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Sociologia brasileira e educação.

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  • 19/09/2015 A sociologia de Florestan Fernandes

    http://www.anpocs.org.br/portal/publicacoes/rbcs_00_30/rbcs30_06.htm 1/6

    A sociologia de FlorestanFernandes

    Octavio Ianni

    A sociologia de Florestan Fernandes inaugura uma nova poca na histria da sociologia brasileira.

    No s descortina novos horizontes para a reflexo terica e a interpretao da realidade social, como

    permite reler criticamente muito do que tem sido a sociologia brasileira passada e recente. Permite reler

    criticamente algumas teses de Silvio Romero, Oliveira Vianna, Srgio Buarque de Hollanda, Gilberto Freire e

    alguns outros. Simultaneamente, retoma e desenvolve teses esboadas por Euclides da Cunha, Manoel

    Bonfim, Caio Prado Jnior e outros. A partir desse dilogo, a sociologia de Florestan Fernandes inaugurauma nova interpretao do Brasil, um novo estilo de pensar o passado e o presente.

    Em uma formulao muito breve, pode-se afirmar que a interpretao do Brasil apresentada por

    Florestan Fernandes revela a formao, os desenvolvimentos, as lutas e as perspectivas do povo brasileiro.

    Um povo formado por populaes indgenas, conquistadores portugueses, africanos trazidos como escravos,imigrantes europeus, rabes e asiticos incorporados como trabalhadores livres. Mas essa uma histria

    baseada no escambo e na escravido, no colonialismo e no imperialismo, na urbanizao e na

    industrializao, por meio da qual se d, inicialmente, a formao da sociedade de castas e, posteriormente,

    da sociedade de classes. Uma histria atravessada por lutas sociais da maior importncia, desde as revoltas

    de comunidades indgenas contra os colonizadores at as lutas contra o regime de trabalho escravo. Histria

    essa que, no sculo XX, se desenvolve com as lutas de trabalhadores do campo e da cidade, pela conquistade direitos sociais ou pela transformao das estruturas sociais. Uma parte importante dessa contribuio se

    encontra em livros como estes: A organizao social dos Tupinamb; A integrao do negro nasociedade de classes; O negro no mundo dos brancos; Mudanas sociais no Brasil; e A revoluo

    burguesa no Brasil.

    No mbito da teoria sociolgica, Florestan Fernandes realizou uma obra fundamental. Dialogou com

    as principais correntes de pensamento do passado e presente, desde Spencer, Comte, Marx, Durkheim e

    Weber at Mannheim, Parsons, Merton e Marcuse, entre outros. Alm de realizar um balano crtico de

    diferentes contribuies tericas de uns e outros, formulou contribuies originais, abrindo novas

    possibilidades de reflexo. H uma sociologia crtica muito desenvolvida nos escritos de Florestan

    Fernandes, dentre os quais sobressaem: Fundamentos empricos da explicao sociolgica; Ensaios de

    sociologia geral e aplicada; e A natureza sociolgica, entre outros.

    Uma parte importante da sociologia de Florestan Fernandes se concentra na pesquisa e interpretao

    das condies e possibilidades de transformaes sociais. A revoluo social um de seus temas mais

    freqentes. Est presente em boa parte dos seus escritos, umas vezes como desafio terico e outras como

    perspectiva prtica. Estes so alguns dos seus livros relacionados mais diretamente com esse tema: A

    sociologia numa era de revoluo social; A revoluo burguesa no Brasil; Da guerrilha ao socialismo; e A

    revoluo em Cuba.

    So vrios e fundamentais os problemas tericos e histricos compreendidos pela obra de Florestan

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    Fernandes. Entram a tambm problemas relativos educao popular e s responsabilidades do cientista

    social. No conjunto, uma obra extensa e mltipla. Assinala o incio de uma nova poca na histria da

    sociologia brasileira. Inaugura um novo estilo de pensamento sobre as configuraes e os movimentos da

    sociedade. Permite conhecer o presente, repensar o passado e imaginar o futuro.

