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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO – UFOP INSTITUTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS – ICSA DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS ADMINISTRATIVAS – DECAD A SOCIEDADE DO ESPETÁCULO E A SAMARCO: UMA ANÁLISE CRÍTICA PARA ALÉM DA METÁFORA ALEXSANDRE GUSTAVO DA SILVA CARVALHO MARIANA, MG 2018

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO – UFOP

INSTITUTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS – ICSA

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS ADMINISTRATIVAS – DECAD

A SOCIEDADE DO ESPETÁCULO E A SAMARCO:

UMA ANÁLISE CRÍTICA PARA ALÉM DA METÁFORA

ALEXSANDRE GUSTAVO DA SILVA CARVALHO

MARIANA, MG

2018

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ALEXSANDRE GUSTAVO DA SILVA CARVALHO

A SOCIEDADE DO ESPETÁCULO E A SAMARCO:

UMA ANÁLISE CRÍTICA PARA ALÉM DA METÁFORA

Monografia apresentada ao Curso de Administração da Universidade Federal de Ouro Preto como requisito parcial à obtenção do título de bacharel em Administração. Área de concentração: Ciências Administrativas

Orientadora: Profª Drª Carolina Machado Saraiva

MARIANA

2018

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MEMORIAL

Em 2015, quando entrei para o curso de Administração da Universidade Federal de

Ouro Preto, foi como se eu revivesse uma história de 10 anos atrás, quando em 2005 iniciei

minha graduação em Artes Cênicas. Muitas diferenças, porém, existiam no personagem

principal desta linha do tempo. Esses dois calouros, destes dois cursos distintos, separados por

uma década, só tinham em comum um eterno coração de criança e muitas perguntas a serem

feitas.

Minha graduação em Administração foi permeada por descobertas e frustrações. As

descobertas vieram dos conteúdos e disciplinas antes desconhecidos, que me instigavam e

provocavam o exercício do aprender. As frustrações vieram da frieza, apatia, distância e

impessoalidade de grande parte dos professores. Não de todos, mas de uma considerável

parcela. Talvez, por se tratar de um curso relativamente novo e como tal ainda estar em

processo de formação de sua identidade como tal. Ou quem sabe pelo grande número de

substitutos, cujo curto tempo de seus contratatos não era suficiente para que se adaptassem e

imprimissem em sua prática a sua assinatura didática, mesmo que o desejassem. São de

professores substitutos, aliás, que guardo os maiores diálogos didáticos do meu percurso de

formação: Jane Dantas, André Colares (in memoriam), Ana Flávia Rezende e Felipe Gouvêa,

que envolveram o processo de aprendizagem em uma perspectiva de humanização.

Não é que todos os meus professores do curso de Artes Cênicas fossem os melhores

amigos dos alunos – e não é essa questão em voga – mas sempre foram muito sensíveis, com

qualidades, defeitos, sempre muito geniosos ou passionais no processo de ensinar. Como diz a

célebre frase de Karl Jung “Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar

uma alma humana, seja apenas outra alma humana”.

Essa relação com meus mestres da Administração, porém, pareceu nunca incomodar

meus colegas de classe. Comecei a concluir que o problema estava em mim. Sabe quando

você está no primário e te pedem para circular o elemento diferente de um conjunto? O

passarinho entre os peixes, a bola de futebol entre os alimentos, o coelho entre os números.

Comecei a me sentir assim. O elemento diferente. Tudo poderia acabar como mais uma

história de um aluno que desistiu da graduação, quase terminando, porque não conseguiu se

“adaptar” (afinal, um passarinho pode virar peixe, uma bola de futebol pode ser alimento e um

coelho pode ser um número). Para minha sorte, porém, no meio do caminho tinha uma

eletiva: “Tópicos Especiais em Gestão de Pessoas”, com a professora Carolina Saraiva.

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No primeiro dia da disciplina, encontrei uma professora que teve o cuidado, a atenção,

de conhecer os sujeitos que estavam na sala de aula. Não estava ali representando o papel do

estereótipo da professora boazinha, querendo ser amiga de todos (e eu nunca esperei por isso).

Era um ser humano, dando aula para outros seres humanos e reconhecendo a importância da

relação de diálogo no processo de aprendizagem, enquanto construtor do conhecimento.

Nesta disciplina, estabeleci meus primeiros contatos com as teorias do Simbolismo

Organizacional e descobri as Organizações de Simbolismo Intensivo. Foi uma cascata de

informações que caiu sobre mim. Um novo mundo, dentro dos estudos organizacionais, que

eu desconhecia, mesmo estando no 6º período. Uma sequência de autores e assuntos

relacionados foram surgindo em minhas pesquisas: Thomaz Wood Jr, Organizações

Espetaculares, Sociedade do Espetáculo, Guy Debord, Metáforas teatrais, Erving Goffman,

David Boje. Estes temas e autores vieram para alimentar os questionamentos e provocações

sobre o trabalho do administrador e o cotidiano organizacional, que eu trazia comigo desde o

início da minha graduação. Minhas dúvidas encontraram um lugar. Não quer dizer que tenha

encontrado a resposta definitiva, mas encontrei um motor que me estimula cada vez mais ao

questionamento. Encontrei um olhar crítico sobre o ser humano e suas relações de poder e

subordinação dentro da organização.

Hoje, quase no fim de 2018, concluindo a minha graduação em Administração pela

Universidade Federal de Ouro Preto, é como se eu revivesse uma história de 10 anos atrás,

quando em 2008 concluí meu curso de Artes Cênicas. Muitas diferenças, porém, existem no

personagem principal desta linha do tempo. Esses dois formandos, destes dois cursos

distintos, separados por uma década, só tem em comum, duas coisas: um eterno coração de

criança e ainda muitas perguntas a serem feitas...

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RESUMO

Este trabalho analisou as manifestações organizacionais espetaculares desempenhadas pela

mineradora Samarco, durante o primeiro ano após o rompimento da Barragem de Fundão, em

2015. Compreende-se que a análise dos espetáculos organizacionais permite o desvelar dos

limiares ultrapassados da metáfora, seu deslocamento da naturalidade esperada das interações

sociais espontâneas ou estratégicas e sua transformação em verdadeiras manifestações

espetaculares e cênico-teatrais. Como objetivo central desta pesquisa, buscou-se compreender

como ocorreram os processos de interseção entre a célula teatral de Burnier (2002) e Pavis

(1999) e a prática efetiva da gestão, desvelando os intrincamentos críticos simbólicos

presentes nas organizações. Partiu-se de um pressuposto epistemológico que analisa a prática

organizacional contemporânea, a partir da espetacularização e teatralização das interações

sociais. Tal pressuposto permite apreender a realidade como produto de um processo histórico

de solidificação de técnicas construídas no limiar entre a realidade e a representação teatral.

Utilizou-se uma abordagem metodológica conclusiva descritiva do tipo qualitativa, na qual a

partir do procedimento de coleta de dados do tipo desk research realizou-se a descrição da

relação entre os espetáculos organizacionais da Enron apresentados por Boje et al (2004) e os

espetáculos desempenhados pela Samarco, após o rompimento da Barragem de Fundão, sob a

perspectiva dos estudos organizacionais críticos. Entre os resultados da análise estão as

aproximações entre a conceituação dos espetáculos Concentrado, Difuso, Integrado e Mega

(BOJE et al, 2004) e as ações da empresa Samarco, além de apreender elementos que

permitem a compreensão dos modelos da sociedade do espetáculo para além da simples

metáfora organizacional.

Palavras-chave: Sociedade do Espetáculo, Metáforas Organizacionais, Simbolismo

Organizacional, Estudos Organizacionais, Teoria Crítica.

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ABSTRACT

In this work, we analyze the spectacular organizational manifestations performed by the

mining company Samarco during the first year after the break of the Fundão dam in 2015.

It is understood that the analysis of organizational spectacles allows us to unveil the outdated

thresholds of metaphor, its displacement from the expected naturalness of spontaneous or

even strategic social interactions, and its transformation into truly spectacular manifestations.

The main objective of this research is to understand how the processes of intersection between

the theater cell of Burnier (2002) and Pavis (1999) occurred and the effective practice of

management, revealing the symbolic critical intricacies present in the organizations. It started

from an epistemological assumption that analyzes the contemporary organizational practice,

from the spectacularization of the social interactions. This assumption allows us to perceive

reality as the product of a historical process of solidification of techniques built on the

threshold between reality and theatrical representation. It was used a qualitative descriptive,

conclusive methodological approach, in which the data collection procedure of the desk

research type was used to describe the relationship between Enron's organizational

performances presented by Boje et al (2004) and the shows played by Samarco, from the

perspective of critical organizational studies. Among the results of the analysis are the

approximations between the concepts of Concentrated, Diffuse, Integrated and Mega

spectacles (BOJE et al, 2004) and the actions of Samarco, besides apprehending elements that

allow the understanding of the models of the society of the spectacle beyond of the

organizational metaphor.

Keywords: Society of the Spectacle, Organizational Metaphors, Organizational Symbolism,

Organizational Studies, Critical Theory.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 4

2 REVISÃO DE LITERATURA .......................................................................................... 6

2.1 O Espetáculo nos Estudos Simbólicos Organizacionais ............................................... 6

2.2 O Espetáculo nas Artes Cênicas .................................................................................... 8

2.3 Os Espetáculos Organizacionais: o caso Enron .......................................................... 13

3 METODOLOGIA .............................................................................................................. 16

4 APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS ........................................... 18

4.1 Espetáculo Concentrado – Programa de Demissão Voluntária (PDV) ....................... 19

4.2 Espetáculo Difuso – Escolha do Terreno do Novo Bento ........................................... 21

4.3 Espetáculo Integrado – A Fundação Renova .............................................................. 23

4.4 Mega Espetáculo – Indiciamento e Condenação ......................................................... 24

5 O ESPETÁCULO NOSSO DE CADA DIA .................................................................... 26

REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 30

APÊNDICE ............................................................................................................................. 34

RELATÓRIO DE PRODUÇÃO TÉCNICA/TECNOLÓGICA ....................................... 35

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1. INTRODUÇÃO

A prática organizacional contemporânea, alimentada por metodologias de formação de

líderes como o coaching, o mentoring e as publicações de pop management, tem se deslocado

das interações sociais espontâneas ou até mesmo estratégicas e se transformado em

verdadeiras manifestações espetaculares e cênico-teatrais. É possível que a realidade atual

seja o produto de um processo histórico de solidificação de técnicas que repetem, de forma

sistemática, práticas bem sucedidas de líderes organizacionais, que se tornaram referência

pelos eficientes resultados obtidos em sua gestão. Desta forma, alimentados por tais técnicas

(difundidas através de cursos informais e pela prática cotidiana da empresa), os atores

organizacionais acabam por transformar o ambiente de trabalho em um lugar repleto de

artificialidade, que muitas vezes pode acabar no limiar entre a realidade e a representação

teatral. Esta atuação, porém, pode ser considerada como uma resposta consonante a

configuração do sistema organizacional – dentro do qual tais atores estão inseridos – que

acaba por exigir dos mesmos tal postura. Desta forma, os sujeitos acabam tais quais atores,

que passam por uma preparação e treinamento, para que estejam em harmonia para

desempenhar os papéis esperados pelo espetáculo das organizações.

