a saude em debate na educacao fisica v.2[1]

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    A SADE EM DEBATENA EDUCAO FSICA

    VOLUME 2

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    Contatos para aquisio do livroE-mail: [email protected]

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    Marcos BagrichevskyAlexandre PalmaAdriana EstevoMarco Da Ros

    (Organizadores)

    A SADE EM DEBATENA EDUCAO FSICA

    VOLUME 2

    Blumenau, 2006

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    Conselho editorial ad hocDra. Cludia Miranda

    Dr. Edgard Matiello JniorDr. Maurcio Roberto da Silva

    Dra. Monique AssisDra. Yara Lacerda

    Diagramao da capaAdriana Helena Vaz

    IlustraesLor e Mayrink

    Diagramao e impressoNova Letra Grfica e Editora

    Todos os direitos reservados: proibida a reproduo total ou parcialde qualquer forma ou por qualquer meio. A violao dos direitos do

    autor (Lei n 9.610/98) crime estebelecido pelo artigo 184 doCdigo Penal.

    Ficha catalogrfica elaborada pela Biblioteca Municipal Fritz Mller

    613.7S255s A sade em debate na educao fsica - volume 2 / organizadores Marcos Bagrichevsky,

    Alexandre Palma, Adriana Estevo, Marco Da Ros. Blumenau : Nova Letra, 2006.

    240p. : il.

    ISBN 85-7682-097-8

    1. Educao Fsica 2. Corpo 3. Sade Coletiva4. Sociologia da sade 5. Sade Pblica 6. Sade Brasil

    - Polticas pblicas I. Bagrichevsky, Marcos II. Palma, Alexandre III. Estevo, Adriana IV. Da Ros, Marco.

    A tiragem desta edio (1.000 exemplares) foi parcialmente

    financiada pelo PR-SADE / Ministrio da Sade /Universidade Federal de Santa Catarina

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    Sumrio

    Apresentao ......................................................... 7Sobre os colaboradores ....................................... 17

    Artigo 1 - Sade Coletiva e Educao Fsica: aproximandocampos, garimpando sentidos Marcos Bagrichevsky,

    Adriana Estevo e Alexandre Palma .............................21Artigo 2 - Polticas pblicas de sade no Brasil MarcoAurlio Da Ros..............................................................45Artigo 3 -A noo estilo de vida em promoo de sade:um exerccio crtico de sensibilidade epistemolgica- LuisDavid Castiel e Paulo Roberto Vasconcellos-Silva .......67

    Artigo 4 -Sade como responsabilidade cidad - MariaCeclia de Souza Minayo ...............................................93

    Artigo 5 - Promoo da vida ativa: nova ordem fsico-sanitria na educao dos corpos contemporneos AlexBranco Fraga ............................................................. 105

    Artigo 6 - Imagens do corpo em risco Marina Guzzo................................................................................... 121

    Artigo 7 - Reflexes sobre a epidemiologia atual MariaLcia F. Penna ............................................................. 139

    Artigo 8 - Em defesa do modelo JUBESA (juventude,beleza e sade) Hugo Lovisolo.............................. 157

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    Artigo 9 - Concepes de sade nos parmetroscurriculares nacionais Carlos Leal Ferreira Cooper e JaneDutra Sayd ................................................................. 179

    Artigo 10 - A obesidade como objeto complexo: umaabordagem filosfico-conceitual Maria Claudia Carvalhoe Andr Martins ......................................................... 203

    Artigo 11 - Sade/Doena e triangulao: pontos de vistae inter-relaes Fernando Lefvre e Ana Maria CavalcantiLefvre ....................................................................... 225

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    Apresentao

    Desde a recente virada do sculo, no somos mais osmesmos diante do vertiginoso surgimento de inovaesbiotecnolgicas que inegavelmente, tm produzido intensosefeitos no s materiais como tambm simblicos sobre ahumanidade. A fascinao ambivalente da tecnologia claramente posta como a ponta final da pesquisa cientfica revela-se a ns, por inteira. Nunca antes o corpo pode serreconstrudo, reformatado, reconfigurado, como agora,suscitando sonhos hedonistas de felicidade, promessas de vidaeterna e trazendo, ao mesmo tempo, temoresde perdadaintegridade/identidade fsica, emocional e psquica, daautonomia individual e, de sujeioa controle social indevido,levando subjugao. Alis, filmes de fico cientfica comoGattaca, Minority Report, The Final Cut (traduzido para o

    portugus como Violao de Privacidade), entre outros dognero, tm, de certa forma, cumprido um papel de sondara humanidade sobre tais questes emblemticas,naturalizando-as entre ns.

    A tecnologia sempre esteve vinculada a conflitos depoder e discursos contraditrios, dada a capacidade queproporciona para a interveno no real, potencializando, demaneira diferenciadora, habilidades de pessoas e grupos. Ocontrole do conhecimento e da tecnologia tem sidohistoricamente um trampolim de acesso ao poder, bem comopara seu exerccio. No coincidncia que o registrocronolgico destas trajetrias esteja fortemente entrelaadocom a histria das guerras e da dominao de elites emdiferentes sociedades no mundo.

    O corpo e a sade, objetos por excelncia do podersobre a vida desde a modernidade, tm ocupado um lugarprivilegiado como princpio tico, poltico e esttico no

    exerccio do governo de si e dos outros. Por certo, um outrocorpo e uma outra sade, constitudos nos deslocamentos de

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    uma nova dinmica do poder. Encontramo-nos num contextopoltico que tem por princpio aumentar a vida e prolong-la oquanto possvel, multiplicando suas possibilidades, desviandoseus acidentes e compensando suas deficincias e incapacidades.

    Nesse sentido, pode-se afirmar at que o culto aomsculo tornou-se signo identitrio de um modo de vida ede integrao ou, inversamente, um novo critrio de desfiliaoque tem por base a racionalidade do consumo. Para talperspectiva, ento, a sade pode ser concebida como o prprioestilo de vida, no interior dessa retrica e prtica poltica douso do corpo.

    A valorizao aguda de uma tica fugaz da aparncia

    e dos cuidados para com a exterioridade, como um fim em simesmo, parece estar em conformidade com a crescentevolatilidade de valores humanos na contemporaneidade.Discursos de exaltao competio coletiva e individual(superar a si mesmo) vicejam, cada vez mais, em todas asinstncias do cotidiano, entre ns. Variados esteretiposcorporais tm, em comum, os caminhos da apologia aoconsumo exacerbado de cosmticos, frmacos, alimentosdietticos, prticas de exercitao fsica, cirurgias, entre outros.

    Contudo, no cabem aqui julgamentos morais. Nose trata disso. Mas, fica latente como exerccio de crtica salutar,a constatao da necessidade do desconcerto de certezascientificadoras e, tambm, da emergncia de novas anlises epesquisas que remexam o campo da Educao Fsica,extrapolando os limites formais e politicamenteproblematizveis que a rea tem imposto a si prpria,sobretudo, no trato das questes acerca da sade.

    Tomando tal panorama como ponto de partida, cabeento perguntar: qual deve ser a preocupao primeira deuma obra ensastica, dita cientfica, tendo em vista umcompromisso tico e poltico com a vida pblica(principalmente, em sua dimenso coletiva), bem como, como seu correspondente campo acadmico constitutivo? Para ocaso de julgarmos pertinente a questo formulada, talvezproceda, ainda, mais uma indagao: que pretenses dialgicas

    poderia buscar estabelecer tal obra com outras reas afins (eporque no?), considerando a existncia de um supostoavizinhamento de interfaces temticas do conhecimento

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    abordadas por ela, circunscritas no chamado campo das cinciasda sade?

    Pode-se dizer que o compromisso desta coletneade trabalhos se alinhava em um horizonte crticointerdisciplinar1, talvez, mais afeito queles pesquisadores,profissionais, estudantes e interessados nos temas da sade2,inclinados a admitir certos sinais de esgotamento da cinciamoderna, tanto pela posio conservadora de setores desta,que advogam a manuteno de alguns modelos tericometodolgicos insuficientes aos processos explicativos desade-doena, quanto pela frgil (seno incua) capacidadede apreender os singulares modos de vida, em seus infinitos

    significados.Todavia, no podemos ignorar alguns fatos. Sabe-seque a defesa deste status quoacadmico subsume muito maiscoisas que, veladamente, esto em disputa nesta arena:interesses pecunirios e de poder, de toda ordem linhas definanciamento de pesquisas, regulao de polticas editoriaisde peridicos e livros, possibilidades de ascenso hierrquicanas sociedades cientficas e de maior visibilidade na vidacotidiana, tambm. Ora, mas no interior da cincia normal,os pesquisadores no podem encontrar resultados distintosdaquilo que obtm se no procurarem outras coisas3.

    Foi justamente a inquietao frente a este conjuntode questes, o imperativo desencadeador da organizao destetrabalho, intitulado A SADE EM DEBATE NA EDUCAOFSICA VOLUME DOIS. Nos pareceu imprescindvel reunirabordagens em torno do corpo (e de sua utilizao histrica)e dos modos de ser/estar/sentir-se saudvel e doente, em

    suas mltiplas determinaes e inter-relaes. em funode tal perspectiva, que foram articuladas na obra reflexessobre polticas pblicas de sade, risco, epidemiologia, estilo devida, educao, atividade fsicae, corpo, obviamente. Por outrolado, necessrio reconhecer, de pronto, que as aspiraes

    1O convite feito a pesquisadores de diferentes reas do conhecimento, oriundos, sobretudo, da SadeColetiva e das Cincias Sociais, tornou o desafio de produzir o livro bastante promissor e estimulante,especialmente porque a Educao Fsica, a rigor, pouco tem investido nas problemticas que permeiam asesferas poltica, sociolgica e epistemolgica da sade.2

    Entendida, aqui, sua diversidade, como fio condutor fundamental e enriquecedor, para se discutir e

    problematizar dimenses histricas, ticas, biolgicas e culturais da vida social.3CASTIEL, Lus David. O buraco e o avestruz: a singularidade do adoecer humano. Campinas: Papirus, 1994.p. 13.