    Florestan Fernandes o fundador da sociologia crtica no Brasil. Toda sua produo intelectual est

    impregnada de um estilo de reflexo que questiona a realidade social e o pensamento. As suas contribuies

    sobre as relaes raciais entre negros e brancos, por exemplo, esto atravessadas pelo empenho de

    interrogar a dinmica da realidade social, desvendar as tendncias desta e ao mesmo tempo discutir as

    interpretaes prevalecentes. No mesmo sentido, as duas reflexes sobre os problemas da induo na

    sociologia avaliam cada uma e todas as teorias, os mtodos e as tcnicas de pesquisa e explicao, da

    mesma maneira que oferecem novas contribuies para o conhecimento das condies lgicas e histricas dereconstruo da realidade. Essa perspectiva est presente nas monografias e nos ensaios sobre o problema

    indgena, escravatura e abolio, educao e sociedade, folclore e cultura, revoluo burguesa, revoluo

    socialista e outros temas da histria brasileira e latino-americana. O mesmo se pode dizer dos seus trabalhos

    sobre teoria sociolgica. A perspectiva crtica est presente em toda a sua produo intelectual, incluindoobviamente o ensino, a conferncia, o debate pblico. Questiona o real e o pensado, tanto os pontos de vistados membros dos grupos e classes compreendidos na pesquisa como as interpretaes elaboradas sobre

    eles. Assim, alcana sempre algo novo, outro patamar, outro horizonte. Vai alm do que est dado comoestabelecido, explicado. Ao submeter o real e o pensado reflexo crtica, descortina as diversidades,

    desigualdades e antagonismos, apanhando as diferentes perspectivas dos grupos e classes compreendidospela situao. Nesse percurso, resgata o movimento do real e do pensado a partir dos grupos e classes que

    compem a maioria do povo. So ndios, negros, imigrantes, escravos e livres, trabalhadores da cidade e docampo que reaparecem no movimento da histria. As mais notveis propostas tericas da sociologia so

    avaliadas, questionadas e recriadas, tendo em conta a compreenso das suas contribuies para apanhar osandamentos da realidade social.

    A sociologia lida com as relaes, os processos e as estruturas sociais. Um tema particularmente

    importante da reflexo sociolgica a interao social, momento primordial na gnese e reiterao do social.

    Todo fato social se caracteriza por ser um nexo de relaes sociais. So as relaes, se desdobrando emprocessos e estruturas, que engendram a especificidade do social. O homem se constitui como ser social no

    mesmo processo por meio do qual se constitui a sociabilidade. "A interao social constitui o fenmenobsico da investigao sociolgica." Ocorre que "existir socialmente sempre significa, de um modo ou de

    outro, compartilhar de condies e situaes, desenvolver atividades e reaes, praticar aes e relaesque so interdependentes e se influenciam reciprocamente. Nesse sentido, a interao social ,

    essencialmente, uma realidade dinmica". Compreende "diferentes probabilidades dinmicas deinterdependncia, dos indivduos entre si, de suas atividades, reaes e relaes sociais, ou das categorias e

    agrupamentos de que fazem parte". Assim, as partes e o todo se constituem reciprocamente e se modificam,no mesmo processo em que se formam. "Da mesma maneira que sociedade produz ela prpria o homemcomo homem, ela produzida por ele" (Marx). Ou seja, "sociedade e indivduos no denotam fenmenos

    separveis, mas so simplesmente os aspectos coletivo e distributivo da mesma coisa" (Cooley). A mesmateia de relaes sociais constitui as condies de persistncia e transformao da realidade social

    (Fernandes, 1970, pp. 75 e 78-9).

    Na obra de Florestan Fernandes se encontra uma contribuio bsica para a teoria sociolgica: retirae desenvolve o contedo crtico da sociologia clssica e moderna. Foram as prprias condies sociais nas

    quais emergiram as cincias sociais que as levaram a defrontar diversidades, desigualdades e antagonismos.A sociologia "se viu confrontada com as contradies da sociedade de classes em expanso". Para estar em

    condies de "apanhar tais contradies em suas condies, causas e efeitos, precisou adaptar suas tcnicas

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    de observao, de anlise e de explicao a um padro de objetividade que incorporasse a negao" (idem,1980, p. 112) da ordem social. As possibilidades de reflexo crtica abertas por Comte, Spencer, Durkheim,

