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enovitis |enologia 44 Setembro / Outubro / Novembro 2007 A As exigências do mercado obrigam as empresas vitiviní- colas a serem capazes de, in- dependentemente de factores externos, produzirem vinhos que agradem ao consumidor, cada vez mais exigente, num mercado cada vez mais compe- titivo e global. Considerando que os vinhos são produzidos para agradar ao consumidor, temos que indagar e considerar quais as “Novas” ferramentas para obter vinhos ao gosto do A utilização não conven de taninos e polissacár características do vinho que este mais valoriza. Diversos estudos foram e virão a ser realizados, mas uma possível resposta poderá ser simples- mente: um vinho sem defeitos, possivelmente com algumas qualidades. De facto, a ausência de defeitos é um requisito universal e vá- lido que transcende fronteiras, barreiras sociais e culturais. Um vinho que esteja oxidado, reduzido, herbáceo, amargo, adstringente ou queimante é, geralmente, desagradável e pouco apelativo. Poderá até ser um vinho interessante, que desperta curiosidade, mas muito provavelmente não será consumido. Além disso, um vinho deve- rá ser visualmente apelativo, pois se a sua cor não é viva, brilhante e cristalina o consu- midor não se sentirá motivado a bebê-lo. A qualidade esperada pelo consumidor pode variar em função da nacionalidade, hábi- tos alimentares, bem como em função de costumes locais re- lacionados com o consumo de vinho. Contudo, uma definição de qualidade pode ser encon- trada, e ser ao mesmo tempo satisfatória para um especialis- ta, bem como para o consumi- dor comum. Um vinho que seja frutado, macio e equilibrado será universalmente apreciado. Nem sempre é fácil atingir o objectivo de obter um vinho com estas características. Para isto, obviamente, a principal preocupação será obter boa matéria-prima, isto é, uvas de boa qualidade com um estado de maturação adequado. Se a natureza não ajudar, teremos de encontrar ferramentas para re- mediar algumas imperfeições, de modo a melhorar a qualida- de do nosso vinho. Normalmente, nestas situa- ções, o Enólogo recorre ao uso de agentes de colagem, correc- tores de acidez e a processos de estabilização físico-química. Estas práticas são eficazes, mas quase sempre envolvem uma perda de qualidade, nor- malmente associada a uma diminuição da estrutura, cor e aroma. A utilização não con- vencional de taninos e polissacáridos: Em algumas situações é pos- Barbara Scotti - Enartis- Esseco Group ([email protected]) José Alberto Santos – Enartis Portugal Unip., Lda ([email protected])

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enovitis|enologia

44 Setembro / Outubro / Novembro 2007

AAs exigências do mercado obrigam as empresas vitiviní-colas a serem capazes de, in-dependentemente de factores externos, produzirem vinhos que agradem ao consumidor, cada vez mais exigente, num mercado cada vez mais compe-titivo e global.Considerando que os vinhos são produzidos para agradar ao consumidor, temos que indagar e considerar quais as

“Novas” ferramentas para obter vinhos ao gosto do consumidor

A utilização não convencional de taninos e polissacáridoscaracterísticas do vinho que este mais valoriza. Diversos estudos foram e virão a ser realizados, mas uma possível resposta poderá ser simples-mente: um vinho sem defeitos, possivelmente com algumas qualidades.De facto, a ausência de defeitos é um requisito universal e vá-lido que transcende fronteiras, barreiras sociais e culturais. Um vinho que esteja oxidado, reduzido, herbáceo, amargo, adstringente ou queimante é, geralmente, desagradável e pouco apelativo. Poderá até ser um vinho interessante, que desperta curiosidade, mas

muito provavelmente não será consumido.Além disso, um vinho deve-rá ser visualmente apelativo, pois se a sua cor não é viva, brilhante e cristalina o consu-midor não se sentirá motivado a bebê-lo. A qualidade esperada pelo consumidor pode variar em função da nacionalidade, hábi-tos alimentares, bem como em função de costumes locais re-lacionados com o consumo de vinho. Contudo, uma definição de qualidade pode ser encon-trada, e ser ao mesmo tempo satisfatória para um especialis-ta, bem como para o consumi-

dor comum. Um vinho que seja frutado, macio e equilibrado será universalmente apreciado.Nem sempre é fácil atingir o objectivo de obter um vinho com estas características. Para isto, obviamente, a principal preocupação será obter boa matéria-prima, isto é, uvas de boa qualidade com um estado de maturação adequado. Se a natureza não ajudar, teremos de encontrar ferramentas para re-mediar algumas imperfeições, de modo a melhorar a qualida-de do nosso vinho.

Normalmente, nestas situa-ções, o Enólogo recorre ao uso de agentes de colagem, correc-tores de acidez e a processos de estabilização físico-química. Estas práticas são eficazes, mas quase sempre envolvem uma perda de qualidade, nor-malmente associada a uma diminuição da estrutura, cor e aroma.

