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A VALIDADE JURÍDICA DA PROVA PSICOGRÁFICA (Por Ana Paula de Oliveira Gomes. Com a revisão e contribuição de Valmir Pontes Filho 1 ) INTRODUÇÃO Não raras vezes, o cientista possui tamanha consideração por si mesmo - e pela suposta superioridade - que observa os fenômenos da espiritualidade como indignos de atenção. Sua inteligência serve como critério de medição da inteligência universal. Julga-se apto a tudo compreender, pelo que erige preconceito nada científico: refuta-se o incompreensível sem, ao menos, investigá-lo, incorrendo no equívoco de falar do que desconhece. Por outro lado, cada pessoa possui livre arbítrio para julgar os fenômenos (responsavelmente) segundo o respectivo ponto de vista, o que é natural e salutar ao progresso das ciências. O objetivo geral deste ensaio acadêmico consiste em investigar, juridicamente, a viabilidade da prova obtida com os recursos da psicografia. Optou-se por utilizar a pesquisa histórico- bibliográfica. Objetivos específicos: a) inter-relacionar conhecimento científico e Direito - ambiente em que se inserirá a principiologia geral das provas no Brasil (em nível processual civil e processual penal); b) compreender o fenômeno psicográfico à luz da doutrina espírita, ilustrando o conteúdo com os trabalhos do médium cearense Nilton Sousa e os resultados da perícia extrajudicial a que foi submetida a obra por ele coordenada; c) evidenciar a mediunidade na Bíblia, com suporte nas pesquisas do Professor Doutor Severino Celestino da Silva - estudioso de hebraico bíblico – membro do corpo docente da Universidade Federal da Paraíba (UFPB); d) recordar casuísticas emblemáticas que tramitaram na esfera judiciária brasileira e tiveram de enfrentar a problemática da prova psicográfica, como o caso de Humberto de Campos. Inclusive, a narrativa jurídica foi destacada no filme “Chico Xavier” (baseado no livro “As Vidas de Chico Xavier”). 1 ANA PAULA DE OLIVEIRA GOMES – jurista, professora e poetisa cearense. Mestra em Direito Constitucional. Correio eletrônico: [email protected] VALMIR PONTES FILHO. Advogado. Graduado pela Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará em 1973. Mestrado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1982). Presidente do Instituto Brasileiro de Direito Administrativo – IBDA - E mail: [email protected]

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Page 1: A VALIDADE JURÍDICA DA PROVA PSICOGRÁFICA · No que concerne à abordagem do problema, qualitativa. Quanto aos objetivos, situa-se como descritiva e exploratória. Uma das preocupações

A VALIDADE JURÍDICA DA PROVA PSICOGRÁFICA

(Por Ana Paula de Oliveira Gomes.

Com a revisão e contribuição de Valmir Pontes Filho1)

INTRODUÇÃO

Não raras vezes, o cientista possui tamanha consideração por si mesmo - e pela suposta

superioridade - que observa os fenômenos da espiritualidade como indignos de atenção. Sua

inteligência serve como critério de medição da inteligência universal. Julga-se apto a tudo

compreender, pelo que erige preconceito nada científico: refuta-se o incompreensível sem, ao

menos, investigá-lo, incorrendo no equívoco de falar do que desconhece.

Por outro lado, cada pessoa possui livre arbítrio para julgar os fenômenos

(responsavelmente) segundo o respectivo ponto de vista, o que é natural e salutar ao progresso das

ciências.

O objetivo geral deste ensaio acadêmico consiste em investigar, juridicamente, a viabilidade

da prova obtida com os recursos da psicografia. Optou-se por utilizar a pesquisa histórico-

bibliográfica. Objetivos específicos:

a) inter-relacionar conhecimento científico e Direito - ambiente em que se inserirá a

principiologia geral das provas no Brasil (em nível processual civil e processual penal);

b) compreender o fenômeno psicográfico à luz da doutrina espírita, ilustrando o conteúdo

com os trabalhos do médium cearense Nilton Sousa e os resultados da perícia

extrajudicial a que foi submetida a obra por ele coordenada;

c) evidenciar a mediunidade na Bíblia, com suporte nas pesquisas do Professor Doutor

Severino Celestino da Silva - estudioso de hebraico bíblico – membro do corpo docente

da Universidade Federal da Paraíba (UFPB);

d) recordar casuísticas emblemáticas que tramitaram na esfera judiciária brasileira e

tiveram de enfrentar a problemática da prova psicográfica, como o caso de Humberto de

Campos. Inclusive, a narrativa jurídica foi destacada no filme “Chico Xavier” (baseado

no livro “As Vidas de Chico Xavier”).

1 ANA PAULA DE OLIVEIRA GOMES – jurista, professora e poetisa cearense. Mestra em Direito Constitucional.Correio eletrônico: [email protected] PONTES FILHO. Advogado. Graduado pela Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará em

1973. Mestrado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1982). Presidente do InstitutoBrasileiro de Direito Administrativo – IBDA - E mail: [email protected]

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Parte-se do seguinte pressuposto científico: com fulcro no princípio in dubio pro reo,

acredita-se na possibilidade excepcional da psicografia como meio de prova, desde que haja

necessária validação por exame (s) grafotécnico (s) realizado por perito (s) oficial (is).

A metodologia utilizada será do tipo bibliográfica. Serão realizadas consultas a doutrinas,

ensaios científicos, jurisprudências, normas jurídicas, sítios institucionais, revistas especializadas,

jornais e outras fontes ou materiais disponíveis. Quanto à natureza, é aplicada (finalidade prática).

No que concerne à abordagem do problema, qualitativa. Quanto aos objetivos, situa-se como

descritiva e exploratória.

Uma das preocupações do trabalho: utilizar discurso edificante, que estimule o respeitoso

diálogo, sem qualquer pretensão de esgotar o estudo de tão complexo assunto.

Já se está ciente, contudo, do risco à empreitada abraçada: sorrisos de desdém,

ridicularização, menosprezo acadêmico. No entanto, o risco conscientemente assumido é importante

uma vez que representa instrumento de fortalecimento da humildade espiritual. De fato, trata-se de

assunto polêmico, inquietante e desafiador da firmeza de propósito. Urge combater o bom combate.

Perseverar.

1. CONHECIMENTO CIENTÍFICO E DIREITO

O corrente item objetiva inter-relacionar conhecimento científico e Direito - ambiente em

que se inserirá a principiologia geral das provas no Brasil. A seção corresponde ao primeiro objetivo

específico do estudo. Conhecimento (científico) – em sentido amplo - expressa a relação sujeito-

objeto. Questiona Hawking (2017, p. 50-51):

Por mais de duzentos anos, temos acreditado no determinismo científico, ou seja, que asleis da ciência determinam a evolução do universo. Esse princípio foi formulado por Pierre-Simon Laplace, que afirmou que se conhecermos o estado do universo em dado instante, asleis da ciência o determinarão em todos os momentos futuros e passados. Dizem queNapoleão perguntou a Laplace como Deus se encaixava nesse cenário, ao que Laplace teriarespondido: ‘Senhor, não tenho necessidade dessa hipótese’ Acho que Laplace não estavaalegando que Deus não existia – apenas que Ele não quebraria as leis da ciência […]. Umalei científica não está totalmente fundamentada na ciência se vigora apenas quando um sersobrenatural decide deixar as coisas se desenrolarem sem sua intervenção.

Da afirmação de Hawking, infere-se que - ao se desconhecer algo - deve-se abranger nos

estudos o máximo que se possa obter/alcançar/enxergar em termos de variáveis a serem

investigadas. O conhecimento científico não pode desconsiderar suas fragilidades e incompletudes.

Some-se ao exposto a “Sequência de Fibonacci” e o “Número de Ouro”: levam a pensar -

por meio da Ciência Matemática - que uma inteligência superior (ou artífice maior ou Deus)

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deixa/deixou sua marca no mundo pelo fenômeno da simetria.

Paralelamente a tudo isso, não se pode olvidar o que se convencionou denominar “Teoria do

Design Inteligente” (TDI): construída na década de 1990, tem conquistado considerável espaço

acadêmico e na mídia. Defende que a causa inteligente é o único tipo de causa – necessária e

suficiente – precedente à origem da informação. De acordo com o sítio da Sociedade Brasileira do

Design Inteligente (grifo original):

A inauguração do núcleo de pesquisa Discovery-Mackenzie é um dos primeiros passospara a realização do exercício da liberdade intelectual e acadêmica para se discutir questõesfundamentais da existência e conhecimento humano, que estão longe de terem sidoresolvidas há 150 anos desde Darwin.

Nesse contexto, pode-se ratificar que o ator cognoscente é sempre capaz de compreender

(amiúde e cartesianamente) o objeto cognoscível no estado de arte da modernidade reflexiva -

ambiente social plural e de risco? Reflete Pontes Filho ([s. d.], p. 1):

[…] é possível ou não ao homem, com sua inteligência e razão, conhecer os objetos ou ascoisas completamente, tais quais eles e elas são em sua essência? Ou, em outras palavras:se as coisas cognoscíveis têm mesmo uma essência, ser-nos-á dado o privilégio de nelapenetrar, desvendando-a por inteiro?

