a taxa sobre a comercialização de cosméticos

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Ano 1 (2012), nº 6, 3195-3248 / http://www.idb-fdul.com/ A TAXA SOBRE A COMERCIALIZAÇÃO DE PRODUTOS COSMÉTICOS E DE HIGIENE CORPORAL: QUESTÕES DE IGUALDADE, LIBERDADE DE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E NÃO DISCRIMINAÇÃO Aquilino Paulo Antunes 1. Introdução; 2. As taxas sobre a comercialização de produtos cosméticos e de higiene corporal; 2.1. A génese do regime em vigor; 2.2. Os vários tipos de taxas de comercialização em vigor na actividade farmacêutica e respectivos regimes; 3. O confronto com o princípio da igualdade; 3.1. Considerações gerais; 3.2. A natureza jurídica deste tributo; 3.2.1. Das características próprias dos vários tipos de tributos; 3.2.2. Da natureza da taxa sobre a comercialização de produtos cosméticos e de higiene corporal; 3.2.3. Posição adoptada quanto à natureza do tributo; 3.3. Capacidade contributiva ou equivalência? 3.4. Posição adoptada quanto ao parâmetro de igualdade. 4. O confronto com o direito da União Europeia; 4.1. A liberdade de circulação de mercadorias considerações gerais; 4.2. A conformidade com a liberdade de circulação de mercadorias; 5. Conclusões. 1. INTRODUÇÃO Existe no ordenamento jurídico português um conjunto de tributos que incide sobre produtos da actividade farmacêutica, designado por “taxas sobre a comercialização”.

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A Taxa Sobre a Comercialização De Cosméticos

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  • Ano 1 (2012), n 6, 3195-3248 / http://www.idb-fdul.com/

    A TAXA SOBRE A COMERCIALIZAO DE

    PRODUTOS COSMTICOS E DE HIGIENE

    CORPORAL: QUESTES DE IGUALDADE,

    LIBERDADE DE CIRCULAO DE

    MERCADORIAS E NO DISCRIMINAO

    Aquilino Paulo Antunes

    1. Introduo; 2. As taxas sobre a comercializao de produtos

    cosmticos e de higiene corporal; 2.1. A gnese do regime em

    vigor; 2.2. Os vrios tipos de taxas de comercializao em

    vigor na actividade farmacutica e respectivos regimes; 3. O

    confronto com o princpio da igualdade; 3.1. Consideraes

    gerais; 3.2. A natureza jurdica deste tributo; 3.2.1. Das

    caractersticas prprias dos vrios tipos de tributos; 3.2.2. Da

    natureza da taxa sobre a comercializao de produtos

    cosmticos e de higiene corporal; 3.2.3. Posio adoptada

    quanto natureza do tributo; 3.3. Capacidade contributiva ou

    equivalncia? 3.4. Posio adoptada quanto ao parmetro de

    igualdade. 4. O confronto com o direito da Unio Europeia;

    4.1. A liberdade de circulao de mercadorias consideraes gerais; 4.2. A conformidade com a liberdade de circulao de

    mercadorias; 5. Concluses.

    1. INTRODUO

    Existe no ordenamento jurdico portugus um conjunto

    de tributos que incide sobre produtos da actividade

    farmacutica, designado por taxas sobre a comercializao.

  • 3196 | RIDB, Ano 1 (2012), n 6

    Como veremos com maior detalhe adiante, as taxas sobre a

    comercializao so tributos que incidem sobre o volume de

    vendas dos produtos a que respeitam e tm por sujeitos

    passivos os responsveis pela sua primeira colocao no

    mercado nacional. Ou seja, so sujeitos passivos deste tributo

    os importadores do produto que, na cadeia de valor, fazem a

    primeira transaco em Portugal, ou aqueles que, sendo o

    produto fabricado em Portugal, procedam primeira transaco

    em territrio nacional. Em ambos os casos, os mesmos esto ou

    devero estar inscritos como responsveis pela introduo ou

    colocao no mercado do produto em causa junto do

    INFARMED-Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos

    de Sade, I. P. (INFARMED, I.P.), ou na Direco-Geral de

    Veterinria (DGV), consoante se trate de medicamentos para

    uso humano, produtos farmacuticos homeopticos, produtos

    cosmticos e de higiene corporal, dispositivos mdicos no

    activos, activos e para diagnstico in vitro, por um lado, ou

    medicamentos veterinrios, por outro.

    De entre os vrios tipos destes tributos, existe um que

    tem suscitado intensa litigiosidade desde o ano 2000. Estamos

    a referir-nos inicialmente designada taxa sobre a

    comercializao de produtos de sade e actualmente designada

    taxa sobre a comercializao de produtos cosmticos e de

    higiene corporal. Esta taxa encontra-se regulada no Decreto-

    Lei n. 312/2002, de 20 de Dezembro, com algumas alteraes

    consagradas em legislao dispersa, como veremos adiante. A

    redaco actual do diploma resulta do artigo 155. da Lei n. 3-

    B/2010, de 28 de Abril, que aprova o Oramento de Estado

    para 2010.

    Os fundamentos dessa litigiosidade comearam por ser a

    inconstitucionalidade tributo por indeterminao do objecto e a

    desconformidade com o artigo 33. da Sexta Directiva relativa ao Imposto sobre o Valor Acrescentado

    1. Mais

    1 Dourado, A.P. (2007), 119 e ss. Vasques, S. (2004), 167 e ss.

  • RIDB, Ano 1 (2012), n 6 | 3197

    recentemente, os fundamentos evoluram e variam consoante

    os impugnantes, mas resumem-se basicamente aos seguintes:

    inconstitucionalidade por violao do princpio da igualdade,

    nas suas vertentes da equivalncia, proporcionalidade,

    capacidade contributiva e no confiscatoriedade; violao do

    princpio da no retroactividade da lei fiscal;

    inconstitucionalidade orgnica; e desconformidade com o

    direito da Unio Europeia, por violao da liberdade de

    circulao de mercadorias, com fundamento no facto de,

    embora indistintamente aplicvel, a medida incidir

    predominantemente sobre produtos importados de outros

    Estados membros, dada a reduzida expresso da produo

    nacional, o que implicaria discriminao daqueles produtos e

    violao da liberdade de circulao de mercadorias.

    O objectivo do presente trabalho o de apurar em que

    medida que procedem, ou no, a alegada violao do

    princpio da igualdade, quanto questes da capacidade

    contributiva e da equivalncia, e a alegada violao da

    liberdade de circulao de mercadorias, por discriminao dos

    produtos oriundos de outros Estados membros, quando

    comparados com os produtos nacionais.

    2. AS TAXAS SOBRE A COMERCIALIZAO DE

    PRODUTOS COSMTICOS E DE HIGIENE CORPORAL

    2.1. A GNESE DO REGIME EM VIGOR

    H quem identifique como antecedentes dos tributos em

    causa as designadas taxas devidas a favor dos organismos de

    coordenao e regulao econmica que, embora j conhecidos

    desde o final do Sculo XIX, proliferaram no regime poltico

    que antecedeu a revoluo de 25 de Abril de 1974. Com efeito,

    so vrios os exemplos deste tipo de tributos que vigoraram

  • 3198 | RIDB, Ano 1 (2012), n 6

    nesse quadro2.

    No que concerne s taxas sobre a comercializao de

    produtos de sade e de produtos cosmticos e de higiene

    corporal, o antecedente mais longnquo que foi possvel apurar

    a taxa devida extinta Comisso Reguladora dos Produtos

    Qumicos e Farmacuticos3. Essa taxa comeou por ser apenas

    incidente sobre produtos importados, ao abrigo do Decreto n.

    30270, de 12 de Janeiro de 1940. Posteriormente, na sequncia

    das obrigaes decorrentes da Conveno de Estocolmo, que

    instituiu a Associao Europeia de Comrcio Livre e de um

    acordo com a Comunidade Econmica Europeia, o Decreto n.

    305/73, de 12 de Junho, e a Portaria n. 417/73, da mesma data,

    vieram prever a aplicao dessa taxa tanto aos produtos

    importados como aos de produo nacional. Na rea dos

    actualmente designados produtos cosmticos e de higiene

    corporal, este tributo variava entre 0,5%, 1% e 2%, consoante

    os produtos que estivessem em causa, e incidia sobre o preo

    de venda praticado pelo importador ou produtor.

    Nomeadamente, sobre a comercializao de uma pasta de

    dentes ou de um sabonete pagava-se 0,5%, enquanto sobre a

    comercializao de um perfume pagava-se 2%. Os

    medicamentos especializados estavam sujeitos a uma taxa de

    0,4%, que incidia sobre o preo de venda ao pblico. Os

    produtos importados para consumo prprio igualmente estavam

    sujeitos ao pagamento do tributo, que incidia sobre o resultado

    da soma do preo CIF4, acrescido dos direitos de importao e

    de 20% do valor das duas parcelas anteriores. Este tributo foi

    mantido em vigor pelo Decreto-Lei n. 374-H/79, de 10 de

    Setembro, sendo que nenhum dos referidos diplomas afectava a

    respectiva receita a qualquer finalidade especfica, embora

    2 Vasques, S.(2004), 145 e ss. 3 De salientar que a Portaria n. 417/73, de 12 de Junho, remete para o Decreto n.

    675/73, da mesma data, mas trata-se de um lapso evidente, visto que o diploma

    visado por essa remisso o Decreto n. 305/73, de 12 de Junho. 4 CIF: Costs, Insurance & Freight.

  • RIDB, Ano 1 (2012), n 6 | 3199

    fosse receita prpria da Comisso.

    A extino da Comisso Reguladora foi promovida pelo

    Decreto-Lei n. 466/88, de 15 de Dezembro, que transferiu para

    a Direco-Geral dos Assuntos Farmacuticos do Ministrio da

    Sade as atribuies daquela Comisso, designadamente em

    matria de medicamentos e produtos cosmticos e de higiene

    corporal (alnea c) do n. 1do artigo 4.), e para o Departamento

    de Gesto Financeira dos Servios de Sade, do mesmo

    Ministrio, as atribuies de cobrana da taxa (n.s 2 e 3 do

    artigo 15.). Pela primeira vez atribudo um destino ao

    produto deste tributo, afectando-se o mesmo realizao de estudos econmicos e ao desenvolvimento de programas de

    fiscalizao, comprovao e controle da qualidade na rea do

    medicamento prosseguidos no mbito do Servio Nacional de

    Sade. Por razes que se desconhecem com exactido, o

    pagamento e a liquidao e cobrana deste tributo ter cado

    em desuso. Julga-se que tal ter ficado a dever-se entrada em

    vigor do Decreto-Lei n. 10/93, de 15 de Janeiro, que aprovou a

    nova lei orgnica do Ministrio da Sade, extinguiu a

    Direco-Geral dos Assuntos Farmacuticos e o Departamento

    de Gesto Financeira dos Servios de Sade (alneas c) e d) do

    artigo 15.) e que criou os novssimos Instituto Nacional da

    Farmcia e do Medicamento (INFARMED) e o Instituto de

    Gesto Financeira e Informtica do Ministrio da Sade (IGIF)

    (artigos 13. e 14.). O artigo 22. do mesmo diploma

    determinou a transmisso dos direitos e obrigaes dos

    servios extintos, incluindo posies contratuais, para os

    servios para os quais foram transmitidas as respectivas

    atribuies e competncias. Ou seja, a competncia para cobrar

    o tributo, que pertencia ao extinto Departamento, transitou para

    o IGIF, como de resto resulta do artigo 32. (Sucesso) do Decreto-Lei n. 308/93, de 2 de Setembro, que aprovou a sua

    lei orgnica.

