a subordinaÇÃo em discussÃo: relaÇÕes … · 2011-05-12 · decat (1999) descreve o universo...

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Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 41 – Construções subordinadas nas variedades lusófonas: uma abordagem discursivo-funcional cultural. 45 A SUBORDINAÇÃO EM DISCUSSÃO: RELAÇÕES ADVERBIAIS EXPLICATIVAS INDEPENDENTES NA LUSOFONIA Joceli Catarina STASSI-SÉ 1 RESUMO: Este artigo investiga as orações adverbiais independentes, restringindo-se ao universo das relações adverbiais explicativas. Parte-se da hipótese de que essa relação adverbial pode aparecer como independente, e que, assumindo as propriedades de ser destacada prosodicamente por pausas e por marcadores discursivos, de não depender de nenhuma oração anterior ou posterior, e de apresentar repetição de estruturas semelhantes antepostas e pospostas a ela (DECAT, 1999), não represente caso de subordinação. Para a análise das ocorrências, será utilizado o modelo teórico da Gramática Discursivo-Funcional (HENGEVELD & MACKENZIE 2008), com o suporte de autores como Pérez Quintero (2002), Cristofaro (2003) e Decat (1999). O corpus da pesquisa é composto por ocorrências reais de uso extraídas do corpus oral organizado pelo Centro de Lingüística da Universidade de Lisboa, em parceria com a Universidade de Toulouse-le-Mirail e a Universidade de Provença-Aix-Marselha. PALAVRAS-CHAVE: Relações adverbiais explicativas independentes; Lusofonia. Apresentação A proposta deste estudo consiste em investigar as orações adverbiais explicativas independentes, baseando-se em ocorrências reais de uso extraídas do corpus oral organizado pelo Centro de Lingüística da Universidade de Lisboa, em parceria com a Universidade de Toulouse-le-Mirail e a Universidade de Provença-Aix-Marselha, abrangendo as seguintes variedades: (1) Brasil; (2) Portugal: gravações da década de 70, 80 e 90; (3) África: São Tomé e Príncipe; Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau e Moçambique; e (4) Timor Leste. 1 Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Estudos Lingüísticos – Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas – UNESP (Universidade Estadual Paulista) – CEP: 15054-000 - São José do Rio Preto – SP – Brasil – [email protected] .

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Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 41 – Construções subordinadas nas variedades lusófonas: uma abordagem discursivo-funcional cultural.

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A SUBORDINAÇÃO EM DISCUSSÃO: RELAÇÕES ADVERBIAIS EXPLICATIVAS INDEPENDENTES NA LUSOFONIA

Joceli Catarina STASSI-SÉ1

RESUMO: Este artigo investiga as orações adverbiais independentes, restringindo-se ao universo das relações adverbiais explicativas. Parte-se da hipótese de que essa relação adverbial pode aparecer como independente, e que, assumindo as propriedades de ser destacada prosodicamente por pausas e por marcadores discursivos, de não depender de nenhuma oração anterior ou posterior, e de apresentar repetição de estruturas semelhantes antepostas e pospostas a ela (DECAT, 1999), não represente caso de subordinação. Para a análise das ocorrências, será utilizado o modelo teórico da Gramática Discursivo-Funcional (HENGEVELD & MACKENZIE 2008), com o suporte de autores como Pérez Quintero (2002), Cristofaro (2003) e Decat (1999). O corpus da pesquisa é composto por ocorrências reais de uso extraídas do corpus oral organizado pelo Centro de Lingüística da Universidade de Lisboa, em parceria com a Universidade de Toulouse-le-Mirail e a Universidade de Provença-Aix-Marselha. PALAVRAS-CHAVE: Relações adverbiais explicativas independentes; Lusofonia.

Apresentação

A proposta deste estudo consiste em investigar as orações adverbiais explicativas

independentes, baseando-se em ocorrências reais de uso extraídas do corpus oral organizado

pelo Centro de Lingüística da Universidade de Lisboa, em parceria com a Universidade de

Toulouse-le-Mirail e a Universidade de Provença-Aix-Marselha, abrangendo as seguintes

variedades: (1) Brasil; (2) Portugal: gravações da década de 70, 80 e 90; (3) África: São

Tomé e Príncipe; Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau e Moçambique; e (4) Timor Leste.

1 Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Estudos Lingüísticos – Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas – UNESP (Universidade Estadual Paulista) – CEP: 15054-000 - São José do Rio Preto – SP – Brasil – [email protected].

Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 41 – Construções subordinadas nas variedades lusófonas: uma abordagem discursivo-funcional cultural.

