a transformação de posseiros em agricultores familiares ... do...prof.ª dr.ª regina beatriz...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE GEOGRAFIA, HISTÓRIA E DOCUMENTAÇÃO DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA DISSERTAÇÃO DE MESTRADO A transformação de posseiros em agricultores familiares: história e memória da reocupação de Vila Rica-MT (1980- 2010) MARIA DO ROSÁRIO SOARES LIMA Cuiabá 2016

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Page 1: A transformação de posseiros em agricultores familiares ... do...Prof.ª Dr.ª Regina Beatriz Guimarães Neto. Área de concentração: Linha de pesquisa: Territórios, Temporalidade

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE GEOGRAFIA HISTOacuteRIA E DOCUMENTACcedilAtildeO

DEPARTAMENTO DE HISTOacuteRIA PROGRAMA DE POacuteS-GRADUACcedilAtildeO EM HISTOacuteRIA

DISSERTACcedilAtildeO DE MESTRADO

A transformaccedilatildeo de posseiros em agricultores familiares histoacuteria e memoacuteria da reocupaccedilatildeo de

Vila Rica-MT (1980- 2010)

MARIA DO ROSAacuteRIO SOARES LIMA

Cuiabaacute 2016

MARIA DO ROSAacuteRIO SOARES LIMA

A transformaccedilatildeo de posseiros em agricultores familiares histoacuteria e memoacuteria da reocupaccedilatildeo de

Vila Rica-MT (1980- 2010)

Dissertaccedilatildeo de Mestrado apresentada ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria da Universidade Federal de Mato Grosso ndash UFMT para a obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Mestre em Histoacuteria Sob a orientaccedilatildeo do Prof Dr Joatildeo Carlos Barrozo e Co-orientaccedilatildeo da Profordf Drordf Regina Beatriz Guimaratildees Neto

Aacuterea de concentraccedilatildeo Linha de pesquisa Territoacuterios Temporalidade e Poder

Cuiabaacute 2016

S676t Soares Lima Maria do Rosaacuterio

A TRANSFORMACcedilAtildeO DE POSSEIROS EM AGRICULTORES FAMILIARES HISTOacuteRIA E MEMOacuteRIA DA REOCUPACcedilAtildeO DE VILA RICA-MT (1980- 2010) Maria do Rosaacuterio Soares Lima -- 2016 179 f

il color 30 cm

Orientador Joatildeo Carlos Barrozo Co-orientador Regina Beatriz Guimaratildees Neto Dissertaccedilatildeo (mestrado) - Universidade Federal de Mato Grosso Instituto de Ciecircncias

Humanas e Sociais Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria Cuiabaacute 2016 Inclui bibliografia

1 Histoacuteria 2 Agricultura Familiar 3 Mato Grosso 4 Vila Rica 5 Araguaia I Tiacutetulo

AGRADECIMENTOS

Na realizaccedilatildeo desse trabalho foram muitos os caminhos percorridos muitas

idas e vindas e muitas pessoas encontradas as quais me legaram oacutetimas contribuiccedilotildees

aprendizados e liccedilotildees que foram fundamentais na construccedilatildeo da minha trajetoacuteria

acadecircmica Por isso sou imensamente grata pela a colaboraccedilatildeo direta e indireta dessas

pessoas assim como o apoio das instituiccedilotildees sem as quais certamente eu natildeo teria

conseguido concluiacute-la Manifesto a minha gratidatildeo a todas elas e de forma especial

- Agrave Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) atraveacutes do Programa de

Poacutes Graduaccedilatildeo em Histoacuteria

- Ao meu orientador Professor Joatildeo Carlos Barrozo pela paciecircncia

conhecimento compreensatildeo e amizade na conduccedilatildeo dos trabalhos e na superaccedilatildeo dos

desafios

- Ao professor Joatildeo Ivo Puhl e agrave professora Regina Beatriz (minha co-

orientadora) que participaram das bancas de qualificaccedilatildeo e defesa de dissertaccedilatildeo pelas

importantes contribuiccedilotildees e sugestotildees para melhoria do trabalho

- Aos professores Leandro Rust Renilson Rosa Ribeiro Joanoni Vitale Neto

Joseacute Manuel Marta Osvaldo Machado Filho e a Thaiacutes Leatildeo Oliveira os quais me

possibilitaram boas aprendizagens atraveacutes das disciplinas que ministraram no periacuteodo

em que frequentei as aulas do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria da UFMT

- Aos colegas do mesmo Programa agradeccedilo pelo privileacutegio da convivecircncia

Foi muito bom partilhar conhecimentos e experiecircncias alegrias anguacutestias e materiais

nos ricos debates em sala de aula e tambeacutem nos momentos de descontraccedilatildeo nos

trabalhos em grupo E agradeccedilo em especial agrave Juliana Cristina Rosa uma grande amiga

que o Mestrado me proporcionou Obrigada ldquoJurdquo pelas conversas e pelos trabalhos

produzidos em conjunto

- Agrave Secretaria de Estado de Educaccedilatildeo de Mato Grosso (SeducndashMT) via a

minha unidade de lotaccedilatildeo profissional - Escola Estadual Vila Rica por viabilizar a

minha Licenccedila para a qualificaccedilatildeo profissional

- Aos profissionais da Escola Estadual Vila Rica por compartilharem comigo

os saberes e o exerciacutecio da docecircncia na Educaccedilatildeo Baacutesica Milene Medeiros de Oliveira

Vacircnia Horner Izaildes Cacircndida Aline Flores Raquel Nascimento Franciani

Gaspareto Eduardo Cavalcante Joseacute Adelson Claudete e Deusdeste Vasconcelos

Iraneide Dorcas Diolina Edileusa Maria Joseacute Ceacutelia Maria Vando Cristiana Aragatildeo

Fabiane Rizzardo Iadne Teodoro Wilson Sirino Socorro Gomes Eliezer e os demais

amigos e colegas de trabalho

- Ao Coletivo do Foacuterum Permanente de Debates da Educaccedilatildeo de Jovens e

Adultos ndash Araguaia - Xingu em especial ldquoagraves minhas irmatildes de coraccedilatildeordquo Ceacutelia Ferreira

Edineth Franccedila e Terezinha de Jesus

- Agrave Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat) atraveacutes do Programa

Parceladas e ao Campus Universitaacuterio do Meacutedio Araguaia por permitir que eu

conciliasse as atividades do mestrado com as atividades profissionais

- Aos acadecircmicos do curso de Ciecircncias Sociais- UNEMAT ldquomeus projetos

de cientistas sociaisrdquo sou eternamente grata pelo carinho e apoio que me

proporcionaram A nossa convivecircncia tornou-me uma pessoa melhor

- Aos meus colegas de trabalho da UNEMAT Luis Antonio Barbosa Soares

Neures Batista de Paula Andreacuteia da Silva Feitosa Faacutebio Junio Ribeiro Faacutebio

Bombarda Analucia Ribeiro de Souza Dimas Santana Neves Flaacutevio Luiz de Paula

Jackson Joseacute Carlos de Lima Renata Cristina Diva e Socorro Arauacutejo

- Aos meus familiares (Laura Beatriz Joatildeo Pedro Carlos Augusto Vocirc

Raimundo Abratildeo Edival Edith Elcivam Erivaldo Ivone Lourival Irene Carlos

Pitaacutegoras Dayane Gabriela Milena Sara e Eduardo) E a minha famiacutelia estendida

(Nonato Gracy Edson Flaacutevio Cida Elena Brizola Denilson Lucia Helena e Tunico)

pelo carinho e a solidariedade dedicada aos meus filhos

Aos Agricultores Familiares dos assentamentos rurais (Bom Jesus Satildeo Joseacute

Satildeo Gabriel Ipecirc Itaporatilde do Norte Alvorada Aracati e Santo Antocircnio do Beleza) e aos

movimentos sociais de luta pela terra no Araguaia mato-grossense em especial ao

Sindicato dos Trabalhadores Rurais do municiacutepio de Vila Rica-MT

Aos meus filhos Laura Beatriz Lima Joatildeo Pedro Lima Bailatildeo e Carlos

Augusto Lima Bailatildeo

Por onde passei plantei a cerca farpada plantei a queimada

Por onde passei plantei a morte matada

Por onde passei matei a tribo calada a roccedila suada a terra esperada

Por onde passei tendo tudo em lei eu plantei o nada

(Pedro Casaldaacuteliga- Confissotildees do latifuacutendio 2006)

RESUMO

Este texto tem como propoacutesito apresentar algumas reflexotildees sobre a formaccedilatildeo dos

assentamentos rurais do municiacutepio de Vila Rica-MT atraveacutes da luta pela terra na deacutecada

de 1990 e as posteriores transformaccedilotildees e a na consolidaccedilatildeo da Agricultura Familiar

correlacionada com Poliacuteticas Puacuteblicas como o Pronaf Mas para atingir esse objetivo

foi necessaacuterio analisar como a luta pela terra se deu em todo o espaccedilo do Araguaia

mato-grossense fronteira de expansatildeo nas deacutecadas de 1950 em duas frentes a primeira

foi realizada por empresas colonizadoras que elaboraram projetos e executaram a

construccedilatildeo de cidades e venda das terras dos municiacutepios de Confresa e Vila Rica a

segunda atraveacutes de empresas agropecuaacuterias que se apropriaram de terras e tiveram

acesso agrave incentivos fiscais e recursos de projetos junto agrave Sudam Logo para

compreender como ocorreu a formaccedilatildeo dos assentamentos rurais de Vila Rica-MT foi

preciso analisar a formaccedilatildeo de fazendas e empresas agropecuaacuterias que apoacutes o fim dos

incentivos fiscais se tornaram improdutivas e que seus ldquoproprietaacuteriosrdquo criaram

estrateacutegias de comercializar as terras junto ao INCRA utilizando para isso a forma de

desapropriaccedilatildeo para a formaccedilatildeo de assentamentos rurais Paralelamente os posseiros

em meio agrave luta pela terra adotaram estrateacutegias de reocupaccedilatildeo dessas aacutereas para depois

solicitar junto ao oacutergatildeo competente a regularizaccedilatildeo fundiaacuteria dos lotes conquistados

Dentro dessa configuraccedilatildeo social o municiacutepio de Vila Rica-MT formou em seu

territoacuterio oito assentamentos rurais dos quais quatro (Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Aracaty e

Ipecirc) tiveram uma anaacutelise mais aprofundada a partir de dados quantitativos coletados

pela Empaer que demonstram algumas tendecircncias sobre as condiccedilotildees de vida renda

produccedilatildeo comercializaccedilatildeo dentre esses posseiros que com a regularizaccedilatildeo da terra e o

acesso ao Pronaf se tornaram agricultores familiares e responsaacuteveis por uma

significativa produccedilatildeo de leite e gado de corte na aacuterea Para compreender toda essa

complexa transformaccedilatildeo foi utilizada fontes documentais e orais que forneceram

elementos para uma anaacutelise sobre esse processo

Palavras-chave Histoacuteria Agricultura Familiar Mato Grosso Vila Rica Araguaia

RESUMEN

Este texto tiene como objetivo presentar un ejercicio de reflexioacuten sobre la formacioacuten de

los Asentamientos Rurales de Vila Rica-MT Estas reflexiones se derivan de una

investigacioacuten en curso denominado reocupacioacuten de tierras en el periacuteodo

contemporaacuteneo en el norte de Araguaia micro-regioacuten en el estado de Mato Grosso

Esta investigacioacuten tuvo como objetivo comprender el proceso de formacioacuten de los

Asentamientos Rurales en el municipio de Vila Rica-MT en el periacuteodo de 1980 a 2015

Habiacutea estudiado la historia de los asentamientos rurales de Vila Rica tambieacuten significa

la comprensioacuten de la historicidad de la lucha por el proceso de la tierra en el estado de

Mato Grosso ya que esta ciudad (Vila Rica) no surge espontaacuteneamente Nacido en un

contexto se produjeron en la regioacuten de Araguaia a la altura del proceso de reocupacioacuten

dos frentes los proyectos agriacutecolas financiados proyectos Sudam y colonizacioacuten

privada lo que dio lugar a la formacioacuten de otros municipios asiacute como Vila Rica como

Confresa Agua Boa y Canarana En este periacuteodo el norte del estado de Mato Grosso

convertido en el objetivo de la inversioacuten de los grupos empresariales del sur y sureste

del paiacutes el estado transferido al sector privado a la funcioacuten para reordenar la nueva

ocupacioacuten de estos espacios A partir de los datos recogidos construir un marco que

permita la identificacioacuten de las diferentes formas de ocupacioacuten y la reocupacioacuten de la

tierra asiacute como los tipos de uso y disentildeo de la funcioacuten de los asentamientos rurales en la

regioacuten de Araguaia Establecer una relacioacuten de este evento con las otras regiones del

estado en relacioacuten con las poliacuteticas de tenencia de la tierra en la ocupacioacuten previa a la

solucioacuten y la presencia de proyectos agriacutecolas la colonizacioacuten privada y asentamientos

rurales El municipio de Vila Rica comenzoacute con los proyectos agriacutecolas luego se

transformoacute en proyecto de colonizacioacuten privada y finalmente creoacute 08 asentamientos

rurales Estos objetivos se exponen en las cadenas de produccioacuten de la regioacuten de los

impactos de las poliacuteticas puacuteblicas implementadas en las deacutecadas 1990-2000 Se hace

hincapieacute en que esta investigacioacuten tambieacuten busca identificar la influencia del Programa

de Fortalecimiento de la Agricultura Familiar (Pronaf) en el desarrollo de los

asentamientos rurales de Villa Rica

Palabras clave Historia reocupacioacuten de tierras en Araguaia Vila Rica-MT

Asentamientos Rurales

LISTA DE ILUSTRACcedilOtildeES

Figura 01 - Mapa de Propaganda da Colonizadora Vila Rica 34

Figura 02 - Folder de propaganda da Colonizadora Vila Rica 38

Figura 03 - Planta ou Protejo Urbaniacutestico da cidade de Vila Rica 40

Figura 04 - Croqui de localizaccedilatildeo das fazendas 53

Figura 05 - Carta do Sindicato dos Trabalhadores de Vila Rica ao INCRA (1990) 69

Figura 06 - Carta da Alemanha 83

Figura 07 - Documento de denuacutencia de ameaccedila de morte de posseiro 86

Figura 08 - Fotografias dos Teacutecnicos da Empaer em visita aos assentamentos rurais 98

Figura 09 - Fotografias da Apresentaccedilatildeo do Programa de Ates 98

Figura 10 - Fotografias de corpos d‟aacutegua e mata ciliar 131

Figura 11- Fotografias das aacutereas de pastagens nos Assentamentos Rurais 132

Figura 12 - Fotografias das Estradas dos Assentamentos Rurais 134

Figura 13 - Croqui do Assentamento Rural Satildeo Joseacute 134

Figura 14 - Croqui do Assentamento Rural Satildeo Gabriel 135

Figura 15 - Croqui do Assentamento Rural Ipecirc 135

Figura 16 - Croqui Assentamento Rural Aracat 136

Figura 17 - Graacutefico com dados da evoluccedilatildeo dos creacuteditos Pronaf 152

Figura 18 - Graacutefico com dados da distribuiccedilatildeo dos creacuteditos Pronaf 152

LISTA DE TABELA

Tabela 1 assentamentos rurais de Vila Rica-MT 66

Tabela 2 Produtos que satildeo destinados a Alimentaccedilatildeo da Famiacutelia 104

Tabela 3 Faixa etaacuteria dos assentados 105

Tabela 4 Escolaridade dos assentados 106

Tabela 5 Presenccedila de energia eleacutetrica nos assentamentos rurais 108

Tabela 6 Fonte de Aacutegua nos assentamentos rurais 109

Tabela 7 Qualidade da aacutegua nos assentamentos rurais 110

Tabela 8 Frequecircncia da realizaccedilatildeo de exames de sauacutede 111

Tabela 9 Acesso aos serviccedilos de sauacutede 111

Tabela 10 Uso do remeacutedio caseiro 112

Tabela 11 Nuacutemero de assentados que declararam morar no assentamento rural 112

Tabela 12 Percentual de participaccedilatildeo da Renda dos assentados 117

Tabela13 Produccedilatildeo agriacutecola (em Kg) 117

Tabela 14 Assentados que praticam Culturas de Subsistecircncia 118

Tabela 15 Tipo de pecuaacuteria explorada por propriedade (famiacutelias) 118

Tabela 16 Frequecircncia do consumo de proteiacutena animal na alimentaccedilatildeo 119

Tabela 17 Dados de produccedilatildeo de leite por nordm de vacas 119

Tabela 18 Nuacutemero de Famiacutelia e Resfriamento do leite 120

Tabela 19 Comercializaccedilatildeo da Produccedilatildeo dos assentamentos 121

Tabela 20 Associativismo no Aracati Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel e Ipecirc 121

Tabela 21 Tipos de preparo do solo por nordm de famiacutelias 124

Tabela 22 Tipos de sementes cultivadas nos assentamentos rurais 124

Tabela 23 Tipos de plantio cultivados nos assentamentos rurais 125

Tabela 24 Tipo de adubaccedilatildeo do solo realizado pelos assentados por famiacutelia 125

Tabela 25 Conservaccedilatildeo do solo (por nuacutemero de Famiacutelias) 126

Tabela 26 Rotaccedilatildeo de Culturas nos assentamentos rurais 126

Tabela 27 Tipo de combate agraves pragas (por nuacutemero de famiacutelias) 127

Tabela 28 Tipo de lavagem triacuteplice de embalagens vazias de agrotoacutexicos 127

Tabela 29 Destino das embalagens de agrotoacutexicos vazias 128

Tabela 30 Tipo de colheita por famiacutelia 128

Tabela 31 Tipo de armazenamento da produccedilatildeo (por nuacutemero de famiacutelia) 129

Tabela 32 Situaccedilatildeo de degradaccedilatildeo de solo nos assentamentos rurais 129

Tabela 33 Existecircncia de nascentes sem proteccedilatildeo (nuacutemero de propriedades) 130

Tabela 34 Existecircncia de degradaccedilatildeo de matas ciliares 130

Tabela 35 Situaccedilatildeo de degradaccedilatildeo das pastagens (por nuacutemero de propriedade) 131

Tabela 36 Uso de fogo no manejo do solo (por propriedade) 132

Tabela 37 Creacutedito Rural - nordm de Famiacutelia 154

Tabela 38 Finalidade do Creacutedito Rural - nordm de Famiacutelias 155

Tabela 39 Tipo de Pronaf por nuacutemero de Famiacutelias 155

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ATER ndash Assistecircncia Teacutecnica e Extensatildeo Rural

Ates ndash Programa de Assessoria Teacutecnica Social e Ambiental agrave Reforma Agraacuteria

Bndes ndash Banco Nacional de Desenvolvimento

CNA ndash Confederaccedilatildeo Nacional da Agricultura

CNBB ndash Conferencia Nacional dos Bispos do Brasil

CONAB ndash Campanha Nacional de Abastecimento

CONTAG ndash Confederaccedilatildeo Nacional dos Trabalhadores da Agricultura

CPT ndash Comissatildeo Pastoral da Terra

CUT ndash Central Uacutenica dos trabalhadores

DNT ndash Departamento Nacional dos Trabalhadores da CUT

Embrapa ndash Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuaacuteria

Empaer ndash Empresa Mato-Grossense de Pesquisa e Extensatildeo Rural SA

Febraban - Federaccedilatildeo Brasileira de Bancos

Fetag ndash Federaccedilatildeo dos Trabalhadores na Agricultura

Fetraf ndash Federaccedilatildeo dos Trabalhadores e Trabalhadores na Agricultura Familiar

GESTAR ndash Projeto Nacional de Gestatildeo Ambiental Rural

IBGE ndash Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica

INCRA ndash Instituto Nacional de Colonizaccedilatildeo e Reforma Agraacuteria

Indea ndash Instituto de Defesa Agropecuaacuteria de Mato Grosso

IPAM ndash Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazocircnia

MAB ndash Movimento dos Atingidos por Barragens

MCP ndash Movimento Camponecircs Popular

MDA ndash Ministeacuterio do Desenvolvimento Agraacuterio

Mercosul ndash Mercado Comum do Sul

MMA ndash Ministeacuterio do Meio Ambiente

MME ndash Ministeacuterio de Minas e Energia

MPA ndash Movimento dos Pequenos Agricultores

MS ndash Ministeacuterio de Sauacutede

MST ndash Movimentos dos Trabalhadores Sem-Terra

OGU ndash Orccedilamento Geral da Uniatildeo

PA ndash Projeto de Assentamento

PAA ndash Programa Nacional de Aquisiccedilatildeo de Alimentos

Pda ndash Plano de Desenvolvimento de Assentamento Rural

PTDRS ndash Plano Territorial de Desenvolvimento Rural Sustentaacutevel do Territoacuterio Rural

PNAE ndash Programa Nacional de Alimentaccedilatildeo Escolar

PNHR ndash Programa Nacional de Habitaccedilatildeo Rural

PNSIPCF - Poliacutetica Nacional de Sauacutede Integral das Populaccedilotildees do Campo e da Floresta

Pronaf - Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura

Proterra ndash Programa de Redistribuiccedilatildeo de Terras e de Estiacutemulo agrave Agroinduacutestria do

Norte

Provape ndash Programa de Valorizaccedilatildeo da Pequena Produccedilatildeo Rural

Sebrae ndash Serviccedilo Brasileiro de Apoio o Micro e Pequenas Empresas

Senai ndash Serviccedilo Nacional de Aprendizagem Industrial

Senar ndash Serviccedilo Nacional de Aprendizagem Rural

Servap ndash Serviccedilo Auxiliares da Agropecuaacuteria

SNCR ndash Sistema Nacional de Credito Rural

STR ndash Sindicato dos Trabalhadores Rurais

Sudam ndash Superintendecircncia de Desenvolvimento da Amazocircnia

SUS ndash Sistema Uacutenico de Sauacutede

UDR ndash Uniatildeo Democraacutetica Ruralista

SUMAacuteRIO

INTRODUCcedilAtildeO 16

1 A QUESTAtildeO AGRAacuteRIA EM MATO GROSSO HISTOacuteRIA OCUPACcedilAtildeO E

REOCUPACcedilAtildeO DO ARAGUAIA MATO-GROSSENSE 24

11 A reocupaccedilatildeo pelas agropecuaacuterias e empresas colonizadoras Anos de 1960 a 1980

27

12 A criaccedilatildeo e emancipaccedilatildeo do municiacutepio de Vila Rica-MT 33

121 O papel das instituiccedilotildees e oacutergatildeo puacuteblicos as empresas agropecuaacuterias e a

colonizadora 49

122 A Servap e a abertura das fazendas Promissatildeo Satildeo Marcos Aracatiacute e Porongaba

52

13 Anos de 1980 a 1990 o Araguaia e a formaccedilatildeo dos assentamentos rurais 55

2 MEMOacuteRIAS DA REOCUPACcedilAtildeO HISTORICIZANDO OS

ASSENTSAMENTOS RURAIS DE VILA RICA-MT (1980-2010) 65

21 A transformaccedilatildeo das fazendas agropecuaacuterias em assentamentos rurais atraveacutes da luta

pela terra 65

22 Os assentamentos rurais de Vila Rica ndash MT 71

221 O Assentamento Rural Satildeo Joseacute 73

222 O Assentamento Rural Ipecirc 79

223 O Assentamento Rural Aracati 82

224 O Assentamento Rural Satildeo Gabriel 84

225 O Assentamento Rural Itaporatilde do Norte 86

226 O Assentamento Rural Bom Jesus 87

227 O Assentamento Rural Santo Antocircnio do Beleza 93

228 O Assentamento Rural Alvorada 94

Consideraccedilotildees gerais sobre os assentamentos de Vila Rica-MT 95

3 SITUACcedilAtildeO SOCIOECONOcircMICA DOS ASSENTAMENTOS SAtildeO JOSEacute SAtildeO

GABRIEL IPEcirc E ARACATI (2006-2010) 97

31 Os assentamentos rurais na perspectiva do Projeto de Assessoria Teacutecnica Social e

Ambiental agrave Reforma Agraacuteria ndash Ates 99

32 O perfil dos assentados gecircnero idade e escolaridade 101

321 Diferenciaccedilatildeo de Gecircneros predominacircncia masculina e papel da mulher 102

322 Perfil etaacuterio indicadores de uma populaccedilatildeo envelhecida 104

323 Perfil de escolaridade dos assentados 106

33 As Condiccedilotildees de vida nos assentamentos rurais luz eleacutetrica aacutegua sauacutede moradia e

infraestrutura 107

331 Energia Eleacutetrica 108

332 Aacutegua 108

333 Sauacutede 110

334 Moradia 112

335 Infraestrutura equipamentos e Tecnologias 113

34 A Produccedilatildeo a renda comercializaccedilatildeo e circulaccedilatildeo da Agricultura Familiar 116

341 A renda nos quatro Projetos de assentamentos rurais de Vila Rica-MT 116

342 Atividades Agriacutecolas a produccedilatildeo econocircmica e a de subsistecircncia 117

343 Pecuaacuteria e criaccedilatildeo de pequenos animais 118

344 Comercializaccedilatildeo e Associativismo 120

35 Teacutecnicas e niacutevel tecnoloacutegico dos assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e

Aracati 123

351 Teacutecnicas de uso do Solo plantio combate de pragas colheita 124

36 A questatildeo ambiental nos assentamentos rurais de Vila Rica-MT 129

37 Algumas consideraccedilotildees sobre os impactos de poliacuteticas puacuteblicas nos assentamentos

Satildeo Joseacute satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati 133

4 AS POLIacuteTICAS PUacuteBLICAS NOS ASSENTAMENTOS SAtildeO JOSEacute SAtildeO

GRABRIEL IPEcirc E ARACATI 139

41 O debate sobre o Pronaf 139

42 O papel dos Movimentos sociais na criaccedilatildeo do Programa Nacional de

Fortalecimento da Agricultura Familiar na deacutecada de 1990 143

43 O Pronaf e seus objetivos 146

44 O Pronaf no Araguaia mato-grossense 148

45 O Pronaf nos assentamentos Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati 154

46 Outras Poliacuteticas Puacuteblicas nos assentamentos Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati 155

461 Programa Luz para todos 156

462 Arco Verde questatildeo ambiental 158

463 Programa Balde Cheio 160

464 Programas de Educaccedilatildeo Formaccedilatildeo Profissional e Teacutecnica do assentado 162

465 Programa de Sauacutede no Campo 167

466 Programa Nacional de Habitaccedilatildeo 169

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 172

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 175

16

INTRODUCcedilAtildeO

Em tempos diversos muitas foram as razotildees que moveram pesquisadores na

aacuterea da histoacuteria a desenvolver estudos em torno de questotildees fundamentais para

compreensatildeo do homem no tempo e suas formas de organizaccedilatildeo as quais se aproximam

e se distanciam no tocante a suas formas de abranger fenocircmenos que circularam em um

ou outro grupo social este ou aquele projeto de sociedade Em suas entranhas as

relaccedilotildees de forccedilas estabelecidas para sua fundaccedilatildeo consolidaccedilatildeo e transformaccedilatildeo

pendulando do individual ao coletivo do solitaacuterio ao solidaacuterio em uma complexa teia

ancorada em seus atores sociais e respectivos projetos de vida O mundo rural apresenta

diversidades e especificidades que igualmente moveram pesquisas e reflexotildees

historiograacuteficas No entanto tratando-se de assentamentos rurais no periacuteodo poacutes 1964

satildeo poucos os estudos historiograacuteficos que abordam esse tipo de organizaccedilatildeo social e

poliacutetica atraveacutes de estudos de caso

Diante dessa carecircncia historiograacutefica sobre a temaacutetica a presente pesquisa

teve por objetivo principal a compreensatildeo da formaccedilatildeo e o processo de

desenvolvimento dos assentamentos rurais do municiacutepio de Vila Rica-MT A partir

desse estudo foi possiacutevel identificar que a luta pela terra implementada pelos atores

sociais na condiccedilatildeo de colonos posseiros atrelada agrave regularizaccedilatildeo fundiaacuteria e ao acesso

agraves poliacuteticas puacuteblicas como eacute o caso do Programa Nacional de Fortalecimento da

Agricultura Familiar (Pronaf) possibilitou a transformaccedilatildeo dos mesmos em agricultores

familiares

Para tanto foi problematizado o papel e a atuaccedilatildeo das instituiccedilotildees e oacutergatildeos

puacuteblicos como o Instituto Nacional de Colonizaccedilatildeo e Reforma Agraacuteria (INCRA) o

Ministeacuterio do Desenvolvimento Agraacuterio (MDA) o Banco do Brasil (BB) a Empresa

Mato-grossense de Pesquisa e Extensatildeo Rural SA (Empaer) e a Prefeitura Municipal de

Vila Rica aleacutem de movimentos sociais da sociedade civil como o Sindicato dos

Trabalhadores Rurais (STR) de Vila Rica-MT dada a importacircncia do seu envolvimento

Destacamos em particular a Comissatildeo Pastoral da Terra (CPT) a Prelazia de Satildeo Feacutelix

do Araguaia o Sindicato dos Trabalhadores Rurais e as Associaccedilotildees de Pequenos

Produtores Rurais Consideramos que para intensificar a anaacutelise foi necessaacuterio abordar

as accedilotildees e estrateacutegias dos atores sociais envolvidos na luta pela terra especialmente nos

17

momentos de adaptaccedilatildeo ou utilizaccedilatildeo de tais oacutergatildeos e instituiccedilotildees para cumprir seus

objetivos o acesso e a permanecircncia na terra

Natildeo temos a pretensatildeo de esgotar o assunto tampouco construir teses

aligeiradas sobre as comunidades e grupos sociais formados no municiacutepio de Vila Rica-

MT mas sim na trilha da anaacutelise soacutecio-histoacuterica compreender a formaccedilatildeo e o processo

de desenvolvimento dos assentamentos rurais do municiacutepio de Vila Rica-MT

problematizando o papel e a atuaccedilatildeo das instituiccedilotildees e entidades da sociedade civil

aleacutem dos oacutergatildeos puacuteblicos

Gostariacuteamos de esclarecer que as anaacutelises partem de uma posiccedilatildeo social de

moradora educadora e participante de movimentos sociais do Araguaia O

conhecimento empiacuterico dos problemas locais permitiu a formulaccedilatildeo de questotildees

fundamentadas em aspectos pouco estudados assim como perceber a necessidade de a

populaccedilatildeo formular reflexotildees sobre os assentamentos rurais e a Agricultura Familiar

num contexto onde existe um evidente avanccedilo da agricultura moderna e do agronegoacutecio

Com base em algumas experiecircncias vividas elaboramos questotildees

consideradas como significativas para problematizar as condiccedilotildees e circunstacircncias sob

as quais se deram a formaccedilatildeo e a consolidaccedilatildeo dos assentamentos rurais em Vila Rica-

MT As questotildees norteadoras foram Como ocorreu o processo de formaccedilatildeo dos

assentamentos rurais no municiacutepio de Vila Rica-MT Quais foram as estrateacutegias de

resistecircncia e articulaccedilatildeo utilizadas nas lutas pela terra pelos ldquoposseirosrdquo no processo de

formaccedilatildeo desses assentamentos rurais Como os posseiros se transformaram em

agricultores familiares e qual foi o papel do Pronaf nesse processo Quais satildeo as outras

Poliacuteticas Puacuteblicas adotadas que contribuiacuteram para a permanecircncia desses atores sociais

na terra

A partir dessas questotildees adotamos diferentes procedimentos metodoloacutegicos

tendo por base o uso de fontes escritas imageacuteticas e orais Primeiramente se buscou

fontes que permitissem analisar a atuaccedilatildeo da Associaccedilatildeo Sindical dos Posseiros

(Sindicato dos Trabalhadores Rurais) e da Conferecircncia Nacional dos Bispos do Brasil

(CNBB) via CPT da circunscriccedilatildeo eclesiaacutestica ndash Prelazia de Satildeo Feacutelix do Araguaia os

quais foram fundamentais na intermediaccedilatildeo com os oacutergatildeos puacuteblicos na defesa da vida e

do projeto dos ldquoposseirosrdquo pois aleacutem de fazer frente aos conflitos e ameaccedilas de morte

vivenciada na luta pela terra empreenderam accedilotildees poliacutetica em defesa da proposta de

18

Reforma Agraacuteria Eis a razatildeo pela qual dedicamos esforccedilos no sentido de analisar como

tais entidades articularam mobilizaccedilotildees e empreenderam accedilotildees para que os

trabalhadores rurais pudessem pleitear e conquistar as condiccedilotildees necessaacuterias para a

sobrevivecircncia e o fortalecimento dos assentamentos rurais

Ressaltamos que os contextos e as fontes utilizadas para a construccedilatildeo desta

narrativa histoacuterica pautada no processo de implantaccedilatildeo dos assentamentos rurais satildeo

muacuteltiplas dada a complexidade dos elementos narrativos muitos dos quais satildeo

divergentes e ateacute mesmo contraditoacuterios Tal constataccedilatildeo se deve ao envolvimento de

atores histoacutericos com diferentes concepccedilotildees relativas agrave funccedilatildeo e aos modos de usos da

terra uma vez que os ldquoposseirosrdquo tecircm diferenciaccedilotildees sociais entre si e os objetivos da

posse da terra natildeo satildeo uacutenicos podendo ser tanto o uso da terra para ldquomorar e plantarrdquo

dentro da concepccedilatildeo claacutessica da Conferecircncia Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)

quanto para apenas morar e criar gado sem produccedilatildeo agriacutecola ou apenas morar e

trabalhar fora da aacuterea da posse Em casos mais extremos o posseiro aluga ou ldquovende o

direitordquo do lote conquistado mas esse fato natildeo pode ser analisado de forma mecacircnica

sem problematizaccedilatildeo nos interessa tambeacutem compreender o que faz com que um

posseiro natildeo permaneccedila na terra

Diante dessa situaccedilatildeo satildeo muacuteltiplas as respostas desde a simples intenccedilatildeo de

comercializaccedilatildeo e especulaccedilatildeo fundiaacuteria como a falta de Poliacuteticas Puacuteblicas e de boas

condiccedilotildees de educaccedilatildeo e qualidade de vida Tais explicaccedilotildees atreladas a outras

motivaccedilotildees resultam num constante esvaziamento da populaccedilatildeo jovem das aacutereas rurais

em busca de educaccedilatildeo trabalho e oportunidades nos centros urbanos Tambeacutem a

populaccedilatildeo envelhecida deixa os assentamentos em busca de assistecircncia na aacuterea de sauacutede

e cuidados oferecidos pela famiacutelia Toda essa situaccedilatildeo complexa explica os elementos

fundamentais para entender a falta de sucessatildeo familiar e o envelhecimento da

populaccedilatildeo rural sobretudo em aacutereas de assentamentos

Tendo em vista a temaacutetica de permanecircncia na terra as entrevistas permitiram

compreender o motivo de os posseiros comercializarem ou natildeo suas terras e de fazer

diferentes usos dela tanto para a agricultura quanto para a pecuaacuteria

Tambeacutem na formaccedilatildeo dos assentamentos rurais diferentes concepccedilotildees

aparecem nas anaacutelises das fontes orais obtidas em entrevistas com os primeiros

moradores e o colonizador de Vila Rica-MT que trouxe a memoacuteria e a narrativa oficial

19

sobre a criaccedilatildeo e emancipaccedilatildeo do municiacutepio Consideramos como narrativa oficial a

produccedilatildeo de livros panfletos informaccedilotildees de sites da Prefeitura Municipal que em

geral satildeo utilizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) Cidades

aleacutem de material publicitaacuterio produzido em datas comemorativas onde satildeo exaltadas as

figuras dos ldquopioneirosrdquo e ldquoempreendedoresrdquo

Por outro lado para ampliar o diaacutelogo obtivemos os relatos orais de

assentados posseiros agricultores familiares e representantes de instituiccedilotildees de

entidades da sociedade civil e dos movimentos sociais os quais foram analisados em

conjunto com a bibliografia sobre a Questatildeo Agraacuteria e reocupaccedilatildeo do Araguaia aleacutem da

utilizaccedilatildeo de fontes escritas e imageacuteticas mas tambeacutem de dados oficiais que nos

possibilitaram a compreensatildeo de maneira ampliada das circunstacircncias de produccedilatildeo

histoacuterica de um grupo social diferenciado das terras do Araguaia

Tecendo a narrativa consideramos que o estudo sobre a formaccedilatildeo dos

assentamentos rurais de Vila Rica-MT pode ser analisado na produccedilatildeo historiograacutefica

de micro-historiadores onde se exige ldquo[] um trabalho de contextualizaccedilatildeo muacuteltipla em

que cada ator histoacuterico participa de maneira proacutexima ou distante de processos ndash e de

niacuteveis variaacuteveis do mais local ao mais globalrdquo conforme Revel (1998 p 28) o qual

rompe com a dicotomia entre a histoacuteria local e a histoacuteria global entendendo que a

experiecircncia de um agente social de um grupo de um espaccedilo particular permite perceber

uma modulaccedilatildeo especiacutefica da histoacuteria global

Nossa narrativa possibilita refletir sobre o ofiacutecio do historiador tomando

como referecircncia a importacircncia dos discursos construiacutedos a partir do objeto em estudo

Sobretudo no que tange aos artifiacutecios utilizados para a produccedilatildeo de anaacutelises das fontes

Escreve Bloch (2002 p 68) ldquo[] uma ciecircncia natildeo se define apenas por seu objeto

Seus limites podem ser fixados tambeacutem pela natureza proacutepria dos seus meacutetodosrdquo

Nesse particular Moraes (2000) e Guimaratildees Neto (2014) alertam sobre a

necessidade de articular as fontes orais com sua competecircncia e habilidade

reorganizando os conceitos que serviratildeo de subsiacutedios agrave construccedilatildeo das anaacutelises a partir

da leitura e do cruzamento com outras tipologias de fontes

Portanto as fontes natildeo satildeo tratadas aqui como mananciais de ldquoverdaderdquo uma

vez que tomadas como fragmentos do acontecimento e enquanto resultado de memoacuterias

e narrativas sujeitas agrave seleccedilatildeo fragmentaccedilatildeo silenciamentos e esquecimentos As

20

concepccedilotildees trazidas por Pollak (1990) e Ricoeur (2007) implicam em serem avaliadas

e inseridas na conjuntura que gera a produccedilatildeo de sentidos e significados para a

historiografia

Ao privilegiar a analise dos excluiacutedos dos marginalizados e das

minorias a histoacuteria oral ressaltou a importacircncia de memoacuterias

subterracircneas que como parte integrante das culturas

minoritaacuterias e dominadas se opotildeem agrave Memoacuteria oficial no

caso a memoacuteria nacional Num primeiro momento essa

abordagem faz da empatia com os grupos dominados estudados

uma regra metodoloacutegica e reabilita a periferia e a

marginalidade [] A memoacuteria entra em disputa Os objetos de

pesquisa satildeo escolhidos de preferecircncia onde existe conflito e

competiccedilatildeo entre memoacuterias concorrentes (POLLAK 1989 p

3)

Com base nessa problematizaccedilatildeo sobre a Histoacuteria Oral e sua opccedilatildeo

metodoloacutegica e poliacutetica natildeo perdemos de vista que essa perspectiva eacute uma oposiccedilatildeo

agravequela produccedilatildeo historiograacutefica sobretudo a partir do Seacuteculo XIX quando se concebeu

a histoacuteria como a ciecircncia que estuda o passado que investiga os acontecimentos

longiacutenquos da contemporaneidade de forma que natildeo haja testemunhas vivas que

tenham vivenciado os acontecimentos Poreacutem a percepccedilatildeo da histoacuteria enquanto a

ciecircncia que ldquoestuda o passado para entender o presenterdquo permaneceu de forma muito

viva no entendimento social tornando problemaacutetica a anaacutelise do tempo presente como

objeto de estudo do historiador sob a oacutetica da historiografia e da proacutepria sociedade

contemporacircnea

Aproximamos nossas reflexotildees da anaacutelise de acontecimentos do presente ou

bem proacuteximas a este por entender que a proximidade natildeo produz quaisquer

impedimentos quanto agraves anaacutelises no acircmbito da ciecircncia histoacuterica Mesmo que essas

questotildees jaacute tenham algumas deacutecadas de discussotildees no Brasil tais estudos ainda satildeo

muito recentes carecendo de definiccedilotildees mais consistentes que possam do ponto de

visto teoacuterico e metodoloacutegico responder algumas perguntas que se apresentam quanto agrave

validade deste marco temporal da historiografia denominada como histoacuteria do tempo

presente

Segundo Guimaratildees Neto (2014 p 35) vaacuterios historiadores apresentam

significados complexos em relaccedilatildeo agrave questatildeo do tempo presente com destaque para

Koselleck (2006) que assegura que esse conceito tem sofrido alteraccedilotildees ao longo do

21

tempo ldquo[] Contrariamente agraves pretensotildees generalizadoras e naturalizaccedilotildees de toda

sorte a denominaccedilatildeo bdquotempo presente‟ nos escapa entre os dedos e eacute de difiacutecil

apreensatildeordquo Tal denominaccedilatildeo se transforma troca de conteuacutedo experimenta novas

formas de ldquoser presenterdquo Agrave luz da interpretaccedilatildeo de Guimaratildees Neto eacute possiacutevel afirmar

que a circulaccedilatildeo entre os novos e os velhos significados produz a ldquoconcreccedilatildeo e a

materializaccedilatildeo de um conceito novordquo (GUIMARAtildeES NETO 2014 p 35)

Todavia somos convidados a problematizar o que seria uma histoacuteria do

tempo presente suas peculiaridades especificidades limites e contribuiccedilotildees Nessa

acepccedilatildeo Guimaratildees Neto (2014 p 37) pondera ainda que

Situados cada vez mais no acircmbito desse debate muitos

historiadores operam com uma concepccedilatildeo de passado que natildeo

se situa ldquofora do presenterdquo na perspectiva pensada por

Koselleck ao afirmar que todas as histoacuterias satildeo histoacuterias do

tempo presente (vistas no presente que se dissolve eou no

presente que condensa) entendendo que isso tambeacutem

significa imprimir uma dimensatildeo mais dilatada agrave histoacuteria do

tempo presente A discussatildeo historiograacutefica que contempla as

interseccedilotildees metodoloacutegicas dessa problemaacutetica natildeo se ateacutem

apenas agrave noccedilatildeo da presenccedila incorporada do futuropassado no

presente Mas remete agrave reflexatildeo acerca das relaccedilotildees que se

estabelecem entre presente e futuro presente e passado e

especialmente ldquocomordquo essas proacuteprias relaccedilotildees se constituem

As relaccedilotildees suscitadas por todo esse conjunto de anaacutelises levam

tambeacutem a debater uma concepccedilatildeo de contemporaneidade

avaliando- a na perspectiva do entrelaccedilamento que se deve

estabelecer entre as dimensotildees sincrocircnica e diacrocircnica do tempo

histoacuterico

Ao tomarmos o vieacutes explicativo de um fenocircmeno presente analisando uma

sociedade viva os processos de organizaccedilatildeo dos assentamentos rurais no municiacutepio de

Vila Rica-MT e as relaccedilotildees estabelecidas com os sindicatos e demais organizaccedilotildees

sociais puacuteblicas e privadas pensamos corroborar com a produccedilatildeo da profissatildeo do

historiador um tempo intercalado de relaccedilotildees passado-presente pautando com os

rigores necessaacuterios na anaacutelise dos documentos histoacutericos como fonte

Em relaccedilatildeo agrave definiccedilatildeo de fonte histoacuterica pontuamos a concepccedilatildeo contida em

Silva amp Silva (2009 p 158)

[] o termo mais claacutessico para conceituar a fonte histoacuterica eacute

documento Palavra no entanto que devido agraves concepccedilotildees da

escola metoacutedica ou positivista estaacute atrelada a uma gama de

22

ideias preconcebidas significando natildeo apenas o registro escrito

mas principalmente o registro oficial

Igualmente afianccedilamos no presente trabalho a busca pela ampliaccedilatildeo das

lentes historiograacuteficas sobre os documentos bem como dos atores sociais visto que natildeo

mais limitado ao citadino mas agora revelando os assentamentos rurais e sua

organizaccedilatildeo condiccedilotildees de vida razotildees de luta ateacute entatildeo ignorados pelas paacuteginas dos

anais oficiais do natildeo dito invisiacutevel tornando visiacutevel verificaacutevel analisaacutevel e

mensuraacutevel

[] O alargamento daquilo que se entendia como documento

ocorreu de maneira qualitativa e quantitativa segundo nos

aponta Le Goff 1984 A memoacuteria coletiva e a histoacuteria passaram

a natildeo cristalizar o seu interesse apenas nos grandes homens nos

grandes acontecimentos na histoacuteria poliacutetica diplomaacutetica e

militar Todos os homens tornaram-se interesse da histoacuteria os

documentos foram ampliados a capacidade de trabalho e o

espiacuterito do historiador foram inovados (BARROS 2013 p 1)

A partir dessa problematizaccedilatildeo teoacuterica e metodoloacutegica foi possiacutevel situar o

objeto desta pesquisa dentro do escopo da histoacuteria do tempo presente Conforme

Delgado e Ferreira (2014 p10-11) a ldquoquestatildeo da terra e das poliacuteticas fundiaacuteriardquo

constituem objeto legiacutetimo dessa perspectiva Ademais destacando a posiccedilatildeo de

Guimaratildees Neto (2014) reforccedilamos que o foco analiacutetico satildeo os ldquoconflitos referentes agrave

questatildeo da terra e das poliacuteticas governamentais em especial as fundiaacuteriasrdquo

Adotando essa perspectiva analiacutetica as questotildees foram levantadas e

analisadas ao longo de quatro capiacutetulos sendo que o primeiro teve como objetivo

apresentar uma discussatildeo sobre a Questatildeo Agraacuteria em Mato Grosso sobretudo no

espaccedilo do Araguaia construiacutedo atraveacutes das pesquisas jaacute existentes inseridas no marco

temporal das deacutecadas de 1960 e 1970 Destacamos as caracteriacutesticas do processo de

reocupaccedilatildeo1 pelas agropecuaacuterias e colonizadoras e nas deacutecadas de 1980 a 1990 quando

nesse espaccedilo se constituiacuteram e se formaram os assentamentos rurais Ademais foi

analisado o processo de colonizaccedilatildeo do municiacutepio de Vila Rica-MT

1 A concepccedilatildeo de Reocupaccedilatildeo embute uma concepccedilatildeo de que um determinado territoacuterio ou terra

natildeo era um espaccedilo vazio no qual havia presenccedila de povos tradicionais (indiacutegenas ribeirinhos

sertanejos seringueiros quilombolas) posseiros Na presente pesquisa usaremos e

problematizaremos essa noccedilatildeo de modo mais elaborado no primeiro capiacutetulo

23

O segundo capiacutetulo trata das configuraccedilotildees e modos de uso poliacutetico dos

espaccedilos na formaccedilatildeo dos assentamentos rurais bem como a luta pela regularizaccedilatildeo

fundiaacuteria dos 8 (oito) assentamentos rurais do municiacutepio de Vila Rica-MT

O terceiro capiacutetulo analisa os aspectos socioeconocircmicos da Agricultura

Familiar em Vila Rica-MT a partir dos resultados de uma pesquisa desenvolvida pela

Empaer (2009) junto aos assentamentos rurais de Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati

Tal pesquisa teve como objetivo principal explicar a realizaccedilatildeo dos Planos de

Desenvolvimento dos assentamentos rurais via projeto implementado pelo INCRA

E por fim no quarto capiacutetulo fizemos uma apresentaccedilatildeo das principais

Poliacuteticas Puacuteblicas integradas ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura

Familiar como eacute o caso dos Programas Luz para Todos Arco Verde Balde Cheio

Educaccedilatildeo Formaccedilatildeo Profissional e Teacutecnica do Assentado Sauacutede e Habitaccedilatildeo Rural

Trata-se tambeacutem do papel dos movimentos sociais do campo na implementaccedilatildeo dessas

poliacuteticas puacuteblicas frente agrave necessidade de serem criadas condiccedilotildees baacutesicas para a

permanecircncia dos agricultores familiares no campo uma vez que os assentamentos rurais

natildeo se formaram apenas pelo ato de regularizaccedilatildeo e acesso ao sistema de creacutedito

24

1 A QUESTAtildeO AGRAacuteRIA EM MATO GROSSO HISTOacuteRIA MEMORIAS

OCUPACcedilAtildeO E REOCUPACcedilAtildeO DO ARAGUAIA MATO-GROSSENSE

A proposta deste capiacutetulo inicial eacute fazer uma reconstituiccedilatildeo do processo de

reocupaccedilatildeo a partir da deacutecada de 1970 do espaccedilo Araguaia mato-grossense

denominado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) como

ldquomicrorregiatildeo Norte Araguaia do Estado de Mato Grossordquo Fazem parte desta

microrregiatildeo os municiacutepios de Bom Jesus do Araguaia Confresa Serra Nova Dourada

Novo Santo Antocircnio Alto da Boa Vista Satildeo Felix do Araguaia Luciara Ribeiratildeo

Cascalheira Santa Terezinha Vila Rica- MT Porto Alegre do Norte Canabrava Satildeo

Joseacute do Xingu e Santa Cruz do Xingu

No entanto eacute importante ressaltar que a denominaccedilatildeo ldquomicrorregiatildeo Norte

Araguaiardquo utilizada ao longo do texto possui complicadores em sua concepccedilatildeo ligada agrave

ideia de regiatildeo Eacute sabido que a definiccedilatildeo de regiatildeo concebida pelo IBGE eacute uma

imposiccedilatildeo de delimitaccedilatildeo juriacutedico-administrativa a qual conforme Bourdieu (2008) por

ter sido construiacuteda por meio do uso do Poder Estatal atribuiu uma visatildeo social atraveacutes

da divisatildeo e construccedilatildeo da unidade e da identidade entre os grupos Natildeo se constituiu

numa demarcaccedilatildeo com base em criteacuterios de homogeneidade da natureza de forma que

sejam respeitadas as diversidades e especificidades de grupos culturais

Albuquerque Juacutenior (2008) chama a atenccedilatildeo pela pouca importacircncia dada agrave

discussatildeo e compreensatildeo dos espaccedilos no desenvolvimento de estudos de cunho

historiograacutefico onde a regiatildeo passa a existir como um fenocircmeno da realidade que natildeo

carece de anaacutelises ou de problematizaccedilatildeo Ou seja natildeo haacute preocupaccedilatildeo com a

construccedilatildeo histoacuterica da concepccedilatildeo da regiatildeo que eacute analisada ldquo[] ora como um recorte

dado pela natureza ora como um recorte poliacutetico-administrativo ora como um recorte

cultural mas que parece natildeo ser fruto de um dado processo histoacutericordquo

(ALBUQUERQUE JUacuteNIOR 2008 p 57) Logo a regiatildeo eacute tida apenas como um

fenocircmeno precedente ldquoretalhordquo do espaccedilo constituiacutedo naturalmente um paracircmetro de

construccedilatildeo de identidade existente por si soacute

Problematizando a noccedilatildeo de regiatildeo delimitada por fronteiras juriacutedico-

administrativas Bourdieu (2008 p 115) afirma

25

A fronteira esse produto de um ato juriacutedico de delimitaccedilatildeo

produz a diferenccedila cultural do mesmo modo que eacute produto

desta basta pensar na accedilatildeo do sistema escolar em mateacuteria de

liacutengua para ver que a vontade poliacutetica pode desfazer o que a

histoacuteria tinha feito

Assim o autor problematiza o conceito de regiatildeo atraveacutes da diversidade da

liacutengua quando muitas vezes as delimitaccedilotildees satildeo estabelecidas sem levar em

consideraccedilatildeo as diferenccedilas culturais dos grupos eacutetnicos que convivem em um espaccedilo

uacutenico Um exemplo eacute a delimitaccedilatildeo territorial dos Estados Naccedilatildeo que como na Itaacutelia e

Alemanha englobam dentro de um mesmo territoacuterio considerado ldquohomogecircneo

culturalmenterdquo atraveacutes de uma liacutengua com diferentes leacutexicos e dialetos Eacute sabido que

atraveacutes da linguagem se reforccedila fixa e viabiliza os elementos de controle impostos

pelas classes dominantes uma vez que nem os proacuteprios intelectuais satildeo neutros em

produccedilotildees jaacute que estatildeo agindo dentro de um padratildeo que atende ou contraria interesses

dos grupos que exercem o poder na sociedade

Bourdieu (2008) afirma que os diferentes saberes satildeo produzidos sob o efeito

das relaccedilotildees de poder onde as disputas entre as ciecircncias pelo direito de qualificar a

regiatildeo satildeo ao mesmo tempo uma forma de disputa pelo poder Na concepccedilatildeo do autor

regiatildeo eacute uma construccedilatildeo simboacutelica resultante das disputas de diferentes aacutereas do

conhecimento pelo poder na definiccedilatildeo dos limites e sentidos a serem conferidos a uma

regiatildeo Ainda de acordo com Bourdieu (2008) a regiatildeo enquanto objeto de estudo eacute

constituiacuteda por um intenso debate que coloca em oposiccedilatildeo geoacutegrafos economistas

etnoacutelogos socioacutelogos e historiadores Essas categorias constituiacutedas no campo da ciecircncia

querem cada uma ao seu modo atribuir criteacuterios para delimitar uma regiatildeo

Portanto podemos dizer que esses debates existentes em torno da concepccedilatildeo

de regiatildeo tecircm oferecido subsiacutedio importante para a historiografia construir uma noccedilatildeo

de regiatildeo embora sinalizem para o sentido da inexistecircncia de consenso Ainda segundo

Bourdieu (2012) eacute nas relaccedilotildees de poder estabelecidas na sociedade a partir do plano

econocircmico que se formam as definiccedilotildees e delimitaccedilotildees de fronteiras que

evidentemente satildeo construiacutedas utilizando tambeacutem o poder simboacutelico como a proacutepria

noccedilatildeo de regiatildeo

Albuquerque Juacutenior (208 p 61) pondera que

26

A regiatildeo eacute ao mesmo tempo um dispositivo de forccedila e saberes

que aparece como externo aos sujeitos que a eles se impotildee de

fora que os limita e ateacute cerceia Eacute uma estrutura no sentido levi-

straussiano um mito que eacute vivido praticado e materializado

uma narrativa que se encarna o que acostumamos chamar de

interior dos sujeitos A regiatildeo eacute uma dobra do social que vem

constituir as subjetividades regionalistas em sua investigaccedilatildeo A

regiatildeo eacute tambeacutem modo de pensar modos de querer modos de

falar modos de gostar modos de preferir modos de amar

modos de desejar modos de mar modos de desejar modos de

olhar de escutar de cheirar de sentir sabor e de sentir dor A

regiatildeo de se expressa em jeitos de corpos em gestos em modos

de vestir de alimentar de beber de danccedila de se pocircr de peacute ou de

sentar A regiatildeo ao ser subjetivada ao ser encarnada ela

conformaraacute os corpos e os processos subjetivos

Compreender os diferentes significados e sentidos em relaccedilatildeo aos usos do

espaccedilo significa tambeacutem compreender o papel dos diferentes sujeitos no vieacutes da

historiografia seguindo a concepccedilatildeo de Certeau (2000) segundo o qual ao produzir a

historiografia o pesquisador estabelece seus criteacuterios de escolha os quais remetem

sempre aos diferentes contextos onde estaacute inserido sejam eles no acircmbito social cultural

ou econocircmico e tambeacutem ao proacuteprio interesse do pesquisador pois eacute ele quem escolhe o

que teraacute visibilidade e o que seraacute oculto no texto historiograacutefico

Ainda de acordo com o mesmo autor eacute possiacutevel acreditar que natildeo haacute

neutralidade na escrita historiograacutefica na medida em que sempre haveraacute o peso da

posiccedilatildeo do sujeito vinculado agrave instituiccedilatildeo e o lugar social e cultural ocupado pelo

indiviacuteduo porque a produccedilatildeo da escrita natildeo eacute algo individualizado mas sim constituiacutedo

na coletividade

Dessa forma a ideia construiacuteda acerca do texto historiograacutefico eacute resultado das

escolhas de quem a produz e estatildeo articuladas ao meio social econocircmico e cultural em

que se insere o pesquisador Logo a intenccedilatildeo da pesquisa nasce do desejo de descobrir

o que natildeo estaacute compreendido eacute a busca das indagaccedilotildees intrinsecamente vinculadas agrave

proacutepria trajetoacuteria de vida e no fazer acadecircmico do sujeito pesquisador (CERTEAU

2000)

Diante dessa problematizaccedilatildeo sobre o uso do conceito de regiatildeo e sua relaccedilatildeo

com a condiccedilatildeo de produccedilatildeo em que estaacute inserido o sujeito pesquisador fica evidente

que a ldquomicrorregiatildeordquo Norte Araguaia eacute uma visatildeo simplista e homogeneizadora que

natildeo evidencia as diferenccedilas naturais sociais e culturais existentes nesse espaccedilo O uso

27

indiscriminado de Regiatildeo Araguaia leva a noccedilotildees preconceituosas como a expressatildeo

utilizada por poliacuteticos e moradores de que se trata do ldquoVale dos Esquecidosrdquo

Ressalta-se que estudar a histoacuteria de Vila Rica-MT significa tambeacutem

compreender parte da histoacuteria do estado de Mato Grosso pois este municiacutepio natildeo surgiu

enquanto fenocircmeno isolado mas foi formado em um contexto ocorrido no Araguaia no

auge do processo de reocupaccedilatildeo de terras que se deu por duas frentes a primeira a dos

projetos agropecuaacuterios financiados pela Superintendecircncia de Desenvolvimento da

Amazocircnia (Sudam) e a segunda dos projetos de colonizaccedilatildeo privada que resultaram na

formaccedilatildeo dos municiacutepios de Confresa Vila Rica Aacutegua Boa e Canarana

Justamente por essa razatildeo a expressatildeo reocupaccedilatildeo da terra eacute recorrente no

presente texto A formaccedilatildeo de cidades natildeo resulta de algo natural ou um projeto de

ocupaccedilatildeo de terras ldquovaziasrdquo Para marcar a leitura que fazemos sobre o Araguaia eacute

preciso consideraacute-lo como um territoacuterio que jaacute estava ocupado por povos indiacutegenas

ribeirinhos ou sertanejos que viviam no espaccedilo anteriormente ao processo de

implantaccedilatildeo das poliacuteticas de desenvolvimento da Amazocircnia e a concretizaccedilatildeo dessas

duas frentes sobretudo na deacutecada de 1970

11 A reocupaccedilatildeo pelas agropecuaacuterias e empresas colonizadoras Anos de 1960 a

1980

Nas deacutecadas de 1960 a 1980 o norte do estado de Mato Grosso considerado

parte da ldquoAmazocircnia Legalrdquo tornou-se alvo de investimentos de grupos empresariais do

Sul e Sudeste do Brasil Os Governos de Mato Grosso desde a deacutecada de 1960

passaram a comercializar terras ldquotidas como devolutasrdquo como importante fonte de

arrecadaccedilatildeo para o Estado Neste contexto Mato Grosso seguindo a normativa do

Estatuto da Terra repassou para a iniciativa privada a funccedilatildeo de reordenar a ocupaccedilatildeo

destes espaccedilos atraveacutes da colonizaccedilatildeo privada2 Sobre a questatildeo Guimaratildees Neto

(2002 p 20) afirma que

2 Sobre este assunto ver GUIMARAtildeES NETO Regina Beatriz A Lenda do Ouro Verde Poliacutetica

de colonizaccedilatildeo no Brasil contemporacircneo Cuiabaacute UNICEN 2002

28

[] as empresas agropecuaacuterias comandadas em grande parte

por multinacionais [] jaacute vinham dominando este espaccedilo

especialmente apoacutes meados do seacuteculo vinte quando

intensificaram seu poder de accedilatildeo Eacute no acircmbito dessa experiecircncia

histoacuterica que se deve procurar estudar os projetos de

colonizaccedilatildeo Representam iniciativas e estrateacutegias de controle

ao acesso a terra e ao mercado de matildeo de obra

Assim estas duas frentes de reocupaccedilatildeo ldquo[] representam iniciativas e

estrateacutegias de controle ao acesso da terra e ao mercado de matildeo de obrardquo (GUIMARAES

NETO 2002 p 20) em que o Estado e os empresaacuterios atuaram muito mais no

propoacutesito da especulaccedilatildeo imobiliaacuteria do que na viabilizaccedilatildeo de terras para centenas de

famiacutelias que migraram para a Amazocircnia Legal

Vale lembrar que durante o periacuteodo dos Governos Militares foi construiacuteda

uma ldquohistoacuteria oficialrdquo acerca do processo de ocupaccedilatildeo da Amazocircnia que

gradativamente foi questionada e revisada atraveacutes de diferentes narrativas construiacutedas a

partir da memoacuteria dos agentes histoacutericos que vivenciaram aquele processo

Consideramos importante registrar nos estudos cujo foco eacute o processo de

reocupaccedilatildeo da terra no Araguaia as perspectivas dos diferentes grupos e movimentos

sociais responsaacuteveis pela reocupaccedilatildeo desse espaccedilo considerando a memoacuteria daqueles

que migraram de diferentes regiotildees do paiacutes sobretudo do Sul e Sudeste perseguindo o

sonho de adquirir uma aacuterea de terra Um exemplo dessas narrativas com base na

memoacuteria das pessoas pode ser ilustrado nesse trecho do relato de uma das moradoras de

Vila Rica-MT

Quando eu cheguei aqui em Vila Rica-MT estranhei de tudo

um pouco Desde a comida [] Ih Nossa Senhora as falas

deles trem As gurias foram pra rua as gurias saiacuteram foram

pra rua O que eacute isso Rua laacute no Sul isso natildeo se fala E os

trem trem eacute um trem que puxa vagatildeo e aqui tudo que eacute coisa eacute

trem Hoje a gente estaacute acostumada com as comidas tambeacutem

aqui era diferente de laacute [] quando eu cheguei aqui a vila

estava super suja Colonial tudo tudo Lixo no meio da rua ali

no meio onde tem a grama e os coqueirinhos aquilo laacute era lixo

natildeo dava pra olhar de um lado pra outro Nossa mas era suja

demais a rua As propagandas ih Eles passavam slides

mostravam como era aqui em Vila Rica-MT da cidade das

roccedilas das lavouras das plantaccedilotildees de soja milho []

(ENTREVISTA com Izode Baoacute realizada por Acircngela Martini

Vila Rica-MT 4 de marccedilo de 2001)

29

Novas abordagens da historiografia que possibilitam o uso de novas fontes

entre elas as orais permitiram anaacutelises sobre a Amazocircnia Legal com nova dinacircmica

enquanto objeto de estudo nas aacutereas de Ciecircncias Humanas e Sociais Por outro lado

ressalta-se que eacute imprescindiacutevel trilhar pelas discussotildees teoacutericas e metodoloacutegicas de

alguns estudiosos da questatildeo agraacuteria no Brasil como Caio Prado Juacutenior Octaacutevio Ianni

Seacutergio Buarque de Holanda e outros Em Mato Grosso as obras de autores como

Martins (1985-1997) Lenharo (1985) Oliveira (1996) Barrozo (2009 2010)

Guimaratildees Neto (2002 2007) Gonccedilalves (2005) e Joanoni Neto (2007) Arauacutejo (2013)

entre outros satildeo referecircncias

As concepccedilotildees abordadas por esses autores nos remetem a pensar que eacute

preciso antes de tudo desconstruir a narrativa oficial sobre a Amazocircnia a qual foi

construiacuteda sobretudo durante os Governos civis militares sob o ponto de vista que

engloba a noccedilatildeo da fronteira e de integraccedilatildeo nacional na qual se procurou internalizar

os discursos de alguns segmentos sociais os quais construiacuteram o imaginaacuterio que

caracteriza esse espaccedilo como atrasado e despovoado ou melhor um ldquovazio

demograacuteficordquo

Ao referenciar o potencial dos recursos naturais ali existentes aquele espaccedilo

passou a ser visto com outro enfoque segundo o qual a mesma pode ser analisada para

aleacutem do seu potencial de reserva natural Natildeo se pode perder de vista que esse

ldquoimaginaacuteriordquo vem sendo arquitetado sob a loacutegica daqueles que vivem ldquoalheiosrdquo agraves

necessidades e ldquorealidadesrdquo nas quais a populaccedilatildeo que habita a Amazocircnia Legal estaacute

inserida no caso especiacutefico o Araguaia

Os empresaacuterios e a elite poliacutetica sempre se beneficiaram dos lucros obtidos

por meio do uso e abuso das riquezas extraiacutedas da Amazocircnia Legal nos grandes

projetos de exploraccedilatildeo mineral e vegetal em nome de um discurso de integraccedilatildeo

nacional e de desenvolvimento e progresso regional

Para Gonccedilalves (2005) compreender a Amazocircnia eacute saber respeitar a

diversidade e particularidades desse espaccedilo em seus aspectos econocircmicos naturais

sociais e culturais bem como os feitios de inserccedilotildees das poliacuteticas e programas de

governo que foram parcialmente realizados Tais poliacuteticas atenderam em especial a

um determinado grupo social especificamente o empresarial que dispunha de capital

financeiro embora se trate de um territoacuterio cheio de contradiccedilotildees conflitos e diferentes

30

possibilidades dos povos que ldquotradicionalmente habitamrdquo a floresta De forma mais

detalhada Gonccedilalves (2005 p 9) descreve

A Amazocircnia eacute sobretudo diversidade Haacute a Amazocircnia dos

Cerrados a Amazocircnia da Vaacuterzea a Amazocircnia dos Manguezais

e a Amazocircnia das florestas Habitar esses espaccedilos eacute um desafio

agrave inteligecircncia agrave convivecircncia com a diversidade Esse eacute o

patrimocircnio que as populaccedilotildees originaacuterias e tradicionais da

Amazocircnia oferecem para o diaacutelogo com outras culturas e

saberes

Logo estudar a Amazocircnia Legal significa tambeacutem conhecer seu processo de

ocupaccedilatildeo e reocupaccedilatildeo identificando sobretudo as dinacircmicas de resistecircncia e as

estrateacutegias de sobrevivecircncias dos diferentes sujeitos que a habitavam (iacutendios

quilombolas sertanejos seringueiros ribeirinhos e outros povos)

Esses grupos se veem diariamente diante da obrigatoriedade de criar e recriar

taacuteticas para enfrentar as novas territorialidades impostas pelos grupos empresariais

capitalistas em sua loacutegica segundo a qual a terra eacute um objeto de negoacutecio Para as

populaccedilotildees tradicionais a terra eacute uma condiccedilatildeo de trabalho e sobrevivecircncia

Barrozo (2010 p 8) considera que ldquo[] o processo de integraccedilatildeo da

Amazocircnia provocou o corte dos espaccedilos por meio da construccedilatildeo de rodovias

desencadeando um processo raacutepido e violento de expropriaccedilatildeo domiacutenio e controle das

aacutereas jaacute povoadas por populaccedilotildees tradicionais daquela regiatildeordquo

Assim como Ianni (1990) Barrozo (2010) assegura que a reocupaccedilatildeo da

Amazocircnia por meio do artifiacutecio da colonizaccedilatildeo privada e dirigida tinha como principal

objetivo acolher a populaccedilatildeo que ldquosobravardquo do processo de modernizaccedilatildeo da agricultura

do Centro-Sul do paiacutes As empresas colonizadoras e agropecuaacuterias aleacutem de se utilizar

dos recursos puacuteblicos executados de forma predatoacuteria provocaram uma transformaccedilatildeo

significativa nos aspectos sociais culturais e ambientais daquele espaccedilo

Para Souza (2009 p79)

A (re) ocupaccedilatildeo do nordeste de Mato Grosso por grandes

empresas incentivadas pelo governo federal a partir da deacutecada

de 70 do seacuteculo XX tem revelado muacuteltiplos conflitos embates

e disputas pelos usos e posse da terra A partir de 1964 os

governos militares elaboraram e conduziram um projeto de

ocupaccedilatildeo e controle de acesso agraves terras na Amazocircnia

materializado pelo Estatuto da Terra (Lei 450464)

31

Destacamos que apesar dessas mudanccedilas consideradas progressistas

conforme o Estatuto da Terra (1964) quando analisadas no campo da operacionalidade

praacutetica natildeo redundaram em uma maior distribuiccedilatildeo de terras para os migrantes natildeo

tendo ocorrido alteraccedilatildeo na dinacircmica de concentraccedilatildeo da terra No entanto mantecircm o

movimento de retorno de muitos migrantes antes e agora expulsos pela expansatildeo do

agronegoacutecio sobretudo pela cultura da soja e criaccedilatildeo de gado para corte e leite

Na perspectiva histoacuterica do processo de reocupaccedilatildeo do Araguaia Barrozo

(2010 p 8) afirma

A partir de 1968 comeccedilaram a chegar ao Araguaia agraves grandes

empresas atraiacutedas pelos incentivos fiscais da Sudam Estas

empresas originaacuterias do Sul e Sudeste se apropriaram de

grandes aacutereas de terra no entatildeo municiacutepio de Barra do Garccedilas

onde instalaram os projetos agropecuaacuterios Neste periacuteodo foram

criados vaacuterios povoados e vilas onde se concentra o comeacutercio e

a prestaccedilatildeo de serviccedilos Entre os nuacutecleos populacionais deste

periacuteodo destacam-se Porto Alegre do Norte Alto da Boa Vista

Confresa As agropecuaacuterias desmataram grandes aacutereas de

Cerrado e de floresta para o plantio de pastagens e algumas

empresas deixaram suas terras incultas agrave espera de valorizaccedilatildeo

Com a reduccedilatildeo e extinccedilatildeo gradativa dos incentivos e subsiacutedios

fiscais da Sudam muitas empresas agropecuaacuterias reduziram

suas atividades na regiatildeo e algumas venderam suas

propriedades

Percebemos que o processo de reocupaccedilatildeo das terras do Araguaia natildeo fugia

agraves caracteriacutesticas do que ocorrera nas demais aacutereas da Amazocircnia Legal que era

apresentada no cenaacuterio nacional como uma grande extensatildeo de terra despovoada onde

havia extensos espaccedilos considerados ldquovaziosrdquo

Essa concepccedilatildeo teve origem no programa ldquoMarcha para o Oesterdquo que

selecionou o Centro-Oeste brasileiro como alvo privilegiado para a implantaccedilatildeo dos

grandes projetos de expansatildeo visando agrave ocupaccedilatildeo territorial Destacamos a Fundaccedilatildeo

Brasil Central cujo objetivo era construir estradas e ldquopacificarrdquo as sociedades indiacutegenas

existentes nos vales do Araguaia e Xingu Nesse sentido Soares (2004 p 98) assinala

que

32

A opccedilatildeo de investimento a fim de promover o desenvolvimento

da Amazocircnia abrangendo o Vale do Araguaia parte do nordeste

de Mato Grosso foi pela instalaccedilatildeo de grandes projetos

agropecuaacuterios para produccedilatildeo de proteiacutenas de carne bovina para

exportaccedilatildeo Os primeiros projetos aprovados pela Sudam

implantados no Vale do Araguaia datam de 1966 destacando-se

a Agropecuaacuteria Suiaacute Missuacute SA com uma aacuterea de 695 843

hectares que corresponde aproximadamente a 300000

alqueires localizada no atual municiacutepio de Satildeo Feacutelix do

Araguaia A partir de 1966 muitos outros projetos foram sendo

instalados

De acordo com a descriccedilatildeo do autor as poliacuteticas de desenvolvimento

econocircmico da Amazocircnia promovidas pelo Governo Federal sob a supervisatildeo da

Superintendecircncia de Desenvolvimento da Amazocircnia (Sudam) desde o iniacutecio de sua

criaccedilatildeo despertaram o interesse de empresaacuterios regiotildees Sudeste e Sul do Brasil Os

mesmos viam na constituiccedilatildeo do desenvolvimento regional a possibilidade de maior

enriquecimento por meio dos grandes projetos agropecuaacuterios e de colonizaccedilatildeo

madeireiros e mineradores As empresas eram atraiacutedas pelos incentivos fiscais cuja

propaganda produzia o imaginaacuterio da terra em abundacircncia e financiamentos a juros

baixos

Sobre o imaginaacuterio e os efeitos da propaganda em torno das possibilidades de

riqueza advinda do trabalho com a terra Arauacutejo (2013 p 250) em sua pesquisa

ldquoTerritoacuterios Amazocircnicos e o Araguaia Mato-grossense configuraccedilotildees de modernidade

poliacuteticas de ocupaccedilatildeo e civilidade para os sertotildeesrdquo ao analisar os artifiacutecios ocorridos na

execuccedilatildeo das poliacuteticas de desenvolvimento no Araguaia afirma

As propagandas dos ldquonegoacutecios fundiaacuteriosrdquo do Vale do Araguaia

eram veiculadas pelos meios de comunicaccedilatildeo locais (raacutedio

televisatildeo jornais) anunciando facilidades aos interessados o

que muito atraiacutea pessoas com histoacuterico familiar vinculado agraves

praacuteticas campesinas que desejavam possuir eou aumentar o

proacuteprio patrimocircnio aleacutem da possibilidade de assegurar a

manutenccedilatildeo da famiacutelia pensando numa estabilidade

socioeconocircmica

Agrave luz da concepccedilatildeo da autora afirmamos que as empresas se valiam de

diferentes estrateacutegias sobretudo o uso dos recursos midiaacuteticos para propagarem o

discurso e o imaginaacuterio em torno da terra abundante e apropriada para agricultura E

33

assim mobilizar migrantes de vaacuterias regiotildees do Brasil em busca do sonho em ter a

posse da terra e condiccedilotildees para produzir e adquirir riqueza

Ainda em conformidade com Arauacutejo (2013) eacute possiacutevel afirmar que havia

entre os grupos de migrantes perfis sociais econocircmicos e culturais muito diferentes

pois de um lado estavam as famiacutelias que planejaram as mudanccedilas no espaccedilo e do

outro aquelas que chegaram ao Araguaia mato-grossense por acaso

Nesta mesma perspectiva Paret (2012 p 17) avalia a formaccedilatildeo

socioeconocircmica do Araguaia como a realizaccedilatildeo da integraccedilatildeo entre as populaccedilotildees

tradicionais (povos indiacutegenas) e migrantes ldquodos quatro cantos do paiacutesrdquo que em sua

maioria eram ldquo[] retirantes espontacircneos colonos pioneiros e audaciosos

trabalhadores temporaacuterios (boias-frias) migrantes que emigram sem descanso fugindo

da pobreza em busca de novas oportunidadesrdquo Observamos que a visatildeo do autor citado

eacute problemaacutetica pela exaltaccedilatildeo de um ideal do pioneiro parte daquilo que consideramos

como histoacuteria oficial

Como o INCRA natildeo assegurou terras para os migrantes desprovidos de

capital financeiro para aquisiccedilatildeo de lotes estes passaram a reocupar aacutereas jaacute povoadas

pelas populaccedilotildees indiacutegenas terras da Uniatildeo ou de fazendas improdutivas Esta situaccedilatildeo

gerou diversos conflitos entre diferentes grupos sociais no Araguaia mato-grossense

Nesse contexto o municiacutepio de Vila Rica-MT foi formado Esse processo

requer uma anaacutelise especiacutefica

12 A criaccedilatildeo e emancipaccedilatildeo3 do municiacutepio de Vila Rica-MT

A formaccedilatildeo de Vila Rica-MT teve seu desenvolvimento intensificado a partir

da deacutecada de 1980 tendo por base quatro Projetos Agropecuaacuterios Aracati Satildeo Marcos

Porangaba e Promissatildeo Posteriormente essas agropecuaacuterias foram transformadas em

projeto de colonizaccedilatildeo privada com a criaccedilatildeo da empresa de Serviccedilo Auxiliares da

Agropecuaacuteria LTDA (Servap) que procurou a efetivaccedilatildeo do projeto de colonizaccedilatildeo por

meio da empresa Colonizadora Vila Rica-MT Ltda

3 A Lei n 4381 de 12 de novembro de 1981 criou o Distrito de Vila Rica com territoacuterio

pertencente agrave Santa Terezinha e no dia 13 dias de maio de 1986 pela Lei Estadual n 5001 foi

criado o municiacutepio de Vila Rica

Disponiacutevel em

lthttpwwwcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=510860ampsearch=mato-

grosso|vila-ica|infograficos-historicogt Acesso em 21082015

34

Logo o municiacutepio inseriu-se em muacuteltiplos contextos de reocupaccedilatildeo da terra e

de financiamento de projetos agropecuaacuterios madeireiros e de colonizaccedilatildeo localizados

no nordeste do estado de Mato Grosso na faixa fronteiriccedila com os estados do Paraacute e

Tocantins como mostra a figura que se segue

Figura 01 Mapa de Propaganda da Colonizadora Vila Rica-MT

Fonte Servap apud Martini 2002 p12

Observamos na imagem que os escritos da propaganda da empresa

colonizadora se vinculavam agrave ideia de que ldquoeacute faacutecil conhecer Vila Ricardquo tendo ao lado

um mapa desatacando visualmente as rotas de estradas que ligavam o Sul do paiacutes ateacute o

Norte e tendo Vila Rica como ponto estrateacutegico nessa rota Ademais a mensagem

35

escrita eacute clara pretendia- se atrair compradores de terra de outras regiotildees que

organizassem ldquocaravanasrdquo para conhecer e investir no municiacutepio de Vila Rica

Na deacutecada de 1970 um soacutecio da Servap resolveu transformar juridicamente a

sua aacuterea territorial em uma empresa especializada e autorizada para atuar como

ldquoempresa de colonizaccedilatildeordquo O objetivo foi o de obter junto ao Governo Federal

autorizaccedilatildeo para lotear a aacuterea da agropecuaacuteria e comercializar os lotes utilizando os

incentivos fiscais oferecidos na eacutepoca pela Sudam Aleacutem da especulaccedilatildeo caracterizada

pela valorizaccedilatildeo imobiliaacuteria das terras com baixa eficiecircncia produtiva a empresa

procurava garantir com isso a presenccedila de trabalhadores que serviriam de matildeo obra nas

proacuteprias fazendas Esse processo foi caracterizado por Ianni (1978) como ldquoContra

Reforma Agraacuteriardquo

Segundo Guimaratildees Neto (2007 p 7)

Nesse sentido eacute que as novas cidades surgiram no territoacuterio

amazocircnico articuladas a uma grande rede viaacuteria e ao mercado

capitalista natildeo satildeo resultados ldquonaturaisrdquo do movimento de

deslocamento dos diversos grupos sociais que para laacute se

dirigiram denominado de processo migratoacuterio Relacionam-se

muito mais a um conjunto de praacuteticas organizadoras de poliacuteticas

de controle e monopoacutelio da exploraccedilatildeo da riqueza por parte dos

grandes empresaacuterios e proprietaacuterios As cidades trazem inscritas

em seu espaccedilo as praacuteticas sociais de segregaccedilatildeo de violecircncia e

de cerceamento dos direitos civis que natildeo podem ocultar Mas

natildeo soacute isto manifesta a todo o momento praacuteticas de resistecircncia

atuaccedilotildees de organizaccedilotildees civis e religiosas demarcando um

territoacuterio de conflito

Para a autora as cidades emergidas no territoacuterio da Amazocircnia natildeo resultaram

de um movimento espontacircneo de migraccedilatildeo mas sobretudo foram embasadas de uma

poliacutetica de controle do capital financeiro manipulado pelos interesses dos grupos

empresariais Ao mesmo tempo as novas cidades se constituiacuteram enquanto espaccedilos de

conflitos e praacuteticas de violecircncia marcados pelos conflitos motivados pelas diferenccedilas

sociais culturais e religiosas

Nesse quadro de especulaccedilatildeo imobiliaacuteria com as terras do Araguaia mato-

grossense o processo de colonizaccedilatildeo de Vila Rica foi iniciado pela SERVAP na deacutecada

de 1990 e continuado pela Colonizadora Vila Rica Ltda O foco da colonizaccedilatildeo estava

na venda de lotes rurais para os migrantes que vieram em busca de terra

36

O relato a seguir descreve o momento em que os posseiros e colonos

chegaram assim como a abertura e demarcaccedilatildeo do espaccedilo urbano e rural do municiacutepio

de Vila Rica-MT Tambeacutem eacute evidente na memoacuteria social e na percepccedilatildeo individual o

momento da venda dos lotes segundo a memoacuteria social e a percepccedilatildeo individual dos

entrevistados

[] Eu vi a oportunidade de ver ali onde hoje eacute o coleacutegio

estadual em selva em mata Vi desmatar vi formar pasto e

depois tirar o pasto para fazer a cidade e deixar aquela aacuterea

especial para a construccedilatildeo do coleacutegio Tive a oportunidade de

acompanhar com o topoacutegrafo a demarcaccedilatildeo dos lotes e das

ruas da cidade Quando a colonizadora vendia uma aacuterea de

terra rural de 400 hectares ela dava na cidade

ldquogratuitamenterdquo dois lotes de terra um no centro e outro mais

afastado isso para que as pessoas construiacutessem a fim de

expandir a cidade [] (ENTREVISTA com Dioniacutesio ex-

funcionaacuterio da colonizadora realizada por Acircngela Martini em

novembro de 2001 Grifos nossos)

Podemos identificar atraveacutes dessa fonte oral a percepccedilatildeo dos colonos em

relaccedilatildeo agraves transformaccedilotildees ocorridas nos espaccedilos em que o rural foi ganhando

caracteriacutesticas de urbanizaccedilatildeo mas tambeacutem as estrateacutegias da colonizadora para atrair os

compradores de terra Outro depoimento oral demonstra como ocorria a

comercializaccedilatildeo de lotes

Na verdade quando surgiu Vila Rica eles esparramaram

vendendo para todo o Brasil O pessoal fazia troca trocavam

um alqueire paulista por um alqueire aqui Geralmente trocava

dois por um A terra laacute era mais valorizada (ENTREVISTA

com Gilmar agricultor familiar de Vila Rica-MT realizada pela

autora em marccedilo de 2015)

Atraveacutes desse processo de acesso agrave terra por meio de compra de lotes com o

capital oriundo da venda de terras no local de origem muitos migrantes de vaacuterias

localidades do Brasil sobretudo nos estados do Paranaacute Santa Catarina Rio Grande do

Sul Goiaacutes e Minas Gerais onde ocorriam transformaccedilotildees na estrutura agraacuteria e a

modernizaccedilatildeo da agricultura foram para Vila Rica buscando realizar o sonho de

adquirir uma ldquoaacutereardquo equivalente agrave que haviam vendido na regiatildeo de origem ou entatildeo

uma aacuterea ainda maior

37

Dentre os sonhos e os projetos de vida desses migrantes estava a

possibilidade de produzir com fartura melhorar de vida ou ateacute enriquecer atraveacutes do

trabalho na terra O depoimento do secretaacuterio de agricultura do municiacutepio de Vila Rica-

MT ilustra essa situaccedilatildeo tendo por base sua trajetoacuteria pessoal

Eu nasci em Santa Catarina no ano de 1975 e quando eu tinha

10 anos de idade os meus pais mudaram para o estado de Mato

Grosso Na eacutepoca a gente jaacute morava no estado do Paranaacute

Chegamos no dia 9 de junho de 1985 Vila Rica ainda era

distrito de Santa Terezinha e aiacute fomos direto para o Projeto

Canta Galo que era um projeto de colonizaccedilatildeo Chegamos agrave

noite em Vila Rica e fomos direto para o Canta Galo era soacute

mato e noacutes jaacute chegamos destruindo tudo porque a gente jaacute

chegou para fazer roccedila para comeccedilar a trabalhar []

A gente veio com pessoal conhecido Meus pais eu e os meus

irmatildeos A nossa famiacutelia veio completa e mais cinco famiacutelias

vieram em busca de melhorias de vida Sempre mexemos com

sitio Moramos na roccedila pequena propriedade e viemos pra caacute

com a intenccedilatildeo de conseguir uma aacuterea maior Queriacuteamos ficar

ricos mas o que aconteceu foi o contraacuterio (ENTREVISTA

com Gilmar agricultor familiar de Vila Rica-MT realizada pela

autora em marccedilo de 2015)

A anaacutelise da fonte oral permite averiguar que a empresa SERVAP

posteriormente denominada de Colonizadora Vila Rica Ltda tambeacutem lanccedilou matildeo de

diversos recursos midiaacuteticos fazendo investimentos em propaganda a fim de difundir a

ideia da boa qualidade da terra boa e seu baixo preccedilo Esse trabalho de divulgaccedilatildeo

influenciou pessoas que decidiram migrar procurando um espaccedilo promissor com terras

boas

Dentro dessa perspectiva a visualizaccedilatildeo e leitura de um dos panfletos

publicitaacuterios nos ajudou a visualizar as estrateacutegias de propaganda utilizadas pela

colonizadora no caso do municiacutepio de Vila Rica

A propaganda facilitava a venda dos lotes acelerando a reocupaccedilatildeo dos

espaccedilos urbanos e rurais como retrata o panfleto utilizado pela empresa para difundir o

seu ideaacuterio de construccedilatildeo social A imagem de trabalhadores rurais ldquocarpindordquo

demonstra que o ideal seria a migraccedilatildeo de colonos agricultores com perfil de quem

sabia produzir plantar e colher produtos agriacutecolas A frase ldquoTerra feacutertil e urbanizadardquo

demonstra no entanto que se prometia uma estrutura urbana para oferecer uma ldquovida

feliz para vocecirc e sua famiacuteliardquo Ou seja um evidente apelo aos valores tradicionais da

38

famiacutelia atrelados agrave ideia de felicidade a ser conquistada atraveacutes da compra de terras no

municiacutepio de Vila Rica-MT

Todos esses elementos podem ser observados na Figura 2

Figura 2 Folder de Propaganda da Colonizaccedilatildeo Vila Rica-MT

Fonte SERVAP apud Martini 2002 p14

Portanto os colonos que compraram terras e se mudaram para Vila Rica

sofreram as investidas das empresas atraveacutes das propagandas que descreviam as terras

como sendo boas e baratas conforme mostra o panfleto da colonizadora ldquoConheccedila Vila

Rica Mato Grosso terra feacutertil e urbanizada vida feliz para vocecirc e sua famiacuteliardquo A

imagem criava um imaginaacuterio acerca do lugar como o ideal para se morar e prosperar

economicamente A loacutegica era de fixaccedilatildeo do homem na terra passada de pai para filho

apelo aos agricultores de tradiccedilatildeo ldquocamponesardquo 4

4 Sobre essa questatildeo Martini (2002) em sua monografia de graduaccedilatildeo em Histoacuteria a qual eacute intitulada

como Cotidiano e Identidade Cultural em Vila Rica ndashMT uma cidade de colonizaccedilatildeo recente apresenta

39

Nesse aspecto o relato oral a seguir se constitui numa exemplificaccedilatildeo da

forma como que os artifiacutecios da propaganda persistem na memoacuteria dos atores sociais

As propagandas ih Eles passavam slides mostravam como

era aqui em Vila Rica da cidade das roccedilas das lavouras das

plantaccedilotildees de soja milho Propaganda na raacutedio passava muito

direto mesmo e tambeacutem na televisatildeo passava propaganda

sobre a Vila Rica Tinha tambeacutem gravaccedilotildees de mulheres daqui

da Vila que faziam entrevista na raacutedio Elas diziam assim olha

gente aqui em Vila Rica noacutes estamos bem noacutes temos coleacutegio

falava falava do coleacutegio Faziam propaganda muita entrevista

na raacutedio Eles iludiam muito o pessoal (ENTREVISTA com

Izolde Baacuteo ex-colona realizada por Acircngela Maria Martini em

04032001)

Logo podemos compreender que as propagandas eram criadas pela empresa

colonizadora mas que tinham participaccedilatildeo dos proacuteprios colonos que incentivavam a

vinda de outros A colonizadora incentivava essa participaccedilatildeo dos colonos para o

chamamento - atraveacutes da ideia de que quanto mais colonos viessem para a aacuterea e

comprassem terra mas proacutesperas seriam aquelas terras

Outro fator altamente atrativo foi a divulgaccedilatildeo do projeto urbaniacutestico da

cidade de Vila Rica-MT cujo ldquocorpordquo lembra a figura de um sino Conforme IBGE

Cidades (2015)

A cidade de Vila Rica-MT localizada no nordeste de Mato

Grosso foi cuidadosamente planejada no periacuteodo de sua

fundaccedilatildeo O traccedilado da cidade lhe daacute um formato de sino tendo

sido idealizado pelo paisagista suiacuteccedilo Dr Roberto Khuno Eacute

dividida em dois setores norte e sul sendo margeada pela BR-

1585

Esse formato do projeto da cidade representa a construccedilatildeo do imaginaacuterio de

um grupo de migrantes praticantes da feacute catoacutelica incorporando princiacutepios religiosos a

serviccedilo do capitalismo Ao mesmo tempo mostra uma forte aproximaccedilatildeo entre os

colonos e os donos da empresa colonizadora com a Igreja Catoacutelica Essa representaccedilatildeo

arquitetocircnica da cidade mostra que a mesma foi planejada a partir de uma concepccedilatildeo

religiosa com a qual o desenvolvimento se entrelaccedilaria Objetivou-se a construccedilatildeo do

uma reflexatildeo bastante rica em detalhes construiacuteda a partir das narrativas orais e de imagens relacionadas

ao processo de formaccedilatildeo da cidade de Vila Rica no Estado de Mato Grosso 5Disponiacutevel em

lthttpwwwcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=510860ampsearch=mato-

grosso|vila-rica|infograficos-historicogt Acesso em 2102015

40

imaginaacuterio coletivo de uma cidade civilizada com uma Igreja dentro dos moldes

europeus Assim como na histoacuteria europeia moderna a religiatildeo e a eacutetica do capitalismo

se fundem em um processo que

possivelmente pode ter sido utilizado pela

colonizadora6

Figura 3 Planta ou Projeto urbaniacutestico da cidade de Vila Rica-MT

Fonte Arquivo da Prefeitura de Vila Rica-MT 2015

Atraveacutes da visualizaccedilatildeo da figura 3 fica evidenciado que o projeto

urbaniacutestico ou a planta da aacuterea urbana do municiacutepio de Vila Rica partiu de um projeto

com base em um ldquoconceitualrdquo religioso Em outra planta que projeta a aacuterea de expansatildeo

urbana eacute perceptiacutevel que foi mantido o formato do sino inicial mas com acreacutescimo de

aacutereas agrave direita e uma base que natildeo desconfigurou o desenho inicial

Guimaratildees Neto (2000) considera que no universo simboacutelico da ldquocidade

colonizadardquo tudo parece ter sentido e significado Haacute um lugar certo para cada coisa ou

situaccedilatildeo por exemplo espaccedilo para a praccedila comeacutercio bairros residenciais bairros para

os oacutergatildeos puacuteblicos e institucionais avenidas e bairros residenciais dos trabalhadores Eacute

a ideia de cidade organizada enfim de um povo que organiza devidamente o seu espaccedilo

de convivecircncia social Todavia nesse cenaacuterio desenhado natildeo haveria espaccedilo para o

6 Para uma melhor compreensatildeo ver o caso de Fontanilha Juiacutena-MT analisado por JOANONI

NETO Vitale Fronteiras da Crenccedila ocupaccedilatildeo no Norte de Mato Grosso apoacutes 1970 Cuiabaacute

Carlini amp Caniato EdUFMT 2007

41

surgimento das periferias uma vez que a existecircncia delas desmontaria todo o ideaacuterio

urbaniacutestico da cidade de progresso e de civilizaccedilatildeo

Eacute notoacuteria a riqueza de detalhes nos projetos urbaniacutesticos das cidades

planejadas de colonizaccedilatildeo recente de Mato Grosso As marcas da organizaccedilatildeo tecircm

sempre uma perspectiva marcante no universo de signos e significados como foi

registrado por Guimaratildees Neto (2000 p 7) ao apontar que a cidade se projeta ldquo[]

como uma metaacutefora privilegiada da passagem-comunicaccedilatildeo e separaccedilatildeo entre diversos

mundos e por que natildeo paisagem desenhada por um rico mosaico de linguagens

diversasrdquo

Nesse aspecto quem chegou primeiro fez parte da construccedilatildeo quem chegou

depois tambeacutem foi inserido nessa loacutegica organizativa porque parte dos colonos que

permaneceram na cidade se incorporou ao trabalho prestando serviccedilos ou abrindo

comeacutercios inserindo-se nesse universo de desejo siacutembolos sentidos e significados de

viver em uma cidade com caracteriacutesticas e paisagem adequadas aos moldes dos grandes

centros urbanos

O imaginaacuterio coletivo acerca da concepccedilatildeo de progresso se constituiu de

forma eficaz nessa representaccedilatildeo da cidade em seus primeiros tempos distinguindo os

acontecimentos iniciais construiacutedos com a participaccedilatildeo de homens e mulheres vindos

das diferentes regiotildees do Brasil Essa diversidade cultural se explicita nos detalhes de

construccedilatildeo das casas na maneira de falar e de organizar a paisagem urbana enfim

torna-se proacuteprio de uma cidade de todos para todos desde que devidamente organizados

em seus espaccedilos sociais

Noutra abordagem sobre as narrativas e a formaccedilatildeo de cidades do processo de

colonizaccedilatildeo recente Guimaratildees Neto (2007 p 7) exemplifica

Trabalhadores sem-terra e mesmo pequenos proprietaacuterios

denominados de colonos invertem as programaccedilotildees e previsotildees

das empresas colonizadoras Por meio de accedilotildees coletivas e de

enfrentamentos conflituosos provocam mudanccedilas de aacutereas

planejadas para determinados fins com funccedilotildees diferentes do

que estava previsto As proacuteprias empresas e depois os poderes

puacuteblicos instalados criam ldquobairros novosrdquo a fim de controlar e

administrar a chegada de diversos trabalhadores pobres como

na cidade de Vila Rica-MT onde se organiza a mudanccedila da

cadeia puacuteblica do cemiteacuterio e da zona de meretriacutecio para o

bairro Vila Nova destinado a pessoas de comprovada baixa

renda e com maior nuacutemero de dependentes (Lei municipal nordm

42

19693 de 09121993) extinguindo o popular ldquoPau Secordquo a

primeira aacuterea de meretriacutecio que ocupava um espaccedilo

considerado nobre para a cidade

Em conformidade com a concepccedilatildeo da autora afirmamos que satildeo os atores

histoacutericos atraveacutes de diferentes estrateacutegias e accedilotildees que realizam os desdobramentos e

permitem uma multiplicidade de accedilotildees e efeitos de suas praacuteticas eacute que vatildeo

ldquodesvendando inventando e desenhandordquo os locais da cidade que encenam os contrastes

sociais e culturais Nesse aspecto grupos sociais acabam modificando o projeto inicial e

inserindo nele seu proacuteprio modo de constituir a vida em sociedade

Outra estrateacutegia utilizada para facilitar o processo de venda dos lotes foi a

definiccedilatildeo dos criteacuterios de seleccedilatildeo do puacuteblico alvo das investidas de vendas pela

empresa colonizadora Nesse cenaacuterio surgiram os pequenos proprietaacuterios de terras do

Sul do Brasil os quais dispunham de capital para investir na compra de lotes da

colonizadora Tambeacutem havia a negociaccedilatildeo por meio da troca de terra e da carta de

creacutedito como ocorreu com as pessoas que haviam sido desapropriadas para a

construccedilatildeo da barragem da Usina de Itaipu no Paranaacute de onde migraram diversas

pessoas para Vila Rica-MT Essa negociaccedilatildeo era feita com intermediaccedilatildeo de instituiccedilatildeo

bancaacuteria

Ainda relacionando a reorganizaccedilatildeo dos espaccedilos em Vila Rica sob a

conduccedilatildeo da colonizadora eacute importante considerar que houve tentativas no sentido de

destinar pequenas aacutereas de terra situadas nos fundos das fazendas para ldquoaliviarrdquo a

pressatildeo dos trabalhadores rurais Inclusive ex-funcionaacuterios da empresa SERVAP com

o objetivo de evitar a invasatildeo por parte dos ldquoposseirosrdquo acabavam sendo incorporados

por esses procedimentos de especulaccedilatildeo imobiliaacuteria praticados pela Colonizadora Vila

Rica

Semelhante situaccedilatildeo nos remete a uma anaacutelise que demonstra ter havido uma

relaccedilatildeo entre as intenccedilotildees dos representantes da Servap tanto em relaccedilatildeo aos objetivos

do INCRA quanto ao destino de parte da aacuterea para o processo de colonizaccedilatildeo oficial

Segundo Barrozo (2010 p 18) ldquo[] para os camponeses do Sul o governo oferecia a

possibilidade de adquirir um lote de 100 ou 200 hectares em um nuacutecleo do INCRA

com infraestrutura estrada e tudo mais que a propaganda oficial anunciava para

sensibilizar os agricultoresrdquo

43

No caso do processo de reocupaccedilatildeo do municiacutepio de Vila Rica a

documentaccedilatildeo7 analisada demonstrou que havia entre os primeiros moradores

concepccedilotildees diferentes acerca do processo de ocupaccedilatildeo e reocupaccedilatildeo das terras naquela

aacuterea As fontes nos possibilitam ainda identificar as estrateacutegias adotadas para arquitetar

o imaginaacuterio sobre os ldquoditos pioneirosrdquo que pode ser identificado atraveacutes das narrativas

oficiais sobre as histoacuterias do lugar que se tornam discursos

Poreacutem a realidade contemporacircnea tambeacutem pode ser pensada por outra

perspectiva configurada de outro modo demonstrando a presenccedila indiacutegenas na regiatildeo

Nos sites do IBGE Cidades e da Prefeitura de Vila Rica natildeo haacute menccedilatildeo sobre a

presenccedila de povos indiacutegenas na aacuterea colonizada Mas segundo Costa e Silva amp Ferreira

(1994 p 248)

O povo indiacutegena ldquoTapirapeacuterdquo que habitou imemorialmente as

terras do lugar foram remanejados para municiacutepios vizinhos

em aacutereas especialmente reservadas Estes foram na verdade os

grandes pioneiros do lugar povo sofrido sentindo-se sem

perspectivas de vida iniciaram um processo de auto

dizimazizaccedilatildeo Tudo comeccedilou com forte conflito cultural que se

abateu sobre os poucos ldquoTapirapeacutesrdquo que restaram Accedilatildeo

seguinte que se viu foi agrave eliminaccedilatildeo de crianccedilas receacutem-nascidas

No entanto a interferecircncia de religiosas natildeo permitiu que se

concretizasse o desejo coletivo de extinccedilatildeo do ldquoTapirapeacuterdquo como

naccedilatildeo (Grifos nossos)

A citaccedilatildeo eacute importante para destacar a presenccedila do povo indiacutegena Tapirapeacute na

aacuterea que foi colonizada no entanto eacute uma visatildeo problemaacutetica no que diz respeito agrave

ideia de que os povos indiacutegenas foram pioneiros uma vez que essa concepccedilatildeo eacute oriunda

de projetos de Governo e de uma visatildeo economicista de ocupaccedilatildeo de territoacuterio natildeo eacute

parte da concepccedilatildeo de terra para povos indiacutegenas voltada agrave identidade e memoacuteria do

lugar Certamente para os autores pioneiro significou aquele que primeiro ocupou o

solo e natildeo seu entendimento no interior do processo de colonizaccedilatildeo contemporacircneo

No entanto existe uma narrativa oficial que ldquoesquecerdquo de citar a presenccedila

indiacutegena e assume um discurso de que os ldquopioneirosrdquo foram os que participaram do

processo de colonizaccedilatildeo privada Isto eacute haacute uma ampla difusatildeo da ideia de que a

7 O termo documentaccedilatildeo refere- se agraves fontes escritas que foram acessadas para a produccedilatildeo das

anaacutelises como eacute o caso dos ofiacutecios cartas relatoacuterios atas e relatos orais

44

validade da ocupaccedilatildeo da terra tem sentido somente quando eacute pensada do ponto de vista

da criaccedilatildeo da cidade e da organizaccedilatildeo social embasada na propriedade privada da terra

Outros atores sociais silenciados foram os migrantes de origem camponesa

de diferentes origens que foram ocupar aquele espaccedilo nas primeiras deacutecadas do seacuteculo

XX conforme descrito por Costa e Silva amp Ferreira (1994 p 248)

No iniacutecio da sua povoaccedilatildeo Vila Rica recebeu forte fluxo

migratoacuterio de povos (sic) de Goiaacutes Minas Gerais e do

Nordeste Fator determinante foi o reflexo da colonizaccedilatildeo de

Nova Xavantina pois o assentamento da Fundaccedilatildeo Brasil

Central natildeo produziu os efeitos que se esperava e os colonos

sem apoio prometido se espalharam pelo Leste e Nordeste do

Estado de Mato Grosso

Novamente a citaccedilatildeo traz problemas ao analisar que os fluxos migracionais

eram realizados por ldquopovosrdquo entendidos enquanto populaccedilotildees mas fornece elementos

para compreendermos como ocorreu uma reocupaccedilatildeo inicial por migrantes poreacutem o

que persiste na histoacuteria oficial descrita no IBGE Cidades (2015) 8 eacute que

A construccedilatildeo da rodovia BR-158 foi fator determinante para a

colonizaccedilatildeo da cidade de Vila Rica -MT favorecendo o

estabelecimento de empresas agropecuaacuterias na regiatildeo O nuacutecleo

que deu origem ao atual municiacutepio tem histoacuteria

relativamente recente Vila Rica - MT foi fundada pelo Sr

Rubens Rezende Peres em 1978 que chegou na regiatildeo

trazendo consigo a Colonizadora Vila Rica-MT Segundo

relatos histoacutericos os primeiros moradores da localidade vieram

de Minas Gerais e homenagearam o lugar que escolheram para

morar com o nome de Vila Rica em referecircncia agrave antiga Vila

Rica de Ouro Preto (Grifos nossos)

Logo dessa maneira registrada a presenccedila indiacutegena e de migrantes que

chegaram antes da colonizaccedilatildeo privada efetivada a partir da deacutecada de 1980 e

consideradas ldquorecentesrdquo decidem considerar que a histoacuteria do municiacutepio somente

comeccedila com essa modalidade de colonizaccedilatildeo

8 Disponiacutevel em

lthttpwwwcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=510860ampsearch=mato-

grosso|vila-rica|infograficos-historicogt Acesso em 2102015

45

A obra da jornalista Soely Gonccedilalves Santos Pires contratada pela Prefeitura

Municipal de Vila Rica em 2002 para escrever a histoacuteria do municiacutepio eacute um exemplo

que evidencia a versatildeo oficial9

[] Aconteciam as exploraccedilotildees das terras ao nordeste mato-

grossense rotas e demarcaccedilotildees cifradas em aacutereas destinadas agrave

implantaccedilatildeo do arrojado projeto Em meio a tantos apetrechos

no lidar aacuterduo talvez natildeo tenham tido tempo para registrar tudo

em diaacuterio Idas e vindas por iacutengremes caminhos de quilocircmetros

de distacircncias paragens desconhecidas Veredas iam se

alargando mato adentro sol ardente e calor intenso []

venciam-se os empecilhos agrave medida que esses iam surgindo

Natildeo adentravam o sertatildeo em busca de bauacute recheado de

preciosos tesouros enterrados nas profundezas da terra [] A

finalidade era trabalhar Soacute assim conquistariam o almejado

objetivo [] Trabalho avante Em aproximadamente seis meses

de contiacutenuas derrubadas a estiagem com a secagem Nisso

atearam fogo Os dias se passaram Um olhar ao longe no

alcance de vales e serras [] Focando com muita atenccedilatildeo os

limpotildees que iam surgindo propiciando o semear das primeiras

sementes de capim Aiacute estava o representativo ouro dos sertotildees

A Servap foi instituiacuteda no ano 1973 e por seu intermeacutedio

administrava-se toda a assistecircncia no desenvolver das atividades

do projeto desde o princiacutepio A movimentaccedilatildeo era intensa o

serviccedilo mecanizado requeria grande consumo de oacuteleo diesel O

transporte era constante Devido agrave precariedade das estradas o

trajeto era retardo levando de cinco a sete dias para alcanccedilar o

ponto de apoio local onde se situava a SERVAP Hoje ali se

encontra o Frigoriacutefico Vila Rica que por sinal contribuiu muito

natildeo soacute com a economia natildeo soacute da regiatildeo mas tambeacutem de

municiacutepios vizinhos (PIRES 2002 p 10)

O discurso contido nessa narrativa apresenta muacuteltiplos sentidos

primeiramente pode ser analisado como sendo da perspectiva de um explorador de

recursos naturais e de projetos de colonizaccedilatildeo privada mas que se considera um

desbravador com um espiacuterito empresarial e empreendedor Essa observaccedilatildeo pode ser

visualizada na afirmaccedilatildeo de que se tratava da ldquo[] implantaccedilatildeo do arrojado projeto Em

meio a tantos apetrechos no lidar aacuterduo []rdquo Aqui eacute possiacutevel pensar inclusive na ideia

da tentativa de criaccedilatildeo de um mito de origem de um heroacutei de um grupo de homens que

fizeram a histoacuteria da cidade civilizada

9Apesar da ressalva sobre o livro de Soely eacute necessaacuterio afirmar que se trata de uma obra

importante para percebemos a concepccedilatildeo do dono da empresa Servap

46

Esse tipo de discurso exaltando o colonizador foi identificado e interpretado

pela pesquisa de Heinst (2007) que analisou a disputa da memoacuteria de quem era o

colonizador e o pioneiro no municiacutepio mato-grossense de Mirassol D‟Oeste A autora

identificou que foram aqueles pioneiros que tiveram ecircxito econocircmico considerados os

ldquoprimeirosrdquo com o espiacuterito empresarial que enalteceram a colonizaccedilatildeo

Guimaratildees Neto (2002) na anaacutelise de Alta Floresta esclarece que o

colonizador Ariosto da Riva produziu um discurso no qual se auto-intitula ldquobandeirante

do seacuteculo XXrdquo A anaacutelise mostra a perspectiva de quem tem o espiacuterito expansionista

tatildeo recorrente na histoacuteria brasileira e que se renova ao longo do contexto de expansatildeo da

fronteira agriacutecola recente

Sabemos que a narrativa produzida em determinada conjuntura poliacutetica

cultural ou econocircmica estaacute condicionada a um momento histoacuterico e atrelada agrave

linguagem utilizada pode ser uma das vias por onde a ideologia se materializa O

ldquoaventureirordquo eacute descrito e se auto- identifica como explorador e grande desbravador de

espiacuterito empreendedor sendo portanto ele o pioneiro em tudo porque enfrentou

inuacutemeras dificuldades Assim produz discursos embasados em espaccedilos difiacuteceis de

sertatildeo obstaacuteculos naturais e o potencial arrojado do sujeito empreendedor inicial

Aleacutem disso o texto enfatiza que todo esse esforccedilo natildeo tinha como objetivo o

lucro o interesse proacuteprio a cobiccedila como se observa nesse fragmento do texto de Pires

(2002 p 10) ldquo[] Natildeo adentravam o sertatildeo em busca de bauacute recheado de preciosos

tesouros enterrados nas profundezas da terra A finalidade era trabalhar []rdquo Essas

narrativas remetem agrave trajetoacuteria do colonizador e de sua famiacutelia conforme a descriccedilatildeo

Minha histoacuteria comeccedila com o meu pai eacuteramos madeireiros ele

jaacute atuava no ramo por muitos anos faleceu e eu o substituiacute no

trabalho Na deacutecada de 50 me mudei para Satildeo Pedro dos

Ferros cidade jaacute com cinquenta anos de fundaccedilatildeo e sem

nenhuma participaccedilatildeo minha nem de algueacutem da minha famiacutelia

Compramos terra nesse municiacutepio onde foi implantado um

grande serviccedilo chegando a trabalhar dez mil pessoas no

desmatamento e formaccedilatildeo de aacutereas para a implantaccedilatildeo de

fazendas Quando o serviccedilo terminou eu estava com quarenta e

cinco anos de idade Acostumado desde muito cedo com serviccedilo

de grande porte utilizando grande nuacutemero de pessoas []

como fazendeiro comecei a me sentir meio ocioso As

atividades que eu tinha em minha fazenda natildeo eram suficientes

para satisfazer o meu acircnimo para o trabalho (ENTREVISTA

com Rubens Rezende Peres colonizador de Vila Rica realizada

por Suely Gonccedilalves Santos Pires em 2002)

47

Podemos compreender que o colonizador ressalta na sua narrativa seu

perfil de empreendedor advindo de uma ldquoheranccedilardquo adquirida do pai que era

madeireiro Depois vai demonstrando como foi se adaptando agraves novas situaccedilotildees

[] Em Belo Horizonte eu tinha amigos entatildeo participei a

eles sobre a minha pretensatildeo em procurar terras para abrir

novas frentes de trabalho Geraldo Simotildees amigo de longas

datas falou-me ldquoEu arranjo o dinheiro e vocecirc entra com o

serviccedilordquo Convidou uma meia duacutezia de amigos nossos

ldquoAcreditamos na sua capacidade e vocecirc vai pra laacuterdquo Noacutes natildeo

temos experiecircncias suficientes nesse ramo de negoacutecio o que

nos dificultaria particularmente a implantaccedilatildeo de um trabalho

dessa ordem mas entramos com o dinheiro (ENTREVISTA

com Rubens Rezende Peres colonizador de Vila Rica-MT

realizada por Suely Gonccedilalves Santos Pires em 2002)

Neste relato percebe-se a autopromoccedilatildeo do colonizador ao demonstrar que

ele era um ldquotrabalhadorrdquo acostumado com ldquoserviccedilos de grande porterdquo com iniciativa

para conseguir agregar em seus empreendimentos outros ldquoamigosrdquo como Geraldo

Simotildees que foi um dos donos das fazendas abertas naquele periacuteodo Essa narrativa de

autopromoccedilatildeo estaacute dentro de uma loacutegica baseada no ideaacuterio de que o colonizador

deveria ter esse perfil de ldquoempreendedorrdquo e ldquopioneirordquo e que trabalhava e tudo fazia

A narrativa de autopromoccedilatildeo contrapotildee ao esquecimento de outros pioneiros

e trabalhadores na eacutepoca da formaccedilatildeo da cidade O esvaziamento de sentido aparece na

narrativa apenas como apecircndice da construccedilatildeo da histoacuteria oficial do ldquoprogressordquo e do

ldquopioneirismordquo denotando portanto a pouca importacircncia desses trabalhadores Essa

visatildeo reforccedila o discurso do ldquofui eu quem fizrdquo acentuando ainda mais uma visatildeo

capitalista evidenciada e reforccedilada nas referecircncias sobre as contribuiccedilotildees do Frigoriacutefico

de Vila Rica-MT

Guimaratildees Neto (2011 p 95) discute a relaccedilatildeo entre a colonizaccedilatildeo e os

dispositivos de poder a partir do imaginaacuterio da cidade sobre o trabalho A autora afirma

que ldquo[] no acircmbito dos discursos objetivam dotar de significado poliacutetico econocircmico e

social os espaccedilos destinados agrave colonizaccedilatildeo a pedra angular eacute a produccedilatildeo da ideia ou

invenccedilatildeo de uma vocaccedilatildeo agriacutecola para a Amazocircniardquo Entatildeo temos nesse caso uma

aproximaccedilatildeo dessa realidade entre os espaccedilos sociais e as contribuiccedilotildees dos sujeitos

para uma Paacutetria produtiva a partir de seus municiacutepios

48

A seguir temos outro exemplo de como o discurso do colonizador soa como

uma reivindicaccedilatildeo em torno do reconhecimento por parte de todos os demais sujeitos

histoacutericos jaacute que foi ele quem construiu tudo em uma eacutepoca em que tudo era muito

difiacutecil e trabalhoso

[] Fui para aquela regiatildeo procurei as terras sobrevoando a

regiatildeo mais sul possiacutevel do Amazonas Interessei-me pela

regiatildeo por ficar mais perto do sul Eu acreditava que a

influecircncia do Sul no futuro seria importante Achei finalmente

as terras [] Procurando passei em muitas fazendas para

verificar como os capins se desenvolviam naquelas regiotildees e

finalmente descobri uma aacuterea que satisfez minhas exigecircncias

[] Eram cento e cinquenta mil hectares comprei de uma

firma do Rio Grande do Sul e posteriormente vendi parte dela

cinquenta mil hectares para fazendeiros de Ituiutaba -MG O

restante eu fiz sete fazendas para este grupo de Belo Horizonte

que jaacute tinha entrado com o dinheiro para a aquisiccedilatildeo da terra

(ENTREVISTA com Rubens Rezende Peres colonizador de

Vila Rica-MT realizada por Suely Gonccedilalves Santos Pires em

2002)

Ao contraacuterio da narrativa oficial do colonizador que exalta os seus esforccedilos e

problemas o relato oral de alguns colonos demonstra precisamente que foram eles que

enfrentaram os maiores problemas superaram os piores desafios e venceram por

esforccedilos pessoais e coletivos quando necessaacuterio

Noacutes eacuteramos seis famiacutelias aiacute com 15 dias em Mato Grosso o

pessoal comeccedilou adoecer com malaacuteria que ateacute entatildeo era

desconhecida pra gente quando o pessoal foi negociar as

terras disseram que aqui era um lugar muito sadio natildeo tinha

doenccedila Entatildeo quem tinha condiccedilatildeo voltou a ir embora e noacutes

ficamos aqui soacute que aiacute acabou tudo com doenccedila e fomos

trabalhar como peotildees pra quem tinha mais Ai depois de

alguns anos a gente mudou daquele local e procuramos um

lugar onde natildeo tinha doenccedila malaacuteria ateacute chegar na cidade de

Vila Rica-MT voltar a morar na cidade Aqui eu vendia picoleacute

limpava quintal trabalhei de servente de pedreiro ateacute que

surgiu a oportunidade pra ir estudar fora eu fui a estudar em

Satildeo Paulo (ENTREVISTA com Gilmar Assentado realizada

pela autora em marccedilo de 2015 Grifos do autor)

O relato mostra que havia colonos insatisfeitos com a aquisiccedilatildeo do lote e que

tinham vontade ou mesmo conseguiram voltar para seus lugares de origem Poreacutem

49

percebe-se tambeacutem a existecircncia de objetivos na vida destas pessoas como a luta pela

sobrevivecircncia e por ocupaccedilatildeo de destaque no espaccedilo social

Para aleacutem dessa problemaacutetica sobre a narrativa e o discurso do colonizador

um dos elementos principais foi o papel de instituiccedilotildees e oacutergatildeos puacuteblicos na criaccedilatildeo e

emancipaccedilatildeo do municiacutepio de Vila Rica que se deu principalmente por meio de

programas e poliacuteticas puacuteblicas ligadas ao incentivo agrave colonizaccedilatildeo e a reocupaccedilatildeo por

meio de empresas agropecuaacuterias

121 O papel das instituiccedilotildees e oacutergatildeo puacuteblicos as empresas agropecuaacuterias

e a colonizadora

Conforme jaacute contextualizado a atuaccedilatildeo do Governo Federal atraveacutes de

projetos e poliacuteticas puacuteblicas foi fundamental para a criaccedilatildeo do municiacutepio de Vila Rica-

MT O Programa de Redistribuiccedilatildeo de Terras e de Estiacutemulo agrave Agroinduacutestria do Norte

(Proterra) criado em 1971 foi um dos principais programas federais de financiamento

das agropecuaacuterias daquela aacuterea Esse programa objetivava dentre outras metas

promover o acesso agrave terra e agrave agroindustrializaccedilatildeo na aacuterea onde jaacute havia investimentos

feitos pela Sudam Ressaltamos que os objetivos idealizados natildeo foram necessaria e

igualmente realizados

No discurso do Proterra a ldquo[] aquisiccedilatildeo ou desapropriaccedilatildeo de terras de

interesse social empreacutestimos fundiaacuterios para pequenos e meacutedios produtores rurais

financiamento de projetos de agroindustrializaccedilatildeo subsiacutedios ao uso de insumos

modernos []rdquo Era um programa de governo que idealizou a organizaccedilatildeo de alguns

espaccedilos agraacuterios de maneira singular Cruzando com as fontes orais eacute possiacutevel verificar

o impacto desse programa na formaccedilatildeo do municiacutepio de Vila Rica

[] Na eacutepoca o governo estava dando estiacutemulo para a

ocupaccedilatildeo da Amazocircnia Legal Era uma modalidade de

empreacutestimo por nome Proterra que o Banco do Brasil dava

Esse recurso era destinado agrave implantaccedilatildeo de Fazendas na

regiatildeo [] Fiz um projeto para cada um dos meus amigos e

criamos uma empresa para a implantaccedilatildeo das fazendas

denominadas de SERVAP exclusivamente nossa composta por

seis soacutecios e dirigida por meu filho Claudio [] Todo aquele

trabalho no Mato Grosso foi dirigido por mim Implantei todas

as fazendas de acordo com os Projetos do BB fizemos pastos

currais as cercas e compramos o gado para depois de quatro

ou cinco anos poder entregar as referidas fazendas para cada

50

um dos soacutecios [] Nesse periacuteodo surgiu a oportunidade de

comprar mais cem mil hectares de terras anexas agraves nossas e

que pertenciam na eacutepoca ao Sr Osvaldo Aranha ou melhor a

uma empresa dele Logo em seguida compramos a Urupianga

(ENTREVISTA com Rubens Rezende Peres colonizador de

Vila Rica - MT realizada por Soely Gonccedilalves Santos Pires em

2002)

O colonizador Rubens Rezende considera como meacuterito do colonizador

ousadia ldquodesbravamentordquo e ldquoempreendedorismordquo como base apoio e financiamentos

de programas do Governo Federal viabilizados pelo Banco do Brasil A deacutecada de

1970 sobretudo as os anos de 1970-1973 e 1975-1979 foi marcada pela execuccedilatildeo de

um programa de crescimento econocircmico na fronteira Amazocircnica quando o Governo

Federal estimulou as empresas privadas a se constituiacuterem em grandes empreendimentos

agropecuaacuterios Esses projetos eram majoritariamente aqueles que viabilizados pela

parceria entre as empresas estatais e privadas

Na execuccedilatildeo desse projeto de crescimento econocircmico do Brasil sobretudo

para a Amazocircnia o Governo Federal subsidiou e viabilizou a concessatildeo de terras para

que grupos empresariais pudessem instalar grandes projetos tanto no setor

agropecuaacuterio como na induacutestria mineraccedilatildeo e colonizaccedilatildeo No espaccedilo do Araguaia as

empresas agropecuaacuterias tiveram significativa presenccedila

Os projetos e programas do Governo Federal contaram com duas principais

frentes de atuaccedilatildeo atraveacutes da Sudam paralelamente com a atuaccedilatildeo do INCRA com

projetos de assentamentos rurais Assim as terras devolutas foram vendidas pelo

Governo Estadual e adquiridas a preccedilos baixos por empresaacuterios agricultores

profissionais liberais atraiacutedos pelos incentivos fiscais e oportunidades de expansatildeo de

capital fomentado por projetos agropecuaacuterios aprovados pela Sudam Comprar e

administrar extensas fazendas na Amazocircnia parecia ser um bom negoacutecio jaacute que oferecia

baixo risco

Lourenccedilo (2009) informa que no periacuteodo de 1970 a 1985 a Amazocircnia Legal

teve 950 projetos aprovados pela Sudam dos quais 631 eram destinados agrave pecuaacuteria

extensiva Embora a previsatildeo de duraccedilatildeo desses projetos fosse de 16 anos a produccedilatildeo

era em meacutedia 9 do que tinha sido proposto Havia ainda as fazendas agropecuaacuterias

que natildeo produziam praticamente nada aleacutem daquelas que soacute existiam no papel

constituiacutedas apenas para a captaccedilatildeo de financiamentos e incentivos fiscais

51

No iniacutecio da deacutecada de 1970 o Governo Federal permitiu que as empresas de

colonizaccedilatildeo privada participassem juntamente com o INCRA da colonizaccedilatildeo na

Amazocircnia Segundo Lourenccedilo (2009 p 4)

O outro braccedilo da estrateacutegia de ocupaccedilatildeo da Amazocircnia com o

grande capital foi o avanccedilo da colonizaccedilatildeo privada Entre o

comeccedilo dos anos 1970 e meados dos anos 1980 principalmente

no Norte do Mato Grosso empresaacuterios como Ecircnio Pepino

Ariosto da Riva e Joatildeo Carlos Meireles compraram do INCRA

ou do estado do Mato Grosso com financiamento fundiaacuterio do

Proterra imensas glebas para divisatildeo e venda de lotes a colonos

do Sul expulsos pela modernizaccedilatildeo excludente da agricultura

ou afetados pela construccedilatildeo de hidreleacutetricas Os nomes das

cidades na metade norte do estado satildeo reveladores de suas

origens na empresa privada Sinop (Sociedade Imobiliaacuteria

Noroeste do Paranaacute) Confresa (Colonizadora Frenova Sapesa)

Contriguaccedilu (Cooperativa Central Regional Iguaccedilu) Codeara

(Companhia de Desenvolvimento do Araguaia do Banco de

Creacutedito Nacional) e outros nomes menos reveladores mas de

mesma origem como Alta Floresta (Indeco) Nova Mutum

(Agropecuaacuteria Mutum) Vila Rica-MT (Colonizadora Vila

Rica-MT) Tucumatilde (Construtora Andrade Gutierrez no Paraacute)

entre vaacuterios outros (Grifos nossos)

Em Mato Grosso as empresas de colonizaccedilatildeo privada adquiriram vaacuterios

milhotildees de hectares de terras puacuteblicas que foram loteadas e revendidas sobretudo para

agricultores que migraram do Sul do Brasil O INCRA que era responsaacutevel pela

colonizaccedilatildeo na Amazocircnia desenvolveu poucos projetos de colonizaccedilatildeo em Mato

Grosso deixando o campo aberto para as empresas privadas

Pouco foi investido por parte de posteriores Governos Federais e Estaduais na

permanecircncia dos assentados em suas terras centralizando os anseios e reinvindicaccedilotildees

ainda no INCRA Somente em 1999 o Governo Federal criou o Ministeacuterio do

Desenvolvimento Agraacuterio (MDA) Este oacutergatildeo se ocupou do reordenamento agraacuterio e

regularizaccedilatildeo fundiaacuteria na Amazocircnia Legal promoccedilatildeo do desenvolvimento sustentaacutevel

da Agricultura Familiar das regiotildees rurais e na identificaccedilatildeo reconhecimento

delimitaccedilatildeo demarcaccedilatildeo e titulaccedilatildeo das terras ocupadas pelos remanescentes das

comunidades quilombolas

Estes oacutergatildeos (INCRA e MDA) foram responsaacuteveis pelo desenvolvimento da

poliacutetica permanente de criaccedilatildeo de assentamentos rurais no paiacutes enquanto mediadores da

aquisiccedilatildeo ou de expropriaccedilatildeo de novas aacutereas de terras privadas ou puacuteblicas aleacutem da

52

realizaccedilatildeo da regularizaccedilatildeo de assentamentos rurais em aacutereas ocupadas por posseiros de

forma ldquomansardquo e paciacutefica ou seja onde natildeo havia conflito

O INCRA definiu o ldquoProjeto de assentamento ruralrdquo (PA) como

[] um conjunto de unidades agriacutecolas independentes entre si

instaladas pelo INCRA onde originalmente existia um imoacutevel

rural pertencente a um uacutenico proprietaacuterio Cada unidade

chamada de parcela lote ou gleba eacute entregue a uma famiacutelia sem

condiccedilotildees econocircmicas para adquirir e manter um imoacutevel rural

por outras vias Os trabalhadores rurais que recebem o lote

comprometem-se a morar na parcela e a exploraacute-la para seu

sustento utilizando a matildeo de obra familiar e contando com

creacuteditos assistecircncia teacutecnica infraestrutura e outros benefiacutecios

de apoio ao desenvolvimento das famiacutelias assentadas Ateacute que

possuam a escritura do lote os assentados estaratildeo vinculados ao

INCRA e natildeo poderatildeo dispor da gleba sem anuecircncia ou

autorizaccedilatildeo do INCRA10

Como assinalado acima o assentamento rural na definiccedilatildeo apresentada pelo

MDA teve como origem um uacutenico imoacutevel rural dividido em vaacuterias partes denominadas

de ldquoparcela lote ou glebardquo Ressalta-se que estes lotes foram destinados ldquo[] a uma

famiacutelia sem condiccedilotildees econocircmicas para adquirir e manter um imoacutevel ruralrdquo e que os

mesmos ldquo[] comprometem-se a morar na parcela e a exploraacute-la para seu sustento

utilizando a matildeo de obra familiarrdquo (INCRA 2015)

No municiacutepio de Vila Rica-MT a criaccedilatildeo e formaccedilatildeo dos assentamentos

rurais teve influecircncia direta no processo de colonizaccedilatildeo e instalaccedilatildeo de projetos

agropecuaacuterios (fazendas) O processo de reocupaccedilatildeo daquele espaccedilo comeccedilou com a

empresa SERVAP que realizou a exploraccedilatildeo desmatamento formaccedilatildeo de pastagens

currais e casas para as fazendas

122 A Servap e a abertura das Fazendas Promissatildeo Satildeo Marcos Aracatiacute e

Porongaba

Apoacutes a ldquoaberturardquo inicial a Servap transferiu parte das terras para a

Colonizadora Vila Rica O colonizador se responsabilizou pela comercializaccedilatildeo das

terras uma vez que seus soacutecios natildeo tinham experiecircncia com esse tipo de

10 Disponiacutevel em lt httpwwwincragovbrassentamentogt Acesso em 19052015

53

empreendimento Assim sendo segundo Pires (2002 p 22) os soacutecios realizaram a

divisatildeo das fazendas entre os mesmos por meio de um sorteio como foi relatado por

alguns funcionaacuterios da antiga empresa SERVAP

A ideia de praticar o sorteio foi vista como estrateacutegia para natildeo gerar

descontentamento jaacute que havia diferenccedila entre as fazendas em termos de valorizaccedilatildeo

da aacuterea o que tinha relaccedilatildeo com a infraestrutura os investimentos realizados e a

distacircncia da fazenda com a estrada por onde passaria a rodovia BR-158

A SERVAP tambeacutem tinha uma serraria e uma oficina de marcenaria para

atender a demanda de exploraccedilatildeo de madeira a qual era utilizada para a construccedilatildeo de

cercas currais e casas No iniacutecio a maioria das casas da aacuterea era construiacuteda com

madeira

Retomando o relato oral do ldquodito pioneirordquo eacute possiacutevel considerar a hipoacutetese

de que a praacutetica de exploraccedilatildeo de madeira esteja relacionada agrave proacutepria experiecircncia de

vida pois eacute ele mesmo quem diz ldquo[] minha histoacuteria comeccedila com o meu pai eacuteramos

madeireiros ele jaacute atuava no ramo por muitos anos faleceu e eu o substituiacute no

trabalhordquo (ENTREVISTA com Mendonccedila apud Soely 2002)

Na sede da empresa havia ainda uma pista para pouso de aviotildees e uma aacuterea

que servia como local de encontro ldquodos peotildeesrdquo que trabalhavam na SERVAP Os peotildees

costumavam ali se reunir nos horaacuterios de folga daiacute o lugar ser nomeado como ldquoPraccedila

Seterdquo Segundo Pires (2002 p 22) o nome era uma homenagem agrave cidade de Belo

Horizonte capital de Minas Gerais jaacute que a grande maioria das pessoas que trabalhava

na Servap era oriunda daquele Estado Esse espaccedilo tambeacutem se constituiu no eixo que

marcava a divisatildeo das quatro fazendas que deram origem ao processo de colonizaccedilatildeo de

Vila Rica conforme a Figura 4

Figura 4 Croqui de localizaccedilatildeo das fazendas

54

Fonte PIRES 2002 p 10

E como haviam sido ldquocriadasrdquo segundo o colonizador outras trecircs fazendas a

nova organizaccedilatildeo das agropecuaacuterias ocorreu da seguinte maneira ldquoFazenda Aracati

passou a ser de propriedade apenas de Rubens Rezende Peres A Fazenda Promissatildeo de

propriedade de Geraldo Franccedila Simotildees A Fazenda Porongaba de propriedade de Alair

Fernandes A Fazenda Ipecirc ficou sendo de Jonas Barcelos enquanto a fazenda Satildeo Joseacute

tornou-se propriedade de Homero Schettino Jaacute a Fazenda Satildeo Marcos do senhor

Miguel Acircngelo Cansado e a Fazenda Acaiaca de Tuacutelio Feliacutecio da Silvardquo (PIRES

2002)

Algumas dessas fazendas tornaram-se ociosas em termos de produccedilatildeo outras

nunca tiveram atividade agropecuaacuteria efetivada e outras faliram como foi descrito por

Lourenccedilo (2009 p 4) ao referir-se ao contexto dos projetos agropecuaacuterios na

Amazocircnia sobretudo no Araguaia

[] que existiu de fato foi o conflito crocircnico entre as grandes

fazendas e as populaccedilotildees camponesas que jaacute habitava a suposta

ldquoterra sem homensrdquo [] O Meacutedio Araguaia e a regiatildeo de

contato entre as bacias do Araguaia e Xingu foram palco de

inuacutemeros conflitos violentos entre posseiros apoiados pela

Igreja Catoacutelica e grandes fazendeiros que reclamavam de

imensas porccedilotildees de terra11

11Disponiacutevel em lthttpinteressenacionaluolcombrindexphpedicoes-revistaregularizacao-

fundiaria-e-desenvolvimento-na-amazoniagt Acesso em 28082015

55

As aacutereas remanescentes tornaram-se objeto de interesse e disputa por parte de

posseiros agricultores familiares grileiros e fazendeiros Logo natildeo eacute possiacutevel falar de

sucesso contiacutenuo e permanente dos processos de colonizaccedilatildeo ainda que estejam no

ideaacuterio do colonizador Alguns desses projetos privados se sustentaram e deram

resultado poreacutem outros ficaram a mercecirc da administraccedilatildeo dos proprietaacuterios das

empresas colonizadoras

A especificidade da formaccedilatildeo e emancipaccedilatildeo do municiacutepio de Vila Rica-MT

estaacute centrada em uma conjuntura regional que pode ser problematizada pela forma com

que os assentamentos rurais foram sendo formados em aacutereas remanescentes de fazendas

e projetos agropecuaacuterios

13 Anos de 1980 a 1990 o Araguaia e a formaccedilatildeo dos assentamentos rurais

Na presente dissertaccedilatildeo produzimos uma narrativa sobre a formaccedilatildeo dos

assentamentos rurais no Araguaia compreendemos que os mesmos resultaram das lutas

travadas pelos movimentos sociais desencadeados pelos posseiros em busca de terra

para morar e produzir Essa concepccedilatildeo pode ser compartilhada com a ideia de que

apesar da evidecircncia de o assentado nem sempre ser aquele idealizado natildeo se pode

perder de vista que ldquoposseirordquo eacute uma categoria poliacutetica de luta pela terra Assim nossa

escrita deseja ampliar a possibilidade de entender esse jogo poliacutetico de construccedilatildeo social

da vida ldquocampesinardquo atraveacutes da luta pela terra

Conveacutem entatildeo compreender que os conflitos e praacuteticas de violecircncia

aplicadas contra os povos indiacutegenas ribeirinhos posseiros e trabalhadores rurais no

Araguaia satildeo em geral consequecircncia das lutas pela posse da terra sobretudo nas

deacutecadas de 1970 1980 e 1990 Naquele periacuteodo as disputas foram marcadas por

embates intensos entre trabalhadores rurais indiacutegenas empresaacuterios comerciantes

fazendeiros e posseiros deixando sequelas sociais profundas Vale lembrar ainda que

esses acontecimentos marcaram a trajetoacuteria de luta pela vida e a memoacuteria dos sujeitos

histoacutericos na dinacircmica de reocupaccedilatildeo e apropriaccedilatildeo dos espaccedilos rurais da aacuterea

Diante do cenaacuterio de luta pela sobrevivecircncia e tentativas de conquistar a

posse da terra eacute bem possiacutevel aceitar e afirmar que se natildeo fosse o apoio e as accedilotildees

poliacuteticas de algumas instituiccedilotildees como a Prelazia de Satildeo Felix do Araguaia da

56

Comissatildeo Pastoral da Terra (CPT) e os Sindicatos dos Trabalhadores Rurais em favor

dos posseiros e indiacutegenas o territoacuterio do Araguaia hoje teria outra configuraccedilatildeo social

e cultural Da mesma maneira teriacuteamos outras histoacuterias e outras relaccedilotildees sociais para

analisar e compreender a dinacircmica da vida ldquocampesinardquo na luta por seus ideais

Essas circunstacircncias satildeo tatildeo especiais que o proacuteprio aparato estatal

reconheceu os esforccedilos das instituiccedilotildees sociais e religiosas na proteccedilatildeo amparo e

contribuiccedilatildeo para com a vida dos ldquopequenosrdquo lutadores pela vida Esses documentos

por exemplo demonstram os acontecimentos para o MDA (2014 p 17) da seguinte

maneira

Cabe destacar ainda o importante papel da Igreja e dos

sindicatos dos trabalhadores rurais na intermediaccedilatildeo dos

conflitos agraacuterios e no proacuteprio processo de ocupaccedilatildeo atraveacutes da

organizaccedilatildeo das comunidades rurais e estruturaccedilatildeo dos

municiacutepios Ainda hoje a CPT realiza accedilotildees de fiscalizaccedilatildeo e

denuacutencias de trabalho escravo e violecircncia no campo na

microrregiatildeo norte Araguaia

Em plena concordacircncia com o significado atribuiacutedo pelo MDA reafirmamos

que os posseiros e trabalhadores rurais do territoacuterio do Araguaia recorreram a diferentes

estrateacutegias e instituiccedilotildees reordenando determinadas estrateacutegias diante do processo de

reocupaccedilatildeo territorial que ora se revelavam ldquoespontaneamenterdquo ora se mostraram de

forma pensada e arquitetada ganhando singularidades adequadas e bem ordenadas

quando articuladas agrave CPT e agrave Prelazia de Satildeo Felix do Araguaia

Tais instituiccedilotildees desenvolveram eficientes accedilotildees projetivas e formativas das

equipes dos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais da aacuterea marcadas por distintos tipos

de comportamentos e de relaccedilotildees proacuteximas entre sujeitos e instituiccedilotildees produzindo

diversos significados na vida de um povo de uma instituiccedilatildeo ou de uma autoridade

Assim ao apresentar o livro Conquistar a Terra reconstruir a Vida lanccedilado

em comemoraccedilatildeo aos dez anos de existecircncia da CPT uma das mais importantes

autoridades religiosas daquela aacuterea o bispo da Prelazia de Satildeo Feacutelix do Araguaia Dom

Pedro Casaldaacuteliga resolveu de uma maneira poeacutetica e profeacutetica produzir sentido como

um cacircntico de liberdade e de determinaccedilatildeo de um povo registrando sua compreensatildeo da

seguinte forma

57

Celebrar os dez anos da Comissatildeo Pastoral da Terra deve ser

simultaneamente um ato penitencial uma memoacuteria de martiacuterio

e uma cantiga rural de accedilatildeo de graccedilas

A CPT tem os seus pecados Inimigos e amigos cuidaram e

cuidam de lembraacute-lo oportuna e inoportunamente E isso nos

faz Ser criacuteticos e autocriacuteticos deveria ser um traccedilo de

identidade marcante em toda a pastoral que se queira

historicamente engajada e fiel ao ritmo popular A accedilatildeo de

graccedilas queremos cantaacute-la porque o Deus dos Pobres da Terra

se tem feito presente de muitos modos nesta nossa caminhada

entre os lavradores e os agentes na proacutepria CPT e a partir dela

em outros setores da Igreja do Brasil e tambeacutem em Igrejas e

movimentos rurais da Ameacuterica Latina que a CPT de alguma

maneira atingiu com suas contribuiccedilotildees

Superados o tempo da saudade e a saudade- que nem todos

conseguem superar- daquela Accedilatildeo Catoacutelica e seus derivados

mais com o esquema da Igreja ldquosociedade perfeita paralela agrave

sociedade humana a CPT trouxe inegavelmente agrave Igreja do

Brasil uma novidade pastoral seguindo o jeito pioneiro do

CIMIrdquo

[] Sei que muitos mais ou menos amigos- reclamaram com

frequecircncia do ldquoPrdquo nem sempre bem vivido da nossa CPT

agora mocinha de 10 anos Outros reclamaram do ldquoTrdquo

obsessivamente vivido pela CP segundo eles

(CASALDAacuteLIGA 1985 p 7-8)

Percebemos no texto uma evidente preocupaccedilatildeo de Dom Pedro Casaldaacuteliga

em reconhecer os ldquopecados da CPTrdquo que satildeo constantemente debatidos por ldquoinimigos e

amigosrdquo que apontam os problemas causados pelas accedilotildees da CPT e da Prelazia de Satildeo

Feacutelix do Araguaia As criacuteticas quanto ao fato da CPT ser uma ldquopastoralrdquo satildeo

evidenciadas pelo bispo que sabe que muitos satildeo os criacuteticos dessa forma de organizaccedilatildeo

e luta pastoral mas pondera que

Com a graccedila do Senhor da Terra e na marcha diaacuteria para a Terra

Prometida que se recebe e se conquista desafio histoacuterico e dom

escatoloacutegico procuramos conjugar melhor com mais garra

com nova alegria mais autenticamente evangeacutelicos e rurais o

ldquoP‟ e o ldquoTrdquo de uma Pastoral da Terra criacutetica livre e servidora A

foacutermula providencial da CPT estaacute longe de se esgotar

(CASALDAacuteLIGA 1985 p 8)

Logo Dom Pedro aponta para a necessidade de a CPT ter sua praacutetica

ancorada na necessidade dos atores sociais e que essa situaccedilatildeo estaacute ldquolonge de se

esgotarrdquo Ressaltamos que mesmo diante de equiacutevocos praticados a atuaccedilatildeo dessa

instituiccedilatildeo e de seus agentes foi decisiva para a dinacircmica da luta pela terra no Araguaia

58

Nas palavras de Dom Pedro fica evidente o caraacuteter de uma consciecircncia dos

atores sociais para a luta

Queria e quero estar evangelicamente - evangelizadoramente

tambeacutem - em meio ao povo lavrador reforccedilando sua

consciecircncia e a coragem unida de suas lutas sem entretanto

substituir jamais suas organizaccedilotildees autocircnomas sem dirigi-lo

condicionadamente Ouvindo-o muito mais perto Ajudando

toda a Igreja do Brasil a se aproximar desse povo profeacutetica e

servidora Voltando- se tambeacutem para a opiniatildeo puacuteblica do paiacutes

como porta-voz de emergecircncia e alto falante privilegiado do

clamor dos lavradores durante este escuro tempo nacional que

proibia ou tergiversava ou ignorava a voz do povo

(CASALDAacuteLIGA 1985 p 7)

O bispo ainda fez uma anaacutelise de conjuntura em que a luta pela terra os

direitos e a permanecircncia nela natildeo satildeo problemas superados

Gostaria de acrescentar apenas que esse tempo escuro mal

comeccedila a clarear A Nova Repuacuteblica pode muito bem ser uma

nova ilusatildeo uma nova fraude Os senhores deste mundo nosso

colonizado e dependente poderatildeo permitir que mudem os

governos e ateacute os regimes e ateacute os regimes filiais sempre que se

preserve a alma sem alma do sistema E com se mantenha o

sacrifiacutecio do Povo e sua escravidatildeo particularmente no campo

sempre cobiccedilado pelos sucessivos impeacuterios

E porque esse tempo natildeo passou ainda- amanhece na incerteza-

a Igreja toda do Brasil e a CPT em sua missatildeo especiacutefica

deveratildeo se hoje mais do que nunca servidoras alertadas do

Povo dos pobres De um jeito novo sem duacutevida mais fina a

profecia mais plural a presenccedila do diaacutelogo mais largo os

passos mais concretos []

Como me sinto parte nesta causa natildeo entro em mais juiacutezos Eu

e a CPT carregados carregamos no coraccedilatildeo um monte de nomes

entranhados que o senhor sem duacutevida escreveraacute com terra e

sangue no Livro da Terra Este livro jubilar de palavras e papel

sirva para recordar para avaliar para estimular a caminhada

sempre fiel e sempre nova (CASALDAacuteLIGA 1985 p 10)

Atraveacutes das palavras do bispo Dom Pedro podemos compreender melhor a

perspectiva da accedilatildeo da CPT e o significado da relaccedilatildeo entre posseiros e as instituiccedilotildees

religiosas especificamente atraveacutes de seus agentes e grupos sociais muacuteltiplos e diversos

que vivem no Araguaia indiacutegenas retireiros trabalhadores rurais posseiros sertanejos

peotildees dentre outros grupos sociais ligados agrave terra e ao trabalho

59

Dom Pedro utiliza palavras esforccedilando-se para natildeo julgar natildeo ofender natildeo

dividir natildeo pregar o oacutedio evitando falar sobre o desafio do poder constituiacutedo ou das

forccedilas dos poderes sociais e econocircmicos visiacuteveis na sociedade Ao contraacuterio reconhece

o valor das lutas relembra a anguacutestia e a necessidade delas valoriza a opccedilatildeo feita para

construir uma histoacuteria de uma instituiccedilatildeo e acima de tudo compromete-se com os

grupos sociais fragilizados e vitimizados do Araguaia

Seus escritos soam como um lamento como um choro de alegria por ter

realizado o sonho de estar partilhando a vontade de vencer e sobreviver na sociedade

capitalista Portanto trata-se nessa longa citaccedilatildeo de uma arte de compor a frase de

compor o sentido dos acontecimentos em belas frases de mergulhar no mundo das

letras para reafirmar questotildees sublimes da sensibilidade humana que se deslocam agraves

instituiccedilotildees colocando em movimento um conjunto de recursos que servem para a luta

na disputa pela terra e em defesa dos socialmente fragilizados Talvez seja este

fragmento de texto uma oraccedilatildeo que orientou seu sentido de vida enfim que o moveu

para o terreno da poliacutetica da Igreja Catoacutelica em defesa de setores sociais empobrecidos

Sem descuidar da compreensatildeo deles a Igreja ampliando o trajeto para

multiplicar nossa capacidade de conhecer possibilitou que compreendecircssemos outras

contribuiccedilotildees Assim para Ferreira Fernaacutendez e Silva (1999) a histoacuteria dos

assentamentos rurais em Mato Grosso natildeo foge agraves caracteriacutesticas de outras regiotildees do

Brasil A maior parte deles eacute resultado da luta dos posseiros que demandavam terra e

moradia

A partir daqui nossa visatildeo da disputa pela terra se amplia no sentido de

perceber a intervenccedilatildeo de setores sociais em defesa de seus respectivos grupos Cada

um deles possui uma agremiaccedilatildeo que produz a disputa no terreno da religiatildeo ou da

poliacutetica Compreendida desta forma fica mais intensa nossa necessidade de estudar

ainda mais a participaccedilatildeo dos movimentos sociais sindicais e religiosos na luta pela

terra

Isso porque a primeira vitoacuteria de uma luta pela terra tem como fator decisivo

a posse de um territoacuterio e isso depende das relaccedilotildees que se estabelecem Por isso de

acordo com Fernandes (1996 p 181) ldquo[] O assentamento eacute o territoacuterio conquistado

eacute portanto um novo recurso na luta pela terra que significa parte das possiacuteveis

conquistas representadas sobretudo a possibilidade da Territorializaccedilatildeordquo

60

Sendo assim eacute relevante compreender as diversas accedilotildees que envolvem o

processo de luta e conquista da terra sendo preciso compreender as taacuteticas de luta e as

estrateacutegias ordenadas para a conquista e natildeo conhecer apenas o ato de regularizaccedilatildeo

oficial do assentamento rural Afinal a oficializaccedilatildeo de um assentamento rural natildeo diz

tudo sobre a luta pela terra Apenas legitima sua posse de acordo com as orientaccedilotildees

estatais

Portanto as relaccedilotildees produzidas as accedilotildees articuladas de maneira organizada

entre sujeitos e instituiccedilotildees levam a um novo mundo de reconfiguraccedilatildeo das afinidades

Nessa mesma perspectiva Salazar (2005 p 217) afirma que

Em um mesmo territoacuterio se pode encontrar diferentes

assentamentos humanos articulados entre si ou natildeo na medida

em que cumprem um papel social econocircmico cultural e

poliacutetico dentro da sociedade que o faz possiacutevel e dentro do

sistema econocircmico ao qual se vinculam O caraacuteter e o

desenvolvimento das poliacuteticas estatais frente ao territoacuterio e agrave

populaccedilatildeo tambeacutem condicionam a apropriaccedilatildeo que faccedila [sic] a

sociedade do espaccedilo e seus recursos

Agrave luz da concepccedilatildeo do autor pode-se considerar que os assentamentos rurais

constituem vivecircncias e experiecircncias e satildeo permeados por relaccedilotildees fortemente marcadas

por disputas e perspectivas de poder interesses intenccedilotildees poliacuteticas e percepccedilotildees

diferentes acerca da funccedilatildeo e das relaccedilotildees constituiacutedas entre o Estado e a Sociedade

entre os proacuteprios participantes e componentes das organizaccedilotildees sociais

Logo as poliacuteticas puacuteblicas direcionadas aos assentamentos rurais criam

tambeacutem elementos de competiccedilatildeo pelo poder na medida em que lhes satildeo atribuiacutedos

novos sentidos e significados Isto se deve ao fato de que eacute atraveacutes das praacuteticas e dos

discursos que os diferentes sujeitos histoacutericos criam e recriam a representaccedilatildeo acerca da

funccedilatildeo dos assentamentos rurais

Ao considerar os muacuteltiplos contextos no que concerne agraves condiccedilotildees de luta

dos assentados pela Reforma Agraacuteria percebemos que estes atores sociais recorreram a

diferentes estrateacutegias para atraiacuterem a atenccedilatildeo das autoridades enquanto Poder Puacuteblico

No cenaacuterio das disputadas nos movimentos de organizaccedilatildeo das lutas nas composiccedilotildees

coletivas para enfrentamento das individualidades do poder econocircmico e diante da

violecircncia que sempre emergiu na luta pela terra desde os recursos proporcionados pela

miacutedia ateacute o enfrentamento com pistoleiros e fazendeiros os agentes que reivindicam

61

terra disputam a articulaccedilatildeo entre sujeitos e instituiccedilotildees entre oacutergatildeos e instacircncias de

poder

Esse movimento natildeo se limita somente ao enfrentamento dos portadores de

tiacutetulos e ou proprietaacuterios de terra ou entre grandes posseiros ou grileiros de terras

puacuteblicas Necessariamente os estudos devem caminhar no sentido de perceber outras

variaccedilotildees no seu interior

Conforme Ferreira Fernaacutendez e Silva (2009 p 197)

Em Mato Grosso as poliacuteticas de assentamento dos

trabalhadores rurais principalmente a colonizaccedilatildeo (oficial e

privada) e os assentamentos de reforma agraacuteria sobre vaacuterios

aspectos devem ser mais estudados de dupla matildeo certamente

natildeo se referem a daacutedivas mas agraves conquistas dos trabalhadores

em accedilatildeo conjunta com o estado O assentamento de reforma

agraacuteria eacute um processo em curso repleto de fatores positivos e

limitaccedilotildees que coloca no plano social poliacutetico econocircmico e

ambiental possibilidades de ecircxito da produccedilatildeo familiar no

campo

Os autores chamam a atenccedilatildeo para o fato de que ao tomarmos os

assentamentos rurais em Mato Grosso como objeto de estudo eles devem ser estudados

em uma perspectiva que aponte o percurso e os significados das lutas sociais frente agrave

conquista de novos territoacuterios Ao mesmo tempo natildeo devemos limitar nossos olhares

simplesmente para os conflitos entre os grupos sociais diferenciados mas tambeacutem para

os conflitos com o proacuteprio poder puacuteblico sem esquecer as transformaccedilotildees das

condiccedilotildees de vida das pessoas que vivem da produccedilatildeo familiar Assim eacute preciso

perceber que haacute cooperaccedilatildeo compartilhamento de interesses em alguns aspectos mas

em outras circunstacircncias tambeacutem existe a necessidade de intensificar nossos

conhecimentos sobre tais processos

Por outro lado os mesmos autores consideram como questatildeo importante

tambeacutem destacar que embora os assentamentos rurais em Mato Grosso se revelem

como uma alternativa promissora na dinamizaccedilatildeo da economia e promoccedilatildeo do

desenvolvimento local os mesmos ainda estatildeo longe de serem consolidados enquanto

poliacutetica puacuteblica

De maneira especial no que tange agraves accedilotildees do Estado no sentindo de

viabilizar a infraestrutura necessaacuteria ao desenvolvimento pleno da Agricultura Familiar

e de potencializar essa modalidade de produccedilatildeo como alternativa para manutenccedilatildeo do

62

conjunto social no territoacuterio de produccedilatildeo e no espaccedilo de trabalho em que se realiza mais

como ser humano e como trabalhador

Desse modo eacute possiacutevel afirmar que o artifiacutecio da Reforma Agraacuteria deve vir

sustentado pela intensificaccedilatildeo e realizaccedilatildeo de outros elementos para que de fato e de

direito sejam asseguradas as condiccedilotildees necessaacuterias agrave ascensatildeo social e econocircmica dos

agricultores familiares Para isso eacute preciso que surjam novas accedilotildees visando a alteraccedilatildeo

dos espaccedilos institucionais no acircmbito local e regional

Soacute assim haveraacute efetivamente a possibilidade de melhoria das condiccedilotildees de

vida daqueles que sobrevivem da produccedilatildeo nos assentamentos rurais Especialmente eacute

necessaacuterio compreender que melhorando a vida no campo melhoramos a vida na

cidade onde a maior parte da populaccedilatildeo depende dos que produzem no campo para se

alimentar e consequentemente para viver Esse deveria ser um principio poliacutetico de

cidadania para todos aqueles que se envolvem com a disputa pela terra e com a luta pela

conquista do territoacuterio de trabalho da populaccedilatildeo ldquocampesinardquo

O Projeto de assentamento rural se contemplado com accedilotildees do Estado

favorece o desenvolvimento econocircmico local desde que as poliacuteticas puacuteblicas

implementadas nos assentamentos rurais sejam direcionadas para o seu fortalecimento

oferecendo-lhes maior potencial econocircmico cultural e social com um planejamento que

lhes decirc sustentaccedilatildeo numa perspectiva de meacutedio e em longo prazo sem esquecer que

qualificar a produccedilatildeo ldquocampesinardquo significa tambeacutem promover o desenvolvimento do

comeacutercio e de outros setores da economia otimizando accedilotildees para novos padrotildees de

organizaccedilatildeo e melhoria das condiccedilotildees de vida da populaccedilatildeo urbana

Em relaccedilatildeo agraves poliacuteticas de Reforma Agraacuteria no Brasil Bergamasco amp Norder

(1996) consideram que os assentamentos rurais exercem papel importante no panorama

rural brasileiro de modo particular por contribuir de forma significativa nas

transformaccedilotildees sociais e econocircmicas por meio da geraccedilatildeo de novos empregos da

diminuiccedilatildeo do ecircxodo rural aumentando assim a produccedilatildeo e a oferta de alimentos Ou

seja os assentamentos rurais tecircm um papel significativo na produccedilatildeo agriacutecola do paiacutes

Para esses autores melhorar as condiccedilotildees de vida no campo sobretudo nos

assentamentos rurais significa elevar a situaccedilatildeo econocircmica da maioria das pessoas que

vive e depende da Agricultura Familiar como uacutenico meio e fonte de renda na garantia

do sustento familiar

63

Mas essas poliacuteticas puacuteblicas combinadas com poliacuteticas sociais passam por

um constante debate sobre redefiniccedilotildees e articulaccedilotildees a exemplo definir o que eacute um

assentamento rural o significado da territorializaccedilatildeo e da compreensatildeo do papel do

sujeito campesino na vida social de um povo Esse debate eacute promovido pela sociedade

civil que delibera demandas e propotildee mudanccedilas nos oacutergatildeos e instituiccedilotildees auxiliadoras

na sua concretizaccedilatildeo como o INCRA e o MDA em relaccedilatildeo aos assentamentos rurais e

suas poliacuteticas puacuteblicas

O MDA desde sua criaccedilatildeo em 199912

tem como incumbecircncia atuar na

Reforma Agraacuteria e seu reordenamento cumprindo papel fundamental na regularizaccedilatildeo

fundiaacuteria na Amazocircnia Legal promovendo o desenvolvimento sustentaacutevel da

Agricultura Familiar nas regiotildees rurais e de maneira singular atuando na identificaccedilatildeo

reconhecimento delimitaccedilatildeo demarcaccedilatildeo e titulaccedilatildeo das terras ocupadas pelos

remanescentes das comunidades quilombolas Logo esse ministeacuterio por meio do

INCRA desenvolve poliacuteticas puacuteblicas de realizaccedilatildeo de assentamentos rurais no paiacutes e a

ainda na contemporaneidade tem demonstrado algumas necessidades prementes

Assim para realizaccedilatildeo do seu mister a Instituiccedilatildeo ou oacutergatildeo principal do

Poder Puacuteblico que orienta a Questatildeo Agraacuteria o INCRA atualmente define projetos de

assentamento Rural (PA) como

[] um conjunto de unidades agriacutecolas independentes entre si

instaladas pelo INCRA onde originalmente existia um imoacutevel

rural pertencente a um uacutenico proprietaacuterio Cada unidade

chamada de parcela lote ou gleba eacute entregue a uma famiacutelia sem

condiccedilotildees econocircmicas para adquirir e manter um imoacutevel rural

por outras vias Os trabalhadores rurais que recebem o lote

comprometem-se a morar na parcela e a exploraacute-la para seu

sustento utilizando a matildeo de obra familiar e contando com

creacuteditos assistecircncia teacutecnica infraestrutura e outros benefiacutecios

de apoio ao desenvolvimento das famiacutelias assentadas Ateacute que

possuam a escritura do lote os assentados estaratildeo vinculados ao

INCRA e natildeo poderatildeo dispor da gleba sem anuecircncia ou

autorizaccedilatildeo do INCRA13

Como assinalado o assentamento rural na definiccedilatildeo apresentada pelo MDA

origina-se de um uacutenico imoacutevel rural que eacute dividido em vaacuterias partes denominada de

12

Criado atraveacutes da medida provisoacuteria 1911-12 13

Disponiacutevel em lthttpwwwincragovbrassentamentogt Acesso em 21082015

64

ldquoparcela lote ou glebardquo Essa compreensatildeo traz no seu bojo diversas possibilidades de

interpretaccedilatildeo sobretudo permite entender que se trata de eventuais processos estatais

na concretizaccedilatildeo da justiccedila agraacuteria oferecendo condiccedilotildees de trabalho agrave populaccedilatildeo que

se realiza se identifica e sobrevive da produccedilatildeo agriacutecola em pequena escala

Concluindo podemos afirmar que os assentamentos rurais no Araguaia mato-

grossense no que se refere a sua constituiccedilatildeo possuem caracteriacutesticas muito diferentes

do que eacute previsto nas diretrizes para a criaccedilatildeo dos assentamentos rurais definidas pelo o

Instituto Nacional de Colonizaccedilatildeo e Reforma Agraacuteria uma vez que os mesmos resultam

de atos de regularizaccedilatildeo e natildeo de criaccedilatildeo Diante disso precisamos articular nosso

pensamento voltando os olhares para os processos de duraccedilatildeo temporaacuteria diferente

para que possamos aproximar um pouco mais da realidade vivida

65

2 MEMOacuteRIAS DA REOCUPACcedilAtildeO HISTORICIZANDO OS

ASSENTANTAMENTOS RURAIS DE VILA RICA-MT (1980-2010)

Conforme analisado no capiacutetulo anterior eacute imprescindiacutevel a historicizaccedilatildeo do

processo de formaccedilatildeo dos assentamentos rurais do municiacutepio de Vila Rica-MT Para

tanto optou-se pelo recorte temporal 1980 a 2010 a partir da necessidade da proacutepria

anaacutelise A deacutecada de 1980 foi marcada pela emancipaccedilatildeo do municiacutepio de Vila Rica e

tambeacutem pela formaccedilatildeo dos primeiros assentamentos rurais A anaacutelise se estendeu ateacute o

periacuteodo mais recente devido agraves fontes e aos dados oficiais necessaacuterios para

compreensatildeo do enfoque proposto

O principal objetivo deste capiacutetulo eacute compreender a formaccedilatildeo e o

desenvolvimento dos assentamentos rurais de Vila Rica-MT problematizando o papel e

a atuaccedilatildeo das instituiccedilotildees e dos oacutergatildeos puacuteblicos como o INCRA Banco do Brasil

Empaer dentre outros aleacutem de instituiccedilotildees e entidades da sociedade civil mas tambeacutem

de movimentos sociais e sindicais como o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila

Rica CPT Prelazia de Satildeo Feacutelix do Araguaia e associaccedilotildees de pequenos produtores

rurais Para complementar a anaacutelise tornou-se indispensaacutevel buscar as accedilotildees e

estrateacutegias dos atores histoacutericos envolvidos na luta pela posse da terra

21 A transformaccedilatildeo das fazendas agropecuaacuterias em assentamentos rurais atraveacutes

da luta pela terra

Das sete fazendas agropecuaacuterias trecircs foram transformadas em Projetos de

assentamentos rurais em um periacuteodo inferior a duas deacutecadas Fazendas Ipecirc Aracati e

Satildeo Joseacute Algumas das narrativas oficiais sobre a colonizaccedilatildeo do municiacutepio declaram

que a Fazenda Porongaba cedeu parte da aacuterea que a colonizadora Vila Rica- MT Ltda

utilizou para realizar o loteamento do espaccedilo urbano

As aacutereas remanescentes dessas fazendas agropecuaacuterias foram sendo

reocupados atraveacutes das estrateacutegias de lutasresistecircncias utilizadas pelos colonos

posseiros parceleiros e pelos assentados14

Atraveacutes da dinacircmica de reocupaccedilatildeo e uso da

terra foram constituiacutedos oito assentamentos rurais regularizados pelo o INCRA neste

municiacutepio conforme dados da Tabela 1

14 Satildeo autodenominaccedilotildees das pessoas que residem nos assentamentos rurais de Vila Rica No

decorrer da pesquisa analisaremos como estas foram sendo construiacutedas neste contexto histoacuterico

66

Tabela 1 Assentamentos rurais de Vila Rica-MT

Fonte INCRA 2014

Na formaccedilatildeo de assentamentos rurais existem sujeitos histoacutericos que para o

INCRA satildeo considerados ldquoclientela de Reforma Agraacuteriardquo os quais se autodenominam

de maneiras diferentes ldquoparceleirosrdquo ou ldquoassentadosrdquo Nos assentamentos rurais do

Araguaia a denominaccedilatildeo mais utilizada eacute ldquoposseirordquo sobretudo quando se referem aos

primeiros tempos de formaccedilatildeo do assentamento rural no sentido de reafirmar que entre

os agricultores familiares haacute aqueles que se autodenominam posseiros como identidade

de luta pela posse da terra remetendo a um imaginaacuterio que os ligue umbilicalmente a

uma accedilatildeo tambeacutem de corajoso lutador e desbravador Ainda que seja em contraposiccedilatildeo

ao latifuacutendio o posseiro passa a se sentir um sujeito valente que ocupou resistiu e

conquistou a posse da terra Portanto uma identidade poliacutetica construiacuteda na luta pela

terra

Logo o termo posseiro aparece tambeacutem como um siacutembolo da resistecircncia aos

projetos agropecuaacuterios e agraves grandes fazendas que expropriam os trabalhadores rurais

Sem-terra uma vez que muitos jaacute se encontravam na aacuterea bem antes dos fazendeiros e

da implantaccedilatildeo dos projetos agropecuaacuterios

Conforme o relato de um assentado de Vila Rica obtido na pesquisa de

campo que realizamos em marccedilo de 2015 no Assentamento Rural Satildeo Joseacute eacute possiacutevel

afirmar que a denominaccedilatildeo de posseiro estaacute associada agraves estrateacutegias e condiccedilotildees de luta

pelo acesso agrave terra ldquo[] me vejo como posseiro Ser posseiro no Araguaia eacute assumir

que lutamos contra os fazendeiros que viviam do dinheiro emprestado do Banco sei o

Projeto de assentamento N de Famiacutelias Aacuterea (ha) Data Criaccedilatildeo

Colocircnia Bom Jesus 60 4457 25071996

Ipecirc 228 12099 28121998

Santo Antocircnio do Beleza 216 12100 10042001

Aracati 45 2110 05121996

Alvorada 49 32656 29121995

Itaporatilde do Norte 170 10641 11071996

Satildeo Joseacute da Vila Rica-MT 252 14262 28121998

Satildeo Gabriel 45 1985 28121998

Total 1065 60919 -

67

quanto foi difiacutecil viver sob a mira da morte pra ter essa terrinha e com ela poder

alimentar a minha famiacutelia []rdquo15

Trata-se de uma situaccedilatildeo de enfrentamento na luta

pela terra visando garantir a sobrevivecircncia e as condiccedilotildees miacutenimas de sustento da

famiacutelia

Assim como Castro (1996) o historiador Puhl (2003) nos chama atenccedilatildeo para

as caracteriacutesticas que definem o posseiro conceito construiacutedo a partir da percepccedilatildeo de

que esses agentes sociais tecircm ldquo[] ocupaccedilatildeo antiga de aacutereas devolutas ou sem

documentaccedilatildeo privada o uso direto da terra no trabalho de produccedilatildeo agropecuaacuteria a

residecircncia e o trabalho da famiacutelia na posse a resistecircncia agrave retirada ou expulsatildeo levada a

efeito por grileirordquo

Pereira (2013 p 11) corrobora esclarecendo que o termo posseiro possui

outros significados

[] as praacuteticas e os usos poliacuteticos desse conceito que o

produziram Eram considerados posseiros os trabalhadores

rurais que haacute muito tempo ocupavam aacutereas devolutas tidas

como posses antigas que natildeo apresentavam contestaccedilatildeo por

qualquer pessoa e nelas fizeram moradas habituais de suas

famiacutelias Contudo outra experiecircncia social comeccedila a sobrepor-

se a essas praacuteticas mais antigas Trabalhador rural sobretudo

migrante de outras regiotildees do paiacutes que lutavam pela terra quer

fossem aqueles que disputavam aacutereas de terras devolutas

consideradas novas simultaneamente com empresaacuterios

fazendeiros ou comerciantes tambeacutem migrantes quer fossem

aqueles que ocupavam imoacuteveis com tiacutetulos definitivos ou de

aforamentos passaram a ser vistos tambeacutem como posseiros Ou

seja os trabalhadores rurais apropriaram-se de uma designaccedilatildeo

ateacute entatildeo usada para significar os ocupantes de terras devolutas

consideradas antigas para ajustar-se a uma nova situaccedilatildeo ou

praacutetica social Esta apropriaccedilatildeo utilizada do conceito de

posseiro ganha uma dimensatildeo poliacutetica inusitada na luta pela

terra no Brasil

Em concordacircncia com este uacuteltimo autor asseguramos que o conceito de

posseiro pode ser compreendido enquanto resultado das praacuteticas de luta das quais os

conceitos satildeo resultados Neles os atores sociais se apropriam desse conceito para se

autonomear e ao mesmo tempo atribuir sentidos as proacuteprias atitudes de desafio ao

sistema de enfrentamento aos modelos existentes para os fazendeiros constituindo-se

enquanto uma categoria social formada por sujeitos histoacutericos de diferentes origens e

15 Joseacute Roberto Agricultor familiar em uma entrevista realizada pela autora em 2015

68

trajetoacuterias migratoacuterias os quais muitas vezes apresentam uma significativa

diferenciaccedilatildeo social

Devido agrave diversificaccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave situaccedilatildeo econocircmica e cultural entre as

pessoas que satildeo denominadas de clientela da Reforma Agraacuteria em Vila Rica-MT o

criteacuterio de distribuiccedilatildeo dos lotes nos assentamentos rurais passou a ser objeto de

questionamento por parte de alguns agricultores familiares o que eacute claro no relato feito

por um dos entrevistados durante a pesquisa que realizamos no mecircs de marccedilo de 2015

junto ao Assentamento Rural Ipecirc

Pode- se dizer que o INCRA tambeacutem eacute culpado pela evasatildeo dos

assentamentos rurais pois nem sempre ele leva em

consideraccedilatildeo se a pessoa que estaacute cadastrada tem ou natildeo

viacutenculo vocaccedilatildeo para ser Agricultor Familiar Os assentados

da Reforma Agraacuteria (alguns ) fizeram o cadastro jaacute pensando

em pegar a terra e depois vender [] Logo na primeira

dificuldade jaacute vende a propriedade dele pra outro Eu penso

que precisa olhar se a histoacuteria das pessoas que demandam por

terra em assentamento estaacute ligada com a luta pela terra vejo

que assim valorizava mais o assentamento [] E na verdade

na eacutepoca de assentar essas pessoas tinha um perfil de

assentando se olhar soacute pelo aspecto de renda miacutenima Mas

muitas natildeo tinham viacutenculo com a terra e atendiam apenas

esse perfil criado de forma subjetiva soacute levando em

consideraccedilatildeo a situaccedilatildeo econocircmica Penso que natildeo estavam em

desacordo com as exigecircncias para o cadastro do INCRA pois

atendiam aquelas exigecircncias burocraacutetica mas elas natildeo eram de

perfil de produtor ou trabalhador rural Aiacute foi onde ocorreu

uma evasatildeo do assentamento Eles natildeo tinham viacutenculo com a

terra pois esse cadastro do INCRA soacute verificava se a pessoa jaacute

tinha outro tiacutetulo no nome dela outra propriedade cadastrada

no nome se possuiacutea vinculo com o serviccedilo publico tipo se era

concursado em oacutergatildeo puacuteblico Logo podia ser que essas

pessoas estivessem enquadradas como produtor ou trabalhador

rural para o INCRA mas na verdade sempre moraram na

cidade nunca haviam trabalhado com a terra nunca tinham

criado um frango sequer nunca tiraram um litro de leite

(ENTREVISTA com Gilmar agricultor familiar de Vila Rica-

MT realizada pela autora em marccedilo de 2015) Grifos da autora

No municiacutepio de Vila Rica verificamos a partir da anaacutelise de documentos

que as origens de seus assentamentos rurais foram distintas mesmo que nos dados

oficiais indicados na Tabela 1 todos eram regularizados e reconhecidos pelo INCRA

na deacutecada de 1990

Quando verificamos os dados do Sindicato dos Trabalhadores Rurais do

municiacutepio de Vila Rica da Comissatildeo Pastoral da Terra e da Prelazia de Satildeo Feliz do

69

Araguaia os quais foram tambeacutem confrontados com os testemunhos orais dos

assentados identificamos que alguns dos assentamentos rurais datavam da deacutecada de

1980

Reafirmamos que suas histoacuterias estatildeo vinculadas agrave histoacuteria do Araguaia a

qual eacute marcada por uma seacuterie de conflitos no que tange agrave luta pela terra considerada

enquanto direito Direito pelo qual muitas vezes os posseiros e os indiacutegenas pagaram

com as suas proacuteprias vidas ou de seus parentes

Uma carta do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT evidencia

a complexidade em torno da luta pela posse da terra Esse registro foi apresentado ao

presidente do INCRA como base para uma anaacutelise da situaccedilatildeo das terras consideradas

improdutivas as quais em sua maioria eram remanescentes da Colonizadora Vila Rica

Ltda e que a desapropriaccedilatildeo das mesmas era condiccedilatildeo necessaacuteria para a sobrevivecircncia

dos trabalhadores que as reocuparam

Figura 5 Carta do Sindicato dos Trabalhadores Rurais para o INCRA (1990)

Fonte Arquivo do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT

2015

70

Ressaltamos que a exposiccedilatildeo dos argumentos dos dirigentes do Sindicato dos

Trabalhadores Rurais de Vila Rica teve por base a compreensatildeo de que as terras

remanescentes da colonizadora eram ldquoimprodutivasrdquo segundo os criteacuterios do Estatuto

da Terra Nessa situaccedilatildeo os proprietaacuterios deixavam de cumprir a funccedilatildeo social da terra

possibilitando sua desapropriaccedilatildeo legal para fins de Reforma Agraacuteria

Apesar da ocorrecircncia de reivindicaccedilotildees formalizadas via cartas ofiacutecios e

outras formas de solicitaccedilatildeo feitas aos oacutergatildeos responsaacuteveis pela Questatildeo Agraacuteria no

Araguaia mato-grossense alguns relatos orais descreveram a reocupaccedilatildeo das fazendas

como uma accedilatildeo implementada de maneira paciacutefica por parte dos posseiros Poreacutem

houve tambeacutem atitudes e praacuteticas de violecircncia na accedilatildeo de alguns fazendeiros em relaccedilatildeo

agrave expulsatildeo dos posseiros A luta pela posse da terra no municiacutepio de Vila Rica ocorreu

de forma conflituosa Embora natildeo tatildeo violentos como em outros municiacutepios como em

Santa Terezinha em Porto Alegre do Norte e em outros onde vaacuterios posseiros foram

mortos por fazendeiros

Vale destacar que muitas pessoas que reocuparam as aacutereas de fazendas hoje

assentamentos rurais em Vila Rica eram em sua maioria membros associados ao

Sindicato dos Trabalhadores Rurais daquele municiacutepio Quando estaacutevamos em atividade

de visita ao um dos assentamentos durante a pesquisa de campo uma assentada nos

relatou queldquo[] o papel do Sindicato geralmente era o de solicitar a regularizaccedilatildeo da

terra bem como o processo de formaccedilatildeo e o de organizaccedilatildeo da base no caso os

trabalhadores pobre sem terra principalmente os filiados do STRrdquo (ENTREVISTA

com Clainir Agricultora Familiar membro da direccedilatildeo do STR realizada pela autora em

marccedilo de 2015) O Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica tambeacutem fazia a

mediaccedilatildeo entre os assentados e o Poder Puacuteblico sobretudo com o INCRA Foi esse

sindicato que orientou a criaccedilatildeo das associaccedilotildees conforme o relato a seguir

[] noacutes do sindicato trabalhaacutevamos visando evitar os conflitos

e o processo de despejo pois priorizaacutevamos a montagem e a

reinvindicaccedilatildeo do processo de desapropriaccedilatildeo das fazendas a

demarcaccedilatildeo dos lotes homologaccedilatildeo cadastramento e o

assentamento das famiacutelias [] E depois os posseiros iam

pleitear as linhas de credito para habitaccedilatildeo e

alimentaccedilatildeofomento depois as demais linhas do Pronaf A

Pronaf C e outros investimentos de custeio Eacute assim que comeccedila

os assentamentos esse processo eacute geral em todo lugar Quando

71

digo que agente noacutes do sindicato evitava conflito natildeo estou

dizendo que conseguimos pois eacute importante lembrarmos que

tivemos muitos momentos complicados Houve ameaccedilas de

morte teve despejos de posseiros teve gente que perdeu tudo

que havia plantado quando foram expulsos da terra Ainda bem

que sempre podemos contar com o suporte da Igreja e da CPT

se natildeo fosse essas instituiccedilotildees noacutes estariacuteamos numa situaccedilatildeo

muito pior assentamento eacute luta nessa regiatildeo do Araguaia

Entatildeo nem se fala teve quem pagou com a vida Hoje fico

vendo muitos assentados vendendo suas terras a preccedilo de nada

e reclamando de dificuldades fico pensando o povo parece que

agraves vezes esquece a luta O INCRA eacute fundamental mas erra

tambeacutem quando coloca gente na terra sem levar em conta que

para viver no campo precisa ter aptidatildeo para trabalhar na

terra Percebo que mais esvazia o assentamento eacute quem natildeo

sabe lidar com roccedila (ENTREVISTA Ibidem)

Os serviccedilos voltados para a melhoria da infraestrutura como estradas pontes

e outras benfeitorias nos ldquoprimeiros temposrdquo de formaccedilatildeo dos assentamentos rurais

eram feitos pelos proacuteprios moradores A prefeitura alegava que natildeo dispunha de

recursos para investir em assentamentos rurais que ainda natildeo haviam sido regularizados

Essa situaccedilatildeo foi praticamente igual em todos os assentamentos rurais oriundos da

reocupaccedilatildeo de fazendas de Vila Rica-MT

Os espaccedilos puacuteblicos como escola barracatildeo da associaccedilatildeo Igreja campo de

futebol etc estatildeo geralmente localizados nas antigas sedes das fazendas Isso se repete

em todos os assentamentos rurais estudados em Vila Rica-MT

22 Os assentamentos rurais do municiacutepio de Vila Rica-MT

O processo de formaccedilatildeo dos assentamentos rurais no municiacutepio mato-

grossense de Vila Rica natildeo ocorreu de modo linear nem mesmo obedeceu a uma

padronizaccedilatildeo Portanto faz-se necessaacuterio problematizar a formaccedilatildeo de cada um deles

individualmente lanccedilando matildeo de diferentes fontes documentais Alguns assentamentos

rurais possuem documentos e outros tecircm sua historicidade presente somente na

memoacuteria dos assentados Daiacute a importacircncia de se conhecer as singularidades descritivas

desses ldquoadereccedilos sociaisrdquo procurando trazer para o diaacutelogo a forma constitutiva de cada

um deles

A trajetoacuteria construiacuteda pelos agricultores familiares estaacute presente em suas

memoacuterias as quais podem ser mais bem compreendidas quando nos remetemos agrave

72

concepccedilatildeo definida por Thompson (1992) segundo o qual a memoacuteria eacute constituiacuteda a

partir da habilidade que os indiviacuteduos tecircm em compreender suas experiecircncias bem

como o interesse deles em contar as suas experiecircncias de vida uma vez que as

lembranccedilas se revelam de forma mais concisa quando o relembrar dos acontecimentos

estaacute correspondendo aos seus proacuteprios interesses e necessidades

Daiacute a importacircncia em se atentar tambeacutem ao que natildeo estaacute dito e ao que natildeo

pode ser dito pelo narrador Neste caso o silenciamento sobre determinados temas

constituem relativa importacircncia para intensificar a seguranccedila que o entrevistado tem ou

quer passar nas proacuteprias narrativas Para tanto eles selecionam o que dizem e aquilo que

natildeo deve se tornar puacuteblico Um exemplo obtido atraveacutes de entrevista com um dos

assentados chamou a atenccedilatildeo pela forma como ele gesticulava ao contar sua trajetoacuteria

de vida Foi possiacutevel perceber o quanto as questotildees natildeo ditas mencionadas por

Thompson (1992) tornam-se relevantes na praacutetica de trabalhos que dependem da

metodologia das fontes orais como no caso dessa pesquisa

Ao relatar a sua trajetoacuteria de vida o depoente sentado em uma cadeira

encostando-se a uma aacutervore e com as pernas balanccedilando passava ldquoaos meus olhosrdquo a

sensaccedilatildeo de ser uma pessoa muito tranquila para falar sobre si e seus afazeres

Revelava-se estar muito orgulhoso do siacutetio que tinha mas no decorrer da entrevista foi

perceptiacutevel que quando o assunto natildeo o agradava por se tratar de algo que o marcou

como uma experiecircncia que natildeo lhe remetia para boas lembranccedilas ele parava de balanccedilar

as pernas e baixava a cabeccedila A projeccedilatildeo de futuro foi um assunto que evidentemente

natildeo o agradava quando afirmou

[] sofro muito soacute em pensar o que possa acontecer se eu

morrer primeiro ela vai ter que vender e dividir entre os filhos

pois natildeo daraacute conta de cuidar sozinha Se eacute ela quem morre

primeiro sou eu quem teraacute que vender Isso sim eacute doiacutedo pra

noacutes depois de tanta luta pra organizar o siacutetio terminar nas

matildeos de sei laacute quem Esse siacutetio pra mim natildeo tem preccedilo mas eacute

uma pena que nossos filhos natildeo pensam igual Quando eles

querem um dinheiro dizem ldquomatildee pai me manda aiacute tantordquo mas

vejo que o forte deles natildeo eacute morar no siacutetio (ENTREVISTA

com Joatildeo Neto agricultor Familiar do assentamento Satildeo Joseacute

realizada pela autora em marccedilo de 2015)

O relato possibilita a reflexatildeo sobre os diversos significados produzidos a

respeito da concepccedilatildeo e das formas de usos da terra para os agricultores familiares

como o significado da posse da terra a relevacircncia das lutas e da conquista assim como

73

a busca pela continuidade da tradiccedilatildeo na convivecircncia com o espaccedilo rural Aleacutem da

preocupaccedilatildeo praacutetica com a falta de continuidade familiar no trabalho do siacutetio existe

uma preocupaccedilatildeo com o futuro incerto capaz de apagar da memoacuteria o viacutenculo desse

agente histoacuterico com a terra Percebe-se o desejo de eternizar esse viacutenculo e o valor

sentimental dessa terra que para ele natildeo tem preccedilo

A narrativa torna possiacutevel identificar o papel dos agentes histoacutericos na

construccedilatildeo da historiografia agraacuteria de Mato Grosso As pesquisas natildeo datildeo muita

importacircncia aos assentamentos rurais mais particularmente agraves trajetoacuterias de vida dos

agricultores familiares

Por outro lado as evidecircncias mostram que os assentados exercem um papel

importantiacutessimo na formaccedilatildeo dos assentamentos rurais Nesse sentido eles natildeo podem

estar agrave ldquomargemrdquo das lutas travadas pelas instituiccedilotildees agraves quais estatildeo vinculados No

caso de Vila Rica-MT as entidades que se destacam nas narrativas sobre as lutas pela

terra satildeo a CPT o Sindicato dos Trabalhadores Rurais a Prelazia de Satildeo Feliz do

Araguaia e o INCRA

221 O Assentamento Rural Satildeo Joseacute

O Assentamento Rural Satildeo Joseacute em Vila Rica-MT resultou de uma

reocupaccedilatildeo que teve iniacutecio no ano de 1995 Foram os proacuteprios ldquoposseirosrdquo que

demarcaram os seus lotes e construiacuteram as casas provisoacuterias que eram cobertas de palha

e lona Posteriormente os ocupantes comeccedilaram a cultivar roccedilas para o consumo

proacuteprio e outras atividades como a pesca a caccedila e a extraccedilatildeo de madeira (EMPAER

2010)

Segundo relato de um dos assentados a estruturaccedilatildeo dos lotes em termos de

construccedilotildees estruturais e preparaccedilatildeo do solo para o cultivo eram realizadas atraveacutes do

trabalho dos proacuteprios assentados Joatildeo Neto diz ldquo[] eu e a minha esposa fizemos tudo

isso plantamos tudo que tem nesse siacutetio tudo escolhido por noacutes cada plantinha dessa

aqui eacute do sitio que a gente viverdquo (ENTREVISTA com Joatildeo Neto agricultor Familiar do

assentamento Satildeo Joseacute realizada pela autora em marccedilo de 2015)

Outro relato permite identificar algumas ocorrecircncias instigantes relacionadas

agrave formaccedilatildeo do Assentamento Rural Satildeo Joseacute

74

[] o Projeto de assentamento Satildeo Joseacute eacute resultado da invasatildeo

invasatildeo natildeo essa natildeo eacute a palavra apropriada para designar o

que fizemos Na verdade noacutes ocupamos uma fazenda que jaacute

natildeo estava mais produzindo Geralmente quem fala invasatildeo

satildeo pessoas que se colocam contra os assentamentos rurais

[] Em 1997 isso tudo foi ocupado por pessoas que moravam

na cidade sem-terra e filhos de pequenos agricultores [] E

foi assim que a antiga Fazenda Satildeo Joseacute se transformou em um

assentamento rural ou melhor P A Satildeo Joseacute eacute assim que a

gente costuma chamar (ENTREVISTA com Clainir Mafra

Agricultora familiar assentada no PA Satildeo Joseacute realizada pela

autora em marccedilo de 2015)

Nesta narrativa sucinta percebe-se que diferentes satildeo as denominaccedilotildees de

agentes histoacutericos em cena O argumento principal eacute que eles natildeo satildeo ldquoinvasoresrdquo e sim

ldquomoradores da cidaderdquo ldquosem terrasrdquo e ldquofilhos de pequenos agricultoresrdquo demonstrando

uma construccedilatildeo de identidade daqueles que reocuparam a Fazenda Satildeo Joseacute ligada agrave

terra e agrave necessidade de sobrevivecircncia uma vez que satildeo legiacutetimos ocupantes como os

ldquofilhos de pequenos produtoresrdquo que precisam de mais terra para se reproduzir

socialmente e continuar o viacutenculo familiar com a terra

Fazendeiros proprietaacuterios filhos de pequenos agricultores moradores da

cidade e sem-terra se colocam como posseiros que participaram da luta pela terra

Percebe-se que a formaccedilatildeo do assentamento rural se deu a partir dessa luta que ocorreu

graccedilas agrave uniatildeo dos posseiros

Na verdade a gente natildeo era bobo quando ocupamos uma aacuterea

que iraacute ser assentamento Natildeo adianta querer crescer o olho

pois o INCRA tem o seu modo de medir a terra entatildeo o certo eacute

tirar o siacutetio no tamanho certinho assim natildeo complica Noacutes

agiacuteamos em conjunto meio assim uns por todos []

(ENTREVISTA com Clainir Mafra Agricultora familiar

assentada no PA Satildeo Joseacute realizada pela autora em marccedilo de

2015)

Atraveacutes do relato citado percebemos que os posseiros se adaptavam aos

criteacuterios do INCRA e tinham na uniatildeo uma ferramenta poliacutetica capaz de fortalececirc-los e

agregar conhecimentos e experiecircncias capazes de fundamentar estrateacutegias para

conseguir o direito agrave terra A uniatildeo para a abertura das aacutereas a serem reocupadas eacute

evidenciada no seguinte relato oral

75

[] acho que eacuteramos em meacutedia umas 200 ou 250 pessoas que

ocuparam e jaacute foram demarcando suas aacutereas usando foice

facatildeo machado e motosserra alguns que tinham motosserra a

maioria era com a foice e o machado na estrada no Rio Satildeo

Marcos com aacutegua Fizemos os barracos derrubando

plantando arroz milho e pensando em formaccedilatildeo de pasto

(ENTREVISTA com Joatildeo Neto assentado Satildeo Joseacute realizado

pela autora em marccedilo de 2015)

Esse depoimento demonstra a capacidade de uniatildeo e a organizaccedilatildeo dos

posseiros A diferenciaccedilatildeo social entre eles natildeo travou sua organizaccedilatildeo O relato a

seguir mostra essa relaccedilatildeo

Muita gente pobre pobre mesmo Mas natildeo posso negar que um

ou outro que ocupou a terra como posseiro quando na verdade

natildeo tinha o perfil pois tinha dinheiro Por mais que o Sindicato

fala ldquoacompanha e orienta semprerdquo passa algum que estaacute

fora do padratildeo dos agricultores familiares Eacute assim agraves vezes

nem o sindicato e nem o INCRA tem como controlar tudo ateacute

porque as pessoas tecircm um comeacutercio ou algum outro meio de

ganhar dinheiro mas natildeo estaacute no nome dela e daiacute o que haacute de

fazer eacute complicado achar que vai controlar essas coisas tudo

(ENTREVISTA com Joatildeo Neto assentado Satildeo Joseacute realizada

pela autora em marccedilo de 2015)

Percebemos que entre os proacuteprios posseiros era evidente que nem todos

possuiacuteam o ldquoperfilrdquo de agricultores familiares ou segundo criteacuterio do INCRA se

enquadrava como ldquoclientela de Reforma Agraacuteriardquo Era recorrente a percepccedilatildeo de que

estes oacutergatildeos e entidades que acompanharam o processo natildeo tinham condiccedilotildees objetivas

de definir com precisatildeo quem tinha o perfil e quem deveria ser impedido de tomar

posse dos lotes que constituem o Assentamento Rural Satildeo Joseacute

Para aleacutem da questatildeo da diferenciaccedilatildeo dos posseiros outro fato importante eacute

que eles adquiriram lotes de qualidade duvidosa uma vez que a terra estava em situaccedilatildeo

de degradaccedilatildeo extrema poreacutem aceitaram-na visto natildeo dispor de capital financeiro para

investir em tecnologias de melhoramento do solo somado agrave falta de infraestrutura e

dificuldade de acesso para uma parte dos assentados

76

Ah Tem uma coisa que lembrei pra te contar Eacute que tem uma

parte que foi denominada de Jamaica por ser de difiacutecil acesso

era muito complicado para a gente chegar laacute Coitados dos que

foram para aquela parte de laacute sofreram o isolamento natildeo

tinha entrada por causa do rio Satildeo Marcos e assim ficaram por

um bom tempo Aiacute eacute o que digo sempre jaacute foi difiacutecil pra gente

imagina para aqueles coitados de laacute (ENTREVISTA com Joatildeo

Neto assentado Satildeo Joseacute realizado pela autora em marccedilo de

2015)

Aleacutem da diferenciaccedilatildeo entre os posseiros das dificuldades do espaccedilo social

conquistado o entrevistado destaca que natildeo ocorreram conflitos entre o proprietaacuterio da

Fazenda Satildeo Joseacute e os posseiros No entanto as dificuldades vivenciadas por eles

foram inuacutemeras sobretudo para aqueles posseiros que ocuparam as aacutereas mais distantes

da estrada

Eu falo sempre aqueles primeiros tempo era o que podemos

chamar de tempos das dificuldades Eacute como eu te disse antes

aqui natildeo teve conflito como teve em outros assentamentos

Acho que isso foi porque o fazendeiro devia para o banco pois

fez empreacutestimo para manter a fazenda assim diz o povo mas

sabe se isso eacute verdade [] Entatildeo isso fez com que natildeo

houvesse conflito entre os fazendeiros e os posseiros []

(ENTREVISTA com Joatildeo Neto assentado Satildeo Joseacute realizada

pela autora em marccedilo de 2015)

O relato revela indiacutecios de que o dono da Fazenda Satildeo Joseacute tinha manifestado

interesse em vender a aacuterea para o INCRA devido agrave contraccedilatildeo de diacutevidas Mas eacute

possiacutevel ponderar que a ecircnfase na versatildeo de que natildeo houve conflito eacute tambeacutem uma

estrateacutegia dos posseiros Durante a deacutecada de 1990 mais precisamente durante o

Governo de Fernando Henrique Cardoso foi adotada a poliacutetica governamental de natildeo

regulamentar as terras que tivessem sido ocupadas atraveacutes de conflitos Quando

ocorriam disputas a terra natildeo era reconhecida pelo INCRA enquanto aacuterea passiacutevel de

desapropriaccedilatildeo para transformaacute-la em um assentamento rural

Essa poliacutetica se justificava pelo dispositivo reconhecido juridicamente como

ldquousucapiatildeordquo segundo o qual o posseiro soacute teria direito a terra quando a mesma fosse

ocupada de forma ldquomansa e paciacuteficardquo16

Em um assentamento rural planejado o

primeiro ato consiste na aquisiccedilatildeo da aacuterea para depois ocupaacute-la atraveacutes da distribuiccedilatildeo

dos lotes de acordo com criteacuterios estabelecidos pelo o INCRA

16 A ldquoocupaccedilatildeo mansa e paciacuteficardquo eacute um princiacutepio consagrado pela Lei de Terras de 1850

77

Na anaacutelise de outros documentos disponibilizados pelo STR percebe-se que

por um periacuteodo superior a um ano os posseiros foram viacutetimas de ameaccedilas e boatos de

que o dono da fazenda faria o despejo accedilatildeo que natildeo chegou a se efetivar Logo o STR

Vila Rica-MT entrou com pedido de desapropriaccedilatildeo da fazenda e em seguida o

INCRA deu andamento ao processo de regularizaccedilatildeo comeccedilando a discussatildeo e o

encaminhamento para a compra de toda a aacuterea

Consta nos documentos analisados que o INCRA procurou regularizar o

assentamento rural atraveacutes de uma accedilatildeo conjunta com o STR com vista agrave necessidade

de agilizar a organizaccedilatildeo do cadastro dos agricultores familiares por meio da

Associaccedilatildeo que jaacute existia desde antes da accedilatildeo do INCRA Foi atraveacutes dela que esses

agricultores se mobilizaram para construir estradas e escola Somente depois de um ano

da reocupaccedilatildeo a prefeitura passou a operar de forma mais efetiva juntamente com o

INCRA com o objetivo consolidar o Assentamento Rural Satildeo Joseacute Depois da

regularizaccedilatildeo foi liberado o creacutedito para a aquisiccedilatildeo de gado e melhorias na

infraestrutura

Segue uma narrativa que possibilita a problematizaccedilatildeo dessa questatildeo

[] quando a gente chegou aqui no dia que cheguei tinha trecircs

cancelas trancadas Tinha o pessoal dali que natildeo queria que a

gente entrasse O gerente natildeo deixava a gente entrar mas tinha

um menininho pequenino do tamanho daquele ali Aiacute eu trazia

balinha bombom e dava pra ele Aiacute quando ele me via corria

eu vinha pra caacute era de bicicleta De Vila Rica-MT pra caacute eu

vinha de bicicleta com uma ldquocarguinhardquo na garupa Mas o

que eu vinha fazer eu trazia soacute foice Aiacute vinha e passava meio

debaixo dos arames e ia roccedilando Rocei um pedaccedilo de mato e

voltei pra Vila Fui trabalhar para ganhar dinheiro para

comer ldquoAiacute quando foi um dia falou Zeacute Roberto eu passei na

sua roccedilardquo o Joseacute Roberto falou o fogo estaacute acabando de

queimar a sua roccedilardquo Que horas Umas oito horas da noite eu

passei laacute e fogo estava acabando de queimar a sua roccedilardquo

ldquoEntatildeo natildeo queimou a roccedila natildeordquo Cheguei aqui estava tudo

queimado Aiacute o que eu fiz foi imediatamente soacute eu mesmo com

umas panelinhas e jaacute ldquobarrequeirdquo aqui e fui furar cisterna

Trouxe um rapaz para furar o poccedilo Furou o poccedilo eu vim fazer

o barriquinho Ai amiga velha aqui soacute mato (ENTREVISTA

com Joatildeo Neto assentado de Satildeo Joseacute realizada pela autora

em marccedilo de 2015)

O relato demonstra a necessidade que estes agentes histoacutericos tecircm em

enfatizar que a posse da terra dava-se com muito sacrifiacutecio dos posseiros com a ajuda

78

de outros que avisavam e auxiliavam a cuidar da roccedila Portanto a integraccedilatildeo e a

solidariedade faziam parte do cotidiano de vida deles principalmente sabendo da

necessidade que alguns tinham de sair da ldquoposserdquo para trabalhar na aacuterea urbana ou

mesmo em outras propriedades rurais em busca de sobrevivecircncia motivo pelo qual natildeo

podiam morar exclusivamente na ldquoposserdquo

Os ldquoposseirosrdquo enfrentaram dificuldades para ldquoabrirrdquo fazer o plantio e para

construir as casas em seus lotes pois sem apoio do poder puacuteblico tiveram que

desenvolver as suas proacuteprias condiccedilotildees de sobrevivecircncia seja na construccedilatildeo de

barracos casas ou cultivo das roccedilas Tambeacutem havia problemas de ordem financeira que

implicavam na condiccedilatildeo elementar de sobrevivecircncia no lote Nem todos possuiacuteam

recursos para se manter nos espaccedilos socialmente delimitados ateacute que as roccedilas

comeccedilassem a produzir para a alimentaccedilatildeo dos membros das famiacutelias

Alguns posseiros precisaram conciliar as atividades do lugar proacuteprio de

produccedilatildeo com outras atividades como derrubar a mata para dela retirar madeira e

vender para as serrarias ou trabalhar em outros siacutetios para conseguir dinheiro suficiente

para suprir as necessidades baacutesicas para o sustento da famiacutelia Durante o periacuteodo da

pesquisa de campo eram frequentes as narrativas afirmando ser o trabalho assalariado

uma praacutetica corriqueira entre a maioria dos posseiros mais pobres

Uma estrateacutegia foi o trabalho acessoacuterio nas aacutereas urbanas

[] e pra mim comer aqui trabalhava uma semana aqui e ia

trabalhar na diaacuteria para os outros Trabalhava uma semana

para o Valdemar Senna trabalhava uma semana para o

Aguiarro para o dono do hotel Marajoacute laacute no fundo E daiacute por

diante eu agraves vezes tirava madeiras para algumas pessoas

derrubava um pouquinho de mato para uma pessoa pra mim

comer a minha esposa trabalhava no coleacutegio eu fazia meus

bicos e ela empregada laacute na estadual Entatildeo ela tambeacutem me

ajudava muito Pegava o salarinho dela para comprar coisa em

casa pra comprar gaacutes pra me ajudar em casa tambeacutem Entatildeo

ldquomorreurdquo tudo assim eu e ela trabalhando para manter a

posse Noacutes pegamos primeiro uma cesta baacutesica que chamava

fomento [] eu natildeo me lembro do valor se foi se natildeo me

engano foi mil e alguma coisa (ENTREVISTA com Joatildeo

Neto assentado de Satildeo Joseacute realizada pela autora em marccedilo de

2015)

Naquele contexto tambeacutem havia posseiros que eram comerciantes servidores

puacuteblicos e ateacute antigos funcionaacuterios da Fazenda Satildeo Joseacute que tinham um maior poder

79

aquisitivo Esses eram os principais contratantes dos posseiros que precisavam vender

sua forccedila de trabalho

222 O Assentamento Rural Ipecirc

Para conseguir compreender a formaccedilatildeo do Assentamento Rural Ipecirc foi

necessaacuterio visitar o local para perceber as especificidades Isso porque o contato direto

entre pesquisador e seus entrevistados acompanhado por conhecidos foram

significativas Atraveacutes dessa proximidade foi possiacutevel aos entrevistados o uso de suas

memoacuterias que possibilitaram relembrar a condiccedilatildeo humana de luta pela sobrevivecircncia

e que fez os homens e mulheres sujeitos da proacutepria histoacuteria

Comecemos por um espaccedilo bem instigante O Assentamento Rural Ipecirc

originou-se da compra da Fazenda Ipecirc que havia sido ocupada antes numa accedilatildeo

apoiada pelo STR O INCRA apresentou a possibilidade de fazer um assentamento rural

modelo construiacutedo atraveacutes de um planejamento de acordo com as diretrizes do MDA

para a criaccedilatildeo de assentamentos rurais

A luta pela conquista do seu espaccedilo social de produccedilatildeo ocorreu em 1999

quando os posseiros ocuparam toda a aacuterea da Fazenda Ipecirc e fizeram a divisatildeo dos lotes

abrindo estradas por meio de ldquopicadatildeordquo embora maior parte da aacuterea jaacute estivesse

ocupada com pastagens

Em carta aberta escrita pela Comissatildeo Municipal de Reforma Agraacuteria na

mesma deacutecada as lideranccedilas do movimento tentavam esclarecer agrave populaccedilatildeo de Vila

Rica-MT sobre os acontecimentos e ao mesmo tempo procuraram chamar a atenccedilatildeo

das autoridades vinculadas agrave Questatildeo Agraacuteria Simultaneamente esse documento

revelou uma concepccedilatildeo da estrateacutegia e da luta pela posse da terra Tanto os dirigentes do

STR como as outras instituiccedilotildees em determinado momento viram-se na luta na

condiccedilatildeo de aliados dos oacutergatildeos governamentais como o INCRA e a prefeitura

municipal de Vila Rica-MT

Por esse documento podemos saber que a Comissatildeo Municipal de Reforma

Agraacuteria do municiacutepio era composta por representantes de instituiccedilotildees e entidades

vinculadas agrave Questatildeo Agraacuteria e visava consolidar um assentamento rural que atendesse

aos padrotildees estabelecidos pela poliacutetica de criaccedilatildeo de assentamentos pelo INCRA

80

Logo havia interesse dos oacutergatildeos governamentais e do STR para a conquista

do que viria a ser o primeiro assentamento rural do Araguaia mato-grossense Ele foi

construiacutedo a partir do imaginaacuterio idealizado pelo Plano de Reforma Agraacuteria da eacutepoca

[] A reforma agraacuteria eacute um anseio da populaccedilatildeo e necessidade

do trabalhador rural A colonizaccedilatildeo de Vila Rica-MT foi

modelo de reforma agraacuteria com a divisatildeo das grandes aacutereas em

pequenas ocupadas por produtores tambeacutem pequenos A partir

de 1998 foi instituiacuteda ldquoA Comissatildeo Agraacuteria do Municiacutepio de

Vila Rica-MTrdquo com o objetivo de coordenar agraves atividades

ligadas a Questatildeo Agraacuteria no acircmbito municipal Esta comissatildeo

em parceria com o INCRA e sociedade envolvida organizou os

trabalhos de classificaccedilatildeo dos sem terras selecionando 500 em

uma relaccedilatildeo de 1700 inscritos no Sindicato dos Trabalhadores e

Prefeitura para assentaacute-los na Fazenda Ipecirc ateacute entatildeo objeto de

desapropriaccedilatildeo para fins da reforma agraacuteria A relaccedilatildeo de

classificados feita conforme legislaccedilatildeo competente e os

meacutetodos estabelecidos pela a proacutepria comissatildeo foram

apresentados ao INCRA que fez o cadastramento no SIPRA-

Sistema de Informaccedilatildeo de Projetos da Reforma Agraacuteria Aleacutem

de organizar esta classificaccedilatildeo a comissatildeo conscientizou os

futuros assentados a evitar a invasatildeo da Fazenda e sim aguardar

as devidas providecircncias que seriam tomadas pelo INCRA para

que o assentamento fosse feito com clientes da reforma agraacuteria

trabalhadores sem-terra e que pudesse ser modelo para a

regiatildeo [] Para a decepccedilatildeo das 500 famiacutelias de trabalhadores

(as) sem-terra sipradas e de pessoas ligadas ao processo um

grande nuacutemero de estranhos entre eles fazendeiros

comerciantes e pequena parte dos sem-terra siprados17

invadiram a aacuterea da fazenda Ipecirc entre a reuniatildeo de 260399 a

300399 despeitando os que haacute dois anos honesta e

sofridamente aguardavam a tramitaccedilatildeo legal Com a chegada

dos representantes do INCRA a Comissatildeo Municipal de

Reforma Agraacuteria representantes de outras intensidades diante

do fato da invasatildeo e o processo de assentamento concluiu-se

que []- fosse solicitada com urgecircncia a retirada dos invasores

pelas autoridades em niacuteveis federal estadual e municipal

(CARTA ABERTA- STR de Vila Rica-MT marccedilo de 2015)18

Os envolvidos no processo de organizaccedilatildeo do assentamento rural ficaram

desapontados ao serem surpreendidos pela invasatildeo da aacuterea por outros agentes que natildeo

tinham sido selecionados no Sistema de Informaccedilatildeo de Projetos da Reforma Agraacuteria e

que tampouco atendiam aos criteacuterios do Programa

17 Expressatildeo utilizada para caracterizar os assentados rurais cadastrados no INCRA

18 A carta na integra estaacute disponibilizada nos arquivos do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de

Vila Rica- MT analisados pela autora da pesquisa em marccedilo de 2015

81

A partir do depoimento do gerente da Fazenda Ipecirc da eacutepoca eacute possiacutevel

compreender de forma mais clara as estrateacutegias adotadas pelos posseiros e pelo

fazendeiro no processo de loteamento do Assentamento Rural Ipecirc

[] Ipecirc naquela eacutepoca causou um intenso movimento de

trabalhadores desbravando a aacuterea e plantando capim A aacuterea

possuiacutea 26 mil hectares [] em 18 anos desmataram apenas

20 dessas terras ela era considerada a maior fazenda da

regiatildeo [] Em 1997 comeccedilou a fofoca de venda da aacuterea que

se prolongou por dois anos Tinha ordem de natildeo deixarem

invadir possuiacutea uma patrulha de vigia dia e noite O INCRA

inicia a negociaccedilatildeo com o gerente da eacutepoca que era

autorizado pelo proprietaacuterio A pessoa responsaacutevel ia para

Cuiabaacute- MT Satildeo Felix do Araguaia- MT Rio de Janeiro e

Uberaba em Minas Gerais para se reunir com o dono e

discutir as propostas Como demorou a desapropriaccedilatildeo as

pessoas comeccedilaram a invadir a aacuterea realizaram vaacuterias

reuniotildees com as pessoas para que mantivessem a calma

(ENTREVISTA com Ideu Ex-gerente da Fazenda Ipecirc realizada

por Regina Ceacutelia em 2006)

Ressaltamos que o relato oral apresenta uma linguagem especiacutefica que repete

a ideia de que a reocupaccedilatildeo foi uma ldquoinvasatildeordquo numa perspectiva comum entre os

proprietaacuterios de terra que natildeo compreendiam a luta pela terra Ao contraacuterio do que estaacute

expresso na Carta Aberta o ex-gerente atribui os motivos da bdquoinvasatildeo‟ agrave ldquomorosidaderdquo

na efetivaccedilatildeo do processo de desapropriaccedilatildeo da terra Apesar de tambeacutem fazer

referecircncias agraves reuniotildees que ocorreram no sentido de manter os agricultores familiares

informados sobre o processo de desapropriaccedilatildeo da fazenda para efeito de criaccedilatildeo do

assentamento rural

A consolidaccedilatildeo do assentamento rural soacute veio de fato a acontecer a partir das

denuacutencias feitas pela Comissatildeo Municipal de Reforma Agraacuteria com anuecircncia do

Sindicato dos Trabalhadores Rurais da Comissatildeo Pastoral da Terra e de outras

entidades envolvidas com a Questatildeo Agraacuteria e na luta pela terra em Vila Rica- MT

Segundo documentos19

do STR foi a partir desse fato que o INCRA entrou

com um Mandato de Seguranccedila exigindo a saiacuteda imediata dos ldquoposseirosrdquo sob a

alegaccedilatildeo de ser esta a condiccedilatildeo principal para a aquisiccedilatildeo da aacuterea e a demarcaccedilatildeo dos

lotes no assentamento rural Isso em funccedilatildeo de uma legislaccedilatildeo que regia os processos

19 Os documentos satildeo de diversas tipologias (ofiacutecios cartas atas relatoacuterios e etc)e estatildeo

disponibilizados nos arquivos do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT

82

de criaccedilatildeo dos assentamentos rurais Em 1998 jaacute havia sido declarado pelo Decreto nordm

157 que a aacuterea da Fazenda Ipecirc era de interesse social para efeito das poliacuteticas de

Reforma Agraacuteria

De acordo com o depoimento de uma assentada a qual tambeacutem era na eacutepoca

da diretoria do STR de Vila Rica-MT e estivera desde o processo inicial de formaccedilatildeo do

assentamento rural eacute possiacutevel perceber que

[] os primeiros trecircs anos do assentamento foram de

dificuldades para os assentados pois o mesmo natildeo possuiacutea

infraestrutura como estrada pontes e etc Somente 70 as

famiacutelias receberam creacutedito para fomento enquanto as demais

famiacutelias ficaram agrave mercecirc sem apoio do Poder Puacuteblico por um

bom tempo (ENTREVISTA com Clainir Agricultora Familiar

membro da direccedilatildeo do STR realizada pela autora em marccedilo de

2015)

O periacuteodo compreendido entre 2001 e 2010 foi o momento de maior

alavancada do Assentamento Rural Ipecirc pois recebeu um percentual significativo de

recursos vinculados agraves linhas de creacuteditos do Programa Nacional de Fortalecimento da

Agricultura Familiar como Pronaf -A Pronaf - AC Pronaf - C Pronaf -D e Pronaf -

Mulher A disposiccedilatildeo desses recursos segundo informaccedilotildees obtidas atraveacutes dos

relatoacuterios da Empaer da Secretaria Municipal de Agricultura e do STR de Vila Rica-

MT estavam condicionados para determinados fins e foram destinados agrave aquisiccedilatildeo de

vacas leiteiras construccedilatildeo de curral e de 95 casas bem como agrave edificaccedilatildeo de pontes

estradas e na contrataccedilatildeo de serviccedilos de maacutequinas de esteira (EMPAER 2009)

223 O Assentamento Rural Aracati

A luta pela terra natildeo passa somente por um processo de conquista territorial

mas avanccedila para a necessidade de permanecircncia dos assentados garantida atraveacutes de

apoios e poliacuteticas puacuteblicas

A histoacuteria dos assentamentos rurais em Mato Grosso tambeacutem eacute marcada pela

violecircncia praticada contra os posseiros No caso de Vila Rica-MT os assentamentos

rurais Aracati e Itaporatilde do Norte talvez sejam os dois que mais se identifiquem com

essa caracteriacutestica uma vez que resultantes do processo de reocupaccedilatildeo da Fazenda

83

Aracati que na eacutepoca era de propriedade do senhor Rubens Mendonccedila apresentado

anteriormente como ldquoo pioneirordquo de Vila Rica-MT

A reocupaccedilatildeo da aacuterea provocou conflito entre posseiros e o proprietaacuterio da

fazenda havendo ateacute ameaccedilas de mortes Aleacutem dessas accedilotildees de conflito o proprietaacuterio

contava com o apoio do judiciaacuterio na aplicaccedilatildeo de medidas coercivas contra os

posseiros

No primeiro momento os posseiros foram despejados das terras perdendo

toda a produccedilatildeo das roccedilas jaacute cultivadas conforme descrito no relatoacuterio produzido pela

Empaer (2009 p 48)

No ano de 1980 foi feita a primeira invasatildeo da fazenda Aracaty

por 42 famiacutelias as mesmas fizeram construccedilatildeo de barracos de

plaacutesticos e palha A aacuterea invadida era mata e aberturas com

pastagens Os invasores fizeram aberturas de picadas

derrubadas e plantio de roccedilas Os pistoleiros da fazenda foram

ateacute a aacuterea invadida acionaram a poliacutecia militar e a mesma veio

ateacute o local do conflito

O conflito fundiaacuterio originado na luta pela terra tornou-se mais complexo

com a organizaccedilatildeo e a atuaccedilatildeo do STR e da CPT Em 1990 o Sindicato dos

Trabalhadores Rurais do municiacutepio denunciou internacionalmente a accedilatildeo de

empresaacuterios e fazendeiros conforme mostra a carta reproduzida a seguir

Figura 6 A Carta da Alemanha

84

Fonte Arquivo do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT

Essa articulaccedilatildeo internacional do STR de Vila Rica-MT demonstra a

capacidade de accedilatildeo mobilizadora dos grupos sociais constituiacutedos por homens e

mulheres com perfil ldquocampesinordquo os quais almejavam acesso agrave terra Revela ainda um

niacutevel de organizaccedilatildeo poliacutetica e conhecimento legal sobre os procedimentos juriacutedicos

adotados pelos oacutergatildeos federais no processo de criaccedilatildeo e regularizaccedilatildeo de assentamentos

rurais

Vale ressaltar que a situaccedilatildeo vivenciada pelos posseiros da Fazenda Aracati

ganhou repercussatildeo nacional e internacional Eacute possiacutevel verificaacute-lo pelas diversas coacutepias

das cartas enviadas ao Presidente da Repuacuteblica por vaacuterias entidades inclusive de paiacuteses

como Espanha Itaacutelia Alemanha e outros

Em 1993 a equipe do INCRA compareceu pela primeira vez na aacuterea

visando regularizaacute-la atraveacutes de um contrato de arrendamento com o proprietaacuterio da

Fazenda Aracati No entanto a regularizaccedilatildeo do assentamento rural ocorreu somente

quando a fazenda em questatildeo foi desapropriada para fins de Reforma Agraacuteria sendo

criado entatildeo o assentamento rural ocasiatildeo em que ocorreu o retorno dos posseiros que

haviam sido expulsos

Na eacutepoca foi respeitada a demarcaccedilatildeo realizada anteriormente pelos proacuteprios

posseiros na primeira fase da reocupaccedilatildeo Em consequecircncia dessa situaccedilatildeo quando natildeo

foram estabelecidos criteacuterios de demarcaccedilatildeo os lotes do Assentamento Rural Aracati

possuem ateacute hoje aacutereas diferentes

Segundo informaccedilotildees obtidas atraveacutes das anaacutelises dos documentos que estatildeo

nos arquivos disponibilizados pelo STR de Vila Rica-MT no periacuteodo de 1990 a 1992

pouco se fez em prol da infraestrutura da aacuterea ocupada pelos agricultores familiares

Apenas se verificou a edificaccedilatildeo de uma pequena escola de taacutebua cercas currais e

construccedilatildeo de estradas as quais foram feitas pelos proacuteprios moradores

224 O Assentamento Rural Satildeo Gabriel

O Assentamento Rural Satildeo Gabriel no que se refere a sua constituiccedilatildeo

possui caracteriacutesticas semelhantes ao Assentamento Rural Satildeo Joseacute uma vez que este

85

tambeacutem foi resultado do processo de ocupaccedilatildeo da fazenda Satildeo Gabriel no ano de 1999

Segundo os moradores na eacutepoca em que a fazenda foi ocupada praticamente toda aacuterea

era ainda coberta de mata virgem As primeiras picadas demarcatoacuterias foram realizadas

pelos posseiros A equipe do INCRA foi ao local somente para realizar o cadastramento

dos interessados Os lotes foram distribuiacutedos atraveacutes de sorteio viabilizando a liberaccedilatildeo

de fomento

Como em todos os demais assentamentos rurais do municiacutepio de Vila Rica-

MT no iniacutecio os assentados do Satildeo Joseacute enfrentaram muitas dificuldades como a falta

de infraestrutura sobretudo de estradas como demonstram as informaccedilotildees do relatoacuterio

produzido pelo escritoacuterio da Emapaer de Vila Rica- MT (2006 p 10)

[] no ano de 2000 foi criada a primeira associaccedilatildeo do

assentamento a Associaccedilatildeo dos Pequenos Produtores Rurais da

Comunidade Pedra Alta do Projeto de assentamento Satildeo

Gabriel ndash APPA As famiacutelias comeccedilaram a abrir derrubadas

para plantio de roccedilas e pastagens novamente receberam

fomento creacutedito habitaccedilatildeo Iniciou a primeira escola nas casas

da antiga fazenda IPEcirc assentamento vizinho O INCRA teve

presente no assentamento pra fazer a liberaccedilatildeo das casas O

assentamento foi contemplado com 18 km de estrada feitas pela

prefeitura em parceria com INCRA

Assim como ocorreu em outros Projetos de assentamentos rurais de Vila

Rica-MT a deacutecada de 2000 pode ser considerada um marco importante na histoacuteria do

assentamento Satildeo Joseacute pois naquele periacuteodo houve uma melhoria significativa da

infraestrutura em funccedilatildeo das accedilotildees dos Poderes Puacuteblicos Federal e Municipal

O periacuteodo entre os anos 2001 ateacute 2010 foi marcado por um amplo aumento

nas accedilotildees do poder puacuteblico havendo bastante capacitaccedilatildeoformaccedilatildeo para os

Agricultores Familiares e a liberaccedilatildeo de creacuteditos Pronaf A AC Tais poliacuteticas sociais

puacuteblicas segundo relato oral tinham como objetivo a compra de gado leiteiro

construccedilatildeo de curral contrataccedilatildeo de maacutequinas de esteira construccedilatildeo de casas

construccedilatildeo de pontes e estradas

Atraveacutes de projetos depois da implantaccedilatildeo do Programa Luz para Todos os

assentados conseguiram os resfriadores contemplando toda a aacuterea do assentamento

rural Uma loacutegica do aparelho do Estado era que os posseiros se tornassem produtores

de mercadorias e consumidores para que entrassem no processo de produccedilatildeo

econocircmica capitalista

86

225 O Assentamento Rural Itaporatilde do Norte

O Assentamento Rural Itaporatilde do Norte resultou de um processo de

ocupaccedilatildeo por parte de posseiros em 1986 Nesse periacuteodo houve tentativas de

desapropriaccedilatildeo prisatildeo e ameaccedila contra a vida dos posseiros Estes fatos podem ser

confirmados atraveacutes de documentos como a declaraccedilatildeo exposta a seguir em que um

dos posseiros denunciou as ameaccedilas de morte contra eles

Figura 7 Denuacutencia de Ameaccedila de Morte de posseiro

Fonte Arquivo do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT 2015

87

O documento denuncia a accedilatildeo violenta de intimidaccedilatildeo sofrida por parte de um

dos posseiros no ano de 1988 O significado dessa fonte de pesquisa permite que

conheccedilamos mais claramente o modus operandi dos pretensos proprietaacuterios da terra

assim como a forma com que tentavam manter seus domiacutenios natildeo somente no campo

da justiccedila do direito mas tambeacutem pela criaccedilatildeo de cenaacuterios em que o medo pudesse

fazer parte da rotina dos posseiros das suas esposas e familiares

A criaccedilatildeo de um ambiente tenso e conflituoso com riscos agrave vida de qualquer

um dos familiares era uma estrateacutegia utilizada pelos ldquosenhoresrdquo pretensos proprietaacuterios

da terra em conflito Apesar da situaccedilatildeo do embate e das ameaccedilas somente dez anos

depois o INCRA regularizou a situaccedilatildeo dos posseiros

Um dos principais problemas do assentamento rural eacute decorreu da

demarcaccedilatildeo dos lotes no periacuteodo sendo que o tamanho variava entre 25 a 150 ha O

tamanho do lote oscilava em decorrecircncia da forma de reocupaccedilatildeo anterior agrave

regularizaccedilatildeo e que foi seguida pelo INCRA

As parcelas menores estatildeo abaixo do miacutenimo estipulado pelo MDA que eacute de

35 hectares Segundo o Estatuto da Terra (1964) esta era a aacuterea miacutenima que garantia as

condiccedilotildees de desenvolvimento e potencializaccedilatildeo da funccedilatildeo social da terra Essa

perspectiva teve por base a ideia de que um lote menor que 35 ha natildeo tecircm condiccedilotildees de

garantir as condiccedilotildees sociais e econocircmicas de seus moradores e trabalhadores naquela

aacuterea

Ao observarmos essa questatildeo nos assentamentos rurais analisados eacute

perceptiacutevel que os assentados acabaram tendo que conciliar as atividades declaradas na

posse com outras formas de trabalhos assessoacuterios para garantir as condiccedilotildees

econocircmicas da propriedade

Em 1996 foram cadastradas 184 famiacutelias de posseiros que tinham como

objetivo adquirir recursoscreacuteditos para financiamento das atividades naquele

assentamento rural Desse total 30 natildeo estavam aptas para conseguir o creacutedito

226 O Assentamento Rural Bom Jesus

88

Refletir a partir da histoacuteria do Assentamento Rural Bom Jesus eacute trilhar mais

uma vez as trajetoacuterias de vida de vaacuterias pessoas que migraram para Vila Rica-MT em

busca de melhores condiccedilotildees de vida Essas pessoas foram atraiacutedas pela propaganda da

terra feacutertil e da abundacircncia Nas informaccedilotildees disponibilizadas pelo STR de Vila Rica-

MT os ocupantes desse assentamento eram majoritariamente migrantes oriundos dos

estados de Minas Gerais Goiaacutes Rio Grande do Sul Paranaacute Paraacute e minoritariamente

do Nordeste

Essas pessoas ao se aventurarem nas matas para desbravaacute-las acreditavam

que as terras da Amazocircnia proporcionar uma qualidade de vida almejada Essa

expectativa pode ser observada no excerto da carta-convite para a comemoraccedilatildeo do 17ordm

aniversaacuterio do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT datada de

30052004

[] Imaginando eles que iriam ter o crescimento econocircmico e

uma vida melhor para sua famiacutelia sem conhecer os riscos

quantas vidas foram ceifadas nas derrubadas Aiacute chega a

maldita maleita a tatildeo sofrida malaacuteria onde muitas famiacutelias

perderam vidas sofrimento com a dor [] E os que

conseguiam reagir com muita fraqueza sem forccedilas para

trabalhar e jaacute com diacutevidas acabaram vendendo sua terrinha e

quando acabou o dinheiro E agora o que fazer Isso jaacute era por

volta do iniacutecio de 1986 onde a opccedilatildeo foi ocupar terras

devolutas da regiatildeo pois o dinheiro tinha acabado e voltar para

traz donde vieram natildeo era possiacutevel Iniciou- se a ocupaccedilatildeo da

aacuterea do Itaporatilde do Norte e da Colocircnia Bom Jesus []20

Esse documento possibilita compreender que a narrativa oficial natildeo traduzia

as representaccedilotildees constituiacutedas pelos trabalhadores e antigos colonos Afinal na eacutepoca

da formaccedilatildeo do assentamento rural muitos posseiros convivendo com os efeitos da

colonizaccedilatildeo para todos aqueles que acreditaram nos discursos construiacutedos pelo

colonizador sobre um lugar bom de viver acabaram arriscando as proacuteprias vidas na luta

pela terra

Com o passar do tempo eles se deparam com doenccedilas dificuldades

financeiras e a desilusatildeo da riqueza da terra faacutecil Diante da falta de alternativas de

trabalho e de sobrevivecircncia os posseiros viram a possibilidade de reocupar fazendas

20 A carta na integra faz parte de coletacircnea de recorte de textos e noticiaacuterios sobre a luta dos

movimentos numa espeacutecie de livro artesanal o qual estaacute disponibilizado nos arquivos do

Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica- MT

89

improdutivas como a uacutenica saiacuteda para a sobrevivecircncia conforme relatado na carta

ldquo[] e quando acaba o dinheiro o que fazerrdquo (CARTA CONVITE STR de Vila Rica

30052004)

O relato a seguir mostra as estrateacutegias dos posseiros para ocupar uma aacuterea

privada e como conseguiram a aprovaccedilatildeo do INCRA

[] Eu participei das ocupaccedilotildees em 1986-1987 no caso do

assentamento Bom Jesus que era antes a antiga Fazenda

COBEC onde 60 famiacutelias foram ocupando a aacuterea Noacutes

organizamos e ocupamos essa aacuterea e tem a Itaporatilde do Norte

que foi ocupada numa organizaccedilatildeo dos Sindicatos dos

Trabalhadores Rurais e outros movimentos sociais daqui do

municiacutepio de Vila Rica-MT mas especificamente da ocupaccedilatildeo

dessas aacutereas que eu natildeo sei falar sei do caso do Bom Jesus

que depois que organizamos a ocupaccedilatildeo recorremos ao

Sindicato e atraveacutes deste fizemos o primeiro contato com o

INCRA queriacuteamos saber se havia interesse por parte do

INCRA em negociar a compra dessa propriedade na eacutepoca o

INCRA ainda fazia a negociaccedilatildeo digo compra de aacutereas que jaacute

estavam ocupadas hoje como vocecirc sabe o INCRA natildeo faz

mais esse tipo de coisa a estrateacutegia eacute outra Hoje compra-se a

propriedade primeiro para depois entregar a antiga fazenda

aos assentados Entatildeo eu na eacutepoca tinha dezesseis anos eu

era meio perdido com essas coisas a organizaccedilatildeo foi feita

basicamente pelo o meu pai e outros companheiros nossos

(outras pessoas neacute) Soacute sei que eles fizeram um levantamento

sobre a situaccedilatildeo das fazendas em Vila Rica-MT e descobriram

que esta aacuterea estava sem produzir o dono natildeo tinha interesse

porque era uma fazenda empenhorada no banco ou seja jaacute era

uma aacuterea do banco Entatildeo os organizadores do processo de

ocupaccedilatildeo entenderam que seria mais faacutecil negociar entre o

dono e o INCRA e assim facilitaria aquisiccedilatildeo do tiacutetulo da

terra e formar o assentamento (ENTREVISTA com Ivanir

Galo Agricultor familiar do assentamento Bom Jesus e

presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-

MT realizada pela autora em marccedilo de 2015)

O relato nos possibilita cogitar a ideia de que os posseiros que reocuparam a

aacuterea da Fazenda Boa Jesus eram conhecedores tanto das diretrizes definidas pelo

INCRA para a criaccedilatildeo de assentamento rural quanto da situaccedilatildeo da Questatildeo Agraacuteria de

Vila Rica-MT Isso fica evidente principalmente ao eleger uma fazenda que estava

comprometida pelo endividamento no banco revelando uma taacutetica de efeito positivo

uma vez que facilita a accedilatildeo do INCRA na aquisiccedilatildeo da fazenda tendo em conta o

interesse do proprietaacuterio em negociar a venda

90

Outra situaccedilatildeo que nos chama atenccedilatildeo foi agrave atuaccedilatildeo dos filhos junto com os

pais na reocupaccedilatildeo da fazenda o que pode se atribuir agrave projeccedilatildeo de desmembramento

familiar ou de ampliaccedilatildeo do capital econocircmico da famiacutelia Ao mesmo tempo pode

demonstrar que os posseiros tinham a pretensatildeo de continuar uma tradiccedilatildeo vinculada a

terra passando suas heranccedilas para seus filhos poreacutem incorporando-os na luta pela

terra no trabalho com a terra e na busca pela sobrevivecircncia a partir da propriedade

rural

O relato a seguir mostra como os posseiros se apossavam de aacutereas natildeo

produtivas

[] A ocupaccedilatildeo de fazenda na eacutepoca era a uacutenica forma que as

pessoas sem-terra tinham para conseguir uma pequena aacuterea

era o que noacutes entendiacuteamos ser mais faacutecil para conseguir ter

acesso agrave terra Hoje a gente vecirc que natildeo precisa ser soacute assim

pois eacute melhor procurar comprar a fazenda e planejar o

assentamento [] Eacuteramos todos daqui mesmo de Vila Rica-

MT eacuteramos pessoas que tinha conhecimento sobre a luta pela

terra um bom entrosamento e essas pessoas trabalhavam em

prol da colonizaccedilatildeo reuniram essas famiacutelias e foram ocupar

ateacute organizamos em dois grupos no primeiro momento onde

um grupo entrou por um local e o outro grupo entrou por outro

lado da fazenda mas quando teve o desbravamento

descobrimos que estaacutevamos ocupando a mesma aacuterea porque o

acesso era muito difiacutecil a gente natildeo tinha como fazer um mapa

direito da fazenda entatildeo tivemos que entrar de 8 a12 km na

mata ateacute descobrir a aacuterea toda[] (ENTREVISTA com

Evani Galo presidente do STR de Vila Rica-MT realizada pela

autora em marccedilo de 2015)

O citado relato oral nos possibilita afirmar que havia um conhecimento

aprimorado sobre a estrutura fundiaacuteria de Vila Rica- MT Os posseiros natildeo ocupavam

aacutereas de fazendas que estavam produzindo mas optavam por estabelecer as disputas em

terras sob condiccedilotildees ilegais Por isso eles ocupavam as aacutereas improdutivas para

diminuir a possibilidade de conflito e aumentar a chance de negociaccedilatildeo entre os

proprietaacuterios e as instituiccedilotildees governamentais Para essas definiccedilotildees eles faziam

reuniotildees para escolher qual aacuterea de fazenda seria ocupada e a definiccedilatildeo de estrateacutegias na

reocupaccedilatildeo

Destacamos que a maioria dos posseiros ocupantes dos lotes do

Assentamento Rural Bom Jesus foi ldquoex-colonosrdquo do Sul que migraram para Vila Rica-

MT no iniacutecio da colonizaccedilatildeo No caso desta pesquisa denominamos como ex- colonos

91

aqueles migrantes que vieram para Vila Rica-MT em funccedilatildeo da accedilatildeo da colonizadora e

que perderam o capital financeiro devido ao endividamento no banco

Daiacute estes migrantes passaram de colonos para Sem-Terra depois tornaram-

se posseiros ou vendedores da forccedila de trabalho trabalhadores rurais e tambeacutem urbanos

Poreacutem outros posseiros eram oriundos das aacutereas de colonizaccedilatildeo ou de fazendas

agropecuaacuterias

[] a dificuldade de chegar e trabalhar era muita Natildeo tinha

aparelhos para identificar com precisatildeo a dimensatildeo da aacuterea

natildeo tinha estrada Andaacutevamos aiacute de 8 a 12 km na mata guiados

atraveacutes de picadas apenas essas picadas jaacute eram existentes

desde a eacutepoca da colonizadora E por ser essa fazenda que noacutes

ocupamos uma aacuterea vizinha da colonizadora Isso acabou

facilitando a localizaccedilatildeo Aleacutem da falta de estrada tinha a

malaacuteria a falta de transporte E eu mesmo fui uma das pessoas

que primeiro chegou ao assentamento Quando fui uns dos

primeiros fiquei 21 dias na mata ali roccedilando demarcando a

minha aacuterea Eu fiquei tentando marcar e garantir o meu

territoacuterio e foi assim a nossa luta para conseguir o pedaccedilo de

terrapedaccedilo de chatildeo pra produzir depois o meu sustento e da

minha famiacutelia [] Na eacutepoca ficou determinado entre todos

noacutes numa reuniatildeo que fizemos ateacute pra dizer que cada um de

noacutes ficaacutessemos apenas com 100 hectares [] por isso no

assentamento do Bom Jesus natildeo tem ningueacutem com mais 100

hectares E teve gente que natildeo conseguiu permanecer no

assentamento venderam e teve outros que desistiram natildeo

aguentaram aquele sofrimento todo Noacutes sempre trabalhamos

na associaccedilatildeo para que nenhum lote passasse de 100 hectares

pois jaacute era a determinaccedilatildeo do INCRA E noacutes jaacute conheciacuteamos as

regras do INCRA e trabalhaacutevamos desde a fase de organizaccedilatildeo

da ocupaccedilatildeo com elas Os dois assentamentos que manteve esse

padratildeo eacute soacute o Bom Jesus e o Itaporatilde A nossa loacutegica era no

sentido de facilitar a regularizaccedilatildeo e pra isso trabalhamos de

forma que pudesse tambeacutem aumentar o nuacutemero de famiacutelias no

assentamento Noacutes sempre respeitamos as regras

(ENTREVISTA com Evani Galo Agricultor Familiar do

assentamento Bom Jesus realizada pela autora em marccedilo de

2015)

O relato acima nos remete agrave concepccedilatildeo jaacute exposta na descriccedilatildeo da formaccedilatildeo

de outros assentamentos rurais em que os posseiros eram conhecedores das diretrizes

do INCRA em relaccedilatildeo ao processo de criaccedilatildeo e regularizaccedilatildeo dos assentamentos rurais

Isso nos leva a crer que a reocupaccedilatildeo das fazendas natildeo ocorria de forma tatildeo espontacircnea

como aparece em outras narrativas sobre assentamentos rurais Havia entre os posseiros

92

uma organizaccedilatildeo e um planejamento Isto porque promoviam accedilotildees que exigiam

atividades taacuteticas e estrateacutegicas que permeavam a disposiccedilatildeo da luta pela terra

Apesar dessas definiccedilotildees de princiacutepios organizativos da luta para evitar

ocupaccedilotildees equivocadas e desviar-se dos conflitos o entrevistado falou sobre as ameaccedilas

que sofreram no periacuteodo em que lutaram para conquistar a terra

[] teve sim ameaccedilas de despejos na eacutepoca Apesar de que

hoje a gente jaacute sabe que foi uma pessoa que usou de

oportunismo Isso eacute o mesmo que estaacute acontecendo na Fazenda

Reunidas Vocecirc natildeo precisa ter medo de falar sobre esse fato

porque eacute verdade isso que lhe conto Pode colocar no seu

relatoacuterio aiacute Esses satildeo os tais grileiros das terras do Araguaia

ficam se passando por donos das fazendas soacute para ameaccedilar e

confundir os posseiros Aconteceu assim uma pessoa de maior

poder aquisitivo ficou amedrontando as outras pessoas que

estavam ocupando a aacuterea da fazenda Noacutes estaacutevamos fazendo

os nossos serviccedilos laacute cuidando da roccedila E daiacute apareceram eles

dizendo que eram os legiacutetimos donos da aacuterea mas natildeo

conseguiram apresentar documento natildeo conseguriam

apresentar nada Noacutes desconfiaacutevamos deles No fundo

sabiacuteamos que estavam tentando nos enrolar E acabou que eles

tiveram que se retirar de laacute E noacutes atraveacutes do INCRA e do

Sindicato satildeo essas as instituiccedilotildees que assumiram a nossa

causa ficamos com a terra e estamos assentados laacute ateacute hoje

Somos 63 famiacutelias [] Na verdade 1987 eacute o periacuteodo de

ocupaccedilatildeo porque o INCRA veio atuar em 1992 quando foi

criado o assentamento Ficou esse periacuteodo aiacute todo em fase de

negociaccedilatildeo com o antigo dono da fazenda O INCRA e o

Sindicato fizeram o levantamento da aacuterea estudo geograacutefico e

assim por diante e noacutes juntos acompanhando tudo

(ENTREVISTA com Ivani Galo Agricultor Familiar do

assentamento Bom Jesus realizada pela autora em marccedilo de

2015)

Nesse caso o depoimento remete agrave accedilatildeo de outro tipo de agente social

envolvido nos conflitos agraacuterios do assentamento rural o grileiro No entanto o termo

ldquogrileirordquo eacute usado localmente para identificar aquele sujeito social que reocupa uma aacuterea

de terra natildeo com o objetivo de morar e cultivar mas ao contraacuterio para adquirir o

ldquodireitordquo sobre ela e poder comercializar posteriormente

Tambeacutem eacute possiacutevel identificar na narrativa a valorizaccedilatildeo dada ao Sindicato

dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT destacando que ele agia juntamente com o

INCRA na regularizaccedilatildeo do assentamento rural

93

Compreendemos que a formaccedilatildeo do Assentamento Rural Bom Jesus deu-se

de forma particular Os posseiros que reocuparam a aacuterea tinham dificuldade financeira

para garantir a sobrevivecircncia e isso se configurava como um impedimento de

retornarem aos seus lugares de origem e natildeo conseguindo mais vislumbrar outro meio

de sobrevivecircncia que natildeo fosse a ocupaccedilatildeo de terra ociosa

Diante das necessidades os posseiros criaram estrateacutegias inteligentes de

ocupaccedilatildeo escolhendo as aacutereas com maior chance de desapropriaccedilatildeo bem como

estrateacutegias de resistecircncia do grupo para lutar contra o grileiro

Essas estrateacutegias tambeacutem devem ser compreendidas em uma relaccedilatildeo com o

perfil dos ocupantes que incluiacutea aqueles com certo grau de instruccedilatildeo sobre as questotildees

relacionadas agrave poliacutetica de regularizaccedilatildeo de assentamentos rurais O conhecimento da

legislaccedilatildeo facilitou o acesso agraves poliacuteticas que versavam sobre a desapropriaccedilatildeo

parcelamento e uso de terras devolutas eou improdutivas que natildeo cumpriam a funccedilatildeo

social as quais devem ser utilizadas para fins de Reforma Agraacuteria

227 Assentamento Rural Santo Antocircnio do Beleza

Jaacute ressaltamos em outras passagens do texto que cada um dos assentamentos

rurais de Vila Rica-MT tem caracteriacutesticas de ocupaccedilatildeo diferentes como eacute o caso do

Assentamento Rural Santo Antocircnio do Beleza que foi ocupado por colonos que natildeo

conseguiram comprar lotes de terra da colonizadora ou perderam suas terras no

financiamento do Banco Tambeacutem participaram seus filhos que no ldquodesmembramentordquo

familiar tambeacutem se apropriaram de terras Ateacute entatildeo natildeo apareceu o dono do tiacutetulo

requerendo o direito de propriedade daquela aacuterea de terra em que foi constituiacutedo o

Assentamento Rural Bom Jesus

Tal situaccedilatildeo se deu tambeacutem pelo fato de a Colonizadora Vila Rica-MT natildeo ter

assegurado junto ao INCRA as terras aos colonos e trabalhadores rurais desprovidos

de capital para aquisiccedilatildeo de lotes da colonizadora Estes ocuparam aacutereas destinadas ateacute

entatildeo pela colonizadora para as fazendas Somente depois que a aacuterea foi ocupada em

2001 eacute que o INCRA regularizou os lotes para os ldquoocupantesrdquo

Os posseiros que reocuparam a aacuterea da Colonizadora Vila Rica-MT

denominada de Santo Antocircnio do Beleza satildeo em sua maioria oriundos dos estados do

94

Rio Grande do Sul Santa Catarina e do Paranaacute e se fixaram na aacuterea como assentados e

atualmente se identificam como agricultores familiares parceleiros colonos ou

proprietaacuterios

228 Assentamento Rural Alvorada

O Assentamento Rural Alvorada estaacute localizado na divisa do municiacutepio de

Vila Rica-MT com o estado do Paraacute Esse assentamento rural resultou da ocupaccedilatildeo da

fazenda Santaninha em 1993 poreacutem o ato de regularizaccedilatildeo data de 1995 ou seja

somente depois de dois anos das terras ocupadas eacute que foram regularizadas pelo

INCRA transformando-as em Projeto de assentamento rural

Consta em documentos (atas ofiacutecios relatoacuterios e projetos de assistecircncia

teacutecnicas)21

do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT que os primeiros

moradores do Assentamento Rural Alvorada vieram principalmente dos estados de

Mato Grosso do Paraacute e de outras regiotildees do Brasil

Melo (2011 p 43) realizou uma pesquisa sobre as atividades das

agropecuaacuterias no Assentamento Rural Alvorada denominado como PA Santaninha

afirmando que ldquo[] o periacuteodo compreendido de 1993 ateacute 2009 as principais

dificuldades do assentamento rural estavam relacionadas agrave falta de estradasrdquo De acordo

com o mesmo autor o assentamento rural estaacute localizado em uma aacuterea onde haacute

predominacircncia de relevo acidentado condiccedilatildeo que motivou os assentados a investir na

pecuaacuteria inibindo assim o avanccedilo da agricultura familiar devido agraves dificuldades para o

escoamento da produccedilatildeo agriacutecola de hortaliccedilas legumes verduras e frutas

Essa situaccedilatildeo ainda eacute um desafio para o desenvolvimento do assentamento

rural Apesar dos problemas nesse assentamento haacute escola Associaccedilatildeo de Pequenos

Agricultores possui rede de energia eleacutetrica abastecimento de aacutegua etc Nesta acepccedilatildeo

o relato de um dos assentados ilustra a concepccedilatildeo dos seus moradores quanto agraves

condiccedilotildees de vida no assentamento rural

21 Esses documentos foram analisados pela a autora da pesquisa os quais fazem parte do acervo

documental do Sindicato dos Trabalhadores de Vila Rica-MT

95

[] foi bom mudar para caacute me sinto realizado porque

consegui algo para sobreviver e cuidar da minha famiacutelia []

quando chegamos aqui quase natildeo tinha devastaccedilatildeo de mata soacute

tinha aproximadamente 25 alqueires de derrubada e era muito

difiacutecil a chegada neste local pois os primeiros meios de

transporte eram o trator porque as estradas eram bem

dificultosas atoleiros e sem pontes Atualmente as melhorias

satildeo muito grandes nas estradas nos transportes na educaccedilatildeo

na habitaccedilatildeo e na sauacutede (ENTREVISTA com Edno Venacircncio

morador do projeto de Santaninha desde o ano 1993 realizada

por Carlos Aberto de Melo em 2011)

O trecho do relato nos remete agraves dificuldades vivenciadas pelos posseiros nos

primeiros tempos de formaccedilatildeo do assentamento rural comuns aos demais

assentamentos rurais de Vila Rica-MT Satildeo os posseiros que precisam cavar e buscar as

proacuteprias condiccedilotildees de sobrevivecircncia jaacute que o poder Puacuteblico natildeo assegura a

infraestrutura baacutesica

No assentamento Alvorada as informaccedilotildees do STR e dos assentados

permitiram compreender que nesse assentamento natildeo ocorreu conflito entre posseiros e

fazendeiro Trata-se de uma aacuterea que natildeo estava vinculada somente agrave Fazenda

Santaninha Nesse assentamento a devastaccedilatildeo do meio para a formaccedilatildeo de pastagens foi

fruto da accedilatildeo dos proacuteprios posseiros

No Assentamento Rural Alvorada como em outros a questatildeo das poliacuteticas

puacuteblicas de sauacutede habitaccedilatildeo estrada e educaccedilatildeo satildeo consideradas como conquistas

importantes para a permanecircncia das famiacutelias no campo

Consideraccedilotildees gerais sobre os assentamentos rurais de Vila Rica-MT

Ao analisar a formaccedilatildeo dos assentamentos rurais do municiacutepio de Vila Rica

percebemos a complexidade e as diferenciaccedilotildees existentes entre eles No entanto o que

existe em comum foi agrave luta pela posse da terra por parte de posseiros ex-colonos e

agricultores familiares Nesse processo contaram com o apoio e auxiacutelio de entidades

como a CPT e o STR do municiacutepio de Vila Rica-MT dos agentes da pastoral da

Prelazia de Satildeo Feacutelix do Araguaia hoje Diocese

A situaccedilatildeo dos assentamentos rurais de Vila Rica-MT eacute percebida como

resultado da luta dos posseiros em torno da aquisiccedilatildeo da posse e propriedade da terra

96

Ao mesmo tempo em que essa organizaccedilatildeo parte de uma localidade especifica estava

inserida em uma conjuntura de luta regional estadual nacional e mundial

Os diferentes sujeitos histoacutericos que constituiacuteram a luta pela terra com a

formaccedilatildeo dos assentamentos rurais de Vila Rica-MT deixaram de ser posseiros Os ex-

colonos trabalhadores rurais e grileiros tornaram-se agricultores familiares quando o

INCRA regularizou a aacuterea em litiacutegio transformando-a em assentamento rural

97

3 SITUACcedilAtildeO SOCIOECONOcircMICA DOS ASSENTAMENTOS RURAIS SAtildeO

JOSEacute SAtildeO GABRIEL IPEcirc E ARACATI (2006-2010)

Esse capiacutetulo tem como objetivo apresentar a situaccedilatildeo socioeconocircmica de

quatro dos oito assentamentos rurais do municiacutepio de Vila Rica-MT No entanto natildeo se

pretende apresentar um diagnoacutestico de sua realidade social e econocircmica mas um esboccedilo

para compreender as tendecircncias soacutecio-histoacutericas que foram obtidas atraveacutes das fontes

documentais

Ressaltamos que existem poucas fontes escritas que se referem a situaccedilotildees

socioeconocircmicas dos assentamentos rurais do Araguaia e se tratando de Vila Rica a

localizaccedilatildeo e acesso aos poucos documentos escritos foram fundamentais para a

construccedilatildeo desse capiacutetulo

As fontes escritas analisadas nesse capiacutetulo foram os ldquoPlanos de

Desenvolvimento do Assentamentordquo (Pda) incluindo os assentamentos rurais Satildeo Joseacute

Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati elaborados pela Empaer em 2010 Estes Pdas ajudaram a

compreender os muacuteltiplos contextos de constituiccedilatildeo e produccedilatildeo nos assentamentos

rurais embora envolvessem outras temporalidades

Contudo ressaltamos que natildeo utilizamos apenas o banco de dados produzido

pela equipe da Empaer pois realizamos visitas aos assentamentos rurais agrave Secretaria

Municipal de Agricultura e ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT

onde aleacutem das entrevistas tivemos acesso a outras fontes documentais que

possibilitaram ampliar a perspectiva analiacutetica deste capiacutetulo

A elaboraccedilatildeo dos Pdas se deu atraveacutes de reuniotildees com os assentados e a

realizaccedilatildeo de pesquisa de campo

As informaccedilotildees coletadas refletem a realidade do assentamento

e foram levantadas dentro de uma metodologia participativa

onde a comunidade do assentamento expocircs suas dificuldades

potencialidades e prioridades Utilizou-se tambeacutem de estudos de

campo realizado por uma equipe multidisciplinar constituiacuteda

por engenheira florestal engenheira agrocircnoma e teacutecnicos nas

aacutereas da pecuaacuteria agriacutecola ambiental e social (EMPAER-MT

2010 p 2)

Ressaltamos que as informaccedilotildees levantadas natildeo ldquorefletiram a realidaderdquo de

maneira mecacircnica mas possibilitaram a anaacutelise das informaccedilotildees obtidas enquanto

tendecircncias

98

Para compreender como cada fonte documental foi construiacuteda foi preciso

observar as fotografias que fazem parte do proacuteprio documento e que possibilitaram a

percepccedilatildeo da forma com que a equipe multidisciplinar da Empaer coletou as

informaccedilotildees que serviram de base para produccedilatildeo do diagnoacutestico de como se deu a

participaccedilatildeo dos assentados

Figura 8 Fotografias das visitas dos teacutecnicos da Empaer-MT no PA Ipecirc 2010

Fonte EMPAER-MT 2010 p 5

A Empaer recorreu a diversas estrateacutegias desde o uso dos recursos

midiaacuteticos sobretudo a Raacutedio Comunitaacuteria e visitas aos assentamentos rurais contando

com o apoio de lideranccedilas sindicais e poliacuteticas para a divulgaccedilatildeo do Programa de

Assessoria Teacutecnica Social e Ambiental agrave Reforma Agraacuteria (Ates) e conscientizaccedilatildeo

dos agricultores familiares sobre a importacircncia e implicaccedilatildeo dos Pdas

Figura 9 Fotografias da apresentaccedilatildeo do Projetob Ates na Raacutedio Comunitaacuteria Eldorado

Fonte EMPAER 2010 p 5

99

Foi a partir dessas diferentes formas de divulgaccedilatildeo e estrateacutegias que a equipe

da Empaer convenceu os assentados a participar da primeira fase do Ates que foi a

construccedilatildeo do diagnoacutestico

Os questionaacuterios e entrevistas foram realizados em diferentes momentos em

reuniotildees com a comunidade e in loco o que resultou na tabulaccedilatildeo de dados que

apresentam diferentes bases amostrais Ora observamos uma amostra de cerca de

duzentos entrevistados e ora observamos tabelas com um nuacutemero trecircs vezes maior de

famiacutelias assentadas

Ressaltamos que essa diferenccedila na base de dados eacute proacutepria da fonte

documental analisada e natildeo pudemos adulterar os nuacutemeros para natildeo comprometer a

anaacutelise da fonte documental Ainda eacute importante salientamos que apesar das diferenccedilas

amostrais presentes em diferentes dados (tabelas) os mesmos satildeo extremamente

relevantes para anaacutelise por fornecerem tendecircncias socioeconocircmicas dos assentamentos

rurais nos anos de 2009 a 2010

31 Os assentamentos rurais na perspectiva do Programa de Assessoria Teacutecnica

Social e Ambiental agrave Reforma Agraacuteria (Ates)

Os assentamentos rurais segundo a concepccedilatildeo constituiacuteda no projeto de Ates

(2008) satildeo definidos enquanto espaccedilos de promoccedilatildeo da equidade de gecircnero e

intergeraccedilotildees entre a populaccedilatildeo de agricultores familiares Por isso a recorrecircncia agraves

estrateacutegias de trabalho em forma de cooperativas imbuiacutedas da concepccedilatildeo de

agroecologia cooperaccedilatildeo e economia solidaacuteria Estes elementos foram constituiacutedos a

partir dos artifiacutecios da formaccedilatildeo continuada dos diferentes segmentos que compotildeem o

coletivo do Programa de Reforma Agraacuteria

Para tanto o Programa Ates do Ministeacuterio do Desenvolvimento Agraacuterio

(BRASIL 2008 p 10) foi definido da seguinte forma

100

O Programa de Assessoria Teacutecnica Social e Ambiental agrave

Reforma Agraacuteria ndash Ates do INCRA foi criado em 2003 com o

objetivo de assessorar teacutecnica social e ambientalmente as

famiacutelias assentadas nos Projetos de assentamento da Reforma

Agraacuteria criados ou reconhecidos pelo INCRA tornando-os

unidades de produccedilatildeo estruturadas com seguranccedila alimentar

garantida inseridos de forma competitiva no processo de

produccedilatildeo voltados ao mercado e integradas agrave dinacircmica do

desenvolvimento municipal regional e territorial de forma

ambientalmente sustentaacutevel

Nessa perspectiva a assistecircncia teacutecnica implementada pelo Instituto Nacional

de Colonizaccedilatildeo e Reforma Agraacuteria deve levar em consideraccedilatildeo as questotildees de ordem

social ambiental culturas e tecnoloacutegica visando um modelo de desenvolvimento

pensado a partir das demandas locais regionais e nacional de forma que assegure a

sustentabilidade social ambiental e econocircmica dos assentamentos rurais

A Ates tem como ponto de referecircncia para a efetivaccedilatildeo da assistecircncia teacutecnica

na Agricultura Familiar os Pdas (2008 p 51) ldquo[] eacute portanto a principal ferramenta

de planejamento dos Projetos de assentamentos rurais voltada diretamente para o seu

desenvolvimento sustentaacutevel segundo as suas dimensotildees econocircmica social cultural e

ambientalrdquo

De acordo com o MDA os assentamentos rurais devem ser ldquoedificado a partir

de um diagnoacutesticordquo que sirva como representaccedilatildeo do quadro situacional dos

assentamentos rurais em seus aspectos fiacutesico social econocircmico cultural e ambiental

O objetivo eacute

Dotar as aacutereas de assentamento de um instrumento de

planejamento fundado em diagnoacutestico preacutevio que permita

prever todas as accedilotildees a serem desenvolvidas num determinado

horizonte de tempo de modo a possibilitar o monitoramento de

sua implementaccedilatildeo pelas equipes de Ates Garantir a efetiva

participaccedilatildeo dos assentados em todas as fases do processo de

planejamento e implementaccedilatildeo das accedilotildees nos projetos de

assentamento Inserir as accedilotildees propostas para os projetos de

assentamento no contexto das diretrizes contidas nos

planejamentos regionais e municipais assegurando a

participaccedilatildeo efetiva de todos os atores sociais governamentais e

natildeo governamentais envolvidos com o processo de reforma

agraacuteria (BRASIL MDA 2006 p 29)

Conforme o MDA o projeto tem por base a participaccedilatildeo do assentado em

todas suas fases de planejamento e implementaccedilatildeo dos assentamentos rurais

101

beneficiados A idealizaccedilatildeo do objetivo do Ates eacute ambicioso no contexto nacional mas

apresenta pouca aplicabilidade quando tomamos como referecircncia o caso de Vila Rica-

MT Tratando-se dos Pdas elaborados especificamente para os assentamentos rurais Satildeo

Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati os objetivos baacutesicos buscam assegurar que

As famiacutelias seratildeo assessoradas teacutecnica social e ambientalmente

de forma integrada e continuada nos aspectos de produccedilatildeo

industrializaccedilatildeo e comercializaccedilatildeo dos produtos explorados na

aplicaccedilatildeo do creacutedito rural nas questotildees ambientais no

saneamento baacutesico na organizaccedilatildeo das famiacutelias e da produccedilatildeo

no exerciacutecio da cidadania utilizando as metodologias de Ates

(EMPAER-MT 2010 p 11)

A partir dessa proposta a equipe da Empaer realizou a primeira fase do

projeto realizando uma ampla pesquisa junto aos assentados dos quatro assentamentos

rurais de Vila Rica-MT que foram contemplados pelo Programa de Ates Este

levantamento de dados pela Empaer foi importante para identificar o perfil do

assentado a produccedilatildeo e comercializaccedilatildeo no ano de 2010 Apesar de ser uma

amostragem parcial forneceu dados que permitiram analisar e problematizar questotildees

que podem se constituir enquanto indicadores ou tendecircncias

Apesar da relevacircncia do Pdas como fonte documental para a pesquisa e para

as poliacuteticas do municiacutepio de Vila Rica-MT eacute fundamental destacarmos que o Ates natildeo

foi finalizado mas suspenso pelo Governo Federal sem que os Pdas tenham sido

devidamente finalizados No entanto a equipe teacutecnica da Empaer que coletou os dados

e as informaccedilotildees desses assentamentos rurais continua utilizando esse diagnoacutestico para

o desenvolvimento de suas accedilotildees

32 O perfil dos assentados gecircnero idade e escolaridade

O perfil dos assentados dos assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e

Aracati conforme jaacute dito foi constituiacutedo com dados quantitativos obtidos atraveacutes dos

diagnoacutesticos que serviriam como base para a construccedilatildeo dos Pdas

Esses dados foram analisados a partir da confrontaccedilatildeo com fontes orais e

anaacutelises teoacutericas que forneceram indiacutecios qualitativos para a problematizaccedilatildeo e

102

compreensatildeo das caracteriacutesticas dos Agricultores Familiares dos assentamentos rurais

pesquisados

321 Diferenciaccedilatildeo de Gecircneros predominacircncia masculina e papel da mulher

Segundo dados da Empaer (2010) a diferenccedila numeacuterica entre homens e

mulheres nos assentamentos rurais pesquisados assim se apresentava

PA Satildeo Joseacute 179 homens e 147 mulheres

PA Satildeo Gabriel 44 homens e 39 mulheres

PA Ipecirc 153 homens e 125 mulheres

PA Aracati 40 homens e 44 mulheres

Com exceccedilatildeo do Assentamento Rural Aracati que apresentou uma pequena

vantagem no nuacutemero de mulheres em relaccedilatildeo aos demais assentamentos rurais se

observa a predominacircncia do sexo masculino sobre o feminino Uma hipoacutetese explicativa

para a existecircncia de maior nuacutemero de homens residindo nos assentamentos rurais eacute em

primeiro lugar causado pela necessidade dos filhos estudarem nas escolas urbanas

sendo que muitas vezes as matildees os acompanham em segundo lugar a possibilidade de

que cabe aos homens morar nas fases iniciais de formaccedilatildeo dos assentamentos rurais

enquanto constroem as casas estradas escola e estrutura fiacutesica

A questatildeo de gecircnero pode ser abordada em relaccedilatildeo ao trabalho ao lazer e agrave

participaccedilatildeo poliacutetica das mulheres Tratando-se de lazer os relatoacuterios do Pdas da

Empaer (2010 p 74) demonstraram que existe uma estrutura maior para os homens

conforme descriccedilatildeo abaixo

No assentamento natildeo identificamos praacuteticas de lazer voltadas

para as mulheres e idosos As atividades direcionadas para este

grupo geralmente se datildeo na esfera familiar ou religiosa O

assentamento tem times de bochas que participam do

campeonato municipal onde os jogadores tecircm que se deslocar

de um assentamento para outro

Como vimos as atividades de lazer satildeo predominantemente masculinas

sobretudo no esporte como eacute o caso dos jogos de bocha e futebol que resultam numa

circulaccedilatildeo dos assentados em outros assentamentos rurais e comunidades Agraves mulheres

restam as atividades religiosas e no lar Assim sendo satildeo os homens que tecircm mais

103

oportunidades de sair de casa e tambeacutem da comunidade diferentemente das mulheres

que ficam a maior parte do tempo no interior do lar

No que se refere agrave representaccedilatildeo poliacutetica segundo a Empaer (2009 p 59) no

Assentamento Rural Satildeo Joseacute ldquo[] foram levantadas as informaccedilotildees que natildeo haacute []

representaccedilatildeo especiacutefica para o jovem e a mulher rural fato este que tambeacutem contribui

para o ecircxodo dessas famiacuteliasrdquo Jaacute nos assentamentos rurais Satildeo Gabriel e Ipecirc ldquo[] a

participaccedilatildeo da associaccedilatildeo conta com presenccedila de homens mulheres e jovens poreacutem as

mulheres e jovens fazem poucas interferecircncias sobre os assuntos tratados durante as

reuniotildeesrdquo (EMPAER p 51)

De acordo com os relatoacuterios produzidos pela equipe do escritoacuterio da Empaer

em Vila Rica-MT natildeo existe uma organizaccedilatildeo feminina no sentido de criar estrateacutegias

para pleitear poliacuteticas especiacuteficas para a categoria o que diminui ainda mais a

participaccedilatildeo das mesmas Vale lembrar que as mulheres satildeo responsaacuteveis pelos afazeres

domeacutesticos (cuidando da casa e dos filhos) assim como da criaccedilatildeo de pequenos animais

domeacutesticos (porcos aves cachorros e outros) e do cultivo de hortas

No relatoacuterio do Assentamento Rural Satildeo Gabriel essa situaccedilatildeo foi descrita

pela a Empaer (2010 p 52) da seguinte forma

A maioria das mulheres aleacutem de trabalharem nos afazeres

domeacutesticos (cuidado da casa e dos filhos) tambeacutem satildeo

responsaacuteveis pela criaccedilatildeo de pequenos animais domeacutesticos e

cultivos de hortas A organizaccedilatildeo das mulheres dentro do

assentamento ainda eacute retraiacuteda Segundo dados do perfil de

entrada aplicado no assentamento natildeo foi constatado nenhum

grupo de mulheres ou qualquer outra forma de organizaccedilatildeo

social voltada para as mulheres em todo o assentamento

Ficando as mesmas condicionadas a se reunirem com os

homens e desta forma natildeo se unem para tratar de assuntos

relevantes as suas necessidades dentro do assentamento

Os afazeres domeacutesticos entram na divisatildeo sexual do trabalho como atividade

feminina assim como eacute o caso do cultivo de hortaliccedilas e criaccedilatildeo de pequenos animais

(aves porcos etc) as quais podem contar com a ajuda das crianccedilas No entanto haacute

indiacutecios de que falta uma maior organizaccedilatildeo das mulheres no sentido na reivindicaccedilatildeo

de poliacuteticas direcionadas aos seus interesses O segundo o relatoacuterio da Empaer (2010 p

52) esclarece ainda que

104

A alimentaccedilatildeo das famiacutelias eacute composta pelo que eacute produzido

nas propriedades como pequenos animais leite derivados do

leite hortaliccedilas frutas do pomar e em determinada eacutepoca do

ano tem o complemento de milho e mandioca A outra parte da

alimentaccedilatildeo da famiacutelia eacute comprada no comeacutercio do municiacutepio

Natildeo foi constatada nenhuma famiacutelia que natildeo produz um pouco

da sua base alimentar dentro da propriedade

Assim podemos afirmar que a maior parte dos produtos que serve de base

para alimentaccedilatildeo das famiacutelias tais como pequenos animais derivados do leite

hortaliccedilas frutas do pomar entre outros satildeo oriundos das atividades desenvolvidas

pelas mulheres cabendo aos homens as atividades relacionadas agrave produccedilatildeo e venda de

leite para complementaccedilatildeo da renda da famiacutelia

Nessa mesma perspectiva os dados quantitativos que se seguem demonstram

a confirmaccedilatildeo do que jaacute supramencionamos

Tabela 2 Produtos que satildeo destinados agrave Alimentaccedilatildeo da Famiacutelia

Uso de tanque PA S Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total

Pequenos animais 106 22 78 25 231

Leite 97 22 76 25 220

Pomar 105 21 78 24 228

Horta 72 15 62 17 166

Total 380 80 294 91 845

Fonte EMPAER (2010 p09)

Analisando a Tabela 2 do total de 570 famiacutelias dos quatro assentamentos

rurais participantes da pesquisa 220 criam gado leiteiro sendo essa atividade uma das

principais fontes de renda e de consumo

Enquanto 231 assentados satildeo criadores de pequenos animais 228 possuem

pomar e 166 cultivam hortaliccedilas em seus quintais Trata-se de produccedilatildeo para consumo