A utilização não con-vencional de taninos e polissacáridos:Em algumas situações é pos-

Barbara Scotti - Enartis- Esseco Group ([email protected])

José Alberto Santos – Enartis Portugal Unip., Lda ([email protected])

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sível usar ferramentas alter-nativas às colagens, que não diminuem a qualidade do vi-nho – taninos e polissacáridos (manoproteínas e goma arábi-ca). Trata-se de adjuvantes enoló-gicos que não são novos, mas que podem ser usados de uma forma não convencional. Tra-dicionalmente, os taninos são usados como antioxidantes, clarificantes e estabilizantes da

mente utilizados, entre os quais alguns até poderão conter aler-géneos (caseínato de potássio, albumina, proteínas vegetais à base de glutén, …). Devido a uma preocupação crescente das questões relativas à Segu-rança Alimentar, as autoridades competentes poderão tornar obrigatória a menção do risco

“Novas” ferramentas para obter vinhos ao gosto do consumidor

A utilização não convencional de taninos e polissacáridos

cor, enquanto que as manopro-teínas - que são extraídas das leveduras durante o processo sur lie - e a goma-arábica, são usados principalmente pelo seu efeito estabilizante.A adição de taninos e/ou po-lissacáridos pode, em alguns casos, substituir as colagens com a vantagem de as imper-feições organolépticas serem corrigidas, sem eliminar ou-tros componentes importantes do vinho.Os taninos e as manoproteínas são compostos que existem naturalmente no vinho, con-trariamente à maior parte dos produtos de colagem actual-

da presença de alergéneos no vinho (e certamente o farão), criando um obstáculo adicio-nal à comercialização dos vi-nhos tratados com este tipo de produtos.Assim, a utilização de taninos e polissacáridos enquadra-se numa filosofia de tratamen-tos capazes de reduzir ou até

substituir as colagens, carac-terizando-se por serem trata-mentos “enriquecedores”, por oposição a tratamentos “em-pobrecedores” do vinho como são as colagens.O uso do tanino adequado e na dose correcta pode, em alguns casos, eliminar aromas de re-duzido, oxidado ou herbáceo.

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Pode ainda intensificar os aro-mas frutados, a estrutura, e o equilíbrio gustativo, enquanto atenua as sensações de ads-tringência, amargor e quei-mante.A goma-arábica e as manopro-teínas, por seu lado, aumentam o volume de boca e, tal como os taninos, atenuam as sensa-ções de álcool, amargor e ads-tringência.

Como utilizar os tani-nos e os polissacári-dos?Estes produtos podem ser usa-dos de forma preventiva ou de forma curativa. É reconhecido que, de um modo geral, quan-to mais cedo forem usados (na fermentação e durante as primeiras etapas do envelhe-cimento) melhor funcionam na prevenção do aparecimento de defeitos. Durante o envelheci-mento, podem ser usados tam-bém como tratamento curativo.A sua utilização durante a fer-mentação requer apoio técnico do fornecedor para definir a dose e o tipo adequados de ta-nino e polissacáridos a usar. A prova do mosto/vinho durante a vinificação é uma operação analítica importante e a experi-ência ganha ao longo de várias colheitas irá determinar os pa-râmetros operativos.Pelo contrário, o seu uso du-rante o afinamento é mais sim-ples pois podem realizar-se ensaios laboratoriais rápidos para determinar o tipo e a quan-tidade a usar. Isto é importante,

pois taninos e polissacáridos obtidos a partir de diferentes matérias-primas ou através de diferentes processos terão im-pactos olfactivos diferentes. Os resultados menos bons que se possam obter dever-se-ão, so-bretudo, a uma escolha errada do tanino ou polissacárido (ou da respectiva dosagem) para o vinho em questão. Nesta situa-ção, há que ensaiar diferentes doses ou taninos distintos. Quando a adição é feita duran-te o afinamento, há tempo su-ficiente para avaliar a evolução do vinho e fazer eventuais ajus-tes antes do engarrafamento.

Exemplos:A seguir apresentamos os re-sultados de um ensaio reali-zado em 2007, em Itália, num vinho da casta Sangiovese, na D.O.C. Brunello de Montalci-

no, que estagiou em barrica durante 4 anos. No final do es-tágio foi considerado desequi-librado, principalmente devido a uma adstrigência evidente, combinada com sensações de amargor e acidez. Para eliminar estas imperfei-ções, foram testadas diferentes soluções:• Colagem com 5 g/hL de ge-

latina solúvel a quente• Adição de 5 g/hL de tanino

extraído de madeira de car-valho tostada a fogo (Unico #1)

• Adição de 5 g/hL de tanino condensado extraído de fru-tos vermelhos (Unico #2)

• Adição de 15 g/hL de po-lissacáridos de levedura activados enzimaticamente (Surlì One)

No final do tratamento os vi-nhos foram provados e os re-

sultados estão sumarizados no gráfico 1.Como se pode perceber a partir do gráfico, a colagem com ge-latina reduz a sensação de ads-tringência e amargor. Contudo, também a estrutura diminui devido a este tratamento, en-quanto que a acidez aumenta, resultando num vinho desequi-librado.A gelatina melhora a qualidade aromática, eliminando aromas desagradáveis, mas, ao mes-mo tempo, diminui a intensi-dade dos aromas frutados e a madeira.Pelo contrário, a adição de ta-ninos e polissacáridos de leve-dura aumentam a redondez e a estrutura. Estas sensações po-sitivas equilibram as negativas, tornando o vinho equilibrado, realçando o carácter frutado e da madeira.

