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  • A transio demogrfica e a janela de oportunidade

    Jos Eustquio Diniz Alves*

    So Paulo2008

    * Jos Eustquio Diniz Alves doutor em demografia pelo Cedeplar/UFMG, professor titular da Escola Nacional de Cincias Estatsticas ENCE e coordenador da ps-graduao do IBGE. E-Mail: [email protected]

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    O mundo est passando por um dos melhores momentos demogrficos de toda a histria da humanidade. Isso se deve a um dos mais inopinados fenmenos sociais ocorridos na histria da racionalidade humana: a transio demogrfica. A transio demogrfica, de modo geral, comea com a queda das taxas de mortalidade e, depois de um certo tempo, prossegue com a queda das taxas de natalidade, o que provoca uma forte mudana na estrutura etria da pirmide populacional.

    A reduo das taxas de mortalidade uma conquista impar da perfectibilidade humana que comeou ainda no sculo XIX e deixou uma herana positiva, sem igual, no sculo XX. A esperana de vida mdia da populao mundial, que estava em torno de 30 anos em 1900, ultrapassou os 60 anos no ano 2000. Isso quer dizer que o tempo mdio de vida dos habitantes do planeta dobrou em um perodo de um sculo, fato que no tem equivalente no passado e, provavelmente, no ter equivalente no futuro. A reduo das taxas de mortalidade e o aumento da sobrevida da populao, em tais dimenses, uma conquista que foi alm do otimismo dos pensadores iluministas - primeiros autores a definir e estabelecer a noo de progresso. Toda essa caminhada rumo ao alargamento dos horizontes da sobrevivncia, que comeou com a reduo do bito precoce e a queda da mortalidade infantil, uma condio sine qua non para os investimentos em educao e capital humano, base para o processo de desenvolvimento econmico e da melhoria da qualidade de vida.

    So duas as principais explicaes para a transio de altos a baixos nveis de mortalidade: uma que reala a melhoria do padro de vida da populao em decorrncia do desenvolvimento das foras produtivas e outra que enfatiza as contribuies da inovao mdica, dos programas de sade pblica, do acesso ao saneamento bsico e da melhoria da higiene pessoal. Com certeza as duas juntas ajudam a explicar a ausncia de crises de mortalidade e desmentem o sombrio princpio de populao malthusiano com seus xeques positivos e que s considera a possibilidade de equilbrio homeosttico da populaco via fome, guerras e misria. Seguindo as vises prescientes do Marqus de Condorcet (1743-1794) e William Godwin (1756-1836), pode-se considerar a transio da mortalidade como um dos elementos basilares do processo civilizatrio.

    A transio da natalidade outro elemento essencial do processo civilizatrio e do desencantamento do mundo - para usar uma expresso chave do pensamento de Max Weber. A reduo voluntria da natalidade s pde acontecer em funo de profundas mudanas no comportamento de massas e da perda de influncia do fatalismo religioso. Entre as espcies vivas, somente o ser humano aprendeu a limitar sua prole. Adotando um tamanho pequeno de famlia descobriu a capilaridade social ascendente. E o mais importante, a regulao da fecundidade ocorreu num quadro de aumento da sobrevida e de avano do bem-estar. Baixas taxas de natalidade no vieram em funo da ecassez econmica. Ao contrrio, na maioria das vezes, no houve coao dos meios de subsistncia sobre os casais que decidiram reduzir o nmero de filhos. De modo geral, a queda da fecundidade ocorreu num ambiente de liberdade de escolha, comeando pelas camadas mais afluentes da sociedade. A transio de altos a baixos nveis de natalidade e fecundidade envolve disposies racionais, sendo, ao mesmo tempo, fruto e pr-condio para o efetivo sucesso da modernidade.

    Nenhum pas do mundo ficou alheio transio demogrfica. Nas regies mais desenvolvidas a transio de altas para baixas taxas de mortalidade e de natalidade j se

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    completou e, em alguns casos, as curvas at se inverteram. Nas regies em desenvolvimento as taxas de mortalidade j atingiram seus patamares mais baixos, mas as taxas de natalidade ainda apresentam uma curva em declnio, necessitando de algumas dcadas a mais para se chegar ao ponto de inteseo e crescimento vegetativo zero. Nas regies muito menos desenvolvidas especialmente os pases ao sul do Saara e alguns pases pobres da sia a transio da mortalidade avanou mas a transio da natalidade est em suas fases iniciais e ainda h um longo caminho para se chegar a uma situao de maior equilibrio em patamares baixos em ambas as taxas.

