pareceme que tambm vs considerais Helena como a autoridade intangvel e a inspirao protectora do vosso lar. E eis que chega o caso de Orestes. Eu contava Hermone entre as raparigas educadas antiga. Achava encantador que ela se emocionasse com as histrias que circulavam a justificar a me ausente, histrias que, se lhes fssemos a dar crdito, faziam de Helena mais uma vtima do que uma... Bem, mas deixemos isso. Admirava a lealdade da filha, embora me parecesse estranha, porque, com certeza, ela no acreditava naqueles boatos. Mas eis que Orestes lhe mete na cabea ideias que noutros tempos vos teriam alarmado. E a pequena mudou completamente. H dias, conversando com ela acerca do primo, relatei-lhe tudo o que se passava entre Clitemenestra e Egisto e aconselhei-a a evitar compromissos com aquele ramo da famlia. Para minha grande admirao ouvi-a defender Cliteme~

nestra! Adivinhei de imediato os argumentos de Orestes. Apesar de no ser louvvel o procedimento da tia, dizia ela, tambm nada recomendava o de Agammnon. Pedira a Chtemenestra a filha mais nova, falando-lhe de um falso casamento ajustado com Aquils, e quando a me, embevecida, lhe enviou a filha, ele matou-a em sacrifcio para que os deuses lhe dessem bom vento e a frota pudesse largar do porto de ulis. Depois disto, perguntou-me Hermone que espcie de lealdade devia Clitemenestra a Agamrnnon. Eu fiquei estarrecido. Mas ainda observei que nada sricionava a conduta de Clitemenestra, enquanto o sacrifcio era sancionado pela religio. Pois riu-se-me nas barbas, Menelau... A tendes. Ora, eu acho isto perigoso. Se no tivsseis mudado, muito me agradecereis por estes amigveis avisos. - Agora, que finalmente chegaste ao ponto importante da questo, devo reconhecer que na realidade mudei bastante. j no receio as novas ideias como noutros tempos, o que ainda acontece contigo. Andei muito tempo longe de Esparta, vi outras terras, outras gentes. O esprito abre-se. Antes de partir, o que me podia a mim interessar, por exemplo, o Egipto? E, no entanto, terra bem curiosa, onde os indgenas sabem geralmente mais do que o melhor que temos em Esparta. Alm disso, fiz a guerra, no te

26 JOHN ERSKINE esqueas. Quando os nervos se conservam tensos, constantemente dominados por tremendas emooes, comeamos a compreender que as ideias mudam e que nem por isso somos piores. Os que vo guerra parecem mais ricos de ideias novas do que aqueles que ficam debaixo de telha. O que, evidentemente, no significa que partilhe as ideias de Orestes. Mas j no me assustam. Se antes de partir para Tria me dissesses que Aquiles entregaria o corpo de Heitor para a famlia lhe fazer o enterro e que suspenderia a luta doze dias para se realizarem os funerais em paz, eu no acreditaria. Todavia, foi o que aconteceu. Quando Helena fugiu com Pris, segui-os para os matar. Agora, tenho Helena de novo c em casa. algo que no consegues compreender. Pois a tens a nica ideia nova que em vinte anos entra na tua cabea: a deliciosa surpresa de encontrares a minha mulher ao meu lado, em vez de a ires visitar ao cemitrio. No te escondo que eu prprio me surpreendi, mas no tanto como tu. Explicaes? No tas sei dar. O mais que posso fazer constatar contigo que, na verdade, as nossas ideias mudaram. - A comparao entre o cadver de Heitor e a vossa esposa no me ocorreu, de facto - disse o guardio. - Segundo me parece, Menelau, tendes demonstrado que muito de bom resultou da guerra; evidentemente, no para os Troianos nem para Heitor nem para Ptrocolo nem para Aquiles, mas para vs. Se bem compreendi a lgica da vossa argumentao, quereis dizer que a vossa esposa vos prestou um favor ao fugir com outro homem? - Nunca achei tanto que a minha porta tivesse necessidade de guardio como neste momento. Questionei-me muitas vezes sobre o que teria levado a minha mulher a abandonar a casa. Pris, por si s, nunca seria razo suficiente. Acaso a massacraste com alguma destas conversas antes de ela partir? 6O

- Oh! Helena, que gentileza a tua vires to depressa retribuir a minha visita - exclamou Crita. - Tive tanta pena que no estivesses em casa! Assim que soube do teu regresso inesperado corri a visitar-te. No fiz mais do que a minha obrigao para com uma A VIDA PRIVADA DE HELENA DE TRIA 27 amiga de infncia. E, depois, h tantas coisas que gostava de saber! Vamos para a sombra, do outro lado do jardim. - Transformaste o teu jardim, Crita - disse Helena. - Ainda no tinha reparado. J antigamente era encantador. Mas ainda gosto mais dele assim do que da ltima vez que o vi. - O tempo realiza maravilhas - respondeu Crita. - Olha, Helena, a tua criada pode esperar l fora com o guarda-sol, porque no precisas dele. - No, pode vir comigo. Adrasta minha confidente. Vem c, Adrasta, quero que a minha velha amiga te conhea. Uma amiga de infncia. - Oh, Helena, que linda que ela ! E que extraordinria pessoa s tu para teres em casa rapariga to bela como esta. - A beleza no me contraria; porque no haveria de querer Adrasta junto de mim? - Talvez o teu marido no seja pessoa impressionvel, e no tens um filho que te preocupe! Meu filho Damastor, lembras-te dele? No lembras, com certeza, estava quase a nascer quando partiste para o Egipto. Pois, no calculas, Damastor belo como Apolo e tudo quanto beleza o apaixona. terrvel. Tentei educ-lo convenientemente, porm uma alma de artista e o facto assustame. (Meu pai tinha um primo afastado que tambm era artista). Tenho tentado manter-lhe o esprito ocupado, mas no h muita coisa para ele se distrair em Esparta. H Hermone, verdade, e eu bem gostaria que ele se prendesse por ali. Entretanto, consegui que se interessasse pela jardinagem. A maior parte do que vs trabalho

seu. Todavia, parece-me que as flores no o ocuparo por muito tempo. - Receias - disse Helena - que se apaixone por uma qualquer rapariga bonita? - Entendes bem onde quero chegar. - No, no sei. - Quero que ele ganhe reputao que lhe possa servir para no momento prprio se apaixonar por uma rapariga conveniente - disse Crita. - Sabes, to bem como eu, que a beleza cria por vezes complicaes s pessoas inexperientes. - Muitas vezes leva ao amor, creio eu - respondeu-lhe Helena -, e, na presena da verdadeira beleza, todos os homens se mostram inexperientes. Suponho que no h experiencia que chegue