Gráfico n.º 1 – Resultados da prova de vinho da casta Sangiovese (DOC Brunello de Montalcino), colheita de 2004, com diferentes tratamentos para eliminação do amargor e adstringência (ensaios realizados em 2007)

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Actualmente são muitas as adegas, um pouco por todo o mundo, que adoptaram esta forma não convencional de utilização de taninos e polis-sacáridos. Na tabela seguinte apresentamos os resultados de alguns tratamentos realizados em que, à semelhança do exem-plo anteriormente apresentado, foram testadas diferentes abor-dagens para a eliminação do(s) defeito(s) existente(s) em cada vinho em particular:

Conclusões:A utilização de taninos e po-lissacáridos como correctores de defeitos do vinho apresenta, para além das vantagens qua-litativas referidas, vantagens práticas significativas, ao per-mitir a realização de ensaios prévios de forma simples e

eficaz, além de reduzirem de forma importante os custos de mão-de-obra (a preparação e aplicação de um tanino é, sem dúvida mais simples e rápida que qualquer adjuvante de co-lagem). Uma vantagem económica adicional advém do facto que os taninos e polissacáridos passam a fazer parte integrante do vinho, originando perdas de vinho drasticamente menores do que as decorrentes de qual-quer processo de colagem.Este trabalho pretendeu mos-trar o potencial da utilização menos convencional de tani-nos e polissacáridos de forma a reduzir ou mesmo evitar o uso de “práticas enológicas invasivas”, indo de encontro à satisfação do consumidor num sector global e competitivo.

Descrição do vinhoTratamento convencional

Tratamento realizado Resultados do tratamento

Sicilia (Italia)Nero d’Avola (Álcool14.5%, pH 3.7, acidez total 5,1 g/L)Vinho quente e macio, com notas de evolução excessiva, fruta madura e compota.

Colagem intensa com caseína e PVPP

3 g/hL de tanino à base de grainha de uva (Tanenol Fruitan) + 2 g/hL de tanino extraído de madeira de carvalho tostada (Tanenol Extra)

Rejuvenescimento do aroma, com intensificação de notas de fruta vermelha. Atenuação das sensações de calor atribuídas ao álcool, sem aumentar a ads-tringência.

SérviaCabernet Sauvignon (Álcool 12%, pH 3.3, acidez total 6 g/L)Vinho com aroma ligeiramente vegetal, suave em boca, com estrutura ligeira e acídulo.

Colagem com cola de peixe

5 g/hL de tanino de carvalho (Tanenol Couer de Chene) + 50 g/hL de goma arábica (Citrogum)

Eliminação das notas vegetais, aumentando a estrutu-ra sem perder suavidade e acidez.

Alentejo (Portugal)Fernão Pires, Rabo-de-ovelha, Perrum(Álcool 12,5 %, pH 3,5)Vinho oxidado de aroma e com coloração amarelo palha

Colagem com caseí-nato + PVPP

3 g/hL de tanino à base de grainha de uva (Tanenol Fruitan).

Mudança da coloração para tons amarelo-esverdea-dos. Refrescou o aroma, intensificando as notas de fruta tropical, sem diminuir a suavidade em boca.

Marche (Itália)Pinot Noir(Álcool 13%, pH 3.4, acidez total 5.0 g/L)Vinho estagiado em barrica, apresentando um amargor óbvio.

Colagem com PVPP, cola de peixe.

2 g/hL de tanino de grainha de uva (Tanenol Uva) Eliminação da sensação de amargor.

Alentejo (Portugal)Trincadeira, Aragonês Alicante Bouschet e Cabernet Sauvig-non, (Álcool 13,4%, pH 3,5, A.T. 5,7 g/L)Vinho com falta de frescura e de fruta, com alguma evolução

Colagem intensa com caseína e PVPP

5 g/hL de tanino à base de grainha de uva (Tanenol Fruitan)

Recuperação da fruta e frescura. Vinho mais vivo em boca.

AustraliaVinho Tinto desalcoolizado - álcool 8 %Vinho desequilibrado que perdeu estrutura e apresenta uma acidez mais evidente devido à desalcooalização.

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A adição de 100 ppm tanino de con-densado extraído de frutos vermelhos (Único #2) + 200 ppm de manoproteí-nas (Surli Elevage)

Recuperação do equilíbrio, resultando num vinho mais agradável

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