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As hipóteses subjacentes a esta pesquisa são (1) as orações adverbiais aqui tratadas

não constituem casos de subordinação, pelo contrário, são estruturas independentes, que

apresentam ilocução própria, envolvem o falante e o ouvinte, e contêm um conteúdo

comunicado; (2) essas construções podem constituir Atos Discursivos, menores unidades

identificáveis do comportamento comunicativo ou Moves, que impulsionam a comunicação

em termos de objetivos; (3) as relações adverbiais explicativas ocorrem como construções

independentes em todas as variedades lusófonas.

Objetiva-se, assim, determinar: (1) as propriedades pragmáticas, semânticas

morfossintáticas, e fonológicas das orações adverbiais explicativas independentes, (2) a

posição dessas construções adverbiais independentes no continuum de dessentencialização,

proposto por Cristofaro (2003), com base em Lehmman (1988, p.189) e (3) investigar sua

função discursiva, considerando as noções de figura e fundo (THOMPSON 1987) e de

unidade de informação (CHAFE, 1980).

Subordinação e Relação Adverbial

Esta pesquisa parte do pressuposto de que a subordinação se relaciona ao modo

como os Estados-de-coisas expressos por orações ligadas são percebidos e

conceitualizados, e ao estatuto que têm no contexto discursivo, uma vez que esse enfoque

funcional estabelece distinção entre o nível conceitual (cognitivo, pragmático, e semântico)

e o nível morfossintático. A subordinação, nesse caso, representa o resultado de situações

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conceituais particulares em vez de um fenômeno puramente morfossintático

(CRISTOFARO, 2003).

Cristofaro (2003) parte do postulado da assimetria de Langacker (1991) para definir

subordinação, demonstrando que o falante tem duas escolhas ao construir a conexão entre

dois Estados-de-coisas: (1) os dois Estados-de-coisas podem ser construídos como

simétricos de um ponto de vista cognitivo, ambos com perfil autônomo, e nenhum

sobrepujando o outro: situação em que ocorre a coordenação perfeitamente simétrica; (2) os

dois Estados-de-coisas são construídos como cognitivamente assimétricos; nesse caso um

dos dois deixa de ter um perfil autônomo e é construído a partir da perspectiva do outro:

situação em que ocorre a subordinação.

A autora agrega às noções de subordinação e de não-subordinação, apontadas por

Langacker (1991), as noções de assertividade e não-assertividade, o que fornece critérios

consistentes para a identificação da subordinação, incluindo as completivas, as adjetivas, e

as adverbiais, categoria que interessa detalhar neste trabalho.

As relações adverbiais ligam dois Estados-de-coisas de tal modo que um deles (o

dependente) corresponde a circunstâncias sob as quais o outro (o estado de coisas principal)

ocorre. Definições tradicionais de construções adverbiais utilizam essa propriedade básica

ao descrever uma oração adverbial como a que atua como um advérbio (adjunto adverbial)

do predicado principal, assumindo que orações adverbiais são, sintaticamente, encaixadas

na oração principal (CRISTOFARO, 2003).

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Segundo a autora, nas relações adverbiais nenhum dos Estados-de-coisas ligados

envolve referência ao outro, ou seja, é a relação adverbial em si que envolve referência a

dois diferentes Estados-de-coisas e define os traços semânticos que os caracterizam.

Relações adverbiais podem, portanto, ser descritas em termos dos mesmos parâmetros

aplicados às relações de complementação, tal como o nível da estrutura da oração,

predeterminação de traços semânticos dos Estados-de-coisas ligados, e integração

semântica.

Com base nas noções de subordinação e de relação adverbial até aqui tratadas

contextualizar-se-ão as orações adverbiais explicativas independentes, que, apesar de

apresentarem a forma de estrutura subordinada adverbial, são reconhecidas por não

dependerem de nenhuma oração anterior ou posterior, por serem destacadas

prosodicamente por pausas e por marcadores discursivos e por apresentarem repetição de

estruturas semelhantes antepostas e pospostas a elas (DECAT 1999).

As orações adverbiais explicativas independentes na GDF

Decat (1999) descreve o universo de pesquisa das orações independentes segundo a

perspectiva de autores como Chafe (1980) e Kato (1985), que explicam a independência

entre orações pela noção de “unidade de informação”, em que cada oração em foco

constitui, por si só, uma “unidade de informação”, sendo possível o seu “desgarramento” de

outra cláusula com a qual mantém alguma relação semântica (DECAT, 1999).