Alguns estudos da área do simbolismo organizacional têm se dedicado a analisar a

manifestação de tais fenômenos, através de leituras de trabalhos do campo da sociologia, pelo

viés organizacional (CASTELO; CARVALHO, 2004; MENDONÇA; FACHIN, 2007;

MENEGHETTI; CICMANEC, 2010; FERREIRA, 2015; WOOD JR. 2001a;). Porém, grande

parte dos trabalhos encara tal realidade enquanto metáforas organizacionais do espetáculo. É

preciso, assim, questionar: e quando o espetáculo se torna realidade, o que fazer? Quais as

consequências da transposição cênica para a prática da gestão? Quais os impactos da metáfora

para a organização do cotidiano da Administração?

A fim de compreender a obstrução do “momento de realização” (ADORNO;

HORKHEIMER, 1973) – indo para além das representações metafóricas das organizações

como espetáculo – propõe-se compreender a interseção entre a célula teatral de Luiz Otávio

Burnier (2002) e Patrice Pavis (1999) e a gestão, desvelando os intrincamentos críticos

simbólicos dos espetáculos desempenhados pelas organizações. Considerando, portanto, que o

espetáculo pode se concretizar independente da consciência e intencionalidade daqueles que

ocupam os papéis de atores e espectadores, foi realizada neste trabalho a análise de eventos

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teatrais, espetaculares, desenvolvidos organizacionalmente e encarados para além do viés

metafórico e sim como espetáculos de fato, apresentados no palco organizacional.

A fim de desvelar as aproximações dos potenciais espetáculos desempenhados, o

problema de pesquisa de tal trabalho, consiste na tentativa de responder a questão: Existem

aproximações entre os espetáculos organizacionais delimitados na proposta metodológica de

Boje et al (2004) e as ações da empresa Samarco no primeiro ano após o rompimento da

Barragem de Fundão em 2015?

Tal metodologia, porém, serviu apenas como apoio para a interpretação dos atos e

fatos aqui descritos e analisados, pretendendo esta monografia ser acima de tudo um texto de

opinião, uma pensata. Os fatos foram assim visitados sob dois prismas principais: o de um

estudante de administração que analisa os atos de uma organização (no caso a Samarco) e o

de um morador da cidade de Mariana, que embora não tenha sido diretamente atingido pelo

rompimento da barragem, esteve integrado em todo o contexto do fato ocorrido.

Sendo assim, este trabalho propõe estudar as manifestações das organizações

espetaculares nas ações desempenhadas pela empresa Samarco, após o fato supracitado,

desvelando os limiares ultrapassados da metáfora, seu deslocamento da naturalidade esperada

das interações sociais espontâneas ou até mesmo estratégicas e sua transformação em

verdadeiras manifestações espetaculares e consequentemente cênico-teatrais.

Os estudos organizacionais precisam submergir no campo das manifestações

espetaculares da gestão, para tal, neste trabalho, são elucidados os elementos de interseção

entre a cena teatral e as organizações a fim de compreender quais os impactos de tais

aproximações. Assim, busca-se contribuir para o esclarecimento da natureza social do

trabalho do administrador como função do técnico do saber prático, em consonância com o

trabalho esvaziado de sentido existente no capitalismo tardio. Por fim, entende-se que a

investigação aqui proposta pode contribuir com o desvelamento entre as relações metafóricas

espetaculares das organizações e suas funções ideológicas como sistemas produtores e

reprodutores das constrições sociais próprias ao sistema hegemônico técnico-burocrático das

organizações capitalistas.

A fim de organizar este trabalho, na subseção 2.1 são introduzidos brevemente os

conceitos de organizações espetaculares, tomando como base os estudos da sociologia e da

administração. Em seguida, na subseção 2.2, são apresentados os conceitos de espetáculo,

considerando as bases teóricas do Teatro (BURNIER, 2002; PAVIS, 1999). Após tal

compreensão, na subseção 2.3 é introduzida a metodologia adotada por Boje et al (2004) e os

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diferentes espetáculos delimitados por ele, tomando como base os trabalhos de Guy Debord.

Após delimitados os procedimentos metodológicos deste trabalho (seção 3), são apresentadas,

na seção 4, as aproximações entre as características de tais espetáculos e determinadas ações

desempenhadas pela empresa mineradora Samarco, durante o primeiro ano após o

rompimento da Barragem de Fundão, em 05 de Novembro de 2015. Por fim, na seção 5, são

realizadas as considerações finais deste trabalho, seguindo-se as referências utilizadas. No

Apêndice encontram-se o relatório e os resultados do produto técnico realizado, sobre as

aproximações entre o mundo do espetáculo, a literatura de autoajuda e a prática

contemporânea de coaching.

2. REVISÃO DE LITERATURA

2.1 O Espetáculo nos Estudos Simbólicos Organizacionais

No âmbito dos estudos da Administração existe uma área de concentração que se

dedica a analisar as organizações sob a perspectiva do Simbolismo. Os trabalhos de tal área

colaboram com uma visão crítica de análise, da composição e das práticas cotidianas das

organizações e se distanciam das visões utilitaristas comuns à administração. Sobre o

Simbolismo como instrumento de reflexão sobre as organizações, Saraiva e Carrieri (2008,

p.3) afirmam:

Por mais totalizantes que possam ser as experiências organizacionais, ainda assim as organizações estão imersas em um quadro social mais amplo. Encarar o simbolismo e suas possibilidades amplia consideravelmente o escopo da pesquisa que se faz na área de Administração. A abordagem simbólica nega a existência de dimensões apenas formalmente estabelecidas, e, com isso, rejeita as esperanças de “captar” a realidade tal como ela é. Isso esbarra nas impossibilidades objetivas de desconectar o que se passa nas organizações do meio – social – em que elas se inserem.

Um dos temas analisados pelos estudos simbólicos organizacionais é a utilização das

metáforas como forma de compreensão das organizações. Segundo Morgan (1996), ao

utilizarmos as metáforas, obtemos um instrumento de análise que auxilia na compreensão,

bem como na transformação do cotidiano organizacional.

Dentre as metáforas organizacionais há a do espetáculo, estudada por muitos teóricos

da área. Alguns destes estudiosos investigam, por exemplo, reality shows e jogos (hiper)reais

do espetáculo organizacional (CASTELO; CARVALHO, 2004); Indústria cultural, reality

shows e espetáculos organizacionais (CASTELO; CARVALHO, 2005); o Teatro das

Interações Sociais nas Organizações (MENDONÇA; FACHIN, 2007); Ideologia e

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espetacularização das práticas discursivas gerenciais (MENEGHETTI; CICMANEC, 2010);

Performances dos empregados nos palcos organizacionais (FERREIRA, 2015); e uma

Sociedade do Espetáculo nos/dos Estudos Organizacionais (GOBIRA; LIMA; CARRIERI,

2015).

Os trabalhos em questão utilizam como base, em sua maioria, as obras dos sociólogos

Guy Debord (1931-1994) e Erving Goffman (1922-1992) que desenvolveram trabalhos

tratando respectivamente da “Sociedade do Espetáculo” e das “Metáforas Teatrais” para

estudar as relações sociais e a sua espetacularização.

Debord propõe uma análise da sociedade como um todo, um conjunto que unifica e

desta forma explica diversos fenômenos aparentes (DEBORD, 1997). Goffman, por sua vez,

analisa o indivíduo e como este se apresenta nas situações cotidianas, utilizando para tanto

termos comuns ao universo teatral como espetáculo, ator, performance, palco e bastidores

(GOFFMAN, 2011).

Thomaz Wood Jr., em alguns de seus trabalhos, realiza leituras pelo prisma da

Administração das obras dos sociólogos Guy Debord e Erving Goffman. A partir dos

trabalhos de tais autores, Wood Jr. elabora conceitos como Organizações Espetaculares

(2001), Metáforas Teatrais Organizacionais (2000a) e Organizações de Simbolismo Intensivo

(2000b). Para o autor, tais Organizações seriam marcadas pelo uso excessivo de imagens,

sons, discursos persuasivos, eventos dramatúrgicos e excessiva teatralidade, com o objetivo

de manipular os atores internos da organização (e em algumas situações, também os

externos). Este tipo de estrutura domina os ambientes organizacionais e é alimentada por

técnicas de liderança vindas, por exemplo, da literatura de pop management.

De acordo com Wood Jr. e Paula (2002a; 2002b), a literatura de pop management é

constituída por livros e revistas, marcados pelo sucesso de vendagem e pela repetição de

fórmulas padronizadas: textos de autoajuda e “contos infantis para adultos” adaptados para o

contexto e cenário organizacional. Tal literatura promove uma visão compartilhada e

simbólica de fantasias de poder, o que causa certo conforto psicológico, reforçando o processo

de administração das paixões e da subjetividade dentro das organizações.

Sendo assim, os trabalhos que analisam as organizações como espetáculo tentam,

através da metáfora, falar sobre as práticas organizacionais que são estabelecidas naqueles

ambientes. Há, porém, uma limitação no uso da metáfora, de acordo com Magnani (1992,

p.49):

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A metáfora, não: traz consigo a denotação e todas as conotações distintivas de seu uso inicial. Por algum desses traços é que foi escolhida, tornando-se metáfora exatamente nessa transposição: o significado original é aplicado a um novo campo. A vantagem que oferece é poder delimitar um problema para o qual ainda não se tem um enquadramento. É usada no lugar de algo, substitui-o, dá-lhe um nome. Evoca o contexto original, em vez de estabelecer distinções claras e precisas no contexto presente. O problema, contudo, que acarreta é que dá a impressão de descrever, de forma total e acabada, o fenômeno que se quer estudar, aceitando-se como dado exatamente aquilo que é preciso explicar. Para apreciar devidamente os limites e alcances de seu emprego, é preciso antes de mais nada ter presente qual é o domínio, o sistema de significações de onde foi tirada.

Wood Jr. (2000a) ao analisar os elementos espetaculares manifestos em quatro pilares

da organização (liderança, comunicação, inovação e força de trabalho) afirma que as

Organizações de Simbolismo Intensivo (OSI) são “arenas teatrais, nas quais muitas peças

têm lugar simultaneamente" (WOOD JR, 2000, p. 27). Sendo assim, este trabalho se propõe

justamente a desvelar a ocorrência destes múltiplos espetáculos, nestes âmbitos, porém indo

além do viés metafórico e analisando a manifestação dos mesmos enquanto elementos

constituintes da organização, tendo em vista que “o espetáculo é muitas vezes uma

performance teatral que legitima, racionaliza e esconde o consumo e a produção violenta”

(BOJE, 2002, p 13).

Ao analisarem as leituras da obra de Guy Debord (1997), feitas pelos estudos

organizacionais, Gobira, Lima e Carrieri (2015, p. 273) afirmam:

Para Guy Debord, a metáfora do “espetáculo” é uma palavra que significa separação, a simbologia que se depreende da metáfora tem valor se submetida ao entendimento da separação generalizada na sociedade nos vários espetáculos. Para evitar a simplificação de sua teoria pela questão da simbologia, o autor mostra que “como indispensável adorno dos objetos produzidos agora, como demonstração geral da racionalidade do sistema, e como setor econômico avançado que molda diretamente uma multidão crescente de imagens-objetos, o espetáculo é a principal produção da sociedade atual”.

Ao utilizar como base trabalhos do ramo da sociologia, os teóricos organizacionais

não recorrem ao sistema de significações principal do mundo do espetáculo – que pertence ao

universo teórico das Artes Cênicas. Sendo assim, o limite entre espetáculo constituído e

metáfora, embora tênue e revelando nuances que ultrapassam o caráter metafórico do

fenômeno, acaba por não ser estudado.

