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Adalmário Costa Pacheco Júnior A TRANSFIGURAÇÃO ESTRUTURAL DE UM FRAGMENTO DE TEMA NO ÁLBUM PARA A JUVENTUDE, DE ROBERT SCHUMANN: CONSIDERAÇÕES E PROPOSTAS INTERPRETATIVAS Escola de Música Universidade Federal de Minas Gerais Abril de 2006

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Adalmário Costa Pacheco Júnior

A TRANSFIGURAÇÃO ESTRUTURAL DE UM FRAGMENTO DE TEMA NO ÁLBUM PARA A JUVENTUDE, DE ROBERT SCHUMANN:

CONSIDERAÇÕES E PROPOSTAS INTERPRETATIVAS

Escola de Música

Universidade Federal de Minas Gerais

Abril de 2006

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Adalmário Costa Pacheco Júnior

A TRANSFIGURAÇÃO ESTRUTURAL DE UM FRAGMENTO DE TEMA NO ÁLBUM PARA A JUVENTUDE, DE ROBERT SCHUMANN:

CONSIDERAÇÕES E PROPOSTAS INTERPRETATIVAS

Artigo apresentado ao Curso de Mestrado da Escola de Música da Universidade Federal de Minas Gerais. Área de Concentração: Performance e Ensino Musical

Instrumento: Piano

Orientador: Professor Dr. Maurício Veloso Queiroz Pinto

- UFMG

Belo Horizonte

Escola de Música da UFMG

2006

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P116t Pacheco Júnior, Adalmário Costa

A transfiguração estrutural de um fragmento de tema no Álbum para a Juventude, de Robert Schumann: considerações e propostas interpretativas / Adalmário Costa Pacheco Júnior. --2006.

70 fls.; il. + 1 CD Acompanha um CD (Compact Disc) do recital.

Artigo (mestrado) – Universidade Federal de Minas Gerais, Escola de Música.

Orientador: Prof. Dr. Maurício Veloso Queiroz Pinto

1.Música para piano. 2.Música –Análise, apreciação e interpretação. 3. Schumann, Robert, 1810-1856 I. Título

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Dedicatória

Dedico este trabalho à memória do Maestro Sérgio Magnani.

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Agradecimentos

Aos meus pais Marzinho e Penha.

Ao amigo e Professor Maurício Veloso pela confiança, pelo incentivo, pela atenção

dispensada e pelas suas sabedoria e dedicação em lançar-me sempre à frente dos

meus limites. Limitadas são as palavras para expressar a minha gratidão.

Ao amigo e Professor Lucas Bretas, pela sua luta em fazer com que eu voltasse a

tocar piano e a quem atribuo a responsabilidade de fazer com que eu atingisse o

grau de Mestre.

Ao meu amigo e professor no Curso de Mestrado Professor André Cavazotti, com o

qual sempre tive a certeza de poder contar nos momentos mais difíceis.

À amiga Maria Inêz Machado, cujo apoio e incentivo foram determinantes nesta

jornada.

À Professora Lýgia Maria Carvalho de Souza Lima, quem colocou em minhas mãos

as lanternas auditivas, as quais me foram muito úteis para a concretização deste

trabalho.

À Professora Maria Lúcia Coutinho Colen, a quem devo toda a base de minha

formação pianística.

Ao Coordenador do Curso de Mestrado, Professor Maurício Loureiro, pelos incentivo

e confiança.

Aos meus amigos Geraldo, Leonardo e Toninho, que jamais se esqueçam o quanto

lhes sou grato pelas suas contribuições.

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RESUMO

Os temas no Álbum para a Juventude Op. 68, de Robert Schumann, tão logo são

reconhecidos, fogem da percepção como se fossem “flashes” sonoros ou miragens

auditivas: eles aparecem e somem quando se tenta focá-los ou alcançá-los

auditivamente. As notas iniciais de Melodia (nº 1), mi-ré-dó-si, reaparecem, em

várias peças, com novas roupagens rítmicas e diferentes acentuações; com um

caráter evasivo, transfiguram-se estruturalmente e fazem com que o ouvinte as

perceba apenas subjetivamente. Parecem ser estes os meios empregados pelo

compositor com intuito de provocar aquelas sensações e emoções.

A verificação do fenômeno se dá, inicialmente, pelo ouvido, depois se procura saber

quais as alturas. Utiliza-se então a expressão “fragmento de tema” para definir

aqueles movimentos de recorrência das notas nas micro e macroestruturas e a

constatação do fato faz com que todo o Álbum seja concebido como uma obra única.

O Op. 68 tem um conteúdo didático significativo, porém cabe ao professor de piano

saber manuseá-lo com este propósito - da sua atitude dependem a concepção e o

interesse dos alunos pela coleção. Estes devem ser encorajados a, através da

análise musical, levantar informações sobre agógica, dinâmica, articulação,

estruturação e estilo musical. São feitas numerosas sugestões de interpretação,

onde mestres e discípulos são convidados a aventurar-se em novas possibilidades

a cada vez.

Palavras-chave: transfiguração, fragmento, Álbum, Juventude, Schumann.

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ABSTRACT As soon as the themes from the Album for the Youth, Op. 68, by Robert Schumann, are

recognized, they vanish from our perception like sound flashes or hearing mirages: they

appear and disappear when one tries to aurally focus or reach them. The first notes from

Melody (#1), e-d-c-b, reappear in many pieces, with new rhythmic designs and different

accentuations; with an evasive character, they structurally transfigure and make the

listener perceive them only on a subjective level. It seems like these are the means used

by the composer in order to provoke those sensations and feelings.

The phenomena’s verification is first processed by the ear, and then one looks for the

exact pitches. Thus the expression “theme’s fragment” is used to define those pitches’

recurrence movements, both in the micro and macro structures, and the evidence of the

fact leads to the view of the whole Album as a single work.

The Op. 68 has a considerable didactic content, and is the responsibility of the teacher to

use it with this purpose - the students’ conception and interest regarding the collection

depend on his attitude. They ought to be encouraged to search for information regarding

agogic, dynamics, articulation, structure and musical stile, through musical analysis.

Numerous interpretation suggestions are made, being masters and disciples invited to

venture, each time, into new possibilities.

Key-words: transfiguration, fragment, Album, Youth, Schumann.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 - [1] Célula em Melodia ........................................................................... 19

Figura 2 - A célula mi-ré-dó-si em outros incisos de Melodia................................. 19

Figura 3 - [1-2] Inciso em Melodia.......................................................................... 21

Figura 4 - [3-4] O 2º Inciso....................................................................................... 21

Figura 5 - [1-4] Membro de frase........................................................................... 22

Figura 6 - [1-12] A Frase........................................................................................ 23

Figura 7 - A célula mi-ré-dó-si; diversas parcerias em outros incisos de Marcha do soldado ............................................................................... 25

Figura 8 - [1-4] Fragmento de tema em In Memorian............................................ 26

Figura 9 - [1-5] Fragmento de tema em Mignon.................................................... 27

Figura 10 - [5-6] A seção B em Melodia: transfigurações do fragmento de tema........................................................................... 31

Figura 11 - Tipos rítmicos em Da Pacem, Domine, de Melchior Franck................... 39 Figura 12 - [1 e 2] de Melodia ............................................................................... 43

Figura 13 - [3-4] de Melodia, na mão esquerda..................................................... 44

Figura 14 - [7-8] de Melodia, na mão esquerda..................................................... 45

Figura 15 - [2-3] Marcha do Soldado..................................................................... 46

Figura 16 - Sugestões grafadas para interpretação de Marcha do Soldado............................................................................................... 49

Figura 17 - [22-23] Um Coral................................................................................. 50

Figura 18 - [1-2-3-4] Pequeno Estudo.................................................................... 51

Figura 19 - [41 e 43] Pequeno Estudo..................................................................... 53

Figura 20 - [38-44] O Cavaleiro.............................................................................. 54

Figura 21 - [1-2] In Memorian................................................................................ 55

Figura 22 - [6-7] Aumentação rítmica do fragmento de tema em

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In Memorian........................................................................................ 56

Figura 23 - [20-21-22-11] Sucessivas transfigurações em In Memorian................ 57

Figura 24 - [1-12] Mignon....................................................................................... 58

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 11

2 A TRANSFIGURAÇÃO ESTRUTURAL DO FRAGMENTO DE TEMA ............ 18

2.1 Elementos de fraseologia musical ............................................................................. 18

2.1.1 Uma breve análise fraseológica e estrutural ........................................................... 18

2.1.1.1 Célula .................................................................................................................... 18

2.1.1.2 Inciso ..................................................................................................................... 20

2.1.1.3 Segundo inciso ....................................................................................................... 21

2.1.1.4 Membro de frase .................................................................................................... 21

2.1.1.5 A Frase .................................................................................................................. 22

2.1.1.6 O Período ............................................................................................................... 23

2.1.1.7 A escolha da expressão “fragmento de tema” ...................................................... 24

2.1.1.8 Forma ou estrutura ................................................................................................ 29

2.2 Elementos da linguagem musical ............................................................................ 35

2.2.1 Som e ritmo .............................................................................................................. 35

2.2.2 Estruturação rítmica e transfiguração.......................................................................... 37

2.2.3 Schumann e as miniaturas ......................................................................................... 40

3 SUGESTÕES PARA PERFORMANCE ................................................................... 42

3.1 Peça nº 1 – Melodia ..................................................................................... 43

3.2 Peça nº 2 – Marcha do Soldado ................................................................... 45

3.3 Peça nº 4 – Um Coral ..................................................................................... 50

3.4 Peça nº 14 – Pequeno Estudo ........................................................................ 51

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3.5 Peça nº 23 – O Cavaleiro ............................................................................... 53

3.6 Peça nº 28 – In Memoriam ............................................................................. 55

3.7 Peça nº 35 – Mignon ...................................................................................... 57

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................ 61

5 BIBLIOGRAFIA ........................................................................................................... 64

6 ANEXO ........................................................................................................................... 69

6.1 Glossário ..................................................................................................................... 69

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1 INTRODUÇÃO

Ao escutar ou fazer a leitura das partituras do Álbum para a Juventude Op. 68, de

Robert Schumann (1810-1856)1, experimenta-se uma impalpável subjetividade. Os

temas, tão logo são reconhecidos, fogem da percepção como se fossem “flashes”

fotográficos gravados na memória e, como miragens auditivas, aparecem e somem

quando se tenta focá-los ou alcançá-los auditivamente. A que isto se deve?

Em Melodia, nº 1, descobre-se uma seqüência de notas repetindo-se de várias

maneiras nesta mesma peça, e em tantas outras desta coleção, sempre com novas

roupagens rítmicas e diferentes acentuações. Essas notas iniciais do primeiro

compasso e na voz superior, mi-ré-dó-si [1] de Melodia, ora seguidas, nos demais

compassos, por três notas mais um salto de quarta, mi-ré-dó-si, lá-si-dó, sol, [1-2],

ora precedidas de três e seguidas de duas si-dó-ré, mi-ré-dó-si, lá-sol, [1-2-3-4] de

Marcha do Soldado, ora se contorcendo, si-dó, mi-ré, [1-2] de Pequeno Estudo,

mudam e transformam-se rítmica e estruturalmente o tempo todo e em várias peças

desta coleção; aquele pequeno agrupamento de notas, ao reaparecer com

estruturas rítmicas tão diferentes em diferentes partes do compasso, parece

transfigurar-se aos nossos olhos e ouvidos.

Supondo-se que existe um “fragmento de tema2” a realizar um percurso por esta

coleção de miniaturas do Op. 68, resolveu-se abordar os seus aspectos rítmicos e

estruturais; fazer com que o ouvinte perceba apenas a recorrência das notas iniciais,

1 O autor deste trabalho considera desnecessária a inclusão de referências biográficas acerca de Robert Schumann devido à vasta literatura disponível. 2 A escolha desta expressão surgiu como conseqüência de uma ampla pesquisa e espera-se estar muito bem explicada e fundamentada no corpo deste trabalho.

