a vida. (o livro da vida -the book of life) - j krishnamurti (1)

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    J. KRISHNAMURTI

    A VIDA

    Reflexes de Um dos MaioresPensadores do Nosso Tempo

    T r a d u o d e

    A r i a n a M a s c a r e n h a s

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    NDICE

    I N T R O D U O ...........................................................................................................

    J A N E I R O .......................................................................................................................

    O u v i r A p r e n d er A u t o ri da d e A u t o c o n h ec im e n t o

    F E V E R E I R O .................................................................................................................

    V ir a S er C r e n a A c o B e m e M al

    M A R O ..........................................................................................................................

    D e p en d n c ia A p e g o R e l ac io n am e n to M e d o

    A B R I L ..............................................................................................................................

    D e se jo S e x o C a s a m e n to P aix o

    M A I O ...............................................................................................................................

    I nt el ig nc ia S e n t im e n t o s P a la v ra s C o n d i c io n a m e n t o

    J U N H O .............................................................................................................................

    E n e rg i a A t e n o A t e n o S e m E s c o lh a V i ol n c ia

    J U L H O .............................................................................................................................

    F e lic id ad e M g o a D o r T ris te za

    A C O S T O .........................................................................................................................

    V e r d a d e R e a l id a d e O O b s e r v a d o r e o Q u e H O b s e r v a d o

    - O Q ue

    M ! L M B R O ..................................................................................................................

    I n te le c to - P e n s a m e n t o C o n h e c i m e n t o M e n t e

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    O U T U B R O ...............................................................................................

    T e m p o P e rc e p o C r e br o T r a n sf or m a o

    N O V E M B R O ............................................................................................................... 329

    V iv er M o r re r R e n as c im e n to A m o r

    D E Z E M B R O ................................................................................................................ 360

    E s ta r S R e l ig i o D e u s M e d i ta a o

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    INTRODUO

    Em 1934 Krishnamurti questionava: Por que desejam serestudantes de livros em vez de estudantes da vida? Descubram oque verdadeiro e o que falso ao vosso redor, com todas as suas

    opresses e as suas crueldades, e ento descobriro o que ver-dadeiro. Ele salientava, repetidas vezes, que o livro da vida,que est sempre a alterarse com uma vitalidade que no pode serabarcada pelo pensamento, era o nico que valia a pena ler,estando todos os outros repletos de informao em segunda mo.A histria da humanidade est em vs, a vasta experincia, osmedos profundamente enraizados, as ansiedades, a tristeza, o pra-zer e todas as crenas que o homem tem vindo a acumular aolongo de milnios. Vocs so esse livro.

    Este livro, A Vida Reflexes de Um dos M aiores Pensadoresdo Nosso Tempo, foi concebido segundo uma ordem que, dealguma orma, reficcle aquela que Krishnamurti seguia nas suaspalestras. Ele costumava comear com o ouvir e a relao entre o

    orador e a audincia, e terminava com temas que surgem de formanatural quando se est a falar da vida e uma maior profundidadecomea a aflorar conscincia. No final da sua vida, nos anos de1985 e 1986, Krishnamurti falava sobre a criatividade e sobre a

    possibilidade de uma forma de vida totalmente nova. Este livrocontm excertos sobre esses assuntos.

    Muitos temas eram recorrentes nos seus ensinamentos. A sua

    perspectiva assentava na observao holstica da condio hum a-na, na qual todos os aspectos da vida se encontram interligados.

    A Vida apresenta passagens sobre um novo tema para cada se-mana do ano, sendo cada tpico desenvolvido ao longo de setedias. Estas citaes so identificadas pela sua fonte e esto refe-renciadas no ndice das fontes. Os leitores que estiverem interessa-dos em explorar alguns temas especficos com maior profundidadeso convidados a ler na ntegra os textos dos livros de onde foramretirados estes excertos.

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    Foi em 1929 que Krishnamurti comeou a falar em pblico,com uma voz que Aldous Huxley descreveu como dotada de umaautoridade intrnseca. A sua explorao intensa da natureza daverdade e da liberdade deu origem a que milhes de cpias das

    suas palestras e dilogos fossem publicados e traduzidos em maisde quarenta lnguas.Krishnamurti, embora tmido e retrado, foi o orador incan-

    svel de milhares de palestras, dispensando anotaes ou qual-quer p reparao , desenvolvendo , e ssenc ia lmente , um temaseminal: a Verdade pode ser descoberta por qualquer um, sem aajuda de nenhuma autoridade e, como a vida, est sempre pre-

    sente, de forma instantnea. As suas palestras abarcaram todo oleque de conflitos e preocupaes pessoais e sociais. Observarmosa profundidade e a abrangncia do nosso comportamento, tal com oele se manifesta no momento, tornase a aco necessria para atransformao de ns mesmos e da nossa sociedade. Ao ser inter-rogado, por algum que assistia a uma das suas palestras, sobre arazo por que falava e o que queria alcanar, Krishnamurti respon-deu: Quero dizervos algo, talvez a forma de descobrirem o que a realidade no a forma enquanto sistema, mas como com eara descobrila. E se conseguirem descobrir isto por vs prprios,no haver um orador, estaremos todos ns a falar, todos ns aexpressa rmos aquela realidade presente nas nossas vidas, onde nosencontramos... A verdade no pode ser acumulada. Aquilo que

    pode ser acumulado est sempre a ser destrudo; entra em declnio.A verdade nunca entra em declnio porque apenas pode ser enco n-trada de momento a momento em cada pensamento, em cada rela-cionamento, em cada palavra, em cada gesto, num sorriso, numalgrima. E se vocs e eu conseguirmos descobrir isso e vivlo

    o prprio viver a descoberta disso , ento no nos tornare-mos propagandistas; seremos seres humanos criativos no se-

    remos seres humanos perfeitos, mas seres humanos criativos, oque imensamente diferente. E essa, penso, a razo por que falo,e talvez seja essa tambm a razo por que vocs aqui me esto aouvir.

    Existe apenas o problema; no existe nenhuma soluo; pois na compreenso do problema que reside a sua dissoluo.Muitas vezes, quando lhe era colocada uma questo, Krishnamurti

    respondia: Vamos descobrir o que queremos dizer com.. .,examinando deste modo a questo e deixandoa assim aberta

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    investigao, em vez de dar uma resposta imediata. Para Krishnamurti era o aprofundar de uma questo ou problema que alimen-tava essa investigao e no a mera procura lgica ou intelectualda resposta. Os excertos contidos neste livro so apresentados ao

    leitor sob a forma de questes que podiam ter sido colocadas porele sem que houvesse, da sua parte, a urgncia de uma respostaimediata.

    Krishnamurti chamava a ateno para o facto de o dilogo queestabelecia com os seus ouvintes, durante as palestras que dava,no ser intelectual nem ancorado em pensamentos e ideais. Eledizia: Afinal, o objectivo destas palestras o de comunicarmosuns com os outros, e no a imposio de um determinado con-

    junto de ideias. As ideias nunca mudam a mente, nunca originamuma transformao radical da mente. Mas se conseguirmos, indi-vidualmente, comunicar uns com os outros ao mesmo tempo e aomesmo nvel, ento talvez possa haver uma com preen so que no apenas propaganda... portanto, estas palestras no tm o pro-

    psito de dissuadirvos ou de persuadirvos seja de que maneirafor, directa ou subliminarmente.

    *

    Em quase todas as suas palestras e dilogos, Krishnamurtiusava o termo homem quando se referia humanidade no seu

    todo. Mas na ltima fase da sua vida, interrompiase frequente-mente para se dirigir sua audincia: Por favor, quando utilizoo termo homem estou a referirme ao ser humano, e, portanto,tamhm mulher. Por isso, no se zanguem comigo.

    Krishnamurti falava com uma simplicidade extraordinria, eno como um guru ou lder religioso com um ensinamento emsegunda mo, um vocabulrio especial ou vnculos a qualquer

    organizao ou seita. A procura dos seus ensinamentos claros eautnticos foi aumentando medida que Krishnamurti ia viajandopelo mundo. Desde 1930 at sua morte, em 1986, ele falou paraaudincias cada vez maiores, na Europa, na Amrica do Norte, naAustrlia, na Amrica do Sul e na ndia.

    Este livro contm excertos retirados de palestras, dilogos e

    escritos, alguns publicados, outros no, que tiveram lugar entre osanos de 1933 e 1968. Entre eles encontrase o primeiro livro deKrishnamurti a tornarse conhecido do pblico em geral, A Eclu-

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    cao e o Significado da Vida, que foi escrito sob um majestosocarvalho, em Ojai, na Califrnia, e publicado em 1953 pe la Harper& Row, a editora que continuaria, por mais de trinta anos, a pu bli -car os seus trabalhos na Amrica. O seu livro seguinte, A Prim ei

    ra e ltima Liberdade , foi igualmente publicado pela Harper &Row, em 1954, e contou com um longo prefcio da autoria do seuamigo Aldous Huxley.

    Com entrios sobre o Viverfoi escrito entre 1949 e 1955, moe sem abreviaes, em pginas sem margens e sem correces ourasuras. Aldous Huxley encorajou Krishnamurti a escrever, e omanuscrito, editado por D. Rajagopal. foi publicado em 1956.

    Tratase, essencialmente, do registo das conversas de Krishnamurticom pessoas que o procuravam para estar e conversar com ele, eo que sentimos nestas pginas que estamos perante dois amigosque se encontram para investigar e conversar sem hesitaes e semmedo. Os captulos deste livro iniciamse muitas vezes com uma

    breve descrio da paisagem, do clima, ou dos animais circun-dantes. A partir da simplicidade deste mundo natural, ocorre uma

    transio suave para a paisagem interior de confuso, ansiedades,crenas as preocupaes gerais e pessoais que as pessoas trazi-am para os seus encontros com Krishnamurti. Algumas dessas co n-versas no foram publicadas nos trs primeiros volumes dosComentrios sobre o Viver, e surgem na presente obra pela pr imeiravez. Em algumas destas conversas que no haviam sido anterior-

    mente publicadas, Krishnamurti usou a expresso pensamentosentimento para dar uma resposta uniforme.Life A heade Think on These Things foram editados por Mary

    Lutyens, uma amiga de Krishnamurti, em 1963 e 1964, e publica-dos pela Harper & Row. Estes dois livros constituem uma smulade questes e respostas seleccionadas e editadas de palestras com

    jovens, e tm tido uma aceitao to boa que acabaram por ser

    considerados clssicos religiosos e literrios. A eles se seguiu umtrabalho conjunto que ultrapassa os cinquenta livros.

