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A REVOLTA DOS POSSEIROS NO SUDOESTE DO PARANÁ: ENCONTROS E DESENCONTROS NA LUTA PELA TERRA.
Maria de Lourdes Stockmann1 Ariel José Pires2
Nilza Maria Hoinatz Schmitz 3
Resumo: Este artigo tem a finalidade de analisar alguns aspectos sócio-políticos da Revolta dos Posseiros, ocorrida na região sudoeste do Paraná, em 1957, contra as companhias de terras que atuavam na região. Os procedimentos utilizados para a pesquisa foram, além de uma bibliografia especializada sobre o tema, entrevistas com pessoas que vivenciaram a época. A pesquisa utilizou-se para tanto dos pressupostos teórico/metodológicos da História Oral.
Palavras-chave: Companhias de Terras; Sudoeste do Paraná; Revolta dos Posseiros; História Oral; Entrevistas. Abstract: This article aims to examine some aspects of the socio-political revolt of the settlers, occurred in the southwest region of Parana in 1957, against companies that worked to land in the region. The procedures used for the research were, in addition to a literature on the subject, interviews with people who experienced the era interviews using the assumptions for both theoretical / methodological's Oral History. Keywords: Companies of Land, southwest of Paraná; revolt of the settlers; Oral History; interviews.
Este artigo, como requisito do Programa de Desenvolvimento Educacional
(PDE), tem a finalidade de analisar a Revolta dos Posseiros, ocorrida na região
Sudoeste do Paraná, em 1957, principalmente em seus aspectos políticos e sociais.
Durante o século XX ocorreram rebeliões sociais no Brasil que forçaram a
adaptação de formas de convívio social, como movimentos de resistência. Em função da
expansão capitalista veio à tona a opressão, a exploração e a miséria para inúmeros
1 Professora de História de Educação Básica no Ensino Público, PR. Inserida no Programa de desenvolvimento
Educacional - PDE/2007 – SEED/UNICENTRO 2 Professor Dr. De História de Ensino Superior e Orientador PDE/2007 - UNICENTRO
3 Professora de História de Educação Básica no Ensino Público, PR. Co-orientadora no Programa de desenvolvimento
Educacional - PDE/2007 – SEED/UNICENTRO
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grupos de trabalhadores rurais. Na maioria das vezes esses movimentos de resistência
surgiram de forma não coordenada, para depois, pouco a pouco, irem assumindo uma
forma organizada e estratégica.
A ação humana não se limita apenas à satisfação de necessidades de origem
biológica ou instintiva. Busca-se o sentido da vida em grupo, permitindo julgar, escolher e
orientar. Os valores assumem sentido na ação social e permitem o reconhecimento da
liberdade da ação humana, transformando-se também em análises de “visões de mundo”
crenças e paixões, vislumbrando-se as possibilidades de transformações e mudanças no
grupo social.
Utilizou-se para esta pesquisa, além de uma bibliografia especializada sobre o
tema, a história oral, pois, por meio dela, um povo busca sentido para sua própria
natureza em mudança, e os novos moradores vindos de fora podem adquirir uma
percepção das raízes pelo conhecimento local da História (THOMPSON, 1992, P. 21).
A história oral lança importantes informações para dentro da pesquisa histórica e
isso alarga seu campo de ação ao reconhecer heróis anônimos na historiografia. Ao
trazer a história para dentro da comunidade e extrair a história de dentro da comunidade,
ocorre a valorização dos menos privilegiados. É dada voz aos idosos, pois, ao recordar
os acontecimentos vividos, conquistam dignidade e autoconfiança ao mesmo tempo em
que propiciam o contato e a compreensão entre gerações dando sentido de
pertencimento àquele espaço.
A região sudoeste do Paraná foi palco, em meados do século XX, de um
importante movimento social de posseiros em torno de um objetivo comum, a luta pela
defesa das suas terras.
O contexto em que se apresenta a “Revolta dos Posseiros de 1957”, que
envolveu, de um lado os posseiros e de outro as companhias colonizadoras que se
diziam proprietárias das terras da região, juntamente com o governo do Estado
paranaense na época Moisés Lupion. A Revolta dos Posseiros de 1957, embora tenha
acontecido no Brasil Contemporâneo, em princípio não teve ligação com as Ligas
Camponesas que se difundiam pelo nordeste brasileiro nesse mesmo período (1954 a
1964), em lutas organizadas pela reforma agrária.
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A região territorial que compreende o Sudoeste do Paraná no século XIX, era
reivindicada tanto pelo Brasil como pela Argentina, quando da delimitação da divisa entre
esses dois países. (Herança da antiga disputa entre a coroa espanhola e portuguesa.) A
questão foi solucionada em 1889, contando com a atuação do presidente dos Estados
Unidos que atuou como árbitro dando ganho de causa em favor do Brasil (LAZIER,1997.
P.21).
No ano de 1854, quando da criação da Província do Paraná, a região do
sudoeste do Paraná é reivindicada, pela Província de Santa Catarina. O Paraná queria
suas divisas até o Rio Uruguai e Santa Catarina, por sua vez queria suas divisas pelo
Rio Iguaçu. Sendo que no ano de 1916 assinaram um acordo de fronteira beneficiando
os dois Estados reclamantes (LAZIER,1997. P.23).
Em 1920, o Estado Federal assinou um contrato de construção da ferrovia São
Paulo - Rio Grande com a empresa norte-americana Brasil Railway Company e como
não dispunha de dinheiro para o pagamento da obra, a companhia recebeu como forma
de pagamento as terras das Glebas Missões e Chopim que representavam quase todo o
sudoeste do Estado (LAZIER,1997. P.23/26).