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porém com acentuações rítmicas totalmente diferentes parece ser um dos meios

empregados por Schumann na elaboração das frases com a intenção de provocar

aquelas emoções e a sensação de ambigüidade. Seria o uso destes mecanismos

uma das características respectivamente da linguagem musical e da poética do

compositor?

Como lembra Cândido (1928), mais pelo ritmo, e menos pelas melodia e harmonia,

percebemos a beleza das composições; é ele o principal elemento constitutivo de

uma estrutura ou de uma obra. É claro que os outros dois elementos são também

muito importantes, mas sem o seu ritmo eles constituiriam não mais que seres

inanimados.

O ritmo é a ordem suprema da música, assim como de todas as coisas – o princípio de suas leis matemáticas. De fato, a palavra ritmo, em grego, significa número, (de onde aritmética), fundamento de todos os fenômenos naturais e de todos os desenvolvimentos. A nossa vida é ritmo, medida por pulsações fisiológicas, como a do coração e a da substituição das células, até a cadência perfeita da morte, repouso de todas as dialéticas e tensões (Magnani, 1989, p. 85).

Pouco acesso se tem a material elaborado em relação às questões supracitadas,

mais objetivamente ligado ao Álbum para a Juventude; espera-se então, através de

um estudo mais amplo, obter dados esclarecedores e respostas bem

fundamentadas. Novas descobertas no campo da pesquisa de performance musical

e do ensino do piano, juntamente com diversas considerações didáticas e

numerosas sugestões de interpretação poderão também ser apresentadas. Este

trabalho propõe-se a verificar se a transformação estrutural do fragmento percorre

toda a obra e se tal fato pode conferir ao Op. 68 um sentido de unidade. As análises

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destes pequenos textos do Álbum para a Juventude poderão levantar boas

informações sobre agógica, dinâmica, articulação, estruturação e estilo musical.

Por ser uma obra de referência no repertório de ensino e na literatura do piano3; por

ser o Op. 68 um dos prediletos para os jovens pianistas dentro da produção musical

de Robert Schumann e pelo tanto que a posse de tal material pode ser útil para os

professores e alunos de piano, parece ter sido acertada a escolha deste assunto

para a pesquisa. É perigosa a utilização deste conjunto de miniaturas apenas por se

considerar esta uma obra para a infância ou por se julgar serem suas peças de fácil

leitura e, conseqüentemente, atraentes para os pequeninos. Com certeza este textos

musicais têm um caráter didático significativo, porém cabe aos professores de piano

e de música saber manuseá-los com este propósito.

De acordo com o próprio Schumann4, (citado por DEAHL, 2001), a base de uma boa

formação musical consiste em uma sólida construção desde a iniciação e os

métodos não devem servir apenas para treinar mecanicamente as mãos e a mente

dos jovens músicos, mas sim para que seja despertada neles a sua imaginação e

fazer com que percebam a beleza de uma composição, enquanto a sua dificuldade

está sendo dominada.

Visto que já há bastante tempo o proponente tem experimentado este material com

seus alunos, a maneira como eles se aproximam, o grande interesse demonstrado

por eles acerca das idéias apresentadas sobre as peças e como eles passam a

3 Uma visão panorâmica sobre a preocupação didática e sobre as influências pedagógicas e filosóficas do compositor, considerações sobre a contextualização histórica à época da composição do Álbum para a Juventude e influências de poetas, escritores e compositores sobre a obra de Robert Schumann encontram-se amplamente discorridas em LEMOS (2003, p. 1-21).

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interpretá-las, com muito mais amor, integridade e propriedade, isto por si só,

justifica a criação e a continuidade deste projeto de pesquisa.

È notável a maneira como o professor pode interferir na compreensão e na

interpretação, quando, por exemplo, chama a atenção do aluno para a simplicidade

daquelas quatro notas finais da “Melodia” (N° 1), mi-ré, si-dó e para a quebra de toda

a tensão criada anteriormente; para o movimento de rodopio que esta mesma

seqüência de notas parece ter quando as observamos nos dois primeiros

compassos da peça “Pequeno Estudo” (Nº 14), na voz de soprano, si-dó, mi-ré; ou

como a peça “O cavaleiro” (Nº 23) adquire um caráter enérgico com um ritmo

preciso, quando o professor sugere ao aluno que este comece a tocar antevendo

aquelas quatro notinhas em questão, que somente vão aparecer quase no final da

peça [38-39-40], entremeadas e comprimidas por pausas. Como na peça “Mignon”

(Nº 35), a percepção do “fragmento de tema” nas quatro notas iniciais no baixo pode

conferir para o intérprete um significado de fluência, uma constatação de que as

colcheias da região central não poderiam ser muito lentas, caso contrário poderia

haver o comprometimento da continuidade e da direção apontada pela voz inferior.

Sem dúvida, o interesse e a concepção da peça mudam totalmente para o aluno

quando são apontadas tais questões, além de instigar nele a curiosidade de procurar

outras.

Valoriza-se, primeiramente, o fenômeno musical, para depois se tentar descobrir as

suas causas. Ao escutar uma peça do Álbum, num primeiro momento algo chama a

atenção, depois se procura saber (quais os nomes das notas?) as alturas. Sabe-se

4 SCHUMANN, Robert. On Music and Musicians. Tradução de Paul Rosenfeld. Berkeley e Los Angeles: University of California Press, 1946.

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que o ouvido atento pode perceber musicalmente bem mais que o displicente, ou até

mesmo ver para a mente algo que os olhos não acusam através da simples

observação da partitura. O nome das notas não abre os olhos nem mesmo a sua

pré-concepção serve como lentes, porém a intuição do “fragmento" pode auxiliar,

como se fosse uma lanterna, à percepção do fenômeno. Este, por sua vez, apenas

se torna um fato após sua verificação auditiva onde, numa busca tateante e crítica,

procura-se a confirmação de sua presença em cada peça. Esta constatação foi vital

para a manutenção e o prosseguimento desta pesquisa, pois de outra maneira se

poderia considerá-la estéril, seria totalmente sem valor.

Fizeram-se extremamente necessárias, na busca de uma melhor fundamentação, a

conceituação e a confecção de um glossário de termos ligados à estruturação

musical como arsis e thesis, tipos rítmicos, tempos fortes e fracos dos compassos e

outros. Procurou-se também fazer uma argumentação epistemológica que

defendesse a escolha da expressão “fragmento de tema” utilizadas no título e por

várias vezes no corpo deste projeto de pesquisa.

Os seguintes passos foram seguidos:

• Uma busca de partituras originais e editadas do Álbum, para

comparações e aquisição de informações e elementos elucidativos à

pesquisa;

• A audição de gravações diversas das peças do Álbum para observação

de elementos subjetivos (abordados por este projeto) que possam ser

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identificados através de simples contemplação auditiva. Registro

escrito destes elementos;

• Execução e gravação pessoal dos diversos títulos para posterior

audição e observação dos elementos acima especificados;

• Audição das peças executadas pelos alunos com os mesmos

propósitos acima;

• Análise da obra em questão sob a ótica contemplada pelo título deste

projeto de pesquisa e busca objetiva do “fragmento” nas partituras das

diversas peças do Álbum, para levantamento de dados e elaboração

de um quadro demonstrativo; um passo importante abordado na

metodologia é que, para a demonstração das análises, não foi

considerada apenas a escrita das partituras originais, mas tentou-se

grafar, como já foi explicado anteriormente, o que se ouviu;

• Busca bibliográfica por fontes de informações que se refiram à

linguagem musical, fraseologia, estruturação e análise formal, e

aplicação destas à hipótese, para que possam gerar dados relevantes;

• Análise fraseológica em busca de elementos constitutivos das micro e

macro estruturas como célula, inciso, membro de frase, frase, período

e forma;

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• Busca de depoimentos bibliográficos do autor, de artistas e músicos da

convivência do compositor como Clara Schumann, Brahms e outros

compositores, musicólogos e pianistas, na tentativa de encontrar

elementos estilísticos e da linguagem musical de Robert Schumann,

que pudessem nortear esta pesquisa;

• Registro de todos os dados levantados pela pesquisa;

• Levantamento de um panorama que surge diante das novas fontes,

uma comparação com as questões e hipóteses levantadas

anteriormente e o registro de novos dados;

• Levantamento de propostas e considerações interpretativas

abrangendo diversos números desta obra, subtraídas do novo

panorama que foi aberto pela demonstração, observação e relevância

dos elementos apontados por este trabalho.

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2 A TRANSFIGURAÇÃO DO FRAGMENTO DE TEMA

2.1 Elementos de fraseologia musical

Como toda linguagem, a música possui uma morfologia uma sintaxe e uma fraseologia. Embora não seja indispensável o conhecimento da linguagem para a captação da mensagem estética musical posto que a música comunica-se através do ritmo de suas tensões, tal conhecimento amplia a esfera de compreensão das informações estéticas. (MAGNANI,1989, p. 75).

2.1.1 Uma breve análise fraseológica e estrutural

Foi tomada, em primeiro lugar e para maior clareza e melhor fundamentação da

escolha do título deste projeto, a análise estrutural da peça de nº 1, Melodia, onde se

tentou identificar e demonstrar os seus elementos fraseológicos como célula, inciso,

membro de frase, frase e período; num segundo momento tornou-se necessário

mostrar como se chegou à definição de fragmento de tema; esta se encontra mais

ligada a questões formais e estruturais e pertence, por sua vez, a uma visão holística

do Álbum para a Juventude 0p. 68.

2.1.1.1 Célula

A célula é a menor estrutura da frase musical; nesta peça ela figura, melodicamente,

com 4 notas descendentes no primeiro compasso, mi-ré-dó-si e, ritmicamente, com

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quatro semínimas; São dois os tipos rítmicos5 que a representam: o tético, pela sua

iniciação, e o feminino, pela sua finalização.

Segundo o Maestro Sérgio Magnani (1989), a natureza rítmica do grupo de notas

que compõe a célula, mais que a natureza melódica, pode fazer com que as suas

características influam em toda a estrutura da obra. Se fizermos uma analogia com

um elemento morfológico da frase falada, a célula não chegaria a ser uma palavra,

mas uma sílaba, cuja função seria articular sonoramente uma poesia.

A FIG. 1 mostra um exemplo de célula:

FIGURA 1 – [1] Célula em Melodia

Faz-se necessário deixar claro o porquê da aplicação do termo célula às notas mi-ré-

dó-si e não mi-ré-dó-si-lá, como poderia parecer a uma primeira tentativa de análise.

Foi observada em Melodia, assim como em outras peças do Álbum6, a presença de

incisos que contêm a mesma célula mi-ré-dó-si, em companhia de células que

diferem em nome, sentido e intervalo das suas notas, daquelas que integram o

inciso dos compassos iniciais. Veja os exemplos a seguir (FIG. 2):

5 Veja, na página 71, a definição de tipo rítmico no glossário de vocábulos e termos utilizados neste trabalho. 6 Veja no sub-item 2.1.1.8, “A escolha da expressão fragmento de tema”, à p. 14 desta publicação.

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FIGURA 2 – A célula mi-ré-dó-si em outros incisos de Melodia: a) [3-4] Mão esquerda; b) [7-8] Mão esquerda.

No primeiro exemplo observe, considerando-se as notas melódicas em graus

conjuntos e as primeiras colcheias de cada tempo, o aparecimento de uma célula

com três notas descendentes, mi-ré-dó, [3], seguidas da conhecida célula mi-ré-dó-

si, anacruse [3-4], e finalmente um salto de terça descendente à nota sol, 4º tempo

[4].

No segundo exemplo note-se mais uma vez, naquele novo inciso, a presença da

célula inicial mi-ré-dó-si [7], nos 2º, 3º e 4º tempos, até o primeiro do compasso

seguinte. Desta vez ela aparece, além de precedida de uma nota (fá bequadro),

sucedida de uma nova célula, três notas em cromatismo, dó-dó#-ré, finalizada por

um intervalo de 4ª ascendente que também leva à nota sol.