    Krishnamurti consideravase a si prprio como no sendoimportante ou necessrio para o processo de compreenso da ver-dade, de nos vermos a ns mesmos. Em certa ocasio, referiusea si mesmo como um telefone, um mecanismo a ser usado por umouvinte. Ele disse; Aquilo que o orador est a dizer tem muito

    pouca importncia em si mesmo. O que realmente importante que a mente seja capaz de uma tal ateno sem esforo, que se

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    encontre sempre num estado de compreenso. Se no compreen-dermos e estivermos meramente a ouvir palavras, acontecer,invariavelmente, que nos iremos embora com uma srie de con-ceitos ou ideias, a partir dos quais estabelecemos um padro ao

    qual nos tentamos ento ajustar nas nossas vidas dirias ou, assimchamadas, espirituais.Valer a pena, medida que for avanando na leitura, que o

    leitor esteja atento forma com o Krishnamurti enca rava a relaoentre duas pessoas que esto em busca da verdade. Em 19 81 eledisse: Somos como dois amigos sentados num parque, num dia

    bonito, a falar sobre a vida, sobre os nossos problemas, a investi-

    gar a prpria natureza da nossa existncia e a perguntarmonos ans mesmos, com seriedade, por que c que a vida se tornou umproblema to grande, o porqu de, apesar de sermos muito sofisti-cados em termos intelectuais, a nossa vida diria ser, ainda assim,to desgastante, sem qualquer significado, excepto o da sobre-vivncia o que , igualmente, bastante duvidoso. Por que setornou a vida, a existncia quotidiana, uma tortura to grande?

    Podemos ir igreja, seguir um qualquer lder, poltico ou reli-gioso, mas a vida diria c sempre tumultuada; embora haja algunsperodos que so ocasionalmente alegres, felizes, existe sempreuma nuvem escura a pairar sobre a nossa vida. E estes dois ami-gos, como somos, vocs e o orador, esto a conversar os doisseriamente, amigavelmen te, talvez com afeio, com carinho, com

    preocupao, sobre se haver alguma possibilidade de vivermosa nossa vida diria sem um nico problema.

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    Janeiro

    Ouvir

    Aprender

    Autoridade

    Autoconhecimento

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    Ouvir com Facilidade

    J alguma vez se sentaram muito silenciosamente, sem que avossa ateno esteja fixada em coisa alguma, sem fazerem qual-

    quer esforo para se concentrarem, mas com a mente muito silen-ciosa, completamente quieta? Ento ouvem tudo, no ouvem?Ouvem os rudos distantes to bem quanto aqueles que esto maisperto e aqueles que esto muito prximos, os sons circundantes o que significa realmente que esto a ouvir tudo. A vossa menteno se encontra confinada a um pequeno canal estreito. Se con-seguirem ouvir desta maneira, ouvir com facilidade, sem esforo,

    descobriro que uma mudana extraordinria est a ter lugar den -tro de vs, uma mudana que surge sem que a tenham desejado,sem que a tenham pedido; e nessa mudana existem uma grande

    beleza e uma percepo imediata e profunda.

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    Colocar os Vus de Lado

    De que forma ouvem? Ouvem com as vossas projeces, atra-vs da vossa projeco, atravs das vossas ambies, desejos,

    medos, ansiedades, ouvindo apenas aquilo que desejam ouvir,apenas aquilo que vos satisfar, que ser gratificante, que pro-

    porcionar conforto, que ir aliviar, no momento, o vosso sofri-mento? Se ouvirem atravs do vu dos vossos desejos, ento estoobviamente a ouvir a vossa prpria voz, esto a ouvir os vossosprprios desejos. E haver alguma outra forma de ouvir? No serimportante descobrirmos como ouvir no apenas o que est a serdito, mas tudo os rudos da rua, o chilr ear dos pssaros, o ba ru -lho do elctrico, o mar revolto, a voz do vosso marido, a vossamulher, os vossos amigos, o choro de um beb? O ouvir s im-

    portante quando no estamos a projectar os nossos prprios dese-jos naquilo que estamos a ouvir. Ser possvel colocarmos de ladotodos estes vus atravs dos quais ouvimos, e sermos capazes de

    ouvir realmente?

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    Para Alm do Rudo das Palavras

    Ouvir uma arte a que no se chega facilmente, mas nela resi-dem uma grande beleza e uma grande compreenso. Ouvimos

    com vrias profundidades do nosso ser, mas o nosso ouvir temsempre lugar a partir de uma concepo prvia ou de um deter-minado ponto de vista. No ouvimos simplesmente; est semprel a interveno do vu dos nossos prprios pensamentos, con-cluses e preconceitos... Para ouvirmos, necessitamos de umaquietude interior, de estarmos libertos da presso da aquisio,uma ateno descontrada. Este estado de ateno passiva capaz

    de ouvir o que est para alm da concluso verbal. As palavrasconfundem ; so apenas os meios exteriores de comunicao; maspara se conversar intimamente, para alm do rudo das palavras,deve haver no ouvir uma passividade alerta. Aqueles que amam

    podem ouvir; mas extremamente raro encontrar um ouvinte.A maioria de ns anda atrs de resultados, da consecuo deobjectivos; estamos eternamente a superar e a conquistar, e comtal no conseguimos ouvir nada. somente no ouvir que escuta-mos a melodia das palavras.

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    No sei se alguma vez ouviram um pssaro. Ouvir algumacoisa exige que a nossa mente esteja silenciosa no um siln-

    cio mstico, silncio simplesmente. Estou a dizervos algo e, parame ouvirem, tm de estar silenciosos, e no com todo o tipo deideias a zunirem na vossa mente. Quando olham para uma flor,olham para ela, sem estarem a darlhe um nome, sem a estarem aclassificar, sem dizerem que ela pertence a determinada espcie

    quando o fazem, deixam de a ver. Assim, o que vos digo queouvir uma das coisas mais difceis ouvir o comunista, o

    socialista, o deputado, o capitalista, qualquer pessoa, a vossa mu-lher, os vossos filhos, o vosso vizinho, o condutor do autocarro, o

    pssaro apenas ouvir. s quando ouvem sem nenhuma ideia,sem pensamento, que esto em contacto directo; e ao estarem emcontacto percebem se aquilo que o outro est a dizer verdadeiroou falso; tornase desnecessrio discutir.

    Ouvir sem Pensamento

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    Ouvir Traz Liberdade

    Quando vocs fazem um esforo para ouvir, esto a ouvir? Noser esse mesmo esforo uma distraco que no permite que se

    oua? Fazem algum esforo quando escutam algo que vos delei-ta?... Vocs no podem estar conscientes da verdade nem ver ofalso como falso enquanto a vossa mente estive r de algum a formaocupada com o esforo, com a comparao, com a justificao oucom a condenao...

    Ouvir um acto completo em si mesmo; o acto de ouvir traz,em si mesmo, a sua prpria liberdade. Mas ser que vocs esto

    verdadeiramente preocupados com o ouvir, ou em alterar o vos-so tumulto interior? Se fossem capazes de ouvir... no sentido deestarem conscientes dos vossos conflitos e contradies sem osforarem a moldarse a um qualquer padro de pensamento emparticular , talvez eles cessassem completamente. Compreendem,ns estamos constantemente a tentar ser isto ou aquilo, atingir umdeterminado estado, ter um dete rminado tipo de expe rincia e tevi

    tar outro, de forma que a mente est continuamente ocupada comalgo; nunca est suficientemente tranquila para ouvir o rudo dassuas prprias lutas e dores. Sejam simples... e no tentem tornarse algo ou obter determinada experincia.

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    Vocs esto, neste momento, a ouvirme, no esto a fazer umesforo para prestar ateno, esto apenas a ouvir; e se houver ver-

    dade no que esto a ouvir, descobriro uma mudana notvel a terlugar em vs uma mudana que no premeditada ou alme-

    jada, uma transformao, uma revoluo completa na qual s averdade pontifica e no as criaes da vossa mente. E se me per-mitido sugerilo, digovos que devem ouvir tudo dessa forma no apenas o que eu estou a dizer, mas tambm aquilo que outraspessoas dizem, os pssaros, o silvo de uma locomotiva, o rudodo autocarro que passa. Descobriro que quanto mais foremcapazes de ouvir tudo, maior ser o silncio, e esse silncio no, ento, quebrado pelo rudo. E somente quando vocs criamresistncia em relao a algo, quando erguem uma barreira entrevs e aquilo que no desejam ouvir c s nesse momento queexiste uma luta.

    Ouvir sem Esforo

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    Ouvirem-se a Vs Mesmos

    Questionador: Enquanto me encontro aqui a ouvilo, pareceque compreendo, mas quando estou longe daqui, no compreendo,

    embora tente aplicar o que o senhor tem estado a dizer.Krishnamurti: ...Est a ouvirse a si mesmo, e no o orador.

    Se estiver a ouvi r o orador, ele tornase o seu lder, a sua forma deconseguir compreender o que um horror, uma abominao,porque ento ter estabelecido a hierarquia da autoridade. Por-tanto, o que est a fazer aqui ouvirse a si mesmo. Est a olharpara o quadro que o orador est a pintar, que o seu prprio

    quadro, no o do orador. Se isto estiver claro, que est a olhar parasi prprio, ento poder dizer: Bom , vejome tal como sou, e noquero fazer nada a respeito disso e fica tudo por a. Mas sedisser: Vejome tal como sou, e tem de haver uma mudana,ento comear a trabalhar a partir da sua prpria compreenso o que inteiramente diferente de pr em prtica o que diz o

    orador... Mas se, medida que o orador vai falando, estiver aouvirse a si mesmo, ento, a partir desse ouvir haver clareza,haver sensibilidade; a partir desse ouvir a mente tornase sau-dvel, forte. Sem ob edecer e sem resistir, ela tornase viva, intensa e s um tal ser humano pode criar uma nova gerao, um novomundo.

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    Olhar com Intensidade

    . . .Pareceme que aprender surpreendentemente difcil, talcomo o tambm o ouvir. Nunca ouvimos nada verdadeiramente,

    porque a nossa mente no est livre, os nossos ouvidos estoentupidos com as coisas que j conhecemos, e portanto o acto deouvir tornase extraordinariamente difcil. Penso ou melhor, um facto que se conseguirmos ouvir algo com todo o nosso ser,com vigor, com vitalidade, ento o prprio acto de ouvir tornaseum factor libertador, mas infelizmente vocs nunca ouvem real-mente, pois nunca aprendem a fazlo. Afinal, s aprendem quando

    oferecem todo o vosso ser a algo. Quando vocs se entregam comtodo o vosso ser matemtica, aprendem, mas quando se encon-tram num estado de contradio, quando no querem aprender, masso forados a fazlo, nessas circunstncias a aprendizagem tor-nase um mero processo de acumulao. Aprender como ler umromance com inmeras personagens; requer a vossa total ateno,no uma ateno contraditria. Se quiserem conhecer uma folha

    uma folha primaveril ou uma folha estival devem olhla ver-dadeiramente, ver a simetria que h nela, a sua textura, a qualidadeda folha vivente. Existe beleza, existe vigor, existe vitalidade numasimples folha. Portanto, para conhecerem a folha, a flor, a nuvem,o prdosol ou um ser humano, tm de olhar com toda a intensi-dade.