28 JOHN ERSKINE para usar em tais casos. Queres que o teu filho se tome respeitvel e se apaixone por uma insignificante? ou que se conforme com as convenes e se case com alguma rapariga de quem no gosta? - Que cnica te tornou... quero dizer... no falavas nesse tom antes de partir de Esparta. - Antes de me ir embora - disse Helena - nunca tocmos neste assunto porque o teu filho ainda no tinha nascido, seno falar-te-ia na mesma linguagem. o que penso. No se trata de cinismo, mas, pelo contrrio, de honestidade. Sabes to bem como eu que absolutamente comum casar com qualquer pessoa que se respeite, embora se no ame. A sociedade no condena ning,urn por isso. E sabes perfeitamente que se cai no pas dos sonhos quando entregamos o corao a um companheiro, mesmo que no seja bonito. Isso mais do que respeitvel; admirvel. E coisa semelhante o que pensas para o teu rapaz, no ? - No coincide bem com os meus pontos de vista - respondeu-lhe Crita. - Nem com os meus, acredita! Ia justamente acrescentar que qualquer uma das duas frmulas, amor sem beleza e casamento sem amor, posto que respeitveis e convencionais so tambm muito perigosas. Por mais rara que seja a beleza, nada impede que um dia a encontremos no nosso caminho e no podemos deixar de nos prendermos a ela. - No vejo que isso possa ser uma necessidade absoluta disse Crita -, podemos estar presos a compromissos anteriores. - Para quem nunca se entregou beleza, no pode haver compromissos anteriores. ~ Queres dizer que no tentarias nada para evitar que um filho teu se apaixonasse pela primeira rapariga bonita que lhe

aparecesse? - Tentaria tudo para evitar que se apaixonasse por qualquer outra pessoa - disse Helena. - Quando encontrar uma rapariga bonita, o dever do rapaz an-la. , alias, o que ele far, mesmo que tenha compromissos anteriores com a respeitvel vida caseira. Antes queria o rapaz livre e sincero. O teu modo de encarar o caso, Crita, leva o teu filho a envergonhar-se de amar a beleza, coisa que, no entanto, nunca deixar de fazer, embora de maneira prfida e cnica. Com tanto esforo para o tomares respeitvel, podes obrig-lo a ser desonesto. A VIDA PRIVADA DE HELENA DE TRIA - assim que falas a Hermone? - quis saber Crita. - Tenho tido poucas oportunidades para falar com ela sobre qualquer assunto, todavia, se pudesse, dir-lhe-ia a mesma coisa. Confio que ela se apaixone pelo homem mais maravilhosamente belo que conhecer e agrada-me pensar que ficar apaixonada primeira vista. Seja como for, amar quem o destino lhe marcar e desnecessrio preocuparmo-nos com isso. Os deuses s aconselham os que tm o corao livre. - Importavas-te que Adrasta aguardasse na outra extremidade do jardim? Tenho uma ou duas coisas que gostaria de te dizer a ss disse Crita. - Adrasta, espera no extremo do jardim - ordenou Helena. E agora que ela se foi embora, devo dizer-te que no percebo os teus segredos. Se no podes dizer, no digas. - Helena, a franqueza fica-te muito bem, a ti, mas talvez faa mal aos outros. No devias dizer estas coisas sobre o meu filho frente da rapariga, porque lhe metes ideias na cabea. - Querida Crita, que ideias podemos expressar para proveito da mocidade, que s a Natureza ouve? S falei do teu filho depois de tu teres falado nele e mais no fiz do que desejar-lhe felicidades. Parece-me que tu que ests a estragar o rapaz. Mesmo frente

da rapariga mostraste que no depositas confiana alguma nele. Com certeza que ela no pode apaixonar-se pelo teu filho s com as tuas descries. Deves mand-lo l a casa qualquer dia para nos provar que mais homem do que as tuas palavras deixam supor. Tenho curiosidade de ver o rapaz. - j l tem ido vrias vezes para ver Hermone. No te podia dizer isto diante da tua criada, mas alegrava-me bastante se ele pensasse na tua filha. Ao menos ningum tem nada que dizer dela. - No ser bem assim - disse Helena -, ou ento no entendo nada da natureza humana. Em todo o caso acho que no merece o teu filho. Sabes se Hermone se interessa por Damastor? O pai sempre ambicionou cas-la com o primo Orestes. - Que estranho! Nem ela nem o meu filho me falaram de Orestes. Tambm, verdade seja dita, no lhe conviria. Em todas as frequentes visitas que me fez, ultimamente, do que mais falvamos era de... - De qu? - insistiu Helena. - Continua.

30 JOHN ERSKINE - Ora, de que havia de ser!? De ti. Esclareceu-me de tudo e devo dizer que me tirou um grandepeso de cima. - Fala claro para poder compreender onde queres chegar. Que esclareceu a minha filha? Que dvidas te pesavam no espirito? - Oh! Helena, queria evitar tocar no assunto assim to cedo, mas, j que insistes, continuo. Hermone esclareceu-me sobre tudo o que houve entre ti e Pris, e fiquei to grata por saber que estavas inocente, que... - Inocente de qu? - interrompeu Helena. - Referes-te a algum crime? Essa boa! Talvez Hermone me explique o caso quando eu chegar a casa. - Bom, no lhe chamemos crime! Mas, segundo me pareceu, como aconteceu a toda a gente, alis, tu fugiste com Pris para Tria, porque ele era teu amante e porque te apaixonaras por ele. Confesso que acreditei nessa verso, Helena. O teu marido cometeu o mesmo erro, naturalssimo. E, como Pris era um prncipe, pensmos que se comportava como tal. Depois viemos a saber, pelos relatos de Hermone, do seu baixo carcter e do que tu te livraste. S ento te compreendemos como vtima involuntria e o facto alegrou-nos bastante. Menelau tambm te perdoou, cheio de contentamento. - Menelau!? - admirou-se Helena. - Bom, mas, voltando a Pris, em que argumentos fundamenta Hermone essa convico de carcter grosseiro e modos de vilo? - Roubou a moblia! - O qu? - gritou Helena. - Pelo menos foi o que Hermone contou - prosseguiu Crita. - E, alm disso, obrigou-te a ires com ele. Hermone exprimiu-se muito discretamente como convinha a uma menina educada, mas depreendia-se facilmente que, durante todo o caminho at ao Egipto,

resististe a Pris e que l te socorreram. Deves ter vivido uma aventura apaixonante. - Crita - volveu Helena -, nem calculas como estou interessada na verso que Hermone apresenta da minha histria. Quando contou ela tudo isso? - A maior parte antes de chegares. Mais tarde, acrescentou alguns pormenores. E ainda h dias me garantiu que, depois da tua chegada, pudera confirmar alguns factos passados no Egipto. A VIDA PRIVADA DE HELENA DE TRIA 31 - Que histria essa? - perguntou Helena. - Agora comeo a compreender onde querias chegar em relao s referncias ao Egipto no princpio da nossa conversa. - Olha! Foi Hermione que me disse o nome do casal que te recolheu. Tou ou Tnis?... e Polidarana, no ? - Ah, sim... Fiquei no Egipto em casa de Tnis e Polidamna, segundo vocs dizem? - Mas no foi assim? Foi o que Hermone nos garantiu... - O melhor contares tudo o que ela disse para depois eu poder pr as coisas no seu devido lugar - disse Helena. - Esta conversa, afinal, no passa de uma tolice minha. Melhor seria ouvir-te contar como as coisas se passaram. Mas, enfim, l vai... Antes dos esclarecimentos de Hermone julgmos, muito simplesmente, que fugiras com o teu amante. S depois soubemos que ele te raptara contra a tua vontade e que roubara a Menelau alguns objectos de valor, revelando assim de que tipo era. O vento, certamente porque os deuses te protegiam, em vez de levar o barco para Tria, levou-o para o Egipto. A pediste socorro, e Tnis mataria Pris se os direitos da hospitalidade no lhe valessem. Pris foi obrigado a partir sozinho para Tria. Tu e os objectos roubados esperaram em casa de Tnis e Polidamna, onde o teu marido te foi buscar para te trazer para Esparta. Foi assim, no verdade? - Quer

dizer que Hermone cr que no houve guerra de Tria? - perguntou Helena. - Claro que no... isto , sim. A guerra eclodiu, segundo ela diz, de uma confuso lamentvel, mas natural. O teu marido e os seus aliados chegaram a Tria para te reclamar. Os Troianos garantiam que no te encontravas l, mas os nossos no acreditaram. Sobretudo, parecia suspeito que eles afirmassem que esperavas por Menelau no Egipto e no negassem que Pris voltara ptria. Neste estado de coisas pareceu que no havia mais nada a fazer seno lutar. Ora, se te encontrasses na cidade, como diz Hermone com muita razo, os Troianos at se alegrariam, podendo devolver-te e evitar a guerra. - Hermone disse uma coisa dessas? - Disse. E para salvar a cidade compreende-se perfeitamente. Como atacaram a cidade, foraram-nos a defender-se. S quando Tria caiu, se soube a verdade, mas j era muito tarde. Tanto tempo