  • 3200 | RIDB, Ano 1 (2012), n 6

    Esta separao entre as atribuies em matria de

    medicamentos e produtos de sade, que cabiam ao

    INFARMED, e de cobrana da taxa, que cabia ao IGIF atribuio essa que este no ter, que se saiba, chegado a

    prosseguir levou posterior criao da designada taxa sobre a comercializao de medicamentos. A mesma comeou por

    estar prevista no artigo 63. da Lei do Oramento de Estado

    para 1994 Lei n. 75/93, de 20 de Dezembro. Foi, depois, mantida em vigor e objecto de uma autorizao legislativa pelo

    artigo 73. da Lei do Oramento de Estado para 1995 Lei n. 39-B/94, de 27 de Dezembro vindo a culminar no Decreto-Lei n. 282/95, de 26 de Outubro, que era aplicvel aos

    medicamentos de uso humano e veterinrios5.

    A designada taxa sobre a comercializao de produtos de

    sade foi inicialmente criada pelo artigo 72. da Lei do

    Oramento de Estado para 2000 Lei n. 3-B/2000, de 4 de Abril. Este preceito copiou e copiou mal o artigo 63. da Lei do Oramento de Estado para 1994 Lei n. 75/93, de 20 de Dezembro que criava a taxa sobre a comercializao de medicamentos. Copiou mal porque, por um lado, no teve em

    considerao que este preceito tinha a vigncia limitada ao ano

    econmico respectivo e, por isso, no ano seguinte o Governo

    teve de obter da Assembleia da Repblica uma autorizao

    legislativa que lhe permitisse criar o tributo para uma vigncia

    mais alargada6; por outro, porque previu que o volume de

    vendas tivesse por referncia o respectivo preo de venda ao consumidor final quando sabido que, ao contrrio dos medicamentos que poca tinham todos o preo de venda ao pblico administrativamente aprovado os produtos

    5 No clara a questo de saber se o diploma abrangia todos os medicamentos

    veterinrios ou somente os sujeitos s atribuies do INFARMED, que eram apenas

    os medicamentos veterinrios farmacolgicos. 6 Da que, como se salientou, tenha sido mantida em vigor e objecto de uma

    autorizao legislativa no artigo 73. da Lei do Oramento de Estado para 1995 Lei n. 39-B/94, de 27 de Dezembro.

  • RIDB, Ano 1 (2012), n 6 | 3201

    cosmticos e de higiene corporal, os dispositivos mdicos e os

    produtos farmacuticos homeopticos no esto sujeitos a

    qualquer preo administrativamente fixado7.

    O mesmo tributo foi mantido em vigor e objecto de

    autorizaes legislativas pelo artigo 58. da Lei do Oramento

    de Estado para 2001 Lei n. 30-C/2000, de 29 de Dezembro e pelo artigo 55. da Lei do Oramento de Estado para 2002 Lei n. 109-B/2001, de 27 de Dezembro vindo a ter o seu regime consagrado no j referido Decreto-Lei n. 312/2000, de

    20 de Dezembro, que, como veremos, adiante, sofreu

    recentemente algumas alteraes.

    2.2. OS VRIOS TIPOS DE TAXAS DE

    COMERCIALIZAO EM VIGOR NA ACTIVIDADE

    FARMACUTICA E RESPECTIVOS REGIMES

    actividade farmacutica, considerada no seu conjunto,

    so aplicveis diversas taxas de comercializao, consoante os

    produtos em causa. De seguida enunciaremos o conjunto

    desses tributos, pela ordem cronolgica da sua criao, bem

    como os traos especficos do respectivo regime. Apesar de

    especficos de cada tributo, os mesmos assentam numa matriz

    que poderemos tambm chamar comum, na medida em que

    todos estes tributos incidem subjectivamente sobre os

    responsveis pela introduo ou colocao no mercado e

    objectivamente sobre o volume de vendas do produto, alm de

    que a respectiva taxa ou alquota comum generalidade

    destes tributos, salvo quanto ao tributo que incide sobre

    produtos cosmticos e de higiene corporal que ora nos ocupa.

    Alm disso, todos estes tributos se destinam a financiar

    7 Este facto, alm de motivar acesa litigncia com fundamento na

    indeterminabilidade da base tributria, levou a que o INFARMED, pela Circular n.

    1/2000, esclarecesse os sujeitos passivos no sentido de calcularem o tributo apenas

    com base no volume de vendas destes e a que o legislador de 2001 j emendasse a mo quanto a este aspecto.

  • 3202 | RIDB, Ano 1 (2012), n 6

    actividades que beneficiam os cidados em geral e os

    profissionais de sade. Indicaremos depois os aspectos que so

    comuns a todos eles.

    I) TAXA SOBRE A COMERCIALIZAO DE

    MEDICAMENTOS

    Como se referiu supra, a taxa sobre a comercializao de

    medicamentos encontra-se consagrada no Decreto-Lei n.

    282/95, de 26 de Outubro. Actualmente, a mesma apenas

    abrange medicamentos de uso humano, na medida em que,

    como se ver de seguida, os medicamentos veterinrios se

    encontram, desde 2008, sujeitos a um regime especfico.

    Nos termos do artigo 1. do referido diploma, este tributo

    incide subjectivamente sobre os titulares de autorizao de

    introduo no mercado, ou outro responsvel indicado por

    aqueles, de cada medicamento de uso humano, incluindo os

    vendidos no mercado hospitalar8. E incide objectivamente

    sobre o volume de vendas do mesmo medicamento, calculado

    com base num preo de venda ao pblico de referncia, que

    inclui a aplicao das margens de comercializao mximas

    admitidas para os medicamentos comparticipveis9. A taxa do

    tributo de 0,4%. De acordo com a alnea d) do artigo 5. do

    Decreto-Lei n. 112/2011, de 28 de Novembro, que estabelece

    o regime de preos dos medicamentos de uso humano sujeitos

    a receita mdica e dos medicamentos no sujeitos a receita

    mdica comparticipados, a taxa sobre a comercializao de

    8 Sobre o titular da autorizao de introduo no mercado, veja-se o Decreto-Lei n.

    176/2006, de 30 de Agosto. 9 O preo de venda ao pblico de referncia fundamental para o clculo do tributo

    devido pela comercializao dos medicamentos vendidos no mercado hospitalar e

    para os medicamentos no sujeitos a receita mdica no comparticipados, na medida

    em que, em ambos os casos, os mesmos no tm preo de venda ao pblico

    aprovado nem margens de comercializao. A aplicao das margens de

    comercializao recai sobre o preo de venda ao hospital (PVH) ou sobre o preo de

    venda ao armazenista (PVA), consoante o caso.

  • RIDB, Ano 1 (2012), n 6 | 3203

    medicamentos integra o preo de venda ao pblico dos

    medicamentos abrangidos pelo mesmo diploma.

    Segundo o n. 2 do artigo 1. do Decreto-Lei n. 282/95,

    de 26 de Outubro, o tributo destina-se ao sistema de garantia de

    qualidade dos medicamentos e ao Sistema Nacional de

    Farmacovigilncia, bem como realizao de estudos de

    avaliao do impacte social dos medicamentos e a aces de

    informao para os agentes de sade e consumidores, a

    assegurar pelo INFARMED, I.P.

    II) TAXAS SOBRE A COMERCIALIZAO DE

    PRODUTOS COSMTICOS E DE HIGIENE CORPORAL,

    DE PRODUTOS FARMACUTICOS HOMEOPTICOS E

    DE DISPOSITIVOS MDICOS NO ACTIVOS E PARA

    DIAGNSTICO IN VITRO

    Conforme se aludiu supra, as taxas sobre a

    comercializao de produtos cosmticos e de higiene corporal,

    de produtos farmacuticos homeopticos e de dispositivos

    mdicos no activos e para diagnstico in vitro encontram-se

    consagradas no Decreto-Lei n. 312/2002, de 20 de Dezembro,

    embora com algumas alteraes.

    Nos termos do artigo 1. do referido diploma, estes

    tributos incidem subjectivamente sobre as entidades

    responsveis pela colocao no mercado dos produtos

    mencionados. A incidncia objectiva recai sobre o montante do

    volume de vendas dos mesmos produtos, deduzido o imposto

    sobre o valor acrescentado. A taxa ou alquota de 0,4% para

    produtos farmacuticos homeopticos e para dispositivos

    mdicos no activos e para diagnstico in vitro10

    . No que se

    10 De salientar que, decorrido o perodo transitrio de dois anos previsto no n. 9 do

    artigo 202. do Decreto-Lei n. 176/2006, de 30 de Agosto, se estima que o nmero

    destes produtos seja extremamente reduzido ou inexistente, visto que tero passado a

    medicamentos homeopticos de registo simplificado e, como tal, passado a ficar

    sujeitos taxa sobre a comercializao de medicamentos.

  • 3204 | RIDB, Ano 1 (2012), n 6

    refere aos produtos cosmticos e de higiene corporal, a taxa

    comeou por ser de 2%, tendo sido reduzida para 1,5% para o

    ano 2007, atravs do artigo 152. da Lei n. 53-A/2006, de 29

    de Dezembro Lei do Oramento de Estado para 2007- e para 1% para o ano 2008, pelo artigo 129. da Lei n. 67-A/2007, de

    31 de Dezembro Lei do Oramento de Estado para 2008 ; foi mantida na mesma percentagem para o ano 2009, pelo

    artigo 168. da Lei n. 64-A/2008, de 31 de Dezembro Lei do Oramento de Estado para 2009. O artigo 155. da Lei n. 3-

    B/2010, de 28 de Abril, j referido, consagrou definitivamente

    a taxa ou alquota de 1%.

    Segundo o n. 2 do artigo 1. do Decreto-Lei n.

    312/2002, de 20 de Dezembro, a taxa constitui contrapartida do

    adequado controlo dos respectivos produtos de sade, com a

    execuo de aces inspectivas de carcter aleatrio e

    subsequente controlo laboratorial dos produtos colocados no

    mercado, visando garantir a qualidade e segurana da

    utilizao dos mesmos, bem como da realizao das aces de

    informao e formao que visem a proteco da sade pblica

    e dos utilizadores, devendo o INFARMED, I.P., comunicar as

    concluses dos estudos e das informaes recolhidas sobre

    cada um dos produtos cosmticos e de higiene corporal,

    produtos farmacuticos homeopticos, dispositivos mdicos

    no activos e dispositivos para diagnstico in vitro que os

    respectivos sujeitos passivos comercializam.

    III) TAXA SOBRE A COMERCIALIZAO DE

    DISPOSITIVOS MDICOS ACTIVOS

    A taxa sobre a comercializao de dispositivos mdicos

    activos foi criada pelo Decreto-Lei n. 264/2003, de 24 de

    Outubro, ao abrigo de autorizao legislativa concedida pelo

    artigo 47. da Lei n. 32-B/2002, de 30 de Dezembro Lei do Oramento de Estado para 2003. Embora a mesma tenha

  • RIDB, Ano 1 (2012), n 6 | 3205

    comeado por constituir receita prpria do Instituto Nacional

    de Sade Dr. Ricardo Jorge (INSA) e do INFARMED, I.P., na

    proporo de 75% e 25% respectivamente, para cada entidade,

    passou a ser receita prpria deste mesmo Instituto com a

    transferncia para este das atribuies daquele em matria de

    dispositivos mdicos activos, operada pelo Decreto-Lei n.