Imaginando que a mente humana seja uma tela em branco e as coisas, objetos passíveis de

conhecimento, reproduzem-se - nessa tela - exatamente como são em si mesmas ou pelo pincel

manejado pelo sujeito cognoscente (com traços pessoais, inconfundíveis como suas digitais)? Para

Ubaldi (2015, p. 54):

[…] A ciência avança sobre todos os campos, de modo que invade também os maislongínquos e neles se prepara para enfrentar problemas que, até agora, com os velhosmétodos, têm permanecido insolúveis. Isto é um encaminhar-se em direção à religiãocientífica da nova civilização do terceiro milênio.

Defende o autor que é da qualidade das ações que depende o destino da humanidade, a partir

da lógica de causa e efeito. A problemática relativa à possibilidade do conhecimento humano foi

evidenciada por Hessen (1999, p. 27): “Distinguimos correspondentemente um conhecimento

espiritual e um conhecimento sensível. A fonte do primeiro é a razão; a do segundo, a experiência”.

Nesse diapasão, opta-se por não precisar verdade científica absoluta. Sobre a relação conhecimento-

ciência, cite-se Marques Neto (2001, p.51-52):

Ciência é essencialmente teoria. É teoria que constitui o objeto de conhecimento; é atravésdela que se elaboram os métodos condizentes com a natureza de cada pesquisa; é ela que seaplica nas realizações práticas, técnicas […]; é finalmente, em função dela que a realidadepode apresentar algum sentido.

No processo de busca de sentido para a realidade, não se nega a existência de fragilidades

humanas (supostamente) controladas, posicionamento condizente com o perfil do cientista-

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investigador - cônscio da missão da Ciência: aproximar-se da verdade.

Para Ubaldi (2015, p. 30), “[...] a verdade é relativa e progressiva […]”. Explica o autor que

o processo de início, desenvolvimento e conclusão da intelecção do pensamento depende da

maturidade dos atores envolvidos. Reforça Popper (1982, p. 251):

Uma grande vantagem da teoria da verdade objetiva ou absoluta é que ela nos permite dizer– acompanhando Xenófanes – que buscamos a verdade mas podemos não saber quando aencontramos; que não dispomos de um critério para reconhecê-la, mas que somosorientados assim mesmo pela ideia da verdade como um princípio regulador (Kant ouPierce o chamariam assim); e que, embora não hajam critérios gerais para reconhecer averdade – exceto talvez a verdade tautológica – há sem dúvida critérios para definir oprogresso feito na sua aproximação.

O conhecimento jurídico se aproxima da relação dialética: o ser (realidade social) representa o

modelo do dever-ser (norma). A norma, ao incidir sobre o fato (valorado socialmente), produz o

direito-relação. Observa Vasconcelos (2000, p.32):

[…] ser e dever-ser são apenas momentos de transição, tanto que o ser dá origem ao dever-ser, como o dever-ser converte-se no ser, e assim indefinidamente.Essa dialeticidade entre ser e dever-ser tem sentido especial para o conhecimento humano,sendo o homem mesmo um ser de múltiplos contrastes.

Nesse processo de aproximação da verdade, considerando as antíteses humanas e as relações

dialéticas, insere-se o Direito, que não pode ser compreendido cartesianamente. Trata-se de Ciência

Social tomada em aspecto jurídico-dialético. Opera com a palavra, com o discurso. Esclarece Demo

(2000, p. 14):

A dialética considera a realidade intrinsecamente contraditória, porque sua dinâmica étipicamente contrária. Não existe apenas a dinâmica linear, que vai de ponto a ponto emlinha reta, ou a dinâmica circular, que gira em torno de ponto de modo uniforme, massobretudo a complexa e não linear, que, mesmo manifestando regularidades, é dinâmica porcausa das irregularidades.

Teoria, discurso e prática são interdependentes. A Ciência do Direito não tem como se

distanciar do mundo real. Sintetiza Vasconcelos (2000, p. 37) com substrato no pensamento de

Edgar Morin, pesquisador da complexidade:

Edgar Morin sumaria tudo que aí ficou dito em frase lapidar, lançada de improviso numaentrevista: As teorias científicas 'não são reflexos do real, mas sim projeções do espíritohumano sobre esse real. […] 'O que nós captamos do mundo não é o objeto menos nós, maso objeto visto e observado, co-produzido por nós.'

Contemporaneamente, discute-se o pós-positivismo, fenômeno em construção: nova forma de

encarar o positivismo jurídico, fruto da aproximação entre o direito natural (ordem suprapositiva) e

o direito positivo. Para Moura (2013, p. 35):

Deu-se início, portanto, à construção de um novo movimento jusfilosófico: o pós-positivismo. Esse movimento não significou um retorno ao jus naturalismo, mas importou[…] uma maior aproximação do Direito com a ética e com a Moral, nominada virada

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kantiana.

Explique-se: o direito natural obtém o fundamento de validade na metafísica (vontade divina

ou razão, a partir do contexto histórico vivenciado). De certa forma, o Iluminismo - fundado na

valorização da razão humana - contribuiu para o declínio do direito natural, na medida em que

alicerçou o fundamento ideológico do movimento de codificação do Direito.

Tecidas essas considerações passa-se, agora, à evidenciação de um (entre vários) subconjunto

jurídico sinérgico: a principiologia geral das provas no Brasil, primeiro estágio de investigação da

viabilidade da prova obtida com os recursos psicográficos. Prescreve a Lei 13.105, de 16 de março

de 2015 – novo Código de Processo Civil (CPC) pátrio:

Art. 374. Não dependem de prova os fatos:

I - notórios;

II - afirmados por uma parte e confessados pela parte contrária;

III - admitidos no processo como incontroversos;

IV - em cujo favor milita presunção legal de existência ou de veracidade.

Art. 375. O juiz aplicará as regras de experiência comum subministradas pela observaçãodo que ordinariamente acontece e, ainda, as regras de experiência técnica, ressalvado,quanto a estas, o exame pericial.

Art. 376. A parte que alegar direito municipal, estadual, estrangeiro ou consuetudinárioprovar-lhe-á o teor e a vigência, se assim o juiz determinar.

As provas gravitam em torno de fatos controvertidos. É objeto de prova qualquer fato

relevante alegado por um polo e impugnado pela parte adversa. Não havendo impugnação, ocorrerá

o fenômeno da preclusão. Uultrapassa-se a fase, a marcha processual segue adiante.

No processo civil vigente, em tese, cabe ao autor o ônus de provar os fatos constitutivos do

direito pretendido; ao réu, alegar a existência de fato modificativo, impeditivo ou extintivo do

direito da parte promovente.

A teoria geral das provas brasileira toma por parâmetro o (novo) CPC. Inclusive, na ausência

de normas regulatórias dos processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições dessa

lei adjetiva são aplicáveis supletiva e subsidiariamente (art. 15).

Carrazza (2006, p. 36) destaca a relevância dos princípios: “etimologicamente, o termo

'princípio' […] encerra a ideia de começo, origem, base. Em linguagem leiga, é, de fato, o ponto de

partida e o fundamento (causa) de um processo qualquer”. No presente ensaio, os princípios são

entendidos como pontos de partida científicos. Em apertada síntese, ei-los referidos a seguir.

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O princípio da isonomia parte da ideia de que casos similares devem receber idêntico

tratamento (segurança jurídica). Se violado, com o propósito de garantir a coerência lógica do

sistema, deflagra-se o incidente de assunção de competência para miminizar a discrepância

decisória no tocante a questões de direito com repercussão social.

Na sistemática do novo CPC, admite-se até articulação do incindente preventivamente. Quer

objetivando a composição de divergência entre câmaras ou turmas do tribunal, quer

preventivamente, almeja minimizar discrepância nas decisões.

A partir da instauração do incidente, mostra-se prudente a suspensão de pleitos que versarem

sobre a mesma matéria (até a solução da controvérsia suscitada, por óbvio). Proferido acórdão no

âmbito do incidente, haverá vinculação de todos os juízes e órgãos fracionários a ele submetidos,

ressalvando-se a revisão de teses.

O princípio da imprescindibilidade da prova sustenta que esta deve ser necessária, relevante

ao convencimento do julgador, o que se mostra a serviço das garantias constitucionais do

contraditório (equilíbrio da dialética processual) e da ampla defesa (meios de resposta por parte de

autor e réu).

Licitude e probidade balizam que as provas obtenham substrato no ordenamento jurídico de

modo legítimo, idôneo, sem olvidar adequação moral. Probidade concerne a dever jurídico

(positivado no art. 2., IV, da Lei 9.784/1999). A ideia elementar de licitude decorre da sistemática

constitucional - como direito fundamental.

Trata-se da máxima jurídica de que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma

coisa senão em virtude de lei, o que guarda raízes em Kelsen. Esclarece Pontes Filho ([s. d.], p. 1),

estudioso do pensamento kelseniano:

[…] é necessário chamar a atenção para algo que aos leigos em geral passa despercebido: apresença e importância do Direito em todos os momentos da vida de cada um de nós, namedida em que as condutas humanas, sem exceção, sejam elas positivas ou negativas(exteriorizem-se elas, portanto, em ações ou omissões), estão juridicamente reguladas.Mesmo aquelas que pareçam comuns e repetitivas. Isto porque uma conduta pode ser (peloDireito) considerada obrigatória (por exemplo, ato de votar, para os maiores de dezoitoanos), ou proibida (o ato de ultrapassar um semáforo vermelho). Mas se não for uma coisanem outra (nem obrigatória nem proibida), será, por via de consequência, permitida. Nosdois primeiros casos, estar-se-á agindo como campo, respectivamente, da legalidade ou dailegalidade. Na última hipótese, no campo da mera licitude (grifo original).