Logo eacute possiacutevel aferir que quem garante grande parte da renda das famiacutelias assentadas

satildeo as mulheres sendo que esse trabalho nem sempre eacute considerado rentaacutevel visto que

classificado como uma simples ldquoajudardquo no orccedilamento familiar conforme observado

adiante na discussatildeo sobre produccedilatildeo

322 Perfil etaacuterio indicadores de uma populaccedilatildeo idosa

105

Outro elemento importante identificado na pesquisa diz respeito agrave idade dos

assentados identificando o papel parcial dos jovens nos assentamentos rurais e o

envelhecimento da populaccedilatildeo

Segundo dados da Empaer (2010) a idade dos assentados dos assentamentos

rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati estatildeo distribuiacutedos em faixas etaacuterias da

seguinte forma

Tabela 3 Faixa etaacuteria dos assentados

Faixa Etaacuteria Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total

Nordm Nordm Nordm Nordm Nordm

0 a 6 24 75 10 120 18 64 1 10 53 70

7 a 15 69 215 22 270 36 128 17 210 144 190

16 a 29 67 200 13 160 81 287 20 250 181 230

30 a 60 139 430 37 450 120 426 35 430 331 430

Acima de 60 27 80 0 00 287

96 8 100 62 80

Total 326 100 82 1000 282 1000 81 1000 771 100

Fonte EMPAER 2010

De acordo com os dados na tabela 3 foi possiacutevel identificar que se somadas

As faixas etaacuterias entre 16 anos e 60 anos 66 dos assentados pesquisados estatildeo dentro

de faixas etaacuterias de populaccedilatildeo economicamente ativa ou seja os aptos agrave produccedilatildeo

agriacutecola eou pecuaacuteria Enquanto que as faixas etaacuterias de 7 a 15 anos de idade tecircm uma

representaccedilatildeo de 19 sendo que 8 estatildeo acima de 60 anos ou seja satildeo idosos e a

tendecircncia eacute que natildeo trabalhem da mesma maneira que os mais jovens

Logo esta constataccedilatildeo que leva em consideraccedilatildeo outras informaccedilotildees aleacutem

das expostas na tabela 3 nos induz a refletir sobre o envelhecimento da populaccedilatildeo do

campo onde apenas 19 satildeo jovens entre 7 a 15 anos Este pode ser considerado como

um intervalo longo situaccedilatildeo que a nosso ver complica a anaacutelise dos dados Aleacutem de

haver um indicativo de evasatildeo dos jovens nos assentamentos rurais explicada

hipoteticamente pela necessidade das novas geraccedilotildees de prosseguir nos estudos motivo

pelo qual saem dos assentamentos rurais para conseguirem obter maiores niacuteveis de

escolaridade como o Ensino Superior e ateacute mesmo o Meacutedio Outra possiacutevel explicaccedilatildeo

eacute a de que os jovens procuram por empregos em aacutereas urbanas

106

Destacamos que essa constataccedilatildeo tomou tambeacutem como paracircmetro o relatoacuterio

da Pesquisa Nacional de Residecircncia Domiciliar PNAD (2009) que aponta para o

envelhecimento da populaccedilatildeo rural no Brasil sobretudo nas aacutereas de assentamentos

rurais

Outro elemento fundamental eacute o papel poliacutetico dos ldquojovensrdquo assentados uma

vez que foram identificados como pouco participativos nas reuniotildees e atuaccedilotildees poliacuteticas

observadas pela equipe de elaboraccedilatildeo dos Planos de Desenvolvimento dos

assentamentos rurais

Aleacutem desse elemento a questatildeo da sua saiacuteda dos assentados para morar nas

cidades tambeacutem foi identificada como problema que atinge mais os jovens que buscam

oportunidade de empregos citadinos e de terem uma melhor e maior escolaridade

323 Perfil de escolaridade dos assentados

Nos dados da Empaer (2010) a escolaridades dos assentados tem a seguinte

caracterizaccedilatildeo

Tabela 4 Escolaridade dos assentados Escolaridade PA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total Perce

ntual

1ordf a 4ordf Seacuterie 143 29 113 39 324 46

5ordf a 8ordf Seacuterie 83 34 81 19 217 31

Segundo grau 61 12 49 16 138 20

Superior 8 1 4 7 20 3

Total 295 76 247 81 699 100

Fonte EMPAER (2010 p 9)

A Tabela 4 mostra que o niacutevel de escolaridade dos assentados eacute

significativamente baixo uma vez que das 699 pessoas participantes da pesquisa 77

natildeo cursaram o Ensino Meacutedio 324 estatildeo em niacutevel de escolaridade entre 1ordf a 4ordf seacuterie ou

seja estatildeo no anosciclo iniciais do processo de escolarizaccedilatildeo E 227 estatildeo entre 5ordf a 8ordf

seacuterie ou seja natildeo concluiacuteram sequer o Ensino Fundamental Somente 20 dos

entrevistados tecircm Ensino Meacutedio e apenas 20 pessoas dos pesquisados possuem ou estatildeo

em fase de conclusatildeo do Ensino Superior ou seja 3

107

Essa baixa escolarizaccedilatildeo entre assentados tambeacutem foi identificada em

pesquisa de Ferreira e Castrillon (2004 p 201) que ao apresentarem uma anaacutelise sobre

os impactos socioeconocircmicos dos assentamentos rurais em Mato Grosso descrevem sua

estrutura social como

Nos assentamentos pesquisados 23 8 dos titulares dos lotes

eram analfabetos 534 possuiacuteam primeiro grau incompleto

136 primeiro grau completo e 91 segundo grau ou mais

A taxa de analfabetismo dos titulares dos lotes demonstra- se

superior a taxa de analfabetismo da populaccedilatildeo rural do estado

A baixa escolaridade dos titulares dos lotes podem ser

explicados entre os outros fatores pela falta de infraestrutura

social (escola) em ambientes em que predomina intensa

mobilidade social pela necessidade do trabalho familiar entre

os jovens nas aacutereas rurais e especialmente em aacutereas de

fronteiras pela instabilidade e inseguranccedila promovidas pelo

intenso processo de luta pela terra Tais fatores quando

relacionadas diminuem as oportunidades de acesso a escola e a

serviccedilo de sauacutede as populaccedilotildees

Logo podemos observar que os dados quantitativos dos assentamentos rurais

pesquisados pela Empaer (2010) natildeo destoam de outras pesquisas em outros

assentamentos rurais do estado de Mato Grosso

Para finalizar a anaacutelise sobre o perfil dos assentados ressaltamos que

problematizar os dados relativos a gecircnero idade e escolaridade eacute fundamental para

identificar o perfil dos assentados quanto agraves caracteriacutesticas pessoais elementares que

influenciam na forma com que se relacionam e agem socialmente A educaccedilatildeo nos

assentamentos rurais pode ser problematizada atraveacutes de um fenocircmeno recente de

esvaziamento e fechamento de escolas no campo ou tambeacutem agrave falta de um curriacuteculo e

modo de organizaccedilatildeo pedagoacutegica que atenda as caracteriacutesticas especiacuteficas das aacutereas dos

assentamentos rurais

33 Condiccedilotildees de vida nos assentamentos rurais energia eleacutetrica aacutegua sauacutede

moradia e infraestrutura

O estudo levou em consideraccedilatildeo as anaacutelises sobre as condiccedilotildees nas quais

vivem as pessoas nos assentamentos rurais tendo como paracircmetro o acesso agrave luz

eleacutetrica aacutegua sauacutede moradia e infraestrutura elementos que a nosso ver satildeo

108

fundamentais para assegurar as condiccedilotildees de permanecircncia das famiacutelias nos

assentamentos rurais (no lugar) e proporcionam algum conforto e bem-estar

331 Energia Eleacutetrica

Um dos principais problemas do universo dos assentamentos rurais no Brasil

antes da implementaccedilatildeo do Programa Luz Para Todos era a ausecircncia de energia

eleacutetrica que impedia uma melhor qualidade de vida a qual impossibilitava o uso de

eletrocircnicos e eletrodomeacutesticos bem como a utilizaccedilatildeo de resfriadores para conservar e

processar o leite principal produto da renda financeira dos assentamentos rurais

estudados

Nessa perspectiva os dados quantitativos dispostos nos Pdas 2010 que satildeo

posteriores ao Programa Luz Para Todos nos mostram outra realidade

Tabela 5 Presenccedila de energia eleacutetrica nos assentamentos rurais

Energia EleacutetricaPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual

Natildeo tem energia eleacutetrica 5 0 3 0 8 35

A fonte eacute gerador proacuteprio 0 0 1 0 1 05

A fonte eacute a rede CEMAT 98 25 76 25 224 960

Total 103 25 80 25 233 100

Fonte EMPAER 2010

Nos assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati 96 dos

assentados jaacute usufruiacutea de energia eleacutetrica e somente oito das famiacutelias assentadas em

um universo de 233 responderam natildeo contar com energia eleacutetrica Essas famiacutelias sem

energia eleacutetrica moravam nos assentamentos rurais Satildeo Joseacute e Ipecirc e uma possibilidade

de explicaccedilatildeo para esse fato pode ser que satildeo famiacutelias receacutem-chegadas ou que ocuparam

aacutereas mais distantes dentro dos assentamentos rurais

Tal situaccedilatildeo de uma maioria de assentados contar com energia eleacutetrica eacute

decorrente do Programa ldquoLuz para Todosrdquo do Governo Federal

332 Aacutegua

109

A aacutegua eacute um elemento essencial para a vida no entanto quando se refere agrave

aacutegua em condiccedilatildeo potaacutevel revela-se um problema mundial situaccedilatildeo que natildeo foge agrave

realidade dos assentamentos rurais do municiacutepio de Vila Rica-MT Haacute problemas com a

aacutegua potaacutevel em funccedilatildeo de vaacuterios fatores tais como questotildees culturais econocircmicas

mas sobretudo as questotildees ambientais que assolam os assentamentos rurais do Brasil

Segundo dados da Empaer (2010) o percentual da aacutegua encanada nas

residecircncias dos assentamentos rurais pesquisados em Vila Rica-MT varia conforme as

caracteriacutesticas de cada projeto de assentamento A seguir mostramos os dados

encontrados em cada um dos assentamentos rurais

PA Satildeo Joseacute 72 possuem aacutegua encanada nas residecircncias

PA Satildeo Gabriel 70

PA Ipecirc 68

PA Aracati 92

Consideramos esse nuacutemero significativo de assentados beneficiados com

aacutegua encanada pois a exceccedilatildeo do Assentamento Rural Aracati que tem 92 os

demais tecircm uma meacutedia de 70 de aacutegua encanada

Importante destacar que satildeo diversas as fontes de aacutegua nos assentamentos

rurais conforme podemos verificar

Tabela 6 Fonte de Aacutegua nos assentamentos rurais

Aacutegua encanadaPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total

Poccedilo de alvenaria 92 19 57 11 179

Nascente protegida 5 2 11 11 29

Poccedilo descoberto 0 0 2 0 2

Cacimba 1 1 2 1 5

Coacuterrego ou rio 0 0 0 0 0

Poccedilo tubular fundo 6 0 2 1 9

Outras fontes 2 0 1 0 3

Total 106 22 75 24 227 Fonte EMPAER (201012)

110

Como podemos perceber a Tabela 6 nos mostra que 179 das propriedades

dos assentamentos rurais estudados possuem a aacutegua oriunda de poccedilos de alvenaria

sendo que 29 deles utilizam aacutegua das nascentes existentes em suas propriedades as

quais eles declararam protegecirc-las Duas pessoas usam aacutegua de poccedilos descobertos Cinco

usam aacutegua de cacimba nove de poccedilos tubulares fundos e apenas trecircs declararam utilizar

a aacutegua vinda de outras fontes

Outro fator que consideramos relevante eacute questatildeo que envolve a qualidade da

aacutegua consumida pelas famiacutelias assentadas segundo informaccedilotildees contidas na Tabela 7

Tabela 7 Qualidade da aacutegua nos assentamentos rurais

AacuteguaPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total

Aacutegua filtrada 86 23 56 16 181

Fervida 0 0 4 1 5

In natura 22 2 19 8 51

Aacutegua tratada 0 0 1 0 1

Outras fontes 1 0 1 0 2

Total 109 25 81 25 240 Fonte EMPAER (2010 p 9)

Eacute fato que existe uma relaccedilatildeo direta entre a qualidade da aacutegua e as questotildees

ligadas agrave sauacutede Poreacutem no caso dos assentamentos rurais estudados torna preocupante

o fato de existir 51 famiacutelias que consumem aacutegua in natura situaccedilatildeo que pode estar

vinculada aos fatores socioeconocircmicos sobretudo ao senso comum de que a aacutegua

ldquolimpardquo eacute a aacutegua sem cor e sem cheiro portanto aacutegua saudaacutevel

333 Sauacutede

A sauacutede puacuteblica eacute uma das reivindicaccedilotildees dos movimentos sociais que

demandam por melhores condiccedilotildees de vida nas aacutereas de assentamentos rurais tanto no

que diz respeito agrave estrutura macro quanto micro No entanto os saberes tradicionais

influenciam na concepccedilatildeo e modos de tratamento dos assentados de Vila Rica-MT

111

Segundo os dados do Plano de Desenvolvimento dos Assentamentos as

doenccedilas mais comuns satildeo hipertensatildeo leishmaniose verminose e outras como dores na

coluna nos rins dores de cabeccedila diabetes dengue e malaacuteria

Os dados quantitativos mostram a frequecircncia com que os assentados realizam

exames

Tabela 8 Frequecircncia da realizaccedilatildeo de exames de sauacutede

FrequecircnciaPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total

Regularmente 73 18 46 20 157

De vez em quando 35 4 31 5 75

Natildeo faz 1 0 4 0 5 Fonte EMPAER 2010

Os dados da Tabela 8 evidenciam que a maior parte dos assentados realizava

exames com frequecircncia o que demonstra que os mesmos tecircm acesso e fazem uso dos

serviccedilos de sauacutede puacuteblica realizados nos assentamentos rurais No entanto 75 famiacutelias

declararam utilizar os serviccedilos de sauacutede de vez em quando sendo que apenas 5 famiacutelias

disseram natildeo fazer uso

Quando perguntado se o assentado tem acesso aos serviccedilos de sauacutede os

dados nos remetem a outras interpretaccedilotildees conforme Tabela 9

Tabela 9 Acesso aos serviccedilos de sauacutede

AcessoPA Satildeo Joseacute Satildeo

Gabriel Ipecirc Aracati Total

Tem acesso 78 22 79 23 202

Natildeo tem acesso 33 1 2 1 37

Fonte EMPAER 2010

Pelos dados 202 famiacutelias dos assentados pesquisados afirmaram que tinham

acesso aos serviccedilos de sauacutede quando confrontados com outros dados existentes nos

Planos de Desenvolvimento dos Assentamentos Rurais visto que aleacutem desses serviccedilos

haacute disponibilidade de medicamentos que geralmente satildeo distribuiacutedos gratuitamente

apoacutes a consulta meacutedica No entanto trinta e sete famiacutelias declaram natildeo terem acesso aos

serviccedilos de sauacutede tampouco aos medicamentos

112

Segundo a Empaer (2009 p 66) 211 famiacutelias de assentamentos rurais

recorrem aos procedimentos da medicina tradicional principalmente agraves plantas

medicinais para suprir suas necessidades e ldquo[] desta forma conservam uma tradiccedilatildeo

cultural repassada de matildee para filhardquo Os principais remeacutedios caseiros segundo a

Empaer satildeo ldquo[] chaacutes xaropes garrafadas caseiras para combater e prevenir algumas

doenccedilasrdquo

Os dados quantitativos da Tabela 10 reforccedilam essa concepccedilatildeo

Tabela 10 Uso do remeacutedio caseiro

UsoPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total

Faz uso 96 22 71 22 211

Natildeo faz uso 15 1 10 3 29

Total Fonte EMPAER 2010

Os nuacutemeros indicam que apesar da maioria dos assentados terem acesso aos

serviccedilos de sauacutede grande parte deles tambeacutem faz uso de remeacutedios caseiros tradicionais

Esses dados confirmam que apesar das interaccedilotildees com serviccedilos puacuteblicos e outras

loacutegicas os assentados natildeo deixaram de utilizar os remeacutedios tradicionais Isso nos remete

agrave concepccedilatildeo de Gadelha (2007) que assegura que o mais importante na compreensatildeo

dos aspectos culturais eacute pensar para aleacutem da eficaacutecia de um determinado ritual mas eacute

tambeacutem tentar atribuir conceito sobre o poder simboacutelico utilizado por cada sociedade

para atribuir sentidos aos objetos

334 Moradia

A moradia tambeacutem eacute um dos fatores imprescindiacuteveis para a permanecircncia dos

assentados no campo No caso de Vila Rica-MT uma das caracteriacutesticas importantes do

perfil dos assentados eacute que a terra deve servir para moradia

Tabela 11 Nuacutemero de assentados que declararam morar no assentamento rural

MoradiaPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total

Sim 268 47 235 65 615 82

113

Natildeo 58 31 37 7 133 18

Total 326 78 372 72 748 100

Fonte EMPAER 2010

Assim conforme os dados apresentados 82 dos assentados dos

assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati declaram morar nos lotes fato

que demonstra um perfil dos assentados de morar-nos proacuteprios assentamentos rurais

fortalecendo assim a concepccedilatildeo da terra enquanto condiccedilatildeo tanto de morar como de

plantar O uacutenico assentamento rural que tem uma situaccedilatildeo parcialmente e discrepante eacute

Satildeo Gabriel que tem um percentual significativo de assentados que natildeo residem nos

lotes

Essas informaccedilotildees da tabela cruzadas com outros dados mostraram que o

tempo meacutedio de moradia dos assentados eacute

PA Satildeo Joseacute 1036 anos de moradia

PA Satildeo Gabriel 792 anos de moradia

PA Ipecirc 860 anos de moradia

PA Aracati 1248 anos de moradia

A permanecircncia nos lotes foi evidenciada pelos dados o que remete agrave loacutegica

de ldquoterra para plantar e morarrdquo

Nos dados sobre infraestrutura observa-se que as casas satildeo na maioria de

alvenaria madeira serrada e em alguns casos as casas satildeo construiacutedas de pau-a-pique

335 Infraestrutura equipamentos e Tecnologias

A melhoria da infraestrutura aquisiccedilatildeo de equipamentos e novas tecnologias

estatildeo entre as principais reivindicaccedilotildees dos movimentos sociais do campo por serem

considerados essenciais para o aumento da produccedilatildeo e renda dos assentados

Os dados coletados pela Empaer (2010) mostram que houve avanccedilos

significativos na questatildeo infraestrutural nos assentamentos rurais de Vila Rica-MT

sobretudo a partir da implementaccedilatildeo do Programa Nacional da Agricultura Familiar

114

No entanto em relaccedilatildeo agrave aquisiccedilatildeo dos equipamentos e novas tecnologias ainda se

verifica defasagem

Algumas dessas informaccedilotildees podem ser conferidas nos quadros abaixo

No Assentamento Rural Satildeo Joseacute

A infraestrutura existente estaacute distribuiacuteda segundo os assentados da seguinte forma

- 31 natildeo possuem currais

- 20 possuem currais de arame liso 3 de madeira lisa e 58 de madeira

serrada

- 108 natildeo possuem brete

- 2 possuem brete de madeira bruta e 1 de madeira serrada

- 9 possuem barracatildeo de ordenha e 103 natildeo possuem

- 3 natildeo possuem cercas na propriedade

- 0 possuem cercas construiacutedas de arame farpado e 107 de arame liso

A existecircncia de equipamentos nas propriedades estaacute distribuiacuteda da seguinte forma

- 21 possuem equipamentos de traccedilatildeo animal e 90 natildeo possuem

- 3 possuem trator com implementos e 109 natildeo possuem

- 65 alugam trator e 47 natildeo alugam

- 17 possuem triturador ou picador de forragens e 95 natildeo possuem

Projeto de Assentamento Rural Satildeo Gabriel

A infraestrutura existente estaacute distribuiacuteda segundo os assentados da seguinte forma

- 5 possuem currais de arame liso 1 de madeira lisa e 7 de madeira

serrada

- 25 natildeo possuem brete

- 0 possuem brete de madeira bruta e 0 de madeira serrada

- 2 possuem barracatildeo de ordenha e 23 natildeo possuem

- 1 natildeo possui cercas na propriedade

- 0 possuem cercas construiacutedas de arame farpado e 24 de arame liso

A existecircncia de equipamentos nas propriedades estaacute distribuiacuteda da seguinte forma

- 4 possuem equipamentos de traccedilatildeo animal e 21 natildeo possuem

- 1 possui trator com implementos e 23 natildeo possuem

115

- 21 alugam trator e 3 natildeo alugam

- 5 possuem triturador ou picador de forragens e 19 natildeo possuem

Projeto de Assentamento Rural Ipecirc

A infraestrutura existente estaacute distribuiacuteda segundo os assentados da seguinte forma

- 24 natildeo possuem currais

- 17 possuem currais de arame liso 5 de madeira lisa e 35 de madeira

serrada

- 79 natildeo possuem brete

- 0 possuem brete de madeira bruta e 2 de madeira serrada

- 6 possuem barracatildeo de ordenha e 75 natildeo possuem

- 1 natildeo possuem cercas na propriedade

- 0 possuem cercas construiacutedas de arame farpado e 80 de arame liso

A existecircncia de equipamentos nas propriedades estaacute distribuiacuteda da seguinte forma

- 10 possuem equipamentos de traccedilatildeo animal e 71 natildeo possuem

- 6 possuem trator com implementos e 75 natildeo possuem

- 55 alugam trator e 26 natildeo alugam

- 20 possuem triturador ou picador de forragens e 61 natildeo possuem

Projeto de Assentamento Rural Aracati

A infraestrutura existente estaacute distribuiacuteda segundo os assentados da seguinte forma

- 2 natildeo possuem currais

- 8 possuem currais de arame liso 1 de madeira lisa e 14 de madeira

serrada

- 24 natildeo possuem brete

- 0 possuem brete de madeira bruta e 0 de madeira serrada

- 2 possuem barracatildeo de ordenha e 23 natildeo possuem

- 0 natildeo possuem cercas na propriedade

- 2 possuem cercas construiacutedas de arame farpado e 23 de arame liso

A existecircncia de equipamentos nas propriedades estaacute distribuiacuteda da seguinte forma

- 6 possuem equipamentos de traccedilatildeo animal e 19 natildeo possuem

116

- 0 possui trator com implementos e 25 natildeo possuem

- 20 alugam trator e 5 natildeo alugam

- 4 possuem triturador ou picador de forragens e 21 natildeo possuem

Percebe-se que a infraestrutura baacutesica nos assentamentos rurais estaacute voltada

para a criaccedilatildeo de gado como currais brete de madeira barracatildeo de ordenha e cercas de

arame liso e farpado aleacutem de outros equipamentos como resfriadores de leite e

trituradores ou picadores para a feitura de forragens para a alimentaccedilatildeo do gado

O nuacutemero e a distribuiccedilatildeo deles variam conforme os assentamentos rurais e o

perfil dos assentados No geral se percebe que os Agricultores Familiares de Vila Rica-

MT ainda recorrem com frequecircncia ao uso da forccedila humana e dos equipamentos de

traccedilatildeo animal Existem no entanto alguns equipamentos agriacutecolas de origem

mecanizada como tratores que podem ser proacuteprios ou alugados

O fato eacute que em menor ou maior nuacutemero os equipamentos e a infraestrutura

existente nos assentamentos satildeo destinados agrave produccedilatildeo e criaccedilatildeo de gado

34 A Produccedilatildeo a renda comercializaccedilatildeo e a circulaccedilatildeo na Agricultura Familiar

de Vila Rica-MT

Um dado importante a ser ponderado para a problematizaccedilatildeo da produccedilatildeo

nos assentamentos rurais diz respeito agrave renda Especificamente de onde surge a renda

dos assentados

As informaccedilotildees obtidas dos quatro assentamentos rurais de Vila Rica-MT

analisados pela pesquisa da Empaer os dados indicam que a renda dos assentados eacute

resultante das atividades que estatildeo associadas a algumas culturas agriacutecolas agrave pecuaacuteria e

agrave criaccedilatildeo de pequenos animais

Tais dados estatildeo melhor detalhados em tabelas distribuiacutedas por itens visando

assim uma melhor compreensatildeo da dinacircmica de produccedilatildeo e renda dos assentamentos

rurais

341 A renda nos quatro Projetos de assentamentos rurais de Vila Rica-MT

117

Tabela 12 Percentual de participaccedilatildeo da Renda dos assentados

RendaPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati

Renda Agriacutecola eou Pecuaacuteria 7333 8789 7365 7140

Natildeo Agriacutecola

(Artesanato agroinduacutestria) 3650 7500 3062 3000

Outras rendas

(Salaacuterios Aposentadoria etc) 5280 6182 4810 5460

Fonte EMPAER 2010

A tabela 12 revela que a maior parte da renda dos assentamentos rurais

proveacutem dos rendimentos das atividades agriacutecolas e pecuaacuterias seguida por outros tipos

de rendas originaacuterios de salaacuterios e aposentadorias que alguns assentados usufruem

aleacutem de atividades de produccedilatildeo artesanal em geral confeccionada por mulheres

O projeto de assentamento rural que apresenta discrepacircncia em relaccedilatildeo aos

dados anteriores eacute o do Assentamento Rural Satildeo Gabriel que aleacutem da renda oriunda da

pecuaacuteria agricultura tem destaque nas outras fontes como atividades artesanais

agroinduacutestria e em salaacuterios e aposentadoria

342 Atividades Agriacutecolas a produccedilatildeo econocircmica e a de subsistecircncia

As atividades agriacutecolas desenvolvidas nos assentamentos foram classificadas

de duas categorias econocircmicas e de subsistecircncia Segundo os dados o quantitativo

produzido eacute descrito conforme tabela a seguir

Tabela13 Produccedilatildeo agriacutecola (em Kg)

Atividades

Agriacutecolas PA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total

Arroz 4500 5100 1510 1500 12610

Banana 2560 200 2537 11000 1629

Feijatildeo 0 0 550 0 550

Mandioca 225802 54000 8127 111500 39942

Milho 106500 73530 3378 46850 23025 Fonte EMPAER 2010

Segundo a Tabela 13 os produtos agriacutecolas mais cultivados nos

assentamentos rurais estudados satildeo em quilograma mandioca seguida do milho e do

118

arroz uma pequena produccedilatildeo de banana Apenas o Assentamento Rural Ipecirc produz

feijatildeo

Tabela 14 Assentados que praticam Culturas de Subsistecircncia

Culturas

Econocircmicas PA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total

Arroz 2 4 12 1 19

Banana 5 1 16 3 25

Feijatildeo 0 0 2 0 2

Mandioca 29 6 38 15 88

Milho 17 12 38 12 79 Fonte EMPAER 2010

Os dados demonstram que a mandioca e o arroz satildeo os principais produtos

agriacutecolas cultivados nos assentamentos Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati O arroz eacute

comercializado em casca sendo a mandioca o milho e em menor escala a banana os

cultivados pelo maior nuacutemero de assentados

Trata-se portanto de uma produccedilatildeo significativa tanto para comercializaccedilatildeo

quanto para subsistecircncia No entanto a pecuaacuteria ainda eacute a principal atividade econocircmica

desses assentamentos rurais

343 Pecuaacuteria e criaccedilatildeo de pequenos animais

A principal atividade de produccedilatildeo econocircmica nos assentamentos estudados eacute

a pecuaacuteria bovina leiteira a qual nos uacuteltimos anos cresceu significativamente

ultrapassando a pecuaacuteria de corte

Tabela 15 Tipo de pecuaacuteria explorada por propriedade (famiacutelias)

Tipo de

pecuaacuteria PA Satildeo Joseacute

Satildeo

Gabriel Ipecirc Aracati Total

Leite 19 10 34 12 75

Leite e corte 57 5 27 11 100

Corte 29 3 15 2 49

Total 105 18 76 25 224 Fonte EMPAER 2010

119

Os dados demostram que a maioria dos criadores de gado se dedica agrave

produccedilatildeo de leite Cruzando estes com outros dados eacute possiacutevel identificar que a

produccedilatildeo de leite eacute destinada ao mercado e tambeacutem ao consumo das famiacutelias

assentadas o que tem correlaccedilatildeo ateacute mesmo com a frequecircncia de consumo de proteiacutena

animal apresentados aa Tabela 16

Tabela 16 Frequecircncia do consumo de proteiacutena animal na alimentaccedilatildeo dos

assentados

Uso de tanquePA Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total

Come carne todo dia 93 22 70 22 207

Trecircs vezes por semana 16 0 9 3 28

Uma vez por semana 0 0 1 0 1

Natildeo come carne 0 0 0 0 0 Fonte EMPAER 2010

De acordo com a Tabela 16 das 236 famiacutelias que participaram da pesquisa

207 declararam que consomem carne todos os dias sendo que 28 disseram que a

consomem trecircs vezes por semana e apenas uma famiacutelia consome carne somente uma

vez por semana o que revela um consumo significativo de carne

Em relaccedilatildeo ao modo de criaccedilatildeo do gado importante destacar que conforme

os Planos de Desenvolvimento dos Assentamentos Rurais Pdas 100 dos assentados

criam gado utilizando o sistema extensivo ou seja uma praacutetica de criaccedilatildeo tradicional o

que significa dizer que satildeo habituados a criar o gado solto nas aacutereas de pastagens

naturais eou livres sem qualquer divisatildeo de cercas

Outros dados fundamentais para a compreensatildeo de forma detalhada do

potencial da produccedilatildeo de leite nos assentamentos rurais privilegiados pela pesquisa

estatildeo destacados na Tabela 17

Tabela 17 Dados de produccedilatildeo de leite nos assentamentos rurais por nordm de vacas

DadosPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati

Nuacutemero de Vacas Leiteiras 881 191 768 393

Meacutedia por assentado (n

vacas) 1223 146 1301 1637 Fonte EMPAER 2010

120

Os assentamentos rurais Aracati e Satildeo Gabriel satildeo menores em termos do

nuacutemero de propriedades e famiacutelias assentadas Os dados anteriores reforccedilam o

indicativo de que haacute uma importante produccedilatildeo de leite pois cada famiacutelia tem em

nuacutemero consideraacutevel de vacas leiteiras

A principal fonte de renda dos assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel

Ipecirc e Aracati eacute a produccedilatildeo de leite Mas os assentados tem necessidade de teacutecnicas para

a conservaccedilatildeo desse leite Nesse caso os resfriadores de leite embora natildeo sendo

utilizados por todos satildeo fundamentais Apresentamos a seguir detalhamento dessas

informaccedilotildees

Tabela 18 Nuacutemero de Famiacutelia que utilizam o resfriador de leite

Uso de tanquePA Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total

Natildeo usam tanques 62 3 20 13 98

Usam tanques proacuteprios 3 0 2 1 6

Usam tanques comunitaacuterios 25 11 47 9 92

Fonte EMPAER 2010

Na tabela 18 observamos que o nuacutemero de famiacutelias que natildeo usam tanques

para resfriamento do leite eacute significativo lanccedilando matildeo de outros meios para o

armazenamento e ou transporte do leite ateacute o ponto final de comercializaccedilatildeo

Aleacutem de gado de corte e leiteiro os assentados dos assentamentos rurais se

dedicam agrave criaccedilatildeo de animais de pequeno porte para o consumo e comercializaccedilatildeo

poreacutem em menor escala Entre eles se destacam as aves suiacutenos caprinos ovinos

peixes e abelhas Os animais de pequeno porte como aves e porcos satildeo de criaccedilatildeo

tradicional O dado que mais chama a atenccedilatildeo eacute a criaccedilatildeo de peixes Haacute um nuacutemero

expressivo de famiacutelias que exercem a piscicultura Portanto pode-se afirmar que leite e

peixe satildeo produtos familiares destinados agrave comercializaccedilatildeo

344 Comercializaccedilatildeo e Associativismo

Pensar o desenvolvimento econocircmico local a partir da produccedilatildeo dos

assentamentos rurais nos remete agraves formas de organizaccedilatildeo e comercializaccedilatildeo da

produccedilatildeo

121

Chamamos a atenccedilatildeo para a organizaccedilatildeo nos assentamentos rurais de Vila

Rica-MT pois houve uma intensa mobilizaccedilatildeo acerca das accedilotildees coletivas para o

processo de reocupaccedilatildeo e regularizaccedilatildeo da terra Poreacutem quando consolidados os

Projetos de Assentamentos Rurais os assentados perderam a referecircncia de coletividade

No que tange ao modo de produccedilatildeo e comercializaccedilatildeo a tabela que segue mostra esta

defasagem

Tabela 19 Local de Comercializaccedilatildeo da Produccedilatildeo dos assentamentos

ComercializaccedilatildeoPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total

Propriedade 80 16 67 16 179

Pequenos Comeacutercios 12 0 6 3 21

Feira 3 1 2 0 6

Atacadista 0 0 0 0 0

Supermercados 1 1 1 1 4

CONAB 0 0 1 0 1

Outros lugares 48 7 38 6 99 Fonte EMPAER 2010

Os dados nos mostram que a maior parte dos assentados comercializa os seus

produtos nos proacuteprios lotes Os assentados na maioria das vezes recorrem aos

atravessadores para comercializar os produtos os quais em sua maioria tratam-se de

comerciantes da cidade Outro nuacutemero considerado significativo comercializa em

outros lugares diferentes de comeacutercios como as feiras e no CONAB Essa situaccedilatildeo pode

estar relacionada agrave falta de organizaccedilatildeo coletiva com a criaccedilatildeo de associaccedilotildees e

cooperativas Nesse sentido a tabela que se segue mostra detalhadamente a participaccedilatildeo

ou natildeo das famiacutelias nessas organizaccedilotildees coletivas

Tabela 20 Associativismo nos assentamentos Aracati Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel e Ipecirc

AssociativismoPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total

Natildeo participam 15 2 10 0 27

Participam em cooperativa 4 0 0 0 4

Participam em associaccedilatildeo 99 20 73 25 217

Participam em sindicatos 99 23 75 21 218

Outras modalidades 1 1 0 0 2 Fonte EMPAER 2010

122

Ressaltamos que o principal mecanismo de organizaccedilatildeo coletiva dos

Agricultores Familiares satildeo as Associaccedilotildees de Pequenos Produtores Rurais e o

Sindicato dos Trabalhadores Rurais Satildeo organizaccedilotildees mais do tipo poliacutetico

reivindicativo que de produccedilatildeo e comercializaccedilatildeo Apenas 09 dos Agricultores

Familiares participam das atividades do sistema cooperativo e 04 em outras

modalidades

Em pesquisa sobre os assentamentos rurais no Araguaia o diagnoacutestico do

Plano Territorial de Desenvolvimento Rural Sustentaacutevel do Territoacuterio Rural (PTDRS)

do Baixo Araguaia-MT produzido pelo Ministeacuterio da Agricultura em 2006 haacute uma

indicaccedilatildeo de que todos os PAs do Araguaia possuem associaccedilotildees

A mesma pesquisa do PTDRS (2006 p 46) indica que os Agricultores

Familiares tecircm participaccedilatildeo nos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais e nos Conselhos

Municipais de Desenvolvimento Rural existentes em todos os municiacutepios do territoacuterio

No entanto entre os assentados existe ldquo[] um sentimento de descrenccedila e

desconfianccedila frente agraves instacircncias de organizaccedilatildeo dos produtores []rdquo Essa descrenccedila

estaacute tambeacutem associada ldquo[] agrave dificuldade em conseguir melhorias efetivas para a

populaccedilatildeo rural (acesso ao creacutedito luz eleacutetrica melhoria nas estradas) que estaacute levando

na opiniatildeo dos entrevistados agrave descrenccedila nas lideranccedilas e nas instituiccedilotildees de

representaccedilatildeo []rdquo

Em relaccedilatildeo agrave organizaccedilatildeo por meio de cooperativas o PTDRS (2006 p 46)

atribui essa falta de motivaccedilatildeo ao fato de que

Constatou-se que os municiacutepios de Satildeo Feacutelix do Araguaia

Porto Alegre do Norte e Vila Rica-MT possuiacuteam diferentes

tipos de cooperativas que acabaram falindo Apesar de natildeo

estarem diretamente relacionados com a Agricultura Familiar

estes exemplos ruins acabam influenciando na percepccedilatildeo da

populaccedilatildeo sobre as formas de cooperativas e associativas de

trabalho

Essa situaccedilatildeo eacute confirmada tambeacutem pelos relatos orais como mostra a fala

do secretaacuterio municipal de agricultura de Vila Rica-MT

123

As experiecircncias mal sucedidas das cooperativas influenciam

bastante para o descreacutedito na formaccedilatildeo de novas cooperativas

Vila Rica-MT por exemplo teve umas trecircs cooperativas

Tiacutenhamos uma que era muito forte na organizaccedilatildeo chamava

CONEMAT - Cooperativa do Nordeste de Mato Grosso

Inclusive ainda tecircm alguns preacutedios e balanccedilas espalhadas aiacute

na cidade tinha caminhotildees e supermercados mas creio que foi

por ingerecircncia de alguns presidentes que acabaram dando um

calote nos cooperados [] Temos hoje um grande nuacutemero de

produtores rurais que tecircm uma diacutevida enorme e natildeo tecircm como

pagar porque os presidentes pegaram empreacutestimos em nome

deles e foram embora levando o dinheiro dessas pessoas e por

isso muitos tecircm medo de cooperativas Por isso eacute complicado

tanto pra noacutes como para o Sindicato dos Trabalhadores Rurais

atuarmos no sentido de fomentar o sistema de cooperativa

(ENTREVISTA com Gilmar secretaacuterio Municipal de

Agricultura do municiacutepio de Vila Rica-MT realizada pela

autora em marccedilo de 2015)

Esse relato oral nos revela a dimensatildeo dos desafios vivenciados pelos

assentados e como a Secretaria de Agricultura e o Sindicato dos Trabalhadores Rurais

de Vila Rica-MT enfrentaram dificuldades para mobilizar os trabalhadores para a

criaccedilatildeo do sistema de comercializaccedilatildeo por meio de cooperativas

No entanto apesar das dificuldades o sistema de cooperativa poderaacute ser uma

alternativa para ampliar o potencial da comercializaccedilatildeo dos produtos da Agricultura

Familiar Dentro desse sistema a Prefeitura Municipal passa a ser importante

comprando os gratildeos legumes e hortaliccedilas para a merenda escolar aleacutem de ser uma

instituiccedilatildeo fundamental na mediaccedilatildeo para que os Agricultores Familiares acessem a

Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB)

35 Teacutecnicas e niacutevel tecnoloacutegico dos assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel

Ipecirc e Aracati

Martins (2014 p 24) afirma que ldquo[] a inovaccedilatildeo depende amplamente do

modo como a trama das relaccedilotildees sociais em que ocorre define sua funccedilatildeo e as

contradiccedilotildees sociais que alimentamrdquo Isso significa que os saberes tradicionalmente

produzidos ao longo das experiecircncias de vida natildeo devem ser considerados invaacutelidos na

inserccedilatildeo das inovaccedilotildees tecnoloacutegicas

Nos assentamentos rurais estudados identificamos que os saberes e as

teacutecnicas tradicionais satildeo recorrentes no modo de produzir de lidar com a terra e na

124

constituiccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com a natureza A seguir apresentamos algumas

teacutecnicas utilizadas nos assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati do

municiacutepio de Vila Rica-MT

351 Teacutecnicas de uso do Solo plantio combate de pragas colheita e

armazenamento

Tabela 21 Tipos de preparo do solo por nordm de famiacutelias

Tipo de preparoPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total

Capina e faz o plantio 20 0 16 5 41

Utiliza araccedilatildeo e gradagem 42 15 53 12 122

Faz o preparo em niacutevel 0 0 0 0 0

Fonte EMPAER 2010

De acordo com os dados da Tabela 21 muitos agricultores dos assentamentos

rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati recorrem agraves teacutecnicas tradicionais para o

preparo do solo no que se refere ao cultivo de produtos agriacutecolas e no plantio de

pastagens para o gado Poreacutem 740 utilizam araccedilatildeo e gradagem do solo

Tabela 22 Tipos de sementes cultivadas nos assentamentos rurais

Tipo de sementePA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total

Gratildeo proacuteprio 4 0 3 0 7

Sementes selecionadas22

43 14 67 19 143 Fonte EMPAER 2010

Agrave luz dos dados dispostos na Tabela 23 pode-se afirmar que os Agricultores

Familiares dos assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati possuem o

controle dos produtos a serem cultivados uma vez que satildeo eles quem seleciona as

sementes produzidas pela induacutestria e satildeo os proprietaacuterios dos gratildeos desqualificando a

semente crioula dos produtores

22 Aleacutem desses dados dois assentados rurais de Satildeo Joseacute afirmam que utilizam sementes ldquofiscalizadasrdquo

conforme categorizaccedilatildeo utilizada pelo IBGE

125

Segundo a Empaer (2010) sementes selecionadas pelos agricultores satildeo

aquelas consideradas de melhor qualidade sendo observados os aspectos relacionados

ao tamanho cor entre outros

Tabela 23 Tipos de plantio cultivados nos assentamentos rurais

Tipo de plantio Satildeo

Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual

Mecanizado 8 3 12 1 24 135

Traccedilatildeo animal 3 1 7 0 11 60

Manual 62 11 50 19 142 800

Fonte EMPAER 2010

Na Tabela 23 podemos observar que os assentados utilizam

predominantemente o trabalho manual para o cultivo com um percentual de 80

Ainda segundo os dados 6 ainda utilizam animais como forma de traccedilatildeo para

realizaccedilatildeo dos cultivos e manutenccedilatildeo das roccedilas e pastagens Somente 135 dos

assentados lanccedila matildeo do sistema mecanizado Esses dados podem apontar o motivador

da baixa produtividade nas atividades da Agricultura Familiar ou indica a baixa

capitalizaccedilatildeo e uma tradiccedilatildeo de manejo de baixo custo

Quanto ao tipo de adubaccedilatildeo do solo realizado pelos assentados existem

vaacuterias formas das quais merecem o destaque da Tabela 24

Tabela 24 Tipo de adubaccedilatildeo do solo realizado pelos assentados por famiacutelia

Tipo de adubaccedilatildeoPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual

Natildeo fazem adubaccedilatildeo 65 6 41 13 125 610

Usam adubaccedilatildeo orgacircnica 2 6 11 3 22 105

Usam adubaccedilatildeo quiacutemica 20 4 21 5 50 245

Usam as duas adubaccedilotildees 2 1 3 2 8 4

Fonte EMPAER 2010

Os dados chamam a atenccedilatildeo pelo fato de que 125 famiacutelias ou seja 61 dos

assentados natildeo fazem adubaccedilatildeo Dos 39 que utilizam a adubaccedilatildeo a maior parte faz

126

adubaccedilatildeo quiacutemica (245) e somente 105 a adubaccedilatildeo orgacircnica sendo que uma

minoria de 2 realizam tanto a adubaccedilatildeo quiacutemica quanto a orgacircnica

Esse quadro situacional aponta uma tendecircncia para o aumento do uso de

produtos quiacutemicos pelos agricultores dos assentamentos rurais na medida em que

melhoram suas condiccedilotildees econocircmicas A Tabela 25 apresenta as formas de tratamentos

do solo utilizadas pelos assentados

Tabela 25 Conservaccedilatildeo do solo (por nuacutemero de Famiacutelias)

Conservaccedilatildeo dos solos PA Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual

Natildeo fazem 90 15 67 24 196 93

Fazem plantio em niacutevel 1 1 1 1 4 2

Terraccedilo 0 0 0 0 0 0

Outros tipos de conservaccedilatildeo 2 0 9 0 11 5

Total 211 100

Fonte EMPAER 2010

Os dados satildeo preocupantes visto que 196 famiacutelias declararam natildeo adotar

qualquer teacutecnica para a conservaccedilatildeo do solo Isto explica o alto iacutendice de degradaccedilatildeo

ambiental e do solo nos assentamentos rurais de Vila Rica-MT Outro item que

consideramos importante para a conservaccedilatildeo eacute a teacutecnica de rotaccedilatildeo no uso do solo

Assim a Tabela 26 mostra como os assentados lidam com essa situaccedilatildeo

Tabela 26 Rotaccedilatildeo de Culturas nos assentamentos rurais

Rotaccedilatildeo de cultura

PA Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total Porcentagem

Fazem rotaccedilatildeo 10 4 20 10 44 20

Natildeo fazem rotaccedilatildeo 87 16 57 15 175 80

Total 219 100

Fonte EMPAER 2010

Segundo a Tabela 26 haacute evidecircncia da pouca rotaccedilatildeo de culturas o que

corresponde a (201) nos assentamentos rurais estudados Em contrapartida 80 natildeo

fazem rotaccedilatildeo de culturas A consequecircncia eacute o baixo rendimento da terra ou seja baixa

127

produtividade e esgotamento mais raacutepido Uma interpretaccedilatildeo possiacutevel sobre os dados

indicados na Tabela 26 eacute construiacuteda a partir da compreensatildeo de que a natildeo adoccedilatildeo de

rotaccedilatildeo de cultura estaacute relacionada aos haacutebitos culturais dos Agricultores Familiares

somados agrave falta de assistecircncia teacutecnica e orientaccedilotildees que demonstrem os benefiacutecios de tal

praacutetica Tambeacutem podemos observar a influecircncia da falta de um maior direcionamento

dos investimentos feitos pelo Governo Federal atraveacutes do Pronaf nos creacuteditos que satildeo

liberados conforme cultura agriacutecola e natildeo pelo sistema de produccedilatildeo O conjunto dessas

deficiecircncias de orientaccedilotildees teacutecnicas natildeo permite uma maior conscientizaccedilatildeo da

importacircncia de se praticar a rotaccedilatildeo de culturas como meio de melhor aproveitamento e

conservaccedilatildeo do solo significando manejo de informaccedilatildeo simples

Tabela 27 Tipo de combate agraves pragas (por nuacutemero de famiacutelias)

Tipo de combate PA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentagem

Natildeo fazem combate as pragas 81 6 35 13 135 645

Utilizam inseticidas 12 8 39 9 68 325

Utilizam controles alternativos 0 0 3 1 4 2

Utilizam de outros meios 1 1 0 0 2 1

Total

209 100

Fonte EMPAER 2010

Os dados da Tabela 27 apontam que 645 dos assentados natildeo fazem

nenhum tipo de combate a pragas e 325 fazem uso no cultivo de produtos agriacutecolas

de inseticidas no seu combate e controle Somente 4 famiacutelias utilizam produtos e

mecanismos alternativos

Logo a Tabela 27 mostra um percentual significativo de famiacutelias que natildeo faz

controle de pragas ou utilizam outros controles indicando que a maioria dos assentados

consome produtos sem contaminaccedilatildeo de inseticidas

Tabela 28 Tipo de lavagem triacuteplice de embalagens vazias de agrotoacutexicos

Tipo de lavagem PA Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual

Fazem a lavagem 5 3 8 5 21 15

Natildeo fazem a lavagem 57 9 48 10 124 85

Total 145 100

Fonte EMPAER 2010

128

A Tabela 28 indica um dado alarmante 124 famiacutelias dos assentamentos rurais

pesquisados em Vila Rica-MT ldquonatildeo fazem a lavagemrdquo triacuteplice de embalagens vazias de

agrotoacutexicos expondo-se a riscos de contaminaccedilatildeo Quanto ao destino das embalagens

de agrotoacutexicos vazias os dados que se seguem indicam a mesma tendecircncia de descuido

Tabela 29 Destino das embalagens de agrotoacutexicos vazias

Destino das embalagens PA Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual

Jogam a ceacuteu aberto 13 3 28 4 48 495

Satildeo reutilizadas 2 0 2 0 4 4

Enviadas agrave central abastecimento 17 7 16 5 45 465

Total 97

100

Fonte EMPAER 2010

Os dados da Tabela 29 soacute reforccedilam a falta de cuidado em relaccedilatildeo agrave utilizaccedilatildeo

de agrotoacutexicos o que resulta na exposiccedilatildeo dos assentados a riscos agrave sauacutede Tambeacutem

podem resultar em danos ao meio ambiente como jaacute indicamos na Tabela 29

considerando que quase 50 das embalagens satildeo ldquojogadas a ceacuteu abertordquo e ainda que

4 dos assentados reutilizam essas embalagens

Seguindo a tendecircncia dos dados anteriores percebemos a falta de orientaccedilatildeo

teacutecnica em relaccedilatildeo ao uso e cuidado com produtos agrotoacutexicos

Aleacutem da falta de assistecircncia teacutecnica que compromete o cultivo e a produccedilatildeo

os dados quantitativos demonstram que a ausecircncia de mecanizaccedilatildeo eacute um dado

importante no momento da colheita

Tabela 30 Tipo de colheita por famiacutelia

Tipo de colheitasPA Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual

Usam colheita manual 66 15 69 19 169 995

Colheita mecacircnica 0 0 1 0 1 05

Total 170 100 Fonte EMPAER 2010

A Tabela 30 evidencia que praticamente todos os assentados participantes da

pesquisa natildeo utilizam equipamentos mecacircnicos para a colheita de seus produtos

predominando a colheita manual com uso intensivo da matildeo de obra Esse processo

129

pode ser resultante da experiecircncia de vida e haacutebitos dos agricultores familiares em

funccedilatildeo da questatildeo econocircmica jaacute que os assentamentos rurais analisados natildeo dispotildeem de

maquinaacuterios destinados ao preparo do solo plantio e agrave colheita agriacutecola ou isso se deve

ao relevo inclinado demais ou solo pedregoso

Tabela 31 Tipo de armazenamento da produccedilatildeo (por nuacutemero de famiacutelia)

Tipo de armazenamentoPA Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual

A ceacuteu aberto 4 2 7 0 13 8

No paiol 45 11 57 14 127 79

No silo 1 0 0 1 2 15

Na residecircncia 7 2 6 2 17 105

No galpatildeo 1 0 0 0 1 05

160 100

Fonte EMPAER 2010

O modo de armazenar tambeacutem eacute tradicional o Paiol eacute uma construccedilatildeo ruacutestica

feita de forma artesanal onde os agricultores guardam os mantimentos colhidos de suas

roccedilas os quais satildeo destinados agrave alimentaccedilatildeo das famiacutelias e dos animais Computando o

armazenamento a ceacuteu aberto feito por 81 e na residecircncia 106 significa que quase

20 dos produtos satildeo armazenados de forma inadequada

36 A questatildeo ambiental nos assentamentos rurais

As questotildees que envolvem problemas ambientais nas aacutereas rurais tecircm como

problemaacutetica principal o desmatamento a natildeo conservaccedilatildeo das matas ciliares a

poluiccedilatildeo do solo e dos rios o uso de agrotoacutexicos e o destino dos lixos produzidos

Todos esses problemas estatildeo inseridos em debates recorrentes no cenaacuterio rural

No caso de Vila Rica-MT pesquisas anteriores como as que foram realizadas

pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazocircnia (IPAM) em 2009 e por Barrozo

(2010) revelam dados alarmantes relativos agrave questatildeo ambiental Essas situaccedilotildees foram

confirmadas pelo diagnoacutestico construiacutedo pela Empaer (2010) conforme a descriccedilatildeo nas

tabelas que se seguem

Tabela 32 Situaccedilatildeo de degradaccedilatildeo de solo nos assentamentos rurais

130

Condiccedilatildeo de degradaccedilatildeo PA Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total

Natildeo estaacute degradado 16 5 16 6 43 18

O solo estaacute empobrecido 75 9 44 12 140 59

O solo estaacute com erosatildeo 2 0 2 2 6 3

O solo estaacute compactado 15 9 17 4 45 19

Outras formas de degradaccedilatildeo 1 0 1 0 2 1

Total 236 100

Fonte EMPAER 2010

Satildeo evidentes os problemas ambientais vivenciados pelos assentamentos

rurais de Vila Rica-MT Em 193 lotes analisados os solos se encontram em estaacutegio de

degradaccedilatildeo indicando empobrecimento erosatildeo compactaccedilatildeo e outras formas de

degradaccedilatildeo do solo

Tabela 33 Existecircncia de nascentes sem proteccedilatildeo (nuacutemero de propriedades)

Existecircncia de nascentes Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual

Existem nascentes

Degradadas 26 9 17 5 57 32

Natildeo existem 51 14 41 15 121 68

Total 100

Fonte EMPAER 2010

Considerando que a aacutegua eacute um elemento essencial para a vida e para a

manutenccedilatildeo dos assentamentos rurais os dados indicados na Tabela 33 preocupam

pois em um universo de 178 propriedades analisadas 57 estaacute com as nascentes de

aacuteguas desprotegidas de mata ciliar o que representa um problema grave do ponto de

vista ambiental com risco de seca e extinccedilatildeo de nascentes e rios

Tabela 34 Existecircncia de degradaccedilatildeo de matas ciliares

Existecircncia de degradaccedilatildeo PA Satildeo

Joseacute

Satildeo

Gabriel Ipecirc Aracati Total Porcentagem

Natildeo existem matas ciliares 25 10 35 9 79 35

A degradaccedilatildeo eacute baixa 26 4 22 5 57 255

A degradaccedilatildeo eacute meacutedia 23 2 14 6 45 20

131

A degradaccedilatildeo eacute alta 29 5 7 3 44 195

Total 225 100

Fonte EMPAER 2010

A questatildeo da aacutegua nos assentamentos rurais estudados eacute uma preocupaccedilatildeo

recorrente Aleacutem das nascentes desprotegidas os coacuterregos vecircm perdendo suas matas

ciliares em funccedilatildeo do processo de desmatamento o que impede a ampliaccedilatildeo das aacutereas

de pastagens A Tabela 34 revela que 146 propriedades analisadas apresentam

destruiccedilatildeo das matas ciliares com estaacutegios que variam de alta a baixa degradaccedilatildeo As

imagens dos trecircs assentamentos rurais abaixo ilustram um pouco essa situaccedilatildeo

Figura 10- Fotografias de corpos drsquoaacutegua e mata ciliar

Eacute importante ressaltar que os assentamentos rurais de Vila Rica-MT

resultaram do processo de reocupaccedilatildeo das fazendas que estavam improdutivas mas jaacute

tinham sido abertas e desmatadas anteriormente Assim o problema ambiental jaacute existia

antes mesmo da formaccedilatildeo do assentamento rural e foi intensificado parcialmente com a

formaccedilatildeo dos mesmos

Tabela 35 Situaccedilatildeo de degradaccedilatildeo das pastagens (por nuacutemero de propriedade)

Degradaccedilatildeo de pastagens PA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual

Natildeo existem pastagens degradadas 17 4 16 6 43 33

O niacutevel de degradaccedilatildeo eacute baixo 36 9 40 8 93 39

132

O niacutevel de degradaccedilatildeo eacute meacutedio 43 10 21 6 80 335

O niacutevel de degradaccedilatildeo eacute alto 14 1 4 4 23 95

Total 239 100

Fonte EMPAER 2010

Vimos nos dados indicados na Tabela 35 que 43 propriedades natildeo

apresentaram niacutevel de degradaccedilatildeo nas pastagens enquanto 196 propriedades estatildeo com

as pastagens degradadas estando entre os niacuteveis alto meacutedio e baixo conforme criteacuterios

de nivelamento natildeo esclarecidos na fonte escrita

As imagens a seguir dos assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel e Ipecirc

nos ajudam a visualizar o niacutevel de degradaccedilatildeo e qualidade das pastagens destes

assentamentos rurais

Figura 11- Fotografias das aacutereas de pastagens nos assentamentos rurais

Fonte EMPAER 2010

As imagens nos remetem a compreensatildeo do quanto o problema de

desmatamento afetou de forma significativa o solo o que comprometeu a qualidade das

pastagens dos assentamentos rurais As imagens revelam a caracteriacutestica do solo que eacute

formado por morro com pedras e cascalhos o que dificulta a realizaccedilatildeo do processo de

mecanizaccedilatildeo das aacutereas

Tabela 36 Uso de fogo no manejo do solo (por propriedade)

Existecircncia de nascentesPA Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual

133

Usam fogo 80 13 45 18 156 665

Natildeo usam fogo 28 10 36 5 79 335

Total 235 100

Fonte EMPAER 2010

Os dados expostos na Tabela 36 reforccedilam a existecircncia do problema ambiental

jaacute abordado nos paraacutegrafos anteriores Chamamos a atenccedilatildeo para o fato de que 156

famiacutelias afirmaram que costumam colocar fogo sistema chamado de coivara como

praacutetica de limpeza das pastagens e na preparaccedilatildeo do cultivo das roccedilas Enquanto apenas

79 famiacutelias disseram que natildeo fazem uso de fogo no desenvolvimento das suas

atividades agriacutecolas tampouco para limpeza de pastagens

37 Algumas consideraccedilotildees sobre os impactos de poliacuteticas puacuteblicas nos

assentamentos rurais Satildeo Joseacute satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati

Podemos afirmar que nos quatro assentamentos rurais analisados os produtos

alimentares predominantes satildeo arroz milho mandioca banana e hortaliccedilas Satildeo estes

produtos que constituem a alimentaccedilatildeo baacutesica dos agricultores familiares os quais satildeo

produzidos nos lotes familiares

Atribuiacutemos a baixa produtividade na Agricultura Familiar do municiacutepio de

Vila Rica agrave falta de equipamentos tecnoloacutegicos sobretudo maquinaacuterios que poderiam

facilitar o trabalho e aumentar a produtividade No entanto ressalvamos que essas

teacutecnicas satildeo consideradas por alguns teoacutericos como uma condiccedilatildeo de produccedilatildeo

positiva do ponto de vista da manutenccedilatildeo da identidade dos assentamentos rurais

porque ela se sustenta nos saberes tradicionais aleacutem de natildeo ser tatildeo prejudicial ao meio

ambiente

Em relaccedilatildeo agrave comercializaccedilatildeo foram identificados alguns fatores que

dificultam o processo de modo geral a exemplo da natildeo organizaccedilatildeo por meio de

cooperativas ou associaccedilotildees A problemaacutetica das estradas que muitas vezes impede ou

dificulta o transporte dos produtos ateacute os pontos locais de vendas comerciais

contribuem consequentemente para o natildeo fortalecimento das feiras populares

134

As imagens a seguir ilustram a situaccedilatildeo de algumas estradas que datildeo acesso

aos assentamentos rurais de Vila Rica-MT durante os periacuteodos chuvosos de dezembro a

abril

Figura 12- Fotografias das Estradas dos assentamentos rurais

Fonte EMPAER 2009

A peacutessima situaccedilatildeo das estradas se torna ainda mais grave se pensarmos sobre

a necessidade de fortalecer a comercializaccedilatildeo dos produtos da Agricultura Familiar

quando levamos em consideraccedilatildeo o distanciamento dos assentamentos rurais com

relaccedilatildeo agrave aacuterea urbana cuja distancia eacute retratada nos croquis

Figura 13 - Croqui do Assentamento Rural Satildeo Joseacute

135

Fonte EMPAER 2010 p19

Figura 14 - Croqui do Assentamento Rural Satildeo Gabriel

Fonte EMPAER 2010 p 18

Figura 15 - Croqui do Assentamento Rural Ipecirc

136

Fonte EMPAER 2010 p 19

Figura 16 - Croqui do Assentamento Rural Aracaty

Fonte EMPAER 2010 p 18

137

O problema das estradas afetas tambeacutem a educaccedilatildeo pois danificam os ocircnibus

e prolongam o tempo que as crianccedilas ficam nas estradas sem aula atrasando o

calendaacuterio escolar Esta situaccedilatildeo provoca a desmotivaccedilatildeo dos alunos pelos estudos e

com isso os pais acabam retirando seus filhos das escolas do campo levando-os para

estudar na cidade por acreditar no prosseguimento dos estudos graccedilas agraves melhoras de

acesso permanecircncia e sucesso escolar

Ainda em relaccedilatildeo agrave educaccedilatildeo percebemos uma baixa escolaridade dos

assentados Consideramos que essa conjuntura seja resultante de alguns fatores como a

carecircncia de uma maior flexibilizaccedilatildeo na organizaccedilatildeo curricular e pedagoacutegica das escolas

dos assentamentos rurais principalmente nos quesitos referentes agrave organizaccedilatildeo dos

tempos e espaccedilos de aprendizagem uma vez que mesmo com o advento da energia

eleacutetrica nos assentamentos rurais nem todas as escolas garantiram a oferta da

modalidade escolar EJA - Educaccedilatildeo de Jovens e Adultos

No que tange agraves questotildees de gecircnero e idade constatou-se que natildeo haacute uma

organizaccedilatildeo quanto agrave formaccedilatildeo de associaccedilotildees ou movimentos sociais direcionados agrave

luta das mulheres tampouco dos jovens Tais circunstacircncias datildeo a entender a pouca

participaccedilatildeo das mulheres e dos jovens nos espaccedilos poliacuteticos embora ambos tenham

uma vida ativa em outras atuaccedilotildees referentes agrave divisatildeo de trabalhos nos assentamentos

rurais

Consideramos como um dos principais desafios relacionados agrave permanecircncia

dos agricultores familiares nos assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Aracati e

Ipecirc o fato de os jovens se sentirem desmotivados a continuar no campo Muitos saem

para a cidade na ilusatildeo que iratildeo encontrar emprego que lhes proporcione renda fixa e

melhor qualidade de vida

As condiccedilotildees dos assentados avanccedilaram em qualidade a partir da

implementaccedilatildeo do Programa Luz Para Todos uma vez que a energia eleacutetrica

possibilitou a utilizaccedilatildeo de equipamentos que facilitaram o seu cotidiano embora a aacutegua

potaacutevel ainda seja vista como um elemento complicador no que se refere ao seu

tratamento

Na sauacutede destacamos que haacute atendimento pelo Sistema Uacutenico de Sauacutede

(SUS) embora limitado pois os uacutenicos profissionais da sauacutede que atuam diretamente

138

nos assentamentos rurais satildeo os Agentes de Sauacutede Ou seja quando haacute sinalizaccedilatildeo de

problemas na sauacutede dos assentados estes tecircm que recorrer agrave assistecircncia de sauacutede

localizada na zona urbana o que requer meio de locomoccedilatildeo proacuteprio ou puacuteblico

No que se refere agraves demandas de moradia e infraestrutura nos assentamentos

rurais pesquisados destacamos que a maioria das casas foi construiacuteda ou reformada

com recursos oriundos do Pronaf No entanto nem todos os assentados usufruiacuteram do

financiamento para a construccedilatildeo de suas casas pois muitos deles tiveram que arcar com

os proacuteprios recursos Por isso muitas casas ainda satildeo de taacutebua Houve casos em que as

empresas contempladas na licitaccedilatildeo natildeo concluiacuteram as obras conforme previsto no

contrato

Contudo ressaltamos que os desafios vivenciados pelos agricultores

familiares de Vila Rica-MT satildeo inuacutemeros a exemplo da a pouca infraestrutura a

insuficiecircncia dos investimentos por parte do Poder Puacuteblico quanto agrave liberaccedilatildeo de creacutedito

direcionado agrave Agricultura Familiar reduzido uso de tecnologia a ausecircncia de uma

assistecircncia teacutecnica efetiva a falta de matildeo de obra jovem uma vez que a idade meacutedia dos

assentados segundo dados da EMPAER (2009 p 45) eacute de 507 anos ldquo[] uma das

possiacuteveis causas para o ecircxodo dos jovens eacute a falta de opccedilatildeo para dar continuidade aos

estudos e a falta de oportunidades de geraccedilatildeo de renda dentro dos assentamentos ruraisrdquo

Ainda sobre a infraestrutura ressaltamos que os maiores investimentos tanto

por parte do Pronaf como de outras fontes dos agricultores familiares foram aplicados

na atividade de pecuaacuteria por considerarem mais rentaacutevel Essa questatildeo estaacute mais

detalhada no capiacutetulo IV

Eacute preciso ainda atentarmos mais para aos problemas de ordem ambiental

porque se constataram situaccedilotildees de desmatamentos nas nascentes e matas ciliares sem

falar da degradaccedilatildeo do solo e das pastagens condiccedilotildees que implicam na natildeo ampliaccedilatildeo

da Agricultura Familiar enquanto potencial para alavancar o desenvolvimento regional

139

4 AS POLIacuteTICAS PUacuteBLICAS NOS ASSENTAMENTOS SAtildeO JOSEacute SAtildeO

GRABRIEL IPEcirc E ARACATI

Este capiacutetulo objetiva identificar quais foram as poliacuteticas puacuteblicas

implementadas nos assentamentos rurais do municiacutepio Vila Rica-MT no periacuteodo de

1996 a 2015

Construiacutemos uma anaacutelise norteada por algumas questotildees que serviram de

base para a reflexatildeo acerca do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura

Familiar (Pronaf) bem como de outras Poliacuteticas Puacuteblicas voltadas para o atendimento

das necessidades da populaccedilatildeo do campo como eacute o caso da sauacutede educaccedilatildeo e

habitaccedilatildeo

Nesse sentido destacamos alguns questionamentos relacionados aos

procedimentos de execuccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas destinadas aos assentamentos rurais

Qual foi o impacto do Pronaf nos assentamentos rurais de Vila Rica-MT Quais satildeo as

outras poliacuteticas e accedilotildees dos oacutergatildeos puacuteblicos no apoio e incentivos da Agricultura

Familiar no Araguaia mato-grossense Quais os mecanismos de controle e inspeccedilatildeo

adotados pela Secretaria Municipal de Agricultura de Vila Rica-MT para monitorar e

fomentar a produccedilatildeo da Agricultura Familiar nos assentamentos rurais Existem ou natildeo

estrateacutegias constituiacutedas entre os Agricultores Familiares movimentos sindical e social

ligados agrave Agricultura Familiar para enfrentar as ldquoinvestidasrdquo do agronegoacutecio nas aacutereas

de assentamentos rurais Quais satildeo os desafios e os avanccedilos dos assentamentos rurais

de Vila Rica-MT na visatildeo dos agricultores familiares dos assentamentos pesquisados

Para a compreensatildeo dessas questotildees foi necessaacuteria uma anaacutelise dos dados

oficiais de fontes escritas e orais com o auxiacutelio de perspectivas teoacutericas presentes nos

estudos sobre as temaacuteticas que envolvem o universo das poliacuteticas puacuteblicas destinadas

aos assentamentos rurais sobretudo o Pronaf

41 O debate sobre o Pronaf

Compreender tanto as formas de uso da terra quanto as de produccedilatildeo dos

agricultores familiares assim como a identificaccedilatildeo do papel da Agricultura Familiar no

desenvolvimento do territoacuterio do Araguaia eacute tambeacutem constituir conhecimento e

reflexatildeo acerca dos avanccedilos e entraves vivenciados pelos agentes histoacutericos no processo

140

de implementaccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas direcionadas aos Projetos de assentamentos

rurais no Brasil sobretudo na consolidaccedilatildeo do Pronaf

Por isso fizemos apontamentos em relaccedilatildeo agrave produccedilatildeo dos assentamentos

rurais e ao mesmo tempo assinalamos as estrateacutegias adotadas pelos agricultores

familiares para sobreviverem agraves artimanhas do sistema burocraacutetico especialmente

quanto agraves formas de acesso ao creacutedito rural

Por outro lado para analisar o papel das poliacuteticas puacuteblicas enquanto objeto

de estudo os investimentos do Pronaf nos assentamentos rurais de Vila Rica-MT

tomando como referecircncias as estrateacutegias adotadas pelos agricultores para serem

beneficiados pelas linhas de creacutedito problematizaram-se os avanccedilos e os entraves nas

condiccedilotildees de implementaccedilatildeo dessas poliacuteticas atraveacutes de reflexotildees teoacutericas e estudos de

caso Para tanto realizamos uma revisatildeo bibliograacutefica sobre a temaacutetica que historiciza o

artifiacutecio de criaccedilatildeo do Pronaf enquanto poliacutetica puacuteblica

Gazola e Schneider (2004 p 21) concebem que a criaccedilatildeo do Pronaf

representou uma resposta por parte do Estado brasileiro ao surgimento de uma nova

categoria social que demanda accedilotildees do Poder Puacuteblico e que levam em consideraccedilatildeo as

especificidades dessa nova categoria social ldquo[] os Agricultores Familiares que ateacute

entatildeo eram designados por termos como pequenos produtores produtores familiares de

baixa renda ou agricultura de subsistecircnciardquo

A partir dessa percepccedilatildeo podemos afirmar que anteriormente natildeo havia uma

designaccedilatildeo especiacutefica para os agentes histoacutericos que viviam da produccedilatildeo familiar na

agricultura enquanto categoria social Tratava-se de diversas denominaccedilotildees que eram

baseadas em criteacuterios econocircmicos e embutiam uma ideia de desqualificaccedilatildeo como por

exemplo ldquopequeno produtorrdquo

O conceito de Agricultura Familiar surgiu como uma alternativa para

suprimir as diversas denominaccedilotildees em relaccedilatildeo agrave forma e agrave concepccedilatildeo de produccedilatildeo das

populaccedilotildees que vivem no campo e que recorrem apenas agrave forccedila de trabalho dos

membros da famiacutelia Foi conceituada por Abramovay (1997 p 3 apud SALVODI

CUNHA 2010 p 10) como ldquo[] aquela em que a gestatildeo a propriedade e a maior

parte do trabalho vecircm de indiviacuteduos que mantecircm entre si laccedilos de sangue ou de

casamentordquo Os autores citados asseguram que essa definiccedilatildeo natildeo poderaacute ser vista como

unacircnime e muitas vezes pouco operacional

141

Salvodi e Cunha (2010 p 10) apesar de ponderarem que essa definiccedilatildeo natildeo

deve ser concebida como unacircnime entre os teoacutericos da Questatildeo Agraacuteria ressaltam que

eles adotam-na como conteuacutedo no sentido de evidenciar a nova categoria social que

envolve ldquo[] a propriedade da terra relaccedilotildees de trabalho e a gestatildeo das atividades

produtivasrdquo Para eles todos esses elementos satildeo criteacuterios usados para diferenciar por

se tratar de relaccedilotildees entre agentes sociais com parentesco de sangue ou alianccedilas via

matrimocircnio

Abramovay (1997) Salvodi e Cunha (2010) consideram que a base da

Agricultura Familiar estaacute portanto centrada no elemento relacional e natildeo

necessariamente na sua posiccedilatildeo diante de categorias econocircmicas ligadas agrave produccedilatildeo e agraves

formas de trabalho que dependem especificamente da matildeo de obra familiar

Destacamos que tal definiccedilatildeo eacute um constructo analiacutetico fundado a partir de

um referencial teoacuterico Isso eacute compreensiacutevel pois diferentes setores sociais a partir das

representaccedilotildees institucionais constroem categorias sociais Logo a categoria

ldquoAgricultura Familiarrdquo foi construiacuteda a partir de concepccedilotildees analiacuteticas e teoacutericas que

servem tanto para determinadas finalidades praacuteticas como para fins de acesso ao creacutedito

rural

Ressalvamos ainda que estes trecircs elementos baacutesicos - gestatildeo propriedade e

trabalho familiar se fazem presentes em todas as definiccedilotildees de Agricultura Familiar

sobretudo na definiccedilatildeo do Pronaf que insere a loacutegica da famiacutelia que tem a gestatildeo sobre

sua propriedade e busca o creacutedito

O Ministeacuterio do Desenvolvimento Agraacuterio (2015) apresenta uma espeacutecie de

passo a passo para o acesso ao Pronaf

O acesso ao Pronaf inicia-se na discussatildeo da famiacutelia sobre a

necessidade do creacutedito seja ele para o custeio da safra ou

atividade agroindustrial seja para o investimento em maacutequinas

equipamentos ou infraestrutura de produccedilatildeo e serviccedilos

agropecuaacuterios ou natildeo agropecuaacuterios Apoacutes a decisatildeo do que

financiar a famiacutelia deve procurar o sindicato rural ou a empresa

de Assistecircncia Teacutecnica e Extensatildeo Rural (Ater) como a

EMATER para obtenccedilatildeo da Declaraccedilatildeo de Aptidatildeo ao Pronaf

(DAP) que seraacute emitida segundo a renda anual e as atividades

exploradas direcionando o agricultor para as linhas especiacuteficas

de creacutedito a que tem direito (MDA)23

23 Disponiacutevel em lthttpwwwmdagovbrsitemdasecretariasaf-creditoruralsobre-o-

programasthashoPkG5KqCdpuff gt Acesso em 14092015

142

O Pronaf eacute apontado por alguns estudiosos da Questatildeo Agraacuteria no Brasil

como um marco da interferecircncia positiva do Estado na agricultura Eacute a partir dele que

ocorre a inclusatildeo da categoria social denominada de agricultores familiares no conjunto

das poliacuteticas puacuteblicas destinadas ao meio rural

Ressaltamos que antes do Pronaf existia o Programa de Valorizaccedilatildeo da

Pequena Produccedilatildeo Rural (Provape) criado em 1994 atraveacutes de uma operaccedilatildeo

financeira executada apenas pelo Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES)

Schneider Mattei e Cazella (2004) concebem que o Provape foi o embriatildeo da

mais importante poliacutetica puacuteblica criada para atender os agricultores familiares Segundo

os mesmos autores ele natildeo obteve os resultados esperados levando-se em consideraccedilatildeo

apenas os recursos que foram aportados Isso pode ser explicado parcialmente pelo fato

de o sistema de creacutedito e financiamento brasileiro natildeo ter sido adequado ao perfil do

puacuteblico para o qual se destinava o Provape

Ainda em conformidade com Schneider Mattei e Cazella (2004) eacute possiacutevel

afirmar que o Provape serviu apenas como ponto de partida para aquela que de fato

viria ser a primeira poliacutetica puacuteblica destinada agrave categoria de agricultores familiares

Em 1995 o Provape passou por uma transformaccedilatildeo tanto no que se refere agrave

concepccedilatildeo de poliacutetica puacuteblica voltada para os agricultores familiares comono que se

refere a sua aacuterea de abrangecircncia

Foram essas modificaccedilotildees acrescidas ao programa Provape que constituiacuteram

em 1996 o Pronaf o que de acordo com Schneider Mattei e Cazella (2004 p 3)

significa dizer que ldquo[] desse ano em diante o programa tem se firmado como a

principal poliacutetica do Governo Federal para os agricultores familiaresrdquo

Esses autores creditam ser o Pronaf uma poliacutetica puacuteblica constituiacuteda como

apoio econocircmico e produtivo para Agricultura Familiar brasileira A partir dele foram

criadas outras como eacute o caso do Programa Nacional de Aquisiccedilatildeo de Alimentos (PAA)

a Lei da Agricultura Familiar o Seguro Rural a nova forma de Assistecircncia Teacutecnica e

Extensatildeo Rural (ATER) e o Programa Nacional de Alimentaccedilatildeo Escolar (PNAE) que

embora jaacute existisse desde 1950 foi reestruturado a partir da criaccedilatildeo do Pronaf

Este inicialmente tinha como propoacutesito atuar em quatro grandes aacutereas 1)

Financiamento no Custeio e Investimento Agriacutecola 2) Fortalecimento de Infra Estrutura

143

rural 3) Negociaccedilatildeo e Articulaccedilatildeo de Poliacuteticas Puacuteblicas e 4) Formaccedilatildeo de Teacutecnicos

Extensionistas e de agricultores familiares

Nos primeiros anos de implantaccedilatildeo do Pronaf os juros para quem acessasse

essa linha de creacutedito para financiamento e investimento era de 12 ao ano o que pode

ser considerado um valor muito alto Esse fato talvez seja uma das principais

justificativas de poucos agricultores familiares terem pleiteado o creacutedito

Por outro lado havia tambeacutem a falta de conhecimento sobre o proacuteprio

programa Segundo Gazola e Schneider (2004) foram vaacuterios os entraves enfrentados

nos primeiros anos de implantaccedilatildeo do Pronaf sendo que dos recursos destinados agraves

safras de 1995-1996a maioria beneficiou agricultores familiares do Sul do paiacutes

sobretudo os produtores de fumo

Mas antes de avanccedilarmos sobre outras questotildees envolvendo o Pronaf eacute

importante analisarmos os muacuteltiplos contextos em que esse programa foi criado

42 O papel dos Movimentos sociais na criaccedilatildeo do Programa Nacional de

Fortalecimento da Agricultura Familiar na deacutecada de 1990

Bianchini (2015 p18) afirma que a deacutecada de 1990 foi sinalizada pela

constituiccedilatildeo de novas estrateacutegias no campo econocircmico sobretudo em relaccedilatildeo aos

aspectos comerciais tecnoloacutegicos financeiros e de investimentos aleacutem de ter sido o

periacuteodo de maior inserccedilatildeo do Brasil na economia internacional

Outra caracteriacutestica desse periacuteodo segundo o mesmo autor foi a criaccedilatildeo do

Mercado Comum do Sul (Mercosul) o qual visava materializar uma maior integraccedilatildeo

entre o Brasil Uruguai Argentina e Paraguai a partir da reduccedilatildeo das tarifas

alfandegaacuterias

O Mercosul alterou tambeacutem a poliacutetica cambial com o objetivo de promover

a expansatildeo das importaccedilotildees e ampliaccedilatildeo dos investimentos internacionais nas aacutereas

agroindustriais Por outro lado restringiu a participaccedilatildeo de cooperativas nesse setor

fortalecendo ainda mais as empresas privadas

A partir da concepccedilatildeo de Bianchini (2015) pode-se afirmar que diante das

novas configuraccedilotildees impostas ao cenaacuterio econocircmico brasileiro assistiu-se no Brasil ao

desmoronamento de um modelo econocircmico em que a base de sustentaccedilatildeo eram os

144

incentivos fiscais concedidos pelo Governo os quais atendiam apenas alguns setores

rurais

O que se vecirc nesse periacuteodo foi a movimentaccedilatildeo dos diferentes atores sociais

De um lado se encontram os grupos detentores de grande capital econocircmico querendo

a qualquer custo atrair a atenccedilatildeo das autoridades poliacuteticas em torno dos interesses do

capital na agricultura e por outro lado a intensificaccedilatildeo nas mobilizaccedilotildees por parte de

outros atores conclamando por uma construccedilatildeo de poliacuteticas diferenciadas para atender a

Agricultura Familiar a realizaccedilatildeo da Reforma Agraacuteria a ampliaccedilatildeo dos direitos dos

trabalhadores rurais e a criaccedilatildeo de um modelo de agricultura fundamentado na

sustentabilidade social e ambiental

Bianchini (2015 p 19) ao se referir ao papel das instituiccedilotildees e organizaccedilatildeo

dos movimentos sociais em defesa da Reforma Agraacuteria constituiacutedos na deacutecada de 1980

assegura que

Nesse cenaacuterio poacutes-crise do modelo agriacutecola a partir dos anos

80 com o teacutermino do regime militar e a promulgaccedilatildeo da

Constituiccedilatildeo de 1988 as organizaccedilotildees de agricultores

empresariais se rearticularam na Confederaccedilatildeo Nacional de

Agricultura (CNA) na Uniatildeo Democraacutetica Ruralista (UDR) e

na Associaccedilatildeo Brasileira do Agronegoacutecio (ABAG) As

organizaccedilotildees de Agricultores Familiares se fortalecem na

Confederaccedilatildeo Nacional dos Trabalhadores na Agricultura

(CONTAG) criam-se novas organizaccedilotildees como o Movimento

dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) a Via Campesina

o Departamento Nacional dos Trabalhadores Rurais da CUT

(DNTR) que daria origem agrave Federaccedilatildeo dos Trabalhadores da

Agricultura Familiar (Fetraf) Surge um novo cenaacuterio novos

embates e estabelece-se um novo arranjo institucional

Em consonacircncia agrave citaccedilatildeo afirmamos que os atores sociais do campo estatildeo

divididos em dois grandes grupos de um lado os grandes proprietaacuterios de terras e

representantes do agronegoacutecio e do outro as populaccedilotildees desprovidas de capital

financeiro representadas pelos trabalhadores rurais pequenos agricultores ribeirinhos e

comunidades tradicionais Esses grupos recorreram agrave organizaccedilatildeo dos Sindicatos a

exemplo daquele dos Trabalhadores ou dos Produtores Rurais e das confederaccedilotildees em

busca da sensibilizaccedilatildeo das autoridades poliacuteticas em torno da defesa de seus interesses

No que se refere aos movimentos sociais dos trabalhadores rurais e pequenos

agricultores natildeo se pode perder de vista que a deacutecada de 1990 foi marcada por intensas

mobilizaccedilotildees desses sujeitos sociais em torno de poliacuteticas puacuteblicas que pudessem

145

viabilizar a melhoria das condiccedilotildees de vida no campo sobretudo no que tange agrave criaccedilatildeo

de um sistema de creacutedito rural e a expansatildeo do programa de distribuiccedilatildeo de terras em

formato diferenciado para atender as especificidades dos pequenos agricultores

Bianchini (2015) considera possiacutevel assegurar que tanto o Provape como o

Pronaf resultaram de accedilotildees e pressotildees dos movimentos sociais que por meio das

diversas manifestaccedilotildees que contribuiacuteram diretamente para a definiccedilatildeo das diretrizes do

Pronaf como eacute o caso do ldquoGrito da Terra Brasilrdquo movimento promovido pela

Confederaccedilatildeo Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG) Federaccedilatildeo dos

Trabalhadores da Agricultura (Fetag) e pelos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais

(STTRs) que em geral reuniram milhares de trabalhadores em seus atos puacuteblicos em

sua grande maioria lideranccedilas dos diversos movimentos ligados agraves questotildees da

Agricultura Familiar Reforma Agraacuteria e de outras bandeiras relacionadas ao universo

dos trabalhadores rurais

Bianchini (2015) indica ainda outro acontecimento que proporcionou maior

visibilidade do debate acerca da luta por uma poliacutetica de creacutedito rural diferenciada e que

fosse capaz de mobilizar a integraccedilatildeo da produccedilatildeo familiar o Seminaacuterio ndash Creacutedito de

Investimento uma luta que vale milhotildees de vidas realizado na cidade Chapecoacute em

Santa Catarina no ano de 2003 sob a organizaccedilatildeo do Foacuterum Sul dos Rurais vinculado agrave

Central Uacutenica dos Trabalhadores - CUT

Esse seminaacuterio teve como funccedilatildeo marcar ldquo[] que o creacutedito seria a bandeira

central do movimento sindical e naquele momento poderia desencadear outras poliacuteticas

ATER Educaccedilatildeo Formaccedilatildeo Profissional Infraestrura e Habitaccedilatildeordquo (BIANCHINI

2015 p 24)

Ainda com base na concepccedilatildeo desse autor pode-se dizer que as discussotildees

provocadas durante o seminaacuterio de Chapecoacute aleacutem de possibilitar um repensar sobre a

questatildeo do creacutedito diferenciado para os pequenos agricultores apontaram tambeacutem

outras possibilidades de conquista no sentido de buscar uma poliacutetica que fosse capaz de

casar o Creacutedito Fundiaacuterio com a Educaccedilatildeo Formaccedilatildeo Profissional Infraestrutura e

Habitaccedilatildeo ldquo[] Esta foi a marca que timbrou a criaccedilatildeo do Pronaf a luta por creacutedito

diferenciado capaz de realizar a reconversatildeo das unidades de produccedilatildeo familiarrdquo

(BIANCHINI 2015 p 24)

146

43 O Pronaf e seus objetivos

O MDA assegura que o objetivo do Programa Nacional de Fortalecimento da

Agricultura Familiar (Pronaf) eacute ldquo[] financiar projetos individuais ou coletivos que

gerem renda aos agricultores familiares e assentados da Reforma Agraacuteria O programa

possui as mais baixas taxas de juros dos financiamentos rurais aleacutem das menores taxas

de inadimplecircncia entre os sistemas de creacutedito do Paiacutes (MDA 2015)rdquo 24

Estamos diante da definiccedilatildeo do oacutergatildeo puacuteblico responsaacutevel por colocar os

ldquoagricultores familiaresrdquo e ldquoassentados de Reforma Agraacuteriardquo enquanto puacuteblico alvo do

programa possibilitando-os ter acesso a creacuteditos com a preacute-condiccedilatildeo de natildeo ter uma

renda maior que R$ 360 mil reais por ano

O agricultor familiar deve avaliar o projeto que pretende

desenvolver Os projetos devem gerar renda aos Agricultores

Familiares e assentados da reforma agraacuteria Podem ser

destinados para o custeio da safra a atividade agroindustrial

seja para investimento em maacutequinas equipamentos ou

infraestrutura A renda bruta anual dos Agricultores Familiares

deve ser de ateacute R$ 360 mil (MDA 2015)25

As diretrizes do MDA que orientam a elaboraccedilatildeo dos projetos de

financiamentos do Pronaf asseguram que os agricultores familiares satildeo os protagonistas

no planejamento das accedilotildees que seratildeo desenvolvidas desde que levem em consideraccedilatildeo

os criteacuterios estabelecidos por cada linha de creacutedito

Segundo o MDA (2015) o Pronaf possui algumas linhas de creacutedito para

atender esse objetivo

bull Pronaf Custeio

-se ao financiamento das atividades agropecuaacuterias e de

beneficiamento ou industrializaccedilatildeo e comercializaccedilatildeo de

produccedilatildeo proacutepria ou de terceiros enquadrados no Pronaf

bull Pronaf Mais Alimentos - Investimento

Destinado ao financiamento da implantaccedilatildeo ampliaccedilatildeo ou

modernizaccedilatildeo da infraestrutura de produccedilatildeo e serviccedilos

agropecuaacuterios ou natildeo agropecuaacuterios no estabelecimento rural

ou em aacutereas comunitaacuterias rurais proacuteximas

bull Pronaf Agroinduacutestria

24Disponiacutevelemlthttpwwwmdagovbrsitemdasecretariasaf-creditoruralsobre-o-

rogramasthashoPkG5KqCdpuf gt Acesso em 14092015 25

Disponiacutevelemlt httpwwwmdagovbrsitemdasecretariasaf-creditoruralcomo-funciona-o-

pronafsthashJ7csT8kgdpuff gt Acesso em 14092015

147

Linha para o financiamento de investimentos inclusive em

infraestrutura que visam o beneficiamento o processamento e a

comercializaccedilatildeo da produccedilatildeo agropecuaacuteria e natildeo agropecuaacuteria

de produtos florestais e do extrativismo ou de produtos

artesanais e a exploraccedilatildeo de turismo rural

bull Pronaf Agroecologia

Linha para o financiamento de investimentos dos sistemas de

produccedilatildeo agroecoloacutegicos ou orgacircnicos incluindo-se os custos

relativos agrave implantaccedilatildeo e manutenccedilatildeo do empreendimento

bull Pronaf Eco

Linha para o financiamento de investimentos em teacutecnicas que

minimizam o impacto da atividade rural ao meio ambiente bem

como permitam ao agricultor melhor conviacutevio com o bioma em

que sua propriedade estaacute inserida

bull Pronaf Floresta

Financiamento de investimentos em projetos para sistemas

agroflorestais exploraccedilatildeo Destina extrativista ecologicamente

sustentaacutevel plano de manejo florestal recomposiccedilatildeo e

manutenccedilatildeo de aacutereas de preservaccedilatildeo permanente e reserva legal

e recuperaccedilatildeo de aacutereas degradadas

bull Pronaf Semiaacuterido

Linha para o financiamento de investimentos em projetos de

convivecircncia com o semi-aacuterido focados na sustentabilidade dos

agroecossistemas priorizando infraestrutura hiacutedrica e

implantaccedilatildeo ampliaccedilatildeo recuperaccedilatildeo ou modernizaccedilatildeo das

demais infraestruturas inclusive aquelas relacionadas com

projetos de produccedilatildeo e serviccedilos agropecuaacuterios e natildeo

agropecuaacuterios de acordo com a realidade das famiacutelias

agricultoras da regiatildeo Semiaacuterida

bull Pronaf Mulher

Linha para o financiamento de investimentos de propostas de

creacutedito para a mulher agricultora

bull Pronaf Jovem

Financiamento de investimentos de propostas de creacutedito para

jovens agricultores e agricultoras

bull Pronaf Custeio e Comercializaccedilatildeo de Agroinduacutestrias

Familiares

Destinada aos agricultores e suas cooperativas ou associaccedilotildees

para que financiem as necessidades de custeio do

beneficiamento e industrializaccedilatildeo da produccedilatildeo proacutepria eou de

terceiros

bull Pronaf Cota-Parte

Financiamento de investimentos para a integralizaccedilatildeo de cotas-

partes dos Agricultores Familiares filiados a cooperativas de

produccedilatildeo ou para aplicaccedilatildeo em capital de giro custeio ou

investimento

bull Microcreacutedito Rural

Destinado aos agricultores de mais baixa renda permite o

financiamento das atividades agropecuaacuterias e natildeo

agropecuaacuterias podendo os creacuteditos cobrirem qualquer demanda

que possa gerar renda para a famiacutelia atendida Creacuteditos para

Agricultores Familiares enquadrados no Grupo B e agricultoras

148

integrantes das unidades familiares de produccedilatildeo enquadradas

nos Grupos A ou AC26

Ainda para o MDA (2015) o creacutedito do Pronaf eacute operacionalizado pelos

agentes financeiros que compotildeem o Sistema Nacional de Creacutedito Rural (SNCR) os

quais estatildeo agrupados pelas unidades financeiras (Banco do Brasil Banco do

Nordeste e Banco da Amazocircnia) vinculadas aos (BNDES Bancoob Bansicredi e

associados agrave Federaccedilatildeo Brasileira de Bancos (Febraban)

A partir dessas opccedilotildees de creacutedito o nuacutemero de agricultores familiares que

tem aderido ao programa aumentou bem como a abrangecircncia do Pronaf no Brasil

Segundo dados do MDA (2015)

As contrataccedilotildees do Creacutedito ndash Pronaf apresentam crescimento

sustentado ao longo dos anos Em 19992000 o Pronaf abrangia

3403 municiacutepios passando para 4539 no ano seguinte o que

representou um aumento de 33 na cobertura de municiacutepios

ou seja a ampliaccedilatildeo de mais de 1100 municiacutepios em apenas

um ano A ampliaccedilatildeo de municiacutepios atendidos continuou em

cada ano agriacutecola sendo que em 20052006 houve a inserccedilatildeo de

quase 1960 municiacutepios em relaccedilatildeo agrave 19992000 Em

20072008 foram atendidos 5379 municiacutepios o que

representou um crescimento de 58 em relaccedilatildeo agrave 19992000

com a inserccedilatildeo de 1976 municiacutepios27

Portanto atraveacutes desses dados oficiais sobre o Pronaf foi possiacutevel identificar

seus objetivos e o que ele considera como caracteriacutestica de sua efetivaccedilatildeo e ampliaccedilatildeo

Cruzando os dados do Araguaia mato-grossense e aqueles dos assentamentos

rurais pesquisados com os dados oficiais obtivemos uma noccedilatildeo das implicaccedilotildees dos

investimentos do Pronaf no local sobretudo no que se refere ao municiacutepio de Vila Rica-

MT uma vez que eacute onde estatildeo localizados os assentamentos rurais analisados nesta

pesquisa

44 O Pronaf no espaccedilo do Araguaia Mato-grossense

26 Disponiacutevel em lthttpwwwmdagovbrsitemdasecretariasaf-creditorurallinhas-de-

crC3A9ditosthashupVEXpBldpufgt Acesso em 14092015 27

Disponiacutevel em lthttpwwwmdagovbrsitemdasecretariasaf-

creditoruralevoluC3A7C3A3o-do-pronafgt Acesso em 14092015

149

Em 2006 foi produzido um diagnoacutestico pela equipe teacutecnica do Territoacuterio da

Cidadania do MDA com o objetivo de elaborar o Plano Territorial de Desenvolvimento

Rural Sustentaacutevel do Araguaia mato-grossense ocasiatildeo em que foi constituiacutedo um

banco de dados sobre a situaccedilatildeo dos assentamentos rurais da aacuterea tomando como

referecircncia o perfil socioeconocircmico de cada assentamento rural e utilizando diversas

estrateacutegias e fontes documentais para constituiacute-lo

Analisando os dados do diagnoacutestico produzido pelo MDA constatamos que a

Agricultura Familiar possui um lugar de destaque no desenvolvimento socioeconocircmico

do Norte Araguaia

Paret (2012) informa existir 85 assentamentos rurais constituiacutedos no territoacuterio

Araguaia-Xingu sendo que 25 deles estatildeo localizados no municiacutepio de Confresa-MT

Os demais estatildeo distribuiacutedos entre os outros municiacutepios com destaque para Ribeiratildeo

Cascalheira Satildeo Feacutelix do Araguaia e Aacutegua Boa28

Ao todo satildeo 22328 famiacutelias assentadas numa aacuterea que corresponde apenas

a 8 da dimensatildeo territorial denominada por Paret (2012) como Araguaia-Xingu Nesse

mesmo sentido Barrozo (2009 p 96) avalia que

Os assentamentos rurais do Araguaia se caracterizam pela a

criaccedilatildeo de gado e pela baixa produccedilatildeo de alimentos Em quase

todos os assentamentos dos municiacutepios de Santa Terezinha

Vila Rica-MT Satildeo Joseacute e Santa Cruz do Xingu Confresa Porto

Alegre Canabrava Satildeo Feacutelix do Araguaia os assentados do

Araguaia tecircm como principal atividade econocircmica do lote a

criaccedilatildeo de gado bovino

Considerando o que Barrozo (2009) e Paret (2012) e os dados contidos no

relatoacuterio do MDATerritoacuterio da Cidadania (2006) dizem afirmamos que a pecuaacuteria eacute

tida como a principal fonte de renda dos assentados dessa aacuterea Aleacutem da venda dos

bezerros os agricultores familiares vendem tambeacutem leite para os pequenos laticiacutenios

que ficam espalhados pela aacuterea

Essa produccedilatildeo se tornou viaacutevel por um conjunto de fatores que vatildeo desde a

instalaccedilatildeo de energia eleacutetrica que possibilitou que o produto pudesse ser armazenado

em tanques resfriadores passando pelo fomento do Pronaf ateacute a instalaccedilatildeo de laticiacutenios

na aacuterea que absorvem a produccedilatildeo regional

28 Destacamos que dos 14 municiacutepios que compotildeem o territoacuterio denominado por Paret (2012)

como Araguaia Xingu apenas Luciara natildeo possui assentamentos rurais Rural (INCRA 2015)

150

A partir dos dados destacados pelos autores e pela descriccedilatildeo feita pelo o

Instituto de Defesa Agropecuaacuteria de Mato Grosso - Indea (2015)29

percebe-se que nos

uacuteltimos anos houve um crescimento notaacutevel da criaccedilatildeo de gado leiteiro nessa aacuterea

Essa situaccedilatildeo serve como justificativa ao fato de haver nos assentamentos rurais do

Araguaia uma aacuterea maior destinada agraves pastagens e uma menor concentraccedilatildeo de

atividades voltadas para o cultivo de pomares hortas agricultura e outras atividades

econocircmicas

O Araguaia Mato-grossense atualmente possui como principais cadeias

produtivas a pecuaacuteria e a soja Percebe-se que a Agricultura Familiar tambeacutem estaacute

inclusa nesse modelo de produccedilatildeo no entanto Paret (2012 p 53) faz uma ressalva em

relaccedilatildeo agrave ela uma vez que esta ldquo[] apresenta uma maior diversidade produtiva que vai

desde a horta a todo tipo de plantaccedilatildeo de frutas (plantadas ou do extrativismo)

tubeacuterculos mel ovos pequenos animais leite entre outros []rdquo

As atividades agriacutecolas nos assentamentos rurais do Araguaia Mato-

grossense foram estudadas por Barrozo (2009 p 99) para quem embora os assentados

atribuam uma grande importacircncia agrave criaccedilatildeo de gado tambeacutem cultivam roccedilas visando o

auto-sustento da famiacutelia ldquo[] Os principais produtos cultivados em quase todos os

assentamentos satildeo a mandioca o milho o arroz e a canardquo

Ainda em conformidade com Barrozo (2009) natildeo existem grandes pomares

com diversidade de frutas cuja produccedilatildeo tenha a finalidade de comercializaccedilatildeo mas

satildeo encontradas em muitos assentamentos pequenas produccedilotildees frutiacuteferas de manga

banana abacaxi goiaba caju tamarindo limatildeo pequi etc

Esse quadro de produccedilatildeo agriacutecola apresentado pelo mesmo autor foi

constatado tambeacutem no relatoacuterio do MDATerritoacuterio da Cidadania (2006 p 33) segundo

o qual as atividades agriacutecolas no espaccedilo do Araguaia Mato-Grossense satildeo assim

descritas

Dentre as culturas produzidas destacam-se a mandioca o arroz

o milho e o abacaxi presentes em praticamente todo o territoacuterio

e tambeacutem direcionadas ao mercado local e principalmente para

o autoconsumo [] Estas atividades constituem-se em

iniciativas particulares e natildeo reflete de forma real a situaccedilatildeo de

grande parte dos agricultores do territoacuterio

29Disponiacutevel em lthttpwwwterritoriosdacidadaniagovbrdotlrnclubsterritriosruraisone-

community gtAcesso em 02052015

151

Quanto agrave implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas direcionadas aos

assentamentos rurais Paret (2012 p 53) verificou a existecircncia de grandes obstaacuteculos

enfrentados pelos agricultores familiares a exemplo das dificuldades em acessar tanto

os recursos do Pronaf quanto de outros programas considerados de apoio como eacute o caso

do Programa Nacional de Aquisiccedilatildeo de Alimentos (PNAA) e do Programa Nacional de

Alimentaccedilatildeo Escolar (PNAE)

Os entraves ocorridos durante o processo de implementaccedilatildeo das poliacuteticas

puacuteblicas nos assentamentos rurais no Araguaia Mato-grossense sobretudo no caso do

Pronaf foram percebidos por Barrozo (2009 p 96) em pesquisa realizada para o

Ministeacuterio do Meio Ambiente (MMA) atraveacutes do programa GESTAR O autor escreve

que durante suas visitas aos assentamentos rurais era bastante comum os agricultores

familiares exporem suas insatisfaccedilotildees tanto com a atuaccedilatildeo dos teacutecnicos do INCRA

quanto com as condiccedilotildees impostas no processo de adesatildeo ao Pronaf Nesse sentido

descreve

[] os assentados reclamam do Pronaf que seria um pacote

fechado exigindo que o recurso seja em horas maacutequinas para

preparar a terra para a lavoura com a indicaccedilatildeo da empresa para

prestar serviccedilo e compra de ferramentas com indicaccedilatildeo da loja

As vacas leiteiras de qualidade ruim para leite custam R$

60000 cada uma tendo que comprar de criador indicado

Alguns assentados fazem acusaccedilotildees de que eacute feito um desconto

do Pronaf corresponde ao um percentual do financiamento que

seria destinado agrave assistecircncia teacutecnica Os teacutecnicos dizem que natildeo

podem se deslocar por falta de veiacuteculos ou de combustiacutevel

Percebemos uma insatisfaccedilatildeo de assentados quanto agraves restriccedilotildees e imposiccedilotildees

burocraacuteticas do Pronaf que retiram dos mesmos a autonomia de escolher locais raccedilas

de animais e marcas de produtos adquiridos com a verba do programa adiciona-se a

preocupaccedilatildeo com a extensatildeo teacutecnica que enfrenta dificuldades financeiras e de

logiacutestica

Na mesma oacutetica Paret (2012 p 53) avalia os problemas enfrentados pelos

agricultores familiares no acesso aos recursos do Pronaf e agrave atuaccedilatildeo do Incra ldquo[] do

ponto de vista institucional a conduccedilatildeo da Reforma Agraacuteria pelo Incra eacute marcada por

longas demoras na resoluccedilatildeo de processos e inuacutemeros casos de corrupccedilatildeordquo

Paret (2012) aborda ainda outra situaccedilatildeo que dificulta o desenvolvimento dos

assentamentos rurais do Araguaia Mato-grossense qual seja o fato de muitos

152

agricultores familiares natildeo terem recebido os creacuteditos moradia e a inexistecircncia de uma

assistecircncia teacutecnica mais efetiva

Os graacuteficos apresentado na Figura 17 e seguinte apresentam criteacuterios de

distribuiccedilatildeo e investimento dos recursos do Programa Nacional de Agricultura Familiar

nos assentamentos rurais

Figura 17 Graacutefico com dados da evoluccedilatildeo dos creacuteditos Pronaf

Fonte Paret 2012 (p 30)

Figura 18 Graacutefico com dados da distribuiccedilatildeo dos creacuteditos Pronaf

Fonte Paret 2012 (p 33)

153

Os dados dispostos nos das figuras 17 e 18 indicam que nos assentamentos

rurais no Araguaia mato-grossense a deacutecada de 2000 foi destaque na evoluccedilatildeo do

percentual de investimento de recursos pelo Pronaf

Percebemos uma oscilaccedilatildeo no volume de recursos na deacutecada de 2000 sendo

que nos anos de 2003 e 2004 apresentaram crescimento Em 2008 a 2010 aumentou

novamente o percentual de recursos disponibilizados com aumento daqueles destinados

agrave pecuaacuteria sobretudo em 2010 quando superaram os investimentos destinados agrave

agricultura

Quando se observam os dados indicados na Figura 18 percebe-se que entre

os onze municiacutepios apresentados como Araguaia Xingu o municiacutepio de Vila Rica-MT

em comparaccedilatildeo aos demais praticamente natildeo recebeu recursos do Pronaf destinados agrave

agricultura sobressaindo apenas os destinados agrave linha de creacutedito direcionada para a

pecuaacuteria

Nesse sentido Lima e Noacutebrega (2009) reforccedilam que os financiamentos

efetivados a partir de 1999 no municiacutepio de Vila Rica-MT foram direcionados para

agropecuaacuteria Em 2007 100 dos financiamentos do municiacutepio foram direcionados

somente agrave pecuaacuteria somando um total de 86 milhotildees de reais em investimentos

Lima e Noacutebrega (2009 12) afirmam ainda que

Entre 1996 e 2006 a aacuterea de pastagens aumentou em cerca de 50

mil hectares e o aumento do nuacutemero de cabeccedilas de gado mais

do que triplicou chegando em 2006 a quase 650 mil cabeccedilas A

densidade de cabeccedilas de gado por hectare passou de 08 para

21 um aumento bem acentuado Entre 2000 e 2007 as aacutereas

das lavouras de milho dobraram de tamanho [] existem dados

controversos no censo 2006 que indica mais de 150 mil hectares

de aacutereas de lavouras no entanto no ano de 2007 natildeo havia

muito mais do que 10mil hectares plantados somando todas as

culturas provavelmente muitas destas aacutereas de lavouras estatildeo

abandonadas

Para esses autores o aumento expressivo da pecuaacuteria em Vila Rica-MT nos

uacuteltimos anos pode ter contribuiacutedo para a reduccedilatildeo do desmatamento no municiacutepio em

funccedilatildeo ateacute mesmo do volume de recursos injetados o que justifica o desenvolvimento

das atividades ligadas agrave pecuaacuteria enquanto a agricultura praticamente ficou estagnada

entre o periacuteodo de 2000 a 2007

154

Desse modo concluiacutemos que mesmo havendo entraves na execuccedilatildeo do

Pronaf ele gerou impactos significativos no que se refere ao desenvolvimento

econocircmico do Araguaia colocando os assentamentos rurais na condiccedilatildeo de

protagonistas na geraccedilatildeo de renda sendo a pecuaacuteria a principal atividade econocircmica

45 O Pronaf nos assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati

Consideramos pertinente uma anaacutelise acerca dos efeitos do Pronaf nos

assentamentos rurais de Vila Rica-MT visando identificar os impactos desse programa

no desenvolvimento socioeconocircmico local Destacamos que embora haja oito

assentamentos rurais a pesquisa tomou como paracircmetro apenas os recursos aportados

pelos agricultores familiares dos assentamentos rurais de Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e

Aracati

Ao escolhecirc-los tomados aqui como objeto de anaacutelise dos resultados das

poliacuteticas puacuteblicas direcionadas aos Assentados da Reforma Agraacuteria do municiacutepio de

Vila Rica levou-se em consideraccedilatildeo o fato de terem sido contemplados com o

Programa de Assessoria Teacutecnica Social e Ambiental agrave Reforma Agraacuteria- Ates no ano

de 2006 como ilustra a Tabela a seguir

Tabela 37 Creacutedito Rural - nordm de Famiacutelia

Fonte EMPAER 2010

A Tabela 37 demonstra que mais de 90 dos agricultores familiares

participantes da pesquisa tiveram acesso ao Pronaf Os assentamentos Satildeo Joseacute e Ipecirc

foram os mais beneficiados porque possuem o maior nuacutemero de assentados Outra

questatildeo que nos chamou a atenccedilatildeo em relaccedilatildeo ao acesso ao credito eacute o iacutendice de

inadimplecircncia que natildeo chega a 1

Creacutedito RuralPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracat

i

Total

Usam o creacutedito rural 96 18 72 22 20

8

Natildeo usam por

Inadimplecircncia

0 0 2 0 2

Natildeo usam por outros

Motivos

8 3 5 3 19

155

Tabela 38 Finalidade do Creacutedito Rural - nordm de Famiacutelias

Finalidade creacutedito

PA

S Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total

Custeio agriacutecola 10 3 12 3 28

Custeio pecuaacuterio 91 13 69 17 190

Investimento agriacutecola 2 0 3 0 5

Investimento pecuaacuterio 68 11 51 19 149

Agroinduacutestria 0 1 0 0 1

Fonte EMPAER 2010

As informaccedilotildees contidas na Tabela 38 confirmam o que jaacute foi apresentado

nos Graacuteficos 01 e 02 e Figuras 17 e 18 em que os investimentos dos recursos do Pronaf

nas atividades agriacutecolas natildeo chegaram a 10 dos que tomaram o creacutedito enquanto que

somando o valor destinado ao custeio e ao investimento na pecuaacuteria atingiu 908

Poreacutem apenas 03 desses recursos foram aplicados nas atividades agroindustriais

Tabela 39 Tipo de Pronaf por nuacutemero de Famiacutelias

Finalidade Creacutedito Rural S Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total

Pronaf A 95 17 71 20 203

Pronaf AC 65 12 60 15 152

Outros tipos de Pronaf 5 2 4 1 12

Fonte EMPAER 2010

Na Tabela 39 que trata da tipologia das linhas de creacutedito do Pronaf

constatamos o que jaacute foi evidenciado pela tabela anterior Observamos que 203 famiacutelias

dos assentamentos rurais pesquisados acessaram o Pronaf A destinado agraves atividades de

investimentos ampliaccedilatildeo ou modernizaccedilatildeo da estrutura de produccedilatildeo beneficiamento e

serviccedilos nas propriedades enquanto 152 famiacutelias acessaram o Pronaf AC cujo creacutedito

destina-se ao custeio das atividades de agropecuaacuteria ou natildeo agropecuaacuterias Somente 12

famiacutelias foram beneficiadas por outras modalidades de Pronaf

46 Outras Poliacuteticas Puacuteblicas nos assentamentos Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e

Aracati

156

461 Programa Luz para todos

Ao discutirmos os impactos das poliacuteticas Puacuteblicas precisamos analisar os

efeitos da instalaccedilatildeo da rede eleacutetrica nos assentamentos rurais - Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel

Ipecirc e Aracati - a partir da implantaccedilatildeo do Programa Luz Para Todos instituiacutedo pelo

Decreto 4873 de novembro de 2003 com o objetivo de garantir o acesso agrave energia

eleacutetrica a dez milhotildees de pessoas que viviam no campo no periacuteodo de 5 anos ou seja de

2003 a 2008 Foi o mesmo elaborado e executado atraveacutes de parceria entre o Ministeacuterio

de Minas e Energia Eletrobraacutes concessionaacuterias e cooperativas de eletrificaccedilatildeo rural As

accedilotildees deveriam ser feitas em regime de cooperaccedilatildeo entre os Governos Municipais

Estaduais e Federal

A intenccedilatildeo inicial era superar a ldquoexclusatildeo eleacutetricardquo conforme descrito em

uma reportagem feita pelo Ministeacuterio de Minas e Energia (MME) no portal da empresa

Furna30

(2015 p 1)

[] O mapa da exclusatildeo eleacutetrica no paiacutes revela que as famiacutelias

sem acesso agrave energia estatildeo majoritariamente nas localidades de

menor Iacutendice de Desenvolvimento Humano e nas famiacutelias de

baixa renda Cerca de 90 delas tecircm renda inferior a trecircs

salaacuterios-miacutenimos [] Para por fim a essa realidade o governo

definiu como objetivo que a energia seja um vetor de

desenvolvimento social e econocircmico dessas comunidades

contribuindo para a reduccedilatildeo da pobreza e aumento da renda

familiar

Para o Ministeacuterio de Minas e Energia (2015 p 1) ldquo[] a chegada da energia

eleacutetrica facilita a integraccedilatildeo dos programas sociais do Governo Federal aleacutem do acesso

a serviccedilos de sauacutede educaccedilatildeo abastecimento de aacutegua e saneamentordquo E como o nuacutemero

de pessoas que viviam sem energia eleacutetrica era bem superior agrave estimativa feita pelo

Governo Federal houve a necessidade de ampliar o periacuteodo para a execuccedilatildeo do

Programa Luz Para Todos o qual foi reformulado e estendido ateacute dezembro de 2014

ldquo[] Com a publicaccedilatildeo do Censo de 2010 pelo IBGE veio agrave informaccedilatildeo de que ainda

existiam na zona rural brasileira 715939 famiacutelias sem energiardquo (MME 2015 p 1)

30Furnas eacute uma empresa de economia mista subsidiaacuteria da Eletrobraacutes e vinculada ao Ministeacuterio de

Minas e Energia dedicada a geraccedilatildeo e transmissatildeo de energia eleacutetrica

DisponiacutevellthttpwwwfurnascombrfrmEMQuemSomosgt Acesso em 10102015

157

Nesta mesma acepccedilatildeo quando comparado com os assentamentos rurais

pesquisados em Vila Rica- MT um dos agricultores familiares entrevistado disse

[] A questatildeo da energia melhorou as condiccedilotildees de vida nos

assentamentos assim no sentido de possibilitar a compra de

uma televisatildeo uma geladeira um freezer um aparelho de som

Agora eacute o que eu sempre digo o foco do programa natildeo eacute esse

a ideia eacute melhorar as condiccedilotildees de trabalho para aumentar a

produccedilatildeo da Agricultura Familiar natildeo digo que o Programa

Luz Para Todos natildeo era comprar essas coisas de

eletrodomeacutesticos ateacute porque esses eletrodomeacutesticos nos

possibilitam viver com um pouco de conforto isso melhora a

nossa vida tambeacutem Poreacutem o Luz Para Todos visava melhorar

a produccedilatildeo e foi o que muitos assentados compraram

maacutequinas de ralar mandioca bomba da aacutegua para fazer

irrigaccedilatildeo ordenhadeira (maacutequina de tirar leite de vaca)

triturador de raccedilatildeo a proacutepria geladeira e o freezer pois

possibilita armazenar os alimentos confeccionados pelos

agricultores como eacute o caso do queijo linguiccedila polpas de

frutas e tantos outros produtos que estatildeo sendo vendidos na

feira nos mercados e em outros lugares Outro setor que tem

ganhado bastante com a implantaccedilatildeo do Programa Luz Para

Todos eacute aacuterea do comeacutercio e da manutenccedilatildeoconserto de

eletrodomeacutestico (ENTREVISTA com Gilmar agricultor

familiar e secretaacuterio de agricultura do municiacutepio de Vila Rica

realizada pela autora em marccedilo de 2015)

Em conformidade com o relato a implementaccedilatildeo do Programa Luz Para

Todos nos assentamentos rurais de Vila Rica-MT possui um significado muito aleacutem da

entrada dos agricultores familiares nesse novo modelo de produccedilatildeo social e cultural

facilitando a inclusatildeo desses sujeitos histoacutericos na sociedade da Informaccedilatildeo e da

Comunicaccedilatildeo proporcionada pelos recursos midiaacuteticos

Os efeitos da eletricidade nesses assentamentos refletiu diretamente no

aumento da produtividade na Agricultura Familiar o que poderaacute ser mais um fator de

melhoria da renda das famiacutelias assentadas e ao mesmo tempo possibilitaraacute o

aquecimento da economia local

Ressaltamos ainda que a energia eleacutetrica advinda do Programa Luz Para

Todos produz efeitos positivos para a Educaccedilatildeo do campo possibilitando a ampliaccedilatildeo

dos tempos e modos de organizaccedilatildeo pedagoacutegica das escolas que passaram a ofertar

aulas no periacuteodo noturno sem falar nos artifiacutecios do ensino e da aprendizagem uma vez

fortalecido com a inserccedilatildeo das tecnologias da Informaccedilatildeo e Comunicaccedilatildeo Conforme

relata um dos assentados entrevistado

158

Depois que instalou energia melhorou ateacute pra escola pois

agora os filhos dos assentados estatildeo tendo uma educaccedilatildeo

melhor ateacute o ambiente melhorou pois tem ventilador algumas

escolas tecircm ar condicionado Todas tecircm geladeira freezer

bebedor com aacutegua gelada Assim agora podem ateacute as pessoas

mais velhas que soacute podem estudar no periacuteodo da noite teratildeo

oportunidade de ir pra escola O que eacute complicado em relaccedilatildeo

agrave energia no campo eacute que se a gente natildeo souber controlar o uso

da energia potencializar eletricidade para melhorar a

produtividade e a renda das famiacutelias assentadas chegaraacute o

final do mecircs teratildeo o prejuiacutezo conta de energia para pagar Tem

assentado que possui dificuldade para pagar a conta de energia

todo mecircs Mas por outro lado os assentados que deixavam de

vender seus produtos porque eram pouquinhos ajuda agora

porque com a geladeira o freezer vai fazendo e guardando

hoje congela uma linguiccedila um queijo guardam um doce ovos

E depois traacutes junta tudo e traacutes para vender na cidade No caso

ajudou porque eu mexo com polpas de frutas a minha maior

fonte de renda eacute essa Entatildeo eu vou juntando do meu siacutetio e

compro de outros assentados (ENTREVISTA com Ivanir Galo

assentado e presidente do STR de Vila Rica- MT realizada pela

autora em marccedilo de 2015)

O relato acima chama atenccedilatildeo para o papel que a eletricidade assumiu no

desenvolvimento da economia dos assentamentos rurais de Vila Rica uma vez que ela

possibilitou tambeacutem o armazenamento e conservaccedilatildeo dos produtos de ldquofabricaccedilatildeo

caseirardquo Desse modo o entrevistado reconheceu que alguns assentados encontravam

dificuldade para quitar a conta de energia mas o destaque dado na narrativa eacute para as

possibilidades de ampliaccedilatildeo da renda dos agricultores familiares a partir do uso dos

equipamentos tecnoloacutegicos

462 Arco Verde e a questatildeo ambiental

Em conformidade as anaacutelises apontadas no Capiacutetulo III a questatildeo ambiental

constituiu e constitui ainda um dos gargalos vivenciados nos assentamentos rurais do

municiacutepio de Vila Rica-MT visto o alto iacutendice de degradaccedilatildeo das aacutereas de pastagens

nascentes e vegetaccedilatildeo nativa

Essa situaccedilatildeo eacute causada por diversos fatores No entanto a poliacutetica de incentivo

agrave pecuaacuteria bovina por sua vez tem gerado certa sonolecircncia nas praacuteticas de degradaccedilatildeo

ambiental embora em muitos casos tenha inviabilizado a sustentabilidade da

159

produccedilatildeo deixando o caminho livre ao esvaziamento venda e arrendamento dos lotes

para a produccedilatildeo de soja

Por outro lado as atividades ligadas agrave extraccedilatildeo madeireira pouco contribuiacuteram

para o desenvolvimento econocircmico do municiacutepio Nesse quadro os assentamentos

rurais foram os lugares onde mais foram praticados desmatamentos

Tal situaccedilatildeo nos assentamentos rurais eacute relatada pelo Secretaacuterio Municipal

de Vila Rica-MT o qual afirma terem eles provocado seacuterios problemas ao ponto de

demandar uma accedilatildeo de intervenccedilatildeo por parte Poder Puacuteblico atraveacutes de uma integraccedilatildeo

entre oacutergatildeos dos Governos Federal Estadual e Municipal que se viram obrigados a

tomar medidas de puniccedilatildeo entre outras

[] Os municiacutepios que foram enquadrados na eacutepoca na

verdade eles entraram no Arco de Fogo Os municiacutepios que

mais desmatavam na microrregiatildeo norte Araguaia eram Vila

Rica-MT Querecircncia e Satildeo Feacutelix esses municiacutepios tiveram ser

punidos (pelo Governo Federal) deixando de receber recursos

que eram liberados antes como eacute o caso do Pronaf e outros

recursos foram bloqueados entatildeo houve um bloqueio de

recurso pra esses municiacutepios soacute que aiacute em vez de resolver o

problema veio trazer mais problema porque gerou um caos

sem os recursos como que os assentados iam trabalhar para

produzir o sustento das suas famiacutelias [] aiacute foi criado um

Programa chamado Arco Verde que era para trabalhar mais a

questatildeo de recuperar parte dos prejuiacutezos causados a natureza

onde cada municiacutepio assumiu uma agenda de compromisso

juntamente com os trecircs entes federal estadual e municipal

todos os segmentos assumiram a sua responsabilidade e o

municiacutepio (ENTREVISTA com Gilmar agricultor familiar e

secretaacuterio municipal de agricultura de Vila Rica-MT realizada

pela autora em marccedilo de 2015)

Segundo informaccedilotildees disponibilizadas pelo Secretaacuterio Municipal de

Agricultura e pelo presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT-

MT vaacuterios municiacutepios do estado de Mato Grosso foram convocados para desenvolver

accedilotildees com o objetivo de combater o alto iacutendice de queimada e desmatamento atraveacutes

do Programa do Governo Federal Arco de Foco No caso do Araguaia os municiacutepios

que foram enquadrados na eacutepoca foram Vila Rica-MT Querecircncia e Satildeo Feacutelix do

Araguaia Esses municiacutepios tiveram suspensos alguns dos recursos do Governo Federal

os quais foram bloqueados entre outras linhas de creacutedito do Pronaf - Programa de

Apoio agrave Agricultura Familiar

160

O secretaacuterio municipal de agricultura do municiacutepio de Vila Rica-MT alertou

em seu relato para a questatildeo das queimadas e do compromisso de desmatamento zero

assumido pelo municiacutepio

[] e o municiacutepio de Vila Rica-MT assumiu a responsabilidade

de desmatamento zero poreacutem dentro dos assentamentos eacute

loacutegico diminuiu 95 mas agente enfrentou e ainda enfrenta

alguns problemas com desmatamento dentro dos

assentamentos mas aiacute jaacute natildeo eacute falta de informaccedilatildeo porque

informaccedilatildeo sempre tem o problema eacute que alguns produtores

acham que por ser uma aacuterea do governo federal ele natildeo seraacute

penalizado punido e multado por ser assentado e por isso

teimam Mas com a questatildeo do CAR e do Geo que o tiacutetulo seraacute

perante o laudo todos teratildeo que recuperar soacute que com esse

novo Coacutedigo Florestal ele amenizou isso bastante os

produtores que tecircm ateacute quatro moacutedulos fiscais satildeo a maioria

aqui na Vila Rica-MT os que tecircm a propriedade muito pequena

natildeo precisam de reservas legais desde que aacuterea jaacute esteja

consolidada jaacute aberta e tudo mais ateacute Julho de 2008 entatildeo

daiacute pra frente quem desmatou vai ser descoberto atraveacutes de

uma imagem sateacutelite eles seraacute identificado entatildeo eacute assim eles

natildeo foram penalizados ainda mas seratildeo (ENTREVISTA com

Gilmar agricultor familiar e secretaacuterio municipal de agricultura

de Vila Rica-MT realizada pela autora em marccedilo de 2015)

Diante do bloqueio dos recursos o Poder Puacuteblico sobretudo o municipal

bem como o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT tiveram que

desenvolver accedilotildees que mobilizassem os assentados para que atuassem no sentido de

erradicar as derrubadas e queimadas em Vila Rica-MT

Como o Programa Arco de Fogo natildeo obteve ecircxito foi criado outro programa

denominado Arco Verde o qual visava a intensificaccedilatildeo dos trabalhos voltados mais

para a questatildeo da recuperaccedilatildeo de parte dos prejuiacutezos causados agrave natureza Cada

municiacutepio assumiu uma agenda de compromisso responsabilizando-se juntamente com

o ente federal e estadual onde iriam atuar para erradicar as praacuteticas de queimadas nas

aacutereas de assentamentos rurais

463 Programa Balde Cheio

Quando o Programa denominado como ldquoBalde Cheiordquo foi implantado em

Mato Grosso houve a alegaccedilatildeo de que ele gerara resultados positivos em 12 Estados do

161

Brasil Este programa resultou de pesquisas desenvolvidas pela Empresa Brasileira de

Pesquisa Agropecuaacuteria Embrapa

Em Mato Grosso o projeto foi integrado ao Programa Estadual da Cadeia do

Leite considerando que o objetivo do Estado era aumentar a produccedilatildeo de leite nas aacutereas

de assentamentos rurais

[] Mato Grosso possui 150 mil pequenos proprietaacuterios a

maioria dedicando-se ao leite A meta eacute aumentar a produccedilatildeo

mato-grossense dos atuais 16 milhatildeo de litros diaacuterios para

cinco milhotildees de litros por dia Fernando Lamas ressalta que

esse aumento seraacute alcanccedilado por meio do aumento de

produtividade ldquosem expansatildeo de aacutereas e sem derrubar uma soacute

aacutervorerdquo

[] O trabalho das duas unidades da Embrapa contaraacute com a

parceria do Ministeacuterio da Agricultura Pecuaacuteria e

Abastecimento (Mapa) e do Governo de Mato Grosso que

arcaratildeo com a maior parte dos custos [] (EMBRAPA 2015

p 1)31

Segundo informaccedilotildees disponibilizadas no portal da Secretaria de Estado de

Agricultura de Mato Grosso participaram do processo de execuccedilatildeo do Programa a

Empresa Mato-Grossense de Pesquisa Assistecircncia e Extensatildeo Rural ndash Empaer o

Instituto de Defesa Agropecuaacuteria - Indea as prefeituras e as empresas em sistema de

cooperativa dos municiacutepios que aderiram ao Projeto Balde Cheio

Esse conjunto de teacutecnicas eacute complementado com o uso de

planilhas de controle zooteacutecnico e econocircmico a utilizaccedilatildeo de

um quadro dinacircmico de controle reprodutivo de higiene e de

qualidade do leite a identificaccedilatildeo dos animais a melhoria no

padratildeo geneacutetico do rebanho a anotaccedilatildeo de dados climaacuteticos

(chuva e temperatura maacutexima e miacutenima) e a aplicaccedilatildeo de

praacuteticas associativistas Aleacutem disso o uso de instrumentos de

controle gerencial tais como planilhas de controle e de anaacutelise

de custo de produccedilatildeo e de controle zooteacutecnico tem

possibilitado tornar rentaacutevel a atividade leiteira nas pequenas

propriedades familiares e consequentemente transformaacute-las em

atividade fixadora do homem no campo (EMBRAPA 2015 p

1)

Conforme Borges Guedes Ceacutezareb e Assis (2015 p 1) o Projeto Balde

Cheio serviria como motivaccedilatildeo para os agricultores familiares aumentar a produccedilatildeo de

leite nos assentamentos jaacute que a tecnologia embutida no projeto articulava as teacutecnicas

31 Disponiacutevel em lthttptererecpaoembrapabrportalnoticiasvisualizaphpid=307gt Acesso em

15042015

162

de produccedilatildeo extensivas com a conservaccedilatildeo e recuperaccedilatildeo da fertilidade do solo a partir

do uso de fertilizantes orgacircnicos e manejo intensivo de pastagens tropicais adubadas

Durante a temporada da seca (veratildeo) as aacutereas de passagens satildeo melhoradas

atraveacutes de irrigaccedilatildeo manejo rotacional e do uso de cana-de-accediluacutecar integrada com ureacuteia

assim como a realizaccedilatildeo de exames de tuberculose no gado

No caso de Vila Rica-MT o Projeto Balde Cheio foi implantado pela a

Secretaria Municipal de Agricultura em parceria com o INCRA a Empaer e de outras

entidades como o Serviccedilo Nacional de Aprendizagem Rural Senar Serviccedilo Brasileiro

de Apoio agrave Micro e Pequena Empresa (Sebrae) e Serviccedilo Nacional de Aprendizagem

Industrial (Senai) O Senar o Sebrae e o Senai que atuaram ministrando cursos no

processo de formaccedilatildeo dos assentados

Segundo o diagnoacutestico produzido pela a Empaer (2009 p 60)

[] na produccedilatildeo houve uma grade melhoria no gado leiteiro

quantidade e qualidade do leite assim se tornou o ponto forte

do assentamento fazendo a entrega no resfriador dentro do

assentamento que eacute vendido para o uacutenico laticiacutenio do

municiacutepio Essa produccedilatildeo cresceu graccedilas ao efeito do Projeto

Balde Cheio

Os dados do diagnoacutestico revelaram um melhoramento da produtividade e na

qualidade do leite produzido

464 Os Programas de Educaccedilatildeo Formaccedilatildeo Profissional e Teacutecnica do

assentado

Pensar sobre o papel das poliacuteticas puacuteblicas nos assentamentos rurais nos

remete para uma reflexatildeo a respeito do papel da Educaccedilatildeo do Campo uma vez que na

luta pela terra requer tambeacutem a necessidade da escola Natildeo basta apenas que os

agricultores familiares tenham conquistado a terra para morar e produzir Faz-se

indispensaacutevel ter uma escola para que os seus filhos possam estudar sem precisar sair

do campo

Por estar inserida na pauta de lutas dos movimentos sociais que demandam a

Reforma Agraacuteria a Educaccedilatildeo do Campo no Brasil vem cada vez mais ganhando

consistecircncia e visibilidade na agenda das autoridades poliacuteticas acadecircmicas e nos

diversos segmentos do sistema educacional constituindo-se importante enquanto

poliacutetica puacuteblica para fortalecer os assentamentos rurais

163

Segundo Casali (2004) as discussotildees em torno da Educaccedilatildeo do Campo tecircm

sido direcionadas aos problemas de infraestrutura como construccedilatildeo de escolas

transporte escolar formaccedilatildeo de professores entre outras questotildees que tecircm provocado

um intenso debate entre os gestores puacuteblicos e os movimentos sociais vinculados aos

modos de vida no campo

O autor supramencionado afirma que para os movimentos sociais a estrutura

fiacutesica natildeo eacute o uacutenico problema da escola do campo A questatildeo eacute mais complexa quando

levados em consideraccedilatildeo os aspectos poliacuteticos e culturais do ensino e da aprendizagem

escolar bem como as especificidades de vida e os modos de organizaccedilatildeo social e

educacional para a populaccedilatildeo do campo

A primeira Conferecircncia Nacional intitulada ldquoPor Uma Educaccedilatildeo Baacutesica do

Campordquo realizada no periacuteodo de 27 a 31 de julho de 1998 na cidade de Luziacircnia

estado de Goiaacutes foi um marco importante para as lutas sociais do campo sendo que a

partir dela constituiacuteram-se alguns princiacutepios baacutesicos que fundamentaram a luta por

escolas do campo Segundo Caldart (2003 p 60)32

satildeo trecircs princiacutepios

[] 1 O campo no Brasil estaacute em movimento Haacute tensotildees lutas

sociais organizaccedilotildees e movimentos de trabalhadores e

trabalhadoras da terra que estatildeo mudando o jeito da sociedade

olhar para o campo e seus sujeitos

2 A Educaccedilatildeo Baacutesica do Campo estaacute sendo produzida neste

movimento nesta dinacircmica social que eacute tambeacutem um

movimento sociocultural de humanizaccedilatildeo das pessoas que dele

participam

3 Existe uma nova praacutetica de Escola que estaacute sendo gestada

neste movimento Nossa sensibilidade de educadores jaacute nos

permitiu perceber que existe algo diferente e que pode ser uma

alternativa em nosso horizonte de trabalhador da educaccedilatildeo de

ser humano

Assim agrave luz dessa concepccedilatildeo pode-se dizer que a emergecircncia assinalada para

a complexidade da Educaccedilatildeo Campo perpassa pela construccedilatildeo de um projeto poliacutetico-

pedagoacutegico que contemple as matrizes culturais sociais e histoacutericas das populaccedilotildees do

campo

Nessa mesma perspectiva compreendemos a dimensatildeo do papel e significado

que os agricultores familiares atribuem agrave Educaccedilatildeo do Campo para o fortalecimento dos

32 Disponiacutevel em lthttpwwwiaufrrjbrppgeaconteudoconteudo-2009-1Educacao-

II3SFA_ESCOLA_DO_CAMPO_EM_MOVIMENTOpdf gt Acesso em 10052015

164

assentamentos rurais de Vila Rica-MT o que pode ser ilustrado a partir da trajetoacuteria de

vida do senhor Ademar que eacute filho de um dos primeiros colonos que migraram para

Vila Rica-MT na deacutecada de 1980 em busca de melhores condiccedilotildees hoje professor

efetivo pela Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo de Vila Rica-MT

[] Olha eacute muito incriacutevel Eu nasci na roccedila estudei na roccedila

me formei morando na roccedila (porque eu jaacute sou formado como

pedagogo) Estudei Pedagogia em moacutedulo nunca precisei

mudar da roccedila e nem tive vontade tipo assim pra ir para uma

faculdade estudar de tempo integral na cidade porque o meu

projeto de vida foi sempre morar na roccedila Hoje faccedilo poacutes-

graduaccedilatildeo em Educaccedilatildeo do Campo E desde quando comecei

na escolinha multisseriada eu jaacute lutava por educaccedilatildeo na roccedila

Fiz parte da nucleaccedilatildeo do processo de nucleaccedilatildeo de escola no

Aracati na eacutepoca Ajudei alavancar a discussatildeo e a criaccedilatildeo

das turmas de 5ordf seacuterie na zona rural de Vila Rica-MT porque a

gente natildeo tinha oferta pois atendiacuteamos ateacute a quarta seacuterie e

como percebemos que chegavam muitos alunos em niacutevel de

estudar a 5ordf e a 6 ordf seacuterie (ENTREVISTA com Ademar

professor e agricultor familiar do assentamento Satildeo Joseacute Vila

Rica-MT 2015 realizada pela autora em setembro de 2015)

Talvez diferentemente de outros relatos de professores das escolas do

campo Ademar nos revela uma trajetoacuteria de vida marcada pelo ideal de estudar e de se

formar sem precisar sair do campo Ele faz do ideal de vida a constante luta pela

permanecircncia no campo luta por escola e pela ampliaccedilatildeo dos estudos de outros

assentados

Ele nos leva a uma reflexatildeo sobre a Educaccedilatildeo do Campo constituiacuteda a

partir da leitura do refratildeo da muacutesica do cantor e compositor Gilvan ldquoNatildeo Vou Sair do

Campordquo a qual se parece como uma bandeira de luta do Movimento Nacional por uma

Educaccedilatildeo do Campo como ldquo[] natildeo vou sair do campo pra poder ir para a escola

Educaccedilatildeo do Campo eacute direito e natildeo esmolardquo

Ao relembrar a sua trajetoacuteria como professor Ademar nos mostra que a

concepccedilatildeo e a funccedilatildeo da Educaccedilatildeo do Campo satildeo construccedilotildees socioculturais Quando

faz uma reavaliaccedilatildeo das accedilotildees dos professores pais alunos e gestores na conduccedilatildeo das

poliacuteticas puacuteblicas ele reconhece que o processo de nucleaccedilatildeo das ldquoescolinhasrdquo pouco

contribuiu para a melhoria da educaccedilatildeo no municiacutepio e tampouco para fortalecer os

assentamentos rurais de Vila Rica-MT Nesse sentido prossegue

165

A partir daiacute comeccedilou em todo o municiacutepio exemplo Cachangaacute

e nos assentamentos Soacute que a partir daiacute a gente comeccedilou a

observar os efeitos da nucleaccedilatildeo Vimos que depois que fecha a

escolinha que fica perto das propriedades ou seja aquela

comunidade fica entristecida e desaminada para continuar

morando no assentamento Aos poucos vai se acabando o

viacutenculo de comunidade e eacute assim que comeccedila o ecircxodo rural

Aqui em Vila Rica-MT a gente sentiu isso a partir da hora que

fechou as escolinhas foi como se saiacutessemos acabando as

comunidades e se comunidade acaba o povo do assentamento

vai se distanciando uns dos outros Pela situaccedilatildeo que vivemos

tenho observado que a escola eacute o espaccedilo de encontro da

comunidade natildeo eacute soacute o espaccedilo de ensinar e aprender os

conteuacutedos escolares a funccedilatildeo eacute para aleacutem disso Voltando agrave

questatildeo da nucleaccedilatildeo lembro que quando sai do assentamento

a escola de laacute tinha uns 150 alunos o Aracati fechou a sua

uacutenica escola e com o tempo possa ser que suma a comunidade

de laacute tambeacutem jaacute que hoje tecircm tatildeo poucas famiacutelias de fato

morando laacute em vista do que era antes Jaacute pensou como

imaginar um assentamento sem uma escola (ENTREVISTA

com Ademar professor e agricultor familiar do assentamento

Satildeo Joseacute Vila Rica-MT 2015 realizada pela autora em

setembro de 2015)

Com base no relato do professor Ademar eacute possiacutevel identificar de maneira

viva como a escola eacute importante para o assentamento rural uma vez que ela tambeacutem se

constitui enquanto espaccedilo de encontro dos agricultores familiares ocasiatildeo em que

dialogam compartilham se organizam e praticam a socializaccedilatildeo de forma mais intensa

Logo quando o professor fala que ldquonatildeo eacute soacute o espaccedilo de ensinar e aprenderrdquo

percebemos as muacuteltiplas funccedilotildees desse espaccedilo chamado Escola do Campo

Diante disso o fechamento de uma escola dentro do assentamento rural tem

significados negativos uma vez que envolve a privaccedilatildeo de oportunidades e qualidade de

vida dos alunos e pais que dependem do transporte escolar para se deslocarem para uma

escola distante Aleacutem disso significa o fechamento de um posto de trabalho do

professor que seraacute igualmente removido Significa ainda desmotivaccedilatildeo para a

comunidade do assentamento rural ao ver perdido um espaccedilo de socializaccedilatildeo e uma

instituiccedilatildeo que representa oportunidade de melhoria de vida para seus moradores

No Brasil historicamente as nucleaccedilotildees das escolinhas satildeo realizadas pelos

gestores da educaccedilatildeo sem levar em conta os interesses e ideais dos pais e dos alunos

sob o discurso que vai melhorar a qualidade do ensino eliminando as turmas muacuteltiplas

(seacuteries fases anos e ciclo)

166

Essa situaccedilatildeo mostra a perda do sentimento de pertencimento entre a escola e

a comunidade distanciando os pais das accedilotildees escolares sem falar da falta de motivaccedilatildeo

por parte dos alunos para com os estudos jaacute que a escola distante das casas aumenta o

percurso para os estudantes

Do relato do professor Ademar destacamos que os sujeitos histoacutericos do

campo exercem um papel importante na conduccedilatildeo das Poliacuteticas Puacuteblicas voltadas agraves

necessidade das populaccedilotildees dos assentamentos rurais A luta eacute permanente pela

universalizaccedilatildeo da educaccedilatildeo como argumenta o mesmo entrevistado

Eu defendo que a escola que serve para os Agricultores

Familiares eacute aquela que fica dentro do assentamento Acredito

que um projeto de assentamento forte eacute aquele que tem uma

escola pensada e construiacuteda em conjunto com aquele povo que

vive ali Agraves vezes fico bastante incomodado com a conduccedilatildeo

que se tem dado para a Educaccedilatildeo do Campo Eacute como se as

poliacuteticas natildeo estivessem sendo executadas no sentido de

melhorar o ensino e a formaccedilatildeo dos jovens no campo Penso

que a gente precisa se preocupar mais com o futuro dos jovens

que vivem nos assentamento A escola e noacutes professores

precisamos trabalhar essas questotildees de forma que surta um

efeito positivo no sentido de motivar os jovens a continuar

morando nos assentamentos Para isso precisamos avanccedilar em

algumas poliacuteticas Vejo que deveremos ser mais incisivos para

que o Estado faccedila a oferta do Meacutedio Teacutecnico integrado e que

essa oferta seja a partir de um curriacuteculo voltado para as

necessidade e particularidades das pessoas que dependem dos

assentamentos rurais como meio de sobrevivecircncia e geraccedilatildeo de

renda (ENTREVISTA com Ademar professor e agricultor

familiar do assentamento Satildeo Joseacute Vila Rica-MT 2015

realizada pela autora em setembro de 2015)

O relato do professor Ademar tambeacutem chama atenccedilatildeo pelo desabafo quanto agrave

forma como estaacute sendo realizada a Educaccedilatildeo do Campo em Vila Rica-MT ldquo[] eacute como

se as poliacuteticas natildeo estivessem sendo executadas no sentido de melhorar o ensino e a

formaccedilatildeo dos jovens no campo Penso que a gente precisa se preocupar mais com o

futuro dos jovens que vivem nos assentamentos []rdquo (ENTREVISTA com Ademar

professor e agricultor familiar do assentamento Satildeo Joseacute Vila Rica-MT 2015 realizada

pela autora em setembro de 2015)

A educaccedilatildeo por si soacute natildeo assegura a permanecircncia dos agricultores familiares

na terra poreacutem quando integrada ao projeto de desenvolvimento do assentamento

tornaraacute o seu fortalecimento possiacutevel

167

Os projetos pedagoacutegicos das escolas do campo devem contemplar as matrizes

culturais do homem do campo considerando a construccedilatildeo a partir da memoacuteria coletiva e

da histoacuterica da comunidade dada por meio da oralidade buscando assim reconstruir e

conservar a cultura da populaccedilatildeo que vive no campo de forma a fazer uma educaccedilatildeo em

prol da cidadania O relato de Ademar traz ainda os princiacutepios que o curriacuteculo da escola

do campo deveria seguir

O curriacuteculo deve contemplar questotildees como agroecologia a

pecuaacuteria de leite a produccedilatildeo orgacircnica Precisamos formar

uma nova consciecircncia entre os jovens visando que estes

passem a enxergar o potencial da Agricultura Familiar Eu sei

disso e penso que vocecirc tambeacutem ateacute porque existem pesquisas

que jaacute comprovaram isso que eu estou lhe falando Eacute o campo

quem sustenta a cidade e natildeo o contraacuterio Se houver falta de

produccedilatildeo nos assentamentos rurais aqui em Vila Rica-MT logo

a cidade sofreraacute um impacto imediatamente As poliacuteticas

puacuteblicas existentes para a populaccedilatildeo rural devem ser de fato

destinadas agrave melhoria das condiccedilotildees de vida eacute para promover

qualidade de vida das pessoas que estatildeo no campo

(ENTREVISTA com Ademar professor e agricultor familiar do

assentamento Satildeo Joseacute Vila Rica-MT 2015 realizada pela

autora em setembro de 2015)

Nessa perspectiva educativa apresentada pelo professor Ademar afirmamos

que eacute um dos principais desafios para a Educaccedilatildeo do Campo consolidar concepccedilotildees e

praacuteticas nos curriacuteculos que integrem as matrizes culturais das populaccedilotildees do campo

O desafio natildeo estaacute restrito apenas agrave parte obrigatoacuteria da Educaccedilatildeo Baacutesica

mas tambeacutem as etapas do Ensino Meacutedio assim como Superior

465 Programa Nacional de Sauacutede no Campo

No Brasil os Programas de Sauacutede Puacuteblica direcionados para a populaccedilatildeo

rural satildeo decorrentes das reivindicaccedilotildees dos movimentos sociais do campo No entanto

quando se debruccedila sobre a literatura nos deparamos com a escassez de pesquisas

voltadas para essa questatildeo sobretudo no que se refere agrave sauacutede nos assentamentos rurais

O foco da pesquisa natildeo eacute a poliacutetica puacuteblica de sauacutede em si mas os efeitos

dela na melhoria da qualidade de vida dos agricultores familiares A Sauacutede Puacuteblica eacute um

dos componentes da bandeira de luta dos movimentos sociais do campo assegurando

que a mesma seja constituiacuteda a partir das especificidades que envolvem os modos e

168

concepccedilotildees do povo do campo A poliacutetica de sauacutede deve levar em consideraccedilatildeo os

saberes tradicionais destes sujeitos histoacutericos Este eacute o caso dos que recorrem

constantemente ao uso de plantas medicinais no tratamento de doenccedilas

A partir da Portaria de nordm 2866 de dezembro de 2011 o Ministeacuterio da Sauacutede

(MS) teve como principal funccedilatildeo estabelecer paracircmetros de funcionamento e regulaccedilatildeo

dos serviccedilos de sauacutede para a populaccedilatildeo do campo partindo dos princiacutepios do Sistema

Uacutenico de Sauacutede (SUS) A Poliacutetica Nacional de Sauacutede Integral das Populaccedilotildees do

Campo e da Floresta (PNSIPCF) define que

[] O MINISTRO DE ESTADO DA SAUacuteDE no uso da

atribuiccedilatildeo que lhe confere o inciso II do paraacutegrafo uacutenico do art

87 da Constituiccedilatildeo considerando os princiacutepios do Sistema

Uacutenico de Sauacutede (SUS) especialmente a equidade a

integralidade e a transversalidade e o dever de atendimento das

necessidades e demandas em sauacutede das populaccedilotildees do campo e

da floresta Considerando o Decreto nordm 7508 de 28 de junho de

2011 que regulamenta a Lei nordm 8080 de 19de setembro de

1990 e dispotildee sobre a organizaccedilatildeo do SUS o planejamento da

sauacutede a assistecircncia agrave sauacutede e a articulaccedilatildeo Interfederativa

especialmente o disposto no art 13 que assegura ao usuaacuterio o

acesso universal igualitaacuterio e ordenado agraves accedilotildees e serviccedilos de

sauacutede do SUS Considerando a Portaria GMMS nordm 2460 de 12

de dezembro de 2005 que instituiu o Grupo da Terra no

Ministeacuterio da Sauacutede com o objetivo de elaborar a Poliacutetica

Nacional de Sauacutede Integral das Populaccedilotildees do Campo e da

Floresta aprovada pelo Conselho Nacional de Sauacutede em 1ordm de

agosto de 2008 Considerando a diretriz do Governo Federal de

reduzir as iniquidades por meio da execuccedilatildeo de poliacuteticas de

inclusatildeo social (MS 2013 p 19)

Nos trechos do texto-base da Poliacutetica Nacional de Sauacutede Integral das

Populaccedilotildees do Campo e da Floresta proposto pelo Ministeacuterio da Sauacutede (2013 p 20)

seu principal objetivo eacute o de promover a sauacutede das populaccedilotildees do campo e da floresta a

partir de accedilotildees que partilhem as particularidades no que se refere a gecircnero cor etnia e

orientaccedilatildeo sexual de forma que facilite o acesso aos serviccedilos de sauacutede E com isso

espera-se que seja diminuiacutedo o iacutendice de ldquo[] riscos e agravos agrave sauacutede decorrente dos

processos de trabalho e das tecnologias agriacutecolas e a melhoria dos indicadores e da

qualidade de vidardquo (BRASIL 2013)

O Ministeacuterio da Sauacutede (2013 p 20) definiu os agricultores familiares

enquanto categoria social como uma populaccedilatildeo que vive no campo e se organiza a

partir dos seguintes princiacutepios

169

[] - (a) natildeo deter a qualquer tiacutetulo aacuterea maior do que 4

(quatro) moacutedulos fiscais b) utilizar predominantemente matildeo-

de-obra da proacutepria famiacutelia nas atividades econocircmicas do seu

estabelecimento ou empreendimento c) ter renda familiar

predominantemente originada de atividades econocircmicas

vinculadas ao proacuteprio estabelecimento ou empreendimento)

dirigir seu estabelecimento ou empreendimento com sua

famiacutelia sendo que incluem-se nesta categoria silvicultores

aquicultores extrativistas e pescadores que preencham os

requisitos previstos nos itens b c e d deste inciso

Nota-se que esse Ministeacuterio recorreu agrave definiccedilatildeo de agricultores familiares

instituiacuteda nas diretrizes nacionais do Pronaf em que essa categoria eacute constituiacuteda a partir

de criteacuterios econocircmicos e da dinacircmica de relaccedilotildees de trabalho e do modo de produccedilatildeo

466 Habitaccedilatildeo

Segundo o Ministeacuterio do Desenvolvimento Agraacuterio (2015) o Programa

Nacional de Habitaccedilatildeo Rural (PNHR) consiste em auxiliar os Agricultores Familiares e

trabalhadores rurais na construccedilatildeo de suas casas Inserido dentro do Programa Nacional

de Habitaccedilatildeo (Minha Casa Minha Vida) eacute financiado pelo Orccedilamento Geral da Uniatildeo ndash

OGU As suas accedilotildees devem ser planejadas e executadas As diretrizes e subsiacutedios dos

demais programas do Governo Federal satildeo destinados ao combate agrave pobreza rural

Sobretudo o Programa Cisternas que tem como objetivo a construccedilatildeo de cisternas nas

propriedades rurais as quais satildeo utilizadas para a captaccedilatildeo e armazenamento de aacutegua

oriunda das chuvas

O recurso do PNHR tem como principal finalidade a ldquo[] aquisiccedilatildeo de

Material de construccedilatildeo conclusatildeo ou reformaampliaccedilatildeo de Unidade Habitacional rural

e de cisternas para a captaccedilatildeo e armazenamento da aacutegua da chuva []rdquo (BRASIL 2010

p05) em que o alvo satildeo as regiotildees onde as chuvas ocorrem com certa irregularidade e

as secas satildeo recorrentes

Em nota divulgada pela Confederaccedilatildeo Nacional dos trabalhadores na

Agricultura ndash CONTAG e outros movimentos sociais como o Movimento dos

Pequenos Agricultores ndash MPA Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra ndash

MST Movimento dos Atingidos por Barragens ndash MAB Movimento Camponecircs Popular

ndash MCP Federaccedilatildeo Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar

170

do Brasil ndash Fetraf ndash (BRASIL 2015 p 1)33

asseguram que o Programa Nacional de

Habitaccedilatildeo Rural criado em 2009 eacute resultado da luta dos movimentos do campo em

que o propoacutesito da nota eacute afirmar que

A preservaccedilatildeo deste Programa passa pelo diaacutelogo estabelecido

no interior do GT Rural com todos os sujeitos envolvidos

Governo Agentes Financeiros e Entidades Organizadoras dos

movimentos representativos do campo e eacute confiando nesse

diaacutelogo que repudiamos o que foi evidenciado pelo INCRA na

uacuteltima reuniatildeo do GT Rural no dia 28 de novembro onde foi

explicitada a intenccedilatildeo de repassar (a partir de janeiro de 2014)

mediante Chamada Puacuteblica a possibilidade de entidades

puacuteblicas e privadas executarem o PNHRA maior parte das

casas de alvenaria foi feita com recursos financiados pelo

INCRA atraveacutes do creacutedito habitaccedilatildeo liberado O recurso

liberado do creacutedito habitaccedilatildeo natildeo foi suficiente para realizar a

construccedilatildeo das casas por completo e com acabamento

necessaacuterio Desta forma algumas casas ficaram inacabadas

necessitando de reboco pintura piso e sanitaacuterio

Para os movimentos do campo eacute necessaacuterio que a equipe de Governo as

Agecircncias de Financiamentos e as entidades de representaccedilatildeo dos Movimentos sociais

mantenham um diaacutelogo permanente entre as partes envolvidas no processo para que se

tenha um resultado satisfatoacuterio na execuccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas para os sujeitos

sociais do campo

Justamente por isso existe uma tentativa de evitar que a construccedilatildeo das casas

destinadas agrave populaccedilatildeo do campo seja bdquoprivatizada‟ ou seja concentrada nas matildeos de

uma soacute entidade seja ela puacuteblica ou privada o que tem se mostrado ldquototalmente

repudiadordquo como possibilidade

Apesar disso eacute notaacutevel o quanto essas poliacuteticas puacuteblicas produziram novos

impactos influenciando diretamente no desenvolvimento dos assentamentos rurais de

Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati fornecendo-lhes melhores condiccedilotildees de vida no

que se refere ao acesso agrave sauacutede educaccedilatildeo moradia e infraestrutura

Todavia percebemos que natildeo haacute uma articulaccedilatildeo entre a organizaccedilatildeo e a

construccedilatildeo de um planejamento estrateacutegico baacutesico para implementar poliacuteticas puacuteblicas

33 Disponiacutevel em

lthttpwwwfetraforgbrsistemackfilesPauta20unitaria20HABITACAO20RURALgt

Acesso em 28102015

171

que pudessem ser implementadas em uma accedilatildeo integrada e envolvendo os diferentes

agentes sociais e assim resolver as supostas fragilidades

Natildeo apreendemos indicativos na reflexatildeo dessas poliacuteticas que conduzem para

a melhoria das condiccedilotildees de produccedilatildeo e possibilidades de comercializaccedilatildeo e circulaccedilatildeo

dos produtos da Agricultura Familiar apontados no capiacutetulo trecircs como um dos

principais desafios dos assentamentos rurais pesquisados

Contudo natildeo se pode perder de vista que satildeo as dificuldades vivenciadas

nesses assentamentos que fazem com que os assentados recorram cada vez mais agrave venda

da forccedila de trabalho nas fazendas ou nos demais setores primaacuterios distanciando-se da

condiccedilatildeo de produtores da Agricultura Familiar e tornando-se compradores de produtos

baacutesicos da alimentaccedilatildeo como arroz feijatildeo mandioca e carnes de aves e porcos

172

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Os estudos e as poliacuteticas relacionadas agrave Agricultura Familiar no Brasil

segundo Abramovay (2006) devem levar em consideraccedilatildeo que esta eacute constituiacuteda a

partir de trecircs niacuteveis distintos em primeiro lugar eacute necessaacuterio fazer um levantamento das

produccedilotildees cientiacuteficas e pesquisas que envolvem a ldquoexpectativa intelectualrdquo os quais natildeo

podem perder de vista a existecircncia de uma grande diversidade nas formas de produccedilatildeo

da Agricultura Familiar brasileira Haacute uma demanda de questotildees a serem analisadas e

um mapeamento a ser elaborado frente agrave vasta literatura e pesquisas realizadas sobre a

diversidade do universo da Agricultura Familiar considerando as diferentes

experiecircncias dos sujeitos histoacutericos que a vivenciam Somente a partir dessa postura

intelectual seraacute possiacutevel estabelecer uma estimativa da potencialidade econocircmica dos

assentamentos rurais do Brasil

O segundo niacutevel ao qual se refere Abramovay (2006) seria a implantaccedilatildeo

das poliacuteticas puacuteblicas que se intensificaram a partir da criaccedilatildeo do Pronaf inter-

relacionadas com outras poliacuteticas puacuteblicas e programas sociais que contribuiacuteram para a

eficiecircncia dos assentamentos rurais nesse novo modelo de organizaccedilatildeo social no campo

A partir da deacutecada de 1990 as accedilotildees foram intensificadas com a criaccedilatildeo dos projetos de

assentamentos rurais resultantes do Programa de Reforma Agraacuteria do Governo Federal

Natildeo se pode negar que tanto estas como um conjunto de outras poliacuteticas

tiveram um papel fundamental no processo de geraccedilatildeo de diferentes demandas

Surgiram novas oportunidades de reocupaccedilatildeo das terras e de invenccedilatildeo de novas praacuteticas

para milhares de famiacutelias que estavam totalmente desprovidas de capital e dos meios de

produccedilatildeo para garantir a sua reproduccedilatildeo social enquanto agricultores familiares

Outra questatildeo tratada pelo autor estaacute relacionada ao plano social A

Agricultura Familiar no Brasil corresponde ao processo contiacutenuo de aptidatildeo de

elementos que arrastam os ldquoarranjosrdquo dos movimentos sociais e sindicais que tecircm como

princiacutepio de organizaccedilatildeo a luta pela posse da terra visando a afirmaccedilatildeo em que a

ascensatildeo e o desenvolvimento econocircmico de um determinado territoacuterio dar-se-aacute

somente por meio do fortalecimento e da consolidaccedilatildeo da Agricultura Familiar

Tais questotildees demonstram a importacircncia das poliacuteticas puacuteblicas para a

manutenccedilatildeo a reproduccedilatildeo social e o fortalecimento da Agricultura Familiar destacando

173

que essa forma de produccedilatildeo eacute fundamental para o desenvolvimento regional sobretudo

para o fornecimento de alimentos

A eliminaccedilatildeo da Agricultura Familiar eacute uma preocupaccedilatildeo recorrente entre os

teoacutericos da Questatildeo Agraacuteria Ao analisar o processo de expansatildeo da soja em Mato

Grosso Barrozo (2010 p 45) considera que apesar do Estado se destacar como o

celeiro do Brasil sobretudo na produccedilatildeo e exportaccedilatildeo de gratildeos e algodatildeo ldquo[] para

onde iratildeo os milhares de Agricultores Familiares sem capital sem escolarizaccedilatildeo e sem

qualificaccedilatildeo teacutecnicaprofissional que ainda permanecem no campordquo

Algumas reflexotildees e concepccedilotildees apresentadas por Barrozo (2010) e

Abramovay (2006) subsidiaram as anaacutelises relativas agrave compreensatildeo dos problemas que

perpassam a Questatildeo Agraacuteria atual no Brasil e especificamente nos assentamentos

rurais de Vila Rica-MT e dos seus agricultores familiares Diante desse cenaacuterio analisar

as Poliacuteticas Puacuteblicas oriundas de demandas dos movimentos sociais Sindicatos dos

Trabalhadores Rurais e diferentes agentes histoacutericos tornou-se fundamental para

compreender o universo da Agricultura Familiar no municiacutepio de Vila Rica-MT nas

deacutecadas de 1990 a 2010

Esta pesquisa ajudou-nos compreender que os estudos sobre os assentamentos

rurais devem ser problematizados no sentido de se pensar a complexidade do processo

de sua criaccedilatildeo uma vez que eles natildeo foram instituiacutedos apenas enquanto um ato

administrativo do INCRA criando o assentamento rural e selecionando as famiacutelias que

seriam beneficiadas Os assentamentos rurais de Vila Rica-MT resultaram dos conflitos

e demandas sociais envolvendo diferentes atores histoacutericos que lutaram pelo direito de

acesso agrave terra Dos oito assentamentos rurais de Vila Rica apenas um foi planejado

pelo INCRA Todos os demais resultaram da reocupaccedilatildeo espontacircnea da terra pelos

posseiros

Outra questatildeo que nos chamou atenccedilatildeo na pesquisa foi o processo de

transformaccedilatildeo da situaccedilatildeo de posseiros para a de agricultores familiares lembrando que

agricultor familiar eacute uma categoria social instituiacuteda a partir da criaccedilatildeo do Programa de

Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) Considera-se agricultores familiares as

famiacutelias que trabalham em atividades rurais que natildeo possuem aacutereas acima de que 4

(quatro) moacutedulos fiscais A maioria utiliza matildeo de obra da proacutepria famiacutelia na produccedilatildeo

174

econocircmica do lote detendo um percentual da renda familiar originada de atividades

econocircmicas do seu estabelecimento ou empreendimento (INCRA 2006)

No caso de Vila Rica vaacuterios dos colonos que compraram terra da

Colonizadora Vila Rica-MT sofreram uma transformaccedilatildeo significativa alguns perderam

essa terra e se tornaram posseiros ao ocupar uma nova aacuterea Muitos colonos perderam a

terra porque natildeo conseguiram pagar a diacutevida com o Banco do Brasil contraiacuteda para

financiar a compra dos lotes e instrumentos utilizados nas atividades agriacutecolas A perda

da terra obrigou tais colonos a trabalhar como assalariados sendo que parte deles

ocupou terras na aacuterea dos assentamentos rurais Bom Jesus e Santo Antocircnio do Beleza

regularizada posteriormente pelo INCRA e seus ocupantes se tornaram agricultores

familiares sobretudo ao acessar o Pronaf

Consideramos importante destacar que os assentamentos rurais do municiacutepio

de Vila Rica-MT revelam-se produtivos e promissores do desenvolvimento regional

assumindo um lugar de destaque na economia local sobretudo no que se refere agrave

produccedilatildeo de leite

No mais destaca-se que os assentamentos rurais de Vila Rica e do Araguaia

Mato-grossense satildeo espaccedilos carentes de outras pesquisas e reflexotildees sobre a

importacircncia da Agricultura Familiar no que diz respeito agrave seguranccedila alimentar da aacuterea e

que natildeo foi foco da presente pesquisa

175

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Page 2: A transformação de posseiros em agricultores familiares ... do...Prof.ª Dr.ª Regina Beatriz Guimarães Neto. Área de concentração: Linha de pesquisa: Territórios, Temporalidade

MARIA DO ROSAacuteRIO SOARES LIMA

A transformaccedilatildeo de posseiros em agricultores familiares histoacuteria e memoacuteria da reocupaccedilatildeo de

Vila Rica-MT (1980- 2010)

Dissertaccedilatildeo de Mestrado apresentada ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria da Universidade Federal de Mato Grosso ndash UFMT para a obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Mestre em Histoacuteria Sob a orientaccedilatildeo do Prof Dr Joatildeo Carlos Barrozo e Co-orientaccedilatildeo da Profordf Drordf Regina Beatriz Guimaratildees Neto

Aacuterea de concentraccedilatildeo Linha de pesquisa Territoacuterios Temporalidade e Poder

Cuiabaacute 2016

S676t Soares Lima Maria do Rosaacuterio

A TRANSFORMACcedilAtildeO DE POSSEIROS EM AGRICULTORES FAMILIARES HISTOacuteRIA E MEMOacuteRIA DA REOCUPACcedilAtildeO DE VILA RICA-MT (1980- 2010) Maria do Rosaacuterio Soares Lima -- 2016 179 f

il color 30 cm

Orientador Joatildeo Carlos Barrozo Co-orientador Regina Beatriz Guimaratildees Neto Dissertaccedilatildeo (mestrado) - Universidade Federal de Mato Grosso Instituto de Ciecircncias

Humanas e Sociais Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria Cuiabaacute 2016 Inclui bibliografia

1 Histoacuteria 2 Agricultura Familiar 3 Mato Grosso 4 Vila Rica 5 Araguaia I Tiacutetulo

AGRADECIMENTOS

Na realizaccedilatildeo desse trabalho foram muitos os caminhos percorridos muitas

idas e vindas e muitas pessoas encontradas as quais me legaram oacutetimas contribuiccedilotildees

aprendizados e liccedilotildees que foram fundamentais na construccedilatildeo da minha trajetoacuteria

acadecircmica Por isso sou imensamente grata pela a colaboraccedilatildeo direta e indireta dessas

pessoas assim como o apoio das instituiccedilotildees sem as quais certamente eu natildeo teria

conseguido concluiacute-la Manifesto a minha gratidatildeo a todas elas e de forma especial

- Agrave Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) atraveacutes do Programa de

Poacutes Graduaccedilatildeo em Histoacuteria

- Ao meu orientador Professor Joatildeo Carlos Barrozo pela paciecircncia

conhecimento compreensatildeo e amizade na conduccedilatildeo dos trabalhos e na superaccedilatildeo dos

desafios

- Ao professor Joatildeo Ivo Puhl e agrave professora Regina Beatriz (minha co-

orientadora) que participaram das bancas de qualificaccedilatildeo e defesa de dissertaccedilatildeo pelas

importantes contribuiccedilotildees e sugestotildees para melhoria do trabalho

- Aos professores Leandro Rust Renilson Rosa Ribeiro Joanoni Vitale Neto

Joseacute Manuel Marta Osvaldo Machado Filho e a Thaiacutes Leatildeo Oliveira os quais me

possibilitaram boas aprendizagens atraveacutes das disciplinas que ministraram no periacuteodo

em que frequentei as aulas do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria da UFMT

- Aos colegas do mesmo Programa agradeccedilo pelo privileacutegio da convivecircncia

Foi muito bom partilhar conhecimentos e experiecircncias alegrias anguacutestias e materiais

nos ricos debates em sala de aula e tambeacutem nos momentos de descontraccedilatildeo nos

trabalhos em grupo E agradeccedilo em especial agrave Juliana Cristina Rosa uma grande amiga

que o Mestrado me proporcionou Obrigada ldquoJurdquo pelas conversas e pelos trabalhos

produzidos em conjunto

- Agrave Secretaria de Estado de Educaccedilatildeo de Mato Grosso (SeducndashMT) via a

minha unidade de lotaccedilatildeo profissional - Escola Estadual Vila Rica por viabilizar a

minha Licenccedila para a qualificaccedilatildeo profissional

- Aos profissionais da Escola Estadual Vila Rica por compartilharem comigo

os saberes e o exerciacutecio da docecircncia na Educaccedilatildeo Baacutesica Milene Medeiros de Oliveira

Vacircnia Horner Izaildes Cacircndida Aline Flores Raquel Nascimento Franciani

Gaspareto Eduardo Cavalcante Joseacute Adelson Claudete e Deusdeste Vasconcelos

Iraneide Dorcas Diolina Edileusa Maria Joseacute Ceacutelia Maria Vando Cristiana Aragatildeo

Fabiane Rizzardo Iadne Teodoro Wilson Sirino Socorro Gomes Eliezer e os demais

amigos e colegas de trabalho

- Ao Coletivo do Foacuterum Permanente de Debates da Educaccedilatildeo de Jovens e

Adultos ndash Araguaia - Xingu em especial ldquoagraves minhas irmatildes de coraccedilatildeordquo Ceacutelia Ferreira

Edineth Franccedila e Terezinha de Jesus

- Agrave Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat) atraveacutes do Programa

Parceladas e ao Campus Universitaacuterio do Meacutedio Araguaia por permitir que eu

conciliasse as atividades do mestrado com as atividades profissionais

- Aos acadecircmicos do curso de Ciecircncias Sociais- UNEMAT ldquomeus projetos

de cientistas sociaisrdquo sou eternamente grata pelo carinho e apoio que me

proporcionaram A nossa convivecircncia tornou-me uma pessoa melhor

- Aos meus colegas de trabalho da UNEMAT Luis Antonio Barbosa Soares

Neures Batista de Paula Andreacuteia da Silva Feitosa Faacutebio Junio Ribeiro Faacutebio

Bombarda Analucia Ribeiro de Souza Dimas Santana Neves Flaacutevio Luiz de Paula

Jackson Joseacute Carlos de Lima Renata Cristina Diva e Socorro Arauacutejo

- Aos meus familiares (Laura Beatriz Joatildeo Pedro Carlos Augusto Vocirc

Raimundo Abratildeo Edival Edith Elcivam Erivaldo Ivone Lourival Irene Carlos

Pitaacutegoras Dayane Gabriela Milena Sara e Eduardo) E a minha famiacutelia estendida

(Nonato Gracy Edson Flaacutevio Cida Elena Brizola Denilson Lucia Helena e Tunico)

pelo carinho e a solidariedade dedicada aos meus filhos

Aos Agricultores Familiares dos assentamentos rurais (Bom Jesus Satildeo Joseacute

Satildeo Gabriel Ipecirc Itaporatilde do Norte Alvorada Aracati e Santo Antocircnio do Beleza) e aos

movimentos sociais de luta pela terra no Araguaia mato-grossense em especial ao

Sindicato dos Trabalhadores Rurais do municiacutepio de Vila Rica-MT

Aos meus filhos Laura Beatriz Lima Joatildeo Pedro Lima Bailatildeo e Carlos

Augusto Lima Bailatildeo

Por onde passei plantei a cerca farpada plantei a queimada

Por onde passei plantei a morte matada

Por onde passei matei a tribo calada a roccedila suada a terra esperada

Por onde passei tendo tudo em lei eu plantei o nada

(Pedro Casaldaacuteliga- Confissotildees do latifuacutendio 2006)

RESUMO

Este texto tem como propoacutesito apresentar algumas reflexotildees sobre a formaccedilatildeo dos

assentamentos rurais do municiacutepio de Vila Rica-MT atraveacutes da luta pela terra na deacutecada

de 1990 e as posteriores transformaccedilotildees e a na consolidaccedilatildeo da Agricultura Familiar

correlacionada com Poliacuteticas Puacuteblicas como o Pronaf Mas para atingir esse objetivo

foi necessaacuterio analisar como a luta pela terra se deu em todo o espaccedilo do Araguaia

mato-grossense fronteira de expansatildeo nas deacutecadas de 1950 em duas frentes a primeira

foi realizada por empresas colonizadoras que elaboraram projetos e executaram a

construccedilatildeo de cidades e venda das terras dos municiacutepios de Confresa e Vila Rica a

segunda atraveacutes de empresas agropecuaacuterias que se apropriaram de terras e tiveram

acesso agrave incentivos fiscais e recursos de projetos junto agrave Sudam Logo para

compreender como ocorreu a formaccedilatildeo dos assentamentos rurais de Vila Rica-MT foi

preciso analisar a formaccedilatildeo de fazendas e empresas agropecuaacuterias que apoacutes o fim dos

incentivos fiscais se tornaram improdutivas e que seus ldquoproprietaacuteriosrdquo criaram

estrateacutegias de comercializar as terras junto ao INCRA utilizando para isso a forma de

desapropriaccedilatildeo para a formaccedilatildeo de assentamentos rurais Paralelamente os posseiros

em meio agrave luta pela terra adotaram estrateacutegias de reocupaccedilatildeo dessas aacutereas para depois

solicitar junto ao oacutergatildeo competente a regularizaccedilatildeo fundiaacuteria dos lotes conquistados

Dentro dessa configuraccedilatildeo social o municiacutepio de Vila Rica-MT formou em seu

territoacuterio oito assentamentos rurais dos quais quatro (Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Aracaty e

Ipecirc) tiveram uma anaacutelise mais aprofundada a partir de dados quantitativos coletados

pela Empaer que demonstram algumas tendecircncias sobre as condiccedilotildees de vida renda

produccedilatildeo comercializaccedilatildeo dentre esses posseiros que com a regularizaccedilatildeo da terra e o

acesso ao Pronaf se tornaram agricultores familiares e responsaacuteveis por uma

significativa produccedilatildeo de leite e gado de corte na aacuterea Para compreender toda essa

complexa transformaccedilatildeo foi utilizada fontes documentais e orais que forneceram

elementos para uma anaacutelise sobre esse processo

Palavras-chave Histoacuteria Agricultura Familiar Mato Grosso Vila Rica Araguaia

RESUMEN

Este texto tiene como objetivo presentar un ejercicio de reflexioacuten sobre la formacioacuten de

los Asentamientos Rurales de Vila Rica-MT Estas reflexiones se derivan de una

investigacioacuten en curso denominado reocupacioacuten de tierras en el periacuteodo

contemporaacuteneo en el norte de Araguaia micro-regioacuten en el estado de Mato Grosso

Esta investigacioacuten tuvo como objetivo comprender el proceso de formacioacuten de los

Asentamientos Rurales en el municipio de Vila Rica-MT en el periacuteodo de 1980 a 2015

Habiacutea estudiado la historia de los asentamientos rurales de Vila Rica tambieacuten significa

la comprensioacuten de la historicidad de la lucha por el proceso de la tierra en el estado de

Mato Grosso ya que esta ciudad (Vila Rica) no surge espontaacuteneamente Nacido en un

contexto se produjeron en la regioacuten de Araguaia a la altura del proceso de reocupacioacuten

dos frentes los proyectos agriacutecolas financiados proyectos Sudam y colonizacioacuten

privada lo que dio lugar a la formacioacuten de otros municipios asiacute como Vila Rica como

Confresa Agua Boa y Canarana En este periacuteodo el norte del estado de Mato Grosso

convertido en el objetivo de la inversioacuten de los grupos empresariales del sur y sureste

del paiacutes el estado transferido al sector privado a la funcioacuten para reordenar la nueva

ocupacioacuten de estos espacios A partir de los datos recogidos construir un marco que

permita la identificacioacuten de las diferentes formas de ocupacioacuten y la reocupacioacuten de la

tierra asiacute como los tipos de uso y disentildeo de la funcioacuten de los asentamientos rurales en la

regioacuten de Araguaia Establecer una relacioacuten de este evento con las otras regiones del

estado en relacioacuten con las poliacuteticas de tenencia de la tierra en la ocupacioacuten previa a la

solucioacuten y la presencia de proyectos agriacutecolas la colonizacioacuten privada y asentamientos

rurales El municipio de Vila Rica comenzoacute con los proyectos agriacutecolas luego se

transformoacute en proyecto de colonizacioacuten privada y finalmente creoacute 08 asentamientos

rurales Estos objetivos se exponen en las cadenas de produccioacuten de la regioacuten de los

impactos de las poliacuteticas puacuteblicas implementadas en las deacutecadas 1990-2000 Se hace

hincapieacute en que esta investigacioacuten tambieacuten busca identificar la influencia del Programa

de Fortalecimiento de la Agricultura Familiar (Pronaf) en el desarrollo de los

asentamientos rurales de Villa Rica

Palabras clave Historia reocupacioacuten de tierras en Araguaia Vila Rica-MT

Asentamientos Rurales

LISTA DE ILUSTRACcedilOtildeES

Figura 01 - Mapa de Propaganda da Colonizadora Vila Rica 34

Figura 02 - Folder de propaganda da Colonizadora Vila Rica 38

Figura 03 - Planta ou Protejo Urbaniacutestico da cidade de Vila Rica 40

Figura 04 - Croqui de localizaccedilatildeo das fazendas 53

Figura 05 - Carta do Sindicato dos Trabalhadores de Vila Rica ao INCRA (1990) 69

Figura 06 - Carta da Alemanha 83

Figura 07 - Documento de denuacutencia de ameaccedila de morte de posseiro 86

Figura 08 - Fotografias dos Teacutecnicos da Empaer em visita aos assentamentos rurais 98

Figura 09 - Fotografias da Apresentaccedilatildeo do Programa de Ates 98

Figura 10 - Fotografias de corpos d‟aacutegua e mata ciliar 131

Figura 11- Fotografias das aacutereas de pastagens nos Assentamentos Rurais 132

Figura 12 - Fotografias das Estradas dos Assentamentos Rurais 134

Figura 13 - Croqui do Assentamento Rural Satildeo Joseacute 134

Figura 14 - Croqui do Assentamento Rural Satildeo Gabriel 135

Figura 15 - Croqui do Assentamento Rural Ipecirc 135

Figura 16 - Croqui Assentamento Rural Aracat 136

Figura 17 - Graacutefico com dados da evoluccedilatildeo dos creacuteditos Pronaf 152

Figura 18 - Graacutefico com dados da distribuiccedilatildeo dos creacuteditos Pronaf 152

LISTA DE TABELA

Tabela 1 assentamentos rurais de Vila Rica-MT 66

Tabela 2 Produtos que satildeo destinados a Alimentaccedilatildeo da Famiacutelia 104

Tabela 3 Faixa etaacuteria dos assentados 105

Tabela 4 Escolaridade dos assentados 106

Tabela 5 Presenccedila de energia eleacutetrica nos assentamentos rurais 108

Tabela 6 Fonte de Aacutegua nos assentamentos rurais 109

Tabela 7 Qualidade da aacutegua nos assentamentos rurais 110

Tabela 8 Frequecircncia da realizaccedilatildeo de exames de sauacutede 111

Tabela 9 Acesso aos serviccedilos de sauacutede 111

Tabela 10 Uso do remeacutedio caseiro 112

Tabela 11 Nuacutemero de assentados que declararam morar no assentamento rural 112

Tabela 12 Percentual de participaccedilatildeo da Renda dos assentados 117

Tabela13 Produccedilatildeo agriacutecola (em Kg) 117

Tabela 14 Assentados que praticam Culturas de Subsistecircncia 118

Tabela 15 Tipo de pecuaacuteria explorada por propriedade (famiacutelias) 118

Tabela 16 Frequecircncia do consumo de proteiacutena animal na alimentaccedilatildeo 119

Tabela 17 Dados de produccedilatildeo de leite por nordm de vacas 119

Tabela 18 Nuacutemero de Famiacutelia e Resfriamento do leite 120

Tabela 19 Comercializaccedilatildeo da Produccedilatildeo dos assentamentos 121

Tabela 20 Associativismo no Aracati Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel e Ipecirc 121

Tabela 21 Tipos de preparo do solo por nordm de famiacutelias 124

Tabela 22 Tipos de sementes cultivadas nos assentamentos rurais 124

Tabela 23 Tipos de plantio cultivados nos assentamentos rurais 125

Tabela 24 Tipo de adubaccedilatildeo do solo realizado pelos assentados por famiacutelia 125

Tabela 25 Conservaccedilatildeo do solo (por nuacutemero de Famiacutelias) 126

Tabela 26 Rotaccedilatildeo de Culturas nos assentamentos rurais 126

Tabela 27 Tipo de combate agraves pragas (por nuacutemero de famiacutelias) 127

Tabela 28 Tipo de lavagem triacuteplice de embalagens vazias de agrotoacutexicos 127

Tabela 29 Destino das embalagens de agrotoacutexicos vazias 128

Tabela 30 Tipo de colheita por famiacutelia 128

Tabela 31 Tipo de armazenamento da produccedilatildeo (por nuacutemero de famiacutelia) 129

Tabela 32 Situaccedilatildeo de degradaccedilatildeo de solo nos assentamentos rurais 129

Tabela 33 Existecircncia de nascentes sem proteccedilatildeo (nuacutemero de propriedades) 130

Tabela 34 Existecircncia de degradaccedilatildeo de matas ciliares 130

Tabela 35 Situaccedilatildeo de degradaccedilatildeo das pastagens (por nuacutemero de propriedade) 131

Tabela 36 Uso de fogo no manejo do solo (por propriedade) 132

Tabela 37 Creacutedito Rural - nordm de Famiacutelia 154

Tabela 38 Finalidade do Creacutedito Rural - nordm de Famiacutelias 155

Tabela 39 Tipo de Pronaf por nuacutemero de Famiacutelias 155

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ATER ndash Assistecircncia Teacutecnica e Extensatildeo Rural

Ates ndash Programa de Assessoria Teacutecnica Social e Ambiental agrave Reforma Agraacuteria

Bndes ndash Banco Nacional de Desenvolvimento

CNA ndash Confederaccedilatildeo Nacional da Agricultura

CNBB ndash Conferencia Nacional dos Bispos do Brasil

CONAB ndash Campanha Nacional de Abastecimento

CONTAG ndash Confederaccedilatildeo Nacional dos Trabalhadores da Agricultura

CPT ndash Comissatildeo Pastoral da Terra

CUT ndash Central Uacutenica dos trabalhadores

DNT ndash Departamento Nacional dos Trabalhadores da CUT

Embrapa ndash Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuaacuteria

Empaer ndash Empresa Mato-Grossense de Pesquisa e Extensatildeo Rural SA

Febraban - Federaccedilatildeo Brasileira de Bancos

Fetag ndash Federaccedilatildeo dos Trabalhadores na Agricultura

Fetraf ndash Federaccedilatildeo dos Trabalhadores e Trabalhadores na Agricultura Familiar

GESTAR ndash Projeto Nacional de Gestatildeo Ambiental Rural

IBGE ndash Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica

INCRA ndash Instituto Nacional de Colonizaccedilatildeo e Reforma Agraacuteria

Indea ndash Instituto de Defesa Agropecuaacuteria de Mato Grosso

IPAM ndash Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazocircnia

MAB ndash Movimento dos Atingidos por Barragens

MCP ndash Movimento Camponecircs Popular

MDA ndash Ministeacuterio do Desenvolvimento Agraacuterio

Mercosul ndash Mercado Comum do Sul

MMA ndash Ministeacuterio do Meio Ambiente

MME ndash Ministeacuterio de Minas e Energia

MPA ndash Movimento dos Pequenos Agricultores

MS ndash Ministeacuterio de Sauacutede

MST ndash Movimentos dos Trabalhadores Sem-Terra

OGU ndash Orccedilamento Geral da Uniatildeo

PA ndash Projeto de Assentamento

PAA ndash Programa Nacional de Aquisiccedilatildeo de Alimentos

Pda ndash Plano de Desenvolvimento de Assentamento Rural

PTDRS ndash Plano Territorial de Desenvolvimento Rural Sustentaacutevel do Territoacuterio Rural

PNAE ndash Programa Nacional de Alimentaccedilatildeo Escolar

PNHR ndash Programa Nacional de Habitaccedilatildeo Rural

PNSIPCF - Poliacutetica Nacional de Sauacutede Integral das Populaccedilotildees do Campo e da Floresta

Pronaf - Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura

Proterra ndash Programa de Redistribuiccedilatildeo de Terras e de Estiacutemulo agrave Agroinduacutestria do

Norte

Provape ndash Programa de Valorizaccedilatildeo da Pequena Produccedilatildeo Rural

Sebrae ndash Serviccedilo Brasileiro de Apoio o Micro e Pequenas Empresas

Senai ndash Serviccedilo Nacional de Aprendizagem Industrial

Senar ndash Serviccedilo Nacional de Aprendizagem Rural

Servap ndash Serviccedilo Auxiliares da Agropecuaacuteria

SNCR ndash Sistema Nacional de Credito Rural

STR ndash Sindicato dos Trabalhadores Rurais

Sudam ndash Superintendecircncia de Desenvolvimento da Amazocircnia

SUS ndash Sistema Uacutenico de Sauacutede

UDR ndash Uniatildeo Democraacutetica Ruralista

SUMAacuteRIO

INTRODUCcedilAtildeO 16

1 A QUESTAtildeO AGRAacuteRIA EM MATO GROSSO HISTOacuteRIA OCUPACcedilAtildeO E

REOCUPACcedilAtildeO DO ARAGUAIA MATO-GROSSENSE 24

11 A reocupaccedilatildeo pelas agropecuaacuterias e empresas colonizadoras Anos de 1960 a 1980

27

12 A criaccedilatildeo e emancipaccedilatildeo do municiacutepio de Vila Rica-MT 33

121 O papel das instituiccedilotildees e oacutergatildeo puacuteblicos as empresas agropecuaacuterias e a

colonizadora 49

122 A Servap e a abertura das fazendas Promissatildeo Satildeo Marcos Aracatiacute e Porongaba

52

13 Anos de 1980 a 1990 o Araguaia e a formaccedilatildeo dos assentamentos rurais 55

2 MEMOacuteRIAS DA REOCUPACcedilAtildeO HISTORICIZANDO OS

ASSENTSAMENTOS RURAIS DE VILA RICA-MT (1980-2010) 65

21 A transformaccedilatildeo das fazendas agropecuaacuterias em assentamentos rurais atraveacutes da luta

pela terra 65

22 Os assentamentos rurais de Vila Rica ndash MT 71

221 O Assentamento Rural Satildeo Joseacute 73

222 O Assentamento Rural Ipecirc 79

223 O Assentamento Rural Aracati 82

224 O Assentamento Rural Satildeo Gabriel 84

225 O Assentamento Rural Itaporatilde do Norte 86

226 O Assentamento Rural Bom Jesus 87

227 O Assentamento Rural Santo Antocircnio do Beleza 93

228 O Assentamento Rural Alvorada 94

Consideraccedilotildees gerais sobre os assentamentos de Vila Rica-MT 95

3 SITUACcedilAtildeO SOCIOECONOcircMICA DOS ASSENTAMENTOS SAtildeO JOSEacute SAtildeO

GABRIEL IPEcirc E ARACATI (2006-2010) 97

31 Os assentamentos rurais na perspectiva do Projeto de Assessoria Teacutecnica Social e

Ambiental agrave Reforma Agraacuteria ndash Ates 99

32 O perfil dos assentados gecircnero idade e escolaridade 101

321 Diferenciaccedilatildeo de Gecircneros predominacircncia masculina e papel da mulher 102

322 Perfil etaacuterio indicadores de uma populaccedilatildeo envelhecida 104

323 Perfil de escolaridade dos assentados 106

33 As Condiccedilotildees de vida nos assentamentos rurais luz eleacutetrica aacutegua sauacutede moradia e

infraestrutura 107

331 Energia Eleacutetrica 108

332 Aacutegua 108

333 Sauacutede 110

334 Moradia 112

335 Infraestrutura equipamentos e Tecnologias 113

34 A Produccedilatildeo a renda comercializaccedilatildeo e circulaccedilatildeo da Agricultura Familiar 116

341 A renda nos quatro Projetos de assentamentos rurais de Vila Rica-MT 116

342 Atividades Agriacutecolas a produccedilatildeo econocircmica e a de subsistecircncia 117

343 Pecuaacuteria e criaccedilatildeo de pequenos animais 118

344 Comercializaccedilatildeo e Associativismo 120

35 Teacutecnicas e niacutevel tecnoloacutegico dos assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e

Aracati 123

351 Teacutecnicas de uso do Solo plantio combate de pragas colheita 124

36 A questatildeo ambiental nos assentamentos rurais de Vila Rica-MT 129

37 Algumas consideraccedilotildees sobre os impactos de poliacuteticas puacuteblicas nos assentamentos

Satildeo Joseacute satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati 133

4 AS POLIacuteTICAS PUacuteBLICAS NOS ASSENTAMENTOS SAtildeO JOSEacute SAtildeO

GRABRIEL IPEcirc E ARACATI 139

41 O debate sobre o Pronaf 139

42 O papel dos Movimentos sociais na criaccedilatildeo do Programa Nacional de

Fortalecimento da Agricultura Familiar na deacutecada de 1990 143

43 O Pronaf e seus objetivos 146

44 O Pronaf no Araguaia mato-grossense 148

45 O Pronaf nos assentamentos Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati 154

46 Outras Poliacuteticas Puacuteblicas nos assentamentos Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati 155

461 Programa Luz para todos 156

462 Arco Verde questatildeo ambiental 158

463 Programa Balde Cheio 160

464 Programas de Educaccedilatildeo Formaccedilatildeo Profissional e Teacutecnica do assentado 162

465 Programa de Sauacutede no Campo 167

466 Programa Nacional de Habitaccedilatildeo 169

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 172

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 175

16

INTRODUCcedilAtildeO

Em tempos diversos muitas foram as razotildees que moveram pesquisadores na

aacuterea da histoacuteria a desenvolver estudos em torno de questotildees fundamentais para

compreensatildeo do homem no tempo e suas formas de organizaccedilatildeo as quais se aproximam

e se distanciam no tocante a suas formas de abranger fenocircmenos que circularam em um

ou outro grupo social este ou aquele projeto de sociedade Em suas entranhas as

relaccedilotildees de forccedilas estabelecidas para sua fundaccedilatildeo consolidaccedilatildeo e transformaccedilatildeo

pendulando do individual ao coletivo do solitaacuterio ao solidaacuterio em uma complexa teia

ancorada em seus atores sociais e respectivos projetos de vida O mundo rural apresenta

diversidades e especificidades que igualmente moveram pesquisas e reflexotildees

historiograacuteficas No entanto tratando-se de assentamentos rurais no periacuteodo poacutes 1964

satildeo poucos os estudos historiograacuteficos que abordam esse tipo de organizaccedilatildeo social e

poliacutetica atraveacutes de estudos de caso

Diante dessa carecircncia historiograacutefica sobre a temaacutetica a presente pesquisa

teve por objetivo principal a compreensatildeo da formaccedilatildeo e o processo de

desenvolvimento dos assentamentos rurais do municiacutepio de Vila Rica-MT A partir

desse estudo foi possiacutevel identificar que a luta pela terra implementada pelos atores

sociais na condiccedilatildeo de colonos posseiros atrelada agrave regularizaccedilatildeo fundiaacuteria e ao acesso

agraves poliacuteticas puacuteblicas como eacute o caso do Programa Nacional de Fortalecimento da

Agricultura Familiar (Pronaf) possibilitou a transformaccedilatildeo dos mesmos em agricultores

familiares

Para tanto foi problematizado o papel e a atuaccedilatildeo das instituiccedilotildees e oacutergatildeos

puacuteblicos como o Instituto Nacional de Colonizaccedilatildeo e Reforma Agraacuteria (INCRA) o

Ministeacuterio do Desenvolvimento Agraacuterio (MDA) o Banco do Brasil (BB) a Empresa

Mato-grossense de Pesquisa e Extensatildeo Rural SA (Empaer) e a Prefeitura Municipal de

Vila Rica aleacutem de movimentos sociais da sociedade civil como o Sindicato dos

Trabalhadores Rurais (STR) de Vila Rica-MT dada a importacircncia do seu envolvimento

Destacamos em particular a Comissatildeo Pastoral da Terra (CPT) a Prelazia de Satildeo Feacutelix

do Araguaia o Sindicato dos Trabalhadores Rurais e as Associaccedilotildees de Pequenos

Produtores Rurais Consideramos que para intensificar a anaacutelise foi necessaacuterio abordar

as accedilotildees e estrateacutegias dos atores sociais envolvidos na luta pela terra especialmente nos

17

momentos de adaptaccedilatildeo ou utilizaccedilatildeo de tais oacutergatildeos e instituiccedilotildees para cumprir seus

objetivos o acesso e a permanecircncia na terra

Natildeo temos a pretensatildeo de esgotar o assunto tampouco construir teses

aligeiradas sobre as comunidades e grupos sociais formados no municiacutepio de Vila Rica-

MT mas sim na trilha da anaacutelise soacutecio-histoacuterica compreender a formaccedilatildeo e o processo

de desenvolvimento dos assentamentos rurais do municiacutepio de Vila Rica-MT

problematizando o papel e a atuaccedilatildeo das instituiccedilotildees e entidades da sociedade civil

aleacutem dos oacutergatildeos puacuteblicos

Gostariacuteamos de esclarecer que as anaacutelises partem de uma posiccedilatildeo social de

moradora educadora e participante de movimentos sociais do Araguaia O

conhecimento empiacuterico dos problemas locais permitiu a formulaccedilatildeo de questotildees

fundamentadas em aspectos pouco estudados assim como perceber a necessidade de a

populaccedilatildeo formular reflexotildees sobre os assentamentos rurais e a Agricultura Familiar

num contexto onde existe um evidente avanccedilo da agricultura moderna e do agronegoacutecio

Com base em algumas experiecircncias vividas elaboramos questotildees

consideradas como significativas para problematizar as condiccedilotildees e circunstacircncias sob

as quais se deram a formaccedilatildeo e a consolidaccedilatildeo dos assentamentos rurais em Vila Rica-

MT As questotildees norteadoras foram Como ocorreu o processo de formaccedilatildeo dos

assentamentos rurais no municiacutepio de Vila Rica-MT Quais foram as estrateacutegias de

resistecircncia e articulaccedilatildeo utilizadas nas lutas pela terra pelos ldquoposseirosrdquo no processo de

formaccedilatildeo desses assentamentos rurais Como os posseiros se transformaram em

agricultores familiares e qual foi o papel do Pronaf nesse processo Quais satildeo as outras

Poliacuteticas Puacuteblicas adotadas que contribuiacuteram para a permanecircncia desses atores sociais

na terra

A partir dessas questotildees adotamos diferentes procedimentos metodoloacutegicos

tendo por base o uso de fontes escritas imageacuteticas e orais Primeiramente se buscou

fontes que permitissem analisar a atuaccedilatildeo da Associaccedilatildeo Sindical dos Posseiros

(Sindicato dos Trabalhadores Rurais) e da Conferecircncia Nacional dos Bispos do Brasil

(CNBB) via CPT da circunscriccedilatildeo eclesiaacutestica ndash Prelazia de Satildeo Feacutelix do Araguaia os

quais foram fundamentais na intermediaccedilatildeo com os oacutergatildeos puacuteblicos na defesa da vida e

do projeto dos ldquoposseirosrdquo pois aleacutem de fazer frente aos conflitos e ameaccedilas de morte

vivenciada na luta pela terra empreenderam accedilotildees poliacutetica em defesa da proposta de

18

Reforma Agraacuteria Eis a razatildeo pela qual dedicamos esforccedilos no sentido de analisar como

tais entidades articularam mobilizaccedilotildees e empreenderam accedilotildees para que os

trabalhadores rurais pudessem pleitear e conquistar as condiccedilotildees necessaacuterias para a

sobrevivecircncia e o fortalecimento dos assentamentos rurais

Ressaltamos que os contextos e as fontes utilizadas para a construccedilatildeo desta

narrativa histoacuterica pautada no processo de implantaccedilatildeo dos assentamentos rurais satildeo

muacuteltiplas dada a complexidade dos elementos narrativos muitos dos quais satildeo

divergentes e ateacute mesmo contraditoacuterios Tal constataccedilatildeo se deve ao envolvimento de

atores histoacutericos com diferentes concepccedilotildees relativas agrave funccedilatildeo e aos modos de usos da

terra uma vez que os ldquoposseirosrdquo tecircm diferenciaccedilotildees sociais entre si e os objetivos da

posse da terra natildeo satildeo uacutenicos podendo ser tanto o uso da terra para ldquomorar e plantarrdquo

dentro da concepccedilatildeo claacutessica da Conferecircncia Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)

quanto para apenas morar e criar gado sem produccedilatildeo agriacutecola ou apenas morar e

trabalhar fora da aacuterea da posse Em casos mais extremos o posseiro aluga ou ldquovende o

direitordquo do lote conquistado mas esse fato natildeo pode ser analisado de forma mecacircnica

sem problematizaccedilatildeo nos interessa tambeacutem compreender o que faz com que um

posseiro natildeo permaneccedila na terra

Diante dessa situaccedilatildeo satildeo muacuteltiplas as respostas desde a simples intenccedilatildeo de

comercializaccedilatildeo e especulaccedilatildeo fundiaacuteria como a falta de Poliacuteticas Puacuteblicas e de boas

condiccedilotildees de educaccedilatildeo e qualidade de vida Tais explicaccedilotildees atreladas a outras

motivaccedilotildees resultam num constante esvaziamento da populaccedilatildeo jovem das aacutereas rurais

em busca de educaccedilatildeo trabalho e oportunidades nos centros urbanos Tambeacutem a

populaccedilatildeo envelhecida deixa os assentamentos em busca de assistecircncia na aacuterea de sauacutede

e cuidados oferecidos pela famiacutelia Toda essa situaccedilatildeo complexa explica os elementos

fundamentais para entender a falta de sucessatildeo familiar e o envelhecimento da

populaccedilatildeo rural sobretudo em aacutereas de assentamentos

Tendo em vista a temaacutetica de permanecircncia na terra as entrevistas permitiram

compreender o motivo de os posseiros comercializarem ou natildeo suas terras e de fazer

diferentes usos dela tanto para a agricultura quanto para a pecuaacuteria

Tambeacutem na formaccedilatildeo dos assentamentos rurais diferentes concepccedilotildees

aparecem nas anaacutelises das fontes orais obtidas em entrevistas com os primeiros

moradores e o colonizador de Vila Rica-MT que trouxe a memoacuteria e a narrativa oficial

19

sobre a criaccedilatildeo e emancipaccedilatildeo do municiacutepio Consideramos como narrativa oficial a

produccedilatildeo de livros panfletos informaccedilotildees de sites da Prefeitura Municipal que em

geral satildeo utilizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) Cidades

aleacutem de material publicitaacuterio produzido em datas comemorativas onde satildeo exaltadas as

figuras dos ldquopioneirosrdquo e ldquoempreendedoresrdquo

Por outro lado para ampliar o diaacutelogo obtivemos os relatos orais de

assentados posseiros agricultores familiares e representantes de instituiccedilotildees de

entidades da sociedade civil e dos movimentos sociais os quais foram analisados em

conjunto com a bibliografia sobre a Questatildeo Agraacuteria e reocupaccedilatildeo do Araguaia aleacutem da

utilizaccedilatildeo de fontes escritas e imageacuteticas mas tambeacutem de dados oficiais que nos

possibilitaram a compreensatildeo de maneira ampliada das circunstacircncias de produccedilatildeo

histoacuterica de um grupo social diferenciado das terras do Araguaia

Tecendo a narrativa consideramos que o estudo sobre a formaccedilatildeo dos

assentamentos rurais de Vila Rica-MT pode ser analisado na produccedilatildeo historiograacutefica

de micro-historiadores onde se exige ldquo[] um trabalho de contextualizaccedilatildeo muacuteltipla em

que cada ator histoacuterico participa de maneira proacutexima ou distante de processos ndash e de

niacuteveis variaacuteveis do mais local ao mais globalrdquo conforme Revel (1998 p 28) o qual

rompe com a dicotomia entre a histoacuteria local e a histoacuteria global entendendo que a

experiecircncia de um agente social de um grupo de um espaccedilo particular permite perceber

uma modulaccedilatildeo especiacutefica da histoacuteria global

Nossa narrativa possibilita refletir sobre o ofiacutecio do historiador tomando

como referecircncia a importacircncia dos discursos construiacutedos a partir do objeto em estudo

Sobretudo no que tange aos artifiacutecios utilizados para a produccedilatildeo de anaacutelises das fontes

Escreve Bloch (2002 p 68) ldquo[] uma ciecircncia natildeo se define apenas por seu objeto

Seus limites podem ser fixados tambeacutem pela natureza proacutepria dos seus meacutetodosrdquo

Nesse particular Moraes (2000) e Guimaratildees Neto (2014) alertam sobre a

necessidade de articular as fontes orais com sua competecircncia e habilidade

reorganizando os conceitos que serviratildeo de subsiacutedios agrave construccedilatildeo das anaacutelises a partir

da leitura e do cruzamento com outras tipologias de fontes

Portanto as fontes natildeo satildeo tratadas aqui como mananciais de ldquoverdaderdquo uma

vez que tomadas como fragmentos do acontecimento e enquanto resultado de memoacuterias

e narrativas sujeitas agrave seleccedilatildeo fragmentaccedilatildeo silenciamentos e esquecimentos As

20

concepccedilotildees trazidas por Pollak (1990) e Ricoeur (2007) implicam em serem avaliadas

e inseridas na conjuntura que gera a produccedilatildeo de sentidos e significados para a

historiografia

Ao privilegiar a analise dos excluiacutedos dos marginalizados e das

minorias a histoacuteria oral ressaltou a importacircncia de memoacuterias

subterracircneas que como parte integrante das culturas

minoritaacuterias e dominadas se opotildeem agrave Memoacuteria oficial no

caso a memoacuteria nacional Num primeiro momento essa

abordagem faz da empatia com os grupos dominados estudados

uma regra metodoloacutegica e reabilita a periferia e a

marginalidade [] A memoacuteria entra em disputa Os objetos de

pesquisa satildeo escolhidos de preferecircncia onde existe conflito e

competiccedilatildeo entre memoacuterias concorrentes (POLLAK 1989 p

3)

Com base nessa problematizaccedilatildeo sobre a Histoacuteria Oral e sua opccedilatildeo

metodoloacutegica e poliacutetica natildeo perdemos de vista que essa perspectiva eacute uma oposiccedilatildeo

agravequela produccedilatildeo historiograacutefica sobretudo a partir do Seacuteculo XIX quando se concebeu

a histoacuteria como a ciecircncia que estuda o passado que investiga os acontecimentos

longiacutenquos da contemporaneidade de forma que natildeo haja testemunhas vivas que

tenham vivenciado os acontecimentos Poreacutem a percepccedilatildeo da histoacuteria enquanto a

ciecircncia que ldquoestuda o passado para entender o presenterdquo permaneceu de forma muito

viva no entendimento social tornando problemaacutetica a anaacutelise do tempo presente como

objeto de estudo do historiador sob a oacutetica da historiografia e da proacutepria sociedade

contemporacircnea

Aproximamos nossas reflexotildees da anaacutelise de acontecimentos do presente ou

bem proacuteximas a este por entender que a proximidade natildeo produz quaisquer

impedimentos quanto agraves anaacutelises no acircmbito da ciecircncia histoacuterica Mesmo que essas

questotildees jaacute tenham algumas deacutecadas de discussotildees no Brasil tais estudos ainda satildeo

muito recentes carecendo de definiccedilotildees mais consistentes que possam do ponto de

visto teoacuterico e metodoloacutegico responder algumas perguntas que se apresentam quanto agrave

validade deste marco temporal da historiografia denominada como histoacuteria do tempo

presente

Segundo Guimaratildees Neto (2014 p 35) vaacuterios historiadores apresentam

significados complexos em relaccedilatildeo agrave questatildeo do tempo presente com destaque para

Koselleck (2006) que assegura que esse conceito tem sofrido alteraccedilotildees ao longo do

21

tempo ldquo[] Contrariamente agraves pretensotildees generalizadoras e naturalizaccedilotildees de toda

sorte a denominaccedilatildeo bdquotempo presente‟ nos escapa entre os dedos e eacute de difiacutecil

apreensatildeordquo Tal denominaccedilatildeo se transforma troca de conteuacutedo experimenta novas

formas de ldquoser presenterdquo Agrave luz da interpretaccedilatildeo de Guimaratildees Neto eacute possiacutevel afirmar

que a circulaccedilatildeo entre os novos e os velhos significados produz a ldquoconcreccedilatildeo e a

materializaccedilatildeo de um conceito novordquo (GUIMARAtildeES NETO 2014 p 35)

Todavia somos convidados a problematizar o que seria uma histoacuteria do

tempo presente suas peculiaridades especificidades limites e contribuiccedilotildees Nessa

acepccedilatildeo Guimaratildees Neto (2014 p 37) pondera ainda que

Situados cada vez mais no acircmbito desse debate muitos

historiadores operam com uma concepccedilatildeo de passado que natildeo

se situa ldquofora do presenterdquo na perspectiva pensada por

Koselleck ao afirmar que todas as histoacuterias satildeo histoacuterias do

tempo presente (vistas no presente que se dissolve eou no

presente que condensa) entendendo que isso tambeacutem

significa imprimir uma dimensatildeo mais dilatada agrave histoacuteria do

tempo presente A discussatildeo historiograacutefica que contempla as

interseccedilotildees metodoloacutegicas dessa problemaacutetica natildeo se ateacutem

apenas agrave noccedilatildeo da presenccedila incorporada do futuropassado no

presente Mas remete agrave reflexatildeo acerca das relaccedilotildees que se

estabelecem entre presente e futuro presente e passado e

especialmente ldquocomordquo essas proacuteprias relaccedilotildees se constituem

As relaccedilotildees suscitadas por todo esse conjunto de anaacutelises levam

tambeacutem a debater uma concepccedilatildeo de contemporaneidade

avaliando- a na perspectiva do entrelaccedilamento que se deve

estabelecer entre as dimensotildees sincrocircnica e diacrocircnica do tempo

histoacuterico

Ao tomarmos o vieacutes explicativo de um fenocircmeno presente analisando uma

sociedade viva os processos de organizaccedilatildeo dos assentamentos rurais no municiacutepio de

Vila Rica-MT e as relaccedilotildees estabelecidas com os sindicatos e demais organizaccedilotildees

sociais puacuteblicas e privadas pensamos corroborar com a produccedilatildeo da profissatildeo do

historiador um tempo intercalado de relaccedilotildees passado-presente pautando com os

rigores necessaacuterios na anaacutelise dos documentos histoacutericos como fonte

Em relaccedilatildeo agrave definiccedilatildeo de fonte histoacuterica pontuamos a concepccedilatildeo contida em

Silva amp Silva (2009 p 158)

[] o termo mais claacutessico para conceituar a fonte histoacuterica eacute

documento Palavra no entanto que devido agraves concepccedilotildees da

escola metoacutedica ou positivista estaacute atrelada a uma gama de

22

ideias preconcebidas significando natildeo apenas o registro escrito

mas principalmente o registro oficial

Igualmente afianccedilamos no presente trabalho a busca pela ampliaccedilatildeo das

lentes historiograacuteficas sobre os documentos bem como dos atores sociais visto que natildeo

mais limitado ao citadino mas agora revelando os assentamentos rurais e sua

organizaccedilatildeo condiccedilotildees de vida razotildees de luta ateacute entatildeo ignorados pelas paacuteginas dos

anais oficiais do natildeo dito invisiacutevel tornando visiacutevel verificaacutevel analisaacutevel e

mensuraacutevel

[] O alargamento daquilo que se entendia como documento

ocorreu de maneira qualitativa e quantitativa segundo nos

aponta Le Goff 1984 A memoacuteria coletiva e a histoacuteria passaram

a natildeo cristalizar o seu interesse apenas nos grandes homens nos

grandes acontecimentos na histoacuteria poliacutetica diplomaacutetica e

militar Todos os homens tornaram-se interesse da histoacuteria os

documentos foram ampliados a capacidade de trabalho e o

espiacuterito do historiador foram inovados (BARROS 2013 p 1)

A partir dessa problematizaccedilatildeo teoacuterica e metodoloacutegica foi possiacutevel situar o

objeto desta pesquisa dentro do escopo da histoacuteria do tempo presente Conforme

Delgado e Ferreira (2014 p10-11) a ldquoquestatildeo da terra e das poliacuteticas fundiaacuteriardquo

constituem objeto legiacutetimo dessa perspectiva Ademais destacando a posiccedilatildeo de

Guimaratildees Neto (2014) reforccedilamos que o foco analiacutetico satildeo os ldquoconflitos referentes agrave

questatildeo da terra e das poliacuteticas governamentais em especial as fundiaacuteriasrdquo

Adotando essa perspectiva analiacutetica as questotildees foram levantadas e

analisadas ao longo de quatro capiacutetulos sendo que o primeiro teve como objetivo

apresentar uma discussatildeo sobre a Questatildeo Agraacuteria em Mato Grosso sobretudo no

espaccedilo do Araguaia construiacutedo atraveacutes das pesquisas jaacute existentes inseridas no marco

temporal das deacutecadas de 1960 e 1970 Destacamos as caracteriacutesticas do processo de

reocupaccedilatildeo1 pelas agropecuaacuterias e colonizadoras e nas deacutecadas de 1980 a 1990 quando

nesse espaccedilo se constituiacuteram e se formaram os assentamentos rurais Ademais foi

analisado o processo de colonizaccedilatildeo do municiacutepio de Vila Rica-MT

1 A concepccedilatildeo de Reocupaccedilatildeo embute uma concepccedilatildeo de que um determinado territoacuterio ou terra

natildeo era um espaccedilo vazio no qual havia presenccedila de povos tradicionais (indiacutegenas ribeirinhos

sertanejos seringueiros quilombolas) posseiros Na presente pesquisa usaremos e

problematizaremos essa noccedilatildeo de modo mais elaborado no primeiro capiacutetulo

23

O segundo capiacutetulo trata das configuraccedilotildees e modos de uso poliacutetico dos

espaccedilos na formaccedilatildeo dos assentamentos rurais bem como a luta pela regularizaccedilatildeo

fundiaacuteria dos 8 (oito) assentamentos rurais do municiacutepio de Vila Rica-MT

O terceiro capiacutetulo analisa os aspectos socioeconocircmicos da Agricultura

Familiar em Vila Rica-MT a partir dos resultados de uma pesquisa desenvolvida pela

Empaer (2009) junto aos assentamentos rurais de Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati

Tal pesquisa teve como objetivo principal explicar a realizaccedilatildeo dos Planos de

Desenvolvimento dos assentamentos rurais via projeto implementado pelo INCRA

E por fim no quarto capiacutetulo fizemos uma apresentaccedilatildeo das principais

Poliacuteticas Puacuteblicas integradas ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura

Familiar como eacute o caso dos Programas Luz para Todos Arco Verde Balde Cheio

Educaccedilatildeo Formaccedilatildeo Profissional e Teacutecnica do Assentado Sauacutede e Habitaccedilatildeo Rural

Trata-se tambeacutem do papel dos movimentos sociais do campo na implementaccedilatildeo dessas

poliacuteticas puacuteblicas frente agrave necessidade de serem criadas condiccedilotildees baacutesicas para a

permanecircncia dos agricultores familiares no campo uma vez que os assentamentos rurais

natildeo se formaram apenas pelo ato de regularizaccedilatildeo e acesso ao sistema de creacutedito

24

1 A QUESTAtildeO AGRAacuteRIA EM MATO GROSSO HISTOacuteRIA MEMORIAS

OCUPACcedilAtildeO E REOCUPACcedilAtildeO DO ARAGUAIA MATO-GROSSENSE

A proposta deste capiacutetulo inicial eacute fazer uma reconstituiccedilatildeo do processo de

reocupaccedilatildeo a partir da deacutecada de 1970 do espaccedilo Araguaia mato-grossense

denominado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) como

ldquomicrorregiatildeo Norte Araguaia do Estado de Mato Grossordquo Fazem parte desta

microrregiatildeo os municiacutepios de Bom Jesus do Araguaia Confresa Serra Nova Dourada

Novo Santo Antocircnio Alto da Boa Vista Satildeo Felix do Araguaia Luciara Ribeiratildeo

Cascalheira Santa Terezinha Vila Rica- MT Porto Alegre do Norte Canabrava Satildeo

Joseacute do Xingu e Santa Cruz do Xingu

No entanto eacute importante ressaltar que a denominaccedilatildeo ldquomicrorregiatildeo Norte

Araguaiardquo utilizada ao longo do texto possui complicadores em sua concepccedilatildeo ligada agrave

ideia de regiatildeo Eacute sabido que a definiccedilatildeo de regiatildeo concebida pelo IBGE eacute uma

imposiccedilatildeo de delimitaccedilatildeo juriacutedico-administrativa a qual conforme Bourdieu (2008) por

ter sido construiacuteda por meio do uso do Poder Estatal atribuiu uma visatildeo social atraveacutes

da divisatildeo e construccedilatildeo da unidade e da identidade entre os grupos Natildeo se constituiu

numa demarcaccedilatildeo com base em criteacuterios de homogeneidade da natureza de forma que

sejam respeitadas as diversidades e especificidades de grupos culturais

Albuquerque Juacutenior (2008) chama a atenccedilatildeo pela pouca importacircncia dada agrave

discussatildeo e compreensatildeo dos espaccedilos no desenvolvimento de estudos de cunho

historiograacutefico onde a regiatildeo passa a existir como um fenocircmeno da realidade que natildeo

carece de anaacutelises ou de problematizaccedilatildeo Ou seja natildeo haacute preocupaccedilatildeo com a

construccedilatildeo histoacuterica da concepccedilatildeo da regiatildeo que eacute analisada ldquo[] ora como um recorte

dado pela natureza ora como um recorte poliacutetico-administrativo ora como um recorte

cultural mas que parece natildeo ser fruto de um dado processo histoacutericordquo

(ALBUQUERQUE JUacuteNIOR 2008 p 57) Logo a regiatildeo eacute tida apenas como um

fenocircmeno precedente ldquoretalhordquo do espaccedilo constituiacutedo naturalmente um paracircmetro de

construccedilatildeo de identidade existente por si soacute

Problematizando a noccedilatildeo de regiatildeo delimitada por fronteiras juriacutedico-

administrativas Bourdieu (2008 p 115) afirma

25

A fronteira esse produto de um ato juriacutedico de delimitaccedilatildeo

produz a diferenccedila cultural do mesmo modo que eacute produto

desta basta pensar na accedilatildeo do sistema escolar em mateacuteria de

liacutengua para ver que a vontade poliacutetica pode desfazer o que a

histoacuteria tinha feito

Assim o autor problematiza o conceito de regiatildeo atraveacutes da diversidade da

liacutengua quando muitas vezes as delimitaccedilotildees satildeo estabelecidas sem levar em

consideraccedilatildeo as diferenccedilas culturais dos grupos eacutetnicos que convivem em um espaccedilo

uacutenico Um exemplo eacute a delimitaccedilatildeo territorial dos Estados Naccedilatildeo que como na Itaacutelia e

Alemanha englobam dentro de um mesmo territoacuterio considerado ldquohomogecircneo

culturalmenterdquo atraveacutes de uma liacutengua com diferentes leacutexicos e dialetos Eacute sabido que

atraveacutes da linguagem se reforccedila fixa e viabiliza os elementos de controle impostos

pelas classes dominantes uma vez que nem os proacuteprios intelectuais satildeo neutros em

produccedilotildees jaacute que estatildeo agindo dentro de um padratildeo que atende ou contraria interesses

dos grupos que exercem o poder na sociedade

Bourdieu (2008) afirma que os diferentes saberes satildeo produzidos sob o efeito

das relaccedilotildees de poder onde as disputas entre as ciecircncias pelo direito de qualificar a

regiatildeo satildeo ao mesmo tempo uma forma de disputa pelo poder Na concepccedilatildeo do autor

regiatildeo eacute uma construccedilatildeo simboacutelica resultante das disputas de diferentes aacutereas do

conhecimento pelo poder na definiccedilatildeo dos limites e sentidos a serem conferidos a uma

regiatildeo Ainda de acordo com Bourdieu (2008) a regiatildeo enquanto objeto de estudo eacute

constituiacuteda por um intenso debate que coloca em oposiccedilatildeo geoacutegrafos economistas

etnoacutelogos socioacutelogos e historiadores Essas categorias constituiacutedas no campo da ciecircncia

querem cada uma ao seu modo atribuir criteacuterios para delimitar uma regiatildeo

Portanto podemos dizer que esses debates existentes em torno da concepccedilatildeo

de regiatildeo tecircm oferecido subsiacutedio importante para a historiografia construir uma noccedilatildeo

de regiatildeo embora sinalizem para o sentido da inexistecircncia de consenso Ainda segundo

Bourdieu (2012) eacute nas relaccedilotildees de poder estabelecidas na sociedade a partir do plano

econocircmico que se formam as definiccedilotildees e delimitaccedilotildees de fronteiras que

evidentemente satildeo construiacutedas utilizando tambeacutem o poder simboacutelico como a proacutepria

noccedilatildeo de regiatildeo

Albuquerque Juacutenior (208 p 61) pondera que

26

A regiatildeo eacute ao mesmo tempo um dispositivo de forccedila e saberes

que aparece como externo aos sujeitos que a eles se impotildee de

fora que os limita e ateacute cerceia Eacute uma estrutura no sentido levi-

straussiano um mito que eacute vivido praticado e materializado

uma narrativa que se encarna o que acostumamos chamar de

interior dos sujeitos A regiatildeo eacute uma dobra do social que vem

constituir as subjetividades regionalistas em sua investigaccedilatildeo A

regiatildeo eacute tambeacutem modo de pensar modos de querer modos de

falar modos de gostar modos de preferir modos de amar

modos de desejar modos de mar modos de desejar modos de

olhar de escutar de cheirar de sentir sabor e de sentir dor A

regiatildeo de se expressa em jeitos de corpos em gestos em modos

de vestir de alimentar de beber de danccedila de se pocircr de peacute ou de

sentar A regiatildeo ao ser subjetivada ao ser encarnada ela

conformaraacute os corpos e os processos subjetivos

Compreender os diferentes significados e sentidos em relaccedilatildeo aos usos do

espaccedilo significa tambeacutem compreender o papel dos diferentes sujeitos no vieacutes da

historiografia seguindo a concepccedilatildeo de Certeau (2000) segundo o qual ao produzir a

historiografia o pesquisador estabelece seus criteacuterios de escolha os quais remetem

sempre aos diferentes contextos onde estaacute inserido sejam eles no acircmbito social cultural

ou econocircmico e tambeacutem ao proacuteprio interesse do pesquisador pois eacute ele quem escolhe o

que teraacute visibilidade e o que seraacute oculto no texto historiograacutefico

Ainda de acordo com o mesmo autor eacute possiacutevel acreditar que natildeo haacute

neutralidade na escrita historiograacutefica na medida em que sempre haveraacute o peso da

posiccedilatildeo do sujeito vinculado agrave instituiccedilatildeo e o lugar social e cultural ocupado pelo

indiviacuteduo porque a produccedilatildeo da escrita natildeo eacute algo individualizado mas sim constituiacutedo

na coletividade

Dessa forma a ideia construiacuteda acerca do texto historiograacutefico eacute resultado das

escolhas de quem a produz e estatildeo articuladas ao meio social econocircmico e cultural em

que se insere o pesquisador Logo a intenccedilatildeo da pesquisa nasce do desejo de descobrir

o que natildeo estaacute compreendido eacute a busca das indagaccedilotildees intrinsecamente vinculadas agrave

proacutepria trajetoacuteria de vida e no fazer acadecircmico do sujeito pesquisador (CERTEAU

2000)

Diante dessa problematizaccedilatildeo sobre o uso do conceito de regiatildeo e sua relaccedilatildeo

com a condiccedilatildeo de produccedilatildeo em que estaacute inserido o sujeito pesquisador fica evidente

que a ldquomicrorregiatildeordquo Norte Araguaia eacute uma visatildeo simplista e homogeneizadora que

natildeo evidencia as diferenccedilas naturais sociais e culturais existentes nesse espaccedilo O uso

27

indiscriminado de Regiatildeo Araguaia leva a noccedilotildees preconceituosas como a expressatildeo

utilizada por poliacuteticos e moradores de que se trata do ldquoVale dos Esquecidosrdquo

Ressalta-se que estudar a histoacuteria de Vila Rica-MT significa tambeacutem

compreender parte da histoacuteria do estado de Mato Grosso pois este municiacutepio natildeo surgiu

enquanto fenocircmeno isolado mas foi formado em um contexto ocorrido no Araguaia no

auge do processo de reocupaccedilatildeo de terras que se deu por duas frentes a primeira a dos

projetos agropecuaacuterios financiados pela Superintendecircncia de Desenvolvimento da

Amazocircnia (Sudam) e a segunda dos projetos de colonizaccedilatildeo privada que resultaram na

formaccedilatildeo dos municiacutepios de Confresa Vila Rica Aacutegua Boa e Canarana

Justamente por essa razatildeo a expressatildeo reocupaccedilatildeo da terra eacute recorrente no

presente texto A formaccedilatildeo de cidades natildeo resulta de algo natural ou um projeto de

ocupaccedilatildeo de terras ldquovaziasrdquo Para marcar a leitura que fazemos sobre o Araguaia eacute

preciso consideraacute-lo como um territoacuterio que jaacute estava ocupado por povos indiacutegenas

ribeirinhos ou sertanejos que viviam no espaccedilo anteriormente ao processo de

implantaccedilatildeo das poliacuteticas de desenvolvimento da Amazocircnia e a concretizaccedilatildeo dessas

duas frentes sobretudo na deacutecada de 1970

11 A reocupaccedilatildeo pelas agropecuaacuterias e empresas colonizadoras Anos de 1960 a

1980

Nas deacutecadas de 1960 a 1980 o norte do estado de Mato Grosso considerado

parte da ldquoAmazocircnia Legalrdquo tornou-se alvo de investimentos de grupos empresariais do

Sul e Sudeste do Brasil Os Governos de Mato Grosso desde a deacutecada de 1960

passaram a comercializar terras ldquotidas como devolutasrdquo como importante fonte de

arrecadaccedilatildeo para o Estado Neste contexto Mato Grosso seguindo a normativa do

Estatuto da Terra repassou para a iniciativa privada a funccedilatildeo de reordenar a ocupaccedilatildeo

destes espaccedilos atraveacutes da colonizaccedilatildeo privada2 Sobre a questatildeo Guimaratildees Neto

(2002 p 20) afirma que

2 Sobre este assunto ver GUIMARAtildeES NETO Regina Beatriz A Lenda do Ouro Verde Poliacutetica

de colonizaccedilatildeo no Brasil contemporacircneo Cuiabaacute UNICEN 2002

28

[] as empresas agropecuaacuterias comandadas em grande parte

por multinacionais [] jaacute vinham dominando este espaccedilo

especialmente apoacutes meados do seacuteculo vinte quando

intensificaram seu poder de accedilatildeo Eacute no acircmbito dessa experiecircncia

histoacuterica que se deve procurar estudar os projetos de

colonizaccedilatildeo Representam iniciativas e estrateacutegias de controle

ao acesso a terra e ao mercado de matildeo de obra

Assim estas duas frentes de reocupaccedilatildeo ldquo[] representam iniciativas e

estrateacutegias de controle ao acesso da terra e ao mercado de matildeo de obrardquo (GUIMARAES

NETO 2002 p 20) em que o Estado e os empresaacuterios atuaram muito mais no

propoacutesito da especulaccedilatildeo imobiliaacuteria do que na viabilizaccedilatildeo de terras para centenas de

famiacutelias que migraram para a Amazocircnia Legal

Vale lembrar que durante o periacuteodo dos Governos Militares foi construiacuteda

uma ldquohistoacuteria oficialrdquo acerca do processo de ocupaccedilatildeo da Amazocircnia que

gradativamente foi questionada e revisada atraveacutes de diferentes narrativas construiacutedas a

partir da memoacuteria dos agentes histoacutericos que vivenciaram aquele processo

Consideramos importante registrar nos estudos cujo foco eacute o processo de

reocupaccedilatildeo da terra no Araguaia as perspectivas dos diferentes grupos e movimentos

sociais responsaacuteveis pela reocupaccedilatildeo desse espaccedilo considerando a memoacuteria daqueles

que migraram de diferentes regiotildees do paiacutes sobretudo do Sul e Sudeste perseguindo o

sonho de adquirir uma aacuterea de terra Um exemplo dessas narrativas com base na

memoacuteria das pessoas pode ser ilustrado nesse trecho do relato de uma das moradoras de

Vila Rica-MT

Quando eu cheguei aqui em Vila Rica-MT estranhei de tudo

um pouco Desde a comida [] Ih Nossa Senhora as falas

deles trem As gurias foram pra rua as gurias saiacuteram foram

pra rua O que eacute isso Rua laacute no Sul isso natildeo se fala E os

trem trem eacute um trem que puxa vagatildeo e aqui tudo que eacute coisa eacute

trem Hoje a gente estaacute acostumada com as comidas tambeacutem

aqui era diferente de laacute [] quando eu cheguei aqui a vila

estava super suja Colonial tudo tudo Lixo no meio da rua ali

no meio onde tem a grama e os coqueirinhos aquilo laacute era lixo

natildeo dava pra olhar de um lado pra outro Nossa mas era suja

demais a rua As propagandas ih Eles passavam slides

mostravam como era aqui em Vila Rica-MT da cidade das

roccedilas das lavouras das plantaccedilotildees de soja milho []

(ENTREVISTA com Izode Baoacute realizada por Acircngela Martini

Vila Rica-MT 4 de marccedilo de 2001)

29

Novas abordagens da historiografia que possibilitam o uso de novas fontes

entre elas as orais permitiram anaacutelises sobre a Amazocircnia Legal com nova dinacircmica

enquanto objeto de estudo nas aacutereas de Ciecircncias Humanas e Sociais Por outro lado

ressalta-se que eacute imprescindiacutevel trilhar pelas discussotildees teoacutericas e metodoloacutegicas de

alguns estudiosos da questatildeo agraacuteria no Brasil como Caio Prado Juacutenior Octaacutevio Ianni

Seacutergio Buarque de Holanda e outros Em Mato Grosso as obras de autores como

Martins (1985-1997) Lenharo (1985) Oliveira (1996) Barrozo (2009 2010)

Guimaratildees Neto (2002 2007) Gonccedilalves (2005) e Joanoni Neto (2007) Arauacutejo (2013)

entre outros satildeo referecircncias

As concepccedilotildees abordadas por esses autores nos remetem a pensar que eacute

preciso antes de tudo desconstruir a narrativa oficial sobre a Amazocircnia a qual foi

construiacuteda sobretudo durante os Governos civis militares sob o ponto de vista que

engloba a noccedilatildeo da fronteira e de integraccedilatildeo nacional na qual se procurou internalizar

os discursos de alguns segmentos sociais os quais construiacuteram o imaginaacuterio que

caracteriza esse espaccedilo como atrasado e despovoado ou melhor um ldquovazio

demograacuteficordquo

Ao referenciar o potencial dos recursos naturais ali existentes aquele espaccedilo

passou a ser visto com outro enfoque segundo o qual a mesma pode ser analisada para

aleacutem do seu potencial de reserva natural Natildeo se pode perder de vista que esse

ldquoimaginaacuteriordquo vem sendo arquitetado sob a loacutegica daqueles que vivem ldquoalheiosrdquo agraves

necessidades e ldquorealidadesrdquo nas quais a populaccedilatildeo que habita a Amazocircnia Legal estaacute

inserida no caso especiacutefico o Araguaia

Os empresaacuterios e a elite poliacutetica sempre se beneficiaram dos lucros obtidos

por meio do uso e abuso das riquezas extraiacutedas da Amazocircnia Legal nos grandes

projetos de exploraccedilatildeo mineral e vegetal em nome de um discurso de integraccedilatildeo

nacional e de desenvolvimento e progresso regional

Para Gonccedilalves (2005) compreender a Amazocircnia eacute saber respeitar a

diversidade e particularidades desse espaccedilo em seus aspectos econocircmicos naturais

sociais e culturais bem como os feitios de inserccedilotildees das poliacuteticas e programas de

governo que foram parcialmente realizados Tais poliacuteticas atenderam em especial a

um determinado grupo social especificamente o empresarial que dispunha de capital

financeiro embora se trate de um territoacuterio cheio de contradiccedilotildees conflitos e diferentes

30

possibilidades dos povos que ldquotradicionalmente habitamrdquo a floresta De forma mais

detalhada Gonccedilalves (2005 p 9) descreve

A Amazocircnia eacute sobretudo diversidade Haacute a Amazocircnia dos

Cerrados a Amazocircnia da Vaacuterzea a Amazocircnia dos Manguezais

e a Amazocircnia das florestas Habitar esses espaccedilos eacute um desafio

agrave inteligecircncia agrave convivecircncia com a diversidade Esse eacute o

patrimocircnio que as populaccedilotildees originaacuterias e tradicionais da

Amazocircnia oferecem para o diaacutelogo com outras culturas e

saberes

Logo estudar a Amazocircnia Legal significa tambeacutem conhecer seu processo de

ocupaccedilatildeo e reocupaccedilatildeo identificando sobretudo as dinacircmicas de resistecircncia e as

estrateacutegias de sobrevivecircncias dos diferentes sujeitos que a habitavam (iacutendios

quilombolas sertanejos seringueiros ribeirinhos e outros povos)

Esses grupos se veem diariamente diante da obrigatoriedade de criar e recriar

taacuteticas para enfrentar as novas territorialidades impostas pelos grupos empresariais

capitalistas em sua loacutegica segundo a qual a terra eacute um objeto de negoacutecio Para as

populaccedilotildees tradicionais a terra eacute uma condiccedilatildeo de trabalho e sobrevivecircncia

Barrozo (2010 p 8) considera que ldquo[] o processo de integraccedilatildeo da

Amazocircnia provocou o corte dos espaccedilos por meio da construccedilatildeo de rodovias

desencadeando um processo raacutepido e violento de expropriaccedilatildeo domiacutenio e controle das

aacutereas jaacute povoadas por populaccedilotildees tradicionais daquela regiatildeordquo

Assim como Ianni (1990) Barrozo (2010) assegura que a reocupaccedilatildeo da

Amazocircnia por meio do artifiacutecio da colonizaccedilatildeo privada e dirigida tinha como principal

objetivo acolher a populaccedilatildeo que ldquosobravardquo do processo de modernizaccedilatildeo da agricultura

do Centro-Sul do paiacutes As empresas colonizadoras e agropecuaacuterias aleacutem de se utilizar

dos recursos puacuteblicos executados de forma predatoacuteria provocaram uma transformaccedilatildeo

significativa nos aspectos sociais culturais e ambientais daquele espaccedilo

Para Souza (2009 p79)

A (re) ocupaccedilatildeo do nordeste de Mato Grosso por grandes

empresas incentivadas pelo governo federal a partir da deacutecada

de 70 do seacuteculo XX tem revelado muacuteltiplos conflitos embates

e disputas pelos usos e posse da terra A partir de 1964 os

governos militares elaboraram e conduziram um projeto de

ocupaccedilatildeo e controle de acesso agraves terras na Amazocircnia

materializado pelo Estatuto da Terra (Lei 450464)

31

Destacamos que apesar dessas mudanccedilas consideradas progressistas

conforme o Estatuto da Terra (1964) quando analisadas no campo da operacionalidade

praacutetica natildeo redundaram em uma maior distribuiccedilatildeo de terras para os migrantes natildeo

tendo ocorrido alteraccedilatildeo na dinacircmica de concentraccedilatildeo da terra No entanto mantecircm o

movimento de retorno de muitos migrantes antes e agora expulsos pela expansatildeo do

agronegoacutecio sobretudo pela cultura da soja e criaccedilatildeo de gado para corte e leite

Na perspectiva histoacuterica do processo de reocupaccedilatildeo do Araguaia Barrozo

(2010 p 8) afirma

A partir de 1968 comeccedilaram a chegar ao Araguaia agraves grandes

empresas atraiacutedas pelos incentivos fiscais da Sudam Estas

empresas originaacuterias do Sul e Sudeste se apropriaram de

grandes aacutereas de terra no entatildeo municiacutepio de Barra do Garccedilas

onde instalaram os projetos agropecuaacuterios Neste periacuteodo foram

criados vaacuterios povoados e vilas onde se concentra o comeacutercio e

a prestaccedilatildeo de serviccedilos Entre os nuacutecleos populacionais deste

periacuteodo destacam-se Porto Alegre do Norte Alto da Boa Vista

Confresa As agropecuaacuterias desmataram grandes aacutereas de

Cerrado e de floresta para o plantio de pastagens e algumas

empresas deixaram suas terras incultas agrave espera de valorizaccedilatildeo

Com a reduccedilatildeo e extinccedilatildeo gradativa dos incentivos e subsiacutedios

fiscais da Sudam muitas empresas agropecuaacuterias reduziram

suas atividades na regiatildeo e algumas venderam suas

propriedades

Percebemos que o processo de reocupaccedilatildeo das terras do Araguaia natildeo fugia

agraves caracteriacutesticas do que ocorrera nas demais aacutereas da Amazocircnia Legal que era

apresentada no cenaacuterio nacional como uma grande extensatildeo de terra despovoada onde

havia extensos espaccedilos considerados ldquovaziosrdquo

Essa concepccedilatildeo teve origem no programa ldquoMarcha para o Oesterdquo que

selecionou o Centro-Oeste brasileiro como alvo privilegiado para a implantaccedilatildeo dos

grandes projetos de expansatildeo visando agrave ocupaccedilatildeo territorial Destacamos a Fundaccedilatildeo

Brasil Central cujo objetivo era construir estradas e ldquopacificarrdquo as sociedades indiacutegenas

existentes nos vales do Araguaia e Xingu Nesse sentido Soares (2004 p 98) assinala

que

32

A opccedilatildeo de investimento a fim de promover o desenvolvimento

da Amazocircnia abrangendo o Vale do Araguaia parte do nordeste

de Mato Grosso foi pela instalaccedilatildeo de grandes projetos

agropecuaacuterios para produccedilatildeo de proteiacutenas de carne bovina para

exportaccedilatildeo Os primeiros projetos aprovados pela Sudam

implantados no Vale do Araguaia datam de 1966 destacando-se

a Agropecuaacuteria Suiaacute Missuacute SA com uma aacuterea de 695 843

hectares que corresponde aproximadamente a 300000

alqueires localizada no atual municiacutepio de Satildeo Feacutelix do

Araguaia A partir de 1966 muitos outros projetos foram sendo

instalados

De acordo com a descriccedilatildeo do autor as poliacuteticas de desenvolvimento

econocircmico da Amazocircnia promovidas pelo Governo Federal sob a supervisatildeo da

Superintendecircncia de Desenvolvimento da Amazocircnia (Sudam) desde o iniacutecio de sua

criaccedilatildeo despertaram o interesse de empresaacuterios regiotildees Sudeste e Sul do Brasil Os

mesmos viam na constituiccedilatildeo do desenvolvimento regional a possibilidade de maior

enriquecimento por meio dos grandes projetos agropecuaacuterios e de colonizaccedilatildeo

madeireiros e mineradores As empresas eram atraiacutedas pelos incentivos fiscais cuja

propaganda produzia o imaginaacuterio da terra em abundacircncia e financiamentos a juros

baixos

Sobre o imaginaacuterio e os efeitos da propaganda em torno das possibilidades de

riqueza advinda do trabalho com a terra Arauacutejo (2013 p 250) em sua pesquisa

ldquoTerritoacuterios Amazocircnicos e o Araguaia Mato-grossense configuraccedilotildees de modernidade

poliacuteticas de ocupaccedilatildeo e civilidade para os sertotildeesrdquo ao analisar os artifiacutecios ocorridos na

execuccedilatildeo das poliacuteticas de desenvolvimento no Araguaia afirma

As propagandas dos ldquonegoacutecios fundiaacuteriosrdquo do Vale do Araguaia

eram veiculadas pelos meios de comunicaccedilatildeo locais (raacutedio

televisatildeo jornais) anunciando facilidades aos interessados o

que muito atraiacutea pessoas com histoacuterico familiar vinculado agraves

praacuteticas campesinas que desejavam possuir eou aumentar o

proacuteprio patrimocircnio aleacutem da possibilidade de assegurar a

manutenccedilatildeo da famiacutelia pensando numa estabilidade

socioeconocircmica

Agrave luz da concepccedilatildeo da autora afirmamos que as empresas se valiam de

diferentes estrateacutegias sobretudo o uso dos recursos midiaacuteticos para propagarem o

discurso e o imaginaacuterio em torno da terra abundante e apropriada para agricultura E

33

assim mobilizar migrantes de vaacuterias regiotildees do Brasil em busca do sonho em ter a

posse da terra e condiccedilotildees para produzir e adquirir riqueza

Ainda em conformidade com Arauacutejo (2013) eacute possiacutevel afirmar que havia

entre os grupos de migrantes perfis sociais econocircmicos e culturais muito diferentes

pois de um lado estavam as famiacutelias que planejaram as mudanccedilas no espaccedilo e do

outro aquelas que chegaram ao Araguaia mato-grossense por acaso

Nesta mesma perspectiva Paret (2012 p 17) avalia a formaccedilatildeo

socioeconocircmica do Araguaia como a realizaccedilatildeo da integraccedilatildeo entre as populaccedilotildees

tradicionais (povos indiacutegenas) e migrantes ldquodos quatro cantos do paiacutesrdquo que em sua

maioria eram ldquo[] retirantes espontacircneos colonos pioneiros e audaciosos

trabalhadores temporaacuterios (boias-frias) migrantes que emigram sem descanso fugindo

da pobreza em busca de novas oportunidadesrdquo Observamos que a visatildeo do autor citado

eacute problemaacutetica pela exaltaccedilatildeo de um ideal do pioneiro parte daquilo que consideramos

como histoacuteria oficial

Como o INCRA natildeo assegurou terras para os migrantes desprovidos de

capital financeiro para aquisiccedilatildeo de lotes estes passaram a reocupar aacutereas jaacute povoadas

pelas populaccedilotildees indiacutegenas terras da Uniatildeo ou de fazendas improdutivas Esta situaccedilatildeo

gerou diversos conflitos entre diferentes grupos sociais no Araguaia mato-grossense

Nesse contexto o municiacutepio de Vila Rica-MT foi formado Esse processo

requer uma anaacutelise especiacutefica

12 A criaccedilatildeo e emancipaccedilatildeo3 do municiacutepio de Vila Rica-MT

A formaccedilatildeo de Vila Rica-MT teve seu desenvolvimento intensificado a partir

da deacutecada de 1980 tendo por base quatro Projetos Agropecuaacuterios Aracati Satildeo Marcos

Porangaba e Promissatildeo Posteriormente essas agropecuaacuterias foram transformadas em

projeto de colonizaccedilatildeo privada com a criaccedilatildeo da empresa de Serviccedilo Auxiliares da

Agropecuaacuteria LTDA (Servap) que procurou a efetivaccedilatildeo do projeto de colonizaccedilatildeo por

meio da empresa Colonizadora Vila Rica-MT Ltda

3 A Lei n 4381 de 12 de novembro de 1981 criou o Distrito de Vila Rica com territoacuterio

pertencente agrave Santa Terezinha e no dia 13 dias de maio de 1986 pela Lei Estadual n 5001 foi

criado o municiacutepio de Vila Rica

Disponiacutevel em

lthttpwwwcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=510860ampsearch=mato-

grosso|vila-ica|infograficos-historicogt Acesso em 21082015

34

Logo o municiacutepio inseriu-se em muacuteltiplos contextos de reocupaccedilatildeo da terra e

de financiamento de projetos agropecuaacuterios madeireiros e de colonizaccedilatildeo localizados

no nordeste do estado de Mato Grosso na faixa fronteiriccedila com os estados do Paraacute e

Tocantins como mostra a figura que se segue

Figura 01 Mapa de Propaganda da Colonizadora Vila Rica-MT

Fonte Servap apud Martini 2002 p12

Observamos na imagem que os escritos da propaganda da empresa

colonizadora se vinculavam agrave ideia de que ldquoeacute faacutecil conhecer Vila Ricardquo tendo ao lado

um mapa desatacando visualmente as rotas de estradas que ligavam o Sul do paiacutes ateacute o

Norte e tendo Vila Rica como ponto estrateacutegico nessa rota Ademais a mensagem

35

escrita eacute clara pretendia- se atrair compradores de terra de outras regiotildees que

organizassem ldquocaravanasrdquo para conhecer e investir no municiacutepio de Vila Rica

Na deacutecada de 1970 um soacutecio da Servap resolveu transformar juridicamente a

sua aacuterea territorial em uma empresa especializada e autorizada para atuar como

ldquoempresa de colonizaccedilatildeordquo O objetivo foi o de obter junto ao Governo Federal

autorizaccedilatildeo para lotear a aacuterea da agropecuaacuteria e comercializar os lotes utilizando os

incentivos fiscais oferecidos na eacutepoca pela Sudam Aleacutem da especulaccedilatildeo caracterizada

pela valorizaccedilatildeo imobiliaacuteria das terras com baixa eficiecircncia produtiva a empresa

procurava garantir com isso a presenccedila de trabalhadores que serviriam de matildeo obra nas

proacuteprias fazendas Esse processo foi caracterizado por Ianni (1978) como ldquoContra

Reforma Agraacuteriardquo

Segundo Guimaratildees Neto (2007 p 7)

Nesse sentido eacute que as novas cidades surgiram no territoacuterio

amazocircnico articuladas a uma grande rede viaacuteria e ao mercado

capitalista natildeo satildeo resultados ldquonaturaisrdquo do movimento de

deslocamento dos diversos grupos sociais que para laacute se

dirigiram denominado de processo migratoacuterio Relacionam-se

muito mais a um conjunto de praacuteticas organizadoras de poliacuteticas

de controle e monopoacutelio da exploraccedilatildeo da riqueza por parte dos

grandes empresaacuterios e proprietaacuterios As cidades trazem inscritas

em seu espaccedilo as praacuteticas sociais de segregaccedilatildeo de violecircncia e

de cerceamento dos direitos civis que natildeo podem ocultar Mas

natildeo soacute isto manifesta a todo o momento praacuteticas de resistecircncia

atuaccedilotildees de organizaccedilotildees civis e religiosas demarcando um

territoacuterio de conflito

Para a autora as cidades emergidas no territoacuterio da Amazocircnia natildeo resultaram

de um movimento espontacircneo de migraccedilatildeo mas sobretudo foram embasadas de uma

poliacutetica de controle do capital financeiro manipulado pelos interesses dos grupos

empresariais Ao mesmo tempo as novas cidades se constituiacuteram enquanto espaccedilos de

conflitos e praacuteticas de violecircncia marcados pelos conflitos motivados pelas diferenccedilas

sociais culturais e religiosas

Nesse quadro de especulaccedilatildeo imobiliaacuteria com as terras do Araguaia mato-

grossense o processo de colonizaccedilatildeo de Vila Rica foi iniciado pela SERVAP na deacutecada

de 1990 e continuado pela Colonizadora Vila Rica Ltda O foco da colonizaccedilatildeo estava

na venda de lotes rurais para os migrantes que vieram em busca de terra

36

O relato a seguir descreve o momento em que os posseiros e colonos

chegaram assim como a abertura e demarcaccedilatildeo do espaccedilo urbano e rural do municiacutepio

de Vila Rica-MT Tambeacutem eacute evidente na memoacuteria social e na percepccedilatildeo individual o

momento da venda dos lotes segundo a memoacuteria social e a percepccedilatildeo individual dos

entrevistados

[] Eu vi a oportunidade de ver ali onde hoje eacute o coleacutegio

estadual em selva em mata Vi desmatar vi formar pasto e

depois tirar o pasto para fazer a cidade e deixar aquela aacuterea

especial para a construccedilatildeo do coleacutegio Tive a oportunidade de

acompanhar com o topoacutegrafo a demarcaccedilatildeo dos lotes e das

ruas da cidade Quando a colonizadora vendia uma aacuterea de

terra rural de 400 hectares ela dava na cidade

ldquogratuitamenterdquo dois lotes de terra um no centro e outro mais

afastado isso para que as pessoas construiacutessem a fim de

expandir a cidade [] (ENTREVISTA com Dioniacutesio ex-

funcionaacuterio da colonizadora realizada por Acircngela Martini em

novembro de 2001 Grifos nossos)

Podemos identificar atraveacutes dessa fonte oral a percepccedilatildeo dos colonos em

relaccedilatildeo agraves transformaccedilotildees ocorridas nos espaccedilos em que o rural foi ganhando

caracteriacutesticas de urbanizaccedilatildeo mas tambeacutem as estrateacutegias da colonizadora para atrair os

compradores de terra Outro depoimento oral demonstra como ocorria a

comercializaccedilatildeo de lotes

Na verdade quando surgiu Vila Rica eles esparramaram

vendendo para todo o Brasil O pessoal fazia troca trocavam

um alqueire paulista por um alqueire aqui Geralmente trocava

dois por um A terra laacute era mais valorizada (ENTREVISTA

com Gilmar agricultor familiar de Vila Rica-MT realizada pela

autora em marccedilo de 2015)

Atraveacutes desse processo de acesso agrave terra por meio de compra de lotes com o

capital oriundo da venda de terras no local de origem muitos migrantes de vaacuterias

localidades do Brasil sobretudo nos estados do Paranaacute Santa Catarina Rio Grande do

Sul Goiaacutes e Minas Gerais onde ocorriam transformaccedilotildees na estrutura agraacuteria e a

modernizaccedilatildeo da agricultura foram para Vila Rica buscando realizar o sonho de

adquirir uma ldquoaacutereardquo equivalente agrave que haviam vendido na regiatildeo de origem ou entatildeo

uma aacuterea ainda maior

37

Dentre os sonhos e os projetos de vida desses migrantes estava a

possibilidade de produzir com fartura melhorar de vida ou ateacute enriquecer atraveacutes do

trabalho na terra O depoimento do secretaacuterio de agricultura do municiacutepio de Vila Rica-

MT ilustra essa situaccedilatildeo tendo por base sua trajetoacuteria pessoal

Eu nasci em Santa Catarina no ano de 1975 e quando eu tinha

10 anos de idade os meus pais mudaram para o estado de Mato

Grosso Na eacutepoca a gente jaacute morava no estado do Paranaacute

Chegamos no dia 9 de junho de 1985 Vila Rica ainda era

distrito de Santa Terezinha e aiacute fomos direto para o Projeto

Canta Galo que era um projeto de colonizaccedilatildeo Chegamos agrave

noite em Vila Rica e fomos direto para o Canta Galo era soacute

mato e noacutes jaacute chegamos destruindo tudo porque a gente jaacute

chegou para fazer roccedila para comeccedilar a trabalhar []

A gente veio com pessoal conhecido Meus pais eu e os meus

irmatildeos A nossa famiacutelia veio completa e mais cinco famiacutelias

vieram em busca de melhorias de vida Sempre mexemos com

sitio Moramos na roccedila pequena propriedade e viemos pra caacute

com a intenccedilatildeo de conseguir uma aacuterea maior Queriacuteamos ficar

ricos mas o que aconteceu foi o contraacuterio (ENTREVISTA

com Gilmar agricultor familiar de Vila Rica-MT realizada pela

autora em marccedilo de 2015)

A anaacutelise da fonte oral permite averiguar que a empresa SERVAP

posteriormente denominada de Colonizadora Vila Rica Ltda tambeacutem lanccedilou matildeo de

diversos recursos midiaacuteticos fazendo investimentos em propaganda a fim de difundir a

ideia da boa qualidade da terra boa e seu baixo preccedilo Esse trabalho de divulgaccedilatildeo

influenciou pessoas que decidiram migrar procurando um espaccedilo promissor com terras

boas

Dentro dessa perspectiva a visualizaccedilatildeo e leitura de um dos panfletos

publicitaacuterios nos ajudou a visualizar as estrateacutegias de propaganda utilizadas pela

colonizadora no caso do municiacutepio de Vila Rica

A propaganda facilitava a venda dos lotes acelerando a reocupaccedilatildeo dos

espaccedilos urbanos e rurais como retrata o panfleto utilizado pela empresa para difundir o

seu ideaacuterio de construccedilatildeo social A imagem de trabalhadores rurais ldquocarpindordquo

demonstra que o ideal seria a migraccedilatildeo de colonos agricultores com perfil de quem

sabia produzir plantar e colher produtos agriacutecolas A frase ldquoTerra feacutertil e urbanizadardquo

demonstra no entanto que se prometia uma estrutura urbana para oferecer uma ldquovida

feliz para vocecirc e sua famiacuteliardquo Ou seja um evidente apelo aos valores tradicionais da

38

famiacutelia atrelados agrave ideia de felicidade a ser conquistada atraveacutes da compra de terras no

municiacutepio de Vila Rica-MT

Todos esses elementos podem ser observados na Figura 2

Figura 2 Folder de Propaganda da Colonizaccedilatildeo Vila Rica-MT

Fonte SERVAP apud Martini 2002 p14

Portanto os colonos que compraram terras e se mudaram para Vila Rica

sofreram as investidas das empresas atraveacutes das propagandas que descreviam as terras

como sendo boas e baratas conforme mostra o panfleto da colonizadora ldquoConheccedila Vila

Rica Mato Grosso terra feacutertil e urbanizada vida feliz para vocecirc e sua famiacuteliardquo A

imagem criava um imaginaacuterio acerca do lugar como o ideal para se morar e prosperar

economicamente A loacutegica era de fixaccedilatildeo do homem na terra passada de pai para filho

apelo aos agricultores de tradiccedilatildeo ldquocamponesardquo 4

4 Sobre essa questatildeo Martini (2002) em sua monografia de graduaccedilatildeo em Histoacuteria a qual eacute intitulada

como Cotidiano e Identidade Cultural em Vila Rica ndashMT uma cidade de colonizaccedilatildeo recente apresenta

39

Nesse aspecto o relato oral a seguir se constitui numa exemplificaccedilatildeo da

forma como que os artifiacutecios da propaganda persistem na memoacuteria dos atores sociais

As propagandas ih Eles passavam slides mostravam como

era aqui em Vila Rica da cidade das roccedilas das lavouras das

plantaccedilotildees de soja milho Propaganda na raacutedio passava muito

direto mesmo e tambeacutem na televisatildeo passava propaganda

sobre a Vila Rica Tinha tambeacutem gravaccedilotildees de mulheres daqui

da Vila que faziam entrevista na raacutedio Elas diziam assim olha

gente aqui em Vila Rica noacutes estamos bem noacutes temos coleacutegio

falava falava do coleacutegio Faziam propaganda muita entrevista

na raacutedio Eles iludiam muito o pessoal (ENTREVISTA com

Izolde Baacuteo ex-colona realizada por Acircngela Maria Martini em

04032001)

Logo podemos compreender que as propagandas eram criadas pela empresa

colonizadora mas que tinham participaccedilatildeo dos proacuteprios colonos que incentivavam a

vinda de outros A colonizadora incentivava essa participaccedilatildeo dos colonos para o

chamamento - atraveacutes da ideia de que quanto mais colonos viessem para a aacuterea e

comprassem terra mas proacutesperas seriam aquelas terras

Outro fator altamente atrativo foi a divulgaccedilatildeo do projeto urbaniacutestico da

cidade de Vila Rica-MT cujo ldquocorpordquo lembra a figura de um sino Conforme IBGE

Cidades (2015)

A cidade de Vila Rica-MT localizada no nordeste de Mato

Grosso foi cuidadosamente planejada no periacuteodo de sua

fundaccedilatildeo O traccedilado da cidade lhe daacute um formato de sino tendo

sido idealizado pelo paisagista suiacuteccedilo Dr Roberto Khuno Eacute

dividida em dois setores norte e sul sendo margeada pela BR-

1585

Esse formato do projeto da cidade representa a construccedilatildeo do imaginaacuterio de

um grupo de migrantes praticantes da feacute catoacutelica incorporando princiacutepios religiosos a

serviccedilo do capitalismo Ao mesmo tempo mostra uma forte aproximaccedilatildeo entre os

colonos e os donos da empresa colonizadora com a Igreja Catoacutelica Essa representaccedilatildeo

arquitetocircnica da cidade mostra que a mesma foi planejada a partir de uma concepccedilatildeo

religiosa com a qual o desenvolvimento se entrelaccedilaria Objetivou-se a construccedilatildeo do

uma reflexatildeo bastante rica em detalhes construiacuteda a partir das narrativas orais e de imagens relacionadas

ao processo de formaccedilatildeo da cidade de Vila Rica no Estado de Mato Grosso 5Disponiacutevel em

lthttpwwwcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=510860ampsearch=mato-

grosso|vila-rica|infograficos-historicogt Acesso em 2102015

40

imaginaacuterio coletivo de uma cidade civilizada com uma Igreja dentro dos moldes

europeus Assim como na histoacuteria europeia moderna a religiatildeo e a eacutetica do capitalismo

se fundem em um processo que

possivelmente pode ter sido utilizado pela

colonizadora6

Figura 3 Planta ou Projeto urbaniacutestico da cidade de Vila Rica-MT

Fonte Arquivo da Prefeitura de Vila Rica-MT 2015

Atraveacutes da visualizaccedilatildeo da figura 3 fica evidenciado que o projeto

urbaniacutestico ou a planta da aacuterea urbana do municiacutepio de Vila Rica partiu de um projeto

com base em um ldquoconceitualrdquo religioso Em outra planta que projeta a aacuterea de expansatildeo

urbana eacute perceptiacutevel que foi mantido o formato do sino inicial mas com acreacutescimo de

aacutereas agrave direita e uma base que natildeo desconfigurou o desenho inicial

Guimaratildees Neto (2000) considera que no universo simboacutelico da ldquocidade

colonizadardquo tudo parece ter sentido e significado Haacute um lugar certo para cada coisa ou

situaccedilatildeo por exemplo espaccedilo para a praccedila comeacutercio bairros residenciais bairros para

os oacutergatildeos puacuteblicos e institucionais avenidas e bairros residenciais dos trabalhadores Eacute

a ideia de cidade organizada enfim de um povo que organiza devidamente o seu espaccedilo

de convivecircncia social Todavia nesse cenaacuterio desenhado natildeo haveria espaccedilo para o

6 Para uma melhor compreensatildeo ver o caso de Fontanilha Juiacutena-MT analisado por JOANONI

NETO Vitale Fronteiras da Crenccedila ocupaccedilatildeo no Norte de Mato Grosso apoacutes 1970 Cuiabaacute

Carlini amp Caniato EdUFMT 2007

41

surgimento das periferias uma vez que a existecircncia delas desmontaria todo o ideaacuterio

urbaniacutestico da cidade de progresso e de civilizaccedilatildeo

Eacute notoacuteria a riqueza de detalhes nos projetos urbaniacutesticos das cidades

planejadas de colonizaccedilatildeo recente de Mato Grosso As marcas da organizaccedilatildeo tecircm

sempre uma perspectiva marcante no universo de signos e significados como foi

registrado por Guimaratildees Neto (2000 p 7) ao apontar que a cidade se projeta ldquo[]

como uma metaacutefora privilegiada da passagem-comunicaccedilatildeo e separaccedilatildeo entre diversos

mundos e por que natildeo paisagem desenhada por um rico mosaico de linguagens

diversasrdquo

Nesse aspecto quem chegou primeiro fez parte da construccedilatildeo quem chegou

depois tambeacutem foi inserido nessa loacutegica organizativa porque parte dos colonos que

permaneceram na cidade se incorporou ao trabalho prestando serviccedilos ou abrindo

comeacutercios inserindo-se nesse universo de desejo siacutembolos sentidos e significados de

viver em uma cidade com caracteriacutesticas e paisagem adequadas aos moldes dos grandes

centros urbanos

O imaginaacuterio coletivo acerca da concepccedilatildeo de progresso se constituiu de

forma eficaz nessa representaccedilatildeo da cidade em seus primeiros tempos distinguindo os

acontecimentos iniciais construiacutedos com a participaccedilatildeo de homens e mulheres vindos

das diferentes regiotildees do Brasil Essa diversidade cultural se explicita nos detalhes de

construccedilatildeo das casas na maneira de falar e de organizar a paisagem urbana enfim

torna-se proacuteprio de uma cidade de todos para todos desde que devidamente organizados

em seus espaccedilos sociais

Noutra abordagem sobre as narrativas e a formaccedilatildeo de cidades do processo de

colonizaccedilatildeo recente Guimaratildees Neto (2007 p 7) exemplifica

Trabalhadores sem-terra e mesmo pequenos proprietaacuterios

denominados de colonos invertem as programaccedilotildees e previsotildees

das empresas colonizadoras Por meio de accedilotildees coletivas e de

enfrentamentos conflituosos provocam mudanccedilas de aacutereas

planejadas para determinados fins com funccedilotildees diferentes do

que estava previsto As proacuteprias empresas e depois os poderes

puacuteblicos instalados criam ldquobairros novosrdquo a fim de controlar e

administrar a chegada de diversos trabalhadores pobres como

na cidade de Vila Rica-MT onde se organiza a mudanccedila da

cadeia puacuteblica do cemiteacuterio e da zona de meretriacutecio para o

bairro Vila Nova destinado a pessoas de comprovada baixa

renda e com maior nuacutemero de dependentes (Lei municipal nordm

42

19693 de 09121993) extinguindo o popular ldquoPau Secordquo a

primeira aacuterea de meretriacutecio que ocupava um espaccedilo

considerado nobre para a cidade

Em conformidade com a concepccedilatildeo da autora afirmamos que satildeo os atores

histoacutericos atraveacutes de diferentes estrateacutegias e accedilotildees que realizam os desdobramentos e

permitem uma multiplicidade de accedilotildees e efeitos de suas praacuteticas eacute que vatildeo

ldquodesvendando inventando e desenhandordquo os locais da cidade que encenam os contrastes

sociais e culturais Nesse aspecto grupos sociais acabam modificando o projeto inicial e

inserindo nele seu proacuteprio modo de constituir a vida em sociedade

Outra estrateacutegia utilizada para facilitar o processo de venda dos lotes foi a

definiccedilatildeo dos criteacuterios de seleccedilatildeo do puacuteblico alvo das investidas de vendas pela

empresa colonizadora Nesse cenaacuterio surgiram os pequenos proprietaacuterios de terras do

Sul do Brasil os quais dispunham de capital para investir na compra de lotes da

colonizadora Tambeacutem havia a negociaccedilatildeo por meio da troca de terra e da carta de

creacutedito como ocorreu com as pessoas que haviam sido desapropriadas para a

construccedilatildeo da barragem da Usina de Itaipu no Paranaacute de onde migraram diversas

pessoas para Vila Rica-MT Essa negociaccedilatildeo era feita com intermediaccedilatildeo de instituiccedilatildeo

bancaacuteria

Ainda relacionando a reorganizaccedilatildeo dos espaccedilos em Vila Rica sob a

conduccedilatildeo da colonizadora eacute importante considerar que houve tentativas no sentido de

destinar pequenas aacutereas de terra situadas nos fundos das fazendas para ldquoaliviarrdquo a

pressatildeo dos trabalhadores rurais Inclusive ex-funcionaacuterios da empresa SERVAP com

o objetivo de evitar a invasatildeo por parte dos ldquoposseirosrdquo acabavam sendo incorporados

por esses procedimentos de especulaccedilatildeo imobiliaacuteria praticados pela Colonizadora Vila

Rica

Semelhante situaccedilatildeo nos remete a uma anaacutelise que demonstra ter havido uma

relaccedilatildeo entre as intenccedilotildees dos representantes da Servap tanto em relaccedilatildeo aos objetivos

do INCRA quanto ao destino de parte da aacuterea para o processo de colonizaccedilatildeo oficial

Segundo Barrozo (2010 p 18) ldquo[] para os camponeses do Sul o governo oferecia a

possibilidade de adquirir um lote de 100 ou 200 hectares em um nuacutecleo do INCRA

com infraestrutura estrada e tudo mais que a propaganda oficial anunciava para

sensibilizar os agricultoresrdquo

43

No caso do processo de reocupaccedilatildeo do municiacutepio de Vila Rica a

documentaccedilatildeo7 analisada demonstrou que havia entre os primeiros moradores

concepccedilotildees diferentes acerca do processo de ocupaccedilatildeo e reocupaccedilatildeo das terras naquela

aacuterea As fontes nos possibilitam ainda identificar as estrateacutegias adotadas para arquitetar

o imaginaacuterio sobre os ldquoditos pioneirosrdquo que pode ser identificado atraveacutes das narrativas

oficiais sobre as histoacuterias do lugar que se tornam discursos

Poreacutem a realidade contemporacircnea tambeacutem pode ser pensada por outra

perspectiva configurada de outro modo demonstrando a presenccedila indiacutegenas na regiatildeo

Nos sites do IBGE Cidades e da Prefeitura de Vila Rica natildeo haacute menccedilatildeo sobre a

presenccedila de povos indiacutegenas na aacuterea colonizada Mas segundo Costa e Silva amp Ferreira

(1994 p 248)

O povo indiacutegena ldquoTapirapeacuterdquo que habitou imemorialmente as

terras do lugar foram remanejados para municiacutepios vizinhos

em aacutereas especialmente reservadas Estes foram na verdade os

grandes pioneiros do lugar povo sofrido sentindo-se sem

perspectivas de vida iniciaram um processo de auto

dizimazizaccedilatildeo Tudo comeccedilou com forte conflito cultural que se

abateu sobre os poucos ldquoTapirapeacutesrdquo que restaram Accedilatildeo

seguinte que se viu foi agrave eliminaccedilatildeo de crianccedilas receacutem-nascidas

No entanto a interferecircncia de religiosas natildeo permitiu que se

concretizasse o desejo coletivo de extinccedilatildeo do ldquoTapirapeacuterdquo como

naccedilatildeo (Grifos nossos)

A citaccedilatildeo eacute importante para destacar a presenccedila do povo indiacutegena Tapirapeacute na

aacuterea que foi colonizada no entanto eacute uma visatildeo problemaacutetica no que diz respeito agrave

ideia de que os povos indiacutegenas foram pioneiros uma vez que essa concepccedilatildeo eacute oriunda

de projetos de Governo e de uma visatildeo economicista de ocupaccedilatildeo de territoacuterio natildeo eacute

parte da concepccedilatildeo de terra para povos indiacutegenas voltada agrave identidade e memoacuteria do

lugar Certamente para os autores pioneiro significou aquele que primeiro ocupou o

solo e natildeo seu entendimento no interior do processo de colonizaccedilatildeo contemporacircneo

No entanto existe uma narrativa oficial que ldquoesquecerdquo de citar a presenccedila

indiacutegena e assume um discurso de que os ldquopioneirosrdquo foram os que participaram do

processo de colonizaccedilatildeo privada Isto eacute haacute uma ampla difusatildeo da ideia de que a

7 O termo documentaccedilatildeo refere- se agraves fontes escritas que foram acessadas para a produccedilatildeo das

anaacutelises como eacute o caso dos ofiacutecios cartas relatoacuterios atas e relatos orais

44

validade da ocupaccedilatildeo da terra tem sentido somente quando eacute pensada do ponto de vista

da criaccedilatildeo da cidade e da organizaccedilatildeo social embasada na propriedade privada da terra

Outros atores sociais silenciados foram os migrantes de origem camponesa

de diferentes origens que foram ocupar aquele espaccedilo nas primeiras deacutecadas do seacuteculo

XX conforme descrito por Costa e Silva amp Ferreira (1994 p 248)

No iniacutecio da sua povoaccedilatildeo Vila Rica recebeu forte fluxo

migratoacuterio de povos (sic) de Goiaacutes Minas Gerais e do

Nordeste Fator determinante foi o reflexo da colonizaccedilatildeo de

Nova Xavantina pois o assentamento da Fundaccedilatildeo Brasil

Central natildeo produziu os efeitos que se esperava e os colonos

sem apoio prometido se espalharam pelo Leste e Nordeste do

Estado de Mato Grosso

Novamente a citaccedilatildeo traz problemas ao analisar que os fluxos migracionais

eram realizados por ldquopovosrdquo entendidos enquanto populaccedilotildees mas fornece elementos

para compreendermos como ocorreu uma reocupaccedilatildeo inicial por migrantes poreacutem o

que persiste na histoacuteria oficial descrita no IBGE Cidades (2015) 8 eacute que