    76/2006, de 27 de Maro11

    .

    Este tributo incide sobre o montante do volume de

    vendas dos dispositivos mdicos implantveis activos e outros

    dispositivos mdicos activos, deduzido o imposto sobre o valor

    acrescentado (n. 3 do artigo 1.). Subjectivamente, incide

    sobre os responsveis pela comercializao destes produtos. A

    taxa ou alquota de 0,4%.

    O tributo contrapartida do adequado controlo dos

    respectivos dispositivos, com a execuo de aces inspectivas

    de carcter aleatrio e subsequente controlo laboratorial dos

    produtos colocados no mercado, visando garantir a qualidade e

    segurana da utilizao dos mesmos, bem como da realizao

    das aces de informao e formao que visem a proteco da

    sade pblica e dos utilizadores, a assegurar actualmente

    apenas pelo INFARMED, I.P.

    IV) TAXA DE COMERCIALIZAO DE

    MEDICAMENTOS VETERINRIOS

    A taxa de comercializao de medicamentos veterinrios

    farmacolgicos e imunolgicos foi criada pelo Decreto-Lei n.

    253/2007, de 9 de Julho, ao abrigo de autorizao legislativa

    concedida pelo artigo 153. da Lei n. 53-A/2006, de 29 de

    Dezembro Lei do Oramento de Estado para 2007. Em termos subjectivos, o tributo incide sobre os titulares

    11 Esta transferncia apenas se concretizou com a entrada em vigor do Decreto-Lei

    n. 269/2007, de 26 de Julho, na medida em que o artigo 14. do Decreto-Lei n.

    76/2006, de 27 de Maro, a tinha feito depender de portaria que nunca foi publicada.

  • 3206 | RIDB, Ano 1 (2012), n 6

    de autorizao de introduo no mercado de medicamentos

    veterinrios farmacolgicos ou imunolgicos, sujeitos e no

    sujeitos a receita mdico-veterinria, ou a entidade que fique

    responsvel, por indicao daqueles, pela sua comercializao.

    O tributo incide objectivamente sobre o volume de vendas de

    cada medicamento veterinrio farmacolgico ou imunolgico,

    calculada sobre o preo de venda. A taxa ou alquota deste

    tributo de 0,4%.

    O tributo destina-se ao suporte financeiro do sistema de

    garantia de qualidade dos medicamentos veterinrios

    farmacolgicos e imunolgicos, do Sistema Nacional de

    Farmacovigilncia e Toxicologia Veterinria para os

    medicamentos veterinrios farmacolgicos e imunolgicos e do

    Plano Nacional de Controlo de Utilizao de Medicamentos

    Destinados a Animais de Explorao, bem como da realizao

    de estudos de avaliao do impacte epidemiolgico daqueles

    medicamentos e de aces de formao e informao aos

    profissionais de sade animal, aos agentes econmicos do

    sector agro-pecurio e aos consumidores de alimentos de

    origem animal, a assegurar pela Direco-Geral de Veterinria.

    Esta deve enviar aos obrigados ao pagamento da taxa as

    concluses dos estudos e das informaes recolhidas sobre

    cada um dos medicamentos veterinrios farmacolgicos e

    imunolgicos que comercializam.

    V) REGIME COMUM

    Como regime comum a estes tributos, temos que os

    mesmos so receitas prprias das entidades reguladoras e

    supervisoras do respectivo mercado e so objecto de declarao

    mensal e de auto-liquidao por parte dos sujeitos passivos,

    relativamente s vendas efectuadas no ms imediatamente

    anterior. O incumprimento de cada uma destas obrigaes declarao de vendas e auto-liquidao constitui contra-

  • RIDB, Ano 1 (2012), n 6 | 3207

    ordenao punvel com coima, cabendo o respectivo

    processamento s entidades credoras e a aplicao da coima ao

    seu dirigente mximo.

    Em termos de fiscalizao do cumprimento das

    obrigaes tributrias, o INFARMED, I.P., pode determinar e

    realizar, autonomamente ou em articulao com a Inspeco-

    Geral de Finanas, as inspeces e demais aces consideradas

    necessrias liquidao oficiosa das taxas sobre a

    comercializao de medicamentos, de produtos de sade, de

    dispositivos mdicos e de produtos cosmticos e de higiene

    corporal e para a sua efectiva cobrana, bem como

    verificao e fiscalizao da correco dos elementos,

    documentos e declaraes fornecidos, designadamente pelos

    respectivos sujeitos passivos para a determinao daqueles

    tributos, incluindo a definio e execuo dos procedimentos e

    a recolha de elementos e documentos adequados queles

    efeitos (alnea n) do n. 4 do artigo 15. do Decreto-Lei n.

    46/2012, de 24 de Fevereiro), enquanto que a DGV apenas

    pode determinar, em articulao com a Inspeco-Geral das

    Finanas, inspeces com o objectivo de verificar a correco

    dos elementos fornecidos para a determinao da taxa.

    3. O CONFRONTO COM O PRINCPIO DA IGUALDADE

    3.1. CONSIDERAES GERAIS

    Como sabido, ao nvel da legitimao material dos

    tributos, a jurisprudncia e a doutrina geralmente defendem

    que, luz do princpio da igualdade consagrado no artigo 13.

    da Constituio da Repblica, os impostos devem, por via de

    regra, obedecer a esse princpio na vertente da capacidade

    contributiva, ou do sacrifcio como decorre do n. 1 do artigo 4. da Lei Geral Tributria e as taxas devem obedecer ao princpio da igualdade na vertente da equivalncia, ou do custo

  • 3208 | RIDB, Ano 1 (2012), n 6

    ou do benefcio.

    Mais difcil a questo de saber de saber qual o melhor

    parmetro de aferio do respeito pelo princpio da igualdade

    no que se refere s contribuies financeiras e aos impostos

    especiais de consumo. H quem entenda que, nestes casos,

    dever aplicar-se o princpio da igualdade na vertente da

    equivalncia12

    .

    3.2. A NATUREZA JURDICA DESTE TRIBUTO

    Uma das questes controvertidas na doutrina a da

    natureza jurdica da taxa sobre a comercializao de produtos

    cosmticos e de higiene corporal. Dizemos na doutrina, porque

    a jurisprudncia do Supremo Tribunal Administrativo e do

    Tribunal Constitucional foi unnime em considerar que a taxa

    sobre a comercializao de produtos de sade criada pelo

    artigo 72. da Lei n. 3-B/2000, de 4 de Abril, era um imposto,

    embora o Supremo admita que se possa estar perante um outro

    tipo de tributo sujeito ao mesmo tratamento constitucional.

    Antes, porm, de entrarmos nesta questo, cabe fazer

    uma breve caracterizao sumria dos vrios tipos de tributos.

    o que se far de seguida.

    3.2.1. DAS CARACTERSTICAS PRPRIAS DOS VRIOS

    TIPOS DE TRIBUTOS

    A Reviso Constitucional de 1997 veio dar uma nova

    redaco alnea i) do n. 1 do artigo 165. da Constituio da

    12 Vasques, S. (2008), 372 e ss. Sobre o critrio do benefcio, cfr. Silva, S.T. (2008),

    54 e ss. Sanches, J.L.S. (2007), 22 e ss. Carlos, A.F.B. (2008), 39 e 48 e ss., refere-

    se contribuies financeiras como integrando as especiais mas depois socorre-se

    do n. 3 do artigo 4. da Lei Geral Tributria para, por via da equiparao destas a

    impostos, justificar a sua obedincia ao princpio da legalidade. Nabais, J.C. (2005),

    443 e ss., fala em figuras prximas dos impostos, designadamente alicerando-se na

    jurisprudncia do Tribunal Constitucional sobre alguns destes tributos.

  • RIDB, Ano 1 (2012), n 6 | 3209

    Repblica Portuguesa, consagrando a reserva relativa de lei

    para o regime geral das demais contribuies financeiras a favor das entidades pblicas.

    O surgimento desta figura naquele preceito,

    conjuntamente com os impostos e as taxas, veio permitir o

    entendimento doutrinrio de que surgiu um terceiro tipo de

    tributos, a par dos impostos e das taxas13

    . Esta trilogia de

    tributos, todos de natureza coactiva, foi, depois, consagrada no

    n. 2 do artigo 3. da Lei Geral Tributria.

    O imposto uma prestao pecuniria, exigida com

    fundamento na lei, uma vez verificado o facto nela previsto,

    independentemente de qualquer contrapartida por parte da

    entidade pblica credora, destinada principal ou

    exclusivamente cobertura de despesas pblicas.

    A taxa uma prestao pecuniria com carcter

    sinalagmtico, devida a uma entidade pblica como

    contrapartida da prestao concreta de um servio pblico, da

    utilizao de um bem do domnio pblico ou da remoo de

    um obstculo jurdico ao comportamento dos particulares (n. 2

    do artigo 4. da Lei Geral Tributria); a taxa pressupe que o

    sujeito passivo provoque ou aproveite determinada actividade

    administrativa e medida pelo custo para a Administrao ou

    pelo benefcio para o particular.

    Mais difcil a caracterizao das contribuies

    financeiras. No obstante e como j defendemos noutro lugar,

    parece que poder dizer-se que o que essencialmente

    caracteriza e distingue estes tributos, relativamente s demais

    receitas coactivas e de carcter no sancionatrio cobradas

    pelos entes pblicos, so os seguintes aspectos: (i) serem

    receitas prprias que se destinam a financiar entidades pblicas

    no territoriais, (ii) no serem bilaterais nem unilaterais, (iii)

    no assentarem na obteno pelo sujeito passivo de benefcios

    ou aumentos de valor dos seus bens em resultado de obras

    13 Cfr. Canotilho, J.J.G. & V. Moreira (2007), 1095-1096.

  • 3210 | RIDB, Ano 1 (2012), n 6

    pblicas ou da criao ou ampliao de servios pblicos ou no

    especial desgaste de bens pblicos ocasionados pelo exerccio

    de uma actividade e (iv) incidirem sobre determinado grupo de

    contribuintes, geralmente sujeitos s atribuies da entidade

    beneficiria ou que com as quais apresentam determinada

    conexo14

    .

    Atento o facto de ainda no existir um regime geral das

    contribuies financeiras, a doutrina entende que estas devem

    ser criadas por lei da Assembleia da Repblica ou por decreto-

    lei autorizado, sob pena de inconstitucionalidade orgnica.

    Suzana Tavares da Silva, bem como Srgio Vasques, entre

    outros, defendem, at, que, enquanto no for criado o referido

    regime geral, as contribuies financeiras seguem o regime

    jurdico dos impostos15

    .

    Vejamos de seguida qual a natureza da taxa sobre a

    comercializao de produtos cosmticos e de higiene corporal,

    luz desta caracterizao sumria.

    3.2.2. DA NATUREZA DA TAXA SOBRE A

    COMERCIALIZAO DE PRODUTOS COSMTICOS E

    DE HIGIENE CORPORAL

    Como se referiu a questo na natureza jurdica deste

    tributo mais uma questo doutrinria do que jurisprudencial.