32 JOHN ERSKINE perdido! A Menelau no restava outra soluo: voltou ao Egipto e trouxe-te para casa. Pelo que conheo do teu marido, calculo que devia estar bastante irritado. - Com certeza - disse Helena. - A viagem ao Egipto no lhe agradou muito, no. E que mais contou Hermone? - No contou mais nada, que me lembre... - Ouve, Crita - perguntou Helena -, contaste esta histria a alguns dos nossos amigos? - A todos quantos pude, Helena. Sabia que lhes dava grande alegria ver limpa a tua reputao, porque todos ns somos teus amigos. - Vejo que, durante algum tempo, vou ter bastante trabalho a corrigir todas essas patranhas. Posso comear por ti, Crita. Certamente que no acreditaste em Hermone? - Mas certamente que sim, que acreditei. Deu-nos uma explicao perfeitamente plausvel e, pela amizade que nos une, uma explicao bem do meu agrado. No me comportaria como amiga verdadeira se no empregasse todos os esforos ao meu alcance para poder acreditar! - Pareceu-te verosmil que Hermone soubesse todas as circunstncias que me levaram a fugir de casa, quando ela, nessa altura, no passava de uma garota? Por amizade, convenceste-te de que eu esperei vinte anos no Egipto, e que no podia voltar a Esparta sem a escolta de Menelau? Pois bem, permite-me que te esclarea completamente. Eu e Menelau aportmos ao Egipto, levados pelo vento, quando regressvamos de Tria. Nunca vivi em casa de Tnis e Polidamna, apesar de serem eles a venderem-nos mantimentos. Com Pris, a viagem at Tria foi muito rpida e directa. Pelo menos diverti-me bastante e no a achei demorada. Amei Pris loucamente. Alis, nunca me levaria, se no fosse vontade minha segui-lo. Tambm no roubou coisa alguma de casa

de Menelau. Segundo parece, alguns objectos desapareceram na confuso; mas devem encontrar-se facilmente por a, em Esparta. Nem Pris levou nada para Esparta nem Tnis entregou a Menelau nada para trazer. - Helena, no me digas tal coisa. Quis pensar no melhor lastimou-se Crita. - No acredito, no posso acreditar: quando olho para ti, acho-te com um ar to..., no te zangas, se eu disser?, um ar to inocente! E s agora tu prpria quem desmente a nossa A VIDA PRIVADA DE HELENA DE TRIA 33 interpretao honrosa dos factos, e s agora tu quem insiste em ser.. em ser aquilo que ns, no incio, dissemos que eras. No te compreendo nem entendo como voltaste com Menelau para casa... - Ou porque voltou ele para casa comigo, se quiseres - interrompeu Helena. - Essa a parte mais intrincada do caso. Parece que a famlia e os amigos ficaram bastante intrigados. No tentarei explicar-te a conduta de Menelau. A verdade, porm, que foi ele que insistiu para que voltasse. Inicialmente quis matar-me, mas arrependeu-se. Se quiseres conhecer mais a fundo as suas razes, pergunta-lhe quando te vier visitar. Neste momento s te posso explicar as razes das atitudes que tomei. Obrigada, antes de mais nada, querida Crita, por me achares com ar inocente. Estou, com efeito, inocente de tudo, excepto de ter amado. Pelo que disseste esta tarde, talvez penses que o amor nefando crime. Admitamos que sim e chamemos-lhe grande... infortnio, mas cheio de uma infelicidade que todos querem provar. Perante infelicidades e erros, devemos todos comportar-nos com sinceridade. Com mais fortes razes, ainda, devemos ser sinceros perante as misrias que os nossos erros e infelicidades trazem aos outros. Se eu consentisse que a mesquinha histria que inventaram para me justificar continuasse a correr, elibava-me das censuras que mereo, como causadora de todas as desditas que sofremos com a guerra de Tria.

No quero que assim seja. Estava l. Causei a guerra. Neg-lo, seria negar-me a mim prpria para viver encoberta na hipocrisia e na mentira. _ Por quem s, Helena! Atordoas-me com os teus raciocnios. Por um lado, queres que todos saibam que causaste a guerra, e, por outro, pretendes que te considerem to inocente como pareces? Que ideia fazes tu da inocncia? - Crita, j sabes que no costumo atrapalhar-me com pouca coisa. Muito me agradaria saber, agora, a que chamas tu decncia. Estamos aqui sentadas no teu jardim em pleno dia, os teus criados e vizinhos podem ver as companhias comprometedoras que recebes. Queres que me retire j ou pretendes ouvir, primeiro, o resto da minha histria? - No sejas susceptvel, Helena, e acaba de cont-la. Evidentemente que quero ouvir at ao fim. Desejo ardentemente compreender o caso. - No sou eu quem to pode explicar - respondeu Helena. A nossa experincia diferente e as nossas ideias, provavelmente,

34 JOHN ERSKINE tambm. Mas aqui tens a razo por que me considero inocente. Os homens costumam apaixonar-se por mim sem eu querer. Nunca procurei apoquentaes na minha vida. Sou eu mesma e isso tem sido suficiente. Tambm nunca desejei amar. Casar sim. Alegrou-me bastante casar com Menelau, e no andava longe de pensar, como tu, com prudente convico que o casamento se arranja e suporta mais facilmente do que o amor. Contra a minha vontade apaixoneime por Pris. Eis uma fatalidade da qual, portanto, no me responsabilizo. Colocava-se o problema da sinceridade. A, pelo menos, agia em plena liberdade, qualquer que fosse a aco do destino. Desde que me cabia amar, escolhi o amor, Crita, salvei, sem mcula, uma nica virtude de toda esta entontecedora aventura: a sinceridade. Conservei tambm um pouco de lucidez, a bastante para, desde os primeiros momentos, compreender que tudo acabaria mal. Abandonava a minha filha. Como se formaria a sua alma inocente, entregue a si prpria e com tal exemplo na famlia? Quando chegmos a Tria, pensei que os Troianos prefeririam repudiar-nos, a mim e a Pris, do que arriscarem-se a uma guerra. Nada disso aconteceu, afinal. Receberam-me admiravelmente. E todas as vezes que a guerra no lhes corria de feio no se esqueciam de me afirmar que s o facto de me terem junto deles compensava todos os sacrifcios. Crita, uma mulher que comete um erro, embora sem o poder remediar, se se apresenta disposta a expiar todas as desgraas como nica culpada, na minha opinio, est com certeza acima da moral comum. Segundo as tuas normas, penso eu, e tambm segundo as minhas, evidentemente, os Troianos tinham perdido o sentido das consequncias morais dos actos que praticavam. A histria inventada por Hermone salvaria a reputao dos Troianos, mas obscureceria a minha. Orgulho-me da prontido com que me ofereci para pagar a infelicidade que trouxe