A construccedilatildeo da rodovia BR-158 foi fator determinante para a

colonizaccedilatildeo da cidade de Vila Rica -MT favorecendo o

estabelecimento de empresas agropecuaacuterias na regiatildeo O nuacutecleo

que deu origem ao atual municiacutepio tem histoacuteria

relativamente recente Vila Rica - MT foi fundada pelo Sr

Rubens Rezende Peres em 1978 que chegou na regiatildeo

trazendo consigo a Colonizadora Vila Rica-MT Segundo

relatos histoacutericos os primeiros moradores da localidade vieram

de Minas Gerais e homenagearam o lugar que escolheram para

morar com o nome de Vila Rica em referecircncia agrave antiga Vila

Rica de Ouro Preto (Grifos nossos)

Logo dessa maneira registrada a presenccedila indiacutegena e de migrantes que

chegaram antes da colonizaccedilatildeo privada efetivada a partir da deacutecada de 1980 e

consideradas ldquorecentesrdquo decidem considerar que a histoacuteria do municiacutepio somente

comeccedila com essa modalidade de colonizaccedilatildeo

8 Disponiacutevel em

lthttpwwwcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=510860ampsearch=mato-

grosso|vila-rica|infograficos-historicogt Acesso em 2102015

45

A obra da jornalista Soely Gonccedilalves Santos Pires contratada pela Prefeitura

Municipal de Vila Rica em 2002 para escrever a histoacuteria do municiacutepio eacute um exemplo

que evidencia a versatildeo oficial9

[] Aconteciam as exploraccedilotildees das terras ao nordeste mato-

grossense rotas e demarcaccedilotildees cifradas em aacutereas destinadas agrave

implantaccedilatildeo do arrojado projeto Em meio a tantos apetrechos

no lidar aacuterduo talvez natildeo tenham tido tempo para registrar tudo

em diaacuterio Idas e vindas por iacutengremes caminhos de quilocircmetros

de distacircncias paragens desconhecidas Veredas iam se

alargando mato adentro sol ardente e calor intenso []

venciam-se os empecilhos agrave medida que esses iam surgindo

Natildeo adentravam o sertatildeo em busca de bauacute recheado de

preciosos tesouros enterrados nas profundezas da terra [] A

finalidade era trabalhar Soacute assim conquistariam o almejado

objetivo [] Trabalho avante Em aproximadamente seis meses

de contiacutenuas derrubadas a estiagem com a secagem Nisso

atearam fogo Os dias se passaram Um olhar ao longe no

alcance de vales e serras [] Focando com muita atenccedilatildeo os

limpotildees que iam surgindo propiciando o semear das primeiras

sementes de capim Aiacute estava o representativo ouro dos sertotildees

A Servap foi instituiacuteda no ano 1973 e por seu intermeacutedio

administrava-se toda a assistecircncia no desenvolver das atividades

do projeto desde o princiacutepio A movimentaccedilatildeo era intensa o

serviccedilo mecanizado requeria grande consumo de oacuteleo diesel O

transporte era constante Devido agrave precariedade das estradas o

trajeto era retardo levando de cinco a sete dias para alcanccedilar o

ponto de apoio local onde se situava a SERVAP Hoje ali se

encontra o Frigoriacutefico Vila Rica que por sinal contribuiu muito

natildeo soacute com a economia natildeo soacute da regiatildeo mas tambeacutem de

municiacutepios vizinhos (PIRES 2002 p 10)

O discurso contido nessa narrativa apresenta muacuteltiplos sentidos

primeiramente pode ser analisado como sendo da perspectiva de um explorador de

recursos naturais e de projetos de colonizaccedilatildeo privada mas que se considera um

desbravador com um espiacuterito empresarial e empreendedor Essa observaccedilatildeo pode ser

visualizada na afirmaccedilatildeo de que se tratava da ldquo[] implantaccedilatildeo do arrojado projeto Em

meio a tantos apetrechos no lidar aacuterduo []rdquo Aqui eacute possiacutevel pensar inclusive na ideia

da tentativa de criaccedilatildeo de um mito de origem de um heroacutei de um grupo de homens que

fizeram a histoacuteria da cidade civilizada

9Apesar da ressalva sobre o livro de Soely eacute necessaacuterio afirmar que se trata de uma obra

importante para percebemos a concepccedilatildeo do dono da empresa Servap

46

Esse tipo de discurso exaltando o colonizador foi identificado e interpretado

pela pesquisa de Heinst (2007) que analisou a disputa da memoacuteria de quem era o

colonizador e o pioneiro no municiacutepio mato-grossense de Mirassol D‟Oeste A autora

identificou que foram aqueles pioneiros que tiveram ecircxito econocircmico considerados os

ldquoprimeirosrdquo com o espiacuterito empresarial que enalteceram a colonizaccedilatildeo

Guimaratildees Neto (2002) na anaacutelise de Alta Floresta esclarece que o

colonizador Ariosto da Riva produziu um discurso no qual se auto-intitula ldquobandeirante

do seacuteculo XXrdquo A anaacutelise mostra a perspectiva de quem tem o espiacuterito expansionista

tatildeo recorrente na histoacuteria brasileira e que se renova ao longo do contexto de expansatildeo da

fronteira agriacutecola recente

Sabemos que a narrativa produzida em determinada conjuntura poliacutetica

cultural ou econocircmica estaacute condicionada a um momento histoacuterico e atrelada agrave

linguagem utilizada pode ser uma das vias por onde a ideologia se materializa O

ldquoaventureirordquo eacute descrito e se auto- identifica como explorador e grande desbravador de

espiacuterito empreendedor sendo portanto ele o pioneiro em tudo porque enfrentou

inuacutemeras dificuldades Assim produz discursos embasados em espaccedilos difiacuteceis de

sertatildeo obstaacuteculos naturais e o potencial arrojado do sujeito empreendedor inicial

Aleacutem disso o texto enfatiza que todo esse esforccedilo natildeo tinha como objetivo o

lucro o interesse proacuteprio a cobiccedila como se observa nesse fragmento do texto de Pires

(2002 p 10) ldquo[] Natildeo adentravam o sertatildeo em busca de bauacute recheado de preciosos

tesouros enterrados nas profundezas da terra A finalidade era trabalhar []rdquo Essas

narrativas remetem agrave trajetoacuteria do colonizador e de sua famiacutelia conforme a descriccedilatildeo

Minha histoacuteria comeccedila com o meu pai eacuteramos madeireiros ele

jaacute atuava no ramo por muitos anos faleceu e eu o substituiacute no

trabalho Na deacutecada de 50 me mudei para Satildeo Pedro dos

Ferros cidade jaacute com cinquenta anos de fundaccedilatildeo e sem

nenhuma participaccedilatildeo minha nem de algueacutem da minha famiacutelia

Compramos terra nesse municiacutepio onde foi implantado um

grande serviccedilo chegando a trabalhar dez mil pessoas no

desmatamento e formaccedilatildeo de aacutereas para a implantaccedilatildeo de

fazendas Quando o serviccedilo terminou eu estava com quarenta e

cinco anos de idade Acostumado desde muito cedo com serviccedilo

de grande porte utilizando grande nuacutemero de pessoas []

como fazendeiro comecei a me sentir meio ocioso As

atividades que eu tinha em minha fazenda natildeo eram suficientes

para satisfazer o meu acircnimo para o trabalho (ENTREVISTA

com Rubens Rezende Peres colonizador de Vila Rica realizada

por Suely Gonccedilalves Santos Pires em 2002)

47

Podemos compreender que o colonizador ressalta na sua narrativa seu

perfil de empreendedor advindo de uma ldquoheranccedilardquo adquirida do pai que era

madeireiro Depois vai demonstrando como foi se adaptando agraves novas situaccedilotildees

[] Em Belo Horizonte eu tinha amigos entatildeo participei a

eles sobre a minha pretensatildeo em procurar terras para abrir

novas frentes de trabalho Geraldo Simotildees amigo de longas

datas falou-me ldquoEu arranjo o dinheiro e vocecirc entra com o

serviccedilordquo Convidou uma meia duacutezia de amigos nossos

ldquoAcreditamos na sua capacidade e vocecirc vai pra laacuterdquo Noacutes natildeo

temos experiecircncias suficientes nesse ramo de negoacutecio o que

nos dificultaria particularmente a implantaccedilatildeo de um trabalho

dessa ordem mas entramos com o dinheiro (ENTREVISTA

com Rubens Rezende Peres colonizador de Vila Rica-MT

realizada por Suely Gonccedilalves Santos Pires em 2002)

Neste relato percebe-se a autopromoccedilatildeo do colonizador ao demonstrar que

ele era um ldquotrabalhadorrdquo acostumado com ldquoserviccedilos de grande porterdquo com iniciativa

para conseguir agregar em seus empreendimentos outros ldquoamigosrdquo como Geraldo

Simotildees que foi um dos donos das fazendas abertas naquele periacuteodo Essa narrativa de

autopromoccedilatildeo estaacute dentro de uma loacutegica baseada no ideaacuterio de que o colonizador

deveria ter esse perfil de ldquoempreendedorrdquo e ldquopioneirordquo e que trabalhava e tudo fazia

A narrativa de autopromoccedilatildeo contrapotildee ao esquecimento de outros pioneiros

e trabalhadores na eacutepoca da formaccedilatildeo da cidade O esvaziamento de sentido aparece na

narrativa apenas como apecircndice da construccedilatildeo da histoacuteria oficial do ldquoprogressordquo e do

ldquopioneirismordquo denotando portanto a pouca importacircncia desses trabalhadores Essa

visatildeo reforccedila o discurso do ldquofui eu quem fizrdquo acentuando ainda mais uma visatildeo

capitalista evidenciada e reforccedilada nas referecircncias sobre as contribuiccedilotildees do Frigoriacutefico

de Vila Rica-MT

Guimaratildees Neto (2011 p 95) discute a relaccedilatildeo entre a colonizaccedilatildeo e os

dispositivos de poder a partir do imaginaacuterio da cidade sobre o trabalho A autora afirma

que ldquo[] no acircmbito dos discursos objetivam dotar de significado poliacutetico econocircmico e

social os espaccedilos destinados agrave colonizaccedilatildeo a pedra angular eacute a produccedilatildeo da ideia ou

invenccedilatildeo de uma vocaccedilatildeo agriacutecola para a Amazocircniardquo Entatildeo temos nesse caso uma

aproximaccedilatildeo dessa realidade entre os espaccedilos sociais e as contribuiccedilotildees dos sujeitos

para uma Paacutetria produtiva a partir de seus municiacutepios

48

A seguir temos outro exemplo de como o discurso do colonizador soa como

uma reivindicaccedilatildeo em torno do reconhecimento por parte de todos os demais sujeitos

histoacutericos jaacute que foi ele quem construiu tudo em uma eacutepoca em que tudo era muito

difiacutecil e trabalhoso

[] Fui para aquela regiatildeo procurei as terras sobrevoando a

regiatildeo mais sul possiacutevel do Amazonas Interessei-me pela

regiatildeo por ficar mais perto do sul Eu acreditava que a

influecircncia do Sul no futuro seria importante Achei finalmente

as terras [] Procurando passei em muitas fazendas para

verificar como os capins se desenvolviam naquelas regiotildees e

finalmente descobri uma aacuterea que satisfez minhas exigecircncias

[] Eram cento e cinquenta mil hectares comprei de uma

firma do Rio Grande do Sul e posteriormente vendi parte dela

cinquenta mil hectares para fazendeiros de Ituiutaba -MG O

restante eu fiz sete fazendas para este grupo de Belo Horizonte

que jaacute tinha entrado com o dinheiro para a aquisiccedilatildeo da terra

(ENTREVISTA com Rubens Rezende Peres colonizador de

Vila Rica-MT realizada por Suely Gonccedilalves Santos Pires em

2002)

Ao contraacuterio da narrativa oficial do colonizador que exalta os seus esforccedilos e

problemas o relato oral de alguns colonos demonstra precisamente que foram eles que

enfrentaram os maiores problemas superaram os piores desafios e venceram por

esforccedilos pessoais e coletivos quando necessaacuterio

Noacutes eacuteramos seis famiacutelias aiacute com 15 dias em Mato Grosso o

pessoal comeccedilou adoecer com malaacuteria que ateacute entatildeo era

desconhecida pra gente quando o pessoal foi negociar as

terras disseram que aqui era um lugar muito sadio natildeo tinha

doenccedila Entatildeo quem tinha condiccedilatildeo voltou a ir embora e noacutes

ficamos aqui soacute que aiacute acabou tudo com doenccedila e fomos

trabalhar como peotildees pra quem tinha mais Ai depois de

alguns anos a gente mudou daquele local e procuramos um

lugar onde natildeo tinha doenccedila malaacuteria ateacute chegar na cidade de

Vila Rica-MT voltar a morar na cidade Aqui eu vendia picoleacute

limpava quintal trabalhei de servente de pedreiro ateacute que

surgiu a oportunidade pra ir estudar fora eu fui a estudar em

Satildeo Paulo (ENTREVISTA com Gilmar Assentado realizada

pela autora em marccedilo de 2015 Grifos do autor)

O relato mostra que havia colonos insatisfeitos com a aquisiccedilatildeo do lote e que

tinham vontade ou mesmo conseguiram voltar para seus lugares de origem Poreacutem

49

percebe-se tambeacutem a existecircncia de objetivos na vida destas pessoas como a luta pela

sobrevivecircncia e por ocupaccedilatildeo de destaque no espaccedilo social

Para aleacutem dessa problemaacutetica sobre a narrativa e o discurso do colonizador

um dos elementos principais foi o papel de instituiccedilotildees e oacutergatildeos puacuteblicos na criaccedilatildeo e

emancipaccedilatildeo do municiacutepio de Vila Rica que se deu principalmente por meio de

programas e poliacuteticas puacuteblicas ligadas ao incentivo agrave colonizaccedilatildeo e a reocupaccedilatildeo por

meio de empresas agropecuaacuterias

121 O papel das instituiccedilotildees e oacutergatildeo puacuteblicos as empresas agropecuaacuterias

e a colonizadora

Conforme jaacute contextualizado a atuaccedilatildeo do Governo Federal atraveacutes de

projetos e poliacuteticas puacuteblicas foi fundamental para a criaccedilatildeo do municiacutepio de Vila Rica-

MT O Programa de Redistribuiccedilatildeo de Terras e de Estiacutemulo agrave Agroinduacutestria do Norte

(Proterra) criado em 1971 foi um dos principais programas federais de financiamento

das agropecuaacuterias daquela aacuterea Esse programa objetivava dentre outras metas

promover o acesso agrave terra e agrave agroindustrializaccedilatildeo na aacuterea onde jaacute havia investimentos

feitos pela Sudam Ressaltamos que os objetivos idealizados natildeo foram necessaria e

igualmente realizados

No discurso do Proterra a ldquo[] aquisiccedilatildeo ou desapropriaccedilatildeo de terras de

interesse social empreacutestimos fundiaacuterios para pequenos e meacutedios produtores rurais

financiamento de projetos de agroindustrializaccedilatildeo subsiacutedios ao uso de insumos

modernos []rdquo Era um programa de governo que idealizou a organizaccedilatildeo de alguns

espaccedilos agraacuterios de maneira singular Cruzando com as fontes orais eacute possiacutevel verificar

o impacto desse programa na formaccedilatildeo do municiacutepio de Vila Rica

[] Na eacutepoca o governo estava dando estiacutemulo para a

ocupaccedilatildeo da Amazocircnia Legal Era uma modalidade de

empreacutestimo por nome Proterra que o Banco do Brasil dava

Esse recurso era destinado agrave implantaccedilatildeo de Fazendas na

regiatildeo [] Fiz um projeto para cada um dos meus amigos e

criamos uma empresa para a implantaccedilatildeo das fazendas

denominadas de SERVAP exclusivamente nossa composta por

seis soacutecios e dirigida por meu filho Claudio [] Todo aquele

trabalho no Mato Grosso foi dirigido por mim Implantei todas

as fazendas de acordo com os Projetos do BB fizemos pastos

currais as cercas e compramos o gado para depois de quatro

ou cinco anos poder entregar as referidas fazendas para cada

50

um dos soacutecios [] Nesse periacuteodo surgiu a oportunidade de

comprar mais cem mil hectares de terras anexas agraves nossas e

que pertenciam na eacutepoca ao Sr Osvaldo Aranha ou melhor a

uma empresa dele Logo em seguida compramos a Urupianga

(ENTREVISTA com Rubens Rezende Peres colonizador de

Vila Rica - MT realizada por Soely Gonccedilalves Santos Pires em

2002)

O colonizador Rubens Rezende considera como meacuterito do colonizador

ousadia ldquodesbravamentordquo e ldquoempreendedorismordquo como base apoio e financiamentos

de programas do Governo Federal viabilizados pelo Banco do Brasil A deacutecada de

1970 sobretudo as os anos de 1970-1973 e 1975-1979 foi marcada pela execuccedilatildeo de

um programa de crescimento econocircmico na fronteira Amazocircnica quando o Governo

Federal estimulou as empresas privadas a se constituiacuterem em grandes empreendimentos

agropecuaacuterios Esses projetos eram majoritariamente aqueles que viabilizados pela

parceria entre as empresas estatais e privadas

Na execuccedilatildeo desse projeto de crescimento econocircmico do Brasil sobretudo

para a Amazocircnia o Governo Federal subsidiou e viabilizou a concessatildeo de terras para

que grupos empresariais pudessem instalar grandes projetos tanto no setor

agropecuaacuterio como na induacutestria mineraccedilatildeo e colonizaccedilatildeo No espaccedilo do Araguaia as

empresas agropecuaacuterias tiveram significativa presenccedila

Os projetos e programas do Governo Federal contaram com duas principais

frentes de atuaccedilatildeo atraveacutes da Sudam paralelamente com a atuaccedilatildeo do INCRA com

projetos de assentamentos rurais Assim as terras devolutas foram vendidas pelo

Governo Estadual e adquiridas a preccedilos baixos por empresaacuterios agricultores

profissionais liberais atraiacutedos pelos incentivos fiscais e oportunidades de expansatildeo de

capital fomentado por projetos agropecuaacuterios aprovados pela Sudam Comprar e

administrar extensas fazendas na Amazocircnia parecia ser um bom negoacutecio jaacute que oferecia

baixo risco

Lourenccedilo (2009) informa que no periacuteodo de 1970 a 1985 a Amazocircnia Legal

teve 950 projetos aprovados pela Sudam dos quais 631 eram destinados agrave pecuaacuteria

extensiva Embora a previsatildeo de duraccedilatildeo desses projetos fosse de 16 anos a produccedilatildeo

era em meacutedia 9 do que tinha sido proposto Havia ainda as fazendas agropecuaacuterias

que natildeo produziam praticamente nada aleacutem daquelas que soacute existiam no papel

constituiacutedas apenas para a captaccedilatildeo de financiamentos e incentivos fiscais

51

No iniacutecio da deacutecada de 1970 o Governo Federal permitiu que as empresas de

colonizaccedilatildeo privada participassem juntamente com o INCRA da colonizaccedilatildeo na

Amazocircnia Segundo Lourenccedilo (2009 p 4)

O outro braccedilo da estrateacutegia de ocupaccedilatildeo da Amazocircnia com o

grande capital foi o avanccedilo da colonizaccedilatildeo privada Entre o

comeccedilo dos anos 1970 e meados dos anos 1980 principalmente

no Norte do Mato Grosso empresaacuterios como Ecircnio Pepino

Ariosto da Riva e Joatildeo Carlos Meireles compraram do INCRA

ou do estado do Mato Grosso com financiamento fundiaacuterio do

Proterra imensas glebas para divisatildeo e venda de lotes a colonos

do Sul expulsos pela modernizaccedilatildeo excludente da agricultura

ou afetados pela construccedilatildeo de hidreleacutetricas Os nomes das

cidades na metade norte do estado satildeo reveladores de suas

origens na empresa privada Sinop (Sociedade Imobiliaacuteria

Noroeste do Paranaacute) Confresa (Colonizadora Frenova Sapesa)

Contriguaccedilu (Cooperativa Central Regional Iguaccedilu) Codeara

(Companhia de Desenvolvimento do Araguaia do Banco de

Creacutedito Nacional) e outros nomes menos reveladores mas de

mesma origem como Alta Floresta (Indeco) Nova Mutum

(Agropecuaacuteria Mutum) Vila Rica-MT (Colonizadora Vila

Rica-MT) Tucumatilde (Construtora Andrade Gutierrez no Paraacute)

entre vaacuterios outros (Grifos nossos)

Em Mato Grosso as empresas de colonizaccedilatildeo privada adquiriram vaacuterios

milhotildees de hectares de terras puacuteblicas que foram loteadas e revendidas sobretudo para

agricultores que migraram do Sul do Brasil O INCRA que era responsaacutevel pela

colonizaccedilatildeo na Amazocircnia desenvolveu poucos projetos de colonizaccedilatildeo em Mato

Grosso deixando o campo aberto para as empresas privadas

Pouco foi investido por parte de posteriores Governos Federais e Estaduais na

permanecircncia dos assentados em suas terras centralizando os anseios e reinvindicaccedilotildees

ainda no INCRA Somente em 1999 o Governo Federal criou o Ministeacuterio do

Desenvolvimento Agraacuterio (MDA) Este oacutergatildeo se ocupou do reordenamento agraacuterio e

regularizaccedilatildeo fundiaacuteria na Amazocircnia Legal promoccedilatildeo do desenvolvimento sustentaacutevel

da Agricultura Familiar das regiotildees rurais e na identificaccedilatildeo reconhecimento

delimitaccedilatildeo demarcaccedilatildeo e titulaccedilatildeo das terras ocupadas pelos remanescentes das

comunidades quilombolas

Estes oacutergatildeos (INCRA e MDA) foram responsaacuteveis pelo desenvolvimento da

poliacutetica permanente de criaccedilatildeo de assentamentos rurais no paiacutes enquanto mediadores da

aquisiccedilatildeo ou de expropriaccedilatildeo de novas aacutereas de terras privadas ou puacuteblicas aleacutem da

52

realizaccedilatildeo da regularizaccedilatildeo de assentamentos rurais em aacutereas ocupadas por posseiros de

forma ldquomansardquo e paciacutefica ou seja onde natildeo havia conflito

O INCRA definiu o ldquoProjeto de assentamento ruralrdquo (PA) como

[] um conjunto de unidades agriacutecolas independentes entre si

instaladas pelo INCRA onde originalmente existia um imoacutevel

rural pertencente a um uacutenico proprietaacuterio Cada unidade

chamada de parcela lote ou gleba eacute entregue a uma famiacutelia sem

condiccedilotildees econocircmicas para adquirir e manter um imoacutevel rural

por outras vias Os trabalhadores rurais que recebem o lote

comprometem-se a morar na parcela e a exploraacute-la para seu

sustento utilizando a matildeo de obra familiar e contando com

creacuteditos assistecircncia teacutecnica infraestrutura e outros benefiacutecios

de apoio ao desenvolvimento das famiacutelias assentadas Ateacute que

possuam a escritura do lote os assentados estaratildeo vinculados ao

INCRA e natildeo poderatildeo dispor da gleba sem anuecircncia ou

autorizaccedilatildeo do INCRA10

Como assinalado acima o assentamento rural na definiccedilatildeo apresentada pelo

MDA teve como origem um uacutenico imoacutevel rural dividido em vaacuterias partes denominadas

de ldquoparcela lote ou glebardquo Ressalta-se que estes lotes foram destinados ldquo[] a uma

famiacutelia sem condiccedilotildees econocircmicas para adquirir e manter um imoacutevel ruralrdquo e que os

mesmos ldquo[] comprometem-se a morar na parcela e a exploraacute-la para seu sustento

utilizando a matildeo de obra familiarrdquo (INCRA 2015)

No municiacutepio de Vila Rica-MT a criaccedilatildeo e formaccedilatildeo dos assentamentos

rurais teve influecircncia direta no processo de colonizaccedilatildeo e instalaccedilatildeo de projetos

agropecuaacuterios (fazendas) O processo de reocupaccedilatildeo daquele espaccedilo comeccedilou com a

empresa SERVAP que realizou a exploraccedilatildeo desmatamento formaccedilatildeo de pastagens

currais e casas para as fazendas

122 A Servap e a abertura das Fazendas Promissatildeo Satildeo Marcos Aracatiacute e

Porongaba

Apoacutes a ldquoaberturardquo inicial a Servap transferiu parte das terras para a

Colonizadora Vila Rica O colonizador se responsabilizou pela comercializaccedilatildeo das

terras uma vez que seus soacutecios natildeo tinham experiecircncia com esse tipo de

10 Disponiacutevel em lt httpwwwincragovbrassentamentogt Acesso em 19052015

53

empreendimento Assim sendo segundo Pires (2002 p 22) os soacutecios realizaram a

divisatildeo das fazendas entre os mesmos por meio de um sorteio como foi relatado por

alguns funcionaacuterios da antiga empresa SERVAP

A ideia de praticar o sorteio foi vista como estrateacutegia para natildeo gerar

descontentamento jaacute que havia diferenccedila entre as fazendas em termos de valorizaccedilatildeo

da aacuterea o que tinha relaccedilatildeo com a infraestrutura os investimentos realizados e a

distacircncia da fazenda com a estrada por onde passaria a rodovia BR-158

A SERVAP tambeacutem tinha uma serraria e uma oficina de marcenaria para

atender a demanda de exploraccedilatildeo de madeira a qual era utilizada para a construccedilatildeo de

cercas currais e casas No iniacutecio a maioria das casas da aacuterea era construiacuteda com

madeira

Retomando o relato oral do ldquodito pioneirordquo eacute possiacutevel considerar a hipoacutetese

de que a praacutetica de exploraccedilatildeo de madeira esteja relacionada agrave proacutepria experiecircncia de

vida pois eacute ele mesmo quem diz ldquo[] minha histoacuteria comeccedila com o meu pai eacuteramos

madeireiros ele jaacute atuava no ramo por muitos anos faleceu e eu o substituiacute no

trabalhordquo (ENTREVISTA com Mendonccedila apud Soely 2002)

Na sede da empresa havia ainda uma pista para pouso de aviotildees e uma aacuterea

que servia como local de encontro ldquodos peotildeesrdquo que trabalhavam na SERVAP Os peotildees

costumavam ali se reunir nos horaacuterios de folga daiacute o lugar ser nomeado como ldquoPraccedila

Seterdquo Segundo Pires (2002 p 22) o nome era uma homenagem agrave cidade de Belo

Horizonte capital de Minas Gerais jaacute que a grande maioria das pessoas que trabalhava

na Servap era oriunda daquele Estado Esse espaccedilo tambeacutem se constituiu no eixo que

marcava a divisatildeo das quatro fazendas que deram origem ao processo de colonizaccedilatildeo de

Vila Rica conforme a Figura 4

Figura 4 Croqui de localizaccedilatildeo das fazendas

54

Fonte PIRES 2002 p 10

E como haviam sido ldquocriadasrdquo segundo o colonizador outras trecircs fazendas a

nova organizaccedilatildeo das agropecuaacuterias ocorreu da seguinte maneira ldquoFazenda Aracati

passou a ser de propriedade apenas de Rubens Rezende Peres A Fazenda Promissatildeo de

propriedade de Geraldo Franccedila Simotildees A Fazenda Porongaba de propriedade de Alair

Fernandes A Fazenda Ipecirc ficou sendo de Jonas Barcelos enquanto a fazenda Satildeo Joseacute

tornou-se propriedade de Homero Schettino Jaacute a Fazenda Satildeo Marcos do senhor

Miguel Acircngelo Cansado e a Fazenda Acaiaca de Tuacutelio Feliacutecio da Silvardquo (PIRES

2002)

Algumas dessas fazendas tornaram-se ociosas em termos de produccedilatildeo outras

nunca tiveram atividade agropecuaacuteria efetivada e outras faliram como foi descrito por

Lourenccedilo (2009 p 4) ao referir-se ao contexto dos projetos agropecuaacuterios na

Amazocircnia sobretudo no Araguaia

[] que existiu de fato foi o conflito crocircnico entre as grandes

fazendas e as populaccedilotildees camponesas que jaacute habitava a suposta

ldquoterra sem homensrdquo [] O Meacutedio Araguaia e a regiatildeo de

contato entre as bacias do Araguaia e Xingu foram palco de

inuacutemeros conflitos violentos entre posseiros apoiados pela

Igreja Catoacutelica e grandes fazendeiros que reclamavam de

imensas porccedilotildees de terra11

11Disponiacutevel em lthttpinteressenacionaluolcombrindexphpedicoes-revistaregularizacao-

fundiaria-e-desenvolvimento-na-amazoniagt Acesso em 28082015

55

As aacutereas remanescentes tornaram-se objeto de interesse e disputa por parte de

posseiros agricultores familiares grileiros e fazendeiros Logo natildeo eacute possiacutevel falar de

sucesso contiacutenuo e permanente dos processos de colonizaccedilatildeo ainda que estejam no

ideaacuterio do colonizador Alguns desses projetos privados se sustentaram e deram

resultado poreacutem outros ficaram a mercecirc da administraccedilatildeo dos proprietaacuterios das

empresas colonizadoras

A especificidade da formaccedilatildeo e emancipaccedilatildeo do municiacutepio de Vila Rica-MT

estaacute centrada em uma conjuntura regional que pode ser problematizada pela forma com

que os assentamentos rurais foram sendo formados em aacutereas remanescentes de fazendas

e projetos agropecuaacuterios

13 Anos de 1980 a 1990 o Araguaia e a formaccedilatildeo dos assentamentos rurais

Na presente dissertaccedilatildeo produzimos uma narrativa sobre a formaccedilatildeo dos

assentamentos rurais no Araguaia compreendemos que os mesmos resultaram das lutas

travadas pelos movimentos sociais desencadeados pelos posseiros em busca de terra

para morar e produzir Essa concepccedilatildeo pode ser compartilhada com a ideia de que

apesar da evidecircncia de o assentado nem sempre ser aquele idealizado natildeo se pode

perder de vista que ldquoposseirordquo eacute uma categoria poliacutetica de luta pela terra Assim nossa

escrita deseja ampliar a possibilidade de entender esse jogo poliacutetico de construccedilatildeo social

da vida ldquocampesinardquo atraveacutes da luta pela terra

Conveacutem entatildeo compreender que os conflitos e praacuteticas de violecircncia

aplicadas contra os povos indiacutegenas ribeirinhos posseiros e trabalhadores rurais no

Araguaia satildeo em geral consequecircncia das lutas pela posse da terra sobretudo nas

deacutecadas de 1970 1980 e 1990 Naquele periacuteodo as disputas foram marcadas por

embates intensos entre trabalhadores rurais indiacutegenas empresaacuterios comerciantes

fazendeiros e posseiros deixando sequelas sociais profundas Vale lembrar ainda que

esses acontecimentos marcaram a trajetoacuteria de luta pela vida e a memoacuteria dos sujeitos

histoacutericos na dinacircmica de reocupaccedilatildeo e apropriaccedilatildeo dos espaccedilos rurais da aacuterea

Diante do cenaacuterio de luta pela sobrevivecircncia e tentativas de conquistar a

posse da terra eacute bem possiacutevel aceitar e afirmar que se natildeo fosse o apoio e as accedilotildees

poliacuteticas de algumas instituiccedilotildees como a Prelazia de Satildeo Felix do Araguaia da

56

Comissatildeo Pastoral da Terra (CPT) e os Sindicatos dos Trabalhadores Rurais em favor

dos posseiros e indiacutegenas o territoacuterio do Araguaia hoje teria outra configuraccedilatildeo social

e cultural Da mesma maneira teriacuteamos outras histoacuterias e outras relaccedilotildees sociais para

analisar e compreender a dinacircmica da vida ldquocampesinardquo na luta por seus ideais

Essas circunstacircncias satildeo tatildeo especiais que o proacuteprio aparato estatal

reconheceu os esforccedilos das instituiccedilotildees sociais e religiosas na proteccedilatildeo amparo e

contribuiccedilatildeo para com a vida dos ldquopequenosrdquo lutadores pela vida Esses documentos

por exemplo demonstram os acontecimentos para o MDA (2014 p 17) da seguinte

maneira

Cabe destacar ainda o importante papel da Igreja e dos

sindicatos dos trabalhadores rurais na intermediaccedilatildeo dos

conflitos agraacuterios e no proacuteprio processo de ocupaccedilatildeo atraveacutes da

organizaccedilatildeo das comunidades rurais e estruturaccedilatildeo dos

municiacutepios Ainda hoje a CPT realiza accedilotildees de fiscalizaccedilatildeo e

denuacutencias de trabalho escravo e violecircncia no campo na

microrregiatildeo norte Araguaia

Em plena concordacircncia com o significado atribuiacutedo pelo MDA reafirmamos

que os posseiros e trabalhadores rurais do territoacuterio do Araguaia recorreram a diferentes

estrateacutegias e instituiccedilotildees reordenando determinadas estrateacutegias diante do processo de

reocupaccedilatildeo territorial que ora se revelavam ldquoespontaneamenterdquo ora se mostraram de

forma pensada e arquitetada ganhando singularidades adequadas e bem ordenadas

quando articuladas agrave CPT e agrave Prelazia de Satildeo Felix do Araguaia

Tais instituiccedilotildees desenvolveram eficientes accedilotildees projetivas e formativas das

equipes dos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais da aacuterea marcadas por distintos tipos

de comportamentos e de relaccedilotildees proacuteximas entre sujeitos e instituiccedilotildees produzindo

diversos significados na vida de um povo de uma instituiccedilatildeo ou de uma autoridade

Assim ao apresentar o livro Conquistar a Terra reconstruir a Vida lanccedilado

em comemoraccedilatildeo aos dez anos de existecircncia da CPT uma das mais importantes

autoridades religiosas daquela aacuterea o bispo da Prelazia de Satildeo Feacutelix do Araguaia Dom

Pedro Casaldaacuteliga resolveu de uma maneira poeacutetica e profeacutetica produzir sentido como

um cacircntico de liberdade e de determinaccedilatildeo de um povo registrando sua compreensatildeo da

seguinte forma

57

Celebrar os dez anos da Comissatildeo Pastoral da Terra deve ser

simultaneamente um ato penitencial uma memoacuteria de martiacuterio

e uma cantiga rural de accedilatildeo de graccedilas

A CPT tem os seus pecados Inimigos e amigos cuidaram e

cuidam de lembraacute-lo oportuna e inoportunamente E isso nos

faz Ser criacuteticos e autocriacuteticos deveria ser um traccedilo de

identidade marcante em toda a pastoral que se queira

historicamente engajada e fiel ao ritmo popular A accedilatildeo de

graccedilas queremos cantaacute-la porque o Deus dos Pobres da Terra

se tem feito presente de muitos modos nesta nossa caminhada

entre os lavradores e os agentes na proacutepria CPT e a partir dela

em outros setores da Igreja do Brasil e tambeacutem em Igrejas e

movimentos rurais da Ameacuterica Latina que a CPT de alguma

maneira atingiu com suas contribuiccedilotildees

Superados o tempo da saudade e a saudade- que nem todos

conseguem superar- daquela Accedilatildeo Catoacutelica e seus derivados

mais com o esquema da Igreja ldquosociedade perfeita paralela agrave

sociedade humana a CPT trouxe inegavelmente agrave Igreja do

Brasil uma novidade pastoral seguindo o jeito pioneiro do

CIMIrdquo

[] Sei que muitos mais ou menos amigos- reclamaram com

frequecircncia do ldquoPrdquo nem sempre bem vivido da nossa CPT

agora mocinha de 10 anos Outros reclamaram do ldquoTrdquo

obsessivamente vivido pela CP segundo eles

(CASALDAacuteLIGA 1985 p 7-8)

Percebemos no texto uma evidente preocupaccedilatildeo de Dom Pedro Casaldaacuteliga

em reconhecer os ldquopecados da CPTrdquo que satildeo constantemente debatidos por ldquoinimigos e

amigosrdquo que apontam os problemas causados pelas accedilotildees da CPT e da Prelazia de Satildeo

Feacutelix do Araguaia As criacuteticas quanto ao fato da CPT ser uma ldquopastoralrdquo satildeo

evidenciadas pelo bispo que sabe que muitos satildeo os criacuteticos dessa forma de organizaccedilatildeo

e luta pastoral mas pondera que

Com a graccedila do Senhor da Terra e na marcha diaacuteria para a Terra

Prometida que se recebe e se conquista desafio histoacuterico e dom

escatoloacutegico procuramos conjugar melhor com mais garra

com nova alegria mais autenticamente evangeacutelicos e rurais o

ldquoP‟ e o ldquoTrdquo de uma Pastoral da Terra criacutetica livre e servidora A

foacutermula providencial da CPT estaacute longe de se esgotar

(CASALDAacuteLIGA 1985 p 8)

Logo Dom Pedro aponta para a necessidade de a CPT ter sua praacutetica

ancorada na necessidade dos atores sociais e que essa situaccedilatildeo estaacute ldquolonge de se

esgotarrdquo Ressaltamos que mesmo diante de equiacutevocos praticados a atuaccedilatildeo dessa

instituiccedilatildeo e de seus agentes foi decisiva para a dinacircmica da luta pela terra no Araguaia

58

Nas palavras de Dom Pedro fica evidente o caraacuteter de uma consciecircncia dos

atores sociais para a luta

Queria e quero estar evangelicamente - evangelizadoramente

tambeacutem - em meio ao povo lavrador reforccedilando sua

consciecircncia e a coragem unida de suas lutas sem entretanto

substituir jamais suas organizaccedilotildees autocircnomas sem dirigi-lo

condicionadamente Ouvindo-o muito mais perto Ajudando

toda a Igreja do Brasil a se aproximar desse povo profeacutetica e

servidora Voltando- se tambeacutem para a opiniatildeo puacuteblica do paiacutes

como porta-voz de emergecircncia e alto falante privilegiado do

clamor dos lavradores durante este escuro tempo nacional que

proibia ou tergiversava ou ignorava a voz do povo

(CASALDAacuteLIGA 1985 p 7)

O bispo ainda fez uma anaacutelise de conjuntura em que a luta pela terra os

direitos e a permanecircncia nela natildeo satildeo problemas superados

Gostaria de acrescentar apenas que esse tempo escuro mal

comeccedila a clarear A Nova Repuacuteblica pode muito bem ser uma

nova ilusatildeo uma nova fraude Os senhores deste mundo nosso

colonizado e dependente poderatildeo permitir que mudem os

governos e ateacute os regimes e ateacute os regimes filiais sempre que se

preserve a alma sem alma do sistema E com se mantenha o

sacrifiacutecio do Povo e sua escravidatildeo particularmente no campo

sempre cobiccedilado pelos sucessivos impeacuterios

E porque esse tempo natildeo passou ainda- amanhece na incerteza-

a Igreja toda do Brasil e a CPT em sua missatildeo especiacutefica

deveratildeo se hoje mais do que nunca servidoras alertadas do

Povo dos pobres De um jeito novo sem duacutevida mais fina a

profecia mais plural a presenccedila do diaacutelogo mais largo os

passos mais concretos []

Como me sinto parte nesta causa natildeo entro em mais juiacutezos Eu

e a CPT carregados carregamos no coraccedilatildeo um monte de nomes

entranhados que o senhor sem duacutevida escreveraacute com terra e

sangue no Livro da Terra Este livro jubilar de palavras e papel

sirva para recordar para avaliar para estimular a caminhada

sempre fiel e sempre nova (CASALDAacuteLIGA 1985 p 10)

Atraveacutes das palavras do bispo Dom Pedro podemos compreender melhor a

perspectiva da accedilatildeo da CPT e o significado da relaccedilatildeo entre posseiros e as instituiccedilotildees

religiosas especificamente atraveacutes de seus agentes e grupos sociais muacuteltiplos e diversos

que vivem no Araguaia indiacutegenas retireiros trabalhadores rurais posseiros sertanejos

peotildees dentre outros grupos sociais ligados agrave terra e ao trabalho

59

Dom Pedro utiliza palavras esforccedilando-se para natildeo julgar natildeo ofender natildeo

dividir natildeo pregar o oacutedio evitando falar sobre o desafio do poder constituiacutedo ou das

forccedilas dos poderes sociais e econocircmicos visiacuteveis na sociedade Ao contraacuterio reconhece

o valor das lutas relembra a anguacutestia e a necessidade delas valoriza a opccedilatildeo feita para

construir uma histoacuteria de uma instituiccedilatildeo e acima de tudo compromete-se com os

grupos sociais fragilizados e vitimizados do Araguaia

Seus escritos soam como um lamento como um choro de alegria por ter

realizado o sonho de estar partilhando a vontade de vencer e sobreviver na sociedade

capitalista Portanto trata-se nessa longa citaccedilatildeo de uma arte de compor a frase de

compor o sentido dos acontecimentos em belas frases de mergulhar no mundo das

letras para reafirmar questotildees sublimes da sensibilidade humana que se deslocam agraves

instituiccedilotildees colocando em movimento um conjunto de recursos que servem para a luta

na disputa pela terra e em defesa dos socialmente fragilizados Talvez seja este

fragmento de texto uma oraccedilatildeo que orientou seu sentido de vida enfim que o moveu

para o terreno da poliacutetica da Igreja Catoacutelica em defesa de setores sociais empobrecidos

Sem descuidar da compreensatildeo deles a Igreja ampliando o trajeto para

multiplicar nossa capacidade de conhecer possibilitou que compreendecircssemos outras

contribuiccedilotildees Assim para Ferreira Fernaacutendez e Silva (1999) a histoacuteria dos

assentamentos rurais em Mato Grosso natildeo foge agraves caracteriacutesticas de outras regiotildees do

Brasil A maior parte deles eacute resultado da luta dos posseiros que demandavam terra e

moradia

A partir daqui nossa visatildeo da disputa pela terra se amplia no sentido de

perceber a intervenccedilatildeo de setores sociais em defesa de seus respectivos grupos Cada

um deles possui uma agremiaccedilatildeo que produz a disputa no terreno da religiatildeo ou da

poliacutetica Compreendida desta forma fica mais intensa nossa necessidade de estudar

ainda mais a participaccedilatildeo dos movimentos sociais sindicais e religiosos na luta pela

terra

Isso porque a primeira vitoacuteria de uma luta pela terra tem como fator decisivo

a posse de um territoacuterio e isso depende das relaccedilotildees que se estabelecem Por isso de

acordo com Fernandes (1996 p 181) ldquo[] O assentamento eacute o territoacuterio conquistado

eacute portanto um novo recurso na luta pela terra que significa parte das possiacuteveis

conquistas representadas sobretudo a possibilidade da Territorializaccedilatildeordquo

60

Sendo assim eacute relevante compreender as diversas accedilotildees que envolvem o

processo de luta e conquista da terra sendo preciso compreender as taacuteticas de luta e as

estrateacutegias ordenadas para a conquista e natildeo conhecer apenas o ato de regularizaccedilatildeo

oficial do assentamento rural Afinal a oficializaccedilatildeo de um assentamento rural natildeo diz

tudo sobre a luta pela terra Apenas legitima sua posse de acordo com as orientaccedilotildees

estatais

Portanto as relaccedilotildees produzidas as accedilotildees articuladas de maneira organizada

entre sujeitos e instituiccedilotildees levam a um novo mundo de reconfiguraccedilatildeo das afinidades

Nessa mesma perspectiva Salazar (2005 p 217) afirma que

Em um mesmo territoacuterio se pode encontrar diferentes

assentamentos humanos articulados entre si ou natildeo na medida

em que cumprem um papel social econocircmico cultural e

poliacutetico dentro da sociedade que o faz possiacutevel e dentro do

sistema econocircmico ao qual se vinculam O caraacuteter e o

desenvolvimento das poliacuteticas estatais frente ao territoacuterio e agrave

populaccedilatildeo tambeacutem condicionam a apropriaccedilatildeo que faccedila [sic] a

sociedade do espaccedilo e seus recursos

Agrave luz da concepccedilatildeo do autor pode-se considerar que os assentamentos rurais

constituem vivecircncias e experiecircncias e satildeo permeados por relaccedilotildees fortemente marcadas

por disputas e perspectivas de poder interesses intenccedilotildees poliacuteticas e percepccedilotildees

diferentes acerca da funccedilatildeo e das relaccedilotildees constituiacutedas entre o Estado e a Sociedade

entre os proacuteprios participantes e componentes das organizaccedilotildees sociais

Logo as poliacuteticas puacuteblicas direcionadas aos assentamentos rurais criam

tambeacutem elementos de competiccedilatildeo pelo poder na medida em que lhes satildeo atribuiacutedos

novos sentidos e significados Isto se deve ao fato de que eacute atraveacutes das praacuteticas e dos

discursos que os diferentes sujeitos histoacutericos criam e recriam a representaccedilatildeo acerca da

funccedilatildeo dos assentamentos rurais

Ao considerar os muacuteltiplos contextos no que concerne agraves condiccedilotildees de luta

dos assentados pela Reforma Agraacuteria percebemos que estes atores sociais recorreram a

diferentes estrateacutegias para atraiacuterem a atenccedilatildeo das autoridades enquanto Poder Puacuteblico

No cenaacuterio das disputadas nos movimentos de organizaccedilatildeo das lutas nas composiccedilotildees

coletivas para enfrentamento das individualidades do poder econocircmico e diante da

violecircncia que sempre emergiu na luta pela terra desde os recursos proporcionados pela

miacutedia ateacute o enfrentamento com pistoleiros e fazendeiros os agentes que reivindicam

61

terra disputam a articulaccedilatildeo entre sujeitos e instituiccedilotildees entre oacutergatildeos e instacircncias de

poder

Esse movimento natildeo se limita somente ao enfrentamento dos portadores de

tiacutetulos e ou proprietaacuterios de terra ou entre grandes posseiros ou grileiros de terras

puacuteblicas Necessariamente os estudos devem caminhar no sentido de perceber outras

variaccedilotildees no seu interior

Conforme Ferreira Fernaacutendez e Silva (2009 p 197)

Em Mato Grosso as poliacuteticas de assentamento dos

trabalhadores rurais principalmente a colonizaccedilatildeo (oficial e

privada) e os assentamentos de reforma agraacuteria sobre vaacuterios

aspectos devem ser mais estudados de dupla matildeo certamente

natildeo se referem a daacutedivas mas agraves conquistas dos trabalhadores

em accedilatildeo conjunta com o estado O assentamento de reforma

agraacuteria eacute um processo em curso repleto de fatores positivos e

limitaccedilotildees que coloca no plano social poliacutetico econocircmico e

ambiental possibilidades de ecircxito da produccedilatildeo familiar no

campo

Os autores chamam a atenccedilatildeo para o fato de que ao tomarmos os

assentamentos rurais em Mato Grosso como objeto de estudo eles devem ser estudados

em uma perspectiva que aponte o percurso e os significados das lutas sociais frente agrave

conquista de novos territoacuterios Ao mesmo tempo natildeo devemos limitar nossos olhares

simplesmente para os conflitos entre os grupos sociais diferenciados mas tambeacutem para

os conflitos com o proacuteprio poder puacuteblico sem esquecer as transformaccedilotildees das

condiccedilotildees de vida das pessoas que vivem da produccedilatildeo familiar Assim eacute preciso

perceber que haacute cooperaccedilatildeo compartilhamento de interesses em alguns aspectos mas

em outras circunstacircncias tambeacutem existe a necessidade de intensificar nossos

conhecimentos sobre tais processos

Por outro lado os mesmos autores consideram como questatildeo importante

tambeacutem destacar que embora os assentamentos rurais em Mato Grosso se revelem

como uma alternativa promissora na dinamizaccedilatildeo da economia e promoccedilatildeo do

desenvolvimento local os mesmos ainda estatildeo longe de serem consolidados enquanto

poliacutetica puacuteblica

De maneira especial no que tange agraves accedilotildees do Estado no sentindo de

viabilizar a infraestrutura necessaacuteria ao desenvolvimento pleno da Agricultura Familiar

e de potencializar essa modalidade de produccedilatildeo como alternativa para manutenccedilatildeo do

62

conjunto social no territoacuterio de produccedilatildeo e no espaccedilo de trabalho em que se realiza mais

como ser humano e como trabalhador

Desse modo eacute possiacutevel afirmar que o artifiacutecio da Reforma Agraacuteria deve vir

sustentado pela intensificaccedilatildeo e realizaccedilatildeo de outros elementos para que de fato e de

direito sejam asseguradas as condiccedilotildees necessaacuterias agrave ascensatildeo social e econocircmica dos

agricultores familiares Para isso eacute preciso que surjam novas accedilotildees visando a alteraccedilatildeo

dos espaccedilos institucionais no acircmbito local e regional

Soacute assim haveraacute efetivamente a possibilidade de melhoria das condiccedilotildees de

vida daqueles que sobrevivem da produccedilatildeo nos assentamentos rurais Especialmente eacute

necessaacuterio compreender que melhorando a vida no campo melhoramos a vida na

cidade onde a maior parte da populaccedilatildeo depende dos que produzem no campo para se

alimentar e consequentemente para viver Esse deveria ser um principio poliacutetico de

cidadania para todos aqueles que se envolvem com a disputa pela terra e com a luta pela

conquista do territoacuterio de trabalho da populaccedilatildeo ldquocampesinardquo

O Projeto de assentamento rural se contemplado com accedilotildees do Estado

favorece o desenvolvimento econocircmico local desde que as poliacuteticas puacuteblicas

implementadas nos assentamentos rurais sejam direcionadas para o seu fortalecimento

oferecendo-lhes maior potencial econocircmico cultural e social com um planejamento que

lhes decirc sustentaccedilatildeo numa perspectiva de meacutedio e em longo prazo sem esquecer que

qualificar a produccedilatildeo ldquocampesinardquo significa tambeacutem promover o desenvolvimento do

comeacutercio e de outros setores da economia otimizando accedilotildees para novos padrotildees de

organizaccedilatildeo e melhoria das condiccedilotildees de vida da populaccedilatildeo urbana

Em relaccedilatildeo agraves poliacuteticas de Reforma Agraacuteria no Brasil Bergamasco amp Norder

(1996) consideram que os assentamentos rurais exercem papel importante no panorama

rural brasileiro de modo particular por contribuir de forma significativa nas

transformaccedilotildees sociais e econocircmicas por meio da geraccedilatildeo de novos empregos da

diminuiccedilatildeo do ecircxodo rural aumentando assim a produccedilatildeo e a oferta de alimentos Ou

seja os assentamentos rurais tecircm um papel significativo na produccedilatildeo agriacutecola do paiacutes

Para esses autores melhorar as condiccedilotildees de vida no campo sobretudo nos

assentamentos rurais significa elevar a situaccedilatildeo econocircmica da maioria das pessoas que

vive e depende da Agricultura Familiar como uacutenico meio e fonte de renda na garantia

do sustento familiar

63

Mas essas poliacuteticas puacuteblicas combinadas com poliacuteticas sociais passam por

um constante debate sobre redefiniccedilotildees e articulaccedilotildees a exemplo definir o que eacute um

assentamento rural o significado da territorializaccedilatildeo e da compreensatildeo do papel do

sujeito campesino na vida social de um povo Esse debate eacute promovido pela sociedade

civil que delibera demandas e propotildee mudanccedilas nos oacutergatildeos e instituiccedilotildees auxiliadoras

na sua concretizaccedilatildeo como o INCRA e o MDA em relaccedilatildeo aos assentamentos rurais e

suas poliacuteticas puacuteblicas

O MDA desde sua criaccedilatildeo em 199912

tem como incumbecircncia atuar na

Reforma Agraacuteria e seu reordenamento cumprindo papel fundamental na regularizaccedilatildeo

fundiaacuteria na Amazocircnia Legal promovendo o desenvolvimento sustentaacutevel da

Agricultura Familiar nas regiotildees rurais e de maneira singular atuando na identificaccedilatildeo

reconhecimento delimitaccedilatildeo demarcaccedilatildeo e titulaccedilatildeo das terras ocupadas pelos

remanescentes das comunidades quilombolas Logo esse ministeacuterio por meio do

INCRA desenvolve poliacuteticas puacuteblicas de realizaccedilatildeo de assentamentos rurais no paiacutes e a

ainda na contemporaneidade tem demonstrado algumas necessidades prementes

Assim para realizaccedilatildeo do seu mister a Instituiccedilatildeo ou oacutergatildeo principal do

Poder Puacuteblico que orienta a Questatildeo Agraacuteria o INCRA atualmente define projetos de

assentamento Rural (PA) como

[] um conjunto de unidades agriacutecolas independentes entre si

instaladas pelo INCRA onde originalmente existia um imoacutevel

rural pertencente a um uacutenico proprietaacuterio Cada unidade

chamada de parcela lote ou gleba eacute entregue a uma famiacutelia sem

condiccedilotildees econocircmicas para adquirir e manter um imoacutevel rural

por outras vias Os trabalhadores rurais que recebem o lote

comprometem-se a morar na parcela e a exploraacute-la para seu

sustento utilizando a matildeo de obra familiar e contando com

creacuteditos assistecircncia teacutecnica infraestrutura e outros benefiacutecios

de apoio ao desenvolvimento das famiacutelias assentadas Ateacute que

possuam a escritura do lote os assentados estaratildeo vinculados ao

INCRA e natildeo poderatildeo dispor da gleba sem anuecircncia ou

autorizaccedilatildeo do INCRA13

Como assinalado o assentamento rural na definiccedilatildeo apresentada pelo MDA

origina-se de um uacutenico imoacutevel rural que eacute dividido em vaacuterias partes denominada de

12

Criado atraveacutes da medida provisoacuteria 1911-12 13

Disponiacutevel em lthttpwwwincragovbrassentamentogt Acesso em 21082015

64

ldquoparcela lote ou glebardquo Essa compreensatildeo traz no seu bojo diversas possibilidades de

interpretaccedilatildeo sobretudo permite entender que se trata de eventuais processos estatais

na concretizaccedilatildeo da justiccedila agraacuteria oferecendo condiccedilotildees de trabalho agrave populaccedilatildeo que

se realiza se identifica e sobrevive da produccedilatildeo agriacutecola em pequena escala

Concluindo podemos afirmar que os assentamentos rurais no Araguaia mato-

grossense no que se refere a sua constituiccedilatildeo possuem caracteriacutesticas muito diferentes

do que eacute previsto nas diretrizes para a criaccedilatildeo dos assentamentos rurais definidas pelo o

Instituto Nacional de Colonizaccedilatildeo e Reforma Agraacuteria uma vez que os mesmos resultam

de atos de regularizaccedilatildeo e natildeo de criaccedilatildeo Diante disso precisamos articular nosso

pensamento voltando os olhares para os processos de duraccedilatildeo temporaacuteria diferente

para que possamos aproximar um pouco mais da realidade vivida

65

2 MEMOacuteRIAS DA REOCUPACcedilAtildeO HISTORICIZANDO OS

ASSENTANTAMENTOS RURAIS DE VILA RICA-MT (1980-2010)

Conforme analisado no capiacutetulo anterior eacute imprescindiacutevel a historicizaccedilatildeo do

processo de formaccedilatildeo dos assentamentos rurais do municiacutepio de Vila Rica-MT Para

tanto optou-se pelo recorte temporal 1980 a 2010 a partir da necessidade da proacutepria

anaacutelise A deacutecada de 1980 foi marcada pela emancipaccedilatildeo do municiacutepio de Vila Rica e

tambeacutem pela formaccedilatildeo dos primeiros assentamentos rurais A anaacutelise se estendeu ateacute o

periacuteodo mais recente devido agraves fontes e aos dados oficiais necessaacuterios para

compreensatildeo do enfoque proposto

O principal objetivo deste capiacutetulo eacute compreender a formaccedilatildeo e o

desenvolvimento dos assentamentos rurais de Vila Rica-MT problematizando o papel e

a atuaccedilatildeo das instituiccedilotildees e dos oacutergatildeos puacuteblicos como o INCRA Banco do Brasil

Empaer dentre outros aleacutem de instituiccedilotildees e entidades da sociedade civil mas tambeacutem

de movimentos sociais e sindicais como o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila

Rica CPT Prelazia de Satildeo Feacutelix do Araguaia e associaccedilotildees de pequenos produtores

rurais Para complementar a anaacutelise tornou-se indispensaacutevel buscar as accedilotildees e

estrateacutegias dos atores histoacutericos envolvidos na luta pela posse da terra

21 A transformaccedilatildeo das fazendas agropecuaacuterias em assentamentos rurais atraveacutes

da luta pela terra

Das sete fazendas agropecuaacuterias trecircs foram transformadas em Projetos de

assentamentos rurais em um periacuteodo inferior a duas deacutecadas Fazendas Ipecirc Aracati e

Satildeo Joseacute Algumas das narrativas oficiais sobre a colonizaccedilatildeo do municiacutepio declaram

que a Fazenda Porongaba cedeu parte da aacuterea que a colonizadora Vila Rica- MT Ltda

utilizou para realizar o loteamento do espaccedilo urbano

As aacutereas remanescentes dessas fazendas agropecuaacuterias foram sendo

reocupados atraveacutes das estrateacutegias de lutasresistecircncias utilizadas pelos colonos

posseiros parceleiros e pelos assentados14

Atraveacutes da dinacircmica de reocupaccedilatildeo e uso da

terra foram constituiacutedos oito assentamentos rurais regularizados pelo o INCRA neste

municiacutepio conforme dados da Tabela 1

14 Satildeo autodenominaccedilotildees das pessoas que residem nos assentamentos rurais de Vila Rica No

decorrer da pesquisa analisaremos como estas foram sendo construiacutedas neste contexto histoacuterico

66

Tabela 1 Assentamentos rurais de Vila Rica-MT

Fonte INCRA 2014

Na formaccedilatildeo de assentamentos rurais existem sujeitos histoacutericos que para o

INCRA satildeo considerados ldquoclientela de Reforma Agraacuteriardquo os quais se autodenominam

de maneiras diferentes ldquoparceleirosrdquo ou ldquoassentadosrdquo Nos assentamentos rurais do

Araguaia a denominaccedilatildeo mais utilizada eacute ldquoposseirordquo sobretudo quando se referem aos

primeiros tempos de formaccedilatildeo do assentamento rural no sentido de reafirmar que entre

os agricultores familiares haacute aqueles que se autodenominam posseiros como identidade

de luta pela posse da terra remetendo a um imaginaacuterio que os ligue umbilicalmente a

uma accedilatildeo tambeacutem de corajoso lutador e desbravador Ainda que seja em contraposiccedilatildeo

ao latifuacutendio o posseiro passa a se sentir um sujeito valente que ocupou resistiu e

conquistou a posse da terra Portanto uma identidade poliacutetica construiacuteda na luta pela

terra

Logo o termo posseiro aparece tambeacutem como um siacutembolo da resistecircncia aos

projetos agropecuaacuterios e agraves grandes fazendas que expropriam os trabalhadores rurais

Sem-terra uma vez que muitos jaacute se encontravam na aacuterea bem antes dos fazendeiros e

da implantaccedilatildeo dos projetos agropecuaacuterios

Conforme o relato de um assentado de Vila Rica obtido na pesquisa de

campo que realizamos em marccedilo de 2015 no Assentamento Rural Satildeo Joseacute eacute possiacutevel

afirmar que a denominaccedilatildeo de posseiro estaacute associada agraves estrateacutegias e condiccedilotildees de luta

pelo acesso agrave terra ldquo[] me vejo como posseiro Ser posseiro no Araguaia eacute assumir

que lutamos contra os fazendeiros que viviam do dinheiro emprestado do Banco sei o

Projeto de assentamento N de Famiacutelias Aacuterea (ha) Data Criaccedilatildeo

Colocircnia Bom Jesus 60 4457 25071996

Ipecirc 228 12099 28121998

Santo Antocircnio do Beleza 216 12100 10042001

Aracati 45 2110 05121996

Alvorada 49 32656 29121995

Itaporatilde do Norte 170 10641 11071996

Satildeo Joseacute da Vila Rica-MT 252 14262 28121998

Satildeo Gabriel 45 1985 28121998

Total 1065 60919 -

67

quanto foi difiacutecil viver sob a mira da morte pra ter essa terrinha e com ela poder

alimentar a minha famiacutelia []rdquo15

Trata-se de uma situaccedilatildeo de enfrentamento na luta

pela terra visando garantir a sobrevivecircncia e as condiccedilotildees miacutenimas de sustento da

famiacutelia

Assim como Castro (1996) o historiador Puhl (2003) nos chama atenccedilatildeo para

as caracteriacutesticas que definem o posseiro conceito construiacutedo a partir da percepccedilatildeo de

que esses agentes sociais tecircm ldquo[] ocupaccedilatildeo antiga de aacutereas devolutas ou sem

documentaccedilatildeo privada o uso direto da terra no trabalho de produccedilatildeo agropecuaacuteria a

residecircncia e o trabalho da famiacutelia na posse a resistecircncia agrave retirada ou expulsatildeo levada a

efeito por grileirordquo

Pereira (2013 p 11) corrobora esclarecendo que o termo posseiro possui

outros significados

[] as praacuteticas e os usos poliacuteticos desse conceito que o

produziram Eram considerados posseiros os trabalhadores

rurais que haacute muito tempo ocupavam aacutereas devolutas tidas

como posses antigas que natildeo apresentavam contestaccedilatildeo por

qualquer pessoa e nelas fizeram moradas habituais de suas

famiacutelias Contudo outra experiecircncia social comeccedila a sobrepor-

se a essas praacuteticas mais antigas Trabalhador rural sobretudo

migrante de outras regiotildees do paiacutes que lutavam pela terra quer

fossem aqueles que disputavam aacutereas de terras devolutas

consideradas novas simultaneamente com empresaacuterios

fazendeiros ou comerciantes tambeacutem migrantes quer fossem

aqueles que ocupavam imoacuteveis com tiacutetulos definitivos ou de

aforamentos passaram a ser vistos tambeacutem como posseiros Ou

seja os trabalhadores rurais apropriaram-se de uma designaccedilatildeo

ateacute entatildeo usada para significar os ocupantes de terras devolutas

consideradas antigas para ajustar-se a uma nova situaccedilatildeo ou

praacutetica social Esta apropriaccedilatildeo utilizada do conceito de

posseiro ganha uma dimensatildeo poliacutetica inusitada na luta pela

terra no Brasil

Em concordacircncia com este uacuteltimo autor asseguramos que o conceito de

posseiro pode ser compreendido enquanto resultado das praacuteticas de luta das quais os

conceitos satildeo resultados Neles os atores sociais se apropriam desse conceito para se

autonomear e ao mesmo tempo atribuir sentidos as proacuteprias atitudes de desafio ao

sistema de enfrentamento aos modelos existentes para os fazendeiros constituindo-se

enquanto uma categoria social formada por sujeitos histoacutericos de diferentes origens e

15 Joseacute Roberto Agricultor familiar em uma entrevista realizada pela autora em 2015

68

trajetoacuterias migratoacuterias os quais muitas vezes apresentam uma significativa

diferenciaccedilatildeo social

Devido agrave diversificaccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave situaccedilatildeo econocircmica e cultural entre as

pessoas que satildeo denominadas de clientela da Reforma Agraacuteria em Vila Rica-MT o

criteacuterio de distribuiccedilatildeo dos lotes nos assentamentos rurais passou a ser objeto de

questionamento por parte de alguns agricultores familiares o que eacute claro no relato feito

por um dos entrevistados durante a pesquisa que realizamos no mecircs de marccedilo de 2015

junto ao Assentamento Rural Ipecirc

Pode- se dizer que o INCRA tambeacutem eacute culpado pela evasatildeo dos

assentamentos rurais pois nem sempre ele leva em

consideraccedilatildeo se a pessoa que estaacute cadastrada tem ou natildeo

viacutenculo vocaccedilatildeo para ser Agricultor Familiar Os assentados

da Reforma Agraacuteria (alguns ) fizeram o cadastro jaacute pensando

em pegar a terra e depois vender [] Logo na primeira

dificuldade jaacute vende a propriedade dele pra outro Eu penso

que precisa olhar se a histoacuteria das pessoas que demandam por

terra em assentamento estaacute ligada com a luta pela terra vejo

que assim valorizava mais o assentamento [] E na verdade

na eacutepoca de assentar essas pessoas tinha um perfil de

assentando se olhar soacute pelo aspecto de renda miacutenima Mas

muitas natildeo tinham viacutenculo com a terra e atendiam apenas

esse perfil criado de forma subjetiva soacute levando em

consideraccedilatildeo a situaccedilatildeo econocircmica Penso que natildeo estavam em

desacordo com as exigecircncias para o cadastro do INCRA pois

atendiam aquelas exigecircncias burocraacutetica mas elas natildeo eram de

perfil de produtor ou trabalhador rural Aiacute foi onde ocorreu

uma evasatildeo do assentamento Eles natildeo tinham viacutenculo com a

terra pois esse cadastro do INCRA soacute verificava se a pessoa jaacute

tinha outro tiacutetulo no nome dela outra propriedade cadastrada

no nome se possuiacutea vinculo com o serviccedilo publico tipo se era

concursado em oacutergatildeo puacuteblico Logo podia ser que essas

pessoas estivessem enquadradas como produtor ou trabalhador

rural para o INCRA mas na verdade sempre moraram na

cidade nunca haviam trabalhado com a terra nunca tinham

criado um frango sequer nunca tiraram um litro de leite

(ENTREVISTA com Gilmar agricultor familiar de Vila Rica-

MT realizada pela autora em marccedilo de 2015) Grifos da autora

No municiacutepio de Vila Rica verificamos a partir da anaacutelise de documentos

que as origens de seus assentamentos rurais foram distintas mesmo que nos dados

oficiais indicados na Tabela 1 todos eram regularizados e reconhecidos pelo INCRA

na deacutecada de 1990

Quando verificamos os dados do Sindicato dos Trabalhadores Rurais do

municiacutepio de Vila Rica da Comissatildeo Pastoral da Terra e da Prelazia de Satildeo Feliz do

69

Araguaia os quais foram tambeacutem confrontados com os testemunhos orais dos

assentados identificamos que alguns dos assentamentos rurais datavam da deacutecada de

1980

Reafirmamos que suas histoacuterias estatildeo vinculadas agrave histoacuteria do Araguaia a

qual eacute marcada por uma seacuterie de conflitos no que tange agrave luta pela terra considerada

enquanto direito Direito pelo qual muitas vezes os posseiros e os indiacutegenas pagaram

com as suas proacuteprias vidas ou de seus parentes

Uma carta do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT evidencia

a complexidade em torno da luta pela posse da terra Esse registro foi apresentado ao

presidente do INCRA como base para uma anaacutelise da situaccedilatildeo das terras consideradas

improdutivas as quais em sua maioria eram remanescentes da Colonizadora Vila Rica

Ltda e que a desapropriaccedilatildeo das mesmas era condiccedilatildeo necessaacuteria para a sobrevivecircncia

dos trabalhadores que as reocuparam

Figura 5 Carta do Sindicato dos Trabalhadores Rurais para o INCRA (1990)

Fonte Arquivo do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT

2015

70

Ressaltamos que a exposiccedilatildeo dos argumentos dos dirigentes do Sindicato dos

Trabalhadores Rurais de Vila Rica teve por base a compreensatildeo de que as terras

remanescentes da colonizadora eram ldquoimprodutivasrdquo segundo os criteacuterios do Estatuto

da Terra Nessa situaccedilatildeo os proprietaacuterios deixavam de cumprir a funccedilatildeo social da terra

possibilitando sua desapropriaccedilatildeo legal para fins de Reforma Agraacuteria

Apesar da ocorrecircncia de reivindicaccedilotildees formalizadas via cartas ofiacutecios e

outras formas de solicitaccedilatildeo feitas aos oacutergatildeos responsaacuteveis pela Questatildeo Agraacuteria no

Araguaia mato-grossense alguns relatos orais descreveram a reocupaccedilatildeo das fazendas

como uma accedilatildeo implementada de maneira paciacutefica por parte dos posseiros Poreacutem

houve tambeacutem atitudes e praacuteticas de violecircncia na accedilatildeo de alguns fazendeiros em relaccedilatildeo

agrave expulsatildeo dos posseiros A luta pela posse da terra no municiacutepio de Vila Rica ocorreu

de forma conflituosa Embora natildeo tatildeo violentos como em outros municiacutepios como em

Santa Terezinha em Porto Alegre do Norte e em outros onde vaacuterios posseiros foram

mortos por fazendeiros

Vale destacar que muitas pessoas que reocuparam as aacutereas de fazendas hoje

assentamentos rurais em Vila Rica eram em sua maioria membros associados ao

Sindicato dos Trabalhadores Rurais daquele municiacutepio Quando estaacutevamos em atividade

de visita ao um dos assentamentos durante a pesquisa de campo uma assentada nos

relatou queldquo[] o papel do Sindicato geralmente era o de solicitar a regularizaccedilatildeo da

terra bem como o processo de formaccedilatildeo e o de organizaccedilatildeo da base no caso os

trabalhadores pobre sem terra principalmente os filiados do STRrdquo (ENTREVISTA

com Clainir Agricultora Familiar membro da direccedilatildeo do STR realizada pela autora em

marccedilo de 2015) O Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica tambeacutem fazia a

mediaccedilatildeo entre os assentados e o Poder Puacuteblico sobretudo com o INCRA Foi esse

sindicato que orientou a criaccedilatildeo das associaccedilotildees conforme o relato a seguir

[] noacutes do sindicato trabalhaacutevamos visando evitar os conflitos

e o processo de despejo pois priorizaacutevamos a montagem e a

reinvindicaccedilatildeo do processo de desapropriaccedilatildeo das fazendas a

demarcaccedilatildeo dos lotes homologaccedilatildeo cadastramento e o

assentamento das famiacutelias [] E depois os posseiros iam

pleitear as linhas de credito para habitaccedilatildeo e

alimentaccedilatildeofomento depois as demais linhas do Pronaf A

Pronaf C e outros investimentos de custeio Eacute assim que comeccedila

os assentamentos esse processo eacute geral em todo lugar Quando

71

digo que agente noacutes do sindicato evitava conflito natildeo estou

dizendo que conseguimos pois eacute importante lembrarmos que

tivemos muitos momentos complicados Houve ameaccedilas de

morte teve despejos de posseiros teve gente que perdeu tudo

que havia plantado quando foram expulsos da terra Ainda bem

que sempre podemos contar com o suporte da Igreja e da CPT

se natildeo fosse essas instituiccedilotildees noacutes estariacuteamos numa situaccedilatildeo

muito pior assentamento eacute luta nessa regiatildeo do Araguaia

Entatildeo nem se fala teve quem pagou com a vida Hoje fico

vendo muitos assentados vendendo suas terras a preccedilo de nada

e reclamando de dificuldades fico pensando o povo parece que

agraves vezes esquece a luta O INCRA eacute fundamental mas erra

tambeacutem quando coloca gente na terra sem levar em conta que

para viver no campo precisa ter aptidatildeo para trabalhar na

terra Percebo que mais esvazia o assentamento eacute quem natildeo

sabe lidar com roccedila (ENTREVISTA Ibidem)

Os serviccedilos voltados para a melhoria da infraestrutura como estradas pontes

e outras benfeitorias nos ldquoprimeiros temposrdquo de formaccedilatildeo dos assentamentos rurais

eram feitos pelos proacuteprios moradores A prefeitura alegava que natildeo dispunha de

recursos para investir em assentamentos rurais que ainda natildeo haviam sido regularizados

Essa situaccedilatildeo foi praticamente igual em todos os assentamentos rurais oriundos da

reocupaccedilatildeo de fazendas de Vila Rica-MT

Os espaccedilos puacuteblicos como escola barracatildeo da associaccedilatildeo Igreja campo de

futebol etc estatildeo geralmente localizados nas antigas sedes das fazendas Isso se repete

em todos os assentamentos rurais estudados em Vila Rica-MT

22 Os assentamentos rurais do municiacutepio de Vila Rica-MT

O processo de formaccedilatildeo dos assentamentos rurais no municiacutepio mato-

grossense de Vila Rica natildeo ocorreu de modo linear nem mesmo obedeceu a uma

padronizaccedilatildeo Portanto faz-se necessaacuterio problematizar a formaccedilatildeo de cada um deles

individualmente lanccedilando matildeo de diferentes fontes documentais Alguns assentamentos

rurais possuem documentos e outros tecircm sua historicidade presente somente na

memoacuteria dos assentados Daiacute a importacircncia de se conhecer as singularidades descritivas

desses ldquoadereccedilos sociaisrdquo procurando trazer para o diaacutelogo a forma constitutiva de cada

um deles

A trajetoacuteria construiacuteda pelos agricultores familiares estaacute presente em suas

memoacuterias as quais podem ser mais bem compreendidas quando nos remetemos agrave

72

concepccedilatildeo definida por Thompson (1992) segundo o qual a memoacuteria eacute constituiacuteda a

partir da habilidade que os indiviacuteduos tecircm em compreender suas experiecircncias bem

como o interesse deles em contar as suas experiecircncias de vida uma vez que as

lembranccedilas se revelam de forma mais concisa quando o relembrar dos acontecimentos

estaacute correspondendo aos seus proacuteprios interesses e necessidades

Daiacute a importacircncia em se atentar tambeacutem ao que natildeo estaacute dito e ao que natildeo

pode ser dito pelo narrador Neste caso o silenciamento sobre determinados temas

constituem relativa importacircncia para intensificar a seguranccedila que o entrevistado tem ou

quer passar nas proacuteprias narrativas Para tanto eles selecionam o que dizem e aquilo que

natildeo deve se tornar puacuteblico Um exemplo obtido atraveacutes de entrevista com um dos

assentados chamou a atenccedilatildeo pela forma como ele gesticulava ao contar sua trajetoacuteria

de vida Foi possiacutevel perceber o quanto as questotildees natildeo ditas mencionadas por

Thompson (1992) tornam-se relevantes na praacutetica de trabalhos que dependem da

metodologia das fontes orais como no caso dessa pesquisa

Ao relatar a sua trajetoacuteria de vida o depoente sentado em uma cadeira

encostando-se a uma aacutervore e com as pernas balanccedilando passava ldquoaos meus olhosrdquo a

sensaccedilatildeo de ser uma pessoa muito tranquila para falar sobre si e seus afazeres

Revelava-se estar muito orgulhoso do siacutetio que tinha mas no decorrer da entrevista foi

perceptiacutevel que quando o assunto natildeo o agradava por se tratar de algo que o marcou

como uma experiecircncia que natildeo lhe remetia para boas lembranccedilas ele parava de balanccedilar

as pernas e baixava a cabeccedila A projeccedilatildeo de futuro foi um assunto que evidentemente

natildeo o agradava quando afirmou

[] sofro muito soacute em pensar o que possa acontecer se eu

morrer primeiro ela vai ter que vender e dividir entre os filhos

pois natildeo daraacute conta de cuidar sozinha Se eacute ela quem morre

primeiro sou eu quem teraacute que vender Isso sim eacute doiacutedo pra

noacutes depois de tanta luta pra organizar o siacutetio terminar nas

matildeos de sei laacute quem Esse siacutetio pra mim natildeo tem preccedilo mas eacute

uma pena que nossos filhos natildeo pensam igual Quando eles

querem um dinheiro dizem ldquomatildee pai me manda aiacute tantordquo mas

vejo que o forte deles natildeo eacute morar no siacutetio (ENTREVISTA

com Joatildeo Neto agricultor Familiar do assentamento Satildeo Joseacute

realizada pela autora em marccedilo de 2015)

O relato possibilita a reflexatildeo sobre os diversos significados produzidos a

respeito da concepccedilatildeo e das formas de usos da terra para os agricultores familiares

como o significado da posse da terra a relevacircncia das lutas e da conquista assim como

73

a busca pela continuidade da tradiccedilatildeo na convivecircncia com o espaccedilo rural Aleacutem da

preocupaccedilatildeo praacutetica com a falta de continuidade familiar no trabalho do siacutetio existe

uma preocupaccedilatildeo com o futuro incerto capaz de apagar da memoacuteria o viacutenculo desse

agente histoacuterico com a terra Percebe-se o desejo de eternizar esse viacutenculo e o valor

sentimental dessa terra que para ele natildeo tem preccedilo

A narrativa torna possiacutevel identificar o papel dos agentes histoacutericos na

construccedilatildeo da historiografia agraacuteria de Mato Grosso As pesquisas natildeo datildeo muita

importacircncia aos assentamentos rurais mais particularmente agraves trajetoacuterias de vida dos

agricultores familiares

Por outro lado as evidecircncias mostram que os assentados exercem um papel

importantiacutessimo na formaccedilatildeo dos assentamentos rurais Nesse sentido eles natildeo podem

estar agrave ldquomargemrdquo das lutas travadas pelas instituiccedilotildees agraves quais estatildeo vinculados No

caso de Vila Rica-MT as entidades que se destacam nas narrativas sobre as lutas pela

terra satildeo a CPT o Sindicato dos Trabalhadores Rurais a Prelazia de Satildeo Feliz do

Araguaia e o INCRA

221 O Assentamento Rural Satildeo Joseacute

O Assentamento Rural Satildeo Joseacute em Vila Rica-MT resultou de uma

reocupaccedilatildeo que teve iniacutecio no ano de 1995 Foram os proacuteprios ldquoposseirosrdquo que

demarcaram os seus lotes e construiacuteram as casas provisoacuterias que eram cobertas de palha

e lona Posteriormente os ocupantes comeccedilaram a cultivar roccedilas para o consumo

proacuteprio e outras atividades como a pesca a caccedila e a extraccedilatildeo de madeira (EMPAER

2010)

Segundo relato de um dos assentados a estruturaccedilatildeo dos lotes em termos de

construccedilotildees estruturais e preparaccedilatildeo do solo para o cultivo eram realizadas atraveacutes do

trabalho dos proacuteprios assentados Joatildeo Neto diz ldquo[] eu e a minha esposa fizemos tudo

isso plantamos tudo que tem nesse siacutetio tudo escolhido por noacutes cada plantinha dessa

aqui eacute do sitio que a gente viverdquo (ENTREVISTA com Joatildeo Neto agricultor Familiar do

assentamento Satildeo Joseacute realizada pela autora em marccedilo de 2015)

Outro relato permite identificar algumas ocorrecircncias instigantes relacionadas

agrave formaccedilatildeo do Assentamento Rural Satildeo Joseacute

74

[] o Projeto de assentamento Satildeo Joseacute eacute resultado da invasatildeo

invasatildeo natildeo essa natildeo eacute a palavra apropriada para designar o

que fizemos Na verdade noacutes ocupamos uma fazenda que jaacute

natildeo estava mais produzindo Geralmente quem fala invasatildeo

satildeo pessoas que se colocam contra os assentamentos rurais

[] Em 1997 isso tudo foi ocupado por pessoas que moravam

na cidade sem-terra e filhos de pequenos agricultores [] E

foi assim que a antiga Fazenda Satildeo Joseacute se transformou em um

assentamento rural ou melhor P A Satildeo Joseacute eacute assim que a

gente costuma chamar (ENTREVISTA com Clainir Mafra

Agricultora familiar assentada no PA Satildeo Joseacute realizada pela

autora em marccedilo de 2015)

Nesta narrativa sucinta percebe-se que diferentes satildeo as denominaccedilotildees de

agentes histoacutericos em cena O argumento principal eacute que eles natildeo satildeo ldquoinvasoresrdquo e sim

ldquomoradores da cidaderdquo ldquosem terrasrdquo e ldquofilhos de pequenos agricultoresrdquo demonstrando

uma construccedilatildeo de identidade daqueles que reocuparam a Fazenda Satildeo Joseacute ligada agrave

terra e agrave necessidade de sobrevivecircncia uma vez que satildeo legiacutetimos ocupantes como os

ldquofilhos de pequenos produtoresrdquo que precisam de mais terra para se reproduzir

socialmente e continuar o viacutenculo familiar com a terra

Fazendeiros proprietaacuterios filhos de pequenos agricultores moradores da

cidade e sem-terra se colocam como posseiros que participaram da luta pela terra

Percebe-se que a formaccedilatildeo do assentamento rural se deu a partir dessa luta que ocorreu

graccedilas agrave uniatildeo dos posseiros

Na verdade a gente natildeo era bobo quando ocupamos uma aacuterea

que iraacute ser assentamento Natildeo adianta querer crescer o olho

pois o INCRA tem o seu modo de medir a terra entatildeo o certo eacute

tirar o siacutetio no tamanho certinho assim natildeo complica Noacutes

agiacuteamos em conjunto meio assim uns por todos []

(ENTREVISTA com Clainir Mafra Agricultora familiar

assentada no PA Satildeo Joseacute realizada pela autora em marccedilo de

2015)

Atraveacutes do relato citado percebemos que os posseiros se adaptavam aos

criteacuterios do INCRA e tinham na uniatildeo uma ferramenta poliacutetica capaz de fortalececirc-los e

agregar conhecimentos e experiecircncias capazes de fundamentar estrateacutegias para

conseguir o direito agrave terra A uniatildeo para a abertura das aacutereas a serem reocupadas eacute

evidenciada no seguinte relato oral

75

[] acho que eacuteramos em meacutedia umas 200 ou 250 pessoas que

ocuparam e jaacute foram demarcando suas aacutereas usando foice

facatildeo machado e motosserra alguns que tinham motosserra a

maioria era com a foice e o machado na estrada no Rio Satildeo

Marcos com aacutegua Fizemos os barracos derrubando

plantando arroz milho e pensando em formaccedilatildeo de pasto

(ENTREVISTA com Joatildeo Neto assentado Satildeo Joseacute realizado

pela autora em marccedilo de 2015)

Esse depoimento demonstra a capacidade de uniatildeo e a organizaccedilatildeo dos

posseiros A diferenciaccedilatildeo social entre eles natildeo travou sua organizaccedilatildeo O relato a

seguir mostra essa relaccedilatildeo

Muita gente pobre pobre mesmo Mas natildeo posso negar que um

ou outro que ocupou a terra como posseiro quando na verdade

natildeo tinha o perfil pois tinha dinheiro Por mais que o Sindicato

fala ldquoacompanha e orienta semprerdquo passa algum que estaacute

fora do padratildeo dos agricultores familiares Eacute assim agraves vezes

nem o sindicato e nem o INCRA tem como controlar tudo ateacute

porque as pessoas tecircm um comeacutercio ou algum outro meio de

ganhar dinheiro mas natildeo estaacute no nome dela e daiacute o que haacute de

fazer eacute complicado achar que vai controlar essas coisas tudo

(ENTREVISTA com Joatildeo Neto assentado Satildeo Joseacute realizada

pela autora em marccedilo de 2015)

Percebemos que entre os proacuteprios posseiros era evidente que nem todos

possuiacuteam o ldquoperfilrdquo de agricultores familiares ou segundo criteacuterio do INCRA se

enquadrava como ldquoclientela de Reforma Agraacuteriardquo Era recorrente a percepccedilatildeo de que

estes oacutergatildeos e entidades que acompanharam o processo natildeo tinham condiccedilotildees objetivas

de definir com precisatildeo quem tinha o perfil e quem deveria ser impedido de tomar

posse dos lotes que constituem o Assentamento Rural Satildeo Joseacute

Para aleacutem da questatildeo da diferenciaccedilatildeo dos posseiros outro fato importante eacute

que eles adquiriram lotes de qualidade duvidosa uma vez que a terra estava em situaccedilatildeo

de degradaccedilatildeo extrema poreacutem aceitaram-na visto natildeo dispor de capital financeiro para

investir em tecnologias de melhoramento do solo somado agrave falta de infraestrutura e

dificuldade de acesso para uma parte dos assentados

76

Ah Tem uma coisa que lembrei pra te contar Eacute que tem uma

parte que foi denominada de Jamaica por ser de difiacutecil acesso

era muito complicado para a gente chegar laacute Coitados dos que

foram para aquela parte de laacute sofreram o isolamento natildeo

tinha entrada por causa do rio Satildeo Marcos e assim ficaram por

um bom tempo Aiacute eacute o que digo sempre jaacute foi difiacutecil pra gente

imagina para aqueles coitados de laacute (ENTREVISTA com Joatildeo

Neto assentado Satildeo Joseacute realizado pela autora em marccedilo de

2015)

Aleacutem da diferenciaccedilatildeo entre os posseiros das dificuldades do espaccedilo social

conquistado o entrevistado destaca que natildeo ocorreram conflitos entre o proprietaacuterio da

Fazenda Satildeo Joseacute e os posseiros No entanto as dificuldades vivenciadas por eles

foram inuacutemeras sobretudo para aqueles posseiros que ocuparam as aacutereas mais distantes

da estrada

Eu falo sempre aqueles primeiros tempo era o que podemos

chamar de tempos das dificuldades Eacute como eu te disse antes

aqui natildeo teve conflito como teve em outros assentamentos

Acho que isso foi porque o fazendeiro devia para o banco pois

fez empreacutestimo para manter a fazenda assim diz o povo mas

sabe se isso eacute verdade [] Entatildeo isso fez com que natildeo

houvesse conflito entre os fazendeiros e os posseiros []

(ENTREVISTA com Joatildeo Neto assentado Satildeo Joseacute realizada

pela autora em marccedilo de 2015)

O relato revela indiacutecios de que o dono da Fazenda Satildeo Joseacute tinha manifestado

interesse em vender a aacuterea para o INCRA devido agrave contraccedilatildeo de diacutevidas Mas eacute

possiacutevel ponderar que a ecircnfase na versatildeo de que natildeo houve conflito eacute tambeacutem uma

estrateacutegia dos posseiros Durante a deacutecada de 1990 mais precisamente durante o

Governo de Fernando Henrique Cardoso foi adotada a poliacutetica governamental de natildeo

regulamentar as terras que tivessem sido ocupadas atraveacutes de conflitos Quando

ocorriam disputas a terra natildeo era reconhecida pelo INCRA enquanto aacuterea passiacutevel de

desapropriaccedilatildeo para transformaacute-la em um assentamento rural

Essa poliacutetica se justificava pelo dispositivo reconhecido juridicamente como

ldquousucapiatildeordquo segundo o qual o posseiro soacute teria direito a terra quando a mesma fosse

ocupada de forma ldquomansa e paciacuteficardquo16

Em um assentamento rural planejado o

primeiro ato consiste na aquisiccedilatildeo da aacuterea para depois ocupaacute-la atraveacutes da distribuiccedilatildeo

dos lotes de acordo com criteacuterios estabelecidos pelo o INCRA

16 A ldquoocupaccedilatildeo mansa e paciacuteficardquo eacute um princiacutepio consagrado pela Lei de Terras de 1850

77

Na anaacutelise de outros documentos disponibilizados pelo STR percebe-se que

por um periacuteodo superior a um ano os posseiros foram viacutetimas de ameaccedilas e boatos de

que o dono da fazenda faria o despejo accedilatildeo que natildeo chegou a se efetivar Logo o STR

Vila Rica-MT entrou com pedido de desapropriaccedilatildeo da fazenda e em seguida o

INCRA deu andamento ao processo de regularizaccedilatildeo comeccedilando a discussatildeo e o

encaminhamento para a compra de toda a aacuterea

Consta nos documentos analisados que o INCRA procurou regularizar o

assentamento rural atraveacutes de uma accedilatildeo conjunta com o STR com vista agrave necessidade

de agilizar a organizaccedilatildeo do cadastro dos agricultores familiares por meio da

Associaccedilatildeo que jaacute existia desde antes da accedilatildeo do INCRA Foi atraveacutes dela que esses

agricultores se mobilizaram para construir estradas e escola Somente depois de um ano

da reocupaccedilatildeo a prefeitura passou a operar de forma mais efetiva juntamente com o

INCRA com o objetivo consolidar o Assentamento Rural Satildeo Joseacute Depois da

regularizaccedilatildeo foi liberado o creacutedito para a aquisiccedilatildeo de gado e melhorias na

infraestrutura

Segue uma narrativa que possibilita a problematizaccedilatildeo dessa questatildeo

[] quando a gente chegou aqui no dia que cheguei tinha trecircs

cancelas trancadas Tinha o pessoal dali que natildeo queria que a

gente entrasse O gerente natildeo deixava a gente entrar mas tinha

um menininho pequenino do tamanho daquele ali Aiacute eu trazia

balinha bombom e dava pra ele Aiacute quando ele me via corria

eu vinha pra caacute era de bicicleta De Vila Rica-MT pra caacute eu

vinha de bicicleta com uma ldquocarguinhardquo na garupa Mas o

que eu vinha fazer eu trazia soacute foice Aiacute vinha e passava meio

debaixo dos arames e ia roccedilando Rocei um pedaccedilo de mato e

voltei pra Vila Fui trabalhar para ganhar dinheiro para

comer ldquoAiacute quando foi um dia falou Zeacute Roberto eu passei na

sua roccedilardquo o Joseacute Roberto falou o fogo estaacute acabando de

queimar a sua roccedilardquo Que horas Umas oito horas da noite eu

passei laacute e fogo estava acabando de queimar a sua roccedilardquo

ldquoEntatildeo natildeo queimou a roccedila natildeordquo Cheguei aqui estava tudo

queimado Aiacute o que eu fiz foi imediatamente soacute eu mesmo com

umas panelinhas e jaacute ldquobarrequeirdquo aqui e fui furar cisterna

Trouxe um rapaz para furar o poccedilo Furou o poccedilo eu vim fazer

o barriquinho Ai amiga velha aqui soacute mato (ENTREVISTA

com Joatildeo Neto assentado de Satildeo Joseacute realizada pela autora

em marccedilo de 2015)

O relato demonstra a necessidade que estes agentes histoacutericos tecircm em

enfatizar que a posse da terra dava-se com muito sacrifiacutecio dos posseiros com a ajuda

78

de outros que avisavam e auxiliavam a cuidar da roccedila Portanto a integraccedilatildeo e a

solidariedade faziam parte do cotidiano de vida deles principalmente sabendo da

necessidade que alguns tinham de sair da ldquoposserdquo para trabalhar na aacuterea urbana ou

mesmo em outras propriedades rurais em busca de sobrevivecircncia motivo pelo qual natildeo

podiam morar exclusivamente na ldquoposserdquo

Os ldquoposseirosrdquo enfrentaram dificuldades para ldquoabrirrdquo fazer o plantio e para

construir as casas em seus lotes pois sem apoio do poder puacuteblico tiveram que

desenvolver as suas proacuteprias condiccedilotildees de sobrevivecircncia seja na construccedilatildeo de

barracos casas ou cultivo das roccedilas Tambeacutem havia problemas de ordem financeira que

implicavam na condiccedilatildeo elementar de sobrevivecircncia no lote Nem todos possuiacuteam

recursos para se manter nos espaccedilos socialmente delimitados ateacute que as roccedilas

comeccedilassem a produzir para a alimentaccedilatildeo dos membros das famiacutelias

Alguns posseiros precisaram conciliar as atividades do lugar proacuteprio de

produccedilatildeo com outras atividades como derrubar a mata para dela retirar madeira e

vender para as serrarias ou trabalhar em outros siacutetios para conseguir dinheiro suficiente

para suprir as necessidades baacutesicas para o sustento da famiacutelia Durante o periacuteodo da

pesquisa de campo eram frequentes as narrativas afirmando ser o trabalho assalariado

uma praacutetica corriqueira entre a maioria dos posseiros mais pobres

Uma estrateacutegia foi o trabalho acessoacuterio nas aacutereas urbanas

[] e pra mim comer aqui trabalhava uma semana aqui e ia

trabalhar na diaacuteria para os outros Trabalhava uma semana

para o Valdemar Senna trabalhava uma semana para o

Aguiarro para o dono do hotel Marajoacute laacute no fundo E daiacute por

diante eu agraves vezes tirava madeiras para algumas pessoas

derrubava um pouquinho de mato para uma pessoa pra mim

comer a minha esposa trabalhava no coleacutegio eu fazia meus

bicos e ela empregada laacute na estadual Entatildeo ela tambeacutem me

ajudava muito Pegava o salarinho dela para comprar coisa em

casa pra comprar gaacutes pra me ajudar em casa tambeacutem Entatildeo

ldquomorreurdquo tudo assim eu e ela trabalhando para manter a

posse Noacutes pegamos primeiro uma cesta baacutesica que chamava

fomento [] eu natildeo me lembro do valor se foi se natildeo me

engano foi mil e alguma coisa (ENTREVISTA com Joatildeo

Neto assentado de Satildeo Joseacute realizada pela autora em marccedilo de

2015)

Naquele contexto tambeacutem havia posseiros que eram comerciantes servidores

puacuteblicos e ateacute antigos funcionaacuterios da Fazenda Satildeo Joseacute que tinham um maior poder

79

aquisitivo Esses eram os principais contratantes dos posseiros que precisavam vender

sua forccedila de trabalho

222 O Assentamento Rural Ipecirc

Para conseguir compreender a formaccedilatildeo do Assentamento Rural Ipecirc foi

necessaacuterio visitar o local para perceber as especificidades Isso porque o contato direto

entre pesquisador e seus entrevistados acompanhado por conhecidos foram

significativas Atraveacutes dessa proximidade foi possiacutevel aos entrevistados o uso de suas

memoacuterias que possibilitaram relembrar a condiccedilatildeo humana de luta pela sobrevivecircncia

e que fez os homens e mulheres sujeitos da proacutepria histoacuteria

Comecemos por um espaccedilo bem instigante O Assentamento Rural Ipecirc

originou-se da compra da Fazenda Ipecirc que havia sido ocupada antes numa accedilatildeo

apoiada pelo STR O INCRA apresentou a possibilidade de fazer um assentamento rural

modelo construiacutedo atraveacutes de um planejamento de acordo com as diretrizes do MDA

para a criaccedilatildeo de assentamentos rurais

A luta pela conquista do seu espaccedilo social de produccedilatildeo ocorreu em 1999

quando os posseiros ocuparam toda a aacuterea da Fazenda Ipecirc e fizeram a divisatildeo dos lotes

abrindo estradas por meio de ldquopicadatildeordquo embora maior parte da aacuterea jaacute estivesse

ocupada com pastagens

Em carta aberta escrita pela Comissatildeo Municipal de Reforma Agraacuteria na

mesma deacutecada as lideranccedilas do movimento tentavam esclarecer agrave populaccedilatildeo de Vila

Rica-MT sobre os acontecimentos e ao mesmo tempo procuraram chamar a atenccedilatildeo

das autoridades vinculadas agrave Questatildeo Agraacuteria Simultaneamente esse documento

revelou uma concepccedilatildeo da estrateacutegia e da luta pela posse da terra Tanto os dirigentes do

STR como as outras instituiccedilotildees em determinado momento viram-se na luta na

condiccedilatildeo de aliados dos oacutergatildeos governamentais como o INCRA e a prefeitura

municipal de Vila Rica-MT

Por esse documento podemos saber que a Comissatildeo Municipal de Reforma

Agraacuteria do municiacutepio era composta por representantes de instituiccedilotildees e entidades

vinculadas agrave Questatildeo Agraacuteria e visava consolidar um assentamento rural que atendesse

aos padrotildees estabelecidos pela poliacutetica de criaccedilatildeo de assentamentos pelo INCRA

80

Logo havia interesse dos oacutergatildeos governamentais e do STR para a conquista

do que viria a ser o primeiro assentamento rural do Araguaia mato-grossense Ele foi

construiacutedo a partir do imaginaacuterio idealizado pelo Plano de Reforma Agraacuteria da eacutepoca

[] A reforma agraacuteria eacute um anseio da populaccedilatildeo e necessidade

do trabalhador rural A colonizaccedilatildeo de Vila Rica-MT foi

modelo de reforma agraacuteria com a divisatildeo das grandes aacutereas em

pequenas ocupadas por produtores tambeacutem pequenos A partir

de 1998 foi instituiacuteda ldquoA Comissatildeo Agraacuteria do Municiacutepio de

Vila Rica-MTrdquo com o objetivo de coordenar agraves atividades

ligadas a Questatildeo Agraacuteria no acircmbito municipal Esta comissatildeo

em parceria com o INCRA e sociedade envolvida organizou os

trabalhos de classificaccedilatildeo dos sem terras selecionando 500 em

uma relaccedilatildeo de 1700 inscritos no Sindicato dos Trabalhadores e

Prefeitura para assentaacute-los na Fazenda Ipecirc ateacute entatildeo objeto de

desapropriaccedilatildeo para fins da reforma agraacuteria A relaccedilatildeo de

classificados feita conforme legislaccedilatildeo competente e os

meacutetodos estabelecidos pela a proacutepria comissatildeo foram

apresentados ao INCRA que fez o cadastramento no SIPRA-

Sistema de Informaccedilatildeo de Projetos da Reforma Agraacuteria Aleacutem

de organizar esta classificaccedilatildeo a comissatildeo conscientizou os

futuros assentados a evitar a invasatildeo da Fazenda e sim aguardar

as devidas providecircncias que seriam tomadas pelo INCRA para

que o assentamento fosse feito com clientes da reforma agraacuteria

trabalhadores sem-terra e que pudesse ser modelo para a

regiatildeo [] Para a decepccedilatildeo das 500 famiacutelias de trabalhadores

(as) sem-terra sipradas e de pessoas ligadas ao processo um

grande nuacutemero de estranhos entre eles fazendeiros

comerciantes e pequena parte dos sem-terra siprados17

invadiram a aacuterea da fazenda Ipecirc entre a reuniatildeo de 260399 a

300399 despeitando os que haacute dois anos honesta e

sofridamente aguardavam a tramitaccedilatildeo legal Com a chegada

dos representantes do INCRA a Comissatildeo Municipal de

Reforma Agraacuteria representantes de outras intensidades diante

do fato da invasatildeo e o processo de assentamento concluiu-se

que []- fosse solicitada com urgecircncia a retirada dos invasores

pelas autoridades em niacuteveis federal estadual e municipal

(CARTA ABERTA- STR de Vila Rica-MT marccedilo de 2015)18

Os envolvidos no processo de organizaccedilatildeo do assentamento rural ficaram

desapontados ao serem surpreendidos pela invasatildeo da aacuterea por outros agentes que natildeo

tinham sido selecionados no Sistema de Informaccedilatildeo de Projetos da Reforma Agraacuteria e

que tampouco atendiam aos criteacuterios do Programa

17 Expressatildeo utilizada para caracterizar os assentados rurais cadastrados no INCRA

18 A carta na integra estaacute disponibilizada nos arquivos do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de

Vila Rica- MT analisados pela autora da pesquisa em marccedilo de 2015

81

A partir do depoimento do gerente da Fazenda Ipecirc da eacutepoca eacute possiacutevel

compreender de forma mais clara as estrateacutegias adotadas pelos posseiros e pelo

fazendeiro no processo de loteamento do Assentamento Rural Ipecirc

[] Ipecirc naquela eacutepoca causou um intenso movimento de

trabalhadores desbravando a aacuterea e plantando capim A aacuterea

possuiacutea 26 mil hectares [] em 18 anos desmataram apenas

20 dessas terras ela era considerada a maior fazenda da

regiatildeo [] Em 1997 comeccedilou a fofoca de venda da aacuterea que

se prolongou por dois anos Tinha ordem de natildeo deixarem

invadir possuiacutea uma patrulha de vigia dia e noite O INCRA

inicia a negociaccedilatildeo com o gerente da eacutepoca que era

autorizado pelo proprietaacuterio A pessoa responsaacutevel ia para

Cuiabaacute- MT Satildeo Felix do Araguaia- MT Rio de Janeiro e

Uberaba em Minas Gerais para se reunir com o dono e

discutir as propostas Como demorou a desapropriaccedilatildeo as

pessoas comeccedilaram a invadir a aacuterea realizaram vaacuterias

reuniotildees com as pessoas para que mantivessem a calma

(ENTREVISTA com Ideu Ex-gerente da Fazenda Ipecirc realizada

por Regina Ceacutelia em 2006)

Ressaltamos que o relato oral apresenta uma linguagem especiacutefica que repete

a ideia de que a reocupaccedilatildeo foi uma ldquoinvasatildeordquo numa perspectiva comum entre os

proprietaacuterios de terra que natildeo compreendiam a luta pela terra Ao contraacuterio do que estaacute

expresso na Carta Aberta o ex-gerente atribui os motivos da bdquoinvasatildeo‟ agrave ldquomorosidaderdquo

na efetivaccedilatildeo do processo de desapropriaccedilatildeo da terra Apesar de tambeacutem fazer

referecircncias agraves reuniotildees que ocorreram no sentido de manter os agricultores familiares

informados sobre o processo de desapropriaccedilatildeo da fazenda para efeito de criaccedilatildeo do

assentamento rural

A consolidaccedilatildeo do assentamento rural soacute veio de fato a acontecer a partir das

denuacutencias feitas pela Comissatildeo Municipal de Reforma Agraacuteria com anuecircncia do

Sindicato dos Trabalhadores Rurais da Comissatildeo Pastoral da Terra e de outras

entidades envolvidas com a Questatildeo Agraacuteria e na luta pela terra em Vila Rica- MT

Segundo documentos19

do STR foi a partir desse fato que o INCRA entrou

com um Mandato de Seguranccedila exigindo a saiacuteda imediata dos ldquoposseirosrdquo sob a

alegaccedilatildeo de ser esta a condiccedilatildeo principal para a aquisiccedilatildeo da aacuterea e a demarcaccedilatildeo dos

lotes no assentamento rural Isso em funccedilatildeo de uma legislaccedilatildeo que regia os processos

19 Os documentos satildeo de diversas tipologias (ofiacutecios cartas atas relatoacuterios e etc)e estatildeo

disponibilizados nos arquivos do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT

82

de criaccedilatildeo dos assentamentos rurais Em 1998 jaacute havia sido declarado pelo Decreto nordm

157 que a aacuterea da Fazenda Ipecirc era de interesse social para efeito das poliacuteticas de

Reforma Agraacuteria

De acordo com o depoimento de uma assentada a qual tambeacutem era na eacutepoca

da diretoria do STR de Vila Rica-MT e estivera desde o processo inicial de formaccedilatildeo do

assentamento rural eacute possiacutevel perceber que

[] os primeiros trecircs anos do assentamento foram de

dificuldades para os assentados pois o mesmo natildeo possuiacutea

infraestrutura como estrada pontes e etc Somente 70 as

famiacutelias receberam creacutedito para fomento enquanto as demais

famiacutelias ficaram agrave mercecirc sem apoio do Poder Puacuteblico por um

bom tempo (ENTREVISTA com Clainir Agricultora Familiar

membro da direccedilatildeo do STR realizada pela autora em marccedilo de

2015)

O periacuteodo compreendido entre 2001 e 2010 foi o momento de maior

alavancada do Assentamento Rural Ipecirc pois recebeu um percentual significativo de

recursos vinculados agraves linhas de creacuteditos do Programa Nacional de Fortalecimento da

Agricultura Familiar como Pronaf -A Pronaf - AC Pronaf - C Pronaf -D e Pronaf -

Mulher A disposiccedilatildeo desses recursos segundo informaccedilotildees obtidas atraveacutes dos

relatoacuterios da Empaer da Secretaria Municipal de Agricultura e do STR de Vila Rica-

MT estavam condicionados para determinados fins e foram destinados agrave aquisiccedilatildeo de

vacas leiteiras construccedilatildeo de curral e de 95 casas bem como agrave edificaccedilatildeo de pontes

estradas e na contrataccedilatildeo de serviccedilos de maacutequinas de esteira (EMPAER 2009)

223 O Assentamento Rural Aracati

A luta pela terra natildeo passa somente por um processo de conquista territorial

mas avanccedila para a necessidade de permanecircncia dos assentados garantida atraveacutes de

apoios e poliacuteticas puacuteblicas

A histoacuteria dos assentamentos rurais em Mato Grosso tambeacutem eacute marcada pela

violecircncia praticada contra os posseiros No caso de Vila Rica-MT os assentamentos

rurais Aracati e Itaporatilde do Norte talvez sejam os dois que mais se identifiquem com

essa caracteriacutestica uma vez que resultantes do processo de reocupaccedilatildeo da Fazenda

83

Aracati que na eacutepoca era de propriedade do senhor Rubens Mendonccedila apresentado

anteriormente como ldquoo pioneirordquo de Vila Rica-MT

A reocupaccedilatildeo da aacuterea provocou conflito entre posseiros e o proprietaacuterio da

fazenda havendo ateacute ameaccedilas de mortes Aleacutem dessas accedilotildees de conflito o proprietaacuterio

contava com o apoio do judiciaacuterio na aplicaccedilatildeo de medidas coercivas contra os

posseiros

No primeiro momento os posseiros foram despejados das terras perdendo

toda a produccedilatildeo das roccedilas jaacute cultivadas conforme descrito no relatoacuterio produzido pela

Empaer (2009 p 48)

No ano de 1980 foi feita a primeira invasatildeo da fazenda Aracaty

por 42 famiacutelias as mesmas fizeram construccedilatildeo de barracos de

plaacutesticos e palha A aacuterea invadida era mata e aberturas com

pastagens Os invasores fizeram aberturas de picadas

derrubadas e plantio de roccedilas Os pistoleiros da fazenda foram

ateacute a aacuterea invadida acionaram a poliacutecia militar e a mesma veio

ateacute o local do conflito

O conflito fundiaacuterio originado na luta pela terra tornou-se mais complexo

com a organizaccedilatildeo e a atuaccedilatildeo do STR e da CPT Em 1990 o Sindicato dos

Trabalhadores Rurais do municiacutepio denunciou internacionalmente a accedilatildeo de

empresaacuterios e fazendeiros conforme mostra a carta reproduzida a seguir

Figura 6 A Carta da Alemanha

84

Fonte Arquivo do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT

Essa articulaccedilatildeo internacional do STR de Vila Rica-MT demonstra a

capacidade de accedilatildeo mobilizadora dos grupos sociais constituiacutedos por homens e

mulheres com perfil ldquocampesinordquo os quais almejavam acesso agrave terra Revela ainda um

niacutevel de organizaccedilatildeo poliacutetica e conhecimento legal sobre os procedimentos juriacutedicos

adotados pelos oacutergatildeos federais no processo de criaccedilatildeo e regularizaccedilatildeo de assentamentos

rurais

Vale ressaltar que a situaccedilatildeo vivenciada pelos posseiros da Fazenda Aracati

ganhou repercussatildeo nacional e internacional Eacute possiacutevel verificaacute-lo pelas diversas coacutepias

das cartas enviadas ao Presidente da Repuacuteblica por vaacuterias entidades inclusive de paiacuteses

como Espanha Itaacutelia Alemanha e outros

Em 1993 a equipe do INCRA compareceu pela primeira vez na aacuterea

visando regularizaacute-la atraveacutes de um contrato de arrendamento com o proprietaacuterio da

Fazenda Aracati No entanto a regularizaccedilatildeo do assentamento rural ocorreu somente

quando a fazenda em questatildeo foi desapropriada para fins de Reforma Agraacuteria sendo

criado entatildeo o assentamento rural ocasiatildeo em que ocorreu o retorno dos posseiros que

haviam sido expulsos

Na eacutepoca foi respeitada a demarcaccedilatildeo realizada anteriormente pelos proacuteprios

posseiros na primeira fase da reocupaccedilatildeo Em consequecircncia dessa situaccedilatildeo quando natildeo

foram estabelecidos criteacuterios de demarcaccedilatildeo os lotes do Assentamento Rural Aracati

possuem ateacute hoje aacutereas diferentes

Segundo informaccedilotildees obtidas atraveacutes das anaacutelises dos documentos que estatildeo

nos arquivos disponibilizados pelo STR de Vila Rica-MT no periacuteodo de 1990 a 1992

pouco se fez em prol da infraestrutura da aacuterea ocupada pelos agricultores familiares

Apenas se verificou a edificaccedilatildeo de uma pequena escola de taacutebua cercas currais e

construccedilatildeo de estradas as quais foram feitas pelos proacuteprios moradores

224 O Assentamento Rural Satildeo Gabriel

O Assentamento Rural Satildeo Gabriel no que se refere a sua constituiccedilatildeo

possui caracteriacutesticas semelhantes ao Assentamento Rural Satildeo Joseacute uma vez que este

85

tambeacutem foi resultado do processo de ocupaccedilatildeo da fazenda Satildeo Gabriel no ano de 1999

Segundo os moradores na eacutepoca em que a fazenda foi ocupada praticamente toda aacuterea

era ainda coberta de mata virgem As primeiras picadas demarcatoacuterias foram realizadas

pelos posseiros A equipe do INCRA foi ao local somente para realizar o cadastramento

dos interessados Os lotes foram distribuiacutedos atraveacutes de sorteio viabilizando a liberaccedilatildeo

de fomento

Como em todos os demais assentamentos rurais do municiacutepio de Vila Rica-

MT no iniacutecio os assentados do Satildeo Joseacute enfrentaram muitas dificuldades como a falta

de infraestrutura sobretudo de estradas como demonstram as informaccedilotildees do relatoacuterio

produzido pelo escritoacuterio da Emapaer de Vila Rica- MT (2006 p 10)

[] no ano de 2000 foi criada a primeira associaccedilatildeo do

assentamento a Associaccedilatildeo dos Pequenos Produtores Rurais da

Comunidade Pedra Alta do Projeto de assentamento Satildeo

Gabriel ndash APPA As famiacutelias comeccedilaram a abrir derrubadas

para plantio de roccedilas e pastagens novamente receberam

fomento creacutedito habitaccedilatildeo Iniciou a primeira escola nas casas

da antiga fazenda IPEcirc assentamento vizinho O INCRA teve

presente no assentamento pra fazer a liberaccedilatildeo das casas O

assentamento foi contemplado com 18 km de estrada feitas pela

prefeitura em parceria com INCRA

Assim como ocorreu em outros Projetos de assentamentos rurais de Vila

Rica-MT a deacutecada de 2000 pode ser considerada um marco importante na histoacuteria do

assentamento Satildeo Joseacute pois naquele periacuteodo houve uma melhoria significativa da

infraestrutura em funccedilatildeo das accedilotildees dos Poderes Puacuteblicos Federal e Municipal

O periacuteodo entre os anos 2001 ateacute 2010 foi marcado por um amplo aumento

nas accedilotildees do poder puacuteblico havendo bastante capacitaccedilatildeoformaccedilatildeo para os

Agricultores Familiares e a liberaccedilatildeo de creacuteditos Pronaf A AC Tais poliacuteticas sociais

puacuteblicas segundo relato oral tinham como objetivo a compra de gado leiteiro

construccedilatildeo de curral contrataccedilatildeo de maacutequinas de esteira construccedilatildeo de casas

construccedilatildeo de pontes e estradas

Atraveacutes de projetos depois da implantaccedilatildeo do Programa Luz para Todos os

assentados conseguiram os resfriadores contemplando toda a aacuterea do assentamento

rural Uma loacutegica do aparelho do Estado era que os posseiros se tornassem produtores

de mercadorias e consumidores para que entrassem no processo de produccedilatildeo

econocircmica capitalista

86

225 O Assentamento Rural Itaporatilde do Norte

O Assentamento Rural Itaporatilde do Norte resultou de um processo de

ocupaccedilatildeo por parte de posseiros em 1986 Nesse periacuteodo houve tentativas de

desapropriaccedilatildeo prisatildeo e ameaccedila contra a vida dos posseiros Estes fatos podem ser

confirmados atraveacutes de documentos como a declaraccedilatildeo exposta a seguir em que um

dos posseiros denunciou as ameaccedilas de morte contra eles

Figura 7 Denuacutencia de Ameaccedila de Morte de posseiro

Fonte Arquivo do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT 2015

87

O documento denuncia a accedilatildeo violenta de intimidaccedilatildeo sofrida por parte de um

dos posseiros no ano de 1988 O significado dessa fonte de pesquisa permite que

conheccedilamos mais claramente o modus operandi dos pretensos proprietaacuterios da terra

assim como a forma com que tentavam manter seus domiacutenios natildeo somente no campo

da justiccedila do direito mas tambeacutem pela criaccedilatildeo de cenaacuterios em que o medo pudesse

fazer parte da rotina dos posseiros das suas esposas e familiares

A criaccedilatildeo de um ambiente tenso e conflituoso com riscos agrave vida de qualquer

um dos familiares era uma estrateacutegia utilizada pelos ldquosenhoresrdquo pretensos proprietaacuterios

da terra em conflito Apesar da situaccedilatildeo do embate e das ameaccedilas somente dez anos

depois o INCRA regularizou a situaccedilatildeo dos posseiros

Um dos principais problemas do assentamento rural eacute decorreu da

demarcaccedilatildeo dos lotes no periacuteodo sendo que o tamanho variava entre 25 a 150 ha O

tamanho do lote oscilava em decorrecircncia da forma de reocupaccedilatildeo anterior agrave

regularizaccedilatildeo e que foi seguida pelo INCRA

As parcelas menores estatildeo abaixo do miacutenimo estipulado pelo MDA que eacute de

35 hectares Segundo o Estatuto da Terra (1964) esta era a aacuterea miacutenima que garantia as

condiccedilotildees de desenvolvimento e potencializaccedilatildeo da funccedilatildeo social da terra Essa

perspectiva teve por base a ideia de que um lote menor que 35 ha natildeo tecircm condiccedilotildees de

garantir as condiccedilotildees sociais e econocircmicas de seus moradores e trabalhadores naquela

aacuterea

Ao observarmos essa questatildeo nos assentamentos rurais analisados eacute

perceptiacutevel que os assentados acabaram tendo que conciliar as atividades declaradas na

posse com outras formas de trabalhos assessoacuterios para garantir as condiccedilotildees

econocircmicas da propriedade

Em 1996 foram cadastradas 184 famiacutelias de posseiros que tinham como

objetivo adquirir recursoscreacuteditos para financiamento das atividades naquele

assentamento rural Desse total 30 natildeo estavam aptas para conseguir o creacutedito

226 O Assentamento Rural Bom Jesus

88

Refletir a partir da histoacuteria do Assentamento Rural Bom Jesus eacute trilhar mais

uma vez as trajetoacuterias de vida de vaacuterias pessoas que migraram para Vila Rica-MT em

busca de melhores condiccedilotildees de vida Essas pessoas foram atraiacutedas pela propaganda da

terra feacutertil e da abundacircncia Nas informaccedilotildees disponibilizadas pelo STR de Vila Rica-

MT os ocupantes desse assentamento eram majoritariamente migrantes oriundos dos

estados de Minas Gerais Goiaacutes Rio Grande do Sul Paranaacute Paraacute e minoritariamente

do Nordeste

Essas pessoas ao se aventurarem nas matas para desbravaacute-las acreditavam

que as terras da Amazocircnia proporcionar uma qualidade de vida almejada Essa

expectativa pode ser observada no excerto da carta-convite para a comemoraccedilatildeo do 17ordm

aniversaacuterio do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT datada de

30052004

[] Imaginando eles que iriam ter o crescimento econocircmico e

uma vida melhor para sua famiacutelia sem conhecer os riscos

quantas vidas foram ceifadas nas derrubadas Aiacute chega a

maldita maleita a tatildeo sofrida malaacuteria onde muitas famiacutelias

perderam vidas sofrimento com a dor [] E os que

conseguiam reagir com muita fraqueza sem forccedilas para

trabalhar e jaacute com diacutevidas acabaram vendendo sua terrinha e

quando acabou o dinheiro E agora o que fazer Isso jaacute era por

volta do iniacutecio de 1986 onde a opccedilatildeo foi ocupar terras

devolutas da regiatildeo pois o dinheiro tinha acabado e voltar para

traz donde vieram natildeo era possiacutevel Iniciou- se a ocupaccedilatildeo da

aacuterea do Itaporatilde do Norte e da Colocircnia Bom Jesus []20

Esse documento possibilita compreender que a narrativa oficial natildeo traduzia

as representaccedilotildees constituiacutedas pelos trabalhadores e antigos colonos Afinal na eacutepoca

da formaccedilatildeo do assentamento rural muitos posseiros convivendo com os efeitos da

colonizaccedilatildeo para todos aqueles que acreditaram nos discursos construiacutedos pelo

colonizador sobre um lugar bom de viver acabaram arriscando as proacuteprias vidas na luta

pela terra

Com o passar do tempo eles se deparam com doenccedilas dificuldades

financeiras e a desilusatildeo da riqueza da terra faacutecil Diante da falta de alternativas de

trabalho e de sobrevivecircncia os posseiros viram a possibilidade de reocupar fazendas

20 A carta na integra faz parte de coletacircnea de recorte de textos e noticiaacuterios sobre a luta dos

movimentos numa espeacutecie de livro artesanal o qual estaacute disponibilizado nos arquivos do

Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica- MT

89

improdutivas como a uacutenica saiacuteda para a sobrevivecircncia conforme relatado na carta

ldquo[] e quando acaba o dinheiro o que fazerrdquo (CARTA CONVITE STR de Vila Rica

30052004)

O relato a seguir mostra as estrateacutegias dos posseiros para ocupar uma aacuterea

privada e como conseguiram a aprovaccedilatildeo do INCRA

[] Eu participei das ocupaccedilotildees em 1986-1987 no caso do

assentamento Bom Jesus que era antes a antiga Fazenda

COBEC onde 60 famiacutelias foram ocupando a aacuterea Noacutes

organizamos e ocupamos essa aacuterea e tem a Itaporatilde do Norte

que foi ocupada numa organizaccedilatildeo dos Sindicatos dos

Trabalhadores Rurais e outros movimentos sociais daqui do

municiacutepio de Vila Rica-MT mas especificamente da ocupaccedilatildeo

dessas aacutereas que eu natildeo sei falar sei do caso do Bom Jesus

que depois que organizamos a ocupaccedilatildeo recorremos ao

Sindicato e atraveacutes deste fizemos o primeiro contato com o

INCRA queriacuteamos saber se havia interesse por parte do

INCRA em negociar a compra dessa propriedade na eacutepoca o

INCRA ainda fazia a negociaccedilatildeo digo compra de aacutereas que jaacute

estavam ocupadas hoje como vocecirc sabe o INCRA natildeo faz

mais esse tipo de coisa a estrateacutegia eacute outra Hoje compra-se a

propriedade primeiro para depois entregar a antiga fazenda

aos assentados Entatildeo eu na eacutepoca tinha dezesseis anos eu

era meio perdido com essas coisas a organizaccedilatildeo foi feita

basicamente pelo o meu pai e outros companheiros nossos

(outras pessoas neacute) Soacute sei que eles fizeram um levantamento

sobre a situaccedilatildeo das fazendas em Vila Rica-MT e descobriram

que esta aacuterea estava sem produzir o dono natildeo tinha interesse

porque era uma fazenda empenhorada no banco ou seja jaacute era

uma aacuterea do banco Entatildeo os organizadores do processo de

ocupaccedilatildeo entenderam que seria mais faacutecil negociar entre o

dono e o INCRA e assim facilitaria aquisiccedilatildeo do tiacutetulo da

terra e formar o assentamento (ENTREVISTA com Ivanir

Galo Agricultor familiar do assentamento Bom Jesus e

presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-

MT realizada pela autora em marccedilo de 2015)

O relato nos possibilita cogitar a ideia de que os posseiros que reocuparam a

aacuterea da Fazenda Boa Jesus eram conhecedores tanto das diretrizes definidas pelo

INCRA para a criaccedilatildeo de assentamento rural quanto da situaccedilatildeo da Questatildeo Agraacuteria de

Vila Rica-MT Isso fica evidente principalmente ao eleger uma fazenda que estava

comprometida pelo endividamento no banco revelando uma taacutetica de efeito positivo

uma vez que facilita a accedilatildeo do INCRA na aquisiccedilatildeo da fazenda tendo em conta o

interesse do proprietaacuterio em negociar a venda

90

Outra situaccedilatildeo que nos chama atenccedilatildeo foi agrave atuaccedilatildeo dos filhos junto com os

pais na reocupaccedilatildeo da fazenda o que pode se atribuir agrave projeccedilatildeo de desmembramento

familiar ou de ampliaccedilatildeo do capital econocircmico da famiacutelia Ao mesmo tempo pode

demonstrar que os posseiros tinham a pretensatildeo de continuar uma tradiccedilatildeo vinculada a

terra passando suas heranccedilas para seus filhos poreacutem incorporando-os na luta pela

terra no trabalho com a terra e na busca pela sobrevivecircncia a partir da propriedade

rural

O relato a seguir mostra como os posseiros se apossavam de aacutereas natildeo

produtivas

[] A ocupaccedilatildeo de fazenda na eacutepoca era a uacutenica forma que as

pessoas sem-terra tinham para conseguir uma pequena aacuterea

era o que noacutes entendiacuteamos ser mais faacutecil para conseguir ter

acesso agrave terra Hoje a gente vecirc que natildeo precisa ser soacute assim

pois eacute melhor procurar comprar a fazenda e planejar o

assentamento [] Eacuteramos todos daqui mesmo de Vila Rica-

MT eacuteramos pessoas que tinha conhecimento sobre a luta pela

terra um bom entrosamento e essas pessoas trabalhavam em

prol da colonizaccedilatildeo reuniram essas famiacutelias e foram ocupar

ateacute organizamos em dois grupos no primeiro momento onde

um grupo entrou por um local e o outro grupo entrou por outro

lado da fazenda mas quando teve o desbravamento

descobrimos que estaacutevamos ocupando a mesma aacuterea porque o

acesso era muito difiacutecil a gente natildeo tinha como fazer um mapa

direito da fazenda entatildeo tivemos que entrar de 8 a12 km na

mata ateacute descobrir a aacuterea toda[] (ENTREVISTA com

Evani Galo presidente do STR de Vila Rica-MT realizada pela

autora em marccedilo de 2015)

O citado relato oral nos possibilita afirmar que havia um conhecimento

aprimorado sobre a estrutura fundiaacuteria de Vila Rica- MT Os posseiros natildeo ocupavam

aacutereas de fazendas que estavam produzindo mas optavam por estabelecer as disputas em

terras sob condiccedilotildees ilegais Por isso eles ocupavam as aacutereas improdutivas para

diminuir a possibilidade de conflito e aumentar a chance de negociaccedilatildeo entre os

proprietaacuterios e as instituiccedilotildees governamentais Para essas definiccedilotildees eles faziam

reuniotildees para escolher qual aacuterea de fazenda seria ocupada e a definiccedilatildeo de estrateacutegias na

reocupaccedilatildeo

Destacamos que a maioria dos posseiros ocupantes dos lotes do

Assentamento Rural Bom Jesus foi ldquoex-colonosrdquo do Sul que migraram para Vila Rica-

MT no iniacutecio da colonizaccedilatildeo No caso desta pesquisa denominamos como ex- colonos

91

aqueles migrantes que vieram para Vila Rica-MT em funccedilatildeo da accedilatildeo da colonizadora e

que perderam o capital financeiro devido ao endividamento no banco

Daiacute estes migrantes passaram de colonos para Sem-Terra depois tornaram-

se posseiros ou vendedores da forccedila de trabalho trabalhadores rurais e tambeacutem urbanos

Poreacutem outros posseiros eram oriundos das aacutereas de colonizaccedilatildeo ou de fazendas

agropecuaacuterias

[] a dificuldade de chegar e trabalhar era muita Natildeo tinha

aparelhos para identificar com precisatildeo a dimensatildeo da aacuterea

natildeo tinha estrada Andaacutevamos aiacute de 8 a 12 km na mata guiados

atraveacutes de picadas apenas essas picadas jaacute eram existentes

desde a eacutepoca da colonizadora E por ser essa fazenda que noacutes

ocupamos uma aacuterea vizinha da colonizadora Isso acabou

facilitando a localizaccedilatildeo Aleacutem da falta de estrada tinha a

malaacuteria a falta de transporte E eu mesmo fui uma das pessoas

que primeiro chegou ao assentamento Quando fui uns dos

primeiros fiquei 21 dias na mata ali roccedilando demarcando a

minha aacuterea Eu fiquei tentando marcar e garantir o meu

territoacuterio e foi assim a nossa luta para conseguir o pedaccedilo de

terrapedaccedilo de chatildeo pra produzir depois o meu sustento e da

minha famiacutelia [] Na eacutepoca ficou determinado entre todos

noacutes numa reuniatildeo que fizemos ateacute pra dizer que cada um de

noacutes ficaacutessemos apenas com 100 hectares [] por isso no

assentamento do Bom Jesus natildeo tem ningueacutem com mais 100

hectares E teve gente que natildeo conseguiu permanecer no

assentamento venderam e teve outros que desistiram natildeo

aguentaram aquele sofrimento todo Noacutes sempre trabalhamos

na associaccedilatildeo para que nenhum lote passasse de 100 hectares

pois jaacute era a determinaccedilatildeo do INCRA E noacutes jaacute conheciacuteamos as

regras do INCRA e trabalhaacutevamos desde a fase de organizaccedilatildeo

da ocupaccedilatildeo com elas Os dois assentamentos que manteve esse

padratildeo eacute soacute o Bom Jesus e o Itaporatilde A nossa loacutegica era no

sentido de facilitar a regularizaccedilatildeo e pra isso trabalhamos de

forma que pudesse tambeacutem aumentar o nuacutemero de famiacutelias no

assentamento Noacutes sempre respeitamos as regras

(ENTREVISTA com Evani Galo Agricultor Familiar do

assentamento Bom Jesus realizada pela autora em marccedilo de

2015)

O relato acima nos remete agrave concepccedilatildeo jaacute exposta na descriccedilatildeo da formaccedilatildeo

de outros assentamentos rurais em que os posseiros eram conhecedores das diretrizes

do INCRA em relaccedilatildeo ao processo de criaccedilatildeo e regularizaccedilatildeo dos assentamentos rurais

Isso nos leva a crer que a reocupaccedilatildeo das fazendas natildeo ocorria de forma tatildeo espontacircnea

como aparece em outras narrativas sobre assentamentos rurais Havia entre os posseiros

92

uma organizaccedilatildeo e um planejamento Isto porque promoviam accedilotildees que exigiam

atividades taacuteticas e estrateacutegicas que permeavam a disposiccedilatildeo da luta pela terra

Apesar dessas definiccedilotildees de princiacutepios organizativos da luta para evitar

ocupaccedilotildees equivocadas e desviar-se dos conflitos o entrevistado falou sobre as ameaccedilas

que sofreram no periacuteodo em que lutaram para conquistar a terra

[] teve sim ameaccedilas de despejos na eacutepoca Apesar de que

hoje a gente jaacute sabe que foi uma pessoa que usou de

oportunismo Isso eacute o mesmo que estaacute acontecendo na Fazenda

Reunidas Vocecirc natildeo precisa ter medo de falar sobre esse fato

porque eacute verdade isso que lhe conto Pode colocar no seu

relatoacuterio aiacute Esses satildeo os tais grileiros das terras do Araguaia

ficam se passando por donos das fazendas soacute para ameaccedilar e

confundir os posseiros Aconteceu assim uma pessoa de maior

poder aquisitivo ficou amedrontando as outras pessoas que

estavam ocupando a aacuterea da fazenda Noacutes estaacutevamos fazendo

os nossos serviccedilos laacute cuidando da roccedila E daiacute apareceram eles

dizendo que eram os legiacutetimos donos da aacuterea mas natildeo

conseguiram apresentar documento natildeo conseguriam

apresentar nada Noacutes desconfiaacutevamos deles No fundo

sabiacuteamos que estavam tentando nos enrolar E acabou que eles

tiveram que se retirar de laacute E noacutes atraveacutes do INCRA e do

Sindicato satildeo essas as instituiccedilotildees que assumiram a nossa

causa ficamos com a terra e estamos assentados laacute ateacute hoje

Somos 63 famiacutelias [] Na verdade 1987 eacute o periacuteodo de

ocupaccedilatildeo porque o INCRA veio atuar em 1992 quando foi

criado o assentamento Ficou esse periacuteodo aiacute todo em fase de

negociaccedilatildeo com o antigo dono da fazenda O INCRA e o

Sindicato fizeram o levantamento da aacuterea estudo geograacutefico e

assim por diante e noacutes juntos acompanhando tudo

(ENTREVISTA com Ivani Galo Agricultor Familiar do

assentamento Bom Jesus realizada pela autora em marccedilo de

2015)

Nesse caso o depoimento remete agrave accedilatildeo de outro tipo de agente social

envolvido nos conflitos agraacuterios do assentamento rural o grileiro No entanto o termo

ldquogrileirordquo eacute usado localmente para identificar aquele sujeito social que reocupa uma aacuterea

de terra natildeo com o objetivo de morar e cultivar mas ao contraacuterio para adquirir o

ldquodireitordquo sobre ela e poder comercializar posteriormente

Tambeacutem eacute possiacutevel identificar na narrativa a valorizaccedilatildeo dada ao Sindicato

dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT destacando que ele agia juntamente com o

INCRA na regularizaccedilatildeo do assentamento rural

93

Compreendemos que a formaccedilatildeo do Assentamento Rural Bom Jesus deu-se

de forma particular Os posseiros que reocuparam a aacuterea tinham dificuldade financeira

para garantir a sobrevivecircncia e isso se configurava como um impedimento de

retornarem aos seus lugares de origem e natildeo conseguindo mais vislumbrar outro meio

de sobrevivecircncia que natildeo fosse a ocupaccedilatildeo de terra ociosa

Diante das necessidades os posseiros criaram estrateacutegias inteligentes de

ocupaccedilatildeo escolhendo as aacutereas com maior chance de desapropriaccedilatildeo bem como

estrateacutegias de resistecircncia do grupo para lutar contra o grileiro

Essas estrateacutegias tambeacutem devem ser compreendidas em uma relaccedilatildeo com o

perfil dos ocupantes que incluiacutea aqueles com certo grau de instruccedilatildeo sobre as questotildees

relacionadas agrave poliacutetica de regularizaccedilatildeo de assentamentos rurais O conhecimento da

legislaccedilatildeo facilitou o acesso agraves poliacuteticas que versavam sobre a desapropriaccedilatildeo

parcelamento e uso de terras devolutas eou improdutivas que natildeo cumpriam a funccedilatildeo

social as quais devem ser utilizadas para fins de Reforma Agraacuteria

227 Assentamento Rural Santo Antocircnio do Beleza

Jaacute ressaltamos em outras passagens do texto que cada um dos assentamentos

rurais de Vila Rica-MT tem caracteriacutesticas de ocupaccedilatildeo diferentes como eacute o caso do

Assentamento Rural Santo Antocircnio do Beleza que foi ocupado por colonos que natildeo

conseguiram comprar lotes de terra da colonizadora ou perderam suas terras no

financiamento do Banco Tambeacutem participaram seus filhos que no ldquodesmembramentordquo

familiar tambeacutem se apropriaram de terras Ateacute entatildeo natildeo apareceu o dono do tiacutetulo

requerendo o direito de propriedade daquela aacuterea de terra em que foi constituiacutedo o

Assentamento Rural Bom Jesus

Tal situaccedilatildeo se deu tambeacutem pelo fato de a Colonizadora Vila Rica-MT natildeo ter

assegurado junto ao INCRA as terras aos colonos e trabalhadores rurais desprovidos

de capital para aquisiccedilatildeo de lotes da colonizadora Estes ocuparam aacutereas destinadas ateacute

entatildeo pela colonizadora para as fazendas Somente depois que a aacuterea foi ocupada em

2001 eacute que o INCRA regularizou os lotes para os ldquoocupantesrdquo

Os posseiros que reocuparam a aacuterea da Colonizadora Vila Rica-MT

denominada de Santo Antocircnio do Beleza satildeo em sua maioria oriundos dos estados do

94

Rio Grande do Sul Santa Catarina e do Paranaacute e se fixaram na aacuterea como assentados e

atualmente se identificam como agricultores familiares parceleiros colonos ou

proprietaacuterios

228 Assentamento Rural Alvorada

O Assentamento Rural Alvorada estaacute localizado na divisa do municiacutepio de

Vila Rica-MT com o estado do Paraacute Esse assentamento rural resultou da ocupaccedilatildeo da

fazenda Santaninha em 1993 poreacutem o ato de regularizaccedilatildeo data de 1995 ou seja

somente depois de dois anos das terras ocupadas eacute que foram regularizadas pelo

INCRA transformando-as em Projeto de assentamento rural

Consta em documentos (atas ofiacutecios relatoacuterios e projetos de assistecircncia

teacutecnicas)21

do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT que os primeiros

moradores do Assentamento Rural Alvorada vieram principalmente dos estados de

Mato Grosso do Paraacute e de outras regiotildees do Brasil

Melo (2011 p 43) realizou uma pesquisa sobre as atividades das

agropecuaacuterias no Assentamento Rural Alvorada denominado como PA Santaninha

afirmando que ldquo[] o periacuteodo compreendido de 1993 ateacute 2009 as principais

dificuldades do assentamento rural estavam relacionadas agrave falta de estradasrdquo De acordo

com o mesmo autor o assentamento rural estaacute localizado em uma aacuterea onde haacute

predominacircncia de relevo acidentado condiccedilatildeo que motivou os assentados a investir na

pecuaacuteria inibindo assim o avanccedilo da agricultura familiar devido agraves dificuldades para o

escoamento da produccedilatildeo agriacutecola de hortaliccedilas legumes verduras e frutas

Essa situaccedilatildeo ainda eacute um desafio para o desenvolvimento do assentamento

rural Apesar dos problemas nesse assentamento haacute escola Associaccedilatildeo de Pequenos

Agricultores possui rede de energia eleacutetrica abastecimento de aacutegua etc Nesta acepccedilatildeo

o relato de um dos assentados ilustra a concepccedilatildeo dos seus moradores quanto agraves

condiccedilotildees de vida no assentamento rural

21 Esses documentos foram analisados pela a autora da pesquisa os quais fazem parte do acervo

documental do Sindicato dos Trabalhadores de Vila Rica-MT

95

[] foi bom mudar para caacute me sinto realizado porque

consegui algo para sobreviver e cuidar da minha famiacutelia []

quando chegamos aqui quase natildeo tinha devastaccedilatildeo de mata soacute

tinha aproximadamente 25 alqueires de derrubada e era muito

difiacutecil a chegada neste local pois os primeiros meios de

transporte eram o trator porque as estradas eram bem

dificultosas atoleiros e sem pontes Atualmente as melhorias

satildeo muito grandes nas estradas nos transportes na educaccedilatildeo

na habitaccedilatildeo e na sauacutede (ENTREVISTA com Edno Venacircncio

morador do projeto de Santaninha desde o ano 1993 realizada

por Carlos Aberto de Melo em 2011)

O trecho do relato nos remete agraves dificuldades vivenciadas pelos posseiros nos

primeiros tempos de formaccedilatildeo do assentamento rural comuns aos demais

assentamentos rurais de Vila Rica-MT Satildeo os posseiros que precisam cavar e buscar as

proacuteprias condiccedilotildees de sobrevivecircncia jaacute que o poder Puacuteblico natildeo assegura a

infraestrutura baacutesica

No assentamento Alvorada as informaccedilotildees do STR e dos assentados

permitiram compreender que nesse assentamento natildeo ocorreu conflito entre posseiros e

fazendeiro Trata-se de uma aacuterea que natildeo estava vinculada somente agrave Fazenda

Santaninha Nesse assentamento a devastaccedilatildeo do meio para a formaccedilatildeo de pastagens foi

fruto da accedilatildeo dos proacuteprios posseiros

No Assentamento Rural Alvorada como em outros a questatildeo das poliacuteticas

puacuteblicas de sauacutede habitaccedilatildeo estrada e educaccedilatildeo satildeo consideradas como conquistas

importantes para a permanecircncia das famiacutelias no campo

Consideraccedilotildees gerais sobre os assentamentos rurais de Vila Rica-MT

Ao analisar a formaccedilatildeo dos assentamentos rurais do municiacutepio de Vila Rica

percebemos a complexidade e as diferenciaccedilotildees existentes entre eles No entanto o que

existe em comum foi agrave luta pela posse da terra por parte de posseiros ex-colonos e

agricultores familiares Nesse processo contaram com o apoio e auxiacutelio de entidades

como a CPT e o STR do municiacutepio de Vila Rica-MT dos agentes da pastoral da

Prelazia de Satildeo Feacutelix do Araguaia hoje Diocese

A situaccedilatildeo dos assentamentos rurais de Vila Rica-MT eacute percebida como

resultado da luta dos posseiros em torno da aquisiccedilatildeo da posse e propriedade da terra

96

Ao mesmo tempo em que essa organizaccedilatildeo parte de uma localidade especifica estava

inserida em uma conjuntura de luta regional estadual nacional e mundial

Os diferentes sujeitos histoacutericos que constituiacuteram a luta pela terra com a

formaccedilatildeo dos assentamentos rurais de Vila Rica-MT deixaram de ser posseiros Os ex-

colonos trabalhadores rurais e grileiros tornaram-se agricultores familiares quando o

INCRA regularizou a aacuterea em litiacutegio transformando-a em assentamento rural

97

3 SITUACcedilAtildeO SOCIOECONOcircMICA DOS ASSENTAMENTOS RURAIS SAtildeO

JOSEacute SAtildeO GABRIEL IPEcirc E ARACATI (2006-2010)

Esse capiacutetulo tem como objetivo apresentar a situaccedilatildeo socioeconocircmica de

quatro dos oito assentamentos rurais do municiacutepio de Vila Rica-MT No entanto natildeo se

pretende apresentar um diagnoacutestico de sua realidade social e econocircmica mas um esboccedilo

para compreender as tendecircncias soacutecio-histoacutericas que foram obtidas atraveacutes das fontes

documentais

Ressaltamos que existem poucas fontes escritas que se referem a situaccedilotildees

socioeconocircmicas dos assentamentos rurais do Araguaia e se tratando de Vila Rica a

localizaccedilatildeo e acesso aos poucos documentos escritos foram fundamentais para a

construccedilatildeo desse capiacutetulo

As fontes escritas analisadas nesse capiacutetulo foram os ldquoPlanos de

Desenvolvimento do Assentamentordquo (Pda) incluindo os assentamentos rurais Satildeo Joseacute

Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati elaborados pela Empaer em 2010 Estes Pdas ajudaram a

compreender os muacuteltiplos contextos de constituiccedilatildeo e produccedilatildeo nos assentamentos

rurais embora envolvessem outras temporalidades

Contudo ressaltamos que natildeo utilizamos apenas o banco de dados produzido

pela equipe da Empaer pois realizamos visitas aos assentamentos rurais agrave Secretaria

Municipal de Agricultura e ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT

onde aleacutem das entrevistas tivemos acesso a outras fontes documentais que

possibilitaram ampliar a perspectiva analiacutetica deste capiacutetulo

A elaboraccedilatildeo dos Pdas se deu atraveacutes de reuniotildees com os assentados e a

realizaccedilatildeo de pesquisa de campo

As informaccedilotildees coletadas refletem a realidade do assentamento

e foram levantadas dentro de uma metodologia participativa

onde a comunidade do assentamento expocircs suas dificuldades

potencialidades e prioridades Utilizou-se tambeacutem de estudos de

campo realizado por uma equipe multidisciplinar constituiacuteda

por engenheira florestal engenheira agrocircnoma e teacutecnicos nas

aacutereas da pecuaacuteria agriacutecola ambiental e social (EMPAER-MT

2010 p 2)

Ressaltamos que as informaccedilotildees levantadas natildeo ldquorefletiram a realidaderdquo de

maneira mecacircnica mas possibilitaram a anaacutelise das informaccedilotildees obtidas enquanto

tendecircncias

98

Para compreender como cada fonte documental foi construiacuteda foi preciso

observar as fotografias que fazem parte do proacuteprio documento e que possibilitaram a

percepccedilatildeo da forma com que a equipe multidisciplinar da Empaer coletou as

informaccedilotildees que serviram de base para produccedilatildeo do diagnoacutestico de como se deu a

participaccedilatildeo dos assentados

Figura 8 Fotografias das visitas dos teacutecnicos da Empaer-MT no PA Ipecirc 2010

Fonte EMPAER-MT 2010 p 5

A Empaer recorreu a diversas estrateacutegias desde o uso dos recursos

midiaacuteticos sobretudo a Raacutedio Comunitaacuteria e visitas aos assentamentos rurais contando

com o apoio de lideranccedilas sindicais e poliacuteticas para a divulgaccedilatildeo do Programa de

Assessoria Teacutecnica Social e Ambiental agrave Reforma Agraacuteria (Ates) e conscientizaccedilatildeo

dos agricultores familiares sobre a importacircncia e implicaccedilatildeo dos Pdas

Figura 9 Fotografias da apresentaccedilatildeo do Projetob Ates na Raacutedio Comunitaacuteria Eldorado

Fonte EMPAER 2010 p 5

99

Foi a partir dessas diferentes formas de divulgaccedilatildeo e estrateacutegias que a equipe

da Empaer convenceu os assentados a participar da primeira fase do Ates que foi a

construccedilatildeo do diagnoacutestico

Os questionaacuterios e entrevistas foram realizados em diferentes momentos em

reuniotildees com a comunidade e in loco o que resultou na tabulaccedilatildeo de dados que

apresentam diferentes bases amostrais Ora observamos uma amostra de cerca de

duzentos entrevistados e ora observamos tabelas com um nuacutemero trecircs vezes maior de

famiacutelias assentadas

Ressaltamos que essa diferenccedila na base de dados eacute proacutepria da fonte

documental analisada e natildeo pudemos adulterar os nuacutemeros para natildeo comprometer a

anaacutelise da fonte documental Ainda eacute importante salientamos que apesar das diferenccedilas

amostrais presentes em diferentes dados (tabelas) os mesmos satildeo extremamente

relevantes para anaacutelise por fornecerem tendecircncias socioeconocircmicas dos assentamentos

rurais nos anos de 2009 a 2010

31 Os assentamentos rurais na perspectiva do Programa de Assessoria Teacutecnica

Social e Ambiental agrave Reforma Agraacuteria (Ates)

Os assentamentos rurais segundo a concepccedilatildeo constituiacuteda no projeto de Ates

(2008) satildeo definidos enquanto espaccedilos de promoccedilatildeo da equidade de gecircnero e

intergeraccedilotildees entre a populaccedilatildeo de agricultores familiares Por isso a recorrecircncia agraves

estrateacutegias de trabalho em forma de cooperativas imbuiacutedas da concepccedilatildeo de

agroecologia cooperaccedilatildeo e economia solidaacuteria Estes elementos foram constituiacutedos a

partir dos artifiacutecios da formaccedilatildeo continuada dos diferentes segmentos que compotildeem o

coletivo do Programa de Reforma Agraacuteria

Para tanto o Programa Ates do Ministeacuterio do Desenvolvimento Agraacuterio

(BRASIL 2008 p 10) foi definido da seguinte forma

100

O Programa de Assessoria Teacutecnica Social e Ambiental agrave

Reforma Agraacuteria ndash Ates do INCRA foi criado em 2003 com o

objetivo de assessorar teacutecnica social e ambientalmente as

famiacutelias assentadas nos Projetos de assentamento da Reforma

Agraacuteria criados ou reconhecidos pelo INCRA tornando-os

unidades de produccedilatildeo estruturadas com seguranccedila alimentar

garantida inseridos de forma competitiva no processo de

produccedilatildeo voltados ao mercado e integradas agrave dinacircmica do

desenvolvimento municipal regional e territorial de forma

ambientalmente sustentaacutevel

Nessa perspectiva a assistecircncia teacutecnica implementada pelo Instituto Nacional

de Colonizaccedilatildeo e Reforma Agraacuteria deve levar em consideraccedilatildeo as questotildees de ordem

social ambiental culturas e tecnoloacutegica visando um modelo de desenvolvimento

pensado a partir das demandas locais regionais e nacional de forma que assegure a

sustentabilidade social ambiental e econocircmica dos assentamentos rurais

A Ates tem como ponto de referecircncia para a efetivaccedilatildeo da assistecircncia teacutecnica

na Agricultura Familiar os Pdas (2008 p 51) ldquo[] eacute portanto a principal ferramenta

de planejamento dos Projetos de assentamentos rurais voltada diretamente para o seu

desenvolvimento sustentaacutevel segundo as suas dimensotildees econocircmica social cultural e

ambientalrdquo

De acordo com o MDA os assentamentos rurais devem ser ldquoedificado a partir

de um diagnoacutesticordquo que sirva como representaccedilatildeo do quadro situacional dos

assentamentos rurais em seus aspectos fiacutesico social econocircmico cultural e ambiental

O objetivo eacute

Dotar as aacutereas de assentamento de um instrumento de

planejamento fundado em diagnoacutestico preacutevio que permita

prever todas as accedilotildees a serem desenvolvidas num determinado

horizonte de tempo de modo a possibilitar o monitoramento de

sua implementaccedilatildeo pelas equipes de Ates Garantir a efetiva

participaccedilatildeo dos assentados em todas as fases do processo de

planejamento e implementaccedilatildeo das accedilotildees nos projetos de

assentamento Inserir as accedilotildees propostas para os projetos de

assentamento no contexto das diretrizes contidas nos

planejamentos regionais e municipais assegurando a

participaccedilatildeo efetiva de todos os atores sociais governamentais e

natildeo governamentais envolvidos com o processo de reforma

agraacuteria (BRASIL MDA 2006 p 29)

Conforme o MDA o projeto tem por base a participaccedilatildeo do assentado em

todas suas fases de planejamento e implementaccedilatildeo dos assentamentos rurais

101

beneficiados A idealizaccedilatildeo do objetivo do Ates eacute ambicioso no contexto nacional mas

apresenta pouca aplicabilidade quando tomamos como referecircncia o caso de Vila Rica-

MT Tratando-se dos Pdas elaborados especificamente para os assentamentos rurais Satildeo

Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati os objetivos baacutesicos buscam assegurar que

As famiacutelias seratildeo assessoradas teacutecnica social e ambientalmente

de forma integrada e continuada nos aspectos de produccedilatildeo

industrializaccedilatildeo e comercializaccedilatildeo dos produtos explorados na

aplicaccedilatildeo do creacutedito rural nas questotildees ambientais no

saneamento baacutesico na organizaccedilatildeo das famiacutelias e da produccedilatildeo

no exerciacutecio da cidadania utilizando as metodologias de Ates

(EMPAER-MT 2010 p 11)

A partir dessa proposta a equipe da Empaer realizou a primeira fase do

projeto realizando uma ampla pesquisa junto aos assentados dos quatro assentamentos

rurais de Vila Rica-MT que foram contemplados pelo Programa de Ates Este

levantamento de dados pela Empaer foi importante para identificar o perfil do

assentado a produccedilatildeo e comercializaccedilatildeo no ano de 2010 Apesar de ser uma

amostragem parcial forneceu dados que permitiram analisar e problematizar questotildees

que podem se constituir enquanto indicadores ou tendecircncias

Apesar da relevacircncia do Pdas como fonte documental para a pesquisa e para

as poliacuteticas do municiacutepio de Vila Rica-MT eacute fundamental destacarmos que o Ates natildeo

foi finalizado mas suspenso pelo Governo Federal sem que os Pdas tenham sido

devidamente finalizados No entanto a equipe teacutecnica da Empaer que coletou os dados

e as informaccedilotildees desses assentamentos rurais continua utilizando esse diagnoacutestico para

o desenvolvimento de suas accedilotildees

32 O perfil dos assentados gecircnero idade e escolaridade

O perfil dos assentados dos assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e

Aracati conforme jaacute dito foi constituiacutedo com dados quantitativos obtidos atraveacutes dos

diagnoacutesticos que serviriam como base para a construccedilatildeo dos Pdas

Esses dados foram analisados a partir da confrontaccedilatildeo com fontes orais e

anaacutelises teoacutericas que forneceram indiacutecios qualitativos para a problematizaccedilatildeo e

102

compreensatildeo das caracteriacutesticas dos Agricultores Familiares dos assentamentos rurais

pesquisados

321 Diferenciaccedilatildeo de Gecircneros predominacircncia masculina e papel da mulher

Segundo dados da Empaer (2010) a diferenccedila numeacuterica entre homens e

mulheres nos assentamentos rurais pesquisados assim se apresentava

PA Satildeo Joseacute 179 homens e 147 mulheres

PA Satildeo Gabriel 44 homens e 39 mulheres

PA Ipecirc 153 homens e 125 mulheres

PA Aracati 40 homens e 44 mulheres

Com exceccedilatildeo do Assentamento Rural Aracati que apresentou uma pequena

vantagem no nuacutemero de mulheres em relaccedilatildeo aos demais assentamentos rurais se

observa a predominacircncia do sexo masculino sobre o feminino Uma hipoacutetese explicativa

para a existecircncia de maior nuacutemero de homens residindo nos assentamentos rurais eacute em

primeiro lugar causado pela necessidade dos filhos estudarem nas escolas urbanas

sendo que muitas vezes as matildees os acompanham em segundo lugar a possibilidade de

que cabe aos homens morar nas fases iniciais de formaccedilatildeo dos assentamentos rurais

enquanto constroem as casas estradas escola e estrutura fiacutesica

A questatildeo de gecircnero pode ser abordada em relaccedilatildeo ao trabalho ao lazer e agrave

participaccedilatildeo poliacutetica das mulheres Tratando-se de lazer os relatoacuterios do Pdas da

Empaer (2010 p 74) demonstraram que existe uma estrutura maior para os homens

conforme descriccedilatildeo abaixo

No assentamento natildeo identificamos praacuteticas de lazer voltadas

para as mulheres e idosos As atividades direcionadas para este

grupo geralmente se datildeo na esfera familiar ou religiosa O

assentamento tem times de bochas que participam do

campeonato municipal onde os jogadores tecircm que se deslocar

de um assentamento para outro

Como vimos as atividades de lazer satildeo predominantemente masculinas

sobretudo no esporte como eacute o caso dos jogos de bocha e futebol que resultam numa

circulaccedilatildeo dos assentados em outros assentamentos rurais e comunidades Agraves mulheres

restam as atividades religiosas e no lar Assim sendo satildeo os homens que tecircm mais

103

oportunidades de sair de casa e tambeacutem da comunidade diferentemente das mulheres

que ficam a maior parte do tempo no interior do lar

No que se refere agrave representaccedilatildeo poliacutetica segundo a Empaer (2009 p 59) no

Assentamento Rural Satildeo Joseacute ldquo[] foram levantadas as informaccedilotildees que natildeo haacute []

representaccedilatildeo especiacutefica para o jovem e a mulher rural fato este que tambeacutem contribui

para o ecircxodo dessas famiacuteliasrdquo Jaacute nos assentamentos rurais Satildeo Gabriel e Ipecirc ldquo[] a

participaccedilatildeo da associaccedilatildeo conta com presenccedila de homens mulheres e jovens poreacutem as

mulheres e jovens fazem poucas interferecircncias sobre os assuntos tratados durante as

reuniotildeesrdquo (EMPAER p 51)

De acordo com os relatoacuterios produzidos pela equipe do escritoacuterio da Empaer

em Vila Rica-MT natildeo existe uma organizaccedilatildeo feminina no sentido de criar estrateacutegias

para pleitear poliacuteticas especiacuteficas para a categoria o que diminui ainda mais a

participaccedilatildeo das mesmas Vale lembrar que as mulheres satildeo responsaacuteveis pelos afazeres

domeacutesticos (cuidando da casa e dos filhos) assim como da criaccedilatildeo de pequenos animais

domeacutesticos (porcos aves cachorros e outros) e do cultivo de hortas

No relatoacuterio do Assentamento Rural Satildeo Gabriel essa situaccedilatildeo foi descrita

pela a Empaer (2010 p 52) da seguinte forma

A maioria das mulheres aleacutem de trabalharem nos afazeres

domeacutesticos (cuidado da casa e dos filhos) tambeacutem satildeo

responsaacuteveis pela criaccedilatildeo de pequenos animais domeacutesticos e

cultivos de hortas A organizaccedilatildeo das mulheres dentro do

assentamento ainda eacute retraiacuteda Segundo dados do perfil de

entrada aplicado no assentamento natildeo foi constatado nenhum

grupo de mulheres ou qualquer outra forma de organizaccedilatildeo

social voltada para as mulheres em todo o assentamento

Ficando as mesmas condicionadas a se reunirem com os

homens e desta forma natildeo se unem para tratar de assuntos

relevantes as suas necessidades dentro do assentamento

Os afazeres domeacutesticos entram na divisatildeo sexual do trabalho como atividade

feminina assim como eacute o caso do cultivo de hortaliccedilas e criaccedilatildeo de pequenos animais

(aves porcos etc) as quais podem contar com a ajuda das crianccedilas No entanto haacute

indiacutecios de que falta uma maior organizaccedilatildeo das mulheres no sentido na reivindicaccedilatildeo

de poliacuteticas direcionadas aos seus interesses O segundo o relatoacuterio da Empaer (2010 p

52) esclarece ainda que

104

A alimentaccedilatildeo das famiacutelias eacute composta pelo que eacute produzido

nas propriedades como pequenos animais leite derivados do

leite hortaliccedilas frutas do pomar e em determinada eacutepoca do

ano tem o complemento de milho e mandioca A outra parte da

alimentaccedilatildeo da famiacutelia eacute comprada no comeacutercio do municiacutepio

Natildeo foi constatada nenhuma famiacutelia que natildeo produz um pouco

da sua base alimentar dentro da propriedade

Assim podemos afirmar que a maior parte dos produtos que serve de base

para alimentaccedilatildeo das famiacutelias tais como pequenos animais derivados do leite

hortaliccedilas frutas do pomar entre outros satildeo oriundos das atividades desenvolvidas

pelas mulheres cabendo aos homens as atividades relacionadas agrave produccedilatildeo e venda de

leite para complementaccedilatildeo da renda da famiacutelia

Nessa mesma perspectiva os dados quantitativos que se seguem demonstram

a confirmaccedilatildeo do que jaacute supramencionamos

Tabela 2 Produtos que satildeo destinados agrave Alimentaccedilatildeo da Famiacutelia

Uso de tanque PA S Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total

Pequenos animais 106 22 78 25 231

Leite 97 22 76 25 220

Pomar 105 21 78 24 228

Horta 72 15 62 17 166

Total 380 80 294 91 845

Fonte EMPAER (2010 p09)

Analisando a Tabela 2 do total de 570 famiacutelias dos quatro assentamentos

rurais participantes da pesquisa 220 criam gado leiteiro sendo essa atividade uma das

principais fontes de renda e de consumo

Enquanto 231 assentados satildeo criadores de pequenos animais 228 possuem

pomar e 166 cultivam hortaliccedilas em seus quintais Trata-se de produccedilatildeo para consumo

Logo eacute possiacutevel aferir que quem garante grande parte da renda das famiacutelias assentadas

satildeo as mulheres sendo que esse trabalho nem sempre eacute considerado rentaacutevel visto que

classificado como uma simples ldquoajudardquo no orccedilamento familiar conforme observado

adiante na discussatildeo sobre produccedilatildeo

322 Perfil etaacuterio indicadores de uma populaccedilatildeo idosa

105

Outro elemento importante identificado na pesquisa diz respeito agrave idade dos

assentados identificando o papel parcial dos jovens nos assentamentos rurais e o

envelhecimento da populaccedilatildeo

Segundo dados da Empaer (2010) a idade dos assentados dos assentamentos

rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati estatildeo distribuiacutedos em faixas etaacuterias da

seguinte forma

Tabela 3 Faixa etaacuteria dos assentados

Faixa Etaacuteria Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total

Nordm Nordm Nordm Nordm Nordm

0 a 6 24 75 10 120 18 64 1 10 53 70

7 a 15 69 215 22 270 36 128 17 210 144 190

16 a 29 67 200 13 160 81 287 20 250 181 230

30 a 60 139 430 37 450 120 426 35 430 331 430

Acima de 60 27 80 0 00 287

96 8 100 62 80

Total 326 100 82 1000 282 1000 81 1000 771 100

Fonte EMPAER 2010

De acordo com os dados na tabela 3 foi possiacutevel identificar que se somadas

As faixas etaacuterias entre 16 anos e 60 anos 66 dos assentados pesquisados estatildeo dentro

de faixas etaacuterias de populaccedilatildeo economicamente ativa ou seja os aptos agrave produccedilatildeo

agriacutecola eou pecuaacuteria Enquanto que as faixas etaacuterias de 7 a 15 anos de idade tecircm uma

representaccedilatildeo de 19 sendo que 8 estatildeo acima de 60 anos ou seja satildeo idosos e a

tendecircncia eacute que natildeo trabalhem da mesma maneira que os mais jovens

Logo esta constataccedilatildeo que leva em consideraccedilatildeo outras informaccedilotildees aleacutem

das expostas na tabela 3 nos induz a refletir sobre o envelhecimento da populaccedilatildeo do

campo onde apenas 19 satildeo jovens entre 7 a 15 anos Este pode ser considerado como

um intervalo longo situaccedilatildeo que a nosso ver complica a anaacutelise dos dados Aleacutem de

haver um indicativo de evasatildeo dos jovens nos assentamentos rurais explicada

hipoteticamente pela necessidade das novas geraccedilotildees de prosseguir nos estudos motivo

pelo qual saem dos assentamentos rurais para conseguirem obter maiores niacuteveis de

escolaridade como o Ensino Superior e ateacute mesmo o Meacutedio Outra possiacutevel explicaccedilatildeo

eacute a de que os jovens procuram por empregos em aacutereas urbanas

106

Destacamos que essa constataccedilatildeo tomou tambeacutem como paracircmetro o relatoacuterio

da Pesquisa Nacional de Residecircncia Domiciliar PNAD (2009) que aponta para o

envelhecimento da populaccedilatildeo rural no Brasil sobretudo nas aacutereas de assentamentos

rurais

Outro elemento fundamental eacute o papel poliacutetico dos ldquojovensrdquo assentados uma

vez que foram identificados como pouco participativos nas reuniotildees e atuaccedilotildees poliacuteticas

observadas pela equipe de elaboraccedilatildeo dos Planos de Desenvolvimento dos

assentamentos rurais

Aleacutem desse elemento a questatildeo da sua saiacuteda dos assentados para morar nas

cidades tambeacutem foi identificada como problema que atinge mais os jovens que buscam

oportunidade de empregos citadinos e de terem uma melhor e maior escolaridade

323 Perfil de escolaridade dos assentados

Nos dados da Empaer (2010) a escolaridades dos assentados tem a seguinte

caracterizaccedilatildeo

Tabela 4 Escolaridade dos assentados Escolaridade PA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total Perce

ntual

1ordf a 4ordf Seacuterie 143 29 113 39 324 46

5ordf a 8ordf Seacuterie 83 34 81 19 217 31

Segundo grau 61 12 49 16 138 20

Superior 8 1 4 7 20 3

Total 295 76 247 81 699 100

Fonte EMPAER (2010 p 9)

A Tabela 4 mostra que o niacutevel de escolaridade dos assentados eacute

significativamente baixo uma vez que das 699 pessoas participantes da pesquisa 77

natildeo cursaram o Ensino Meacutedio 324 estatildeo em niacutevel de escolaridade entre 1ordf a 4ordf seacuterie ou

seja estatildeo no anosciclo iniciais do processo de escolarizaccedilatildeo E 227 estatildeo entre 5ordf a 8ordf

seacuterie ou seja natildeo concluiacuteram sequer o Ensino Fundamental Somente 20 dos

entrevistados tecircm Ensino Meacutedio e apenas 20 pessoas dos pesquisados possuem ou estatildeo

em fase de conclusatildeo do Ensino Superior ou seja 3

107

Essa baixa escolarizaccedilatildeo entre assentados tambeacutem foi identificada em

pesquisa de Ferreira e Castrillon (2004 p 201) que ao apresentarem uma anaacutelise sobre

os impactos socioeconocircmicos dos assentamentos rurais em Mato Grosso descrevem sua

estrutura social como

Nos assentamentos pesquisados 23 8 dos titulares dos lotes

eram analfabetos 534 possuiacuteam primeiro grau incompleto

136 primeiro grau completo e 91 segundo grau ou mais

A taxa de analfabetismo dos titulares dos lotes demonstra- se

superior a taxa de analfabetismo da populaccedilatildeo rural do estado

A baixa escolaridade dos titulares dos lotes podem ser

explicados entre os outros fatores pela falta de infraestrutura

social (escola) em ambientes em que predomina intensa

mobilidade social pela necessidade do trabalho familiar entre

os jovens nas aacutereas rurais e especialmente em aacutereas de

fronteiras pela instabilidade e inseguranccedila promovidas pelo

intenso processo de luta pela terra Tais fatores quando

relacionadas diminuem as oportunidades de acesso a escola e a

serviccedilo de sauacutede as populaccedilotildees

Logo podemos observar que os dados quantitativos dos assentamentos rurais

pesquisados pela Empaer (2010) natildeo destoam de outras pesquisas em outros

assentamentos rurais do estado de Mato Grosso

Para finalizar a anaacutelise sobre o perfil dos assentados ressaltamos que

problematizar os dados relativos a gecircnero idade e escolaridade eacute fundamental para

identificar o perfil dos assentados quanto agraves caracteriacutesticas pessoais elementares que

influenciam na forma com que se relacionam e agem socialmente A educaccedilatildeo nos

assentamentos rurais pode ser problematizada atraveacutes de um fenocircmeno recente de

esvaziamento e fechamento de escolas no campo ou tambeacutem agrave falta de um curriacuteculo e

modo de organizaccedilatildeo pedagoacutegica que atenda as caracteriacutesticas especiacuteficas das aacutereas dos

assentamentos rurais

33 Condiccedilotildees de vida nos assentamentos rurais energia eleacutetrica aacutegua sauacutede

moradia e infraestrutura

O estudo levou em consideraccedilatildeo as anaacutelises sobre as condiccedilotildees nas quais

vivem as pessoas nos assentamentos rurais tendo como paracircmetro o acesso agrave luz

eleacutetrica aacutegua sauacutede moradia e infraestrutura elementos que a nosso ver satildeo

108

fundamentais para assegurar as condiccedilotildees de permanecircncia das famiacutelias nos

assentamentos rurais (no lugar) e proporcionam algum conforto e bem-estar

331 Energia Eleacutetrica

Um dos principais problemas do universo dos assentamentos rurais no Brasil

antes da implementaccedilatildeo do Programa Luz Para Todos era a ausecircncia de energia

eleacutetrica que impedia uma melhor qualidade de vida a qual impossibilitava o uso de

eletrocircnicos e eletrodomeacutesticos bem como a utilizaccedilatildeo de resfriadores para conservar e

processar o leite principal produto da renda financeira dos assentamentos rurais

estudados

Nessa perspectiva os dados quantitativos dispostos nos Pdas 2010 que satildeo

posteriores ao Programa Luz Para Todos nos mostram outra realidade

Tabela 5 Presenccedila de energia eleacutetrica nos assentamentos rurais

Energia EleacutetricaPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual

Natildeo tem energia eleacutetrica 5 0 3 0 8 35

A fonte eacute gerador proacuteprio 0 0 1 0 1 05

A fonte eacute a rede CEMAT 98 25 76 25 224 960

Total 103 25 80 25 233 100

Fonte EMPAER 2010

Nos assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati 96 dos

assentados jaacute usufruiacutea de energia eleacutetrica e somente oito das famiacutelias assentadas em

um universo de 233 responderam natildeo contar com energia eleacutetrica Essas famiacutelias sem

energia eleacutetrica moravam nos assentamentos rurais Satildeo Joseacute e Ipecirc e uma possibilidade

de explicaccedilatildeo para esse fato pode ser que satildeo famiacutelias receacutem-chegadas ou que ocuparam

aacutereas mais distantes dentro dos assentamentos rurais

Tal situaccedilatildeo de uma maioria de assentados contar com energia eleacutetrica eacute

decorrente do Programa ldquoLuz para Todosrdquo do Governo Federal

332 Aacutegua

109

A aacutegua eacute um elemento essencial para a vida no entanto quando se refere agrave

aacutegua em condiccedilatildeo potaacutevel revela-se um problema mundial situaccedilatildeo que natildeo foge agrave

realidade dos assentamentos rurais do municiacutepio de Vila Rica-MT Haacute problemas com a

aacutegua potaacutevel em funccedilatildeo de vaacuterios fatores tais como questotildees culturais econocircmicas

mas sobretudo as questotildees ambientais que assolam os assentamentos rurais do Brasil

Segundo dados da Empaer (2010) o percentual da aacutegua encanada nas

residecircncias dos assentamentos rurais pesquisados em Vila Rica-MT varia conforme as

caracteriacutesticas de cada projeto de assentamento A seguir mostramos os dados

encontrados em cada um dos assentamentos rurais

PA Satildeo Joseacute 72 possuem aacutegua encanada nas residecircncias

PA Satildeo Gabriel 70

PA Ipecirc 68

PA Aracati 92

Consideramos esse nuacutemero significativo de assentados beneficiados com

aacutegua encanada pois a exceccedilatildeo do Assentamento Rural Aracati que tem 92 os

demais tecircm uma meacutedia de 70 de aacutegua encanada

Importante destacar que satildeo diversas as fontes de aacutegua nos assentamentos

rurais conforme podemos verificar

Tabela 6 Fonte de Aacutegua nos assentamentos rurais

Aacutegua encanadaPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total

Poccedilo de alvenaria 92 19 57 11 179

Nascente protegida 5 2 11 11 29

Poccedilo descoberto 0 0 2 0 2

Cacimba 1 1 2 1 5

Coacuterrego ou rio 0 0 0 0 0

Poccedilo tubular fundo 6 0 2 1 9

Outras fontes 2 0 1 0 3

Total 106 22 75 24 227 Fonte EMPAER (201012)

110

Como podemos perceber a Tabela 6 nos mostra que 179 das propriedades

dos assentamentos rurais estudados possuem a aacutegua oriunda de poccedilos de alvenaria

sendo que 29 deles utilizam aacutegua das nascentes existentes em suas propriedades as

quais eles declararam protegecirc-las Duas pessoas usam aacutegua de poccedilos descobertos Cinco

usam aacutegua de cacimba nove de poccedilos tubulares fundos e apenas trecircs declararam utilizar

a aacutegua vinda de outras fontes

Outro fator que consideramos relevante eacute questatildeo que envolve a qualidade da

aacutegua consumida pelas famiacutelias assentadas segundo informaccedilotildees contidas na Tabela 7

Tabela 7 Qualidade da aacutegua nos assentamentos rurais

AacuteguaPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total

Aacutegua filtrada 86 23 56 16 181

Fervida 0 0 4 1 5

In natura 22 2 19 8 51

Aacutegua tratada 0 0 1 0 1

Outras fontes 1 0 1 0 2

Total 109 25 81 25 240 Fonte EMPAER (2010 p 9)

Eacute fato que existe uma relaccedilatildeo direta entre a qualidade da aacutegua e as questotildees

ligadas agrave sauacutede Poreacutem no caso dos assentamentos rurais estudados torna preocupante

o fato de existir 51 famiacutelias que consumem aacutegua in natura situaccedilatildeo que pode estar

vinculada aos fatores socioeconocircmicos sobretudo ao senso comum de que a aacutegua

ldquolimpardquo eacute a aacutegua sem cor e sem cheiro portanto aacutegua saudaacutevel

333 Sauacutede

A sauacutede puacuteblica eacute uma das reivindicaccedilotildees dos movimentos sociais que

demandam por melhores condiccedilotildees de vida nas aacutereas de assentamentos rurais tanto no

que diz respeito agrave estrutura macro quanto micro No entanto os saberes tradicionais

influenciam na concepccedilatildeo e modos de tratamento dos assentados de Vila Rica-MT

111

Segundo os dados do Plano de Desenvolvimento dos Assentamentos as

doenccedilas mais comuns satildeo hipertensatildeo leishmaniose verminose e outras como dores na

coluna nos rins dores de cabeccedila diabetes dengue e malaacuteria

Os dados quantitativos mostram a frequecircncia com que os assentados realizam

exames

Tabela 8 Frequecircncia da realizaccedilatildeo de exames de sauacutede

FrequecircnciaPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total

Regularmente 73 18 46 20 157

De vez em quando 35 4 31 5 75

Natildeo faz 1 0 4 0 5 Fonte EMPAER 2010

Os dados da Tabela 8 evidenciam que a maior parte dos assentados realizava

exames com frequecircncia o que demonstra que os mesmos tecircm acesso e fazem uso dos

serviccedilos de sauacutede puacuteblica realizados nos assentamentos rurais No entanto 75 famiacutelias

declararam utilizar os serviccedilos de sauacutede de vez em quando sendo que apenas 5 famiacutelias

disseram natildeo fazer uso

Quando perguntado se o assentado tem acesso aos serviccedilos de sauacutede os

dados nos remetem a outras interpretaccedilotildees conforme Tabela 9

Tabela 9 Acesso aos serviccedilos de sauacutede

AcessoPA Satildeo Joseacute Satildeo

Gabriel Ipecirc Aracati Total

Tem acesso 78 22 79 23 202

Natildeo tem acesso 33 1 2 1 37

Fonte EMPAER 2010

Pelos dados 202 famiacutelias dos assentados pesquisados afirmaram que tinham

acesso aos serviccedilos de sauacutede quando confrontados com outros dados existentes nos

Planos de Desenvolvimento dos Assentamentos Rurais visto que aleacutem desses serviccedilos

haacute disponibilidade de medicamentos que geralmente satildeo distribuiacutedos gratuitamente

apoacutes a consulta meacutedica No entanto trinta e sete famiacutelias declaram natildeo terem acesso aos

serviccedilos de sauacutede tampouco aos medicamentos

112

Segundo a Empaer (2009 p 66) 211 famiacutelias de assentamentos rurais

recorrem aos procedimentos da medicina tradicional principalmente agraves plantas

medicinais para suprir suas necessidades e ldquo[] desta forma conservam uma tradiccedilatildeo

cultural repassada de matildee para filhardquo Os principais remeacutedios caseiros segundo a

Empaer satildeo ldquo[] chaacutes xaropes garrafadas caseiras para combater e prevenir algumas

doenccedilasrdquo

Os dados quantitativos da Tabela 10 reforccedilam essa concepccedilatildeo

Tabela 10 Uso do remeacutedio caseiro

UsoPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total

Faz uso 96 22 71 22 211

Natildeo faz uso 15 1 10 3 29

Total Fonte EMPAER 2010

Os nuacutemeros indicam que apesar da maioria dos assentados terem acesso aos

serviccedilos de sauacutede grande parte deles tambeacutem faz uso de remeacutedios caseiros tradicionais

Esses dados confirmam que apesar das interaccedilotildees com serviccedilos puacuteblicos e outras

loacutegicas os assentados natildeo deixaram de utilizar os remeacutedios tradicionais Isso nos remete

agrave concepccedilatildeo de Gadelha (2007) que assegura que o mais importante na compreensatildeo

dos aspectos culturais eacute pensar para aleacutem da eficaacutecia de um determinado ritual mas eacute

tambeacutem tentar atribuir conceito sobre o poder simboacutelico utilizado por cada sociedade

para atribuir sentidos aos objetos

334 Moradia

A moradia tambeacutem eacute um dos fatores imprescindiacuteveis para a permanecircncia dos

assentados no campo No caso de Vila Rica-MT uma das caracteriacutesticas importantes do

perfil dos assentados eacute que a terra deve servir para moradia

Tabela 11 Nuacutemero de assentados que declararam morar no assentamento rural

MoradiaPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total

Sim 268 47 235 65 615 82

113

Natildeo 58 31 37 7 133 18

Total 326 78 372 72 748 100

Fonte EMPAER 2010

Assim conforme os dados apresentados 82 dos assentados dos

assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati declaram morar nos lotes fato

que demonstra um perfil dos assentados de morar-nos proacuteprios assentamentos rurais

fortalecendo assim a concepccedilatildeo da terra enquanto condiccedilatildeo tanto de morar como de

plantar O uacutenico assentamento rural que tem uma situaccedilatildeo parcialmente e discrepante eacute

Satildeo Gabriel que tem um percentual significativo de assentados que natildeo residem nos

lotes

Essas informaccedilotildees da tabela cruzadas com outros dados mostraram que o

tempo meacutedio de moradia dos assentados eacute

PA Satildeo Joseacute 1036 anos de moradia

PA Satildeo Gabriel 792 anos de moradia

PA Ipecirc 860 anos de moradia

PA Aracati 1248 anos de moradia

A permanecircncia nos lotes foi evidenciada pelos dados o que remete agrave loacutegica

de ldquoterra para plantar e morarrdquo

Nos dados sobre infraestrutura observa-se que as casas satildeo na maioria de

alvenaria madeira serrada e em alguns casos as casas satildeo construiacutedas de pau-a-pique

335 Infraestrutura equipamentos e Tecnologias

A melhoria da infraestrutura aquisiccedilatildeo de equipamentos e novas tecnologias

estatildeo entre as principais reivindicaccedilotildees dos movimentos sociais do campo por serem

considerados essenciais para o aumento da produccedilatildeo e renda dos assentados

Os dados coletados pela Empaer (2010) mostram que houve avanccedilos

significativos na questatildeo infraestrutural nos assentamentos rurais de Vila Rica-MT

sobretudo a partir da implementaccedilatildeo do Programa Nacional da Agricultura Familiar

114

No entanto em relaccedilatildeo agrave aquisiccedilatildeo dos equipamentos e novas tecnologias ainda se

verifica defasagem

Algumas dessas informaccedilotildees podem ser conferidas nos quadros abaixo

No Assentamento Rural Satildeo Joseacute

A infraestrutura existente estaacute distribuiacuteda segundo os assentados da seguinte forma

- 31 natildeo possuem currais

- 20 possuem currais de arame liso 3 de madeira lisa e 58 de madeira

serrada

- 108 natildeo possuem brete

- 2 possuem brete de madeira bruta e 1 de madeira serrada

- 9 possuem barracatildeo de ordenha e 103 natildeo possuem

- 3 natildeo possuem cercas na propriedade

- 0 possuem cercas construiacutedas de arame farpado e 107 de arame liso

A existecircncia de equipamentos nas propriedades estaacute distribuiacuteda da seguinte forma

- 21 possuem equipamentos de traccedilatildeo animal e 90 natildeo possuem

- 3 possuem trator com implementos e 109 natildeo possuem

- 65 alugam trator e 47 natildeo alugam

- 17 possuem triturador ou picador de forragens e 95 natildeo possuem

Projeto de Assentamento Rural Satildeo Gabriel

A infraestrutura existente estaacute distribuiacuteda segundo os assentados da seguinte forma

- 5 possuem currais de arame liso 1 de madeira lisa e 7 de madeira

serrada

- 25 natildeo possuem brete

- 0 possuem brete de madeira bruta e 0 de madeira serrada

- 2 possuem barracatildeo de ordenha e 23 natildeo possuem

- 1 natildeo possui cercas na propriedade

- 0 possuem cercas construiacutedas de arame farpado e 24 de arame liso

A existecircncia de equipamentos nas propriedades estaacute distribuiacuteda da seguinte forma

- 4 possuem equipamentos de traccedilatildeo animal e 21 natildeo possuem

- 1 possui trator com implementos e 23 natildeo possuem

115

- 21 alugam trator e 3 natildeo alugam

- 5 possuem triturador ou picador de forragens e 19 natildeo possuem

Projeto de Assentamento Rural Ipecirc

A infraestrutura existente estaacute distribuiacuteda segundo os assentados da seguinte forma

- 24 natildeo possuem currais

- 17 possuem currais de arame liso 5 de madeira lisa e 35 de madeira

serrada

- 79 natildeo possuem brete

- 0 possuem brete de madeira bruta e 2 de madeira serrada

- 6 possuem barracatildeo de ordenha e 75 natildeo possuem

- 1 natildeo possuem cercas na propriedade

- 0 possuem cercas construiacutedas de arame farpado e 80 de arame liso

A existecircncia de equipamentos nas propriedades estaacute distribuiacuteda da seguinte forma

- 10 possuem equipamentos de traccedilatildeo animal e 71 natildeo possuem

- 6 possuem trator com implementos e 75 natildeo possuem

- 55 alugam trator e 26 natildeo alugam

- 20 possuem triturador ou picador de forragens e 61 natildeo possuem

Projeto de Assentamento Rural Aracati

A infraestrutura existente estaacute distribuiacuteda segundo os assentados da seguinte forma

- 2 natildeo possuem currais

- 8 possuem currais de arame liso 1 de madeira lisa e 14 de madeira

serrada

- 24 natildeo possuem brete

- 0 possuem brete de madeira bruta e 0 de madeira serrada

- 2 possuem barracatildeo de ordenha e 23 natildeo possuem

- 0 natildeo possuem cercas na propriedade

- 2 possuem cercas construiacutedas de arame farpado e 23 de arame liso

A existecircncia de equipamentos nas propriedades estaacute distribuiacuteda da seguinte forma

- 6 possuem equipamentos de traccedilatildeo animal e 19 natildeo possuem

116

- 0 possui trator com implementos e 25 natildeo possuem

- 20 alugam trator e 5 natildeo alugam

- 4 possuem triturador ou picador de forragens e 21 natildeo possuem

Percebe-se que a infraestrutura baacutesica nos assentamentos rurais estaacute voltada

para a criaccedilatildeo de gado como currais brete de madeira barracatildeo de ordenha e cercas de

arame liso e farpado aleacutem de outros equipamentos como resfriadores de leite e

trituradores ou picadores para a feitura de forragens para a alimentaccedilatildeo do gado

O nuacutemero e a distribuiccedilatildeo deles variam conforme os assentamentos rurais e o

perfil dos assentados No geral se percebe que os Agricultores Familiares de Vila Rica-

MT ainda recorrem com frequecircncia ao uso da forccedila humana e dos equipamentos de

traccedilatildeo animal Existem no entanto alguns equipamentos agriacutecolas de origem

mecanizada como tratores que podem ser proacuteprios ou alugados

O fato eacute que em menor ou maior nuacutemero os equipamentos e a infraestrutura

existente nos assentamentos satildeo destinados agrave produccedilatildeo e criaccedilatildeo de gado

34 A Produccedilatildeo a renda comercializaccedilatildeo e a circulaccedilatildeo na Agricultura Familiar

de Vila Rica-MT

Um dado importante a ser ponderado para a problematizaccedilatildeo da produccedilatildeo

nos assentamentos rurais diz respeito agrave renda Especificamente de onde surge a renda

dos assentados

As informaccedilotildees obtidas dos quatro assentamentos rurais de Vila Rica-MT

analisados pela pesquisa da Empaer os dados indicam que a renda dos assentados eacute

resultante das atividades que estatildeo associadas a algumas culturas agriacutecolas agrave pecuaacuteria e

agrave criaccedilatildeo de pequenos animais

Tais dados estatildeo melhor detalhados em tabelas distribuiacutedas por itens visando

assim uma melhor compreensatildeo da dinacircmica de produccedilatildeo e renda dos assentamentos

rurais

341 A renda nos quatro Projetos de assentamentos rurais de Vila Rica-MT

117

Tabela 12 Percentual de participaccedilatildeo da Renda dos assentados

RendaPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati

Renda Agriacutecola eou Pecuaacuteria 7333 8789 7365 7140

Natildeo Agriacutecola

(Artesanato agroinduacutestria) 3650 7500 3062 3000

Outras rendas

(Salaacuterios Aposentadoria etc) 5280 6182 4810 5460

Fonte EMPAER 2010

A tabela 12 revela que a maior parte da renda dos assentamentos rurais

proveacutem dos rendimentos das atividades agriacutecolas e pecuaacuterias seguida por outros tipos

de rendas originaacuterios de salaacuterios e aposentadorias que alguns assentados usufruem

aleacutem de atividades de produccedilatildeo artesanal em geral confeccionada por mulheres

O projeto de assentamento rural que apresenta discrepacircncia em relaccedilatildeo aos

dados anteriores eacute o do Assentamento Rural Satildeo Gabriel que aleacutem da renda oriunda da

pecuaacuteria agricultura tem destaque nas outras fontes como atividades artesanais

agroinduacutestria e em salaacuterios e aposentadoria

342 Atividades Agriacutecolas a produccedilatildeo econocircmica e a de subsistecircncia

As atividades agriacutecolas desenvolvidas nos assentamentos foram classificadas

de duas categorias econocircmicas e de subsistecircncia Segundo os dados o quantitativo

produzido eacute descrito conforme tabela a seguir

Tabela13 Produccedilatildeo agriacutecola (em Kg)

Atividades

Agriacutecolas PA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total

Arroz 4500 5100 1510 1500 12610

Banana 2560 200 2537 11000 1629

Feijatildeo 0 0 550 0 550

Mandioca 225802 54000 8127 111500 39942

Milho 106500 73530 3378 46850 23025 Fonte EMPAER 2010

Segundo a Tabela 13 os produtos agriacutecolas mais cultivados nos

assentamentos rurais estudados satildeo em quilograma mandioca seguida do milho e do

118

arroz uma pequena produccedilatildeo de banana Apenas o Assentamento Rural Ipecirc produz

feijatildeo

Tabela 14 Assentados que praticam Culturas de Subsistecircncia

Culturas

Econocircmicas PA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total

Arroz 2 4 12 1 19

Banana 5 1 16 3 25

Feijatildeo 0 0 2 0 2

Mandioca 29 6 38 15 88

Milho 17 12 38 12 79 Fonte EMPAER 2010

Os dados demonstram que a mandioca e o arroz satildeo os principais produtos

agriacutecolas cultivados nos assentamentos Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati O arroz eacute

comercializado em casca sendo a mandioca o milho e em menor escala a banana os

cultivados pelo maior nuacutemero de assentados

Trata-se portanto de uma produccedilatildeo significativa tanto para comercializaccedilatildeo

quanto para subsistecircncia No entanto a pecuaacuteria ainda eacute a principal atividade econocircmica

desses assentamentos rurais

343 Pecuaacuteria e criaccedilatildeo de pequenos animais

A principal atividade de produccedilatildeo econocircmica nos assentamentos estudados eacute

a pecuaacuteria bovina leiteira a qual nos uacuteltimos anos cresceu significativamente

ultrapassando a pecuaacuteria de corte

Tabela 15 Tipo de pecuaacuteria explorada por propriedade (famiacutelias)

Tipo de

pecuaacuteria PA Satildeo Joseacute

Satildeo

Gabriel Ipecirc Aracati Total

Leite 19 10 34 12 75

Leite e corte 57 5 27 11 100

Corte 29 3 15 2 49

Total 105 18 76 25 224 Fonte EMPAER 2010

119

Os dados demostram que a maioria dos criadores de gado se dedica agrave

produccedilatildeo de leite Cruzando estes com outros dados eacute possiacutevel identificar que a

produccedilatildeo de leite eacute destinada ao mercado e tambeacutem ao consumo das famiacutelias

assentadas o que tem correlaccedilatildeo ateacute mesmo com a frequecircncia de consumo de proteiacutena

animal apresentados aa Tabela 16

Tabela 16 Frequecircncia do consumo de proteiacutena animal na alimentaccedilatildeo dos

assentados

Uso de tanquePA Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total

Come carne todo dia 93 22 70 22 207

Trecircs vezes por semana 16 0 9 3 28

Uma vez por semana 0 0 1 0 1

Natildeo come carne 0 0 0 0 0 Fonte EMPAER 2010

De acordo com a Tabela 16 das 236 famiacutelias que participaram da pesquisa

207 declararam que consomem carne todos os dias sendo que 28 disseram que a

consomem trecircs vezes por semana e apenas uma famiacutelia consome carne somente uma

vez por semana o que revela um consumo significativo de carne

Em relaccedilatildeo ao modo de criaccedilatildeo do gado importante destacar que conforme

os Planos de Desenvolvimento dos Assentamentos Rurais Pdas 100 dos assentados

criam gado utilizando o sistema extensivo ou seja uma praacutetica de criaccedilatildeo tradicional o

que significa dizer que satildeo habituados a criar o gado solto nas aacutereas de pastagens

naturais eou livres sem qualquer divisatildeo de cercas

Outros dados fundamentais para a compreensatildeo de forma detalhada do

potencial da produccedilatildeo de leite nos assentamentos rurais privilegiados pela pesquisa

estatildeo destacados na Tabela 17

Tabela 17 Dados de produccedilatildeo de leite nos assentamentos rurais por nordm de vacas

DadosPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati

Nuacutemero de Vacas Leiteiras 881 191 768 393

Meacutedia por assentado (n

vacas) 1223 146 1301 1637 Fonte EMPAER 2010

120

Os assentamentos rurais Aracati e Satildeo Gabriel satildeo menores em termos do

nuacutemero de propriedades e famiacutelias assentadas Os dados anteriores reforccedilam o

indicativo de que haacute uma importante produccedilatildeo de leite pois cada famiacutelia tem em

nuacutemero consideraacutevel de vacas leiteiras

A principal fonte de renda dos assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel

Ipecirc e Aracati eacute a produccedilatildeo de leite Mas os assentados tem necessidade de teacutecnicas para

a conservaccedilatildeo desse leite Nesse caso os resfriadores de leite embora natildeo sendo

utilizados por todos satildeo fundamentais Apresentamos a seguir detalhamento dessas

informaccedilotildees

Tabela 18 Nuacutemero de Famiacutelia que utilizam o resfriador de leite

Uso de tanquePA Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total

Natildeo usam tanques 62 3 20 13 98

Usam tanques proacuteprios 3 0 2 1 6

Usam tanques comunitaacuterios 25 11 47 9 92

Fonte EMPAER 2010

Na tabela 18 observamos que o nuacutemero de famiacutelias que natildeo usam tanques

para resfriamento do leite eacute significativo lanccedilando matildeo de outros meios para o

armazenamento e ou transporte do leite ateacute o ponto final de comercializaccedilatildeo

Aleacutem de gado de corte e leiteiro os assentados dos assentamentos rurais se

dedicam agrave criaccedilatildeo de animais de pequeno porte para o consumo e comercializaccedilatildeo

poreacutem em menor escala Entre eles se destacam as aves suiacutenos caprinos ovinos

peixes e abelhas Os animais de pequeno porte como aves e porcos satildeo de criaccedilatildeo

tradicional O dado que mais chama a atenccedilatildeo eacute a criaccedilatildeo de peixes Haacute um nuacutemero

expressivo de famiacutelias que exercem a piscicultura Portanto pode-se afirmar que leite e

peixe satildeo produtos familiares destinados agrave comercializaccedilatildeo

344 Comercializaccedilatildeo e Associativismo

Pensar o desenvolvimento econocircmico local a partir da produccedilatildeo dos

assentamentos rurais nos remete agraves formas de organizaccedilatildeo e comercializaccedilatildeo da

produccedilatildeo

121

Chamamos a atenccedilatildeo para a organizaccedilatildeo nos assentamentos rurais de Vila

Rica-MT pois houve uma intensa mobilizaccedilatildeo acerca das accedilotildees coletivas para o

processo de reocupaccedilatildeo e regularizaccedilatildeo da terra Poreacutem quando consolidados os

Projetos de Assentamentos Rurais os assentados perderam a referecircncia de coletividade

No que tange ao modo de produccedilatildeo e comercializaccedilatildeo a tabela que segue mostra esta

defasagem

Tabela 19 Local de Comercializaccedilatildeo da Produccedilatildeo dos assentamentos

ComercializaccedilatildeoPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total

Propriedade 80 16 67 16 179

Pequenos Comeacutercios 12 0 6 3 21

Feira 3 1 2 0 6

Atacadista 0 0 0 0 0

Supermercados 1 1 1 1 4

CONAB 0 0 1 0 1

Outros lugares 48 7 38 6 99 Fonte EMPAER 2010

Os dados nos mostram que a maior parte dos assentados comercializa os seus

produtos nos proacuteprios lotes Os assentados na maioria das vezes recorrem aos

atravessadores para comercializar os produtos os quais em sua maioria tratam-se de

comerciantes da cidade Outro nuacutemero considerado significativo comercializa em

outros lugares diferentes de comeacutercios como as feiras e no CONAB Essa situaccedilatildeo pode

estar relacionada agrave falta de organizaccedilatildeo coletiva com a criaccedilatildeo de associaccedilotildees e

cooperativas Nesse sentido a tabela que se segue mostra detalhadamente a participaccedilatildeo

ou natildeo das famiacutelias nessas organizaccedilotildees coletivas

Tabela 20 Associativismo nos assentamentos Aracati Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel e Ipecirc

AssociativismoPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total

Natildeo participam 15 2 10 0 27

Participam em cooperativa 4 0 0 0 4

Participam em associaccedilatildeo 99 20 73 25 217

Participam em sindicatos 99 23 75 21 218

Outras modalidades 1 1 0 0 2 Fonte EMPAER 2010

122

Ressaltamos que o principal mecanismo de organizaccedilatildeo coletiva dos

Agricultores Familiares satildeo as Associaccedilotildees de Pequenos Produtores Rurais e o

Sindicato dos Trabalhadores Rurais Satildeo organizaccedilotildees mais do tipo poliacutetico

reivindicativo que de produccedilatildeo e comercializaccedilatildeo Apenas 09 dos Agricultores

Familiares participam das atividades do sistema cooperativo e 04 em outras

modalidades

Em pesquisa sobre os assentamentos rurais no Araguaia o diagnoacutestico do

Plano Territorial de Desenvolvimento Rural Sustentaacutevel do Territoacuterio Rural (PTDRS)

do Baixo Araguaia-MT produzido pelo Ministeacuterio da Agricultura em 2006 haacute uma

indicaccedilatildeo de que todos os PAs do Araguaia possuem associaccedilotildees

A mesma pesquisa do PTDRS (2006 p 46) indica que os Agricultores

Familiares tecircm participaccedilatildeo nos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais e nos Conselhos

Municipais de Desenvolvimento Rural existentes em todos os municiacutepios do territoacuterio

No entanto entre os assentados existe ldquo[] um sentimento de descrenccedila e

desconfianccedila frente agraves instacircncias de organizaccedilatildeo dos produtores []rdquo Essa descrenccedila

estaacute tambeacutem associada ldquo[] agrave dificuldade em conseguir melhorias efetivas para a

populaccedilatildeo rural (acesso ao creacutedito luz eleacutetrica melhoria nas estradas) que estaacute levando

na opiniatildeo dos entrevistados agrave descrenccedila nas lideranccedilas e nas instituiccedilotildees de

representaccedilatildeo []rdquo

Em relaccedilatildeo agrave organizaccedilatildeo por meio de cooperativas o PTDRS (2006 p 46)

atribui essa falta de motivaccedilatildeo ao fato de que

Constatou-se que os municiacutepios de Satildeo Feacutelix do Araguaia

Porto Alegre do Norte e Vila Rica-MT possuiacuteam diferentes

tipos de cooperativas que acabaram falindo Apesar de natildeo

estarem diretamente relacionados com a Agricultura Familiar

estes exemplos ruins acabam influenciando na percepccedilatildeo da

populaccedilatildeo sobre as formas de cooperativas e associativas de

trabalho

Essa situaccedilatildeo eacute confirmada tambeacutem pelos relatos orais como mostra a fala

do secretaacuterio municipal de agricultura de Vila Rica-MT

123

As experiecircncias mal sucedidas das cooperativas influenciam

bastante para o descreacutedito na formaccedilatildeo de novas cooperativas

Vila Rica-MT por exemplo teve umas trecircs cooperativas

Tiacutenhamos uma que era muito forte na organizaccedilatildeo chamava

CONEMAT - Cooperativa do Nordeste de Mato Grosso

Inclusive ainda tecircm alguns preacutedios e balanccedilas espalhadas aiacute

na cidade tinha caminhotildees e supermercados mas creio que foi

por ingerecircncia de alguns presidentes que acabaram dando um

calote nos cooperados [] Temos hoje um grande nuacutemero de

produtores rurais que tecircm uma diacutevida enorme e natildeo tecircm como

pagar porque os presidentes pegaram empreacutestimos em nome

deles e foram embora levando o dinheiro dessas pessoas e por

isso muitos tecircm medo de cooperativas Por isso eacute complicado

tanto pra noacutes como para o Sindicato dos Trabalhadores Rurais

atuarmos no sentido de fomentar o sistema de cooperativa

(ENTREVISTA com Gilmar secretaacuterio Municipal de

Agricultura do municiacutepio de Vila Rica-MT realizada pela

autora em marccedilo de 2015)

Esse relato oral nos revela a dimensatildeo dos desafios vivenciados pelos

assentados e como a Secretaria de Agricultura e o Sindicato dos Trabalhadores Rurais

de Vila Rica-MT enfrentaram dificuldades para mobilizar os trabalhadores para a

criaccedilatildeo do sistema de comercializaccedilatildeo por meio de cooperativas

No entanto apesar das dificuldades o sistema de cooperativa poderaacute ser uma

alternativa para ampliar o potencial da comercializaccedilatildeo dos produtos da Agricultura

Familiar Dentro desse sistema a Prefeitura Municipal passa a ser importante

comprando os gratildeos legumes e hortaliccedilas para a merenda escolar aleacutem de ser uma

instituiccedilatildeo fundamental na mediaccedilatildeo para que os Agricultores Familiares acessem a

Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB)

35 Teacutecnicas e niacutevel tecnoloacutegico dos assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel

Ipecirc e Aracati

Martins (2014 p 24) afirma que ldquo[] a inovaccedilatildeo depende amplamente do

modo como a trama das relaccedilotildees sociais em que ocorre define sua funccedilatildeo e as

contradiccedilotildees sociais que alimentamrdquo Isso significa que os saberes tradicionalmente

produzidos ao longo das experiecircncias de vida natildeo devem ser considerados invaacutelidos na

inserccedilatildeo das inovaccedilotildees tecnoloacutegicas

Nos assentamentos rurais estudados identificamos que os saberes e as

teacutecnicas tradicionais satildeo recorrentes no modo de produzir de lidar com a terra e na

124

constituiccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com a natureza A seguir apresentamos algumas

teacutecnicas utilizadas nos assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati do

municiacutepio de Vila Rica-MT

351 Teacutecnicas de uso do Solo plantio combate de pragas colheita e

armazenamento

Tabela 21 Tipos de preparo do solo por nordm de famiacutelias

Tipo de preparoPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total

Capina e faz o plantio 20 0 16 5 41

Utiliza araccedilatildeo e gradagem 42 15 53 12 122

Faz o preparo em niacutevel 0 0 0 0 0

Fonte EMPAER 2010

De acordo com os dados da Tabela 21 muitos agricultores dos assentamentos

rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati recorrem agraves teacutecnicas tradicionais para o

preparo do solo no que se refere ao cultivo de produtos agriacutecolas e no plantio de

pastagens para o gado Poreacutem 740 utilizam araccedilatildeo e gradagem do solo

Tabela 22 Tipos de sementes cultivadas nos assentamentos rurais

Tipo de sementePA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total

Gratildeo proacuteprio 4 0 3 0 7

Sementes selecionadas22

43 14 67 19 143 Fonte EMPAER 2010

Agrave luz dos dados dispostos na Tabela 23 pode-se afirmar que os Agricultores

Familiares dos assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati possuem o

controle dos produtos a serem cultivados uma vez que satildeo eles quem seleciona as

sementes produzidas pela induacutestria e satildeo os proprietaacuterios dos gratildeos desqualificando a

semente crioula dos produtores

22 Aleacutem desses dados dois assentados rurais de Satildeo Joseacute afirmam que utilizam sementes ldquofiscalizadasrdquo

conforme categorizaccedilatildeo utilizada pelo IBGE

125

Segundo a Empaer (2010) sementes selecionadas pelos agricultores satildeo

aquelas consideradas de melhor qualidade sendo observados os aspectos relacionados

ao tamanho cor entre outros

Tabela 23 Tipos de plantio cultivados nos assentamentos rurais

Tipo de plantio Satildeo

Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual

Mecanizado 8 3 12 1 24 135

Traccedilatildeo animal 3 1 7 0 11 60

Manual 62 11 50 19 142 800

Fonte EMPAER 2010

Na Tabela 23 podemos observar que os assentados utilizam

predominantemente o trabalho manual para o cultivo com um percentual de 80

Ainda segundo os dados 6 ainda utilizam animais como forma de traccedilatildeo para

realizaccedilatildeo dos cultivos e manutenccedilatildeo das roccedilas e pastagens Somente 135 dos

assentados lanccedila matildeo do sistema mecanizado Esses dados podem apontar o motivador

da baixa produtividade nas atividades da Agricultura Familiar ou indica a baixa

capitalizaccedilatildeo e uma tradiccedilatildeo de manejo de baixo custo

Quanto ao tipo de adubaccedilatildeo do solo realizado pelos assentados existem

vaacuterias formas das quais merecem o destaque da Tabela 24

Tabela 24 Tipo de adubaccedilatildeo do solo realizado pelos assentados por famiacutelia

Tipo de adubaccedilatildeoPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual

Natildeo fazem adubaccedilatildeo 65 6 41 13 125 610

Usam adubaccedilatildeo orgacircnica 2 6 11 3 22 105

Usam adubaccedilatildeo quiacutemica 20 4 21 5 50 245

Usam as duas adubaccedilotildees 2 1 3 2 8 4

Fonte EMPAER 2010

Os dados chamam a atenccedilatildeo pelo fato de que 125 famiacutelias ou seja 61 dos

assentados natildeo fazem adubaccedilatildeo Dos 39 que utilizam a adubaccedilatildeo a maior parte faz

126

adubaccedilatildeo quiacutemica (245) e somente 105 a adubaccedilatildeo orgacircnica sendo que uma

minoria de 2 realizam tanto a adubaccedilatildeo quiacutemica quanto a orgacircnica

Esse quadro situacional aponta uma tendecircncia para o aumento do uso de

produtos quiacutemicos pelos agricultores dos assentamentos rurais na medida em que

melhoram suas condiccedilotildees econocircmicas A Tabela 25 apresenta as formas de tratamentos

do solo utilizadas pelos assentados

Tabela 25 Conservaccedilatildeo do solo (por nuacutemero de Famiacutelias)

Conservaccedilatildeo dos solos PA Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual

Natildeo fazem 90 15 67 24 196 93

Fazem plantio em niacutevel 1 1 1 1 4 2

Terraccedilo 0 0 0 0 0 0

Outros tipos de conservaccedilatildeo 2 0 9 0 11 5

Total 211 100

Fonte EMPAER 2010

Os dados satildeo preocupantes visto que 196 famiacutelias declararam natildeo adotar

qualquer teacutecnica para a conservaccedilatildeo do solo Isto explica o alto iacutendice de degradaccedilatildeo

ambiental e do solo nos assentamentos rurais de Vila Rica-MT Outro item que

consideramos importante para a conservaccedilatildeo eacute a teacutecnica de rotaccedilatildeo no uso do solo

Assim a Tabela 26 mostra como os assentados lidam com essa situaccedilatildeo

Tabela 26 Rotaccedilatildeo de Culturas nos assentamentos rurais

Rotaccedilatildeo de cultura

PA Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total Porcentagem

Fazem rotaccedilatildeo 10 4 20 10 44 20

Natildeo fazem rotaccedilatildeo 87 16 57 15 175 80

Total 219 100

Fonte EMPAER 2010

Segundo a Tabela 26 haacute evidecircncia da pouca rotaccedilatildeo de culturas o que

corresponde a (201) nos assentamentos rurais estudados Em contrapartida 80 natildeo

fazem rotaccedilatildeo de culturas A consequecircncia eacute o baixo rendimento da terra ou seja baixa

127

produtividade e esgotamento mais raacutepido Uma interpretaccedilatildeo possiacutevel sobre os dados

indicados na Tabela 26 eacute construiacuteda a partir da compreensatildeo de que a natildeo adoccedilatildeo de

rotaccedilatildeo de cultura estaacute relacionada aos haacutebitos culturais dos Agricultores Familiares

somados agrave falta de assistecircncia teacutecnica e orientaccedilotildees que demonstrem os benefiacutecios de tal

praacutetica Tambeacutem podemos observar a influecircncia da falta de um maior direcionamento

dos investimentos feitos pelo Governo Federal atraveacutes do Pronaf nos creacuteditos que satildeo

liberados conforme cultura agriacutecola e natildeo pelo sistema de produccedilatildeo O conjunto dessas

deficiecircncias de orientaccedilotildees teacutecnicas natildeo permite uma maior conscientizaccedilatildeo da

importacircncia de se praticar a rotaccedilatildeo de culturas como meio de melhor aproveitamento e

conservaccedilatildeo do solo significando manejo de informaccedilatildeo simples

Tabela 27 Tipo de combate agraves pragas (por nuacutemero de famiacutelias)

Tipo de combate PA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentagem

Natildeo fazem combate as pragas 81 6 35 13 135 645

Utilizam inseticidas 12 8 39 9 68 325

Utilizam controles alternativos 0 0 3 1 4 2

Utilizam de outros meios 1 1 0 0 2 1

Total

209 100

Fonte EMPAER 2010

Os dados da Tabela 27 apontam que 645 dos assentados natildeo fazem

nenhum tipo de combate a pragas e 325 fazem uso no cultivo de produtos agriacutecolas

de inseticidas no seu combate e controle Somente 4 famiacutelias utilizam produtos e

mecanismos alternativos

Logo a Tabela 27 mostra um percentual significativo de famiacutelias que natildeo faz

controle de pragas ou utilizam outros controles indicando que a maioria dos assentados

consome produtos sem contaminaccedilatildeo de inseticidas

Tabela 28 Tipo de lavagem triacuteplice de embalagens vazias de agrotoacutexicos

Tipo de lavagem PA Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual

Fazem a lavagem 5 3 8 5 21 15

Natildeo fazem a lavagem 57 9 48 10 124 85

Total 145 100

Fonte EMPAER 2010

128

A Tabela 28 indica um dado alarmante 124 famiacutelias dos assentamentos rurais

pesquisados em Vila Rica-MT ldquonatildeo fazem a lavagemrdquo triacuteplice de embalagens vazias de

agrotoacutexicos expondo-se a riscos de contaminaccedilatildeo Quanto ao destino das embalagens

de agrotoacutexicos vazias os dados que se seguem indicam a mesma tendecircncia de descuido

Tabela 29 Destino das embalagens de agrotoacutexicos vazias

Destino das embalagens PA Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual

Jogam a ceacuteu aberto 13 3 28 4 48 495

Satildeo reutilizadas 2 0 2 0 4 4

Enviadas agrave central abastecimento 17 7 16 5 45 465

Total 97

100

Fonte EMPAER 2010

Os dados da Tabela 29 soacute reforccedilam a falta de cuidado em relaccedilatildeo agrave utilizaccedilatildeo

de agrotoacutexicos o que resulta na exposiccedilatildeo dos assentados a riscos agrave sauacutede Tambeacutem

podem resultar em danos ao meio ambiente como jaacute indicamos na Tabela 29

considerando que quase 50 das embalagens satildeo ldquojogadas a ceacuteu abertordquo e ainda que

4 dos assentados reutilizam essas embalagens

Seguindo a tendecircncia dos dados anteriores percebemos a falta de orientaccedilatildeo

teacutecnica em relaccedilatildeo ao uso e cuidado com produtos agrotoacutexicos

Aleacutem da falta de assistecircncia teacutecnica que compromete o cultivo e a produccedilatildeo

os dados quantitativos demonstram que a ausecircncia de mecanizaccedilatildeo eacute um dado

importante no momento da colheita

Tabela 30 Tipo de colheita por famiacutelia

Tipo de colheitasPA Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual

Usam colheita manual 66 15 69 19 169 995

Colheita mecacircnica 0 0 1 0 1 05

Total 170 100 Fonte EMPAER 2010

A Tabela 30 evidencia que praticamente todos os assentados participantes da

pesquisa natildeo utilizam equipamentos mecacircnicos para a colheita de seus produtos

predominando a colheita manual com uso intensivo da matildeo de obra Esse processo

129

pode ser resultante da experiecircncia de vida e haacutebitos dos agricultores familiares em

funccedilatildeo da questatildeo econocircmica jaacute que os assentamentos rurais analisados natildeo dispotildeem de

maquinaacuterios destinados ao preparo do solo plantio e agrave colheita agriacutecola ou isso se deve

ao relevo inclinado demais ou solo pedregoso

Tabela 31 Tipo de armazenamento da produccedilatildeo (por nuacutemero de famiacutelia)

Tipo de armazenamentoPA Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual

A ceacuteu aberto 4 2 7 0 13 8

No paiol 45 11 57 14 127 79

No silo 1 0 0 1 2 15

Na residecircncia 7 2 6 2 17 105

No galpatildeo 1 0 0 0 1 05

160 100

Fonte EMPAER 2010

O modo de armazenar tambeacutem eacute tradicional o Paiol eacute uma construccedilatildeo ruacutestica

feita de forma artesanal onde os agricultores guardam os mantimentos colhidos de suas

roccedilas os quais satildeo destinados agrave alimentaccedilatildeo das famiacutelias e dos animais Computando o

armazenamento a ceacuteu aberto feito por 81 e na residecircncia 106 significa que quase

20 dos produtos satildeo armazenados de forma inadequada

36 A questatildeo ambiental nos assentamentos rurais

As questotildees que envolvem problemas ambientais nas aacutereas rurais tecircm como

problemaacutetica principal o desmatamento a natildeo conservaccedilatildeo das matas ciliares a

poluiccedilatildeo do solo e dos rios o uso de agrotoacutexicos e o destino dos lixos produzidos

Todos esses problemas estatildeo inseridos em debates recorrentes no cenaacuterio rural

No caso de Vila Rica-MT pesquisas anteriores como as que foram realizadas

pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazocircnia (IPAM) em 2009 e por Barrozo

(2010) revelam dados alarmantes relativos agrave questatildeo ambiental Essas situaccedilotildees foram

confirmadas pelo diagnoacutestico construiacutedo pela Empaer (2010) conforme a descriccedilatildeo nas

tabelas que se seguem

Tabela 32 Situaccedilatildeo de degradaccedilatildeo de solo nos assentamentos rurais

130

Condiccedilatildeo de degradaccedilatildeo PA Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total

Natildeo estaacute degradado 16 5 16 6 43 18

O solo estaacute empobrecido 75 9 44 12 140 59

O solo estaacute com erosatildeo 2 0 2 2 6 3

O solo estaacute compactado 15 9 17 4 45 19

Outras formas de degradaccedilatildeo 1 0 1 0 2 1

Total 236 100

Fonte EMPAER 2010

Satildeo evidentes os problemas ambientais vivenciados pelos assentamentos

rurais de Vila Rica-MT Em 193 lotes analisados os solos se encontram em estaacutegio de

degradaccedilatildeo indicando empobrecimento erosatildeo compactaccedilatildeo e outras formas de

degradaccedilatildeo do solo

Tabela 33 Existecircncia de nascentes sem proteccedilatildeo (nuacutemero de propriedades)

Existecircncia de nascentes Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual

Existem nascentes

Degradadas 26 9 17 5 57 32

Natildeo existem 51 14 41 15 121 68

Total 100

Fonte EMPAER 2010

Considerando que a aacutegua eacute um elemento essencial para a vida e para a

manutenccedilatildeo dos assentamentos rurais os dados indicados na Tabela 33 preocupam

pois em um universo de 178 propriedades analisadas 57 estaacute com as nascentes de

aacuteguas desprotegidas de mata ciliar o que representa um problema grave do ponto de

vista ambiental com risco de seca e extinccedilatildeo de nascentes e rios

Tabela 34 Existecircncia de degradaccedilatildeo de matas ciliares

Existecircncia de degradaccedilatildeo PA Satildeo

Joseacute

Satildeo

Gabriel Ipecirc Aracati Total Porcentagem

Natildeo existem matas ciliares 25 10 35 9 79 35

A degradaccedilatildeo eacute baixa 26 4 22 5 57 255

A degradaccedilatildeo eacute meacutedia 23 2 14 6 45 20

131

A degradaccedilatildeo eacute alta 29 5 7 3 44 195

Total 225 100

Fonte EMPAER 2010

A questatildeo da aacutegua nos assentamentos rurais estudados eacute uma preocupaccedilatildeo

recorrente Aleacutem das nascentes desprotegidas os coacuterregos vecircm perdendo suas matas

ciliares em funccedilatildeo do processo de desmatamento o que impede a ampliaccedilatildeo das aacutereas

de pastagens A Tabela 34 revela que 146 propriedades analisadas apresentam

destruiccedilatildeo das matas ciliares com estaacutegios que variam de alta a baixa degradaccedilatildeo As

imagens dos trecircs assentamentos rurais abaixo ilustram um pouco essa situaccedilatildeo

Figura 10- Fotografias de corpos drsquoaacutegua e mata ciliar

Eacute importante ressaltar que os assentamentos rurais de Vila Rica-MT

resultaram do processo de reocupaccedilatildeo das fazendas que estavam improdutivas mas jaacute

tinham sido abertas e desmatadas anteriormente Assim o problema ambiental jaacute existia

antes mesmo da formaccedilatildeo do assentamento rural e foi intensificado parcialmente com a

formaccedilatildeo dos mesmos

Tabela 35 Situaccedilatildeo de degradaccedilatildeo das pastagens (por nuacutemero de propriedade)

Degradaccedilatildeo de pastagens PA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual

Natildeo existem pastagens degradadas 17 4 16 6 43 33

O niacutevel de degradaccedilatildeo eacute baixo 36 9 40 8 93 39

132

O niacutevel de degradaccedilatildeo eacute meacutedio 43 10 21 6 80 335

O niacutevel de degradaccedilatildeo eacute alto 14 1 4 4 23 95

Total 239 100

Fonte EMPAER 2010

Vimos nos dados indicados na Tabela 35 que 43 propriedades natildeo

apresentaram niacutevel de degradaccedilatildeo nas pastagens enquanto 196 propriedades estatildeo com

as pastagens degradadas estando entre os niacuteveis alto meacutedio e baixo conforme criteacuterios

de nivelamento natildeo esclarecidos na fonte escrita

As imagens a seguir dos assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel e Ipecirc

nos ajudam a visualizar o niacutevel de degradaccedilatildeo e qualidade das pastagens destes

assentamentos rurais

Figura 11- Fotografias das aacutereas de pastagens nos assentamentos rurais

Fonte EMPAER 2010

As imagens nos remetem a compreensatildeo do quanto o problema de

desmatamento afetou de forma significativa o solo o que comprometeu a qualidade das

pastagens dos assentamentos rurais As imagens revelam a caracteriacutestica do solo que eacute

formado por morro com pedras e cascalhos o que dificulta a realizaccedilatildeo do processo de

mecanizaccedilatildeo das aacutereas

Tabela 36 Uso de fogo no manejo do solo (por propriedade)

Existecircncia de nascentesPA Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual

133

Usam fogo 80 13 45 18 156 665

Natildeo usam fogo 28 10 36 5 79 335

Total 235 100

Fonte EMPAER 2010

Os dados expostos na Tabela 36 reforccedilam a existecircncia do problema ambiental

jaacute abordado nos paraacutegrafos anteriores Chamamos a atenccedilatildeo para o fato de que 156

famiacutelias afirmaram que costumam colocar fogo sistema chamado de coivara como

praacutetica de limpeza das pastagens e na preparaccedilatildeo do cultivo das roccedilas Enquanto apenas

79 famiacutelias disseram que natildeo fazem uso de fogo no desenvolvimento das suas

atividades agriacutecolas tampouco para limpeza de pastagens

37 Algumas consideraccedilotildees sobre os impactos de poliacuteticas puacuteblicas nos

assentamentos rurais Satildeo Joseacute satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati

Podemos afirmar que nos quatro assentamentos rurais analisados os produtos

alimentares predominantes satildeo arroz milho mandioca banana e hortaliccedilas Satildeo estes

produtos que constituem a alimentaccedilatildeo baacutesica dos agricultores familiares os quais satildeo

produzidos nos lotes familiares

Atribuiacutemos a baixa produtividade na Agricultura Familiar do municiacutepio de

Vila Rica agrave falta de equipamentos tecnoloacutegicos sobretudo maquinaacuterios que poderiam

facilitar o trabalho e aumentar a produtividade No entanto ressalvamos que essas

teacutecnicas satildeo consideradas por alguns teoacutericos como uma condiccedilatildeo de produccedilatildeo

positiva do ponto de vista da manutenccedilatildeo da identidade dos assentamentos rurais

porque ela se sustenta nos saberes tradicionais aleacutem de natildeo ser tatildeo prejudicial ao meio

ambiente

Em relaccedilatildeo agrave comercializaccedilatildeo foram identificados alguns fatores que

dificultam o processo de modo geral a exemplo da natildeo organizaccedilatildeo por meio de

cooperativas ou associaccedilotildees A problemaacutetica das estradas que muitas vezes impede ou

dificulta o transporte dos produtos ateacute os pontos locais de vendas comerciais

contribuem consequentemente para o natildeo fortalecimento das feiras populares

134

As imagens a seguir ilustram a situaccedilatildeo de algumas estradas que datildeo acesso

aos assentamentos rurais de Vila Rica-MT durante os periacuteodos chuvosos de dezembro a

abril

Figura 12- Fotografias das Estradas dos assentamentos rurais

Fonte EMPAER 2009

A peacutessima situaccedilatildeo das estradas se torna ainda mais grave se pensarmos sobre

a necessidade de fortalecer a comercializaccedilatildeo dos produtos da Agricultura Familiar

quando levamos em consideraccedilatildeo o distanciamento dos assentamentos rurais com

relaccedilatildeo agrave aacuterea urbana cuja distancia eacute retratada nos croquis

Figura 13 - Croqui do Assentamento Rural Satildeo Joseacute

135

Fonte EMPAER 2010 p19

Figura 14 - Croqui do Assentamento Rural Satildeo Gabriel

Fonte EMPAER 2010 p 18

Figura 15 - Croqui do Assentamento Rural Ipecirc

136

Fonte EMPAER 2010 p 19

Figura 16 - Croqui do Assentamento Rural Aracaty

Fonte EMPAER 2010 p 18

137

O problema das estradas afetas tambeacutem a educaccedilatildeo pois danificam os ocircnibus

e prolongam o tempo que as crianccedilas ficam nas estradas sem aula atrasando o

calendaacuterio escolar Esta situaccedilatildeo provoca a desmotivaccedilatildeo dos alunos pelos estudos e

com isso os pais acabam retirando seus filhos das escolas do campo levando-os para

estudar na cidade por acreditar no prosseguimento dos estudos graccedilas agraves melhoras de

acesso permanecircncia e sucesso escolar

Ainda em relaccedilatildeo agrave educaccedilatildeo percebemos uma baixa escolaridade dos

assentados Consideramos que essa conjuntura seja resultante de alguns fatores como a

carecircncia de uma maior flexibilizaccedilatildeo na organizaccedilatildeo curricular e pedagoacutegica das escolas

dos assentamentos rurais principalmente nos quesitos referentes agrave organizaccedilatildeo dos

tempos e espaccedilos de aprendizagem uma vez que mesmo com o advento da energia

eleacutetrica nos assentamentos rurais nem todas as escolas garantiram a oferta da

modalidade escolar EJA - Educaccedilatildeo de Jovens e Adultos

No que tange agraves questotildees de gecircnero e idade constatou-se que natildeo haacute uma

organizaccedilatildeo quanto agrave formaccedilatildeo de associaccedilotildees ou movimentos sociais direcionados agrave

luta das mulheres tampouco dos jovens Tais circunstacircncias datildeo a entender a pouca

participaccedilatildeo das mulheres e dos jovens nos espaccedilos poliacuteticos embora ambos tenham

uma vida ativa em outras atuaccedilotildees referentes agrave divisatildeo de trabalhos nos assentamentos

rurais

Consideramos como um dos principais desafios relacionados agrave permanecircncia

dos agricultores familiares nos assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Aracati e

Ipecirc o fato de os jovens se sentirem desmotivados a continuar no campo Muitos saem

para a cidade na ilusatildeo que iratildeo encontrar emprego que lhes proporcione renda fixa e

melhor qualidade de vida

As condiccedilotildees dos assentados avanccedilaram em qualidade a partir da

implementaccedilatildeo do Programa Luz Para Todos uma vez que a energia eleacutetrica

possibilitou a utilizaccedilatildeo de equipamentos que facilitaram o seu cotidiano embora a aacutegua

potaacutevel ainda seja vista como um elemento complicador no que se refere ao seu

tratamento

Na sauacutede destacamos que haacute atendimento pelo Sistema Uacutenico de Sauacutede

(SUS) embora limitado pois os uacutenicos profissionais da sauacutede que atuam diretamente

138

nos assentamentos rurais satildeo os Agentes de Sauacutede Ou seja quando haacute sinalizaccedilatildeo de

problemas na sauacutede dos assentados estes tecircm que recorrer agrave assistecircncia de sauacutede

localizada na zona urbana o que requer meio de locomoccedilatildeo proacuteprio ou puacuteblico

No que se refere agraves demandas de moradia e infraestrutura nos assentamentos

rurais pesquisados destacamos que a maioria das casas foi construiacuteda ou reformada

com recursos oriundos do Pronaf No entanto nem todos os assentados usufruiacuteram do

financiamento para a construccedilatildeo de suas casas pois muitos deles tiveram que arcar com

os proacuteprios recursos Por isso muitas casas ainda satildeo de taacutebua Houve casos em que as

empresas contempladas na licitaccedilatildeo natildeo concluiacuteram as obras conforme previsto no

contrato

Contudo ressaltamos que os desafios vivenciados pelos agricultores

familiares de Vila Rica-MT satildeo inuacutemeros a exemplo da a pouca infraestrutura a

insuficiecircncia dos investimentos por parte do Poder Puacuteblico quanto agrave liberaccedilatildeo de creacutedito

direcionado agrave Agricultura Familiar reduzido uso de tecnologia a ausecircncia de uma

assistecircncia teacutecnica efetiva a falta de matildeo de obra jovem uma vez que a idade meacutedia dos

assentados segundo dados da EMPAER (2009 p 45) eacute de 507 anos ldquo[] uma das

possiacuteveis causas para o ecircxodo dos jovens eacute a falta de opccedilatildeo para dar continuidade aos

estudos e a falta de oportunidades de geraccedilatildeo de renda dentro dos assentamentos ruraisrdquo

Ainda sobre a infraestrutura ressaltamos que os maiores investimentos tanto

por parte do Pronaf como de outras fontes dos agricultores familiares foram aplicados

na atividade de pecuaacuteria por considerarem mais rentaacutevel Essa questatildeo estaacute mais

detalhada no capiacutetulo IV

Eacute preciso ainda atentarmos mais para aos problemas de ordem ambiental

porque se constataram situaccedilotildees de desmatamentos nas nascentes e matas ciliares sem

falar da degradaccedilatildeo do solo e das pastagens condiccedilotildees que implicam na natildeo ampliaccedilatildeo

da Agricultura Familiar enquanto potencial para alavancar o desenvolvimento regional

139

4 AS POLIacuteTICAS PUacuteBLICAS NOS ASSENTAMENTOS SAtildeO JOSEacute SAtildeO

GRABRIEL IPEcirc E ARACATI

Este capiacutetulo objetiva identificar quais foram as poliacuteticas puacuteblicas

implementadas nos assentamentos rurais do municiacutepio Vila Rica-MT no periacuteodo de

1996 a 2015

Construiacutemos uma anaacutelise norteada por algumas questotildees que serviram de

base para a reflexatildeo acerca do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura

Familiar (Pronaf) bem como de outras Poliacuteticas Puacuteblicas voltadas para o atendimento

das necessidades da populaccedilatildeo do campo como eacute o caso da sauacutede educaccedilatildeo e

habitaccedilatildeo

Nesse sentido destacamos alguns questionamentos relacionados aos

procedimentos de execuccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas destinadas aos assentamentos rurais

Qual foi o impacto do Pronaf nos assentamentos rurais de Vila Rica-MT Quais satildeo as

outras poliacuteticas e accedilotildees dos oacutergatildeos puacuteblicos no apoio e incentivos da Agricultura

Familiar no Araguaia mato-grossense Quais os mecanismos de controle e inspeccedilatildeo

adotados pela Secretaria Municipal de Agricultura de Vila Rica-MT para monitorar e

fomentar a produccedilatildeo da Agricultura Familiar nos assentamentos rurais Existem ou natildeo

estrateacutegias constituiacutedas entre os Agricultores Familiares movimentos sindical e social

ligados agrave Agricultura Familiar para enfrentar as ldquoinvestidasrdquo do agronegoacutecio nas aacutereas

de assentamentos rurais Quais satildeo os desafios e os avanccedilos dos assentamentos rurais

de Vila Rica-MT na visatildeo dos agricultores familiares dos assentamentos pesquisados

Para a compreensatildeo dessas questotildees foi necessaacuteria uma anaacutelise dos dados

oficiais de fontes escritas e orais com o auxiacutelio de perspectivas teoacutericas presentes nos

estudos sobre as temaacuteticas que envolvem o universo das poliacuteticas puacuteblicas destinadas

aos assentamentos rurais sobretudo o Pronaf

41 O debate sobre o Pronaf

Compreender tanto as formas de uso da terra quanto as de produccedilatildeo dos

agricultores familiares assim como a identificaccedilatildeo do papel da Agricultura Familiar no

desenvolvimento do territoacuterio do Araguaia eacute tambeacutem constituir conhecimento e

reflexatildeo acerca dos avanccedilos e entraves vivenciados pelos agentes histoacutericos no processo

140

de implementaccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas direcionadas aos Projetos de assentamentos

rurais no Brasil sobretudo na consolidaccedilatildeo do Pronaf

Por isso fizemos apontamentos em relaccedilatildeo agrave produccedilatildeo dos assentamentos

rurais e ao mesmo tempo assinalamos as estrateacutegias adotadas pelos agricultores

familiares para sobreviverem agraves artimanhas do sistema burocraacutetico especialmente

quanto agraves formas de acesso ao creacutedito rural

Por outro lado para analisar o papel das poliacuteticas puacuteblicas enquanto objeto

de estudo os investimentos do Pronaf nos assentamentos rurais de Vila Rica-MT

tomando como referecircncias as estrateacutegias adotadas pelos agricultores para serem

beneficiados pelas linhas de creacutedito problematizaram-se os avanccedilos e os entraves nas

condiccedilotildees de implementaccedilatildeo dessas poliacuteticas atraveacutes de reflexotildees teoacutericas e estudos de

caso Para tanto realizamos uma revisatildeo bibliograacutefica sobre a temaacutetica que historiciza o

artifiacutecio de criaccedilatildeo do Pronaf enquanto poliacutetica puacuteblica

Gazola e Schneider (2004 p 21) concebem que a criaccedilatildeo do Pronaf

representou uma resposta por parte do Estado brasileiro ao surgimento de uma nova

categoria social que demanda accedilotildees do Poder Puacuteblico e que levam em consideraccedilatildeo as

especificidades dessa nova categoria social ldquo[] os Agricultores Familiares que ateacute

entatildeo eram designados por termos como pequenos produtores produtores familiares de

baixa renda ou agricultura de subsistecircnciardquo

A partir dessa percepccedilatildeo podemos afirmar que anteriormente natildeo havia uma

designaccedilatildeo especiacutefica para os agentes histoacutericos que viviam da produccedilatildeo familiar na

agricultura enquanto categoria social Tratava-se de diversas denominaccedilotildees que eram

baseadas em criteacuterios econocircmicos e embutiam uma ideia de desqualificaccedilatildeo como por

exemplo ldquopequeno produtorrdquo

O conceito de Agricultura Familiar surgiu como uma alternativa para

suprimir as diversas denominaccedilotildees em relaccedilatildeo agrave forma e agrave concepccedilatildeo de produccedilatildeo das

populaccedilotildees que vivem no campo e que recorrem apenas agrave forccedila de trabalho dos

membros da famiacutelia Foi conceituada por Abramovay (1997 p 3 apud SALVODI

CUNHA 2010 p 10) como ldquo[] aquela em que a gestatildeo a propriedade e a maior

parte do trabalho vecircm de indiviacuteduos que mantecircm entre si laccedilos de sangue ou de

casamentordquo Os autores citados asseguram que essa definiccedilatildeo natildeo poderaacute ser vista como

unacircnime e muitas vezes pouco operacional

141

Salvodi e Cunha (2010 p 10) apesar de ponderarem que essa definiccedilatildeo natildeo

deve ser concebida como unacircnime entre os teoacutericos da Questatildeo Agraacuteria ressaltam que

eles adotam-na como conteuacutedo no sentido de evidenciar a nova categoria social que

envolve ldquo[] a propriedade da terra relaccedilotildees de trabalho e a gestatildeo das atividades

produtivasrdquo Para eles todos esses elementos satildeo criteacuterios usados para diferenciar por

se tratar de relaccedilotildees entre agentes sociais com parentesco de sangue ou alianccedilas via

matrimocircnio

Abramovay (1997) Salvodi e Cunha (2010) consideram que a base da

Agricultura Familiar estaacute portanto centrada no elemento relacional e natildeo

necessariamente na sua posiccedilatildeo diante de categorias econocircmicas ligadas agrave produccedilatildeo e agraves

formas de trabalho que dependem especificamente da matildeo de obra familiar

Destacamos que tal definiccedilatildeo eacute um constructo analiacutetico fundado a partir de

um referencial teoacuterico Isso eacute compreensiacutevel pois diferentes setores sociais a partir das

representaccedilotildees institucionais constroem categorias sociais Logo a categoria

ldquoAgricultura Familiarrdquo foi construiacuteda a partir de concepccedilotildees analiacuteticas e teoacutericas que

servem tanto para determinadas finalidades praacuteticas como para fins de acesso ao creacutedito

rural

Ressalvamos ainda que estes trecircs elementos baacutesicos - gestatildeo propriedade e

trabalho familiar se fazem presentes em todas as definiccedilotildees de Agricultura Familiar

sobretudo na definiccedilatildeo do Pronaf que insere a loacutegica da famiacutelia que tem a gestatildeo sobre

sua propriedade e busca o creacutedito

O Ministeacuterio do Desenvolvimento Agraacuterio (2015) apresenta uma espeacutecie de

passo a passo para o acesso ao Pronaf

O acesso ao Pronaf inicia-se na discussatildeo da famiacutelia sobre a

necessidade do creacutedito seja ele para o custeio da safra ou

atividade agroindustrial seja para o investimento em maacutequinas

equipamentos ou infraestrutura de produccedilatildeo e serviccedilos

agropecuaacuterios ou natildeo agropecuaacuterios Apoacutes a decisatildeo do que

financiar a famiacutelia deve procurar o sindicato rural ou a empresa

de Assistecircncia Teacutecnica e Extensatildeo Rural (Ater) como a

EMATER para obtenccedilatildeo da Declaraccedilatildeo de Aptidatildeo ao Pronaf

(DAP) que seraacute emitida segundo a renda anual e as atividades

exploradas direcionando o agricultor para as linhas especiacuteficas

de creacutedito a que tem direito (MDA)23

23 Disponiacutevel em lthttpwwwmdagovbrsitemdasecretariasaf-creditoruralsobre-o-

programasthashoPkG5KqCdpuff gt Acesso em 14092015

142

O Pronaf eacute apontado por alguns estudiosos da Questatildeo Agraacuteria no Brasil

como um marco da interferecircncia positiva do Estado na agricultura Eacute a partir dele que

ocorre a inclusatildeo da categoria social denominada de agricultores familiares no conjunto

das poliacuteticas puacuteblicas destinadas ao meio rural

Ressaltamos que antes do Pronaf existia o Programa de Valorizaccedilatildeo da

Pequena Produccedilatildeo Rural (Provape) criado em 1994 atraveacutes de uma operaccedilatildeo

financeira executada apenas pelo Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES)

Schneider Mattei e Cazella (2004) concebem que o Provape foi o embriatildeo da

mais importante poliacutetica puacuteblica criada para atender os agricultores familiares Segundo

os mesmos autores ele natildeo obteve os resultados esperados levando-se em consideraccedilatildeo

apenas os recursos que foram aportados Isso pode ser explicado parcialmente pelo fato

de o sistema de creacutedito e financiamento brasileiro natildeo ter sido adequado ao perfil do

puacuteblico para o qual se destinava o Provape

Ainda em conformidade com Schneider Mattei e Cazella (2004) eacute possiacutevel

afirmar que o Provape serviu apenas como ponto de partida para aquela que de fato

viria ser a primeira poliacutetica puacuteblica destinada agrave categoria de agricultores familiares

Em 1995 o Provape passou por uma transformaccedilatildeo tanto no que se refere agrave

concepccedilatildeo de poliacutetica puacuteblica voltada para os agricultores familiares comono que se

refere a sua aacuterea de abrangecircncia

Foram essas modificaccedilotildees acrescidas ao programa Provape que constituiacuteram

em 1996 o Pronaf o que de acordo com Schneider Mattei e Cazella (2004 p 3)

significa dizer que ldquo[] desse ano em diante o programa tem se firmado como a

principal poliacutetica do Governo Federal para os agricultores familiaresrdquo

Esses autores creditam ser o Pronaf uma poliacutetica puacuteblica constituiacuteda como

apoio econocircmico e produtivo para Agricultura Familiar brasileira A partir dele foram

criadas outras como eacute o caso do Programa Nacional de Aquisiccedilatildeo de Alimentos (PAA)

a Lei da Agricultura Familiar o Seguro Rural a nova forma de Assistecircncia Teacutecnica e

Extensatildeo Rural (ATER) e o Programa Nacional de Alimentaccedilatildeo Escolar (PNAE) que

embora jaacute existisse desde 1950 foi reestruturado a partir da criaccedilatildeo do Pronaf

Este inicialmente tinha como propoacutesito atuar em quatro grandes aacutereas 1)

Financiamento no Custeio e Investimento Agriacutecola 2) Fortalecimento de Infra Estrutura

143

rural 3) Negociaccedilatildeo e Articulaccedilatildeo de Poliacuteticas Puacuteblicas e 4) Formaccedilatildeo de Teacutecnicos

Extensionistas e de agricultores familiares

Nos primeiros anos de implantaccedilatildeo do Pronaf os juros para quem acessasse

essa linha de creacutedito para financiamento e investimento era de 12 ao ano o que pode

ser considerado um valor muito alto Esse fato talvez seja uma das principais

justificativas de poucos agricultores familiares terem pleiteado o creacutedito

Por outro lado havia tambeacutem a falta de conhecimento sobre o proacuteprio

programa Segundo Gazola e Schneider (2004) foram vaacuterios os entraves enfrentados

nos primeiros anos de implantaccedilatildeo do Pronaf sendo que dos recursos destinados agraves

safras de 1995-1996a maioria beneficiou agricultores familiares do Sul do paiacutes

sobretudo os produtores de fumo

Mas antes de avanccedilarmos sobre outras questotildees envolvendo o Pronaf eacute

importante analisarmos os muacuteltiplos contextos em que esse programa foi criado

42 O papel dos Movimentos sociais na criaccedilatildeo do Programa Nacional de

Fortalecimento da Agricultura Familiar na deacutecada de 1990

Bianchini (2015 p18) afirma que a deacutecada de 1990 foi sinalizada pela

constituiccedilatildeo de novas estrateacutegias no campo econocircmico sobretudo em relaccedilatildeo aos

aspectos comerciais tecnoloacutegicos financeiros e de investimentos aleacutem de ter sido o

periacuteodo de maior inserccedilatildeo do Brasil na economia internacional

Outra caracteriacutestica desse periacuteodo segundo o mesmo autor foi a criaccedilatildeo do

Mercado Comum do Sul (Mercosul) o qual visava materializar uma maior integraccedilatildeo

entre o Brasil Uruguai Argentina e Paraguai a partir da reduccedilatildeo das tarifas

alfandegaacuterias

O Mercosul alterou tambeacutem a poliacutetica cambial com o objetivo de promover

a expansatildeo das importaccedilotildees e ampliaccedilatildeo dos investimentos internacionais nas aacutereas

agroindustriais Por outro lado restringiu a participaccedilatildeo de cooperativas nesse setor

fortalecendo ainda mais as empresas privadas

A partir da concepccedilatildeo de Bianchini (2015) pode-se afirmar que diante das

novas configuraccedilotildees impostas ao cenaacuterio econocircmico brasileiro assistiu-se no Brasil ao

desmoronamento de um modelo econocircmico em que a base de sustentaccedilatildeo eram os

144

incentivos fiscais concedidos pelo Governo os quais atendiam apenas alguns setores

rurais

O que se vecirc nesse periacuteodo foi a movimentaccedilatildeo dos diferentes atores sociais

De um lado se encontram os grupos detentores de grande capital econocircmico querendo

a qualquer custo atrair a atenccedilatildeo das autoridades poliacuteticas em torno dos interesses do

capital na agricultura e por outro lado a intensificaccedilatildeo nas mobilizaccedilotildees por parte de

outros atores conclamando por uma construccedilatildeo de poliacuteticas diferenciadas para atender a

Agricultura Familiar a realizaccedilatildeo da Reforma Agraacuteria a ampliaccedilatildeo dos direitos dos

trabalhadores rurais e a criaccedilatildeo de um modelo de agricultura fundamentado na

sustentabilidade social e ambiental

Bianchini (2015 p 19) ao se referir ao papel das instituiccedilotildees e organizaccedilatildeo

dos movimentos sociais em defesa da Reforma Agraacuteria constituiacutedos na deacutecada de 1980

assegura que

Nesse cenaacuterio poacutes-crise do modelo agriacutecola a partir dos anos

80 com o teacutermino do regime militar e a promulgaccedilatildeo da

Constituiccedilatildeo de 1988 as organizaccedilotildees de agricultores

empresariais se rearticularam na Confederaccedilatildeo Nacional de

Agricultura (CNA) na Uniatildeo Democraacutetica Ruralista (UDR) e

na Associaccedilatildeo Brasileira do Agronegoacutecio (ABAG) As

organizaccedilotildees de Agricultores Familiares se fortalecem na

Confederaccedilatildeo Nacional dos Trabalhadores na Agricultura

(CONTAG) criam-se novas organizaccedilotildees como o Movimento

dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) a Via Campesina

o Departamento Nacional dos Trabalhadores Rurais da CUT

(DNTR) que daria origem agrave Federaccedilatildeo dos Trabalhadores da

Agricultura Familiar (Fetraf) Surge um novo cenaacuterio novos

embates e estabelece-se um novo arranjo institucional

Em consonacircncia agrave citaccedilatildeo afirmamos que os atores sociais do campo estatildeo

divididos em dois grandes grupos de um lado os grandes proprietaacuterios de terras e

representantes do agronegoacutecio e do outro as populaccedilotildees desprovidas de capital

financeiro representadas pelos trabalhadores rurais pequenos agricultores ribeirinhos e

comunidades tradicionais Esses grupos recorreram agrave organizaccedilatildeo dos Sindicatos a

exemplo daquele dos Trabalhadores ou dos Produtores Rurais e das confederaccedilotildees em

busca da sensibilizaccedilatildeo das autoridades poliacuteticas em torno da defesa de seus interesses

No que se refere aos movimentos sociais dos trabalhadores rurais e pequenos

agricultores natildeo se pode perder de vista que a deacutecada de 1990 foi marcada por intensas

mobilizaccedilotildees desses sujeitos sociais em torno de poliacuteticas puacuteblicas que pudessem

145

viabilizar a melhoria das condiccedilotildees de vida no campo sobretudo no que tange agrave criaccedilatildeo

de um sistema de creacutedito rural e a expansatildeo do programa de distribuiccedilatildeo de terras em

formato diferenciado para atender as especificidades dos pequenos agricultores

Bianchini (2015) considera possiacutevel assegurar que tanto o Provape como o

Pronaf resultaram de accedilotildees e pressotildees dos movimentos sociais que por meio das

diversas manifestaccedilotildees que contribuiacuteram diretamente para a definiccedilatildeo das diretrizes do

Pronaf como eacute o caso do ldquoGrito da Terra Brasilrdquo movimento promovido pela

Confederaccedilatildeo Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG) Federaccedilatildeo dos

Trabalhadores da Agricultura (Fetag) e pelos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais

(STTRs) que em geral reuniram milhares de trabalhadores em seus atos puacuteblicos em

sua grande maioria lideranccedilas dos diversos movimentos ligados agraves questotildees da

Agricultura Familiar Reforma Agraacuteria e de outras bandeiras relacionadas ao universo

dos trabalhadores rurais

Bianchini (2015) indica ainda outro acontecimento que proporcionou maior

visibilidade do debate acerca da luta por uma poliacutetica de creacutedito rural diferenciada e que

fosse capaz de mobilizar a integraccedilatildeo da produccedilatildeo familiar o Seminaacuterio ndash Creacutedito de

Investimento uma luta que vale milhotildees de vidas realizado na cidade Chapecoacute em

Santa Catarina no ano de 2003 sob a organizaccedilatildeo do Foacuterum Sul dos Rurais vinculado agrave

Central Uacutenica dos Trabalhadores - CUT

Esse seminaacuterio teve como funccedilatildeo marcar ldquo[] que o creacutedito seria a bandeira

central do movimento sindical e naquele momento poderia desencadear outras poliacuteticas

ATER Educaccedilatildeo Formaccedilatildeo Profissional Infraestrura e Habitaccedilatildeordquo (BIANCHINI

2015 p 24)

Ainda com base na concepccedilatildeo desse autor pode-se dizer que as discussotildees

provocadas durante o seminaacuterio de Chapecoacute aleacutem de possibilitar um repensar sobre a

questatildeo do creacutedito diferenciado para os pequenos agricultores apontaram tambeacutem

outras possibilidades de conquista no sentido de buscar uma poliacutetica que fosse capaz de

casar o Creacutedito Fundiaacuterio com a Educaccedilatildeo Formaccedilatildeo Profissional Infraestrutura e

Habitaccedilatildeo ldquo[] Esta foi a marca que timbrou a criaccedilatildeo do Pronaf a luta por creacutedito

diferenciado capaz de realizar a reconversatildeo das unidades de produccedilatildeo familiarrdquo

(BIANCHINI 2015 p 24)

146

43 O Pronaf e seus objetivos

O MDA assegura que o objetivo do Programa Nacional de Fortalecimento da

Agricultura Familiar (Pronaf) eacute ldquo[] financiar projetos individuais ou coletivos que

gerem renda aos agricultores familiares e assentados da Reforma Agraacuteria O programa

possui as mais baixas taxas de juros dos financiamentos rurais aleacutem das menores taxas

de inadimplecircncia entre os sistemas de creacutedito do Paiacutes (MDA 2015)rdquo 24

Estamos diante da definiccedilatildeo do oacutergatildeo puacuteblico responsaacutevel por colocar os

ldquoagricultores familiaresrdquo e ldquoassentados de Reforma Agraacuteriardquo enquanto puacuteblico alvo do

programa possibilitando-os ter acesso a creacuteditos com a preacute-condiccedilatildeo de natildeo ter uma

renda maior que R$ 360 mil reais por ano

O agricultor familiar deve avaliar o projeto que pretende

desenvolver Os projetos devem gerar renda aos Agricultores

Familiares e assentados da reforma agraacuteria Podem ser

destinados para o custeio da safra a atividade agroindustrial

seja para investimento em maacutequinas equipamentos ou

infraestrutura A renda bruta anual dos Agricultores Familiares

deve ser de ateacute R$ 360 mil (MDA 2015)25

As diretrizes do MDA que orientam a elaboraccedilatildeo dos projetos de

financiamentos do Pronaf asseguram que os agricultores familiares satildeo os protagonistas

no planejamento das accedilotildees que seratildeo desenvolvidas desde que levem em consideraccedilatildeo

os criteacuterios estabelecidos por cada linha de creacutedito

Segundo o MDA (2015) o Pronaf possui algumas linhas de creacutedito para

atender esse objetivo

bull Pronaf Custeio

-se ao financiamento das atividades agropecuaacuterias e de

beneficiamento ou industrializaccedilatildeo e comercializaccedilatildeo de

produccedilatildeo proacutepria ou de terceiros enquadrados no Pronaf

bull Pronaf Mais Alimentos - Investimento

Destinado ao financiamento da implantaccedilatildeo ampliaccedilatildeo ou

modernizaccedilatildeo da infraestrutura de produccedilatildeo e serviccedilos

agropecuaacuterios ou natildeo agropecuaacuterios no estabelecimento rural

ou em aacutereas comunitaacuterias rurais proacuteximas

bull Pronaf Agroinduacutestria

24Disponiacutevelemlthttpwwwmdagovbrsitemdasecretariasaf-creditoruralsobre-o-

rogramasthashoPkG5KqCdpuf gt Acesso em 14092015 25

Disponiacutevelemlt httpwwwmdagovbrsitemdasecretariasaf-creditoruralcomo-funciona-o-

pronafsthashJ7csT8kgdpuff gt Acesso em 14092015

147

Linha para o financiamento de investimentos inclusive em

infraestrutura que visam o beneficiamento o processamento e a

comercializaccedilatildeo da produccedilatildeo agropecuaacuteria e natildeo agropecuaacuteria

de produtos florestais e do extrativismo ou de produtos

artesanais e a exploraccedilatildeo de turismo rural

bull Pronaf Agroecologia

Linha para o financiamento de investimentos dos sistemas de

produccedilatildeo agroecoloacutegicos ou orgacircnicos incluindo-se os custos

relativos agrave implantaccedilatildeo e manutenccedilatildeo do empreendimento

bull Pronaf Eco

Linha para o financiamento de investimentos em teacutecnicas que

minimizam o impacto da atividade rural ao meio ambiente bem

como permitam ao agricultor melhor conviacutevio com o bioma em

que sua propriedade estaacute inserida

bull Pronaf Floresta

Financiamento de investimentos em projetos para sistemas

agroflorestais exploraccedilatildeo Destina extrativista ecologicamente

sustentaacutevel plano de manejo florestal recomposiccedilatildeo e

manutenccedilatildeo de aacutereas de preservaccedilatildeo permanente e reserva legal

e recuperaccedilatildeo de aacutereas degradadas

bull Pronaf Semiaacuterido

Linha para o financiamento de investimentos em projetos de

convivecircncia com o semi-aacuterido focados na sustentabilidade dos

agroecossistemas priorizando infraestrutura hiacutedrica e

implantaccedilatildeo ampliaccedilatildeo recuperaccedilatildeo ou modernizaccedilatildeo das

demais infraestruturas inclusive aquelas relacionadas com

projetos de produccedilatildeo e serviccedilos agropecuaacuterios e natildeo

agropecuaacuterios de acordo com a realidade das famiacutelias

agricultoras da regiatildeo Semiaacuterida

bull Pronaf Mulher

Linha para o financiamento de investimentos de propostas de

creacutedito para a mulher agricultora

bull Pronaf Jovem

Financiamento de investimentos de propostas de creacutedito para

jovens agricultores e agricultoras

bull Pronaf Custeio e Comercializaccedilatildeo de Agroinduacutestrias

Familiares

Destinada aos agricultores e suas cooperativas ou associaccedilotildees

para que financiem as necessidades de custeio do

beneficiamento e industrializaccedilatildeo da produccedilatildeo proacutepria eou de

terceiros

bull Pronaf Cota-Parte

Financiamento de investimentos para a integralizaccedilatildeo de cotas-

partes dos Agricultores Familiares filiados a cooperativas de

produccedilatildeo ou para aplicaccedilatildeo em capital de giro custeio ou

investimento

bull Microcreacutedito Rural

Destinado aos agricultores de mais baixa renda permite o

financiamento das atividades agropecuaacuterias e natildeo

agropecuaacuterias podendo os creacuteditos cobrirem qualquer demanda

que possa gerar renda para a famiacutelia atendida Creacuteditos para

Agricultores Familiares enquadrados no Grupo B e agricultoras

148

integrantes das unidades familiares de produccedilatildeo enquadradas

nos Grupos A ou AC26

Ainda para o MDA (2015) o creacutedito do Pronaf eacute operacionalizado pelos

agentes financeiros que compotildeem o Sistema Nacional de Creacutedito Rural (SNCR) os

quais estatildeo agrupados pelas unidades financeiras (Banco do Brasil Banco do

Nordeste e Banco da Amazocircnia) vinculadas aos (BNDES Bancoob Bansicredi e

associados agrave Federaccedilatildeo Brasileira de Bancos (Febraban)

A partir dessas opccedilotildees de creacutedito o nuacutemero de agricultores familiares que

tem aderido ao programa aumentou bem como a abrangecircncia do Pronaf no Brasil

Segundo dados do MDA (2015)

As contrataccedilotildees do Creacutedito ndash Pronaf apresentam crescimento

sustentado ao longo dos anos Em 19992000 o Pronaf abrangia

3403 municiacutepios passando para 4539 no ano seguinte o que

representou um aumento de 33 na cobertura de municiacutepios

ou seja a ampliaccedilatildeo de mais de 1100 municiacutepios em apenas

um ano A ampliaccedilatildeo de municiacutepios atendidos continuou em

cada ano agriacutecola sendo que em 20052006 houve a inserccedilatildeo de

quase 1960 municiacutepios em relaccedilatildeo agrave 19992000 Em

20072008 foram atendidos 5379 municiacutepios o que

representou um crescimento de 58 em relaccedilatildeo agrave 19992000

com a inserccedilatildeo de 1976 municiacutepios27

Portanto atraveacutes desses dados oficiais sobre o Pronaf foi possiacutevel identificar

seus objetivos e o que ele considera como caracteriacutestica de sua efetivaccedilatildeo e ampliaccedilatildeo

Cruzando os dados do Araguaia mato-grossense e aqueles dos assentamentos

rurais pesquisados com os dados oficiais obtivemos uma noccedilatildeo das implicaccedilotildees dos

investimentos do Pronaf no local sobretudo no que se refere ao municiacutepio de Vila Rica-

MT uma vez que eacute onde estatildeo localizados os assentamentos rurais analisados nesta

pesquisa

44 O Pronaf no espaccedilo do Araguaia Mato-grossense

26 Disponiacutevel em lthttpwwwmdagovbrsitemdasecretariasaf-creditorurallinhas-de-

crC3A9ditosthashupVEXpBldpufgt Acesso em 14092015 27

Disponiacutevel em lthttpwwwmdagovbrsitemdasecretariasaf-

creditoruralevoluC3A7C3A3o-do-pronafgt Acesso em 14092015

149

Em 2006 foi produzido um diagnoacutestico pela equipe teacutecnica do Territoacuterio da

Cidadania do MDA com o objetivo de elaborar o Plano Territorial de Desenvolvimento

Rural Sustentaacutevel do Araguaia mato-grossense ocasiatildeo em que foi constituiacutedo um

banco de dados sobre a situaccedilatildeo dos assentamentos rurais da aacuterea tomando como

referecircncia o perfil socioeconocircmico de cada assentamento rural e utilizando diversas

estrateacutegias e fontes documentais para constituiacute-lo

Analisando os dados do diagnoacutestico produzido pelo MDA constatamos que a

Agricultura Familiar possui um lugar de destaque no desenvolvimento socioeconocircmico

do Norte Araguaia

Paret (2012) informa existir 85 assentamentos rurais constituiacutedos no territoacuterio

Araguaia-Xingu sendo que 25 deles estatildeo localizados no municiacutepio de Confresa-MT

Os demais estatildeo distribuiacutedos entre os outros municiacutepios com destaque para Ribeiratildeo

Cascalheira Satildeo Feacutelix do Araguaia e Aacutegua Boa28

Ao todo satildeo 22328 famiacutelias assentadas numa aacuterea que corresponde apenas

a 8 da dimensatildeo territorial denominada por Paret (2012) como Araguaia-Xingu Nesse

mesmo sentido Barrozo (2009 p 96) avalia que

Os assentamentos rurais do Araguaia se caracterizam pela a

criaccedilatildeo de gado e pela baixa produccedilatildeo de alimentos Em quase

todos os assentamentos dos municiacutepios de Santa Terezinha

Vila Rica-MT Satildeo Joseacute e Santa Cruz do Xingu Confresa Porto

Alegre Canabrava Satildeo Feacutelix do Araguaia os assentados do

Araguaia tecircm como principal atividade econocircmica do lote a

criaccedilatildeo de gado bovino

Considerando o que Barrozo (2009) e Paret (2012) e os dados contidos no

relatoacuterio do MDATerritoacuterio da Cidadania (2006) dizem afirmamos que a pecuaacuteria eacute

tida como a principal fonte de renda dos assentados dessa aacuterea Aleacutem da venda dos

bezerros os agricultores familiares vendem tambeacutem leite para os pequenos laticiacutenios

que ficam espalhados pela aacuterea

Essa produccedilatildeo se tornou viaacutevel por um conjunto de fatores que vatildeo desde a

instalaccedilatildeo de energia eleacutetrica que possibilitou que o produto pudesse ser armazenado

em tanques resfriadores passando pelo fomento do Pronaf ateacute a instalaccedilatildeo de laticiacutenios

na aacuterea que absorvem a produccedilatildeo regional

28 Destacamos que dos 14 municiacutepios que compotildeem o territoacuterio denominado por Paret (2012)

como Araguaia Xingu apenas Luciara natildeo possui assentamentos rurais Rural (INCRA 2015)

150

A partir dos dados destacados pelos autores e pela descriccedilatildeo feita pelo o

Instituto de Defesa Agropecuaacuteria de Mato Grosso - Indea (2015)29

percebe-se que nos

uacuteltimos anos houve um crescimento notaacutevel da criaccedilatildeo de gado leiteiro nessa aacuterea

Essa situaccedilatildeo serve como justificativa ao fato de haver nos assentamentos rurais do

Araguaia uma aacuterea maior destinada agraves pastagens e uma menor concentraccedilatildeo de

atividades voltadas para o cultivo de pomares hortas agricultura e outras atividades

econocircmicas

O Araguaia Mato-grossense atualmente possui como principais cadeias

produtivas a pecuaacuteria e a soja Percebe-se que a Agricultura Familiar tambeacutem estaacute

inclusa nesse modelo de produccedilatildeo no entanto Paret (2012 p 53) faz uma ressalva em

relaccedilatildeo agrave ela uma vez que esta ldquo[] apresenta uma maior diversidade produtiva que vai

desde a horta a todo tipo de plantaccedilatildeo de frutas (plantadas ou do extrativismo)

tubeacuterculos mel ovos pequenos animais leite entre outros []rdquo

As atividades agriacutecolas nos assentamentos rurais do Araguaia Mato-

grossense foram estudadas por Barrozo (2009 p 99) para quem embora os assentados

atribuam uma grande importacircncia agrave criaccedilatildeo de gado tambeacutem cultivam roccedilas visando o

auto-sustento da famiacutelia ldquo[] Os principais produtos cultivados em quase todos os

assentamentos satildeo a mandioca o milho o arroz e a canardquo

Ainda em conformidade com Barrozo (2009) natildeo existem grandes pomares

com diversidade de frutas cuja produccedilatildeo tenha a finalidade de comercializaccedilatildeo mas

satildeo encontradas em muitos assentamentos pequenas produccedilotildees frutiacuteferas de manga

banana abacaxi goiaba caju tamarindo limatildeo pequi etc

Esse quadro de produccedilatildeo agriacutecola apresentado pelo mesmo autor foi

constatado tambeacutem no relatoacuterio do MDATerritoacuterio da Cidadania (2006 p 33) segundo

o qual as atividades agriacutecolas no espaccedilo do Araguaia Mato-Grossense satildeo assim

descritas

Dentre as culturas produzidas destacam-se a mandioca o arroz

o milho e o abacaxi presentes em praticamente todo o territoacuterio

e tambeacutem direcionadas ao mercado local e principalmente para

o autoconsumo [] Estas atividades constituem-se em

iniciativas particulares e natildeo reflete de forma real a situaccedilatildeo de

grande parte dos agricultores do territoacuterio

29Disponiacutevel em lthttpwwwterritoriosdacidadaniagovbrdotlrnclubsterritriosruraisone-

community gtAcesso em 02052015

151

Quanto agrave implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas direcionadas aos

assentamentos rurais Paret (2012 p 53) verificou a existecircncia de grandes obstaacuteculos

enfrentados pelos agricultores familiares a exemplo das dificuldades em acessar tanto

os recursos do Pronaf quanto de outros programas considerados de apoio como eacute o caso

do Programa Nacional de Aquisiccedilatildeo de Alimentos (PNAA) e do Programa Nacional de

Alimentaccedilatildeo Escolar (PNAE)

Os entraves ocorridos durante o processo de implementaccedilatildeo das poliacuteticas

puacuteblicas nos assentamentos rurais no Araguaia Mato-grossense sobretudo no caso do

Pronaf foram percebidos por Barrozo (2009 p 96) em pesquisa realizada para o

Ministeacuterio do Meio Ambiente (MMA) atraveacutes do programa GESTAR O autor escreve

que durante suas visitas aos assentamentos rurais era bastante comum os agricultores

familiares exporem suas insatisfaccedilotildees tanto com a atuaccedilatildeo dos teacutecnicos do INCRA

quanto com as condiccedilotildees impostas no processo de adesatildeo ao Pronaf Nesse sentido

descreve

[] os assentados reclamam do Pronaf que seria um pacote

fechado exigindo que o recurso seja em horas maacutequinas para

preparar a terra para a lavoura com a indicaccedilatildeo da empresa para

prestar serviccedilo e compra de ferramentas com indicaccedilatildeo da loja

As vacas leiteiras de qualidade ruim para leite custam R$

60000 cada uma tendo que comprar de criador indicado

Alguns assentados fazem acusaccedilotildees de que eacute feito um desconto

do Pronaf corresponde ao um percentual do financiamento que

seria destinado agrave assistecircncia teacutecnica Os teacutecnicos dizem que natildeo

podem se deslocar por falta de veiacuteculos ou de combustiacutevel

Percebemos uma insatisfaccedilatildeo de assentados quanto agraves restriccedilotildees e imposiccedilotildees

burocraacuteticas do Pronaf que retiram dos mesmos a autonomia de escolher locais raccedilas

de animais e marcas de produtos adquiridos com a verba do programa adiciona-se a

preocupaccedilatildeo com a extensatildeo teacutecnica que enfrenta dificuldades financeiras e de

logiacutestica

Na mesma oacutetica Paret (2012 p 53) avalia os problemas enfrentados pelos

agricultores familiares no acesso aos recursos do Pronaf e agrave atuaccedilatildeo do Incra ldquo[] do

ponto de vista institucional a conduccedilatildeo da Reforma Agraacuteria pelo Incra eacute marcada por

longas demoras na resoluccedilatildeo de processos e inuacutemeros casos de corrupccedilatildeordquo

Paret (2012) aborda ainda outra situaccedilatildeo que dificulta o desenvolvimento dos

assentamentos rurais do Araguaia Mato-grossense qual seja o fato de muitos

152

agricultores familiares natildeo terem recebido os creacuteditos moradia e a inexistecircncia de uma

assistecircncia teacutecnica mais efetiva

Os graacuteficos apresentado na Figura 17 e seguinte apresentam criteacuterios de

distribuiccedilatildeo e investimento dos recursos do Programa Nacional de Agricultura Familiar

nos assentamentos rurais

Figura 17 Graacutefico com dados da evoluccedilatildeo dos creacuteditos Pronaf

Fonte Paret 2012 (p 30)

Figura 18 Graacutefico com dados da distribuiccedilatildeo dos creacuteditos Pronaf

Fonte Paret 2012 (p 33)

153

Os dados dispostos nos das figuras 17 e 18 indicam que nos assentamentos

rurais no Araguaia mato-grossense a deacutecada de 2000 foi destaque na evoluccedilatildeo do

percentual de investimento de recursos pelo Pronaf

Percebemos uma oscilaccedilatildeo no volume de recursos na deacutecada de 2000 sendo

que nos anos de 2003 e 2004 apresentaram crescimento Em 2008 a 2010 aumentou

novamente o percentual de recursos disponibilizados com aumento daqueles destinados

agrave pecuaacuteria sobretudo em 2010 quando superaram os investimentos destinados agrave

agricultura

Quando se observam os dados indicados na Figura 18 percebe-se que entre

os onze municiacutepios apresentados como Araguaia Xingu o municiacutepio de Vila Rica-MT

em comparaccedilatildeo aos demais praticamente natildeo recebeu recursos do Pronaf destinados agrave

agricultura sobressaindo apenas os destinados agrave linha de creacutedito direcionada para a

pecuaacuteria

Nesse sentido Lima e Noacutebrega (2009) reforccedilam que os financiamentos

efetivados a partir de 1999 no municiacutepio de Vila Rica-MT foram direcionados para

agropecuaacuteria Em 2007 100 dos financiamentos do municiacutepio foram direcionados

somente agrave pecuaacuteria somando um total de 86 milhotildees de reais em investimentos