Esta região, devido ao relevo acidentado e à vegetação densa atraía os “fora da
lei”, pois não favorecia a procura destes homens pela justiça, conforme afirma
Wachowicz:
canalizava para essas áreas os indivíduos mais incômodos e turbulentos das regiões já mais estáveis e sedimentadas. O sistema de posse funcionava como válvula de segurança ou de escape para aliviar as tensões sociais nas regiões tradicionais já ocupadas. (WACHOWICZ, 1988. p.83).
De início estas terras não despertavam a cobiça dos fazendeiros das regiões
mais próximas. Nenhum fazendeiro se dedicava à agricultura como atividade principal,
apenas como subsistência. Essa região era tida como “terra de ninguém”, pois eram
áreas cobertas de mata e não interessavam à atividade econômica desenvolvida na
época.
No inicio do século 20, o sudoeste paranaense de Mariópolis até a fronteira Argentina, continuava a ser um imenso vazio demográfico. Sua população atingia apenas 3.000 habitantes. Os fazendeiros de Palmas únicos capitalistas da região, nunca se interessaram em investir na colonização de terras que não fosse os campos de criatório. As terras situadas a ocidente de Clevelândia não
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despertaram um maior interesse dos palmenses detentores de capital”. (WACHOWICZ, 1988, p.65).
O processo histórico de ocupação das terras na região do sudoeste do Paraná,
num primeiro momento é caracterizado pela chegada do caboclo, voltado para uma
economia de subsistência, e num segundo momento refere-se à chegada à região dos
migrantes gaúchos e catarinenses.
Os primeiros moradores que adentraram nesta região do sudoeste do Paraná nas
décadas de 20, 30 e 40, eram homens simples, desalojados do Rio Grande do Sul pela
Revolução Federalista, foragidos da justiça do Paraná e de Santa Catarina e posseiros
expulsos das terras da Brasil Railway, empresa envolvida na Guerra do Contestado.
Como se apontou anteriormente a Brasil Railway Company era a empresa que havia
recebido da União as terras do sudoeste como pagamento pela construção da ferrovia
São Paulo Rio Grande. Wachowicz relata que,
Todos os homens andavam armados. Muitos ficavam com calos na virilha de tanto portar armas na cintura (...) precisava estar armado para enfrentar os animais selvagens. O habito acabou generalizando-se na região. A arma de fogo passou a ser necessária para a sobrevivência e, por extensão para a defesa pessoal. (WACHOWICZ, 1985, p. 108 e 109).
Em entrevista realizada com Ervelino Coletti, ele afirma que esses caçadores e
pescadores chegavam à região usando o leito dos rios, vendiam peles de vários animais,
sendo que os compradores vinham adquiriam essas mercadorias e levavam até
Clevelândia onde comercializavam. (Entrevista realizada em 2007).
Vale lembrar que nesta região do Paraná utilizava-se do sistema da troca
(barganha), não visando lucro, mas apenas a sobrevivência deste povo rústico que vivia
numa economia de subsistência, isolado dos centros comerciais onde a palavra
empenhada era o que bastava para ser lei. Segundo Wachowicz,
(...)Os caboclos que haviam penetrado nas regiões de mata como posseiros preocupavam-se em colher alguma quantidade de mate nos ervais nativos, a qual lhes fornecia algum dinheiro para adquirirem os produtos indispensáveis como armas, sal e algum vestiário. O resto do ano, passavam a sugar o chimarrão e cantar o Quero Maná. O feijão e o milho por eles plantados eram estritamente para as suas necessidades pessoais. Derrubavam e queimavam o mato e depois com o sengo (extremidade superior da foice quebrada, servindo de pá) em
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punho, cesto de milho ou feijão a tiracolo, plantavam no solo e cobriam com os pés, processo agrícola dos mais rudimentares. (WACHOWICZ, 1985, p. 67).
A vinda desses homens para essa região veio favorecer as companhias
colonizadoras que se diziam proprietárias das terras, faziam o desbravamento das áreas
de matas densas, abrindo caminhos.
Jaime Guzzo, morador no Centro Norte de Dois Vizinhos, advogado, ocupou a
cadeira de prefeito por duas gestões, filho de migrantes vindos do Rio Grande do Sul, no
ano de 1953, então com idade de 17 anos,nos diz o seguinte:
As terras nessa época eram adquiridas de que forma? De posse mesmo pura e simples. Os primeiros que entraram vieram fugidos do Rio Grande, vieram fugidos da polícia, da justiça, entravam aí nas barrancas do Chopin e do Iguaçu, daí na seqüência houve uma grande leva vinda do Rio Grande pra tirar sítio na região, cada um pegava uma área, demarcava e então era dono daquele pedaço de terra e como era uma área muito grande precisava vender a terra, então vendia uma parte: cinco alqueires, dez alqueires, vinte alqueires a troco, dinheiro nunca, dinheiro não existia, mas a troco, a troco de carroça, espingarda, pelego, cavalo, cachorro, cachorro era um bem caro na época e com isso começou a haver uma grande povoação. O povo veio, veio muita mudança, estradas feito no grito. Esse povo se dizia dono das terras e por quê? Porque começaram a produzir. (Entrevista realizada em 2007)
Sem ter noção de que estas terras tinham “dono”, os primeiros moradores
começaram a demarcar seus sítios, usando uma expressão própria dessa gente, como
se diz até hoje ”tirando um sítio no facão”, isto é, demarcarem lotes de terras usando
essas ferramentas para traçar os limites da futura propriedade, e contando com a ajuda
de vizinhos. Portanto isso pode explicar o porquê dos pequenos lotes de terras. Esses
primeiros habitantes chamados de “caboclos” vendiam uma parte do direito da sua posse
da terra quando da chegada de um novo morador normalmente um migrante vindo do Rio
Grande do Sul ou de Santa Catarina. A terra era um bem que na época, quase não tinha
valor. Usavam o sistema de troca, por exemplo, um lote de terra por um cavalo, uma
carroça, ou por uma junta de bois. Assim, tinha um novo vizinho. O solo fértil e a imensa
floresta representavam a esperança de fartura com que sonhavam os pequenos
posseiros vindo do sul.