2.1.1.2 Inciso

“O inciso é o menor desenho musical que possui em si uma significação. É, portanto,

mais do que uma simples palavra; se o compararmos com a linguagem falada,

poderia corresponder a uma curta série de palavras relacionadas por um movimento

interno” (Magnani, 1989, p. 106).

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O inciso aqui é formado por duas células facilmente identificáveis: a primeira delas,

como já vimos, quatro notas descendentes, mi-ré-dó-si, tética, no primeiro

compasso; no compasso seguinte apareceria uma outra: três notas ascendentes,

considerando-se as notas melódicas em graus conjuntos nos 1º,2º e 3º tempos, lá-

si-dó, também tética, finalizadas por um salto de quarta descendente que nos leva,

no 4º tempo, à nota sol.

Vejamos na FIG. 3 um exemplo de inciso em Melodia:

FIGURA 3 – [1-2] Inciso em Melodia

2.1.1.3 Segundo inciso

O segundo inciso é também formado por duas células: a primeira delas no terceiro

compasso, três notas descendentes, sol-fá-mi; a próxima, separada da primeira por

um salto de terça, mais quatro notas descendentes que se iniciam na anacruse do

quarto compasso até o terceiro tempo deste, dó-si-lá-sol. A junção destes dois

incisos, muito bem sublinhados pela presença das ligaduras, constitui o que

chamaremos, a seguir, de membro de frase.

A FIG. 4 mostra o segundo inciso:

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FIGURA 4 – [3-4] O 2º Inciso

2.1.1.4. Membro de frase

A estrutura harmônica no inciso é irrelevante, porém o membro de frase é totalmente condicionado pela harmonia. Ele pode ser comparado a uma oração falada onde a cadência harmônica ao seu final é comparável à conjunção que relaciona as várias orações num ordenamento sintático (MAGNANI, 1989, p. 76).

Vejamos um exemplo de membro de frase (FIG. 5):

FIGURA 5 – [1-4] Membro de frase

Podemos perfeitamente perceber, nos exemplos que se seguem, a articulação dos

membros de frase determinada pelas cadências: ao final do primeiro membro

encontramos uma cadência interlocutória - dominante secundária à dominante, D7–G

(FIG 5a); ao final do segundo uma imperfeita - Dm–G7 (FIG 5b); até a cadência

perfeita, ao final do terceiro, que conclui a frase inteira G7–C (FIG 5c).

2.1.1.5 A Frase

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É um pensamento musical completo, definido nas suas coordenações e

subordinações. Corresponde, portanto, à frase escrita marcada com um ponto final e

internamente articulada em suas várias orações. É ela a medida natural do

pensamento musical, o objetivo das microestruturas e a base de todas as

macroestruturas. Eis a frase na FIG.6:

FIGURA 6 – [1-12] A Frase: a) [1-4] primeiro membro de frase; b) [5-8] segundo membro de frase; c) [9-12] terceiro membro de frase. 2.1.1.6 O Período [1-20]

É um conjunto de frases que forma um bloco compacto, normalmente coincidindo com uma infra-estrutura formal. [...] o vocábulo “período”, que em grego significa “caminho de volta [...]”, [...] nos transmite a idéia de um percurso completo em torno de determinado assunto ou de determinado contorno de uma microestrutura (MAGNANI, 1989, p.109).

É saudável considerar a idéia de “caminho de volta” e “percurso completo”, ligada ao

termo período. Esta poderá ajudar o intérprete numa tomada de posição ante a

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possibilidade de fazer ou não a repetição do primeiro membro de frase ([1-4] de

Melodia) e desta repetição dependerá a salva guarda da integridade da estrutura.

Veja melhores considerações sobre o assunto no capítulo denominado “Sugestões

para Performance” 7, apresentado mais adiante.

2.1.1.7 A escolha da expressão “fragmento de tema”

É mister observar, considerando-se apenas o nome das notas que a compõem, o

reaparecimento daquela célula inicial de Melodia em outras peças do Álbum.

Embora com outros intervalos, ordenamentos e sentido e ritmo de suas notas, estas

novas células se agrupam para formar incisos, membros, frases e períodos, com

características expressivas totalmente diferentes daqueles encontrados na primeira

peça.

Em Marcha do Soldado observe, no primeiro compasso, (FIG 7a). o aparecimento de

três notas ascendentes, si-dó-ré, seguidas do nosso conhecido inciso mi-ré-dó-si, [2-

3], e finalmente duas notas em grau conjunto, lá-sol, [4]. Este jogo de transfiguração

dos incisos onde se empregam grupos de 2, 3 e 4 notas em graus conjuntos, com

um intervalo de 3ª, de 4ª, ou outros, perpassando-os ou finalizando-os, fica muito

claro nos exemplos que se seguem (FIG 7b-e); veja nos 4 próximos compassos (FIG

7b): observe a primeira célula si-dó-ré, três notas em graus conjuntos ascendentes

[5], acompanhada de duas em graus conjuntos descendentes mi-ré [6], e a segunda

que se inicia com um salto de 4ª às notas sol- (de novo!) -fá-mi-re. Veja também

7 C. f. à p. 34 desta publicação.

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outros exemplos do aparecimento da célula mi-ré-dó-si, com novas parcerias, em

outros incisos de Marcha do Soldado (FIG. 7) :

FIGURA 7 – A célula mi-ré-dó-si; diversas parcerias em outros incisos de Marcha do soldado: a) [1-2-3-4]; b) [5-6-7-8]; c) [9-10-11-12]; d) [9-10-11-12] Hoqueto8; e) [13-14-15-16].

Na peça de nº 28, In Memorian, observe o aparecimento da primeira célula em

anacruse9. Diante disto é possível observar o fragmento10 em companhia das

demais células, todas anacrústicas. Observe novamente os grupos de 2, 3 e 4 notas

8 Veja glossário à p. 71. 9 Veja no glossário à p. 71, a definição de tipo rítmico anacrústico. 10 Veja à p. 29 que as definições célula e fragmento podem coexistir em função de um único objeto.

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em graus conjuntos, com um intervalo de 3ª, de 4ª, ou outros, iniciando-os,

perpassando-os ou finalizando-os. Veja a demonstração a seguir (FIG 8):

FIGURA 8 – [1-4] Fragmento de tema em In Memorian

Em Mignon, nº 35, veja-se na FIG 9, acompanhando as setas verticais apontadas

para cima, um alargamento rítmico do fragmento mi-ré-dó-si no baixo; pode-se

constatar novamente as suas parcerias, lembrando-se que foi grafado no exemplo o

que se ouviu, e não o que está escrito, porém, desta vez, polifonicamente: as setas

horizontais marcam a entrada do salto de quarta mais duas notas em 2ª ascendente,

finalizando com um salto de quinta descendente; as setas verticais para baixo

marcam a entrada de um novo fragmento, já preanunciado pelos fp dos compassos

anteriores e antes que os outros deixem de ser ouvidos. Pode-se pensar, pela

entrada de todos estes elementos juntos, uma célula em 4 e um inciso em 8

compassos; pode-se constatar também um alargamento da microestrutura, pela

grande quantidade de compassos empregados para compor o fragmento, ao mesmo

tempo em que há o encurtamento da macro estrutura, pela pouca quantidade de

elementos que aparece num grande número de compassos. É interessante perceber

esta profusão de informações num curto espaço de tempo e também se pensar

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porquê11 Schumann teria deixado para apresentar esta novidade apenas num

número avançado do Álbum.

FIGURA 9 – [1-5] Fragmento de tema em Mignon

Aquela constatação de que há uma célula que sempre reaparece – apenas, como já

foi dito, por considerar a sua semelhança com a primeira célula da peça inicial – para

formar novos incisos em outras peças do Álbum, conduz a uma idéia a qual se tenta

reproduzir a seguir:

• embora se tenha tentado, num primeiro momento, considerar a célula

inicial da primeira peça como base do trabalho temático de toda a coleção,

isto, por motivos relevantes, não foi possível: ela, isoladamente, não

encerra em si um significado musical expressivo; também não se repete

totalmente igual em nenhuma outra peça; ainda por cima não é possível

encontrá-la em todas as peças da coleção – ela desaparece, por vários

números seguidos, para ressurgir, mais adiante, em várias outras peças;

• não poderiam também os incisos ser identificados como temas de todo o

Álbum da Juventude, uma vez que eles não se repetem, da mesma

11 Ver conclusões sobre o assunto na p. 61, em Considerações finais.

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maneira, em peças diferentes; poderiam sim ser considerados como tema

de cada número em si, pois eles sempre aparecem trabalhados e muito

bem explorados, em suas potencialidades dramáticas e expressivas, em

uma mesma peça; veja a seguir uma opinião sobre inciso, muito bem

colocada pelo Maestro Sérgio Magnani (1914-2003), e que coube muito

bem aqui, para uma melhor compreensão das idéias apresentadas:

O inciso possui uma fisionomia plástica que o torna facilmente reconhecível e sobre ele funda-se toda a técnica da composição. Provém do inciso o material aproveitado no trabalho temático, isto é, naquele processo fundamental de elaboração que se chama desenvolvimento e que marca o elemento mental da música. È ele, por ser curto e bem identificável, que dirige todo o mecanismo da imitação na polifonia medieval e renascentista; é com os incisos extraídos do sujeito e do contra-sujeito que se constroem – ainda em forma imitativa – as partes intermediárias e episódicas da fuga; é através dele, finalmente, que se expressa toda a dialética da sonata. É dele que frui a frase musical; é nele que se identifica o espírito da invenção melódica. A menor diferença melódica ou rítmica o despersonaliza (MAGNANI,1989, p. 106).

• observe-se que os termos célula e inciso auxiliam sobremaneira, juntos,

apenas para a identificação das microestruturas dentro de cada uma das

peças da coleção, mas não atendem à necessidade de encontrar um termo

que definisse as suas recorrências no Opus inteiro;

Acudiu, finalmente, a expressão “fragmento de tema” pois esta serve tanto para a

descrição dos movimentos de ocorrência e recorrência daquelas quatro notas em

questão dentro de cada peça e de toda a obra, quanto à definição destas notas

dentro dos elementos estruturais e fraseológicos das micro e macroestruturas12.

12 Encontram-se, na conclusão deste trabalho, p. 62, considerações sucursais e complementares a este assunto.

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Eis, extraído de um verbete de dicionário, o conceito de fragmento:

1. Cada um dos pedaços de uma coisa partida ou quebrada; 2. Parte de um todo; pedaço, fração; 3. Parte que resta de uma obra literária ou antiga. Ou de qualquer preciosidade; 4. Mús. Curto período musical; 5. Mús. Parte de uma obra que pode ser executada independentemente do resto; 6. Mús. Concr. Objeto sonoro da ordem de alguns segundos e no qual se distingue um centro de interesse que não evolve nem se repete (Holanda, 1988. p. 807).

As análises feitas acima acerca daqueles poucos números do Op. 68 levam a crer

que as definições tema, inciso, célula e fragmento podem perfeitamente coexistir; as

suas abordagem, compreensão e utilização não excluem e nem mesmo estão

ligadas, necessariamente, umas às outras – numa busca mais aprofundada destes

elementos em vários números deste Álbum pode-se constatar a presença de células

que não são nem tema, nem fragmento.

O termo fragmento encerra em si uma grande ambigüidade: se por um lado ao

considerá-lo como célula (conseqüentemente parte do inciso) podemos observá-lo

repetindo-se várias vezes na coleção de forma partida, quebrada (em algumas

peças ele está e em outras não está, ele aparece e desaparece), por outro ele, mas

somente através da sua percepção, torna-se elemento unificador de toda a

estrutura, por aproximar as suas peças. “A interrupção desmonta o movimento

isolado, mas assim o fazendo, chama atenção para a unidade maior” (ROSEN,

2000, p. 142).