Lima e Noacutebrega (2009 12) afirmam ainda que

Entre 1996 e 2006 a aacuterea de pastagens aumentou em cerca de 50

mil hectares e o aumento do nuacutemero de cabeccedilas de gado mais

do que triplicou chegando em 2006 a quase 650 mil cabeccedilas A

densidade de cabeccedilas de gado por hectare passou de 08 para

21 um aumento bem acentuado Entre 2000 e 2007 as aacutereas

das lavouras de milho dobraram de tamanho [] existem dados

controversos no censo 2006 que indica mais de 150 mil hectares

de aacutereas de lavouras no entanto no ano de 2007 natildeo havia

muito mais do que 10mil hectares plantados somando todas as

culturas provavelmente muitas destas aacutereas de lavouras estatildeo

abandonadas

Para esses autores o aumento expressivo da pecuaacuteria em Vila Rica-MT nos

uacuteltimos anos pode ter contribuiacutedo para a reduccedilatildeo do desmatamento no municiacutepio em

funccedilatildeo ateacute mesmo do volume de recursos injetados o que justifica o desenvolvimento

das atividades ligadas agrave pecuaacuteria enquanto a agricultura praticamente ficou estagnada

entre o periacuteodo de 2000 a 2007

154

Desse modo concluiacutemos que mesmo havendo entraves na execuccedilatildeo do

Pronaf ele gerou impactos significativos no que se refere ao desenvolvimento

econocircmico do Araguaia colocando os assentamentos rurais na condiccedilatildeo de

protagonistas na geraccedilatildeo de renda sendo a pecuaacuteria a principal atividade econocircmica

45 O Pronaf nos assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati

Consideramos pertinente uma anaacutelise acerca dos efeitos do Pronaf nos

assentamentos rurais de Vila Rica-MT visando identificar os impactos desse programa

no desenvolvimento socioeconocircmico local Destacamos que embora haja oito

assentamentos rurais a pesquisa tomou como paracircmetro apenas os recursos aportados

pelos agricultores familiares dos assentamentos rurais de Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e

Aracati

Ao escolhecirc-los tomados aqui como objeto de anaacutelise dos resultados das

poliacuteticas puacuteblicas direcionadas aos Assentados da Reforma Agraacuteria do municiacutepio de

Vila Rica levou-se em consideraccedilatildeo o fato de terem sido contemplados com o

Programa de Assessoria Teacutecnica Social e Ambiental agrave Reforma Agraacuteria- Ates no ano

de 2006 como ilustra a Tabela a seguir

Tabela 37 Creacutedito Rural - nordm de Famiacutelia

Fonte EMPAER 2010

A Tabela 37 demonstra que mais de 90 dos agricultores familiares

participantes da pesquisa tiveram acesso ao Pronaf Os assentamentos Satildeo Joseacute e Ipecirc

foram os mais beneficiados porque possuem o maior nuacutemero de assentados Outra

questatildeo que nos chamou a atenccedilatildeo em relaccedilatildeo ao acesso ao credito eacute o iacutendice de

inadimplecircncia que natildeo chega a 1

Creacutedito RuralPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracat

i

Total

Usam o creacutedito rural 96 18 72 22 20

8

Natildeo usam por

Inadimplecircncia

0 0 2 0 2

Natildeo usam por outros

Motivos

8 3 5 3 19

155

Tabela 38 Finalidade do Creacutedito Rural - nordm de Famiacutelias

Finalidade creacutedito

PA

S Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total

Custeio agriacutecola 10 3 12 3 28

Custeio pecuaacuterio 91 13 69 17 190

Investimento agriacutecola 2 0 3 0 5

Investimento pecuaacuterio 68 11 51 19 149

Agroinduacutestria 0 1 0 0 1

Fonte EMPAER 2010

As informaccedilotildees contidas na Tabela 38 confirmam o que jaacute foi apresentado

nos Graacuteficos 01 e 02 e Figuras 17 e 18 em que os investimentos dos recursos do Pronaf

nas atividades agriacutecolas natildeo chegaram a 10 dos que tomaram o creacutedito enquanto que

somando o valor destinado ao custeio e ao investimento na pecuaacuteria atingiu 908

Poreacutem apenas 03 desses recursos foram aplicados nas atividades agroindustriais

Tabela 39 Tipo de Pronaf por nuacutemero de Famiacutelias

Finalidade Creacutedito Rural S Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total

Pronaf A 95 17 71 20 203

Pronaf AC 65 12 60 15 152

Outros tipos de Pronaf 5 2 4 1 12

Fonte EMPAER 2010

Na Tabela 39 que trata da tipologia das linhas de creacutedito do Pronaf

constatamos o que jaacute foi evidenciado pela tabela anterior Observamos que 203 famiacutelias

dos assentamentos rurais pesquisados acessaram o Pronaf A destinado agraves atividades de

investimentos ampliaccedilatildeo ou modernizaccedilatildeo da estrutura de produccedilatildeo beneficiamento e

serviccedilos nas propriedades enquanto 152 famiacutelias acessaram o Pronaf AC cujo creacutedito

destina-se ao custeio das atividades de agropecuaacuteria ou natildeo agropecuaacuterias Somente 12

famiacutelias foram beneficiadas por outras modalidades de Pronaf

46 Outras Poliacuteticas Puacuteblicas nos assentamentos Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e

Aracati

156

461 Programa Luz para todos

Ao discutirmos os impactos das poliacuteticas Puacuteblicas precisamos analisar os

efeitos da instalaccedilatildeo da rede eleacutetrica nos assentamentos rurais - Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel

Ipecirc e Aracati - a partir da implantaccedilatildeo do Programa Luz Para Todos instituiacutedo pelo

Decreto 4873 de novembro de 2003 com o objetivo de garantir o acesso agrave energia

eleacutetrica a dez milhotildees de pessoas que viviam no campo no periacuteodo de 5 anos ou seja de

2003 a 2008 Foi o mesmo elaborado e executado atraveacutes de parceria entre o Ministeacuterio

de Minas e Energia Eletrobraacutes concessionaacuterias e cooperativas de eletrificaccedilatildeo rural As

accedilotildees deveriam ser feitas em regime de cooperaccedilatildeo entre os Governos Municipais

Estaduais e Federal

A intenccedilatildeo inicial era superar a ldquoexclusatildeo eleacutetricardquo conforme descrito em

uma reportagem feita pelo Ministeacuterio de Minas e Energia (MME) no portal da empresa

Furna30

(2015 p 1)

[] O mapa da exclusatildeo eleacutetrica no paiacutes revela que as famiacutelias

sem acesso agrave energia estatildeo majoritariamente nas localidades de

menor Iacutendice de Desenvolvimento Humano e nas famiacutelias de

baixa renda Cerca de 90 delas tecircm renda inferior a trecircs

salaacuterios-miacutenimos [] Para por fim a essa realidade o governo

definiu como objetivo que a energia seja um vetor de

desenvolvimento social e econocircmico dessas comunidades

contribuindo para a reduccedilatildeo da pobreza e aumento da renda

familiar

Para o Ministeacuterio de Minas e Energia (2015 p 1) ldquo[] a chegada da energia

eleacutetrica facilita a integraccedilatildeo dos programas sociais do Governo Federal aleacutem do acesso

a serviccedilos de sauacutede educaccedilatildeo abastecimento de aacutegua e saneamentordquo E como o nuacutemero

de pessoas que viviam sem energia eleacutetrica era bem superior agrave estimativa feita pelo

Governo Federal houve a necessidade de ampliar o periacuteodo para a execuccedilatildeo do

Programa Luz Para Todos o qual foi reformulado e estendido ateacute dezembro de 2014

ldquo[] Com a publicaccedilatildeo do Censo de 2010 pelo IBGE veio agrave informaccedilatildeo de que ainda

existiam na zona rural brasileira 715939 famiacutelias sem energiardquo (MME 2015 p 1)

30Furnas eacute uma empresa de economia mista subsidiaacuteria da Eletrobraacutes e vinculada ao Ministeacuterio de

Minas e Energia dedicada a geraccedilatildeo e transmissatildeo de energia eleacutetrica

DisponiacutevellthttpwwwfurnascombrfrmEMQuemSomosgt Acesso em 10102015

157

Nesta mesma acepccedilatildeo quando comparado com os assentamentos rurais

pesquisados em Vila Rica- MT um dos agricultores familiares entrevistado disse

[] A questatildeo da energia melhorou as condiccedilotildees de vida nos

assentamentos assim no sentido de possibilitar a compra de

uma televisatildeo uma geladeira um freezer um aparelho de som

Agora eacute o que eu sempre digo o foco do programa natildeo eacute esse

a ideia eacute melhorar as condiccedilotildees de trabalho para aumentar a

produccedilatildeo da Agricultura Familiar natildeo digo que o Programa

Luz Para Todos natildeo era comprar essas coisas de

eletrodomeacutesticos ateacute porque esses eletrodomeacutesticos nos

possibilitam viver com um pouco de conforto isso melhora a

nossa vida tambeacutem Poreacutem o Luz Para Todos visava melhorar

a produccedilatildeo e foi o que muitos assentados compraram

maacutequinas de ralar mandioca bomba da aacutegua para fazer

irrigaccedilatildeo ordenhadeira (maacutequina de tirar leite de vaca)

triturador de raccedilatildeo a proacutepria geladeira e o freezer pois

possibilita armazenar os alimentos confeccionados pelos

agricultores como eacute o caso do queijo linguiccedila polpas de

frutas e tantos outros produtos que estatildeo sendo vendidos na

feira nos mercados e em outros lugares Outro setor que tem

ganhado bastante com a implantaccedilatildeo do Programa Luz Para

Todos eacute aacuterea do comeacutercio e da manutenccedilatildeoconserto de

eletrodomeacutestico (ENTREVISTA com Gilmar agricultor

familiar e secretaacuterio de agricultura do municiacutepio de Vila Rica

realizada pela autora em marccedilo de 2015)

Em conformidade com o relato a implementaccedilatildeo do Programa Luz Para

Todos nos assentamentos rurais de Vila Rica-MT possui um significado muito aleacutem da

entrada dos agricultores familiares nesse novo modelo de produccedilatildeo social e cultural

facilitando a inclusatildeo desses sujeitos histoacutericos na sociedade da Informaccedilatildeo e da

Comunicaccedilatildeo proporcionada pelos recursos midiaacuteticos

Os efeitos da eletricidade nesses assentamentos refletiu diretamente no

aumento da produtividade na Agricultura Familiar o que poderaacute ser mais um fator de

melhoria da renda das famiacutelias assentadas e ao mesmo tempo possibilitaraacute o

aquecimento da economia local

Ressaltamos ainda que a energia eleacutetrica advinda do Programa Luz Para

Todos produz efeitos positivos para a Educaccedilatildeo do campo possibilitando a ampliaccedilatildeo

dos tempos e modos de organizaccedilatildeo pedagoacutegica das escolas que passaram a ofertar

aulas no periacuteodo noturno sem falar nos artifiacutecios do ensino e da aprendizagem uma vez

fortalecido com a inserccedilatildeo das tecnologias da Informaccedilatildeo e Comunicaccedilatildeo Conforme

relata um dos assentados entrevistado

158

Depois que instalou energia melhorou ateacute pra escola pois

agora os filhos dos assentados estatildeo tendo uma educaccedilatildeo

melhor ateacute o ambiente melhorou pois tem ventilador algumas

escolas tecircm ar condicionado Todas tecircm geladeira freezer

bebedor com aacutegua gelada Assim agora podem ateacute as pessoas

mais velhas que soacute podem estudar no periacuteodo da noite teratildeo

oportunidade de ir pra escola O que eacute complicado em relaccedilatildeo

agrave energia no campo eacute que se a gente natildeo souber controlar o uso

da energia potencializar eletricidade para melhorar a

produtividade e a renda das famiacutelias assentadas chegaraacute o

final do mecircs teratildeo o prejuiacutezo conta de energia para pagar Tem

assentado que possui dificuldade para pagar a conta de energia

todo mecircs Mas por outro lado os assentados que deixavam de

vender seus produtos porque eram pouquinhos ajuda agora

porque com a geladeira o freezer vai fazendo e guardando

hoje congela uma linguiccedila um queijo guardam um doce ovos

E depois traacutes junta tudo e traacutes para vender na cidade No caso

ajudou porque eu mexo com polpas de frutas a minha maior

fonte de renda eacute essa Entatildeo eu vou juntando do meu siacutetio e

compro de outros assentados (ENTREVISTA com Ivanir Galo

assentado e presidente do STR de Vila Rica- MT realizada pela

autora em marccedilo de 2015)

O relato acima chama atenccedilatildeo para o papel que a eletricidade assumiu no

desenvolvimento da economia dos assentamentos rurais de Vila Rica uma vez que ela

possibilitou tambeacutem o armazenamento e conservaccedilatildeo dos produtos de ldquofabricaccedilatildeo

caseirardquo Desse modo o entrevistado reconheceu que alguns assentados encontravam

dificuldade para quitar a conta de energia mas o destaque dado na narrativa eacute para as

possibilidades de ampliaccedilatildeo da renda dos agricultores familiares a partir do uso dos

equipamentos tecnoloacutegicos

462 Arco Verde e a questatildeo ambiental

Em conformidade as anaacutelises apontadas no Capiacutetulo III a questatildeo ambiental

constituiu e constitui ainda um dos gargalos vivenciados nos assentamentos rurais do

municiacutepio de Vila Rica-MT visto o alto iacutendice de degradaccedilatildeo das aacutereas de pastagens

nascentes e vegetaccedilatildeo nativa

Essa situaccedilatildeo eacute causada por diversos fatores No entanto a poliacutetica de incentivo

agrave pecuaacuteria bovina por sua vez tem gerado certa sonolecircncia nas praacuteticas de degradaccedilatildeo

ambiental embora em muitos casos tenha inviabilizado a sustentabilidade da

159

produccedilatildeo deixando o caminho livre ao esvaziamento venda e arrendamento dos lotes

para a produccedilatildeo de soja

Por outro lado as atividades ligadas agrave extraccedilatildeo madeireira pouco contribuiacuteram

para o desenvolvimento econocircmico do municiacutepio Nesse quadro os assentamentos

rurais foram os lugares onde mais foram praticados desmatamentos

Tal situaccedilatildeo nos assentamentos rurais eacute relatada pelo Secretaacuterio Municipal

de Vila Rica-MT o qual afirma terem eles provocado seacuterios problemas ao ponto de

demandar uma accedilatildeo de intervenccedilatildeo por parte Poder Puacuteblico atraveacutes de uma integraccedilatildeo

entre oacutergatildeos dos Governos Federal Estadual e Municipal que se viram obrigados a

tomar medidas de puniccedilatildeo entre outras

[] Os municiacutepios que foram enquadrados na eacutepoca na

verdade eles entraram no Arco de Fogo Os municiacutepios que

mais desmatavam na microrregiatildeo norte Araguaia eram Vila

Rica-MT Querecircncia e Satildeo Feacutelix esses municiacutepios tiveram ser

punidos (pelo Governo Federal) deixando de receber recursos

que eram liberados antes como eacute o caso do Pronaf e outros

recursos foram bloqueados entatildeo houve um bloqueio de

recurso pra esses municiacutepios soacute que aiacute em vez de resolver o

problema veio trazer mais problema porque gerou um caos

sem os recursos como que os assentados iam trabalhar para

produzir o sustento das suas famiacutelias [] aiacute foi criado um

Programa chamado Arco Verde que era para trabalhar mais a

questatildeo de recuperar parte dos prejuiacutezos causados a natureza

onde cada municiacutepio assumiu uma agenda de compromisso

juntamente com os trecircs entes federal estadual e municipal

todos os segmentos assumiram a sua responsabilidade e o

municiacutepio (ENTREVISTA com Gilmar agricultor familiar e

secretaacuterio municipal de agricultura de Vila Rica-MT realizada

pela autora em marccedilo de 2015)

Segundo informaccedilotildees disponibilizadas pelo Secretaacuterio Municipal de

Agricultura e pelo presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT-

MT vaacuterios municiacutepios do estado de Mato Grosso foram convocados para desenvolver

accedilotildees com o objetivo de combater o alto iacutendice de queimada e desmatamento atraveacutes

do Programa do Governo Federal Arco de Foco No caso do Araguaia os municiacutepios

que foram enquadrados na eacutepoca foram Vila Rica-MT Querecircncia e Satildeo Feacutelix do

Araguaia Esses municiacutepios tiveram suspensos alguns dos recursos do Governo Federal

os quais foram bloqueados entre outras linhas de creacutedito do Pronaf - Programa de

Apoio agrave Agricultura Familiar

160

O secretaacuterio municipal de agricultura do municiacutepio de Vila Rica-MT alertou

em seu relato para a questatildeo das queimadas e do compromisso de desmatamento zero

assumido pelo municiacutepio

[] e o municiacutepio de Vila Rica-MT assumiu a responsabilidade

de desmatamento zero poreacutem dentro dos assentamentos eacute

loacutegico diminuiu 95 mas agente enfrentou e ainda enfrenta

alguns problemas com desmatamento dentro dos

assentamentos mas aiacute jaacute natildeo eacute falta de informaccedilatildeo porque

informaccedilatildeo sempre tem o problema eacute que alguns produtores

acham que por ser uma aacuterea do governo federal ele natildeo seraacute

penalizado punido e multado por ser assentado e por isso

teimam Mas com a questatildeo do CAR e do Geo que o tiacutetulo seraacute

perante o laudo todos teratildeo que recuperar soacute que com esse

novo Coacutedigo Florestal ele amenizou isso bastante os

produtores que tecircm ateacute quatro moacutedulos fiscais satildeo a maioria

aqui na Vila Rica-MT os que tecircm a propriedade muito pequena

natildeo precisam de reservas legais desde que aacuterea jaacute esteja

consolidada jaacute aberta e tudo mais ateacute Julho de 2008 entatildeo

daiacute pra frente quem desmatou vai ser descoberto atraveacutes de

uma imagem sateacutelite eles seraacute identificado entatildeo eacute assim eles

natildeo foram penalizados ainda mas seratildeo (ENTREVISTA com

Gilmar agricultor familiar e secretaacuterio municipal de agricultura

de Vila Rica-MT realizada pela autora em marccedilo de 2015)

Diante do bloqueio dos recursos o Poder Puacuteblico sobretudo o municipal

bem como o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT tiveram que

desenvolver accedilotildees que mobilizassem os assentados para que atuassem no sentido de

erradicar as derrubadas e queimadas em Vila Rica-MT

Como o Programa Arco de Fogo natildeo obteve ecircxito foi criado outro programa

denominado Arco Verde o qual visava a intensificaccedilatildeo dos trabalhos voltados mais

para a questatildeo da recuperaccedilatildeo de parte dos prejuiacutezos causados agrave natureza Cada

municiacutepio assumiu uma agenda de compromisso responsabilizando-se juntamente com

o ente federal e estadual onde iriam atuar para erradicar as praacuteticas de queimadas nas

aacutereas de assentamentos rurais

463 Programa Balde Cheio

Quando o Programa denominado como ldquoBalde Cheiordquo foi implantado em

Mato Grosso houve a alegaccedilatildeo de que ele gerara resultados positivos em 12 Estados do

161

Brasil Este programa resultou de pesquisas desenvolvidas pela Empresa Brasileira de

Pesquisa Agropecuaacuteria Embrapa

Em Mato Grosso o projeto foi integrado ao Programa Estadual da Cadeia do

Leite considerando que o objetivo do Estado era aumentar a produccedilatildeo de leite nas aacutereas

de assentamentos rurais

[] Mato Grosso possui 150 mil pequenos proprietaacuterios a

maioria dedicando-se ao leite A meta eacute aumentar a produccedilatildeo

mato-grossense dos atuais 16 milhatildeo de litros diaacuterios para

cinco milhotildees de litros por dia Fernando Lamas ressalta que

esse aumento seraacute alcanccedilado por meio do aumento de

produtividade ldquosem expansatildeo de aacutereas e sem derrubar uma soacute

aacutervorerdquo

[] O trabalho das duas unidades da Embrapa contaraacute com a

parceria do Ministeacuterio da Agricultura Pecuaacuteria e

Abastecimento (Mapa) e do Governo de Mato Grosso que

arcaratildeo com a maior parte dos custos [] (EMBRAPA 2015

p 1)31

Segundo informaccedilotildees disponibilizadas no portal da Secretaria de Estado de

Agricultura de Mato Grosso participaram do processo de execuccedilatildeo do Programa a

Empresa Mato-Grossense de Pesquisa Assistecircncia e Extensatildeo Rural ndash Empaer o

Instituto de Defesa Agropecuaacuteria - Indea as prefeituras e as empresas em sistema de

cooperativa dos municiacutepios que aderiram ao Projeto Balde Cheio

Esse conjunto de teacutecnicas eacute complementado com o uso de

planilhas de controle zooteacutecnico e econocircmico a utilizaccedilatildeo de

um quadro dinacircmico de controle reprodutivo de higiene e de

qualidade do leite a identificaccedilatildeo dos animais a melhoria no

padratildeo geneacutetico do rebanho a anotaccedilatildeo de dados climaacuteticos

(chuva e temperatura maacutexima e miacutenima) e a aplicaccedilatildeo de

praacuteticas associativistas Aleacutem disso o uso de instrumentos de

controle gerencial tais como planilhas de controle e de anaacutelise

de custo de produccedilatildeo e de controle zooteacutecnico tem

possibilitado tornar rentaacutevel a atividade leiteira nas pequenas

propriedades familiares e consequentemente transformaacute-las em

atividade fixadora do homem no campo (EMBRAPA 2015 p

1)

Conforme Borges Guedes Ceacutezareb e Assis (2015 p 1) o Projeto Balde

Cheio serviria como motivaccedilatildeo para os agricultores familiares aumentar a produccedilatildeo de

leite nos assentamentos jaacute que a tecnologia embutida no projeto articulava as teacutecnicas

31 Disponiacutevel em lthttptererecpaoembrapabrportalnoticiasvisualizaphpid=307gt Acesso em

15042015

162

de produccedilatildeo extensivas com a conservaccedilatildeo e recuperaccedilatildeo da fertilidade do solo a partir

do uso de fertilizantes orgacircnicos e manejo intensivo de pastagens tropicais adubadas

Durante a temporada da seca (veratildeo) as aacutereas de passagens satildeo melhoradas

atraveacutes de irrigaccedilatildeo manejo rotacional e do uso de cana-de-accediluacutecar integrada com ureacuteia

assim como a realizaccedilatildeo de exames de tuberculose no gado

No caso de Vila Rica-MT o Projeto Balde Cheio foi implantado pela a

Secretaria Municipal de Agricultura em parceria com o INCRA a Empaer e de outras

entidades como o Serviccedilo Nacional de Aprendizagem Rural Senar Serviccedilo Brasileiro

de Apoio agrave Micro e Pequena Empresa (Sebrae) e Serviccedilo Nacional de Aprendizagem

Industrial (Senai) O Senar o Sebrae e o Senai que atuaram ministrando cursos no

processo de formaccedilatildeo dos assentados

Segundo o diagnoacutestico produzido pela a Empaer (2009 p 60)

[] na produccedilatildeo houve uma grade melhoria no gado leiteiro

quantidade e qualidade do leite assim se tornou o ponto forte

do assentamento fazendo a entrega no resfriador dentro do

assentamento que eacute vendido para o uacutenico laticiacutenio do

municiacutepio Essa produccedilatildeo cresceu graccedilas ao efeito do Projeto

Balde Cheio

Os dados do diagnoacutestico revelaram um melhoramento da produtividade e na

qualidade do leite produzido

464 Os Programas de Educaccedilatildeo Formaccedilatildeo Profissional e Teacutecnica do

assentado

Pensar sobre o papel das poliacuteticas puacuteblicas nos assentamentos rurais nos

remete para uma reflexatildeo a respeito do papel da Educaccedilatildeo do Campo uma vez que na

luta pela terra requer tambeacutem a necessidade da escola Natildeo basta apenas que os

agricultores familiares tenham conquistado a terra para morar e produzir Faz-se

indispensaacutevel ter uma escola para que os seus filhos possam estudar sem precisar sair

do campo

Por estar inserida na pauta de lutas dos movimentos sociais que demandam a

Reforma Agraacuteria a Educaccedilatildeo do Campo no Brasil vem cada vez mais ganhando

consistecircncia e visibilidade na agenda das autoridades poliacuteticas acadecircmicas e nos

diversos segmentos do sistema educacional constituindo-se importante enquanto

poliacutetica puacuteblica para fortalecer os assentamentos rurais

163

Segundo Casali (2004) as discussotildees em torno da Educaccedilatildeo do Campo tecircm

sido direcionadas aos problemas de infraestrutura como construccedilatildeo de escolas

transporte escolar formaccedilatildeo de professores entre outras questotildees que tecircm provocado

um intenso debate entre os gestores puacuteblicos e os movimentos sociais vinculados aos

modos de vida no campo

O autor supramencionado afirma que para os movimentos sociais a estrutura

fiacutesica natildeo eacute o uacutenico problema da escola do campo A questatildeo eacute mais complexa quando

levados em consideraccedilatildeo os aspectos poliacuteticos e culturais do ensino e da aprendizagem

escolar bem como as especificidades de vida e os modos de organizaccedilatildeo social e

educacional para a populaccedilatildeo do campo

A primeira Conferecircncia Nacional intitulada ldquoPor Uma Educaccedilatildeo Baacutesica do

Campordquo realizada no periacuteodo de 27 a 31 de julho de 1998 na cidade de Luziacircnia

estado de Goiaacutes foi um marco importante para as lutas sociais do campo sendo que a

partir dela constituiacuteram-se alguns princiacutepios baacutesicos que fundamentaram a luta por

escolas do campo Segundo Caldart (2003 p 60)32

satildeo trecircs princiacutepios

[] 1 O campo no Brasil estaacute em movimento Haacute tensotildees lutas

sociais organizaccedilotildees e movimentos de trabalhadores e

trabalhadoras da terra que estatildeo mudando o jeito da sociedade

olhar para o campo e seus sujeitos

2 A Educaccedilatildeo Baacutesica do Campo estaacute sendo produzida neste

movimento nesta dinacircmica social que eacute tambeacutem um

movimento sociocultural de humanizaccedilatildeo das pessoas que dele

participam

3 Existe uma nova praacutetica de Escola que estaacute sendo gestada

neste movimento Nossa sensibilidade de educadores jaacute nos

permitiu perceber que existe algo diferente e que pode ser uma

alternativa em nosso horizonte de trabalhador da educaccedilatildeo de

ser humano

Assim agrave luz dessa concepccedilatildeo pode-se dizer que a emergecircncia assinalada para

a complexidade da Educaccedilatildeo Campo perpassa pela construccedilatildeo de um projeto poliacutetico-

pedagoacutegico que contemple as matrizes culturais sociais e histoacutericas das populaccedilotildees do

campo

Nessa mesma perspectiva compreendemos a dimensatildeo do papel e significado

que os agricultores familiares atribuem agrave Educaccedilatildeo do Campo para o fortalecimento dos

32 Disponiacutevel em lthttpwwwiaufrrjbrppgeaconteudoconteudo-2009-1Educacao-

II3SFA_ESCOLA_DO_CAMPO_EM_MOVIMENTOpdf gt Acesso em 10052015

164

assentamentos rurais de Vila Rica-MT o que pode ser ilustrado a partir da trajetoacuteria de

vida do senhor Ademar que eacute filho de um dos primeiros colonos que migraram para

Vila Rica-MT na deacutecada de 1980 em busca de melhores condiccedilotildees hoje professor

efetivo pela Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo de Vila Rica-MT

[] Olha eacute muito incriacutevel Eu nasci na roccedila estudei na roccedila

me formei morando na roccedila (porque eu jaacute sou formado como

pedagogo) Estudei Pedagogia em moacutedulo nunca precisei

mudar da roccedila e nem tive vontade tipo assim pra ir para uma

faculdade estudar de tempo integral na cidade porque o meu

projeto de vida foi sempre morar na roccedila Hoje faccedilo poacutes-

graduaccedilatildeo em Educaccedilatildeo do Campo E desde quando comecei

na escolinha multisseriada eu jaacute lutava por educaccedilatildeo na roccedila

Fiz parte da nucleaccedilatildeo do processo de nucleaccedilatildeo de escola no

Aracati na eacutepoca Ajudei alavancar a discussatildeo e a criaccedilatildeo

das turmas de 5ordf seacuterie na zona rural de Vila Rica-MT porque a

gente natildeo tinha oferta pois atendiacuteamos ateacute a quarta seacuterie e

como percebemos que chegavam muitos alunos em niacutevel de

estudar a 5ordf e a 6 ordf seacuterie (ENTREVISTA com Ademar

professor e agricultor familiar do assentamento Satildeo Joseacute Vila

Rica-MT 2015 realizada pela autora em setembro de 2015)

Talvez diferentemente de outros relatos de professores das escolas do

campo Ademar nos revela uma trajetoacuteria de vida marcada pelo ideal de estudar e de se

formar sem precisar sair do campo Ele faz do ideal de vida a constante luta pela

permanecircncia no campo luta por escola e pela ampliaccedilatildeo dos estudos de outros

assentados

Ele nos leva a uma reflexatildeo sobre a Educaccedilatildeo do Campo constituiacuteda a

partir da leitura do refratildeo da muacutesica do cantor e compositor Gilvan ldquoNatildeo Vou Sair do

Campordquo a qual se parece como uma bandeira de luta do Movimento Nacional por uma

Educaccedilatildeo do Campo como ldquo[] natildeo vou sair do campo pra poder ir para a escola

Educaccedilatildeo do Campo eacute direito e natildeo esmolardquo

Ao relembrar a sua trajetoacuteria como professor Ademar nos mostra que a

concepccedilatildeo e a funccedilatildeo da Educaccedilatildeo do Campo satildeo construccedilotildees socioculturais Quando

faz uma reavaliaccedilatildeo das accedilotildees dos professores pais alunos e gestores na conduccedilatildeo das

poliacuteticas puacuteblicas ele reconhece que o processo de nucleaccedilatildeo das ldquoescolinhasrdquo pouco

contribuiu para a melhoria da educaccedilatildeo no municiacutepio e tampouco para fortalecer os

assentamentos rurais de Vila Rica-MT Nesse sentido prossegue

165

A partir daiacute comeccedilou em todo o municiacutepio exemplo Cachangaacute

e nos assentamentos Soacute que a partir daiacute a gente comeccedilou a

observar os efeitos da nucleaccedilatildeo Vimos que depois que fecha a

escolinha que fica perto das propriedades ou seja aquela

comunidade fica entristecida e desaminada para continuar

morando no assentamento Aos poucos vai se acabando o

viacutenculo de comunidade e eacute assim que comeccedila o ecircxodo rural

Aqui em Vila Rica-MT a gente sentiu isso a partir da hora que

fechou as escolinhas foi como se saiacutessemos acabando as

comunidades e se comunidade acaba o povo do assentamento

vai se distanciando uns dos outros Pela situaccedilatildeo que vivemos

tenho observado que a escola eacute o espaccedilo de encontro da

comunidade natildeo eacute soacute o espaccedilo de ensinar e aprender os

conteuacutedos escolares a funccedilatildeo eacute para aleacutem disso Voltando agrave

questatildeo da nucleaccedilatildeo lembro que quando sai do assentamento

a escola de laacute tinha uns 150 alunos o Aracati fechou a sua

uacutenica escola e com o tempo possa ser que suma a comunidade

de laacute tambeacutem jaacute que hoje tecircm tatildeo poucas famiacutelias de fato

morando laacute em vista do que era antes Jaacute pensou como

imaginar um assentamento sem uma escola (ENTREVISTA

com Ademar professor e agricultor familiar do assentamento

Satildeo Joseacute Vila Rica-MT 2015 realizada pela autora em

setembro de 2015)

Com base no relato do professor Ademar eacute possiacutevel identificar de maneira

viva como a escola eacute importante para o assentamento rural uma vez que ela tambeacutem se

constitui enquanto espaccedilo de encontro dos agricultores familiares ocasiatildeo em que

dialogam compartilham se organizam e praticam a socializaccedilatildeo de forma mais intensa

Logo quando o professor fala que ldquonatildeo eacute soacute o espaccedilo de ensinar e aprenderrdquo

percebemos as muacuteltiplas funccedilotildees desse espaccedilo chamado Escola do Campo

Diante disso o fechamento de uma escola dentro do assentamento rural tem

significados negativos uma vez que envolve a privaccedilatildeo de oportunidades e qualidade de

vida dos alunos e pais que dependem do transporte escolar para se deslocarem para uma

escola distante Aleacutem disso significa o fechamento de um posto de trabalho do

professor que seraacute igualmente removido Significa ainda desmotivaccedilatildeo para a

comunidade do assentamento rural ao ver perdido um espaccedilo de socializaccedilatildeo e uma

instituiccedilatildeo que representa oportunidade de melhoria de vida para seus moradores

No Brasil historicamente as nucleaccedilotildees das escolinhas satildeo realizadas pelos

gestores da educaccedilatildeo sem levar em conta os interesses e ideais dos pais e dos alunos

sob o discurso que vai melhorar a qualidade do ensino eliminando as turmas muacuteltiplas

(seacuteries fases anos e ciclo)

166

Essa situaccedilatildeo mostra a perda do sentimento de pertencimento entre a escola e

a comunidade distanciando os pais das accedilotildees escolares sem falar da falta de motivaccedilatildeo

por parte dos alunos para com os estudos jaacute que a escola distante das casas aumenta o

percurso para os estudantes

Do relato do professor Ademar destacamos que os sujeitos histoacutericos do

campo exercem um papel importante na conduccedilatildeo das Poliacuteticas Puacuteblicas voltadas agraves

necessidade das populaccedilotildees dos assentamentos rurais A luta eacute permanente pela

universalizaccedilatildeo da educaccedilatildeo como argumenta o mesmo entrevistado

Eu defendo que a escola que serve para os Agricultores

Familiares eacute aquela que fica dentro do assentamento Acredito

que um projeto de assentamento forte eacute aquele que tem uma

escola pensada e construiacuteda em conjunto com aquele povo que

vive ali Agraves vezes fico bastante incomodado com a conduccedilatildeo

que se tem dado para a Educaccedilatildeo do Campo Eacute como se as

poliacuteticas natildeo estivessem sendo executadas no sentido de

melhorar o ensino e a formaccedilatildeo dos jovens no campo Penso

que a gente precisa se preocupar mais com o futuro dos jovens

que vivem nos assentamento A escola e noacutes professores

precisamos trabalhar essas questotildees de forma que surta um

efeito positivo no sentido de motivar os jovens a continuar

morando nos assentamentos Para isso precisamos avanccedilar em

algumas poliacuteticas Vejo que deveremos ser mais incisivos para

que o Estado faccedila a oferta do Meacutedio Teacutecnico integrado e que

essa oferta seja a partir de um curriacuteculo voltado para as

necessidade e particularidades das pessoas que dependem dos

assentamentos rurais como meio de sobrevivecircncia e geraccedilatildeo de

renda (ENTREVISTA com Ademar professor e agricultor

familiar do assentamento Satildeo Joseacute Vila Rica-MT 2015

realizada pela autora em setembro de 2015)

O relato do professor Ademar tambeacutem chama atenccedilatildeo pelo desabafo quanto agrave

forma como estaacute sendo realizada a Educaccedilatildeo do Campo em Vila Rica-MT ldquo[] eacute como

se as poliacuteticas natildeo estivessem sendo executadas no sentido de melhorar o ensino e a

formaccedilatildeo dos jovens no campo Penso que a gente precisa se preocupar mais com o

futuro dos jovens que vivem nos assentamentos []rdquo (ENTREVISTA com Ademar

professor e agricultor familiar do assentamento Satildeo Joseacute Vila Rica-MT 2015 realizada

pela autora em setembro de 2015)

A educaccedilatildeo por si soacute natildeo assegura a permanecircncia dos agricultores familiares

na terra poreacutem quando integrada ao projeto de desenvolvimento do assentamento

tornaraacute o seu fortalecimento possiacutevel

167

Os projetos pedagoacutegicos das escolas do campo devem contemplar as matrizes

culturais do homem do campo considerando a construccedilatildeo a partir da memoacuteria coletiva e

da histoacuterica da comunidade dada por meio da oralidade buscando assim reconstruir e

conservar a cultura da populaccedilatildeo que vive no campo de forma a fazer uma educaccedilatildeo em

prol da cidadania O relato de Ademar traz ainda os princiacutepios que o curriacuteculo da escola

do campo deveria seguir

O curriacuteculo deve contemplar questotildees como agroecologia a

pecuaacuteria de leite a produccedilatildeo orgacircnica Precisamos formar

uma nova consciecircncia entre os jovens visando que estes

passem a enxergar o potencial da Agricultura Familiar Eu sei

disso e penso que vocecirc tambeacutem ateacute porque existem pesquisas

que jaacute comprovaram isso que eu estou lhe falando Eacute o campo

quem sustenta a cidade e natildeo o contraacuterio Se houver falta de

produccedilatildeo nos assentamentos rurais aqui em Vila Rica-MT logo

a cidade sofreraacute um impacto imediatamente As poliacuteticas

puacuteblicas existentes para a populaccedilatildeo rural devem ser de fato

destinadas agrave melhoria das condiccedilotildees de vida eacute para promover

qualidade de vida das pessoas que estatildeo no campo

(ENTREVISTA com Ademar professor e agricultor familiar do

assentamento Satildeo Joseacute Vila Rica-MT 2015 realizada pela

autora em setembro de 2015)

Nessa perspectiva educativa apresentada pelo professor Ademar afirmamos

que eacute um dos principais desafios para a Educaccedilatildeo do Campo consolidar concepccedilotildees e

praacuteticas nos curriacuteculos que integrem as matrizes culturais das populaccedilotildees do campo

O desafio natildeo estaacute restrito apenas agrave parte obrigatoacuteria da Educaccedilatildeo Baacutesica

mas tambeacutem as etapas do Ensino Meacutedio assim como Superior

465 Programa Nacional de Sauacutede no Campo

No Brasil os Programas de Sauacutede Puacuteblica direcionados para a populaccedilatildeo

rural satildeo decorrentes das reivindicaccedilotildees dos movimentos sociais do campo No entanto

quando se debruccedila sobre a literatura nos deparamos com a escassez de pesquisas

voltadas para essa questatildeo sobretudo no que se refere agrave sauacutede nos assentamentos rurais

O foco da pesquisa natildeo eacute a poliacutetica puacuteblica de sauacutede em si mas os efeitos

dela na melhoria da qualidade de vida dos agricultores familiares A Sauacutede Puacuteblica eacute um

dos componentes da bandeira de luta dos movimentos sociais do campo assegurando

que a mesma seja constituiacuteda a partir das especificidades que envolvem os modos e

168

concepccedilotildees do povo do campo A poliacutetica de sauacutede deve levar em consideraccedilatildeo os

saberes tradicionais destes sujeitos histoacutericos Este eacute o caso dos que recorrem

constantemente ao uso de plantas medicinais no tratamento de doenccedilas

A partir da Portaria de nordm 2866 de dezembro de 2011 o Ministeacuterio da Sauacutede

(MS) teve como principal funccedilatildeo estabelecer paracircmetros de funcionamento e regulaccedilatildeo

dos serviccedilos de sauacutede para a populaccedilatildeo do campo partindo dos princiacutepios do Sistema

Uacutenico de Sauacutede (SUS) A Poliacutetica Nacional de Sauacutede Integral das Populaccedilotildees do

Campo e da Floresta (PNSIPCF) define que

[] O MINISTRO DE ESTADO DA SAUacuteDE no uso da

atribuiccedilatildeo que lhe confere o inciso II do paraacutegrafo uacutenico do art

87 da Constituiccedilatildeo considerando os princiacutepios do Sistema

Uacutenico de Sauacutede (SUS) especialmente a equidade a

integralidade e a transversalidade e o dever de atendimento das

necessidades e demandas em sauacutede das populaccedilotildees do campo e

da floresta Considerando o Decreto nordm 7508 de 28 de junho de

2011 que regulamenta a Lei nordm 8080 de 19de setembro de

1990 e dispotildee sobre a organizaccedilatildeo do SUS o planejamento da

sauacutede a assistecircncia agrave sauacutede e a articulaccedilatildeo Interfederativa

especialmente o disposto no art 13 que assegura ao usuaacuterio o

acesso universal igualitaacuterio e ordenado agraves accedilotildees e serviccedilos de

sauacutede do SUS Considerando a Portaria GMMS nordm 2460 de 12

de dezembro de 2005 que instituiu o Grupo da Terra no

Ministeacuterio da Sauacutede com o objetivo de elaborar a Poliacutetica

Nacional de Sauacutede Integral das Populaccedilotildees do Campo e da

Floresta aprovada pelo Conselho Nacional de Sauacutede em 1ordm de

agosto de 2008 Considerando a diretriz do Governo Federal de

reduzir as iniquidades por meio da execuccedilatildeo de poliacuteticas de

inclusatildeo social (MS 2013 p 19)

Nos trechos do texto-base da Poliacutetica Nacional de Sauacutede Integral das

Populaccedilotildees do Campo e da Floresta proposto pelo Ministeacuterio da Sauacutede (2013 p 20)

seu principal objetivo eacute o de promover a sauacutede das populaccedilotildees do campo e da floresta a

partir de accedilotildees que partilhem as particularidades no que se refere a gecircnero cor etnia e

orientaccedilatildeo sexual de forma que facilite o acesso aos serviccedilos de sauacutede E com isso

espera-se que seja diminuiacutedo o iacutendice de ldquo[] riscos e agravos agrave sauacutede decorrente dos

processos de trabalho e das tecnologias agriacutecolas e a melhoria dos indicadores e da

qualidade de vidardquo (BRASIL 2013)

O Ministeacuterio da Sauacutede (2013 p 20) definiu os agricultores familiares

enquanto categoria social como uma populaccedilatildeo que vive no campo e se organiza a

partir dos seguintes princiacutepios

169

[] - (a) natildeo deter a qualquer tiacutetulo aacuterea maior do que 4

(quatro) moacutedulos fiscais b) utilizar predominantemente matildeo-

de-obra da proacutepria famiacutelia nas atividades econocircmicas do seu

estabelecimento ou empreendimento c) ter renda familiar

predominantemente originada de atividades econocircmicas

vinculadas ao proacuteprio estabelecimento ou empreendimento)

dirigir seu estabelecimento ou empreendimento com sua

famiacutelia sendo que incluem-se nesta categoria silvicultores

aquicultores extrativistas e pescadores que preencham os

requisitos previstos nos itens b c e d deste inciso

Nota-se que esse Ministeacuterio recorreu agrave definiccedilatildeo de agricultores familiares

instituiacuteda nas diretrizes nacionais do Pronaf em que essa categoria eacute constituiacuteda a partir

de criteacuterios econocircmicos e da dinacircmica de relaccedilotildees de trabalho e do modo de produccedilatildeo

466 Habitaccedilatildeo

Segundo o Ministeacuterio do Desenvolvimento Agraacuterio (2015) o Programa

Nacional de Habitaccedilatildeo Rural (PNHR) consiste em auxiliar os Agricultores Familiares e

trabalhadores rurais na construccedilatildeo de suas casas Inserido dentro do Programa Nacional

de Habitaccedilatildeo (Minha Casa Minha Vida) eacute financiado pelo Orccedilamento Geral da Uniatildeo ndash

OGU As suas accedilotildees devem ser planejadas e executadas As diretrizes e subsiacutedios dos

demais programas do Governo Federal satildeo destinados ao combate agrave pobreza rural

Sobretudo o Programa Cisternas que tem como objetivo a construccedilatildeo de cisternas nas

propriedades rurais as quais satildeo utilizadas para a captaccedilatildeo e armazenamento de aacutegua

oriunda das chuvas

O recurso do PNHR tem como principal finalidade a ldquo[] aquisiccedilatildeo de

Material de construccedilatildeo conclusatildeo ou reformaampliaccedilatildeo de Unidade Habitacional rural

e de cisternas para a captaccedilatildeo e armazenamento da aacutegua da chuva []rdquo (BRASIL 2010

p05) em que o alvo satildeo as regiotildees onde as chuvas ocorrem com certa irregularidade e

as secas satildeo recorrentes

Em nota divulgada pela Confederaccedilatildeo Nacional dos trabalhadores na

Agricultura ndash CONTAG e outros movimentos sociais como o Movimento dos

Pequenos Agricultores ndash MPA Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra ndash

MST Movimento dos Atingidos por Barragens ndash MAB Movimento Camponecircs Popular

ndash MCP Federaccedilatildeo Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar

170

do Brasil ndash Fetraf ndash (BRASIL 2015 p 1)33

asseguram que o Programa Nacional de

Habitaccedilatildeo Rural criado em 2009 eacute resultado da luta dos movimentos do campo em

que o propoacutesito da nota eacute afirmar que

A preservaccedilatildeo deste Programa passa pelo diaacutelogo estabelecido

no interior do GT Rural com todos os sujeitos envolvidos

Governo Agentes Financeiros e Entidades Organizadoras dos

movimentos representativos do campo e eacute confiando nesse

diaacutelogo que repudiamos o que foi evidenciado pelo INCRA na

uacuteltima reuniatildeo do GT Rural no dia 28 de novembro onde foi

explicitada a intenccedilatildeo de repassar (a partir de janeiro de 2014)

mediante Chamada Puacuteblica a possibilidade de entidades

puacuteblicas e privadas executarem o PNHRA maior parte das

casas de alvenaria foi feita com recursos financiados pelo

INCRA atraveacutes do creacutedito habitaccedilatildeo liberado O recurso

liberado do creacutedito habitaccedilatildeo natildeo foi suficiente para realizar a

construccedilatildeo das casas por completo e com acabamento

necessaacuterio Desta forma algumas casas ficaram inacabadas

necessitando de reboco pintura piso e sanitaacuterio

Para os movimentos do campo eacute necessaacuterio que a equipe de Governo as

Agecircncias de Financiamentos e as entidades de representaccedilatildeo dos Movimentos sociais

mantenham um diaacutelogo permanente entre as partes envolvidas no processo para que se

tenha um resultado satisfatoacuterio na execuccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas para os sujeitos

sociais do campo

Justamente por isso existe uma tentativa de evitar que a construccedilatildeo das casas

destinadas agrave populaccedilatildeo do campo seja bdquoprivatizada‟ ou seja concentrada nas matildeos de

uma soacute entidade seja ela puacuteblica ou privada o que tem se mostrado ldquototalmente

repudiadordquo como possibilidade

Apesar disso eacute notaacutevel o quanto essas poliacuteticas puacuteblicas produziram novos

impactos influenciando diretamente no desenvolvimento dos assentamentos rurais de

Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati fornecendo-lhes melhores condiccedilotildees de vida no

que se refere ao acesso agrave sauacutede educaccedilatildeo moradia e infraestrutura

Todavia percebemos que natildeo haacute uma articulaccedilatildeo entre a organizaccedilatildeo e a

construccedilatildeo de um planejamento estrateacutegico baacutesico para implementar poliacuteticas puacuteblicas

33 Disponiacutevel em

lthttpwwwfetraforgbrsistemackfilesPauta20unitaria20HABITACAO20RURALgt

Acesso em 28102015

171

que pudessem ser implementadas em uma accedilatildeo integrada e envolvendo os diferentes

agentes sociais e assim resolver as supostas fragilidades

Natildeo apreendemos indicativos na reflexatildeo dessas poliacuteticas que conduzem para

a melhoria das condiccedilotildees de produccedilatildeo e possibilidades de comercializaccedilatildeo e circulaccedilatildeo

dos produtos da Agricultura Familiar apontados no capiacutetulo trecircs como um dos

principais desafios dos assentamentos rurais pesquisados

Contudo natildeo se pode perder de vista que satildeo as dificuldades vivenciadas

nesses assentamentos que fazem com que os assentados recorram cada vez mais agrave venda

da forccedila de trabalho nas fazendas ou nos demais setores primaacuterios distanciando-se da

condiccedilatildeo de produtores da Agricultura Familiar e tornando-se compradores de produtos

baacutesicos da alimentaccedilatildeo como arroz feijatildeo mandioca e carnes de aves e porcos

172

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Os estudos e as poliacuteticas relacionadas agrave Agricultura Familiar no Brasil

segundo Abramovay (2006) devem levar em consideraccedilatildeo que esta eacute constituiacuteda a

partir de trecircs niacuteveis distintos em primeiro lugar eacute necessaacuterio fazer um levantamento das

produccedilotildees cientiacuteficas e pesquisas que envolvem a ldquoexpectativa intelectualrdquo os quais natildeo

podem perder de vista a existecircncia de uma grande diversidade nas formas de produccedilatildeo

da Agricultura Familiar brasileira Haacute uma demanda de questotildees a serem analisadas e

um mapeamento a ser elaborado frente agrave vasta literatura e pesquisas realizadas sobre a

diversidade do universo da Agricultura Familiar considerando as diferentes

experiecircncias dos sujeitos histoacutericos que a vivenciam Somente a partir dessa postura

intelectual seraacute possiacutevel estabelecer uma estimativa da potencialidade econocircmica dos

assentamentos rurais do Brasil

O segundo niacutevel ao qual se refere Abramovay (2006) seria a implantaccedilatildeo

das poliacuteticas puacuteblicas que se intensificaram a partir da criaccedilatildeo do Pronaf inter-

relacionadas com outras poliacuteticas puacuteblicas e programas sociais que contribuiacuteram para a

eficiecircncia dos assentamentos rurais nesse novo modelo de organizaccedilatildeo social no campo

A partir da deacutecada de 1990 as accedilotildees foram intensificadas com a criaccedilatildeo dos projetos de

assentamentos rurais resultantes do Programa de Reforma Agraacuteria do Governo Federal

Natildeo se pode negar que tanto estas como um conjunto de outras poliacuteticas

tiveram um papel fundamental no processo de geraccedilatildeo de diferentes demandas

Surgiram novas oportunidades de reocupaccedilatildeo das terras e de invenccedilatildeo de novas praacuteticas

para milhares de famiacutelias que estavam totalmente desprovidas de capital e dos meios de

produccedilatildeo para garantir a sua reproduccedilatildeo social enquanto agricultores familiares

Outra questatildeo tratada pelo autor estaacute relacionada ao plano social A

Agricultura Familiar no Brasil corresponde ao processo contiacutenuo de aptidatildeo de

elementos que arrastam os ldquoarranjosrdquo dos movimentos sociais e sindicais que tecircm como

princiacutepio de organizaccedilatildeo a luta pela posse da terra visando a afirmaccedilatildeo em que a

ascensatildeo e o desenvolvimento econocircmico de um determinado territoacuterio dar-se-aacute

somente por meio do fortalecimento e da consolidaccedilatildeo da Agricultura Familiar

Tais questotildees demonstram a importacircncia das poliacuteticas puacuteblicas para a

manutenccedilatildeo a reproduccedilatildeo social e o fortalecimento da Agricultura Familiar destacando

173

que essa forma de produccedilatildeo eacute fundamental para o desenvolvimento regional sobretudo

para o fornecimento de alimentos

A eliminaccedilatildeo da Agricultura Familiar eacute uma preocupaccedilatildeo recorrente entre os

teoacutericos da Questatildeo Agraacuteria Ao analisar o processo de expansatildeo da soja em Mato

Grosso Barrozo (2010 p 45) considera que apesar do Estado se destacar como o

celeiro do Brasil sobretudo na produccedilatildeo e exportaccedilatildeo de gratildeos e algodatildeo ldquo[] para

onde iratildeo os milhares de Agricultores Familiares sem capital sem escolarizaccedilatildeo e sem

qualificaccedilatildeo teacutecnicaprofissional que ainda permanecem no campordquo

Algumas reflexotildees e concepccedilotildees apresentadas por Barrozo (2010) e

Abramovay (2006) subsidiaram as anaacutelises relativas agrave compreensatildeo dos problemas que

perpassam a Questatildeo Agraacuteria atual no Brasil e especificamente nos assentamentos

rurais de Vila Rica-MT e dos seus agricultores familiares Diante desse cenaacuterio analisar

as Poliacuteticas Puacuteblicas oriundas de demandas dos movimentos sociais Sindicatos dos

Trabalhadores Rurais e diferentes agentes histoacutericos tornou-se fundamental para

compreender o universo da Agricultura Familiar no municiacutepio de Vila Rica-MT nas

deacutecadas de 1990 a 2010

Esta pesquisa ajudou-nos compreender que os estudos sobre os assentamentos

rurais devem ser problematizados no sentido de se pensar a complexidade do processo

de sua criaccedilatildeo uma vez que eles natildeo foram instituiacutedos apenas enquanto um ato

administrativo do INCRA criando o assentamento rural e selecionando as famiacutelias que

seriam beneficiadas Os assentamentos rurais de Vila Rica-MT resultaram dos conflitos

e demandas sociais envolvendo diferentes atores histoacutericos que lutaram pelo direito de

acesso agrave terra Dos oito assentamentos rurais de Vila Rica apenas um foi planejado

pelo INCRA Todos os demais resultaram da reocupaccedilatildeo espontacircnea da terra pelos

posseiros

Outra questatildeo que nos chamou atenccedilatildeo na pesquisa foi o processo de

transformaccedilatildeo da situaccedilatildeo de posseiros para a de agricultores familiares lembrando que

agricultor familiar eacute uma categoria social instituiacuteda a partir da criaccedilatildeo do Programa de

Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) Considera-se agricultores familiares as

famiacutelias que trabalham em atividades rurais que natildeo possuem aacutereas acima de que 4

(quatro) moacutedulos fiscais A maioria utiliza matildeo de obra da proacutepria famiacutelia na produccedilatildeo

174

econocircmica do lote detendo um percentual da renda familiar originada de atividades

econocircmicas do seu estabelecimento ou empreendimento (INCRA 2006)

No caso de Vila Rica vaacuterios dos colonos que compraram terra da

Colonizadora Vila Rica-MT sofreram uma transformaccedilatildeo significativa alguns perderam

essa terra e se tornaram posseiros ao ocupar uma nova aacuterea Muitos colonos perderam a

terra porque natildeo conseguiram pagar a diacutevida com o Banco do Brasil contraiacuteda para

financiar a compra dos lotes e instrumentos utilizados nas atividades agriacutecolas A perda

da terra obrigou tais colonos a trabalhar como assalariados sendo que parte deles

ocupou terras na aacuterea dos assentamentos rurais Bom Jesus e Santo Antocircnio do Beleza

regularizada posteriormente pelo INCRA e seus ocupantes se tornaram agricultores

familiares sobretudo ao acessar o Pronaf

Consideramos importante destacar que os assentamentos rurais do municiacutepio

de Vila Rica-MT revelam-se produtivos e promissores do desenvolvimento regional

assumindo um lugar de destaque na economia local sobretudo no que se refere agrave

produccedilatildeo de leite

No mais destaca-se que os assentamentos rurais de Vila Rica e do Araguaia

Mato-grossense satildeo espaccedilos carentes de outras pesquisas e reflexotildees sobre a

importacircncia da Agricultura Familiar no que diz respeito agrave seguranccedila alimentar da aacuterea e

que natildeo foi foco da presente pesquisa

175

REFEREcircNCIAS

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Page 3: A transformação de posseiros em agricultores familiares ... do...Prof.ª Dr.ª Regina Beatriz Guimarães Neto. Área de concentração: Linha de pesquisa: Territórios, Temporalidade

S676t Soares Lima Maria do Rosaacuterio

A TRANSFORMACcedilAtildeO DE POSSEIROS EM AGRICULTORES FAMILIARES HISTOacuteRIA E MEMOacuteRIA DA REOCUPACcedilAtildeO DE VILA RICA-MT (1980- 2010) Maria do Rosaacuterio Soares Lima -- 2016 179 f

il color 30 cm

Orientador Joatildeo Carlos Barrozo Co-orientador Regina Beatriz Guimaratildees Neto Dissertaccedilatildeo (mestrado) - Universidade Federal de Mato Grosso Instituto de Ciecircncias

Humanas e Sociais Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria Cuiabaacute 2016 Inclui bibliografia

1 Histoacuteria 2 Agricultura Familiar 3 Mato Grosso 4 Vila Rica 5 Araguaia I Tiacutetulo

AGRADECIMENTOS

Na realizaccedilatildeo desse trabalho foram muitos os caminhos percorridos muitas

idas e vindas e muitas pessoas encontradas as quais me legaram oacutetimas contribuiccedilotildees

aprendizados e liccedilotildees que foram fundamentais na construccedilatildeo da minha trajetoacuteria

acadecircmica Por isso sou imensamente grata pela a colaboraccedilatildeo direta e indireta dessas

pessoas assim como o apoio das instituiccedilotildees sem as quais certamente eu natildeo teria

conseguido concluiacute-la Manifesto a minha gratidatildeo a todas elas e de forma especial

- Agrave Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) atraveacutes do Programa de

Poacutes Graduaccedilatildeo em Histoacuteria

- Ao meu orientador Professor Joatildeo Carlos Barrozo pela paciecircncia

conhecimento compreensatildeo e amizade na conduccedilatildeo dos trabalhos e na superaccedilatildeo dos

desafios

- Ao professor Joatildeo Ivo Puhl e agrave professora Regina Beatriz (minha co-

orientadora) que participaram das bancas de qualificaccedilatildeo e defesa de dissertaccedilatildeo pelas

importantes contribuiccedilotildees e sugestotildees para melhoria do trabalho

- Aos professores Leandro Rust Renilson Rosa Ribeiro Joanoni Vitale Neto

Joseacute Manuel Marta Osvaldo Machado Filho e a Thaiacutes Leatildeo Oliveira os quais me

possibilitaram boas aprendizagens atraveacutes das disciplinas que ministraram no periacuteodo

em que frequentei as aulas do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria da UFMT

- Aos colegas do mesmo Programa agradeccedilo pelo privileacutegio da convivecircncia

Foi muito bom partilhar conhecimentos e experiecircncias alegrias anguacutestias e materiais

nos ricos debates em sala de aula e tambeacutem nos momentos de descontraccedilatildeo nos

trabalhos em grupo E agradeccedilo em especial agrave Juliana Cristina Rosa uma grande amiga

que o Mestrado me proporcionou Obrigada ldquoJurdquo pelas conversas e pelos trabalhos

produzidos em conjunto

- Agrave Secretaria de Estado de Educaccedilatildeo de Mato Grosso (SeducndashMT) via a

minha unidade de lotaccedilatildeo profissional - Escola Estadual Vila Rica por viabilizar a

minha Licenccedila para a qualificaccedilatildeo profissional

- Aos profissionais da Escola Estadual Vila Rica por compartilharem comigo

os saberes e o exerciacutecio da docecircncia na Educaccedilatildeo Baacutesica Milene Medeiros de Oliveira

Vacircnia Horner Izaildes Cacircndida Aline Flores Raquel Nascimento Franciani

Gaspareto Eduardo Cavalcante Joseacute Adelson Claudete e Deusdeste Vasconcelos

Iraneide Dorcas Diolina Edileusa Maria Joseacute Ceacutelia Maria Vando Cristiana Aragatildeo

Fabiane Rizzardo Iadne Teodoro Wilson Sirino Socorro Gomes Eliezer e os demais

amigos e colegas de trabalho

- Ao Coletivo do Foacuterum Permanente de Debates da Educaccedilatildeo de Jovens e

Adultos ndash Araguaia - Xingu em especial ldquoagraves minhas irmatildes de coraccedilatildeordquo Ceacutelia Ferreira

Edineth Franccedila e Terezinha de Jesus

- Agrave Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat) atraveacutes do Programa

Parceladas e ao Campus Universitaacuterio do Meacutedio Araguaia por permitir que eu

conciliasse as atividades do mestrado com as atividades profissionais

- Aos acadecircmicos do curso de Ciecircncias Sociais- UNEMAT ldquomeus projetos

de cientistas sociaisrdquo sou eternamente grata pelo carinho e apoio que me

proporcionaram A nossa convivecircncia tornou-me uma pessoa melhor

- Aos meus colegas de trabalho da UNEMAT Luis Antonio Barbosa Soares

Neures Batista de Paula Andreacuteia da Silva Feitosa Faacutebio Junio Ribeiro Faacutebio

Bombarda Analucia Ribeiro de Souza Dimas Santana Neves Flaacutevio Luiz de Paula

Jackson Joseacute Carlos de Lima Renata Cristina Diva e Socorro Arauacutejo

- Aos meus familiares (Laura Beatriz Joatildeo Pedro Carlos Augusto Vocirc

Raimundo Abratildeo Edival Edith Elcivam Erivaldo Ivone Lourival Irene Carlos

Pitaacutegoras Dayane Gabriela Milena Sara e Eduardo) E a minha famiacutelia estendida

(Nonato Gracy Edson Flaacutevio Cida Elena Brizola Denilson Lucia Helena e Tunico)

pelo carinho e a solidariedade dedicada aos meus filhos

Aos Agricultores Familiares dos assentamentos rurais (Bom Jesus Satildeo Joseacute

Satildeo Gabriel Ipecirc Itaporatilde do Norte Alvorada Aracati e Santo Antocircnio do Beleza) e aos

movimentos sociais de luta pela terra no Araguaia mato-grossense em especial ao

Sindicato dos Trabalhadores Rurais do municiacutepio de Vila Rica-MT

Aos meus filhos Laura Beatriz Lima Joatildeo Pedro Lima Bailatildeo e Carlos

Augusto Lima Bailatildeo

Por onde passei plantei a cerca farpada plantei a queimada

Por onde passei plantei a morte matada

Por onde passei matei a tribo calada a roccedila suada a terra esperada

Por onde passei tendo tudo em lei eu plantei o nada

(Pedro Casaldaacuteliga- Confissotildees do latifuacutendio 2006)

RESUMO

Este texto tem como propoacutesito apresentar algumas reflexotildees sobre a formaccedilatildeo dos

assentamentos rurais do municiacutepio de Vila Rica-MT atraveacutes da luta pela terra na deacutecada

de 1990 e as posteriores transformaccedilotildees e a na consolidaccedilatildeo da Agricultura Familiar

correlacionada com Poliacuteticas Puacuteblicas como o Pronaf Mas para atingir esse objetivo

foi necessaacuterio analisar como a luta pela terra se deu em todo o espaccedilo do Araguaia

mato-grossense fronteira de expansatildeo nas deacutecadas de 1950 em duas frentes a primeira

foi realizada por empresas colonizadoras que elaboraram projetos e executaram a

construccedilatildeo de cidades e venda das terras dos municiacutepios de Confresa e Vila Rica a

segunda atraveacutes de empresas agropecuaacuterias que se apropriaram de terras e tiveram

acesso agrave incentivos fiscais e recursos de projetos junto agrave Sudam Logo para

compreender como ocorreu a formaccedilatildeo dos assentamentos rurais de Vila Rica-MT foi

preciso analisar a formaccedilatildeo de fazendas e empresas agropecuaacuterias que apoacutes o fim dos

incentivos fiscais se tornaram improdutivas e que seus ldquoproprietaacuteriosrdquo criaram

estrateacutegias de comercializar as terras junto ao INCRA utilizando para isso a forma de

desapropriaccedilatildeo para a formaccedilatildeo de assentamentos rurais Paralelamente os posseiros

em meio agrave luta pela terra adotaram estrateacutegias de reocupaccedilatildeo dessas aacutereas para depois

solicitar junto ao oacutergatildeo competente a regularizaccedilatildeo fundiaacuteria dos lotes conquistados

Dentro dessa configuraccedilatildeo social o municiacutepio de Vila Rica-MT formou em seu

territoacuterio oito assentamentos rurais dos quais quatro (Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Aracaty e

Ipecirc) tiveram uma anaacutelise mais aprofundada a partir de dados quantitativos coletados

pela Empaer que demonstram algumas tendecircncias sobre as condiccedilotildees de vida renda

produccedilatildeo comercializaccedilatildeo dentre esses posseiros que com a regularizaccedilatildeo da terra e o

acesso ao Pronaf se tornaram agricultores familiares e responsaacuteveis por uma

significativa produccedilatildeo de leite e gado de corte na aacuterea Para compreender toda essa

complexa transformaccedilatildeo foi utilizada fontes documentais e orais que forneceram

elementos para uma anaacutelise sobre esse processo

Palavras-chave Histoacuteria Agricultura Familiar Mato Grosso Vila Rica Araguaia

RESUMEN

Este texto tiene como objetivo presentar un ejercicio de reflexioacuten sobre la formacioacuten de

los Asentamientos Rurales de Vila Rica-MT Estas reflexiones se derivan de una

investigacioacuten en curso denominado reocupacioacuten de tierras en el periacuteodo

contemporaacuteneo en el norte de Araguaia micro-regioacuten en el estado de Mato Grosso

Esta investigacioacuten tuvo como objetivo comprender el proceso de formacioacuten de los

Asentamientos Rurales en el municipio de Vila Rica-MT en el periacuteodo de 1980 a 2015

Habiacutea estudiado la historia de los asentamientos rurales de Vila Rica tambieacuten significa

la comprensioacuten de la historicidad de la lucha por el proceso de la tierra en el estado de

Mato Grosso ya que esta ciudad (Vila Rica) no surge espontaacuteneamente Nacido en un

contexto se produjeron en la regioacuten de Araguaia a la altura del proceso de reocupacioacuten

dos frentes los proyectos agriacutecolas financiados proyectos Sudam y colonizacioacuten

privada lo que dio lugar a la formacioacuten de otros municipios asiacute como Vila Rica como

Confresa Agua Boa y Canarana En este periacuteodo el norte del estado de Mato Grosso

convertido en el objetivo de la inversioacuten de los grupos empresariales del sur y sureste

del paiacutes el estado transferido al sector privado a la funcioacuten para reordenar la nueva

ocupacioacuten de estos espacios A partir de los datos recogidos construir un marco que

permita la identificacioacuten de las diferentes formas de ocupacioacuten y la reocupacioacuten de la

tierra asiacute como los tipos de uso y disentildeo de la funcioacuten de los asentamientos rurales en la

regioacuten de Araguaia Establecer una relacioacuten de este evento con las otras regiones del

estado en relacioacuten con las poliacuteticas de tenencia de la tierra en la ocupacioacuten previa a la

solucioacuten y la presencia de proyectos agriacutecolas la colonizacioacuten privada y asentamientos

rurales El municipio de Vila Rica comenzoacute con los proyectos agriacutecolas luego se

transformoacute en proyecto de colonizacioacuten privada y finalmente creoacute 08 asentamientos

rurales Estos objetivos se exponen en las cadenas de produccioacuten de la regioacuten de los

impactos de las poliacuteticas puacuteblicas implementadas en las deacutecadas 1990-2000 Se hace

hincapieacute en que esta investigacioacuten tambieacuten busca identificar la influencia del Programa

de Fortalecimiento de la Agricultura Familiar (Pronaf) en el desarrollo de los

asentamientos rurales de Villa Rica

Palabras clave Historia reocupacioacuten de tierras en Araguaia Vila Rica-MT

Asentamientos Rurales

LISTA DE ILUSTRACcedilOtildeES

Figura 01 - Mapa de Propaganda da Colonizadora Vila Rica 34

Figura 02 - Folder de propaganda da Colonizadora Vila Rica 38

Figura 03 - Planta ou Protejo Urbaniacutestico da cidade de Vila Rica 40

Figura 04 - Croqui de localizaccedilatildeo das fazendas 53

Figura 05 - Carta do Sindicato dos Trabalhadores de Vila Rica ao INCRA (1990) 69

Figura 06 - Carta da Alemanha 83

Figura 07 - Documento de denuacutencia de ameaccedila de morte de posseiro 86

Figura 08 - Fotografias dos Teacutecnicos da Empaer em visita aos assentamentos rurais 98

Figura 09 - Fotografias da Apresentaccedilatildeo do Programa de Ates 98

Figura 10 - Fotografias de corpos d‟aacutegua e mata ciliar 131

Figura 11- Fotografias das aacutereas de pastagens nos Assentamentos Rurais 132

Figura 12 - Fotografias das Estradas dos Assentamentos Rurais 134

Figura 13 - Croqui do Assentamento Rural Satildeo Joseacute 134

Figura 14 - Croqui do Assentamento Rural Satildeo Gabriel 135

Figura 15 - Croqui do Assentamento Rural Ipecirc 135

Figura 16 - Croqui Assentamento Rural Aracat 136

Figura 17 - Graacutefico com dados da evoluccedilatildeo dos creacuteditos Pronaf 152

Figura 18 - Graacutefico com dados da distribuiccedilatildeo dos creacuteditos Pronaf 152

LISTA DE TABELA

Tabela 1 assentamentos rurais de Vila Rica-MT 66

Tabela 2 Produtos que satildeo destinados a Alimentaccedilatildeo da Famiacutelia 104

Tabela 3 Faixa etaacuteria dos assentados 105

Tabela 4 Escolaridade dos assentados 106

Tabela 5 Presenccedila de energia eleacutetrica nos assentamentos rurais 108

Tabela 6 Fonte de Aacutegua nos assentamentos rurais 109

Tabela 7 Qualidade da aacutegua nos assentamentos rurais 110

Tabela 8 Frequecircncia da realizaccedilatildeo de exames de sauacutede 111

Tabela 9 Acesso aos serviccedilos de sauacutede 111

Tabela 10 Uso do remeacutedio caseiro 112

Tabela 11 Nuacutemero de assentados que declararam morar no assentamento rural 112

Tabela 12 Percentual de participaccedilatildeo da Renda dos assentados 117

Tabela13 Produccedilatildeo agriacutecola (em Kg) 117

Tabela 14 Assentados que praticam Culturas de Subsistecircncia 118

Tabela 15 Tipo de pecuaacuteria explorada por propriedade (famiacutelias) 118

Tabela 16 Frequecircncia do consumo de proteiacutena animal na alimentaccedilatildeo 119

Tabela 17 Dados de produccedilatildeo de leite por nordm de vacas 119

Tabela 18 Nuacutemero de Famiacutelia e Resfriamento do leite 120

Tabela 19 Comercializaccedilatildeo da Produccedilatildeo dos assentamentos 121

Tabela 20 Associativismo no Aracati Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel e Ipecirc 121

Tabela 21 Tipos de preparo do solo por nordm de famiacutelias 124

Tabela 22 Tipos de sementes cultivadas nos assentamentos rurais 124

Tabela 23 Tipos de plantio cultivados nos assentamentos rurais 125

Tabela 24 Tipo de adubaccedilatildeo do solo realizado pelos assentados por famiacutelia 125

Tabela 25 Conservaccedilatildeo do solo (por nuacutemero de Famiacutelias) 126

Tabela 26 Rotaccedilatildeo de Culturas nos assentamentos rurais 126

Tabela 27 Tipo de combate agraves pragas (por nuacutemero de famiacutelias) 127

Tabela 28 Tipo de lavagem triacuteplice de embalagens vazias de agrotoacutexicos 127

Tabela 29 Destino das embalagens de agrotoacutexicos vazias 128

Tabela 30 Tipo de colheita por famiacutelia 128

Tabela 31 Tipo de armazenamento da produccedilatildeo (por nuacutemero de famiacutelia) 129

Tabela 32 Situaccedilatildeo de degradaccedilatildeo de solo nos assentamentos rurais 129

Tabela 33 Existecircncia de nascentes sem proteccedilatildeo (nuacutemero de propriedades) 130

Tabela 34 Existecircncia de degradaccedilatildeo de matas ciliares 130

Tabela 35 Situaccedilatildeo de degradaccedilatildeo das pastagens (por nuacutemero de propriedade) 131

Tabela 36 Uso de fogo no manejo do solo (por propriedade) 132

Tabela 37 Creacutedito Rural - nordm de Famiacutelia 154

Tabela 38 Finalidade do Creacutedito Rural - nordm de Famiacutelias 155

Tabela 39 Tipo de Pronaf por nuacutemero de Famiacutelias 155

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ATER ndash Assistecircncia Teacutecnica e Extensatildeo Rural

Ates ndash Programa de Assessoria Teacutecnica Social e Ambiental agrave Reforma Agraacuteria

Bndes ndash Banco Nacional de Desenvolvimento

CNA ndash Confederaccedilatildeo Nacional da Agricultura

CNBB ndash Conferencia Nacional dos Bispos do Brasil

CONAB ndash Campanha Nacional de Abastecimento

CONTAG ndash Confederaccedilatildeo Nacional dos Trabalhadores da Agricultura

CPT ndash Comissatildeo Pastoral da Terra

CUT ndash Central Uacutenica dos trabalhadores

DNT ndash Departamento Nacional dos Trabalhadores da CUT

Embrapa ndash Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuaacuteria

Empaer ndash Empresa Mato-Grossense de Pesquisa e Extensatildeo Rural SA

Febraban - Federaccedilatildeo Brasileira de Bancos

Fetag ndash Federaccedilatildeo dos Trabalhadores na Agricultura

Fetraf ndash Federaccedilatildeo dos Trabalhadores e Trabalhadores na Agricultura Familiar

GESTAR ndash Projeto Nacional de Gestatildeo Ambiental Rural

IBGE ndash Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica

INCRA ndash Instituto Nacional de Colonizaccedilatildeo e Reforma Agraacuteria

Indea ndash Instituto de Defesa Agropecuaacuteria de Mato Grosso

IPAM ndash Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazocircnia

MAB ndash Movimento dos Atingidos por Barragens

MCP ndash Movimento Camponecircs Popular

MDA ndash Ministeacuterio do Desenvolvimento Agraacuterio

Mercosul ndash Mercado Comum do Sul

MMA ndash Ministeacuterio do Meio Ambiente

MME ndash Ministeacuterio de Minas e Energia

MPA ndash Movimento dos Pequenos Agricultores

MS ndash Ministeacuterio de Sauacutede

MST ndash Movimentos dos Trabalhadores Sem-Terra

OGU ndash Orccedilamento Geral da Uniatildeo

PA ndash Projeto de Assentamento

PAA ndash Programa Nacional de Aquisiccedilatildeo de Alimentos

Pda ndash Plano de Desenvolvimento de Assentamento Rural

PTDRS ndash Plano Territorial de Desenvolvimento Rural Sustentaacutevel do Territoacuterio Rural

PNAE ndash Programa Nacional de Alimentaccedilatildeo Escolar

PNHR ndash Programa Nacional de Habitaccedilatildeo Rural

PNSIPCF - Poliacutetica Nacional de Sauacutede Integral das Populaccedilotildees do Campo e da Floresta

Pronaf - Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura

Proterra ndash Programa de Redistribuiccedilatildeo de Terras e de Estiacutemulo agrave Agroinduacutestria do

Norte

Provape ndash Programa de Valorizaccedilatildeo da Pequena Produccedilatildeo Rural

Sebrae ndash Serviccedilo Brasileiro de Apoio o Micro e Pequenas Empresas

Senai ndash Serviccedilo Nacional de Aprendizagem Industrial

Senar ndash Serviccedilo Nacional de Aprendizagem Rural

Servap ndash Serviccedilo Auxiliares da Agropecuaacuteria

SNCR ndash Sistema Nacional de Credito Rural

STR ndash Sindicato dos Trabalhadores Rurais

Sudam ndash Superintendecircncia de Desenvolvimento da Amazocircnia

SUS ndash Sistema Uacutenico de Sauacutede

UDR ndash Uniatildeo Democraacutetica Ruralista

SUMAacuteRIO

INTRODUCcedilAtildeO 16

1 A QUESTAtildeO AGRAacuteRIA EM MATO GROSSO HISTOacuteRIA OCUPACcedilAtildeO E

REOCUPACcedilAtildeO DO ARAGUAIA MATO-GROSSENSE 24

11 A reocupaccedilatildeo pelas agropecuaacuterias e empresas colonizadoras Anos de 1960 a 1980

27

12 A criaccedilatildeo e emancipaccedilatildeo do municiacutepio de Vila Rica-MT 33

121 O papel das instituiccedilotildees e oacutergatildeo puacuteblicos as empresas agropecuaacuterias e a

colonizadora 49

122 A Servap e a abertura das fazendas Promissatildeo Satildeo Marcos Aracatiacute e Porongaba

52

13 Anos de 1980 a 1990 o Araguaia e a formaccedilatildeo dos assentamentos rurais 55

2 MEMOacuteRIAS DA REOCUPACcedilAtildeO HISTORICIZANDO OS

ASSENTSAMENTOS RURAIS DE VILA RICA-MT (1980-2010) 65

21 A transformaccedilatildeo das fazendas agropecuaacuterias em assentamentos rurais atraveacutes da luta

pela terra 65

22 Os assentamentos rurais de Vila Rica ndash MT 71

221 O Assentamento Rural Satildeo Joseacute 73

222 O Assentamento Rural Ipecirc 79

223 O Assentamento Rural Aracati 82

224 O Assentamento Rural Satildeo Gabriel 84

225 O Assentamento Rural Itaporatilde do Norte 86

226 O Assentamento Rural Bom Jesus 87

227 O Assentamento Rural Santo Antocircnio do Beleza 93

228 O Assentamento Rural Alvorada 94

Consideraccedilotildees gerais sobre os assentamentos de Vila Rica-MT 95

3 SITUACcedilAtildeO SOCIOECONOcircMICA DOS ASSENTAMENTOS SAtildeO JOSEacute SAtildeO

GABRIEL IPEcirc E ARACATI (2006-2010) 97

31 Os assentamentos rurais na perspectiva do Projeto de Assessoria Teacutecnica Social e

Ambiental agrave Reforma Agraacuteria ndash Ates 99

32 O perfil dos assentados gecircnero idade e escolaridade 101

321 Diferenciaccedilatildeo de Gecircneros predominacircncia masculina e papel da mulher 102

322 Perfil etaacuterio indicadores de uma populaccedilatildeo envelhecida 104

323 Perfil de escolaridade dos assentados 106

33 As Condiccedilotildees de vida nos assentamentos rurais luz eleacutetrica aacutegua sauacutede moradia e

infraestrutura 107

331 Energia Eleacutetrica 108

332 Aacutegua 108

333 Sauacutede 110

334 Moradia 112

335 Infraestrutura equipamentos e Tecnologias 113

34 A Produccedilatildeo a renda comercializaccedilatildeo e circulaccedilatildeo da Agricultura Familiar 116

341 A renda nos quatro Projetos de assentamentos rurais de Vila Rica-MT 116

342 Atividades Agriacutecolas a produccedilatildeo econocircmica e a de subsistecircncia 117

343 Pecuaacuteria e criaccedilatildeo de pequenos animais 118

344 Comercializaccedilatildeo e Associativismo 120

35 Teacutecnicas e niacutevel tecnoloacutegico dos assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e

Aracati 123

351 Teacutecnicas de uso do Solo plantio combate de pragas colheita 124

36 A questatildeo ambiental nos assentamentos rurais de Vila Rica-MT 129

37 Algumas consideraccedilotildees sobre os impactos de poliacuteticas puacuteblicas nos assentamentos

Satildeo Joseacute satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati 133

4 AS POLIacuteTICAS PUacuteBLICAS NOS ASSENTAMENTOS SAtildeO JOSEacute SAtildeO

GRABRIEL IPEcirc E ARACATI 139

41 O debate sobre o Pronaf 139

42 O papel dos Movimentos sociais na criaccedilatildeo do Programa Nacional de

Fortalecimento da Agricultura Familiar na deacutecada de 1990 143

43 O Pronaf e seus objetivos 146

44 O Pronaf no Araguaia mato-grossense 148

45 O Pronaf nos assentamentos Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati 154

46 Outras Poliacuteticas Puacuteblicas nos assentamentos Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati 155

461 Programa Luz para todos 156

462 Arco Verde questatildeo ambiental 158

463 Programa Balde Cheio 160

464 Programas de Educaccedilatildeo Formaccedilatildeo Profissional e Teacutecnica do assentado 162

465 Programa de Sauacutede no Campo 167

466 Programa Nacional de Habitaccedilatildeo 169

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 172

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 175

16

INTRODUCcedilAtildeO

Em tempos diversos muitas foram as razotildees que moveram pesquisadores na

aacuterea da histoacuteria a desenvolver estudos em torno de questotildees fundamentais para

compreensatildeo do homem no tempo e suas formas de organizaccedilatildeo as quais se aproximam

e se distanciam no tocante a suas formas de abranger fenocircmenos que circularam em um

ou outro grupo social este ou aquele projeto de sociedade Em suas entranhas as

relaccedilotildees de forccedilas estabelecidas para sua fundaccedilatildeo consolidaccedilatildeo e transformaccedilatildeo

pendulando do individual ao coletivo do solitaacuterio ao solidaacuterio em uma complexa teia

ancorada em seus atores sociais e respectivos projetos de vida O mundo rural apresenta

diversidades e especificidades que igualmente moveram pesquisas e reflexotildees

historiograacuteficas No entanto tratando-se de assentamentos rurais no periacuteodo poacutes 1964

satildeo poucos os estudos historiograacuteficos que abordam esse tipo de organizaccedilatildeo social e

poliacutetica atraveacutes de estudos de caso

Diante dessa carecircncia historiograacutefica sobre a temaacutetica a presente pesquisa

teve por objetivo principal a compreensatildeo da formaccedilatildeo e o processo de

desenvolvimento dos assentamentos rurais do municiacutepio de Vila Rica-MT A partir

desse estudo foi possiacutevel identificar que a luta pela terra implementada pelos atores

sociais na condiccedilatildeo de colonos posseiros atrelada agrave regularizaccedilatildeo fundiaacuteria e ao acesso

agraves poliacuteticas puacuteblicas como eacute o caso do Programa Nacional de Fortalecimento da

Agricultura Familiar (Pronaf) possibilitou a transformaccedilatildeo dos mesmos em agricultores

familiares

Para tanto foi problematizado o papel e a atuaccedilatildeo das instituiccedilotildees e oacutergatildeos

puacuteblicos como o Instituto Nacional de Colonizaccedilatildeo e Reforma Agraacuteria (INCRA) o

Ministeacuterio do Desenvolvimento Agraacuterio (MDA) o Banco do Brasil (BB) a Empresa

Mato-grossense de Pesquisa e Extensatildeo Rural SA (Empaer) e a Prefeitura Municipal de

Vila Rica aleacutem de movimentos sociais da sociedade civil como o Sindicato dos

Trabalhadores Rurais (STR) de Vila Rica-MT dada a importacircncia do seu envolvimento

Destacamos em particular a Comissatildeo Pastoral da Terra (CPT) a Prelazia de Satildeo Feacutelix

do Araguaia o Sindicato dos Trabalhadores Rurais e as Associaccedilotildees de Pequenos

Produtores Rurais Consideramos que para intensificar a anaacutelise foi necessaacuterio abordar

as accedilotildees e estrateacutegias dos atores sociais envolvidos na luta pela terra especialmente nos

17

momentos de adaptaccedilatildeo ou utilizaccedilatildeo de tais oacutergatildeos e instituiccedilotildees para cumprir seus

objetivos o acesso e a permanecircncia na terra

Natildeo temos a pretensatildeo de esgotar o assunto tampouco construir teses

aligeiradas sobre as comunidades e grupos sociais formados no municiacutepio de Vila Rica-

MT mas sim na trilha da anaacutelise soacutecio-histoacuterica compreender a formaccedilatildeo e o processo

de desenvolvimento dos assentamentos rurais do municiacutepio de Vila Rica-MT

problematizando o papel e a atuaccedilatildeo das instituiccedilotildees e entidades da sociedade civil

aleacutem dos oacutergatildeos puacuteblicos

Gostariacuteamos de esclarecer que as anaacutelises partem de uma posiccedilatildeo social de

moradora educadora e participante de movimentos sociais do Araguaia O

conhecimento empiacuterico dos problemas locais permitiu a formulaccedilatildeo de questotildees

fundamentadas em aspectos pouco estudados assim como perceber a necessidade de a

populaccedilatildeo formular reflexotildees sobre os assentamentos rurais e a Agricultura Familiar

num contexto onde existe um evidente avanccedilo da agricultura moderna e do agronegoacutecio

Com base em algumas experiecircncias vividas elaboramos questotildees

consideradas como significativas para problematizar as condiccedilotildees e circunstacircncias sob

as quais se deram a formaccedilatildeo e a consolidaccedilatildeo dos assentamentos rurais em Vila Rica-

MT As questotildees norteadoras foram Como ocorreu o processo de formaccedilatildeo dos

assentamentos rurais no municiacutepio de Vila Rica-MT Quais foram as estrateacutegias de

resistecircncia e articulaccedilatildeo utilizadas nas lutas pela terra pelos ldquoposseirosrdquo no processo de

formaccedilatildeo desses assentamentos rurais Como os posseiros se transformaram em

agricultores familiares e qual foi o papel do Pronaf nesse processo Quais satildeo as outras

Poliacuteticas Puacuteblicas adotadas que contribuiacuteram para a permanecircncia desses atores sociais

na terra

A partir dessas questotildees adotamos diferentes procedimentos metodoloacutegicos

tendo por base o uso de fontes escritas imageacuteticas e orais Primeiramente se buscou

fontes que permitissem analisar a atuaccedilatildeo da Associaccedilatildeo Sindical dos Posseiros

(Sindicato dos Trabalhadores Rurais) e da Conferecircncia Nacional dos Bispos do Brasil

(CNBB) via CPT da circunscriccedilatildeo eclesiaacutestica ndash Prelazia de Satildeo Feacutelix do Araguaia os

quais foram fundamentais na intermediaccedilatildeo com os oacutergatildeos puacuteblicos na defesa da vida e

do projeto dos ldquoposseirosrdquo pois aleacutem de fazer frente aos conflitos e ameaccedilas de morte

vivenciada na luta pela terra empreenderam accedilotildees poliacutetica em defesa da proposta de

18

Reforma Agraacuteria Eis a razatildeo pela qual dedicamos esforccedilos no sentido de analisar como

tais entidades articularam mobilizaccedilotildees e empreenderam accedilotildees para que os

trabalhadores rurais pudessem pleitear e conquistar as condiccedilotildees necessaacuterias para a

sobrevivecircncia e o fortalecimento dos assentamentos rurais

Ressaltamos que os contextos e as fontes utilizadas para a construccedilatildeo desta

narrativa histoacuterica pautada no processo de implantaccedilatildeo dos assentamentos rurais satildeo

muacuteltiplas dada a complexidade dos elementos narrativos muitos dos quais satildeo

divergentes e ateacute mesmo contraditoacuterios Tal constataccedilatildeo se deve ao envolvimento de

atores histoacutericos com diferentes concepccedilotildees relativas agrave funccedilatildeo e aos modos de usos da

terra uma vez que os ldquoposseirosrdquo tecircm diferenciaccedilotildees sociais entre si e os objetivos da

posse da terra natildeo satildeo uacutenicos podendo ser tanto o uso da terra para ldquomorar e plantarrdquo

dentro da concepccedilatildeo claacutessica da Conferecircncia Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)

quanto para apenas morar e criar gado sem produccedilatildeo agriacutecola ou apenas morar e

trabalhar fora da aacuterea da posse Em casos mais extremos o posseiro aluga ou ldquovende o

direitordquo do lote conquistado mas esse fato natildeo pode ser analisado de forma mecacircnica

sem problematizaccedilatildeo nos interessa tambeacutem compreender o que faz com que um

posseiro natildeo permaneccedila na terra

Diante dessa situaccedilatildeo satildeo muacuteltiplas as respostas desde a simples intenccedilatildeo de

comercializaccedilatildeo e especulaccedilatildeo fundiaacuteria como a falta de Poliacuteticas Puacuteblicas e de boas

condiccedilotildees de educaccedilatildeo e qualidade de vida Tais explicaccedilotildees atreladas a outras

motivaccedilotildees resultam num constante esvaziamento da populaccedilatildeo jovem das aacutereas rurais

em busca de educaccedilatildeo trabalho e oportunidades nos centros urbanos Tambeacutem a

populaccedilatildeo envelhecida deixa os assentamentos em busca de assistecircncia na aacuterea de sauacutede

e cuidados oferecidos pela famiacutelia Toda essa situaccedilatildeo complexa explica os elementos

fundamentais para entender a falta de sucessatildeo familiar e o envelhecimento da

populaccedilatildeo rural sobretudo em aacutereas de assentamentos

Tendo em vista a temaacutetica de permanecircncia na terra as entrevistas permitiram

compreender o motivo de os posseiros comercializarem ou natildeo suas terras e de fazer

diferentes usos dela tanto para a agricultura quanto para a pecuaacuteria

Tambeacutem na formaccedilatildeo dos assentamentos rurais diferentes concepccedilotildees

aparecem nas anaacutelises das fontes orais obtidas em entrevistas com os primeiros

moradores e o colonizador de Vila Rica-MT que trouxe a memoacuteria e a narrativa oficial

19

sobre a criaccedilatildeo e emancipaccedilatildeo do municiacutepio Consideramos como narrativa oficial a

produccedilatildeo de livros panfletos informaccedilotildees de sites da Prefeitura Municipal que em

geral satildeo utilizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) Cidades

aleacutem de material publicitaacuterio produzido em datas comemorativas onde satildeo exaltadas as

figuras dos ldquopioneirosrdquo e ldquoempreendedoresrdquo

Por outro lado para ampliar o diaacutelogo obtivemos os relatos orais de

assentados posseiros agricultores familiares e representantes de instituiccedilotildees de

entidades da sociedade civil e dos movimentos sociais os quais foram analisados em

conjunto com a bibliografia sobre a Questatildeo Agraacuteria e reocupaccedilatildeo do Araguaia aleacutem da

utilizaccedilatildeo de fontes escritas e imageacuteticas mas tambeacutem de dados oficiais que nos

possibilitaram a compreensatildeo de maneira ampliada das circunstacircncias de produccedilatildeo

histoacuterica de um grupo social diferenciado das terras do Araguaia

Tecendo a narrativa consideramos que o estudo sobre a formaccedilatildeo dos

assentamentos rurais de Vila Rica-MT pode ser analisado na produccedilatildeo historiograacutefica

de micro-historiadores onde se exige ldquo[] um trabalho de contextualizaccedilatildeo muacuteltipla em

que cada ator histoacuterico participa de maneira proacutexima ou distante de processos ndash e de

niacuteveis variaacuteveis do mais local ao mais globalrdquo conforme Revel (1998 p 28) o qual

rompe com a dicotomia entre a histoacuteria local e a histoacuteria global entendendo que a

experiecircncia de um agente social de um grupo de um espaccedilo particular permite perceber

uma modulaccedilatildeo especiacutefica da histoacuteria global

Nossa narrativa possibilita refletir sobre o ofiacutecio do historiador tomando

como referecircncia a importacircncia dos discursos construiacutedos a partir do objeto em estudo

Sobretudo no que tange aos artifiacutecios utilizados para a produccedilatildeo de anaacutelises das fontes

Escreve Bloch (2002 p 68) ldquo[] uma ciecircncia natildeo se define apenas por seu objeto

Seus limites podem ser fixados tambeacutem pela natureza proacutepria dos seus meacutetodosrdquo

Nesse particular Moraes (2000) e Guimaratildees Neto (2014) alertam sobre a

necessidade de articular as fontes orais com sua competecircncia e habilidade

reorganizando os conceitos que serviratildeo de subsiacutedios agrave construccedilatildeo das anaacutelises a partir

da leitura e do cruzamento com outras tipologias de fontes

Portanto as fontes natildeo satildeo tratadas aqui como mananciais de ldquoverdaderdquo uma

vez que tomadas como fragmentos do acontecimento e enquanto resultado de memoacuterias

e narrativas sujeitas agrave seleccedilatildeo fragmentaccedilatildeo silenciamentos e esquecimentos As

20

concepccedilotildees trazidas por Pollak (1990) e Ricoeur (2007) implicam em serem avaliadas

e inseridas na conjuntura que gera a produccedilatildeo de sentidos e significados para a

historiografia

Ao privilegiar a analise dos excluiacutedos dos marginalizados e das

minorias a histoacuteria oral ressaltou a importacircncia de memoacuterias

subterracircneas que como parte integrante das culturas

minoritaacuterias e dominadas se opotildeem agrave Memoacuteria oficial no

caso a memoacuteria nacional Num primeiro momento essa

abordagem faz da empatia com os grupos dominados estudados

uma regra metodoloacutegica e reabilita a periferia e a

marginalidade [] A memoacuteria entra em disputa Os objetos de

pesquisa satildeo escolhidos de preferecircncia onde existe conflito e

competiccedilatildeo entre memoacuterias concorrentes (POLLAK 1989 p

3)

Com base nessa problematizaccedilatildeo sobre a Histoacuteria Oral e sua opccedilatildeo

metodoloacutegica e poliacutetica natildeo perdemos de vista que essa perspectiva eacute uma oposiccedilatildeo

agravequela produccedilatildeo historiograacutefica sobretudo a partir do Seacuteculo XIX quando se concebeu

a histoacuteria como a ciecircncia que estuda o passado que investiga os acontecimentos

longiacutenquos da contemporaneidade de forma que natildeo haja testemunhas vivas que

tenham vivenciado os acontecimentos Poreacutem a percepccedilatildeo da histoacuteria enquanto a

ciecircncia que ldquoestuda o passado para entender o presenterdquo permaneceu de forma muito

viva no entendimento social tornando problemaacutetica a anaacutelise do tempo presente como

objeto de estudo do historiador sob a oacutetica da historiografia e da proacutepria sociedade

contemporacircnea

Aproximamos nossas reflexotildees da anaacutelise de acontecimentos do presente ou

bem proacuteximas a este por entender que a proximidade natildeo produz quaisquer

impedimentos quanto agraves anaacutelises no acircmbito da ciecircncia histoacuterica Mesmo que essas

questotildees jaacute tenham algumas deacutecadas de discussotildees no Brasil tais estudos ainda satildeo

muito recentes carecendo de definiccedilotildees mais consistentes que possam do ponto de

visto teoacuterico e metodoloacutegico responder algumas perguntas que se apresentam quanto agrave

validade deste marco temporal da historiografia denominada como histoacuteria do tempo

presente

Segundo Guimaratildees Neto (2014 p 35) vaacuterios historiadores apresentam

significados complexos em relaccedilatildeo agrave questatildeo do tempo presente com destaque para

Koselleck (2006) que assegura que esse conceito tem sofrido alteraccedilotildees ao longo do

21

tempo ldquo[] Contrariamente agraves pretensotildees generalizadoras e naturalizaccedilotildees de toda

sorte a denominaccedilatildeo bdquotempo presente‟ nos escapa entre os dedos e eacute de difiacutecil

apreensatildeordquo Tal denominaccedilatildeo se transforma troca de conteuacutedo experimenta novas

formas de ldquoser presenterdquo Agrave luz da interpretaccedilatildeo de Guimaratildees Neto eacute possiacutevel afirmar

que a circulaccedilatildeo entre os novos e os velhos significados produz a ldquoconcreccedilatildeo e a

materializaccedilatildeo de um conceito novordquo (GUIMARAtildeES NETO 2014 p 35)

Todavia somos convidados a problematizar o que seria uma histoacuteria do

tempo presente suas peculiaridades especificidades limites e contribuiccedilotildees Nessa

acepccedilatildeo Guimaratildees Neto (2014 p 37) pondera ainda que

Situados cada vez mais no acircmbito desse debate muitos

historiadores operam com uma concepccedilatildeo de passado que natildeo

se situa ldquofora do presenterdquo na perspectiva pensada por

Koselleck ao afirmar que todas as histoacuterias satildeo histoacuterias do

tempo presente (vistas no presente que se dissolve eou no

presente que condensa) entendendo que isso tambeacutem

significa imprimir uma dimensatildeo mais dilatada agrave histoacuteria do

tempo presente A discussatildeo historiograacutefica que contempla as

interseccedilotildees metodoloacutegicas dessa problemaacutetica natildeo se ateacutem

apenas agrave noccedilatildeo da presenccedila incorporada do futuropassado no

presente Mas remete agrave reflexatildeo acerca das relaccedilotildees que se

estabelecem entre presente e futuro presente e passado e

especialmente ldquocomordquo essas proacuteprias relaccedilotildees se constituem

As relaccedilotildees suscitadas por todo esse conjunto de anaacutelises levam

tambeacutem a debater uma concepccedilatildeo de contemporaneidade

avaliando- a na perspectiva do entrelaccedilamento que se deve

estabelecer entre as dimensotildees sincrocircnica e diacrocircnica do tempo

histoacuterico

Ao tomarmos o vieacutes explicativo de um fenocircmeno presente analisando uma

sociedade viva os processos de organizaccedilatildeo dos assentamentos rurais no municiacutepio de

Vila Rica-MT e as relaccedilotildees estabelecidas com os sindicatos e demais organizaccedilotildees

sociais puacuteblicas e privadas pensamos corroborar com a produccedilatildeo da profissatildeo do

historiador um tempo intercalado de relaccedilotildees passado-presente pautando com os

rigores necessaacuterios na anaacutelise dos documentos histoacutericos como fonte

Em relaccedilatildeo agrave definiccedilatildeo de fonte histoacuterica pontuamos a concepccedilatildeo contida em

Silva amp Silva (2009 p 158)

[] o termo mais claacutessico para conceituar a fonte histoacuterica eacute

documento Palavra no entanto que devido agraves concepccedilotildees da

escola metoacutedica ou positivista estaacute atrelada a uma gama de

22

ideias preconcebidas significando natildeo apenas o registro escrito

mas principalmente o registro oficial

Igualmente afianccedilamos no presente trabalho a busca pela ampliaccedilatildeo das

lentes historiograacuteficas sobre os documentos bem como dos atores sociais visto que natildeo

mais limitado ao citadino mas agora revelando os assentamentos rurais e sua

organizaccedilatildeo condiccedilotildees de vida razotildees de luta ateacute entatildeo ignorados pelas paacuteginas dos

anais oficiais do natildeo dito invisiacutevel tornando visiacutevel verificaacutevel analisaacutevel e

mensuraacutevel

[] O alargamento daquilo que se entendia como documento

ocorreu de maneira qualitativa e quantitativa segundo nos

aponta Le Goff 1984 A memoacuteria coletiva e a histoacuteria passaram

a natildeo cristalizar o seu interesse apenas nos grandes homens nos

grandes acontecimentos na histoacuteria poliacutetica diplomaacutetica e

militar Todos os homens tornaram-se interesse da histoacuteria os

documentos foram ampliados a capacidade de trabalho e o

espiacuterito do historiador foram inovados (BARROS 2013 p 1)

A partir dessa problematizaccedilatildeo teoacuterica e metodoloacutegica foi possiacutevel situar o

objeto desta pesquisa dentro do escopo da histoacuteria do tempo presente Conforme

Delgado e Ferreira (2014 p10-11) a ldquoquestatildeo da terra e das poliacuteticas fundiaacuteriardquo

constituem objeto legiacutetimo dessa perspectiva Ademais destacando a posiccedilatildeo de

Guimaratildees Neto (2014) reforccedilamos que o foco analiacutetico satildeo os ldquoconflitos referentes agrave

questatildeo da terra e das poliacuteticas governamentais em especial as fundiaacuteriasrdquo

Adotando essa perspectiva analiacutetica as questotildees foram levantadas e

analisadas ao longo de quatro capiacutetulos sendo que o primeiro teve como objetivo

apresentar uma discussatildeo sobre a Questatildeo Agraacuteria em Mato Grosso sobretudo no

espaccedilo do Araguaia construiacutedo atraveacutes das pesquisas jaacute existentes inseridas no marco

temporal das deacutecadas de 1960 e 1970 Destacamos as caracteriacutesticas do processo de

reocupaccedilatildeo1 pelas agropecuaacuterias e colonizadoras e nas deacutecadas de 1980 a 1990 quando

nesse espaccedilo se constituiacuteram e se formaram os assentamentos rurais Ademais foi

analisado o processo de colonizaccedilatildeo do municiacutepio de Vila Rica-MT

1 A concepccedilatildeo de Reocupaccedilatildeo embute uma concepccedilatildeo de que um determinado territoacuterio ou terra

natildeo era um espaccedilo vazio no qual havia presenccedila de povos tradicionais (indiacutegenas ribeirinhos

sertanejos seringueiros quilombolas) posseiros Na presente pesquisa usaremos e

problematizaremos essa noccedilatildeo de modo mais elaborado no primeiro capiacutetulo

23

O segundo capiacutetulo trata das configuraccedilotildees e modos de uso poliacutetico dos

espaccedilos na formaccedilatildeo dos assentamentos rurais bem como a luta pela regularizaccedilatildeo

fundiaacuteria dos 8 (oito) assentamentos rurais do municiacutepio de Vila Rica-MT

O terceiro capiacutetulo analisa os aspectos socioeconocircmicos da Agricultura

Familiar em Vila Rica-MT a partir dos resultados de uma pesquisa desenvolvida pela

Empaer (2009) junto aos assentamentos rurais de Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati

Tal pesquisa teve como objetivo principal explicar a realizaccedilatildeo dos Planos de

Desenvolvimento dos assentamentos rurais via projeto implementado pelo INCRA

E por fim no quarto capiacutetulo fizemos uma apresentaccedilatildeo das principais

Poliacuteticas Puacuteblicas integradas ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura

Familiar como eacute o caso dos Programas Luz para Todos Arco Verde Balde Cheio

Educaccedilatildeo Formaccedilatildeo Profissional e Teacutecnica do Assentado Sauacutede e Habitaccedilatildeo Rural

Trata-se tambeacutem do papel dos movimentos sociais do campo na implementaccedilatildeo dessas

poliacuteticas puacuteblicas frente agrave necessidade de serem criadas condiccedilotildees baacutesicas para a

permanecircncia dos agricultores familiares no campo uma vez que os assentamentos rurais

natildeo se formaram apenas pelo ato de regularizaccedilatildeo e acesso ao sistema de creacutedito

24

1 A QUESTAtildeO AGRAacuteRIA EM MATO GROSSO HISTOacuteRIA MEMORIAS

OCUPACcedilAtildeO E REOCUPACcedilAtildeO DO ARAGUAIA MATO-GROSSENSE

A proposta deste capiacutetulo inicial eacute fazer uma reconstituiccedilatildeo do processo de

reocupaccedilatildeo a partir da deacutecada de 1970 do espaccedilo Araguaia mato-grossense

denominado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) como

ldquomicrorregiatildeo Norte Araguaia do Estado de Mato Grossordquo Fazem parte desta

microrregiatildeo os municiacutepios de Bom Jesus do Araguaia Confresa Serra Nova Dourada

Novo Santo Antocircnio Alto da Boa Vista Satildeo Felix do Araguaia Luciara Ribeiratildeo

Cascalheira Santa Terezinha Vila Rica- MT Porto Alegre do Norte Canabrava Satildeo

Joseacute do Xingu e Santa Cruz do Xingu

No entanto eacute importante ressaltar que a denominaccedilatildeo ldquomicrorregiatildeo Norte

Araguaiardquo utilizada ao longo do texto possui complicadores em sua concepccedilatildeo ligada agrave

ideia de regiatildeo Eacute sabido que a definiccedilatildeo de regiatildeo concebida pelo IBGE eacute uma

imposiccedilatildeo de delimitaccedilatildeo juriacutedico-administrativa a qual conforme Bourdieu (2008) por

ter sido construiacuteda por meio do uso do Poder Estatal atribuiu uma visatildeo social atraveacutes

da divisatildeo e construccedilatildeo da unidade e da identidade entre os grupos Natildeo se constituiu

numa demarcaccedilatildeo com base em criteacuterios de homogeneidade da natureza de forma que

sejam respeitadas as diversidades e especificidades de grupos culturais

Albuquerque Juacutenior (2008) chama a atenccedilatildeo pela pouca importacircncia dada agrave

discussatildeo e compreensatildeo dos espaccedilos no desenvolvimento de estudos de cunho

historiograacutefico onde a regiatildeo passa a existir como um fenocircmeno da realidade que natildeo

carece de anaacutelises ou de problematizaccedilatildeo Ou seja natildeo haacute preocupaccedilatildeo com a

construccedilatildeo histoacuterica da concepccedilatildeo da regiatildeo que eacute analisada ldquo[] ora como um recorte

dado pela natureza ora como um recorte poliacutetico-administrativo ora como um recorte

cultural mas que parece natildeo ser fruto de um dado processo histoacutericordquo

(ALBUQUERQUE JUacuteNIOR 2008 p 57) Logo a regiatildeo eacute tida apenas como um

fenocircmeno precedente ldquoretalhordquo do espaccedilo constituiacutedo naturalmente um paracircmetro de

construccedilatildeo de identidade existente por si soacute

Problematizando a noccedilatildeo de regiatildeo delimitada por fronteiras juriacutedico-

administrativas Bourdieu (2008 p 115) afirma

25

A fronteira esse produto de um ato juriacutedico de delimitaccedilatildeo

produz a diferenccedila cultural do mesmo modo que eacute produto

desta basta pensar na accedilatildeo do sistema escolar em mateacuteria de

liacutengua para ver que a vontade poliacutetica pode desfazer o que a

histoacuteria tinha feito

Assim o autor problematiza o conceito de regiatildeo atraveacutes da diversidade da

liacutengua quando muitas vezes as delimitaccedilotildees satildeo estabelecidas sem levar em

consideraccedilatildeo as diferenccedilas culturais dos grupos eacutetnicos que convivem em um espaccedilo

uacutenico Um exemplo eacute a delimitaccedilatildeo territorial dos Estados Naccedilatildeo que como na Itaacutelia e

Alemanha englobam dentro de um mesmo territoacuterio considerado ldquohomogecircneo

culturalmenterdquo atraveacutes de uma liacutengua com diferentes leacutexicos e dialetos Eacute sabido que

atraveacutes da linguagem se reforccedila fixa e viabiliza os elementos de controle impostos

pelas classes dominantes uma vez que nem os proacuteprios intelectuais satildeo neutros em

produccedilotildees jaacute que estatildeo agindo dentro de um padratildeo que atende ou contraria interesses

dos grupos que exercem o poder na sociedade

Bourdieu (2008) afirma que os diferentes saberes satildeo produzidos sob o efeito

das relaccedilotildees de poder onde as disputas entre as ciecircncias pelo direito de qualificar a

regiatildeo satildeo ao mesmo tempo uma forma de disputa pelo poder Na concepccedilatildeo do autor

regiatildeo eacute uma construccedilatildeo simboacutelica resultante das disputas de diferentes aacutereas do

conhecimento pelo poder na definiccedilatildeo dos limites e sentidos a serem conferidos a uma

regiatildeo Ainda de acordo com Bourdieu (2008) a regiatildeo enquanto objeto de estudo eacute

constituiacuteda por um intenso debate que coloca em oposiccedilatildeo geoacutegrafos economistas

etnoacutelogos socioacutelogos e historiadores Essas categorias constituiacutedas no campo da ciecircncia

querem cada uma ao seu modo atribuir criteacuterios para delimitar uma regiatildeo

Portanto podemos dizer que esses debates existentes em torno da concepccedilatildeo

de regiatildeo tecircm oferecido subsiacutedio importante para a historiografia construir uma noccedilatildeo

de regiatildeo embora sinalizem para o sentido da inexistecircncia de consenso Ainda segundo

Bourdieu (2012) eacute nas relaccedilotildees de poder estabelecidas na sociedade a partir do plano

econocircmico que se formam as definiccedilotildees e delimitaccedilotildees de fronteiras que

evidentemente satildeo construiacutedas utilizando tambeacutem o poder simboacutelico como a proacutepria

noccedilatildeo de regiatildeo

Albuquerque Juacutenior (208 p 61) pondera que

26

A regiatildeo eacute ao mesmo tempo um dispositivo de forccedila e saberes

que aparece como externo aos sujeitos que a eles se impotildee de

fora que os limita e ateacute cerceia Eacute uma estrutura no sentido levi-

straussiano um mito que eacute vivido praticado e materializado

uma narrativa que se encarna o que acostumamos chamar de

interior dos sujeitos A regiatildeo eacute uma dobra do social que vem

constituir as subjetividades regionalistas em sua investigaccedilatildeo A

regiatildeo eacute tambeacutem modo de pensar modos de querer modos de

falar modos de gostar modos de preferir modos de amar

modos de desejar modos de mar modos de desejar modos de

olhar de escutar de cheirar de sentir sabor e de sentir dor A

regiatildeo de se expressa em jeitos de corpos em gestos em modos

de vestir de alimentar de beber de danccedila de se pocircr de peacute ou de

sentar A regiatildeo ao ser subjetivada ao ser encarnada ela

conformaraacute os corpos e os processos subjetivos

Compreender os diferentes significados e sentidos em relaccedilatildeo aos usos do

espaccedilo significa tambeacutem compreender o papel dos diferentes sujeitos no vieacutes da

historiografia seguindo a concepccedilatildeo de Certeau (2000) segundo o qual ao produzir a

historiografia o pesquisador estabelece seus criteacuterios de escolha os quais remetem

sempre aos diferentes contextos onde estaacute inserido sejam eles no acircmbito social cultural

ou econocircmico e tambeacutem ao proacuteprio interesse do pesquisador pois eacute ele quem escolhe o

que teraacute visibilidade e o que seraacute oculto no texto historiograacutefico

Ainda de acordo com o mesmo autor eacute possiacutevel acreditar que natildeo haacute

neutralidade na escrita historiograacutefica na medida em que sempre haveraacute o peso da

posiccedilatildeo do sujeito vinculado agrave instituiccedilatildeo e o lugar social e cultural ocupado pelo

indiviacuteduo porque a produccedilatildeo da escrita natildeo eacute algo individualizado mas sim constituiacutedo

na coletividade

Dessa forma a ideia construiacuteda acerca do texto historiograacutefico eacute resultado das

escolhas de quem a produz e estatildeo articuladas ao meio social econocircmico e cultural em

que se insere o pesquisador Logo a intenccedilatildeo da pesquisa nasce do desejo de descobrir

o que natildeo estaacute compreendido eacute a busca das indagaccedilotildees intrinsecamente vinculadas agrave

proacutepria trajetoacuteria de vida e no fazer acadecircmico do sujeito pesquisador (CERTEAU

2000)

Diante dessa problematizaccedilatildeo sobre o uso do conceito de regiatildeo e sua relaccedilatildeo

com a condiccedilatildeo de produccedilatildeo em que estaacute inserido o sujeito pesquisador fica evidente

que a ldquomicrorregiatildeordquo Norte Araguaia eacute uma visatildeo simplista e homogeneizadora que

natildeo evidencia as diferenccedilas naturais sociais e culturais existentes nesse espaccedilo O uso

27

indiscriminado de Regiatildeo Araguaia leva a noccedilotildees preconceituosas como a expressatildeo

utilizada por poliacuteticos e moradores de que se trata do ldquoVale dos Esquecidosrdquo

Ressalta-se que estudar a histoacuteria de Vila Rica-MT significa tambeacutem

compreender parte da histoacuteria do estado de Mato Grosso pois este municiacutepio natildeo surgiu

enquanto fenocircmeno isolado mas foi formado em um contexto ocorrido no Araguaia no

auge do processo de reocupaccedilatildeo de terras que se deu por duas frentes a primeira a dos

projetos agropecuaacuterios financiados pela Superintendecircncia de Desenvolvimento da

Amazocircnia (Sudam) e a segunda dos projetos de colonizaccedilatildeo privada que resultaram na

formaccedilatildeo dos municiacutepios de Confresa Vila Rica Aacutegua Boa e Canarana

Justamente por essa razatildeo a expressatildeo reocupaccedilatildeo da terra eacute recorrente no

presente texto A formaccedilatildeo de cidades natildeo resulta de algo natural ou um projeto de

ocupaccedilatildeo de terras ldquovaziasrdquo Para marcar a leitura que fazemos sobre o Araguaia eacute

preciso consideraacute-lo como um territoacuterio que jaacute estava ocupado por povos indiacutegenas

ribeirinhos ou sertanejos que viviam no espaccedilo anteriormente ao processo de

implantaccedilatildeo das poliacuteticas de desenvolvimento da Amazocircnia e a concretizaccedilatildeo dessas

duas frentes sobretudo na deacutecada de 1970

11 A reocupaccedilatildeo pelas agropecuaacuterias e empresas colonizadoras Anos de 1960 a

1980

Nas deacutecadas de 1960 a 1980 o norte do estado de Mato Grosso considerado

parte da ldquoAmazocircnia Legalrdquo tornou-se alvo de investimentos de grupos empresariais do

Sul e Sudeste do Brasil Os Governos de Mato Grosso desde a deacutecada de 1960

passaram a comercializar terras ldquotidas como devolutasrdquo como importante fonte de

arrecadaccedilatildeo para o Estado Neste contexto Mato Grosso seguindo a normativa do

Estatuto da Terra repassou para a iniciativa privada a funccedilatildeo de reordenar a ocupaccedilatildeo

destes espaccedilos atraveacutes da colonizaccedilatildeo privada2 Sobre a questatildeo Guimaratildees Neto

(2002 p 20) afirma que

2 Sobre este assunto ver GUIMARAtildeES NETO Regina Beatriz A Lenda do Ouro Verde Poliacutetica

de colonizaccedilatildeo no Brasil contemporacircneo Cuiabaacute UNICEN 2002

28

[] as empresas agropecuaacuterias comandadas em grande parte

por multinacionais [] jaacute vinham dominando este espaccedilo

especialmente apoacutes meados do seacuteculo vinte quando

intensificaram seu poder de accedilatildeo Eacute no acircmbito dessa experiecircncia

histoacuterica que se deve procurar estudar os projetos de

colonizaccedilatildeo Representam iniciativas e estrateacutegias de controle

ao acesso a terra e ao mercado de matildeo de obra

Assim estas duas frentes de reocupaccedilatildeo ldquo[] representam iniciativas e

estrateacutegias de controle ao acesso da terra e ao mercado de matildeo de obrardquo (GUIMARAES

NETO 2002 p 20) em que o Estado e os empresaacuterios atuaram muito mais no

propoacutesito da especulaccedilatildeo imobiliaacuteria do que na viabilizaccedilatildeo de terras para centenas de

famiacutelias que migraram para a Amazocircnia Legal

Vale lembrar que durante o periacuteodo dos Governos Militares foi construiacuteda

uma ldquohistoacuteria oficialrdquo acerca do processo de ocupaccedilatildeo da Amazocircnia que

gradativamente foi questionada e revisada atraveacutes de diferentes narrativas construiacutedas a

partir da memoacuteria dos agentes histoacutericos que vivenciaram aquele processo

Consideramos importante registrar nos estudos cujo foco eacute o processo de

reocupaccedilatildeo da terra no Araguaia as perspectivas dos diferentes grupos e movimentos

sociais responsaacuteveis pela reocupaccedilatildeo desse espaccedilo considerando a memoacuteria daqueles

que migraram de diferentes regiotildees do paiacutes sobretudo do Sul e Sudeste perseguindo o

sonho de adquirir uma aacuterea de terra Um exemplo dessas narrativas com base na

memoacuteria das pessoas pode ser ilustrado nesse trecho do relato de uma das moradoras de

Vila Rica-MT

Quando eu cheguei aqui em Vila Rica-MT estranhei de tudo

um pouco Desde a comida [] Ih Nossa Senhora as falas

deles trem As gurias foram pra rua as gurias saiacuteram foram

pra rua O que eacute isso Rua laacute no Sul isso natildeo se fala E os

trem trem eacute um trem que puxa vagatildeo e aqui tudo que eacute coisa eacute

trem Hoje a gente estaacute acostumada com as comidas tambeacutem

aqui era diferente de laacute [] quando eu cheguei aqui a vila

estava super suja Colonial tudo tudo Lixo no meio da rua ali

no meio onde tem a grama e os coqueirinhos aquilo laacute era lixo

natildeo dava pra olhar de um lado pra outro Nossa mas era suja

demais a rua As propagandas ih Eles passavam slides

mostravam como era aqui em Vila Rica-MT da cidade das

roccedilas das lavouras das plantaccedilotildees de soja milho []

(ENTREVISTA com Izode Baoacute realizada por Acircngela Martini

Vila Rica-MT 4 de marccedilo de 2001)

29

Novas abordagens da historiografia que possibilitam o uso de novas fontes

entre elas as orais permitiram anaacutelises sobre a Amazocircnia Legal com nova dinacircmica

enquanto objeto de estudo nas aacutereas de Ciecircncias Humanas e Sociais Por outro lado

ressalta-se que eacute imprescindiacutevel trilhar pelas discussotildees teoacutericas e metodoloacutegicas de

alguns estudiosos da questatildeo agraacuteria no Brasil como Caio Prado Juacutenior Octaacutevio Ianni

Seacutergio Buarque de Holanda e outros Em Mato Grosso as obras de autores como

Martins (1985-1997) Lenharo (1985) Oliveira (1996) Barrozo (2009 2010)

Guimaratildees Neto (2002 2007) Gonccedilalves (2005) e Joanoni Neto (2007) Arauacutejo (2013)

entre outros satildeo referecircncias

As concepccedilotildees abordadas por esses autores nos remetem a pensar que eacute

preciso antes de tudo desconstruir a narrativa oficial sobre a Amazocircnia a qual foi

construiacuteda sobretudo durante os Governos civis militares sob o ponto de vista que

engloba a noccedilatildeo da fronteira e de integraccedilatildeo nacional na qual se procurou internalizar

os discursos de alguns segmentos sociais os quais construiacuteram o imaginaacuterio que

caracteriza esse espaccedilo como atrasado e despovoado ou melhor um ldquovazio

demograacuteficordquo

Ao referenciar o potencial dos recursos naturais ali existentes aquele espaccedilo

passou a ser visto com outro enfoque segundo o qual a mesma pode ser analisada para

aleacutem do seu potencial de reserva natural Natildeo se pode perder de vista que esse

ldquoimaginaacuteriordquo vem sendo arquitetado sob a loacutegica daqueles que vivem ldquoalheiosrdquo agraves

necessidades e ldquorealidadesrdquo nas quais a populaccedilatildeo que habita a Amazocircnia Legal estaacute

inserida no caso especiacutefico o Araguaia

Os empresaacuterios e a elite poliacutetica sempre se beneficiaram dos lucros obtidos

por meio do uso e abuso das riquezas extraiacutedas da Amazocircnia Legal nos grandes

projetos de exploraccedilatildeo mineral e vegetal em nome de um discurso de integraccedilatildeo

nacional e de desenvolvimento e progresso regional

Para Gonccedilalves (2005) compreender a Amazocircnia eacute saber respeitar a

diversidade e particularidades desse espaccedilo em seus aspectos econocircmicos naturais

sociais e culturais bem como os feitios de inserccedilotildees das poliacuteticas e programas de

governo que foram parcialmente realizados Tais poliacuteticas atenderam em especial a

um determinado grupo social especificamente o empresarial que dispunha de capital

financeiro embora se trate de um territoacuterio cheio de contradiccedilotildees conflitos e diferentes

30

possibilidades dos povos que ldquotradicionalmente habitamrdquo a floresta De forma mais

detalhada Gonccedilalves (2005 p 9) descreve

A Amazocircnia eacute sobretudo diversidade Haacute a Amazocircnia dos

Cerrados a Amazocircnia da Vaacuterzea a Amazocircnia dos Manguezais

e a Amazocircnia das florestas Habitar esses espaccedilos eacute um desafio

agrave inteligecircncia agrave convivecircncia com a diversidade Esse eacute o

patrimocircnio que as populaccedilotildees originaacuterias e tradicionais da

Amazocircnia oferecem para o diaacutelogo com outras culturas e

saberes

Logo estudar a Amazocircnia Legal significa tambeacutem conhecer seu processo de

ocupaccedilatildeo e reocupaccedilatildeo identificando sobretudo as dinacircmicas de resistecircncia e as

estrateacutegias de sobrevivecircncias dos diferentes sujeitos que a habitavam (iacutendios

quilombolas sertanejos seringueiros ribeirinhos e outros povos)

Esses grupos se veem diariamente diante da obrigatoriedade de criar e recriar

taacuteticas para enfrentar as novas territorialidades impostas pelos grupos empresariais

capitalistas em sua loacutegica segundo a qual a terra eacute um objeto de negoacutecio Para as

populaccedilotildees tradicionais a terra eacute uma condiccedilatildeo de trabalho e sobrevivecircncia

Barrozo (2010 p 8) considera que ldquo[] o processo de integraccedilatildeo da

Amazocircnia provocou o corte dos espaccedilos por meio da construccedilatildeo de rodovias

desencadeando um processo raacutepido e violento de expropriaccedilatildeo domiacutenio e controle das

aacutereas jaacute povoadas por populaccedilotildees tradicionais daquela regiatildeordquo

Assim como Ianni (1990) Barrozo (2010) assegura que a reocupaccedilatildeo da

Amazocircnia por meio do artifiacutecio da colonizaccedilatildeo privada e dirigida tinha como principal

objetivo acolher a populaccedilatildeo que ldquosobravardquo do processo de modernizaccedilatildeo da agricultura

do Centro-Sul do paiacutes As empresas colonizadoras e agropecuaacuterias aleacutem de se utilizar

dos recursos puacuteblicos executados de forma predatoacuteria provocaram uma transformaccedilatildeo

significativa nos aspectos sociais culturais e ambientais daquele espaccedilo

Para Souza (2009 p79)

A (re) ocupaccedilatildeo do nordeste de Mato Grosso por grandes

empresas incentivadas pelo governo federal a partir da deacutecada

de 70 do seacuteculo XX tem revelado muacuteltiplos conflitos embates

e disputas pelos usos e posse da terra A partir de 1964 os

governos militares elaboraram e conduziram um projeto de

ocupaccedilatildeo e controle de acesso agraves terras na Amazocircnia

materializado pelo Estatuto da Terra (Lei 450464)

31

Destacamos que apesar dessas mudanccedilas consideradas progressistas

conforme o Estatuto da Terra (1964) quando analisadas no campo da operacionalidade

praacutetica natildeo redundaram em uma maior distribuiccedilatildeo de terras para os migrantes natildeo

tendo ocorrido alteraccedilatildeo na dinacircmica de concentraccedilatildeo da terra No entanto mantecircm o

movimento de retorno de muitos migrantes antes e agora expulsos pela expansatildeo do

agronegoacutecio sobretudo pela cultura da soja e criaccedilatildeo de gado para corte e leite

Na perspectiva histoacuterica do processo de reocupaccedilatildeo do Araguaia Barrozo

(2010 p 8) afirma

A partir de 1968 comeccedilaram a chegar ao Araguaia agraves grandes

empresas atraiacutedas pelos incentivos fiscais da Sudam Estas

empresas originaacuterias do Sul e Sudeste se apropriaram de

grandes aacutereas de terra no entatildeo municiacutepio de Barra do Garccedilas

onde instalaram os projetos agropecuaacuterios Neste periacuteodo foram

criados vaacuterios povoados e vilas onde se concentra o comeacutercio e

a prestaccedilatildeo de serviccedilos Entre os nuacutecleos populacionais deste

periacuteodo destacam-se Porto Alegre do Norte Alto da Boa Vista

Confresa As agropecuaacuterias desmataram grandes aacutereas de

Cerrado e de floresta para o plantio de pastagens e algumas

empresas deixaram suas terras incultas agrave espera de valorizaccedilatildeo

Com a reduccedilatildeo e extinccedilatildeo gradativa dos incentivos e subsiacutedios

fiscais da Sudam muitas empresas agropecuaacuterias reduziram

suas atividades na regiatildeo e algumas venderam suas

propriedades

Percebemos que o processo de reocupaccedilatildeo das terras do Araguaia natildeo fugia

agraves caracteriacutesticas do que ocorrera nas demais aacutereas da Amazocircnia Legal que era

apresentada no cenaacuterio nacional como uma grande extensatildeo de terra despovoada onde

havia extensos espaccedilos considerados ldquovaziosrdquo

Essa concepccedilatildeo teve origem no programa ldquoMarcha para o Oesterdquo que

selecionou o Centro-Oeste brasileiro como alvo privilegiado para a implantaccedilatildeo dos

grandes projetos de expansatildeo visando agrave ocupaccedilatildeo territorial Destacamos a Fundaccedilatildeo

Brasil Central cujo objetivo era construir estradas e ldquopacificarrdquo as sociedades indiacutegenas

existentes nos vales do Araguaia e Xingu Nesse sentido Soares (2004 p 98) assinala

que

32

A opccedilatildeo de investimento a fim de promover o desenvolvimento

da Amazocircnia abrangendo o Vale do Araguaia parte do nordeste

de Mato Grosso foi pela instalaccedilatildeo de grandes projetos

agropecuaacuterios para produccedilatildeo de proteiacutenas de carne bovina para

exportaccedilatildeo Os primeiros projetos aprovados pela Sudam

implantados no Vale do Araguaia datam de 1966 destacando-se

a Agropecuaacuteria Suiaacute Missuacute SA com uma aacuterea de 695 843

hectares que corresponde aproximadamente a 300000

alqueires localizada no atual municiacutepio de Satildeo Feacutelix do

Araguaia A partir de 1966 muitos outros projetos foram sendo

instalados

De acordo com a descriccedilatildeo do autor as poliacuteticas de desenvolvimento

econocircmico da Amazocircnia promovidas pelo Governo Federal sob a supervisatildeo da

Superintendecircncia de Desenvolvimento da Amazocircnia (Sudam) desde o iniacutecio de sua

criaccedilatildeo despertaram o interesse de empresaacuterios regiotildees Sudeste e Sul do Brasil Os

mesmos viam na constituiccedilatildeo do desenvolvimento regional a possibilidade de maior

enriquecimento por meio dos grandes projetos agropecuaacuterios e de colonizaccedilatildeo

madeireiros e mineradores As empresas eram atraiacutedas pelos incentivos fiscais cuja

propaganda produzia o imaginaacuterio da terra em abundacircncia e financiamentos a juros

baixos

Sobre o imaginaacuterio e os efeitos da propaganda em torno das possibilidades de

riqueza advinda do trabalho com a terra Arauacutejo (2013 p 250) em sua pesquisa

ldquoTerritoacuterios Amazocircnicos e o Araguaia Mato-grossense configuraccedilotildees de modernidade

poliacuteticas de ocupaccedilatildeo e civilidade para os sertotildeesrdquo ao analisar os artifiacutecios ocorridos na

execuccedilatildeo das poliacuteticas de desenvolvimento no Araguaia afirma

As propagandas dos ldquonegoacutecios fundiaacuteriosrdquo do Vale do Araguaia

eram veiculadas pelos meios de comunicaccedilatildeo locais (raacutedio

televisatildeo jornais) anunciando facilidades aos interessados o

que muito atraiacutea pessoas com histoacuterico familiar vinculado agraves

praacuteticas campesinas que desejavam possuir eou aumentar o

proacuteprio patrimocircnio aleacutem da possibilidade de assegurar a

manutenccedilatildeo da famiacutelia pensando numa estabilidade

socioeconocircmica

Agrave luz da concepccedilatildeo da autora afirmamos que as empresas se valiam de

diferentes estrateacutegias sobretudo o uso dos recursos midiaacuteticos para propagarem o

discurso e o imaginaacuterio em torno da terra abundante e apropriada para agricultura E

33

assim mobilizar migrantes de vaacuterias regiotildees do Brasil em busca do sonho em ter a

posse da terra e condiccedilotildees para produzir e adquirir riqueza

Ainda em conformidade com Arauacutejo (2013) eacute possiacutevel afirmar que havia

entre os grupos de migrantes perfis sociais econocircmicos e culturais muito diferentes

pois de um lado estavam as famiacutelias que planejaram as mudanccedilas no espaccedilo e do

outro aquelas que chegaram ao Araguaia mato-grossense por acaso

Nesta mesma perspectiva Paret (2012 p 17) avalia a formaccedilatildeo

socioeconocircmica do Araguaia como a realizaccedilatildeo da integraccedilatildeo entre as populaccedilotildees

tradicionais (povos indiacutegenas) e migrantes ldquodos quatro cantos do paiacutesrdquo que em sua

maioria eram ldquo[] retirantes espontacircneos colonos pioneiros e audaciosos

trabalhadores temporaacuterios (boias-frias) migrantes que emigram sem descanso fugindo

da pobreza em busca de novas oportunidadesrdquo Observamos que a visatildeo do autor citado

eacute problemaacutetica pela exaltaccedilatildeo de um ideal do pioneiro parte daquilo que consideramos

como histoacuteria oficial

Como o INCRA natildeo assegurou terras para os migrantes desprovidos de

capital financeiro para aquisiccedilatildeo de lotes estes passaram a reocupar aacutereas jaacute povoadas

pelas populaccedilotildees indiacutegenas terras da Uniatildeo ou de fazendas improdutivas Esta situaccedilatildeo

gerou diversos conflitos entre diferentes grupos sociais no Araguaia mato-grossense

Nesse contexto o municiacutepio de Vila Rica-MT foi formado Esse processo

requer uma anaacutelise especiacutefica

12 A criaccedilatildeo e emancipaccedilatildeo3 do municiacutepio de Vila Rica-MT

A formaccedilatildeo de Vila Rica-MT teve seu desenvolvimento intensificado a partir

da deacutecada de 1980 tendo por base quatro Projetos Agropecuaacuterios Aracati Satildeo Marcos

Porangaba e Promissatildeo Posteriormente essas agropecuaacuterias foram transformadas em

projeto de colonizaccedilatildeo privada com a criaccedilatildeo da empresa de Serviccedilo Auxiliares da

Agropecuaacuteria LTDA (Servap) que procurou a efetivaccedilatildeo do projeto de colonizaccedilatildeo por

meio da empresa Colonizadora Vila Rica-MT Ltda

3 A Lei n 4381 de 12 de novembro de 1981 criou o Distrito de Vila Rica com territoacuterio

pertencente agrave Santa Terezinha e no dia 13 dias de maio de 1986 pela Lei Estadual n 5001 foi

criado o municiacutepio de Vila Rica

Disponiacutevel em

lthttpwwwcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=510860ampsearch=mato-

grosso|vila-ica|infograficos-historicogt Acesso em 21082015

34

Logo o municiacutepio inseriu-se em muacuteltiplos contextos de reocupaccedilatildeo da terra e

de financiamento de projetos agropecuaacuterios madeireiros e de colonizaccedilatildeo localizados

no nordeste do estado de Mato Grosso na faixa fronteiriccedila com os estados do Paraacute e

Tocantins como mostra a figura que se segue

Figura 01 Mapa de Propaganda da Colonizadora Vila Rica-MT

Fonte Servap apud Martini 2002 p12

Observamos na imagem que os escritos da propaganda da empresa

colonizadora se vinculavam agrave ideia de que ldquoeacute faacutecil conhecer Vila Ricardquo tendo ao lado

um mapa desatacando visualmente as rotas de estradas que ligavam o Sul do paiacutes ateacute o

Norte e tendo Vila Rica como ponto estrateacutegico nessa rota Ademais a mensagem

35

escrita eacute clara pretendia- se atrair compradores de terra de outras regiotildees que

organizassem ldquocaravanasrdquo para conhecer e investir no municiacutepio de Vila Rica

Na deacutecada de 1970 um soacutecio da Servap resolveu transformar juridicamente a

sua aacuterea territorial em uma empresa especializada e autorizada para atuar como

ldquoempresa de colonizaccedilatildeordquo O objetivo foi o de obter junto ao Governo Federal

autorizaccedilatildeo para lotear a aacuterea da agropecuaacuteria e comercializar os lotes utilizando os

incentivos fiscais oferecidos na eacutepoca pela Sudam Aleacutem da especulaccedilatildeo caracterizada

pela valorizaccedilatildeo imobiliaacuteria das terras com baixa eficiecircncia produtiva a empresa

procurava garantir com isso a presenccedila de trabalhadores que serviriam de matildeo obra nas

proacuteprias fazendas Esse processo foi caracterizado por Ianni (1978) como ldquoContra

Reforma Agraacuteriardquo

Segundo Guimaratildees Neto (2007 p 7)

Nesse sentido eacute que as novas cidades surgiram no territoacuterio

amazocircnico articuladas a uma grande rede viaacuteria e ao mercado

capitalista natildeo satildeo resultados ldquonaturaisrdquo do movimento de

deslocamento dos diversos grupos sociais que para laacute se

dirigiram denominado de processo migratoacuterio Relacionam-se

muito mais a um conjunto de praacuteticas organizadoras de poliacuteticas

de controle e monopoacutelio da exploraccedilatildeo da riqueza por parte dos

grandes empresaacuterios e proprietaacuterios As cidades trazem inscritas

em seu espaccedilo as praacuteticas sociais de segregaccedilatildeo de violecircncia e

de cerceamento dos direitos civis que natildeo podem ocultar Mas

natildeo soacute isto manifesta a todo o momento praacuteticas de resistecircncia

atuaccedilotildees de organizaccedilotildees civis e religiosas demarcando um

territoacuterio de conflito

Para a autora as cidades emergidas no territoacuterio da Amazocircnia natildeo resultaram

de um movimento espontacircneo de migraccedilatildeo mas sobretudo foram embasadas de uma

poliacutetica de controle do capital financeiro manipulado pelos interesses dos grupos

empresariais Ao mesmo tempo as novas cidades se constituiacuteram enquanto espaccedilos de

conflitos e praacuteticas de violecircncia marcados pelos conflitos motivados pelas diferenccedilas

sociais culturais e religiosas

Nesse quadro de especulaccedilatildeo imobiliaacuteria com as terras do Araguaia mato-

grossense o processo de colonizaccedilatildeo de Vila Rica foi iniciado pela SERVAP na deacutecada

de 1990 e continuado pela Colonizadora Vila Rica Ltda O foco da colonizaccedilatildeo estava

na venda de lotes rurais para os migrantes que vieram em busca de terra

36

O relato a seguir descreve o momento em que os posseiros e colonos

chegaram assim como a abertura e demarcaccedilatildeo do espaccedilo urbano e rural do municiacutepio

de Vila Rica-MT Tambeacutem eacute evidente na memoacuteria social e na percepccedilatildeo individual o

momento da venda dos lotes segundo a memoacuteria social e a percepccedilatildeo individual dos

entrevistados

[] Eu vi a oportunidade de ver ali onde hoje eacute o coleacutegio

estadual em selva em mata Vi desmatar vi formar pasto e

depois tirar o pasto para fazer a cidade e deixar aquela aacuterea

especial para a construccedilatildeo do coleacutegio Tive a oportunidade de

acompanhar com o topoacutegrafo a demarcaccedilatildeo dos lotes e das

ruas da cidade Quando a colonizadora vendia uma aacuterea de

terra rural de 400 hectares ela dava na cidade

ldquogratuitamenterdquo dois lotes de terra um no centro e outro mais

afastado isso para que as pessoas construiacutessem a fim de

expandir a cidade [] (ENTREVISTA com Dioniacutesio ex-

funcionaacuterio da colonizadora realizada por Acircngela Martini em

novembro de 2001 Grifos nossos)

Podemos identificar atraveacutes dessa fonte oral a percepccedilatildeo dos colonos em

relaccedilatildeo agraves transformaccedilotildees ocorridas nos espaccedilos em que o rural foi ganhando

caracteriacutesticas de urbanizaccedilatildeo mas tambeacutem as estrateacutegias da colonizadora para atrair os

compradores de terra Outro depoimento oral demonstra como ocorria a

comercializaccedilatildeo de lotes

Na verdade quando surgiu Vila Rica eles esparramaram

vendendo para todo o Brasil O pessoal fazia troca trocavam

um alqueire paulista por um alqueire aqui Geralmente trocava

dois por um A terra laacute era mais valorizada (ENTREVISTA

com Gilmar agricultor familiar de Vila Rica-MT realizada pela

autora em marccedilo de 2015)

Atraveacutes desse processo de acesso agrave terra por meio de compra de lotes com o

capital oriundo da venda de terras no local de origem muitos migrantes de vaacuterias

localidades do Brasil sobretudo nos estados do Paranaacute Santa Catarina Rio Grande do

Sul Goiaacutes e Minas Gerais onde ocorriam transformaccedilotildees na estrutura agraacuteria e a

modernizaccedilatildeo da agricultura foram para Vila Rica buscando realizar o sonho de

adquirir uma ldquoaacutereardquo equivalente agrave que haviam vendido na regiatildeo de origem ou entatildeo

uma aacuterea ainda maior

37

Dentre os sonhos e os projetos de vida desses migrantes estava a

possibilidade de produzir com fartura melhorar de vida ou ateacute enriquecer atraveacutes do

trabalho na terra O depoimento do secretaacuterio de agricultura do municiacutepio de Vila Rica-

MT ilustra essa situaccedilatildeo tendo por base sua trajetoacuteria pessoal

Eu nasci em Santa Catarina no ano de 1975 e quando eu tinha

10 anos de idade os meus pais mudaram para o estado de Mato

Grosso Na eacutepoca a gente jaacute morava no estado do Paranaacute

Chegamos no dia 9 de junho de 1985 Vila Rica ainda era

distrito de Santa Terezinha e aiacute fomos direto para o Projeto

Canta Galo que era um projeto de colonizaccedilatildeo Chegamos agrave

noite em Vila Rica e fomos direto para o Canta Galo era soacute

mato e noacutes jaacute chegamos destruindo tudo porque a gente jaacute

chegou para fazer roccedila para comeccedilar a trabalhar []

A gente veio com pessoal conhecido Meus pais eu e os meus

irmatildeos A nossa famiacutelia veio completa e mais cinco famiacutelias

vieram em busca de melhorias de vida Sempre mexemos com

sitio Moramos na roccedila pequena propriedade e viemos pra caacute

com a intenccedilatildeo de conseguir uma aacuterea maior Queriacuteamos ficar

ricos mas o que aconteceu foi o contraacuterio (ENTREVISTA

com Gilmar agricultor familiar de Vila Rica-MT realizada pela

autora em marccedilo de 2015)

A anaacutelise da fonte oral permite averiguar que a empresa SERVAP

posteriormente denominada de Colonizadora Vila Rica Ltda tambeacutem lanccedilou matildeo de

diversos recursos midiaacuteticos fazendo investimentos em propaganda a fim de difundir a

ideia da boa qualidade da terra boa e seu baixo preccedilo Esse trabalho de divulgaccedilatildeo

influenciou pessoas que decidiram migrar procurando um espaccedilo promissor com terras

boas

Dentro dessa perspectiva a visualizaccedilatildeo e leitura de um dos panfletos

publicitaacuterios nos ajudou a visualizar as estrateacutegias de propaganda utilizadas pela

colonizadora no caso do municiacutepio de Vila Rica

A propaganda facilitava a venda dos lotes acelerando a reocupaccedilatildeo dos

espaccedilos urbanos e rurais como retrata o panfleto utilizado pela empresa para difundir o

seu ideaacuterio de construccedilatildeo social A imagem de trabalhadores rurais ldquocarpindordquo

demonstra que o ideal seria a migraccedilatildeo de colonos agricultores com perfil de quem

sabia produzir plantar e colher produtos agriacutecolas A frase ldquoTerra feacutertil e urbanizadardquo

demonstra no entanto que se prometia uma estrutura urbana para oferecer uma ldquovida

feliz para vocecirc e sua famiacuteliardquo Ou seja um evidente apelo aos valores tradicionais da

38

famiacutelia atrelados agrave ideia de felicidade a ser conquistada atraveacutes da compra de terras no

municiacutepio de Vila Rica-MT

Todos esses elementos podem ser observados na Figura 2

Figura 2 Folder de Propaganda da Colonizaccedilatildeo Vila Rica-MT

Fonte SERVAP apud Martini 2002 p14

Portanto os colonos que compraram terras e se mudaram para Vila Rica

sofreram as investidas das empresas atraveacutes das propagandas que descreviam as terras

como sendo boas e baratas conforme mostra o panfleto da colonizadora ldquoConheccedila Vila

Rica Mato Grosso terra feacutertil e urbanizada vida feliz para vocecirc e sua famiacuteliardquo A

imagem criava um imaginaacuterio acerca do lugar como o ideal para se morar e prosperar

economicamente A loacutegica era de fixaccedilatildeo do homem na terra passada de pai para filho

apelo aos agricultores de tradiccedilatildeo ldquocamponesardquo 4

4 Sobre essa questatildeo Martini (2002) em sua monografia de graduaccedilatildeo em Histoacuteria a qual eacute intitulada

como Cotidiano e Identidade Cultural em Vila Rica ndashMT uma cidade de colonizaccedilatildeo recente apresenta

39

Nesse aspecto o relato oral a seguir se constitui numa exemplificaccedilatildeo da

forma como que os artifiacutecios da propaganda persistem na memoacuteria dos atores sociais

As propagandas ih Eles passavam slides mostravam como

era aqui em Vila Rica da cidade das roccedilas das lavouras das

plantaccedilotildees de soja milho Propaganda na raacutedio passava muito

direto mesmo e tambeacutem na televisatildeo passava propaganda

sobre a Vila Rica Tinha tambeacutem gravaccedilotildees de mulheres daqui

da Vila que faziam entrevista na raacutedio Elas diziam assim olha

gente aqui em Vila Rica noacutes estamos bem noacutes temos coleacutegio

falava falava do coleacutegio Faziam propaganda muita entrevista

na raacutedio Eles iludiam muito o pessoal (ENTREVISTA com

Izolde Baacuteo ex-colona realizada por Acircngela Maria Martini em

04032001)

Logo podemos compreender que as propagandas eram criadas pela empresa

colonizadora mas que tinham participaccedilatildeo dos proacuteprios colonos que incentivavam a

vinda de outros A colonizadora incentivava essa participaccedilatildeo dos colonos para o

chamamento - atraveacutes da ideia de que quanto mais colonos viessem para a aacuterea e

comprassem terra mas proacutesperas seriam aquelas terras

Outro fator altamente atrativo foi a divulgaccedilatildeo do projeto urbaniacutestico da

cidade de Vila Rica-MT cujo ldquocorpordquo lembra a figura de um sino Conforme IBGE

Cidades (2015)

A cidade de Vila Rica-MT localizada no nordeste de Mato

Grosso foi cuidadosamente planejada no periacuteodo de sua

fundaccedilatildeo O traccedilado da cidade lhe daacute um formato de sino tendo

sido idealizado pelo paisagista suiacuteccedilo Dr Roberto Khuno Eacute

dividida em dois setores norte e sul sendo margeada pela BR-

1585

Esse formato do projeto da cidade representa a construccedilatildeo do imaginaacuterio de

um grupo de migrantes praticantes da feacute catoacutelica incorporando princiacutepios religiosos a

serviccedilo do capitalismo Ao mesmo tempo mostra uma forte aproximaccedilatildeo entre os

colonos e os donos da empresa colonizadora com a Igreja Catoacutelica Essa representaccedilatildeo

arquitetocircnica da cidade mostra que a mesma foi planejada a partir de uma concepccedilatildeo

religiosa com a qual o desenvolvimento se entrelaccedilaria Objetivou-se a construccedilatildeo do

uma reflexatildeo bastante rica em detalhes construiacuteda a partir das narrativas orais e de imagens relacionadas

ao processo de formaccedilatildeo da cidade de Vila Rica no Estado de Mato Grosso 5Disponiacutevel em

lthttpwwwcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=510860ampsearch=mato-

grosso|vila-rica|infograficos-historicogt Acesso em 2102015

40

imaginaacuterio coletivo de uma cidade civilizada com uma Igreja dentro dos moldes

europeus Assim como na histoacuteria europeia moderna a religiatildeo e a eacutetica do capitalismo

se fundem em um processo que

possivelmente pode ter sido utilizado pela

colonizadora6

Figura 3 Planta ou Projeto urbaniacutestico da cidade de Vila Rica-MT

Fonte Arquivo da Prefeitura de Vila Rica-MT 2015

Atraveacutes da visualizaccedilatildeo da figura 3 fica evidenciado que o projeto

urbaniacutestico ou a planta da aacuterea urbana do municiacutepio de Vila Rica partiu de um projeto

com base em um ldquoconceitualrdquo religioso Em outra planta que projeta a aacuterea de expansatildeo

urbana eacute perceptiacutevel que foi mantido o formato do sino inicial mas com acreacutescimo de

aacutereas agrave direita e uma base que natildeo desconfigurou o desenho inicial

Guimaratildees Neto (2000) considera que no universo simboacutelico da ldquocidade

colonizadardquo tudo parece ter sentido e significado Haacute um lugar certo para cada coisa ou

situaccedilatildeo por exemplo espaccedilo para a praccedila comeacutercio bairros residenciais bairros para

os oacutergatildeos puacuteblicos e institucionais avenidas e bairros residenciais dos trabalhadores Eacute

a ideia de cidade organizada enfim de um povo que organiza devidamente o seu espaccedilo

de convivecircncia social Todavia nesse cenaacuterio desenhado natildeo haveria espaccedilo para o

6 Para uma melhor compreensatildeo ver o caso de Fontanilha Juiacutena-MT analisado por JOANONI

NETO Vitale Fronteiras da Crenccedila ocupaccedilatildeo no Norte de Mato Grosso apoacutes 1970 Cuiabaacute

Carlini amp Caniato EdUFMT 2007

41

surgimento das periferias uma vez que a existecircncia delas desmontaria todo o ideaacuterio

urbaniacutestico da cidade de progresso e de civilizaccedilatildeo

Eacute notoacuteria a riqueza de detalhes nos projetos urbaniacutesticos das cidades

planejadas de colonizaccedilatildeo recente de Mato Grosso As marcas da organizaccedilatildeo tecircm

sempre uma perspectiva marcante no universo de signos e significados como foi

registrado por Guimaratildees Neto (2000 p 7) ao apontar que a cidade se projeta ldquo[]

como uma metaacutefora privilegiada da passagem-comunicaccedilatildeo e separaccedilatildeo entre diversos

mundos e por que natildeo paisagem desenhada por um rico mosaico de linguagens

diversasrdquo

Nesse aspecto quem chegou primeiro fez parte da construccedilatildeo quem chegou

depois tambeacutem foi inserido nessa loacutegica organizativa porque parte dos colonos que

permaneceram na cidade se incorporou ao trabalho prestando serviccedilos ou abrindo

comeacutercios inserindo-se nesse universo de desejo siacutembolos sentidos e significados de

viver em uma cidade com caracteriacutesticas e paisagem adequadas aos moldes dos grandes

centros urbanos

O imaginaacuterio coletivo acerca da concepccedilatildeo de progresso se constituiu de

forma eficaz nessa representaccedilatildeo da cidade em seus primeiros tempos distinguindo os

acontecimentos iniciais construiacutedos com a participaccedilatildeo de homens e mulheres vindos

das diferentes regiotildees do Brasil Essa diversidade cultural se explicita nos detalhes de

construccedilatildeo das casas na maneira de falar e de organizar a paisagem urbana enfim

torna-se proacuteprio de uma cidade de todos para todos desde que devidamente organizados

em seus espaccedilos sociais

Noutra abordagem sobre as narrativas e a formaccedilatildeo de cidades do processo de

colonizaccedilatildeo recente Guimaratildees Neto (2007 p 7) exemplifica

Trabalhadores sem-terra e mesmo pequenos proprietaacuterios

denominados de colonos invertem as programaccedilotildees e previsotildees

das empresas colonizadoras Por meio de accedilotildees coletivas e de

enfrentamentos conflituosos provocam mudanccedilas de aacutereas

planejadas para determinados fins com funccedilotildees diferentes do

que estava previsto As proacuteprias empresas e depois os poderes

puacuteblicos instalados criam ldquobairros novosrdquo a fim de controlar e

administrar a chegada de diversos trabalhadores pobres como

na cidade de Vila Rica-MT onde se organiza a mudanccedila da

cadeia puacuteblica do cemiteacuterio e da zona de meretriacutecio para o

bairro Vila Nova destinado a pessoas de comprovada baixa

renda e com maior nuacutemero de dependentes (Lei municipal nordm

42

19693 de 09121993) extinguindo o popular ldquoPau Secordquo a

primeira aacuterea de meretriacutecio que ocupava um espaccedilo

considerado nobre para a cidade

Em conformidade com a concepccedilatildeo da autora afirmamos que satildeo os atores

histoacutericos atraveacutes de diferentes estrateacutegias e accedilotildees que realizam os desdobramentos e

permitem uma multiplicidade de accedilotildees e efeitos de suas praacuteticas eacute que vatildeo

ldquodesvendando inventando e desenhandordquo os locais da cidade que encenam os contrastes

sociais e culturais Nesse aspecto grupos sociais acabam modificando o projeto inicial e

inserindo nele seu proacuteprio modo de constituir a vida em sociedade

Outra estrateacutegia utilizada para facilitar o processo de venda dos lotes foi a

definiccedilatildeo dos criteacuterios de seleccedilatildeo do puacuteblico alvo das investidas de vendas pela

empresa colonizadora Nesse cenaacuterio surgiram os pequenos proprietaacuterios de terras do

Sul do Brasil os quais dispunham de capital para investir na compra de lotes da

colonizadora Tambeacutem havia a negociaccedilatildeo por meio da troca de terra e da carta de

creacutedito como ocorreu com as pessoas que haviam sido desapropriadas para a

construccedilatildeo da barragem da Usina de Itaipu no Paranaacute de onde migraram diversas

pessoas para Vila Rica-MT Essa negociaccedilatildeo era feita com intermediaccedilatildeo de instituiccedilatildeo

bancaacuteria

Ainda relacionando a reorganizaccedilatildeo dos espaccedilos em Vila Rica sob a

conduccedilatildeo da colonizadora eacute importante considerar que houve tentativas no sentido de

destinar pequenas aacutereas de terra situadas nos fundos das fazendas para ldquoaliviarrdquo a

pressatildeo dos trabalhadores rurais Inclusive ex-funcionaacuterios da empresa SERVAP com

o objetivo de evitar a invasatildeo por parte dos ldquoposseirosrdquo acabavam sendo incorporados

por esses procedimentos de especulaccedilatildeo imobiliaacuteria praticados pela Colonizadora Vila

Rica

Semelhante situaccedilatildeo nos remete a uma anaacutelise que demonstra ter havido uma

relaccedilatildeo entre as intenccedilotildees dos representantes da Servap tanto em relaccedilatildeo aos objetivos

do INCRA quanto ao destino de parte da aacuterea para o processo de colonizaccedilatildeo oficial

Segundo Barrozo (2010 p 18) ldquo[] para os camponeses do Sul o governo oferecia a

possibilidade de adquirir um lote de 100 ou 200 hectares em um nuacutecleo do INCRA

com infraestrutura estrada e tudo mais que a propaganda oficial anunciava para

sensibilizar os agricultoresrdquo

43

No caso do processo de reocupaccedilatildeo do municiacutepio de Vila Rica a

documentaccedilatildeo7 analisada demonstrou que havia entre os primeiros moradores

concepccedilotildees diferentes acerca do processo de ocupaccedilatildeo e reocupaccedilatildeo das terras naquela

aacuterea As fontes nos possibilitam ainda identificar as estrateacutegias adotadas para arquitetar

o imaginaacuterio sobre os ldquoditos pioneirosrdquo que pode ser identificado atraveacutes das narrativas

oficiais sobre as histoacuterias do lugar que se tornam discursos

Poreacutem a realidade contemporacircnea tambeacutem pode ser pensada por outra

perspectiva configurada de outro modo demonstrando a presenccedila indiacutegenas na regiatildeo

Nos sites do IBGE Cidades e da Prefeitura de Vila Rica natildeo haacute menccedilatildeo sobre a

presenccedila de povos indiacutegenas na aacuterea colonizada Mas segundo Costa e Silva amp Ferreira

(1994 p 248)

O povo indiacutegena ldquoTapirapeacuterdquo que habitou imemorialmente as

terras do lugar foram remanejados para municiacutepios vizinhos

em aacutereas especialmente reservadas Estes foram na verdade os

grandes pioneiros do lugar povo sofrido sentindo-se sem

perspectivas de vida iniciaram um processo de auto

dizimazizaccedilatildeo Tudo comeccedilou com forte conflito cultural que se

abateu sobre os poucos ldquoTapirapeacutesrdquo que restaram Accedilatildeo

seguinte que se viu foi agrave eliminaccedilatildeo de crianccedilas receacutem-nascidas

No entanto a interferecircncia de religiosas natildeo permitiu que se

concretizasse o desejo coletivo de extinccedilatildeo do ldquoTapirapeacuterdquo como

naccedilatildeo (Grifos nossos)

A citaccedilatildeo eacute importante para destacar a presenccedila do povo indiacutegena Tapirapeacute na

aacuterea que foi colonizada no entanto eacute uma visatildeo problemaacutetica no que diz respeito agrave

ideia de que os povos indiacutegenas foram pioneiros uma vez que essa concepccedilatildeo eacute oriunda

de projetos de Governo e de uma visatildeo economicista de ocupaccedilatildeo de territoacuterio natildeo eacute

parte da concepccedilatildeo de terra para povos indiacutegenas voltada agrave identidade e memoacuteria do

lugar Certamente para os autores pioneiro significou aquele que primeiro ocupou o

solo e natildeo seu entendimento no interior do processo de colonizaccedilatildeo contemporacircneo

No entanto existe uma narrativa oficial que ldquoesquecerdquo de citar a presenccedila

indiacutegena e assume um discurso de que os ldquopioneirosrdquo foram os que participaram do

processo de colonizaccedilatildeo privada Isto eacute haacute uma ampla difusatildeo da ideia de que a

7 O termo documentaccedilatildeo refere- se agraves fontes escritas que foram acessadas para a produccedilatildeo das

anaacutelises como eacute o caso dos ofiacutecios cartas relatoacuterios atas e relatos orais

44

validade da ocupaccedilatildeo da terra tem sentido somente quando eacute pensada do ponto de vista

da criaccedilatildeo da cidade e da organizaccedilatildeo social embasada na propriedade privada da terra

Outros atores sociais silenciados foram os migrantes de origem camponesa

de diferentes origens que foram ocupar aquele espaccedilo nas primeiras deacutecadas do seacuteculo

XX conforme descrito por Costa e Silva amp Ferreira (1994 p 248)

No iniacutecio da sua povoaccedilatildeo Vila Rica recebeu forte fluxo

migratoacuterio de povos (sic) de Goiaacutes Minas Gerais e do

Nordeste Fator determinante foi o reflexo da colonizaccedilatildeo de

Nova Xavantina pois o assentamento da Fundaccedilatildeo Brasil

Central natildeo produziu os efeitos que se esperava e os colonos

sem apoio prometido se espalharam pelo Leste e Nordeste do

Estado de Mato Grosso

Novamente a citaccedilatildeo traz problemas ao analisar que os fluxos migracionais

eram realizados por ldquopovosrdquo entendidos enquanto populaccedilotildees mas fornece elementos

para compreendermos como ocorreu uma reocupaccedilatildeo inicial por migrantes poreacutem o

que persiste na histoacuteria oficial descrita no IBGE Cidades (2015) 8 eacute que

A construccedilatildeo da rodovia BR-158 foi fator determinante para a

colonizaccedilatildeo da cidade de Vila Rica -MT favorecendo o

estabelecimento de empresas agropecuaacuterias na regiatildeo O nuacutecleo

que deu origem ao atual municiacutepio tem histoacuteria

relativamente recente Vila Rica - MT foi fundada pelo Sr

Rubens Rezende Peres em 1978 que chegou na regiatildeo

trazendo consigo a Colonizadora Vila Rica-MT Segundo

relatos histoacutericos os primeiros moradores da localidade vieram

de Minas Gerais e homenagearam o lugar que escolheram para

morar com o nome de Vila Rica em referecircncia agrave antiga Vila

Rica de Ouro Preto (Grifos nossos)

Logo dessa maneira registrada a presenccedila indiacutegena e de migrantes que

chegaram antes da colonizaccedilatildeo privada efetivada a partir da deacutecada de 1980 e

consideradas ldquorecentesrdquo decidem considerar que a histoacuteria do municiacutepio somente

comeccedila com essa modalidade de colonizaccedilatildeo

8 Disponiacutevel em

lthttpwwwcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=510860ampsearch=mato-

grosso|vila-rica|infograficos-historicogt Acesso em 2102015

45

A obra da jornalista Soely Gonccedilalves Santos Pires contratada pela Prefeitura

Municipal de Vila Rica em 2002 para escrever a histoacuteria do municiacutepio eacute um exemplo

que evidencia a versatildeo oficial9

[] Aconteciam as exploraccedilotildees das terras ao nordeste mato-

grossense rotas e demarcaccedilotildees cifradas em aacutereas destinadas agrave

implantaccedilatildeo do arrojado projeto Em meio a tantos apetrechos

no lidar aacuterduo talvez natildeo tenham tido tempo para registrar tudo

em diaacuterio Idas e vindas por iacutengremes caminhos de quilocircmetros

de distacircncias paragens desconhecidas Veredas iam se

alargando mato adentro sol ardente e calor intenso []

venciam-se os empecilhos agrave medida que esses iam surgindo

Natildeo adentravam o sertatildeo em busca de bauacute recheado de

preciosos tesouros enterrados nas profundezas da terra [] A

finalidade era trabalhar Soacute assim conquistariam o almejado

objetivo [] Trabalho avante Em aproximadamente seis meses

de contiacutenuas derrubadas a estiagem com a secagem Nisso

atearam fogo Os dias se passaram Um olhar ao longe no

alcance de vales e serras [] Focando com muita atenccedilatildeo os

limpotildees que iam surgindo propiciando o semear das primeiras

sementes de capim Aiacute estava o representativo ouro dos sertotildees

A Servap foi instituiacuteda no ano 1973 e por seu intermeacutedio

administrava-se toda a assistecircncia no desenvolver das atividades

do projeto desde o princiacutepio A movimentaccedilatildeo era intensa o

serviccedilo mecanizado requeria grande consumo de oacuteleo diesel O

transporte era constante Devido agrave precariedade das estradas o

trajeto era retardo levando de cinco a sete dias para alcanccedilar o

ponto de apoio local onde se situava a SERVAP Hoje ali se

encontra o Frigoriacutefico Vila Rica que por sinal contribuiu muito

natildeo soacute com a economia natildeo soacute da regiatildeo mas tambeacutem de

municiacutepios vizinhos (PIRES 2002 p 10)

O discurso contido nessa narrativa apresenta muacuteltiplos sentidos

primeiramente pode ser analisado como sendo da perspectiva de um explorador de

recursos naturais e de projetos de colonizaccedilatildeo privada mas que se considera um

desbravador com um espiacuterito empresarial e empreendedor Essa observaccedilatildeo pode ser

visualizada na afirmaccedilatildeo de que se tratava da ldquo[] implantaccedilatildeo do arrojado projeto Em

meio a tantos apetrechos no lidar aacuterduo []rdquo Aqui eacute possiacutevel pensar inclusive na ideia

da tentativa de criaccedilatildeo de um mito de origem de um heroacutei de um grupo de homens que

fizeram a histoacuteria da cidade civilizada

9Apesar da ressalva sobre o livro de Soely eacute necessaacuterio afirmar que se trata de uma obra

importante para percebemos a concepccedilatildeo do dono da empresa Servap

46

Esse tipo de discurso exaltando o colonizador foi identificado e interpretado

pela pesquisa de Heinst (2007) que analisou a disputa da memoacuteria de quem era o

colonizador e o pioneiro no municiacutepio mato-grossense de Mirassol D‟Oeste A autora

identificou que foram aqueles pioneiros que tiveram ecircxito econocircmico considerados os

ldquoprimeirosrdquo com o espiacuterito empresarial que enalteceram a colonizaccedilatildeo

Guimaratildees Neto (2002) na anaacutelise de Alta Floresta esclarece que o

colonizador Ariosto da Riva produziu um discurso no qual se auto-intitula ldquobandeirante

do seacuteculo XXrdquo A anaacutelise mostra a perspectiva de quem tem o espiacuterito expansionista

tatildeo recorrente na histoacuteria brasileira e que se renova ao longo do contexto de expansatildeo da

fronteira agriacutecola recente

Sabemos que a narrativa produzida em determinada conjuntura poliacutetica

cultural ou econocircmica estaacute condicionada a um momento histoacuterico e atrelada agrave

linguagem utilizada pode ser uma das vias por onde a ideologia se materializa O

ldquoaventureirordquo eacute descrito e se auto- identifica como explorador e grande desbravador de

espiacuterito empreendedor sendo portanto ele o pioneiro em tudo porque enfrentou

inuacutemeras dificuldades Assim produz discursos embasados em espaccedilos difiacuteceis de

sertatildeo obstaacuteculos naturais e o potencial arrojado do sujeito empreendedor inicial

Aleacutem disso o texto enfatiza que todo esse esforccedilo natildeo tinha como objetivo o

lucro o interesse proacuteprio a cobiccedila como se observa nesse fragmento do texto de Pires

(2002 p 10) ldquo[] Natildeo adentravam o sertatildeo em busca de bauacute recheado de preciosos

tesouros enterrados nas profundezas da terra A finalidade era trabalhar []rdquo Essas

narrativas remetem agrave trajetoacuteria do colonizador e de sua famiacutelia conforme a descriccedilatildeo

Minha histoacuteria comeccedila com o meu pai eacuteramos madeireiros ele

jaacute atuava no ramo por muitos anos faleceu e eu o substituiacute no

trabalho Na deacutecada de 50 me mudei para Satildeo Pedro dos

Ferros cidade jaacute com cinquenta anos de fundaccedilatildeo e sem

nenhuma participaccedilatildeo minha nem de algueacutem da minha famiacutelia

Compramos terra nesse municiacutepio onde foi implantado um

grande serviccedilo chegando a trabalhar dez mil pessoas no

desmatamento e formaccedilatildeo de aacutereas para a implantaccedilatildeo de

fazendas Quando o serviccedilo terminou eu estava com quarenta e

cinco anos de idade Acostumado desde muito cedo com serviccedilo

de grande porte utilizando grande nuacutemero de pessoas []

como fazendeiro comecei a me sentir meio ocioso As

atividades que eu tinha em minha fazenda natildeo eram suficientes

para satisfazer o meu acircnimo para o trabalho (ENTREVISTA

com Rubens Rezende Peres colonizador de Vila Rica realizada

por Suely Gonccedilalves Santos Pires em 2002)

47

Podemos compreender que o colonizador ressalta na sua narrativa seu

perfil de empreendedor advindo de uma ldquoheranccedilardquo adquirida do pai que era

madeireiro Depois vai demonstrando como foi se adaptando agraves novas situaccedilotildees

[] Em Belo Horizonte eu tinha amigos entatildeo participei a

eles sobre a minha pretensatildeo em procurar terras para abrir

novas frentes de trabalho Geraldo Simotildees amigo de longas

datas falou-me ldquoEu arranjo o dinheiro e vocecirc entra com o

serviccedilordquo Convidou uma meia duacutezia de amigos nossos

ldquoAcreditamos na sua capacidade e vocecirc vai pra laacuterdquo Noacutes natildeo

temos experiecircncias suficientes nesse ramo de negoacutecio o que

nos dificultaria particularmente a implantaccedilatildeo de um trabalho

dessa ordem mas entramos com o dinheiro (ENTREVISTA

com Rubens Rezende Peres colonizador de Vila Rica-MT

realizada por Suely Gonccedilalves Santos Pires em 2002)

Neste relato percebe-se a autopromoccedilatildeo do colonizador ao demonstrar que

ele era um ldquotrabalhadorrdquo acostumado com ldquoserviccedilos de grande porterdquo com iniciativa

para conseguir agregar em seus empreendimentos outros ldquoamigosrdquo como Geraldo

Simotildees que foi um dos donos das fazendas abertas naquele periacuteodo Essa narrativa de

autopromoccedilatildeo estaacute dentro de uma loacutegica baseada no ideaacuterio de que o colonizador

deveria ter esse perfil de ldquoempreendedorrdquo e ldquopioneirordquo e que trabalhava e tudo fazia

A narrativa de autopromoccedilatildeo contrapotildee ao esquecimento de outros pioneiros

e trabalhadores na eacutepoca da formaccedilatildeo da cidade O esvaziamento de sentido aparece na

narrativa apenas como apecircndice da construccedilatildeo da histoacuteria oficial do ldquoprogressordquo e do

ldquopioneirismordquo denotando portanto a pouca importacircncia desses trabalhadores Essa

visatildeo reforccedila o discurso do ldquofui eu quem fizrdquo acentuando ainda mais uma visatildeo

capitalista evidenciada e reforccedilada nas referecircncias sobre as contribuiccedilotildees do Frigoriacutefico

de Vila Rica-MT

Guimaratildees Neto (2011 p 95) discute a relaccedilatildeo entre a colonizaccedilatildeo e os

dispositivos de poder a partir do imaginaacuterio da cidade sobre o trabalho A autora afirma

que ldquo[] no acircmbito dos discursos objetivam dotar de significado poliacutetico econocircmico e

social os espaccedilos destinados agrave colonizaccedilatildeo a pedra angular eacute a produccedilatildeo da ideia ou

invenccedilatildeo de uma vocaccedilatildeo agriacutecola para a Amazocircniardquo Entatildeo temos nesse caso uma

aproximaccedilatildeo dessa realidade entre os espaccedilos sociais e as contribuiccedilotildees dos sujeitos

para uma Paacutetria produtiva a partir de seus municiacutepios

48

A seguir temos outro exemplo de como o discurso do colonizador soa como

uma reivindicaccedilatildeo em torno do reconhecimento por parte de todos os demais sujeitos

histoacutericos jaacute que foi ele quem construiu tudo em uma eacutepoca em que tudo era muito

difiacutecil e trabalhoso

[] Fui para aquela regiatildeo procurei as terras sobrevoando a

regiatildeo mais sul possiacutevel do Amazonas Interessei-me pela

regiatildeo por ficar mais perto do sul Eu acreditava que a

influecircncia do Sul no futuro seria importante Achei finalmente

as terras [] Procurando passei em muitas fazendas para

verificar como os capins se desenvolviam naquelas regiotildees e

finalmente descobri uma aacuterea que satisfez minhas exigecircncias

[] Eram cento e cinquenta mil hectares comprei de uma

firma do Rio Grande do Sul e posteriormente vendi parte dela

cinquenta mil hectares para fazendeiros de Ituiutaba -MG O

restante eu fiz sete fazendas para este grupo de Belo Horizonte

que jaacute tinha entrado com o dinheiro para a aquisiccedilatildeo da terra

(ENTREVISTA com Rubens Rezende Peres colonizador de

Vila Rica-MT realizada por Suely Gonccedilalves Santos Pires em

2002)

Ao contraacuterio da narrativa oficial do colonizador que exalta os seus esforccedilos e

problemas o relato oral de alguns colonos demonstra precisamente que foram eles que

enfrentaram os maiores problemas superaram os piores desafios e venceram por

esforccedilos pessoais e coletivos quando necessaacuterio

Noacutes eacuteramos seis famiacutelias aiacute com 15 dias em Mato Grosso o

pessoal comeccedilou adoecer com malaacuteria que ateacute entatildeo era

desconhecida pra gente quando o pessoal foi negociar as

terras disseram que aqui era um lugar muito sadio natildeo tinha

doenccedila Entatildeo quem tinha condiccedilatildeo voltou a ir embora e noacutes

ficamos aqui soacute que aiacute acabou tudo com doenccedila e fomos

trabalhar como peotildees pra quem tinha mais Ai depois de

alguns anos a gente mudou daquele local e procuramos um

lugar onde natildeo tinha doenccedila malaacuteria ateacute chegar na cidade de

Vila Rica-MT voltar a morar na cidade Aqui eu vendia picoleacute

limpava quintal trabalhei de servente de pedreiro ateacute que

surgiu a oportunidade pra ir estudar fora eu fui a estudar em

Satildeo Paulo (ENTREVISTA com Gilmar Assentado realizada

pela autora em marccedilo de 2015 Grifos do autor)

O relato mostra que havia colonos insatisfeitos com a aquisiccedilatildeo do lote e que

tinham vontade ou mesmo conseguiram voltar para seus lugares de origem Poreacutem

49

percebe-se tambeacutem a existecircncia de objetivos na vida destas pessoas como a luta pela

sobrevivecircncia e por ocupaccedilatildeo de destaque no espaccedilo social

Para aleacutem dessa problemaacutetica sobre a narrativa e o discurso do colonizador

um dos elementos principais foi o papel de instituiccedilotildees e oacutergatildeos puacuteblicos na criaccedilatildeo e

emancipaccedilatildeo do municiacutepio de Vila Rica que se deu principalmente por meio de

programas e poliacuteticas puacuteblicas ligadas ao incentivo agrave colonizaccedilatildeo e a reocupaccedilatildeo por

meio de empresas agropecuaacuterias

121 O papel das instituiccedilotildees e oacutergatildeo puacuteblicos as empresas agropecuaacuterias

e a colonizadora

Conforme jaacute contextualizado a atuaccedilatildeo do Governo Federal atraveacutes de

projetos e poliacuteticas puacuteblicas foi fundamental para a criaccedilatildeo do municiacutepio de Vila Rica-

MT O Programa de Redistribuiccedilatildeo de Terras e de Estiacutemulo agrave Agroinduacutestria do Norte

(Proterra) criado em 1971 foi um dos principais programas federais de financiamento

das agropecuaacuterias daquela aacuterea Esse programa objetivava dentre outras metas

promover o acesso agrave terra e agrave agroindustrializaccedilatildeo na aacuterea onde jaacute havia investimentos

feitos pela Sudam Ressaltamos que os objetivos idealizados natildeo foram necessaria e

igualmente realizados

No discurso do Proterra a ldquo[] aquisiccedilatildeo ou desapropriaccedilatildeo de terras de

interesse social empreacutestimos fundiaacuterios para pequenos e meacutedios produtores rurais

financiamento de projetos de agroindustrializaccedilatildeo subsiacutedios ao uso de insumos

modernos []rdquo Era um programa de governo que idealizou a organizaccedilatildeo de alguns

espaccedilos agraacuterios de maneira singular Cruzando com as fontes orais eacute possiacutevel verificar

o impacto desse programa na formaccedilatildeo do municiacutepio de Vila Rica

[] Na eacutepoca o governo estava dando estiacutemulo para a

ocupaccedilatildeo da Amazocircnia Legal Era uma modalidade de

empreacutestimo por nome Proterra que o Banco do Brasil dava

Esse recurso era destinado agrave implantaccedilatildeo de Fazendas na

regiatildeo [] Fiz um projeto para cada um dos meus amigos e

criamos uma empresa para a implantaccedilatildeo das fazendas

denominadas de SERVAP exclusivamente nossa composta por

seis soacutecios e dirigida por meu filho Claudio [] Todo aquele

trabalho no Mato Grosso foi dirigido por mim Implantei todas

as fazendas de acordo com os Projetos do BB fizemos pastos

currais as cercas e compramos o gado para depois de quatro

ou cinco anos poder entregar as referidas fazendas para cada

50

um dos soacutecios [] Nesse periacuteodo surgiu a oportunidade de

comprar mais cem mil hectares de terras anexas agraves nossas e

que pertenciam na eacutepoca ao Sr Osvaldo Aranha ou melhor a

uma empresa dele Logo em seguida compramos a Urupianga

(ENTREVISTA com Rubens Rezende Peres colonizador de

Vila Rica - MT realizada por Soely Gonccedilalves Santos Pires em

2002)

O colonizador Rubens Rezende considera como meacuterito do colonizador

ousadia ldquodesbravamentordquo e ldquoempreendedorismordquo como base apoio e financiamentos

de programas do Governo Federal viabilizados pelo Banco do Brasil A deacutecada de

1970 sobretudo as os anos de 1970-1973 e 1975-1979 foi marcada pela execuccedilatildeo de

um programa de crescimento econocircmico na fronteira Amazocircnica quando o Governo

Federal estimulou as empresas privadas a se constituiacuterem em grandes empreendimentos

agropecuaacuterios Esses projetos eram majoritariamente aqueles que viabilizados pela

parceria entre as empresas estatais e privadas

Na execuccedilatildeo desse projeto de crescimento econocircmico do Brasil sobretudo

para a Amazocircnia o Governo Federal subsidiou e viabilizou a concessatildeo de terras para

que grupos empresariais pudessem instalar grandes projetos tanto no setor

agropecuaacuterio como na induacutestria mineraccedilatildeo e colonizaccedilatildeo No espaccedilo do Araguaia as

empresas agropecuaacuterias tiveram significativa presenccedila

Os projetos e programas do Governo Federal contaram com duas principais

frentes de atuaccedilatildeo atraveacutes da Sudam paralelamente com a atuaccedilatildeo do INCRA com

projetos de assentamentos rurais Assim as terras devolutas foram vendidas pelo

Governo Estadual e adquiridas a preccedilos baixos por empresaacuterios agricultores

profissionais liberais atraiacutedos pelos incentivos fiscais e oportunidades de expansatildeo de

capital fomentado por projetos agropecuaacuterios aprovados pela Sudam Comprar e

administrar extensas fazendas na Amazocircnia parecia ser um bom negoacutecio jaacute que oferecia

baixo risco

Lourenccedilo (2009) informa que no periacuteodo de 1970 a 1985 a Amazocircnia Legal

teve 950 projetos aprovados pela Sudam dos quais 631 eram destinados agrave pecuaacuteria

extensiva Embora a previsatildeo de duraccedilatildeo desses projetos fosse de 16 anos a produccedilatildeo

era em meacutedia 9 do que tinha sido proposto Havia ainda as fazendas agropecuaacuterias

que natildeo produziam praticamente nada aleacutem daquelas que soacute existiam no papel

constituiacutedas apenas para a captaccedilatildeo de financiamentos e incentivos fiscais

51

No iniacutecio da deacutecada de 1970 o Governo Federal permitiu que as empresas de

colonizaccedilatildeo privada participassem juntamente com o INCRA da colonizaccedilatildeo na

Amazocircnia Segundo Lourenccedilo (2009 p 4)

O outro braccedilo da estrateacutegia de ocupaccedilatildeo da Amazocircnia com o

grande capital foi o avanccedilo da colonizaccedilatildeo privada Entre o

comeccedilo dos anos 1970 e meados dos anos 1980 principalmente

no Norte do Mato Grosso empresaacuterios como Ecircnio Pepino

Ariosto da Riva e Joatildeo Carlos Meireles compraram do INCRA

ou do estado do Mato Grosso com financiamento fundiaacuterio do

Proterra imensas glebas para divisatildeo e venda de lotes a colonos

do Sul expulsos pela modernizaccedilatildeo excludente da agricultura

ou afetados pela construccedilatildeo de hidreleacutetricas Os nomes das

cidades na metade norte do estado satildeo reveladores de suas

origens na empresa privada Sinop (Sociedade Imobiliaacuteria

Noroeste do Paranaacute) Confresa (Colonizadora Frenova Sapesa)

Contriguaccedilu (Cooperativa Central Regional Iguaccedilu) Codeara

(Companhia de Desenvolvimento do Araguaia do Banco de

Creacutedito Nacional) e outros nomes menos reveladores mas de

mesma origem como Alta Floresta (Indeco) Nova Mutum

(Agropecuaacuteria Mutum) Vila Rica-MT (Colonizadora Vila

Rica-MT) Tucumatilde (Construtora Andrade Gutierrez no Paraacute)

entre vaacuterios outros (Grifos nossos)

Em Mato Grosso as empresas de colonizaccedilatildeo privada adquiriram vaacuterios

milhotildees de hectares de terras puacuteblicas que foram loteadas e revendidas sobretudo para

agricultores que migraram do Sul do Brasil O INCRA que era responsaacutevel pela

colonizaccedilatildeo na Amazocircnia desenvolveu poucos projetos de colonizaccedilatildeo em Mato

Grosso deixando o campo aberto para as empresas privadas

Pouco foi investido por parte de posteriores Governos Federais e Estaduais na

permanecircncia dos assentados em suas terras centralizando os anseios e reinvindicaccedilotildees

ainda no INCRA Somente em 1999 o Governo Federal criou o Ministeacuterio do

Desenvolvimento Agraacuterio (MDA) Este oacutergatildeo se ocupou do reordenamento agraacuterio e

regularizaccedilatildeo fundiaacuteria na Amazocircnia Legal promoccedilatildeo do desenvolvimento sustentaacutevel

da Agricultura Familiar das regiotildees rurais e na identificaccedilatildeo reconhecimento

delimitaccedilatildeo demarcaccedilatildeo e titulaccedilatildeo das terras ocupadas pelos remanescentes das

comunidades quilombolas

Estes oacutergatildeos (INCRA e MDA) foram responsaacuteveis pelo desenvolvimento da

poliacutetica permanente de criaccedilatildeo de assentamentos rurais no paiacutes enquanto mediadores da

aquisiccedilatildeo ou de expropriaccedilatildeo de novas aacutereas de terras privadas ou puacuteblicas aleacutem da

52

realizaccedilatildeo da regularizaccedilatildeo de assentamentos rurais em aacutereas ocupadas por posseiros de

forma ldquomansardquo e paciacutefica ou seja onde natildeo havia conflito

O INCRA definiu o ldquoProjeto de assentamento ruralrdquo (PA) como

[] um conjunto de unidades agriacutecolas independentes entre si

instaladas pelo INCRA onde originalmente existia um imoacutevel

rural pertencente a um uacutenico proprietaacuterio Cada unidade

chamada de parcela lote ou gleba eacute entregue a uma famiacutelia sem

condiccedilotildees econocircmicas para adquirir e manter um imoacutevel rural

por outras vias Os trabalhadores rurais que recebem o lote

comprometem-se a morar na parcela e a exploraacute-la para seu

sustento utilizando a matildeo de obra familiar e contando com

creacuteditos assistecircncia teacutecnica infraestrutura e outros benefiacutecios

de apoio ao desenvolvimento das famiacutelias assentadas Ateacute que

possuam a escritura do lote os assentados estaratildeo vinculados ao

INCRA e natildeo poderatildeo dispor da gleba sem anuecircncia ou

autorizaccedilatildeo do INCRA10

Como assinalado acima o assentamento rural na definiccedilatildeo apresentada pelo

MDA teve como origem um uacutenico imoacutevel rural dividido em vaacuterias partes denominadas

de ldquoparcela lote ou glebardquo Ressalta-se que estes lotes foram destinados ldquo[] a uma

famiacutelia sem condiccedilotildees econocircmicas para adquirir e manter um imoacutevel ruralrdquo e que os

mesmos ldquo[] comprometem-se a morar na parcela e a exploraacute-la para seu sustento

utilizando a matildeo de obra familiarrdquo (INCRA 2015)

No municiacutepio de Vila Rica-MT a criaccedilatildeo e formaccedilatildeo dos assentamentos

rurais teve influecircncia direta no processo de colonizaccedilatildeo e instalaccedilatildeo de projetos

agropecuaacuterios (fazendas) O processo de reocupaccedilatildeo daquele espaccedilo comeccedilou com a

empresa SERVAP que realizou a exploraccedilatildeo desmatamento formaccedilatildeo de pastagens

currais e casas para as fazendas

122 A Servap e a abertura das Fazendas Promissatildeo Satildeo Marcos Aracatiacute e

Porongaba

Apoacutes a ldquoaberturardquo inicial a Servap transferiu parte das terras para a

Colonizadora Vila Rica O colonizador se responsabilizou pela comercializaccedilatildeo das

terras uma vez que seus soacutecios natildeo tinham experiecircncia com esse tipo de

10 Disponiacutevel em lt httpwwwincragovbrassentamentogt Acesso em 19052015

53

empreendimento Assim sendo segundo Pires (2002 p 22) os soacutecios realizaram a

divisatildeo das fazendas entre os mesmos por meio de um sorteio como foi relatado por

alguns funcionaacuterios da antiga empresa SERVAP

A ideia de praticar o sorteio foi vista como estrateacutegia para natildeo gerar

descontentamento jaacute que havia diferenccedila entre as fazendas em termos de valorizaccedilatildeo

da aacuterea o que tinha relaccedilatildeo com a infraestrutura os investimentos realizados e a

distacircncia da fazenda com a estrada por onde passaria a rodovia BR-158

A SERVAP tambeacutem tinha uma serraria e uma oficina de marcenaria para

atender a demanda de exploraccedilatildeo de madeira a qual era utilizada para a construccedilatildeo de

cercas currais e casas No iniacutecio a maioria das casas da aacuterea era construiacuteda com

madeira

Retomando o relato oral do ldquodito pioneirordquo eacute possiacutevel considerar a hipoacutetese

de que a praacutetica de exploraccedilatildeo de madeira esteja relacionada agrave proacutepria experiecircncia de

vida pois eacute ele mesmo quem diz ldquo[] minha histoacuteria comeccedila com o meu pai eacuteramos

madeireiros ele jaacute atuava no ramo por muitos anos faleceu e eu o substituiacute no

trabalhordquo (ENTREVISTA com Mendonccedila apud Soely 2002)

Na sede da empresa havia ainda uma pista para pouso de aviotildees e uma aacuterea

que servia como local de encontro ldquodos peotildeesrdquo que trabalhavam na SERVAP Os peotildees

costumavam ali se reunir nos horaacuterios de folga daiacute o lugar ser nomeado como ldquoPraccedila

Seterdquo Segundo Pires (2002 p 22) o nome era uma homenagem agrave cidade de Belo

Horizonte capital de Minas Gerais jaacute que a grande maioria das pessoas que trabalhava

na Servap era oriunda daquele Estado Esse espaccedilo tambeacutem se constituiu no eixo que

marcava a divisatildeo das quatro fazendas que deram origem ao processo de colonizaccedilatildeo de

Vila Rica conforme a Figura 4

Figura 4 Croqui de localizaccedilatildeo das fazendas

54

Fonte PIRES 2002 p 10

E como haviam sido ldquocriadasrdquo segundo o colonizador outras trecircs fazendas a

nova organizaccedilatildeo das agropecuaacuterias ocorreu da seguinte maneira ldquoFazenda Aracati

passou a ser de propriedade apenas de Rubens Rezende Peres A Fazenda Promissatildeo de

propriedade de Geraldo Franccedila Simotildees A Fazenda Porongaba de propriedade de Alair

Fernandes A Fazenda Ipecirc ficou sendo de Jonas Barcelos enquanto a fazenda Satildeo Joseacute

tornou-se propriedade de Homero Schettino Jaacute a Fazenda Satildeo Marcos do senhor

Miguel Acircngelo Cansado e a Fazenda Acaiaca de Tuacutelio Feliacutecio da Silvardquo (PIRES

2002)

Algumas dessas fazendas tornaram-se ociosas em termos de produccedilatildeo outras

nunca tiveram atividade agropecuaacuteria efetivada e outras faliram como foi descrito por

Lourenccedilo (2009 p 4) ao referir-se ao contexto dos projetos agropecuaacuterios na

Amazocircnia sobretudo no Araguaia

[] que existiu de fato foi o conflito crocircnico entre as grandes

fazendas e as populaccedilotildees camponesas que jaacute habitava a suposta

ldquoterra sem homensrdquo [] O Meacutedio Araguaia e a regiatildeo de

contato entre as bacias do Araguaia e Xingu foram palco de

inuacutemeros conflitos violentos entre posseiros apoiados pela

Igreja Catoacutelica e grandes fazendeiros que reclamavam de

imensas porccedilotildees de terra11

11Disponiacutevel em lthttpinteressenacionaluolcombrindexphpedicoes-revistaregularizacao-

fundiaria-e-desenvolvimento-na-amazoniagt Acesso em 28082015

55

As aacutereas remanescentes tornaram-se objeto de interesse e disputa por parte de

posseiros agricultores familiares grileiros e fazendeiros Logo natildeo eacute possiacutevel falar de

sucesso contiacutenuo e permanente dos processos de colonizaccedilatildeo ainda que estejam no

ideaacuterio do colonizador Alguns desses projetos privados se sustentaram e deram

resultado poreacutem outros ficaram a mercecirc da administraccedilatildeo dos proprietaacuterios das

empresas colonizadoras

A especificidade da formaccedilatildeo e emancipaccedilatildeo do municiacutepio de Vila Rica-MT

estaacute centrada em uma conjuntura regional que pode ser problematizada pela forma com

que os assentamentos rurais foram sendo formados em aacutereas remanescentes de fazendas

e projetos agropecuaacuterios

13 Anos de 1980 a 1990 o Araguaia e a formaccedilatildeo dos assentamentos rurais

Na presente dissertaccedilatildeo produzimos uma narrativa sobre a formaccedilatildeo dos

assentamentos rurais no Araguaia compreendemos que os mesmos resultaram das lutas

travadas pelos movimentos sociais desencadeados pelos posseiros em busca de terra

para morar e produzir Essa concepccedilatildeo pode ser compartilhada com a ideia de que

apesar da evidecircncia de o assentado nem sempre ser aquele idealizado natildeo se pode

perder de vista que ldquoposseirordquo eacute uma categoria poliacutetica de luta pela terra Assim nossa

escrita deseja ampliar a possibilidade de entender esse jogo poliacutetico de construccedilatildeo social

da vida ldquocampesinardquo atraveacutes da luta pela terra

Conveacutem entatildeo compreender que os conflitos e praacuteticas de violecircncia

aplicadas contra os povos indiacutegenas ribeirinhos posseiros e trabalhadores rurais no

Araguaia satildeo em geral consequecircncia das lutas pela posse da terra sobretudo nas

deacutecadas de 1970 1980 e 1990 Naquele periacuteodo as disputas foram marcadas por

embates intensos entre trabalhadores rurais indiacutegenas empresaacuterios comerciantes

fazendeiros e posseiros deixando sequelas sociais profundas Vale lembrar ainda que

esses acontecimentos marcaram a trajetoacuteria de luta pela vida e a memoacuteria dos sujeitos

histoacutericos na dinacircmica de reocupaccedilatildeo e apropriaccedilatildeo dos espaccedilos rurais da aacuterea

Diante do cenaacuterio de luta pela sobrevivecircncia e tentativas de conquistar a

posse da terra eacute bem possiacutevel aceitar e afirmar que se natildeo fosse o apoio e as accedilotildees

poliacuteticas de algumas instituiccedilotildees como a Prelazia de Satildeo Felix do Araguaia da

56

Comissatildeo Pastoral da Terra (CPT) e os Sindicatos dos Trabalhadores Rurais em favor

dos posseiros e indiacutegenas o territoacuterio do Araguaia hoje teria outra configuraccedilatildeo social

e cultural Da mesma maneira teriacuteamos outras histoacuterias e outras relaccedilotildees sociais para

analisar e compreender a dinacircmica da vida ldquocampesinardquo na luta por seus ideais

Essas circunstacircncias satildeo tatildeo especiais que o proacuteprio aparato estatal

reconheceu os esforccedilos das instituiccedilotildees sociais e religiosas na proteccedilatildeo amparo e

contribuiccedilatildeo para com a vida dos ldquopequenosrdquo lutadores pela vida Esses documentos

por exemplo demonstram os acontecimentos para o MDA (2014 p 17) da seguinte

maneira

Cabe destacar ainda o importante papel da Igreja e dos

sindicatos dos trabalhadores rurais na intermediaccedilatildeo dos

conflitos agraacuterios e no proacuteprio processo de ocupaccedilatildeo atraveacutes da

organizaccedilatildeo das comunidades rurais e estruturaccedilatildeo dos

municiacutepios Ainda hoje a CPT realiza accedilotildees de fiscalizaccedilatildeo e

denuacutencias de trabalho escravo e violecircncia no campo na

microrregiatildeo norte Araguaia

Em plena concordacircncia com o significado atribuiacutedo pelo MDA reafirmamos

que os posseiros e trabalhadores rurais do territoacuterio do Araguaia recorreram a diferentes

estrateacutegias e instituiccedilotildees reordenando determinadas estrateacutegias diante do processo de

reocupaccedilatildeo territorial que ora se revelavam ldquoespontaneamenterdquo ora se mostraram de

forma pensada e arquitetada ganhando singularidades adequadas e bem ordenadas

quando articuladas agrave CPT e agrave Prelazia de Satildeo Felix do Araguaia

Tais instituiccedilotildees desenvolveram eficientes accedilotildees projetivas e formativas das

equipes dos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais da aacuterea marcadas por distintos tipos

de comportamentos e de relaccedilotildees proacuteximas entre sujeitos e instituiccedilotildees produzindo

diversos significados na vida de um povo de uma instituiccedilatildeo ou de uma autoridade

Assim ao apresentar o livro Conquistar a Terra reconstruir a Vida lanccedilado

em comemoraccedilatildeo aos dez anos de existecircncia da CPT uma das mais importantes

autoridades religiosas daquela aacuterea o bispo da Prelazia de Satildeo Feacutelix do Araguaia Dom

Pedro Casaldaacuteliga resolveu de uma maneira poeacutetica e profeacutetica produzir sentido como

um cacircntico de liberdade e de determinaccedilatildeo de um povo registrando sua compreensatildeo da

seguinte forma

57

Celebrar os dez anos da Comissatildeo Pastoral da Terra deve ser

simultaneamente um ato penitencial uma memoacuteria de martiacuterio

e uma cantiga rural de accedilatildeo de graccedilas

A CPT tem os seus pecados Inimigos e amigos cuidaram e

cuidam de lembraacute-lo oportuna e inoportunamente E isso nos

faz Ser criacuteticos e autocriacuteticos deveria ser um traccedilo de

identidade marcante em toda a pastoral que se queira

historicamente engajada e fiel ao ritmo popular A accedilatildeo de

graccedilas queremos cantaacute-la porque o Deus dos Pobres da Terra

se tem feito presente de muitos modos nesta nossa caminhada

entre os lavradores e os agentes na proacutepria CPT e a partir dela

em outros setores da Igreja do Brasil e tambeacutem em Igrejas e

movimentos rurais da Ameacuterica Latina que a CPT de alguma

maneira atingiu com suas contribuiccedilotildees

Superados o tempo da saudade e a saudade- que nem todos

conseguem superar- daquela Accedilatildeo Catoacutelica e seus derivados

mais com o esquema da Igreja ldquosociedade perfeita paralela agrave

sociedade humana a CPT trouxe inegavelmente agrave Igreja do

Brasil uma novidade pastoral seguindo o jeito pioneiro do

CIMIrdquo

[] Sei que muitos mais ou menos amigos- reclamaram com

frequecircncia do ldquoPrdquo nem sempre bem vivido da nossa CPT

agora mocinha de 10 anos Outros reclamaram do ldquoTrdquo

obsessivamente vivido pela CP segundo eles

(CASALDAacuteLIGA 1985 p 7-8)

Percebemos no texto uma evidente preocupaccedilatildeo de Dom Pedro Casaldaacuteliga

em reconhecer os ldquopecados da CPTrdquo que satildeo constantemente debatidos por ldquoinimigos e

amigosrdquo que apontam os problemas causados pelas accedilotildees da CPT e da Prelazia de Satildeo

Feacutelix do Araguaia As criacuteticas quanto ao fato da CPT ser uma ldquopastoralrdquo satildeo

evidenciadas pelo bispo que sabe que muitos satildeo os criacuteticos dessa forma de organizaccedilatildeo

e luta pastoral mas pondera que

Com a graccedila do Senhor da Terra e na marcha diaacuteria para a Terra

Prometida que se recebe e se conquista desafio histoacuterico e dom

escatoloacutegico procuramos conjugar melhor com mais garra

com nova alegria mais autenticamente evangeacutelicos e rurais o

ldquoP‟ e o ldquoTrdquo de uma Pastoral da Terra criacutetica livre e servidora A

foacutermula providencial da CPT estaacute longe de se esgotar

(CASALDAacuteLIGA 1985 p 8)

Logo Dom Pedro aponta para a necessidade de a CPT ter sua praacutetica

ancorada na necessidade dos atores sociais e que essa situaccedilatildeo estaacute ldquolonge de se

esgotarrdquo Ressaltamos que mesmo diante de equiacutevocos praticados a atuaccedilatildeo dessa

instituiccedilatildeo e de seus agentes foi decisiva para a dinacircmica da luta pela terra no Araguaia

58

Nas palavras de Dom Pedro fica evidente o caraacuteter de uma consciecircncia dos

atores sociais para a luta

Queria e quero estar evangelicamente - evangelizadoramente

tambeacutem - em meio ao povo lavrador reforccedilando sua

consciecircncia e a coragem unida de suas lutas sem entretanto

substituir jamais suas organizaccedilotildees autocircnomas sem dirigi-lo

condicionadamente Ouvindo-o muito mais perto Ajudando

toda a Igreja do Brasil a se aproximar desse povo profeacutetica e

servidora Voltando- se tambeacutem para a opiniatildeo puacuteblica do paiacutes

como porta-voz de emergecircncia e alto falante privilegiado do

clamor dos lavradores durante este escuro tempo nacional que

proibia ou tergiversava ou ignorava a voz do povo

(CASALDAacuteLIGA 1985 p 7)

O bispo ainda fez uma anaacutelise de conjuntura em que a luta pela terra os

direitos e a permanecircncia nela natildeo satildeo problemas superados

Gostaria de acrescentar apenas que esse tempo escuro mal

comeccedila a clarear A Nova Repuacuteblica pode muito bem ser uma

nova ilusatildeo uma nova fraude Os senhores deste mundo nosso

colonizado e dependente poderatildeo permitir que mudem os

governos e ateacute os regimes e ateacute os regimes filiais sempre que se

preserve a alma sem alma do sistema E com se mantenha o

sacrifiacutecio do Povo e sua escravidatildeo particularmente no campo

sempre cobiccedilado pelos sucessivos impeacuterios

E porque esse tempo natildeo passou ainda- amanhece na incerteza-

a Igreja toda do Brasil e a CPT em sua missatildeo especiacutefica

deveratildeo se hoje mais do que nunca servidoras alertadas do

Povo dos pobres De um jeito novo sem duacutevida mais fina a

profecia mais plural a presenccedila do diaacutelogo mais largo os

passos mais concretos []

Como me sinto parte nesta causa natildeo entro em mais juiacutezos Eu

e a CPT carregados carregamos no coraccedilatildeo um monte de nomes

entranhados que o senhor sem duacutevida escreveraacute com terra e

sangue no Livro da Terra Este livro jubilar de palavras e papel

sirva para recordar para avaliar para estimular a caminhada

sempre fiel e sempre nova (CASALDAacuteLIGA 1985 p 10)

Atraveacutes das palavras do bispo Dom Pedro podemos compreender melhor a

perspectiva da accedilatildeo da CPT e o significado da relaccedilatildeo entre posseiros e as instituiccedilotildees

religiosas especificamente atraveacutes de seus agentes e grupos sociais muacuteltiplos e diversos

que vivem no Araguaia indiacutegenas retireiros trabalhadores rurais posseiros sertanejos

peotildees dentre outros grupos sociais ligados agrave terra e ao trabalho

59

Dom Pedro utiliza palavras esforccedilando-se para natildeo julgar natildeo ofender natildeo

dividir natildeo pregar o oacutedio evitando falar sobre o desafio do poder constituiacutedo ou das

forccedilas dos poderes sociais e econocircmicos visiacuteveis na sociedade Ao contraacuterio reconhece

o valor das lutas relembra a anguacutestia e a necessidade delas valoriza a opccedilatildeo feita para

construir uma histoacuteria de uma instituiccedilatildeo e acima de tudo compromete-se com os

grupos sociais fragilizados e vitimizados do Araguaia

Seus escritos soam como um lamento como um choro de alegria por ter

realizado o sonho de estar partilhando a vontade de vencer e sobreviver na sociedade

capitalista Portanto trata-se nessa longa citaccedilatildeo de uma arte de compor a frase de

compor o sentido dos acontecimentos em belas frases de mergulhar no mundo das

letras para reafirmar questotildees sublimes da sensibilidade humana que se deslocam agraves

instituiccedilotildees colocando em movimento um conjunto de recursos que servem para a luta

na disputa pela terra e em defesa dos socialmente fragilizados Talvez seja este

fragmento de texto uma oraccedilatildeo que orientou seu sentido de vida enfim que o moveu

para o terreno da poliacutetica da Igreja Catoacutelica em defesa de setores sociais empobrecidos

Sem descuidar da compreensatildeo deles a Igreja ampliando o trajeto para

multiplicar nossa capacidade de conhecer possibilitou que compreendecircssemos outras

contribuiccedilotildees Assim para Ferreira Fernaacutendez e Silva (1999) a histoacuteria dos

assentamentos rurais em Mato Grosso natildeo foge agraves caracteriacutesticas de outras regiotildees do

Brasil A maior parte deles eacute resultado da luta dos posseiros que demandavam terra e

moradia

A partir daqui nossa visatildeo da disputa pela terra se amplia no sentido de

perceber a intervenccedilatildeo de setores sociais em defesa de seus respectivos grupos Cada

um deles possui uma agremiaccedilatildeo que produz a disputa no terreno da religiatildeo ou da

poliacutetica Compreendida desta forma fica mais intensa nossa necessidade de estudar

ainda mais a participaccedilatildeo dos movimentos sociais sindicais e religiosos na luta pela

terra

Isso porque a primeira vitoacuteria de uma luta pela terra tem como fator decisivo

a posse de um territoacuterio e isso depende das relaccedilotildees que se estabelecem Por isso de

acordo com Fernandes (1996 p 181) ldquo[] O assentamento eacute o territoacuterio conquistado

eacute portanto um novo recurso na luta pela terra que significa parte das possiacuteveis

conquistas representadas sobretudo a possibilidade da Territorializaccedilatildeordquo

60

Sendo assim eacute relevante compreender as diversas accedilotildees que envolvem o

processo de luta e conquista da terra sendo preciso compreender as taacuteticas de luta e as

estrateacutegias ordenadas para a conquista e natildeo conhecer apenas o ato de regularizaccedilatildeo

oficial do assentamento rural Afinal a oficializaccedilatildeo de um assentamento rural natildeo diz

tudo sobre a luta pela terra Apenas legitima sua posse de acordo com as orientaccedilotildees

estatais

Portanto as relaccedilotildees produzidas as accedilotildees articuladas de maneira organizada

entre sujeitos e instituiccedilotildees levam a um novo mundo de reconfiguraccedilatildeo das afinidades

Nessa mesma perspectiva Salazar (2005 p 217) afirma que

Em um mesmo territoacuterio se pode encontrar diferentes

assentamentos humanos articulados entre si ou natildeo na medida

em que cumprem um papel social econocircmico cultural e

poliacutetico dentro da sociedade que o faz possiacutevel e dentro do

sistema econocircmico ao qual se vinculam O caraacuteter e o

desenvolvimento das poliacuteticas estatais frente ao territoacuterio e agrave

populaccedilatildeo tambeacutem condicionam a apropriaccedilatildeo que faccedila [sic] a

sociedade do espaccedilo e seus recursos

Agrave luz da concepccedilatildeo do autor pode-se considerar que os assentamentos rurais

constituem vivecircncias e experiecircncias e satildeo permeados por relaccedilotildees fortemente marcadas

por disputas e perspectivas de poder interesses intenccedilotildees poliacuteticas e percepccedilotildees

diferentes acerca da funccedilatildeo e das relaccedilotildees constituiacutedas entre o Estado e a Sociedade

entre os proacuteprios participantes e componentes das organizaccedilotildees sociais

Logo as poliacuteticas puacuteblicas direcionadas aos assentamentos rurais criam

tambeacutem elementos de competiccedilatildeo pelo poder na medida em que lhes satildeo atribuiacutedos

novos sentidos e significados Isto se deve ao fato de que eacute atraveacutes das praacuteticas e dos

discursos que os diferentes sujeitos histoacutericos criam e recriam a representaccedilatildeo acerca da

funccedilatildeo dos assentamentos rurais

Ao considerar os muacuteltiplos contextos no que concerne agraves condiccedilotildees de luta

dos assentados pela Reforma Agraacuteria percebemos que estes atores sociais recorreram a

diferentes estrateacutegias para atraiacuterem a atenccedilatildeo das autoridades enquanto Poder Puacuteblico

No cenaacuterio das disputadas nos movimentos de organizaccedilatildeo das lutas nas composiccedilotildees

coletivas para enfrentamento das individualidades do poder econocircmico e diante da

violecircncia que sempre emergiu na luta pela terra desde os recursos proporcionados pela

miacutedia ateacute o enfrentamento com pistoleiros e fazendeiros os agentes que reivindicam

61

terra disputam a articulaccedilatildeo entre sujeitos e instituiccedilotildees entre oacutergatildeos e instacircncias de

poder

Esse movimento natildeo se limita somente ao enfrentamento dos portadores de

tiacutetulos e ou proprietaacuterios de terra ou entre grandes posseiros ou grileiros de terras

puacuteblicas Necessariamente os estudos devem caminhar no sentido de perceber outras

variaccedilotildees no seu interior

Conforme Ferreira Fernaacutendez e Silva (2009 p 197)

Em Mato Grosso as poliacuteticas de assentamento dos

trabalhadores rurais principalmente a colonizaccedilatildeo (oficial e

privada) e os assentamentos de reforma agraacuteria sobre vaacuterios

aspectos devem ser mais estudados de dupla matildeo certamente

natildeo se referem a daacutedivas mas agraves conquistas dos trabalhadores

em accedilatildeo conjunta com o estado O assentamento de reforma

agraacuteria eacute um processo em curso repleto de fatores positivos e

limitaccedilotildees que coloca no plano social poliacutetico econocircmico e

ambiental possibilidades de ecircxito da produccedilatildeo familiar no

campo

Os autores chamam a atenccedilatildeo para o fato de que ao tomarmos os

assentamentos rurais em Mato Grosso como objeto de estudo eles devem ser estudados

em uma perspectiva que aponte o percurso e os significados das lutas sociais frente agrave

conquista de novos territoacuterios Ao mesmo tempo natildeo devemos limitar nossos olhares

simplesmente para os conflitos entre os grupos sociais diferenciados mas tambeacutem para

os conflitos com o proacuteprio poder puacuteblico sem esquecer as transformaccedilotildees das

condiccedilotildees de vida das pessoas que vivem da produccedilatildeo familiar Assim eacute preciso

perceber que haacute cooperaccedilatildeo compartilhamento de interesses em alguns aspectos mas

em outras circunstacircncias tambeacutem existe a necessidade de intensificar nossos

conhecimentos sobre tais processos

Por outro lado os mesmos autores consideram como questatildeo importante

tambeacutem destacar que embora os assentamentos rurais em Mato Grosso se revelem

como uma alternativa promissora na dinamizaccedilatildeo da economia e promoccedilatildeo do

desenvolvimento local os mesmos ainda estatildeo longe de serem consolidados enquanto

poliacutetica puacuteblica

De maneira especial no que tange agraves accedilotildees do Estado no sentindo de

viabilizar a infraestrutura necessaacuteria ao desenvolvimento pleno da Agricultura Familiar

e de potencializar essa modalidade de produccedilatildeo como alternativa para manutenccedilatildeo do

62

conjunto social no territoacuterio de produccedilatildeo e no espaccedilo de trabalho em que se realiza mais

como ser humano e como trabalhador

Desse modo eacute possiacutevel afirmar que o artifiacutecio da Reforma Agraacuteria deve vir

sustentado pela intensificaccedilatildeo e realizaccedilatildeo de outros elementos para que de fato e de

direito sejam asseguradas as condiccedilotildees necessaacuterias agrave ascensatildeo social e econocircmica dos

agricultores familiares Para isso eacute preciso que surjam novas accedilotildees visando a alteraccedilatildeo

dos espaccedilos institucionais no acircmbito local e regional

Soacute assim haveraacute efetivamente a possibilidade de melhoria das condiccedilotildees de

vida daqueles que sobrevivem da produccedilatildeo nos assentamentos rurais Especialmente eacute

necessaacuterio compreender que melhorando a vida no campo melhoramos a vida na

cidade onde a maior parte da populaccedilatildeo depende dos que produzem no campo para se

alimentar e consequentemente para viver Esse deveria ser um principio poliacutetico de

cidadania para todos aqueles que se envolvem com a disputa pela terra e com a luta pela

conquista do territoacuterio de trabalho da populaccedilatildeo ldquocampesinardquo

O Projeto de assentamento rural se contemplado com accedilotildees do Estado

favorece o desenvolvimento econocircmico local desde que as poliacuteticas puacuteblicas

implementadas nos assentamentos rurais sejam direcionadas para o seu fortalecimento

oferecendo-lhes maior potencial econocircmico cultural e social com um planejamento que

lhes decirc sustentaccedilatildeo numa perspectiva de meacutedio e em longo prazo sem esquecer que

qualificar a produccedilatildeo ldquocampesinardquo significa tambeacutem promover o desenvolvimento do

comeacutercio e de outros setores da economia otimizando accedilotildees para novos padrotildees de

organizaccedilatildeo e melhoria das condiccedilotildees de vida da populaccedilatildeo urbana

Em relaccedilatildeo agraves poliacuteticas de Reforma Agraacuteria no Brasil Bergamasco amp Norder

(1996) consideram que os assentamentos rurais exercem papel importante no panorama

rural brasileiro de modo particular por contribuir de forma significativa nas

transformaccedilotildees sociais e econocircmicas por meio da geraccedilatildeo de novos empregos da

diminuiccedilatildeo do ecircxodo rural aumentando assim a produccedilatildeo e a oferta de alimentos Ou

seja os assentamentos rurais tecircm um papel significativo na produccedilatildeo agriacutecola do paiacutes

Para esses autores melhorar as condiccedilotildees de vida no campo sobretudo nos

assentamentos rurais significa elevar a situaccedilatildeo econocircmica da maioria das pessoas que

vive e depende da Agricultura Familiar como uacutenico meio e fonte de renda na garantia

do sustento familiar

63

Mas essas poliacuteticas puacuteblicas combinadas com poliacuteticas sociais passam por

um constante debate sobre redefiniccedilotildees e articulaccedilotildees a exemplo definir o que eacute um

assentamento rural o significado da territorializaccedilatildeo e da compreensatildeo do papel do

sujeito campesino na vida social de um povo Esse debate eacute promovido pela sociedade

civil que delibera demandas e propotildee mudanccedilas nos oacutergatildeos e instituiccedilotildees auxiliadoras

na sua concretizaccedilatildeo como o INCRA e o MDA em relaccedilatildeo aos assentamentos rurais e

suas poliacuteticas puacuteblicas

O MDA desde sua criaccedilatildeo em 199912

tem como incumbecircncia atuar na

Reforma Agraacuteria e seu reordenamento cumprindo papel fundamental na regularizaccedilatildeo

fundiaacuteria na Amazocircnia Legal promovendo o desenvolvimento sustentaacutevel da

Agricultura Familiar nas regiotildees rurais e de maneira singular atuando na identificaccedilatildeo

reconhecimento delimitaccedilatildeo demarcaccedilatildeo e titulaccedilatildeo das terras ocupadas pelos

remanescentes das comunidades quilombolas Logo esse ministeacuterio por meio do

INCRA desenvolve poliacuteticas puacuteblicas de realizaccedilatildeo de assentamentos rurais no paiacutes e a

ainda na contemporaneidade tem demonstrado algumas necessidades prementes

Assim para realizaccedilatildeo do seu mister a Instituiccedilatildeo ou oacutergatildeo principal do

Poder Puacuteblico que orienta a Questatildeo Agraacuteria o INCRA atualmente define projetos de

assentamento Rural (PA) como

[] um conjunto de unidades agriacutecolas independentes entre si

instaladas pelo INCRA onde originalmente existia um imoacutevel

rural pertencente a um uacutenico proprietaacuterio Cada unidade

chamada de parcela lote ou gleba eacute entregue a uma famiacutelia sem

condiccedilotildees econocircmicas para adquirir e manter um imoacutevel rural

por outras vias Os trabalhadores rurais que recebem o lote

comprometem-se a morar na parcela e a exploraacute-la para seu

sustento utilizando a matildeo de obra familiar e contando com

creacuteditos assistecircncia teacutecnica infraestrutura e outros benefiacutecios

de apoio ao desenvolvimento das famiacutelias assentadas Ateacute que

possuam a escritura do lote os assentados estaratildeo vinculados ao

INCRA e natildeo poderatildeo dispor da gleba sem anuecircncia ou

autorizaccedilatildeo do INCRA13

Como assinalado o assentamento rural na definiccedilatildeo apresentada pelo MDA

origina-se de um uacutenico imoacutevel rural que eacute dividido em vaacuterias partes denominada de

12

Criado atraveacutes da medida provisoacuteria 1911-12 13

Disponiacutevel em lthttpwwwincragovbrassentamentogt Acesso em 21082015

64

ldquoparcela lote ou glebardquo Essa compreensatildeo traz no seu bojo diversas possibilidades de

interpretaccedilatildeo sobretudo permite entender que se trata de eventuais processos estatais

na concretizaccedilatildeo da justiccedila agraacuteria oferecendo condiccedilotildees de trabalho agrave populaccedilatildeo que

se realiza se identifica e sobrevive da produccedilatildeo agriacutecola em pequena escala

Concluindo podemos afirmar que os assentamentos rurais no Araguaia mato-

grossense no que se refere a sua constituiccedilatildeo possuem caracteriacutesticas muito diferentes

do que eacute previsto nas diretrizes para a criaccedilatildeo dos assentamentos rurais definidas pelo o

Instituto Nacional de Colonizaccedilatildeo e Reforma Agraacuteria uma vez que os mesmos resultam

de atos de regularizaccedilatildeo e natildeo de criaccedilatildeo Diante disso precisamos articular nosso

pensamento voltando os olhares para os processos de duraccedilatildeo temporaacuteria diferente

para que possamos aproximar um pouco mais da realidade vivida

65

2 MEMOacuteRIAS DA REOCUPACcedilAtildeO HISTORICIZANDO OS

ASSENTANTAMENTOS RURAIS DE VILA RICA-MT (1980-2010)

Conforme analisado no capiacutetulo anterior eacute imprescindiacutevel a historicizaccedilatildeo do

processo de formaccedilatildeo dos assentamentos rurais do municiacutepio de Vila Rica-MT Para

tanto optou-se pelo recorte temporal 1980 a 2010 a partir da necessidade da proacutepria

anaacutelise A deacutecada de 1980 foi marcada pela emancipaccedilatildeo do municiacutepio de Vila Rica e

tambeacutem pela formaccedilatildeo dos primeiros assentamentos rurais A anaacutelise se estendeu ateacute o

periacuteodo mais recente devido agraves fontes e aos dados oficiais necessaacuterios para

compreensatildeo do enfoque proposto

O principal objetivo deste capiacutetulo eacute compreender a formaccedilatildeo e o

desenvolvimento dos assentamentos rurais de Vila Rica-MT problematizando o papel e

a atuaccedilatildeo das instituiccedilotildees e dos oacutergatildeos puacuteblicos como o INCRA Banco do Brasil

Empaer dentre outros aleacutem de instituiccedilotildees e entidades da sociedade civil mas tambeacutem

de movimentos sociais e sindicais como o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila

Rica CPT Prelazia de Satildeo Feacutelix do Araguaia e associaccedilotildees de pequenos produtores

rurais Para complementar a anaacutelise tornou-se indispensaacutevel buscar as accedilotildees e

estrateacutegias dos atores histoacutericos envolvidos na luta pela posse da terra

21 A transformaccedilatildeo das fazendas agropecuaacuterias em assentamentos rurais atraveacutes

da luta pela terra

Das sete fazendas agropecuaacuterias trecircs foram transformadas em Projetos de

assentamentos rurais em um periacuteodo inferior a duas deacutecadas Fazendas Ipecirc Aracati e

Satildeo Joseacute Algumas das narrativas oficiais sobre a colonizaccedilatildeo do municiacutepio declaram

que a Fazenda Porongaba cedeu parte da aacuterea que a colonizadora Vila Rica- MT Ltda

utilizou para realizar o loteamento do espaccedilo urbano

As aacutereas remanescentes dessas fazendas agropecuaacuterias foram sendo

reocupados atraveacutes das estrateacutegias de lutasresistecircncias utilizadas pelos colonos

posseiros parceleiros e pelos assentados14

Atraveacutes da dinacircmica de reocupaccedilatildeo e uso da

terra foram constituiacutedos oito assentamentos rurais regularizados pelo o INCRA neste

municiacutepio conforme dados da Tabela 1

14 Satildeo autodenominaccedilotildees das pessoas que residem nos assentamentos rurais de Vila Rica No

decorrer da pesquisa analisaremos como estas foram sendo construiacutedas neste contexto histoacuterico

66

Tabela 1 Assentamentos rurais de Vila Rica-MT

Fonte INCRA 2014

Na formaccedilatildeo de assentamentos rurais existem sujeitos histoacutericos que para o

INCRA satildeo considerados ldquoclientela de Reforma Agraacuteriardquo os quais se autodenominam

de maneiras diferentes ldquoparceleirosrdquo ou ldquoassentadosrdquo Nos assentamentos rurais do

Araguaia a denominaccedilatildeo mais utilizada eacute ldquoposseirordquo sobretudo quando se referem aos

primeiros tempos de formaccedilatildeo do assentamento rural no sentido de reafirmar que entre

os agricultores familiares haacute aqueles que se autodenominam posseiros como identidade

de luta pela posse da terra remetendo a um imaginaacuterio que os ligue umbilicalmente a

uma accedilatildeo tambeacutem de corajoso lutador e desbravador Ainda que seja em contraposiccedilatildeo

ao latifuacutendio o posseiro passa a se sentir um sujeito valente que ocupou resistiu e

conquistou a posse da terra Portanto uma identidade poliacutetica construiacuteda na luta pela

terra

Logo o termo posseiro aparece tambeacutem como um siacutembolo da resistecircncia aos

projetos agropecuaacuterios e agraves grandes fazendas que expropriam os trabalhadores rurais

Sem-terra uma vez que muitos jaacute se encontravam na aacuterea bem antes dos fazendeiros e

da implantaccedilatildeo dos projetos agropecuaacuterios

Conforme o relato de um assentado de Vila Rica obtido na pesquisa de

campo que realizamos em marccedilo de 2015 no Assentamento Rural Satildeo Joseacute eacute possiacutevel

afirmar que a denominaccedilatildeo de posseiro estaacute associada agraves estrateacutegias e condiccedilotildees de luta

pelo acesso agrave terra ldquo[] me vejo como posseiro Ser posseiro no Araguaia eacute assumir

que lutamos contra os fazendeiros que viviam do dinheiro emprestado do Banco sei o

Projeto de assentamento N de Famiacutelias Aacuterea (ha) Data Criaccedilatildeo

Colocircnia Bom Jesus 60 4457 25071996

Ipecirc 228 12099 28121998

Santo Antocircnio do Beleza 216 12100 10042001

Aracati 45 2110 05121996

Alvorada 49 32656 29121995

Itaporatilde do Norte 170 10641 11071996

Satildeo Joseacute da Vila Rica-MT 252 14262 28121998

Satildeo Gabriel 45 1985 28121998

Total 1065 60919 -

67

quanto foi difiacutecil viver sob a mira da morte pra ter essa terrinha e com ela poder

alimentar a minha famiacutelia []rdquo15

Trata-se de uma situaccedilatildeo de enfrentamento na luta

pela terra visando garantir a sobrevivecircncia e as condiccedilotildees miacutenimas de sustento da

famiacutelia

Assim como Castro (1996) o historiador Puhl (2003) nos chama atenccedilatildeo para

as caracteriacutesticas que definem o posseiro conceito construiacutedo a partir da percepccedilatildeo de

que esses agentes sociais tecircm ldquo[] ocupaccedilatildeo antiga de aacutereas devolutas ou sem

documentaccedilatildeo privada o uso direto da terra no trabalho de produccedilatildeo agropecuaacuteria a

residecircncia e o trabalho da famiacutelia na posse a resistecircncia agrave retirada ou expulsatildeo levada a

efeito por grileirordquo

Pereira (2013 p 11) corrobora esclarecendo que o termo posseiro possui

outros significados

[] as praacuteticas e os usos poliacuteticos desse conceito que o

produziram Eram considerados posseiros os trabalhadores

rurais que haacute muito tempo ocupavam aacutereas devolutas tidas

como posses antigas que natildeo apresentavam contestaccedilatildeo por

qualquer pessoa e nelas fizeram moradas habituais de suas

famiacutelias Contudo outra experiecircncia social comeccedila a sobrepor-

se a essas praacuteticas mais antigas Trabalhador rural sobretudo

migrante de outras regiotildees do paiacutes que lutavam pela terra quer

fossem aqueles que disputavam aacutereas de terras devolutas

consideradas novas simultaneamente com empresaacuterios

fazendeiros ou comerciantes tambeacutem migrantes quer fossem

aqueles que ocupavam imoacuteveis com tiacutetulos definitivos ou de

aforamentos passaram a ser vistos tambeacutem como posseiros Ou

seja os trabalhadores rurais apropriaram-se de uma designaccedilatildeo

ateacute entatildeo usada para significar os ocupantes de terras devolutas

consideradas antigas para ajustar-se a uma nova situaccedilatildeo ou

praacutetica social Esta apropriaccedilatildeo utilizada do conceito de

posseiro ganha uma dimensatildeo poliacutetica inusitada na luta pela

terra no Brasil

Em concordacircncia com este uacuteltimo autor asseguramos que o conceito de

posseiro pode ser compreendido enquanto resultado das praacuteticas de luta das quais os

conceitos satildeo resultados Neles os atores sociais se apropriam desse conceito para se

autonomear e ao mesmo tempo atribuir sentidos as proacuteprias atitudes de desafio ao

sistema de enfrentamento aos modelos existentes para os fazendeiros constituindo-se

enquanto uma categoria social formada por sujeitos histoacutericos de diferentes origens e

15 Joseacute Roberto Agricultor familiar em uma entrevista realizada pela autora em 2015

68

trajetoacuterias migratoacuterias os quais muitas vezes apresentam uma significativa

diferenciaccedilatildeo social

Devido agrave diversificaccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave situaccedilatildeo econocircmica e cultural entre as

pessoas que satildeo denominadas de clientela da Reforma Agraacuteria em Vila Rica-MT o

criteacuterio de distribuiccedilatildeo dos lotes nos assentamentos rurais passou a ser objeto de

questionamento por parte de alguns agricultores familiares o que eacute claro no relato feito

por um dos entrevistados durante a pesquisa que realizamos no mecircs de marccedilo de 2015

junto ao Assentamento Rural Ipecirc

Pode- se dizer que o INCRA tambeacutem eacute culpado pela evasatildeo dos

assentamentos rurais pois nem sempre ele leva em

consideraccedilatildeo se a pessoa que estaacute cadastrada tem ou natildeo

viacutenculo vocaccedilatildeo para ser Agricultor Familiar Os assentados

da Reforma Agraacuteria (alguns ) fizeram o cadastro jaacute pensando

em pegar a terra e depois vender [] Logo na primeira

dificuldade jaacute vende a propriedade dele pra outro Eu penso

que precisa olhar se a histoacuteria das pessoas que demandam por

terra em assentamento estaacute ligada com a luta pela terra vejo

que assim valorizava mais o assentamento [] E na verdade

na eacutepoca de assentar essas pessoas tinha um perfil de

assentando se olhar soacute pelo aspecto de renda miacutenima Mas

muitas natildeo tinham viacutenculo com a terra e atendiam apenas

esse perfil criado de forma subjetiva soacute levando em

consideraccedilatildeo a situaccedilatildeo econocircmica Penso que natildeo estavam em

desacordo com as exigecircncias para o cadastro do INCRA pois

atendiam aquelas exigecircncias burocraacutetica mas elas natildeo eram de

perfil de produtor ou trabalhador rural Aiacute foi onde ocorreu

uma evasatildeo do assentamento Eles natildeo tinham viacutenculo com a

terra pois esse cadastro do INCRA soacute verificava se a pessoa jaacute

tinha outro tiacutetulo no nome dela outra propriedade cadastrada

no nome se possuiacutea vinculo com o serviccedilo publico tipo se era

concursado em oacutergatildeo puacuteblico Logo podia ser que essas

pessoas estivessem enquadradas como produtor ou trabalhador

rural para o INCRA mas na verdade sempre moraram na

cidade nunca haviam trabalhado com a terra nunca tinham

criado um frango sequer nunca tiraram um litro de leite

(ENTREVISTA com Gilmar agricultor familiar de Vila Rica-

MT realizada pela autora em marccedilo de 2015) Grifos da autora

No municiacutepio de Vila Rica verificamos a partir da anaacutelise de documentos

que as origens de seus assentamentos rurais foram distintas mesmo que nos dados

oficiais indicados na Tabela 1 todos eram regularizados e reconhecidos pelo INCRA

na deacutecada de 1990

Quando verificamos os dados do Sindicato dos Trabalhadores Rurais do

municiacutepio de Vila Rica da Comissatildeo Pastoral da Terra e da Prelazia de Satildeo Feliz do

69

Araguaia os quais foram tambeacutem confrontados com os testemunhos orais dos

assentados identificamos que alguns dos assentamentos rurais datavam da deacutecada de

1980

Reafirmamos que suas histoacuterias estatildeo vinculadas agrave histoacuteria do Araguaia a

qual eacute marcada por uma seacuterie de conflitos no que tange agrave luta pela terra considerada

enquanto direito Direito pelo qual muitas vezes os posseiros e os indiacutegenas pagaram

com as suas proacuteprias vidas ou de seus parentes

Uma carta do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT evidencia

a complexidade em torno da luta pela posse da terra Esse registro foi apresentado ao

presidente do INCRA como base para uma anaacutelise da situaccedilatildeo das terras consideradas

improdutivas as quais em sua maioria eram remanescentes da Colonizadora Vila Rica

Ltda e que a desapropriaccedilatildeo das mesmas era condiccedilatildeo necessaacuteria para a sobrevivecircncia

dos trabalhadores que as reocuparam

Figura 5 Carta do Sindicato dos Trabalhadores Rurais para o INCRA (1990)

Fonte Arquivo do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT

2015

70

Ressaltamos que a exposiccedilatildeo dos argumentos dos dirigentes do Sindicato dos

Trabalhadores Rurais de Vila Rica teve por base a compreensatildeo de que as terras

remanescentes da colonizadora eram ldquoimprodutivasrdquo segundo os criteacuterios do Estatuto

da Terra Nessa situaccedilatildeo os proprietaacuterios deixavam de cumprir a funccedilatildeo social da terra

possibilitando sua desapropriaccedilatildeo legal para fins de Reforma Agraacuteria

Apesar da ocorrecircncia de reivindicaccedilotildees formalizadas via cartas ofiacutecios e

outras formas de solicitaccedilatildeo feitas aos oacutergatildeos responsaacuteveis pela Questatildeo Agraacuteria no

Araguaia mato-grossense alguns relatos orais descreveram a reocupaccedilatildeo das fazendas

como uma accedilatildeo implementada de maneira paciacutefica por parte dos posseiros Poreacutem

houve tambeacutem atitudes e praacuteticas de violecircncia na accedilatildeo de alguns fazendeiros em relaccedilatildeo

agrave expulsatildeo dos posseiros A luta pela posse da terra no municiacutepio de Vila Rica ocorreu

de forma conflituosa Embora natildeo tatildeo violentos como em outros municiacutepios como em

Santa Terezinha em Porto Alegre do Norte e em outros onde vaacuterios posseiros foram

mortos por fazendeiros

Vale destacar que muitas pessoas que reocuparam as aacutereas de fazendas hoje

assentamentos rurais em Vila Rica eram em sua maioria membros associados ao

Sindicato dos Trabalhadores Rurais daquele municiacutepio Quando estaacutevamos em atividade

de visita ao um dos assentamentos durante a pesquisa de campo uma assentada nos

relatou queldquo[] o papel do Sindicato geralmente era o de solicitar a regularizaccedilatildeo da

terra bem como o processo de formaccedilatildeo e o de organizaccedilatildeo da base no caso os

trabalhadores pobre sem terra principalmente os filiados do STRrdquo (ENTREVISTA

com Clainir Agricultora Familiar membro da direccedilatildeo do STR realizada pela autora em

marccedilo de 2015) O Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica tambeacutem fazia a

mediaccedilatildeo entre os assentados e o Poder Puacuteblico sobretudo com o INCRA Foi esse

sindicato que orientou a criaccedilatildeo das associaccedilotildees conforme o relato a seguir

[] noacutes do sindicato trabalhaacutevamos visando evitar os conflitos

e o processo de despejo pois priorizaacutevamos a montagem e a

reinvindicaccedilatildeo do processo de desapropriaccedilatildeo das fazendas a

demarcaccedilatildeo dos lotes homologaccedilatildeo cadastramento e o

assentamento das famiacutelias [] E depois os posseiros iam

pleitear as linhas de credito para habitaccedilatildeo e

alimentaccedilatildeofomento depois as demais linhas do Pronaf A

Pronaf C e outros investimentos de custeio Eacute assim que comeccedila

os assentamentos esse processo eacute geral em todo lugar Quando

71

digo que agente noacutes do sindicato evitava conflito natildeo estou

dizendo que conseguimos pois eacute importante lembrarmos que

tivemos muitos momentos complicados Houve ameaccedilas de

morte teve despejos de posseiros teve gente que perdeu tudo

que havia plantado quando foram expulsos da terra Ainda bem

que sempre podemos contar com o suporte da Igreja e da CPT

se natildeo fosse essas instituiccedilotildees noacutes estariacuteamos numa situaccedilatildeo

muito pior assentamento eacute luta nessa regiatildeo do Araguaia

Entatildeo nem se fala teve quem pagou com a vida Hoje fico

vendo muitos assentados vendendo suas terras a preccedilo de nada

e reclamando de dificuldades fico pensando o povo parece que

agraves vezes esquece a luta O INCRA eacute fundamental mas erra

tambeacutem quando coloca gente na terra sem levar em conta que

para viver no campo precisa ter aptidatildeo para trabalhar na

terra Percebo que mais esvazia o assentamento eacute quem natildeo

sabe lidar com roccedila (ENTREVISTA Ibidem)

Os serviccedilos voltados para a melhoria da infraestrutura como estradas pontes

e outras benfeitorias nos ldquoprimeiros temposrdquo de formaccedilatildeo dos assentamentos rurais

eram feitos pelos proacuteprios moradores A prefeitura alegava que natildeo dispunha de

recursos para investir em assentamentos rurais que ainda natildeo haviam sido regularizados

Essa situaccedilatildeo foi praticamente igual em todos os assentamentos rurais oriundos da

reocupaccedilatildeo de fazendas de Vila Rica-MT

Os espaccedilos puacuteblicos como escola barracatildeo da associaccedilatildeo Igreja campo de

futebol etc estatildeo geralmente localizados nas antigas sedes das fazendas Isso se repete

em todos os assentamentos rurais estudados em Vila Rica-MT

22 Os assentamentos rurais do municiacutepio de Vila Rica-MT

O processo de formaccedilatildeo dos assentamentos rurais no municiacutepio mato-

grossense de Vila Rica natildeo ocorreu de modo linear nem mesmo obedeceu a uma

padronizaccedilatildeo Portanto faz-se necessaacuterio problematizar a formaccedilatildeo de cada um deles

individualmente lanccedilando matildeo de diferentes fontes documentais Alguns assentamentos

rurais possuem documentos e outros tecircm sua historicidade presente somente na

memoacuteria dos assentados Daiacute a importacircncia de se conhecer as singularidades descritivas

desses ldquoadereccedilos sociaisrdquo procurando trazer para o diaacutelogo a forma constitutiva de cada

um deles

A trajetoacuteria construiacuteda pelos agricultores familiares estaacute presente em suas

memoacuterias as quais podem ser mais bem compreendidas quando nos remetemos agrave

72

concepccedilatildeo definida por Thompson (1992) segundo o qual a memoacuteria eacute constituiacuteda a

partir da habilidade que os indiviacuteduos tecircm em compreender suas experiecircncias bem

como o interesse deles em contar as suas experiecircncias de vida uma vez que as

lembranccedilas se revelam de forma mais concisa quando o relembrar dos acontecimentos

estaacute correspondendo aos seus proacuteprios interesses e necessidades

Daiacute a importacircncia em se atentar tambeacutem ao que natildeo estaacute dito e ao que natildeo

pode ser dito pelo narrador Neste caso o silenciamento sobre determinados temas

constituem relativa importacircncia para intensificar a seguranccedila que o entrevistado tem ou

quer passar nas proacuteprias narrativas Para tanto eles selecionam o que dizem e aquilo que

natildeo deve se tornar puacuteblico Um exemplo obtido atraveacutes de entrevista com um dos

assentados chamou a atenccedilatildeo pela forma como ele gesticulava ao contar sua trajetoacuteria

de vida Foi possiacutevel perceber o quanto as questotildees natildeo ditas mencionadas por

Thompson (1992) tornam-se relevantes na praacutetica de trabalhos que dependem da

metodologia das fontes orais como no caso dessa pesquisa

Ao relatar a sua trajetoacuteria de vida o depoente sentado em uma cadeira

encostando-se a uma aacutervore e com as pernas balanccedilando passava ldquoaos meus olhosrdquo a

sensaccedilatildeo de ser uma pessoa muito tranquila para falar sobre si e seus afazeres

Revelava-se estar muito orgulhoso do siacutetio que tinha mas no decorrer da entrevista foi

perceptiacutevel que quando o assunto natildeo o agradava por se tratar de algo que o marcou

como uma experiecircncia que natildeo lhe remetia para boas lembranccedilas ele parava de balanccedilar

as pernas e baixava a cabeccedila A projeccedilatildeo de futuro foi um assunto que evidentemente

natildeo o agradava quando afirmou

[] sofro muito soacute em pensar o que possa acontecer se eu

morrer primeiro ela vai ter que vender e dividir entre os filhos

pois natildeo daraacute conta de cuidar sozinha Se eacute ela quem morre

primeiro sou eu quem teraacute que vender Isso sim eacute doiacutedo pra

noacutes depois de tanta luta pra organizar o siacutetio terminar nas

matildeos de sei laacute quem Esse siacutetio pra mim natildeo tem preccedilo mas eacute

uma pena que nossos filhos natildeo pensam igual Quando eles

querem um dinheiro dizem ldquomatildee pai me manda aiacute tantordquo mas

vejo que o forte deles natildeo eacute morar no siacutetio (ENTREVISTA

com Joatildeo Neto agricultor Familiar do assentamento Satildeo Joseacute

realizada pela autora em marccedilo de 2015)

O relato possibilita a reflexatildeo sobre os diversos significados produzidos a

respeito da concepccedilatildeo e das formas de usos da terra para os agricultores familiares

como o significado da posse da terra a relevacircncia das lutas e da conquista assim como

73

a busca pela continuidade da tradiccedilatildeo na convivecircncia com o espaccedilo rural Aleacutem da

preocupaccedilatildeo praacutetica com a falta de continuidade familiar no trabalho do siacutetio existe

uma preocupaccedilatildeo com o futuro incerto capaz de apagar da memoacuteria o viacutenculo desse

agente histoacuterico com a terra Percebe-se o desejo de eternizar esse viacutenculo e o valor

sentimental dessa terra que para ele natildeo tem preccedilo

A narrativa torna possiacutevel identificar o papel dos agentes histoacutericos na

construccedilatildeo da historiografia agraacuteria de Mato Grosso As pesquisas natildeo datildeo muita

importacircncia aos assentamentos rurais mais particularmente agraves trajetoacuterias de vida dos

agricultores familiares

Por outro lado as evidecircncias mostram que os assentados exercem um papel

importantiacutessimo na formaccedilatildeo dos assentamentos rurais Nesse sentido eles natildeo podem

estar agrave ldquomargemrdquo das lutas travadas pelas instituiccedilotildees agraves quais estatildeo vinculados No

caso de Vila Rica-MT as entidades que se destacam nas narrativas sobre as lutas pela

terra satildeo a CPT o Sindicato dos Trabalhadores Rurais a Prelazia de Satildeo Feliz do

Araguaia e o INCRA

221 O Assentamento Rural Satildeo Joseacute

O Assentamento Rural Satildeo Joseacute em Vila Rica-MT resultou de uma

reocupaccedilatildeo que teve iniacutecio no ano de 1995 Foram os proacuteprios ldquoposseirosrdquo que

demarcaram os seus lotes e construiacuteram as casas provisoacuterias que eram cobertas de palha

e lona Posteriormente os ocupantes comeccedilaram a cultivar roccedilas para o consumo

proacuteprio e outras atividades como a pesca a caccedila e a extraccedilatildeo de madeira (EMPAER

2010)

Segundo relato de um dos assentados a estruturaccedilatildeo dos lotes em termos de

construccedilotildees estruturais e preparaccedilatildeo do solo para o cultivo eram realizadas atraveacutes do

trabalho dos proacuteprios assentados Joatildeo Neto diz ldquo[] eu e a minha esposa fizemos tudo

isso plantamos tudo que tem nesse siacutetio tudo escolhido por noacutes cada plantinha dessa

aqui eacute do sitio que a gente viverdquo (ENTREVISTA com Joatildeo Neto agricultor Familiar do

assentamento Satildeo Joseacute realizada pela autora em marccedilo de 2015)

Outro relato permite identificar algumas ocorrecircncias instigantes relacionadas

agrave formaccedilatildeo do Assentamento Rural Satildeo Joseacute

74

[] o Projeto de assentamento Satildeo Joseacute eacute resultado da invasatildeo

invasatildeo natildeo essa natildeo eacute a palavra apropriada para designar o

que fizemos Na verdade noacutes ocupamos uma fazenda que jaacute

natildeo estava mais produzindo Geralmente quem fala invasatildeo

satildeo pessoas que se colocam contra os assentamentos rurais

[] Em 1997 isso tudo foi ocupado por pessoas que moravam

na cidade sem-terra e filhos de pequenos agricultores [] E

foi assim que a antiga Fazenda Satildeo Joseacute se transformou em um

assentamento rural ou melhor P A Satildeo Joseacute eacute assim que a

gente costuma chamar (ENTREVISTA com Clainir Mafra

Agricultora familiar assentada no PA Satildeo Joseacute realizada pela

autora em marccedilo de 2015)

Nesta narrativa sucinta percebe-se que diferentes satildeo as denominaccedilotildees de

agentes histoacutericos em cena O argumento principal eacute que eles natildeo satildeo ldquoinvasoresrdquo e sim

ldquomoradores da cidaderdquo ldquosem terrasrdquo e ldquofilhos de pequenos agricultoresrdquo demonstrando

uma construccedilatildeo de identidade daqueles que reocuparam a Fazenda Satildeo Joseacute ligada agrave

terra e agrave necessidade de sobrevivecircncia uma vez que satildeo legiacutetimos ocupantes como os

ldquofilhos de pequenos produtoresrdquo que precisam de mais terra para se reproduzir

socialmente e continuar o viacutenculo familiar com a terra

Fazendeiros proprietaacuterios filhos de pequenos agricultores moradores da

cidade e sem-terra se colocam como posseiros que participaram da luta pela terra

Percebe-se que a formaccedilatildeo do assentamento rural se deu a partir dessa luta que ocorreu

graccedilas agrave uniatildeo dos posseiros

Na verdade a gente natildeo era bobo quando ocupamos uma aacuterea

que iraacute ser assentamento Natildeo adianta querer crescer o olho

pois o INCRA tem o seu modo de medir a terra entatildeo o certo eacute

tirar o siacutetio no tamanho certinho assim natildeo complica Noacutes

agiacuteamos em conjunto meio assim uns por todos []

(ENTREVISTA com Clainir Mafra Agricultora familiar

assentada no PA Satildeo Joseacute realizada pela autora em marccedilo de

2015)

Atraveacutes do relato citado percebemos que os posseiros se adaptavam aos

criteacuterios do INCRA e tinham na uniatildeo uma ferramenta poliacutetica capaz de fortalececirc-los e

agregar conhecimentos e experiecircncias capazes de fundamentar estrateacutegias para

conseguir o direito agrave terra A uniatildeo para a abertura das aacutereas a serem reocupadas eacute

evidenciada no seguinte relato oral

75

[] acho que eacuteramos em meacutedia umas 200 ou 250 pessoas que

ocuparam e jaacute foram demarcando suas aacutereas usando foice

facatildeo machado e motosserra alguns que tinham motosserra a

maioria era com a foice e o machado na estrada no Rio Satildeo

Marcos com aacutegua Fizemos os barracos derrubando

plantando arroz milho e pensando em formaccedilatildeo de pasto

(ENTREVISTA com Joatildeo Neto assentado Satildeo Joseacute realizado

pela autora em marccedilo de 2015)

Esse depoimento demonstra a capacidade de uniatildeo e a organizaccedilatildeo dos

posseiros A diferenciaccedilatildeo social entre eles natildeo travou sua organizaccedilatildeo O relato a

seguir mostra essa relaccedilatildeo

Muita gente pobre pobre mesmo Mas natildeo posso negar que um

ou outro que ocupou a terra como posseiro quando na verdade

natildeo tinha o perfil pois tinha dinheiro Por mais que o Sindicato

fala ldquoacompanha e orienta semprerdquo passa algum que estaacute

fora do padratildeo dos agricultores familiares Eacute assim agraves vezes

nem o sindicato e nem o INCRA tem como controlar tudo ateacute

porque as pessoas tecircm um comeacutercio ou algum outro meio de

ganhar dinheiro mas natildeo estaacute no nome dela e daiacute o que haacute de

fazer eacute complicado achar que vai controlar essas coisas tudo

(ENTREVISTA com Joatildeo Neto assentado Satildeo Joseacute realizada

pela autora em marccedilo de 2015)

Percebemos que entre os proacuteprios posseiros era evidente que nem todos

possuiacuteam o ldquoperfilrdquo de agricultores familiares ou segundo criteacuterio do INCRA se

enquadrava como ldquoclientela de Reforma Agraacuteriardquo Era recorrente a percepccedilatildeo de que

estes oacutergatildeos e entidades que acompanharam o processo natildeo tinham condiccedilotildees objetivas

de definir com precisatildeo quem tinha o perfil e quem deveria ser impedido de tomar

posse dos lotes que constituem o Assentamento Rural Satildeo Joseacute

Para aleacutem da questatildeo da diferenciaccedilatildeo dos posseiros outro fato importante eacute

que eles adquiriram lotes de qualidade duvidosa uma vez que a terra estava em situaccedilatildeo

de degradaccedilatildeo extrema poreacutem aceitaram-na visto natildeo dispor de capital financeiro para

investir em tecnologias de melhoramento do solo somado agrave falta de infraestrutura e

dificuldade de acesso para uma parte dos assentados

76

Ah Tem uma coisa que lembrei pra te contar Eacute que tem uma

parte que foi denominada de Jamaica por ser de difiacutecil acesso

era muito complicado para a gente chegar laacute Coitados dos que

foram para aquela parte de laacute sofreram o isolamento natildeo

tinha entrada por causa do rio Satildeo Marcos e assim ficaram por

um bom tempo Aiacute eacute o que digo sempre jaacute foi difiacutecil pra gente

imagina para aqueles coitados de laacute (ENTREVISTA com Joatildeo

Neto assentado Satildeo Joseacute realizado pela autora em marccedilo de

2015)

Aleacutem da diferenciaccedilatildeo entre os posseiros das dificuldades do espaccedilo social

conquistado o entrevistado destaca que natildeo ocorreram conflitos entre o proprietaacuterio da

Fazenda Satildeo Joseacute e os posseiros No entanto as dificuldades vivenciadas por eles

foram inuacutemeras sobretudo para aqueles posseiros que ocuparam as aacutereas mais distantes

da estrada

Eu falo sempre aqueles primeiros tempo era o que podemos

chamar de tempos das dificuldades Eacute como eu te disse antes

aqui natildeo teve conflito como teve em outros assentamentos

Acho que isso foi porque o fazendeiro devia para o banco pois

fez empreacutestimo para manter a fazenda assim diz o povo mas

sabe se isso eacute verdade [] Entatildeo isso fez com que natildeo

houvesse conflito entre os fazendeiros e os posseiros []

(ENTREVISTA com Joatildeo Neto assentado Satildeo Joseacute realizada

pela autora em marccedilo de 2015)

O relato revela indiacutecios de que o dono da Fazenda Satildeo Joseacute tinha manifestado

interesse em vender a aacuterea para o INCRA devido agrave contraccedilatildeo de diacutevidas Mas eacute

possiacutevel ponderar que a ecircnfase na versatildeo de que natildeo houve conflito eacute tambeacutem uma

estrateacutegia dos posseiros Durante a deacutecada de 1990 mais precisamente durante o

Governo de Fernando Henrique Cardoso foi adotada a poliacutetica governamental de natildeo

regulamentar as terras que tivessem sido ocupadas atraveacutes de conflitos Quando

ocorriam disputas a terra natildeo era reconhecida pelo INCRA enquanto aacuterea passiacutevel de

desapropriaccedilatildeo para transformaacute-la em um assentamento rural

Essa poliacutetica se justificava pelo dispositivo reconhecido juridicamente como

ldquousucapiatildeordquo segundo o qual o posseiro soacute teria direito a terra quando a mesma fosse

ocupada de forma ldquomansa e paciacuteficardquo16

Em um assentamento rural planejado o

primeiro ato consiste na aquisiccedilatildeo da aacuterea para depois ocupaacute-la atraveacutes da distribuiccedilatildeo

dos lotes de acordo com criteacuterios estabelecidos pelo o INCRA

16 A ldquoocupaccedilatildeo mansa e paciacuteficardquo eacute um princiacutepio consagrado pela Lei de Terras de 1850

77

Na anaacutelise de outros documentos disponibilizados pelo STR percebe-se que

por um periacuteodo superior a um ano os posseiros foram viacutetimas de ameaccedilas e boatos de

que o dono da fazenda faria o despejo accedilatildeo que natildeo chegou a se efetivar Logo o STR

Vila Rica-MT entrou com pedido de desapropriaccedilatildeo da fazenda e em seguida o

INCRA deu andamento ao processo de regularizaccedilatildeo comeccedilando a discussatildeo e o

encaminhamento para a compra de toda a aacuterea

Consta nos documentos analisados que o INCRA procurou regularizar o

assentamento rural atraveacutes de uma accedilatildeo conjunta com o STR com vista agrave necessidade

de agilizar a organizaccedilatildeo do cadastro dos agricultores familiares por meio da

Associaccedilatildeo que jaacute existia desde antes da accedilatildeo do INCRA Foi atraveacutes dela que esses

agricultores se mobilizaram para construir estradas e escola Somente depois de um ano

da reocupaccedilatildeo a prefeitura passou a operar de forma mais efetiva juntamente com o

INCRA com o objetivo consolidar o Assentamento Rural Satildeo Joseacute Depois da

regularizaccedilatildeo foi liberado o creacutedito para a aquisiccedilatildeo de gado e melhorias na

infraestrutura

Segue uma narrativa que possibilita a problematizaccedilatildeo dessa questatildeo

[] quando a gente chegou aqui no dia que cheguei tinha trecircs

cancelas trancadas Tinha o pessoal dali que natildeo queria que a

gente entrasse O gerente natildeo deixava a gente entrar mas tinha

um menininho pequenino do tamanho daquele ali Aiacute eu trazia

balinha bombom e dava pra ele Aiacute quando ele me via corria

eu vinha pra caacute era de bicicleta De Vila Rica-MT pra caacute eu

vinha de bicicleta com uma ldquocarguinhardquo na garupa Mas o

que eu vinha fazer eu trazia soacute foice Aiacute vinha e passava meio

debaixo dos arames e ia roccedilando Rocei um pedaccedilo de mato e

voltei pra Vila Fui trabalhar para ganhar dinheiro para

comer ldquoAiacute quando foi um dia falou Zeacute Roberto eu passei na

sua roccedilardquo o Joseacute Roberto falou o fogo estaacute acabando de

queimar a sua roccedilardquo Que horas Umas oito horas da noite eu

passei laacute e fogo estava acabando de queimar a sua roccedilardquo

ldquoEntatildeo natildeo queimou a roccedila natildeordquo Cheguei aqui estava tudo

queimado Aiacute o que eu fiz foi imediatamente soacute eu mesmo com

umas panelinhas e jaacute ldquobarrequeirdquo aqui e fui furar cisterna

Trouxe um rapaz para furar o poccedilo Furou o poccedilo eu vim fazer

o barriquinho Ai amiga velha aqui soacute mato (ENTREVISTA

com Joatildeo Neto assentado de Satildeo Joseacute realizada pela autora

em marccedilo de 2015)

O relato demonstra a necessidade que estes agentes histoacutericos tecircm em

enfatizar que a posse da terra dava-se com muito sacrifiacutecio dos posseiros com a ajuda

78

de outros que avisavam e auxiliavam a cuidar da roccedila Portanto a integraccedilatildeo e a

solidariedade faziam parte do cotidiano de vida deles principalmente sabendo da

necessidade que alguns tinham de sair da ldquoposserdquo para trabalhar na aacuterea urbana ou

mesmo em outras propriedades rurais em busca de sobrevivecircncia motivo pelo qual natildeo

podiam morar exclusivamente na ldquoposserdquo

Os ldquoposseirosrdquo enfrentaram dificuldades para ldquoabrirrdquo fazer o plantio e para

construir as casas em seus lotes pois sem apoio do poder puacuteblico tiveram que

desenvolver as suas proacuteprias condiccedilotildees de sobrevivecircncia seja na construccedilatildeo de

barracos casas ou cultivo das roccedilas Tambeacutem havia problemas de ordem financeira que

implicavam na condiccedilatildeo elementar de sobrevivecircncia no lote Nem todos possuiacuteam

recursos para se manter nos espaccedilos socialmente delimitados ateacute que as roccedilas

comeccedilassem a produzir para a alimentaccedilatildeo dos membros das famiacutelias

Alguns posseiros precisaram conciliar as atividades do lugar proacuteprio de

produccedilatildeo com outras atividades como derrubar a mata para dela retirar madeira e

vender para as serrarias ou trabalhar em outros siacutetios para conseguir dinheiro suficiente

para suprir as necessidades baacutesicas para o sustento da famiacutelia Durante o periacuteodo da

pesquisa de campo eram frequentes as narrativas afirmando ser o trabalho assalariado

uma praacutetica corriqueira entre a maioria dos posseiros mais pobres

Uma estrateacutegia foi o trabalho acessoacuterio nas aacutereas urbanas

[] e pra mim comer aqui trabalhava uma semana aqui e ia

trabalhar na diaacuteria para os outros Trabalhava uma semana

para o Valdemar Senna trabalhava uma semana para o

Aguiarro para o dono do hotel Marajoacute laacute no fundo E daiacute por

diante eu agraves vezes tirava madeiras para algumas pessoas

derrubava um pouquinho de mato para uma pessoa pra mim

comer a minha esposa trabalhava no coleacutegio eu fazia meus

bicos e ela empregada laacute na estadual Entatildeo ela tambeacutem me

ajudava muito Pegava o salarinho dela para comprar coisa em

casa pra comprar gaacutes pra me ajudar em casa tambeacutem Entatildeo

ldquomorreurdquo tudo assim eu e ela trabalhando para manter a

posse Noacutes pegamos primeiro uma cesta baacutesica que chamava

fomento [] eu natildeo me lembro do valor se foi se natildeo me

engano foi mil e alguma coisa (ENTREVISTA com Joatildeo

Neto assentado de Satildeo Joseacute realizada pela autora em marccedilo de

2015)

Naquele contexto tambeacutem havia posseiros que eram comerciantes servidores

puacuteblicos e ateacute antigos funcionaacuterios da Fazenda Satildeo Joseacute que tinham um maior poder

79

aquisitivo Esses eram os principais contratantes dos posseiros que precisavam vender

sua forccedila de trabalho

222 O Assentamento Rural Ipecirc

Para conseguir compreender a formaccedilatildeo do Assentamento Rural Ipecirc foi

necessaacuterio visitar o local para perceber as especificidades Isso porque o contato direto

entre pesquisador e seus entrevistados acompanhado por conhecidos foram

significativas Atraveacutes dessa proximidade foi possiacutevel aos entrevistados o uso de suas

memoacuterias que possibilitaram relembrar a condiccedilatildeo humana de luta pela sobrevivecircncia

e que fez os homens e mulheres sujeitos da proacutepria histoacuteria

Comecemos por um espaccedilo bem instigante O Assentamento Rural Ipecirc

originou-se da compra da Fazenda Ipecirc que havia sido ocupada antes numa accedilatildeo

apoiada pelo STR O INCRA apresentou a possibilidade de fazer um assentamento rural

modelo construiacutedo atraveacutes de um planejamento de acordo com as diretrizes do MDA

para a criaccedilatildeo de assentamentos rurais

A luta pela conquista do seu espaccedilo social de produccedilatildeo ocorreu em 1999

quando os posseiros ocuparam toda a aacuterea da Fazenda Ipecirc e fizeram a divisatildeo dos lotes

abrindo estradas por meio de ldquopicadatildeordquo embora maior parte da aacuterea jaacute estivesse

ocupada com pastagens

Em carta aberta escrita pela Comissatildeo Municipal de Reforma Agraacuteria na

mesma deacutecada as lideranccedilas do movimento tentavam esclarecer agrave populaccedilatildeo de Vila

Rica-MT sobre os acontecimentos e ao mesmo tempo procuraram chamar a atenccedilatildeo

das autoridades vinculadas agrave Questatildeo Agraacuteria Simultaneamente esse documento

revelou uma concepccedilatildeo da estrateacutegia e da luta pela posse da terra Tanto os dirigentes do

STR como as outras instituiccedilotildees em determinado momento viram-se na luta na

condiccedilatildeo de aliados dos oacutergatildeos governamentais como o INCRA e a prefeitura

municipal de Vila Rica-MT

Por esse documento podemos saber que a Comissatildeo Municipal de Reforma

Agraacuteria do municiacutepio era composta por representantes de instituiccedilotildees e entidades

vinculadas agrave Questatildeo Agraacuteria e visava consolidar um assentamento rural que atendesse

aos padrotildees estabelecidos pela poliacutetica de criaccedilatildeo de assentamentos pelo INCRA

80

Logo havia interesse dos oacutergatildeos governamentais e do STR para a conquista

do que viria a ser o primeiro assentamento rural do Araguaia mato-grossense Ele foi

construiacutedo a partir do imaginaacuterio idealizado pelo Plano de Reforma Agraacuteria da eacutepoca

[] A reforma agraacuteria eacute um anseio da populaccedilatildeo e necessidade

do trabalhador rural A colonizaccedilatildeo de Vila Rica-MT foi

modelo de reforma agraacuteria com a divisatildeo das grandes aacutereas em

pequenas ocupadas por produtores tambeacutem pequenos A partir

de 1998 foi instituiacuteda ldquoA Comissatildeo Agraacuteria do Municiacutepio de

Vila Rica-MTrdquo com o objetivo de coordenar agraves atividades

ligadas a Questatildeo Agraacuteria no acircmbito municipal Esta comissatildeo

em parceria com o INCRA e sociedade envolvida organizou os

trabalhos de classificaccedilatildeo dos sem terras selecionando 500 em

uma relaccedilatildeo de 1700 inscritos no Sindicato dos Trabalhadores e

Prefeitura para assentaacute-los na Fazenda Ipecirc ateacute entatildeo objeto de

desapropriaccedilatildeo para fins da reforma agraacuteria A relaccedilatildeo de

classificados feita conforme legislaccedilatildeo competente e os

meacutetodos estabelecidos pela a proacutepria comissatildeo foram

apresentados ao INCRA que fez o cadastramento no SIPRA-

Sistema de Informaccedilatildeo de Projetos da Reforma Agraacuteria Aleacutem

de organizar esta classificaccedilatildeo a comissatildeo conscientizou os

futuros assentados a evitar a invasatildeo da Fazenda e sim aguardar

as devidas providecircncias que seriam tomadas pelo INCRA para

que o assentamento fosse feito com clientes da reforma agraacuteria

trabalhadores sem-terra e que pudesse ser modelo para a

regiatildeo [] Para a decepccedilatildeo das 500 famiacutelias de trabalhadores

(as) sem-terra sipradas e de pessoas ligadas ao processo um

grande nuacutemero de estranhos entre eles fazendeiros

comerciantes e pequena parte dos sem-terra siprados17

invadiram a aacuterea da fazenda Ipecirc entre a reuniatildeo de 260399 a

300399 despeitando os que haacute dois anos honesta e

sofridamente aguardavam a tramitaccedilatildeo legal Com a chegada

dos representantes do INCRA a Comissatildeo Municipal de

Reforma Agraacuteria representantes de outras intensidades diante

do fato da invasatildeo e o processo de assentamento concluiu-se

que []- fosse solicitada com urgecircncia a retirada dos invasores

pelas autoridades em niacuteveis federal estadual e municipal

(CARTA ABERTA- STR de Vila Rica-MT marccedilo de 2015)18

Os envolvidos no processo de organizaccedilatildeo do assentamento rural ficaram

desapontados ao serem surpreendidos pela invasatildeo da aacuterea por outros agentes que natildeo

tinham sido selecionados no Sistema de Informaccedilatildeo de Projetos da Reforma Agraacuteria e

que tampouco atendiam aos criteacuterios do Programa

17 Expressatildeo utilizada para caracterizar os assentados rurais cadastrados no INCRA

18 A carta na integra estaacute disponibilizada nos arquivos do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de

Vila Rica- MT analisados pela autora da pesquisa em marccedilo de 2015

81

A partir do depoimento do gerente da Fazenda Ipecirc da eacutepoca eacute possiacutevel

compreender de forma mais clara as estrateacutegias adotadas pelos posseiros e pelo

fazendeiro no processo de loteamento do Assentamento Rural Ipecirc

[] Ipecirc naquela eacutepoca causou um intenso movimento de

trabalhadores desbravando a aacuterea e plantando capim A aacuterea

possuiacutea 26 mil hectares [] em 18 anos desmataram apenas

20 dessas terras ela era considerada a maior fazenda da

regiatildeo [] Em 1997 comeccedilou a fofoca de venda da aacuterea que

se prolongou por dois anos Tinha ordem de natildeo deixarem

invadir possuiacutea uma patrulha de vigia dia e noite O INCRA

inicia a negociaccedilatildeo com o gerente da eacutepoca que era

autorizado pelo proprietaacuterio A pessoa responsaacutevel ia para

Cuiabaacute- MT Satildeo Felix do Araguaia- MT Rio de Janeiro e

Uberaba em Minas Gerais para se reunir com o dono e

discutir as propostas Como demorou a desapropriaccedilatildeo as

pessoas comeccedilaram a invadir a aacuterea realizaram vaacuterias

reuniotildees com as pessoas para que mantivessem a calma

(ENTREVISTA com Ideu Ex-gerente da Fazenda Ipecirc realizada

por Regina Ceacutelia em 2006)

Ressaltamos que o relato oral apresenta uma linguagem especiacutefica que repete

a ideia de que a reocupaccedilatildeo foi uma ldquoinvasatildeordquo numa perspectiva comum entre os

proprietaacuterios de terra que natildeo compreendiam a luta pela terra Ao contraacuterio do que estaacute

expresso na Carta Aberta o ex-gerente atribui os motivos da bdquoinvasatildeo‟ agrave ldquomorosidaderdquo

na efetivaccedilatildeo do processo de desapropriaccedilatildeo da terra Apesar de tambeacutem fazer

referecircncias agraves reuniotildees que ocorreram no sentido de manter os agricultores familiares

informados sobre o processo de desapropriaccedilatildeo da fazenda para efeito de criaccedilatildeo do

assentamento rural

A consolidaccedilatildeo do assentamento rural soacute veio de fato a acontecer a partir das

denuacutencias feitas pela Comissatildeo Municipal de Reforma Agraacuteria com anuecircncia do

Sindicato dos Trabalhadores Rurais da Comissatildeo Pastoral da Terra e de outras

entidades envolvidas com a Questatildeo Agraacuteria e na luta pela terra em Vila Rica- MT

Segundo documentos19

do STR foi a partir desse fato que o INCRA entrou

com um Mandato de Seguranccedila exigindo a saiacuteda imediata dos ldquoposseirosrdquo sob a

alegaccedilatildeo de ser esta a condiccedilatildeo principal para a aquisiccedilatildeo da aacuterea e a demarcaccedilatildeo dos

lotes no assentamento rural Isso em funccedilatildeo de uma legislaccedilatildeo que regia os processos

19 Os documentos satildeo de diversas tipologias (ofiacutecios cartas atas relatoacuterios e etc)e estatildeo

disponibilizados nos arquivos do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT

82

de criaccedilatildeo dos assentamentos rurais Em 1998 jaacute havia sido declarado pelo Decreto nordm

157 que a aacuterea da Fazenda Ipecirc era de interesse social para efeito das poliacuteticas de

Reforma Agraacuteria

De acordo com o depoimento de uma assentada a qual tambeacutem era na eacutepoca

da diretoria do STR de Vila Rica-MT e estivera desde o processo inicial de formaccedilatildeo do

assentamento rural eacute possiacutevel perceber que

[] os primeiros trecircs anos do assentamento foram de

dificuldades para os assentados pois o mesmo natildeo possuiacutea

infraestrutura como estrada pontes e etc Somente 70 as

famiacutelias receberam creacutedito para fomento enquanto as demais

famiacutelias ficaram agrave mercecirc sem apoio do Poder Puacuteblico por um

bom tempo (ENTREVISTA com Clainir Agricultora Familiar

membro da direccedilatildeo do STR realizada pela autora em marccedilo de

2015)

O periacuteodo compreendido entre 2001 e 2010 foi o momento de maior

alavancada do Assentamento Rural Ipecirc pois recebeu um percentual significativo de

recursos vinculados agraves linhas de creacuteditos do Programa Nacional de Fortalecimento da