Trabalhavam em parcerias, nos chamados sistemas de “puchirão” ou mutirão.
Todos os moradores pegam juntos, na doma da terra expressões da época. Reuniam-se
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na derrubada da mata, queimada e coivara, no plantio e na colheita da safra, na
construção de uma casa para um novo morador da comunidade.
Segundo o Sr. Martins, ao final de uma empreitada fazia-se uma grande festa
com a presença de todas as famílias, assavam vários porcos, dançavam ao som da
gaita. João Maria Martins nos diz que: numa certa ocasião roçaram um capoeirão até
as quatro horas da tarde, aí meu pai mandou parar! Chega de ‘roçá’! Já tem uns 20
alqueires cortado. (Entrevista realizada em, 2007). Nesse sistema da trabalho fazia se
um revezamento seguindo um cronograma pré-estabelecido entre todos os trabalhadores
de forma que todos teriam suas matas derrubadas e as „roças‟ feitas no período de
tempo certo de se plantar. João Maria Martins prossegue:
Então se reuniam e preparavam uma surpresa, meu pai nem ficava sabendo o que, que poderia acontecer! Anoiteciam lá e amanheciam aqui, davam tiros da espingarda, revólver. Já traziam porco „carneado‟, um cargueiro de pinga. “De noite um bailão no sistema antigo dançavam no chão batido. (Entrevista realizada em,2007).
Era “normal” a pessoa portar armas como: facão ou uma “garrucha” na cintura
nas festas e também no dia-a-dia. O Sr. Claudino Pinzon que chegou em Dois Vizinhos
em 1953, vindo do Rio Grande do Sul comenta que: eu usei bastante o revólver mas,
usava por usar, não sabia nem atirar, era moda, se fosse pra atirar eu era muito ruim,
mas como os outros usavam, eu usava. (entrevista realizada em, 2007)
Um desses moradores, o Sr. Orestes Pissaia chegou à região do município de
Francisco Beltrão em 1951, para trabalhar na lavoura, se dirigindo para o interior do
município. Seu Orestes tinha em Francisco Beltrão, gente conhecida lá de Santa
Catarina, que o aconselhou a procurar um sítio bom para morar no interior. Adquirindo
um terreno calculado em vinte e cinco alqueires. Trouxe consigo a mulher e mais um
companheiro, chegando à terra adquirida passou a trabalhar na lavoura, mas gostava de
lidar com o comércio. Passando a procurar um lugar viável para abrir uma casa comercial
chegando então, no local chamado de Pinhalzinho, entre o município de Francisco
Beltrão e o futuro município de Dois Vizinhos. Nesta localidade já existia um comércio,
então seguiu a sua procura chegando ao Empossado, local perto de Dois Vizinhos.
Achou essa região apropriada para abrir sua bodega. Um morador recém estabelecido
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neste local ofereceu de graça um terreno ao Sr. Orestes para estabelecimento de um
ponto comercial, mas foi aconselhado por esse morador que não comprasse muita terra.
Foi a primeira vez que tomou conhecimento das companhias. (Entrevista realizada em
2007)
esse morador, começou a falar dessas companhias para que eu não comprasse bastante terra, que essas terras eram perigosas, porque havia uma bagunça de terra aqui no Paraná. Ele sabia muito bem porque veio do Rio de Janeiro e que o nome que usava não era o verdadeiro. Aí eu comecei a pensar quem será esse homem? (Entrevista realizada em, 2007).
O Sr. Orestes chegou a limpar o terreno para a futura propriedade mas desistiu
porque ficou com medo, voltando para o local do Pinhalzinho comprando então a casa
comercial que havia lá.
Estas terras pertenciam a Brasil Railway Company.4 O presidente da República,
Getúlio Vargas, vitorioso na Revolução de 30 para salvaguardar os interesses da nação,
incorporou todos os bens dessa empresa ao patrimônio da União, inclusive as Glebas
Missões e Chopin. Assim estas terras voltam a ser terras devolutas. Com o objetivo de
colonizar e ocupar as áreas das fronteiras, é criado nessa região um assentamento de
terras – a Colonização Agrícola Nacional General Osório – CANGO e também a criação
do Território Federal do Iguaçu (1953 a 1964). Ambos desencadearam um processo
migratório muito grande, porém pautado na forma de posse da terra.
Getúlio Vargas estabeleceu uma política de colonização e alargamento das
fronteiras agrícolas do país. Com o objetivo de deslocação espacial da força-de-trabalho
para novas regiões férteis, incrementando dessa forma a agricultura.
Com essa iniciativa, Vargas providenciava a ocupação das regiões de fronteira
com a Argentina e o Paraguai, atendia a reivindicação por terras de reservistas ex-
agricultores e acomodava as levas de pequenos agricultores gaúchos que chegavam ao
Paraná.
A criação da CANGO foi exceção no contexto de uma política de colonização
que sempre reforçou a propriedade da terra a quem tivesse poder de compra ou de
barganha. Ao chegar, o agricultor recebia, em média, de dez a vinte alqueires, casa,
4 Esta mesma empresa esteve envolvida em um importante movimento social, ocorrido no período
1912/1916, chamado a Guerra do contestado envolvendo, inicialmente, os Estados do Paraná e Santa Catarina e, posteriormente, os camponeses da região.
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ferramentas, sementes, assistência dentária e médico-hospitalar. Em poucos anos, a
produção agrícola crescia. As glebas de Missões e Chopin, recebiam muita gente.
