a teologia da libertacao o cris - desconhecido
DESCRIPTION
teologiaTRANSCRIPT
A TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO: O CRISTIANISMO A FAVOR
DOS EXCLUÍDOS
Alexandre Marques Cabral *
A palavra teologia vem da conjugação de TÉOS e LÓGOS, dois termos gregos.
Poder-se-ia dizer que teologia é todo discurso acerca de Deus. Assim, por exemplo, foi
denominado por Aristóteles em seu livro “Filosofia Primeira”, que hoje conhecemos com o
nome de metafísica. Para Aristóteles o TÉOS seria objeto de pesquisa da maior de todas
as ciências: a ciência do ser enquanto ser – esta que hoje denominamos de metafísica.
Portanto, para ser estagirita – Aristóteles, a metafísica, ou seja, a filosofia primeira, é
sinônimo de teologia.
Apesar de podermos falar de teologia em um sentido lato, tal como abordamos
acima, atualmente o significado deste termo difere-se deste que expusemos. Teologia
hoje é o discurso racional acerca de Deus a partir dos dados advindos de um livro
revelado: Bíblia, Alcorão, etc. À teologia compete, portanto, a atualização dos dados
revelados através do discurso (lógos), segundo as exigências históricas vigentes. Com
isso, se mostra o caráter transitório do discurso teológico: a transitoriedade do discurso
deve-se à transitoriedade própria da história humana, da cultura e de suas diversas
problemáticas. Deus, por isso, deve sempre aparecer ao homem, através do discurso
teológico, historicamente situado. Esta, última informação nos leva a perceber a
imbricação necessária entre teólogo, revelação e história.
Não obstante à imbricação supracitada, não poucas vezes a teologia cristã se
configurou de forma totalmente anacrônica em seus discursos e, conseqüentemente, em
seus conceitos. A teologia cristã durante séculos, preocupou-se com o hyperurânio de
Platão, com o motor imóvel de Aristóteles, com a cidade de Deus de Agostinho, menos
com as problemáticas históricas que fatalmente orientavam a vida social do homem. É
comum nos depararmos com textos clássicos da teologia e sermos levados às nuvens,
aos céus, como, por exemplo, num texto de Irineu ou de S. Agostinho de Hipona. Mas,
qual a razão disto? Isto ocorreu por mera vontade dos teólogos? Certamente, não.
A teologia cristã configurou-se de forma anacrônica por muito tempo, devido ao
instrumental filosófico que ela utilizou para discursar acerca de Deus. Tal instrumental
derivava-se da metafísica clássica que tem como característica formular conceitos
anacrônicos, desconsiderando o caráter histórico do homem – ou seja, desconsiderando o
homem enquanto ser histórico, que se faz (constrói) no tempo. A conseqüência disto, é
que os dados da revelação cristã – Bíblia – foram entendidos como realidades atemporais
e ahistóricas. Por isso, por muito tempo – certamente, também ainda hoje – entendeu-se
Deus, Reino dos Céus, inferno, etc., como realidades totalmente transcendentais,
totalmente destacadas dos processos e fases históricas da humanidade.
Esta forma de discurso acerca de Deus foi submetida à crítica com o advento da
modernidade e do pensamento contemporâneo. A metafísica, que foi a “pedra angular”
da teologia clássica, foi fortemente criticada a partir da modernidade. Descobriu-se, após
séculos de especulação, a história como característica essencial do homem e a cultura
como âmbito de toda construção histórica. Com isso, o pensamento ocidental, largou
aquele transcendentalismo metafísico, tornando-se por isso mais imamentista. Isto
influenciou fortemente a teologia. O encontro do homem com Deus – chamado pela
teologia da GRAÇA – passou a ser pensado como realidade histórica: Deus se manifesta
ao homem situando-se histórica e culturalmente, ou seja, o encontro de Deus com o
homem difere-se na história em suas diversas épocas, e difere-se na pluralidade cultural
que se dá no seio da humanidade. Obviamente, isto gerou uma certa relativização no
discurso sobre Deus; porém, valorizou a historicidade como característica essencial do
ser humano, além de valorizar a multiplicidade de formas de Deus se apresentar ao
homem, superando, assim, o anacronismo clássico metafísico que norteava o
pensamento teológico no entendimento da relação homem – DEUS.
A chamada Teologia da Libertação está inserida nesta última fase do pensamento
ocidental que destacamos acima: a fase da valorização da história, da cultura e da
diversidade de formas de manifestação do encontro do homem com Deus. Ela é uma
teologia propriamente cristã; por isso, utiliza a Bíblia como pressuposto necessário de
seus discursos.