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    Para Aprender, a Mente Deve Estar Silenciosa

    Para descobrirem algo novo vocs devem comear a fazlosozinhos; devem iniciar uma caminhada com pletamente de snuda-

    dos, especialmente no que diz respeito ao conhecimento, porque muito fcil, atravs do conhecimento e da crena, ter experin-cias; mas tais experincias so meros produtos da autoprojeco,e como tal completamente irreais, falsas. Se quiserem descobrirpor vs mesmos o que o novo, no bom carregarem o fardo doque velho, especialmente o conhecimento o conhecimento quetm do outro, por maior que seja. Vocs usam o conhecimentocomo um meio de proteco de vs mesmos, de segurana, equerem ter a certeza absoluta de que iro ter as mesmas expe-rincias que teve Buda ou Cristo ou o senhor X. Mas algum queest constantem ente a protegerse atravs do conhecim ento no ,obviamente, algum que procura a verdade...

    Nenhum caminho conduz descoberta da verdade... Quando

    vocs querem encontrar algo novo, quando esto a experimentaro que quer que seja, a vossa mente tem de estar muito silenciosa,no assim? Se a vossa mente estiver apinhada, a transbordar defactos, conhecimento, eles funcionam como um impedimento aonovo; a dificuldade, para a maioria de ns, reside no facto de amente se ter tornado to importante, to predominantemente sig-nificativa, que interfere constantemente com tudo o que possa ser

    novo, com qualquer coisa que possa existir em simultneo com oque conhecido. Assim, o conhec imento e o aprender so imp edi-mentos para aqueles que procuram, para aqueles que tentam co m -

    preender aquilo que intemporal.

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    Aprender No Experincia

    A palavra aprender tem uma grande importncia. Existem doistipos de aprendizagem. Para a maioria de ns, aprender significa

    acumular conhecimento, experincia, tecnologia, um a habilidade,uma lngua. Existe tambm a aprendizagem psicolgica, o apren-der atravs da experincia, ou das experincias imediatas da vida,que deixam um certo resduo, da tradio, da raa, da sociedade.Existem estas duas formas de aprender a encarar a vida: psicol-gica e fisiolgica; a capacidade exterior e a capacidade interior.No existe verdadeiramente uma linha de demarcao entre as

    duas; elas justapemse. De m omento , no estamos a falar da habi-lidade que aprendemos atravs da prtica, do conhecimento tec-nolgico que adquirimos atravs do estudo. Aquilo de que estamosa tratar da aprendizagem psicolgica que fomos fazendo aolongo dos sculos ou que herdmos sob a forma de tradio, deconhecimento, de experincia. A isto chamamos aprender, masquestiono se isso tem alguma coisa que ver com aprender. Nome refiro a aprender uma habilidade, uma lngua, uma tcnica,mas estou a perguntar se a mente alguma vez aprende em termospsicolgicos. Ela aprendeu, e com o que aprendeu enfrenta odesafio da vida. Est sempre a traduzir a vida ou o novo desafio luz daquilo que aprendeu. isso que andamos a fazer. Isso aprender'. No implicar o aprender algo novo, algo que desco-

    nheo e que estou a aprender? Se estou simplesmente a acrescen-tar ao que j conheo, ento isso j no aprender.

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    Quando Que Se Torna Possvel Aprender?

    Investigar e aprender so funes da mente. Por aprender noquero referirme ao mero cultivo da mem ria ou acumulao de

    conhecimento, mas capacidade de pensar com clareza e comsanidade, sem iluses, de partir de factos e no de crenas e deideais. No existe nenhuma aprendizagem se o pensamento tiverorigem em concluses. A mera aquisio de informao ou deconhecimento no aprender. Aprender implica o amor de com-preender e o amor de fazer uma coisa por ela prpria. S pos-

    svel aprender quando no existe qualquer tipo de coero. E acoero pode assumir muitas formas, no verdade? Existe coe r-o atravs da influncia, atravs do apego ou da ameaa, atravsdo encorajam ento persuasivo ou de subtis formas de recompensa.

    A maioria das pessoas julga que a aprendizagem encorajadapela comparao, quando, de facto, o contrrio que acontece.A comparao faz surgir a frustrao e s encoraja a inveja, a que

    dado o nome de competio. Tal como outras formas de per-suaso, a com parao impede a aprendizagem e alimenta o medo.

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    A Aprendizagem Nunca E Acumulativa

    Aprender um a coisa e adquirir conhecim ento outra. Apren -der um processo contnuo, no um processo de adio, no um

    processo em que se acumula e a partir da se age em consonn-cia. A maioria de ns acumula conhecimento sob a forma dememria, de ideias, armazenao como experincia e, a partir da,age. Isto , ns agimos com base no conhecimento, no conheci-mento tecnolgico, no conhecimento enquanto experincia, noconhecimento enquanto tradio, no conhecimento que se obtmatravs das nossas tendncias idiossincrticas particulares; com

    esse fundo, com essa acumulao sob a forma de conhecimento,de experincia, de tradio, agimos. Nesse processo no existeaprendizagem. Aprender nunca um acto acumulat ivo; ummovimento constante. No sei se alguma vez se colocaram estaquesto: o que aprender e o que a aquisio de conhecimen-to?... A aprendizagem nunca acumulativa. No se pode arma-

    zenar aprendizagem e ento, a partir desse armazm, tomarmos asnossas aces. Aprendemos medida que caminhamos. Assim,nunca existe um momento de regresso, ou deteriorao, ou dedeclnio.

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    A Aprendizagem No Tem Passado

    A sabedoria algo que tem de ser descoberto por cada um, eno o resultado do conhecimento. O conhecimento e a sabedo-

    ria no andam a par. A sabedoria vem quando h a ma turidade doautoconhecimento. Sem nos conhecermos a ns mesmos, no possvel a ordem, e portanto no existe virtude alguma.

    Agora, aprendermos acerca de ns mesmos e acumularmosconhecimento sobre ns mesmos so duas coisas diferentes.. .Uma mente que est a adquirir conhecimento nunca est a apren-der. O que est a fazer o seguinte: est a reunir para si prpria

    informao, experincia sob a forma de conhecimento, e a partirdo fundo do que reuniu, experimenta, aprende; e portanto nuncaest realmente a aprender, mas a conhecer, a adquirir.

    A aprendizagem acontece sempre no presente activo; no tempassado. No m om ento em que vocs d izem a vs m esm os:Aprendi, a aprendizagem j se tornou conhecimento, e a partirdo fundo desse conhecimento podem acumular, traduzir, mas nopodem con tinuar a aprender. S um a m ente que no est aadquirir, mas sempre a aprender s uma mente assim podecompreender o todo que esta entidade a que chamamos eu, oself.Tenho de me conhecer a mim mesmo, a estrutura, a natureza,a importncia da entidade no seu todo; mas no posso fazlo seestiver sobrecarregado com o fardo do meu conhecimento ante-

    rior, da minha experincia passada, ou com uma mente que estcondicionada, porque nesse caso no estou a aprender, estou ape-nas a interpretar, a traduzir, a olhar com uns olhos que esto jturvados pelo passado.

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  • 7/23/2019 A Vida. (O Livro Da Vida -The Book of Life) - J Krishnamurti (1)

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    A Autoridade Impede a Aprendizagem

    Habitualmente, aprendemos atravs do estudo, dos livros, daexperincia ou recebendo aulas. Essas so as formas comuns de

    se aprender. Decoramos o que fazer e o que no fazer, o que pen-sar e o que no pensar, como sentir, como reagir. Atravs da exp e-rincia, do estudo, da anlise, da experimentao, do exameintrospectivo, armazenam os conh ecimento sob a forma de m em -ria; e a memria, ento, d resposta a outros desafios, a outrasexigncias a partir das quais vai aprendendo sempre cada vezmais... O que aprendido decorado sob a forma de conheci-

    mento, e esse conhecimento entra em aco sempre que nosdeparamos com um desafio ou sempre que temos de fazer algo.Mas eu penso que existe um outro modo completamente dife-

    rente de aprender, e vou falarvos um pouco sobre isso; mas paracompreendlo e para aprender neste modo diferente, vocs devemestar com pletam ente libertos da autoridade; de outra forma estaroapenas a ser instrudos e iro repetir o que tiverem ouvido. por

    isso que muito importante compreender a natureza da autori-dade. A autoridade impede a aprendizagem aquela aprendiza-gem que no acumulao de conhecimento sob a forma dememria. A memria responde sempre com padres; sem qual-quer liberdade. Um homem que est sobrecarregado de conheci-mento, de instrues, que est derreado soh o peso das coisas queaprendeu, nunca livre. Pode ser extraordinariamente erudito, masa sua acumulao de conhecimento impedeo de ser livre, e por-tanto ele incapaz de aprender.

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    Destruir E Construir

    Para serem livres, vocs tm de examinar a autoridade, todo oesqueleto da autoridade, despedaando toda essa coisa abomi-nvel. E isso requer energia, verdadeira energia fsica, e exige

    tambm energia psicolgica. Mas a energia destruda, desper -diada quando estamos em conflito ... Assim, quando se d a co m -preenso de todo o processo do conflito, dse o fim do prprioconflito e existe ento abundncia de energia. Ento podero con-tinuar demolindo a casa que foram construindo ao longo dos scu-los e que no tem qualquer significado.

    Sabem, destruir construir. Devemos destruir, no os edifcios,

    no o s is tema social ou econmico is to acontece diar ia-mente mas o psicolgico, as defesas conscientes e inconscien-tes, seguranas que construmos racionalmente, individualmente,profundamente e superficialmente. Devemos desmantelar tudoisso para que possamos ficar totalmente sem defesas, porquetemos de estar sem defesas para amarmos e sentirmos afeio.