Com a queda do Governo Vargas, Companhias particulares começam, a atuar
na região “comprando” ou “grilando” do governo grandes áreas para a exploração da
madeira, baseadas na Lei nº. 601, criada ainda em 1850, que estabelecia a compra de
terras devolutas,
uma lei restringindo o direito de posse da terra. Isso para que ex-escravos, os brasileiros pobres, os posseiros e os imigrantes não pudessem se tornar proprietários, (...) Por essa lei só poderia ter terras quem as comprasse ou legalizasse as áreas em uso nos cartórios mediante o pagamento de uma taxa para a coroa. Com isso a terra foi transformada em uma mercadoria à qual somente os ricos poderiam ter acesso.” (MORISSAWA,2001, p.70)
A companhia que “comprou” as terras (Glebas Missões e parte da Chopin) no
Sudoeste do Paraná foi a CITLA - Crevelândia Industrial Territorial Ltda, que era
portadora uma carta de crédito junto ao governo federal. Mario Fontana proprietário
desta companhia quando chegou ao governo federal para cobrar por essa carta de
crédito de valor baixo, propôs uma permuta pela Gleba Missões. Foi uma proposta
indecorosa e se apossou destas terras, sendo que nessa época já residiam
aproximadamente 32 mil famílias de posseiros na região.
Embora essa compra tenha sido realizada com inúmeras irregularidades, isto só
foi possível devido à interferência do governo do Estado do Paraná na época Moysés
Lupion, que chegou a criar um cartório em Santo Antônio do Sudoeste para registrar a
compra, pois os outros cartórios da região se negavam a fazê-lo. A partir de 1950,
começam a forçar os posseiros a comprar as “suas terras” através da atuação de
jagunços (matador de aluguel) que implantam o “terror”, que passa a ser revidado pelos
posseiros. Os posseiros não eram contra o pagamento das terras, pois eles só tinham o
direito de posse e ninguém se negava ao pagamento, mas o que as companhias
cobravam era imoral.
O migrante Ângelo Chiquella , veio de Santa Catarina com a família em 1953,
com destino a Dois Vizinhos. No distrito do Verê foi interceptado pelos jagunços da
CITLA. Cabe aqui lembrar que ele era da UDN – União Democrática Nacional tinha
uma madeira na estrada lá no Verê, lá já tinha escritório da companhia, aí eles fizeram
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uma entrevista, conversamos e eles não entraram com muita calma, depois eles
liberaram. (Entrevista realizada em, 2007)
Na eleição de 1950, Moysés Lupion é derrotado. O governo eleito, Bento Munhoz
da Rocha Neto, proíbe as coletorias estaduais da região o fornecimento da Sisa – um
imposto cobrado quando da escrituração de um imóvel, para que a CITLA não pudesse
fornecer a escritura para os posseiros que compravam suas terras.
Em 1955, Lupion voltou ao poder e todas as prefeituras do sudoeste foram
ocupadas por prefeitos do mesmo partido, o PSD – Partido Social Democrático. Era o
momento para vender e receber pelas terras. Lupion revogou a proibição do recolhimento
dos impostos. Novas negociatas aconteceram e a CITLA cede partes das terras a duas
novas companhias: a Companhia Comercial e Agrícola Paraná, e a Companhia
Colonizadora Apucarana.
É o inicio do impasse para o posseiro, pois ele não se nega a pagar pela terra. A
insegurança era quanto à legalidade do título de propriedade fornecido pela CITLA.
Orestes Pissaia conta que:
Um tal de Amado começou a pressionar para fazer contrato com a companhia, mas eu argumentei que o dia em que a companhia, pudesse dar a escritura eu estaria de acordo de comprar e pagar e que não ia fazer contrato porque houve caso aí que ela não pode dar a escritura, não pode dar titulo de propriedade. E fui coagido por esse tal de Amado. Você faça, porque você garante a sua vida e você vai ter muita coisa de boa da companhia, vai ter trator aqui para o que você precisar! eles fazem se você fizer o contrato. E ele falou que ia esperar. (Entrevista realizada em 2007).
Com a cumplicidade do então Governador Moisés Lupion, a CITLA começou a
pressionar os posseiros a comprarem as terras que ocupavam e cuja propriedade a
empresa reivindicava para si, armaram um exército de jagunços – ex-presidiários, e
assassinos profissionais para ameaçar os posseiros. Orestes Pissaia, guarda até hoje o
documento do contrato feito sob pressão com a companhia Comercial na data de 22 de
julho de 1957. Nessa época, os jagunços chegaram à sua casa comercial que ficava na
localidade de Pinhalzinho no município de Francisco Beltrão, foi preso e levado para o
escritório da companhia na cidade de Francisco Beltrão. É com a voz carregada, que
relembra os acontecimentos desse dia,
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Quando cheguei lá, entrei no escritório me mandaram sentar numa cadeira e eu era coitado tive que sentar . Chegou o tal de Zeferino Quarenta e Quatro que era meu conhecido, (...) e ali ele puxava um punhado de bala. Ah seu Orestes você é o bonzinho lá! Bala quarenta e quatro né! Você é o bonzinho lá e aqui você ta como um cordeirinho né! Dá uma cheiradinha nisso aqui! Veio fazer contrato? É bom que tu faça! Porque você é um homem lá que se dá com todo mundo e daí você vai aconselhar que eles venham aqui fazer contrato porque quem faz contrato tem terra e quem não tem contrato , não faz contrato vai embora donde que ele veio ou senão vai pro cemitério. (Entrevista realizada em 2007).
A violência explícita permeava as relações entre o posseiro e as companhias. O
processo de espoliação do posseiro por parte das colonizadoras só era possível porque
contava com a conivência das autoridades constituídas, levando a uma situação em
que a lei do direito deixou de existir.
Algumas famílias eram simplesmente expulsas de suas casas, ranchos e galpões
eram queimados, animais eram mortos, plantações eram destruídas. Crianças e
mulheres não escapavam dos espancamentos. Quando o posseiro acuado, assinava o
compromisso de compra da terra, recebia como recibo um pedaço de papel de embrulho
sem qualquer timbre ou carimbo, assinado apenas pelos próprios jagunços, não com seu
nome legitimo, mas com o apelido: Maringá, Chapéu de Couro, Quarenta e quatro.