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Para a autora, as orações “desgarradas” têm um estatuto bastante diferenciado daquele

exibido pelas orações subordinadas adverbiais, “constituindo-se em opções do usuário para

atender a objetivos comunicativo-interacionais específicos” (DECAT, 1999: 17).

Haiman (1983), cujo modelo de análise prioriza as noções discursivas de figura e

fundo, mostra que essas noções promovem uma explicação para a ocorrência isolada de

orações subordinadas, que, nesse caso, estão mais ancoradas no componente pragmático da

língua, ou seja, no Nível Interpessoal (HENGEVELD & MACKENZIE, 2008). Um

exemplo prototípico de estrutura adverbial independente pode ser visto em (1):

(1)

Se eu ganhasse na Sena! (JESPERSEN, 1971 apud DECAT, 1999)

O exemplo (1) representa uma oração com a estrutura de uma subordinada adverbial

condicional. Contudo, apesar de expressar a idéia de condição e ser uma oração adverbial,

ela é independente, uma vez que não se observa nenhuma relação de dependência verbal

dessa oração com qualquer contexto anterior ou posterior, o que a faz assumir propriedades

de uma oração independente.

Assim, deseja-se investigar se as relações adverbiais explicativas, assim como as

condicionais, podem se apresentar como independentes dentro do discurso.

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Para isso, a distribuição dos vários fenômenos morfossintáticos envolvidos nesse

tipo de relação adverbial independente será relacionada neste estudo com a Hierarquia de

Rebaixamento Categorial2, representada como segue:

Propósito> Anterioridade, Posterioridade, Simultaneidade > Condição de realidade, Razão

Essa hierarquia fornece uma tipologia de ligação de orações, mostrando os mais

importantes aspectos da formação de sentenças complexas a partir da correlação entre seis

parâmetros. Dentre esses parâmetros, o de dessentencialização de orações subordinadas é,

sem dúvida, relevante para a investigação aqui proposta, uma vez que a análise do

comportamento contrário – a sentencialização - leva à oração adverbial independente.

Observe-se, inicialmente, a figura:

(1)

sentencialidade nominalidade

oração construção não-finita nome verbal Figura 1: Dessentencialização (adaptada de LEHMANN, 1988, p.189)

Observa-se, ainda, uma correlação importante entre a escala de dessentencialização

progressiva e a escala de ausência progressiva de traços gramaticais (LEHMANN, 1988):

2 Trata-se, na proposta de Cristofaro (2003), de uma correlação entre o grau de dependência semântica entre o Estado-de-coisas da oração matriz e o Estado-de-coisas representado pela oração subordinada e as conseqüências formais para o estatuto gramatical da construção adverbial, que pode estar mais próximo ou mais distante de uma oração independente

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(1) restrições/perda de elementos ilocucionários > restrições/perda de elementos modais >

restrições/perda de tempo e aspecto > dispensabilidade de complementos > perda de

conjugação de pessoa/conversão do sujeito a oblíquo > ausência de polaridade >

conversão de regência verbal em regência nominal > dispensabilidade de

sujeito/restrições nos complementos.

(2) combinalidade com adposições/afixo de caso.

Dessa forma, ao passo que no processo de “decategorização” gradual, perdem-se as

propriedades de uma oração, isto é, perdem-se os componentes da oração que permitem

fazer referência a um Estado-de-coisas e adquirem-se propriedades não-finitas

(LEHMANN, 1988), no processo de “sentencialização”, as propriedades da oração são

reestabelecidas até que se chega à oração independente.

Como mostra a figura 1, há aspectos internos e externos de dessentencialização, e

conseqüentemente, de sentencialização. De um lado, orações subordinadas, normalmente,

não têm sua própria força ilocucionária, mas os casos que têm vão-se tornando raros, na

medida em que se aproximam do pólo direito do continuum. De outro lado, orações

adverbiais parecem adquirir sua própria força ilocucionária, engatilhada por fatores

discursivos, na medida em que se aproximam do pólo esquerdo do continuum.

Uma outra conseqüência da dessentencialização da oração subordinada é, além das

categorias verbais de tempo e aspecto, a restrição de modo. Segundo o autor, em várias

línguas, a oração subordinada finita aparece no subjuntivo. A restrição de modo está

intimamente ligada à perda de força ilocucionária, uma vez que, na medida em que uma

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construção finita, gradualmente, passa a não-finita, limita-se o modo. Já uma conseqüência

da sentencialização da oração subordinada parece ser a sua realização na forma indicativa,

uma vez que espera-se que verbos no indicativo ocorram como predicados de orações

independentes.

Lehmann, respaldando-se em Dik (1985) e Mackenzie (1985), assinala que o

processo de dessentencialização afeta a relação do predicado verbal com seus argumentos.