2.1.1.8 Forma ou estrutura

É a maneira como a música se organiza. A observação de uma obra “leva-nos à

visão total de sua estrutura, isto é, à sua forma típica” (MAGNANI ,1989, p. 109). As

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peças tratadas neste trabalho obedecem a uma estrutura formal13 simples: umas são

constituídas de dois blocos diferentes e complementares, suas estruturas são

abertas, um A B; outras são constituídas de três blocos, suas estruturas são

fechadas, um A B A; a última parte destas é sempre um retorno ao princípio e faz

com que a obra seja concebida como uma forma ternária com recapitulação. “Na

prática, a forma binária e, muito mais, a ternária desenvolvem-se em múltiplos,

interpenetram-se, combinam-se em formas mistas, que possuem o pressentimento

da forma ternária, mas não a sua realização” (MAGNANI, op. cit., p. 117). As formas

ternárias em duas seções são também amplamente empregadas no Álbum: a parte

B de muitas de suas peças contém elementos da parte A; então temos A (aa) e B

(ba).

Observe como na seção B de várias delas - números 1, 2, 5, 13, 16, 28, dentre

outras-, o mi-ré-dó-si transfigura-se repetitivamente, desfragmenta-se, opõe-se e

entra em contraponto consigo mesmo; parece que o B não é estabelecido pelo

aparecimento de uma idéia nova e sim por conter em si esta profusa modificação do

fragmento de tema. Talvez sejam aquelas características das partes B fatores de

organização interna do Álbum14, um dos elos de ligação entre as peças: enquanto

para formar o A cada inciso e membro de frase se organize de uma maneira

diferente a cada peça, em B é mantida, para quase toda a coleção, aquele esquema

de estruturação. O mais importante em B não é a recorrência do desenho melódico,

mas o reaparecimento da idéia que o gerou. A organização da obra não é evidente e

13 O leitor pode obter informações complementares sobre forma nas peças do Álbum para a Juventude em LEMOS (2002, p. 23-25). 14 Diferentes e complementares considerações sobre a organização do Álbum o leitor pode encontrar em LEMOS (2003, p. 47-66)

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visível, sua estruturação formal é interna, íntima, quase imperceptível. Veja na

FIG.10, um dos exemplos do que foi descrito acima:

FIGURA 10 – [5-6] A seção B em Melodia: transfigurações do fragmento de tema

Pode parecer que o proponente ignora as notas iniciais em B e os acentos no ré, fá,

lá, [5, 6 e 7] de Melodia. Estes elementos são muito importantes assim como, e

principalmente, as suas harmonias. Mas o que está em questão é o aparecimento do

fragmento de tema e o emprego daqueles aspectos composicionais neste trecho.

Veja o que pensa uma pianista sobre aqueles acentos: “A meu ver, para criar esse

efeito de crescendo e diminuindo sobre essas notas indicadas, seria necessário

pensar num pequeno atraso de tempo para o ataque da próxima nota, suavizando-a

em seguida” (LEMOS, 2003, p. 40). O autor do presente trabalho reitera esta

informação e acrescenta que o acento é uma tentativa de fazer com que o ouvinte

perceba apenas subjetivamente a entrada, sucessivamente a eles, das notas que

compõem o fragmento. Basta verificar, a partir do segundo tempo de cada um

daqueles compassos, na mão esquerda, o aparecimento destas notas em tempo

fraco, precedidas de um acorde de dominante, uma tensão harmônica, e carregando

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em si, intrinsecamente, a lembrança da natureza tética e a harmonia simples dos

compassos iniciais.

O leitor pode verificar este procedimento repetindo-se em outras peças do Álbum:

basta procurá-lo na seção B de Marcha do Soldado, nº 215, (veja a entrada das notas

do fragmento logo após os crescendo e diminuindo, na FIG. 21 [17-23]); na Siciliana,

nº 11, logo após o acento no fá, [25], e do acento do mi, [29]; em Maio, Querido

Maio, nº 13, anacruses [21 e 22]; em Canção da Colheita, nº 24 [17 e 18],

considerando-se a parte forte de cada tempo; Reminiscências do Teatro, (sic)16, nº

25, anacruse de [17]; Mignon, nº 35, [17 e 18] – veja o leitor a presença das exatas

notas ré, fá e lá, nos tempos fortes destes compassos, aquelas duas primeiras

seguidas das notas do fragmento; Canção do Marinheiro, nº 37, [11 e 12] e Tempo

de Inverno, nº 38, anacruse de [34 e 36], dentre outras. Pode também experimentar

fazer uma transposição para Dó Maior da peça de nº 10, O Alegre Camponês

Retornando do Trabalho, e perceberá o que acontece nos compassos [9 e 10], nas

duas mãos, depois dos acentos de suas nota iniciais.

Em Schumann, um fragmento isolado pode ser elevado à inteligibilidade geral até

mesmo para o próprio intérprete; com uma maior aproximação e um contato mais

prolongado com a composição, pode-se perceber que cada nova aparição de um

mesmo tema é uma canção secreta, uma diferente música interior o acompanha e o

serve continuamente a cada vez. É difícil saber se a idéia serve ao todo, ou o todo

vive em função de uma única idéia. A música parece decompor-se em linguagem,

que por sua vez serve à musica como seu acompanhamento; uma pequena melodia

15 Veja, nas p.p. 46 e 47, o empenho de Schumann, segundo o autor deste presente trabalho, em disfarçar a entrada do fragmento de tema.

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passa a ser linguagem em duplo sentido, o geral e o particular, simultaneamente

(ROSEN, 2000, p. 103).

É claro que não foi ele o primeiro a trabalhar, de diferentes formas, uma pequena

idéia; basta lembrarmos dos temas e variações que surgiram no apogeu do

classicismo musical, ou até mesmo daquelas quatro notas iniciais da Quinta Sinfonia

de Beethoven, seguidas de um rico trabalho de elaboração temática. Talvez tenha

sido ele o pioneiro na técnica de utilizá-la, repetitivamente e em diversas peças de

uma coleção, de forma fragmentada17: nas variações os temas reaparecem

obrigatoriamente e obedecem a uma lógica estrutural externa, totalmente formal e

tonal, estão sujeitos a um todo; aqui a idéia é autônoma e a sua recorrência numa

mesma peça do Álbum e em várias outras da coleção é ocasional, inesperada,

transitória, as suas lógica e sentido musical estão na estrutura interna do fragmento

de tema, que encerra em si mesmo um sentido profundo.

Talvez se esteja às voltas com uma pequena forma cíclica. O autor deste projeto

considera ser o Álbum para a Juventude um embrião para esta concepção de

estrutura - uma vez que a coleção foi composta para os jovens, inicialmente para os

pequeninos, depois para os mais velhos18, com uma clara intenção didática, estaria

Schumann preparando-lhes para que pudessem compreender, mais tarde, um

gênero mais amplo. Embora estas peças não tenham entre si uma ligação

16 Assim mesmo em LEMOS (2003, p. 60). 17 “O prestígio do fragmento justifica a popularidade dos conjuntos de miniaturas musicais do início do século XIX, mas a Chopin e Schumann restou a exploração de todas as possibilidades dessa forma. Os ciclos para piano de Schumann, como o Carnaval e as Davidsbundlertanze, estão baseados na recorrência dos mesmos motivos no decorrer de toda a obra. [....]. Schumann foi claramente influenciado pelos conjuntos de variações do século XVIII, onde uma progressiva complexidade e de textura sempre determina o tratamento do tema [....]. Em Schumann a ordem das peças é uma simples progressão: capricho e imaginação possuem papéis determinantes.” (ROSEN, 2000, p. 133-134).

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necessária como as partes das formas cíclicas a têm, as suas análises e as

considerações levantadas por este trabalho pretendem fazer crer que o

reaparecimento de um fragmento na coleção, de forma tão livre, porém com uma

enorme coerência estrutural, pode fazer com que estas sejam consideradas como

tal. Observe-se também que manipulação deste tipo de forma partida, porém densa

e profunda a cada número, é a que melhor atende à necessidade do compositor19,

uma vez que este não é, basta observar a sua produção musical, adepto a grandes

estruturas. Vejamos o que diz um autor sobre a forma cíclica nas mãos dos

compositores românticos:

“Forma cíclica” é um termo tão ambíguo quanto vago – ele possui um outro significado que o de um conjunto de peças, aparentemente díspares, a serem executadas ou compreendidas como um todo: também significa, tradicionalmente, uma obra de grandes proporções em que o movimento inicial reaparece como parte de um outro mais tardio. [....]. Nesse sentido, a forma cíclica não é propriamente uma forma, mas a perturbação de uma forma estabelecida. Um retorno não será cíclico se requerido pela tradição – em suma, se for esperado; um retorno cíclico tem de ser uma surpresa. Quando uma forma estabelecida requer um retorno, temos então a reexposição de sonata ou uma ária da capo ou um minueto ou trio ou a retomada de um tema no final de um conjunto de variações. Uma forma cíclica, ao contrário, faz com que um movimento anterior seja inserido no âmbito de um posterior. Foi, justamente, esse deslocamento de uma forma aceita que teve um tal apelo para o compositor romântico: permitiu que ele utilizasse uma forma tradicional de um modo mais pessoal

As interrupções cíclicas sofrem uma transformação radical nas mãos dos compositores românticos. [....] são incorporadas à textura sem qualquer costura. Pelo fato de ainda reconhecemos a presença de um movimento anterior, elas ainda nos surpreendem , e o ponto de junção é habitualmente disfarçado. O sentido de retorno cíclico, tanto interna quanto externamente à obra, relaciona-o diretamente ao fragmento. Pelo fato de ser percebido, simultaneamente, como citação de um movimento anterior e como tema derivado de um novo contexto, ele tanto ataca quanto reafirma a integridade da estrutura musical individual,

18 Cf. em LEMOS, 2003, p. 47. 19 Veja, nas pp. 40 e 41, referências ao compositor como miniaturista e poeta.

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apresentando, desse modo, a dupla natureza do fragmento (ROSEN, 2000, p. 141, p. 141-142, p. 143 e p. 145).

2.2 Elementos da linguagem musical

2.2.1 Som e ritmo

As ondas sonoras, ao chegarem ao ouvido e à consciência, resultam em sensações

estéticas e reflexos psicológicos; deve-se pensar como seriam os mecanismos

através dos quais estas sensações e reflexos se manifestam, uma vez que a

completa assimilação da música pura deriva de uma autonomia abstrata: a

mensagem musical se traduz em puras emoções, isto é, em sugestões de

sentimentos suscitados unicamente pelo poder do som.

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O princípio da música é a tensão e o repouso. Muito se fala sobre as tensões

verticais, geradas pela harmonia e as tensões horizontais, pelo contraponto. O autor

deste projeto, sem desconsiderar estes fatores, propõe-se a analisar as páginas do

Álbum para a juventude, tendo em vista as tensões sonoras contidas nas estruturas

rítmicas de suas frases e suas respectivas articulações sintáticas. Destaca-se então,

nesta pesquisa, a maneira pessoal como o autor lida com o material lingüístico que

tem em mãos e os seus aspectos estilísticos, vistos a partir do tratamento rítmico

que imprime em suas composições.

A linguagem musical nas mãos de Schumann é concebida não simplesmente como um meio de comunicação fundamental, mas como um sistema independente, um mundo em si mesmo, separado de um mundo real exterior e do mundo subjetivo da consciência; somente através do universo da linguagem estaríamos aptos a perceber que as realidades objetiva e subjetiva seriam a mesma. [....] a própria linguagem seria uma obra de arte independente do universo que a circunda, o que implica uma realidade externa em si mesma (ROSEN, 2000, p. 114).