Diversina da Silva Topanotti, cabocla, na época do levante contava com 25 anos
de idade, casada moradora na localidade de Ouro Verde, região onde o Rio Jaracatiá
deságua no Rio Iguaçu, de esconderijo de jagunços, na época essa região pertencia ao
município de Francisco Beltrão. Enfrentou os jagunços, a exemplo de muitas mulheres
caboclas que lutaram na defesa da terra e da família.
Nós não sabíamos que as terras tinham dono. Sabe o sistema de posse. Tu vai ali marca a divisa numa árvore e depois noutra e assim vai e aqui é teu. Foi assim que nós fizemos. Fizemos a primeira plantação e depois não podemos fazer mais nada. Os homens se esconderam todos. Não se via mais homens em casa só mulheres e filho. A gente tinha medo e as vezes nós estávamos jantando á noite e eles vinham com aqueles facão e passavam raspando nas paredes da casa (...) e daí a gente não era valente, tínhamos medo mesmo. Eu dei algum tiro, mas foi de medo, não foi nada de dizer porque a gente era valente, foi medo mesmo, pra ver se eles corriam, uma 36, espingarda até encher os cartuchos, dava um tiro e depois tinha que encher o cartucho.os jagunços vinham mesmo queriam tirar nós da terra. (Entrevista realizada em 2007).
A jagunçada chegava a vender uma, duas vezes a mesma terra, tudo isso rendia
comissões pagas pelas companhias, que, geralmente quando essas comissões se
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tornavam altas e o jagunço ao cobrar se tornava inconveniente, a companhia
simplesmente ao invés de pagar tratava de encomendar a morte deste, para outro
jagunço. Era comum aparecer o corpo de algum homem desconhecido e sem
identificação alguma, boiando no leito dos rios da região. Só circulava pelas poucas
estradas existentes o posseiro que houvesse assinado o compromisso de compra.
O questionamento do título era apresentado ao posseiro pelos adversários
políticos, do governo Lupion. Antonio Anibelli, deputado estadual pelo PTB, percorria a
região explicando a ilegalidade da venda das terras e aconselhando ao posseiro para não
assinar contrato com a companhia. Lideranças locais e representantes dos partidos PTB
e UDN de forma discreta, pois temiam represálias, conscientizavam o posseiro das
falcatruas da companhia. E as companhias alardeavam possuir todos os direitos sobre as
terras.
Por sua vez a autoridade constituída legalmente usava de todos os meios para
provar que era a CITLA que detinha a documentação legal da terra. Havia também a
questão do suborno, da “compra” de pessoas ou instituições por parte da companhia.
Basta uma análise do recorte transcrito abaixo de um Memorial enviado ao Presidente da
República na época Jucelino Kubitschek pelos prefeitos dos municípios de Clevelândia,
Pato Branco, Francisco Beltrão, Barracão, Santo Antonio do Sudoeste e Capanema e do
deputado Candido Machado de Oliveira Neto, publicado pelo jornal “Tribuna da
Imprensa”, do Rio de Janeiro de outubro de 1957 para constatar esse fato:
(...) atendendo aos apêlos angustiosos dos nossos munícipes vimos, em comissão , mui respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, Senhor Presidente, pedir a sua intervenção direta, no sentido de ser dada solução às questões injustificáveis relativas à propriedade de terras situadas no nossos municípios (...) questões estas que vem causando tanta perturbação e intranqüilidade no seio de nossa gente trabalhadora e ordeira com sacrifício até de vidas preciosas, além dos sérios entraves para o desenvolvimento econômico da região, , bem como para a pública administração; (...) consentir, porém, que esses litígios prossigam indefinidamente é criar ambiente adequado à desordem, à intranqüilidade e ao empobrecimento da região; resultando disso a desmoralização das autoridades estaduais e municipais legalmente constituídas,cujos reflexos maléficos se farão sentir diretamente, também, no enfraquecimento do prestigio dos Altos Poderes constitucionais da República, posto que, os nossos adversários políticos, que ali representam a minoria, aliaram-se com os elementos desajustados existentes e profissionais da desordem e do crime de outros Estados, para lá insuflarem os agricultores, com promessas falazes, a sucessivas revoltas, à mão armada. (TRIBUNA DA IMPRENSA . 1957, p.5)
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E este documento tece mais elogios à companhia enaltecendo o
desenvolvimento da região e pressiona o então presidente da República.
(...) as companhias colonizadoras particulares tem seus títulos de domínio e posse das terras devidamente registrados e reconhecidos pelo Poder Judiciário, inclusive por Vossa excelência, no decreto n.* 40.051 (...) a presença e atividades das companhias colonizadoras particulares na região constituem, sem dúvida, grande fator de progresso, sem choques com os poderes públicos locais, de vez que, elas são forçadas, no seu próprio interesse, a inverterem grandes somas na execução de vários serviços públicos sem ônus para o município e o Estado, como sejam construção de rodovias e de usinas hidrelétricas, escolas (...) (TRIBUNA DA IMPRENSA. 1957, p.5).
Os posseiros, quando coagidos pelos jagunços para pagar por suas terras,
procuraram a polícia para registrar suas queixas. No entanto, falava-se que o governo
Lupion era um dos sócios da CITLA. A polícia, ao invés de dar proteção aos reclamantes
e punir os jagunços pelos atos de violência praticados, (espancamentos, saques, mortes
que se tornam corriqueiros) dava cobertura aos jagunços e punia os posseiros
reclamantes. O poder judiciário, por sua vez, cruzava os braços não tomando nenhuma
atitude.
Domingos da Silveira, nessa época, morador as margens do Rio Santana na
localidade de Barra Grande, possuidor de dois caícos atravessava as famílias que
fugiam dos bandidos, “ então a gente carrega isso há 50 anos na memória e sente até
hoje o sentimento de ver o sofrimento daquelas famílias”.( Entrevista realizada em 2007).