2.2 O Espetáculo nas Artes Cênicas

Tendo em vista a análise dos fenômenos organizacionais espetaculares para além de

uma manifestação metafórica, faz-se necessário compreender o que é o espetáculo e o que

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constitui o teatro enquanto acontecimento. A fim de compreender o fenômeno teatral em si é

importante conceituar o que é o teatro de acordo com os teóricos da área.

Luiz Otávio Burnier recorre ao trabalho de Peter Brook, para descrever a “célula” da

arte teatral. Segundo ele “para que a ação teatral possa ser esboçada, são fundamentais três

elementos: o espaço vazio, o espectador (alguém que observa esse espaço) e o ator (alguém

que cruza e, portanto, desenvolve uma ação nesse espaço)” (BURNIER, 2001, p.17). Assim,

os elementos que compõem o núcleo do teatro seriam estes três: o espaço, aquele que age e

aquele que observa.

Considerando tal tríade e encarando-a no contexto da administração, seria a

organização física o espaço, o gestor aquele que age e os funcionários aqueles que observam.

Goffman (1985) define este agir – aqui atribuído ao gestor - como “comportamento de

fachada”, que seria “o equipamento expressivo de tipo padronizado intencional ou

inconscientemente empregado pelo indivíduo durante sua representação” (p. 29). Um

comportamento que ultrapassa o limite metafórico e se torna em sua essência, espetacular,

cênico. A distinção entre a ação de tal gestor e a representação em um palco estaria apenas na

autoconsciência do primeiro de que sua ação na organização é apenas uma atividade de gestão

e não um trabalho de ator.

Surge, porém, o questionamento: em todas as manifestações do teatro, espectador e

ator estão plenamente conscientes de seu papel enquanto tal? Se pensarmos no Teatro

Convencional, onde a plateia adquire um ingresso, senta-se em uma poltrona confortável para

assistir um ator dar vida a uma história com todo o aparato cênico disponível (cenário,

figurinos, iluminação, sonoplastia e tantas coisas mais), a resposta é sim.

Porém, distanciando-se do Teatro Convencional encontramos inúmeras formas

teatrais, dentre as quais, serão conceituadas cinco, neste trabalho: a Improvisação, a

Performance, o Teatro Invisível, o Psicodrama e o Jogo Dramático.

A Improvisação pode ser definida como “técnica do ator que interpreta algo

imprevisto, não preparado antecipadamente e ‘inventado’ no calor da ação” (PAVIS, 1999, p.

205). Desta forma, mesmo que o ator esteja consciente de seu desempenho enquanto tal, seu

ato de improvisar afasta o espectador do lugar de quem observa apenas, aproximando-o do

jogo de cena. Tal recurso pode ser visto tanto em espetáculos comerciais (por exemplo, as

comédias besteirol), como em espetáculos de cunho crítico e político (através de elementos

como o distanciamento do ator, proposto por Bertold Brecht).

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Partamos para a compreensão da Performance a partir de sua definição em ‘O

dicionário do Teatro’: “A performance (...) poderia ser traduzida por teatro das Artes Visuais

(...) Enfatiza-se a efemeridade e a falta de acabamento da produção, mais do que a obra de

arte representada e acabada” (PAVIS, 1999, p.284).

A performance tem características ritualísticas próprias onde geralmente se fundem

diversas linguagens artísticas (música, teatro, dança, artes plásticas e artes visuais)

envolvendo consequentemente artistas dessas diversas áreas, e é justamente essa hibridização

de várias formas e linguagens da arte que torna mais difícil definir essa forma dentro de uma

delas. Destaca-se na performance a maneira como se cola, justapõe e relê as relações entre

essas artes e novas linguagens que surgem. A vida de uma performance depende e varia de

acordo com seu idealizador. Em alguns casos é feita uma só vez e em contraposição existem

performers que repetem um mesmo trabalho por anos a fio.

Renato Cohen, referência na pesquisa sobre do tema no Brasil, em relação às

características da Performance, afirma que:

Apesar de sua característica anárquica e de, na sua própria razão de ser, procurar escapar de rótulos e definições, a performance é antes de tudo uma expressão cênica: um quadro sendo exibido para uma platéia não caracteriza uma performance: alguém pintando um quadro ao vivo já poderia caracterizá-la. (COHEN, 2002, p.28).

Sendo assim, o ator-performer estaria consciente de sua posição, mas estaria o

espectador - aquele que vê o quadro sendo pintado - consciente da sua? Muitas vezes não. E é

este inclusive, o objetivo de muitos performers.

Esta ignorância do espectador de seu papel enquanto tal, atinge seu ápice no Teatro

Invisível. Pavis (1999), conceitua no Dicionário do Teatro, o termo cunhado por Augusto

Boal: “Jogo improvisado do ator no meio de um grupo de pessoas que devem ignorar, até o

fim, que fazem parte de um jogo, para não voltarem a ser ‘espectadores’”. (PAVIS, 1999, p.

391). Em seu livro “Técnicas Latino-Americanas de Teatro Popular” (HUCITEC, 1979), Boal

narra a realização do Teatro Invisível em trens e restaurantes, frisando sempre a questão de

que seu objetivo principal é levantar discussões, questionamentos e catarses nos espectadores,

o que só é possível diante da sua ignorância de seu papel de espectador e de que aquilo se

trata de um acontecimento teatral.

Dessa forma é possível organizar a escala de consciência do sujeito enquanto

espectador do Teatro Convencional – aonde ele é completamente consciente de sua condição

– passando pela Improvisação e Performance – aonde há distintos graus desta consciência –

até chegar ao Teatro Invisível – aonde ele ignora completamente a sua condição.

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11

No extremo oposto, onde o espectador está completamente consciente de seu papel,

mas o ator ignora a sua condição como tal, encontramos o Psicodrama. Desenvolvido por

Jacob Levy Moreno, o Psicodrama pode ser definido, segundo Pavis (1999, p. 311) como

“ciência que explora a verdade por meio dos métodos dramáticos”, onde através da

interpretação de situações, através de um roteiro improvisado, é possível realizar

investigações psicológicas e psicanalíticas. Acredita-se que ultrapassando os limites da

palavra e entrando no campo da ação, da atuação, os conflitos recalcados, problemas

interpessoais e erros de julgamento podem vir à tona com mais clareza. Sendo assim, ele

permite que o sujeito reviva seus conflitos, junto a sua equipe terapêutica, fazendo comédia,

distribuindo papéis e improvisando uma história.

Há de se ressaltar a intencionalidade dos psicólogos de realizarem leituras do que

assistem, como espectadores-receptores da mensagem emitida, mas nota-se o completo

desconhecimento do paciente-ator que não tem a intenção de interpretar – nem se pretende

que ele o faça, uma vez que o Psicodrama busca as verdades do inconsciente, afloradas a

partir da ação.

Por fim, no outro extremo do Teatro Convencional está o Jogo Dramático, em que

espectador e ator ignoram completamente seu papel como tal. Como seria isso possível? A

resposta está na própria definição de tal prática:

Prática coletiva que reúne um grupo de “jogadores” (e não de atores) que improvisam coletivamente de acordo com um tema anteriormente escolhido e/ou precisado pela situação. Portanto, não há mais separação entre ator e espectador, mas tentativa de fazer com que cada um participe da elaboração de uma atividade (mais que de uma ação) cênica, cuidando para que as improvisações individuais se integrem ao projeto comum em curso de elaboração (PAVIS, 1999, p.222).

Sendo assim, espectador e ator se fundem em uma figura híbrida. Todos desenvolvem

a ação e ao mesmo tempo observam a ação do outro, num processo fluido e constante.

Todas as definições realizadas, sobre cada uma destas manifestações teatrais, podem

ser resumidas da seguinte maneira, na Figura 1.

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Figura 1: Autoconsciência - Plateia e Ator

Fonte: Elaboração do autor

Considerando tais graus de autoconsciência do ator e do espectador, representados no

quadro em questão, é possível notar a gradação da mesma. Sendo assim, no Teatro

Convencional, Ator e Plateia estão completamente conscientes de sua condição e passando

por gradações de tal reconhecimento temos o lugar oposto, aonde o espectador desconhece

seu lugar como tal – Teatro Invisível – e o ator ignora que o é – Jogo Dramático.

Considerando, portanto, que o espetáculo pode se concretizar independentemente da

consciência e intencionalidade daqueles que ocupam os papéis de atores e espectadores, é

aqui apresentada a análise de eventos teatrais, espetaculares, desenvolvidos

organizacionalmente e encarados para além do viés metafórico e sim como espetáculos de

fato, apresentados no palco organizacional.

Pretende-se assim, analisar os espetáculos produzidos pela organização, enquanto

elemento constituinte da sociedade atual. Como referência principal, é utilizado o trabalho do

autor crítico David M. Boje (2004), que trata dos espetáculos organizacionais, porém,

partindo da premissa de que os mesmos ultrapassam os limites metafóricos. De acordo com o

Boje “o espetáculo é cada vez mais uma performance orquestrada por empresas, uma

exposição destinada a persuadir as massas de espectadores de que as empresas globais

implementaram códigos morais de conduta e, portanto, merecem a confiança pública” (BOJE,

2002, p. 12). O presente estudo discute, portanto, como o autor apresenta os espetáculos

organizacionais, relacionados ao escândalo da empresa norte-americana Enron e discute a

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existência ou não de aproximações entre tais manifestações apresentadas pelo autor e as ações

da empresa Samarco, após o rompimento da Barragem de Fundão em Novembro de 2015.

A escolha do artigo referência se deu pelo fato de que o mesmo analisa a grande

tragédia1 corporativa da Enron, de proporções nacionais e internacionais, pelo prisma dos

múltiplos espetáculos de Guy Debord, o que possibilita a aproximação com a tragédia

socioambiental do rompimento da barragem de Fundão, da mineradora Samarco, em

Novembro de 2015. Sendo assim, considerando a não obsolescência do material produzido

por David M. Boje torna-se relevante a sua utilização enquanto modelo metodológico para

análise do caso abordado por este trabalho.

2.3 Os Espetáculos Organizacionais: o caso Enron

Considerada a “Empresa de Energia do Ano” pela Financial Times, em 2000, a Enron

viveu um conto de fadas organizacional, ao passar de uma pequena empresa de gás do interior

do Texas a uma das maiores empresas dos Estados Unidos, em menos de 15 anos. As

operações realizadas pela empresa no mercado de ações fizeram com que a mesma se tornasse

uma das maiores empresas do mundo e uma aposta certa para investidores de pequeno, médio

e grande porte. O inflado lucro, porém, que atraia inúmeros shareholdes, era obtido através de

transações fictícias que maquiavam o resultado financeiro da empresa. Apesar disso, a Enron

apresentou resultados financeiros decrescentes e foi obrigada a pedir concordata em 2 de

Dezembro de 2001. Após o escândalo, foi descoberto que inúmeras manobras contábeis eram

adotadas a fim de maquiar os resultados e mascarar a real situação (FOX, 2004).