Por falar em direitos fundamentais, possuem planos de eficácia horizontal (relação entre

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particulares) e vertical (relação do Estado-ator social). A eficácia vertical significa a existência de

liberdades individuais que devem ser levadas em consideração pelo Poder Público. A teoria da

eficácia horizontal adota por destinatárias as pessoas físicas e/ou jurídicas em suas relações entre

pares (o antecedente foi o caso Lüth - 1958, na Alemanha, pioneiro na aplicação dos direitos

fundamentais às relações privadas).

O princípio da cooperação abrange perspectivas internacional e nacional. No primeiro caso, a

cooperação jurídica internacional será regida por tratado de que o Brasil faça parte. Observará

critérios definidos no novo CPC (art. 26) e na Constituição (art, 5º, §§ 2º e 3º). Na dimensão

interna, consubstancia o dever de recíproca cooperação entre magistrados e servidores da função

judiciária (estadual ou federal) - especializada ou comum - em quaisquer instâncias e graus de

jurisdição (nos tribunais superiores, inclusive). Inteligência do art. 67 do CPC vigente.

A oralidade norteia as etapas de conciliação e mediação, visando a agilizar atos processuais. O

princípio da aquisição disciplina que a prova não pertence à parte, mas ao processo - ideia de

comunhão das provas na apuração da verdade. Nesse sentido, mesmo que a prova seja produzida

por um dos polos da relação processual, pode ser utilizada pela outra parte.

O livre convencimento motivado é basilar à teoria geral do processo no ordenamento

brasileiro. Prescreve ser discricionária a atividade do julgador na sistemática de valoração das

provas, havendo o dever de fundamentação da decisão proferida, com base nos fatos trazidos a

exame, segundo olhar jurídico. Ideia-chave: livre convencimento (motivado, frise-se), com suporte

no lastro probatório para gerar convencimento sobre a verdade dos fatos.

Em suma, pode-se afirmar que a principiologia mencionada se funde na garantia

constitucional do devido processo legal – corolário processual. Compreendidas as regras gerais,

volta-se o exame a aspectos inerentes à matéria penal e processual penal.

Prescreve a Constituição Federal vigente: “Art. 5° […] LV - aos litigantes, em processo

judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa,

com os meios e recursos a ela inerentes; [...]”. Sobre o excerto da Lei Maior, comenta Nucci (2010,

p. 80): “[...] vasta possibilidade do acusado se defender, propor e questionar provas, participar e

intervir em todos os atos judiciais”. Cominadas sanções criminais, não haverá penas de morte (salvo

em caso de guerra declarada), de caráter perpétuo, de trabalhos forçados, de banimento, cruéis. O

princípio da dignidade da pessoa humana consiste em um dos fundamentos da República Federativa

do Brasil (art. 1°, III, da Lei Política).

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Historicamente, verificam-se diversos sistemas de valoração probatória no processo penal

mundial: a) convencimento íntimo do magistrado ou certeza moral do magistrado - defensor da

ideia de que o juiz não precisa fundamentar sua decisão; b) provas legais (ou provas tarifadas ou

certeza moral do legislador ou convencimento íntimo do legislador) - concede à lei o papel de

afirmar o peso de cada prova; c) livre convencimento motivado do magistrado (ou persuasão

racional) - adotado no Brasil por força do art. 93, IX, da Constituição da República:

[…] todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadastodas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinadosatos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais apreservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interessepúblico à informação.

A regra não é absoluta. Há exceção: o júri. Nesse caso, os jurados não precisam (nem

podem) fundamentar a decisão. Ao tribunal do júri são assegurados: a plenitude de defesa; o sigilo

das votações; a soberania dos veredictos; a competência para o julgamento dos crimes dolosos

contra a vida. Outro aspecto merecedor de destaque é o Código de Processo Penal (CPP) regrar os

poderes instrutórios do juiz, ao positivar a sistemática da prova antecipada:

Art.156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz deofício:

I– ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provasconsideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação eproporcionalidade da medida;

II–determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização dediligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante.

Leitura extraída do art. 156, I, do CPP: a prova antecipada ocorre em situação de periculum

in mora (perigo na demora). É produzida pelo juiz em caso de relevância e urgência, na fase da

investigação, devendo observar critérios de necessidade, adequação e proporcionalidade. Exemplo:

a testemunha-chave padece de doença, em estado terminal.

Nesse caso, o juiz pode designar audiência mesmo antes de iniciar o processo. Devem estar

presentes o magistrado, o Ministério Público, o réu e o defensor, tudo em atenção à garantia do

contraditório.

O art. 156, inciso II, abre a possibilidade de iniciativa probatória por parte do magistrado em

caso de fundada dúvida sobre aspecto relevante. Por causa desse dispostivo, há quem chegue a

defender ser o sistema penal brasileiro formalmente acusatório, mas materialmente inquisitivo.

Quanto ao ônus probatório, cabe à acusação provar a materialidade (existência do crime),

autoria ou participação, causas de aumento de pena, circunstâncias agravantes e, para a doutrina

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majoritária, dolo ou culpa. Acresça-se que prepondera a máxima do nemo tenetur se detegere, isto

é, de que ninguém é obrigado a produzir prova contra si (Miranda Rights).

Nesse teatro de operações, cabe à defesa provar excludentes de ilicitude e de culpabilidade;

causas de diminuição de pena (minorantes); circunstâncias atenuantes; causas de extinção da

punibilidade (morte do agente, prescrição, decadência).

Segundo entendimento minoritário, a sistemática adotada de distribuição da carga probatória

se mostra inconstitucional por violar o princípio da presunção de inocência - impõe seja o réu

tratado como inocente, o que implica inteiro ônus probatório à acusação.

Bastaria, então, à defesa tecer alegações sem necessidade de prová-las, haja vista a

presunção de não culpabilidade do réu. O problema é que, pensando exclusivamente dessa forma,

poderia acarretar à acusação incursão em prova diabólica - prova impossível ou excessivamente

difícil de ser produzida, a exemplo da prova de fato negativo.

Não se pode deixar de registrar, por oportuno, a teorização atinente à prova vedada, pelo que

se distinguem: prova ilícita em sentido estrito, aquela que apresenta desconformidade com o direito

material (a exemplo da confissão obtida mediante tortura); prova ilegítima, pertinente à falta de

conformidade com o direito processual (a título ilustrativo: oitiva testemunhal invertida).

O CPP (art. 157), sinteticamente, compreende a prova ilícita como violação às leis e à

Constituição da República. O Supremo Tribunal Federal (STF), em julgados seus, admite a prova

ilícita em benefício do réu, com fundamento no princípio da proporcionalidade.

Outro assunto desafiador, importado do ordenamento jurídico norte-americano e

incorporado ao processo penal brasileiro, concerne à teoria fruits of the poisonous tree, ou seja,

“frutos da árvore envenenada”. Significa, em síntese, que a prova lícita, derivada da ilícita, é por

esta contaminada.

Exceções: a) quando a fonte for absolutamente independente – nesse caso, a prova lícita não

deriva da ilícita; b) descoberta inevitável - a prova lícita deriva da ilícita, mas, com ou sem ela, seria

produzida.

Em ambas as hipóteses, são admitidas processualmente. Sob outro prisma analítico,

conhecendo da prova ilícita, pode o juiz julgar o fato? - Sim, posto que o CPP não adotou a teoria

da contaminação do entendimento. Explicando melhor: ao tomar contato com a prova ilícita, o

magistrado deve determinar o seu desentranhamento. Após preclusa a decisão, ordenar a

inutilização da prova.

Consigne-se que o ordenamento jurídico pátrio permite a produção inominada de provas.

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Em atenção ao princípio do in dubio pro reo, também admite que se ingresse, mais de uma vez, com

eventual revisão criminal - se houver novas provas. Nesse momento, mostram-se oportunas as

reflexões de Pontes Filho ([s. d.], p. 8):

Afinal, primeiro é preciso que se esclareça algo: o verdadeiro jurista não é aquele que 'sabe'leis ou definições de cor, assim como o verdadeiro matemático não será o que decoroutodas as fórmulas de cálculo indicadas nos compêndios, já que elas certamente estarão namemória de seu notebook. Cientista do Direito será, na verdade, aquele que se mune doarsenal de conhecimentos necessários para, em primeiro lugar, responder a indagações dotipo: o que é Direito e o que é norma jurídica? Por qual razão e para que existem um eoutra? Como proceder à sua interpretação e aplicação? Bem manuseando as noções básicasda Teoria Geral, da Filosofia do Direito e da Hermenêutica Jurídica, terá ele, então,condições de lidar com as normas jurídicas positivadas, cuidando de proceder à suaadequada exegese e aplicação. Nunca se deve olvidar, enfim, que não é possível aplicar alei em si mesma, mas a interpretação que dela se faz!

Dada por vencida a etapa de inter-relacionar conhecimento científico e Direito - ambiente

em que se inseriu a principiologia geral das provas no Brasil - o próximo item intenciona

compreender o fenômeno psicográfico à luz da doutrina espírita.