    Weber, Sombart, Tnnies, Mannheim, Merton e outros possibilidades s vezes moderadas so levadasadiante nos escritos tericos e histricos de Florestan Fernandes. A perspectiva oferecida por uma

    sociedade como a brasileira, com acentuadas desigualdades sociais, econmicas, polticas e culturais,permite questionar muito da sociologia clssica e moderna e resgatar os seus contedos crticos. Assim se

    recriam temas conceitos que pareciam pretritos. As noes de interao, organizao, sistema e mudana,entre outras, se apresentam como possibilidades de pesquisar e explicar a anatomia das relaes, processos

    e estruturas de dominao poltica e apropriao econmica que articulam as desigualdades e osantagonismos sociais, econmicos, polticos e culturais.

    Essa perspectiva se torna ainda mais efetiva a partir das sugestes do marxismo. O pensamento

    dialtico tambm pode ser visto de modo original, desde os desafios abertos pelo presente e pelo passado

    das sociedades brasileira e latino-americana. Mas o seu contedo essencialmente crtico ressoa bem maisperto, congruente, consistente. Enquanto a sociologia levada ao ponto de vista crtico, ainda que

    moderadamente, devido fora da questo social, o marxismo se coloca, desde o princpio, no horizontedessa questo. As disparidades, desigualdades e contradies se colocam, desde o comeo, como

    momentos nucleares de relaes, processos e estruturas de dominao poltica e apropriao econmica queproduzem e reproduzem a sociabilidade burguesa. "A contestao est implantada ao nvel das estruturas do

    funcionamento e da transformao dessa sociedade de classes, nascida do capitalismo industrial" Aimaginao sociolgica, enriquecida pela dialtica, pode "ligar o modo de existncia, o movimento e a vida

    atravs das contradies", procurando "estas ltimas atravs de condies concretas variveis desociabilidade, associao e interao". A dialtica permite "apanhar a unidade no diverso", isto , "atotalidade como expresso de determinaes particulares e gerais". Em essncia, o real e o pensado se

    constituem reciprocamente, de tal maneira que "a prxis vem a ser o critrio experimental de verificao daverdade objetiva" (idem, ibidem, pp. 114-23). Assim se resgata a historicidade do social, que aparece de

    forma particularmente desenvolvida na revoluo.

    H uma rica e complexa arquitetura na sociologia de Florestan Fernandes. Compreende os passosfundamentais, em termos lgicos, da teoria da explicao e da metodologia da pesquisa. Vai desde as formasde explanao, caracterizadas como descritiva e interpretativa, at as tcnicas de pesquisa. Naturalmente

    essa ampla problemtica envolve sempre um dilogo com os clssicos e os modernos, inclusive do

    pensamento marxista.

    A reflexo de Florestan Fernandes sobre os fundamentos lgicos e histricos da explicao

    sociolgica se inspira nessa perspectiva critica e se constri com ela. A se localiza a cuidadosa anlise das

    trs matrizes clssicas do pensamento sociolgico: o mtodo funcionalista, ou objetivo, sistematizado porDurkheim; o compreensivo, formulado por Weber; e o dialtico, criado por Marx. Elas sintetizam muito do

    que se havia pesquisado e pensado at ento e estabelecem os paradigmas, ou estilos, de pensar a realidade

    social, que exercem influncia marcante em todo o pensamento sociolgico no sculo XX. "O mtodo de

    compreenso, cuidando dos problemas pertinentes socializao e s bases sociogenticas da interaosocial, permite abstrair as variveis operativas de um campo a-histrico; o mtodo objetivo (ou gentico-,

    comparativo), focalizando os problemas ortogenticos e filogenticos colocados pela classificao das

    estruturas sociais, permite abstrair as variveis operativas, combinadas em constelaes nucleares mutveis,de um campo supra-histrico; e o mtodo dialtico, tratando das relaes existentes entre as atividades

    socialmente organizadas e a alterao dos padres da ordem social, que caem na esfera de conscincia

    social, permite abstrair as variveis operativas de um campo histrico." Cada mtodo lida com a realidade

    social de forma peculiar, quanto relao do real com o pensado e vice-versa. Essas peculiaridades estosimbolizadas no "tipo-ideal" weberiano, no tipo "mdio" durkheimiano e no tipo "extremo" marxista. Cada um

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    "representa uma construo lgica ou mental, produzida em funo dos intuitos ou propsitos cognitivos do

    investigador" (Fernandes, 1967, p. 38). Sob vrios aspectos, a minuciosa e fundamental anlise desses

    paradigmas propicia o resgate do contedo crtico do pensamento clssico. Resgate esse cada vez maisestimulado pela reflexo dialtica.

