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A variação linguística em comunidades afro-brasileiras nos municípios de Poconé-MT e Santo Antônio de Leverger-MT Jaqueline Dias da Silva (UNEMAT/CAPES/FAPEMAT) 1 Jocineide Macedo Karim (UNEMAT) 2 Resumo: Este trabalho apresenta-se como um projeto de Tese em andamento, trabalho do qual objetiva-se pesquisar as Variações Linguísticas em uso nas Comunidades Afro-Brasileiras nos municípios de Poconé e Santo Antônio de Leverger, ambos em Mato Grosso. Especificamente, pretendemos visualizar e compreender as variações linguísticas presentes nessas comunidades, com enfoque nas variantes fonológica, morfossintática e lexical. Para esta pesquisa ser desenvolvida e para traçarmos um método de análise serão considerados os fatores condicionadores propostos pela Sociolinguística Variacionista, dentre os quais se destacam a idade, o sexo e a escolaridade, por exemplo. Pretendemos, ainda, verificar como se constrói a identidade desses afro-brasileiros a partir de seus usos linguísticos. Para isso, observaremos como se constituem essas comunidades tanto externa quanto internamente, bem como analisaremos os fatores sociais e históricos que envolvem a instituição das comunidades afro- brasileiras, como de fato, comunidade quilombola. Supomos que os aspectos linguísticos dessas comunidades aproximem-se dos dados e resultados obtidos nos estudos de Teixeira (1938), Marroquim (1934), Nascentes (1923), Amaral (1920) e Macias (2003), Macedo-Karim (2004; 2012). Palavras-chave: Sociolinguística; Variação Linguística; Quilombos; Poconé; Santo Antonio de Leverger. Abstract: This work is presented as a thesis project in progress, with the objective of researching the linguistic variations in use in Afro-Brazilian Communities in the municipalities of Poconé and Santo Antônio de Leverger, both in Mato Grosso. Specifically, we intend to visualize and understand the linguistic variations present in these communities, focusing on the phonological, morphosyntactic and lexical variants. For this research to be developed and to outline a method of analysis, we will consider the conditioning factors proposed by Variationist Sociolinguistics, such as age, gender and schooling, for example. We also intend to verify how the identity of these Afro-Brazilians is constructed from their linguistic uses. For this, we will observe how these communities are constituted both externally and internally, as well as analyze the social and historical factors that involve the institution of Afro-Brazilian communities, as indeed the quilombola community. We assume that the linguistic aspects of these communities approximate the data and results obtained in the studies of Teixeira (1938), Marroquim (1934), Nascentes (1923), Amaral (1920) and Macias Karim (2004, 2012). 1 Doutoranda em Linguística pela Universidade do Estado de Mato Grosso, Programa de Pós Graduação Stricto Sensu em Linguística/UNEMAT/Cáceres. Membro dos grupos de pesquisa: A variação linguística em comunidades quilombolas da Região Centro Oeste do Brasil; e Mato Grosso: Falares e Modos de Dizer. Bolsista CAPES/FAPEMAT ([email protected]) 2 Professora Doutora em Linguística da Universidade do Estado de Mato Grosso, Departamento de Letras e do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Linguística/UNEMAT/Cáceres - Coordenadora do projeto de pesquisa: A variação linguística em comunidades quilombolas da Região Centro Oeste do Brasil; Membro do Grupo de Pesquisa: Mato Grosso: Falares e Modos de Dizer. ([email protected]).

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A variação linguística em comunidades afro-brasileiras nos municípios de Poconé-MT e

Santo Antônio de Leverger-MT

Jaqueline Dias da Silva (UNEMAT/CAPES/FAPEMAT)1

Jocineide Macedo Karim (UNEMAT)2

Resumo: Este trabalho apresenta-se como um projeto de Tese em andamento, trabalho do qual

objetiva-se pesquisar as Variações Linguísticas em uso nas Comunidades Afro-Brasileiras nos

municípios de Poconé e Santo Antônio de Leverger, ambos em Mato Grosso. Especificamente,

pretendemos visualizar e compreender as variações linguísticas presentes nessas comunidades,

com enfoque nas variantes fonológica, morfossintática e lexical. Para esta pesquisa ser