Antes de iniciar a observância dos elementos rítmicos nas peças do Álbum, convém

que se acompanhe a breve explanação feita pelo Maestro Sérgio Magnani (1914 –

2003) sobre a origem do ritmo gestual, do ritmo medido, e a sua trajetória até o

romantismo. De uma boa ciência do que são tensões e repousos rítmicos, impulsos

e apoios, dependerá a compreensão do trabalho a partir deste momento20:

Na música há dois possíveis tipos de ritmo. Um deles, livre e variável, provém da entonação retórica da palavra falada e é, por isto, chamado de ritmo oratório. O outro tem origem no gesto, dominado por impulsos fisiológicos, e o chamamos, por isto, de ritmo gestual. As suas raízes estão na dança, instintivamente controlada pelas pulsações do fluxo circulatório: a sua característica reside na repetição do mesmo esquema periódico, com a mesma alternância de thesis e arsis. Thesis são apoios rítmicos, ou percussões; a linguagem musical

20 O leitor que se interesse poderá se informar, em publicações didáticas sobre teoria geral da música, sobre compassos simples e compostos, tempos fortes e fracos dos compassos, síncopes e contratempos. O autor deste trabalho recomenda CÂNDIDO, Antônio. Música: Compreendendo Philologia e História, 1928. 2.v.

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tradicional refere-se a eles com “tempos fortes”. Arsis são preparações que na linhagem tradicional recebem a denominação de “tempos fracos”. Ritmo oratório e ritmo gestual correspondem, portanto, à diferença entre prosa e poesia: a primeira, livre em suas flexões; a segunda, articulada em esquemas medidos e repetidos que suscitam, na palavra, profundas vibrações musicais. Quando a polifonia surge encontra já elaborado um repertório de fórmulas rítmicas de origem gestual que o contraponto pode aproveitar em suas estruturas. Todavia, embora o ritmo seja submetido a um princípio unificador, cada voz da polifonia mantém a sua própria independência, de tal maneira que não há entre elas coincidência de tempos fortes e fracos. As barras de compasso, que hoje empregamos na edição das músicas antigas – e que , àquela época, ainda não eram conhecidas - , não passam de um artifício, convencionado para nos facilitar a leitura. O ritmo, embora elemento fundamental na composição, representa, até o romantismo, um papel acessório com relação à melodia e às estruturas contrapontístico-harmônicas. Estas últimas parecem concentrar em si todos os valores da comunicação e todas as suas implicações emotivas, deixando ao ritmo a mera função de portador, ou de veículo, relativamente indiferente quanto ao conteúdo expressivo. (MAGNANI, 1989, p. 97-99)

2.2.2 Estruturação rítmica e transfiguração

“Não há manifestação artística onde a relação entre o objeto a exprimir e o

meio de expressão seja mais simples que o ritmo, visto que o movimento se

realiza, através deste, de um modo mais compreensível”.

Gevaert21 (citado por CÂNDIDO, 1928).

Sílabas são encadeadas de modo a traduzirem uma idéia representada pela palavra;

e para se pronunciar essa palavra, é indispensável dar-lhe a acentuação indicada

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pela prosódia da linguagem, para assim exprimir a idéia determinada. A menor

alteração na acentuação ou dá uma nova significação à palavra, por ex: Pará (rio),

para (verbo), lapide ou lápide -, ou a transforma num contra-senso. Porém “....a

música é a extrema catarse da palavra, o seu último horizonte. Existem coisas que

só podem ser ditas em música, pois esta emerge da substância imaterial do ar que

penetra todos os espaços” (MAGNANI, 1989, p. 70). Os fragmentos de tema os

quais dispõe-se a analisar são “palavras musicais” (uma simples analogia, convém

deixar claro), e são, naturalmente, alheios a um sentido determinado porque

pertencem a uma linguagem subjetiva; mesmo assim necessitam de uma boa

compreensão sobre a acentuação e a expressividade que lhes é dada pela sua

estruturação rítmica.

Serão feitas também referências quanto à interferência daqueles elementos rítmicos

e estruturais nos aspectos expressivos e agógicos das frases. Estes podem ser,

naturalmente, determinados por outros fatores como tensões harmônicas, notas de

passagem e apogiaturas, dissonâncias e consonâncias, intervalos, modos,

densidade, cadências e vários outros elementos, os quais não serão

especificamente tratados neste trabalho.

Ao se tratar das questões estruturais dos fragmentos de tema será interessante

observá-las através dos Tipos Rítmicos: o tético, o anacrústico e o acéfalo,

determinados pelo começo das idéias melódicas, e o masculino e o feminino, pelo

seu final. A acentuação destes tipos rítmicos será estabelecida pela contemplação

dos antecedentes e conseqüentes que compõem cada par de seus enunciados

21 GEVAERT,…“Hist.” (sic). apud CÂNDIDO, 1928, p.153

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rítmicos: deve-se sempre levar em conta os seus acentos causados pelos “Arsis e

Thesis”, além de observar o posicionamento destes enunciados dentro dos

compassos. A observação dos elementos micro estruturais e seu relacionamento

com os tempos fortes e fracos dos compassos poderá determinar o crédito que se

dará ao compasso escrito. Um pequeno glossário de vocábulos e termos técnicos

musicais encontra-se junto aos elementos pós-textuais. Uma consulta àquele

documento poderá auxiliar na compreensão deste texto.

Confronte a analogia feita anteriormente, das “palavras musicais” com os fragmentos

de temas, e as idéias apresentadas a seguir; a FIG. 11 exemplifica aqueles tipos

rítmicos citados:

FIGURA 11 – Tipos rítmicos em Da Pacem, Domine, de Melchior Franck (1580 - 1639) a) Tético de terminação feminina; b) Acéfalo de terminação feminina; c) Anacrústico de terminação feminina.

É curioso observar, no exemplo acima, como o compositor procura potencializar a

oposição de idéias através da utilização de diferentes tipos rítmicos a cada frase: a

primeira é tética, muito elegante, uma curva ascendente suave dirige-se para o alto,

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- “A paz do Senhor,” (FIG. 11a); em seguida uma pausa no tempo forte, uma grande

respiração, falta algo que é vital (o chão, o ar); a nota mais aguda em ritmo acéfalo,

ao iniciar uma frase de curvas melódicas sinuosas, faz uma súplica, - “A paz do

Senhor,” (FIG. 11b). Finalmente, em anacruse e expressivamente, numa linha

melódica de curva descendente, um agradecimento pelo que é dado de cima, -

“Esteja entre nós” (FIG. 11c).

2.2.3 Schumann e as miniaturas

O educador musical e compositor H. J. Koellreutter22 (1915-2005) (informação

verbal) aponta Schumann como um “miniaturista”. Talvez tenha sido Schumann o

primeiro compositor a transformar um inciso tão simples melódica e ritmicamente

em algo tão musicalmente complexo. É notável a sua habilidade em descobrir algo

de interesse genuinamente musical num simples fragmento. Este compositor é

sempre referido como “O poeta dentre os românticos”. É interessante saber o que

ele pensava sobre isso:

22 Registro do depoimento da Professora Maria Inêz Lucas Machado, quem esteve presente às aulas ministradas pelo educador musical e compositor para a disciplina Evolução da Linguagem Musical, do Curso de Especialização da Escola de Música da UFMG, em 1986.

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...”o que eu sou atualmente não o sei. Fantasia tenho-a eu, creio.

Não sou um pensador profundo; é-me impossível prosseguir

logicamente o fio duma idéia que tenho talvez muito nítida no seu

ponto de partida. Se sou um poeta.... porque não se faz depois.... a

posteridade o decidirá....” (sic).

Robert Schumann ( apud GONÇALVES,1942)

Realmente, dentre todos os compositores musicais, dificilmente se encontra uma

individualidade mais poética do que Robert Schumann. O músico-poeta, visto que

pela sua estrutura intelectual não escreveu nem podia “escrever música” para as

grandes platéias, tinha o dom excepcional de condensar em suas curtas estruturas e

obras a essência da alma humana.

É justamente na condensação de suas peças que se percebe a personalidade

inconfundível do compositor e a originalidade da sua arte. Basta observar quão

subjetivo pode ser um pequenino tema seu, de 4 ou 5 notas e quantos, talvez

infinitos significados, ele pode carregar em si. Schumann, durante a elaboração de

suas peças, parece querer criar efeitos poéticos e literários através de meios

totalmente musicais.

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3 SUGESTÕES PARA PERFORMANCE23

Das quarenta e duas peças contidas no Álbum, o fragmento de tema aparece em 27,

isto considerando as alturas originais de suas notas. Algumas vezes este é

apresentado de forma objetiva (as suas notas figuram na voz principal, na voz que

canta, na mesma seqüência como constam no primeiro compasso de Melodia),

outras de forma subjetiva (as notas do fragmento aparecem naquela mesma

seqüência como em Melodia, porém em vozes secundárias); em ordem direta, em

ordem inversa e às vezes em ordem aleatória.

23 Boas considerações sobre pedalização, dedilhados, andamentos, edições e gravações das peças do Álbum, o leitor pode encontrar em LEMOS (2003, p. 43-46, 67-84).

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Para as sugestões de performance foram escolhidas as peças as quais se considera

conterem os exemplos mais importantes e representativos da transfiguração deste

fragmento ou onde a sua percepção interfira diretamente na concepção da obra. O

autor deste projeto considera que, embora não haja a necessidade de se tocar estas

peças na ordem numérica em que figuram nas partituras24, convém que se aprenda

ao menos as cinco primeiras, para que sejam absorvidos os elementos

composicionais apontados neste trabalho – isto poderá interferir na compreensão

das demais. Espera-se com esta demonstração que seja despertado no leitor o

interesse em procurar outras diferentes possibilidades de interpretação, tanto dentro

das peças apresentadas quanto em outras do Álbum.

3.1 Nº 1 - Melodia

O fragmento de tema aparece, no primeiro compasso de Melodia, Nº 1 e na voz de

soprano, num ritmo tético de terminação feminina; note-se que a métrica em pares

de notas thesis – arsis – 1/2 thesis – arsis, privilegia o ritmo antecedente que está

em thesis, ficando o conseqüente em arsis; isto confere à melodia, como podemos

observar na grande maioria dos temas de peças clássicas (veja uma enormidade de

exemplos nos temas de Mozart), um caráter simples, elegante e de muita fluência.

Veja exemplo na (FIG. 12):

24 É interessante notar que nas edições Breitkopf e Kalmus elas figuram na mesma ordem como na Wiener Urtext Edition, porém sem numeração.

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FIGURA 12 – [1-2] de Melodia

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O fragmento aparece agora, [3-4], mão esquerda, num tipo ritmico anacrústico e com

terminação masculina (talvez, pela cadência harmônica de dominante em

apogeatura, V com 4ª e 6ª, II-V7 , nos 1º e 2º tempos do [4], e tônica, I-V, no 3º

tempo deste mesmo compasso, possa-se pensar o terceiro tempo como tempo forte,

daí a temminação masculina), o que lhe confere, na opinião do autor deste trabalho,

um caráter inicialmente um pouco enérgico, porém com uma finalização simples,

firme e austera. Note-se que a métrica em pares de notas arsis – thesis – arsis -

thesis, privilegia o ritmo antecedente que está em arsis, ficando o conseqüente em

thesis; isto, além de conferir à melodia maior expressividade, desloca totalmente o

acento métrico desta fazendo com seja reconhecido apenas subjetiva e

superficialmente o tema inicial. Esta micro-estrutura tão rica ritmicamente, ao

atravessar a peça numa textura quase polifônica e em meio a harmonias tão

simples, parece querer conferir uma densidade e jogar uma luz continuamente

mutante neste número. É muito interessante repetir este primeiro sistema tal qual

Schumann escreveu pois isto, além de conferir melhor proporção à peça, faz com

que a acentuação do fragmento de tema mude logo em seguida, após esta

apresentação.

