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A SAGA DE UMA ARVORE AMAZONICA: DA FLORESTA AO MERCADO Dezembro 2005 ^ ,

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A SAGA DE UMA ARVORE AMAZONICA: DA FLORESTA AO MERCADO

Dezembro 2005

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Há décadas, a extração ilegal de madeira na Amazônia Brasileira destrói a floresta sem que isso signifique melhoria da qualidade de vida para seus habitantes. Estima-se que entre 60% e 80% da madeira extraída da Amazônia tenham origem criminosa – ou seja, são exploradas, industrializadas e/ ou comercializadas por pessoas e empresas que desrespeitam as leis do País. O atual presidente do Ibama, Marcus Barros, chegou a declarar à impren-sa que a ilegalidade atinge 90% da produção de madeira na região.

Em trabalho publicado recentemente na revista Science, pesquisadores brasileiros e americanos aju-daram a trazer mais luz sobre o impacto ambiental da exploração madeireira na Amazônia. Usando uma nova metodologia de análise de imagens de satélite, os pesquisadores mostraram que a exploração “se-letiva” de madeira – que derruba apenas aquelas ár-vores que apresentam interesse comercial – degrada uma área igual ou maior do que a área desmatada anualmente na região. Ao contrário do desmatamen-to, que sempre resulta em manchetes na imprensa, essa destruição seletiva raramente entra na conta do passivo ambiental amazônico.

O presente estudo de caso detalha o modus operan-di de um complexo esquema que envolve o tráfico de documentos públicos, especialmente ATPFs (Au-torização de Transporte de Produto Florestal) para legalizar madeira de origem ilegal, beneficiando-se das falhas do atual sistema federal de controle do fluxo da madeira.. O objetivo do Greenpeace é mos-trar como estas falhas contribuem para a continui-dade da produção ilegal de madeira, resultando em prejuízos ambientais e sociais, sonegação de impos-tos, desmoralização do poder público e competição desleal contra aquelas empresas que respeitam a lei.

O atual sistema de controle, que está sob a res-ponsabilidade do Ibama, é obsoleto, burocrático e

ineficiente e não impede que madeira amazônica de origem ilegal chegue às lojas e depósitos. Do ponto de vista do mercado, isso dificulta ações concretas por parte de consumidores que desejam adquirir apenas madeira de origem legal e sustentável.

De acordo com o Ibama, um milhão de ATPFs são emitidas por ano na Amazônia para empresas que, em tese, adequam-se à legislação. Como é de-monstrado a seguir, parte desses documentos legais são usados para perpetuar a cadeia da ilegalida-de. Em 2004, o mercado brasileiro foi responsável pelo consumo de 64% da produção de madeira da região.

Dar um basta nessa situação é fundamental para o País e para o consumidor de madeira, seja ele público ou privado.

Para o consumidor privado, que tem liberdade de escolha, o Greenpeace recomenda a compra apenas de produtos de madeira certificados com o chamado “selo verde” emitido pelo FSC – Conselho de Mane-jo Florestal. Esse selo significa que o bem adquirido não apenas respeita as leis brasileiras, mas que também foi produzido de forma ambientalmente correta, socialmente justa e economicamente viável.

Já para o setor público, obrigado a obedecer à legislação de licitações – que não permite a adoção da certificação florestal como critério de seleção do produto, o Greenpeace criou o programa Cidade Amiga da Amazônia (www.greenpeace.org.br/cida-deamiga). Esse programa incentiva prefeituras bra-sileiras a aprovar leis e normas coibindo o consumo de madeira de origem ilegal e de desmatamentos nas licitações municipais. Até dezembro de 2005, 26 municípios já haviam aderido ao programa. Para que o setor público possa respeitar a lei, é preciso que o sistema de controle de origem e fluxo da madeira, a cargo do Ibama, seja modificado para garantir a legalidade do produto.

Publicado por Greenpeace BrasilData: Dezembro de 2005Autores: Rebeca Lerer, Marcelo MarquesiniEditor: Paulo Adário, Tica MinamiDesign e layout: Amanda FazanoFotos: Greenpeace/Rodrigo BaleiaRevisão: Tica MinamiImpressão: Photon Pré-impressão e gráficaContato: [email protected]

A SAGA DE UMA ARVORE AMAZONICA:DA FLORESTA AO MERCADO

INTRODUCAO, ~

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Impresso em papel reciclado

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ROTA DA MADEIRA ILEGALINTRODUCAO~

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ENTENDA O CASOA MADEIRA A madeira foi extraída de áreas no entorno dos municípios de Cujubim e Machadinho D’Oeste, no nordeste de Rondônia. A maior parte des-tas áreas está sendo desmatada para criação de gado. A investigação do Greenpeace indica que esta madeira tem origem ilegal porque não há comprovação de que as toras foram extraídas de acordo com Autorizações de Desmatamento ou de Planos de Manejo Florestal concedidos pelo governo federal.