desenvolvida e para traçarmos um método de análise serão considerados os fatores

condicionadores propostos pela Sociolinguística Variacionista, dentre os quais se destacam a

idade, o sexo e a escolaridade, por exemplo. Pretendemos, ainda, verificar como se constrói a

identidade desses afro-brasileiros a partir de seus usos linguísticos. Para isso, observaremos

como se constituem essas comunidades tanto externa quanto internamente, bem como

analisaremos os fatores sociais e históricos que envolvem a instituição das comunidades afro-

brasileiras, como de fato, comunidade quilombola. Supomos que os aspectos linguísticos

dessas comunidades aproximem-se dos dados e resultados obtidos nos estudos de Teixeira

(1938), Marroquim (1934), Nascentes (1923), Amaral (1920) e Macias (2003), Macedo-Karim

(2004; 2012).

Palavras-chave: Sociolinguística; Variação Linguística; Quilombos; Poconé; Santo Antonio

de Leverger.

Abstract: This work is presented as a thesis project in progress, with the objective of

researching the linguistic variations in use in Afro-Brazilian Communities in the municipalities

of Poconé and Santo Antônio de Leverger, both in Mato Grosso. Specifically, we intend to

visualize and understand the linguistic variations present in these communities, focusing on the

phonological, morphosyntactic and lexical variants. For this research to be developed and to

outline a method of analysis, we will consider the conditioning factors proposed by Variationist

Sociolinguistics, such as age, gender and schooling, for example. We also intend to verify how

the identity of these Afro-Brazilians is constructed from their linguistic uses. For this, we will

observe how these communities are constituted both externally and internally, as well as

analyze the social and historical factors that involve the institution of Afro-Brazilian

communities, as indeed the quilombola community. We assume that the linguistic aspects of

these communities approximate the data and results obtained in the studies of Teixeira (1938),

Marroquim (1934), Nascentes (1923), Amaral (1920) and Macias Karim (2004, 2012).

1Doutoranda em Linguística pela Universidade do Estado de Mato Grosso, Programa de Pós Graduação Stricto

Sensu em Linguística/UNEMAT/Cáceres. Membro dos grupos de pesquisa: A variação linguística em

comunidades quilombolas da Região Centro Oeste do Brasil; e Mato Grosso: Falares e Modos de Dizer. Bolsista

CAPES/FAPEMAT ([email protected]) 2 Professora Doutora em Linguística da Universidade do Estado de Mato Grosso, Departamento de Letras e do

Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Linguística/UNEMAT/Cáceres - Coordenadora do projeto de

pesquisa: A variação linguística em comunidades quilombolas da Região Centro Oeste do Brasil; Membro do

Grupo de Pesquisa: Mato Grosso: Falares e Modos de Dizer. ([email protected]).

Keywords: Sociolinguistics; Linguistic Variation; Quilombos; Poconé; Saint Anthony of

Leverger.

Introdução

Levando em consideração que a língua é uma forma de interação, comunicação e

expressão, a pesquisa centrar-se-á sob os aportes da Sociolinguística, que como propõe Mollica

(2008, p. 9): “estuda a língua em uso no seio das comunidades de fala, voltando a atenção para

um tipo de investigação que correlaciona aspectos linguísticos e sociais”.

Desta forma, o objetivo geral deste trabalho é pesquisar as Variações Linguísticas em

uso nas Comunidades Afro-Brasileiras nos municípios de Poconé e Santo Antônio de Leverger,

ambos em Mato Grosso.

Pretendemos visualizar e compreender as variações linguísticas presentes nessas

comunidades, com enfoque nas variantes fonológica, morfossintática e lexical.

Ainda, desejamos analisar, sincronicamente, os elementos linguísticos e discursivos do

falar dos afro-brasileiros dessas comunidades. De modo que, para isso, partiremos dos

pressupostos propostos por Labov (1972), Tarallo (1985) e demais estudiosos, para a pesquisa

sociolinguística.

Para a análise serão considerados os fatores condicionadores propostos pela

Sociolinguística Variacionista, dentre os quais se destacam os fatores linguísticos e

extralinguísticos.