    Ento podem ver e compreender a ambio, a autoridade; ecomeam a perceber em que circunstncias a autoridade neces-sria e a que nvel a autoridade do polcia, e apenas essa. Entono existe nenhum a autoridade da aprendizagem, nenhuma autori-dade do conhecimento , nenhuma autor idade da capacidade ,nenhuma autoridade que a funo possa assumir e que se tornaum estatuto. Para se compreender toda a autoridade dos gurus,

    dos mestres e de outros necessrio terse uma mente muitoatenta, um crebro que v com clareza, no um crebro confusoou entorpecido.

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  • 7/23/2019 A Vida. (O Livro Da Vida -The Book of Life) - J Krishnamurti (1)

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    A Virtude No Tem Qualquer Autoridade

    Poder a mente estar liberta da autoridade, o que significa estarlivre do medo, de modo a que j no seja capaz de seguir? Se

    assim for, isto pe fim imitao, a qual se torna mecnica. Afi-nal, a virtude, a tica no so uma repetio daquilo que bom.A partir do momento em que se torna mecnica, ela deixa de servirtude. A virtude algo que tem de acontecer a cada momento,tal como a humildade. A humildade no pode ser cultivada, e umamente que no tem humildade no capaz de aprender. Portantoa virtude no tem qualquer autoridade. A moralidade social no

    moralidade nenhuma; imoral, porque admite a competio, aganncia, a ambio, e portanto a sociedade encoraja a imorali-dade. A virtude algo que transcende a moralidade. Sem virtude,no existe ordem, e a ordem no deve existir de acordo com um

    padro, de acordo com uma frmula. Uma mente que, atravs daautodisciplna, segue uma frmula para alcanar a virtude, est acriar para si prpria os problemas da imoralidade.

    Uma autoridade exterior pretendida pela mente, com excepoda lei, como Deus, como moral, e assim por diante, tornase des-trutiva quando a mente est a tentar compreender o que a ver-dadeira virtude. Ns temos a nossa prpria autoridade, sob aforma de experincia, de conhecimento, que tentamos seguir.Existe esta constante repetio, a imitao, que todos ns conhe-

    cemos. A autoridade psicolgica no a autoridade da lei, dopolcia que est a manter a ordem a autoridade psicolgica, quecada um de ns tem, destri a virtude, porque a virtude algovivo, em movimento. Da mesma forma que no podemos cultivara humildade, o amor, assim tambm a virtude no pode ser culti-vada; e nisso reside uma grande belez.a. A virtude no mecnica,e sem a virtude no existem bases para se poder pensar com cla-

    reza.

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    A Mente Velha Est Acorrentada Pela Autoridade

    O problema , portanto, este: ser possvel que uma mente quetem sido to condicionada criada no meio de inmeras seitas,

    religies, e todo o tipo de supersties, medos consiga libertarse de si mesma e dar assim lugar a uma mente nova?... A mentevelha essencialmente a mente que est acorrentada pela autori-dade. No estou a utilizar o termo autoridade no sentido legal;refirome antes autoridade enquanto tradio, autoridade en-quanto conhecimento, autoridade enquan to experincia, autorida-de enquanto meio de alcanar segurana e de permanecer nessa

    segurana, interior e exteriormente, porque, afinal, isso que amente procura sem cessar um local onde possa estar segura,sem perturbaes. U ma tal autoridade pode ser a autoridade autoimposta de uma ideia ou da assim chamada ideia religiosa deDeus, a qual no se reveste de qualquer realidade para aqueleque de facto religioso. Uma ideia no um facto, uma fico.Deus uma fico; podem acreditar nele, mas ele continua a ser

    uma fico. Contudo, para encontrarem Deus, tm de destruircompletamente a fico, porque a mente velha a mente que estassustada, que ambiciosa, que tem medo da morte, de viver, ede estar em relao; e que est sempre, consciente ou incons-cientemente, em busca de permanncia, de segurana.

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    Livre no Comeo

    Se conseguirmos compreender a compulso que se encontrapor detrs do nosso desejo de dominar ou de sermos dominados,

    ento talvez possamos libertarmonos dos efeitos debilitantes daautoridade. Ansiamos por ter certezas, por estarmos certos, portermos sucesso, por sabermos; e este desejo de certeza, de perma-nncia, constri dentro de ns mesmos a autoridade da experin-cia pessoal, enquan to externamente cria a autoridade da sociedade,da famlia, da religio, e assim por diante. Mas ignorar, simples-mente, a autoridade, abalar os seus smbolos exteriores tem muito

    pouco significado.Libertarmonos de uma tradio para nos moldarmos a outra,

    abandonar este lder para comear a seguir aquele, apenas umaatitude superficial. Se estivermos conscientes de todo o processoda autoridade, se percebermos o quanto esse processo interno,se compreen dermos e conseguirmos transcender o nosso desejo desegurana, ento teremos uma ampla compreenso e uma tomadade conscincia profunda e instantnea, temos de estar livres nono final, mas no comeo.

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    Ouvimos com esperana e com medo; procuramos a luz deoutra pessoa, mas no estamos naquele estado de ateno passiva

    que nos permite compreender. Se o liberto parece preencher osnossos desejos, acei tamolo; caso contrrio, continuamos embusca daquele que os preencher; aquilo que a maioria de nsdeseja a satisfao a diferentes nveis. O importante no comoreconhecer aquele que est liberto, mas como vos com preen der avs mesmos. Nenhuma autoridade presente ou futura vos podedar conhec imen to sobre vs mesmos; sem autoconhecimento, no

    pode haver libertao da ignorncia, da tristeza.

    Libertao da Ignorncia, da Tristeza

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  • 7/23/2019 A Vida. (O Livro Da Vida -The Book of Life) - J Krishnamurti (1)

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    Por Que Seguimos?

    Por que aceitamos, por que seguimos? Seguimos a autoridadede outro, a experincia de outro, e depois colocamolas em dvida;esta procura da autoridade e a sua sequela, a desiluso, um pro-cesso penoso para a maioria de ns. Culpamos ou criticamos aautoridade que aceitmos no passado, o lder, o professor, masno examinamos a nossa prpria nsia por uma autoridade que

    possa orientar a nossa conduta. Uma vez que tenhamos entendidoesta nsia, compreederemos a importncia da dvida.

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  • 7/23/2019 A Vida. (O Livro Da Vida -The Book of Life) - J Krishnamurti (1)

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    A Autoridade Corrompe Tanto o LderComo Aquele que o Segue

    Estarmos conscientes de ns mesmos uma tarefa rdua, e

    como a maioria de ns prefere um caminho fcil e ilusrio, con-ferimos existncia autoridade que d uma forma e um padro nossa vida. Esta autoridade pode ser o colectivo, o Estado; ou podeser pessoal, o Mestre, o salvador, o guru. Qualquer tipo de autori-dade cega alimenta a negligncia; e como a maior parte de ns con-sidera que ser cuidadoso implica dor, entregamonos autoridade.A autoridade engendra o poder, e o poder tornase sempre cen-

    tralizado e, como consequncia, completamente corrupto; cor-rompe no s o controlador, mas tambm aquele que o segue.A autoridade do conhecimento e da experincia perverte, queresteja investida no Mestre, no seu representante ou no sacerdote. a vossa prpria vida, este conflito aparentemente interminvel,c isso que importante, no o padro ou o lder. A autoridade do

    Mestre ou do sacerdote afastavos da questo central, que o con-flito dentro de vs.

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  • 7/23/2019 A Vida. (O Livro Da Vida -The Book of Life) - J Krishnamurti (1)

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    Posso Confiar na minha Experincia?

    A maioria de ns est satisfeita com a autoridade porque elanos d uma continuidade, uma certeza, a sensao de estarmos

    protegidos. Mas algum que com preenda as implicaes des-ta profunda revoluo psicolgica tem de estar liberto da autori-dade, no assim? No pode olhar para nenhuma autoridade,seja cia criada por essa prpria pessoa ou imposta por terceiros.I? ser isto possvel? Serme possvel no confiar na autori-dade da minha prpria experincia? Mesmo quando eu j rejeiteitodas as expresses exteriores de autoridade livros, profes-

    sores, sacerdotes, igrejas, crenas continuo a sentir que pelomenos posso confiar no meu prprio julgamento, nas minhas

    prprias experincias, na minha prpria anlise. Mas poderei con-fiar na minha experincia, no meu julgamento, na minha anlise?A minha experincia o resultado do meu condicionamento, damesma forma que a vossa resulta do vosso condicionamento, no

    verdade? Posso ter sido educado como muulmano, ou budista,ou hindu, e a minha experincia depender do meu meio cultural,econmico, social e religioso, tal com o a vossa depender do meioem que foram educados. E poderei confiar nisso? Posso confiarnisso para me guiar, para me dar esperana, para a viso quenic dar a f no meu prprio julgamento, o qual . por sua vez. oresultado de memrias e experincias acumuladas, o condiciona-

    mento do passado a conlronlarse com o presente?... Agora, quan-do me tiver colocado todas estas questes e estiver conscientedeste problema, verei que s pode haver um estado no qual a reali-dade, o novo, podem existir, c isso origina uma revoluo. Esse o estado em que a mente est completamente liberta do passado,quando no existe nenhum sujeito que analisa, nenhuma expeMencia. nenhum julgamento, nenhum tipo de autoridade.

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  • 7/23/2019 A Vida. (O Livro Da Vida -The Book of Life) - J Krishnamurti (1)

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    O Autoconhecimento um Processo

    Ento, para compreendermos os inmeros problemas quecada um de ns tem, no essencial que haja autoconhecimento?

    E esta uma das coisas mais difceis, estarm os atentos a ns m es -mos o que no significa um isolamento, um afastamento. E bvioque essencial que nos conheam os a ns mesmos; mas conhecerse a si mesmo no implica que haja um afastamento da relao.E certamente seria um erro pensarmos que nos podemos conhe-cer a ns mesmos profunda, completa e perfeitamente, atravs doisolamento, atravs da excluso, ou indo a um psiclogo, ou a um

    sacerdote; ou que podem os aprender a conhece rmonos a ns mes-mos atravs de um livro. O autoconhecimento , obviamente, um

    processo, no um fim em si prprio; e, para nos conhecermos,devem os estar atentos a ns mesm os quando agimos, o que estarem relao. Vocs descobremse a vs mesmos no no isolamen-to, no no afastamento, mas na relao na relao com a socie-dade, com a vossa mulher, o vosso marido, o vosso irmo, com ahumanidade; mas descobrirem como reagem, quais so as vossasrespostas requer uma extraordinria ateno por parte da mente,uma percepo apurada.