2. O FENÔMENO PSICOGRÁFICO

Esta seção visa a corresponder ao segundo objetivo específico proposto, ou seja, intenciona

compreender o fenômeno psicográfico à luz da doutrina espírita, ilustrando o conteúdo com os

trabalhos do médium cearense Nilton Sousa e os resultados da perícia extrajudicial a que foi

submetida a obra por ele coordenada.

Compreender a psicografia, a princípio, importa assimilar o Espiritismo à luz da sua

doutrina filosófica codificada. Segundo Kardec (2007, p. 33): “O Espiritismo é a nova ciência que

vem revelar aos homens, por provas irrecusáveis, a existência e a natureza do mundo espiritual, e

suas relações com o mundo corporal [...]” (grifo original). Enquanto Ciência, serve-se da

observação (método investigativo). Adota - como ponto de partida - a lei de causa e efeito e a

dinâmica da reencarnação a serviço da evolução da humanidade. Para Ubaldi (2007, p. 8):

E não podemos dizer que vivemos para perder tempo, inutilmente, e para sofrer. Se cadafenômeno, se cada ato nosso é um caminho para uma finalidade, o fenômeno e o atomáximo, que são a nossa vida e o funcionamento do universo, como poderiam deixar de teruma finalidade?

O Espiritismo intenciona oferecer respostas convincentes (e comprováveis) a essa complexa

indagação. É, ao mesmo tempo, ciência de observação e doutrina filosófica. Conforme Kardec

(2009, p. 10): “Como ciência prática, ele consiste nas relações que se podem estabelecer com os

Espíritos; como filosofia, ele compreende todas as consequências morais que decorrem dessas

relações”. Os médiuns significam intermediários entre os espíritos (seres desencarnados) e os

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homens (seres encarnados).

A respeito da evolução das comunicações mediúnicas, elucidou Kardec (2009, p. 13): “[…]

o médium, tomando diretamente o lápis, se pôs a escrever por um impulso involuntário e quase

febril. Por esse meio, as comunicações tornaram-se mais rápidas, mais fáceis e mais complexas”. A

psicografia, assim, é entendida como ponte de expressão, sendo a mediunidade tratada

cientificamente no acervo de Kardec.

Registrem-se os trabalhos do médium cearense Nilton Sousa, divulgados na obra “Cartas da

Imortalidade”. Desde 2010, promove sessões públicas de psicografia, uma vez por semana, na

Sociedade de Estudos Espíritas Casa de Francisco/Lar de Clara – Iparana, Caucaia/Ceará. Graduado

em História pela Universidade Estadual do Ceará (UECE), exerce (também) a docência - esta desde

1996. Elucida o médium sobre as mensagens consoladoras (2014, p.22):

[…] Parece que tudo que tocamos fica impregnado com o nosso magnetismo pessoal. Essas experiências têm me confirmado a ideia de que a carta não é um trabalho exclusivodo espírito a se comunicar... também não é uma atividade que baste a mim, como médium(falo da natureza da minha mediunidade em si...); ou seja, os familiares têm um papelcomplementar no processo de sintonia, na varredura psíquica, para a confirmação daquelapresença espiritual.

No seu livro, foram catalogadas comunicações de vinte quatro (24) espíritos. Ao final da

obra, enxergam-se parecer e análise grafotécnica da Perita Criminal (aposentada) Isabel Cristina

Lima de Sousa. A expert, a priori, esclarece que a análise grafotécnica se desenvolve, de modo

geral, pelo método comparativo. Passou, então, a delimitar o objeto da psicografia - com suporte em

obras espíritas (2014, p. 211):

A Psicografia é o meio de comunicação dos espíritos através da escrita, ou seja, é arepresentação gráfica produzida pelo punho escritor do médium escrevente, sob a influênciado espírito estranho. É válido informar que em tempos primórdios, para obtenção daspsicografias, utilizavam-se instrumentos (objetos) intermediários entre o médiumescrevente e o instrumento escritor (comumente o lápis) para produção do resultado(escrita), classificada de psicografia indireta. Com o desuso desses instrumentosintermediários, o médium escrevente passou a utilizar de forma natural o instrumentoescrito, classificada de psicografia direta ou manual.

Observou as peças submetidas a exame (cartas psicografadas) no aspecto geral, para

reconhecimento das condições físicas. Efetivou diversos exames, anotou semelhanças, diferenças e

outras evidências à luz dos conhecimentos técnicos delineados pela grafotécnica e pela experiência

profissional. Transcrevem-se os resultados dos exames (2014, p.221):

Os manuscritos grafados no texto das peças em estudo apresentam semelhanças gráficascompatíveis com o material gráfico fornecido pelo Sr. Francisco Erionilton Ivo de Sousa(Nilton). [...]Após as análises desenvolvidas, com base nos conhecimentos técnicos, [...], e por tratar-sede um trabalho diferenciado, pois envolvia manuscritos psicografados, embora não sendoespírita, necessário foi pesquisar no campo doutrinário do espiritismo através das obras de

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Allan Kardec os fenômenos da psicografia, bem como, observar e acompanhar in loco asmanifestações dos modos atuantes do psicógrafo no ato das referidas psicografias, paraentão capacitar-se a emitir a conclusão de que as cartas examinadas foram manuscritas pelomédium Sr. Francisco Erionilton Ivo de Sousa (Nilton), sob a influência de uma forçaimpulsionadora exterior exercida no punho escritor do psicógrafo no momento do ato deescrever (PSICOGRAFAR).Procurei para não ver e para nada encontrar, no entanto, vi o que não queria ter visto eencontrei o que não esperava encontrar.Finalmente, alcançando o convencimento da vinculação entre a Grafotécnica e aPsicografia, espero auxiliar aos nossos semelhantes, na busca do entendimento e aceitação,de livre-arbítrio, da influência dos espíritos desencarnados sobre os espíritos encarnados,fortalecendo assim a veracidade da psicografia. Maracanaú, Ceará, 8 de outubro de 2014Isabel Cristina Lima de SouzaPerita Criminal Adjunta – Aposentada

Acresça-se que o documento pericial registra haver sido o processo de análise comparativa

realizado separadamente, levando em consideração a relação dos lançamentos subscritos e o

respectivo material gráfico, padrão de confronto autêntico das pessoas nominadas.

Houve também a preocupação de esclarecer que as peças submetidas a exame foram

autorizadas pelos interessados e/ou familiares dos nominados escritores. Juridicamente, as perícias

se mostram a serviço da concretização do princípio da verdade real, a fim de que o destinatário da

prova infira suas conclusões com maior precisão fático-científica. Neste esforço em busca da

compreensão, parecem oportunas as reflexões de Ubaldi (2014, p. 10):

Hoje está acontecendo isto: a ciência é constrangida, pelos fatos, a abstrair-se cada vez maisda materialidade sensitória, para chegar a entender a matéria como uma realidade imaterial,e a explicar a substância das coisas com um conceito que mais se aproxima e tende acoincidir com aquele imponderável inteligente, o espírito.

Não se poderia deixar de registrar - quanto ao trabalho do referido médium – informação

veiculada por mídias televisivas cearenses sobre uma mãe em busca de notícias do filho

desaparecido há dias. Percorreu hospitais e necrotérios, sem êxito. Em 5.jul.2014, no Lar de Clara,

obteve comunicação do avô do jovem (2014, p. 6-10, sic, mimeo):

[…] Com a busca toda que você tem feito do Galdino e, por isso, em Canindé você vairezar ao nosso Santo, mas vai antes precisar olhar as ossadas da Lagoa do Juvenal nocaminho do Maranguape. Infelizmente existe muito mal nesse mundo, minha irmã em Jesus. Sou o avô dele e estou na proteção, mas não posso adiantar nada quando isso faz parte datua necessidade de evolução espiritual.Eu sou o Galdino avô […].

Eis o link noticiado pela mídia sobre o caso: <http://extra.globo.com/noticias/brasil/carta-

psicografada-ajuda-policia-desvendar-caso-de-desaparecimento-no-ceara-19782756.html>. Acesso

em: 31.jul.2016. Esclareça-se que Dona Maria se dirigiu à delegacia de Maranguape. Informou à

autoridade policial sua incessante busca e como houvera obtido informações da ossada referida

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(Lagoa do Juvenal). Após o exame de ácido desoxirribonucleico (ou DNA), a ossada foi

identificada. Eram os restos morais do jovem Galdino Neto.

Este, no dia 2.ago.2014, comunicou-se com a genitora com o auxílio da mediunidade de

Nilton Sousa (2014, p. 3-7, sic). Galdino Neto procurou esclarecer sobre a forma como

desencarnara (mimeo):

[…] A igreja de Canindé não sai da minha cabeça. O vô Galdino fala de São Francisco queme protegeu em todas as viagens. Mas daquela vez não deu pra evitar o mal e a maldade,porque santo nenhum pode evitar que a pessoa má deixe de fazer alguma coisa, a não serquando ainda tiver naquele coração algum temor a Deus.Eu desci errado do ônibus... A lagoa me chamou a atenção. Aquela lagoa do Juvenal euachei bonita […] e teve gente que pensou que eu tinha dinheiro, mas como bateu com forçademais quis esconder o corpo […].

Em respeito à família que, generosamente, cedeu as cartas, transcreveu-se apenas o

necessário aos fins objetivados pelo presente ensaio. De tudo isso, a percepção que erige: a ciência é

constrangida por fatos que não consegue explicar. Contudo, falta-lhe (muitas vezes) paciência na

busca da compreensão.

