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A VELHICE NA ROÇA E NA CIDADE: O QUE ESTÁ POR TRÁS DOS NÚMEROS?
1Adriana de Oliveira Alcântara
A vida é bem sossegada
Sem baruio e sem zoada,
Por isso eu faço questão
De não morá na cidade,
Foi sempre minha vontade
Vivê e morrê no sertão.
PATATIVA DO ASSARÉ RESUMO:
A presente discussão é um recorte da pesquisa de Doutorado em Antropologia Social, cujo objetivo central foi analisar como as transferências intergeracionais de apoio familiar se configuravam em unidades domésticas compostas de pelo menos três gerações no meio rural e urbano. A escolha da zona rural e da Região Nordeste para desvendar como estas trocas são vivenciadas por grupos específicos se justificou pela ausência de maiores estudos que contemplem a velhice nas áreas rurais. Deste modo, os dados demográficos foram demonstrados na intenção de refletir sobre a velhice e aos aspectos a ela intrínsecos, bem como mostrar as especificidades da zona rural brasileira, realidade merecedora de pesquisas mais contínuas, haja vista a escassez destas num espaço onde se supõe tão singular. É importante ressaltar que o Brasil por ser um País diverso em termos regionais, bem como socioeconômico e cultural, urge a necessidade de se fomentar pesquisas voltadas a entender a inserção do idoso no meio rural brasileiro. Palavras-chave: Velhice, Família, Rural-Urbano.
1. Um novo cenário: quais rumos a tomar ou reinventar?
O aumento da longevidade brasileira se deu num espaço de poucas
décadas, sem que a sociedade se despertasse para as implicações do
envelhecimento populacional. Acrescente-se ser este fenômeno comum tanto
nos países periféricos como nos desenvolvidos neste início de século.
1 Graduada em Serviço Social - Universidade Estadual do Ceará - UECE, Mestre em Gerontologia -
Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP e Doutora Antropologia Social.
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Com base nos dados revelados pela Pesquisa Nacional por Amostra
de Domicílios – PNAD/2007, divulgada em setembro de 2008, persiste a
tendência do aumento de idosos, o qual abrange em torno de 20 milhões de
pessoas de 60 anos ou mais, o que corresponde a 10,5% do total da
população. O crescimento da quantidade de idosos ultrapassa o dobro da
ampliação da população total. Com relação ao crescimento relativo
concernente à faixa etária, este foi de 47,8% no grupo de idosos de 60 anos e
86,1% entre os de 80 anos ou mais, ou seja, existem 1,6 milhões de pessoas
nesta faixa etária. Em que repercute o presente cenário? Não existem serviços
adequados para os idosos mais jovens, o que se dirá para os mais velhos?
Para ilustrar tal realidade, em 1980, em cada 100 crianças nascidas
vivas (sexo feminino) no País, 22 delas chegariam aos 80 anos. Já em 2000,
duplica (CAMARANO, 2006). O prolongamento da vida humana possibilitou o
convívio intergeracional e, em conformidade com a última PNAD, este tem um
peso relativo de 30%, onde as regiões Norte e Nordeste abarcam uma média
superior, cujas proporções são respectivamente, 41% e 36%.
Um dos fenômenos registrados no estudo do perfil dos idosos
responsáveis pelos domicílios no Brasil é o aumento do número de netos e
bisnetos que vivem com os avós e, em geral, são sustentados por eles. Em
1991, eram 2,5 milhões de netos e bisnetos e passaram a ser 4,2 milhões no
ano de 2000 (CAMARANO, 2004).
Conforme sugere Peixoto (2000) ao se remeter sobre o aumento da
expectativa de vida, esse fenômeno favorece o crescimento do número de
famílias, nas quais se configura a coexistência de três a quatro gerações,
sobretudo, entre os mais pobres. Pode-se afirmar que, em parte, esta situação
se deve a uma falta de efetividade das políticas sociais, isto é, as
aposentadorias e os serviços de assistência social são irrisórios, a saúde
pública é precária e ainda não oferece condições de atender decentemente
essa população.
Dessa forma, na aposentadoria ou na viuvez, os velhos residem na
casa de um dos filhos. Inversamente, os filhos divorciados voltam à casa dos
pais com suas crianças. De um modo ou de outro, dá-se a coabitação entre as
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gerações. Assim, esse arranjo vai permitir um convívio maior entre avós e
netos.