A expressão “teologia da libertação”, já mostra o sentido norteador deste discurso
teológico. O genitivo que aparece na expressão citada – DA LIBERTAÇÃO -, mostra-nos
que a libertação é o horizonte regulador do discurso acerca de Deus, e, ao mesmo tempo,
mostra-nos que o Deus do discurso é fonte de libertação. Esta se manifesta
concretamente nos diversos momentos do processo histórico de um povo.
Conseqüentemente, a teologia da libertação torna-se força geradora de ações que
viabilizam uma práxis libertadora, segundo as necessidades advindas das diversas
circunstâncias sob as quais um povo está submetido.
“A teologia da libertação é um movimento teológico que quer mostrar aos cristãos
que a fé deve ser vivida numa práxis libertadora e que ela pode contribuir para tornar
esta práxis mais autenticamente libertadora” (MONDIN, 1980, p. 25). Neste sentido, o
cristão é impelido a viver a práxis libertadora nas diversas épocas da história.
O termo libertação foi cunhado a partir da realidade cultural, social, econômica e
política sob a qual se encontrava a América Latina, a partir das décadas de 60/70 do
último século. Os teólogos deste período, católicos e protestantes, assumiram a
libertação como paradigma de todo fazer teológico. Vejamos o quadro social da América
Latina no período originário da teologia da libertação:
* Alexandre Marques Cabral é professor de filosofia da faculdade de teologia Redemptoris
Mater – Macaé.
“O ambiente político é geralmente caracterizado pela presença de governos que
administram o poder arbitrariamente em vantagem dos ricos e dos poderosos, fazendo
amplo uso da força e da violência. (...) O ambiente econômico e social está marcado pela
miséria e pela marginalização da maior parte da população. Os recursos econômicos são
controlados por um pequeno grupo de privilegiados. (...) No ambiente cultural se verifica
ainda uma notável dependência da Europa e dos Estados Unidos. Na ciência como na
filosofia, na arte como na literatura, quase nada é concedido à originalidade das
populações latino-americanas” (Ibidem, p. 25-26).
O quadro de degradação apresentado na América Latina é o fundamento gerador
do conceito de libertação. A libertação, então, é toda “ação que visa criar espaço para a
liberdade” (BOFF, 1980, p. 87). Ser livre, neste sentido, é não estar sob o jugo da lei
alheia; é poder construir-se autonomamente. O processo histórico da América Latina foi e
é dominado por diversas leis estranhas a ela. A América do Norte, em especial os EUA, e
os países europeus, sempre impuseram aos latino–americanos seus valores, suas
políticas, sua cultura, etc. Neste sentido, a libertação no seio da América Latina, é a luta
pela liberdade da cultura, dos valores, da economia, da política latino-americanos, frente
às diversas opressões advindas de um modelo imperialista que rege a práxis do
hemisfério norte em suas relações com o hemisfério sul, especialmente como o povo
latino–americano. Tal relação impõe ao hemisfério sul a cultura do hemisfério norte.
Devido à pobreza e à nefasta degradação do povo latino-americano, a libertação
deve ser entendida como superação de um processo de exclusão; já que esta é a
conseqüência direta da relação norte–sul, onde milhões de homens e mulheres
empobrecem e se deterioram porque ficam à margem (excluídos) do processo econômico
e político norteado pelo capitalismo imposto pelos EUA e Europa.
Desta forma compete à teologia da libertação a tarefa de discursar sobre Deus a
partir da ótica de um processo excludente e a partir da realidade concreta dos excluídos.
O teólogo da libertação, portanto, deve ter este duplo olhar: olhar para Deus e olhar para
o excluído. Olhar para Deus é a fonte de toda libertação possível e o olhar para o excluído
identifica onde há necessidade de libertação. Olhando para Deus – ou Cristo -, a teologia
da libertação diferencia-se de todo movimento libertador laico, já que a libertação
apresentada pela teologia enxerga nos processos históricos a possibilidade de
presentificação da nova ordem escatológica anunciada por Cristo, ou seja, o Reino de
Deus – ordem de justiça e da superação de toda opressão possível, na sociedade e no
cosmos. Ao pretender olhar para o excluído e para o sistema gerador de opressão, como
pressuposto de todo fazer teológico, a teologia da libertação difere-se radicalmente das
teologias clássicas, pois supera o anacronismo destas, circunscrevendo a experiência de
Deus no âmbito do engajamento do fiel na luta contra todo o sofrimento humano
historicamente situado.