aos outros. Sem esta rectido moral, nunca poderia tranquilizar-se a minha conscincia. Penso que Menelau, tal como os Troianos, tambm se mostrou moralmente abalado. Desde o incio do cerco previ que o nosso povo venceria e calculei que Menelau me mataria. Porm, tal no aconteceu. Muito pelo contrrio, trouxe-me para Tria, como vs. Quase podia dizer que os deuses no se comportaram como deviam por me terem poupado a vida - mas talvez, para expiar as minhas faltas, me reservem o sofrimento de verificar que a minha filha, abandonada, cresceu educada no amor A VIDA PRIVADA DE HELENA DE TRIA 35 pela respeitabilidade e pela mentira. Se, junto dela, acompanhasse a sua educao, sempre lhe teria ensinado a amar sinceramente a verdade. - Com as coisas colocadas desse modo, Helena, comeo a no compreender Menelau, como j no te compreendia a ti. Ia jurar que perseguia loucamente a vingana. Sempre foi um marido to ciumento... - Na verdade. Quando me viu, avanou para mim com um punhal, uma espada ou algo semelhante. No reparei, por indiferena. Esperei e no fiz sequer um gesto instintivo para me desviar. Mais, facilitei-lhe a tarefa rasgando o vestido e descobrindo o seio que lhe ofereci... assim... olha! - Ah!... E foi ento que decidiu no te matar? Pobre homem!... Helena, s uma mulher impossvel. - Impossvel porqu, Crita? Simples e sem malcia o que eu sou. Muito mais correcta, parece-me, do que as pessoas no meio das quais tento levar uma vida certa. Com a minha experincia e habituada como estou s voltas que o mundo d, no s verias que a nossa ideia de justia no tem qualquer fundamento prtico, como tambm concordarias que grande parte das nossas infelicidades so obra de foras superiores a que no podemos furtar-nos. O amor, por

exemplo. Farias melhor se lhe erguesses as mos suplicantes. To terrvel como belo e bem diferente do que pensas, Crita, bem longe de ser apenas uma palavra para exprimir um sentimento que nos domina. - Nunca estudei o assunto to a fundo como tu - disse Crita. Com certeza falaste muitas vezes com Pris sobre o assunto. Como era ele? No me disseste quase nada sobre Pris... - Amei-o. Morreu. Que queres que te diga dele? - Perdoas a minha pergunta, no verdade? Mas espicaa-me a curiosidade saber como teria aceite a tua filosofia. Amaste-o tanto que fugiste com ele, mas, agora que est morto, pareces pouco comovida. Pareces cruel por isso, Helena. Devias parecer triste, ao menos. - Se te disser a verdade no me compreenders. Apesar de tudo, a a tens, no amei Pris, mas outro que ele me recordava. A princpio julgava que o amava a ele... mas, depois, quem amei e amarei sempre, foi quem pensei que Pris era. Comecei apaixonada, mas acabei por ter pena dele.

36 JOHN ERSKINE A VIDA PRIVADA DE HELENA DE TRIA 37 - A est o aborrecido das aventuras. Trazem sempre desiluso afirmou Crita. Ah, tu sabes uma coisa dessas? - admirou-se Helena. Quem o no sabe? E, no teu caso, a desiluso deve ter-te feito sentir que cometeras uma falta invulgarmente grave. Por isso continuo sem compreender grande coisa da tua filosofia sobre a inocncia, Helena. - Se considerarmos a iluso de amar falta to grave, ento, Crita, consideremos a maior parte dos casamentos desastres fatais. Por favor, v se compreendes porque tive pena de Pris. Senti que tambm se considerava perdido numa louca aventura, perdido por outra que no era bem eu, mas que eu lhe lembrava, perdido por outra que no mais encontraria, como eu. No tambm o que acontece nos chamados casamentos de amor? Muito bons maridos so tambm homens perdidos. E quando se chega a isso, Crita, o que ser das mulheres? verdade, a propsito, altura de eu perguntar como resistiu ao tempo o amor conjugal c em casa? - Julgo que no posso falar de coisas to ntimas, nem mesmo contigo, Helena. Alm disso, no tenho nada a dizer. Eu e o meu marido mantivemo-nos inteiramente fiis um ao outro. - Talvez assim no fosse se houvesse uma criada bonita c em casa. Quanto a ti, Crita, queres dizer que ainda vives no apogeu da iluso amorosa ou, muito simplesmente, que te esforas por olhar menos para os outros homens do que para o teu marido? - No fales desse modo, Helena. Confundes-me. Reconheo-me antiga, mas gosto das antigas maneiras entre os homens e as mulheres. - Adrasta tambm deve gostar, porque encontrou um amigo ao fundo do jardim e conversa com ele h mais de um quarto de hora

confidencialmente, para no dizer muito intimamente. - Deuses misericordiosos! - gritou Crita. - o meu filh,@, Damastor! Bem te dizia, Helena, eu bem te dizia! 7. Hermone era filha de Helena, mas Menelau era seu pai. Her~ mone herdara os cabelos negros, os olhos escuros e o porte real de Menelau. Mantinha o aprumo de quem sabe o que vale. Helena nascera rainha, Hermone herdava um reino. No se podia dizer bonita, mas acudia a beleza ao esprito quando se a contemplava. Com admirvel carcter, Hermone pensava que o mundo podia dirigir-se pela aco directa da inteligncia e da vontade. Pensava desempenhar o seu papel. De p diante de Helena, alta e delgada, mostrava grande -vontade e questionava-se sobre as razes pelas quais a me a mandaria chamar. - Hermone - comeou Helena -, mal cheguei a Esparta verifiquei que correm, a meu respeito, certos rumores escandalosos. Talvez possas explic-los. Conhece-los? - A qual dos boatos te referes, me? - Parece que sempre sabes do que se trata. Devo conhecer a origem de tudo o que se diz para, se for possvel, pr cobro a tal exagero. O escndalo sempre aborrecido e muitas vezes desnecessrio. - s vezes, no inevitvel! - Nunca - exclamou Helena. - Sei de muitas pessoas que assim pensam mas no posso estar de acordo. Seja como for, no disso que se trata agora. Desejo descobrir a origem dessas histrias em que figuro bem discretamente. Quando comearam a correr pela primeira vez? - Eu preferia esquecer o assunto da nossa conversa, me! - Vamos falar, primeiro, para esquecer depois - insistiu Helena. - Das vrias histrias que correm, qual ouviste contar primeiro e quando? - Corre o boato de que deixaste o teu marido e fugiste com Pris para Tria. Foi o primeiro que ouvi, e logo a seguir tua partida. - Mas isso no um boato, a pura verdade.

- Se no boato, no sei o que seja - disse Hermone. - Vejo que no, que no sabes, minha filha. Num boato h sempre qualquer coisa de falso e difamatrio. Boato, segundo penso, , por exemplo, a histria que ouvi a Crita, ontem tarde, afirmando que nunca estive em Tria, que Pris me raptou contra a minha vontade, que roubou a moblia c de casa, que os ventos nos levaram para o Egipto. Enfim, conheces essa histria absurda, no verdade? Ora bem: a isto que eu chamo um boato. Que iria eu fazer ao Egipto? Por que motivo fugiria com um ladro?