Agricultura Familiar como Pronaf -A Pronaf - AC Pronaf - C Pronaf -D e Pronaf -

Mulher A disposiccedilatildeo desses recursos segundo informaccedilotildees obtidas atraveacutes dos

relatoacuterios da Empaer da Secretaria Municipal de Agricultura e do STR de Vila Rica-

MT estavam condicionados para determinados fins e foram destinados agrave aquisiccedilatildeo de

vacas leiteiras construccedilatildeo de curral e de 95 casas bem como agrave edificaccedilatildeo de pontes

estradas e na contrataccedilatildeo de serviccedilos de maacutequinas de esteira (EMPAER 2009)

223 O Assentamento Rural Aracati

A luta pela terra natildeo passa somente por um processo de conquista territorial

mas avanccedila para a necessidade de permanecircncia dos assentados garantida atraveacutes de

apoios e poliacuteticas puacuteblicas

A histoacuteria dos assentamentos rurais em Mato Grosso tambeacutem eacute marcada pela

violecircncia praticada contra os posseiros No caso de Vila Rica-MT os assentamentos

rurais Aracati e Itaporatilde do Norte talvez sejam os dois que mais se identifiquem com

essa caracteriacutestica uma vez que resultantes do processo de reocupaccedilatildeo da Fazenda

83

Aracati que na eacutepoca era de propriedade do senhor Rubens Mendonccedila apresentado

anteriormente como ldquoo pioneirordquo de Vila Rica-MT

A reocupaccedilatildeo da aacuterea provocou conflito entre posseiros e o proprietaacuterio da

fazenda havendo ateacute ameaccedilas de mortes Aleacutem dessas accedilotildees de conflito o proprietaacuterio

contava com o apoio do judiciaacuterio na aplicaccedilatildeo de medidas coercivas contra os

posseiros

No primeiro momento os posseiros foram despejados das terras perdendo

toda a produccedilatildeo das roccedilas jaacute cultivadas conforme descrito no relatoacuterio produzido pela

Empaer (2009 p 48)

No ano de 1980 foi feita a primeira invasatildeo da fazenda Aracaty

por 42 famiacutelias as mesmas fizeram construccedilatildeo de barracos de

plaacutesticos e palha A aacuterea invadida era mata e aberturas com

pastagens Os invasores fizeram aberturas de picadas

derrubadas e plantio de roccedilas Os pistoleiros da fazenda foram

ateacute a aacuterea invadida acionaram a poliacutecia militar e a mesma veio

ateacute o local do conflito

O conflito fundiaacuterio originado na luta pela terra tornou-se mais complexo

com a organizaccedilatildeo e a atuaccedilatildeo do STR e da CPT Em 1990 o Sindicato dos

Trabalhadores Rurais do municiacutepio denunciou internacionalmente a accedilatildeo de

empresaacuterios e fazendeiros conforme mostra a carta reproduzida a seguir

Figura 6 A Carta da Alemanha

84

Fonte Arquivo do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT

Essa articulaccedilatildeo internacional do STR de Vila Rica-MT demonstra a

capacidade de accedilatildeo mobilizadora dos grupos sociais constituiacutedos por homens e

mulheres com perfil ldquocampesinordquo os quais almejavam acesso agrave terra Revela ainda um

niacutevel de organizaccedilatildeo poliacutetica e conhecimento legal sobre os procedimentos juriacutedicos

adotados pelos oacutergatildeos federais no processo de criaccedilatildeo e regularizaccedilatildeo de assentamentos

rurais

Vale ressaltar que a situaccedilatildeo vivenciada pelos posseiros da Fazenda Aracati

ganhou repercussatildeo nacional e internacional Eacute possiacutevel verificaacute-lo pelas diversas coacutepias

das cartas enviadas ao Presidente da Repuacuteblica por vaacuterias entidades inclusive de paiacuteses

como Espanha Itaacutelia Alemanha e outros

Em 1993 a equipe do INCRA compareceu pela primeira vez na aacuterea

visando regularizaacute-la atraveacutes de um contrato de arrendamento com o proprietaacuterio da

Fazenda Aracati No entanto a regularizaccedilatildeo do assentamento rural ocorreu somente

quando a fazenda em questatildeo foi desapropriada para fins de Reforma Agraacuteria sendo

criado entatildeo o assentamento rural ocasiatildeo em que ocorreu o retorno dos posseiros que

haviam sido expulsos

Na eacutepoca foi respeitada a demarcaccedilatildeo realizada anteriormente pelos proacuteprios

posseiros na primeira fase da reocupaccedilatildeo Em consequecircncia dessa situaccedilatildeo quando natildeo

foram estabelecidos criteacuterios de demarcaccedilatildeo os lotes do Assentamento Rural Aracati

possuem ateacute hoje aacutereas diferentes

Segundo informaccedilotildees obtidas atraveacutes das anaacutelises dos documentos que estatildeo

nos arquivos disponibilizados pelo STR de Vila Rica-MT no periacuteodo de 1990 a 1992

pouco se fez em prol da infraestrutura da aacuterea ocupada pelos agricultores familiares

Apenas se verificou a edificaccedilatildeo de uma pequena escola de taacutebua cercas currais e

construccedilatildeo de estradas as quais foram feitas pelos proacuteprios moradores

224 O Assentamento Rural Satildeo Gabriel

O Assentamento Rural Satildeo Gabriel no que se refere a sua constituiccedilatildeo

possui caracteriacutesticas semelhantes ao Assentamento Rural Satildeo Joseacute uma vez que este

85

tambeacutem foi resultado do processo de ocupaccedilatildeo da fazenda Satildeo Gabriel no ano de 1999

Segundo os moradores na eacutepoca em que a fazenda foi ocupada praticamente toda aacuterea

era ainda coberta de mata virgem As primeiras picadas demarcatoacuterias foram realizadas

pelos posseiros A equipe do INCRA foi ao local somente para realizar o cadastramento

dos interessados Os lotes foram distribuiacutedos atraveacutes de sorteio viabilizando a liberaccedilatildeo

de fomento

Como em todos os demais assentamentos rurais do municiacutepio de Vila Rica-

MT no iniacutecio os assentados do Satildeo Joseacute enfrentaram muitas dificuldades como a falta

de infraestrutura sobretudo de estradas como demonstram as informaccedilotildees do relatoacuterio

produzido pelo escritoacuterio da Emapaer de Vila Rica- MT (2006 p 10)

[] no ano de 2000 foi criada a primeira associaccedilatildeo do

assentamento a Associaccedilatildeo dos Pequenos Produtores Rurais da

Comunidade Pedra Alta do Projeto de assentamento Satildeo

Gabriel ndash APPA As famiacutelias comeccedilaram a abrir derrubadas

para plantio de roccedilas e pastagens novamente receberam

fomento creacutedito habitaccedilatildeo Iniciou a primeira escola nas casas

da antiga fazenda IPEcirc assentamento vizinho O INCRA teve

presente no assentamento pra fazer a liberaccedilatildeo das casas O

assentamento foi contemplado com 18 km de estrada feitas pela

prefeitura em parceria com INCRA

Assim como ocorreu em outros Projetos de assentamentos rurais de Vila

Rica-MT a deacutecada de 2000 pode ser considerada um marco importante na histoacuteria do

assentamento Satildeo Joseacute pois naquele periacuteodo houve uma melhoria significativa da

infraestrutura em funccedilatildeo das accedilotildees dos Poderes Puacuteblicos Federal e Municipal

O periacuteodo entre os anos 2001 ateacute 2010 foi marcado por um amplo aumento

nas accedilotildees do poder puacuteblico havendo bastante capacitaccedilatildeoformaccedilatildeo para os

Agricultores Familiares e a liberaccedilatildeo de creacuteditos Pronaf A AC Tais poliacuteticas sociais

puacuteblicas segundo relato oral tinham como objetivo a compra de gado leiteiro

construccedilatildeo de curral contrataccedilatildeo de maacutequinas de esteira construccedilatildeo de casas

construccedilatildeo de pontes e estradas

Atraveacutes de projetos depois da implantaccedilatildeo do Programa Luz para Todos os

assentados conseguiram os resfriadores contemplando toda a aacuterea do assentamento

rural Uma loacutegica do aparelho do Estado era que os posseiros se tornassem produtores

de mercadorias e consumidores para que entrassem no processo de produccedilatildeo

econocircmica capitalista

86

225 O Assentamento Rural Itaporatilde do Norte

O Assentamento Rural Itaporatilde do Norte resultou de um processo de

ocupaccedilatildeo por parte de posseiros em 1986 Nesse periacuteodo houve tentativas de

desapropriaccedilatildeo prisatildeo e ameaccedila contra a vida dos posseiros Estes fatos podem ser

confirmados atraveacutes de documentos como a declaraccedilatildeo exposta a seguir em que um

dos posseiros denunciou as ameaccedilas de morte contra eles

Figura 7 Denuacutencia de Ameaccedila de Morte de posseiro

Fonte Arquivo do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT 2015

87

O documento denuncia a accedilatildeo violenta de intimidaccedilatildeo sofrida por parte de um

dos posseiros no ano de 1988 O significado dessa fonte de pesquisa permite que

conheccedilamos mais claramente o modus operandi dos pretensos proprietaacuterios da terra

assim como a forma com que tentavam manter seus domiacutenios natildeo somente no campo

da justiccedila do direito mas tambeacutem pela criaccedilatildeo de cenaacuterios em que o medo pudesse

fazer parte da rotina dos posseiros das suas esposas e familiares

A criaccedilatildeo de um ambiente tenso e conflituoso com riscos agrave vida de qualquer

um dos familiares era uma estrateacutegia utilizada pelos ldquosenhoresrdquo pretensos proprietaacuterios

da terra em conflito Apesar da situaccedilatildeo do embate e das ameaccedilas somente dez anos

depois o INCRA regularizou a situaccedilatildeo dos posseiros

Um dos principais problemas do assentamento rural eacute decorreu da

demarcaccedilatildeo dos lotes no periacuteodo sendo que o tamanho variava entre 25 a 150 ha O

tamanho do lote oscilava em decorrecircncia da forma de reocupaccedilatildeo anterior agrave

regularizaccedilatildeo e que foi seguida pelo INCRA

As parcelas menores estatildeo abaixo do miacutenimo estipulado pelo MDA que eacute de

35 hectares Segundo o Estatuto da Terra (1964) esta era a aacuterea miacutenima que garantia as

condiccedilotildees de desenvolvimento e potencializaccedilatildeo da funccedilatildeo social da terra Essa

perspectiva teve por base a ideia de que um lote menor que 35 ha natildeo tecircm condiccedilotildees de

garantir as condiccedilotildees sociais e econocircmicas de seus moradores e trabalhadores naquela

aacuterea

Ao observarmos essa questatildeo nos assentamentos rurais analisados eacute

perceptiacutevel que os assentados acabaram tendo que conciliar as atividades declaradas na

posse com outras formas de trabalhos assessoacuterios para garantir as condiccedilotildees

econocircmicas da propriedade

Em 1996 foram cadastradas 184 famiacutelias de posseiros que tinham como

objetivo adquirir recursoscreacuteditos para financiamento das atividades naquele

assentamento rural Desse total 30 natildeo estavam aptas para conseguir o creacutedito

226 O Assentamento Rural Bom Jesus

88

Refletir a partir da histoacuteria do Assentamento Rural Bom Jesus eacute trilhar mais

uma vez as trajetoacuterias de vida de vaacuterias pessoas que migraram para Vila Rica-MT em

busca de melhores condiccedilotildees de vida Essas pessoas foram atraiacutedas pela propaganda da

terra feacutertil e da abundacircncia Nas informaccedilotildees disponibilizadas pelo STR de Vila Rica-

MT os ocupantes desse assentamento eram majoritariamente migrantes oriundos dos

estados de Minas Gerais Goiaacutes Rio Grande do Sul Paranaacute Paraacute e minoritariamente

do Nordeste

Essas pessoas ao se aventurarem nas matas para desbravaacute-las acreditavam

que as terras da Amazocircnia proporcionar uma qualidade de vida almejada Essa

expectativa pode ser observada no excerto da carta-convite para a comemoraccedilatildeo do 17ordm

aniversaacuterio do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT datada de

30052004

[] Imaginando eles que iriam ter o crescimento econocircmico e

uma vida melhor para sua famiacutelia sem conhecer os riscos

quantas vidas foram ceifadas nas derrubadas Aiacute chega a

maldita maleita a tatildeo sofrida malaacuteria onde muitas famiacutelias

perderam vidas sofrimento com a dor [] E os que

conseguiam reagir com muita fraqueza sem forccedilas para

trabalhar e jaacute com diacutevidas acabaram vendendo sua terrinha e

quando acabou o dinheiro E agora o que fazer Isso jaacute era por

volta do iniacutecio de 1986 onde a opccedilatildeo foi ocupar terras

devolutas da regiatildeo pois o dinheiro tinha acabado e voltar para

traz donde vieram natildeo era possiacutevel Iniciou- se a ocupaccedilatildeo da

aacuterea do Itaporatilde do Norte e da Colocircnia Bom Jesus []20

Esse documento possibilita compreender que a narrativa oficial natildeo traduzia

as representaccedilotildees constituiacutedas pelos trabalhadores e antigos colonos Afinal na eacutepoca

da formaccedilatildeo do assentamento rural muitos posseiros convivendo com os efeitos da

colonizaccedilatildeo para todos aqueles que acreditaram nos discursos construiacutedos pelo

colonizador sobre um lugar bom de viver acabaram arriscando as proacuteprias vidas na luta

pela terra

Com o passar do tempo eles se deparam com doenccedilas dificuldades

financeiras e a desilusatildeo da riqueza da terra faacutecil Diante da falta de alternativas de

trabalho e de sobrevivecircncia os posseiros viram a possibilidade de reocupar fazendas

20 A carta na integra faz parte de coletacircnea de recorte de textos e noticiaacuterios sobre a luta dos

movimentos numa espeacutecie de livro artesanal o qual estaacute disponibilizado nos arquivos do

Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica- MT

89

improdutivas como a uacutenica saiacuteda para a sobrevivecircncia conforme relatado na carta

ldquo[] e quando acaba o dinheiro o que fazerrdquo (CARTA CONVITE STR de Vila Rica

30052004)

O relato a seguir mostra as estrateacutegias dos posseiros para ocupar uma aacuterea

privada e como conseguiram a aprovaccedilatildeo do INCRA

[] Eu participei das ocupaccedilotildees em 1986-1987 no caso do

assentamento Bom Jesus que era antes a antiga Fazenda

COBEC onde 60 famiacutelias foram ocupando a aacuterea Noacutes

organizamos e ocupamos essa aacuterea e tem a Itaporatilde do Norte

que foi ocupada numa organizaccedilatildeo dos Sindicatos dos

Trabalhadores Rurais e outros movimentos sociais daqui do

municiacutepio de Vila Rica-MT mas especificamente da ocupaccedilatildeo

dessas aacutereas que eu natildeo sei falar sei do caso do Bom Jesus

que depois que organizamos a ocupaccedilatildeo recorremos ao

Sindicato e atraveacutes deste fizemos o primeiro contato com o

INCRA queriacuteamos saber se havia interesse por parte do

INCRA em negociar a compra dessa propriedade na eacutepoca o

INCRA ainda fazia a negociaccedilatildeo digo compra de aacutereas que jaacute

estavam ocupadas hoje como vocecirc sabe o INCRA natildeo faz

mais esse tipo de coisa a estrateacutegia eacute outra Hoje compra-se a

propriedade primeiro para depois entregar a antiga fazenda

aos assentados Entatildeo eu na eacutepoca tinha dezesseis anos eu

era meio perdido com essas coisas a organizaccedilatildeo foi feita

basicamente pelo o meu pai e outros companheiros nossos

(outras pessoas neacute) Soacute sei que eles fizeram um levantamento

sobre a situaccedilatildeo das fazendas em Vila Rica-MT e descobriram

que esta aacuterea estava sem produzir o dono natildeo tinha interesse

porque era uma fazenda empenhorada no banco ou seja jaacute era

uma aacuterea do banco Entatildeo os organizadores do processo de

ocupaccedilatildeo entenderam que seria mais faacutecil negociar entre o

dono e o INCRA e assim facilitaria aquisiccedilatildeo do tiacutetulo da

terra e formar o assentamento (ENTREVISTA com Ivanir

Galo Agricultor familiar do assentamento Bom Jesus e

presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-

MT realizada pela autora em marccedilo de 2015)

O relato nos possibilita cogitar a ideia de que os posseiros que reocuparam a

aacuterea da Fazenda Boa Jesus eram conhecedores tanto das diretrizes definidas pelo

INCRA para a criaccedilatildeo de assentamento rural quanto da situaccedilatildeo da Questatildeo Agraacuteria de

Vila Rica-MT Isso fica evidente principalmente ao eleger uma fazenda que estava

comprometida pelo endividamento no banco revelando uma taacutetica de efeito positivo

uma vez que facilita a accedilatildeo do INCRA na aquisiccedilatildeo da fazenda tendo em conta o

interesse do proprietaacuterio em negociar a venda

90

Outra situaccedilatildeo que nos chama atenccedilatildeo foi agrave atuaccedilatildeo dos filhos junto com os

pais na reocupaccedilatildeo da fazenda o que pode se atribuir agrave projeccedilatildeo de desmembramento

familiar ou de ampliaccedilatildeo do capital econocircmico da famiacutelia Ao mesmo tempo pode

demonstrar que os posseiros tinham a pretensatildeo de continuar uma tradiccedilatildeo vinculada a

terra passando suas heranccedilas para seus filhos poreacutem incorporando-os na luta pela

terra no trabalho com a terra e na busca pela sobrevivecircncia a partir da propriedade

rural

O relato a seguir mostra como os posseiros se apossavam de aacutereas natildeo

produtivas

[] A ocupaccedilatildeo de fazenda na eacutepoca era a uacutenica forma que as

pessoas sem-terra tinham para conseguir uma pequena aacuterea

era o que noacutes entendiacuteamos ser mais faacutecil para conseguir ter

acesso agrave terra Hoje a gente vecirc que natildeo precisa ser soacute assim

pois eacute melhor procurar comprar a fazenda e planejar o

assentamento [] Eacuteramos todos daqui mesmo de Vila Rica-

MT eacuteramos pessoas que tinha conhecimento sobre a luta pela

terra um bom entrosamento e essas pessoas trabalhavam em

prol da colonizaccedilatildeo reuniram essas famiacutelias e foram ocupar

ateacute organizamos em dois grupos no primeiro momento onde

um grupo entrou por um local e o outro grupo entrou por outro

lado da fazenda mas quando teve o desbravamento

descobrimos que estaacutevamos ocupando a mesma aacuterea porque o

acesso era muito difiacutecil a gente natildeo tinha como fazer um mapa

direito da fazenda entatildeo tivemos que entrar de 8 a12 km na

mata ateacute descobrir a aacuterea toda[] (ENTREVISTA com

Evani Galo presidente do STR de Vila Rica-MT realizada pela

autora em marccedilo de 2015)

O citado relato oral nos possibilita afirmar que havia um conhecimento

aprimorado sobre a estrutura fundiaacuteria de Vila Rica- MT Os posseiros natildeo ocupavam

aacutereas de fazendas que estavam produzindo mas optavam por estabelecer as disputas em

terras sob condiccedilotildees ilegais Por isso eles ocupavam as aacutereas improdutivas para

diminuir a possibilidade de conflito e aumentar a chance de negociaccedilatildeo entre os

proprietaacuterios e as instituiccedilotildees governamentais Para essas definiccedilotildees eles faziam

reuniotildees para escolher qual aacuterea de fazenda seria ocupada e a definiccedilatildeo de estrateacutegias na

reocupaccedilatildeo

Destacamos que a maioria dos posseiros ocupantes dos lotes do

Assentamento Rural Bom Jesus foi ldquoex-colonosrdquo do Sul que migraram para Vila Rica-

MT no iniacutecio da colonizaccedilatildeo No caso desta pesquisa denominamos como ex- colonos

91

aqueles migrantes que vieram para Vila Rica-MT em funccedilatildeo da accedilatildeo da colonizadora e

que perderam o capital financeiro devido ao endividamento no banco

Daiacute estes migrantes passaram de colonos para Sem-Terra depois tornaram-

se posseiros ou vendedores da forccedila de trabalho trabalhadores rurais e tambeacutem urbanos

Poreacutem outros posseiros eram oriundos das aacutereas de colonizaccedilatildeo ou de fazendas

agropecuaacuterias

[] a dificuldade de chegar e trabalhar era muita Natildeo tinha

aparelhos para identificar com precisatildeo a dimensatildeo da aacuterea

natildeo tinha estrada Andaacutevamos aiacute de 8 a 12 km na mata guiados

atraveacutes de picadas apenas essas picadas jaacute eram existentes

desde a eacutepoca da colonizadora E por ser essa fazenda que noacutes

ocupamos uma aacuterea vizinha da colonizadora Isso acabou

facilitando a localizaccedilatildeo Aleacutem da falta de estrada tinha a

malaacuteria a falta de transporte E eu mesmo fui uma das pessoas

que primeiro chegou ao assentamento Quando fui uns dos

primeiros fiquei 21 dias na mata ali roccedilando demarcando a

minha aacuterea Eu fiquei tentando marcar e garantir o meu

territoacuterio e foi assim a nossa luta para conseguir o pedaccedilo de

terrapedaccedilo de chatildeo pra produzir depois o meu sustento e da

minha famiacutelia [] Na eacutepoca ficou determinado entre todos

noacutes numa reuniatildeo que fizemos ateacute pra dizer que cada um de

noacutes ficaacutessemos apenas com 100 hectares [] por isso no

assentamento do Bom Jesus natildeo tem ningueacutem com mais 100

hectares E teve gente que natildeo conseguiu permanecer no

assentamento venderam e teve outros que desistiram natildeo

aguentaram aquele sofrimento todo Noacutes sempre trabalhamos

na associaccedilatildeo para que nenhum lote passasse de 100 hectares

pois jaacute era a determinaccedilatildeo do INCRA E noacutes jaacute conheciacuteamos as

regras do INCRA e trabalhaacutevamos desde a fase de organizaccedilatildeo

da ocupaccedilatildeo com elas Os dois assentamentos que manteve esse

padratildeo eacute soacute o Bom Jesus e o Itaporatilde A nossa loacutegica era no

sentido de facilitar a regularizaccedilatildeo e pra isso trabalhamos de

forma que pudesse tambeacutem aumentar o nuacutemero de famiacutelias no

assentamento Noacutes sempre respeitamos as regras

(ENTREVISTA com Evani Galo Agricultor Familiar do

assentamento Bom Jesus realizada pela autora em marccedilo de

2015)

O relato acima nos remete agrave concepccedilatildeo jaacute exposta na descriccedilatildeo da formaccedilatildeo

de outros assentamentos rurais em que os posseiros eram conhecedores das diretrizes

do INCRA em relaccedilatildeo ao processo de criaccedilatildeo e regularizaccedilatildeo dos assentamentos rurais

Isso nos leva a crer que a reocupaccedilatildeo das fazendas natildeo ocorria de forma tatildeo espontacircnea

como aparece em outras narrativas sobre assentamentos rurais Havia entre os posseiros

92

uma organizaccedilatildeo e um planejamento Isto porque promoviam accedilotildees que exigiam

atividades taacuteticas e estrateacutegicas que permeavam a disposiccedilatildeo da luta pela terra

Apesar dessas definiccedilotildees de princiacutepios organizativos da luta para evitar

ocupaccedilotildees equivocadas e desviar-se dos conflitos o entrevistado falou sobre as ameaccedilas

que sofreram no periacuteodo em que lutaram para conquistar a terra

[] teve sim ameaccedilas de despejos na eacutepoca Apesar de que

hoje a gente jaacute sabe que foi uma pessoa que usou de

oportunismo Isso eacute o mesmo que estaacute acontecendo na Fazenda

Reunidas Vocecirc natildeo precisa ter medo de falar sobre esse fato

porque eacute verdade isso que lhe conto Pode colocar no seu

relatoacuterio aiacute Esses satildeo os tais grileiros das terras do Araguaia

ficam se passando por donos das fazendas soacute para ameaccedilar e

confundir os posseiros Aconteceu assim uma pessoa de maior

poder aquisitivo ficou amedrontando as outras pessoas que

estavam ocupando a aacuterea da fazenda Noacutes estaacutevamos fazendo

os nossos serviccedilos laacute cuidando da roccedila E daiacute apareceram eles

dizendo que eram os legiacutetimos donos da aacuterea mas natildeo

conseguiram apresentar documento natildeo conseguriam

apresentar nada Noacutes desconfiaacutevamos deles No fundo

sabiacuteamos que estavam tentando nos enrolar E acabou que eles

tiveram que se retirar de laacute E noacutes atraveacutes do INCRA e do

Sindicato satildeo essas as instituiccedilotildees que assumiram a nossa

causa ficamos com a terra e estamos assentados laacute ateacute hoje

Somos 63 famiacutelias [] Na verdade 1987 eacute o periacuteodo de

ocupaccedilatildeo porque o INCRA veio atuar em 1992 quando foi

criado o assentamento Ficou esse periacuteodo aiacute todo em fase de

negociaccedilatildeo com o antigo dono da fazenda O INCRA e o

Sindicato fizeram o levantamento da aacuterea estudo geograacutefico e

assim por diante e noacutes juntos acompanhando tudo

(ENTREVISTA com Ivani Galo Agricultor Familiar do

assentamento Bom Jesus realizada pela autora em marccedilo de

2015)

Nesse caso o depoimento remete agrave accedilatildeo de outro tipo de agente social

envolvido nos conflitos agraacuterios do assentamento rural o grileiro No entanto o termo

ldquogrileirordquo eacute usado localmente para identificar aquele sujeito social que reocupa uma aacuterea

de terra natildeo com o objetivo de morar e cultivar mas ao contraacuterio para adquirir o

ldquodireitordquo sobre ela e poder comercializar posteriormente

Tambeacutem eacute possiacutevel identificar na narrativa a valorizaccedilatildeo dada ao Sindicato

dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT destacando que ele agia juntamente com o

INCRA na regularizaccedilatildeo do assentamento rural

93

Compreendemos que a formaccedilatildeo do Assentamento Rural Bom Jesus deu-se

de forma particular Os posseiros que reocuparam a aacuterea tinham dificuldade financeira

para garantir a sobrevivecircncia e isso se configurava como um impedimento de

retornarem aos seus lugares de origem e natildeo conseguindo mais vislumbrar outro meio

de sobrevivecircncia que natildeo fosse a ocupaccedilatildeo de terra ociosa

Diante das necessidades os posseiros criaram estrateacutegias inteligentes de

ocupaccedilatildeo escolhendo as aacutereas com maior chance de desapropriaccedilatildeo bem como

estrateacutegias de resistecircncia do grupo para lutar contra o grileiro

Essas estrateacutegias tambeacutem devem ser compreendidas em uma relaccedilatildeo com o

perfil dos ocupantes que incluiacutea aqueles com certo grau de instruccedilatildeo sobre as questotildees

relacionadas agrave poliacutetica de regularizaccedilatildeo de assentamentos rurais O conhecimento da

legislaccedilatildeo facilitou o acesso agraves poliacuteticas que versavam sobre a desapropriaccedilatildeo

parcelamento e uso de terras devolutas eou improdutivas que natildeo cumpriam a funccedilatildeo

social as quais devem ser utilizadas para fins de Reforma Agraacuteria

227 Assentamento Rural Santo Antocircnio do Beleza

Jaacute ressaltamos em outras passagens do texto que cada um dos assentamentos

rurais de Vila Rica-MT tem caracteriacutesticas de ocupaccedilatildeo diferentes como eacute o caso do

Assentamento Rural Santo Antocircnio do Beleza que foi ocupado por colonos que natildeo

conseguiram comprar lotes de terra da colonizadora ou perderam suas terras no

financiamento do Banco Tambeacutem participaram seus filhos que no ldquodesmembramentordquo

familiar tambeacutem se apropriaram de terras Ateacute entatildeo natildeo apareceu o dono do tiacutetulo

requerendo o direito de propriedade daquela aacuterea de terra em que foi constituiacutedo o

Assentamento Rural Bom Jesus

Tal situaccedilatildeo se deu tambeacutem pelo fato de a Colonizadora Vila Rica-MT natildeo ter

assegurado junto ao INCRA as terras aos colonos e trabalhadores rurais desprovidos

de capital para aquisiccedilatildeo de lotes da colonizadora Estes ocuparam aacutereas destinadas ateacute

entatildeo pela colonizadora para as fazendas Somente depois que a aacuterea foi ocupada em

2001 eacute que o INCRA regularizou os lotes para os ldquoocupantesrdquo

Os posseiros que reocuparam a aacuterea da Colonizadora Vila Rica-MT

denominada de Santo Antocircnio do Beleza satildeo em sua maioria oriundos dos estados do

94

Rio Grande do Sul Santa Catarina e do Paranaacute e se fixaram na aacuterea como assentados e

atualmente se identificam como agricultores familiares parceleiros colonos ou

proprietaacuterios

228 Assentamento Rural Alvorada

O Assentamento Rural Alvorada estaacute localizado na divisa do municiacutepio de

Vila Rica-MT com o estado do Paraacute Esse assentamento rural resultou da ocupaccedilatildeo da

fazenda Santaninha em 1993 poreacutem o ato de regularizaccedilatildeo data de 1995 ou seja

somente depois de dois anos das terras ocupadas eacute que foram regularizadas pelo

INCRA transformando-as em Projeto de assentamento rural

Consta em documentos (atas ofiacutecios relatoacuterios e projetos de assistecircncia

teacutecnicas)21

do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT que os primeiros

moradores do Assentamento Rural Alvorada vieram principalmente dos estados de

Mato Grosso do Paraacute e de outras regiotildees do Brasil

Melo (2011 p 43) realizou uma pesquisa sobre as atividades das

agropecuaacuterias no Assentamento Rural Alvorada denominado como PA Santaninha

afirmando que ldquo[] o periacuteodo compreendido de 1993 ateacute 2009 as principais

dificuldades do assentamento rural estavam relacionadas agrave falta de estradasrdquo De acordo

com o mesmo autor o assentamento rural estaacute localizado em uma aacuterea onde haacute

predominacircncia de relevo acidentado condiccedilatildeo que motivou os assentados a investir na

pecuaacuteria inibindo assim o avanccedilo da agricultura familiar devido agraves dificuldades para o

escoamento da produccedilatildeo agriacutecola de hortaliccedilas legumes verduras e frutas

Essa situaccedilatildeo ainda eacute um desafio para o desenvolvimento do assentamento

rural Apesar dos problemas nesse assentamento haacute escola Associaccedilatildeo de Pequenos

Agricultores possui rede de energia eleacutetrica abastecimento de aacutegua etc Nesta acepccedilatildeo

o relato de um dos assentados ilustra a concepccedilatildeo dos seus moradores quanto agraves

condiccedilotildees de vida no assentamento rural

21 Esses documentos foram analisados pela a autora da pesquisa os quais fazem parte do acervo

documental do Sindicato dos Trabalhadores de Vila Rica-MT

95

[] foi bom mudar para caacute me sinto realizado porque

consegui algo para sobreviver e cuidar da minha famiacutelia []

quando chegamos aqui quase natildeo tinha devastaccedilatildeo de mata soacute

tinha aproximadamente 25 alqueires de derrubada e era muito

difiacutecil a chegada neste local pois os primeiros meios de

transporte eram o trator porque as estradas eram bem

dificultosas atoleiros e sem pontes Atualmente as melhorias

satildeo muito grandes nas estradas nos transportes na educaccedilatildeo

na habitaccedilatildeo e na sauacutede (ENTREVISTA com Edno Venacircncio

morador do projeto de Santaninha desde o ano 1993 realizada

por Carlos Aberto de Melo em 2011)

O trecho do relato nos remete agraves dificuldades vivenciadas pelos posseiros nos

primeiros tempos de formaccedilatildeo do assentamento rural comuns aos demais

assentamentos rurais de Vila Rica-MT Satildeo os posseiros que precisam cavar e buscar as

proacuteprias condiccedilotildees de sobrevivecircncia jaacute que o poder Puacuteblico natildeo assegura a

infraestrutura baacutesica

No assentamento Alvorada as informaccedilotildees do STR e dos assentados

permitiram compreender que nesse assentamento natildeo ocorreu conflito entre posseiros e

fazendeiro Trata-se de uma aacuterea que natildeo estava vinculada somente agrave Fazenda

Santaninha Nesse assentamento a devastaccedilatildeo do meio para a formaccedilatildeo de pastagens foi

fruto da accedilatildeo dos proacuteprios posseiros

No Assentamento Rural Alvorada como em outros a questatildeo das poliacuteticas

puacuteblicas de sauacutede habitaccedilatildeo estrada e educaccedilatildeo satildeo consideradas como conquistas

importantes para a permanecircncia das famiacutelias no campo

Consideraccedilotildees gerais sobre os assentamentos rurais de Vila Rica-MT

Ao analisar a formaccedilatildeo dos assentamentos rurais do municiacutepio de Vila Rica

percebemos a complexidade e as diferenciaccedilotildees existentes entre eles No entanto o que

existe em comum foi agrave luta pela posse da terra por parte de posseiros ex-colonos e

agricultores familiares Nesse processo contaram com o apoio e auxiacutelio de entidades

como a CPT e o STR do municiacutepio de Vila Rica-MT dos agentes da pastoral da

Prelazia de Satildeo Feacutelix do Araguaia hoje Diocese

A situaccedilatildeo dos assentamentos rurais de Vila Rica-MT eacute percebida como

resultado da luta dos posseiros em torno da aquisiccedilatildeo da posse e propriedade da terra

96

Ao mesmo tempo em que essa organizaccedilatildeo parte de uma localidade especifica estava

inserida em uma conjuntura de luta regional estadual nacional e mundial

Os diferentes sujeitos histoacutericos que constituiacuteram a luta pela terra com a

formaccedilatildeo dos assentamentos rurais de Vila Rica-MT deixaram de ser posseiros Os ex-

colonos trabalhadores rurais e grileiros tornaram-se agricultores familiares quando o

INCRA regularizou a aacuterea em litiacutegio transformando-a em assentamento rural

97

3 SITUACcedilAtildeO SOCIOECONOcircMICA DOS ASSENTAMENTOS RURAIS SAtildeO

JOSEacute SAtildeO GABRIEL IPEcirc E ARACATI (2006-2010)

Esse capiacutetulo tem como objetivo apresentar a situaccedilatildeo socioeconocircmica de

quatro dos oito assentamentos rurais do municiacutepio de Vila Rica-MT No entanto natildeo se

pretende apresentar um diagnoacutestico de sua realidade social e econocircmica mas um esboccedilo

para compreender as tendecircncias soacutecio-histoacutericas que foram obtidas atraveacutes das fontes

documentais

Ressaltamos que existem poucas fontes escritas que se referem a situaccedilotildees

socioeconocircmicas dos assentamentos rurais do Araguaia e se tratando de Vila Rica a

localizaccedilatildeo e acesso aos poucos documentos escritos foram fundamentais para a

construccedilatildeo desse capiacutetulo

As fontes escritas analisadas nesse capiacutetulo foram os ldquoPlanos de

Desenvolvimento do Assentamentordquo (Pda) incluindo os assentamentos rurais Satildeo Joseacute

Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati elaborados pela Empaer em 2010 Estes Pdas ajudaram a

compreender os muacuteltiplos contextos de constituiccedilatildeo e produccedilatildeo nos assentamentos

rurais embora envolvessem outras temporalidades

Contudo ressaltamos que natildeo utilizamos apenas o banco de dados produzido

pela equipe da Empaer pois realizamos visitas aos assentamentos rurais agrave Secretaria

Municipal de Agricultura e ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT

onde aleacutem das entrevistas tivemos acesso a outras fontes documentais que

possibilitaram ampliar a perspectiva analiacutetica deste capiacutetulo

A elaboraccedilatildeo dos Pdas se deu atraveacutes de reuniotildees com os assentados e a

realizaccedilatildeo de pesquisa de campo

As informaccedilotildees coletadas refletem a realidade do assentamento

e foram levantadas dentro de uma metodologia participativa

onde a comunidade do assentamento expocircs suas dificuldades

potencialidades e prioridades Utilizou-se tambeacutem de estudos de

campo realizado por uma equipe multidisciplinar constituiacuteda

por engenheira florestal engenheira agrocircnoma e teacutecnicos nas

aacutereas da pecuaacuteria agriacutecola ambiental e social (EMPAER-MT

2010 p 2)

Ressaltamos que as informaccedilotildees levantadas natildeo ldquorefletiram a realidaderdquo de

maneira mecacircnica mas possibilitaram a anaacutelise das informaccedilotildees obtidas enquanto

tendecircncias

98

Para compreender como cada fonte documental foi construiacuteda foi preciso

observar as fotografias que fazem parte do proacuteprio documento e que possibilitaram a

percepccedilatildeo da forma com que a equipe multidisciplinar da Empaer coletou as

informaccedilotildees que serviram de base para produccedilatildeo do diagnoacutestico de como se deu a

participaccedilatildeo dos assentados

Figura 8 Fotografias das visitas dos teacutecnicos da Empaer-MT no PA Ipecirc 2010

Fonte EMPAER-MT 2010 p 5

A Empaer recorreu a diversas estrateacutegias desde o uso dos recursos

midiaacuteticos sobretudo a Raacutedio Comunitaacuteria e visitas aos assentamentos rurais contando

com o apoio de lideranccedilas sindicais e poliacuteticas para a divulgaccedilatildeo do Programa de

Assessoria Teacutecnica Social e Ambiental agrave Reforma Agraacuteria (Ates) e conscientizaccedilatildeo

dos agricultores familiares sobre a importacircncia e implicaccedilatildeo dos Pdas

Figura 9 Fotografias da apresentaccedilatildeo do Projetob Ates na Raacutedio Comunitaacuteria Eldorado

Fonte EMPAER 2010 p 5

99

Foi a partir dessas diferentes formas de divulgaccedilatildeo e estrateacutegias que a equipe

da Empaer convenceu os assentados a participar da primeira fase do Ates que foi a

construccedilatildeo do diagnoacutestico

Os questionaacuterios e entrevistas foram realizados em diferentes momentos em

reuniotildees com a comunidade e in loco o que resultou na tabulaccedilatildeo de dados que

apresentam diferentes bases amostrais Ora observamos uma amostra de cerca de

duzentos entrevistados e ora observamos tabelas com um nuacutemero trecircs vezes maior de

famiacutelias assentadas

Ressaltamos que essa diferenccedila na base de dados eacute proacutepria da fonte

documental analisada e natildeo pudemos adulterar os nuacutemeros para natildeo comprometer a

anaacutelise da fonte documental Ainda eacute importante salientamos que apesar das diferenccedilas

amostrais presentes em diferentes dados (tabelas) os mesmos satildeo extremamente

relevantes para anaacutelise por fornecerem tendecircncias socioeconocircmicas dos assentamentos

rurais nos anos de 2009 a 2010

31 Os assentamentos rurais na perspectiva do Programa de Assessoria Teacutecnica

Social e Ambiental agrave Reforma Agraacuteria (Ates)

Os assentamentos rurais segundo a concepccedilatildeo constituiacuteda no projeto de Ates

(2008) satildeo definidos enquanto espaccedilos de promoccedilatildeo da equidade de gecircnero e

intergeraccedilotildees entre a populaccedilatildeo de agricultores familiares Por isso a recorrecircncia agraves

estrateacutegias de trabalho em forma de cooperativas imbuiacutedas da concepccedilatildeo de

agroecologia cooperaccedilatildeo e economia solidaacuteria Estes elementos foram constituiacutedos a

partir dos artifiacutecios da formaccedilatildeo continuada dos diferentes segmentos que compotildeem o

coletivo do Programa de Reforma Agraacuteria

Para tanto o Programa Ates do Ministeacuterio do Desenvolvimento Agraacuterio

(BRASIL 2008 p 10) foi definido da seguinte forma

100

O Programa de Assessoria Teacutecnica Social e Ambiental agrave

Reforma Agraacuteria ndash Ates do INCRA foi criado em 2003 com o

objetivo de assessorar teacutecnica social e ambientalmente as

famiacutelias assentadas nos Projetos de assentamento da Reforma

Agraacuteria criados ou reconhecidos pelo INCRA tornando-os

unidades de produccedilatildeo estruturadas com seguranccedila alimentar

garantida inseridos de forma competitiva no processo de

produccedilatildeo voltados ao mercado e integradas agrave dinacircmica do

desenvolvimento municipal regional e territorial de forma

ambientalmente sustentaacutevel

Nessa perspectiva a assistecircncia teacutecnica implementada pelo Instituto Nacional

de Colonizaccedilatildeo e Reforma Agraacuteria deve levar em consideraccedilatildeo as questotildees de ordem

social ambiental culturas e tecnoloacutegica visando um modelo de desenvolvimento

pensado a partir das demandas locais regionais e nacional de forma que assegure a

sustentabilidade social ambiental e econocircmica dos assentamentos rurais

A Ates tem como ponto de referecircncia para a efetivaccedilatildeo da assistecircncia teacutecnica

na Agricultura Familiar os Pdas (2008 p 51) ldquo[] eacute portanto a principal ferramenta

de planejamento dos Projetos de assentamentos rurais voltada diretamente para o seu

desenvolvimento sustentaacutevel segundo as suas dimensotildees econocircmica social cultural e

ambientalrdquo

De acordo com o MDA os assentamentos rurais devem ser ldquoedificado a partir

de um diagnoacutesticordquo que sirva como representaccedilatildeo do quadro situacional dos

assentamentos rurais em seus aspectos fiacutesico social econocircmico cultural e ambiental

O objetivo eacute

Dotar as aacutereas de assentamento de um instrumento de

planejamento fundado em diagnoacutestico preacutevio que permita

prever todas as accedilotildees a serem desenvolvidas num determinado

horizonte de tempo de modo a possibilitar o monitoramento de

sua implementaccedilatildeo pelas equipes de Ates Garantir a efetiva

participaccedilatildeo dos assentados em todas as fases do processo de

planejamento e implementaccedilatildeo das accedilotildees nos projetos de

assentamento Inserir as accedilotildees propostas para os projetos de

assentamento no contexto das diretrizes contidas nos

planejamentos regionais e municipais assegurando a

participaccedilatildeo efetiva de todos os atores sociais governamentais e

natildeo governamentais envolvidos com o processo de reforma

agraacuteria (BRASIL MDA 2006 p 29)

Conforme o MDA o projeto tem por base a participaccedilatildeo do assentado em

todas suas fases de planejamento e implementaccedilatildeo dos assentamentos rurais

101

beneficiados A idealizaccedilatildeo do objetivo do Ates eacute ambicioso no contexto nacional mas

apresenta pouca aplicabilidade quando tomamos como referecircncia o caso de Vila Rica-

MT Tratando-se dos Pdas elaborados especificamente para os assentamentos rurais Satildeo

Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati os objetivos baacutesicos buscam assegurar que

As famiacutelias seratildeo assessoradas teacutecnica social e ambientalmente

de forma integrada e continuada nos aspectos de produccedilatildeo

industrializaccedilatildeo e comercializaccedilatildeo dos produtos explorados na

aplicaccedilatildeo do creacutedito rural nas questotildees ambientais no

saneamento baacutesico na organizaccedilatildeo das famiacutelias e da produccedilatildeo

no exerciacutecio da cidadania utilizando as metodologias de Ates

(EMPAER-MT 2010 p 11)

A partir dessa proposta a equipe da Empaer realizou a primeira fase do

projeto realizando uma ampla pesquisa junto aos assentados dos quatro assentamentos

rurais de Vila Rica-MT que foram contemplados pelo Programa de Ates Este

levantamento de dados pela Empaer foi importante para identificar o perfil do

assentado a produccedilatildeo e comercializaccedilatildeo no ano de 2010 Apesar de ser uma

amostragem parcial forneceu dados que permitiram analisar e problematizar questotildees

que podem se constituir enquanto indicadores ou tendecircncias

Apesar da relevacircncia do Pdas como fonte documental para a pesquisa e para

as poliacuteticas do municiacutepio de Vila Rica-MT eacute fundamental destacarmos que o Ates natildeo

foi finalizado mas suspenso pelo Governo Federal sem que os Pdas tenham sido

devidamente finalizados No entanto a equipe teacutecnica da Empaer que coletou os dados

e as informaccedilotildees desses assentamentos rurais continua utilizando esse diagnoacutestico para

o desenvolvimento de suas accedilotildees

32 O perfil dos assentados gecircnero idade e escolaridade

O perfil dos assentados dos assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e

Aracati conforme jaacute dito foi constituiacutedo com dados quantitativos obtidos atraveacutes dos

diagnoacutesticos que serviriam como base para a construccedilatildeo dos Pdas

Esses dados foram analisados a partir da confrontaccedilatildeo com fontes orais e

anaacutelises teoacutericas que forneceram indiacutecios qualitativos para a problematizaccedilatildeo e

102

compreensatildeo das caracteriacutesticas dos Agricultores Familiares dos assentamentos rurais

pesquisados

321 Diferenciaccedilatildeo de Gecircneros predominacircncia masculina e papel da mulher

Segundo dados da Empaer (2010) a diferenccedila numeacuterica entre homens e

mulheres nos assentamentos rurais pesquisados assim se apresentava

PA Satildeo Joseacute 179 homens e 147 mulheres

PA Satildeo Gabriel 44 homens e 39 mulheres

PA Ipecirc 153 homens e 125 mulheres

PA Aracati 40 homens e 44 mulheres

Com exceccedilatildeo do Assentamento Rural Aracati que apresentou uma pequena

vantagem no nuacutemero de mulheres em relaccedilatildeo aos demais assentamentos rurais se

observa a predominacircncia do sexo masculino sobre o feminino Uma hipoacutetese explicativa

para a existecircncia de maior nuacutemero de homens residindo nos assentamentos rurais eacute em

primeiro lugar causado pela necessidade dos filhos estudarem nas escolas urbanas

sendo que muitas vezes as matildees os acompanham em segundo lugar a possibilidade de

que cabe aos homens morar nas fases iniciais de formaccedilatildeo dos assentamentos rurais

enquanto constroem as casas estradas escola e estrutura fiacutesica

A questatildeo de gecircnero pode ser abordada em relaccedilatildeo ao trabalho ao lazer e agrave

participaccedilatildeo poliacutetica das mulheres Tratando-se de lazer os relatoacuterios do Pdas da

Empaer (2010 p 74) demonstraram que existe uma estrutura maior para os homens

conforme descriccedilatildeo abaixo

No assentamento natildeo identificamos praacuteticas de lazer voltadas

para as mulheres e idosos As atividades direcionadas para este

grupo geralmente se datildeo na esfera familiar ou religiosa O

assentamento tem times de bochas que participam do

campeonato municipal onde os jogadores tecircm que se deslocar

de um assentamento para outro

Como vimos as atividades de lazer satildeo predominantemente masculinas

sobretudo no esporte como eacute o caso dos jogos de bocha e futebol que resultam numa

circulaccedilatildeo dos assentados em outros assentamentos rurais e comunidades Agraves mulheres

restam as atividades religiosas e no lar Assim sendo satildeo os homens que tecircm mais

103

oportunidades de sair de casa e tambeacutem da comunidade diferentemente das mulheres

que ficam a maior parte do tempo no interior do lar

No que se refere agrave representaccedilatildeo poliacutetica segundo a Empaer (2009 p 59) no

Assentamento Rural Satildeo Joseacute ldquo[] foram levantadas as informaccedilotildees que natildeo haacute []

representaccedilatildeo especiacutefica para o jovem e a mulher rural fato este que tambeacutem contribui

para o ecircxodo dessas famiacuteliasrdquo Jaacute nos assentamentos rurais Satildeo Gabriel e Ipecirc ldquo[] a

participaccedilatildeo da associaccedilatildeo conta com presenccedila de homens mulheres e jovens poreacutem as

mulheres e jovens fazem poucas interferecircncias sobre os assuntos tratados durante as

reuniotildeesrdquo (EMPAER p 51)

De acordo com os relatoacuterios produzidos pela equipe do escritoacuterio da Empaer

em Vila Rica-MT natildeo existe uma organizaccedilatildeo feminina no sentido de criar estrateacutegias

para pleitear poliacuteticas especiacuteficas para a categoria o que diminui ainda mais a

participaccedilatildeo das mesmas Vale lembrar que as mulheres satildeo responsaacuteveis pelos afazeres

domeacutesticos (cuidando da casa e dos filhos) assim como da criaccedilatildeo de pequenos animais

domeacutesticos (porcos aves cachorros e outros) e do cultivo de hortas

No relatoacuterio do Assentamento Rural Satildeo Gabriel essa situaccedilatildeo foi descrita

pela a Empaer (2010 p 52) da seguinte forma

A maioria das mulheres aleacutem de trabalharem nos afazeres

domeacutesticos (cuidado da casa e dos filhos) tambeacutem satildeo

responsaacuteveis pela criaccedilatildeo de pequenos animais domeacutesticos e

cultivos de hortas A organizaccedilatildeo das mulheres dentro do

assentamento ainda eacute retraiacuteda Segundo dados do perfil de

entrada aplicado no assentamento natildeo foi constatado nenhum

grupo de mulheres ou qualquer outra forma de organizaccedilatildeo

social voltada para as mulheres em todo o assentamento

Ficando as mesmas condicionadas a se reunirem com os

homens e desta forma natildeo se unem para tratar de assuntos

relevantes as suas necessidades dentro do assentamento

Os afazeres domeacutesticos entram na divisatildeo sexual do trabalho como atividade

feminina assim como eacute o caso do cultivo de hortaliccedilas e criaccedilatildeo de pequenos animais

(aves porcos etc) as quais podem contar com a ajuda das crianccedilas No entanto haacute

indiacutecios de que falta uma maior organizaccedilatildeo das mulheres no sentido na reivindicaccedilatildeo

de poliacuteticas direcionadas aos seus interesses O segundo o relatoacuterio da Empaer (2010 p

52) esclarece ainda que

104

A alimentaccedilatildeo das famiacutelias eacute composta pelo que eacute produzido

nas propriedades como pequenos animais leite derivados do

leite hortaliccedilas frutas do pomar e em determinada eacutepoca do

ano tem o complemento de milho e mandioca A outra parte da

alimentaccedilatildeo da famiacutelia eacute comprada no comeacutercio do municiacutepio

Natildeo foi constatada nenhuma famiacutelia que natildeo produz um pouco

da sua base alimentar dentro da propriedade

Assim podemos afirmar que a maior parte dos produtos que serve de base

para alimentaccedilatildeo das famiacutelias tais como pequenos animais derivados do leite

hortaliccedilas frutas do pomar entre outros satildeo oriundos das atividades desenvolvidas

pelas mulheres cabendo aos homens as atividades relacionadas agrave produccedilatildeo e venda de

leite para complementaccedilatildeo da renda da famiacutelia

Nessa mesma perspectiva os dados quantitativos que se seguem demonstram

a confirmaccedilatildeo do que jaacute supramencionamos

Tabela 2 Produtos que satildeo destinados agrave Alimentaccedilatildeo da Famiacutelia

Uso de tanque PA S Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total

Pequenos animais 106 22 78 25 231

Leite 97 22 76 25 220

Pomar 105 21 78 24 228

Horta 72 15 62 17 166

Total 380 80 294 91 845

Fonte EMPAER (2010 p09)

Analisando a Tabela 2 do total de 570 famiacutelias dos quatro assentamentos

rurais participantes da pesquisa 220 criam gado leiteiro sendo essa atividade uma das

principais fontes de renda e de consumo

Enquanto 231 assentados satildeo criadores de pequenos animais 228 possuem

pomar e 166 cultivam hortaliccedilas em seus quintais Trata-se de produccedilatildeo para consumo

Logo eacute possiacutevel aferir que quem garante grande parte da renda das famiacutelias assentadas

satildeo as mulheres sendo que esse trabalho nem sempre eacute considerado rentaacutevel visto que

classificado como uma simples ldquoajudardquo no orccedilamento familiar conforme observado

adiante na discussatildeo sobre produccedilatildeo

322 Perfil etaacuterio indicadores de uma populaccedilatildeo idosa

105

Outro elemento importante identificado na pesquisa diz respeito agrave idade dos

assentados identificando o papel parcial dos jovens nos assentamentos rurais e o

envelhecimento da populaccedilatildeo

Segundo dados da Empaer (2010) a idade dos assentados dos assentamentos

rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati estatildeo distribuiacutedos em faixas etaacuterias da

seguinte forma

Tabela 3 Faixa etaacuteria dos assentados

Faixa Etaacuteria Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total

Nordm Nordm Nordm Nordm Nordm

0 a 6 24 75 10 120 18 64 1 10 53 70

7 a 15 69 215 22 270 36 128 17 210 144 190

16 a 29 67 200 13 160 81 287 20 250 181 230

30 a 60 139 430 37 450 120 426 35 430 331 430

Acima de 60 27 80 0 00 287

96 8 100 62 80

Total 326 100 82 1000 282 1000 81 1000 771 100

Fonte EMPAER 2010

De acordo com os dados na tabela 3 foi possiacutevel identificar que se somadas

As faixas etaacuterias entre 16 anos e 60 anos 66 dos assentados pesquisados estatildeo dentro

de faixas etaacuterias de populaccedilatildeo economicamente ativa ou seja os aptos agrave produccedilatildeo

agriacutecola eou pecuaacuteria Enquanto que as faixas etaacuterias de 7 a 15 anos de idade tecircm uma

representaccedilatildeo de 19 sendo que 8 estatildeo acima de 60 anos ou seja satildeo idosos e a

tendecircncia eacute que natildeo trabalhem da mesma maneira que os mais jovens

Logo esta constataccedilatildeo que leva em consideraccedilatildeo outras informaccedilotildees aleacutem

das expostas na tabela 3 nos induz a refletir sobre o envelhecimento da populaccedilatildeo do

campo onde apenas 19 satildeo jovens entre 7 a 15 anos Este pode ser considerado como

um intervalo longo situaccedilatildeo que a nosso ver complica a anaacutelise dos dados Aleacutem de

haver um indicativo de evasatildeo dos jovens nos assentamentos rurais explicada

hipoteticamente pela necessidade das novas geraccedilotildees de prosseguir nos estudos motivo

pelo qual saem dos assentamentos rurais para conseguirem obter maiores niacuteveis de

escolaridade como o Ensino Superior e ateacute mesmo o Meacutedio Outra possiacutevel explicaccedilatildeo

eacute a de que os jovens procuram por empregos em aacutereas urbanas

106

Destacamos que essa constataccedilatildeo tomou tambeacutem como paracircmetro o relatoacuterio

da Pesquisa Nacional de Residecircncia Domiciliar PNAD (2009) que aponta para o

envelhecimento da populaccedilatildeo rural no Brasil sobretudo nas aacutereas de assentamentos

rurais

Outro elemento fundamental eacute o papel poliacutetico dos ldquojovensrdquo assentados uma

vez que foram identificados como pouco participativos nas reuniotildees e atuaccedilotildees poliacuteticas

observadas pela equipe de elaboraccedilatildeo dos Planos de Desenvolvimento dos

assentamentos rurais

Aleacutem desse elemento a questatildeo da sua saiacuteda dos assentados para morar nas

cidades tambeacutem foi identificada como problema que atinge mais os jovens que buscam

oportunidade de empregos citadinos e de terem uma melhor e maior escolaridade

323 Perfil de escolaridade dos assentados

Nos dados da Empaer (2010) a escolaridades dos assentados tem a seguinte

caracterizaccedilatildeo

Tabela 4 Escolaridade dos assentados Escolaridade PA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total Perce

ntual

1ordf a 4ordf Seacuterie 143 29 113 39 324 46

5ordf a 8ordf Seacuterie 83 34 81 19 217 31

Segundo grau 61 12 49 16 138 20

Superior 8 1 4 7 20 3

Total 295 76 247 81 699 100

Fonte EMPAER (2010 p 9)

A Tabela 4 mostra que o niacutevel de escolaridade dos assentados eacute

significativamente baixo uma vez que das 699 pessoas participantes da pesquisa 77

natildeo cursaram o Ensino Meacutedio 324 estatildeo em niacutevel de escolaridade entre 1ordf a 4ordf seacuterie ou

seja estatildeo no anosciclo iniciais do processo de escolarizaccedilatildeo E 227 estatildeo entre 5ordf a 8ordf

seacuterie ou seja natildeo concluiacuteram sequer o Ensino Fundamental Somente 20 dos

entrevistados tecircm Ensino Meacutedio e apenas 20 pessoas dos pesquisados possuem ou estatildeo

em fase de conclusatildeo do Ensino Superior ou seja 3

107

Essa baixa escolarizaccedilatildeo entre assentados tambeacutem foi identificada em

pesquisa de Ferreira e Castrillon (2004 p 201) que ao apresentarem uma anaacutelise sobre

os impactos socioeconocircmicos dos assentamentos rurais em Mato Grosso descrevem sua

estrutura social como

Nos assentamentos pesquisados 23 8 dos titulares dos lotes

eram analfabetos 534 possuiacuteam primeiro grau incompleto

136 primeiro grau completo e 91 segundo grau ou mais

A taxa de analfabetismo dos titulares dos lotes demonstra- se

superior a taxa de analfabetismo da populaccedilatildeo rural do estado

A baixa escolaridade dos titulares dos lotes podem ser

explicados entre os outros fatores pela falta de infraestrutura

social (escola) em ambientes em que predomina intensa

mobilidade social pela necessidade do trabalho familiar entre

os jovens nas aacutereas rurais e especialmente em aacutereas de

fronteiras pela instabilidade e inseguranccedila promovidas pelo

intenso processo de luta pela terra Tais fatores quando

relacionadas diminuem as oportunidades de acesso a escola e a

serviccedilo de sauacutede as populaccedilotildees

Logo podemos observar que os dados quantitativos dos assentamentos rurais

pesquisados pela Empaer (2010) natildeo destoam de outras pesquisas em outros

assentamentos rurais do estado de Mato Grosso

Para finalizar a anaacutelise sobre o perfil dos assentados ressaltamos que

problematizar os dados relativos a gecircnero idade e escolaridade eacute fundamental para

identificar o perfil dos assentados quanto agraves caracteriacutesticas pessoais elementares que

influenciam na forma com que se relacionam e agem socialmente A educaccedilatildeo nos

assentamentos rurais pode ser problematizada atraveacutes de um fenocircmeno recente de

esvaziamento e fechamento de escolas no campo ou tambeacutem agrave falta de um curriacuteculo e

modo de organizaccedilatildeo pedagoacutegica que atenda as caracteriacutesticas especiacuteficas das aacutereas dos

assentamentos rurais

33 Condiccedilotildees de vida nos assentamentos rurais energia eleacutetrica aacutegua sauacutede

moradia e infraestrutura

O estudo levou em consideraccedilatildeo as anaacutelises sobre as condiccedilotildees nas quais

vivem as pessoas nos assentamentos rurais tendo como paracircmetro o acesso agrave luz

eleacutetrica aacutegua sauacutede moradia e infraestrutura elementos que a nosso ver satildeo

108

fundamentais para assegurar as condiccedilotildees de permanecircncia das famiacutelias nos

assentamentos rurais (no lugar) e proporcionam algum conforto e bem-estar

331 Energia Eleacutetrica

Um dos principais problemas do universo dos assentamentos rurais no Brasil

antes da implementaccedilatildeo do Programa Luz Para Todos era a ausecircncia de energia

eleacutetrica que impedia uma melhor qualidade de vida a qual impossibilitava o uso de

eletrocircnicos e eletrodomeacutesticos bem como a utilizaccedilatildeo de resfriadores para conservar e

processar o leite principal produto da renda financeira dos assentamentos rurais

estudados

Nessa perspectiva os dados quantitativos dispostos nos Pdas 2010 que satildeo

posteriores ao Programa Luz Para Todos nos mostram outra realidade

Tabela 5 Presenccedila de energia eleacutetrica nos assentamentos rurais

Energia EleacutetricaPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual

Natildeo tem energia eleacutetrica 5 0 3 0 8 35

A fonte eacute gerador proacuteprio 0 0 1 0 1 05

A fonte eacute a rede CEMAT 98 25 76 25 224 960

Total 103 25 80 25 233 100

Fonte EMPAER 2010

Nos assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati 96 dos

assentados jaacute usufruiacutea de energia eleacutetrica e somente oito das famiacutelias assentadas em

um universo de 233 responderam natildeo contar com energia eleacutetrica Essas famiacutelias sem

energia eleacutetrica moravam nos assentamentos rurais Satildeo Joseacute e Ipecirc e uma possibilidade

de explicaccedilatildeo para esse fato pode ser que satildeo famiacutelias receacutem-chegadas ou que ocuparam

aacutereas mais distantes dentro dos assentamentos rurais

Tal situaccedilatildeo de uma maioria de assentados contar com energia eleacutetrica eacute

decorrente do Programa ldquoLuz para Todosrdquo do Governo Federal

332 Aacutegua

109

A aacutegua eacute um elemento essencial para a vida no entanto quando se refere agrave

aacutegua em condiccedilatildeo potaacutevel revela-se um problema mundial situaccedilatildeo que natildeo foge agrave

realidade dos assentamentos rurais do municiacutepio de Vila Rica-MT Haacute problemas com a

aacutegua potaacutevel em funccedilatildeo de vaacuterios fatores tais como questotildees culturais econocircmicas

mas sobretudo as questotildees ambientais que assolam os assentamentos rurais do Brasil

Segundo dados da Empaer (2010) o percentual da aacutegua encanada nas

residecircncias dos assentamentos rurais pesquisados em Vila Rica-MT varia conforme as

caracteriacutesticas de cada projeto de assentamento A seguir mostramos os dados

encontrados em cada um dos assentamentos rurais

PA Satildeo Joseacute 72 possuem aacutegua encanada nas residecircncias

PA Satildeo Gabriel 70

PA Ipecirc 68

PA Aracati 92

Consideramos esse nuacutemero significativo de assentados beneficiados com

aacutegua encanada pois a exceccedilatildeo do Assentamento Rural Aracati que tem 92 os

demais tecircm uma meacutedia de 70 de aacutegua encanada

Importante destacar que satildeo diversas as fontes de aacutegua nos assentamentos

rurais conforme podemos verificar

Tabela 6 Fonte de Aacutegua nos assentamentos rurais

Aacutegua encanadaPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total

Poccedilo de alvenaria 92 19 57 11 179

Nascente protegida 5 2 11 11 29

Poccedilo descoberto 0 0 2 0 2

Cacimba 1 1 2 1 5

Coacuterrego ou rio 0 0 0 0 0

Poccedilo tubular fundo 6 0 2 1 9

Outras fontes 2 0 1 0 3

Total 106 22 75 24 227 Fonte EMPAER (201012)

110

Como podemos perceber a Tabela 6 nos mostra que 179 das propriedades

dos assentamentos rurais estudados possuem a aacutegua oriunda de poccedilos de alvenaria

sendo que 29 deles utilizam aacutegua das nascentes existentes em suas propriedades as

quais eles declararam protegecirc-las Duas pessoas usam aacutegua de poccedilos descobertos Cinco

usam aacutegua de cacimba nove de poccedilos tubulares fundos e apenas trecircs declararam utilizar

a aacutegua vinda de outras fontes

Outro fator que consideramos relevante eacute questatildeo que envolve a qualidade da

aacutegua consumida pelas famiacutelias assentadas segundo informaccedilotildees contidas na Tabela 7

Tabela 7 Qualidade da aacutegua nos assentamentos rurais

AacuteguaPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total

Aacutegua filtrada 86 23 56 16 181

Fervida 0 0 4 1 5

In natura 22 2 19 8 51

Aacutegua tratada 0 0 1 0 1

Outras fontes 1 0 1 0 2

Total 109 25 81 25 240 Fonte EMPAER (2010 p 9)

Eacute fato que existe uma relaccedilatildeo direta entre a qualidade da aacutegua e as questotildees

ligadas agrave sauacutede Poreacutem no caso dos assentamentos rurais estudados torna preocupante

o fato de existir 51 famiacutelias que consumem aacutegua in natura situaccedilatildeo que pode estar

vinculada aos fatores socioeconocircmicos sobretudo ao senso comum de que a aacutegua

ldquolimpardquo eacute a aacutegua sem cor e sem cheiro portanto aacutegua saudaacutevel

333 Sauacutede

A sauacutede puacuteblica eacute uma das reivindicaccedilotildees dos movimentos sociais que

demandam por melhores condiccedilotildees de vida nas aacutereas de assentamentos rurais tanto no

que diz respeito agrave estrutura macro quanto micro No entanto os saberes tradicionais

influenciam na concepccedilatildeo e modos de tratamento dos assentados de Vila Rica-MT

111

Segundo os dados do Plano de Desenvolvimento dos Assentamentos as

doenccedilas mais comuns satildeo hipertensatildeo leishmaniose verminose e outras como dores na

coluna nos rins dores de cabeccedila diabetes dengue e malaacuteria

Os dados quantitativos mostram a frequecircncia com que os assentados realizam

exames

Tabela 8 Frequecircncia da realizaccedilatildeo de exames de sauacutede

FrequecircnciaPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total

Regularmente 73 18 46 20 157

De vez em quando 35 4 31 5 75

Natildeo faz 1 0 4 0 5 Fonte EMPAER 2010

Os dados da Tabela 8 evidenciam que a maior parte dos assentados realizava

exames com frequecircncia o que demonstra que os mesmos tecircm acesso e fazem uso dos

serviccedilos de sauacutede puacuteblica realizados nos assentamentos rurais No entanto 75 famiacutelias

declararam utilizar os serviccedilos de sauacutede de vez em quando sendo que apenas 5 famiacutelias

disseram natildeo fazer uso

Quando perguntado se o assentado tem acesso aos serviccedilos de sauacutede os

dados nos remetem a outras interpretaccedilotildees conforme Tabela 9

Tabela 9 Acesso aos serviccedilos de sauacutede

AcessoPA Satildeo Joseacute Satildeo

Gabriel Ipecirc Aracati Total

Tem acesso 78 22 79 23 202

Natildeo tem acesso 33 1 2 1 37

Fonte EMPAER 2010

Pelos dados 202 famiacutelias dos assentados pesquisados afirmaram que tinham

acesso aos serviccedilos de sauacutede quando confrontados com outros dados existentes nos

Planos de Desenvolvimento dos Assentamentos Rurais visto que aleacutem desses serviccedilos

haacute disponibilidade de medicamentos que geralmente satildeo distribuiacutedos gratuitamente

apoacutes a consulta meacutedica No entanto trinta e sete famiacutelias declaram natildeo terem acesso aos

serviccedilos de sauacutede tampouco aos medicamentos

112

Segundo a Empaer (2009 p 66) 211 famiacutelias de assentamentos rurais

recorrem aos procedimentos da medicina tradicional principalmente agraves plantas

medicinais para suprir suas necessidades e ldquo[] desta forma conservam uma tradiccedilatildeo

cultural repassada de matildee para filhardquo Os principais remeacutedios caseiros segundo a

Empaer satildeo ldquo[] chaacutes xaropes garrafadas caseiras para combater e prevenir algumas

doenccedilasrdquo

Os dados quantitativos da Tabela 10 reforccedilam essa concepccedilatildeo

Tabela 10 Uso do remeacutedio caseiro

UsoPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total

Faz uso 96 22 71 22 211

Natildeo faz uso 15 1 10 3 29

Total Fonte EMPAER 2010

Os nuacutemeros indicam que apesar da maioria dos assentados terem acesso aos

serviccedilos de sauacutede grande parte deles tambeacutem faz uso de remeacutedios caseiros tradicionais

Esses dados confirmam que apesar das interaccedilotildees com serviccedilos puacuteblicos e outras

loacutegicas os assentados natildeo deixaram de utilizar os remeacutedios tradicionais Isso nos remete

agrave concepccedilatildeo de Gadelha (2007) que assegura que o mais importante na compreensatildeo

dos aspectos culturais eacute pensar para aleacutem da eficaacutecia de um determinado ritual mas eacute

tambeacutem tentar atribuir conceito sobre o poder simboacutelico utilizado por cada sociedade

para atribuir sentidos aos objetos

334 Moradia

A moradia tambeacutem eacute um dos fatores imprescindiacuteveis para a permanecircncia dos

assentados no campo No caso de Vila Rica-MT uma das caracteriacutesticas importantes do

perfil dos assentados eacute que a terra deve servir para moradia

Tabela 11 Nuacutemero de assentados que declararam morar no assentamento rural

MoradiaPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total

Sim 268 47 235 65 615 82

113

Natildeo 58 31 37 7 133 18

Total 326 78 372 72 748 100

Fonte EMPAER 2010

Assim conforme os dados apresentados 82 dos assentados dos

assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati declaram morar nos lotes fato

que demonstra um perfil dos assentados de morar-nos proacuteprios assentamentos rurais

fortalecendo assim a concepccedilatildeo da terra enquanto condiccedilatildeo tanto de morar como de

plantar O uacutenico assentamento rural que tem uma situaccedilatildeo parcialmente e discrepante eacute

Satildeo Gabriel que tem um percentual significativo de assentados que natildeo residem nos

lotes

Essas informaccedilotildees da tabela cruzadas com outros dados mostraram que o

tempo meacutedio de moradia dos assentados eacute

PA Satildeo Joseacute 1036 anos de moradia

PA Satildeo Gabriel 792 anos de moradia

PA Ipecirc 860 anos de moradia

PA Aracati 1248 anos de moradia

A permanecircncia nos lotes foi evidenciada pelos dados o que remete agrave loacutegica

de ldquoterra para plantar e morarrdquo

Nos dados sobre infraestrutura observa-se que as casas satildeo na maioria de

alvenaria madeira serrada e em alguns casos as casas satildeo construiacutedas de pau-a-pique

335 Infraestrutura equipamentos e Tecnologias

A melhoria da infraestrutura aquisiccedilatildeo de equipamentos e novas tecnologias

estatildeo entre as principais reivindicaccedilotildees dos movimentos sociais do campo por serem

considerados essenciais para o aumento da produccedilatildeo e renda dos assentados

Os dados coletados pela Empaer (2010) mostram que houve avanccedilos

significativos na questatildeo infraestrutural nos assentamentos rurais de Vila Rica-MT

sobretudo a partir da implementaccedilatildeo do Programa Nacional da Agricultura Familiar

114

No entanto em relaccedilatildeo agrave aquisiccedilatildeo dos equipamentos e novas tecnologias ainda se

verifica defasagem

Algumas dessas informaccedilotildees podem ser conferidas nos quadros abaixo

No Assentamento Rural Satildeo Joseacute

A infraestrutura existente estaacute distribuiacuteda segundo os assentados da seguinte forma

- 31 natildeo possuem currais

- 20 possuem currais de arame liso 3 de madeira lisa e 58 de madeira

serrada

- 108 natildeo possuem brete

- 2 possuem brete de madeira bruta e 1 de madeira serrada

- 9 possuem barracatildeo de ordenha e 103 natildeo possuem

- 3 natildeo possuem cercas na propriedade

- 0 possuem cercas construiacutedas de arame farpado e 107 de arame liso

A existecircncia de equipamentos nas propriedades estaacute distribuiacuteda da seguinte forma

- 21 possuem equipamentos de traccedilatildeo animal e 90 natildeo possuem

- 3 possuem trator com implementos e 109 natildeo possuem

- 65 alugam trator e 47 natildeo alugam

- 17 possuem triturador ou picador de forragens e 95 natildeo possuem

Projeto de Assentamento Rural Satildeo Gabriel

A infraestrutura existente estaacute distribuiacuteda segundo os assentados da seguinte forma

- 5 possuem currais de arame liso 1 de madeira lisa e 7 de madeira

serrada

- 25 natildeo possuem brete

- 0 possuem brete de madeira bruta e 0 de madeira serrada

- 2 possuem barracatildeo de ordenha e 23 natildeo possuem

- 1 natildeo possui cercas na propriedade

- 0 possuem cercas construiacutedas de arame farpado e 24 de arame liso

A existecircncia de equipamentos nas propriedades estaacute distribuiacuteda da seguinte forma

- 4 possuem equipamentos de traccedilatildeo animal e 21 natildeo possuem

- 1 possui trator com implementos e 23 natildeo possuem

115

- 21 alugam trator e 3 natildeo alugam

- 5 possuem triturador ou picador de forragens e 19 natildeo possuem

Projeto de Assentamento Rural Ipecirc

A infraestrutura existente estaacute distribuiacuteda segundo os assentados da seguinte forma

- 24 natildeo possuem currais

- 17 possuem currais de arame liso 5 de madeira lisa e 35 de madeira

serrada

- 79 natildeo possuem brete

- 0 possuem brete de madeira bruta e 2 de madeira serrada

- 6 possuem barracatildeo de ordenha e 75 natildeo possuem

- 1 natildeo possuem cercas na propriedade

- 0 possuem cercas construiacutedas de arame farpado e 80 de arame liso

A existecircncia de equipamentos nas propriedades estaacute distribuiacuteda da seguinte forma

- 10 possuem equipamentos de traccedilatildeo animal e 71 natildeo possuem

- 6 possuem trator com implementos e 75 natildeo possuem

- 55 alugam trator e 26 natildeo alugam

- 20 possuem triturador ou picador de forragens e 61 natildeo possuem

Projeto de Assentamento Rural Aracati

A infraestrutura existente estaacute distribuiacuteda segundo os assentados da seguinte forma

- 2 natildeo possuem currais

- 8 possuem currais de arame liso 1 de madeira lisa e 14 de madeira

serrada

- 24 natildeo possuem brete

- 0 possuem brete de madeira bruta e 0 de madeira serrada

- 2 possuem barracatildeo de ordenha e 23 natildeo possuem

- 0 natildeo possuem cercas na propriedade

- 2 possuem cercas construiacutedas de arame farpado e 23 de arame liso

A existecircncia de equipamentos nas propriedades estaacute distribuiacuteda da seguinte forma

- 6 possuem equipamentos de traccedilatildeo animal e 19 natildeo possuem

116

- 0 possui trator com implementos e 25 natildeo possuem

- 20 alugam trator e 5 natildeo alugam

- 4 possuem triturador ou picador de forragens e 21 natildeo possuem

Percebe-se que a infraestrutura baacutesica nos assentamentos rurais estaacute voltada

para a criaccedilatildeo de gado como currais brete de madeira barracatildeo de ordenha e cercas de

arame liso e farpado aleacutem de outros equipamentos como resfriadores de leite e

trituradores ou picadores para a feitura de forragens para a alimentaccedilatildeo do gado

O nuacutemero e a distribuiccedilatildeo deles variam conforme os assentamentos rurais e o

perfil dos assentados No geral se percebe que os Agricultores Familiares de Vila Rica-

MT ainda recorrem com frequecircncia ao uso da forccedila humana e dos equipamentos de

traccedilatildeo animal Existem no entanto alguns equipamentos agriacutecolas de origem

mecanizada como tratores que podem ser proacuteprios ou alugados

O fato eacute que em menor ou maior nuacutemero os equipamentos e a infraestrutura

existente nos assentamentos satildeo destinados agrave produccedilatildeo e criaccedilatildeo de gado

34 A Produccedilatildeo a renda comercializaccedilatildeo e a circulaccedilatildeo na Agricultura Familiar

de Vila Rica-MT

Um dado importante a ser ponderado para a problematizaccedilatildeo da produccedilatildeo

nos assentamentos rurais diz respeito agrave renda Especificamente de onde surge a renda

dos assentados

As informaccedilotildees obtidas dos quatro assentamentos rurais de Vila Rica-MT

analisados pela pesquisa da Empaer os dados indicam que a renda dos assentados eacute

resultante das atividades que estatildeo associadas a algumas culturas agriacutecolas agrave pecuaacuteria e

agrave criaccedilatildeo de pequenos animais

Tais dados estatildeo melhor detalhados em tabelas distribuiacutedas por itens visando

assim uma melhor compreensatildeo da dinacircmica de produccedilatildeo e renda dos assentamentos

rurais

341 A renda nos quatro Projetos de assentamentos rurais de Vila Rica-MT

117

Tabela 12 Percentual de participaccedilatildeo da Renda dos assentados

RendaPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati

Renda Agriacutecola eou Pecuaacuteria 7333 8789 7365 7140

Natildeo Agriacutecola

(Artesanato agroinduacutestria) 3650 7500 3062 3000

Outras rendas

(Salaacuterios Aposentadoria etc) 5280 6182 4810 5460

Fonte EMPAER 2010

A tabela 12 revela que a maior parte da renda dos assentamentos rurais

proveacutem dos rendimentos das atividades agriacutecolas e pecuaacuterias seguida por outros tipos

de rendas originaacuterios de salaacuterios e aposentadorias que alguns assentados usufruem

aleacutem de atividades de produccedilatildeo artesanal em geral confeccionada por mulheres

O projeto de assentamento rural que apresenta discrepacircncia em relaccedilatildeo aos

dados anteriores eacute o do Assentamento Rural Satildeo Gabriel que aleacutem da renda oriunda da

pecuaacuteria agricultura tem destaque nas outras fontes como atividades artesanais

agroinduacutestria e em salaacuterios e aposentadoria

342 Atividades Agriacutecolas a produccedilatildeo econocircmica e a de subsistecircncia

As atividades agriacutecolas desenvolvidas nos assentamentos foram classificadas

de duas categorias econocircmicas e de subsistecircncia Segundo os dados o quantitativo

produzido eacute descrito conforme tabela a seguir

Tabela13 Produccedilatildeo agriacutecola (em Kg)

Atividades

Agriacutecolas PA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total

Arroz 4500 5100 1510 1500 12610

Banana 2560 200 2537 11000 1629

Feijatildeo 0 0 550 0 550

Mandioca 225802 54000 8127 111500 39942

Milho 106500 73530 3378 46850 23025 Fonte EMPAER 2010

Segundo a Tabela 13 os produtos agriacutecolas mais cultivados nos

assentamentos rurais estudados satildeo em quilograma mandioca seguida do milho e do

118

arroz uma pequena produccedilatildeo de banana Apenas o Assentamento Rural Ipecirc produz

feijatildeo

Tabela 14 Assentados que praticam Culturas de Subsistecircncia

Culturas

Econocircmicas PA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total

Arroz 2 4 12 1 19

Banana 5 1 16 3 25

Feijatildeo 0 0 2 0 2

Mandioca 29 6 38 15 88

Milho 17 12 38 12 79 Fonte EMPAER 2010

Os dados demonstram que a mandioca e o arroz satildeo os principais produtos

agriacutecolas cultivados nos assentamentos Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati O arroz eacute

comercializado em casca sendo a mandioca o milho e em menor escala a banana os

cultivados pelo maior nuacutemero de assentados

Trata-se portanto de uma produccedilatildeo significativa tanto para comercializaccedilatildeo

quanto para subsistecircncia No entanto a pecuaacuteria ainda eacute a principal atividade econocircmica

desses assentamentos rurais

343 Pecuaacuteria e criaccedilatildeo de pequenos animais

A principal atividade de produccedilatildeo econocircmica nos assentamentos estudados eacute

a pecuaacuteria bovina leiteira a qual nos uacuteltimos anos cresceu significativamente

ultrapassando a pecuaacuteria de corte

Tabela 15 Tipo de pecuaacuteria explorada por propriedade (famiacutelias)

Tipo de

pecuaacuteria PA Satildeo Joseacute

Satildeo

Gabriel Ipecirc Aracati Total

Leite 19 10 34 12 75

Leite e corte 57 5 27 11 100

Corte 29 3 15 2 49

Total 105 18 76 25 224 Fonte EMPAER 2010

119

Os dados demostram que a maioria dos criadores de gado se dedica agrave

produccedilatildeo de leite Cruzando estes com outros dados eacute possiacutevel identificar que a

produccedilatildeo de leite eacute destinada ao mercado e tambeacutem ao consumo das famiacutelias

assentadas o que tem correlaccedilatildeo ateacute mesmo com a frequecircncia de consumo de proteiacutena

animal apresentados aa Tabela 16

Tabela 16 Frequecircncia do consumo de proteiacutena animal na alimentaccedilatildeo dos

assentados

Uso de tanquePA Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total

Come carne todo dia 93 22 70 22 207

Trecircs vezes por semana 16 0 9 3 28

Uma vez por semana 0 0 1 0 1

Natildeo come carne 0 0 0 0 0 Fonte EMPAER 2010

De acordo com a Tabela 16 das 236 famiacutelias que participaram da pesquisa

207 declararam que consomem carne todos os dias sendo que 28 disseram que a

consomem trecircs vezes por semana e apenas uma famiacutelia consome carne somente uma

vez por semana o que revela um consumo significativo de carne

Em relaccedilatildeo ao modo de criaccedilatildeo do gado importante destacar que conforme

os Planos de Desenvolvimento dos Assentamentos Rurais Pdas 100 dos assentados

criam gado utilizando o sistema extensivo ou seja uma praacutetica de criaccedilatildeo tradicional o

que significa dizer que satildeo habituados a criar o gado solto nas aacutereas de pastagens

naturais eou livres sem qualquer divisatildeo de cercas

Outros dados fundamentais para a compreensatildeo de forma detalhada do

potencial da produccedilatildeo de leite nos assentamentos rurais privilegiados pela pesquisa

estatildeo destacados na Tabela 17

Tabela 17 Dados de produccedilatildeo de leite nos assentamentos rurais por nordm de vacas

DadosPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati

Nuacutemero de Vacas Leiteiras 881 191 768 393

Meacutedia por assentado (n

vacas) 1223 146 1301 1637 Fonte EMPAER 2010

120

Os assentamentos rurais Aracati e Satildeo Gabriel satildeo menores em termos do

nuacutemero de propriedades e famiacutelias assentadas Os dados anteriores reforccedilam o

indicativo de que haacute uma importante produccedilatildeo de leite pois cada famiacutelia tem em

nuacutemero consideraacutevel de vacas leiteiras

A principal fonte de renda dos assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel

Ipecirc e Aracati eacute a produccedilatildeo de leite Mas os assentados tem necessidade de teacutecnicas para

a conservaccedilatildeo desse leite Nesse caso os resfriadores de leite embora natildeo sendo

utilizados por todos satildeo fundamentais Apresentamos a seguir detalhamento dessas

informaccedilotildees

Tabela 18 Nuacutemero de Famiacutelia que utilizam o resfriador de leite

Uso de tanquePA Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total

Natildeo usam tanques 62 3 20 13 98

Usam tanques proacuteprios 3 0 2 1 6

Usam tanques comunitaacuterios 25 11 47 9 92

Fonte EMPAER 2010

Na tabela 18 observamos que o nuacutemero de famiacutelias que natildeo usam tanques

para resfriamento do leite eacute significativo lanccedilando matildeo de outros meios para o

armazenamento e ou transporte do leite ateacute o ponto final de comercializaccedilatildeo

Aleacutem de gado de corte e leiteiro os assentados dos assentamentos rurais se

dedicam agrave criaccedilatildeo de animais de pequeno porte para o consumo e comercializaccedilatildeo

poreacutem em menor escala Entre eles se destacam as aves suiacutenos caprinos ovinos

peixes e abelhas Os animais de pequeno porte como aves e porcos satildeo de criaccedilatildeo

tradicional O dado que mais chama a atenccedilatildeo eacute a criaccedilatildeo de peixes Haacute um nuacutemero

expressivo de famiacutelias que exercem a piscicultura Portanto pode-se afirmar que leite e

peixe satildeo produtos familiares destinados agrave comercializaccedilatildeo

344 Comercializaccedilatildeo e Associativismo

Pensar o desenvolvimento econocircmico local a partir da produccedilatildeo dos

assentamentos rurais nos remete agraves formas de organizaccedilatildeo e comercializaccedilatildeo da

produccedilatildeo

121

Chamamos a atenccedilatildeo para a organizaccedilatildeo nos assentamentos rurais de Vila

Rica-MT pois houve uma intensa mobilizaccedilatildeo acerca das accedilotildees coletivas para o

processo de reocupaccedilatildeo e regularizaccedilatildeo da terra Poreacutem quando consolidados os

Projetos de Assentamentos Rurais os assentados perderam a referecircncia de coletividade

No que tange ao modo de produccedilatildeo e comercializaccedilatildeo a tabela que segue mostra esta

defasagem

Tabela 19 Local de Comercializaccedilatildeo da Produccedilatildeo dos assentamentos

ComercializaccedilatildeoPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total

Propriedade 80 16 67 16 179

Pequenos Comeacutercios 12 0 6 3 21

Feira 3 1 2 0 6

Atacadista 0 0 0 0 0

Supermercados 1 1 1 1 4

CONAB 0 0 1 0 1

Outros lugares 48 7 38 6 99 Fonte EMPAER 2010

Os dados nos mostram que a maior parte dos assentados comercializa os seus

produtos nos proacuteprios lotes Os assentados na maioria das vezes recorrem aos

atravessadores para comercializar os produtos os quais em sua maioria tratam-se de

comerciantes da cidade Outro nuacutemero considerado significativo comercializa em

outros lugares diferentes de comeacutercios como as feiras e no CONAB Essa situaccedilatildeo pode

estar relacionada agrave falta de organizaccedilatildeo coletiva com a criaccedilatildeo de associaccedilotildees e

cooperativas Nesse sentido a tabela que se segue mostra detalhadamente a participaccedilatildeo

ou natildeo das famiacutelias nessas organizaccedilotildees coletivas

Tabela 20 Associativismo nos assentamentos Aracati Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel e Ipecirc

AssociativismoPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total

Natildeo participam 15 2 10 0 27

Participam em cooperativa 4 0 0 0 4

Participam em associaccedilatildeo 99 20 73 25 217

Participam em sindicatos 99 23 75 21 218

Outras modalidades 1 1 0 0 2 Fonte EMPAER 2010

122

Ressaltamos que o principal mecanismo de organizaccedilatildeo coletiva dos

Agricultores Familiares satildeo as Associaccedilotildees de Pequenos Produtores Rurais e o

Sindicato dos Trabalhadores Rurais Satildeo organizaccedilotildees mais do tipo poliacutetico

reivindicativo que de produccedilatildeo e comercializaccedilatildeo Apenas 09 dos Agricultores

Familiares participam das atividades do sistema cooperativo e 04 em outras

modalidades

Em pesquisa sobre os assentamentos rurais no Araguaia o diagnoacutestico do

Plano Territorial de Desenvolvimento Rural Sustentaacutevel do Territoacuterio Rural (PTDRS)

do Baixo Araguaia-MT produzido pelo Ministeacuterio da Agricultura em 2006 haacute uma

indicaccedilatildeo de que todos os PAs do Araguaia possuem associaccedilotildees

A mesma pesquisa do PTDRS (2006 p 46) indica que os Agricultores

Familiares tecircm participaccedilatildeo nos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais e nos Conselhos

Municipais de Desenvolvimento Rural existentes em todos os municiacutepios do territoacuterio

No entanto entre os assentados existe ldquo[] um sentimento de descrenccedila e

desconfianccedila frente agraves instacircncias de organizaccedilatildeo dos produtores []rdquo Essa descrenccedila

estaacute tambeacutem associada ldquo[] agrave dificuldade em conseguir melhorias efetivas para a

populaccedilatildeo rural (acesso ao creacutedito luz eleacutetrica melhoria nas estradas) que estaacute levando

na opiniatildeo dos entrevistados agrave descrenccedila nas lideranccedilas e nas instituiccedilotildees de

representaccedilatildeo []rdquo

Em relaccedilatildeo agrave organizaccedilatildeo por meio de cooperativas o PTDRS (2006 p 46)

atribui essa falta de motivaccedilatildeo ao fato de que

Constatou-se que os municiacutepios de Satildeo Feacutelix do Araguaia

Porto Alegre do Norte e Vila Rica-MT possuiacuteam diferentes

tipos de cooperativas que acabaram falindo Apesar de natildeo

estarem diretamente relacionados com a Agricultura Familiar

estes exemplos ruins acabam influenciando na percepccedilatildeo da

populaccedilatildeo sobre as formas de cooperativas e associativas de

trabalho

Essa situaccedilatildeo eacute confirmada tambeacutem pelos relatos orais como mostra a fala

do secretaacuterio municipal de agricultura de Vila Rica-MT

123

As experiecircncias mal sucedidas das cooperativas influenciam

bastante para o descreacutedito na formaccedilatildeo de novas cooperativas

Vila Rica-MT por exemplo teve umas trecircs cooperativas

Tiacutenhamos uma que era muito forte na organizaccedilatildeo chamava

CONEMAT - Cooperativa do Nordeste de Mato Grosso

Inclusive ainda tecircm alguns preacutedios e balanccedilas espalhadas aiacute

na cidade tinha caminhotildees e supermercados mas creio que foi

por ingerecircncia de alguns presidentes que acabaram dando um

calote nos cooperados [] Temos hoje um grande nuacutemero de

produtores rurais que tecircm uma diacutevida enorme e natildeo tecircm como

pagar porque os presidentes pegaram empreacutestimos em nome

deles e foram embora levando o dinheiro dessas pessoas e por

isso muitos tecircm medo de cooperativas Por isso eacute complicado

tanto pra noacutes como para o Sindicato dos Trabalhadores Rurais

atuarmos no sentido de fomentar o sistema de cooperativa

(ENTREVISTA com Gilmar secretaacuterio Municipal de

Agricultura do municiacutepio de Vila Rica-MT realizada pela

autora em marccedilo de 2015)

Esse relato oral nos revela a dimensatildeo dos desafios vivenciados pelos

assentados e como a Secretaria de Agricultura e o Sindicato dos Trabalhadores Rurais

de Vila Rica-MT enfrentaram dificuldades para mobilizar os trabalhadores para a

criaccedilatildeo do sistema de comercializaccedilatildeo por meio de cooperativas

No entanto apesar das dificuldades o sistema de cooperativa poderaacute ser uma

alternativa para ampliar o potencial da comercializaccedilatildeo dos produtos da Agricultura

Familiar Dentro desse sistema a Prefeitura Municipal passa a ser importante

comprando os gratildeos legumes e hortaliccedilas para a merenda escolar aleacutem de ser uma

instituiccedilatildeo fundamental na mediaccedilatildeo para que os Agricultores Familiares acessem a

Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB)

35 Teacutecnicas e niacutevel tecnoloacutegico dos assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel

Ipecirc e Aracati

Martins (2014 p 24) afirma que ldquo[] a inovaccedilatildeo depende amplamente do

modo como a trama das relaccedilotildees sociais em que ocorre define sua funccedilatildeo e as

contradiccedilotildees sociais que alimentamrdquo Isso significa que os saberes tradicionalmente

produzidos ao longo das experiecircncias de vida natildeo devem ser considerados invaacutelidos na

inserccedilatildeo das inovaccedilotildees tecnoloacutegicas

Nos assentamentos rurais estudados identificamos que os saberes e as

teacutecnicas tradicionais satildeo recorrentes no modo de produzir de lidar com a terra e na

124

constituiccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com a natureza A seguir apresentamos algumas

teacutecnicas utilizadas nos assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati do

municiacutepio de Vila Rica-MT

351 Teacutecnicas de uso do Solo plantio combate de pragas colheita e

armazenamento

Tabela 21 Tipos de preparo do solo por nordm de famiacutelias

Tipo de preparoPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total

Capina e faz o plantio 20 0 16 5 41

Utiliza araccedilatildeo e gradagem 42 15 53 12 122

Faz o preparo em niacutevel 0 0 0 0 0

Fonte EMPAER 2010

De acordo com os dados da Tabela 21 muitos agricultores dos assentamentos

rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati recorrem agraves teacutecnicas tradicionais para o

preparo do solo no que se refere ao cultivo de produtos agriacutecolas e no plantio de

pastagens para o gado Poreacutem 740 utilizam araccedilatildeo e gradagem do solo

Tabela 22 Tipos de sementes cultivadas nos assentamentos rurais

Tipo de sementePA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total

Gratildeo proacuteprio 4 0 3 0 7

Sementes selecionadas22

43 14 67 19 143 Fonte EMPAER 2010

Agrave luz dos dados dispostos na Tabela 23 pode-se afirmar que os Agricultores

Familiares dos assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati possuem o

controle dos produtos a serem cultivados uma vez que satildeo eles quem seleciona as

sementes produzidas pela induacutestria e satildeo os proprietaacuterios dos gratildeos desqualificando a

semente crioula dos produtores

22 Aleacutem desses dados dois assentados rurais de Satildeo Joseacute afirmam que utilizam sementes ldquofiscalizadasrdquo

conforme categorizaccedilatildeo utilizada pelo IBGE

125

Segundo a Empaer (2010) sementes selecionadas pelos agricultores satildeo

aquelas consideradas de melhor qualidade sendo observados os aspectos relacionados

ao tamanho cor entre outros

Tabela 23 Tipos de plantio cultivados nos assentamentos rurais

Tipo de plantio Satildeo

Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual

Mecanizado 8 3 12 1 24 135

Traccedilatildeo animal 3 1 7 0 11 60

Manual 62 11 50 19 142 800

Fonte EMPAER 2010

Na Tabela 23 podemos observar que os assentados utilizam

predominantemente o trabalho manual para o cultivo com um percentual de 80

Ainda segundo os dados 6 ainda utilizam animais como forma de traccedilatildeo para

realizaccedilatildeo dos cultivos e manutenccedilatildeo das roccedilas e pastagens Somente 135 dos

assentados lanccedila matildeo do sistema mecanizado Esses dados podem apontar o motivador

da baixa produtividade nas atividades da Agricultura Familiar ou indica a baixa

capitalizaccedilatildeo e uma tradiccedilatildeo de manejo de baixo custo

Quanto ao tipo de adubaccedilatildeo do solo realizado pelos assentados existem

vaacuterias formas das quais merecem o destaque da Tabela 24

Tabela 24 Tipo de adubaccedilatildeo do solo realizado pelos assentados por famiacutelia

Tipo de adubaccedilatildeoPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual

Natildeo fazem adubaccedilatildeo 65 6 41 13 125 610

Usam adubaccedilatildeo orgacircnica 2 6 11 3 22 105

Usam adubaccedilatildeo quiacutemica 20 4 21 5 50 245

Usam as duas adubaccedilotildees 2 1 3 2 8 4

Fonte EMPAER 2010

Os dados chamam a atenccedilatildeo pelo fato de que 125 famiacutelias ou seja 61 dos

assentados natildeo fazem adubaccedilatildeo Dos 39 que utilizam a adubaccedilatildeo a maior parte faz

126

adubaccedilatildeo quiacutemica (245) e somente 105 a adubaccedilatildeo orgacircnica sendo que uma

minoria de 2 realizam tanto a adubaccedilatildeo quiacutemica quanto a orgacircnica

Esse quadro situacional aponta uma tendecircncia para o aumento do uso de

produtos quiacutemicos pelos agricultores dos assentamentos rurais na medida em que

melhoram suas condiccedilotildees econocircmicas A Tabela 25 apresenta as formas de tratamentos

do solo utilizadas pelos assentados

Tabela 25 Conservaccedilatildeo do solo (por nuacutemero de Famiacutelias)

Conservaccedilatildeo dos solos PA Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual

Natildeo fazem 90 15 67 24 196 93

Fazem plantio em niacutevel 1 1 1 1 4 2

Terraccedilo 0 0 0 0 0 0

Outros tipos de conservaccedilatildeo 2 0 9 0 11 5

Total 211 100

Fonte EMPAER 2010

Os dados satildeo preocupantes visto que 196 famiacutelias declararam natildeo adotar

qualquer teacutecnica para a conservaccedilatildeo do solo Isto explica o alto iacutendice de degradaccedilatildeo

ambiental e do solo nos assentamentos rurais de Vila Rica-MT Outro item que

consideramos importante para a conservaccedilatildeo eacute a teacutecnica de rotaccedilatildeo no uso do solo

Assim a Tabela 26 mostra como os assentados lidam com essa situaccedilatildeo

Tabela 26 Rotaccedilatildeo de Culturas nos assentamentos rurais

Rotaccedilatildeo de cultura

PA Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total Porcentagem

Fazem rotaccedilatildeo 10 4 20 10 44 20

Natildeo fazem rotaccedilatildeo 87 16 57 15 175 80

Total 219 100

Fonte EMPAER 2010

Segundo a Tabela 26 haacute evidecircncia da pouca rotaccedilatildeo de culturas o que

corresponde a (201) nos assentamentos rurais estudados Em contrapartida 80 natildeo

fazem rotaccedilatildeo de culturas A consequecircncia eacute o baixo rendimento da terra ou seja baixa

127

produtividade e esgotamento mais raacutepido Uma interpretaccedilatildeo possiacutevel sobre os dados

indicados na Tabela 26 eacute construiacuteda a partir da compreensatildeo de que a natildeo adoccedilatildeo de

rotaccedilatildeo de cultura estaacute relacionada aos haacutebitos culturais dos Agricultores Familiares

somados agrave falta de assistecircncia teacutecnica e orientaccedilotildees que demonstrem os benefiacutecios de tal

praacutetica Tambeacutem podemos observar a influecircncia da falta de um maior direcionamento

dos investimentos feitos pelo Governo Federal atraveacutes do Pronaf nos creacuteditos que satildeo

liberados conforme cultura agriacutecola e natildeo pelo sistema de produccedilatildeo O conjunto dessas

deficiecircncias de orientaccedilotildees teacutecnicas natildeo permite uma maior conscientizaccedilatildeo da

importacircncia de se praticar a rotaccedilatildeo de culturas como meio de melhor aproveitamento e

conservaccedilatildeo do solo significando manejo de informaccedilatildeo simples

Tabela 27 Tipo de combate agraves pragas (por nuacutemero de famiacutelias)

Tipo de combate PA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentagem

Natildeo fazem combate as pragas 81 6 35 13 135 645

Utilizam inseticidas 12 8 39 9 68 325

Utilizam controles alternativos 0 0 3 1 4 2

Utilizam de outros meios 1 1 0 0 2 1

Total

209 100

Fonte EMPAER 2010

Os dados da Tabela 27 apontam que 645 dos assentados natildeo fazem

nenhum tipo de combate a pragas e 325 fazem uso no cultivo de produtos agriacutecolas

de inseticidas no seu combate e controle Somente 4 famiacutelias utilizam produtos e

mecanismos alternativos

Logo a Tabela 27 mostra um percentual significativo de famiacutelias que natildeo faz

controle de pragas ou utilizam outros controles indicando que a maioria dos assentados

consome produtos sem contaminaccedilatildeo de inseticidas

Tabela 28 Tipo de lavagem triacuteplice de embalagens vazias de agrotoacutexicos

Tipo de lavagem PA Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual

Fazem a lavagem 5 3 8 5 21 15

Natildeo fazem a lavagem 57 9 48 10 124 85

Total 145 100

Fonte EMPAER 2010

128

A Tabela 28 indica um dado alarmante 124 famiacutelias dos assentamentos rurais

pesquisados em Vila Rica-MT ldquonatildeo fazem a lavagemrdquo triacuteplice de embalagens vazias de

agrotoacutexicos expondo-se a riscos de contaminaccedilatildeo Quanto ao destino das embalagens

de agrotoacutexicos vazias os dados que se seguem indicam a mesma tendecircncia de descuido

Tabela 29 Destino das embalagens de agrotoacutexicos vazias

Destino das embalagens PA Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual

Jogam a ceacuteu aberto 13 3 28 4 48 495

Satildeo reutilizadas 2 0 2 0 4 4

Enviadas agrave central abastecimento 17 7 16 5 45 465

Total 97

100

Fonte EMPAER 2010

Os dados da Tabela 29 soacute reforccedilam a falta de cuidado em relaccedilatildeo agrave utilizaccedilatildeo

de agrotoacutexicos o que resulta na exposiccedilatildeo dos assentados a riscos agrave sauacutede Tambeacutem

podem resultar em danos ao meio ambiente como jaacute indicamos na Tabela 29

considerando que quase 50 das embalagens satildeo ldquojogadas a ceacuteu abertordquo e ainda que

4 dos assentados reutilizam essas embalagens

Seguindo a tendecircncia dos dados anteriores percebemos a falta de orientaccedilatildeo

teacutecnica em relaccedilatildeo ao uso e cuidado com produtos agrotoacutexicos

Aleacutem da falta de assistecircncia teacutecnica que compromete o cultivo e a produccedilatildeo

os dados quantitativos demonstram que a ausecircncia de mecanizaccedilatildeo eacute um dado

importante no momento da colheita

Tabela 30 Tipo de colheita por famiacutelia

Tipo de colheitasPA Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual

Usam colheita manual 66 15 69 19 169 995

Colheita mecacircnica 0 0 1 0 1 05

Total 170 100 Fonte EMPAER 2010

A Tabela 30 evidencia que praticamente todos os assentados participantes da

pesquisa natildeo utilizam equipamentos mecacircnicos para a colheita de seus produtos

predominando a colheita manual com uso intensivo da matildeo de obra Esse processo

129

pode ser resultante da experiecircncia de vida e haacutebitos dos agricultores familiares em

funccedilatildeo da questatildeo econocircmica jaacute que os assentamentos rurais analisados natildeo dispotildeem de

maquinaacuterios destinados ao preparo do solo plantio e agrave colheita agriacutecola ou isso se deve

ao relevo inclinado demais ou solo pedregoso

Tabela 31 Tipo de armazenamento da produccedilatildeo (por nuacutemero de famiacutelia)

Tipo de armazenamentoPA Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual

A ceacuteu aberto 4 2 7 0 13 8

No paiol 45 11 57 14 127 79

No silo 1 0 0 1 2 15

Na residecircncia 7 2 6 2 17 105

No galpatildeo 1 0 0 0 1 05

160 100

Fonte EMPAER 2010

O modo de armazenar tambeacutem eacute tradicional o Paiol eacute uma construccedilatildeo ruacutestica

feita de forma artesanal onde os agricultores guardam os mantimentos colhidos de suas

roccedilas os quais satildeo destinados agrave alimentaccedilatildeo das famiacutelias e dos animais Computando o

armazenamento a ceacuteu aberto feito por 81 e na residecircncia 106 significa que quase

20 dos produtos satildeo armazenados de forma inadequada

36 A questatildeo ambiental nos assentamentos rurais

As questotildees que envolvem problemas ambientais nas aacutereas rurais tecircm como

problemaacutetica principal o desmatamento a natildeo conservaccedilatildeo das matas ciliares a

poluiccedilatildeo do solo e dos rios o uso de agrotoacutexicos e o destino dos lixos produzidos

Todos esses problemas estatildeo inseridos em debates recorrentes no cenaacuterio rural

No caso de Vila Rica-MT pesquisas anteriores como as que foram realizadas

pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazocircnia (IPAM) em 2009 e por Barrozo

(2010) revelam dados alarmantes relativos agrave questatildeo ambiental Essas situaccedilotildees foram

confirmadas pelo diagnoacutestico construiacutedo pela Empaer (2010) conforme a descriccedilatildeo nas

tabelas que se seguem

Tabela 32 Situaccedilatildeo de degradaccedilatildeo de solo nos assentamentos rurais

130

Condiccedilatildeo de degradaccedilatildeo PA Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total

Natildeo estaacute degradado 16 5 16 6 43 18

O solo estaacute empobrecido 75 9 44 12 140 59

O solo estaacute com erosatildeo 2 0 2 2 6 3

O solo estaacute compactado 15 9 17 4 45 19

Outras formas de degradaccedilatildeo 1 0 1 0 2 1

Total 236 100

Fonte EMPAER 2010

Satildeo evidentes os problemas ambientais vivenciados pelos assentamentos

rurais de Vila Rica-MT Em 193 lotes analisados os solos se encontram em estaacutegio de

degradaccedilatildeo indicando empobrecimento erosatildeo compactaccedilatildeo e outras formas de

degradaccedilatildeo do solo

Tabela 33 Existecircncia de nascentes sem proteccedilatildeo (nuacutemero de propriedades)

Existecircncia de nascentes Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual

Existem nascentes

Degradadas 26 9 17 5 57 32

Natildeo existem 51 14 41 15 121 68

Total 100

Fonte EMPAER 2010

Considerando que a aacutegua eacute um elemento essencial para a vida e para a

manutenccedilatildeo dos assentamentos rurais os dados indicados na Tabela 33 preocupam

pois em um universo de 178 propriedades analisadas 57 estaacute com as nascentes de

aacuteguas desprotegidas de mata ciliar o que representa um problema grave do ponto de

vista ambiental com risco de seca e extinccedilatildeo de nascentes e rios

Tabela 34 Existecircncia de degradaccedilatildeo de matas ciliares

Existecircncia de degradaccedilatildeo PA Satildeo

Joseacute

Satildeo

Gabriel Ipecirc Aracati Total Porcentagem

Natildeo existem matas ciliares 25 10 35 9 79 35

A degradaccedilatildeo eacute baixa 26 4 22 5 57 255

A degradaccedilatildeo eacute meacutedia 23 2 14 6 45 20

131

A degradaccedilatildeo eacute alta 29 5 7 3 44 195

Total 225 100

Fonte EMPAER 2010

A questatildeo da aacutegua nos assentamentos rurais estudados eacute uma preocupaccedilatildeo

recorrente Aleacutem das nascentes desprotegidas os coacuterregos vecircm perdendo suas matas

ciliares em funccedilatildeo do processo de desmatamento o que impede a ampliaccedilatildeo das aacutereas

de pastagens A Tabela 34 revela que 146 propriedades analisadas apresentam

destruiccedilatildeo das matas ciliares com estaacutegios que variam de alta a baixa degradaccedilatildeo As

imagens dos trecircs assentamentos rurais abaixo ilustram um pouco essa situaccedilatildeo

Figura 10- Fotografias de corpos drsquoaacutegua e mata ciliar

Eacute importante ressaltar que os assentamentos rurais de Vila Rica-MT

resultaram do processo de reocupaccedilatildeo das fazendas que estavam improdutivas mas jaacute

tinham sido abertas e desmatadas anteriormente Assim o problema ambiental jaacute existia

antes mesmo da formaccedilatildeo do assentamento rural e foi intensificado parcialmente com a

formaccedilatildeo dos mesmos

Tabela 35 Situaccedilatildeo de degradaccedilatildeo das pastagens (por nuacutemero de propriedade)

Degradaccedilatildeo de pastagens PA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual

Natildeo existem pastagens degradadas 17 4 16 6 43 33

O niacutevel de degradaccedilatildeo eacute baixo 36 9 40 8 93 39

132

O niacutevel de degradaccedilatildeo eacute meacutedio 43 10 21 6 80 335

O niacutevel de degradaccedilatildeo eacute alto 14 1 4 4 23 95

Total 239 100

Fonte EMPAER 2010

Vimos nos dados indicados na Tabela 35 que 43 propriedades natildeo

apresentaram niacutevel de degradaccedilatildeo nas pastagens enquanto 196 propriedades estatildeo com

as pastagens degradadas estando entre os niacuteveis alto meacutedio e baixo conforme criteacuterios

de nivelamento natildeo esclarecidos na fonte escrita

As imagens a seguir dos assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel e Ipecirc

nos ajudam a visualizar o niacutevel de degradaccedilatildeo e qualidade das pastagens destes

assentamentos rurais

Figura 11- Fotografias das aacutereas de pastagens nos assentamentos rurais

Fonte EMPAER 2010

As imagens nos remetem a compreensatildeo do quanto o problema de

desmatamento afetou de forma significativa o solo o que comprometeu a qualidade das

pastagens dos assentamentos rurais As imagens revelam a caracteriacutestica do solo que eacute

formado por morro com pedras e cascalhos o que dificulta a realizaccedilatildeo do processo de

mecanizaccedilatildeo das aacutereas

Tabela 36 Uso de fogo no manejo do solo (por propriedade)

Existecircncia de nascentesPA Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual

133

Usam fogo 80 13 45 18 156 665

Natildeo usam fogo 28 10 36 5 79 335

Total 235 100

Fonte EMPAER 2010

Os dados expostos na Tabela 36 reforccedilam a existecircncia do problema ambiental

jaacute abordado nos paraacutegrafos anteriores Chamamos a atenccedilatildeo para o fato de que 156

famiacutelias afirmaram que costumam colocar fogo sistema chamado de coivara como

praacutetica de limpeza das pastagens e na preparaccedilatildeo do cultivo das roccedilas Enquanto apenas

79 famiacutelias disseram que natildeo fazem uso de fogo no desenvolvimento das suas

atividades agriacutecolas tampouco para limpeza de pastagens

37 Algumas consideraccedilotildees sobre os impactos de poliacuteticas puacuteblicas nos

assentamentos rurais Satildeo Joseacute satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati

Podemos afirmar que nos quatro assentamentos rurais analisados os produtos

alimentares predominantes satildeo arroz milho mandioca banana e hortaliccedilas Satildeo estes

produtos que constituem a alimentaccedilatildeo baacutesica dos agricultores familiares os quais satildeo

produzidos nos lotes familiares

Atribuiacutemos a baixa produtividade na Agricultura Familiar do municiacutepio de

Vila Rica agrave falta de equipamentos tecnoloacutegicos sobretudo maquinaacuterios que poderiam

facilitar o trabalho e aumentar a produtividade No entanto ressalvamos que essas

teacutecnicas satildeo consideradas por alguns teoacutericos como uma condiccedilatildeo de produccedilatildeo

positiva do ponto de vista da manutenccedilatildeo da identidade dos assentamentos rurais

porque ela se sustenta nos saberes tradicionais aleacutem de natildeo ser tatildeo prejudicial ao meio

ambiente

Em relaccedilatildeo agrave comercializaccedilatildeo foram identificados alguns fatores que

dificultam o processo de modo geral a exemplo da natildeo organizaccedilatildeo por meio de

cooperativas ou associaccedilotildees A problemaacutetica das estradas que muitas vezes impede ou

dificulta o transporte dos produtos ateacute os pontos locais de vendas comerciais

contribuem consequentemente para o natildeo fortalecimento das feiras populares

134

As imagens a seguir ilustram a situaccedilatildeo de algumas estradas que datildeo acesso

aos assentamentos rurais de Vila Rica-MT durante os periacuteodos chuvosos de dezembro a

abril

Figura 12- Fotografias das Estradas dos assentamentos rurais

Fonte EMPAER 2009

A peacutessima situaccedilatildeo das estradas se torna ainda mais grave se pensarmos sobre

a necessidade de fortalecer a comercializaccedilatildeo dos produtos da Agricultura Familiar

quando levamos em consideraccedilatildeo o distanciamento dos assentamentos rurais com

relaccedilatildeo agrave aacuterea urbana cuja distancia eacute retratada nos croquis

Figura 13 - Croqui do Assentamento Rural Satildeo Joseacute

135

Fonte EMPAER 2010 p19

Figura 14 - Croqui do Assentamento Rural Satildeo Gabriel

Fonte EMPAER 2010 p 18

Figura 15 - Croqui do Assentamento Rural Ipecirc

136

Fonte EMPAER 2010 p 19

Figura 16 - Croqui do Assentamento Rural Aracaty

Fonte EMPAER 2010 p 18

137

O problema das estradas afetas tambeacutem a educaccedilatildeo pois danificam os ocircnibus

e prolongam o tempo que as crianccedilas ficam nas estradas sem aula atrasando o

calendaacuterio escolar Esta situaccedilatildeo provoca a desmotivaccedilatildeo dos alunos pelos estudos e

com isso os pais acabam retirando seus filhos das escolas do campo levando-os para

estudar na cidade por acreditar no prosseguimento dos estudos graccedilas agraves melhoras de

acesso permanecircncia e sucesso escolar

Ainda em relaccedilatildeo agrave educaccedilatildeo percebemos uma baixa escolaridade dos

assentados Consideramos que essa conjuntura seja resultante de alguns fatores como a

carecircncia de uma maior flexibilizaccedilatildeo na organizaccedilatildeo curricular e pedagoacutegica das escolas

dos assentamentos rurais principalmente nos quesitos referentes agrave organizaccedilatildeo dos

tempos e espaccedilos de aprendizagem uma vez que mesmo com o advento da energia

eleacutetrica nos assentamentos rurais nem todas as escolas garantiram a oferta da

modalidade escolar EJA - Educaccedilatildeo de Jovens e Adultos

No que tange agraves questotildees de gecircnero e idade constatou-se que natildeo haacute uma

organizaccedilatildeo quanto agrave formaccedilatildeo de associaccedilotildees ou movimentos sociais direcionados agrave

luta das mulheres tampouco dos jovens Tais circunstacircncias datildeo a entender a pouca

participaccedilatildeo das mulheres e dos jovens nos espaccedilos poliacuteticos embora ambos tenham

uma vida ativa em outras atuaccedilotildees referentes agrave divisatildeo de trabalhos nos assentamentos

rurais

Consideramos como um dos principais desafios relacionados agrave permanecircncia

dos agricultores familiares nos assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Aracati e

Ipecirc o fato de os jovens se sentirem desmotivados a continuar no campo Muitos saem

para a cidade na ilusatildeo que iratildeo encontrar emprego que lhes proporcione renda fixa e

melhor qualidade de vida

As condiccedilotildees dos assentados avanccedilaram em qualidade a partir da

implementaccedilatildeo do Programa Luz Para Todos uma vez que a energia eleacutetrica

possibilitou a utilizaccedilatildeo de equipamentos que facilitaram o seu cotidiano embora a aacutegua

potaacutevel ainda seja vista como um elemento complicador no que se refere ao seu

tratamento

Na sauacutede destacamos que haacute atendimento pelo Sistema Uacutenico de Sauacutede

(SUS) embora limitado pois os uacutenicos profissionais da sauacutede que atuam diretamente

138

nos assentamentos rurais satildeo os Agentes de Sauacutede Ou seja quando haacute sinalizaccedilatildeo de

problemas na sauacutede dos assentados estes tecircm que recorrer agrave assistecircncia de sauacutede

localizada na zona urbana o que requer meio de locomoccedilatildeo proacuteprio ou puacuteblico

No que se refere agraves demandas de moradia e infraestrutura nos assentamentos

rurais pesquisados destacamos que a maioria das casas foi construiacuteda ou reformada

com recursos oriundos do Pronaf No entanto nem todos os assentados usufruiacuteram do

financiamento para a construccedilatildeo de suas casas pois muitos deles tiveram que arcar com

os proacuteprios recursos Por isso muitas casas ainda satildeo de taacutebua Houve casos em que as

empresas contempladas na licitaccedilatildeo natildeo concluiacuteram as obras conforme previsto no

contrato

Contudo ressaltamos que os desafios vivenciados pelos agricultores

familiares de Vila Rica-MT satildeo inuacutemeros a exemplo da a pouca infraestrutura a

insuficiecircncia dos investimentos por parte do Poder Puacuteblico quanto agrave liberaccedilatildeo de creacutedito

direcionado agrave Agricultura Familiar reduzido uso de tecnologia a ausecircncia de uma

assistecircncia teacutecnica efetiva a falta de matildeo de obra jovem uma vez que a idade meacutedia dos

assentados segundo dados da EMPAER (2009 p 45) eacute de 507 anos ldquo[] uma das

possiacuteveis causas para o ecircxodo dos jovens eacute a falta de opccedilatildeo para dar continuidade aos

estudos e a falta de oportunidades de geraccedilatildeo de renda dentro dos assentamentos ruraisrdquo

Ainda sobre a infraestrutura ressaltamos que os maiores investimentos tanto

por parte do Pronaf como de outras fontes dos agricultores familiares foram aplicados

na atividade de pecuaacuteria por considerarem mais rentaacutevel Essa questatildeo estaacute mais

detalhada no capiacutetulo IV

Eacute preciso ainda atentarmos mais para aos problemas de ordem ambiental

porque se constataram situaccedilotildees de desmatamentos nas nascentes e matas ciliares sem

falar da degradaccedilatildeo do solo e das pastagens condiccedilotildees que implicam na natildeo ampliaccedilatildeo

da Agricultura Familiar enquanto potencial para alavancar o desenvolvimento regional

139

4 AS POLIacuteTICAS PUacuteBLICAS NOS ASSENTAMENTOS SAtildeO JOSEacute SAtildeO

GRABRIEL IPEcirc E ARACATI

Este capiacutetulo objetiva identificar quais foram as poliacuteticas puacuteblicas

implementadas nos assentamentos rurais do municiacutepio Vila Rica-MT no periacuteodo de

1996 a 2015

Construiacutemos uma anaacutelise norteada por algumas questotildees que serviram de

base para a reflexatildeo acerca do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura

Familiar (Pronaf) bem como de outras Poliacuteticas Puacuteblicas voltadas para o atendimento

das necessidades da populaccedilatildeo do campo como eacute o caso da sauacutede educaccedilatildeo e

habitaccedilatildeo

Nesse sentido destacamos alguns questionamentos relacionados aos

procedimentos de execuccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas destinadas aos assentamentos rurais

Qual foi o impacto do Pronaf nos assentamentos rurais de Vila Rica-MT Quais satildeo as

outras poliacuteticas e accedilotildees dos oacutergatildeos puacuteblicos no apoio e incentivos da Agricultura

Familiar no Araguaia mato-grossense Quais os mecanismos de controle e inspeccedilatildeo

adotados pela Secretaria Municipal de Agricultura de Vila Rica-MT para monitorar e

fomentar a produccedilatildeo da Agricultura Familiar nos assentamentos rurais Existem ou natildeo

estrateacutegias constituiacutedas entre os Agricultores Familiares movimentos sindical e social

ligados agrave Agricultura Familiar para enfrentar as ldquoinvestidasrdquo do agronegoacutecio nas aacutereas

de assentamentos rurais Quais satildeo os desafios e os avanccedilos dos assentamentos rurais

de Vila Rica-MT na visatildeo dos agricultores familiares dos assentamentos pesquisados

Para a compreensatildeo dessas questotildees foi necessaacuteria uma anaacutelise dos dados

oficiais de fontes escritas e orais com o auxiacutelio de perspectivas teoacutericas presentes nos

estudos sobre as temaacuteticas que envolvem o universo das poliacuteticas puacuteblicas destinadas

aos assentamentos rurais sobretudo o Pronaf

41 O debate sobre o Pronaf

Compreender tanto as formas de uso da terra quanto as de produccedilatildeo dos

agricultores familiares assim como a identificaccedilatildeo do papel da Agricultura Familiar no

desenvolvimento do territoacuterio do Araguaia eacute tambeacutem constituir conhecimento e

reflexatildeo acerca dos avanccedilos e entraves vivenciados pelos agentes histoacutericos no processo

140

de implementaccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas direcionadas aos Projetos de assentamentos

rurais no Brasil sobretudo na consolidaccedilatildeo do Pronaf

Por isso fizemos apontamentos em relaccedilatildeo agrave produccedilatildeo dos assentamentos

rurais e ao mesmo tempo assinalamos as estrateacutegias adotadas pelos agricultores

familiares para sobreviverem agraves artimanhas do sistema burocraacutetico especialmente

quanto agraves formas de acesso ao creacutedito rural

Por outro lado para analisar o papel das poliacuteticas puacuteblicas enquanto objeto

de estudo os investimentos do Pronaf nos assentamentos rurais de Vila Rica-MT

tomando como referecircncias as estrateacutegias adotadas pelos agricultores para serem

beneficiados pelas linhas de creacutedito problematizaram-se os avanccedilos e os entraves nas

condiccedilotildees de implementaccedilatildeo dessas poliacuteticas atraveacutes de reflexotildees teoacutericas e estudos de

caso Para tanto realizamos uma revisatildeo bibliograacutefica sobre a temaacutetica que historiciza o

artifiacutecio de criaccedilatildeo do Pronaf enquanto poliacutetica puacuteblica

Gazola e Schneider (2004 p 21) concebem que a criaccedilatildeo do Pronaf

representou uma resposta por parte do Estado brasileiro ao surgimento de uma nova

categoria social que demanda accedilotildees do Poder Puacuteblico e que levam em consideraccedilatildeo as

especificidades dessa nova categoria social ldquo[] os Agricultores Familiares que ateacute

entatildeo eram designados por termos como pequenos produtores produtores familiares de

baixa renda ou agricultura de subsistecircnciardquo

A partir dessa percepccedilatildeo podemos afirmar que anteriormente natildeo havia uma

designaccedilatildeo especiacutefica para os agentes histoacutericos que viviam da produccedilatildeo familiar na

agricultura enquanto categoria social Tratava-se de diversas denominaccedilotildees que eram

baseadas em criteacuterios econocircmicos e embutiam uma ideia de desqualificaccedilatildeo como por

exemplo ldquopequeno produtorrdquo

O conceito de Agricultura Familiar surgiu como uma alternativa para

suprimir as diversas denominaccedilotildees em relaccedilatildeo agrave forma e agrave concepccedilatildeo de produccedilatildeo das

populaccedilotildees que vivem no campo e que recorrem apenas agrave forccedila de trabalho dos

membros da famiacutelia Foi conceituada por Abramovay (1997 p 3 apud SALVODI

CUNHA 2010 p 10) como ldquo[] aquela em que a gestatildeo a propriedade e a maior

parte do trabalho vecircm de indiviacuteduos que mantecircm entre si laccedilos de sangue ou de

casamentordquo Os autores citados asseguram que essa definiccedilatildeo natildeo poderaacute ser vista como

unacircnime e muitas vezes pouco operacional

141

Salvodi e Cunha (2010 p 10) apesar de ponderarem que essa definiccedilatildeo natildeo

deve ser concebida como unacircnime entre os teoacutericos da Questatildeo Agraacuteria ressaltam que

eles adotam-na como conteuacutedo no sentido de evidenciar a nova categoria social que

envolve ldquo[] a propriedade da terra relaccedilotildees de trabalho e a gestatildeo das atividades

produtivasrdquo Para eles todos esses elementos satildeo criteacuterios usados para diferenciar por

se tratar de relaccedilotildees entre agentes sociais com parentesco de sangue ou alianccedilas via

matrimocircnio

Abramovay (1997) Salvodi e Cunha (2010) consideram que a base da

Agricultura Familiar estaacute portanto centrada no elemento relacional e natildeo

necessariamente na sua posiccedilatildeo diante de categorias econocircmicas ligadas agrave produccedilatildeo e agraves

formas de trabalho que dependem especificamente da matildeo de obra familiar

Destacamos que tal definiccedilatildeo eacute um constructo analiacutetico fundado a partir de

um referencial teoacuterico Isso eacute compreensiacutevel pois diferentes setores sociais a partir das

representaccedilotildees institucionais constroem categorias sociais Logo a categoria

ldquoAgricultura Familiarrdquo foi construiacuteda a partir de concepccedilotildees analiacuteticas e teoacutericas que

servem tanto para determinadas finalidades praacuteticas como para fins de acesso ao creacutedito

rural

Ressalvamos ainda que estes trecircs elementos baacutesicos - gestatildeo propriedade e

trabalho familiar se fazem presentes em todas as definiccedilotildees de Agricultura Familiar

sobretudo na definiccedilatildeo do Pronaf que insere a loacutegica da famiacutelia que tem a gestatildeo sobre

sua propriedade e busca o creacutedito

O Ministeacuterio do Desenvolvimento Agraacuterio (2015) apresenta uma espeacutecie de

passo a passo para o acesso ao Pronaf

O acesso ao Pronaf inicia-se na discussatildeo da famiacutelia sobre a

necessidade do creacutedito seja ele para o custeio da safra ou

atividade agroindustrial seja para o investimento em maacutequinas

equipamentos ou infraestrutura de produccedilatildeo e serviccedilos

agropecuaacuterios ou natildeo agropecuaacuterios Apoacutes a decisatildeo do que

financiar a famiacutelia deve procurar o sindicato rural ou a empresa

de Assistecircncia Teacutecnica e Extensatildeo Rural (Ater) como a

EMATER para obtenccedilatildeo da Declaraccedilatildeo de Aptidatildeo ao Pronaf

(DAP) que seraacute emitida segundo a renda anual e as atividades

exploradas direcionando o agricultor para as linhas especiacuteficas

de creacutedito a que tem direito (MDA)23

23 Disponiacutevel em lthttpwwwmdagovbrsitemdasecretariasaf-creditoruralsobre-o-

programasthashoPkG5KqCdpuff gt Acesso em 14092015

142

O Pronaf eacute apontado por alguns estudiosos da Questatildeo Agraacuteria no Brasil

como um marco da interferecircncia positiva do Estado na agricultura Eacute a partir dele que

ocorre a inclusatildeo da categoria social denominada de agricultores familiares no conjunto

das poliacuteticas puacuteblicas destinadas ao meio rural

Ressaltamos que antes do Pronaf existia o Programa de Valorizaccedilatildeo da

Pequena Produccedilatildeo Rural (Provape) criado em 1994 atraveacutes de uma operaccedilatildeo

financeira executada apenas pelo Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES)

Schneider Mattei e Cazella (2004) concebem que o Provape foi o embriatildeo da

mais importante poliacutetica puacuteblica criada para atender os agricultores familiares Segundo

os mesmos autores ele natildeo obteve os resultados esperados levando-se em consideraccedilatildeo

apenas os recursos que foram aportados Isso pode ser explicado parcialmente pelo fato

de o sistema de creacutedito e financiamento brasileiro natildeo ter sido adequado ao perfil do

puacuteblico para o qual se destinava o Provape

Ainda em conformidade com Schneider Mattei e Cazella (2004) eacute possiacutevel

afirmar que o Provape serviu apenas como ponto de partida para aquela que de fato

viria ser a primeira poliacutetica puacuteblica destinada agrave categoria de agricultores familiares

Em 1995 o Provape passou por uma transformaccedilatildeo tanto no que se refere agrave

concepccedilatildeo de poliacutetica puacuteblica voltada para os agricultores familiares comono que se

refere a sua aacuterea de abrangecircncia

Foram essas modificaccedilotildees acrescidas ao programa Provape que constituiacuteram

em 1996 o Pronaf o que de acordo com Schneider Mattei e Cazella (2004 p 3)

significa dizer que ldquo[] desse ano em diante o programa tem se firmado como a

principal poliacutetica do Governo Federal para os agricultores familiaresrdquo

Esses autores creditam ser o Pronaf uma poliacutetica puacuteblica constituiacuteda como

apoio econocircmico e produtivo para Agricultura Familiar brasileira A partir dele foram

criadas outras como eacute o caso do Programa Nacional de Aquisiccedilatildeo de Alimentos (PAA)

a Lei da Agricultura Familiar o Seguro Rural a nova forma de Assistecircncia Teacutecnica e

Extensatildeo Rural (ATER) e o Programa Nacional de Alimentaccedilatildeo Escolar (PNAE) que

embora jaacute existisse desde 1950 foi reestruturado a partir da criaccedilatildeo do Pronaf

Este inicialmente tinha como propoacutesito atuar em quatro grandes aacutereas 1)

Financiamento no Custeio e Investimento Agriacutecola 2) Fortalecimento de Infra Estrutura

143

rural 3) Negociaccedilatildeo e Articulaccedilatildeo de Poliacuteticas Puacuteblicas e 4) Formaccedilatildeo de Teacutecnicos

Extensionistas e de agricultores familiares

Nos primeiros anos de implantaccedilatildeo do Pronaf os juros para quem acessasse

essa linha de creacutedito para financiamento e investimento era de 12 ao ano o que pode

ser considerado um valor muito alto Esse fato talvez seja uma das principais

justificativas de poucos agricultores familiares terem pleiteado o creacutedito

Por outro lado havia tambeacutem a falta de conhecimento sobre o proacuteprio

programa Segundo Gazola e Schneider (2004) foram vaacuterios os entraves enfrentados

nos primeiros anos de implantaccedilatildeo do Pronaf sendo que dos recursos destinados agraves

safras de 1995-1996a maioria beneficiou agricultores familiares do Sul do paiacutes

sobretudo os produtores de fumo

Mas antes de avanccedilarmos sobre outras questotildees envolvendo o Pronaf eacute

importante analisarmos os muacuteltiplos contextos em que esse programa foi criado

42 O papel dos Movimentos sociais na criaccedilatildeo do Programa Nacional de

Fortalecimento da Agricultura Familiar na deacutecada de 1990

Bianchini (2015 p18) afirma que a deacutecada de 1990 foi sinalizada pela

constituiccedilatildeo de novas estrateacutegias no campo econocircmico sobretudo em relaccedilatildeo aos

aspectos comerciais tecnoloacutegicos financeiros e de investimentos aleacutem de ter sido o

periacuteodo de maior inserccedilatildeo do Brasil na economia internacional

Outra caracteriacutestica desse periacuteodo segundo o mesmo autor foi a criaccedilatildeo do

Mercado Comum do Sul (Mercosul) o qual visava materializar uma maior integraccedilatildeo

entre o Brasil Uruguai Argentina e Paraguai a partir da reduccedilatildeo das tarifas

alfandegaacuterias

O Mercosul alterou tambeacutem a poliacutetica cambial com o objetivo de promover

a expansatildeo das importaccedilotildees e ampliaccedilatildeo dos investimentos internacionais nas aacutereas

agroindustriais Por outro lado restringiu a participaccedilatildeo de cooperativas nesse setor

fortalecendo ainda mais as empresas privadas

A partir da concepccedilatildeo de Bianchini (2015) pode-se afirmar que diante das

novas configuraccedilotildees impostas ao cenaacuterio econocircmico brasileiro assistiu-se no Brasil ao

desmoronamento de um modelo econocircmico em que a base de sustentaccedilatildeo eram os

144

incentivos fiscais concedidos pelo Governo os quais atendiam apenas alguns setores

rurais

O que se vecirc nesse periacuteodo foi a movimentaccedilatildeo dos diferentes atores sociais

De um lado se encontram os grupos detentores de grande capital econocircmico querendo

a qualquer custo atrair a atenccedilatildeo das autoridades poliacuteticas em torno dos interesses do

capital na agricultura e por outro lado a intensificaccedilatildeo nas mobilizaccedilotildees por parte de

outros atores conclamando por uma construccedilatildeo de poliacuteticas diferenciadas para atender a

Agricultura Familiar a realizaccedilatildeo da Reforma Agraacuteria a ampliaccedilatildeo dos direitos dos

trabalhadores rurais e a criaccedilatildeo de um modelo de agricultura fundamentado na

sustentabilidade social e ambiental

Bianchini (2015 p 19) ao se referir ao papel das instituiccedilotildees e organizaccedilatildeo

dos movimentos sociais em defesa da Reforma Agraacuteria constituiacutedos na deacutecada de 1980

assegura que

Nesse cenaacuterio poacutes-crise do modelo agriacutecola a partir dos anos

80 com o teacutermino do regime militar e a promulgaccedilatildeo da

Constituiccedilatildeo de 1988 as organizaccedilotildees de agricultores

empresariais se rearticularam na Confederaccedilatildeo Nacional de

Agricultura (CNA) na Uniatildeo Democraacutetica Ruralista (UDR) e

na Associaccedilatildeo Brasileira do Agronegoacutecio (ABAG) As

organizaccedilotildees de Agricultores Familiares se fortalecem na

Confederaccedilatildeo Nacional dos Trabalhadores na Agricultura

(CONTAG) criam-se novas organizaccedilotildees como o Movimento

dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) a Via Campesina

o Departamento Nacional dos Trabalhadores Rurais da CUT

(DNTR) que daria origem agrave Federaccedilatildeo dos Trabalhadores da

Agricultura Familiar (Fetraf) Surge um novo cenaacuterio novos

embates e estabelece-se um novo arranjo institucional

Em consonacircncia agrave citaccedilatildeo afirmamos que os atores sociais do campo estatildeo

divididos em dois grandes grupos de um lado os grandes proprietaacuterios de terras e

representantes do agronegoacutecio e do outro as populaccedilotildees desprovidas de capital

financeiro representadas pelos trabalhadores rurais pequenos agricultores ribeirinhos e

comunidades tradicionais Esses grupos recorreram agrave organizaccedilatildeo dos Sindicatos a

exemplo daquele dos Trabalhadores ou dos Produtores Rurais e das confederaccedilotildees em

busca da sensibilizaccedilatildeo das autoridades poliacuteticas em torno da defesa de seus interesses

No que se refere aos movimentos sociais dos trabalhadores rurais e pequenos

agricultores natildeo se pode perder de vista que a deacutecada de 1990 foi marcada por intensas

mobilizaccedilotildees desses sujeitos sociais em torno de poliacuteticas puacuteblicas que pudessem

145

viabilizar a melhoria das condiccedilotildees de vida no campo sobretudo no que tange agrave criaccedilatildeo

de um sistema de creacutedito rural e a expansatildeo do programa de distribuiccedilatildeo de terras em

formato diferenciado para atender as especificidades dos pequenos agricultores

Bianchini (2015) considera possiacutevel assegurar que tanto o Provape como o

Pronaf resultaram de accedilotildees e pressotildees dos movimentos sociais que por meio das

diversas manifestaccedilotildees que contribuiacuteram diretamente para a definiccedilatildeo das diretrizes do

Pronaf como eacute o caso do ldquoGrito da Terra Brasilrdquo movimento promovido pela

Confederaccedilatildeo Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG) Federaccedilatildeo dos

Trabalhadores da Agricultura (Fetag) e pelos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais

(STTRs) que em geral reuniram milhares de trabalhadores em seus atos puacuteblicos em

sua grande maioria lideranccedilas dos diversos movimentos ligados agraves questotildees da

Agricultura Familiar Reforma Agraacuteria e de outras bandeiras relacionadas ao universo

dos trabalhadores rurais

Bianchini (2015) indica ainda outro acontecimento que proporcionou maior

visibilidade do debate acerca da luta por uma poliacutetica de creacutedito rural diferenciada e que

fosse capaz de mobilizar a integraccedilatildeo da produccedilatildeo familiar o Seminaacuterio ndash Creacutedito de

Investimento uma luta que vale milhotildees de vidas realizado na cidade Chapecoacute em

Santa Catarina no ano de 2003 sob a organizaccedilatildeo do Foacuterum Sul dos Rurais vinculado agrave

Central Uacutenica dos Trabalhadores - CUT

Esse seminaacuterio teve como funccedilatildeo marcar ldquo[] que o creacutedito seria a bandeira

central do movimento sindical e naquele momento poderia desencadear outras poliacuteticas

ATER Educaccedilatildeo Formaccedilatildeo Profissional Infraestrura e Habitaccedilatildeordquo (BIANCHINI

2015 p 24)

Ainda com base na concepccedilatildeo desse autor pode-se dizer que as discussotildees

provocadas durante o seminaacuterio de Chapecoacute aleacutem de possibilitar um repensar sobre a

questatildeo do creacutedito diferenciado para os pequenos agricultores apontaram tambeacutem

outras possibilidades de conquista no sentido de buscar uma poliacutetica que fosse capaz de

casar o Creacutedito Fundiaacuterio com a Educaccedilatildeo Formaccedilatildeo Profissional Infraestrutura e

Habitaccedilatildeo ldquo[] Esta foi a marca que timbrou a criaccedilatildeo do Pronaf a luta por creacutedito

diferenciado capaz de realizar a reconversatildeo das unidades de produccedilatildeo familiarrdquo

(BIANCHINI 2015 p 24)

146

43 O Pronaf e seus objetivos

O MDA assegura que o objetivo do Programa Nacional de Fortalecimento da

Agricultura Familiar (Pronaf) eacute ldquo[] financiar projetos individuais ou coletivos que

gerem renda aos agricultores familiares e assentados da Reforma Agraacuteria O programa

possui as mais baixas taxas de juros dos financiamentos rurais aleacutem das menores taxas

de inadimplecircncia entre os sistemas de creacutedito do Paiacutes (MDA 2015)rdquo 24

Estamos diante da definiccedilatildeo do oacutergatildeo puacuteblico responsaacutevel por colocar os

ldquoagricultores familiaresrdquo e ldquoassentados de Reforma Agraacuteriardquo enquanto puacuteblico alvo do

programa possibilitando-os ter acesso a creacuteditos com a preacute-condiccedilatildeo de natildeo ter uma

renda maior que R$ 360 mil reais por ano

O agricultor familiar deve avaliar o projeto que pretende

desenvolver Os projetos devem gerar renda aos Agricultores

Familiares e assentados da reforma agraacuteria Podem ser

destinados para o custeio da safra a atividade agroindustrial

seja para investimento em maacutequinas equipamentos ou

infraestrutura A renda bruta anual dos Agricultores Familiares

deve ser de ateacute R$ 360 mil (MDA 2015)25

As diretrizes do MDA que orientam a elaboraccedilatildeo dos projetos de

financiamentos do Pronaf asseguram que os agricultores familiares satildeo os protagonistas

no planejamento das accedilotildees que seratildeo desenvolvidas desde que levem em consideraccedilatildeo

os criteacuterios estabelecidos por cada linha de creacutedito

Segundo o MDA (2015) o Pronaf possui algumas linhas de creacutedito para

atender esse objetivo

bull Pronaf Custeio

-se ao financiamento das atividades agropecuaacuterias e de

beneficiamento ou industrializaccedilatildeo e comercializaccedilatildeo de

produccedilatildeo proacutepria ou de terceiros enquadrados no Pronaf

bull Pronaf Mais Alimentos - Investimento

Destinado ao financiamento da implantaccedilatildeo ampliaccedilatildeo ou

modernizaccedilatildeo da infraestrutura de produccedilatildeo e serviccedilos

agropecuaacuterios ou natildeo agropecuaacuterios no estabelecimento rural

ou em aacutereas comunitaacuterias rurais proacuteximas

bull Pronaf Agroinduacutestria

24Disponiacutevelemlthttpwwwmdagovbrsitemdasecretariasaf-creditoruralsobre-o-

rogramasthashoPkG5KqCdpuf gt Acesso em 14092015 25

Disponiacutevelemlt httpwwwmdagovbrsitemdasecretariasaf-creditoruralcomo-funciona-o-

pronafsthashJ7csT8kgdpuff gt Acesso em 14092015

147

Linha para o financiamento de investimentos inclusive em

infraestrutura que visam o beneficiamento o processamento e a

comercializaccedilatildeo da produccedilatildeo agropecuaacuteria e natildeo agropecuaacuteria

de produtos florestais e do extrativismo ou de produtos

artesanais e a exploraccedilatildeo de turismo rural

bull Pronaf Agroecologia

Linha para o financiamento de investimentos dos sistemas de

produccedilatildeo agroecoloacutegicos ou orgacircnicos incluindo-se os custos

relativos agrave implantaccedilatildeo e manutenccedilatildeo do empreendimento

bull Pronaf Eco

Linha para o financiamento de investimentos em teacutecnicas que

minimizam o impacto da atividade rural ao meio ambiente bem

como permitam ao agricultor melhor conviacutevio com o bioma em

que sua propriedade estaacute inserida

bull Pronaf Floresta

Financiamento de investimentos em projetos para sistemas

agroflorestais exploraccedilatildeo Destina extrativista ecologicamente

sustentaacutevel plano de manejo florestal recomposiccedilatildeo e

manutenccedilatildeo de aacutereas de preservaccedilatildeo permanente e reserva legal

e recuperaccedilatildeo de aacutereas degradadas

bull Pronaf Semiaacuterido

Linha para o financiamento de investimentos em projetos de

convivecircncia com o semi-aacuterido focados na sustentabilidade dos

agroecossistemas priorizando infraestrutura hiacutedrica e

implantaccedilatildeo ampliaccedilatildeo recuperaccedilatildeo ou modernizaccedilatildeo das

demais infraestruturas inclusive aquelas relacionadas com

projetos de produccedilatildeo e serviccedilos agropecuaacuterios e natildeo

agropecuaacuterios de acordo com a realidade das famiacutelias

agricultoras da regiatildeo Semiaacuterida

bull Pronaf Mulher

Linha para o financiamento de investimentos de propostas de

creacutedito para a mulher agricultora

bull Pronaf Jovem

Financiamento de investimentos de propostas de creacutedito para

jovens agricultores e agricultoras

bull Pronaf Custeio e Comercializaccedilatildeo de Agroinduacutestrias

Familiares

Destinada aos agricultores e suas cooperativas ou associaccedilotildees

para que financiem as necessidades de custeio do

beneficiamento e industrializaccedilatildeo da produccedilatildeo proacutepria eou de

terceiros

bull Pronaf Cota-Parte

Financiamento de investimentos para a integralizaccedilatildeo de cotas-

partes dos Agricultores Familiares filiados a cooperativas de

produccedilatildeo ou para aplicaccedilatildeo em capital de giro custeio ou

investimento

bull Microcreacutedito Rural

Destinado aos agricultores de mais baixa renda permite o

financiamento das atividades agropecuaacuterias e natildeo

agropecuaacuterias podendo os creacuteditos cobrirem qualquer demanda

que possa gerar renda para a famiacutelia atendida Creacuteditos para

Agricultores Familiares enquadrados no Grupo B e agricultoras

148

integrantes das unidades familiares de produccedilatildeo enquadradas

nos Grupos A ou AC26

Ainda para o MDA (2015) o creacutedito do Pronaf eacute operacionalizado pelos

agentes financeiros que compotildeem o Sistema Nacional de Creacutedito Rural (SNCR) os

quais estatildeo agrupados pelas unidades financeiras (Banco do Brasil Banco do

Nordeste e Banco da Amazocircnia) vinculadas aos (BNDES Bancoob Bansicredi e

associados agrave Federaccedilatildeo Brasileira de Bancos (Febraban)

A partir dessas opccedilotildees de creacutedito o nuacutemero de agricultores familiares que

tem aderido ao programa aumentou bem como a abrangecircncia do Pronaf no Brasil

Segundo dados do MDA (2015)

As contrataccedilotildees do Creacutedito ndash Pronaf apresentam crescimento

sustentado ao longo dos anos Em 19992000 o Pronaf abrangia

3403 municiacutepios passando para 4539 no ano seguinte o que

representou um aumento de 33 na cobertura de municiacutepios

ou seja a ampliaccedilatildeo de mais de 1100 municiacutepios em apenas

um ano A ampliaccedilatildeo de municiacutepios atendidos continuou em

cada ano agriacutecola sendo que em 20052006 houve a inserccedilatildeo de

quase 1960 municiacutepios em relaccedilatildeo agrave 19992000 Em

20072008 foram atendidos 5379 municiacutepios o que

representou um crescimento de 58 em relaccedilatildeo agrave 19992000

com a inserccedilatildeo de 1976 municiacutepios27

Portanto atraveacutes desses dados oficiais sobre o Pronaf foi possiacutevel identificar

seus objetivos e o que ele considera como caracteriacutestica de sua efetivaccedilatildeo e ampliaccedilatildeo

Cruzando os dados do Araguaia mato-grossense e aqueles dos assentamentos

rurais pesquisados com os dados oficiais obtivemos uma noccedilatildeo das implicaccedilotildees dos

investimentos do Pronaf no local sobretudo no que se refere ao municiacutepio de Vila Rica-

MT uma vez que eacute onde estatildeo localizados os assentamentos rurais analisados nesta

pesquisa

44 O Pronaf no espaccedilo do Araguaia Mato-grossense

26 Disponiacutevel em lthttpwwwmdagovbrsitemdasecretariasaf-creditorurallinhas-de-

crC3A9ditosthashupVEXpBldpufgt Acesso em 14092015 27

Disponiacutevel em lthttpwwwmdagovbrsitemdasecretariasaf-

creditoruralevoluC3A7C3A3o-do-pronafgt Acesso em 14092015

149

Em 2006 foi produzido um diagnoacutestico pela equipe teacutecnica do Territoacuterio da

Cidadania do MDA com o objetivo de elaborar o Plano Territorial de Desenvolvimento

Rural Sustentaacutevel do Araguaia mato-grossense ocasiatildeo em que foi constituiacutedo um

banco de dados sobre a situaccedilatildeo dos assentamentos rurais da aacuterea tomando como

referecircncia o perfil socioeconocircmico de cada assentamento rural e utilizando diversas

estrateacutegias e fontes documentais para constituiacute-lo

Analisando os dados do diagnoacutestico produzido pelo MDA constatamos que a

Agricultura Familiar possui um lugar de destaque no desenvolvimento socioeconocircmico

do Norte Araguaia

Paret (2012) informa existir 85 assentamentos rurais constituiacutedos no territoacuterio

Araguaia-Xingu sendo que 25 deles estatildeo localizados no municiacutepio de Confresa-MT

Os demais estatildeo distribuiacutedos entre os outros municiacutepios com destaque para Ribeiratildeo

Cascalheira Satildeo Feacutelix do Araguaia e Aacutegua Boa28

Ao todo satildeo 22328 famiacutelias assentadas numa aacuterea que corresponde apenas

a 8 da dimensatildeo territorial denominada por Paret (2012) como Araguaia-Xingu Nesse

mesmo sentido Barrozo (2009 p 96) avalia que

Os assentamentos rurais do Araguaia se caracterizam pela a

criaccedilatildeo de gado e pela baixa produccedilatildeo de alimentos Em quase

todos os assentamentos dos municiacutepios de Santa Terezinha

Vila Rica-MT Satildeo Joseacute e Santa Cruz do Xingu Confresa Porto

Alegre Canabrava Satildeo Feacutelix do Araguaia os assentados do

Araguaia tecircm como principal atividade econocircmica do lote a

criaccedilatildeo de gado bovino

Considerando o que Barrozo (2009) e Paret (2012) e os dados contidos no

relatoacuterio do MDATerritoacuterio da Cidadania (2006) dizem afirmamos que a pecuaacuteria eacute

tida como a principal fonte de renda dos assentados dessa aacuterea Aleacutem da venda dos

bezerros os agricultores familiares vendem tambeacutem leite para os pequenos laticiacutenios

que ficam espalhados pela aacuterea

Essa produccedilatildeo se tornou viaacutevel por um conjunto de fatores que vatildeo desde a

instalaccedilatildeo de energia eleacutetrica que possibilitou que o produto pudesse ser armazenado

em tanques resfriadores passando pelo fomento do Pronaf ateacute a instalaccedilatildeo de laticiacutenios

na aacuterea que absorvem a produccedilatildeo regional

28 Destacamos que dos 14 municiacutepios que compotildeem o territoacuterio denominado por Paret (2012)

como Araguaia Xingu apenas Luciara natildeo possui assentamentos rurais Rural (INCRA 2015)

150

A partir dos dados destacados pelos autores e pela descriccedilatildeo feita pelo o

Instituto de Defesa Agropecuaacuteria de Mato Grosso - Indea (2015)29

percebe-se que nos

uacuteltimos anos houve um crescimento notaacutevel da criaccedilatildeo de gado leiteiro nessa aacuterea

Essa situaccedilatildeo serve como justificativa ao fato de haver nos assentamentos rurais do

Araguaia uma aacuterea maior destinada agraves pastagens e uma menor concentraccedilatildeo de

atividades voltadas para o cultivo de pomares hortas agricultura e outras atividades

econocircmicas

O Araguaia Mato-grossense atualmente possui como principais cadeias

produtivas a pecuaacuteria e a soja Percebe-se que a Agricultura Familiar tambeacutem estaacute

inclusa nesse modelo de produccedilatildeo no entanto Paret (2012 p 53) faz uma ressalva em

relaccedilatildeo agrave ela uma vez que esta ldquo[] apresenta uma maior diversidade produtiva que vai

desde a horta a todo tipo de plantaccedilatildeo de frutas (plantadas ou do extrativismo)

tubeacuterculos mel ovos pequenos animais leite entre outros []rdquo

As atividades agriacutecolas nos assentamentos rurais do Araguaia Mato-

grossense foram estudadas por Barrozo (2009 p 99) para quem embora os assentados

atribuam uma grande importacircncia agrave criaccedilatildeo de gado tambeacutem cultivam roccedilas visando o

auto-sustento da famiacutelia ldquo[] Os principais produtos cultivados em quase todos os

assentamentos satildeo a mandioca o milho o arroz e a canardquo

Ainda em conformidade com Barrozo (2009) natildeo existem grandes pomares

com diversidade de frutas cuja produccedilatildeo tenha a finalidade de comercializaccedilatildeo mas

satildeo encontradas em muitos assentamentos pequenas produccedilotildees frutiacuteferas de manga

banana abacaxi goiaba caju tamarindo limatildeo pequi etc

Esse quadro de produccedilatildeo agriacutecola apresentado pelo mesmo autor foi

constatado tambeacutem no relatoacuterio do MDATerritoacuterio da Cidadania (2006 p 33) segundo

o qual as atividades agriacutecolas no espaccedilo do Araguaia Mato-Grossense satildeo assim

descritas

Dentre as culturas produzidas destacam-se a mandioca o arroz

o milho e o abacaxi presentes em praticamente todo o territoacuterio

e tambeacutem direcionadas ao mercado local e principalmente para

o autoconsumo [] Estas atividades constituem-se em

iniciativas particulares e natildeo reflete de forma real a situaccedilatildeo de

grande parte dos agricultores do territoacuterio

29Disponiacutevel em lthttpwwwterritoriosdacidadaniagovbrdotlrnclubsterritriosruraisone-

community gtAcesso em 02052015

151

Quanto agrave implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas direcionadas aos

assentamentos rurais Paret (2012 p 53) verificou a existecircncia de grandes obstaacuteculos

enfrentados pelos agricultores familiares a exemplo das dificuldades em acessar tanto

os recursos do Pronaf quanto de outros programas considerados de apoio como eacute o caso

do Programa Nacional de Aquisiccedilatildeo de Alimentos (PNAA) e do Programa Nacional de

Alimentaccedilatildeo Escolar (PNAE)

Os entraves ocorridos durante o processo de implementaccedilatildeo das poliacuteticas

puacuteblicas nos assentamentos rurais no Araguaia Mato-grossense sobretudo no caso do

Pronaf foram percebidos por Barrozo (2009 p 96) em pesquisa realizada para o

Ministeacuterio do Meio Ambiente (MMA) atraveacutes do programa GESTAR O autor escreve

que durante suas visitas aos assentamentos rurais era bastante comum os agricultores

familiares exporem suas insatisfaccedilotildees tanto com a atuaccedilatildeo dos teacutecnicos do INCRA

quanto com as condiccedilotildees impostas no processo de adesatildeo ao Pronaf Nesse sentido

descreve

[] os assentados reclamam do Pronaf que seria um pacote

fechado exigindo que o recurso seja em horas maacutequinas para

preparar a terra para a lavoura com a indicaccedilatildeo da empresa para

prestar serviccedilo e compra de ferramentas com indicaccedilatildeo da loja

As vacas leiteiras de qualidade ruim para leite custam R$

60000 cada uma tendo que comprar de criador indicado

Alguns assentados fazem acusaccedilotildees de que eacute feito um desconto

do Pronaf corresponde ao um percentual do financiamento que

seria destinado agrave assistecircncia teacutecnica Os teacutecnicos dizem que natildeo

podem se deslocar por falta de veiacuteculos ou de combustiacutevel

Percebemos uma insatisfaccedilatildeo de assentados quanto agraves restriccedilotildees e imposiccedilotildees

burocraacuteticas do Pronaf que retiram dos mesmos a autonomia de escolher locais raccedilas

de animais e marcas de produtos adquiridos com a verba do programa adiciona-se a

preocupaccedilatildeo com a extensatildeo teacutecnica que enfrenta dificuldades financeiras e de

logiacutestica

Na mesma oacutetica Paret (2012 p 53) avalia os problemas enfrentados pelos

agricultores familiares no acesso aos recursos do Pronaf e agrave atuaccedilatildeo do Incra ldquo[] do

ponto de vista institucional a conduccedilatildeo da Reforma Agraacuteria pelo Incra eacute marcada por

longas demoras na resoluccedilatildeo de processos e inuacutemeros casos de corrupccedilatildeordquo

Paret (2012) aborda ainda outra situaccedilatildeo que dificulta o desenvolvimento dos

assentamentos rurais do Araguaia Mato-grossense qual seja o fato de muitos

152

agricultores familiares natildeo terem recebido os creacuteditos moradia e a inexistecircncia de uma

assistecircncia teacutecnica mais efetiva

Os graacuteficos apresentado na Figura 17 e seguinte apresentam criteacuterios de

distribuiccedilatildeo e investimento dos recursos do Programa Nacional de Agricultura Familiar

nos assentamentos rurais

Figura 17 Graacutefico com dados da evoluccedilatildeo dos creacuteditos Pronaf

Fonte Paret 2012 (p 30)

Figura 18 Graacutefico com dados da distribuiccedilatildeo dos creacuteditos Pronaf

Fonte Paret 2012 (p 33)

153

Os dados dispostos nos das figuras 17 e 18 indicam que nos assentamentos

rurais no Araguaia mato-grossense a deacutecada de 2000 foi destaque na evoluccedilatildeo do

percentual de investimento de recursos pelo Pronaf

Percebemos uma oscilaccedilatildeo no volume de recursos na deacutecada de 2000 sendo

que nos anos de 2003 e 2004 apresentaram crescimento Em 2008 a 2010 aumentou

novamente o percentual de recursos disponibilizados com aumento daqueles destinados

agrave pecuaacuteria sobretudo em 2010 quando superaram os investimentos destinados agrave

agricultura

Quando se observam os dados indicados na Figura 18 percebe-se que entre

os onze municiacutepios apresentados como Araguaia Xingu o municiacutepio de Vila Rica-MT

em comparaccedilatildeo aos demais praticamente natildeo recebeu recursos do Pronaf destinados agrave

agricultura sobressaindo apenas os destinados agrave linha de creacutedito direcionada para a

pecuaacuteria

Nesse sentido Lima e Noacutebrega (2009) reforccedilam que os financiamentos

efetivados a partir de 1999 no municiacutepio de Vila Rica-MT foram direcionados para

agropecuaacuteria Em 2007 100 dos financiamentos do municiacutepio foram direcionados

somente agrave pecuaacuteria somando um total de 86 milhotildees de reais em investimentos

Lima e Noacutebrega (2009 12) afirmam ainda que

Entre 1996 e 2006 a aacuterea de pastagens aumentou em cerca de 50

mil hectares e o aumento do nuacutemero de cabeccedilas de gado mais

do que triplicou chegando em 2006 a quase 650 mil cabeccedilas A

densidade de cabeccedilas de gado por hectare passou de 08 para

21 um aumento bem acentuado Entre 2000 e 2007 as aacutereas

das lavouras de milho dobraram de tamanho [] existem dados

controversos no censo 2006 que indica mais de 150 mil hectares

de aacutereas de lavouras no entanto no ano de 2007 natildeo havia

muito mais do que 10mil hectares plantados somando todas as

culturas provavelmente muitas destas aacutereas de lavouras estatildeo

abandonadas

Para esses autores o aumento expressivo da pecuaacuteria em Vila Rica-MT nos

uacuteltimos anos pode ter contribuiacutedo para a reduccedilatildeo do desmatamento no municiacutepio em

funccedilatildeo ateacute mesmo do volume de recursos injetados o que justifica o desenvolvimento

das atividades ligadas agrave pecuaacuteria enquanto a agricultura praticamente ficou estagnada

entre o periacuteodo de 2000 a 2007

154

Desse modo concluiacutemos que mesmo havendo entraves na execuccedilatildeo do

Pronaf ele gerou impactos significativos no que se refere ao desenvolvimento

econocircmico do Araguaia colocando os assentamentos rurais na condiccedilatildeo de

protagonistas na geraccedilatildeo de renda sendo a pecuaacuteria a principal atividade econocircmica

45 O Pronaf nos assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati

Consideramos pertinente uma anaacutelise acerca dos efeitos do Pronaf nos

assentamentos rurais de Vila Rica-MT visando identificar os impactos desse programa

no desenvolvimento socioeconocircmico local Destacamos que embora haja oito

assentamentos rurais a pesquisa tomou como paracircmetro apenas os recursos aportados

pelos agricultores familiares dos assentamentos rurais de Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e

Aracati

Ao escolhecirc-los tomados aqui como objeto de anaacutelise dos resultados das

poliacuteticas puacuteblicas direcionadas aos Assentados da Reforma Agraacuteria do municiacutepio de

Vila Rica levou-se em consideraccedilatildeo o fato de terem sido contemplados com o

Programa de Assessoria Teacutecnica Social e Ambiental agrave Reforma Agraacuteria- Ates no ano

de 2006 como ilustra a Tabela a seguir

Tabela 37 Creacutedito Rural - nordm de Famiacutelia

Fonte EMPAER 2010

A Tabela 37 demonstra que mais de 90 dos agricultores familiares

participantes da pesquisa tiveram acesso ao Pronaf Os assentamentos Satildeo Joseacute e Ipecirc

foram os mais beneficiados porque possuem o maior nuacutemero de assentados Outra

questatildeo que nos chamou a atenccedilatildeo em relaccedilatildeo ao acesso ao credito eacute o iacutendice de

inadimplecircncia que natildeo chega a 1

Creacutedito RuralPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracat

i

Total

Usam o creacutedito rural 96 18 72 22 20

8

Natildeo usam por

Inadimplecircncia

0 0 2 0 2

Natildeo usam por outros

Motivos

8 3 5 3 19

155

Tabela 38 Finalidade do Creacutedito Rural - nordm de Famiacutelias

Finalidade creacutedito

PA

S Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total

Custeio agriacutecola 10 3 12 3 28

Custeio pecuaacuterio 91 13 69 17 190

Investimento agriacutecola 2 0 3 0 5

Investimento pecuaacuterio 68 11 51 19 149

Agroinduacutestria 0 1 0 0 1

Fonte EMPAER 2010

As informaccedilotildees contidas na Tabela 38 confirmam o que jaacute foi apresentado

nos Graacuteficos 01 e 02 e Figuras 17 e 18 em que os investimentos dos recursos do Pronaf

nas atividades agriacutecolas natildeo chegaram a 10 dos que tomaram o creacutedito enquanto que

somando o valor destinado ao custeio e ao investimento na pecuaacuteria atingiu 908

Poreacutem apenas 03 desses recursos foram aplicados nas atividades agroindustriais

Tabela 39 Tipo de Pronaf por nuacutemero de Famiacutelias

Finalidade Creacutedito Rural S Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total

Pronaf A 95 17 71 20 203

Pronaf AC 65 12 60 15 152

Outros tipos de Pronaf 5 2 4 1 12

Fonte EMPAER 2010

Na Tabela 39 que trata da tipologia das linhas de creacutedito do Pronaf

constatamos o que jaacute foi evidenciado pela tabela anterior Observamos que 203 famiacutelias

dos assentamentos rurais pesquisados acessaram o Pronaf A destinado agraves atividades de

investimentos ampliaccedilatildeo ou modernizaccedilatildeo da estrutura de produccedilatildeo beneficiamento e

serviccedilos nas propriedades enquanto 152 famiacutelias acessaram o Pronaf AC cujo creacutedito

destina-se ao custeio das atividades de agropecuaacuteria ou natildeo agropecuaacuterias Somente 12

famiacutelias foram beneficiadas por outras modalidades de Pronaf

46 Outras Poliacuteticas Puacuteblicas nos assentamentos Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e

Aracati

156

461 Programa Luz para todos

Ao discutirmos os impactos das poliacuteticas Puacuteblicas precisamos analisar os

efeitos da instalaccedilatildeo da rede eleacutetrica nos assentamentos rurais - Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel

Ipecirc e Aracati - a partir da implantaccedilatildeo do Programa Luz Para Todos instituiacutedo pelo

Decreto 4873 de novembro de 2003 com o objetivo de garantir o acesso agrave energia

eleacutetrica a dez milhotildees de pessoas que viviam no campo no periacuteodo de 5 anos ou seja de

2003 a 2008 Foi o mesmo elaborado e executado atraveacutes de parceria entre o Ministeacuterio

de Minas e Energia Eletrobraacutes concessionaacuterias e cooperativas de eletrificaccedilatildeo rural As

accedilotildees deveriam ser feitas em regime de cooperaccedilatildeo entre os Governos Municipais

Estaduais e Federal

A intenccedilatildeo inicial era superar a ldquoexclusatildeo eleacutetricardquo conforme descrito em

uma reportagem feita pelo Ministeacuterio de Minas e Energia (MME) no portal da empresa

Furna30

(2015 p 1)

[] O mapa da exclusatildeo eleacutetrica no paiacutes revela que as famiacutelias

sem acesso agrave energia estatildeo majoritariamente nas localidades de

menor Iacutendice de Desenvolvimento Humano e nas famiacutelias de

baixa renda Cerca de 90 delas tecircm renda inferior a trecircs

salaacuterios-miacutenimos [] Para por fim a essa realidade o governo

definiu como objetivo que a energia seja um vetor de

desenvolvimento social e econocircmico dessas comunidades

contribuindo para a reduccedilatildeo da pobreza e aumento da renda

familiar

Para o Ministeacuterio de Minas e Energia (2015 p 1) ldquo[] a chegada da energia

eleacutetrica facilita a integraccedilatildeo dos programas sociais do Governo Federal aleacutem do acesso

a serviccedilos de sauacutede educaccedilatildeo abastecimento de aacutegua e saneamentordquo E como o nuacutemero

de pessoas que viviam sem energia eleacutetrica era bem superior agrave estimativa feita pelo

Governo Federal houve a necessidade de ampliar o periacuteodo para a execuccedilatildeo do

Programa Luz Para Todos o qual foi reformulado e estendido ateacute dezembro de 2014

ldquo[] Com a publicaccedilatildeo do Censo de 2010 pelo IBGE veio agrave informaccedilatildeo de que ainda

existiam na zona rural brasileira 715939 famiacutelias sem energiardquo (MME 2015 p 1)

30Furnas eacute uma empresa de economia mista subsidiaacuteria da Eletrobraacutes e vinculada ao Ministeacuterio de

Minas e Energia dedicada a geraccedilatildeo e transmissatildeo de energia eleacutetrica

DisponiacutevellthttpwwwfurnascombrfrmEMQuemSomosgt Acesso em 10102015

157

Nesta mesma acepccedilatildeo quando comparado com os assentamentos rurais

pesquisados em Vila Rica- MT um dos agricultores familiares entrevistado disse

[] A questatildeo da energia melhorou as condiccedilotildees de vida nos

assentamentos assim no sentido de possibilitar a compra de

uma televisatildeo uma geladeira um freezer um aparelho de som

Agora eacute o que eu sempre digo o foco do programa natildeo eacute esse

a ideia eacute melhorar as condiccedilotildees de trabalho para aumentar a

produccedilatildeo da Agricultura Familiar natildeo digo que o Programa

Luz Para Todos natildeo era comprar essas coisas de

eletrodomeacutesticos ateacute porque esses eletrodomeacutesticos nos

possibilitam viver com um pouco de conforto isso melhora a

nossa vida tambeacutem Poreacutem o Luz Para Todos visava melhorar

a produccedilatildeo e foi o que muitos assentados compraram

maacutequinas de ralar mandioca bomba da aacutegua para fazer

irrigaccedilatildeo ordenhadeira (maacutequina de tirar leite de vaca)

triturador de raccedilatildeo a proacutepria geladeira e o freezer pois

possibilita armazenar os alimentos confeccionados pelos

agricultores como eacute o caso do queijo linguiccedila polpas de

frutas e tantos outros produtos que estatildeo sendo vendidos na

feira nos mercados e em outros lugares Outro setor que tem

ganhado bastante com a implantaccedilatildeo do Programa Luz Para

Todos eacute aacuterea do comeacutercio e da manutenccedilatildeoconserto de

eletrodomeacutestico (ENTREVISTA com Gilmar agricultor

familiar e secretaacuterio de agricultura do municiacutepio de Vila Rica

realizada pela autora em marccedilo de 2015)

Em conformidade com o relato a implementaccedilatildeo do Programa Luz Para

Todos nos assentamentos rurais de Vila Rica-MT possui um significado muito aleacutem da

entrada dos agricultores familiares nesse novo modelo de produccedilatildeo social e cultural

facilitando a inclusatildeo desses sujeitos histoacutericos na sociedade da Informaccedilatildeo e da

Comunicaccedilatildeo proporcionada pelos recursos midiaacuteticos

Os efeitos da eletricidade nesses assentamentos refletiu diretamente no

aumento da produtividade na Agricultura Familiar o que poderaacute ser mais um fator de

melhoria da renda das famiacutelias assentadas e ao mesmo tempo possibilitaraacute o

aquecimento da economia local

Ressaltamos ainda que a energia eleacutetrica advinda do Programa Luz Para

Todos produz efeitos positivos para a Educaccedilatildeo do campo possibilitando a ampliaccedilatildeo

dos tempos e modos de organizaccedilatildeo pedagoacutegica das escolas que passaram a ofertar

aulas no periacuteodo noturno sem falar nos artifiacutecios do ensino e da aprendizagem uma vez

fortalecido com a inserccedilatildeo das tecnologias da Informaccedilatildeo e Comunicaccedilatildeo Conforme

relata um dos assentados entrevistado

158

Depois que instalou energia melhorou ateacute pra escola pois

agora os filhos dos assentados estatildeo tendo uma educaccedilatildeo

melhor ateacute o ambiente melhorou pois tem ventilador algumas

escolas tecircm ar condicionado Todas tecircm geladeira freezer

bebedor com aacutegua gelada Assim agora podem ateacute as pessoas

mais velhas que soacute podem estudar no periacuteodo da noite teratildeo

oportunidade de ir pra escola O que eacute complicado em relaccedilatildeo

agrave energia no campo eacute que se a gente natildeo souber controlar o uso

da energia potencializar eletricidade para melhorar a

produtividade e a renda das famiacutelias assentadas chegaraacute o

final do mecircs teratildeo o prejuiacutezo conta de energia para pagar Tem

assentado que possui dificuldade para pagar a conta de energia

todo mecircs Mas por outro lado os assentados que deixavam de

vender seus produtos porque eram pouquinhos ajuda agora

porque com a geladeira o freezer vai fazendo e guardando

hoje congela uma linguiccedila um queijo guardam um doce ovos

E depois traacutes junta tudo e traacutes para vender na cidade No caso

ajudou porque eu mexo com polpas de frutas a minha maior

fonte de renda eacute essa Entatildeo eu vou juntando do meu siacutetio e

compro de outros assentados (ENTREVISTA com Ivanir Galo

assentado e presidente do STR de Vila Rica- MT realizada pela

autora em marccedilo de 2015)

O relato acima chama atenccedilatildeo para o papel que a eletricidade assumiu no

desenvolvimento da economia dos assentamentos rurais de Vila Rica uma vez que ela

possibilitou tambeacutem o armazenamento e conservaccedilatildeo dos produtos de ldquofabricaccedilatildeo

caseirardquo Desse modo o entrevistado reconheceu que alguns assentados encontravam

dificuldade para quitar a conta de energia mas o destaque dado na narrativa eacute para as

possibilidades de ampliaccedilatildeo da renda dos agricultores familiares a partir do uso dos

equipamentos tecnoloacutegicos

462 Arco Verde e a questatildeo ambiental

Em conformidade as anaacutelises apontadas no Capiacutetulo III a questatildeo ambiental

constituiu e constitui ainda um dos gargalos vivenciados nos assentamentos rurais do

municiacutepio de Vila Rica-MT visto o alto iacutendice de degradaccedilatildeo das aacutereas de pastagens

nascentes e vegetaccedilatildeo nativa

Essa situaccedilatildeo eacute causada por diversos fatores No entanto a poliacutetica de incentivo

agrave pecuaacuteria bovina por sua vez tem gerado certa sonolecircncia nas praacuteticas de degradaccedilatildeo

ambiental embora em muitos casos tenha inviabilizado a sustentabilidade da

159

produccedilatildeo deixando o caminho livre ao esvaziamento venda e arrendamento dos lotes

para a produccedilatildeo de soja

Por outro lado as atividades ligadas agrave extraccedilatildeo madeireira pouco contribuiacuteram

para o desenvolvimento econocircmico do municiacutepio Nesse quadro os assentamentos

rurais foram os lugares onde mais foram praticados desmatamentos

Tal situaccedilatildeo nos assentamentos rurais eacute relatada pelo Secretaacuterio Municipal

de Vila Rica-MT o qual afirma terem eles provocado seacuterios problemas ao ponto de

demandar uma accedilatildeo de intervenccedilatildeo por parte Poder Puacuteblico atraveacutes de uma integraccedilatildeo

entre oacutergatildeos dos Governos Federal Estadual e Municipal que se viram obrigados a

tomar medidas de puniccedilatildeo entre outras

[] Os municiacutepios que foram enquadrados na eacutepoca na

verdade eles entraram no Arco de Fogo Os municiacutepios que

mais desmatavam na microrregiatildeo norte Araguaia eram Vila

Rica-MT Querecircncia e Satildeo Feacutelix esses municiacutepios tiveram ser

punidos (pelo Governo Federal) deixando de receber recursos

que eram liberados antes como eacute o caso do Pronaf e outros

recursos foram bloqueados entatildeo houve um bloqueio de

recurso pra esses municiacutepios soacute que aiacute em vez de resolver o

problema veio trazer mais problema porque gerou um caos

sem os recursos como que os assentados iam trabalhar para

produzir o sustento das suas famiacutelias [] aiacute foi criado um

Programa chamado Arco Verde que era para trabalhar mais a

questatildeo de recuperar parte dos prejuiacutezos causados a natureza

onde cada municiacutepio assumiu uma agenda de compromisso

juntamente com os trecircs entes federal estadual e municipal

todos os segmentos assumiram a sua responsabilidade e o

municiacutepio (ENTREVISTA com Gilmar agricultor familiar e

secretaacuterio municipal de agricultura de Vila Rica-MT realizada

pela autora em marccedilo de 2015)

Segundo informaccedilotildees disponibilizadas pelo Secretaacuterio Municipal de

Agricultura e pelo presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT-

MT vaacuterios municiacutepios do estado de Mato Grosso foram convocados para desenvolver

accedilotildees com o objetivo de combater o alto iacutendice de queimada e desmatamento atraveacutes

do Programa do Governo Federal Arco de Foco No caso do Araguaia os municiacutepios

que foram enquadrados na eacutepoca foram Vila Rica-MT Querecircncia e Satildeo Feacutelix do

Araguaia Esses municiacutepios tiveram suspensos alguns dos recursos do Governo Federal

os quais foram bloqueados entre outras linhas de creacutedito do Pronaf - Programa de

Apoio agrave Agricultura Familiar

160

O secretaacuterio municipal de agricultura do municiacutepio de Vila Rica-MT alertou

em seu relato para a questatildeo das queimadas e do compromisso de desmatamento zero

assumido pelo municiacutepio

[] e o municiacutepio de Vila Rica-MT assumiu a responsabilidade

de desmatamento zero poreacutem dentro dos assentamentos eacute

loacutegico diminuiu 95 mas agente enfrentou e ainda enfrenta

alguns problemas com desmatamento dentro dos

assentamentos mas aiacute jaacute natildeo eacute falta de informaccedilatildeo porque

informaccedilatildeo sempre tem o problema eacute que alguns produtores

acham que por ser uma aacuterea do governo federal ele natildeo seraacute

penalizado punido e multado por ser assentado e por isso

teimam Mas com a questatildeo do CAR e do Geo que o tiacutetulo seraacute

perante o laudo todos teratildeo que recuperar soacute que com esse

novo Coacutedigo Florestal ele amenizou isso bastante os

produtores que tecircm ateacute quatro moacutedulos fiscais satildeo a maioria

aqui na Vila Rica-MT os que tecircm a propriedade muito pequena

natildeo precisam de reservas legais desde que aacuterea jaacute esteja

consolidada jaacute aberta e tudo mais ateacute Julho de 2008 entatildeo

daiacute pra frente quem desmatou vai ser descoberto atraveacutes de

uma imagem sateacutelite eles seraacute identificado entatildeo eacute assim eles

natildeo foram penalizados ainda mas seratildeo (ENTREVISTA com

Gilmar agricultor familiar e secretaacuterio municipal de agricultura

de Vila Rica-MT realizada pela autora em marccedilo de 2015)

Diante do bloqueio dos recursos o Poder Puacuteblico sobretudo o municipal

bem como o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT tiveram que

desenvolver accedilotildees que mobilizassem os assentados para que atuassem no sentido de

erradicar as derrubadas e queimadas em Vila Rica-MT

Como o Programa Arco de Fogo natildeo obteve ecircxito foi criado outro programa

denominado Arco Verde o qual visava a intensificaccedilatildeo dos trabalhos voltados mais

para a questatildeo da recuperaccedilatildeo de parte dos prejuiacutezos causados agrave natureza Cada

municiacutepio assumiu uma agenda de compromisso responsabilizando-se juntamente com

o ente federal e estadual onde iriam atuar para erradicar as praacuteticas de queimadas nas

aacutereas de assentamentos rurais

463 Programa Balde Cheio

Quando o Programa denominado como ldquoBalde Cheiordquo foi implantado em

Mato Grosso houve a alegaccedilatildeo de que ele gerara resultados positivos em 12 Estados do

161

Brasil Este programa resultou de pesquisas desenvolvidas pela Empresa Brasileira de

Pesquisa Agropecuaacuteria Embrapa

Em Mato Grosso o projeto foi integrado ao Programa Estadual da Cadeia do

Leite considerando que o objetivo do Estado era aumentar a produccedilatildeo de leite nas aacutereas

de assentamentos rurais

[] Mato Grosso possui 150 mil pequenos proprietaacuterios a

maioria dedicando-se ao leite A meta eacute aumentar a produccedilatildeo

mato-grossense dos atuais 16 milhatildeo de litros diaacuterios para

cinco milhotildees de litros por dia Fernando Lamas ressalta que

esse aumento seraacute alcanccedilado por meio do aumento de

produtividade ldquosem expansatildeo de aacutereas e sem derrubar uma soacute

aacutervorerdquo

[] O trabalho das duas unidades da Embrapa contaraacute com a

parceria do Ministeacuterio da Agricultura Pecuaacuteria e

Abastecimento (Mapa) e do Governo de Mato Grosso que

arcaratildeo com a maior parte dos custos [] (EMBRAPA 2015

p 1)31

Segundo informaccedilotildees disponibilizadas no portal da Secretaria de Estado de

Agricultura de Mato Grosso participaram do processo de execuccedilatildeo do Programa a

Empresa Mato-Grossense de Pesquisa Assistecircncia e Extensatildeo Rural ndash Empaer o

Instituto de Defesa Agropecuaacuteria - Indea as prefeituras e as empresas em sistema de

cooperativa dos municiacutepios que aderiram ao Projeto Balde Cheio

Esse conjunto de teacutecnicas eacute complementado com o uso de

planilhas de controle zooteacutecnico e econocircmico a utilizaccedilatildeo de

um quadro dinacircmico de controle reprodutivo de higiene e de

qualidade do leite a identificaccedilatildeo dos animais a melhoria no

padratildeo geneacutetico do rebanho a anotaccedilatildeo de dados climaacuteticos

(chuva e temperatura maacutexima e miacutenima) e a aplicaccedilatildeo de

praacuteticas associativistas Aleacutem disso o uso de instrumentos de

controle gerencial tais como planilhas de controle e de anaacutelise

de custo de produccedilatildeo e de controle zooteacutecnico tem

possibilitado tornar rentaacutevel a atividade leiteira nas pequenas

propriedades familiares e consequentemente transformaacute-las em

atividade fixadora do homem no campo (EMBRAPA 2015 p

1)

Conforme Borges Guedes Ceacutezareb e Assis (2015 p 1) o Projeto Balde

Cheio serviria como motivaccedilatildeo para os agricultores familiares aumentar a produccedilatildeo de

leite nos assentamentos jaacute que a tecnologia embutida no projeto articulava as teacutecnicas

31 Disponiacutevel em lthttptererecpaoembrapabrportalnoticiasvisualizaphpid=307gt Acesso em

15042015

162

de produccedilatildeo extensivas com a conservaccedilatildeo e recuperaccedilatildeo da fertilidade do solo a partir

do uso de fertilizantes orgacircnicos e manejo intensivo de pastagens tropicais adubadas

Durante a temporada da seca (veratildeo) as aacutereas de passagens satildeo melhoradas

atraveacutes de irrigaccedilatildeo manejo rotacional e do uso de cana-de-accediluacutecar integrada com ureacuteia

assim como a realizaccedilatildeo de exames de tuberculose no gado

No caso de Vila Rica-MT o Projeto Balde Cheio foi implantado pela a

Secretaria Municipal de Agricultura em parceria com o INCRA a Empaer e de outras

entidades como o Serviccedilo Nacional de Aprendizagem Rural Senar Serviccedilo Brasileiro

de Apoio agrave Micro e Pequena Empresa (Sebrae) e Serviccedilo Nacional de Aprendizagem

Industrial (Senai) O Senar o Sebrae e o Senai que atuaram ministrando cursos no

processo de formaccedilatildeo dos assentados

Segundo o diagnoacutestico produzido pela a Empaer (2009 p 60)

[] na produccedilatildeo houve uma grade melhoria no gado leiteiro

quantidade e qualidade do leite assim se tornou o ponto forte

do assentamento fazendo a entrega no resfriador dentro do

assentamento que eacute vendido para o uacutenico laticiacutenio do

municiacutepio Essa produccedilatildeo cresceu graccedilas ao efeito do Projeto

Balde Cheio

Os dados do diagnoacutestico revelaram um melhoramento da produtividade e na

qualidade do leite produzido

464 Os Programas de Educaccedilatildeo Formaccedilatildeo Profissional e Teacutecnica do

assentado

Pensar sobre o papel das poliacuteticas puacuteblicas nos assentamentos rurais nos

remete para uma reflexatildeo a respeito do papel da Educaccedilatildeo do Campo uma vez que na

luta pela terra requer tambeacutem a necessidade da escola Natildeo basta apenas que os

agricultores familiares tenham conquistado a terra para morar e produzir Faz-se

indispensaacutevel ter uma escola para que os seus filhos possam estudar sem precisar sair

do campo

Por estar inserida na pauta de lutas dos movimentos sociais que demandam a

Reforma Agraacuteria a Educaccedilatildeo do Campo no Brasil vem cada vez mais ganhando

consistecircncia e visibilidade na agenda das autoridades poliacuteticas acadecircmicas e nos

diversos segmentos do sistema educacional constituindo-se importante enquanto

poliacutetica puacuteblica para fortalecer os assentamentos rurais

163

Segundo Casali (2004) as discussotildees em torno da Educaccedilatildeo do Campo tecircm

sido direcionadas aos problemas de infraestrutura como construccedilatildeo de escolas

transporte escolar formaccedilatildeo de professores entre outras questotildees que tecircm provocado

um intenso debate entre os gestores puacuteblicos e os movimentos sociais vinculados aos

modos de vida no campo

O autor supramencionado afirma que para os movimentos sociais a estrutura

fiacutesica natildeo eacute o uacutenico problema da escola do campo A questatildeo eacute mais complexa quando

levados em consideraccedilatildeo os aspectos poliacuteticos e culturais do ensino e da aprendizagem

escolar bem como as especificidades de vida e os modos de organizaccedilatildeo social e

educacional para a populaccedilatildeo do campo

A primeira Conferecircncia Nacional intitulada ldquoPor Uma Educaccedilatildeo Baacutesica do

Campordquo realizada no periacuteodo de 27 a 31 de julho de 1998 na cidade de Luziacircnia

estado de Goiaacutes foi um marco importante para as lutas sociais do campo sendo que a

partir dela constituiacuteram-se alguns princiacutepios baacutesicos que fundamentaram a luta por

escolas do campo Segundo Caldart (2003 p 60)32

satildeo trecircs princiacutepios

[] 1 O campo no Brasil estaacute em movimento Haacute tensotildees lutas

sociais organizaccedilotildees e movimentos de trabalhadores e

trabalhadoras da terra que estatildeo mudando o jeito da sociedade

olhar para o campo e seus sujeitos

2 A Educaccedilatildeo Baacutesica do Campo estaacute sendo produzida neste

movimento nesta dinacircmica social que eacute tambeacutem um

movimento sociocultural de humanizaccedilatildeo das pessoas que dele

participam

3 Existe uma nova praacutetica de Escola que estaacute sendo gestada

neste movimento Nossa sensibilidade de educadores jaacute nos

permitiu perceber que existe algo diferente e que pode ser uma

alternativa em nosso horizonte de trabalhador da educaccedilatildeo de

ser humano

Assim agrave luz dessa concepccedilatildeo pode-se dizer que a emergecircncia assinalada para

a complexidade da Educaccedilatildeo Campo perpassa pela construccedilatildeo de um projeto poliacutetico-

pedagoacutegico que contemple as matrizes culturais sociais e histoacutericas das populaccedilotildees do

campo

Nessa mesma perspectiva compreendemos a dimensatildeo do papel e significado

que os agricultores familiares atribuem agrave Educaccedilatildeo do Campo para o fortalecimento dos

32 Disponiacutevel em lthttpwwwiaufrrjbrppgeaconteudoconteudo-2009-1Educacao-

II3SFA_ESCOLA_DO_CAMPO_EM_MOVIMENTOpdf gt Acesso em 10052015

164

assentamentos rurais de Vila Rica-MT o que pode ser ilustrado a partir da trajetoacuteria de

vida do senhor Ademar que eacute filho de um dos primeiros colonos que migraram para

Vila Rica-MT na deacutecada de 1980 em busca de melhores condiccedilotildees hoje professor

efetivo pela Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo de Vila Rica-MT

[] Olha eacute muito incriacutevel Eu nasci na roccedila estudei na roccedila

me formei morando na roccedila (porque eu jaacute sou formado como

pedagogo) Estudei Pedagogia em moacutedulo nunca precisei

mudar da roccedila e nem tive vontade tipo assim pra ir para uma

faculdade estudar de tempo integral na cidade porque o meu

projeto de vida foi sempre morar na roccedila Hoje faccedilo poacutes-

graduaccedilatildeo em Educaccedilatildeo do Campo E desde quando comecei

na escolinha multisseriada eu jaacute lutava por educaccedilatildeo na roccedila

Fiz parte da nucleaccedilatildeo do processo de nucleaccedilatildeo de escola no

Aracati na eacutepoca Ajudei alavancar a discussatildeo e a criaccedilatildeo

das turmas de 5ordf seacuterie na zona rural de Vila Rica-MT porque a

gente natildeo tinha oferta pois atendiacuteamos ateacute a quarta seacuterie e

como percebemos que chegavam muitos alunos em niacutevel de

estudar a 5ordf e a 6 ordf seacuterie (ENTREVISTA com Ademar

professor e agricultor familiar do assentamento Satildeo Joseacute Vila

Rica-MT 2015 realizada pela autora em setembro de 2015)

Talvez diferentemente de outros relatos de professores das escolas do

campo Ademar nos revela uma trajetoacuteria de vida marcada pelo ideal de estudar e de se

formar sem precisar sair do campo Ele faz do ideal de vida a constante luta pela

permanecircncia no campo luta por escola e pela ampliaccedilatildeo dos estudos de outros

assentados

Ele nos leva a uma reflexatildeo sobre a Educaccedilatildeo do Campo constituiacuteda a

partir da leitura do refratildeo da muacutesica do cantor e compositor Gilvan ldquoNatildeo Vou Sair do

Campordquo a qual se parece como uma bandeira de luta do Movimento Nacional por uma

Educaccedilatildeo do Campo como ldquo[] natildeo vou sair do campo pra poder ir para a escola

Educaccedilatildeo do Campo eacute direito e natildeo esmolardquo

Ao relembrar a sua trajetoacuteria como professor Ademar nos mostra que a

concepccedilatildeo e a funccedilatildeo da Educaccedilatildeo do Campo satildeo construccedilotildees socioculturais Quando

faz uma reavaliaccedilatildeo das accedilotildees dos professores pais alunos e gestores na conduccedilatildeo das

poliacuteticas puacuteblicas ele reconhece que o processo de nucleaccedilatildeo das ldquoescolinhasrdquo pouco

contribuiu para a melhoria da educaccedilatildeo no municiacutepio e tampouco para fortalecer os

assentamentos rurais de Vila Rica-MT Nesse sentido prossegue

165

A partir daiacute comeccedilou em todo o municiacutepio exemplo Cachangaacute

e nos assentamentos Soacute que a partir daiacute a gente comeccedilou a

observar os efeitos da nucleaccedilatildeo Vimos que depois que fecha a

escolinha que fica perto das propriedades ou seja aquela

comunidade fica entristecida e desaminada para continuar

morando no assentamento Aos poucos vai se acabando o

viacutenculo de comunidade e eacute assim que comeccedila o ecircxodo rural

Aqui em Vila Rica-MT a gente sentiu isso a partir da hora que

fechou as escolinhas foi como se saiacutessemos acabando as

comunidades e se comunidade acaba o povo do assentamento

vai se distanciando uns dos outros Pela situaccedilatildeo que vivemos

tenho observado que a escola eacute o espaccedilo de encontro da

comunidade natildeo eacute soacute o espaccedilo de ensinar e aprender os

conteuacutedos escolares a funccedilatildeo eacute para aleacutem disso Voltando agrave

questatildeo da nucleaccedilatildeo lembro que quando sai do assentamento

a escola de laacute tinha uns 150 alunos o Aracati fechou a sua

uacutenica escola e com o tempo possa ser que suma a comunidade

de laacute tambeacutem jaacute que hoje tecircm tatildeo poucas famiacutelias de fato

morando laacute em vista do que era antes Jaacute pensou como

imaginar um assentamento sem uma escola (ENTREVISTA

com Ademar professor e agricultor familiar do assentamento

Satildeo Joseacute Vila Rica-MT 2015 realizada pela autora em

setembro de 2015)

Com base no relato do professor Ademar eacute possiacutevel identificar de maneira

viva como a escola eacute importante para o assentamento rural uma vez que ela tambeacutem se

constitui enquanto espaccedilo de encontro dos agricultores familiares ocasiatildeo em que

dialogam compartilham se organizam e praticam a socializaccedilatildeo de forma mais intensa

Logo quando o professor fala que ldquonatildeo eacute soacute o espaccedilo de ensinar e aprenderrdquo

percebemos as muacuteltiplas funccedilotildees desse espaccedilo chamado Escola do Campo

Diante disso o fechamento de uma escola dentro do assentamento rural tem

significados negativos uma vez que envolve a privaccedilatildeo de oportunidades e qualidade de

vida dos alunos e pais que dependem do transporte escolar para se deslocarem para uma

escola distante Aleacutem disso significa o fechamento de um posto de trabalho do

professor que seraacute igualmente removido Significa ainda desmotivaccedilatildeo para a

comunidade do assentamento rural ao ver perdido um espaccedilo de socializaccedilatildeo e uma

instituiccedilatildeo que representa oportunidade de melhoria de vida para seus moradores

No Brasil historicamente as nucleaccedilotildees das escolinhas satildeo realizadas pelos

gestores da educaccedilatildeo sem levar em conta os interesses e ideais dos pais e dos alunos

sob o discurso que vai melhorar a qualidade do ensino eliminando as turmas muacuteltiplas

(seacuteries fases anos e ciclo)

166

Essa situaccedilatildeo mostra a perda do sentimento de pertencimento entre a escola e

a comunidade distanciando os pais das accedilotildees escolares sem falar da falta de motivaccedilatildeo

por parte dos alunos para com os estudos jaacute que a escola distante das casas aumenta o

percurso para os estudantes

Do relato do professor Ademar destacamos que os sujeitos histoacutericos do

campo exercem um papel importante na conduccedilatildeo das Poliacuteticas Puacuteblicas voltadas agraves

necessidade das populaccedilotildees dos assentamentos rurais A luta eacute permanente pela

universalizaccedilatildeo da educaccedilatildeo como argumenta o mesmo entrevistado

Eu defendo que a escola que serve para os Agricultores

Familiares eacute aquela que fica dentro do assentamento Acredito

que um projeto de assentamento forte eacute aquele que tem uma

escola pensada e construiacuteda em conjunto com aquele povo que

vive ali Agraves vezes fico bastante incomodado com a conduccedilatildeo

que se tem dado para a Educaccedilatildeo do Campo Eacute como se as

poliacuteticas natildeo estivessem sendo executadas no sentido de

melhorar o ensino e a formaccedilatildeo dos jovens no campo Penso

que a gente precisa se preocupar mais com o futuro dos jovens

que vivem nos assentamento A escola e noacutes professores

precisamos trabalhar essas questotildees de forma que surta um

efeito positivo no sentido de motivar os jovens a continuar

morando nos assentamentos Para isso precisamos avanccedilar em

algumas poliacuteticas Vejo que deveremos ser mais incisivos para

que o Estado faccedila a oferta do Meacutedio Teacutecnico integrado e que

essa oferta seja a partir de um curriacuteculo voltado para as

necessidade e particularidades das pessoas que dependem dos

assentamentos rurais como meio de sobrevivecircncia e geraccedilatildeo de

renda (ENTREVISTA com Ademar professor e agricultor

familiar do assentamento Satildeo Joseacute Vila Rica-MT 2015

realizada pela autora em setembro de 2015)

O relato do professor Ademar tambeacutem chama atenccedilatildeo pelo desabafo quanto agrave

forma como estaacute sendo realizada a Educaccedilatildeo do Campo em Vila Rica-MT ldquo[] eacute como

se as poliacuteticas natildeo estivessem sendo executadas no sentido de melhorar o ensino e a

formaccedilatildeo dos jovens no campo Penso que a gente precisa se preocupar mais com o

futuro dos jovens que vivem nos assentamentos []rdquo (ENTREVISTA com Ademar

professor e agricultor familiar do assentamento Satildeo Joseacute Vila Rica-MT 2015 realizada

pela autora em setembro de 2015)

A educaccedilatildeo por si soacute natildeo assegura a permanecircncia dos agricultores familiares

na terra poreacutem quando integrada ao projeto de desenvolvimento do assentamento

tornaraacute o seu fortalecimento possiacutevel

167

Os projetos pedagoacutegicos das escolas do campo devem contemplar as matrizes

culturais do homem do campo considerando a construccedilatildeo a partir da memoacuteria coletiva e

da histoacuterica da comunidade dada por meio da oralidade buscando assim reconstruir e

conservar a cultura da populaccedilatildeo que vive no campo de forma a fazer uma educaccedilatildeo em

prol da cidadania O relato de Ademar traz ainda os princiacutepios que o curriacuteculo da escola

do campo deveria seguir

O curriacuteculo deve contemplar questotildees como agroecologia a

pecuaacuteria de leite a produccedilatildeo orgacircnica Precisamos formar

uma nova consciecircncia entre os jovens visando que estes

passem a enxergar o potencial da Agricultura Familiar Eu sei

disso e penso que vocecirc tambeacutem ateacute porque existem pesquisas

que jaacute comprovaram isso que eu estou lhe falando Eacute o campo

quem sustenta a cidade e natildeo o contraacuterio Se houver falta de

produccedilatildeo nos assentamentos rurais aqui em Vila Rica-MT logo

a cidade sofreraacute um impacto imediatamente As poliacuteticas

puacuteblicas existentes para a populaccedilatildeo rural devem ser de fato

destinadas agrave melhoria das condiccedilotildees de vida eacute para promover

qualidade de vida das pessoas que estatildeo no campo

(ENTREVISTA com Ademar professor e agricultor familiar do

assentamento Satildeo Joseacute Vila Rica-MT 2015 realizada pela

autora em setembro de 2015)

Nessa perspectiva educativa apresentada pelo professor Ademar afirmamos

que eacute um dos principais desafios para a Educaccedilatildeo do Campo consolidar concepccedilotildees e

praacuteticas nos curriacuteculos que integrem as matrizes culturais das populaccedilotildees do campo

O desafio natildeo estaacute restrito apenas agrave parte obrigatoacuteria da Educaccedilatildeo Baacutesica

mas tambeacutem as etapas do Ensino Meacutedio assim como Superior

465 Programa Nacional de Sauacutede no Campo

No Brasil os Programas de Sauacutede Puacuteblica direcionados para a populaccedilatildeo

rural satildeo decorrentes das reivindicaccedilotildees dos movimentos sociais do campo No entanto

quando se debruccedila sobre a literatura nos deparamos com a escassez de pesquisas

voltadas para essa questatildeo sobretudo no que se refere agrave sauacutede nos assentamentos rurais

O foco da pesquisa natildeo eacute a poliacutetica puacuteblica de sauacutede em si mas os efeitos

dela na melhoria da qualidade de vida dos agricultores familiares A Sauacutede Puacuteblica eacute um

dos componentes da bandeira de luta dos movimentos sociais do campo assegurando

que a mesma seja constituiacuteda a partir das especificidades que envolvem os modos e

168

concepccedilotildees do povo do campo A poliacutetica de sauacutede deve levar em consideraccedilatildeo os

saberes tradicionais destes sujeitos histoacutericos Este eacute o caso dos que recorrem

constantemente ao uso de plantas medicinais no tratamento de doenccedilas

A partir da Portaria de nordm 2866 de dezembro de 2011 o Ministeacuterio da Sauacutede

(MS) teve como principal funccedilatildeo estabelecer paracircmetros de funcionamento e regulaccedilatildeo

dos serviccedilos de sauacutede para a populaccedilatildeo do campo partindo dos princiacutepios do Sistema

Uacutenico de Sauacutede (SUS) A Poliacutetica Nacional de Sauacutede Integral das Populaccedilotildees do

Campo e da Floresta (PNSIPCF) define que

[] O MINISTRO DE ESTADO DA SAUacuteDE no uso da

atribuiccedilatildeo que lhe confere o inciso II do paraacutegrafo uacutenico do art

87 da Constituiccedilatildeo considerando os princiacutepios do Sistema

Uacutenico de Sauacutede (SUS) especialmente a equidade a

integralidade e a transversalidade e o dever de atendimento das

necessidades e demandas em sauacutede das populaccedilotildees do campo e

da floresta Considerando o Decreto nordm 7508 de 28 de junho de

2011 que regulamenta a Lei nordm 8080 de 19de setembro de

1990 e dispotildee sobre a organizaccedilatildeo do SUS o planejamento da

sauacutede a assistecircncia agrave sauacutede e a articulaccedilatildeo Interfederativa

especialmente o disposto no art 13 que assegura ao usuaacuterio o

acesso universal igualitaacuterio e ordenado agraves accedilotildees e serviccedilos de

sauacutede do SUS Considerando a Portaria GMMS nordm 2460 de 12

de dezembro de 2005 que instituiu o Grupo da Terra no

Ministeacuterio da Sauacutede com o objetivo de elaborar a Poliacutetica

Nacional de Sauacutede Integral das Populaccedilotildees do Campo e da

Floresta aprovada pelo Conselho Nacional de Sauacutede em 1ordm de

agosto de 2008 Considerando a diretriz do Governo Federal de

reduzir as iniquidades por meio da execuccedilatildeo de poliacuteticas de

inclusatildeo social (MS 2013 p 19)

Nos trechos do texto-base da Poliacutetica Nacional de Sauacutede Integral das

Populaccedilotildees do Campo e da Floresta proposto pelo Ministeacuterio da Sauacutede (2013 p 20)

seu principal objetivo eacute o de promover a sauacutede das populaccedilotildees do campo e da floresta a

partir de accedilotildees que partilhem as particularidades no que se refere a gecircnero cor etnia e

orientaccedilatildeo sexual de forma que facilite o acesso aos serviccedilos de sauacutede E com isso

espera-se que seja diminuiacutedo o iacutendice de ldquo[] riscos e agravos agrave sauacutede decorrente dos

processos de trabalho e das tecnologias agriacutecolas e a melhoria dos indicadores e da

qualidade de vidardquo (BRASIL 2013)

O Ministeacuterio da Sauacutede (2013 p 20) definiu os agricultores familiares

enquanto categoria social como uma populaccedilatildeo que vive no campo e se organiza a

partir dos seguintes princiacutepios

169

[] - (a) natildeo deter a qualquer tiacutetulo aacuterea maior do que 4

(quatro) moacutedulos fiscais b) utilizar predominantemente matildeo-

de-obra da proacutepria famiacutelia nas atividades econocircmicas do seu

estabelecimento ou empreendimento c) ter renda familiar

predominantemente originada de atividades econocircmicas

vinculadas ao proacuteprio estabelecimento ou empreendimento)

dirigir seu estabelecimento ou empreendimento com sua

famiacutelia sendo que incluem-se nesta categoria silvicultores

aquicultores extrativistas e pescadores que preencham os

requisitos previstos nos itens b c e d deste inciso

Nota-se que esse Ministeacuterio recorreu agrave definiccedilatildeo de agricultores familiares

instituiacuteda nas diretrizes nacionais do Pronaf em que essa categoria eacute constituiacuteda a partir

de criteacuterios econocircmicos e da dinacircmica de relaccedilotildees de trabalho e do modo de produccedilatildeo

466 Habitaccedilatildeo

Segundo o Ministeacuterio do Desenvolvimento Agraacuterio (2015) o Programa

Nacional de Habitaccedilatildeo Rural (PNHR) consiste em auxiliar os Agricultores Familiares e

trabalhadores rurais na construccedilatildeo de suas casas Inserido dentro do Programa Nacional

de Habitaccedilatildeo (Minha Casa Minha Vida) eacute financiado pelo Orccedilamento Geral da Uniatildeo ndash

OGU As suas accedilotildees devem ser planejadas e executadas As diretrizes e subsiacutedios dos

demais programas do Governo Federal satildeo destinados ao combate agrave pobreza rural

Sobretudo o Programa Cisternas que tem como objetivo a construccedilatildeo de cisternas nas

propriedades rurais as quais satildeo utilizadas para a captaccedilatildeo e armazenamento de aacutegua

oriunda das chuvas

O recurso do PNHR tem como principal finalidade a ldquo[] aquisiccedilatildeo de

Material de construccedilatildeo conclusatildeo ou reformaampliaccedilatildeo de Unidade Habitacional rural

e de cisternas para a captaccedilatildeo e armazenamento da aacutegua da chuva []rdquo (BRASIL 2010

p05) em que o alvo satildeo as regiotildees onde as chuvas ocorrem com certa irregularidade e

as secas satildeo recorrentes

Em nota divulgada pela Confederaccedilatildeo Nacional dos trabalhadores na

Agricultura ndash CONTAG e outros movimentos sociais como o Movimento dos

Pequenos Agricultores ndash MPA Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra ndash

MST Movimento dos Atingidos por Barragens ndash MAB Movimento Camponecircs Popular

ndash MCP Federaccedilatildeo Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar

170

do Brasil ndash Fetraf ndash (BRASIL 2015 p 1)33

asseguram que o Programa Nacional de

Habitaccedilatildeo Rural criado em 2009 eacute resultado da luta dos movimentos do campo em

que o propoacutesito da nota eacute afirmar que

A preservaccedilatildeo deste Programa passa pelo diaacutelogo estabelecido

no interior do GT Rural com todos os sujeitos envolvidos

Governo Agentes Financeiros e Entidades Organizadoras dos

movimentos representativos do campo e eacute confiando nesse

diaacutelogo que repudiamos o que foi evidenciado pelo INCRA na

uacuteltima reuniatildeo do GT Rural no dia 28 de novembro onde foi

explicitada a intenccedilatildeo de repassar (a partir de janeiro de 2014)

mediante Chamada Puacuteblica a possibilidade de entidades

puacuteblicas e privadas executarem o PNHRA maior parte das

casas de alvenaria foi feita com recursos financiados pelo

INCRA atraveacutes do creacutedito habitaccedilatildeo liberado O recurso

liberado do creacutedito habitaccedilatildeo natildeo foi suficiente para realizar a

construccedilatildeo das casas por completo e com acabamento

necessaacuterio Desta forma algumas casas ficaram inacabadas

necessitando de reboco pintura piso e sanitaacuterio

Para os movimentos do campo eacute necessaacuterio que a equipe de Governo as

Agecircncias de Financiamentos e as entidades de representaccedilatildeo dos Movimentos sociais

mantenham um diaacutelogo permanente entre as partes envolvidas no processo para que se

tenha um resultado satisfatoacuterio na execuccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas para os sujeitos

sociais do campo

Justamente por isso existe uma tentativa de evitar que a construccedilatildeo das casas

destinadas agrave populaccedilatildeo do campo seja bdquoprivatizada‟ ou seja concentrada nas matildeos de

uma soacute entidade seja ela puacuteblica ou privada o que tem se mostrado ldquototalmente

repudiadordquo como possibilidade

Apesar disso eacute notaacutevel o quanto essas poliacuteticas puacuteblicas produziram novos

impactos influenciando diretamente no desenvolvimento dos assentamentos rurais de

Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati fornecendo-lhes melhores condiccedilotildees de vida no

que se refere ao acesso agrave sauacutede educaccedilatildeo moradia e infraestrutura

Todavia percebemos que natildeo haacute uma articulaccedilatildeo entre a organizaccedilatildeo e a

construccedilatildeo de um planejamento estrateacutegico baacutesico para implementar poliacuteticas puacuteblicas

33 Disponiacutevel em

lthttpwwwfetraforgbrsistemackfilesPauta20unitaria20HABITACAO20RURALgt

Acesso em 28102015

171

que pudessem ser implementadas em uma accedilatildeo integrada e envolvendo os diferentes

agentes sociais e assim resolver as supostas fragilidades

Natildeo apreendemos indicativos na reflexatildeo dessas poliacuteticas que conduzem para

a melhoria das condiccedilotildees de produccedilatildeo e possibilidades de comercializaccedilatildeo e circulaccedilatildeo

dos produtos da Agricultura Familiar apontados no capiacutetulo trecircs como um dos

principais desafios dos assentamentos rurais pesquisados

Contudo natildeo se pode perder de vista que satildeo as dificuldades vivenciadas

nesses assentamentos que fazem com que os assentados recorram cada vez mais agrave venda

da forccedila de trabalho nas fazendas ou nos demais setores primaacuterios distanciando-se da

condiccedilatildeo de produtores da Agricultura Familiar e tornando-se compradores de produtos

baacutesicos da alimentaccedilatildeo como arroz feijatildeo mandioca e carnes de aves e porcos

172

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Os estudos e as poliacuteticas relacionadas agrave Agricultura Familiar no Brasil

segundo Abramovay (2006) devem levar em consideraccedilatildeo que esta eacute constituiacuteda a

partir de trecircs niacuteveis distintos em primeiro lugar eacute necessaacuterio fazer um levantamento das

produccedilotildees cientiacuteficas e pesquisas que envolvem a ldquoexpectativa intelectualrdquo os quais natildeo

podem perder de vista a existecircncia de uma grande diversidade nas formas de produccedilatildeo

da Agricultura Familiar brasileira Haacute uma demanda de questotildees a serem analisadas e

um mapeamento a ser elaborado frente agrave vasta literatura e pesquisas realizadas sobre a

diversidade do universo da Agricultura Familiar considerando as diferentes

experiecircncias dos sujeitos histoacutericos que a vivenciam Somente a partir dessa postura

intelectual seraacute possiacutevel estabelecer uma estimativa da potencialidade econocircmica dos

assentamentos rurais do Brasil

O segundo niacutevel ao qual se refere Abramovay (2006) seria a implantaccedilatildeo

das poliacuteticas puacuteblicas que se intensificaram a partir da criaccedilatildeo do Pronaf inter-

relacionadas com outras poliacuteticas puacuteblicas e programas sociais que contribuiacuteram para a

eficiecircncia dos assentamentos rurais nesse novo modelo de organizaccedilatildeo social no campo

A partir da deacutecada de 1990 as accedilotildees foram intensificadas com a criaccedilatildeo dos projetos de

assentamentos rurais resultantes do Programa de Reforma Agraacuteria do Governo Federal

Natildeo se pode negar que tanto estas como um conjunto de outras poliacuteticas

tiveram um papel fundamental no processo de geraccedilatildeo de diferentes demandas

Surgiram novas oportunidades de reocupaccedilatildeo das terras e de invenccedilatildeo de novas praacuteticas

para milhares de famiacutelias que estavam totalmente desprovidas de capital e dos meios de

produccedilatildeo para garantir a sua reproduccedilatildeo social enquanto agricultores familiares

Outra questatildeo tratada pelo autor estaacute relacionada ao plano social A

Agricultura Familiar no Brasil corresponde ao processo contiacutenuo de aptidatildeo de

elementos que arrastam os ldquoarranjosrdquo dos movimentos sociais e sindicais que tecircm como

princiacutepio de organizaccedilatildeo a luta pela posse da terra visando a afirmaccedilatildeo em que a

ascensatildeo e o desenvolvimento econocircmico de um determinado territoacuterio dar-se-aacute

somente por meio do fortalecimento e da consolidaccedilatildeo da Agricultura Familiar

Tais questotildees demonstram a importacircncia das poliacuteticas puacuteblicas para a

manutenccedilatildeo a reproduccedilatildeo social e o fortalecimento da Agricultura Familiar destacando

173

que essa forma de produccedilatildeo eacute fundamental para o desenvolvimento regional sobretudo

para o fornecimento de alimentos

A eliminaccedilatildeo da Agricultura Familiar eacute uma preocupaccedilatildeo recorrente entre os

teoacutericos da Questatildeo Agraacuteria Ao analisar o processo de expansatildeo da soja em Mato

Grosso Barrozo (2010 p 45) considera que apesar do Estado se destacar como o

celeiro do Brasil sobretudo na produccedilatildeo e exportaccedilatildeo de gratildeos e algodatildeo ldquo[] para

onde iratildeo os milhares de Agricultores Familiares sem capital sem escolarizaccedilatildeo e sem

qualificaccedilatildeo teacutecnicaprofissional que ainda permanecem no campordquo

Algumas reflexotildees e concepccedilotildees apresentadas por Barrozo (2010) e

Abramovay (2006) subsidiaram as anaacutelises relativas agrave compreensatildeo dos problemas que

perpassam a Questatildeo Agraacuteria atual no Brasil e especificamente nos assentamentos

rurais de Vila Rica-MT e dos seus agricultores familiares Diante desse cenaacuterio analisar

as Poliacuteticas Puacuteblicas oriundas de demandas dos movimentos sociais Sindicatos dos

Trabalhadores Rurais e diferentes agentes histoacutericos tornou-se fundamental para

compreender o universo da Agricultura Familiar no municiacutepio de Vila Rica-MT nas

deacutecadas de 1990 a 2010

Esta pesquisa ajudou-nos compreender que os estudos sobre os assentamentos

rurais devem ser problematizados no sentido de se pensar a complexidade do processo

de sua criaccedilatildeo uma vez que eles natildeo foram instituiacutedos apenas enquanto um ato

administrativo do INCRA criando o assentamento rural e selecionando as famiacutelias que

seriam beneficiadas Os assentamentos rurais de Vila Rica-MT resultaram dos conflitos

e demandas sociais envolvendo diferentes atores histoacutericos que lutaram pelo direito de

acesso agrave terra Dos oito assentamentos rurais de Vila Rica apenas um foi planejado

pelo INCRA Todos os demais resultaram da reocupaccedilatildeo espontacircnea da terra pelos

posseiros

Outra questatildeo que nos chamou atenccedilatildeo na pesquisa foi o processo de

transformaccedilatildeo da situaccedilatildeo de posseiros para a de agricultores familiares lembrando que

agricultor familiar eacute uma categoria social instituiacuteda a partir da criaccedilatildeo do Programa de

Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) Considera-se agricultores familiares as

famiacutelias que trabalham em atividades rurais que natildeo possuem aacutereas acima de que 4

(quatro) moacutedulos fiscais A maioria utiliza matildeo de obra da proacutepria famiacutelia na produccedilatildeo

174

econocircmica do lote detendo um percentual da renda familiar originada de atividades

econocircmicas do seu estabelecimento ou empreendimento (INCRA 2006)

No caso de Vila Rica vaacuterios dos colonos que compraram terra da

Colonizadora Vila Rica-MT sofreram uma transformaccedilatildeo significativa alguns perderam

essa terra e se tornaram posseiros ao ocupar uma nova aacuterea Muitos colonos perderam a

terra porque natildeo conseguiram pagar a diacutevida com o Banco do Brasil contraiacuteda para

financiar a compra dos lotes e instrumentos utilizados nas atividades agriacutecolas A perda

da terra obrigou tais colonos a trabalhar como assalariados sendo que parte deles

ocupou terras na aacuterea dos assentamentos rurais Bom Jesus e Santo Antocircnio do Beleza

regularizada posteriormente pelo INCRA e seus ocupantes se tornaram agricultores

familiares sobretudo ao acessar o Pronaf

Consideramos importante destacar que os assentamentos rurais do municiacutepio

de Vila Rica-MT revelam-se produtivos e promissores do desenvolvimento regional

assumindo um lugar de destaque na economia local sobretudo no que se refere agrave

produccedilatildeo de leite

No mais destaca-se que os assentamentos rurais de Vila Rica e do Araguaia

Mato-grossense satildeo espaccedilos carentes de outras pesquisas e reflexotildees sobre a

importacircncia da Agricultura Familiar no que diz respeito agrave seguranccedila alimentar da aacuterea e

que natildeo foi foco da presente pesquisa

175

REFEREcircNCIAS

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torno do conceito de regiatildeo Fronteiras Dourados MS v 17 p 55-67 janjun 2008

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Page 4: A transformação de posseiros em agricultores familiares ... do...Prof.ª Dr.ª Regina Beatriz Guimarães Neto. Área de concentração: Linha de pesquisa: Territórios, Temporalidade

AGRADECIMENTOS

Na realizaccedilatildeo desse trabalho foram muitos os caminhos percorridos muitas

idas e vindas e muitas pessoas encontradas as quais me legaram oacutetimas contribuiccedilotildees

aprendizados e liccedilotildees que foram fundamentais na construccedilatildeo da minha trajetoacuteria

acadecircmica Por isso sou imensamente grata pela a colaboraccedilatildeo direta e indireta dessas

pessoas assim como o apoio das instituiccedilotildees sem as quais certamente eu natildeo teria

conseguido concluiacute-la Manifesto a minha gratidatildeo a todas elas e de forma especial

- Agrave Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) atraveacutes do Programa de

Poacutes Graduaccedilatildeo em Histoacuteria

- Ao meu orientador Professor Joatildeo Carlos Barrozo pela paciecircncia

conhecimento compreensatildeo e amizade na conduccedilatildeo dos trabalhos e na superaccedilatildeo dos

desafios

- Ao professor Joatildeo Ivo Puhl e agrave professora Regina Beatriz (minha co-

orientadora) que participaram das bancas de qualificaccedilatildeo e defesa de dissertaccedilatildeo pelas

importantes contribuiccedilotildees e sugestotildees para melhoria do trabalho

- Aos professores Leandro Rust Renilson Rosa Ribeiro Joanoni Vitale Neto

Joseacute Manuel Marta Osvaldo Machado Filho e a Thaiacutes Leatildeo Oliveira os quais me

possibilitaram boas aprendizagens atraveacutes das disciplinas que ministraram no periacuteodo

em que frequentei as aulas do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria da UFMT

- Aos colegas do mesmo Programa agradeccedilo pelo privileacutegio da convivecircncia

Foi muito bom partilhar conhecimentos e experiecircncias alegrias anguacutestias e materiais

nos ricos debates em sala de aula e tambeacutem nos momentos de descontraccedilatildeo nos

trabalhos em grupo E agradeccedilo em especial agrave Juliana Cristina Rosa uma grande amiga

que o Mestrado me proporcionou Obrigada ldquoJurdquo pelas conversas e pelos trabalhos

produzidos em conjunto

- Agrave Secretaria de Estado de Educaccedilatildeo de Mato Grosso (SeducndashMT) via a

minha unidade de lotaccedilatildeo profissional - Escola Estadual Vila Rica por viabilizar a

minha Licenccedila para a qualificaccedilatildeo profissional

- Aos profissionais da Escola Estadual Vila Rica por compartilharem comigo

os saberes e o exerciacutecio da docecircncia na Educaccedilatildeo Baacutesica Milene Medeiros de Oliveira

Vacircnia Horner Izaildes Cacircndida Aline Flores Raquel Nascimento Franciani

Gaspareto Eduardo Cavalcante Joseacute Adelson Claudete e Deusdeste Vasconcelos

Iraneide Dorcas Diolina Edileusa Maria Joseacute Ceacutelia Maria Vando Cristiana Aragatildeo

Fabiane Rizzardo Iadne Teodoro Wilson Sirino Socorro Gomes Eliezer e os demais

amigos e colegas de trabalho

- Ao Coletivo do Foacuterum Permanente de Debates da Educaccedilatildeo de Jovens e

Adultos ndash Araguaia - Xingu em especial ldquoagraves minhas irmatildes de coraccedilatildeordquo Ceacutelia Ferreira

Edineth Franccedila e Terezinha de Jesus

- Agrave Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat) atraveacutes do Programa

Parceladas e ao Campus Universitaacuterio do Meacutedio Araguaia por permitir que eu

conciliasse as atividades do mestrado com as atividades profissionais

- Aos acadecircmicos do curso de Ciecircncias Sociais- UNEMAT ldquomeus projetos

de cientistas sociaisrdquo sou eternamente grata pelo carinho e apoio que me

proporcionaram A nossa convivecircncia tornou-me uma pessoa melhor

- Aos meus colegas de trabalho da UNEMAT Luis Antonio Barbosa Soares

Neures Batista de Paula Andreacuteia da Silva Feitosa Faacutebio Junio Ribeiro Faacutebio

Bombarda Analucia Ribeiro de Souza Dimas Santana Neves Flaacutevio Luiz de Paula

Jackson Joseacute Carlos de Lima Renata Cristina Diva e Socorro Arauacutejo

- Aos meus familiares (Laura Beatriz Joatildeo Pedro Carlos Augusto Vocirc

Raimundo Abratildeo Edival Edith Elcivam Erivaldo Ivone Lourival Irene Carlos

Pitaacutegoras Dayane Gabriela Milena Sara e Eduardo) E a minha famiacutelia estendida

(Nonato Gracy Edson Flaacutevio Cida Elena Brizola Denilson Lucia Helena e Tunico)

pelo carinho e a solidariedade dedicada aos meus filhos

Aos Agricultores Familiares dos assentamentos rurais (Bom Jesus Satildeo Joseacute

Satildeo Gabriel Ipecirc Itaporatilde do Norte Alvorada Aracati e Santo Antocircnio do Beleza) e aos

movimentos sociais de luta pela terra no Araguaia mato-grossense em especial ao

Sindicato dos Trabalhadores Rurais do municiacutepio de Vila Rica-MT

Aos meus filhos Laura Beatriz Lima Joatildeo Pedro Lima Bailatildeo e Carlos

Augusto Lima Bailatildeo

Por onde passei plantei a cerca farpada plantei a queimada

Por onde passei plantei a morte matada

Por onde passei matei a tribo calada a roccedila suada a terra esperada

Por onde passei tendo tudo em lei eu plantei o nada

(Pedro Casaldaacuteliga- Confissotildees do latifuacutendio 2006)

RESUMO

Este texto tem como propoacutesito apresentar algumas reflexotildees sobre a formaccedilatildeo dos

assentamentos rurais do municiacutepio de Vila Rica-MT atraveacutes da luta pela terra na deacutecada

de 1990 e as posteriores transformaccedilotildees e a na consolidaccedilatildeo da Agricultura Familiar

correlacionada com Poliacuteticas Puacuteblicas como o Pronaf Mas para atingir esse objetivo

foi necessaacuterio analisar como a luta pela terra se deu em todo o espaccedilo do Araguaia

mato-grossense fronteira de expansatildeo nas deacutecadas de 1950 em duas frentes a primeira

foi realizada por empresas colonizadoras que elaboraram projetos e executaram a

construccedilatildeo de cidades e venda das terras dos municiacutepios de Confresa e Vila Rica a

segunda atraveacutes de empresas agropecuaacuterias que se apropriaram de terras e tiveram

acesso agrave incentivos fiscais e recursos de projetos junto agrave Sudam Logo para

compreender como ocorreu a formaccedilatildeo dos assentamentos rurais de Vila Rica-MT foi

preciso analisar a formaccedilatildeo de fazendas e empresas agropecuaacuterias que apoacutes o fim dos

incentivos fiscais se tornaram improdutivas e que seus ldquoproprietaacuteriosrdquo criaram

estrateacutegias de comercializar as terras junto ao INCRA utilizando para isso a forma de

desapropriaccedilatildeo para a formaccedilatildeo de assentamentos rurais Paralelamente os posseiros

em meio agrave luta pela terra adotaram estrateacutegias de reocupaccedilatildeo dessas aacutereas para depois

solicitar junto ao oacutergatildeo competente a regularizaccedilatildeo fundiaacuteria dos lotes conquistados

Dentro dessa configuraccedilatildeo social o municiacutepio de Vila Rica-MT formou em seu

territoacuterio oito assentamentos rurais dos quais quatro (Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Aracaty e

Ipecirc) tiveram uma anaacutelise mais aprofundada a partir de dados quantitativos coletados

pela Empaer que demonstram algumas tendecircncias sobre as condiccedilotildees de vida renda

produccedilatildeo comercializaccedilatildeo dentre esses posseiros que com a regularizaccedilatildeo da terra e o

acesso ao Pronaf se tornaram agricultores familiares e responsaacuteveis por uma

significativa produccedilatildeo de leite e gado de corte na aacuterea Para compreender toda essa

complexa transformaccedilatildeo foi utilizada fontes documentais e orais que forneceram

elementos para uma anaacutelise sobre esse processo

Palavras-chave Histoacuteria Agricultura Familiar Mato Grosso Vila Rica Araguaia

RESUMEN

Este texto tiene como objetivo presentar un ejercicio de reflexioacuten sobre la formacioacuten de

los Asentamientos Rurales de Vila Rica-MT Estas reflexiones se derivan de una

investigacioacuten en curso denominado reocupacioacuten de tierras en el periacuteodo

contemporaacuteneo en el norte de Araguaia micro-regioacuten en el estado de Mato Grosso

Esta investigacioacuten tuvo como objetivo comprender el proceso de formacioacuten de los

Asentamientos Rurales en el municipio de Vila Rica-MT en el periacuteodo de 1980 a 2015

Habiacutea estudiado la historia de los asentamientos rurales de Vila Rica tambieacuten significa

la comprensioacuten de la historicidad de la lucha por el proceso de la tierra en el estado de

Mato Grosso ya que esta ciudad (Vila Rica) no surge espontaacuteneamente Nacido en un

contexto se produjeron en la regioacuten de Araguaia a la altura del proceso de reocupacioacuten

dos frentes los proyectos agriacutecolas financiados proyectos Sudam y colonizacioacuten

privada lo que dio lugar a la formacioacuten de otros municipios asiacute como Vila Rica como

Confresa Agua Boa y Canarana En este periacuteodo el norte del estado de Mato Grosso

convertido en el objetivo de la inversioacuten de los grupos empresariales del sur y sureste

del paiacutes el estado transferido al sector privado a la funcioacuten para reordenar la nueva

ocupacioacuten de estos espacios A partir de los datos recogidos construir un marco que

permita la identificacioacuten de las diferentes formas de ocupacioacuten y la reocupacioacuten de la

tierra asiacute como los tipos de uso y disentildeo de la funcioacuten de los asentamientos rurales en la

regioacuten de Araguaia Establecer una relacioacuten de este evento con las otras regiones del

estado en relacioacuten con las poliacuteticas de tenencia de la tierra en la ocupacioacuten previa a la

solucioacuten y la presencia de proyectos agriacutecolas la colonizacioacuten privada y asentamientos

rurales El municipio de Vila Rica comenzoacute con los proyectos agriacutecolas luego se

transformoacute en proyecto de colonizacioacuten privada y finalmente creoacute 08 asentamientos

rurales Estos objetivos se exponen en las cadenas de produccioacuten de la regioacuten de los

impactos de las poliacuteticas puacuteblicas implementadas en las deacutecadas 1990-2000 Se hace

hincapieacute en que esta investigacioacuten tambieacuten busca identificar la influencia del Programa

de Fortalecimiento de la Agricultura Familiar (Pronaf) en el desarrollo de los

asentamientos rurales de Villa Rica

Palabras clave Historia reocupacioacuten de tierras en Araguaia Vila Rica-MT

Asentamientos Rurales

LISTA DE ILUSTRACcedilOtildeES

Figura 01 - Mapa de Propaganda da Colonizadora Vila Rica 34

Figura 02 - Folder de propaganda da Colonizadora Vila Rica 38

Figura 03 - Planta ou Protejo Urbaniacutestico da cidade de Vila Rica 40

Figura 04 - Croqui de localizaccedilatildeo das fazendas 53

Figura 05 - Carta do Sindicato dos Trabalhadores de Vila Rica ao INCRA (1990) 69

Figura 06 - Carta da Alemanha 83

Figura 07 - Documento de denuacutencia de ameaccedila de morte de posseiro 86

Figura 08 - Fotografias dos Teacutecnicos da Empaer em visita aos assentamentos rurais 98

Figura 09 - Fotografias da Apresentaccedilatildeo do Programa de Ates 98

Figura 10 - Fotografias de corpos d‟aacutegua e mata ciliar 131

Figura 11- Fotografias das aacutereas de pastagens nos Assentamentos Rurais 132

Figura 12 - Fotografias das Estradas dos Assentamentos Rurais 134

Figura 13 - Croqui do Assentamento Rural Satildeo Joseacute 134

Figura 14 - Croqui do Assentamento Rural Satildeo Gabriel 135

Figura 15 - Croqui do Assentamento Rural Ipecirc 135

Figura 16 - Croqui Assentamento Rural Aracat 136

Figura 17 - Graacutefico com dados da evoluccedilatildeo dos creacuteditos Pronaf 152

Figura 18 - Graacutefico com dados da distribuiccedilatildeo dos creacuteditos Pronaf 152

LISTA DE TABELA

Tabela 1 assentamentos rurais de Vila Rica-MT 66

Tabela 2 Produtos que satildeo destinados a Alimentaccedilatildeo da Famiacutelia 104

Tabela 3 Faixa etaacuteria dos assentados 105

Tabela 4 Escolaridade dos assentados 106

Tabela 5 Presenccedila de energia eleacutetrica nos assentamentos rurais 108

Tabela 6 Fonte de Aacutegua nos assentamentos rurais 109

Tabela 7 Qualidade da aacutegua nos assentamentos rurais 110

Tabela 8 Frequecircncia da realizaccedilatildeo de exames de sauacutede 111

Tabela 9 Acesso aos serviccedilos de sauacutede 111

Tabela 10 Uso do remeacutedio caseiro 112

Tabela 11 Nuacutemero de assentados que declararam morar no assentamento rural 112

Tabela 12 Percentual de participaccedilatildeo da Renda dos assentados 117

Tabela13 Produccedilatildeo agriacutecola (em Kg) 117

Tabela 14 Assentados que praticam Culturas de Subsistecircncia 118

Tabela 15 Tipo de pecuaacuteria explorada por propriedade (famiacutelias) 118

Tabela 16 Frequecircncia do consumo de proteiacutena animal na alimentaccedilatildeo 119

Tabela 17 Dados de produccedilatildeo de leite por nordm de vacas 119

Tabela 18 Nuacutemero de Famiacutelia e Resfriamento do leite 120

Tabela 19 Comercializaccedilatildeo da Produccedilatildeo dos assentamentos 121

Tabela 20 Associativismo no Aracati Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel e Ipecirc 121

Tabela 21 Tipos de preparo do solo por nordm de famiacutelias 124

Tabela 22 Tipos de sementes cultivadas nos assentamentos rurais 124

Tabela 23 Tipos de plantio cultivados nos assentamentos rurais 125

Tabela 24 Tipo de adubaccedilatildeo do solo realizado pelos assentados por famiacutelia 125

Tabela 25 Conservaccedilatildeo do solo (por nuacutemero de Famiacutelias) 126

Tabela 26 Rotaccedilatildeo de Culturas nos assentamentos rurais 126

Tabela 27 Tipo de combate agraves pragas (por nuacutemero de famiacutelias) 127

Tabela 28 Tipo de lavagem triacuteplice de embalagens vazias de agrotoacutexicos 127

Tabela 29 Destino das embalagens de agrotoacutexicos vazias 128

Tabela 30 Tipo de colheita por famiacutelia 128

Tabela 31 Tipo de armazenamento da produccedilatildeo (por nuacutemero de famiacutelia) 129

Tabela 32 Situaccedilatildeo de degradaccedilatildeo de solo nos assentamentos rurais 129

Tabela 33 Existecircncia de nascentes sem proteccedilatildeo (nuacutemero de propriedades) 130

Tabela 34 Existecircncia de degradaccedilatildeo de matas ciliares 130

Tabela 35 Situaccedilatildeo de degradaccedilatildeo das pastagens (por nuacutemero de propriedade) 131

Tabela 36 Uso de fogo no manejo do solo (por propriedade) 132

Tabela 37 Creacutedito Rural - nordm de Famiacutelia 154

Tabela 38 Finalidade do Creacutedito Rural - nordm de Famiacutelias 155

Tabela 39 Tipo de Pronaf por nuacutemero de Famiacutelias 155

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ATER ndash Assistecircncia Teacutecnica e Extensatildeo Rural

Ates ndash Programa de Assessoria Teacutecnica Social e Ambiental agrave Reforma Agraacuteria

Bndes ndash Banco Nacional de Desenvolvimento

CNA ndash Confederaccedilatildeo Nacional da Agricultura

CNBB ndash Conferencia Nacional dos Bispos do Brasil

CONAB ndash Campanha Nacional de Abastecimento

CONTAG ndash Confederaccedilatildeo Nacional dos Trabalhadores da Agricultura

CPT ndash Comissatildeo Pastoral da Terra

CUT ndash Central Uacutenica dos trabalhadores

DNT ndash Departamento Nacional dos Trabalhadores da CUT

Embrapa ndash Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuaacuteria

Empaer ndash Empresa Mato-Grossense de Pesquisa e Extensatildeo Rural SA

Febraban - Federaccedilatildeo Brasileira de Bancos

Fetag ndash Federaccedilatildeo dos Trabalhadores na Agricultura

Fetraf ndash Federaccedilatildeo dos Trabalhadores e Trabalhadores na Agricultura Familiar

GESTAR ndash Projeto Nacional de Gestatildeo Ambiental Rural

IBGE ndash Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica

INCRA ndash Instituto Nacional de Colonizaccedilatildeo e Reforma Agraacuteria

Indea ndash Instituto de Defesa Agropecuaacuteria de Mato Grosso

IPAM ndash Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazocircnia

MAB ndash Movimento dos Atingidos por Barragens

MCP ndash Movimento Camponecircs Popular

MDA ndash Ministeacuterio do Desenvolvimento Agraacuterio

Mercosul ndash Mercado Comum do Sul

MMA ndash Ministeacuterio do Meio Ambiente

MME ndash Ministeacuterio de Minas e Energia

MPA ndash Movimento dos Pequenos Agricultores

MS ndash Ministeacuterio de Sauacutede

MST ndash Movimentos dos Trabalhadores Sem-Terra

OGU ndash Orccedilamento Geral da Uniatildeo

PA ndash Projeto de Assentamento

PAA ndash Programa Nacional de Aquisiccedilatildeo de Alimentos

Pda ndash Plano de Desenvolvimento de Assentamento Rural

PTDRS ndash Plano Territorial de Desenvolvimento Rural Sustentaacutevel do Territoacuterio Rural

PNAE ndash Programa Nacional de Alimentaccedilatildeo Escolar

PNHR ndash Programa Nacional de Habitaccedilatildeo Rural

PNSIPCF - Poliacutetica Nacional de Sauacutede Integral das Populaccedilotildees do Campo e da Floresta

Pronaf - Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura

Proterra ndash Programa de Redistribuiccedilatildeo de Terras e de Estiacutemulo agrave Agroinduacutestria do

Norte

Provape ndash Programa de Valorizaccedilatildeo da Pequena Produccedilatildeo Rural

Sebrae ndash Serviccedilo Brasileiro de Apoio o Micro e Pequenas Empresas

Senai ndash Serviccedilo Nacional de Aprendizagem Industrial

Senar ndash Serviccedilo Nacional de Aprendizagem Rural

Servap ndash Serviccedilo Auxiliares da Agropecuaacuteria

SNCR ndash Sistema Nacional de Credito Rural

STR ndash Sindicato dos Trabalhadores Rurais

Sudam ndash Superintendecircncia de Desenvolvimento da Amazocircnia

SUS ndash Sistema Uacutenico de Sauacutede

UDR ndash Uniatildeo Democraacutetica Ruralista

SUMAacuteRIO

INTRODUCcedilAtildeO 16

1 A QUESTAtildeO AGRAacuteRIA EM MATO GROSSO HISTOacuteRIA OCUPACcedilAtildeO E

REOCUPACcedilAtildeO DO ARAGUAIA MATO-GROSSENSE 24

11 A reocupaccedilatildeo pelas agropecuaacuterias e empresas colonizadoras Anos de 1960 a 1980

27

12 A criaccedilatildeo e emancipaccedilatildeo do municiacutepio de Vila Rica-MT 33

121 O papel das instituiccedilotildees e oacutergatildeo puacuteblicos as empresas agropecuaacuterias e a

colonizadora 49

122 A Servap e a abertura das fazendas Promissatildeo Satildeo Marcos Aracatiacute e Porongaba

52

13 Anos de 1980 a 1990 o Araguaia e a formaccedilatildeo dos assentamentos rurais 55

2 MEMOacuteRIAS DA REOCUPACcedilAtildeO HISTORICIZANDO OS

ASSENTSAMENTOS RURAIS DE VILA RICA-MT (1980-2010) 65

21 A transformaccedilatildeo das fazendas agropecuaacuterias em assentamentos rurais atraveacutes da luta

pela terra 65

22 Os assentamentos rurais de Vila Rica ndash MT 71

221 O Assentamento Rural Satildeo Joseacute 73

222 O Assentamento Rural Ipecirc 79

223 O Assentamento Rural Aracati 82

224 O Assentamento Rural Satildeo Gabriel 84

225 O Assentamento Rural Itaporatilde do Norte 86

226 O Assentamento Rural Bom Jesus 87

227 O Assentamento Rural Santo Antocircnio do Beleza 93

228 O Assentamento Rural Alvorada 94

Consideraccedilotildees gerais sobre os assentamentos de Vila Rica-MT 95

3 SITUACcedilAtildeO SOCIOECONOcircMICA DOS ASSENTAMENTOS SAtildeO JOSEacute SAtildeO

GABRIEL IPEcirc E ARACATI (2006-2010) 97

31 Os assentamentos rurais na perspectiva do Projeto de Assessoria Teacutecnica Social e

Ambiental agrave Reforma Agraacuteria ndash Ates 99

32 O perfil dos assentados gecircnero idade e escolaridade 101

321 Diferenciaccedilatildeo de Gecircneros predominacircncia masculina e papel da mulher 102

322 Perfil etaacuterio indicadores de uma populaccedilatildeo envelhecida 104

323 Perfil de escolaridade dos assentados 106

33 As Condiccedilotildees de vida nos assentamentos rurais luz eleacutetrica aacutegua sauacutede moradia e

infraestrutura 107

331 Energia Eleacutetrica 108

332 Aacutegua 108

333 Sauacutede 110

334 Moradia 112

335 Infraestrutura equipamentos e Tecnologias 113

34 A Produccedilatildeo a renda comercializaccedilatildeo e circulaccedilatildeo da Agricultura Familiar 116

341 A renda nos quatro Projetos de assentamentos rurais de Vila Rica-MT 116

342 Atividades Agriacutecolas a produccedilatildeo econocircmica e a de subsistecircncia 117

343 Pecuaacuteria e criaccedilatildeo de pequenos animais 118

344 Comercializaccedilatildeo e Associativismo 120

35 Teacutecnicas e niacutevel tecnoloacutegico dos assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e

Aracati 123

351 Teacutecnicas de uso do Solo plantio combate de pragas colheita 124

36 A questatildeo ambiental nos assentamentos rurais de Vila Rica-MT 129

37 Algumas consideraccedilotildees sobre os impactos de poliacuteticas puacuteblicas nos assentamentos

Satildeo Joseacute satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati 133

4 AS POLIacuteTICAS PUacuteBLICAS NOS ASSENTAMENTOS SAtildeO JOSEacute SAtildeO

GRABRIEL IPEcirc E ARACATI 139

41 O debate sobre o Pronaf 139

42 O papel dos Movimentos sociais na criaccedilatildeo do Programa Nacional de

Fortalecimento da Agricultura Familiar na deacutecada de 1990 143

43 O Pronaf e seus objetivos 146

44 O Pronaf no Araguaia mato-grossense 148

45 O Pronaf nos assentamentos Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati 154

46 Outras Poliacuteticas Puacuteblicas nos assentamentos Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati 155

461 Programa Luz para todos 156

462 Arco Verde questatildeo ambiental 158

463 Programa Balde Cheio 160

464 Programas de Educaccedilatildeo Formaccedilatildeo Profissional e Teacutecnica do assentado 162

465 Programa de Sauacutede no Campo 167

466 Programa Nacional de Habitaccedilatildeo 169

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 172

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 175

16

INTRODUCcedilAtildeO

Em tempos diversos muitas foram as razotildees que moveram pesquisadores na

aacuterea da histoacuteria a desenvolver estudos em torno de questotildees fundamentais para

compreensatildeo do homem no tempo e suas formas de organizaccedilatildeo as quais se aproximam

e se distanciam no tocante a suas formas de abranger fenocircmenos que circularam em um

ou outro grupo social este ou aquele projeto de sociedade Em suas entranhas as

relaccedilotildees de forccedilas estabelecidas para sua fundaccedilatildeo consolidaccedilatildeo e transformaccedilatildeo

pendulando do individual ao coletivo do solitaacuterio ao solidaacuterio em uma complexa teia

ancorada em seus atores sociais e respectivos projetos de vida O mundo rural apresenta

diversidades e especificidades que igualmente moveram pesquisas e reflexotildees

historiograacuteficas No entanto tratando-se de assentamentos rurais no periacuteodo poacutes 1964

satildeo poucos os estudos historiograacuteficos que abordam esse tipo de organizaccedilatildeo social e

poliacutetica atraveacutes de estudos de caso

Diante dessa carecircncia historiograacutefica sobre a temaacutetica a presente pesquisa

teve por objetivo principal a compreensatildeo da formaccedilatildeo e o processo de

desenvolvimento dos assentamentos rurais do municiacutepio de Vila Rica-MT A partir

desse estudo foi possiacutevel identificar que a luta pela terra implementada pelos atores

sociais na condiccedilatildeo de colonos posseiros atrelada agrave regularizaccedilatildeo fundiaacuteria e ao acesso

agraves poliacuteticas puacuteblicas como eacute o caso do Programa Nacional de Fortalecimento da

Agricultura Familiar (Pronaf) possibilitou a transformaccedilatildeo dos mesmos em agricultores

familiares

Para tanto foi problematizado o papel e a atuaccedilatildeo das instituiccedilotildees e oacutergatildeos

puacuteblicos como o Instituto Nacional de Colonizaccedilatildeo e Reforma Agraacuteria (INCRA) o

Ministeacuterio do Desenvolvimento Agraacuterio (MDA) o Banco do Brasil (BB) a Empresa

Mato-grossense de Pesquisa e Extensatildeo Rural SA (Empaer) e a Prefeitura Municipal de

Vila Rica aleacutem de movimentos sociais da sociedade civil como o Sindicato dos

Trabalhadores Rurais (STR) de Vila Rica-MT dada a importacircncia do seu envolvimento

Destacamos em particular a Comissatildeo Pastoral da Terra (CPT) a Prelazia de Satildeo Feacutelix

do Araguaia o Sindicato dos Trabalhadores Rurais e as Associaccedilotildees de Pequenos

Produtores Rurais Consideramos que para intensificar a anaacutelise foi necessaacuterio abordar

as accedilotildees e estrateacutegias dos atores sociais envolvidos na luta pela terra especialmente nos

17

momentos de adaptaccedilatildeo ou utilizaccedilatildeo de tais oacutergatildeos e instituiccedilotildees para cumprir seus

objetivos o acesso e a permanecircncia na terra

Natildeo temos a pretensatildeo de esgotar o assunto tampouco construir teses

aligeiradas sobre as comunidades e grupos sociais formados no municiacutepio de Vila Rica-

MT mas sim na trilha da anaacutelise soacutecio-histoacuterica compreender a formaccedilatildeo e o processo

de desenvolvimento dos assentamentos rurais do municiacutepio de Vila Rica-MT

problematizando o papel e a atuaccedilatildeo das instituiccedilotildees e entidades da sociedade civil

aleacutem dos oacutergatildeos puacuteblicos

Gostariacuteamos de esclarecer que as anaacutelises partem de uma posiccedilatildeo social de

moradora educadora e participante de movimentos sociais do Araguaia O

conhecimento empiacuterico dos problemas locais permitiu a formulaccedilatildeo de questotildees

fundamentadas em aspectos pouco estudados assim como perceber a necessidade de a

populaccedilatildeo formular reflexotildees sobre os assentamentos rurais e a Agricultura Familiar

num contexto onde existe um evidente avanccedilo da agricultura moderna e do agronegoacutecio

Com base em algumas experiecircncias vividas elaboramos questotildees

consideradas como significativas para problematizar as condiccedilotildees e circunstacircncias sob

as quais se deram a formaccedilatildeo e a consolidaccedilatildeo dos assentamentos rurais em Vila Rica-

MT As questotildees norteadoras foram Como ocorreu o processo de formaccedilatildeo dos

assentamentos rurais no municiacutepio de Vila Rica-MT Quais foram as estrateacutegias de

resistecircncia e articulaccedilatildeo utilizadas nas lutas pela terra pelos ldquoposseirosrdquo no processo de

formaccedilatildeo desses assentamentos rurais Como os posseiros se transformaram em

agricultores familiares e qual foi o papel do Pronaf nesse processo Quais satildeo as outras

Poliacuteticas Puacuteblicas adotadas que contribuiacuteram para a permanecircncia desses atores sociais

na terra

A partir dessas questotildees adotamos diferentes procedimentos metodoloacutegicos

tendo por base o uso de fontes escritas imageacuteticas e orais Primeiramente se buscou

fontes que permitissem analisar a atuaccedilatildeo da Associaccedilatildeo Sindical dos Posseiros

(Sindicato dos Trabalhadores Rurais) e da Conferecircncia Nacional dos Bispos do Brasil

(CNBB) via CPT da circunscriccedilatildeo eclesiaacutestica ndash Prelazia de Satildeo Feacutelix do Araguaia os

quais foram fundamentais na intermediaccedilatildeo com os oacutergatildeos puacuteblicos na defesa da vida e

do projeto dos ldquoposseirosrdquo pois aleacutem de fazer frente aos conflitos e ameaccedilas de morte

vivenciada na luta pela terra empreenderam accedilotildees poliacutetica em defesa da proposta de

18

Reforma Agraacuteria Eis a razatildeo pela qual dedicamos esforccedilos no sentido de analisar como

tais entidades articularam mobilizaccedilotildees e empreenderam accedilotildees para que os

trabalhadores rurais pudessem pleitear e conquistar as condiccedilotildees necessaacuterias para a

sobrevivecircncia e o fortalecimento dos assentamentos rurais

Ressaltamos que os contextos e as fontes utilizadas para a construccedilatildeo desta

narrativa histoacuterica pautada no processo de implantaccedilatildeo dos assentamentos rurais satildeo

muacuteltiplas dada a complexidade dos elementos narrativos muitos dos quais satildeo

divergentes e ateacute mesmo contraditoacuterios Tal constataccedilatildeo se deve ao envolvimento de

atores histoacutericos com diferentes concepccedilotildees relativas agrave funccedilatildeo e aos modos de usos da

terra uma vez que os ldquoposseirosrdquo tecircm diferenciaccedilotildees sociais entre si e os objetivos da

posse da terra natildeo satildeo uacutenicos podendo ser tanto o uso da terra para ldquomorar e plantarrdquo

dentro da concepccedilatildeo claacutessica da Conferecircncia Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)

quanto para apenas morar e criar gado sem produccedilatildeo agriacutecola ou apenas morar e

trabalhar fora da aacuterea da posse Em casos mais extremos o posseiro aluga ou ldquovende o

direitordquo do lote conquistado mas esse fato natildeo pode ser analisado de forma mecacircnica

sem problematizaccedilatildeo nos interessa tambeacutem compreender o que faz com que um

posseiro natildeo permaneccedila na terra

Diante dessa situaccedilatildeo satildeo muacuteltiplas as respostas desde a simples intenccedilatildeo de

comercializaccedilatildeo e especulaccedilatildeo fundiaacuteria como a falta de Poliacuteticas Puacuteblicas e de boas

condiccedilotildees de educaccedilatildeo e qualidade de vida Tais explicaccedilotildees atreladas a outras

motivaccedilotildees resultam num constante esvaziamento da populaccedilatildeo jovem das aacutereas rurais

em busca de educaccedilatildeo trabalho e oportunidades nos centros urbanos Tambeacutem a

populaccedilatildeo envelhecida deixa os assentamentos em busca de assistecircncia na aacuterea de sauacutede

e cuidados oferecidos pela famiacutelia Toda essa situaccedilatildeo complexa explica os elementos

fundamentais para entender a falta de sucessatildeo familiar e o envelhecimento da

populaccedilatildeo rural sobretudo em aacutereas de assentamentos

Tendo em vista a temaacutetica de permanecircncia na terra as entrevistas permitiram

compreender o motivo de os posseiros comercializarem ou natildeo suas terras e de fazer

diferentes usos dela tanto para a agricultura quanto para a pecuaacuteria

Tambeacutem na formaccedilatildeo dos assentamentos rurais diferentes concepccedilotildees

aparecem nas anaacutelises das fontes orais obtidas em entrevistas com os primeiros

moradores e o colonizador de Vila Rica-MT que trouxe a memoacuteria e a narrativa oficial

19

sobre a criaccedilatildeo e emancipaccedilatildeo do municiacutepio Consideramos como narrativa oficial a

produccedilatildeo de livros panfletos informaccedilotildees de sites da Prefeitura Municipal que em

geral satildeo utilizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) Cidades

aleacutem de material publicitaacuterio produzido em datas comemorativas onde satildeo exaltadas as

figuras dos ldquopioneirosrdquo e ldquoempreendedoresrdquo

Por outro lado para ampliar o diaacutelogo obtivemos os relatos orais de

assentados posseiros agricultores familiares e representantes de instituiccedilotildees de

entidades da sociedade civil e dos movimentos sociais os quais foram analisados em

conjunto com a bibliografia sobre a Questatildeo Agraacuteria e reocupaccedilatildeo do Araguaia aleacutem da

utilizaccedilatildeo de fontes escritas e imageacuteticas mas tambeacutem de dados oficiais que nos

possibilitaram a compreensatildeo de maneira ampliada das circunstacircncias de produccedilatildeo

histoacuterica de um grupo social diferenciado das terras do Araguaia

Tecendo a narrativa consideramos que o estudo sobre a formaccedilatildeo dos

assentamentos rurais de Vila Rica-MT pode ser analisado na produccedilatildeo historiograacutefica

de micro-historiadores onde se exige ldquo[] um trabalho de contextualizaccedilatildeo muacuteltipla em

que cada ator histoacuterico participa de maneira proacutexima ou distante de processos ndash e de

niacuteveis variaacuteveis do mais local ao mais globalrdquo conforme Revel (1998 p 28) o qual

rompe com a dicotomia entre a histoacuteria local e a histoacuteria global entendendo que a

experiecircncia de um agente social de um grupo de um espaccedilo particular permite perceber

uma modulaccedilatildeo especiacutefica da histoacuteria global

Nossa narrativa possibilita refletir sobre o ofiacutecio do historiador tomando

como referecircncia a importacircncia dos discursos construiacutedos a partir do objeto em estudo

Sobretudo no que tange aos artifiacutecios utilizados para a produccedilatildeo de anaacutelises das fontes

Escreve Bloch (2002 p 68) ldquo[] uma ciecircncia natildeo se define apenas por seu objeto

Seus limites podem ser fixados tambeacutem pela natureza proacutepria dos seus meacutetodosrdquo

Nesse particular Moraes (2000) e Guimaratildees Neto (2014) alertam sobre a

necessidade de articular as fontes orais com sua competecircncia e habilidade

reorganizando os conceitos que serviratildeo de subsiacutedios agrave construccedilatildeo das anaacutelises a partir

da leitura e do cruzamento com outras tipologias de fontes

Portanto as fontes natildeo satildeo tratadas aqui como mananciais de ldquoverdaderdquo uma

vez que tomadas como fragmentos do acontecimento e enquanto resultado de memoacuterias

e narrativas sujeitas agrave seleccedilatildeo fragmentaccedilatildeo silenciamentos e esquecimentos As

20

concepccedilotildees trazidas por Pollak (1990) e Ricoeur (2007) implicam em serem avaliadas

e inseridas na conjuntura que gera a produccedilatildeo de sentidos e significados para a

historiografia

Ao privilegiar a analise dos excluiacutedos dos marginalizados e das

minorias a histoacuteria oral ressaltou a importacircncia de memoacuterias

subterracircneas que como parte integrante das culturas

minoritaacuterias e dominadas se opotildeem agrave Memoacuteria oficial no

caso a memoacuteria nacional Num primeiro momento essa

abordagem faz da empatia com os grupos dominados estudados

uma regra metodoloacutegica e reabilita a periferia e a

marginalidade [] A memoacuteria entra em disputa Os objetos de

pesquisa satildeo escolhidos de preferecircncia onde existe conflito e

competiccedilatildeo entre memoacuterias concorrentes (POLLAK 1989 p

3)

Com base nessa problematizaccedilatildeo sobre a Histoacuteria Oral e sua opccedilatildeo

metodoloacutegica e poliacutetica natildeo perdemos de vista que essa perspectiva eacute uma oposiccedilatildeo

agravequela produccedilatildeo historiograacutefica sobretudo a partir do Seacuteculo XIX quando se concebeu

a histoacuteria como a ciecircncia que estuda o passado que investiga os acontecimentos

longiacutenquos da contemporaneidade de forma que natildeo haja testemunhas vivas que

tenham vivenciado os acontecimentos Poreacutem a percepccedilatildeo da histoacuteria enquanto a

ciecircncia que ldquoestuda o passado para entender o presenterdquo permaneceu de forma muito

viva no entendimento social tornando problemaacutetica a anaacutelise do tempo presente como

objeto de estudo do historiador sob a oacutetica da historiografia e da proacutepria sociedade

contemporacircnea

Aproximamos nossas reflexotildees da anaacutelise de acontecimentos do presente ou

bem proacuteximas a este por entender que a proximidade natildeo produz quaisquer

impedimentos quanto agraves anaacutelises no acircmbito da ciecircncia histoacuterica Mesmo que essas

questotildees jaacute tenham algumas deacutecadas de discussotildees no Brasil tais estudos ainda satildeo

muito recentes carecendo de definiccedilotildees mais consistentes que possam do ponto de

visto teoacuterico e metodoloacutegico responder algumas perguntas que se apresentam quanto agrave

validade deste marco temporal da historiografia denominada como histoacuteria do tempo

presente

Segundo Guimaratildees Neto (2014 p 35) vaacuterios historiadores apresentam

significados complexos em relaccedilatildeo agrave questatildeo do tempo presente com destaque para

Koselleck (2006) que assegura que esse conceito tem sofrido alteraccedilotildees ao longo do

21

tempo ldquo[] Contrariamente agraves pretensotildees generalizadoras e naturalizaccedilotildees de toda

sorte a denominaccedilatildeo bdquotempo presente‟ nos escapa entre os dedos e eacute de difiacutecil

apreensatildeordquo Tal denominaccedilatildeo se transforma troca de conteuacutedo experimenta novas

formas de ldquoser presenterdquo Agrave luz da interpretaccedilatildeo de Guimaratildees Neto eacute possiacutevel afirmar

que a circulaccedilatildeo entre os novos e os velhos significados produz a ldquoconcreccedilatildeo e a

materializaccedilatildeo de um conceito novordquo (GUIMARAtildeES NETO 2014 p 35)

Todavia somos convidados a problematizar o que seria uma histoacuteria do

tempo presente suas peculiaridades especificidades limites e contribuiccedilotildees Nessa

acepccedilatildeo Guimaratildees Neto (2014 p 37) pondera ainda que

Situados cada vez mais no acircmbito desse debate muitos

historiadores operam com uma concepccedilatildeo de passado que natildeo

se situa ldquofora do presenterdquo na perspectiva pensada por

Koselleck ao afirmar que todas as histoacuterias satildeo histoacuterias do

tempo presente (vistas no presente que se dissolve eou no

presente que condensa) entendendo que isso tambeacutem

significa imprimir uma dimensatildeo mais dilatada agrave histoacuteria do

tempo presente A discussatildeo historiograacutefica que contempla as

interseccedilotildees metodoloacutegicas dessa problemaacutetica natildeo se ateacutem

apenas agrave noccedilatildeo da presenccedila incorporada do futuropassado no

presente Mas remete agrave reflexatildeo acerca das relaccedilotildees que se

estabelecem entre presente e futuro presente e passado e

especialmente ldquocomordquo essas proacuteprias relaccedilotildees se constituem

As relaccedilotildees suscitadas por todo esse conjunto de anaacutelises levam

tambeacutem a debater uma concepccedilatildeo de contemporaneidade

avaliando- a na perspectiva do entrelaccedilamento que se deve

estabelecer entre as dimensotildees sincrocircnica e diacrocircnica do tempo

histoacuterico

Ao tomarmos o vieacutes explicativo de um fenocircmeno presente analisando uma

sociedade viva os processos de organizaccedilatildeo dos assentamentos rurais no municiacutepio de

Vila Rica-MT e as relaccedilotildees estabelecidas com os sindicatos e demais organizaccedilotildees

sociais puacuteblicas e privadas pensamos corroborar com a produccedilatildeo da profissatildeo do

historiador um tempo intercalado de relaccedilotildees passado-presente pautando com os

rigores necessaacuterios na anaacutelise dos documentos histoacutericos como fonte

Em relaccedilatildeo agrave definiccedilatildeo de fonte histoacuterica pontuamos a concepccedilatildeo contida em

Silva amp Silva (2009 p 158)

[] o termo mais claacutessico para conceituar a fonte histoacuterica eacute

documento Palavra no entanto que devido agraves concepccedilotildees da

escola metoacutedica ou positivista estaacute atrelada a uma gama de

22

ideias preconcebidas significando natildeo apenas o registro escrito

mas principalmente o registro oficial

Igualmente afianccedilamos no presente trabalho a busca pela ampliaccedilatildeo das

lentes historiograacuteficas sobre os documentos bem como dos atores sociais visto que natildeo

mais limitado ao citadino mas agora revelando os assentamentos rurais e sua

organizaccedilatildeo condiccedilotildees de vida razotildees de luta ateacute entatildeo ignorados pelas paacuteginas dos

anais oficiais do natildeo dito invisiacutevel tornando visiacutevel verificaacutevel analisaacutevel e

mensuraacutevel

[] O alargamento daquilo que se entendia como documento

ocorreu de maneira qualitativa e quantitativa segundo nos

aponta Le Goff 1984 A memoacuteria coletiva e a histoacuteria passaram

a natildeo cristalizar o seu interesse apenas nos grandes homens nos

grandes acontecimentos na histoacuteria poliacutetica diplomaacutetica e

militar Todos os homens tornaram-se interesse da histoacuteria os

documentos foram ampliados a capacidade de trabalho e o

espiacuterito do historiador foram inovados (BARROS 2013 p 1)

A partir dessa problematizaccedilatildeo teoacuterica e metodoloacutegica foi possiacutevel situar o

objeto desta pesquisa dentro do escopo da histoacuteria do tempo presente Conforme

Delgado e Ferreira (2014 p10-11) a ldquoquestatildeo da terra e das poliacuteticas fundiaacuteriardquo

constituem objeto legiacutetimo dessa perspectiva Ademais destacando a posiccedilatildeo de

Guimaratildees Neto (2014) reforccedilamos que o foco analiacutetico satildeo os ldquoconflitos referentes agrave

questatildeo da terra e das poliacuteticas governamentais em especial as fundiaacuteriasrdquo

Adotando essa perspectiva analiacutetica as questotildees foram levantadas e

analisadas ao longo de quatro capiacutetulos sendo que o primeiro teve como objetivo

apresentar uma discussatildeo sobre a Questatildeo Agraacuteria em Mato Grosso sobretudo no

espaccedilo do Araguaia construiacutedo atraveacutes das pesquisas jaacute existentes inseridas no marco

temporal das deacutecadas de 1960 e 1970 Destacamos as caracteriacutesticas do processo de

reocupaccedilatildeo1 pelas agropecuaacuterias e colonizadoras e nas deacutecadas de 1980 a 1990 quando

nesse espaccedilo se constituiacuteram e se formaram os assentamentos rurais Ademais foi

analisado o processo de colonizaccedilatildeo do municiacutepio de Vila Rica-MT

1 A concepccedilatildeo de Reocupaccedilatildeo embute uma concepccedilatildeo de que um determinado territoacuterio ou terra

natildeo era um espaccedilo vazio no qual havia presenccedila de povos tradicionais (indiacutegenas ribeirinhos

sertanejos seringueiros quilombolas) posseiros Na presente pesquisa usaremos e

problematizaremos essa noccedilatildeo de modo mais elaborado no primeiro capiacutetulo

23

O segundo capiacutetulo trata das configuraccedilotildees e modos de uso poliacutetico dos

espaccedilos na formaccedilatildeo dos assentamentos rurais bem como a luta pela regularizaccedilatildeo

fundiaacuteria dos 8 (oito) assentamentos rurais do municiacutepio de Vila Rica-MT

O terceiro capiacutetulo analisa os aspectos socioeconocircmicos da Agricultura

Familiar em Vila Rica-MT a partir dos resultados de uma pesquisa desenvolvida pela

Empaer (2009) junto aos assentamentos rurais de Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati

Tal pesquisa teve como objetivo principal explicar a realizaccedilatildeo dos Planos de

Desenvolvimento dos assentamentos rurais via projeto implementado pelo INCRA

E por fim no quarto capiacutetulo fizemos uma apresentaccedilatildeo das principais

Poliacuteticas Puacuteblicas integradas ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura

Familiar como eacute o caso dos Programas Luz para Todos Arco Verde Balde Cheio

Educaccedilatildeo Formaccedilatildeo Profissional e Teacutecnica do Assentado Sauacutede e Habitaccedilatildeo Rural

Trata-se tambeacutem do papel dos movimentos sociais do campo na implementaccedilatildeo dessas

poliacuteticas puacuteblicas frente agrave necessidade de serem criadas condiccedilotildees baacutesicas para a

permanecircncia dos agricultores familiares no campo uma vez que os assentamentos rurais

natildeo se formaram apenas pelo ato de regularizaccedilatildeo e acesso ao sistema de creacutedito

24

1 A QUESTAtildeO AGRAacuteRIA EM MATO GROSSO HISTOacuteRIA MEMORIAS

OCUPACcedilAtildeO E REOCUPACcedilAtildeO DO ARAGUAIA MATO-GROSSENSE

A proposta deste capiacutetulo inicial eacute fazer uma reconstituiccedilatildeo do processo de

reocupaccedilatildeo a partir da deacutecada de 1970 do espaccedilo Araguaia mato-grossense

denominado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) como

ldquomicrorregiatildeo Norte Araguaia do Estado de Mato Grossordquo Fazem parte desta

microrregiatildeo os municiacutepios de Bom Jesus do Araguaia Confresa Serra Nova Dourada

Novo Santo Antocircnio Alto da Boa Vista Satildeo Felix do Araguaia Luciara Ribeiratildeo

Cascalheira Santa Terezinha Vila Rica- MT Porto Alegre do Norte Canabrava Satildeo

Joseacute do Xingu e Santa Cruz do Xingu

No entanto eacute importante ressaltar que a denominaccedilatildeo ldquomicrorregiatildeo Norte

Araguaiardquo utilizada ao longo do texto possui complicadores em sua concepccedilatildeo ligada agrave

ideia de regiatildeo Eacute sabido que a definiccedilatildeo de regiatildeo concebida pelo IBGE eacute uma

imposiccedilatildeo de delimitaccedilatildeo juriacutedico-administrativa a qual conforme Bourdieu (2008) por

ter sido construiacuteda por meio do uso do Poder Estatal atribuiu uma visatildeo social atraveacutes

da divisatildeo e construccedilatildeo da unidade e da identidade entre os grupos Natildeo se constituiu

numa demarcaccedilatildeo com base em criteacuterios de homogeneidade da natureza de forma que

sejam respeitadas as diversidades e especificidades de grupos culturais

Albuquerque Juacutenior (2008) chama a atenccedilatildeo pela pouca importacircncia dada agrave

discussatildeo e compreensatildeo dos espaccedilos no desenvolvimento de estudos de cunho

historiograacutefico onde a regiatildeo passa a existir como um fenocircmeno da realidade que natildeo

carece de anaacutelises ou de problematizaccedilatildeo Ou seja natildeo haacute preocupaccedilatildeo com a

construccedilatildeo histoacuterica da concepccedilatildeo da regiatildeo que eacute analisada ldquo[] ora como um recorte

dado pela natureza ora como um recorte poliacutetico-administrativo ora como um recorte

cultural mas que parece natildeo ser fruto de um dado processo histoacutericordquo