Aparece aqui, mais uma vez, o sentimento internalizado de medo e revolta dos
posseiros.
Após várias tentativas de resolução do problema da posse da terra, os posseiros
resolvem pôr um fim nessa a essa situação fazendo justiça por conta própria. Começam
a organizar-se, num primeiro momento (1950/55), apenas com ações reivindicatórias,
que nem por isso deixam de ser importantes. Com o desenrolar dos acontecimentos
desenvolveu-se uma conscientização capaz de redirecionar novas formas de resistência.
Quando perceberam que pelas vias legais era inútil, transformaram-na em luta armada
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No início, aconteceram lutas localizadas, pequenos grupos que agiam nas
“tocaias”. Celma Evangelista Ferreira, moça na época, e cujo pai era dono de uma
serraria na Vila Conrado município de Pato Branco nos relata que:
Começaram a incomodar, fazer banditismo, prometiam que iam botar fogo na serraria , invadiram nossa casa em busca de armas, eles pensaram que tinha muita arma na casa de meu pai, subiram no sobrado, reviraram tudo, colchão, tudo que era coisa , jogavam tudo, eu me lembro, sei que passamos muito medo e aí cada dia era mais terror! Até que resolveram mesmo, de pegar os bandidos, cortaram os barrotes das pontes para quando vir os jipes deles de Pato Branco lá caírem e era mais fácil pra eles matá. Começaram a fazer emboscadas e lá na ponte caiu uma turma e eles mataram tudo. (Entrevista realizada em 2007).
Oliveta Harlack, moradora na localidade de Boa vista do Chopim, contava na
ocasião com 18 anos de idade, casada e mãe de uma filha de quatro meses relata que:
Meu marido foi lá no Verê com os vizinhos todos armados e aí os jagunços estavam armados com metralhadoras. Eles fugiram de volta, e meu marido chegou em casa e arrumamos tudo porque tava perigoso eles tão vindo de casa em casa pra matá todo mundo aí pegamos o nenê e fomos ‘se esconde’ no mato ficamos uns três dias lá. (Entrevista realizada em 2007.
Este fato se refere ao plano de ataque ao escritório da Comercial montado pelos
posseiros na localidade do distrito do Verê onde estes foram surpreendidos pelos
jagunços que foram avisados por algum traidor. Nesse episódio morreram dois
posseiros. O líder da tocaia o ex-expedicionário da FAB Leopoldo Preilipper, popular
Tigrinho e o colono Guilherme Oening.
À medida que a violência ia aumentando, de ambos os lados, tomar uma posição
passou a ser uma questão moral. Neste sentido o Sr. João Cordeiro dos Santos, um dos
líderes do movimento tem a visão clara disso quando diz:
A morte de um amigo aqui outro ali, e nós fomos batalhando, eu vinha aqui e falava com a minha gente sempre andando de noite, não queria topar com os bandidos que estavam por toda parte. Eu tinha que pisar muito firme, arriscando a vida toda vida. Aí, fomos brigando, brigando tenhamos do nosso lado o deputado Antonio Anibelli que fazia as denuncias do que as companhias faziam, era um deputado de muita coragem e contra nós tinha o deputado Candinho. O tempo fui passando, passando uma peleia feia, foi a morte da família do João Saldanha com bastante atrocidades, o próprio que ajudou a matar me contou. Aí as companhias começaram a matar gente mesmo. e foi que partimos pros levantes. (Entrevista realizada em 2007).
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Mais tarde, os posseiros transformaram-se num movimento coletivo, unindo todos
os posseiros, (agricultores, “bodegueiros”, donos de armazéns, comerciantes e o povo
em geral) que tomaram as cidades e invadiam e fechavam os escritórios das
companhias. Não que quisessem destruir, o que queriam eram as malditas promissórias
e os contratos ilegais que haviam sido obrigados a assinar.
Precisamente nos anos de 1956 e 1957, esta região torna-se palco de muita
violência. Depoimentos de pessoas da região mostram detalhes de crimes cometidos
pelos jagunços das companhias, talvez o mais cruel da extensa violência que se
espalhou tenha sido o ataque dos jagunços à propriedade de João Saldanha. O posseiro
evitou o confronto e fugindo para o mato acompanhado do filho mais velho, um menino
de aproximadamente doze anos. Os homens da comercial:
(...) pegaram a mulher, serviciaram-na;... cortaram-lhe o seio e jogaram para o cachorro. Este chegou, cheirou o seio e saiu uivando. Deixaram a mulher esvaindo-se em sangue e entraram dentro da casa. Tiraram toda a mercadoria que servia: rádio, revólver... atearam fogo na casa. Enquanto a casa estava queimando, as crianças gritavam em volta da mãe. ... um dos jagunços deu um tiro na cabeça do menino, a criança menor foi jogada para o ar por um dos jagunços e outro espetou-a com uma adaga... foram ver a mulher... não estava morta... Um pegou pelo cabelo e outro cortou o pescoço, ... Jogaram a cabeça para o cachorro... O cachorro saiu uivando pelo mato
e não voltou mais. (GOMES. 1987,63 e 64).
O Crime ocorreu no município de Francisco Beltrão. Outras vítimas dos jagunços
das companhias ocorreram no distrito de Dois Vizinhos, foi espancada pelos jagunços
das companhias colonizadoras, que levaram suas duas filha, meninas de 13 e 17 anos,...
Um filho menor, que pretendeu se opor ao rapto de suas irmãs desapareceu; (Entrevista
realizada em 2007) dois outros colonos também residentes no distrito de Dois Vizinhos
foram espancados com violência pelos jagunços e obrigados a abrir suas sepulturas a
‘unha’. Como não pudessem cavar os buracos só com as mãos e sem ferramenta
alguma, os bandidos os puniram, dando-lhes uma sova de laço. (Entrevista realizada em
2007)
Outros atos de terrorismo na localidade de Canoas, município de Francisco
Beltrão :
(...) o Rodrigues quis enfrentar os jagunços e eles botaram fogo na casa, ele tinha milho e tinha escondido as armas dentro do milho, atearam fogo na casa e as balas estouravam. Outro posseiro o Lorandi, se encontrava almoçando e eles
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mataram e jogaram o corpo numa fogueira no mato pra não deixar vestígios (Entrevista realizada em 2007).