    Com efeito, o Supremo Tribunal Administrativo, em

    acrdo de 4 de Junho de 2003, proferido no processo n.

    61/03, fundamenta o seu entendimento nas consideraes que

    resumidamente se enunciam:

    - A taxa distingue-se do imposto pela

    14 Ver a nossa tese de mestrado subordinada ao ttulo Com um Regime Geral por Horizonte: Contributo para a Definio do Parmetro de Igualdade e da Base de

    Clculo das Demais Contribuies Financeiras a Favor das Entidades Pblicas (Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa). 15 Vasques, S. (2008), 244. Silva, S. T. (2008), 12. Canotilho, J.J.G. & V. Moreira

    (2007), 1095-1096.

  • RIDB, Ano 1 (2012), n 6 | 3211

    bilateralidade ou unilateralidade, respectivamente;

    - A taxa, ao contrrio do imposto, implica correspectividade entre duas prestaes, a do utente do servio

    e a do Estado ou outra entidade pblica.

    - Esta correspectividade tem uma vertente substancial ou material, embora no v to longe quanto os

    contratos sinalagmticos, porque no h uma equivalncia

    econmica rigorosa entre o valor do servio e o montante da

    quantia a pagar, podendo at esta ser bastante superior ao custo

    daquele, excepto no caso de desproporo intolervel. - O n. 1 do artigo 72. da Lei n. 3-B/2000,

    destina este tributo ao sistema de garantia da qualidade e segurana de utilizao daqueles produtos, realizao de

    estudos de impacte social e aces de formao para os agentes

    de sade e consumidor, a realizar pelo Infarmed, pelo que se visa, fundamentalmente, concretizar a proteco da sade

    pblica, defendendo-a e promovendo-a, nos termos

    constitucionais16

    , o que passa nomeadamente por assegurar a

    garantia de que os produtos de sade se encontram conformes

    s exigncias legais.

    - Os beneficirios directos do tributo no so os respectivos importadores ou produtores mas os cidados

    utentes ou consumidores ou a comunidade beneficiria directa

    do sistema, pelo que no existe uma vantagem especfica para

    o devedor individualmente considerado, surgida da

    correspondente actividade pblica e, assim, da contraprestao

    de um servio prestado com vantagens imediatas para os a ela

    sujeitos.

    - Pelo contrrio, do que se trata de financiar uma actividade do Estado vocacionada para a satisfao de

    necessidades pblicas em geral: garantia da qualidade e

    segurana de utilizao dos respectivos produtos e realizao

    dos ditos estudos e aces de formao.

    16 Artigo 64. da Constituio da Repblica.

  • 3212 | RIDB, Ano 1 (2012), n 6

    Continua, depois, negando qualquer relao bilateral ou

    sinalagmtica entre o pagamento do utente do servio pblico e

    a actividade prestada pelo INFARMED, I.P., bem como

    qualquer propsito de remoo de um obstculo jurdico

    actividade do particular, concluindo com a afirmao de que se

    est perante um imposto ou um tributo sujeito a regime

    constitucional semelhante.

    Por seu turno, o Tribunal Constitucional, no acrdo n.

    127/2004, mais assertivo quando afirma que se trata de um

    imposto que visa tributar o consumo de certos produtos de sade (imposto indirecto sobre o consumo), cujos sujeitos passivos so os produtores e importadores, ou seus representantes, de produtos de sade colocados no mercado (que naturalmente o repercutiro no consumidor final, pelo

    que este assim o seu sujeito econmico)17

    .

    Devemos notar que este entendimento jurisprudencial

    no anda longe do que resulta do preceituado no artigo 4. da

    Lei Geral Tributria, no que respeita s diferenas entre

    imposto e taxa.

    O entendimento destes dois Tribunais Superiores foi

    sufragado em dezenas de acrdos e decises sumrias 18/19

    .

    17 Dourado, A.P. (2007), 119 e ss. Vasques, S. (2004), 167 e ss. 18 - Acrdo do Supremo Tribunal Administrativo de 4 de Junho de 2003, proferido

    no Recurso n. 61/03, em que foi Relator o Exmo. Conselheiro Brando de Pinho;

    - Acrdo do Supremo Tribunal Administrativo de 9 de Julho de 2003, proferido no Recurso n. 439/03, em que foi Relator o Exmo. Conselheiro Antnio Pimpo;

    - Acrdo do Supremo Tribunal Administrativo de 15 de Outubro de 2003, proferido no Recurso n. 1063, em que foi Relator o Exmo. Conselheiro Baeta de

    Queiroz;

    - Acrdo do Supremo Tribunal Administrativo de 22 de Outubro de 2003, proferido no Recurso n. 438/03, em que foi Relator o Exmo. Conselheiro Alfredo

    Madureira;

    - Acrdo do Supremo Tribunal Administrativo de 29 de Outubro de 2003, proferido no Recurso n. 1061/03, em que foi Relator o Exmo. Conselheiro Vitor

    Meira;

    - Acrdo do Supremo Tribunal Administrativo de 29 de Outubro de 2003, proferido no Recurso n. 1060/03, em que foi Relator o Exmo. Conselheiro Vitor

    Meira;

  • RIDB, Ano 1 (2012), n 6 | 3213

    Os argumentos que presidiram a tais decises judiciais

    procedem igualmente no que respeita taxa sobre a

    comercializao de produtos cosmticos e de higiene corporal

    criada pelo Decreto-Lei n. 312/2002, de 20 de Dezembro. Isto

    mesmo tem vindo a ser confirmado por diversos acrdos do

    Tribunal Central Administrativo do Sul, proferidos ao longo

    dos ltimos trs anos20

    . - Acrdo do Supremo Tribunal Administrativo de 5 de Novembro de 2003, proferido no Recurso n. 437/03 - 30, em que foi Relator o Exmo. Conselheiro

    Mendes Pimentel;

    - Acrdo do Supremo Tribunal Administrativo de 3 de Dezembro de 2003, proferido no Recurso n. 434/03 - 30, em que foi Relator o Exmo. Conselheiro

    Almeida Lopes;

    - Acrdo do Supremo Tribunal Administrativo de 3 de Dezembro de 2003, proferido no Recurso n. 435/03 - 30, em que foi Relator o Exmo. Conselheiro

    Almeida Lopes;

    - Acrdo do Supremo Tribunal Administrativo de 21 de Janeiro de 2004, proferido no Recurso n. 1638/03 30, em que foi Relator o Exmo. Conselheiro Brando de Pinho;

    - Acrdo do Supremo Tribunal Administrativo de 21 de Janeiro de 2004, proferido no Recurso n. 307/03 - 30, em que foi Relator o Exmo. Conselheiro

    Pimenta do Vale;

    - Acrdo do Supremo Tribunal Administrativo de 11 de Fevereiro de 2004, proferido no Recurso n. 1636/03, em que foi Relator o Exmo. Conselheiro Almeida

    Lopes;

    - Acrdo do Supremo Tribunal Administrativo de 18 de Fevereiro de 2004, proferido no Recurso n. 1834/03 - 30, em que foi Relator o Exmo. Conselheiro

    Mendes Pimentel;

    - Acrdo do Supremo Tribunal Administrativo de 3 de Dezembro de 2003, proferido no Recurso n. 1065/03, em que foi Relator o Exmo. Conselheiro Antnio

    Pimpo.

    - Acrdo do Supremo Tribunal Administrativo de 10 de Dezembro de 2003, proferido no Recurso n. 1639/03, em que foi Relator o Exmo. Conselheiro Alfredo

    Madureira;

    - Acrdo do Supremo Tribunal Administrativo de 12 de Novembro de 2003, proferido no Recurso n. 1065/03, em que foi Relator o Exmo. Conselheiro Mendes

    Pimentel; 19 Acrdos do Tribunal Constitucional n.s 134/04, 162/04, 164/04, 165/04, 166/04,

    167/04, 168/04, 178/04, 190/04, 191/04, 193/04, 194/04, 195/04, 206/04, 248/04,

    247/04, 249/04, 250/04, 305/04. 20 Veja-se, por todos, o recente acrdo de 18/09/2012 do Tribunal Central

    Administrativo do Sul, proferido no processo n. 05131/11, bem como a

    jurisprudncia nele citada.

  • 3214 | RIDB, Ano 1 (2012), n 6

    Ora, se certo que a jurisprudncia no vai tendo grandes

    dvidas em qualificar este tributo como imposto, no menos

    verdade que na doutrina no existe unanimidade na abordagem.

    H quem considere este tipo de tributos no como um imposto

    mas como uma contribuio financeira: o caso de Srgio

    Vasques, que j sobre eles teve oportunidade de se pronunciar

    mais do que uma vez21

    .

    O entendimento de que se trata de contribuio financeira

    assenta essencialmente em duas ordens de consideraes, a

    saber: por um lado, que se est perante uma taxa de

    coordenao econmica; por outro, que o prprio legislador se

    preocupou, logo no prembulo do Decreto-Lei n. 312/2002, de

    20 de Dezembro, em legitimar materialmente os tributos nele

    previstos, incluindo o que ora nos ocupa, reforando a ideia de

    que os mesmos constituem uma contrapartida de prestaes

    previstas no mesmo diploma, que aproveitam ao conjunto de

    operadores econmicos. O Autor retira destes aspectos aquele

    que considera ser o fundo paracomutativo prprio das

    contribuies financeiras, decorrente de algum sinalagma entre

    o pagamento do tributo e as prestaes que presumivelmente o

    grupo dos seus sujeitos passivos receber do INFARMED, I.P.

    Julgamos, porm, que se trata de uma concluso

    inadequada. Por vrias ordens de razes.

    Em primeiro lugar, porque as taxas sobre a

    comercializao a que nos vimos referindo qualquer das que referimos no revestem as caractersticas prprias das taxas de coordenao ou regulao econmica. De facto, enquanto

    estas tm uma vocao generalista, em termos de onerao de

    todas as entidades sujeitas aos poderes de regulao e

    superviso, j aquelas tm uma vocao meramente parcelar,

    focalizada em certas categorias de produtos, deixando de fora

    da sua base tributvel subjectiva largas parcelas de operadores

    21 Vasques, S. (2004), 164 e ss; Vasques, S. (2008), 191 e ss.

  • RIDB, Ano 1 (2012), n 6 | 3215

    econmicos sujeitos s atribuies do INFARMED, I.P.22

    .

    Basta recordar que esto tambm sujeitos aos poderes de

    regulao e superviso do INFARMED, I.P., os fabricantes e

    distribuidores de medicamentos e produtos de sade, bem

    como as farmcias, e que na esmagadora maioria dos casos salvo, talvez, alguns fabricantes e distribuidores nenhuma destas entidades sujeito passivo de qualquer daqueles

    tributos.

    Acresce que, nas taxas de coordenao econmica, tal

    como nas quotizaes para as Ordens profissionais, se visa

    apenas tributar o regulado atenta a presuno de que o mesmo desfruta de um benefcio ou provoca maiores despesas

    decorrente da actividade reguladora e no o consumidor final. Pelo contrrio, no que respeita s taxas sobre a

    comercializao, o que se visa tributar o consumidor final.