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Ao se conceber as notas melódicas em grau conjunto, isto é, a primeira colcheia de

cada tempo nos trechos onde existem as notas pedais [3-4] da mão esquerda, por

exemplo, deve-se prolongar quase que imperceptivelmente cada nota tética, para

que ela atue polifonicamente, sem que haja interrupção da fluência. Veja no exemplo

mostrado pela FIG. 13.

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Outra sugestão de interpretação a ser considerada, bastante conhecida para a

música de Schumann, e não a preferida pelo autor desta pesquisa para esta peça,

seria manter o acento métrico tético para as 4 notas; isto provocaria outro tipo de

deslocamento métrico, uma alternância de compassos. Esta mudança excessiva de

compassos pode comprometer o fluxo natural de uma melodia tão simples e também

não é aconselhável pensar o fragmento de tema sempre tético, direto, objetivo,

melhor seria senti-lo mesmo transfigurado.

A imitação de Schumann é inconfundivelmente servil, deveríamos supor que ele queria que percebêssemos um simples modelo e apreciássemos a sua nova manipulação (ROSEN, 2000, p. 871).

FIGURA 13 – [3-4] de Melodia, na mão esquerda

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Note-se, a seguir, o nosso pequeno fragmento de tema novamente com antecedente

ársico, expressivo, só que agora em ritmo acéfalo, o que lhe confere, como em

grande parte das peças do barroco, em Bach principalmente (veja as invenções a

duas e três vozes em Lá menor), um caráter mais exuberante. Também é aqui que

aparece, pela primeira vez, no canto, a nota lá 4, a mais aguda até agora; talvez

seja este o ponto culminante desta peça25. No próximo compasso o nosso tema,

antes “disfarçado”, volta a ser apresentado como no início da peça. Observe a FIG

14:

25 Veja outras considerações sobre este aparecimento do fragmento de tema na seção B no subtítulo Forma ou Estrutura, às pp. 30, 31 e 32 desta publicação.

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FIGURA 14 – [7-8] de Melodia, mão esquerda

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3.2 Peça nº 2 – Marcha do Soldado

Em Marcha do Soldado o fragmento de tema aparece num ritmo constante, onde

cada tempo é anunciado com um antecedente em colcheia e o conseqüente em

pausa de colcheia. Ao se questionar por qual razão o compositor decidiu escrever

desta maneira o ritmo daquelas notas ao invés de utilizar semínimas em staccato, o

que seria, teoricamente e à primeira vista, a mesma coisa, muito sobre a

interpretação pode ser intuído e revelado: observe que o fato de se pensar em duas

semínimas – ao invés de colcheia e pausa – faz com que se mentalize o par de

enunciados como tesis e arsis, o que já conferiria à peça um caráter de fluência; e é

isto exatamente o que o compositor parece querer evitar: ao que parece, Schumann,

ao fazer com que o intérprete sinta tesis e arsis em cada tempo – tesis então para

todas as notas – faz com que a execução de cada uma seja firme, segura, e a peça

ganhe, por inteiro, um caráter mais enérgico26.

A FIG.15 demonstra um extrato onde aparece o fragmento:

Figura 15 – [2-3] Marcha do Soldado

26 Experimente o leitor pronunciar uma mesma palavra repetitivamente e com uma entonação mais forte, escandindo-as, deixando passar um ar entre as suas sílabas e dando ênfase a cada uma delas: perceberá nitidamente que uma coisa é dizer Brasil, Brasil; outra é entoar Braaaa-siiiil, Braaaa-siiiil; muito mais enfático e expressivo, porém, é gritar pausadamente: BRÁ – SIL – BRÁ – SIL - ....

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A ambigüidade porém já está instalada. O executante que acabou de tocar a

primeira peça, ou que já tem em mente o caráter lírico do fragmento inicial de

Melodia, terá que conviver agora com caracteres opostos, o lírico-sublime, mais

ligado à execução vocal, e o vigoroso-marcial, mais ligado à execução instrumental;

ou quem sabe já se pode estar diante dos conhecidos Euzébius e Florestan27?

Para a melhor compreensão do que vai ser mostrado adiante, faz-se necessário

pensar num compasso real 4/2 para cada inciso – uma tentativa talvez de substituir

mentalmente a ligadura que demarca os incisos da primeira peça (cada compasso

torna-se então 1 tempo e teríamos um inciso de dois compassos), naturalmente

(observe novamente a presença da ambigüidade) sem deixar de sentir o 2/4 escrito

e de considerar, durante a execução de quase toda a peça, o gesto vibrante e

enérgico de subir e descer o antebraço com o pulso e os dedos bem armados. O

primeiro desenho começa em f, si-dó-ré, [1], primeiro tempo do 4/2. O fragmento

inicia-se num tipo rítmico acéfalo isto é, no segundo tempo do compasso real, [2] do

escrito; o sentido descendente deste parece querer quebrar a energia gerada28,

como se ele tivesse o poder autônomo de fazer isto, mesmo contra a vontade do

compositor. Isto pode ser confirmado quando você observa a escrita do f novamente

feita pelo próprio Schumann nos compassos [5], [9] e [13]; é como se ele imprimisse

no executante um solavanco, – “cuidado, atenção, é forte!”.

Observe-se o jogo de acentuações métricas e dinâmicas, agógicas talvez, que o

autor da peça parece querer sugerir na sua segunda seção: a entrada do fragmento

27 Podemos facilmente encontrar na produção musical de Robert Schumann as características dos heterônomos que o compositor personalizava e incorpora através de elementos da linguagem musical: Florestan, o Guerreiro, Euzébius, o sonhador e Master Raro, o conciliador. Este último, o leitor pode experimentar senti-lo, na opinião do autor deste trabalho, através da audição dos primeiros compassos da peça de nº 17, O Pequeno Andarilho da Aurora.

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no terceiro tempo do 4/2 [19] – tempo meio-forte – já o enfraquece, modifica,

transfigura aquela sua característica viril muito bem explorada pelo tipo rítmico

acéfalo já demonstrado na primeira parte da peça; para confirmar isto Schumann

não grafa o f no compasso [21]. Parece que estes fatos apontados anteriormente,

somados ao sentido descendente do fragmento [19], mais a ambigüidade do tipo

rítmico de sua entrada, levam o intérprete a perder a noção da barra de compasso.

Um fragmento inicia-se no 2º tempo do compasso [22]; este tem uma característica

totalmente expressiva devido a todos os fatores apresentados anteriormente,

somados ao salto de 7ª menor que atravessa o seu interior; de repente um

compasso ternário imaginário ¾, 1º e 2º do compasso [23] e primeiro tempo do [24]

– seria bom pensar assim, o intérprete poderia intuir para este compasso um

diminuindo (ou um crescendo, tanto faz, depende como ele sentiria o dó inicial, mais

sonoro ou mais leve – ou quem sabe, se ele fizesse a repetição, poderia fazer de

duas maneiras diferentes). A entrada do f sobre o acorde sol-ré-sol-si, 2º tempo do

compasso real [24] (observe ser este idêntico ao acorde inicial), faz com que se sinta

que o 4/2 se inicia aí e um outro f grafado logo em seguida faz com que estejamos

novamente sob a sensação de ambigüidade: seria o nosso fragmento no compasso

seguinte anacrúsico, tético ou acéfalo? Note-se que senti-lo anacrúsico29 vai

contribuir para que haja sempre um crescendo a cada par de notas que o compõe e

conseqüentemente, ajudar para que não se sinta o diminuindo na descendência do

fragmento. De repente o desenho elegante do início da segunda seção [29] marca a

volta do 4/2 – novamente o compositor não grafa o f e talvez, então, fosse melhor

um toque mp. A sensação de compasso quaternário é muito curta pois é

28 Algo semelhante acontece em In Memorian, veja o leitor à p. 57, FIG.23.

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interrompida bruscamente pelo f do 2º tempo do compasso [31]; talvez estejamos de

novo às voltas com um ¾30. Também por pouco tempo se fizermos o retorno.

Talvez seja presunção por parte do pesquisador, mas este se arrisca a grafar uma

sugestão de performance para esta composição, baseada nos elementos apontados

anteriormente. Veja FIG.16:

FIGURA 16 – Sugestões grafadas para interpretação de Marcha do Soldado

29 A valorização do antecedente como impulso, isto é, senti-lo em arsis, faz com que ele naturalmente ganhe um caráter mais expressivo. 30 É muito interessante considerar que um compasso de caráter circular, de dança, passa no meio desta peça tão marcada, uma marcha. Note-se também que Schumann grafa por duas vezes a entrada destes dois fortes seguidos - todas elas, se considerarmos os compassos escritos 2/4, do 2º ao 1º tempo -, porém as harmonias que as integram faz com que assumam características expressivas totalmente adversas.

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Seria de extrema necessidade, para uma boa fruição e recepção da peça, a

repetição da segunda seção. Os fragmentos em questão já foram sentidos com os

três tipos rítmicos, transfigurados por isto de 3 maneiras diferentes; a ânsia e a

insegurança gerada pela alternância de compassos trazem uma sensação

totalmente ambígua em relação ao caráter firme, marcado e objetivo da peça; na

segunda, tanto o intérprete quanto o receptor estão imbuídos desta ambigüidade, o

que faz com que percebam agora, os elementos apresentados, de maneira

totalmente diferente de como os teria sentido na primeira vez.

3.3 Peça nº 4 - Um Coral (FIG.17)

“Schumann, muito mais que Chopin, tinha devoção pelo efeito de uma nota, de uma frase ou mesmo de uma seção que aparecem, à primeira vista, vir de”de fora” da forma” (ROSEN, 2000, p. 153).

FIGURA 17 – [22-23] Um Coral

Pouco se tem a dizer sobre o fragmento em Um Coral, porém muito significativo.

Quem sabe a sua percepção possa sugerir ao intérprete uma lembrança do caráter

doce de Melodia e este, de posse desta concepção, possa realizar um interessante

jogo de dinâmica e agógica: ao invés de fazer, no primeiro membro de frase da

segunda seção [17-24], um tão previsível crescendo em direção ao ponto culminante

gerado pela subdominante [22], talvez possa fazer-se senti-lo necessário através de

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um discreto estreitamento do tempo e um pequeno crescendo [20-21], para com isso

interrompê-lo num súbito e inesperado p, na entrada das já conhecidas quatro notas.

Sobre este mesmo trecho, experimente o leitor deixar levar-se pelo incrível jogo de

ambigüidades: tente pensar um 4/1 a partir do compasso [16], um compasso então

até a fermata, e perceberá que aquele fragmento apontado acima inicia-se, após

esta fermata e no segundo inciso, com tipo rítmico acéfalo, no segundo tempo do

compasso real (1º tempo do compasso escrito [22]), o que parece que forçaria a sua

entrada mais sonora e expressiva (este crescendo pode ser intuído também pela

entrada da subdominante na parte forte do tempo, é claro). Agora se pergunte por

quê é possível sentir o mi com a dinâmica piano e com um pequeno atraso para a

sua entrada. Não o seria pela idéia de se querer, inconscientemente, ocultar31 a

entrada do fragmento? Ou o seria novamente pela lembrança do seu caráter tético,

como na peça inicial? É interessante pensar também porquê Schumann teria

escolhido, ao fazer uma clara referência aos corais de Bach32, justamente aquele

que contém em sua seção B estas exatas notas do fragmento de tema, já tão

íntimas do intérprete33?

3.4 Peça de nº 14 – Pequeno Estudo

“Não há efeito mais schumanniano do que uma única nota destacando-se de uma nuvem sonora”. (ROSEN. 2000, p. 869).

Como se não bastasse o uso do compasso composto que por si só já confere a esta

peça os caracteres de dança e fluência, Schumann parece querer exacerbá-los

31 Veja ampla consideração sobre o assunto no subtítulo Forma ou Estrutura, às pp. 30-32 deste trabalho. 32 Cf. LEMOS, 2003, p. 14 e p. 29 sic. 33 Veja, no segundo parágrafo deste capítulo, à p. 42, considerações sobre a necessidade de se conhecer, anteriormente à performance desta, as peças iniciais do Álbum.