Raul de França Veloso, na época do levante era soldado da polícia militar em
Curitiba, tinha então 23 anos, sendo designado para vir para a região do Verê, quando
do assassinato do vereador conhecido como Pedrinho Barbeiro, um dos mais importante
líderes dos posseiros, e nos fala o seguinte: na Revolta dos Posseiros eu não me envolvi
contra os posseiros e nem a favor, e não podia se envolver politicamente contra os
agricultores, e também nós recebíamos ordens e tínhamos que manter a ordem.(
Entrevista realizada em 2007).
Esse mesmo policial, quando do final da revolta sob o comando do Coronel
José Reinaldo Machado, acompanhou o Sr. Jácomo Trento, o `Porto Alegre‟, o mais
importante líder dos posseiros nas incursões nas localidades do Verê e Dois Vizinhos, a
fim de prender os jagunços que estavam ali escondidos. Eu fui sob o comando do
coronel até as Águas do Verê, bater lá no acampamento dos jagunços, fizemos prisões
ali, não recordo os nomes dos camaradas, dos jagunços. (Entrevista realizada em 2007).
Essas prisões citadas se deram na localidade do Baixo Verê, na propriedade do Sr. Luiz
Paggi, posseiro simpático à colonizadora Comercial sendo que os jagunços presos eram
funcionários dessa mesma colonizadora.
Esses fatos ficaram conhecido como a “Revolta dos Posseiros do Sudoeste” ou
“Revolta de 1957”. Embora não houvesse uma organização, o povo uniu-se em torno de
um objetivo comum: a vontade de todos de defender o seu pedaço de chão, o seu
rancho, a sua família. Graças a essa união, as companhias Clevelândia Industrial e
Territorial Ltda (CITLA) a Companhia Comercial Agrícola e a Companhia Apucarana -
com seus jagunços são expulsas e os posseiros exigem do governo o
comprometimento da titulação das terras.
Não se pode esquecer que todos eram posseiros, no entanto muitos não
tomaram nenhuma atitude, a não ser se esconder no mato durante vários dias.
escondiam também os animais principalmente o gado, no período da noite davam uma
olhada na moradia e retornavam para o esconderijo. Mantiveram-se alienados dos
episódios, ficaram esperando pra ver no que ia dar. Seu Raimundo Brustolin foi um
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posseiro que não participou do movimento e lembra que quando não tinham nenhum
‘motivo’ para lutar ficavam olhando, não participavam (Entrevista realizada em 2007).
Valdomiro Galvan, posseiro proveniente de Sananduva no Rio Grande do Sul,
para a região em 1954, na época do levante contava com 23 anos de idade fala de sua
posição frente à situação:
e tinha uns caras aqui, que era que cuidava, que era da companhia finalmente, entrosado lá com eles, nóis tava lá com eles. E o dia que for preciso legalizar nóis ia falar com eles, eles eram os corretores da companhia, então nóis se encostemos com eles ali mas, nóis não tivemos nada com eles de mal nada, nada (...) nóis nunca tivemos medo de perder a terra, não porque nóis estava junto com esses corretores da CITLA. (Entrevista realizada em 2007).
Havia também posseiros, que em troca de alguns benefícios prometidos pelas
companhias (tratores para abrir estradas, fazer terraplanagem, grandes extensões de
terras) se posicionaram a favor das mesmas e pressionavam seus vizinhos para que
pagassem pelas terras para evitar o confronto. Esses nos dias do levante também
sentiram a necessidade de se esconder no mato para evitar de ser „linchados‟ pelos
posseiros revoltosos, que os viam como capangas, das referidas companhias.
A situação apavorava as mulheres, que se mantinham trancadas dentro de suas
casas, sem saber o que poderia acontecer com os seus „maridos e pais‟, no dia do
levante em Dois Vizinhos. Elza Zancanaro Chiquela que se encontrava trabalhando em
um armazém, relata o acontecido:
sem saber o que poderia acontecer naquele dia porque as ruas estavam cheias de posseiros, e estavam com foice, facão, espingarda, estavam armados. Com muito medo eu fui lá, (...) vai dar guerra lá no centro tem as ruas cheias de posseiros e vão fazer guerra com os jagunços, e eu passei muito medo porque eu era bem jovem (Entrevista realizada em 2007).
As rádios de Pato Branco e Francisco Beltrão desempenharam a função de
informar e acalmar os moradores após o levante. Os locutores pediam à população que
não abandonasse suas moradias e que tudo estava voltando à normalidade, que as
companhias ao ser expulsas tinham acertado com o governo Lupion e se retirado da
região.
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Os envolvidos no acontecimento de 1957 receberam ampla e irrestrita anistia, no
tocante aos problemas de terras desta região.
As forças políticas que eram oposições em 1957, tornam-se governo na eleição
em 1960, com uma campanha eleitoral, voltada para a solução do problema da terra. No
entanto, transcorrido um ano da posse dos cargos eletivos, praticamente haviam
transcorrido cinco anos da época da Revolta dos Posseiros, e nada de concreto havia
acontecido para os posseiros.
Em 1961 o Presidente Jânio Quadros, para solucionar o problema, assinou a
Declaração da Gleba Missões e parte da Gleba Chopin como de utilidade pública. Tanto
o governo federal como o governo estadual desistem em comum acordo de seus direitos
jurídicos sobre essas glebas e encaram a questão como um grave problema social. No,
entanto, as coisas não foram resolvidas, pois, Jânio Quadros renunciou antes da
concretização da desapropriação.