Nesse contexto, como pensar a inserção do velho? Que papel
desempenha na família? Como se caracterizam as trocas intergeracionais?
Suas histórias familiares, experiências, e saberes despertam escuta?
Os avós têm muito a transmitir. Às memórias individuais se conjugam às memórias coletivas e as lembranças não se limitam às suas trajetórias pessoais nem à vida familiar; seus relatos falam de acontecimentos políticos e sociais assim como das transformações do bairro e da cidade e da evolução dos costumes (PEIXOTO, 2000, p.108).
Para a autora, estas transmissões se tornam trocas, pois os netos
também transmitem algo para seus avós. Em sua pesquisa sobre transmissões
entre gerações, os avós brasileiros revelam encontrar nos mais jovens a
‘alegria de viver’, que lhes dá ‘força para continuar’, aprendem as ‘novidades da
vida atual’ e mantêm assim, a ‘cabeça jovem’ (PEIXOTO, 2000:109).
Descobriu-se ainda, que os avós rompem com o medo da informática, além de
se cadastrarem nas locadoras de vídeo, pois não deixa de ser uma
possibilidade de se identificarem com os interesses dos netos,de modo a
intensificar os vínculos.
Em seu estudo acerca das transferências de apoio intergeracionais,
Saad (1994) menciona a escassez de pesquisas sobre o intercâmbio de apoio
familiar no Brasil, embora o conhecimento empírico desta situação se expresse
significativamente. Em sua pesquisa de campo na cidade de Fortaleza,
constata um intenso fluxo de apoio financeiro no sentido de pais idosos para
filhos adultos, onde se denota que os filhos, geralmente, recebem ajuda dos
pais até na fase avançada de suas vidas adultas.
O autor verifica que os estudos sugerem que a co-residência entre
gerações, sobretudo no Nordeste, está mais associada às necessidades dos
filhos adultos do que às de seus pais idosos. Logo, a renda do idoso ainda que
parca, vem se tornando o principal provento familiar.
Como aponta o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE,
no seu último censo (2010) 62,4% dos idosos são responsáveis pelo domicílio
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em que moram no Brasil. Isto significa dizer que, de acordo com o Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA, sem os benefícios pagos pelo INSS,
mais de 18,1 milhões de pessoas estariam vivendo abaixo da linha de pobreza.
As taxas de desemprego e subemprego da população adulta jovem, problemas
como drogas e até gravidez precoce influenciam na permanência de filhos e
netos na casa dessas pessoas com mais de 60 anos, sendo não raro registrar
a presença de três gerações dentro do mesmo domicílio.
De acordo com a Síntese de Indicadores Sociais (IBGE, 2008) os
idosos respondem a pelo menos da metade das despesas da família em 53%
das residências e tal situação é mais significativa na região Nordeste, pois a
responsabilidade é superior a mais da metade da despesa familiar em 63,5%.
O Censo lembra ser de grande relevância a contribuição dos idosos no
orçamento familiar e essencialmente, na zona rural do Nordeste, na qual o
índice chega a 73% dos domicílios. O censo mostra que 45% dos idosos se
encontram na condição de chefe de família e nas Regiões Norte e Nordeste
esses percentuais atingem os 50%.
O apoio econômico não é a única contribuição que o idoso pode
oferecer á família. Se ele for saudável poderá também assumir as tarefas
domésticas, além de se responsabilizar pelos netos. Esse panorama sugere
uma revisão do conceito tradicional de dependência da população idosa em
relação aos grupos etários mais jovens. Exemplo disso é o que mostra a
pesquisa de Oliveira (1999), realizada em vilas da cidade de Marília, Estado de
São Paulo, nas quais avós assumem a criação dos netos para que os pais
possam trabalhar, estabelecendo-se, pois, uma relação de afeto e de trocas
que caracterizam a co-educação de gerações. São arranjos de elementos
inovadores, refletem nos vínculos intergeracionais e assim, impossibilitam
definir um padrão único de relações familiares.