O artigo “Enron Spectacles: A Critical Dramaturgical Analysis” (Espetáculos da

Enron: Uma Análise Dramatúrgica Crítica), de Boje et al (2004), realiza a análise da

espetacularização presente na trajetória da empresa norte-americana Enron apontando oito

fatos relevantes que tratam desde a escolha do nome da empresa (1986) até o escândalo que a

tornou mundialmente famosa (2001-02). Estes fatos, porém, são apresentados de maneira não

linear, levando em consideração os quatro tipos de espetáculos que os mesmos representam,

sendo explicitados dois casos distintos de cada um deles. Desta forma, analisou-se a empresa

para além de dados econômicos ou de uma reconstrução da sua linha do tempo, mas

1 A palavra “tragédia” (tragedy) foi uma escolha lexical do trabalho de Boje et al, para tratar o evento ocorrido com a empresa Enron. Por se tratar do texto utilizado como base metodológica, a mesma palavra será empregada para designar o ocorrido com a Samarco, uma vez que o trabalho em questão fará uma aproximação entre os mesmos.

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enfatizando o colapso da ilusão do espetáculo corporativo, presente nestes acontecimentos,

enquanto fragmentos do mega espetáculo (BOJE et al, 2004).

A fim de agrupar os fatos de tal espetacularização, Boje et al (2004) recorrem às

diferentes nomenclaturas utilizadas por Debord (1997) para classificar os distintos tipos de

espetáculos. São eles: Concentrados, Difusos e Integrados. Uma quarta forma de espetáculo é

incluída pelos autores, utilizando como base os trabalhos de Best e Kellner (1997), nomeada

como Mega Espetáculo.

A primeira categoria apresentada por Boje et al (2004) é a do Espetáculo Concentrado.

Suas características principais são a internalidade e a capacidade de criar dentro da

organização uma cultura de hipercompetitividade e arrogância. “Os espetáculos tornam-se

concentrados à medida que são produzidos e consumidos por e para o cliente 'interno': os

funcionários, gerentes, executivos e assim por diante” 2 (BOJE et al, 2004, p. 754, tradução do

autor). Sobre o espetacular concentrado, Debord (1997) afirma:

De fato, a propriedade burocrática está concentrada, no sentido em que o burocrata individual só tem relação com a posse da economia global por intermédio da comunidade burocrática, como membro dessa comunidade. Além disso, a produção das mercadorias, ali menos desenvolvida, também se apresenta sob uma forma concentrada: a mercadoria que a burocracia controla é o trabalho social total, e o que ela revende à sociedade é a sobrevivência como um todo. (DEBORD, 1997, p. 42).

O segundo tipo de espetáculo apresentado é o Difuso. De acordo com Boje et al (2004)

esta manifestação espetacular é direcionada para fora da organização e está relacionada com a

fragmentação, bem como com a especialização em diferentes estágios globais do capitalismo,

do mercado global e da divisão global do trabalho, podendo incluir tentativas de ocultar as

condições de produção. “É como se espetáculos concentrados fossem expostos nos bastidores

e toda a bagunça da fragmentação estivesse agora em primeiro plano”3 (BOJE et al, 2004, p.

755, tradução do autor).

Sobre o espetacular Difuso, Debord (1997) afirma:

Afirmações inconciliáveis se chocam no palco do espetáculo unificado da economia abundante; diferentes mercadorias célebres sustentam simultaneamente seus projetos contraditórios de planificação da sociedade, em que o espetáculo dos carros exige um tráfego perfeito que destrói as velhas cidades, ao passo que o espetáculo da própria cidade precisa dos bairros-museus. Logo, a satisfação, já problemática, que é considerada como pertencente ao consumo do conjunto é desde logo falsificada pelo fato de o consumidor real só poder tocar diretamente numa sequência de fragmentos dessa felicidade mercantil; a qualidade atribuída ao conjunto está forçosamente ausente desses conteúdos (DEBORD, 1997, p. 43).

2 Spectacles become concentrated as they are produced and consumed by and for the ‘internal’ customer: the employees, managers, executives, and so on. 3 It is as if concentrated spectacles are exposed from the background and all the messiness of fragmentation is now foreground.

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O terceiro tipo de espetáculo apresentado é o Integrado, que possui aspectos dos

espetáculos Concentrados e Difusos, “combinando a arrogância da cultura corporativa com a

aparentemente auto evidente adequação de suas táticas de exploração globais expansionistas”4

(BOJE et al, 2004, p. 755, tradução do autor). Sendo assim, “quanto mais perfeita a integração

do espetáculo concentrado e difuso, mais a resistência à hegemonia corporativa é

aparentemente fútil”5. Segundo Debord:

O anterior modo de aplicação destes mudou bastante. No lado concentrado, por exemplo, o centro diretor tornou-se oculto: já não se coloca aí um chefe conhecido, nem uma ideologia clara. No lado difuso, a influência espetacular jamais marcara tanto quase todos os comportamentos e objetos produzidos socialmente. Porque o sentido final do espetacular integrado é o fato de ele se ter integrado na própria realidade à medida que falava dela e de tê-la reconstruído ao falar sobre ela (DEBORD, 1997, p. 173).

A quarta e última forma de espetáculo definida por Boje et al (2004) são os Mega

Espetáculos (Megaspectacles) que consistem em escândalos de caráter sensacionalista da

mídia, oferecidos como uma espécie de entretenimento de massa, sendo que por trás disso

está a implosão das três primeiras formas de espetáculo. De acordo com Boje et al:

A 'tragédia' do mega espetáculo é que enquanto os poderosos são derrubados, assim como os meios de subsistência e as pensões de incontáveis partes interessadas, a dinâmica subjacente do espetáculo permanece inalterada. Desta forma, o palco é tragicamente definido para tragédias semelhantes. Cada integrante do espetáculo faz parte de um jogo de opressão praticado no cenário mundial 6 (BOJE et al, 2004, p. 755, tradução do autor).

A fim de melhor compreender os quatro tipos de espetáculos organizacionais são

sumarizadas as suas principais características, para que seja possível relacioná-las de forma

mais eficaz às ações espetaculares desenvolvidas pela empresa Samarco, após a queda da

Barragem de Fundão.

4 combining the hubris of corporate culture with the seemingly self-evident appropriateness of its exploitative tactics of global expansionism. 5 The more seamless the integration of concentrated and diffused spectacles, the more the resistance to corporate hegemony is seemingly futile. 6 The ‘tragedy’ of the megaspectacle is that while the mighty are brought down, so are the livelihoods and pensions of countless stakeholders, while the underlying dynamic of spectacle remains undisturbed. In this way, the stage is tragically set for similar tragedies. Each integrated spectacle is a game of oppression played on the world stage.

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Quadro 1: Tipos de Espetáculos e suas principais características

1. ESPETÁCULO CONCENTRADO

1.1. Internalidade

1.2 Produzidos pelo cliente interno

1.3 Consumidos pelo cliente interno

1.4 Cria uma cultura de hipercompetitividade

1.5 Cria uma cultura de arrogância

1.6 Trabalho social total, enquanto mercadoria controlada pela burocracia.

2. ESPETÁCULO DIFUSO

2.1 Externalidade

2.2 Produzidos para o cliente externo

2.3 Fragmentação

2.4 Especialização

2.5 Exposição dos bastidores

2.6 Projetos contraditórios simultâneos

3. ESPETÁCULO INTEGRADO

3.1 Reúne elementos dos espetáculos Concentrado e Difuso

3.2 Conserva a arrogância da cultura corporativa

3.3 Aparente adequação as táticas de exploração globais expansionistas

3.4 Ausência de um chefe conhecido

3.5 Ausência de uma ideologia clara

3.6 Reconstrução da realidade

4. MEGA ESPETÁCULO

4.1 Escândalos de caráter sensacionalista

4.2 Aparente queda dos poderosos, porém com a dinâmica do espetáculo organizacional se mantendo

inalterada.

Fonte: Elaboração do autor a partir de BOJE et al (2004) e DEBORD (1997).

Os elementos sumarizados no Quadro 1 serviram como base para seleção dos fatos

indicados na Metodologia, conforme descrito na seção de número 3.

3 METODOLOGIA

Para melhor analisar os tipos de espetáculos organizacionais presentes na tragédia do

rompimento da barragem do Fundão, a partir da perspectiva dos estudos organizacionais e

críticos, o presente trabalho foi realizado sob os critérios metodológicos de pesquisa

conclusiva descritiva do tipo qualitativa. Trata-se de um trabalho conclusivo descritivo, uma

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vez que o mesmo possui como característica básica a descrição da relação entre os

espetáculos organizacionais da Enron apresentados por Boje et al (2004) e os espetáculos

desempenhados pela mineradora Samarco, após o rompimento da Barragem de Fundão, sob a

perspectiva dos estudos organizacionais críticos. A pesquisa descritiva se propõe a expor as

características de determinado fenômeno, bem como avaliar as relações entre as variáveis

pesquisadas (VERGARA, 2004). Ao mesmo tempo, devido à sua complexidade e

flexibilidade, a pesquisa qualitativa não possibilita a definição de regras precisas, aplicáveis a

todos os casos (GIL, 1991).

A coleta de dados foi documental, do tipo desk research e foi composta pela análise do

material referente ao tema estudado, presente nos sites das empresas Samarco e Renova

(fundação criada a fim de sanar os problemas causados pela catástrofe ambiental), bem como

notícias (textuais e videográficas) disponíveis nos principais meios de comunicação nacional.

Para seleção dos fatos relacionados aos tipos de espetáculo delimitados por Boje et al (2004),

foi realizada uma pesquisa, na plataforma de buscas Google, durante os meses de Setembro e

Outubro de 2018, por ações ocorridas no primeiro ano após a queda da barragem de Fundão

(de 05 de Novembro de 2015 até 05 de Novembro de 2016).

O termo de pesquisa utilizado foi apenas o nome da empresa (Samarco) e para melhor

direcionamento foram utilizadas cinco ferramentas que a plataforma oferece: país, idioma,

recorte temporal (intervalo personalizado) e classificação dos resultados. Sendo assim, a

busca realizada foi restrita a publicações nacionais, em português, publicadas entre os dias 05

de Novembro de 2015 e 05 de Novembro de 2016 e classificadas por data. Tal pesquisa

obteve 245 resultados, sendo a grande maioria descrições jornalísticas sobre a queda da

Barragem de Fundão, que pelo seu caráter informativo não atendiam ao objetivo deste

trabalho. Dentre os resultados que descreviam ou anunciavam ações desempenhadas pela

empresa Samarco foram selecionados quatro fatos que mais se aproximavam aos espetáculos

concentrado, difuso, integrado e mega, sendo eles:

Quadro 2: Fatos selecionados do 1º ano após a queda da barragem

Programa de Demissão Voluntária (PDV)

Escolha do terreno do Novo Bento

A Fundação Renova

Indiciamento e Condenação dos culpados organizacionais

Fonte: Elaboração do autor

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A proposta desta pesquisa é analisar uma amostragem não probabilística por

julgamento do conteúdo constituinte destes espetáculos organizacionais promovidos pela

Samarco, buscando compreender a espetacularização como forma de representação social no

cotidiano do trabalho organizacional, diante de uma tragédia de grandes proporções, como a

ocorrida. Os dados foram analisados com base na técnica de análise de conteúdo (BARDIN,

2002).

Espera-se que os dados coletados e o procedimento metodológico escolhido tenham

sido suficientes para responder à questão central deste trabalho, que se concentrou na análise

das inter-relações entre os espetáculos organizacionais delimitados por Boje et al (2004), na

tragédia da Enron e seus paralelos desempenhados pela Samarco. Com base nesta resposta,

será possível desvelar criticamente o processo de espetacularização das práticas

organizacionais e suas consequências.

4 APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Os quatro tipos de espetacularizações descritas e exemplificadas no trabalho de Boje et

al (2004) serviram como base para identificação de possíveis situações paralelas

desempenhadas pela empresa mineradora Samarco, após a queda da barragem de Fundão.