Também foi constatada a extração ilegal de madeira em duas áreas de desmatamento nas quais as toras e o transporte não teriam qualquer documentação. Localização: coordenadas geográficas S 09º 23’ 26.1’’, W 061º 28’ (área conhecida como Muquém, provavel-mente município de Colniza, no Mato Grosso, divisa com Machadinho D’Oeste, em Rondônia); e S 09º 11’ 09.3’’, W 061º 34’ 31.1’’ (Fazen-da Asa Branca, município de Machadinho D’Oeste, em Rondônia).

O DESDOBROAs toras foram vendidas por um toreiro identificado como Vandi-nho e transportadas sem qualquer documentação até um pátio de estocagem localizado nas coordenadas geográficas S 09° 22’ 24.5” e W 062° 35’ 08.7”, na cidade de Cujubim, em Rondô-nia. De acordo com a legislação vigente, estas toras deveriam estar acompanhadas de ATPFs no transporte entre a floresta e o pátio. As Autorizações de Transporte de Produtos Florestais são concedidas pelo governo a detentores de Autorizações de Desmatamento ou de Planos de Manejo Florestal.

A equipe do Greenpeace comprou 40 metros cúbicos de toras de angelim (Dinizia excelsa Ducke), espécie conhecida como fa-veira-ferro na região, que custaram R$ 4.600, pagos à vista, em dinheiro. O suposto responsável pelo pátio de madeira apresen-tou-se como Sr. Maziero.

As toras foram serradas na Serraria Fortaleza, de propriedade de um indivíduo que apresentou-se como Elias. A serraria está operando de maneira irregular, já que não deveria serrar madeira sem comprovação de origem. O desdobro das toras gerou 29 metros cúbicos de pranchas de madeira. O serviço de desdobro custou R$ 2.900, também pagos à vista, em dinheiro.

A COMPRA DE DOCUMENTOSA compra dos documentos que “legalizaram” a carga de madeira ilegal adquirida pelos ativistas foi realizada no mu-nicípio de Ariquemes, também em Rondônia. O esquema de fornecimento de papéis seria coordenado por um “corretor de documentos” que se identificou como Sérgio Krammer. Sérgio seria a ligação entre compradores de madeira de ori-gem ilegal e empresas madeireiras reais e cadastradas. As empresas do suposto esquema venderiam ATPF e Notas Fiscais verdadeiras a Sérgio, que as repassaria aos compradores de madeira para esquentar as cargas sem comprovação de origem e/ou autorização de transporte.

Durante a operação, foi adquirido um total de três lotes de documentos (ATPF e Nota Fiscal) em diferentes momentos. Apenas um destes lotes foi utilizado para transportar a car-ga de madeira ilegal entre Rondônia e São Paulo. O primei-ro lote custou R$ 5 mil; o segundo e terceiro lotes foram vendidos por R$ 6 mil cada. Parte do pagamento foi feito via depósito bancário, no Banco do Brasil, agência 1178-9, conta corrente 24040-0. Todos os documentos foram com-prados de Sérgio e, segundo ele, o aumento no preço entre uma compra e outra teria ocorrido porque “o clima estava tenso” após algumas operações da Polícia Federal.

Análises técnicas indicam que os documentos vendidos por Sérgio (ATPFs e notas fiscais) são verdadeiros. De acordo com a Gerência-Executiva do Ibama em Ariquemes (RO), todas as ATPFs foram realmente emitidas para as respec-tivas empresas, conforme consta dos documentos (veja dados sobre as empresas em quadro a seguir). A ATPF e a Nota Fiscal são necessárias para que as cargas de madeira serrada ou laminada possam alcançar, pela via rodoviária, os mercados consumidores do Sul e Sudeste do País ou portos de acesso a clientes internacionais. Este tipo de fraude é freqüente na Amazônia brasileira.

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O TRANSPORTEUma vez serrada, a madeira foi carregada em veículo de uma empresa de fretes em Cujubim (RO). O valor total do frete foi de R$ 6.750,00, pagos à vista, em dinheiro. O veículo usado foi uma carreta Scania, de cor branca, com lona preta. Placa da carreta: BXH 8772; placa do cavalo mecânico: ACL 1451. Neste caso, a empresa de frete aca-ba colaborando com o esquema de extração e transporte ilegal de madeira por duas razões: por transportar uma carga de madeira sem comprovação de origem entre os municípios de Cujubim e Ariquemes, este último localizado a cerca de 130 quilômetros em linha reta do ponto de extração da madeira; e por utilizar documenta-ção adquirida ilegalmente para efetuar o transporte.

A CHEGADA EM SÃO PAULOA carreta com madeira ilegal percorreu mais de 3 mil qui-lômetros de rodovias federais e estaduais, atravessou três fronteiras interestaduais e dois postos de fiscalização do Ibama – um em Vilhena (RO) e outro em Cuiabá (MT) até chegar a São Paulo (SP). Ao chegar à capital paulista, no dia 06 de dezembro, a carreta seguiu até um galpão onde a madeira foi descarregada e ficou estocada até sua entrega como “prova do crime” à diretoria da Polícia Federal em São Paulo.