Pretendemos, ainda, verificar como se constrói a identidade desses afro-brasileiros a

partir de seus usos linguísticos. Para isso, observaremos como se constituem essas

comunidades tanto externa quanto internamente, bem como analisaremos os fatores sociais e

históricos que envolvem a instituição das comunidades afro-brasileiras, como de fato,

comunidade quilombola.

Sob essa perspectiva, também observaremos como se dão os usos das variedades

linguísticas na comunidade, de modo que pretendemos saber se as variedades utilizadas são as

mesmas de quem mora na cidade, ou são as mesmas utilizadas por quem mora na região do

Alto Pantanal Mato-grossense3.

Acreditamos que os aspectos linguísticos dessas comunidades aproximem-se dos dados

e resultados obtidos nos estudos de Teixeira (1938), Marroquim (1934), Nascentes (1923),

Amaral (1920) e Macias (2003), pensando que a miscigenação propiciou a construção do falar,

e que a permanência dos falantes na região e a pouca migração fez com que esse modo de falar

perdurasse até hoje sem perder muitos aspectos de suas características.

Quilombos em Mato-Grosso: justificativa da pesquisa

Segundo o IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), muitos migrantes

africanos vieram para o continente americano como mão de obra forçada. A constituição de

quilombos foi uma das principais ações de resistência ao sistema escravocrata, combinada às

fugas e às revoltas. As comunidades remanescentes de quilombos constituem-se em atores de

relevância ímpar, que devem ser levados em consideração para se garantir, de fato, o respeito

às diversas identidades que contribuem para o desenvolvimento social dos países da América.

A partir dessa importância ímpar, a escolha das comunidades afro-brasileiras se dá pelo

fato dos poucos estudos na área, sobretudo em Sociolinguística. Desta forma, a base teórica

para a fundamentação deste trabalho parte dos pressupostos da Sociolinguística Variacionista

proposta por Labov (1972). O modelo do americano William Labov (1972) é um dos mais

representativos desta corrente linguística e, por utilizar a estatística como aporte analítico, é

também chamada Sociolinguística Quantitativa. Foi, portanto, Labov quem mais insistiu na

relação entre língua e sociedade, e na possibilidade de sistematizar a variação existente que é

própria da língua escrita e falada.

Os estudos sociolinguísticos têm avançado consideravelmente em Mato Grosso,

principalmente após a implantação da Universidade do Estado de Mato Grosso, que conta com

pesquisadores nessa área. Porém, há alguns aspectos referentes à Sociolinguística que são

pouco estudados ou divulgados, como é o caso, por exemplo, dos dialetos em contato, das

3 Tratamos por Alto Pantanal Mato-Grossense a região da qual fazem parte os municípios de Barão de Melgaço,

Cáceres, Itiquira, Lambari D’Oeste, Nossa Senhora do Livramento, Poconé e Santo Antônio de Leverger.

Entendendo que esses municípios são os que constituem a parte alta do pantanal - referindo-se a localização

geográfica, no que diz respeito à parte do pantanal que está em Mato Grosso.

atitudes linguísticas, das variações entre falares, e ainda os estudos voltados aos usos

linguísticos nas comunidades afro-brasileiras.

De acordo com Souza (2015, p. 15):

O estudo linguístico das comunidades quilombolas ou comunidades afro-

brasileiras rurais/urbanas que ainda existem é de grande relevância não

apenas no âmbito da linguística, pode representar também uma importante

contribuição para o conhecimento da cultura das minorias brasileiras de

origem africana, já que se dedica a um aspecto pouco considerado da cultura

desse segmento que vem sendo marginalizado ao longo do nosso processo

civilizatório.

Entende-se que a formação da fala é um fator coletivo, contudo a língua é particular.

Nesse sentido, observa-se que o fenômeno da linguagem humana é caracterizado por sua

incerteza, pois, como afirma Pinker (2002) à maioria dos objetos do universo não fala. Mesmo

entre os humanos, as emissões numa língua são uma parte dos ruídos que a boca das pessoas é

capaz de fazer. De modo que, as mesmas palavras de uma frase, por exemplo, sugerem

inúmeras combinações, as quais nem sempre seguem as regras gramaticais, no entanto não há

prejuízo para o entendimento. Esta capacidade de comunicar-se infinitamente é uma questão,

sobretudo, social e que interfere no cotidiano, no entanto não prejudica a comunicação.