Para que haja elaboração da teologia da libertação é mister que se compreenda os
fenômenos da opressão e da exclusão. Estes devem ser compreendidos através de uma
mediação sócio – analítica, “Libertação é libertação do oprimido. Por isso, a teologia da
libertação deve começar por se debruçar sobre as condições reais em que se encontra o
oprimido de qualquer ordem que ele seja.” (BOFF, 1996, p. 40). O método utilizado para
elucidar sócio–analiticamente o fenômeno da opressão e da exclusão pela teologia da
libertação, é o método histórico- dialético.
O marxismo passa a ser a filosofia predominante na análise sócio–analítica feita
pela teologia da libertação. Porém, o marxismo é utilizado como instrumento, não tendo
fim em si mesmo. “Na teologia da libertação o marxismo nunca é tratado em si mesmo,
mas sempre a partir, e em função dos pobres” (Ibidem, p. 45). O sentido último da
teologia não é Marx, mas Deus.
Após a leitura sócio–analítica, o teólogo da libertação deve-se deparar com a Bíblia
Sagrada. A Bíblia deve fornecer subsídios para que se possa identificar a face de Deus e
sua ação libertadora, nos diversos momentos históricos, sob as quais vive o teólogo e seu
povo. Há, então, no processo de elaboração da teologia da libertação, uma imbricação
necessária entre a análise sócio–analítica da realidade e a Bíblia Sagrada. Esta última
fornece o sentido teológico da práxis libertadora proposta pela teologia da libertação.
Com a gênese da teologia da libertação na América Latina, “a religião passa a ser
um fator de mobilização e não do freio” (BOFF, 1980, p. 102). A religião não mais se
apresenta como “ópio do povo”. Ela passa a ser fonte de libertação e de esperança para
o homem. A religião, desta forma, não se reduz a uma ideologia que mantém o status
quo social e político; também não é mais fonte de discursos etéreos. A teologia da
libertação pretende mostrar que Deus não está em uma esfera trans–histórica; mas, ela
quer mostrar que Deus encarna-se na história, gera libertação de um povo humilhado,
gera vida e esperança a um povo crucificado e sem sonhos. Podemos dizer,
metaforicamente, que a teologia da libertação anuncia a ‘’descida’’ de Deus de sua
esfera transcendente e “celeste” e mostra-o como agente dignificador dos humilhados da
terra. Deus não é mais um conjunto de doutrinas e especulações, mas é a fonte de toda a
luta pela justiça e igualdade. Por isso, Deus se manifesta nas lutas históricas pela justiça,
pela inclusão e pela superação de toda opressão vigente na humanidade. “Eu sou o
Senhor, teu Deus, que te tirei da terra do Egito, da casa da servidão.”(Ex 20,2). Eis a face
de Deus anunciada pela teologia da libertação: Deus que tira o povo da opressão, da
servidão.
O céu almejado pela humanidade, não é pensado como realidade post mortem.
Este céu que fora pensado pela teologia clássica como realidade distante que se
manifestaria no porvir, encarna-se no “agora”, através da práxis do povo em prol da
dignidade humana: cada conquista popular, no que tange a uma relação mais justa entre
os homens, presentifica o céu no seio da humanidade.
A teologia da libertação surge para mostrar que Deus é “Pai – Nosso”; portanto os
homens e as mulheres devem se relacionar como irmãos e irmãs, sem haver exclusão,
sem haver opressão ou sem qualquer tipo de violação da dignidade humana. Lutar pela
libertação é valorizar a paternidade universal de Deus, que se manifesta nas relações
justas e fraternas entre todos os seres humanos.
Bibliografia:
1. 1. BÍBLIA SAGRADA. São Paulo: SBB, 1996.
2. 2. BOFF, Leonardo, BOFF, Clodovis. Como fazer teologia da libertação. Petrópolis:
Vozes, 1986.
3. 3. BOFF, Leonardo. Teologia do cativeiro e da libertação. Petrópolis: Vozes, 1980.
4. 4. _____________ O caminhar da Igreja com os oprimidos: do vale das lágrimas à terra
prometida. Rio de Janeiro: Codecri, 1980.
5. 5. MONDIN, B. Os teólogos da libertação. São Paulo: Paulinas, 1980.
Resumo:
O objetivo do artigo é o de apresentar o paradigma da libertação como agente norteador
discurso teológico latino–americano surgido na década de 60 do século XX. Esta teologia
caracteriza-se pela valorização da ação de Deus na história, como fonte de libertação
social, e pela valorização da práxis social libertadora, como expressão de fé em um deus
libertador.
Palavras-chave: teologia; teologia da libertação; América Latina; cristianismo.