O sujeito de uma predicação subordinada relativamente ‘enfraquecida’ converte-se em um

oblíquo, ou simplesmente a posição estrutural de sujeito se perde. Esse argumento interno

é, assim, o primeiro a ser afetado pela dessentencialização. Já no processo de

sentencialização, espera-se que o participante principal da oração apareça como lexical.

Dessa forma, num extremo do continuum, não há uma relação hierárquica entre

duas orações que formam a sentença complexa (parataxe); noutro extremo está a típica

oração encaixada, governada por um verbo principal (subordinação).

Essa escala de variação fornece um conjunto de construções adverbiais alternativas,

entre elas construções que tomariam o pólo (+) sentencial, a ponto de tornarem-se

independentes, e cuja seleção por parte do falante depende de fatores funcionais e

discursivos.

As relações adverbiais explicativas independentes parecem demonstrar um

comportamento específico nesse continuum das relações adverbiais, e é esse

comportamento que o presente trabalho, à luz da Gramática Discursivo-Funcional (GDF),

se propõe a investigar.

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A escolha do modelo de gramática da GDF para embasar a presente pesquisa se deu

pelo fato de seus postulados considerarem a língua em situações reais de comunicação, e,

como este trabalho busca determinar as propriedades das orações adverbiais explicativas

independentes nas variedades lusófonas em uma amostragem de língua em uso, o modelo

de gramática adotado deve considerar a língua em seu contexto real de comunicação.

Considera-se, assim, o discurso, ao invés da sentença, tratando-se tanto de atos

discursivos maiores como menores do que a sentença, cabendo lembrar que a noção de

discurso trazida pela GDF é a de ato de interação, ou seja, é considerado “discurso” aquilo

que representa um ato ou situação de interação lingüística.

Partindo disso, tomar-se-á como base para a investigação o comportamento dessas

construções nos diferentes níveis de representação postulados pela teoria: (1) no Nível

Interpessoal, que trata dos aspectos formais da unidade lingüística que refletem seu papel

na interação entre falante e ouvinte, pretende-se analisar a presença de marcador discursivo

e o papel/função da oração adverbial independente no discurso; (2) no Nível

Representacional, que trata dos aspectos semânticos das unidades lingüísticas, pretende-se

investigar as noções de factualidade e a identidade do participante principal da oração

independente; (3) no Nível Morfossintático, que dá conta de todas as propriedades lineares

da unidade lingüística, tanto com respeito à estrutura de sentenças, orações e sintagmas

quanto com respeito à estrutura interna de palavras complexas, pretende-se determinar que

tipo de operadores e formas verbais se envolve nessas relações adverbiais; e (4) no Nível

Fonológico, que concerne a fonologia prosódica, em que cada constituinte da hierarquia

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prosódica faz uso de diferentes tipos de informação fonológica e não fonológica, pretende-

se analisar a quebra entonacional nas orações independentes.

Uma proposta de análise para as orações adverbiais explicativas independentes

Observa-se que cada variedade lusófona que esta pesquisa se propõe a descrever -

Brasil, Portugal, São Tomé e Príncipe, Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e

Timor Leste – apresenta ocorrências de orações adverbiais explicativas independentes,

como mostram os exemplos (2) a (9) respectivamente:

(2) - ai, achei lindíssima! linda! Tiradentes é um, realmente encantador. achei lindo! depois as pessoas de lá são tão agradáveis, as pessoas do lugar, não é, então, sabe, você faz uma perguntinha qualquer, e eles são tão simpáticos, assim, achei óptimo! óptimo. e depois, teve uma coisa, porque eu achei Ouro Preto, Mariana, aquilo tudo a[...], por ali, eu achei sujo - hum. - muito sujo. agora, em Tiradentes não! é limpo! (Bra80:ArteUrbana)

(3) -> que eles tenham uma antena parabólica e ve[...], e, e devem ver, eh, eu suponho que, por uma

questão de curiosidade, pelo menos, eh, mal se pôs a antena parabólica devem ter ido lá ver, não? - pois! porque as pessoas não percebem -> sim, sim. - depois, não é, -> às vezes também é um erro, não percebem, eh, algumas percebem, não é, - algumas... -> precisamente esses jovens que estão a estudar percebem, pois... (PT96:MeioPequeno)