As variações linguísticas são as possibilidades e incertezas da linguagem. Um povo que

fala a mesma língua, não terá uma linguagem efetivamente homogênea. Esse fenômeno se dá

por diversos fatores, inclusive pela linguagem ser caraterística de seres vivos, como propõe

Bagno (2002), pois a língua não é morta, pelo contrário, está em constante mutação.

Souza (2015) aponta, em seu estudo sobre o falar das comunidades afro-brasileiras no

Rio Grande do Sul, que o português afro-brasileiro designa uma variedade constituída pelos

padrões de comportamento linguísticos de comunidades afro-brasileiras. Dada essa informação

justifica-se o tema da pesquisa para sabermos se o mesmo aplica-se para o falar das

comunidades dessas regiões que, até então, não foram pesquisadas.

Pesquisar a diversidade linguística presente nas comunidades afro-brasileiras de Poconé

e Santo Antônio de Leverger surge como uma forma de evidenciar e caracterizar o falar dessas

comunidades.

A escolha pela pesquisa em comunidades afro-brasileiras se deu pelo motivo de que,

até então, são comunidades desconhecidas, com descendentes de escravos e de donos das

antigas fazendas da região, que se instituíram como comunidades, possuem uma identidade e

características linguísticas próprias e particulares, fatos que propiciam à Sociolinguística

fenômenos para análise.

O fato da denominação de comunidades afro-brasileiras e não comunidades

quilombolas se dá porque não sabemos como estão estabelecidas tais comunidades. A

denominação quilombo designa-se a partir do reconhecimento, da identidade que a comunidade

confere a si próprios, assim reconhecidos, os sujeitos objetos deste estudo serão os

remanescentes desses primeiros afro-brasileiros, ou seja, remanescentes de quilombo4.

Souza (2015, p. 07) explica que:

A condição de “remanescente de quilombo” é definida de forma ampla e

enfatiza os elementos identidade e território. Com efeito, o termo em questão

indica: “a situação presente dos segmentos afrodescendentes em diferentes

regiões e contextos e é utilizado para designar um legado, uma herança

cultural e material que lhe confere uma referência presencial no sentimento

de ser e pertencer a um lugar específico.

Desta forma, a condição de “remanescente de quilombo” é também definida de forma

dilatada e enfatiza os elementos identidade e território. Com efeito, o termo em questão indica:

a situação presente dos segmentos negros em diferentes regiões e contextos e é utilizada para

designar um legado, uma herança cultural e material que lhe confere uma referência presencial

no sentimento de ser e pertencer a um lugar específico. (ANDRADE, 1990)

Desta forma, esta pesquisa, partindo da análise linguística do falar dessas comunidades

afro-brasileiras espera apresentar novos elementos para o relevante debate acerca da

significativa influência de línguas africanas na constituição e caracterização histórica e

indentitária do português do Brasil.

Os benefícios esperados por meio desta pesquisa são: contribuir para a descrição do

português falado no Brasil, bem como possibilitar o interesse para produções relacionadas às

diversidades linguísticas da região sul de Mato Grosso, de modo a contribuir para a divulgação

do falar mato-grossense.

Para isso contaremos com os pressupostos metodológicos expostos a seguir.

4 Dentro de uma visão ampliada, que considera as diversas origens e histórias destes grupos, uma denominação

também possível para estes agrupamentos identificados como remanescentes de quilombo seria a de terras de

preto, ou território negro, tal como é utilizada por vários autores, que enfatizam a sua condição de coletividades

camponesa, definida pelo compartilhamento de um território e de uma identidade.

Metodologia

Os processos metodológicos escolhidos levarão em consideração os aspectos

linguísticos e sociais da língua, bem como terão caráter quantitativo, pois será trabalhado com

números e estatística nas análises dos dados coletados.