    E claro que as contribuies tericas dos clssicos tiveram desenvolvimentos diversos, s vezesnotveis. Alm disso, tm surgido outras e novas propostas tericas: fenomenologia, existencialismo,

    estruturalismo, estrutural-funcionalismo, hiperempirismo dialtico, teorias de alcance mdio, teorias sistmicas

    e assim por diante. Mas talvez seja possvel afirmar que todas as mais notveis contribuies tericas

    posteriores aos clssicos guardam algum, ou muito, compromisso com eles. A sociologia uma forma deapropriao e constituio do mundo social, gerada pela dissoluo da comunidade, pela emergncia da

    sociedade burguesa e pela dinmica de uma sociedade fundada na desigualdade social, econmica, poltica e

    cultural.

    Esse, em forma breve, o nvel, o estatuto, em que se lana a sociologia crtica. Sintetiza e desenvolve

    um dilogo de amplas propores. Nesse sentido que se pode dizer que a sociologia de Florestan

    Fernandes sintetiza as contribuies de cinco fontes. Algumas das principais caractersticas da sua produointelectual expressam um dilogo com essas fontes. Naturalmente elas se revelam de modo diferenciado,

    menos aqui, mais ali. No so igual e homogeneamente visveis em cada monografia, ensaio, livro, artigo,

    aula, conferncia, debate. Mas se mostram plenas no todo, quando examinamos o conjunto da produo

    intelectual de Florestan Fernandes. Vejamos, pois, essas fontes.

    Primeiramente, cabe ressaltar a sociologia clssica e moderna. O dilogo contnuo, aberto e crtico se

    desenvolve com os principais socilogos, ou cientistas sociais, que apresentam alguma contribuio para a

    pesquisa e a interpretao da realidade social. A esto representantes notveis das escolas francesa, alem,inglesa e norte-americana, como, por exemplo: Comte, Durkheim, Le Play, Simiand, Mauss, Gurvitch e

    Bastide; Weber, Sombart, Pareto, Simmel, Tnnies, Wiese, Freyer e Mannheim; Spencer, Hobhouse,

    Malinowski, RadcliffeBrown e Ginsberg; Cooley, Giddings, Park, Burgess, Parsons, Merton e Wright Mills.Estes so alguns dos clssicos e modernos que se encontram no horizonte intelectual de Florestan Fernandes,

    por sugestes, desafios, temas, teorias e controvrsias que apresentam e provocam. Dentre todos, sobressai

    Mannheim.

    Em segundo lugar, se destaca o pensamento marxista. contnuo e crescente o dilogo com as obras

    de Marx, Engels, Lnin, Trtski e Gramsci, entre outros. Esse dilogo se revela desde a traduo de

    Contribuio crtica da economia poltica, de Marx, e a "Introduo" escrita para esse livro, publicado em

    1946. Continua, de modo cada vez mais amplo, em escritos, cursos, conferncias, debates. Est presentenas reflexes sobre os problemas da induo na sociologia. Um momento importante do debate com Merton

    sobre o funcionalismo, em 1953, est inspirado na segunda tese de Marx sobre Feuerbach: "A questo de

    saber se ao pensamento humano cabe verdade objetiva no uma questo de teoria, mas uma questoprtica" (idem, ibidem, p. 308). A progressiva incorporao do pensamento dialtico se mostra tanto na

    escolha dos temas como no tratamento dado a eles. Aprofunda-se e alarga-se a perspectiva crtica. A

    reflexo sociolgica adquire toda a sua envergadura histrica, abrindo horizontes e criando desafios para o

    pensamento brasileiro. Criam-se desafios inclusive para os movimentos sociais e os partidos polticoscomprometidos com as lutas de grupos e classes populares. Os movimentos e partidos so levados a

    questionamentos bsicos, diante das anlises desenvolvidas por Florestan Fernandes a propsito da forma

    da revoluo burguesa e da continuidade da contra-revoluo burguesa. "Trata-se de converter a teoria em

    fora cultural e poltica (ou em fora real), fazendo-se com que ela opere a partir de dentro e atravs deaes concretas de grupos, classes sociais ou conglomerados de classes" (idem, 1980, p. 126).