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    (pretensamente crticas) do presente livro resultado doenvolvimento generoso do seu coletivo de participantes talvez, sejam muito maiores, do que nossa capacidade deresponder s prprias questes que produzimos ecompartilhamos com o leitor. Esta espcie de justificativaintrodutria cumpre a funo de alertar aos incautos que osensaios aqui apresentados, provavelmente, no servem aanseios prescritivos e solucionadores de problemasepistemolgicos e praxiolgicos em sade. Isto significa afirmar,portanto, dada a complexidade e subjetividades imbricadasno campo de anlise dos diferentes objetos temticos,retratados e discutidos por cada artigo, que no se recomenda

    leituras/interpretaes apressadas, muito menos definitivas,do material aqui reunido. importante ressaltar, por ltimo, que a obra

    segunda de uma srie organizada pelogrupo SALUS4, marcao fechamento de mais um perodo de esforos coletivosempreendidos entre 2004 e 2006, no qual foram produzidose disponibilizados comunidade acadmica, por meio dediversas estratgias5, debates pertinentes aos objetivos jmencionados.

    Dito isto, podemos passar ento, a um brevecomentrio sobre o teor dos artigos aqui reunidos. O textoque abre o livro, Sade Coletiva e Educao Fsica:aproximando campos, garimpando sentidos, de MarcosBagrichevsky, Adriana Estevo e Alexandre Palma, busca, deincio, reconhecer as origens disciplinares da Educao Fsica,atreladas ao militarismo e ao higienismo, associando-as ao atualstatusmercantilizado das prticas corporais e do conceito

    reducionista de sade, que ainda predomina na rea. Ao final,sugere algumas pistas terico-metodolgicas para ampliao

    4SALUS - Grupo Inter-Institucional de Trabalho Temtico em Sade, constitudo pelos pesquisadores MarcosBagrichevsky, Alexandre Palma e Adriana Estevo. e-mail: [email protected] podemos deixar de comentar que, tal como no lanamento de nosso livro anterior (2003), a produodesta obra tambm demarca o balano final de um conjunto de aes coletivas do SALUS. Em 2004, foirealizado o II CICLO DE CONFERNCIAS A Sade em Debate na Educao Fsica, no qual tivemos (destavez, fora do eixo Rio-So Paulo) a presena de trs importantes conferencistas Dr. Naomar de Almeida Filho[ISC-UFBA] que abordou O conceito de sade-doena no mundo ps-genoma [19/11/2004]; Dr. Alex BrancoFraga[ESEF-UFRGS] que tratou do tema Promoo do agito: forma de ativar o corpo e regular a vida [25/11/2004]; e Dra. Sandra Caponi[DSP-UFSC] falando sobre a temtica Sade pblica, riscos privados [08/12/

    2004]. No ano de 2005 foi produzida e disponibilizada a COLEO DE VDEOS A Sade em Debate naEducao Fsica Volume 2, composta pelas trs conferncias do evento itinerante (e que permanecemdisponveis para aquisio, assim como as conferncias do 1 Ciclo, tanto no formato VHS como em DVD.Contatos pelos e-mail: [email protected]).

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    crtica do sentido poltico e epistemolgico que a SadeColetiva abarca no seu movimento constitutivo.

    Na seqncia, o ensaio produzido por Marco AurlioDa Ros, Polticas Pblicas de Sade no Brasil, traz umaquesto cara ao campo da Educao Fsica, quando este seavizinha Sade Pblica. O passeio histrico proposto peloautor, traz preciosos esclarecimentos sobre questes centraisno tema, demonstrando a complexa relao existente entrea Poltica de Estado e a conformao do pensamento socialem medicina no pas, em cada perodo cronolgico abordado,as quais vieram a influenciar fortemente a constituio e odesenvolvimento do SUS.

    A partir da considerao de que os conceitos tambmparticipam da construo de realidades, uma vez que alinguagem erige categorias que passam a descrever e explicaro mundo a partir de determinados prismas, Lus David Castiele Paulo Roberto Vasconcellos-Silva realizam uma refinadaanlise no artigo A noo estilo de vida em promoo desade: um exerccio crtico de sensibilidade epistemolgica,problematizando aspectos atinentes ao emprego da categoriaestilo de vida, instituinte de modelos, retricas e ideologiasem prticas de sade na biomedicina, na Sade Pblica e,sobretudo, na promoo de sade. Contudo, segundo ospesquisadores, as concepes de sociedade, de pessoa e suasinter-relaes adotadas predominantemente pelo campo dapromoo da sade, parecem ser insuficientes para se alcanaros propsitos de atenuao ou interrupo de comportamentosconsiderados de risco, supostamente danosos. Por outro lado,a possibilidade de escolhas de estilos de vida dentro do menu

    scio-cultural dominante, enseja um convite extremamentepersuasivo, direcionado ao consumismo de determinadosestratos scio-econmicos da populao.

    O debate acerca da concepo ampliada de sade retomado por Maria Ceclia de Souza Minayo, no texto Asade como responsabilidade cidad. A autora critica a vignciado modelo medicalizante e hospitalocntrico de Ateno Sade, que, segundo ela, est baseada no conceito reduzido

    de sade e na prtica fragmentada de assistncia. Por ltimo,lana o desafio para pensar a Sade Pblica como um projetoda sociedade, de modo mais abrangente e menos medicalizada,

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    sugerindo a aproximao e colaborao das mais diferentesreas disciplinares e profissionais, para o xito dessa tarefa.

    No quinto ensaio, Alex Branco Fraga discorre sobre aPromoo da vida ativa: nova ordem fsico-sanitria e a

    educao dos corpos contemporneos. O autor chama aateno, com propriedade, para a disseminao das estratgiasde pedagogia da culpabilizao individual, que calcadas naidia do comportamento do risco e em lgicas estatsticasde convencimento, tentam propor a necessidade imperativade adeso dos coletivos populacionais prtica de atividadesfsicas, colocando como pano de fundo na pauta do discursoum vis de contingenciamento econmico. Destaca, ainda, a

    sutil, mas fundamental, inverso na ordem de prioridades deprogramas como o Agita So Paulo, os quais intentam persuadiros sujeitos a adotarem um estilo de vida ativo,desconsiderando, por vezes, a inexistncia de condiesadequadas em espaos pblicos destinados exercitao fsicae, os impedimentos individuais de cada contexto social, almde no valorizar adequadamente a dimenso cultural, queempresta diferentes significados positivos e negativos auma mesma prtica corporal dependendo da regio e do

    momento histrico.Marina Guzzo assina o artigo Imagens do corpo em

    risco. A autora descreve as prticas corporais do acrobatacircense que se arrisca desafiando os limites da condiohumana, ao flutuar merc das alturas. A metfora imagticado trapezista em vo, cujos movimentos so previa eexaustivamente ensaiados para sustentar a iluso de corposlibertos e desconectados do tempo e espao, serve para

    ludibriar o pblico, pois sugere atravs da plasticidade e levezados gestos que no h qualquer esforo muscular aplicado e,oculta o perigo real das manobras em jogo. Marina frisa tambmque ao instituir a fantasia de um corpo surreal, a figura doacrobata areo traz consigo a idia da superao do riscocomo uma construo esttica, que s pode se configurarnuma sociedade de riscos, incertezas, ambivalncias. A estticado risco, ento, permite a criao de manifestaes como orisco-espetculo e o risco-aventura, ingredientes

    fundamentais para vendagem de corpos e de vidas,transformando as formas de beleza e de humanidades, dentrode uma lgica societria de consumismo.

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    No texto Reflexes sobre a epidemiologia atual, apesquisadora Maria Lcia Fernandes Penna discute os conceitosde populao e doena utilizados pelos epidemiologistas,contemporaneamente. Aponta, tambm, as fragilidades da

    teoria do estilo de vida (baseada nos fatores de risco), quetem sido defendida como categoria explicativa da etiolgicade doenas crnicas, vivamente presente nos estudos docampo a partir de meados do sculo XX. Como conseqncia,destaca, um progressivo afastamento entre a epidemiologia ea Sade Pblica, em funo da exacerbada tecnificao daprimeira e da desconsiderao de preceitos scio-culturaisdurante a investigao de enfermidades populacionais, crtica

    que feita, inclusive, dentro da prpria epidemiologia.Tomando a histria da tuberculose como ponto de observao,a autora encerra sua anlise apontando a possibilidade de seencontrar, entre os aspectos postulados pelos cientistas paraos mecanismos de produo de doenas, mltiplas razes naescolha de uma causa, incluindo as de ordem social e poltica.

    O oitavo ensaio do livro, Em defesa do modelojubesa(juventude, beleza, sade) tem a autoria de Hugo Lovisolo.A partir da idia de que a modernidade nos apresenta

    paradoxos e contradies latentes, entre elas, a questo daconservao da sade e a busca da beleza e juventude eternas,ele prope desenvolver um conjunto de argumentos ou teses(associando-as no transcorrer do texto, a pensadores) paratentar compreender, por aproximao ou oposio, osdesdobramentos e repercusses desta idia central entre ns.Afirma tambm, que o ideal do modelojubesatem se firmadocomo hegemnico, tornando-se uma referncia significativa

    para as condutas dos sujeitos e para a diversificao ecrescimento do mercado/consumo. Comenta ao final, que asubmisso a este modelo implica percorrer um caminho desacrifcios.

    Sabe-se que osparmetros curriculares nacionais(PCNs)so uma referncia para o atual sistema educacional brasileiroe que a sadeest alocada como um de seus contedos, noschamados temas transversais. A partir de uma detida anlisedo documento, Carlos Leal Ferreira Cooper e Jane Dutra

    Sayd apresentam no ensaio Concepes de sade nosparmetros curriculares nacionais, observaes consistentes

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    acerca das adequaes, insuficincias e contradies dessescontedos, bem como, sobre os mecanismos de reproduodos valores scio-culturais presentes nas concepes de sadeali inscritas e, que tm sido utilizadas amplamente nos bancosescolares.