    Tanto assim que, na taxa sobre a comercializao de

    medicamentos, este tributo , como se salientou supra, um dos

    componentes do preo de venda ao pblico. Ora, tendo em

    conta que, como vimos, esta taxa serviu de paradigma para as demais taxas sobre a comercializao que constituem receita prpria do INFARMED, I.P., foroso concluir que na

    mens legislatoris estava claramente subjacente o propsito de

    repercusso deste tributo sobre o consumidor final.

    Em segundo lugar, ao contrrio do que defende o referido

    Autor, no exacta a afirmao de que os beneficirios das

    prestaes que o tributo se destina a financiar sejam os seus

    sujeitos passivos. Como se referiu, so os consumidores dos

    produtos tributados e os profissionais de sade e no os regulados ou sujeitos passivos do tributo que beneficiam das prestaes pblicas que ao INFARMED, I.P., cabe assegurar e

    que, em suma, se reconduzem s atribuies legais desta 22 Cfr., a propsito das taxas devidas pela regulao e superviso da Entidade

    Reguladora para a Comunicao Social, o n. 2 do artigo 4. e o artigo 5. do

    Regulamento aprovado pelo Decreto-Lei n. 103/2006, de 7 de Junho, alterado pelo

    Decreto-Lei n. 70/2009, de 31 de Maro, e a Portaria n. 653/2006, de 29 de Junho.

  • 3216 | RIDB, Ano 1 (2012), n 6

    entidade. De facto e como certeiramente notou o Tribunal

    Constitucional, os destinatrios da actividade do INFARMED,

    I.P., que as taxas se destinam a financiar so o pblico em geral

    e os utilizadores dos produtos sobre cujas vendas incidem.

    Tanto assim que no n. 2 do artigo 1 do Decreto-Lei n.

    312/2002, de 20 de Dezembro, se afirma que a taxa constitui contrapartida do adequado controlo dos respectivos produtos

    de sade, com a execuo de aces inspectivas de carcter

    aleatrio e subsequente controlo laboratorial dos produtos

    colocados no mercado, visando garantir a qualidade e

    segurana da utilizao dos mesmos, bem como da realizao

    das aces de informao e formao que visem a proteco

    da sade pblica e dos utilizadores. Ou seja, visam-se duas ordens de objectivos, a saber: (i) a qualidade e segurana da

    utilizao destes produtos e (ii) a proteco da sade pblica e

    dos utilizadores.

    Parece, pois, no restarem dvidas de que o objectivo

    deste tributo tal como das demais taxas sobre comercializao que constituem receita prpria do

    INFARMED, I.P., financiar a realizao pelo INFARMED, I.P., de algumas das suas atribuies legais previstas nas

    alneas e) a g) do n. 2 do artigo 3. do Decreto-Lei n. 46/2012,

    de 24 de Fevereiro, a saber: garantir a qualidade, segurana,

    eficcia e custo-efectividade dos medicamentos de uso

    humano, dispositivos mdicos e produtos cosmticos e de

    higiene corporal; monitorizar o consumo e utilizao de

    medicamentos; e promover o acesso dos profissionais de sade

    e dos consumidores s informaes necessrias utilizao

    racional de medicamentos de uso humano, dispositivos

    mdicos e produtos cosmticos e de higiene corporal.

    Em terceiro lugar, nas contribuies financeiras a favor

    das entidades de coordenao e regulao econmica existe,

    em regra, uma prestao a favor do grupo de sujeitos passivos,

    ou uma outra conexo relevante, que permite justificar, sob o

  • RIDB, Ano 1 (2012), n 6 | 3217

    ponto de vista material, a sua sujeio ao tributo.

    Porm, tal j no acontece com as taxas sobre a

    comercializao. Com efeito e conforme tambm foi salientado

    pelo Tribunal Constitucional, do Decreto-Lei n. 312/2002, de

    20 de Dezembro, no resulta qualquer obrigao especial de

    realizao regular e contnua das actividades que nele so

    previstas como devendo ser asseguradas pelo INFARMED,

    I.P., alem de que os destinatrios desta actividade so os

    profissionais de sade e o pblico em geral; no so os sujeitos

    passivos. Mesmo o fornecimento pelo INFARMED, I.P., aos

    sujeitos passivos da taxa, de alguns elementos previstos no

    Decreto-Lei n. 312/2002, de 20 de Dezembro, s devido se e

    quando a mesma Autoridade Nacional realizar os estudos

    previstos no mesmo diploma, cuja realizao, repete-se, no

    tem carcter regular e contnuo nem tem periodicidade ou

    quantidade obrigatrias.

    Temos, pois, para ns que tal como igualmente reconheceram o Supremo Tribunal Administrativo e o Tribunal

    Constitucional o fundo paracomutativo, ou o carcter bilateral e sinalagmtico com o grupo de sujeitos passivos, no

    existe no caso dos tributos em apreo. Alis, cabe referir que a

    taxa sobre a comercializao de produtos cosmticos e de

    higiene corporal substancialmente diversa da antiga taxa a

    favor da extinta Comisso Reguladora dos Produtos Qumicos

    e Farmacuticos, quanto s suas caractersticas e finalidades,

    no podendo partir-se desta para classificar a actual como taxa

    de regulao.

    Deve, ainda, notar-se o facto de a doutrina estar dividida

    na classificao a atribuir s contribuies: geralmente

    distinguem-nas em contribuies especiais e demais

    contribuies financeiras e, dentro daquelas, entre

    contribuies de melhoria e contribuies para maiores

    despesas23

    . No entanto, estas ltimas so consideradas

    23 Sanches, J.L.S. (2007), 22 e ss. Carlos, A.F.B. (2008), 39 e 48 e ss., refere-se

  • 3218 | RIDB, Ano 1 (2012), n 6

    impostos pelo artigo 4., n. 3, da Lei Geral Tributria. Alguns,

    depois de diversas consideraes sobre estas distines,

    reconduzem estes tributos dicotomia impostos ou taxas24

    .

    Outros defendem que, at aprovao do regime geral das

    contribuies financeiras, estas devem seguir o regime dos

    impostos25

    .

    3.2.3. POSIO ADOPTADA QUANTO NATUREZA DO

    TRIBUTO

    Pela nossa parte, consideramos que existem mais

    argumentos a favor da classificao da taxa sobre a

    comercializao de produtos cosmticos e de higiene corporal

    como imposto do que como contribuio financeira.

    Para o efeito, julgamos dever fazer-se uma anlise do

    modo como o legislador estruturou o tributo, em vez de

    procurar catalog-lo primeiro, com base apenas num elemento,

    sem ter em conta todos os demais elementos que devero ser

    apreciados.

    Desde logo, parece-nos no ser determinante, por sis s,

    para a classificao de certo tributo como contribuio

    financeira, o facto de a receita ser consignada a uma entidade

    pblica diferente da pessoa colectiva Estado. Basta recordar a

    consignao de receitas de impostos a favor das autarquias

    locais, para se concluir que a expresso demais contribuies financeiras a favor das entidades pblicas parece pouco acrescentar caracterizao do tributo, ou seja, no apenas

    pelo facto de um tributo ter a sua receita consignada a uma contribuies financeiras como integrando as especiais mas depois socorre-se do n.

    3 do artigo 4. da Lei Geral Tributria para, por via da equiparao destas a

    impostos, justificar a sua obedincia ao princpio da legalidade. Nabais, J.C. (2005),

    443 e ss., fala em figuras prximas dos impostos, designadamente alicerando-se na

    jurisprudncia do Tribunal Constitucional sobre alguns destes tributos. 24 o caso de Nabais, J.C. (2009), 33. 25 Cfr. Silva, S.T. (2008), 11-12 e 44 e ss e Canotilho, J.J.G. & V. Moreira (2007),

    1095.

  • RIDB, Ano 1 (2012), n 6 | 3219

    entidade pblica diferente da pessoa colectiva Estado que o

    mesmo deve ser caracterizado como contribuio financeira.

    Depois, parece-nos que a existncia de um fundo

    comutativo ou paracomutativo igualmente no determinante para a classificao de um tributo como

    contribuio financeira. Basta recordar que existem alguns

    impostos, incluindo os especiais de consumo, aos quais a

    doutrina reconhece um fundo comutativo. Alis, Saldanha

    Sanches classifica o Imposto Municipal sobre Imveis e os

    impostos especiais sobre o consumo como tributos

    comutativos26

    . Por isso, no o facto de a receita de um tributo

    ser consignada a uma entidade pblica especfica ou o facto de

    o mesmo ter um longnquo carcter comutativo ou paracomutativo, se quisermos que o torna uma contribuio financeira.

    Por outro lado, no o facto de o legislador baptizar

    determinado tributo de imposto ou de taxa que o tornam ipso

    facto num imposto ou numa taxa.

    Tambm no pelo facto de o tributo ter uma base de

    incidncia objectiva ad valorem que o mesmo classificado de

    imposto, na medida em que, como sabido, existem impostos

    especiais de consumo que tm uma base ad valorem e outros

    que tm uma base unitria, assente no benefcio ou no custo27

    .

    Mais: no pelo facto de o legislador ter identificado

    como sujeitos passivos de um tributo um determinado conjunto

    de pessoas que poder de imediato afirmar-se que os mesmos

    so os contribuintes de facto ou seja, aqueles que o legislador visou efectivamente tributar e que, nessa medida, se est

    perante uma contribuio financeira porque est identificado

    um grupo de sujeitos passivos. que existem exemplos em que

    o legislador identifica certos sujeitos passivos mas no

    26 Sanches, J.L.S. (2007), 53. Vasques, S. (2008), 206 e ss. 27 Como se sabe, o imposto especial sobre o tabaco tem uma base ad valorem. Cfr.

    Vasques, S. (2008), 475.

  • 3220 | RIDB, Ano 1 (2012), n 6

    pretende efectivamente que os mesmos suportem a carga

    tributria, antes funcionando esses sujeitos quase como que

    substitutos tributrios, ou seja, como entidades obrigadas

    liquidao, cobrana e entrega ao Estado da receita do tributo.

    Estamos a pensar no caso do IVA, em que o legislador

    pretende que seja o consumidor final a suportar a carga

    tributria mas erige como sujeitos passivos do tributo todos os

    operadores econmicos que intervm no circuito, desde o

    fabricante at ao ltimo retalhista, obrigando-os a liquidar e

    cobrar o imposto, deduzido do que tiverem pago a montante, e

    a entreg-lo ao Estado.

    Alis, a soluo a que recorreu o legislador nas taxas

    sobre a comercializao tambm foi ditada por razes de

    praticabilidade28

    . Tanto assim que o mesmo resolveu erigir

    como sujeitos passivos os sujeitos que efectivassem a primeira

    venda em territrio portugus, em vez de adoptar, no limite, a

    possibilidade situada no extremo oposto, que seria erigir como

    sujeito passivo o consumidor final ou o ltimo retalhista. F-lo

    partindo do princpio que, quer ao nvel da liquidao e

    cobrana quer ao nvel do controlo do cumprimento da lei,

    seria mais praticvel e mais eficaz que tais operaes se

    situassem ao nvel de algumas centenas de entidades os sujeitos passivos do tributo do que, potencialmente, ao nvel dos dez milhes de residentes em Portugal, a que acresceriam

    as pessoas colectivas nele sedeadas.

    Alm disso, o tributo em apreo incide sobre certo

    volume de vendas de determinados produtos e no sobre o

    exerccio de determinada actividade regulatria prestada pelo

    INFARMED, I.P., a favor dos sujeitos passivos da taxa sobre a

    comercializao de produtos cosmticos e de higiene corporal.