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  • 7/23/2019 A Vida. (O Livro Da Vida -The Book of Life) - J Krishnamurti (1)

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    A Mente sem Amarras

    A transformao do mundo originada pela transformao decada um de ns, porque o eu o produto e uma parte do processo

    total da existncia humana. Para se transformarem, essencial oautoconhecimento; sem saberem o que so, no existe qualquerbase para o pensamento correcto e sem se conhecerem a vs mes-mos, no pode haver transformao. Devem conhecerse tal comoso, no como desejam ser, o que apenas um ideal e portantofictcio, irreal; somente aquilo que que pode ser transformado,no aquilo que vocs desejam que seja. Conhecermonos tal como

    realmente somos requer uma extraordinria ateno por parte damente, porque o que est continuamente em transformao, emmudana; e para o seguir com rapidez e vivacidade, a mente nopode estar amarrada a nenhum dogma, crena ou padro de acoem particular. Para se seguir algo, no bom terse amarras. Parase conhecerem a vs mesmos, devem ter a conscincia, o estado

    de ateno da mente no qual h a libertao de todas as cren-as, de todas as idealizaes, porque as crenas e os ideais ape-nas nos do uma cor, pervertendo a verdadeira percepo. Sequiserem saber o que so, no podem imaginar ou acreditar numacoisa que no so. Se sou ganancioso, invejoso, violento, o merofacto de ter um ideal de noviolncia, de no ser ganancioso, denada adianta... A compreenso daquilo que so, o que quer que

    sejam feios ou bonitos, m alvados ou perversos , a com preen-so do que vocs so, sem distoro, o princpio da virtude.A virtude essencial, porque dela vem a liberdade.

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    Sem o autoconhecimento, a experincia alimenta a i luso;com o autoconhecimento, a experincia, que a resposta ao

    desafio, no deixa um resduo acumulado sob a forma de me-mria. O autoconhecimento a descoberta, a cada momento, doscaminhos do eu, das suas intenes e da sua actividade, dos seuspensamentos e apetites. Nunca poder existir a vossa experin-cia e a minha experincia; o prprio termo minha expe-rincia indicador de ignorncia e da aceitao da iluso.

    Autoconhecimento Activo

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  • 7/23/2019 A Vida. (O Livro Da Vida -The Book of Life) - J Krishnamurti (1)

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    Criatividade atravs do Autoconhecimento

    . . .No existe nenhum mtodo para o autoconhecimento. Pro-curar um mtodo implica, invariavelmente, o desejo de obter um

    determinado resultado e isso que todos ns queremos. Segu i-mos a autoridade se no aquela de uma pessoa, ento a de umsistema, de uma ideologia porque queremos um resultado queseja satisfatrio, que nos d segurana. Ns realmente no quere-mos compreendermonos a ns mesmos, os nossos impulsos ereaces, todo o processo do nosso pensar, o consciente e o incons-ciente; preferimos procurar um sistema que nos assegure um

    resultado. Mas a busca de um sistema invariavelmente a conse-quncia do nosso desejo de segurana, de certeza, e o resultadono , obviamente, a com preen so de ns mesmos. Q uando segui-mos um mtodo, temos de ter autoridades o professor, o guru,o salvador, o Mestre que nos garantam aquilo que desejamos;e esse no certamente o caminho para o autoconhecimento.

    A autoridade impede a compreenso de ns prprios, no

    assim? Sob a proteco de uma autoridade, de um guia, vocspodem ter uma sensao temporria de segurana, uma sensaode bemestar, mas isso no a compreenso da totalidade do pro-cesso de si mesmo. A prpria natureza da autoridade impede acompleta conscincia de si mesmo e portanto acaba por destruira liberdade; somente na liberdade pode haver criatividade. S

    pode existir criatividade atravs do autoconhecimento.

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    Mente Silenciosa, Mente Simples

    Quando estamos conscientes de ns mesmos, no se torna todoo movimento do viver um meio de desvendar o eu, o ego, o

    se lf? O s e l f um processo muito complexo que apenas pode serrevelado atravs do relacionamento, nas nossas actividade quo-tidianas, na forma como faiamos, na forma como julgamos, cal-culamos, no modo como condenamos os outros e a ns mesmos.Tudo isso nos d a conhecer o estado condicionado cla nossaprpria forma de pensar, e no ser importante estarmos cons-cientes de todo este processo? somente atravs da ateno ao

    que verdadeiro, mo men to a mom ento, que se d a descoberta dointemporal, do eterno. Sem o autoconhecimeno, o eterno no podeexistir . Quando no nos conhecemos a ns mesmos, o eternotornase apenas uma palavra, um smbolo, uma especulao, umdogma, uma crena, uma iluso na qual a mente pode refugiarse.Mas se com earm os a compreender o eu em todas as suas mlti-plas actividades, dia a dia, ento, nessa mesma compreenso, semqualquer esforo, o inominvel, o intemporal ganha existncia.Mas o intemporal no uma recompensa pelo autoconhccimento.No se pode procurar obter aquilo que eterno, a mente no opode adquirir. O intemporal passa a existir quando a mente estsilenciosa, c a mente s pode estar silenciosa quando simples,quando j no est a acumular, a condenar, a julgar, a pesar. Ape-

    nas a mente simples pode compreender o real, no a mente queest cheia de palavras, de conhecimento, de informao. A menteque analisa, que calcula, no uma mente simples.

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    Conhecer-se a Si Mesmo

    Sem se conhecerem a vs mesmos, faam o que fizerem, noc possvel existir o estado de meditao. Por conheceremse a vs

    mesmos quero dizer conhecerem cada pensamento, cada estadode esprito, cada palavra, cada sentimento; conhecerem a activi-dade da vossa mente no conhecerem o .veZ/ supremo, o grandeve//'; no existe uma tal coisa; o se lfmais elevado, o atma, inserese ainda no campo do pensamento. O pensamento o resultado

    do vosso condicionamento, o pensamento a resposta da vossamemria ancestral ou recente. E a tentativa de meditar, sim-

    plesmente, sem que primeiro tentem estabelecer profunda e irrevogavelmente essa virtude que nasce do autoconhecimento, completamente ilusria e intil.

    Por favor, muito importante para aqueles que so srios quecompreendam isto. Porque se no o conseguirem fazer, a vossameditao e o vosso viver esto divorciados, separados de talforma separados que embora possam meditar, praticando infinitas

    posturas, para o resto das vossas vidas, no conseguiro ver nadapara alm do vosso prprio nariz; qualquer postura que pratiquem,qualquer coisa que laam, ser completam ente desp rovida de sig-nificado.

    ... importante compreender o que este autoconhecimento,o estar simplesmente atento, sem qualquer escolha, ao eu, quetem a sua fonte num feixe de memrias estar simplesmenteconsciente dele sem interpretao, apenas observar o movimentoda mente. Mas essa observao impedida quando estamos ape-nas a acumular atravs da observao o que fazer, o que nolazer, o que alcanar; se fizerem isso, pem fim ao processo vivorio movimento da mente como self. Isto , eu tenho de observar ever o facto, o real, o que . Se me aproximo dele com uma ideia,

    com urna opinio tais como no devo, ou devo, que sorespostas da mem ria , ento o movimento do que obstrudo, bloqueado; e portanto, no existe aprendizagem.

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  • 7/23/2019 A Vida. (O Livro Da Vida -The Book of Life) - J Krishnamurti (1)

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    Vazio Criativo

    Ser que vocs conseguem ouvir isto daquele modo simplescomo o solo recebe a semente e verem se a mente capaz de ser

    livre, vazia? Ela s pode estar vazia atravs da compreenso detodas as suas prprias projeces, das suas prprias actividades,no de forma intermitente, mas a cada dia, a cada momento. Entoencontraro a resposta, ento percebero que a mudana vem semque a tenham pedido, que o estado de vazio criativo no algo quepossa ser cultivado est l, vem misteriosamente, sem conviteprvio, e somente nesse estado h a possibilidade de renovao,

    inovao, revoluo.

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  • 7/23/2019 A Vida. (O Livro Da Vida -The Book of Life) - J Krishnamurti (1)

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    A utoconhecimento

    O pensar correcto vem com o autoconhecimento. Sem se co-nhecerem a vs mesmos, no tm qualquer base para o pensa-

    mento; sem o autoconhecimcnto , aqui lo que pensam no verdadeiro.

    Vocs e o mundo no so duas entidades diferentes com pro-blemas separados; vocs e o mundo so um. O vosso problema o problema do mundo. Podem ser o resultado de certas tendncias,de influncias ambientais, mas no so, na essncia, diferentes unsilos outros. No nosso interior, somos muito semelhantes; todos ns

    somos movidos pela ganncia, m vontade, medo, ambio, eassim por diante. As nossas crenas, esperanas, aspiraes tmuma base comum. Somos um; somos uma humanidade, embora asfronteiras artificiais da economia, da poltica e do preconceito nosdividam. Se matarem algum, esto a destruirse a vs mesmos.Vocs so o centro do todo, e sem se compreenderem a vs

    prprios, no podem compreender a realidade.Temos um conhecimento intelectual desta unidade, mas mante-mos o conhecimento c o sentimento em compartimentos diferen-tes c por isso nunca experimentamos a extraordinria unidade dohomem.

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  • 7/23/2019 A Vida. (O Livro Da Vida -The Book of Life) - J Krishnamurti (1)

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    O Relacionamento um Espelho

    O autoconhecimento no se processa de acordo com nenhumafrmula. Vocs podem ir a um psiclogo ou a um psicanalista para

    descobrir algo sobre vs mesmos, mas isso no autoconhe-cimento. O autoconh ecimento acontece quando estamos conscien-tes de ns mesmos no relacionamento, o que nos mostra o quesomos de momento a momento. O relacionamento um espelhono qual nos podemos ver com o realmente somos. Contudo, a ma io-ria de ns incapaz de olhar para si mesm a quando est em relao,porque comea imediatamente a condenar ou a justificar o que v.Julgamos, avaliamos, comparamos, negamos ou aceitamos, masnunca observamos realmente o quee, e para a maioria das pessoasisto parece ser a coisa mais difcil de fazer; no entanto, isto, eapenas isto, que o princpio do autoconhecimento. Se formoscapazes de nos vermos tal como somos neste extraordinrioespelho que o relacionam ento, que no cria distores, se co nse-

    guirmos olhar para este espelho com total ateno e vermos verda-deiramente o quee, estarmos conscientes do que sem condenao,sem julgamento, sem avaliao e conseguimos fazlo quandoexiste um interesse honesto , ento descobr iremo s que a mente capaz de se libertar de todo o condicionamento; e s ento quea mente est livre para descobrir esse algo que est para alm docampo do pensamento.