Concordando com Labov, saber da história e formação da comunidade pesquisada

torna-se necessário para o estudo Sociolinguístico, pois a história, bem como outros fatores

extralinguísticos, é vista como a vida social do falante, que se transforma e influencia assim

como sua língua, de modo que compreendendo a história de uma comunidade também é

possível compreender a formação de um povo e consequentemente de seu falar. “Além dos

condicionamentos entrecruzados de classe social e casta, as comunidades frequentemente

desenvolvem categorias mais concretas para situar os indivíduos”. (LABOV, 2008, p. 342)

Desta forma, o primeiro procedimento metodológico será uma pesquisa bibliográfica

sobre as comunidades afro-brasileiras, denominadas quilombolas, sobre a formação dessas

comunidades, bem como sobre a história que antecede esses acontecimentos e que relatam

sobre a escravidão e a constituição do quilombo como uma instituição identitária e de

organização dos afro-brasileiros e seus descendentes, considerados remanescentes.

A pesquisa bibliográfica, em publicações referentes à diversidade linguística, também

será uma fonte metodológica, sobretudo as bibliografias nas quais o enfoque seja a diversidade

linguística mato-grossense e a história dos municípios de Poconé e Santo Antônio de Leverger.

De modo que, após a pesquisa bibliográfica, haja um embasamento teórico suficiente para a

análise das variações linguísticas nas comunidades dos municípios investigados, no caso de

aproximação do falar.

Seguidamente será proposta uma pesquisa de campo, dimensionada nas comunidades

afro-brasileiras, a escolher, nos municípios citados. Na pesquisa de campo serão propostas

entrevistas livres e semiestruturadas, gravadas em áudio com os falantes nativos. Durante as

entrevistas será evitado o uso de teorias e conceitos de modo que os falantes exponham suas

histórias com maior facilidade e naturalidade, sem tocar em termos de língua ou fala, por

exemplo, para não deixar o entrevistado retraído e, desta forma, prejudicar a “naturalidade” da

pesquisa. Seguindo, assim, o proposto por Tarallo (1985, p. 27):

Seja qual for a comunidade, seja qual for o grupo, jamais deixe claro que seu

objetivo é estudar a língua tal como é usada pela comunidade ou grupo. Se

você inadvertidamente o fizer, ou mais grave ainda, se o fizer

conscientemente, é muito provável que o comportamento de seus informantes

– já prejudicado pelo uso do gravador e por sua presença – se altere ainda

mais, e a pesquisa, consequentemente, se torne ainda mais enviesada.

Baseadas na Sociolinguística Variacionista, as entrevistas serão feitas levando em

consideração os aspectos sociais da língua e por isso, entrevistar-se-ão doze pessoas em cada

comunidade, escolhidas entre geração mais velha e geração mais nova, bem como sexo

masculino e feminino. Sempre lembrando que cada um tem uma carga discursiva e histórica

individual, porém existem traços linguísticos semelhantes. De modo que, como sugere Mollica

(2008, p. 13):

As línguas, em geral, apresentam uma diversidade que se distribui em

continuum, da qual o falante adquire primeiro as variantes informais e, num

processo sistemático e paulatino, pode vir a apropriar-se de estilos e gêneros

mais formais, aproximando-se das variedades cultas e da tradição literária.

Levando em consideração que “nos estudos de comunidade é necessário estabelecer

parâmetros rígidos para a seleção dos informantes” (Tarallo, 1985, p. 27), a seleção dos

entrevistados entrevistados seguirá alguns critérios, que serão:

- Nas comunidades de Poconé:

a) ter mais de 18 anos;

b) ter nascido em Poconé-MT;

c) ter pais nascidos em Poconé-MT;

d) não ter morado fora de Poconé-MT por 5 anos ou mais;

e) não ter ficado fora de Poconé-MT, por 6 meses ou mais, nos últimos 5 anos;

f) pertencer a uma comunidade de afrodescendentes.

-Nas comunidades de Santo Antônio de Leverger:

a) ter mais de 18 anos;

b) ter nascido em Santo Antônio de Leverger-MT;

c) ter pais nascidos em Santo Antônio de Leverger-MT;

d) não ter morado fora de Santo Antônio de Leverger-MT por 5 anos ou mais;

e) não ter ficado fora de Santo Antônio de Leverger-MT, por 6 meses ou mais, nos

últimos 5 anos;

f) pertencer a uma comunidade de afrodescendentes.

Esses critérios de seleção dos entrevistados são importantes, pois evitamos, de acordo

com Tarallo (1985, p. 28), “que a escolaridade do informante em outra comunidade, ou sua

interação com falantes de outro centro tenham reflexo sobre a marca sociolinguística do grupo

estudado”.