(4) -> sim, eu penso que devo promover e tem, tem, pelo menos eu e o senhor Pinho temos organizado alguns concertos, juntamente com a senhora dona Maria do Carmo, ela programa e nós temos cumprido, ultimamente, seis de Setembro, demos um concerto da saudação ao dia das forças armadas. é. e o concerto também é muito bom, porque a nossa população começa a ver também a música num outro campo, porque a nossa banda está cá, muita gente pensa que a banda de música só está cá em São Tomé para acompanhar procissões, funerais e desfiles militares. não! há muitas outras coisas que a banda também poderá fazer. e então é nesse campo que nós queremos também começar até fazer um programa mesmo de dois em dois meses, ou três em três meses dar (To-Pr96:Banda)

(5) -> bom, quanto às meninas de rua, bom, a, o tempo em que nós estávamos a... ter contactos com as,

com os rapazes, eh, os meninos de rua, bom, aquelas [...] eram consideradas, assim, como prostitutas, não é, posso assim dizer, eh, passe o termo. eh, nós protegíamos estas crianças devido também ao, à

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boa parte de caridade que nós temos, não é, o amor, não é assim, bem, bem elevado, se eu posso dizer, porque, eh, eu, aconteceu o problema do, duma menina, esqueço o nome, que foi baleada por um polícia lá no, na Mutamba, que na qual, eu e o padre Horácio é quem acompanhámos ela até ao hospital, não sei se, não acompanhei mais a, a, a, a evacuação dela da, da, da, do hospital para fora de, de an[...], de Angola, não é, porque ela foi mesmo evacuada fora de Angola, (...) (Ang97:Meninos de Rua)

(6) -> não há nenhum filho que... pode dizer nós vai continuar o meu trabalho.

- [...]. pode ser que haja um neto! -> sim. quem sabe?! [...], talvez mais tarde. - pois. -> sim. - porque é uma pena, não acha que é uma pena perder-se tanto trabalho? (CV95:Coleccionismo)

(7) -> agora se, o professor não pode exigir nada porque o professor não me paga. nesse caso eu tenho o direito de fazer aquilo que me dá na cabeça. - hum. -> porque ninguém me pode exigir nada; isso é que acontece. .(GB95: Democracia)

(8) -> ó pá, aquilo nem foi bem desleixo. ela tinha aquela impressão de ganhar, hum, impressão não! ela fez

todo o esforço para ganhar, eu acho que ela até teria conseguido a medalha de prata! - sim, é por isso que eu acho que ela desleixou-se. porque já no fim, é quando ela, acho que parece que ela só estava a correr para o primeiro lugar, a pensar só no primeiro. mas quando viu que estava no segundo, ela deixou a outra pessoa ultrapassar. -> ah, para ficar no pró[...], para ficar no terceiro. - sim. -> quando falas em desleixar-se, falas... em raza[...], em, em, em, em relação a estar em terceiro lugar - [...] sim. -> porque ela podia ter ganho o segundo. - sim. (Moç97:SentimentoDesporto)

(9) -> durante esta ocupação para que hoje em dia os filhos tornam assim. se não fosses os pais, pronto, não fossem os pais, os filhos nunca tiveram ou, não teriam que ser como agora - pois. -> são, não é, - pois. porque, porque já nasceram, já cresceram debaixo da influência da -> sim. - da Indonésia. -> é. (TL99:IdentidadePovo)

As orações em negrito acima, embora tenham a forma de uma oração subordinada,

comportam-se, no discurso, como independentes, ou seja, não se vê a presença de dois

Estados-de-coisas de tal modo que um deles se sobrepuja ao outro. Pelo contrário, os

Estados-de-coisas envolvidos são independentes.

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Observa-se também que, assumindo esse estatuto, os Estados-de-coisas passam a ter

sua própria ilocução, o que os coloca numa relação simétrica com outros Estados-de-coisas,

indicando a não existência de subordinação, o que pode ser observado tanto nos casos em

que a oração independente inicia o turno (10) quanto nos casos em que ela ocorre no meio

do turno (11), como se vê abaixo:

(10) -> porque justamente para, e, e, quer dizer, isso é, é mesmo necessário ter, é uma exigência. é uma

exigência em vez da madeira, ferro sim, por causa de, enfim, para o nascimento dos bebés. - hum, hum. -> porque a parturiente terá de dar dores, acho que, de, de ter contracções - a Isabel já deve ter lido isso. - tenho lido sim. (CV95:ColherPanela)