De acordo com breve levantamento realizado pelo Gre-enpeace em sete revendas de madeira na região do Gasô-metro, reduto de lojas de produtos de madeira em São Paulo, o preço de venda de pranchas de angelim varia de R$ 1.500 a R$ 3.700 o metro cúbico. Portanto, um lote de 29 metros cúbicos de angelim serrado pode valer de R$ 43.500 a R$ 107.300 na venda direta ao consumidor. O angelim é uma espécie muito utilizada na fabricação de portas, esquadrias, forros, pisos e estruturas de constru-ção.

Entre julho e novembro de 2005, uma equipe do Greenpeace esteve diversas vezes em Rondônia para investigar o comércio de madeira de origem ilegal. Eles apresentaram-se como compradores interessados em adquirir madeira e documentos comerciais e de transporte.

Fotos: ©Greenpeace/Rodrigo Baleia

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EMPRESAS ENVOLVIDAS COM FORNECIMENTO DE DOCUMENTOS

Empresas CNPJ e Município Número da ATPF Nota Fiscal Data da compra

J. B. de OliveiraMadeiras Ltda.

Angico Madeiras Com. Imp. Exp. Ltda.

Brastimber Exp. Imp. Ltda.

05.120.102/0001-64Buritis – RO

06.213.464/0001-62Ariquemes – RO

00.577.109/0001-96Ariquemes - RO

7308806

7548483

7552517

2013

000105

01568

13/10/2005

11/11/2005

01/12/2005

Dados das empresas e dos documentos vendidos ao Green-peace, novembro 2005.

As empresas que constam dos documentos adquiridos pelo Greenpeace estão em operação no mercado. Segundo dados do Ibama, elas já receberam os seguintes Autos de Infração (AI) entre 2003 e 2005:

J.B. de Oliveira Madeiras:- AI no 199368/D em 2004 de R$ 230 mil, por vender 1,152 mil metros cúbicos de madeira serrada sem comprovação de origem. - AI no 249594/D em 2003 de R$ 10,5 mil, por receber 104 metros cúbicos de madeira sem comprovação de origem.- AI no 199730/D em 2004 de R$ 64,9 mil, por receber e vender 648 metros cúbicos de madeira com ATPF furtadas.

Angico Madeiras Com. Imp. e Exp. Ltda.: - AI no 251371/D em 2005 de R$ 335,7 mil, por receber 839 metros cúbicos de madeira serrada sem comprovação de origem.- AI no 251377/D em 2005 de R$ 5,5 mil, por vender 54 metros cúbi-cos de madeira em tora sem comprovação de origem.

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· Ao Governo Federal: Fortalecer a estrutura do Ibama, Polícia Federal e Ministério Público para inviabilizar a produção de madeira ilegal e impedir crimes associados, como grilagem de terras, violência no campo, formação de quadrilhas, fraudes e falsificação de documen-tos públicos, além de invasão de áreas protegidas, como terras indígenas e unidades de conservação.

· Fortalecer o Incra para efetivar a regularização fundiária, a reforma agrária e impedir o avanço da grilagem.

· Priorizar e viabilizar as atividades de manejo florestal que respeitem à lei e o meio am-biente. Essas atividades já estão previstas em vários planos governamentais.

· Ao Congresso Nacional: Aprovar o projeto de lei que modifica a gestão de florestas públi-cas para aumentar a oferta de madeira legal no mercado. · Ao IBAMA: Efetuar mudanças estruturais no sistema de monitoramento e controle do fluxo da madeira que permitam agilidade, integração das bases de dados, eficiência, confiabilida-de, transparência e controle por parte dos consumidores. Além disso, aumentar a fiscaliza-ção nas serrarias e realizar ações de controle no destino da madeira, como São Paulo.

· Ao Ministério Público Federal e Polícia Federal: Apurar o esquema ora exposto, envolvendo extração, transporte e beneficiamento de madeira de origem ilegal e venda de documentos.

· Ao Governo do Estado de São Paulo: Cumprir o decreto estadual 49673, de junho de 2005, que estabelece normas para o controle e fiscalização do transporte e armazenamento de produtos e subprodutos de madeira.

· À Prefeitura de São Paulo: Fiscalizar as revendas de madeira na cidade e encaminhar do-cumentos apreendidos ao Ibama; cumprir termo de compromisso e decreto 4638 referentes ao programa Cidade Amiga da Amazônia, do Greenpeace.

· Aos municípios participantes do programa Cidade Amiga da Amazônia: Cumprir termos de compromisso e decretos referentes ao programa. Encaminhar documentos (ATPFs) coleta-dos dos fornecedores da prefeitura nos processos de licitação ao Ibama. Assinar carta de repúdio à madeira ilegal.

· Ao consumidor privado: comprar apenas produtos certificados pelo FSC, que além de garantia de origem, contemplam também critérios ambientais e sociais.

DEMANDAS EMERGENCIAISDO GREENPEACE

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A SAGA DE UMA ARVORE AMAZONICA: DA FLORESTA AO MERCADO

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