    O texto subseqente, A obesidade como objetocomplexo: uma abordagem filosfico-conceitual, de MariaCludia Carvalho e Andr Martins, procura examinar aelaborao de conceitos que permeiam a rea da sade e suautilizao como instrumento metodolgico na desconstruode dicotomias, como corpo/mente. A partir de umaperspectiva filosfica de Espinosa, os autores buscam uma

    aproximao com a realidade complexa da Sade Coletiva,aplicada problemtica da obesidade. Nesse contexto,discutem, sob o ponto de vista tico, os conflitos alimentarespresentes na situao dual comer porque quero e nocomer porque engorda e finalizam apontando a necessidadede se compreender o ser humano em sua integralidade e dese respeitar a capacidade singular das pessoas de estarempotentes e ativas na vida.

    Fechando o livro, temos o artigo intitulado Sade/doena e triangulao: pontos de vista e inter-relaes, deFernando Lefvre e Ana Maria Cavalcanti Lefvre, que tambmnos convidam a uma discusso conceitual. De uma perspectivasociolgica, sugerem trs pontos de vista, a partir dos quais asade/doena pode ser compreendida pela tica: i) dosindivduos, ii)do sistema produtivo e; iii) do setor tcnico(profissionais que prescrevem). Segundo os autores, olhadadesse modo, a sade/doena permite ser interpretada, ento,

    como sensao, como mercadoriae como exerccio de poder. Asinter-influncias entre cada um destes pontos de vista soexploradas e desenvolvidas, no decorrer do texto, para nosauxiliar a repensar os fenmenos associados sade/doena,que se processam de modo complexo.

    Por fim, cabe comentar sobre a viabilizao desta obra(e as conotaes intrnsecas da derivadas). O naipe qualificadodas discusses aqui registradas, a partir do comprometido

    exerccio de reflexo desenvolvido pelos(as) autores(as), foialentador e fundamental aos propsitos primordiais do SALUS,quais sejam, redimensionar as opes terico-metodolgicas

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    para interpretao e investigao do processo sade-doena,frente ao arcabouo positivista ainda dominante em pesquisasno campo da Educao Fsica. Meno especial tambm deveser feita aos renomados ilustradores do livro, Lore Mayrink,que nos emprestaram todo o seu talento criativo, para atravsde refinadas imagens humorsticas, amplificar o contedocrtico das anlises de cada um dos artigos, incorporando umsentido especial ao objetivo do trabalho.

    Gostaramos de agradecer6 a todos(as) estes(as)colaboradores(as) pelo crdito de confiana que nos foiconcedido, na tarefa de reunir, organizar e dar sentido a todoeste material. justamente a partir deste tipo de parcerias

    de que nosso projeto coletivo tem encontrado suporte eestmulo para trilhar e consolidar caminhos ainda poucoenfrentados sistematicamente na comunidade da EducaoFsica, na tentativa de construir e disseminar, de modo perene,debates sobre temas atinentes ao campo da sade.Enxergamos sentido e relevncia em iniciativas organizadaspara estabelecimento e compartilhamento de uma rede desaberes, como forma estratgica de se inferir e reprojetar,contextual e criticamente, as aes profissionais, cientficas,polticas e sociais que se relacionam interface Sade Coletiva/Educao Fsica.

    Como o caminho se faz caminhando e, no, no pontode partida ou de chegada, esperamos, vidos, pelo dilogocom a comunidade acadmica, na expectativa de recebercrticas e comentrios sobre a consistncia (ou no) dosprpositos do livro que o leitor agora tem em mos.

    Marcos BagrichevskyAlexandre PalmaAdriana Estevo

    Marco Da Ros

    6No poderamos deixar de prestar nossa homenagem tambm quelas e queles que foram imprescindveisnos trabalhos de planejamento, organizao e suporte tcnico (de toda ordem), nos permitindo realizar o 2Ciclo de Confernciasem 2004. Nossos agradecimentos Ana Mrcia Silva, presidenta do Colgio Brasileiro

    de Cincias do Esporte na gesto 2003/2005; Claudia Mirandae Celi Taffarel, docentes/pesquisadoras daUniversidade Federal da Bahia; Maria Denis Schneider, da Universidade Federal de Santa Catarina, alm,obviamente, dos conferencistas Naomar de Almeida Filho,Alex FragaeSandra Caponi por suas prestimosasparticipaes.

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    Sobre os colaboradores

    ADRIANA ESTEVODoutora em Cincias Sociais (PUC/SP) e Mestre em Educao(FURB/SC);Professora do Departamento de Educao Fsica da FURB/SC;Lder do Grupo de PesquisaCcorposes(Cultura das PrticasCorporais, Esttica e Subjetividade) na FURB/SC;Membro do Grupo de Pesquisa Salus(Estudos em EducaoFsica e Sade - UGF/RJ).ANA MARIA CAVALCANTI LEFVREDoutora em Sade Pblica (FSP/USP);Professora Comissionada na Faculdade de Sade Pblica daUSP;Pesquisadora-Associada do Instituto de Pesquisa do Discurso

    do Sujeito Coletivo (IPDSC/SP).ANDR MARTINSPs-Doutorado pela Universit de Provence Aix Marseille I(Frana);Ps-Doutorado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro;Doutor em Filosofia (Universidade de Nice, Frana);Docente do Mestrado em Sade Coletiva do NESC e Professor Adjunto da UFRJ.ALEX BRANCO FRAGADoutor e Mestre em Educao (UFRGS);Docente do Programa de Ps-Graduao Stricto Sensu daESEF/UFRGS;Pesquisador-Associado do Grecco(Grupo de Estudo sobreCultura Corporal UFRGS).

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    ALEXANDRE PALMAPs-Doutorado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro;Doutor em Sade Pblica (ENSP/FIOCRUZ) e Mestre emEducao Fsica (UGF/RJ);Docente do Programa Stricto Sensu em Educao Fsica da UGF/RJProfessor dos Cursos de Graduao em Educao Fsica daUGF/RJ e UNESA/RJ;Lder do Grupo de Pesquisa Salus(Estudos em Educao Fsicae Sade - UGF/RJ).CARLOS LEAL FERREIRA COOPERDoutorando e Mestre em Sade Coletiva (IMS/UERJ).

    FERNANDO LEFVREDoutor em Sade Pblica (FSP/USP) e Mestre em Semitica(Universidade de Paris/Frana);Docente do Programa Stricto Sensu da Faculdade de SadePblica e Professor Titular da USP.HUGO LOVISOLOPs-Doutorado em Sociologia do Esporte pela Universidadedo Porto (Portugal);Doutor em Antropologia Social (UFRJ);Docente do Programa Stricto Sensu em Educao Fsica daUGF/RJ e Professor Adjunto da UERJ.JANE DUTRA SAYDDoutora em Sade Coletiva (IMS/UERJ);Docente do Programa de Ps-Graduao Stricto Sensu em SadeColetiva e Pesquisadora do Instituto de Medicina Social da UERJ.

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    LUIS DAVID CASTIELPs-Doutorado em Sade Pblica pela Universidade deAlicante (Espanha);Doutor em Sade Pblica (ENSP/FIOCRUZ);Pesquisador do Departamento de Epidemiologia e MtodosQuantitativos em Sade da Escola Nacional de Sade Pblica(FIOCRUZ);Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq - Nvel 2.

    LUIZ OSWALDO RODRIGUES - LORCartunista e Ilustrador Profissional de vrios Jornais, Revistase Livros;Doutor em Cincias Biolgicas (UNIFESP);Docente do Mestrado em Educao Fsica e Professor Titularda UFMG;Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq - Nvel 2.MANOEL CAETANO MAYRINKDiagramador, Cartunista e Ilustrador Profissional premiadointernacionalmente;Colaborador em vrios Jornais, Revistas e Livros no pas;Curador de Diversas Exposies e Produes de Humor sobreSade, inclusive na FIOCRUZ.MARCO AURLIO DA ROSDoutor em Educao (UFSC) e Mestre em Sade Pblica(ENSP/FIOCRUZ);Docente do Programa de Mestrado em Sade Pblica eProfessor Titular da UFSC;Consultor do Ministrio da Sade.

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    MARCOS BAGRICHEVSKYDoutor em Sade da Criana e do Adolescente (FCM/ UNICAMP);Mestre em Educao Fsica (FEF/UNICAMP);Membro do Grupo de Pesquisa Salus(Estudos em EducaoFsica e Sade - UGF/RJ).MARIA CECLIA DE SOUZA MINAYODoutora em Sade Pblica (ENSP/FIOCRUZ);Professora e Pesquisadora Titular da Fundao Oswaldo Cruz;Coordenadora Cientfica do Grupo de Pesquisa Claves(FIOCRUZ);

    Editora Cientfica da Revista Cincia & Sade Coletiva daABRASCO;Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq - Nvel 1A.

    MARIA CLUDIA CARVALHOMestre em Sade Coletiva pelo NESC (UFRJ);Professora do Instituto de Nutrio da UERJ.

    MARIA LUCIA FERNANDES PENNADoutora em Sade Pblica (USP);Docente de Ps-Graduao em Sade Coletiva do Institutode Medicina Social (UERJ);Pesquisadora da Escola Nacional de Sade Pblica (FIOCRUZ).

    MARINA SOUZA LOBO GUZZODoutoranda e Mestre em Psicologia Social (PUC/SP);Professora da Pontifcia Universidade Catlica de Campinas(PUCCAMP/SP).

    PAULO ROBERTO VASCONCELLOS SILVADoutor em Sade Pblica (ENSP/FIOCRUZ);Docente da Ps-graduao em Educao e Comunicao emSade (ENSP/FIOCRUZ);Professor Adjunto da Universidade do Rio de Janeiro (UNIRIO).

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    SADE COLETIVA E EDUCAO FSICA:APROXIMANDO CAMPOS, GARIMPANDOSENTIDOS

    Marcos BagrichevskyAdriana EstevoAlexandre Palma

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    SADE COLETIVA E EDUCAO FSICA:APROXIMANDO CAMPOS,GARIMPANDO SENTIDOS1

    Marcos BagrichevskyAdriana EstevoAlexandre Palma

    Uma crtica no questo de dizer queas coisas no esto certas da forma como esto;

    uma questo de ressaltar em que espcies de suposies,em que espcies familiares de modos de pensarno discutidos, no refletidos, se baseiam

    as prticas que aceitamos...(Michel Foucault,1988)

    Questes Iniciais

    Este texto tem como proposta suscitar uma reflexo

    acerca das concepes sobre sade na Educao Fsica,indicando e problematizando suas limitaes e possibilidadesepistemolgicas, com vistas a sugerir elementos para umaanlise contextualizada do fenmeno na rea. Para isso,buscamos considerar tambm alguns referenciais recorrentesna Sade Coletiva e Cincias Sociais, uma vez que essescampos do conhecimento abarcam discusses de grandedensidade, amadurecidas no enfrentamento de questeshistricas referentes temtica.