(11) -> sim, eu penso que devo promover e tem, tem, pelo menos eu e o senhor Pinho temos organizado alguns concertos, juntamente com a senhora dona Maria do Carmo, ela programa e nós temos cumprido, ultimamente, seis de Setembro, demos um concerto da saudação ao dia das forças armadas. é. e o concerto também é muito bom, porque a nossa população começa a ver também a música num outro campo, porque a nossa banda está cá, muita gente pensa que a banda de música só está cá em São Tomé para acompanhar procissões, funerais e desfiles militares. não! há muitas outras coisas que a banda também poderá fazer. e então é nesse campo que nós queremos também começar até fazer um programa mesmo de dois em dois meses, ou três em três meses dar (To-Pr96:Banda)

Nos casos em que a oração adverbial explicativa independente (OAEI) acontece no

meio do turno, podemos submetê-la à aplicação de um critério geralmente usado para

distinguir asserções de não-asserções, que se utiliza de negação sentencial, interrogação

sentencial e question-tag (CRISTOFARO, 2003) para estabelecer a relação entre dois

Estados-de-coisas. Com a aplicação desse teste espera-se que: (1) o Estado-de-coisas

introduzido por porque não seja afetado pela negação sentencial; (2) a interrogação

sentencial, escopando todo o período, fique, pelo menos, estranha; e (3) a question- tag não

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seja plausível para as duas orações simultaneamente, mas possível em cada uma,

isoladamente, como em (12):

(12)

(...) a nossa população começa a ver também a música num outro campo, porque a nossa banda está

cá (...) (To-Pr96:Banda)

a) *Não é verdade que a nossa população começa a ver também a música num outro campo, porque a nossa banda está cá. b) *A nossa população começa a ver também a música num outro campo, porque a nossa banda está cá? c) *A nossa população começa a ver também a música num outro campo, porque a nossa banda está cá, não começa? d) A nossa população começa a ver também a música num outro campo, não começa? porque a nossa banda está cá, não está?

O teste demonstra que a oração adverbial explicativa em (12) é uma oração

independente, pois é sensível à aplicação do teste, evidenciando sua não subordinação a

outro Estado-de-coisas. Isso porque conforme o falante deseja dar mais um lance no

discurso e movimentá-lo no intuito de oferecer sua continuidade, ele se utiliza de orações

independentes, como em (12).

Dessa forma, ao exercer essa função de movimentar o discurso e contribuir para sua

seqüência, a oração inicia um outro Move, ou seja, o falante se utiliza de uma oração com a

forma e estrutura de uma subordinada para exercer uma função diferente de sua prototípica,

que é especificar um fato que dá suporte a outro fato representado pelo conteúdo

proposicional do ato-de-fala, ou seja, a oração adverbial prototípica apresenta

considerações que conduzem o falante a chegar à conclusão contida na oração principal,

podendo ser vista como um ato ilocucionário separado, tendo o falante como a origem da

explanação, conforme (13):

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(13) Pedro está na casa de Joana, porque o carro dele está lá fora.

Como se vê no exemplo acima as orações subordinadas explicativas assumem um

grau maior de independência dentre as subordinadas adverbiais, o que pode explicar por

que o falante faz uso desse tipo de oração adverbial para introduzir Moves também.

Decat (1999), ao descrever as cláusulas “desgarradas”, aponta esse uso ora como

“guia” para o interlocutor ou “ponte de transição”, estabelecendo a coesão do texto,

(CHAFE, 1984, 1988; GIVÓN, 1992), ora como ênfase pretendida pelo falante.

No caso das orações adverbiais explicativas independentes (OAEI) o uso como

“ponte de transição” justifica a funcionalidade dessas construções, e nos permite associar o

uso das OAEI a aspectos ligados à relação falante/ouvinte; por isso sua correspondência

com o turno do falante. Assim, tanto para iniciar um novo turno, como em (10), como para

mantê-lo apresentando mais uma contribuição ao discurso, como em (11), ele se utiliza da

OAEI.

As OAEI também apresentam outro comportamento recorrente: são introduzidas por

porque, que assume, nessas condições, a função de modificador de Move, pois especifica

o papel do Move no discurso, que, nesse caso, é de oferecer uma conclusão em relação às

informações encadeadas no discurso. Nesse contexto o porque não exerce a função de

operador, ou seja não estabelece uma relação semântica de explicação entre dois Estados-

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de-coisas, mas exerce a função de modificador, assumindo um estatuto lexical, iniciando e

modificando o Move, como mostra o exemplo abaixo:

(14) -> ó pá, aquilo nem foi bem desleixo. ela tinha aquela impressão de ganhar, hum, impressão não! ela

fez todo o esforço para ganhar, eu acho que ela até teria conseguido a medalha de prata! - sim, é por isso que eu acho que ela desleixou-se. porque já no fim, é quando ela, acho que parece que ela só estava a correr para o primeiro lugar, a pensar só no primeiro. mas quando viu que estava no segundo, ela deixou a outra pessoa ultrapassar.