Consignem-se, por oportuno, relatos publicados na obra “Uma Prova do Céu”, escrita pelo

Doutor Eben Alexander III, neurocirurgião há mais de vinte cinco (25) anos. Trabalhou no Brigham

& Women's Hospital, no Children's Hospital e na Harvard Medical School, em Boston.

Ao longo da carreira acadêmica, publicou centenas de ensaios científicos e participou de

inúmeros congressos. Em 2008, passou por experiência de quase morte (EQM). Desde então,

intenciona convencer a comunidade científica de que a morte do corpo físico não representa o fim

da existência. Explica (2013, p. 14-15):

[…] o que provocava as experiências sobrenaturais que as pessoas relatavam com tantafrequência? Na verdade, a resposta não me interessava, mas eu acreditava que essasexperiências tinham uma base cerebral. Toda consciência tem. Se não houver atividadecerebral, não há consciência.[…] De certa forma, vivi uma avalanche de experiências de quase morte. Comoneurocirurgião com décadas de pesquisa e prática, eu estava em melhor posição para avaliarnão apenas a realidade, mas as implicações do que acontecera.Minha experiência me mostrou que a morte do corpo e do cérebro não é o fim daconsciência, e que a existência humana continua no além-túmulo. E, mais importante ainda,ela se perpetua sob o olhar de um Deus que nos ama e que se importa com cada um de nós,com o destino do Universo e de todos os seres contidos nele (grifo original).

Até o advento da própria experiência de EQM, o Doutor Eben Alexander era cético sobre o

assunto. Defensor apenas da lógica científico-materialista, o que mudou. Vítima de meningite

bacteriana grave, ficou em coma por sete (7) dias, período no qual os médicos tentavam controlar a

enfermidade.

Quando já cogitavam suspender o tratamento, os olhos do paciente abriram. Estava de volta

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para narrar a experiência inconsciente da realidade difusa que o permitiu realizar descobertas

transformadoras sobre a realidade da vida após a morte.

Passou, enfim, a questionar o que considerava saber por inteiro. O livro, em síntese, analisa

as evidências à luz do conhecimento científico do Dr. Eben, que optou por compartilhar a

veracidade de sua história (com objetividade médica), acreditando valer a pena a exposição.

Conclui que espiritualidade e ciência podem e devem caminhar juntas. Sobre a relação

academia-espiritualidade-ciência, cite-se o trabalho produzido por Gagliardi, Beraldi, Nunes e

Gannam ([s. d.], p. 2-3, sic):

Segundo a Associação Médica Americana (AMA – American Medical Association), em1992, 2% de todas as escolas médicas dos EUA ofereciam cursos relacionados àespiritualidade. Em 2004 esse número cresceu para 67%, o que significa que dos 150 cursosde medicina lá existentes, 100 deles incluíram no currículo algum conteúdo relacionado àmedicina e espiritualidade. […]Os EUA perfazem a maior fonte da literatura científica a respeito de educação médica emespiritualidade, o que é reflexo do grande número de escolas que já vêem na espiritualidadeum tema a ser discutido durante a graduação. Outro estudo aponta ainda dados do ReinoUnido, demonstrando que 59% das escolas médicas já oferecem algum tipo de cursorelacionado à espiritualidade. Infelizmente, o Brasil não conta ainda com dadossatisfatórios nesse sentido […].Lucchetti e Granero apontam o quão paradoxal é o fato de o Brasil ser um dos países maisreligiosos do mundo e, ainda assim, possuir pouquíssimas escolas médicas oferecendocursos sobre a interface espiritualidade/medicina.A primeira instituição a oferecer um curso a respeito do assunto foi a Universidade de SantaCecília, localizada em Santos, Estado de São Paulo, no ano de 2002. Contudo, a primeirafaculdade a promover a inserção do tema no currículo acadêmico foi a Universidade doCeará, somente em 2006. Nos anos posteriores, outras Instituições, como as UniversidadesFederais de São Paulo, Rio Grande do Norte e do Triângulo Mineiro, passaram a ofereceralgum curso relacionado à espiritualidade, todos no currículo de optativas. A Universidadede Campinas (Unicamp) utilizou-se de seu curso de bioética para abordar o assunto.

A inclusão do ensino da espiritualidade na formação médica rompe, de certo, com a visão

cartesiana e puramente organicista. Acresça-se que o sintoma de perda transitória da identidade com

manutenção de consciência do meio ambiente é, objetivamente, considerado pela Medicina (estados

de transe e de possessão - CID 10, item F.44.3). Juridicamente, pode implicar hipótese supralegal de

exclusão da culpabilidade. A saúde passa a ser considerada em dimensões física, mental,

espiritual e social, o que é dignificante.

De modo atual, reflexivo e transdisciplinar, lecionou Freire (1996, p. 26): “aprender

criticamente é possível. E essas condições implicam ou exigem a presença de educadores e de

educandos criadores, instigadores, inquietos, rigorosamente curiosos, humildes e persistentes”.

Curiosidade, inquietude e humildade aparecem como basilares à evolução científica.

2.1 Espiritismo e Ciência

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Com a intenção contribuir no processo de intelecção da problemática desenvolvida, passa-se

a discorrer sobre o Espiritismo como Ciência. A princípio, cite-se Silva (2014, p. 66): “[...] as

ciências tornam conhecidas algumas leis; o Espiritismo revela outras; todas são indispensáveis à

inteligência dos Textos Sagrados de todas as religiões, desde Confúcio e Buda até o Cristianismo”.

O Espiritismo interliga dialogicamente filosofia, religião e Ciência.

No Século XIX eram precários os conhecimentos científicos (comprovados) sobre o

surgimento do Universo (criação maior de Deus), sobre a sua infinitude ou a respeito da existência

de outras galáxias e planetas. Somente a partir da segunda década do Século XX é que esses saberes

se aprofundaram e adquiriram maior precisão. No entanto, a obra básica da Doutrina Espírita (“O

Livro dos Espíritos”), editada em 1860, já cuidava de refletir sobre o assunto (resposta à indagação

n. 35):

O Universo... é infinito. Supõe limites para ele: o que haveria além? Isto confunde a tuarazão, bem o sei, e, no entanto, a razão te diz que não pode ser de outra maneira. O mesmose dá com o infinito em todas as coisas; não é na vossa pequena esfera que o podeiscompreender.

No Universo são contados trilhões de sóis (semelhantes ao que ilumina a Terra), inúmeros

planetas - como este onde se habita. No “Livro dos Espíritos”, já se esclarecia a respeito da

pluralidade dos mundos (resposta à indagação n. 55, sic):

[…] o homem terreno está bem longe de ser, como acredita, o primeiro em inteligência,bondade e perfeição. Há, entretanto, homens que se julgam espíritos fortes e imaginam quesó este pequeno globo tem o privilégio de ser habitado por seres racionais. Orgulho evaidade! [...]

Hoje, sabe-se que o Universo teve começo por meio de grande explosão - o chamado Big

Bang. O que (ou quem) deflagrou o processo? Mero acaso? A essas indagações os cientistas não

respondem. A velocidade da expansão do Cosmo teve de ser (milimetricamente) precisa para que

pudesse existir a matéria comum como hoje se conhece. O “Livro dos Espíritos” - em resposta à

indagação n. 8 - já consignara que atribuir a formação primária ao acaso seria falta de senso, porque

o acaso é cego, sem possibilidade de produção de efeitos inteligentes. Acaso inteligente seria acaso?

Não se tem, aliás, ideia precisa da composição integral do Universo. Stephen Hawking,

matemático e físico inglês, afirma dever existir uma “matéria escura”, não vista diretamente, mas

que “sabemos estar lá, por causa da sua influência gravitacional sobre as estrelas”. Já se fala, assim,

em “energia escura”, o que é ainda mais enigmático na justificação da inexistência do vazio

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absoluto. No âmbito da física quântica, igualmente, não se chegou a consenso sobre qual seria a

partícula elementar da matéria.

Retomando as explanações relativas à obra codificadora do espiritismo, eis a resposta à

indagação n. 22: “a matéria existe em estados que não percebeis. Ela pode ser, por exemplo, tão

etérea e sutil que não produza nenhuma impressão nos vossos sentidos: entretanto, será sempre

matéria, embora não o seja para vós”. Sobre as partículas elementares da matéria (moléculas): “Isso

que chamais molécula está longe da molécula elementar” (resposta à indagação n. 34).

Em relação à inexistência do vazio absoluto e às denominadas “matéria escura” e “energia

escura”, o “Livro dos Espíritos” afirma que nada é vazio, não existindo vazio absoluto em qualquer

parte do espaço universal (resposta à indagação n. 36): “O que é vazio para ti, está ocupado por uma

matéria que escapa aos teus sentidos e aos teus instrumentos”. Verifica-se, assim, a existência de

relação entre o Espiritismo e a ciência moderna.

Se o Universo não é arbitrário, posto que governado por leis que mantiveram e ainda

mantêm (delicado) equilíbrio de forças - de expansão e retração - a permitir ser como é (nem denso

demais - como no seu início; nem difuso ao extremo - a ponto de inadmitir a formação de galáxias e

planetas), quem teria editado as precisas regras?

Os mais conceituados cientistas (Einstein entre eles), por mais de hajam tentado, não

conseguiram chegar à intitulada “teoria do tudo”, ou “teoria completa”, supostamente, capaz de

unificar a mecânica do cosmos com a do mundo quântico.