    Desse modo, preocupamo-nos em registrar aemergencial necessidade de se repensar as propostas tericometodolgicas na Educao Fsica que balizam intervenes,ditas de Promoo Sade, buscando coadun-las sperspectivas crticas, fecundamente disseminadas na SadeColetiva.

    Um argumento inicial, que parece justificar talpreocupao, reside no fato da Educao Fsica e seus

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    1Este ensaio foi desenvolvido a partir das verses anteriores de dois textos diferentes, publicados na Revistada Educao Fsica da UEM, v.15, n.2, p.57-66, 2004e, na Revista Arquivos em Movimento, v.1, n.1, p.65-74,2005.

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    intelectuais figurarem timidamente nas esferas de formulaode polticas pblicas de sade do pas, nos trs nveis degoverno, sobretudo, se considerarmos as ltimas dcadas. Omesmo vem ocorrendo em relao participao da rea nosprincipais fruns/instncias cientficos e tecnolgicosdeliberativos do setor sade (salvo raras excees), como oscongressos da ABRASCO2 e da REDE UNIDA3 e, osmanifestos/movimentos das Conferncias Nacionais de Sade4

    e do CEBES5.Essa constatao nos remete ao atual dficit do

    conhecimento na rea sobre sade pblica, que raramente reconhecido como um saber sociolgico, que expressa

    necessidades de carter coletivo. Claro que essa tendnciatem relao com a prpria gnese da Educao Fsica enquantocampo profissional, que teve sua orientao formativa guiadapor um iderio militar de disciplinamento e controle biopolticodos corpos (Foucault, 1999), o qual buscava extrair-lhes, aomximo, uma funcionalidade servil e acrtica. Portanto, no de todo inesperado que a Educao Fsica venha abrigandoesse legado em seu contexto histrico brasileiro, tendo comocarro-chefe os ideais da exercitao corporal. (Soares, 1994;Fraga, 2003a; Gis Jnior e Lovisolo, 2003).

    Ainda hoje, notrio a prevalncia de enfoques empesquisa que exploram mais os determinantes biolgicos, emdetrimento da abordagem dos elementos scio-culturaiseconmicos e polticos intervenientes no processo sade-doena. A dimenso exultada nessa tendncia a da atividadefsica (ou aptido fsica) associada sade, compreenso esta,recorrente em boa parte das publicaes acadmicas na rea

    e que busca advogar a existncia de uma relao de causa eefeito, quase exclusiva, entre exerccio e sade. Em outraspalavras, para tais estudos, a sade poderia ser tomada, apriori, como conseqncia de efeitos fisiolgicos (mensurveis

    2Associao Brasileira de Ps-Graduao em Sade Coletiva (www.abrasco.org.br).3A Rede Unida (www.redeunida.org.br) conecta pessoas que executam e/ou articulam projetos que temcomo objetivo comum o desenvolvimento de Recursos Humanos em Sade. Caracteriza-se pela diversidadede projetos e de experimentos na rea que buscam uma mudana no modelo de ateno sade, no modelode ensino e na participao social no setor.4Espao institucional importante, que tem abrigado debates e avanos fundamentais no projeto da Reforma

    Sanitria Brasileira e que, inclusive, vem registrando a ascenso efetiva de vrios profissionais advindos dasCincias Humanas e Sociais na conduo de proposies significativas no processo histrico de reformulaode polticas de sade no pas.5Centro Brasileiro de Estudos de Sade (http://cedoc.ensp.fiocruz.br/cebes/).

    http://www.abrasco.org.br/http://www.redeunida.org.br/http://cedoc.ensp.fiocruz.br/cebeshttp://www.abrasco.org.br/http://www.redeunida.org.br/http://cedoc.ensp.fiocruz.br/cebes
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    quantitativamente) produzidos pela prtica regular deatividades fsicas sistemticas.

    Tal fato traz implicaes delicadas para o campo doconhecimento e da interveno, uma vez que essainterpretao adota um olhar parcial/distorcido da realidade,que no leva em conta, outros fatores contextuais relevantesaos quais as pessoas esto submetidas e que no podem serdissociados de seus cotidianos: distribuio desigual da rendapopulacional, nvel de (des)emprego, condies sanitriasbsicas, condies de moradia e alimentao, grau deescolaridade e de saber funcional, (in)disponibilidade de tempolivre, acesso a servios de sade e educao, entre outros.

    Esses tambm so aspectos que amoldam as condies davida humana e, portanto, precisam ser igualmente consideradosem qualquer pesquisa que busca estabelecer inferncias maisconsistentes sobre a sade populacional.

    O cuidadoso estudo revisional de Palma (2000)corrobora essa idia, ao enunciar que as possveis articulaesentre atividade fsica e sade no so dotadas de umapressuposta correlao constante de causalidade. Mudar o focoda problemtica de investigaes afins, inserindo no curso daanlise o mapeamento de parmetros scio-econmicos eculturais pode influenciar, sobremaneira, os achados obtidosao final das pesquisas.

    Carlos Mira (2000) tambm erige questesinteressantes e pertinentes acerca das relaes imbricadas nobinmio exerccio fsico-sade. Em seu trabalho, argumentaque o anncio de possveis efeitos de preveno e proteoadicional dos exerccios sobre a sade de pessoas fisicamente

    ativas no passa de uma hiptese otimista, pois a interaoentre os dois fatores no pode ser compreendida de formalinear e determinista. O pesquisador leva a pensar que seriamais razovel considerar, por outro lado, que so os indivduospossuidores de aporte nutricional e financeiro e, de tempodisponvel para atividades de lazer quem buscam a prticasistemtica de atividade fsica (e no o contrrio).

    Palma et al. (2003) reforam esse entendimento, ao

    demonstrar em sua investigao, que a questo da adeso aosexerccios fsicos tem um vis especfico. O acesso regularaos espaos formais mais especializados para as prticas de

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    exercitao corporal, como as academias de ginstica, porexemplo, demarcado por algumas caractersticas do pblicofreqentador, cujo perfil geral se encaixa nos estratos sociaismais abastados (os quais, por sua vez, representam o percentualminoritrio populacional, se considerarmos a totalidadedemogrfica da sociedade brasileira).

    Portanto, no equivocado conjecturar que osdiscursos e iniciativas dos programas de promoo da atividadefsica, ditos para a populao bombasticamente preconizadosem nosso meio possuem na verdade, alcance e efetividadelimitados a um nicho bem restrito da mesma, levando-se emconta as pssimas condies de vida da maior parte dos

    brasileiros, onde ainda hoje, persevera um quadro estarrecedorde pobreza e iniqidades generalizadas.Ademais, esses programas institucionais, que tm sido

    difundidos tambm por meio de campanhas publicitrias,buscam enfatizar a exercitao corporal como parte essencialde um estilo de vida, outorgando-lhe um carter de estatutoou modelo individualista a ser seguido, diante da nfase decombate ao sedentarismo e, ao despejarem um vastorepertrio de comportamentos recomendveis sade,ignoram as injunes scio-polticas e financeiras do pas, nasquais est mergulhada a nossa coletividade (Castiel eVasconcellos-Silva, 2006).

    Se por um lado parcialmente aceitvel ageneralizao de que h benefcios orgnicos decorrentes dealgumas modalidades de exerccio (se respeitados certospreceitos), por outro, esta argumentao torna-se discutvel,na medida que pretende sustentar uma poltica conservadora,

    uma dimenso moral que responsabiliza cada pessoa por seuprprio adoecimento e desconsidera a dinmica sistmica emultifria que influencia os estados de enfermidade humana.

    Talvez seja prudente, nesse momento, umesclarecimento. O conjunto de argumentaes levantadas ataqui no intenciona demonstrar que a prtica da atividadefsica incua ou desprovida de qualquer interferncia positivasobre o corpo humano. A literatura tambm apresenta

    trabalhos bem conduzidos, que evidenciam sua aoteraputica benfica sobre vrias patologias ou potenciaiscomprometimentos do organismo e, por isso mesmo, no

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    nossa pretenso neg-la. Igualmente, no se quer ignorar ousublimar a considervel tradio que o tema goza junto Educao Fsica, seja como objeto de pesquisa ou forma deinterveno, ainda que achemos que algumas reinterpretaesso indispensveis.

    Todavia, urge a tarefa de se analisar cuidadosamenteas tentativas de massificao de uma norma moralizante daaparncia fsica utpica do corpo sarado6, da gerao sadee do estilo de vida ativo7, que esto em curso na sociedadecontempornea. Sobretudo, porque se encontram ancoradasna lgica quantificadora e positivista de estudos cientficospublicados na rea, corroborando os slogansde programas

    institucionais que propagandeiam uma imperiosa e inequvocanecessidade de se exercitar de qualquer modo, em qualquerlugar e a qualquer tempo. Mas, principalmente, complicadoconsentir na aceitao acrtica de que to simplesmentemantendo-se ativo que se obtm sade. Costa e Venncio(2004) argumentam que:

    Nesse momento importante realar a idia central deHabermas sobre o enfraquecimento da ao comunicativaquando uma parte dos profissionais de Educao fsicaest deixando de apresentar um posicionamento crtico etico diante da ao da mdia e dos avanosbiotecnolgicos. Estes profissionais esto paulatinamente

    valendo-se do uso da razo instrumental ao expor etransformar o corpo atravs de atividades fsicas, dietas,drogas e do consumo de imagens ideais de atletas. Elescorroboram os discursos de controle do corpo que amdia produz ao fazer da atividade fsica (associada biotecnologia) uma possibilidade de corresponder ao

    padro de beleza em nome da sade (p. 70).