Para tanto, foram utilizados materiais midiáticos e documentais, disponíveis publicamente,

referentes aos acontecimentos do primeiro ano após a tragédia ocorrida.

Assim como o trabalho base – apresentado por Boje et al (2004), não se pretende

reconstruir fatualmente ou historicamente o crime ambiental, tampouco analisar

ambientalmente o ocorrido, mas indicar possíveis espetacularizações encontradas neste

contexto. A apresentação dos quatro tipos de espetáculo também segue a ordem oferecida no

trabalho supracitado.

A partir do detalhamento e sumarização das características principais dos quatro tipos

de espetáculos, foram selecionados acontecimentos ocorridos após o rompimento da barragem

de Fundão que melhor se aproximavam dos mesmos (através de uma pesquisa nos principais

sites de notícias nacionais, bem como no material público da empresa Samarco e da Fundação

Renova). São eles apresentados no Quadro 3:

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Quadro 3: Tipos de Espetáculos e Fatos Selecionados

Espetáculo Concentrado Programa de Demissão Voluntária (PDV)

Espetáculo Difuso Escolha do terreno do Novo Bento

Espetáculo Integrado A Fundação Renova

Mega Espetáculo Indiciamento e Condenação dos culpados organizacionais

Fonte: Elaboração do autor

A análise da relação entre os tipos de espetáculo e os acontecimentos selecionados é

realizada a seguir, na subseção 4.1.

4.1. Espetáculo Concentrado - Programa de Demissão Voluntária (PDV)

O primeiro acontecimento analisado é o Programa de Demissão Voluntária (PDV), no

qual são identificados os aspectos do Espetáculo Concentrado, elencados no Quadro 4.

Quadro 4: Características do Espetáculo Concentrado7

1. ESPETÁCULO CONCENTRADO

1.1. Internalidade

1.2 Produzidos pelo cliente interno

1.3 Consumidos pelo cliente interno

1.4 Cria uma cultura de hipercompetitividade

1.5 Cria uma cultura de arrogância

1.6 Trabalho social total, enquanto mercadoria controlada pela burocracia.

Fonte: Elaboração do autor a partir de BOJE et al (2004) e DEBORD (1997).

O PDV – Programa de Demissão Voluntária lançado pela Samarco, em Junho de

2016, objetivava “(...) minimizar os impactos das demissões necessárias para adequar a força

de trabalho da Samarco à nova realidade da empresa” (SAMARCO, 2016, p. 1) e reduzir em

40% (quase pela metade) o número de funcionários. O desligamento de 1200 dos quase 3000

funcionários foi justificado pela Samarco (2016, p.1) considerando a interrupção das

atividades da empresa, por tempo indeterminado em decorrência da queda da Barragem de

Fundão.

Para aqueles que aderissem ao programa era oferecido 50% do salário para cada ano

de trabalho, limitado a quatro salários; um valor fixo equivalente a três salários, limitado a R$

7 A fim de otimizar a apresentação e discussão dos resultados, a sumarização dos elementos de cada um dos Tipos de Espetáculos (realizada no Quadro 1) será desmembrada nos Quadros 4, 5, 6 e 7, apresentados nas subseções temáticas sobre cada um dos espetáculos correspondentes.

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7.500; o não efetuamento do desconto na rescisão de contrato do adiantamento de PLR

(Participação nos Lucros e Resultados); a concessão de AMS (plano de saúde) por 6 meses

após data de demissão; e caso o empregado possuísse dívidas na AMS, seria perdoado o valor

que excedesse 30% do valor da rescisão (SAMARCO, 2016, p. 1).

A inter-relação atribuída entre este evento e o Espetáculo Concentrado se dá, a priori,

considerando a distinção produzida por Debord de Trabalho Social Total (item 1.6 do quadro

4).

Pauta-se tal identificação também, primeiramente, no fato de que foi um espetáculo

produzido e consumido por clientes internos (itens 1.1; 1.2 e 1.3), numa interação teatral em

que “o papel que um indivíduo desempenha é talhado de acordo com os papéis

desempenhados pelos outros presentes e, ainda, esses outros constituem a plateia”

(GOFFMAN, 2007, p. 9).

Em segundo lugar, considera-se a cultura de hipercompetitividade da Samarco (item

1.4), que justifica o PDV como uma forma para que ela “continue a gerar empregos, pagar

impostos e contribuir para o desenvolvimento socioeconômico das comunidades”

(SAMARCO, 2016, p. 2), além de certa arrogância (item 1.5), ao afirmar que “sempre foi

reconhecida no mercado pelo respeito que trata seus empregados, relação construída ao longo

dos seus 38 anos” (SAMARCO, 2016, p. 2). Tal hipercompetitividade e arrogância também

podem ser desencadeadas na cultura da empresa, considerando a instabilidade em decorrência

do corte do quadro de pessoal.

O PDV surge então, para os funcionários, como “vedete absoluta”, com a qual os

mesmos devem “identificar-se magicamente, ou desaparecer” (DEBORD, 1997, p. 43). Desta

forma:

A ditadura da economia burocrática não pode deixar às massas exploradas nenhuma margem significativa de escolha, pois ela teve de escolher tudo. Qualquer outra escolha que lhe seja exterior, referente à alimentação ou à música, representa a escolha de sua destruição completa. Essa ditadura tem que ser acompanhada de uma violência permanente (DEBORD, 1997, p. 43).

Na reportagem “Funcionários da Samarco analisam Programa de Demissão

Voluntária” apresentada pela TV Guarapari, em 22 de Junho de 2016 – disponibilizada na

plataforma de compartilhamento de vídeos YouTube – o discurso dos funcionários da

empresa mineradora corroboram para o relacionamento do processo de PDV, com o

Espetacular Concentrado (DEBORD, 1997; BOJE et al, 2004).

O funcionário identificado em tal reportagem, como Fábio Ribeiro, afirma:

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O PDV não é daqueles PDV que a gente esperava que a empresa pudesse aplicar. Até porque a empresa diz que tem uma caixa d’água, aonde tem dez torneiras. Infelizmente, nós não conseguimos encontrar uma torneira que pudesse barrar essas demissões. E isso nos lamenta muito.

Outro funcionário, identificado como Luiz Antônio, afirma trabalhar há 30 anos na

Samarco e diz que a vida e a família constituída foram possíveis somente pelo trabalho na

mineradora. O funcionário afirma: “Isso aqui é a minha vida. Isso aqui é aonde que eu nasci

para o trabalho. Tá? E a gente está muito angustiado... Muito triste, né? Com esse

acontecimento” (2016).

Talvez esteja em Marx, ao comentar sobre Adam Smith, a melhor definição desta

relação laboral e deste Espetáculo Concentrado em forma de PDV, quando ele afirma que:

(...) ao trabalhador pertence a parte mínima e a mais indispensável do produto; somente tanto quanto for necessário para ele existir, não como ser humano, mas como trabalhador, não para ele continuar reproduzindo a humanidade, mas sim a classe de escravos [que é a] dos trabalhadores (MARX, 2004, p. 28).

O Espetáculo Concentrado manifesto no PDV encontra em Adorno e Horkheimer

(2006) um paralelo, quando os mesmos afirmam que: “A teoria do sacrifício predominante

hoje relaciona-o à representação do corpo coletivo da tribo, à qual deve refluir como força o

sangue derramado do membro da tribo” (ADORNO; HORKHEIMER, 2006, p. 52), e neste

caso, especificamente, 40% da tribo.

4.2 Espetáculo Difuso - Escolha do terreno do Novo Bento

A escolha de um novo terreno para a construção do “novo” Bento Rodrigues pode ser

associada ao Espetáculo Difuso, apresentando as características a seguir.

Quadro 5: Características do Espetáculo Difuso

2. ESPETÁCULO DIFUSO

2.1 Externalidade

2.2 Produzidos para o cliente externo

2.3 Fragmentação

2.4 Especialização

2.5 Exposição dos bastidores

2.6 Projetos contraditórios simultâneos

Fonte: Elaboração do autor a partir de BOJE et al (2004) e DEBORD (1997).

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22

Os elementos expostos do Espetáculo Difuso podem ser relacionados com o processo

adotado pela Samarco para que as vítimas do rompimento da barragem, que habitavam em

Bento Rodrigues (distrito da cidade de Mariana, completamente destruído pela onda de

rejeitos da Barragem de Fundão), escolhessem o terreno onde será construído o “Novo

Bento”.

O processo de votação e escolha foi retratado na reportagem do portal G1 “Terreno

onde será construído novo Bento Rodrigues é definido” no dia 07 de Maio de 2016. O caráter

de espetáculo produzido para fora da organização é evidenciado, no vídeo anexo à reportagem

citada (item 2.1 e 2.2), através de elementos visuais, como urnas coloridas representando as

três distintas opções de lugares (Bicas, Carabina e Lavoura), auditorias externas e cobertura

midiática.

O momento de revelação da localidade onde será o “Novo Bento” é comemorado

como se as vítimas estivessem em um programa de auditório, diante da espetacularização que

a situação ganhou. Realizado no Centro de Convenções da cidade de Mariana, de um lado a

reportagem do G1 mostra a mesa composta pela equipe de apuração que abre o envelope com

o resultado. Do lado oposto, são filmados os moradores reunidos como em um programa de

auditório, com os celulares nas mãos e um fotógrafo posicionado para registrar suas reações.

Por um microfone, o responsável pela mesa de apuração anuncia a localidade escolhida:

- Lavoura!

Os moradores, do lado oposto, filmam a situação e suas reações, enquanto gritam,

batem palmas, se abraçam, pulam e comemoram emocionados o local escolhido para sediar o

“Novo Bento”. Muitos flashes fotográficos são registrados pela reportagem do G1, vindos da

câmera do profissional posicionado para registrar o momento em questão.

É a “bagunça dos bastidores” (BOJE et al, 2004) – item 2.5 – representada pelas ações

da Samarco após a queda da barragem que é colocada em cena, na forma de um espetáculo

difuso, na qual diferentes mercadorias são empregadas na sustentação de projetos

contraditórios (DEBORD, 1997) – item 2.6. Tal qual o espetáculo dos carros é incompatível

com o espetáculo das cidades-museu, o espetáculo da mineração mostra-se da mesma forma

contraditório com o espetáculo da vida da comunidade de Bento Rodrigues. Ou seja, não há

espaço para que ambos coexistam e no mundo dominado por diferentes “estágios globais do

capitalismo” (BOJE et al, 2004) vence a mineradora que, tal qual o Rei Creonte na tragédia

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grega “Antígona”8 (1999) roga aos mais fracos o exílio e impede que aqueles que

permanecem enterrem seus irmãos mortos.

4.3 Espetáculo Integrado - A Fundação Renova

A Fundação Renova guarda similaridades com aspectos do Espetáculo Integrado,

conforme especificado no Quadro 6.

Quadro 6: Características do Espetáculo Integrado

3. ESPETÁCULO INTEGRADO

3.1 Reúne elementos dos espetáculos Concentrado e Difuso

3.2 Conserva a arrogância da cultura corporativa

3.3 Aparente adequação as táticas de exploração globais expansionistas

3.4 Ausência de um chefe conhecido

3.5 Ausência de uma ideologia clara

3.6 Reconstrução da realidade

Fonte: Elaboração do autor a partir de BOJE et al (2004) e DEBORD (1997).