    H, pois, que atender a todas as caractersticas do tributo

    em causa por forma classific-lo numa das trs categorias

    28 Para maiores desenvolvimentos sobre o tema da praticabilidade, ver Dourado,

    A.P. (2007), 672.

  • RIDB, Ano 1 (2012), n 6 | 3221

    previstas na Constituio da Repblica.

    Feita essa anlise, afigura-se-nos que o tributo dever ser

    classificado como imposto, taxa ou contribuio financeira

    consoante a preponderncia dos seus traos distintivos. Ou

    seja: se se tratar de um tributo marcadamente unilateral, com

    base de incidncia ad valorem relativamente generalidade dos

    produtos ou servios, assente essencialmente na capacidade

    contributiva revelada na aquisio, tendo por sujeitos passivos

    a generalidade dos residentes, sujeito a uma taxa progressiva

    ou no, com a receita consignada a favor do Estado, estaremos

    certamente perante um imposto. Se, por outro lado, estivermos

    perante um tributo cobrado por uma qualquer entidade pblica

    como constituindo o custo administrativamente fixado pela

    prestao de um servio pblico, pela utilizao de um

    qualquer bem pblico ou pela remoo de um obstculo

    jurdico ao comportamento dos particulares, (v.g. o custo da

    emisso de uma certido ou de uma fotocpia autenticada, o

    custo do estacionamento em determinado parque pblico ou a

    emisso de uma licena), que no dever ter base ad valorem

    mas no dever exceder de forma ostensiva o referido custo,

    estaremos perante uma taxa.

    No intervalo entre estes dois limites, que diramos

    extremos, temos ainda toda uma panplia de tributos

    classificveis como impostos e taxas, bem como classificveis

    como contribuies financeiras, que podero apresentar,

    nalguns casos, traos caractersticos mais prximos dos

    impostos e, noutros, mais prximos das taxas bilaterais.

    No caso das taxas sobre a comercializao, sobressaem,

    em nossa opinio, os seguintes aspectos: (i) o contribuinte de

    facto o consumidor final que adquire os produtos a elas

    sujeitos; (ii) os sujeitos passivos auto-liquidam e pagam ao

    INFARMED, I.P., o tributo que j incluram no preo de venda

    e que repercutido no consumidor final; (iii) o tributo tem uma

    base ad valorem; (iv) os sujeitos passivos do tributo no tm

  • 3222 | RIDB, Ano 1 (2012), n 6

    direito a qualquer contrapartida especfica obrigatria por parte

    do INFARMED, I.P.; (v) so os consumidores finais e os

    profissionais de sade os destinatrios da actividade do

    INFARMED, I.P., que, no exerccio das suas atribuies legais,

    deve verificar e controlar a qualidade, eficcia, segurana e o

    cumprimento das demais obrigaes legais por parte dos

    produtos sobre cuja venda incidem os tributos; (vi) a receita

    cobrada destina-se a financiar a prossecuo de atribuies

    gerais que ao Estado incumbem e que so em concreto

    asseguradas pelo INFARMED, I.P., como seja a proteco da

    sade pblica.

    Acresce que, tal como acontece com outros produtos

    sujeitos a impostos especiais sobre o consumo, os produtos

    farmacuticos, pelos riscos que lhes so inerentes, no so

    equiparveis a uma qualquer mercadoria. Por isso, os

    respectivos preos, e a carga tributria que sobre eles incide,

    tm sempre um objectivo extrafiscal de moderao do consumo

    e de onerao dos consumos de luxo.

    Consideramos, pelo exposto, que, atentas as

    caractersticas do tributo em causa, a taxa sobre a

    comercializao de produtos cosmticos e de higiene corporal

    um imposto especial sobre o consumo e no uma contribuio

    financeira, subscrevendo-se o entendimento da jurisprudncia

    citada.

    Naturalmente que, sob o ponto de vista formal, a

    classificao deste tributo como imposto no levanta especial

    dificuldade, na medida em que o mesmo consta de decreto-lei

    autorizado, encontrando-se, por isso, cumprido o princpio da

    legalidade. Suscita-se, de seguida, a questo da legitimao

    material do tributo no confronto com a Constituio.

    3.3. CAPACIDADE CONTRIBUTIVA OU

    EQUIVALNCIA?

  • RIDB, Ano 1 (2012), n 6 | 3223

    O princpio da igualdade constitui um dos pilares

    fundamentais do direito tributrio. O mesmo encontra-se

    consagrado no artigo 13. da Constituio da Repblica

    Portuguesa e tem aplicao transversal, inclusivamente em

    matria tributria. No essencial, este princpio postula que se

    trate de modo igual o que igual e se trate de modo diferente o

    que objectivamente diverso29

    .

    No mbito do direito tributrio, o princpio da igualdade

    constitui um limite material, de natureza constitucional, ao

    poder de conformao do legislador ordinrio em matria de

    criao e definio dos tributos30

    . O tributo deve ser geral no sentido de se aplicar a todos os cidados e deve ser uniforme no sentido de tributar de igual modo que se encontre em idntica situao e de modo proporcionalmente diverso quem

    se encontre em situao diversa31

    . Estas regras s podem ser

    derrogadas com fundamento material bastante. No entanto,

    tendo em conta a referida liberdade de conformao na escolha

    pblica dos grupos de cidados a onerar, bem como da medida

    do tributo, a probabilidade de funcionamento deste limite

    material em sede jurisprudencial relativamente reduzida e

    com base em fundamentos meramente formais.

    Este afastamento do princpio da generalidade deve

    assentar em justificao material bastante, nomeadamente na

    presuno de que certo grupo provoca ou aproveita da

    actividade pblica em termos que fundamentam a sua

    tributao.

    Quanto segunda perspectiva, coloca-se a questo da

    adequao da medida do tributo a aplicar a cada sujeito

    passivo.

    No que respeita taxa sobre a comercializao de

    29 Franco, A.L.S. (1982), 308 e ss; Canotilho, G. & V. Moreira (2007), 333 e ss;

    Miranda, J. & R. Medeiros (2010), 220 e ss. 30 Vasques, S. (2001), 94 e ss; Arajo, F. (2005), 519 e ss; Vasques, S. (2008a), 38 e

    ss; Catarino, J.R. (2008), 43-58; Sanches, J.L.S. (2010), 19 e ss. 31 Vasques, S. (2001), 94 e ss.

  • 3224 | RIDB, Ano 1 (2012), n 6

    produtos cosmticos e de higiene corporal, j se referiu que a

    mesma se abate sobre os responsveis pela colocao no

    mercado nacional dos mesmos produtos, que so os

    contribuintes de direito, mas dada a repercutibilidade no

    consumidor final, este o contribuinte de facto. J referimos

    tambm que esta soluo ditada por razes de praticabilidade,

    na medida em que mais eficiente a fiscalizao da liquidao

    e cobrana do tributo junto de algumas centenas de sujeitos

    passivos do que junto de cada contribuinte portugus que

    adquira um destes produtos.

    Veremos de seguida, se, no caso destas taxas sobre a

    comercializao e no que respeita medida do tributo, a

    mesma dever ser aferida por referncia ao princpio da

    igualdade na vertente da capacidade contributiva ou ao

    princpio da igualdade na vertente da equivalncia.

    J defendemos supra que, em nossa opinio, o tributo que

    vimos apreciando um imposto especial de consumo e no

    uma contribuio financeira. No entanto e como igualmente

    salientmos, existe um sector da doutrina que poderemos designar por Escola da Lisboa, por oposio de Coimbra que entende que as contribuies financeiras so tributos

    comutativos ou paracomutativos e, por isso, devem ter uma

    base de incidncia unitria e no ad valorem e, para o que ora

    nos interessa, ser aferidos luz do princpio da igualdade na

    vertente da equivalncia.

    Tal como defendemos a propsito da caracterizao deste

    tributo, parece-nos que tambm aqui no existe um dogma que

    inequivocamente aponte num ou noutro sentido. De facto,

    longe de termos preto ou branco, temos aqui um largo espectro

    com vrias graduaes de cinzento.

    A Escola de Lisboa defende que os tributos comutativos

    e paracomutativos v.g. taxas bilaterais e, segundo a mesma Escola, as contribuies financeiras

    32 devem ter base de

    32 H tambm quem assim considere os impostos especiais de consumo.

  • RIDB, Ano 1 (2012), n 6 | 3225

    incidncia unitria e no ad valorem33

    .

    Julgamos, porm, no ser assim. Na realidade, no pelo

    facto de um tributo ser comutativo que no pode ter uma base

    de incidncia ad valorem e que tem de ser aferido luz do

    princpio da igualdade na vertente da equivalncia. A este

    propsito refira-se que, embora o diploma que aprovou o

    Cdigo dos Impostos Especiais de Consumo refira que estes

    tributos assentam num princpio legitimador distinto do da capacidade contributiva, um princpio de equivalncia ou

    benefcio, o certo que o imposto especial sobre o tabaco tem uma base ad valorem.

    Tanto quanto julgamos saber, a receita a cobrar ao abrigo

    deste tributo no oramentada exclusiva, ou principalmente,

    com base na previso dos custos efectivamente suportados pelo

    Servio Nacional de Sade e pela sociedade decorrentes do

    consumo de tabaco. O mesmo se diga quanto aos outros dois

    impostos codificados o imposto sobre lcool e as bebidas alcolicas e o imposto sobre produtos petrolferos e energticos

    no que respeita quantificao dos custos induzidos para o Estado pelo consumo destes produtos.

    No caso das taxas sobre a comercializao e para a

    doutrina que vimos referindo, o facto de as mesmas terem uma

    base de incidncia ad valorem seria inadequado e a sua

    legitimao luz do princpio da igualdade deveria fazer-se

    recorrendo ao princpio da igualdade na vertente da

    equivalncia, atento o facto de isolarem um grupo de sujeitos

    passivos para o tributar de modo especial. Argumenta ainda a

    mesma doutrina que o princpio da igualdade na vertente da

    capacidade contributiva no adequado para aferir a igualdade

    nos impostos especiais sobre o consumo ou nas contribuies

    financeiras.

    Ora, j referimos supra que, no caso das taxas sobre a

    comercializao, os contribuintes de facto no coincidem com

    33 Vasques, S. (2004), 184. Vasques, S. (2008), 465 e ss.

  • 3226 | RIDB, Ano 1 (2012), n 6

    os sujeitos passivos. Por isso, no se est a tributar

    especialmente este grupo de sujeitos passivos mas sim os

    consumidores dos produtos sujeitos ao tributo. Falha, por isso,

    desde logo bilateralidade ou paracomutatividade que justificaria a responsabilidade grupal ou a presuno de que

    certo grupo provoca ou aproveita da actividade pblica em

    termos que fundamentam a sua tributao.

    Alis, incidindo o tributo sobre a aquisio de certos

    produtos, aceitvel e adequado que se tribute a capacidade

    contributiva especialmente revelada na aquisio dos mesmos.