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    Em terceiro lugar, importante a corrente mais crtica do pensamento brasileiro. Em diferentesmomentos se manifesta um dilogo, explcito ou implcito, com Euclides da Cunha, Lima Barreto, Manuel

    Bonfim, Astrojildo Pereira, Graciliano Ramos, Caio Prado Jnior e outros cientistas sociais e escritores,

    inclusive do sculo XIX. Em diferentes escritos, se reencontram sugestes, desafios ou temas suscitados pela

    obra desses autores. Eles compem uma espcie de famlia intelectual fundamental e muito caracterstica nopensamento brasileiro. Levam em conta as lutas dos mais diversos setores populares que entram no passado

    e no presente da sociedade brasileira. Ajudam a recuperar algumas dimenses bsicas das condies de

    existncia, de vida e de trabalho, de ndios, caboclos, escravos, colonos, seringueiros, pees, camaradas,

    sitiantes, operrios e outros, pretritos e presentes.

    Em quarto lugar, bsico o significado dos desafios da poca, a comear pelos anos 40. As

    transformaes em curso na sociedade, em termos de urbanizao, industrializao, migraes internas,emergncia de movimentos sociais e partidos polticos, governos e regimes, sem esquecer as influncias

    externas, criam e recriam desafios prticos e tericos para muitos. Tanto a universidade como o partido, a

    imprensa como a Igreja, o governo como o imperialismo, todos so levados a pensar e repensar o jogo das

    foras sociais, os movimentos da sociedade, a marcha da revoluo e da contra-revoluo. O pas agrrio setransforma em industrial, sem perder a cara de agrcola. Tudo se urbaniza, aos poucos ou de modo abrupto,

    sem perder o jeito rural. H freqentes irrupes do povo no cenrio da histria, com freqentes solues de

    compromisso, conciliao ou paz social, tecidas pelos partidos, formuladas por intelectuais, impostas por

    grupos e classes dominantes, com a colaborao da alta hierarquia militar e eclesistica, todos na sombra doimperialismo. Uma poca de muitos desafios. Pode-se dizer que "a dcada de 40 foi para o intelectual uma

    dcada de consolidao, especialmente quando se pensa em termos de universalidade; a dcada de 50

    uma dcada de florescimento; de auto-afirmao e que engendra a era de conflito irremedivel". Osmovimentos e acontecimentos sociais e polticos, bem como econmicos, culturais e outros levam o

    intelectual a repensar o seu relacionamento com a sociedade, a desmistificar muito do que conta a histria.

    "Inclusive, foi possvel levar o desmascaramento mais longe e constatar-se que a Revoluo de 30 foi uma

    revoluo elitista, com ressonncia popular, que chamado populismo' foi antes uma manipulaodemaggica do poder burgus do que uma autntica abertura para as presses de baixo para cima' ." (Idem,

    1978, pp. 49-51).

    Em quinto e ltimo lugar, fundamental a presena dos grupos e classes sociais que compreendem a

    maioria do povo, descortinando um panorama social e histrico mais largo do que aquele que aparece no

    pensamento produzido segundo as perspectivas dos grupos e classes dominantes. o negro, escravo e livre,

    isto , trabalhador braal, na lavoura e indstria, que descortina um horizonte inesperado, amplo. Ao lado dapresena de ndios, imigrantes, colonos, camaradas, pees e outros, a do negro na histria social brasileira

    desvenda perspectivas fundamentais para a construo do ponto de vista crtico na sociologia, nas cincias

    sociais e em outras esferas do pensamento brasileiro. "As coisas que tiveram maior importncia na minha

    obra como investigador se relacionam com pesquisas feitas na dcada de 40 (como a investigao sobre ofolclore paulista, a pesquisa de reconstruo histrica sobre os Tupinamb e vrias outras, de menor