Não podemos deixar de considerar que também existe uma relação
de reciprocidade, hipótese elaborada pela teoria do “intercâmbio social”. Esta
postula que, seria do interesse dos indivíduos, ao longo de sua existência,
assumir tanto o papel de provedor quanto o de receptor de apoio, como parte
de seu processo de interação social (SAAD, 1994, p. 172).
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Segundo o pesquisador esta teoria é a que melhor se ajusta ao caso
brasileiro, bem como na América Latina, em geral, uma vez que, a troca entre
pais e filhos tende a se estender ao longo de todo o ciclo de vida familiar, leva
a inferir que, as normas tradicionais, internalizadas culturalmente quanto
cobradas socialmente, atuam como fatores decisivos no estabelecimento no
intenso fluxo de apoio entre as diferentes gerações.
Nesse aspecto, Saad verifica que, em Fortaleza existe um
significativo intercâmbio de apoio intergeracional, situação muito comum. Os
filhos provêem seus pais idosos em apoio funcional e instrumental e por outro
lado, obtêm ajuda material, instrumental, arranjo este de grande significado.
Dentre as reflexões de tal contexto, uma seria que, a expressiva ajuda informal
estaria tomando lugar do suporte de apoio formal, onde a família assume,
muitas vezes, de forma inadequada, o cuidado de seus velhos.
O autor ainda alerta para a necessidade de se realizar pesquisas na
zona rural, a fim de compreender como diferentemente se configuram os
arranjos familiares no cotidiano rural e urbano.
Nas pesquisas sobre o espaço rural brasileiro prevalecem assuntos
voltados à mudança na relação de produção no campo, reforma agrária, novas
metas do capital agrário. Porém, quando se focaliza a velhice no contexto rural,
o tema privilegiado é a aposentadoria rural e seu impacto no sistema
previdenciário. Contudo, com raras exceções, existem estudos que retratem o
modo de envelhecer no meio rural (GUSMÃO; ACÂNTARA, 2008). Esse é o
foco das reflexões desta discussão.
2. Espaços sócio-demográficos e velhice: experiências heterogêneas
Do total da população idosa, 16,5 milhões vivem na zona urbana
(83%) e 3,4 milhões na zona rural. Um dado interessante sinaliza para a
predominância dos idosos nordestinos nas áreas rurais, ou seja, quase metade
do total de idosos, 1,6 milhão. No entanto, é preciso esclarecer que, do
universo de emigrantes brasileiros prevalecem os nordestinos, com 10,5
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milhões (53,5% do total de emigrantes) e é também nesta mesma região onde
se concentra a maior parte dos idosos em situação de pobreza, 24,2%. Em
contrapartida, a Região sul compreendeu 6,5% (IBGE, 2008).
Como o rendimento domiciliar per capta é essencial na avaliação
das condições de vida, vale destacar que, na zona rural, os idosos com renda
mensal per capta inferior à metade do salário mínimo, ou seja, em situação de
pobreza, superam os idosos da zona urbana. De outro modo, os que possuem
renda acima de dois salários mínimos per capta, a proporção na cidade é três
vezes maior em comparação ao espaço rural, quer dizer, 26,5% contra 8,1%.
Estes dados permitem refletir sobre as desigualdades regionais
existentes no País no que se refere à estrutura sócio-econômica e quando se
trata do interior nordestino, falar de envelhecimento é trazer à tona a imagem
da velhice precoce, marcada pelo desgaste humano já em torno dos quarenta
anos de idade como expressa Barroso (1988, p.16) o nordestino com um
desgaste vital acentuado, muitas vezes morre socialmente antes de sua
finitude biológica, mesmo sem ter avançado na escala cronológica.
A autora entende que as circunstâncias pelas quais passa o
indivíduo em seu ciclo vital influenciam consideravelmente no seu processo de
envelhecimento e ao afirmar que se envelhece de forma diferenciada na região
Nordeste, pontua os parâmetros de saúde, a ausência de instalações sanitárias
adequadas, a baixa expectativa de vida em relação a nacional, o baixo nível
educacional e ainda, a estrutura climática responsável há séculos pelos
episódios das secas, a qual provoca toda uma desagregação ecológica
econômica e social. Com base nesses indicadores, Barroso (1988, p.49)
argumenta que envelhecer é um desafio, pois a situação do Nordeste é
particularmente dramática, apresenta níveis de miséria e pobreza
significativamente mais elevados, qualquer que seja o tipo de área – rural,
urbano, metropolitano -, do que as demais regiões do País.