38 JOHN ERSKINE - A verdade que a moblia desapareceu - interrompeu Hermone -, e deves concordar, me, que Pris era a pessoa que devamos culpar, desde que ele... bem, desde que ele fez... o que fez. - O que fez ele!? - perguntou Helena, admirada. - No passavas de uma criana, nesse tempo. Sempre gostava de ouvir o que sabes sobre o episdio. Talvez se suprimisses a parte maldosa do boato. Pris no me raptou. Acompanhei-o com muito gosto. Mas, mesmo que me tivesse raptado, preferia pensar que fazia alguma diferena da moblia. Hermone nada disse. - Ento? - insistiu Helena. - Me, isto um assunto terrvel que preferia evitar - disse Hermone. - No prprio em conversas de uma menina com a sua me tratar... - De qu? - _do carcter do homem que... do que te seduziu. - Ningum me seduziu nem ningum te pediu a opinio sobre o carcter de Pris. Tinhas um ano quando te viu pela ltima vez. O que quero saber so coisas de que podes falar. Como comearam estes boatos? - Se pretendes que cheguemos a um acordo, acho que no deves desviar a conversa do seu curso natural. Eu no queria dizer nada, mas se, afinal sempre falamos no caso, insisto que o ponto principal da questo Pris. Claro que, quando ele partiu, eu no podia formar opinio alguma sobre a sua conduta. Mas agora posso... e no muito honrosa. Pris morreu, e o que l vai, l vai. No entanto, a sua conduta parece-me, e parecer-me-, de mau gosto. - Pris, segundo creio - disse Helena -, j no pode evitar que assim penses. Hs-de concordar que eu disponho de mais elementos do que tu para poder avali-lo e compreend-lo. Mas isso agora no

importa. Como que os tais boatos comearam? Sabes? - Visto que resolveste aclarar especialmente esse ponto, devo declarar que fui eu quem inventou toda a verso que tanto te interessa. - Isso est de acordo com o que ouvi em casa de Crita. Folgo muito com a franqueza de te confessares a autora. Mas, como pudeste tu, Hermone, forjar tantas mentiras? No respondas, A VIDA PRIVADA DE HELENA DE TRIA 39 filha. Sei que o resultado de te ter abandonado e de ningum te ter educado. - Magoas-me, me - protestou Hermone -, feres-me profundarnente com a crueldade do que me dizes e a frieza com que o fazes. Tentei respeitar-te, chamei-te me mas no pertencemos uma outra. Com um pouco mais de sentimentos humanos compreenderias porque tentei tudo ao meu alcance para te salvar a reputao e quis ter esperana em aparncias enganadoras, em ver Se conservava ao menos um pouco de considerao para o teu regresso, no caso de voltares. No olhes para mim dessa maneira. No tens o direito. Se acaso filha minha me dissesse tantas verdades como eu agora te digo, a vergonha no me deixaria olhar assim com tal ar to resplandecente e sereno. Helena continuou radiante e serena. - Respeitabilidade baseada na falsidade - disse ela. - Nada mais te sugeriu o teu amor por mim. j vi tentativas semelhantes anteriormente, Hermone. Pareces-te muito com o teu pai. E tambm com a minha irm, para meu desgosto. A propsito, viste Orestes, na minha ausncia? - De vez em quando - respondeu Hermone. - Isto , no muitas vezes. - Que fossem muitas vezes, no era crime nenhum, pois no? Hermone nada disse. - No precisas de corar - continuou Helena , ainda no a

tua filha que fala; por enquanto a tua me que te atrapalha com a teimosia da sinceridade. No me contraria de modo algum que vejas o teu primo frequentemente. Hermone continuava calada. - Escusas de te envergonhar, mesmo que o vejas muitas vezes continuou a sua me. - At chegmos a planear que o casaramos contigo e suponho que ele gosta de ti. Levantei a questo apenas para examinar um pouco mais do teu carcter. Percebo que te faltasse a coragem para falares de mim, s nova, e o meu caso nico. No compreendo a dificuldade que mostras em contar a verdade da tua vida impecvel. Tentaste manter a minha honorabilidade com fabulosas mentiras; diz-me o que pode ganhar a tua honra com essa falta de franqueza? - Orestes vem c a casa com frequncia - disse Hermone embora eu ache que no muito frequentemente. Talvez por isso

40 JOHN ERSKINE A VIDA PRIVADA DE HELENA DE TRIA 41 andamos to apaixonados um pelo outro. l devia ter confessado isto h mais tempo, mas receava que no gostasses de Orestes. - Realmente no gosto muito, no, mas, como no sou eu que vou casar com ele, no importa. E tu, gostas dele? Repara no dilema em que te colocaste. Se desejasses casar com ele e o deixasses porque eu desaprovava, verificando que seguias o meu conselho, concuia igualmente que no estavas to apaixonada como dizias. Mas) se pretendes casar com ele apesar de tudo e encobres as tuas intenes para te furtares minha opinio, no s no me lisonjeias como me levas a pensar que no dou nada por esse casamento. No casamento, mais do que em qualquer outra coisa, necessria uma grande coragem de convices... No incio, pelo menos... - Fazes-me muito mal - interrompeu Hermone, sem se poder conter. - Tentei falar-te de uma maneira suficientemente clara para te satisfazer, a ti e a mim. No sei se isto da coragem das minhas convices, ou se sou eu que estou irritada, mas devo dizer que no admiro em absoluto o teu tipo de coragem nem o gnero de homem com quem fugiste, nem as tuas ideias de honestidade. Houve em mim, nem sei porqu, um impulso para te poupar a que ouvisses algumas verdades amargas, mas j no posso conter-me. No sou to velha como tu, mas no me sinto muito nova. Criei-me a meditar sobre aquilo a que chamas a tua carreira nica, e concedo, sem a menor sombra de vergonha, que sou mais antiquada do que tu. Gosto da respeitabilidade que pareces temer. Quero casar com um homem de quem possa gostar bastante para sermos felizes toda a vida. Pretendo viver a minha vida famliar sossegadamente. Peo desculpa pela tentativa de salvamento da tua reputao, visto que preferes que assim no seja, mas devo dizer que da no vem

grande mal, porque, na verdade, nenhum dos teus amigos acreditou. Fi-lo para cumprir um dever. No te devo gratido nem razes de amor, porque nada tentaste para a minha felicidade, como, alis, nada tentaste para a felicidade de ningum, nem do meu pai nem de Pris nem de nenhum outro. Pris reconheceu com certeza a loucura de te ter levado. Hermone admirava-se com a coragem da sua prpria indignao, mas sentia-se profundamente satisfeita. Sentia-se a viver um grande momento. Helena, caso estranho, tambm parecia muito satisfeita. - Finalmente, dizes a verdade! - disse ela. - Graas aos deuses olmpicos, apesar de, como quase sempre que se diz coisas desagradveis aos outros, comeares pelo fim. Gosto muito mais de ouvir-te dizer a verdade do que essas tolas mentiras que a tua cabecinha inventou. Agora mostraste-te coerente em todos os pontos: no tens razes para gostares de mim, nem para me teres gratido. Quanto a Pris, muitas vezes me pergunto porque teria gostado de mim. E respondo-me que talvez pela mesma razo porque o teu pai no me matou naquela noite em Tra. Disse a Pris precisamente o que tu disseste h pouco, que nunca proporcionei felicidade a ningum. Tambm lhe disse que homem nenhum me fizera feliz. E garanti-lhe que a promessa de xtase imortal se converteria num momento breve e ilusrio e que atrs da nossa paixo viria um cortejo de infortnios que provavelmente o arrastariam para a morte. Apesar de tudo, com os olhos bem abertos e em perfeito uso da razo, escolheu pelo nosso amor, se que houve realmente aquilo a que se pode chamar escolha. Mais duras eram ainda as circunstncias de teu pai, quando me encontrou, de espada desembainhada e assassnio no peito. Tinha todo o direito de me matar e eu assim o pensava, se que, realmente, eu tambm pensava nalguma coisa naquele momento.