Conhecer a “teria do tudo”, como dizem os profissionais da física teórica e experimental,

seria “penetrar a mente de Deus”. O Universo é explicável sem Deus? Compreendida a relação

entre o Espiritismo e conhecimento científico, o próximo item investigará a existência de

fenômenos mediúnicos na Bíblia.

3. A MEDIUNIDADE NA BÍBLIA

A presente seção visa a corresponder ao terceiro objetivo específico da pesquisa, qual seja:

evidenciar exemplos de fenômenos mediúnicos no Livro Sagrado da comunidade judaico-cristã –

delicada tarefa, reconhece-se. Segundo Horta (2011, p.174): “[…] judeus e cristãos concordam em

dizer que, em certos momentos, os desígnios de Deus são impenetráveis; e que, além disso, o

conhecimento mais profundo não vem do intelecto”. A Bíblia contempla conjunto de livro da

tradição judaico-cristã. O termo se relaciona ao vocábulo biblioteca.

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A mais antiga de suas coleções que se tem notícia, o Pentateuco, remonta a Moisés. Os

judeus denominaram Torá a Lei por ele escrita. Conforme Schiavo ([s. d.], p.9): “Dividiam os

Judeus os seus livros sagrados em três seções: I – TORÁ ( = a Lei) […]. II – PROFETAS […]. III –

OS ESCRITOS […]”. Do hebreu, a Bíblia foi traduzida para o grego (conhecida por versão dos

LXX ou Septuaginta). Posteriormente, para o latim (a Vulgata). A partir daí, passou a ser traduzida

para os mais diversos idiomas. Adverte Silva (2014, p. 44-45):

[…] o hebraico é uma língua semítica oriental que se escreve da direita para a esquerda,não tem vogais e é muito pobre em vocabulário, tendo um princípio gramatical todoespecial. Um deles que merece consideração, por exemplo, é o verbo SER que não seconjuga no presente do indicativo, por questão divina e cabalista. No sentido divino sóIAHVÉH pode dizer EU SOU […]. O grego é uma língua muito diferente do hebraico […].Comparado ao hebraico que não tem vogais, o grego tem muitas, constituindo-se de sete aotodo […] (grifo original).

Com base no referencial teórico estudado, verificam-se os intitulados livros canônicos: os

constantes da relação oficial aprovada pela Igreja Católica; apócrifos, os livros por ela rejeitados.

No Antigo Testamento (ou Primeira Aliança), a personagem principal é Moisés, legislador máximo

do povo hebreu. O Novo Testamento (ou Nova Aliança) gravita em torno de Jesus. Explica Silva

(2014, p. 38, sic):

Para as religiões ocidentais, a Bíblia divide-se em duas grandes partes, chamadasrespectivamente de VELHO TESTAMENTO E NOVO TESTAMENTO, constituído, esteúltimo, dos livros sagrados do Cristianismo e das religiões dele derivadas ou seja: IgrejaCatólica, Protestante, Ortodoxa Grega, Ortodoxa Russa, Armênia, Copta, Maronita, etc.

Compreende-se a Bíblia como livro de vida, de aprendizagem para o hoje, a partir da busca

de sentido do ontem. Percebe-se a energia transformadora dos textos bíblicos. Energia a ser

despendida em favor do próximo. Narram Boff e Boff (2010, p. 12):

Certo dia, em plena seca do Nordeste brasileiro, uma das regiões mais famélicas do mundo,encontrei um bispo trêmulo, entrando casa adentro. 'Sr. Bispo, o que aconteceu?' E ele,arfando, respondeu que presenciara algo terrível. Encontrou uma senhora com três criançascom mais uma ao colo na frente da catedral. Viu que estavam desmaiando de fome. Acriança ao colo parecia morta. Ele disse: 'Mulher, dê de mamar à criança!' 'Não posso,senhor bispo' – respondeu ela. O bispo voltou a insistir várias vezes. E ela semprerespondia: 'Sr. Bispo, não posso!' Por fim, por causa da insistência do bispo, ela abriu o seuseio. E estava sangrando. A criancinha atirou-se com violência ao seio. E sugava sangue. Amãe que gerou esta vida, a alimentava, como um pelicano, com sua própria vida, com seusangue. O bispo ajoelhou-se diante da mulher. Colocou a mão sobre a cabecinha da criança.Aí mesmo fez uma promessa a Deus: enquanto perdurar a situação de miséria, alimentarei,pelo menos, uma criança com fome, por dia.

Do excerto, extraem-se várias leituras. Entre elas, que servir representa energia

transformadora a serviço do religare, da transcendência, o que independe de igreja. Reflete Betto:

“Não seria hora de condicionar o progresso das coisas à felicidade das pessoas e, ao menos, admitir

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que o Criador crê em sua criatura?”. Dos textos sagrados, erige a lição de que é preciso ser

(essência) próximo do próximo e não apenas estar a ele próximo (mera existência). Sobre o lugar da

religião nas relações humanas, na perspectiva do judaísmo (o que é relevante registrar até porque o

Jesus histórico era judeu), leciona Sorj (2011, p. 13):

O ateísmo ou o agnosticismo na modernidade são tanto um questionamento mais geralsobre a existência de Deus quanto uma discussão particular com um certo Deus, aqueledado pela tradição de cada indivíduo […]. O divisor central que se coloca para o judaísmohoje não é se Deus existe ou não, um tema de foro íntimo, mas o lugar da religião nasrelações humanas e no espaço público.

De fato, acreditar em Deus (ou Jesus ou Allah ou Buda ou Krishna ou Shiva) - ou

descreditar, questionar – pertence a cada indivíduo. O que se discute é a necessidade de visão

pluralista, de estar aberto (a) a novas aprendizagens, a novas culturas e respostas.

Integra a condição humana assumir as dúvidas, as incertezas. Tecidas essas considerações,

passa-se à evidenciação de fenômenos bíblicos mediúnicos à luz dos estudos do Doutor Severino

Celestino da Silva, estudioso do idioma hebraico e da problemática das traduções bíblicas (membro

do corpo docente da Universidade Federal da Paraíba - UFPB).

A princípio, o professor explica na obra “Analisando as Traduções Bíblicas” que o hebraico

consonantal e o aramaico foram as línguas utilizadas na escrita dos textos. Ressalta que, para os

judeus, o hebraico é considerado língua sagrada. Didaticamente, elucida estar o aramaico para o

hebraico assim como o espanhol para o português.

Adverte que qualquer tradução implica árida, delicada tarefa. Cônscio dessa

responsabilidade, aponta - em sua obra - diversas passagens da Bíblia que evidenciam formas

distintas de mediunidade: audiência (como a história de Noé, ao receber de Iahvéh a incumbência

de construir a arca), vidência (como aparição de Iahvéh ao Rei Salomão após a construção do

templo), onírica (os sonhos do Faraó interpretados por José, filho de Jacó), de premonição (como

Ágabo ao realizar a previsão de grande seca). Além de fenômenos de materialização, de efeitos

físicos, de levitação e transporte, de pirografia. A título não exaustivo, cite-se (2014, p. 273, sic):

Em Êxodo 20: 1-21, um fenômeno […] chamado de pirografia, do grego […]escrita com fogo na pedra: 'Os Dez Mandamentos' […]. O Deuteronômio 34 diz que, emIsraêl, nunca mais surgiu um médium (profeta) como Moisés a quem Iahvéh falava […].

Não se trata da primeira psicografia histórica? O fato é que os Dez Mandamentos trouxeram

reflexos a distintos ordenamentos jurídicos (ao brasileiro - inclusive), com repercussões tantos

cíveis como penais. Para Garófalo (considerado “Pai da Criminologia”), por exemplo, crime seria

violação aos sentimentos de piedade e probidade. No primeiro caso, ter-se-ia o homicídio; no

segundo, o roubo, considerados por ele delitos naturais.

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Os estudos de Garófalo representaram a primeira tentativa de investigar a essência do crime

e os limites legais. Parece nítida a relação com o Decálogo - Êxodo 20: 1-17: “Não matarás […].

Não roubarás [...]”. O próximo item relacionará o fenômeno psicográfico a casos concretos com

repercussão jurídica no Brasil.

4. PSICOGRAFIA E CASOS EMBLEMÁTICOS QUE TRAMITARAM NA FUNÇÃO

JUDICIÁRIA BRASILEIRA

A relação transcendência-Direito não é nova no ordenamento pátrio. Quase todas as

Constituições brasileiras apelaram, em seus preâmbulos, à existência de Deus. Para Souza (2011, p.

23):

Etimologicamente, o termo 'transcendência' deriva do verbo 'transcender' (no latim trans-cendere, transcendere), que literalmente traduzimos por 'subir além de...'. Por isso,filosoficamente falando, o termo transcendência nos remete à metáfora da 'subida ouascensão'. Por transcendência entende Lima Vaz aquela experiência de insatisfação da razãohumana que vai sempre além de qualquer particularidade ou limitação apresentada peloser-no-mundo do homem. É aquela abertura intrínseca ao ser do homem que o faztransgredir seus limites. Cf. LIMA VAZ, Antropologia Filosófica II, p.98 (grifo original).

Segundo o autor referenciado, Lima Vaz estuda o homem nas dimensões para o absoluto,

para o mundo e para o outro, procurando oferecer respostas a inquietações humanas concernentes

ao ser e ao sentido. O homem contemporâneo - ao negar o transcendente - substitui o transcendere

por ideologias, por relações líquidas, pela história. No caso do Direito, o problema não é diferente.