Em consonância com a Síntese de Indicadores Sociais (IBGE,
2008), é a partir dos anos 1970 que o Brasil passa a ser um País
eminentemente urbano, haja vista o fluxo da população rural, devido às
transformações na produção agropecuária, bem como do processo de
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industrialização e modernização. A descentralização administrativa existente
nos últimos anos com a ampliação da quantidade de municípios, onde hoje
somam 5.564 corroborou no aumento da população urbana2.
A emigração dos mais jovens em busca de uma estrutura
inacessível no meio rural, como outras opções de trabalho e educação,
acarreta para os idosos uma situação de carência em termos de cuidados,
extremamente necessários nessa etapa da vida, cujos efeitos se refletem na
dinâmica de uma outra estrutura familiar e também social.
Fazer alusão à tarefa do cuidado remete, sobremaneira, à
expectativa desse ser prestado pelo grupo familiar, mas não passa de um
eufemismo, porque culturalmente, quem exerce essa responsabilidade, na
maioria das vezes, sem nenhum apoio formal, acertando ou errando, é uma
única mulher da família e diante deste fato. As mulheres demandam mais
cuidados, além de terem maior expectativa de vida, assumem o cuidado e
passam a ser provedoras. Mas quem cuidará destas? Elas estão velhas e
cuidando de seus velhos. Que alternativas se descortinam?
Saad (1999) chama atenção no sentido da sociedade se
reestruturar por conta do rápido processo de envelhecimento, visto que, as
mulheres se inserem cada vez mais no mercado de trabalho e assim, estão
sem tempo para cuidar de seus velhos dependentes3. Contudo, embora
estejam realizando novos papéis sociais, as mulheres não se desvincularam
dos afazeres tradicionais, isto é, em conformidade com a PNAD 2007, as que
estavam ocupadas e se responsabilizavam pelas tarefas da casa abarcavam
89,55%.
Nas cidades, a região Sudeste reúne o maior número de idosos. À
época do referido Censo: 2 Faz-se necessário considerar que, há várias divergências sobre as definições de urbano e
rural no Brasil, adotadas pelo IBGE, mas como o propósito do texto é analisar o perfil do idoso nesses espaços sócio-demográficos, a partir de pesquisas censitárias legitimadas e de referências para fins de políticas públicas, a discussão acerca dessa discordância ficará para outra oportunidade. Para aprofundamento do assunto, ler Reis (2008), Silva (1997), Veiga (2002). 3 Recupero aqui, algumas idéias da minha Dissertação de Mestrado: Velhos institucionalizados
e família: entre abafos e desabafos (2003).
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A região Sudeste concentrava quase metade (9,4 milhões) dos idosos com 60 anos ou mais do país, seguida pela região Nordeste (5,1 milhões de idosos) e Sul (3,2 milhões). Centro-Oeste (1,2 milhão de idosos) e Norte (1 milhão) reuniam grupos relativamente menores nesta faixa etária. Em São Paulo morava, em 2007, o maior contingente de idosos do País (4,7 milhões), seguido por Rio de Janeiro e Minas Gerais (com aproximadamente 2,2 milhões), e Bahia (1,4 milhão). Roraima (21 mil), Amapá (32 mil) e Acre (39 mil) concentravam os menores grupos de pessoas com 60 anos ou mais.
As mulheres representam a maioria na cidade, porém no rural, o
número de homens é superior ao das mulheres. Esse panorama se manifesta
da seguinte forma: Nas áreas rurais, a razão de sexo era de 107 homens para
cada 100 mulheres, enquanto nas áreas urbanas, era de 75 homens para cada
100 mulheres (IBGE, 2008). A justificativa reside no fato das mulheres irem
mais vezes às cidades para morar com filhos, netos ou parentes, ao passo que
os homens continuam engajados no trabalho da roça.
Aqui é pertinente refletir as relações de gênero. Tal situação remete
a considerações acerca dos papéis culturais de gênero, pois se se atribui à
mulher o papel do cuidado da casa, do cônjuge, dos idosos enfermos e das
crianças, como os homens lidam com esta responsabilidade acatada
naturalmente como feminina? (PEREIRA; SANTOS, 2007).