Hermone estava aborrecida por ver a me continuar impassvel. Julgou que chegara o momento de tomar novamente a palavra, porm no conseguiu alinhavar duas ideias. Sentiu-se subitamente exausta. j h um grande bocado que estava de p. Sentou-se ao lado da me. - Falaste com exactido - continuou Helena -, mas s ainda muito nova para apreenderes certos pormenores. Sim, tinha obrigao de te fazer feliz, porque se deve fazer felizes os nossos filhos. j no digo o mesmo do nosso amante. Neste ltimo caso, nego qualquer espcie de obrigao. Se soubssemos com antecedncia o que aceitamos e o que nos espera, a felicidade seria a ltima coisa a pedir ao amor. Uma divina realizao da vida, sim, um despertar para o mundo exterior e para a vida interior, sim, mas nunca a felicidade. Desejava poder ensinar-te, Hermone, que uma mulher ou um homem amado so apenas momentos de uni sonho. Quanto mais forte o amor, como ns dizemos, mais clara e real nos parece a viso. No podes amar e, simultaneaniente, dar felicidade ao teu amor, pela contradio que o desejo

42 JOHN ERSKINE encerra. Se ele te amar realmente, considera-te superior e sofre com a tua superioridade; se lhe provares que no vales tanto quanto supunha, igualmente sofrer a stil desiluso. - No te consideras, tu mesma, um caso especial? - perguntou finalmente Hermone. - Para ti o amor pode ser to incerta perturbao, mas os outros que observo minha volta tomam-no como felicidade belamente normal e breve. Pelo menos no falam como tu, mostram viver com alegria e conforto e felicitam os jovens que procuram casar-se. - Minha querida filha, sou, como dizes, um caso especial, como so todos os que conheceram realmente o amor, o amor verdadeiro. H, no entanto, nessas culminncias, conhecimentos rudi- mentares, gerais, que gostaria de partilhar contigo, se pudesse. intil, porm. S tua custa aprenders, quando te apaixonares. - Mas estou apaixonada - garantiu Hermone. - Amo Orestes. - Sim, minha filha, mas no profundamente. Aposto que Orestes nunca te decepcionou. - Nunca. - a primeira parte. S quando se cria uma iluso se pode sofrer um desapontamento. - J conheo uma nova concepo de honestidade e hei-de fazer o possvel por apreender a tua ideia do amor. Posso fazer-te uma pergunta indiscreta? Suponho que estas teorias se aplicam tanto a ti como aos homens que te amaram. O amor tambm tem sido sempre um engano para ti? - Nunca um engano, sempre uma iluso - respondeu Helena. - Ento, quando fugiste com Pris, se no era realmente o prprio Pris que tu amavas, como descobriste mais tarde? - Podes diz-lo. Era um Pris da minha fantasia. - J que te no podes elibar com a desculpa que me atribuis da

inexperincia, porque j amaras o meu pai e descobriras que no realizava os teus sonhos, como explicas que te deixasses ir numa segunda desiluso? - Eu s casei com o teu pai - respondeu Helena. - Nunca disse que o amei. Para no te desgostar nem difamar as tradies da famlia, falo sempre da minha afeio para com Menelau e da sua correco como esposo. Contudo, mesmo que me tivesse apaixonado por ele, a tua argumentao no me atingia. Confessaria, nesse caso, igual desiluso no amor de Menelau e de Pris. Mas A VIDA PRIVADA DE HELENA DE TRIA 43 continuaria a preferr a minha iluso por este. pela iluso que nos apaixonamos, sem querer saber como acontece nem como acabar. Toda a iluso a mais benvinda; s enquanto dura, atingimos a luminosidade do nosso prprio ser. Sob este aspecto, ao que me parece, o amor uma doena incuravel. - Nesse caso - tornou Hermone -, quando algum te causasse tal divina viso de ti prpria, podias conservar a felicidade, se no visses outra vez o objecto do teu amor? - A est uma observao cheia de profundidade. Simplesmente para tanta sabedoria seria necessria desumanidade. - Outra pergunta, me; o pai pensa como tu? - Duvido. Mas, se queres que te diga a verdade, no sei. Eu e o teu pai nunca falmos das ideias que ele tem sobre o amor. - Quer-me parecer como certo que no concordaria e eu tambm no concordo - disse Hermone. - O teu elogio da franqueza d-me coragem para afirmar que no me parece que as pessoas que conheo, excepto tu, se considerem enganadas pelo amor, nem que aquilo que apresentam como sua felicidade se deva considerar mera iluso. Para mim, ambiciono a felicidade igual que eles gozam. Nunca perceberei como tu, to bela e to inteligente, com um marido escolhido por ti, entre tantos pretendentes esplndidos, pudeste cair

no erro de seguir esse asitico. Esforcei-me por me aperceber do estado de esprito em que estavas quando fugiste e no h forma de o compreender. - No, realmente, nesse aspecto no conseguiste ver nada. Mas voltemos aos boatos que tu espalhaste. Afirmaste a Crita que parti contra a minha vontade. Pris levou-me, ento, fora... - Pareceu-me a verso mais simptica. - Ah, houve escolha de verses!? Ao que eu escapei, deuses magnnimos! E quais eram as outras? Conta l... - Oh, me, que interessa isso, agora!? J que espalhei boatos e que te aborreceram, peo-te desculpa, pronto. S consegues irritar-me com essa maneira com que me examinas. Tentei proceder bem e tu, em compensao, enervas-me. - Se tentaste o melhor procedimento, no deves enervar-te disse Helena. - Mas suspeito que no te achavas muito vontade nesse momento. s demasiado inteligente para no saberes aquilo que dizias.

44 JOHN ERSKINE A VIDA PRIVADA DE HELENA DE TRIA ,45 - Evidentemente, no ignorava que dizia uma mentira. Mas era no teu interesse, no interesse da famlia. Capaz de inventar algumas, tratei de escolher a melhor.A primeira em que pensei no valia grande coisa. Era tirada de uma poesia j antiga, daquelas que falam dos encantos dos deuses, que iludem os amantes, e eles ficam sem saber quem tm nos braos, e s quando acordam do encanto que do pelo logro... Andava to desesperada, no incio, que pensei dizer que Afrodite te encantara e que, quando julgavas abraar Menelau, acordaste com Pris nos braos. No te rias, porque depressa vi a ineficcia dessa poesia cedia. Depois tambm poderia dizer que acompanharas Pris livremente, mas parecia muito desonroso e no podia explicar tudo at ao fim. Para mais, era o que pensava toda a cidade. Resolvi, finalmente, que Pris te arrastara fora. - Por mais espantoso que isto te possa parecer, a par do que te disse h pouco, sobre o amor, a tua primeira ideia no se fundava numa poesia to tola e cedia, como dizes, e, se a tens espalhado, nunca pensaria em combat-la como calnia, porque realmente a verdade. Pris nunca me poderia arrastar contra a minha vontade. Em certo sentido, parti por vontade prpria, no entanto, na verdade profunda das coisas, a tua ideia que justa: eu estava subjugada por um encantamento. - Oh, minha me, por favor, nisso ningum acreditar, num sculo como este. - verdade, Hermone, a profunda verdade! Pensamos que abraamos Menelau e, afinal, Pris quem temos nos braos. - Dou-te a minha palavra de honra, me, que nunca na minha vida ouvi observao mais cnica do que essa. - Pelo contrrio, minha filha. uma das mais puras e optimistas que