    6Seguindo os preceitos difundidos nos meios de comunicao de massa, este seria esteticamente desejvel, comoobjeto de conquista nas relaes amorosas e como produto modelar para a indstria da beleza, moda, fitness...7Tambm propalado como sinnimo de economicamente produtivo, j que para tais discursos, em tese,diminuiria o absentesmo nos postos de trabalho e os custos do Estado na destinao de verbas para a sadepblica. Alm de ser pouco provvel constatar essas premissas por meio de pesquisas srias e com critriosobjetivos, preciso afirmar que a vida e a sade das pessoas no podem ser reduzidas a uma perspectiva decontingenciamento financeiro, de relao custo-benefcio. Como nos lembra Castiel (2003), uma crtica

    comum ao conceito estilo de vida referente a seu emprego em contextos de misria e aplicado a grupossociais onde as margens de escolha praticamente inexistem. Muitas pessoas no elegem estilos para levarsuas vidas. No h opes disponveis. Na verdade, nestas circunstncias, o que h so estratgias desobrevivncia [grifo do autor] (p.93).

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    O Mercado do Corpore Sano

    As constataes anteriores no estodescontextualizadas historicamente; pelo contrrio,

    encontram-se demarcadas por uma considervel tradiocultural. Os Movimentos Eugnico e Higienista - corporificadosno Brasil no incio do sculo XX (Soares, 1994) podem serconsiderados os precursores ideolgicos da apologia ao estilode vida ativo, cujos ditames impositivos j se encontram detal modo arraigados no imaginrio popular da atual sociedade,que so capazes de gerar um forte sentimento de culpa naspessoas que resistem em demonstrar inclinao paradescobrir as supostas benesses proporcionadas sade ou,

    cujos corpos se afastam da normalidade cannica de umasilhueta sempre magra, jovial e esbelta. Para Goldenberg eRamos (2002) Devido a mais nova moral, a da boa forma, aexposio do corpo em nossos dias, no exige dos indivduosapenas o controle de suas pulses, mas tambm o(auto)controle de sua aparncia fsica (p. 25).

    Um trecho da obra Da Educao Physica, deFernando de Azevedo (1920), ilustra bem o legado eugnico

    da sade, associado prtica de atividades fsicas e aos valoresmorais, deixado j nas primeiras dcadas do sculo passado:

    Demeny afirma que por meio dessa ginstica, assimcaracterizada, devem adquirir-se, sobre o ponto de vistafisio-anatmico: [...] a beleza corporal e, sob o ponto de

    vista psicolgico, a coragem, a iniciativa, a vontadeperseverante, ou, em uma palavra, certas aptides morais,alm do equilbrio funcional dos rgos, que a expressoe o ndice da sade do corpo, e, por fim, a beleza na

    forma e no movimento. Deve ela, pois, na concepomoderna, tender, no ao engrossamento do msculo, masao desenvolvimento racional de todos os rgos e de todasas funes, para chegar, por um treinamento, isto , poruma progresso lenta, gradativa e metdica, a favorecero desenvolvimento do sistema nervoso e a coordenaode suas manifestaes, e a facilitar assim todos os atos da

    vida, pondo uma alma s num corpo igualmente sadio evigoroso (p. 70).

    As perspectivas de exercitao fsica ganharam foramais ao final do mesmo sculo. A partir da dcada de 1980,deu-se grande nfase nos discursos sobre a necessidade de

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    envolvimento populacional mais abrangente na prtica deatividades fsicas, a qual era escudada pelo argumentoutilitarista (econmico) de tornar a sade menos custosa parao Estado. Esse movimento Healthism cujo bero precursorfoi nos Estados Unidos da Amrica, anos mais tarde, passa aser denominado no Brasil de Movimento da Sade (Soares,1994; Fraga, 2003a).

    O Movimento da Sade marcado por um perfil deorientao individualista, em detrimento da considerao dequestes sociais. Assim, as intervenes fsicas que operamsobre o corpo, perdem o sentido mais coletivizado de outrora(do perodo Higienista, que preconizava a soberania do Estado-

    Nao por intermdio da melhoria da raa) e assumem,declaradamente, priorizaes fundamentais com o privado.O movimento evidencia um carter simbintico com diversossetores miditicos, os quais o percebem como potencial nichode mercadorizao do consumo (Gis Jnior e Lovisolo, 2003).O personal trainingseria um dos seus smbolos pontuais naprotagonizao do individualismo exacerbado e daspreocupaes com o prprio corpo e do acesso apenas paraquem pode pagar pelo oferecimento de tal servio. Lovisolo(1999) ilustra tal noo ao afirmar que

    Os campos de interveno tm nas sociedades ditasocidentais, uma forte tendncia a gerar quase queininterruptamente produtos ou processos, vistos quercomo ondas da moda que podem rapidamentedesaparecer, quer como inovaes significativasduradouras [...]. Essa dinmica caracteriza reas todspares quanto as da [...] educao fsica e outras. [...] Osmeios de comunicao prestam especial ateno aoslanamentos que realizam promessas relacionadas sadee longevidade. Diversos autores tm apontado que nasociedade dita ps-moderna os valores da sade e dalongevidade[grifo do autor] aparecem como sendo quaseos nicos consensuais, embora perigosamente separadosdas discusses sobre o significado da vida boa ou da vidaplena que talvez ocupassem um lugar muito maissignificativo no passado. Na rea da educao fsica, oltimo produto lanado no mercado talvez seja o personal

    training, suscitando discusses, cursos, debates eexperimentaes. (p. 17).

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    Essa perspectiva de mercadorizao da sade,tambm suscetvel crtica, decorrente do espraiamento dessemote de idias totalizadoras, assume um carter emblemticoe busca, em ltima instncia, materializar a obteno da sadeatravs da venda de produtos e servios. Tal argumentaopode ser verificada, por exemplo, nas incontveis ofertas deatividades fsicas em academias de ginstica, suplementosalimentcios, frmacos para emagrecimento, tratamentos emspas, seguros-sade, etc (Illich, 1982; Lefvre 1991; Paim eAlmeida-Filho, 2000; Restrepo, 2001).

    Todavia, Courtine (1995) adverte que essa cultura deconsumo no recente e j aparece na dcada de 1960,

    fortemente circunstanciada nas questes hedonistas do corpoe subscrita no modelo da american way of life(estilo de vidaamericano). O autor relata que,

    As ambigidades desse hedonismo inscrevem-se, ainda,literalmente, em sua linguagem, isto , no carter paradoxale na fora performtica desses enunciados obrigatriosque levam busca de um bem-estar na atividade fsica.Have fun: a alegria um dever moral, uma forma insistentede obrigao. No mesmo contexto, o bem-estar

    psicolgico (feeling good) entendido como umaconseqncia da forma fsica (being in shape) (Courtine,1995, p. 101).

    Lefvre (1991) tambm refora que esse fenmenode mercadorizao da sade no se d de forma repentina; aocontrrio, ele fruto de um longo processo histrico deexpropriao da mesma, de perda de sua condio depremissa existencial humana para se transformar em algo

    apenas recuperado e recupervel no mercado de bens deconsumo (p. 21).A idia, intencionalmente suscitada no imaginrio

    popular, de que seria possvel obter sade, atravs do acessos atividades corporais oferecidas nesse nicho mercadolgico,ratifica a noo simblica de sade conquistada, quer sejapelo envolvimento em suas prticas, quer seja pela utilizaodos produtos a elas agregadas.

    Mas tal perspectiva, na sociedade capitalista e

    globalizada da contemporaneidade8, ambiciona ampliar ainda8Que se reafirma como a sociedade de fluxo, numa irrefrevel e intensa volatilidade consumista.

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    mais essa dependncia; ainda segundo Lefvre (1991), parase oferecer a sade como mercadoria, preciso que se amplieo seu grau de necessidade. Alm disso, importante que essanecessidade seja percebida como algo natural, abstrato, igualpara todas as classes sociais. Desta forma, o consumotransforma-se num ato unicamente individual de satisfaode necessidades dentro do poder aquisitivo de cada um. Seassumirmos a coerncia dessa noo, torna-se inteligvel a razopela qual os elementos circunscritos no universo do fitnesse dacorpolatria alcanaram uma dimenso fetichizadora no contextosociolgico da atualidade. A publicidade, propaganda e marketingatravs dos meios de comunicao de massa completam a

    corrente que liga o processo de produo dessas mercadorias aode criao dos desejos e aspiraes de se obt-las.

    Outras Demarcaes para o Significado de Sade

    Ao contrrio do enfoque reducionista de sade que aEducao Fsica9tem hegemonicamente advogado, permitindopara si um papel difusor de idias rasas e simplistas do tipopratique exerccio e ganhe sade, as dimenses relacionais

    entre sade e sociedade tm sido proficuamente debatidaspor outras reas do conhecimento. Do ponto de vista dasrelaes de produo, existem olhares que privilegiam,principalmente, as condies de sade das classes pobres etrabalhadoras (Garrafa, 1983; Engels, 1988; Moura, 1989;Granda e Breilh, 1989; Fleury, 1992; Dejours, 2002). Vriascrticas densas tambm foram formuladas quanto ao processode tecnificao da medicina, ao poder de monoplio dasgrandes organizaes corporativas fabricantes de remdios e

    a medicalizao social (Illich, 1982; Castiel, 1994; Sigolo, 1998;Lefvre 1999; Boltanski, 2004; Bunton e Burrows, 2004).

    Assim, para no se tornar um exerccio intelectualesvaziado de propsito, conceber sade no pode representarunicamente a busca pela compreenso de terminologias e seussentidos semnticos, mas antes, a considerao dacomplexidade de fatores entrecruzados econmicos,

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    Por outro lado, preciso ressaltar que j existem debates consistentes na prpria rea, apresentados emestudos que se destacam, pelas perspectivas crticas de anlise acerca do fenmeno sade e suas interfaces(Maia, 1996; Maia, 1997; Della Fonte, 1997; Lovisolo, 2000; Mira, 2000; Carvalho, 2001; Palma, 2001a; Palma,2001b; Lovisolo, 2002; Matiello Jnior, 2002; Fraga, 2003b; Nogueira e Palma, 2003; Fraga, 2005).