A mudança do meio rural para o urbano é motivada pela falta de
emprego, diferença entre os salários nestes espaços, condições de infra-
estrutura, paralelo ainda a imagem da boa vida pelos meios de comunicação. O
êxodo rural acarreta profundas transformações na estrutura da sociedade e
para a população idosa em particular (RAMOS; VERAS e KALACHE, 1987).
Por não se adequar ao padrão urbano, a vida na cidade, como reza
o dito popular, faz com que muitas vezes, o idoso se sinta como um peixe fora
d’água, pois sua rotina na roça era outra, o jeito de morar, os afazeres, os
horários, o contato com a vizinhança, o estilo de vida, como por exemplo,
retrata a epígrafe no início do texto, enfim, as mudanças provocam impactos,
sobretudo, quando se somam à precariedade dos meios materiais. Por outro
lado, o IBGE sugere que morar na cidade pode favorecer o segmento idoso,
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com destaque para as viúvas, haja vista a maior oferta dos serviços de saúde e
de outros fatores mais vantajosos do dia-a-dia.
É interessante confrontar as colocações postas por Camarano
(2004) e Woortmann (1999) quando discutem a velhice em função dos espaços
urbanos e rurais. A primeira apresenta uma visão mais otimista, ao afirmar, por
exemplo, que as unidades domésticas compostas por idosos possuem
melhores condições em termos financeiros, enquanto a outra perpassa certo
desencantamento com relação à posição do velho na sociedade, subretudo, na
área urbana.
Camarano (2004) faz um recorte pelo viés da universalização da
previdência rural, pois especialmente na área rural, os idosos foram os mais
beneficiados, uma vez que os chefes de família rurais tiveram aumento da
renda de 52,6%, o crescimento na renda dos idosos foi de 76,8%. A
universalização da aposentadoria rural que passou a ser paga também para os
trabalhadores que não contribuíram para a Previdência, é o principal motivo do
aumento da renda no campo.
A segunda autora retrata a diferença do tratamento que é dado às
pessoas idosas no contexto urbano e rural. Na sua óptica (1999, p.140):
No mundo urbano individualista, pessoas idosas não possuem status elevado. São tratadas como irrelevantes pela sociedade. No mundo camponês, contudo, o velho encarna a continuidade da comunidade, na medida em que transmite normas, saberes e valores aos jovens.
Conforme Woortmann no espaço urbano a história de vida e
memória social dos velhos não são valorizadas pela sociedade. No cotidiano
rural, mesmo com tensões, o velho detém status na medida em que transmite
normas e valores aos jovens, é o guardião da memória e da tradição, do saber
acumulado, do reconhecimento no grupo.
A respeito da opção em continuar o trabalho, embora aposentados,
isto se traduz pelo fato da atividade lhes conferir identidade e, conforme Vânia
Ramos (1998) a história de cada um é registrada no corpo e não é à-toa que a
ausência do trabalho deixa uma lacuna quando os velhos afirmam que foram
criados assim. Eles começaram a trabalhar na roça desde crianças na
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companhia dos pais, prática bastante comum, tanto no que se refere aos filhos
e filhas desta geração, em particular, no Nordeste rural (ALCÂNTARA, 2008).
O universo dos idosos brasileiros com 65 anos ou mais na
continuação do trabalho perfaz 22,5%, onde 74,7% destes recebem
aposentadoria. Em relação à zona rural os percentuais são 46,9% e 84%
contra 17,6% e 70% da zona urbana, dados expressivamente significantes. É
importante lembrar que o alto contraste rural/urbano se explica também pela
produção para o consumo próprio no campo, cujo alcance nessa situação é de
41,8%.
Vale destacar que, os benefícios da seguridade social (previdência
urbana, previdência rural, assistência social e as pensões por morte)
abrangiam, de acordo com a PNAD de 2007, 76% dos idosos, cerca de 15
milhões destes. Dentre homens e mulheres, a porcentagem é quase a mesma
proporção, 77,9% para os primeiros e 74,6% no grupo feminino. O aumento de
aposentados se volta consideravelmente na faixa dos 60 a 70 anos.