A Fundação Renova, criada em Março de 2016 e mantida pelas empresas Samarco

Mineração S.A, Vale S.A e BHP Billiton Brasil Ltda, surge como o Espetáculo Integrado na

dramaturgia da tragédia de Bento Rodrigues. Sua constituição se deu através de um TTAC -

Termo de Transação e de Ajustamento de Conduta e a mesma possui como meta a

reconstrução das localidades atingidas pelos rejeitos da barragem. Sem fins lucrativos, a

Renova é uma organização privada, não governamental, que objetiva a reparação dos danos

causados pelo rompimento da barragem de Fundão (FUNDAÇÃO RENOVA, 2018).

De acordo com o texto de apresentação, presente no site da fundação, sua “(...) história

é recomeço. Vem do rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), no dia 5 de

novembro de 2015, nossa razão de existir” (FUNDAÇÃO RENOVA, 2018). Sua ação reúne

elementos dos espetáculos Concentrado e Difuso – uma vez que o espetáculo produzido é

tanto direcionado ao público interno, como externo (item 3.1). Nota-se também a conservação

da arrogância da cultura corporativa (item 3.2) e a aparente adequação as táticas de exploração

globais expansionistas (item 3.3). 8 Na tragédia grega “Antígona” de Sófocles, a protagonista luta contra o seu tio, o Rei Creonte, para que consiga dar um enterro digno ao seu irmão, morto no combate pela posse do trono. Antígona é filha/irmã do antigo Rei Édipo, que mesmo cego é exilado da cidade após a trágica descoberta de que havia (sem ter consciência) matado seu pai e casado com sua própria mãe.

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De fato, a Fundação é apresentada pela empresa Samarco, como seu Deus Ex

Machina9, na composição dramatúrgica desta tragédia, recurso “usado, muitas vezes, quando

o dramaturgo encontra dificuldade para achar uma conclusão lógica e quando procura um

meio eficaz para resolver de uma só vez todos os conflitos e contradições” (PAVIS, 1999, p.

92). A Renova surge como uma fundação sem um chefe conhecido (item 3.4), onde o caráter

de sua constituição é determinado como participativo e, apesar dos objetivos declarados em

seu material de marketing, não apresenta uma ideologia clara10 (item 3.5).

Desta forma, tal qual um deus que aparece para tudo solucionar, a Fundação Renova

se propõe a atuar em três eixos temáticos, que juntos atuam na reconstrução da realidade

afetada (item 3.6) pela tragédia: Pessoas e Comunidas (Identificação e indenização, Educação

e cultura, Saúde e bem-estar, Comunidades tradicionais e indígenas, Fomento à economia,

Engajamento e diálogo), Terra e Água (Uso do solo, Gestão hídrica, Manejo de rejeito,

Biodiversidade, Assistência aos animais, Inovação) e Reconstrução e Infraestrutura

(Reassentamento, Contenção de rejeito, Tratamento de água e efluentes, Infraestrutura urbana

e acessos), de acordo com dados disponíveis publicamente em seu site (FUNDAÇÃO

RENOVA, 2018).

4.4 Mega Espetáculo - Indiciamento e Condenação

O indiciamento e a condenação dos culpados pela tragédia da Samarco constituem um

Mega Espetáculo, com base nos aspectos apontados a seguir.

Quadro 7: Características do Mega Espetáculo

4. MEGA ESPETÁCULO

4.1 Escândalos de caráter sensacionalista

4.2 Aparente queda dos poderosos, porém com a dinâmica do espetáculo organizacional se mantendo

inalterada.

Fonte: Elaboração do autor a partir de BOJE et al (2004) e DEBORD (1997).

9 O Deus Ex Machina era um recurso muito utilizado nas tragédias clássicas gregas e posteriormente em outras peças da dramaturgia teatral . Trata-se de um elemento fantástico, que surge próximo ao fim do espetáculo para resolver todos os problemas, ainda pendentes, de forma fantástica. (PAVIS, 1999) 10 A ausência de ideologia, descrita por Debord (1997) e apontada por Boje et al (2004), caminha na contramão das ideias de Adorno (1973). Para fins dessa pesquisa, será considerada, porém, o apontado pelos autores base da metodologia.

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Enquanto no artigo “Enron Spectacles” de Boje et al (2004) os autores analisam o

Mega Espetáculo que tornou a empresa estudada mundialmente famosa, com o apontamento

judicial dos culpados, no caso da queda da Barragem de Fundão, aqui estudada, não foi

diferente: foi relacionado o mega espetáculo, como o processo que buscou direcionar a culpa

do crime ocorrido para determinados indivíduos e os desdobramentos que tal questão teve no

primeiro ano após a tragédia (item 4.1).

Em 13 de Janeiro de 2016, o portal G1 publicou em seu site a reportagem “PF indicia

Vale, Samarco, executivos e técnicos por tragédia em Mariana”, na qual informava o

indiciamento da “Samarco, a Vale (dona da Samarco), a empresa VogBR e mais sete

executivos e técnicos por crimes ambientais provocados pelo rompimento da barragem de

Fundão, em Mariana” (G1). A reportagem informa ainda:

Segundo a corporação, entre os indiciados está o diretor-presidente da Samarco, Ricardo Vescovi. Também foram indiciados o coordenador de monitoramento das barragens, a gerente de geotecnia, o gerente geral de projetos e responsável técnico pela barragem de Fundão, o gerente geral de operações, o diretor de operações, e o engenheiro da VogBR – consultoria responsável pela declaração de estabilidade da barragem, emitida em laudo de julho de 2015.

Em momento algum a reportagem fala sobre indiciamentos referentes a

responsabilidade da empresa pelas mortes ocorridas, ou danos materiais, sociais e

psicológicos provocados nos moradores de Bento Rodrigues, Paracatu de Baixo ou demais

localidades atingidas.

No dia 09 de Junho de 2016, o mesmo portal de notícias publicou a matéria “PF

conclui inquérito da tragédia de Mariana e indicia 8 pessoas”, na qual informa que “oito

pessoas e a Samarco, a Vale e a consultoria VogBR foram indiciadas por crimes ambientais e

danos contra o patrimônio histórico e cultural”. Destes oito funcionários, seis trabalhavam na

Samarco, um na Vale e um na VogBR. A reportagem noticia ainda que “A Polícia Federal

informou que não há pedido de prisão preventiva de nenhum suspeito porque a corporação

entendeu que eles não oferecem risco de fuga e que eles apresentaram documentos sempre que

foi requisitado” (G1).

Em 04 de Novembro de 2016, Braga publicou no jornal Metrô a reportagem “Sem

punição aos culpados, mar de lama em Mariana completa 1 ano”, na qual realiza um breve

resgate da tragédia ocorrida e analisa as consequências que a mesma teve para os moradores

do distrito de Bento Rodrigues (considerando o ocorrido e as consequências sofridas um ano

depois) e para a cidade de Mariana. Segundo o autor:

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A Samarco, seus proprietários e sua diretoria enfrentam uma verdadeira avalanche de ações judiciais. Entre elas, estão as demandas de promotores por indenizações que já somam R$ 155 bilhões e também os processos criminais. Ao todo, 21 executivos e funcionários ligados à mineradora já foram denunciados pelo MPF por homicídio qualificado. Entre os acusados está Ricardo Vescovi Aragão, presidente da Samarco na época da tragédia. Atualmente, Vescovi está afastado da função e dedica seu tempo a elaborar sua defesa. Até agora, só no Tribunal de Justiça de Minas (TJMG), há mais de 18 mil ações cadastradas contra a Samarco com pedidos diversos: indenizações por dano moral e material, obrigação de fazer ou não fazer alguma coisa e reparação de danos ambientais. Só na comarca de Governador Valadares, são mais de 12 mil processos. Todos estão suspensos desde 16 de setembro. Além disso, outras 20 mil ações estão em fase de análise e cadastramento no tribunal. Além da Samarco, existem processos contra a Vale e a BHP Billiton (BRAGA, 2016)

Tal qual no Caso Enron, estudado como exemplo do colapso da ilusão do espetáculo

corporativo, presente nestes acontecimentos, enquanto fragmentos do mega espetáculo por

Boje et al (2004), nota-se que o Mega Espetáculo do caso da queda Barragem de Fundão da

mineradora Samarco, também teve – neste primeiro ano estudado – uma multiplicidade de

indiciados, processos e ações, porém, mesmo a difusão dos mesmos permanecia, um ano

depois, como titula a reportagem de Braga (2016) “sem punição aos culpados” (item 4.2).

5 O ESPETÁCULO NOSSO DE CADA DIA

Utilizando como base teórica teatral as definições da célula principal do Teatro

(constituída pelo espaço, espectador e pelo ator), seus desdobramentos, definições e

interelações, a partir dos trabalhos de Luiz Otávio Burnier e Patrice Pavis, bem como as

pesquisas, da área da Administração, desenvolvidas por Thomaz Wood Jr, pelo sociólogo

Guy Debord e pelo teórico crítico David M. Boje, é possível chegar a determinadas

conclusões, sobre o tema proposto nesta monografia.

Partindo do argumento que a espetacularização das organizações ultrapassa os limites

metafóricos, buscou-se compreender, para além das bases sociológicas utilizadas nos estudos

organizacionais da área, o sistema de significações (MAGNANI, 1992) de onde o conceito de

espetáculo é retirado, recorrendo aos teóricos e práticas do teatro (BURNIER, 2002; PAVIS

1999). Utilizando como referência o estudo realizado por Boje et al (2004), relacionado aos

espetáculos da empresa norte-americana Enron, buscou-se estabelecer paralelos com o

trabalho em questão e eventos do primeiro ano após o rompimento da barragem de Fundão da

empresa Samarco.

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Sendo assim, se forem considerados os três elementos principais da célula teatral

(espaço, ator e plateia) e o fato de que nem sempre atores e espectadores estão conscientes de

sua atuação como tal, seria possível dizer que talvez a Samarco, o ator dos vários espetáculos,

estaria em diferentes espaços, realizando espetáculos organizacionais para diferentes públicos:

funcionários, moradores de Bento Rodrigues, comunidades das cidades atingidas e a mídia em

geral. Públicos, que assim como em um Jogo Dramático, também assumem muitas vezes a

atuação, se tornando ativos nessa espetacularização promovida pela organização.

Analisando os eventos “Programa de Demissão Voluntária (PDV)”, “Escolha do

terreno do Novo Bento”, “A Fundação Renova” e o “Indiciamento e Condenação dos

culpados organizacionais” foi possível observar aproximações entre as características

constituintes dos mesmos e, respectivamente, os espetáculos concentrado, difuso, integrado e

mega. Apesar de se tratar de um estudo inicial, já foi possível notar confluências entre as

propostas indicadas nas subseções respectivas a cada espetáculo.

Percebe-se que as manifestações espetaculares dentro das organizações podem ser

lidas como muito maiores do que simples metáforas. Em algumas destas identificamos

elementos facilmente relacionados com a própria prática teatral. Nota-se também que essa

prática organizacional teatralizada, espetacular, é utilizada como elemento de controle e

dominação na linha de comando da organização, seja dos seus atores internos (funcionários

convidados a aderir a um Programa de Demissão Voluntária), seja da comunidade em seu

entorno (como as vítimas da tragédia, ex-moradoras de Bento Rodrigues) ou até mesmo da

sociedade como um todo (envolvida em espetáculos como a Fundação Renova ou enquanto

plateia da suposta condenação pelo crime ambiental ocorrido). Constata-se, também, que

comparadas com práticas consideradas como puramente teatrais, determinadas condutas e

práticas dos Espetáculos Organizacionais chegam a ser muito mais teatrais do que as próprias

práticas cênicas. Afinal, o que é mais teatral e espetacular? O Teatro Invisível que pretende

em sua essência manter-se oculto ou o show de auditório promovido para se escolher o terreno

do Novo Bento?