    Afinal, independentemente do grau de instruo da mente, elaest consciente ou inconscientemente limitada, condicionada, equalquer extenso deste condicionamento encontrase ainda den-tro do campo do pensamento. Portanto, a liberdade algo inteira-mente diferente.

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    Fevereiro

    Vir a Ser

    Crena

    Aco

    Bem e Mal

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    /Vir a Ser E uma Luta

    A vida tal como ns a conhecemos, a nossa vida diria, umprocesso de vir a ser. Sou pobre e ajo com um fim em vista, que o de me tornar rico. Sou feio e quero tornarme bonito. E por-tanto, a minha vida consiste num processo de vir a ser algo. A vo n-tade de ser a vontade de vir a ser, em nveis diferentes deconscincia, em estados diferentes, e nela h desafio, resposta,nomear e registo. Assim, este vir a ser uma lula, este vir a ser um a dor, no verdade? um a batalha constante: sou isto, e quero

    vir a ser aquilo.

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    Podo o Vir a Ser Desintegrao

    A mente tem um a ideia, talvez agradvel, e quer ser com o essaideia, a qual um a pro jeco do vosso desejo . Vocs so isto, algo

    cie que no gostam, e querem vir a ser aquilo, algo de que gostam.O ideal uma autoprojeco; o oposto uma extenso do que \no de forma alguma o oposto, mas uma continuao do que, talvez um pouco modificada. A projeco vem da vontade doeu, e o conflito a luta peia projeco... Vocs esto a lutar porvirem a ser algo, e esse algo parte de vs mesmos. O ideal avossa prpria projeco. Observem como a mente pregou umapartida a si prpria. Vocs esto a debaterse com palavras, per-seguindo a vossa prpria projeco, a vossa prpria sombra. Soviolentos, e lutam por se tornarem noviolentos, o ideal; mas oideal uma projeco do que , apenas com um nome diferente.

    Qua ndo vocs tomam conscincia desta partida que pregarama vs prprios, ento conseguiro ver o falso como falso. A luta

    por uma iluso o factor de desintegrao. Todo o conflito, todoo vir a ser c desintegrao. Qu ando existe a conscincia desta par-tida que a mente pregou a si mesma, ento existe apenas o que .Quando a mente est liberta de todo o vir a ser, de todos os ideais,de toda a comparao e condenao, quando a sua prpr iaestrutura entrou em colapso, ento o que sofreu uma transfor-mao completa. Enquanto houver a nomeao do que , existir

    relao entre a mente e o que \ mas quando este processo denomeao o qual memria, a prpria estrutura da mente no existe, ento o que deixa tambm de existir. So men te nestatransformao existe integrao.

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    Poder a Mente Grosseira Tornar-se Sensvel?

    Prestem ateno pergunta, ao significado por detrs daspalavras. Poder a mente que grosseira tornarse sensvel? Se

    digo que a minha mente grosseira e tento tornarme sensvel, oprprio esforo para me tornar sensvel grosseiro. Por favor,observem isto. No fiquem intrigados, mas observem. Ao passoque se eu reconhecer que sou grosseiro, sem tentar tornarme sen-svel, se eu comear a compreender o que a grosseria, obser-vandoa na minha vida, a cada dia a forma vida como como,a forma spera como trato as pessoas, o orgulho, a arrogncia, a

    rudeza dos meus hbitos c pensamentos, ento, essa mesmaobservao transforma o que .

    Do mesmo modo, se sou estpido e digo que me devo tornarinteligente, o esforo por me tornar inteligente apenas uma formamaior de estupidez: porque o que importante compreender aestupidez. Por mais que lente tornarme inteligente, a minha estupi-

    dez permanecer. Posso adquirir o verniz superficial da educao,posso ser capaz de citar obras literrias, repetir passagens de gran-des autores, mas continuarei, basicamente, a ser estpido. Masse eu for capaz de ver e de compreender a estupidez tal como ela seexpressa na minha vida de todos os dias como me comportocom o meu empregado, como encaro o meu vizinho, o pobre, orico, o padre , ento essa mesma tomada de consc incia faz

    desaparecer a estupidez.

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    Oportunidades de Auto-expanso

    . . .A estrutura hierrquica oferece uma excelente oportunidadede autoexpanso. Vocs podem desejar que todos sejam irmos,

    mas como que tal pode acontecer se vocs procuram distinesespirituais? Vocs podem rirse dos ttulos mundanos; mas quandoadmitem a existncia do Mestre, do salvador, do guru no reino doesprito, no esto justamente a fazer uma transposio da mes-ma atitude mundana? Podero existir divises ou graus hierrqui-cos no crescimento espiritual, na compreenso da verdade, nacompreenso de Deus? O amor no admite divises. Ou se ama

    ou no se ama; mas no transformem a falta de amor num pro-cesso interminvel cujo fim o amor. Qu ando sabemos, no am a-mos, quando estamos conscientes desse facto atravs da atenosem escolha, ento existe a possibilidade de transformao; mascultivar laboriosamen te esta distino entre o Mestre e o discpulo,entre aqueles que alcanaram e os que no alcanaram, entre o sal-vador e o pecador, negar o amor. O explorador, que por suavez explorado, encontra um paraso nesta escurido e iluso.

    ... A separao entre Deus ou a realidade e vs criada por vsmesmos, pela mente que se agarra ao conhec ido, certeza, segu-rana. Esta separao no pode ser anulada; no h nenhum ritual,nenhuma disciplina, nenhum sacrifcio que possa fazer a ponte;no existe nenhum salvador, nenhum Mestre, nenhum guru que

    vos possa conduzir ao real ou que possa destruir esta separao.A diviso no entre o real e vs; ela est dentro de vs mesmos.. . .O essencial que compreendam o conflito crescente do

    desejo; e esta compreenso s vem atravs do autoconhecimentoe da constante ateno aos movimentos do eu.

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    Para Alm de Toda a Experincia

    A compreenso do eu requer uma grande dose de inteligncia,uma grande dose de observao, de ateno, observando ininter-

    ruptamente, de modo a que ela no desaparea. Eu, que sou muitosrio, quero dissolver o eu. Quando digo isso, sei que c possveldissolver o eu. Por favor, tenham pacincia. No momento emque digo: Quero dissolver isto, e no processo que sigo para queessa dissoluo acontea, h o experimentar do eu; e assim o eu reforado. Portanto, de que forma possvel ao eu no experi-mentar? Podemos observar que a criao no de todo a expe-rincia do eu. A criao acontece quando o eu est ausente, porquea criao no intelectual, no provm da mente, no uma pro-jeco do eu, algo que est para alm de toda a experincia, talcomo a conhecemos. Ser possvel para a mente ficar quieta, numestado em que no est a reconhecer, o que significa no estar aexperimentar, estar num estado no qual a criao pode acontecer

    ou seja, quando o eu no est l, quando o eu est ausente?Estou a ser claro ou no?... O problema este, no verdade?...Qualquer movimento da mente, positivo ou negativo, constituiuma experincia que na realidade fortalece o eu. Ser possvel

    para a mente no reconhecer'? Isso s pode acontecer quando hum silncio total, mas no o silncio que c uma experincia do eue que, como tal, refora o eu.

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    O que o Eu?

    A procura dc poder, posio, autoridade, ambio e tudo oresto so as formas do eu em todas as suas diferentes manifes-

    taes. Mas o que importante compreender o eu e tenho acerteza de que tanto vs como eu estamos convencidos disso. Seme permitem acrescentar, sejamos srios acerca deste assunto;

    porque eu sinto que se vocs e cu enquanto indivduos, no comoum grupo de pessoas pertencentes a determinadas classes, a deter-minadas sociedades, a determinadas divises climticas, podemos

    compreender isto e agir sobre isto, ento penso que aconteceruma verdadeira revoluo. No momento em que se torna univer-sal e com uma melhor organizao, o eu re lugiase nisso; ao passoque se vocs e eu enquanto indivduos pudermos amar, pudermosrealmente levar isto a cabo no nosso quotidiano, ento essa revo-luo que to essencial poder ter lugar...

    Sabem a que me refiro quando utilizo o termo eu? Refirome

    a ideia, memria, concluso, experincia, s diversas formasde intenes nomeveis e inominveis, ao empenho conscientepara ser ou para no ser. memria acumulada do inconsciente, daraa, do grupo, do indivduo, do cl e do conjunto de tudo isso,quer se projecte exteriormente por meio da aco, ou espiritual-mente sob a forma de virtude; o esforo por obter tudo isto o eu.Nele est includa a competio, o desejo de ser. A totalidade desse

    processo o eu, e na verdade ns sabemos, quando somos con-frontados com isso, que algo mau. Estou a usar a palavra mauintencionalmente, porque o eu divide; o eu fechase em si mesmo;as suas actividades, por mais nobres que sejam, esto separadas cisoladas. Sabemos tudo isto. Sabemos igualmente que extraordin-rios so os momentos em que o eu no est presente, nos quais no

    existe a sensao de empenho, de esforo, e que acontecem quandoh amor.

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    Quando H Amor, No H Eu

    A realidade, a verdade, no pode ser reconhecida. Para que averdade surja, a crena, o conhecimento, a experincia, a virtude,

    a procura da virtude que diferente de serse virtuoso , tudoisto tem de desaparecer. A pessoa virtuosa que est consciente deprocurar a virtude nunca poder encontrar a realidade. Pode seruma pessoa muito decente; mas isso inteiramente diferente dohomem de verdade, do homem que compreende. Para o homemde verdade, a verdade ganhou existncia. Um homem virtuoso um homem correcto, c um homem correcto nunca pode compreen-

    der o que a verdade; porque para ele a virtude a cobertura doeu, o reforo do eu; porque ele procura a virtude. Quando ele diz:No devo ser ganancioso, o estado no qual ele no ganan-cioso, e que ele experimenta, fortalece o eu. por isso que toimportante serse pobre, no apenas no que se refere s coisasmundanas, mas tambm no que diz respeito crena e ao conheci-

    mento. Um homem abastado eni r iquezas mundanas, ou umhomem rico em conhecimento e crena, nunca conhecero outracoisa que no a escurido, e sero o centro de toda a maldade emisria. Mas se vocs e eu, enquanto indivduos, conseguirmosver toda esta actividade do eu, ento saberemos o que o amor.Posso assegurarvos de que essa a nica reforma que podermudar o mundo. O amor no o eu. O eu no pode reconhecer o

    amor. Vocs dizem amo, mas ento, no prprio acto de o dize-rem, no prprio acto de o experimentarem, no h amor. Mas,quando vocs conhecem o amor, no h eu. Quando h amor, noh eu.