É importante enfatizar que, a região Nordeste, principalmente na sua
zona rural, se sobressai uma realidade bem peculiar no que diz respeito à
Previdência Social, pois esta exerce influência fundamental nas relações
sociais. Isto se justifica pela pobreza econômica e social desta região e desse
maneira, a relevância do benefício é mais notável em relação aos outros
lugares do País.
Também é relevante esclarecer que, ainda de acordo com os
estudos aqui citados, em média, o segmento idoso detém uma melhor condição
de vida em comparação aos jovens, principalmente, por conta do seu ciclo de
vida, construiu patrimônio, possui casa própria e se beneficiou da
universalização da Seguridade Social, fundamentalmente a aposentadoria. Um
dado relevante é que 13 milhões de idosos são chefes das famílias em que
vivem. Os efeitos da instabilidade do mercado de trabalho, conforme
Camarano, ocasionam a permanência dos filhos na casa dos pais por mais
tempo (a saída se dá em torno dos 26 anos), situação que favorece a co-
residência entre idosos e seus filhos, netos e bisnetos, estratégia de apoio
familiar de sobrevivência, o que pode ser benéfica para todos.
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No estudo acerca das repercussões da previdência rural sobre os
idosos rurais, Delgado e Cardoso Júnior (1999, p.03) encontram resultados
favoráveis, principalmente nos pequenos municípios ou estados mais pobres,
no contexto do chamado regime de economia familiar. Tal regime não
compreende apenas a pequena produção rural, mas também o amplo setor de
subsistência da agricultura brasileira. Dentre os efeitos positivos, os autores
destacam:
a) um aumento significativo na taxa de cobertura do sistema, medido pelo público assistido em relação ao público potencial; b) a inclusão das mulheres rurais em condições mais favoráveis, compensando os limites excludentes das regras precedentes do Funrural; e c) a elevação significativa da renda domiciliar do público beneficiário, incidindo tais efeitos sobre uma população em geral muito pobre, residente na zona rural ou microurbana contígua (municípios com até 50 mil habitantes).
No estudo realizado em Remígio, município da Paraíba, onde se
analisam as repercussões psicossociais decorrentes da concessão de
benefícios rurais, Albuquerque, Lôbo e Raymundo (1999) concluem que os
idosos que vivem no meio rural estão numa condição mais privilegiada do que
os idosos do meio urbano, uma vez que na cidade, os velhos perdem com
maior força seu poder social, principalmente na família, favorecendo a baixa
estima, diferente do contexto rural, que, segundo os autores, com o benefício
previdenciário, os idosos exercem decisiva participação na família, impedindo
aos mais jovens a situação de mendicância, prostituição, elevando até, o nível
de escolaridade dos netos.
Estes resultados reforçam a influência da renda dos idosos na
economia familiar, os quais se configuram em várias estratégias de reprodução
econômico-social dos domicílios cobertos pelo benefício previdenciário. Aqui
se verifica a reconstrução do espaço social, onde o aposentado idoso é
valorizado.
Em resumo, a família brasileira ganhou feições jamais vistas e
focalizar a velhice no interior das transformações dos novos arranjos possibilita
compreender o quanto as relações são heterogêneas. É preciso deixar claro
acerca de quais velhos estamos falando. É da roça ou da cidade? Homem ou
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mulher? Pobre ou rico? Já podemos dizer que, um país super envelhecido
como o Brasil, inspira políticas públicas eficazes em função da reorganização
da vida familiar, de modo a investir em recursos humanos, na formação
especialistas aptos a atender uma população com demandas específicas, pois
apesar de todo esforço da família ou da sociedade civil, é impossível acolher
as pessoas idosas sem a intervenção do Estado através dos serviços de saúde
e de assistência social.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
É indiscutível que, trabalhar com o idoso hoje, é sobremaneira,
considerar a família deste, no sentido de conhecer as relações que foram
estabelecidas entre eles e como lidam com as peculiaridades de cada geração,
entendendo o papel de cada um no grupo, mesmo ao considerar a idade como
um fator não mais tão determinante para se definir as competências no grupo
familiar. Portanto, quanto mais se conhece a história da família, mais é possível
vislumbrar como são construídas as relações e papéis que cada um
desempenha.