    O que parece no fazer qualquer sentido seria adoptar-se uma

    tributao pea ou seja, certo valor por cada produto na medida em que o mesmo poderia revelar-se irrisrio ou

    excessivo em funo do preo do produto; basta pensar-se num

    tributo de 50 cntimos de euro por cada produto cosmtico e de

    higiene corporal para se concluir pela sua excessividade, no

    caso de uma pasta de dentes que custa 2 euros que hoje um objecto de primeira necessidade e essencial promoo da

    sade pblica ou pela sua insignificncia no caso de um perfume que custe 75 euros ou mais que estar muito mais prximo do que poder considerar-se um produto de luxo, cuja

    relevncia para a promoo da sade pblica nula ou mais

    reduzida do que a da pasta de dentes.

    Por outro lado, a base de incidncia das designadas taxas

    de coordenao ou regulao econmica varia consoante o seu

    regime legal. Temos desde as verdadeiras taxas bilaterais com

    base unitria como contribuies financeiras cuja base de

    incidncia pode ser unitria, ou ad valorem ou, ainda, ad

    valorem mitigada com limites mnimos e ou mximos (caso

    das taxas a favor da Comisso de Mercado de Valores

    Mobilirios34

    ), bem como bases que assentam noutros critrios

    34 Cfr. o artigo 25.-A do Estatuto aprovado pelo Decreto-Lei n. 473/99, de 8 de

    Novembro, j trs vezes alterado, a ltima das quais pelo Decreto-Lei n. 169/2008,

    de 26 de Agosto.

  • RIDB, Ano 1 (2012), n 6 | 3227

    (caso das taxas a favor da Entidade Reguladora da

    Comunicao Social35

    ).

    Com efeito, a base de clculo unitria ser tanto mais

    adequada quanto menos variar o benefcio aproveitado, ou o

    custo causado, por cada membro do grupo de sujeitos passivos.

    Alis, a base de clculo unitria s poder ser verdadeiramente

    adequada, se se pretender fazer incidir a alquota ou o valor do

    tributo sobre um indicador invarivel da actividade

    presumivelmente desenvolvida pela entidade pblica a favor

    dos sujeitos passivos do tributo, ou sobre um indicador de

    unidades fsicas, ou de medida, e desde que no exista

    diferenciao no contributo de cada sujeito passivo para o

    custo da actividade do ente pblico ou no benefcio decorrente

    desta actividade.

    Se, pelo contrrio, a actividade desenvolvida pela

    entidade pblica puder variar sensivelmente de sujeito passivo

    para sujeito passivo e existirem indicadores que apontem para

    essa variao, ou se a prestao pblica for pecuniria e, total

    ou parcialmente, proporcional ao montante do tributo pago,

    tambm no ser adequada a base de clculo unitria36

    .

    Saliente-se, ainda, que a aplicao do princpio da

    igualdade na vertente da equivalncia poder ser tanto mais

    falvel quanto maior for a preponderncia dos objectivos

    extrafiscais na definio dos elementos essenciais de

    determinado tributo37

    . No caso das taxas sobre a

    comercializao de produtos cosmticos e de higiene corporal,

    convm recordar, nomeadamente, o imperativo constitucional

    de onerao do consumo dos produtos de luxo, consagrado no

    n. 4 do artigo 104. da Constituio, bem como a necessidade

    35 Cfr. artigos 6., 50. e 51. dos Estatutos da mesma entidade, aprovados pela Lei

    n. 53/2005, de 8 de Novembro, e o Regime de Taxas aprovado pelo Anexo I ao

    Decreto-Lei n. 103/2006, de 7 de Junho, na verso alterada pelo Decreto-Lei n.

    70/2009, de 31 de Maro, e republicada em anexo a este mesmo diploma. 36 Ver Nota 14. 37 Vasques, S. (2008), 577 e ss.

  • 3228 | RIDB, Ano 1 (2012), n 6

    de introduo de um facto de moderao do consumo, atentos

    os riscos inerentes a estes produtos.

    Deve notar-se, por ltimo, que, nos impostos gerais ou

    especiais sobre o consumo, a aplicao de uma taxa nica no

    viola o princpio da igualdade, exactamente porque a prpria

    diferena entre os valores de dois produtos justifica a sujeio a

    uma carga tributria proporcionalmente diversa em termos de

    valor absoluto.

    Salvos os casos extremos do imposto e da taxa tpicos,

    no parece, pelo exposto, possvel retirar uma regra unvoca

    que permita afirmar com segurana qual o parmetro de

    aferio da igualdade adequado para determinado tributo,

    apenas com base na sua tipologia. De facto e como resulta do

    exposto, nem todos os impostos devem aferir-se pelo princpio

    da igualdade na vertente da capacidade contributiva e nem

    todas as contribuies financeiras devem aferir-se pelo

    princpio da igualdade na vertente da equivalncia.

    Existe actualmente uma outra objeco prtica adopo

    do princpio da igualdade na vertente da equivalncia, mas que

    no de somenos importncia. Como se sabe, a aplicao do

    referido princpio pressupe a avaliao do custo da actividade

    e do tributo pago. Ora, os constrangimentos oramentais

    decorrentes do desgnio nacional de cumprimento das

    obrigaes internacionalmente assumida pelo Estado Portugus

    em matria de controlo da dvida pblica, designadamente no

    Memorando de Entendimento subscrito em Maio de 2011 com

    o Fundo Monetrio Internacional, a Comisso Europeia e o

    Banco Central Europeu, e suas posteriores actualizaes,

    tornam falvel aquela avaliao. De facto, se certo que o

    princpio da igualdade na vertente da equivalncia tem como

    seu campo de aplicao privilegiada o confronto entre a receita

    cobrada e o custo incorrido pela entidade pblica a que a

    mesma receita se destina, no menos verdadeiro que esse

    exerccio se encontra actualmente condicionado e distorcido

  • RIDB, Ano 1 (2012), n 6 | 3229

    pelo facto de existirem orientaes governamentais no sentido

    da reduo da despesa pblica.

    Por isso, no parece possvel aferir com segurana a

    validade ou invalidade de um tributo pelo confronto entre a

    receita que o mesmo gera e a despesa que a entidade, a que a

    mesma receita se destina, suportou em dado perodo. E a razo

    simples: se existem limites ao crescimento da despesa

    decorrentes da necessidade de cumprimento do Memorando de

    Entendimento referido, ser difcil apurar em que medida que

    a despesa efectivamente realizada ficou a dever-se ao estrito

    custo da actividade decorrente dos produtos sujeitos a tributo e

    em que medida que s no houve mais despesa e mais

    actividade que, porventura, eram necessrias com o objectivo de cumprir os limites daquele Memorando.

    Existe ainda uma outra objeco de praticabilidade

    adopo do princpio da igualdade na vertente da equivalncia.

    Estamos a referir-nos ao facto de, por um lado, nem toda a

    Administrao Indirecta do Estado se encontrar dotada de

    contabilidade analtica e de, por outro, a organizao dos

    rgos e servios do Estado nem sempre adoptar uma

    especializao por produtos, em termos que permitam

    identificar com razovel segurana os custos incorridos com o

    exerccio de atribuies relativamente a certa categoria de

    produtos. H, por conseguinte, uma questo de praticabilidade

    que deve ser devidamente ponderada38

    . Alm do que, quando

    estejam envolvidos meios tcnicos de elevado custo e de

    grande depreciao e propenso para a obsolescncia como , por exemplo, o caso dos equipamentos do Laboratrio de

    Comprovao da Qualidade do INFARMED, I.P., difcil determinar em que medida que as contas a considerar

    reflectem, de uma banda, a amortizao desses equipamentos e,

    de outra, a necessidade de reposio a mdio prazo de

    equipamentos equivalentes, mas porventura de preo mais

    38 Dourado, A.P. (2007), 672 e ss.

  • 3230 | RIDB, Ano 1 (2012), n 6

    elevado.

    3.4. POSIO ADOPTADA QUANTO AO PARMETRO

    DE IGUALDADE

    Temos para ns que, salvos os casos dos impostos gerais

    e das verdadeiras taxas bilaterais, o enquadramento de certo

    tributo em determinado tipo imposto especial de consumo ou contribuio financeira no implica forosamente a determinao de qual o parmetro de igualdade a utilizar na sua

    legitimao material. Julgamos, pelo contrrio, que a

    determinao do parmetro de igualdade aplicvel a certo

    tributo dever tal como defendemos para o enquadramento tipolgico do tributo ter em considerao todas as suas caractersticas e objectivos, bem como a praticabilidade do

    parmetro escolhido, face aos constrangimentos

    organizacionais e legais que abrangem a entidade a que est

    afecta a receita, e pressupor um juzo de adequao tendo em

    conta essas mesmas caractersticas, objectivos e

    praticabilidade.

    Ou seja, se um tributo tem uma base ad valorem,

    independentemente de ser um imposto ou uma contribuio

    financeira, provavelmente ser mais adequada a sua aferio

    face ao princpio da igualdade na vertente da capacidade

    contributiva; se o tributo tem uma base especfica, j ser

    provavelmente mais adequada a aferio pelo princpio da

    igualdade na vertente da equivalncia. Parece-nos, pois, que a

    questo dever ser colocada de modo inverso daquele que

    surge colocado na doutrina: no pelo facto de certo tributo ser

    uma contribuio financeira ou um imposto especial de

    consumo que deve ter uma base de incidncia objectiva

    unitria no podendo ter uma base ad valorem e deve ser aferido pelo princpio da igualdade na vertente da equivalncia.

    Pelo contrrio, consideramos que o tributo deve ser aferido

  • RIDB, Ano 1 (2012), n 6 | 3231

    pela vertente da equivalncia, ou do custo ou do benefcio,

    quando tenha uma base de incidncia objectiva unitria, mas j

    dever ser aferido pela vertente da capacidade contributiva

    quando tenha uma base de incidncia objectiva ad valorem.

    Se o tributo tem objectivos extrafiscais no susceptveis

    de determinao da sua exacta medida quantitativa, por

    referncia aos objectivos fiscais, ser porventura mais

    adequado o princpio da igualdade na vertente da capacidade

    contributiva, visto que o critrio do custo ser de muito difcil

    ou impossvel aplicao, porque se torna impossvel determinar

    a parte da receita cobrada que no custo e que visa um

    objectivo extrafiscal e a parte que representa o custo, excedida

    a qual estaremos perante um tributo invlido39

    .

    No que concretamente concerne s taxas sobre a

    comercializao, a base de incidncia ad valorem adequada

    aos propsitos do tributo. Com efeito, como se referiu, no

    ajustada a tributao unitria, produto a produto, na medida em

    que oneraria proporcionalmente mais os produtos de mais

    baixo custo e com maior relevncia para a promoo da sade

    pblica do que os produtos mais caros que, alm de poderem

    implicar reflexos negativos para a sade pblica por poderem conter ingredientes nocivos no tm uma influncia visvel na sua promoo

    40.

    Por outro lado, no se trata de onerar os sujeitos passivos

    do tributo pelos custos acrescidos que causam ou pelo

    benefcio acrescido que obtm da actividade do INFARMED,

    I.P. Do que se trata de tributar o consumidor final pelo

    consumo dos referidos produtos e pela capacidade contributiva

    39 Sobre os objectivos extrafiscais, Teixeira, G. (2008), 31. Carlos, A.F.B. (2008),

    28-38. Sanches, J.L.S. (2007), 30. Nabais, J.C. (2009), 429 e ss. Nabais, JC. (2004),

    634 e ss. 40 Recorde-se que as pastas de dentes, os shampoos, sabonetes, etc., que so

    adequados promoo da higiene bsica e da sade pblica, ficariam

    substancialmente onerados, se se tratasse de uma tributao de base unitria, por

    referncia aos perfumes e outros produtos cosmticos de luxo.