ouvirs, principalmente proferida pela minha boca. Tu ainda no compreendes e muitos dos que deveriam sab-lo parecem ter medo de o reconhecer, mas, no amor, h sempre um natural encantamento da paixo que nos arrasta e, quando o encantamento desaparece, como deve, nasce das suas razes a erva daninha da desiluso ou a realidade soberba da amizade, da camaradagem e da harmonia. Sempre procurei este fruto na terra do encantamento e, embora o no encontrasse, estou em crer que existe. ~ Se todos pensassem como tu, no sei o que seria do mundo. No temos o direito de construir a nossa prpria vida... Se no tratamos de construir a nossa, arriscamo-nos a destruIr a dos outros. - O que eu quero dizer, minha me, que no andamos sozinhos neste mundo. Bem sei que tens uma resposta para tudo, mas que ro dizer-te que me parece bizarro o teu sentido das propores. Censuras-me por espalhar uma histria sobre a tua vida, falsa bem sei, mas em circunstncias especiais e com intenes generosas. Enquanto isso, tens estado aqui a proferir, com a tua voz calma e o teu ar inocente, ideias que incendiariam o mundo, se algum lhes desse ouvidos. Dizer uma pequena mentira para atenuar uma falta, no me parece to censurvel como incendiar cidades, provocar e semear a morte entre os homens. - Nada te parecer to censurvel enquanto no perguntares qual a verdadeira causa dos incndios das cidades, das mortes e das guerras. Descobrirs ento que a causa remota de todas as hecatombes foi uma pequena mentira, apresentada com um fim generoso. Se todos pensassem como eu, dizes tu! No defendo nenhuma ideia especial seno a de que devemos ser to sinceros quanto possvel. Certamente que no estamos sozinhos no mundo, e a primeira condio para viver bem com os outros, penso, sermos inteiramente verdadeiros com eles. Como pode alguma vez chamar-se generosa a qualquer ideia que pertena a uma

mentira? Eu reparo no que aconteceu s pessoas, dizes tu. Bem, e agora que lhes vai acontecer? Desde que voltei, noto como as maneiras correctas dos nossos antepassados, os modos educados que os homens sensatos aprovaram como forma de respeitar a felicidade dos outros, servem presentemente para encobrir as maiores torpezas. Crita veio aqui assim que cheguei. Nada mais amvel do que desejar ver uma amiga de infncia, h muito ausente. Podia traz-la c outra ideia justa, seno a generosidade de ver a amiga? Retribui a visita e sei agora o que ela vale, por dentro e por fora. Contou-me todos os disparates que tentaste pr a circular com a grande esperana, sempre, de que no correspondessem verdade. Calculou sempre o pior. Enquanto se apressava tanto para c vir, no pensava seno nas novidades frescas que poderia encontrar, nos pormenores da minha experincia mais ntima para discutir com as vizinhas com maior conhecimento de causa sobre a minha ignomnia. E, depois, pobre mulher que nunca teve aventuras, ficou absolutamente desapontada. No soube

46 JOHN ERSKINE novidades e verificou como em relao verdade das coisas eu sou profundamente honesta. - Me, como possvel uma coisas destas?! - Agora no quero discutir o caso - disse Helena. - E depois, estou cansada de servir de tema da conversa, sobretudo quando de ti que quero falar. Porm, no te quero deixar sem te dizer isto, que para teu governo: De todos quantos foram a Tria por minha causa, fui eu a nica que voltou com a noo de honestidade intacta. Por pouco que esta conversa te abra os olhos, observa as pessoas tua volta, observa-te a ti prpria, e vers onde quero chegar. Dispomos do direito de orientar as nossas vidas e tu tens mesmo o direito de casar com Orestes (se bem que eu mantenha a secreta esperana de que no o fars). Lembra-te, porm, de que esse direito de escolha implica um dever: o de sofrer as consequencias. Se tivesse vivido junto de ti para te educar convenientemente no precisaria agora de te dizer que, para pessoas inteligentes, o momento do arrependimento entra em considerao antes de qualquer outro. Procede o melhor que puderes. Mas, se te enganares, no escondas, sente a alegria em sofrer a dor do teu engano. isto a moralidade. isto a honestidade, e parece-me que no vejo muita pela ruas da nossa cidade. - justo lembrar-te - disse Hermione -, que Crita se mostrou muito minha amiga durante a tua ausncia. Admirar-se-ia, com certeza, se soubesse o que pensas a seu respeito. - j o sabe e ficou realmente admirada por lho ter dito - continuou Helena. - Considero-a uma mulher perigosa. Fixa bem as minhas palavras: ainda a veremos causadora de muito mal. Que tipo de rapaz o filho dela? - Damastor? Bastante bom. No iguala a me em firmeza de princpios, mas inofensivo. Alis, Crita domina-o completamente.

- Que queres tu dizer com esse inofensivo? - Hum? Nada; que se porta bem. comedido, silencioso, talvez um pouco criana para a idade. o tipo de rapaz de quem tu deves gostar.. O qu, Damastor?! - exclamou Hermone. A me diz que ele sente um grande entusiasmo por ti. Por mim? Pois, olhe, mal o conheo. Vi-o apenas algumas vezes em casa da sua me. Nunca me revelou grandes sinais de A VIDA PRIVADA DE HELENA DE TRIA ,47 entusiasmo, felizmente! Sempre o considerei como uma simples criana. - Ento ele no te tem visitado ultimamente? - Nunca. Quem te disse isso? - Crita. Garantiu-me que o seu filho lho tinha dito. Calculei imediatamente que era mentira. Trata-se de uma famlia respeitvel, bem acima da mediania na mentira, pelo menos. Podias ter encontrado um partido pior.

SEGUNDA PARTE A NOVA GERAO

- Menelau - disse Helena -, podes dar-me duas palavras? - Agora no posso. O que pretendes? - Queria que falssemos de Hermone. - Porqu? O que lhe aconteceu? - No lhe aconteceu mal nenhum. Quero apenas que pensemos no seu futuro. Nunca prestmos ateno ao assunto' mas tu deves sentir, como eu, a obrigao de planear a felicidade futura da nossa filha. - Temos tempo. Esta manh tenho muito que fazer. Alm disso, o assunto no me parece de grande importncia. Hermone no infeliz. - Para mim muito importante, Menelau. Hermone pode no ser infeliz; espero que o no seja nunca. Mas a verdade que a menosprezmos bastante. Agora que nos reunimos todos em casa de novo, devemos estudar e preparar tudo quanto lhe possa aumentar a felicidade, at se fazer uma senhora. No vejo que possas adiar to sagrado dever. - Ora, sim senhor, gosto disso! As coisas que tu dizes, Helena. Se Hermone foi menosprezada, gostava que me dissesses quem O fez. Quem te ouvisse falar pensaria que sou eu quem tem a culpa. - Ambos a deixmos, embora por diferentes razes - interveio Helena. -Aceito a censura, se quiseres, mas agora que voltmos tempo de repararmos o mal. Presumo que os teus desejos sejam