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    polticos, e culturais que perpassam-na e a atribuio desentido s repercusses sociais da decorrentes (Breilh, 1991).E mesmo que se adotem determinadas noes para expressla, preciso reconhecer que definies, taxionomias e seusafins, so to somente instrumentos subjetivos empregadospara auxiliar na tentativa de capturar o(s) significado(s) dedeterminado fenmeno, o que nem sempre exeqvel. Dessemodo, por mais elaborado que seja o conceito, trata-seapenas de uma representao simblica imperfeita e parcialda realidade.

    Todavia, um dos ns que persiste no julgamento dasprioridades de pesquisa em sade, em algumas reas

    acadmicas que a subordinam aos seus preceitos definitrios,talvez seja o uso instrumental indiscriminado de noeshierarquizantes e classificatrias, como forma de se enxergar(ou reduzir) os problemas que interferem nas condies davida humana. Isso se torna ainda mais complicado naperspectiva das formulaes de polticas de interveno socialpara enfrentamento das agruras da sade, quando os aspectosconcretos do cotidiano so, de certo modo, subvalorizadoscomo critrios norteadores das preocupaes, em detrimentoda exultao de ferramentas operativas abstratas e de carterperigosamente homogenizador. A ttulo de exemplificao,vale citar o recente emprego, em escala mundial, de inquritosvalidados para mensurar qualidade de vida10 (o que j , nomnimo, um paradoxo lingstico11), aplicados indistintamente,em pases ricos e pobres (Minayo et al., 2000).

    Tal quadro evidencia, portanto, opes valorativas departe da comunidade cientfica, as quais tm determinado

    um direcionamento preferencial pela operacionalizaodesses conceitos em sade (e pela agregao de seu arsenalutilitarista), ao invs da explorao de outras possveisinterfaces metodolgicas que tangenciam melhor a realidade,fato este, bastante significativo. Com toda cautela, precisolembrar que a cincia constitui-se, antes de tudo, como umadas atividades mais genunas e representativas da cultura

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    A respeito da subjetividade desse conceito e das incongruncias inerentes ao seu emprego no contexto

    da sade, verificar os comentrios de Segre e Ferraz (1997).11Segundo Ferreira (1986), qualidade um substantivo feminino; aspecto sensvel, e que no pode sermedido[grifo nosso], das coisas (p. 1424).

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    humana, ainda que sua dimenso iluminista utpica de umpromissor progresso estendido a toda populao mundial anunciado, sobretudo pela cincia mdica tenha se perdidono seu discurso histrico.

    Nesse sentido, ao analisar com maior detalhamentoa atuao epidemiolgica nas investigaes em sade, Jos daRocha Carvalheiro admite que nem sempre ela se dirige, defato, ao coletivo populacional tomado como objeto deinvestigao. Ele afirma que freqentemente, este coletivo meramente estratgico para superar a variabilidade biolgicaindividual. (Granda e Breilh, 1989, p. 1). E continua: umadescrio deste objeto, com base cientfica, nunca neutra

    [grifo nosso]. Tem que ver com a concepo de mundo doinvestigador, com a teoria que est por trs de sua concepoda sociedade. Tradicionalmente, a populao tratada, pelaEpidemiologia e pela prpria Demografia, como um todohomogneo (Granda e Breilh, 1989, p. 2).

    Almeida Filho (1992) complementa tal percepo aotecer comentrios crticos sobre o eixo norteador daepidemiologia na dcada de 1980: para os epidemiologistas,a natureza essencialmente empiricista da sua prtica cientficaapresenta-se como um suposto fundamental, axiomtico,indiscutvel. Empiricismo aqui referido como o referencial[...] que apreenderia a realidade sem mediaes, sendo osconceitos cientficos imediatamente redutveis observao(p. 25). Para o autor, a prtica disciplinar de campo daepidemiologia na atualidade parece no ter abandonado essapercepo, que se destaca no aforismo de John Locke: Nodirect measurement, no basic concept (p. 26); ou seja, s aquilo

    que for mensurvel passvel de um tratamento cientfico.Sob esse juzo, s seria possvel conceder uma outorgacientifica para qualquer fenmeno estudado, se fosse vivelcriar indicadores quantificveis. Essa crena baseia-se naconcepo positivista de cincia, que se considera neutra, livrede julgamentos valorativos. Para Minayo (1993), esse foi o fiocondutor que acabou fortalecendo o emprego de termosmatemticos nas investigaes da rea, como a linguagem das

    variveis e a sistematizao dos mtodos quantitativos.Manter um posicionamento crtico, interrogando-nos,permanentemente, sobre os ditames certificadores de

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    correntes hegemnicas em pesquisa necessidade premente,no s no campo da sade. At porque, multiplicam-se a todomomento as estratgias de entidades internacionais (OMS12,por exemplo) que, a partir de achados em estudosepidemiolgicos, tm buscado estabelecer em abrangnciaglobal, quais formas de comportamento podem serconsideradas saudveis e de risco s pessoas (vide campanhasde preveno da AIDS, contra o fumo, o sedentarismo, etc).No entanto, mais do que recomendaes sade, tais normasengendram com sutileza, aspectos descontextualizados,preconceituosos e elitistas, j que nem sempre suaspreconizaes so factveis a todas as naes e aos diferentes

    estratos sociais daquelas que as adotam (Castiel, 2002).Em tempos de uma perigosa fuso entre os avanostecnolgicos da biomedicina, a mdia e o mercado, no hcomo negar que nossas vidas so assoladas diariamente nocenrio contemporneo, com a profuso de discursoscientificistas quase inexpugnveis, especialmente se olharmospara as questes relativas ao processo sade-doena. Valelembrar as palavras de Nogueira (2003) quando destaca umadas crticas centrais do sagaz intelectual Ivan Illich, tecida modernidade mdica e sua exacerbada tecnificaoinstrumental: [...] o consumo intensivo da medicina moderna uma forma de dependncia, no sentido especfico dedependncia a uma droga. Essa forma de dependncia assegurada, de um lado, pela monopolizao do exerccioprofissional dos mdicos e, de outro, pela confiana que osleigos depositam gratuitamente nos agentes da medicina(2003, p. 27).

    Outro aspecto dessa nova configurao hbrida dasade humana no sculo XXI, diz respeito ao ProjetoGenoma13, cujas descobertas j alcanaram grande notoriedadepela divulgao nos meios de comunicao em massa. Soconhecidas as promessas feitas em pblico pelos cientistas,de como a engenharia gentica poder modificar

    12Organizao Mundial da Sade13Lucien Sfez (1995), em sua densa obra intituladaA sade perfeita: crtica a uma nova utopia, defende a idia

    de que frente ao insucesso das promessas iluministas da cincia, surge uma nova dimenso utpica da humanidadena virada do sculo, constituda pelos Projetos Biosfera II, Artificial Life e Genoma, que representariam a buscadesenfreada pela juventude eterna e pela cura de todas as enfermidades que assolam o homem e o ecossistemado planeta.

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    positivamente a sade de toda populao mundial. Essesfalaciosos enunciados deixam escapar, intencionalmente, umsentido futurstico de prevalncia quanto a um suposto acessomajoritrio das pessoas s benesses proporcionadas pelamanipulao gnica, fato em parte, inverossmil, considerandoo alto custo das tcnicas e produtos pertencentes megaindstria de biotecnologia e, a desigualdade scio-econmicainstaurada no mundo, sobretudo nos pases mais pobres(Kottow, 2002; Cardoso e Castiel, 2003). Em sntese, razovel dizer que boa parte das pessoas s poder serbeneficiria se tiver poder aquisitivo para pagar pelo consumode tais servios.

    Mesmo diante de algumas supostas incongrunciasimbricadas no panorama lato sensu da sade (por vezes,veladamente), no seria sensato execrar o papel da cincia edos pesquisadores na tentativa de conseguir avanos paraminimizar males ou doenas da coletividade humana. No setrata disso. Mas, preciso reconhecer que, antes de tudo, oemprego destinado s descobertas cientificas, assim como adeciso do que deve ser pesquisado (onde, porque, para quee para quem), so sim opes valorativas legtimas da vontadehumana e, portanto, parciais e intrinsecamente sujeitas a errose preferncias de julgamento pessoal. tarefa igualmenteimprescindvel comunidade acadmica, suscitar mecanismospara que as diferentes reas do conhecimento estabeleamum criterioso e perene exerccio de reflexo, na identificaodos juzos que subjazem as concepes de sade defendidaspelos seus profissionais, uma vez que so esses aspectos quenorteiam as prioridades nos respectivos campos de interveno

    social.Ser que apesar do que foi exposto at aqui, caberia

    ainda perguntar, mas afinal de contas, o que sade? Mesmocorrendo o risco da provvel impreciso, acreditamos naconotao veiculada pelas disciplinas da Sade Pblica e dasCincias Sociais que advogam ser um conjunto de elementosassociados ao suprimento das necessidades humanas.Complementarmente, o marco histrico brasileiro poltico

    e social da VIII Conferncia Nacional da Sade realizada em1986, empresta um relevante significado ao fenmeno

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    (superando inclusive, outras concepes dicotmicas14

    difundidas anteriormente pela OMS): em sentido maisabrangente, a sade resultante das condies dealimentao, habitao, educao, renda, meio ambiente,trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posseda terra e acesso aos servios de sade. assim, antes detudo, o resultado das formas de organizao social da produo,as quais podem gerar desigualdades nos nveis de vida. (Fleury,1992, p. 170). Ivan Illich pensa que

    [...] a sade designa um processo de adaptao. No oresultado de instinto, mas uma reao autnoma, emboraculturalmente moldada, diante da realidade socialmente

    criada. Ela designa a habilidade de adaptar-se aosambientes mutveis, ao crescimento e ao envelhecimento, cura quando enfermo, ao sofrimento e expectativapacfica da morte. A sade abrange o futuro tambm e,portanto, inclui a angstia assim como os recursos internospara conviver com ela (Nogueira, 2003, p. 5).