(ALBUQUERQUE JUacuteNIOR 2008 p 57) Logo a regiatildeo eacute tida apenas como um

fenocircmeno precedente ldquoretalhordquo do espaccedilo constituiacutedo naturalmente um paracircmetro de

construccedilatildeo de identidade existente por si soacute

Problematizando a noccedilatildeo de regiatildeo delimitada por fronteiras juriacutedico-

administrativas Bourdieu (2008 p 115) afirma

25

A fronteira esse produto de um ato juriacutedico de delimitaccedilatildeo

produz a diferenccedila cultural do mesmo modo que eacute produto

desta basta pensar na accedilatildeo do sistema escolar em mateacuteria de

liacutengua para ver que a vontade poliacutetica pode desfazer o que a

histoacuteria tinha feito

Assim o autor problematiza o conceito de regiatildeo atraveacutes da diversidade da

liacutengua quando muitas vezes as delimitaccedilotildees satildeo estabelecidas sem levar em

consideraccedilatildeo as diferenccedilas culturais dos grupos eacutetnicos que convivem em um espaccedilo

uacutenico Um exemplo eacute a delimitaccedilatildeo territorial dos Estados Naccedilatildeo que como na Itaacutelia e

Alemanha englobam dentro de um mesmo territoacuterio considerado ldquohomogecircneo

culturalmenterdquo atraveacutes de uma liacutengua com diferentes leacutexicos e dialetos Eacute sabido que

atraveacutes da linguagem se reforccedila fixa e viabiliza os elementos de controle impostos

pelas classes dominantes uma vez que nem os proacuteprios intelectuais satildeo neutros em

produccedilotildees jaacute que estatildeo agindo dentro de um padratildeo que atende ou contraria interesses

dos grupos que exercem o poder na sociedade

Bourdieu (2008) afirma que os diferentes saberes satildeo produzidos sob o efeito

das relaccedilotildees de poder onde as disputas entre as ciecircncias pelo direito de qualificar a

regiatildeo satildeo ao mesmo tempo uma forma de disputa pelo poder Na concepccedilatildeo do autor

regiatildeo eacute uma construccedilatildeo simboacutelica resultante das disputas de diferentes aacutereas do

conhecimento pelo poder na definiccedilatildeo dos limites e sentidos a serem conferidos a uma

regiatildeo Ainda de acordo com Bourdieu (2008) a regiatildeo enquanto objeto de estudo eacute

constituiacuteda por um intenso debate que coloca em oposiccedilatildeo geoacutegrafos economistas

etnoacutelogos socioacutelogos e historiadores Essas categorias constituiacutedas no campo da ciecircncia

querem cada uma ao seu modo atribuir criteacuterios para delimitar uma regiatildeo

Portanto podemos dizer que esses debates existentes em torno da concepccedilatildeo

de regiatildeo tecircm oferecido subsiacutedio importante para a historiografia construir uma noccedilatildeo

de regiatildeo embora sinalizem para o sentido da inexistecircncia de consenso Ainda segundo

Bourdieu (2012) eacute nas relaccedilotildees de poder estabelecidas na sociedade a partir do plano

econocircmico que se formam as definiccedilotildees e delimitaccedilotildees de fronteiras que

evidentemente satildeo construiacutedas utilizando tambeacutem o poder simboacutelico como a proacutepria

noccedilatildeo de regiatildeo

Albuquerque Juacutenior (208 p 61) pondera que

26

A regiatildeo eacute ao mesmo tempo um dispositivo de forccedila e saberes

que aparece como externo aos sujeitos que a eles se impotildee de

fora que os limita e ateacute cerceia Eacute uma estrutura no sentido levi-

straussiano um mito que eacute vivido praticado e materializado

uma narrativa que se encarna o que acostumamos chamar de

interior dos sujeitos A regiatildeo eacute uma dobra do social que vem

constituir as subjetividades regionalistas em sua investigaccedilatildeo A

regiatildeo eacute tambeacutem modo de pensar modos de querer modos de

falar modos de gostar modos de preferir modos de amar

modos de desejar modos de mar modos de desejar modos de

olhar de escutar de cheirar de sentir sabor e de sentir dor A

regiatildeo de se expressa em jeitos de corpos em gestos em modos

de vestir de alimentar de beber de danccedila de se pocircr de peacute ou de

sentar A regiatildeo ao ser subjetivada ao ser encarnada ela

conformaraacute os corpos e os processos subjetivos

Compreender os diferentes significados e sentidos em relaccedilatildeo aos usos do

espaccedilo significa tambeacutem compreender o papel dos diferentes sujeitos no vieacutes da

historiografia seguindo a concepccedilatildeo de Certeau (2000) segundo o qual ao produzir a

historiografia o pesquisador estabelece seus criteacuterios de escolha os quais remetem

sempre aos diferentes contextos onde estaacute inserido sejam eles no acircmbito social cultural

ou econocircmico e tambeacutem ao proacuteprio interesse do pesquisador pois eacute ele quem escolhe o

que teraacute visibilidade e o que seraacute oculto no texto historiograacutefico

Ainda de acordo com o mesmo autor eacute possiacutevel acreditar que natildeo haacute

neutralidade na escrita historiograacutefica na medida em que sempre haveraacute o peso da

posiccedilatildeo do sujeito vinculado agrave instituiccedilatildeo e o lugar social e cultural ocupado pelo

indiviacuteduo porque a produccedilatildeo da escrita natildeo eacute algo individualizado mas sim constituiacutedo

na coletividade

Dessa forma a ideia construiacuteda acerca do texto historiograacutefico eacute resultado das

escolhas de quem a produz e estatildeo articuladas ao meio social econocircmico e cultural em

que se insere o pesquisador Logo a intenccedilatildeo da pesquisa nasce do desejo de descobrir

o que natildeo estaacute compreendido eacute a busca das indagaccedilotildees intrinsecamente vinculadas agrave

proacutepria trajetoacuteria de vida e no fazer acadecircmico do sujeito pesquisador (CERTEAU

2000)

Diante dessa problematizaccedilatildeo sobre o uso do conceito de regiatildeo e sua relaccedilatildeo

com a condiccedilatildeo de produccedilatildeo em que estaacute inserido o sujeito pesquisador fica evidente

que a ldquomicrorregiatildeordquo Norte Araguaia eacute uma visatildeo simplista e homogeneizadora que

natildeo evidencia as diferenccedilas naturais sociais e culturais existentes nesse espaccedilo O uso

27

indiscriminado de Regiatildeo Araguaia leva a noccedilotildees preconceituosas como a expressatildeo

utilizada por poliacuteticos e moradores de que se trata do ldquoVale dos Esquecidosrdquo

Ressalta-se que estudar a histoacuteria de Vila Rica-MT significa tambeacutem

compreender parte da histoacuteria do estado de Mato Grosso pois este municiacutepio natildeo surgiu

enquanto fenocircmeno isolado mas foi formado em um contexto ocorrido no Araguaia no

auge do processo de reocupaccedilatildeo de terras que se deu por duas frentes a primeira a dos

projetos agropecuaacuterios financiados pela Superintendecircncia de Desenvolvimento da

Amazocircnia (Sudam) e a segunda dos projetos de colonizaccedilatildeo privada que resultaram na

formaccedilatildeo dos municiacutepios de Confresa Vila Rica Aacutegua Boa e Canarana

Justamente por essa razatildeo a expressatildeo reocupaccedilatildeo da terra eacute recorrente no

presente texto A formaccedilatildeo de cidades natildeo resulta de algo natural ou um projeto de

ocupaccedilatildeo de terras ldquovaziasrdquo Para marcar a leitura que fazemos sobre o Araguaia eacute

preciso consideraacute-lo como um territoacuterio que jaacute estava ocupado por povos indiacutegenas

ribeirinhos ou sertanejos que viviam no espaccedilo anteriormente ao processo de

implantaccedilatildeo das poliacuteticas de desenvolvimento da Amazocircnia e a concretizaccedilatildeo dessas

duas frentes sobretudo na deacutecada de 1970

11 A reocupaccedilatildeo pelas agropecuaacuterias e empresas colonizadoras Anos de 1960 a

1980

Nas deacutecadas de 1960 a 1980 o norte do estado de Mato Grosso considerado

parte da ldquoAmazocircnia Legalrdquo tornou-se alvo de investimentos de grupos empresariais do

Sul e Sudeste do Brasil Os Governos de Mato Grosso desde a deacutecada de 1960

passaram a comercializar terras ldquotidas como devolutasrdquo como importante fonte de

arrecadaccedilatildeo para o Estado Neste contexto Mato Grosso seguindo a normativa do

Estatuto da Terra repassou para a iniciativa privada a funccedilatildeo de reordenar a ocupaccedilatildeo

destes espaccedilos atraveacutes da colonizaccedilatildeo privada2 Sobre a questatildeo Guimaratildees Neto

(2002 p 20) afirma que

2 Sobre este assunto ver GUIMARAtildeES NETO Regina Beatriz A Lenda do Ouro Verde Poliacutetica

de colonizaccedilatildeo no Brasil contemporacircneo Cuiabaacute UNICEN 2002

28

[] as empresas agropecuaacuterias comandadas em grande parte

por multinacionais [] jaacute vinham dominando este espaccedilo

especialmente apoacutes meados do seacuteculo vinte quando

intensificaram seu poder de accedilatildeo Eacute no acircmbito dessa experiecircncia

histoacuterica que se deve procurar estudar os projetos de

colonizaccedilatildeo Representam iniciativas e estrateacutegias de controle

ao acesso a terra e ao mercado de matildeo de obra

Assim estas duas frentes de reocupaccedilatildeo ldquo[] representam iniciativas e

estrateacutegias de controle ao acesso da terra e ao mercado de matildeo de obrardquo (GUIMARAES

NETO 2002 p 20) em que o Estado e os empresaacuterios atuaram muito mais no

propoacutesito da especulaccedilatildeo imobiliaacuteria do que na viabilizaccedilatildeo de terras para centenas de

famiacutelias que migraram para a Amazocircnia Legal

Vale lembrar que durante o periacuteodo dos Governos Militares foi construiacuteda

uma ldquohistoacuteria oficialrdquo acerca do processo de ocupaccedilatildeo da Amazocircnia que

gradativamente foi questionada e revisada atraveacutes de diferentes narrativas construiacutedas a

partir da memoacuteria dos agentes histoacutericos que vivenciaram aquele processo

Consideramos importante registrar nos estudos cujo foco eacute o processo de

reocupaccedilatildeo da terra no Araguaia as perspectivas dos diferentes grupos e movimentos

sociais responsaacuteveis pela reocupaccedilatildeo desse espaccedilo considerando a memoacuteria daqueles

que migraram de diferentes regiotildees do paiacutes sobretudo do Sul e Sudeste perseguindo o

sonho de adquirir uma aacuterea de terra Um exemplo dessas narrativas com base na

memoacuteria das pessoas pode ser ilustrado nesse trecho do relato de uma das moradoras de

Vila Rica-MT

Quando eu cheguei aqui em Vila Rica-MT estranhei de tudo

um pouco Desde a comida [] Ih Nossa Senhora as falas

deles trem As gurias foram pra rua as gurias saiacuteram foram

pra rua O que eacute isso Rua laacute no Sul isso natildeo se fala E os

trem trem eacute um trem que puxa vagatildeo e aqui tudo que eacute coisa eacute

trem Hoje a gente estaacute acostumada com as comidas tambeacutem

aqui era diferente de laacute [] quando eu cheguei aqui a vila

estava super suja Colonial tudo tudo Lixo no meio da rua ali

no meio onde tem a grama e os coqueirinhos aquilo laacute era lixo

natildeo dava pra olhar de um lado pra outro Nossa mas era suja

demais a rua As propagandas ih Eles passavam slides

mostravam como era aqui em Vila Rica-MT da cidade das

roccedilas das lavouras das plantaccedilotildees de soja milho []

(ENTREVISTA com Izode Baoacute realizada por Acircngela Martini

Vila Rica-MT 4 de marccedilo de 2001)

29

Novas abordagens da historiografia que possibilitam o uso de novas fontes

entre elas as orais permitiram anaacutelises sobre a Amazocircnia Legal com nova dinacircmica

enquanto objeto de estudo nas aacutereas de Ciecircncias Humanas e Sociais Por outro lado

ressalta-se que eacute imprescindiacutevel trilhar pelas discussotildees teoacutericas e metodoloacutegicas de

alguns estudiosos da questatildeo agraacuteria no Brasil como Caio Prado Juacutenior Octaacutevio Ianni

Seacutergio Buarque de Holanda e outros Em Mato Grosso as obras de autores como

Martins (1985-1997) Lenharo (1985) Oliveira (1996) Barrozo (2009 2010)

Guimaratildees Neto (2002 2007) Gonccedilalves (2005) e Joanoni Neto (2007) Arauacutejo (2013)

entre outros satildeo referecircncias

As concepccedilotildees abordadas por esses autores nos remetem a pensar que eacute

preciso antes de tudo desconstruir a narrativa oficial sobre a Amazocircnia a qual foi

construiacuteda sobretudo durante os Governos civis militares sob o ponto de vista que

engloba a noccedilatildeo da fronteira e de integraccedilatildeo nacional na qual se procurou internalizar

os discursos de alguns segmentos sociais os quais construiacuteram o imaginaacuterio que

caracteriza esse espaccedilo como atrasado e despovoado ou melhor um ldquovazio

demograacuteficordquo

Ao referenciar o potencial dos recursos naturais ali existentes aquele espaccedilo

passou a ser visto com outro enfoque segundo o qual a mesma pode ser analisada para

aleacutem do seu potencial de reserva natural Natildeo se pode perder de vista que esse

ldquoimaginaacuteriordquo vem sendo arquitetado sob a loacutegica daqueles que vivem ldquoalheiosrdquo agraves

necessidades e ldquorealidadesrdquo nas quais a populaccedilatildeo que habita a Amazocircnia Legal estaacute

inserida no caso especiacutefico o Araguaia

Os empresaacuterios e a elite poliacutetica sempre se beneficiaram dos lucros obtidos

por meio do uso e abuso das riquezas extraiacutedas da Amazocircnia Legal nos grandes

projetos de exploraccedilatildeo mineral e vegetal em nome de um discurso de integraccedilatildeo

nacional e de desenvolvimento e progresso regional

Para Gonccedilalves (2005) compreender a Amazocircnia eacute saber respeitar a

diversidade e particularidades desse espaccedilo em seus aspectos econocircmicos naturais

sociais e culturais bem como os feitios de inserccedilotildees das poliacuteticas e programas de

governo que foram parcialmente realizados Tais poliacuteticas atenderam em especial a

um determinado grupo social especificamente o empresarial que dispunha de capital

financeiro embora se trate de um territoacuterio cheio de contradiccedilotildees conflitos e diferentes

30

possibilidades dos povos que ldquotradicionalmente habitamrdquo a floresta De forma mais

detalhada Gonccedilalves (2005 p 9) descreve

A Amazocircnia eacute sobretudo diversidade Haacute a Amazocircnia dos

Cerrados a Amazocircnia da Vaacuterzea a Amazocircnia dos Manguezais

e a Amazocircnia das florestas Habitar esses espaccedilos eacute um desafio

agrave inteligecircncia agrave convivecircncia com a diversidade Esse eacute o

patrimocircnio que as populaccedilotildees originaacuterias e tradicionais da

Amazocircnia oferecem para o diaacutelogo com outras culturas e

saberes

Logo estudar a Amazocircnia Legal significa tambeacutem conhecer seu processo de

ocupaccedilatildeo e reocupaccedilatildeo identificando sobretudo as dinacircmicas de resistecircncia e as

estrateacutegias de sobrevivecircncias dos diferentes sujeitos que a habitavam (iacutendios

quilombolas sertanejos seringueiros ribeirinhos e outros povos)

Esses grupos se veem diariamente diante da obrigatoriedade de criar e recriar

taacuteticas para enfrentar as novas territorialidades impostas pelos grupos empresariais

capitalistas em sua loacutegica segundo a qual a terra eacute um objeto de negoacutecio Para as

populaccedilotildees tradicionais a terra eacute uma condiccedilatildeo de trabalho e sobrevivecircncia

Barrozo (2010 p 8) considera que ldquo[] o processo de integraccedilatildeo da

Amazocircnia provocou o corte dos espaccedilos por meio da construccedilatildeo de rodovias

desencadeando um processo raacutepido e violento de expropriaccedilatildeo domiacutenio e controle das

aacutereas jaacute povoadas por populaccedilotildees tradicionais daquela regiatildeordquo

Assim como Ianni (1990) Barrozo (2010) assegura que a reocupaccedilatildeo da

Amazocircnia por meio do artifiacutecio da colonizaccedilatildeo privada e dirigida tinha como principal

objetivo acolher a populaccedilatildeo que ldquosobravardquo do processo de modernizaccedilatildeo da agricultura

do Centro-Sul do paiacutes As empresas colonizadoras e agropecuaacuterias aleacutem de se utilizar

dos recursos puacuteblicos executados de forma predatoacuteria provocaram uma transformaccedilatildeo

significativa nos aspectos sociais culturais e ambientais daquele espaccedilo

Para Souza (2009 p79)

A (re) ocupaccedilatildeo do nordeste de Mato Grosso por grandes

empresas incentivadas pelo governo federal a partir da deacutecada

de 70 do seacuteculo XX tem revelado muacuteltiplos conflitos embates

e disputas pelos usos e posse da terra A partir de 1964 os

governos militares elaboraram e conduziram um projeto de

ocupaccedilatildeo e controle de acesso agraves terras na Amazocircnia

materializado pelo Estatuto da Terra (Lei 450464)

31

Destacamos que apesar dessas mudanccedilas consideradas progressistas

conforme o Estatuto da Terra (1964) quando analisadas no campo da operacionalidade

praacutetica natildeo redundaram em uma maior distribuiccedilatildeo de terras para os migrantes natildeo

tendo ocorrido alteraccedilatildeo na dinacircmica de concentraccedilatildeo da terra No entanto mantecircm o

movimento de retorno de muitos migrantes antes e agora expulsos pela expansatildeo do

agronegoacutecio sobretudo pela cultura da soja e criaccedilatildeo de gado para corte e leite

Na perspectiva histoacuterica do processo de reocupaccedilatildeo do Araguaia Barrozo

(2010 p 8) afirma

A partir de 1968 comeccedilaram a chegar ao Araguaia agraves grandes

empresas atraiacutedas pelos incentivos fiscais da Sudam Estas

empresas originaacuterias do Sul e Sudeste se apropriaram de

grandes aacutereas de terra no entatildeo municiacutepio de Barra do Garccedilas

onde instalaram os projetos agropecuaacuterios Neste periacuteodo foram

criados vaacuterios povoados e vilas onde se concentra o comeacutercio e

a prestaccedilatildeo de serviccedilos Entre os nuacutecleos populacionais deste

periacuteodo destacam-se Porto Alegre do Norte Alto da Boa Vista

Confresa As agropecuaacuterias desmataram grandes aacutereas de

Cerrado e de floresta para o plantio de pastagens e algumas

empresas deixaram suas terras incultas agrave espera de valorizaccedilatildeo

Com a reduccedilatildeo e extinccedilatildeo gradativa dos incentivos e subsiacutedios

fiscais da Sudam muitas empresas agropecuaacuterias reduziram

suas atividades na regiatildeo e algumas venderam suas

propriedades

Percebemos que o processo de reocupaccedilatildeo das terras do Araguaia natildeo fugia

agraves caracteriacutesticas do que ocorrera nas demais aacutereas da Amazocircnia Legal que era

apresentada no cenaacuterio nacional como uma grande extensatildeo de terra despovoada onde

havia extensos espaccedilos considerados ldquovaziosrdquo

Essa concepccedilatildeo teve origem no programa ldquoMarcha para o Oesterdquo que

selecionou o Centro-Oeste brasileiro como alvo privilegiado para a implantaccedilatildeo dos

grandes projetos de expansatildeo visando agrave ocupaccedilatildeo territorial Destacamos a Fundaccedilatildeo

Brasil Central cujo objetivo era construir estradas e ldquopacificarrdquo as sociedades indiacutegenas

existentes nos vales do Araguaia e Xingu Nesse sentido Soares (2004 p 98) assinala

que

32

A opccedilatildeo de investimento a fim de promover o desenvolvimento

da Amazocircnia abrangendo o Vale do Araguaia parte do nordeste

de Mato Grosso foi pela instalaccedilatildeo de grandes projetos

agropecuaacuterios para produccedilatildeo de proteiacutenas de carne bovina para

exportaccedilatildeo Os primeiros projetos aprovados pela Sudam

implantados no Vale do Araguaia datam de 1966 destacando-se

a Agropecuaacuteria Suiaacute Missuacute SA com uma aacuterea de 695 843

hectares que corresponde aproximadamente a 300000

alqueires localizada no atual municiacutepio de Satildeo Feacutelix do

Araguaia A partir de 1966 muitos outros projetos foram sendo

instalados

De acordo com a descriccedilatildeo do autor as poliacuteticas de desenvolvimento

econocircmico da Amazocircnia promovidas pelo Governo Federal sob a supervisatildeo da

Superintendecircncia de Desenvolvimento da Amazocircnia (Sudam) desde o iniacutecio de sua

criaccedilatildeo despertaram o interesse de empresaacuterios regiotildees Sudeste e Sul do Brasil Os

mesmos viam na constituiccedilatildeo do desenvolvimento regional a possibilidade de maior

enriquecimento por meio dos grandes projetos agropecuaacuterios e de colonizaccedilatildeo

madeireiros e mineradores As empresas eram atraiacutedas pelos incentivos fiscais cuja

propaganda produzia o imaginaacuterio da terra em abundacircncia e financiamentos a juros

baixos

Sobre o imaginaacuterio e os efeitos da propaganda em torno das possibilidades de

riqueza advinda do trabalho com a terra Arauacutejo (2013 p 250) em sua pesquisa

ldquoTerritoacuterios Amazocircnicos e o Araguaia Mato-grossense configuraccedilotildees de modernidade

poliacuteticas de ocupaccedilatildeo e civilidade para os sertotildeesrdquo ao analisar os artifiacutecios ocorridos na

execuccedilatildeo das poliacuteticas de desenvolvimento no Araguaia afirma

As propagandas dos ldquonegoacutecios fundiaacuteriosrdquo do Vale do Araguaia

eram veiculadas pelos meios de comunicaccedilatildeo locais (raacutedio

televisatildeo jornais) anunciando facilidades aos interessados o

que muito atraiacutea pessoas com histoacuterico familiar vinculado agraves

praacuteticas campesinas que desejavam possuir eou aumentar o

proacuteprio patrimocircnio aleacutem da possibilidade de assegurar a

manutenccedilatildeo da famiacutelia pensando numa estabilidade

socioeconocircmica

Agrave luz da concepccedilatildeo da autora afirmamos que as empresas se valiam de

diferentes estrateacutegias sobretudo o uso dos recursos midiaacuteticos para propagarem o

discurso e o imaginaacuterio em torno da terra abundante e apropriada para agricultura E

33

assim mobilizar migrantes de vaacuterias regiotildees do Brasil em busca do sonho em ter a

posse da terra e condiccedilotildees para produzir e adquirir riqueza

Ainda em conformidade com Arauacutejo (2013) eacute possiacutevel afirmar que havia

entre os grupos de migrantes perfis sociais econocircmicos e culturais muito diferentes

pois de um lado estavam as famiacutelias que planejaram as mudanccedilas no espaccedilo e do

outro aquelas que chegaram ao Araguaia mato-grossense por acaso

Nesta mesma perspectiva Paret (2012 p 17) avalia a formaccedilatildeo

socioeconocircmica do Araguaia como a realizaccedilatildeo da integraccedilatildeo entre as populaccedilotildees

tradicionais (povos indiacutegenas) e migrantes ldquodos quatro cantos do paiacutesrdquo que em sua

maioria eram ldquo[] retirantes espontacircneos colonos pioneiros e audaciosos

trabalhadores temporaacuterios (boias-frias) migrantes que emigram sem descanso fugindo

da pobreza em busca de novas oportunidadesrdquo Observamos que a visatildeo do autor citado

eacute problemaacutetica pela exaltaccedilatildeo de um ideal do pioneiro parte daquilo que consideramos

como histoacuteria oficial

Como o INCRA natildeo assegurou terras para os migrantes desprovidos de

capital financeiro para aquisiccedilatildeo de lotes estes passaram a reocupar aacutereas jaacute povoadas

pelas populaccedilotildees indiacutegenas terras da Uniatildeo ou de fazendas improdutivas Esta situaccedilatildeo

gerou diversos conflitos entre diferentes grupos sociais no Araguaia mato-grossense

Nesse contexto o municiacutepio de Vila Rica-MT foi formado Esse processo

requer uma anaacutelise especiacutefica

12 A criaccedilatildeo e emancipaccedilatildeo3 do municiacutepio de Vila Rica-MT

A formaccedilatildeo de Vila Rica-MT teve seu desenvolvimento intensificado a partir

da deacutecada de 1980 tendo por base quatro Projetos Agropecuaacuterios Aracati Satildeo Marcos

Porangaba e Promissatildeo Posteriormente essas agropecuaacuterias foram transformadas em

projeto de colonizaccedilatildeo privada com a criaccedilatildeo da empresa de Serviccedilo Auxiliares da

Agropecuaacuteria LTDA (Servap) que procurou a efetivaccedilatildeo do projeto de colonizaccedilatildeo por

meio da empresa Colonizadora Vila Rica-MT Ltda

3 A Lei n 4381 de 12 de novembro de 1981 criou o Distrito de Vila Rica com territoacuterio

pertencente agrave Santa Terezinha e no dia 13 dias de maio de 1986 pela Lei Estadual n 5001 foi

criado o municiacutepio de Vila Rica

Disponiacutevel em

lthttpwwwcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=510860ampsearch=mato-

grosso|vila-ica|infograficos-historicogt Acesso em 21082015

34

Logo o municiacutepio inseriu-se em muacuteltiplos contextos de reocupaccedilatildeo da terra e

de financiamento de projetos agropecuaacuterios madeireiros e de colonizaccedilatildeo localizados

no nordeste do estado de Mato Grosso na faixa fronteiriccedila com os estados do Paraacute e

Tocantins como mostra a figura que se segue

Figura 01 Mapa de Propaganda da Colonizadora Vila Rica-MT

Fonte Servap apud Martini 2002 p12

Observamos na imagem que os escritos da propaganda da empresa

colonizadora se vinculavam agrave ideia de que ldquoeacute faacutecil conhecer Vila Ricardquo tendo ao lado

um mapa desatacando visualmente as rotas de estradas que ligavam o Sul do paiacutes ateacute o

Norte e tendo Vila Rica como ponto estrateacutegico nessa rota Ademais a mensagem

35

escrita eacute clara pretendia- se atrair compradores de terra de outras regiotildees que

organizassem ldquocaravanasrdquo para conhecer e investir no municiacutepio de Vila Rica

Na deacutecada de 1970 um soacutecio da Servap resolveu transformar juridicamente a

sua aacuterea territorial em uma empresa especializada e autorizada para atuar como

ldquoempresa de colonizaccedilatildeordquo O objetivo foi o de obter junto ao Governo Federal

autorizaccedilatildeo para lotear a aacuterea da agropecuaacuteria e comercializar os lotes utilizando os

incentivos fiscais oferecidos na eacutepoca pela Sudam Aleacutem da especulaccedilatildeo caracterizada

pela valorizaccedilatildeo imobiliaacuteria das terras com baixa eficiecircncia produtiva a empresa

procurava garantir com isso a presenccedila de trabalhadores que serviriam de matildeo obra nas

proacuteprias fazendas Esse processo foi caracterizado por Ianni (1978) como ldquoContra

Reforma Agraacuteriardquo

Segundo Guimaratildees Neto (2007 p 7)

Nesse sentido eacute que as novas cidades surgiram no territoacuterio

amazocircnico articuladas a uma grande rede viaacuteria e ao mercado

capitalista natildeo satildeo resultados ldquonaturaisrdquo do movimento de

deslocamento dos diversos grupos sociais que para laacute se

dirigiram denominado de processo migratoacuterio Relacionam-se

muito mais a um conjunto de praacuteticas organizadoras de poliacuteticas

de controle e monopoacutelio da exploraccedilatildeo da riqueza por parte dos

grandes empresaacuterios e proprietaacuterios As cidades trazem inscritas

em seu espaccedilo as praacuteticas sociais de segregaccedilatildeo de violecircncia e

de cerceamento dos direitos civis que natildeo podem ocultar Mas

natildeo soacute isto manifesta a todo o momento praacuteticas de resistecircncia

atuaccedilotildees de organizaccedilotildees civis e religiosas demarcando um

territoacuterio de conflito

Para a autora as cidades emergidas no territoacuterio da Amazocircnia natildeo resultaram

de um movimento espontacircneo de migraccedilatildeo mas sobretudo foram embasadas de uma

poliacutetica de controle do capital financeiro manipulado pelos interesses dos grupos

empresariais Ao mesmo tempo as novas cidades se constituiacuteram enquanto espaccedilos de

conflitos e praacuteticas de violecircncia marcados pelos conflitos motivados pelas diferenccedilas

sociais culturais e religiosas

Nesse quadro de especulaccedilatildeo imobiliaacuteria com as terras do Araguaia mato-

grossense o processo de colonizaccedilatildeo de Vila Rica foi iniciado pela SERVAP na deacutecada

de 1990 e continuado pela Colonizadora Vila Rica Ltda O foco da colonizaccedilatildeo estava

na venda de lotes rurais para os migrantes que vieram em busca de terra

36

O relato a seguir descreve o momento em que os posseiros e colonos

chegaram assim como a abertura e demarcaccedilatildeo do espaccedilo urbano e rural do municiacutepio

de Vila Rica-MT Tambeacutem eacute evidente na memoacuteria social e na percepccedilatildeo individual o

momento da venda dos lotes segundo a memoacuteria social e a percepccedilatildeo individual dos

entrevistados

[] Eu vi a oportunidade de ver ali onde hoje eacute o coleacutegio

estadual em selva em mata Vi desmatar vi formar pasto e

depois tirar o pasto para fazer a cidade e deixar aquela aacuterea

especial para a construccedilatildeo do coleacutegio Tive a oportunidade de

acompanhar com o topoacutegrafo a demarcaccedilatildeo dos lotes e das

ruas da cidade Quando a colonizadora vendia uma aacuterea de

terra rural de 400 hectares ela dava na cidade

ldquogratuitamenterdquo dois lotes de terra um no centro e outro mais

afastado isso para que as pessoas construiacutessem a fim de

expandir a cidade [] (ENTREVISTA com Dioniacutesio ex-

funcionaacuterio da colonizadora realizada por Acircngela Martini em

novembro de 2001 Grifos nossos)

Podemos identificar atraveacutes dessa fonte oral a percepccedilatildeo dos colonos em

relaccedilatildeo agraves transformaccedilotildees ocorridas nos espaccedilos em que o rural foi ganhando

caracteriacutesticas de urbanizaccedilatildeo mas tambeacutem as estrateacutegias da colonizadora para atrair os

compradores de terra Outro depoimento oral demonstra como ocorria a

comercializaccedilatildeo de lotes

Na verdade quando surgiu Vila Rica eles esparramaram

vendendo para todo o Brasil O pessoal fazia troca trocavam

um alqueire paulista por um alqueire aqui Geralmente trocava

dois por um A terra laacute era mais valorizada (ENTREVISTA

com Gilmar agricultor familiar de Vila Rica-MT realizada pela

autora em marccedilo de 2015)

Atraveacutes desse processo de acesso agrave terra por meio de compra de lotes com o

capital oriundo da venda de terras no local de origem muitos migrantes de vaacuterias

localidades do Brasil sobretudo nos estados do Paranaacute Santa Catarina Rio Grande do

Sul Goiaacutes e Minas Gerais onde ocorriam transformaccedilotildees na estrutura agraacuteria e a

modernizaccedilatildeo da agricultura foram para Vila Rica buscando realizar o sonho de

adquirir uma ldquoaacutereardquo equivalente agrave que haviam vendido na regiatildeo de origem ou entatildeo

uma aacuterea ainda maior

37

Dentre os sonhos e os projetos de vida desses migrantes estava a

possibilidade de produzir com fartura melhorar de vida ou ateacute enriquecer atraveacutes do

trabalho na terra O depoimento do secretaacuterio de agricultura do municiacutepio de Vila Rica-

MT ilustra essa situaccedilatildeo tendo por base sua trajetoacuteria pessoal

Eu nasci em Santa Catarina no ano de 1975 e quando eu tinha

10 anos de idade os meus pais mudaram para o estado de Mato

Grosso Na eacutepoca a gente jaacute morava no estado do Paranaacute

Chegamos no dia 9 de junho de 1985 Vila Rica ainda era

distrito de Santa Terezinha e aiacute fomos direto para o Projeto

Canta Galo que era um projeto de colonizaccedilatildeo Chegamos agrave

noite em Vila Rica e fomos direto para o Canta Galo era soacute

mato e noacutes jaacute chegamos destruindo tudo porque a gente jaacute

chegou para fazer roccedila para comeccedilar a trabalhar []

A gente veio com pessoal conhecido Meus pais eu e os meus

irmatildeos A nossa famiacutelia veio completa e mais cinco famiacutelias

vieram em busca de melhorias de vida Sempre mexemos com

sitio Moramos na roccedila pequena propriedade e viemos pra caacute

com a intenccedilatildeo de conseguir uma aacuterea maior Queriacuteamos ficar

ricos mas o que aconteceu foi o contraacuterio (ENTREVISTA

com Gilmar agricultor familiar de Vila Rica-MT realizada pela

autora em marccedilo de 2015)

A anaacutelise da fonte oral permite averiguar que a empresa SERVAP

posteriormente denominada de Colonizadora Vila Rica Ltda tambeacutem lanccedilou matildeo de

diversos recursos midiaacuteticos fazendo investimentos em propaganda a fim de difundir a

ideia da boa qualidade da terra boa e seu baixo preccedilo Esse trabalho de divulgaccedilatildeo

influenciou pessoas que decidiram migrar procurando um espaccedilo promissor com terras

boas

Dentro dessa perspectiva a visualizaccedilatildeo e leitura de um dos panfletos

publicitaacuterios nos ajudou a visualizar as estrateacutegias de propaganda utilizadas pela

colonizadora no caso do municiacutepio de Vila Rica

A propaganda facilitava a venda dos lotes acelerando a reocupaccedilatildeo dos

espaccedilos urbanos e rurais como retrata o panfleto utilizado pela empresa para difundir o

seu ideaacuterio de construccedilatildeo social A imagem de trabalhadores rurais ldquocarpindordquo

demonstra que o ideal seria a migraccedilatildeo de colonos agricultores com perfil de quem

sabia produzir plantar e colher produtos agriacutecolas A frase ldquoTerra feacutertil e urbanizadardquo

demonstra no entanto que se prometia uma estrutura urbana para oferecer uma ldquovida

feliz para vocecirc e sua famiacuteliardquo Ou seja um evidente apelo aos valores tradicionais da

38

famiacutelia atrelados agrave ideia de felicidade a ser conquistada atraveacutes da compra de terras no

municiacutepio de Vila Rica-MT

Todos esses elementos podem ser observados na Figura 2

Figura 2 Folder de Propaganda da Colonizaccedilatildeo Vila Rica-MT

Fonte SERVAP apud Martini 2002 p14

Portanto os colonos que compraram terras e se mudaram para Vila Rica

sofreram as investidas das empresas atraveacutes das propagandas que descreviam as terras

como sendo boas e baratas conforme mostra o panfleto da colonizadora ldquoConheccedila Vila

Rica Mato Grosso terra feacutertil e urbanizada vida feliz para vocecirc e sua famiacuteliardquo A

imagem criava um imaginaacuterio acerca do lugar como o ideal para se morar e prosperar

economicamente A loacutegica era de fixaccedilatildeo do homem na terra passada de pai para filho

apelo aos agricultores de tradiccedilatildeo ldquocamponesardquo 4

4 Sobre essa questatildeo Martini (2002) em sua monografia de graduaccedilatildeo em Histoacuteria a qual eacute intitulada

como Cotidiano e Identidade Cultural em Vila Rica ndashMT uma cidade de colonizaccedilatildeo recente apresenta

39

Nesse aspecto o relato oral a seguir se constitui numa exemplificaccedilatildeo da

forma como que os artifiacutecios da propaganda persistem na memoacuteria dos atores sociais

As propagandas ih Eles passavam slides mostravam como

era aqui em Vila Rica da cidade das roccedilas das lavouras das

plantaccedilotildees de soja milho Propaganda na raacutedio passava muito

direto mesmo e tambeacutem na televisatildeo passava propaganda

sobre a Vila Rica Tinha tambeacutem gravaccedilotildees de mulheres daqui

da Vila que faziam entrevista na raacutedio Elas diziam assim olha

gente aqui em Vila Rica noacutes estamos bem noacutes temos coleacutegio

falava falava do coleacutegio Faziam propaganda muita entrevista

na raacutedio Eles iludiam muito o pessoal (ENTREVISTA com

Izolde Baacuteo ex-colona realizada por Acircngela Maria Martini em

04032001)

Logo podemos compreender que as propagandas eram criadas pela empresa

colonizadora mas que tinham participaccedilatildeo dos proacuteprios colonos que incentivavam a

vinda de outros A colonizadora incentivava essa participaccedilatildeo dos colonos para o

chamamento - atraveacutes da ideia de que quanto mais colonos viessem para a aacuterea e

comprassem terra mas proacutesperas seriam aquelas terras

Outro fator altamente atrativo foi a divulgaccedilatildeo do projeto urbaniacutestico da

cidade de Vila Rica-MT cujo ldquocorpordquo lembra a figura de um sino Conforme IBGE

Cidades (2015)

A cidade de Vila Rica-MT localizada no nordeste de Mato

Grosso foi cuidadosamente planejada no periacuteodo de sua

fundaccedilatildeo O traccedilado da cidade lhe daacute um formato de sino tendo

sido idealizado pelo paisagista suiacuteccedilo Dr Roberto Khuno Eacute

dividida em dois setores norte e sul sendo margeada pela BR-

1585

Esse formato do projeto da cidade representa a construccedilatildeo do imaginaacuterio de

um grupo de migrantes praticantes da feacute catoacutelica incorporando princiacutepios religiosos a

serviccedilo do capitalismo Ao mesmo tempo mostra uma forte aproximaccedilatildeo entre os

colonos e os donos da empresa colonizadora com a Igreja Catoacutelica Essa representaccedilatildeo

arquitetocircnica da cidade mostra que a mesma foi planejada a partir de uma concepccedilatildeo

religiosa com a qual o desenvolvimento se entrelaccedilaria Objetivou-se a construccedilatildeo do

uma reflexatildeo bastante rica em detalhes construiacuteda a partir das narrativas orais e de imagens relacionadas

ao processo de formaccedilatildeo da cidade de Vila Rica no Estado de Mato Grosso 5Disponiacutevel em

lthttpwwwcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=510860ampsearch=mato-

grosso|vila-rica|infograficos-historicogt Acesso em 2102015

40

imaginaacuterio coletivo de uma cidade civilizada com uma Igreja dentro dos moldes

europeus Assim como na histoacuteria europeia moderna a religiatildeo e a eacutetica do capitalismo

se fundem em um processo que

possivelmente pode ter sido utilizado pela

colonizadora6

Figura 3 Planta ou Projeto urbaniacutestico da cidade de Vila Rica-MT

Fonte Arquivo da Prefeitura de Vila Rica-MT 2015

Atraveacutes da visualizaccedilatildeo da figura 3 fica evidenciado que o projeto

urbaniacutestico ou a planta da aacuterea urbana do municiacutepio de Vila Rica partiu de um projeto

com base em um ldquoconceitualrdquo religioso Em outra planta que projeta a aacuterea de expansatildeo

urbana eacute perceptiacutevel que foi mantido o formato do sino inicial mas com acreacutescimo de

aacutereas agrave direita e uma base que natildeo desconfigurou o desenho inicial

Guimaratildees Neto (2000) considera que no universo simboacutelico da ldquocidade

colonizadardquo tudo parece ter sentido e significado Haacute um lugar certo para cada coisa ou

situaccedilatildeo por exemplo espaccedilo para a praccedila comeacutercio bairros residenciais bairros para

os oacutergatildeos puacuteblicos e institucionais avenidas e bairros residenciais dos trabalhadores Eacute

a ideia de cidade organizada enfim de um povo que organiza devidamente o seu espaccedilo

de convivecircncia social Todavia nesse cenaacuterio desenhado natildeo haveria espaccedilo para o

6 Para uma melhor compreensatildeo ver o caso de Fontanilha Juiacutena-MT analisado por JOANONI

NETO Vitale Fronteiras da Crenccedila ocupaccedilatildeo no Norte de Mato Grosso apoacutes 1970 Cuiabaacute

Carlini amp Caniato EdUFMT 2007

41

surgimento das periferias uma vez que a existecircncia delas desmontaria todo o ideaacuterio

urbaniacutestico da cidade de progresso e de civilizaccedilatildeo

Eacute notoacuteria a riqueza de detalhes nos projetos urbaniacutesticos das cidades

planejadas de colonizaccedilatildeo recente de Mato Grosso As marcas da organizaccedilatildeo tecircm

sempre uma perspectiva marcante no universo de signos e significados como foi

registrado por Guimaratildees Neto (2000 p 7) ao apontar que a cidade se projeta ldquo[]

como uma metaacutefora privilegiada da passagem-comunicaccedilatildeo e separaccedilatildeo entre diversos

mundos e por que natildeo paisagem desenhada por um rico mosaico de linguagens

diversasrdquo

Nesse aspecto quem chegou primeiro fez parte da construccedilatildeo quem chegou

depois tambeacutem foi inserido nessa loacutegica organizativa porque parte dos colonos que

permaneceram na cidade se incorporou ao trabalho prestando serviccedilos ou abrindo

comeacutercios inserindo-se nesse universo de desejo siacutembolos sentidos e significados de

viver em uma cidade com caracteriacutesticas e paisagem adequadas aos moldes dos grandes

centros urbanos

O imaginaacuterio coletivo acerca da concepccedilatildeo de progresso se constituiu de

forma eficaz nessa representaccedilatildeo da cidade em seus primeiros tempos distinguindo os

acontecimentos iniciais construiacutedos com a participaccedilatildeo de homens e mulheres vindos

das diferentes regiotildees do Brasil Essa diversidade cultural se explicita nos detalhes de

construccedilatildeo das casas na maneira de falar e de organizar a paisagem urbana enfim

torna-se proacuteprio de uma cidade de todos para todos desde que devidamente organizados

em seus espaccedilos sociais

Noutra abordagem sobre as narrativas e a formaccedilatildeo de cidades do processo de

colonizaccedilatildeo recente Guimaratildees Neto (2007 p 7) exemplifica

Trabalhadores sem-terra e mesmo pequenos proprietaacuterios

denominados de colonos invertem as programaccedilotildees e previsotildees

das empresas colonizadoras Por meio de accedilotildees coletivas e de

enfrentamentos conflituosos provocam mudanccedilas de aacutereas

planejadas para determinados fins com funccedilotildees diferentes do

que estava previsto As proacuteprias empresas e depois os poderes

puacuteblicos instalados criam ldquobairros novosrdquo a fim de controlar e

administrar a chegada de diversos trabalhadores pobres como

na cidade de Vila Rica-MT onde se organiza a mudanccedila da

cadeia puacuteblica do cemiteacuterio e da zona de meretriacutecio para o

bairro Vila Nova destinado a pessoas de comprovada baixa

renda e com maior nuacutemero de dependentes (Lei municipal nordm

42

19693 de 09121993) extinguindo o popular ldquoPau Secordquo a

primeira aacuterea de meretriacutecio que ocupava um espaccedilo

considerado nobre para a cidade

Em conformidade com a concepccedilatildeo da autora afirmamos que satildeo os atores

histoacutericos atraveacutes de diferentes estrateacutegias e accedilotildees que realizam os desdobramentos e

permitem uma multiplicidade de accedilotildees e efeitos de suas praacuteticas eacute que vatildeo

ldquodesvendando inventando e desenhandordquo os locais da cidade que encenam os contrastes

sociais e culturais Nesse aspecto grupos sociais acabam modificando o projeto inicial e

inserindo nele seu proacuteprio modo de constituir a vida em sociedade

Outra estrateacutegia utilizada para facilitar o processo de venda dos lotes foi a

definiccedilatildeo dos criteacuterios de seleccedilatildeo do puacuteblico alvo das investidas de vendas pela

empresa colonizadora Nesse cenaacuterio surgiram os pequenos proprietaacuterios de terras do

Sul do Brasil os quais dispunham de capital para investir na compra de lotes da

colonizadora Tambeacutem havia a negociaccedilatildeo por meio da troca de terra e da carta de

creacutedito como ocorreu com as pessoas que haviam sido desapropriadas para a

construccedilatildeo da barragem da Usina de Itaipu no Paranaacute de onde migraram diversas

pessoas para Vila Rica-MT Essa negociaccedilatildeo era feita com intermediaccedilatildeo de instituiccedilatildeo

bancaacuteria

Ainda relacionando a reorganizaccedilatildeo dos espaccedilos em Vila Rica sob a

conduccedilatildeo da colonizadora eacute importante considerar que houve tentativas no sentido de

destinar pequenas aacutereas de terra situadas nos fundos das fazendas para ldquoaliviarrdquo a

pressatildeo dos trabalhadores rurais Inclusive ex-funcionaacuterios da empresa SERVAP com

o objetivo de evitar a invasatildeo por parte dos ldquoposseirosrdquo acabavam sendo incorporados

por esses procedimentos de especulaccedilatildeo imobiliaacuteria praticados pela Colonizadora Vila

Rica

Semelhante situaccedilatildeo nos remete a uma anaacutelise que demonstra ter havido uma

relaccedilatildeo entre as intenccedilotildees dos representantes da Servap tanto em relaccedilatildeo aos objetivos

do INCRA quanto ao destino de parte da aacuterea para o processo de colonizaccedilatildeo oficial

Segundo Barrozo (2010 p 18) ldquo[] para os camponeses do Sul o governo oferecia a

possibilidade de adquirir um lote de 100 ou 200 hectares em um nuacutecleo do INCRA

com infraestrutura estrada e tudo mais que a propaganda oficial anunciava para

sensibilizar os agricultoresrdquo

43

No caso do processo de reocupaccedilatildeo do municiacutepio de Vila Rica a

documentaccedilatildeo7 analisada demonstrou que havia entre os primeiros moradores

concepccedilotildees diferentes acerca do processo de ocupaccedilatildeo e reocupaccedilatildeo das terras naquela

aacuterea As fontes nos possibilitam ainda identificar as estrateacutegias adotadas para arquitetar

o imaginaacuterio sobre os ldquoditos pioneirosrdquo que pode ser identificado atraveacutes das narrativas

oficiais sobre as histoacuterias do lugar que se tornam discursos

Poreacutem a realidade contemporacircnea tambeacutem pode ser pensada por outra

perspectiva configurada de outro modo demonstrando a presenccedila indiacutegenas na regiatildeo

Nos sites do IBGE Cidades e da Prefeitura de Vila Rica natildeo haacute menccedilatildeo sobre a

presenccedila de povos indiacutegenas na aacuterea colonizada Mas segundo Costa e Silva amp Ferreira

(1994 p 248)

O povo indiacutegena ldquoTapirapeacuterdquo que habitou imemorialmente as

terras do lugar foram remanejados para municiacutepios vizinhos

em aacutereas especialmente reservadas Estes foram na verdade os

grandes pioneiros do lugar povo sofrido sentindo-se sem

perspectivas de vida iniciaram um processo de auto

dizimazizaccedilatildeo Tudo comeccedilou com forte conflito cultural que se

abateu sobre os poucos ldquoTapirapeacutesrdquo que restaram Accedilatildeo

seguinte que se viu foi agrave eliminaccedilatildeo de crianccedilas receacutem-nascidas

No entanto a interferecircncia de religiosas natildeo permitiu que se

concretizasse o desejo coletivo de extinccedilatildeo do ldquoTapirapeacuterdquo como

naccedilatildeo (Grifos nossos)

A citaccedilatildeo eacute importante para destacar a presenccedila do povo indiacutegena Tapirapeacute na

aacuterea que foi colonizada no entanto eacute uma visatildeo problemaacutetica no que diz respeito agrave

ideia de que os povos indiacutegenas foram pioneiros uma vez que essa concepccedilatildeo eacute oriunda

de projetos de Governo e de uma visatildeo economicista de ocupaccedilatildeo de territoacuterio natildeo eacute

parte da concepccedilatildeo de terra para povos indiacutegenas voltada agrave identidade e memoacuteria do

lugar Certamente para os autores pioneiro significou aquele que primeiro ocupou o

solo e natildeo seu entendimento no interior do processo de colonizaccedilatildeo contemporacircneo

No entanto existe uma narrativa oficial que ldquoesquecerdquo de citar a presenccedila

indiacutegena e assume um discurso de que os ldquopioneirosrdquo foram os que participaram do

processo de colonizaccedilatildeo privada Isto eacute haacute uma ampla difusatildeo da ideia de que a

7 O termo documentaccedilatildeo refere- se agraves fontes escritas que foram acessadas para a produccedilatildeo das

anaacutelises como eacute o caso dos ofiacutecios cartas relatoacuterios atas e relatos orais

44

validade da ocupaccedilatildeo da terra tem sentido somente quando eacute pensada do ponto de vista

da criaccedilatildeo da cidade e da organizaccedilatildeo social embasada na propriedade privada da terra

Outros atores sociais silenciados foram os migrantes de origem camponesa

de diferentes origens que foram ocupar aquele espaccedilo nas primeiras deacutecadas do seacuteculo

XX conforme descrito por Costa e Silva amp Ferreira (1994 p 248)

No iniacutecio da sua povoaccedilatildeo Vila Rica recebeu forte fluxo

migratoacuterio de povos (sic) de Goiaacutes Minas Gerais e do

Nordeste Fator determinante foi o reflexo da colonizaccedilatildeo de

Nova Xavantina pois o assentamento da Fundaccedilatildeo Brasil

Central natildeo produziu os efeitos que se esperava e os colonos

sem apoio prometido se espalharam pelo Leste e Nordeste do

Estado de Mato Grosso

Novamente a citaccedilatildeo traz problemas ao analisar que os fluxos migracionais

eram realizados por ldquopovosrdquo entendidos enquanto populaccedilotildees mas fornece elementos

para compreendermos como ocorreu uma reocupaccedilatildeo inicial por migrantes poreacutem o

que persiste na histoacuteria oficial descrita no IBGE Cidades (2015) 8 eacute que

A construccedilatildeo da rodovia BR-158 foi fator determinante para a

colonizaccedilatildeo da cidade de Vila Rica -MT favorecendo o

estabelecimento de empresas agropecuaacuterias na regiatildeo O nuacutecleo

que deu origem ao atual municiacutepio tem histoacuteria

relativamente recente Vila Rica - MT foi fundada pelo Sr

Rubens Rezende Peres em 1978 que chegou na regiatildeo

trazendo consigo a Colonizadora Vila Rica-MT Segundo

relatos histoacutericos os primeiros moradores da localidade vieram

de Minas Gerais e homenagearam o lugar que escolheram para

morar com o nome de Vila Rica em referecircncia agrave antiga Vila

Rica de Ouro Preto (Grifos nossos)

Logo dessa maneira registrada a presenccedila indiacutegena e de migrantes que

chegaram antes da colonizaccedilatildeo privada efetivada a partir da deacutecada de 1980 e

consideradas ldquorecentesrdquo decidem considerar que a histoacuteria do municiacutepio somente

comeccedila com essa modalidade de colonizaccedilatildeo

8 Disponiacutevel em

lthttpwwwcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=510860ampsearch=mato-

grosso|vila-rica|infograficos-historicogt Acesso em 2102015

45

A obra da jornalista Soely Gonccedilalves Santos Pires contratada pela Prefeitura

Municipal de Vila Rica em 2002 para escrever a histoacuteria do municiacutepio eacute um exemplo

que evidencia a versatildeo oficial9

[] Aconteciam as exploraccedilotildees das terras ao nordeste mato-

grossense rotas e demarcaccedilotildees cifradas em aacutereas destinadas agrave

implantaccedilatildeo do arrojado projeto Em meio a tantos apetrechos

no lidar aacuterduo talvez natildeo tenham tido tempo para registrar tudo

em diaacuterio Idas e vindas por iacutengremes caminhos de quilocircmetros

de distacircncias paragens desconhecidas Veredas iam se

alargando mato adentro sol ardente e calor intenso []

venciam-se os empecilhos agrave medida que esses iam surgindo

Natildeo adentravam o sertatildeo em busca de bauacute recheado de

preciosos tesouros enterrados nas profundezas da terra [] A

finalidade era trabalhar Soacute assim conquistariam o almejado

objetivo [] Trabalho avante Em aproximadamente seis meses

de contiacutenuas derrubadas a estiagem com a secagem Nisso

atearam fogo Os dias se passaram Um olhar ao longe no

alcance de vales e serras [] Focando com muita atenccedilatildeo os

limpotildees que iam surgindo propiciando o semear das primeiras

sementes de capim Aiacute estava o representativo ouro dos sertotildees

A Servap foi instituiacuteda no ano 1973 e por seu intermeacutedio

administrava-se toda a assistecircncia no desenvolver das atividades

do projeto desde o princiacutepio A movimentaccedilatildeo era intensa o

serviccedilo mecanizado requeria grande consumo de oacuteleo diesel O

transporte era constante Devido agrave precariedade das estradas o

trajeto era retardo levando de cinco a sete dias para alcanccedilar o

ponto de apoio local onde se situava a SERVAP Hoje ali se

encontra o Frigoriacutefico Vila Rica que por sinal contribuiu muito

natildeo soacute com a economia natildeo soacute da regiatildeo mas tambeacutem de

municiacutepios vizinhos (PIRES 2002 p 10)

O discurso contido nessa narrativa apresenta muacuteltiplos sentidos

primeiramente pode ser analisado como sendo da perspectiva de um explorador de

recursos naturais e de projetos de colonizaccedilatildeo privada mas que se considera um

desbravador com um espiacuterito empresarial e empreendedor Essa observaccedilatildeo pode ser

visualizada na afirmaccedilatildeo de que se tratava da ldquo[] implantaccedilatildeo do arrojado projeto Em

meio a tantos apetrechos no lidar aacuterduo []rdquo Aqui eacute possiacutevel pensar inclusive na ideia

da tentativa de criaccedilatildeo de um mito de origem de um heroacutei de um grupo de homens que

fizeram a histoacuteria da cidade civilizada

9Apesar da ressalva sobre o livro de Soely eacute necessaacuterio afirmar que se trata de uma obra

importante para percebemos a concepccedilatildeo do dono da empresa Servap

46

Esse tipo de discurso exaltando o colonizador foi identificado e interpretado

pela pesquisa de Heinst (2007) que analisou a disputa da memoacuteria de quem era o

colonizador e o pioneiro no municiacutepio mato-grossense de Mirassol D‟Oeste A autora

identificou que foram aqueles pioneiros que tiveram ecircxito econocircmico considerados os

ldquoprimeirosrdquo com o espiacuterito empresarial que enalteceram a colonizaccedilatildeo

Guimaratildees Neto (2002) na anaacutelise de Alta Floresta esclarece que o

colonizador Ariosto da Riva produziu um discurso no qual se auto-intitula ldquobandeirante

do seacuteculo XXrdquo A anaacutelise mostra a perspectiva de quem tem o espiacuterito expansionista

tatildeo recorrente na histoacuteria brasileira e que se renova ao longo do contexto de expansatildeo da

fronteira agriacutecola recente

Sabemos que a narrativa produzida em determinada conjuntura poliacutetica

cultural ou econocircmica estaacute condicionada a um momento histoacuterico e atrelada agrave

linguagem utilizada pode ser uma das vias por onde a ideologia se materializa O

ldquoaventureirordquo eacute descrito e se auto- identifica como explorador e grande desbravador de

espiacuterito empreendedor sendo portanto ele o pioneiro em tudo porque enfrentou

inuacutemeras dificuldades Assim produz discursos embasados em espaccedilos difiacuteceis de

sertatildeo obstaacuteculos naturais e o potencial arrojado do sujeito empreendedor inicial

Aleacutem disso o texto enfatiza que todo esse esforccedilo natildeo tinha como objetivo o

lucro o interesse proacuteprio a cobiccedila como se observa nesse fragmento do texto de Pires

(2002 p 10) ldquo[] Natildeo adentravam o sertatildeo em busca de bauacute recheado de preciosos

tesouros enterrados nas profundezas da terra A finalidade era trabalhar []rdquo Essas

narrativas remetem agrave trajetoacuteria do colonizador e de sua famiacutelia conforme a descriccedilatildeo

Minha histoacuteria comeccedila com o meu pai eacuteramos madeireiros ele

jaacute atuava no ramo por muitos anos faleceu e eu o substituiacute no

trabalho Na deacutecada de 50 me mudei para Satildeo Pedro dos

Ferros cidade jaacute com cinquenta anos de fundaccedilatildeo e sem

nenhuma participaccedilatildeo minha nem de algueacutem da minha famiacutelia

Compramos terra nesse municiacutepio onde foi implantado um

grande serviccedilo chegando a trabalhar dez mil pessoas no

desmatamento e formaccedilatildeo de aacutereas para a implantaccedilatildeo de

fazendas Quando o serviccedilo terminou eu estava com quarenta e

cinco anos de idade Acostumado desde muito cedo com serviccedilo

de grande porte utilizando grande nuacutemero de pessoas []

como fazendeiro comecei a me sentir meio ocioso As

atividades que eu tinha em minha fazenda natildeo eram suficientes

para satisfazer o meu acircnimo para o trabalho (ENTREVISTA

com Rubens Rezende Peres colonizador de Vila Rica realizada

por Suely Gonccedilalves Santos Pires em 2002)

47

Podemos compreender que o colonizador ressalta na sua narrativa seu

perfil de empreendedor advindo de uma ldquoheranccedilardquo adquirida do pai que era

madeireiro Depois vai demonstrando como foi se adaptando agraves novas situaccedilotildees

[] Em Belo Horizonte eu tinha amigos entatildeo participei a

eles sobre a minha pretensatildeo em procurar terras para abrir

novas frentes de trabalho Geraldo Simotildees amigo de longas

datas falou-me ldquoEu arranjo o dinheiro e vocecirc entra com o

serviccedilordquo Convidou uma meia duacutezia de amigos nossos

ldquoAcreditamos na sua capacidade e vocecirc vai pra laacuterdquo Noacutes natildeo

temos experiecircncias suficientes nesse ramo de negoacutecio o que

nos dificultaria particularmente a implantaccedilatildeo de um trabalho

dessa ordem mas entramos com o dinheiro (ENTREVISTA

com Rubens Rezende Peres colonizador de Vila Rica-MT

realizada por Suely Gonccedilalves Santos Pires em 2002)

Neste relato percebe-se a autopromoccedilatildeo do colonizador ao demonstrar que

ele era um ldquotrabalhadorrdquo acostumado com ldquoserviccedilos de grande porterdquo com iniciativa

para conseguir agregar em seus empreendimentos outros ldquoamigosrdquo como Geraldo

Simotildees que foi um dos donos das fazendas abertas naquele periacuteodo Essa narrativa de

autopromoccedilatildeo estaacute dentro de uma loacutegica baseada no ideaacuterio de que o colonizador

deveria ter esse perfil de ldquoempreendedorrdquo e ldquopioneirordquo e que trabalhava e tudo fazia

A narrativa de autopromoccedilatildeo contrapotildee ao esquecimento de outros pioneiros

e trabalhadores na eacutepoca da formaccedilatildeo da cidade O esvaziamento de sentido aparece na

narrativa apenas como apecircndice da construccedilatildeo da histoacuteria oficial do ldquoprogressordquo e do

ldquopioneirismordquo denotando portanto a pouca importacircncia desses trabalhadores Essa

visatildeo reforccedila o discurso do ldquofui eu quem fizrdquo acentuando ainda mais uma visatildeo

capitalista evidenciada e reforccedilada nas referecircncias sobre as contribuiccedilotildees do Frigoriacutefico

de Vila Rica-MT

Guimaratildees Neto (2011 p 95) discute a relaccedilatildeo entre a colonizaccedilatildeo e os

dispositivos de poder a partir do imaginaacuterio da cidade sobre o trabalho A autora afirma

que ldquo[] no acircmbito dos discursos objetivam dotar de significado poliacutetico econocircmico e

social os espaccedilos destinados agrave colonizaccedilatildeo a pedra angular eacute a produccedilatildeo da ideia ou

invenccedilatildeo de uma vocaccedilatildeo agriacutecola para a Amazocircniardquo Entatildeo temos nesse caso uma

aproximaccedilatildeo dessa realidade entre os espaccedilos sociais e as contribuiccedilotildees dos sujeitos

para uma Paacutetria produtiva a partir de seus municiacutepios

48

A seguir temos outro exemplo de como o discurso do colonizador soa como

uma reivindicaccedilatildeo em torno do reconhecimento por parte de todos os demais sujeitos

histoacutericos jaacute que foi ele quem construiu tudo em uma eacutepoca em que tudo era muito

difiacutecil e trabalhoso

[] Fui para aquela regiatildeo procurei as terras sobrevoando a

regiatildeo mais sul possiacutevel do Amazonas Interessei-me pela

regiatildeo por ficar mais perto do sul Eu acreditava que a

influecircncia do Sul no futuro seria importante Achei finalmente

as terras [] Procurando passei em muitas fazendas para

verificar como os capins se desenvolviam naquelas regiotildees e

finalmente descobri uma aacuterea que satisfez minhas exigecircncias

[] Eram cento e cinquenta mil hectares comprei de uma

firma do Rio Grande do Sul e posteriormente vendi parte dela

cinquenta mil hectares para fazendeiros de Ituiutaba -MG O

restante eu fiz sete fazendas para este grupo de Belo Horizonte

que jaacute tinha entrado com o dinheiro para a aquisiccedilatildeo da terra

(ENTREVISTA com Rubens Rezende Peres colonizador de

Vila Rica-MT realizada por Suely Gonccedilalves Santos Pires em

2002)

Ao contraacuterio da narrativa oficial do colonizador que exalta os seus esforccedilos e

problemas o relato oral de alguns colonos demonstra precisamente que foram eles que

enfrentaram os maiores problemas superaram os piores desafios e venceram por

esforccedilos pessoais e coletivos quando necessaacuterio

Noacutes eacuteramos seis famiacutelias aiacute com 15 dias em Mato Grosso o

pessoal comeccedilou adoecer com malaacuteria que ateacute entatildeo era

desconhecida pra gente quando o pessoal foi negociar as

terras disseram que aqui era um lugar muito sadio natildeo tinha

doenccedila Entatildeo quem tinha condiccedilatildeo voltou a ir embora e noacutes

ficamos aqui soacute que aiacute acabou tudo com doenccedila e fomos

trabalhar como peotildees pra quem tinha mais Ai depois de

alguns anos a gente mudou daquele local e procuramos um

lugar onde natildeo tinha doenccedila malaacuteria ateacute chegar na cidade de

Vila Rica-MT voltar a morar na cidade Aqui eu vendia picoleacute

limpava quintal trabalhei de servente de pedreiro ateacute que

surgiu a oportunidade pra ir estudar fora eu fui a estudar em

Satildeo Paulo (ENTREVISTA com Gilmar Assentado realizada

pela autora em marccedilo de 2015 Grifos do autor)

O relato mostra que havia colonos insatisfeitos com a aquisiccedilatildeo do lote e que

tinham vontade ou mesmo conseguiram voltar para seus lugares de origem Poreacutem

49

percebe-se tambeacutem a existecircncia de objetivos na vida destas pessoas como a luta pela

sobrevivecircncia e por ocupaccedilatildeo de destaque no espaccedilo social

Para aleacutem dessa problemaacutetica sobre a narrativa e o discurso do colonizador

um dos elementos principais foi o papel de instituiccedilotildees e oacutergatildeos puacuteblicos na criaccedilatildeo e

emancipaccedilatildeo do municiacutepio de Vila Rica que se deu principalmente por meio de

programas e poliacuteticas puacuteblicas ligadas ao incentivo agrave colonizaccedilatildeo e a reocupaccedilatildeo por

meio de empresas agropecuaacuterias

121 O papel das instituiccedilotildees e oacutergatildeo puacuteblicos as empresas agropecuaacuterias

e a colonizadora

Conforme jaacute contextualizado a atuaccedilatildeo do Governo Federal atraveacutes de

projetos e poliacuteticas puacuteblicas foi fundamental para a criaccedilatildeo do municiacutepio de Vila Rica-

MT O Programa de Redistribuiccedilatildeo de Terras e de Estiacutemulo agrave Agroinduacutestria do Norte

(Proterra) criado em 1971 foi um dos principais programas federais de financiamento

das agropecuaacuterias daquela aacuterea Esse programa objetivava dentre outras metas

promover o acesso agrave terra e agrave agroindustrializaccedilatildeo na aacuterea onde jaacute havia investimentos

feitos pela Sudam Ressaltamos que os objetivos idealizados natildeo foram necessaria e

igualmente realizados

No discurso do Proterra a ldquo[] aquisiccedilatildeo ou desapropriaccedilatildeo de terras de

interesse social empreacutestimos fundiaacuterios para pequenos e meacutedios produtores rurais

financiamento de projetos de agroindustrializaccedilatildeo subsiacutedios ao uso de insumos

modernos []rdquo Era um programa de governo que idealizou a organizaccedilatildeo de alguns

espaccedilos agraacuterios de maneira singular Cruzando com as fontes orais eacute possiacutevel verificar

o impacto desse programa na formaccedilatildeo do municiacutepio de Vila Rica

[] Na eacutepoca o governo estava dando estiacutemulo para a

ocupaccedilatildeo da Amazocircnia Legal Era uma modalidade de

empreacutestimo por nome Proterra que o Banco do Brasil dava

Esse recurso era destinado agrave implantaccedilatildeo de Fazendas na

regiatildeo [] Fiz um projeto para cada um dos meus amigos e

criamos uma empresa para a implantaccedilatildeo das fazendas

denominadas de SERVAP exclusivamente nossa composta por

seis soacutecios e dirigida por meu filho Claudio [] Todo aquele

trabalho no Mato Grosso foi dirigido por mim Implantei todas

as fazendas de acordo com os Projetos do BB fizemos pastos

currais as cercas e compramos o gado para depois de quatro

ou cinco anos poder entregar as referidas fazendas para cada

50

um dos soacutecios [] Nesse periacuteodo surgiu a oportunidade de

comprar mais cem mil hectares de terras anexas agraves nossas e

que pertenciam na eacutepoca ao Sr Osvaldo Aranha ou melhor a

uma empresa dele Logo em seguida compramos a Urupianga

(ENTREVISTA com Rubens Rezende Peres colonizador de

Vila Rica - MT realizada por Soely Gonccedilalves Santos Pires em

2002)

O colonizador Rubens Rezende considera como meacuterito do colonizador

ousadia ldquodesbravamentordquo e ldquoempreendedorismordquo como base apoio e financiamentos

de programas do Governo Federal viabilizados pelo Banco do Brasil A deacutecada de

1970 sobretudo as os anos de 1970-1973 e 1975-1979 foi marcada pela execuccedilatildeo de

um programa de crescimento econocircmico na fronteira Amazocircnica quando o Governo

Federal estimulou as empresas privadas a se constituiacuterem em grandes empreendimentos

agropecuaacuterios Esses projetos eram majoritariamente aqueles que viabilizados pela

parceria entre as empresas estatais e privadas

Na execuccedilatildeo desse projeto de crescimento econocircmico do Brasil sobretudo

para a Amazocircnia o Governo Federal subsidiou e viabilizou a concessatildeo de terras para

que grupos empresariais pudessem instalar grandes projetos tanto no setor

agropecuaacuterio como na induacutestria mineraccedilatildeo e colonizaccedilatildeo No espaccedilo do Araguaia as

empresas agropecuaacuterias tiveram significativa presenccedila

Os projetos e programas do Governo Federal contaram com duas principais

frentes de atuaccedilatildeo atraveacutes da Sudam paralelamente com a atuaccedilatildeo do INCRA com

projetos de assentamentos rurais Assim as terras devolutas foram vendidas pelo

Governo Estadual e adquiridas a preccedilos baixos por empresaacuterios agricultores

profissionais liberais atraiacutedos pelos incentivos fiscais e oportunidades de expansatildeo de

capital fomentado por projetos agropecuaacuterios aprovados pela Sudam Comprar e

administrar extensas fazendas na Amazocircnia parecia ser um bom negoacutecio jaacute que oferecia

baixo risco

Lourenccedilo (2009) informa que no periacuteodo de 1970 a 1985 a Amazocircnia Legal

teve 950 projetos aprovados pela Sudam dos quais 631 eram destinados agrave pecuaacuteria

extensiva Embora a previsatildeo de duraccedilatildeo desses projetos fosse de 16 anos a produccedilatildeo

era em meacutedia 9 do que tinha sido proposto Havia ainda as fazendas agropecuaacuterias

que natildeo produziam praticamente nada aleacutem daquelas que soacute existiam no papel

constituiacutedas apenas para a captaccedilatildeo de financiamentos e incentivos fiscais

51

No iniacutecio da deacutecada de 1970 o Governo Federal permitiu que as empresas de

colonizaccedilatildeo privada participassem juntamente com o INCRA da colonizaccedilatildeo na

Amazocircnia Segundo Lourenccedilo (2009 p 4)

O outro braccedilo da estrateacutegia de ocupaccedilatildeo da Amazocircnia com o

grande capital foi o avanccedilo da colonizaccedilatildeo privada Entre o

comeccedilo dos anos 1970 e meados dos anos 1980 principalmente

no Norte do Mato Grosso empresaacuterios como Ecircnio Pepino

Ariosto da Riva e Joatildeo Carlos Meireles compraram do INCRA

ou do estado do Mato Grosso com financiamento fundiaacuterio do

Proterra imensas glebas para divisatildeo e venda de lotes a colonos

do Sul expulsos pela modernizaccedilatildeo excludente da agricultura

ou afetados pela construccedilatildeo de hidreleacutetricas Os nomes das

cidades na metade norte do estado satildeo reveladores de suas

origens na empresa privada Sinop (Sociedade Imobiliaacuteria

Noroeste do Paranaacute) Confresa (Colonizadora Frenova Sapesa)

Contriguaccedilu (Cooperativa Central Regional Iguaccedilu) Codeara

(Companhia de Desenvolvimento do Araguaia do Banco de

Creacutedito Nacional) e outros nomes menos reveladores mas de

mesma origem como Alta Floresta (Indeco) Nova Mutum

(Agropecuaacuteria Mutum) Vila Rica-MT (Colonizadora Vila

Rica-MT) Tucumatilde (Construtora Andrade Gutierrez no Paraacute)

entre vaacuterios outros (Grifos nossos)

Em Mato Grosso as empresas de colonizaccedilatildeo privada adquiriram vaacuterios

milhotildees de hectares de terras puacuteblicas que foram loteadas e revendidas sobretudo para

agricultores que migraram do Sul do Brasil O INCRA que era responsaacutevel pela

colonizaccedilatildeo na Amazocircnia desenvolveu poucos projetos de colonizaccedilatildeo em Mato

Grosso deixando o campo aberto para as empresas privadas

Pouco foi investido por parte de posteriores Governos Federais e Estaduais na

permanecircncia dos assentados em suas terras centralizando os anseios e reinvindicaccedilotildees

ainda no INCRA Somente em 1999 o Governo Federal criou o Ministeacuterio do

Desenvolvimento Agraacuterio (MDA) Este oacutergatildeo se ocupou do reordenamento agraacuterio e

regularizaccedilatildeo fundiaacuteria na Amazocircnia Legal promoccedilatildeo do desenvolvimento sustentaacutevel

da Agricultura Familiar das regiotildees rurais e na identificaccedilatildeo reconhecimento

delimitaccedilatildeo demarcaccedilatildeo e titulaccedilatildeo das terras ocupadas pelos remanescentes das

comunidades quilombolas

Estes oacutergatildeos (INCRA e MDA) foram responsaacuteveis pelo desenvolvimento da

poliacutetica permanente de criaccedilatildeo de assentamentos rurais no paiacutes enquanto mediadores da

aquisiccedilatildeo ou de expropriaccedilatildeo de novas aacutereas de terras privadas ou puacuteblicas aleacutem da

52

realizaccedilatildeo da regularizaccedilatildeo de assentamentos rurais em aacutereas ocupadas por posseiros de

forma ldquomansardquo e paciacutefica ou seja onde natildeo havia conflito

O INCRA definiu o ldquoProjeto de assentamento ruralrdquo (PA) como

[] um conjunto de unidades agriacutecolas independentes entre si

instaladas pelo INCRA onde originalmente existia um imoacutevel

rural pertencente a um uacutenico proprietaacuterio Cada unidade

chamada de parcela lote ou gleba eacute entregue a uma famiacutelia sem

condiccedilotildees econocircmicas para adquirir e manter um imoacutevel rural

por outras vias Os trabalhadores rurais que recebem o lote

comprometem-se a morar na parcela e a exploraacute-la para seu

sustento utilizando a matildeo de obra familiar e contando com

creacuteditos assistecircncia teacutecnica infraestrutura e outros benefiacutecios

de apoio ao desenvolvimento das famiacutelias assentadas Ateacute que

possuam a escritura do lote os assentados estaratildeo vinculados ao

INCRA e natildeo poderatildeo dispor da gleba sem anuecircncia ou

autorizaccedilatildeo do INCRA10

Como assinalado acima o assentamento rural na definiccedilatildeo apresentada pelo

MDA teve como origem um uacutenico imoacutevel rural dividido em vaacuterias partes denominadas

de ldquoparcela lote ou glebardquo Ressalta-se que estes lotes foram destinados ldquo[] a uma

famiacutelia sem condiccedilotildees econocircmicas para adquirir e manter um imoacutevel ruralrdquo e que os

mesmos ldquo[] comprometem-se a morar na parcela e a exploraacute-la para seu sustento

utilizando a matildeo de obra familiarrdquo (INCRA 2015)

No municiacutepio de Vila Rica-MT a criaccedilatildeo e formaccedilatildeo dos assentamentos

rurais teve influecircncia direta no processo de colonizaccedilatildeo e instalaccedilatildeo de projetos

agropecuaacuterios (fazendas) O processo de reocupaccedilatildeo daquele espaccedilo comeccedilou com a

empresa SERVAP que realizou a exploraccedilatildeo desmatamento formaccedilatildeo de pastagens

currais e casas para as fazendas

122 A Servap e a abertura das Fazendas Promissatildeo Satildeo Marcos Aracatiacute e

Porongaba

Apoacutes a ldquoaberturardquo inicial a Servap transferiu parte das terras para a

Colonizadora Vila Rica O colonizador se responsabilizou pela comercializaccedilatildeo das

terras uma vez que seus soacutecios natildeo tinham experiecircncia com esse tipo de

10 Disponiacutevel em lt httpwwwincragovbrassentamentogt Acesso em 19052015

53

empreendimento Assim sendo segundo Pires (2002 p 22) os soacutecios realizaram a

divisatildeo das fazendas entre os mesmos por meio de um sorteio como foi relatado por

alguns funcionaacuterios da antiga empresa SERVAP

A ideia de praticar o sorteio foi vista como estrateacutegia para natildeo gerar

descontentamento jaacute que havia diferenccedila entre as fazendas em termos de valorizaccedilatildeo

da aacuterea o que tinha relaccedilatildeo com a infraestrutura os investimentos realizados e a

distacircncia da fazenda com a estrada por onde passaria a rodovia BR-158

A SERVAP tambeacutem tinha uma serraria e uma oficina de marcenaria para

atender a demanda de exploraccedilatildeo de madeira a qual era utilizada para a construccedilatildeo de

cercas currais e casas No iniacutecio a maioria das casas da aacuterea era construiacuteda com

madeira

Retomando o relato oral do ldquodito pioneirordquo eacute possiacutevel considerar a hipoacutetese

de que a praacutetica de exploraccedilatildeo de madeira esteja relacionada agrave proacutepria experiecircncia de

vida pois eacute ele mesmo quem diz ldquo[] minha histoacuteria comeccedila com o meu pai eacuteramos

madeireiros ele jaacute atuava no ramo por muitos anos faleceu e eu o substituiacute no

trabalhordquo (ENTREVISTA com Mendonccedila apud Soely 2002)

Na sede da empresa havia ainda uma pista para pouso de aviotildees e uma aacuterea

que servia como local de encontro ldquodos peotildeesrdquo que trabalhavam na SERVAP Os peotildees

costumavam ali se reunir nos horaacuterios de folga daiacute o lugar ser nomeado como ldquoPraccedila

Seterdquo Segundo Pires (2002 p 22) o nome era uma homenagem agrave cidade de Belo

Horizonte capital de Minas Gerais jaacute que a grande maioria das pessoas que trabalhava

na Servap era oriunda daquele Estado Esse espaccedilo tambeacutem se constituiu no eixo que

marcava a divisatildeo das quatro fazendas que deram origem ao processo de colonizaccedilatildeo de

Vila Rica conforme a Figura 4

Figura 4 Croqui de localizaccedilatildeo das fazendas

54

Fonte PIRES 2002 p 10

E como haviam sido ldquocriadasrdquo segundo o colonizador outras trecircs fazendas a

nova organizaccedilatildeo das agropecuaacuterias ocorreu da seguinte maneira ldquoFazenda Aracati

passou a ser de propriedade apenas de Rubens Rezende Peres A Fazenda Promissatildeo de

propriedade de Geraldo Franccedila Simotildees A Fazenda Porongaba de propriedade de Alair

Fernandes A Fazenda Ipecirc ficou sendo de Jonas Barcelos enquanto a fazenda Satildeo Joseacute

tornou-se propriedade de Homero Schettino Jaacute a Fazenda Satildeo Marcos do senhor

Miguel Acircngelo Cansado e a Fazenda Acaiaca de Tuacutelio Feliacutecio da Silvardquo (PIRES

2002)

Algumas dessas fazendas tornaram-se ociosas em termos de produccedilatildeo outras

nunca tiveram atividade agropecuaacuteria efetivada e outras faliram como foi descrito por

Lourenccedilo (2009 p 4) ao referir-se ao contexto dos projetos agropecuaacuterios na

Amazocircnia sobretudo no Araguaia

[] que existiu de fato foi o conflito crocircnico entre as grandes

fazendas e as populaccedilotildees camponesas que jaacute habitava a suposta

ldquoterra sem homensrdquo [] O Meacutedio Araguaia e a regiatildeo de

contato entre as bacias do Araguaia e Xingu foram palco de

inuacutemeros conflitos violentos entre posseiros apoiados pela

Igreja Catoacutelica e grandes fazendeiros que reclamavam de

imensas porccedilotildees de terra11

11Disponiacutevel em lthttpinteressenacionaluolcombrindexphpedicoes-revistaregularizacao-

fundiaria-e-desenvolvimento-na-amazoniagt Acesso em 28082015

55

As aacutereas remanescentes tornaram-se objeto de interesse e disputa por parte de

posseiros agricultores familiares grileiros e fazendeiros Logo natildeo eacute possiacutevel falar de

sucesso contiacutenuo e permanente dos processos de colonizaccedilatildeo ainda que estejam no

ideaacuterio do colonizador Alguns desses projetos privados se sustentaram e deram

resultado poreacutem outros ficaram a mercecirc da administraccedilatildeo dos proprietaacuterios das

empresas colonizadoras

A especificidade da formaccedilatildeo e emancipaccedilatildeo do municiacutepio de Vila Rica-MT

estaacute centrada em uma conjuntura regional que pode ser problematizada pela forma com

que os assentamentos rurais foram sendo formados em aacutereas remanescentes de fazendas

e projetos agropecuaacuterios

13 Anos de 1980 a 1990 o Araguaia e a formaccedilatildeo dos assentamentos rurais

Na presente dissertaccedilatildeo produzimos uma narrativa sobre a formaccedilatildeo dos

assentamentos rurais no Araguaia compreendemos que os mesmos resultaram das lutas

travadas pelos movimentos sociais desencadeados pelos posseiros em busca de terra

para morar e produzir Essa concepccedilatildeo pode ser compartilhada com a ideia de que

apesar da evidecircncia de o assentado nem sempre ser aquele idealizado natildeo se pode

perder de vista que ldquoposseirordquo eacute uma categoria poliacutetica de luta pela terra Assim nossa

escrita deseja ampliar a possibilidade de entender esse jogo poliacutetico de construccedilatildeo social

da vida ldquocampesinardquo atraveacutes da luta pela terra

Conveacutem entatildeo compreender que os conflitos e praacuteticas de violecircncia

aplicadas contra os povos indiacutegenas ribeirinhos posseiros e trabalhadores rurais no

Araguaia satildeo em geral consequecircncia das lutas pela posse da terra sobretudo nas

deacutecadas de 1970 1980 e 1990 Naquele periacuteodo as disputas foram marcadas por

embates intensos entre trabalhadores rurais indiacutegenas empresaacuterios comerciantes

fazendeiros e posseiros deixando sequelas sociais profundas Vale lembrar ainda que

esses acontecimentos marcaram a trajetoacuteria de luta pela vida e a memoacuteria dos sujeitos

histoacutericos na dinacircmica de reocupaccedilatildeo e apropriaccedilatildeo dos espaccedilos rurais da aacuterea

Diante do cenaacuterio de luta pela sobrevivecircncia e tentativas de conquistar a

posse da terra eacute bem possiacutevel aceitar e afirmar que se natildeo fosse o apoio e as accedilotildees

poliacuteticas de algumas instituiccedilotildees como a Prelazia de Satildeo Felix do Araguaia da

56

Comissatildeo Pastoral da Terra (CPT) e os Sindicatos dos Trabalhadores Rurais em favor

dos posseiros e indiacutegenas o territoacuterio do Araguaia hoje teria outra configuraccedilatildeo social

e cultural Da mesma maneira teriacuteamos outras histoacuterias e outras relaccedilotildees sociais para

analisar e compreender a dinacircmica da vida ldquocampesinardquo na luta por seus ideais

Essas circunstacircncias satildeo tatildeo especiais que o proacuteprio aparato estatal

reconheceu os esforccedilos das instituiccedilotildees sociais e religiosas na proteccedilatildeo amparo e

contribuiccedilatildeo para com a vida dos ldquopequenosrdquo lutadores pela vida Esses documentos

por exemplo demonstram os acontecimentos para o MDA (2014 p 17) da seguinte

maneira

Cabe destacar ainda o importante papel da Igreja e dos

sindicatos dos trabalhadores rurais na intermediaccedilatildeo dos

conflitos agraacuterios e no proacuteprio processo de ocupaccedilatildeo atraveacutes da

organizaccedilatildeo das comunidades rurais e estruturaccedilatildeo dos

municiacutepios Ainda hoje a CPT realiza accedilotildees de fiscalizaccedilatildeo e

denuacutencias de trabalho escravo e violecircncia no campo na

microrregiatildeo norte Araguaia

Em plena concordacircncia com o significado atribuiacutedo pelo MDA reafirmamos

que os posseiros e trabalhadores rurais do territoacuterio do Araguaia recorreram a diferentes

estrateacutegias e instituiccedilotildees reordenando determinadas estrateacutegias diante do processo de

reocupaccedilatildeo territorial que ora se revelavam ldquoespontaneamenterdquo ora se mostraram de

forma pensada e arquitetada ganhando singularidades adequadas e bem ordenadas

quando articuladas agrave CPT e agrave Prelazia de Satildeo Felix do Araguaia

Tais instituiccedilotildees desenvolveram eficientes accedilotildees projetivas e formativas das

equipes dos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais da aacuterea marcadas por distintos tipos

de comportamentos e de relaccedilotildees proacuteximas entre sujeitos e instituiccedilotildees produzindo

diversos significados na vida de um povo de uma instituiccedilatildeo ou de uma autoridade

Assim ao apresentar o livro Conquistar a Terra reconstruir a Vida lanccedilado

em comemoraccedilatildeo aos dez anos de existecircncia da CPT uma das mais importantes

autoridades religiosas daquela aacuterea o bispo da Prelazia de Satildeo Feacutelix do Araguaia Dom

Pedro Casaldaacuteliga resolveu de uma maneira poeacutetica e profeacutetica produzir sentido como

um cacircntico de liberdade e de determinaccedilatildeo de um povo registrando sua compreensatildeo da

seguinte forma

57

Celebrar os dez anos da Comissatildeo Pastoral da Terra deve ser

simultaneamente um ato penitencial uma memoacuteria de martiacuterio

e uma cantiga rural de accedilatildeo de graccedilas

A CPT tem os seus pecados Inimigos e amigos cuidaram e

cuidam de lembraacute-lo oportuna e inoportunamente E isso nos

faz Ser criacuteticos e autocriacuteticos deveria ser um traccedilo de

identidade marcante em toda a pastoral que se queira

historicamente engajada e fiel ao ritmo popular A accedilatildeo de

graccedilas queremos cantaacute-la porque o Deus dos Pobres da Terra

se tem feito presente de muitos modos nesta nossa caminhada

entre os lavradores e os agentes na proacutepria CPT e a partir dela

em outros setores da Igreja do Brasil e tambeacutem em Igrejas e

movimentos rurais da Ameacuterica Latina que a CPT de alguma

maneira atingiu com suas contribuiccedilotildees

Superados o tempo da saudade e a saudade- que nem todos

conseguem superar- daquela Accedilatildeo Catoacutelica e seus derivados

mais com o esquema da Igreja ldquosociedade perfeita paralela agrave

sociedade humana a CPT trouxe inegavelmente agrave Igreja do

Brasil uma novidade pastoral seguindo o jeito pioneiro do

CIMIrdquo

[] Sei que muitos mais ou menos amigos- reclamaram com

frequecircncia do ldquoPrdquo nem sempre bem vivido da nossa CPT

agora mocinha de 10 anos Outros reclamaram do ldquoTrdquo

obsessivamente vivido pela CP segundo eles

(CASALDAacuteLIGA 1985 p 7-8)

Percebemos no texto uma evidente preocupaccedilatildeo de Dom Pedro Casaldaacuteliga

em reconhecer os ldquopecados da CPTrdquo que satildeo constantemente debatidos por ldquoinimigos e

amigosrdquo que apontam os problemas causados pelas accedilotildees da CPT e da Prelazia de Satildeo

Feacutelix do Araguaia As criacuteticas quanto ao fato da CPT ser uma ldquopastoralrdquo satildeo

evidenciadas pelo bispo que sabe que muitos satildeo os criacuteticos dessa forma de organizaccedilatildeo

e luta pastoral mas pondera que

Com a graccedila do Senhor da Terra e na marcha diaacuteria para a Terra

Prometida que se recebe e se conquista desafio histoacuterico e dom

escatoloacutegico procuramos conjugar melhor com mais garra

com nova alegria mais autenticamente evangeacutelicos e rurais o

ldquoP‟ e o ldquoTrdquo de uma Pastoral da Terra criacutetica livre e servidora A

foacutermula providencial da CPT estaacute longe de se esgotar

(CASALDAacuteLIGA 1985 p 8)

Logo Dom Pedro aponta para a necessidade de a CPT ter sua praacutetica

ancorada na necessidade dos atores sociais e que essa situaccedilatildeo estaacute ldquolonge de se

esgotarrdquo Ressaltamos que mesmo diante de equiacutevocos praticados a atuaccedilatildeo dessa

instituiccedilatildeo e de seus agentes foi decisiva para a dinacircmica da luta pela terra no Araguaia

58

Nas palavras de Dom Pedro fica evidente o caraacuteter de uma consciecircncia dos

atores sociais para a luta

Queria e quero estar evangelicamente - evangelizadoramente

tambeacutem - em meio ao povo lavrador reforccedilando sua

consciecircncia e a coragem unida de suas lutas sem entretanto

substituir jamais suas organizaccedilotildees autocircnomas sem dirigi-lo

condicionadamente Ouvindo-o muito mais perto Ajudando

toda a Igreja do Brasil a se aproximar desse povo profeacutetica e

servidora Voltando- se tambeacutem para a opiniatildeo puacuteblica do paiacutes

como porta-voz de emergecircncia e alto falante privilegiado do

clamor dos lavradores durante este escuro tempo nacional que

proibia ou tergiversava ou ignorava a voz do povo

(CASALDAacuteLIGA 1985 p 7)

O bispo ainda fez uma anaacutelise de conjuntura em que a luta pela terra os

direitos e a permanecircncia nela natildeo satildeo problemas superados

Gostaria de acrescentar apenas que esse tempo escuro mal

comeccedila a clarear A Nova Repuacuteblica pode muito bem ser uma

nova ilusatildeo uma nova fraude Os senhores deste mundo nosso

colonizado e dependente poderatildeo permitir que mudem os

governos e ateacute os regimes e ateacute os regimes filiais sempre que se

preserve a alma sem alma do sistema E com se mantenha o

sacrifiacutecio do Povo e sua escravidatildeo particularmente no campo

sempre cobiccedilado pelos sucessivos impeacuterios

E porque esse tempo natildeo passou ainda- amanhece na incerteza-

a Igreja toda do Brasil e a CPT em sua missatildeo especiacutefica

deveratildeo se hoje mais do que nunca servidoras alertadas do

Povo dos pobres De um jeito novo sem duacutevida mais fina a

profecia mais plural a presenccedila do diaacutelogo mais largo os

passos mais concretos []

Como me sinto parte nesta causa natildeo entro em mais juiacutezos Eu

e a CPT carregados carregamos no coraccedilatildeo um monte de nomes

entranhados que o senhor sem duacutevida escreveraacute com terra e

sangue no Livro da Terra Este livro jubilar de palavras e papel

sirva para recordar para avaliar para estimular a caminhada

sempre fiel e sempre nova (CASALDAacuteLIGA 1985 p 10)

Atraveacutes das palavras do bispo Dom Pedro podemos compreender melhor a

perspectiva da accedilatildeo da CPT e o significado da relaccedilatildeo entre posseiros e as instituiccedilotildees

religiosas especificamente atraveacutes de seus agentes e grupos sociais muacuteltiplos e diversos

que vivem no Araguaia indiacutegenas retireiros trabalhadores rurais posseiros sertanejos

peotildees dentre outros grupos sociais ligados agrave terra e ao trabalho

59

Dom Pedro utiliza palavras esforccedilando-se para natildeo julgar natildeo ofender natildeo

dividir natildeo pregar o oacutedio evitando falar sobre o desafio do poder constituiacutedo ou das

forccedilas dos poderes sociais e econocircmicos visiacuteveis na sociedade Ao contraacuterio reconhece

o valor das lutas relembra a anguacutestia e a necessidade delas valoriza a opccedilatildeo feita para

construir uma histoacuteria de uma instituiccedilatildeo e acima de tudo compromete-se com os

grupos sociais fragilizados e vitimizados do Araguaia

Seus escritos soam como um lamento como um choro de alegria por ter

realizado o sonho de estar partilhando a vontade de vencer e sobreviver na sociedade

capitalista Portanto trata-se nessa longa citaccedilatildeo de uma arte de compor a frase de

compor o sentido dos acontecimentos em belas frases de mergulhar no mundo das

letras para reafirmar questotildees sublimes da sensibilidade humana que se deslocam agraves

instituiccedilotildees colocando em movimento um conjunto de recursos que servem para a luta

na disputa pela terra e em defesa dos socialmente fragilizados Talvez seja este

fragmento de texto uma oraccedilatildeo que orientou seu sentido de vida enfim que o moveu

para o terreno da poliacutetica da Igreja Catoacutelica em defesa de setores sociais empobrecidos

Sem descuidar da compreensatildeo deles a Igreja ampliando o trajeto para

multiplicar nossa capacidade de conhecer possibilitou que compreendecircssemos outras

contribuiccedilotildees Assim para Ferreira Fernaacutendez e Silva (1999) a histoacuteria dos

assentamentos rurais em Mato Grosso natildeo foge agraves caracteriacutesticas de outras regiotildees do

Brasil A maior parte deles eacute resultado da luta dos posseiros que demandavam terra e

moradia

A partir daqui nossa visatildeo da disputa pela terra se amplia no sentido de

perceber a intervenccedilatildeo de setores sociais em defesa de seus respectivos grupos Cada

um deles possui uma agremiaccedilatildeo que produz a disputa no terreno da religiatildeo ou da

poliacutetica Compreendida desta forma fica mais intensa nossa necessidade de estudar

ainda mais a participaccedilatildeo dos movimentos sociais sindicais e religiosos na luta pela

terra

Isso porque a primeira vitoacuteria de uma luta pela terra tem como fator decisivo

a posse de um territoacuterio e isso depende das relaccedilotildees que se estabelecem Por isso de

acordo com Fernandes (1996 p 181) ldquo[] O assentamento eacute o territoacuterio conquistado

eacute portanto um novo recurso na luta pela terra que significa parte das possiacuteveis

conquistas representadas sobretudo a possibilidade da Territorializaccedilatildeordquo

60

Sendo assim eacute relevante compreender as diversas accedilotildees que envolvem o

processo de luta e conquista da terra sendo preciso compreender as taacuteticas de luta e as

estrateacutegias ordenadas para a conquista e natildeo conhecer apenas o ato de regularizaccedilatildeo

oficial do assentamento rural Afinal a oficializaccedilatildeo de um assentamento rural natildeo diz

tudo sobre a luta pela terra Apenas legitima sua posse de acordo com as orientaccedilotildees

estatais

Portanto as relaccedilotildees produzidas as accedilotildees articuladas de maneira organizada

entre sujeitos e instituiccedilotildees levam a um novo mundo de reconfiguraccedilatildeo das afinidades

Nessa mesma perspectiva Salazar (2005 p 217) afirma que

Em um mesmo territoacuterio se pode encontrar diferentes

assentamentos humanos articulados entre si ou natildeo na medida

em que cumprem um papel social econocircmico cultural e

poliacutetico dentro da sociedade que o faz possiacutevel e dentro do

sistema econocircmico ao qual se vinculam O caraacuteter e o

desenvolvimento das poliacuteticas estatais frente ao territoacuterio e agrave

populaccedilatildeo tambeacutem condicionam a apropriaccedilatildeo que faccedila [sic] a

sociedade do espaccedilo e seus recursos

Agrave luz da concepccedilatildeo do autor pode-se considerar que os assentamentos rurais

constituem vivecircncias e experiecircncias e satildeo permeados por relaccedilotildees fortemente marcadas

por disputas e perspectivas de poder interesses intenccedilotildees poliacuteticas e percepccedilotildees

diferentes acerca da funccedilatildeo e das relaccedilotildees constituiacutedas entre o Estado e a Sociedade

entre os proacuteprios participantes e componentes das organizaccedilotildees sociais

Logo as poliacuteticas puacuteblicas direcionadas aos assentamentos rurais criam

tambeacutem elementos de competiccedilatildeo pelo poder na medida em que lhes satildeo atribuiacutedos

novos sentidos e significados Isto se deve ao fato de que eacute atraveacutes das praacuteticas e dos

discursos que os diferentes sujeitos histoacutericos criam e recriam a representaccedilatildeo acerca da

funccedilatildeo dos assentamentos rurais

Ao considerar os muacuteltiplos contextos no que concerne agraves condiccedilotildees de luta

dos assentados pela Reforma Agraacuteria percebemos que estes atores sociais recorreram a

diferentes estrateacutegias para atraiacuterem a atenccedilatildeo das autoridades enquanto Poder Puacuteblico

No cenaacuterio das disputadas nos movimentos de organizaccedilatildeo das lutas nas composiccedilotildees

coletivas para enfrentamento das individualidades do poder econocircmico e diante da

violecircncia que sempre emergiu na luta pela terra desde os recursos proporcionados pela

miacutedia ateacute o enfrentamento com pistoleiros e fazendeiros os agentes que reivindicam

61

terra disputam a articulaccedilatildeo entre sujeitos e instituiccedilotildees entre oacutergatildeos e instacircncias de

poder

Esse movimento natildeo se limita somente ao enfrentamento dos portadores de

tiacutetulos e ou proprietaacuterios de terra ou entre grandes posseiros ou grileiros de terras

puacuteblicas Necessariamente os estudos devem caminhar no sentido de perceber outras

variaccedilotildees no seu interior

Conforme Ferreira Fernaacutendez e Silva (2009 p 197)

Em Mato Grosso as poliacuteticas de assentamento dos

trabalhadores rurais principalmente a colonizaccedilatildeo (oficial e

privada) e os assentamentos de reforma agraacuteria sobre vaacuterios

aspectos devem ser mais estudados de dupla matildeo certamente

natildeo se referem a daacutedivas mas agraves conquistas dos trabalhadores

em accedilatildeo conjunta com o estado O assentamento de reforma

agraacuteria eacute um processo em curso repleto de fatores positivos e

limitaccedilotildees que coloca no plano social poliacutetico econocircmico e

ambiental possibilidades de ecircxito da produccedilatildeo familiar no

campo

Os autores chamam a atenccedilatildeo para o fato de que ao tomarmos os

assentamentos rurais em Mato Grosso como objeto de estudo eles devem ser estudados

em uma perspectiva que aponte o percurso e os significados das lutas sociais frente agrave

conquista de novos territoacuterios Ao mesmo tempo natildeo devemos limitar nossos olhares

simplesmente para os conflitos entre os grupos sociais diferenciados mas tambeacutem para

os conflitos com o proacuteprio poder puacuteblico sem esquecer as transformaccedilotildees das

condiccedilotildees de vida das pessoas que vivem da produccedilatildeo familiar Assim eacute preciso

perceber que haacute cooperaccedilatildeo compartilhamento de interesses em alguns aspectos mas

em outras circunstacircncias tambeacutem existe a necessidade de intensificar nossos

conhecimentos sobre tais processos

Por outro lado os mesmos autores consideram como questatildeo importante

tambeacutem destacar que embora os assentamentos rurais em Mato Grosso se revelem

como uma alternativa promissora na dinamizaccedilatildeo da economia e promoccedilatildeo do

desenvolvimento local os mesmos ainda estatildeo longe de serem consolidados enquanto

poliacutetica puacuteblica

De maneira especial no que tange agraves accedilotildees do Estado no sentindo de

viabilizar a infraestrutura necessaacuteria ao desenvolvimento pleno da Agricultura Familiar

e de potencializar essa modalidade de produccedilatildeo como alternativa para manutenccedilatildeo do

62

conjunto social no territoacuterio de produccedilatildeo e no espaccedilo de trabalho em que se realiza mais

como ser humano e como trabalhador

Desse modo eacute possiacutevel afirmar que o artifiacutecio da Reforma Agraacuteria deve vir

sustentado pela intensificaccedilatildeo e realizaccedilatildeo de outros elementos para que de fato e de

direito sejam asseguradas as condiccedilotildees necessaacuterias agrave ascensatildeo social e econocircmica dos

agricultores familiares Para isso eacute preciso que surjam novas accedilotildees visando a alteraccedilatildeo

dos espaccedilos institucionais no acircmbito local e regional

Soacute assim haveraacute efetivamente a possibilidade de melhoria das condiccedilotildees de

vida daqueles que sobrevivem da produccedilatildeo nos assentamentos rurais Especialmente eacute

necessaacuterio compreender que melhorando a vida no campo melhoramos a vida na

cidade onde a maior parte da populaccedilatildeo depende dos que produzem no campo para se

alimentar e consequentemente para viver Esse deveria ser um principio poliacutetico de

cidadania para todos aqueles que se envolvem com a disputa pela terra e com a luta pela

conquista do territoacuterio de trabalho da populaccedilatildeo ldquocampesinardquo

O Projeto de assentamento rural se contemplado com accedilotildees do Estado

favorece o desenvolvimento econocircmico local desde que as poliacuteticas puacuteblicas

implementadas nos assentamentos rurais sejam direcionadas para o seu fortalecimento

oferecendo-lhes maior potencial econocircmico cultural e social com um planejamento que

lhes decirc sustentaccedilatildeo numa perspectiva de meacutedio e em longo prazo sem esquecer que

qualificar a produccedilatildeo ldquocampesinardquo significa tambeacutem promover o desenvolvimento do

comeacutercio e de outros setores da economia otimizando accedilotildees para novos padrotildees de

organizaccedilatildeo e melhoria das condiccedilotildees de vida da populaccedilatildeo urbana

Em relaccedilatildeo agraves poliacuteticas de Reforma Agraacuteria no Brasil Bergamasco amp Norder

(1996) consideram que os assentamentos rurais exercem papel importante no panorama

rural brasileiro de modo particular por contribuir de forma significativa nas

transformaccedilotildees sociais e econocircmicas por meio da geraccedilatildeo de novos empregos da

diminuiccedilatildeo do ecircxodo rural aumentando assim a produccedilatildeo e a oferta de alimentos Ou

seja os assentamentos rurais tecircm um papel significativo na produccedilatildeo agriacutecola do paiacutes

Para esses autores melhorar as condiccedilotildees de vida no campo sobretudo nos

assentamentos rurais significa elevar a situaccedilatildeo econocircmica da maioria das pessoas que

vive e depende da Agricultura Familiar como uacutenico meio e fonte de renda na garantia

do sustento familiar

63

Mas essas poliacuteticas puacuteblicas combinadas com poliacuteticas sociais passam por

um constante debate sobre redefiniccedilotildees e articulaccedilotildees a exemplo definir o que eacute um

assentamento rural o significado da territorializaccedilatildeo e da compreensatildeo do papel do

sujeito campesino na vida social de um povo Esse debate eacute promovido pela sociedade

civil que delibera demandas e propotildee mudanccedilas nos oacutergatildeos e instituiccedilotildees auxiliadoras

na sua concretizaccedilatildeo como o INCRA e o MDA em relaccedilatildeo aos assentamentos rurais e

suas poliacuteticas puacuteblicas

O MDA desde sua criaccedilatildeo em 199912

tem como incumbecircncia atuar na

Reforma Agraacuteria e seu reordenamento cumprindo papel fundamental na regularizaccedilatildeo

fundiaacuteria na Amazocircnia Legal promovendo o desenvolvimento sustentaacutevel da

Agricultura Familiar nas regiotildees rurais e de maneira singular atuando na identificaccedilatildeo

reconhecimento delimitaccedilatildeo demarcaccedilatildeo e titulaccedilatildeo das terras ocupadas pelos

remanescentes das comunidades quilombolas Logo esse ministeacuterio por meio do

INCRA desenvolve poliacuteticas puacuteblicas de realizaccedilatildeo de assentamentos rurais no paiacutes e a

ainda na contemporaneidade tem demonstrado algumas necessidades prementes

Assim para realizaccedilatildeo do seu mister a Instituiccedilatildeo ou oacutergatildeo principal do

Poder Puacuteblico que orienta a Questatildeo Agraacuteria o INCRA atualmente define projetos de

assentamento Rural (PA) como

[] um conjunto de unidades agriacutecolas independentes entre si

instaladas pelo INCRA onde originalmente existia um imoacutevel

rural pertencente a um uacutenico proprietaacuterio Cada unidade

chamada de parcela lote ou gleba eacute entregue a uma famiacutelia sem

condiccedilotildees econocircmicas para adquirir e manter um imoacutevel rural

por outras vias Os trabalhadores rurais que recebem o lote

comprometem-se a morar na parcela e a exploraacute-la para seu

sustento utilizando a matildeo de obra familiar e contando com

creacuteditos assistecircncia teacutecnica infraestrutura e outros benefiacutecios

de apoio ao desenvolvimento das famiacutelias assentadas Ateacute que

possuam a escritura do lote os assentados estaratildeo vinculados ao

INCRA e natildeo poderatildeo dispor da gleba sem anuecircncia ou

autorizaccedilatildeo do INCRA13

Como assinalado o assentamento rural na definiccedilatildeo apresentada pelo MDA

origina-se de um uacutenico imoacutevel rural que eacute dividido em vaacuterias partes denominada de

12

Criado atraveacutes da medida provisoacuteria 1911-12 13

Disponiacutevel em lthttpwwwincragovbrassentamentogt Acesso em 21082015

64

ldquoparcela lote ou glebardquo Essa compreensatildeo traz no seu bojo diversas possibilidades de

interpretaccedilatildeo sobretudo permite entender que se trata de eventuais processos estatais

na concretizaccedilatildeo da justiccedila agraacuteria oferecendo condiccedilotildees de trabalho agrave populaccedilatildeo que

se realiza se identifica e sobrevive da produccedilatildeo agriacutecola em pequena escala

Concluindo podemos afirmar que os assentamentos rurais no Araguaia mato-

grossense no que se refere a sua constituiccedilatildeo possuem caracteriacutesticas muito diferentes

do que eacute previsto nas diretrizes para a criaccedilatildeo dos assentamentos rurais definidas pelo o

Instituto Nacional de Colonizaccedilatildeo e Reforma Agraacuteria uma vez que os mesmos resultam

de atos de regularizaccedilatildeo e natildeo de criaccedilatildeo Diante disso precisamos articular nosso

pensamento voltando os olhares para os processos de duraccedilatildeo temporaacuteria diferente

para que possamos aproximar um pouco mais da realidade vivida

65

2 MEMOacuteRIAS DA REOCUPACcedilAtildeO HISTORICIZANDO OS

ASSENTANTAMENTOS RURAIS DE VILA RICA-MT (1980-2010)

Conforme analisado no capiacutetulo anterior eacute imprescindiacutevel a historicizaccedilatildeo do

processo de formaccedilatildeo dos assentamentos rurais do municiacutepio de Vila Rica-MT Para

tanto optou-se pelo recorte temporal 1980 a 2010 a partir da necessidade da proacutepria

anaacutelise A deacutecada de 1980 foi marcada pela emancipaccedilatildeo do municiacutepio de Vila Rica e

tambeacutem pela formaccedilatildeo dos primeiros assentamentos rurais A anaacutelise se estendeu ateacute o

periacuteodo mais recente devido agraves fontes e aos dados oficiais necessaacuterios para

compreensatildeo do enfoque proposto

O principal objetivo deste capiacutetulo eacute compreender a formaccedilatildeo e o

desenvolvimento dos assentamentos rurais de Vila Rica-MT problematizando o papel e

a atuaccedilatildeo das instituiccedilotildees e dos oacutergatildeos puacuteblicos como o INCRA Banco do Brasil

Empaer dentre outros aleacutem de instituiccedilotildees e entidades da sociedade civil mas tambeacutem

de movimentos sociais e sindicais como o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila

Rica CPT Prelazia de Satildeo Feacutelix do Araguaia e associaccedilotildees de pequenos produtores

rurais Para complementar a anaacutelise tornou-se indispensaacutevel buscar as accedilotildees e

estrateacutegias dos atores histoacutericos envolvidos na luta pela posse da terra

21 A transformaccedilatildeo das fazendas agropecuaacuterias em assentamentos rurais atraveacutes

da luta pela terra

Das sete fazendas agropecuaacuterias trecircs foram transformadas em Projetos de

assentamentos rurais em um periacuteodo inferior a duas deacutecadas Fazendas Ipecirc Aracati e

Satildeo Joseacute Algumas das narrativas oficiais sobre a colonizaccedilatildeo do municiacutepio declaram

que a Fazenda Porongaba cedeu parte da aacuterea que a colonizadora Vila Rica- MT Ltda

utilizou para realizar o loteamento do espaccedilo urbano

As aacutereas remanescentes dessas fazendas agropecuaacuterias foram sendo

reocupados atraveacutes das estrateacutegias de lutasresistecircncias utilizadas pelos colonos

posseiros parceleiros e pelos assentados14

Atraveacutes da dinacircmica de reocupaccedilatildeo e uso da

terra foram constituiacutedos oito assentamentos rurais regularizados pelo o INCRA neste

municiacutepio conforme dados da Tabela 1

14 Satildeo autodenominaccedilotildees das pessoas que residem nos assentamentos rurais de Vila Rica No

decorrer da pesquisa analisaremos como estas foram sendo construiacutedas neste contexto histoacuterico

66

Tabela 1 Assentamentos rurais de Vila Rica-MT

Fonte INCRA 2014

Na formaccedilatildeo de assentamentos rurais existem sujeitos histoacutericos que para o

INCRA satildeo considerados ldquoclientela de Reforma Agraacuteriardquo os quais se autodenominam

de maneiras diferentes ldquoparceleirosrdquo ou ldquoassentadosrdquo Nos assentamentos rurais do

Araguaia a denominaccedilatildeo mais utilizada eacute ldquoposseirordquo sobretudo quando se referem aos

primeiros tempos de formaccedilatildeo do assentamento rural no sentido de reafirmar que entre

os agricultores familiares haacute aqueles que se autodenominam posseiros como identidade

de luta pela posse da terra remetendo a um imaginaacuterio que os ligue umbilicalmente a

uma accedilatildeo tambeacutem de corajoso lutador e desbravador Ainda que seja em contraposiccedilatildeo

ao latifuacutendio o posseiro passa a se sentir um sujeito valente que ocupou resistiu e

conquistou a posse da terra Portanto uma identidade poliacutetica construiacuteda na luta pela

terra

Logo o termo posseiro aparece tambeacutem como um siacutembolo da resistecircncia aos

projetos agropecuaacuterios e agraves grandes fazendas que expropriam os trabalhadores rurais

Sem-terra uma vez que muitos jaacute se encontravam na aacuterea bem antes dos fazendeiros e

da implantaccedilatildeo dos projetos agropecuaacuterios

Conforme o relato de um assentado de Vila Rica obtido na pesquisa de

campo que realizamos em marccedilo de 2015 no Assentamento Rural Satildeo Joseacute eacute possiacutevel

afirmar que a denominaccedilatildeo de posseiro estaacute associada agraves estrateacutegias e condiccedilotildees de luta

pelo acesso agrave terra ldquo[] me vejo como posseiro Ser posseiro no Araguaia eacute assumir

que lutamos contra os fazendeiros que viviam do dinheiro emprestado do Banco sei o

Projeto de assentamento N de Famiacutelias Aacuterea (ha) Data Criaccedilatildeo

Colocircnia Bom Jesus 60 4457 25071996

Ipecirc 228 12099 28121998

Santo Antocircnio do Beleza 216 12100 10042001

Aracati 45 2110 05121996

Alvorada 49 32656 29121995

Itaporatilde do Norte 170 10641 11071996

Satildeo Joseacute da Vila Rica-MT 252 14262 28121998

Satildeo Gabriel 45 1985 28121998

Total 1065 60919 -

67

quanto foi difiacutecil viver sob a mira da morte pra ter essa terrinha e com ela poder

alimentar a minha famiacutelia []rdquo15

Trata-se de uma situaccedilatildeo de enfrentamento na luta

pela terra visando garantir a sobrevivecircncia e as condiccedilotildees miacutenimas de sustento da

famiacutelia

Assim como Castro (1996) o historiador Puhl (2003) nos chama atenccedilatildeo para

as caracteriacutesticas que definem o posseiro conceito construiacutedo a partir da percepccedilatildeo de

que esses agentes sociais tecircm ldquo[] ocupaccedilatildeo antiga de aacutereas devolutas ou sem

documentaccedilatildeo privada o uso direto da terra no trabalho de produccedilatildeo agropecuaacuteria a

residecircncia e o trabalho da famiacutelia na posse a resistecircncia agrave retirada ou expulsatildeo levada a

efeito por grileirordquo

Pereira (2013 p 11) corrobora esclarecendo que o termo posseiro possui

outros significados

[] as praacuteticas e os usos poliacuteticos desse conceito que o

produziram Eram considerados posseiros os trabalhadores

rurais que haacute muito tempo ocupavam aacutereas devolutas tidas

como posses antigas que natildeo apresentavam contestaccedilatildeo por

qualquer pessoa e nelas fizeram moradas habituais de suas

famiacutelias Contudo outra experiecircncia social comeccedila a sobrepor-

se a essas praacuteticas mais antigas Trabalhador rural sobretudo

migrante de outras regiotildees do paiacutes que lutavam pela terra quer

fossem aqueles que disputavam aacutereas de terras devolutas

consideradas novas simultaneamente com empresaacuterios

fazendeiros ou comerciantes tambeacutem migrantes quer fossem

aqueles que ocupavam imoacuteveis com tiacutetulos definitivos ou de

aforamentos passaram a ser vistos tambeacutem como posseiros Ou

seja os trabalhadores rurais apropriaram-se de uma designaccedilatildeo

ateacute entatildeo usada para significar os ocupantes de terras devolutas

consideradas antigas para ajustar-se a uma nova situaccedilatildeo ou

praacutetica social Esta apropriaccedilatildeo utilizada do conceito de

posseiro ganha uma dimensatildeo poliacutetica inusitada na luta pela

terra no Brasil

Em concordacircncia com este uacuteltimo autor asseguramos que o conceito de

posseiro pode ser compreendido enquanto resultado das praacuteticas de luta das quais os

conceitos satildeo resultados Neles os atores sociais se apropriam desse conceito para se

autonomear e ao mesmo tempo atribuir sentidos as proacuteprias atitudes de desafio ao

sistema de enfrentamento aos modelos existentes para os fazendeiros constituindo-se

enquanto uma categoria social formada por sujeitos histoacutericos de diferentes origens e

15 Joseacute Roberto Agricultor familiar em uma entrevista realizada pela autora em 2015

68

trajetoacuterias migratoacuterias os quais muitas vezes apresentam uma significativa

diferenciaccedilatildeo social

Devido agrave diversificaccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave situaccedilatildeo econocircmica e cultural entre as

pessoas que satildeo denominadas de clientela da Reforma Agraacuteria em Vila Rica-MT o

criteacuterio de distribuiccedilatildeo dos lotes nos assentamentos rurais passou a ser objeto de

questionamento por parte de alguns agricultores familiares o que eacute claro no relato feito

por um dos entrevistados durante a pesquisa que realizamos no mecircs de marccedilo de 2015

junto ao Assentamento Rural Ipecirc

Pode- se dizer que o INCRA tambeacutem eacute culpado pela evasatildeo dos

assentamentos rurais pois nem sempre ele leva em

consideraccedilatildeo se a pessoa que estaacute cadastrada tem ou natildeo

viacutenculo vocaccedilatildeo para ser Agricultor Familiar Os assentados

da Reforma Agraacuteria (alguns ) fizeram o cadastro jaacute pensando

em pegar a terra e depois vender [] Logo na primeira

dificuldade jaacute vende a propriedade dele pra outro Eu penso

que precisa olhar se a histoacuteria das pessoas que demandam por

terra em assentamento estaacute ligada com a luta pela terra vejo

que assim valorizava mais o assentamento [] E na verdade

na eacutepoca de assentar essas pessoas tinha um perfil de

assentando se olhar soacute pelo aspecto de renda miacutenima Mas

muitas natildeo tinham viacutenculo com a terra e atendiam apenas

esse perfil criado de forma subjetiva soacute levando em

consideraccedilatildeo a situaccedilatildeo econocircmica Penso que natildeo estavam em

desacordo com as exigecircncias para o cadastro do INCRA pois

atendiam aquelas exigecircncias burocraacutetica mas elas natildeo eram de

perfil de produtor ou trabalhador rural Aiacute foi onde ocorreu

uma evasatildeo do assentamento Eles natildeo tinham viacutenculo com a

terra pois esse cadastro do INCRA soacute verificava se a pessoa jaacute

tinha outro tiacutetulo no nome dela outra propriedade cadastrada

no nome se possuiacutea vinculo com o serviccedilo publico tipo se era

concursado em oacutergatildeo puacuteblico Logo podia ser que essas

pessoas estivessem enquadradas como produtor ou trabalhador

rural para o INCRA mas na verdade sempre moraram na

cidade nunca haviam trabalhado com a terra nunca tinham

criado um frango sequer nunca tiraram um litro de leite

(ENTREVISTA com Gilmar agricultor familiar de Vila Rica-

MT realizada pela autora em marccedilo de 2015) Grifos da autora

No municiacutepio de Vila Rica verificamos a partir da anaacutelise de documentos

que as origens de seus assentamentos rurais foram distintas mesmo que nos dados

oficiais indicados na Tabela 1 todos eram regularizados e reconhecidos pelo INCRA

na deacutecada de 1990

Quando verificamos os dados do Sindicato dos Trabalhadores Rurais do

municiacutepio de Vila Rica da Comissatildeo Pastoral da Terra e da Prelazia de Satildeo Feliz do

69

Araguaia os quais foram tambeacutem confrontados com os testemunhos orais dos

assentados identificamos que alguns dos assentamentos rurais datavam da deacutecada de

1980

Reafirmamos que suas histoacuterias estatildeo vinculadas agrave histoacuteria do Araguaia a

qual eacute marcada por uma seacuterie de conflitos no que tange agrave luta pela terra considerada

enquanto direito Direito pelo qual muitas vezes os posseiros e os indiacutegenas pagaram

com as suas proacuteprias vidas ou de seus parentes

Uma carta do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT evidencia

a complexidade em torno da luta pela posse da terra Esse registro foi apresentado ao

presidente do INCRA como base para uma anaacutelise da situaccedilatildeo das terras consideradas

improdutivas as quais em sua maioria eram remanescentes da Colonizadora Vila Rica

Ltda e que a desapropriaccedilatildeo das mesmas era condiccedilatildeo necessaacuteria para a sobrevivecircncia

dos trabalhadores que as reocuparam

Figura 5 Carta do Sindicato dos Trabalhadores Rurais para o INCRA (1990)

Fonte Arquivo do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT

2015

70

Ressaltamos que a exposiccedilatildeo dos argumentos dos dirigentes do Sindicato dos

Trabalhadores Rurais de Vila Rica teve por base a compreensatildeo de que as terras

remanescentes da colonizadora eram ldquoimprodutivasrdquo segundo os criteacuterios do Estatuto

da Terra Nessa situaccedilatildeo os proprietaacuterios deixavam de cumprir a funccedilatildeo social da terra

possibilitando sua desapropriaccedilatildeo legal para fins de Reforma Agraacuteria

Apesar da ocorrecircncia de reivindicaccedilotildees formalizadas via cartas ofiacutecios e

outras formas de solicitaccedilatildeo feitas aos oacutergatildeos responsaacuteveis pela Questatildeo Agraacuteria no

Araguaia mato-grossense alguns relatos orais descreveram a reocupaccedilatildeo das fazendas

como uma accedilatildeo implementada de maneira paciacutefica por parte dos posseiros Poreacutem

houve tambeacutem atitudes e praacuteticas de violecircncia na accedilatildeo de alguns fazendeiros em relaccedilatildeo

agrave expulsatildeo dos posseiros A luta pela posse da terra no municiacutepio de Vila Rica ocorreu

de forma conflituosa Embora natildeo tatildeo violentos como em outros municiacutepios como em

Santa Terezinha em Porto Alegre do Norte e em outros onde vaacuterios posseiros foram

mortos por fazendeiros

Vale destacar que muitas pessoas que reocuparam as aacutereas de fazendas hoje

assentamentos rurais em Vila Rica eram em sua maioria membros associados ao

Sindicato dos Trabalhadores Rurais daquele municiacutepio Quando estaacutevamos em atividade

de visita ao um dos assentamentos durante a pesquisa de campo uma assentada nos

relatou queldquo[] o papel do Sindicato geralmente era o de solicitar a regularizaccedilatildeo da

terra bem como o processo de formaccedilatildeo e o de organizaccedilatildeo da base no caso os

trabalhadores pobre sem terra principalmente os filiados do STRrdquo (ENTREVISTA

com Clainir Agricultora Familiar membro da direccedilatildeo do STR realizada pela autora em

marccedilo de 2015) O Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica tambeacutem fazia a

mediaccedilatildeo entre os assentados e o Poder Puacuteblico sobretudo com o INCRA Foi esse

sindicato que orientou a criaccedilatildeo das associaccedilotildees conforme o relato a seguir

[] noacutes do sindicato trabalhaacutevamos visando evitar os conflitos

e o processo de despejo pois priorizaacutevamos a montagem e a

reinvindicaccedilatildeo do processo de desapropriaccedilatildeo das fazendas a

demarcaccedilatildeo dos lotes homologaccedilatildeo cadastramento e o

assentamento das famiacutelias [] E depois os posseiros iam

pleitear as linhas de credito para habitaccedilatildeo e

alimentaccedilatildeofomento depois as demais linhas do Pronaf A

Pronaf C e outros investimentos de custeio Eacute assim que comeccedila

os assentamentos esse processo eacute geral em todo lugar Quando

71

digo que agente noacutes do sindicato evitava conflito natildeo estou

dizendo que conseguimos pois eacute importante lembrarmos que

tivemos muitos momentos complicados Houve ameaccedilas de

morte teve despejos de posseiros teve gente que perdeu tudo

que havia plantado quando foram expulsos da terra Ainda bem

que sempre podemos contar com o suporte da Igreja e da CPT

se natildeo fosse essas instituiccedilotildees noacutes estariacuteamos numa situaccedilatildeo

muito pior assentamento eacute luta nessa regiatildeo do Araguaia

Entatildeo nem se fala teve quem pagou com a vida Hoje fico

vendo muitos assentados vendendo suas terras a preccedilo de nada

e reclamando de dificuldades fico pensando o povo parece que

agraves vezes esquece a luta O INCRA eacute fundamental mas erra

tambeacutem quando coloca gente na terra sem levar em conta que

para viver no campo precisa ter aptidatildeo para trabalhar na

terra Percebo que mais esvazia o assentamento eacute quem natildeo

sabe lidar com roccedila (ENTREVISTA Ibidem)

Os serviccedilos voltados para a melhoria da infraestrutura como estradas pontes

e outras benfeitorias nos ldquoprimeiros temposrdquo de formaccedilatildeo dos assentamentos rurais

eram feitos pelos proacuteprios moradores A prefeitura alegava que natildeo dispunha de

recursos para investir em assentamentos rurais que ainda natildeo haviam sido regularizados

Essa situaccedilatildeo foi praticamente igual em todos os assentamentos rurais oriundos da

reocupaccedilatildeo de fazendas de Vila Rica-MT

Os espaccedilos puacuteblicos como escola barracatildeo da associaccedilatildeo Igreja campo de

futebol etc estatildeo geralmente localizados nas antigas sedes das fazendas Isso se repete

em todos os assentamentos rurais estudados em Vila Rica-MT

22 Os assentamentos rurais do municiacutepio de Vila Rica-MT

O processo de formaccedilatildeo dos assentamentos rurais no municiacutepio mato-

grossense de Vila Rica natildeo ocorreu de modo linear nem mesmo obedeceu a uma

padronizaccedilatildeo Portanto faz-se necessaacuterio problematizar a formaccedilatildeo de cada um deles

individualmente lanccedilando matildeo de diferentes fontes documentais Alguns assentamentos

rurais possuem documentos e outros tecircm sua historicidade presente somente na

memoacuteria dos assentados Daiacute a importacircncia de se conhecer as singularidades descritivas

desses ldquoadereccedilos sociaisrdquo procurando trazer para o diaacutelogo a forma constitutiva de cada

um deles

A trajetoacuteria construiacuteda pelos agricultores familiares estaacute presente em suas

memoacuterias as quais podem ser mais bem compreendidas quando nos remetemos agrave

72

concepccedilatildeo definida por Thompson (1992) segundo o qual a memoacuteria eacute constituiacuteda a

partir da habilidade que os indiviacuteduos tecircm em compreender suas experiecircncias bem

como o interesse deles em contar as suas experiecircncias de vida uma vez que as

lembranccedilas se revelam de forma mais concisa quando o relembrar dos acontecimentos

estaacute correspondendo aos seus proacuteprios interesses e necessidades

Daiacute a importacircncia em se atentar tambeacutem ao que natildeo estaacute dito e ao que natildeo

pode ser dito pelo narrador Neste caso o silenciamento sobre determinados temas

constituem relativa importacircncia para intensificar a seguranccedila que o entrevistado tem ou

quer passar nas proacuteprias narrativas Para tanto eles selecionam o que dizem e aquilo que

natildeo deve se tornar puacuteblico Um exemplo obtido atraveacutes de entrevista com um dos

assentados chamou a atenccedilatildeo pela forma como ele gesticulava ao contar sua trajetoacuteria

de vida Foi possiacutevel perceber o quanto as questotildees natildeo ditas mencionadas por

Thompson (1992) tornam-se relevantes na praacutetica de trabalhos que dependem da

metodologia das fontes orais como no caso dessa pesquisa

Ao relatar a sua trajetoacuteria de vida o depoente sentado em uma cadeira

encostando-se a uma aacutervore e com as pernas balanccedilando passava ldquoaos meus olhosrdquo a

sensaccedilatildeo de ser uma pessoa muito tranquila para falar sobre si e seus afazeres

Revelava-se estar muito orgulhoso do siacutetio que tinha mas no decorrer da entrevista foi

perceptiacutevel que quando o assunto natildeo o agradava por se tratar de algo que o marcou

como uma experiecircncia que natildeo lhe remetia para boas lembranccedilas ele parava de balanccedilar

as pernas e baixava a cabeccedila A projeccedilatildeo de futuro foi um assunto que evidentemente

natildeo o agradava quando afirmou

[] sofro muito soacute em pensar o que possa acontecer se eu

morrer primeiro ela vai ter que vender e dividir entre os filhos

pois natildeo daraacute conta de cuidar sozinha Se eacute ela quem morre

primeiro sou eu quem teraacute que vender Isso sim eacute doiacutedo pra

noacutes depois de tanta luta pra organizar o siacutetio terminar nas

matildeos de sei laacute quem Esse siacutetio pra mim natildeo tem preccedilo mas eacute

uma pena que nossos filhos natildeo pensam igual Quando eles

querem um dinheiro dizem ldquomatildee pai me manda aiacute tantordquo mas

vejo que o forte deles natildeo eacute morar no siacutetio (ENTREVISTA

com Joatildeo Neto agricultor Familiar do assentamento Satildeo Joseacute

realizada pela autora em marccedilo de 2015)

O relato possibilita a reflexatildeo sobre os diversos significados produzidos a

respeito da concepccedilatildeo e das formas de usos da terra para os agricultores familiares

como o significado da posse da terra a relevacircncia das lutas e da conquista assim como

73

a busca pela continuidade da tradiccedilatildeo na convivecircncia com o espaccedilo rural Aleacutem da

preocupaccedilatildeo praacutetica com a falta de continuidade familiar no trabalho do siacutetio existe

uma preocupaccedilatildeo com o futuro incerto capaz de apagar da memoacuteria o viacutenculo desse

agente histoacuterico com a terra Percebe-se o desejo de eternizar esse viacutenculo e o valor

sentimental dessa terra que para ele natildeo tem preccedilo

A narrativa torna possiacutevel identificar o papel dos agentes histoacutericos na

construccedilatildeo da historiografia agraacuteria de Mato Grosso As pesquisas natildeo datildeo muita

importacircncia aos assentamentos rurais mais particularmente agraves trajetoacuterias de vida dos

agricultores familiares

Por outro lado as evidecircncias mostram que os assentados exercem um papel

importantiacutessimo na formaccedilatildeo dos assentamentos rurais Nesse sentido eles natildeo podem

estar agrave ldquomargemrdquo das lutas travadas pelas instituiccedilotildees agraves quais estatildeo vinculados No

caso de Vila Rica-MT as entidades que se destacam nas narrativas sobre as lutas pela

terra satildeo a CPT o Sindicato dos Trabalhadores Rurais a Prelazia de Satildeo Feliz do

Araguaia e o INCRA

221 O Assentamento Rural Satildeo Joseacute

O Assentamento Rural Satildeo Joseacute em Vila Rica-MT resultou de uma

reocupaccedilatildeo que teve iniacutecio no ano de 1995 Foram os proacuteprios ldquoposseirosrdquo que

demarcaram os seus lotes e construiacuteram as casas provisoacuterias que eram cobertas de palha

e lona Posteriormente os ocupantes comeccedilaram a cultivar roccedilas para o consumo

proacuteprio e outras atividades como a pesca a caccedila e a extraccedilatildeo de madeira (EMPAER

2010)

Segundo relato de um dos assentados a estruturaccedilatildeo dos lotes em termos de

construccedilotildees estruturais e preparaccedilatildeo do solo para o cultivo eram realizadas atraveacutes do

trabalho dos proacuteprios assentados Joatildeo Neto diz ldquo[] eu e a minha esposa fizemos tudo

isso plantamos tudo que tem nesse siacutetio tudo escolhido por noacutes cada plantinha dessa

aqui eacute do sitio que a gente viverdquo (ENTREVISTA com Joatildeo Neto agricultor Familiar do

assentamento Satildeo Joseacute realizada pela autora em marccedilo de 2015)

Outro relato permite identificar algumas ocorrecircncias instigantes relacionadas

agrave formaccedilatildeo do Assentamento Rural Satildeo Joseacute

74

[] o Projeto de assentamento Satildeo Joseacute eacute resultado da invasatildeo

invasatildeo natildeo essa natildeo eacute a palavra apropriada para designar o

que fizemos Na verdade noacutes ocupamos uma fazenda que jaacute

natildeo estava mais produzindo Geralmente quem fala invasatildeo

satildeo pessoas que se colocam contra os assentamentos rurais

[] Em 1997 isso tudo foi ocupado por pessoas que moravam

na cidade sem-terra e filhos de pequenos agricultores [] E

foi assim que a antiga Fazenda Satildeo Joseacute se transformou em um

assentamento rural ou melhor P A Satildeo Joseacute eacute assim que a

gente costuma chamar (ENTREVISTA com Clainir Mafra

Agricultora familiar assentada no PA Satildeo Joseacute realizada pela

autora em marccedilo de 2015)

Nesta narrativa sucinta percebe-se que diferentes satildeo as denominaccedilotildees de

agentes histoacutericos em cena O argumento principal eacute que eles natildeo satildeo ldquoinvasoresrdquo e sim

ldquomoradores da cidaderdquo ldquosem terrasrdquo e ldquofilhos de pequenos agricultoresrdquo demonstrando

uma construccedilatildeo de identidade daqueles que reocuparam a Fazenda Satildeo Joseacute ligada agrave

terra e agrave necessidade de sobrevivecircncia uma vez que satildeo legiacutetimos ocupantes como os

ldquofilhos de pequenos produtoresrdquo que precisam de mais terra para se reproduzir

socialmente e continuar o viacutenculo familiar com a terra

Fazendeiros proprietaacuterios filhos de pequenos agricultores moradores da

cidade e sem-terra se colocam como posseiros que participaram da luta pela terra

Percebe-se que a formaccedilatildeo do assentamento rural se deu a partir dessa luta que ocorreu

graccedilas agrave uniatildeo dos posseiros

Na verdade a gente natildeo era bobo quando ocupamos uma aacuterea

que iraacute ser assentamento Natildeo adianta querer crescer o olho

pois o INCRA tem o seu modo de medir a terra entatildeo o certo eacute

tirar o siacutetio no tamanho certinho assim natildeo complica Noacutes

agiacuteamos em conjunto meio assim uns por todos []

(ENTREVISTA com Clainir Mafra Agricultora familiar

assentada no PA Satildeo Joseacute realizada pela autora em marccedilo de

2015)

Atraveacutes do relato citado percebemos que os posseiros se adaptavam aos

criteacuterios do INCRA e tinham na uniatildeo uma ferramenta poliacutetica capaz de fortalececirc-los e

agregar conhecimentos e experiecircncias capazes de fundamentar estrateacutegias para

conseguir o direito agrave terra A uniatildeo para a abertura das aacutereas a serem reocupadas eacute

evidenciada no seguinte relato oral

75

[] acho que eacuteramos em meacutedia umas 200 ou 250 pessoas que

ocuparam e jaacute foram demarcando suas aacutereas usando foice

facatildeo machado e motosserra alguns que tinham motosserra a

maioria era com a foice e o machado na estrada no Rio Satildeo

Marcos com aacutegua Fizemos os barracos derrubando

plantando arroz milho e pensando em formaccedilatildeo de pasto

(ENTREVISTA com Joatildeo Neto assentado Satildeo Joseacute realizado

pela autora em marccedilo de 2015)

Esse depoimento demonstra a capacidade de uniatildeo e a organizaccedilatildeo dos

posseiros A diferenciaccedilatildeo social entre eles natildeo travou sua organizaccedilatildeo O relato a

seguir mostra essa relaccedilatildeo

Muita gente pobre pobre mesmo Mas natildeo posso negar que um

ou outro que ocupou a terra como posseiro quando na verdade

natildeo tinha o perfil pois tinha dinheiro Por mais que o Sindicato

fala ldquoacompanha e orienta semprerdquo passa algum que estaacute

fora do padratildeo dos agricultores familiares Eacute assim agraves vezes

nem o sindicato e nem o INCRA tem como controlar tudo ateacute

porque as pessoas tecircm um comeacutercio ou algum outro meio de

ganhar dinheiro mas natildeo estaacute no nome dela e daiacute o que haacute de

fazer eacute complicado achar que vai controlar essas coisas tudo

(ENTREVISTA com Joatildeo Neto assentado Satildeo Joseacute realizada

pela autora em marccedilo de 2015)

Percebemos que entre os proacuteprios posseiros era evidente que nem todos

possuiacuteam o ldquoperfilrdquo de agricultores familiares ou segundo criteacuterio do INCRA se

enquadrava como ldquoclientela de Reforma Agraacuteriardquo Era recorrente a percepccedilatildeo de que

estes oacutergatildeos e entidades que acompanharam o processo natildeo tinham condiccedilotildees objetivas

de definir com precisatildeo quem tinha o perfil e quem deveria ser impedido de tomar

posse dos lotes que constituem o Assentamento Rural Satildeo Joseacute

Para aleacutem da questatildeo da diferenciaccedilatildeo dos posseiros outro fato importante eacute

que eles adquiriram lotes de qualidade duvidosa uma vez que a terra estava em situaccedilatildeo

de degradaccedilatildeo extrema poreacutem aceitaram-na visto natildeo dispor de capital financeiro para

investir em tecnologias de melhoramento do solo somado agrave falta de infraestrutura e

dificuldade de acesso para uma parte dos assentados

76

Ah Tem uma coisa que lembrei pra te contar Eacute que tem uma

parte que foi denominada de Jamaica por ser de difiacutecil acesso

era muito complicado para a gente chegar laacute Coitados dos que

foram para aquela parte de laacute sofreram o isolamento natildeo

tinha entrada por causa do rio Satildeo Marcos e assim ficaram por

um bom tempo Aiacute eacute o que digo sempre jaacute foi difiacutecil pra gente

imagina para aqueles coitados de laacute (ENTREVISTA com Joatildeo

Neto assentado Satildeo Joseacute realizado pela autora em marccedilo de

2015)

Aleacutem da diferenciaccedilatildeo entre os posseiros das dificuldades do espaccedilo social

conquistado o entrevistado destaca que natildeo ocorreram conflitos entre o proprietaacuterio da

Fazenda Satildeo Joseacute e os posseiros No entanto as dificuldades vivenciadas por eles

foram inuacutemeras sobretudo para aqueles posseiros que ocuparam as aacutereas mais distantes

da estrada

Eu falo sempre aqueles primeiros tempo era o que podemos

chamar de tempos das dificuldades Eacute como eu te disse antes

aqui natildeo teve conflito como teve em outros assentamentos

Acho que isso foi porque o fazendeiro devia para o banco pois

fez empreacutestimo para manter a fazenda assim diz o povo mas

sabe se isso eacute verdade [] Entatildeo isso fez com que natildeo

houvesse conflito entre os fazendeiros e os posseiros []

(ENTREVISTA com Joatildeo Neto assentado Satildeo Joseacute realizada

pela autora em marccedilo de 2015)

O relato revela indiacutecios de que o dono da Fazenda Satildeo Joseacute tinha manifestado

interesse em vender a aacuterea para o INCRA devido agrave contraccedilatildeo de diacutevidas Mas eacute

possiacutevel ponderar que a ecircnfase na versatildeo de que natildeo houve conflito eacute tambeacutem uma

estrateacutegia dos posseiros Durante a deacutecada de 1990 mais precisamente durante o

Governo de Fernando Henrique Cardoso foi adotada a poliacutetica governamental de natildeo

regulamentar as terras que tivessem sido ocupadas atraveacutes de conflitos Quando

ocorriam disputas a terra natildeo era reconhecida pelo INCRA enquanto aacuterea passiacutevel de

desapropriaccedilatildeo para transformaacute-la em um assentamento rural

Essa poliacutetica se justificava pelo dispositivo reconhecido juridicamente como

ldquousucapiatildeordquo segundo o qual o posseiro soacute teria direito a terra quando a mesma fosse

ocupada de forma ldquomansa e paciacuteficardquo16

Em um assentamento rural planejado o

primeiro ato consiste na aquisiccedilatildeo da aacuterea para depois ocupaacute-la atraveacutes da distribuiccedilatildeo

dos lotes de acordo com criteacuterios estabelecidos pelo o INCRA

16 A ldquoocupaccedilatildeo mansa e paciacuteficardquo eacute um princiacutepio consagrado pela Lei de Terras de 1850

77

Na anaacutelise de outros documentos disponibilizados pelo STR percebe-se que

por um periacuteodo superior a um ano os posseiros foram viacutetimas de ameaccedilas e boatos de

que o dono da fazenda faria o despejo accedilatildeo que natildeo chegou a se efetivar Logo o STR

Vila Rica-MT entrou com pedido de desapropriaccedilatildeo da fazenda e em seguida o

INCRA deu andamento ao processo de regularizaccedilatildeo comeccedilando a discussatildeo e o

encaminhamento para a compra de toda a aacuterea

Consta nos documentos analisados que o INCRA procurou regularizar o

assentamento rural atraveacutes de uma accedilatildeo conjunta com o STR com vista agrave necessidade

de agilizar a organizaccedilatildeo do cadastro dos agricultores familiares por meio da

Associaccedilatildeo que jaacute existia desde antes da accedilatildeo do INCRA Foi atraveacutes dela que esses

agricultores se mobilizaram para construir estradas e escola Somente depois de um ano

da reocupaccedilatildeo a prefeitura passou a operar de forma mais efetiva juntamente com o

INCRA com o objetivo consolidar o Assentamento Rural Satildeo Joseacute Depois da

regularizaccedilatildeo foi liberado o creacutedito para a aquisiccedilatildeo de gado e melhorias na

infraestrutura

Segue uma narrativa que possibilita a problematizaccedilatildeo dessa questatildeo

[] quando a gente chegou aqui no dia que cheguei tinha trecircs

cancelas trancadas Tinha o pessoal dali que natildeo queria que a

gente entrasse O gerente natildeo deixava a gente entrar mas tinha

um menininho pequenino do tamanho daquele ali Aiacute eu trazia

balinha bombom e dava pra ele Aiacute quando ele me via corria

eu vinha pra caacute era de bicicleta De Vila Rica-MT pra caacute eu

vinha de bicicleta com uma ldquocarguinhardquo na garupa Mas o

que eu vinha fazer eu trazia soacute foice Aiacute vinha e passava meio

debaixo dos arames e ia roccedilando Rocei um pedaccedilo de mato e

voltei pra Vila Fui trabalhar para ganhar dinheiro para

comer ldquoAiacute quando foi um dia falou Zeacute Roberto eu passei na

sua roccedilardquo o Joseacute Roberto falou o fogo estaacute acabando de

queimar a sua roccedilardquo Que horas Umas oito horas da noite eu

passei laacute e fogo estava acabando de queimar a sua roccedilardquo

ldquoEntatildeo natildeo queimou a roccedila natildeordquo Cheguei aqui estava tudo

queimado Aiacute o que eu fiz foi imediatamente soacute eu mesmo com

umas panelinhas e jaacute ldquobarrequeirdquo aqui e fui furar cisterna

Trouxe um rapaz para furar o poccedilo Furou o poccedilo eu vim fazer

o barriquinho Ai amiga velha aqui soacute mato (ENTREVISTA

com Joatildeo Neto assentado de Satildeo Joseacute realizada pela autora

em marccedilo de 2015)

O relato demonstra a necessidade que estes agentes histoacutericos tecircm em

enfatizar que a posse da terra dava-se com muito sacrifiacutecio dos posseiros com a ajuda

78

de outros que avisavam e auxiliavam a cuidar da roccedila Portanto a integraccedilatildeo e a

solidariedade faziam parte do cotidiano de vida deles principalmente sabendo da

necessidade que alguns tinham de sair da ldquoposserdquo para trabalhar na aacuterea urbana ou

mesmo em outras propriedades rurais em busca de sobrevivecircncia motivo pelo qual natildeo

podiam morar exclusivamente na ldquoposserdquo

Os ldquoposseirosrdquo enfrentaram dificuldades para ldquoabrirrdquo fazer o plantio e para

construir as casas em seus lotes pois sem apoio do poder puacuteblico tiveram que

desenvolver as suas proacuteprias condiccedilotildees de sobrevivecircncia seja na construccedilatildeo de

barracos casas ou cultivo das roccedilas Tambeacutem havia problemas de ordem financeira que

implicavam na condiccedilatildeo elementar de sobrevivecircncia no lote Nem todos possuiacuteam

recursos para se manter nos espaccedilos socialmente delimitados ateacute que as roccedilas

comeccedilassem a produzir para a alimentaccedilatildeo dos membros das famiacutelias

Alguns posseiros precisaram conciliar as atividades do lugar proacuteprio de

produccedilatildeo com outras atividades como derrubar a mata para dela retirar madeira e

vender para as serrarias ou trabalhar em outros siacutetios para conseguir dinheiro suficiente

para suprir as necessidades baacutesicas para o sustento da famiacutelia Durante o periacuteodo da

pesquisa de campo eram frequentes as narrativas afirmando ser o trabalho assalariado

uma praacutetica corriqueira entre a maioria dos posseiros mais pobres

Uma estrateacutegia foi o trabalho acessoacuterio nas aacutereas urbanas

[] e pra mim comer aqui trabalhava uma semana aqui e ia

trabalhar na diaacuteria para os outros Trabalhava uma semana

para o Valdemar Senna trabalhava uma semana para o

Aguiarro para o dono do hotel Marajoacute laacute no fundo E daiacute por

diante eu agraves vezes tirava madeiras para algumas pessoas

derrubava um pouquinho de mato para uma pessoa pra mim

comer a minha esposa trabalhava no coleacutegio eu fazia meus

bicos e ela empregada laacute na estadual Entatildeo ela tambeacutem me

ajudava muito Pegava o salarinho dela para comprar coisa em

casa pra comprar gaacutes pra me ajudar em casa tambeacutem Entatildeo

ldquomorreurdquo tudo assim eu e ela trabalhando para manter a

posse Noacutes pegamos primeiro uma cesta baacutesica que chamava

fomento [] eu natildeo me lembro do valor se foi se natildeo me

engano foi mil e alguma coisa (ENTREVISTA com Joatildeo

Neto assentado de Satildeo Joseacute realizada pela autora em marccedilo de

2015)

Naquele contexto tambeacutem havia posseiros que eram comerciantes servidores

puacuteblicos e ateacute antigos funcionaacuterios da Fazenda Satildeo Joseacute que tinham um maior poder

79

aquisitivo Esses eram os principais contratantes dos posseiros que precisavam vender

sua forccedila de trabalho

222 O Assentamento Rural Ipecirc

Para conseguir compreender a formaccedilatildeo do Assentamento Rural Ipecirc foi

necessaacuterio visitar o local para perceber as especificidades Isso porque o contato direto

entre pesquisador e seus entrevistados acompanhado por conhecidos foram

significativas Atraveacutes dessa proximidade foi possiacutevel aos entrevistados o uso de suas

memoacuterias que possibilitaram relembrar a condiccedilatildeo humana de luta pela sobrevivecircncia

e que fez os homens e mulheres sujeitos da proacutepria histoacuteria

Comecemos por um espaccedilo bem instigante O Assentamento Rural Ipecirc

originou-se da compra da Fazenda Ipecirc que havia sido ocupada antes numa accedilatildeo

apoiada pelo STR O INCRA apresentou a possibilidade de fazer um assentamento rural

modelo construiacutedo atraveacutes de um planejamento de acordo com as diretrizes do MDA

para a criaccedilatildeo de assentamentos rurais

A luta pela conquista do seu espaccedilo social de produccedilatildeo ocorreu em 1999

quando os posseiros ocuparam toda a aacuterea da Fazenda Ipecirc e fizeram a divisatildeo dos lotes

abrindo estradas por meio de ldquopicadatildeordquo embora maior parte da aacuterea jaacute estivesse

ocupada com pastagens

Em carta aberta escrita pela Comissatildeo Municipal de Reforma Agraacuteria na

mesma deacutecada as lideranccedilas do movimento tentavam esclarecer agrave populaccedilatildeo de Vila

Rica-MT sobre os acontecimentos e ao mesmo tempo procuraram chamar a atenccedilatildeo

das autoridades vinculadas agrave Questatildeo Agraacuteria Simultaneamente esse documento

revelou uma concepccedilatildeo da estrateacutegia e da luta pela posse da terra Tanto os dirigentes do

STR como as outras instituiccedilotildees em determinado momento viram-se na luta na

condiccedilatildeo de aliados dos oacutergatildeos governamentais como o INCRA e a prefeitura

municipal de Vila Rica-MT

Por esse documento podemos saber que a Comissatildeo Municipal de Reforma

Agraacuteria do municiacutepio era composta por representantes de instituiccedilotildees e entidades

vinculadas agrave Questatildeo Agraacuteria e visava consolidar um assentamento rural que atendesse

aos padrotildees estabelecidos pela poliacutetica de criaccedilatildeo de assentamentos pelo INCRA

80

Logo havia interesse dos oacutergatildeos governamentais e do STR para a conquista

do que viria a ser o primeiro assentamento rural do Araguaia mato-grossense Ele foi

construiacutedo a partir do imaginaacuterio idealizado pelo Plano de Reforma Agraacuteria da eacutepoca

[] A reforma agraacuteria eacute um anseio da populaccedilatildeo e necessidade

do trabalhador rural A colonizaccedilatildeo de Vila Rica-MT foi

modelo de reforma agraacuteria com a divisatildeo das grandes aacutereas em

pequenas ocupadas por produtores tambeacutem pequenos A partir

de 1998 foi instituiacuteda ldquoA Comissatildeo Agraacuteria do Municiacutepio de

Vila Rica-MTrdquo com o objetivo de coordenar agraves atividades

ligadas a Questatildeo Agraacuteria no acircmbito municipal Esta comissatildeo

em parceria com o INCRA e sociedade envolvida organizou os

trabalhos de classificaccedilatildeo dos sem terras selecionando 500 em

uma relaccedilatildeo de 1700 inscritos no Sindicato dos Trabalhadores e

Prefeitura para assentaacute-los na Fazenda Ipecirc ateacute entatildeo objeto de

desapropriaccedilatildeo para fins da reforma agraacuteria A relaccedilatildeo de

classificados feita conforme legislaccedilatildeo competente e os

meacutetodos estabelecidos pela a proacutepria comissatildeo foram

apresentados ao INCRA que fez o cadastramento no SIPRA-

Sistema de Informaccedilatildeo de Projetos da Reforma Agraacuteria Aleacutem

de organizar esta classificaccedilatildeo a comissatildeo conscientizou os

futuros assentados a evitar a invasatildeo da Fazenda e sim aguardar

as devidas providecircncias que seriam tomadas pelo INCRA para

que o assentamento fosse feito com clientes da reforma agraacuteria

trabalhadores sem-terra e que pudesse ser modelo para a

regiatildeo [] Para a decepccedilatildeo das 500 famiacutelias de trabalhadores

(as) sem-terra sipradas e de pessoas ligadas ao processo um

grande nuacutemero de estranhos entre eles fazendeiros

comerciantes e pequena parte dos sem-terra siprados17

invadiram a aacuterea da fazenda Ipecirc entre a reuniatildeo de 260399 a

300399 despeitando os que haacute dois anos honesta e

sofridamente aguardavam a tramitaccedilatildeo legal Com a chegada

dos representantes do INCRA a Comissatildeo Municipal de

Reforma Agraacuteria representantes de outras intensidades diante

do fato da invasatildeo e o processo de assentamento concluiu-se

que []- fosse solicitada com urgecircncia a retirada dos invasores

pelas autoridades em niacuteveis federal estadual e municipal

(CARTA ABERTA- STR de Vila Rica-MT marccedilo de 2015)18

Os envolvidos no processo de organizaccedilatildeo do assentamento rural ficaram

desapontados ao serem surpreendidos pela invasatildeo da aacuterea por outros agentes que natildeo

tinham sido selecionados no Sistema de Informaccedilatildeo de Projetos da Reforma Agraacuteria e

que tampouco atendiam aos criteacuterios do Programa

17 Expressatildeo utilizada para caracterizar os assentados rurais cadastrados no INCRA

18 A carta na integra estaacute disponibilizada nos arquivos do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de

Vila Rica- MT analisados pela autora da pesquisa em marccedilo de 2015

81

A partir do depoimento do gerente da Fazenda Ipecirc da eacutepoca eacute possiacutevel

compreender de forma mais clara as estrateacutegias adotadas pelos posseiros e pelo

fazendeiro no processo de loteamento do Assentamento Rural Ipecirc

[] Ipecirc naquela eacutepoca causou um intenso movimento de

trabalhadores desbravando a aacuterea e plantando capim A aacuterea

possuiacutea 26 mil hectares [] em 18 anos desmataram apenas

20 dessas terras ela era considerada a maior fazenda da

regiatildeo [] Em 1997 comeccedilou a fofoca de venda da aacuterea que

se prolongou por dois anos Tinha ordem de natildeo deixarem

invadir possuiacutea uma patrulha de vigia dia e noite O INCRA

inicia a negociaccedilatildeo com o gerente da eacutepoca que era

autorizado pelo proprietaacuterio A pessoa responsaacutevel ia para

Cuiabaacute- MT Satildeo Felix do Araguaia- MT Rio de Janeiro e

Uberaba em Minas Gerais para se reunir com o dono e

discutir as propostas Como demorou a desapropriaccedilatildeo as

pessoas comeccedilaram a invadir a aacuterea realizaram vaacuterias

reuniotildees com as pessoas para que mantivessem a calma

(ENTREVISTA com Ideu Ex-gerente da Fazenda Ipecirc realizada

por Regina Ceacutelia em 2006)

Ressaltamos que o relato oral apresenta uma linguagem especiacutefica que repete

a ideia de que a reocupaccedilatildeo foi uma ldquoinvasatildeordquo numa perspectiva comum entre os

proprietaacuterios de terra que natildeo compreendiam a luta pela terra Ao contraacuterio do que estaacute

expresso na Carta Aberta o ex-gerente atribui os motivos da bdquoinvasatildeo‟ agrave ldquomorosidaderdquo

na efetivaccedilatildeo do processo de desapropriaccedilatildeo da terra Apesar de tambeacutem fazer

referecircncias agraves reuniotildees que ocorreram no sentido de manter os agricultores familiares

informados sobre o processo de desapropriaccedilatildeo da fazenda para efeito de criaccedilatildeo do

assentamento rural

A consolidaccedilatildeo do assentamento rural soacute veio de fato a acontecer a partir das

denuacutencias feitas pela Comissatildeo Municipal de Reforma Agraacuteria com anuecircncia do

Sindicato dos Trabalhadores Rurais da Comissatildeo Pastoral da Terra e de outras

entidades envolvidas com a Questatildeo Agraacuteria e na luta pela terra em Vila Rica- MT

Segundo documentos19

do STR foi a partir desse fato que o INCRA entrou

com um Mandato de Seguranccedila exigindo a saiacuteda imediata dos ldquoposseirosrdquo sob a

alegaccedilatildeo de ser esta a condiccedilatildeo principal para a aquisiccedilatildeo da aacuterea e a demarcaccedilatildeo dos

lotes no assentamento rural Isso em funccedilatildeo de uma legislaccedilatildeo que regia os processos

19 Os documentos satildeo de diversas tipologias (ofiacutecios cartas atas relatoacuterios e etc)e estatildeo

disponibilizados nos arquivos do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT

82

de criaccedilatildeo dos assentamentos rurais Em 1998 jaacute havia sido declarado pelo Decreto nordm

157 que a aacuterea da Fazenda Ipecirc era de interesse social para efeito das poliacuteticas de

Reforma Agraacuteria

De acordo com o depoimento de uma assentada a qual tambeacutem era na eacutepoca

da diretoria do STR de Vila Rica-MT e estivera desde o processo inicial de formaccedilatildeo do

assentamento rural eacute possiacutevel perceber que

[] os primeiros trecircs anos do assentamento foram de

dificuldades para os assentados pois o mesmo natildeo possuiacutea

infraestrutura como estrada pontes e etc Somente 70 as

famiacutelias receberam creacutedito para fomento enquanto as demais

famiacutelias ficaram agrave mercecirc sem apoio do Poder Puacuteblico por um

bom tempo (ENTREVISTA com Clainir Agricultora Familiar

membro da direccedilatildeo do STR realizada pela autora em marccedilo de

2015)

O periacuteodo compreendido entre 2001 e 2010 foi o momento de maior

alavancada do Assentamento Rural Ipecirc pois recebeu um percentual significativo de

recursos vinculados agraves linhas de creacuteditos do Programa Nacional de Fortalecimento da

Agricultura Familiar como Pronaf -A Pronaf - AC Pronaf - C Pronaf -D e Pronaf -

Mulher A disposiccedilatildeo desses recursos segundo informaccedilotildees obtidas atraveacutes dos

relatoacuterios da Empaer da Secretaria Municipal de Agricultura e do STR de Vila Rica-

MT estavam condicionados para determinados fins e foram destinados agrave aquisiccedilatildeo de

vacas leiteiras construccedilatildeo de curral e de 95 casas bem como agrave edificaccedilatildeo de pontes

estradas e na contrataccedilatildeo de serviccedilos de maacutequinas de esteira (EMPAER 2009)

223 O Assentamento Rural Aracati

A luta pela terra natildeo passa somente por um processo de conquista territorial

mas avanccedila para a necessidade de permanecircncia dos assentados garantida atraveacutes de

apoios e poliacuteticas puacuteblicas

A histoacuteria dos assentamentos rurais em Mato Grosso tambeacutem eacute marcada pela

violecircncia praticada contra os posseiros No caso de Vila Rica-MT os assentamentos

rurais Aracati e Itaporatilde do Norte talvez sejam os dois que mais se identifiquem com

essa caracteriacutestica uma vez que resultantes do processo de reocupaccedilatildeo da Fazenda

83

Aracati que na eacutepoca era de propriedade do senhor Rubens Mendonccedila apresentado

anteriormente como ldquoo pioneirordquo de Vila Rica-MT

A reocupaccedilatildeo da aacuterea provocou conflito entre posseiros e o proprietaacuterio da

fazenda havendo ateacute ameaccedilas de mortes Aleacutem dessas accedilotildees de conflito o proprietaacuterio

contava com o apoio do judiciaacuterio na aplicaccedilatildeo de medidas coercivas contra os

posseiros

No primeiro momento os posseiros foram despejados das terras perdendo

toda a produccedilatildeo das roccedilas jaacute cultivadas conforme descrito no relatoacuterio produzido pela

Empaer (2009 p 48)

No ano de 1980 foi feita a primeira invasatildeo da fazenda Aracaty

por 42 famiacutelias as mesmas fizeram construccedilatildeo de barracos de

plaacutesticos e palha A aacuterea invadida era mata e aberturas com

pastagens Os invasores fizeram aberturas de picadas

derrubadas e plantio de roccedilas Os pistoleiros da fazenda foram

ateacute a aacuterea invadida acionaram a poliacutecia militar e a mesma veio

ateacute o local do conflito

O conflito fundiaacuterio originado na luta pela terra tornou-se mais complexo

com a organizaccedilatildeo e a atuaccedilatildeo do STR e da CPT Em 1990 o Sindicato dos

Trabalhadores Rurais do municiacutepio denunciou internacionalmente a accedilatildeo de

empresaacuterios e fazendeiros conforme mostra a carta reproduzida a seguir

Figura 6 A Carta da Alemanha

84

Fonte Arquivo do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT

Essa articulaccedilatildeo internacional do STR de Vila Rica-MT demonstra a

capacidade de accedilatildeo mobilizadora dos grupos sociais constituiacutedos por homens e

mulheres com perfil ldquocampesinordquo os quais almejavam acesso agrave terra Revela ainda um

niacutevel de organizaccedilatildeo poliacutetica e conhecimento legal sobre os procedimentos juriacutedicos

adotados pelos oacutergatildeos federais no processo de criaccedilatildeo e regularizaccedilatildeo de assentamentos

rurais

Vale ressaltar que a situaccedilatildeo vivenciada pelos posseiros da Fazenda Aracati

ganhou repercussatildeo nacional e internacional Eacute possiacutevel verificaacute-lo pelas diversas coacutepias

das cartas enviadas ao Presidente da Repuacuteblica por vaacuterias entidades inclusive de paiacuteses

como Espanha Itaacutelia Alemanha e outros

Em 1993 a equipe do INCRA compareceu pela primeira vez na aacuterea

visando regularizaacute-la atraveacutes de um contrato de arrendamento com o proprietaacuterio da

Fazenda Aracati No entanto a regularizaccedilatildeo do assentamento rural ocorreu somente

quando a fazenda em questatildeo foi desapropriada para fins de Reforma Agraacuteria sendo

criado entatildeo o assentamento rural ocasiatildeo em que ocorreu o retorno dos posseiros que

haviam sido expulsos

Na eacutepoca foi respeitada a demarcaccedilatildeo realizada anteriormente pelos proacuteprios

posseiros na primeira fase da reocupaccedilatildeo Em consequecircncia dessa situaccedilatildeo quando natildeo

foram estabelecidos criteacuterios de demarcaccedilatildeo os lotes do Assentamento Rural Aracati

possuem ateacute hoje aacutereas diferentes

Segundo informaccedilotildees obtidas atraveacutes das anaacutelises dos documentos que estatildeo

nos arquivos disponibilizados pelo STR de Vila Rica-MT no periacuteodo de 1990 a 1992

pouco se fez em prol da infraestrutura da aacuterea ocupada pelos agricultores familiares

Apenas se verificou a edificaccedilatildeo de uma pequena escola de taacutebua cercas currais e

construccedilatildeo de estradas as quais foram feitas pelos proacuteprios moradores

224 O Assentamento Rural Satildeo Gabriel

O Assentamento Rural Satildeo Gabriel no que se refere a sua constituiccedilatildeo

possui caracteriacutesticas semelhantes ao Assentamento Rural Satildeo Joseacute uma vez que este

85

tambeacutem foi resultado do processo de ocupaccedilatildeo da fazenda Satildeo Gabriel no ano de 1999

Segundo os moradores na eacutepoca em que a fazenda foi ocupada praticamente toda aacuterea

era ainda coberta de mata virgem As primeiras picadas demarcatoacuterias foram realizadas

pelos posseiros A equipe do INCRA foi ao local somente para realizar o cadastramento

dos interessados Os lotes foram distribuiacutedos atraveacutes de sorteio viabilizando a liberaccedilatildeo

de fomento

Como em todos os demais assentamentos rurais do municiacutepio de Vila Rica-

MT no iniacutecio os assentados do Satildeo Joseacute enfrentaram muitas dificuldades como a falta

de infraestrutura sobretudo de estradas como demonstram as informaccedilotildees do relatoacuterio

produzido pelo escritoacuterio da Emapaer de Vila Rica- MT (2006 p 10)

[] no ano de 2000 foi criada a primeira associaccedilatildeo do

assentamento a Associaccedilatildeo dos Pequenos Produtores Rurais da

Comunidade Pedra Alta do Projeto de assentamento Satildeo

Gabriel ndash APPA As famiacutelias comeccedilaram a abrir derrubadas

para plantio de roccedilas e pastagens novamente receberam

fomento creacutedito habitaccedilatildeo Iniciou a primeira escola nas casas

da antiga fazenda IPEcirc assentamento vizinho O INCRA teve

presente no assentamento pra fazer a liberaccedilatildeo das casas O

assentamento foi contemplado com 18 km de estrada feitas pela

prefeitura em parceria com INCRA

Assim como ocorreu em outros Projetos de assentamentos rurais de Vila

Rica-MT a deacutecada de 2000 pode ser considerada um marco importante na histoacuteria do

assentamento Satildeo Joseacute pois naquele periacuteodo houve uma melhoria significativa da

infraestrutura em funccedilatildeo das accedilotildees dos Poderes Puacuteblicos Federal e Municipal

O periacuteodo entre os anos 2001 ateacute 2010 foi marcado por um amplo aumento

nas accedilotildees do poder puacuteblico havendo bastante capacitaccedilatildeoformaccedilatildeo para os

Agricultores Familiares e a liberaccedilatildeo de creacuteditos Pronaf A AC Tais poliacuteticas sociais

puacuteblicas segundo relato oral tinham como objetivo a compra de gado leiteiro

construccedilatildeo de curral contrataccedilatildeo de maacutequinas de esteira construccedilatildeo de casas

construccedilatildeo de pontes e estradas

Atraveacutes de projetos depois da implantaccedilatildeo do Programa Luz para Todos os

assentados conseguiram os resfriadores contemplando toda a aacuterea do assentamento

rural Uma loacutegica do aparelho do Estado era que os posseiros se tornassem produtores

de mercadorias e consumidores para que entrassem no processo de produccedilatildeo

econocircmica capitalista

86

225 O Assentamento Rural Itaporatilde do Norte

O Assentamento Rural Itaporatilde do Norte resultou de um processo de

ocupaccedilatildeo por parte de posseiros em 1986 Nesse periacuteodo houve tentativas de

desapropriaccedilatildeo prisatildeo e ameaccedila contra a vida dos posseiros Estes fatos podem ser

confirmados atraveacutes de documentos como a declaraccedilatildeo exposta a seguir em que um

dos posseiros denunciou as ameaccedilas de morte contra eles

Figura 7 Denuacutencia de Ameaccedila de Morte de posseiro

Fonte Arquivo do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT 2015

87

O documento denuncia a accedilatildeo violenta de intimidaccedilatildeo sofrida por parte de um

dos posseiros no ano de 1988 O significado dessa fonte de pesquisa permite que

conheccedilamos mais claramente o modus operandi dos pretensos proprietaacuterios da terra

assim como a forma com que tentavam manter seus domiacutenios natildeo somente no campo

da justiccedila do direito mas tambeacutem pela criaccedilatildeo de cenaacuterios em que o medo pudesse

fazer parte da rotina dos posseiros das suas esposas e familiares

A criaccedilatildeo de um ambiente tenso e conflituoso com riscos agrave vida de qualquer

um dos familiares era uma estrateacutegia utilizada pelos ldquosenhoresrdquo pretensos proprietaacuterios

da terra em conflito Apesar da situaccedilatildeo do embate e das ameaccedilas somente dez anos

depois o INCRA regularizou a situaccedilatildeo dos posseiros

Um dos principais problemas do assentamento rural eacute decorreu da

demarcaccedilatildeo dos lotes no periacuteodo sendo que o tamanho variava entre 25 a 150 ha O

tamanho do lote oscilava em decorrecircncia da forma de reocupaccedilatildeo anterior agrave

regularizaccedilatildeo e que foi seguida pelo INCRA

As parcelas menores estatildeo abaixo do miacutenimo estipulado pelo MDA que eacute de

35 hectares Segundo o Estatuto da Terra (1964) esta era a aacuterea miacutenima que garantia as

condiccedilotildees de desenvolvimento e potencializaccedilatildeo da funccedilatildeo social da terra Essa

perspectiva teve por base a ideia de que um lote menor que 35 ha natildeo tecircm condiccedilotildees de

garantir as condiccedilotildees sociais e econocircmicas de seus moradores e trabalhadores naquela

aacuterea

Ao observarmos essa questatildeo nos assentamentos rurais analisados eacute

perceptiacutevel que os assentados acabaram tendo que conciliar as atividades declaradas na

posse com outras formas de trabalhos assessoacuterios para garantir as condiccedilotildees

econocircmicas da propriedade

Em 1996 foram cadastradas 184 famiacutelias de posseiros que tinham como

objetivo adquirir recursoscreacuteditos para financiamento das atividades naquele

assentamento rural Desse total 30 natildeo estavam aptas para conseguir o creacutedito

226 O Assentamento Rural Bom Jesus

88

Refletir a partir da histoacuteria do Assentamento Rural Bom Jesus eacute trilhar mais

uma vez as trajetoacuterias de vida de vaacuterias pessoas que migraram para Vila Rica-MT em

busca de melhores condiccedilotildees de vida Essas pessoas foram atraiacutedas pela propaganda da

terra feacutertil e da abundacircncia Nas informaccedilotildees disponibilizadas pelo STR de Vila Rica-

MT os ocupantes desse assentamento eram majoritariamente migrantes oriundos dos

estados de Minas Gerais Goiaacutes Rio Grande do Sul Paranaacute Paraacute e minoritariamente

do Nordeste

Essas pessoas ao se aventurarem nas matas para desbravaacute-las acreditavam

que as terras da Amazocircnia proporcionar uma qualidade de vida almejada Essa

expectativa pode ser observada no excerto da carta-convite para a comemoraccedilatildeo do 17ordm

aniversaacuterio do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT datada de

30052004

[] Imaginando eles que iriam ter o crescimento econocircmico e

uma vida melhor para sua famiacutelia sem conhecer os riscos

quantas vidas foram ceifadas nas derrubadas Aiacute chega a

maldita maleita a tatildeo sofrida malaacuteria onde muitas famiacutelias

perderam vidas sofrimento com a dor [] E os que

conseguiam reagir com muita fraqueza sem forccedilas para

trabalhar e jaacute com diacutevidas acabaram vendendo sua terrinha e

quando acabou o dinheiro E agora o que fazer Isso jaacute era por

volta do iniacutecio de 1986 onde a opccedilatildeo foi ocupar terras

devolutas da regiatildeo pois o dinheiro tinha acabado e voltar para

traz donde vieram natildeo era possiacutevel Iniciou- se a ocupaccedilatildeo da

aacuterea do Itaporatilde do Norte e da Colocircnia Bom Jesus []20

Esse documento possibilita compreender que a narrativa oficial natildeo traduzia

as representaccedilotildees constituiacutedas pelos trabalhadores e antigos colonos Afinal na eacutepoca

da formaccedilatildeo do assentamento rural muitos posseiros convivendo com os efeitos da

colonizaccedilatildeo para todos aqueles que acreditaram nos discursos construiacutedos pelo

colonizador sobre um lugar bom de viver acabaram arriscando as proacuteprias vidas na luta

pela terra

Com o passar do tempo eles se deparam com doenccedilas dificuldades

financeiras e a desilusatildeo da riqueza da terra faacutecil Diante da falta de alternativas de

trabalho e de sobrevivecircncia os posseiros viram a possibilidade de reocupar fazendas

20 A carta na integra faz parte de coletacircnea de recorte de textos e noticiaacuterios sobre a luta dos

movimentos numa espeacutecie de livro artesanal o qual estaacute disponibilizado nos arquivos do

Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica- MT

89

improdutivas como a uacutenica saiacuteda para a sobrevivecircncia conforme relatado na carta

ldquo[] e quando acaba o dinheiro o que fazerrdquo (CARTA CONVITE STR de Vila Rica

30052004)

O relato a seguir mostra as estrateacutegias dos posseiros para ocupar uma aacuterea

privada e como conseguiram a aprovaccedilatildeo do INCRA

[] Eu participei das ocupaccedilotildees em 1986-1987 no caso do

assentamento Bom Jesus que era antes a antiga Fazenda

COBEC onde 60 famiacutelias foram ocupando a aacuterea Noacutes

organizamos e ocupamos essa aacuterea e tem a Itaporatilde do Norte

que foi ocupada numa organizaccedilatildeo dos Sindicatos dos

Trabalhadores Rurais e outros movimentos sociais daqui do

municiacutepio de Vila Rica-MT mas especificamente da ocupaccedilatildeo

dessas aacutereas que eu natildeo sei falar sei do caso do Bom Jesus

que depois que organizamos a ocupaccedilatildeo recorremos ao

Sindicato e atraveacutes deste fizemos o primeiro contato com o

INCRA queriacuteamos saber se havia interesse por parte do

INCRA em negociar a compra dessa propriedade na eacutepoca o

INCRA ainda fazia a negociaccedilatildeo digo compra de aacutereas que jaacute

estavam ocupadas hoje como vocecirc sabe o INCRA natildeo faz

mais esse tipo de coisa a estrateacutegia eacute outra Hoje compra-se a

propriedade primeiro para depois entregar a antiga fazenda

aos assentados Entatildeo eu na eacutepoca tinha dezesseis anos eu

era meio perdido com essas coisas a organizaccedilatildeo foi feita

basicamente pelo o meu pai e outros companheiros nossos

(outras pessoas neacute) Soacute sei que eles fizeram um levantamento

sobre a situaccedilatildeo das fazendas em Vila Rica-MT e descobriram

que esta aacuterea estava sem produzir o dono natildeo tinha interesse

porque era uma fazenda empenhorada no banco ou seja jaacute era

uma aacuterea do banco Entatildeo os organizadores do processo de

ocupaccedilatildeo entenderam que seria mais faacutecil negociar entre o

dono e o INCRA e assim facilitaria aquisiccedilatildeo do tiacutetulo da

terra e formar o assentamento (ENTREVISTA com Ivanir

Galo Agricultor familiar do assentamento Bom Jesus e

presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-

MT realizada pela autora em marccedilo de 2015)

O relato nos possibilita cogitar a ideia de que os posseiros que reocuparam a

aacuterea da Fazenda Boa Jesus eram conhecedores tanto das diretrizes definidas pelo

INCRA para a criaccedilatildeo de assentamento rural quanto da situaccedilatildeo da Questatildeo Agraacuteria de

Vila Rica-MT Isso fica evidente principalmente ao eleger uma fazenda que estava

comprometida pelo endividamento no banco revelando uma taacutetica de efeito positivo

uma vez que facilita a accedilatildeo do INCRA na aquisiccedilatildeo da fazenda tendo em conta o

interesse do proprietaacuterio em negociar a venda

90

Outra situaccedilatildeo que nos chama atenccedilatildeo foi agrave atuaccedilatildeo dos filhos junto com os

pais na reocupaccedilatildeo da fazenda o que pode se atribuir agrave projeccedilatildeo de desmembramento

familiar ou de ampliaccedilatildeo do capital econocircmico da famiacutelia Ao mesmo tempo pode

demonstrar que os posseiros tinham a pretensatildeo de continuar uma tradiccedilatildeo vinculada a

terra passando suas heranccedilas para seus filhos poreacutem incorporando-os na luta pela

terra no trabalho com a terra e na busca pela sobrevivecircncia a partir da propriedade

rural

O relato a seguir mostra como os posseiros se apossavam de aacutereas natildeo

produtivas

[] A ocupaccedilatildeo de fazenda na eacutepoca era a uacutenica forma que as

pessoas sem-terra tinham para conseguir uma pequena aacuterea

era o que noacutes entendiacuteamos ser mais faacutecil para conseguir ter

acesso agrave terra Hoje a gente vecirc que natildeo precisa ser soacute assim

pois eacute melhor procurar comprar a fazenda e planejar o

assentamento [] Eacuteramos todos daqui mesmo de Vila Rica-

MT eacuteramos pessoas que tinha conhecimento sobre a luta pela

terra um bom entrosamento e essas pessoas trabalhavam em

prol da colonizaccedilatildeo reuniram essas famiacutelias e foram ocupar

ateacute organizamos em dois grupos no primeiro momento onde

um grupo entrou por um local e o outro grupo entrou por outro

lado da fazenda mas quando teve o desbravamento

descobrimos que estaacutevamos ocupando a mesma aacuterea porque o

acesso era muito difiacutecil a gente natildeo tinha como fazer um mapa

direito da fazenda entatildeo tivemos que entrar de 8 a12 km na

mata ateacute descobrir a aacuterea toda[] (ENTREVISTA com

Evani Galo presidente do STR de Vila Rica-MT realizada pela

autora em marccedilo de 2015)

O citado relato oral nos possibilita afirmar que havia um conhecimento

aprimorado sobre a estrutura fundiaacuteria de Vila Rica- MT Os posseiros natildeo ocupavam

aacutereas de fazendas que estavam produzindo mas optavam por estabelecer as disputas em

terras sob condiccedilotildees ilegais Por isso eles ocupavam as aacutereas improdutivas para

diminuir a possibilidade de conflito e aumentar a chance de negociaccedilatildeo entre os

proprietaacuterios e as instituiccedilotildees governamentais Para essas definiccedilotildees eles faziam

reuniotildees para escolher qual aacuterea de fazenda seria ocupada e a definiccedilatildeo de estrateacutegias na

reocupaccedilatildeo

Destacamos que a maioria dos posseiros ocupantes dos lotes do

Assentamento Rural Bom Jesus foi ldquoex-colonosrdquo do Sul que migraram para Vila Rica-

MT no iniacutecio da colonizaccedilatildeo No caso desta pesquisa denominamos como ex- colonos

91

aqueles migrantes que vieram para Vila Rica-MT em funccedilatildeo da accedilatildeo da colonizadora e

que perderam o capital financeiro devido ao endividamento no banco

Daiacute estes migrantes passaram de colonos para Sem-Terra depois tornaram-

se posseiros ou vendedores da forccedila de trabalho trabalhadores rurais e tambeacutem urbanos

Poreacutem outros posseiros eram oriundos das aacutereas de colonizaccedilatildeo ou de fazendas

agropecuaacuterias

[] a dificuldade de chegar e trabalhar era muita Natildeo tinha

aparelhos para identificar com precisatildeo a dimensatildeo da aacuterea

natildeo tinha estrada Andaacutevamos aiacute de 8 a 12 km na mata guiados

atraveacutes de picadas apenas essas picadas jaacute eram existentes

desde a eacutepoca da colonizadora E por ser essa fazenda que noacutes

ocupamos uma aacuterea vizinha da colonizadora Isso acabou

facilitando a localizaccedilatildeo Aleacutem da falta de estrada tinha a

malaacuteria a falta de transporte E eu mesmo fui uma das pessoas

que primeiro chegou ao assentamento Quando fui uns dos

primeiros fiquei 21 dias na mata ali roccedilando demarcando a

minha aacuterea Eu fiquei tentando marcar e garantir o meu

territoacuterio e foi assim a nossa luta para conseguir o pedaccedilo de

terrapedaccedilo de chatildeo pra produzir depois o meu sustento e da

minha famiacutelia [] Na eacutepoca ficou determinado entre todos

noacutes numa reuniatildeo que fizemos ateacute pra dizer que cada um de

noacutes ficaacutessemos apenas com 100 hectares [] por isso no

assentamento do Bom Jesus natildeo tem ningueacutem com mais 100

hectares E teve gente que natildeo conseguiu permanecer no

assentamento venderam e teve outros que desistiram natildeo

aguentaram aquele sofrimento todo Noacutes sempre trabalhamos

na associaccedilatildeo para que nenhum lote passasse de 100 hectares

pois jaacute era a determinaccedilatildeo do INCRA E noacutes jaacute conheciacuteamos as

regras do INCRA e trabalhaacutevamos desde a fase de organizaccedilatildeo

da ocupaccedilatildeo com elas Os dois assentamentos que manteve esse

padratildeo eacute soacute o Bom Jesus e o Itaporatilde A nossa loacutegica era no

sentido de facilitar a regularizaccedilatildeo e pra isso trabalhamos de

forma que pudesse tambeacutem aumentar o nuacutemero de famiacutelias no

assentamento Noacutes sempre respeitamos as regras

(ENTREVISTA com Evani Galo Agricultor Familiar do

assentamento Bom Jesus realizada pela autora em marccedilo de

2015)

O relato acima nos remete agrave concepccedilatildeo jaacute exposta na descriccedilatildeo da formaccedilatildeo

de outros assentamentos rurais em que os posseiros eram conhecedores das diretrizes

do INCRA em relaccedilatildeo ao processo de criaccedilatildeo e regularizaccedilatildeo dos assentamentos rurais

Isso nos leva a crer que a reocupaccedilatildeo das fazendas natildeo ocorria de forma tatildeo espontacircnea

como aparece em outras narrativas sobre assentamentos rurais Havia entre os posseiros

92

uma organizaccedilatildeo e um planejamento Isto porque promoviam accedilotildees que exigiam

atividades taacuteticas e estrateacutegicas que permeavam a disposiccedilatildeo da luta pela terra

Apesar dessas definiccedilotildees de princiacutepios organizativos da luta para evitar

ocupaccedilotildees equivocadas e desviar-se dos conflitos o entrevistado falou sobre as ameaccedilas

que sofreram no periacuteodo em que lutaram para conquistar a terra

[] teve sim ameaccedilas de despejos na eacutepoca Apesar de que

hoje a gente jaacute sabe que foi uma pessoa que usou de

oportunismo Isso eacute o mesmo que estaacute acontecendo na Fazenda

Reunidas Vocecirc natildeo precisa ter medo de falar sobre esse fato

porque eacute verdade isso que lhe conto Pode colocar no seu

relatoacuterio aiacute Esses satildeo os tais grileiros das terras do Araguaia

ficam se passando por donos das fazendas soacute para ameaccedilar e

confundir os posseiros Aconteceu assim uma pessoa de maior

poder aquisitivo ficou amedrontando as outras pessoas que

estavam ocupando a aacuterea da fazenda Noacutes estaacutevamos fazendo

os nossos serviccedilos laacute cuidando da roccedila E daiacute apareceram eles

dizendo que eram os legiacutetimos donos da aacuterea mas natildeo

conseguiram apresentar documento natildeo conseguriam

apresentar nada Noacutes desconfiaacutevamos deles No fundo

sabiacuteamos que estavam tentando nos enrolar E acabou que eles

tiveram que se retirar de laacute E noacutes atraveacutes do INCRA e do

Sindicato satildeo essas as instituiccedilotildees que assumiram a nossa

causa ficamos com a terra e estamos assentados laacute ateacute hoje

Somos 63 famiacutelias [] Na verdade 1987 eacute o periacuteodo de

ocupaccedilatildeo porque o INCRA veio atuar em 1992 quando foi

criado o assentamento Ficou esse periacuteodo aiacute todo em fase de

negociaccedilatildeo com o antigo dono da fazenda O INCRA e o

Sindicato fizeram o levantamento da aacuterea estudo geograacutefico e

assim por diante e noacutes juntos acompanhando tudo

(ENTREVISTA com Ivani Galo Agricultor Familiar do

assentamento Bom Jesus realizada pela autora em marccedilo de

2015)

Nesse caso o depoimento remete agrave accedilatildeo de outro tipo de agente social

envolvido nos conflitos agraacuterios do assentamento rural o grileiro No entanto o termo

ldquogrileirordquo eacute usado localmente para identificar aquele sujeito social que reocupa uma aacuterea

de terra natildeo com o objetivo de morar e cultivar mas ao contraacuterio para adquirir o

ldquodireitordquo sobre ela e poder comercializar posteriormente

Tambeacutem eacute possiacutevel identificar na narrativa a valorizaccedilatildeo dada ao Sindicato

dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT destacando que ele agia juntamente com o

INCRA na regularizaccedilatildeo do assentamento rural

93

Compreendemos que a formaccedilatildeo do Assentamento Rural Bom Jesus deu-se

de forma particular Os posseiros que reocuparam a aacuterea tinham dificuldade financeira

para garantir a sobrevivecircncia e isso se configurava como um impedimento de

retornarem aos seus lugares de origem e natildeo conseguindo mais vislumbrar outro meio

de sobrevivecircncia que natildeo fosse a ocupaccedilatildeo de terra ociosa

Diante das necessidades os posseiros criaram estrateacutegias inteligentes de

ocupaccedilatildeo escolhendo as aacutereas com maior chance de desapropriaccedilatildeo bem como

estrateacutegias de resistecircncia do grupo para lutar contra o grileiro

Essas estrateacutegias tambeacutem devem ser compreendidas em uma relaccedilatildeo com o

perfil dos ocupantes que incluiacutea aqueles com certo grau de instruccedilatildeo sobre as questotildees

relacionadas agrave poliacutetica de regularizaccedilatildeo de assentamentos rurais O conhecimento da

legislaccedilatildeo facilitou o acesso agraves poliacuteticas que versavam sobre a desapropriaccedilatildeo

parcelamento e uso de terras devolutas eou improdutivas que natildeo cumpriam a funccedilatildeo

social as quais devem ser utilizadas para fins de Reforma Agraacuteria

227 Assentamento Rural Santo Antocircnio do Beleza

Jaacute ressaltamos em outras passagens do texto que cada um dos assentamentos

rurais de Vila Rica-MT tem caracteriacutesticas de ocupaccedilatildeo diferentes como eacute o caso do

Assentamento Rural Santo Antocircnio do Beleza que foi ocupado por colonos que natildeo

conseguiram comprar lotes de terra da colonizadora ou perderam suas terras no

financiamento do Banco Tambeacutem participaram seus filhos que no ldquodesmembramentordquo

familiar tambeacutem se apropriaram de terras Ateacute entatildeo natildeo apareceu o dono do tiacutetulo

requerendo o direito de propriedade daquela aacuterea de terra em que foi constituiacutedo o

Assentamento Rural Bom Jesus

Tal situaccedilatildeo se deu tambeacutem pelo fato de a Colonizadora Vila Rica-MT natildeo ter

assegurado junto ao INCRA as terras aos colonos e trabalhadores rurais desprovidos

de capital para aquisiccedilatildeo de lotes da colonizadora Estes ocuparam aacutereas destinadas ateacute

entatildeo pela colonizadora para as fazendas Somente depois que a aacuterea foi ocupada em

2001 eacute que o INCRA regularizou os lotes para os ldquoocupantesrdquo

Os posseiros que reocuparam a aacuterea da Colonizadora Vila Rica-MT

denominada de Santo Antocircnio do Beleza satildeo em sua maioria oriundos dos estados do

94

Rio Grande do Sul Santa Catarina e do Paranaacute e se fixaram na aacuterea como assentados e

atualmente se identificam como agricultores familiares parceleiros colonos ou

proprietaacuterios

228 Assentamento Rural Alvorada

O Assentamento Rural Alvorada estaacute localizado na divisa do municiacutepio de

Vila Rica-MT com o estado do Paraacute Esse assentamento rural resultou da ocupaccedilatildeo da

fazenda Santaninha em 1993 poreacutem o ato de regularizaccedilatildeo data de 1995 ou seja

somente depois de dois anos das terras ocupadas eacute que foram regularizadas pelo

INCRA transformando-as em Projeto de assentamento rural

Consta em documentos (atas ofiacutecios relatoacuterios e projetos de assistecircncia

teacutecnicas)21

do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT que os primeiros

moradores do Assentamento Rural Alvorada vieram principalmente dos estados de

Mato Grosso do Paraacute e de outras regiotildees do Brasil

Melo (2011 p 43) realizou uma pesquisa sobre as atividades das

agropecuaacuterias no Assentamento Rural Alvorada denominado como PA Santaninha

afirmando que ldquo[] o periacuteodo compreendido de 1993 ateacute 2009 as principais

dificuldades do assentamento rural estavam relacionadas agrave falta de estradasrdquo De acordo

com o mesmo autor o assentamento rural estaacute localizado em uma aacuterea onde haacute

predominacircncia de relevo acidentado condiccedilatildeo que motivou os assentados a investir na

pecuaacuteria inibindo assim o avanccedilo da agricultura familiar devido agraves dificuldades para o

escoamento da produccedilatildeo agriacutecola de hortaliccedilas legumes verduras e frutas

Essa situaccedilatildeo ainda eacute um desafio para o desenvolvimento do assentamento

rural Apesar dos problemas nesse assentamento haacute escola Associaccedilatildeo de Pequenos

Agricultores possui rede de energia eleacutetrica abastecimento de aacutegua etc Nesta acepccedilatildeo

o relato de um dos assentados ilustra a concepccedilatildeo dos seus moradores quanto agraves

condiccedilotildees de vida no assentamento rural

21 Esses documentos foram analisados pela a autora da pesquisa os quais fazem parte do acervo

documental do Sindicato dos Trabalhadores de Vila Rica-MT

95

[] foi bom mudar para caacute me sinto realizado porque

consegui algo para sobreviver e cuidar da minha famiacutelia []

quando chegamos aqui quase natildeo tinha devastaccedilatildeo de mata soacute

tinha aproximadamente 25 alqueires de derrubada e era muito

difiacutecil a chegada neste local pois os primeiros meios de

transporte eram o trator porque as estradas eram bem

dificultosas atoleiros e sem pontes Atualmente as melhorias

satildeo muito grandes nas estradas nos transportes na educaccedilatildeo

na habitaccedilatildeo e na sauacutede (ENTREVISTA com Edno Venacircncio

morador do projeto de Santaninha desde o ano 1993 realizada

por Carlos Aberto de Melo em 2011)

O trecho do relato nos remete agraves dificuldades vivenciadas pelos posseiros nos

primeiros tempos de formaccedilatildeo do assentamento rural comuns aos demais

assentamentos rurais de Vila Rica-MT Satildeo os posseiros que precisam cavar e buscar as

proacuteprias condiccedilotildees de sobrevivecircncia jaacute que o poder Puacuteblico natildeo assegura a

infraestrutura baacutesica

No assentamento Alvorada as informaccedilotildees do STR e dos assentados

permitiram compreender que nesse assentamento natildeo ocorreu conflito entre posseiros e

fazendeiro Trata-se de uma aacuterea que natildeo estava vinculada somente agrave Fazenda

Santaninha Nesse assentamento a devastaccedilatildeo do meio para a formaccedilatildeo de pastagens foi

fruto da accedilatildeo dos proacuteprios posseiros

No Assentamento Rural Alvorada como em outros a questatildeo das poliacuteticas

puacuteblicas de sauacutede habitaccedilatildeo estrada e educaccedilatildeo satildeo consideradas como conquistas

importantes para a permanecircncia das famiacutelias no campo

Consideraccedilotildees gerais sobre os assentamentos rurais de Vila Rica-MT

Ao analisar a formaccedilatildeo dos assentamentos rurais do municiacutepio de Vila Rica

percebemos a complexidade e as diferenciaccedilotildees existentes entre eles No entanto o que

existe em comum foi agrave luta pela posse da terra por parte de posseiros ex-colonos e

agricultores familiares Nesse processo contaram com o apoio e auxiacutelio de entidades

como a CPT e o STR do municiacutepio de Vila Rica-MT dos agentes da pastoral da

Prelazia de Satildeo Feacutelix do Araguaia hoje Diocese

A situaccedilatildeo dos assentamentos rurais de Vila Rica-MT eacute percebida como

resultado da luta dos posseiros em torno da aquisiccedilatildeo da posse e propriedade da terra

96

Ao mesmo tempo em que essa organizaccedilatildeo parte de uma localidade especifica estava

inserida em uma conjuntura de luta regional estadual nacional e mundial

Os diferentes sujeitos histoacutericos que constituiacuteram a luta pela terra com a

formaccedilatildeo dos assentamentos rurais de Vila Rica-MT deixaram de ser posseiros Os ex-

colonos trabalhadores rurais e grileiros tornaram-se agricultores familiares quando o

INCRA regularizou a aacuterea em litiacutegio transformando-a em assentamento rural

97

3 SITUACcedilAtildeO SOCIOECONOcircMICA DOS ASSENTAMENTOS RURAIS SAtildeO

JOSEacute SAtildeO GABRIEL IPEcirc E ARACATI (2006-2010)

Esse capiacutetulo tem como objetivo apresentar a situaccedilatildeo socioeconocircmica de

quatro dos oito assentamentos rurais do municiacutepio de Vila Rica-MT No entanto natildeo se

pretende apresentar um diagnoacutestico de sua realidade social e econocircmica mas um esboccedilo

para compreender as tendecircncias soacutecio-histoacutericas que foram obtidas atraveacutes das fontes

documentais

Ressaltamos que existem poucas fontes escritas que se referem a situaccedilotildees

socioeconocircmicas dos assentamentos rurais do Araguaia e se tratando de Vila Rica a

localizaccedilatildeo e acesso aos poucos documentos escritos foram fundamentais para a

construccedilatildeo desse capiacutetulo

As fontes escritas analisadas nesse capiacutetulo foram os ldquoPlanos de

Desenvolvimento do Assentamentordquo (Pda) incluindo os assentamentos rurais Satildeo Joseacute

Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati elaborados pela Empaer em 2010 Estes Pdas ajudaram a

compreender os muacuteltiplos contextos de constituiccedilatildeo e produccedilatildeo nos assentamentos

rurais embora envolvessem outras temporalidades

Contudo ressaltamos que natildeo utilizamos apenas o banco de dados produzido

pela equipe da Empaer pois realizamos visitas aos assentamentos rurais agrave Secretaria

Municipal de Agricultura e ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT

onde aleacutem das entrevistas tivemos acesso a outras fontes documentais que

possibilitaram ampliar a perspectiva analiacutetica deste capiacutetulo

A elaboraccedilatildeo dos Pdas se deu atraveacutes de reuniotildees com os assentados e a

realizaccedilatildeo de pesquisa de campo

As informaccedilotildees coletadas refletem a realidade do assentamento

e foram levantadas dentro de uma metodologia participativa

onde a comunidade do assentamento expocircs suas dificuldades

potencialidades e prioridades Utilizou-se tambeacutem de estudos de

campo realizado por uma equipe multidisciplinar constituiacuteda

por engenheira florestal engenheira agrocircnoma e teacutecnicos nas

aacutereas da pecuaacuteria agriacutecola ambiental e social (EMPAER-MT

2010 p 2)

Ressaltamos que as informaccedilotildees levantadas natildeo ldquorefletiram a realidaderdquo de

maneira mecacircnica mas possibilitaram a anaacutelise das informaccedilotildees obtidas enquanto

tendecircncias

98

Para compreender como cada fonte documental foi construiacuteda foi preciso

observar as fotografias que fazem parte do proacuteprio documento e que possibilitaram a

percepccedilatildeo da forma com que a equipe multidisciplinar da Empaer coletou as

informaccedilotildees que serviram de base para produccedilatildeo do diagnoacutestico de como se deu a

participaccedilatildeo dos assentados

Figura 8 Fotografias das visitas dos teacutecnicos da Empaer-MT no PA Ipecirc 2010

Fonte EMPAER-MT 2010 p 5

A Empaer recorreu a diversas estrateacutegias desde o uso dos recursos

midiaacuteticos sobretudo a Raacutedio Comunitaacuteria e visitas aos assentamentos rurais contando

com o apoio de lideranccedilas sindicais e poliacuteticas para a divulgaccedilatildeo do Programa de

Assessoria Teacutecnica Social e Ambiental agrave Reforma Agraacuteria (Ates) e conscientizaccedilatildeo

dos agricultores familiares sobre a importacircncia e implicaccedilatildeo dos Pdas

Figura 9 Fotografias da apresentaccedilatildeo do Projetob Ates na Raacutedio Comunitaacuteria Eldorado

Fonte EMPAER 2010 p 5

99

Foi a partir dessas diferentes formas de divulgaccedilatildeo e estrateacutegias que a equipe

da Empaer convenceu os assentados a participar da primeira fase do Ates que foi a

construccedilatildeo do diagnoacutestico

Os questionaacuterios e entrevistas foram realizados em diferentes momentos em

reuniotildees com a comunidade e in loco o que resultou na tabulaccedilatildeo de dados que

apresentam diferentes bases amostrais Ora observamos uma amostra de cerca de

duzentos entrevistados e ora observamos tabelas com um nuacutemero trecircs vezes maior de

famiacutelias assentadas

Ressaltamos que essa diferenccedila na base de dados eacute proacutepria da fonte

documental analisada e natildeo pudemos adulterar os nuacutemeros para natildeo comprometer a

anaacutelise da fonte documental Ainda eacute importante salientamos que apesar das diferenccedilas

amostrais presentes em diferentes dados (tabelas) os mesmos satildeo extremamente

relevantes para anaacutelise por fornecerem tendecircncias socioeconocircmicas dos assentamentos

rurais nos anos de 2009 a 2010

31 Os assentamentos rurais na perspectiva do Programa de Assessoria Teacutecnica

Social e Ambiental agrave Reforma Agraacuteria (Ates)

Os assentamentos rurais segundo a concepccedilatildeo constituiacuteda no projeto de Ates

(2008) satildeo definidos enquanto espaccedilos de promoccedilatildeo da equidade de gecircnero e

intergeraccedilotildees entre a populaccedilatildeo de agricultores familiares Por isso a recorrecircncia agraves

estrateacutegias de trabalho em forma de cooperativas imbuiacutedas da concepccedilatildeo de

agroecologia cooperaccedilatildeo e economia solidaacuteria Estes elementos foram constituiacutedos a

partir dos artifiacutecios da formaccedilatildeo continuada dos diferentes segmentos que compotildeem o

coletivo do Programa de Reforma Agraacuteria

Para tanto o Programa Ates do Ministeacuterio do Desenvolvimento Agraacuterio

(BRASIL 2008 p 10) foi definido da seguinte forma

100

O Programa de Assessoria Teacutecnica Social e Ambiental agrave

Reforma Agraacuteria ndash Ates do INCRA foi criado em 2003 com o

objetivo de assessorar teacutecnica social e ambientalmente as

famiacutelias assentadas nos Projetos de assentamento da Reforma

Agraacuteria criados ou reconhecidos pelo INCRA tornando-os

unidades de produccedilatildeo estruturadas com seguranccedila alimentar

garantida inseridos de forma competitiva no processo de

produccedilatildeo voltados ao mercado e integradas agrave dinacircmica do

desenvolvimento municipal regional e territorial de forma

ambientalmente sustentaacutevel

Nessa perspectiva a assistecircncia teacutecnica implementada pelo Instituto Nacional

de Colonizaccedilatildeo e Reforma Agraacuteria deve levar em consideraccedilatildeo as questotildees de ordem

social ambiental culturas e tecnoloacutegica visando um modelo de desenvolvimento

pensado a partir das demandas locais regionais e nacional de forma que assegure a

sustentabilidade social ambiental e econocircmica dos assentamentos rurais

A Ates tem como ponto de referecircncia para a efetivaccedilatildeo da assistecircncia teacutecnica

na Agricultura Familiar os Pdas (2008 p 51) ldquo[] eacute portanto a principal ferramenta

de planejamento dos Projetos de assentamentos rurais voltada diretamente para o seu

desenvolvimento sustentaacutevel segundo as suas dimensotildees econocircmica social cultural e

ambientalrdquo

De acordo com o MDA os assentamentos rurais devem ser ldquoedificado a partir

de um diagnoacutesticordquo que sirva como representaccedilatildeo do quadro situacional dos

assentamentos rurais em seus aspectos fiacutesico social econocircmico cultural e ambiental

O objetivo eacute

Dotar as aacutereas de assentamento de um instrumento de

planejamento fundado em diagnoacutestico preacutevio que permita

prever todas as accedilotildees a serem desenvolvidas num determinado

horizonte de tempo de modo a possibilitar o monitoramento de

sua implementaccedilatildeo pelas equipes de Ates Garantir a efetiva

participaccedilatildeo dos assentados em todas as fases do processo de

planejamento e implementaccedilatildeo das accedilotildees nos projetos de

assentamento Inserir as accedilotildees propostas para os projetos de

assentamento no contexto das diretrizes contidas nos

planejamentos regionais e municipais assegurando a

participaccedilatildeo efetiva de todos os atores sociais governamentais e

natildeo governamentais envolvidos com o processo de reforma

agraacuteria (BRASIL MDA 2006 p 29)

Conforme o MDA o projeto tem por base a participaccedilatildeo do assentado em

todas suas fases de planejamento e implementaccedilatildeo dos assentamentos rurais

101

beneficiados A idealizaccedilatildeo do objetivo do Ates eacute ambicioso no contexto nacional mas

apresenta pouca aplicabilidade quando tomamos como referecircncia o caso de Vila Rica-

MT Tratando-se dos Pdas elaborados especificamente para os assentamentos rurais Satildeo

Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati os objetivos baacutesicos buscam assegurar que

As famiacutelias seratildeo assessoradas teacutecnica social e ambientalmente

de forma integrada e continuada nos aspectos de produccedilatildeo

industrializaccedilatildeo e comercializaccedilatildeo dos produtos explorados na

aplicaccedilatildeo do creacutedito rural nas questotildees ambientais no

saneamento baacutesico na organizaccedilatildeo das famiacutelias e da produccedilatildeo

no exerciacutecio da cidadania utilizando as metodologias de Ates

(EMPAER-MT 2010 p 11)

A partir dessa proposta a equipe da Empaer realizou a primeira fase do

projeto realizando uma ampla pesquisa junto aos assentados dos quatro assentamentos

rurais de Vila Rica-MT que foram contemplados pelo Programa de Ates Este

levantamento de dados pela Empaer foi importante para identificar o perfil do

assentado a produccedilatildeo e comercializaccedilatildeo no ano de 2010 Apesar de ser uma

amostragem parcial forneceu dados que permitiram analisar e problematizar questotildees

que podem se constituir enquanto indicadores ou tendecircncias

Apesar da relevacircncia do Pdas como fonte documental para a pesquisa e para

as poliacuteticas do municiacutepio de Vila Rica-MT eacute fundamental destacarmos que o Ates natildeo

foi finalizado mas suspenso pelo Governo Federal sem que os Pdas tenham sido

devidamente finalizados No entanto a equipe teacutecnica da Empaer que coletou os dados

e as informaccedilotildees desses assentamentos rurais continua utilizando esse diagnoacutestico para

o desenvolvimento de suas accedilotildees

32 O perfil dos assentados gecircnero idade e escolaridade

O perfil dos assentados dos assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e

Aracati conforme jaacute dito foi constituiacutedo com dados quantitativos obtidos atraveacutes dos

diagnoacutesticos que serviriam como base para a construccedilatildeo dos Pdas

Esses dados foram analisados a partir da confrontaccedilatildeo com fontes orais e

anaacutelises teoacutericas que forneceram indiacutecios qualitativos para a problematizaccedilatildeo e

102

compreensatildeo das caracteriacutesticas dos Agricultores Familiares dos assentamentos rurais

pesquisados

321 Diferenciaccedilatildeo de Gecircneros predominacircncia masculina e papel da mulher

Segundo dados da Empaer (2010) a diferenccedila numeacuterica entre homens e

mulheres nos assentamentos rurais pesquisados assim se apresentava

PA Satildeo Joseacute 179 homens e 147 mulheres

PA Satildeo Gabriel 44 homens e 39 mulheres

PA Ipecirc 153 homens e 125 mulheres

PA Aracati 40 homens e 44 mulheres

Com exceccedilatildeo do Assentamento Rural Aracati que apresentou uma pequena

vantagem no nuacutemero de mulheres em relaccedilatildeo aos demais assentamentos rurais se

observa a predominacircncia do sexo masculino sobre o feminino Uma hipoacutetese explicativa

para a existecircncia de maior nuacutemero de homens residindo nos assentamentos rurais eacute em

primeiro lugar causado pela necessidade dos filhos estudarem nas escolas urbanas

sendo que muitas vezes as matildees os acompanham em segundo lugar a possibilidade de

que cabe aos homens morar nas fases iniciais de formaccedilatildeo dos assentamentos rurais

enquanto constroem as casas estradas escola e estrutura fiacutesica

A questatildeo de gecircnero pode ser abordada em relaccedilatildeo ao trabalho ao lazer e agrave

participaccedilatildeo poliacutetica das mulheres Tratando-se de lazer os relatoacuterios do Pdas da

Empaer (2010 p 74) demonstraram que existe uma estrutura maior para os homens

conforme descriccedilatildeo abaixo

No assentamento natildeo identificamos praacuteticas de lazer voltadas

para as mulheres e idosos As atividades direcionadas para este

grupo geralmente se datildeo na esfera familiar ou religiosa O

assentamento tem times de bochas que participam do

campeonato municipal onde os jogadores tecircm que se deslocar

de um assentamento para outro

Como vimos as atividades de lazer satildeo predominantemente masculinas

sobretudo no esporte como eacute o caso dos jogos de bocha e futebol que resultam numa

circulaccedilatildeo dos assentados em outros assentamentos rurais e comunidades Agraves mulheres

restam as atividades religiosas e no lar Assim sendo satildeo os homens que tecircm mais

103

oportunidades de sair de casa e tambeacutem da comunidade diferentemente das mulheres

que ficam a maior parte do tempo no interior do lar

No que se refere agrave representaccedilatildeo poliacutetica segundo a Empaer (2009 p 59) no

Assentamento Rural Satildeo Joseacute ldquo[] foram levantadas as informaccedilotildees que natildeo haacute []

representaccedilatildeo especiacutefica para o jovem e a mulher rural fato este que tambeacutem contribui

para o ecircxodo dessas famiacuteliasrdquo Jaacute nos assentamentos rurais Satildeo Gabriel e Ipecirc ldquo[] a

participaccedilatildeo da associaccedilatildeo conta com presenccedila de homens mulheres e jovens poreacutem as

mulheres e jovens fazem poucas interferecircncias sobre os assuntos tratados durante as

reuniotildeesrdquo (EMPAER p 51)

De acordo com os relatoacuterios produzidos pela equipe do escritoacuterio da Empaer

em Vila Rica-MT natildeo existe uma organizaccedilatildeo feminina no sentido de criar estrateacutegias

para pleitear poliacuteticas especiacuteficas para a categoria o que diminui ainda mais a

participaccedilatildeo das mesmas Vale lembrar que as mulheres satildeo responsaacuteveis pelos afazeres

domeacutesticos (cuidando da casa e dos filhos) assim como da criaccedilatildeo de pequenos animais

domeacutesticos (porcos aves cachorros e outros) e do cultivo de hortas

No relatoacuterio do Assentamento Rural Satildeo Gabriel essa situaccedilatildeo foi descrita

pela a Empaer (2010 p 52) da seguinte forma

A maioria das mulheres aleacutem de trabalharem nos afazeres

domeacutesticos (cuidado da casa e dos filhos) tambeacutem satildeo

responsaacuteveis pela criaccedilatildeo de pequenos animais domeacutesticos e

cultivos de hortas A organizaccedilatildeo das mulheres dentro do

assentamento ainda eacute retraiacuteda Segundo dados do perfil de

entrada aplicado no assentamento natildeo foi constatado nenhum

grupo de mulheres ou qualquer outra forma de organizaccedilatildeo

social voltada para as mulheres em todo o assentamento

Ficando as mesmas condicionadas a se reunirem com os

homens e desta forma natildeo se unem para tratar de assuntos

relevantes as suas necessidades dentro do assentamento

Os afazeres domeacutesticos entram na divisatildeo sexual do trabalho como atividade

feminina assim como eacute o caso do cultivo de hortaliccedilas e criaccedilatildeo de pequenos animais

(aves porcos etc) as quais podem contar com a ajuda das crianccedilas No entanto haacute

indiacutecios de que falta uma maior organizaccedilatildeo das mulheres no sentido na reivindicaccedilatildeo

de poliacuteticas direcionadas aos seus interesses O segundo o relatoacuterio da Empaer (2010 p

52) esclarece ainda que

104

A alimentaccedilatildeo das famiacutelias eacute composta pelo que eacute produzido

nas propriedades como pequenos animais leite derivados do

leite hortaliccedilas frutas do pomar e em determinada eacutepoca do

ano tem o complemento de milho e mandioca A outra parte da

alimentaccedilatildeo da famiacutelia eacute comprada no comeacutercio do municiacutepio

Natildeo foi constatada nenhuma famiacutelia que natildeo produz um pouco

da sua base alimentar dentro da propriedade

Assim podemos afirmar que a maior parte dos produtos que serve de base

para alimentaccedilatildeo das famiacutelias tais como pequenos animais derivados do leite

hortaliccedilas frutas do pomar entre outros satildeo oriundos das atividades desenvolvidas

pelas mulheres cabendo aos homens as atividades relacionadas agrave produccedilatildeo e venda de

leite para complementaccedilatildeo da renda da famiacutelia

Nessa mesma perspectiva os dados quantitativos que se seguem demonstram

a confirmaccedilatildeo do que jaacute supramencionamos

Tabela 2 Produtos que satildeo destinados agrave Alimentaccedilatildeo da Famiacutelia

Uso de tanque PA S Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total

Pequenos animais 106 22 78 25 231

Leite 97 22 76 25 220

Pomar 105 21 78 24 228

Horta 72 15 62 17 166

Total 380 80 294 91 845

Fonte EMPAER (2010 p09)

Analisando a Tabela 2 do total de 570 famiacutelias dos quatro assentamentos

rurais participantes da pesquisa 220 criam gado leiteiro sendo essa atividade uma das

principais fontes de renda e de consumo

Enquanto 231 assentados satildeo criadores de pequenos animais 228 possuem

pomar e 166 cultivam hortaliccedilas em seus quintais Trata-se de produccedilatildeo para consumo

Logo eacute possiacutevel aferir que quem garante grande parte da renda das famiacutelias assentadas

satildeo as mulheres sendo que esse trabalho nem sempre eacute considerado rentaacutevel visto que

classificado como uma simples ldquoajudardquo no orccedilamento familiar conforme observado

adiante na discussatildeo sobre produccedilatildeo

322 Perfil etaacuterio indicadores de uma populaccedilatildeo idosa

105

Outro elemento importante identificado na pesquisa diz respeito agrave idade dos

assentados identificando o papel parcial dos jovens nos assentamentos rurais e o

envelhecimento da populaccedilatildeo

Segundo dados da Empaer (2010) a idade dos assentados dos assentamentos

rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati estatildeo distribuiacutedos em faixas etaacuterias da

seguinte forma

Tabela 3 Faixa etaacuteria dos assentados

Faixa Etaacuteria Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total

Nordm Nordm Nordm Nordm Nordm

0 a 6 24 75 10 120 18 64 1 10 53 70

7 a 15 69 215 22 270 36 128 17 210 144 190

16 a 29 67 200 13 160 81 287 20 250 181 230

30 a 60 139 430 37 450 120 426 35 430 331 430

Acima de 60 27 80 0 00 287

96 8 100 62 80

Total 326 100 82 1000 282 1000 81 1000 771 100

Fonte EMPAER 2010

De acordo com os dados na tabela 3 foi possiacutevel identificar que se somadas

As faixas etaacuterias entre 16 anos e 60 anos 66 dos assentados pesquisados estatildeo dentro

de faixas etaacuterias de populaccedilatildeo economicamente ativa ou seja os aptos agrave produccedilatildeo

agriacutecola eou pecuaacuteria Enquanto que as faixas etaacuterias de 7 a 15 anos de idade tecircm uma

representaccedilatildeo de 19 sendo que 8 estatildeo acima de 60 anos ou seja satildeo idosos e a

tendecircncia eacute que natildeo trabalhem da mesma maneira que os mais jovens

Logo esta constataccedilatildeo que leva em consideraccedilatildeo outras informaccedilotildees aleacutem

das expostas na tabela 3 nos induz a refletir sobre o envelhecimento da populaccedilatildeo do

campo onde apenas 19 satildeo jovens entre 7 a 15 anos Este pode ser considerado como

um intervalo longo situaccedilatildeo que a nosso ver complica a anaacutelise dos dados Aleacutem de

haver um indicativo de evasatildeo dos jovens nos assentamentos rurais explicada

hipoteticamente pela necessidade das novas geraccedilotildees de prosseguir nos estudos motivo

pelo qual saem dos assentamentos rurais para conseguirem obter maiores niacuteveis de

escolaridade como o Ensino Superior e ateacute mesmo o Meacutedio Outra possiacutevel explicaccedilatildeo

eacute a de que os jovens procuram por empregos em aacutereas urbanas

106

Destacamos que essa constataccedilatildeo tomou tambeacutem como paracircmetro o relatoacuterio

da Pesquisa Nacional de Residecircncia Domiciliar PNAD (2009) que aponta para o

envelhecimento da populaccedilatildeo rural no Brasil sobretudo nas aacutereas de assentamentos

rurais

Outro elemento fundamental eacute o papel poliacutetico dos ldquojovensrdquo assentados uma

vez que foram identificados como pouco participativos nas reuniotildees e atuaccedilotildees poliacuteticas

observadas pela equipe de elaboraccedilatildeo dos Planos de Desenvolvimento dos

assentamentos rurais

Aleacutem desse elemento a questatildeo da sua saiacuteda dos assentados para morar nas

cidades tambeacutem foi identificada como problema que atinge mais os jovens que buscam

oportunidade de empregos citadinos e de terem uma melhor e maior escolaridade

323 Perfil de escolaridade dos assentados

Nos dados da Empaer (2010) a escolaridades dos assentados tem a seguinte

caracterizaccedilatildeo

Tabela 4 Escolaridade dos assentados Escolaridade PA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total Perce

ntual

1ordf a 4ordf Seacuterie 143 29 113 39 324 46

5ordf a 8ordf Seacuterie 83 34 81 19 217 31

Segundo grau 61 12 49 16 138 20

Superior 8 1 4 7 20 3

Total 295 76 247 81 699 100

Fonte EMPAER (2010 p 9)

A Tabela 4 mostra que o niacutevel de escolaridade dos assentados eacute

significativamente baixo uma vez que das 699 pessoas participantes da pesquisa 77

natildeo cursaram o Ensino Meacutedio 324 estatildeo em niacutevel de escolaridade entre 1ordf a 4ordf seacuterie ou

seja estatildeo no anosciclo iniciais do processo de escolarizaccedilatildeo E 227 estatildeo entre 5ordf a 8ordf

seacuterie ou seja natildeo concluiacuteram sequer o Ensino Fundamental Somente 20 dos

entrevistados tecircm Ensino Meacutedio e apenas 20 pessoas dos pesquisados possuem ou estatildeo

em fase de conclusatildeo do Ensino Superior ou seja 3

107

Essa baixa escolarizaccedilatildeo entre assentados tambeacutem foi identificada em

pesquisa de Ferreira e Castrillon (2004 p 201) que ao apresentarem uma anaacutelise sobre

os impactos socioeconocircmicos dos assentamentos rurais em Mato Grosso descrevem sua

estrutura social como

Nos assentamentos pesquisados 23 8 dos titulares dos lotes

eram analfabetos 534 possuiacuteam primeiro grau incompleto

136 primeiro grau completo e 91 segundo grau ou mais

A taxa de analfabetismo dos titulares dos lotes demonstra- se

superior a taxa de analfabetismo da populaccedilatildeo rural do estado

A baixa escolaridade dos titulares dos lotes podem ser

explicados entre os outros fatores pela falta de infraestrutura

social (escola) em ambientes em que predomina intensa

mobilidade social pela necessidade do trabalho familiar entre

os jovens nas aacutereas rurais e especialmente em aacutereas de

fronteiras pela instabilidade e inseguranccedila promovidas pelo

intenso processo de luta pela terra Tais fatores quando

relacionadas diminuem as oportunidades de acesso a escola e a

serviccedilo de sauacutede as populaccedilotildees

Logo podemos observar que os dados quantitativos dos assentamentos rurais

pesquisados pela Empaer (2010) natildeo destoam de outras pesquisas em outros

assentamentos rurais do estado de Mato Grosso

Para finalizar a anaacutelise sobre o perfil dos assentados ressaltamos que

problematizar os dados relativos a gecircnero idade e escolaridade eacute fundamental para

identificar o perfil dos assentados quanto agraves caracteriacutesticas pessoais elementares que

influenciam na forma com que se relacionam e agem socialmente A educaccedilatildeo nos

assentamentos rurais pode ser problematizada atraveacutes de um fenocircmeno recente de

esvaziamento e fechamento de escolas no campo ou tambeacutem agrave falta de um curriacuteculo e

modo de organizaccedilatildeo pedagoacutegica que atenda as caracteriacutesticas especiacuteficas das aacutereas dos

assentamentos rurais

33 Condiccedilotildees de vida nos assentamentos rurais energia eleacutetrica aacutegua sauacutede

moradia e infraestrutura

O estudo levou em consideraccedilatildeo as anaacutelises sobre as condiccedilotildees nas quais

vivem as pessoas nos assentamentos rurais tendo como paracircmetro o acesso agrave luz

eleacutetrica aacutegua sauacutede moradia e infraestrutura elementos que a nosso ver satildeo

108

fundamentais para assegurar as condiccedilotildees de permanecircncia das famiacutelias nos

assentamentos rurais (no lugar) e proporcionam algum conforto e bem-estar

331 Energia Eleacutetrica

Um dos principais problemas do universo dos assentamentos rurais no Brasil

antes da implementaccedilatildeo do Programa Luz Para Todos era a ausecircncia de energia

eleacutetrica que impedia uma melhor qualidade de vida a qual impossibilitava o uso de

eletrocircnicos e eletrodomeacutesticos bem como a utilizaccedilatildeo de resfriadores para conservar e

processar o leite principal produto da renda financeira dos assentamentos rurais

estudados

Nessa perspectiva os dados quantitativos dispostos nos Pdas 2010 que satildeo

posteriores ao Programa Luz Para Todos nos mostram outra realidade

Tabela 5 Presenccedila de energia eleacutetrica nos assentamentos rurais

Energia EleacutetricaPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual

Natildeo tem energia eleacutetrica 5 0 3 0 8 35

A fonte eacute gerador proacuteprio 0 0 1 0 1 05

A fonte eacute a rede CEMAT 98 25 76 25 224 960

Total 103 25 80 25 233 100

Fonte EMPAER 2010

Nos assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati 96 dos

assentados jaacute usufruiacutea de energia eleacutetrica e somente oito das famiacutelias assentadas em

um universo de 233 responderam natildeo contar com energia eleacutetrica Essas famiacutelias sem

energia eleacutetrica moravam nos assentamentos rurais Satildeo Joseacute e Ipecirc e uma possibilidade

de explicaccedilatildeo para esse fato pode ser que satildeo famiacutelias receacutem-chegadas ou que ocuparam

aacutereas mais distantes dentro dos assentamentos rurais

Tal situaccedilatildeo de uma maioria de assentados contar com energia eleacutetrica eacute

decorrente do Programa ldquoLuz para Todosrdquo do Governo Federal

332 Aacutegua

109

A aacutegua eacute um elemento essencial para a vida no entanto quando se refere agrave

aacutegua em condiccedilatildeo potaacutevel revela-se um problema mundial situaccedilatildeo que natildeo foge agrave

realidade dos assentamentos rurais do municiacutepio de Vila Rica-MT Haacute problemas com a

aacutegua potaacutevel em funccedilatildeo de vaacuterios fatores tais como questotildees culturais econocircmicas

mas sobretudo as questotildees ambientais que assolam os assentamentos rurais do Brasil

Segundo dados da Empaer (2010) o percentual da aacutegua encanada nas

residecircncias dos assentamentos rurais pesquisados em Vila Rica-MT varia conforme as

caracteriacutesticas de cada projeto de assentamento A seguir mostramos os dados

encontrados em cada um dos assentamentos rurais

PA Satildeo Joseacute 72 possuem aacutegua encanada nas residecircncias

PA Satildeo Gabriel 70

PA Ipecirc 68

PA Aracati 92

Consideramos esse nuacutemero significativo de assentados beneficiados com

aacutegua encanada pois a exceccedilatildeo do Assentamento Rural Aracati que tem 92 os

demais tecircm uma meacutedia de 70 de aacutegua encanada

Importante destacar que satildeo diversas as fontes de aacutegua nos assentamentos

rurais conforme podemos verificar

Tabela 6 Fonte de Aacutegua nos assentamentos rurais

Aacutegua encanadaPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total

Poccedilo de alvenaria 92 19 57 11 179

Nascente protegida 5 2 11 11 29

Poccedilo descoberto 0 0 2 0 2

Cacimba 1 1 2 1 5

Coacuterrego ou rio 0 0 0 0 0

Poccedilo tubular fundo 6 0 2 1 9

Outras fontes 2 0 1 0 3

Total 106 22 75 24 227 Fonte EMPAER (201012)

110

Como podemos perceber a Tabela 6 nos mostra que 179 das propriedades

dos assentamentos rurais estudados possuem a aacutegua oriunda de poccedilos de alvenaria

sendo que 29 deles utilizam aacutegua das nascentes existentes em suas propriedades as

quais eles declararam protegecirc-las Duas pessoas usam aacutegua de poccedilos descobertos Cinco

usam aacutegua de cacimba nove de poccedilos tubulares fundos e apenas trecircs declararam utilizar

a aacutegua vinda de outras fontes

Outro fator que consideramos relevante eacute questatildeo que envolve a qualidade da

aacutegua consumida pelas famiacutelias assentadas segundo informaccedilotildees contidas na Tabela 7

Tabela 7 Qualidade da aacutegua nos assentamentos rurais

AacuteguaPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total

Aacutegua filtrada 86 23 56 16 181

Fervida 0 0 4 1 5

In natura 22 2 19 8 51

Aacutegua tratada 0 0 1 0 1

Outras fontes 1 0 1 0 2

Total 109 25 81 25 240 Fonte EMPAER (2010 p 9)

Eacute fato que existe uma relaccedilatildeo direta entre a qualidade da aacutegua e as questotildees

ligadas agrave sauacutede Poreacutem no caso dos assentamentos rurais estudados torna preocupante

o fato de existir 51 famiacutelias que consumem aacutegua in natura situaccedilatildeo que pode estar

vinculada aos fatores socioeconocircmicos sobretudo ao senso comum de que a aacutegua

ldquolimpardquo eacute a aacutegua sem cor e sem cheiro portanto aacutegua saudaacutevel

333 Sauacutede

A sauacutede puacuteblica eacute uma das reivindicaccedilotildees dos movimentos sociais que

demandam por melhores condiccedilotildees de vida nas aacutereas de assentamentos rurais tanto no

que diz respeito agrave estrutura macro quanto micro No entanto os saberes tradicionais

influenciam na concepccedilatildeo e modos de tratamento dos assentados de Vila Rica-MT

111

Segundo os dados do Plano de Desenvolvimento dos Assentamentos as

doenccedilas mais comuns satildeo hipertensatildeo leishmaniose verminose e outras como dores na

coluna nos rins dores de cabeccedila diabetes dengue e malaacuteria

Os dados quantitativos mostram a frequecircncia com que os assentados realizam

exames

Tabela 8 Frequecircncia da realizaccedilatildeo de exames de sauacutede

FrequecircnciaPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total

Regularmente 73 18 46 20 157

De vez em quando 35 4 31 5 75

Natildeo faz 1 0 4 0 5 Fonte EMPAER 2010

Os dados da Tabela 8 evidenciam que a maior parte dos assentados realizava

exames com frequecircncia o que demonstra que os mesmos tecircm acesso e fazem uso dos

serviccedilos de sauacutede puacuteblica realizados nos assentamentos rurais No entanto 75 famiacutelias

declararam utilizar os serviccedilos de sauacutede de vez em quando sendo que apenas 5 famiacutelias

disseram natildeo fazer uso

Quando perguntado se o assentado tem acesso aos serviccedilos de sauacutede os

dados nos remetem a outras interpretaccedilotildees conforme Tabela 9

Tabela 9 Acesso aos serviccedilos de sauacutede

AcessoPA Satildeo Joseacute Satildeo

Gabriel Ipecirc Aracati Total

Tem acesso 78 22 79 23 202

Natildeo tem acesso 33 1 2 1 37

Fonte EMPAER 2010

Pelos dados 202 famiacutelias dos assentados pesquisados afirmaram que tinham

acesso aos serviccedilos de sauacutede quando confrontados com outros dados existentes nos

Planos de Desenvolvimento dos Assentamentos Rurais visto que aleacutem desses serviccedilos

haacute disponibilidade de medicamentos que geralmente satildeo distribuiacutedos gratuitamente

apoacutes a consulta meacutedica No entanto trinta e sete famiacutelias declaram natildeo terem acesso aos

serviccedilos de sauacutede tampouco aos medicamentos

112

Segundo a Empaer (2009 p 66) 211 famiacutelias de assentamentos rurais

recorrem aos procedimentos da medicina tradicional principalmente agraves plantas

medicinais para suprir suas necessidades e ldquo[] desta forma conservam uma tradiccedilatildeo

cultural repassada de matildee para filhardquo Os principais remeacutedios caseiros segundo a

Empaer satildeo ldquo[] chaacutes xaropes garrafadas caseiras para combater e prevenir algumas

doenccedilasrdquo

Os dados quantitativos da Tabela 10 reforccedilam essa concepccedilatildeo

Tabela 10 Uso do remeacutedio caseiro

UsoPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total

Faz uso 96 22 71 22 211

Natildeo faz uso 15 1 10 3 29

Total Fonte EMPAER 2010

Os nuacutemeros indicam que apesar da maioria dos assentados terem acesso aos

serviccedilos de sauacutede grande parte deles tambeacutem faz uso de remeacutedios caseiros tradicionais

Esses dados confirmam que apesar das interaccedilotildees com serviccedilos puacuteblicos e outras

loacutegicas os assentados natildeo deixaram de utilizar os remeacutedios tradicionais Isso nos remete

agrave concepccedilatildeo de Gadelha (2007) que assegura que o mais importante na compreensatildeo

dos aspectos culturais eacute pensar para aleacutem da eficaacutecia de um determinado ritual mas eacute

tambeacutem tentar atribuir conceito sobre o poder simboacutelico utilizado por cada sociedade

para atribuir sentidos aos objetos

334 Moradia

A moradia tambeacutem eacute um dos fatores imprescindiacuteveis para a permanecircncia dos

assentados no campo No caso de Vila Rica-MT uma das caracteriacutesticas importantes do

perfil dos assentados eacute que a terra deve servir para moradia

Tabela 11 Nuacutemero de assentados que declararam morar no assentamento rural

MoradiaPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total

Sim 268 47 235 65 615 82

113

Natildeo 58 31 37 7 133 18

Total 326 78 372 72 748 100

Fonte EMPAER 2010

Assim conforme os dados apresentados 82 dos assentados dos

assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati declaram morar nos lotes fato

que demonstra um perfil dos assentados de morar-nos proacuteprios assentamentos rurais

fortalecendo assim a concepccedilatildeo da terra enquanto condiccedilatildeo tanto de morar como de

plantar O uacutenico assentamento rural que tem uma situaccedilatildeo parcialmente e discrepante eacute

Satildeo Gabriel que tem um percentual significativo de assentados que natildeo residem nos

lotes

Essas informaccedilotildees da tabela cruzadas com outros dados mostraram que o

tempo meacutedio de moradia dos assentados eacute

PA Satildeo Joseacute 1036 anos de moradia

PA Satildeo Gabriel 792 anos de moradia

PA Ipecirc 860 anos de moradia

PA Aracati 1248 anos de moradia

A permanecircncia nos lotes foi evidenciada pelos dados o que remete agrave loacutegica

de ldquoterra para plantar e morarrdquo

Nos dados sobre infraestrutura observa-se que as casas satildeo na maioria de

alvenaria madeira serrada e em alguns casos as casas satildeo construiacutedas de pau-a-pique

335 Infraestrutura equipamentos e Tecnologias

A melhoria da infraestrutura aquisiccedilatildeo de equipamentos e novas tecnologias

estatildeo entre as principais reivindicaccedilotildees dos movimentos sociais do campo por serem

considerados essenciais para o aumento da produccedilatildeo e renda dos assentados

Os dados coletados pela Empaer (2010) mostram que houve avanccedilos

significativos na questatildeo infraestrutural nos assentamentos rurais de Vila Rica-MT

sobretudo a partir da implementaccedilatildeo do Programa Nacional da Agricultura Familiar

114

No entanto em relaccedilatildeo agrave aquisiccedilatildeo dos equipamentos e novas tecnologias ainda se

verifica defasagem

Algumas dessas informaccedilotildees podem ser conferidas nos quadros abaixo

No Assentamento Rural Satildeo Joseacute

A infraestrutura existente estaacute distribuiacuteda segundo os assentados da seguinte forma

- 31 natildeo possuem currais

- 20 possuem currais de arame liso 3 de madeira lisa e 58 de madeira

serrada

- 108 natildeo possuem brete

- 2 possuem brete de madeira bruta e 1 de madeira serrada

- 9 possuem barracatildeo de ordenha e 103 natildeo possuem

- 3 natildeo possuem cercas na propriedade

- 0 possuem cercas construiacutedas de arame farpado e 107 de arame liso

A existecircncia de equipamentos nas propriedades estaacute distribuiacuteda da seguinte forma

- 21 possuem equipamentos de traccedilatildeo animal e 90 natildeo possuem

- 3 possuem trator com implementos e 109 natildeo possuem

- 65 alugam trator e 47 natildeo alugam

- 17 possuem triturador ou picador de forragens e 95 natildeo possuem

Projeto de Assentamento Rural Satildeo Gabriel

A infraestrutura existente estaacute distribuiacuteda segundo os assentados da seguinte forma

- 5 possuem currais de arame liso 1 de madeira lisa e 7 de madeira

serrada

- 25 natildeo possuem brete

- 0 possuem brete de madeira bruta e 0 de madeira serrada

- 2 possuem barracatildeo de ordenha e 23 natildeo possuem

- 1 natildeo possui cercas na propriedade

- 0 possuem cercas construiacutedas de arame farpado e 24 de arame liso

A existecircncia de equipamentos nas propriedades estaacute distribuiacuteda da seguinte forma

- 4 possuem equipamentos de traccedilatildeo animal e 21 natildeo possuem

- 1 possui trator com implementos e 23 natildeo possuem

115

- 21 alugam trator e 3 natildeo alugam

- 5 possuem triturador ou picador de forragens e 19 natildeo possuem

Projeto de Assentamento Rural Ipecirc

A infraestrutura existente estaacute distribuiacuteda segundo os assentados da seguinte forma

- 24 natildeo possuem currais

- 17 possuem currais de arame liso 5 de madeira lisa e 35 de madeira

serrada

- 79 natildeo possuem brete

- 0 possuem brete de madeira bruta e 2 de madeira serrada

- 6 possuem barracatildeo de ordenha e 75 natildeo possuem

- 1 natildeo possuem cercas na propriedade

- 0 possuem cercas construiacutedas de arame farpado e 80 de arame liso

A existecircncia de equipamentos nas propriedades estaacute distribuiacuteda da seguinte forma

- 10 possuem equipamentos de traccedilatildeo animal e 71 natildeo possuem

- 6 possuem trator com implementos e 75 natildeo possuem

- 55 alugam trator e 26 natildeo alugam

- 20 possuem triturador ou picador de forragens e 61 natildeo possuem

Projeto de Assentamento Rural Aracati

A infraestrutura existente estaacute distribuiacuteda segundo os assentados da seguinte forma

- 2 natildeo possuem currais

- 8 possuem currais de arame liso 1 de madeira lisa e 14 de madeira

serrada

- 24 natildeo possuem brete

- 0 possuem brete de madeira bruta e 0 de madeira serrada

- 2 possuem barracatildeo de ordenha e 23 natildeo possuem

- 0 natildeo possuem cercas na propriedade

- 2 possuem cercas construiacutedas de arame farpado e 23 de arame liso

A existecircncia de equipamentos nas propriedades estaacute distribuiacuteda da seguinte forma

- 6 possuem equipamentos de traccedilatildeo animal e 19 natildeo possuem

116

- 0 possui trator com implementos e 25 natildeo possuem

- 20 alugam trator e 5 natildeo alugam

- 4 possuem triturador ou picador de forragens e 21 natildeo possuem

Percebe-se que a infraestrutura baacutesica nos assentamentos rurais estaacute voltada

para a criaccedilatildeo de gado como currais brete de madeira barracatildeo de ordenha e cercas de

arame liso e farpado aleacutem de outros equipamentos como resfriadores de leite e

trituradores ou picadores para a feitura de forragens para a alimentaccedilatildeo do gado

O nuacutemero e a distribuiccedilatildeo deles variam conforme os assentamentos rurais e o

perfil dos assentados No geral se percebe que os Agricultores Familiares de Vila Rica-

MT ainda recorrem com frequecircncia ao uso da forccedila humana e dos equipamentos de

traccedilatildeo animal Existem no entanto alguns equipamentos agriacutecolas de origem

mecanizada como tratores que podem ser proacuteprios ou alugados

O fato eacute que em menor ou maior nuacutemero os equipamentos e a infraestrutura

existente nos assentamentos satildeo destinados agrave produccedilatildeo e criaccedilatildeo de gado

34 A Produccedilatildeo a renda comercializaccedilatildeo e a circulaccedilatildeo na Agricultura Familiar

de Vila Rica-MT

Um dado importante a ser ponderado para a problematizaccedilatildeo da produccedilatildeo

nos assentamentos rurais diz respeito agrave renda Especificamente de onde surge a renda

dos assentados

As informaccedilotildees obtidas dos quatro assentamentos rurais de Vila Rica-MT

analisados pela pesquisa da Empaer os dados indicam que a renda dos assentados eacute

resultante das atividades que estatildeo associadas a algumas culturas agriacutecolas agrave pecuaacuteria e

agrave criaccedilatildeo de pequenos animais

Tais dados estatildeo melhor detalhados em tabelas distribuiacutedas por itens visando

assim uma melhor compreensatildeo da dinacircmica de produccedilatildeo e renda dos assentamentos

rurais

341 A renda nos quatro Projetos de assentamentos rurais de Vila Rica-MT

117

Tabela 12 Percentual de participaccedilatildeo da Renda dos assentados

RendaPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati

Renda Agriacutecola eou Pecuaacuteria 7333 8789 7365 7140

Natildeo Agriacutecola

(Artesanato agroinduacutestria) 3650 7500 3062 3000

Outras rendas

(Salaacuterios Aposentadoria etc) 5280 6182 4810 5460

Fonte EMPAER 2010

A tabela 12 revela que a maior parte da renda dos assentamentos rurais

proveacutem dos rendimentos das atividades agriacutecolas e pecuaacuterias seguida por outros tipos

de rendas originaacuterios de salaacuterios e aposentadorias que alguns assentados usufruem

aleacutem de atividades de produccedilatildeo artesanal em geral confeccionada por mulheres

O projeto de assentamento rural que apresenta discrepacircncia em relaccedilatildeo aos

dados anteriores eacute o do Assentamento Rural Satildeo Gabriel que aleacutem da renda oriunda da

pecuaacuteria agricultura tem destaque nas outras fontes como atividades artesanais

agroinduacutestria e em salaacuterios e aposentadoria

342 Atividades Agriacutecolas a produccedilatildeo econocircmica e a de subsistecircncia

As atividades agriacutecolas desenvolvidas nos assentamentos foram classificadas

de duas categorias econocircmicas e de subsistecircncia Segundo os dados o quantitativo

produzido eacute descrito conforme tabela a seguir

Tabela13 Produccedilatildeo agriacutecola (em Kg)

Atividades

Agriacutecolas PA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total

Arroz 4500 5100 1510 1500 12610

Banana 2560 200 2537 11000 1629

Feijatildeo 0 0 550 0 550

Mandioca 225802 54000 8127 111500 39942

Milho 106500 73530 3378 46850 23025 Fonte EMPAER 2010

Segundo a Tabela 13 os produtos agriacutecolas mais cultivados nos

assentamentos rurais estudados satildeo em quilograma mandioca seguida do milho e do

118

arroz uma pequena produccedilatildeo de banana Apenas o Assentamento Rural Ipecirc produz

feijatildeo

Tabela 14 Assentados que praticam Culturas de Subsistecircncia

Culturas

Econocircmicas PA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total

Arroz 2 4 12 1 19

Banana 5 1 16 3 25

Feijatildeo 0 0 2 0 2

Mandioca 29 6 38 15 88

Milho 17 12 38 12 79 Fonte EMPAER 2010

Os dados demonstram que a mandioca e o arroz satildeo os principais produtos

agriacutecolas cultivados nos assentamentos Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati O arroz eacute

comercializado em casca sendo a mandioca o milho e em menor escala a banana os

cultivados pelo maior nuacutemero de assentados

Trata-se portanto de uma produccedilatildeo significativa tanto para comercializaccedilatildeo

quanto para subsistecircncia No entanto a pecuaacuteria ainda eacute a principal atividade econocircmica

desses assentamentos rurais

343 Pecuaacuteria e criaccedilatildeo de pequenos animais

A principal atividade de produccedilatildeo econocircmica nos assentamentos estudados eacute

a pecuaacuteria bovina leiteira a qual nos uacuteltimos anos cresceu significativamente

ultrapassando a pecuaacuteria de corte

Tabela 15 Tipo de pecuaacuteria explorada por propriedade (famiacutelias)

Tipo de

pecuaacuteria PA Satildeo Joseacute

Satildeo

Gabriel Ipecirc Aracati Total

Leite 19 10 34 12 75

Leite e corte 57 5 27 11 100

Corte 29 3 15 2 49

Total 105 18 76 25 224 Fonte EMPAER 2010

119

Os dados demostram que a maioria dos criadores de gado se dedica agrave

produccedilatildeo de leite Cruzando estes com outros dados eacute possiacutevel identificar que a

produccedilatildeo de leite eacute destinada ao mercado e tambeacutem ao consumo das famiacutelias

assentadas o que tem correlaccedilatildeo ateacute mesmo com a frequecircncia de consumo de proteiacutena

animal apresentados aa Tabela 16

Tabela 16 Frequecircncia do consumo de proteiacutena animal na alimentaccedilatildeo dos

assentados

Uso de tanquePA Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total

Come carne todo dia 93 22 70 22 207

Trecircs vezes por semana 16 0 9 3 28

Uma vez por semana 0 0 1 0 1

Natildeo come carne 0 0 0 0 0 Fonte EMPAER 2010

De acordo com a Tabela 16 das 236 famiacutelias que participaram da pesquisa

207 declararam que consomem carne todos os dias sendo que 28 disseram que a

consomem trecircs vezes por semana e apenas uma famiacutelia consome carne somente uma

vez por semana o que revela um consumo significativo de carne

Em relaccedilatildeo ao modo de criaccedilatildeo do gado importante destacar que conforme

os Planos de Desenvolvimento dos Assentamentos Rurais Pdas 100 dos assentados

criam gado utilizando o sistema extensivo ou seja uma praacutetica de criaccedilatildeo tradicional o

que significa dizer que satildeo habituados a criar o gado solto nas aacutereas de pastagens

naturais eou livres sem qualquer divisatildeo de cercas

Outros dados fundamentais para a compreensatildeo de forma detalhada do

potencial da produccedilatildeo de leite nos assentamentos rurais privilegiados pela pesquisa

estatildeo destacados na Tabela 17

Tabela 17 Dados de produccedilatildeo de leite nos assentamentos rurais por nordm de vacas

DadosPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati

Nuacutemero de Vacas Leiteiras 881 191 768 393

Meacutedia por assentado (n

vacas) 1223 146 1301 1637 Fonte EMPAER 2010

120

Os assentamentos rurais Aracati e Satildeo Gabriel satildeo menores em termos do

nuacutemero de propriedades e famiacutelias assentadas Os dados anteriores reforccedilam o

indicativo de que haacute uma importante produccedilatildeo de leite pois cada famiacutelia tem em

nuacutemero consideraacutevel de vacas leiteiras

A principal fonte de renda dos assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel

Ipecirc e Aracati eacute a produccedilatildeo de leite Mas os assentados tem necessidade de teacutecnicas para

a conservaccedilatildeo desse leite Nesse caso os resfriadores de leite embora natildeo sendo

utilizados por todos satildeo fundamentais Apresentamos a seguir detalhamento dessas

informaccedilotildees

Tabela 18 Nuacutemero de Famiacutelia que utilizam o resfriador de leite

Uso de tanquePA Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total

Natildeo usam tanques 62 3 20 13 98

Usam tanques proacuteprios 3 0 2 1 6

Usam tanques comunitaacuterios 25 11 47 9 92

Fonte EMPAER 2010

Na tabela 18 observamos que o nuacutemero de famiacutelias que natildeo usam tanques

para resfriamento do leite eacute significativo lanccedilando matildeo de outros meios para o

armazenamento e ou transporte do leite ateacute o ponto final de comercializaccedilatildeo

Aleacutem de gado de corte e leiteiro os assentados dos assentamentos rurais se

dedicam agrave criaccedilatildeo de animais de pequeno porte para o consumo e comercializaccedilatildeo

poreacutem em menor escala Entre eles se destacam as aves suiacutenos caprinos ovinos

peixes e abelhas Os animais de pequeno porte como aves e porcos satildeo de criaccedilatildeo

tradicional O dado que mais chama a atenccedilatildeo eacute a criaccedilatildeo de peixes Haacute um nuacutemero

expressivo de famiacutelias que exercem a piscicultura Portanto pode-se afirmar que leite e

peixe satildeo produtos familiares destinados agrave comercializaccedilatildeo

344 Comercializaccedilatildeo e Associativismo

Pensar o desenvolvimento econocircmico local a partir da produccedilatildeo dos

assentamentos rurais nos remete agraves formas de organizaccedilatildeo e comercializaccedilatildeo da

produccedilatildeo

121

Chamamos a atenccedilatildeo para a organizaccedilatildeo nos assentamentos rurais de Vila

Rica-MT pois houve uma intensa mobilizaccedilatildeo acerca das accedilotildees coletivas para o

processo de reocupaccedilatildeo e regularizaccedilatildeo da terra Poreacutem quando consolidados os

Projetos de Assentamentos Rurais os assentados perderam a referecircncia de coletividade

No que tange ao modo de produccedilatildeo e comercializaccedilatildeo a tabela que segue mostra esta

defasagem

Tabela 19 Local de Comercializaccedilatildeo da Produccedilatildeo dos assentamentos

ComercializaccedilatildeoPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total

Propriedade 80 16 67 16 179

Pequenos Comeacutercios 12 0 6 3 21

Feira 3 1 2 0 6

Atacadista 0 0 0 0 0

Supermercados 1 1 1 1 4

CONAB 0 0 1 0 1

Outros lugares 48 7 38 6 99 Fonte EMPAER 2010

Os dados nos mostram que a maior parte dos assentados comercializa os seus

produtos nos proacuteprios lotes Os assentados na maioria das vezes recorrem aos

atravessadores para comercializar os produtos os quais em sua maioria tratam-se de

comerciantes da cidade Outro nuacutemero considerado significativo comercializa em

outros lugares diferentes de comeacutercios como as feiras e no CONAB Essa situaccedilatildeo pode

estar relacionada agrave falta de organizaccedilatildeo coletiva com a criaccedilatildeo de associaccedilotildees e

cooperativas Nesse sentido a tabela que se segue mostra detalhadamente a participaccedilatildeo

ou natildeo das famiacutelias nessas organizaccedilotildees coletivas

Tabela 20 Associativismo nos assentamentos Aracati Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel e Ipecirc

AssociativismoPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total

Natildeo participam 15 2 10 0 27

Participam em cooperativa 4 0 0 0 4

Participam em associaccedilatildeo 99 20 73 25 217

Participam em sindicatos 99 23 75 21 218

Outras modalidades 1 1 0 0 2 Fonte EMPAER 2010

122

Ressaltamos que o principal mecanismo de organizaccedilatildeo coletiva dos

Agricultores Familiares satildeo as Associaccedilotildees de Pequenos Produtores Rurais e o

Sindicato dos Trabalhadores Rurais Satildeo organizaccedilotildees mais do tipo poliacutetico

reivindicativo que de produccedilatildeo e comercializaccedilatildeo Apenas 09 dos Agricultores

Familiares participam das atividades do sistema cooperativo e 04 em outras

modalidades

Em pesquisa sobre os assentamentos rurais no Araguaia o diagnoacutestico do

Plano Territorial de Desenvolvimento Rural Sustentaacutevel do Territoacuterio Rural (PTDRS)

do Baixo Araguaia-MT produzido pelo Ministeacuterio da Agricultura em 2006 haacute uma

indicaccedilatildeo de que todos os PAs do Araguaia possuem associaccedilotildees

A mesma pesquisa do PTDRS (2006 p 46) indica que os Agricultores

Familiares tecircm participaccedilatildeo nos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais e nos Conselhos

Municipais de Desenvolvimento Rural existentes em todos os municiacutepios do territoacuterio

No entanto entre os assentados existe ldquo[] um sentimento de descrenccedila e

desconfianccedila frente agraves instacircncias de organizaccedilatildeo dos produtores []rdquo Essa descrenccedila

estaacute tambeacutem associada ldquo[] agrave dificuldade em conseguir melhorias efetivas para a

populaccedilatildeo rural (acesso ao creacutedito luz eleacutetrica melhoria nas estradas) que estaacute levando

na opiniatildeo dos entrevistados agrave descrenccedila nas lideranccedilas e nas instituiccedilotildees de

representaccedilatildeo []rdquo

Em relaccedilatildeo agrave organizaccedilatildeo por meio de cooperativas o PTDRS (2006 p 46)

atribui essa falta de motivaccedilatildeo ao fato de que

Constatou-se que os municiacutepios de Satildeo Feacutelix do Araguaia

Porto Alegre do Norte e Vila Rica-MT possuiacuteam diferentes

tipos de cooperativas que acabaram falindo Apesar de natildeo

estarem diretamente relacionados com a Agricultura Familiar

estes exemplos ruins acabam influenciando na percepccedilatildeo da

populaccedilatildeo sobre as formas de cooperativas e associativas de

trabalho

Essa situaccedilatildeo eacute confirmada tambeacutem pelos relatos orais como mostra a fala

do secretaacuterio municipal de agricultura de Vila Rica-MT

123

As experiecircncias mal sucedidas das cooperativas influenciam

bastante para o descreacutedito na formaccedilatildeo de novas cooperativas

Vila Rica-MT por exemplo teve umas trecircs cooperativas

Tiacutenhamos uma que era muito forte na organizaccedilatildeo chamava

CONEMAT - Cooperativa do Nordeste de Mato Grosso

Inclusive ainda tecircm alguns preacutedios e balanccedilas espalhadas aiacute

na cidade tinha caminhotildees e supermercados mas creio que foi

por ingerecircncia de alguns presidentes que acabaram dando um

calote nos cooperados [] Temos hoje um grande nuacutemero de

produtores rurais que tecircm uma diacutevida enorme e natildeo tecircm como

pagar porque os presidentes pegaram empreacutestimos em nome

deles e foram embora levando o dinheiro dessas pessoas e por

isso muitos tecircm medo de cooperativas Por isso eacute complicado

tanto pra noacutes como para o Sindicato dos Trabalhadores Rurais

atuarmos no sentido de fomentar o sistema de cooperativa

(ENTREVISTA com Gilmar secretaacuterio Municipal de

Agricultura do municiacutepio de Vila Rica-MT realizada pela

autora em marccedilo de 2015)

Esse relato oral nos revela a dimensatildeo dos desafios vivenciados pelos

assentados e como a Secretaria de Agricultura e o Sindicato dos Trabalhadores Rurais

de Vila Rica-MT enfrentaram dificuldades para mobilizar os trabalhadores para a

criaccedilatildeo do sistema de comercializaccedilatildeo por meio de cooperativas

No entanto apesar das dificuldades o sistema de cooperativa poderaacute ser uma

alternativa para ampliar o potencial da comercializaccedilatildeo dos produtos da Agricultura

Familiar Dentro desse sistema a Prefeitura Municipal passa a ser importante

comprando os gratildeos legumes e hortaliccedilas para a merenda escolar aleacutem de ser uma

instituiccedilatildeo fundamental na mediaccedilatildeo para que os Agricultores Familiares acessem a

Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB)

35 Teacutecnicas e niacutevel tecnoloacutegico dos assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel

Ipecirc e Aracati

Martins (2014 p 24) afirma que ldquo[] a inovaccedilatildeo depende amplamente do

modo como a trama das relaccedilotildees sociais em que ocorre define sua funccedilatildeo e as

contradiccedilotildees sociais que alimentamrdquo Isso significa que os saberes tradicionalmente

produzidos ao longo das experiecircncias de vida natildeo devem ser considerados invaacutelidos na

inserccedilatildeo das inovaccedilotildees tecnoloacutegicas

Nos assentamentos rurais estudados identificamos que os saberes e as

teacutecnicas tradicionais satildeo recorrentes no modo de produzir de lidar com a terra e na

124

constituiccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com a natureza A seguir apresentamos algumas

teacutecnicas utilizadas nos assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati do

municiacutepio de Vila Rica-MT

351 Teacutecnicas de uso do Solo plantio combate de pragas colheita e

armazenamento

Tabela 21 Tipos de preparo do solo por nordm de famiacutelias

Tipo de preparoPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total

Capina e faz o plantio 20 0 16 5 41

Utiliza araccedilatildeo e gradagem 42 15 53 12 122

Faz o preparo em niacutevel 0 0 0 0 0

Fonte EMPAER 2010

De acordo com os dados da Tabela 21 muitos agricultores dos assentamentos

rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati recorrem agraves teacutecnicas tradicionais para o

preparo do solo no que se refere ao cultivo de produtos agriacutecolas e no plantio de

pastagens para o gado Poreacutem 740 utilizam araccedilatildeo e gradagem do solo

Tabela 22 Tipos de sementes cultivadas nos assentamentos rurais

Tipo de sementePA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total

Gratildeo proacuteprio 4 0 3 0 7

Sementes selecionadas22

43 14 67 19 143 Fonte EMPAER 2010

Agrave luz dos dados dispostos na Tabela 23 pode-se afirmar que os Agricultores

Familiares dos assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati possuem o

controle dos produtos a serem cultivados uma vez que satildeo eles quem seleciona as

sementes produzidas pela induacutestria e satildeo os proprietaacuterios dos gratildeos desqualificando a

semente crioula dos produtores

22 Aleacutem desses dados dois assentados rurais de Satildeo Joseacute afirmam que utilizam sementes ldquofiscalizadasrdquo

conforme categorizaccedilatildeo utilizada pelo IBGE

125

Segundo a Empaer (2010) sementes selecionadas pelos agricultores satildeo

aquelas consideradas de melhor qualidade sendo observados os aspectos relacionados

ao tamanho cor entre outros

Tabela 23 Tipos de plantio cultivados nos assentamentos rurais

Tipo de plantio Satildeo

Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual

Mecanizado 8 3 12 1 24 135

Traccedilatildeo animal 3 1 7 0 11 60

Manual 62 11 50 19 142 800

Fonte EMPAER 2010

Na Tabela 23 podemos observar que os assentados utilizam

predominantemente o trabalho manual para o cultivo com um percentual de 80

Ainda segundo os dados 6 ainda utilizam animais como forma de traccedilatildeo para

realizaccedilatildeo dos cultivos e manutenccedilatildeo das roccedilas e pastagens Somente 135 dos

assentados lanccedila matildeo do sistema mecanizado Esses dados podem apontar o motivador

da baixa produtividade nas atividades da Agricultura Familiar ou indica a baixa

capitalizaccedilatildeo e uma tradiccedilatildeo de manejo de baixo custo

Quanto ao tipo de adubaccedilatildeo do solo realizado pelos assentados existem

vaacuterias formas das quais merecem o destaque da Tabela 24

Tabela 24 Tipo de adubaccedilatildeo do solo realizado pelos assentados por famiacutelia

Tipo de adubaccedilatildeoPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual

Natildeo fazem adubaccedilatildeo 65 6 41 13 125 610

Usam adubaccedilatildeo orgacircnica 2 6 11 3 22 105

Usam adubaccedilatildeo quiacutemica 20 4 21 5 50 245

Usam as duas adubaccedilotildees 2 1 3 2 8 4

Fonte EMPAER 2010

Os dados chamam a atenccedilatildeo pelo fato de que 125 famiacutelias ou seja 61 dos

assentados natildeo fazem adubaccedilatildeo Dos 39 que utilizam a adubaccedilatildeo a maior parte faz

126

adubaccedilatildeo quiacutemica (245) e somente 105 a adubaccedilatildeo orgacircnica sendo que uma

minoria de 2 realizam tanto a adubaccedilatildeo quiacutemica quanto a orgacircnica

Esse quadro situacional aponta uma tendecircncia para o aumento do uso de

produtos quiacutemicos pelos agricultores dos assentamentos rurais na medida em que

melhoram suas condiccedilotildees econocircmicas A Tabela 25 apresenta as formas de tratamentos

do solo utilizadas pelos assentados

Tabela 25 Conservaccedilatildeo do solo (por nuacutemero de Famiacutelias)

Conservaccedilatildeo dos solos PA Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual

Natildeo fazem 90 15 67 24 196 93

Fazem plantio em niacutevel 1 1 1 1 4 2

Terraccedilo 0 0 0 0 0 0

Outros tipos de conservaccedilatildeo 2 0 9 0 11 5

Total 211 100

Fonte EMPAER 2010

Os dados satildeo preocupantes visto que 196 famiacutelias declararam natildeo adotar

qualquer teacutecnica para a conservaccedilatildeo do solo Isto explica o alto iacutendice de degradaccedilatildeo

ambiental e do solo nos assentamentos rurais de Vila Rica-MT Outro item que

consideramos importante para a conservaccedilatildeo eacute a teacutecnica de rotaccedilatildeo no uso do solo

Assim a Tabela 26 mostra como os assentados lidam com essa situaccedilatildeo

Tabela 26 Rotaccedilatildeo de Culturas nos assentamentos rurais

Rotaccedilatildeo de cultura

PA Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total Porcentagem

Fazem rotaccedilatildeo 10 4 20 10 44 20

Natildeo fazem rotaccedilatildeo 87 16 57 15 175 80

Total 219 100

Fonte EMPAER 2010

Segundo a Tabela 26 haacute evidecircncia da pouca rotaccedilatildeo de culturas o que

corresponde a (201) nos assentamentos rurais estudados Em contrapartida 80 natildeo

fazem rotaccedilatildeo de culturas A consequecircncia eacute o baixo rendimento da terra ou seja baixa

127

produtividade e esgotamento mais raacutepido Uma interpretaccedilatildeo possiacutevel sobre os dados

indicados na Tabela 26 eacute construiacuteda a partir da compreensatildeo de que a natildeo adoccedilatildeo de

rotaccedilatildeo de cultura estaacute relacionada aos haacutebitos culturais dos Agricultores Familiares

somados agrave falta de assistecircncia teacutecnica e orientaccedilotildees que demonstrem os benefiacutecios de tal

praacutetica Tambeacutem podemos observar a influecircncia da falta de um maior direcionamento

dos investimentos feitos pelo Governo Federal atraveacutes do Pronaf nos creacuteditos que satildeo

liberados conforme cultura agriacutecola e natildeo pelo sistema de produccedilatildeo O conjunto dessas

deficiecircncias de orientaccedilotildees teacutecnicas natildeo permite uma maior conscientizaccedilatildeo da

importacircncia de se praticar a rotaccedilatildeo de culturas como meio de melhor aproveitamento e

conservaccedilatildeo do solo significando manejo de informaccedilatildeo simples

Tabela 27 Tipo de combate agraves pragas (por nuacutemero de famiacutelias)

Tipo de combate PA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentagem

Natildeo fazem combate as pragas 81 6 35 13 135 645

Utilizam inseticidas 12 8 39 9 68 325

Utilizam controles alternativos 0 0 3 1 4 2

Utilizam de outros meios 1 1 0 0 2 1

Total

209 100

Fonte EMPAER 2010

Os dados da Tabela 27 apontam que 645 dos assentados natildeo fazem

nenhum tipo de combate a pragas e 325 fazem uso no cultivo de produtos agriacutecolas

de inseticidas no seu combate e controle Somente 4 famiacutelias utilizam produtos e

mecanismos alternativos

Logo a Tabela 27 mostra um percentual significativo de famiacutelias que natildeo faz

controle de pragas ou utilizam outros controles indicando que a maioria dos assentados

consome produtos sem contaminaccedilatildeo de inseticidas

Tabela 28 Tipo de lavagem triacuteplice de embalagens vazias de agrotoacutexicos

Tipo de lavagem PA Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual

Fazem a lavagem 5 3 8 5 21 15

Natildeo fazem a lavagem 57 9 48 10 124 85

Total 145 100

Fonte EMPAER 2010

128

A Tabela 28 indica um dado alarmante 124 famiacutelias dos assentamentos rurais

pesquisados em Vila Rica-MT ldquonatildeo fazem a lavagemrdquo triacuteplice de embalagens vazias de

agrotoacutexicos expondo-se a riscos de contaminaccedilatildeo Quanto ao destino das embalagens

de agrotoacutexicos vazias os dados que se seguem indicam a mesma tendecircncia de descuido

Tabela 29 Destino das embalagens de agrotoacutexicos vazias

Destino das embalagens PA Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual

Jogam a ceacuteu aberto 13 3 28 4 48 495

Satildeo reutilizadas 2 0 2 0 4 4

Enviadas agrave central abastecimento 17 7 16 5 45 465

Total 97

100

Fonte EMPAER 2010

Os dados da Tabela 29 soacute reforccedilam a falta de cuidado em relaccedilatildeo agrave utilizaccedilatildeo

de agrotoacutexicos o que resulta na exposiccedilatildeo dos assentados a riscos agrave sauacutede Tambeacutem

podem resultar em danos ao meio ambiente como jaacute indicamos na Tabela 29

considerando que quase 50 das embalagens satildeo ldquojogadas a ceacuteu abertordquo e ainda que

4 dos assentados reutilizam essas embalagens

Seguindo a tendecircncia dos dados anteriores percebemos a falta de orientaccedilatildeo

teacutecnica em relaccedilatildeo ao uso e cuidado com produtos agrotoacutexicos

Aleacutem da falta de assistecircncia teacutecnica que compromete o cultivo e a produccedilatildeo

os dados quantitativos demonstram que a ausecircncia de mecanizaccedilatildeo eacute um dado

importante no momento da colheita

Tabela 30 Tipo de colheita por famiacutelia

Tipo de colheitasPA Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual

Usam colheita manual 66 15 69 19 169 995

Colheita mecacircnica 0 0 1 0 1 05

Total 170 100 Fonte EMPAER 2010

A Tabela 30 evidencia que praticamente todos os assentados participantes da

pesquisa natildeo utilizam equipamentos mecacircnicos para a colheita de seus produtos

predominando a colheita manual com uso intensivo da matildeo de obra Esse processo

129

pode ser resultante da experiecircncia de vida e haacutebitos dos agricultores familiares em

funccedilatildeo da questatildeo econocircmica jaacute que os assentamentos rurais analisados natildeo dispotildeem de

maquinaacuterios destinados ao preparo do solo plantio e agrave colheita agriacutecola ou isso se deve

ao relevo inclinado demais ou solo pedregoso

Tabela 31 Tipo de armazenamento da produccedilatildeo (por nuacutemero de famiacutelia)

Tipo de armazenamentoPA Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual

A ceacuteu aberto 4 2 7 0 13 8

No paiol 45 11 57 14 127 79

No silo 1 0 0 1 2 15

Na residecircncia 7 2 6 2 17 105

No galpatildeo 1 0 0 0 1 05

160 100

Fonte EMPAER 2010

O modo de armazenar tambeacutem eacute tradicional o Paiol eacute uma construccedilatildeo ruacutestica

feita de forma artesanal onde os agricultores guardam os mantimentos colhidos de suas

roccedilas os quais satildeo destinados agrave alimentaccedilatildeo das famiacutelias e dos animais Computando o

armazenamento a ceacuteu aberto feito por 81 e na residecircncia 106 significa que quase

20 dos produtos satildeo armazenados de forma inadequada

36 A questatildeo ambiental nos assentamentos rurais

As questotildees que envolvem problemas ambientais nas aacutereas rurais tecircm como

problemaacutetica principal o desmatamento a natildeo conservaccedilatildeo das matas ciliares a

poluiccedilatildeo do solo e dos rios o uso de agrotoacutexicos e o destino dos lixos produzidos

Todos esses problemas estatildeo inseridos em debates recorrentes no cenaacuterio rural

No caso de Vila Rica-MT pesquisas anteriores como as que foram realizadas

pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazocircnia (IPAM) em 2009 e por Barrozo

(2010) revelam dados alarmantes relativos agrave questatildeo ambiental Essas situaccedilotildees foram

confirmadas pelo diagnoacutestico construiacutedo pela Empaer (2010) conforme a descriccedilatildeo nas

tabelas que se seguem

Tabela 32 Situaccedilatildeo de degradaccedilatildeo de solo nos assentamentos rurais