52 JOHN ERSKINE os mesmos e, neste caso, no pode haver nada mais importante para fazer esta manh. Todavia, se andas to absorvido pelas tuas ocupaes, peo-te que marques umdia e uma hora para conversarmos. A verdade, porm, que no andas preocupado com coisa nenhuma, Menelau. Quando entrei estavas ali de p a olhar distraidamente l para fora. ~ J devias saber que um homem, mesmo de p, a olhar distraidamente l para fora, pode estar profundamente ocupado. Mas tu no me compreendes, Helena. escusado insistir. Se eu no pensasse muitas vezes, e profundamente, onde andariam j estas terras... Mesmo assim, a situao no de todo desafogada. Parece-me que a melhor maneira de pensar no futuro da minha filha restabelecer a prosperidade dos meus domnios. - Tu diriges maravilhosamente o governo e a administrao do reino, Menelau. Ningum, nesse aspecto, te aprecia mais do que eu. por isso que quero ouvir a tua sensata opinio. Precisamos do teu conselho antes que ela se entregue excessivamente... - Se entregue a qu? - Bom... para comear, a escolher um marido. - Ah! Orestes? - Por exemplo. Ela imagina que est apaixonada pelo pobre rapaz. - ptimo! - exclamou Menelau. - Ento est tudo resolvido. Querias mais alguma coisa? - Espera, que ainda no acabmos o assunto de Orestes volveu Helena. - No dou nada pela paixo de Hermone. Duvido que saiba o que o amor. Resolveu casar com ele e nada mais. - Posso dizer ptimo de novo, se me ds licena, e se continuas a querer o meu conselho, nada impede o casamento. Parece-me que todos concordamos com isso j h muito tempo. - Pois, exactamente, a que est o mal. Aprendemos muito desde

ento. Para que me serviria ento a experincia? Orestes no marido para a minha filha. _ Falas da tua filha, mas eu tambm gosto de ser includo, pelo menos enquanto me pedes conselhos. Veio perfeitamente onde queres chegar, Helena. Resolveste sozinha qualquer coisa e agora pretendes dar-me a novidade docemente. j me pediram muitos conselhos desses. Ouve, e de uma vez por todas, Orestes agrada-me como genro, se a nossa filha o quiser. Alm disso, nunca A VIDA PRIVADA DE HELENA DE TRIA 53 me constou que tivesse rivais e, finalmente, como podes ter uma opinio, se no vemos o nosso sobrinho h tanto tempo? No o reconheceramos se o encontrssemos. Hermone est mais habilitada do que ns para ter uma opinio. Segundo me disseram, foram atrados um para o outro pelo interesse com que ambos pensavam nos pais ausentes. O que diz ela de Orestes? - Que o ama. Nada mais categrico. Ora, se certo que no conheo Orestes pessoalmente, a verdade que conheo a me, tu conheces o pai, e o filho no pode deixar de sair a um ou a outro. - Realmente, nunca gostei muito da tua irm, mas julgava-te mais benevolente na apreciao de Agammnon; concordavas frequentemente com as suas opinies, pelo menos tomavas sempre o seu partido contra mim; e ele sempre foi muito corts para contigo. Um dos teus admiradores, alis. Mas, seja como for, no me parece justo que culpes Orestes do que pensas sobre o meu irmo e sobre Cliteninestra. _ O sangue o dir. Sempre me pareceu que estava ali o ponto fraco da famlia. - Clitemnestra, fraca? - admirou-se Menelau. - Conheces bem a tua irm. H muito tempo disse eu a Agammnon que dava prova de grande coragem por casar com ela. Vais ver como me d razo, se conseguir acabar com aquelas fogueiras de sacrifcios e voltar realidade. Na noite em que nos separmos disse-lhe que no

devia andar com muita vontade de tornar a ver a mulher. Mas, com certeza, esqueceu-se da observao! - O que queres dizer com toda essa conversa? - Bem vs... No queria ser eu a dizer-te... Enfim, ela tua irm- A tens uma das coisas em que eu estava a pensar h pouco, quando entraste. Eteoneu garantiu-me que Clitemnestra acabou tudo com Agammnon. Vive abertamente com Egisto e tenciona discutir o assunto com o meu irmo quando ele voltar. Vai haver grande questo, certamente. De quem eu tenho pena de Egisto, coitado, qualquer que seja o final de tudo isto. Se soubesse onde Agammnon se encontra neste momento, eu... Quando entraste pensava, justamente, na melhor forma de o auxiliar, sem ser preciso andar ridiculamente a vigiar a porta de Cliteninestra. - A minha irm nunca soube tratar um marido - disse Helena. Embora no me importe de todo com Agammnon, sempre

5,4 JOHN ERSKINE simpatizei com ele. Qualquer homem merece, da parte da sua mulher, que, pelo menos, tenha em ateno as aparncias. Se a situao for insustentvel, deve abandon-lo. Porm, no vejo como a conduta de Clitemnestra sirva de argumento para casar a nossa filha com o filho dela. - De modo algum - disse Menelau. - No um argumento contra nem a favor. No condenes Orestes antes de o conhecer. Porque no o chamamos a nossa casa para, em conversa, o observarmos? Ou podemos esperar que ele aparea. Eteoneu garante que no tarda a. - Como que ele sabe? - Ele no tem a certeza, entendes. Calcula. Diz que Orestes vem de visita regularmente e, portanto, deve estar a aparecer. - Ento Eteoneu encobriu esta tramia nas minhas costas? - No te precipites. Se o ouvisses, depressa concluirias que gosta menos de Orestes do que tu. Discutiram ambos, trataram-se mal, segundo conta o prprio Eteoneu, e suponho que no me contou nem metade. De uma maneira geral, neste caso, da tua opinio. - Ento natural que expusesse algumas razes fortes para detestar Orestes. Que disse ele? - J que assim o desejas, a tens. Eteoneu nunca me compreendeu. Ia jurar que o rapaz parecido com Cliternnestra. Os filhos geralmente saem me e as filhas ao pai. - Que disparate! Como podes tu julgar as crianas to superficialmente? Para mais, uma opinio dessas obrigava-os a repartir e a pagar as faltas dos pais e isso no justo. Geralmente, os filhos conduzem-se com muito mais prudncia do que os pais. - No julgues isso grande virtude da parte deles. O facto deve atribuir-se sua menor experincia e educao imprpria que recebem.

- L ests tu - exclamou Menelau. - A est novamente o ataque de loucura. Como queres tu que as pessoas sensatas acreditem que uma conduta prudente fruto de m educao? - Eles no precisam da prudncia to novos - disse Helena. - mau sinal. E o comeo de um fim aborrecido. A juventude deve comear por amar a vida. A prudncia, bem como a cautela, um domador de impulsos. Mas preciso ter impulsos antes de os poder domar. Ou, ento, uma espcie de previso. Porm, A VIDA PRIVADA DE HELENA DE TRIA 55 como podemos ns prever antes de juntar algum conhecimento do mundo? E como acumularemos algum conhecimento do mundo se fugimos dele? Enquanto so novos, nada pode ser melhor para eles do que o amor pela vida, exactamente aquilo no tm. A prudncia de que falas , segundo me parece, coisa vazia de sentido. - Pelo que conheo dos pequenos, eles tm todo o amor pela vida que podemos consentir-lhes. Eteoneu pensa assim de Hermone e de Orestes, e parece-me que pensa razoavelmente. - Desde quando procuras o teu guardio para apreenderes a tua filosofia, Menelau? Sempre considerei Eteoneu um servo fiel, mas de grande ignorncia. Sabe da vida tanto quanto se pode ver dela a contemplar o capacho da entrada. Motejas, certamente. No querers falar a srio? - Falo muito a srio. Se queres