    Sublinhamos uma ltima interpretao, de Dejours(1986):

    a sade a liberdade de dar ao corpo [...] de comer quandotem fome, de faz-lo dormir quando tem sono, de dar-lheacar quando baixa a glicemia. No anormal estarcansado ou com sono, no anormal ter uma gripe [...].Pode at ser normal ter algumas enfermidades. O que no normal no poder cuidar dessa enfermidade, no poderir para a cama, deixar-se levar pela enfermidade [...] (p.11).

    A complexidade que perpassa o breve panorama de

    recortes esboado no texto, leva pensar que no tarefafcil analisar ou tentar conceber a sade. Mas, julgamos quese faz necessrio investir nas perspectivas de compreensodo fenmeno a partir de um olhar menos centrado noparadigma biomdico e mais atento aos corpos sociais. Istose, de fato, quisermos referendar-lhe seu primordial significadocomo representante legtimo de aspiraes, idias e prticas

    14A Organizao Mundial da Sade (OMS) diz que sade um estado de completo bem-estar fsico, mentale social e no apenas a ausncia de doena ou enfermidade;tal concepo mostra-se esttica e impossvel

    de ser alcanada, uma vez que no compreende o fenmeno sade a partir de um processo dinmico, ondea doena seria uma nova dimenso da vida e, portanto, no poderiam estar dissociadas uma da outra. De todomodo, h ainda a necessidade de se considerar que completo bem-estar expressa a total ausncia deproblemas, idia utpica para a condio humana (Nogueira e Palma, 2003).

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    convergentes melhoria das condies da vida humana numsentido mais amplo; se, realmente, pretendermos galgarestratgias para superao das agruras e males coletivos dasade social, em detrimento do contexto individualista-privado que prev e privilegia resoluo dos problemas desade, priori, para quem pode pagar por ela.

    Guiar-nos nesta desafiadora tarefa de reinterpretaodos sentidos da sade a partir de alguns pressupostos eexperincias produzidos e acumulados pela Sade Coletiva,pode ser bastante auspicioso, especialmente sendo a EducaoFsica uma rea cuja matriz terico-cientfica ainda lacnicae permanece em formao, mas, sobretudo porque, a rigor,

    pouco tem investido nas problemticas que permeiam adimenso sociolgica da sade.Nesse sentido, importa esclarecer que o campo da

    Sade Coletiva designa um agregado de saberes e prticasreferido sade como fenmeno social e, portanto, deinteresse pblico. As origens do movimento de constituiodessa rea remontam ao trabalho terico e polticoempreendido por pesquisadores de departamentos deinstituies universitrias e de escolas de Sade Pblica daAmrica Latina e do Brasil, em particular, ao longo das duasltimas dcadas. A profcua atividade desenvolvida no campocientfico da Sade Coletiva deu suporte a um embate polticoiniciado em meados de 1970, em torno da crise da sade,contextualizada nas lutas ideolgicas do pas naquele tempo.Esse movimento difundiu-se entre as mais diferentes instnciasorganizacionais da sociedade, contribuindo para a formulaoe execuo de um conjunto de mudanas identificadas como

    a Reforma Sanitria Brasileira.As proposies desse movimento incluram significativa

    alterao na concepo de sade, ao postular mudanas nomodelo gerencial, organizativo e operativo do sistema deservios pblicos de sade, na formao e capacitao depessoal no setor, no desenvolvimento cientfico e tecnolgiconesta rea e, principalmente, nos nveis de participao crticae criativa dos diversos atores envolvidos no processo de

    reorientao das polticas econmicas, sociais e sanitrias, tendoem vista a melhoria dos nveis de vida e a reduo das profundasiniqidades j instauradas no pas.

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    Feitas essas consideraes, talvez seja prudenteressalvar uma ltima questo. Quando sugerimos umestreitamento interdisciplinar (terico-metodolgico) entreSade Coletiva e Educao Fsica, no significa que desejamosdesconsiderar ou excluir os conhecimentos fisiolgicosinerentes aos aspectos da sade e da doena, sabidamenterelevantes. A pretenso, de fato, exultar a promissoraaproximao entre as dimenses scio-culturais e econmicase as de carter individual e biolgico nas incurses investigativassobre a sade, na expectativa de incitar os pesquisadores daEducao Fsica, a perceberem a possibilidade de se produzirinferncias mais consistentes sobre a realidade, nesses estudos

    temticos.J h bons indcios entre nossos pares de que talvez aEducao Fsica esteja dando mostras de seu amadurecimentocomo campo cientfico e de interveno, inclusive, emdecorrncia de uma interrogao mais veemente sobre seupertencimento exclusivo a um papel majoritrio de promotorde atividades fsicas. Entendemos que para poder sereconhecer, efetivamente, como rea pertencente ao campoda Sade Coletiva, a Educao Fsica precisa incorporar umamudana crtica do prprio conceito de sade que temdefendido, ressaltando antes de tudo, as inter-relaes coma eqidade social, postura que, de forma alguma, a far perdersua especificidade e legitimidade frente s questes damotricidade humana. Parece coerente admitir que paraocorrer tal avano, a rea precise expugnar todo o arsenal dediscursos e aes pragmticas moralizantes utilizados paracombater o sedentarismo, idia que se tornou to cara

    rea nas ltimas dcadas.Vivemos um certo paroxismo mensurativo nos dias

    de hoje, sobretudo, em relao s prticas de preveno adoenas, propaladas pela biomedicina (e suas dimensescorrelatas). Contudo, apesar de novos instrumentosconseguirem descrever, cada vez melhor, distintos fenmenosfisiolgicos do processo sade-doena no organismo humano,simultaneamente, essa euforia de sucessivos avanos

    tecnocientficos tem deixado muito para trs, perdido de vista,a preocupao com a condio da vida humana, sobretudoem sua dimenso coletiva. Ser que a Educao Fsica,

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    enquanto rea ou disciplina que se pretende cientfica,subjugada e subjacente a essa euforia de conquistas e inovaestecnoinstrumentais inesgotveis, no tem reforado tal viso(ao invs de interrog-la) ?

    mais do que passada a hora de nos colocarmos crtica, tentando desenvolver, com toda cautela e perplexidadenecessrias, uma anlise dialgica com outros campos do saber,sobretudo aqueles que privilegiam discutir as questesprofundamente demarcadas pelas desigualdades sociais dostempos atuais, no aceitando-ascomo um curso naturalda histria da humanidade. A Educao Fsica postada comocampo de atuao social e cientfica, mas que se ancora numa

    prxis, onde ainda predominam incurses mensurativas queobjetivam classificar comportamentos de risco e de sade,precisa se interrogar urgentemente, sobre essas questes.

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    POLTICAS PBLICAS DE SADE NOBRASIL

    Marco Aurlio Da Ros

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    POLTICAS PBLICAS DE SADE NO BRASILMarco Aurlio Da Ros

    1. Premissas iniciais

    Um referencial importante para iniciar uma reflexosobre Polticas Pblicas de Sade no Brasil pode ser localizadono Movimento Europeu de Medicina Social do sculo XIX.Rosen (1980) relata que esse Movimento, localizado em termos

    cronolgicos, aproximadamente entre 1830 e 1870, difundiu-se na Europa e coincidiu com os Movimentos pelatransformao do capitalismo, que vivia uma de suas fases demaior crueldade.

    Alguns filmes (produes cinematogrficas) explicitamessas condies como Daens: um grito de justia ouGerminal. Estes, mais o livro de Engels (1986), intitulado Asituao da classe trabalhadora na Inglaterra, demonstram a

    alta mortalidade e superexplorao da fora de trabalho. Emum ambiente sem saneamento, grvidas e menores de 10anos, trabalhavam mais de 14 horas de trabalho por dia emfbricas sem janelas, em troca de pouca comida.

    Nesse ambiente grassavam epidemias e os mdicoseram chamados para tentar deter a morbi-mortalidade. E aera evidente que as condies scio-econmicas eramdeterminantes. Portanto, a proposta de mudar o modo deproduo era condio para alterar o processo sade-doena

    da populao.Villerm na Frana, Grosjahn na Blgica, Chadwick

    na Inglaterra e Virchow e Neumann na Prssia personificavamalguns dos elaboradores do Movimento de Medicina Social (DAROS, 2000).

    Virchow e Neumann, em 1847, conseguem aaprovao da lei de Sade Pblica prussiana que, se fosseapresentada de forma sinttica, poderia ser resumida como:

    sade, direito de todos, dever do Estado.O Movimento d uma explicao social para o processosade-doena e tende a tornar-se hegemnico enquanto

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    modelo explicativo: mudem-se as condies da sociedadeque acabam as epidemias e transforma-se o perfil daspatologias.

    Claro que este Movimento chocava-se com o poderdominante e seus responsveis, que relutavam em aceitar asprescries de Virchow, tais como: reduo da jornada detrabalho, tempo para lazer, salrios suficientes para alimentartoda a famlia com abundncia, menores de 12 anos notrabalharem, saneamento nas fbricas, etc... Isto implicavaem afrontar o capitalismo nessa fase de expanso/acumulao.Caso o trabalhador no aceitasse aquelas condies, havia umimenso exrcito de desempregados pronto para substitu

    lo. Portanto, porque investir em mudana?Com a descoberta da associao causal entre a bactriae a doena, a partir de Pasteur, ao invs de se aumentar opotencial explicativo do processo sade-doena, ocorreu umaruptura, sintetizada por Behring em 1896, na Prssia, comum sentido que expressava aproximadamente o seguinte:Agora, com a descoberta das bactrias, desnudada a causadas doenas, o mdico no precisa mais se preocupar com asociedade (ROSEN, 1980). E esse passou a ser o modelohegemnico ao final do sculo XIX incio do sculo XX: omodelo unicausal de explicao da doena, negador dadeterminao social do processo.