    O Brasil e a Amrica Latina encontram-se em uma fase intermediria da transio demogrfica, com efeitos positivos tanto em relao aos pases desenvolvidos, quanto em relao aos pases muito menos desenvolvidos, o que pode representar uma grande vantagem competitiva para o desenvolvimento econmico e social da Regio. O Brasil pode ser descrito como um cenrio clssico do fenmeno da transio demogrfica e apresenta um comportamento semelhante mdia da Amrica Latina. O Grfico 1 mostra o processo de transio demogrfica no Brasil desde o primeiro censo ocorrido em 1872 at as projees que chegam ao ano de 2050.

    Grfico 1: Transio demogrfica no Brasil: 1872-2050

    Fonte: De 1872 a 1940, Merrick e Graham (1981) e de 1950 em diante, ONU - http://esa.un.org/unpp - visitado em 4/12/2004. De 2010 a 2050 = projees.

    Nota-se que a Taxa Bruta de Mortalidade (TBM) era bastante alta e estava em torno de 30 bitos para cada mil habitantes e pouco se alterou no final do sculo XIX e incio do sculo seguinte. Somente aps o fim da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e especialmente aps o fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) ocorreu o declnio acentuado da TBM, que atingiu seus nveis mais baixos (em torno de 7 por mil) entre 1990 e 2010. A ligeira tendncia de alta da taxa de mortalidade aps 2010 no acontece em funo de qualquer piora das condies de sade, mas em decorrncia do processo de envelhecimento da populao.

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    TBN TBM Taxa crescimento natural

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    A contnua queda da TBM em um quadro de Taxas Brutas de Natalidade (TBN) elevadas e constantes, fez com que o crescimento vegetativo da populao brasileira aumentasse e atingisse o seu pico nas dcadas de 1950 e 1960, propiciando a propagao do medo da exploso populacional. Porm, diversas transformaes econmicas, sociais e institucionais pelas quais vinha passando a sociedade brasileira fez com que houvesse uma difuso do interesse pela regulao da fecundidade e a adoo de um padro de famlia menor. A TBN comeou a cair na segunda metade dos anos de 1960 e matenve a trajetria de declnio nas dcadas seguintes, devendo atingir o ponto de interseo exatamente na metade do sculo XXI, quando o Brasil apresentar taxa zero de crescimento populacional (ou at mesmo um ligeiro declnio).

    A transio demogrfica fruto de diversos determinantes socioeconmicos e culturais que no podem ser resumidos em poucas linhas. Existe uma ampla literatura no Brasil que explica as causas da reduo das taxas de mortalidade e fecundidade como fruto do processo de secularizao e de transformaes estruturais e institucionais ocorridas nos planos macro e micro e que afetaram as relaes intergeracionais e de gnero (CARVALHO, PAIVA, SAWYER, 1981; MERRICK, BERQU, 1983; FARIA, 1989; ALVES, 1994; MARTINE, 1996). Uns dos efeitos mais visveis da transio demogrfica ocorre com a acelerao e a posterior desacelerao do crescimento populacional. A populao brasileira passou de algo em torno de 10 milhes em 1872 para 170 milhes no ano 2000, apresentando suas maiores taxas de crescimento em meados do sculo XX e deve se estabilizar, segundo as projees da ONU, na casa de 250 milhes de habitantes por volta do ano 2050.

    Contudo, o efeito que tem maiores implicaes para as polticas sociais e econmicas a mudana da estrutura etria da populao. A pirmide etria deixa de ser predominantemente jovem para iniciar um processo progressivo de envelhecimento. Isto ocorre fundamentalmente em decorrncia do processo de queda das taxas de fecundidade que reduz o percentual da parcela de crianas e jovens da populao. WONG e CARVALHO (2005) denominam este processo de transio etria estrutural (Age Structural Transition AST), que provoca mudanas no tamanho das diversas coortes etrias e modifica o peso proporcional dos diversos grupos de idade no conjunto da populao, conforme pode ser visto no Grfico 2, que mostra as pirmides etrias brasileiras.

    Nota-se que a pirmide de 1950 possua uma base extremamente larga e um topo extremamente estreito. Trinta anos depois, a pirmide de 1980 ainda apresentava uma forma clssica de pirmide onde cada grupo etrio mais velho era menor que o grupo etrio anterior, embora a base da pirmide tenha se reduzido, em termos percentuais, em relao quela de 1950. A continuidade da queda das taxas de fecundidade fez com que a pirmide etria do ano 2000 apresentasse os 3 grupos etrios mais jovens com percentagens menores que o grupo de 15 a 19 anos. Ou seja, taxas menores de natalidade e mortalidade transformam a estrutura etria da populao, diminuindo o peso de crianas e jovens e aumentando, em um primeiro instante o peso do grupo de adultos e, posteriormente, o peso dos idosos. Isto fica claro na forma da pirmide de 2050, poca em que a estrutura etria da populao brasileira dever ter a forma de um retngulo e a