    envergadura) ou com a pesquisa sobre relaes raciais em So Paulo feita em 1951-52, em colaborao

    com Roger Bastide (e suplementada por mim em 1954). Esse trabalho puramente intelectual conformou omeu modo de praticar o ofcio de socilogo:" Contemporaneamente, ressoam na vida intelectual os

    movimentos e acontecimentos sociais, polticos e outros. A participao na campanha de defesa da escola

    pblica descortina novas possibilidades e responsabilidades do intelectual. "O que foi uma ruptura j no

    terica, mas pratica" Um movimento que desvenda muitos recantos da sociedade e da histria. "Foi umaavenida que nos ps em contato com os problemas humanos da sociedade brasileira." Os desafios

    representados pelos movimentos e acontecimentos da poca podem ser produtivos para o intelectual. "Ele

    pode descobrir coisas sobre a sociedade que ficam ignoradas quando ele se protege por trs do escudo da

    `neutralidade' e da `profisso', isolando-se mentalmente. Quando se est ligado na mquina do mundo,

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    aproveita-se a colaborao coletiva dos auditrios, o que torna o movimento de idias muito mais rico,

    aberto e fecundo" (idem, ibidem, pp. 50, 60-1, 64-5 e 68-9).

    No todo, ainda que em forma breve, essas so as cinco fontes principais da sociologia crtica

    fundada por Florestan Fernandes. claro que se poderiam acrescentar outras inspiraes, tais como: a

    militncia poltica, a reflexo sobre a responsabilidade tica e poltica do socilogo, o convvio com o

    pensamento latino-americano, destacando-se figuras como as de Jos Mart, Jos Carlos Maritegui,Ernesto Che Guevara e assim por diante. Mas aquelas fontes, tomadas em conjunto, sintetizam as matrizes

    da sociologia inaugurada por Florestan Fernandes no Brasil. Sociologia crtica, essa que se caracteriza como

    um estilo de pensar a realidade social a partir da raiz.

    Em sntese, a sociologia brasileira est amplamente marcada pela obra de Florestan Fernandes, de tal

    maneira que est presente na formao dessa sociologia em dois modos particularmente notveis.

    Primeiro, entra de maneira decisiva na construo da sociologia como um sistema de pensar a

    realidade social. O seu compromisso com as exigncias lgicas e tericas da reflexo cientfica representa

    uma contribuio bsica, no sentido do amadurecimento da sociologia. As prprias controvrsias que esse

    padro intelectual suscita revelam que a sociologia brasileira ultrapassa uma fase de timidez metodolgica e

    terica, ingressando em uma etapa em que todas as implicaes tericas e histricas desse sistema de pensar

    a realidade social so assumidas no cotidiano de ensino e pesquisa. Muito do que vinha sendo ensaiado demaneira episdica, aqui e acol, adquire maior sistemtica, outro mpeto. Simultaneamente, as pesquisas

    realizadas e suscitadas por Florestan Fernandes, bem como por sua influncia, abrem novos horizontes para

    a reflexo sobre a sociedade e a histria.

    Segundo, cria um novo estilo de pensamento na sociologia brasileira. A sociologia crtica,

    compreendendo teoria e histria, sintetiza um estilo de pensar a realidade social. Ao resgatar o ponto de vista

    crtico da sociologia clssica e moderna, com base nos ensinamentos do marxismo, e recuperar o ponto devista crtico oferecido pelas condies de vida e trabalho dos oprimidos da cidade e do campo, a obra de

    Florestan Fernandes cria e estabelece um novo estilo de pensamento. Assim, a sociologia brasileira adquire

    outra dimenso, alcana outro horizonte. E a partir desse horizonte que se torna possvel re-voltar s razes

    pretritas, presentes; descortinar o futuro.

    BIBLIOGRAFIA

    FERNANDES, Florestan. (1967), Fundamentos empricos da explicao sociolgica. So Paulo, Nacional.

    . (1970), Elementos de sociologia terica. So Paulo, Nacional.

    . (1978), A condio de socilogo. So Paulo, Hucitec.

    . (1980), A natureza sociolgica da sociologia. So Paulo, tica.