Como objetivar algo subjetivo por natureza?

Retoma-se a discussão dos preâmbulos constitucionais brasileiros, o que desafia o estudo da

relação Deus-Direito. O preâmbulo expressa marca temporal reveladora da conjuntura político-

social em que o novo paradigma constitucional se constrói. Lecionam Mendes, Coelho e Branco

(2010, p.74): “[...] Hans Kelsen também afirma que o preâmbulo é uma introdução solene, que

expressa as ideias políticas, morais e religiosas que a Constituição tende a promover [...]”. No

modelo kelseniano, a Constituição situa-se no ápice do ordenamento; a sentença - norma jurídica do

caso concreto - na base.

Todas as normas devem observância à Lei Maior. Historicamente, o ordenamento pátrio

adota a lógica de Kelsen. A Constituição oferece o fundamento de validade para todas as normas

integrantes do ordenamento. Logo, não parece razoável admitir letras mortas em seu texto.

Adere-se, no presente ensaio, à corrente jurídica (minoritária) que advoga índole normativa

ao preâmbulo da Constituição brasileira de 1988, o que significa compreender contempla

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prescrições a cujo descumprimento (pelos órgãos de governo, por exemplo) deve corresponder

sanção (a de invalidade, por exemplo) - embora também seja enunciativo, explicativo, orientador,

esclarecedor. Destaca-se, ali, a pontual e momentânea vontade Constituinte, mas com inegável

repercussão para o futuro. Vem a ser, pois, ponte temporal, a ligar passado-presente-futuro.

A Lei Maior de 1824, no preâmbulo, relacionou o império de Dom Pedro I à graça de Deus. A

Lei Magna de 1891 não rogou a proteção a Deus, o que se explica pela instituição do Estado laico.

Porém, o governo provisório segundo Prado (2014, p. 21): “Faz-se abençoar pelo arcebispo, como o

fazia o governo imperial [...]”. Até certo ponto, lembrava o governo imperial.

A Lei da República de 1934 apelou à confiança em Deus. Curiosamente, a Constituição de

1937 - período de crise - não trouxe preâmbulo formal suplicante da proteção de Deus. A Lei

Política de 1946 expressou confiança na proteção de Deus, o que se repete em 1967 e em 1969. O

preâmbulo da atual Constituição assim consigna:

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte parainstituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais eindividuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e ajustiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos,fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com asolução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinteCONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.

O preâmbulo da Bíblia Política de 1988 promove a reflexão sobre os valores fundamentais da

esperada ordem constitucional democrática, não apenas em perspectiva interna, mas global. O rogo

pela proteção de Deus se repete no texto preambular. Contempla a proclamação dos princípios

ínsitos à Lei Política, o que não parece crível ter sido em vão.

Tecidas essas considerações, somadas às explanações analisadas nos itens antecedentes,

passa-se a narrar casos jurídicos emblemáticos que envolveram o fenômeno psicográfico nos

tribunais brasileiros.

O primeiro tramitou, inicialmente, na 8ª Vara Cível do Rio de Janeiro, na década de 1940,

sendo documentado na obra “A Psicografia Ante os Tribunais”, pelo Advogado Miguel Timponi em

tríplice aspectos: jurídico, científico e literário.

O caso versou sobre ação declaratória movida pela viúva e filhos de Humberto de Campos

contra a Federação Espírita Brasileira (FEB) e o médium Francisco Cândido Xavier. Pleitearam-se

direitos autorais sobre a obra psicográfica recebida do espírito Humberto de Campos. O livro

relembra inquietações que afligiram até Rui Barbosa (2015, p. 21):

'Vejo a Ciência que afirma Deus; vejo a Ciência que prescinde de Deus; vejo a Ciência queproscreve Deus; e entre o espiritualismo, o agnosticismo, o materialismo, muitas vezes seme levanta da razão esta pergunta: Onde está a Ciência? A mesma névoa, que a princípio se

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adensara sobre as inquietações do crente, acaba por envolver o orgulho do sábio. A mesmadúvida que nos arrastara das tribulações da fé ao exclusivismo científico, pode reconduzir-nos do radicalismo científico à placidez da fé'.

O Advogado Miguel Timponi defendeu a FEB e o médium. O feito foi julgado improcedente,

tendo o causídico e seus clientes obtido vitória jurídica. A decisão expressou o formalismo clássico.

A função judiciária, no decisum, reconheceu que, para fins legais, os direitos autorais não podem

ser atribuídos a um espírito desencarnado. À época, o Poder Judiciário compreendeu não lhe caber

afirmar (ou negar) a imortalidade da alma.

A obra é rica por estabelecer comparações entre os trabalhos de Humberto de Campos

encarnado e como espírito, reunindo as mais diversas opiniões entre professores, psiquiatras, poetas,

cientistas e juristas. Os indícios de autenticidade no estilo do escritor póstumo foram significativos.

Outro caso significativo que tramitou no Poder Judiciário foi narrado no filme “Chico

Xavier”, dirigido e produzido por Daniel Filho. Baseou-se no livro “As Vidas de Chico Xavier”, do

jornalista Marcel Souto Maior. O médium mineiro viveu noventa e dois (92) anos com intensa

atividade mediúnica e filantrópica. Psicografou mais de quatrocentas (400) obras.

O filme mostrou a absolvição de um jovem - acusado de homicídio - com base em carta

psicografada pelo médium, retratando marco histórico forense: primeiro caso, que se tem notícia, de

um espírito haver inocentado seu suposto assassino. Desta feita, a função judiciária não teve como

se quedar indiferente. Posicionou-se no desfecho da casuística, ultrapassando as barreiras dos

preconceitos. Foi exemplar na aplicação do in dubio pro reo.

Talvez, sem a prova psicografada, um inocente houvesse sido condenado e levado ao cárcere.

Mesmo quem defende a impossibilidade de admissão da psicografia no processo penal pátrio, não

chega a negar a psicografia como objeto de estudo científico. Para Mascarenhas (2013, p. 379-380,

sic):

Como tentativa de dar-lhe cunho científico, menciona-se a possibilidade de confirmação dagrafia constantes em cartas psicografadas, feita por peritos grafotécnicos, como no caso dacarta psicografada pelo médium Chico Xavier, em 1978, escrita em italiano, cuja períciaposterior confirmou a identificação e autoria do espírito. Por último, fazem menção a obrasde referência, como a de Cesare Lombroso, bem como de outras pessoas e de relatosocorridos tanto no exterior quanto no Brasil.Miguel Reale Junior, em artigo publicado no jornal O Estado de São Paulo, no início do anode 2009, fez menção a Cesare Lombroso e sua obra 'Hipnotismo e Mediunidade', publicadaem 1909, onde o autor italiano admitiu a presença e atuação de espíritos desencarnados e derevelações, inclusive em tablados judiciais, confirmadas por perícia.

Adicione-se que, no ensaio científico produzido por Mascarenhas (2013), não se detectou -

no tópico referencial bibliográfico - registro objetivo das obras de Kardec, muito embora o

codificador da doutrina espírita tenha sido mencionado no texto.

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A psicografia é fenômeno da paranormalidade. Por mais cético que se seja, não há como

negar que o ordenamento começa a aproximar-se do sobrenatural, como o fez a Constituição de

Pernambuco:

Art. 174. O Estado e os Municípios, diretamente ou através do auxílio de entidadesprivadas de caráter assistencial, regularmente constituídas, em funcionamento e sem finslucrativos, prestarão assistência aos necessitados, ao menor abandonado ou desvalido, aosuperdotado, ao paranormal e à velhice desamparada [...].

Impera necessidade de refletir sobre a importância da inserção da disciplina de propedêutica

espiritual nos currículos jurídicos brasileiros, o que se justifica pelo fato de ser a função judiciária

chamada a decidir sobre as mais distintas causas relativas ao tema, a exemplo da recente questão

sobre a interrupção da gravidez nas hipóteses de fetos anencefálicos – Ação de Descumprimento de

Preceito Fundamental 54 (ADPF 54), em que o STF optou por romper com o dogmatismo-

formalista, mostrando-se aberto a opiniões da Ciência, de entidades religiosas e da sociedade civil

organizada.2

Coerente e bem fundamentada - do ponto de vista estritamente jurídico - das normas criadas

e positivadas pelo próprio homem em dado lugar e tempo, segundo valores aparentemente

relevantes, a decisão tomada (por maioria de votos pelo STF) desafia repensar o problema também

pelo prisma espiritual.

A grandiosidade do Universo e a perfeição das leis naturais - que regeram (e regem) o

processo criativo, expansivo e a existência tal como é - levam a concluir que tudo foi feito com

engenhosidade e precisão milimétrica, temporal e espacial.

Indagado sobre isso, Einstein (lucidamente) respondeu: “Deus não joga dados”. Se a

velocidade de expansão cósmica (antes, durante e depois do denominado, pelos cosmólogos, de

“período inflacionário”), tivesse sido minimamente diferente, ele próprio não existiria – nem tudo

que nele se contém, a Terra e seus habitantes inclusive.

Por outro lado, supor que a vida exista somente nesse planeta - mero “grão de poeira

cósmica” - seria (no mínimo) “enorme desperdício de espaço” (Carl Sagan). Apenas em Deus há

unificação das leis do macro e do microcosmos (aparentemente incompatíveis entre si).