-> ah, para ficar no pró[...], para ficar no terceiro. - sim. -> quando falas em desleixar-se, falas... em raza[...], em, em, em, em relação a estar em terceiro lugar - [...] sim. -> porque ela podia ter ganho o segundo. - sim. (Moç97:SentimentoDesporto)

Em (14) também se observam outras propriedades recorrentes entre as OAEI: 1) a de

apresentar orações factuais, isto é, todas OAEI encontradas no corpus apresentam Atos de

fala como assertivos; e 2) a de não manter compartilhamento de participantes entre as

orações envolvidas, ou seja, o participante principal da oração independente não aparece

como participante principal da oração que a precede. Entretanto, percebe-se a existência de

uma preocupação por parte do falante em manter a coesão discursiva, pois em algumas

ocorrências o participante principal apareceu anteriormente no discurso, sendo retomado

pela OAEI - mas não na oração precedente – ou ainda sendo retomado em orações

seqüentes à OAEI na forma de anáfora zero, pronome, ou na forma lexical.

Partindo disso vê-se que o participante principal da oração ora aparece na forma

lexical, ora na forma pronominal, não havendo obrigatoriedade com respeito a esse critério.

Contudo, nos exemplos em que o sujeito aparece na forma nominal é evidenciada a

independência da oração, enquanto nas ocorrências em que aparece na forma pronominal,

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como em (12), existe independência em menor grau, pois relações são estabelecidas entre

os participantes de orações precedentes e o participante da OAEI, embora ambos se

encontrem separados por elementos intervenientes.

Com isso, o fato de o participante principal da OAEI se apresentar ora de forma

lexical ora de forma pronominal aponta para a existência de um continuum de

independência entre as próprias OAEI.

Essa constatação sugere que representar um participante principal lexicalmente faz

com que a OAEI esteja mais à esquerda no continuum de sentencialização, ou seja, ela

passa a assumir um estatuto de maior independência em relação às OAEI que representam

seu participante principal por meio de pronomes.

As OAEI também demonstraram uniformidade em relação à forma verbal,

apresentando predicados de orações independentes, isto é, aparecem desenvolvidas em

sentenças declarativas e se realizam no indicativo. (PÉREZ QUINTERO, 2003).

Por fim, é necessário dizer que os critérios presença de marcador discursivo e função

retórica não foram decisivos para apontar o estatuto de independência das OAEI,

diferentemente do critério de quebra entonacional, que se mostra extremamente relevante,

pois aponta a construção de unidades estruturais do discurso falado relacionadas

topicalmente e caracterizadas fonologicamente, sendo destacadas prosodicamente por

pausas (DECAT 1999).

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Isso indica que o posicionamento das OAEI no continuum proposto por Cristofaro

(2003) ficaria mais à esquerda, ou seja, mais sentencializado, uma vez que sua forma verbal

é independente, não compartilha seu participante principal (sujeito) com orações

precedentes e não se subordina a nenhum outro Estado-de-coisas, representando um Move,

com ilocução própria, com função de movimentar o discurso representando uma conclusão

em relação às informações apresentadas no discurso, provocando uma reação por parte do

interlocutor (HENGEVELD, K., MACKENZIE, J. L. 2008).

Considerações finais

Com base nos dados apresentados, este trabalho buscou investigar o comportamento

das orações adverbiais explicativas independentes, utilizando critérios que objetivam

determinar: (1) as propriedades pragmáticas, semânticas, morfossintáticas e fonológicas das

orações adverbiais explicativas independentes, (2) a posição dessas construções adverbiais

independentes no continuum de dessentencialização, proposto por Cristofaro (2003), com

base em Lehmman (1988, p.189); (3) investigar sua função discursiva, considerando as

noções de figura e fundo (THOMPSON 1987) e de unidade de informação (CHAFE, 1980);

e (4) contribuir para o aperfeiçoamento do modelo de gramática da GDF.