A proposta principal desta monografia, porém, é apenas iniciar a discussão sobre até

que ponto tais dinâmicas organizacionais, relacionadas às metáforas teatrais e utilizadas no

estudo das organizações espetaculares, são realmente apenas metafóricas e em que ponto se

tornam reais acontecimentos teatrais. Não pretende-se, assim, responder de forma definitiva

tais questionamentos levantados, ou seja, não se propõe a dar uma palavra ou parecer final

sobre o tema, mas iniciar tal debate, embasando tais questões, como um ponto de partida

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sobre tudo isso. Em trabalhos futuros, realizados em programas de pós-graduação, artigos

acadêmicos e demais discussões em eventos da área, espera-se continuar ampliando o debate

teórico e a construção conceitual de tal proposta.

É possível, portanto, chegar à conclusão inicial de que as ações cênicas, dentro das

contemporâneas organizações espetaculares – como a mineradora Samarco, após a tragédia da

queda da Barragem de Fundão – podem ser muito mais do que simples manifestações de

modelos da sociedade do espetáculo ou da metáfora do teatro, podendo ser consideradas

muito mais próximas do teatro em si, do que de uma simples metáfora organizacional.

Não se pode concluir de forma efetiva que são espetáculos, mas dados os estudos dos

grandes escândalos organizacionais (Boje et al, 2004), bem como as relações, conceitos e

fatos expostos neste trabalho, fica a provocação para a comunidade acadêmica, na qual me

incluo, sobre a espetacularização das práticas organizacionais e os motivos que a conduzem a

estes formatos.

Para além dos possíveis espetáculos organizacionais decorridos após a trágica queda

da barragem de Fundão, da Samarco, estaria a área acadêmica da administração, promovendo

tal espetacularização? Fica a indagação, se pela forma como se institui o produtivismo em

suas rotinas, a academia não estaria rendendo-se à espetacularização. Seja através de técnicas

como coaching, a literatura de pop management ou práticas organizacionais de gestão dos

públicos internos e externos. Por fim, questiona-se, se ao tratar fenômenos como

espetacularizações de forma inexpressiva, não estaria a área da administração gerando

consequências sociais e organizacionais com os quais não está lidando e tampouco discutindo.

É necessário, porém, indicar as principais limitações de pesquisa deste trabalho. Em

primeiro lugar há a limitação textual indicada para a monografia deste curso de administração

que deve possuir apenas 30 páginas (excetuando os elementos pré-textuais). Em segundo

lugar há o limite temporal (de somente seis meses) para execução de tal pesquisa, realizada

em paralelo com as disciplinas obrigatórias do curso de Administração. Estas limitações

referentes a extensão do conteúdo e tempo de pesquisa se apresentaram como elementos

cerceadores dada a complexidade do conteúdo de tal monografia. No trabalho de Boje et al

(2004) são indicados dois eventos de cada um dos quatro tipos de espetáculos, enquanto neste

trabalho foram indicados apenas um representante de cada. É possível indicar tal fato, como a

terceira limitação de tal monografia.

A partir deste trabalho é possível realizar algumas sugestões para estudos futuros. Tal

monografia poderia ser ampliada qualitativamente, realizando o estudo dos quatro eventos

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indicados de forma mais aprofundada. Isto poderia se dar através da pesquisa em mais fontes

documentais e jornalísticas que dessem conta dos mesmos, bem como a ampliação e

utilização de outras fontes documentais, indisponíveis na internet, como atas de sindicatos,

contratos de funcionários, documentos públicos da empresa e arquivos pessoais dos

moradores. Outra forma de ampliação se daria pela entrevista com os sujeitos que

participaram de alguma forma dos espetáculos indicados, que poderiam corroborar ou

contradizer este estudo. Estudos futuros também poderiam ampliar o número de eventos

indicados como pertencentes a cada espetáculo durante o primeiro ano ou apontar nos dois

anos subsequentes outras manifestações dos mesmos.

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APÊNDICE

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RELATÓRIO DE PRODUÇÃO TÉCNICA/TECNOLÓGICA

ORGANIZAÇÕES ESPETACULARES: AUTOAJUDA, GESTÃO E TEATRO Autor (es): Alexsandre Gustavo da Silva Carvalho

Data e local da realização:

22 de Outubro de 2018 Grupo A: 13h30 às 15h10min Grupo B: 21h às 22h40min Sala 01 – Instituto de Ciências Sociais e Aplicadas (ICSA). Rua do Catete, 166, Mariana – MG.

1. Tipo de Produção Técnica/Tecnológica

Diferenciação entre Produção Técnica e Produção Tecnológica A diferenciação entre os produtos técnicos e tecnológicos apresenta grande importância para a avaliação, visto que a produção tecnológica implica no avanço do conhecimento e produção técnica faz referência à aplicação ou replicação de algo previamente desenvolvido. Portanto, no caso da produção técnica, os quesitos “inovação” e “complexidade” são menos relevantes. x Base de dados técnico-científica Manual de operação técnica Desenvolvimento de material didático e

instrucional Processos de gestão

Desenvolvimento de Tecnologia social Processo/Tecnologia não patenteável *marque com um “X” a opção mais adequada.

2. Aderência ao Tema o critério aderência se faz obrigatório visto que os produtos deverão apresentar origens nas atividades oriundas das linhas de pesquisas/atuação e projetos vinculados a estas linhas. Serão analisados tanto o projeto de pesquisa como a linha de pesquisa vinculados à produção.

Este Produto Técnico foi motivado pela necessidade de introduzir os administradores

em formação, dos períodos iniciais do curso de Administração da UFOP, aos conceitos de

Organizações Espetaculares e suas variáveis. Para tanto, foi realizada uma atividade inicial a

fim de levantar questionamentos a respeito da inter-relação entre os discursos de autoajuda e

teatro, com os discursos oriundos da gestão, representados por frases de dois dos maiores

coachees, que possuem canais na plataforma de vídeos YouTube.

Tendo alto poder de penetração na sociedade, a técnica de coaching tem condições de

estruturar os ditames da gestão, tornando seus adeptos mais alinhados à lógica dominante do

campo da Administração, adaptando-os à racionalidade instrumental hegemônica. Tal técnica,

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amplamente divulgada, se tornou uma formação continuada do gestor, nas mais diversas

áreas, desde a indústria ao setor de serviços e para empresas de grande, médio ou pequeno

porte, ou até mesmo para profissionais liberais.

Sendo assim, é possível ver o quanto é necessário questionar tais práticas, seus

discursos e suas influências diretas e indiretas na prática do administrador e no cotidiano

organizacional, a fim de barrar instrumentos de dominação sociais, instrumentalizadas e

alimentadas por técnicas que pertencem ao mundo da gestão, mas que possuem discursos

dissonantes com a área em questão.

3. Impacto (especificar o tipo de demanda, objetivo da pesquisa e área impactada):

O critério Impacto relaciona-se às mudanças causadas pelo produto técnico ou tecnológico no ambiente em que o mesmo está inserido. Para avaliar tal critério é importante entender o motivo da criação do produto em tela, de forma que a questão do demandante se torna de grande relevância. Deve também estar claro qual o foco de aplicação do produto. Portanto, deverão ser avaliadas as seguintes informações: Demanda (espontânea, contratada ou por concorrência), Objetivo da pesquisa (experimental, sem um foco de aplicação inicialmente definido, ou solução de um problema previamente identificado) e Área impactada pela produção.

A demanda de tal produto técnico foi espontânea. Tal atividade foi realizada por

iniciativa do autor, para os alunos das disciplinas “Evolução do Pensamento Administrativo”

e “Teoria das Organizações”, ambas ministradas pela professora Dra. Fernanda Macedo, do

Instituto de Ciências Sociais e Aplicadas – ICSA/UFOP. A cessão de tais horários para

apresentação do produto técnico foi realizada a partir de requisição a tal professora para tal.

O objetivo desta iniciativa é experimental e motivado pela necessidade de introduzir

os administradores em formação ao questionamento da espetacularização organizacional e

quais seus impactos para os sujeitos envolvidos neste processo.

A área impactada diretamente pela realização de tal trabalho é a dos alunos do curso

de Administração da Universidade Federal de Ouro Preto. Indiretamente, acredita-se que tal

atividade pode fomentar questionamentos que podem impactar na forma como tais

administradores atuarão no mercado de trabalho futuramente.

4. Aplicabilidade

O critério aplicabilidade faz referência a facilidade com que se pode empregar a produção técnica/tecnológica a fim de atingir seus objetivos específicos para os quais foi desenvolvida. Entende-se que uma produção que possua uma alta aplicabilidade, apresentará uma abrangência elevada, ou que poderá ser potencialmente elevada, incluindo possibilidades de replicação como produção técnica.

Abrangência realizada Abrangência potencial

X Replicabilidade *marque com um “X” a opção mais adequada.

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5. Inovação O conceito de inovação é muito amplo, mas em linhas gerais, pode-se definir como a ação ou ato de inovar, podendo ser uma modificação de algo já existente ou a criação de algo novo. Considerando esta amplitude e para fins de avaliação deste critério, apresenta-se a seguinte classificação: Produção com alto teor inovativo (Desenvolvimento com base em conhecimento inédito); Produção com médio teor inovativo (Combinação de conhecimentos pré-estabelecidos); Produção com baixo teor inovativo (Adaptação de conhecimento existente); Produção sem inovação aparente. Cabe destacar que esta classificação para o critério inovação se baseia somente na produção de conhecimento, ou seja, não faz referência.

Produção com alto teor inovativo Produção com baixo teor inovativo

X Produção com médio teor inovativo Produção sem inovação aparente. *marque com um “X” a opção mais adequada.

6. Complexidade Complexidade pode ser entendida como uma propriedade associada à diversidade de atores, relações e conhecimentos necessários à elaboração e ao desenvolvimento de produtos técnico-tecnológicos. Considerando esta amplitude e para fins de avaliação deste critério, apresenta-se a seguinte classificação: - Produção com alta complexidade: Desenvolvimento com sinergia ou associação de diferentes tipos de conhecimento e interação de múltiplos atores (laboratórios, empresas, etc.). Há multiplicidade de conhecimento, identificável nas etapas/passos e nas soluções geradas associadas ao produto, bem como demanda a resolução de conflitos cognitivos entre os atores partícipes. - Produção com média complexidade: Resulta da combinação de conhecimentos préestabelecidos e estáveis nos diferentes atores (laboratórios, empresas, etc.). - Produção com baixa complexidade: Resulta de desenvolvimento baseado em alteração/adaptação de conhecimento existente e estabelecido sem, necessariamente, a participação de diferentes atores.

Produção com alta complexidade

x Produção com média complexidade Produção com baixa complexidade *marque com um “X” a opção mais adequada.

7. Desenho da Produção Técnica/Tecnológica

No dia 22 de Outubro de 2018, foi apresentado o Produto Técnico desta Monografia

para as turmas do 1º e 2º período, do curso de Administração, da Universidade Federal de

Ouro Preto.

Para iniciar o debate, foi entregue a cada um dos alunos um formulário contendo cinco

frases, que os mesmos deveriam classificar como pertencentes à área da autoajuda, gestão ou

teatro. O 2º período participou do produto técnico no período diurno e respondeu ao

formulário A. O 1º período, por sua vez, realizou a sua participação no período noturno e

respondeu ao formulário B.