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    Compreender O Que

    Certamente, um homem que compreende a vida no quer tercrenas. Um homem que ama no tem crenas ama. E o

    homem que est consumido pelo intelecto que tem crenas, porqueo intelecto est sempre em busca de segurana, de proteco; estconstantemente a evitar o perigo, e portanto constri ideias, cren-as, ideais, nos quais procura refgio. O que aconteceria se vocslidassem directamente com a violncia, agora? Seriam um perigo

    para a sociedade; c como a mente antev o perigo, ela diz alcan-arei o ideal da nov iolncia daqui a dez anos o que um

    processo to fictcio e fa lso ... Compreender o que mais im por -tante do que criar e seguir ideais, porque os ideais so falsos, e oque c o real. Compreender o que requer uma enorme capaci-dade, uma mente gil e sem preconceitos. porque no queremosencarar e compreender o que que inventamos as muitas formasde fugir e damoslhes nomes adorveis como ideal, crena, Deus.

    Por certo que somente quando vejo o falso como falso que aminha mente se torna capaz de ver o que verdadeiro. Um a menteque est confundida pelo falso nunca pode descobrir a verdade.Portanto, devo compreender o que falso nos meus relaciona-mentos, nas minhas ideias, nas coisas que me dizem respeito,

    porque perceber a verdade requer a compreenso do falso. Semse removerem as causas da ignorncia, no pode haver ilumi-

    nao; e procurar a iluminao quando a mente no est ilumina-da c totalmente vazio, sem sentido. Por isso, devo comear a vero falso na minha relao com as ideias, com as pessoas, com ascoisas. Quando a mente v aquilo que falso, ento o que c ver-dadeiro ganha existncia e ento h xtase, h felicidade.

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    Aquilo em que Acreditamos

    Ser que a crena traz entusiasmo? Ser que o entusiasmo sepode sustentar a si mesmo se no houver uma crena, e ser o en-

    tusiasmo de todo necessrio, ou o que necessrio um outro tipode energia, um outro tipo de vitalidade, de actividade? A maioria dens entusiasmase com uma coisa ou outra. Somos muito interes-sados, muito entusisticos quando se trata de concertos, de exer-ccio fsico ou de ir fazer um piquenique. Todavia, a menos queesses entusiasmos sejam constantemente alimentados por umacoisa ou outra, eles acabam por esmorecer e passamos a ter umnovo entusiasmo por outras coisas. Haver uma fora que se sus-tente a si mesma, uma energia, que no dependa de uma crena?

    A outra questo : ser que necessitamos de qualquer espciede crena, e se necessitamos, por que razo isso acontece? Este um dos problemas relacionados com a questo. Ns no preci-samos de acred itar que o Sol, as montanhas e os rios existem. No

    precisamos de acreditar que discutimos com as nossas mulheres.No precisamos de acreditar que a vida um grande sofrimentocom as suas angstias, conflitos e constante ambio; um facto.Mas exigimos um a crena quando queremos fugir de um facto emdireco a uma irrealidade.

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    ( onturbados pela Crena

    A vossa religio, a vossa crena em Deus, uma fuga ao real,o portanto no religio nenhuma. O homem rico que acumula

    dinheiro por meio da crueldade, da desonestidade, da exploraoastuciosa acredita em Deus; e vocs tambm acreditam em Deus,lambm so astuciosos, cruis, desconfiados, invejosos. Ser pos-svel encontrar Deus atravs da desonestidade, do logro, dostruques astuciosos da mente? Ser que o facto de vocs colec-cionarem todos os livros sagrados e os vrios smbolos de Deus

    significa que so pessoas religiosas? Assim, a religio no auga ao facto; a religio a compreenso do facto daquilo quevocs so nos vossos relacionamentos quotidianos; a religio omodo como falam, como dizem as coisas, como se dirigem aosvossos empregados, com o tratam a vossa mulher, os vossos filhos,os vossos vizinhos. Enquanto no com preen derem a vossa relaocom o vosso vizinho, com a sociedade, com a vossa mulher e os

    vossos filhos, haver sempre confuso; e faa o que fizer, a menteque est confusa apenas ser capaz de criar mais confuso, maisproblemas e mais conflito. Uma mente que foge do real , dos fac-tos do relacionamento, nunca encontrar Deus; uma mente queest conturbada pelas crenas no conhecer a verdade. Mas amente que compreende a sua relao com a propriedade, com aspessoas, com as ideias, a mente que j no se debate com os pro-

    blemas inerentes ao relacionamento, e para a qual a soluo no o afastamento mas a compreenso do amor essa mente, eapenas ela, pode compreender a realidade.

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    Constatamos que a vida feia, dolorosa, triste; queremos algumtipo de teoria, algum tipo de especulao ou satisfao, algum tipo

    de doutrina que explique tudo isto, e portanto ficamos enredadosna explicao, nas palavras, nas teorias, e, gradualmente, as cren-as vo adquirindo razes profundas e inabalveis, porque pordetrs dessas crenas, por detrs desses dogmas, existe um medopermanente do desconhecido. Mas ns nunca olhamos para essemedo; desviamonos dele. Quanto mais fortes forem as crenas,mais fortes sero os dogmas. E quando examinamos estas cren-as crists, hindus, budistas descobrimos que elas dividemas pessoas. Cada dogma, cada crena tem uma srie de rituais,uma srie de com pulses que prendem e separam os homens. Por-tanto, comeamos com uma investigao para descobrirmos o que verdadeiro, para descobrirmos qual o significado deste sofri-mento, desta luta, desta dor; e rapidamente nos tornamos pri-

    sioneiros de crenas, de rituais, de teorias.A crena corrupo, porque por detrs dela e da moralidadeescondese a mente, o eu o eu a tornarse maior, mais forte epoderoso. Ns consideramos a crena em Deus, a crena em algocomo sendo a religio. Consideramos que acreditar serse reli-gioso. Compreendem? Se no acreditarem, sero consideradosateus, sero condenados pela sociedade. Uma sociedade con-

    denar aqueles que acreditam em Deus, e outra condenar os queno acreditam. So ambas iguais. Portan to a religio tornase umaquesto de crena e a crena actua sobre a mente e influenciaa; a mente, neste caso, nunca pode ser livre. Mas somente naliberdade que vocs podem descobrir o que verdadeiro, o que Deus, no atravs de qualquer crena, porque a vossa prpriacrena projecta o que vocs pensam que Deus deve ser, o que

    vocs pensam que deve ser o verdadeiro.

    Para Alm da Crena

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    O Vu da Crena

    Vocs acreditam em Deus, e outra pessoa no acredita em Deus,e assim as vossas crenas separamvos uns dos outros. A crenaencontrase organizada, pelo mundo fora, sob a forma de Hindusmo, Budismo ou Cris t ianismo, e deste modo divide umhomem do outro. Estamos confusos c achamos que atravs dacrena iremos tornar claro o que c confuso; isto , a crena sobreposta confuso, e ns esperamos que com isso a confusoseja dissipada. Mas a crena uma mera fuga ao facto que a

    confuso; ela no nos ajuda a encarar nem a com preen der o facto,mas apenas a fugirmos da confuso em que nos encontramos. Paracompreen dermos a confuso no necessria a crena, c a crenaapenas actua como um vu entre ns e os nossos problemas.Assim, a religio, que a crena organizada, tornase um meio defuga ao c/ue , ao facto que a confuso. O homem que acreditaem Deus, o homem que acredita no alm, ou que tem qualquer

    outra forma de crena, est a fugir realidade do que ele prprio. No conhecem aqueles que acreditam cm Deus, que fazem pu ja ,que repetem certos cnticos e mantras, e que nas suas vidas diriasso dominadores, cruis, ambiciosos, batoteiros, desonestos?Podero encontrar Deus? Esto realmente procura de Deus? Ser

    possvel encontrar Deus atravs da repetio de palavras, atravsda crena? Mas essas pessoas acreditam em Deus, adoram a Deus,

    vo todos os dias ao templo, fazem de tudo para fugirem ao factoque a realidade do que so e vocs consideramnas respei-tveis porque elas so vocs mesmos.

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    Uma Nova Aproximao Vida

    Pareceme que uma das coisas que a maioria de ns aceita debom grado e toma como garantido a questo das crenas. No

    estou a atacar as crenas. O que estamos a tentar fazer desco-brir por que razo aceitamos as crenas; e se pudermos com -preender os motivos, o que est na origem da aceitao, entotalvez, possamos no s compreender por que o fazemos, mas ta m -bm libertarmonos disso. Podemos observar de que modo ascrenas polticas c religiosas, nacionalistas e de muitos outrostipos, separam as pessoas, criam realmente conflito, confuso e

    antagonismo o que um facto bvio; e ainda assim no temosvontade de nos libertar delas. Existe a crena hindu, a crenacrist, a crena budista inmeras crenas sectrias e naciona-listas. diversas ideologias polticas, digladiandose todas umas soutras, tentando converterse umas s outras. Podemos observar,como bvio, que a crena est a separar as pessoas, a criar into-lerncia; ser possvel viver sem crena? S o poderemos desco-

    brir se nos conseguirmos estudar a ns mesmos na nossa relaocom uma crena. Ser possvel viver neste mundo sem ter umacrena no mudando de crenas, no substituindo uma crenapor outra, mas estar completamente livre de Iodas as crenas, deforma a que possamos ler uma nova aproximao vida a cadaminuto'/ Isto . afinal, a verdade: ter a capacidade de encarar tudo

    de uma nova forma, dc momento a momento, sem a reaco con-dicionante do passado, de modo a que no haja o efeito cumulati-vo que funciona como uma barreira entre ns mesmos e o cjae .

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    A Crena Impede a Compreenso Verdadeira

    Se no tivssemos qualquer crena, o que que nos sucede-ria? No deveramos ficar muito assustados com o que pudesse

    acontecer? Se no tivssemos qualquer padro de aco, basea-do numa crena quer fosse cm Deus, ou no comunismo, ou noimperialismo, ou nalgum tipo de frmula religiosa, algum dogmano qual estamos condicionados sentirnosamos totalmente

    perdidos, no era? E no esta aceitao da crena o disfarcedesse medo do medo de no fundo no sermos nada, de sermosvazios? Afinal, uma chvena apenas tem utilidade se estiver vazia;

    e uma mente que est cheia de crenas, de dogmas, de certezas, decitaes, na verdade uma mente incapaz de criar; tosomen-te uma mente repetitiva. Para escaparmos desse medo dessemedo do vazio, desse medo da solido, desse medo da estagnao,de no se chegar, de no se conseguir, de no se alcanar, de nose ser alguma coisa, de no se vir a ser alguma coisa certa-

    mente uma das razes, no verdade, por que aceitamos as cren-as to rpida e avidamente? E, atravs da aceitao da crena,ser que nos compreendemos a ns mesmos? Pelo contrrio. Umacrena, religiosa ou poltica, impede, obviamente, a compreensode ns mesmos. Actua como um vu atravs do qual olhamos parans prprios. E poderemos olhar para ns prprios sem as cren-as? Sc removermos estas crenas, as muitas crenas que temos,

    sobrar alguma coisa para a qual olharmos'? Se no tivermos ne-nhumas das crenas com as quais a mente se tenha identificado,ento a mente, sem identificao, tornase capaz de se ver a simesma tal qual e ento, tem por certo incio a compreensode ns mesmos.