Nas entrevistas, em um primeiro momento, serão analisadas as conversas e histórias

dos falantes, de forma livre e com boa qualidade sonora, buscando identificar as características

marcantes dos falares de cada comunidade, bem como a semelhança entre eles. Nas entrevistas

livres, para um primeiro contato, será construído um ambiente favorável e descontraído para

que os falantes sintam-se mais à vontade, tornando mais natural a coleta de dados.

Em um segundo momento será proposta uma entrevista com um roteiro estruturado,

com o objetivo de “homogeneizar os dados de vários informantes” (TARALLO, 1985, p.23) e

fazer um comparativo entre as falas dos entrevistados para então iniciar a construção dos dados

para análise das variantes fonológica, morfossintática e lexical.

Posteriormente, será identificada a semelhança e diferenças entre os falares, buscando

compreender e analisar mais profundamente a formação das diversidades linguísticas

encontradas. Nesta análise profunda, os resultados esperados aparecerão de forma sistemática,

no entanto, por se tratar de uma análise sociolinguística, os dados podem ser considerados

variáveis, sobretudo ao longo do tempo.

Em seguida será feita a transcrição das entrevistas. Para a transcrição dos dados nos

basearemos nos pressupostos de Marcuschi (1998) e Cintra (1992).

Na transcrição grafemática dos áudios buscaremos manter a fidelidade da produção

linguística real do entrevistado, de acordo realmente com sua fala, ou seja, transcreveremos a

forma falada. “A transcrição da fala corrente é um elemento fundamental na análise da

conversação, posto que é por meio dela que se podem apresentar como aditamento à análise os

textos orais em que esta se baseia”. (CINTRA, 1992, p. 614).

Para realizar a transcrição seguiremos ainda o proposto por Cintra (1992, p. 615) que

observa: “O emprego da escrita corrente exclui não só a representação de pormenores

fonéticos, em geral dispensáveis nesse tipo de análise, mas também distinções fonológicas e

processos morfofonológicos”.

Para a transcrição também serão adotadas algumas representações específicas:

- Parênteses para marcar um comentário do pesquisador;

- Reticências para identificar as pausas, dentre elas a vírgula;

- Pausas preenchidas, hesitação ou sinais de atenção (eh, ah, oh, ih, ahã, mhm, etc).

(MACEDO- KARIM, 2012).

A transcrição será armazenada em computador pessoal, com a utilização do processador

de texto Word, versão Windows da Microsoft. A partir da digitalização do texto serão

selecionados e codificados para análise apenas os trechos contendo a variação linguística.

Considerações parciais

Supõe-se que os fenômenos a serem encontrados são semelhantes aos encontrados por

Macedo-Karim (2004; 2012), na região de Cáceres e caracterizada pela autora como aspectos

linguísticos pertencentes ao Mato Grosso antigo, ou seja, formado no período do Brasil-

Colônia.

Acreditamos, também, que esses aspectos linguísticos aproximem-se dos dados e

resultados obtidos nos estudos de Teixeira (1938), Marroquim (1934), Nascentes (1923),

Amaral (1920) e Macias (2003), pensando que a miscigenação propiciou a construção do falar

poconeano, e que a permanência dos falantes na região e a pouca migração fez com que esse

modo de falar perdurasse até hoje sem perder muitos aspectos de suas características.

Cronograma previsto para a elaboração da pesquisa

Para a realização desta pesquisa, pretendemos seguir um cronograma dos

procedimentos adotados para cada etapa.

No primeiro e segundo semestre de 2017 foram cursadas as disciplinas obrigatórias do

doutorado, bem como foi iniciada a revisão bibliográfica acerca do tema da pesquisa e ainda

houveram participações em eventos.

A partir do primeiro semestre de 2018 haverá o aprofundamento das pesquisas e

revisões bibliográficas, elaboração do questionário e proposição da pesquisa ao Comitê de

Ética.

Ainda no segundo semestre de 2018 iniciaremos a localização das fontes para obtenção

dos dados, para então, a partir do primeiro semestre de 2019 iniciar a aplicação da pesquisa de

campo, transcrição e análise dos dados.

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