130

Condiccedilatildeo de degradaccedilatildeo PA Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total

Natildeo estaacute degradado 16 5 16 6 43 18

O solo estaacute empobrecido 75 9 44 12 140 59

O solo estaacute com erosatildeo 2 0 2 2 6 3

O solo estaacute compactado 15 9 17 4 45 19

Outras formas de degradaccedilatildeo 1 0 1 0 2 1

Total 236 100

Fonte EMPAER 2010

Satildeo evidentes os problemas ambientais vivenciados pelos assentamentos

rurais de Vila Rica-MT Em 193 lotes analisados os solos se encontram em estaacutegio de

degradaccedilatildeo indicando empobrecimento erosatildeo compactaccedilatildeo e outras formas de

degradaccedilatildeo do solo

Tabela 33 Existecircncia de nascentes sem proteccedilatildeo (nuacutemero de propriedades)

Existecircncia de nascentes Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual

Existem nascentes

Degradadas 26 9 17 5 57 32

Natildeo existem 51 14 41 15 121 68

Total 100

Fonte EMPAER 2010

Considerando que a aacutegua eacute um elemento essencial para a vida e para a

manutenccedilatildeo dos assentamentos rurais os dados indicados na Tabela 33 preocupam

pois em um universo de 178 propriedades analisadas 57 estaacute com as nascentes de

aacuteguas desprotegidas de mata ciliar o que representa um problema grave do ponto de

vista ambiental com risco de seca e extinccedilatildeo de nascentes e rios

Tabela 34 Existecircncia de degradaccedilatildeo de matas ciliares

Existecircncia de degradaccedilatildeo PA Satildeo

Joseacute

Satildeo

Gabriel Ipecirc Aracati Total Porcentagem

Natildeo existem matas ciliares 25 10 35 9 79 35

A degradaccedilatildeo eacute baixa 26 4 22 5 57 255

A degradaccedilatildeo eacute meacutedia 23 2 14 6 45 20

131

A degradaccedilatildeo eacute alta 29 5 7 3 44 195

Total 225 100

Fonte EMPAER 2010

A questatildeo da aacutegua nos assentamentos rurais estudados eacute uma preocupaccedilatildeo

recorrente Aleacutem das nascentes desprotegidas os coacuterregos vecircm perdendo suas matas

ciliares em funccedilatildeo do processo de desmatamento o que impede a ampliaccedilatildeo das aacutereas

de pastagens A Tabela 34 revela que 146 propriedades analisadas apresentam

destruiccedilatildeo das matas ciliares com estaacutegios que variam de alta a baixa degradaccedilatildeo As

imagens dos trecircs assentamentos rurais abaixo ilustram um pouco essa situaccedilatildeo

Figura 10- Fotografias de corpos drsquoaacutegua e mata ciliar

Eacute importante ressaltar que os assentamentos rurais de Vila Rica-MT

resultaram do processo de reocupaccedilatildeo das fazendas que estavam improdutivas mas jaacute

tinham sido abertas e desmatadas anteriormente Assim o problema ambiental jaacute existia

antes mesmo da formaccedilatildeo do assentamento rural e foi intensificado parcialmente com a

formaccedilatildeo dos mesmos

Tabela 35 Situaccedilatildeo de degradaccedilatildeo das pastagens (por nuacutemero de propriedade)

Degradaccedilatildeo de pastagens PA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual

Natildeo existem pastagens degradadas 17 4 16 6 43 33

O niacutevel de degradaccedilatildeo eacute baixo 36 9 40 8 93 39

132

O niacutevel de degradaccedilatildeo eacute meacutedio 43 10 21 6 80 335

O niacutevel de degradaccedilatildeo eacute alto 14 1 4 4 23 95

Total 239 100

Fonte EMPAER 2010

Vimos nos dados indicados na Tabela 35 que 43 propriedades natildeo

apresentaram niacutevel de degradaccedilatildeo nas pastagens enquanto 196 propriedades estatildeo com

as pastagens degradadas estando entre os niacuteveis alto meacutedio e baixo conforme criteacuterios

de nivelamento natildeo esclarecidos na fonte escrita

As imagens a seguir dos assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel e Ipecirc

nos ajudam a visualizar o niacutevel de degradaccedilatildeo e qualidade das pastagens destes

assentamentos rurais

Figura 11- Fotografias das aacutereas de pastagens nos assentamentos rurais

Fonte EMPAER 2010

As imagens nos remetem a compreensatildeo do quanto o problema de

desmatamento afetou de forma significativa o solo o que comprometeu a qualidade das

pastagens dos assentamentos rurais As imagens revelam a caracteriacutestica do solo que eacute

formado por morro com pedras e cascalhos o que dificulta a realizaccedilatildeo do processo de

mecanizaccedilatildeo das aacutereas

Tabela 36 Uso de fogo no manejo do solo (por propriedade)

Existecircncia de nascentesPA Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual

133

Usam fogo 80 13 45 18 156 665

Natildeo usam fogo 28 10 36 5 79 335

Total 235 100

Fonte EMPAER 2010

Os dados expostos na Tabela 36 reforccedilam a existecircncia do problema ambiental

jaacute abordado nos paraacutegrafos anteriores Chamamos a atenccedilatildeo para o fato de que 156

famiacutelias afirmaram que costumam colocar fogo sistema chamado de coivara como

praacutetica de limpeza das pastagens e na preparaccedilatildeo do cultivo das roccedilas Enquanto apenas

79 famiacutelias disseram que natildeo fazem uso de fogo no desenvolvimento das suas

atividades agriacutecolas tampouco para limpeza de pastagens

37 Algumas consideraccedilotildees sobre os impactos de poliacuteticas puacuteblicas nos

assentamentos rurais Satildeo Joseacute satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati

Podemos afirmar que nos quatro assentamentos rurais analisados os produtos

alimentares predominantes satildeo arroz milho mandioca banana e hortaliccedilas Satildeo estes

produtos que constituem a alimentaccedilatildeo baacutesica dos agricultores familiares os quais satildeo

produzidos nos lotes familiares

Atribuiacutemos a baixa produtividade na Agricultura Familiar do municiacutepio de

Vila Rica agrave falta de equipamentos tecnoloacutegicos sobretudo maquinaacuterios que poderiam

facilitar o trabalho e aumentar a produtividade No entanto ressalvamos que essas

teacutecnicas satildeo consideradas por alguns teoacutericos como uma condiccedilatildeo de produccedilatildeo

positiva do ponto de vista da manutenccedilatildeo da identidade dos assentamentos rurais

porque ela se sustenta nos saberes tradicionais aleacutem de natildeo ser tatildeo prejudicial ao meio

ambiente

Em relaccedilatildeo agrave comercializaccedilatildeo foram identificados alguns fatores que

dificultam o processo de modo geral a exemplo da natildeo organizaccedilatildeo por meio de

cooperativas ou associaccedilotildees A problemaacutetica das estradas que muitas vezes impede ou

dificulta o transporte dos produtos ateacute os pontos locais de vendas comerciais

contribuem consequentemente para o natildeo fortalecimento das feiras populares

134

As imagens a seguir ilustram a situaccedilatildeo de algumas estradas que datildeo acesso

aos assentamentos rurais de Vila Rica-MT durante os periacuteodos chuvosos de dezembro a

abril

Figura 12- Fotografias das Estradas dos assentamentos rurais

Fonte EMPAER 2009

A peacutessima situaccedilatildeo das estradas se torna ainda mais grave se pensarmos sobre

a necessidade de fortalecer a comercializaccedilatildeo dos produtos da Agricultura Familiar

quando levamos em consideraccedilatildeo o distanciamento dos assentamentos rurais com

relaccedilatildeo agrave aacuterea urbana cuja distancia eacute retratada nos croquis

Figura 13 - Croqui do Assentamento Rural Satildeo Joseacute

135

Fonte EMPAER 2010 p19

Figura 14 - Croqui do Assentamento Rural Satildeo Gabriel

Fonte EMPAER 2010 p 18

Figura 15 - Croqui do Assentamento Rural Ipecirc

136

Fonte EMPAER 2010 p 19

Figura 16 - Croqui do Assentamento Rural Aracaty

Fonte EMPAER 2010 p 18

137

O problema das estradas afetas tambeacutem a educaccedilatildeo pois danificam os ocircnibus

e prolongam o tempo que as crianccedilas ficam nas estradas sem aula atrasando o

calendaacuterio escolar Esta situaccedilatildeo provoca a desmotivaccedilatildeo dos alunos pelos estudos e

com isso os pais acabam retirando seus filhos das escolas do campo levando-os para

estudar na cidade por acreditar no prosseguimento dos estudos graccedilas agraves melhoras de

acesso permanecircncia e sucesso escolar

Ainda em relaccedilatildeo agrave educaccedilatildeo percebemos uma baixa escolaridade dos

assentados Consideramos que essa conjuntura seja resultante de alguns fatores como a

carecircncia de uma maior flexibilizaccedilatildeo na organizaccedilatildeo curricular e pedagoacutegica das escolas

dos assentamentos rurais principalmente nos quesitos referentes agrave organizaccedilatildeo dos

tempos e espaccedilos de aprendizagem uma vez que mesmo com o advento da energia

eleacutetrica nos assentamentos rurais nem todas as escolas garantiram a oferta da

modalidade escolar EJA - Educaccedilatildeo de Jovens e Adultos

No que tange agraves questotildees de gecircnero e idade constatou-se que natildeo haacute uma

organizaccedilatildeo quanto agrave formaccedilatildeo de associaccedilotildees ou movimentos sociais direcionados agrave

luta das mulheres tampouco dos jovens Tais circunstacircncias datildeo a entender a pouca

participaccedilatildeo das mulheres e dos jovens nos espaccedilos poliacuteticos embora ambos tenham

uma vida ativa em outras atuaccedilotildees referentes agrave divisatildeo de trabalhos nos assentamentos

rurais

Consideramos como um dos principais desafios relacionados agrave permanecircncia

dos agricultores familiares nos assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Aracati e

Ipecirc o fato de os jovens se sentirem desmotivados a continuar no campo Muitos saem

para a cidade na ilusatildeo que iratildeo encontrar emprego que lhes proporcione renda fixa e

melhor qualidade de vida

As condiccedilotildees dos assentados avanccedilaram em qualidade a partir da

implementaccedilatildeo do Programa Luz Para Todos uma vez que a energia eleacutetrica

possibilitou a utilizaccedilatildeo de equipamentos que facilitaram o seu cotidiano embora a aacutegua

potaacutevel ainda seja vista como um elemento complicador no que se refere ao seu

tratamento

Na sauacutede destacamos que haacute atendimento pelo Sistema Uacutenico de Sauacutede

(SUS) embora limitado pois os uacutenicos profissionais da sauacutede que atuam diretamente

138

nos assentamentos rurais satildeo os Agentes de Sauacutede Ou seja quando haacute sinalizaccedilatildeo de

problemas na sauacutede dos assentados estes tecircm que recorrer agrave assistecircncia de sauacutede

localizada na zona urbana o que requer meio de locomoccedilatildeo proacuteprio ou puacuteblico

No que se refere agraves demandas de moradia e infraestrutura nos assentamentos

rurais pesquisados destacamos que a maioria das casas foi construiacuteda ou reformada

com recursos oriundos do Pronaf No entanto nem todos os assentados usufruiacuteram do

financiamento para a construccedilatildeo de suas casas pois muitos deles tiveram que arcar com

os proacuteprios recursos Por isso muitas casas ainda satildeo de taacutebua Houve casos em que as

empresas contempladas na licitaccedilatildeo natildeo concluiacuteram as obras conforme previsto no

contrato

Contudo ressaltamos que os desafios vivenciados pelos agricultores

familiares de Vila Rica-MT satildeo inuacutemeros a exemplo da a pouca infraestrutura a

insuficiecircncia dos investimentos por parte do Poder Puacuteblico quanto agrave liberaccedilatildeo de creacutedito

direcionado agrave Agricultura Familiar reduzido uso de tecnologia a ausecircncia de uma

assistecircncia teacutecnica efetiva a falta de matildeo de obra jovem uma vez que a idade meacutedia dos

assentados segundo dados da EMPAER (2009 p 45) eacute de 507 anos ldquo[] uma das

possiacuteveis causas para o ecircxodo dos jovens eacute a falta de opccedilatildeo para dar continuidade aos

estudos e a falta de oportunidades de geraccedilatildeo de renda dentro dos assentamentos ruraisrdquo

Ainda sobre a infraestrutura ressaltamos que os maiores investimentos tanto

por parte do Pronaf como de outras fontes dos agricultores familiares foram aplicados

na atividade de pecuaacuteria por considerarem mais rentaacutevel Essa questatildeo estaacute mais

detalhada no capiacutetulo IV

Eacute preciso ainda atentarmos mais para aos problemas de ordem ambiental

porque se constataram situaccedilotildees de desmatamentos nas nascentes e matas ciliares sem

falar da degradaccedilatildeo do solo e das pastagens condiccedilotildees que implicam na natildeo ampliaccedilatildeo

da Agricultura Familiar enquanto potencial para alavancar o desenvolvimento regional

139

4 AS POLIacuteTICAS PUacuteBLICAS NOS ASSENTAMENTOS SAtildeO JOSEacute SAtildeO

GRABRIEL IPEcirc E ARACATI

Este capiacutetulo objetiva identificar quais foram as poliacuteticas puacuteblicas

implementadas nos assentamentos rurais do municiacutepio Vila Rica-MT no periacuteodo de

1996 a 2015

Construiacutemos uma anaacutelise norteada por algumas questotildees que serviram de

base para a reflexatildeo acerca do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura

Familiar (Pronaf) bem como de outras Poliacuteticas Puacuteblicas voltadas para o atendimento

das necessidades da populaccedilatildeo do campo como eacute o caso da sauacutede educaccedilatildeo e

habitaccedilatildeo

Nesse sentido destacamos alguns questionamentos relacionados aos

procedimentos de execuccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas destinadas aos assentamentos rurais

Qual foi o impacto do Pronaf nos assentamentos rurais de Vila Rica-MT Quais satildeo as

outras poliacuteticas e accedilotildees dos oacutergatildeos puacuteblicos no apoio e incentivos da Agricultura

Familiar no Araguaia mato-grossense Quais os mecanismos de controle e inspeccedilatildeo

adotados pela Secretaria Municipal de Agricultura de Vila Rica-MT para monitorar e

fomentar a produccedilatildeo da Agricultura Familiar nos assentamentos rurais Existem ou natildeo

estrateacutegias constituiacutedas entre os Agricultores Familiares movimentos sindical e social

ligados agrave Agricultura Familiar para enfrentar as ldquoinvestidasrdquo do agronegoacutecio nas aacutereas

de assentamentos rurais Quais satildeo os desafios e os avanccedilos dos assentamentos rurais

de Vila Rica-MT na visatildeo dos agricultores familiares dos assentamentos pesquisados

Para a compreensatildeo dessas questotildees foi necessaacuteria uma anaacutelise dos dados

oficiais de fontes escritas e orais com o auxiacutelio de perspectivas teoacutericas presentes nos

estudos sobre as temaacuteticas que envolvem o universo das poliacuteticas puacuteblicas destinadas

aos assentamentos rurais sobretudo o Pronaf

41 O debate sobre o Pronaf

Compreender tanto as formas de uso da terra quanto as de produccedilatildeo dos

agricultores familiares assim como a identificaccedilatildeo do papel da Agricultura Familiar no

desenvolvimento do territoacuterio do Araguaia eacute tambeacutem constituir conhecimento e

reflexatildeo acerca dos avanccedilos e entraves vivenciados pelos agentes histoacutericos no processo

140

de implementaccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas direcionadas aos Projetos de assentamentos

rurais no Brasil sobretudo na consolidaccedilatildeo do Pronaf

Por isso fizemos apontamentos em relaccedilatildeo agrave produccedilatildeo dos assentamentos

rurais e ao mesmo tempo assinalamos as estrateacutegias adotadas pelos agricultores

familiares para sobreviverem agraves artimanhas do sistema burocraacutetico especialmente

quanto agraves formas de acesso ao creacutedito rural

Por outro lado para analisar o papel das poliacuteticas puacuteblicas enquanto objeto

de estudo os investimentos do Pronaf nos assentamentos rurais de Vila Rica-MT

tomando como referecircncias as estrateacutegias adotadas pelos agricultores para serem

beneficiados pelas linhas de creacutedito problematizaram-se os avanccedilos e os entraves nas

condiccedilotildees de implementaccedilatildeo dessas poliacuteticas atraveacutes de reflexotildees teoacutericas e estudos de

caso Para tanto realizamos uma revisatildeo bibliograacutefica sobre a temaacutetica que historiciza o

artifiacutecio de criaccedilatildeo do Pronaf enquanto poliacutetica puacuteblica

Gazola e Schneider (2004 p 21) concebem que a criaccedilatildeo do Pronaf

representou uma resposta por parte do Estado brasileiro ao surgimento de uma nova

categoria social que demanda accedilotildees do Poder Puacuteblico e que levam em consideraccedilatildeo as

especificidades dessa nova categoria social ldquo[] os Agricultores Familiares que ateacute

entatildeo eram designados por termos como pequenos produtores produtores familiares de

baixa renda ou agricultura de subsistecircnciardquo

A partir dessa percepccedilatildeo podemos afirmar que anteriormente natildeo havia uma

designaccedilatildeo especiacutefica para os agentes histoacutericos que viviam da produccedilatildeo familiar na

agricultura enquanto categoria social Tratava-se de diversas denominaccedilotildees que eram

baseadas em criteacuterios econocircmicos e embutiam uma ideia de desqualificaccedilatildeo como por

exemplo ldquopequeno produtorrdquo

O conceito de Agricultura Familiar surgiu como uma alternativa para

suprimir as diversas denominaccedilotildees em relaccedilatildeo agrave forma e agrave concepccedilatildeo de produccedilatildeo das

populaccedilotildees que vivem no campo e que recorrem apenas agrave forccedila de trabalho dos

membros da famiacutelia Foi conceituada por Abramovay (1997 p 3 apud SALVODI

CUNHA 2010 p 10) como ldquo[] aquela em que a gestatildeo a propriedade e a maior

parte do trabalho vecircm de indiviacuteduos que mantecircm entre si laccedilos de sangue ou de

casamentordquo Os autores citados asseguram que essa definiccedilatildeo natildeo poderaacute ser vista como

unacircnime e muitas vezes pouco operacional

141

Salvodi e Cunha (2010 p 10) apesar de ponderarem que essa definiccedilatildeo natildeo

deve ser concebida como unacircnime entre os teoacutericos da Questatildeo Agraacuteria ressaltam que

eles adotam-na como conteuacutedo no sentido de evidenciar a nova categoria social que

envolve ldquo[] a propriedade da terra relaccedilotildees de trabalho e a gestatildeo das atividades

produtivasrdquo Para eles todos esses elementos satildeo criteacuterios usados para diferenciar por

se tratar de relaccedilotildees entre agentes sociais com parentesco de sangue ou alianccedilas via

matrimocircnio

Abramovay (1997) Salvodi e Cunha (2010) consideram que a base da

Agricultura Familiar estaacute portanto centrada no elemento relacional e natildeo

necessariamente na sua posiccedilatildeo diante de categorias econocircmicas ligadas agrave produccedilatildeo e agraves

formas de trabalho que dependem especificamente da matildeo de obra familiar

Destacamos que tal definiccedilatildeo eacute um constructo analiacutetico fundado a partir de

um referencial teoacuterico Isso eacute compreensiacutevel pois diferentes setores sociais a partir das

representaccedilotildees institucionais constroem categorias sociais Logo a categoria

ldquoAgricultura Familiarrdquo foi construiacuteda a partir de concepccedilotildees analiacuteticas e teoacutericas que

servem tanto para determinadas finalidades praacuteticas como para fins de acesso ao creacutedito

rural

Ressalvamos ainda que estes trecircs elementos baacutesicos - gestatildeo propriedade e

trabalho familiar se fazem presentes em todas as definiccedilotildees de Agricultura Familiar

sobretudo na definiccedilatildeo do Pronaf que insere a loacutegica da famiacutelia que tem a gestatildeo sobre

sua propriedade e busca o creacutedito

O Ministeacuterio do Desenvolvimento Agraacuterio (2015) apresenta uma espeacutecie de

passo a passo para o acesso ao Pronaf

O acesso ao Pronaf inicia-se na discussatildeo da famiacutelia sobre a

necessidade do creacutedito seja ele para o custeio da safra ou

atividade agroindustrial seja para o investimento em maacutequinas

equipamentos ou infraestrutura de produccedilatildeo e serviccedilos

agropecuaacuterios ou natildeo agropecuaacuterios Apoacutes a decisatildeo do que

financiar a famiacutelia deve procurar o sindicato rural ou a empresa

de Assistecircncia Teacutecnica e Extensatildeo Rural (Ater) como a

EMATER para obtenccedilatildeo da Declaraccedilatildeo de Aptidatildeo ao Pronaf

(DAP) que seraacute emitida segundo a renda anual e as atividades

exploradas direcionando o agricultor para as linhas especiacuteficas

de creacutedito a que tem direito (MDA)23

23 Disponiacutevel em lthttpwwwmdagovbrsitemdasecretariasaf-creditoruralsobre-o-

programasthashoPkG5KqCdpuff gt Acesso em 14092015

142

O Pronaf eacute apontado por alguns estudiosos da Questatildeo Agraacuteria no Brasil

como um marco da interferecircncia positiva do Estado na agricultura Eacute a partir dele que

ocorre a inclusatildeo da categoria social denominada de agricultores familiares no conjunto

das poliacuteticas puacuteblicas destinadas ao meio rural

Ressaltamos que antes do Pronaf existia o Programa de Valorizaccedilatildeo da

Pequena Produccedilatildeo Rural (Provape) criado em 1994 atraveacutes de uma operaccedilatildeo

financeira executada apenas pelo Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES)

Schneider Mattei e Cazella (2004) concebem que o Provape foi o embriatildeo da

mais importante poliacutetica puacuteblica criada para atender os agricultores familiares Segundo

os mesmos autores ele natildeo obteve os resultados esperados levando-se em consideraccedilatildeo

apenas os recursos que foram aportados Isso pode ser explicado parcialmente pelo fato

de o sistema de creacutedito e financiamento brasileiro natildeo ter sido adequado ao perfil do

puacuteblico para o qual se destinava o Provape

Ainda em conformidade com Schneider Mattei e Cazella (2004) eacute possiacutevel

afirmar que o Provape serviu apenas como ponto de partida para aquela que de fato

viria ser a primeira poliacutetica puacuteblica destinada agrave categoria de agricultores familiares

Em 1995 o Provape passou por uma transformaccedilatildeo tanto no que se refere agrave

concepccedilatildeo de poliacutetica puacuteblica voltada para os agricultores familiares comono que se

refere a sua aacuterea de abrangecircncia

Foram essas modificaccedilotildees acrescidas ao programa Provape que constituiacuteram

em 1996 o Pronaf o que de acordo com Schneider Mattei e Cazella (2004 p 3)

significa dizer que ldquo[] desse ano em diante o programa tem se firmado como a

principal poliacutetica do Governo Federal para os agricultores familiaresrdquo

Esses autores creditam ser o Pronaf uma poliacutetica puacuteblica constituiacuteda como

apoio econocircmico e produtivo para Agricultura Familiar brasileira A partir dele foram

criadas outras como eacute o caso do Programa Nacional de Aquisiccedilatildeo de Alimentos (PAA)

a Lei da Agricultura Familiar o Seguro Rural a nova forma de Assistecircncia Teacutecnica e

Extensatildeo Rural (ATER) e o Programa Nacional de Alimentaccedilatildeo Escolar (PNAE) que

embora jaacute existisse desde 1950 foi reestruturado a partir da criaccedilatildeo do Pronaf

Este inicialmente tinha como propoacutesito atuar em quatro grandes aacutereas 1)

Financiamento no Custeio e Investimento Agriacutecola 2) Fortalecimento de Infra Estrutura

143

rural 3) Negociaccedilatildeo e Articulaccedilatildeo de Poliacuteticas Puacuteblicas e 4) Formaccedilatildeo de Teacutecnicos

Extensionistas e de agricultores familiares

Nos primeiros anos de implantaccedilatildeo do Pronaf os juros para quem acessasse

essa linha de creacutedito para financiamento e investimento era de 12 ao ano o que pode

ser considerado um valor muito alto Esse fato talvez seja uma das principais

justificativas de poucos agricultores familiares terem pleiteado o creacutedito

Por outro lado havia tambeacutem a falta de conhecimento sobre o proacuteprio

programa Segundo Gazola e Schneider (2004) foram vaacuterios os entraves enfrentados

nos primeiros anos de implantaccedilatildeo do Pronaf sendo que dos recursos destinados agraves

safras de 1995-1996a maioria beneficiou agricultores familiares do Sul do paiacutes

sobretudo os produtores de fumo

Mas antes de avanccedilarmos sobre outras questotildees envolvendo o Pronaf eacute

importante analisarmos os muacuteltiplos contextos em que esse programa foi criado

42 O papel dos Movimentos sociais na criaccedilatildeo do Programa Nacional de

Fortalecimento da Agricultura Familiar na deacutecada de 1990

Bianchini (2015 p18) afirma que a deacutecada de 1990 foi sinalizada pela

constituiccedilatildeo de novas estrateacutegias no campo econocircmico sobretudo em relaccedilatildeo aos

aspectos comerciais tecnoloacutegicos financeiros e de investimentos aleacutem de ter sido o

periacuteodo de maior inserccedilatildeo do Brasil na economia internacional

Outra caracteriacutestica desse periacuteodo segundo o mesmo autor foi a criaccedilatildeo do

Mercado Comum do Sul (Mercosul) o qual visava materializar uma maior integraccedilatildeo

entre o Brasil Uruguai Argentina e Paraguai a partir da reduccedilatildeo das tarifas

alfandegaacuterias

O Mercosul alterou tambeacutem a poliacutetica cambial com o objetivo de promover

a expansatildeo das importaccedilotildees e ampliaccedilatildeo dos investimentos internacionais nas aacutereas

agroindustriais Por outro lado restringiu a participaccedilatildeo de cooperativas nesse setor

fortalecendo ainda mais as empresas privadas

A partir da concepccedilatildeo de Bianchini (2015) pode-se afirmar que diante das

novas configuraccedilotildees impostas ao cenaacuterio econocircmico brasileiro assistiu-se no Brasil ao

desmoronamento de um modelo econocircmico em que a base de sustentaccedilatildeo eram os

144

incentivos fiscais concedidos pelo Governo os quais atendiam apenas alguns setores

rurais

O que se vecirc nesse periacuteodo foi a movimentaccedilatildeo dos diferentes atores sociais

De um lado se encontram os grupos detentores de grande capital econocircmico querendo

a qualquer custo atrair a atenccedilatildeo das autoridades poliacuteticas em torno dos interesses do

capital na agricultura e por outro lado a intensificaccedilatildeo nas mobilizaccedilotildees por parte de

outros atores conclamando por uma construccedilatildeo de poliacuteticas diferenciadas para atender a

Agricultura Familiar a realizaccedilatildeo da Reforma Agraacuteria a ampliaccedilatildeo dos direitos dos

trabalhadores rurais e a criaccedilatildeo de um modelo de agricultura fundamentado na

sustentabilidade social e ambiental

Bianchini (2015 p 19) ao se referir ao papel das instituiccedilotildees e organizaccedilatildeo

dos movimentos sociais em defesa da Reforma Agraacuteria constituiacutedos na deacutecada de 1980

assegura que

Nesse cenaacuterio poacutes-crise do modelo agriacutecola a partir dos anos

80 com o teacutermino do regime militar e a promulgaccedilatildeo da

Constituiccedilatildeo de 1988 as organizaccedilotildees de agricultores

empresariais se rearticularam na Confederaccedilatildeo Nacional de

Agricultura (CNA) na Uniatildeo Democraacutetica Ruralista (UDR) e

na Associaccedilatildeo Brasileira do Agronegoacutecio (ABAG) As

organizaccedilotildees de Agricultores Familiares se fortalecem na

Confederaccedilatildeo Nacional dos Trabalhadores na Agricultura

(CONTAG) criam-se novas organizaccedilotildees como o Movimento

dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) a Via Campesina

o Departamento Nacional dos Trabalhadores Rurais da CUT

(DNTR) que daria origem agrave Federaccedilatildeo dos Trabalhadores da

Agricultura Familiar (Fetraf) Surge um novo cenaacuterio novos

embates e estabelece-se um novo arranjo institucional

Em consonacircncia agrave citaccedilatildeo afirmamos que os atores sociais do campo estatildeo

divididos em dois grandes grupos de um lado os grandes proprietaacuterios de terras e

representantes do agronegoacutecio e do outro as populaccedilotildees desprovidas de capital

financeiro representadas pelos trabalhadores rurais pequenos agricultores ribeirinhos e

comunidades tradicionais Esses grupos recorreram agrave organizaccedilatildeo dos Sindicatos a

exemplo daquele dos Trabalhadores ou dos Produtores Rurais e das confederaccedilotildees em

busca da sensibilizaccedilatildeo das autoridades poliacuteticas em torno da defesa de seus interesses

No que se refere aos movimentos sociais dos trabalhadores rurais e pequenos

agricultores natildeo se pode perder de vista que a deacutecada de 1990 foi marcada por intensas

mobilizaccedilotildees desses sujeitos sociais em torno de poliacuteticas puacuteblicas que pudessem

145

viabilizar a melhoria das condiccedilotildees de vida no campo sobretudo no que tange agrave criaccedilatildeo

de um sistema de creacutedito rural e a expansatildeo do programa de distribuiccedilatildeo de terras em

formato diferenciado para atender as especificidades dos pequenos agricultores

Bianchini (2015) considera possiacutevel assegurar que tanto o Provape como o

Pronaf resultaram de accedilotildees e pressotildees dos movimentos sociais que por meio das

diversas manifestaccedilotildees que contribuiacuteram diretamente para a definiccedilatildeo das diretrizes do

Pronaf como eacute o caso do ldquoGrito da Terra Brasilrdquo movimento promovido pela

Confederaccedilatildeo Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG) Federaccedilatildeo dos

Trabalhadores da Agricultura (Fetag) e pelos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais

(STTRs) que em geral reuniram milhares de trabalhadores em seus atos puacuteblicos em

sua grande maioria lideranccedilas dos diversos movimentos ligados agraves questotildees da

Agricultura Familiar Reforma Agraacuteria e de outras bandeiras relacionadas ao universo

dos trabalhadores rurais

Bianchini (2015) indica ainda outro acontecimento que proporcionou maior

visibilidade do debate acerca da luta por uma poliacutetica de creacutedito rural diferenciada e que

fosse capaz de mobilizar a integraccedilatildeo da produccedilatildeo familiar o Seminaacuterio ndash Creacutedito de

Investimento uma luta que vale milhotildees de vidas realizado na cidade Chapecoacute em

Santa Catarina no ano de 2003 sob a organizaccedilatildeo do Foacuterum Sul dos Rurais vinculado agrave

Central Uacutenica dos Trabalhadores - CUT

Esse seminaacuterio teve como funccedilatildeo marcar ldquo[] que o creacutedito seria a bandeira

central do movimento sindical e naquele momento poderia desencadear outras poliacuteticas

ATER Educaccedilatildeo Formaccedilatildeo Profissional Infraestrura e Habitaccedilatildeordquo (BIANCHINI

2015 p 24)

Ainda com base na concepccedilatildeo desse autor pode-se dizer que as discussotildees

provocadas durante o seminaacuterio de Chapecoacute aleacutem de possibilitar um repensar sobre a

questatildeo do creacutedito diferenciado para os pequenos agricultores apontaram tambeacutem

outras possibilidades de conquista no sentido de buscar uma poliacutetica que fosse capaz de

casar o Creacutedito Fundiaacuterio com a Educaccedilatildeo Formaccedilatildeo Profissional Infraestrutura e

Habitaccedilatildeo ldquo[] Esta foi a marca que timbrou a criaccedilatildeo do Pronaf a luta por creacutedito

diferenciado capaz de realizar a reconversatildeo das unidades de produccedilatildeo familiarrdquo

(BIANCHINI 2015 p 24)

146

43 O Pronaf e seus objetivos

O MDA assegura que o objetivo do Programa Nacional de Fortalecimento da

Agricultura Familiar (Pronaf) eacute ldquo[] financiar projetos individuais ou coletivos que

gerem renda aos agricultores familiares e assentados da Reforma Agraacuteria O programa

possui as mais baixas taxas de juros dos financiamentos rurais aleacutem das menores taxas

de inadimplecircncia entre os sistemas de creacutedito do Paiacutes (MDA 2015)rdquo 24

Estamos diante da definiccedilatildeo do oacutergatildeo puacuteblico responsaacutevel por colocar os

ldquoagricultores familiaresrdquo e ldquoassentados de Reforma Agraacuteriardquo enquanto puacuteblico alvo do

programa possibilitando-os ter acesso a creacuteditos com a preacute-condiccedilatildeo de natildeo ter uma

renda maior que R$ 360 mil reais por ano

O agricultor familiar deve avaliar o projeto que pretende

desenvolver Os projetos devem gerar renda aos Agricultores

Familiares e assentados da reforma agraacuteria Podem ser

destinados para o custeio da safra a atividade agroindustrial

seja para investimento em maacutequinas equipamentos ou

infraestrutura A renda bruta anual dos Agricultores Familiares

deve ser de ateacute R$ 360 mil (MDA 2015)25

As diretrizes do MDA que orientam a elaboraccedilatildeo dos projetos de

financiamentos do Pronaf asseguram que os agricultores familiares satildeo os protagonistas

no planejamento das accedilotildees que seratildeo desenvolvidas desde que levem em consideraccedilatildeo

os criteacuterios estabelecidos por cada linha de creacutedito

Segundo o MDA (2015) o Pronaf possui algumas linhas de creacutedito para

atender esse objetivo

bull Pronaf Custeio

-se ao financiamento das atividades agropecuaacuterias e de

beneficiamento ou industrializaccedilatildeo e comercializaccedilatildeo de

produccedilatildeo proacutepria ou de terceiros enquadrados no Pronaf

bull Pronaf Mais Alimentos - Investimento

Destinado ao financiamento da implantaccedilatildeo ampliaccedilatildeo ou

modernizaccedilatildeo da infraestrutura de produccedilatildeo e serviccedilos

agropecuaacuterios ou natildeo agropecuaacuterios no estabelecimento rural

ou em aacutereas comunitaacuterias rurais proacuteximas

bull Pronaf Agroinduacutestria

24Disponiacutevelemlthttpwwwmdagovbrsitemdasecretariasaf-creditoruralsobre-o-

rogramasthashoPkG5KqCdpuf gt Acesso em 14092015 25

Disponiacutevelemlt httpwwwmdagovbrsitemdasecretariasaf-creditoruralcomo-funciona-o-

pronafsthashJ7csT8kgdpuff gt Acesso em 14092015

147

Linha para o financiamento de investimentos inclusive em

infraestrutura que visam o beneficiamento o processamento e a

comercializaccedilatildeo da produccedilatildeo agropecuaacuteria e natildeo agropecuaacuteria

de produtos florestais e do extrativismo ou de produtos

artesanais e a exploraccedilatildeo de turismo rural

bull Pronaf Agroecologia

Linha para o financiamento de investimentos dos sistemas de

produccedilatildeo agroecoloacutegicos ou orgacircnicos incluindo-se os custos

relativos agrave implantaccedilatildeo e manutenccedilatildeo do empreendimento

bull Pronaf Eco

Linha para o financiamento de investimentos em teacutecnicas que

minimizam o impacto da atividade rural ao meio ambiente bem

como permitam ao agricultor melhor conviacutevio com o bioma em

que sua propriedade estaacute inserida

bull Pronaf Floresta

Financiamento de investimentos em projetos para sistemas

agroflorestais exploraccedilatildeo Destina extrativista ecologicamente

sustentaacutevel plano de manejo florestal recomposiccedilatildeo e

manutenccedilatildeo de aacutereas de preservaccedilatildeo permanente e reserva legal

e recuperaccedilatildeo de aacutereas degradadas

bull Pronaf Semiaacuterido

Linha para o financiamento de investimentos em projetos de

convivecircncia com o semi-aacuterido focados na sustentabilidade dos

agroecossistemas priorizando infraestrutura hiacutedrica e

implantaccedilatildeo ampliaccedilatildeo recuperaccedilatildeo ou modernizaccedilatildeo das

demais infraestruturas inclusive aquelas relacionadas com

projetos de produccedilatildeo e serviccedilos agropecuaacuterios e natildeo

agropecuaacuterios de acordo com a realidade das famiacutelias

agricultoras da regiatildeo Semiaacuterida

bull Pronaf Mulher

Linha para o financiamento de investimentos de propostas de

creacutedito para a mulher agricultora

bull Pronaf Jovem

Financiamento de investimentos de propostas de creacutedito para

jovens agricultores e agricultoras

bull Pronaf Custeio e Comercializaccedilatildeo de Agroinduacutestrias

Familiares

Destinada aos agricultores e suas cooperativas ou associaccedilotildees

para que financiem as necessidades de custeio do

beneficiamento e industrializaccedilatildeo da produccedilatildeo proacutepria eou de

terceiros

bull Pronaf Cota-Parte

Financiamento de investimentos para a integralizaccedilatildeo de cotas-

partes dos Agricultores Familiares filiados a cooperativas de

produccedilatildeo ou para aplicaccedilatildeo em capital de giro custeio ou

investimento

bull Microcreacutedito Rural

Destinado aos agricultores de mais baixa renda permite o

financiamento das atividades agropecuaacuterias e natildeo

agropecuaacuterias podendo os creacuteditos cobrirem qualquer demanda

que possa gerar renda para a famiacutelia atendida Creacuteditos para

Agricultores Familiares enquadrados no Grupo B e agricultoras

148

integrantes das unidades familiares de produccedilatildeo enquadradas

nos Grupos A ou AC26

Ainda para o MDA (2015) o creacutedito do Pronaf eacute operacionalizado pelos

agentes financeiros que compotildeem o Sistema Nacional de Creacutedito Rural (SNCR) os

quais estatildeo agrupados pelas unidades financeiras (Banco do Brasil Banco do

Nordeste e Banco da Amazocircnia) vinculadas aos (BNDES Bancoob Bansicredi e

associados agrave Federaccedilatildeo Brasileira de Bancos (Febraban)

A partir dessas opccedilotildees de creacutedito o nuacutemero de agricultores familiares que

tem aderido ao programa aumentou bem como a abrangecircncia do Pronaf no Brasil

Segundo dados do MDA (2015)

As contrataccedilotildees do Creacutedito ndash Pronaf apresentam crescimento

sustentado ao longo dos anos Em 19992000 o Pronaf abrangia

3403 municiacutepios passando para 4539 no ano seguinte o que

representou um aumento de 33 na cobertura de municiacutepios

ou seja a ampliaccedilatildeo de mais de 1100 municiacutepios em apenas

um ano A ampliaccedilatildeo de municiacutepios atendidos continuou em

cada ano agriacutecola sendo que em 20052006 houve a inserccedilatildeo de

quase 1960 municiacutepios em relaccedilatildeo agrave 19992000 Em

20072008 foram atendidos 5379 municiacutepios o que

representou um crescimento de 58 em relaccedilatildeo agrave 19992000

com a inserccedilatildeo de 1976 municiacutepios27

Portanto atraveacutes desses dados oficiais sobre o Pronaf foi possiacutevel identificar

seus objetivos e o que ele considera como caracteriacutestica de sua efetivaccedilatildeo e ampliaccedilatildeo

Cruzando os dados do Araguaia mato-grossense e aqueles dos assentamentos

rurais pesquisados com os dados oficiais obtivemos uma noccedilatildeo das implicaccedilotildees dos

investimentos do Pronaf no local sobretudo no que se refere ao municiacutepio de Vila Rica-

MT uma vez que eacute onde estatildeo localizados os assentamentos rurais analisados nesta

pesquisa

44 O Pronaf no espaccedilo do Araguaia Mato-grossense

26 Disponiacutevel em lthttpwwwmdagovbrsitemdasecretariasaf-creditorurallinhas-de-

crC3A9ditosthashupVEXpBldpufgt Acesso em 14092015 27

Disponiacutevel em lthttpwwwmdagovbrsitemdasecretariasaf-

creditoruralevoluC3A7C3A3o-do-pronafgt Acesso em 14092015

149

Em 2006 foi produzido um diagnoacutestico pela equipe teacutecnica do Territoacuterio da

Cidadania do MDA com o objetivo de elaborar o Plano Territorial de Desenvolvimento

Rural Sustentaacutevel do Araguaia mato-grossense ocasiatildeo em que foi constituiacutedo um

banco de dados sobre a situaccedilatildeo dos assentamentos rurais da aacuterea tomando como

referecircncia o perfil socioeconocircmico de cada assentamento rural e utilizando diversas

estrateacutegias e fontes documentais para constituiacute-lo

Analisando os dados do diagnoacutestico produzido pelo MDA constatamos que a

Agricultura Familiar possui um lugar de destaque no desenvolvimento socioeconocircmico

do Norte Araguaia

Paret (2012) informa existir 85 assentamentos rurais constituiacutedos no territoacuterio

Araguaia-Xingu sendo que 25 deles estatildeo localizados no municiacutepio de Confresa-MT

Os demais estatildeo distribuiacutedos entre os outros municiacutepios com destaque para Ribeiratildeo

Cascalheira Satildeo Feacutelix do Araguaia e Aacutegua Boa28

Ao todo satildeo 22328 famiacutelias assentadas numa aacuterea que corresponde apenas

a 8 da dimensatildeo territorial denominada por Paret (2012) como Araguaia-Xingu Nesse

mesmo sentido Barrozo (2009 p 96) avalia que

Os assentamentos rurais do Araguaia se caracterizam pela a

criaccedilatildeo de gado e pela baixa produccedilatildeo de alimentos Em quase

todos os assentamentos dos municiacutepios de Santa Terezinha

Vila Rica-MT Satildeo Joseacute e Santa Cruz do Xingu Confresa Porto

Alegre Canabrava Satildeo Feacutelix do Araguaia os assentados do

Araguaia tecircm como principal atividade econocircmica do lote a

criaccedilatildeo de gado bovino

Considerando o que Barrozo (2009) e Paret (2012) e os dados contidos no

relatoacuterio do MDATerritoacuterio da Cidadania (2006) dizem afirmamos que a pecuaacuteria eacute

tida como a principal fonte de renda dos assentados dessa aacuterea Aleacutem da venda dos

bezerros os agricultores familiares vendem tambeacutem leite para os pequenos laticiacutenios

que ficam espalhados pela aacuterea

Essa produccedilatildeo se tornou viaacutevel por um conjunto de fatores que vatildeo desde a

instalaccedilatildeo de energia eleacutetrica que possibilitou que o produto pudesse ser armazenado

em tanques resfriadores passando pelo fomento do Pronaf ateacute a instalaccedilatildeo de laticiacutenios

na aacuterea que absorvem a produccedilatildeo regional

28 Destacamos que dos 14 municiacutepios que compotildeem o territoacuterio denominado por Paret (2012)

como Araguaia Xingu apenas Luciara natildeo possui assentamentos rurais Rural (INCRA 2015)

150

A partir dos dados destacados pelos autores e pela descriccedilatildeo feita pelo o

Instituto de Defesa Agropecuaacuteria de Mato Grosso - Indea (2015)29

percebe-se que nos

uacuteltimos anos houve um crescimento notaacutevel da criaccedilatildeo de gado leiteiro nessa aacuterea

Essa situaccedilatildeo serve como justificativa ao fato de haver nos assentamentos rurais do

Araguaia uma aacuterea maior destinada agraves pastagens e uma menor concentraccedilatildeo de

atividades voltadas para o cultivo de pomares hortas agricultura e outras atividades

econocircmicas

O Araguaia Mato-grossense atualmente possui como principais cadeias

produtivas a pecuaacuteria e a soja Percebe-se que a Agricultura Familiar tambeacutem estaacute

inclusa nesse modelo de produccedilatildeo no entanto Paret (2012 p 53) faz uma ressalva em

relaccedilatildeo agrave ela uma vez que esta ldquo[] apresenta uma maior diversidade produtiva que vai

desde a horta a todo tipo de plantaccedilatildeo de frutas (plantadas ou do extrativismo)

tubeacuterculos mel ovos pequenos animais leite entre outros []rdquo

As atividades agriacutecolas nos assentamentos rurais do Araguaia Mato-

grossense foram estudadas por Barrozo (2009 p 99) para quem embora os assentados

atribuam uma grande importacircncia agrave criaccedilatildeo de gado tambeacutem cultivam roccedilas visando o

auto-sustento da famiacutelia ldquo[] Os principais produtos cultivados em quase todos os

assentamentos satildeo a mandioca o milho o arroz e a canardquo

Ainda em conformidade com Barrozo (2009) natildeo existem grandes pomares

com diversidade de frutas cuja produccedilatildeo tenha a finalidade de comercializaccedilatildeo mas

satildeo encontradas em muitos assentamentos pequenas produccedilotildees frutiacuteferas de manga

banana abacaxi goiaba caju tamarindo limatildeo pequi etc

Esse quadro de produccedilatildeo agriacutecola apresentado pelo mesmo autor foi

constatado tambeacutem no relatoacuterio do MDATerritoacuterio da Cidadania (2006 p 33) segundo

o qual as atividades agriacutecolas no espaccedilo do Araguaia Mato-Grossense satildeo assim

descritas

Dentre as culturas produzidas destacam-se a mandioca o arroz

o milho e o abacaxi presentes em praticamente todo o territoacuterio

e tambeacutem direcionadas ao mercado local e principalmente para

o autoconsumo [] Estas atividades constituem-se em

iniciativas particulares e natildeo reflete de forma real a situaccedilatildeo de

grande parte dos agricultores do territoacuterio

29Disponiacutevel em lthttpwwwterritoriosdacidadaniagovbrdotlrnclubsterritriosruraisone-

community gtAcesso em 02052015

151

Quanto agrave implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas direcionadas aos

assentamentos rurais Paret (2012 p 53) verificou a existecircncia de grandes obstaacuteculos

enfrentados pelos agricultores familiares a exemplo das dificuldades em acessar tanto

os recursos do Pronaf quanto de outros programas considerados de apoio como eacute o caso

do Programa Nacional de Aquisiccedilatildeo de Alimentos (PNAA) e do Programa Nacional de

Alimentaccedilatildeo Escolar (PNAE)

Os entraves ocorridos durante o processo de implementaccedilatildeo das poliacuteticas

puacuteblicas nos assentamentos rurais no Araguaia Mato-grossense sobretudo no caso do

Pronaf foram percebidos por Barrozo (2009 p 96) em pesquisa realizada para o

Ministeacuterio do Meio Ambiente (MMA) atraveacutes do programa GESTAR O autor escreve

que durante suas visitas aos assentamentos rurais era bastante comum os agricultores

familiares exporem suas insatisfaccedilotildees tanto com a atuaccedilatildeo dos teacutecnicos do INCRA

quanto com as condiccedilotildees impostas no processo de adesatildeo ao Pronaf Nesse sentido

descreve

[] os assentados reclamam do Pronaf que seria um pacote

fechado exigindo que o recurso seja em horas maacutequinas para

preparar a terra para a lavoura com a indicaccedilatildeo da empresa para

prestar serviccedilo e compra de ferramentas com indicaccedilatildeo da loja

As vacas leiteiras de qualidade ruim para leite custam R$

60000 cada uma tendo que comprar de criador indicado

Alguns assentados fazem acusaccedilotildees de que eacute feito um desconto

do Pronaf corresponde ao um percentual do financiamento que

seria destinado agrave assistecircncia teacutecnica Os teacutecnicos dizem que natildeo

podem se deslocar por falta de veiacuteculos ou de combustiacutevel

Percebemos uma insatisfaccedilatildeo de assentados quanto agraves restriccedilotildees e imposiccedilotildees

burocraacuteticas do Pronaf que retiram dos mesmos a autonomia de escolher locais raccedilas

de animais e marcas de produtos adquiridos com a verba do programa adiciona-se a

preocupaccedilatildeo com a extensatildeo teacutecnica que enfrenta dificuldades financeiras e de

logiacutestica

Na mesma oacutetica Paret (2012 p 53) avalia os problemas enfrentados pelos

agricultores familiares no acesso aos recursos do Pronaf e agrave atuaccedilatildeo do Incra ldquo[] do

ponto de vista institucional a conduccedilatildeo da Reforma Agraacuteria pelo Incra eacute marcada por

longas demoras na resoluccedilatildeo de processos e inuacutemeros casos de corrupccedilatildeordquo

Paret (2012) aborda ainda outra situaccedilatildeo que dificulta o desenvolvimento dos

assentamentos rurais do Araguaia Mato-grossense qual seja o fato de muitos

152

agricultores familiares natildeo terem recebido os creacuteditos moradia e a inexistecircncia de uma

assistecircncia teacutecnica mais efetiva

Os graacuteficos apresentado na Figura 17 e seguinte apresentam criteacuterios de

distribuiccedilatildeo e investimento dos recursos do Programa Nacional de Agricultura Familiar

nos assentamentos rurais

Figura 17 Graacutefico com dados da evoluccedilatildeo dos creacuteditos Pronaf

Fonte Paret 2012 (p 30)

Figura 18 Graacutefico com dados da distribuiccedilatildeo dos creacuteditos Pronaf

Fonte Paret 2012 (p 33)

153

Os dados dispostos nos das figuras 17 e 18 indicam que nos assentamentos

rurais no Araguaia mato-grossense a deacutecada de 2000 foi destaque na evoluccedilatildeo do

percentual de investimento de recursos pelo Pronaf

Percebemos uma oscilaccedilatildeo no volume de recursos na deacutecada de 2000 sendo

que nos anos de 2003 e 2004 apresentaram crescimento Em 2008 a 2010 aumentou

novamente o percentual de recursos disponibilizados com aumento daqueles destinados

agrave pecuaacuteria sobretudo em 2010 quando superaram os investimentos destinados agrave

agricultura

Quando se observam os dados indicados na Figura 18 percebe-se que entre

os onze municiacutepios apresentados como Araguaia Xingu o municiacutepio de Vila Rica-MT

em comparaccedilatildeo aos demais praticamente natildeo recebeu recursos do Pronaf destinados agrave

agricultura sobressaindo apenas os destinados agrave linha de creacutedito direcionada para a

pecuaacuteria

Nesse sentido Lima e Noacutebrega (2009) reforccedilam que os financiamentos

efetivados a partir de 1999 no municiacutepio de Vila Rica-MT foram direcionados para

agropecuaacuteria Em 2007 100 dos financiamentos do municiacutepio foram direcionados

somente agrave pecuaacuteria somando um total de 86 milhotildees de reais em investimentos

Lima e Noacutebrega (2009 12) afirmam ainda que

Entre 1996 e 2006 a aacuterea de pastagens aumentou em cerca de 50

mil hectares e o aumento do nuacutemero de cabeccedilas de gado mais

do que triplicou chegando em 2006 a quase 650 mil cabeccedilas A

densidade de cabeccedilas de gado por hectare passou de 08 para

21 um aumento bem acentuado Entre 2000 e 2007 as aacutereas

das lavouras de milho dobraram de tamanho [] existem dados

controversos no censo 2006 que indica mais de 150 mil hectares

de aacutereas de lavouras no entanto no ano de 2007 natildeo havia

muito mais do que 10mil hectares plantados somando todas as

culturas provavelmente muitas destas aacutereas de lavouras estatildeo

abandonadas

Para esses autores o aumento expressivo da pecuaacuteria em Vila Rica-MT nos

uacuteltimos anos pode ter contribuiacutedo para a reduccedilatildeo do desmatamento no municiacutepio em

funccedilatildeo ateacute mesmo do volume de recursos injetados o que justifica o desenvolvimento

das atividades ligadas agrave pecuaacuteria enquanto a agricultura praticamente ficou estagnada

entre o periacuteodo de 2000 a 2007

154

Desse modo concluiacutemos que mesmo havendo entraves na execuccedilatildeo do

Pronaf ele gerou impactos significativos no que se refere ao desenvolvimento

econocircmico do Araguaia colocando os assentamentos rurais na condiccedilatildeo de

protagonistas na geraccedilatildeo de renda sendo a pecuaacuteria a principal atividade econocircmica

45 O Pronaf nos assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati

Consideramos pertinente uma anaacutelise acerca dos efeitos do Pronaf nos

assentamentos rurais de Vila Rica-MT visando identificar os impactos desse programa

no desenvolvimento socioeconocircmico local Destacamos que embora haja oito

assentamentos rurais a pesquisa tomou como paracircmetro apenas os recursos aportados

pelos agricultores familiares dos assentamentos rurais de Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e

Aracati

Ao escolhecirc-los tomados aqui como objeto de anaacutelise dos resultados das

poliacuteticas puacuteblicas direcionadas aos Assentados da Reforma Agraacuteria do municiacutepio de

Vila Rica levou-se em consideraccedilatildeo o fato de terem sido contemplados com o

Programa de Assessoria Teacutecnica Social e Ambiental agrave Reforma Agraacuteria- Ates no ano

de 2006 como ilustra a Tabela a seguir

Tabela 37 Creacutedito Rural - nordm de Famiacutelia

Fonte EMPAER 2010

A Tabela 37 demonstra que mais de 90 dos agricultores familiares

participantes da pesquisa tiveram acesso ao Pronaf Os assentamentos Satildeo Joseacute e Ipecirc

foram os mais beneficiados porque possuem o maior nuacutemero de assentados Outra

questatildeo que nos chamou a atenccedilatildeo em relaccedilatildeo ao acesso ao credito eacute o iacutendice de

inadimplecircncia que natildeo chega a 1

Creacutedito RuralPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracat

i

Total

Usam o creacutedito rural 96 18 72 22 20

8

Natildeo usam por

Inadimplecircncia

0 0 2 0 2

Natildeo usam por outros

Motivos

8 3 5 3 19

155

Tabela 38 Finalidade do Creacutedito Rural - nordm de Famiacutelias

Finalidade creacutedito

PA

S Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total

Custeio agriacutecola 10 3 12 3 28

Custeio pecuaacuterio 91 13 69 17 190

Investimento agriacutecola 2 0 3 0 5

Investimento pecuaacuterio 68 11 51 19 149

Agroinduacutestria 0 1 0 0 1

Fonte EMPAER 2010

As informaccedilotildees contidas na Tabela 38 confirmam o que jaacute foi apresentado

nos Graacuteficos 01 e 02 e Figuras 17 e 18 em que os investimentos dos recursos do Pronaf

nas atividades agriacutecolas natildeo chegaram a 10 dos que tomaram o creacutedito enquanto que

somando o valor destinado ao custeio e ao investimento na pecuaacuteria atingiu 908

Poreacutem apenas 03 desses recursos foram aplicados nas atividades agroindustriais

Tabela 39 Tipo de Pronaf por nuacutemero de Famiacutelias

Finalidade Creacutedito Rural S Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total

Pronaf A 95 17 71 20 203

Pronaf AC 65 12 60 15 152

Outros tipos de Pronaf 5 2 4 1 12

Fonte EMPAER 2010

Na Tabela 39 que trata da tipologia das linhas de creacutedito do Pronaf

constatamos o que jaacute foi evidenciado pela tabela anterior Observamos que 203 famiacutelias

dos assentamentos rurais pesquisados acessaram o Pronaf A destinado agraves atividades de

investimentos ampliaccedilatildeo ou modernizaccedilatildeo da estrutura de produccedilatildeo beneficiamento e

serviccedilos nas propriedades enquanto 152 famiacutelias acessaram o Pronaf AC cujo creacutedito

destina-se ao custeio das atividades de agropecuaacuteria ou natildeo agropecuaacuterias Somente 12

famiacutelias foram beneficiadas por outras modalidades de Pronaf

46 Outras Poliacuteticas Puacuteblicas nos assentamentos Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e

Aracati

156

461 Programa Luz para todos

Ao discutirmos os impactos das poliacuteticas Puacuteblicas precisamos analisar os

efeitos da instalaccedilatildeo da rede eleacutetrica nos assentamentos rurais - Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel

Ipecirc e Aracati - a partir da implantaccedilatildeo do Programa Luz Para Todos instituiacutedo pelo

Decreto 4873 de novembro de 2003 com o objetivo de garantir o acesso agrave energia

eleacutetrica a dez milhotildees de pessoas que viviam no campo no periacuteodo de 5 anos ou seja de

2003 a 2008 Foi o mesmo elaborado e executado atraveacutes de parceria entre o Ministeacuterio

de Minas e Energia Eletrobraacutes concessionaacuterias e cooperativas de eletrificaccedilatildeo rural As

accedilotildees deveriam ser feitas em regime de cooperaccedilatildeo entre os Governos Municipais

Estaduais e Federal

A intenccedilatildeo inicial era superar a ldquoexclusatildeo eleacutetricardquo conforme descrito em

uma reportagem feita pelo Ministeacuterio de Minas e Energia (MME) no portal da empresa

Furna30

(2015 p 1)

[] O mapa da exclusatildeo eleacutetrica no paiacutes revela que as famiacutelias

sem acesso agrave energia estatildeo majoritariamente nas localidades de

menor Iacutendice de Desenvolvimento Humano e nas famiacutelias de

baixa renda Cerca de 90 delas tecircm renda inferior a trecircs

salaacuterios-miacutenimos [] Para por fim a essa realidade o governo

definiu como objetivo que a energia seja um vetor de

desenvolvimento social e econocircmico dessas comunidades

contribuindo para a reduccedilatildeo da pobreza e aumento da renda

familiar

Para o Ministeacuterio de Minas e Energia (2015 p 1) ldquo[] a chegada da energia

eleacutetrica facilita a integraccedilatildeo dos programas sociais do Governo Federal aleacutem do acesso

a serviccedilos de sauacutede educaccedilatildeo abastecimento de aacutegua e saneamentordquo E como o nuacutemero

de pessoas que viviam sem energia eleacutetrica era bem superior agrave estimativa feita pelo

Governo Federal houve a necessidade de ampliar o periacuteodo para a execuccedilatildeo do

Programa Luz Para Todos o qual foi reformulado e estendido ateacute dezembro de 2014

ldquo[] Com a publicaccedilatildeo do Censo de 2010 pelo IBGE veio agrave informaccedilatildeo de que ainda

existiam na zona rural brasileira 715939 famiacutelias sem energiardquo (MME 2015 p 1)

30Furnas eacute uma empresa de economia mista subsidiaacuteria da Eletrobraacutes e vinculada ao Ministeacuterio de

Minas e Energia dedicada a geraccedilatildeo e transmissatildeo de energia eleacutetrica

DisponiacutevellthttpwwwfurnascombrfrmEMQuemSomosgt Acesso em 10102015

157

Nesta mesma acepccedilatildeo quando comparado com os assentamentos rurais

pesquisados em Vila Rica- MT um dos agricultores familiares entrevistado disse

[] A questatildeo da energia melhorou as condiccedilotildees de vida nos

assentamentos assim no sentido de possibilitar a compra de

uma televisatildeo uma geladeira um freezer um aparelho de som

Agora eacute o que eu sempre digo o foco do programa natildeo eacute esse

a ideia eacute melhorar as condiccedilotildees de trabalho para aumentar a

produccedilatildeo da Agricultura Familiar natildeo digo que o Programa

Luz Para Todos natildeo era comprar essas coisas de

eletrodomeacutesticos ateacute porque esses eletrodomeacutesticos nos

possibilitam viver com um pouco de conforto isso melhora a

nossa vida tambeacutem Poreacutem o Luz Para Todos visava melhorar

a produccedilatildeo e foi o que muitos assentados compraram

maacutequinas de ralar mandioca bomba da aacutegua para fazer

irrigaccedilatildeo ordenhadeira (maacutequina de tirar leite de vaca)

triturador de raccedilatildeo a proacutepria geladeira e o freezer pois

possibilita armazenar os alimentos confeccionados pelos

agricultores como eacute o caso do queijo linguiccedila polpas de

frutas e tantos outros produtos que estatildeo sendo vendidos na

feira nos mercados e em outros lugares Outro setor que tem

ganhado bastante com a implantaccedilatildeo do Programa Luz Para

Todos eacute aacuterea do comeacutercio e da manutenccedilatildeoconserto de

eletrodomeacutestico (ENTREVISTA com Gilmar agricultor

familiar e secretaacuterio de agricultura do municiacutepio de Vila Rica

realizada pela autora em marccedilo de 2015)

Em conformidade com o relato a implementaccedilatildeo do Programa Luz Para

Todos nos assentamentos rurais de Vila Rica-MT possui um significado muito aleacutem da

entrada dos agricultores familiares nesse novo modelo de produccedilatildeo social e cultural

facilitando a inclusatildeo desses sujeitos histoacutericos na sociedade da Informaccedilatildeo e da

Comunicaccedilatildeo proporcionada pelos recursos midiaacuteticos

Os efeitos da eletricidade nesses assentamentos refletiu diretamente no

aumento da produtividade na Agricultura Familiar o que poderaacute ser mais um fator de

melhoria da renda das famiacutelias assentadas e ao mesmo tempo possibilitaraacute o

aquecimento da economia local

Ressaltamos ainda que a energia eleacutetrica advinda do Programa Luz Para

Todos produz efeitos positivos para a Educaccedilatildeo do campo possibilitando a ampliaccedilatildeo

dos tempos e modos de organizaccedilatildeo pedagoacutegica das escolas que passaram a ofertar

aulas no periacuteodo noturno sem falar nos artifiacutecios do ensino e da aprendizagem uma vez

fortalecido com a inserccedilatildeo das tecnologias da Informaccedilatildeo e Comunicaccedilatildeo Conforme

relata um dos assentados entrevistado

158

Depois que instalou energia melhorou ateacute pra escola pois

agora os filhos dos assentados estatildeo tendo uma educaccedilatildeo

melhor ateacute o ambiente melhorou pois tem ventilador algumas

escolas tecircm ar condicionado Todas tecircm geladeira freezer

bebedor com aacutegua gelada Assim agora podem ateacute as pessoas

mais velhas que soacute podem estudar no periacuteodo da noite teratildeo

oportunidade de ir pra escola O que eacute complicado em relaccedilatildeo

agrave energia no campo eacute que se a gente natildeo souber controlar o uso

da energia potencializar eletricidade para melhorar a

produtividade e a renda das famiacutelias assentadas chegaraacute o

final do mecircs teratildeo o prejuiacutezo conta de energia para pagar Tem

assentado que possui dificuldade para pagar a conta de energia

todo mecircs Mas por outro lado os assentados que deixavam de

vender seus produtos porque eram pouquinhos ajuda agora

porque com a geladeira o freezer vai fazendo e guardando

hoje congela uma linguiccedila um queijo guardam um doce ovos

E depois traacutes junta tudo e traacutes para vender na cidade No caso

ajudou porque eu mexo com polpas de frutas a minha maior

fonte de renda eacute essa Entatildeo eu vou juntando do meu siacutetio e

compro de outros assentados (ENTREVISTA com Ivanir Galo

assentado e presidente do STR de Vila Rica- MT realizada pela

autora em marccedilo de 2015)

O relato acima chama atenccedilatildeo para o papel que a eletricidade assumiu no

desenvolvimento da economia dos assentamentos rurais de Vila Rica uma vez que ela

possibilitou tambeacutem o armazenamento e conservaccedilatildeo dos produtos de ldquofabricaccedilatildeo

caseirardquo Desse modo o entrevistado reconheceu que alguns assentados encontravam

dificuldade para quitar a conta de energia mas o destaque dado na narrativa eacute para as

possibilidades de ampliaccedilatildeo da renda dos agricultores familiares a partir do uso dos

equipamentos tecnoloacutegicos

462 Arco Verde e a questatildeo ambiental

Em conformidade as anaacutelises apontadas no Capiacutetulo III a questatildeo ambiental

constituiu e constitui ainda um dos gargalos vivenciados nos assentamentos rurais do

municiacutepio de Vila Rica-MT visto o alto iacutendice de degradaccedilatildeo das aacutereas de pastagens

nascentes e vegetaccedilatildeo nativa

Essa situaccedilatildeo eacute causada por diversos fatores No entanto a poliacutetica de incentivo

agrave pecuaacuteria bovina por sua vez tem gerado certa sonolecircncia nas praacuteticas de degradaccedilatildeo

ambiental embora em muitos casos tenha inviabilizado a sustentabilidade da

159

produccedilatildeo deixando o caminho livre ao esvaziamento venda e arrendamento dos lotes

para a produccedilatildeo de soja

Por outro lado as atividades ligadas agrave extraccedilatildeo madeireira pouco contribuiacuteram

para o desenvolvimento econocircmico do municiacutepio Nesse quadro os assentamentos

rurais foram os lugares onde mais foram praticados desmatamentos

Tal situaccedilatildeo nos assentamentos rurais eacute relatada pelo Secretaacuterio Municipal

de Vila Rica-MT o qual afirma terem eles provocado seacuterios problemas ao ponto de

demandar uma accedilatildeo de intervenccedilatildeo por parte Poder Puacuteblico atraveacutes de uma integraccedilatildeo

entre oacutergatildeos dos Governos Federal Estadual e Municipal que se viram obrigados a

tomar medidas de puniccedilatildeo entre outras

[] Os municiacutepios que foram enquadrados na eacutepoca na

verdade eles entraram no Arco de Fogo Os municiacutepios que

mais desmatavam na microrregiatildeo norte Araguaia eram Vila

Rica-MT Querecircncia e Satildeo Feacutelix esses municiacutepios tiveram ser

punidos (pelo Governo Federal) deixando de receber recursos

que eram liberados antes como eacute o caso do Pronaf e outros

recursos foram bloqueados entatildeo houve um bloqueio de

recurso pra esses municiacutepios soacute que aiacute em vez de resolver o

problema veio trazer mais problema porque gerou um caos

sem os recursos como que os assentados iam trabalhar para

produzir o sustento das suas famiacutelias [] aiacute foi criado um

Programa chamado Arco Verde que era para trabalhar mais a

questatildeo de recuperar parte dos prejuiacutezos causados a natureza

onde cada municiacutepio assumiu uma agenda de compromisso

juntamente com os trecircs entes federal estadual e municipal

todos os segmentos assumiram a sua responsabilidade e o

municiacutepio (ENTREVISTA com Gilmar agricultor familiar e

secretaacuterio municipal de agricultura de Vila Rica-MT realizada

pela autora em marccedilo de 2015)

Segundo informaccedilotildees disponibilizadas pelo Secretaacuterio Municipal de

Agricultura e pelo presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT-

MT vaacuterios municiacutepios do estado de Mato Grosso foram convocados para desenvolver

accedilotildees com o objetivo de combater o alto iacutendice de queimada e desmatamento atraveacutes

do Programa do Governo Federal Arco de Foco No caso do Araguaia os municiacutepios

que foram enquadrados na eacutepoca foram Vila Rica-MT Querecircncia e Satildeo Feacutelix do

Araguaia Esses municiacutepios tiveram suspensos alguns dos recursos do Governo Federal

os quais foram bloqueados entre outras linhas de creacutedito do Pronaf - Programa de

Apoio agrave Agricultura Familiar

160

O secretaacuterio municipal de agricultura do municiacutepio de Vila Rica-MT alertou

em seu relato para a questatildeo das queimadas e do compromisso de desmatamento zero

assumido pelo municiacutepio

[] e o municiacutepio de Vila Rica-MT assumiu a responsabilidade

de desmatamento zero poreacutem dentro dos assentamentos eacute

loacutegico diminuiu 95 mas agente enfrentou e ainda enfrenta

alguns problemas com desmatamento dentro dos

assentamentos mas aiacute jaacute natildeo eacute falta de informaccedilatildeo porque

informaccedilatildeo sempre tem o problema eacute que alguns produtores

acham que por ser uma aacuterea do governo federal ele natildeo seraacute

penalizado punido e multado por ser assentado e por isso

teimam Mas com a questatildeo do CAR e do Geo que o tiacutetulo seraacute

perante o laudo todos teratildeo que recuperar soacute que com esse

novo Coacutedigo Florestal ele amenizou isso bastante os

produtores que tecircm ateacute quatro moacutedulos fiscais satildeo a maioria

aqui na Vila Rica-MT os que tecircm a propriedade muito pequena

natildeo precisam de reservas legais desde que aacuterea jaacute esteja

consolidada jaacute aberta e tudo mais ateacute Julho de 2008 entatildeo

daiacute pra frente quem desmatou vai ser descoberto atraveacutes de

uma imagem sateacutelite eles seraacute identificado entatildeo eacute assim eles

natildeo foram penalizados ainda mas seratildeo (ENTREVISTA com

Gilmar agricultor familiar e secretaacuterio municipal de agricultura

de Vila Rica-MT realizada pela autora em marccedilo de 2015)

Diante do bloqueio dos recursos o Poder Puacuteblico sobretudo o municipal

bem como o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT tiveram que

desenvolver accedilotildees que mobilizassem os assentados para que atuassem no sentido de

erradicar as derrubadas e queimadas em Vila Rica-MT

Como o Programa Arco de Fogo natildeo obteve ecircxito foi criado outro programa

denominado Arco Verde o qual visava a intensificaccedilatildeo dos trabalhos voltados mais

para a questatildeo da recuperaccedilatildeo de parte dos prejuiacutezos causados agrave natureza Cada

municiacutepio assumiu uma agenda de compromisso responsabilizando-se juntamente com

o ente federal e estadual onde iriam atuar para erradicar as praacuteticas de queimadas nas

aacutereas de assentamentos rurais

463 Programa Balde Cheio

Quando o Programa denominado como ldquoBalde Cheiordquo foi implantado em

Mato Grosso houve a alegaccedilatildeo de que ele gerara resultados positivos em 12 Estados do

161

Brasil Este programa resultou de pesquisas desenvolvidas pela Empresa Brasileira de

Pesquisa Agropecuaacuteria Embrapa

Em Mato Grosso o projeto foi integrado ao Programa Estadual da Cadeia do

Leite considerando que o objetivo do Estado era aumentar a produccedilatildeo de leite nas aacutereas

de assentamentos rurais

[] Mato Grosso possui 150 mil pequenos proprietaacuterios a

maioria dedicando-se ao leite A meta eacute aumentar a produccedilatildeo

mato-grossense dos atuais 16 milhatildeo de litros diaacuterios para

cinco milhotildees de litros por dia Fernando Lamas ressalta que

esse aumento seraacute alcanccedilado por meio do aumento de

produtividade ldquosem expansatildeo de aacutereas e sem derrubar uma soacute

aacutervorerdquo

[] O trabalho das duas unidades da Embrapa contaraacute com a

parceria do Ministeacuterio da Agricultura Pecuaacuteria e

Abastecimento (Mapa) e do Governo de Mato Grosso que

arcaratildeo com a maior parte dos custos [] (EMBRAPA 2015

p 1)31

Segundo informaccedilotildees disponibilizadas no portal da Secretaria de Estado de

Agricultura de Mato Grosso participaram do processo de execuccedilatildeo do Programa a

Empresa Mato-Grossense de Pesquisa Assistecircncia e Extensatildeo Rural ndash Empaer o

Instituto de Defesa Agropecuaacuteria - Indea as prefeituras e as empresas em sistema de

cooperativa dos municiacutepios que aderiram ao Projeto Balde Cheio

Esse conjunto de teacutecnicas eacute complementado com o uso de

planilhas de controle zooteacutecnico e econocircmico a utilizaccedilatildeo de

um quadro dinacircmico de controle reprodutivo de higiene e de

qualidade do leite a identificaccedilatildeo dos animais a melhoria no

padratildeo geneacutetico do rebanho a anotaccedilatildeo de dados climaacuteticos

(chuva e temperatura maacutexima e miacutenima) e a aplicaccedilatildeo de

praacuteticas associativistas Aleacutem disso o uso de instrumentos de

controle gerencial tais como planilhas de controle e de anaacutelise

de custo de produccedilatildeo e de controle zooteacutecnico tem

possibilitado tornar rentaacutevel a atividade leiteira nas pequenas

propriedades familiares e consequentemente transformaacute-las em

atividade fixadora do homem no campo (EMBRAPA 2015 p

1)

Conforme Borges Guedes Ceacutezareb e Assis (2015 p 1) o Projeto Balde

Cheio serviria como motivaccedilatildeo para os agricultores familiares aumentar a produccedilatildeo de

leite nos assentamentos jaacute que a tecnologia embutida no projeto articulava as teacutecnicas

31 Disponiacutevel em lthttptererecpaoembrapabrportalnoticiasvisualizaphpid=307gt Acesso em

15042015

162

de produccedilatildeo extensivas com a conservaccedilatildeo e recuperaccedilatildeo da fertilidade do solo a partir

do uso de fertilizantes orgacircnicos e manejo intensivo de pastagens tropicais adubadas

Durante a temporada da seca (veratildeo) as aacutereas de passagens satildeo melhoradas

atraveacutes de irrigaccedilatildeo manejo rotacional e do uso de cana-de-accediluacutecar integrada com ureacuteia

assim como a realizaccedilatildeo de exames de tuberculose no gado

No caso de Vila Rica-MT o Projeto Balde Cheio foi implantado pela a

Secretaria Municipal de Agricultura em parceria com o INCRA a Empaer e de outras

entidades como o Serviccedilo Nacional de Aprendizagem Rural Senar Serviccedilo Brasileiro

de Apoio agrave Micro e Pequena Empresa (Sebrae) e Serviccedilo Nacional de Aprendizagem

Industrial (Senai) O Senar o Sebrae e o Senai que atuaram ministrando cursos no

processo de formaccedilatildeo dos assentados

Segundo o diagnoacutestico produzido pela a Empaer (2009 p 60)

[] na produccedilatildeo houve uma grade melhoria no gado leiteiro

quantidade e qualidade do leite assim se tornou o ponto forte

do assentamento fazendo a entrega no resfriador dentro do

assentamento que eacute vendido para o uacutenico laticiacutenio do

municiacutepio Essa produccedilatildeo cresceu graccedilas ao efeito do Projeto

Balde Cheio

Os dados do diagnoacutestico revelaram um melhoramento da produtividade e na

qualidade do leite produzido

464 Os Programas de Educaccedilatildeo Formaccedilatildeo Profissional e Teacutecnica do

assentado

Pensar sobre o papel das poliacuteticas puacuteblicas nos assentamentos rurais nos

remete para uma reflexatildeo a respeito do papel da Educaccedilatildeo do Campo uma vez que na

luta pela terra requer tambeacutem a necessidade da escola Natildeo basta apenas que os

agricultores familiares tenham conquistado a terra para morar e produzir Faz-se

indispensaacutevel ter uma escola para que os seus filhos possam estudar sem precisar sair

do campo

Por estar inserida na pauta de lutas dos movimentos sociais que demandam a

Reforma Agraacuteria a Educaccedilatildeo do Campo no Brasil vem cada vez mais ganhando

consistecircncia e visibilidade na agenda das autoridades poliacuteticas acadecircmicas e nos

diversos segmentos do sistema educacional constituindo-se importante enquanto

poliacutetica puacuteblica para fortalecer os assentamentos rurais

163

Segundo Casali (2004) as discussotildees em torno da Educaccedilatildeo do Campo tecircm

sido direcionadas aos problemas de infraestrutura como construccedilatildeo de escolas

transporte escolar formaccedilatildeo de professores entre outras questotildees que tecircm provocado

um intenso debate entre os gestores puacuteblicos e os movimentos sociais vinculados aos

modos de vida no campo

O autor supramencionado afirma que para os movimentos sociais a estrutura

fiacutesica natildeo eacute o uacutenico problema da escola do campo A questatildeo eacute mais complexa quando

levados em consideraccedilatildeo os aspectos poliacuteticos e culturais do ensino e da aprendizagem

escolar bem como as especificidades de vida e os modos de organizaccedilatildeo social e

educacional para a populaccedilatildeo do campo

A primeira Conferecircncia Nacional intitulada ldquoPor Uma Educaccedilatildeo Baacutesica do

Campordquo realizada no periacuteodo de 27 a 31 de julho de 1998 na cidade de Luziacircnia

estado de Goiaacutes foi um marco importante para as lutas sociais do campo sendo que a

partir dela constituiacuteram-se alguns princiacutepios baacutesicos que fundamentaram a luta por

escolas do campo Segundo Caldart (2003 p 60)32

satildeo trecircs princiacutepios

[] 1 O campo no Brasil estaacute em movimento Haacute tensotildees lutas

sociais organizaccedilotildees e movimentos de trabalhadores e

trabalhadoras da terra que estatildeo mudando o jeito da sociedade

olhar para o campo e seus sujeitos

2 A Educaccedilatildeo Baacutesica do Campo estaacute sendo produzida neste

movimento nesta dinacircmica social que eacute tambeacutem um

movimento sociocultural de humanizaccedilatildeo das pessoas que dele

participam

3 Existe uma nova praacutetica de Escola que estaacute sendo gestada

neste movimento Nossa sensibilidade de educadores jaacute nos

permitiu perceber que existe algo diferente e que pode ser uma

alternativa em nosso horizonte de trabalhador da educaccedilatildeo de

ser humano

Assim agrave luz dessa concepccedilatildeo pode-se dizer que a emergecircncia assinalada para

a complexidade da Educaccedilatildeo Campo perpassa pela construccedilatildeo de um projeto poliacutetico-

pedagoacutegico que contemple as matrizes culturais sociais e histoacutericas das populaccedilotildees do

campo

Nessa mesma perspectiva compreendemos a dimensatildeo do papel e significado

que os agricultores familiares atribuem agrave Educaccedilatildeo do Campo para o fortalecimento dos

32 Disponiacutevel em lthttpwwwiaufrrjbrppgeaconteudoconteudo-2009-1Educacao-

II3SFA_ESCOLA_DO_CAMPO_EM_MOVIMENTOpdf gt Acesso em 10052015

164

assentamentos rurais de Vila Rica-MT o que pode ser ilustrado a partir da trajetoacuteria de

vida do senhor Ademar que eacute filho de um dos primeiros colonos que migraram para

Vila Rica-MT na deacutecada de 1980 em busca de melhores condiccedilotildees hoje professor

efetivo pela Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo de Vila Rica-MT

[] Olha eacute muito incriacutevel Eu nasci na roccedila estudei na roccedila

me formei morando na roccedila (porque eu jaacute sou formado como

pedagogo) Estudei Pedagogia em moacutedulo nunca precisei

mudar da roccedila e nem tive vontade tipo assim pra ir para uma

faculdade estudar de tempo integral na cidade porque o meu

projeto de vida foi sempre morar na roccedila Hoje faccedilo poacutes-

graduaccedilatildeo em Educaccedilatildeo do Campo E desde quando comecei

na escolinha multisseriada eu jaacute lutava por educaccedilatildeo na roccedila

Fiz parte da nucleaccedilatildeo do processo de nucleaccedilatildeo de escola no

Aracati na eacutepoca Ajudei alavancar a discussatildeo e a criaccedilatildeo

das turmas de 5ordf seacuterie na zona rural de Vila Rica-MT porque a

gente natildeo tinha oferta pois atendiacuteamos ateacute a quarta seacuterie e

como percebemos que chegavam muitos alunos em niacutevel de

estudar a 5ordf e a 6 ordf seacuterie (ENTREVISTA com Ademar

professor e agricultor familiar do assentamento Satildeo Joseacute Vila

Rica-MT 2015 realizada pela autora em setembro de 2015)

Talvez diferentemente de outros relatos de professores das escolas do

campo Ademar nos revela uma trajetoacuteria de vida marcada pelo ideal de estudar e de se

formar sem precisar sair do campo Ele faz do ideal de vida a constante luta pela

permanecircncia no campo luta por escola e pela ampliaccedilatildeo dos estudos de outros

assentados

Ele nos leva a uma reflexatildeo sobre a Educaccedilatildeo do Campo constituiacuteda a

partir da leitura do refratildeo da muacutesica do cantor e compositor Gilvan ldquoNatildeo Vou Sair do

Campordquo a qual se parece como uma bandeira de luta do Movimento Nacional por uma

Educaccedilatildeo do Campo como ldquo[] natildeo vou sair do campo pra poder ir para a escola

Educaccedilatildeo do Campo eacute direito e natildeo esmolardquo

Ao relembrar a sua trajetoacuteria como professor Ademar nos mostra que a

concepccedilatildeo e a funccedilatildeo da Educaccedilatildeo do Campo satildeo construccedilotildees socioculturais Quando

faz uma reavaliaccedilatildeo das accedilotildees dos professores pais alunos e gestores na conduccedilatildeo das

poliacuteticas puacuteblicas ele reconhece que o processo de nucleaccedilatildeo das ldquoescolinhasrdquo pouco

contribuiu para a melhoria da educaccedilatildeo no municiacutepio e tampouco para fortalecer os

assentamentos rurais de Vila Rica-MT Nesse sentido prossegue

165

A partir daiacute comeccedilou em todo o municiacutepio exemplo Cachangaacute

e nos assentamentos Soacute que a partir daiacute a gente comeccedilou a

observar os efeitos da nucleaccedilatildeo Vimos que depois que fecha a

escolinha que fica perto das propriedades ou seja aquela

comunidade fica entristecida e desaminada para continuar

morando no assentamento Aos poucos vai se acabando o

viacutenculo de comunidade e eacute assim que comeccedila o ecircxodo rural

Aqui em Vila Rica-MT a gente sentiu isso a partir da hora que

fechou as escolinhas foi como se saiacutessemos acabando as

comunidades e se comunidade acaba o povo do assentamento

vai se distanciando uns dos outros Pela situaccedilatildeo que vivemos

tenho observado que a escola eacute o espaccedilo de encontro da

comunidade natildeo eacute soacute o espaccedilo de ensinar e aprender os

conteuacutedos escolares a funccedilatildeo eacute para aleacutem disso Voltando agrave

questatildeo da nucleaccedilatildeo lembro que quando sai do assentamento

a escola de laacute tinha uns 150 alunos o Aracati fechou a sua

uacutenica escola e com o tempo possa ser que suma a comunidade

de laacute tambeacutem jaacute que hoje tecircm tatildeo poucas famiacutelias de fato

morando laacute em vista do que era antes Jaacute pensou como

imaginar um assentamento sem uma escola (ENTREVISTA

com Ademar professor e agricultor familiar do assentamento

Satildeo Joseacute Vila Rica-MT 2015 realizada pela autora em

setembro de 2015)

Com base no relato do professor Ademar eacute possiacutevel identificar de maneira

viva como a escola eacute importante para o assentamento rural uma vez que ela tambeacutem se

constitui enquanto espaccedilo de encontro dos agricultores familiares ocasiatildeo em que

dialogam compartilham se organizam e praticam a socializaccedilatildeo de forma mais intensa

Logo quando o professor fala que ldquonatildeo eacute soacute o espaccedilo de ensinar e aprenderrdquo

percebemos as muacuteltiplas funccedilotildees desse espaccedilo chamado Escola do Campo

Diante disso o fechamento de uma escola dentro do assentamento rural tem

significados negativos uma vez que envolve a privaccedilatildeo de oportunidades e qualidade de

vida dos alunos e pais que dependem do transporte escolar para se deslocarem para uma

escola distante Aleacutem disso significa o fechamento de um posto de trabalho do

professor que seraacute igualmente removido Significa ainda desmotivaccedilatildeo para a

comunidade do assentamento rural ao ver perdido um espaccedilo de socializaccedilatildeo e uma

instituiccedilatildeo que representa oportunidade de melhoria de vida para seus moradores

No Brasil historicamente as nucleaccedilotildees das escolinhas satildeo realizadas pelos

gestores da educaccedilatildeo sem levar em conta os interesses e ideais dos pais e dos alunos

sob o discurso que vai melhorar a qualidade do ensino eliminando as turmas muacuteltiplas

(seacuteries fases anos e ciclo)

166

Essa situaccedilatildeo mostra a perda do sentimento de pertencimento entre a escola e

a comunidade distanciando os pais das accedilotildees escolares sem falar da falta de motivaccedilatildeo

por parte dos alunos para com os estudos jaacute que a escola distante das casas aumenta o

percurso para os estudantes

Do relato do professor Ademar destacamos que os sujeitos histoacutericos do

campo exercem um papel importante na conduccedilatildeo das Poliacuteticas Puacuteblicas voltadas agraves

necessidade das populaccedilotildees dos assentamentos rurais A luta eacute permanente pela

universalizaccedilatildeo da educaccedilatildeo como argumenta o mesmo entrevistado

Eu defendo que a escola que serve para os Agricultores

Familiares eacute aquela que fica dentro do assentamento Acredito

que um projeto de assentamento forte eacute aquele que tem uma

escola pensada e construiacuteda em conjunto com aquele povo que

vive ali Agraves vezes fico bastante incomodado com a conduccedilatildeo

que se tem dado para a Educaccedilatildeo do Campo Eacute como se as

poliacuteticas natildeo estivessem sendo executadas no sentido de

melhorar o ensino e a formaccedilatildeo dos jovens no campo Penso

que a gente precisa se preocupar mais com o futuro dos jovens

que vivem nos assentamento A escola e noacutes professores

precisamos trabalhar essas questotildees de forma que surta um

efeito positivo no sentido de motivar os jovens a continuar

morando nos assentamentos Para isso precisamos avanccedilar em

algumas poliacuteticas Vejo que deveremos ser mais incisivos para

que o Estado faccedila a oferta do Meacutedio Teacutecnico integrado e que

essa oferta seja a partir de um curriacuteculo voltado para as

necessidade e particularidades das pessoas que dependem dos

assentamentos rurais como meio de sobrevivecircncia e geraccedilatildeo de

renda (ENTREVISTA com Ademar professor e agricultor

familiar do assentamento Satildeo Joseacute Vila Rica-MT 2015

realizada pela autora em setembro de 2015)

O relato do professor Ademar tambeacutem chama atenccedilatildeo pelo desabafo quanto agrave

forma como estaacute sendo realizada a Educaccedilatildeo do Campo em Vila Rica-MT ldquo[] eacute como

se as poliacuteticas natildeo estivessem sendo executadas no sentido de melhorar o ensino e a

formaccedilatildeo dos jovens no campo Penso que a gente precisa se preocupar mais com o

futuro dos jovens que vivem nos assentamentos []rdquo (ENTREVISTA com Ademar

professor e agricultor familiar do assentamento Satildeo Joseacute Vila Rica-MT 2015 realizada

pela autora em setembro de 2015)

A educaccedilatildeo por si soacute natildeo assegura a permanecircncia dos agricultores familiares

na terra poreacutem quando integrada ao projeto de desenvolvimento do assentamento

tornaraacute o seu fortalecimento possiacutevel

167

Os projetos pedagoacutegicos das escolas do campo devem contemplar as matrizes

culturais do homem do campo considerando a construccedilatildeo a partir da memoacuteria coletiva e

da histoacuterica da comunidade dada por meio da oralidade buscando assim reconstruir e

conservar a cultura da populaccedilatildeo que vive no campo de forma a fazer uma educaccedilatildeo em

prol da cidadania O relato de Ademar traz ainda os princiacutepios que o curriacuteculo da escola

do campo deveria seguir

O curriacuteculo deve contemplar questotildees como agroecologia a

pecuaacuteria de leite a produccedilatildeo orgacircnica Precisamos formar

uma nova consciecircncia entre os jovens visando que estes

passem a enxergar o potencial da Agricultura Familiar Eu sei

disso e penso que vocecirc tambeacutem ateacute porque existem pesquisas

que jaacute comprovaram isso que eu estou lhe falando Eacute o campo

quem sustenta a cidade e natildeo o contraacuterio Se houver falta de

produccedilatildeo nos assentamentos rurais aqui em Vila Rica-MT logo

a cidade sofreraacute um impacto imediatamente As poliacuteticas

puacuteblicas existentes para a populaccedilatildeo rural devem ser de fato

destinadas agrave melhoria das condiccedilotildees de vida eacute para promover

qualidade de vida das pessoas que estatildeo no campo

(ENTREVISTA com Ademar professor e agricultor familiar do

assentamento Satildeo Joseacute Vila Rica-MT 2015 realizada pela

autora em setembro de 2015)

Nessa perspectiva educativa apresentada pelo professor Ademar afirmamos

que eacute um dos principais desafios para a Educaccedilatildeo do Campo consolidar concepccedilotildees e

praacuteticas nos curriacuteculos que integrem as matrizes culturais das populaccedilotildees do campo

O desafio natildeo estaacute restrito apenas agrave parte obrigatoacuteria da Educaccedilatildeo Baacutesica

mas tambeacutem as etapas do Ensino Meacutedio assim como Superior

465 Programa Nacional de Sauacutede no Campo

No Brasil os Programas de Sauacutede Puacuteblica direcionados para a populaccedilatildeo

rural satildeo decorrentes das reivindicaccedilotildees dos movimentos sociais do campo No entanto

quando se debruccedila sobre a literatura nos deparamos com a escassez de pesquisas

voltadas para essa questatildeo sobretudo no que se refere agrave sauacutede nos assentamentos rurais

O foco da pesquisa natildeo eacute a poliacutetica puacuteblica de sauacutede em si mas os efeitos

dela na melhoria da qualidade de vida dos agricultores familiares A Sauacutede Puacuteblica eacute um

dos componentes da bandeira de luta dos movimentos sociais do campo assegurando

que a mesma seja constituiacuteda a partir das especificidades que envolvem os modos e

168

concepccedilotildees do povo do campo A poliacutetica de sauacutede deve levar em consideraccedilatildeo os

saberes tradicionais destes sujeitos histoacutericos Este eacute o caso dos que recorrem

constantemente ao uso de plantas medicinais no tratamento de doenccedilas

A partir da Portaria de nordm 2866 de dezembro de 2011 o Ministeacuterio da Sauacutede

(MS) teve como principal funccedilatildeo estabelecer paracircmetros de funcionamento e regulaccedilatildeo

dos serviccedilos de sauacutede para a populaccedilatildeo do campo partindo dos princiacutepios do Sistema

Uacutenico de Sauacutede (SUS) A Poliacutetica Nacional de Sauacutede Integral das Populaccedilotildees do

Campo e da Floresta (PNSIPCF) define que

[] O MINISTRO DE ESTADO DA SAUacuteDE no uso da

atribuiccedilatildeo que lhe confere o inciso II do paraacutegrafo uacutenico do art

87 da Constituiccedilatildeo considerando os princiacutepios do Sistema

Uacutenico de Sauacutede (SUS) especialmente a equidade a

integralidade e a transversalidade e o dever de atendimento das

necessidades e demandas em sauacutede das populaccedilotildees do campo e

da floresta Considerando o Decreto nordm 7508 de 28 de junho de

2011 que regulamenta a Lei nordm 8080 de 19de setembro de

1990 e dispotildee sobre a organizaccedilatildeo do SUS o planejamento da

sauacutede a assistecircncia agrave sauacutede e a articulaccedilatildeo Interfederativa

especialmente o disposto no art 13 que assegura ao usuaacuterio o

acesso universal igualitaacuterio e ordenado agraves accedilotildees e serviccedilos de

sauacutede do SUS Considerando a Portaria GMMS nordm 2460 de 12

de dezembro de 2005 que instituiu o Grupo da Terra no

Ministeacuterio da Sauacutede com o objetivo de elaborar a Poliacutetica

Nacional de Sauacutede Integral das Populaccedilotildees do Campo e da

Floresta aprovada pelo Conselho Nacional de Sauacutede em 1ordm de

agosto de 2008 Considerando a diretriz do Governo Federal de

reduzir as iniquidades por meio da execuccedilatildeo de poliacuteticas de

inclusatildeo social (MS 2013 p 19)

Nos trechos do texto-base da Poliacutetica Nacional de Sauacutede Integral das

Populaccedilotildees do Campo e da Floresta proposto pelo Ministeacuterio da Sauacutede (2013 p 20)

seu principal objetivo eacute o de promover a sauacutede das populaccedilotildees do campo e da floresta a

partir de accedilotildees que partilhem as particularidades no que se refere a gecircnero cor etnia e

orientaccedilatildeo sexual de forma que facilite o acesso aos serviccedilos de sauacutede E com isso

espera-se que seja diminuiacutedo o iacutendice de ldquo[] riscos e agravos agrave sauacutede decorrente dos

processos de trabalho e das tecnologias agriacutecolas e a melhoria dos indicadores e da

qualidade de vidardquo (BRASIL 2013)

O Ministeacuterio da Sauacutede (2013 p 20) definiu os agricultores familiares

enquanto categoria social como uma populaccedilatildeo que vive no campo e se organiza a

partir dos seguintes princiacutepios

169

[] - (a) natildeo deter a qualquer tiacutetulo aacuterea maior do que 4

(quatro) moacutedulos fiscais b) utilizar predominantemente matildeo-

de-obra da proacutepria famiacutelia nas atividades econocircmicas do seu

estabelecimento ou empreendimento c) ter renda familiar

predominantemente originada de atividades econocircmicas

vinculadas ao proacuteprio estabelecimento ou empreendimento)

dirigir seu estabelecimento ou empreendimento com sua

famiacutelia sendo que incluem-se nesta categoria silvicultores

aquicultores extrativistas e pescadores que preencham os

requisitos previstos nos itens b c e d deste inciso

Nota-se que esse Ministeacuterio recorreu agrave definiccedilatildeo de agricultores familiares

instituiacuteda nas diretrizes nacionais do Pronaf em que essa categoria eacute constituiacuteda a partir

de criteacuterios econocircmicos e da dinacircmica de relaccedilotildees de trabalho e do modo de produccedilatildeo

466 Habitaccedilatildeo

Segundo o Ministeacuterio do Desenvolvimento Agraacuterio (2015) o Programa

Nacional de Habitaccedilatildeo Rural (PNHR) consiste em auxiliar os Agricultores Familiares e

trabalhadores rurais na construccedilatildeo de suas casas Inserido dentro do Programa Nacional

de Habitaccedilatildeo (Minha Casa Minha Vida) eacute financiado pelo Orccedilamento Geral da Uniatildeo ndash

OGU As suas accedilotildees devem ser planejadas e executadas As diretrizes e subsiacutedios dos

demais programas do Governo Federal satildeo destinados ao combate agrave pobreza rural

Sobretudo o Programa Cisternas que tem como objetivo a construccedilatildeo de cisternas nas

propriedades rurais as quais satildeo utilizadas para a captaccedilatildeo e armazenamento de aacutegua

oriunda das chuvas

O recurso do PNHR tem como principal finalidade a ldquo[] aquisiccedilatildeo de

Material de construccedilatildeo conclusatildeo ou reformaampliaccedilatildeo de Unidade Habitacional rural

e de cisternas para a captaccedilatildeo e armazenamento da aacutegua da chuva []rdquo (BRASIL 2010

p05) em que o alvo satildeo as regiotildees onde as chuvas ocorrem com certa irregularidade e

as secas satildeo recorrentes

Em nota divulgada pela Confederaccedilatildeo Nacional dos trabalhadores na

Agricultura ndash CONTAG e outros movimentos sociais como o Movimento dos

Pequenos Agricultores ndash MPA Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra ndash

MST Movimento dos Atingidos por Barragens ndash MAB Movimento Camponecircs Popular

ndash MCP Federaccedilatildeo Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar

170

do Brasil ndash Fetraf ndash (BRASIL 2015 p 1)33

asseguram que o Programa Nacional de

Habitaccedilatildeo Rural criado em 2009 eacute resultado da luta dos movimentos do campo em

que o propoacutesito da nota eacute afirmar que

A preservaccedilatildeo deste Programa passa pelo diaacutelogo estabelecido

no interior do GT Rural com todos os sujeitos envolvidos

Governo Agentes Financeiros e Entidades Organizadoras dos

movimentos representativos do campo e eacute confiando nesse

diaacutelogo que repudiamos o que foi evidenciado pelo INCRA na

uacuteltima reuniatildeo do GT Rural no dia 28 de novembro onde foi

explicitada a intenccedilatildeo de repassar (a partir de janeiro de 2014)

mediante Chamada Puacuteblica a possibilidade de entidades

puacuteblicas e privadas executarem o PNHRA maior parte das

casas de alvenaria foi feita com recursos financiados pelo

INCRA atraveacutes do creacutedito habitaccedilatildeo liberado O recurso

liberado do creacutedito habitaccedilatildeo natildeo foi suficiente para realizar a

construccedilatildeo das casas por completo e com acabamento

necessaacuterio Desta forma algumas casas ficaram inacabadas

necessitando de reboco pintura piso e sanitaacuterio

Para os movimentos do campo eacute necessaacuterio que a equipe de Governo as

Agecircncias de Financiamentos e as entidades de representaccedilatildeo dos Movimentos sociais

mantenham um diaacutelogo permanente entre as partes envolvidas no processo para que se

tenha um resultado satisfatoacuterio na execuccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas para os sujeitos

sociais do campo

Justamente por isso existe uma tentativa de evitar que a construccedilatildeo das casas

destinadas agrave populaccedilatildeo do campo seja bdquoprivatizada‟ ou seja concentrada nas matildeos de

uma soacute entidade seja ela puacuteblica ou privada o que tem se mostrado ldquototalmente

repudiadordquo como possibilidade

Apesar disso eacute notaacutevel o quanto essas poliacuteticas puacuteblicas produziram novos

impactos influenciando diretamente no desenvolvimento dos assentamentos rurais de

Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati fornecendo-lhes melhores condiccedilotildees de vida no

que se refere ao acesso agrave sauacutede educaccedilatildeo moradia e infraestrutura

Todavia percebemos que natildeo haacute uma articulaccedilatildeo entre a organizaccedilatildeo e a

construccedilatildeo de um planejamento estrateacutegico baacutesico para implementar poliacuteticas puacuteblicas

33 Disponiacutevel em

lthttpwwwfetraforgbrsistemackfilesPauta20unitaria20HABITACAO20RURALgt

Acesso em 28102015

171

que pudessem ser implementadas em uma accedilatildeo integrada e envolvendo os diferentes

agentes sociais e assim resolver as supostas fragilidades

Natildeo apreendemos indicativos na reflexatildeo dessas poliacuteticas que conduzem para

a melhoria das condiccedilotildees de produccedilatildeo e possibilidades de comercializaccedilatildeo e circulaccedilatildeo

dos produtos da Agricultura Familiar apontados no capiacutetulo trecircs como um dos

principais desafios dos assentamentos rurais pesquisados

Contudo natildeo se pode perder de vista que satildeo as dificuldades vivenciadas

nesses assentamentos que fazem com que os assentados recorram cada vez mais agrave venda

da forccedila de trabalho nas fazendas ou nos demais setores primaacuterios distanciando-se da

condiccedilatildeo de produtores da Agricultura Familiar e tornando-se compradores de produtos

baacutesicos da alimentaccedilatildeo como arroz feijatildeo mandioca e carnes de aves e porcos

172

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Os estudos e as poliacuteticas relacionadas agrave Agricultura Familiar no Brasil

segundo Abramovay (2006) devem levar em consideraccedilatildeo que esta eacute constituiacuteda a

partir de trecircs niacuteveis distintos em primeiro lugar eacute necessaacuterio fazer um levantamento das

produccedilotildees cientiacuteficas e pesquisas que envolvem a ldquoexpectativa intelectualrdquo os quais natildeo

podem perder de vista a existecircncia de uma grande diversidade nas formas de produccedilatildeo

da Agricultura Familiar brasileira Haacute uma demanda de questotildees a serem analisadas e

um mapeamento a ser elaborado frente agrave vasta literatura e pesquisas realizadas sobre a

diversidade do universo da Agricultura Familiar considerando as diferentes

experiecircncias dos sujeitos histoacutericos que a vivenciam Somente a partir dessa postura

intelectual seraacute possiacutevel estabelecer uma estimativa da potencialidade econocircmica dos

assentamentos rurais do Brasil

O segundo niacutevel ao qual se refere Abramovay (2006) seria a implantaccedilatildeo

das poliacuteticas puacuteblicas que se intensificaram a partir da criaccedilatildeo do Pronaf inter-

relacionadas com outras poliacuteticas puacuteblicas e programas sociais que contribuiacuteram para a

eficiecircncia dos assentamentos rurais nesse novo modelo de organizaccedilatildeo social no campo

A partir da deacutecada de 1990 as accedilotildees foram intensificadas com a criaccedilatildeo dos projetos de

assentamentos rurais resultantes do Programa de Reforma Agraacuteria do Governo Federal

Natildeo se pode negar que tanto estas como um conjunto de outras poliacuteticas

tiveram um papel fundamental no processo de geraccedilatildeo de diferentes demandas

Surgiram novas oportunidades de reocupaccedilatildeo das terras e de invenccedilatildeo de novas praacuteticas

para milhares de famiacutelias que estavam totalmente desprovidas de capital e dos meios de

produccedilatildeo para garantir a sua reproduccedilatildeo social enquanto agricultores familiares

Outra questatildeo tratada pelo autor estaacute relacionada ao plano social A

Agricultura Familiar no Brasil corresponde ao processo contiacutenuo de aptidatildeo de

elementos que arrastam os ldquoarranjosrdquo dos movimentos sociais e sindicais que tecircm como

princiacutepio de organizaccedilatildeo a luta pela posse da terra visando a afirmaccedilatildeo em que a

ascensatildeo e o desenvolvimento econocircmico de um determinado territoacuterio dar-se-aacute

somente por meio do fortalecimento e da consolidaccedilatildeo da Agricultura Familiar

Tais questotildees demonstram a importacircncia das poliacuteticas puacuteblicas para a

manutenccedilatildeo a reproduccedilatildeo social e o fortalecimento da Agricultura Familiar destacando

173

que essa forma de produccedilatildeo eacute fundamental para o desenvolvimento regional sobretudo

para o fornecimento de alimentos

A eliminaccedilatildeo da Agricultura Familiar eacute uma preocupaccedilatildeo recorrente entre os

teoacutericos da Questatildeo Agraacuteria Ao analisar o processo de expansatildeo da soja em Mato

Grosso Barrozo (2010 p 45) considera que apesar do Estado se destacar como o

celeiro do Brasil sobretudo na produccedilatildeo e exportaccedilatildeo de gratildeos e algodatildeo ldquo[] para

onde iratildeo os milhares de Agricultores Familiares sem capital sem escolarizaccedilatildeo e sem

qualificaccedilatildeo teacutecnicaprofissional que ainda permanecem no campordquo

Algumas reflexotildees e concepccedilotildees apresentadas por Barrozo (2010) e

Abramovay (2006) subsidiaram as anaacutelises relativas agrave compreensatildeo dos problemas que

perpassam a Questatildeo Agraacuteria atual no Brasil e especificamente nos assentamentos

rurais de Vila Rica-MT e dos seus agricultores familiares Diante desse cenaacuterio analisar

as Poliacuteticas Puacuteblicas oriundas de demandas dos movimentos sociais Sindicatos dos

Trabalhadores Rurais e diferentes agentes histoacutericos tornou-se fundamental para

compreender o universo da Agricultura Familiar no municiacutepio de Vila Rica-MT nas

deacutecadas de 1990 a 2010

Esta pesquisa ajudou-nos compreender que os estudos sobre os assentamentos

rurais devem ser problematizados no sentido de se pensar a complexidade do processo

de sua criaccedilatildeo uma vez que eles natildeo foram instituiacutedos apenas enquanto um ato

administrativo do INCRA criando o assentamento rural e selecionando as famiacutelias que

seriam beneficiadas Os assentamentos rurais de Vila Rica-MT resultaram dos conflitos

e demandas sociais envolvendo diferentes atores histoacutericos que lutaram pelo direito de

acesso agrave terra Dos oito assentamentos rurais de Vila Rica apenas um foi planejado

pelo INCRA Todos os demais resultaram da reocupaccedilatildeo espontacircnea da terra pelos

posseiros

Outra questatildeo que nos chamou atenccedilatildeo na pesquisa foi o processo de

transformaccedilatildeo da situaccedilatildeo de posseiros para a de agricultores familiares lembrando que

agricultor familiar eacute uma categoria social instituiacuteda a partir da criaccedilatildeo do Programa de

Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) Considera-se agricultores familiares as

famiacutelias que trabalham em atividades rurais que natildeo possuem aacutereas acima de que 4

(quatro) moacutedulos fiscais A maioria utiliza matildeo de obra da proacutepria famiacutelia na produccedilatildeo

174

econocircmica do lote detendo um percentual da renda familiar originada de atividades

econocircmicas do seu estabelecimento ou empreendimento (INCRA 2006)

No caso de Vila Rica vaacuterios dos colonos que compraram terra da

Colonizadora Vila Rica-MT sofreram uma transformaccedilatildeo significativa alguns perderam

essa terra e se tornaram posseiros ao ocupar uma nova aacuterea Muitos colonos perderam a

terra porque natildeo conseguiram pagar a diacutevida com o Banco do Brasil contraiacuteda para

financiar a compra dos lotes e instrumentos utilizados nas atividades agriacutecolas A perda

da terra obrigou tais colonos a trabalhar como assalariados sendo que parte deles

ocupou terras na aacuterea dos assentamentos rurais Bom Jesus e Santo Antocircnio do Beleza

regularizada posteriormente pelo INCRA e seus ocupantes se tornaram agricultores

familiares sobretudo ao acessar o Pronaf

Consideramos importante destacar que os assentamentos rurais do municiacutepio

de Vila Rica-MT revelam-se produtivos e promissores do desenvolvimento regional

assumindo um lugar de destaque na economia local sobretudo no que se refere agrave

produccedilatildeo de leite

No mais destaca-se que os assentamentos rurais de Vila Rica e do Araguaia

Mato-grossense satildeo espaccedilos carentes de outras pesquisas e reflexotildees sobre a

importacircncia da Agricultura Familiar no que diz respeito agrave seguranccedila alimentar da aacuterea e

que natildeo foi foco da presente pesquisa

175

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Gaspareto Eduardo Cavalcante Joseacute Adelson Claudete e Deusdeste Vasconcelos

Iraneide Dorcas Diolina Edileusa Maria Joseacute Ceacutelia Maria Vando Cristiana Aragatildeo

Fabiane Rizzardo Iadne Teodoro Wilson Sirino Socorro Gomes Eliezer e os demais

amigos e colegas de trabalho

- Ao Coletivo do Foacuterum Permanente de Debates da Educaccedilatildeo de Jovens e

Adultos ndash Araguaia - Xingu em especial ldquoagraves minhas irmatildes de coraccedilatildeordquo Ceacutelia Ferreira

Edineth Franccedila e Terezinha de Jesus

- Agrave Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat) atraveacutes do Programa

Parceladas e ao Campus Universitaacuterio do Meacutedio Araguaia por permitir que eu

conciliasse as atividades do mestrado com as atividades profissionais

- Aos acadecircmicos do curso de Ciecircncias Sociais- UNEMAT ldquomeus projetos

de cientistas sociaisrdquo sou eternamente grata pelo carinho e apoio que me

proporcionaram A nossa convivecircncia tornou-me uma pessoa melhor

- Aos meus colegas de trabalho da UNEMAT Luis Antonio Barbosa Soares

Neures Batista de Paula Andreacuteia da Silva Feitosa Faacutebio Junio Ribeiro Faacutebio

Bombarda Analucia Ribeiro de Souza Dimas Santana Neves Flaacutevio Luiz de Paula

Jackson Joseacute Carlos de Lima Renata Cristina Diva e Socorro Arauacutejo

- Aos meus familiares (Laura Beatriz Joatildeo Pedro Carlos Augusto Vocirc

Raimundo Abratildeo Edival Edith Elcivam Erivaldo Ivone Lourival Irene Carlos

Pitaacutegoras Dayane Gabriela Milena Sara e Eduardo) E a minha famiacutelia estendida

(Nonato Gracy Edson Flaacutevio Cida Elena Brizola Denilson Lucia Helena e Tunico)

pelo carinho e a solidariedade dedicada aos meus filhos

Aos Agricultores Familiares dos assentamentos rurais (Bom Jesus Satildeo Joseacute

Satildeo Gabriel Ipecirc Itaporatilde do Norte Alvorada Aracati e Santo Antocircnio do Beleza) e aos

movimentos sociais de luta pela terra no Araguaia mato-grossense em especial ao

Sindicato dos Trabalhadores Rurais do municiacutepio de Vila Rica-MT

Aos meus filhos Laura Beatriz Lima Joatildeo Pedro Lima Bailatildeo e Carlos

Augusto Lima Bailatildeo

Por onde passei plantei a cerca farpada plantei a queimada

Por onde passei plantei a morte matada

Por onde passei matei a tribo calada a roccedila suada a terra esperada

Por onde passei tendo tudo em lei eu plantei o nada

(Pedro Casaldaacuteliga- Confissotildees do latifuacutendio 2006)

RESUMO

Este texto tem como propoacutesito apresentar algumas reflexotildees sobre a formaccedilatildeo dos

assentamentos rurais do municiacutepio de Vila Rica-MT atraveacutes da luta pela terra na deacutecada

de 1990 e as posteriores transformaccedilotildees e a na consolidaccedilatildeo da Agricultura Familiar

correlacionada com Poliacuteticas Puacuteblicas como o Pronaf Mas para atingir esse objetivo

foi necessaacuterio analisar como a luta pela terra se deu em todo o espaccedilo do Araguaia

mato-grossense fronteira de expansatildeo nas deacutecadas de 1950 em duas frentes a primeira

foi realizada por empresas colonizadoras que elaboraram projetos e executaram a

construccedilatildeo de cidades e venda das terras dos municiacutepios de Confresa e Vila Rica a

segunda atraveacutes de empresas agropecuaacuterias que se apropriaram de terras e tiveram

acesso agrave incentivos fiscais e recursos de projetos junto agrave Sudam Logo para

compreender como ocorreu a formaccedilatildeo dos assentamentos rurais de Vila Rica-MT foi

preciso analisar a formaccedilatildeo de fazendas e empresas agropecuaacuterias que apoacutes o fim dos

incentivos fiscais se tornaram improdutivas e que seus ldquoproprietaacuteriosrdquo criaram

estrateacutegias de comercializar as terras junto ao INCRA utilizando para isso a forma de

desapropriaccedilatildeo para a formaccedilatildeo de assentamentos rurais Paralelamente os posseiros

em meio agrave luta pela terra adotaram estrateacutegias de reocupaccedilatildeo dessas aacutereas para depois

solicitar junto ao oacutergatildeo competente a regularizaccedilatildeo fundiaacuteria dos lotes conquistados

Dentro dessa configuraccedilatildeo social o municiacutepio de Vila Rica-MT formou em seu

territoacuterio oito assentamentos rurais dos quais quatro (Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Aracaty e

Ipecirc) tiveram uma anaacutelise mais aprofundada a partir de dados quantitativos coletados

pela Empaer que demonstram algumas tendecircncias sobre as condiccedilotildees de vida renda

produccedilatildeo comercializaccedilatildeo dentre esses posseiros que com a regularizaccedilatildeo da terra e o

acesso ao Pronaf se tornaram agricultores familiares e responsaacuteveis por uma

significativa produccedilatildeo de leite e gado de corte na aacuterea Para compreender toda essa

complexa transformaccedilatildeo foi utilizada fontes documentais e orais que forneceram

elementos para uma anaacutelise sobre esse processo

Palavras-chave Histoacuteria Agricultura Familiar Mato Grosso Vila Rica Araguaia

RESUMEN

Este texto tiene como objetivo presentar un ejercicio de reflexioacuten sobre la formacioacuten de

los Asentamientos Rurales de Vila Rica-MT Estas reflexiones se derivan de una

investigacioacuten en curso denominado reocupacioacuten de tierras en el periacuteodo

contemporaacuteneo en el norte de Araguaia micro-regioacuten en el estado de Mato Grosso

Esta investigacioacuten tuvo como objetivo comprender el proceso de formacioacuten de los

Asentamientos Rurales en el municipio de Vila Rica-MT en el periacuteodo de 1980 a 2015

Habiacutea estudiado la historia de los asentamientos rurales de Vila Rica tambieacuten significa

la comprensioacuten de la historicidad de la lucha por el proceso de la tierra en el estado de

Mato Grosso ya que esta ciudad (Vila Rica) no surge espontaacuteneamente Nacido en un

contexto se produjeron en la regioacuten de Araguaia a la altura del proceso de reocupacioacuten

dos frentes los proyectos agriacutecolas financiados proyectos Sudam y colonizacioacuten

privada lo que dio lugar a la formacioacuten de otros municipios asiacute como Vila Rica como

Confresa Agua Boa y Canarana En este periacuteodo el norte del estado de Mato Grosso

convertido en el objetivo de la inversioacuten de los grupos empresariales del sur y sureste

del paiacutes el estado transferido al sector privado a la funcioacuten para reordenar la nueva

ocupacioacuten de estos espacios A partir de los datos recogidos construir un marco que

permita la identificacioacuten de las diferentes formas de ocupacioacuten y la reocupacioacuten de la

tierra asiacute como los tipos de uso y disentildeo de la funcioacuten de los asentamientos rurales en la

regioacuten de Araguaia Establecer una relacioacuten de este evento con las otras regiones del

estado en relacioacuten con las poliacuteticas de tenencia de la tierra en la ocupacioacuten previa a la

solucioacuten y la presencia de proyectos agriacutecolas la colonizacioacuten privada y asentamientos

rurales El municipio de Vila Rica comenzoacute con los proyectos agriacutecolas luego se

transformoacute en proyecto de colonizacioacuten privada y finalmente creoacute 08 asentamientos

rurales Estos objetivos se exponen en las cadenas de produccioacuten de la regioacuten de los

impactos de las poliacuteticas puacuteblicas implementadas en las deacutecadas 1990-2000 Se hace

hincapieacute en que esta investigacioacuten tambieacuten busca identificar la influencia del Programa

de Fortalecimiento de la Agricultura Familiar (Pronaf) en el desarrollo de los

asentamientos rurales de Villa Rica

Palabras clave Historia reocupacioacuten de tierras en Araguaia Vila Rica-MT

Asentamientos Rurales

LISTA DE ILUSTRACcedilOtildeES

Figura 01 - Mapa de Propaganda da Colonizadora Vila Rica 34

Figura 02 - Folder de propaganda da Colonizadora Vila Rica 38

Figura 03 - Planta ou Protejo Urbaniacutestico da cidade de Vila Rica 40

Figura 04 - Croqui de localizaccedilatildeo das fazendas 53

Figura 05 - Carta do Sindicato dos Trabalhadores de Vila Rica ao INCRA (1990) 69

Figura 06 - Carta da Alemanha 83

Figura 07 - Documento de denuacutencia de ameaccedila de morte de posseiro 86

Figura 08 - Fotografias dos Teacutecnicos da Empaer em visita aos assentamentos rurais 98

Figura 09 - Fotografias da Apresentaccedilatildeo do Programa de Ates 98

Figura 10 - Fotografias de corpos d‟aacutegua e mata ciliar 131

Figura 11- Fotografias das aacutereas de pastagens nos Assentamentos Rurais 132

Figura 12 - Fotografias das Estradas dos Assentamentos Rurais 134

Figura 13 - Croqui do Assentamento Rural Satildeo Joseacute 134

Figura 14 - Croqui do Assentamento Rural Satildeo Gabriel 135

Figura 15 - Croqui do Assentamento Rural Ipecirc 135

Figura 16 - Croqui Assentamento Rural Aracat 136

Figura 17 - Graacutefico com dados da evoluccedilatildeo dos creacuteditos Pronaf 152

Figura 18 - Graacutefico com dados da distribuiccedilatildeo dos creacuteditos Pronaf 152

LISTA DE TABELA

Tabela 1 assentamentos rurais de Vila Rica-MT 66

Tabela 2 Produtos que satildeo destinados a Alimentaccedilatildeo da Famiacutelia 104

Tabela 3 Faixa etaacuteria dos assentados 105

Tabela 4 Escolaridade dos assentados 106

Tabela 5 Presenccedila de energia eleacutetrica nos assentamentos rurais 108

Tabela 6 Fonte de Aacutegua nos assentamentos rurais 109

Tabela 7 Qualidade da aacutegua nos assentamentos rurais 110

Tabela 8 Frequecircncia da realizaccedilatildeo de exames de sauacutede 111

Tabela 9 Acesso aos serviccedilos de sauacutede 111

Tabela 10 Uso do remeacutedio caseiro 112

Tabela 11 Nuacutemero de assentados que declararam morar no assentamento rural 112

Tabela 12 Percentual de participaccedilatildeo da Renda dos assentados 117

Tabela13 Produccedilatildeo agriacutecola (em Kg) 117

Tabela 14 Assentados que praticam Culturas de Subsistecircncia 118

Tabela 15 Tipo de pecuaacuteria explorada por propriedade (famiacutelias) 118

Tabela 16 Frequecircncia do consumo de proteiacutena animal na alimentaccedilatildeo 119

Tabela 17 Dados de produccedilatildeo de leite por nordm de vacas 119

Tabela 18 Nuacutemero de Famiacutelia e Resfriamento do leite 120

Tabela 19 Comercializaccedilatildeo da Produccedilatildeo dos assentamentos 121

Tabela 20 Associativismo no Aracati Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel e Ipecirc 121

Tabela 21 Tipos de preparo do solo por nordm de famiacutelias 124

Tabela 22 Tipos de sementes cultivadas nos assentamentos rurais 124

Tabela 23 Tipos de plantio cultivados nos assentamentos rurais 125

Tabela 24 Tipo de adubaccedilatildeo do solo realizado pelos assentados por famiacutelia 125

Tabela 25 Conservaccedilatildeo do solo (por nuacutemero de Famiacutelias) 126

Tabela 26 Rotaccedilatildeo de Culturas nos assentamentos rurais 126

Tabela 27 Tipo de combate agraves pragas (por nuacutemero de famiacutelias) 127

Tabela 28 Tipo de lavagem triacuteplice de embalagens vazias de agrotoacutexicos 127

Tabela 29 Destino das embalagens de agrotoacutexicos vazias 128

Tabela 30 Tipo de colheita por famiacutelia 128

Tabela 31 Tipo de armazenamento da produccedilatildeo (por nuacutemero de famiacutelia) 129

Tabela 32 Situaccedilatildeo de degradaccedilatildeo de solo nos assentamentos rurais 129

Tabela 33 Existecircncia de nascentes sem proteccedilatildeo (nuacutemero de propriedades) 130

Tabela 34 Existecircncia de degradaccedilatildeo de matas ciliares 130

Tabela 35 Situaccedilatildeo de degradaccedilatildeo das pastagens (por nuacutemero de propriedade) 131

Tabela 36 Uso de fogo no manejo do solo (por propriedade) 132

Tabela 37 Creacutedito Rural - nordm de Famiacutelia 154

Tabela 38 Finalidade do Creacutedito Rural - nordm de Famiacutelias 155

Tabela 39 Tipo de Pronaf por nuacutemero de Famiacutelias 155

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ATER ndash Assistecircncia Teacutecnica e Extensatildeo Rural

Ates ndash Programa de Assessoria Teacutecnica Social e Ambiental agrave Reforma Agraacuteria

Bndes ndash Banco Nacional de Desenvolvimento

CNA ndash Confederaccedilatildeo Nacional da Agricultura

CNBB ndash Conferencia Nacional dos Bispos do Brasil

CONAB ndash Campanha Nacional de Abastecimento

CONTAG ndash Confederaccedilatildeo Nacional dos Trabalhadores da Agricultura

CPT ndash Comissatildeo Pastoral da Terra

CUT ndash Central Uacutenica dos trabalhadores

DNT ndash Departamento Nacional dos Trabalhadores da CUT

Embrapa ndash Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuaacuteria

Empaer ndash Empresa Mato-Grossense de Pesquisa e Extensatildeo Rural SA

Febraban - Federaccedilatildeo Brasileira de Bancos

Fetag ndash Federaccedilatildeo dos Trabalhadores na Agricultura

Fetraf ndash Federaccedilatildeo dos Trabalhadores e Trabalhadores na Agricultura Familiar

GESTAR ndash Projeto Nacional de Gestatildeo Ambiental Rural

IBGE ndash Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica

INCRA ndash Instituto Nacional de Colonizaccedilatildeo e Reforma Agraacuteria

Indea ndash Instituto de Defesa Agropecuaacuteria de Mato Grosso

IPAM ndash Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazocircnia

MAB ndash Movimento dos Atingidos por Barragens

MCP ndash Movimento Camponecircs Popular

MDA ndash Ministeacuterio do Desenvolvimento Agraacuterio

Mercosul ndash Mercado Comum do Sul

MMA ndash Ministeacuterio do Meio Ambiente

MME ndash Ministeacuterio de Minas e Energia

MPA ndash Movimento dos Pequenos Agricultores

MS ndash Ministeacuterio de Sauacutede

MST ndash Movimentos dos Trabalhadores Sem-Terra

OGU ndash Orccedilamento Geral da Uniatildeo

PA ndash Projeto de Assentamento

PAA ndash Programa Nacional de Aquisiccedilatildeo de Alimentos

Pda ndash Plano de Desenvolvimento de Assentamento Rural

PTDRS ndash Plano Territorial de Desenvolvimento Rural Sustentaacutevel do Territoacuterio Rural

PNAE ndash Programa Nacional de Alimentaccedilatildeo Escolar

PNHR ndash Programa Nacional de Habitaccedilatildeo Rural

PNSIPCF - Poliacutetica Nacional de Sauacutede Integral das Populaccedilotildees do Campo e da Floresta

Pronaf - Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura

Proterra ndash Programa de Redistribuiccedilatildeo de Terras e de Estiacutemulo agrave Agroinduacutestria do

Norte

Provape ndash Programa de Valorizaccedilatildeo da Pequena Produccedilatildeo Rural

Sebrae ndash Serviccedilo Brasileiro de Apoio o Micro e Pequenas Empresas

Senai ndash Serviccedilo Nacional de Aprendizagem Industrial

Senar ndash Serviccedilo Nacional de Aprendizagem Rural

Servap ndash Serviccedilo Auxiliares da Agropecuaacuteria

SNCR ndash Sistema Nacional de Credito Rural

STR ndash Sindicato dos Trabalhadores Rurais

Sudam ndash Superintendecircncia de Desenvolvimento da Amazocircnia

SUS ndash Sistema Uacutenico de Sauacutede

UDR ndash Uniatildeo Democraacutetica Ruralista

SUMAacuteRIO

INTRODUCcedilAtildeO 16

1 A QUESTAtildeO AGRAacuteRIA EM MATO GROSSO HISTOacuteRIA OCUPACcedilAtildeO E

REOCUPACcedilAtildeO DO ARAGUAIA MATO-GROSSENSE 24

11 A reocupaccedilatildeo pelas agropecuaacuterias e empresas colonizadoras Anos de 1960 a 1980

27

12 A criaccedilatildeo e emancipaccedilatildeo do municiacutepio de Vila Rica-MT 33

121 O papel das instituiccedilotildees e oacutergatildeo puacuteblicos as empresas agropecuaacuterias e a

colonizadora 49

122 A Servap e a abertura das fazendas Promissatildeo Satildeo Marcos Aracatiacute e Porongaba

52

13 Anos de 1980 a 1990 o Araguaia e a formaccedilatildeo dos assentamentos rurais 55

2 MEMOacuteRIAS DA REOCUPACcedilAtildeO HISTORICIZANDO OS

ASSENTSAMENTOS RURAIS DE VILA RICA-MT (1980-2010) 65

21 A transformaccedilatildeo das fazendas agropecuaacuterias em assentamentos rurais atraveacutes da luta

pela terra 65

22 Os assentamentos rurais de Vila Rica ndash MT 71

221 O Assentamento Rural Satildeo Joseacute 73

222 O Assentamento Rural Ipecirc 79

223 O Assentamento Rural Aracati 82

224 O Assentamento Rural Satildeo Gabriel 84

225 O Assentamento Rural Itaporatilde do Norte 86

226 O Assentamento Rural Bom Jesus 87

227 O Assentamento Rural Santo Antocircnio do Beleza 93

228 O Assentamento Rural Alvorada 94

Consideraccedilotildees gerais sobre os assentamentos de Vila Rica-MT 95

3 SITUACcedilAtildeO SOCIOECONOcircMICA DOS ASSENTAMENTOS SAtildeO JOSEacute SAtildeO

GABRIEL IPEcirc E ARACATI (2006-2010) 97

31 Os assentamentos rurais na perspectiva do Projeto de Assessoria Teacutecnica Social e

Ambiental agrave Reforma Agraacuteria ndash Ates 99

32 O perfil dos assentados gecircnero idade e escolaridade 101

321 Diferenciaccedilatildeo de Gecircneros predominacircncia masculina e papel da mulher 102

322 Perfil etaacuterio indicadores de uma populaccedilatildeo envelhecida 104

323 Perfil de escolaridade dos assentados 106

33 As Condiccedilotildees de vida nos assentamentos rurais luz eleacutetrica aacutegua sauacutede moradia e

infraestrutura 107

331 Energia Eleacutetrica 108

332 Aacutegua 108

333 Sauacutede 110

334 Moradia 112

335 Infraestrutura equipamentos e Tecnologias 113

34 A Produccedilatildeo a renda comercializaccedilatildeo e circulaccedilatildeo da Agricultura Familiar 116

341 A renda nos quatro Projetos de assentamentos rurais de Vila Rica-MT 116

342 Atividades Agriacutecolas a produccedilatildeo econocircmica e a de subsistecircncia 117

343 Pecuaacuteria e criaccedilatildeo de pequenos animais 118

344 Comercializaccedilatildeo e Associativismo 120

35 Teacutecnicas e niacutevel tecnoloacutegico dos assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e

Aracati 123

351 Teacutecnicas de uso do Solo plantio combate de pragas colheita 124

36 A questatildeo ambiental nos assentamentos rurais de Vila Rica-MT 129

37 Algumas consideraccedilotildees sobre os impactos de poliacuteticas puacuteblicas nos assentamentos

Satildeo Joseacute satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati 133

4 AS POLIacuteTICAS PUacuteBLICAS NOS ASSENTAMENTOS SAtildeO JOSEacute SAtildeO

GRABRIEL IPEcirc E ARACATI 139

41 O debate sobre o Pronaf 139

42 O papel dos Movimentos sociais na criaccedilatildeo do Programa Nacional de

Fortalecimento da Agricultura Familiar na deacutecada de 1990 143

43 O Pronaf e seus objetivos 146

44 O Pronaf no Araguaia mato-grossense 148

45 O Pronaf nos assentamentos Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati 154

46 Outras Poliacuteticas Puacuteblicas nos assentamentos Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati 155

461 Programa Luz para todos 156

462 Arco Verde questatildeo ambiental 158

463 Programa Balde Cheio 160

464 Programas de Educaccedilatildeo Formaccedilatildeo Profissional e Teacutecnica do assentado 162

465 Programa de Sauacutede no Campo 167

466 Programa Nacional de Habitaccedilatildeo 169

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 172

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 175

16

INTRODUCcedilAtildeO

Em tempos diversos muitas foram as razotildees que moveram pesquisadores na

aacuterea da histoacuteria a desenvolver estudos em torno de questotildees fundamentais para

compreensatildeo do homem no tempo e suas formas de organizaccedilatildeo as quais se aproximam

e se distanciam no tocante a suas formas de abranger fenocircmenos que circularam em um

ou outro grupo social este ou aquele projeto de sociedade Em suas entranhas as

relaccedilotildees de forccedilas estabelecidas para sua fundaccedilatildeo consolidaccedilatildeo e transformaccedilatildeo

pendulando do individual ao coletivo do solitaacuterio ao solidaacuterio em uma complexa teia

ancorada em seus atores sociais e respectivos projetos de vida O mundo rural apresenta

diversidades e especificidades que igualmente moveram pesquisas e reflexotildees

historiograacuteficas No entanto tratando-se de assentamentos rurais no periacuteodo poacutes 1964

satildeo poucos os estudos historiograacuteficos que abordam esse tipo de organizaccedilatildeo social e

poliacutetica atraveacutes de estudos de caso

Diante dessa carecircncia historiograacutefica sobre a temaacutetica a presente pesquisa

teve por objetivo principal a compreensatildeo da formaccedilatildeo e o processo de

desenvolvimento dos assentamentos rurais do municiacutepio de Vila Rica-MT A partir

desse estudo foi possiacutevel identificar que a luta pela terra implementada pelos atores

sociais na condiccedilatildeo de colonos posseiros atrelada agrave regularizaccedilatildeo fundiaacuteria e ao acesso

agraves poliacuteticas puacuteblicas como eacute o caso do Programa Nacional de Fortalecimento da

Agricultura Familiar (Pronaf) possibilitou a transformaccedilatildeo dos mesmos em agricultores

familiares

Para tanto foi problematizado o papel e a atuaccedilatildeo das instituiccedilotildees e oacutergatildeos

puacuteblicos como o Instituto Nacional de Colonizaccedilatildeo e Reforma Agraacuteria (INCRA) o

Ministeacuterio do Desenvolvimento Agraacuterio (MDA) o Banco do Brasil (BB) a Empresa

Mato-grossense de Pesquisa e Extensatildeo Rural SA (Empaer) e a Prefeitura Municipal de

Vila Rica aleacutem de movimentos sociais da sociedade civil como o Sindicato dos

Trabalhadores Rurais (STR) de Vila Rica-MT dada a importacircncia do seu envolvimento

Destacamos em particular a Comissatildeo Pastoral da Terra (CPT) a Prelazia de Satildeo Feacutelix

do Araguaia o Sindicato dos Trabalhadores Rurais e as Associaccedilotildees de Pequenos

Produtores Rurais Consideramos que para intensificar a anaacutelise foi necessaacuterio abordar

as accedilotildees e estrateacutegias dos atores sociais envolvidos na luta pela terra especialmente nos

17

momentos de adaptaccedilatildeo ou utilizaccedilatildeo de tais oacutergatildeos e instituiccedilotildees para cumprir seus

objetivos o acesso e a permanecircncia na terra

Natildeo temos a pretensatildeo de esgotar o assunto tampouco construir teses

aligeiradas sobre as comunidades e grupos sociais formados no municiacutepio de Vila Rica-

MT mas sim na trilha da anaacutelise soacutecio-histoacuterica compreender a formaccedilatildeo e o processo

de desenvolvimento dos assentamentos rurais do municiacutepio de Vila Rica-MT

problematizando o papel e a atuaccedilatildeo das instituiccedilotildees e entidades da sociedade civil

aleacutem dos oacutergatildeos puacuteblicos

Gostariacuteamos de esclarecer que as anaacutelises partem de uma posiccedilatildeo social de

moradora educadora e participante de movimentos sociais do Araguaia O

conhecimento empiacuterico dos problemas locais permitiu a formulaccedilatildeo de questotildees

fundamentadas em aspectos pouco estudados assim como perceber a necessidade de a

populaccedilatildeo formular reflexotildees sobre os assentamentos rurais e a Agricultura Familiar

num contexto onde existe um evidente avanccedilo da agricultura moderna e do agronegoacutecio

Com base em algumas experiecircncias vividas elaboramos questotildees

consideradas como significativas para problematizar as condiccedilotildees e circunstacircncias sob

as quais se deram a formaccedilatildeo e a consolidaccedilatildeo dos assentamentos rurais em Vila Rica-

MT As questotildees norteadoras foram Como ocorreu o processo de formaccedilatildeo dos

assentamentos rurais no municiacutepio de Vila Rica-MT Quais foram as estrateacutegias de

resistecircncia e articulaccedilatildeo utilizadas nas lutas pela terra pelos ldquoposseirosrdquo no processo de

formaccedilatildeo desses assentamentos rurais Como os posseiros se transformaram em

agricultores familiares e qual foi o papel do Pronaf nesse processo Quais satildeo as outras

Poliacuteticas Puacuteblicas adotadas que contribuiacuteram para a permanecircncia desses atores sociais

na terra

A partir dessas questotildees adotamos diferentes procedimentos metodoloacutegicos

tendo por base o uso de fontes escritas imageacuteticas e orais Primeiramente se buscou

fontes que permitissem analisar a atuaccedilatildeo da Associaccedilatildeo Sindical dos Posseiros

(Sindicato dos Trabalhadores Rurais) e da Conferecircncia Nacional dos Bispos do Brasil

(CNBB) via CPT da circunscriccedilatildeo eclesiaacutestica ndash Prelazia de Satildeo Feacutelix do Araguaia os

quais foram fundamentais na intermediaccedilatildeo com os oacutergatildeos puacuteblicos na defesa da vida e

do projeto dos ldquoposseirosrdquo pois aleacutem de fazer frente aos conflitos e ameaccedilas de morte

vivenciada na luta pela terra empreenderam accedilotildees poliacutetica em defesa da proposta de

18

Reforma Agraacuteria Eis a razatildeo pela qual dedicamos esforccedilos no sentido de analisar como

tais entidades articularam mobilizaccedilotildees e empreenderam accedilotildees para que os

trabalhadores rurais pudessem pleitear e conquistar as condiccedilotildees necessaacuterias para a

sobrevivecircncia e o fortalecimento dos assentamentos rurais

Ressaltamos que os contextos e as fontes utilizadas para a construccedilatildeo desta

narrativa histoacuterica pautada no processo de implantaccedilatildeo dos assentamentos rurais satildeo

muacuteltiplas dada a complexidade dos elementos narrativos muitos dos quais satildeo

divergentes e ateacute mesmo contraditoacuterios Tal constataccedilatildeo se deve ao envolvimento de

atores histoacutericos com diferentes concepccedilotildees relativas agrave funccedilatildeo e aos modos de usos da

terra uma vez que os ldquoposseirosrdquo tecircm diferenciaccedilotildees sociais entre si e os objetivos da

posse da terra natildeo satildeo uacutenicos podendo ser tanto o uso da terra para ldquomorar e plantarrdquo

dentro da concepccedilatildeo claacutessica da Conferecircncia Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)

quanto para apenas morar e criar gado sem produccedilatildeo agriacutecola ou apenas morar e

trabalhar fora da aacuterea da posse Em casos mais extremos o posseiro aluga ou ldquovende o

direitordquo do lote conquistado mas esse fato natildeo pode ser analisado de forma mecacircnica

sem problematizaccedilatildeo nos interessa tambeacutem compreender o que faz com que um

posseiro natildeo permaneccedila na terra

Diante dessa situaccedilatildeo satildeo muacuteltiplas as respostas desde a simples intenccedilatildeo de

comercializaccedilatildeo e especulaccedilatildeo fundiaacuteria como a falta de Poliacuteticas Puacuteblicas e de boas

condiccedilotildees de educaccedilatildeo e qualidade de vida Tais explicaccedilotildees atreladas a outras

motivaccedilotildees resultam num constante esvaziamento da populaccedilatildeo jovem das aacutereas rurais

em busca de educaccedilatildeo trabalho e oportunidades nos centros urbanos Tambeacutem a

populaccedilatildeo envelhecida deixa os assentamentos em busca de assistecircncia na aacuterea de sauacutede

e cuidados oferecidos pela famiacutelia Toda essa situaccedilatildeo complexa explica os elementos

fundamentais para entender a falta de sucessatildeo familiar e o envelhecimento da

populaccedilatildeo rural sobretudo em aacutereas de assentamentos

Tendo em vista a temaacutetica de permanecircncia na terra as entrevistas permitiram

compreender o motivo de os posseiros comercializarem ou natildeo suas terras e de fazer

diferentes usos dela tanto para a agricultura quanto para a pecuaacuteria

Tambeacutem na formaccedilatildeo dos assentamentos rurais diferentes concepccedilotildees

aparecem nas anaacutelises das fontes orais obtidas em entrevistas com os primeiros

moradores e o colonizador de Vila Rica-MT que trouxe a memoacuteria e a narrativa oficial

19

sobre a criaccedilatildeo e emancipaccedilatildeo do municiacutepio Consideramos como narrativa oficial a

produccedilatildeo de livros panfletos informaccedilotildees de sites da Prefeitura Municipal que em

geral satildeo utilizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) Cidades

aleacutem de material publicitaacuterio produzido em datas comemorativas onde satildeo exaltadas as

figuras dos ldquopioneirosrdquo e ldquoempreendedoresrdquo

Por outro lado para ampliar o diaacutelogo obtivemos os relatos orais de

assentados posseiros agricultores familiares e representantes de instituiccedilotildees de

entidades da sociedade civil e dos movimentos sociais os quais foram analisados em

conjunto com a bibliografia sobre a Questatildeo Agraacuteria e reocupaccedilatildeo do Araguaia aleacutem da

utilizaccedilatildeo de fontes escritas e imageacuteticas mas tambeacutem de dados oficiais que nos

possibilitaram a compreensatildeo de maneira ampliada das circunstacircncias de produccedilatildeo

histoacuterica de um grupo social diferenciado das terras do Araguaia

Tecendo a narrativa consideramos que o estudo sobre a formaccedilatildeo dos

assentamentos rurais de Vila Rica-MT pode ser analisado na produccedilatildeo historiograacutefica

de micro-historiadores onde se exige ldquo[] um trabalho de contextualizaccedilatildeo muacuteltipla em

que cada ator histoacuterico participa de maneira proacutexima ou distante de processos ndash e de

niacuteveis variaacuteveis do mais local ao mais globalrdquo conforme Revel (1998 p 28) o qual

rompe com a dicotomia entre a histoacuteria local e a histoacuteria global entendendo que a

experiecircncia de um agente social de um grupo de um espaccedilo particular permite perceber

uma modulaccedilatildeo especiacutefica da histoacuteria global

Nossa narrativa possibilita refletir sobre o ofiacutecio do historiador tomando

como referecircncia a importacircncia dos discursos construiacutedos a partir do objeto em estudo

Sobretudo no que tange aos artifiacutecios utilizados para a produccedilatildeo de anaacutelises das fontes

Escreve Bloch (2002 p 68) ldquo[] uma ciecircncia natildeo se define apenas por seu objeto

Seus limites podem ser fixados tambeacutem pela natureza proacutepria dos seus meacutetodosrdquo

Nesse particular Moraes (2000) e Guimaratildees Neto (2014) alertam sobre a

necessidade de articular as fontes orais com sua competecircncia e habilidade

reorganizando os conceitos que serviratildeo de subsiacutedios agrave construccedilatildeo das anaacutelises a partir

da leitura e do cruzamento com outras tipologias de fontes

Portanto as fontes natildeo satildeo tratadas aqui como mananciais de ldquoverdaderdquo uma

vez que tomadas como fragmentos do acontecimento e enquanto resultado de memoacuterias

e narrativas sujeitas agrave seleccedilatildeo fragmentaccedilatildeo silenciamentos e esquecimentos As

20

concepccedilotildees trazidas por Pollak (1990) e Ricoeur (2007) implicam em serem avaliadas

e inseridas na conjuntura que gera a produccedilatildeo de sentidos e significados para a

historiografia

Ao privilegiar a analise dos excluiacutedos dos marginalizados e das

minorias a histoacuteria oral ressaltou a importacircncia de memoacuterias

subterracircneas que como parte integrante das culturas

minoritaacuterias e dominadas se opotildeem agrave Memoacuteria oficial no

caso a memoacuteria nacional Num primeiro momento essa

abordagem faz da empatia com os grupos dominados estudados

uma regra metodoloacutegica e reabilita a periferia e a

marginalidade [] A memoacuteria entra em disputa Os objetos de

pesquisa satildeo escolhidos de preferecircncia onde existe conflito e

competiccedilatildeo entre memoacuterias concorrentes (POLLAK 1989 p

3)

Com base nessa problematizaccedilatildeo sobre a Histoacuteria Oral e sua opccedilatildeo

metodoloacutegica e poliacutetica natildeo perdemos de vista que essa perspectiva eacute uma oposiccedilatildeo

agravequela produccedilatildeo historiograacutefica sobretudo a partir do Seacuteculo XIX quando se concebeu

a histoacuteria como a ciecircncia que estuda o passado que investiga os acontecimentos

longiacutenquos da contemporaneidade de forma que natildeo haja testemunhas vivas que

tenham vivenciado os acontecimentos Poreacutem a percepccedilatildeo da histoacuteria enquanto a

ciecircncia que ldquoestuda o passado para entender o presenterdquo permaneceu de forma muito

viva no entendimento social tornando problemaacutetica a anaacutelise do tempo presente como

objeto de estudo do historiador sob a oacutetica da historiografia e da proacutepria sociedade

contemporacircnea

Aproximamos nossas reflexotildees da anaacutelise de acontecimentos do presente ou

bem proacuteximas a este por entender que a proximidade natildeo produz quaisquer

impedimentos quanto agraves anaacutelises no acircmbito da ciecircncia histoacuterica Mesmo que essas

questotildees jaacute tenham algumas deacutecadas de discussotildees no Brasil tais estudos ainda satildeo

muito recentes carecendo de definiccedilotildees mais consistentes que possam do ponto de

visto teoacuterico e metodoloacutegico responder algumas perguntas que se apresentam quanto agrave

validade deste marco temporal da historiografia denominada como histoacuteria do tempo

presente

Segundo Guimaratildees Neto (2014 p 35) vaacuterios historiadores apresentam

significados complexos em relaccedilatildeo agrave questatildeo do tempo presente com destaque para

Koselleck (2006) que assegura que esse conceito tem sofrido alteraccedilotildees ao longo do

21

tempo ldquo[] Contrariamente agraves pretensotildees generalizadoras e naturalizaccedilotildees de toda

sorte a denominaccedilatildeo bdquotempo presente‟ nos escapa entre os dedos e eacute de difiacutecil

apreensatildeordquo Tal denominaccedilatildeo se transforma troca de conteuacutedo experimenta novas

formas de ldquoser presenterdquo Agrave luz da interpretaccedilatildeo de Guimaratildees Neto eacute possiacutevel afirmar

que a circulaccedilatildeo entre os novos e os velhos significados produz a ldquoconcreccedilatildeo e a

materializaccedilatildeo de um conceito novordquo (GUIMARAtildeES NETO 2014 p 35)

Todavia somos convidados a problematizar o que seria uma histoacuteria do

tempo presente suas peculiaridades especificidades limites e contribuiccedilotildees Nessa

acepccedilatildeo Guimaratildees Neto (2014 p 37) pondera ainda que

Situados cada vez mais no acircmbito desse debate muitos

historiadores operam com uma concepccedilatildeo de passado que natildeo

se situa ldquofora do presenterdquo na perspectiva pensada por

Koselleck ao afirmar que todas as histoacuterias satildeo histoacuterias do

tempo presente (vistas no presente que se dissolve eou no

presente que condensa) entendendo que isso tambeacutem

significa imprimir uma dimensatildeo mais dilatada agrave histoacuteria do

tempo presente A discussatildeo historiograacutefica que contempla as

interseccedilotildees metodoloacutegicas dessa problemaacutetica natildeo se ateacutem

apenas agrave noccedilatildeo da presenccedila incorporada do futuropassado no

presente Mas remete agrave reflexatildeo acerca das relaccedilotildees que se

estabelecem entre presente e futuro presente e passado e

especialmente ldquocomordquo essas proacuteprias relaccedilotildees se constituem

As relaccedilotildees suscitadas por todo esse conjunto de anaacutelises levam

tambeacutem a debater uma concepccedilatildeo de contemporaneidade

avaliando- a na perspectiva do entrelaccedilamento que se deve

estabelecer entre as dimensotildees sincrocircnica e diacrocircnica do tempo

histoacuterico

Ao tomarmos o vieacutes explicativo de um fenocircmeno presente analisando uma

sociedade viva os processos de organizaccedilatildeo dos assentamentos rurais no municiacutepio de

Vila Rica-MT e as relaccedilotildees estabelecidas com os sindicatos e demais organizaccedilotildees

sociais puacuteblicas e privadas pensamos corroborar com a produccedilatildeo da profissatildeo do

historiador um tempo intercalado de relaccedilotildees passado-presente pautando com os

rigores necessaacuterios na anaacutelise dos documentos histoacutericos como fonte

Em relaccedilatildeo agrave definiccedilatildeo de fonte histoacuterica pontuamos a concepccedilatildeo contida em

Silva amp Silva (2009 p 158)

[] o termo mais claacutessico para conceituar a fonte histoacuterica eacute

documento Palavra no entanto que devido agraves concepccedilotildees da

escola metoacutedica ou positivista estaacute atrelada a uma gama de

22

ideias preconcebidas significando natildeo apenas o registro escrito

mas principalmente o registro oficial

Igualmente afianccedilamos no presente trabalho a busca pela ampliaccedilatildeo das

lentes historiograacuteficas sobre os documentos bem como dos atores sociais visto que natildeo

mais limitado ao citadino mas agora revelando os assentamentos rurais e sua

organizaccedilatildeo condiccedilotildees de vida razotildees de luta ateacute entatildeo ignorados pelas paacuteginas dos

anais oficiais do natildeo dito invisiacutevel tornando visiacutevel verificaacutevel analisaacutevel e

mensuraacutevel

[] O alargamento daquilo que se entendia como documento

ocorreu de maneira qualitativa e quantitativa segundo nos

aponta Le Goff 1984 A memoacuteria coletiva e a histoacuteria passaram

a natildeo cristalizar o seu interesse apenas nos grandes homens nos

grandes acontecimentos na histoacuteria poliacutetica diplomaacutetica e

militar Todos os homens tornaram-se interesse da histoacuteria os

documentos foram ampliados a capacidade de trabalho e o

espiacuterito do historiador foram inovados (BARROS 2013 p 1)

A partir dessa problematizaccedilatildeo teoacuterica e metodoloacutegica foi possiacutevel situar o

objeto desta pesquisa dentro do escopo da histoacuteria do tempo presente Conforme

Delgado e Ferreira (2014 p10-11) a ldquoquestatildeo da terra e das poliacuteticas fundiaacuteriardquo

constituem objeto legiacutetimo dessa perspectiva Ademais destacando a posiccedilatildeo de

Guimaratildees Neto (2014) reforccedilamos que o foco analiacutetico satildeo os ldquoconflitos referentes agrave

questatildeo da terra e das poliacuteticas governamentais em especial as fundiaacuteriasrdquo

Adotando essa perspectiva analiacutetica as questotildees foram levantadas e

analisadas ao longo de quatro capiacutetulos sendo que o primeiro teve como objetivo

apresentar uma discussatildeo sobre a Questatildeo Agraacuteria em Mato Grosso sobretudo no

espaccedilo do Araguaia construiacutedo atraveacutes das pesquisas jaacute existentes inseridas no marco

temporal das deacutecadas de 1960 e 1970 Destacamos as caracteriacutesticas do processo de

reocupaccedilatildeo1 pelas agropecuaacuterias e colonizadoras e nas deacutecadas de 1980 a 1990 quando

nesse espaccedilo se constituiacuteram e se formaram os assentamentos rurais Ademais foi

analisado o processo de colonizaccedilatildeo do municiacutepio de Vila Rica-MT

1 A concepccedilatildeo de Reocupaccedilatildeo embute uma concepccedilatildeo de que um determinado territoacuterio ou terra

natildeo era um espaccedilo vazio no qual havia presenccedila de povos tradicionais (indiacutegenas ribeirinhos

sertanejos seringueiros quilombolas) posseiros Na presente pesquisa usaremos e

problematizaremos essa noccedilatildeo de modo mais elaborado no primeiro capiacutetulo

23

O segundo capiacutetulo trata das configuraccedilotildees e modos de uso poliacutetico dos

espaccedilos na formaccedilatildeo dos assentamentos rurais bem como a luta pela regularizaccedilatildeo

fundiaacuteria dos 8 (oito) assentamentos rurais do municiacutepio de Vila Rica-MT

O terceiro capiacutetulo analisa os aspectos socioeconocircmicos da Agricultura

Familiar em Vila Rica-MT a partir dos resultados de uma pesquisa desenvolvida pela

Empaer (2009) junto aos assentamentos rurais de Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati

Tal pesquisa teve como objetivo principal explicar a realizaccedilatildeo dos Planos de

Desenvolvimento dos assentamentos rurais via projeto implementado pelo INCRA

E por fim no quarto capiacutetulo fizemos uma apresentaccedilatildeo das principais

Poliacuteticas Puacuteblicas integradas ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura

Familiar como eacute o caso dos Programas Luz para Todos Arco Verde Balde Cheio

Educaccedilatildeo Formaccedilatildeo Profissional e Teacutecnica do Assentado Sauacutede e Habitaccedilatildeo Rural

Trata-se tambeacutem do papel dos movimentos sociais do campo na implementaccedilatildeo dessas

poliacuteticas puacuteblicas frente agrave necessidade de serem criadas condiccedilotildees baacutesicas para a

permanecircncia dos agricultores familiares no campo uma vez que os assentamentos rurais

natildeo se formaram apenas pelo ato de regularizaccedilatildeo e acesso ao sistema de creacutedito

24

1 A QUESTAtildeO AGRAacuteRIA EM MATO GROSSO HISTOacuteRIA MEMORIAS

OCUPACcedilAtildeO E REOCUPACcedilAtildeO DO ARAGUAIA MATO-GROSSENSE

A proposta deste capiacutetulo inicial eacute fazer uma reconstituiccedilatildeo do processo de

reocupaccedilatildeo a partir da deacutecada de 1970 do espaccedilo Araguaia mato-grossense

denominado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) como

ldquomicrorregiatildeo Norte Araguaia do Estado de Mato Grossordquo Fazem parte desta

microrregiatildeo os municiacutepios de Bom Jesus do Araguaia Confresa Serra Nova Dourada

Novo Santo Antocircnio Alto da Boa Vista Satildeo Felix do Araguaia Luciara Ribeiratildeo

Cascalheira Santa Terezinha Vila Rica- MT Porto Alegre do Norte Canabrava Satildeo

Joseacute do Xingu e Santa Cruz do Xingu

No entanto eacute importante ressaltar que a denominaccedilatildeo ldquomicrorregiatildeo Norte

Araguaiardquo utilizada ao longo do texto possui complicadores em sua concepccedilatildeo ligada agrave

ideia de regiatildeo Eacute sabido que a definiccedilatildeo de regiatildeo concebida pelo IBGE eacute uma

imposiccedilatildeo de delimitaccedilatildeo juriacutedico-administrativa a qual conforme Bourdieu (2008) por

ter sido construiacuteda por meio do uso do Poder Estatal atribuiu uma visatildeo social atraveacutes

da divisatildeo e construccedilatildeo da unidade e da identidade entre os grupos Natildeo se constituiu

numa demarcaccedilatildeo com base em criteacuterios de homogeneidade da natureza de forma que

sejam respeitadas as diversidades e especificidades de grupos culturais

Albuquerque Juacutenior (2008) chama a atenccedilatildeo pela pouca importacircncia dada agrave

discussatildeo e compreensatildeo dos espaccedilos no desenvolvimento de estudos de cunho

historiograacutefico onde a regiatildeo passa a existir como um fenocircmeno da realidade que natildeo

carece de anaacutelises ou de problematizaccedilatildeo Ou seja natildeo haacute preocupaccedilatildeo com a

construccedilatildeo histoacuterica da concepccedilatildeo da regiatildeo que eacute analisada ldquo[] ora como um recorte

dado pela natureza ora como um recorte poliacutetico-administrativo ora como um recorte

cultural mas que parece natildeo ser fruto de um dado processo histoacutericordquo

(ALBUQUERQUE JUacuteNIOR 2008 p 57) Logo a regiatildeo eacute tida apenas como um

fenocircmeno precedente ldquoretalhordquo do espaccedilo constituiacutedo naturalmente um paracircmetro de

construccedilatildeo de identidade existente por si soacute

Problematizando a noccedilatildeo de regiatildeo delimitada por fronteiras juriacutedico-

administrativas Bourdieu (2008 p 115) afirma

25

A fronteira esse produto de um ato juriacutedico de delimitaccedilatildeo

produz a diferenccedila cultural do mesmo modo que eacute produto

desta basta pensar na accedilatildeo do sistema escolar em mateacuteria de

liacutengua para ver que a vontade poliacutetica pode desfazer o que a

histoacuteria tinha feito

Assim o autor problematiza o conceito de regiatildeo atraveacutes da diversidade da

liacutengua quando muitas vezes as delimitaccedilotildees satildeo estabelecidas sem levar em

consideraccedilatildeo as diferenccedilas culturais dos grupos eacutetnicos que convivem em um espaccedilo

uacutenico Um exemplo eacute a delimitaccedilatildeo territorial dos Estados Naccedilatildeo que como na Itaacutelia e

Alemanha englobam dentro de um mesmo territoacuterio considerado ldquohomogecircneo

culturalmenterdquo atraveacutes de uma liacutengua com diferentes leacutexicos e dialetos Eacute sabido que

atraveacutes da linguagem se reforccedila fixa e viabiliza os elementos de controle impostos

pelas classes dominantes uma vez que nem os proacuteprios intelectuais satildeo neutros em

produccedilotildees jaacute que estatildeo agindo dentro de um padratildeo que atende ou contraria interesses

dos grupos que exercem o poder na sociedade

Bourdieu (2008) afirma que os diferentes saberes satildeo produzidos sob o efeito

das relaccedilotildees de poder onde as disputas entre as ciecircncias pelo direito de qualificar a

regiatildeo satildeo ao mesmo tempo uma forma de disputa pelo poder Na concepccedilatildeo do autor

regiatildeo eacute uma construccedilatildeo simboacutelica resultante das disputas de diferentes aacutereas do

conhecimento pelo poder na definiccedilatildeo dos limites e sentidos a serem conferidos a uma

regiatildeo Ainda de acordo com Bourdieu (2008) a regiatildeo enquanto objeto de estudo eacute

constituiacuteda por um intenso debate que coloca em oposiccedilatildeo geoacutegrafos economistas

etnoacutelogos socioacutelogos e historiadores Essas categorias constituiacutedas no campo da ciecircncia

querem cada uma ao seu modo atribuir criteacuterios para delimitar uma regiatildeo

Portanto podemos dizer que esses debates existentes em torno da concepccedilatildeo

de regiatildeo tecircm oferecido subsiacutedio importante para a historiografia construir uma noccedilatildeo

de regiatildeo embora sinalizem para o sentido da inexistecircncia de consenso Ainda segundo

Bourdieu (2012) eacute nas relaccedilotildees de poder estabelecidas na sociedade a partir do plano

econocircmico que se formam as definiccedilotildees e delimitaccedilotildees de fronteiras que

evidentemente satildeo construiacutedas utilizando tambeacutem o poder simboacutelico como a proacutepria

noccedilatildeo de regiatildeo

Albuquerque Juacutenior (208 p 61) pondera que

26

A regiatildeo eacute ao mesmo tempo um dispositivo de forccedila e saberes

que aparece como externo aos sujeitos que a eles se impotildee de

fora que os limita e ateacute cerceia Eacute uma estrutura no sentido levi-

straussiano um mito que eacute vivido praticado e materializado

uma narrativa que se encarna o que acostumamos chamar de

interior dos sujeitos A regiatildeo eacute uma dobra do social que vem

constituir as subjetividades regionalistas em sua investigaccedilatildeo A

regiatildeo eacute tambeacutem modo de pensar modos de querer modos de

falar modos de gostar modos de preferir modos de amar

modos de desejar modos de mar modos de desejar modos de

olhar de escutar de cheirar de sentir sabor e de sentir dor A

regiatildeo de se expressa em jeitos de corpos em gestos em modos

de vestir de alimentar de beber de danccedila de se pocircr de peacute ou de

sentar A regiatildeo ao ser subjetivada ao ser encarnada ela

conformaraacute os corpos e os processos subjetivos

Compreender os diferentes significados e sentidos em relaccedilatildeo aos usos do

espaccedilo significa tambeacutem compreender o papel dos diferentes sujeitos no vieacutes da

historiografia seguindo a concepccedilatildeo de Certeau (2000) segundo o qual ao produzir a

historiografia o pesquisador estabelece seus criteacuterios de escolha os quais remetem

sempre aos diferentes contextos onde estaacute inserido sejam eles no acircmbito social cultural

ou econocircmico e tambeacutem ao proacuteprio interesse do pesquisador pois eacute ele quem escolhe o

que teraacute visibilidade e o que seraacute oculto no texto historiograacutefico

Ainda de acordo com o mesmo autor eacute possiacutevel acreditar que natildeo haacute

neutralidade na escrita historiograacutefica na medida em que sempre haveraacute o peso da

posiccedilatildeo do sujeito vinculado agrave instituiccedilatildeo e o lugar social e cultural ocupado pelo

indiviacuteduo porque a produccedilatildeo da escrita natildeo eacute algo individualizado mas sim constituiacutedo

na coletividade

Dessa forma a ideia construiacuteda acerca do texto historiograacutefico eacute resultado das

escolhas de quem a produz e estatildeo articuladas ao meio social econocircmico e cultural em

que se insere o pesquisador Logo a intenccedilatildeo da pesquisa nasce do desejo de descobrir

o que natildeo estaacute compreendido eacute a busca das indagaccedilotildees intrinsecamente vinculadas agrave

proacutepria trajetoacuteria de vida e no fazer acadecircmico do sujeito pesquisador (CERTEAU

2000)

Diante dessa problematizaccedilatildeo sobre o uso do conceito de regiatildeo e sua relaccedilatildeo

com a condiccedilatildeo de produccedilatildeo em que estaacute inserido o sujeito pesquisador fica evidente

que a ldquomicrorregiatildeordquo Norte Araguaia eacute uma visatildeo simplista e homogeneizadora que

natildeo evidencia as diferenccedilas naturais sociais e culturais existentes nesse espaccedilo O uso

27

indiscriminado de Regiatildeo Araguaia leva a noccedilotildees preconceituosas como a expressatildeo

utilizada por poliacuteticos e moradores de que se trata do ldquoVale dos Esquecidosrdquo

Ressalta-se que estudar a histoacuteria de Vila Rica-MT significa tambeacutem

compreender parte da histoacuteria do estado de Mato Grosso pois este municiacutepio natildeo surgiu

enquanto fenocircmeno isolado mas foi formado em um contexto ocorrido no Araguaia no

auge do processo de reocupaccedilatildeo de terras que se deu por duas frentes a primeira a dos

projetos agropecuaacuterios financiados pela Superintendecircncia de Desenvolvimento da

Amazocircnia (Sudam) e a segunda dos projetos de colonizaccedilatildeo privada que resultaram na

formaccedilatildeo dos municiacutepios de Confresa Vila Rica Aacutegua Boa e Canarana

Justamente por essa razatildeo a expressatildeo reocupaccedilatildeo da terra eacute recorrente no

presente texto A formaccedilatildeo de cidades natildeo resulta de algo natural ou um projeto de

ocupaccedilatildeo de terras ldquovaziasrdquo Para marcar a leitura que fazemos sobre o Araguaia eacute

preciso consideraacute-lo como um territoacuterio que jaacute estava ocupado por povos indiacutegenas

ribeirinhos ou sertanejos que viviam no espaccedilo anteriormente ao processo de

implantaccedilatildeo das poliacuteticas de desenvolvimento da Amazocircnia e a concretizaccedilatildeo dessas

duas frentes sobretudo na deacutecada de 1970

11 A reocupaccedilatildeo pelas agropecuaacuterias e empresas colonizadoras Anos de 1960 a

1980

Nas deacutecadas de 1960 a 1980 o norte do estado de Mato Grosso considerado

parte da ldquoAmazocircnia Legalrdquo tornou-se alvo de investimentos de grupos empresariais do

Sul e Sudeste do Brasil Os Governos de Mato Grosso desde a deacutecada de 1960

passaram a comercializar terras ldquotidas como devolutasrdquo como importante fonte de

arrecadaccedilatildeo para o Estado Neste contexto Mato Grosso seguindo a normativa do

Estatuto da Terra repassou para a iniciativa privada a funccedilatildeo de reordenar a ocupaccedilatildeo

destes espaccedilos atraveacutes da colonizaccedilatildeo privada2 Sobre a questatildeo Guimaratildees Neto

(2002 p 20) afirma que

2 Sobre este assunto ver GUIMARAtildeES NETO Regina Beatriz A Lenda do Ouro Verde Poliacutetica

de colonizaccedilatildeo no Brasil contemporacircneo Cuiabaacute UNICEN 2002

28

[] as empresas agropecuaacuterias comandadas em grande parte

por multinacionais [] jaacute vinham dominando este espaccedilo

especialmente apoacutes meados do seacuteculo vinte quando

intensificaram seu poder de accedilatildeo Eacute no acircmbito dessa experiecircncia

histoacuterica que se deve procurar estudar os projetos de

colonizaccedilatildeo Representam iniciativas e estrateacutegias de controle

ao acesso a terra e ao mercado de matildeo de obra

Assim estas duas frentes de reocupaccedilatildeo ldquo[] representam iniciativas e

estrateacutegias de controle ao acesso da terra e ao mercado de matildeo de obrardquo (GUIMARAES

NETO 2002 p 20) em que o Estado e os empresaacuterios atuaram muito mais no

propoacutesito da especulaccedilatildeo imobiliaacuteria do que na viabilizaccedilatildeo de terras para centenas de

famiacutelias que migraram para a Amazocircnia Legal

Vale lembrar que durante o periacuteodo dos Governos Militares foi construiacuteda

uma ldquohistoacuteria oficialrdquo acerca do processo de ocupaccedilatildeo da Amazocircnia que

gradativamente foi questionada e revisada atraveacutes de diferentes narrativas construiacutedas a

partir da memoacuteria dos agentes histoacutericos que vivenciaram aquele processo

Consideramos importante registrar nos estudos cujo foco eacute o processo de

reocupaccedilatildeo da terra no Araguaia as perspectivas dos diferentes grupos e movimentos

sociais responsaacuteveis pela reocupaccedilatildeo desse espaccedilo considerando a memoacuteria daqueles

que migraram de diferentes regiotildees do paiacutes sobretudo do Sul e Sudeste perseguindo o

sonho de adquirir uma aacuterea de terra Um exemplo dessas narrativas com base na

memoacuteria das pessoas pode ser ilustrado nesse trecho do relato de uma das moradoras de

Vila Rica-MT

Quando eu cheguei aqui em Vila Rica-MT estranhei de tudo

um pouco Desde a comida [] Ih Nossa Senhora as falas

deles trem As gurias foram pra rua as gurias saiacuteram foram

pra rua O que eacute isso Rua laacute no Sul isso natildeo se fala E os

trem trem eacute um trem que puxa vagatildeo e aqui tudo que eacute coisa eacute

trem Hoje a gente estaacute acostumada com as comidas tambeacutem

aqui era diferente de laacute [] quando eu cheguei aqui a vila

estava super suja Colonial tudo tudo Lixo no meio da rua ali

no meio onde tem a grama e os coqueirinhos aquilo laacute era lixo

natildeo dava pra olhar de um lado pra outro Nossa mas era suja

demais a rua As propagandas ih Eles passavam slides

mostravam como era aqui em Vila Rica-MT da cidade das

roccedilas das lavouras das plantaccedilotildees de soja milho []

(ENTREVISTA com Izode Baoacute realizada por Acircngela Martini

Vila Rica-MT 4 de marccedilo de 2001)

29

Novas abordagens da historiografia que possibilitam o uso de novas fontes

entre elas as orais permitiram anaacutelises sobre a Amazocircnia Legal com nova dinacircmica

enquanto objeto de estudo nas aacutereas de Ciecircncias Humanas e Sociais Por outro lado

ressalta-se que eacute imprescindiacutevel trilhar pelas discussotildees teoacutericas e metodoloacutegicas de

alguns estudiosos da questatildeo agraacuteria no Brasil como Caio Prado Juacutenior Octaacutevio Ianni

Seacutergio Buarque de Holanda e outros Em Mato Grosso as obras de autores como

Martins (1985-1997) Lenharo (1985) Oliveira (1996) Barrozo (2009 2010)

Guimaratildees Neto (2002 2007) Gonccedilalves (2005) e Joanoni Neto (2007) Arauacutejo (2013)

entre outros satildeo referecircncias

As concepccedilotildees abordadas por esses autores nos remetem a pensar que eacute

preciso antes de tudo desconstruir a narrativa oficial sobre a Amazocircnia a qual foi

construiacuteda sobretudo durante os Governos civis militares sob o ponto de vista que

engloba a noccedilatildeo da fronteira e de integraccedilatildeo nacional na qual se procurou internalizar

os discursos de alguns segmentos sociais os quais construiacuteram o imaginaacuterio que

caracteriza esse espaccedilo como atrasado e despovoado ou melhor um ldquovazio

demograacuteficordquo

Ao referenciar o potencial dos recursos naturais ali existentes aquele espaccedilo

passou a ser visto com outro enfoque segundo o qual a mesma pode ser analisada para

aleacutem do seu potencial de reserva natural Natildeo se pode perder de vista que esse

ldquoimaginaacuteriordquo vem sendo arquitetado sob a loacutegica daqueles que vivem ldquoalheiosrdquo agraves

necessidades e ldquorealidadesrdquo nas quais a populaccedilatildeo que habita a Amazocircnia Legal estaacute

inserida no caso especiacutefico o Araguaia

Os empresaacuterios e a elite poliacutetica sempre se beneficiaram dos lucros obtidos

por meio do uso e abuso das riquezas extraiacutedas da Amazocircnia Legal nos grandes

projetos de exploraccedilatildeo mineral e vegetal em nome de um discurso de integraccedilatildeo

nacional e de desenvolvimento e progresso regional

Para Gonccedilalves (2005) compreender a Amazocircnia eacute saber respeitar a

diversidade e particularidades desse espaccedilo em seus aspectos econocircmicos naturais

sociais e culturais bem como os feitios de inserccedilotildees das poliacuteticas e programas de

governo que foram parcialmente realizados Tais poliacuteticas atenderam em especial a

um determinado grupo social especificamente o empresarial que dispunha de capital

financeiro embora se trate de um territoacuterio cheio de contradiccedilotildees conflitos e diferentes

30

possibilidades dos povos que ldquotradicionalmente habitamrdquo a floresta De forma mais

detalhada Gonccedilalves (2005 p 9) descreve

A Amazocircnia eacute sobretudo diversidade Haacute a Amazocircnia dos

Cerrados a Amazocircnia da Vaacuterzea a Amazocircnia dos Manguezais

e a Amazocircnia das florestas Habitar esses espaccedilos eacute um desafio

agrave inteligecircncia agrave convivecircncia com a diversidade Esse eacute o

patrimocircnio que as populaccedilotildees originaacuterias e tradicionais da

Amazocircnia oferecem para o diaacutelogo com outras culturas e

saberes

Logo estudar a Amazocircnia Legal significa tambeacutem conhecer seu processo de

ocupaccedilatildeo e reocupaccedilatildeo identificando sobretudo as dinacircmicas de resistecircncia e as

estrateacutegias de sobrevivecircncias dos diferentes sujeitos que a habitavam (iacutendios

quilombolas sertanejos seringueiros ribeirinhos e outros povos)

Esses grupos se veem diariamente diante da obrigatoriedade de criar e recriar

taacuteticas para enfrentar as novas territorialidades impostas pelos grupos empresariais

capitalistas em sua loacutegica segundo a qual a terra eacute um objeto de negoacutecio Para as

populaccedilotildees tradicionais a terra eacute uma condiccedilatildeo de trabalho e sobrevivecircncia

Barrozo (2010 p 8) considera que ldquo[] o processo de integraccedilatildeo da

Amazocircnia provocou o corte dos espaccedilos por meio da construccedilatildeo de rodovias

desencadeando um processo raacutepido e violento de expropriaccedilatildeo domiacutenio e controle das

aacutereas jaacute povoadas por populaccedilotildees tradicionais daquela regiatildeordquo

Assim como Ianni (1990) Barrozo (2010) assegura que a reocupaccedilatildeo da

Amazocircnia por meio do artifiacutecio da colonizaccedilatildeo privada e dirigida tinha como principal

objetivo acolher a populaccedilatildeo que ldquosobravardquo do processo de modernizaccedilatildeo da agricultura

do Centro-Sul do paiacutes As empresas colonizadoras e agropecuaacuterias aleacutem de se utilizar

dos recursos puacuteblicos executados de forma predatoacuteria provocaram uma transformaccedilatildeo

significativa nos aspectos sociais culturais e ambientais daquele espaccedilo

Para Souza (2009 p79)

A (re) ocupaccedilatildeo do nordeste de Mato Grosso por grandes

empresas incentivadas pelo governo federal a partir da deacutecada

de 70 do seacuteculo XX tem revelado muacuteltiplos conflitos embates

e disputas pelos usos e posse da terra A partir de 1964 os

governos militares elaboraram e conduziram um projeto de

ocupaccedilatildeo e controle de acesso agraves terras na Amazocircnia

materializado pelo Estatuto da Terra (Lei 450464)

31

Destacamos que apesar dessas mudanccedilas consideradas progressistas

conforme o Estatuto da Terra (1964) quando analisadas no campo da operacionalidade

praacutetica natildeo redundaram em uma maior distribuiccedilatildeo de terras para os migrantes natildeo

tendo ocorrido alteraccedilatildeo na dinacircmica de concentraccedilatildeo da terra No entanto mantecircm o

movimento de retorno de muitos migrantes antes e agora expulsos pela expansatildeo do

agronegoacutecio sobretudo pela cultura da soja e criaccedilatildeo de gado para corte e leite

Na perspectiva histoacuterica do processo de reocupaccedilatildeo do Araguaia Barrozo

(2010 p 8) afirma

A partir de 1968 comeccedilaram a chegar ao Araguaia agraves grandes

empresas atraiacutedas pelos incentivos fiscais da Sudam Estas

empresas originaacuterias do Sul e Sudeste se apropriaram de

grandes aacutereas de terra no entatildeo municiacutepio de Barra do Garccedilas

onde instalaram os projetos agropecuaacuterios Neste periacuteodo foram

criados vaacuterios povoados e vilas onde se concentra o comeacutercio e

a prestaccedilatildeo de serviccedilos Entre os nuacutecleos populacionais deste

periacuteodo destacam-se Porto Alegre do Norte Alto da Boa Vista

Confresa As agropecuaacuterias desmataram grandes aacutereas de

Cerrado e de floresta para o plantio de pastagens e algumas

empresas deixaram suas terras incultas agrave espera de valorizaccedilatildeo

Com a reduccedilatildeo e extinccedilatildeo gradativa dos incentivos e subsiacutedios

fiscais da Sudam muitas empresas agropecuaacuterias reduziram

suas atividades na regiatildeo e algumas venderam suas

propriedades

Percebemos que o processo de reocupaccedilatildeo das terras do Araguaia natildeo fugia

agraves caracteriacutesticas do que ocorrera nas demais aacutereas da Amazocircnia Legal que era

apresentada no cenaacuterio nacional como uma grande extensatildeo de terra despovoada onde

havia extensos espaccedilos considerados ldquovaziosrdquo

Essa concepccedilatildeo teve origem no programa ldquoMarcha para o Oesterdquo que

selecionou o Centro-Oeste brasileiro como alvo privilegiado para a implantaccedilatildeo dos

grandes projetos de expansatildeo visando agrave ocupaccedilatildeo territorial Destacamos a Fundaccedilatildeo

Brasil Central cujo objetivo era construir estradas e ldquopacificarrdquo as sociedades indiacutegenas

existentes nos vales do Araguaia e Xingu Nesse sentido Soares (2004 p 98) assinala

que

32

A opccedilatildeo de investimento a fim de promover o desenvolvimento

da Amazocircnia abrangendo o Vale do Araguaia parte do nordeste

de Mato Grosso foi pela instalaccedilatildeo de grandes projetos

agropecuaacuterios para produccedilatildeo de proteiacutenas de carne bovina para

exportaccedilatildeo Os primeiros projetos aprovados pela Sudam

implantados no Vale do Araguaia datam de 1966 destacando-se

a Agropecuaacuteria Suiaacute Missuacute SA com uma aacuterea de 695 843

hectares que corresponde aproximadamente a 300000

alqueires localizada no atual municiacutepio de Satildeo Feacutelix do

Araguaia A partir de 1966 muitos outros projetos foram sendo

instalados

De acordo com a descriccedilatildeo do autor as poliacuteticas de desenvolvimento

econocircmico da Amazocircnia promovidas pelo Governo Federal sob a supervisatildeo da

Superintendecircncia de Desenvolvimento da Amazocircnia (Sudam) desde o iniacutecio de sua

criaccedilatildeo despertaram o interesse de empresaacuterios regiotildees Sudeste e Sul do Brasil Os

mesmos viam na constituiccedilatildeo do desenvolvimento regional a possibilidade de maior

enriquecimento por meio dos grandes projetos agropecuaacuterios e de colonizaccedilatildeo

madeireiros e mineradores As empresas eram atraiacutedas pelos incentivos fiscais cuja

propaganda produzia o imaginaacuterio da terra em abundacircncia e financiamentos a juros

baixos

Sobre o imaginaacuterio e os efeitos da propaganda em torno das possibilidades de

riqueza advinda do trabalho com a terra Arauacutejo (2013 p 250) em sua pesquisa

ldquoTerritoacuterios Amazocircnicos e o Araguaia Mato-grossense configuraccedilotildees de modernidade

poliacuteticas de ocupaccedilatildeo e civilidade para os sertotildeesrdquo ao analisar os artifiacutecios ocorridos na

execuccedilatildeo das poliacuteticas de desenvolvimento no Araguaia afirma

As propagandas dos ldquonegoacutecios fundiaacuteriosrdquo do Vale do Araguaia

eram veiculadas pelos meios de comunicaccedilatildeo locais (raacutedio

televisatildeo jornais) anunciando facilidades aos interessados o

que muito atraiacutea pessoas com histoacuterico familiar vinculado agraves

praacuteticas campesinas que desejavam possuir eou aumentar o

proacuteprio patrimocircnio aleacutem da possibilidade de assegurar a

manutenccedilatildeo da famiacutelia pensando numa estabilidade

socioeconocircmica

Agrave luz da concepccedilatildeo da autora afirmamos que as empresas se valiam de

diferentes estrateacutegias sobretudo o uso dos recursos midiaacuteticos para propagarem o

discurso e o imaginaacuterio em torno da terra abundante e apropriada para agricultura E

33

assim mobilizar migrantes de vaacuterias regiotildees do Brasil em busca do sonho em ter a

posse da terra e condiccedilotildees para produzir e adquirir riqueza

Ainda em conformidade com Arauacutejo (2013) eacute possiacutevel afirmar que havia

entre os grupos de migrantes perfis sociais econocircmicos e culturais muito diferentes

pois de um lado estavam as famiacutelias que planejaram as mudanccedilas no espaccedilo e do

outro aquelas que chegaram ao Araguaia mato-grossense por acaso

Nesta mesma perspectiva Paret (2012 p 17) avalia a formaccedilatildeo

socioeconocircmica do Araguaia como a realizaccedilatildeo da integraccedilatildeo entre as populaccedilotildees

tradicionais (povos indiacutegenas) e migrantes ldquodos quatro cantos do paiacutesrdquo que em sua

maioria eram ldquo[] retirantes espontacircneos colonos pioneiros e audaciosos

trabalhadores temporaacuterios (boias-frias) migrantes que emigram sem descanso fugindo

da pobreza em busca de novas oportunidadesrdquo Observamos que a visatildeo do autor citado

eacute problemaacutetica pela exaltaccedilatildeo de um ideal do pioneiro parte daquilo que consideramos

como histoacuteria oficial

Como o INCRA natildeo assegurou terras para os migrantes desprovidos de

capital financeiro para aquisiccedilatildeo de lotes estes passaram a reocupar aacutereas jaacute povoadas

pelas populaccedilotildees indiacutegenas terras da Uniatildeo ou de fazendas improdutivas Esta situaccedilatildeo

gerou diversos conflitos entre diferentes grupos sociais no Araguaia mato-grossense

Nesse contexto o municiacutepio de Vila Rica-MT foi formado Esse processo

requer uma anaacutelise especiacutefica

12 A criaccedilatildeo e emancipaccedilatildeo3 do municiacutepio de Vila Rica-MT

A formaccedilatildeo de Vila Rica-MT teve seu desenvolvimento intensificado a partir

da deacutecada de 1980 tendo por base quatro Projetos Agropecuaacuterios Aracati Satildeo Marcos

Porangaba e Promissatildeo Posteriormente essas agropecuaacuterias foram transformadas em

projeto de colonizaccedilatildeo privada com a criaccedilatildeo da empresa de Serviccedilo Auxiliares da

Agropecuaacuteria LTDA (Servap) que procurou a efetivaccedilatildeo do projeto de colonizaccedilatildeo por

meio da empresa Colonizadora Vila Rica-MT Ltda

3 A Lei n 4381 de 12 de novembro de 1981 criou o Distrito de Vila Rica com territoacuterio

pertencente agrave Santa Terezinha e no dia 13 dias de maio de 1986 pela Lei Estadual n 5001 foi

criado o municiacutepio de Vila Rica

Disponiacutevel em

lthttpwwwcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=510860ampsearch=mato-

grosso|vila-ica|infograficos-historicogt Acesso em 21082015

34

Logo o municiacutepio inseriu-se em muacuteltiplos contextos de reocupaccedilatildeo da terra e

de financiamento de projetos agropecuaacuterios madeireiros e de colonizaccedilatildeo localizados

no nordeste do estado de Mato Grosso na faixa fronteiriccedila com os estados do Paraacute e

Tocantins como mostra a figura que se segue

Figura 01 Mapa de Propaganda da Colonizadora Vila Rica-MT

Fonte Servap apud Martini 2002 p12

Observamos na imagem que os escritos da propaganda da empresa

colonizadora se vinculavam agrave ideia de que ldquoeacute faacutecil conhecer Vila Ricardquo tendo ao lado

um mapa desatacando visualmente as rotas de estradas que ligavam o Sul do paiacutes ateacute o

Norte e tendo Vila Rica como ponto estrateacutegico nessa rota Ademais a mensagem

35

escrita eacute clara pretendia- se atrair compradores de terra de outras regiotildees que

organizassem ldquocaravanasrdquo para conhecer e investir no municiacutepio de Vila Rica

Na deacutecada de 1970 um soacutecio da Servap resolveu transformar juridicamente a

sua aacuterea territorial em uma empresa especializada e autorizada para atuar como

ldquoempresa de colonizaccedilatildeordquo O objetivo foi o de obter junto ao Governo Federal

autorizaccedilatildeo para lotear a aacuterea da agropecuaacuteria e comercializar os lotes utilizando os

incentivos fiscais oferecidos na eacutepoca pela Sudam Aleacutem da especulaccedilatildeo caracterizada

pela valorizaccedilatildeo imobiliaacuteria das terras com baixa eficiecircncia produtiva a empresa

procurava garantir com isso a presenccedila de trabalhadores que serviriam de matildeo obra nas

proacuteprias fazendas Esse processo foi caracterizado por Ianni (1978) como ldquoContra

Reforma Agraacuteriardquo

Segundo Guimaratildees Neto (2007 p 7)

Nesse sentido eacute que as novas cidades surgiram no territoacuterio

amazocircnico articuladas a uma grande rede viaacuteria e ao mercado

capitalista natildeo satildeo resultados ldquonaturaisrdquo do movimento de

deslocamento dos diversos grupos sociais que para laacute se

dirigiram denominado de processo migratoacuterio Relacionam-se

muito mais a um conjunto de praacuteticas organizadoras de poliacuteticas

de controle e monopoacutelio da exploraccedilatildeo da riqueza por parte dos

grandes empresaacuterios e proprietaacuterios As cidades trazem inscritas

em seu espaccedilo as praacuteticas sociais de segregaccedilatildeo de violecircncia e

de cerceamento dos direitos civis que natildeo podem ocultar Mas

natildeo soacute isto manifesta a todo o momento praacuteticas de resistecircncia

atuaccedilotildees de organizaccedilotildees civis e religiosas demarcando um

territoacuterio de conflito

Para a autora as cidades emergidas no territoacuterio da Amazocircnia natildeo resultaram

de um movimento espontacircneo de migraccedilatildeo mas sobretudo foram embasadas de uma

poliacutetica de controle do capital financeiro manipulado pelos interesses dos grupos

empresariais Ao mesmo tempo as novas cidades se constituiacuteram enquanto espaccedilos de

conflitos e praacuteticas de violecircncia marcados pelos conflitos motivados pelas diferenccedilas

sociais culturais e religiosas

Nesse quadro de especulaccedilatildeo imobiliaacuteria com as terras do Araguaia mato-

grossense o processo de colonizaccedilatildeo de Vila Rica foi iniciado pela SERVAP na deacutecada

de 1990 e continuado pela Colonizadora Vila Rica Ltda O foco da colonizaccedilatildeo estava

na venda de lotes rurais para os migrantes que vieram em busca de terra

36

O relato a seguir descreve o momento em que os posseiros e colonos

chegaram assim como a abertura e demarcaccedilatildeo do espaccedilo urbano e rural do municiacutepio

de Vila Rica-MT Tambeacutem eacute evidente na memoacuteria social e na percepccedilatildeo individual o

momento da venda dos lotes segundo a memoacuteria social e a percepccedilatildeo individual dos

entrevistados

[] Eu vi a oportunidade de ver ali onde hoje eacute o coleacutegio

estadual em selva em mata Vi desmatar vi formar pasto e

depois tirar o pasto para fazer a cidade e deixar aquela aacuterea

especial para a construccedilatildeo do coleacutegio Tive a oportunidade de

acompanhar com o topoacutegrafo a demarcaccedilatildeo dos lotes e das

ruas da cidade Quando a colonizadora vendia uma aacuterea de

terra rural de 400 hectares ela dava na cidade

ldquogratuitamenterdquo dois lotes de terra um no centro e outro mais

afastado isso para que as pessoas construiacutessem a fim de

expandir a cidade [] (ENTREVISTA com Dioniacutesio ex-

funcionaacuterio da colonizadora realizada por Acircngela Martini em

novembro de 2001 Grifos nossos)

Podemos identificar atraveacutes dessa fonte oral a percepccedilatildeo dos colonos em

relaccedilatildeo agraves transformaccedilotildees ocorridas nos espaccedilos em que o rural foi ganhando

caracteriacutesticas de urbanizaccedilatildeo mas tambeacutem as estrateacutegias da colonizadora para atrair os

compradores de terra Outro depoimento oral demonstra como ocorria a

comercializaccedilatildeo de lotes

Na verdade quando surgiu Vila Rica eles esparramaram

vendendo para todo o Brasil O pessoal fazia troca trocavam

um alqueire paulista por um alqueire aqui Geralmente trocava

dois por um A terra laacute era mais valorizada (ENTREVISTA

com Gilmar agricultor familiar de Vila Rica-MT realizada pela

autora em marccedilo de 2015)

Atraveacutes desse processo de acesso agrave terra por meio de compra de lotes com o

capital oriundo da venda de terras no local de origem muitos migrantes de vaacuterias

localidades do Brasil sobretudo nos estados do Paranaacute Santa Catarina Rio Grande do

Sul Goiaacutes e Minas Gerais onde ocorriam transformaccedilotildees na estrutura agraacuteria e a

modernizaccedilatildeo da agricultura foram para Vila Rica buscando realizar o sonho de

adquirir uma ldquoaacutereardquo equivalente agrave que haviam vendido na regiatildeo de origem ou entatildeo

uma aacuterea ainda maior

37

Dentre os sonhos e os projetos de vida desses migrantes estava a

possibilidade de produzir com fartura melhorar de vida ou ateacute enriquecer atraveacutes do

trabalho na terra O depoimento do secretaacuterio de agricultura do municiacutepio de Vila Rica-

MT ilustra essa situaccedilatildeo tendo por base sua trajetoacuteria pessoal

Eu nasci em Santa Catarina no ano de 1975 e quando eu tinha

10 anos de idade os meus pais mudaram para o estado de Mato

Grosso Na eacutepoca a gente jaacute morava no estado do Paranaacute

Chegamos no dia 9 de junho de 1985 Vila Rica ainda era

distrito de Santa Terezinha e aiacute fomos direto para o Projeto

Canta Galo que era um projeto de colonizaccedilatildeo Chegamos agrave

noite em Vila Rica e fomos direto para o Canta Galo era soacute

mato e noacutes jaacute chegamos destruindo tudo porque a gente jaacute

chegou para fazer roccedila para comeccedilar a trabalhar []

A gente veio com pessoal conhecido Meus pais eu e os meus

irmatildeos A nossa famiacutelia veio completa e mais cinco famiacutelias

vieram em busca de melhorias de vida Sempre mexemos com

sitio Moramos na roccedila pequena propriedade e viemos pra caacute

com a intenccedilatildeo de conseguir uma aacuterea maior Queriacuteamos ficar

ricos mas o que aconteceu foi o contraacuterio (ENTREVISTA

com Gilmar agricultor familiar de Vila Rica-MT realizada pela

autora em marccedilo de 2015)

A anaacutelise da fonte oral permite averiguar que a empresa SERVAP

posteriormente denominada de Colonizadora Vila Rica Ltda tambeacutem lanccedilou matildeo de

diversos recursos midiaacuteticos fazendo investimentos em propaganda a fim de difundir a

ideia da boa qualidade da terra boa e seu baixo preccedilo Esse trabalho de divulgaccedilatildeo

influenciou pessoas que decidiram migrar procurando um espaccedilo promissor com terras

boas

Dentro dessa perspectiva a visualizaccedilatildeo e leitura de um dos panfletos

publicitaacuterios nos ajudou a visualizar as estrateacutegias de propaganda utilizadas pela

colonizadora no caso do municiacutepio de Vila Rica

A propaganda facilitava a venda dos lotes acelerando a reocupaccedilatildeo dos

espaccedilos urbanos e rurais como retrata o panfleto utilizado pela empresa para difundir o

seu ideaacuterio de construccedilatildeo social A imagem de trabalhadores rurais ldquocarpindordquo

demonstra que o ideal seria a migraccedilatildeo de colonos agricultores com perfil de quem

sabia produzir plantar e colher produtos agriacutecolas A frase ldquoTerra feacutertil e urbanizadardquo

demonstra no entanto que se prometia uma estrutura urbana para oferecer uma ldquovida

feliz para vocecirc e sua famiacuteliardquo Ou seja um evidente apelo aos valores tradicionais da

38

famiacutelia atrelados agrave ideia de felicidade a ser conquistada atraveacutes da compra de terras no

municiacutepio de Vila Rica-MT

Todos esses elementos podem ser observados na Figura 2

Figura 2 Folder de Propaganda da Colonizaccedilatildeo Vila Rica-MT

Fonte SERVAP apud Martini 2002 p14

Portanto os colonos que compraram terras e se mudaram para Vila Rica

sofreram as investidas das empresas atraveacutes das propagandas que descreviam as terras

como sendo boas e baratas conforme mostra o panfleto da colonizadora ldquoConheccedila Vila

Rica Mato Grosso terra feacutertil e urbanizada vida feliz para vocecirc e sua famiacuteliardquo A

imagem criava um imaginaacuterio acerca do lugar como o ideal para se morar e prosperar

economicamente A loacutegica era de fixaccedilatildeo do homem na terra passada de pai para filho

apelo aos agricultores de tradiccedilatildeo ldquocamponesardquo 4

4 Sobre essa questatildeo Martini (2002) em sua monografia de graduaccedilatildeo em Histoacuteria a qual eacute intitulada

como Cotidiano e Identidade Cultural em Vila Rica ndashMT uma cidade de colonizaccedilatildeo recente apresenta

39

Nesse aspecto o relato oral a seguir se constitui numa exemplificaccedilatildeo da

forma como que os artifiacutecios da propaganda persistem na memoacuteria dos atores sociais

As propagandas ih Eles passavam slides mostravam como

era aqui em Vila Rica da cidade das roccedilas das lavouras das

plantaccedilotildees de soja milho Propaganda na raacutedio passava muito

direto mesmo e tambeacutem na televisatildeo passava propaganda

sobre a Vila Rica Tinha tambeacutem gravaccedilotildees de mulheres daqui

da Vila que faziam entrevista na raacutedio Elas diziam assim olha

gente aqui em Vila Rica noacutes estamos bem noacutes temos coleacutegio

falava falava do coleacutegio Faziam propaganda muita entrevista

na raacutedio Eles iludiam muito o pessoal (ENTREVISTA com

Izolde Baacuteo ex-colona realizada por Acircngela Maria Martini em

04032001)

Logo podemos compreender que as propagandas eram criadas pela empresa

colonizadora mas que tinham participaccedilatildeo dos proacuteprios colonos que incentivavam a

vinda de outros A colonizadora incentivava essa participaccedilatildeo dos colonos para o

chamamento - atraveacutes da ideia de que quanto mais colonos viessem para a aacuterea e

comprassem terra mas proacutesperas seriam aquelas terras

Outro fator altamente atrativo foi a divulgaccedilatildeo do projeto urbaniacutestico da

cidade de Vila Rica-MT cujo ldquocorpordquo lembra a figura de um sino Conforme IBGE

Cidades (2015)

A cidade de Vila Rica-MT localizada no nordeste de Mato

Grosso foi cuidadosamente planejada no periacuteodo de sua

fundaccedilatildeo O traccedilado da cidade lhe daacute um formato de sino tendo

sido idealizado pelo paisagista suiacuteccedilo Dr Roberto Khuno Eacute

dividida em dois setores norte e sul sendo margeada pela BR-

1585

Esse formato do projeto da cidade representa a construccedilatildeo do imaginaacuterio de

um grupo de migrantes praticantes da feacute catoacutelica incorporando princiacutepios religiosos a

serviccedilo do capitalismo Ao mesmo tempo mostra uma forte aproximaccedilatildeo entre os

colonos e os donos da empresa colonizadora com a Igreja Catoacutelica Essa representaccedilatildeo

arquitetocircnica da cidade mostra que a mesma foi planejada a partir de uma concepccedilatildeo

religiosa com a qual o desenvolvimento se entrelaccedilaria Objetivou-se a construccedilatildeo do

uma reflexatildeo bastante rica em detalhes construiacuteda a partir das narrativas orais e de imagens relacionadas

ao processo de formaccedilatildeo da cidade de Vila Rica no Estado de Mato Grosso 5Disponiacutevel em

lthttpwwwcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=510860ampsearch=mato-

grosso|vila-rica|infograficos-historicogt Acesso em 2102015

40

imaginaacuterio coletivo de uma cidade civilizada com uma Igreja dentro dos moldes

europeus Assim como na histoacuteria europeia moderna a religiatildeo e a eacutetica do capitalismo

se fundem em um processo que

possivelmente pode ter sido utilizado pela

colonizadora6

Figura 3 Planta ou Projeto urbaniacutestico da cidade de Vila Rica-MT

Fonte Arquivo da Prefeitura de Vila Rica-MT 2015

Atraveacutes da visualizaccedilatildeo da figura 3 fica evidenciado que o projeto

urbaniacutestico ou a planta da aacuterea urbana do municiacutepio de Vila Rica partiu de um projeto

com base em um ldquoconceitualrdquo religioso Em outra planta que projeta a aacuterea de expansatildeo

urbana eacute perceptiacutevel que foi mantido o formato do sino inicial mas com acreacutescimo de

aacutereas agrave direita e uma base que natildeo desconfigurou o desenho inicial

Guimaratildees Neto (2000) considera que no universo simboacutelico da ldquocidade

colonizadardquo tudo parece ter sentido e significado Haacute um lugar certo para cada coisa ou

situaccedilatildeo por exemplo espaccedilo para a praccedila comeacutercio bairros residenciais bairros para

os oacutergatildeos puacuteblicos e institucionais avenidas e bairros residenciais dos trabalhadores Eacute

a ideia de cidade organizada enfim de um povo que organiza devidamente o seu espaccedilo

de convivecircncia social Todavia nesse cenaacuterio desenhado natildeo haveria espaccedilo para o

6 Para uma melhor compreensatildeo ver o caso de Fontanilha Juiacutena-MT analisado por JOANONI

NETO Vitale Fronteiras da Crenccedila ocupaccedilatildeo no Norte de Mato Grosso apoacutes 1970 Cuiabaacute

Carlini amp Caniato EdUFMT 2007

41

surgimento das periferias uma vez que a existecircncia delas desmontaria todo o ideaacuterio

urbaniacutestico da cidade de progresso e de civilizaccedilatildeo

Eacute notoacuteria a riqueza de detalhes nos projetos urbaniacutesticos das cidades

planejadas de colonizaccedilatildeo recente de Mato Grosso As marcas da organizaccedilatildeo tecircm

sempre uma perspectiva marcante no universo de signos e significados como foi

registrado por Guimaratildees Neto (2000 p 7) ao apontar que a cidade se projeta ldquo[]

como uma metaacutefora privilegiada da passagem-comunicaccedilatildeo e separaccedilatildeo entre diversos

mundos e por que natildeo paisagem desenhada por um rico mosaico de linguagens

diversasrdquo

Nesse aspecto quem chegou primeiro fez parte da construccedilatildeo quem chegou

depois tambeacutem foi inserido nessa loacutegica organizativa porque parte dos colonos que

permaneceram na cidade se incorporou ao trabalho prestando serviccedilos ou abrindo

comeacutercios inserindo-se nesse universo de desejo siacutembolos sentidos e significados de

viver em uma cidade com caracteriacutesticas e paisagem adequadas aos moldes dos grandes

centros urbanos

O imaginaacuterio coletivo acerca da concepccedilatildeo de progresso se constituiu de

forma eficaz nessa representaccedilatildeo da cidade em seus primeiros tempos distinguindo os

acontecimentos iniciais construiacutedos com a participaccedilatildeo de homens e mulheres vindos

das diferentes regiotildees do Brasil Essa diversidade cultural se explicita nos detalhes de

construccedilatildeo das casas na maneira de falar e de organizar a paisagem urbana enfim

torna-se proacuteprio de uma cidade de todos para todos desde que devidamente organizados

em seus espaccedilos sociais

Noutra abordagem sobre as narrativas e a formaccedilatildeo de cidades do processo de

colonizaccedilatildeo recente Guimaratildees Neto (2007 p 7) exemplifica

Trabalhadores sem-terra e mesmo pequenos proprietaacuterios

denominados de colonos invertem as programaccedilotildees e previsotildees

das empresas colonizadoras Por meio de accedilotildees coletivas e de

enfrentamentos conflituosos provocam mudanccedilas de aacutereas

planejadas para determinados fins com funccedilotildees diferentes do

que estava previsto As proacuteprias empresas e depois os poderes

puacuteblicos instalados criam ldquobairros novosrdquo a fim de controlar e

administrar a chegada de diversos trabalhadores pobres como

na cidade de Vila Rica-MT onde se organiza a mudanccedila da

cadeia puacuteblica do cemiteacuterio e da zona de meretriacutecio para o

bairro Vila Nova destinado a pessoas de comprovada baixa

renda e com maior nuacutemero de dependentes (Lei municipal nordm

42

19693 de 09121993) extinguindo o popular ldquoPau Secordquo a

primeira aacuterea de meretriacutecio que ocupava um espaccedilo

considerado nobre para a cidade

Em conformidade com a concepccedilatildeo da autora afirmamos que satildeo os atores

histoacutericos atraveacutes de diferentes estrateacutegias e accedilotildees que realizam os desdobramentos e

permitem uma multiplicidade de accedilotildees e efeitos de suas praacuteticas eacute que vatildeo

ldquodesvendando inventando e desenhandordquo os locais da cidade que encenam os contrastes

sociais e culturais Nesse aspecto grupos sociais acabam modificando o projeto inicial e

inserindo nele seu proacuteprio modo de constituir a vida em sociedade

Outra estrateacutegia utilizada para facilitar o processo de venda dos lotes foi a

definiccedilatildeo dos criteacuterios de seleccedilatildeo do puacuteblico alvo das investidas de vendas pela

empresa colonizadora Nesse cenaacuterio surgiram os pequenos proprietaacuterios de terras do

Sul do Brasil os quais dispunham de capital para investir na compra de lotes da

colonizadora Tambeacutem havia a negociaccedilatildeo por meio da troca de terra e da carta de

creacutedito como ocorreu com as pessoas que haviam sido desapropriadas para a

construccedilatildeo da barragem da Usina de Itaipu no Paranaacute de onde migraram diversas

pessoas para Vila Rica-MT Essa negociaccedilatildeo era feita com intermediaccedilatildeo de instituiccedilatildeo

bancaacuteria

Ainda relacionando a reorganizaccedilatildeo dos espaccedilos em Vila Rica sob a

conduccedilatildeo da colonizadora eacute importante considerar que houve tentativas no sentido de

destinar pequenas aacutereas de terra situadas nos fundos das fazendas para ldquoaliviarrdquo a

pressatildeo dos trabalhadores rurais Inclusive ex-funcionaacuterios da empresa SERVAP com

o objetivo de evitar a invasatildeo por parte dos ldquoposseirosrdquo acabavam sendo incorporados

por esses procedimentos de especulaccedilatildeo imobiliaacuteria praticados pela Colonizadora Vila

Rica

Semelhante situaccedilatildeo nos remete a uma anaacutelise que demonstra ter havido uma

relaccedilatildeo entre as intenccedilotildees dos representantes da Servap tanto em relaccedilatildeo aos objetivos

do INCRA quanto ao destino de parte da aacuterea para o processo de colonizaccedilatildeo oficial

Segundo Barrozo (2010 p 18) ldquo[] para os camponeses do Sul o governo oferecia a

possibilidade de adquirir um lote de 100 ou 200 hectares em um nuacutecleo do INCRA

com infraestrutura estrada e tudo mais que a propaganda oficial anunciava para

sensibilizar os agricultoresrdquo

43

No caso do processo de reocupaccedilatildeo do municiacutepio de Vila Rica a

documentaccedilatildeo7 analisada demonstrou que havia entre os primeiros moradores

concepccedilotildees diferentes acerca do processo de ocupaccedilatildeo e reocupaccedilatildeo das terras naquela

aacuterea As fontes nos possibilitam ainda identificar as estrateacutegias adotadas para arquitetar

o imaginaacuterio sobre os ldquoditos pioneirosrdquo que pode ser identificado atraveacutes das narrativas

oficiais sobre as histoacuterias do lugar que se tornam discursos

Poreacutem a realidade contemporacircnea tambeacutem pode ser pensada por outra

perspectiva configurada de outro modo demonstrando a presenccedila indiacutegenas na regiatildeo

Nos sites do IBGE Cidades e da Prefeitura de Vila Rica natildeo haacute menccedilatildeo sobre a

presenccedila de povos indiacutegenas na aacuterea colonizada Mas segundo Costa e Silva amp Ferreira

(1994 p 248)

O povo indiacutegena ldquoTapirapeacuterdquo que habitou imemorialmente as

terras do lugar foram remanejados para municiacutepios vizinhos

em aacutereas especialmente reservadas Estes foram na verdade os

grandes pioneiros do lugar povo sofrido sentindo-se sem

perspectivas de vida iniciaram um processo de auto

dizimazizaccedilatildeo Tudo comeccedilou com forte conflito cultural que se

abateu sobre os poucos ldquoTapirapeacutesrdquo que restaram Accedilatildeo

seguinte que se viu foi agrave eliminaccedilatildeo de crianccedilas receacutem-nascidas

No entanto a interferecircncia de religiosas natildeo permitiu que se

concretizasse o desejo coletivo de extinccedilatildeo do ldquoTapirapeacuterdquo como

naccedilatildeo (Grifos nossos)

A citaccedilatildeo eacute importante para destacar a presenccedila do povo indiacutegena Tapirapeacute na

aacuterea que foi colonizada no entanto eacute uma visatildeo problemaacutetica no que diz respeito agrave

ideia de que os povos indiacutegenas foram pioneiros uma vez que essa concepccedilatildeo eacute oriunda

de projetos de Governo e de uma visatildeo economicista de ocupaccedilatildeo de territoacuterio natildeo eacute

parte da concepccedilatildeo de terra para povos indiacutegenas voltada agrave identidade e memoacuteria do

lugar Certamente para os autores pioneiro significou aquele que primeiro ocupou o

solo e natildeo seu entendimento no interior do processo de colonizaccedilatildeo contemporacircneo

No entanto existe uma narrativa oficial que ldquoesquecerdquo de citar a presenccedila

indiacutegena e assume um discurso de que os ldquopioneirosrdquo foram os que participaram do

processo de colonizaccedilatildeo privada Isto eacute haacute uma ampla difusatildeo da ideia de que a

7 O termo documentaccedilatildeo refere- se agraves fontes escritas que foram acessadas para a produccedilatildeo das

anaacutelises como eacute o caso dos ofiacutecios cartas relatoacuterios atas e relatos orais

44

validade da ocupaccedilatildeo da terra tem sentido somente quando eacute pensada do ponto de vista

da criaccedilatildeo da cidade e da organizaccedilatildeo social embasada na propriedade privada da terra

Outros atores sociais silenciados foram os migrantes de origem camponesa

de diferentes origens que foram ocupar aquele espaccedilo nas primeiras deacutecadas do seacuteculo

XX conforme descrito por Costa e Silva amp Ferreira (1994 p 248)

No iniacutecio da sua povoaccedilatildeo Vila Rica recebeu forte fluxo

migratoacuterio de povos (sic) de Goiaacutes Minas Gerais e do

Nordeste Fator determinante foi o reflexo da colonizaccedilatildeo de

Nova Xavantina pois o assentamento da Fundaccedilatildeo Brasil

Central natildeo produziu os efeitos que se esperava e os colonos

sem apoio prometido se espalharam pelo Leste e Nordeste do

Estado de Mato Grosso

Novamente a citaccedilatildeo traz problemas ao analisar que os fluxos migracionais

eram realizados por ldquopovosrdquo entendidos enquanto populaccedilotildees mas fornece elementos

para compreendermos como ocorreu uma reocupaccedilatildeo inicial por migrantes poreacutem o

que persiste na histoacuteria oficial descrita no IBGE Cidades (2015) 8 eacute que

A construccedilatildeo da rodovia BR-158 foi fator determinante para a

colonizaccedilatildeo da cidade de Vila Rica -MT favorecendo o

estabelecimento de empresas agropecuaacuterias na regiatildeo O nuacutecleo

que deu origem ao atual municiacutepio tem histoacuteria

relativamente recente Vila Rica - MT foi fundada pelo Sr

Rubens Rezende Peres em 1978 que chegou na regiatildeo

trazendo consigo a Colonizadora Vila Rica-MT Segundo

relatos histoacutericos os primeiros moradores da localidade vieram

de Minas Gerais e homenagearam o lugar que escolheram para

morar com o nome de Vila Rica em referecircncia agrave antiga Vila

Rica de Ouro Preto (Grifos nossos)

Logo dessa maneira registrada a presenccedila indiacutegena e de migrantes que

chegaram antes da colonizaccedilatildeo privada efetivada a partir da deacutecada de 1980 e

consideradas ldquorecentesrdquo decidem considerar que a histoacuteria do municiacutepio somente

comeccedila com essa modalidade de colonizaccedilatildeo

8 Disponiacutevel em

lthttpwwwcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=510860ampsearch=mato-

grosso|vila-rica|infograficos-historicogt Acesso em 2102015

45

A obra da jornalista Soely Gonccedilalves Santos Pires contratada pela Prefeitura

Municipal de Vila Rica em 2002 para escrever a histoacuteria do municiacutepio eacute um exemplo

que evidencia a versatildeo oficial9

[] Aconteciam as exploraccedilotildees das terras ao nordeste mato-

grossense rotas e demarcaccedilotildees cifradas em aacutereas destinadas agrave

implantaccedilatildeo do arrojado projeto Em meio a tantos apetrechos

no lidar aacuterduo talvez natildeo tenham tido tempo para registrar tudo

em diaacuterio Idas e vindas por iacutengremes caminhos de quilocircmetros

de distacircncias paragens desconhecidas Veredas iam se

alargando mato adentro sol ardente e calor intenso []

venciam-se os empecilhos agrave medida que esses iam surgindo

Natildeo adentravam o sertatildeo em busca de bauacute recheado de

preciosos tesouros enterrados nas profundezas da terra [] A

finalidade era trabalhar Soacute assim conquistariam o almejado

objetivo [] Trabalho avante Em aproximadamente seis meses

de contiacutenuas derrubadas a estiagem com a secagem Nisso

atearam fogo Os dias se passaram Um olhar ao longe no

alcance de vales e serras [] Focando com muita atenccedilatildeo os

limpotildees que iam surgindo propiciando o semear das primeiras

sementes de capim Aiacute estava o representativo ouro dos sertotildees

A Servap foi instituiacuteda no ano 1973 e por seu intermeacutedio

administrava-se toda a assistecircncia no desenvolver das atividades

do projeto desde o princiacutepio A movimentaccedilatildeo era intensa o

serviccedilo mecanizado requeria grande consumo de oacuteleo diesel O

transporte era constante Devido agrave precariedade das estradas o

trajeto era retardo levando de cinco a sete dias para alcanccedilar o

ponto de apoio local onde se situava a SERVAP Hoje ali se

encontra o Frigoriacutefico Vila Rica que por sinal contribuiu muito

natildeo soacute com a economia natildeo soacute da regiatildeo mas tambeacutem de

municiacutepios vizinhos (PIRES 2002 p 10)

O discurso contido nessa narrativa apresenta muacuteltiplos sentidos

primeiramente pode ser analisado como sendo da perspectiva de um explorador de

recursos naturais e de projetos de colonizaccedilatildeo privada mas que se considera um

desbravador com um espiacuterito empresarial e empreendedor Essa observaccedilatildeo pode ser

visualizada na afirmaccedilatildeo de que se tratava da ldquo[] implantaccedilatildeo do arrojado projeto Em

meio a tantos apetrechos no lidar aacuterduo []rdquo Aqui eacute possiacutevel pensar inclusive na ideia

da tentativa de criaccedilatildeo de um mito de origem de um heroacutei de um grupo de homens que

fizeram a histoacuteria da cidade civilizada

9Apesar da ressalva sobre o livro de Soely eacute necessaacuterio afirmar que se trata de uma obra

importante para percebemos a concepccedilatildeo do dono da empresa Servap

46

Esse tipo de discurso exaltando o colonizador foi identificado e interpretado

pela pesquisa de Heinst (2007) que analisou a disputa da memoacuteria de quem era o

colonizador e o pioneiro no municiacutepio mato-grossense de Mirassol D‟Oeste A autora

identificou que foram aqueles pioneiros que tiveram ecircxito econocircmico considerados os

ldquoprimeirosrdquo com o espiacuterito empresarial que enalteceram a colonizaccedilatildeo

Guimaratildees Neto (2002) na anaacutelise de Alta Floresta esclarece que o

colonizador Ariosto da Riva produziu um discurso no qual se auto-intitula ldquobandeirante

do seacuteculo XXrdquo A anaacutelise mostra a perspectiva de quem tem o espiacuterito expansionista

tatildeo recorrente na histoacuteria brasileira e que se renova ao longo do contexto de expansatildeo da

fronteira agriacutecola recente

Sabemos que a narrativa produzida em determinada conjuntura poliacutetica

cultural ou econocircmica estaacute condicionada a um momento histoacuterico e atrelada agrave

linguagem utilizada pode ser uma das vias por onde a ideologia se materializa O

ldquoaventureirordquo eacute descrito e se auto- identifica como explorador e grande desbravador de

espiacuterito empreendedor sendo portanto ele o pioneiro em tudo porque enfrentou

inuacutemeras dificuldades Assim produz discursos embasados em espaccedilos difiacuteceis de

sertatildeo obstaacuteculos naturais e o potencial arrojado do sujeito empreendedor inicial

Aleacutem disso o texto enfatiza que todo esse esforccedilo natildeo tinha como objetivo o

lucro o interesse proacuteprio a cobiccedila como se observa nesse fragmento do texto de Pires

(2002 p 10) ldquo[] Natildeo adentravam o sertatildeo em busca de bauacute recheado de preciosos

tesouros enterrados nas profundezas da terra A finalidade era trabalhar []rdquo Essas

narrativas remetem agrave trajetoacuteria do colonizador e de sua famiacutelia conforme a descriccedilatildeo

Minha histoacuteria comeccedila com o meu pai eacuteramos madeireiros ele

jaacute atuava no ramo por muitos anos faleceu e eu o substituiacute no

trabalho Na deacutecada de 50 me mudei para Satildeo Pedro dos

Ferros cidade jaacute com cinquenta anos de fundaccedilatildeo e sem

nenhuma participaccedilatildeo minha nem de algueacutem da minha famiacutelia

Compramos terra nesse municiacutepio onde foi implantado um

grande serviccedilo chegando a trabalhar dez mil pessoas no

desmatamento e formaccedilatildeo de aacutereas para a implantaccedilatildeo de

fazendas Quando o serviccedilo terminou eu estava com quarenta e

cinco anos de idade Acostumado desde muito cedo com serviccedilo

de grande porte utilizando grande nuacutemero de pessoas []

como fazendeiro comecei a me sentir meio ocioso As

atividades que eu tinha em minha fazenda natildeo eram suficientes

para satisfazer o meu acircnimo para o trabalho (ENTREVISTA

com Rubens Rezende Peres colonizador de Vila Rica realizada

por Suely Gonccedilalves Santos Pires em 2002)

47

Podemos compreender que o colonizador ressalta na sua narrativa seu

perfil de empreendedor advindo de uma ldquoheranccedilardquo adquirida do pai que era

madeireiro Depois vai demonstrando como foi se adaptando agraves novas situaccedilotildees

[] Em Belo Horizonte eu tinha amigos entatildeo participei a

eles sobre a minha pretensatildeo em procurar terras para abrir

novas frentes de trabalho Geraldo Simotildees amigo de longas

datas falou-me ldquoEu arranjo o dinheiro e vocecirc entra com o

serviccedilordquo Convidou uma meia duacutezia de amigos nossos

ldquoAcreditamos na sua capacidade e vocecirc vai pra laacuterdquo Noacutes natildeo

temos experiecircncias suficientes nesse ramo de negoacutecio o que

nos dificultaria particularmente a implantaccedilatildeo de um trabalho

dessa ordem mas entramos com o dinheiro (ENTREVISTA

com Rubens Rezende Peres colonizador de Vila Rica-MT

realizada por Suely Gonccedilalves Santos Pires em 2002)

Neste relato percebe-se a autopromoccedilatildeo do colonizador ao demonstrar que

ele era um ldquotrabalhadorrdquo acostumado com ldquoserviccedilos de grande porterdquo com iniciativa

para conseguir agregar em seus empreendimentos outros ldquoamigosrdquo como Geraldo

Simotildees que foi um dos donos das fazendas abertas naquele periacuteodo Essa narrativa de

autopromoccedilatildeo estaacute dentro de uma loacutegica baseada no ideaacuterio de que o colonizador

deveria ter esse perfil de ldquoempreendedorrdquo e ldquopioneirordquo e que trabalhava e tudo fazia

A narrativa de autopromoccedilatildeo contrapotildee ao esquecimento de outros pioneiros

e trabalhadores na eacutepoca da formaccedilatildeo da cidade O esvaziamento de sentido aparece na

narrativa apenas como apecircndice da construccedilatildeo da histoacuteria oficial do ldquoprogressordquo e do

ldquopioneirismordquo denotando portanto a pouca importacircncia desses trabalhadores Essa

visatildeo reforccedila o discurso do ldquofui eu quem fizrdquo acentuando ainda mais uma visatildeo

capitalista evidenciada e reforccedilada nas referecircncias sobre as contribuiccedilotildees do Frigoriacutefico

de Vila Rica-MT

Guimaratildees Neto (2011 p 95) discute a relaccedilatildeo entre a colonizaccedilatildeo e os

dispositivos de poder a partir do imaginaacuterio da cidade sobre o trabalho A autora afirma

que ldquo[] no acircmbito dos discursos objetivam dotar de significado poliacutetico econocircmico e

social os espaccedilos destinados agrave colonizaccedilatildeo a pedra angular eacute a produccedilatildeo da ideia ou

invenccedilatildeo de uma vocaccedilatildeo agriacutecola para a Amazocircniardquo Entatildeo temos nesse caso uma

aproximaccedilatildeo dessa realidade entre os espaccedilos sociais e as contribuiccedilotildees dos sujeitos

para uma Paacutetria produtiva a partir de seus municiacutepios

48

A seguir temos outro exemplo de como o discurso do colonizador soa como

uma reivindicaccedilatildeo em torno do reconhecimento por parte de todos os demais sujeitos

histoacutericos jaacute que foi ele quem construiu tudo em uma eacutepoca em que tudo era muito

difiacutecil e trabalhoso

[] Fui para aquela regiatildeo procurei as terras sobrevoando a

regiatildeo mais sul possiacutevel do Amazonas Interessei-me pela

regiatildeo por ficar mais perto do sul Eu acreditava que a

influecircncia do Sul no futuro seria importante Achei finalmente

as terras [] Procurando passei em muitas fazendas para

verificar como os capins se desenvolviam naquelas regiotildees e

finalmente descobri uma aacuterea que satisfez minhas exigecircncias

[] Eram cento e cinquenta mil hectares comprei de uma

firma do Rio Grande do Sul e posteriormente vendi parte dela

cinquenta mil hectares para fazendeiros de Ituiutaba -MG O

restante eu fiz sete fazendas para este grupo de Belo Horizonte

que jaacute tinha entrado com o dinheiro para a aquisiccedilatildeo da terra

(ENTREVISTA com Rubens Rezende Peres colonizador de

Vila Rica-MT realizada por Suely Gonccedilalves Santos Pires em

2002)

Ao contraacuterio da narrativa oficial do colonizador que exalta os seus esforccedilos e

problemas o relato oral de alguns colonos demonstra precisamente que foram eles que

enfrentaram os maiores problemas superaram os piores desafios e venceram por

esforccedilos pessoais e coletivos quando necessaacuterio

Noacutes eacuteramos seis famiacutelias aiacute com 15 dias em Mato Grosso o

pessoal comeccedilou adoecer com malaacuteria que ateacute entatildeo era

desconhecida pra gente quando o pessoal foi negociar as

terras disseram que aqui era um lugar muito sadio natildeo tinha

doenccedila Entatildeo quem tinha condiccedilatildeo voltou a ir embora e noacutes

ficamos aqui soacute que aiacute acabou tudo com doenccedila e fomos

trabalhar como peotildees pra quem tinha mais Ai depois de

alguns anos a gente mudou daquele local e procuramos um

lugar onde natildeo tinha doenccedila malaacuteria ateacute chegar na cidade de

Vila Rica-MT voltar a morar na cidade Aqui eu vendia picoleacute

limpava quintal trabalhei de servente de pedreiro ateacute que

surgiu a oportunidade pra ir estudar fora eu fui a estudar em

Satildeo Paulo (ENTREVISTA com Gilmar Assentado realizada

pela autora em marccedilo de 2015 Grifos do autor)

O relato mostra que havia colonos insatisfeitos com a aquisiccedilatildeo do lote e que

tinham vontade ou mesmo conseguiram voltar para seus lugares de origem Poreacutem

49

percebe-se tambeacutem a existecircncia de objetivos na vida destas pessoas como a luta pela

sobrevivecircncia e por ocupaccedilatildeo de destaque no espaccedilo social

Para aleacutem dessa problemaacutetica sobre a narrativa e o discurso do colonizador

um dos elementos principais foi o papel de instituiccedilotildees e oacutergatildeos puacuteblicos na criaccedilatildeo e

emancipaccedilatildeo do municiacutepio de Vila Rica que se deu principalmente por meio de

programas e poliacuteticas puacuteblicas ligadas ao incentivo agrave colonizaccedilatildeo e a reocupaccedilatildeo por

meio de empresas agropecuaacuterias

121 O papel das instituiccedilotildees e oacutergatildeo puacuteblicos as empresas agropecuaacuterias

e a colonizadora

Conforme jaacute contextualizado a atuaccedilatildeo do Governo Federal atraveacutes de

projetos e poliacuteticas puacuteblicas foi fundamental para a criaccedilatildeo do municiacutepio de Vila Rica-

MT O Programa de Redistribuiccedilatildeo de Terras e de Estiacutemulo agrave Agroinduacutestria do Norte

(Proterra) criado em 1971 foi um dos principais programas federais de financiamento

das agropecuaacuterias daquela aacuterea Esse programa objetivava dentre outras metas

promover o acesso agrave terra e agrave agroindustrializaccedilatildeo na aacuterea onde jaacute havia investimentos

feitos pela Sudam Ressaltamos que os objetivos idealizados natildeo foram necessaria e

igualmente realizados

No discurso do Proterra a ldquo[] aquisiccedilatildeo ou desapropriaccedilatildeo de terras de

interesse social empreacutestimos fundiaacuterios para pequenos e meacutedios produtores rurais

financiamento de projetos de agroindustrializaccedilatildeo subsiacutedios ao uso de insumos

modernos []rdquo Era um programa de governo que idealizou a organizaccedilatildeo de alguns

espaccedilos agraacuterios de maneira singular Cruzando com as fontes orais eacute possiacutevel verificar

o impacto desse programa na formaccedilatildeo do municiacutepio de Vila Rica

[] Na eacutepoca o governo estava dando estiacutemulo para a

ocupaccedilatildeo da Amazocircnia Legal Era uma modalidade de

empreacutestimo por nome Proterra que o Banco do Brasil dava

Esse recurso era destinado agrave implantaccedilatildeo de Fazendas na

regiatildeo [] Fiz um projeto para cada um dos meus amigos e

criamos uma empresa para a implantaccedilatildeo das fazendas

denominadas de SERVAP exclusivamente nossa composta por

seis soacutecios e dirigida por meu filho Claudio [] Todo aquele

trabalho no Mato Grosso foi dirigido por mim Implantei todas

as fazendas de acordo com os Projetos do BB fizemos pastos

currais as cercas e compramos o gado para depois de quatro

ou cinco anos poder entregar as referidas fazendas para cada

50

um dos soacutecios [] Nesse periacuteodo surgiu a oportunidade de

comprar mais cem mil hectares de terras anexas agraves nossas e

que pertenciam na eacutepoca ao Sr Osvaldo Aranha ou melhor a

uma empresa dele Logo em seguida compramos a Urupianga

(ENTREVISTA com Rubens Rezende Peres colonizador de

Vila Rica - MT realizada por Soely Gonccedilalves Santos Pires em

2002)

O colonizador Rubens Rezende considera como meacuterito do colonizador

ousadia ldquodesbravamentordquo e ldquoempreendedorismordquo como base apoio e financiamentos

de programas do Governo Federal viabilizados pelo Banco do Brasil A deacutecada de

1970 sobretudo as os anos de 1970-1973 e 1975-1979 foi marcada pela execuccedilatildeo de

um programa de crescimento econocircmico na fronteira Amazocircnica quando o Governo

Federal estimulou as empresas privadas a se constituiacuterem em grandes empreendimentos

agropecuaacuterios Esses projetos eram majoritariamente aqueles que viabilizados pela

parceria entre as empresas estatais e privadas

Na execuccedilatildeo desse projeto de crescimento econocircmico do Brasil sobretudo

para a Amazocircnia o Governo Federal subsidiou e viabilizou a concessatildeo de terras para

que grupos empresariais pudessem instalar grandes projetos tanto no setor

agropecuaacuterio como na induacutestria mineraccedilatildeo e colonizaccedilatildeo No espaccedilo do Araguaia as

empresas agropecuaacuterias tiveram significativa presenccedila

Os projetos e programas do Governo Federal contaram com duas principais

frentes de atuaccedilatildeo atraveacutes da Sudam paralelamente com a atuaccedilatildeo do INCRA com

projetos de assentamentos rurais Assim as terras devolutas foram vendidas pelo

Governo Estadual e adquiridas a preccedilos baixos por empresaacuterios agricultores

profissionais liberais atraiacutedos pelos incentivos fiscais e oportunidades de expansatildeo de

capital fomentado por projetos agropecuaacuterios aprovados pela Sudam Comprar e

administrar extensas fazendas na Amazocircnia parecia ser um bom negoacutecio jaacute que oferecia

baixo risco

Lourenccedilo (2009) informa que no periacuteodo de 1970 a 1985 a Amazocircnia Legal

teve 950 projetos aprovados pela Sudam dos quais 631 eram destinados agrave pecuaacuteria

extensiva Embora a previsatildeo de duraccedilatildeo desses projetos fosse de 16 anos a produccedilatildeo

era em meacutedia 9 do que tinha sido proposto Havia ainda as fazendas agropecuaacuterias

que natildeo produziam praticamente nada aleacutem daquelas que soacute existiam no papel

constituiacutedas apenas para a captaccedilatildeo de financiamentos e incentivos fiscais

51

No iniacutecio da deacutecada de 1970 o Governo Federal permitiu que as empresas de

colonizaccedilatildeo privada participassem juntamente com o INCRA da colonizaccedilatildeo na

Amazocircnia Segundo Lourenccedilo (2009 p 4)

O outro braccedilo da estrateacutegia de ocupaccedilatildeo da Amazocircnia com o

grande capital foi o avanccedilo da colonizaccedilatildeo privada Entre o

comeccedilo dos anos 1970 e meados dos anos 1980 principalmente

no Norte do Mato Grosso empresaacuterios como Ecircnio Pepino

Ariosto da Riva e Joatildeo Carlos Meireles compraram do INCRA

ou do estado do Mato Grosso com financiamento fundiaacuterio do

Proterra imensas glebas para divisatildeo e venda de lotes a colonos

do Sul expulsos pela modernizaccedilatildeo excludente da agricultura

ou afetados pela construccedilatildeo de hidreleacutetricas Os nomes das

cidades na metade norte do estado satildeo reveladores de suas

origens na empresa privada Sinop (Sociedade Imobiliaacuteria

Noroeste do Paranaacute) Confresa (Colonizadora Frenova Sapesa)

Contriguaccedilu (Cooperativa Central Regional Iguaccedilu) Codeara

(Companhia de Desenvolvimento do Araguaia do Banco de

Creacutedito Nacional) e outros nomes menos reveladores mas de

mesma origem como Alta Floresta (Indeco) Nova Mutum

(Agropecuaacuteria Mutum) Vila Rica-MT (Colonizadora Vila

Rica-MT) Tucumatilde (Construtora Andrade Gutierrez no Paraacute)

entre vaacuterios outros (Grifos nossos)

Em Mato Grosso as empresas de colonizaccedilatildeo privada adquiriram vaacuterios

milhotildees de hectares de terras puacuteblicas que foram loteadas e revendidas sobretudo para

agricultores que migraram do Sul do Brasil O INCRA que era responsaacutevel pela

colonizaccedilatildeo na Amazocircnia desenvolveu poucos projetos de colonizaccedilatildeo em Mato

Grosso deixando o campo aberto para as empresas privadas

Pouco foi investido por parte de posteriores Governos Federais e Estaduais na

permanecircncia dos assentados em suas terras centralizando os anseios e reinvindicaccedilotildees

ainda no INCRA Somente em 1999 o Governo Federal criou o Ministeacuterio do

Desenvolvimento Agraacuterio (MDA) Este oacutergatildeo se ocupou do reordenamento agraacuterio e

regularizaccedilatildeo fundiaacuteria na Amazocircnia Legal promoccedilatildeo do desenvolvimento sustentaacutevel

da Agricultura Familiar das regiotildees rurais e na identificaccedilatildeo reconhecimento

delimitaccedilatildeo demarcaccedilatildeo e titulaccedilatildeo das terras ocupadas pelos remanescentes das

comunidades quilombolas

Estes oacutergatildeos (INCRA e MDA) foram responsaacuteveis pelo desenvolvimento da

poliacutetica permanente de criaccedilatildeo de assentamentos rurais no paiacutes enquanto mediadores da

aquisiccedilatildeo ou de expropriaccedilatildeo de novas aacutereas de terras privadas ou puacuteblicas aleacutem da

52

realizaccedilatildeo da regularizaccedilatildeo de assentamentos rurais em aacutereas ocupadas por posseiros de

forma ldquomansardquo e paciacutefica ou seja onde natildeo havia conflito

O INCRA definiu o ldquoProjeto de assentamento ruralrdquo (PA) como

[] um conjunto de unidades agriacutecolas independentes entre si

instaladas pelo INCRA onde originalmente existia um imoacutevel

rural pertencente a um uacutenico proprietaacuterio Cada unidade

chamada de parcela lote ou gleba eacute entregue a uma famiacutelia sem

condiccedilotildees econocircmicas para adquirir e manter um imoacutevel rural

por outras vias Os trabalhadores rurais que recebem o lote

comprometem-se a morar na parcela e a exploraacute-la para seu

sustento utilizando a matildeo de obra familiar e contando com

creacuteditos assistecircncia teacutecnica infraestrutura e outros benefiacutecios

de apoio ao desenvolvimento das famiacutelias assentadas Ateacute que

possuam a escritura do lote os assentados estaratildeo vinculados ao

INCRA e natildeo poderatildeo dispor da gleba sem anuecircncia ou

autorizaccedilatildeo do INCRA10

Como assinalado acima o assentamento rural na definiccedilatildeo apresentada pelo

MDA teve como origem um uacutenico imoacutevel rural dividido em vaacuterias partes denominadas

de ldquoparcela lote ou glebardquo Ressalta-se que estes lotes foram destinados ldquo[] a uma

famiacutelia sem condiccedilotildees econocircmicas para adquirir e manter um imoacutevel ruralrdquo e que os

mesmos ldquo[] comprometem-se a morar na parcela e a exploraacute-la para seu sustento

utilizando a matildeo de obra familiarrdquo (INCRA 2015)

No municiacutepio de Vila Rica-MT a criaccedilatildeo e formaccedilatildeo dos assentamentos

rurais teve influecircncia direta no processo de colonizaccedilatildeo e instalaccedilatildeo de projetos

agropecuaacuterios (fazendas) O processo de reocupaccedilatildeo daquele espaccedilo comeccedilou com a

empresa SERVAP que realizou a exploraccedilatildeo desmatamento formaccedilatildeo de pastagens

currais e casas para as fazendas

122 A Servap e a abertura das Fazendas Promissatildeo Satildeo Marcos Aracatiacute e

Porongaba

Apoacutes a ldquoaberturardquo inicial a Servap transferiu parte das terras para a

Colonizadora Vila Rica O colonizador se responsabilizou pela comercializaccedilatildeo das

terras uma vez que seus soacutecios natildeo tinham experiecircncia com esse tipo de

10 Disponiacutevel em lt httpwwwincragovbrassentamentogt Acesso em 19052015

53

empreendimento Assim sendo segundo Pires (2002 p 22) os soacutecios realizaram a

divisatildeo das fazendas entre os mesmos por meio de um sorteio como foi relatado por

alguns funcionaacuterios da antiga empresa SERVAP

A ideia de praticar o sorteio foi vista como estrateacutegia para natildeo gerar

descontentamento jaacute que havia diferenccedila entre as fazendas em termos de valorizaccedilatildeo

da aacuterea o que tinha relaccedilatildeo com a infraestrutura os investimentos realizados e a

distacircncia da fazenda com a estrada por onde passaria a rodovia BR-158

A SERVAP tambeacutem tinha uma serraria e uma oficina de marcenaria para

atender a demanda de exploraccedilatildeo de madeira a qual era utilizada para a construccedilatildeo de

cercas currais e casas No iniacutecio a maioria das casas da aacuterea era construiacuteda com

madeira

Retomando o relato oral do ldquodito pioneirordquo eacute possiacutevel considerar a hipoacutetese

de que a praacutetica de exploraccedilatildeo de madeira esteja relacionada agrave proacutepria experiecircncia de

vida pois eacute ele mesmo quem diz ldquo[] minha histoacuteria comeccedila com o meu pai eacuteramos

madeireiros ele jaacute atuava no ramo por muitos anos faleceu e eu o substituiacute no

trabalhordquo (ENTREVISTA com Mendonccedila apud Soely 2002)

Na sede da empresa havia ainda uma pista para pouso de aviotildees e uma aacuterea

que servia como local de encontro ldquodos peotildeesrdquo que trabalhavam na SERVAP Os peotildees

costumavam ali se reunir nos horaacuterios de folga daiacute o lugar ser nomeado como ldquoPraccedila

Seterdquo Segundo Pires (2002 p 22) o nome era uma homenagem agrave cidade de Belo

Horizonte capital de Minas Gerais jaacute que a grande maioria das pessoas que trabalhava

na Servap era oriunda daquele Estado Esse espaccedilo tambeacutem se constituiu no eixo que

marcava a divisatildeo das quatro fazendas que deram origem ao processo de colonizaccedilatildeo de

Vila Rica conforme a Figura 4

Figura 4 Croqui de localizaccedilatildeo das fazendas

54

Fonte PIRES 2002 p 10

E como haviam sido ldquocriadasrdquo segundo o colonizador outras trecircs fazendas a

nova organizaccedilatildeo das agropecuaacuterias ocorreu da seguinte maneira ldquoFazenda Aracati

passou a ser de propriedade apenas de Rubens Rezende Peres A Fazenda Promissatildeo de

propriedade de Geraldo Franccedila Simotildees A Fazenda Porongaba de propriedade de Alair

Fernandes A Fazenda Ipecirc ficou sendo de Jonas Barcelos enquanto a fazenda Satildeo Joseacute

tornou-se propriedade de Homero Schettino Jaacute a Fazenda Satildeo Marcos do senhor

Miguel Acircngelo Cansado e a Fazenda Acaiaca de Tuacutelio Feliacutecio da Silvardquo (PIRES

2002)

Algumas dessas fazendas tornaram-se ociosas em termos de produccedilatildeo outras

nunca tiveram atividade agropecuaacuteria efetivada e outras faliram como foi descrito por

Lourenccedilo (2009 p 4) ao referir-se ao contexto dos projetos agropecuaacuterios na

Amazocircnia sobretudo no Araguaia

[] que existiu de fato foi o conflito crocircnico entre as grandes

fazendas e as populaccedilotildees camponesas que jaacute habitava a suposta

ldquoterra sem homensrdquo [] O Meacutedio Araguaia e a regiatildeo de

contato entre as bacias do Araguaia e Xingu foram palco de

inuacutemeros conflitos violentos entre posseiros apoiados pela

Igreja Catoacutelica e grandes fazendeiros que reclamavam de

imensas porccedilotildees de terra11

11Disponiacutevel em lthttpinteressenacionaluolcombrindexphpedicoes-revistaregularizacao-

fundiaria-e-desenvolvimento-na-amazoniagt Acesso em 28082015

55

As aacutereas remanescentes tornaram-se objeto de interesse e disputa por parte de

posseiros agricultores familiares grileiros e fazendeiros Logo natildeo eacute possiacutevel falar de

sucesso contiacutenuo e permanente dos processos de colonizaccedilatildeo ainda que estejam no

ideaacuterio do colonizador Alguns desses projetos privados se sustentaram e deram

resultado poreacutem outros ficaram a mercecirc da administraccedilatildeo dos proprietaacuterios das

empresas colonizadoras

A especificidade da formaccedilatildeo e emancipaccedilatildeo do municiacutepio de Vila Rica-MT

estaacute centrada em uma conjuntura regional que pode ser problematizada pela forma com

que os assentamentos rurais foram sendo formados em aacutereas remanescentes de fazendas

e projetos agropecuaacuterios

13 Anos de 1980 a 1990 o Araguaia e a formaccedilatildeo dos assentamentos rurais

Na presente dissertaccedilatildeo produzimos uma narrativa sobre a formaccedilatildeo dos

assentamentos rurais no Araguaia compreendemos que os mesmos resultaram das lutas

travadas pelos movimentos sociais desencadeados pelos posseiros em busca de terra

para morar e produzir Essa concepccedilatildeo pode ser compartilhada com a ideia de que

apesar da evidecircncia de o assentado nem sempre ser aquele idealizado natildeo se pode

perder de vista que ldquoposseirordquo eacute uma categoria poliacutetica de luta pela terra Assim nossa

escrita deseja ampliar a possibilidade de entender esse jogo poliacutetico de construccedilatildeo social

da vida ldquocampesinardquo atraveacutes da luta pela terra

Conveacutem entatildeo compreender que os conflitos e praacuteticas de violecircncia

aplicadas contra os povos indiacutegenas ribeirinhos posseiros e trabalhadores rurais no

Araguaia satildeo em geral consequecircncia das lutas pela posse da terra sobretudo nas

deacutecadas de 1970 1980 e 1990 Naquele periacuteodo as disputas foram marcadas por

embates intensos entre trabalhadores rurais indiacutegenas empresaacuterios comerciantes

fazendeiros e posseiros deixando sequelas sociais profundas Vale lembrar ainda que

esses acontecimentos marcaram a trajetoacuteria de luta pela vida e a memoacuteria dos sujeitos

histoacutericos na dinacircmica de reocupaccedilatildeo e apropriaccedilatildeo dos espaccedilos rurais da aacuterea

Diante do cenaacuterio de luta pela sobrevivecircncia e tentativas de conquistar a

posse da terra eacute bem possiacutevel aceitar e afirmar que se natildeo fosse o apoio e as accedilotildees

poliacuteticas de algumas instituiccedilotildees como a Prelazia de Satildeo Felix do Araguaia da

56

Comissatildeo Pastoral da Terra (CPT) e os Sindicatos dos Trabalhadores Rurais em favor

dos posseiros e indiacutegenas o territoacuterio do Araguaia hoje teria outra configuraccedilatildeo social

e cultural Da mesma maneira teriacuteamos outras histoacuterias e outras relaccedilotildees sociais para

analisar e compreender a dinacircmica da vida ldquocampesinardquo na luta por seus ideais

Essas circunstacircncias satildeo tatildeo especiais que o proacuteprio aparato estatal

reconheceu os esforccedilos das instituiccedilotildees sociais e religiosas na proteccedilatildeo amparo e

contribuiccedilatildeo para com a vida dos ldquopequenosrdquo lutadores pela vida Esses documentos

por exemplo demonstram os acontecimentos para o MDA (2014 p 17) da seguinte

maneira

Cabe destacar ainda o importante papel da Igreja e dos

sindicatos dos trabalhadores rurais na intermediaccedilatildeo dos

conflitos agraacuterios e no proacuteprio processo de ocupaccedilatildeo atraveacutes da

organizaccedilatildeo das comunidades rurais e estruturaccedilatildeo dos

municiacutepios Ainda hoje a CPT realiza accedilotildees de fiscalizaccedilatildeo e

denuacutencias de trabalho escravo e violecircncia no campo na

microrregiatildeo norte Araguaia

Em plena concordacircncia com o significado atribuiacutedo pelo MDA reafirmamos

que os posseiros e trabalhadores rurais do territoacuterio do Araguaia recorreram a diferentes

estrateacutegias e instituiccedilotildees reordenando determinadas estrateacutegias diante do processo de

reocupaccedilatildeo territorial que ora se revelavam ldquoespontaneamenterdquo ora se mostraram de

forma pensada e arquitetada ganhando singularidades adequadas e bem ordenadas

quando articuladas agrave CPT e agrave Prelazia de Satildeo Felix do Araguaia

Tais instituiccedilotildees desenvolveram eficientes accedilotildees projetivas e formativas das

equipes dos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais da aacuterea marcadas por distintos tipos

de comportamentos e de relaccedilotildees proacuteximas entre sujeitos e instituiccedilotildees produzindo

diversos significados na vida de um povo de uma instituiccedilatildeo ou de uma autoridade

Assim ao apresentar o livro Conquistar a Terra reconstruir a Vida lanccedilado

em comemoraccedilatildeo aos dez anos de existecircncia da CPT uma das mais importantes

autoridades religiosas daquela aacuterea o bispo da Prelazia de Satildeo Feacutelix do Araguaia Dom

Pedro Casaldaacuteliga resolveu de uma maneira poeacutetica e profeacutetica produzir sentido como

um cacircntico de liberdade e de determinaccedilatildeo de um povo registrando sua compreensatildeo da

seguinte forma

57

Celebrar os dez anos da Comissatildeo Pastoral da Terra deve ser

simultaneamente um ato penitencial uma memoacuteria de martiacuterio

e uma cantiga rural de accedilatildeo de graccedilas

A CPT tem os seus pecados Inimigos e amigos cuidaram e

cuidam de lembraacute-lo oportuna e inoportunamente E isso nos

faz Ser criacuteticos e autocriacuteticos deveria ser um traccedilo de

identidade marcante em toda a pastoral que se queira

historicamente engajada e fiel ao ritmo popular A accedilatildeo de

graccedilas queremos cantaacute-la porque o Deus dos Pobres da Terra

se tem feito presente de muitos modos nesta nossa caminhada

entre os lavradores e os agentes na proacutepria CPT e a partir dela

em outros setores da Igreja do Brasil e tambeacutem em Igrejas e

movimentos rurais da Ameacuterica Latina que a CPT de alguma

maneira atingiu com suas contribuiccedilotildees

Superados o tempo da saudade e a saudade- que nem todos

conseguem superar- daquela Accedilatildeo Catoacutelica e seus derivados

mais com o esquema da Igreja ldquosociedade perfeita paralela agrave

sociedade humana a CPT trouxe inegavelmente agrave Igreja do

Brasil uma novidade pastoral seguindo o jeito pioneiro do

CIMIrdquo

[] Sei que muitos mais ou menos amigos- reclamaram com

frequecircncia do ldquoPrdquo nem sempre bem vivido da nossa CPT

agora mocinha de 10 anos Outros reclamaram do ldquoTrdquo

obsessivamente vivido pela CP segundo eles

(CASALDAacuteLIGA 1985 p 7-8)

Percebemos no texto uma evidente preocupaccedilatildeo de Dom Pedro Casaldaacuteliga

em reconhecer os ldquopecados da CPTrdquo que satildeo constantemente debatidos por ldquoinimigos e

amigosrdquo que apontam os problemas causados pelas accedilotildees da CPT e da Prelazia de Satildeo

Feacutelix do Araguaia As criacuteticas quanto ao fato da CPT ser uma ldquopastoralrdquo satildeo

evidenciadas pelo bispo que sabe que muitos satildeo os criacuteticos dessa forma de organizaccedilatildeo

e luta pastoral mas pondera que

Com a graccedila do Senhor da Terra e na marcha diaacuteria para a Terra

Prometida que se recebe e se conquista desafio histoacuterico e dom

escatoloacutegico procuramos conjugar melhor com mais garra

com nova alegria mais autenticamente evangeacutelicos e rurais o

ldquoP‟ e o ldquoTrdquo de uma Pastoral da Terra criacutetica livre e servidora A

foacutermula providencial da CPT estaacute longe de se esgotar

(CASALDAacuteLIGA 1985 p 8)

Logo Dom Pedro aponta para a necessidade de a CPT ter sua praacutetica

ancorada na necessidade dos atores sociais e que essa situaccedilatildeo estaacute ldquolonge de se

esgotarrdquo Ressaltamos que mesmo diante de equiacutevocos praticados a atuaccedilatildeo dessa

instituiccedilatildeo e de seus agentes foi decisiva para a dinacircmica da luta pela terra no Araguaia

58

Nas palavras de Dom Pedro fica evidente o caraacuteter de uma consciecircncia dos

atores sociais para a luta

Queria e quero estar evangelicamente - evangelizadoramente

tambeacutem - em meio ao povo lavrador reforccedilando sua

consciecircncia e a coragem unida de suas lutas sem entretanto

substituir jamais suas organizaccedilotildees autocircnomas sem dirigi-lo

condicionadamente Ouvindo-o muito mais perto Ajudando

toda a Igreja do Brasil a se aproximar desse povo profeacutetica e

servidora Voltando- se tambeacutem para a opiniatildeo puacuteblica do paiacutes

como porta-voz de emergecircncia e alto falante privilegiado do

clamor dos lavradores durante este escuro tempo nacional que

proibia ou tergiversava ou ignorava a voz do povo

(CASALDAacuteLIGA 1985 p 7)

O bispo ainda fez uma anaacutelise de conjuntura em que a luta pela terra os

direitos e a permanecircncia nela natildeo satildeo problemas superados

Gostaria de acrescentar apenas que esse tempo escuro mal

comeccedila a clarear A Nova Repuacuteblica pode muito bem ser uma

nova ilusatildeo uma nova fraude Os senhores deste mundo nosso

colonizado e dependente poderatildeo permitir que mudem os

governos e ateacute os regimes e ateacute os regimes filiais sempre que se

preserve a alma sem alma do sistema E com se mantenha o

sacrifiacutecio do Povo e sua escravidatildeo particularmente no campo

sempre cobiccedilado pelos sucessivos impeacuterios

E porque esse tempo natildeo passou ainda- amanhece na incerteza-

a Igreja toda do Brasil e a CPT em sua missatildeo especiacutefica

deveratildeo se hoje mais do que nunca servidoras alertadas do

Povo dos pobres De um jeito novo sem duacutevida mais fina a

profecia mais plural a presenccedila do diaacutelogo mais largo os

passos mais concretos []

Como me sinto parte nesta causa natildeo entro em mais juiacutezos Eu

e a CPT carregados carregamos no coraccedilatildeo um monte de nomes

entranhados que o senhor sem duacutevida escreveraacute com terra e

sangue no Livro da Terra Este livro jubilar de palavras e papel

sirva para recordar para avaliar para estimular a caminhada

sempre fiel e sempre nova (CASALDAacuteLIGA 1985 p 10)

Atraveacutes das palavras do bispo Dom Pedro podemos compreender melhor a

perspectiva da accedilatildeo da CPT e o significado da relaccedilatildeo entre posseiros e as instituiccedilotildees

religiosas especificamente atraveacutes de seus agentes e grupos sociais muacuteltiplos e diversos

que vivem no Araguaia indiacutegenas retireiros trabalhadores rurais posseiros sertanejos

peotildees dentre outros grupos sociais ligados agrave terra e ao trabalho

59

Dom Pedro utiliza palavras esforccedilando-se para natildeo julgar natildeo ofender natildeo

dividir natildeo pregar o oacutedio evitando falar sobre o desafio do poder constituiacutedo ou das

forccedilas dos poderes sociais e econocircmicos visiacuteveis na sociedade Ao contraacuterio reconhece

o valor das lutas relembra a anguacutestia e a necessidade delas valoriza a opccedilatildeo feita para

construir uma histoacuteria de uma instituiccedilatildeo e acima de tudo compromete-se com os

grupos sociais fragilizados e vitimizados do Araguaia

Seus escritos soam como um lamento como um choro de alegria por ter

realizado o sonho de estar partilhando a vontade de vencer e sobreviver na sociedade

capitalista Portanto trata-se nessa longa citaccedilatildeo de uma arte de compor a frase de

compor o sentido dos acontecimentos em belas frases de mergulhar no mundo das

letras para reafirmar questotildees sublimes da sensibilidade humana que se deslocam agraves

instituiccedilotildees colocando em movimento um conjunto de recursos que servem para a luta

na disputa pela terra e em defesa dos socialmente fragilizados Talvez seja este

fragmento de texto uma oraccedilatildeo que orientou seu sentido de vida enfim que o moveu

para o terreno da poliacutetica da Igreja Catoacutelica em defesa de setores sociais empobrecidos

Sem descuidar da compreensatildeo deles a Igreja ampliando o trajeto para

multiplicar nossa capacidade de conhecer possibilitou que compreendecircssemos outras

contribuiccedilotildees Assim para Ferreira Fernaacutendez e Silva (1999) a histoacuteria dos

assentamentos rurais em Mato Grosso natildeo foge agraves caracteriacutesticas de outras regiotildees do

Brasil A maior parte deles eacute resultado da luta dos posseiros que demandavam terra e

moradia

A partir daqui nossa visatildeo da disputa pela terra se amplia no sentido de

perceber a intervenccedilatildeo de setores sociais em defesa de seus respectivos grupos Cada

um deles possui uma agremiaccedilatildeo que produz a disputa no terreno da religiatildeo ou da

poliacutetica Compreendida desta forma fica mais intensa nossa necessidade de estudar

ainda mais a participaccedilatildeo dos movimentos sociais sindicais e religiosos na luta pela

terra

Isso porque a primeira vitoacuteria de uma luta pela terra tem como fator decisivo

a posse de um territoacuterio e isso depende das relaccedilotildees que se estabelecem Por isso de

acordo com Fernandes (1996 p 181) ldquo[] O assentamento eacute o territoacuterio conquistado

eacute portanto um novo recurso na luta pela terra que significa parte das possiacuteveis

conquistas representadas sobretudo a possibilidade da Territorializaccedilatildeordquo

60

Sendo assim eacute relevante compreender as diversas accedilotildees que envolvem o

processo de luta e conquista da terra sendo preciso compreender as taacuteticas de luta e as

estrateacutegias ordenadas para a conquista e natildeo conhecer apenas o ato de regularizaccedilatildeo

oficial do assentamento rural Afinal a oficializaccedilatildeo de um assentamento rural natildeo diz

tudo sobre a luta pela terra Apenas legitima sua posse de acordo com as orientaccedilotildees

estatais

Portanto as relaccedilotildees produzidas as accedilotildees articuladas de maneira organizada

entre sujeitos e instituiccedilotildees levam a um novo mundo de reconfiguraccedilatildeo das afinidades

Nessa mesma perspectiva Salazar (2005 p 217) afirma que

Em um mesmo territoacuterio se pode encontrar diferentes

assentamentos humanos articulados entre si ou natildeo na medida

em que cumprem um papel social econocircmico cultural e

poliacutetico dentro da sociedade que o faz possiacutevel e dentro do

sistema econocircmico ao qual se vinculam O caraacuteter e o

desenvolvimento das poliacuteticas estatais frente ao territoacuterio e agrave

populaccedilatildeo tambeacutem condicionam a apropriaccedilatildeo que faccedila [sic] a

sociedade do espaccedilo e seus recursos

Agrave luz da concepccedilatildeo do autor pode-se considerar que os assentamentos rurais

constituem vivecircncias e experiecircncias e satildeo permeados por relaccedilotildees fortemente marcadas

por disputas e perspectivas de poder interesses intenccedilotildees poliacuteticas e percepccedilotildees

diferentes acerca da funccedilatildeo e das relaccedilotildees constituiacutedas entre o Estado e a Sociedade

entre os proacuteprios participantes e componentes das organizaccedilotildees sociais

Logo as poliacuteticas puacuteblicas direcionadas aos assentamentos rurais criam

tambeacutem elementos de competiccedilatildeo pelo poder na medida em que lhes satildeo atribuiacutedos

novos sentidos e significados Isto se deve ao fato de que eacute atraveacutes das praacuteticas e dos

discursos que os diferentes sujeitos histoacutericos criam e recriam a representaccedilatildeo acerca da

funccedilatildeo dos assentamentos rurais

Ao considerar os muacuteltiplos contextos no que concerne agraves condiccedilotildees de luta

dos assentados pela Reforma Agraacuteria percebemos que estes atores sociais recorreram a

diferentes estrateacutegias para atraiacuterem a atenccedilatildeo das autoridades enquanto Poder Puacuteblico

No cenaacuterio das disputadas nos movimentos de organizaccedilatildeo das lutas nas composiccedilotildees

coletivas para enfrentamento das individualidades do poder econocircmico e diante da

violecircncia que sempre emergiu na luta pela terra desde os recursos proporcionados pela

miacutedia ateacute o enfrentamento com pistoleiros e fazendeiros os agentes que reivindicam

61

terra disputam a articulaccedilatildeo entre sujeitos e instituiccedilotildees entre oacutergatildeos e instacircncias de

poder

Esse movimento natildeo se limita somente ao enfrentamento dos portadores de

tiacutetulos e ou proprietaacuterios de terra ou entre grandes posseiros ou grileiros de terras

puacuteblicas Necessariamente os estudos devem caminhar no sentido de perceber outras

variaccedilotildees no seu interior

Conforme Ferreira Fernaacutendez e Silva (2009 p 197)

Em Mato Grosso as poliacuteticas de assentamento dos

trabalhadores rurais principalmente a colonizaccedilatildeo (oficial e

privada) e os assentamentos de reforma agraacuteria sobre vaacuterios

aspectos devem ser mais estudados de dupla matildeo certamente

natildeo se referem a daacutedivas mas agraves conquistas dos trabalhadores

em accedilatildeo conjunta com o estado O assentamento de reforma

agraacuteria eacute um processo em curso repleto de fatores positivos e

limitaccedilotildees que coloca no plano social poliacutetico econocircmico e

ambiental possibilidades de ecircxito da produccedilatildeo familiar no

campo

Os autores chamam a atenccedilatildeo para o fato de que ao tomarmos os

assentamentos rurais em Mato Grosso como objeto de estudo eles devem ser estudados

em uma perspectiva que aponte o percurso e os significados das lutas sociais frente agrave

conquista de novos territoacuterios Ao mesmo tempo natildeo devemos limitar nossos olhares

simplesmente para os conflitos entre os grupos sociais diferenciados mas tambeacutem para

os conflitos com o proacuteprio poder puacuteblico sem esquecer as transformaccedilotildees das

condiccedilotildees de vida das pessoas que vivem da produccedilatildeo familiar Assim eacute preciso

perceber que haacute cooperaccedilatildeo compartilhamento de interesses em alguns aspectos mas

em outras circunstacircncias tambeacutem existe a necessidade de intensificar nossos

conhecimentos sobre tais processos

Por outro lado os mesmos autores consideram como questatildeo importante

tambeacutem destacar que embora os assentamentos rurais em Mato Grosso se revelem

como uma alternativa promissora na dinamizaccedilatildeo da economia e promoccedilatildeo do

desenvolvimento local os mesmos ainda estatildeo longe de serem consolidados enquanto

poliacutetica puacuteblica

De maneira especial no que tange agraves accedilotildees do Estado no sentindo de

viabilizar a infraestrutura necessaacuteria ao desenvolvimento pleno da Agricultura Familiar

e de potencializar essa modalidade de produccedilatildeo como alternativa para manutenccedilatildeo do

62

conjunto social no territoacuterio de produccedilatildeo e no espaccedilo de trabalho em que se realiza mais

como ser humano e como trabalhador

Desse modo eacute possiacutevel afirmar que o artifiacutecio da Reforma Agraacuteria deve vir

sustentado pela intensificaccedilatildeo e realizaccedilatildeo de outros elementos para que de fato e de

direito sejam asseguradas as condiccedilotildees necessaacuterias agrave ascensatildeo social e econocircmica dos

agricultores familiares Para isso eacute preciso que surjam novas accedilotildees visando a alteraccedilatildeo

dos espaccedilos institucionais no acircmbito local e regional

Soacute assim haveraacute efetivamente a possibilidade de melhoria das condiccedilotildees de

vida daqueles que sobrevivem da produccedilatildeo nos assentamentos rurais Especialmente eacute

necessaacuterio compreender que melhorando a vida no campo melhoramos a vida na

cidade onde a maior parte da populaccedilatildeo depende dos que produzem no campo para se

alimentar e consequentemente para viver Esse deveria ser um principio poliacutetico de

cidadania para todos aqueles que se envolvem com a disputa pela terra e com a luta pela

conquista do territoacuterio de trabalho da populaccedilatildeo ldquocampesinardquo

O Projeto de assentamento rural se contemplado com accedilotildees do Estado

favorece o desenvolvimento econocircmico local desde que as poliacuteticas puacuteblicas

implementadas nos assentamentos rurais sejam direcionadas para o seu fortalecimento

oferecendo-lhes maior potencial econocircmico cultural e social com um planejamento que

lhes decirc sustentaccedilatildeo numa perspectiva de meacutedio e em longo prazo sem esquecer que

qualificar a produccedilatildeo ldquocampesinardquo significa tambeacutem promover o desenvolvimento do

comeacutercio e de outros setores da economia otimizando accedilotildees para novos padrotildees de

organizaccedilatildeo e melhoria das condiccedilotildees de vida da populaccedilatildeo urbana

Em relaccedilatildeo agraves poliacuteticas de Reforma Agraacuteria no Brasil Bergamasco amp Norder

(1996) consideram que os assentamentos rurais exercem papel importante no panorama

rural brasileiro de modo particular por contribuir de forma significativa nas

transformaccedilotildees sociais e econocircmicas por meio da geraccedilatildeo de novos empregos da

diminuiccedilatildeo do ecircxodo rural aumentando assim a produccedilatildeo e a oferta de alimentos Ou

seja os assentamentos rurais tecircm um papel significativo na produccedilatildeo agriacutecola do paiacutes

Para esses autores melhorar as condiccedilotildees de vida no campo sobretudo nos

assentamentos rurais significa elevar a situaccedilatildeo econocircmica da maioria das pessoas que

vive e depende da Agricultura Familiar como uacutenico meio e fonte de renda na garantia

do sustento familiar

63

Mas essas poliacuteticas puacuteblicas combinadas com poliacuteticas sociais passam por

um constante debate sobre redefiniccedilotildees e articulaccedilotildees a exemplo definir o que eacute um

assentamento rural o significado da territorializaccedilatildeo e da compreensatildeo do papel do

sujeito campesino na vida social de um povo Esse debate eacute promovido pela sociedade

civil que delibera demandas e propotildee mudanccedilas nos oacutergatildeos e instituiccedilotildees auxiliadoras

na sua concretizaccedilatildeo como o INCRA e o MDA em relaccedilatildeo aos assentamentos rurais e

suas poliacuteticas puacuteblicas

O MDA desde sua criaccedilatildeo em 199912

tem como incumbecircncia atuar na

Reforma Agraacuteria e seu reordenamento cumprindo papel fundamental na regularizaccedilatildeo

fundiaacuteria na Amazocircnia Legal promovendo o desenvolvimento sustentaacutevel da

Agricultura Familiar nas regiotildees rurais e de maneira singular atuando na identificaccedilatildeo

reconhecimento delimitaccedilatildeo demarcaccedilatildeo e titulaccedilatildeo das terras ocupadas pelos

remanescentes das comunidades quilombolas Logo esse ministeacuterio por meio do

INCRA desenvolve poliacuteticas puacuteblicas de realizaccedilatildeo de assentamentos rurais no paiacutes e a

ainda na contemporaneidade tem demonstrado algumas necessidades prementes

Assim para realizaccedilatildeo do seu mister a Instituiccedilatildeo ou oacutergatildeo principal do

Poder Puacuteblico que orienta a Questatildeo Agraacuteria o INCRA atualmente define projetos de

assentamento Rural (PA) como

[] um conjunto de unidades agriacutecolas independentes entre si

instaladas pelo INCRA onde originalmente existia um imoacutevel

rural pertencente a um uacutenico proprietaacuterio Cada unidade

chamada de parcela lote ou gleba eacute entregue a uma famiacutelia sem

condiccedilotildees econocircmicas para adquirir e manter um imoacutevel rural

por outras vias Os trabalhadores rurais que recebem o lote

comprometem-se a morar na parcela e a exploraacute-la para seu

sustento utilizando a matildeo de obra familiar e contando com

creacuteditos assistecircncia teacutecnica infraestrutura e outros benefiacutecios

de apoio ao desenvolvimento das famiacutelias assentadas Ateacute que

possuam a escritura do lote os assentados estaratildeo vinculados ao

INCRA e natildeo poderatildeo dispor da gleba sem anuecircncia ou

autorizaccedilatildeo do INCRA13

Como assinalado o assentamento rural na definiccedilatildeo apresentada pelo MDA

origina-se de um uacutenico imoacutevel rural que eacute dividido em vaacuterias partes denominada de

12

Criado atraveacutes da medida provisoacuteria 1911-12 13

Disponiacutevel em lthttpwwwincragovbrassentamentogt Acesso em 21082015

64

ldquoparcela lote ou glebardquo Essa compreensatildeo traz no seu bojo diversas possibilidades de

interpretaccedilatildeo sobretudo permite entender que se trata de eventuais processos estatais

na concretizaccedilatildeo da justiccedila agraacuteria oferecendo condiccedilotildees de trabalho agrave populaccedilatildeo que

se realiza se identifica e sobrevive da produccedilatildeo agriacutecola em pequena escala

Concluindo podemos afirmar que os assentamentos rurais no Araguaia mato-

grossense no que se refere a sua constituiccedilatildeo possuem caracteriacutesticas muito diferentes

do que eacute previsto nas diretrizes para a criaccedilatildeo dos assentamentos rurais definidas pelo o

Instituto Nacional de Colonizaccedilatildeo e Reforma Agraacuteria uma vez que os mesmos resultam

de atos de regularizaccedilatildeo e natildeo de criaccedilatildeo Diante disso precisamos articular nosso

pensamento voltando os olhares para os processos de duraccedilatildeo temporaacuteria diferente

para que possamos aproximar um pouco mais da realidade vivida

65

2 MEMOacuteRIAS DA REOCUPACcedilAtildeO HISTORICIZANDO OS

ASSENTANTAMENTOS RURAIS DE VILA RICA-MT (1980-2010)