Entretanto, quando se fala da responsabilidade do cuidado com a
geração mais velha, atribui-se ao longo da história, que a família deve
satisfazer as diversas necessidades do seu idoso, sejam de ordem física,
psíquica ou social e principalmente, quando existe comprometimento na
autonomia e também na dependência (MORAGAS, 1997). Estará a família,
leia-se mulher, capaz de oferecer cuidados aos seus idosos? As mulheres
terão condições de assumir esta responsabilidade?
O amparo aos mais velhos pelos seus familiares é tido um dever
moral, encontra toda uma legitimação cultural. Embora, cristalizada na cultura,
esta “Constituição cidadã” respalda a norma, a qual reforça no seu artigo 230
que a família deve arcar com a proteção de seu idoso.
Existem as leis, mas o Estado não oferece as condições. Em termos
de legislação, podemos afirmar que o segmento idoso está muito bem
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contemplado. Tudo já está aprovado em prol da melhoria de sua qualidade de
vida – da saúde ao lazer, resta agora, efetivar, fazer as palavras caminharem.
Contudo, aconteceram intervenções significantes. Na década de 1990
houve expressiva criação de legislação e de programas sociais destinados
especificamente a esse grupo. O impulso decorreu da Constituição de 1988,
que, no capitulo da Seguridade Social, trata de questões sociais da velhice.
Essas disposições constitucionais favorecem e incentivam a elaboração de
legislação complementar acerca do assunto (Camarano et al., 1999, 2000,
2002). A LOAS (lei Orgânica da Assistência social – Lei n.8.742, de 7 de
dezembro de 1993, além de tratar da organização das políticas de assistência
nas três esferas do governo, determina medidas específicas, como o
pagamento de um salário mínimo de benefício mensal àqueles a partir de 65
anos de idade que comprovem não ter meios de prover a própria manutenção
e nem de tê-la provida por sua família (art.20).
A PNI (Política Nacional do Idoso - Lei 8.842, de 4 de janeiro de 1994)
é considerada uma das mais avançadas do mundo, com um projeto bastante
amplo que visa a atingir a melhoria da qualidade de vida dos velhos em todos
os aspectos, por meio de parcerias entre organizações governamentais e não-
governamentais. O objetivo da PNI é promover ações setoriais integradas em
que Ongs e cada Ministério, em conformidade com suas atribuições, viabilizem
programas sociais, visando ao bem-estar da população idosa em todas as
esferas, à sua integração social e dar agilidade a novas ações de atendimento
às pessoas em processo de envelhecimento (ALCÂNTARA, 2004).
No Brasil, desde a década de 1970, foi anunciado o aumento da
população idosa e o País não se planejou devidamente para não ser mais um
“País de jovens” e ter que enfrentar as mudanças no contexto sócio-econômico
diante do prolongamento da vida humana. Apesar de três décadas já
passadas, não só Estado, mas também a sociedade não se deu conta
profundamente, das implicações da transição demográfica, um fenômeno que
atingirá todos, isto é, desde que não se morra antes da velhice chegar, mas
afinal de contas, velho não é sempre o outro?
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Paralelo a toda essa reflexão em torno da velhice e aos aspectos a
ela intrínsecos, foi de intenso interesse mostrar as especificidades da zona
rural brasileira, realidade merecedora de pesquisas mais contínuas, haja vista
a escassez destas num espaço onde se supõe tão singular. Qual é o
significado da velhice rural nos vários Brasis? Apesar de não termos a
resposta, trazer à tona esse assunto é uma forma de convidar para a
discussão e quem sabe, instigar na formulação de trabalhos sociais ou de
cunho científico junto a uma conjuntura ainda não (re)conhecida.
4. REFERÊNCIAS
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ALCÂNTARA, Adriana de Oliveira. Velhos institucionalizados e família: entre abafos e desabafos. Campinas, SP: Editora Alínea, 2004 (Coleção Velhice e Sociedade).
ALCÂNTARA, Adriana de Oliveira. Corpo, velhice e ruralidade: subjetividades em foco. IN: SEMINÁRIO INTERNACIONAL FAZENDO GÊNERO, 8. 2008, Florianópolis/SC. Anais... Florianópolis/SC: UFSC, 2008.
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