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    Observao Directa

    Por que criam as ideias razes na nossa mente? Por que no setornam os factos o mais importante e no as ideias? Por que

    que as teorias, as ideias, se tornam to importantes em vez dosfactos? Ser que no conseguimos compreender o facto, ou queno temos a capacidade, ou que tememos encarar o facto? Por-tanto, as ideias, as especulaes, as teorias so um meio de fugirdo facto.. .

    Podem fugir, podem fazer todo o tipo de coisas; os factos per-manecem l o facto de estarmos zangados, o facto de sermos

    ambiciosos, o facto de sermos seres sexuais, milhentas coisas.Podem reprimilos, podem transmutlos, o que uma outra formade represso; podem controllos, mas eles estaro todos a serreprimidos, controlados e disciplinados por meio de ideias... No verdade que as ideias nos fazem perder a nossa energia? No verdade que as ideias embotam a mente? Podemos ser inteligentes

    quando especulamos, quando citamos algum; mas, como bvio,c uma mente embotada que cita, que leu muito, e cita.. . .Acabaro com o conflito dos opostos de uma s vez se

    forem capazes de viver com o facto e com isso libertarem a ener-gia necessria para encararem o facto. Para a maior parte de ns,a contradio um campo extraordinrio no qual a mente seencontra aprisionada. Que ro fazer determinada coisa, e acabo por

    fazer algo completamente diferente; mas se eu encarar o facto dequerer fazer determinada coisa, deixa de haver contradio; eassim, de uma s vez, abulo por completo todo o significado daoposio, e ento a minha mente fica inteiramente atenta ao que, e com a compreenso do que .

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    Aco sem Ideia

    somente quando a mente se encontra l ivre da ideia quepode haver experimentao. As ideias no so a verdade; e a ver-dade algo que deve ser experimentado de forma directa, demomento a momento. No se trata de uma experincia que sejadesejada por vs o que seria mera sensao. E apenas quandoconseguimos ir alm do feixe de ideias que constitui o eu,que constitui a mente, que tem um a continuidade parcial ou com -pleta , s quando conseguimos ir para alm disso, quando o

    pensamento se encontra completamente silencioso, que existeum estado que permite a experimentao. Ento saberemos o que a verdade.

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    Aco sem o Processo do Pensamento

    O que entendemos por ideia? Certamente a ideia o processodo pensamento . No verdade? A ide ia um processo da

    actividade mental, da actividade do pensamento; e a actividade dopensamento sempre uma reaco ou do consciente, ou do incons-ciente. Pensar um processo de verbalizao, o qual resulta damemria; pensar um processo do tempo. Portanto, quando aaco se baseia no processo do pensamento, uma tal aco deve,inevitavelmente, ser condicionada, isolada. Uma ideia deve oporse a outra ideia, uma ideia deve ser dominada por outra ideia.

    Ento verificase uma lacuna entre a aco e a ideia. O que nsestamos a tentar descobrir se a aco pode existir sem a ideia.Podemos obse rvar o quanto a ideia separa as pessoas. Tal como jvos expliquei, o con hecim ento e a crena so, na sua essncia, q ua -lidades que separam. As crenas nunca unem as pessoas; elas se-

    param sempre as pessoas; quando a aco se baseia na crena, ounuma ideia, ou num ideal, tornase inevitvel que ela seja isolada,fragmentada. E possvel agir sem o processo do pensamento, sendoo pensam ento um processo do tempo, um processo de clculo, umprocesso de autoproteco, um processo de crena, negao, con-denao, justificao. Certamente vos deve ter ocorrido, como meocorreu a mim, se poder ser possvel haver aco sem a ideia.

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    Fevereiro, 17

  • 7/23/2019 A Vida. (O Livro Da Vida -The Book of Life) - J Krishnamurti (1)

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    As Ideias Limitam a Aco?

    Podero as ideias alguma vez produzir aco, ou ser que elasapenas moldam o pensamento e l imitam, consequentemente, aaco? Quando a aco impulsionada por uma ideia, ela nuncapode libertar o homem. E extraordinariamente importante para nsque compreendamos este ponto. Se uma ideia der forma aco,ento a aco nunca poder trazer a soluo para os nossos sofri-mentos, porque, antes que ela possa ser posta em aco, temos dedescobrir, primeiro, como c que surge a ideia.

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  • 7/23/2019 A Vida. (O Livro Da Vida -The Book of Life) - J Krishnamurti (1)

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    A Ideologia Evita a Aco

    O mundo est permanentemente beira da catstrofe. Masparece que actualmente se encontra ainda mais prximo dela. Ao

    nos apercebermos desta catstrofe iminente, muitos de ns refu-giamse na ideia. Ns pensamos que esta catstrofe, esta crise,pode ser resolvida atravs de uma ideologia. A ideologia sem-pre um impedimento ao relacionamento directo, e isto no permitea aco. Ns desejamos a paz apenas como uma ideia, mas nocomo uma realidade. Queremos a paz somente ao nvel verbal, oqual se encontra exclusivam ente ao nvel do pensamento, em bora

    seja com orgulho que lhe chamamos o nvel intelectual. Masa palavra paz no a paz. A paz s pode existir quando cessar aconfuso que se estabelece entre vs e o outro. Estamos apegadosao mundo das ideias e no paz. Procuramos novos padres so-ciais e polticos, no procuramos a paz; estamos p reocupados coma reconciliao dos efeitos c no com a erradicao das causas daguerra. Esta procura apenas nos trar respostas condicionadas pelopassado. E a este condicionamento que chamamos conhecimento,experincia; e os factos novos, em mudana, so traduzidos, inter-pretados, de acordo com este conhecimento. Portanto, existe con-flito entre o que e a experincia passada. O passado, que conhecimento, estar sempre em conflito com o facto, que se situasempre no presente. Assim, isto no ir resolver o problema, mas

    antes perpetuar as condies que criaram o problema.

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  • 7/23/2019 A Vida. (O Livro Da Vida -The Book of Life) - J Krishnamurti (1)

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    A ideia o resultado do processo do pensamento, o processodo pensamento a resposta da memria, e a memria est sempre

    condicionada. A memria est sempre no passado, e essa mem-ria ganha vida no presente por meio de um desafio. A memriano tem qualquer tipo de vida em si mesma; lhe dada vida no

    presente quando confrontada por um desafio. E toda a memria,latente ou activa, condicionada, no verdade? Assim sendo,tem de haver uma aproximao totalmente diferente. Tm dedescobrir por vs mesmos, interiormente, se esto a agir sobre umaideia, e se poder existir aco sem ideao.

    Aco sem Ideao

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  • 7/23/2019 A Vida. (O Livro Da Vida -The Book of Life) - J Krishnamurti (1)

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    Agir sem Ideia o Caminho do Amor

    O pensamento est sempre limitado pelo pensador, que estcondicionado; o pensador est sempre condicionado e nunca c

    livre; quando ocorre um pensamento, seguese imed iatamente umaideia. A ideia como meio para a aco s poder dar origem a maisconfuso. Estando conscientes de tudo isto, ser possvel agir semideia? Sim, o caminho do amor. O amor no uma ideia; no cuma sensao; no uma memria; no um sentimento de adia-mento, um dispositivo de auloproteco. S podemos estar des-pertos para o caminho do amor quando compreendemos todo o

    processo da ideia. Agora, ser possvel abandonar os outros cam i-nhos e conhecer o caminho do amor, que a nica redeno queexiste? Nenhum outro caminho, poltico ou religioso, ir resolvero problema. No se trata de uma teoria sobre a qual tero de reflec -tir para depois adoptarem nas vossas vidas; deve ser real...

    .. .Existe ideia quando amamos? No o aceitem; observemno.examinemno, investiguemno profundamente; porque ns j ten-tmos todos os outros caminhos, e no nos deram qualquer res-posta para o sofrimento. Os polticos podem prometlo; as assimchamadas organi/aes religiosas podem prometer uma felici-dade futura; mas no a temos no presente, e o futuro tem umaimportncia muito relativa quando estou faminto, dentmos Iodosos outros cam inhos; e s podem os conhecei o caminho do amor

    se conhecermos o caminho da ideia e abandonarmos a ideia, o que agir.

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  • 7/23/2019 A Vida. (O Livro Da Vida -The Book of Life) - J Krishnamurti (1)

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    O Conflito dos Opostos

    Perguntome se existir uma tal coisa a que se possa chamar omal? Por favor, prestem ateno, acompanhemme, vamos inves-

    tigar juntos. Dizemos que existe o bem e o mal. Existe a inveja eo amor, e dizemos que a inveja m e que o amor bom. Por querazo dividimos a vida, chamando bom a isto e mau quilo,criando desta forma o conflito entre os opostos? No que a inveja,o dio, a brutalidade no existam na mente e no corao humanos,uma ausncia de compaixo, de amor, mas por que dividimos a\ ida entre a coisa a que chamam os bem c a coisa a que chamamos

    mal? No existir, na verdade, apenas uma nica coisa, que umamente que no est atenta? Certamente, quando h uma atenototal, isto , quando a mente est completamente consciente,alerta, atenta, no existe uma tal coisa como mal ou bem; existeapenas um estado dc conscincia desperta. Ento, a bondade noe uma qualidade, uma virtude, c um estado de amor. Quandoexiste amor, no h bem nem mal, h apenas amor. Quando vocsamam verdadeiramente algum, no pensam em termos tle bemou de mal, lodo o vosso ser est repleto desse amor. E somentequando cessa a ateno completa, quando cessa o amor, que surgeo conflito entre o que sou e o que deveria ser. Ento, aquilo quesou o mal e aquilo que deveria ser o assim chamado bem.

    ...Observem a vossa mente e vero que 110 momento em que

    a mente pra de pensar em termos de vir a ser algo diferente doque , dse um terminar da aco que no estagnao; umestado de ateno total, que bondade.

    fevereiro. 2