  • 3232 | RIDB, Ano 1 (2012), n 6

    que aquele revela na aquisio de tais produtos. Essa

    capacidade ser tanto maior quanto maior for o preo do

    produto adquirido, pelo que a base de incidncia ad valorem

    adequada.

    Ou seja, no que respeita aos tributos em questo, estamos

    exactamente perante a capacidade contributiva revelada pela

    utilizao do patrimnio que o legislador associa aos impostos,

    no n. 1 do artigo 4. da Lei Geral Tributria.

    Tambm no est em causa a tributao do maior

    benefcio para os bens do sujeito passivo decorrente da

    actividade do INFARMED, I.P., ou a compensao das

    maiores despesas resultantes da actividade de controlo destes

    produtos. Do que se trata do financiamento, em geral, da

    actividade do mesmo Instituto Pblico, recorrendo a um

    conjunto sistemtico de tributos que oneram o consumo dos

    produtos sujeitos s suas atribuies, tendo em vista financiar o

    que, no limite, so atribuies gerais do Estado, como o caso

    da proteco da sade pblica e dos consumidores.

    Existem ainda outras consideraes que apontam para a

    inadequao do princpio da igualdade na vertente da

    equivalncia como parmetro de igualdade nos tributos em

    causa. o caso da inexistncia de contabilidade analtica no

    INFARMED, I.P.; da necessidade de equipamentos de elevado

    valor e de alta taxa de obsolescncia, que implica um

    investimento peridico em novos equipamentos com preos

    geralmente crescentes; e, por ltimo, da necessidade de

    cumprimento das orientaes governamentais tendentes ao

    cumprimento do Memorando de Entendimento.

    Conclui-se, pois, que, quanto taxa sobre a

    comercializao de produtos cosmticos e de higiene corporal,

    o parmetro de aferio da igualdade mais adequado o da

    capacidade contributiva.

    4. O CONFRONTO COM O DIREITO DA UNIO

  • RIDB, Ano 1 (2012), n 6 | 3233

    EUROPEIA

    Outro argumento geralmente utilizado para questionar a

    validade da taxa sobre a comercializao de produtos

    cosmticos e de higiene corporal a sua alegada

    desconformidade com o direito da Unio Europeia e, para o

    que ora nos interessa, com o preceituado nos artigos 30. e

    110. do Tratado sobre o Funcionamento da Unio Europeia

    (TFUE).

    Como se sabe, apesar de a matria tributria no se

    encontrar ainda totalmente harmonizada, doutrina e

    jurisprudncia assente do Tribunal de Justia da Unio

    Europeia (TJUE) que, no exerccio da sua competncia e

    soberania tributrias, os Estados membros devem respeitar o

    direito da Unio Europeia e, nomeadamente, as liberdades

    fundamentais41

    .

    Procuraremos apurar de seguida em que medida que tal

    argumentao , ou no, procedente, no caso em apreo.

    4.1. A LIBERDADE DE CIRCULAO DE

    MERCADORIAS CONSIDERAES GERAIS 41 Kiekebeld, B.J. (2004), 6,7 e 35 e ss., Kasagi, M. & M. Tsugi, E. Giovanetti

    (2004), 168, Sandler, D. (1998), 173, Terra, B.J.M. & P.J.Wattel (2008), 2, 29-31.

    Weber, D. (2005), 2. Metzler, V. E. (2008), 59, Newey, R. (2004), 1. Sanches, J.L.S.

    (2007), 88-91. Pistone, P. (2002), 68. Craig, P. & G. de Brca (2007), 666. Sobre as

    vrias modalidades de soberania fiscal legislativa, administrativa, judicial e quanto s receitas ver Sanches, J.L.S. (2007), 76. Ver ainda Weber, D. (2005), 6, sobre os sentidos tradicionais e actuais de integrao positiva e negativa. Ver tambm

    Warleigh, A. (2004), 113. O Tribunal decidiu em 14/02/1995, no Acrdo

    Schumacker, Proc. n. C-279/93, n. 21, que Embora, no estado actual do direito da Unio Europeia, a matria dos impostos directos no se encontre enquanto tal

    includa na esfera de competncias da Comunidade, no menos certo que os

    Estados-membros devem exercer as competncias que detm respeitando o direito

    da Unio Europeia (v. o acrdo de 4 de Outubro de 1991, Comisso/Reino Unido,

    C-246/89, Colect., p. I-4585, n. 12). Idntico entendimento foi expresso pelo mesmo Tribunal, designadamente, em 29/11/2001, no Acrdo De Coster, Proc. C-

    17/00, n. 25.

  • 3234 | RIDB, Ano 1 (2012), n 6

    A liberdade de circulao de mercadorias resume-se

    essencialmente a dois princpios, um relacionado com a

    remoo de barreiras aduaneiras e outro com a proibio de

    restries quantitativas s importaes e exportaes. O

    primeiro o princpio segundo o qual as mercadorias

    fabricadas ou em livre prtica num Estado membro podem ser

    exportados desse Estado para outro, sem que nenhum desses

    Estados possa impor a esses produtos quaisquer direitos

    aduaneiros ou encargos de efeito equivalente. O segundo,

    probe que, quer o Estado de exportao quer o Estado de

    importao, levantem barreiras artificiais ou restries

    quantitativas circulao dessas mercadorias, ainda que as

    mesmas hajam sido produzidas num terceiro Estado, desde que

    se encontrem e livre prtica no Estado membro de

    exportao42

    .

    Neste quadro, existe um conjunto de disposies que

    visam promover a livre circulao de mercadorias atravs do

    desmantelamento das barreiras fiscais. Assim, o n. 1 do artigo

    28. do Tratado consagra a unio aduaneira, que, na sua

    vertente intracomunitria, pressupe a proibio de direitos

    aduaneiros importao e exportao ou de quaisquer encargos

    de efeito equivalente, e, na sua vertente externa, exige a

    adopo de uma pauta aduaneira comum43

    . Por seu turno, o

    artigo 30. do mesmo Tratado refora a proibio da imposio

    de direitos aduaneiros, incluindo os de natureza fiscal, ou de

    encargos de efeito equivalente no comrcio entre Estados

    membros.

    O artigo 110. do Tratado probe a tributao interna

    discriminatria em razo da nacionalidade, impedindo que um

    Estado membro faa incidir, directa ou indirectamente, sobre

    42 Gorjo-Henriques, M. (2006), 391 e ss. Campos, J.M. (2007), 530 e ss. Cfr.

    artigos 23. e 24. do TCE. Cfr. Acrdo Processos Penais c. Bernard Keck e Daniel

    Mithouard, de 24/11/1993, proferido nos processos apensos n.s C-267/91 e C-

    268/91. 43 Barnard, C. (2007), 27.

  • RIDB, Ano 1 (2012), n 6 | 3235

    os produtos dos outros Estados membros imposies internas,

    qualquer que seja a sua natureza, superiores s que incidam,

    directa ou indirectamente, sobre produtos nacionais similares44

    .

    Por ltimo, os artigos 34. e 35. probem as restries

    quantitativas s importaes e exportaes e as medidas de

    efeito equivalente e o artigo 36. prev as possveis

    derrogaes45

    . Concordamos com Catherine Barnard, quando

    afirma que as derrogaes previstas no artigo 36. do Tratado

    dizem respeito aos artigos 34. e 35. do Tratado, atenta a letra

    do preceito e a jurisprudncia do Acrdo Comisso/Itlia,

    proferido no Processo n. C-7/6846

    .

    No que concretamente concerne ao artigo 30. do TFUE,

    o TJUE considerou como direito aduaneiro ou encargo de

    efeito equivalente a um direito aduaneiro qualquer imposio

    que seja devida pelo facto de ter sido atravessada uma

    fronteira, independentemente (i) do objectivo do tributo, (ii) do

    destino da receita, (iii) de a mesma no ser discriminatria, (iv)

    de no ter efeito proteccionista e (v) de no estar em

    concorrncia com qualquer produo nacional47

    .

    Todavia, esse encargo escapa a essa qualificao (i) se

    fizer parte de um sistema geral de imposies internas

    44 Craig, P.P. & G. De Brca (2007), 649 e ss. 45 Gorjo-Henriques, M. (2006), 391 e ss., defende como que uma aplicao

    transversal a todas as liberdades incluindo direitos aduaneiros ou encargos de efeito equivalente das derrogaes admissveis face ao Tratado, no que se refere a domnios no plenamente harmonizados. Barnard, C. (2007), 29, expressa opinio

    oposta, no sentido de que no existe norma idntica ao artigo 30. do TCE para os

    artigos 25. e 90. do TCE e que, por isso, o artigo 25. no comporta derrogaes e

    o artigo 90. s admite encargos no proteccionistas ou no discriminatrios.

    Existem autores portugueses que apenas referem as derrogaes a propsito das

    medidas de efeito equivalente a restries quantitativas, como o caso, entre outros,

    de Campos, J.M. (2007), 534. Terra, B.J.M. & P.J.Wattel (2008), 31 e ss.,

    consideram que as derrogaes admissveis so a rule of remoteness, o artigo 30. do

    TCE e a rule of reason. Ver tambm Periin, T. (2005), 6 e ss. 46 Barnard, C. (2007), 41-42. 47 Casos Comisso v. Itlia, C-7/68, e Casos Apensos Sociaal Fonds voor de

    Diamantarbeiders contra SA Ch. Brachfeld & Sons e Chougol Diamond Co, C-2/69

    e C-3/69 e Caso Comisso v. Repblica Federal da Alemanha, C-18/87.

  • 3236 | RIDB, Ano 1 (2012), n 6

    abrangendo sistematicamente, segundo os mesmos critrios, os

    produtos nacionais e os produtos importados e exportados

    (acrdo de 31 de Maio de 1979, Denkavit/Frana, C-132/78

    Recueil, p. 1923), (ii) se constituir o pagamento de um servio

    efectivamente prestado a um operador econmico, num

    montante proporcional ao referido servio (acrdo de 9 de

    Novembro de 1983, Comisso/Dinamarca C-158/82, Recueil,

    p. 3573), ou ainda, em determinadas condies, (iii) se for

    referente a controlos efectuados para dar cumprimento s

    obrigaes impostas pelo direito da Unio Europeia (acrdo

    de 25 de Janeiro de 1977, Bauhuis/Pases Baixos, C-46/76,

    Recueil, p. 5)48

    .

    Em suma, so admitidos, por no se subsumirem na

    previso do artigo 30. do Tratado, os tributos que cubram um

    servio que beneficie o importador, os que sejam cobrados por

    motivo de um servio exigido por lei e, alm disso, os que

    sejam devidos por motivo diferente do atravessamento de uma

    fronteira.

    Quanto ao artigo 110. do Tratado, o que o Tribunal tem

    decidido que o mesmo preceito probe (i) a discriminao

    tributria com base na nacionalidade, ou seja, a tributao mais

    gravosa de produtos importados relativamente tributao de

    produtos nacionais similares e (ii) que o produto do tributo

    indistintamente aplicvel a produtos nacionais e importados

    seja aplicado em benefcio dos produtos nacionais

    concorrentes.

    Como se referiu, esta proibio no se aplica quando o

    tributo faa parte de um sistema geral de imposies internas

    abrangendo sistem