Partindo disso, a investigação dos critérios já discutidos aponta para seguintes

propriedades das OAEIs:

(1) NI NR NM NF MD FR Id Fact OP OI Op FV Pos Cod QE

Independente - - / + / / / i f / +

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Tabela (1) Propriedades das relações adverbiais

Como podemos observar, no que tange os critérios acima apresentados no Nível

Interpessoal, não há recorrência de marcadores discursivos anteriores ou posteriores à

OAEI, como também não há atribuição de função retórica que se aplique a todo o Move,

somente aos Atos, isoladamente. Já no Nível Representacional, não se aplica o critério

identidade dos participantes principais nas orações, pois não é apresentado caso de

subordinação entre orações, logo não há identidade entre participantes de oração principal e

subordinada. Além disso, as OAEI são factuais, uma vez que representam Moves,

compostos por Atos Discursivos Assertivos, refletindo o caráter independente desse tipo

oracional

Já no Nível Morfossintático, os fatores oração principal e oração subordinada

também não se aplicam, assim como o critério presença de operador, já que o porque

representa aqui um Modificador de Move, marcando o início de mais um movimento no

discurso (posição tida como saliente e de acordo com o modelo teórico adotado,

posicionamento próprio para fenômenos situados na hierarquia mais alta serem expressos).

Ainda no Nível Morfossintático, a posição ocupada pelas OAEIs é a posição final,

uma vez que acontece posterior a outro Move, e a codificação dos participantes não é um

critério aplicável por não haver como identificar o participante principal do Move inteiro,

uma vez que pode ser composto por mais Atos, e cada um poderia ter um participante

principal diferente.

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Quanto ao Nível Fonológico, observa-se que há quebra entonacional, com marcação

de pausa e contorno entonacional de final de oração, o que demonstra o estatuto de

independência desse tipo de estrutura.

Dessa forma, observa-se que as orações adverbiais explicativas com estatuto de

independentes são usadas pelo falante para atender a objetivos comunicativo-interacionais.

Isso se vê, inclusive, pelo fato de iniciarem seqüências discursivas, ou seja, Moves. Esse

posicionamento serve para retomar o turno e, principalmente, para enfatizar as

circunstâncias da ação, funcionando como “fundo” (REINHART apud THOMPSON,

1987). Partindo disso, é possível apresentar uma explicação para a ocorrência isolada de

uma oração adverbial explicativa, comprovando-se, assim, a independência do “fundo”

(DECAT, 1999). Esse estatuto de independência parece atender, assim, à função específica

de ponte de transição, estabelecendo, portanto, a interação com o interlocutor.

No que tange a noção de unidade de informação (CHAFE, 1980), que propõe a

existência de um limite quanto à quantidade de informação que a atenção do falante pode

focalizar de uma única vez (DECAT,1999), observa-se que unidades informacionais

apresentam cerca de sete palavras e podem ser identificadas pela entonação (contorno

entonacional de final de oração) e pela pausa (ou hesitação), ainda que breve, que as

separam de outra unidade. Além disso, tendem a se realizar como uma única oração, não

necessariamente contendo todas as propriedades presentes na identificação de unidade

informacional, mas, principalmente, contendo a propriedade de quebra entonacional, sinal

mais consistente para tal identificação.

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Dessa forma, na tentativa de trazer contribuições ao modelo de gramática do qual se

serve esta pesquisa, é apontado que fatores interpessoais são responsáveis pela escolha, por

parte do falante, de orações adverbiais explicativas com estatuto de independentes, orações

essas que como não apresentam propriedades de orações subordinadas, utilizam

modificadores e não operadores para estabelecerem suas relações semânticas específicas

dentro do discurso. Seu uso se aplica a todas as variedades lusófonas, e são recorrentemente

iniciadas por porque.

Partindo disso podemos concluir que enquanto nas orações subordinadas adverbiais

explicativas a oração adverbial dependente apresenta considerações que conduzem o falante

a chegar à conclusão contida na oração principal, nas OAEI, motivações trazidas pelo

discurso conduzem o falante a expressar a conclusão ou fechamento por meio da oração

adverbial explicativa, que por expressar essa função nesse contexto, adquire o estatuto de

oração independente, posicionando-se à esquerda na escala de sentencialidade proposta por

Lehmann, como se observa abaixo, na tabela que apresenta algumas alterações na

Hierarquia de Rebaixamento Categorial conformando-a à escala de sentencialidade

segundo as propriedades das relações adverbiais nela representadas:

(2) sentencialidade nominalidade oração construção não-finita nome verbal

Independente/Explicação<Razão<Condição<Causa<Tempo<Propósito<Modo Figura (2): Dessentencialização (adaptada de Lehmann, 1988, p.189)

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Assim, as OAEIs, dentro do modelo da GDF, são Moves, responsáveis pela

manutenção da seqüência discursiva, constituindo unidades de informação à parte, o que as

reveste de um grau de independência, tanto formal quanto semântica, materializada com a

inserção do porque, que aponta para seu papel no discurso: a introdução de uma informação

que funciona como uma conclusão ou fechamento em relação a outros fatos apresentados

durante a interação.

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