Conhecer a “teria do tudo”, como dizem os mais brilhantes físicos teóricos e experimentais,

seria “penetrar a mente de Deus”. Indaga-se: a humanidade está aqui sem propósito, fadada a um

fim abrupto e absoluto ou, como pensam muitos, definitivamente condenada a “arder nas chamas do

inferno”? Não seria mais coerente pensar que, até mesmo em função do contraditório e da ampla

defesa (é proposital a referência ao direito constitucional posto), não seria concedida a oportunidade

2 Fonte: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=204878>. Acesso em: 22.abr.2016).

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de sincera recuperação?

No caso de um feto anencefálico (ainda que nasça e viva alguns minutos ou horas), não se

pode assegurar que ele próprio tenha missão ou algo a expiar. O mesmo não se afirme em relação

aos pais e, em especial à mãe, a quem vai caber - segundo a decisão tomada pelo STF - a decisão de

interromper (ou não) a gravidez. A eles, pais, reservou-se essa provação, essa dor, só se justificando

a interrupção da existência do nascituro se a vida da própria mãe estiver em risco. Enfrentar o

dilema representa questão íntima, a ser tomada com profunda consciência espiritual.

Necessita-se de mente aberta. É preciso vencer preconceitos. Urge reconhecer a própria

ignorância - como já ensinara a Grécia Antiga por meio de Sócrates. É de Platão o pensar que, tudo

que existe aqui, ilustra cópia imperfeita do mundo das ideias.

Em que pese negar a admissão da psicografia como meio de prova no processo penal

brasileiro – posição da qual se diverge, mas se respeita - Mascarenhas (2013, p. 382) evidencia em

seu estudo relevante julgado sobre o tema, além de relativamente recente, sic:

JÚRI. DECISÃO ABSOLUTÓRIA. CARTA PSICOGRAFADA NÃO CONSTITUI MEIOILÍCITO DE PROVA. DECISÃO QUE NÃO SE MOSTRA MANIFESTAMENTECONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS. Carta psicografada não constitui meio ilícito deprova, podendo, portanto, ser utilizada perante o Tribunal do Júri, cujos julgamentos sãoproferidos por íntima convicção. Havendo apenas frágeis elementos de prova que imputamà pessoa da ré a autoria do homicídio, consistentes sobretudo em declarações policiais doco-réu, que depois delas se retratou, a decisão absolutória não se mostra manifestamentecontrária à prova dos autos e, por isso, deve ser mantida, até em respeito ao preceitoconstitucional que consagra a soberania dos veredictos do Tribunal do Júri. Apeloimprovido. (Apelação Crime Nº 70016184012, Primeira Câmara Criminal, Tribunal deJustiça do RS, Relator: Manuel José Martinez Lucas, Julgado em 11/11/2009).

A finitude do homem também é a finitude de suas palavras. Quando o vocabulário acaba,

Deus é o verbo. Conjugá-lo - na dimensão das crenças pessoais, sem olvidar a dialética das

descrenças – significa a oportunidade de ultrapassar o deserto dos vinte seis centímetros (26 cm)

que separam as bocas dos corações humanos. O grande tribunal da humanidade sofredora é o

tribunal da consciência.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Será possível compreender o fenômeno jurídico sem utilizar critério axiológico? A Ciência

Jurídica está imune à influência dos preceitos morais e éticos, dos preconceitos, das idiossincrasias,

dos amores e desamores? Das (des) crenças? E da fé?

Se recorrer à “Ciência do Invisível” parece algo tão absurdo, por que quase todas as

Constituições brasileiras, nos respectivos preâmbulos, invocaram a proteção de Deus? Indaga-se

além do Direito: o Universo é explicável sem Deus?

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Depois de Einstein (1879-1955), a evolução da física atômica identificou que não há mais

distinção entre física e metafísica, sendo esta o parâmetro da “Ciência do Invisível”, tendo por

limite último Deus (padrão do invisível). Muito antes, Kant já associara o entendimento à faculdade

de julgar – considerável avanço comparativamente ao pensamento aristotélico.

Se todas as religiões pregam a justiça, não se pode desvincular o Direito da moral social e da

busca do justo via processo de aproximação. Dito de outro modo: o Direito, como objeto cultural e

espécie do gênero ética, converge a fim maior: justiça no processo de compartição da liberdade,

dando a cada um o que é seu, segundo as regras vigentes. A reflexão implica pensar a

correspondência entre o mundo ideal, o real e o invisível.

Distanciar-se desse plano de análise é extremamente perigoso. Incorre-se na probabilidade de

que o Direito sirva à insensível (e carreirística) tecnoburocracia garantidora do status quo,

justificando qualquer decisão, não raras vezes, hercúlea (simbolicamente) para corresponder ao

anseio de resposta social. Na tentativa de evitar desastroso cenário, os difíceis concursos para as

carreiras ministeriais e da magistratura exigem, do candidato, formação humanística.

Não parece, pois, razoável afastar a problemática da justiça da Ciência do Direito. O fim

maior de qualquer teoria é aprimorar a prática, especialmente, no enfrentamento das complexas

questões da pós-modernidade (palco da sociedade plural e de riscos).

Assim sendo, com fulcro no princípio in dubio pro reo e na garantia constitucional da ampla

defesa, admite-se a possibilidade excepcional da psicografia como meio de prova, desde que haja

necessária validação por exame (s) grafotécnico (s) realizado por perito (s) oficial (is). Mesmo se

ilícita fosse, a prova psicográfica poderia ser utilizada em benefício do réu. Recorde-se que o STF

admite a prova ilícita para absolver o acusado.

Se é vasta possibilidade de o réu se defender, propor e questionar provas, participar e intervir

em todos os atos judiciais, não se pode refutar aprioristicamente a utilização da psicografia.

Ademais, o ordenamento processual admite o uso de provas atípicas (inominadas), desde que

moralmente legítimas, o que se perfectibiliza com a prova psicográfica validada pericialmente.

A consideração da prova psicográfica (escrita), da forma como se defende, não viola o Estado

laico pátrio, antes o confirma, até porque afirmar a laicidade estatal significa dizer que ele não

possui religião oficial. Reconhece-se, por outro lado, que o documento não pode ser utilizado como

lastro probatório único.

Não se defendeu – no presente ensaio - o médium assentado no banco de testemunhas como

instrumento de espíritos. No entanto, com base no referencial teórico estudado, não há como negar a

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possibilidade (excepcional) da psicografia ser meio de prova, desde que validada por exame (s)

grafotécnico (s) realizado por perito (s) oficial (is), frise-se.

O referencial examinado também leva a concluir que o magistrado tem o poder-dever de

julgar segundo livre convencimento motivado, deduzindo – do fato posto – sua decisão, sem olvidar

a problemática da dúvida razoável. Aplica regras de experiência comum e pode utilizar-se da

experiência técnica de experts, sendo admissível até a desconsideração do laudo pericial com

fundamento, por óbvio, em outras provas.

Conforme detalhado no desenvolvimento do trabalho, no caso do tribunal do júri, cartas

psicografadas já foram utilizadas para inocentar acusado de homicídio no Brasil. Nesse aspecto,

nada se tem a obstar, haja vista o primado do in dubio pro reo conjugado aos demais elementos

constantes dos autos e, principalmente, ante a inexistência de quaisquer indícios de que a prova

houvera sido obtida por meio imoral ou ilegítimo.

Por outro lado, há quem defenda a inadmissibilidade desse meio de prova por influenciar os

jurados, levando em consideração que estes não precisam fundamentar suas decisões. O argumento

é falacioso. Ora, não é o objetivo de qualquer prova, relato ou testemunho influenciar a decisão?

Isso é elementar à dialética processual.

Dito de outro modo: qualquer prova depende da convicção do julgador. O jurado tanto pode

aceitar como refutar qualquer prova – a psicográfica, inclusive. Quanto ao fato da prescindibilidade

de os juízes leigos motivarem seus votos, decorre da sistemática constitucional, o que não se

discute.

Há que se ter sempre em mente que o Direito não constitui fim em si. Trata-se de

instrumento, meio de promoção do bem comum, do bem servir ao próximo. Não estaria na hora de

os cursos de Direito, no Brasil, incluírem o ensino da espiritualidade (propedêutica espiritual) na

grade curricular, a exemplo dos cursos de Ciências Médicas?

Eis a deixa para o desenvolvimento de novas pesquisas, na esperança de superação dos

sectarismos religiosos, dos preconceitos. Finaliza-se o trabalho com mensagem psicografada pelo

médium Nilton Sousa em 7 de maio de 2013, atribuída a Augusto dos Anjos:

O TUDO E O NADA

É nada o milênio no calendário de DeusÉ tudo a dor, a doença no homem sem féÉ nada a bactéria antropofágica, atéÉ tudo, porém, na proliferação até o adeus

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É tudo o cosmos infinito em mistérioÉ nada a volição das almas em liberdadeÉ tudo pequeno pão na mão da caridadeÉ nada a morte nas ciências ignotas do etéreo

O tudo e o nada, o alfa, o ômega, luz e trevaSão faces da realidade que não raro entrevaO homem céptico e rastejante inferior

O tudo esconde o nada, o nada àquele ocultaSó o amor tudo une na paz que lhe exultaPor pleno ao nada, vazio ao tudo no interior.

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