Após a leitura das frases e preenchimento individual dos formulários, foi revelado aos

alunos a qual área cada uma delas pertencia, seguido do debate sobre as mesmas. Por fim, foi

realizada a apresentação do conceito de Organizações Espetaculares e da pesquisa

desenvolvida na monografia “A Sociedade do Espetáculo e a Samarco: uma Análise Crítica

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para além da Metáfora” e no projeto de Iniciação Científica Pibic/CNPQ “O Espetáculo e as

Organizações: aproximações entre estudos simbólicos organizacionais e a cena teatral”.

As frases utilizadas nos formulários foram retiradas das seguintes bases:

AUTOAJUDA: Monja Coen / Roberto Shinyashiki

GESTÃO: Febracis Coaching / Polozi Coaching

TEATRO: Como Vencer na Vida Sem Fazer Força / Chicago – O Musical (Filme)

8. Resultados da Produção Técnica/Tecnológica

Serão apresentados os resultados quantitativos de cada um dos formulários, através de

quadros indicativos, nos quais serão inseridas as respostas dadas pelos alunos. Os resultados

aqui apresentados não têm avaliação estatística e visam apenas, a partir das opções mais

votadas, evocar discussões sobre o tema em questão.

Em um segundo momento, serão feitas as observações sobre as respostas obtidas e os

principais apontamentos e questionamentos feitos pelos alunos durante a realização do

Produto Técnico.

FORMULÁRIO A

(30 Participantes / 2º Período do curso de Administração/UFOP)

01) Este pequeno livro foi concebido para lhe dizer tudo o que precisa de saber sobre a

ciência de progredir. Agora vamos supor que você é jovem, saudável, visionário e ansioso,

ansioso para subir rapidamente e facilmente para o topo do mundo dos negócios. Você pode!

(Teatro: Como Vencer Na Vida Sem Fazer Esforço)

AUTOAJUDA GESTÃO TEATRO TOTAL

17 11 02 30

02) As nossas crenças determinam se a gente vai ser rico ou pobre – e se for rico, se vai

quebrar ou não. As nossas crenças determinam como é o nosso corpo, os nossos

relacionamentos, se a gente vai casar e se o casamento vai dar certo ou não. Até câncer vem

das nossas crenças

(Gestão: Polozi Coaching)

AUTOAJUDA GESTÃO TEATRO TOTAL

06 06 18 30

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03) Palavras têm poder. O que você tem feito com as suas palavras? Porque palavra, de fato,

tem poder de vida, palavra tem poder de morte. A sua vida financeira é igual o que você fala.

A sua vida conjugal é igual o que você fala. A relação com seus filhos, o seu lar é igual o que

você fala.

(Gestão: Febracis Coaching)

AUTOAJUDA GESTÃO TEATRO TOTAL

17 07 06 30

04) Dê-lhes o velho deslumbramento. Deslumbre-os. Dê-lhes um espetáculo cheio de luzes e

a reação será apaixonada. Dê-lhes o velho hocus pocus. Enfeite-os e os distraia-os. Como

eles podem enxergar com lantejoulas em seus olhos?

(Teatro: Chicago – O Musical)

AUTOAJUDA GESTÃO TEATRO TOTAL

00 02 28 30

05) Não confunda derrotas com fracasso nem vitórias com sucesso. Na vida de um campeão

sempre haverá algumas derrotas, assim como na vida de um perdedor sempre haverá

vitórias. A diferença é que, enquanto os campeões crescem nas derrotas, os perdedores se

acomodam nas vitórias.

(Autoajuda: Roberto Shinyashiki).

AUTOAJUDA GESTÃO TEATRO TOTAL

21 09 00 30

FORMULÁRIO B

(34 Participantes / 1º Período do curso de Administração/UFOP)

01) Mostre-os o feiticeiro de primeira categoria que você é. Desde que você os mantenha

desequilibrados, como eles perceberão que você não tem talento algum?

(Teatro: Chicago – O Musical)

AUTOAJUDA GESTÃO TEATRO TOTAL

08 04 22 34

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02) De momento a momento tudo está mudando, nós fazemos parte dessa mudança e

podemos escolher, discernir qual o caminho que queremos dar a esse constante transformar.

(Autoajuda: Monja Coen).

AUTOAJUDA GESTÃO TEATRO TOTAL

13 21 00 34

03) Se você tem educação, inteligência, habilidade, tanto melhor. Mas lembre-se que

milhares atingiram o topo sem nenhuma dessas qualidades.

(Teatro: Como Vencer Na Vida Sem Fazer Esforço)

AUTOAJUDA GESTÃO TEATRO TOTAL

21 11 02 34

04) Primeiro você começa pelo “ser”. Quem você é? Quem eu sou? O que você acredita

sobre si mesmo? Quais são as crenças que você tem sobre você? O que você acredita sobre

você mesmo vai levar você a fazer, a realizar, a ter ações.

(Gestão: Polozi Coaching)

AUTOAJUDA GESTÃO TEATRO TOTAL

29 05 00 34

05) Aonde você não tem prosperidade é porque você não diz: “Obrigado pelo pouco que eu

tenho”. Você não reconhece motivos para ser grato. Porque se reconhecesse, expressasse e

manifestasse, essa área não estaria com uma nota baixa, estaria com uma nota alta.

(Gestão: Febracis Coaching)

AUTOAJUDA GESTÃO TEATRO TOTAL

20 11 03 34

É possível observar que as frases do musical Chicago (A4 e B1) são facilmente

identificáveis com a prática teatral, tendo as mesmas sido indicadas pela maioria como tal. As

frases retiradas da peça teatral “Como Vencer na Vida sem fazer Esforço” (A1 e B3), por sua

vez, foram indicadas pela maioria como oriundas de materiais de autoajuda.

Sobre as frases de autoajuda, a de Roberto Shinyashiki (A5) foi indicada pela maioria

como tal, a da Monja Coen (B2), por sua vez, foi indicada pela maioria como pertencente ao

universo da gestão.

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As frases do Polozi Coaching foram identificadas pela maioria dos alunos como

oriundas do teatro (A2) e da Autoajuda (B4). As frases do Febracis Coaching (A3 e B5) foram

ambas indicadas pela maioria como autoajuda.

É relevante ressaltar dois pontos pertinentes nos resultados dessa atividade inicial do

Produto Técnico. Em primeiro lugar, está o ponto de que a única frase relacionada à gestão,

pela maioria dos alunos, pertence a Monja Coen (autoajuda). Em segundo lugar, é importante

observar que as frases de coaching (gestão) foram atribuídas ao universo teatral ou a

autoajuda. Estes resultados podem ser motivados por fatores – desenvolvidos anteriormente

neste trabalho – como a espetacularização das práticas de coaching e pela natureza dos

trabalhos literários e visuais de pop management.

Ao serem introduzidos aos conceitos de “Sociedade do Espetáculo” e “Organizações

Espetaculares”, os alunos participantes, de ambas as turmas, ressaltaram a impressão de que

tais empresas são “grandes”, “ ativas” e de que as mesmas estão “sempre crescendo”. Ou seja,

a espetacularização foi relacionada como um dos fatores primordiais para que uma empresa

cresça e se perpetue como líder do seu segmento. Porém, como indicado por um aluno, aqui

identificado como Aluno 01: “quando você age por interesse, você não é natural, você faz

teatro”.

Na turma do 2º Período foi questionado o papel da espetacularização nas relações

interpessoais e hierárquicas dentro da organização. A partir dessa questão, dois alunos

presentes iniciaram um pequeno debate, transcrito abaixo:

Aluno 02: Isso é pra manipulação, né? Aluno 03: Acontece com quem é atendido também... Aluno 02: Esse é o mercado. Quando você fala espetacular parece uma coisa boa... A própria palavra. Parece um espetáculo. Mas é o contrário.

Na turma do 1º Período, por sua vez, quando questionados porque as frases de gestão

soavam como autoajuda, os alunos foram pragmáticos ao responder: “parece autoajuda,

parece uma coisa meio vocacional”. Ao mesmo tempo, a frase da Monja Coen soa como

gestão, de acordo com os alunos, pelo uso de palavras como “mudanças” e “transformar”,

pois as mesmas trariam a impressão de algo mais profissional e objetivo.

Para além da exposição do tema e principais pontos abordados nesta monografia, para

os alunos dos períodos iniciais do curso de administração da UFOP, é de grande valia a

resposta dada pelos mesmos a experiência de qualificar as afirmativas e aos questionamentos

advindos do tema.

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É interessante perceber o quanto o discurso dos coachings (que estão entre os três mais

populares da área, na plataforma de vídeos YouTube) parece muito mais com o discurso

teatral e de autoajuda, do que com uma fala direcionada a área da gestão. Ao mesmo tempo, é

curioso que a única frase indicada pela maioria como pertencente a gestão seja de autoajuda

(principalmente pelo fato da objetividade e profissionalismo da mesma ser o motivo de tal

indicação). A problematização consistente no fato de que um coaching soa mais como

autoajuda ou teatro é grande.

9. Material Utilizado ELABORAÇÃO

Para elaboração do material utilizado na aplicação do Produto Técnico, foram utilizadas as

referências abaixo listadas.

REFERÊNCIAS COEN, M. Como dar vida às nossas vidas. Disponível em: <https://www.monjacoen.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=142:como-dar-vida-as-nossas-vidas&catid=34:textos-da-monja-coen&Itemid=53>. Acesso em: 10 de Outubro de 2018.

CHICAGO. Rob Marshall. EUA, Alemanha: Miramax Films. Imagem Filmes, 2002. DVD.

DEBORD, G. A sociedade do espetáculo: comentários sobre a sociedade do espetáculo. Trad. Estela dos Santos Abreu. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.

FEBRACIS COACHING. O poder das Palavras. Disponível em: <https://www.youtube.com/user/pauloipv>. Acesso em: 10 de Outubro de 2018.

_________________________. Você tem a vida que merece. Disponível em: <https://www.youtube.com/user/pauloipv>. Acesso em: 10 de Outubro de 2018.

GOFFMAN, E. A representação do eu na vida cotidiana. Trad. Maria Célia Raposo, 14ª edição. Rio de Janeiro, Editora Vozes, 2007.

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LOESSER, F.; BURROWS, A. How to Succeed in Business Without Really Trying (Como Vencer na Vida Sem Fazer Esforço). New York: MTI, 2018.

POLOZI COACHING. A melhor palestra de Inteligência Emocional e COACHING . Disponível em: <https://www.youtube.com/user/polozicoaching>. Acesso em: 10 de Outubro de 2018.

____________________. Como ter o que você quiser. Disponível em: <https://www.youtube.com/user/polozicoaching>. Acesso em: 10 de Outubro de 2018.

SHINYASHIKI, R. Quatro pontes para evitar a falta de resultados. Disponível em: <http://shinyashiki.uol.com.br/blog/2011/11/quatro-pontes-para-evitar-a-falta-de-resultados/>. Acesso em: 10 de Outubro de 2018.

WOOD JR., T. Organizações Espetaculares. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2001. 206 p.

EXECUÇÃO

Para aplicação do Produto Técnico, foi utilizado o material listado:

> Apresentação em formato Power Point (Grupo A)

> Apresentação em formato Power Point (Grupo B)

> 35 Formulários do tipo A

> 35 Formulários do tipo B

> 02 Listas de Presença

> Computador

> Data Show

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