No governo de João Goulart, o problema é resolvido, e para tanto, é criando em
1962, um órgão governamental (GETSOP- Grupo Executivo para as Terras do Sudoeste
do Paraná) para a demarcação e titulação das terras dando aos posseiros a condição de
proprietários.
Nesse espaço de tempo, que se estendeu entre 1957 e 1962, começou a
montagem de serrarias na região. os pinheirais foram sendo destruídos pois ninguém
sentia-se proprietário ou posseiro. espalhou-se um boato de que os posseiros eram
donos das terras mas, os pinheiros pertenciam às companhias e devido a essa
insegurança geral acabaram destruindo a grande riqueza da região. Raimundo Carli
posseiro de uma extensa área de terras, foi um que se desfez dos pinheirais e justifica:
foi o seguinte, daí depois tinha aquele comentário, (...) então diziam não a terra é dos
colonos, mas os pinheiros não é deles é da companhia. Eu fui um que vendi 200
pinheiros por mixaria, com medo de perde, antes que se perca vou vender (Entrevista
realizada em 2007).
Seu Claudino Pinzon cita que:
tinha mais de 40 serrarias aqui, depois que liberou as terras da companhia, a companhia foi embora, o pessoal entrou, e foi poucas passadas, tiravam só o que era bom, quando começava a aparecer nó na torra, assim era deixado no
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mato e se serrassem quase não compravam porque era nó. E então os pinheiros aqui foram devorados” (Entrevista realizada em 2007).
Aproveitava-se pouca coisa do pinheiro, apenas a primeira ou segunda torra,
aquela parte que não continha nó o resto era queimado para se ter a terra limpa para
fazer as plantações.
Nas décadas de 1960 e 1970, esta região do Sudoeste do Paraná foi, aos
poucos, se integrando ao sistema capitalista. Apesar de ser desordenada, devido à
grande diversidade da população, várias etnias, costumes, ideologias, níveis
sociais/culturais/econômicos, se organizam em torno de comunidades dando ao lugar o
nome de um santo, um animal, de um fator geográfico, de uma etnia de maioria na
região: Alto Bela Vista, São Pedro dos Poloneses, Salto do Lontra são alguns exemplos.
A grande religiosidade da população local se faz sentir na fase de organização das
comunidades. Os valores estão ligados fundamentalmente à presença da igreja católica
na região.
O Sudoeste do Paraná cresceu, surgiram vilas e cidades que se transformaram
em municípios. A “Revolta dos Posseiros do Sudoeste” é um exemplo muito rico de
movimento que cresce a partir de uma população explorada, violentada e que, ao se unir
conseguiu abalar a autoridade dos poderosos. Porém, a história é cheia de percalços e
esquecê-las seria ingenuidade ou ser omisso aos problemas sociais.
Terminado o Levante, líderes urbanos do movimento se beneficiaram deste para
se projetarem no cenário político regional. Os agricultores gratos a eles começam a
elegê-los para cargos como de prefeitos, deputados estaduais ou federais. Observa-se
que nenhum posseiro rural se apropriou do movimento para beneficio próprio.
Percebe-se que este movimento, no entanto, não contribuiu para uma efetiva
politização da população durante o período que antecede o Golpe de 1964, pois a partir
de 1962, começam a surgir nesta região, os primeiros sindicatos de Trabalhadores
Rurais. É interessante notar que esses sindicatos surgem não como instrumento de
classe, mas, sim com fins assistencialistas. Isso nos possibilita refletir sobre as ações
humanas e entender a realidade historicamente contraditória do processo de ação e luta
no meio social.
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Então como explicar que o povo desta região, que lutou bravamente pela posse
da terra, opta por esse tipo de sindicalismo, num momento da nossa história em que as
Ligas Camponesas no nordeste do país e o sindicalismo urbano eram movimentos
reivindicatórios que justificaram o golpe militar de 1964.
Até os anos 1980, esta região é caracterizada pela agricultura de base familiar,
pequenas propriedades empregando mão-de-obra familiar plantando para a subsistência
da família.
Após os anos 1980, as terras passam a ser trabalhadas, utilizando-se da chamada
tecnologia moderna. A mão-de-obra familiar é substituída pela máquina, surgem os
primeiros tratores, os empréstimos bancários para financiar as máquinas e os insumos
agrícolas. O endividamento de muitos colonos junto aos bancos faz com que, os mais
fortes incorporem as pequenas propriedades formando-se o latifúndio e o início da
monocultura como exemplo, a soja.
Entregando a terra para um vizinho ou para o banco para quitar as dívidas, esses
agricultores migram para a cidade, onde vão constituir mão-de-obra barata e sem
nenhuma qualificação. O que vemos aqui é que os vitoriosos de 1957, em função do
resultado de uma política econômica que não está sob seu controle, continuam sendo
”usados”, só que de outras formas.
Os excluídos da agricultura mecanizada e financiada, os expulsos da terra pela
construção das usinas hidrelétricas na região, retomam a luta pela terra através do
Movimento dos Sem -Terra (MST).
É importante notar que os posseiros, terminado o levante e de posse do título de
proprietários definitivos das terras, trataram de ocultar das gerações futuras o
envolvimento deles na luta pela terra. Observou-se nas entrevistas feitas, que sentiam
vergonha de falar do acontecimento do qual foram protagonistas. Por certo período
(ditadura militar) eles foram os chamados de jagunços e tinham medo de ser
perseguidos. Observou-se também o medo de falar “demais” nas entrevistas.
Transcorridos 50 anos, da Revolta dos Posseiros (2007), a história oficial inverte
os papéis e se apropria deste acontecimento, forjando junto a uma população que estava
alienada, os 50 anos com muita pompa e reverências. Construiram-se vários
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monumentos na região, homenageando os envolvidos e de certa maneira, a memória é
trazida com o sentimento de pertencimento.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Fontes Orais:
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