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quando emprega nas quatro notinhas que se destacam na voz superior dos quatro

compassos iniciais, si-dó-mi-ré, um movimento de rodopio, um círculo – isto fica

muito claro se comparamos-nas com aquelas notas da célula inicial da primeira peça

e constatamos o movimento de uma reta empregado na mesma. Veja a (FIG18):

Figura 18 [1-2-3-4] Pequeno Estudo

É interessante observar como o compositor faz aqui o uso do fragmento de uma

forma subjetiva: primeiro as notas que o integram emergem em meio a várias outras;

em segundo lugar, elas aparecem nos tempos fracos dos compassos, no

contratempo por assim dizer, o que já gera um deslocamento do acento e da barra

de compasso e produz o efeito de ambigüidade em relação ao baixo e ao ritmo

harmônico; depois parece que o fragmento de tema está isolado, ele não se liga

melodicamente ao desenho posterior, [5-8], o que gera uma sensação de

descontinuidade, de se estar rolando sobre algo sem ter onde se segurar, de se

estar perdido, de não se saber para onde se vai.

Muito interessante, simples, mas imensamente original é o jogo de contraponto

empregado nesta peça: embora exista uma métrica regular sugerida de 4 em 4

compassos, vista pela indicação de crescendo e diminuindo [5 e 8], pela perfeita

proporção matemática de múltiplos e submúltiplos em relação ao número de

compassos empregados nos elementos fraseológicos {veja que são 32 compassos

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até a barra dupla final; 16 (8 + 8) à barra dupla central, etc.} e pelas cadências

harmônicas, outras células transfiguradas (estas por estarem transpostas não são

objeto do meu trabalho e não serão, portanto, demonstradas – quem sabe o leitor

queira se aventurar em descobrir, basta procurar por grupos de 2, 3 e 4 notas em

graus conjuntos, separados por um salto de 4ª ou outros quaisquer intervalos)

atravessam polifônica e contrapontisticamente a composição, numa métrica

totalmente contrária àquelas relações simétricas apontadas anteriormente, sem,

naturalmente e muito pelo contrário, ofuscá-las.

Seria extremamente importante que o professor apontasse para seus alunos a

ambigüidade gerada pela entrada irregular e inesperada dos fragmentos, contra o

pulsar previsível da métrica par, proporcional, quadrada, gerada pelas estruturas

harmônica e fraseológica. Deve-se encorajá-los a lidar com aquela, de outra maneira

a boa execução desta peça poderia ficar comprometida: além de ser muito difícil

assimilar todos estes elementos, o iniciante tende a evitar pensamentos opostos e

aparentemente rivais.

Quando se pergunta aos alunos e aos pianistas onde eles consideram ser o ponto

culminante desta composição, todos, invariavelmente, apontam os compassos [41] e

[43]. É curioso relevarmos as suas respostas quando novamente se pergunta a eles

quais as notas chamam mais a sua atenção: no soprano, mi-ré, e no baixo, dó-si.

Veja na FIG. 19 a demonstração:

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FIGURA 19 – [41 e 43] Pequeno Estudo

3.5 Peça de nº 23 – O Cavaleiro

Considerando-se um compasso real 2/2, constata-se, nos compassos [38, 39 e 40] e

conforme é demonstrado pela FIG. 21, um fragmento acéfalo de terminação

masculina. Note-se que este figura com o mesmo tipo rítmico do fragmento de tema

já demonstrado nos compassos [7-8] de Melodia, na mão esquerda, o que faz com

que o intérprete, uma vez que já tenha tocado aquela peça, esteja imbuído daquelas

características exuberante e expressiva. Note-se que estas características, aliadas

ao elemento tético nas partes de tempo na voz superior (colcheia-pausa-pausa), um

ar passando entre as notas, (veja o leitor, uma lembrança também da peça de nº 2,

Marcha do Soldado), mais a dinâmica em pp, confere a este trecho, aos olhos do

pesquisador, uma força interior como se algo estivesse sendo comprimido, abafado,

compactado, para, nas oitavas que se seguem, [40-41], se expandir, se soltar. O que

isto tem a ver com o título da canção, o intérprete pode aventurar-se em descobrir.

Ainda sobre este trecho, parece que o desfile do fragmento sobre o pedal da tônica

sugere, na opinião do autor desta pesquisa, a passagem de algo conhecido diante

de alguém parado, estático. Há um “embaçamento“ da textura gerado pela nota do

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baixo em choque, em grau conjunto e em ritmo fraco, com as notas do fragmento

[38, 39 e 40]; logo em seguida, o clareamento daquela pelas oitavas téticas e em

ritmo desacelerado – antes eram três colcheias, agora há apenas uma semínima

pontuada a cada tempo [40-41]. É evidente para o pesquisador a sensação de

ambigüidade gerada pela tensão escura do primeiro exemplo, contra a de claridade,

gerada pelo segundo. Veja na FIG. 20, as notas e os ritmos geradores destas idéias:

FIGURA 20 - [38-44] O Cavaleiro

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3.6 Peça de nº 28 – In Memoriam

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Este tema anacrústico em ritmo de colcheias e com acompanhamento mais

movimentado em semicolcheias, parece gerar um compasso real 4/8; estas

características por si só já colaboram para que o tema soe menos fluente e

extremamente expressivo, bem diferente daquele fragmento inicial da peça nº 1.

Veja a FIG. 21:

FIGURA 21 – [1-2] In Memorian Antes de demonstrar o próximo exemplo, vejamos o que pensa um autor sobre o

acompanhamento em Schumann:

Embora o acompanhamento tenha precedência da melodia, parece não se fundir necessariamente com ela. O canto , ou a mão direita do piano, não precisa dominar, a melodia e o acompanhamento

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parecem reivindicar um sentido independente para as suas existências e podem ceder espaço e servir uma ao outro. Essa é a força do constante jogo de ambigüidades de Schumann, em que a predominância é deslocada continuamente entre a melodia e o acompanhamento. Uma tentativa, talvez, de expressar obliquamente algo muito subjetivo, que não pode ser colocado, mais claramente, de forma direta. (ROSEN, 2000, p.112).

É extremamente interessante o que acontece a seguir: no compasso anterior, o ré -

ré # em suspensão rítmica e harmônica chama a atenção para o mi 2 da m.e., e eis

que entra com o nosso conhecido fragmento numa síncope acéfala de terminação

feminina e com aumentação rítmica. Este tipo de síncope, que carrega uma energia

intensa pela valorização do antecedente em contratempo e compasso acéfalo, mais

o seu final dissolvendo a energia gerada em terminação feminina, em conjunto com

a aumentação do ritmo que gera um alargamento do tempo antes mais acelerado,

faz com que haja um efeito de flutuação e com que o canto soe como que se

derramando ou aconchegando-se num leito largo e tranqüilo, o que justificaria uma

dinâmica em “sotto-voce” para o soprano neste trecho. Veja a demonstração na

(FIG.22):

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FIGURA 22 – [6-7] Aumentação rítmica do fragmento de tema em In Memorian

O fragmento de tema aparece, no exemplo indicado a seguir, por 3 vezes seguidas

repleto de riqueza rítmica: primeiro em contratempo e em métrica totalmente

desproporcional; em seguida num padrão rítmico já ouvido anteriormente dado à

sua articulação já escrita e, imediatamente após, na repetição de casa 1 indicada

pelo autor, anacrústico. Note-se que as duas fermatas indicadas no compasso 20,

parecem provocar uma sensação de atemporariedade, podendo o intérprete sentir o

ritmo posterior com livre acentuação, uma vez que a métrica foi quebrada, isto é, a

pausa da m.e. pode ser considerada com antecedente em arsis e o mi conseqüente

em thesis ou vice-versa. O fragmento que se segue pode ser tocado clássica,

elegante e simplesmente, dado à articulação tética assinalada no seu interior que

contraria a sua natureza anacrústica, para finalmente retornar-se ao inesperado

expressivo. Outra característica interessante deste trecho é o percurso dentro das

vozes e o grande arco desenhado pelo fragmento transfigurado. Note-se também,

no começo da segunda seção a maneira obstinada como o fragmento aparece,

sempre em anacruse, mesmo com articulações e ritmos variados. Siga o desenho

melódico apontado pelas setas na (FIG.23):

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FIGURA 23 – [20-21-22-11] Sucessivas transfigurações em In Memorian

3.7 Peça de nº 35 – Mignon:

Esta peça é a que sintetiza tudo o que é tratado neste trabalho. O intérprete tem a

sensação de estar flutuando em meio a ambigüidades e transfigurações do

fragmento de tema. Tomemos como exemplo apenas a primeira seção (FIG. 24):

FIGURA 24 – [1-12] Mignon

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Veja como Schumann, ao acentuar o si b no 4º tempo do primeiro compasso, parece

querer tirar a atenção do intérprete em relação ao fragmento que se desenrola a

partir da primeira nota do baixo aos próximos três compassos; deve-se ter cuidado

em não menosprezá-lo, pois é incrível o efeito que se pode alcançar pela percepção

e a valorização de sua dupla acentuação: tética, fluente e suave, no baixo, e

sincopada, segura e expressiva, no tenor. Imbuído da ambigüidade gerada pelo

andamento escrito lento e teneramente34 contra a necessidade de querer andar à

frente pela percepção do fragmento na mão esquerda35; pelo fp no terceiro tempo

contra o apoio do compasso e do ritmo harmônico; o intérprete nem bem termina de

realizar o diminuindo já sugerido pelo sentido descendente do baixo [1-4], já é

tomado pela quarta justa ascendente do tenor, sib-mib [3], mão esquerda, um rápido

crescendo que culmina numa nova descendência do fragmento e um

conseqüentemente diminuindo [3-5].

Não fosse pela estrutura harmônica de toda a frase [1-12], que pressupõe uma

métrica de 4 em 4 compassos (três membros então, [1-4], [5-8] e [10-12]), o

executante não saberia onde se situar dentro da estrutura (e Schumann sabe fazer

isto ser tão bom!); só lhe restaria então se deixar levar pelas diversas entradas dos

fragmentos – nas alturas originais e transpostas – e suas parcerias, até que o fim de

uma tensão harmônica, uma cadência talvez, lhe desse a sensação de poder pôr os

pés no chão.

A polifonia instrumental de Schumann, bem fora do tradicional racionalismo do contraponto, que é de natureza vocal, é essencialmente pianística e colorística. A linhas, dentro da textura polifônica, emanam como que de uma voz separada, independente,

34 Cf. Kalmus Classic Editions, [entre 1980 e 2000], p. 40. 35 O leitor pode ver as observações sobre o assunto contidas no subtítulo 2.1.1.7 deste artigo denominado A escolha da expressão fragmento de tema, à p. 24.

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e não se coadunam para formar um motivo ou um tema (ROSEN, 2000, p. 881).

Há um crescente ânsia gerada por estas diferentes nuanças, do [1] ao [5], que vai se

dissipando a partir da transposição do fragmento uma 3ª abaixo dó-sib-láb-sol [6-7]

até o acorde de dominante do tom relativo – sol maior, [8]. Nos próximos compassos

acontece, na opinião do autor deste trabalho, o que há de mais genial em todo o

Álbum: depois de toda aquela tensão, com o acorde da tonalidade relativa – dó

menor, [9], e com a dinâmica “p” (também na opinião deste autor), a mão esquerda

entra tética, sozinha; de repente, em meio a um arpejo ascendente, ouve-se entrar

quem, o soprano. Ele, quem até agora não havia cantado o tema principal, traz o

fragmento numa roupagem rítmica totalmente inusitada, uma síncope de terminação

masculina36, elegante, doce e austera, para, sobre uma cadência perfeita, encerrar

magnificamente a frase.

36 Considera-se terminação masculina pelo fato do ictus final do fragmento repousar no terceiro tempo, o tempo meio-forte, também apoiado.