    Uma outra reflexo, que se superpe a esta, a formacomo se estabelece o modelo mdico norte-americano. ARockfeller Foundation, um dos pilares do modelo capitalistanorte-americano financiou aJohns Hopkins University, no inciodo sculo XX (DA ROS, 2000). Nesse local, originou-se um

    modelo de ensino de medicina centrado na unicausalidade,biologicista, hospitalocntrico, fragmentado, detentor daverdade cientfica, positivista. Dessa universidade foi chamadoum professor, Abraham Flexner, para fazer uma investigaosobre as faculdades de medicina dos Estados Unidos da Amrica(EUA). Em 1910, foi publicado um relatrio, chamado deRelatrio Flexner, que em sntese, sugeria o no-financiamento de faculdades de medicina que contemplassem

    outros modelos de entendimento do processo sade-doena,diferentes daJohns Hopkins University(MENDES, 1985). Dessaforma, em menos de 5 anos foram fechadas mais de 100

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    faculdades norte-americanas: aquelas que enfatizavam SadePblica, ensinavam homeopatia, acupuntura, fitoterapia ou,que aceitavam negros e mulheres (CUTOLO, 2001). E seestabelecia um modelo claramente hegemnico de medicinaespecializada medicina/cincia/verdade no hospital. Autilizao de exames e medicamentos passa a sersuperestimulada e se desenvolvem as bases para o poderosocomplexo mdico-industrial, com imensos lucros por sobre asdoenas. Com isso, as Cincias Sociais, definitivamente, nocabiam no entendimento vigente, nem a Sade Pblica, nema dimenso psicolgica. Essa mesma universidade norte-americana, em 1918, entendeu que Sade Pblica poderia

    ser ensinada como um curso de especializao, depois dagraduao, o que a fez propr, na poca, o primeiro curso nosEUA. Dois professores da Faculdade de Medicina de So Paulofizeram esse curso e voltaram para o Brasil com a idia deformar uma faculdade de Sade Pblica. A Rockfeller Foundationfez, nesse perodo, uma doao para a construo do prdio,com a exigncia de que o diretor dessa escola fosse indicadopela entidade norte-americana (VASCONCELLOS, 1995).Samuel Darling dirigiu por trs anos o Instituto de Higiene(que no se tornou a Faculdade de Sade Pblica) estabelecendodiretrizes para as investigaes: unicausalidade biologia devetores em educao e, a culpabilizao da vtima. Istomarcou por muito tempo a lgica da Sade Pblica no Brasil(DA ROS, 2000).

    Uma terceira reflexo, antes de iniciar propriamentea discusso das Polticas Pblicas de Sade, diz respeito epistemologia ou, resumidamente, como se constri o

    conhecimento. No desenvolvimento da cincia, o positivismoe os detentores da verdade nica, foram superados desdeas contestaes ao crculo de Viena, mas, especialmente, peloentendimento de que existe um processo permanente dedesvelamento, que constri permanentemente novasverdades provisrias. Este novo conhecimento podemoschamar de princpio do conhecimento mximo (FLECK,1986), o qual teria, supostamente, potencial explicativo para

    superar ou incorporar os conhecimentos anteriores. Mas,tambm se pode entender, com este autor, que estilos depensamento antigos tendem a persistir no tempo e, no caso

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    do positivismo, sendo impermevel (incomensurvel) aqualquer outra lgica diferente da sua, tornada, ento, comoa verdadeira. Portanto, com essas trs premissas queacredito que podemos refletir melhor sobre as PolticasPblicas de Sade no Brasil.

    2. Condies para instalao do Modelo Brasileiro

    Fao ento, por opo explicativa, um corte histricoque nos remete assim, dcada de 1960, o ponto queconsidero importante para as definies em pauta, ainda hoje.

    As Polticas Pblicas de Sade anteriores a essa pocapodem ser resumidas ao sanitarismo-campanhista (lgica do

    Ministrio da Sade) e a um modelo de ateno doenabaseado nos IAPs (Institutos de Aposentadoria Privada antigos fundos de aposentadorias e penses) para ostrabalhadores organizados. Em 1963, por exemplo, o IAPI(dos industririos), o mais organizado dos institutos, cobrava3% dos trabalhadores e igual contribuio dos patres. Comesse recurso tinha hospitais prprios, corpo de mdicos eenfermeiros, equipamentos de ltima gerao e ambulatrios

    gerais. O recurso era suficiente para garantir as penses/aposentadorias e para financiar casas prprias, as vilas do IAPI(dos industririos) existentes nas cidades industrializadas doBrasil naquela poca. O Ministrio da Sade era encarregadoda preveno das doenas. Detinha 8% do oramento da unioe realizava desde perfurao de poos at confeco de fossase operaes mata-mosquitos, bem como mantinha Centrosde Sade para atender as grandes endemias de hansenase,tuberculose, verminose. Caiava casas para a preveno de

    Doena de Chagas.J a medicina privada no Brasil, naquela poca,

    apresentava um forte trao europeu, mais ecltico que omodelo fragmentador norte-americano e a nfase aindacentrava-se na atuao de mdicos generalistas e de famlia(DA ROS, 2000). A populao pobre dependia de hospitais decaridade, Santas Casas de Misericrdia, normalmente, sob aresponsabilidade da Igreja. Tnhamos at ento, 26 faculdades

    de medicina no pas. Em 1963, Paulo Freire colaborou com oMinistrio da Educao para estimular o Movimento Estudantilorganizado na Unio dos Estudantes (UNE), de forma que

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    este colocasse seus conhecimentos disposio da populaona poca das frias escolares. O Movimento Estudantil seiniciava j na primeira srie ginasial (equivalente, hoje, sextasrie do primeiro grau) e se discutia muito um modelo dedesenvolvimento para o Brasil.

    Como em 1959 havia eclodido uma revoluo emCuba, os norte-americanos se tornaram apreensivos comdemocracias que permitiam organizaes populares/polticasque contestavam a explorao capitalista. Em 1 de abril de1964, deu-se um golpe militar contra um presidentelegitimamente eleito, o qual foi financiado e pensado, emconjunto, pelo governo dos EUA e pelos militares brasileiros.

    Instalou-se, a partir da, uma ditadura onde os pensamentoscontrrios a ela foram duramente perseguidos com ameaas,cadeia, exlio ou mesmo morte. A censura passou a serexercida em todos os meios de comunicao. Houveinterveno nos sindicatos, fechamento da UNE, tendoinclusive, sua sede queimada. Esse golpe determinou extensasmodificaes em relao ao patamar anterior. Proponho colocarmais 10 anos de intervalo, 1973 1974, para tirar outro retratoda situao e avaliar o que ocorreu nesse outro perodo.

    Os IAPs foram desapropriados e passaram a serhospitais governamentais submetidos ao MPAS (Ministrio daPrevidncia e Assistncia Social) que, em mdia, alocava 25%do que arrecadava para o setor sade. Sua alocao era, emteoria, tripartite e j no mais de 3% e, sim, de 6% do salriodo trabalhador e de 6% do recurso do patro (que nem semprepagava e que ainda recebia do governo anistia da dvida a cadacinco anos de sonegao, gerando novos no-pagantes). Este

    recurso do MPAS, (que deveria gerar lastro para ofinanciamento e assegurar os benefcios no futuro) foipulverizado:a)financiando as grandes obras do BrasilPotncia(Hidreltrica de Itaipu, Usina de Angra dos Reis, Ponte Rio-Niteri, Rodovia Transamaznica); b)financiando a construode hospitais privados e comprando exames e medicamentosdo mercado privado; c)com corrupo disseminada em todosos nveis, desde as aposentadorias falsas, pacientes inexistentes

    at exames inventados, diagnsticos falsos, superfaturamentodo material de consumo utilizado e pagamento por Unidadesde Servio (US) quanto mais sofisticado o ato, mais caro

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    se pagava por ele. O emprstimo com dinheiro da Previdnciapara a construo de hospitais consistia em at 10 anos deno-pagamento, para o setor privado. Aps isso, que orecurso comearia a ser pago, sem juros e sem correomonetria; d)porque se hipertrofiou a compra de aparelhosde exames sofisticados (muitos deles desnecessrios), bemcomo ocorreu uma verdadeira exploso de construo dehospitais e de compra de medicamentos.

    O Ministrio da Sade teve, ento, reduo no seuoramento de 8% para 0,8% permitindo o ressurgimento deepidemias relativamente controladas. Criou-se uma centralde medicamentos cuja principal funo passou a ser a de

    ampliar a possibilidade do remdio privado chegar populaopobre, aumentando muito os lucros dos fabricantes. Associadoao que ocorre na formao do mdico e do farmacutico issofez com que o Brasil se tornasse um dos dois pases (juntocom o Mxico) com maior nmero de medicamentos compatentes comerciais, absolutamente sem controle. Ento, asgrandes bases para o complexo mdico-industrial estavam aliplantadas hospitais, equipamentos e medicamentos. Faltavamexer na formao profissional. Em 1968, a ReformaUniversitria, entre outras intenes, buscava reprimir apossibilidade de organizao estudantil, mas, em especial, narea da sade recomendada para a medicina, alm da adoodo modelo Flexneriano, a supresso da disciplina deteraputica, o que tornou os alunos refns dos representantesde laboratrios (estes, por sua vez, se travestiam deensinadores do funcionamento dos medicamentos). No cursode Farmcia-Bioqumica foi suprimida a disciplina de

    Farmacognosia (conhecimentos de onde so extrados osprincpios ativos dos medicamentos) e de Farmacotcnica(como se transformam em produto de venda, os princpiosativos) assegurando que tornvamo-nos somente consumidoresdo medicamento pronto vendido pelas multinacionais(KUCINSKI e LEDOGAR, 1977).

    Em menos de 10 anos saltamos de 26 para 56faculdades de medicina e todas essas novas escolas tinham,

    obrigatoriamente, o modelo biologicista, hospitalocntrico,fragmentado e com estmulo ao positivismo como referncia,em busca da verdade dos exames feitos por aparelhos cada

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    vez mais sofisticados e com a teoria unicausal (j superadainternacionalmente), posando de modernidade. Tudo issoocorreu sob a impossibilidade de denncia ou de reao, queseria entendida, pelos militares e seus rgos de segurana,como subverso.

    De 1964 a 1973 foram dez anos de represso forte.Nesses anos, o complexo mdico-industrial brasileiro sefortaleceu em nveis inimaginveis. Elegeu deputados,senadores, governadores. Ministros de Estado viabilizavam seusinteresses e a Poltica Pblica de Sade era formulada deacordo com o interesse de fortalecimento desse complexo.O discurso vigente era que, em primeiro lugar, o governo

    fari