Conforme analisado no capiacutetulo anterior eacute imprescindiacutevel a historicizaccedilatildeo do

processo de formaccedilatildeo dos assentamentos rurais do municiacutepio de Vila Rica-MT Para

tanto optou-se pelo recorte temporal 1980 a 2010 a partir da necessidade da proacutepria

anaacutelise A deacutecada de 1980 foi marcada pela emancipaccedilatildeo do municiacutepio de Vila Rica e

tambeacutem pela formaccedilatildeo dos primeiros assentamentos rurais A anaacutelise se estendeu ateacute o

periacuteodo mais recente devido agraves fontes e aos dados oficiais necessaacuterios para

compreensatildeo do enfoque proposto

O principal objetivo deste capiacutetulo eacute compreender a formaccedilatildeo e o

desenvolvimento dos assentamentos rurais de Vila Rica-MT problematizando o papel e

a atuaccedilatildeo das instituiccedilotildees e dos oacutergatildeos puacuteblicos como o INCRA Banco do Brasil

Empaer dentre outros aleacutem de instituiccedilotildees e entidades da sociedade civil mas tambeacutem

de movimentos sociais e sindicais como o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila

Rica CPT Prelazia de Satildeo Feacutelix do Araguaia e associaccedilotildees de pequenos produtores

rurais Para complementar a anaacutelise tornou-se indispensaacutevel buscar as accedilotildees e

estrateacutegias dos atores histoacutericos envolvidos na luta pela posse da terra

21 A transformaccedilatildeo das fazendas agropecuaacuterias em assentamentos rurais atraveacutes

da luta pela terra

Das sete fazendas agropecuaacuterias trecircs foram transformadas em Projetos de

assentamentos rurais em um periacuteodo inferior a duas deacutecadas Fazendas Ipecirc Aracati e

Satildeo Joseacute Algumas das narrativas oficiais sobre a colonizaccedilatildeo do municiacutepio declaram

que a Fazenda Porongaba cedeu parte da aacuterea que a colonizadora Vila Rica- MT Ltda

utilizou para realizar o loteamento do espaccedilo urbano

As aacutereas remanescentes dessas fazendas agropecuaacuterias foram sendo

reocupados atraveacutes das estrateacutegias de lutasresistecircncias utilizadas pelos colonos

posseiros parceleiros e pelos assentados14

Atraveacutes da dinacircmica de reocupaccedilatildeo e uso da

terra foram constituiacutedos oito assentamentos rurais regularizados pelo o INCRA neste

municiacutepio conforme dados da Tabela 1

14 Satildeo autodenominaccedilotildees das pessoas que residem nos assentamentos rurais de Vila Rica No

decorrer da pesquisa analisaremos como estas foram sendo construiacutedas neste contexto histoacuterico

66

Tabela 1 Assentamentos rurais de Vila Rica-MT

Fonte INCRA 2014

Na formaccedilatildeo de assentamentos rurais existem sujeitos histoacutericos que para o

INCRA satildeo considerados ldquoclientela de Reforma Agraacuteriardquo os quais se autodenominam

de maneiras diferentes ldquoparceleirosrdquo ou ldquoassentadosrdquo Nos assentamentos rurais do

Araguaia a denominaccedilatildeo mais utilizada eacute ldquoposseirordquo sobretudo quando se referem aos

primeiros tempos de formaccedilatildeo do assentamento rural no sentido de reafirmar que entre

os agricultores familiares haacute aqueles que se autodenominam posseiros como identidade

de luta pela posse da terra remetendo a um imaginaacuterio que os ligue umbilicalmente a

uma accedilatildeo tambeacutem de corajoso lutador e desbravador Ainda que seja em contraposiccedilatildeo

ao latifuacutendio o posseiro passa a se sentir um sujeito valente que ocupou resistiu e

conquistou a posse da terra Portanto uma identidade poliacutetica construiacuteda na luta pela

terra

Logo o termo posseiro aparece tambeacutem como um siacutembolo da resistecircncia aos

projetos agropecuaacuterios e agraves grandes fazendas que expropriam os trabalhadores rurais

Sem-terra uma vez que muitos jaacute se encontravam na aacuterea bem antes dos fazendeiros e

da implantaccedilatildeo dos projetos agropecuaacuterios

Conforme o relato de um assentado de Vila Rica obtido na pesquisa de

campo que realizamos em marccedilo de 2015 no Assentamento Rural Satildeo Joseacute eacute possiacutevel

afirmar que a denominaccedilatildeo de posseiro estaacute associada agraves estrateacutegias e condiccedilotildees de luta

pelo acesso agrave terra ldquo[] me vejo como posseiro Ser posseiro no Araguaia eacute assumir

que lutamos contra os fazendeiros que viviam do dinheiro emprestado do Banco sei o

Projeto de assentamento N de Famiacutelias Aacuterea (ha) Data Criaccedilatildeo

Colocircnia Bom Jesus 60 4457 25071996

Ipecirc 228 12099 28121998

Santo Antocircnio do Beleza 216 12100 10042001

Aracati 45 2110 05121996

Alvorada 49 32656 29121995

Itaporatilde do Norte 170 10641 11071996

Satildeo Joseacute da Vila Rica-MT 252 14262 28121998

Satildeo Gabriel 45 1985 28121998

Total 1065 60919 -

67

quanto foi difiacutecil viver sob a mira da morte pra ter essa terrinha e com ela poder

alimentar a minha famiacutelia []rdquo15

Trata-se de uma situaccedilatildeo de enfrentamento na luta

pela terra visando garantir a sobrevivecircncia e as condiccedilotildees miacutenimas de sustento da

famiacutelia

Assim como Castro (1996) o historiador Puhl (2003) nos chama atenccedilatildeo para

as caracteriacutesticas que definem o posseiro conceito construiacutedo a partir da percepccedilatildeo de

que esses agentes sociais tecircm ldquo[] ocupaccedilatildeo antiga de aacutereas devolutas ou sem

documentaccedilatildeo privada o uso direto da terra no trabalho de produccedilatildeo agropecuaacuteria a

residecircncia e o trabalho da famiacutelia na posse a resistecircncia agrave retirada ou expulsatildeo levada a

efeito por grileirordquo

Pereira (2013 p 11) corrobora esclarecendo que o termo posseiro possui

outros significados

[] as praacuteticas e os usos poliacuteticos desse conceito que o

produziram Eram considerados posseiros os trabalhadores

rurais que haacute muito tempo ocupavam aacutereas devolutas tidas

como posses antigas que natildeo apresentavam contestaccedilatildeo por

qualquer pessoa e nelas fizeram moradas habituais de suas

famiacutelias Contudo outra experiecircncia social comeccedila a sobrepor-

se a essas praacuteticas mais antigas Trabalhador rural sobretudo

migrante de outras regiotildees do paiacutes que lutavam pela terra quer

fossem aqueles que disputavam aacutereas de terras devolutas

consideradas novas simultaneamente com empresaacuterios

fazendeiros ou comerciantes tambeacutem migrantes quer fossem

aqueles que ocupavam imoacuteveis com tiacutetulos definitivos ou de

aforamentos passaram a ser vistos tambeacutem como posseiros Ou

seja os trabalhadores rurais apropriaram-se de uma designaccedilatildeo

ateacute entatildeo usada para significar os ocupantes de terras devolutas

consideradas antigas para ajustar-se a uma nova situaccedilatildeo ou

praacutetica social Esta apropriaccedilatildeo utilizada do conceito de

posseiro ganha uma dimensatildeo poliacutetica inusitada na luta pela

terra no Brasil

Em concordacircncia com este uacuteltimo autor asseguramos que o conceito de

posseiro pode ser compreendido enquanto resultado das praacuteticas de luta das quais os

conceitos satildeo resultados Neles os atores sociais se apropriam desse conceito para se

autonomear e ao mesmo tempo atribuir sentidos as proacuteprias atitudes de desafio ao

sistema de enfrentamento aos modelos existentes para os fazendeiros constituindo-se

enquanto uma categoria social formada por sujeitos histoacutericos de diferentes origens e

15 Joseacute Roberto Agricultor familiar em uma entrevista realizada pela autora em 2015

68

trajetoacuterias migratoacuterias os quais muitas vezes apresentam uma significativa

diferenciaccedilatildeo social

Devido agrave diversificaccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave situaccedilatildeo econocircmica e cultural entre as

pessoas que satildeo denominadas de clientela da Reforma Agraacuteria em Vila Rica-MT o

criteacuterio de distribuiccedilatildeo dos lotes nos assentamentos rurais passou a ser objeto de

questionamento por parte de alguns agricultores familiares o que eacute claro no relato feito

por um dos entrevistados durante a pesquisa que realizamos no mecircs de marccedilo de 2015

junto ao Assentamento Rural Ipecirc

Pode- se dizer que o INCRA tambeacutem eacute culpado pela evasatildeo dos

assentamentos rurais pois nem sempre ele leva em

consideraccedilatildeo se a pessoa que estaacute cadastrada tem ou natildeo

viacutenculo vocaccedilatildeo para ser Agricultor Familiar Os assentados

da Reforma Agraacuteria (alguns ) fizeram o cadastro jaacute pensando

em pegar a terra e depois vender [] Logo na primeira

dificuldade jaacute vende a propriedade dele pra outro Eu penso

que precisa olhar se a histoacuteria das pessoas que demandam por

terra em assentamento estaacute ligada com a luta pela terra vejo

que assim valorizava mais o assentamento [] E na verdade

na eacutepoca de assentar essas pessoas tinha um perfil de

assentando se olhar soacute pelo aspecto de renda miacutenima Mas

muitas natildeo tinham viacutenculo com a terra e atendiam apenas

esse perfil criado de forma subjetiva soacute levando em

consideraccedilatildeo a situaccedilatildeo econocircmica Penso que natildeo estavam em

desacordo com as exigecircncias para o cadastro do INCRA pois

atendiam aquelas exigecircncias burocraacutetica mas elas natildeo eram de

perfil de produtor ou trabalhador rural Aiacute foi onde ocorreu

uma evasatildeo do assentamento Eles natildeo tinham viacutenculo com a

terra pois esse cadastro do INCRA soacute verificava se a pessoa jaacute

tinha outro tiacutetulo no nome dela outra propriedade cadastrada

no nome se possuiacutea vinculo com o serviccedilo publico tipo se era

concursado em oacutergatildeo puacuteblico Logo podia ser que essas

pessoas estivessem enquadradas como produtor ou trabalhador

rural para o INCRA mas na verdade sempre moraram na

cidade nunca haviam trabalhado com a terra nunca tinham

criado um frango sequer nunca tiraram um litro de leite

(ENTREVISTA com Gilmar agricultor familiar de Vila Rica-

MT realizada pela autora em marccedilo de 2015) Grifos da autora

No municiacutepio de Vila Rica verificamos a partir da anaacutelise de documentos

que as origens de seus assentamentos rurais foram distintas mesmo que nos dados

oficiais indicados na Tabela 1 todos eram regularizados e reconhecidos pelo INCRA

na deacutecada de 1990

Quando verificamos os dados do Sindicato dos Trabalhadores Rurais do

municiacutepio de Vila Rica da Comissatildeo Pastoral da Terra e da Prelazia de Satildeo Feliz do

69

Araguaia os quais foram tambeacutem confrontados com os testemunhos orais dos

assentados identificamos que alguns dos assentamentos rurais datavam da deacutecada de

1980

Reafirmamos que suas histoacuterias estatildeo vinculadas agrave histoacuteria do Araguaia a

qual eacute marcada por uma seacuterie de conflitos no que tange agrave luta pela terra considerada

enquanto direito Direito pelo qual muitas vezes os posseiros e os indiacutegenas pagaram

com as suas proacuteprias vidas ou de seus parentes

Uma carta do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT evidencia

a complexidade em torno da luta pela posse da terra Esse registro foi apresentado ao

presidente do INCRA como base para uma anaacutelise da situaccedilatildeo das terras consideradas

improdutivas as quais em sua maioria eram remanescentes da Colonizadora Vila Rica

Ltda e que a desapropriaccedilatildeo das mesmas era condiccedilatildeo necessaacuteria para a sobrevivecircncia

dos trabalhadores que as reocuparam

Figura 5 Carta do Sindicato dos Trabalhadores Rurais para o INCRA (1990)

Fonte Arquivo do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT

2015

70

Ressaltamos que a exposiccedilatildeo dos argumentos dos dirigentes do Sindicato dos

Trabalhadores Rurais de Vila Rica teve por base a compreensatildeo de que as terras

remanescentes da colonizadora eram ldquoimprodutivasrdquo segundo os criteacuterios do Estatuto

da Terra Nessa situaccedilatildeo os proprietaacuterios deixavam de cumprir a funccedilatildeo social da terra

possibilitando sua desapropriaccedilatildeo legal para fins de Reforma Agraacuteria

Apesar da ocorrecircncia de reivindicaccedilotildees formalizadas via cartas ofiacutecios e

outras formas de solicitaccedilatildeo feitas aos oacutergatildeos responsaacuteveis pela Questatildeo Agraacuteria no

Araguaia mato-grossense alguns relatos orais descreveram a reocupaccedilatildeo das fazendas

como uma accedilatildeo implementada de maneira paciacutefica por parte dos posseiros Poreacutem

houve tambeacutem atitudes e praacuteticas de violecircncia na accedilatildeo de alguns fazendeiros em relaccedilatildeo

agrave expulsatildeo dos posseiros A luta pela posse da terra no municiacutepio de Vila Rica ocorreu

de forma conflituosa Embora natildeo tatildeo violentos como em outros municiacutepios como em

Santa Terezinha em Porto Alegre do Norte e em outros onde vaacuterios posseiros foram

mortos por fazendeiros

Vale destacar que muitas pessoas que reocuparam as aacutereas de fazendas hoje

assentamentos rurais em Vila Rica eram em sua maioria membros associados ao

Sindicato dos Trabalhadores Rurais daquele municiacutepio Quando estaacutevamos em atividade

de visita ao um dos assentamentos durante a pesquisa de campo uma assentada nos

relatou queldquo[] o papel do Sindicato geralmente era o de solicitar a regularizaccedilatildeo da

terra bem como o processo de formaccedilatildeo e o de organizaccedilatildeo da base no caso os

trabalhadores pobre sem terra principalmente os filiados do STRrdquo (ENTREVISTA

com Clainir Agricultora Familiar membro da direccedilatildeo do STR realizada pela autora em

marccedilo de 2015) O Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica tambeacutem fazia a

mediaccedilatildeo entre os assentados e o Poder Puacuteblico sobretudo com o INCRA Foi esse

sindicato que orientou a criaccedilatildeo das associaccedilotildees conforme o relato a seguir

[] noacutes do sindicato trabalhaacutevamos visando evitar os conflitos

e o processo de despejo pois priorizaacutevamos a montagem e a

reinvindicaccedilatildeo do processo de desapropriaccedilatildeo das fazendas a

demarcaccedilatildeo dos lotes homologaccedilatildeo cadastramento e o

assentamento das famiacutelias [] E depois os posseiros iam

pleitear as linhas de credito para habitaccedilatildeo e

alimentaccedilatildeofomento depois as demais linhas do Pronaf A

Pronaf C e outros investimentos de custeio Eacute assim que comeccedila

os assentamentos esse processo eacute geral em todo lugar Quando

71

digo que agente noacutes do sindicato evitava conflito natildeo estou

dizendo que conseguimos pois eacute importante lembrarmos que

tivemos muitos momentos complicados Houve ameaccedilas de

morte teve despejos de posseiros teve gente que perdeu tudo

que havia plantado quando foram expulsos da terra Ainda bem

que sempre podemos contar com o suporte da Igreja e da CPT

se natildeo fosse essas instituiccedilotildees noacutes estariacuteamos numa situaccedilatildeo

muito pior assentamento eacute luta nessa regiatildeo do Araguaia

Entatildeo nem se fala teve quem pagou com a vida Hoje fico

vendo muitos assentados vendendo suas terras a preccedilo de nada

e reclamando de dificuldades fico pensando o povo parece que

agraves vezes esquece a luta O INCRA eacute fundamental mas erra

tambeacutem quando coloca gente na terra sem levar em conta que

para viver no campo precisa ter aptidatildeo para trabalhar na

terra Percebo que mais esvazia o assentamento eacute quem natildeo

sabe lidar com roccedila (ENTREVISTA Ibidem)

Os serviccedilos voltados para a melhoria da infraestrutura como estradas pontes

e outras benfeitorias nos ldquoprimeiros temposrdquo de formaccedilatildeo dos assentamentos rurais

eram feitos pelos proacuteprios moradores A prefeitura alegava que natildeo dispunha de

recursos para investir em assentamentos rurais que ainda natildeo haviam sido regularizados

Essa situaccedilatildeo foi praticamente igual em todos os assentamentos rurais oriundos da

reocupaccedilatildeo de fazendas de Vila Rica-MT

Os espaccedilos puacuteblicos como escola barracatildeo da associaccedilatildeo Igreja campo de

futebol etc estatildeo geralmente localizados nas antigas sedes das fazendas Isso se repete

em todos os assentamentos rurais estudados em Vila Rica-MT

22 Os assentamentos rurais do municiacutepio de Vila Rica-MT

O processo de formaccedilatildeo dos assentamentos rurais no municiacutepio mato-

grossense de Vila Rica natildeo ocorreu de modo linear nem mesmo obedeceu a uma

padronizaccedilatildeo Portanto faz-se necessaacuterio problematizar a formaccedilatildeo de cada um deles

individualmente lanccedilando matildeo de diferentes fontes documentais Alguns assentamentos

rurais possuem documentos e outros tecircm sua historicidade presente somente na

memoacuteria dos assentados Daiacute a importacircncia de se conhecer as singularidades descritivas

desses ldquoadereccedilos sociaisrdquo procurando trazer para o diaacutelogo a forma constitutiva de cada

um deles

A trajetoacuteria construiacuteda pelos agricultores familiares estaacute presente em suas

memoacuterias as quais podem ser mais bem compreendidas quando nos remetemos agrave

72

concepccedilatildeo definida por Thompson (1992) segundo o qual a memoacuteria eacute constituiacuteda a

partir da habilidade que os indiviacuteduos tecircm em compreender suas experiecircncias bem

como o interesse deles em contar as suas experiecircncias de vida uma vez que as

lembranccedilas se revelam de forma mais concisa quando o relembrar dos acontecimentos

estaacute correspondendo aos seus proacuteprios interesses e necessidades

Daiacute a importacircncia em se atentar tambeacutem ao que natildeo estaacute dito e ao que natildeo

pode ser dito pelo narrador Neste caso o silenciamento sobre determinados temas

constituem relativa importacircncia para intensificar a seguranccedila que o entrevistado tem ou

quer passar nas proacuteprias narrativas Para tanto eles selecionam o que dizem e aquilo que

natildeo deve se tornar puacuteblico Um exemplo obtido atraveacutes de entrevista com um dos

assentados chamou a atenccedilatildeo pela forma como ele gesticulava ao contar sua trajetoacuteria

de vida Foi possiacutevel perceber o quanto as questotildees natildeo ditas mencionadas por

Thompson (1992) tornam-se relevantes na praacutetica de trabalhos que dependem da

metodologia das fontes orais como no caso dessa pesquisa

Ao relatar a sua trajetoacuteria de vida o depoente sentado em uma cadeira

encostando-se a uma aacutervore e com as pernas balanccedilando passava ldquoaos meus olhosrdquo a

sensaccedilatildeo de ser uma pessoa muito tranquila para falar sobre si e seus afazeres

Revelava-se estar muito orgulhoso do siacutetio que tinha mas no decorrer da entrevista foi

perceptiacutevel que quando o assunto natildeo o agradava por se tratar de algo que o marcou

como uma experiecircncia que natildeo lhe remetia para boas lembranccedilas ele parava de balanccedilar

as pernas e baixava a cabeccedila A projeccedilatildeo de futuro foi um assunto que evidentemente

natildeo o agradava quando afirmou

[] sofro muito soacute em pensar o que possa acontecer se eu

morrer primeiro ela vai ter que vender e dividir entre os filhos

pois natildeo daraacute conta de cuidar sozinha Se eacute ela quem morre

primeiro sou eu quem teraacute que vender Isso sim eacute doiacutedo pra

noacutes depois de tanta luta pra organizar o siacutetio terminar nas

matildeos de sei laacute quem Esse siacutetio pra mim natildeo tem preccedilo mas eacute

uma pena que nossos filhos natildeo pensam igual Quando eles

querem um dinheiro dizem ldquomatildee pai me manda aiacute tantordquo mas

vejo que o forte deles natildeo eacute morar no siacutetio (ENTREVISTA

com Joatildeo Neto agricultor Familiar do assentamento Satildeo Joseacute

realizada pela autora em marccedilo de 2015)

O relato possibilita a reflexatildeo sobre os diversos significados produzidos a

respeito da concepccedilatildeo e das formas de usos da terra para os agricultores familiares

como o significado da posse da terra a relevacircncia das lutas e da conquista assim como

73

a busca pela continuidade da tradiccedilatildeo na convivecircncia com o espaccedilo rural Aleacutem da

preocupaccedilatildeo praacutetica com a falta de continuidade familiar no trabalho do siacutetio existe

uma preocupaccedilatildeo com o futuro incerto capaz de apagar da memoacuteria o viacutenculo desse

agente histoacuterico com a terra Percebe-se o desejo de eternizar esse viacutenculo e o valor

sentimental dessa terra que para ele natildeo tem preccedilo

A narrativa torna possiacutevel identificar o papel dos agentes histoacutericos na

construccedilatildeo da historiografia agraacuteria de Mato Grosso As pesquisas natildeo datildeo muita

importacircncia aos assentamentos rurais mais particularmente agraves trajetoacuterias de vida dos

agricultores familiares

Por outro lado as evidecircncias mostram que os assentados exercem um papel

importantiacutessimo na formaccedilatildeo dos assentamentos rurais Nesse sentido eles natildeo podem

estar agrave ldquomargemrdquo das lutas travadas pelas instituiccedilotildees agraves quais estatildeo vinculados No

caso de Vila Rica-MT as entidades que se destacam nas narrativas sobre as lutas pela

terra satildeo a CPT o Sindicato dos Trabalhadores Rurais a Prelazia de Satildeo Feliz do

Araguaia e o INCRA

221 O Assentamento Rural Satildeo Joseacute

O Assentamento Rural Satildeo Joseacute em Vila Rica-MT resultou de uma

reocupaccedilatildeo que teve iniacutecio no ano de 1995 Foram os proacuteprios ldquoposseirosrdquo que

demarcaram os seus lotes e construiacuteram as casas provisoacuterias que eram cobertas de palha

e lona Posteriormente os ocupantes comeccedilaram a cultivar roccedilas para o consumo

proacuteprio e outras atividades como a pesca a caccedila e a extraccedilatildeo de madeira (EMPAER

2010)

Segundo relato de um dos assentados a estruturaccedilatildeo dos lotes em termos de

construccedilotildees estruturais e preparaccedilatildeo do solo para o cultivo eram realizadas atraveacutes do

trabalho dos proacuteprios assentados Joatildeo Neto diz ldquo[] eu e a minha esposa fizemos tudo

isso plantamos tudo que tem nesse siacutetio tudo escolhido por noacutes cada plantinha dessa

aqui eacute do sitio que a gente viverdquo (ENTREVISTA com Joatildeo Neto agricultor Familiar do

assentamento Satildeo Joseacute realizada pela autora em marccedilo de 2015)

Outro relato permite identificar algumas ocorrecircncias instigantes relacionadas

agrave formaccedilatildeo do Assentamento Rural Satildeo Joseacute

74

[] o Projeto de assentamento Satildeo Joseacute eacute resultado da invasatildeo

invasatildeo natildeo essa natildeo eacute a palavra apropriada para designar o

que fizemos Na verdade noacutes ocupamos uma fazenda que jaacute

natildeo estava mais produzindo Geralmente quem fala invasatildeo

satildeo pessoas que se colocam contra os assentamentos rurais

[] Em 1997 isso tudo foi ocupado por pessoas que moravam

na cidade sem-terra e filhos de pequenos agricultores [] E

foi assim que a antiga Fazenda Satildeo Joseacute se transformou em um

assentamento rural ou melhor P A Satildeo Joseacute eacute assim que a

gente costuma chamar (ENTREVISTA com Clainir Mafra

Agricultora familiar assentada no PA Satildeo Joseacute realizada pela

autora em marccedilo de 2015)

Nesta narrativa sucinta percebe-se que diferentes satildeo as denominaccedilotildees de

agentes histoacutericos em cena O argumento principal eacute que eles natildeo satildeo ldquoinvasoresrdquo e sim

ldquomoradores da cidaderdquo ldquosem terrasrdquo e ldquofilhos de pequenos agricultoresrdquo demonstrando

uma construccedilatildeo de identidade daqueles que reocuparam a Fazenda Satildeo Joseacute ligada agrave

terra e agrave necessidade de sobrevivecircncia uma vez que satildeo legiacutetimos ocupantes como os

ldquofilhos de pequenos produtoresrdquo que precisam de mais terra para se reproduzir

socialmente e continuar o viacutenculo familiar com a terra

Fazendeiros proprietaacuterios filhos de pequenos agricultores moradores da

cidade e sem-terra se colocam como posseiros que participaram da luta pela terra

Percebe-se que a formaccedilatildeo do assentamento rural se deu a partir dessa luta que ocorreu

graccedilas agrave uniatildeo dos posseiros

Na verdade a gente natildeo era bobo quando ocupamos uma aacuterea

que iraacute ser assentamento Natildeo adianta querer crescer o olho

pois o INCRA tem o seu modo de medir a terra entatildeo o certo eacute

tirar o siacutetio no tamanho certinho assim natildeo complica Noacutes

agiacuteamos em conjunto meio assim uns por todos []

(ENTREVISTA com Clainir Mafra Agricultora familiar

assentada no PA Satildeo Joseacute realizada pela autora em marccedilo de

2015)

Atraveacutes do relato citado percebemos que os posseiros se adaptavam aos

criteacuterios do INCRA e tinham na uniatildeo uma ferramenta poliacutetica capaz de fortalececirc-los e

agregar conhecimentos e experiecircncias capazes de fundamentar estrateacutegias para

conseguir o direito agrave terra A uniatildeo para a abertura das aacutereas a serem reocupadas eacute

evidenciada no seguinte relato oral

75

[] acho que eacuteramos em meacutedia umas 200 ou 250 pessoas que

ocuparam e jaacute foram demarcando suas aacutereas usando foice

facatildeo machado e motosserra alguns que tinham motosserra a

maioria era com a foice e o machado na estrada no Rio Satildeo

Marcos com aacutegua Fizemos os barracos derrubando

plantando arroz milho e pensando em formaccedilatildeo de pasto

(ENTREVISTA com Joatildeo Neto assentado Satildeo Joseacute realizado

pela autora em marccedilo de 2015)

Esse depoimento demonstra a capacidade de uniatildeo e a organizaccedilatildeo dos

posseiros A diferenciaccedilatildeo social entre eles natildeo travou sua organizaccedilatildeo O relato a

seguir mostra essa relaccedilatildeo

Muita gente pobre pobre mesmo Mas natildeo posso negar que um

ou outro que ocupou a terra como posseiro quando na verdade

natildeo tinha o perfil pois tinha dinheiro Por mais que o Sindicato

fala ldquoacompanha e orienta semprerdquo passa algum que estaacute

fora do padratildeo dos agricultores familiares Eacute assim agraves vezes

nem o sindicato e nem o INCRA tem como controlar tudo ateacute

porque as pessoas tecircm um comeacutercio ou algum outro meio de

ganhar dinheiro mas natildeo estaacute no nome dela e daiacute o que haacute de

fazer eacute complicado achar que vai controlar essas coisas tudo

(ENTREVISTA com Joatildeo Neto assentado Satildeo Joseacute realizada

pela autora em marccedilo de 2015)

Percebemos que entre os proacuteprios posseiros era evidente que nem todos

possuiacuteam o ldquoperfilrdquo de agricultores familiares ou segundo criteacuterio do INCRA se

enquadrava como ldquoclientela de Reforma Agraacuteriardquo Era recorrente a percepccedilatildeo de que

estes oacutergatildeos e entidades que acompanharam o processo natildeo tinham condiccedilotildees objetivas

de definir com precisatildeo quem tinha o perfil e quem deveria ser impedido de tomar

posse dos lotes que constituem o Assentamento Rural Satildeo Joseacute

Para aleacutem da questatildeo da diferenciaccedilatildeo dos posseiros outro fato importante eacute

que eles adquiriram lotes de qualidade duvidosa uma vez que a terra estava em situaccedilatildeo

de degradaccedilatildeo extrema poreacutem aceitaram-na visto natildeo dispor de capital financeiro para

investir em tecnologias de melhoramento do solo somado agrave falta de infraestrutura e

dificuldade de acesso para uma parte dos assentados

76

Ah Tem uma coisa que lembrei pra te contar Eacute que tem uma

parte que foi denominada de Jamaica por ser de difiacutecil acesso

era muito complicado para a gente chegar laacute Coitados dos que

foram para aquela parte de laacute sofreram o isolamento natildeo

tinha entrada por causa do rio Satildeo Marcos e assim ficaram por

um bom tempo Aiacute eacute o que digo sempre jaacute foi difiacutecil pra gente

imagina para aqueles coitados de laacute (ENTREVISTA com Joatildeo

Neto assentado Satildeo Joseacute realizado pela autora em marccedilo de

2015)

Aleacutem da diferenciaccedilatildeo entre os posseiros das dificuldades do espaccedilo social

conquistado o entrevistado destaca que natildeo ocorreram conflitos entre o proprietaacuterio da

Fazenda Satildeo Joseacute e os posseiros No entanto as dificuldades vivenciadas por eles

foram inuacutemeras sobretudo para aqueles posseiros que ocuparam as aacutereas mais distantes

da estrada

Eu falo sempre aqueles primeiros tempo era o que podemos

chamar de tempos das dificuldades Eacute como eu te disse antes

aqui natildeo teve conflito como teve em outros assentamentos

Acho que isso foi porque o fazendeiro devia para o banco pois

fez empreacutestimo para manter a fazenda assim diz o povo mas

sabe se isso eacute verdade [] Entatildeo isso fez com que natildeo

houvesse conflito entre os fazendeiros e os posseiros []

(ENTREVISTA com Joatildeo Neto assentado Satildeo Joseacute realizada

pela autora em marccedilo de 2015)

O relato revela indiacutecios de que o dono da Fazenda Satildeo Joseacute tinha manifestado

interesse em vender a aacuterea para o INCRA devido agrave contraccedilatildeo de diacutevidas Mas eacute

possiacutevel ponderar que a ecircnfase na versatildeo de que natildeo houve conflito eacute tambeacutem uma

estrateacutegia dos posseiros Durante a deacutecada de 1990 mais precisamente durante o

Governo de Fernando Henrique Cardoso foi adotada a poliacutetica governamental de natildeo

regulamentar as terras que tivessem sido ocupadas atraveacutes de conflitos Quando

ocorriam disputas a terra natildeo era reconhecida pelo INCRA enquanto aacuterea passiacutevel de

desapropriaccedilatildeo para transformaacute-la em um assentamento rural

Essa poliacutetica se justificava pelo dispositivo reconhecido juridicamente como

ldquousucapiatildeordquo segundo o qual o posseiro soacute teria direito a terra quando a mesma fosse

ocupada de forma ldquomansa e paciacuteficardquo16

Em um assentamento rural planejado o

primeiro ato consiste na aquisiccedilatildeo da aacuterea para depois ocupaacute-la atraveacutes da distribuiccedilatildeo

dos lotes de acordo com criteacuterios estabelecidos pelo o INCRA

16 A ldquoocupaccedilatildeo mansa e paciacuteficardquo eacute um princiacutepio consagrado pela Lei de Terras de 1850

77

Na anaacutelise de outros documentos disponibilizados pelo STR percebe-se que

por um periacuteodo superior a um ano os posseiros foram viacutetimas de ameaccedilas e boatos de

que o dono da fazenda faria o despejo accedilatildeo que natildeo chegou a se efetivar Logo o STR

Vila Rica-MT entrou com pedido de desapropriaccedilatildeo da fazenda e em seguida o

INCRA deu andamento ao processo de regularizaccedilatildeo comeccedilando a discussatildeo e o

encaminhamento para a compra de toda a aacuterea

Consta nos documentos analisados que o INCRA procurou regularizar o

assentamento rural atraveacutes de uma accedilatildeo conjunta com o STR com vista agrave necessidade

de agilizar a organizaccedilatildeo do cadastro dos agricultores familiares por meio da

Associaccedilatildeo que jaacute existia desde antes da accedilatildeo do INCRA Foi atraveacutes dela que esses

agricultores se mobilizaram para construir estradas e escola Somente depois de um ano

da reocupaccedilatildeo a prefeitura passou a operar de forma mais efetiva juntamente com o

INCRA com o objetivo consolidar o Assentamento Rural Satildeo Joseacute Depois da

regularizaccedilatildeo foi liberado o creacutedito para a aquisiccedilatildeo de gado e melhorias na

infraestrutura

Segue uma narrativa que possibilita a problematizaccedilatildeo dessa questatildeo

[] quando a gente chegou aqui no dia que cheguei tinha trecircs

cancelas trancadas Tinha o pessoal dali que natildeo queria que a

gente entrasse O gerente natildeo deixava a gente entrar mas tinha

um menininho pequenino do tamanho daquele ali Aiacute eu trazia

balinha bombom e dava pra ele Aiacute quando ele me via corria

eu vinha pra caacute era de bicicleta De Vila Rica-MT pra caacute eu

vinha de bicicleta com uma ldquocarguinhardquo na garupa Mas o

que eu vinha fazer eu trazia soacute foice Aiacute vinha e passava meio

debaixo dos arames e ia roccedilando Rocei um pedaccedilo de mato e

voltei pra Vila Fui trabalhar para ganhar dinheiro para

comer ldquoAiacute quando foi um dia falou Zeacute Roberto eu passei na

sua roccedilardquo o Joseacute Roberto falou o fogo estaacute acabando de

queimar a sua roccedilardquo Que horas Umas oito horas da noite eu

passei laacute e fogo estava acabando de queimar a sua roccedilardquo

ldquoEntatildeo natildeo queimou a roccedila natildeordquo Cheguei aqui estava tudo

queimado Aiacute o que eu fiz foi imediatamente soacute eu mesmo com

umas panelinhas e jaacute ldquobarrequeirdquo aqui e fui furar cisterna

Trouxe um rapaz para furar o poccedilo Furou o poccedilo eu vim fazer

o barriquinho Ai amiga velha aqui soacute mato (ENTREVISTA

com Joatildeo Neto assentado de Satildeo Joseacute realizada pela autora

em marccedilo de 2015)

O relato demonstra a necessidade que estes agentes histoacutericos tecircm em

enfatizar que a posse da terra dava-se com muito sacrifiacutecio dos posseiros com a ajuda

78

de outros que avisavam e auxiliavam a cuidar da roccedila Portanto a integraccedilatildeo e a

solidariedade faziam parte do cotidiano de vida deles principalmente sabendo da

necessidade que alguns tinham de sair da ldquoposserdquo para trabalhar na aacuterea urbana ou

mesmo em outras propriedades rurais em busca de sobrevivecircncia motivo pelo qual natildeo

podiam morar exclusivamente na ldquoposserdquo

Os ldquoposseirosrdquo enfrentaram dificuldades para ldquoabrirrdquo fazer o plantio e para

construir as casas em seus lotes pois sem apoio do poder puacuteblico tiveram que

desenvolver as suas proacuteprias condiccedilotildees de sobrevivecircncia seja na construccedilatildeo de

barracos casas ou cultivo das roccedilas Tambeacutem havia problemas de ordem financeira que

implicavam na condiccedilatildeo elementar de sobrevivecircncia no lote Nem todos possuiacuteam

recursos para se manter nos espaccedilos socialmente delimitados ateacute que as roccedilas

comeccedilassem a produzir para a alimentaccedilatildeo dos membros das famiacutelias

Alguns posseiros precisaram conciliar as atividades do lugar proacuteprio de

produccedilatildeo com outras atividades como derrubar a mata para dela retirar madeira e

vender para as serrarias ou trabalhar em outros siacutetios para conseguir dinheiro suficiente

para suprir as necessidades baacutesicas para o sustento da famiacutelia Durante o periacuteodo da

pesquisa de campo eram frequentes as narrativas afirmando ser o trabalho assalariado

uma praacutetica corriqueira entre a maioria dos posseiros mais pobres

Uma estrateacutegia foi o trabalho acessoacuterio nas aacutereas urbanas

[] e pra mim comer aqui trabalhava uma semana aqui e ia

trabalhar na diaacuteria para os outros Trabalhava uma semana

para o Valdemar Senna trabalhava uma semana para o

Aguiarro para o dono do hotel Marajoacute laacute no fundo E daiacute por

diante eu agraves vezes tirava madeiras para algumas pessoas

derrubava um pouquinho de mato para uma pessoa pra mim

comer a minha esposa trabalhava no coleacutegio eu fazia meus

bicos e ela empregada laacute na estadual Entatildeo ela tambeacutem me

ajudava muito Pegava o salarinho dela para comprar coisa em

casa pra comprar gaacutes pra me ajudar em casa tambeacutem Entatildeo

ldquomorreurdquo tudo assim eu e ela trabalhando para manter a

posse Noacutes pegamos primeiro uma cesta baacutesica que chamava

fomento [] eu natildeo me lembro do valor se foi se natildeo me

engano foi mil e alguma coisa (ENTREVISTA com Joatildeo

Neto assentado de Satildeo Joseacute realizada pela autora em marccedilo de

2015)

Naquele contexto tambeacutem havia posseiros que eram comerciantes servidores

puacuteblicos e ateacute antigos funcionaacuterios da Fazenda Satildeo Joseacute que tinham um maior poder

79

aquisitivo Esses eram os principais contratantes dos posseiros que precisavam vender

sua forccedila de trabalho

222 O Assentamento Rural Ipecirc

Para conseguir compreender a formaccedilatildeo do Assentamento Rural Ipecirc foi

necessaacuterio visitar o local para perceber as especificidades Isso porque o contato direto

entre pesquisador e seus entrevistados acompanhado por conhecidos foram

significativas Atraveacutes dessa proximidade foi possiacutevel aos entrevistados o uso de suas

memoacuterias que possibilitaram relembrar a condiccedilatildeo humana de luta pela sobrevivecircncia

e que fez os homens e mulheres sujeitos da proacutepria histoacuteria

Comecemos por um espaccedilo bem instigante O Assentamento Rural Ipecirc

originou-se da compra da Fazenda Ipecirc que havia sido ocupada antes numa accedilatildeo

apoiada pelo STR O INCRA apresentou a possibilidade de fazer um assentamento rural

modelo construiacutedo atraveacutes de um planejamento de acordo com as diretrizes do MDA

para a criaccedilatildeo de assentamentos rurais

A luta pela conquista do seu espaccedilo social de produccedilatildeo ocorreu em 1999

quando os posseiros ocuparam toda a aacuterea da Fazenda Ipecirc e fizeram a divisatildeo dos lotes

abrindo estradas por meio de ldquopicadatildeordquo embora maior parte da aacuterea jaacute estivesse

ocupada com pastagens

Em carta aberta escrita pela Comissatildeo Municipal de Reforma Agraacuteria na

mesma deacutecada as lideranccedilas do movimento tentavam esclarecer agrave populaccedilatildeo de Vila

Rica-MT sobre os acontecimentos e ao mesmo tempo procuraram chamar a atenccedilatildeo

das autoridades vinculadas agrave Questatildeo Agraacuteria Simultaneamente esse documento

revelou uma concepccedilatildeo da estrateacutegia e da luta pela posse da terra Tanto os dirigentes do

STR como as outras instituiccedilotildees em determinado momento viram-se na luta na

condiccedilatildeo de aliados dos oacutergatildeos governamentais como o INCRA e a prefeitura

municipal de Vila Rica-MT

Por esse documento podemos saber que a Comissatildeo Municipal de Reforma

Agraacuteria do municiacutepio era composta por representantes de instituiccedilotildees e entidades

vinculadas agrave Questatildeo Agraacuteria e visava consolidar um assentamento rural que atendesse

aos padrotildees estabelecidos pela poliacutetica de criaccedilatildeo de assentamentos pelo INCRA

80

Logo havia interesse dos oacutergatildeos governamentais e do STR para a conquista

do que viria a ser o primeiro assentamento rural do Araguaia mato-grossense Ele foi

construiacutedo a partir do imaginaacuterio idealizado pelo Plano de Reforma Agraacuteria da eacutepoca

[] A reforma agraacuteria eacute um anseio da populaccedilatildeo e necessidade

do trabalhador rural A colonizaccedilatildeo de Vila Rica-MT foi

modelo de reforma agraacuteria com a divisatildeo das grandes aacutereas em

pequenas ocupadas por produtores tambeacutem pequenos A partir

de 1998 foi instituiacuteda ldquoA Comissatildeo Agraacuteria do Municiacutepio de

Vila Rica-MTrdquo com o objetivo de coordenar agraves atividades

ligadas a Questatildeo Agraacuteria no acircmbito municipal Esta comissatildeo

em parceria com o INCRA e sociedade envolvida organizou os

trabalhos de classificaccedilatildeo dos sem terras selecionando 500 em

uma relaccedilatildeo de 1700 inscritos no Sindicato dos Trabalhadores e

Prefeitura para assentaacute-los na Fazenda Ipecirc ateacute entatildeo objeto de

desapropriaccedilatildeo para fins da reforma agraacuteria A relaccedilatildeo de

classificados feita conforme legislaccedilatildeo competente e os

meacutetodos estabelecidos pela a proacutepria comissatildeo foram

apresentados ao INCRA que fez o cadastramento no SIPRA-

Sistema de Informaccedilatildeo de Projetos da Reforma Agraacuteria Aleacutem

de organizar esta classificaccedilatildeo a comissatildeo conscientizou os

futuros assentados a evitar a invasatildeo da Fazenda e sim aguardar

as devidas providecircncias que seriam tomadas pelo INCRA para

que o assentamento fosse feito com clientes da reforma agraacuteria

trabalhadores sem-terra e que pudesse ser modelo para a

regiatildeo [] Para a decepccedilatildeo das 500 famiacutelias de trabalhadores

(as) sem-terra sipradas e de pessoas ligadas ao processo um

grande nuacutemero de estranhos entre eles fazendeiros

comerciantes e pequena parte dos sem-terra siprados17

invadiram a aacuterea da fazenda Ipecirc entre a reuniatildeo de 260399 a

300399 despeitando os que haacute dois anos honesta e

sofridamente aguardavam a tramitaccedilatildeo legal Com a chegada

dos representantes do INCRA a Comissatildeo Municipal de

Reforma Agraacuteria representantes de outras intensidades diante

do fato da invasatildeo e o processo de assentamento concluiu-se

que []- fosse solicitada com urgecircncia a retirada dos invasores

pelas autoridades em niacuteveis federal estadual e municipal

(CARTA ABERTA- STR de Vila Rica-MT marccedilo de 2015)18

Os envolvidos no processo de organizaccedilatildeo do assentamento rural ficaram

desapontados ao serem surpreendidos pela invasatildeo da aacuterea por outros agentes que natildeo

tinham sido selecionados no Sistema de Informaccedilatildeo de Projetos da Reforma Agraacuteria e

que tampouco atendiam aos criteacuterios do Programa

17 Expressatildeo utilizada para caracterizar os assentados rurais cadastrados no INCRA

18 A carta na integra estaacute disponibilizada nos arquivos do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de

Vila Rica- MT analisados pela autora da pesquisa em marccedilo de 2015

81

A partir do depoimento do gerente da Fazenda Ipecirc da eacutepoca eacute possiacutevel

compreender de forma mais clara as estrateacutegias adotadas pelos posseiros e pelo

fazendeiro no processo de loteamento do Assentamento Rural Ipecirc

[] Ipecirc naquela eacutepoca causou um intenso movimento de

trabalhadores desbravando a aacuterea e plantando capim A aacuterea

possuiacutea 26 mil hectares [] em 18 anos desmataram apenas

20 dessas terras ela era considerada a maior fazenda da

regiatildeo [] Em 1997 comeccedilou a fofoca de venda da aacuterea que

se prolongou por dois anos Tinha ordem de natildeo deixarem

invadir possuiacutea uma patrulha de vigia dia e noite O INCRA

inicia a negociaccedilatildeo com o gerente da eacutepoca que era

autorizado pelo proprietaacuterio A pessoa responsaacutevel ia para

Cuiabaacute- MT Satildeo Felix do Araguaia- MT Rio de Janeiro e

Uberaba em Minas Gerais para se reunir com o dono e

discutir as propostas Como demorou a desapropriaccedilatildeo as

pessoas comeccedilaram a invadir a aacuterea realizaram vaacuterias

reuniotildees com as pessoas para que mantivessem a calma

(ENTREVISTA com Ideu Ex-gerente da Fazenda Ipecirc realizada

por Regina Ceacutelia em 2006)

Ressaltamos que o relato oral apresenta uma linguagem especiacutefica que repete

a ideia de que a reocupaccedilatildeo foi uma ldquoinvasatildeordquo numa perspectiva comum entre os

proprietaacuterios de terra que natildeo compreendiam a luta pela terra Ao contraacuterio do que estaacute

expresso na Carta Aberta o ex-gerente atribui os motivos da bdquoinvasatildeo‟ agrave ldquomorosidaderdquo

na efetivaccedilatildeo do processo de desapropriaccedilatildeo da terra Apesar de tambeacutem fazer

referecircncias agraves reuniotildees que ocorreram no sentido de manter os agricultores familiares

informados sobre o processo de desapropriaccedilatildeo da fazenda para efeito de criaccedilatildeo do

assentamento rural

A consolidaccedilatildeo do assentamento rural soacute veio de fato a acontecer a partir das

denuacutencias feitas pela Comissatildeo Municipal de Reforma Agraacuteria com anuecircncia do

Sindicato dos Trabalhadores Rurais da Comissatildeo Pastoral da Terra e de outras

entidades envolvidas com a Questatildeo Agraacuteria e na luta pela terra em Vila Rica- MT

Segundo documentos19

do STR foi a partir desse fato que o INCRA entrou

com um Mandato de Seguranccedila exigindo a saiacuteda imediata dos ldquoposseirosrdquo sob a

alegaccedilatildeo de ser esta a condiccedilatildeo principal para a aquisiccedilatildeo da aacuterea e a demarcaccedilatildeo dos

lotes no assentamento rural Isso em funccedilatildeo de uma legislaccedilatildeo que regia os processos

19 Os documentos satildeo de diversas tipologias (ofiacutecios cartas atas relatoacuterios e etc)e estatildeo

disponibilizados nos arquivos do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT

82

de criaccedilatildeo dos assentamentos rurais Em 1998 jaacute havia sido declarado pelo Decreto nordm

157 que a aacuterea da Fazenda Ipecirc era de interesse social para efeito das poliacuteticas de

Reforma Agraacuteria

De acordo com o depoimento de uma assentada a qual tambeacutem era na eacutepoca

da diretoria do STR de Vila Rica-MT e estivera desde o processo inicial de formaccedilatildeo do

assentamento rural eacute possiacutevel perceber que

[] os primeiros trecircs anos do assentamento foram de

dificuldades para os assentados pois o mesmo natildeo possuiacutea

infraestrutura como estrada pontes e etc Somente 70 as

famiacutelias receberam creacutedito para fomento enquanto as demais

famiacutelias ficaram agrave mercecirc sem apoio do Poder Puacuteblico por um

bom tempo (ENTREVISTA com Clainir Agricultora Familiar

membro da direccedilatildeo do STR realizada pela autora em marccedilo de

2015)

O periacuteodo compreendido entre 2001 e 2010 foi o momento de maior

alavancada do Assentamento Rural Ipecirc pois recebeu um percentual significativo de

recursos vinculados agraves linhas de creacuteditos do Programa Nacional de Fortalecimento da

Agricultura Familiar como Pronaf -A Pronaf - AC Pronaf - C Pronaf -D e Pronaf -

Mulher A disposiccedilatildeo desses recursos segundo informaccedilotildees obtidas atraveacutes dos

relatoacuterios da Empaer da Secretaria Municipal de Agricultura e do STR de Vila Rica-

MT estavam condicionados para determinados fins e foram destinados agrave aquisiccedilatildeo de

vacas leiteiras construccedilatildeo de curral e de 95 casas bem como agrave edificaccedilatildeo de pontes

estradas e na contrataccedilatildeo de serviccedilos de maacutequinas de esteira (EMPAER 2009)

223 O Assentamento Rural Aracati

A luta pela terra natildeo passa somente por um processo de conquista territorial

mas avanccedila para a necessidade de permanecircncia dos assentados garantida atraveacutes de

apoios e poliacuteticas puacuteblicas

A histoacuteria dos assentamentos rurais em Mato Grosso tambeacutem eacute marcada pela

violecircncia praticada contra os posseiros No caso de Vila Rica-MT os assentamentos

rurais Aracati e Itaporatilde do Norte talvez sejam os dois que mais se identifiquem com

essa caracteriacutestica uma vez que resultantes do processo de reocupaccedilatildeo da Fazenda

83

Aracati que na eacutepoca era de propriedade do senhor Rubens Mendonccedila apresentado

anteriormente como ldquoo pioneirordquo de Vila Rica-MT

A reocupaccedilatildeo da aacuterea provocou conflito entre posseiros e o proprietaacuterio da

fazenda havendo ateacute ameaccedilas de mortes Aleacutem dessas accedilotildees de conflito o proprietaacuterio

contava com o apoio do judiciaacuterio na aplicaccedilatildeo de medidas coercivas contra os

posseiros

No primeiro momento os posseiros foram despejados das terras perdendo

toda a produccedilatildeo das roccedilas jaacute cultivadas conforme descrito no relatoacuterio produzido pela

Empaer (2009 p 48)

No ano de 1980 foi feita a primeira invasatildeo da fazenda Aracaty

por 42 famiacutelias as mesmas fizeram construccedilatildeo de barracos de

plaacutesticos e palha A aacuterea invadida era mata e aberturas com

pastagens Os invasores fizeram aberturas de picadas

derrubadas e plantio de roccedilas Os pistoleiros da fazenda foram

ateacute a aacuterea invadida acionaram a poliacutecia militar e a mesma veio

ateacute o local do conflito

O conflito fundiaacuterio originado na luta pela terra tornou-se mais complexo

com a organizaccedilatildeo e a atuaccedilatildeo do STR e da CPT Em 1990 o Sindicato dos

Trabalhadores Rurais do municiacutepio denunciou internacionalmente a accedilatildeo de

empresaacuterios e fazendeiros conforme mostra a carta reproduzida a seguir

Figura 6 A Carta da Alemanha

84

Fonte Arquivo do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT

Essa articulaccedilatildeo internacional do STR de Vila Rica-MT demonstra a

capacidade de accedilatildeo mobilizadora dos grupos sociais constituiacutedos por homens e

mulheres com perfil ldquocampesinordquo os quais almejavam acesso agrave terra Revela ainda um

niacutevel de organizaccedilatildeo poliacutetica e conhecimento legal sobre os procedimentos juriacutedicos

adotados pelos oacutergatildeos federais no processo de criaccedilatildeo e regularizaccedilatildeo de assentamentos

rurais

Vale ressaltar que a situaccedilatildeo vivenciada pelos posseiros da Fazenda Aracati

ganhou repercussatildeo nacional e internacional Eacute possiacutevel verificaacute-lo pelas diversas coacutepias

das cartas enviadas ao Presidente da Repuacuteblica por vaacuterias entidades inclusive de paiacuteses

como Espanha Itaacutelia Alemanha e outros

Em 1993 a equipe do INCRA compareceu pela primeira vez na aacuterea

visando regularizaacute-la atraveacutes de um contrato de arrendamento com o proprietaacuterio da

Fazenda Aracati No entanto a regularizaccedilatildeo do assentamento rural ocorreu somente

quando a fazenda em questatildeo foi desapropriada para fins de Reforma Agraacuteria sendo

criado entatildeo o assentamento rural ocasiatildeo em que ocorreu o retorno dos posseiros que

haviam sido expulsos

Na eacutepoca foi respeitada a demarcaccedilatildeo realizada anteriormente pelos proacuteprios

posseiros na primeira fase da reocupaccedilatildeo Em consequecircncia dessa situaccedilatildeo quando natildeo

foram estabelecidos criteacuterios de demarcaccedilatildeo os lotes do Assentamento Rural Aracati

possuem ateacute hoje aacutereas diferentes

Segundo informaccedilotildees obtidas atraveacutes das anaacutelises dos documentos que estatildeo

nos arquivos disponibilizados pelo STR de Vila Rica-MT no periacuteodo de 1990 a 1992

pouco se fez em prol da infraestrutura da aacuterea ocupada pelos agricultores familiares

Apenas se verificou a edificaccedilatildeo de uma pequena escola de taacutebua cercas currais e

construccedilatildeo de estradas as quais foram feitas pelos proacuteprios moradores

224 O Assentamento Rural Satildeo Gabriel

O Assentamento Rural Satildeo Gabriel no que se refere a sua constituiccedilatildeo

possui caracteriacutesticas semelhantes ao Assentamento Rural Satildeo Joseacute uma vez que este

85

tambeacutem foi resultado do processo de ocupaccedilatildeo da fazenda Satildeo Gabriel no ano de 1999

Segundo os moradores na eacutepoca em que a fazenda foi ocupada praticamente toda aacuterea

era ainda coberta de mata virgem As primeiras picadas demarcatoacuterias foram realizadas

pelos posseiros A equipe do INCRA foi ao local somente para realizar o cadastramento

dos interessados Os lotes foram distribuiacutedos atraveacutes de sorteio viabilizando a liberaccedilatildeo

de fomento

Como em todos os demais assentamentos rurais do municiacutepio de Vila Rica-

MT no iniacutecio os assentados do Satildeo Joseacute enfrentaram muitas dificuldades como a falta

de infraestrutura sobretudo de estradas como demonstram as informaccedilotildees do relatoacuterio

produzido pelo escritoacuterio da Emapaer de Vila Rica- MT (2006 p 10)

[] no ano de 2000 foi criada a primeira associaccedilatildeo do

assentamento a Associaccedilatildeo dos Pequenos Produtores Rurais da

Comunidade Pedra Alta do Projeto de assentamento Satildeo

Gabriel ndash APPA As famiacutelias comeccedilaram a abrir derrubadas

para plantio de roccedilas e pastagens novamente receberam

fomento creacutedito habitaccedilatildeo Iniciou a primeira escola nas casas

da antiga fazenda IPEcirc assentamento vizinho O INCRA teve

presente no assentamento pra fazer a liberaccedilatildeo das casas O

assentamento foi contemplado com 18 km de estrada feitas pela

prefeitura em parceria com INCRA

Assim como ocorreu em outros Projetos de assentamentos rurais de Vila

Rica-MT a deacutecada de 2000 pode ser considerada um marco importante na histoacuteria do

assentamento Satildeo Joseacute pois naquele periacuteodo houve uma melhoria significativa da

infraestrutura em funccedilatildeo das accedilotildees dos Poderes Puacuteblicos Federal e Municipal

O periacuteodo entre os anos 2001 ateacute 2010 foi marcado por um amplo aumento

nas accedilotildees do poder puacuteblico havendo bastante capacitaccedilatildeoformaccedilatildeo para os

Agricultores Familiares e a liberaccedilatildeo de creacuteditos Pronaf A AC Tais poliacuteticas sociais

puacuteblicas segundo relato oral tinham como objetivo a compra de gado leiteiro

construccedilatildeo de curral contrataccedilatildeo de maacutequinas de esteira construccedilatildeo de casas

construccedilatildeo de pontes e estradas

Atraveacutes de projetos depois da implantaccedilatildeo do Programa Luz para Todos os

assentados conseguiram os resfriadores contemplando toda a aacuterea do assentamento

rural Uma loacutegica do aparelho do Estado era que os posseiros se tornassem produtores

de mercadorias e consumidores para que entrassem no processo de produccedilatildeo

econocircmica capitalista

86

225 O Assentamento Rural Itaporatilde do Norte

O Assentamento Rural Itaporatilde do Norte resultou de um processo de

ocupaccedilatildeo por parte de posseiros em 1986 Nesse periacuteodo houve tentativas de

desapropriaccedilatildeo prisatildeo e ameaccedila contra a vida dos posseiros Estes fatos podem ser

confirmados atraveacutes de documentos como a declaraccedilatildeo exposta a seguir em que um

dos posseiros denunciou as ameaccedilas de morte contra eles

Figura 7 Denuacutencia de Ameaccedila de Morte de posseiro

Fonte Arquivo do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT 2015

87

O documento denuncia a accedilatildeo violenta de intimidaccedilatildeo sofrida por parte de um

dos posseiros no ano de 1988 O significado dessa fonte de pesquisa permite que

conheccedilamos mais claramente o modus operandi dos pretensos proprietaacuterios da terra

assim como a forma com que tentavam manter seus domiacutenios natildeo somente no campo

da justiccedila do direito mas tambeacutem pela criaccedilatildeo de cenaacuterios em que o medo pudesse

fazer parte da rotina dos posseiros das suas esposas e familiares

A criaccedilatildeo de um ambiente tenso e conflituoso com riscos agrave vida de qualquer

um dos familiares era uma estrateacutegia utilizada pelos ldquosenhoresrdquo pretensos proprietaacuterios

da terra em conflito Apesar da situaccedilatildeo do embate e das ameaccedilas somente dez anos

depois o INCRA regularizou a situaccedilatildeo dos posseiros

Um dos principais problemas do assentamento rural eacute decorreu da

demarcaccedilatildeo dos lotes no periacuteodo sendo que o tamanho variava entre 25 a 150 ha O

tamanho do lote oscilava em decorrecircncia da forma de reocupaccedilatildeo anterior agrave

regularizaccedilatildeo e que foi seguida pelo INCRA

As parcelas menores estatildeo abaixo do miacutenimo estipulado pelo MDA que eacute de

35 hectares Segundo o Estatuto da Terra (1964) esta era a aacuterea miacutenima que garantia as

condiccedilotildees de desenvolvimento e potencializaccedilatildeo da funccedilatildeo social da terra Essa

perspectiva teve por base a ideia de que um lote menor que 35 ha natildeo tecircm condiccedilotildees de

garantir as condiccedilotildees sociais e econocircmicas de seus moradores e trabalhadores naquela

aacuterea

Ao observarmos essa questatildeo nos assentamentos rurais analisados eacute

perceptiacutevel que os assentados acabaram tendo que conciliar as atividades declaradas na

posse com outras formas de trabalhos assessoacuterios para garantir as condiccedilotildees

econocircmicas da propriedade

Em 1996 foram cadastradas 184 famiacutelias de posseiros que tinham como

objetivo adquirir recursoscreacuteditos para financiamento das atividades naquele

assentamento rural Desse total 30 natildeo estavam aptas para conseguir o creacutedito

226 O Assentamento Rural Bom Jesus

88

Refletir a partir da histoacuteria do Assentamento Rural Bom Jesus eacute trilhar mais

uma vez as trajetoacuterias de vida de vaacuterias pessoas que migraram para Vila Rica-MT em

busca de melhores condiccedilotildees de vida Essas pessoas foram atraiacutedas pela propaganda da

terra feacutertil e da abundacircncia Nas informaccedilotildees disponibilizadas pelo STR de Vila Rica-

MT os ocupantes desse assentamento eram majoritariamente migrantes oriundos dos

estados de Minas Gerais Goiaacutes Rio Grande do Sul Paranaacute Paraacute e minoritariamente

do Nordeste

Essas pessoas ao se aventurarem nas matas para desbravaacute-las acreditavam

que as terras da Amazocircnia proporcionar uma qualidade de vida almejada Essa

expectativa pode ser observada no excerto da carta-convite para a comemoraccedilatildeo do 17ordm

aniversaacuterio do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT datada de

30052004

[] Imaginando eles que iriam ter o crescimento econocircmico e

uma vida melhor para sua famiacutelia sem conhecer os riscos

quantas vidas foram ceifadas nas derrubadas Aiacute chega a

maldita maleita a tatildeo sofrida malaacuteria onde muitas famiacutelias

perderam vidas sofrimento com a dor [] E os que

conseguiam reagir com muita fraqueza sem forccedilas para

trabalhar e jaacute com diacutevidas acabaram vendendo sua terrinha e

quando acabou o dinheiro E agora o que fazer Isso jaacute era por

volta do iniacutecio de 1986 onde a opccedilatildeo foi ocupar terras

devolutas da regiatildeo pois o dinheiro tinha acabado e voltar para

traz donde vieram natildeo era possiacutevel Iniciou- se a ocupaccedilatildeo da

aacuterea do Itaporatilde do Norte e da Colocircnia Bom Jesus []20

Esse documento possibilita compreender que a narrativa oficial natildeo traduzia

as representaccedilotildees constituiacutedas pelos trabalhadores e antigos colonos Afinal na eacutepoca

da formaccedilatildeo do assentamento rural muitos posseiros convivendo com os efeitos da

colonizaccedilatildeo para todos aqueles que acreditaram nos discursos construiacutedos pelo

colonizador sobre um lugar bom de viver acabaram arriscando as proacuteprias vidas na luta

pela terra

Com o passar do tempo eles se deparam com doenccedilas dificuldades

financeiras e a desilusatildeo da riqueza da terra faacutecil Diante da falta de alternativas de

trabalho e de sobrevivecircncia os posseiros viram a possibilidade de reocupar fazendas

20 A carta na integra faz parte de coletacircnea de recorte de textos e noticiaacuterios sobre a luta dos

movimentos numa espeacutecie de livro artesanal o qual estaacute disponibilizado nos arquivos do

Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica- MT

89

improdutivas como a uacutenica saiacuteda para a sobrevivecircncia conforme relatado na carta

ldquo[] e quando acaba o dinheiro o que fazerrdquo (CARTA CONVITE STR de Vila Rica

30052004)

O relato a seguir mostra as estrateacutegias dos posseiros para ocupar uma aacuterea

privada e como conseguiram a aprovaccedilatildeo do INCRA

[] Eu participei das ocupaccedilotildees em 1986-1987 no caso do

assentamento Bom Jesus que era antes a antiga Fazenda

COBEC onde 60 famiacutelias foram ocupando a aacuterea Noacutes

organizamos e ocupamos essa aacuterea e tem a Itaporatilde do Norte

que foi ocupada numa organizaccedilatildeo dos Sindicatos dos

Trabalhadores Rurais e outros movimentos sociais daqui do

municiacutepio de Vila Rica-MT mas especificamente da ocupaccedilatildeo

dessas aacutereas que eu natildeo sei falar sei do caso do Bom Jesus

que depois que organizamos a ocupaccedilatildeo recorremos ao

Sindicato e atraveacutes deste fizemos o primeiro contato com o

INCRA queriacuteamos saber se havia interesse por parte do

INCRA em negociar a compra dessa propriedade na eacutepoca o

INCRA ainda fazia a negociaccedilatildeo digo compra de aacutereas que jaacute

estavam ocupadas hoje como vocecirc sabe o INCRA natildeo faz

mais esse tipo de coisa a estrateacutegia eacute outra Hoje compra-se a

propriedade primeiro para depois entregar a antiga fazenda

aos assentados Entatildeo eu na eacutepoca tinha dezesseis anos eu

era meio perdido com essas coisas a organizaccedilatildeo foi feita

basicamente pelo o meu pai e outros companheiros nossos

(outras pessoas neacute) Soacute sei que eles fizeram um levantamento

sobre a situaccedilatildeo das fazendas em Vila Rica-MT e descobriram

que esta aacuterea estava sem produzir o dono natildeo tinha interesse

porque era uma fazenda empenhorada no banco ou seja jaacute era

uma aacuterea do banco Entatildeo os organizadores do processo de

ocupaccedilatildeo entenderam que seria mais faacutecil negociar entre o

dono e o INCRA e assim facilitaria aquisiccedilatildeo do tiacutetulo da

terra e formar o assentamento (ENTREVISTA com Ivanir

Galo Agricultor familiar do assentamento Bom Jesus e

presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-

MT realizada pela autora em marccedilo de 2015)

O relato nos possibilita cogitar a ideia de que os posseiros que reocuparam a

aacuterea da Fazenda Boa Jesus eram conhecedores tanto das diretrizes definidas pelo

INCRA para a criaccedilatildeo de assentamento rural quanto da situaccedilatildeo da Questatildeo Agraacuteria de

Vila Rica-MT Isso fica evidente principalmente ao eleger uma fazenda que estava

comprometida pelo endividamento no banco revelando uma taacutetica de efeito positivo

uma vez que facilita a accedilatildeo do INCRA na aquisiccedilatildeo da fazenda tendo em conta o

interesse do proprietaacuterio em negociar a venda

90

Outra situaccedilatildeo que nos chama atenccedilatildeo foi agrave atuaccedilatildeo dos filhos junto com os

pais na reocupaccedilatildeo da fazenda o que pode se atribuir agrave projeccedilatildeo de desmembramento

familiar ou de ampliaccedilatildeo do capital econocircmico da famiacutelia Ao mesmo tempo pode

demonstrar que os posseiros tinham a pretensatildeo de continuar uma tradiccedilatildeo vinculada a

terra passando suas heranccedilas para seus filhos poreacutem incorporando-os na luta pela

terra no trabalho com a terra e na busca pela sobrevivecircncia a partir da propriedade

rural

O relato a seguir mostra como os posseiros se apossavam de aacutereas natildeo

produtivas

[] A ocupaccedilatildeo de fazenda na eacutepoca era a uacutenica forma que as

pessoas sem-terra tinham para conseguir uma pequena aacuterea

era o que noacutes entendiacuteamos ser mais faacutecil para conseguir ter

acesso agrave terra Hoje a gente vecirc que natildeo precisa ser soacute assim

pois eacute melhor procurar comprar a fazenda e planejar o

assentamento [] Eacuteramos todos daqui mesmo de Vila Rica-

MT eacuteramos pessoas que tinha conhecimento sobre a luta pela

terra um bom entrosamento e essas pessoas trabalhavam em

prol da colonizaccedilatildeo reuniram essas famiacutelias e foram ocupar

ateacute organizamos em dois grupos no primeiro momento onde

um grupo entrou por um local e o outro grupo entrou por outro

lado da fazenda mas quando teve o desbravamento

descobrimos que estaacutevamos ocupando a mesma aacuterea porque o

acesso era muito difiacutecil a gente natildeo tinha como fazer um mapa

direito da fazenda entatildeo tivemos que entrar de 8 a12 km na

mata ateacute descobrir a aacuterea toda[] (ENTREVISTA com

Evani Galo presidente do STR de Vila Rica-MT realizada pela

autora em marccedilo de 2015)

O citado relato oral nos possibilita afirmar que havia um conhecimento

aprimorado sobre a estrutura fundiaacuteria de Vila Rica- MT Os posseiros natildeo ocupavam

aacutereas de fazendas que estavam produzindo mas optavam por estabelecer as disputas em

terras sob condiccedilotildees ilegais Por isso eles ocupavam as aacutereas improdutivas para

diminuir a possibilidade de conflito e aumentar a chance de negociaccedilatildeo entre os

proprietaacuterios e as instituiccedilotildees governamentais Para essas definiccedilotildees eles faziam

reuniotildees para escolher qual aacuterea de fazenda seria ocupada e a definiccedilatildeo de estrateacutegias na

reocupaccedilatildeo

Destacamos que a maioria dos posseiros ocupantes dos lotes do

Assentamento Rural Bom Jesus foi ldquoex-colonosrdquo do Sul que migraram para Vila Rica-

MT no iniacutecio da colonizaccedilatildeo No caso desta pesquisa denominamos como ex- colonos

91

aqueles migrantes que vieram para Vila Rica-MT em funccedilatildeo da accedilatildeo da colonizadora e

que perderam o capital financeiro devido ao endividamento no banco

Daiacute estes migrantes passaram de colonos para Sem-Terra depois tornaram-

se posseiros ou vendedores da forccedila de trabalho trabalhadores rurais e tambeacutem urbanos

Poreacutem outros posseiros eram oriundos das aacutereas de colonizaccedilatildeo ou de fazendas

agropecuaacuterias

[] a dificuldade de chegar e trabalhar era muita Natildeo tinha

aparelhos para identificar com precisatildeo a dimensatildeo da aacuterea

natildeo tinha estrada Andaacutevamos aiacute de 8 a 12 km na mata guiados

atraveacutes de picadas apenas essas picadas jaacute eram existentes

desde a eacutepoca da colonizadora E por ser essa fazenda que noacutes

ocupamos uma aacuterea vizinha da colonizadora Isso acabou

facilitando a localizaccedilatildeo Aleacutem da falta de estrada tinha a

malaacuteria a falta de transporte E eu mesmo fui uma das pessoas

que primeiro chegou ao assentamento Quando fui uns dos

primeiros fiquei 21 dias na mata ali roccedilando demarcando a

minha aacuterea Eu fiquei tentando marcar e garantir o meu

territoacuterio e foi assim a nossa luta para conseguir o pedaccedilo de

terrapedaccedilo de chatildeo pra produzir depois o meu sustento e da

minha famiacutelia [] Na eacutepoca ficou determinado entre todos

noacutes numa reuniatildeo que fizemos ateacute pra dizer que cada um de

noacutes ficaacutessemos apenas com 100 hectares [] por isso no

assentamento do Bom Jesus natildeo tem ningueacutem com mais 100

hectares E teve gente que natildeo conseguiu permanecer no

assentamento venderam e teve outros que desistiram natildeo

aguentaram aquele sofrimento todo Noacutes sempre trabalhamos

na associaccedilatildeo para que nenhum lote passasse de 100 hectares

pois jaacute era a determinaccedilatildeo do INCRA E noacutes jaacute conheciacuteamos as

regras do INCRA e trabalhaacutevamos desde a fase de organizaccedilatildeo

da ocupaccedilatildeo com elas Os dois assentamentos que manteve esse

padratildeo eacute soacute o Bom Jesus e o Itaporatilde A nossa loacutegica era no

sentido de facilitar a regularizaccedilatildeo e pra isso trabalhamos de

forma que pudesse tambeacutem aumentar o nuacutemero de famiacutelias no

assentamento Noacutes sempre respeitamos as regras

(ENTREVISTA com Evani Galo Agricultor Familiar do

assentamento Bom Jesus realizada pela autora em marccedilo de

2015)

O relato acima nos remete agrave concepccedilatildeo jaacute exposta na descriccedilatildeo da formaccedilatildeo

de outros assentamentos rurais em que os posseiros eram conhecedores das diretrizes

do INCRA em relaccedilatildeo ao processo de criaccedilatildeo e regularizaccedilatildeo dos assentamentos rurais

Isso nos leva a crer que a reocupaccedilatildeo das fazendas natildeo ocorria de forma tatildeo espontacircnea

como aparece em outras narrativas sobre assentamentos rurais Havia entre os posseiros

92

uma organizaccedilatildeo e um planejamento Isto porque promoviam accedilotildees que exigiam

atividades taacuteticas e estrateacutegicas que permeavam a disposiccedilatildeo da luta pela terra

Apesar dessas definiccedilotildees de princiacutepios organizativos da luta para evitar

ocupaccedilotildees equivocadas e desviar-se dos conflitos o entrevistado falou sobre as ameaccedilas

que sofreram no periacuteodo em que lutaram para conquistar a terra

[] teve sim ameaccedilas de despejos na eacutepoca Apesar de que

hoje a gente jaacute sabe que foi uma pessoa que usou de

oportunismo Isso eacute o mesmo que estaacute acontecendo na Fazenda

Reunidas Vocecirc natildeo precisa ter medo de falar sobre esse fato

porque eacute verdade isso que lhe conto Pode colocar no seu

relatoacuterio aiacute Esses satildeo os tais grileiros das terras do Araguaia

ficam se passando por donos das fazendas soacute para ameaccedilar e

confundir os posseiros Aconteceu assim uma pessoa de maior

poder aquisitivo ficou amedrontando as outras pessoas que

estavam ocupando a aacuterea da fazenda Noacutes estaacutevamos fazendo

os nossos serviccedilos laacute cuidando da roccedila E daiacute apareceram eles

dizendo que eram os legiacutetimos donos da aacuterea mas natildeo

conseguiram apresentar documento natildeo conseguriam

apresentar nada Noacutes desconfiaacutevamos deles No fundo

sabiacuteamos que estavam tentando nos enrolar E acabou que eles

tiveram que se retirar de laacute E noacutes atraveacutes do INCRA e do

Sindicato satildeo essas as instituiccedilotildees que assumiram a nossa

causa ficamos com a terra e estamos assentados laacute ateacute hoje

Somos 63 famiacutelias [] Na verdade 1987 eacute o periacuteodo de

ocupaccedilatildeo porque o INCRA veio atuar em 1992 quando foi

criado o assentamento Ficou esse periacuteodo aiacute todo em fase de

negociaccedilatildeo com o antigo dono da fazenda O INCRA e o

Sindicato fizeram o levantamento da aacuterea estudo geograacutefico e

assim por diante e noacutes juntos acompanhando tudo

(ENTREVISTA com Ivani Galo Agricultor Familiar do

assentamento Bom Jesus realizada pela autora em marccedilo de

2015)

Nesse caso o depoimento remete agrave accedilatildeo de outro tipo de agente social

envolvido nos conflitos agraacuterios do assentamento rural o grileiro No entanto o termo

ldquogrileirordquo eacute usado localmente para identificar aquele sujeito social que reocupa uma aacuterea

de terra natildeo com o objetivo de morar e cultivar mas ao contraacuterio para adquirir o

ldquodireitordquo sobre ela e poder comercializar posteriormente

Tambeacutem eacute possiacutevel identificar na narrativa a valorizaccedilatildeo dada ao Sindicato

dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT destacando que ele agia juntamente com o

INCRA na regularizaccedilatildeo do assentamento rural

93

Compreendemos que a formaccedilatildeo do Assentamento Rural Bom Jesus deu-se

de forma particular Os posseiros que reocuparam a aacuterea tinham dificuldade financeira

para garantir a sobrevivecircncia e isso se configurava como um impedimento de

retornarem aos seus lugares de origem e natildeo conseguindo mais vislumbrar outro meio

de sobrevivecircncia que natildeo fosse a ocupaccedilatildeo de terra ociosa

Diante das necessidades os posseiros criaram estrateacutegias inteligentes de

ocupaccedilatildeo escolhendo as aacutereas com maior chance de desapropriaccedilatildeo bem como

estrateacutegias de resistecircncia do grupo para lutar contra o grileiro

Essas estrateacutegias tambeacutem devem ser compreendidas em uma relaccedilatildeo com o

perfil dos ocupantes que incluiacutea aqueles com certo grau de instruccedilatildeo sobre as questotildees

relacionadas agrave poliacutetica de regularizaccedilatildeo de assentamentos rurais O conhecimento da

legislaccedilatildeo facilitou o acesso agraves poliacuteticas que versavam sobre a desapropriaccedilatildeo

parcelamento e uso de terras devolutas eou improdutivas que natildeo cumpriam a funccedilatildeo

social as quais devem ser utilizadas para fins de Reforma Agraacuteria

227 Assentamento Rural Santo Antocircnio do Beleza

Jaacute ressaltamos em outras passagens do texto que cada um dos assentamentos

rurais de Vila Rica-MT tem caracteriacutesticas de ocupaccedilatildeo diferentes como eacute o caso do

Assentamento Rural Santo Antocircnio do Beleza que foi ocupado por colonos que natildeo

conseguiram comprar lotes de terra da colonizadora ou perderam suas terras no

financiamento do Banco Tambeacutem participaram seus filhos que no ldquodesmembramentordquo

familiar tambeacutem se apropriaram de terras Ateacute entatildeo natildeo apareceu o dono do tiacutetulo

requerendo o direito de propriedade daquela aacuterea de terra em que foi constituiacutedo o

Assentamento Rural Bom Jesus

Tal situaccedilatildeo se deu tambeacutem pelo fato de a Colonizadora Vila Rica-MT natildeo ter

assegurado junto ao INCRA as terras aos colonos e trabalhadores rurais desprovidos

de capital para aquisiccedilatildeo de lotes da colonizadora Estes ocuparam aacutereas destinadas ateacute

entatildeo pela colonizadora para as fazendas Somente depois que a aacuterea foi ocupada em

2001 eacute que o INCRA regularizou os lotes para os ldquoocupantesrdquo

Os posseiros que reocuparam a aacuterea da Colonizadora Vila Rica-MT

denominada de Santo Antocircnio do Beleza satildeo em sua maioria oriundos dos estados do

94

Rio Grande do Sul Santa Catarina e do Paranaacute e se fixaram na aacuterea como assentados e

atualmente se identificam como agricultores familiares parceleiros colonos ou

proprietaacuterios

228 Assentamento Rural Alvorada

O Assentamento Rural Alvorada estaacute localizado na divisa do municiacutepio de

Vila Rica-MT com o estado do Paraacute Esse assentamento rural resultou da ocupaccedilatildeo da

fazenda Santaninha em 1993 poreacutem o ato de regularizaccedilatildeo data de 1995 ou seja

somente depois de dois anos das terras ocupadas eacute que foram regularizadas pelo

INCRA transformando-as em Projeto de assentamento rural

Consta em documentos (atas ofiacutecios relatoacuterios e projetos de assistecircncia

teacutecnicas)21

do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT que os primeiros

moradores do Assentamento Rural Alvorada vieram principalmente dos estados de

Mato Grosso do Paraacute e de outras regiotildees do Brasil

Melo (2011 p 43) realizou uma pesquisa sobre as atividades das

agropecuaacuterias no Assentamento Rural Alvorada denominado como PA Santaninha

afirmando que ldquo[] o periacuteodo compreendido de 1993 ateacute 2009 as principais

dificuldades do assentamento rural estavam relacionadas agrave falta de estradasrdquo De acordo

com o mesmo autor o assentamento rural estaacute localizado em uma aacuterea onde haacute

predominacircncia de relevo acidentado condiccedilatildeo que motivou os assentados a investir na

pecuaacuteria inibindo assim o avanccedilo da agricultura familiar devido agraves dificuldades para o

escoamento da produccedilatildeo agriacutecola de hortaliccedilas legumes verduras e frutas

Essa situaccedilatildeo ainda eacute um desafio para o desenvolvimento do assentamento

rural Apesar dos problemas nesse assentamento haacute escola Associaccedilatildeo de Pequenos

Agricultores possui rede de energia eleacutetrica abastecimento de aacutegua etc Nesta acepccedilatildeo

o relato de um dos assentados ilustra a concepccedilatildeo dos seus moradores quanto agraves

condiccedilotildees de vida no assentamento rural

21 Esses documentos foram analisados pela a autora da pesquisa os quais fazem parte do acervo

documental do Sindicato dos Trabalhadores de Vila Rica-MT

95

[] foi bom mudar para caacute me sinto realizado porque

consegui algo para sobreviver e cuidar da minha famiacutelia []

quando chegamos aqui quase natildeo tinha devastaccedilatildeo de mata soacute

tinha aproximadamente 25 alqueires de derrubada e era muito

difiacutecil a chegada neste local pois os primeiros meios de

transporte eram o trator porque as estradas eram bem

dificultosas atoleiros e sem pontes Atualmente as melhorias

satildeo muito grandes nas estradas nos transportes na educaccedilatildeo

na habitaccedilatildeo e na sauacutede (ENTREVISTA com Edno Venacircncio

morador do projeto de Santaninha desde o ano 1993 realizada

por Carlos Aberto de Melo em 2011)

O trecho do relato nos remete agraves dificuldades vivenciadas pelos posseiros nos

primeiros tempos de formaccedilatildeo do assentamento rural comuns aos demais

assentamentos rurais de Vila Rica-MT Satildeo os posseiros que precisam cavar e buscar as

proacuteprias condiccedilotildees de sobrevivecircncia jaacute que o poder Puacuteblico natildeo assegura a

infraestrutura baacutesica

No assentamento Alvorada as informaccedilotildees do STR e dos assentados

permitiram compreender que nesse assentamento natildeo ocorreu conflito entre posseiros e

fazendeiro Trata-se de uma aacuterea que natildeo estava vinculada somente agrave Fazenda

Santaninha Nesse assentamento a devastaccedilatildeo do meio para a formaccedilatildeo de pastagens foi

fruto da accedilatildeo dos proacuteprios posseiros

No Assentamento Rural Alvorada como em outros a questatildeo das poliacuteticas

puacuteblicas de sauacutede habitaccedilatildeo estrada e educaccedilatildeo satildeo consideradas como conquistas

importantes para a permanecircncia das famiacutelias no campo

Consideraccedilotildees gerais sobre os assentamentos rurais de Vila Rica-MT

Ao analisar a formaccedilatildeo dos assentamentos rurais do municiacutepio de Vila Rica

percebemos a complexidade e as diferenciaccedilotildees existentes entre eles No entanto o que

existe em comum foi agrave luta pela posse da terra por parte de posseiros ex-colonos e

agricultores familiares Nesse processo contaram com o apoio e auxiacutelio de entidades

como a CPT e o STR do municiacutepio de Vila Rica-MT dos agentes da pastoral da

Prelazia de Satildeo Feacutelix do Araguaia hoje Diocese

A situaccedilatildeo dos assentamentos rurais de Vila Rica-MT eacute percebida como

resultado da luta dos posseiros em torno da aquisiccedilatildeo da posse e propriedade da terra

96

Ao mesmo tempo em que essa organizaccedilatildeo parte de uma localidade especifica estava

inserida em uma conjuntura de luta regional estadual nacional e mundial

Os diferentes sujeitos histoacutericos que constituiacuteram a luta pela terra com a

formaccedilatildeo dos assentamentos rurais de Vila Rica-MT deixaram de ser posseiros Os ex-

colonos trabalhadores rurais e grileiros tornaram-se agricultores familiares quando o

INCRA regularizou a aacuterea em litiacutegio transformando-a em assentamento rural

97

3 SITUACcedilAtildeO SOCIOECONOcircMICA DOS ASSENTAMENTOS RURAIS SAtildeO

JOSEacute SAtildeO GABRIEL IPEcirc E ARACATI (2006-2010)

Esse capiacutetulo tem como objetivo apresentar a situaccedilatildeo socioeconocircmica de

quatro dos oito assentamentos rurais do municiacutepio de Vila Rica-MT No entanto natildeo se

pretende apresentar um diagnoacutestico de sua realidade social e econocircmica mas um esboccedilo

para compreender as tendecircncias soacutecio-histoacutericas que foram obtidas atraveacutes das fontes

documentais

Ressaltamos que existem poucas fontes escritas que se referem a situaccedilotildees

socioeconocircmicas dos assentamentos rurais do Araguaia e se tratando de Vila Rica a

localizaccedilatildeo e acesso aos poucos documentos escritos foram fundamentais para a

construccedilatildeo desse capiacutetulo

As fontes escritas analisadas nesse capiacutetulo foram os ldquoPlanos de

Desenvolvimento do Assentamentordquo (Pda) incluindo os assentamentos rurais Satildeo Joseacute

Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati elaborados pela Empaer em 2010 Estes Pdas ajudaram a

compreender os muacuteltiplos contextos de constituiccedilatildeo e produccedilatildeo nos assentamentos

rurais embora envolvessem outras temporalidades

Contudo ressaltamos que natildeo utilizamos apenas o banco de dados produzido

pela equipe da Empaer pois realizamos visitas aos assentamentos rurais agrave Secretaria

Municipal de Agricultura e ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT

onde aleacutem das entrevistas tivemos acesso a outras fontes documentais que

possibilitaram ampliar a perspectiva analiacutetica deste capiacutetulo

A elaboraccedilatildeo dos Pdas se deu atraveacutes de reuniotildees com os assentados e a

realizaccedilatildeo de pesquisa de campo

As informaccedilotildees coletadas refletem a realidade do assentamento

e foram levantadas dentro de uma metodologia participativa

onde a comunidade do assentamento expocircs suas dificuldades

potencialidades e prioridades Utilizou-se tambeacutem de estudos de

campo realizado por uma equipe multidisciplinar constituiacuteda

por engenheira florestal engenheira agrocircnoma e teacutecnicos nas

aacutereas da pecuaacuteria agriacutecola ambiental e social (EMPAER-MT

2010 p 2)

Ressaltamos que as informaccedilotildees levantadas natildeo ldquorefletiram a realidaderdquo de

maneira mecacircnica mas possibilitaram a anaacutelise das informaccedilotildees obtidas enquanto

tendecircncias

98

Para compreender como cada fonte documental foi construiacuteda foi preciso

observar as fotografias que fazem parte do proacuteprio documento e que possibilitaram a

percepccedilatildeo da forma com que a equipe multidisciplinar da Empaer coletou as

informaccedilotildees que serviram de base para produccedilatildeo do diagnoacutestico de como se deu a

participaccedilatildeo dos assentados

Figura 8 Fotografias das visitas dos teacutecnicos da Empaer-MT no PA Ipecirc 2010

Fonte EMPAER-MT 2010 p 5

A Empaer recorreu a diversas estrateacutegias desde o uso dos recursos

midiaacuteticos sobretudo a Raacutedio Comunitaacuteria e visitas aos assentamentos rurais contando

com o apoio de lideranccedilas sindicais e poliacuteticas para a divulgaccedilatildeo do Programa de

Assessoria Teacutecnica Social e Ambiental agrave Reforma Agraacuteria (Ates) e conscientizaccedilatildeo

dos agricultores familiares sobre a importacircncia e implicaccedilatildeo dos Pdas

Figura 9 Fotografias da apresentaccedilatildeo do Projetob Ates na Raacutedio Comunitaacuteria Eldorado

Fonte EMPAER 2010 p 5

99

Foi a partir dessas diferentes formas de divulgaccedilatildeo e estrateacutegias que a equipe

da Empaer convenceu os assentados a participar da primeira fase do Ates que foi a

construccedilatildeo do diagnoacutestico

Os questionaacuterios e entrevistas foram realizados em diferentes momentos em

reuniotildees com a comunidade e in loco o que resultou na tabulaccedilatildeo de dados que

apresentam diferentes bases amostrais Ora observamos uma amostra de cerca de

duzentos entrevistados e ora observamos tabelas com um nuacutemero trecircs vezes maior de

famiacutelias assentadas

Ressaltamos que essa diferenccedila na base de dados eacute proacutepria da fonte

documental analisada e natildeo pudemos adulterar os nuacutemeros para natildeo comprometer a

anaacutelise da fonte documental Ainda eacute importante salientamos que apesar das diferenccedilas

amostrais presentes em diferentes dados (tabelas) os mesmos satildeo extremamente

relevantes para anaacutelise por fornecerem tendecircncias socioeconocircmicas dos assentamentos

rurais nos anos de 2009 a 2010

31 Os assentamentos rurais na perspectiva do Programa de Assessoria Teacutecnica

Social e Ambiental agrave Reforma Agraacuteria (Ates)

Os assentamentos rurais segundo a concepccedilatildeo constituiacuteda no projeto de Ates

(2008) satildeo definidos enquanto espaccedilos de promoccedilatildeo da equidade de gecircnero e

intergeraccedilotildees entre a populaccedilatildeo de agricultores familiares Por isso a recorrecircncia agraves

estrateacutegias de trabalho em forma de cooperativas imbuiacutedas da concepccedilatildeo de

agroecologia cooperaccedilatildeo e economia solidaacuteria Estes elementos foram constituiacutedos a

partir dos artifiacutecios da formaccedilatildeo continuada dos diferentes segmentos que compotildeem o

coletivo do Programa de Reforma Agraacuteria

Para tanto o Programa Ates do Ministeacuterio do Desenvolvimento Agraacuterio

(BRASIL 2008 p 10) foi definido da seguinte forma

100

O Programa de Assessoria Teacutecnica Social e Ambiental agrave

Reforma Agraacuteria ndash Ates do INCRA foi criado em 2003 com o

objetivo de assessorar teacutecnica social e ambientalmente as

famiacutelias assentadas nos Projetos de assentamento da Reforma

Agraacuteria criados ou reconhecidos pelo INCRA tornando-os

unidades de produccedilatildeo estruturadas com seguranccedila alimentar

garantida inseridos de forma competitiva no processo de

produccedilatildeo voltados ao mercado e integradas agrave dinacircmica do

desenvolvimento municipal regional e territorial de forma

ambientalmente sustentaacutevel

Nessa perspectiva a assistecircncia teacutecnica implementada pelo Instituto Nacional

de Colonizaccedilatildeo e Reforma Agraacuteria deve levar em consideraccedilatildeo as questotildees de ordem

social ambiental culturas e tecnoloacutegica visando um modelo de desenvolvimento

pensado a partir das demandas locais regionais e nacional de forma que assegure a

sustentabilidade social ambiental e econocircmica dos assentamentos rurais

A Ates tem como ponto de referecircncia para a efetivaccedilatildeo da assistecircncia teacutecnica

na Agricultura Familiar os Pdas (2008 p 51) ldquo[] eacute portanto a principal ferramenta

de planejamento dos Projetos de assentamentos rurais voltada diretamente para o seu

desenvolvimento sustentaacutevel segundo as suas dimensotildees econocircmica social cultural e

ambientalrdquo

De acordo com o MDA os assentamentos rurais devem ser ldquoedificado a partir

de um diagnoacutesticordquo que sirva como representaccedilatildeo do quadro situacional dos

assentamentos rurais em seus aspectos fiacutesico social econocircmico cultural e ambiental

O objetivo eacute

Dotar as aacutereas de assentamento de um instrumento de

planejamento fundado em diagnoacutestico preacutevio que permita

prever todas as accedilotildees a serem desenvolvidas num determinado

horizonte de tempo de modo a possibilitar o monitoramento de

sua implementaccedilatildeo pelas equipes de Ates Garantir a efetiva

participaccedilatildeo dos assentados em todas as fases do processo de

planejamento e implementaccedilatildeo das accedilotildees nos projetos de

assentamento Inserir as accedilotildees propostas para os projetos de

assentamento no contexto das diretrizes contidas nos

planejamentos regionais e municipais assegurando a

participaccedilatildeo efetiva de todos os atores sociais governamentais e

natildeo governamentais envolvidos com o processo de reforma

agraacuteria (BRASIL MDA 2006 p 29)

Conforme o MDA o projeto tem por base a participaccedilatildeo do assentado em

todas suas fases de planejamento e implementaccedilatildeo dos assentamentos rurais

101

beneficiados A idealizaccedilatildeo do objetivo do Ates eacute ambicioso no contexto nacional mas

apresenta pouca aplicabilidade quando tomamos como referecircncia o caso de Vila Rica-

MT Tratando-se dos Pdas elaborados especificamente para os assentamentos rurais Satildeo

Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati os objetivos baacutesicos buscam assegurar que

As famiacutelias seratildeo assessoradas teacutecnica social e ambientalmente

de forma integrada e continuada nos aspectos de produccedilatildeo

industrializaccedilatildeo e comercializaccedilatildeo dos produtos explorados na

aplicaccedilatildeo do creacutedito rural nas questotildees ambientais no

saneamento baacutesico na organizaccedilatildeo das famiacutelias e da produccedilatildeo

no exerciacutecio da cidadania utilizando as metodologias de Ates

(EMPAER-MT 2010 p 11)

A partir dessa proposta a equipe da Empaer realizou a primeira fase do

projeto realizando uma ampla pesquisa junto aos assentados dos quatro assentamentos

rurais de Vila Rica-MT que foram contemplados pelo Programa de Ates Este

levantamento de dados pela Empaer foi importante para identificar o perfil do

assentado a produccedilatildeo e comercializaccedilatildeo no ano de 2010 Apesar de ser uma

amostragem parcial forneceu dados que permitiram analisar e problematizar questotildees

que podem se constituir enquanto indicadores ou tendecircncias

Apesar da relevacircncia do Pdas como fonte documental para a pesquisa e para

as poliacuteticas do municiacutepio de Vila Rica-MT eacute fundamental destacarmos que o Ates natildeo

foi finalizado mas suspenso pelo Governo Federal sem que os Pdas tenham sido

devidamente finalizados No entanto a equipe teacutecnica da Empaer que coletou os dados

e as informaccedilotildees desses assentamentos rurais continua utilizando esse diagnoacutestico para

o desenvolvimento de suas accedilotildees

32 O perfil dos assentados gecircnero idade e escolaridade

O perfil dos assentados dos assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e

Aracati conforme jaacute dito foi constituiacutedo com dados quantitativos obtidos atraveacutes dos

diagnoacutesticos que serviriam como base para a construccedilatildeo dos Pdas

Esses dados foram analisados a partir da confrontaccedilatildeo com fontes orais e

anaacutelises teoacutericas que forneceram indiacutecios qualitativos para a problematizaccedilatildeo e

102

compreensatildeo das caracteriacutesticas dos Agricultores Familiares dos assentamentos rurais

pesquisados

321 Diferenciaccedilatildeo de Gecircneros predominacircncia masculina e papel da mulher

Segundo dados da Empaer (2010) a diferenccedila numeacuterica entre homens e

mulheres nos assentamentos rurais pesquisados assim se apresentava

PA Satildeo Joseacute 179 homens e 147 mulheres

PA Satildeo Gabriel 44 homens e 39 mulheres

PA Ipecirc 153 homens e 125 mulheres

PA Aracati 40 homens e 44 mulheres

Com exceccedilatildeo do Assentamento Rural Aracati que apresentou uma pequena

vantagem no nuacutemero de mulheres em relaccedilatildeo aos demais assentamentos rurais se

observa a predominacircncia do sexo masculino sobre o feminino Uma hipoacutetese explicativa

para a existecircncia de maior nuacutemero de homens residindo nos assentamentos rurais eacute em

primeiro lugar causado pela necessidade dos filhos estudarem nas escolas urbanas

sendo que muitas vezes as matildees os acompanham em segundo lugar a possibilidade de

que cabe aos homens morar nas fases iniciais de formaccedilatildeo dos assentamentos rurais

enquanto constroem as casas estradas escola e estrutura fiacutesica

A questatildeo de gecircnero pode ser abordada em relaccedilatildeo ao trabalho ao lazer e agrave

participaccedilatildeo poliacutetica das mulheres Tratando-se de lazer os relatoacuterios do Pdas da

Empaer (2010 p 74) demonstraram que existe uma estrutura maior para os homens

conforme descriccedilatildeo abaixo

No assentamento natildeo identificamos praacuteticas de lazer voltadas

para as mulheres e idosos As atividades direcionadas para este

grupo geralmente se datildeo na esfera familiar ou religiosa O

assentamento tem times de bochas que participam do

campeonato municipal onde os jogadores tecircm que se deslocar

de um assentamento para outro

Como vimos as atividades de lazer satildeo predominantemente masculinas

sobretudo no esporte como eacute o caso dos jogos de bocha e futebol que resultam numa

circulaccedilatildeo dos assentados em outros assentamentos rurais e comunidades Agraves mulheres

restam as atividades religiosas e no lar Assim sendo satildeo os homens que tecircm mais

103

oportunidades de sair de casa e tambeacutem da comunidade diferentemente das mulheres

que ficam a maior parte do tempo no interior do lar

No que se refere agrave representaccedilatildeo poliacutetica segundo a Empaer (2009 p 59) no

Assentamento Rural Satildeo Joseacute ldquo[] foram levantadas as informaccedilotildees que natildeo haacute []

representaccedilatildeo especiacutefica para o jovem e a mulher rural fato este que tambeacutem contribui

para o ecircxodo dessas famiacuteliasrdquo Jaacute nos assentamentos rurais Satildeo Gabriel e Ipecirc ldquo[] a

participaccedilatildeo da associaccedilatildeo conta com presenccedila de homens mulheres e jovens poreacutem as

mulheres e jovens fazem poucas interferecircncias sobre os assuntos tratados durante as

reuniotildeesrdquo (EMPAER p 51)

De acordo com os relatoacuterios produzidos pela equipe do escritoacuterio da Empaer

em Vila Rica-MT natildeo existe uma organizaccedilatildeo feminina no sentido de criar estrateacutegias

para pleitear poliacuteticas especiacuteficas para a categoria o que diminui ainda mais a

participaccedilatildeo das mesmas Vale lembrar que as mulheres satildeo responsaacuteveis pelos afazeres

domeacutesticos (cuidando da casa e dos filhos) assim como da criaccedilatildeo de pequenos animais

domeacutesticos (porcos aves cachorros e outros) e do cultivo de hortas

No relatoacuterio do Assentamento Rural Satildeo Gabriel essa situaccedilatildeo foi descrita

pela a Empaer (2010 p 52) da seguinte forma

A maioria das mulheres aleacutem de trabalharem nos afazeres

domeacutesticos (cuidado da casa e dos filhos) tambeacutem satildeo

responsaacuteveis pela criaccedilatildeo de pequenos animais domeacutesticos e

cultivos de hortas A organizaccedilatildeo das mulheres dentro do

assentamento ainda eacute retraiacuteda Segundo dados do perfil de

entrada aplicado no assentamento natildeo foi constatado nenhum

grupo de mulheres ou qualquer outra forma de organizaccedilatildeo

social voltada para as mulheres em todo o assentamento

Ficando as mesmas condicionadas a se reunirem com os

homens e desta forma natildeo se unem para tratar de assuntos

relevantes as suas necessidades dentro do assentamento

Os afazeres domeacutesticos entram na divisatildeo sexual do trabalho como atividade

feminina assim como eacute o caso do cultivo de hortaliccedilas e criaccedilatildeo de pequenos animais

(aves porcos etc) as quais podem contar com a ajuda das crianccedilas No entanto haacute

indiacutecios de que falta uma maior organizaccedilatildeo das mulheres no sentido na reivindicaccedilatildeo

de poliacuteticas direcionadas aos seus interesses O segundo o relatoacuterio da Empaer (2010 p

52) esclarece ainda que

104

A alimentaccedilatildeo das famiacutelias eacute composta pelo que eacute produzido

nas propriedades como pequenos animais leite derivados do

leite hortaliccedilas frutas do pomar e em determinada eacutepoca do

ano tem o complemento de milho e mandioca A outra parte da

alimentaccedilatildeo da famiacutelia eacute comprada no comeacutercio do municiacutepio

Natildeo foi constatada nenhuma famiacutelia que natildeo produz um pouco

da sua base alimentar dentro da propriedade

Assim podemos afirmar que a maior parte dos produtos que serve de base

para alimentaccedilatildeo das famiacutelias tais como pequenos animais derivados do leite

hortaliccedilas frutas do pomar entre outros satildeo oriundos das atividades desenvolvidas

pelas mulheres cabendo aos homens as atividades relacionadas agrave produccedilatildeo e venda de

leite para complementaccedilatildeo da renda da famiacutelia

Nessa mesma perspectiva os dados quantitativos que se seguem demonstram

a confirmaccedilatildeo do que jaacute supramencionamos

Tabela 2 Produtos que satildeo destinados agrave Alimentaccedilatildeo da Famiacutelia

Uso de tanque PA S Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total

Pequenos animais 106 22 78 25 231

Leite 97 22 76 25 220

Pomar 105 21 78 24 228

Horta 72 15 62 17 166

Total 380 80 294 91 845

Fonte EMPAER (2010 p09)

Analisando a Tabela 2 do total de 570 famiacutelias dos quatro assentamentos

rurais participantes da pesquisa 220 criam gado leiteiro sendo essa atividade uma das

principais fontes de renda e de consumo

Enquanto 231 assentados satildeo criadores de pequenos animais 228 possuem

pomar e 166 cultivam hortaliccedilas em seus quintais Trata-se de produccedilatildeo para consumo

Logo eacute possiacutevel aferir que quem garante grande parte da renda das famiacutelias assentadas

satildeo as mulheres sendo que esse trabalho nem sempre eacute considerado rentaacutevel visto que

classificado como uma simples ldquoajudardquo no orccedilamento familiar conforme observado

adiante na discussatildeo sobre produccedilatildeo

322 Perfil etaacuterio indicadores de uma populaccedilatildeo idosa

105

Outro elemento importante identificado na pesquisa diz respeito agrave idade dos

assentados identificando o papel parcial dos jovens nos assentamentos rurais e o

envelhecimento da populaccedilatildeo

Segundo dados da Empaer (2010) a idade dos assentados dos assentamentos

rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati estatildeo distribuiacutedos em faixas etaacuterias da

seguinte forma

Tabela 3 Faixa etaacuteria dos assentados

Faixa Etaacuteria Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total

Nordm Nordm Nordm Nordm Nordm

0 a 6 24 75 10 120 18 64 1 10 53 70

7 a 15 69 215 22 270 36 128 17 210 144 190

16 a 29 67 200 13 160 81 287 20 250 181 230

30 a 60 139 430 37 450 120 426 35 430 331 430

Acima de 60 27 80 0 00 287

96 8 100 62 80

Total 326 100 82 1000 282 1000 81 1000 771 100

Fonte EMPAER 2010

De acordo com os dados na tabela 3 foi possiacutevel identificar que se somadas

As faixas etaacuterias entre 16 anos e 60 anos 66 dos assentados pesquisados estatildeo dentro

de faixas etaacuterias de populaccedilatildeo economicamente ativa ou seja os aptos agrave produccedilatildeo

agriacutecola eou pecuaacuteria Enquanto que as faixas etaacuterias de 7 a 15 anos de idade tecircm uma

representaccedilatildeo de 19 sendo que 8 estatildeo acima de 60 anos ou seja satildeo idosos e a

tendecircncia eacute que natildeo trabalhem da mesma maneira que os mais jovens

Logo esta constataccedilatildeo que leva em consideraccedilatildeo outras informaccedilotildees aleacutem

das expostas na tabela 3 nos induz a refletir sobre o envelhecimento da populaccedilatildeo do

campo onde apenas 19 satildeo jovens entre 7 a 15 anos Este pode ser considerado como

um intervalo longo situaccedilatildeo que a nosso ver complica a anaacutelise dos dados Aleacutem de

haver um indicativo de evasatildeo dos jovens nos assentamentos rurais explicada

hipoteticamente pela necessidade das novas geraccedilotildees de prosseguir nos estudos motivo

pelo qual saem dos assentamentos rurais para conseguirem obter maiores niacuteveis de

escolaridade como o Ensino Superior e ateacute mesmo o Meacutedio Outra possiacutevel explicaccedilatildeo

eacute a de que os jovens procuram por empregos em aacutereas urbanas

106

Destacamos que essa constataccedilatildeo tomou tambeacutem como paracircmetro o relatoacuterio

da Pesquisa Nacional de Residecircncia Domiciliar PNAD (2009) que aponta para o

envelhecimento da populaccedilatildeo rural no Brasil sobretudo nas aacutereas de assentamentos

rurais

Outro elemento fundamental eacute o papel poliacutetico dos ldquojovensrdquo assentados uma

vez que foram identificados como pouco participativos nas reuniotildees e atuaccedilotildees poliacuteticas

observadas pela equipe de elaboraccedilatildeo dos Planos de Desenvolvimento dos

assentamentos rurais

Aleacutem desse elemento a questatildeo da sua saiacuteda dos assentados para morar nas

cidades tambeacutem foi identificada como problema que atinge mais os jovens que buscam

oportunidade de empregos citadinos e de terem uma melhor e maior escolaridade

323 Perfil de escolaridade dos assentados

Nos dados da Empaer (2010) a escolaridades dos assentados tem a seguinte

caracterizaccedilatildeo

Tabela 4 Escolaridade dos assentados Escolaridade PA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total Perce

ntual

1ordf a 4ordf Seacuterie 143 29 113 39 324 46

5ordf a 8ordf Seacuterie 83 34 81 19 217 31

Segundo grau 61 12 49 16 138 20

Superior 8 1 4 7 20 3

Total 295 76 247 81 699 100

Fonte EMPAER (2010 p 9)

A Tabela 4 mostra que o niacutevel de escolaridade dos assentados eacute

significativamente baixo uma vez que das 699 pessoas participantes da pesquisa 77

natildeo cursaram o Ensino Meacutedio 324 estatildeo em niacutevel de escolaridade entre 1ordf a 4ordf seacuterie ou

seja estatildeo no anosciclo iniciais do processo de escolarizaccedilatildeo E 227 estatildeo entre 5ordf a 8ordf

seacuterie ou seja natildeo concluiacuteram sequer o Ensino Fundamental Somente 20 dos

entrevistados tecircm Ensino Meacutedio e apenas 20 pessoas dos pesquisados possuem ou estatildeo

em fase de conclusatildeo do Ensino Superior ou seja 3

107

Essa baixa escolarizaccedilatildeo entre assentados tambeacutem foi identificada em

pesquisa de Ferreira e Castrillon (2004 p 201) que ao apresentarem uma anaacutelise sobre

os impactos socioeconocircmicos dos assentamentos rurais em Mato Grosso descrevem sua

estrutura social como

Nos assentamentos pesquisados 23 8 dos titulares dos lotes

eram analfabetos 534 possuiacuteam primeiro grau incompleto

136 primeiro grau completo e 91 segundo grau ou mais

A taxa de analfabetismo dos titulares dos lotes demonstra- se

superior a taxa de analfabetismo da populaccedilatildeo rural do estado

A baixa escolaridade dos titulares dos lotes podem ser

explicados entre os outros fatores pela falta de infraestrutura

social (escola) em ambientes em que predomina intensa

mobilidade social pela necessidade do trabalho familiar entre

os jovens nas aacutereas rurais e especialmente em aacutereas de

fronteiras pela instabilidade e inseguranccedila promovidas pelo

intenso processo de luta pela terra Tais fatores quando

relacionadas diminuem as oportunidades de acesso a escola e a

serviccedilo de sauacutede as populaccedilotildees

Logo podemos observar que os dados quantitativos dos assentamentos rurais

pesquisados pela Empaer (2010) natildeo destoam de outras pesquisas em outros

assentamentos rurais do estado de Mato Grosso

Para finalizar a anaacutelise sobre o perfil dos assentados ressaltamos que

problematizar os dados relativos a gecircnero idade e escolaridade eacute fundamental para

identificar o perfil dos assentados quanto agraves caracteriacutesticas pessoais elementares que

influenciam na forma com que se relacionam e agem socialmente A educaccedilatildeo nos

assentamentos rurais pode ser problematizada atraveacutes de um fenocircmeno recente de

esvaziamento e fechamento de escolas no campo ou tambeacutem agrave falta de um curriacuteculo e

modo de organizaccedilatildeo pedagoacutegica que atenda as caracteriacutesticas especiacuteficas das aacutereas dos

assentamentos rurais

33 Condiccedilotildees de vida nos assentamentos rurais energia eleacutetrica aacutegua sauacutede

moradia e infraestrutura

O estudo levou em consideraccedilatildeo as anaacutelises sobre as condiccedilotildees nas quais

vivem as pessoas nos assentamentos rurais tendo como paracircmetro o acesso agrave luz

eleacutetrica aacutegua sauacutede moradia e infraestrutura elementos que a nosso ver satildeo

108

fundamentais para assegurar as condiccedilotildees de permanecircncia das famiacutelias nos

assentamentos rurais (no lugar) e proporcionam algum conforto e bem-estar

331 Energia Eleacutetrica

Um dos principais problemas do universo dos assentamentos rurais no Brasil

antes da implementaccedilatildeo do Programa Luz Para Todos era a ausecircncia de energia

eleacutetrica que impedia uma melhor qualidade de vida a qual impossibilitava o uso de

eletrocircnicos e eletrodomeacutesticos bem como a utilizaccedilatildeo de resfriadores para conservar e

processar o leite principal produto da renda financeira dos assentamentos rurais

estudados

Nessa perspectiva os dados quantitativos dispostos nos Pdas 2010 que satildeo

posteriores ao Programa Luz Para Todos nos mostram outra realidade

Tabela 5 Presenccedila de energia eleacutetrica nos assentamentos rurais

Energia EleacutetricaPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual

Natildeo tem energia eleacutetrica 5 0 3 0 8 35

A fonte eacute gerador proacuteprio 0 0 1 0 1 05

A fonte eacute a rede CEMAT 98 25 76 25 224 960

Total 103 25 80 25 233 100

Fonte EMPAER 2010

Nos assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati 96 dos

assentados jaacute usufruiacutea de energia eleacutetrica e somente oito das famiacutelias assentadas em

um universo de 233 responderam natildeo contar com energia eleacutetrica Essas famiacutelias sem

energia eleacutetrica moravam nos assentamentos rurais Satildeo Joseacute e Ipecirc e uma possibilidade

de explicaccedilatildeo para esse fato pode ser que satildeo famiacutelias receacutem-chegadas ou que ocuparam

aacutereas mais distantes dentro dos assentamentos rurais

Tal situaccedilatildeo de uma maioria de assentados contar com energia eleacutetrica eacute

decorrente do Programa ldquoLuz para Todosrdquo do Governo Federal

332 Aacutegua

109

A aacutegua eacute um elemento essencial para a vida no entanto quando se refere agrave

aacutegua em condiccedilatildeo potaacutevel revela-se um problema mundial situaccedilatildeo que natildeo foge agrave

realidade dos assentamentos rurais do municiacutepio de Vila Rica-MT Haacute problemas com a

aacutegua potaacutevel em funccedilatildeo de vaacuterios fatores tais como questotildees culturais econocircmicas

mas sobretudo as questotildees ambientais que assolam os assentamentos rurais do Brasil

Segundo dados da Empaer (2010) o percentual da aacutegua encanada nas

residecircncias dos assentamentos rurais pesquisados em Vila Rica-MT varia conforme as

caracteriacutesticas de cada projeto de assentamento A seguir mostramos os dados

encontrados em cada um dos assentamentos rurais

PA Satildeo Joseacute 72 possuem aacutegua encanada nas residecircncias

PA Satildeo Gabriel 70

PA Ipecirc 68

PA Aracati 92

Consideramos esse nuacutemero significativo de assentados beneficiados com

aacutegua encanada pois a exceccedilatildeo do Assentamento Rural Aracati que tem 92 os

demais tecircm uma meacutedia de 70 de aacutegua encanada

Importante destacar que satildeo diversas as fontes de aacutegua nos assentamentos

rurais conforme podemos verificar

Tabela 6 Fonte de Aacutegua nos assentamentos rurais

Aacutegua encanadaPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total

Poccedilo de alvenaria 92 19 57 11 179

Nascente protegida 5 2 11 11 29

Poccedilo descoberto 0 0 2 0 2

Cacimba 1 1 2 1 5

Coacuterrego ou rio 0 0 0 0 0

Poccedilo tubular fundo 6 0 2 1 9

Outras fontes 2 0 1 0 3

Total 106 22 75 24 227 Fonte EMPAER (201012)

110

Como podemos perceber a Tabela 6 nos mostra que 179 das propriedades

dos assentamentos rurais estudados possuem a aacutegua oriunda de poccedilos de alvenaria

sendo que 29 deles utilizam aacutegua das nascentes existentes em suas propriedades as

quais eles declararam protegecirc-las Duas pessoas usam aacutegua de poccedilos descobertos Cinco

usam aacutegua de cacimba nove de poccedilos tubulares fundos e apenas trecircs declararam utilizar

a aacutegua vinda de outras fontes

Outro fator que consideramos relevante eacute questatildeo que envolve a qualidade da

aacutegua consumida pelas famiacutelias assentadas segundo informaccedilotildees contidas na Tabela 7

Tabela 7 Qualidade da aacutegua nos assentamentos rurais

AacuteguaPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total

Aacutegua filtrada 86 23 56 16 181

Fervida 0 0 4 1 5

In natura 22 2 19 8 51

Aacutegua tratada 0 0 1 0 1

Outras fontes 1 0 1 0 2

Total 109 25 81 25 240 Fonte EMPAER (2010 p 9)

Eacute fato que existe uma relaccedilatildeo direta entre a qualidade da aacutegua e as questotildees

ligadas agrave sauacutede Poreacutem no caso dos assentamentos rurais estudados torna preocupante

o fato de existir 51 famiacutelias que consumem aacutegua in natura situaccedilatildeo que pode estar

vinculada aos fatores socioeconocircmicos sobretudo ao senso comum de que a aacutegua

ldquolimpardquo eacute a aacutegua sem cor e sem cheiro portanto aacutegua saudaacutevel

333 Sauacutede

A sauacutede puacuteblica eacute uma das reivindicaccedilotildees dos movimentos sociais que

demandam por melhores condiccedilotildees de vida nas aacutereas de assentamentos rurais tanto no

que diz respeito agrave estrutura macro quanto micro No entanto os saberes tradicionais

influenciam na concepccedilatildeo e modos de tratamento dos assentados de Vila Rica-MT

111

Segundo os dados do Plano de Desenvolvimento dos Assentamentos as

doenccedilas mais comuns satildeo hipertensatildeo leishmaniose verminose e outras como dores na

coluna nos rins dores de cabeccedila diabetes dengue e malaacuteria

Os dados quantitativos mostram a frequecircncia com que os assentados realizam

exames

Tabela 8 Frequecircncia da realizaccedilatildeo de exames de sauacutede

FrequecircnciaPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total

Regularmente 73 18 46 20 157

De vez em quando 35 4 31 5 75

Natildeo faz 1 0 4 0 5 Fonte EMPAER 2010

Os dados da Tabela 8 evidenciam que a maior parte dos assentados realizava

exames com frequecircncia o que demonstra que os mesmos tecircm acesso e fazem uso dos

serviccedilos de sauacutede puacuteblica realizados nos assentamentos rurais No entanto 75 famiacutelias

declararam utilizar os serviccedilos de sauacutede de vez em quando sendo que apenas 5 famiacutelias

disseram natildeo fazer uso

Quando perguntado se o assentado tem acesso aos serviccedilos de sauacutede os

dados nos remetem a outras interpretaccedilotildees conforme Tabela 9

Tabela 9 Acesso aos serviccedilos de sauacutede

AcessoPA Satildeo Joseacute Satildeo

Gabriel Ipecirc Aracati Total

Tem acesso 78 22 79 23 202

Natildeo tem acesso 33 1 2 1 37

Fonte EMPAER 2010

Pelos dados 202 famiacutelias dos assentados pesquisados afirmaram que tinham

acesso aos serviccedilos de sauacutede quando confrontados com outros dados existentes nos

Planos de Desenvolvimento dos Assentamentos Rurais visto que aleacutem desses serviccedilos

haacute disponibilidade de medicamentos que geralmente satildeo distribuiacutedos gratuitamente

apoacutes a consulta meacutedica No entanto trinta e sete famiacutelias declaram natildeo terem acesso aos

serviccedilos de sauacutede tampouco aos medicamentos

112

Segundo a Empaer (2009 p 66) 211 famiacutelias de assentamentos rurais

recorrem aos procedimentos da medicina tradicional principalmente agraves plantas

medicinais para suprir suas necessidades e ldquo[] desta forma conservam uma tradiccedilatildeo

cultural repassada de matildee para filhardquo Os principais remeacutedios caseiros segundo a

Empaer satildeo ldquo[] chaacutes xaropes garrafadas caseiras para combater e prevenir algumas

doenccedilasrdquo

Os dados quantitativos da Tabela 10 reforccedilam essa concepccedilatildeo

Tabela 10 Uso do remeacutedio caseiro

UsoPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total

Faz uso 96 22 71 22 211

Natildeo faz uso 15 1 10 3 29

Total Fonte EMPAER 2010

Os nuacutemeros indicam que apesar da maioria dos assentados terem acesso aos

serviccedilos de sauacutede grande parte deles tambeacutem faz uso de remeacutedios caseiros tradicionais

Esses dados confirmam que apesar das interaccedilotildees com serviccedilos puacuteblicos e outras

loacutegicas os assentados natildeo deixaram de utilizar os remeacutedios tradicionais Isso nos remete

agrave concepccedilatildeo de Gadelha (2007) que assegura que o mais importante na compreensatildeo

dos aspectos culturais eacute pensar para aleacutem da eficaacutecia de um determinado ritual mas eacute

tambeacutem tentar atribuir conceito sobre o poder simboacutelico utilizado por cada sociedade

para atribuir sentidos aos objetos

334 Moradia

A moradia tambeacutem eacute um dos fatores imprescindiacuteveis para a permanecircncia dos

assentados no campo No caso de Vila Rica-MT uma das caracteriacutesticas importantes do

perfil dos assentados eacute que a terra deve servir para moradia

Tabela 11 Nuacutemero de assentados que declararam morar no assentamento rural

MoradiaPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total

Sim 268 47 235 65 615 82

113

Natildeo 58 31 37 7 133 18

Total 326 78 372 72 748 100

Fonte EMPAER 2010

Assim conforme os dados apresentados 82 dos assentados dos

assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati declaram morar nos lotes fato

que demonstra um perfil dos assentados de morar-nos proacuteprios assentamentos rurais

fortalecendo assim a concepccedilatildeo da terra enquanto condiccedilatildeo tanto de morar como de

plantar O uacutenico assentamento rural que tem uma situaccedilatildeo parcialmente e discrepante eacute

Satildeo Gabriel que tem um percentual significativo de assentados que natildeo residem nos

lotes

Essas informaccedilotildees da tabela cruzadas com outros dados mostraram que o

tempo meacutedio de moradia dos assentados eacute

PA Satildeo Joseacute 1036 anos de moradia

PA Satildeo Gabriel 792 anos de moradia

PA Ipecirc 860 anos de moradia

PA Aracati 1248 anos de moradia

A permanecircncia nos lotes foi evidenciada pelos dados o que remete agrave loacutegica

de ldquoterra para plantar e morarrdquo

Nos dados sobre infraestrutura observa-se que as casas satildeo na maioria de

alvenaria madeira serrada e em alguns casos as casas satildeo construiacutedas de pau-a-pique

335 Infraestrutura equipamentos e Tecnologias

A melhoria da infraestrutura aquisiccedilatildeo de equipamentos e novas tecnologias

estatildeo entre as principais reivindicaccedilotildees dos movimentos sociais do campo por serem

considerados essenciais para o aumento da produccedilatildeo e renda dos assentados

Os dados coletados pela Empaer (2010) mostram que houve avanccedilos

significativos na questatildeo infraestrutural nos assentamentos rurais de Vila Rica-MT

sobretudo a partir da implementaccedilatildeo do Programa Nacional da Agricultura Familiar

114

No entanto em relaccedilatildeo agrave aquisiccedilatildeo dos equipamentos e novas tecnologias ainda se

verifica defasagem

Algumas dessas informaccedilotildees podem ser conferidas nos quadros abaixo

No Assentamento Rural Satildeo Joseacute

A infraestrutura existente estaacute distribuiacuteda segundo os assentados da seguinte forma

- 31 natildeo possuem currais

- 20 possuem currais de arame liso 3 de madeira lisa e 58 de madeira

serrada

- 108 natildeo possuem brete

- 2 possuem brete de madeira bruta e 1 de madeira serrada

- 9 possuem barracatildeo de ordenha e 103 natildeo possuem

- 3 natildeo possuem cercas na propriedade

- 0 possuem cercas construiacutedas de arame farpado e 107 de arame liso

A existecircncia de equipamentos nas propriedades estaacute distribuiacuteda da seguinte forma

- 21 possuem equipamentos de traccedilatildeo animal e 90 natildeo possuem

- 3 possuem trator com implementos e 109 natildeo possuem

- 65 alugam trator e 47 natildeo alugam

- 17 possuem triturador ou picador de forragens e 95 natildeo possuem

Projeto de Assentamento Rural Satildeo Gabriel

A infraestrutura existente estaacute distribuiacuteda segundo os assentados da seguinte forma

- 5 possuem currais de arame liso 1 de madeira lisa e 7 de madeira

serrada

- 25 natildeo possuem brete

- 0 possuem brete de madeira bruta e 0 de madeira serrada

- 2 possuem barracatildeo de ordenha e 23 natildeo possuem

- 1 natildeo possui cercas na propriedade

- 0 possuem cercas construiacutedas de arame farpado e 24 de arame liso

A existecircncia de equipamentos nas propriedades estaacute distribuiacuteda da seguinte forma

- 4 possuem equipamentos de traccedilatildeo animal e 21 natildeo possuem

- 1 possui trator com implementos e 23 natildeo possuem

115

- 21 alugam trator e 3 natildeo alugam

- 5 possuem triturador ou picador de forragens e 19 natildeo possuem

Projeto de Assentamento Rural Ipecirc

A infraestrutura existente estaacute distribuiacuteda segundo os assentados da seguinte forma

- 24 natildeo possuem currais

- 17 possuem currais de arame liso 5 de madeira lisa e 35 de madeira

serrada

- 79 natildeo possuem brete

- 0 possuem brete de madeira bruta e 2 de madeira serrada

- 6 possuem barracatildeo de ordenha e 75 natildeo possuem

- 1 natildeo possuem cercas na propriedade

- 0 possuem cercas construiacutedas de arame farpado e 80 de arame liso

A existecircncia de equipamentos nas propriedades estaacute distribuiacuteda da seguinte forma

- 10 possuem equipamentos de traccedilatildeo animal e 71 natildeo possuem

- 6 possuem trator com implementos e 75 natildeo possuem

- 55 alugam trator e 26 natildeo alugam

- 20 possuem triturador ou picador de forragens e 61 natildeo possuem

Projeto de Assentamento Rural Aracati

A infraestrutura existente estaacute distribuiacuteda segundo os assentados da seguinte forma

- 2 natildeo possuem currais

- 8 possuem currais de arame liso 1 de madeira lisa e 14 de madeira

serrada

- 24 natildeo possuem brete

- 0 possuem brete de madeira bruta e 0 de madeira serrada

- 2 possuem barracatildeo de ordenha e 23 natildeo possuem

- 0 natildeo possuem cercas na propriedade

- 2 possuem cercas construiacutedas de arame farpado e 23 de arame liso

A existecircncia de equipamentos nas propriedades estaacute distribuiacuteda da seguinte forma

- 6 possuem equipamentos de traccedilatildeo animal e 19 natildeo possuem

116

- 0 possui trator com implementos e 25 natildeo possuem

- 20 alugam trator e 5 natildeo alugam

- 4 possuem triturador ou picador de forragens e 21 natildeo possuem

Percebe-se que a infraestrutura baacutesica nos assentamentos rurais estaacute voltada

para a criaccedilatildeo de gado como currais brete de madeira barracatildeo de ordenha e cercas de

arame liso e farpado aleacutem de outros equipamentos como resfriadores de leite e

trituradores ou picadores para a feitura de forragens para a alimentaccedilatildeo do gado

O nuacutemero e a distribuiccedilatildeo deles variam conforme os assentamentos rurais e o

perfil dos assentados No geral se percebe que os Agricultores Familiares de Vila Rica-

MT ainda recorrem com frequecircncia ao uso da forccedila humana e dos equipamentos de

traccedilatildeo animal Existem no entanto alguns equipamentos agriacutecolas de origem

mecanizada como tratores que podem ser proacuteprios ou alugados

O fato eacute que em menor ou maior nuacutemero os equipamentos e a infraestrutura

existente nos assentamentos satildeo destinados agrave produccedilatildeo e criaccedilatildeo de gado

34 A Produccedilatildeo a renda comercializaccedilatildeo e a circulaccedilatildeo na Agricultura Familiar

de Vila Rica-MT

Um dado importante a ser ponderado para a problematizaccedilatildeo da produccedilatildeo

nos assentamentos rurais diz respeito agrave renda Especificamente de onde surge a renda

dos assentados

As informaccedilotildees obtidas dos quatro assentamentos rurais de Vila Rica-MT

analisados pela pesquisa da Empaer os dados indicam que a renda dos assentados eacute

resultante das atividades que estatildeo associadas a algumas culturas agriacutecolas agrave pecuaacuteria e

agrave criaccedilatildeo de pequenos animais

Tais dados estatildeo melhor detalhados em tabelas distribuiacutedas por itens visando

assim uma melhor compreensatildeo da dinacircmica de produccedilatildeo e renda dos assentamentos

rurais

341 A renda nos quatro Projetos de assentamentos rurais de Vila Rica-MT

117

Tabela 12 Percentual de participaccedilatildeo da Renda dos assentados

RendaPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati

Renda Agriacutecola eou Pecuaacuteria 7333 8789 7365 7140

Natildeo Agriacutecola

(Artesanato agroinduacutestria) 3650 7500 3062 3000

Outras rendas

(Salaacuterios Aposentadoria etc) 5280 6182 4810 5460

Fonte EMPAER 2010

A tabela 12 revela que a maior parte da renda dos assentamentos rurais

proveacutem dos rendimentos das atividades agriacutecolas e pecuaacuterias seguida por outros tipos

de rendas originaacuterios de salaacuterios e aposentadorias que alguns assentados usufruem

aleacutem de atividades de produccedilatildeo artesanal em geral confeccionada por mulheres

O projeto de assentamento rural que apresenta discrepacircncia em relaccedilatildeo aos

dados anteriores eacute o do Assentamento Rural Satildeo Gabriel que aleacutem da renda oriunda da

pecuaacuteria agricultura tem destaque nas outras fontes como atividades artesanais

agroinduacutestria e em salaacuterios e aposentadoria

342 Atividades Agriacutecolas a produccedilatildeo econocircmica e a de subsistecircncia

As atividades agriacutecolas desenvolvidas nos assentamentos foram classificadas

de duas categorias econocircmicas e de subsistecircncia Segundo os dados o quantitativo

produzido eacute descrito conforme tabela a seguir

Tabela13 Produccedilatildeo agriacutecola (em Kg)

Atividades

Agriacutecolas PA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total

Arroz 4500 5100 1510 1500 12610

Banana 2560 200 2537 11000 1629

Feijatildeo 0 0 550 0 550

Mandioca 225802 54000 8127 111500 39942

Milho 106500 73530 3378 46850 23025 Fonte EMPAER 2010

Segundo a Tabela 13 os produtos agriacutecolas mais cultivados nos

assentamentos rurais estudados satildeo em quilograma mandioca seguida do milho e do

118

arroz uma pequena produccedilatildeo de banana Apenas o Assentamento Rural Ipecirc produz

feijatildeo

Tabela 14 Assentados que praticam Culturas de Subsistecircncia

Culturas

Econocircmicas PA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total

Arroz 2 4 12 1 19

Banana 5 1 16 3 25

Feijatildeo 0 0 2 0 2

Mandioca 29 6 38 15 88

Milho 17 12 38 12 79 Fonte EMPAER 2010

Os dados demonstram que a mandioca e o arroz satildeo os principais produtos

agriacutecolas cultivados nos assentamentos Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati O arroz eacute

comercializado em casca sendo a mandioca o milho e em menor escala a banana os

cultivados pelo maior nuacutemero de assentados

Trata-se portanto de uma produccedilatildeo significativa tanto para comercializaccedilatildeo

quanto para subsistecircncia No entanto a pecuaacuteria ainda eacute a principal atividade econocircmica

desses assentamentos rurais

343 Pecuaacuteria e criaccedilatildeo de pequenos animais

A principal atividade de produccedilatildeo econocircmica nos assentamentos estudados eacute

a pecuaacuteria bovina leiteira a qual nos uacuteltimos anos cresceu significativamente

ultrapassando a pecuaacuteria de corte

Tabela 15 Tipo de pecuaacuteria explorada por propriedade (famiacutelias)

Tipo de

pecuaacuteria PA Satildeo Joseacute

Satildeo

Gabriel Ipecirc Aracati Total

Leite 19 10 34 12 75

Leite e corte 57 5 27 11 100

Corte 29 3 15 2 49

Total 105 18 76 25 224 Fonte EMPAER 2010

119

Os dados demostram que a maioria dos criadores de gado se dedica agrave

produccedilatildeo de leite Cruzando estes com outros dados eacute possiacutevel identificar que a

produccedilatildeo de leite eacute destinada ao mercado e tambeacutem ao consumo das famiacutelias

assentadas o que tem correlaccedilatildeo ateacute mesmo com a frequecircncia de consumo de proteiacutena

animal apresentados aa Tabela 16

Tabela 16 Frequecircncia do consumo de proteiacutena animal na alimentaccedilatildeo dos

assentados

Uso de tanquePA Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total

Come carne todo dia 93 22 70 22 207

Trecircs vezes por semana 16 0 9 3 28

Uma vez por semana 0 0 1 0 1

Natildeo come carne 0 0 0 0 0 Fonte EMPAER 2010

De acordo com a Tabela 16 das 236 famiacutelias que participaram da pesquisa

207 declararam que consomem carne todos os dias sendo que 28 disseram que a

consomem trecircs vezes por semana e apenas uma famiacutelia consome carne somente uma

vez por semana o que revela um consumo significativo de carne

Em relaccedilatildeo ao modo de criaccedilatildeo do gado importante destacar que conforme

os Planos de Desenvolvimento dos Assentamentos Rurais Pdas 100 dos assentados

criam gado utilizando o sistema extensivo ou seja uma praacutetica de criaccedilatildeo tradicional o

que significa dizer que satildeo habituados a criar o gado solto nas aacutereas de pastagens

naturais eou livres sem qualquer divisatildeo de cercas

Outros dados fundamentais para a compreensatildeo de forma detalhada do

potencial da produccedilatildeo de leite nos assentamentos rurais privilegiados pela pesquisa

estatildeo destacados na Tabela 17

Tabela 17 Dados de produccedilatildeo de leite nos assentamentos rurais por nordm de vacas

DadosPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati

Nuacutemero de Vacas Leiteiras 881 191 768 393

Meacutedia por assentado (n

vacas) 1223 146 1301 1637 Fonte EMPAER 2010

120

Os assentamentos rurais Aracati e Satildeo Gabriel satildeo menores em termos do

nuacutemero de propriedades e famiacutelias assentadas Os dados anteriores reforccedilam o

indicativo de que haacute uma importante produccedilatildeo de leite pois cada famiacutelia tem em

nuacutemero consideraacutevel de vacas leiteiras

A principal fonte de renda dos assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel

Ipecirc e Aracati eacute a produccedilatildeo de leite Mas os assentados tem necessidade de teacutecnicas para

a conservaccedilatildeo desse leite Nesse caso os resfriadores de leite embora natildeo sendo

utilizados por todos satildeo fundamentais Apresentamos a seguir detalhamento dessas

informaccedilotildees

Tabela 18 Nuacutemero de Famiacutelia que utilizam o resfriador de leite

Uso de tanquePA Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total

Natildeo usam tanques 62 3 20 13 98

Usam tanques proacuteprios 3 0 2 1 6

Usam tanques comunitaacuterios 25 11 47 9 92

Fonte EMPAER 2010

Na tabela 18 observamos que o nuacutemero de famiacutelias que natildeo usam tanques

para resfriamento do leite eacute significativo lanccedilando matildeo de outros meios para o

armazenamento e ou transporte do leite ateacute o ponto final de comercializaccedilatildeo

Aleacutem de gado de corte e leiteiro os assentados dos assentamentos rurais se

dedicam agrave criaccedilatildeo de animais de pequeno porte para o consumo e comercializaccedilatildeo

poreacutem em menor escala Entre eles se destacam as aves suiacutenos caprinos ovinos

peixes e abelhas Os animais de pequeno porte como aves e porcos satildeo de criaccedilatildeo

tradicional O dado que mais chama a atenccedilatildeo eacute a criaccedilatildeo de peixes Haacute um nuacutemero

expressivo de famiacutelias que exercem a piscicultura Portanto pode-se afirmar que leite e

peixe satildeo produtos familiares destinados agrave comercializaccedilatildeo

344 Comercializaccedilatildeo e Associativismo

Pensar o desenvolvimento econocircmico local a partir da produccedilatildeo dos

assentamentos rurais nos remete agraves formas de organizaccedilatildeo e comercializaccedilatildeo da

produccedilatildeo

121

Chamamos a atenccedilatildeo para a organizaccedilatildeo nos assentamentos rurais de Vila

Rica-MT pois houve uma intensa mobilizaccedilatildeo acerca das accedilotildees coletivas para o

processo de reocupaccedilatildeo e regularizaccedilatildeo da terra Poreacutem quando consolidados os

Projetos de Assentamentos Rurais os assentados perderam a referecircncia de coletividade

No que tange ao modo de produccedilatildeo e comercializaccedilatildeo a tabela que segue mostra esta

defasagem

Tabela 19 Local de Comercializaccedilatildeo da Produccedilatildeo dos assentamentos

ComercializaccedilatildeoPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total

Propriedade 80 16 67 16 179

Pequenos Comeacutercios 12 0 6 3 21

Feira 3 1 2 0 6

Atacadista 0 0 0 0 0

Supermercados 1 1 1 1 4

CONAB 0 0 1 0 1

Outros lugares 48 7 38 6 99 Fonte EMPAER 2010

Os dados nos mostram que a maior parte dos assentados comercializa os seus

produtos nos proacuteprios lotes Os assentados na maioria das vezes recorrem aos

atravessadores para comercializar os produtos os quais em sua maioria tratam-se de

comerciantes da cidade Outro nuacutemero considerado significativo comercializa em

outros lugares diferentes de comeacutercios como as feiras e no CONAB Essa situaccedilatildeo pode

estar relacionada agrave falta de organizaccedilatildeo coletiva com a criaccedilatildeo de associaccedilotildees e

cooperativas Nesse sentido a tabela que se segue mostra detalhadamente a participaccedilatildeo

ou natildeo das famiacutelias nessas organizaccedilotildees coletivas

Tabela 20 Associativismo nos assentamentos Aracati Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel e Ipecirc

AssociativismoPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total

Natildeo participam 15 2 10 0 27

Participam em cooperativa 4 0 0 0 4

Participam em associaccedilatildeo 99 20 73 25 217

Participam em sindicatos 99 23 75 21 218

Outras modalidades 1 1 0 0 2 Fonte EMPAER 2010

122

Ressaltamos que o principal mecanismo de organizaccedilatildeo coletiva dos

Agricultores Familiares satildeo as Associaccedilotildees de Pequenos Produtores Rurais e o

Sindicato dos Trabalhadores Rurais Satildeo organizaccedilotildees mais do tipo poliacutetico

reivindicativo que de produccedilatildeo e comercializaccedilatildeo Apenas 09 dos Agricultores

Familiares participam das atividades do sistema cooperativo e 04 em outras

modalidades

Em pesquisa sobre os assentamentos rurais no Araguaia o diagnoacutestico do

Plano Territorial de Desenvolvimento Rural Sustentaacutevel do Territoacuterio Rural (PTDRS)

do Baixo Araguaia-MT produzido pelo Ministeacuterio da Agricultura em 2006 haacute uma

indicaccedilatildeo de que todos os PAs do Araguaia possuem associaccedilotildees

A mesma pesquisa do PTDRS (2006 p 46) indica que os Agricultores

Familiares tecircm participaccedilatildeo nos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais e nos Conselhos

Municipais de Desenvolvimento Rural existentes em todos os municiacutepios do territoacuterio

No entanto entre os assentados existe ldquo[] um sentimento de descrenccedila e

desconfianccedila frente agraves instacircncias de organizaccedilatildeo dos produtores []rdquo Essa descrenccedila

estaacute tambeacutem associada ldquo[] agrave dificuldade em conseguir melhorias efetivas para a

populaccedilatildeo rural (acesso ao creacutedito luz eleacutetrica melhoria nas estradas) que estaacute levando

na opiniatildeo dos entrevistados agrave descrenccedila nas lideranccedilas e nas instituiccedilotildees de

representaccedilatildeo []rdquo

Em relaccedilatildeo agrave organizaccedilatildeo por meio de cooperativas o PTDRS (2006 p 46)

atribui essa falta de motivaccedilatildeo ao fato de que

Constatou-se que os municiacutepios de Satildeo Feacutelix do Araguaia

Porto Alegre do Norte e Vila Rica-MT possuiacuteam diferentes

tipos de cooperativas que acabaram falindo Apesar de natildeo

estarem diretamente relacionados com a Agricultura Familiar

estes exemplos ruins acabam influenciando na percepccedilatildeo da

populaccedilatildeo sobre as formas de cooperativas e associativas de

trabalho

Essa situaccedilatildeo eacute confirmada tambeacutem pelos relatos orais como mostra a fala

do secretaacuterio municipal de agricultura de Vila Rica-MT

123

As experiecircncias mal sucedidas das cooperativas influenciam

bastante para o descreacutedito na formaccedilatildeo de novas cooperativas

Vila Rica-MT por exemplo teve umas trecircs cooperativas

Tiacutenhamos uma que era muito forte na organizaccedilatildeo chamava

CONEMAT - Cooperativa do Nordeste de Mato Grosso

Inclusive ainda tecircm alguns preacutedios e balanccedilas espalhadas aiacute

na cidade tinha caminhotildees e supermercados mas creio que foi

por ingerecircncia de alguns presidentes que acabaram dando um

calote nos cooperados [] Temos hoje um grande nuacutemero de

produtores rurais que tecircm uma diacutevida enorme e natildeo tecircm como

pagar porque os presidentes pegaram empreacutestimos em nome

deles e foram embora levando o dinheiro dessas pessoas e por

isso muitos tecircm medo de cooperativas Por isso eacute complicado

tanto pra noacutes como para o Sindicato dos Trabalhadores Rurais

atuarmos no sentido de fomentar o sistema de cooperativa

(ENTREVISTA com Gilmar secretaacuterio Municipal de

Agricultura do municiacutepio de Vila Rica-MT realizada pela

autora em marccedilo de 2015)

Esse relato oral nos revela a dimensatildeo dos desafios vivenciados pelos

assentados e como a Secretaria de Agricultura e o Sindicato dos Trabalhadores Rurais

de Vila Rica-MT enfrentaram dificuldades para mobilizar os trabalhadores para a

criaccedilatildeo do sistema de comercializaccedilatildeo por meio de cooperativas

No entanto apesar das dificuldades o sistema de cooperativa poderaacute ser uma

alternativa para ampliar o potencial da comercializaccedilatildeo dos produtos da Agricultura

Familiar Dentro desse sistema a Prefeitura Municipal passa a ser importante

comprando os gratildeos legumes e hortaliccedilas para a merenda escolar aleacutem de ser uma

instituiccedilatildeo fundamental na mediaccedilatildeo para que os Agricultores Familiares acessem a

Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB)

35 Teacutecnicas e niacutevel tecnoloacutegico dos assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel

Ipecirc e Aracati

Martins (2014 p 24) afirma que ldquo[] a inovaccedilatildeo depende amplamente do

modo como a trama das relaccedilotildees sociais em que ocorre define sua funccedilatildeo e as

contradiccedilotildees sociais que alimentamrdquo Isso significa que os saberes tradicionalmente

produzidos ao longo das experiecircncias de vida natildeo devem ser considerados invaacutelidos na

inserccedilatildeo das inovaccedilotildees tecnoloacutegicas

Nos assentamentos rurais estudados identificamos que os saberes e as

teacutecnicas tradicionais satildeo recorrentes no modo de produzir de lidar com a terra e na

124

constituiccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com a natureza A seguir apresentamos algumas

teacutecnicas utilizadas nos assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati do

municiacutepio de Vila Rica-MT

351 Teacutecnicas de uso do Solo plantio combate de pragas colheita e

armazenamento

Tabela 21 Tipos de preparo do solo por nordm de famiacutelias

Tipo de preparoPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total

Capina e faz o plantio 20 0 16 5 41

Utiliza araccedilatildeo e gradagem 42 15 53 12 122

Faz o preparo em niacutevel 0 0 0 0 0

Fonte EMPAER 2010

De acordo com os dados da Tabela 21 muitos agricultores dos assentamentos

rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati recorrem agraves teacutecnicas tradicionais para o

preparo do solo no que se refere ao cultivo de produtos agriacutecolas e no plantio de

pastagens para o gado Poreacutem 740 utilizam araccedilatildeo e gradagem do solo

Tabela 22 Tipos de sementes cultivadas nos assentamentos rurais

Tipo de sementePA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total

Gratildeo proacuteprio 4 0 3 0 7

Sementes selecionadas22

43 14 67 19 143 Fonte EMPAER 2010

Agrave luz dos dados dispostos na Tabela 23 pode-se afirmar que os Agricultores

Familiares dos assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati possuem o

controle dos produtos a serem cultivados uma vez que satildeo eles quem seleciona as

sementes produzidas pela induacutestria e satildeo os proprietaacuterios dos gratildeos desqualificando a

semente crioula dos produtores

22 Aleacutem desses dados dois assentados rurais de Satildeo Joseacute afirmam que utilizam sementes ldquofiscalizadasrdquo

conforme categorizaccedilatildeo utilizada pelo IBGE

125

Segundo a Empaer (2010) sementes selecionadas pelos agricultores satildeo

aquelas consideradas de melhor qualidade sendo observados os aspectos relacionados

ao tamanho cor entre outros

Tabela 23 Tipos de plantio cultivados nos assentamentos rurais

Tipo de plantio Satildeo

Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual

Mecanizado 8 3 12 1 24 135

Traccedilatildeo animal 3 1 7 0 11 60

Manual 62 11 50 19 142 800

Fonte EMPAER 2010

Na Tabela 23 podemos observar que os assentados utilizam

predominantemente o trabalho manual para o cultivo com um percentual de 80

Ainda segundo os dados 6 ainda utilizam animais como forma de traccedilatildeo para

realizaccedilatildeo dos cultivos e manutenccedilatildeo das roccedilas e pastagens Somente 135 dos

assentados lanccedila matildeo do sistema mecanizado Esses dados podem apontar o motivador

da baixa produtividade nas atividades da Agricultura Familiar ou indica a baixa

capitalizaccedilatildeo e uma tradiccedilatildeo de manejo de baixo custo

Quanto ao tipo de adubaccedilatildeo do solo realizado pelos assentados existem

vaacuterias formas das quais merecem o destaque da Tabela 24

Tabela 24 Tipo de adubaccedilatildeo do solo realizado pelos assentados por famiacutelia

Tipo de adubaccedilatildeoPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual

Natildeo fazem adubaccedilatildeo 65 6 41 13 125 610

Usam adubaccedilatildeo orgacircnica 2 6 11 3 22 105

Usam adubaccedilatildeo quiacutemica 20 4 21 5 50 245

Usam as duas adubaccedilotildees 2 1 3 2 8 4

Fonte EMPAER 2010

Os dados chamam a atenccedilatildeo pelo fato de que 125 famiacutelias ou seja 61 dos

assentados natildeo fazem adubaccedilatildeo Dos 39 que utilizam a adubaccedilatildeo a maior parte faz

126

adubaccedilatildeo quiacutemica (245) e somente 105 a adubaccedilatildeo orgacircnica sendo que uma

minoria de 2 realizam tanto a adubaccedilatildeo quiacutemica quanto a orgacircnica

Esse quadro situacional aponta uma tendecircncia para o aumento do uso de

produtos quiacutemicos pelos agricultores dos assentamentos rurais na medida em que

melhoram suas condiccedilotildees econocircmicas A Tabela 25 apresenta as formas de tratamentos

do solo utilizadas pelos assentados

Tabela 25 Conservaccedilatildeo do solo (por nuacutemero de Famiacutelias)

Conservaccedilatildeo dos solos PA Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual

Natildeo fazem 90 15 67 24 196 93

Fazem plantio em niacutevel 1 1 1 1 4 2

Terraccedilo 0 0 0 0 0 0

Outros tipos de conservaccedilatildeo 2 0 9 0 11 5

Total 211 100

Fonte EMPAER 2010

Os dados satildeo preocupantes visto que 196 famiacutelias declararam natildeo adotar

qualquer teacutecnica para a conservaccedilatildeo do solo Isto explica o alto iacutendice de degradaccedilatildeo

ambiental e do solo nos assentamentos rurais de Vila Rica-MT Outro item que

consideramos importante para a conservaccedilatildeo eacute a teacutecnica de rotaccedilatildeo no uso do solo

Assim a Tabela 26 mostra como os assentados lidam com essa situaccedilatildeo

Tabela 26 Rotaccedilatildeo de Culturas nos assentamentos rurais

Rotaccedilatildeo de cultura

PA Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total Porcentagem

Fazem rotaccedilatildeo 10 4 20 10 44 20

Natildeo fazem rotaccedilatildeo 87 16 57 15 175 80

Total 219 100

Fonte EMPAER 2010

Segundo a Tabela 26 haacute evidecircncia da pouca rotaccedilatildeo de culturas o que

corresponde a (201) nos assentamentos rurais estudados Em contrapartida 80 natildeo

fazem rotaccedilatildeo de culturas A consequecircncia eacute o baixo rendimento da terra ou seja baixa

127

produtividade e esgotamento mais raacutepido Uma interpretaccedilatildeo possiacutevel sobre os dados

indicados na Tabela 26 eacute construiacuteda a partir da compreensatildeo de que a natildeo adoccedilatildeo de

rotaccedilatildeo de cultura estaacute relacionada aos haacutebitos culturais dos Agricultores Familiares

somados agrave falta de assistecircncia teacutecnica e orientaccedilotildees que demonstrem os benefiacutecios de tal

praacutetica Tambeacutem podemos observar a influecircncia da falta de um maior direcionamento

dos investimentos feitos pelo Governo Federal atraveacutes do Pronaf nos creacuteditos que satildeo

liberados conforme cultura agriacutecola e natildeo pelo sistema de produccedilatildeo O conjunto dessas

deficiecircncias de orientaccedilotildees teacutecnicas natildeo permite uma maior conscientizaccedilatildeo da

importacircncia de se praticar a rotaccedilatildeo de culturas como meio de melhor aproveitamento e

conservaccedilatildeo do solo significando manejo de informaccedilatildeo simples

Tabela 27 Tipo de combate agraves pragas (por nuacutemero de famiacutelias)

Tipo de combate PA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentagem

Natildeo fazem combate as pragas 81 6 35 13 135 645

Utilizam inseticidas 12 8 39 9 68 325

Utilizam controles alternativos 0 0 3 1 4 2

Utilizam de outros meios 1 1 0 0 2 1

Total

209 100

Fonte EMPAER 2010

Os dados da Tabela 27 apontam que 645 dos assentados natildeo fazem

nenhum tipo de combate a pragas e 325 fazem uso no cultivo de produtos agriacutecolas

de inseticidas no seu combate e controle Somente 4 famiacutelias utilizam produtos e

mecanismos alternativos

Logo a Tabela 27 mostra um percentual significativo de famiacutelias que natildeo faz

controle de pragas ou utilizam outros controles indicando que a maioria dos assentados

consome produtos sem contaminaccedilatildeo de inseticidas

Tabela 28 Tipo de lavagem triacuteplice de embalagens vazias de agrotoacutexicos

Tipo de lavagem PA Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual

Fazem a lavagem 5 3 8 5 21 15

Natildeo fazem a lavagem 57 9 48 10 124 85

Total 145 100

Fonte EMPAER 2010

128

A Tabela 28 indica um dado alarmante 124 famiacutelias dos assentamentos rurais

pesquisados em Vila Rica-MT ldquonatildeo fazem a lavagemrdquo triacuteplice de embalagens vazias de

agrotoacutexicos expondo-se a riscos de contaminaccedilatildeo Quanto ao destino das embalagens

de agrotoacutexicos vazias os dados que se seguem indicam a mesma tendecircncia de descuido

Tabela 29 Destino das embalagens de agrotoacutexicos vazias

Destino das embalagens PA Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual

Jogam a ceacuteu aberto 13 3 28 4 48 495

Satildeo reutilizadas 2 0 2 0 4 4

Enviadas agrave central abastecimento 17 7 16 5 45 465

Total 97

100

Fonte EMPAER 2010

Os dados da Tabela 29 soacute reforccedilam a falta de cuidado em relaccedilatildeo agrave utilizaccedilatildeo

de agrotoacutexicos o que resulta na exposiccedilatildeo dos assentados a riscos agrave sauacutede Tambeacutem

podem resultar em danos ao meio ambiente como jaacute indicamos na Tabela 29

considerando que quase 50 das embalagens satildeo ldquojogadas a ceacuteu abertordquo e ainda que

4 dos assentados reutilizam essas embalagens

Seguindo a tendecircncia dos dados anteriores percebemos a falta de orientaccedilatildeo

teacutecnica em relaccedilatildeo ao uso e cuidado com produtos agrotoacutexicos

Aleacutem da falta de assistecircncia teacutecnica que compromete o cultivo e a produccedilatildeo

os dados quantitativos demonstram que a ausecircncia de mecanizaccedilatildeo eacute um dado

importante no momento da colheita

Tabela 30 Tipo de colheita por famiacutelia

Tipo de colheitasPA Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual

Usam colheita manual 66 15 69 19 169 995

Colheita mecacircnica 0 0 1 0 1 05

Total 170 100 Fonte EMPAER 2010

A Tabela 30 evidencia que praticamente todos os assentados participantes da

pesquisa natildeo utilizam equipamentos mecacircnicos para a colheita de seus produtos

predominando a colheita manual com uso intensivo da matildeo de obra Esse processo

129

pode ser resultante da experiecircncia de vida e haacutebitos dos agricultores familiares em

funccedilatildeo da questatildeo econocircmica jaacute que os assentamentos rurais analisados natildeo dispotildeem de

maquinaacuterios destinados ao preparo do solo plantio e agrave colheita agriacutecola ou isso se deve

ao relevo inclinado demais ou solo pedregoso

Tabela 31 Tipo de armazenamento da produccedilatildeo (por nuacutemero de famiacutelia)

Tipo de armazenamentoPA Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual

A ceacuteu aberto 4 2 7 0 13 8

No paiol 45 11 57 14 127 79

No silo 1 0 0 1 2 15

Na residecircncia 7 2 6 2 17 105

No galpatildeo 1 0 0 0 1 05

160 100

Fonte EMPAER 2010

O modo de armazenar tambeacutem eacute tradicional o Paiol eacute uma construccedilatildeo ruacutestica

feita de forma artesanal onde os agricultores guardam os mantimentos colhidos de suas

roccedilas os quais satildeo destinados agrave alimentaccedilatildeo das famiacutelias e dos animais Computando o

armazenamento a ceacuteu aberto feito por 81 e na residecircncia 106 significa que quase

20 dos produtos satildeo armazenados de forma inadequada

36 A questatildeo ambiental nos assentamentos rurais

As questotildees que envolvem problemas ambientais nas aacutereas rurais tecircm como

problemaacutetica principal o desmatamento a natildeo conservaccedilatildeo das matas ciliares a

poluiccedilatildeo do solo e dos rios o uso de agrotoacutexicos e o destino dos lixos produzidos

Todos esses problemas estatildeo inseridos em debates recorrentes no cenaacuterio rural

No caso de Vila Rica-MT pesquisas anteriores como as que foram realizadas

pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazocircnia (IPAM) em 2009 e por Barrozo

(2010) revelam dados alarmantes relativos agrave questatildeo ambiental Essas situaccedilotildees foram

confirmadas pelo diagnoacutestico construiacutedo pela Empaer (2010) conforme a descriccedilatildeo nas

tabelas que se seguem

Tabela 32 Situaccedilatildeo de degradaccedilatildeo de solo nos assentamentos rurais

130

Condiccedilatildeo de degradaccedilatildeo PA Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total

Natildeo estaacute degradado 16 5 16 6 43 18

O solo estaacute empobrecido 75 9 44 12 140 59

O solo estaacute com erosatildeo 2 0 2 2 6 3

O solo estaacute compactado 15 9 17 4 45 19

Outras formas de degradaccedilatildeo 1 0 1 0 2 1

Total 236 100

Fonte EMPAER 2010

Satildeo evidentes os problemas ambientais vivenciados pelos assentamentos

rurais de Vila Rica-MT Em 193 lotes analisados os solos se encontram em estaacutegio de

degradaccedilatildeo indicando empobrecimento erosatildeo compactaccedilatildeo e outras formas de

degradaccedilatildeo do solo

Tabela 33 Existecircncia de nascentes sem proteccedilatildeo (nuacutemero de propriedades)

Existecircncia de nascentes Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual

Existem nascentes

Degradadas 26 9 17 5 57 32

Natildeo existem 51 14 41 15 121 68

Total 100

Fonte EMPAER 2010

Considerando que a aacutegua eacute um elemento essencial para a vida e para a

manutenccedilatildeo dos assentamentos rurais os dados indicados na Tabela 33 preocupam

pois em um universo de 178 propriedades analisadas 57 estaacute com as nascentes de

aacuteguas desprotegidas de mata ciliar o que representa um problema grave do ponto de

vista ambiental com risco de seca e extinccedilatildeo de nascentes e rios

Tabela 34 Existecircncia de degradaccedilatildeo de matas ciliares

Existecircncia de degradaccedilatildeo PA Satildeo

Joseacute

Satildeo

Gabriel Ipecirc Aracati Total Porcentagem

Natildeo existem matas ciliares 25 10 35 9 79 35

A degradaccedilatildeo eacute baixa 26 4 22 5 57 255

A degradaccedilatildeo eacute meacutedia 23 2 14 6 45 20

131

A degradaccedilatildeo eacute alta 29 5 7 3 44 195

Total 225 100

Fonte EMPAER 2010

A questatildeo da aacutegua nos assentamentos rurais estudados eacute uma preocupaccedilatildeo

recorrente Aleacutem das nascentes desprotegidas os coacuterregos vecircm perdendo suas matas

ciliares em funccedilatildeo do processo de desmatamento o que impede a ampliaccedilatildeo das aacutereas

de pastagens A Tabela 34 revela que 146 propriedades analisadas apresentam

destruiccedilatildeo das matas ciliares com estaacutegios que variam de alta a baixa degradaccedilatildeo As

imagens dos trecircs assentamentos rurais abaixo ilustram um pouco essa situaccedilatildeo

Figura 10- Fotografias de corpos drsquoaacutegua e mata ciliar

Eacute importante ressaltar que os assentamentos rurais de Vila Rica-MT

resultaram do processo de reocupaccedilatildeo das fazendas que estavam improdutivas mas jaacute

tinham sido abertas e desmatadas anteriormente Assim o problema ambiental jaacute existia

antes mesmo da formaccedilatildeo do assentamento rural e foi intensificado parcialmente com a

formaccedilatildeo dos mesmos

Tabela 35 Situaccedilatildeo de degradaccedilatildeo das pastagens (por nuacutemero de propriedade)

Degradaccedilatildeo de pastagens PA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual

Natildeo existem pastagens degradadas 17 4 16 6 43 33

O niacutevel de degradaccedilatildeo eacute baixo 36 9 40 8 93 39

132

O niacutevel de degradaccedilatildeo eacute meacutedio 43 10 21 6 80 335

O niacutevel de degradaccedilatildeo eacute alto 14 1 4 4 23 95

Total 239 100

Fonte EMPAER 2010

Vimos nos dados indicados na Tabela 35 que 43 propriedades natildeo

apresentaram niacutevel de degradaccedilatildeo nas pastagens enquanto 196 propriedades estatildeo com

as pastagens degradadas estando entre os niacuteveis alto meacutedio e baixo conforme criteacuterios

de nivelamento natildeo esclarecidos na fonte escrita

As imagens a seguir dos assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel e Ipecirc

nos ajudam a visualizar o niacutevel de degradaccedilatildeo e qualidade das pastagens destes

assentamentos rurais

Figura 11- Fotografias das aacutereas de pastagens nos assentamentos rurais

Fonte EMPAER 2010

As imagens nos remetem a compreensatildeo do quanto o problema de

desmatamento afetou de forma significativa o solo o que comprometeu a qualidade das

pastagens dos assentamentos rurais As imagens revelam a caracteriacutestica do solo que eacute

formado por morro com pedras e cascalhos o que dificulta a realizaccedilatildeo do processo de

mecanizaccedilatildeo das aacutereas

Tabela 36 Uso de fogo no manejo do solo (por propriedade)

Existecircncia de nascentesPA Satildeo Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total Percentual

133

Usam fogo 80 13 45 18 156 665

Natildeo usam fogo 28 10 36 5 79 335

Total 235 100

Fonte EMPAER 2010

Os dados expostos na Tabela 36 reforccedilam a existecircncia do problema ambiental

jaacute abordado nos paraacutegrafos anteriores Chamamos a atenccedilatildeo para o fato de que 156

famiacutelias afirmaram que costumam colocar fogo sistema chamado de coivara como

praacutetica de limpeza das pastagens e na preparaccedilatildeo do cultivo das roccedilas Enquanto apenas

79 famiacutelias disseram que natildeo fazem uso de fogo no desenvolvimento das suas

atividades agriacutecolas tampouco para limpeza de pastagens

37 Algumas consideraccedilotildees sobre os impactos de poliacuteticas puacuteblicas nos

assentamentos rurais Satildeo Joseacute satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati

Podemos afirmar que nos quatro assentamentos rurais analisados os produtos

alimentares predominantes satildeo arroz milho mandioca banana e hortaliccedilas Satildeo estes

produtos que constituem a alimentaccedilatildeo baacutesica dos agricultores familiares os quais satildeo

produzidos nos lotes familiares

Atribuiacutemos a baixa produtividade na Agricultura Familiar do municiacutepio de

Vila Rica agrave falta de equipamentos tecnoloacutegicos sobretudo maquinaacuterios que poderiam

facilitar o trabalho e aumentar a produtividade No entanto ressalvamos que essas

teacutecnicas satildeo consideradas por alguns teoacutericos como uma condiccedilatildeo de produccedilatildeo

positiva do ponto de vista da manutenccedilatildeo da identidade dos assentamentos rurais

porque ela se sustenta nos saberes tradicionais aleacutem de natildeo ser tatildeo prejudicial ao meio

ambiente

Em relaccedilatildeo agrave comercializaccedilatildeo foram identificados alguns fatores que

dificultam o processo de modo geral a exemplo da natildeo organizaccedilatildeo por meio de

cooperativas ou associaccedilotildees A problemaacutetica das estradas que muitas vezes impede ou

dificulta o transporte dos produtos ateacute os pontos locais de vendas comerciais

contribuem consequentemente para o natildeo fortalecimento das feiras populares

134

As imagens a seguir ilustram a situaccedilatildeo de algumas estradas que datildeo acesso

aos assentamentos rurais de Vila Rica-MT durante os periacuteodos chuvosos de dezembro a

abril

Figura 12- Fotografias das Estradas dos assentamentos rurais

Fonte EMPAER 2009

A peacutessima situaccedilatildeo das estradas se torna ainda mais grave se pensarmos sobre

a necessidade de fortalecer a comercializaccedilatildeo dos produtos da Agricultura Familiar

quando levamos em consideraccedilatildeo o distanciamento dos assentamentos rurais com

relaccedilatildeo agrave aacuterea urbana cuja distancia eacute retratada nos croquis

Figura 13 - Croqui do Assentamento Rural Satildeo Joseacute

135

Fonte EMPAER 2010 p19

Figura 14 - Croqui do Assentamento Rural Satildeo Gabriel

Fonte EMPAER 2010 p 18

Figura 15 - Croqui do Assentamento Rural Ipecirc

136

Fonte EMPAER 2010 p 19

Figura 16 - Croqui do Assentamento Rural Aracaty

Fonte EMPAER 2010 p 18

137

O problema das estradas afetas tambeacutem a educaccedilatildeo pois danificam os ocircnibus

e prolongam o tempo que as crianccedilas ficam nas estradas sem aula atrasando o

calendaacuterio escolar Esta situaccedilatildeo provoca a desmotivaccedilatildeo dos alunos pelos estudos e

com isso os pais acabam retirando seus filhos das escolas do campo levando-os para

estudar na cidade por acreditar no prosseguimento dos estudos graccedilas agraves melhoras de

acesso permanecircncia e sucesso escolar

Ainda em relaccedilatildeo agrave educaccedilatildeo percebemos uma baixa escolaridade dos

assentados Consideramos que essa conjuntura seja resultante de alguns fatores como a

carecircncia de uma maior flexibilizaccedilatildeo na organizaccedilatildeo curricular e pedagoacutegica das escolas

dos assentamentos rurais principalmente nos quesitos referentes agrave organizaccedilatildeo dos

tempos e espaccedilos de aprendizagem uma vez que mesmo com o advento da energia

eleacutetrica nos assentamentos rurais nem todas as escolas garantiram a oferta da

modalidade escolar EJA - Educaccedilatildeo de Jovens e Adultos

No que tange agraves questotildees de gecircnero e idade constatou-se que natildeo haacute uma

organizaccedilatildeo quanto agrave formaccedilatildeo de associaccedilotildees ou movimentos sociais direcionados agrave

luta das mulheres tampouco dos jovens Tais circunstacircncias datildeo a entender a pouca

participaccedilatildeo das mulheres e dos jovens nos espaccedilos poliacuteticos embora ambos tenham

uma vida ativa em outras atuaccedilotildees referentes agrave divisatildeo de trabalhos nos assentamentos

rurais

Consideramos como um dos principais desafios relacionados agrave permanecircncia

dos agricultores familiares nos assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Aracati e

Ipecirc o fato de os jovens se sentirem desmotivados a continuar no campo Muitos saem

para a cidade na ilusatildeo que iratildeo encontrar emprego que lhes proporcione renda fixa e

melhor qualidade de vida

As condiccedilotildees dos assentados avanccedilaram em qualidade a partir da

implementaccedilatildeo do Programa Luz Para Todos uma vez que a energia eleacutetrica

possibilitou a utilizaccedilatildeo de equipamentos que facilitaram o seu cotidiano embora a aacutegua

potaacutevel ainda seja vista como um elemento complicador no que se refere ao seu

tratamento

Na sauacutede destacamos que haacute atendimento pelo Sistema Uacutenico de Sauacutede

(SUS) embora limitado pois os uacutenicos profissionais da sauacutede que atuam diretamente

138

nos assentamentos rurais satildeo os Agentes de Sauacutede Ou seja quando haacute sinalizaccedilatildeo de

problemas na sauacutede dos assentados estes tecircm que recorrer agrave assistecircncia de sauacutede

localizada na zona urbana o que requer meio de locomoccedilatildeo proacuteprio ou puacuteblico

No que se refere agraves demandas de moradia e infraestrutura nos assentamentos

rurais pesquisados destacamos que a maioria das casas foi construiacuteda ou reformada

com recursos oriundos do Pronaf No entanto nem todos os assentados usufruiacuteram do

financiamento para a construccedilatildeo de suas casas pois muitos deles tiveram que arcar com

os proacuteprios recursos Por isso muitas casas ainda satildeo de taacutebua Houve casos em que as

empresas contempladas na licitaccedilatildeo natildeo concluiacuteram as obras conforme previsto no

contrato

Contudo ressaltamos que os desafios vivenciados pelos agricultores

familiares de Vila Rica-MT satildeo inuacutemeros a exemplo da a pouca infraestrutura a

insuficiecircncia dos investimentos por parte do Poder Puacuteblico quanto agrave liberaccedilatildeo de creacutedito

direcionado agrave Agricultura Familiar reduzido uso de tecnologia a ausecircncia de uma

assistecircncia teacutecnica efetiva a falta de matildeo de obra jovem uma vez que a idade meacutedia dos

assentados segundo dados da EMPAER (2009 p 45) eacute de 507 anos ldquo[] uma das

possiacuteveis causas para o ecircxodo dos jovens eacute a falta de opccedilatildeo para dar continuidade aos

estudos e a falta de oportunidades de geraccedilatildeo de renda dentro dos assentamentos ruraisrdquo

Ainda sobre a infraestrutura ressaltamos que os maiores investimentos tanto

por parte do Pronaf como de outras fontes dos agricultores familiares foram aplicados

na atividade de pecuaacuteria por considerarem mais rentaacutevel Essa questatildeo estaacute mais

detalhada no capiacutetulo IV

Eacute preciso ainda atentarmos mais para aos problemas de ordem ambiental

porque se constataram situaccedilotildees de desmatamentos nas nascentes e matas ciliares sem

falar da degradaccedilatildeo do solo e das pastagens condiccedilotildees que implicam na natildeo ampliaccedilatildeo

da Agricultura Familiar enquanto potencial para alavancar o desenvolvimento regional

139

4 AS POLIacuteTICAS PUacuteBLICAS NOS ASSENTAMENTOS SAtildeO JOSEacute SAtildeO

GRABRIEL IPEcirc E ARACATI

Este capiacutetulo objetiva identificar quais foram as poliacuteticas puacuteblicas

implementadas nos assentamentos rurais do municiacutepio Vila Rica-MT no periacuteodo de

1996 a 2015

Construiacutemos uma anaacutelise norteada por algumas questotildees que serviram de

base para a reflexatildeo acerca do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura

Familiar (Pronaf) bem como de outras Poliacuteticas Puacuteblicas voltadas para o atendimento

das necessidades da populaccedilatildeo do campo como eacute o caso da sauacutede educaccedilatildeo e

habitaccedilatildeo

Nesse sentido destacamos alguns questionamentos relacionados aos

procedimentos de execuccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas destinadas aos assentamentos rurais

Qual foi o impacto do Pronaf nos assentamentos rurais de Vila Rica-MT Quais satildeo as

outras poliacuteticas e accedilotildees dos oacutergatildeos puacuteblicos no apoio e incentivos da Agricultura

Familiar no Araguaia mato-grossense Quais os mecanismos de controle e inspeccedilatildeo

adotados pela Secretaria Municipal de Agricultura de Vila Rica-MT para monitorar e

fomentar a produccedilatildeo da Agricultura Familiar nos assentamentos rurais Existem ou natildeo

estrateacutegias constituiacutedas entre os Agricultores Familiares movimentos sindical e social

ligados agrave Agricultura Familiar para enfrentar as ldquoinvestidasrdquo do agronegoacutecio nas aacutereas

de assentamentos rurais Quais satildeo os desafios e os avanccedilos dos assentamentos rurais

de Vila Rica-MT na visatildeo dos agricultores familiares dos assentamentos pesquisados

Para a compreensatildeo dessas questotildees foi necessaacuteria uma anaacutelise dos dados

oficiais de fontes escritas e orais com o auxiacutelio de perspectivas teoacutericas presentes nos

estudos sobre as temaacuteticas que envolvem o universo das poliacuteticas puacuteblicas destinadas

aos assentamentos rurais sobretudo o Pronaf

41 O debate sobre o Pronaf

Compreender tanto as formas de uso da terra quanto as de produccedilatildeo dos

agricultores familiares assim como a identificaccedilatildeo do papel da Agricultura Familiar no

desenvolvimento do territoacuterio do Araguaia eacute tambeacutem constituir conhecimento e

reflexatildeo acerca dos avanccedilos e entraves vivenciados pelos agentes histoacutericos no processo

140

de implementaccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas direcionadas aos Projetos de assentamentos

rurais no Brasil sobretudo na consolidaccedilatildeo do Pronaf

Por isso fizemos apontamentos em relaccedilatildeo agrave produccedilatildeo dos assentamentos

rurais e ao mesmo tempo assinalamos as estrateacutegias adotadas pelos agricultores

familiares para sobreviverem agraves artimanhas do sistema burocraacutetico especialmente

quanto agraves formas de acesso ao creacutedito rural

Por outro lado para analisar o papel das poliacuteticas puacuteblicas enquanto objeto

de estudo os investimentos do Pronaf nos assentamentos rurais de Vila Rica-MT

tomando como referecircncias as estrateacutegias adotadas pelos agricultores para serem

beneficiados pelas linhas de creacutedito problematizaram-se os avanccedilos e os entraves nas

condiccedilotildees de implementaccedilatildeo dessas poliacuteticas atraveacutes de reflexotildees teoacutericas e estudos de

caso Para tanto realizamos uma revisatildeo bibliograacutefica sobre a temaacutetica que historiciza o

artifiacutecio de criaccedilatildeo do Pronaf enquanto poliacutetica puacuteblica

Gazola e Schneider (2004 p 21) concebem que a criaccedilatildeo do Pronaf

representou uma resposta por parte do Estado brasileiro ao surgimento de uma nova

categoria social que demanda accedilotildees do Poder Puacuteblico e que levam em consideraccedilatildeo as

especificidades dessa nova categoria social ldquo[] os Agricultores Familiares que ateacute

entatildeo eram designados por termos como pequenos produtores produtores familiares de

baixa renda ou agricultura de subsistecircnciardquo

A partir dessa percepccedilatildeo podemos afirmar que anteriormente natildeo havia uma

designaccedilatildeo especiacutefica para os agentes histoacutericos que viviam da produccedilatildeo familiar na

agricultura enquanto categoria social Tratava-se de diversas denominaccedilotildees que eram

baseadas em criteacuterios econocircmicos e embutiam uma ideia de desqualificaccedilatildeo como por

exemplo ldquopequeno produtorrdquo

O conceito de Agricultura Familiar surgiu como uma alternativa para

suprimir as diversas denominaccedilotildees em relaccedilatildeo agrave forma e agrave concepccedilatildeo de produccedilatildeo das

populaccedilotildees que vivem no campo e que recorrem apenas agrave forccedila de trabalho dos

membros da famiacutelia Foi conceituada por Abramovay (1997 p 3 apud SALVODI

CUNHA 2010 p 10) como ldquo[] aquela em que a gestatildeo a propriedade e a maior

parte do trabalho vecircm de indiviacuteduos que mantecircm entre si laccedilos de sangue ou de

casamentordquo Os autores citados asseguram que essa definiccedilatildeo natildeo poderaacute ser vista como

unacircnime e muitas vezes pouco operacional

141

Salvodi e Cunha (2010 p 10) apesar de ponderarem que essa definiccedilatildeo natildeo

deve ser concebida como unacircnime entre os teoacutericos da Questatildeo Agraacuteria ressaltam que

eles adotam-na como conteuacutedo no sentido de evidenciar a nova categoria social que

envolve ldquo[] a propriedade da terra relaccedilotildees de trabalho e a gestatildeo das atividades

produtivasrdquo Para eles todos esses elementos satildeo criteacuterios usados para diferenciar por

se tratar de relaccedilotildees entre agentes sociais com parentesco de sangue ou alianccedilas via

matrimocircnio

Abramovay (1997) Salvodi e Cunha (2010) consideram que a base da

Agricultura Familiar estaacute portanto centrada no elemento relacional e natildeo

necessariamente na sua posiccedilatildeo diante de categorias econocircmicas ligadas agrave produccedilatildeo e agraves

formas de trabalho que dependem especificamente da matildeo de obra familiar

Destacamos que tal definiccedilatildeo eacute um constructo analiacutetico fundado a partir de

um referencial teoacuterico Isso eacute compreensiacutevel pois diferentes setores sociais a partir das

representaccedilotildees institucionais constroem categorias sociais Logo a categoria

ldquoAgricultura Familiarrdquo foi construiacuteda a partir de concepccedilotildees analiacuteticas e teoacutericas que

servem tanto para determinadas finalidades praacuteticas como para fins de acesso ao creacutedito

rural

Ressalvamos ainda que estes trecircs elementos baacutesicos - gestatildeo propriedade e

trabalho familiar se fazem presentes em todas as definiccedilotildees de Agricultura Familiar

sobretudo na definiccedilatildeo do Pronaf que insere a loacutegica da famiacutelia que tem a gestatildeo sobre

sua propriedade e busca o creacutedito

O Ministeacuterio do Desenvolvimento Agraacuterio (2015) apresenta uma espeacutecie de

passo a passo para o acesso ao Pronaf

O acesso ao Pronaf inicia-se na discussatildeo da famiacutelia sobre a

necessidade do creacutedito seja ele para o custeio da safra ou

atividade agroindustrial seja para o investimento em maacutequinas

equipamentos ou infraestrutura de produccedilatildeo e serviccedilos

agropecuaacuterios ou natildeo agropecuaacuterios Apoacutes a decisatildeo do que

financiar a famiacutelia deve procurar o sindicato rural ou a empresa

de Assistecircncia Teacutecnica e Extensatildeo Rural (Ater) como a

EMATER para obtenccedilatildeo da Declaraccedilatildeo de Aptidatildeo ao Pronaf

(DAP) que seraacute emitida segundo a renda anual e as atividades

exploradas direcionando o agricultor para as linhas especiacuteficas

de creacutedito a que tem direito (MDA)23

23 Disponiacutevel em lthttpwwwmdagovbrsitemdasecretariasaf-creditoruralsobre-o-

programasthashoPkG5KqCdpuff gt Acesso em 14092015

142

O Pronaf eacute apontado por alguns estudiosos da Questatildeo Agraacuteria no Brasil

como um marco da interferecircncia positiva do Estado na agricultura Eacute a partir dele que

ocorre a inclusatildeo da categoria social denominada de agricultores familiares no conjunto

das poliacuteticas puacuteblicas destinadas ao meio rural

Ressaltamos que antes do Pronaf existia o Programa de Valorizaccedilatildeo da

Pequena Produccedilatildeo Rural (Provape) criado em 1994 atraveacutes de uma operaccedilatildeo

financeira executada apenas pelo Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES)

Schneider Mattei e Cazella (2004) concebem que o Provape foi o embriatildeo da

mais importante poliacutetica puacuteblica criada para atender os agricultores familiares Segundo

os mesmos autores ele natildeo obteve os resultados esperados levando-se em consideraccedilatildeo

apenas os recursos que foram aportados Isso pode ser explicado parcialmente pelo fato

de o sistema de creacutedito e financiamento brasileiro natildeo ter sido adequado ao perfil do

puacuteblico para o qual se destinava o Provape

Ainda em conformidade com Schneider Mattei e Cazella (2004) eacute possiacutevel

afirmar que o Provape serviu apenas como ponto de partida para aquela que de fato

viria ser a primeira poliacutetica puacuteblica destinada agrave categoria de agricultores familiares

Em 1995 o Provape passou por uma transformaccedilatildeo tanto no que se refere agrave

concepccedilatildeo de poliacutetica puacuteblica voltada para os agricultores familiares comono que se

refere a sua aacuterea de abrangecircncia

Foram essas modificaccedilotildees acrescidas ao programa Provape que constituiacuteram

em 1996 o Pronaf o que de acordo com Schneider Mattei e Cazella (2004 p 3)

significa dizer que ldquo[] desse ano em diante o programa tem se firmado como a

principal poliacutetica do Governo Federal para os agricultores familiaresrdquo

Esses autores creditam ser o Pronaf uma poliacutetica puacuteblica constituiacuteda como

apoio econocircmico e produtivo para Agricultura Familiar brasileira A partir dele foram

criadas outras como eacute o caso do Programa Nacional de Aquisiccedilatildeo de Alimentos (PAA)

a Lei da Agricultura Familiar o Seguro Rural a nova forma de Assistecircncia Teacutecnica e

Extensatildeo Rural (ATER) e o Programa Nacional de Alimentaccedilatildeo Escolar (PNAE) que

embora jaacute existisse desde 1950 foi reestruturado a partir da criaccedilatildeo do Pronaf

Este inicialmente tinha como propoacutesito atuar em quatro grandes aacutereas 1)

Financiamento no Custeio e Investimento Agriacutecola 2) Fortalecimento de Infra Estrutura

143

rural 3) Negociaccedilatildeo e Articulaccedilatildeo de Poliacuteticas Puacuteblicas e 4) Formaccedilatildeo de Teacutecnicos

Extensionistas e de agricultores familiares

Nos primeiros anos de implantaccedilatildeo do Pronaf os juros para quem acessasse

essa linha de creacutedito para financiamento e investimento era de 12 ao ano o que pode

ser considerado um valor muito alto Esse fato talvez seja uma das principais

justificativas de poucos agricultores familiares terem pleiteado o creacutedito

Por outro lado havia tambeacutem a falta de conhecimento sobre o proacuteprio

programa Segundo Gazola e Schneider (2004) foram vaacuterios os entraves enfrentados

nos primeiros anos de implantaccedilatildeo do Pronaf sendo que dos recursos destinados agraves

safras de 1995-1996a maioria beneficiou agricultores familiares do Sul do paiacutes

sobretudo os produtores de fumo

Mas antes de avanccedilarmos sobre outras questotildees envolvendo o Pronaf eacute

importante analisarmos os muacuteltiplos contextos em que esse programa foi criado

42 O papel dos Movimentos sociais na criaccedilatildeo do Programa Nacional de

Fortalecimento da Agricultura Familiar na deacutecada de 1990

Bianchini (2015 p18) afirma que a deacutecada de 1990 foi sinalizada pela

constituiccedilatildeo de novas estrateacutegias no campo econocircmico sobretudo em relaccedilatildeo aos

aspectos comerciais tecnoloacutegicos financeiros e de investimentos aleacutem de ter sido o

periacuteodo de maior inserccedilatildeo do Brasil na economia internacional

Outra caracteriacutestica desse periacuteodo segundo o mesmo autor foi a criaccedilatildeo do

Mercado Comum do Sul (Mercosul) o qual visava materializar uma maior integraccedilatildeo

entre o Brasil Uruguai Argentina e Paraguai a partir da reduccedilatildeo das tarifas

alfandegaacuterias

O Mercosul alterou tambeacutem a poliacutetica cambial com o objetivo de promover

a expansatildeo das importaccedilotildees e ampliaccedilatildeo dos investimentos internacionais nas aacutereas

agroindustriais Por outro lado restringiu a participaccedilatildeo de cooperativas nesse setor

fortalecendo ainda mais as empresas privadas

A partir da concepccedilatildeo de Bianchini (2015) pode-se afirmar que diante das

novas configuraccedilotildees impostas ao cenaacuterio econocircmico brasileiro assistiu-se no Brasil ao

desmoronamento de um modelo econocircmico em que a base de sustentaccedilatildeo eram os

144

incentivos fiscais concedidos pelo Governo os quais atendiam apenas alguns setores

rurais

O que se vecirc nesse periacuteodo foi a movimentaccedilatildeo dos diferentes atores sociais

De um lado se encontram os grupos detentores de grande capital econocircmico querendo

a qualquer custo atrair a atenccedilatildeo das autoridades poliacuteticas em torno dos interesses do

capital na agricultura e por outro lado a intensificaccedilatildeo nas mobilizaccedilotildees por parte de

outros atores conclamando por uma construccedilatildeo de poliacuteticas diferenciadas para atender a

Agricultura Familiar a realizaccedilatildeo da Reforma Agraacuteria a ampliaccedilatildeo dos direitos dos

trabalhadores rurais e a criaccedilatildeo de um modelo de agricultura fundamentado na

sustentabilidade social e ambiental

Bianchini (2015 p 19) ao se referir ao papel das instituiccedilotildees e organizaccedilatildeo

dos movimentos sociais em defesa da Reforma Agraacuteria constituiacutedos na deacutecada de 1980

assegura que

Nesse cenaacuterio poacutes-crise do modelo agriacutecola a partir dos anos

80 com o teacutermino do regime militar e a promulgaccedilatildeo da

Constituiccedilatildeo de 1988 as organizaccedilotildees de agricultores

empresariais se rearticularam na Confederaccedilatildeo Nacional de

Agricultura (CNA) na Uniatildeo Democraacutetica Ruralista (UDR) e

na Associaccedilatildeo Brasileira do Agronegoacutecio (ABAG) As

organizaccedilotildees de Agricultores Familiares se fortalecem na

Confederaccedilatildeo Nacional dos Trabalhadores na Agricultura

(CONTAG) criam-se novas organizaccedilotildees como o Movimento

dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) a Via Campesina

o Departamento Nacional dos Trabalhadores Rurais da CUT

(DNTR) que daria origem agrave Federaccedilatildeo dos Trabalhadores da

Agricultura Familiar (Fetraf) Surge um novo cenaacuterio novos

embates e estabelece-se um novo arranjo institucional

Em consonacircncia agrave citaccedilatildeo afirmamos que os atores sociais do campo estatildeo

divididos em dois grandes grupos de um lado os grandes proprietaacuterios de terras e

representantes do agronegoacutecio e do outro as populaccedilotildees desprovidas de capital

financeiro representadas pelos trabalhadores rurais pequenos agricultores ribeirinhos e

comunidades tradicionais Esses grupos recorreram agrave organizaccedilatildeo dos Sindicatos a

exemplo daquele dos Trabalhadores ou dos Produtores Rurais e das confederaccedilotildees em

busca da sensibilizaccedilatildeo das autoridades poliacuteticas em torno da defesa de seus interesses

No que se refere aos movimentos sociais dos trabalhadores rurais e pequenos

agricultores natildeo se pode perder de vista que a deacutecada de 1990 foi marcada por intensas

mobilizaccedilotildees desses sujeitos sociais em torno de poliacuteticas puacuteblicas que pudessem

145

viabilizar a melhoria das condiccedilotildees de vida no campo sobretudo no que tange agrave criaccedilatildeo

de um sistema de creacutedito rural e a expansatildeo do programa de distribuiccedilatildeo de terras em

formato diferenciado para atender as especificidades dos pequenos agricultores

Bianchini (2015) considera possiacutevel assegurar que tanto o Provape como o

Pronaf resultaram de accedilotildees e pressotildees dos movimentos sociais que por meio das

diversas manifestaccedilotildees que contribuiacuteram diretamente para a definiccedilatildeo das diretrizes do

Pronaf como eacute o caso do ldquoGrito da Terra Brasilrdquo movimento promovido pela

Confederaccedilatildeo Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG) Federaccedilatildeo dos

Trabalhadores da Agricultura (Fetag) e pelos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais

(STTRs) que em geral reuniram milhares de trabalhadores em seus atos puacuteblicos em

sua grande maioria lideranccedilas dos diversos movimentos ligados agraves questotildees da

Agricultura Familiar Reforma Agraacuteria e de outras bandeiras relacionadas ao universo

dos trabalhadores rurais

Bianchini (2015) indica ainda outro acontecimento que proporcionou maior

visibilidade do debate acerca da luta por uma poliacutetica de creacutedito rural diferenciada e que

fosse capaz de mobilizar a integraccedilatildeo da produccedilatildeo familiar o Seminaacuterio ndash Creacutedito de

Investimento uma luta que vale milhotildees de vidas realizado na cidade Chapecoacute em

Santa Catarina no ano de 2003 sob a organizaccedilatildeo do Foacuterum Sul dos Rurais vinculado agrave

Central Uacutenica dos Trabalhadores - CUT

Esse seminaacuterio teve como funccedilatildeo marcar ldquo[] que o creacutedito seria a bandeira

central do movimento sindical e naquele momento poderia desencadear outras poliacuteticas

ATER Educaccedilatildeo Formaccedilatildeo Profissional Infraestrura e Habitaccedilatildeordquo (BIANCHINI

2015 p 24)

Ainda com base na concepccedilatildeo desse autor pode-se dizer que as discussotildees

provocadas durante o seminaacuterio de Chapecoacute aleacutem de possibilitar um repensar sobre a

questatildeo do creacutedito diferenciado para os pequenos agricultores apontaram tambeacutem

outras possibilidades de conquista no sentido de buscar uma poliacutetica que fosse capaz de

casar o Creacutedito Fundiaacuterio com a Educaccedilatildeo Formaccedilatildeo Profissional Infraestrutura e

Habitaccedilatildeo ldquo[] Esta foi a marca que timbrou a criaccedilatildeo do Pronaf a luta por creacutedito

diferenciado capaz de realizar a reconversatildeo das unidades de produccedilatildeo familiarrdquo

(BIANCHINI 2015 p 24)

146

43 O Pronaf e seus objetivos

O MDA assegura que o objetivo do Programa Nacional de Fortalecimento da

Agricultura Familiar (Pronaf) eacute ldquo[] financiar projetos individuais ou coletivos que

gerem renda aos agricultores familiares e assentados da Reforma Agraacuteria O programa

possui as mais baixas taxas de juros dos financiamentos rurais aleacutem das menores taxas

de inadimplecircncia entre os sistemas de creacutedito do Paiacutes (MDA 2015)rdquo 24

Estamos diante da definiccedilatildeo do oacutergatildeo puacuteblico responsaacutevel por colocar os

ldquoagricultores familiaresrdquo e ldquoassentados de Reforma Agraacuteriardquo enquanto puacuteblico alvo do

programa possibilitando-os ter acesso a creacuteditos com a preacute-condiccedilatildeo de natildeo ter uma

renda maior que R$ 360 mil reais por ano

O agricultor familiar deve avaliar o projeto que pretende

desenvolver Os projetos devem gerar renda aos Agricultores

Familiares e assentados da reforma agraacuteria Podem ser

destinados para o custeio da safra a atividade agroindustrial

seja para investimento em maacutequinas equipamentos ou

infraestrutura A renda bruta anual dos Agricultores Familiares

deve ser de ateacute R$ 360 mil (MDA 2015)25

As diretrizes do MDA que orientam a elaboraccedilatildeo dos projetos de

financiamentos do Pronaf asseguram que os agricultores familiares satildeo os protagonistas

no planejamento das accedilotildees que seratildeo desenvolvidas desde que levem em consideraccedilatildeo

os criteacuterios estabelecidos por cada linha de creacutedito

Segundo o MDA (2015) o Pronaf possui algumas linhas de creacutedito para

atender esse objetivo

bull Pronaf Custeio

-se ao financiamento das atividades agropecuaacuterias e de

beneficiamento ou industrializaccedilatildeo e comercializaccedilatildeo de

produccedilatildeo proacutepria ou de terceiros enquadrados no Pronaf

bull Pronaf Mais Alimentos - Investimento

Destinado ao financiamento da implantaccedilatildeo ampliaccedilatildeo ou

modernizaccedilatildeo da infraestrutura de produccedilatildeo e serviccedilos

agropecuaacuterios ou natildeo agropecuaacuterios no estabelecimento rural

ou em aacutereas comunitaacuterias rurais proacuteximas

bull Pronaf Agroinduacutestria

24Disponiacutevelemlthttpwwwmdagovbrsitemdasecretariasaf-creditoruralsobre-o-

rogramasthashoPkG5KqCdpuf gt Acesso em 14092015 25

Disponiacutevelemlt httpwwwmdagovbrsitemdasecretariasaf-creditoruralcomo-funciona-o-

pronafsthashJ7csT8kgdpuff gt Acesso em 14092015

147

Linha para o financiamento de investimentos inclusive em

infraestrutura que visam o beneficiamento o processamento e a

comercializaccedilatildeo da produccedilatildeo agropecuaacuteria e natildeo agropecuaacuteria

de produtos florestais e do extrativismo ou de produtos

artesanais e a exploraccedilatildeo de turismo rural

bull Pronaf Agroecologia

Linha para o financiamento de investimentos dos sistemas de

produccedilatildeo agroecoloacutegicos ou orgacircnicos incluindo-se os custos

relativos agrave implantaccedilatildeo e manutenccedilatildeo do empreendimento

bull Pronaf Eco

Linha para o financiamento de investimentos em teacutecnicas que

minimizam o impacto da atividade rural ao meio ambiente bem

como permitam ao agricultor melhor conviacutevio com o bioma em

que sua propriedade estaacute inserida

bull Pronaf Floresta

Financiamento de investimentos em projetos para sistemas

agroflorestais exploraccedilatildeo Destina extrativista ecologicamente

sustentaacutevel plano de manejo florestal recomposiccedilatildeo e

manutenccedilatildeo de aacutereas de preservaccedilatildeo permanente e reserva legal

e recuperaccedilatildeo de aacutereas degradadas

bull Pronaf Semiaacuterido

Linha para o financiamento de investimentos em projetos de

convivecircncia com o semi-aacuterido focados na sustentabilidade dos

agroecossistemas priorizando infraestrutura hiacutedrica e

implantaccedilatildeo ampliaccedilatildeo recuperaccedilatildeo ou modernizaccedilatildeo das

demais infraestruturas inclusive aquelas relacionadas com

projetos de produccedilatildeo e serviccedilos agropecuaacuterios e natildeo

agropecuaacuterios de acordo com a realidade das famiacutelias

agricultoras da regiatildeo Semiaacuterida

bull Pronaf Mulher

Linha para o financiamento de investimentos de propostas de

creacutedito para a mulher agricultora

bull Pronaf Jovem

Financiamento de investimentos de propostas de creacutedito para

jovens agricultores e agricultoras

bull Pronaf Custeio e Comercializaccedilatildeo de Agroinduacutestrias

Familiares

Destinada aos agricultores e suas cooperativas ou associaccedilotildees

para que financiem as necessidades de custeio do

beneficiamento e industrializaccedilatildeo da produccedilatildeo proacutepria eou de

terceiros

bull Pronaf Cota-Parte

Financiamento de investimentos para a integralizaccedilatildeo de cotas-

partes dos Agricultores Familiares filiados a cooperativas de

produccedilatildeo ou para aplicaccedilatildeo em capital de giro custeio ou

investimento

bull Microcreacutedito Rural

Destinado aos agricultores de mais baixa renda permite o

financiamento das atividades agropecuaacuterias e natildeo

agropecuaacuterias podendo os creacuteditos cobrirem qualquer demanda

que possa gerar renda para a famiacutelia atendida Creacuteditos para

Agricultores Familiares enquadrados no Grupo B e agricultoras

148

integrantes das unidades familiares de produccedilatildeo enquadradas

nos Grupos A ou AC26

Ainda para o MDA (2015) o creacutedito do Pronaf eacute operacionalizado pelos

agentes financeiros que compotildeem o Sistema Nacional de Creacutedito Rural (SNCR) os

quais estatildeo agrupados pelas unidades financeiras (Banco do Brasil Banco do

Nordeste e Banco da Amazocircnia) vinculadas aos (BNDES Bancoob Bansicredi e

associados agrave Federaccedilatildeo Brasileira de Bancos (Febraban)

A partir dessas opccedilotildees de creacutedito o nuacutemero de agricultores familiares que

tem aderido ao programa aumentou bem como a abrangecircncia do Pronaf no Brasil

Segundo dados do MDA (2015)

As contrataccedilotildees do Creacutedito ndash Pronaf apresentam crescimento

sustentado ao longo dos anos Em 19992000 o Pronaf abrangia

3403 municiacutepios passando para 4539 no ano seguinte o que

representou um aumento de 33 na cobertura de municiacutepios

ou seja a ampliaccedilatildeo de mais de 1100 municiacutepios em apenas

um ano A ampliaccedilatildeo de municiacutepios atendidos continuou em

cada ano agriacutecola sendo que em 20052006 houve a inserccedilatildeo de

quase 1960 municiacutepios em relaccedilatildeo agrave 19992000 Em

20072008 foram atendidos 5379 municiacutepios o que

representou um crescimento de 58 em relaccedilatildeo agrave 19992000

com a inserccedilatildeo de 1976 municiacutepios27

Portanto atraveacutes desses dados oficiais sobre o Pronaf foi possiacutevel identificar

seus objetivos e o que ele considera como caracteriacutestica de sua efetivaccedilatildeo e ampliaccedilatildeo

Cruzando os dados do Araguaia mato-grossense e aqueles dos assentamentos

rurais pesquisados com os dados oficiais obtivemos uma noccedilatildeo das implicaccedilotildees dos

investimentos do Pronaf no local sobretudo no que se refere ao municiacutepio de Vila Rica-

MT uma vez que eacute onde estatildeo localizados os assentamentos rurais analisados nesta

pesquisa

44 O Pronaf no espaccedilo do Araguaia Mato-grossense

26 Disponiacutevel em lthttpwwwmdagovbrsitemdasecretariasaf-creditorurallinhas-de-

crC3A9ditosthashupVEXpBldpufgt Acesso em 14092015 27

Disponiacutevel em lthttpwwwmdagovbrsitemdasecretariasaf-

creditoruralevoluC3A7C3A3o-do-pronafgt Acesso em 14092015

149

Em 2006 foi produzido um diagnoacutestico pela equipe teacutecnica do Territoacuterio da

Cidadania do MDA com o objetivo de elaborar o Plano Territorial de Desenvolvimento

Rural Sustentaacutevel do Araguaia mato-grossense ocasiatildeo em que foi constituiacutedo um

banco de dados sobre a situaccedilatildeo dos assentamentos rurais da aacuterea tomando como

referecircncia o perfil socioeconocircmico de cada assentamento rural e utilizando diversas

estrateacutegias e fontes documentais para constituiacute-lo

Analisando os dados do diagnoacutestico produzido pelo MDA constatamos que a

Agricultura Familiar possui um lugar de destaque no desenvolvimento socioeconocircmico

do Norte Araguaia

Paret (2012) informa existir 85 assentamentos rurais constituiacutedos no territoacuterio

Araguaia-Xingu sendo que 25 deles estatildeo localizados no municiacutepio de Confresa-MT

Os demais estatildeo distribuiacutedos entre os outros municiacutepios com destaque para Ribeiratildeo

Cascalheira Satildeo Feacutelix do Araguaia e Aacutegua Boa28

Ao todo satildeo 22328 famiacutelias assentadas numa aacuterea que corresponde apenas

a 8 da dimensatildeo territorial denominada por Paret (2012) como Araguaia-Xingu Nesse

mesmo sentido Barrozo (2009 p 96) avalia que

Os assentamentos rurais do Araguaia se caracterizam pela a

criaccedilatildeo de gado e pela baixa produccedilatildeo de alimentos Em quase

todos os assentamentos dos municiacutepios de Santa Terezinha

Vila Rica-MT Satildeo Joseacute e Santa Cruz do Xingu Confresa Porto

Alegre Canabrava Satildeo Feacutelix do Araguaia os assentados do

Araguaia tecircm como principal atividade econocircmica do lote a

criaccedilatildeo de gado bovino

Considerando o que Barrozo (2009) e Paret (2012) e os dados contidos no

relatoacuterio do MDATerritoacuterio da Cidadania (2006) dizem afirmamos que a pecuaacuteria eacute

tida como a principal fonte de renda dos assentados dessa aacuterea Aleacutem da venda dos

bezerros os agricultores familiares vendem tambeacutem leite para os pequenos laticiacutenios

que ficam espalhados pela aacuterea

Essa produccedilatildeo se tornou viaacutevel por um conjunto de fatores que vatildeo desde a

instalaccedilatildeo de energia eleacutetrica que possibilitou que o produto pudesse ser armazenado

em tanques resfriadores passando pelo fomento do Pronaf ateacute a instalaccedilatildeo de laticiacutenios

na aacuterea que absorvem a produccedilatildeo regional

28 Destacamos que dos 14 municiacutepios que compotildeem o territoacuterio denominado por Paret (2012)

como Araguaia Xingu apenas Luciara natildeo possui assentamentos rurais Rural (INCRA 2015)

150

A partir dos dados destacados pelos autores e pela descriccedilatildeo feita pelo o

Instituto de Defesa Agropecuaacuteria de Mato Grosso - Indea (2015)29

percebe-se que nos

uacuteltimos anos houve um crescimento notaacutevel da criaccedilatildeo de gado leiteiro nessa aacuterea

Essa situaccedilatildeo serve como justificativa ao fato de haver nos assentamentos rurais do

Araguaia uma aacuterea maior destinada agraves pastagens e uma menor concentraccedilatildeo de

atividades voltadas para o cultivo de pomares hortas agricultura e outras atividades

econocircmicas

O Araguaia Mato-grossense atualmente possui como principais cadeias

produtivas a pecuaacuteria e a soja Percebe-se que a Agricultura Familiar tambeacutem estaacute

inclusa nesse modelo de produccedilatildeo no entanto Paret (2012 p 53) faz uma ressalva em

relaccedilatildeo agrave ela uma vez que esta ldquo[] apresenta uma maior diversidade produtiva que vai

desde a horta a todo tipo de plantaccedilatildeo de frutas (plantadas ou do extrativismo)

tubeacuterculos mel ovos pequenos animais leite entre outros []rdquo

As atividades agriacutecolas nos assentamentos rurais do Araguaia Mato-

grossense foram estudadas por Barrozo (2009 p 99) para quem embora os assentados

atribuam uma grande importacircncia agrave criaccedilatildeo de gado tambeacutem cultivam roccedilas visando o

auto-sustento da famiacutelia ldquo[] Os principais produtos cultivados em quase todos os

assentamentos satildeo a mandioca o milho o arroz e a canardquo

Ainda em conformidade com Barrozo (2009) natildeo existem grandes pomares

com diversidade de frutas cuja produccedilatildeo tenha a finalidade de comercializaccedilatildeo mas

satildeo encontradas em muitos assentamentos pequenas produccedilotildees frutiacuteferas de manga

banana abacaxi goiaba caju tamarindo limatildeo pequi etc

Esse quadro de produccedilatildeo agriacutecola apresentado pelo mesmo autor foi

constatado tambeacutem no relatoacuterio do MDATerritoacuterio da Cidadania (2006 p 33) segundo

o qual as atividades agriacutecolas no espaccedilo do Araguaia Mato-Grossense satildeo assim

descritas

Dentre as culturas produzidas destacam-se a mandioca o arroz

o milho e o abacaxi presentes em praticamente todo o territoacuterio

e tambeacutem direcionadas ao mercado local e principalmente para

o autoconsumo [] Estas atividades constituem-se em

iniciativas particulares e natildeo reflete de forma real a situaccedilatildeo de

grande parte dos agricultores do territoacuterio

29Disponiacutevel em lthttpwwwterritoriosdacidadaniagovbrdotlrnclubsterritriosruraisone-

community gtAcesso em 02052015

151

Quanto agrave implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas direcionadas aos

assentamentos rurais Paret (2012 p 53) verificou a existecircncia de grandes obstaacuteculos

enfrentados pelos agricultores familiares a exemplo das dificuldades em acessar tanto

os recursos do Pronaf quanto de outros programas considerados de apoio como eacute o caso

do Programa Nacional de Aquisiccedilatildeo de Alimentos (PNAA) e do Programa Nacional de

Alimentaccedilatildeo Escolar (PNAE)

Os entraves ocorridos durante o processo de implementaccedilatildeo das poliacuteticas

puacuteblicas nos assentamentos rurais no Araguaia Mato-grossense sobretudo no caso do

Pronaf foram percebidos por Barrozo (2009 p 96) em pesquisa realizada para o

Ministeacuterio do Meio Ambiente (MMA) atraveacutes do programa GESTAR O autor escreve

que durante suas visitas aos assentamentos rurais era bastante comum os agricultores

familiares exporem suas insatisfaccedilotildees tanto com a atuaccedilatildeo dos teacutecnicos do INCRA

quanto com as condiccedilotildees impostas no processo de adesatildeo ao Pronaf Nesse sentido

descreve

[] os assentados reclamam do Pronaf que seria um pacote

fechado exigindo que o recurso seja em horas maacutequinas para

preparar a terra para a lavoura com a indicaccedilatildeo da empresa para

prestar serviccedilo e compra de ferramentas com indicaccedilatildeo da loja

As vacas leiteiras de qualidade ruim para leite custam R$

60000 cada uma tendo que comprar de criador indicado

Alguns assentados fazem acusaccedilotildees de que eacute feito um desconto

do Pronaf corresponde ao um percentual do financiamento que

seria destinado agrave assistecircncia teacutecnica Os teacutecnicos dizem que natildeo

podem se deslocar por falta de veiacuteculos ou de combustiacutevel

Percebemos uma insatisfaccedilatildeo de assentados quanto agraves restriccedilotildees e imposiccedilotildees

burocraacuteticas do Pronaf que retiram dos mesmos a autonomia de escolher locais raccedilas

de animais e marcas de produtos adquiridos com a verba do programa adiciona-se a

preocupaccedilatildeo com a extensatildeo teacutecnica que enfrenta dificuldades financeiras e de

logiacutestica

Na mesma oacutetica Paret (2012 p 53) avalia os problemas enfrentados pelos

agricultores familiares no acesso aos recursos do Pronaf e agrave atuaccedilatildeo do Incra ldquo[] do

ponto de vista institucional a conduccedilatildeo da Reforma Agraacuteria pelo Incra eacute marcada por

longas demoras na resoluccedilatildeo de processos e inuacutemeros casos de corrupccedilatildeordquo

Paret (2012) aborda ainda outra situaccedilatildeo que dificulta o desenvolvimento dos

assentamentos rurais do Araguaia Mato-grossense qual seja o fato de muitos

152

agricultores familiares natildeo terem recebido os creacuteditos moradia e a inexistecircncia de uma

assistecircncia teacutecnica mais efetiva

Os graacuteficos apresentado na Figura 17 e seguinte apresentam criteacuterios de

distribuiccedilatildeo e investimento dos recursos do Programa Nacional de Agricultura Familiar

nos assentamentos rurais

Figura 17 Graacutefico com dados da evoluccedilatildeo dos creacuteditos Pronaf

Fonte Paret 2012 (p 30)

Figura 18 Graacutefico com dados da distribuiccedilatildeo dos creacuteditos Pronaf

Fonte Paret 2012 (p 33)

153

Os dados dispostos nos das figuras 17 e 18 indicam que nos assentamentos

rurais no Araguaia mato-grossense a deacutecada de 2000 foi destaque na evoluccedilatildeo do

percentual de investimento de recursos pelo Pronaf

Percebemos uma oscilaccedilatildeo no volume de recursos na deacutecada de 2000 sendo

que nos anos de 2003 e 2004 apresentaram crescimento Em 2008 a 2010 aumentou

novamente o percentual de recursos disponibilizados com aumento daqueles destinados

agrave pecuaacuteria sobretudo em 2010 quando superaram os investimentos destinados agrave

agricultura

Quando se observam os dados indicados na Figura 18 percebe-se que entre

os onze municiacutepios apresentados como Araguaia Xingu o municiacutepio de Vila Rica-MT

em comparaccedilatildeo aos demais praticamente natildeo recebeu recursos do Pronaf destinados agrave

agricultura sobressaindo apenas os destinados agrave linha de creacutedito direcionada para a

pecuaacuteria

Nesse sentido Lima e Noacutebrega (2009) reforccedilam que os financiamentos

efetivados a partir de 1999 no municiacutepio de Vila Rica-MT foram direcionados para

agropecuaacuteria Em 2007 100 dos financiamentos do municiacutepio foram direcionados

somente agrave pecuaacuteria somando um total de 86 milhotildees de reais em investimentos

Lima e Noacutebrega (2009 12) afirmam ainda que

Entre 1996 e 2006 a aacuterea de pastagens aumentou em cerca de 50

mil hectares e o aumento do nuacutemero de cabeccedilas de gado mais

do que triplicou chegando em 2006 a quase 650 mil cabeccedilas A

densidade de cabeccedilas de gado por hectare passou de 08 para

21 um aumento bem acentuado Entre 2000 e 2007 as aacutereas

das lavouras de milho dobraram de tamanho [] existem dados

controversos no censo 2006 que indica mais de 150 mil hectares

de aacutereas de lavouras no entanto no ano de 2007 natildeo havia

muito mais do que 10mil hectares plantados somando todas as

culturas provavelmente muitas destas aacutereas de lavouras estatildeo

abandonadas

Para esses autores o aumento expressivo da pecuaacuteria em Vila Rica-MT nos

uacuteltimos anos pode ter contribuiacutedo para a reduccedilatildeo do desmatamento no municiacutepio em

funccedilatildeo ateacute mesmo do volume de recursos injetados o que justifica o desenvolvimento

das atividades ligadas agrave pecuaacuteria enquanto a agricultura praticamente ficou estagnada

entre o periacuteodo de 2000 a 2007

154

Desse modo concluiacutemos que mesmo havendo entraves na execuccedilatildeo do

Pronaf ele gerou impactos significativos no que se refere ao desenvolvimento

econocircmico do Araguaia colocando os assentamentos rurais na condiccedilatildeo de

protagonistas na geraccedilatildeo de renda sendo a pecuaacuteria a principal atividade econocircmica

45 O Pronaf nos assentamentos rurais Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati

Consideramos pertinente uma anaacutelise acerca dos efeitos do Pronaf nos

assentamentos rurais de Vila Rica-MT visando identificar os impactos desse programa

no desenvolvimento socioeconocircmico local Destacamos que embora haja oito

assentamentos rurais a pesquisa tomou como paracircmetro apenas os recursos aportados

pelos agricultores familiares dos assentamentos rurais de Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e

Aracati

Ao escolhecirc-los tomados aqui como objeto de anaacutelise dos resultados das

poliacuteticas puacuteblicas direcionadas aos Assentados da Reforma Agraacuteria do municiacutepio de

Vila Rica levou-se em consideraccedilatildeo o fato de terem sido contemplados com o

Programa de Assessoria Teacutecnica Social e Ambiental agrave Reforma Agraacuteria- Ates no ano

de 2006 como ilustra a Tabela a seguir

Tabela 37 Creacutedito Rural - nordm de Famiacutelia

Fonte EMPAER 2010

A Tabela 37 demonstra que mais de 90 dos agricultores familiares

participantes da pesquisa tiveram acesso ao Pronaf Os assentamentos Satildeo Joseacute e Ipecirc

foram os mais beneficiados porque possuem o maior nuacutemero de assentados Outra

questatildeo que nos chamou a atenccedilatildeo em relaccedilatildeo ao acesso ao credito eacute o iacutendice de

inadimplecircncia que natildeo chega a 1

Creacutedito RuralPA Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc Aracat

i

Total

Usam o creacutedito rural 96 18 72 22 20

8

Natildeo usam por

Inadimplecircncia

0 0 2 0 2

Natildeo usam por outros

Motivos

8 3 5 3 19

155

Tabela 38 Finalidade do Creacutedito Rural - nordm de Famiacutelias

Finalidade creacutedito

PA

S Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total

Custeio agriacutecola 10 3 12 3 28

Custeio pecuaacuterio 91 13 69 17 190

Investimento agriacutecola 2 0 3 0 5

Investimento pecuaacuterio 68 11 51 19 149

Agroinduacutestria 0 1 0 0 1

Fonte EMPAER 2010

As informaccedilotildees contidas na Tabela 38 confirmam o que jaacute foi apresentado

nos Graacuteficos 01 e 02 e Figuras 17 e 18 em que os investimentos dos recursos do Pronaf

nas atividades agriacutecolas natildeo chegaram a 10 dos que tomaram o creacutedito enquanto que

somando o valor destinado ao custeio e ao investimento na pecuaacuteria atingiu 908

Poreacutem apenas 03 desses recursos foram aplicados nas atividades agroindustriais

Tabela 39 Tipo de Pronaf por nuacutemero de Famiacutelias

Finalidade Creacutedito Rural S Joseacute S Gabriel Ipecirc Aracati Total

Pronaf A 95 17 71 20 203

Pronaf AC 65 12 60 15 152

Outros tipos de Pronaf 5 2 4 1 12

Fonte EMPAER 2010

Na Tabela 39 que trata da tipologia das linhas de creacutedito do Pronaf

constatamos o que jaacute foi evidenciado pela tabela anterior Observamos que 203 famiacutelias

dos assentamentos rurais pesquisados acessaram o Pronaf A destinado agraves atividades de

investimentos ampliaccedilatildeo ou modernizaccedilatildeo da estrutura de produccedilatildeo beneficiamento e

serviccedilos nas propriedades enquanto 152 famiacutelias acessaram o Pronaf AC cujo creacutedito

destina-se ao custeio das atividades de agropecuaacuteria ou natildeo agropecuaacuterias Somente 12

famiacutelias foram beneficiadas por outras modalidades de Pronaf

46 Outras Poliacuteticas Puacuteblicas nos assentamentos Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e

Aracati

156

461 Programa Luz para todos

Ao discutirmos os impactos das poliacuteticas Puacuteblicas precisamos analisar os

efeitos da instalaccedilatildeo da rede eleacutetrica nos assentamentos rurais - Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel

Ipecirc e Aracati - a partir da implantaccedilatildeo do Programa Luz Para Todos instituiacutedo pelo

Decreto 4873 de novembro de 2003 com o objetivo de garantir o acesso agrave energia

eleacutetrica a dez milhotildees de pessoas que viviam no campo no periacuteodo de 5 anos ou seja de

2003 a 2008 Foi o mesmo elaborado e executado atraveacutes de parceria entre o Ministeacuterio

de Minas e Energia Eletrobraacutes concessionaacuterias e cooperativas de eletrificaccedilatildeo rural As

accedilotildees deveriam ser feitas em regime de cooperaccedilatildeo entre os Governos Municipais

Estaduais e Federal

A intenccedilatildeo inicial era superar a ldquoexclusatildeo eleacutetricardquo conforme descrito em

uma reportagem feita pelo Ministeacuterio de Minas e Energia (MME) no portal da empresa

Furna30

(2015 p 1)

[] O mapa da exclusatildeo eleacutetrica no paiacutes revela que as famiacutelias

sem acesso agrave energia estatildeo majoritariamente nas localidades de

menor Iacutendice de Desenvolvimento Humano e nas famiacutelias de

baixa renda Cerca de 90 delas tecircm renda inferior a trecircs

salaacuterios-miacutenimos [] Para por fim a essa realidade o governo

definiu como objetivo que a energia seja um vetor de

desenvolvimento social e econocircmico dessas comunidades

contribuindo para a reduccedilatildeo da pobreza e aumento da renda

familiar

Para o Ministeacuterio de Minas e Energia (2015 p 1) ldquo[] a chegada da energia

eleacutetrica facilita a integraccedilatildeo dos programas sociais do Governo Federal aleacutem do acesso

a serviccedilos de sauacutede educaccedilatildeo abastecimento de aacutegua e saneamentordquo E como o nuacutemero

de pessoas que viviam sem energia eleacutetrica era bem superior agrave estimativa feita pelo

Governo Federal houve a necessidade de ampliar o periacuteodo para a execuccedilatildeo do

Programa Luz Para Todos o qual foi reformulado e estendido ateacute dezembro de 2014

ldquo[] Com a publicaccedilatildeo do Censo de 2010 pelo IBGE veio agrave informaccedilatildeo de que ainda

existiam na zona rural brasileira 715939 famiacutelias sem energiardquo (MME 2015 p 1)

30Furnas eacute uma empresa de economia mista subsidiaacuteria da Eletrobraacutes e vinculada ao Ministeacuterio de

Minas e Energia dedicada a geraccedilatildeo e transmissatildeo de energia eleacutetrica

DisponiacutevellthttpwwwfurnascombrfrmEMQuemSomosgt Acesso em 10102015

157

Nesta mesma acepccedilatildeo quando comparado com os assentamentos rurais

pesquisados em Vila Rica- MT um dos agricultores familiares entrevistado disse

[] A questatildeo da energia melhorou as condiccedilotildees de vida nos

assentamentos assim no sentido de possibilitar a compra de

uma televisatildeo uma geladeira um freezer um aparelho de som

Agora eacute o que eu sempre digo o foco do programa natildeo eacute esse

a ideia eacute melhorar as condiccedilotildees de trabalho para aumentar a

produccedilatildeo da Agricultura Familiar natildeo digo que o Programa

Luz Para Todos natildeo era comprar essas coisas de

eletrodomeacutesticos ateacute porque esses eletrodomeacutesticos nos

possibilitam viver com um pouco de conforto isso melhora a

nossa vida tambeacutem Poreacutem o Luz Para Todos visava melhorar

a produccedilatildeo e foi o que muitos assentados compraram

maacutequinas de ralar mandioca bomba da aacutegua para fazer

irrigaccedilatildeo ordenhadeira (maacutequina de tirar leite de vaca)

triturador de raccedilatildeo a proacutepria geladeira e o freezer pois

possibilita armazenar os alimentos confeccionados pelos

agricultores como eacute o caso do queijo linguiccedila polpas de

frutas e tantos outros produtos que estatildeo sendo vendidos na

feira nos mercados e em outros lugares Outro setor que tem

ganhado bastante com a implantaccedilatildeo do Programa Luz Para

Todos eacute aacuterea do comeacutercio e da manutenccedilatildeoconserto de

eletrodomeacutestico (ENTREVISTA com Gilmar agricultor

familiar e secretaacuterio de agricultura do municiacutepio de Vila Rica

realizada pela autora em marccedilo de 2015)

Em conformidade com o relato a implementaccedilatildeo do Programa Luz Para

Todos nos assentamentos rurais de Vila Rica-MT possui um significado muito aleacutem da

entrada dos agricultores familiares nesse novo modelo de produccedilatildeo social e cultural

facilitando a inclusatildeo desses sujeitos histoacutericos na sociedade da Informaccedilatildeo e da

Comunicaccedilatildeo proporcionada pelos recursos midiaacuteticos

Os efeitos da eletricidade nesses assentamentos refletiu diretamente no

aumento da produtividade na Agricultura Familiar o que poderaacute ser mais um fator de

melhoria da renda das famiacutelias assentadas e ao mesmo tempo possibilitaraacute o

aquecimento da economia local

Ressaltamos ainda que a energia eleacutetrica advinda do Programa Luz Para

Todos produz efeitos positivos para a Educaccedilatildeo do campo possibilitando a ampliaccedilatildeo

dos tempos e modos de organizaccedilatildeo pedagoacutegica das escolas que passaram a ofertar

aulas no periacuteodo noturno sem falar nos artifiacutecios do ensino e da aprendizagem uma vez

fortalecido com a inserccedilatildeo das tecnologias da Informaccedilatildeo e Comunicaccedilatildeo Conforme

relata um dos assentados entrevistado

158

Depois que instalou energia melhorou ateacute pra escola pois

agora os filhos dos assentados estatildeo tendo uma educaccedilatildeo

melhor ateacute o ambiente melhorou pois tem ventilador algumas

escolas tecircm ar condicionado Todas tecircm geladeira freezer

bebedor com aacutegua gelada Assim agora podem ateacute as pessoas

mais velhas que soacute podem estudar no periacuteodo da noite teratildeo

oportunidade de ir pra escola O que eacute complicado em relaccedilatildeo

agrave energia no campo eacute que se a gente natildeo souber controlar o uso

da energia potencializar eletricidade para melhorar a

produtividade e a renda das famiacutelias assentadas chegaraacute o

final do mecircs teratildeo o prejuiacutezo conta de energia para pagar Tem

assentado que possui dificuldade para pagar a conta de energia

todo mecircs Mas por outro lado os assentados que deixavam de

vender seus produtos porque eram pouquinhos ajuda agora

porque com a geladeira o freezer vai fazendo e guardando

hoje congela uma linguiccedila um queijo guardam um doce ovos

E depois traacutes junta tudo e traacutes para vender na cidade No caso

ajudou porque eu mexo com polpas de frutas a minha maior

fonte de renda eacute essa Entatildeo eu vou juntando do meu siacutetio e

compro de outros assentados (ENTREVISTA com Ivanir Galo

assentado e presidente do STR de Vila Rica- MT realizada pela

autora em marccedilo de 2015)

O relato acima chama atenccedilatildeo para o papel que a eletricidade assumiu no

desenvolvimento da economia dos assentamentos rurais de Vila Rica uma vez que ela

possibilitou tambeacutem o armazenamento e conservaccedilatildeo dos produtos de ldquofabricaccedilatildeo

caseirardquo Desse modo o entrevistado reconheceu que alguns assentados encontravam

dificuldade para quitar a conta de energia mas o destaque dado na narrativa eacute para as

possibilidades de ampliaccedilatildeo da renda dos agricultores familiares a partir do uso dos

equipamentos tecnoloacutegicos

462 Arco Verde e a questatildeo ambiental

Em conformidade as anaacutelises apontadas no Capiacutetulo III a questatildeo ambiental

constituiu e constitui ainda um dos gargalos vivenciados nos assentamentos rurais do

municiacutepio de Vila Rica-MT visto o alto iacutendice de degradaccedilatildeo das aacutereas de pastagens

nascentes e vegetaccedilatildeo nativa

Essa situaccedilatildeo eacute causada por diversos fatores No entanto a poliacutetica de incentivo

agrave pecuaacuteria bovina por sua vez tem gerado certa sonolecircncia nas praacuteticas de degradaccedilatildeo

ambiental embora em muitos casos tenha inviabilizado a sustentabilidade da

159

produccedilatildeo deixando o caminho livre ao esvaziamento venda e arrendamento dos lotes

para a produccedilatildeo de soja

Por outro lado as atividades ligadas agrave extraccedilatildeo madeireira pouco contribuiacuteram

para o desenvolvimento econocircmico do municiacutepio Nesse quadro os assentamentos

rurais foram os lugares onde mais foram praticados desmatamentos

Tal situaccedilatildeo nos assentamentos rurais eacute relatada pelo Secretaacuterio Municipal

de Vila Rica-MT o qual afirma terem eles provocado seacuterios problemas ao ponto de

demandar uma accedilatildeo de intervenccedilatildeo por parte Poder Puacuteblico atraveacutes de uma integraccedilatildeo

entre oacutergatildeos dos Governos Federal Estadual e Municipal que se viram obrigados a

tomar medidas de puniccedilatildeo entre outras

[] Os municiacutepios que foram enquadrados na eacutepoca na

verdade eles entraram no Arco de Fogo Os municiacutepios que

mais desmatavam na microrregiatildeo norte Araguaia eram Vila

Rica-MT Querecircncia e Satildeo Feacutelix esses municiacutepios tiveram ser

punidos (pelo Governo Federal) deixando de receber recursos

que eram liberados antes como eacute o caso do Pronaf e outros

recursos foram bloqueados entatildeo houve um bloqueio de

recurso pra esses municiacutepios soacute que aiacute em vez de resolver o

problema veio trazer mais problema porque gerou um caos

sem os recursos como que os assentados iam trabalhar para

produzir o sustento das suas famiacutelias [] aiacute foi criado um

Programa chamado Arco Verde que era para trabalhar mais a

questatildeo de recuperar parte dos prejuiacutezos causados a natureza

onde cada municiacutepio assumiu uma agenda de compromisso

juntamente com os trecircs entes federal estadual e municipal

todos os segmentos assumiram a sua responsabilidade e o

municiacutepio (ENTREVISTA com Gilmar agricultor familiar e

secretaacuterio municipal de agricultura de Vila Rica-MT realizada

pela autora em marccedilo de 2015)

Segundo informaccedilotildees disponibilizadas pelo Secretaacuterio Municipal de

Agricultura e pelo presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT-

MT vaacuterios municiacutepios do estado de Mato Grosso foram convocados para desenvolver

accedilotildees com o objetivo de combater o alto iacutendice de queimada e desmatamento atraveacutes

do Programa do Governo Federal Arco de Foco No caso do Araguaia os municiacutepios

que foram enquadrados na eacutepoca foram Vila Rica-MT Querecircncia e Satildeo Feacutelix do

Araguaia Esses municiacutepios tiveram suspensos alguns dos recursos do Governo Federal

os quais foram bloqueados entre outras linhas de creacutedito do Pronaf - Programa de

Apoio agrave Agricultura Familiar

160

O secretaacuterio municipal de agricultura do municiacutepio de Vila Rica-MT alertou

em seu relato para a questatildeo das queimadas e do compromisso de desmatamento zero

assumido pelo municiacutepio

[] e o municiacutepio de Vila Rica-MT assumiu a responsabilidade

de desmatamento zero poreacutem dentro dos assentamentos eacute

loacutegico diminuiu 95 mas agente enfrentou e ainda enfrenta

alguns problemas com desmatamento dentro dos

assentamentos mas aiacute jaacute natildeo eacute falta de informaccedilatildeo porque

informaccedilatildeo sempre tem o problema eacute que alguns produtores

acham que por ser uma aacuterea do governo federal ele natildeo seraacute

penalizado punido e multado por ser assentado e por isso

teimam Mas com a questatildeo do CAR e do Geo que o tiacutetulo seraacute

perante o laudo todos teratildeo que recuperar soacute que com esse

novo Coacutedigo Florestal ele amenizou isso bastante os

produtores que tecircm ateacute quatro moacutedulos fiscais satildeo a maioria

aqui na Vila Rica-MT os que tecircm a propriedade muito pequena

natildeo precisam de reservas legais desde que aacuterea jaacute esteja

consolidada jaacute aberta e tudo mais ateacute Julho de 2008 entatildeo

daiacute pra frente quem desmatou vai ser descoberto atraveacutes de

uma imagem sateacutelite eles seraacute identificado entatildeo eacute assim eles

natildeo foram penalizados ainda mas seratildeo (ENTREVISTA com

Gilmar agricultor familiar e secretaacuterio municipal de agricultura

de Vila Rica-MT realizada pela autora em marccedilo de 2015)

Diante do bloqueio dos recursos o Poder Puacuteblico sobretudo o municipal

bem como o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vila Rica-MT tiveram que

desenvolver accedilotildees que mobilizassem os assentados para que atuassem no sentido de

erradicar as derrubadas e queimadas em Vila Rica-MT

Como o Programa Arco de Fogo natildeo obteve ecircxito foi criado outro programa

denominado Arco Verde o qual visava a intensificaccedilatildeo dos trabalhos voltados mais

para a questatildeo da recuperaccedilatildeo de parte dos prejuiacutezos causados agrave natureza Cada

municiacutepio assumiu uma agenda de compromisso responsabilizando-se juntamente com

o ente federal e estadual onde iriam atuar para erradicar as praacuteticas de queimadas nas

aacutereas de assentamentos rurais

463 Programa Balde Cheio

Quando o Programa denominado como ldquoBalde Cheiordquo foi implantado em

Mato Grosso houve a alegaccedilatildeo de que ele gerara resultados positivos em 12 Estados do

161

Brasil Este programa resultou de pesquisas desenvolvidas pela Empresa Brasileira de

Pesquisa Agropecuaacuteria Embrapa

Em Mato Grosso o projeto foi integrado ao Programa Estadual da Cadeia do

Leite considerando que o objetivo do Estado era aumentar a produccedilatildeo de leite nas aacutereas

de assentamentos rurais

[] Mato Grosso possui 150 mil pequenos proprietaacuterios a

maioria dedicando-se ao leite A meta eacute aumentar a produccedilatildeo

mato-grossense dos atuais 16 milhatildeo de litros diaacuterios para

cinco milhotildees de litros por dia Fernando Lamas ressalta que

esse aumento seraacute alcanccedilado por meio do aumento de

produtividade ldquosem expansatildeo de aacutereas e sem derrubar uma soacute

aacutervorerdquo

[] O trabalho das duas unidades da Embrapa contaraacute com a

parceria do Ministeacuterio da Agricultura Pecuaacuteria e

Abastecimento (Mapa) e do Governo de Mato Grosso que

arcaratildeo com a maior parte dos custos [] (EMBRAPA 2015

p 1)31

Segundo informaccedilotildees disponibilizadas no portal da Secretaria de Estado de

Agricultura de Mato Grosso participaram do processo de execuccedilatildeo do Programa a

Empresa Mato-Grossense de Pesquisa Assistecircncia e Extensatildeo Rural ndash Empaer o

Instituto de Defesa Agropecuaacuteria - Indea as prefeituras e as empresas em sistema de

cooperativa dos municiacutepios que aderiram ao Projeto Balde Cheio

Esse conjunto de teacutecnicas eacute complementado com o uso de

planilhas de controle zooteacutecnico e econocircmico a utilizaccedilatildeo de

um quadro dinacircmico de controle reprodutivo de higiene e de

qualidade do leite a identificaccedilatildeo dos animais a melhoria no

padratildeo geneacutetico do rebanho a anotaccedilatildeo de dados climaacuteticos

(chuva e temperatura maacutexima e miacutenima) e a aplicaccedilatildeo de

praacuteticas associativistas Aleacutem disso o uso de instrumentos de

controle gerencial tais como planilhas de controle e de anaacutelise

de custo de produccedilatildeo e de controle zooteacutecnico tem

possibilitado tornar rentaacutevel a atividade leiteira nas pequenas

propriedades familiares e consequentemente transformaacute-las em

atividade fixadora do homem no campo (EMBRAPA 2015 p

1)

Conforme Borges Guedes Ceacutezareb e Assis (2015 p 1) o Projeto Balde

Cheio serviria como motivaccedilatildeo para os agricultores familiares aumentar a produccedilatildeo de

leite nos assentamentos jaacute que a tecnologia embutida no projeto articulava as teacutecnicas

31 Disponiacutevel em lthttptererecpaoembrapabrportalnoticiasvisualizaphpid=307gt Acesso em

15042015

162

de produccedilatildeo extensivas com a conservaccedilatildeo e recuperaccedilatildeo da fertilidade do solo a partir

do uso de fertilizantes orgacircnicos e manejo intensivo de pastagens tropicais adubadas

Durante a temporada da seca (veratildeo) as aacutereas de passagens satildeo melhoradas

atraveacutes de irrigaccedilatildeo manejo rotacional e do uso de cana-de-accediluacutecar integrada com ureacuteia

assim como a realizaccedilatildeo de exames de tuberculose no gado

No caso de Vila Rica-MT o Projeto Balde Cheio foi implantado pela a

Secretaria Municipal de Agricultura em parceria com o INCRA a Empaer e de outras

entidades como o Serviccedilo Nacional de Aprendizagem Rural Senar Serviccedilo Brasileiro

de Apoio agrave Micro e Pequena Empresa (Sebrae) e Serviccedilo Nacional de Aprendizagem

Industrial (Senai) O Senar o Sebrae e o Senai que atuaram ministrando cursos no

processo de formaccedilatildeo dos assentados

Segundo o diagnoacutestico produzido pela a Empaer (2009 p 60)

[] na produccedilatildeo houve uma grade melhoria no gado leiteiro

quantidade e qualidade do leite assim se tornou o ponto forte

do assentamento fazendo a entrega no resfriador dentro do

assentamento que eacute vendido para o uacutenico laticiacutenio do

municiacutepio Essa produccedilatildeo cresceu graccedilas ao efeito do Projeto

Balde Cheio

Os dados do diagnoacutestico revelaram um melhoramento da produtividade e na

qualidade do leite produzido

464 Os Programas de Educaccedilatildeo Formaccedilatildeo Profissional e Teacutecnica do

assentado

Pensar sobre o papel das poliacuteticas puacuteblicas nos assentamentos rurais nos

remete para uma reflexatildeo a respeito do papel da Educaccedilatildeo do Campo uma vez que na

luta pela terra requer tambeacutem a necessidade da escola Natildeo basta apenas que os

agricultores familiares tenham conquistado a terra para morar e produzir Faz-se

indispensaacutevel ter uma escola para que os seus filhos possam estudar sem precisar sair

do campo

Por estar inserida na pauta de lutas dos movimentos sociais que demandam a

Reforma Agraacuteria a Educaccedilatildeo do Campo no Brasil vem cada vez mais ganhando

consistecircncia e visibilidade na agenda das autoridades poliacuteticas acadecircmicas e nos

diversos segmentos do sistema educacional constituindo-se importante enquanto

poliacutetica puacuteblica para fortalecer os assentamentos rurais

163

Segundo Casali (2004) as discussotildees em torno da Educaccedilatildeo do Campo tecircm

sido direcionadas aos problemas de infraestrutura como construccedilatildeo de escolas

transporte escolar formaccedilatildeo de professores entre outras questotildees que tecircm provocado

um intenso debate entre os gestores puacuteblicos e os movimentos sociais vinculados aos

modos de vida no campo

O autor supramencionado afirma que para os movimentos sociais a estrutura

fiacutesica natildeo eacute o uacutenico problema da escola do campo A questatildeo eacute mais complexa quando

levados em consideraccedilatildeo os aspectos poliacuteticos e culturais do ensino e da aprendizagem

escolar bem como as especificidades de vida e os modos de organizaccedilatildeo social e

educacional para a populaccedilatildeo do campo

A primeira Conferecircncia Nacional intitulada ldquoPor Uma Educaccedilatildeo Baacutesica do

Campordquo realizada no periacuteodo de 27 a 31 de julho de 1998 na cidade de Luziacircnia

estado de Goiaacutes foi um marco importante para as lutas sociais do campo sendo que a

partir dela constituiacuteram-se alguns princiacutepios baacutesicos que fundamentaram a luta por

escolas do campo Segundo Caldart (2003 p 60)32

satildeo trecircs princiacutepios

[] 1 O campo no Brasil estaacute em movimento Haacute tensotildees lutas

sociais organizaccedilotildees e movimentos de trabalhadores e

trabalhadoras da terra que estatildeo mudando o jeito da sociedade

olhar para o campo e seus sujeitos

2 A Educaccedilatildeo Baacutesica do Campo estaacute sendo produzida neste

movimento nesta dinacircmica social que eacute tambeacutem um

movimento sociocultural de humanizaccedilatildeo das pessoas que dele

participam

3 Existe uma nova praacutetica de Escola que estaacute sendo gestada

neste movimento Nossa sensibilidade de educadores jaacute nos

permitiu perceber que existe algo diferente e que pode ser uma

alternativa em nosso horizonte de trabalhador da educaccedilatildeo de

ser humano

Assim agrave luz dessa concepccedilatildeo pode-se dizer que a emergecircncia assinalada para

a complexidade da Educaccedilatildeo Campo perpassa pela construccedilatildeo de um projeto poliacutetico-

pedagoacutegico que contemple as matrizes culturais sociais e histoacutericas das populaccedilotildees do

campo

Nessa mesma perspectiva compreendemos a dimensatildeo do papel e significado

que os agricultores familiares atribuem agrave Educaccedilatildeo do Campo para o fortalecimento dos

32 Disponiacutevel em lthttpwwwiaufrrjbrppgeaconteudoconteudo-2009-1Educacao-

II3SFA_ESCOLA_DO_CAMPO_EM_MOVIMENTOpdf gt Acesso em 10052015

164

assentamentos rurais de Vila Rica-MT o que pode ser ilustrado a partir da trajetoacuteria de

vida do senhor Ademar que eacute filho de um dos primeiros colonos que migraram para

Vila Rica-MT na deacutecada de 1980 em busca de melhores condiccedilotildees hoje professor

efetivo pela Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo de Vila Rica-MT

[] Olha eacute muito incriacutevel Eu nasci na roccedila estudei na roccedila

me formei morando na roccedila (porque eu jaacute sou formado como

pedagogo) Estudei Pedagogia em moacutedulo nunca precisei

mudar da roccedila e nem tive vontade tipo assim pra ir para uma

faculdade estudar de tempo integral na cidade porque o meu

projeto de vida foi sempre morar na roccedila Hoje faccedilo poacutes-

graduaccedilatildeo em Educaccedilatildeo do Campo E desde quando comecei

na escolinha multisseriada eu jaacute lutava por educaccedilatildeo na roccedila

Fiz parte da nucleaccedilatildeo do processo de nucleaccedilatildeo de escola no

Aracati na eacutepoca Ajudei alavancar a discussatildeo e a criaccedilatildeo

das turmas de 5ordf seacuterie na zona rural de Vila Rica-MT porque a

gente natildeo tinha oferta pois atendiacuteamos ateacute a quarta seacuterie e

como percebemos que chegavam muitos alunos em niacutevel de

estudar a 5ordf e a 6 ordf seacuterie (ENTREVISTA com Ademar

professor e agricultor familiar do assentamento Satildeo Joseacute Vila

Rica-MT 2015 realizada pela autora em setembro de 2015)

Talvez diferentemente de outros relatos de professores das escolas do

campo Ademar nos revela uma trajetoacuteria de vida marcada pelo ideal de estudar e de se

formar sem precisar sair do campo Ele faz do ideal de vida a constante luta pela

permanecircncia no campo luta por escola e pela ampliaccedilatildeo dos estudos de outros

assentados

Ele nos leva a uma reflexatildeo sobre a Educaccedilatildeo do Campo constituiacuteda a

partir da leitura do refratildeo da muacutesica do cantor e compositor Gilvan ldquoNatildeo Vou Sair do

Campordquo a qual se parece como uma bandeira de luta do Movimento Nacional por uma

Educaccedilatildeo do Campo como ldquo[] natildeo vou sair do campo pra poder ir para a escola

Educaccedilatildeo do Campo eacute direito e natildeo esmolardquo

Ao relembrar a sua trajetoacuteria como professor Ademar nos mostra que a

concepccedilatildeo e a funccedilatildeo da Educaccedilatildeo do Campo satildeo construccedilotildees socioculturais Quando

faz uma reavaliaccedilatildeo das accedilotildees dos professores pais alunos e gestores na conduccedilatildeo das

poliacuteticas puacuteblicas ele reconhece que o processo de nucleaccedilatildeo das ldquoescolinhasrdquo pouco

contribuiu para a melhoria da educaccedilatildeo no municiacutepio e tampouco para fortalecer os

assentamentos rurais de Vila Rica-MT Nesse sentido prossegue

165

A partir daiacute comeccedilou em todo o municiacutepio exemplo Cachangaacute

e nos assentamentos Soacute que a partir daiacute a gente comeccedilou a

observar os efeitos da nucleaccedilatildeo Vimos que depois que fecha a

escolinha que fica perto das propriedades ou seja aquela

comunidade fica entristecida e desaminada para continuar

morando no assentamento Aos poucos vai se acabando o

viacutenculo de comunidade e eacute assim que comeccedila o ecircxodo rural

Aqui em Vila Rica-MT a gente sentiu isso a partir da hora que

fechou as escolinhas foi como se saiacutessemos acabando as

comunidades e se comunidade acaba o povo do assentamento

vai se distanciando uns dos outros Pela situaccedilatildeo que vivemos

tenho observado que a escola eacute o espaccedilo de encontro da

comunidade natildeo eacute soacute o espaccedilo de ensinar e aprender os

conteuacutedos escolares a funccedilatildeo eacute para aleacutem disso Voltando agrave

questatildeo da nucleaccedilatildeo lembro que quando sai do assentamento

a escola de laacute tinha uns 150 alunos o Aracati fechou a sua

uacutenica escola e com o tempo possa ser que suma a comunidade

de laacute tambeacutem jaacute que hoje tecircm tatildeo poucas famiacutelias de fato

morando laacute em vista do que era antes Jaacute pensou como

imaginar um assentamento sem uma escola (ENTREVISTA

com Ademar professor e agricultor familiar do assentamento

Satildeo Joseacute Vila Rica-MT 2015 realizada pela autora em

setembro de 2015)

Com base no relato do professor Ademar eacute possiacutevel identificar de maneira

viva como a escola eacute importante para o assentamento rural uma vez que ela tambeacutem se

constitui enquanto espaccedilo de encontro dos agricultores familiares ocasiatildeo em que

dialogam compartilham se organizam e praticam a socializaccedilatildeo de forma mais intensa

Logo quando o professor fala que ldquonatildeo eacute soacute o espaccedilo de ensinar e aprenderrdquo

percebemos as muacuteltiplas funccedilotildees desse espaccedilo chamado Escola do Campo

Diante disso o fechamento de uma escola dentro do assentamento rural tem

significados negativos uma vez que envolve a privaccedilatildeo de oportunidades e qualidade de

vida dos alunos e pais que dependem do transporte escolar para se deslocarem para uma

escola distante Aleacutem disso significa o fechamento de um posto de trabalho do

professor que seraacute igualmente removido Significa ainda desmotivaccedilatildeo para a

comunidade do assentamento rural ao ver perdido um espaccedilo de socializaccedilatildeo e uma

instituiccedilatildeo que representa oportunidade de melhoria de vida para seus moradores

No Brasil historicamente as nucleaccedilotildees das escolinhas satildeo realizadas pelos

gestores da educaccedilatildeo sem levar em conta os interesses e ideais dos pais e dos alunos

sob o discurso que vai melhorar a qualidade do ensino eliminando as turmas muacuteltiplas

(seacuteries fases anos e ciclo)

166

Essa situaccedilatildeo mostra a perda do sentimento de pertencimento entre a escola e

a comunidade distanciando os pais das accedilotildees escolares sem falar da falta de motivaccedilatildeo

por parte dos alunos para com os estudos jaacute que a escola distante das casas aumenta o

percurso para os estudantes

Do relato do professor Ademar destacamos que os sujeitos histoacutericos do

campo exercem um papel importante na conduccedilatildeo das Poliacuteticas Puacuteblicas voltadas agraves

necessidade das populaccedilotildees dos assentamentos rurais A luta eacute permanente pela

universalizaccedilatildeo da educaccedilatildeo como argumenta o mesmo entrevistado

Eu defendo que a escola que serve para os Agricultores

Familiares eacute aquela que fica dentro do assentamento Acredito

que um projeto de assentamento forte eacute aquele que tem uma

escola pensada e construiacuteda em conjunto com aquele povo que

vive ali Agraves vezes fico bastante incomodado com a conduccedilatildeo

que se tem dado para a Educaccedilatildeo do Campo Eacute como se as

poliacuteticas natildeo estivessem sendo executadas no sentido de

melhorar o ensino e a formaccedilatildeo dos jovens no campo Penso

que a gente precisa se preocupar mais com o futuro dos jovens

que vivem nos assentamento A escola e noacutes professores

precisamos trabalhar essas questotildees de forma que surta um

efeito positivo no sentido de motivar os jovens a continuar

morando nos assentamentos Para isso precisamos avanccedilar em

algumas poliacuteticas Vejo que deveremos ser mais incisivos para

que o Estado faccedila a oferta do Meacutedio Teacutecnico integrado e que

essa oferta seja a partir de um curriacuteculo voltado para as

necessidade e particularidades das pessoas que dependem dos

assentamentos rurais como meio de sobrevivecircncia e geraccedilatildeo de

renda (ENTREVISTA com Ademar professor e agricultor

familiar do assentamento Satildeo Joseacute Vila Rica-MT 2015

realizada pela autora em setembro de 2015)

O relato do professor Ademar tambeacutem chama atenccedilatildeo pelo desabafo quanto agrave

forma como estaacute sendo realizada a Educaccedilatildeo do Campo em Vila Rica-MT ldquo[] eacute como

se as poliacuteticas natildeo estivessem sendo executadas no sentido de melhorar o ensino e a

formaccedilatildeo dos jovens no campo Penso que a gente precisa se preocupar mais com o

futuro dos jovens que vivem nos assentamentos []rdquo (ENTREVISTA com Ademar

professor e agricultor familiar do assentamento Satildeo Joseacute Vila Rica-MT 2015 realizada

pela autora em setembro de 2015)

A educaccedilatildeo por si soacute natildeo assegura a permanecircncia dos agricultores familiares

na terra poreacutem quando integrada ao projeto de desenvolvimento do assentamento

tornaraacute o seu fortalecimento possiacutevel

167

Os projetos pedagoacutegicos das escolas do campo devem contemplar as matrizes

culturais do homem do campo considerando a construccedilatildeo a partir da memoacuteria coletiva e

da histoacuterica da comunidade dada por meio da oralidade buscando assim reconstruir e

conservar a cultura da populaccedilatildeo que vive no campo de forma a fazer uma educaccedilatildeo em

prol da cidadania O relato de Ademar traz ainda os princiacutepios que o curriacuteculo da escola

do campo deveria seguir

O curriacuteculo deve contemplar questotildees como agroecologia a

pecuaacuteria de leite a produccedilatildeo orgacircnica Precisamos formar

uma nova consciecircncia entre os jovens visando que estes

passem a enxergar o potencial da Agricultura Familiar Eu sei

disso e penso que vocecirc tambeacutem ateacute porque existem pesquisas

que jaacute comprovaram isso que eu estou lhe falando Eacute o campo

quem sustenta a cidade e natildeo o contraacuterio Se houver falta de

produccedilatildeo nos assentamentos rurais aqui em Vila Rica-MT logo

a cidade sofreraacute um impacto imediatamente As poliacuteticas

puacuteblicas existentes para a populaccedilatildeo rural devem ser de fato

destinadas agrave melhoria das condiccedilotildees de vida eacute para promover

qualidade de vida das pessoas que estatildeo no campo

(ENTREVISTA com Ademar professor e agricultor familiar do

assentamento Satildeo Joseacute Vila Rica-MT 2015 realizada pela

autora em setembro de 2015)

Nessa perspectiva educativa apresentada pelo professor Ademar afirmamos

que eacute um dos principais desafios para a Educaccedilatildeo do Campo consolidar concepccedilotildees e

praacuteticas nos curriacuteculos que integrem as matrizes culturais das populaccedilotildees do campo

O desafio natildeo estaacute restrito apenas agrave parte obrigatoacuteria da Educaccedilatildeo Baacutesica

mas tambeacutem as etapas do Ensino Meacutedio assim como Superior

465 Programa Nacional de Sauacutede no Campo

No Brasil os Programas de Sauacutede Puacuteblica direcionados para a populaccedilatildeo

rural satildeo decorrentes das reivindicaccedilotildees dos movimentos sociais do campo No entanto

quando se debruccedila sobre a literatura nos deparamos com a escassez de pesquisas

voltadas para essa questatildeo sobretudo no que se refere agrave sauacutede nos assentamentos rurais

O foco da pesquisa natildeo eacute a poliacutetica puacuteblica de sauacutede em si mas os efeitos

dela na melhoria da qualidade de vida dos agricultores familiares A Sauacutede Puacuteblica eacute um

dos componentes da bandeira de luta dos movimentos sociais do campo assegurando

que a mesma seja constituiacuteda a partir das especificidades que envolvem os modos e

168

concepccedilotildees do povo do campo A poliacutetica de sauacutede deve levar em consideraccedilatildeo os

saberes tradicionais destes sujeitos histoacutericos Este eacute o caso dos que recorrem

constantemente ao uso de plantas medicinais no tratamento de doenccedilas

A partir da Portaria de nordm 2866 de dezembro de 2011 o Ministeacuterio da Sauacutede

(MS) teve como principal funccedilatildeo estabelecer paracircmetros de funcionamento e regulaccedilatildeo

dos serviccedilos de sauacutede para a populaccedilatildeo do campo partindo dos princiacutepios do Sistema

Uacutenico de Sauacutede (SUS) A Poliacutetica Nacional de Sauacutede Integral das Populaccedilotildees do

Campo e da Floresta (PNSIPCF) define que

[] O MINISTRO DE ESTADO DA SAUacuteDE no uso da

atribuiccedilatildeo que lhe confere o inciso II do paraacutegrafo uacutenico do art

87 da Constituiccedilatildeo considerando os princiacutepios do Sistema

Uacutenico de Sauacutede (SUS) especialmente a equidade a

integralidade e a transversalidade e o dever de atendimento das

necessidades e demandas em sauacutede das populaccedilotildees do campo e

da floresta Considerando o Decreto nordm 7508 de 28 de junho de

2011 que regulamenta a Lei nordm 8080 de 19de setembro de

1990 e dispotildee sobre a organizaccedilatildeo do SUS o planejamento da

sauacutede a assistecircncia agrave sauacutede e a articulaccedilatildeo Interfederativa

especialmente o disposto no art 13 que assegura ao usuaacuterio o

acesso universal igualitaacuterio e ordenado agraves accedilotildees e serviccedilos de

sauacutede do SUS Considerando a Portaria GMMS nordm 2460 de 12

de dezembro de 2005 que instituiu o Grupo da Terra no

Ministeacuterio da Sauacutede com o objetivo de elaborar a Poliacutetica

Nacional de Sauacutede Integral das Populaccedilotildees do Campo e da

Floresta aprovada pelo Conselho Nacional de Sauacutede em 1ordm de

agosto de 2008 Considerando a diretriz do Governo Federal de

reduzir as iniquidades por meio da execuccedilatildeo de poliacuteticas de

inclusatildeo social (MS 2013 p 19)

Nos trechos do texto-base da Poliacutetica Nacional de Sauacutede Integral das

Populaccedilotildees do Campo e da Floresta proposto pelo Ministeacuterio da Sauacutede (2013 p 20)

seu principal objetivo eacute o de promover a sauacutede das populaccedilotildees do campo e da floresta a

partir de accedilotildees que partilhem as particularidades no que se refere a gecircnero cor etnia e

orientaccedilatildeo sexual de forma que facilite o acesso aos serviccedilos de sauacutede E com isso

espera-se que seja diminuiacutedo o iacutendice de ldquo[] riscos e agravos agrave sauacutede decorrente dos

processos de trabalho e das tecnologias agriacutecolas e a melhoria dos indicadores e da

qualidade de vidardquo (BRASIL 2013)

O Ministeacuterio da Sauacutede (2013 p 20) definiu os agricultores familiares

enquanto categoria social como uma populaccedilatildeo que vive no campo e se organiza a

partir dos seguintes princiacutepios

169

[] - (a) natildeo deter a qualquer tiacutetulo aacuterea maior do que 4

(quatro) moacutedulos fiscais b) utilizar predominantemente matildeo-

de-obra da proacutepria famiacutelia nas atividades econocircmicas do seu

estabelecimento ou empreendimento c) ter renda familiar

predominantemente originada de atividades econocircmicas

vinculadas ao proacuteprio estabelecimento ou empreendimento)

dirigir seu estabelecimento ou empreendimento com sua

famiacutelia sendo que incluem-se nesta categoria silvicultores

aquicultores extrativistas e pescadores que preencham os

requisitos previstos nos itens b c e d deste inciso

Nota-se que esse Ministeacuterio recorreu agrave definiccedilatildeo de agricultores familiares

instituiacuteda nas diretrizes nacionais do Pronaf em que essa categoria eacute constituiacuteda a partir

de criteacuterios econocircmicos e da dinacircmica de relaccedilotildees de trabalho e do modo de produccedilatildeo

466 Habitaccedilatildeo

Segundo o Ministeacuterio do Desenvolvimento Agraacuterio (2015) o Programa

Nacional de Habitaccedilatildeo Rural (PNHR) consiste em auxiliar os Agricultores Familiares e

trabalhadores rurais na construccedilatildeo de suas casas Inserido dentro do Programa Nacional

de Habitaccedilatildeo (Minha Casa Minha Vida) eacute financiado pelo Orccedilamento Geral da Uniatildeo ndash

OGU As suas accedilotildees devem ser planejadas e executadas As diretrizes e subsiacutedios dos

demais programas do Governo Federal satildeo destinados ao combate agrave pobreza rural

Sobretudo o Programa Cisternas que tem como objetivo a construccedilatildeo de cisternas nas

propriedades rurais as quais satildeo utilizadas para a captaccedilatildeo e armazenamento de aacutegua

oriunda das chuvas

O recurso do PNHR tem como principal finalidade a ldquo[] aquisiccedilatildeo de

Material de construccedilatildeo conclusatildeo ou reformaampliaccedilatildeo de Unidade Habitacional rural

e de cisternas para a captaccedilatildeo e armazenamento da aacutegua da chuva []rdquo (BRASIL 2010

p05) em que o alvo satildeo as regiotildees onde as chuvas ocorrem com certa irregularidade e

as secas satildeo recorrentes

Em nota divulgada pela Confederaccedilatildeo Nacional dos trabalhadores na

Agricultura ndash CONTAG e outros movimentos sociais como o Movimento dos

Pequenos Agricultores ndash MPA Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra ndash

MST Movimento dos Atingidos por Barragens ndash MAB Movimento Camponecircs Popular

ndash MCP Federaccedilatildeo Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar

170

do Brasil ndash Fetraf ndash (BRASIL 2015 p 1)33

asseguram que o Programa Nacional de

Habitaccedilatildeo Rural criado em 2009 eacute resultado da luta dos movimentos do campo em

que o propoacutesito da nota eacute afirmar que

A preservaccedilatildeo deste Programa passa pelo diaacutelogo estabelecido

no interior do GT Rural com todos os sujeitos envolvidos

Governo Agentes Financeiros e Entidades Organizadoras dos

movimentos representativos do campo e eacute confiando nesse

diaacutelogo que repudiamos o que foi evidenciado pelo INCRA na

uacuteltima reuniatildeo do GT Rural no dia 28 de novembro onde foi

explicitada a intenccedilatildeo de repassar (a partir de janeiro de 2014)

mediante Chamada Puacuteblica a possibilidade de entidades

puacuteblicas e privadas executarem o PNHRA maior parte das

casas de alvenaria foi feita com recursos financiados pelo

INCRA atraveacutes do creacutedito habitaccedilatildeo liberado O recurso

liberado do creacutedito habitaccedilatildeo natildeo foi suficiente para realizar a

construccedilatildeo das casas por completo e com acabamento

necessaacuterio Desta forma algumas casas ficaram inacabadas

necessitando de reboco pintura piso e sanitaacuterio

Para os movimentos do campo eacute necessaacuterio que a equipe de Governo as

Agecircncias de Financiamentos e as entidades de representaccedilatildeo dos Movimentos sociais

mantenham um diaacutelogo permanente entre as partes envolvidas no processo para que se

tenha um resultado satisfatoacuterio na execuccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas para os sujeitos

sociais do campo

Justamente por isso existe uma tentativa de evitar que a construccedilatildeo das casas

destinadas agrave populaccedilatildeo do campo seja bdquoprivatizada‟ ou seja concentrada nas matildeos de

uma soacute entidade seja ela puacuteblica ou privada o que tem se mostrado ldquototalmente

repudiadordquo como possibilidade

Apesar disso eacute notaacutevel o quanto essas poliacuteticas puacuteblicas produziram novos

impactos influenciando diretamente no desenvolvimento dos assentamentos rurais de

Satildeo Joseacute Satildeo Gabriel Ipecirc e Aracati fornecendo-lhes melhores condiccedilotildees de vida no

que se refere ao acesso agrave sauacutede educaccedilatildeo moradia e infraestrutura

Todavia percebemos que natildeo haacute uma articulaccedilatildeo entre a organizaccedilatildeo e a

construccedilatildeo de um planejamento estrateacutegico baacutesico para implementar poliacuteticas puacuteblicas

33 Disponiacutevel em

lthttpwwwfetraforgbrsistemackfilesPauta20unitaria20HABITACAO20RURALgt

Acesso em 28102015

171

que pudessem ser implementadas em uma accedilatildeo integrada e envolvendo os diferentes

agentes sociais e assim resolver as supostas fragilidades

Natildeo apreendemos indicativos na reflexatildeo dessas poliacuteticas que conduzem para

a melhoria das condiccedilotildees de produccedilatildeo e possibilidades de comercializaccedilatildeo e circulaccedilatildeo

dos produtos da Agricultura Familiar apontados no capiacutetulo trecircs como um dos

principais desafios dos assentamentos rurais pesquisados

Contudo natildeo se pode perder de vista que satildeo as dificuldades vivenciadas

nesses assentamentos que fazem com que os assentados recorram cada vez mais agrave venda

da forccedila de trabalho nas fazendas ou nos demais setores primaacuterios distanciando-se da

condiccedilatildeo de produtores da Agricultura Familiar e tornando-se compradores de produtos

baacutesicos da alimentaccedilatildeo como arroz feijatildeo mandioca e carnes de aves e porcos

172

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Os estudos e as poliacuteticas relacionadas agrave Agricultura Familiar no Brasil

segundo Abramovay (2006) devem levar em consideraccedilatildeo que esta eacute constituiacuteda a

partir de trecircs niacuteveis distintos em primeiro lugar eacute necessaacuterio fazer um levantamento das

produccedilotildees cientiacuteficas e pesquisas que envolvem a ldquoexpectativa intelectualrdquo os quais natildeo

podem perder de vista a existecircncia de uma grande diversidade nas formas de produccedilatildeo

da Agricultura Familiar brasileira Haacute uma demanda de questotildees a serem analisadas e

um mapeamento a ser elaborado frente agrave vasta literatura e pesquisas realizadas sobre a

diversidade do universo da Agricultura Familiar considerando as diferentes

experiecircncias dos sujeitos histoacutericos que a vivenciam Somente a partir dessa postura

intelectual seraacute possiacutevel estabelecer uma estimativa da potencialidade econocircmica dos

assentamentos rurais do Brasil

O segundo niacutevel ao qual se refere Abramovay (2006) seria a implantaccedilatildeo

das poliacuteticas puacuteblicas que se intensificaram a partir da criaccedilatildeo do Pronaf inter-

relacionadas com outras poliacuteticas puacuteblicas e programas sociais que contribuiacuteram para a

eficiecircncia dos assentamentos rurais nesse novo modelo de organizaccedilatildeo social no campo

A partir da deacutecada de 1990 as accedilotildees foram intensificadas com a criaccedilatildeo dos projetos de

assentamentos rurais resultantes do Programa de Reforma Agraacuteria do Governo Federal

Natildeo se pode negar que tanto estas como um conjunto de outras poliacuteticas

tiveram um papel fundamental no processo de geraccedilatildeo de diferentes demandas

Surgiram novas oportunidades de reocupaccedilatildeo das terras e de invenccedilatildeo de novas praacuteticas

para milhares de famiacutelias que estavam totalmente desprovidas de capital e dos meios de

produccedilatildeo para garantir a sua reproduccedilatildeo social enquanto agricultores familiares

Outra questatildeo tratada pelo autor estaacute relacionada ao plano social A

Agricultura Familiar no Brasil corresponde ao processo contiacutenuo de aptidatildeo de

elementos que arrastam os ldquoarranjosrdquo dos movimentos sociais e sindicais que tecircm como

princiacutepio de organizaccedilatildeo a luta pela posse da terra visando a afirmaccedilatildeo em que a

ascensatildeo e o desenvolvimento econocircmico de um determinado territoacuterio dar-se-aacute

somente por meio do fortalecimento e da consolidaccedilatildeo da Agricultura Familiar

Tais questotildees demonstram a importacircncia das poliacuteticas puacuteblicas para a

manutenccedilatildeo a reproduccedilatildeo social e o fortalecimento da Agricultura Familiar destacando

173

que essa forma de produccedilatildeo eacute fundamental para o desenvolvimento regional sobretudo

para o fornecimento de alimentos

A eliminaccedilatildeo da Agricultura Familiar eacute uma preocupaccedilatildeo recorrente entre os

teoacutericos da Questatildeo Agraacuteria Ao analisar o processo de expansatildeo da soja em Mato

Grosso Barrozo (2010 p 45) considera que apesar do Estado se destacar como o

celeiro do Brasil sobretudo na produccedilatildeo e exportaccedilatildeo de gratildeos e algodatildeo ldquo[] para

onde iratildeo os milhares de Agricultores Familiares sem capital sem escolarizaccedilatildeo e sem

qualificaccedilatildeo teacutecnicaprofissional que ainda permanecem no campordquo

Algumas reflexotildees e concepccedilotildees apresentadas por Barrozo (2010) e

Abramovay (2006) subsidiaram as anaacutelises relativas agrave compreensatildeo dos problemas que

perpassam a Questatildeo Agraacuteria atual no Brasil e especificamente nos assentamentos

rurais de Vila Rica-MT e dos seus agricultores familiares Diante desse cenaacuterio analisar

as Poliacuteticas Puacuteblicas oriundas de demandas dos movimentos sociais Sindicatos dos

Trabalhadores Rurais e diferentes agentes histoacutericos tornou-se fundamental para

compreender o universo da Agricultura Familiar no municiacutepio de Vila Rica-MT nas

deacutecadas de 1990 a 2010

Esta pesquisa ajudou-nos compreender que os estudos sobre os assentamentos

rurais devem ser problematizados no sentido de se pensar a complexidade do processo

de sua criaccedilatildeo uma vez que eles natildeo foram instituiacutedos apenas enquanto um ato

administrativo do INCRA criando o assentamento rural e selecionando as famiacutelias que

seriam beneficiadas Os assentamentos rurais de Vila Rica-MT resultaram dos conflitos

e demandas sociais envolvendo diferentes atores histoacutericos que lutaram pelo direito de

acesso agrave terra Dos oito assentamentos rurais de Vila Rica apenas um foi planejado

pelo INCRA Todos os demais resultaram da reocupaccedilatildeo espontacircnea da terra pelos

posseiros

Outra questatildeo que nos chamou atenccedilatildeo na pesquisa foi o processo de

transformaccedilatildeo da situaccedilatildeo de posseiros para a de agricultores familiares lembrando que

agricultor familiar eacute uma categoria social instituiacuteda a partir da criaccedilatildeo do Programa de

Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) Considera-se agricultores familiares as

famiacutelias que trabalham em atividades rurais que natildeo possuem aacutereas acima de que 4

(quatro) moacutedulos fiscais A maioria utiliza matildeo de obra da proacutepria famiacutelia na produccedilatildeo

174

econocircmica do lote detendo um percentual da renda familiar originada de atividades

econocircmicas do seu estabelecimento ou empreendimento (INCRA 2006)

No caso de Vila Rica vaacuterios dos colonos que compraram terra da

Colonizadora Vila Rica-MT sofreram uma transformaccedilatildeo significativa alguns perderam

essa terra e se tornaram posseiros ao ocupar uma nova aacuterea Muitos colonos perderam a

terra porque natildeo conseguiram pagar a diacutevida com o Banco do Brasil contraiacuteda para

financiar a compra dos lotes e instrumentos utilizados nas atividades agriacutecolas A perda

da terra obrigou tais colonos a trabalhar como assalariados sendo que parte deles

ocupou terras na aacuterea dos assentamentos rurais Bom Jesus e Santo Antocircnio do Beleza

regularizada posteriormente pelo INCRA e seus ocupantes se tornaram agricultores

familiares sobretudo ao acessar o Pronaf

Consideramos importante destacar que os assentamentos rurais do municiacutepio

de Vila Rica-MT revelam-se produtivos e promissores do desenvolvimento regional

assumindo um lugar de destaque na economia local sobretudo no que se refere agrave

produccedilatildeo de leite

No mais destaca-se que os assentamentos rurais de Vila Rica e do Araguaia

Mato-grossense satildeo espaccedilos carentes de outras pesquisas e reflexotildees sobre a

importacircncia da Agricultura Familiar no que diz respeito agrave seguranccedila alimentar da aacuterea e

que natildeo foi foco da presente pesquisa

175

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