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4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante da impossibilidade de se representar todos os elementos musicais através da

escrita musical convencional, supõe-se que seriam exatamente aquelas semínimas

consideradas pelo autor desta pesquisa37, em meio às colcheias escritas pelo

compositor para a mão esquerda da primeira peça, Melodia, os caracteres que o

autor quis ocultar graficamente para que o intérprete se ocupasse em captá-los e

valorizá-los; o professor deve estar atento a estas abordagens pois já estão

presentes o tratamento subjetivo e a assinatura do autor, com os quais o aluno

deverá lidar desde as suas primeiras lições.

É necessário que o professor conheça muito bem cada peça e as suas

potencialidades estruturais e estilísticas, pois isto lhe dará mais legitimidade e

37 Veja análise fraseológica à p. 18.

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propriedade para fazer proposições e sugestões de interpretação. Desta maneira ele

poderá ser o guia, um anfitrião quando, juntamente com seu aluno, fizerem um

percurso pelas peças do Álbum.

Tornou-se clara a contundente intenção do compositor de querer provocar no

receptor, através das aparições multifacetadas das notas mi-ré-dó-si, a sensação de

“miragem” auditiva e a emoção da ambigüidade. Parece que Schumann, ao se

posicionar diante do seu ouvinte com esta coleção de miniaturas do Álbum para a

Juventude, é verdadeiramente um poeta, a valer-se de palavras e frases musicais já

proferidas, porém cada uma delas com uma entonação ou um gesto diferente;

totalmente ciente dos recursos dos quais lança mão, ocupa-se apenas em trabalhar

a emoção contida no seu ouvinte. Não é necessário fazer-se entender pela

coerência da idéia, apenas fazer deixar-se levar pela sensação provocada. Ao ouvir,

ler e tocar continuadamente estas peças do Álbum, não necessariamente na ordem

em que foram compostas, a percepção subjetiva da recorrência das notas iniciais faz

com que se instale na mente um gozo, um prazer estético e psicológico relacionado

a lembranças que despontam inconscientemente, não se sabe de onde vêm nem

para onde se dirigem.

Vários fatores são responsáveis pela coesão interna do Álbum e contribuem para

que este seja concebido como uma obra única: o primeiro é a recorrência, em várias

peças, do fragmento de tema em parceria com grupos de duas, três e quatro notas,

onde um salto, usualmente de quarta, faz-se sempre presente; a transfiguração

interna destes fragmentos parece organizar a estrutura de uma única peça (veja

como, por exemplo, em Melodia, o mesmo grupo de notas mi-ré-dó-si, em

semínimas, aparece com diferentes estruturas rítmicas e diferentes acentuações

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nesta mesma composição), ao passo que a sua transfiguração externa (o mi-ré-dó-si

aparece com diferentes estruturas rítmicas ou melódicas a cada nova peça) parece

unir e aproximar as várias peças da coleção. Até mesmo a sua ausência em

algumas peças é mais um elemento de aproximação: de um elemento que se afasta,

espera-se que ele retorne.

Foi detectada também, nas partes centrais de várias peças, a utilização de um

artifício composicional que parece ser o principal elemento catalisador de toda a

estrutura: o inciso inicial de cada número, de maneira quase imperceptível,

transfigura-se sucessivamente, desfragmenta-se, opõe-se estruturalmente e entra

em contraponto consigo mesmo; o elo de ligação entre as peças não é apenas o

reaparecimento daquelas notas iniciais de melodia, mas o estabelecimento de uma

idéia, de uma estratégia: empregam-se os elementos estruturais da composição de

forma profusa e o mais subjetivamente possível, com o intuito de gerar aquele

caráter impalpável e ambíguo das partes intermediárias.

A transfiguração estrutural de um fragmento de tema no Álbum para a Juventude é

um traço inconfundível da genialidade do compositor. Existem, nesta obra, uma

economia de material e uma simplicidade na estrutura, elementos através dos quais

Schumann parece propor a si mesmo o desafio em obter a máxima profundidade

sobre um mesmo pensamento. O professor e o seu aluno deliciam-se quando, numa

busca sedenta por elementos musicais a serem trabalhados e trazendo consigo a

lembrança, mesmo que inconscientemente, do fragmento de tema, são tomados,

absorvidos por uma nova atmosfera em um número bem adiantado do Álbum.

Através da audição ou da execução de suas curtas peças o intérprete e o seu

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público podem experimentar a sensação polidimensional de pensar que vão entrar

num mundo pequeno e se depararem, de repente, com um universo de emoções.

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6 BIBLIOGRAFIA

6.1 Aspectos históricos e bibliográficos de Robert Schumann

DEAHL, Lora. Robert Schumann’s Album for the Young and the Comming of Age of

Nineteenth-Century Piano Pedagogy. Journal of the College Music Society, Missoula,

2001. Volume 21, College Music Symposium, p. 31.

GONÇALVES, Joaquim. F. Schumann: Bibliografia Romântica. Porto: Edições Lopes

da Silva, 1942. p. 11-23, 47-59, 101-116.

LÉPRONT, Catherine. Clara Schumann, la vie à quatre mains. Paris: Editions Robert

Laffont S. A., 1988. p. 80-111.

MAYEDA, A. SCHUMANN, Robert. In: The New Grove Dictionary of Music and

Musicians. 2. ed. London and New York: Grove Macmillan Publishers Limited, 2001.

v. 22, p. 760-791.

MOUCLAIR, Camille. Schumann: sua vida e sua obra. São Paulo: Edições Cultura

Brasileira, [197-]. p.p. 46-71, 72-94.

RONNAU, K. Preface, Critical Notes In: SCHUMANN, R. Album fur die Jugend Op.

68. Viena: Wiener Urtext Edition und Universal Edition Wien, 1979. p. V-XXI (sic).

6.2 Aspectos da linguagem musical em Robert Schumann

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BRION, Marcel. Schumann e a Alma Romântica. Lisboa: Editorial Áster, LDA, 1961.

p.p. 32- 54, 181-200, 255-276.

CHISSELL, Joan. Schumann Piano Music. Seatle: University of Washington Press,

1972. p.p. 61-63.

LEMOS, R. O Álbum para a Juventude de Schumann: uma perspectiva didático-

pianística. 2003. 92 f. Dissertação (Área de Concentração: Ensino e Performance

Musical) – Escola de Música, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte,

2003.

ROSEN, C. A Geração Romântica. Tradução de Eduardo Seincman. São Paulo:

Editora da Universidade de São Paulo, 2000.

MAGNANI, S. Expressão e Comunicação na Linguagem da Música. Belo Horizonte:

Editora UFMG, 1989.

6.3 Elementos de linguagem rítmica, estruturação, fraseologia e análise musical

ARSIS and THESIS. In: The New Grove Dictionary of Music and Musicians. 2. ed.

Grove Macmillan Publishers Limited. London and New York, v.2, p.p. 80-81, 2001.

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CÂNDIDO, Antônio. Música: Compreendendo Philologia e História (Curso Elementar

de Música). São Paulo: Seção de Obras D’O Estado de S. Paulo, 1928. 2.v.

DICIONÁRIO Grove de Música. Tradução de Eduardo Francisco Alves. Rio de

Janeiro: Jorge Zahar Editora. 1994. p. 439.

KIEFER, B. História e Significado das Formas Musicais. 5. ed. Porto Alegre: Editora

Movimento, 1981. p.16-35, 42-52.

PANNAIN, E. Evolução da Teoria Musical. São Paulo: Ricordi Brasileira, 1975. p. 35-

41, 137-141.

RHYTHM. In: The New Grove Dictionary of Music and Musicians. 2. ed. Grove

Macmillan Publishers Limited. London and New York, v.21, p.p. 278-294, 2001.

ZAMACOIS J. Curso de Formas Musicales. Barcelona: Editorial Labor S. A. 1993.

p.p. 6-47, 53-87.

WILLEMS, Edgar. El Ritmo Musical: Estudo psicológico. Buenos Aires: Eudeba

Editorial Universitária, 1964. p.p. 23-107, 131-139.

6.4 Partituras

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SCHUMANN, Robert. Album for the Young Op. 68. Wiener Urtext Edition, 1979.

Edited from the autographs and original editions by Klaus Ronnau/Fingerings by Hans

Kann. Piano.

SCHUMANN, Robert. 43 Klavierstucke - Álbum fur die Jugend Op. 68. In:

SCHUMANN, Robert. The Complete Works. 6 v. Kalmus Classic Edition. Edit

according to manuscripts and from her personal recollections by Clara Schumann. v.

5. p. 36-51. Piano.

SCHUMANN, Robert. 43 Klavierstucke - Album fur die Jugend Op. 68. In:

SCHUMANN, Robert. Samtliche Klavier-Werk. 7 v. Breitkopf. Nach Handschriften und

personlicher Uberlieferung herausgegeben von Clara Schumann. Neu durchgesehen

von Wilhelm Kempf. v. 5. p. 2-51. Piano

SCHUMANN, Robert. Album fur die Jugend Op. 68. In: SCHUMANN, Robert.

KlavierWerk. Munchen-Duisburg: G. Henle Verlag. 2 v. Band I. p. 20-77. Piano

6.5 Gravações

DEMUS, Jörg (Interp.). Robert Schumann – Album for the Youth, op. 68 ("The

Complete Piano Works"). Nuova Era Records (1998). CD 8 (de 13 CDs), piano.

SCHNEIDER, Hermann (Interp.). Schumann: "Album für die Jugend" - LP - Euphoria

Records/CID (1983), piano.

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6.5 Outras fontes

FRANÇA, Júnia L. Manual para Normalização de Publicações Técnico-Científicas.

Belo Horizonte: Editora UFMG, 2004.

FRAGMENTO. In: HOLANDA, Aurélio F. B. de. Novo Dicionário da Língua

Portuguesa, Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988. p.807.

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Glossário38

Arsis: Palavra grega; a parte anterior e posterior de uma unidade rítmica de

subdivisão binária ou ternária; o impulso ou o movimento inicial; o ato de levantar;

tempo do ar, leve;

Thesis: Palavra grega; a parte central destas unidades rítmicas; o repouso ou o

movimento final; o ato de baixar; tempo dos pés, forte;

Tempos fracos: Os tempos menos acentuados de um compasso;

Tempos fortes: Os tempos mais acentuados de um compasso; é demasiado

perigoso confundir estes termos de agógica com dinâmica, isto é, são acentuações

métricas, não quer dizer que tenha que se tocar forte ou fraco;

Ictus: Toda frase, período, sub-período ou fragmento deste tem como suporte o

tempo forte que o sustenta, seja este no início, no final, ou em ambas as partes da

estrutura: o ictus inicial e o final, respectivamente;

Tipos rítmicos:

Tético: Quando seu ataque coincide com o ictus inicial;

Anacrústico: Quando o seu ataque é anterior ao ictus inicial;

Acéfalo: Se seu ataque é imediatamente depois do ictus inicial;

38 Não foi possível listar em ordem alfabética, pois o entendimento de um termo prescinde do anterior.

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Masculino: Se sua terminação coincide com o ictus final;

Feminino: Se sua terminação tem efeito depois do ictus final.

Compasso escrito e compasso real: Pode-se determinar o compasso real não

dando crédito excessivo ao compasso escrito, isto é, deve-se deixar o compasso ser

determinado pela posição dos ictus; assim o compasso verdadeiro não é aquele

indicado pela sua fórmula; esta pode representar ½, 1/3, ou ¼ do que o seria

realmente.

Ritmo antecedente e conseqüente: Um par de enunciados rítmicos que

complementam um ao outro em movimento simétrico e equilibrado.

Hoqueto: Termo medieval que define uma técnica contrapontística dos sécs. XIII e

XIV, em que sons e silêncios são combinados através de um arranjo alternado de

pausas em duas ou mais vozes. A técnica era usada nas codas de alguns conductus

e (freqüentemente com significado declamatório ou pictórico) em pequenas

passagens de motetos ou canções populares.

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